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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ENCONTROS DIVINOS / Zecharia Sitchin
ENCONTROS DIVINOS / Zecharia Sitchin

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Encontros Divinos são a experiência humana mais importante - o máximo, o extremo do que é possível quando se está vivo, como quando Moisés encontrou o Senhor no monte Sinai; também a expe­riência final, terminal e conclusiva como quando os faraós egípcios, que ao morrer presumiam a existência de um pós-vida eterno, iam juntar-se aos deuses na Morada Divina.

A experiência humana de encontros divinos, conforme registra­do nas Escrituras e nos textos do Oriente Médio, é uma saga das mais impressionantes e fascinantes. Trata-se de um drama poderoso que envolve Céu e Terra, adoração e devoção, eternidade e moralidade de um lado; amor e sexo, ciúme e assassinato de outro; su­bidas ao espaço e jornadas ao Mundo Inferior. Um palco onde os atores são deuses e deusas, anjos e semideuses, terrestres e andróides; um drama expresso em profecias e visões, em sonhos e presságios, oráculos e revelações. É a história do Homem, separado de seu Cria­dor, que, ao procurar restaurar seu cordão umbilical, estende a mão na direção das estrelas.

Encontros Divinos são a experiência mais importante talvez por ter sido também a primeira experiência humana; quando Deus criou o homem, Homem e Deus encontraram-se no primeiro momento dessa criação. Podemos ler no Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, como o primeiro ser humano, "O Adão" veio à existência:

 

 

 

 

E disse Deus:

Façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança...

E Deus criou o homem à Sua imagem,

à imagem de Elohim Ele o criou.

 

Só podemos supor que o recém-nascido, no instante de vir à luz, mal estava consciente da natureza e do significado daquele primeiro encontro divino. Parece também que o homem não se deu conta de outro encontro crucial, quando o Senhor Deus (na versão da criação atribuída a Iavé) decidiu criar uma companheira feminina para Adão:

 

E fez Iavé Elohim

cair um sono pesado sobre o Adão,

e ele dormiu.

E tomou uma das suas costelas

e fechou com carne o seu lugar.

E Iavé Elohim fez, da costela

que havia tomado do Adão, uma mulher.

 

O primeiro homem estava profundamente anestesiado durante os procedimentos, e portanto ignorava o encontro divino no qual o Senhor Iavé demonstrava seus talentos cirúrgicos. Mas Adão logo foi informado do que acontecera, pois o Senhor Deus "trouxe a mulher ao homem" e apresentou-a a ele. A Bíblia então oferece alguns comentários sobre por que homem e mulher se tomaram "uma carne" ao casar-se e termina a história com a observação de que tanto o homem quanto sua esposa" estavam nus, mas não tinham vergonha". Enquanto a situação não parecia incomodar o Primeiro Formador de Casais, por que a Bíblia sugere essa possibilidade? Se as outras criaturas no Jardim do Éden "todo animal do campo e toda ave do céu" estavam sem roupa, qual seria o motivo existente que deveria causar vergonha (mas não causou) em Adão e Eva por estarem nus? Seria porque aqueles cuja imagem servira para criá-los usavam roupas? Esse é um ponto a ser mantido em mente - uma pista, inadvertidamente fornecida pela Bíblia, em relação à identidade dos Elohim.

Ninguém, depois de Adão e Eva, poderia passar pela experiência de ser o primeiro ser humano na Terra, com o Primeiro Encontro Divino. O que ocorreu no Jardim do Éden permaneceu como parte da herança humana até nossos dias. Mesmo os profetas escolhidos devem ter tido vontade de tantos privilégios, pois no Jardim do Éden Deus falou diretamente com os seres humanos, instruindo-os a respeito de sua nutrição: podiam comer de todas as árvores do jardim, exceto a fruta da Árvore do Conhecimento.

A corrente de eventos que culminou com a expulsão do Paraíso suscita uma pergunta: sendo que

Adão e Eva ouviam Deus, como Deus se comunicava com os humanos num encontro divino? Será que os humanos enxergavam o Criador, ou apenas escutavam a mensagem? E como faziam isso? Seria pessoalmente? Por telepatia? Numa visão holográfica? Por meio de sonhos?

       Examinaremos evidências da época para poder responder. Mas na forma como os eventos acontecem no Jardim do Éden, o texto bíblico sugere uma presença física divina. O local não era um hábitat humano, era um pomar deliberadamente plantado "no Éden, no Oriente", onde Deus" colocou o Adão que Ele formou" para servir de jardineiro, "para cultivar e o guardar".

Foi nesse jardim que Adão e Eva, por intermédio da intervenção da Serpente Divina, descobriram sua sexualidade depois de comer o fruto da Árvore do Conhecimento que os tomou" conhecedores do bem e do mal". Tendo comido o fruto proibido, "souberam que estavam nus e coseram folhas de figueira e fizeram para eles cintos".

Agora o Senhor Deus - Iavé Elohim na Bíblia hebraica - entra em cena:

 

E ouviram a voz do Senhor Deus

que passeava no jardim, na direção do pôr-do-sol;

e esconderam-se o homem e sua mulher

da presença do Senhor Deus

entre as árvores do jardim.

 

Deus está fisicamente presente no Jardim do Éden, e o som de seus passos pôde ser ouvido pelos humanos. Eles podem também ver a divindade? A narrativa bíblica nada afirma a esse respeito; deixa claro, entretanto, que Deus os pode ver - ou, nesse caso, não podia vê-los porque estavam escondidos. Portanto, Deus usou a voz para alcançá-los: "E chamou o Eterno Deus a Adão e disse­lhe: 'Onde estás?"'.

Segue-se um diálogo (com três participantes). A história toca em vários pontos de grande importância. Sugere que Adão podia falar desde o início; isso traz a questão sobre qual linguagem foi usada para a conversa de Adão com Deus. Por enquanto, vamos nos ater à história narrada pela Bíblia. Explicou Adão a Deus o motivo de estar escondido: "Temi porque estou nu e escondi-me", o que leva ao questionamento do casal humano pela divindade. Na conversa que se segue, descrita na totalidade, a verdade aparece e o pecado de haver comido o fruto proibido é admitido (embora apenas depois que Eva culpa a serpente pelo ocorrido). O Senhor Deus então declara a punição: a mulher deve dar à luz em dores, Adão precisará trabalhar a terra e com o suor de seu rosto comerá o pão.

A essa altura, o encontro se realiza frente a frente, pois não só o Senhor Deus fez túnicas de pele para Adão e sua esposa mas também os veste com elas. Embora a história tenha a intenção de impressionar o leitor com o significado de estar vestido como "divino", ou elemento divisório entre humanos e animais, a passagem bíblica não pode ser tratada apenas como simbólica. Claramente indica que no início, quando o ser humano estava no Jardim do Éden, encontrou seu Criador face a face.

Inesperadamente, Deus fica preocupado. Falando outra vez a colegas não identificados, Iavé Elohim expressa sua preocupação: "Eis que o homem se tem tomado como um de nós, para conhecer o bem e o mal. E agora, quiçá ele estenda sua mão e tome também da árvore da vida e coma, e viva para sempre".

O deslocamento de assunto é tão grande que se perde facilmente o significado. Lidando com O Homem - sua criação, procriação, ambiente e transgressão - a Bíblia abruptamente ecoa as preocupações do Senhor. Nesse processo, a quase divina natureza do Homem é outra vez realçada. A decisão de criar Adão deriva de uma sugestão para moldá-lo "à imagem e semelhança" dos criadores divinos. O ser resultante, criação dos Elohim, é produzido "à imagem de Elohim". Ago­ra, tendo comido a Fruta do Conhecimento, o homem se tomava divino em mais um aspecto crucial. Examinado pelo ponto de vista da divindade, "Adão se tem tomado como um de nós", a não ser pela imortalidade. Assim, os colegas não apresentados de Iavé colaboram na decisão de expulsar Adão e Eva do Jardim do Éden, colocando um Querubim com uma "flamejante espada rotativa", para evitar que os humanos voltassem, mesmo que tentassem.

Assim, o próprio criador do Homem lhe decreta a mortalidade. Mas o homem, sem se deixar intimidar, procura a imortalidade desde então, mediante os Encontros Divinos.

Essa ânsia pelos Encontros seria baseada numa lembrança de acontecimentos reais ou seria uma busca ilusória baseada em tais mitos? Quanto das histórias bíblicas é fato e quanto é ficção?

Nas diversas versões que relatam a criação do primeiro ser hu­mano e a alternativa entre um Elohim plural ou um Iavé solitário como criador(es), foi apenas uma das indicações que os editores ou redatores da Bíblia Hebraica tiveram diante de si, além de textos mais antigos que lidavam com o assunto. Na verdade, o capítulo 5 do Gênesis começa afirmando que o breve relato das gerações que seguiram Adão está baseado no Livro das Gerações de Adão (começando do "dia em que Elohim criou Adão à semelhança de Elohim"). O versículo 14, em Números 21, se refere ao Livro de Guerras de Iavé. Josué, 10:13 indica ao leitor mais detalhes de eventos miraculosos no Livro de Jashar, que também é listado como fonte conhecida em Samuel II, 1:18. São apenas referências passageiras ao que deve ter sido uma gama bem maior de textos antigos.

A veracidade da Bíblia hebraica (Antigo Testamento) - seja nas histórias da criação, seja no Dilúvio e na Arca de Noé, nos Patriarcas, no Êxodo - chegou a ser duramente criticada no século 19. Uma parte do ceticismo e descrença foi dissolvida por descobertas arqueológicas que aos poucos validaram as histórias bíblicas e os dados, numa ordem decrescente - do passado recente para acontecimentos mais antigos, levando a corroboração mais e mais para o passado, até tempos pré-históricos. Desde o Egito e a Núbia, na África, até restos hititas na Anatólia (atual Turquia), desde a costa do Mediterrâneo e as ilhas de Creta e Chipre no Ocidente até as fron­teiras da Índia no Oriente, em especial as terras do Crescente Fértil, que começavam na Mesopotâmia (atual Iraque), curvando-se para incluir Canaã (o Israel atual), foram descobertos sítios arqueológi­cos um depois do outro - muitos apenas conhecidos pelos relatos bíblicos -, textos escritos em estelas1 de argila ou em papiros, e inscrições em paredes de pedra ou monumentos que aludiam aos reinados, aos reis, aos eventos e cidades listados na Bíblia. Além do mais, de várias formas, escritos encontrados em locais como Ras Shamra (a cidade cananéia de Ugarit), ou mais recentemente em Ebla, demonstraram familiaridade com as mesmas fontes nas quais a Bí­blia se apoiara. Entretanto, liberto das tendências monoteístas da Bíblia hebraica, os escritos dos vizinhos de Israel no antigo Oriente Médio esclareciam os nomes do "Nós" na Bíblia hebraica. Ao fazer isso, tais textos esboçam um panorama de tempos pré-históricos e erguem a cortina de um fascinante registro de deuses e humanos numa série de Encontros Divinos.

Até o início de escavações metódicas na Mesopotâmia, "a terra entre os rios" (o Tigre e o Eufrates), cerca de 150 anos atrás, a Bíblia era a única fonte de informação a respeito dos impérios assírio e babilônico, de suas grandes cidades e de seus reis orgulhosos. Como estudiosos anteriores ponderavam a veracidade dos dados bíblicos em relação a tais impérios de 3000 anos atrás, sua credibilidade foi testada com a asserção bíblica de que os reinados começaram ainda mais cedo, com um "caçador poderoso pela graça de Iavé", chama­do Nimrod, e que havia capitais reais (e assim uma civilização avan­çada) no passado distante na "terra de Shine'ar". Essa afirmativa estava ligada àquela ainda mais incrível da Torre de BabeI (Gênesis, 11), quando a humanidade, usando tijolos de argila, dedicou-se a construir uma "torre que chegasse aos céus". O local era uma planí­cie na "terra de Shine' ar" .

Tal terra "mítica" foi encontrada, suas cidades desenterradas por arqueólogos, sua linguagem e os textos decifrados graças ao conhecimento do hebraico e, por conseguinte, das línguas primitivas mais antigas, o acadiano, seus monumentos, esculturas e trabalhos de arte foram valorizados nos grandes museus do mundo. Hoje em dia cha­mamos a terra de Suméria, e seu povo a chamava Shumer (terra dos Guardiões). É para a antiga Suméria que devemos dirigir as atenções se quisermos entender a história bíblica da Criação e o antigo registro do Oriente Médio dos Encontros Divinos, pois foi lá, na Suméria, que o registro desses eventos começou.

Suméria (a Shine'ar bíblica) foi a terra onde a primeira civilização conhecida e documentada floresceu depois do Dilúvio, aparecendo repentinamente e de uma só vez, cerca de 6000 anos atrás. Deu à humanidade quase todas as "invenções" originais no que importa como componente integral de uma civilização - não apenas o primeiro tijolo (conforme mencionado acima) e os primeiros fomos, mas também os primeiros templos e palácios elevados, os primeiros sacerdotes e reis; a primeira roda, a medicina e a farmacologia; os primeiros músicos e dançarinos, artífices e artesãos, mer­cadores e caravanas, códigos de leis e juízes, pesos e medidas. Os primeiros astrônomos e observatórios surgiram lá, assim como os primeiros matemáticos. E talvez o mais importante de tudo: foi lá, por volta de 3800 a.C., que a escrita se iniciou, tomando a Suméria a terra dos primeiros escribas, que anotaram em estelas de argila, na escrita de caracteres impressos (cuneiforme), as mais incríveis histórias de deuses e humanos (como essa estela: "a Criação do Homem"). Os estudiosos encaram esses textos antigos como mi­tos. Nós, entretanto, consideramos que são registros de eventos que essencialmente aconteceram.

Os achados arqueológicos não se limitaram a confirmar apenas a existência de Shine'ar/Suméria. Também vieram à luz antigos tex­tos da Mesopotâmia que rivalizavam com as narrativas bíblicas da Criação e do Dilúvio. Em 1876, George Smith, do Museu Britânico, juntando estelas quebradas encontradas na biblioteca de Nínive (capital da Assíria), publicou o Gênesis Caldeu e demonstrou, além de qualquer dúvida, que a história bíblica da Criação foi primeiro es­crita na Mesopotâmia, milênios antes.

Em 1902 L. W. King, também do Museu Britânico, em seu livro The Seven Tablets of Creation (" As Sete Estelas da Criação"), publicou um texto mais completo, na antiga língua da Babilônia, que requeria sete estelas, de tão longo e detalhado. Conhecidas como a Epo­péia da Criação, ou Enuma Elish, por suas palavras iniciais, as primei­ras seis estelas descrevem a criação dos Céus, da Terra e de tudo sobre a Terra, incluindo o Homem, num paralelo dos "seis dias" da Criação na Bíblia. A sétima estela foi devotada à exaltação da divindade suprema da Babilônia, Marduk, que examinava seu magnífico trabalho (similar à narrativa bíblica do "sétimo dia", no qual Deus "descansou de todo o trabalho que fizera"). Estudiosos agora sa­bem que esses e outros "mitos" nas versões assíria e babilônica eram traduções de textos sumérios mais antigos (modificados para glori­ficar o deus supremo assírio, ou babilônio). A História começa na Suméria, como afirma o acadêmico Samuel N. Kramer, em seu livro publicado em 1959 com esse título.

Tudo começou, conforme podemos verificar nesses vários tex­tos, há muito tempo, com a amerissagem, no golfo Pérsico ou no mar da Arábia, de um grupo de cinqüenta ANUNNAKI - um termo que significa literalmente" Aqueles que dos Céus para a Terra vieram". Caminharam rumo à terra seca sob a direção de E.A. ("Aquele Cuja Casa é a Água"), um cientista brilhante, e estabeleceram a primeira colônia extraterrestre na Terra, chamando-a de E.RI.DU ("Casa da Construção Distante"). Outros acampamentos se seguiram para a realização da missão dos visitantes: obter ouro pela destilação das águas do golfo Pérsico - ouro necessário com urgência no planeta de origem dos Anunnaki, a fim de proteger sua atmosfera com uma camada de partículas suspensas de ouro, que evitaria a dispersão dos gases respiráveis no espaço. À medida que a expedição se expandia e as operações foram iniciadas, Ea adqui­riu o título adicional, ou epíteto, de EN.KI - Senhor da Terra.

Mas nem tudo correu bem. O planeta natal (chamado NIBIRU) não estava recebendo a quantidade de ouro necessária. Uma mu­dança de planos logo foi decidida, exigindo que o ouro fosse retira­do da forma mais difícil, minerando-o em AB.ZU - o Sudeste da África. Mais Anunnaki chegaram à Terra (ao final totalizavam 600); outro grupo, os IGI.GI (" Aqueles Que Observam e Vêem"), perma­neceram em órbita, operando cargueiros, naves e estações espaciais (atingiam, segundo os textos sumérios, um total de 300). Para se certificarem de que não haveria falhas, ANU ("O Celestial"), dirigente de Nibiru, enviou para a Terra um meio-irmão de Ea/Enki, chamado EN.LIL ("Senhor do Comando"). Era um administrador firme e apreciador da disciplina; enquanto Enki foi enviado para supervisionar o trabalho de extração do ouro em AB.ZU, Enlil assu­miu o comando das sete Cidades dos Deuses no E.DIN ("Casa dos Justos"), o local onde, mais de 400 mil anos depois, floresceria a ci­vilização suméria. Cada cidade possuía suas funções determinadas: um centro de controle de missão, um espaçoporto, um centro de metalurgia; até mesmo um centro médico sob a supervisão de NIN.MAH ("Grande Dama"), meio-irmã tanto de Enki quanto de Enlil.

As evidências, apresentadas e analisadas por nós nos livros I a V da série Crônicas da Terra, em especial no livro Gênesis Revisitado, indicam uma vasta órbita elíptica para Nibiru, que dura 3600 anos terrestres, um período chamado SAR em sumério. Os registros su­mérios de épocas pré-históricas, chamados Listas de Reis, mediam a passagem do tempo conforme se aplicava aos Anunnaki, em SARS. Estudiosos que descobriram e traduziram esses textos julgaram os dados "legendários" ou "fantásticos", já que cada "reinado" individual durava 28800, 36 mil ou até 43200 anos. Mas, na verdade, as Listas de Reis sumérios afirmam que esse ou aquele comandante estavam encarregados de determinado acampamento por 8 ou 10 Sars. Convertidos em tempo terrestre, esses números se tomam o equivalente a "fantásticos" 28800 (8 x 3600), e assim por diante; do ponto de vista Anunnaki, porém, foram apenas oito ou dez anos dos anos deles, um período de tempo bastante razoável (até mesmo curto) .

Portanto, no Sars encontra-se o segredo da imortalidade dos an­tigos "deuses". Por definição, um ano é o tempo que leva o planeta onde se vive para completar uma volta em tomo do Sol. A órbita de Nibiru demora 3600 anos terrestres, mas, para os que vivem em Nibiru, esse período é equivalente a um ano. Textos sumérios e do Oriente Médio falam tanto do nascimento quanto da morte desses "deuses"; só que, aos olhos dos terrestres (pois é isso literalmente o que significa Adão, em hebraico ("Ele da Terra"), o ciclo de vida dos Anunnaki era de tal ordem que eles eram imortais para todos os sentidos práticos.

Os Anunnaki chegaram à Terra 120 Sars antes do Dilúvio­432 mil anos terrestres antes da avalanche de água no planeta; o homem - Adão - ainda não estava na Terra. Por 40 Sars os Anunnaki enviados ao Abzu ali trabalharam na estafante minera­ção do ouro; depois amotinaram-se. Um texto em acadiano (a lín­gua-mãe do babilônio, do assírio e do hebraico), chamado Atra Hasis, descreve o motim e as razões para ele com detalhes vívidos. Enlil pediu medidas disciplinares para os instigadores da rebelião. Enki preferia a tolerância. Anu foi consultado; simpatizou com os amoti­nados. Como poderia o impasse ser resolvido?

Enki, o cientista, tinha uma solução. Vamos criar um Trabalhador Primitivo, sugeriu ele, capaz de assumir a parte penosa do trabalho. Os outros líderes presentes perguntaram: Pode ser feito? Um Adamu pode ser criado? Enki respondeu:

 

A criatura cujo nome pronunciaram já existe!

 

Ele encontrou a "criatura" - um hominídeo, produto da evolu­ção terrestre - no Sudeste africano, "sobre o Abzu". Só faltava tomá­10 um trabalhador inteligente:

 

Acrescentar a ele a imagem dos deuses.

 

Os deuses reunidos - os líderes Anunnaki - concordaram en­tusiasticamente. Seguindo sugestão de Enki, chamaram Ninmah, chefe dos médicos, para ajudar na tarefa. Disseram-lhe: "Você é a parteira dos deuses. Crie a humanidade! Crie um Híbrido que possa suportar a tarefa designada por Enlil, deixe que o Trabalhador Primitivo faça força pelos deuses!".

No capítulo 1 do Gênesis, a discussão que levou a essa decisão é resumida em um verso: "E Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança". E assim, com o consentimento implícito de "nós" reunidos, a tarefa foi realizada: "E Elohim criou Adão à sua imagem; à imagem de Elohim Ele o criou".

O termo "imagem" - elemento ou processo pelo qual o ser cria­do pôde ser trazido até o nível desejado pelos Anunnaki, semelhan­te a eles, exceto pela Sabedoria e Longevidade - pode ser entendi­do melhor ao compreender quem ou o que era a criatura existente. Como explicam outros textos (por exemplo, O Mito do Gado e do Grão, conforme intitulado pelos estudiosos):

 

Quando a humanidade foi criada,

eles não sabiam comer o pão,

não conheciam o uso de roupas.

Comiam plantas com a boca,

como ovelhas;

Eles bebiam água das poças.

 

Essa é uma descrição adequada dos hominídeos, que viviam em estado selvagem como os outros animais. Representações sumérias, gravadas em cilindros de pedra (os chamados selos cilíndricos), mostram tais hominídeos misturando-se com animais, mas eretos, apoiados em dois pés - uma ilustração (lamentavelmente ignorada por cientistas modernos) de um Homo erectus . Foi sobre esse ser, que já existia, que Enki sugeriu "atar a imagem dos deuses" e criar, por meio da engenharia genética, um novo ser terrestre, o Homo sapiens.

Uma pista do processo envolvido na criação genética é dada na Versão de Iavé (como a chamam os estudiosos), no capítulo 2 do Gênesis, onde lemos que "E formou Iavé Elohim ao homem (Adão), pó da terra, e soprou em suas narinas o alento da vida; e foi o ho­mem alma viva". No Atra Hasis e outros textos mesopotâmicos é descrito um processo mais complexo envolvendo o ser. Foi um pro­cesso de criação com suas frustrações e métodos de tentativa e erro até aperfeiçoarem o método na direção da obtenção de resultados por Enki e Ninmah (a quem alguns textos, em honra de seu memorável papel, atribuem o epíteto NIN.TI - "Dama da Vida".

Trabalhando num laboratório chamado Bit Shimti - "Casa onde o vento da vida é assoprado" - a "essência" do sangue de um jovem Anunnaki foi misturada com um óvulo de hominídeo. O óvulo fertilizado foi então inserido no útero de uma jovem fêmea Anunnaki. Quando, depois de um período tenso de espera, um "Homem-Modelo" nasceu, Ninmah ergueu o bebê e proclamou: "Criei! Minhas mãos conseguiram fazer!".

Artistas sumérios representaram num selo cilíndrico os emocionantes momentos finais, quando Ninmah/Ninti ergueu o novo ser para que todos vissem . Dessa forma, registrada num selo cilíndrico de pedra, está a imagem do primeiro Encontro Divino!

No antigo Egito, onde os deuses eram chamados Neteru (Guar­diões) e identificados pelo símbolo hieroglífico de um machado de mineração, o ato de criação do primeiro Homem de argila foi atri­buído ao deus de cabeça de carneiro, Khenmu (Ele que Une), de quem o texto afirma que era o "fazedor de homens... o pai que existia no início". Os artistas egípcios também, assim como os sumérios antes deles, representaram graficamente o momento do Primeiro Encontro; mostra Khenmu segurando o ser recém-criado, auxiliado por seu filho Tot (deus da ciência e da medicina).

Adão, como uma das versões do Gênesis relata, foi realmente criado sozinho. Contudo, uma vez que esse Homem-Modelo pro­vou a validade do processo de criação de "bebês de proveta", um projeto de reprodução em massa foi cogitado. Preparando mais misturas de TI.IT - "Aquilo que está com a vida", o "pó da terra" bíblico - geneticamente alterado para produzir Trabalhadores Primitivos de ambos os sexos, Ninmah colocou sete porções da "argila" num "molde de macho" e sete num "molde de fêmea". Os ovos fer­tilizados puderam então ser implantados no ventre de mulheres Anunnaki, "deusas do nascimento". Foi a esse processo de criar sete homens e sete mulheres "Híbridos" que a "Corrente Elohista" acre­dita tenha o Gênesis se referido ao afirmar que, quando a humanidade foi criada por Elohim, "macho e fêmea Ele os criou".

Porém, como qualquer híbrido (tal como uma mula, o resultado do cruzamento de um cavalo com uma jumenta), os "Híbridos" não podiam procriar. A história bíblica de como o novo ser adquiriu "Conhecimento", a habilidade de procriar, na terminologia bíblica, cobre com uma alusão alegórica o segundo ato de engenharia genética. O ator principal no desenvolvimento dramático não é Iavé-­Elohim nem os seres criados, Adão e Eva, mas a Serpente, a instigadora dessa crucial mudança biológica.

A palavra em hebraico para "serpente", no Gênesis, é Nahash. O termo, entretanto, possui dois outros significados: "Ele que conhece ou desvenda segredos"; ou poderia também significar "Ele das mi­nas de metal". Realmente, um símbolo sumério para Enki era uma serpente. Num trabalho anterior (Gênesis Revisitado), sugerimos que o símbolo associado das duas Serpentes Entrelaçadas, de onde veio o símbolo da cura, que permanece até hoje - já na antiga Suméria! -, tenha sido inspirado na hélice dupla de DNA, remetendo à engenharia genética. Como mostraremos mais tarde, o uso por Enki da engenharia genética no Jardim do Éden também remete ao motivo da hélice dupla nas representações da Árvore da Vida. Enki passou sua sabedoria e seu símbolo para seu filho Ningishzidda, a quem identificamos como o deus egípcio Tot; os gregos o chamavam de Hermes; seu cajado ostentava o emblema das Serpentes entrelaçadas.

À medida que traçamos esses significados duplos e triplos dos epítetos de Enki (Serpente-cobre-cura-genética), nos sentimos tentados a lembrar a história bíblica da praga de serpentes venenosas que caiu sobre os israelitas durante suas perambulações pela desolação do deserto do Sinai: parou depois que Moisés construiu uma "serpente de cobre" e a ergueu para invocar a ajuda divina, salvando da morte os que a contemplassem.

Não é de estranhar que esse segundo Encontro Divino, quando a humanidade recebeu a habilidade de procriar, também fosse capturado para nós por antigos "fotógrafos" - artistas que esculpiam a cena em negativo usando pequenos cilindros de pedra, cujas imagens positivas apareciam quando o cilindro era girado sobre argila úmida. Mas tais representações foram encontradas também, além da representação da criação do Adão. Uma delas mostra" Adão" e "Eva" sentados ao lado de uma árvore, e a serpente atrás de Eva. Outra mostra um grande deus sentado sobre um monte em forma de trono, de onde emana uma serpente - sem dúvida Enki. Ao lado direito encontra-se um homem cujos galhos são em forma de pênis, e, à esquerda, uma mulher, cujos galhos são em forma de vagina, que segura uma pequena árvore frutífera (presu­mivelmente a Árvore do Conhecimento). Observando os acontecimentos está um grande deus ameaçador - com toda a probabilidade um Enlil zangado.

Todos esses textos e representações, engrandecendo a narrativa bíblica, se combinaram para pintar um quadro detalhado, um curso de eventos com os participantes principais reconhecíveis, na saga dos Encontros Divinos. Apesar disso, a maioria dos estudiosos cata­loga tais evidências como "mitologia". Para eles, a história dos even­tos no Jardim do Éden é apenas um mito, uma alegoria imaginária acontecendo num lugar que não existe.

Mas, e se esse Paraíso, um lugar com árvores frutíferas deliberadamente plantadas, existiu mesmo numa época em que em todos os outros lugares apenas a natureza era o jardineiro? E se nos tempos mais antigos tivesse existido o Éden, um lugar de verdade cujos eventos foram ocorrências reais?

Pergunte a qualquer um onde Adão foi criado, e a resposta será, provavelmente: no Jardim do Éden. Mas não foi lá que começou a história da humanidade.

A narrativa mesopotâmica, registrada primeiro pelos sumérios, coloca a primeira fase numa locação "sobre o Abzu" - bem mais ao norte de onde se encontravam as minas de ouro. À medida que vá­rios grupos de "Híbridos" iam sendo produzidos e levados até as minas, para cumprir o propósito pelo qual haviam sido criados, os Anunnaki dos outros sete centros colonizadores do E.DIN também iam pedindo tais trabalhadores. Como os Anunnaki do Sudeste da África resistiram, irrompeu uma luta. Um texto que os estudiosos chamam de O Mito da Picareta descreve como, liderados por Enlil, alguns colonos se apropriaram à força de trabalhadores" criados" e os levaram para o E.DIN, a fim de lá servir os Anunnaki. O texto chamado O Mito do Gado e do Grão afirma explicitamente que" quando das alturas do Céu Anu enviou os Anunnaki", grãos que crescem, carneiros e crianças ainda não haviam sido criados. Mesmo depois que os Anunnaki, em sua "câmara de criação", fizeram comida para si mesmos, não ficaram saciados. Somente

 

Depois que Anu, Enlil, Enki e Ninmah

aperfeiçoaram o povo de cabeça negra,

a vegetação frutífera eles multiplicaram

na terra... No Edin eles os colocaram.

 

A Bíblia, ao contrário da crença geral, relata a mesma história. Assim como no Enuma Elish, a seqüência bíblica (capítulo 2 do Gênesis) é, a princípio, a formação dos Céus e da Terra; a seguir, a criação de Adão (a Bíblia não diz onde). Elohim, então, "plantou um jardim no Éden, a oriente" (do local onde Adão foi criado); e apenas depois Elohim "colocou ali" (no Jardim do Éden) o "homem que formou".

 

E tomou Iavé Elohim a Adão

e colocou-o no Jardim do Éden

para o cultivar e guardar.

 

Uma boa pista sobre a "Geografia da Criação" (inventando um termo) e, conseqüentemente, para os Encontros Divinos, é forneci­da no Livro dos Jubileus. Elaborado em Jerusalém durante a época do Segundo Templo, era conhecido naqueles séculos como O Testamento de Moisés, porque começava respondendo à pergunta: Como a Hu­manidade poderia saber sobre aqueles eventos primordiais que pre­cederam até mesmo a criação do homem? A resposta era que tudo foi revelado a Moisés no monte Sinai, quando um anjo da Divina Presença ditou a Moisés, por ordem do Senhor. O nome Livro dos Jubileus, conferido por tradutores gregos, deriva da estrutura crono­lógica do livro, que é baseado numa contagem dos anos por "jubi­leus", cujos anos são chamados de "dias" e "semanas".

Obviamente consultando fontes que na época estavam disponí­veis (além do Gênesis canônico), tal como os livros que a Bíblia menciona e outros textos que as bibliotecas da Mesopotâmia mencio­nam mas não foram encontrados, o Livro dos Jubileus, usando sua enigmática contagem de "dias", afirma que Adão foi trazido pelos anjos para o Jardim do Éden só "depois que Adão completara qua­renta dias na terra em que fora criado"; e "sua mulher eles trouxe­ram no oitavo dia". Adão e Eva, em outras palavras, foram trazidos de algum outro lugar.

O Livro dos Jubileus, que trata com os fatos que ocorreram depois da expulsão do paraíso, fornece mais um pedaço da história, afirmando que" Adão e sua mulher passaram adiante do Jardim do Éden e viveram na Terra da Natividade, a terra de sua criação". Em outras palavras, do Edin voltaram para o Abzu, no sudeste da Áfri­ca. Só lá, no segundo Jubileu, foi que Adão "conheceu" Eva, e na terceira semana do segundo Jubileu, ela deu à luz Caim, e no quarto nasceu Abel, e no quinto nasceu uma menina chamada Avan (a Bí­blia afirma que depois Adão e Eva tiveram outros filhos e filhas: livros não canônicos afirmam que foram 63 ao todo).

Tal seqüência de eventos, que coloca o início da humanidade não na Mesopotâmia mas de volta à África, no Abzu, a sudeste do continente, é agora corroborada pelas descobertas científicas sobre o surgimento e a disseminação da espécie humana, na teoria que coloca essa origem na África. Não apenas os mais antigos achados de fósseis de hominídeos mas também a evidência genética em relação à linhagem final do Homo sapiens confirmam o sudeste da África como o lugar de onde a humanidade se originou. Pesquisadores em antropologia e genética localizaram ali uma "Eva" - uma única mulher da qual descenderiam todos os seres humanos -, na mes­ma área há cerca de 250 mil anos. (Essa descoberta, baseada no estudo do DNA mitocondrial, passado apenas pela mãe, foi corrobora­da por uma pesquisa realizada em 1994 por pesquisadores genéti­cos que se basearam no DNA nuclear, transmitido por pai e mãe; depois expandiu-se, em 1995, para incluir um "Adão" há cerca de 270 mil anos.) Foi dali que os vários ramos de Homo sapiens (homem de Neandertal, homem de Cro-Magnon) partiram para chegar à Ásia e à Europa.

Que o paraíso bíblico tenha sido o mesmo local estabelecido pelos Anunnaki e aquele para onde levaram os Trabalhadores Primitivos do Abzu, toma-se quase evidente em termos lingüísticos. Quase nin­guém mais coloca em dúvida que o nome Éden vem do sumério E.DIN, derivado do intermediário Edinnu, do acadiano (língua-mãe do assírio, babilônio e hebraico). Além do mais, ao descrever a profusão de águas que saem do paraíso (um aspecto impressionante para leitores de uma parte do Oriente Médio totalmente dependen­te de chuvas num inverno curto), a Bíblia oferece vários indicadores geográficos que também apontam para a Mesopotâmia; afirma que o Jardim do Éden estava localizado na cabeceira de um corpo de água que serve a confluência de quatro rios:

 

E um rio saía do Éden

para regar o jardim;

e dali se espalhava

e convertia-se em quatro cabeceiras.

O nome de um é Pishon,

o que rodeia a terra

de Havilah, onde se encontra o ouro.

E o ouro daquela terra é bom:

ali se acha o cristal e a pedra de ônix.

E o nome do segundo rio é Gihon,

o que rodeia toda a terra de Kush.

E o nome do terceiro rio é Hidekel,

o que corre a oriente de Asur [na Assíria}.

E o quarto é Prath.

     Sem dúvida, dois dos rios do paraíso, o Hidekel e o Prath, são os dois maiores rios da Mesopotâmia (que originaram o nome" A Ter­ra entre Rios"), o Tigre e o Eufrates, como são conhecidos atualmen­te. Existe concordância entre os acadêmicos sobre os nomes bíblicos dos dois rios, que derivam do sumério (pelo intermediário acadiano): Idilbat e Puranu.

Embora os dois rios tenham cursos separados, em alguns pontos quase se juntando e em outros afastando-se, substancialmente ambos nascem nas montanhas da Anatólia, ao norte da Mesopotâmia; por se encontrarem ali as cabeceiras dos rios é que os estudiosos têm procu­rado os outros dois rios. Porém não encontraram candidatos plausí­veis para o Gihon e o Pishon que saíssem das mesmas cordilheiras. A pesquisa, portanto, passou para terras mais distantes. Kush foi interpretada como a Etiópia ou a Núbia, na África, e o Gihon ("O que Jorra") seria nesse caso o rio Nilo, com suas várias cataratas. Uma boa estimativa para o Pishon tem sido o rio Indo, identifican­do Havilah com o subcontinente indiano, ou mesmo o Luristão [no Irã]. O problema com tais sugestões é que nem o Nilo nem o Indo apresentam confluência com o Tigre e o Eufrates, na Mesopotâmia.

Os nomes Kush e Havilah são encontrados na Bíblia mais de uma vez, como termos de acidentes geográficos e como nomes de nações. Na Tabela de Nações (Gênesis, capítulo 10), Havilah é listada com Seba, Sabtha, Raamah, Sabtecha, Sheba e Dedan. Todas eram nações com outras passagens na Bíblia que as relacionavam com as tribos de Ismael, o filho de Abraão com a criada Hagar, e não há dúvidas de que seus domínios localizavam-se na Arábia. Tais tradi­ções têm sido corroboradas pelos pesquisadores modernos, que iden­tificaram as localizações das tribos ao longo da Arábia. Mesmo o nome Hagar, descobriu-se ser o de uma antiga cidade na Arábia oriental. Um estudo atual de E.A. Knauf (Ismael, 1985) decifra con­clusivamente o nome Havilah como "Terra da Areia", identifican­do-a como o nome geográfico para o sul da Arábia.

O problema com tais conclusões convincentes foi que nenhum rio na Arábia poderia se candidatar a ser o curso de água bíblico Pishon, pelo simples fato de que toda a Arábia é árida, terra deserta.

Poderia a Bíblia estar tão errada assim? Poderia toda a história do Jardim do Éden e assim dos eventos e dos Encontros Divinos ser um mito?

Começando com firme crença na veracidade da Bíblia, a seguin­te questão nos veio à mente: por que a narrativa bíblica se estende para descrever a geografia e a mineralogia da terra (Havilah) onde o Pishon estava; lista a terra e descreve o curso circular do rio Gihon; meramente identifica a localização ("leste da Assíria") do Hidekel; apenas dá o nome ao quarto rio, o Prath, sem nenhuma outra refe­rência adicional? Por que essa ordem decrescente de informação?

A resposta que nos ocorreu foi que, apesar de não haver neces­sidade de indicar ao leitor do Gênesis onde era o rio Eufrates, e uma mera noção da Assíria ser suficiente para identificar o rio Tigre (Hidekel), deveria se explicar que o Gihon - evidentemente um rio menos conhecido naquela época - era o rio que se estendia pela terra de Kush; e que o rio Pishon, aparentemente desconhecido, ficava numa terra chamada Havilah, a qual, sem a menção de aciden­tes geográficos, foi identificada pelos produtos que produzia.

Tais pensamentos começaram a fazer sentido quando, na década de 1980, foi anunciado que a varredura do radar de subsolo no deserto do Saara (no norte da África, a oeste do Egito), a partir de satélites orbitais e medições do ônibus espacial Colúmbia, revelou leitos secos de rios sob a areia, rios que correram um dia por essa região. Pesquisa subseqüente do solo estabeleceu que aquela área era bem servida de recursos hídricos, com rios principais e seus afluentes, desde talvez 200 mil até cerca de 4000 anos atrás, quando o clima mudou.

A descoberta no deserto do Saara nos deixou maravilhados: poderia o mesmo ter acontecido no deserto da Arábia? Quando a ver­são no capítulo 2 do Gênesis foi escrita - obviamente numa época em que a Assíria já era conhecida -, talvez o rio Pishon já tivesse desaparecido sob as areias com as mudanças climáticas ocorrida nos últimos milênios.

A confirmação da validade dessa linha de pensamento teve lugar de forma dramática em março de 1993. Foi um anúncio feito por Farouk El-Baz, diretor do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade de Boston, a respeito da descoberta de um rio perdido sob as areias da península Arábica - um rio que fluía por mais de 800 quilômetros, desde as montanhas a oeste da península Arábica até o leste, desaguando no golfo Pérsico. Lá, formava-se um delta que cobria a maior parte do Kuweit atual, chegando até onde se encontra hoje Basra, misturando-se com o Tigre e o Eufrates. Era um rio que possuía mais de quinze metros de profundidade por toda a extensão, e em alguns trechos apresentava cinco quilômetros de largura.

Depois da última Idade do Gelo, entre 11 mil e 6000 anos atrás, concluiu o estudo da Universidade de Boston, o clima na Arábia era úmido e chuvoso o suficiente para suportar tal rio. Mas por volta de 5000 anos atrás o rio secou por causa das mudanças cli­máticas que resultaram na aridez e nas condições desérticas na península. Com o tempo, as dunas, levadas pelo vento, cobriram o canal do rio, obliterando toda a evidência de um rio antes caudalo­so. Imagens de alta resolução produzidas pelos satélites Landsat, entretanto, revelaram que os padrões de dunas mudaram quando a areia atravessou uma linha que se estendia por centenas de quilômetros, uma linha que terminava em depósitos de cascalho no Kuweit e perto de Basra - cascalho de rochas dos montes Hedjaz, no oeste da Arábia. Então, inspeções terrestres confirmaram a exis­tência de um antigo rio.

O dr. El-Baz deu o nome de rio Kuweit ao curso de água perdi­do. Sugerimos que na Antiguidade se chamasse rio Pishon, cortan­do a península Arábica, que, de fato, foi uma antiga fonte de ouro e pedras preciosas.

E quanto ao rio Gihon, "O que rodeia toda a terra de Kush"? Kush é listado duas vezes na Lista das Nações, primeiro com as ter­ras camito-africanas do Egito, Put (Núbia/Sudão) e Canaã; e uma segunda vez como uma das terras da Mesopotâmia onde Nimrod era senhor, ele "cujos primeiros reinados foram a Babilônia, Erech e a Acádia, todos na terra de Shine'ar (Suméria)". O Kush mesopotâ­mico era, com toda a probabilidade, o leste da Suméria, a área dos montes Zagros. Era a terra natal do povo kushshu, o nome acadiano para cassitas, que no segundo milênio a.c. desceram dos montes Zagros e ocuparam a Babilônia. O nome antigo permaneceu em Kushan para o distrito de Susa (o Sushan do livro bíblico de Ester) até a época dos persas e mesmo dos romanos.

Existem vários rios dignos de nota naquela parte dos montes Zagros, mas eles não chamaram a atenção dos estudiosos porque nenhum partilha a cabeceira com o Tigre e o Eufrates (centenas de quilômetros para o nordeste). Aqui, entretanto, veio outra idéia: Poderiam os antigos estar se referindo a rios que se juntam não nas cabeceiras, mas na confluência, no golfo Pérsico? Se isso fosse ver­dadeiro, o Gihon - o quarto rio do Éden - seria um rio que se juntaria ao Tigre, ao Eufrates e ao recentemente descoberto "rio Kuweit" em sua foz, no golfo Pérsico!

Se o problema for encarado dessa maneira, o candidato óbvio emerge: trata-se do rio Karun, que, sem dúvida, é o maior rio da antiga terra dos kushshu. Com cerca de oitocentos quilômetros de extensão, forma uma alça incomum, começando seu tortuoso curso na serra Zardeh-Kuh, no que agora seria o sudoeste do Irã. Em vez de fluir para o sul até o golfo Pérsico, as águas seguem "para cima" (quando se examina um mapa moderno), rumando para o norte por desfiladeiros profundos. Depois faz nova curva e começa a fluir para o sul, num curso em ziguezague, deixa os elevados montes Zagros e começa a progredir na direção do golfo. Finalmente, em suas derra­deiras centenas de quilômetros, diminui a velocidade e desliza suavemente na direção de uma confluência com o Tigre e o Eufrates, no delta pantanoso que estes formavam ao desembocar no golfo Pérsico (o assim chamado Shat-el-Arab, território contestado por Irã e Iraque).

A localização, o curso circular, as águas turbulentas e a confluên­cia com os outros três rios ao desaguar no golfo Pérsico, tudo nos sugere que o rio Karun poderia bem ser o bíblico rio Gihon, que circundava a terra de Kush. Tal identificação combinada com as descobertas da era espacial, que localizam um grande rio na Arábia, delimitam e identificam a localização do Jardim do Éden no sul da Mesopotâmia, confirmam a existência física de tal lugar e formam uma base palpável, não-mitológica, sobre as histórias de Encontros Divinos.

A confirmação do sul da Mesopotâmia, a antiga Suméria, como o E.DIN, o Éden bíblico original, faz mais do que apenas criar uma congruência geográfica entre os textos sumérios e a narrativa bíbli­ca. Também identifica o grupo com o qual a humanidade teve esses Encontros Divinos. O E.DIN significava a "Habitação" dos "Justos/Divinos" (DIN). O título completo seria DIN.GIR, significando "Os Justos das Naves Espaciais". Isso era escrito de forma pictográ­fica como um foguete de dois estágios, cujo módulo de comando podia se separar para aterrissagem. À medida que a escrita evoluiu para a cuneiforme, esse pictograma foi substituído por um símbolo estelar significando "Os que Vieram do Céu"; mais tarde, na Assíria e na Babilônia, o símbolo foi simplificado para cunhas cruzadas, e sua leitura, na linguagem acadiana, mudou para Ilu - "Os Inefáveis".

Os textos sobre a Criação da Mesopotâmia não apenas fornecem a resposta ao enigma sobre quem seriam as diversas divindades envolvidas na criação de Adão, resultando em que a Bíblia empregasse o termo plural Elohim ("Os Divinos") numa versão monoteísta dos acontecimentos e da manutenção do "nós" em "Vamos fazer o ho­mem à nossa imagem e à nossa semelhança", mas delineiam também o cenário de tudo isso.

As evidências deixam pouco espaço para duvidar de que os Elohim do Gênesis eram os DIN.GIR dos sumérios. Foi atribuída a eles a tarefa de criar Adão, e foram seus diversos (e muitas vezes antagônicos) líderes - Enki, Enlil, Ninmah - o "nós" que o pri­meiro Homo sapiens encontrou.

A expulsão do Jardim do Éden trouxe um final ao primeiro ca­pítulo desse relacionamento. Ao perder o paraíso, a humanidade ganhou o conhecimento e a habilidade de procriar, e daí por diante estava destinada a ligar-se com a Terra.

 

Com o suor do teu rosto

comerás pão,

até tu voltares para a Terra,

pois dela foste tomado.

Porquanto és pó

e ao pó hás de tornar.

 

Mas não foi assim que a humanidade enxergou seu destino. Ten­do sido criada à imagem e semelhança dos Dingir/Elohim, viu a si mesma como parte do céu - os outros planetas, as estrelas, o Uni­verso. Luta para alcançá-los em sua morada celestial, para conseguir sua imortalidade. A fim de obter isso, o Homem continuou a procurar Encontros Divinos sem querubins de espadas flamejantes a lhe bloquear o caminho.

 

A Primeira Linguagem

 

Poderiam Adão e Eva falar? E em que língua conversavam com Deus?

Até algumas décadas atrás os estudiosos sustentavam que a fala humana começou com os Cro-Magnon, cerca de 35 mil anos atrás, e as línguas se desenvolveram localmente entre diversos clãs, não mais do que 8000 a 12 mil anos atrás.

Essa não é a visão bíblica, segundo a qual Adão e Eva conversavam em uma língua compreensível, e que antes do incidente da torre de Babei ''toda a Terra tinha uma linguagem e um tipo de palavra".

Nos anos 1960 e 1970 as comparações levaram os estudiosos a concluir que todos os milhares de diferentes linguagens - incluindo as dos nativos americanos - poderiam ser agrupadas em três línguas primárias. Mais tarde, descobertas de fósseis em Israel re­velaram que 60 mil anos atrás os homens de Neandertal podiam falar como nós. A conclusão de que realmente existiu uma língua única há cerca de 100 mil anos foi confirmada em meados de 1994 por estudos atualizados da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Os avanços em pesquisa genética, agora aplicados à fala e à linguagem, sugerem que essas habilidades, distinguindo os humanos dos macacos, são de origem genética. Estudos genéticos indicam que de fato existiu uma "Eva", uma mãe única de todos nós - e que ela apareceu entre 200 mil e 250 mil anos atrás, com o "dom de conversar" .

Alguns fundamentalistas acreditam que a língua-mãe foi o hebraico, o idioma da Bíblia. Talvez, mas provavelmente não: o hebraico deriva do acadiano (a primeira língua "semita"), que foi precedido pelo sumério. Seria então o sumério a língua do povo que se estabeleceu em Shine'ar (Suméria). Mas teria sido apenas após o Dilúvio, já que os textos da Mesopotâmia se referem a uma língua antediluviana. A antropóloga Kathleen Gibson, da Universidade do Texas, em Houston, acredita que os humanos adquiriram a fala e a matemática ao mesmo tempo. Haveria uma primeira língua dos próprios Anunnaki, ensinada ao homem juntamente com todas as ou­tras tecnologias?

 

QUANDO O PARAÍSO FOI PERDIDO

A Expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden, que seria uma quebra deliberada e decisiva dos elos entre Adão e seus criadores, não foi definitiva, afinal de contas. Se fosse, os registros de Encontros Divinos teriam terminado aí mesmo. Em vez disso, a Expulsão foi apenas o início de uma nova fase nesse relacionamento, que pode ser caracterizada como esconde-esconde, na qual os encontros diretos se tomaram raros, e visões ou sonhos recursos divinos.

O início desse relacionamento pós-paraíso não foi nada auspicioso; na verdade, foi trágico. Sem intenção, trouxe a emergência de novos humanos, o Homo sapiens sapiens. Da forma como aconteceu, tanto a tragédia quanto suas conseqüências plantaram as sementes da desilusão divina com a humanidade.

Não foi a Expulsão do Paraíso um assunto muito escolhido para orações sobre a "Queda do Homem", que constituiu a verdadeira motivação para deixar que o Dilúvio varresse a humanidade da face da Terra. Em vez disso, foi um incrível ato de fratricídio: quando toda a humanidade totalizava quatro (Adão, Eva, Caim e Abel), um irmão mata o outro!

E o motivo? Relacionado a Encontros Divinos...

A história, conforme narrada pela Bíblia, começa quase como um idílio:

 

E Adão conheceu Eva, sua mulher

E ela concebeu e deu à luz Caim e disse:

"Adquiri um homem com o (auxílio de) Iavé".

E tornou a dar à luz seu irmão, Abel.

E foi Abel pastor de ovelhas.

E Caim foi lavrador da terra.

 

Dessa forma, em apenas dois versos, a Bíblia leva o leitor a uma fase totalmente diferente na história das experiências humanas e estabelece o clima para o Encontro Divino seguinte. A despeito do rompimento entre Deus e Homem, Iavé ainda observa a humanidade. De alguma forma - a Bíblia não fornece os detalhes -, os grãos e o gado foram dominados, com Caim tomando-se um agricultor, e Abel um pastor. O primeiro ato do irmão é oferecer as primeiras frutas a Iavé, em gratidão. O ato implica um reconhecimento de que é graças à divindade que as duas formas de alimentação se tomaram possíveis. O privilégio de um Encontro Divino era esperado; mas...

 

E voltou-se Iavé para Abel e para a sua oferta;

e para Caim e para sua oferta não se voltou.

E irou-se muito Caim,

e descaiu-Ihe o semblante.

 

Talvez alarmada por esse ocorrido, a divindade fala diretamen­te a Caim, tentando dissipar sua ira e desapontamento. Mas não obteve resultado. Quando os dois irmãos estavam sozinhos no cam­po, "levantou-se Caim contra seu irmão, Abel, e o matou".

Iavé logo estava exigindo explicações de Caim. "Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão está clamando a mim, desde a Terra", protesta Iavé, em ira e desespero. Caim é punido, condenado a va­gar pela Terra, que também é amaldiçoada, perdendo a fertilidade. Reconhecendo a magnitude de seu crime, Caim fica com medo de ser morto por vingadores desconhecidos. "E Iavé colocou em Caim um sinal para que não o ferissem, quem quer que o encontrasse."

O que seria essa "marca de Caim"? A Bíblia não diz, e os incon­táveis palpites não passam disso: palpites. Nossa opinião (exposta em Os Reinos Perdidos) é que pode ter sido uma alteração genética, tal como privar a descendência de Caim de pêlos faciais - uma marca que seria imediatamente reconhecida por quem quer que a encontrasse. Uma vez que essa é a marca típica dos ameríndios, sugerimos que desde que "E saiu da presença de Iavé e habitou na terra de Nod, ao oriente do Éden", suas perambulações levaram-no, e a sua descendência, mais para o interior da Ásia e para o Oriente, atravessando o Pacífico a seu tempo para estabelecer-se na América Central. Quando suas andanças terminaram, Caim teve um filho, a quem chamou Enoque, e construiu uma cidade "e chamou o nome da cidade como o nome de seu filho". Temos lembrado que as lendas astecas chamam sua capital de Tenochtitlán, "Cidade de Tenoch", em honra aos ancestrais que vieram do Pacífico. Como eles colocavam o som de "T" antes de várias palavras, a cidade poderia real­mente ter o seu nome derivado do de Enoque.

Qualquer que fosse a natureza da marca ou o destino de Caim, fica claro que esse ato final no drama Caim-Abel exigiu um Encon­tro Divino direto, um contato imediato entre a divindade e Caim, de forma que a "marca" pudesse ser colocada.

Assim, conforme o desenrolar dos relacionamentos entre Ho­mem e Deus, foi uma ocorrência rara depois da Expulsão do Paraí­so. Segundo o Gênesis, foi apenas com o sétimo patriarca antedilu­viano (numa linhagem que começou com Adão e terminou com Noé) que os Elohim provocaram um Encontro Divino direto; estava relacionado com Enoque, que, com a idade de 365 (um número de anos igual ao de dias no ano), "andou com os Elohim", depois partiu "le­vado pelos Elohim" para juntar-se a eles em sua habitação.

Mas ainda que Deus revelasse a si mesmo tão raramente, a hu­manidade - segundo a Bíblia - continuava a "escutá-lo". Quais seriam os canais para esses encontros indiretos?

Para descobrir a resposta a esses tempos primitivos, precisamos buscar informações nos livros extrabíblicos, dos quais um é o Livro dos Jubileus. Chamado pelos estudiosos de pseudepígrafe do Velho Testamento, inclui o Livro de Adão e Eva, que sobreviveu em várias versões traduzidas desde o armênio e o eslavo até o sírio, o arábico e o etíope (mas não no original hebraico). Segundo essa fonte, o as­sassinato de Abel por Caim foi previsto por Eva, num sonho em que ela viu" o sangue de Abel sendo derramado na boca de Caim, seu irmão". Para evitar que o sonho se tornasse realidade, foi decidido "fazer para cada um deles um espaço separado, e fizeram de Caim um agricultor, e de Abel um pastor".

Mas a separação não adiantou. De novo Eva teve o sonho (dessa vez é chamado pelo texto de "visão"). Acordado por ela, Adão sugere que "vão e vejam o que aconteceu a eles". "E os dois foram, e encontraram Abel assassinado pela mão de Caim."

Os acontecimentos, conforme registrados no Livro de Adão e Eva, então descrevem o nascimento de Seth (que significa "substituição", em hebraico) "em lugar de Abel". Com Abel morto e Caim banido, Seth (como o nome aparece nas traduções) era agora herdeiro do patriarca e sucessor de Adão. E, assim, quando Adão ficou doente e aproximou-se da morte, ele revelou a Seth "o que vi e ouvi, depois que sua mãe e eu fomos expulsos do paraíso".

 

Veio a mim Miguel, o arcanjo,

um emissário de Deus.

E vi uma carruagem como o vento,

e suas rodas pareciam em fogo.

E fui carregado até

o Paraíso dos Justos

e vi o Senhor sentado;

mas Seu rosto era um fogo flamejante

que não podia ser encarado.

 

Embora não pudesse suportar a visão, escutou a voz de Deus dizendo a ele que, por haver transgredido a lei do Éden, estava destinado a morrer. Então o arcanjo Miguel levou Adão da visão do paraíso e o trouxe de volta. Concluindo a narrativa, Adão aconselhou Seth a evitar o pecado e a ser justo e seguir os mandamentos de Deus e os estatutos que seriam entregues a Seth e seus descendentes quando" o Senhor aparecer numa labareda de fogo".

Por haver sido a morte de Adão o primeiro passamento natural de um mortal, Eva e Seth não sabiam o que fazer. Apanharam Adão moribundo e o carregaram para a "região do paraíso", e permaneceram ali, em frente aos portões do paraíso, até que a alma de Adão partisse do corpo. Ficaram em estado de choque, lamentando e chorando. Então o Sol e a Lua e as estrelas escureceram, "os Céus se abriram", e Eva teve visões celestiais. Ao erguer os olhos, viu "saindo dos céus uma carruagem de luz, trazida por quatro águias brilhantes. E ouviu o Senhor instruir os arcanjos Miguel e Uriel a trazerem panos de linho e envolverem Adão e Abel (que ainda não fora enterrado); assim foram Adão e Abel preparados para o enterro, "segundo a ordem de Deus, no local onde o Senhor obteve o pó da terra" para a criação de Adão.

Existe uma riqueza de informações pertinente nessa história. Estabelece sonhos proféticos como canal para revelações divinas, um Encontro Divino por intermédio de telepatia ou de outro meio subconsciente qualquer. Traz para o reino dos Encontros Divinos um intermediário: um "anjo", um termo conhecido da Bíblia hebraica, cujo significado literal é "emissário, mensageiro". Também traz para o cenário outra forma de Encontro Divino, aquele da "visão", em que a "Carruagem do Senhor" é vista - uma "vi­são impressionante" de uma "carruagem como o vento", cujas "ro­das estavam como que em chamas", quando vista por Adão, e como "carruagem de luz, puxada por quatro águias brilhantes", quando vista por Eva.

Sendo que depois do Livro de Adão e Eva outros textos pseudepí­grafes foram escritos nos últimos séculos antes da era cristã, seria possível argumentar que suas informações, em relação a sonhos e visões, poderiam ter sido baseadas em conhecimentos ou crenças de uma época bem mais recente para os escritores do que eventos antediluvianos. No caso dos sonhos proféticos (que abordaremos mais adiante), essa possibilidade só serviria para confirmar o uso, através dos tempos, desse canal indiscutível entre divindades e hu­manos, ao longo da história conhecida.

Em relação a visões de carruagens divinas, poder-se-ia também argumentar que o que o autor do Livro de Adão e Eva atribuiu a tempos pré-históricos e antediluvianos também se refletiu em eventos que ocorreram muito mais tarde, a exemplo da visão de Ezequiel da Carruagem divina (no final do século VII a.c.), assim como a fami­liaridade com muitas referências a tais veículos aéreos nos textos mesopotâmicos e egípcios. A respeito, porém, de visões ou observa­ções do que atualmente chamamos de Ovni (Objetos voadores não­identificados), existem evidências físicas dos dias antes do Dilúvio - evidências pictóricas, cuja autenticidade é inegável.

Vamos esclarecer o assunto: não estamos nos referindo à representação suméria (começando com o pictograma para GIR) e outras representações espalhadas pelo Oriente Médio, na era pós-Dilúvio. Estamos falando sobre representações de verdade - desenhos, pinturas - de uma era precedente ao Dilúvio (que ocorreu, por nossos cálculos, por volta de 13 mil anos atrás), e não por um tempo curto, mas por milhares e dezenas de milhares de anos!

A existência de representações pictóricas tão recuadas na pré­história não é segredo. O que é virtualmente um segredo é o fato de que além de animais e seres humanos aqueles desenhos também representavam Ovni.

Estamos nos referindo ao que hoje em dia é conhecido como a arte rupestre (das cavernas); vários desenhos encontrados onde vi­veu o homem de Cro-Magnon, em "cavernas decoradas", como os estudiosos gostam de chamá-las, especialmente no sudoeste da França e ao norte da Espanha. Mais de setenta dessas cavernas decora­das foram encontradas (a entrada de uma está agora sob as águas do mar Mediterrâneo) em 1993; lá, artistas da Idade da Pedra usavam as paredes das cavernas como telas gigantes, algumas vezes utilizando os contornos e protuberâncias naturais das paredes para obter efeitos tridimensionais. Por vezes usavam pedras afiadas para gravar as imagens, em outras oportunidades acrescentavam argila para moldar e dar forma, mas a característica principal era um estoque limitado de pigmentos - preto, vermelho, amarelo e um mar­rom monótono - com os quais eles criavam trabalhos artísticos de impressionante beleza. Ocasionalmente, representavam o ser humano como caçador, e algumas vezes empunhando armas de caça (se­tas, lanças); as representações são, em sua grande maioria, de ani­mais da Idade do Gelo: bisões, renas, cabritos-monteses, cavalos, bois, vacas, felinos e aqui e ali também peixes e pássaros. Os desenhos, relevos e pinturas muitas vezes eram feitos em tamanho natural. Não paira dúvida sobre o artista anônimo ter pintado exatamente o que viu. Duraram muitos milênios, de 30 mil a 13 mil anos atrás.

Em muitos casos, as cores mais vividamente coloridas estão na parte mais profunda das cavernas - naturalmente, também eram as partes mais escuras. Que meios os artistas usaram para iluminar o interior das cavernas a fim de poder pintar, não se sabe, pois não foram encontrados restos de carvão, tochas nem nada parecido. A julgar pela ausência de restos, as cavernas não eram usadas para habitação. Muitos estudioso, portanto, tendem a enxergar essas ca­vernas decoradas como santuários, onde a arte expressava uma religião primitiva - pintar animais e cenas de caça como uma oferenda para os deuses, a fim de tomar bem-sucedida uma expedição caçadora.

A tendência de interpretar a arte das cavernas como arte religiosa também deriva de esculturas. Estas consistem principalmente em "Vênus" - estatuetas de mulheres conhecidas, como a Vênus de Willendorf, cuja datação é de aproximadamente 23 mil a.c. Desde que os artistas podiam reproduzir a forma humana natural, como se pode observar nesse achado de 22 mil anos atrás, na França, acredita-se que as figuras com as partes reprodutoras em tamanho exagerado deviam simbolizar ou buscar fertilidade; portan­to, quando as esculturas naturais simbolizavam "Evas", as exagera­das (Vênus) expressavam a adoração a uma deusa.

A descoberta de outra "Vênus" em Laussel, na França, do mesmo período, reforça a divindade em vez de os aspectos humanos, porque a fêmea está segurando, em sua mão direita, o símbolo de um crescente. Embora alguns sugiram que ela esteja segu­rando apenas um chifre de bisão, o símbolo da conexão celeste (aqui com a Lua) fica claro, não importa de que material o crescente era feito.

Muitos pesquisadores (John Maringer em Os Deuses do Homem Pré-Histórico) acreditam que "parece altamente provável que as figuras femininas fossem ídolos de um culto a uma grande mãe, praticado por uma tribo de caçadores de mamutes da Idade da Pedra superior". Outros, como Marlin Stone (Quando Deus Era Mulher), consideram o fenômeno o "amanhecer de um Jardim do Éden da Idade da Pedra" e ligam essa adoração de uma Deusa-Mãe à deusas do panteão sumério, mais tarde. Um dos nomes da deusa Ninmah, que ajudou Enki na criação do homem, era Mammi; não resta dúvida de que essa foi a origem para a palavra "mãe" em quase todas as línguas. Que ela tenha se revelado há 30 mil anos é motivo de es­panto, pois os Anunnaki têm estado na Terra há muito mais tempo, e Ninmah/Mammi entre eles.

        A questão seria: como o Homem da Idade da Pedra, mais especificamente o de Cro-Magnon, sabia da existência desses "deuses?"

        Aqui, acreditamos, entra em jogo outro tipo de desenho encontrado nas cavernas da Idade da Pedra. Se são mencionados (o que é raro), referem-se a eles como "marcas". Porém não se trata de rabiscos ou linhas incoerentes. Essas "marcas" representam objetos de formas bem definidas - formas de objetos aos quais, atualmente, chamamos de Ovni...

Não representam, de forma alguma, a totalidade das ilustrações desse tipo, mas aquelas que, a nosso ver, são as mais óbvias representações de carruagens celestes na Idade da Pedra. Como todas as representações nas cavernas de­coradas são de animais, vistos de verdade e reproduzidos com precisão pelos artistas, não existe motivo para presumir que, no caso das "marcas", eles representassem objetos que fossem imagens abs­tratas. Se as representações são de objetos voadores, então os artis­tas os devem ter visto.

Graças a esses artistas e seu trabalho, podemos ficar seguros de que quando Adão e Eva - numa era antediluviana - afirmaram ter visto" carruagens celestes", estavam registrando fatos, não ficção.

Ler os registros bíblicos e extrabíblicos à luz de fontes sumérias permite que melhoremos nosso entendimento sobre esses eventos pré-históricos. Já examinamos tais fontes com respeito à história da criação de Adão e de Eva no Jardim do Paraíso. Vamos agora exa­minar a tragédia Caim-Abel. Por que os dois se sentiam obrigados a oferecer os primeiros frutos das colheitas anuais para Iavé? Por que ele prestou atenção apenas ao oferecimento de Abel, o pastor? E por que o Senhor se apressou a tranqüilizar Caim, dizendo que ele, Caim, reinaria sobre Abel?

As respostas encontram-se no fato de que na história da cria­ção a versão bíblica comprime mais de uma divindade suméria numa única, monoteísta. Os textos sumérios que lidam com disputas e conflitos entre agricultores e pastores são dois; ambos encerram a chave para compreender o que aconteceu, voltando a uma época em que nem grãos nem animais eram usados pelo homem, uma época em que "os grãos ainda não haviam aparecido, não haviam vegetado... quando um carneiro ainda não nascera, não havia ovelha". Porém o "povo de cabeça negra" já fora fabricado e colocado no E.DIN. Então os Anunnaki resolveram dar aos NAM.LU.GAL.LU - "Humanidade Civilizada" - conhecimento e ferramentas para a "preparação da terra" e para a "manutenção de ovelhas"; não pelo homem, mas "pelos deuses", a fim de assegurar que fossem saciados.

A tarefa de trazer duas formas de domesticação recaiu sobre Enki e Enlil. Foram até o DU.KU, o "local de purificação", a "câma­ra de criar" dos deuses, e criaram Lahar ("gado de lã") e Anshan ("grãos"). "Para Lahar fizeram um cercado... para Anshan, um ara­do e a canga." Cilindros sumérios mostram a apresentação do primeiro arado à humanidade - presumivelmente por Enlil, que criara Anshan, o lavrador (embora uma apresentação por Ninurta, o filho de Enlil, cujo epíteto era "O semeador", não deva ser descartada); e uma cena de semeadura na qual o arado é puxado por uma parelha de bois.

Depois de um período idílico inicial, Lahar e Anshan começa­ram a brigar. Um texto chamado pelos estudiosos de O Mito do Gado e do Grão revela que, apesar dos esforços para separar os dois ao "estabelecer uma casa", uma forma fixa de viver para Anshan (o lavrador) e cercados nos pastos para Lahar (o pastor), e a despeito das colheitas abundantes e prosperidade nos carneiros, os dois começaram a brigar. A discussão começou quando ambos ofereceram suas abundâncias para o "celeiro dos deuses". No início, cada um elogiava seus próprios progressos e diminuía os do outro. Mas a discussão se tomou tão áspera que tanto Enlil quanto Enki foram obrigados a intervir. Segundo o texto sumério, declararam Anshan, o lavrador, o mais esforçado.

Mais explícito em sua escolha entre os dois produtores de comi­da e as duas formas de vida é um texto conhecido como A Disputa Entre Emesh e Enten, em que os dois chegam até Enlil para uma deci­são sobre qual é mais importante. Emesh é quem "faz grandes cer­cados e baias"; Enten, que cava canais para irrigar as terras, afirma que ele é o "lavrador dos deuses". Ao levar as oferendas para Enlil, cada um procurava conseguir supremacia. Enten se vangloria de como formou "fazenda após fazenda", e seus canais de irrigação trouxeram" água em abundância", como ele fez o "grão aumentar nos sulcos" e "elevar-se alto nos celeiros". Emesh lembra que ele "fez a ovelha dar à luz o cordeiro, a cabra dar à luz o cabrito, vacas e bezerros se multiplicaram, gordura e leite aumentaram", e tam­bém como obteve ovos de ninhos feitos para os pássaros e apanhou peixes no mar.

Porém Enlil rejeita as alegações de Emesh, chegando mesmo a repreendê-lo: "Como ousa comparar-se a seu irmão Enten?", diz ele, pois é Enten "que está encarregado de todas as águas produtoras de vida de todas as terras". E água é o mesmo que vida, crescimento, abundância. Emesh aceita a decisão.

 

As palavras exaltadas de Enlil,

cujos significado é profundo;

um veredicto inalterável,

ninguém ousa transgredi-lo!

 

Assim, "na disputa entre Emesh e Enten, Enten, o fiel lavra­dor dos deuses, tendo provado ser vencedor, Emesh seu joelho dobrou perante Enten, ofereceu a ele uma oração" e deu-lhe vá­rios presentes.

É digno de nota que nas linhas citadas acima Enlil chama a Emesh de irmão de Enten - o mesmo parentesco de Caim e Abel. Essa e outras semelhanças entre as histórias suméria e bíblica indicam que a primeira foi a inspiração para a última. A preferência pelo lavra­dor em detrimento do pastor por parte de Enlil pode ser entendida pelo fato de que foi ele a introduzir a agricultura, enquanto Enki ficou com a domesticação e a criação de animais. Estudiosos tendem a traduzir os nomes sumérios como "inverno" para Enten e "verão" para Emesh. EN.TEN seria traduzido por "Senhor do Descanso", a época depois da colheita e, portanto, a estação do inverno, sem uma referência clara a um dia específico. E.MESH ("Casa de Mesh"), por outro lado, é claramente associada a Enlil, pois um de seus epítetos era MESH ("Proliferação"); era ele, portanto, o deus do pastoreio.

Levando tudo em conta, parece haver pouca dúvida de que a rivalidade Caim-Abel refletia uma rivalidade entre os dois irmãos divinos. Vinha à tona de tempos em tempos, como quando Enlil chegou à Terra para assumir o comando de Enki (que ficou relega­do ao Abzu), e em outras ocasiões mais tarde. Suas raízes, entretan­to, remontavam a Nibiru, seu planeta natal. Ambos eram filhos de Anu, o governante de Nibiru. Enki era o primogênito, sendo assim o herdeiro natural do trono. O direito de nascimento chocou-se com as regras de sucessão; embora Enki aceitasse o resultado, a rivalida­de e a raiva muitas vezes ficavam descobertas.

Uma questão raramente formulada seria: onde Caim obteve a noção de matar? No Jardim do Éden, Adão e Eva eram vegetaria­nos, comiam apenas frutas das árvores. Nenhum animal era abati­do por eles. Longe do paraíso, existiam apenas quatro seres huma­nos, nenhum deles ainda havia morrido (muito menos por violência). Em tais circunstâncias, por que (o que motivou) "levantou-se Caim contra seu irmão, Abel, e o matou"?

Parece que a resposta está nos deuses, não nos homens. Assim como a rivalidade entre os irmãos humanos refletia uma rivalidade entre os irmãos divinos, também o assassinato de um irmão pelo outro imitava o assassinato de um "deus" pelo outro. Não de Enki por Enlil ou vice-versa - a rivalidade deles jamais alcançou tal veemência -, mas o assassinato de um líder Anunnaki por obra de outro.

A história é bem documentada na literatura suméria. Os estu­diosos a chamam de O Mito de Zu. Relata eventos que ocorreram depois do rearranjo do comando na Terra, com uma ampla produ­ção de minério de ouro no Abzu, sob a responsabilidade de Enki e o processamento, fusão e refinamento no Edin, sob a responsabilida­de de Enlil. Um total de seiscentos Anunnaki estavam envolvidos nessas atividades na Terra; outros trezentos (os IGI.GI, "aqueles que observam e vêem") ficavam em órbita, tripulando as espaçonaves e transportes espaciais que levavam o ouro produzido até Nibiru. O Centro de Controle da Missão é no quartel-general de Enlil, em Nippur; é chamado DUR.AN.KI, "A ligação Céu-Terra". Lá, sobre uma plataforma elevada, instrumentos vitais, cartas celestes e pai­néis de dados orbitais ("Tabelas de Destinos") são mantidos no DIR.GA, um Santo dos Santos interno e restrito.

Os Igigi, reclamando que não conseguem descanso de seus de­veres orbitais, enviam um emissário a Enlil. Trata-se de um AN.ZU. "Um Que Conhece os Céus", e é chamado de ZU como abreviatura. Admitido no Dirga, ele descobre que as Tabelas de Destinos são a chave para toda a missão. Em pouco tempo ele começa a ter maus pensamentos, a "tramar a agressão": roubar as Tabelas de Destinos e "governar os decretos dos deuses".

Na primeira oportunidade que ele tem, executa seu plano e "em seu Pássaro", parte para esconder-se na "Montanha das Câ­maras Celestes". No Duranki, tudo parou; o contato com Nibiru foi rompido, todas as operações cessaram. Depois de falharem vá­rios esforços para recuperar as tabelas, a perigosa missão foi en­tregue para Ninurta, primogênito de Enlil e guerreiro. Batalhas aéreas com armas que emitem raios brilhantes foram travadas. Fi­nalmente, Ninurta conseguiu penetrar o campo de força protetora de Zu e derrubou o "Pássaro" de Zu. Zu foi capturado e julgado perante os "sete Anunnaki que julgam". Foi considerado culpado e sentenciado à morte. Seu vencedor, Ninurta, foi quem executou a sentença.

A execução de Zu é representada em esculturas arcaicas encon­tradas na Mesopotâmia central. Tudo aconteceu bem antes da criação do homem; mas, como esses textos mostram, a história foi registrada e contada nos milênios que se seguiram. Se Caim ob­teve daí a noção de matar, a ira de Iavé foi compreensível, pois a execução de Zu ocorreu depois de um julgamento, enquanto Abel foi simplesmente assassinado.

Textos sumérios, origem e inspiração para as histórias do Gênesis, não apenas preenchem as lacunas das versões bíblicas mas também proporcionam uma história pregressa para a compreensão dos eventos. Mais um aspecto da experiência humana assim pode ser explicado por registros divinos. Os pecados de Adão e Eva e Caim são punidos com a severidade da Expulsão. Isso também pa­rece ser uma aplicação de uma forma de castigo dos Anunnaki aos humanos criados. Foi uma vez aplicado ao próprio Enlil, que" estu­prou" uma enfermeira Anunnaki (que mais tarde acabou se tornan­do sua esposa).

Ao combinar os dados bíblicos e sumérios, ficamos em posição de colocar o início do homem num ciclo temporal apoiado pela ciên­cia moderna.

Segundo a Lista de Reis Sumérios, 120 Sars ("Anos Divinos" ou órbitas de Nibiru), iguais a 432 mil anos terrestres, se passaram desde a chegada dos Anunnaki à Terra até o Dilúvio. No capitulo 6 do Gênesis, no preâmbulo da história de Noé e do Dilúvio, o número "120 anos" também é fornecido. Acredita-se geralmente que se refi­ra ao limite que Deus colocou para o comprimento da vida humana, porém conforme apontamos em O 12o. Planeta, os patriarcas vive­ram muito mais do que isso depois do Dilúvio - Sem, filho de Noé, 600 anos; seu filho Arpakshad, 438; seu filho Shelach, 433; e assim por diante até Terah, pai de Abraão, que viveu até 205 anos. Uma leitura cuidadosa dos versos em aramaico, conforme sugerimos, fa­lava de anos divinos completados - uma contagem de Anos Divi­nos, não terrestres.

Desses 432 mil anos terrestres, os Anunnaki ficaram sozinhos na Terra por 40 Sars, até acontecer o motim. Então, cerca de 288 mil anos terrestres antes do Dilúvio, quase 300 mil anos atrás, eles cria­ram o Trabalhador Primitivo. Depois de um intervalo cuja extensão não é mencionada nas fontes, deram ao novo ser a habilidade de procriar e devolveram o Primeiro Casal para o sudeste da África.

Um ponto que geralmente é ignorado, mas que achamos bas­tante significativo, é que por meio das narrativas que falam da criação do homem, do episódio no Jardim do Éden e - mais intrigan­te - da história do nascimento de Caim e Abel, a Bíblia se refere aos humanos como O Adão, um termo genérico que define uma espécie determinada. Só no capítulo 5 do Gênesis, que começa com as palavras "Este é o livro da genealogia de Adão", é que a Bíblia deixa o "O". Apenas quando começa a lidar com um pai específico da geração humana; mas, significativamente, essa listagem omite Caim e Abel e segue da pessoa chamada Adão diretamente para seu filho, Seth, pai de Enós. E é apenas para o filho de Seth, Enoque, que o termo hebraico significando ser "humano" é empregado; isso é o que significa Enós: "Ele, que é humano". Até hoje a palavra hebraica para "humanidade" é Enoshut "o que é como, o que deri­va de Enós".

A ligação entre a narrativa bíblica e sua origem suméria emerge de forma muito interessante no nome do neto de Adão, Enós, a quem a Bíblia considera o verdadeiro progenitor da humanidade, como sucedeu no Oriente Médio. A lista de meses e dos deuses associa­dos a eles (conhecida como IV R 33), que começa com nissan, o mês associado a Anu e Enlil (o primeiro mês do calendário assírio­babilônico), apresenta o mês de iyar com a notação sha Ea bel tinishti - "Aquele de Ea, Senhor da humanidade". O termo acadiano tinishti, por sua vez, tinha seu paralelo no sumério pelo termo AZA.LU.LU, que melhor pode ser traduzido como "o povo que serve"; mais uma vez, isso lembra - e explica - a afirmação bíblica sobre Enós, o significado de seu nome e seu tempo.

É em relação a Enós que a Bíblia afirma (Gênesis 4:26) que foi em seu tempo que a humanidade" começa a falar no nome de Iavé". Deve ter sido um evento muito importante, uma nova fase na histó­ria da humanidade, pois o Livro dos Jubileus afirma quase com palavras idênticas que foi Enós "quem começou a chamar o nome do Senhor aqui na Terra". O homem descobrira Deus!

Quem seria esse novo humano, "homem-Enós" de um ponto de vista científico? Seria o progenitor do que chamamos atualmente de homem de Neandertal, o primeiro Homo sapiens verdadeiro? Ou já seria o ancestral do homem de Cro-Magnon, o primeiro Homo sapiens sapiens verdadeiro, que ainda caminha na superfície da Terra como os seres humanos atuais? O homem de Cro-Magnon (que recebeu essa denominação pelo sítio arqueológico na França onde os restos de seu esqueleto foram encontrados) apareceu na Europa cerca de 35 mil anos atrás, substituindo lá o homem de Neandertal (também nomeado pela descoberta de seu esqueleto na Alemanha), que vivia lá desde 100 mil anos. Porém, como revelam restos de esqueletos descobertos nos anos recentes em cavernas de Israel, o homem de Neandertal migrava através do Oriente Médio havia pelo menos 115 mil anos, e os Cro-Magnon já viviam na área 92 mil anos antes. Onde O Adão e Eva, os primeiros humanos criados, e Adão e Eva, os pro­genitores de Seth e Enós, se encaixam nisso tudo? Que luz as Listas de Reis Sumérios e a Bíblia lançam sobre o assunto, e como tudo se relaciona com as atuais descobertas científicas?

Enquanto as descobertas de restos fósseis na Ásia, África e Eu­ropa sugerem que os hominídeos surgiram primeiro no sudeste da África e depois se espalharam para os outros continentes, possivelmente meio milhão de anos atrás, os verdadeiros ancestrais da hu­manidade atual fizeram sua aparência no sudeste da África bem mais tarde. Os marcadores genéticos do Homo sapiens, inicialmente estu­dados por meio do DNA mitocondrial, que só é transmitido pela mulher, e depois mediante estudos de DNA nuclear, herdado de ambos os pais (relatórios do encontro anual de abril de 1994 da As­sociação Americana de Antropólogos Físicos), indicam que todos derivamos de uma única "Eva", que viveu no sudeste da África en­tre 200 mil e 250 mil anos atrás. Estudos publicados em maio de 1995 sobre o cromossomo Y indicam um único ancestral "Adão", cerca de 270 mil anos atrás.

Os dados sumérios colocam a criação do Adão por volta de 290 mil no passado - coincidindo com a escala de tempo para os dois progenitores que a ciência moderna sugere atualmente. Por quanto tempo ficaram lá, e depois de quanto tempo adquiriram a habilidade de procriar, até a expulsão de volta para o sudeste afri­cano e o nascimento de Caim-Abel, os textos antigos não determi­nam. Cinqüenta mil anos? Cem mil anos? Qualquer que tenha sido o tempo exato, parece evidente que a "Eva" que retomara ao sudes­te africano, carregando filhos de Adão, encaixa-se bem cronologica­mente nos atuais dados científicos.

Com os primeiros humanos desaparecidos do cenário, chegou o tempo de surgir o Adão específico e sua linhagem. Segundo a Bí­blia, os patriarcas pré-diluvianos, que viviam períodos de quase 1000 anos na maioria dos casos, apontam uma duração de 1656 anos de­pois de Adão (o indivíduo específico) até o Dilúvio:

 

Idade de Adão quando gerou Seth                                         130 anos

Idade de Seth quando gerou Enós                                         105 anos

Idade de Enós quando gerou Cainã                                       90 anos

Idade de Cainã quando gerou Maalalel                                 70 anos

Idade de Maalalel quando gerou Jarede                               65 anos

Idade de Jarede quando gerou Enoque                                 162 anos

Idade de Enoque quando gerou Matusalém                           65 anos

Idade de Matusalém quando gerou Lamech                       187 anos

Idade de Lamech quando gerou Noé                                   182 anos

Idade de Noé quando o Dilúvio ocorreu                             600 anos

                                                                                          __________        

Tempo desde o nascimento de Adão até o Dilúvio           1656 anos

 

Não houve falta de tentativas para reconciliar esses 1656 anos com os 432 mil sumérios, especialmente porque a Bíblia lista dez patriarcas antediluvianos desde Adão até Noé, e a Lista de Reis Sumérios também aponta dez governantes antediluvianos; o último deles, Ziusudra, foi também o herói do Dilúvio. Há mais de um século, por exemplo, Julius Opert (num estudo intitulado Dier Daten der Genesis) mostrou que os dois números partilham um fator de 72 (432.000: 72 = 6000 e 1656: 72 = 23), e então começou a fazer acroba­cias matemáticas para chegar a uma fonte comum para os dois. Cer­ca de um século mais tarde, o "mitólogo" Joseph Campbell (As Más­caras de Deus) observou, fascinado, que 72 representava o número de anos em que a Terra, em sua órbita ao redor do Sol, retarda de 1 grau (no fenômeno chamado preces são), e assim estabeleceu uma conexão entre as casas zodiacais de 2160 anos cada uma (72 x 30 = 2160). Essas e outras soluções engenhosas falharam em reconhecer o erro ao comparar 432 mil com 1656 porque tratam todos os textos antigos apenas como "mitos". Se os textos antigos fossem tratados como dados confiáveis, ter-se-ia notado que o Trabalhador Primiti­vo (ainda apenas O Adão) foi criado não 120 Sars antes do Dilúvio, mas apenas 80 Sars antes da grande inundação, ou seja, somente 288 mil anos terrestres antes do Dilúvio. Além do mais, como já mostramos neste capítulo, O Adão e a pessoa Adão não eram um e o mesmo. Em primeiro lugar, houve um interlúdio no Jardim do Éden, depois da Expulsão. Quanto tempo durou esse interlúdio a Bíblia não diz.

Uma vez que, conforme já mostramos, a narrativa bíblica é baseada em fontes sumérias, a solução mais simples para o problema é também a mais plausível. No sistema matemático sumério (de base 60), o caractere cuneiforme para "1" pode significar 1 ou 60, dependendo da posição do sinal, assim como "1" significa "um" ou "dez" ou "cem", dependendo da posição do dígito no sistema decimal (só que nós fazemos a distinção com facilidade pelo uso do "0" para indicar a posição, escrevendo 1, 10, 100 etc.). Não poderia ser que os redatores da Bíblia hebraica, vendo nas fontes sumérias o sinal "1", o tomaram como 1 em lugar de 60?

Baseado em tal premissa, os números 1656 (o nascimento de Adão), 1526 (o nascimento de Seth) e 1421 (o nascimento de Enós) seriam convertidos em 99.360, 91.560 e 85.260 respectivamente. Para determinar há quanto tempo foi, precisamos acrescentar os 13 mil anos desde o Dilúvio; os números então se tornam:

 

Adão nasceu 112.360 anos atrás

Seth nasceu 104.560 anos atrás

Enós nasceu 98.260 anos atrás

 

A solução oferecida por nós aqui leva a resultados impressio­nantes. Coloca a linha de Adão-Seth-Enós exatamente na época em que os homens de Neandertal e os de Cro-Magnon passaram pelas Terras da Bíblia à medida que se espalharam pela Ásia e pela Euro­pa. Significa que o Adão individual (não o genérico) era o homem bíblico a quem chamamos de Neandertal, e que Enós, cujo nome significa "humano", era o termo bíblico referente ao que chamamos de Cro-Magnon - o primeiro Homo sapiens sapiens, na verdade o pai de Enoshut, a humanidade atual.

Foi então, afirma a Bíblia, que a humanidade "começou a cha­mar o nome de Iavé". O homem estava pronto para Encontros Divi­nos renovados; alguns dos que ocorreriam seriam verdadeiramente impressionantes.

 

OS TRÊS QUE ASCENDERAM AO CÉU

Os Encontros Divinos, assim como mostraram as primeiras expe­riências da humanidade, podem assumir várias formas. Seja por meio de contato direto, seja por emissários ou apenas escutando a voz do deus, em sonhos ou visões, existe um aspecto comum a essas expe­riências descritas: todas elas aconteceram na Terra.

Ainda assim havia mais uma forma de Encontros Divinos, o grau extremo, reservada para apenas um punhado de mortais escolhi­dos: ser levado para juntar-se aos deuses no Céu.

Em tempos posteriores, os faraós egípcios foram submetidos a elaborar rituais para que, depois de mortos, pudessem apreciar sua jornada para o pós-vida, na habitação divina. Nos dias ante­riores ao Dilúvio, indivíduos escolhidos subiram ao Céu e viveram para contar. Um subida está narrada no Gênesis; e duas em textos sumérios.

Todas as três precisaram aceitar a asserção suméria de que existiu uma civilização bem desenvolvida antes do Dilúvio, uma que foi varrida e enterrada sob milhões de toneladas de lama pela onda enorme que envolveu a Mesopotâmia. Essa afirmativa suméria não foi colocada em dúvida por gerações mais novas. O rei assírio Assurbanipal (686-626 a.C.) gabava-se de poder "entender as pa­lavras enigmáticas nas gravações em pedra dos dias antes da Inundação", e textos assírios e babilônicos referem-se a outro conheci­mento e indivíduos sábios, de eventos e acampamentos urbanos, muito antes do Dilúvio. A Bíblia também descreve uma civilização avançada, com cidades, arte e artesanato, para a linhagem de Caim. Embora tais detalhes não sejam mencionados a respeito de Seth, a própria história de Noé e a construção da Arca implicam um estado de coisas em que as pessoas já eram capazes de construir embarcações.

Tal civilização expressou-se em centros urbanos na Mesopotâ­mia (o centro de tais avanços) e também em artes magníficas realizadas pelo ramo europeu de Cro-Magnon. Algumas das imagens pintadas ou desenhadas por artistas das cavernas representam objetos ou estruturas inexplicáveis. Tornam-se significativos se aceitarmos a possibilidade de que os Cro-Magnon viram (ou talvez até viajaram em) navios marítimos - uma possibilidade que pode­ria explicar como o homem atravessou os dois oceanos 20 mil ou até30 mil anos atrás para atingir a América, vindo do Velho Mundo (lendas dos nativos americanos sobre chegadas pré-históricas pelo oceano Pacífico incluem a história de Naymlap, o líder de uma pequena armada de balsas que carregava na nau capitânia uma pedra verde por intermédio da qual recebia instruções divinas de navegação e sobre o local de chegada).

Realmente as histórias sumérias de dois indivíduos escolhidos que ascenderam ao Céu remontam à origem da civilização humana e explicam como ela se desenvolveu (antes do Dilúvio). A primeira é a história narrada que os estudiosos chamam de A Lenda de Adapa. Um aspecto intrigante da lenda é que, antes da subida aos céus, Adapa envolveu-se numa involuntária travessia marítima para uma terra desconhecida, porque sua embarcação foi desviada do curso pelo vento - um episódio talvez refletido pelas lembranças dos primeiros americanos e nas representações rupestres do homem de Cro-Magnon.

Adapa, segundo a lenda, era protegido de Enki. Com a permissão para viver na cidade de Enki, Eridu (o primeiro centro de colonização Anunnaki na Terra), "diariamente ele ia ao santuário de Eridu". Escolhendo-o para que se tomasse um "modelo de homem", Enki (em seu texto chamado pelas iniciais de seu epíteto, E.A.) "lhe dá sabedoria, mas não a vida eterna". Não se trata apenas da similaridade entre os nomes de Adapa e Adão, pois essa antiga história de Adapa levou vários estudiosos a considerá-lo fruto da Árvore do Conhecimento, mas não o da Árvore da Vida. O texto então descreve Adapa como encarre­gado dos serviços para os quais os Trabalhadores Primitivos foram trazidos ao Edin: supervisiona os padeiros, assegura supri­mentos de água, supervisiona a pescaria de Eridu e como um "sacerdote de ungüentos, limpo de mãos", cuida das oferendas e ritos prescritos.

Um dia, "no porto sagrado, o Porto da Lua Nova" (a Lua era o corpo celeste associado a Ea/Enki), "ele subiu a bordo do veleiro", talvez com a intenção de apenas pescar. Mas a calamidade o atingiu:

 

Então o vento soprou mais forte,

e, sem leme, seu barco derivou.

Com o remo ele pilotou seu barco;

(ele rumou) para o alto-mar.

 

As linhas seguintes na estela de argila foram danificadas, de for­ma que perdemos alguns detalhes do que aconteceu, uma vez que Adapa encontrou-se à deriva em "alto-mar" (o golfo Pérsico). À medida que as linhas se tomam legíveis outra vez, ficamos sabendo que uma grande tempestade, o Vento Sul, começou a soprar. De forma aparentemente inesperada, mudou de direção e, em vez de soprar do mar na direção da terra, soprou na direção do mar aberto. Por sete dias a tempestade durou, carregando Adapa para uma região desconhecida e distante. Lá, naufragado, "no local que é a casa dos peixes, ele residiu". Não ficamos sabendo quanto tempo ele permaneceu em terra nesse local ao sul nem como finalmente foi salvo.

Nessa habitação celestial, de acordo com a história, Anu perguntou-se por que o Vento Sul "não soprou na direção da terra por sete dias". Seu vizir, Ilabrat, respondeu-lhe que fora porque "Adapa, filho de Ea, quebrou a asa do Vento Sul". Perplexo, Anu ("levantando-se do trono") disse: "Que o apanhem e o tragam até aqui!" .

"Com aquilo, Ea, aquele que sabe o que preocupa o Céu", encarregou-se dos preparativos para a viagem celestial. "Fez que Adapa desmanchasse o cabelo e o vestiu com roupas de luto." Deu a Adapa o seguinte conselho:

 

Você está a ponto de comparecer perante Anu, o rei;

a estrada para o Céu você tomará.

Quando se aproximar do portão de Anu,

os deuses Dumuzi e Gizzida

ao portão de Anu estarão aguardando.

Quando o virem, irão perguntar:

"Homem, por que tens essa aparência,

por quem está usando luto?".

 

A essa pergunta, Ea instruiu Adapa, é preciso dar a seguinte resposta: "Dois deuses desapareceram de nossa terra, por isso estou assim". Quando perguntarem a você quem eram os dois deuses, é preciso dizer: "Dumuzi e Gizzida". Como esses dois deuses cujos nomes você disse são os mesmos que guardam o portão de Anu, irão olhar um para o outro e rir bastante, e falarão a Anu com boas palavras sobre você.

Essa estratégia, explicou Ea, irá fazer com que Adapa passe pelo portão e "fará com que Anu mostre sua face benigna". Uma vez no interior, aí é que viria o verdadeiro teste de Adapa:

 

Enquanto você estiver perante Anu,

irão oferecer-lhe pão;

é a Morte, não coma!

Irão oferecer-lhe água;

É a Morte, não beba!

Irão oferecer-lhe uma túnica;

Vista-a.

Irão oferecer-lhe óleo;

unte a si mesmo com ele!

 

        "Não deve negligenciar essas instruções. Faça o que eu disse", alertou Ea.

Em pouco tempo chegou o emissário de Anu. Declarou que Anu lhe dissera: "Adapa, aquele que quebrou a asa do Vento Sul - traga-o até mim!". E, falando assim,

 

Ele fez Adapa tomar o caminho para o céu,

e para o céu ele ascendeu.

 

"Quando ele chegou ao céu", o texto continua, "e se aproximou do portão de Anu", Dumuzi e Gizzida estavam lá, conforme Ea predissera. Adapa respondeu de acordo como fora instruído, e os dois deuses o levaram "à presença de Anu". Vendo-o aproximar-se, Anu convidou: "Aproxime-se, Adapa. Por que você quebrou a asa do Vento Sul?". Como resposta, Adapa contou a história de sua viagem marítima, certificando-se de que Anu entendesse que tudo fora a serviço de Ea. Ouvindo aquilo, a raiva de Anu deslocou-se para Ea. "Foi ele quem fez isso!"

Um aspecto inquietante da história é a falta de clareza em relação às verdadeiras circunstâncias da viagem por mar. Teria sido a chegada à terra distante resultado de um acidente ou de um ato de­liberado? As linhas danificadas que lidam com essa parte dos acon­tecimentos tomam essa determinação impossível; porém perdura um sentimento de que toda a desculpa para a "asa quebrada" do Vento Sul era alguma cobertura para um plano de Ea. Evidente­mente Anu também suspeitou de alguma coisa, pois ficou intrigado e perguntou:

 

Por que Ea a um humano indigno

descerra os caminhos do céu

e os planos da Terra -

­tornando-o importante

fazendo um Shem para ele?

 

Continuando seu raciocínio, Anu pergunta-se: "E quanto a nós, o que vamos fazer com ele?".

Sendo que Adapa não tinha culpa do incidente, Anu teve o desejo de recompensá-lo. Mandou que servissem pão, "o Pão da Vida" a Adapa; mas Adapa, tendo escutado de Ea que seria o Pão da Mor­te, recusou-o. Trouxeram água, "Água da Vida"; Adapa, avisado por Ea que seria a Água da Morte, recusou-se a beber. Mas quando trouxeram uma túnica, ele a colocou, e quando trouxeram óleo, ele se ungiu.

O comportamento peculiar de Adapa intrigou Anu. "Anu olhou para ele e riu." "Vamos, Adapa, por que você não comeu, por que não bebeu?" Adapa respondeu: "Ea, meu senhor, me ordenou: não comerás, não beberás".

"Quando Anu escuta aquilo, a raiva enche seu coração." Despa­cha um emissário, "um que conheça os pensamentos dos grandes Anunnaki", para discutir o assunto com lorde Ea. O emissário, con­forme relata a estela parcialmente danificada, repete os eventos celestiais palavra por palavra. A estela torna-se então ilegível e fica­mos sem saber a explicação de Ea para suas estranhas instruções.

Sem se importar como terminou a discussão, Anu resolveu en­viar Adapa de volta à Terra; e como Adapa usou o óleo para se un­gir, Anu decretou que, de volta a Eridu, o destino de Adapa seria uma linhagem de sacerdotes que realizariam a cura de doenças. No caminho de volta:

 

Adapa, do horizonte do céu

ao zênite do céu lançou um olhar;

e viu sua grandeza.

 

A interessante pergunta de qual teria sido a forma de transporte pela qual Adapa realizou sua viagem de ida e volta, vendo, no pro­cesso, a espantosa imensidão dos céus, é respondida de forma indi­reta pelo texto antigo, quando Anu se perguntou em voz alta por que Ea "fez um Shem" para Adapa. Essa palavra acadiana é geral­mente traduzida por "nome". Porém, como elaboramos em O 12o. Planeta, o termo (MU em sumério) obteve esse significado pela forma das rochas eretas para" comemorar o nome" de um rei - uma forma que imitava as pontiagudas construções Anunnaki. O que Anu se perguntou, na verdade, foi: por que Ea forneceu um foguete a Adapa?

As representações mesopotâmicas mostram "Homens-Águias" - astronautas com seus trajes espaciais - ladeando e saudando um Shem com forma de foguete. Outra representação mostra dois desses "Homens-Águias" guardando a entrada do portão de Anu (ilustrando talvez os deuses Dumuzi e Gizzida da história de Adapa). O lintel do portão está decorado com o emble­ma do Disco Alado, o símbolo celeste de Nibiru, que estabelece a localização do portão. O símbolo celeste de Enki, o crescente lunar, junto com a representação de todo o Sistema Solar (uma divindade central cercada por uma família de onze planetas) completam o cenário celestial. Também aqui observamos os "Homens-Águias", cujas representações sem dúvida depois inspiraram as dos anjos alados ao lado de urna Árvore da Vida; significante é o fato de que muitas vezes evocam a hélice dupla do DNA, um lembrete da história do Jardim do Éden.

Os reis da Mesopotâmia, gabando-se de sua grande sabedoria, clamaram ser "herdeiros do sábio Adapa". Tal afirmação reflete a tradição que Adapa não apenas recebeu o status de sacerdote, mas também a instrução científica associada ao sacerdócio, passada de uma geração de sacerdotes para outra nos templos sagrados. Estelas-índices, que catalogavam trabalhos literários mantidos nas estantes da biblioteca de Assurbanipal, em Nínive, mencionam pelo menos dois livros relacionados ao conhecimento de Adapa. Um deles, cujo início do título está danificado, estava na estante ao lado de "Escritos de Antes da Inundação", e sua segunda linha afirma "...que Adapa escreveu a sabedoria ditada a ele". A sugestão de que a sabedoria que lhe foi ditada por uma divindade é reforçada pelo título de outro trabalho atribuído a Adapa por fontes sumérias. Era intitulado U.SAR Dingir ANUM Dingir ENLILA - "Escritos Relativos ao Tempo [do], Divino Anu e Divino Enlil" - e confir­ma as tradições de que Adapa foi tutorado não apenas por Ea/Enki mas também por Anu e Enlil, e que sua sabedoria cobria desde doenças curiosas até astronomia, contagem do tempo e o calendário.

Outro livro (na verdade, um conjunto de estelas) de Adapa que estava listado nos índices da biblioteca de Nínive era intitulado "Nave celestial que, pela sabedoria de Anu, Adapa (recebeu)". O texto de "A Lenda de Adapa" se refere repetidamente ao fato de que mostraram a Adapa "os caminhos do céu", permitindo que ele viajasse da Terra para a habitação celestial de Anu. A implicação de que Adapa conhecia um mapa de rotas celestes deve ser vista como baseada em fatos, pois pelo menos um desses mapas foi encontra­do. Foi representado num disco de argila, sem dúvida cópia de um artefato mais antigo, que também foi descoberto nas ruínas da bi­blioteca real de Nínive e agora se encontra no Museu Britânico, em Londres. Dividido em oito segmentos, representava (como se evidencia ao examinarmos os pedaços não danificados, precisas formas geométricas (algumas, tais como uma elipse, desconhe­cida nos outros artefatos antigos), setas e anotações em acadiano que se referem a vários planetas, estrelas e constelações. Apresentando particular interesse, existe um segmento quase intacto, cujas notações (aqui traduzidas para o inglês) identificam, pelas instruções de vôo, o Caminho de Enlil de um lugar montanhoso (Nibiru) para a Terra. Além dos céus da Terra, estão quatro corpos celestes (que outros textos identificam como Sol, Lua, Mercúrio e Vênus). Entrementes, o vôo passa por sete planetas.

A contagem de sete planetas é significativa. Consideramos a Terra o terceiro planeta, contando a partir do Sol: Mercúrio, Vênus, Terra. Mas por alguém chegando dos limites do Sistema Solar, a contagem seria a de Plutão como primeiro. Netuno seria o segundo, Urano o terceiro, Saturno e Júpiter, o quarto e o quinto, Marte o sexto, e a Terra seria o sétimo. Na verdade, a Terra era representada assim (pelo símbolo de sete bolas) nos selos cilíndricos e monumen­tos, muitas vezes na companhia de Marte (o sexto), como uma "es­trela" de seis pontas, e Vênus (o oitavo) como uma estrela de oito pontas.

Também significativo, embora a outro respeito, é o fato de que a rota passa entre os planetas chamados em sumério de DILGAN (Júpiter) e APIN (Marte). Textos astronômicos da Mesopotâmia se referem a Marte como o planeta "em que o caminho certo está traça­do", onde uma curva foi feita como o desenho no segmento indica. Em Gênesis Revisitado apresentamos considerações antigas e moder­nas para apoiar a conclusão de que uma base espacial antiga existiu em Marte.

Os textos que faltam ou as porções danificadas da Lenda de Adapa podem ter lançado luz sobre um aspecto intrigante da histó­ria: se Ea sabia o que aconteceria no Céu, qual o propósito de reali­zar o plano de enviar Adapa, se no final ele ficou privado da Vida Eterna?

As histórias dos tempos antediluvianos (como a de Gilgamesh) indicam que filhos de um humano com um deus (ou deusa) julgam que possuem direito à imortalidade e realizam esforços enormes no sentido de obtê-la. Seria Adapa um "semideus" assim, que não parava de apoquentar Ea para que o dotasse de imortalidade? A referência a Adapa como "cria de Ea" é traduzida literalmente por alguns como "filho de Ea", nascido para Enki por uma fêmea huma­na. Isso explicaria o plano de Ea para fingir que o desejo de Adapa está sendo atendido, enquanto na verdade ele manobra para obter o resultado oposto.

Adapa, sem dúvida, também ostentava o título de "Filho de Eridu" (o centro de Enki). Era um título honorífico que significava inteligência e educação por meio da instrução nas renomadas academias de Eridu. Na época dos sumérios, os "Sábios de Eridu" eram uma classe por si só, antigos sábios de memória abençoada. Seus nomes e especialidades eram lista dos e registrados, com grande res­peito e reverência, em textos incontáveis.

Segundo essas fontes, os Sábios de Eridu eram sete. Em seu es­tudo com fontes assírias, Rykle Borger (Die Beschwerungsserie Bit Meshri und die Himmelfahrt Henochs, no Journal of Near Eastern Studies) ficou intrigada com os fatos a respeito do sétimo deles, sobre o qual afirmava O texto (além do nome e especialidade, como todos aque­les listados) que era aquele "que subiu para o céu". O texto assírio o chama de Utu-Abzu; a professora Borger concluiu que ele era o "Enoque" assírio, porque de acordo com o registro bíblico, era o sétimo patriarca antediluviano, a quem a Bíblia chama de Enoque, e que foi levado por Deus para a Habitação Celestial.

Enquanto a narrativa bíblica oferece a Lista de Patriarcas An­tediluvianos que precederam Enoque e os que vieram depois, fornecendo nome, idade em que o primogênito foi gerado e idade com que morreram, sobre Enoque, o sétimo patriarca, o texto é diferente:

 

E viveu Enoque 65 anos,

e gerou a Matusalém.

E andou Enoque com Deus,

depois que gerou Matusalém,

trezentos anos,

e gerou filhos e filhas.

E foram todos os dias de Enoque 365 anos.

E andou Enoque com Deus e desapareceu,

porque o tomou Deus.

 

Mesmo esse pequeno trecho bíblico possui mais do que mostra ao olho em sua tradução, porque no original aramaico a afirmação é que "Enoque andou com os Elohim" e foi levado "pelos Elohim". A palavra hebraica, conforme já mostramos, é o equivalente a DIN.GIR nas fontes sumérias do Gênesis. Assim, foram os Anunnaki com quem Enoque "andou". Essa interpretação, assim como os dados científicos que poderiam vir apenas do sistema sexagesimal de ma­temática e do calendário sumério que se originou em Nippur, são pistas para as fontes antigas de composição, graças às quais sabe­mos mais sobre Enoque do que o lacônico trecho na Bíblia.

A primeira dessas composições é o Livro dos Jubileus, que já mencionamos anteriormente. Preenchendo os detalhes que faltam na nar­rativa bíblica sobre os dez patriarcas antediluvianos, ele afirma que quando "Enoque andou com os Elohim" ele" esteve com os anjos de Deus seis jubileus de anos, e eles lhe mostraram tudo o que existe na Terra e nos Céus".

 

Ele foi o primeiro entre os homens nascidos na Terra

que aprendeu a escrever e recebeu conhecimento e

sabedoria, e que escreveu os signos do céu de acordo

com a ordem de seus meses num livro...

E ele foi o primeiro a escrever um testemunho,

e atestou aos filhos de Adão pelas gerações na Terra,

e recontou as semanas dos jubileus e fez saber os

dias dos anos.

E colocou em ordem os meses e recontou

os sabás dos anos como os anjos contaram a ele.

E também o que ele viu numa visão em seu sonho,

o que era e o que será à medida que acontece

aos filhos dos homens ao longo de suas gerações.

 

Segundo essa versão do Encontro Divino de Enoque, "ele foi retirado dos filhos dos homens" pelos anjos, que o "conduziram para o Jardim do Éden com honra e majestade". Lá, segundo o Livro dos Jubileus, Enoque passou seu tempo escrevendo as "condenações e julgamentos do mundo", baseados nos quais "Deus trouxe as águas do Dilúvio sobre toda a terra do Éden".

Ainda mais detalhes são fornecidos pelo Livro de Enoque, no qual a história de Enoque não é parte de uma narrativa dos patriarcas, mas o trabalho principal. Composto nos séculos que precederam a era cristã e baseado em antigas fontes da Mesopotâmia, adorna o antigo material com uma angelologia comum na época dos autores.

O original hebraico do Livro de Enoque está perdido, mas certa­mente existiu, porque foram encontrados fragmentos, misturados com dialeto aramaico (tendo o aramaico naquela época se tornado a linguagem de uso diário), entre os manuscritos do mar Morto. Muito citado e traduzido para o grego e para o latim, era conside­rado escritura sagrada para quase todos os escritores do Novo Tes­tamento. Com tudo isso, a composição sobreviveu principalmente devido a traduções tardias do etíope (conhecidas como "Enoque 1") e do eslavo ("Enoque 2"), algumas vezes chamada de O Livro dos Segredos de Enoque).

O Livro de Enoque descreve em detalhes não uma, mas duas via­gens celestiais: a primeira para aprender os segredos celestes, voltar e transmitir a sabedoria adquirida aos filhos. A segunda foi apenas num sentido: Enoque não retomou dela, por isso a afirmação bíbli­ca de que Enoque se fora, levado pelos Elohim. No Livro de Enoque, há uma hoste de anjos que realizam as tarefas divinas.

A Bíblia afirma que Enoque "andou com os Elohim" muito antes de ter sido levado; o Livro de Enoque fornece detalhes sobre esse pe­ríodo. Descreve Enoque como um escriba com poderes proféticos. "Antes dessas coisas, nenhum dos Filhos de Adão sabia onde estava ele ou onde ele andava... seus dias eram com os Sagrados." Os Encontros Divinos começaram com sonhos e visões. "Vi em meu sono O que agora vou contar com minha língua de carne", disse ele no início de seu envolvimento com os Divinos. Foi mais do que um sonho, foi uma visão:

 

E a visão me mostrou essas coisas:

na visão, as nuvens me convidaram

e uma neblina me chamou;

o curso das estrelas e relâmpagos

me apressaram;

os ventos na visão me fizeram voar

e me ergueram,

e me levaram para o céu.

 

Ao chegar ao Céu, ele atingiu uma parede" construída de cris­tais e cercada por línguas de fogo". Enfrentou o fogo e chegou a­ uma casa construída de cristais, cujo teto imitava o céu estrelado e mostrava os caminhos das estrelas. Em sua visão, ele viu então uma segunda casa, maior e mais magnificente do que a primeira. Enfren­tando os fogos que a inflamavam, ele viu no interior um trono de cristal repousando sobre línguas de fogo; "a aparência era de cris­tal, e as rodas eram como o brilho do sol". Sentado sobre o trono estava a Grande Glória, porém nem mesmo os anjos podiam aproxi­mar-se e contemplar Seu rosto por causa do brilho e da magnificên­cia de Sua glória. Enoque prostrou-se, escondendo o rosto e estre­mecendo. Mas então" o Senhor me chamou com Sua própria boca e disse: 'aproxime-se, Enoque, e escute Minhas palavras"'. Então um anjo aproximou-o e ele escutou o Senhor dizer que, por ele ser um escriba e um justo, iria tomar-se um representante para os homens e aprenderia segredos celestes.

Foi depois desse sonho-visão que as viagens de Enoque aconte­ceram. Ele começou uma noite, noventa dias antes de seu 365o. aniversário. Como Enoque contou aos filhos mais tarde:

 

Eu estava sozinho na casa. Sentia-me perturbado,

chorando com os olhos, descansava e

adormeci em minha cama.

E apareceram a mim dois homens muito grandes,

Tal como jamais vi na Terra. Seus rostos

brilhavam como o Sol, os olhos eram como uma luz

queimando,

e o fogo saía de suas bocas.

Suas túnicas, de aparência púrpura, eram diferentes

uma da outra; e seus braços eram como asas douradas.

Estavam de pé à cabeceira de minha cama

e me chamaram pelo nome.

 

Acordado de seu sono, Enoque prosseguiu: "Vi claramente aqueles dois homens em pé à minha frente". Ao contrário do primeiro sonho-visão, aquilo era mais do que uma visão; daquela vez era real!

"Levantei-me e me curvei para eles. Fui tomado pelo medo e cobri meu rosto de terror", disse Enoque. Os dois emissários responderam, dizendo: "Tenha coragem, Enoque, não tema, pois o Senhor Eterno nos enviou a você. Contemple, hoje subirá conosco para os céus".

Instruíram Enoque para que se preparasse para a jornada celestial, dizendo a seus filhos e servos o que deveriam fazer em sua ausência, e que ninguém deveria procurá-lo "até que o Senhor o devolvesse a eles". Enoque convocou seus dois filhos mais velhos, Matusalém e Regim, e disse a eles: "Não sei aonde irei nem o que me acontecerá". Portanto, instruiu-os a serem retos e justos e a manterem a fé no Deus Todo-Poderoso. Ainda falava com seus filhos quando" os dois anjos o apanharam em suas asas e o elevaram até o Primeiro Céu". Era um lugar nebuloso, e ele viu lá "um grande mar, maior do que o mar terrestre". Na primeira parada, Enoque conheceu os segredos da meteorologia, depois do que foi" carregado" para o Segundo Céu, onde viu prisioneiros atormentados; haviam come­tido o pecado de "não obedecer aos mandamentos do Senhor". No Terceiro Céu, aonde os dois anjos o levaram em seguida, ele viu o Paraíso e a Árvore da Vida. O Quarto Céu foi o lugar da maior para­da, onde revelaram a Enoque os segredos do Sol e da Lua, das estre­las, das constelações zodiacais e do calendário. O Quinto Céu era o "fim do Céu e da Terra" e o lugar de banimento dos "anjos que se ligaram a mulheres". Era um lugar "caótico e horrível", do qual as "sete estrelas do céu" podiam ser vistas "atadas". Foi então que a primeira parte da jornada celestial se completou.

Na segunda parte da viagem, Enoque encontrou os vários tipos de anjos em ordem ascendente: Querubins, Serafins e grandes Arcanjos, sete níveis de anjos ao todo. Passando através do Sexto Céu e do Sétimo Céu, Enoque alcançou o Oitavo Céu; lá, as estrelas que formavam as constelações já podiam ser vistas; e à medida que Enoque subia ainda mais, podia enxergar do Nono Céu "as mora­das celestiais dos doze signos do zodíaco". Finalmente ele atingiu o Décimo Céu, onde foi "levado perante o rosto do Senhor", uma vi­são majestosa demais para ser descrita, disse Enoque mais tarde.

Aterrorizado, Enoque "curvou-se e prostrou-se perante o Senhor". E ouviu o Senhor dizer: "Levante-se, Enoque, não tenha medo, erga-se, fique em pé perante meu rosto e conquiste a eternidade". E o Senhor mandou que o arcanjo Miguel trocasse as roupas terrenas de Enoque, o vestisse com roupas divinas e o ungisse. Então o Senhor ordenou que o arcanjo Pravuel"trouxesse os livros do depósi­to sagrado e um junco para escrever rápido, e os desse a Enoque para que ele pudesse escrever tudo que o arcanjo lesse para ele, to­dos os mandamentos e ensinamentos". Durante trinta dias e trinta noites o arcanjo Pravuel ditou e Enoque escreveu todos os segredos dos "trabalhos do céu, da terra e do mar, e todos os elementos, suas passagens e caminhos, e os estrondos do trovão; e o Sol e a Lua, os caminhos e as mudanças das estrelas, as estações, os anos, os dias e as horas" e "todas as coisas humanas, as línguas de todas as canções humanas... e todas as coisas apropriadas para aprender". Os escri­tos encheram 360 livros.

Então o próprio Senhor, deixando Enoque sentar-se a seu lado esquerdo, ao lado do arcanjo Gabriel, disse a Enoque como o Céu e a Terra e tudo o que há sobre ela foram criados. Então o Senhor disse a Enoque que ele voltaria para a Terra a fim de poder relatar a seus filhos tudo o que aprendera e para dar a eles os livros escritos a mão, para que os passassem de geração a geração. Mas sua estada na Terra seria de trinta dias apenas, "e depois de trinta dias enviarei meu anjo para você, e ele irá trazê-lo da Terra, e de seus filhos, a mim".

E assim foi, no final da estada celestial, que os dois anjos devol­veram Enoque para a sua casa, levando-o de volta a sua cama, du­rante a noite. Reunindo seus filhos e todos em sua casa, Enoque relatou a eles sua experiência e descreveu a eles o conteúdo dos livros: medidas e descrições de estrelas, a extensão do ciclo do Sol, as mudanças das estações devido aos solstícios e equinócios, e outros segredos relativos ao calendário. Depois instruiu seus filhos a ser pacientes e gentis, a dar auxílio aos pobres, a ser justos e fiéis e a guardar todos os mandamentos do Senhor.

Enoque continuou falando e dando instruções até o último ins­tante, e àquela altura a notícia de sua visita celeste e ensinamentos já se espalhara pela cidade, e uma multidão de 2000 pessoas reuni­ra-se para ouvi-lo. Então o Senhor enviou uma escuridão sobre a Terra, e a escuridão engolfou a multidão e todos os que estavam próximos a Enoque. Na escuridão os anjos rapidamente ergueram Enoque e o carregaram para "o céu mais elevado".

E todas as pessoas viram,

mas não puderam entender

como Enoque fora levado.

E voltaram para suas casas

aqueles que haviam visto tais coisas

e glorificaram a Deus.

E Matusalém e seus irmãos,

todos os filhos de Enoque, apressaram-se

e erigiram um altar no local

de onde Enoque fora levado aos céu.

 

A segunda ascensão de Enoque ao Céu, e também a última, afirma o escriba do Livro de Enoque no final, teve lugar exatamente no dia e hora em que ele nascera, com a idade de 365 anos.

 

Seria essa história da subida de Enoque ao Céu equivalente à história de Adapa, dos sumérios, ou inspirada nela?

Determinados detalhes em ambas as histórias apontam nessa direção. Dois anjos, a exemplo dos deuses Dumuzi e Gizzida na len­da de Adapa,levam o terrestre "perante o rosto do Senhor". Os tra­jes do visitante são mudados de terrestres para divinos. Ele é ungi­do. E, finalmente, recebe grande sabedoria que ele escreve em "livros". Nos dois casos o visitante escreve o que está sendo ditado a ele. Tais detalhes aparecem num cenário que sem dúvida estabelece a origem suméria da "lenda" de Enoque.

Já ressaltamos que ao atribuir os Encontros Divinos de Enoque aos "Elohim" a narrativa da Bíblia denuncia sua fonte suméria. O sistema sexagesimal sumério se revela em alguns números-chave na história de Enoque, tal como nos sessenta dias de sua primeira estada no céu e os 360 "livros" (estelas) ditados a Enoque. O mais intrigante, entretanto, é a afirmativa de que a Habitação Divina, o local do encontro supremo, era o Décimo Céu. Isso vai contra todas as noções de sete céus divinos, com o sétimo como supremo, uma noção baseada na presunção de que os povos antigos conheciam apenas os sete corpos celestes (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Satumo). Os sumérios, muito antes dos gregos ou romanos, conheciam a formação completa do Sistema Solar, uma família que eles diziam ter doze membros: Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno, Plutão (usamos os nomes modernos) e um décimo planeta, Nibiru, o planeta que era a habitação de Anu, o "rei" ou "lorde" de todos os "deuses" Anunnaki.

(É digno de nota que no misticismo judeu medieval, conhecido como Cabala, a habitação de Deus Todo-Poderoso é na décima Sefira, um "brilho" ou local celestial, um Décimo Céu. As Sefirot (plural) eram geralmente representadas por círculos concêntricos, muitas vezes superpostos com a imagem de Kadmon (Adão Primordial, "O Antigo"), cujo centro é chamado de Yessod ("Fundação"), a décima Ketter ("Coroa" do Altíssimo). Além, estende-se o Ein Soff­ - espaço infinito.

São ligações com fontes sumérias. Mas é incerto se a história de Adapa foi refletida na de Enoque, porque podemos encontrar mais similaridades entre Enoque e um outro sumério antediluviano, EN.ME.DUR.ANNA ("Mestre das Divinas Tábuas da Ligação Celestial"), também conhecido como EN.ME.DUR.AN.KI ("Mestre das Divinas Tábuas da Ligação Céu-Terra").

Como na lista bíblica dos dez patriarcas antediluvianos, tam­bém a Lista de Reis Sumérios, mais antiga, apresenta dez governan­tes antediluvianos. Na lista bíblica, Enoque era o sétimo. Na lista suméria, Enmeduranki era o sétimo. E como no caso de Enoque, Enmeduranki foi levado por dois guias divinos para o céu, a fim de aprender várias ciências. Enquanto no caso de Adapa a possibilidade (mencionada acima) de que ele fosse o sétimo (sábio) não é absoluta (algumas fontes da Mesopotâmia o listam como o primeiro dos sete sábios de Eridu), a sétima posição de Enmeduranki é certa; daí vem a opinião de alguns estudiosos de que ele é o Enoque bíblico. Veio de Sippar, onde, em épocas antediluvianas, ficava o Espaço­porto dos Anunnaki, com Utu ("Shamash" mais tarde), neto de Enlil, e seu comandante.

A Lista de Reis Sumérios registra um reinado de 21.600 anos (seis Sars) para Enmeduranki em Sippar - um detalhe bastante sig­nificativo. Em primeiro lugar revela que, numa determinada época, os Anunnaki selecionavam humanos qualificados para agirem como EN - "chefe" - de um dos acampamentos antediluvianos (nesse caso, Sippar) - um aspecto do fenômeno dos semideuses. Em se­gundo, de acordo com nossa sugestão para reconciliar os dados dos períodos de vida dos patriarcas antediluvianos, sumérios e bíblicos, deveria ser notado que 21.600 reduzido por um fator de 60 resulta 360. Embora a Bíblia assinale para Enoque uma presença terrestre de 365 anos, o Livro de Enoque dá 360 como o número de livros escri­tos por Enoque nos quais ele registrou a sabedoria. Esses detalhes não apenas destacam as similaridades entre Enoque e Enrneduranki mas também apóiam nossa solução para o tratamento de períodos de tempo sumério-bíblicos.

O texto que detalha a subida e o treinamento de Enmeduranki foi montado a partir de fragmentos de estelas, principalmente da biblioteca real, em Nínive, depois publicado numa versão editada por W. G. Lambert (Enmeduranki e Material Relacionado, no Journal of Cuneiform Studies). A fonte básica é a gravação de eventos ante­diluvianos inscritos em estelas de argila por um rei babilônio em apoio a sua reivindicação do trono, porque era um "herdeiro dis­tante da realeza, semente preservada desde antes do Dilúvio, cria de Enmeduranki, que governava em Sippar". Tendo assim afirma­do sua impressionante linha ancestral com um dirigente antedilu­viano, o rei da Babilônia continuou contando a história de Enmeduranki:

 

Enmeduranki era um príncipe em Sippar,

amado de Anu, Enlil e Ea.

Shamash no Templo Brilhante

nomeou-o sacerdote.

Shamash e Adad (levaram-no)

para a assembléia (dos deuses).

 

Shamash, conforme mencionado, era neto de Enlil e comandan­te do Espaçoporto em Sippar em tempos antediluvianos e, mais tarde, do que havia no Sinai. Sippar, reconstruída após o Dilúvio, po­rém não mais um Espaçoporto, ainda era reverenciada como um elo com a justiça celestial dos DIN.GIR ("Os Retos/Os Justos das Naves Espaciais") e local da suprema corte. Adad (Ishkur em sumério) era o filho mais novo de Enlil e recebera a Ásia Menor como domínio. Os textos o descrevem como amigo da sobrinha Ishtar e do sobri­nho Shamash. Foram os dois, Adad e Shamash, que conduziram Enmeduranki para o local onde os deuses estavam reunidos, presu­mivelmente para avaliação e aprovação. Então...

 

Shamash e Adad o (vestiram? Purificaram?),

Shamash e Adad o prepararam

num grande trono de ouro.

Eles o mostraram como se observa

o óleo na água...

um segredo de Anu, Enlil e Ea.

Deram-lhe uma Tábua Divina,

O Kibdu, um segredo do Céu e da Terra.

Colocaram em suas mãos um instrumento de cedro,

favorito dos grandes deuses...

Eles o ensinaram a fazer

cálculos com números.

 

Tendo aprendido os "segredos do Céu e da Terra", especifica­mente incluindo medicina e matemática, Enmeduranki foi devolvido a Sippar com instruções para revelar ao povo seu Encontro Divino e tomar o conhecimento disponível à humanidade, passando segredos de uma geração de sacerdotes para outra, de pai para filho:

 

O sábio estudado,

que guarda os segredos dos grandes deuses,

fará seu filho escolhido comprometer-se com um

juramento

perante Shamash e Adad.

Pelas Tábuas Divinas, com um buril,

ele os instruirá

nos segredos dos deuses.

 

A estela com esse texto, agora mantida no Museu Britânico, possui um pós-escrito:

 

Assim foi a linha de sacerdotes criada,

aqueles que possuem permissão

de se aproximar de Shamash e Adad.

 

Segundo essa versão da subida ao céu de Enmeduranki, sua ha­bitação era em Sippar (o "centro de culto" pós-diluviano de Shamash), e foi lá que ele usou a Divina Tábua para ensinar sabedoria secreta ao sacerdote seu sucessor. Esse detalhe cria um elo com os eventos do Dilúvio, pois de acordo com fontes mesopotâmicas e também com as crônicas de Berossus (um sacerdote babilônio que no século II a.C. compilou uma "história do mundo" na Grécia), as estelas contendo a sabedoria revelada à humanidade pelos Anunnaki antes do Dilúvio foram enterradas, por medida de segurança, em Sippar.

Na verdade, as duas histórias - do sumério Enmeduranki e do Enoque bíblico - contêm ligações ainda mais fortes do que com o Dilúvio. Ao examinar a história-atrás-da-história, chegaremos a uma seqüência de eventos cujas principais motivações eram Sexo Divino e cujo ápice era um plano para erradicar a humanidade.

 

Antes de Copérnico e da NASA

Até a publicação, por Nicolau Copérnico, de seu trabalho astronômico De Revolutionibus Orbium Coelestium, em 1543 (e por mui­tos anos depois), a ciência estabelecia que o Sol, a Lua e os outros planetas conhecidos orbitavam a Terra. A Igreja católica, que condenou Copérnico por essa heresia, admitiu oficialmente seu erro apenas 450 anos mais tarde, em 1993.

Os primeiros objetos descobertos depois da invenção do telescó­pio foram as quatro maiores luas de Júpiter - por Galileu, em 1610.

Urano, o planeta além de Saturno, que não pode ser visto a olho nu da Terra, foi descoberto com a ajuda de telescópios aperfeiçoa­dos em 1781. Netuno foi descoberto além de Urano, em 1846. E Plutão, o mais distante planeta conhecido, só foi encontrado em 1930.

Ainda assim os sumérios, milênios atrás, já representavam um sistema solar comple­to, com o Sol - e não a Terra - no centro; um sistema solar que inclui Urano, Netuno e Plutão, além de mais um grande planeta ("Nibiru"), que passa entre Júpiter e Marte.

Foi apenas na década de 1970 que os satélites da NASA nos deram vistas aproximadas dos nossos planetas vizinhos, e apenas em 1986 e 1989 a Voyager-2 voou ao lado de Urano e Netuno. Ainda assim, os textos sumérios (citados por nós em O 129 Planeta) já descreviam os planetas exteriores exatamente como a NASA os en­controu.

O primeiro anel que cerca Saturno só foi descoberto em 1659 (por Christian Huygens). Ainda assim, a impressão de um selo cilíndrico num envelope de argila envolvendo uma este Ia mostra um cenário celestial com o Sol, a Lua (em crescente) e Vênus ("estrela" de oito pontas), e também representa um planeta pequeno - Marte­separado de um maior (Júpiter) (por uma palha, representando o cinturão de asteróides?), seguido por um grande planeta com anéis - Saturno!

 

OS NEFILIM: SEXO E SEMIDEUSES

o registro bíblico da pré-história humana avança num resumo rá­pido das gerações que seguiram Enoque - seu filho, Matusalém, que gerou Lamech, que gerou Noé ("Conforto"), nos conduzindo até o evento principal - o Dilúvio. O Dilúvio foi realmente uma história de grandes proporções, como diriam os locutores atuais, um evento global, uma inundação tanto em termos figurativos quan­to literalmente em negócios humanos e divinos. Mas escondido atrás da história do Dilúvio está um episódio de Encontros Divinos de uma nova espécie - um episódio sem o qual a própria história do Dilúvio perderia sua racionalidade bíblica.

A história bíblica do Dilúvio, a Grande Inundação, inicia-se no capítulo 6 do Gênesis com oito versos enigmáticos. Seu propósito presumido seria explicar às gerações futuras o que houve - como poderia ter acontecido aquilo? - para o próprio Criador da huma­nidade voltar-se contra ela, preferindo varrer o homem da face da Terra. O quinto verso deve oferecer tanto a explicação quanto a jus­tificativa: "E Iavé viu que era grande a maldade do homem na Terra e que todo impulso dos pensamentos do seu coração era exclusiva­mente mau todo dia". Portanto (Gênesis, 6,6) "Arrependeu-se Iavé de ter feito o homem na Terra e pesou-lhe em seu coração".

Mas essa explicação pela Bíblia, apontando um dedo acusador para a humanidade, apenas aumenta o mistério dos quatro primei­ros versos do capítulo, cujo assunto não é a humanidade, mas as próprias divindades e aqueles cuja focalização era o cruzamento entre "os filhos de Deus" e "as filhas de Adão".

Se perguntarmos o que isso tem a ver com a desculpa para o Dilúvio como punição da humanidade, a resposta pode ser dada em uma palavra: SEXO... Não sexo humano, mas Sexo Divino. En­contros com propósito sexual. Os versos de abertura da história do Dilúvio na Bíblia ecoam pecados antigos e um purgatório terrível que têm feito a alegria dos pregadores: era uma época que estabelece um exemplo, um tempo quando "havia gigantes sobre a Terra. Porque como os filhos de Deus tivessem conhecido as filhas dos homens, pariram estas".

A citação acima segue a tradução católica da Bíblia. Mas não é o que diz o texto original. Não se refere a "gigantes", e sim a Nefilim, que significa literalmente" aqueles que desceram", "filhos de Elohim" (não "filhos de Deus") que vieram para a Terra dos céus. E os qua­tro versos iniciais, incompreensíveis, um trecho que restou (todos os acadêmicos concordam) de alguma fonte mais longa, tomam-se novamente compreensíveis se não colocarmos a humanidade como sujeito, e sim os deuses.

 

E foi quando começou o homem

a multiplicar-se sobre a face da Terra

e nasceram filhas a eles.

E viram os filhos dos Elohim

que as filhas dos homens eram compatíveis

e tomaram para si mulheres

de todas as que escolheram.

 

Os Nefilim estavam na Terra naqueles dias,

e também depois, quando esses

filhos dos Elohim coabitaram

com as filhas do homem

e lhes deram filhos.

 

O termo bíblico Nefilim, os filhos dos Elohim que estavam sobre a face da Terra, é semelhante ao sumério Anunnaki (" Aqueles Que do Céu para a Terra Vieram"); a própria Bíblia (Números 13:33) explica isso, dizendo que os Nefilim eram "filhos de Anak" (palavra hebraica para Anunnaki). A época que precedeu o Dilúvio era então uma época em que os jovens machos Anunnaki começaram a fazer sexo com jovens fêmeas humanas; sendo compatíveis, tiveram filhos com elas - uma descendência parte mortal, parte" divina": semideuses.

Que tais semideuses tenham estado presentes na Terra é algo amplamente mencionado em textos do Oriente Médio, seja em relação a indivíduos (tais como o sumério Gilgamesh), seja em longas dinastias (tal como uma dinastia de trinta semideuses no Egito que precederam os faraós); ambas as instâncias, entretanto, pertencem à época depois do Dilúvio. Porém, no preâmbulo bíblico à história do Dilúvio, temos a afirmativa de que a "tomada de esposas" dentre as fêmeas humanas pelos "filhos dos Elohim" - filhos dos DIN.GIR­começara muito antes do Dilúvio.

As fontes sumérias que lidam com épocas antediluvianas e as origens da humanidade e da civilização incluem a história de Adapa, e já mencioamos a questão ter sido chamada de "cria de Ea", o que simplesmente significa que ele era um descendente humano do Adão a quem Ea ajudou a criar, ou literalmente (como sustentam muitos acadêmicos) um filho nascido por Ea ter tido relações sexuais com uma fêmea humana, o que tornaria Adapa um semideus. Se isso implicasse que Ea/Enki tivesse feito sexo com outra mulher que não sua esposa oficial, a deusa Ninki, nenhuma sobrancelha deveria levantar-se: vários textos sumérios destacam as proezas sexuais de Enki. Em determinada oportunidade, ele estava atrás de Inana/ Ishtar, a neta de seu meio-irmão Enlil. Entre outras escapadas, ha­via sua determinação de ter um filho com sua meia-irmã Ninmah; quando nasceu uma filha, ele continuou o relacionamento sexual com as três gerações seguintes de deusas.

Enmeduranki foi o sétimo, não o último (décimo) dirigente da Cidade dos Deuses, bem antes do Dilúvio; teria sido ele tal semideus? Esse ponto não é esclarecido pelos textos sumérios, mas suspeitamos que sim (nesse caso, seu pai seria Utu/Shamash. De outra for­ma, por que uma Cidade dos Deuses (nesse caso, Sippar) ficaria a seu cargo, quando os seis governantes anteriores foram líderes Anunnaki? E como pôde reinar em Sippar 21.600 anos se não fosse um herdeiro do material genético da relativa "imortalidade" dos Anunnaki?

Embora a própria Bíblia não diga quando começaram os casa­mentos inter-raciais, a não ser para afirmar que "foi quando começou o homem a multiplicar-se sobre a face da Terra" e a espalhar-se na Terra, os livros pseudepígrafes revelam que o envolvimento sexual de jovens deuses com fêmeas humanas se tomou uma questão essencial no tempo de Enoque - bem antes do Dilúvio (sendo que Enoque foi o sétimo patriarca dos dez que viveram antes do Dilú­vio). Segundo o Livro dos Jubileus, um dos assuntos sobre os quais Enoque havia "testemunhado" foi em relação a "anjos do Senhor que desceram para a Terra e que pecaram com as filhas dos ho­mens, aqueles que haviam começado a unir-se, e assim a corrom­per-se, com as filhas dos homens". De acordo com essa fonte, esse foi um grande pecado cometido pelos" anjos do Senhor", uma "fornicação" "em que, contra todas as leis de suas ordens, foram se prostituir com as filhas dos homens e tomaram para si mesmos esposas de todas que haviam escolhido, causando assim o começo da impureza".

O Livro de Enoque esclarece melhor o que aconteceu:

 

E começou a ocorrer quando os filhos dos homens

se multiplicaram, que naqueles dias lhes nasceram

filhas belas e atraentes.

E os anjos, os Filhos do Céu,

viram-nas, desejaram-nas

e disseram uns para os outros:

"Venham, vamos escolher esposas entre as

filhas dos homens e gerar filhos para nós".

 

Segundo essa fonte, isso não foi um desdobramento de atos iso­lados, de um jovem Anunnaki aqui e outro lá, vencidos pela luxú­ria. Há uma pista de que a vontade sexual foi aumentada pelo desejo de ter filhos; e que escolher esposas humanas era uma decisão deliberada por um grupo de Anunnaki agindo de comum acordo. De fato, ao examinar o texto mais adiante, podemos entender por que a idéia se formou:

 

Semjaza, que era o líder, disse-Ihes:

"Tenho medo de que vocês não concordem em fazer isso,

e apenas eu terei de pagar o preço por um grande pecado".

E todos responderam, dizendo:

"Vamos fazer um juramento, e todos

nos comprometemos por mútua maldição a não

abandonar esse plano e fazer essa ação".

 

Então todos se reuniram e comprometeram-se por juramento a "fazer essa ação", embora fosse uma "violação da lei". À medida que lemos, ficamos sabendo que os anjos conspiradores desceram no monte Hermon ("Monte do Juramento"), ao sul do Líbano. "Seu número era duzentos, aqueles que nos dias de Jarede desceram no topo do monte Hermon." Os duzentos se dividiram em subgrupos de dez; o Livro de Enoque fornece os nomes dos líderes de cada gru­po, "os chefes de dez". Todo o assunto foi assim um esforço bem organizado pelos "filhos dos Elohim", privados de sexo e sem filhos, para remediar essa situação.

Fica claro que nos livros pseudepígrafes o envolvimento sexual dos seres divinos com as fêmeas humanas não passa de luxúria, fornicação, depravação - um pecado dos "anjos caídos". A noção que prevalece é de que seja o mesmo ponto de vista da Bíblia; na verdade, não é. Os que serão culpados e, portanto, varridos da face da Terra são os Filhos de Adão, não os filhos dos Elohim. Estes últimos são, na verdade, lembrados com alegria, como "os poderosos de Olam, o povo dos Shem" - o povo das naves espaciais.

Uma idéia nova sobre a motivação, cálculos e sentimentos provocados pelos casamentos inter-raciais e como eram julgados pode ser espelhada numa ocorrência de certa forma similar, relatada na Bíblia (Juízes, capítulo 21). Trata-se da narrativa de abuso da mulher de um viajante por homens da tribo de Benjamim, quando as outras tribos de Israel entram em guerra contra os benjaminitas. Dizimados e apenas com algumas mulheres reprodutoras, a tribo viu­se em perigo de extinção. A opção de casar com mulheres de outras tribos também foi bloqueada, pois todas as tribos juraram não dar suas filhas aos benjaminitas. Por ocasião de um festival nacional, os benjaminitas esconderam-se ao longo de uma estrada que levava à cidade de Shiloh; quando as mulheres de Shiloh vieram dançando pela estrada, "cada homem pegou sua esposa" e a carregou para seus domínios. Surpreendentemente não foram punidos por esses raptos; na verdade, todo o incidente foi um plano concebido pelos anciãos de Israel como uma forma de ajudar a tribo de Benjamim a sobreviver, a despeito do boicote das outras tribos.

Seria essa atitude "faça o que tem de fazer enquanto eu olho para o outro lado" a mesma em relação aos anjos no topo do monte Hermon? Havia pelo menos um líder, um chefe dos Anunnaki (Enki?) que olhou para o outro lado, enquanto outro (talvez Enlil?) estava irritado?

Um texto sumério pouco conhecido pode ter tratado dessa questão. Encarado como uma "estela mítica" por E. Chiera (em Textos Religiosos Sumérios), conta a história de um jovem deus chamado Martu que se queixava da vida sem esposa; e ficamos sabendo que o casamento com fêmeas humanas era comum e não era pecado ­desde que fosse feito com permissão, e nunca sem o consentimento da mulher:

 

Em minha cidade tenho amigos,

eles tomaram esposas.

Tenho companheiros,

eles tomaram esposas.

Em minha cidade, ao contrário dos meus amigos,

eu não tomei uma esposa;

não tenho esposa, não tenho filhos.

 

A cidade sobre a qual Martu falava era chamada Nin-ab, uma "cidade na grande terra colonizada". A época, dizia o texto, era o passado distante, quando "a cidade de Nin-ab existia, Shed-tab não existia; a tiara sagrada existia, a coroa sagrada não existia". Em ou­tras palavras, o sacerdócio existia, mas ainda não havia reinado. Contudo, era uma época em que "havia coabitação... havia nasci­mento de crianças".

O sumo sacerdote da cidade, segundo o texto, era um músico realizado: possuía uma mulher e uma filha. Enquanto as pessoas se reuniam para o festival, Martu viu a filha do sacerdote e a desejou.

Evidentemente tomá-la como esposa exigia uma permissão especial, pois esse era um ato - para usar as palavras do Livro dos Jubileus - contra a lei. A queixa de Martu, transcrita, dirigia-se à sua mãe, uma deusa cujo nome não é citado. Ela quis saber se a donzela mencionada" apreciou seu olhar". Quando chegou o mo­mento, os deuses deram a permissão necessária a Martu. O restante do texto descreve como os outros jovens deuses preparam uma festa de casamento e como os residentes de Nin-ab foram convocados pelas batidas de um tambor de cobre para assistir à cerimônia.

Se encararmos os textos disponíveis como versões do mesmo evento pré-histórico, podemos visualizar o inconveniente dos jovens Anunnaki e sua desagradável situação. Havia seiscentos Anunnaki na Terra e mais trezentos que operavam as naves em órbita, trans­portes e uma estação espacial. Havia poucas mulheres entre eles. Havia Ninmah, a filha de Anu e meia-irmã tanto de Enki quanto de Enlil (os três possuíam mães diferentes), chefe dos oficiais-médicos, que trouxe um grupo de enfermeiras Anunnaki (uma representação num selo cilíndrico mostra o grupo todo). Uma delas eventualmente se torna a consorte oficial de Enlil (e recebeu o nome-­título de NIN.LIL, "Dama do Comando"), mas só depois do incidente de um encontro com estupro, pelo qual Enlil foi banido - um incidente que também destaca a falta de mulheres entre os primeiros colonos Anunnaki.

Um vislumbre sobre os hábitos sexuais de Nibiru pode ser deduzido das gravações, em várias Listas Divinas que os sumério e as nações posteriores registraram em relação ao próprio Anu. Ele possuía catorze filhos e filhas de sua esposa oficial, Antu; mas, além disso, possuía seis concubinas, cujos filhos (presumivelmente nu­merosos) de Anu não foram listados. Enlil, em Nibiru, foi pai de um filho de sua meia-irmã Ninmah (também conhecida como Ninti nas histórias sobre a Criação do Homem, e como Ninharsag mais tar­de); seu nome era Ninurta. Mas, embora neto de Anu, sua esposa, Bau (cujo epíteto era GULA, "a Grande"), era uma das filhas de Anu, o que equivale a dizer que Ninurta casara com uma de suas tias. Na Terra, Enlil, tendo casado com Ninlil, era estritamente monógamo. Tiveram um total de seis filhos, quatro mulheres e dois homens; o mais novo, Ishkur em sumério e Adad em acadiano, era também citado em algumas listas divinas como Martu - indicando que Shala, sua consorte oficial, pode ter sido uma terrestre, filha do sumo sacerdote, como relata a história do casamento de Martu.

A esposa de Enki era chamada de NIN.KI ("Dama da Terra") e também era conhecida como DAM.KI.NA ("Esposa Que para a Ter­ra Veio"). De volta a Nibiru, ela lhe deu um filho, Marduk; mãe e seu filho juntaram-se a Enki em viagens posteriores. Mas enquanto ele estava na Terra sem ela, Enki não se privava... Um texto chama­do pelos estudiosos de "Enki e Ninharsag: um mito do Paraíso", descreve como Enki perseguiu sua meia-irmã, procurando ter um filho com ela e "derramou o sêmen no ventre dela". Porém ela só produziu filhas, a quem Enki também achou dignas de suas tentati­vas. Finalmente Ninharsag colocou uma maldição em Enki que o paralisou e o forçou a colaborar num rápido arranjo de maridos para as jovens deusas. Isso não deteve Enki, em outra ocasião, de "carre­gar como prêmio", à força, uma neta de Enlil, Ereshkigal, de barco, para seus domínios ao sul da África.

Todas essas instâncias servem para ilustrar a falta de mulheres entre os Anunnaki que vieram para a Terra. Depois do Dilúvio, como atesta a Lista de Deuses Sumérios, com a segunda e terceira gerações de Anunnaki, um melhor equilíbrio macho-fêmea foi ob­tido. Mas a falta de mulheres obviamente existiu no período ante­diluviano.

Não havia absolutamente intenção da parte da liderança Anunnaki, quando foi tomada a decisão de criar o Trabalhador Primitivo, de criar companheiras sexuais para os Anunnaki. Mas, nas palavras da Bíblia, "quando os terrestres começaram a se mul­tiplicar sobre a face da Terra e geraram filhas", os jovens Anunnaki descobriram que a série de manipulações genéticas haviam torna­do essas fêmeas compatíveis, e assim coabitar com elas significava filhos.

Os casamentos interplanetários exigiam uma permissão especial. Com o código de comportamento dos Anunnaki encarando o estupro como uma ofensa séria (mesmo Enlil, o comandante supre­mo, foi sentenciado ao exílio quando estuprou a jovem enfermeira num encontro; foi perdoado ao se casar com ela), a nova forma de Encontros Divinos era regulada com rigidez e requeria permissão que, segundo o texto sumério, só era dada se a fêmea humana" apre­ciasse o olhar" do jovem deus.

Portanto, duzentos dos jovens Anunnaki resolveram assumir o assunto em suas próprias mãos, fizeram um juramento de realizar isso juntos e enfrentar os resultados como um grupo, depois foram até as Filhas dos Homens para escolher esposas. O resultado - totalmente imprevisto quando o Adão foi criado - revelou ser uma nova geração: os semideuses.

Enki, que deve ter sido pai de semideuses, via o desenrolar da situação com mais indulgência que Enlil, assim como a co-criadora do Adão, Ninmah, em sua cidade, o centro médico de Shuruppak, onde residia o herói sumério do Dilúvio. O fato de aparecer nas Lis­tas de Reis Sumérios como o décimo governante antediluviano in­dica que os cargos-chave eram reservados aos semideuses, que fa­ziam o papel de intermediários entre os deuses e as pessoas: reis e sacerdotes. A prática se generalizou depois do Dilúvio: os reis sem­pre se jactavam de ser "semente" deste ou daquele deus (e alguns afirmam esse fato mesmo não sendo apenas para legitimar suas pre­tensões ao trono).

O novo tipo de Encontros Divinos resultou numa raça nova (embora limitada) e criou problemas não só para a liderança dos Anunnaki mas também para a humanidade. A Bíblia reconhece as relações sexuais como o acontecimento mais significativo nos even­tos que precederam o Dilúvio e a este conduziram, e o faz mediante o enigmático prefácio da história do Dilúvio, com versos que recordam o fenômeno do casamento inter-racial. O desenvolvimento é apresentado como um problema para Iavé, uma causa para pesar e tristeza pela criação do homem. Mas como relata o livro pseudepí­grafe, o novo tipo de Encontro Divino criou problemas também para os parceiros sexuais e suas famílias.

A primeira ocorrência relatada diz respeito ao próprio herói do Dilúvio e sua família - Noé e seus pais. O relatório também levanta a questão sobre se o herói do Dilúvio (chamado Ziusudra nos textos sumérios e Utnapishtim na versão acadiana) era ou não semideus.

Os estudiosos há muito acreditam que entre as fontes do Livro de Enoque existe um texto perdido que foi chamado de Livro de Noé. Sua existência foi adivinhada de vários escritos anteriores; porém o que apenas se suspeitava tomou-se um fato verificado e certo quando fragmentos do tal Livro de Noé foram encontrados entre os manuscritos do mar Morto, nas cavernas da área de Qumran, não mui­to longe de Jericó.

Segundo as seções relevantes do livro, quando Bath-Enós, a es­posa de Lamech, deu à luz Noé, o bebê era tão incomum que des­pertou suspeitas atormentadas na mente de Lamech:

 

Seu corpo era branco como a neve e vermelho como um botão de rosa, e os cabelos de sua cabeça e seus cachos eram brancos como lã, e os olhos eram belos.

E quando ele abria os olhos, iluminava toda a casa como o sol, e toda a casa ficava muito brilhante.

Logo após ele despertar nas mãos da parteira, abriu sua boca e conversou com o Senhor da Justiça.

 

Chocado, Lamech correu até seu pai, Matusalém, e disse:

 

Gerei um filho estranho, diferente do Homem, parecendo com os filhos de Deus do Céu; sua natureza é diferente e ele não é como nós...

Parece-me que não veio de mim e sim dos anjos.

 

Em outras palavras, Lamech suspeitava que a gravidez de sua esposa não tivesse sido provocada por ele, e sim por um dos "filhos do Céu", um dos "Guardiões"!

O abatido Lamech foi a seu pai, Matusalém, não apenas para partilhar o problema, mas para pedir ajuda específica. Nesse ponto lembramos que Enoque, levado pelos Elohim para estar com eles, ainda vivia e bem, residindo num "lugar entre os anjos" - não no Céu distante, mas nos "confins da Terra". Lamech, portanto, pediu a seu pai para que entrasse em contato com Enoque e lhe pedisse para investigar se algum dos Guardiões havia se acasalado com a esposa de Lamech. Ao chegar ao local, mas proibido de entrar, Matusalém chamou seu pai, Enoque, que depois de algum tempo foi ter com ele. Em seguida Matusalém relatou o nascimento inco­mum a Enoque, e as dúvidas de Lamech sobre a identidade do pai de seu filho. Isso confirma que o casamento inter-racial, resultando em crianças semideusas, já existia no tempo de Jarede. Enoque reve­lou a seu filho que Noé é de fato filho de Lamech; sua conformação incomum e a mente brilhante são sinais de que "virá um Dilúvio e uma grande destruição por um ano", mas Noé e sua família estão destinados a ser salvos. Tudo isso, afirmou Enoque, ele sabia porque "O Senhor me mostrou e me informou, e eu li nas estelas celestiais".

Segundo o fragmento em hebraico-aramaico do Livro de Noé, des­coberto entre os manuscritos do mar Morto, a primeira reação de Lamech ao ver seu filho incomum foi questionar sua esposa Bath-Enós ("Filha/cria de Enós"). Conforme traduzido por T. H. Gaster (Os Manuscritos do Mar Morto) e por H. Dupont-Sornrner (Os Textos Essênios de Qumran), a coluna II do fragmento de pergaminho come­ça com Lamech falando sobre o instante em que viu o filho:

 

Pensei em meu coração que a concepção fosse

de um dos Guardiões, um dos Sagrados...

E meu coração mudou em meu interior por causa da criança.

Então eu, Lamech, me apressei e fui até Bath-Enós,

minha esposa, e disse a ela: quero que jure pelo

Altíssimo, o Senhor Supremo, o rei de todos

os mundos, o dirigente dos Filhos do Céu,

que me dirá a verdade, seja...

 

Se, porém, examinarmos o texto em hebraico-aramaico, descobriremos que onde os tradutores modernos utilizam o termo Guar­dião - como os tradutores vêm fazendo -, o texto original diz Nefilim.

(A tradução equivocada da palavra como "Guardião", antes que fosse descoberto o texto em hebraico-aramaico, resulta da confiança nas traduções gregas, produto das traduções greco-egípcias em Alexandria, já que eles levaram em conta o significado do egípcio para "deus", NeTeR, significando literalmente "Guardião". O termo apresenta uma ligação com a Suméria, ou melhor, Shumer, que significa Terra dos Guardiões.)

Lamech, então, suspeitou que o filho não fosse dele. Pediu à sua mulher que lhe dissesse a verdade sob juramento; ela implorou que ele "lembrasse seus sentimentos delicados", embora a "ocasião fosse de fato alarmante". Diante dessa resposta ambígua, ou mesmo evasiva, ele tomou a indagar, pedindo que ela dissesse a verdade, "não mentiras". Diante daquilo, ela disse que "ignorando meus sen­timentos delicados, juro a você pelo Altíssimo e Excelso, criador do Céu e da Terra, que essa semente veio de você, essa concepção foi sua, e esse fruto foi plantado por você, não por algum estranho ou por qualquer um dos Guardiões, os seres celestiais".

Ficamos sabendo, pelo resto da história, que Lamech permaneceu em dúvida, a despeito desses esclarecimentos. Talvez tenha ficado pensando o que Bath-Enós queria dizer quando mencionara que "seus sentimentos delicados" deveriam ser levados em conta. Estaria encobrindo a verdade, afinal de contas? Conforme descrevemos, Lamech apressa-se a procurar o pai, Matusalém, e pedir a ajuda de Enoque para chegar ao âmago da questão.

As fontes não bíblicas concluem a história com a confiança sobre a paternidade de Noé e a explicação de que suas aparência e inteligência eram apenas sinais do papel que ele desempenharia como salvador da semente humana. Quanto a nós, precisamos ainda manter a dúvida, já que, de acordo com as fontes sumérias da história do herói do Dilúvio, muito provavelmente Noé era um semideus.

Os Encontros Divinos com orientação sexual começaram, de acordo com as fontes citadas acima, na época de Jarede, pai de Enoque. Na verdade, o próprio nome dele é explicado nessas fontes como derivando da raiz Yrd, que em hebraico significa "descer", recordando a descida dos conspiradores, filhos dos deuses, no monte Hermon. Usando essa fórmula cronológica que adotamos anterior­mente, podemos calcular quando aconteceu.

Segundo o texto da Bíblia, Jarede nasceu 1196 anos antes do Di­lúvio; seu filho Enoque, 1034 anos antes do Dilúvio; depois Matusalém, 969 anos antes do Dilúvio; Lamech, filho dele, 782 anos antes do Dilúvio; e, finalmente, Noé, filho de Lamech, 600 anos an­tes do Dilúvio. Multiplicando esses números por 60 e adicionando 13 mil anos, chegamos à seguinte tabela:

 

Jarede nasceu ............. 84.760 anos atrás

Enoque nasceu ........... 75.040 anos atrás

Matusalém nasceu ..... 71.140 anos atrás

Lamech nasceu .......... 59.920 anos atrás

Noé nasceu ................ 49.000 anos atrás

 

Mantendo em mente que esses patriarcas antediluvianos vive­ram por muitos anos depois de gerarem seus sucessores, essas idades são "fantásticas" (como os estudiosos costumam dizer) quando as cifras são expressas em anos terrestres - mas apenas alguns anos-­Nibiru quando medidos em Sars. De fato, uma das estelas com as Listas de Reis Sumérios (conhecida como W-B 62, agora mantida no Museu Ashmolean, em Oxford, na Inglaterra) atribui ao herói do Dilúvio ("Ziusudra" em sumério) um reinado de 10 Sars ou 36 mil anos terrestres até a ocorrência do Dilúvio; são exatamente os 600 anos que a Bíblia assinala como idade de Noé à época do Dilúvio multiplicados por 60 (600 X 60 = 36.000), corroborando não apenas a simetria entre os dois mas também nossa sugestão para correlacio­nar os dados dos patriarcas antediluvianos bíblicos e sumérios.

Desenvolvendo uma cronologia plausível para essas fontes combinadas, poderíamos afirmar que essa nova forma de Encontros Divinos começou há cerca de 80 mil anos, na época de Jarede. Continuou na época de Enoque e provocou um crise familiar quando nasceu Noé, há cerca de 49 mil anos.

Qual a verdade sobre o pai de Noé? Ele era um semideus como Lamech suspeitara ou semente do patriarca, como garantiu a ofendida Bath-Enós? A Bíblia afirma de Noé (seguindo a tradução comum) que ele "foi um homem justo, perfeito nas suas gerações; ele andou com Deus".

Uma tradução mais literal seria que "foi um homem justo, de genealogia perfeita, que andou com os Elohim". A última frase é idêntica àquela empregada pela Bíblia para descrever os contatos divi­nos de Enoque; é preciso considerar a possibilidade de haver algo nas entrelinhas dessa inócua afirmação bíblica.

Seja como for, é certo que, ao quebrar os próprios tabus, os jovens Anunnaki iniciaram uma corrente de eventos que era cheia de ironias. Tomaram as filhas dos Homens como esposas porque eram geneticamente compatíveis; mas era uma conseqüência da humanidade ser tão bem reformulada e aperfeiçoada que a humanidade foi condenada a ser exterminada... Não foram as mulheres humanas que tiveram atração pelos jovens Anunnaki, mas o contrário; ironicamente, a humanidade foi quem teve de pagar o preço e enfrentar o castigo porque "Iavé arrependeu-se de ter feito o homem na Ter­ra" e resolveu "varrer o Adão, que criei, da face da Terra".

Porém o que deveria ser o Último Encontro, revelam as fontes sumérias, foi desfeito por uma disputa entre irmãos. Na Bíblia, o deus que decide varrer a humanidade da face da Terra é o mesmo que depois trama com Noé para anular essa decisão. Na versão ori­ginal mesopotâmica, os eventos novamente se desenrolam contra o cenário da rivalidade Enlil/Enki. O "Caim" e o "Abel" divinos continuavam em desarmonia - com a diferença de que a vítima não era nenhum dos dois, mas o Ser que haviam criado.

Porém, se esse novo tipo de Encontro Divino - o sexual - levou à quase destruição da humanidade, foi outro tipo de Encontro Divino - o sussurrado - que levou à salvação.

 

O DILÚVIO

A história do Dilúvio, a Grande Inundação, é parte do folclore e da memória comum em todas as partes do mundo. Seus elementos principais são os mesmos em todos os lugares, não importa qual seja a versão ou os nomes-epítetos dos principais envolvidos no assunto: deuses zangados resolvem varrer a humanidade da face da Terra, utilizando uma inundação global, porém um casal é poupado e sal­va a espécie humana.

A não ser por um relato do Dilúvio, escrito em grego pelo sacerdote caldeu Berossus, no século III a.C., conhecido pelos estudiosos por menções fragmentárias nos textos dos historiadores gregos, o único registro escrito desse evento importante está na Bíblia Hebraica. Mas em 1872 a Sociedade Britânica de Arqueologia Bíblica foi infor­mada, no meio de uma palestra de George Smith, que entre as estelas do Epopéia de Gilgamesh, descoberto por Henry Layard na biblioteca real de Nínive, a antiga capital Assíria, havia algumas estelas contendo uma história similar à da Bíblia. Por volta de 1910 foram encontradas partes das outras recensões (como os estudiosos cha­mam as versões em outras línguas do Oriente Médio). Ajudaram a reconstruir outro grande texto mesopotâmico, o Épico de Atra-hasis, que narrava a história da humanidade desde sua criação até sua quase aniquilação pelo Dilúvio. Pistas lingüísticas e outras nesses textos indicam uma fonte suméria anterior, cujas partes foram descobertas e começaram a ser publicadas em 1914. Embora o texto com­pleto em sumério esteja por ser descoberto, a existência de tal protótipo anterior a todos os outros, incluindo a versão bíblica, mostra, sem sombra de dúvida, que os demais foram baseados nele.

A Bíblia apresenta Noé, o herói da história do Dilúvio, separado com sua família para ser salvo, "corno homem justo, de perfeita genealogia; com os Elohim ele andou". O texto mesopotâmico pinta um quadro mais compreensivo do homem, sugerindo que ele fosse filho de semideuses, e possivelmente (como Lamech suspeitara) ele mesmo um semideus. Isso esclarece o verdadeiro significado de "andar com os Elohim". Entre os muitos detalhes que o texto mesopotâ­mico fornece, o papel do sonho corno uma forma de Encontro Divi­no se toma evidente. Existe também um precedente para a recusa da divindade em mostrar o rosto a um mortal que o procura - Deus é ouvido, mas não visto. E isso é um testemunho vívido, o primeiro relato de um Encontro Divino único nos anais do Oriente Médio ­a bênção dos humanos pela divindade, no tocar físico da testa.

Na versão bíblica, a mesma divindade que resolve varrer o homem da face da Terra age contraditoriamente, para evitar a perda da humanidade, ao criar uma forma de salvar o herói e sua família do Dilúvio. No texto original sumério e em suas versões mesopotâ­micas, mais de uma divindade está envolvida; corno em outras ins­tâncias, Enlil e Enki emergem nos papéis de protagonistas: Enlil, mais rígido, irritado com os casamentos inter-raciais com as Filhas dos Homens, quer colocar um fim à humanidade; Enki, mais flexí­vel, pensando na humanidade corno os "Criados", planeja salvar uma família escolhida.

 

Além do mais, o Dilúvio não se trata de uma calamidade uni­versal engendrada por um deus irritado, e sim de uma catástrofe natural utilizada por Enlil para alcançar o fim desejado. Foi precedida por um longo período de piora do clima, com o aumento do frio, a redução das chuvas e colheitas deficientes - condições que identificamos em O 12o. Planeta como o final da Idade do Gelo, iniciada cerca de 75 mil anos atrás e terminada abruptamente há 13 mil anos. Sugerimos que a massa de gelo acumulada na Antártica provocou enormes pressões sobre a camada inferior, fazendo com que derretesse e deslizasse para fora do continente: isso teria causado uma enorme onda, vinda do sul, que inundou as massas terrestres ao norte. Com seus IGLGI ("Os Que Observam e Vêem") orbitando a Terra e uma estação climática no extremo sul da África, os Anunnaki sabiam do perigo. Como a passagem seguinte de Nibiru pela Terra estava próxima, perceberam que o aumento gravitacional provocado por essa passagem poderia disparar a calamidade.

Devido ao aumento do sofrimento humano à medida que a Ida­de do Gelo piorava, Enlil proibiu os outros deuses de ajudar a hu­manidade; fica claro, pelos detalhes no Épico de Atra-hasis, que a in­tenção dele era que os homens morressem de fome. Mas, de alguma forma, a humanidade sobreviveu, pois na ausência de chuva os grãos ainda cresciam com a neblina da manhã e da noite. Com o tempo, porém, "os campos férteis ficaram brancos e a vegetação não brotava". "As pessoas andavam curvadas nas ruas, os rostos esverdeados." A fome levou a lutas entre irmãos e até mesmo ao canibalis­mo. Enki, desafiando a ordem do meio-irmão, descobriu formas de ajudar a humanidade a sustentar-se, sobretudo pela engenhosa captura de peixes. Foi especialmente benevolente com seu fiel seguidor Atra-hasis (" Aquele que é o mais sábio"), semideus encarregado de agir como intermediário entre os Anunnaki e seus servos humanos na colônia de Shurupak - uma cidade sob a proteção de Ninmah/ Ninharsag.

Como revelam os vários textos, Atra-hasis, procurando a orientação e assistência de Enki, mudou sua cama para o templo de forma que pudesse receber as instruções divinas por meio de sonhos. Mantendo vigília constante no templo, "todos os dias ele chorava, fazendo oblações pela manhã", e à noite, "prestando atenção aos sonhos".

 

A despeito de todo esse sofrimento, a humanidade continuava na Terra. O lamento do povo - segundo Enlil, berros - só aumen­tava sua irritação. Antes disso, ele explicara a necessidade de aniquilar a humanidade porque" o barulho da humanidade se tomou muito desagradável; o alarido não me deixa dormir". Dessa forma, fez com que os outros líderes jurassem guardar segredo dos huma­nos sobre o que iria acontecer - a avalanche de água -, de forma que eles morreriam.

 

Enlil abriu sua boca para falar

e dirigiu-se à reunião de todos os deuses:

"Vamos todos nós fazer um juramento

em relação à Inundação que mata!".

 

Que os próprios Anunnaki estivessem se preparando para abandonar a Terra em seu Transporte Espacial era a segunda parte do segredo que os deuses juraram manter dos humanos. Porém à medida que todos os outros juravam, Enki resistia. "Por que desejam me atar a um juramento? Devo erguer a mão contra meus próprios humanos?" Urna discussão forte começou, mas no final Enki teve de jurar não revelar "o segredo", corno todos os outros.

Foi depois dessa cerimônia de juramentos que Atra-hasis, permanecendo à noite no templo, recebeu a seguinte mensagem no sonho:

 

Os deuses mandaram a destruição total.

Enlil impôs um destino cruel aos humanos.

 

Era uma mensagem, um oráculo, que Atra-hasis não conseguiu entender. "Atra-hasis abriu sua boca e dirigiu-se a seu deus: 'Me diga o significado do sonho para que eu possa entender'."

Mas corno Enki poderia ser mais explícito sem quebrar seu jura­mento? Enquanto Enki examinava o problema, a resposta veio. Ele jurara manter" o segredo" e não revelar nada aos seres humanos, mas não podia contar seu segredo a uma parede? Assim, um dia, Atra-hasis escutou a voz de seu deus sem vê-lo. Não se tratava, po­rém, de um sonho, à noite. Havia luz do dia. Ainda assim, o encon­tro era completamente inédito.

A experiência foi traumática. Lemos na recensão assíria que, sur­preso, Atra-hasis "curvou-se e prostrou-se, depois ergueu-se, abriu sua boca e disse:

 

Enki, senhor-deus...

Ouvi vossa entrada.

Reparei em passos como sendo os vossos!

 

Durante sete anos, Atra-hasis dissera: "Vi vosso rosto". Agora, de repente, ele não conseguia enxergar seu senhor-deus. Agradando ao deus invisível, "Atra-hasis fez sua voz audível e falou a seu senhor", perguntando sobre o significado do presságio em seu so­nho, de forma que ele pudesse saber o que fazer.

Então Enki "abriu a boca para falar e dirigiu-se à parede de jun­co". Ainda sem enxergar seu deus, Atra-hasis escutou a voz da di­vindade vindo de detrás da parede de junco do templo: seu senhor ­deus estava instruindo a parede:

Parede, me escute!

Parede de junco, escute minhas palavras!

Largue sua casa, construa um barco!

Rejeite a prosperidade, salve a vida!

     As instruções para a construção do barco seguiam-se. Tinha de possuir um teto, pois o sol não deveria ser visto de seu interior; tinha de ser calafetado com alcatrão "embaixo e em cima". Depois Enki "abriu o relógio de água e o encheu; anunciou para ele a vinda de uma inundação assassina na sétima noite". Uma representação num selo cilíndrico sumério parece ilustrar a cena, mostrando a pa­rede de juncos (na forma de um relógio de água?) segura por um sacerdote. Enki como deus-serpente, e o herói do Dilúvio recebendo instruções.

A construção do barco, obviamente, não poderia ficar escondi­da das outras pessoas; como poderia acontecer sem alertá-las da ca­tástrofe que se aproximava? Por isso, Atra-hasis recebeu instruções (vindas de detrás da parede de junco) para explicar aos outros que estava construindo o barco com o propósito de deixar a cidade. Devia dizer a eles que, como adorador de Enki, não podia mais ficar num lugar controlado por Enlil:

 

Meu deus não concorda com o deus de vocês.

Enki e Enlil estão zangados um com o outro.

Como eu reverencio Enki,

Não posso ficar na terra de Enlil.

Fui expelido de minha casa.

 

O conflito entre Enki e Enlil, que antes precisava ser deduzido das ações de ambos, agora atingia espaço aberto - o suficiente para servir de motivo para o banimento de Atra-hasis. A cidade onde esses eventos ocorriam era Shuruppak, um acampamento sob a soberania de Ninrnah/Ninharsag. Lá, pela primeira vez, um semideus foi elevado ao cargo de rei. Segundo os textos sumérios, seu nome era Ubar-Tutu. Seu filho e sucessor foi o herói do Dilúvio (os sumé­rios o chamavam Ziusudra; no Epopéia de Gilgamesh, ele era chama­do Utnapishtim; na Antiga Babilônia, seu nome-epíteto era Atra­hasis; a Bíblia o chamava de Noé). Como um dos acampamentos Anunnaki no Edin era domínio de Enlil, Enki fora designado para o Abzu, no sul da África. Era aquela terra além dos mares, dizia Atra­-hasis, que ele esperava alcançar em seu barco.

Ansiosos por se verem livres do homem banido, os anciãos da cidade fizeram com que todos os habitantes ajudassem a construir o barco. "O carpinteiro trouxe seu machado, os trabalhadores trouxeram as pedras de alcatrão, os mais jovens carregavam o piche, os calafetadores faziam o resto." Quando o barco ficou pronto, de acor­do com Atra-hasis, as pessoas da cidade o ajudaram a carregá-lo com gêneros e água (mantidos em compartimentos estanques), assim como "animais limpos... animais gordos... criaturas selvagens... gado... pássaros alados do céu". A lista parece a do Gênesis, segundo a qual as instruções do Senhor para Noé eram de colocar na Arca dois animais de cada espécie, macho e fêmea, "de cada animal vivo de carne... das aves, segundo sua espécie, e de gado segundo sua espécie".

O embarque dos casais de animais tem sido um assunto favori­to de incontáveis artistas, sejam mestres pintores, sejam ilustrado­res de livros infantis. Foi também um dos fatos que ergueram mui­tas sobrancelhas com incredulidade, taxando a história como vir­tualmente impossível, tomando-a assim uma forma alegórica de ex­plicar como a vida animal continuou depois do Dilúvio. Indireta­mente, tais dúvidas em relação a um detalhe importante como esse lançam incredulidade sobre os fatos de toda a história do Dilúvio.

É portanto digno de nota que a recensão da história do Dilúvio com o Epopéia de Gilgamesh ofereça uma visão completamente dife­rente em relação à preservação da vida animal: os animais não fo­ram levados vivos para bordo, e sim suas sementes, para serem pre­servadas!

O texto (estela XI, linhas 21-28) cita então Enki falando com a parede:

 

Folha de junco, folha de junco! Parede, parede!

Folha de junco, atenção! Parede, reflita!

Homem de Shuruppak, filho de Ubar- Tutu:

abandone sua casa, construa um navio!

Desista de suas posses, procure sua vida!

Deixe os bens, mantenha a vida!

A bordo do navio, leve a semente de todas as coisas vivas.

 

Ficamos sabendo, na linha 83 da estela, que Utnapishtim (como Noé era chamado nessa antiga recensão babilônica) realmente levou para bordo "tudo o que eu tinha de sementes das coisas vivas". Claramente, não é uma referência às sementes das plantas, mas às dos animais.

O termo "semente" nas recensões assíria e babilônica é a palavra acadiana zeru (zera em hebraico), que significa aquilo do qual todas as coisas vivas brotam e crescem. Esses recensões derivam do original sumério, fato claramente estabelecido; na verdade, em al­gumas versões acadianas, o termo técnico para "semente" foi mantido em sua forma suméria original, NUMUN, que era usado para significar aquilo com o que o homem procriava.

Levando a bordo" as sementes das coisas vivas" em vez de levar os próprios animais, não apenas reduziu o espaço até proporções administráveis. Implicou também o uso de biotecnologia sofis­ticada para preservar as várias espécies - uma técnica que vem sendo desenvolvida hoje em dia com os segredos genéticos do DNA. Isso era viável, já que Enki estava envolvido; ele era o mestre da engenharia genética, simbolizado nesse aspecto pela capacidade das Serpentes Entrelaçadas, que imitam a hélice dupla de DNA.

A atribuição da salvação da humanidade, na versão sumério-­mesopotâmica, a Enki faz muito sentido. Ele foi o criador do Adão e do Homo sapiens, que compreensivelmente chama de "meus huma­nos". Como cientista-chefe dos Anunnaki, ele poderia selecionar, obter e fornecer a tecnologia para reviver os animais a partir de suas "sementes" (DNA). Ele também era adequado para o papel de projetista da Arca de Noé - uma embarcação de projeto especial para sobreviver à avalanche de água. Todas as versões concordam que a Arca foi construída de acordo com as especificações fornecidas pela divindade.

Construída de forma que dois terços do grande volume ficasse abaixo da linha da superfície, a Arca possuía estabilidade fora do comum. A estrutura de madeira foi impermeabilizada com betume, tanto no exterior quanto no interior, de forma que, quando a onda envolvesse os conveses superiores, estes não deixassem a água penetrar. O topo achatado só possuía uma cubículo estendendo-se aci­ma da superfície, cuja escotilha também foi fechada e selada com betume, quando veio a época de enfrentar o Dilúvio. Uma das mui­tas sugestões para o formato da Arca de Noé, o desenho feito por Paul Haupt ("O Navio do Noé Babilônico", em Beitrage zur Assyriologie), nos parece a mais plausível. Também possui uma semelhança impressionante com um submarino moderno, com uma torre cuja escotilha permanece fechada quando em mergulho.

Não é de estranhar, talvez, que essa embarcação foi especialmente descrita na recensão babilônica e assíria como um tzulili - ­um termo que até hoje em dia (em hebraico moderno, tzolelet) deno­ta um submersível, um submarino. O termo sumério para o barco de Ziusudra era MA.GUR.GUR, significando "um barco que pode vi­rar e emborcar".

Segundo a versão bíblica, a Arca de Noé foi construída com jun­co e cipreste, tinha apenas uma escotilha, e foi coberta com betume "por dentro e por fora". O termo hebraico no Gênesis para a embarcação completa é Teba, o que implica alguma coisa fechada em todos os lados, uma "caixa", em lugar do termo comum" arca". Derivando do acadiano Tebitu, é considerada por alguns acadêmicos significando "barco de bens", um navio de carga. Porém o termo, com um "T" forte, significa" afundar". O navio seria assim um bar­co "afundável", hermeticamente selado, de forma que, mesmo submerso sob a onda inicial do Dilúvio, pudesse resistir e voltar à superfície.

Faz sentido dizer que EN.KI foi o projetista da embarcação. É bom lembrar que seu nome-epíteto, antes de receber o título de EN.KI ("Senhor da Terra") era E.A. - "Ele, Cuja Casa/Habitação é o Mar". De fato, como afirmam os textos que lidam com o início da coloni­zação, Ea gostava de velejar nas águas do Edin, sozinho ou com marinheiros cujas canções ele apreciasse. As representações sumérias o apresentam com fluxos de água - o protótipo de Aquário (a casa do Zodíaco dedicada a ele). Ao implantar as operações de extração de ouro no sudeste da África, ele também organi­zou o transporte do minério até o Edin em embarcações de carga, apelidadas de ''barcos de Abzu"; foi imitando essas embarcações que Atra-hasis construiu o Tzulili. Como mencionamos antes, foi numa das viagens dos barcos do Abzu que Ea "carregou" Ereshkigal. Marinheiro experimentado e perito construtor naval, mais do que qualquer outro Anunnaki, teria sido ele o projetista da engenhosa embarcação que sobreviveu ao Dilúvio.

A Arca de Noé e sua construção são componentes-chave da história do Dilúvio, pois sem tal embarcação a humanidade teria perecido, conforme o desejo de Enlil. A história do barco possui ainda outro aspecto da era antediluviana; existe familiaridade com a utilização de barcos naquela época remota - aspectos ambos mencionados na história de Adapa. Tudo isso corrobora a existência de embarcações antediluvianas, e portanto as representações incríveis de barcos feitas pelo homem de Cro-Magnon nas caver­nas.

Quando a construção da embarcação se completou e a aparelhagem e o carregamento foram realizados conforme as instruções de Enki, Atra-hasis levou sua família. Segundo Berossus, os que foram a bordo incluíam alguns amigos íntimos de Ziusudra/Noé. Na versão acadiana, Utnapishtim "fez com que todos os artesãos subis­sem a bordo" para ser salvos pelo barco que ajudaram a construir. Em outro detalhe dos textos mesopotâmicos, também ficamos sa­bendo que o grupo possuía um navegador com experiência, de nome puzur-Amurri, indicado por Enki, que sabia para onde dirigir o barco depois que passasse a devastadora primeira onda.

Mesmo depois de o navio estar carregado e pronto, Atra-hasis/ Utnapishtim ainda não podia ficar em seu interior, e ficava saindo constantemente para verificar o sinal que Enki lhe dissera para esperar:

 

Quando Shamash,

ordenar um tremor ao pôr-da-sol

e disparar uma chuva de erupções -

­entre em seu navio

e feche a entrada!

 

O sinal era o lançamento de espaçonaves em Sippar, o local do espaçoporto dos Anunnaki no Sinai, cerca de 170 quilômetros ao norte de Shurupak. O plano dos Anunnaki era reunir-se lá e de lá partir para a órbita terrestre. Atra-hasis/Utnapishtim "foi a bordo do navio, fechou a escotilha e entregou a estrutura para Puzur­-Amurri, o navegador". As instruções do piloto eram navegar até o . monte Nitzir ("Monte da Salvação") - o pico duplo do monte Ararat.

Alguns fatos importantes emergem desses detalhes. Eles indicam que o mestre do Plano de Salvação estava consciente não apenas da existência do monte, tão distante da Mesopotâmia, mas também que esses dois picos seriam os primeiros a emergir da onda inicial do maremoto, sendo os mais altos em todo o oeste da Ásia (5660 m e 4300 m). Teria sido um fato conhecido para qualquer dos líderes Anunnaki, pois quando estabeleceram seu espaçoporto antediluviano em Sippar, orientaram o Corredor de Aterrissagem pe­los picos gêmeos do Ararat.

O mestre do Plano de Salvação estaria também consciente da direção geral para a qual a massa de água carregaria o barco; pois a menos que a onda viesse do sul e carregasse o barco na direção nor­te, nenhum piloto poderia redirecionar a embarcação (sem remos nem velas) até o destino calculado.

 

Esses elementos da Geografia do Dilúvio (cunhando uma ex­pressão) têm origem na causa e na natureza do Dilúvio. Contrário à crença popular de que a calamidade aquática resultou de chuva excessiva, as narrativas bíblica e mesopotâmica (anterior) deixam claro que - chuvas fortes vieram após a queda da temperatura - a catástrofe começou quando uma ventania veio do sul, seguido de uma onda de água proveniente do sul. A fonte das águas eram as "fontes do Grande Profundo" - um termo que se referia às águas profundas do oceano além da África. A avalanche de água "submergiu as re­presas da terra seca" - as barreiras da costa do continente. À medi­da que o gelo da Antártica deslizava para o oceano Índico, provoca­va uma enorme onda. Progredindo para o norte, a parede de água ultrapassou a costa da Arábia e penetrou pelo interior do golfo Pérsico. Depois atingiu o funil da Terra Entre Rios, inundando to­das as terras.

Quão global teria sido o Dilúvio? Teria sido cada local do nosso planeta inundado? A lembrança humana é quase global e sugere um evento quase-global. Uma coisa certa é que como eventual derretimento do gelo na água, as elevações da temperatura global seguiram-se aos resfriamentos iniciais, e a Idade do Gelo, que se man­tinha havia 62 mil anos, repentinamente terminou. Isso aconteceu cerca de 13 mil anos atrás.

Um dos resultados da catástrofe foi que a Antártica, pela pri­meira vez em muitos milhares de anos, foi libertada de sua calota de­ gelo. Os aspectos do seu continente - costas, baías e até rios ­foram passíveis de ser vistos, isso se existisse alguém lá para ver. Incrivelmente (não, porém, para nossa surpresa) havia alguém lá!

Sabemos por causa da existência de mapas mostrando uma Antártida sem gelo.

Para registro, vamos lembrar que nos tempos modernos a própria existência de um continente no pólo Sul não era conhecida até1820, quando marinheiros ingleses e russos o descobriram. Naquela época, assim como agora, era coberto por uma espessa camada de gelo; conhecemos a forma verdadeira do continente (sob a camada de gelo) por meio do radar e de outros instrumentos sofisticados utilizados por vários grupos durante o Ano Geofísico Internacional de 1958. Ainda assim a Antártica aparece em mapas-múndi desde os séculos 14 e 15 d.C. - centenas de anos antes dá descoberta da Antártica -, e o continente, para aumentar o enigma, é mostrado sem camada de gelo! Tais mapas foram discutidos com competên­cia por Charles H. Hapgood em Mapas dos Antigos Reinados Marinhos/Evidências de Civilização Avançada na Idade do Gelo; aquele que ilustra o enigma com muita clareza é o mapa-múndi de 1531 (fig. 27), cuja representação da Antártica é comparada ao continente sem a calota polar, conforme foi determinado em 1958 durante o Ano Geofísico Internacional.

Um mapa ainda anterior, de 1513, feito pelo almirante turco Piri Reis, mostra o continente ligado por um arquipélago à ponta da Amé­rica do Sul (sem mostrar a Antártica inteira). Por outro lado, o mapa mostra corretamente a América do Sul e Central, com a cordilheira dos Andes, o rio Amazonas e assim por diante. Como poderia ser conhecido antes mesmo que os espanhóis atingissem o México (em 1519) ou a América do Sul (em 1531)?

Em todas essas instâncias, os cartógrafos da época dos descobri­mentos afirmaram que suas fontes eram mapas antigos da Fenícia e da "Caldéia", o nome grego para Mesopotâmia. Mas eles, assim como outros que estudaram esses mapas, concluíram que nenhum marinheiro mortal, mesmo com instrumentos avançados, poderia ter mapeado esses continentes e seus acidentes geográficos naquela época, e certamente não uma Antártica sem calota polar. Apenas alguém observando e mapeando das alturas poderia ter feito isso. E os únicos que estavam por aí na época eram os Anunnaki.

De fato, o deslizamento da calota polar da Antártica e seus efei­tos na Terra são mencionados num grande texto chamado de Erra Epos. Ele lida, milênios mais tarde, com os eventos de uma disputa mortal que surgiu entre os Anunnaki em relação à supremacia na Terra. A era zodiacal de Touro estava dando lugar à era de Áries, o carneiro, e Marduk, primeiro filho de Enki, afirmava que chegara sua vez de assumir a supremacia de Enlil por ser seu herdeiro legal. Quando os instrumentos localizados em locais sagrados na Sumé­ria indicaram que a era do Carneiro ainda não havia chegado, Marduk reclamou que eles refletiam as mudanças que haviam ocor­rido porque “o Erakallum tremeu e sua cobertura foi diminuída, e as medida não puderam mais ser feitas". Erakallum era um termo cujo significado preciso escapa dos estudiosos; costumava ser traduzido por "Mundo Inferior", mas atualmente fica sem tradução nos tex­tos. Em O Começo do Tempo sugerimos que o termo define a terra no final do mundo - a Antártica e sua calota polar, que deslizou há cerca de 13 mil anos, mas cresceu até por volta de 4000 anos atrás. (Charles Hapgood supôs que a Antártica sem a calota polar, como representada no mapa de Orontius Finaeus, mostrasse o continente como era visto cerca de 4000 anos a.C., ou seja, 6000 anos atrás; ou­tros estudos apontam 9000 anos como o tempo correto).

À medida que o Dilúvio subjugava as terras e destruía tudo o que havia sobre ela, os próprios Anunnaki orbitavam a Terra em suas naves. Dos céus podiam enxergar o cataclismo e a destruição. Divididos em várias espaçonaves, alguns" aviltados como cães, aga­chados contra a parede externa". À medida que os dias se passa­vam, "seus lábios ficavam sequiosos de sede e eles sofriam cãibras de fome". Na espaçonave onde estava Ishtar, "ela gritava como uma mulher nas dores do parto", lamentando que os "velhos dias agora se tomaram argila". Em sua espaçonave, Ninmah, que partilhara a criação dos humanos, reclamava do que via. "Minhas criaturas se tomaram como moscas, enchendo os rios como libélulas, sua pater­nidade levada pelo mar revolto." Enlil e Ninurta, acompanhados sem dúvida por outros do Centro de Controle de Missão, em Nippur, estavam em outra espaçonave. Da mesma forma, Enki, Marduk e os outros de seu clã. Seu destino eram igualmente os picos do monte Ararat, os quais - como todos sabiam - iriam emergir de sob as águas antes de todo o resto. Porém nenhum deles, com exceção do próprio Enki, sabia que uma família de humanos, salvos da calamidade, também se dirigia para lá...

O encontro inesperado foi cheio de aspectos surpreendentes; os Anunnaki suportavam a busca da procura humana por imortalidade havia 10 mil anos ou mais. Também deixaram o ser humano com o desejo de ver a Face de Deus.

Segundo a história bíblica, depois que a Arca veio descansar nos picos do Ararat e as águas baixaram, "Noé, seus filhos, sua esposa e as esposas de seus filhos que estavam com ele", além dos animais que se encontravam na Arca, saíram da embarcação. "E Noé construiu um altar para Iavé, e ele tomou de cada gado puro e de cada ave pura e queimou suas oferendas no altar. E Iavé, sentindo o odor agradável, disse em seu coração: 'Não mais amaldiçoarei a Terra por causa do homem'." E Elohim abençoou Noé e seus filhos, e disse a eles: "Sejam férteis, multipliquem-se e encham a Terra".

O contato entre um deus zangado e o que restou da humanidade é descrito com grande riqueza de detalhes nas fontes mesopotâ­micas. A seqüência de eventos é a mesma - a extinção da imensa inundação, a diminuição do nível da água, o envio de pássaros para sondar o terreno, a chegada ao Ararat, a saída da Arca, a construção de um altar e a queima das oferendas; em seguida veio o arrependi­mento provocado pelo odor agradável da carne e a bênção sobre Noé e seus filhos.

Conforme Utnapishtim lembra quando contou os "segredos dos deuses" para Gilgamesh depois que saiu do barco, ele "ofereceu um sacrifício e faz uma libação na montanha, montou sete vasos de cul­to, empilhou vime, cedro e mirto sob os suportes". Os deuses, ao saírem de suas naves à medida que aterrissavam na montanha, "sen­tiam o doce aroma e amontoavam-se como moscas ao redor do sacrifício".

Em pouco tempo Ninmah chegou e percebeu o que acontecera. Jurando pelas "grandes jóias que Anu fabricara para ela", anunciou que jamais esqueceria a provação e o que ocorrera. Vão em frente, dividam a oferenda, disse ela aos Anunnaki; "mas não deixem Enlil chegar até ela; ele, sem ouvir argumentos, decretou a destruição dos meus humanos com o Dilúvio".

Mas não deixar Enlil saborear e experimentar a oferenda era o menor dos problemas:

 

Quando Enlil chegou

e viu o barco, ficou raivoso.

Encheu-se de raiva contra os deuses Igigi.

"Alguma alma viva escapou?

Nenhum homem devia escapar da destruição!"

 

Seu filho, Ninurta, suspeitando de outro que não os deuses Igigi em suas naves orbitais, disse para Enlil:

 

Quem, além de Ea, poderia engendrar planos?

É Ea quem conhece todos os assuntos!

 

Juntando-se à reunião, Ea/Enki admitiu o que fizera. Porém fez questão de afirmar que não violara seu juramento de segredo: Não contei o segredo dos deuses, disse ele. Tudo o que fiz foi" deixar que Atra-hasis tivesse um sonho", e esse humano inteligente "percebeu o segredo dos deuses" ele mesmo... E já que foi assim que as coisas aconteceram, disse Enki a Enlil, não seria mais sábio arrepender-se? Será que o plano de destruir a humanidade com o Dilúvio não fora um erro? "Vós, o mais sábio dos deuses; vós, herói, como pudestes, sem motivo", trazer tal calamidade?

Se foi esse sermão ou a compreensão que deveria extrair o me­lhor da situação, o texto não deixa claro. Quaisquer que fossem os motivos, Enlil mudou de opinião. Atra-hasis descreve assim o que ocorreu:

 

Então Enlil foi a bordo do navio.

Tomando-me pela mão, levou-me a bordo.

Levou minha esposa para bordo e a fez se ajoelhar

a meu lado.

Em pé entre nós, tocou-nos a fronte

para nos abençoar.

 

A Bíblia afirma simplesmente que depois de Iavé se arrepender, "Elohim abençoou Noé e seus filhos". Das fontes mesopotâmicas, ficamos sabendo que a bênção se realizou. Foi uma cerimônia inédita, um Encontro Divino único no qual a divindade fisicamente leva­ra os humanos escolhidos pela mão e, em pé entre os dois, fisica­mente tocou-lhes a fronte para conceder um atributo divino. Ali, no monte Ararat, em frente aos outros Anunnaki, Enlil concedeu a Imor­talidade para Utnapishtim e sua esposa, proclamando:

 

Até agora Utnapishtim foi apenas humano;

de agora em diante, Utnapishtim e sua esposa

serão deuses como nós.

Utnapishtim deverá morar num local distante,

junto à boca das águas.

 

        "E assim eles me levaram e me fizeram residir na Distância, na boca das águas", disse Utnapishtim a Gilgamesh.

        A parte impressionante dessa história é que Utnapishtim a estava narrando para Gilgamesh 10 mil anos depois do Dilúvio!

Como filho de um semideus, e com toda a probabilidade de ser semideus ele mesmo, Utnapishtim poderia ter vivido outros 10 mil anos depois de ter vivido em Shurupak (antes do Dilúvio) por 36 mil anos. Isso não era impossível; mesmo a Bíblia estabelece para Noé mais 350 anos depois do Dilúvio, além dos 601 precedentes. O aspecto realmente extraordinário é que a esposa de Utnapishtim também pôde viver a mesma quantidade de tempo como resultado da bênção e do local sagrado para onde o casal foi levado.

De fato, foi essa longevidade tão afamada do Casal Abençoado que levou Gilgamesh - rei da cidade de Erech, por volta de 2900 a.C. - a procurar pelo herói do Dilúvio. Mas essa é uma história que merece um exame em separado, pois está repleta de Encontros Divinos, do começo ao fim.

Como ato final do drama do Dilúvio, segundo a Bíblia, Elohim assegurou aos humanos salvos que tal calamidade nunca mais ocorreria; e, como sinal, "coloco meu arco no céu, como símbolo do pacto entre mim e a Terra". Embora esse detalhe em particular não apa­reça na versão mesopotâmica, a divindade que realizou o pacto com o povo era às vezes representada, como nessa imagem mesopotâmica, na forma de um deus nas nuvens, segurando um arco.

 

Nunca Mais?

A preocupação pública e científica a respeito do aquecimento da Terra como resultado do consumo de combustível e da diminuição da camada de ozônio sobre a Antártica nos levou, em anos recen­tes, a estudar extensamente o clima do passado. O gelo acumulado sobre a Groenlândia e a Antártica foi perfurado até o fundo, as calotas foram estudadas com radar de imagem; rochas sedimentares, fissuras naturais, lodos oceânicos, antigas ilhas de coral, locais de nidificação de pingüins, evidências de litorais antigos - esses e muitos outros aspectos investigados à procura de provas. Todos indicam que a última Idade do Gelo terminou abruptamente cerca de 13 mil anos atrás, coincidindo com uma inundação global.

Os temidos resultados catastróficos do aquecimento global foca­lizam-se no possível derretimento da calota polar. O menor acúmulo é no oeste, onde o gelo se eleva parcialmente acima da água. Um aquecimento de apenas 2 graus pode causar o derretimento dessa calota, que elevaria o nível de todos os oceanos por quase sete metros. Mais calamitoso ainda seria o deslizamento da calota orien­tal como resultado de um "lubrificante" de água-lama formando-se ao fundo em virtude da pressão ou de atividade vulcâ­nica; isso elevaria todos os níveis dos mares em 65 metros (Scientific American, março de 1993).

Se em vez de derreter gradualmente, o gelo da Antártica desli­zasse para os oceanos de uma só vez, a onda provocada seria imen­sa. Assim, sugerimos, foi isso o que aconteceu, provocado pelo empuxo gravitacional da passagem de Nibiru, que forneceu o impul­so final à calota.

A evidência da "maior inundação da Terra ao final da última Idade do Gelo" foi noticiada em Science (15 de janeiro de 1993). Foi uma "inundação cataclísmica", cujas águas, avançando à razão de 18,5 milhões de metros cúbicos por segundo (sic.!), passaram pelas bar­reiras de gelo a noroeste do mar Cáspio e escoaram através da barreira dos montes Altai numa onda de 500 m de altura. Vindo do sul (como atestam os textos sumérios e bíblicos) e passando pelo funil do golfo Pérsico, a onda inicial sem dúvida teria coberto até as zonas montanhosas da área.

 

OS PORTÕES DO CÉU

Os sumérios trouxeram para a humanidade uma longa lista de "inéditos", sem os quais teria sido impossível garantir a moderna civilização. Entre muitas das que foram mencionadas, uma "novidade" que durou quase sem interrupção foi o reinado. Como em todos os outros, essa "novidade" também foi concedida aos sumérios pelos Anunnaki. Nas palavras da Lista de Reis Sumérios, "depois que o Dilúvio varreu a Terra, quando o reinado foi baixado dos Céus, o reinado era em Kish". Talvez tenha sido por causa disso - porque o "reinado foi baixado dos Céus" - que os reis julgaram-se no di­reito de serem levados, de ascender aos Portões do Céu. Por isso existem relatos de Encontros Divinos realizados, tentados ou simu­lados repletos de aspirações e falhas dramáticas. Na maioria deles, o sonho desempenha um papel importante.

Os textos mesopotâmicos relatam que, frente a frente com a rea­lidade de um planeta devastado, Enlil aceitou o fato da sobrevivên­cia do homem e deu sua bênção aos que sobraram. Compreenden­do que dali em diante os Anunnaki não poderiam continuar sua estada na Terra sem ajuda humana, Enlil juntou-se a Enki em pro­ver a humanidade com os avanços que chamamos de progressos do Paleolítico (Idade da Pedra Lascada) até o Mesolítico e o Neolítico (Idade da Pedra Polida) e até a repentina civilização suméria - cada intervalo sendo de 3600 anos -, que marcou a introdução da domesticação das plantas e dos animais, e a mudança de pedra para cerâmica, e de utensílios de cerâmica para os de cobre, em seguida para uma civilização completa.

     Como o texto mesopotâmico deixa claro, a instituição do reina­do como aspecto de uma civilização de alto nível com suas hierarquias foi criada pelos Anunnaki para formar uma separação entre eles mesmos e as massas de humanos. Antes do Dilúvio, Enlil quei­xava-se de que "o barulho da humanidade se tomou muito inten­so" para ele, que "pelo ruído deles não consigo dormir". Agora os deuses se retiravam para seus locais sagrados, as pirâmides de de­graus (zigurates), em cujo centro ficava "E" (literalmente: casa, habitação) do deus; um indivíduo escolhido podia aproximar-se o su­ficiente para escutar as palavras da divindade, depois passava a mensagem divina para o povo. Ainda que Enlil ficasse infeliz com a humanidade, a escolha de um rei era prerrogativa dele, e em sumério o que chamamos de realeza era denominado "Enlileza".

Lemos nos textos que a decisão de criar o reinado só veio depois de grandes altercações e brigas entre os próprios Anunnaki - con­flitos que chamamos de Guerras das Pirâmides em nosso livro As Guerras de Deuses e Homens. Esses amargos conflitos tiveram seu fim num tratado de paz que dividiu o antigo mundo conhecido em qua­tro regiões. Três eram reservadas aos homens, reconhecíveis nas lo­calizações das três grandes civilizações conhecidas: no Tigre-Eufrates (na Mesopotâmia), no rio Nilo (o Egito e a Núbia) e no vale do rio Indo. A Quarta Região, uma zona neutra, era o TILMUN ("Terra dos Mísseis") - a península do Sinai -, onde se localizava o Espa­çoporto pós-diluviano.

 

Os grandes Anunnaki que decretam o destino

sentaram-se num conselho para falar da Terra.

As quatro regiões eles criaram

estabelecendo suas fronteiras.

 

Naquela época, a Terra era dividida entre enkitas e enlilitas.

 

Um rei ainda não havia para

governar as pessoas que se juntavam.

Naquela época, a faixa e a coroa

não haviam sido usadas.

­

O cetro incrustado de lápis-Iazúli

ainda não fora brandido.

A plataforma do trono ainda não fora construída.

O cetro e a coroa, a faixa real e o cajado

ainda permanecem no céu, em frente a Anu.

 

Quando, finalmente, depois das decisões em relação às quatro regiões e ao permitir a civilização e o reinado para a humanidade, “o cetro da realeza foi trazido para baixo do Céu", Enlil designou para Ishtar (sua neta) a tarefa de encontrar um candidato plausível para o primeiro trono na Cidade dos Homens - Kish, na Suméria.

A Bíblia recorda a mudança de espírito de Enlil e a bênção aos que ficaram ao afirmar que "Elohim abençoou Noé e seus filhos e disse a eles: e vós, frutificai e multiplicai-vos, aumentai na Terra e multiplicai-vos nela". Então a Bíblia, no que é chamada de Estela das Nações (Gênesis, capítulo 10), procede a listar as nações tribais que descenderam dos três filhos de Noé - Sem, Cam e Jafé -, os três maiores grupos que ainda reconhecemos como os povos semitas do Oriente Médio, os povos camitas da África e os indo-europeus da Anatólia e do Cáucaso, que se espalharam pela Europa e pela Índia. Mergulhado na lista de filhos e filhos de filhos e netos, encon­tra-se uma inesperada afirmação a respeito das origens do reinado e do nome do primeiro rei - Nimrod.

 

E Cush gerou a Nimrod,

que começou a ser valente na Terra.

Ele era homem poderoso diante do Eterno,

por isso se diz:

como Nimrod, poderoso caçador diante de Iavé.

E foi o princípio do seu reino BabeI,

Erech, Acad e Kalne, na terra de Shinar.

Daquela terra saiu Asur

e edificou Nínive, Kelach

e Ressen, entre Nínive e Kelach;

esta é a cidade grande.

 

Esta é uma história acurada, apesar de concisa, dos reinados e realezas na Mesopotâmia. Comprime os dados nas listas de reis sumérios, em que a realeza, tendo começado em Kish (que a Bíblia chama de Kush), de fato mudou para Uruk (que a Bíblia chama de Erech), e depois para Acad, e a seu tempo para a Babilônia (BabeI) e Assíria (Asur). Todos emanaram da Suméria, a bíblica Shinar. A "novidade" suméria da realeza é evidenciada pelo uso bíblico do termo "homem poderoso" para descrever o primeiro rei, pois é uma tradução exata do termo sumério para rei, LU.GAL - "Homem Grande/Poderoso".

Existiram muitas tentativas para identificar "Nimrod". Segun­do os "mitos" sumérios, era Ninurta, o filho preferido de Enlil, que recebeu a tarefa de instituir a "Enlileza" em Kish; Nimrod pode ter sido o nome hebraico para Ninurta. Se é nome de homem, ninguém sabe o que significa em sumério, porque a estela está danificada nesse ponto. Segundo a Lista de Reis Sumérios, a dinastia Kish consistiu em 23 soberanos que reinaram por "24.510 anos, 3 meses e 3 dias e 1/2", com reinados individuais de 1200, 900, 960,1500,1560 anos, e assim por diante. Presumindo que o "1" como "60" fosse mal colocado nas transcrições feitas ao longo dos milênios, chegamos a nú­meros mais plausíveis como 20, 15 e assim por diante para os reina­dos individuais, e a um total de 400 anos para a dinastia - um pe­ríodo apoiado por descobertas arqueológicas em Kish.

A lista de nomes e de duração de reinados só se desvia uma vez, a respeito do 132 rei. A Lista de Reis Sumérios afirma sobre ele:

 

Etana, um pastor,

ele que subiu ao céu,

que consolidou todas as nações,

tornou-se rei e reinou por 1560 anos.

 

A notação histórica não é aleatória; existe uma longa história épica, o Épico de Etana, que descreve seus Encontros Divinos nos esforços para chegar aos Portões do Céu. Embora nenhum texto completo tenha sido encontrado, os estudiosos foram capazes de juntar a história dos fragmentos de recensões da antiga Babilônia, Assíria Média e Neo-Assíria; porém não resta dúvida sobre o fato de a ver­são original ser suméria, pois um sábio a serviço do rei sumério Shulgi (século XXI a.C.) é mencionado em uma das recensões como editor da versão mais moderna.

A reconstrução da história a partir dos vários fragmentos não foi fácil porque o texto parece tecer duas histórias separadas. Uma está relacionada com Etana, claramente um rei amado e conhecido por feitos benevolentes ("ele consolidou todas as nações"), que se viu privado de um filho e portanto de um sucessor por causa da doença de sua esposa; o único remédio era a Planta do Nascimento, que só podia ser obtida nos céus. A história leva Etana a realizar dramáticas tentativas para chegar aos Portões do Céu, como voar nas asas de uma águia (uma parte da história representada no selo cilíndrico do século XXIV a.C. A outra história lida com a Águia, sua amizade a princípio, depois com uma briga com uma Serpente, resultando na prisão da Águia num poço do qual foi salva por Etana num acordo que beneficiava a ambos: Etana salvava a Águia e curava suas asas em troca de ela agir como nave espacial e levar Etana para céus distantes.

Vários textos sumérios apresentam dados históricos na forma de disputas alegóricas (algumas das quais já mencionamos), e os estudiosos não têm certeza quando a alegoria Águia/Serpente ter­mina e começa um registro histórico. O fato de que em ambos os segmentos é Utu/Shamash o comandante do espaçoporto, que é a divindade que controla o destino da Águia e que consegue que Etana encontre a Águia, sugere um evento verdadeiro, relacionado ao es­paço. Além do mais, no que os estudiosos chamam de Introdução Histórica aos episódios intercalados, a narrativa estabelece o cená­rio para eventos relacionados como época de conflitos e choques, nos quais os IGI.GI ("Aqueles Que Observam e Vêem") - os cor­pos dos astronautas que permaneciam na Terra e tripularam as es­paçonaves de transporte (como separados dos Anunnaki que des­ceram à Terra) - ''barraram os portões" e "patrulharam a cidade" contra oponentes cuja identidade está perdida em estelas danificadas. Tudo isso parece indicar um registro de fatos.

A presença incomum dos Igigi numa cidade, o fato de que Utu/Shamash era o comandante do Espaçoporto (naquela época na Quar­ta Região), e a designação do piloto-espaçonave como Etana numa águia sugerem que o conflito ecoou na história de Etana relaciona­da com vôo espacial. Poderia ser uma tentativa de criar um centro espacial alternativo, que não fosse controlado por Utu/Shamash? Poderia o Homem-Águia estar envolvido no atentado fracassado para ser condenado ao banimento num poço - um silo subterrâ­neo? Uma representação de foguete num silo subterrâneo (mos­trando o módulo de comando acima do chão) foi encontrada na tumba de Hui, um governante egípcio do Sinai nos tempos faraôni­cos, indicando que uma "Águia" num "poço" era reconhe­cida na Antiguidade como um foguete em seu silo.

Se aceitarmos os dados bíblicos como uma versão abreviada, ainda que esteja correta cronologicamente e sob todos os aspectos em relação às fontes sumérias, ficamos sabendo que logo após o Dilúvio, enquanto o homem proliferava e as planícies entre o Tigre e o Eufrates começavam a secar o suficiente para ser novamente ocu­padas, as pessoas "jornadearam ao leste e encontraram uma planí­cie na terra de Shine' ar e acamparam ali. E disseram um para o ou­tro: Vamos fazer tijolos e queimá-los num fomo. E assim o tijolo serviu de pedra, e o betume serviu como argamassa".

Esse é um relato bastante acurado, se não uma decisão concisa do início da civilização suméria, e algumas de suas "novidades" ­os tijolos, o forno e as primeiras Cidades dos Homens. O que se seguiu foi a construção de uma cidade e de uma "Torre cuja ponta alcançava o céu".

Hoje em dia chamamos tal estrutura de "torre de lançamento", e a "ponta" que alcançava o céu é chamada de "foguete"...

Chegamos, na narrativa bíblica e cronologicamente, ao inciden­te da Torre de Babel - a construção não-autorizada de instalações espaciais. "E desceu Iavé para ver a cidade e a torre que edificaram os filhos dos homens."

Sem gostar nem um pouco do que via, Iavé expressa sua preo­cupação a colegas cujo nome não é mencionado: "Vinde, desçamos e confundamos ali sua língua, para que não entenda cada um a linguagem de seu companheiro". E assim foi. E Iavé "espalhou-os sobre a face de toda a Terra, e cessaram de edificar a cidade".

A Bíblia identifica como a Babilônia o local onde o atentado de subir aos céus ocorrera, explicando que seu nome hebraico, Babei, é derivado da raiz "confundir". Na verdade, o original mesopotâ­mico significa "Portal dos Deuses", um lugar projetado por Marduk, primogênito de Enki, para servir como local de lançamento alternativo, livre do controle dos seguidores de Enli1. Saindo da esteira do que chamamos de Guerra das Pirâmides, a época do incidente foi determinada por nós em aproximadamente 3450 a.c. - vários séculos depois do início do reinado de Kish, portan­to aproximadamente a mesma época em que ocorreu a história de Etana.

Tais correspondências entre as cronologias suméria e bíblica lan­çam uma luz sobre a identidade dos seres divinos que, como Iavé na versão bíblica, desceram para ver o que estava acontecendo na Babilônia, e para quem Iavé expressava suas preocupações. Eram os Igigi que desceram à Terra, ocuparam a cidade, colocaram bar­reiras nos sete portões contra as forças oponentes, e patrulharam o local até que a ordem fosse restaurada, sob a liderança de um rei escolhido, capaz de "consolidar as terras". Esse novo rei foi Etana. Seu nome seria mais bem traduzido como "Homem Forte", e deve ter sido um favorito entre jovens no antigo Oriente Médio, pois en­contramos várias vezes seu nome na Bíblia (como Ethan). Não mui­to diferente das demandas por executivos especializados hoje em dia, ele foi selecionado depois de Ishtar estar procurando por um pastor e "procurando por todo lado por um rei". Depois que Ishtar viera com Etana como candidato ao trono, Enlil olhou para ele e o aprovou: "Um rei aqui fica confirmado para a terra", anunciou ele. E em Kish, "a plataforma do trono ele estabeleceu". Isso feito, "os Igigi voltaram as costas e foram embora da cidade", presumivel­mente retomando às suas estações espaciais.

E Etana, tendo "consolidado a terra", voltou sua mente para a necessidade de um herdeiro.

A tragédia de uma esposa sem filhos, incapaz de gerar um su­cessor para seu marido, é o tema encontrado na Bíblia, começando com as histórias dos Patriarcas. Sara, esposa de Abraão, era incapaz de gerar filhos até um encontro divino com a idade de noventa anos; nesse meio-tempo, sua criada Hagar deu um filho (Ismael) a Abraão, e o cenário para um conflito pela sucessão foi criado entre o primogênito e o herdeiro legal, mais novo (Isaac). Isaac, por sua vez, pre­cisou "suplicar a Iavé por sua esposa, porque ela era estéril". Ela só foi capaz de conceber depois que Iavé "ouviu-lhe os rogos".

Nas narrativas bíblicas persiste a crença de que vem do Senhor a capacidade de conceber, ou então a ausência dela. Quando Abimelec, o rei de Gerar, levou Sara de Abraão, "Iavé fechou to­dos os ventres da casa de Abimelec", e a aflição só foi removida depois dos pedidos de Abraão. Anah, esposa de Elkanah, ficou privada de filhos porque" o Senhor fechara seu ventre". Ela só deu à luz Samuel porque prometeu dar o rapaz, se fosse homem, "para o Senhor todos os dias de sua vida e não passará a navalha jamais por sua cabeça".

No caso da esposa de Etana, o problema não era apenas uma incapacidade de conceber, e sim por apresentar vários abortos du­rante a gravidez. Possuía uma doença, LA.BU, que evitava que sua gravidez chegasse a termo. Em seu desespero, Etana visualizava cenários terríveis. Num sonho ele "viu a cidade de Kish soluçando; na cidade, as pessoas estavam se queixando: havia uma canção de lamentação". Era por ele, pois "Etana não podia ter herdeiro", ou por sua esposa - um presságio de morte?

Em seguida "a esposa disse a Etana: o deus me mostrou um so­nho. Como Etana, meu marido( tive um sonho". No sonho, ela viu um homem. Ele segurava uma planta em sua mão; era uma shammu sha aladi, uma Planta do Nascimento. Ele colocava água fria, para que "se tomasse estabelecida em sua casa". Ele trouxe a planta à cidade e para a sua casa. Da planta brotou uma flor; então a planta morreu.

Etana tinha certeza de que o sonho era um presságio divino. "Quem não reverenciaria um sonho como esse?!", disse ele. "A ordem dos deuses foi recebida!" O remédio para seu mal "veio até nós".

Etana perguntou onde se encontrava essa planta, mas a esposa respondeu que, em seu sonho, "não podia enxergar onde estava cres­cendo". Convencido de que o sonho era um presságio que precisa­va tomar-se verdadeiro, Etana partiu em busca da planta. Atraves­sou rios e riachos nas montanhas, andou para lá e para cá, mas não conseguiu encontrar a planta. Frustrado, buscou orientação divina. "Todos os dias Etana rezava repetidamente para Shamash." Junta­va louvores e reclamações. "Ó Shamash, vós que apreciastes os me­lhores cortes de meus carneiros. O solo tem absorvido o sangue de meus carneiros. Honrei os deuses. Os intérpretes têm feito muito uso de meu incenso." Agora eram os próprios deuses, aqueles que "fizeram uso de meus carneiros assassinados", quem deviam inter­pretar o sonho para ele.

Se existir tal planta, disse ele em suas orações, "deixe que a palavra saia de sua boca, Senhor, e me dê a Planta do Nascimento! Mos­tre-me essa planta! Remova minha vergonha e me dê um filho!".

O texto não afirma onde Etana rezava para Utu/Shamash, o comandante do espaçoporto. Aparentemente não foi um encontro face a face, pois em seguida lemos que "Shamash fez sua voz ouvida e falou com Etana". E isso foi o que a voz divina disse:

 

Vá pela estrada, atravesse a montanha.

Encontre um poço e olhe cuidadosamente

o que existe lá dentro.

Uma Águia está abandonada lá.

Ele irá obter para você a Planta do Nascimento.

 

Seguindo as instruções do deus, Etana encontrou o poço e a Águia no interior. Ao querer saber por que ele viera, a Águia ficou sabendo o problema de Etana e contou a ele sua triste história. Logo resolveram fazer um acordo: Etana ajudaria a retirar a Águia do poço, e a Águia encontraria para ele a Planta do Nascimento. Com a ajuda de uma escada de seis degraus, Etana trouxe a Águia para fora do poço e reparou-lhe as asas com cobre. Em forma para voar, a Águia começou a procurar a planta mágica nas montanhas. "Mas a Planta do Nascimento não foi encontrada lá."

À medida que o desespero e o desapontamento tomavam conta de Etana, ele teve outro sonho. O que ele contou desse sonho para a Águia é parcialmente ilegível, pois a estela está danificada; a parte legível, porém, se refere a emblemas de poder e autoridade, vindo "das alturas brilhantes do céu, sobre meu caminho". "Meu amigo, seu sonho é favorável", afirmou a Águia. Depois Etana teve outro sonho, no qual enxergou juncos de todas as partes da Terra reuni­rem-se em feixes em frente à sua casa; uma serpente má tentou impedir, porém os juncos, "como escravos, curvavam-se perante mim". Mais uma vez a Águia "persuadiu Etana a aceitar o sonho" como um presságio favorável.

Contudo nada aconteceu até que a própria Águia tivesse um sonho. "Meu amigo, aquele mesmo deus apareceu para mim e me mostrou um sonho", disse ela.

 

Íamos passar pela entrada

dos portões de Anu, Enlil e Ea;

curvamo-nos juntos, você e eu.

Passamos pela entrada

dos portões de Sin, Shamash, Adad e Ishtar;

curvamo-nos juntos, eu e você.

 

Se examinarmos os mapas, compreenderemos que a Águia está descrevendo uma viagem reversa - do centro do Siste­ma Solar, onde o Sol (Shamash), a Lua (Sin), Mercúrio (Adad) e Vênus (Ishtar) estão agrupados, na direção dos planetas exteriores e para o mais distante: Nibiru, domínio de Anu!

O sonho possuía uma segunda parte:

 

Eu vi uma casa com janela sem selo.

Abri-a e entrei.

Sentada lá estava uma jovem mulher envolta num brilho,

de belas feições, adornada com uma coroa.

Um trono estava preparado para ela.

Ao redor do solo foi firmado.

Na base do trono os leões se agacharam.

Enquanto eu progredia, os leões obedeciam.

Então acordei com um sobressalto.

 

    O sonho era cheio de bons presságios: a "janela" não estava se­lada, a jovem no trono (a esposa do rei) era envolta em brilho; os leões estavam submissos. Esse sonho, disse a Águia, tomava claro o que precisava ser feito: "Nosso objetivo se tomou manifesto; venha vou levá-lo até o céu de Anu!".

O que se segue no texto antigo é uma descrição de um vôo espa­cial, tão realística como a de qualquer astronauta moderno.

Partindo em direção aos céus com Etana segurando-se nela, a Águia disse a Etana, depois de subir um beru (medida suméria de distância e do arco celeste):

 

Veja, meu amigo, como a terra parece!

Espie o mar dos lados da Casa da Montanha:

a terra se tornou mesmo uma simples colina,

e o mar imenso, apenas uma banheira!

 

Mais e mais alto, a Águia carregava Etana na direção do céu; menor e menor parecia a Terra. Depois de subirem outro beru, a Terra não parecia maior do que um canteiro de jardim. Depois dis­so, à medida que continuavam a subir, a Terra ia ficando totalmente fora de vista. Registrando a experiência, Etana disse:

 

 

Quando olhei ao redor,

a Terra desaparecera;

e sobre o mar imenso,

meus olhos não mais puderam regozijar-se.

 

Haviam penetrado tanto no espaço que a Terra desaparecera de vista!

Tomado pelo medo, Etana pediu que a Águia voltasse. Era uma descida perigosa, pois a Águia "mergulhou" para a Terra. O frag­mento de uma estela identificada pelos estudiosos como" a oração da Águia a Ishtar, enquanto ele e Etana caem do céu" (J. V. Kinnier Wilson, A Lenda de Etana: Uma Nova Edição), sugere que a Águia cha­mou Ishtar - cujo domínio dos céus da Terra era bem conhecido tanto em textos como em desenhos, - para ir em seu socorro. Estavam caindo na direção de uma extensão de água que, "embora pudesse salvá-los na superfície, os teria matado nas profundezas". Com a intervenção de Ishtar, a Águia e seu passagei­ro aterrissaram numa floresta.

Na segunda região de civilização, aquela do rio Nilo, o reinado se iniciou por volta de 3100 a.C. - Reinado humano, pois as tradições egípcias afirmam que muito tempo antes o Egito era uma terra governada por deuses e semideuses.

Segundo o sacerdote egípcio Máneton, que escreveu a história do Egito quando os gregos de Alexandre chegaram, em épocas ime­moriais os "Deuses do Céu" vieram à Terra a partir do Disco Celes­te. Depois que uma grande inundação atingiu o Egito, "um deus muito grande que viera à Terra nos tempos primitivos" ergueu a terra de sob as águas com engenhosos projetos de diques, muros de contenção e terraplenagens. Seu nome era Ptah, "O Fo­mentador", e era um grande cientista que anteriormente tomara parte na criação do homem. Muitas vezes era representado com um cajado graduado, parecido com a estaca dos agrimensores atuais. A seu tempo, Ptah passou o governo para seu primogênito, Rá (O Brilhante), que permaneceu como líder do panteão egípcio.

O termo egípcio para "deuses" era NTR - Guardião, Vigilan­te" - e a crença era de que haviam vindo ao Egito de Ta-Ur, a "es­tranha/Terra Distante". Em nossos trabalhos anteriores, identifica­mos essa terra com a Suméria (mais precisamente Sumer, "Terra dos Guardiões"), os deuses egípcios com os Anunnaki, Ptah sendo Ea/Enki (cujo apelido sumério, NUDIMMUD, significa "Criador Habilidoso") e Rá como seu filho primogênito, Marduk.

Rá foi seguido no trono divino do Egito por quatro casais ir­mãos-irmãs: o primeiro foram seus próprios filhos, Shu ("Secura") e Tefnut ("Umidade"), depois pelos filhos deles, Geb (" Aquele Que Empilha Terra") e Nut ("O Esticado Firmamento do Céu"). Geb e Nut tiveram quatro filhos: Asar ("O Que Tudo Vê"), a quem os gre­gos chamaram de Osíris, que casou com sua irmã Ast, a quem co­nhecemos como Ísis; e Seth ("O Sulista"), que casou com sua irmã Nebt-hat, aliás Néftis. Para manter a paz, o Egito foi dividido entre Osíris (que recebeu o Baixo Egito, ao norte) e Seth (a quem coube o Alto Egito, ao sul). Porém Seth se achava com direito a todo o Egito e nunca aceitou a divisão. Usando de artifícios, ele conseguiu apanhar Osíris e cortar-lhe o corpo em catorze pedaços, que espalhou por todo o Egito. Mas Ísis recuperou todos (menos o falo) e recons­truiu o corpo mutilado, assegurando-lhe a ressurreição no Outro Mundo. As escrituras sagradas afirmam sobre ele:

 

Ele transpôs os portões secretos,

a glória do Senhor da Eternidade,

ao lado daquele que brilha no horizonte,

no caminho de Rá.

 

E assim nasceu a crença de que o rei do Egito, o faraó, se "mon­tado" (mumificado) como Osíris, depois de sua morte, podia reali­zar a jornada para encontrar os deuses em sua habitação, transpor os Portões do Céu, lá encontrar o grande deus Rá e, se permitido o acesso, apreciar um Pós-Vida eterno.

A jornada desse último Encontro Divino era simulada; mas para simular é preciso imitar uma viagem real - uma que os próprios deuses, e mais especificamente Osíris, empreendera, ao sair das margens do Nilo para Neter-Khert, "A Terra da Montanha dos Deu­ses", onde um Elevador o levaria no Duat, uma "residência mágica para atingir as estrelas".

Muito do que sabemos daquelas jornadas simuladas vem dos Textos da Pirâmide, cuja origem se perde no tempo, conhecidos que são por suas citações repetidas no interior das pirâmides faraônicas (sobretudo as de Unas, Teti, Pepi I, Merenra e Pepi II, que reinaram entre 2350 e 2180 a.C.). Saindo de sua tumba (que nunca era no inte­rior da pirâmide) através de uma porta falsa, o rei esperava ser encontrado por um emissário divino, que "o tomaria pelo braço e o levaria para o céu". À medida que o faraó iniciava sua jornada para o Pós-Vida, o sacerdote irrompia num cântico: "O rei está a cami­nho do Céu! O rei está a caminho do Céu!".

A viagem - tão realística e geograficamente precisa que se esquece que deveria ser simulada - começava, conforme o afirmado, passando-se por uma porta falsa, voltada para o leste; o destino do faraó era assim para o leste, longe do Egito e na direção da penínsu­la do Sinai. O primeiro obstáculo era um Lago de Juncos; o termo é quase idêntico àquele do Mar de Juncos (mar Vermelho) bíblico que os israelitas conseguiram atravessar quando suas águas se dividi­ram milagrosamente, e que, nos dois casos, se refere à seqüência de lagos que ainda existe ao longo da divisa entre o Egito e o Sinai, de norte a sul.

No caso do faraó, era um Barqueiro Divino que, depois de ques­tionar as qualidades do faraó, resolvia deixá-lo atravessar. O Bar­queiro Divino conduzia o barco mágico até o lado mais distante do lago, mas era o faraó quem precisava recitar fórmulas mágicas para fazer o barco navegar de volta. Uma vez que essas fórmulas fossem recitadas, a embarcação começava a mover-se por si mesma. Para todos os efeitos, o barco impulsionava a si mesmo!

Além do lago estendia-se um deserto, e, além dele, o faraó podia enxergar a distância as montanhas do Leste. Mas nem bem o faraó se livrava do barco, era interpelado por quatro Guardas Di­vinos, conspícuos por seus cabelos negros arrumados em cachos nas têmporas e atrás da cabeça, com tranças no centro e ao alto. Eles também questionavam o faraó, porém, finalmente, o deixa­vam passar.

Um texto (conhecido apenas por meio de citações) intitulado O Livro dos Dois Caminhos descrevia as alternativas que agora se deparavam ao faraó, que podia enxergar os dois passos que leva­vam à serra montanhosa mais além, onde ficava o Duat. Tais pas­sos, chamados atualmente de Giddi e Mitla, oferecem desde tem­pos imemoriais até as mais recentes guerras na região a única pas­sagem viável para o centro da península, seja para exércitos, nô­mades ou peregrinos. Pronunciando as fórmulas corretas, o faraó consegue uma indicação para a passagem correta. À frente está a terra árida e solitária, e os Guardas Divinos apareciam inespera­damente. “ Aonde vais?", indagavam eles ao mortal que aparecia na região dos deuses. O Emissário Divino, visto e não visto, se manifestava: “O rei vai para o Céu, a fim de ter vida e alegria", dizia ele. Os guardas hesitavam, e o rei pedia a eles: “Abram a fronteira... levantem a barreira... deixe-me passar como os deuses passam!". Ao final, os guardas divinos deixavam o rei passar, e ele finalmente chegava ao Duat.

O Duat era concebido como um Círculo dos Deuses fechado, cujo ponto culminante (representado pela deusa Nut) se abria de forma que a Estrela Imperecível (representada pelo Disco Celeste) pudesse ser alcançada; geograficamente tratava-se de um vale oval, cercado por montanhas, ao longo do qual fluía um riacho. Os riachos eram tão rasos, ou até mesmo secos, que a Barca de Rá precisava ser puxada, ou até mesmo mover-se pelos próprios meios, como um trenó.

O Duat era dividido em doze partes, as quais o rei precisava atravessar nas doze horas do dia acima do chão e nas doze horas da noite abaixo do chão, no Amen-ta, o "local escondido". Foi lá que o próprio Osíris subiu à Vida Eterna, e o rei lhe ofereceu uma oração - citada no Livro dos Mortos egípcio, no capítulo intitulado "Capí­tulo de Fazer Seu Nome":

 

Que eu possa receber meu Nome

na Grande Casa de Dois.

Possa na Casa do Fogo

um Nome me ser garantido.

Na noite da contagem dos anos

e da identificação dos meses,

possa eu me tornar um Ser Divino,

que eu possa sentar ao lado oriental do Céu.

 

Como já sugerimos, o "Nome" - Shem em hebraico, MU em sumério - pelo qual os antigos reis rezavam, era uma nave que poderia levá-los para cima, e, ao torná-los imortais, eles se transfor­mavam "naquilo pelo qual são lembrados".

O rei pode na verdade ver o Elevador pelo qual reza. Mas é na Casa de Fogo que pode ser alcançado apenas através de passagens subterrâneas. O caminho para baixo leva por corredores em espiral, câmaras escondidas e portas que se abrem e fecham misteriosamen­te. Em cada uma das doze partes a companhia dos deuses pode ser vista; suas roupas são diferentes; alguns são ameaçadores, outros acolhem bem o faraó. O rei é constantemente colocado à prova. Por volta da sétima divisão, entretanto, o mundo inferior ou os aspectos infernais diminuem, e os aspectos celestiais, emblemas e deuses-­pássaros (com cabeças de falcão) começam a aparecer. Na zona das nove horas, o rei enxerga os doze "Remadores Divinos do Barco de Rá", o "Barco Celestial de Milhões de Anos".

Na zona da décima hora, o rei, passando por um portão, entra num lugar cheio de atividade, cujos deuses são encarregados de prover a Chama e o Fogo para o Barco Celestial de Rá. Na zona da décima primeira hora, o rei encontra mais deuses com emblemas de estrelas; a tarefa deles é fornecer" energia para emergir do Duat, para fazer o Objeto de Rá avançar até a Casa Escondida no Céu Superior". É ali que os deuses equipam o rei para a jornada celestial, rasgando suas roupas terrestres e vestindo-o com um traje de deus­Falcão. ­

Na zona final, a vigésima, o rei é levado por um túnel para uma caverna onde está a Divina Escada. A caverna é no interior da Mon­tanha da Ascensão de Rá. A Escada Divina é mantida unida por cabos de cobre e é o Elevador Divino (ou leva a ele). É a escada dos deuses, usada anteriormente por Rá, Seth e Osíris; e o rei (conforme está inscrito na tumba de Pepi) rezou para que a escada "fosse dada a Pepi, para que ele pudesse subir por ela". Algumas ilustrações no Livro dos Mortos mostram, nesse ponto, o rei recebendo bênçãos ou sendo dispensado pelas deusas Ísis e Néftis, sendo levado a um Ded alado (o símbolo da Eternidade).

Equipado como um deus, o rei é agora atendido por duas deu­sas, "que medem os cabos" para entrar no "Olho" do barco celes­te, o módulo de comando do Elevador. Ele toma assento entre dois deuses; o assento é chamado "verdade que toma vivo". O rei se prende a um dispositivo protuberante, e está pronto para decolar: "Pepi está acomodado no aparelho de Hórus" (o coman­dante dos deuses-falcões) e vestido como Tot (O Escriba Divino); "o Abridor de Caminhos abriu caminho para ele; os deuses de An" (Heliópolis) "permitiram que ele subisse a Escadaria, colocaram-­no perante o Firmamento do Céu; Nut" (a deusa do Céu) "estende a mão para ele".

O rei agora oferece uma prece aos Portões Duplos - a "Porta da Terra" e a "Porta do Céu" - que podem ser abertos. A hora é o nascer do dia; de repente, a "abertura da janela celeste" se abre e os "degraus de luz são revelados!".

No interior do "Olho" do Elevador, "a ordem dos deuses é ou­vida". No exterior, o "brilho que ergue" fica mais forte, de forma que o "rei possa ser içado para o céu". Um "poder que ninguém consegue enfrentar" pode ser sentido no interior da cabine de co­mando. Ecoa o som da fúria, rugindo e estremecendo: "O Céu fala, a Terra sacode, a Terra estremece... O chão se abre... O rei sobe para o Céu!". "A Tempestade que Ruge o dirige... os guardiões celestes abrem os Portões do Céu para ele!"

As inscrições no interior da tumba de Pepi explicam àqueles que ficaram para trás, os súditos do faraó, o que aconteceu:

 

Ele voa em quem voa:

É o rei Pepi que voa para longe

de vós, mortais.

Ele não é da Terra; ele é do Céu.

Este rei Pepi voa como uma nuvem para o céu.

 

Tendo viajado no Elevador para leste, o rei agora orbita a Terra:

 

Ele abrange o céu como Rá,

ele atravessa o céu como Tot...

Ele viaja pelas regiões de Hórus,

ele viaja pelas regiões de Seth...

Ele fez duas vezes o círculo completo do céu.

 

A repetição da órbita terrestre confere ao Elevador o momentum necessário para deixar a Terra pelos Portões Duplos do Céu. Abai­xo, os encantamentos dos sacerdotes dizem ao rei: "Os Portões Duplos do Céu estão abertos para vós!"; e lhe asseguram que a Deusa do Céu irá protegê-lo e guiá-lo em sua jornada celeste: "Ela irá segurar vosso braço, irá mostrar o caminho para o horizonte, para o lugar onde Rá se encontra". O destino é a "Estrela Imperial", cujo símbolo é o Disco Alado.

As fórmulas sagradas garantem aos fiéis que, quando o rei ausente alcançar seu destino, "quando o rei estiver lá, na estrela que está do lado de baixo do céu, será visto como um deus".

Os encantamentos visualizam que, quando o rei se aproxima dos Portões Duplos do Céu, ele será encontrado pelos" quatro deuses que ficam nos cetros do Céu". Irá dizer para eles anunciarem a chegada do rei para Rá; e, sem dúvida, o próprio Rá avançará para cumprimentar o rei e levá-lo através dos Portões do Céu e para o Palácio Celestial:

 

Encontrareis Rá ali.

Ele vos cumprimenta, segura vosso braço.

Ele vos conduz ao Palácio Duplo Celeste.

Ele vos coloca sobre o trono de Osíris.

 

Depois de uma série de Encontros Divinos com divindades maiores e menores, o faraó agora experimenta o mais importante Encon­tro Divino: com o grande deus Rá. Oferecem-lhe o trono de Osíris, tornando-o um candidato à Eternidade. A jornada celestial está com­pleta, mas não a missão. Pois embora o rei tenha se tornado um candidato à Eternidade, ele agora precisa encontrá-la e obtê-la - um detalhe final na transição para um Pós-vida Eterno: o rei precisava encontrar e compartilhar o" Alimento da Eternidade", um elixir que rejuvenescia constantemente os deuses em sua habitação celeste.

Os encantamentos dos sacerdotes agora se dirigem para sua úl­tima fase. Eles pedem aos deuses que "levem esse deus convosco, que ele possa comer o que vós comeis, que possa beber o que vós bebeis, que possa viver do que vós viveis. Dar alimento ao rei de vosso alimento eterno".

Alguns textos antigos descrevem aonde o rei vai agora como o Campo da Vida; outros se referem a esse lugar como o Grande Lago dos Deuses. O que ele precisa obter é tanto uma bebida, que é a Água da Vida, quanto um alimento, que é o Fruto da Árvore da Vida. As ilustrações no Livro dos Mortos mostram o rei (algumas ve­zes acompanhado por sua rainha) no interior do Grande Lago dos Deuses, bebendo a Água da Vida - água na qual cresce a Árvo­re da Vida (uma tamareira). Nos Textos das Pirâmides, é o Grande Falcão Divino Verde quem leva o rei até o Campo da Vida, para encontrar a Árvore da Vida que cresce lá. Lá, a deusa, que é a Se­nhora da Vida, encontra o rei. Ele segura quatro jarros cujo conteú­do "refresca o Grande Deus no dia em que ele acorda". Ela oferece o elixir divino para o rei, "portanto conferindo Vida a ele".

Observando os procedimentos, Rá está feliz. Contemplem, ele olha para o rei...

 

Toda a Vida que satisfaz é dada a ti!

A Eternidade é tua...

Não perecerás.

Não passarás,

para todo o sempre.

 

Com esse Encontro Divino na Estrela Imperecível, o "tempo de vida do rei é a Eternidade, seu limite é durar para sempre".

 

A Confusão de Linguagens

 

Segundo o Gênesis (capítulo 11), a humanidade possuía "uma língua e um tipo de palavras" antes que a Suméria se estabeleces­se. Porém, como resultado do incidente da Torre de Babei, Iavé, que viera ver o que estava acontecendo, diz aos colegas (não iden­tificados): "Eis um mesmo povo e uma mesma língua para todos eles... Vinde, desçamos e confundamos ali sua língua, para que não entenda cada um a linguagem de seu companheiro". Isso aconte­ceu, de acordo com nossos cálculos, por volta de 3450 a.C.

Essa tradição reflete as afirmativas sumérias de que "era uma vez" um passado idílico, quando o "homem não tinha rivais" e as terras "repousavam em segurança", "em uníssono, as pessoas fala­vam a Enlil numa só língua".

Tais tempos idílicos foram lembrados num texto sumério conheci­do como Enmerkar e o Senhor de Arata, que trata de uma luta de poder travada entre Enmerkar, governador de Uruk (a Erech bíbli­ca), e o rei de Arata (no vale do Indo), por volta de 2850 a.C. A disputa desenrolava-se em torno dos poderes de Ishtar, neta de Enlil, que não conseguia tomar uma decisão sobre se deveria residir na distante Arata ou ficar em Erech, na época um centro importante.

Encarando a expansão do controle enlilita como um acontecimento desfavorável, Enki acabou por inflamar a Guerra das Palavras entre os dois governantes, confundindo-lhes a linguagem. Depois, "Enki, o senhor de Eridu, dotado de sabedoria, alterou a fala em suas bo­cas" para criar discórdia entre "príncipe e príncipe, rei e rei".

Segundo J. van Dijk (La confusion des langues, em "Orientalia", vol. 39), o último verso nessa passagem deveria ser traduzido por "a linguagem da humanidade, certa vez, já foi uma, pela segunda vez foi confundida".

Se o verso significa que foi Enki quem, pela segunda vez, confun­diu as linguagens, ou se foi ele o responsável pela segunda confu­são, mas não necessariamente pela primeira, o texto não esclarece.

 

EM BUSCA DA IMORTALIDADE

       Por volta de 2900 a.C., Gilgamesh, um rei sumério, recusou-se a morrer.

Quinhentos anos antes dele, Etana, rei de Kish, procurou conse­guir a imortalidade ao preservar sua semente - seu DNA - ao ter um filho. (Segundo a Lista de Reis Sumérios, ele foi seguido no trono por "Balih, filho de Etana"; mas se era um filho de sua esposa oficial ou de uma concubina, os registros não dizem.)

Quinhentos anos depois de Gilgamesh, os faraós egípcios pro­curaram atingir a imortalidade juntando-se ao deuses no Pós-vida. Porém, para embarcar na jornada que os transladaria à Eternidade, primeiro eles tinham de morrer.

Gilgamesh procurou adquirir a imortalidade ao se recusar a mor­rer... O resultado foi uma procura repleta de aventuras, cuja história tomou-se um dos mais famosos épicos do mundo antigo, nosso co­nhecido por meio de uma recensão acadiana escrita em doze estelas. No curso dessa busca, Gilgamesh - e com ele os leitores do Epopéia de Gilgamesh - encontrou um homem-robô, um guardião artificial, o Touro do Céu, deuses e deusas, e o ainda vivo herói do Dilúvio. Com Gilgamesh, chegamos ao Local de Aterrissagem e testemunha­mos o lançamento de um foguete, depois vamos ao Espaçoporto, na região proibida. Com ele escalamos a Montanha dos Cedros, afundamos num barco submarino, atravessamos um deserto onde ru­gem leões, atravessamos o Mar da Morte, atingimos os Portões do Céu. O tempo inteiro Encontros Divinos dominam a saga, as pre­visões e sonhos determinam seu curso, as visões enchem seus estágios dramáticos. Realmente, como afirmam as primeiras linhas do épico:

 

Ele viu tudo até os confins da Terra,

experimentou todas as coisas, conseguiu toda a sabedoria.

A coisas secretas assistiu, os mistérios desvendou.

Trouxe de volta uma história de tempos antes do Dilúvio.

 

Segundo as Listas de Reis Sumérios, depois do reinado de 23 reis em Kish, "O reinado foi removido para Eanna". E.ANNA era a casa (templo-zigurate) de Anu no território sagrado de Uruk. Havia uma dinastia semidivina que se iniciou com Meskiaggasher, "filho do deus Utu", que era o maior sacerdote do templo de Eanna e se tomou rei também. Foi seguido no trono por seu filho, Enmerkar ("Ele que construiu Uruk", a grande cidade ao lado do território sagrado), e seu neto, Lugalbanda - de ambos os governantes fo­ram escritas histórias heróicas. Depois de um breve intervalo pelo divino Dumuzi (cuja vida, amores e morte constituem em si uma história), Gilgamesh subiu ao trono. Seu nome era algumas vezes escrito com o prefixo "Dingir" para indicar sua divindade; sua mãe era uma deusa completa, a deusa Ninsun; e isso, assim como explica o grande e longo Epopéia de Gilgamesh, o tornava" dois-ter­ços divino" (seu pai, Lugalbanda, era apenas o sumo sacerdote quando Gilgamesh nasceu).

No início de seu reinado Gilgamesh foi um rei benevolente, au­mentando e reforçando sua cidade e importando-se com os cida­dãos. Contudo, à medida que os anos se passavam (segundo a Lista de Reis, ele governou por 126 anos, os quais, divididos pelo fator 6, teriam sido apenas 21), começou a incomodar-se com a idade e foi absorvido pelas questões da Vida e da Morte. Apelando a seu pa­droeiro, Utu/Shamash, ele disse:

 

Em minha cidade o homem morre; oprimido está meu coração.

O homem perece; pesado está meu coração...

Homem, o mais alto, não pode esticar-se até o céu;

Homem, o mais largo, não pode cobrir a Terra.

 

"Espiei por sobre o muro, vi os cadáveres", diz Gilgamesh a Shamash, referindo-se talvez a um cemitério. "Eu também vou 'es­piar por sobre o muro', estou destinado ao mesmo fim?" Porém a resposta do deus não o tranqüilizou. Shamash respondeu: "Quando os deuses criaram a humanidade, reservaram a morte para a humanidade; a vida retiveram em seu próprio poder". Aconselhou­

o em seguida a viver a vida dia após dia, enquanto pudesse - "Encha sua barriga, alegre-se dia e noite, transforme cada dia numa fes­ta de alegria, dia e noite dance e brinque!".

Embora o conselho do deus terminasse com o aviso de que Gilgamesh deixasse que sua esposa se "deleitasse em seu colo", Gilgamesh entendeu as palavras de uma forma diferente. "Alegre­se dia e noite", disseram-lhe em resposta às suas preocupações so­bre o envelhecimento e a morte; ele entendeu como uma pista de que o "sexo alegre" o manteria jovem. Então criou o hábito de andar pelas ruas de Uruk à noite, e quando encontrava um casal recém­casado, exigia o direito de fazer sexo primeiro com a noiva.

Quando os gritos do povo chegaram aos ouvidos dos deuses, "os deuses ouviram a queixa" e resolveram criar um homem artificial que seria páreo para Gilgamesh, lutando com ele até a exaus­tão e distraindo-o de suas escapadas sexuais. Ao receber a tarefa, Ninmah usou a "essência" de vários deuses e, guiada por Enki, criou na estepe um "homem selvagem" com músculos de cobre. -Foi chamado de ENKI.DU - "Criatura de Enki" - e recebeu de Enki "sabedoria e compreensão amplas" além de grande força. Um selo cilíndrico, agora no Museu Britânico, representa Enkidu e seus criadores, assim como Gilgamesh e sua mãe, a deusa Ninsun.

Vários versos no épico são dedicados ao processo pelo qual essa criatura artificial foi humanizada, fazendo sexo sem parar com uma prostituta. Quando isso foi conseguido, Enkidu recebeu instruções sobre sua missão por parte dos deuses: lutar, subjugar, acalmar e tomar-se amigo de Gilgamesh. Para que este último não fosse to­mado de surpresa, os deuses disseram a Enkidu que Gilgamesh se­ria avisado por meio de sonhos. Que os sonhos seriam usados pelos deuses de uma forma tão premeditada é tomado claro pelo texto (Estela I, coluna 5, linhas 23-24):

 

Antes que tu desças da colina,

Gilgamesh te verá em sonhos em Uruk.

 

Isso mal acabara de ser planejado, Gilgamesh teve um sonho. Ai ele foi até sua mãe, "amada e sábia Ninsun, versada em todo conhe­cimento", e lhe contou sobre o sonho:

 

Minha mãe, tive um sonho na noite passada.

Apareceram estrelas nos céus.

Algo dos céus vinha em minha direção.

Tentei erguê-la, mas era pesado demais para mim.

Tentei virá-la, mas não consegui.

a povo de Uruk estava por perto,

os nobres em volta dele,

meus companheiros estavam beijando-lhe os pés.

Fui atraído para ele como para uma mulher;

Eu o coloquei a seus pés;

você o fez competir comigo.

 

"Aquilo que vinha na sua direção dos céus é um rival", disse Ninsun a Gilgamesh: "Um camarada resistente que salva um amigo vem até você". Ele irá lutar com você com todas as forças, mas não o abandonará jamais.

Gilgamesh, então, teve um segundo sonho-premonição. "Nos baluartes de Uruk existe um machado." A população estava reuni­da ao redor dele. Depois de alguma dificuldade, Gilgamesh conse­guiu levar o machado até sua mãe, e ela o fez competir com ele. Outra vez Ninsun interpretou o sonho: "O machado de cobre que você viu é um homem. Igual a você em força. Um aliado forte virá até você, um capaz de salvar a vida de um camarada. Ele foi criado na estepe, e logo chegará a Uruk".

Aceitando a profecia, Gilgamesh respondeu: "Deixe que venha, de acordo com a vontade de Enlil".

Depois, numa noite, quando Gilgamesh saía para ter suas aven­turas sexuais, Enkidu ficou em seu caminho e não deixou que Gilgamesh entrasse na casa onde recém-casados estavam a ponto de ir para a cama. Uma luta seguiu-se; "agarraram um ao outro como dois touros". Paredes estremeceram e batentes foram destruídos enquanto os dois lutavam. Finalmente, "Gilgamesh dobrou o joelho". Perdera a luta contra um estrangeiro, e "amargamente começou a chorar". Enkidu ficou perplexo. Então a sábia mãe de Gilgamesh falou aos dois: aquilo estava previsto para acontecer, e dali em diante os dois seriam companheiros, com Enkidu agindo como protetor de Gilgamesh. Prevendo perigos futuros - pois ela sabia que havia mais na previsão do sonho do que contara a Gilgamesh -, Ninsun rogou a Enkidu que fosse à frente de Gilgamesh e se tomasse um escudo para ele.

Enquanto os dois desenvolviam uma amizade, Gilgamesh começou a contar a seu camarada coisas de seu coração atribulado. Lembrando seu primeiro sonho premonitório, em que "algo do céu" era agora descrito como o "trabalho das mãos de Anu", um objeto que se incrustou no solo ao cair do céu. Quando ele, finalmente, conseguiu retirá-lo, foi porque os homens fortes de Uruk "agarra­ram a parte mais baixa", ao passo que ele, Gilgamesh, "puxava pela frente". A lembrança do sonho se tomou uma visão nítida enquanto Gilgamesh descrevia seus esforços para abrir o topo do objeto:

 

Pressionei com força a parte superior;

não consegui remover a tampa

nem erguer seu Elevador.

 

Narrando seu sonho-visão, sem saber se era uma lembrança de uma realidade obscura ou uma fantasia noturna, Gilgamesh agora descreve o Elevador que caiu na terra, o "trabalho artesanal de Anu", um aparelho mecânico com uma parte superior que servia como cobertura. Determinado a ver o que estava no interior, Gilgamesh continuou:

 

Com um fogo destruidor,

seu topo então quebrei

e entrei na profundidade do interior.

 

Uma vez no interior do Elevador, "apanhei Aquilo-que-empur­ra-para-a-frente" - o motor - "ergui-o e trouxe para minha mãe". Não seria aquilo um sinal de que o próprio Anu o chamava para a Habitação Divina? Sem dúvida tratava-se de um presságio, um con­vite. Mas como poderia responder à pergunta? "Quem, meu amigo, pode chegar ao Céu?", indagou Gilgamesh a Enkidu, que respondeu em seguida: "Apenas os deuses, indo ao subterrâneo de Shamash" - o Espaçoporto, na região proibida.

Porém aqui Enkidu tinha uma informação surpreendente. Exis­te um Local de Aterrissagem na Montanha dos Cedros, disse ele. Enkidu o descobrira enquanto percorria a terra e podia dizer a Gilgamesh onde se situava! Existia, porém, um problema: o local era protegido por um guardião habilidosamente criado por Enlil, uma "máquina de cerco", cuja "boca é fogo, cujo hálito é morte, cujo rugido é tempestade de dilúvio". O nome do monstro era Huwawa, "a quem Enlil indicou como terror para os mortais", e ninguém podia chegar perto dele, pois "a sessenta léguas ele pode escutar os bois selvagens na floresta".

O perigo apenas encorajou Gilgamesh a tentar alcançar o Local de Aterrissagem. Se obtivesse sucesso, conseguiria a imortalidade; se falhasse, seu heroísmo será lembrado para sempre: "Se eu cair, 'Gilgamesh caiu contra o feroz Huwawa', dirão, muito tempo de­pois que meus descendentes nascerem".

Determinado a ir, Gilgamesh orou para Shamash, seu padroei­ro e comandante dos homens-águias, pedindo ajuda e proteção. "Deixai que eu vá, Ó Shamash! Minhas mãos estão elevadas em ora­ção... dai vossa ordem para o Local de Aterrissagem... colocai vossa proteção sobre mim!", rezou Gilgamesh, sem obter resposta favorá­vel. Revelou o plano à mãe, pedindo que ela intercedesse junto a Shamash. "Uma jornada distante empreendi com ousadia, até o lu­gar de Huwawa; uma luta incerta estou para enfrentar; um cami­nho desconhecido estou para tomar. Ó minha mãe, reze para Shamash por mim!"

Escutando as palavras do filho, Ninsun colocou o traje de sacer­dotisa, "fez uma oferenda de fumaça e ergueu as mãos para Shamash. 'Por quê, tendo me dado um filho como Gilgamesh, o dotastes com um coração tão inquieto? E agora o impelis a partir numa jornada longa, até o lugar de Huwawa, para enfrentar uma batalha incerta?' Dai a ele vossa proteção", pediu ela a Shamash. "Até que ele alcance a Floresta de Cedros, até que ele mate o feroz Huwawa, até o dia em que ele vá e retome." Voltando-se para Enkidu, Ninsun anunciou que o adotara como filho. "Embora não fosse do mesmo ventre que Gilgamesh, Enkidu tinha uma obrigação nos ombros." "Deixem que Enkidu vá na frente, pois aquele que vai na frente salva seus com­panheiros", disse ela aos dois companheiros.

Assim, com armas novas, os dois companheiros partiram em sua viagem perigosa até o Local de Aterrissagem, na Montanha dos Cedros.

A quarta estela do Epopéia de Gilgamesh começa com a viagem até a Montanha dos Cedros. Movendo-se tão rápido quanto possí­vel, os dois "comiam sua ração depois de vinte léguas, e, ao completarem trinta, paravam para passar a noite", cobrindo, dessa manei­ra, cinqüenta léguas por dia. "A distância levou-os desde a lua nova até a lua cheia, depois mais três dias" - um total de dezessete dias. "Então eles vieram para o Líbano", em cujas montanhas estão os únicos cedros de fama bíblica.

Quando os dois chegaram às montanhas verdes, ficaram impres­sionados. "Suas palavras silenciaram... permaneceram quietos e olha­ram para a floresta. Contemplaram a altura dos cedros; olharam para a entrada; onde Huwawa passava, havia um caminho, as marcas eram retas, um canal de fogo. Contemplaram a Montanha dos Ce­dros, habitação dos deuses, o cruzamento de Ishtar." Haviam sem dúvida chegado ao seu destino, e a visão era impressionante.

Gilgamesh fez uma oferenda para Shamash e pediu um pressá­gio. Encarando a montanha, ele pediu: "Trazei-me um sonho, um sonho favoráve1!".

Pela primeira vez ficamos aqui sabendo que se praticava um ritual para acontecerem tais sonhos premonitórios. Os seis versos que descrevem o ritual estão em parte danificados, mas a porção intacta dá uma idéia do que aconteceu:

 

Enkidu arranjou-o para ele, para Gilgamesh.

Com poeira... ele fixou...

Fez com que o outro deitasse no interior do círculo e ...como cevada selvagem...

...sangue...

Gilgamesh sentou-se com o queixo tocando os joelhos.

 

Ao que parece, o ritual exigia que se fizesse um círculo com poei­ra; usavam-se cevada selvagem e sangue, alguma forma mágica, e ao sentar-se no interior do círculo, devia-se tocar os joelhos com o queixo. O rito funcionou, pois o que lemos a seguir é que o "sono que se derrama sobre as pessoas venceu Gilgamesh; no meio da vigília o sono separou-se dele; ele conta um sonho para Enkidu". No sonho, "que foi extremamente perturbador", Gilgamesh viu ambos no sopé de uma grande montanha; repentinamente a montanha tom­bou, e os dois "foram como moscas" (significado incerto). Garantindo a Gilgamesh que o sonho era favorável e que o significado se tornaria claro ao amanhecer, Enkidu incentivou Gilgamesh a dor­mir de novo.

Dessa vez Gilgamesh teve um sobressalto ao despertar. "Você me acordou?", perguntou ele a Enkidu. "Você tocou em mim? Cha­mou meu nome?" Não, respondeu Enkidu. Então, talvez tenha sido um deus que passou, disse Gilgamesh, pois em seu segundo sonho ele vira outra vez a montanha caída: "Eu estava por baixo, com os pés presos". Brilhou um clarão forte e um homem apareceu; "0 mais belo da terra ele era. Me puxou de sob a montanha caída; deu-me água para beber, meu coração aquietou-se; ele colocou meus pés no chão".

Mais uma vez Enkidu assegurou a Gilgamesh que a "monta­nha" que caíra significava Huwawa assassinado. "Seu sonho é fa­vorável", afirmou ele, dizendo que deveriam dormir outra vez.

Enquanto os dois dormiam, a tranqüilidade da noite foi rompi­da por um ruído semelhante a um trovão e por uma luz cegante; Gilgamesh não tinha certeza se estava sonhando ou enxergando real­mente tais coisas. O texto descreve assim a situação:

 

A visão que vi era impressionante!

Os céus gritaram, a Terra rugiu!

Embora a luz do dia estivesse chegando, veio a escuridão.

Raios brilharam, uma chama apontou para cima.

As nuvens incharam, choveu morte!

Então o brilho desapareceu; o fogo apagou-se.

E tudo o que havia caído virou cinza.

 

Talvez Gilgamesh tenha testemunhado, ali mesmo, o lançamento de um Shem, um foguete - o sacudir do chão enquanto os motores se inflamavam, as nuvens de fumaça e a "chuva da morte" escurecendo o céu do nascente; o brilho das chamas é enxergado através da fumaça enquanto o foguete sobe; e o brilho que desaparece e as cinzas caindo na terra são as evidências finais do lançamento do foguete. Teria Gilgamesh percebido que se encontrava no "Local de Aterrissagem", onde encontraria o Shem que o tornaria imortal? Apa­rentemente sim, pois a despeito das palavras de cautela de Enkidu, Gilgamesh tinha certeza de que fora um bom presságio, um sinal de Shamash de que ele devia avançar.

Porém antes que a Floresta de Cedros pudesse ser penetrada e o Local de Aterrissagem atingido, havia o terrível guardião, Huwawa, a ser vencido. Enkidu sabia onde ficava o portão, e pela manhã os dois companheiros avançaram até lá, com cuidado para evitar as "árvores-armadilhas que matavam". Ao atingirem o portão, Enkidu tentou abri-lo. Uma força invisível o atirou para trás, e por doze dias ele ficou paralisado. A narrativa conta que Enkidu esfregou a si mesmo com plantas, criando um "manto duplo de radiância" que fez com que" a paralisia fosse embora do braço e a impotência sair dos quadris".

Enquanto Enkidu estava imobilizado, Gilgamesh fez uma descoberta: encontrou um túnel que conduzia até a floresta. A entrada estava obstruída por rochas e entulho. "Enquanto Gilgamesh corta­va as árvores, Enkidu cavava" as rochas e o entulho. Depois de al­gum tempo, encontraram a si mesmos na floresta e viram adiante um caminho - o caminho" onde Huwawa faz uma trilha ao passar de um lado para outro".

Por um instante os dois companheiros permaneceram ali, imó­veis, sem ação, "contemplando a Montanha dos Cedros, habitação dos deuses, santuário de Inana". Eles" olharam e olharam para a altura dos cedros, observaram a trilha aberta na floresta. O caminho era bem batido, uma excelente estrada. Os cedros mantinham sua imponência por toda a encosta da montanha, sua sombra era muito agradável; enchia as pessoas de bem-estar".

Exatamente quando os dois se sentiam tão bem, veio o terror: "Huwawa fez sua voz ser ouvida". De alguma forma alertado sobre a presença dos dois na floresta, Huwawa, com sua voz, reboou mor­te e condenação para os intrusos. Numa cena que lembra o encon­tro, muito mais tardio, entre o menino Davi e o gigante Golias, quando este último se sentiu insultado pela luta desigual e ameaçou "dar a carne de Davi aos pássaros do ar e aos animais do campo", assim Huwawa ameaçou e humilhou os dois: "Vocês são tão pequenos que parecem um cágado e uma tartaruga. Se eu fosse engolir vocês, não conseguiria satisfazer meu estômago. Sendo assim, Gilgamesh, vou morder sua garganta e o pescoço e deixar seu corpo para os pássaros da floresta e para as bestas que rugem".

Tomados de medo, os dois companheiros viram o monstro aproximar-se. Era "poderoso, os dentes como os dentes de um dragão, suas faces como as de um leão, sua vinda como uma inundação que se aproxima". De sua testa emanava um "raio brilhante; devorava árvores e arbustos". Da "força mortal dessa arma ninguém podia escapar". Um cilindro sumério que representa um monstro mecânico pode ter relação com Huwawa. Apare­ce um monstro, o rei heróico, Enkidu (à direita), e um deus (à esquerda), este representando Shamash, que, de acordo com a história épica, veio nesse momento crucial para salvá-los. "Dos céus divinos Shamash falou a eles", revelando uma fraqueza na armadura de Huwawa e apresentando uma estratégia para os dois atacarem. Huwawa, explicou a divindade, geralmente protege a si mesmo com os "sete mantos", mas no momento só usava um, seis ainda não foram colocados". Podiam, portanto, matar Huwawa com a arma que possuíam, se apenas conseguissem aproximar-se o suficiente; para tomar isso possível, Shamash anunciou que cria­ria um redemoinho que "iria fustigar os olhos de Huwawa" e neu­tralizar o raio da morte.

Em pouco tempo o solo começou a estremecer; "nuvens brancas se tomaram negras". "Shamash invocou uma grande tempestade contra Huwawa", de todas as direções, criando um enorme redemoinho. "O rosto de Huwawa tomou-se grave; ele não conseguia avançar, nem podia mover-se para trás." Os dois, então, atacaram o monstro incapacitado. "Enkidu atingiu o guardião, Huwawa, derrubando-o. Por duas léguas os cedros ressoaram" com a queda. Fe­rido, porém não morto, Huwawa falou, perguntando-se por que não exterminara Enkidu assim que o descobrira na entrada da floresta. Voltando-se para Gilgamesh, Huwawa ofereceu-lhe toda a madeira que desejasse entre os cedros - Sem dúvida um prêmio valioso. Mas Enkidu apressou Gilgamesh, para que não desse ouvidos às suplicas. "Mate-o. Acabe com ele. Antes que o líder Enlil escute tudo em Nippur!", gritou Enkidu. E vendo que Gilgamesh hesitava, "Enkidu matou Huwawa".

"Para que os deuses não se enchessem de fúria contra eles", e como forma de "estabelecer um memorial eterno", os dois compa­nheiros cortaram um dos cedros e fizeram uma jangada com uma cabine. Na cabine colocaram a cabeça de Huwawa e empurraram a jangada correnteza abaixo. "Deixe que o Eufrates a carregue até Nippur", disseram.

E assim, tendo livrado o caminho do monstruoso guardião do Local de Aterrissagem, Gilgamesh "lavou seus cabelos sujos, limpou seu equipamento, balançou os cachos para as costas, retirou suas roupas sujas e colocou roupas limpas. Vestiu uma túnica e amarrou-a com um sash". Não havia necessidade de apressar-se; o caminho para a "habitação secreta dos Anunnaki estava aberto".

Esqueceu-se completamente de que o local era também "o cru­zamento de Ishtar".

     Usando o Local de Aterrissagem para seus passeios pelo céu, Ishtar estava observando Gilgamesh de sua câmara celeste. Se ela presenciou a batalha, não ficamos sabendo. Mas, com certeza, observou Gilgamesh retirar suas roupas, banhar-se e enfeitar­se com túnicas leves. E a "gloriosa Ishtar se admirou com a beleza de Gilgamesh". Sem perder tempo, ela dirigiu-se diretamente a ele: "Venha, Gilgamesh, seja meu amante! Dê-me o fruto do seu amor!".

Se Gilgamesh se tomasse amante de Ishtar, reis, príncipes e nobres se curvariam para ele; receberia uma carruagem adornada com lápis-lazúli e ouro; seus rebanhos iriam dobrar e quadruplicar; os produtos do campo e da montanha aumentariam... Porém, para sur­presa dela, Gilgamesh a recusou. Listando as poucas posses terrenas que poderia oferecer a Ishtar, Gilgamesh previu que ela logo se can­saria dele e de seu amor. Mais cedo ou mais tarde, argumentou Gilgamesh, Ishtar iria livrar-se dele como um "sapato que machuca o pé de seu dono".

Posso obter para você a vida eterna, ofereceu Ishtar. Mas isso tampouco conseguiu convencer Gilgamesh. Enumerando os aman­tes conhecidos de Ishtar, que ela usara e depois descartara, "qual de seus amantes tem a vida eterna?", quis saber Gilgamesh. "Qual de seus preferidos foi até o céu? Se você fizer amor comigo, vai me tratar como um deles."

"Quando Ishtar escutou aquilo, encheu-se de raiva e voou para os céus." Em sua fúria por ser rejeitada, ela pediu a Anu que punis­se Gilgamesh, que "me desgraçou". Ela pediu que Anu soltasse o Touro do Céu, para que matasse Gilgamesh. A princípio Anu recu­sou, mas no final deixou-se convencer pelas promessas e ameaças de Ishtar, e "colocou as rédeas do Touro do Céu nas mãos dela".

(GUD.ANNA, o termo sumério empregado nos textos antigos, geralmente é traduzido como "Touro do Céu", mas poderia tam­bém ser usada uma forma mais literal, significando "Touro de Anu". O termo também era o nome sumério para a constelação do Touro, associada a Enlil. O "Touro do Céu", mantido na Floresta de Cedros, guardada pelo monstro de Enlil, que poderia ser um touro especialmente escolhido, ou o "protótipo" que viera de Nibiru para criar touros na Terra. Seu equivalente egípcio era o sagrado boi Ápis.)

Atacados pelo Touro do Céu, os dois companheiros esquece­ram tudo sobre o Local de Aterrissagem e a busca da imortalidade e fugiram para salvar as vidas. Ajudados por Shamash, "a distância de um mês e quinze dias em três dias eles atravessaram". Ao chegar a Uruk, Gilgamesh buscou proteção nos muros, enquanto Enkidu esperava do lado de fora, para enfrentar o atacante. Centenas dos guerreiros da cidade também saíram, porém os bramidos do Touro do Céu abriram sulcos na Terra, onde os guerreiros caíram. Apro­veitando uma oportunidade quando o monstro celeste voltou-se, Enkidu saltou para seu dorso e apanhou-o pelos chifres. Com todas as suas forças, o Touro do Céu lutou contra seu cavaleiro, agitando o rabo. Desesperado, Enkidu gritou para Gilgamesh: "Enfie sua es­pada entre a base dos chifres e os tendões do pescoço!".

Esse foi um grito que ecoa nas touradas até hoje...

        Nessa primeira tourada registrada pela história, "Enkidu apanhou o Touro do Céu por sua cauda grossa, e Gilgamesh, como um açougueiro, entre o pescoço e os chifres enfiou sua espada". A criatura celeste foi destruída, e Gilgamesh ordenou que se iniciassem comemorações em Uruk. Contudo, "Ishtar, em sua habitação, sol­tou seu lamento; providenciou para que se lastimasse o Touro do Céu" .

Entre os numerosos selos cilíndricos desenterrados no Oriente Médio e que representam o Epopéia de Gilgamesh, um deles (encon­trado num entreposto comercial avançado dos hititas na fronteira com a Assíria) mostra Ishtar dirigindo-se a Gilgamesh, en­quanto Enkidu, seminu, observa; no espaço entre a deusa e Gilgamesh encontram-se as cabeças decepadas de Huwawa e do Touro no Céu.

E sucedeu que, enquanto Gilgamesh celebrava em Uruk, os deu­ses reuniram-se em conselho. Anu disse: "Como eles mataram o Touro do Céu e Huwawa, os dois devem morrer". Enlil respondeu: "Enkidu deve morrer, deixe que Gilgamesh viva". Porém Shamash, aceitando parte da culpa, perguntou: "Por que o inocente Enkidu deve morrer?".

Enquanto os deuses discutiam seu destino, Enkidu entrou em coma. Alucinando, ele imaginou ser sentenciado à morte. Porém a decisão final foi comutar essa pena para trabalhos forçados na "Ter­ra das Minas", um local onde o cobre e a turquesa eram obtidos mediante trabalhos pesados em túneis escuros.

Nesse ponto, a saga, já repleta de reviravoltas inesperadas e dra­máticas que rivalizam com o melhor filme de ação, ainda apresenta outro rumo inédito. A "Terra das Minas" ficava na Quarta Região, na península do Sinai; Gilgamesh se deu conta de que ali estava uma segunda chance para juntar-se aos deuses e obter a imortalida­de, pois a "Terra dos Vivos" - o Espaçoporto onde os foguetes Shem ficavam baseados, sob o comando de Shamash - também estava situada na Quarta Região.

Portanto, se Shamash pudesse conseguir que ele acompanhasse Enkidu, Gilgamesh chegaria à Terra dos Vivos! Percebendo essa oportunidade única, Gilgamesh apelou para Shamash:

 

Ó Shamash,

nessa Terra desejo entrar;

sede meu aliado!

Na Terra onde os cedros frios estão alinhados,

ali desejo entrar; sede meu aliado!

Nos lugares onde se ergueram os Shem,

deixai que eu erga ali meu Shem!

 

Quando Shamash respondeu descrevendo a Gilgamesh as des­venturas e dificuldades da rota terrestre, Gilgamesh teve uma idéia brilhante: ele e Enkidu iriam de barco, velejando! Um Magan - ­um "navio do Egito" - foi aparelhado. Acompanhado por cinqüenta heróis e protetores, os dois companheiros zarparam. O ca­minho, por todas as indicações, implicava sair do golfo Pérsico, contornar a península Arábica e subir o mar Vermelho, até que a costa do Sinai fosse alcançada. Porém tal viagem não estava desti­nada a acontecer.

Quando Enlil exigira que "Enkidu" deveria morrer, e a pena de morte fora comutada para trabalhos forçados na Terra das Minas, havia sido decretado pelos deuses que dois emissários, "vestidos como pássaros, com asas por roupas", deveriam apanhar Enkidu pela mão e carregá-lo para lá. A viagem marítima contra­disse esse fato, e a ira de Enlil ainda estava por vir. No momento, enquanto o navio navegava próximo à costa da Arábia ao pôr-do-sol, os que estavam a bordo enxergaram alguém - "se um homem ele era, ou um deus ele era" - em pé sobre um monte, "como um touro", equipado com um dispositivo emissor de raios. Como se por uma mão invisível, o "pano triplo", do qual era feita a vela do navio, rasgou-se. Em seguida o próprio navio foi atirado para um lado e emborcou. Afundou depressa, como uma pedra na água, e todos a bordo foram com ele, a não ser Gilgamesh e Enkidu. Enquanto nadava para fora do navio e para a superfície, arrastando Enkidu, Gilgamesh enxergou onde os outros se encontravam, "como criaturas vivas". Na morte súbita, eles se congelaram na posição em que estavam.

Os dois únicos sobreviventes alcançaram a terra e passaram a noite na costa desconhecida, discutindo o que fazer. Gilgamesh foi frustrado em seu desejo de chegar à Terra dos Vivos; Enkidu acon­selhou que voltassem para Uruk. Mas tinha seu destino traçado; seus membros se tomaram dormentes, seu interior começou a desinte­grar-se. Gilgamesh exortou seu amigo a manter-se vivo, mas não adiantou.

Por seis dias e sete noites Gilgamesh lamentou Enkidu: depois partiu, andando pela terra selvagem sem destino, imaginando não quando, mas como ele morreria. "Quando eu morrer, não serei como Enkidu?"

Mal sabia ele que depois das aventuras anteriores, depois dos diversos Encontros Divinos, depois dos sonhos e visões, do real e do imaginado, das brigas e dos vôos, agora totalmente solitário ­era o momento em que sua saga mais famosa estava para começar.

Quanto tempo Gilgamesh vagou sem destino pela terra selva­gem, a história não conta. Percorreu caminhos ermos, caçando para comer, sem encontrar nenhum homem. "Que montanhas ele esca­lou, que rios atravessou, nenhum homem saberá", afirmam os escribas. Finalmente ele conseguiu controlar-se: "Devo ficar com a cabeça enterrada e dormir os anos que me restam?", perguntou a si mesmo, para juntar-se a seu amigo na morte, ou os deuses permiti­riam "que meus olhos contemplem o sol?". Mais uma vez ele se en­cheu de determinação para alcançar a Terra dos Vivos e evitar um destino mortal.

Guiado pela aurora e pelo ocaso - o equivalente celeste de Shamash, o sol -, Gilgamesh seguiu de uma forma intencional. À medida que os dias seguiam um ao outro, o terreno começou a mu­dar: a terra deserta e selvagem, lar de lagartos e escorpiões, estava terminando, e ele enxergou as montanhas a distância. Também a vida selvagem estava mudando. "Quando, à noite, Gilgamesh che­gou ao passo nas montanhas, viu leões e ficou com medo."

 

Ele ergueu sua cabeça para Sin e rezou:

"Até o lugar onde os deuses rejuvenescem

meus passos estão dirigidos...

Preservai a mim!".

 

A mudança de Shamash para Sin como divindade protetora, à quem é endereçada a oração, é realizada sem pausa ou comentário; e somos deixados a presumir que, de alguma forma, Gilgamesh percebeu estar numa região dedicada a Sino

Gilgamesh "foi dormir e acordou de um sonho", no qual ele viu a si mesmo" alegrando-se com a vida". Tomou aquilo como um presságio favorável de Sin de que atravessaria o passo da montanha apesar dos leões. Após reunir suas armas, "Gilgamesh caiu como uma flecha entre os leões", atacando os animais com todas as suas forças: "Caiu sobre eles, fazendo com que recuassem". Por volta do meio-dia, suas armas se arrebentaram e Gilgamesh as jogou fora. Dois leões ficaram e o enfrentaram; Gilgamesh teve de lutar contra eles com as mãos limpas.

A luta com os leões, da qual Gilgamesh saiu vitorioso, foi comemorada por artistas de todo o Oriente Médio, não apenas na Mesopotâmia. Foi também representada pelos hititas ao norte, pelos cassitas no Luristão a oeste e até no antigo Egito. Em épocas posteriores, tal feito - vencer leões com as mãos desarmadas - foi uma façanha atribuída na Bí­blia apenas a Sansão, aquele que recebeu de Deus força sobre-hu­mana (Juízes 14:5-6).

Vestido com a pele de um dos leões, Gilgamesh atravessou o passo nas montanhas. A distância, divisou uma grande quantidade de água, como um vasto lago. Na planície desse mar interior, ele pôde enxergar uma cidade "fechada", uma cidade cercada por uma muralha fortificada. Era, conforme explica o texto, uma cidade onde "o templo de Sin estava erigido". Ao lado de fora dos muros, "à beira do mar vazante", Gilgamesh viu uma estalagem. À medida que se aproximava, viu no interior "Siduri, a mulher-cerveja". Ha­via no interior prateleiras de frascos, recipientes para fermentação; a mulher segurava um jarro de cerveja e uma tigela de mingau ama­relo. Gilgamesh deu a volta, procurando uma forma de entrar; con­tudo Siduri, vendo um homem sujo e vestido com uma pele de leão, "o ventre achatado, o rosto como o de um viajante vindo de muito longe", ficou assustada e passou a tranca na porta. Com grande dificuldade, Gilgamesh conseguiu convencê-la de sua verdadeira identidade.

Alimentado e descansado, Gilgamesh contou a Siduri tudo so­bre suas aventuras, desde a primeira jornada na Floresta de Cedros, o assassinato de Huwawa e do Touro do Céu, a segunda viagem e a morte de Enkidu, seguida por suas perambulações e pela morte dos leões. Seu destino, explicou, era a Terra dos Vivos, onde se podia obter a imortalidade, pois Utnapishtim do Dilúvio ainda vivia lá. Qual seria o caminho para a Terra dos Vivos?, quis saber Gilgamesh. Seria preciso contornar o mar, pelo caminho árduo e difícil de terras desconhecidas, ou era possível navegar até lá? "Mulher-cerveja, qual o caminho até Utnapishtim? Me diga por onde ir!"

Atravessar o mar, respondeu Siduri, não era possível, pois suas águas são as "Águas da Morte":

 

Nunca, Gilgamesh, alguém atravessou;

desde os dias mais antigos,

ninguém chegou pelo lado do mar.

Mas além de Shamash, quem poderia atravessar?

 

Gilgamesh ficou em silêncio, e Siduri revelou a ele que talvez houvesse uma forma de atravessar as Águas da Morte: Utnapishtim tem um barqueiro; seu nome é Urshanabi. Urshanabi pode atraves­sar as Águas da Morte porque" com ele estão as Coisas de Pedra". Ele atravessa para apanhar Urnu (significado incerto) na floresta. Vá e espere por ele, disse Siduri para Gilgamesh, "deixe que ele veja seu rosto". Se gostar, ele atravessa você. Assim avisado, Gilgamesh voltou ao litoral para aguardar o barqueiro Urshanabi.

Quando Urshanabi viu Gilgamesh, ficou intrigado com sua identidade, e Gilgamesh contou-lhe sua longa história. Conven­cido da verdadeira identidade de Gilgamesh e de seu legítimo desejo de alcançar a Terra dos Vivos, Urshanabi levou Gilgamesh a bordo. Assim que isso foi feito, Urshanabi acusou Gilgamesh de esmagar as "Coisas de Pedra", necessárias para a travessia. Repre­endendo Gilgamesh, Urshanabi lhe disse para voltar até a floresta, cortar e dar forma a 120 postes; usaram os postes em grupos de doze ao realizar a travessia. Depois de três dias, chegaram ao ou­tro lado.

Aonde devo ir agora?, perguntou Gilgamesh a Urshanabi. O bar­queiro lhe disse para continuar sempre em frente até alcançar "o Grande Mar". Deveria seguir aquela estrada até alcançar duas colu­nas de pedra que servem como marcos. Virando ali, ele chegou a uma cidade chamada (na recensão hitita do épico) Itla, consagrada ao deus Ullu-Iah. A permissão desse deus era necessária para atra­vessar até a Região Proibida, onde ficava o monte Mashu; esse era seu destino, declarou Urshanabi.

Itla provou ser um bênção para Gilgamesh. Ao chegar lá, co­meu e bebeu, lavou-se e trajou a roupa adequada. A conselho de Shamash, ofereceu sacrifícios a Ullu-Iah (significando, talvez, "Aque­le dos Picos"). Mas o Grande Deus, sabendo do desejo do rei por um Shem, vetou a idéia. Procurando a intervenção de Shamash, Gilgamesh pediu uma alternativa aos deuses: "Deixe-me tomar a estrada para Utnapishtim, filho de Ubar-Tutu!". E aquilo, depois de alguma deliberação, foi permitido.

Após uma jornada de seis dias, Gilgamesh enxergou a monta­nha sagrada da qual o barqueiro Urshanabi falara:

 

O nome da montanha é Mashu.

À montanha de Mashu ele chegou,

Onde diariamente observou os Shem

partindo e chegando.

No alto, com a Faixa Celeste são ligados;

abaixo, são ligados ao Mundo Inferior.

 

Havia uma maneira de entrar na montanha, mas a entrada era guardada por terríveis "Homens-foguetes":

 

Homens-foguetes guardam seu portão.

O terror é impressionante, seu olhar é a morte.

Seus temidos holofotes varrem as montanhas.

Vigiam Shamash quando ele sobe e desce.

 

Apanhado na varredura da luz mortal, Gilgamesh escondeu seu rosto; desarmado, caminhou na direção dos Homens-foguetes (cena representada num selo cilíndrico que pode ter ilustrado esse episódio. Ficaram espantados em ver que os raios mortais não afetavam Gilgamesh, e compreenderam que" o corpo daquele que vem é feito de carne dos deuses". Permitiram que Gilgamesh se apro­ximasse e o interpelaram. Reconhecendo não se tratar de um mortal comum, deixaram que ele passasse. "O portão do monte está aberto parta ti", anunciaram.

A "passagem inacessível" era o "caminho de Shamash", subter­râneo. A travessia durou doze horas-duplas. "A escuridão era den­sa, não havia luz." Gilgamesh não conseguia enxergar "à frente ou atrás". Na oitava hora-dupla, algo o fez gritar de medo. Na nona hora-dupla, ele "sentiu o vento norte em sua face" - aproximava-­se de uma abertura no céu. Na décima primeira hora-dupla, ele viu a aurora. Finalmente, na décima segunda hora-dupla, "ficou brilhan­te; ele saiu em frente ao sol".

Emergindo da passagem subterrânea, através da montanha sa­grada, à luz do sol, Gilgamesh encontrou uma visão incrível. Ele viu um "lugar dos deuses", onde havia um jardim; porém o "jardim era feito inteiramente de pedras preciosas esculpidas: "todos os ti­pos de Arbustos Espinhosos eram visíveis, cheios de pedras preciosas; frutas em cachos de cornalina, as trepadeiras belas demais para serem contempladas. A folhagem era de lápis-lazúli; e as vinhas lu­xuriantes... de pedra eram feitas". Os versos, parcialmente danifica­dos, seguem listando outros tipos de árvores frutíferas e variedades de pedras preciosas - brancas, vermelhas e verdes - das quais eram feitas. Água pura corria pelo jardim, e, em seu meio, ele divi­sou" corno urna Árvore da Vida e uma Árvore de... daquilo que eram feitas as pedras An-gug".

Impressionado e espantado, Gilgamesh caminhou pelo jardim. Percebeu claramente que se encontrava num Jardim do Éden!

Sem saber, estava sendo observado por Utnapishtim. "Utnapishtim olhava a distância, ponderando e falando a si próprio, aconselhando-se consigo mesmo: 'Quem é esse homem e corno ele apareceu aqui? Esse que vem aqui não é um dos meus homens'" - nenhum homem dos que estavam com ele na Arca...

Ao se aproximar, Gilgamesh ficou surpreso: o herói do Dilúvio, milhares de anos antes não parecia mais velho do que ele, Gilgamesh! "Disse para ele, para Utnapishtim, o Distante: Quando olho para ti, Unapishtim, não és nada diferente; como eu és!"

Mas quem é você, por que e como chegou até aqui? Quis saber Utnapishtim. Como tinha feito com Siduri e com o barqueiro, Gilgamesh narrou toda a história de seu reinado, de seus ancestrais, da amizade com Enkidu e das aventuras em busca da imortalidade, incluindo as últimas. "Assim pensei em ver Utnapishtim, o Distan­te, de quem as pessoas falam", concluiu Gilgamesh. Agora, pediu ele, me conte o segredo da sua imortalidade! Conte-me" como chegou a se juntar à congregação dos deuses e obter a vida eterna".

 

Utnapishtim falou com ele, com Gilgamesh:

Revelarei a você, Gilgamesh,

um assunto oculto, um segredo dos deuses

contarei a você.

 

Então se segue a história do Dilúvio, narrada na primeira pes­soa por Utnapishtim, em todos os detalhes, desde o início até o final, até que Enlil, no Monte da Salvação, onde a Arca pousou, "segurando-me pela mão, me levou para bordo da nave dele; levou minha esposa para bordo e fez com que ela se ajoelhasse a meu lado. Entre nós dois, tocou-nos a fronte para nos abençoar. Até então Utnapishtim e sua esposa tinham sido mortais (disse Enlil); dali em diante, Utnapishtim e a mulher seriam como os deuses; Utnapishtim iria residir a distância, na foz dos rios. Assim me levaram e me fizeram morar longe, na foz dos rios".

Isso, concluiu Utnapishtim, é a verdade sobre escapar de um destino mortal. "Agora, porém, quem irá convocar uma Assembléia dos deuses para você, para que possas encontrar a Vida que procura?"

Percebendo que apenas um direito em reunião divina poderia conceder a ele a imortalidade, e não suas próprias buscas, Gilgamesh desmaiou; por uma semana permaneceu inconsciente. Quando acordou, Utnapishtim chamou Urshanabi, o barqueiro, para levar Gilgamesh de volta, "para que possa voltar a salvo pelo caminho por onde veio". Porém, ao ver Gilgamesh aprontando-se para partir, Unapishtim, condoendo-se dele, decidiu revelar outro segredo: A vida eterna não é conseguida sendo imortal - é conseguida ficando-se sempre jovem!

 

Utnapishtim disse a ele, a Gilgamesh:

Veio até aqui com esforço e cansaço.

O que posso dar a você para que leve à sua terra?

Deixe-me revelar, Gilgamesh,

um segredo oculto muito bem guardado -

­um segredo dos deuses contarei a você:

Existe uma planta,

como a de um arbusto de amoras é a raiz.

Seus espinhos são como os da urze-branca;

sua mão os espinhos vão picar.

Mas, se puder obter a planta

com suas próprias mãos,

o rejuvenescimento encontrará.

 

A planta crescia embaixo d'água, talvez num poço ou fonte no esplêndido jardim. Algum tipo de cano levava à fonte ou à profundidade dessa Águas da Vida. Assim que Gilgamesh ouviu o segredo, ele "abriu o cano, amarrou pedras pesadas nos pés; elas o arras­taram para o fundo do abismo". Lá ele viu a planta.

 

Ele mesmo apanhou a planta

com suas mãos machucadas.

Cortou as pesadas pedras de seus pés;

a segunda lançou-o de volta

para o lugar de onde viera.

 

Urshanabi, que fora chamado por Utnapishtim, esperava por ele. Triunfante e exausto, Gilgamesh mostrou a ele a Planta do Reju­venescimento. Cheio de excitação, disse ao barqueiro:

 

Urshanabi, esta planta de todas as plantas é única:

por meio dela um homem pode reconquistar o fôlego da vida!

Vou levá-la para a exuberante Uruk,

e lá, a planta vou cortar e comer.

Será chamada de

"Homem se torna jovem na velhice".

Desta planta comerei

e para minha juventude retomarei.

 

Com essa esperança de rejuvenescimento, os dois começam a retornar. "Depois de trinta léguas, pararam para passar a noite. Gilgamesh viu um poço cuja água estava fria. Mergulhou para refrescar-se. Uma serpente sentiu a fragrância da planta; veio silen­ciosamente e carregou-a. À medida que a levava embora, deixou sua pele escamosa." Sem dúvida tratava-se de uma planta com propriedades de rejuvenescimento, mas foi a serpente, não Gilgamesh, que rejuvenesceu...

 

Então Gilgamesh sentou-se e chorou,

suas lágrimas escorreram por seu rosto.

Tomou a mão de Urshanabi, o barqueiro.

"Para quem minhas mãos trabalharam?

Para quem dei o sangue de meu coração?

Para mim mesmo não obtive benefício;

para uma serpente o benefício eu trouxe."

 

Pensando em seu azar, Gilgamesh recordou-se de um incidente durante o mergulho para apanhar a planta "que deve ter sido um presságio". "Enquanto eu estava abrindo o cano, arrumando o equipamento, encontrei um selo na porta; deve ter sido colocado ali como um aviso para alguém como eu... um sinal para se retirar, desistir." Só então Gilgamesh compreendeu que estava fadado a não obter a Planta da Juventude; tendo-a retirado de suas águas, condenara-se a perdê-la.

Quando, finalmente, voltou para a exuberante Uruk, Gilgamesh sentou-se e pediu que os escribas registrassem sua odisséia. "Deixe que o país conheça aquele que viu o Túnel; aquele que conhece as águas vai contar toda a história." E foi com essas palavras introdutórias que o Epopéia de Gilgamesh foi registrado, para ser lido, traduzido, reescrito, ilustrado e lido novamente por gerações posteriores - para que todos saibam que o homem, ainda que dois terços divino, não pode mudar seu destino.

O Epopéia de Gilgamesh está repleto de marcos geográficos que realçam sua autenticidade e identificam os alvos daquela antiga busca pela imortalidade.

Seu primeiro destino foi o Local de Aterrissagem, na Floresta de Cedros, na Montanha dos Cedros. Só havia um local, em todo o Oriente Médio, conhecido por seus cedros originais: o Líbano (cujo emblema nacional, até hoje, é o cedro-do-líbano). O Líbano é men­cionado especificamente como a terra alcançada pelos dois compa­nheiros depois de dezessete dias de jornada, partindo de Uruk. Em outro verso, descrevendo como a terra estremeceu quando o fogue­te foi lançado, os picos em frente "Sirara e Líbano" são descritos como "partindo-se". Na Bíblia (Salmos, 27), a majestosa Voz do Senhor é descrita como o "quebrar dos cedros-do-Líbano" e fazendo "Líbano e Sirion saltar como um bezerro". Não existe dúvida de que Sirion é o hebraico para Sirara no texto mesopotâmico.

Existe também pouca dúvida de que o Local de Aterrissagem existiu ali, pelo simples motivo de que a vasta plataforma ainda se encontra no local até os dias de hoje. Localizada no lugar agora conhecido como Baalbek, a imensa plataforma de pedra, ocupando uma área de 4.600.000 metros quadrados, está apoiada em gigantescos blocos de pedra que pesam mais de cem toneladas; três blocos de pedra com mais de mil toneladas cada um, conhecidos como os Trilithon, foram retirados de um vale a quilômetros de dis­tância, onde um dos blocos colossais ainda está em parte enterrado no solo, sem que sua preparação tenha se concluído. Não existe equipamento moderno capaz de levantar tamanho peso; ainda assim, antigamente" alguém" - o folclore local diz" os gigan­tes" - esculpiu, levantou e colocou no lugar esses blocos de pedra com enorme precisão.

Gregos e romanos seguiram os cananeus e outros ao considerar a plataforma um local sagrado, sobre o qual construir e reconstruir templos aos grandes deuses. Não temos fotografias a respeito do que havia ali nos dias de Gilgamesh; mas sabemos o que foi erigido ali depois, na época dos fenícios. Sabemos por causa da plataforma com um cercado e um foguete espacial apoiado sobre um pedestal de vigas transversais - conforme representado numa moeda de Biblos.

O detalhe geográfico mais revelador, na segunda jornada de Gilgamesh, é a extensão de água que ele alcançou depois de atravessar as terras selvagens. É descrita como um "mar de leito baixo", um mar que parecia "um vasto lago". Era chamado o mar das" Águas da Morte". Todos esses detalhes identificam o mar como o que ainda hoje é chamado de mar Morto, sem dúvida a extensão de água salgada mais baixa do planeta.

A distância, Gilgamesh podia enxergar uma cidade que estava "fechada", uma cidade cercada por uma parede, cujo templo era dedicado a Sin. Tal cidade - uma das mais antigas do mundo ­ainda se encontra lá; é conhecida como Jericó, que em hebraico (Yeriho) significa "Cidade do Deus da Lua", que seria, de fato, Sin. A cidade era famosa por suas muralhas, cujo desabar miraculoso é narrado na Bíblia. (Poderíamos nos perguntar até que ponto a história bíblica dos espiões de Josué, que se esconderam na estalagem de Bahab em Jericó, reflete a breve estada de Gilgamesh na estalagem de Siduri.) Tendo atravessado o mar Morto, Gilgamesh seguiu um caminho que levava "na direção do Grande Mar". Esse termo é também encontrado na Bíblia (Números 34, Josué I), e sem a menor dúvida se refere ao Mediterrâneo. Gilgamesh, entretanto, não foi até lá, mas parou na cidade chamada Itla na recensão hitita. Basean­do-nos nas descobertas arqueológicas e na narrativa bíblica do Êxodo, sabemos que Itla era o lugar que a Bíblia chamava de Cades­Barnea; tratava-se de uma antiga cidade, parada de caravanas, na fronteira da restrita Quarta Região, na península do Sinai.

Só podemos especular se a montanha para a qual Gilgamesh se dirigia, monte Mashu, ostentava um nome quase idêntico ao de Moisés, Moshe em hebraico. A jornada subterrânea de Gilgamesh no interior dessa montanha sagrada, durando doze horas-duplas, possui um paralelo evidente com a descrição feita pela viagem do faraó no Livro dos Mortos, durante doze horas-zonas. O faraó, assim como Gilgamesh, pediu um Shem - um foguete - com o qual pudesse subir para o céu e juntar-se aos deuses numa habitação eterna. Como Gilgamesh antes dele, o faraó teve de atravessar uma ex­tensão de água com a ajuda de um Barqueiro Divino. Não há dúvida de que tanto o rei sumério quanto o faraó egípcio tinham um destino único, com a diferença de que pretendiam ir até lá de pon­tos iniciais opostos. O destino era o Espaçoporto na península do Sinai, onde ficavam os Shem, em seus silos subterrâneos.

Assim como em épocas antediluvianas, o Espaçoporto pós-diluviano também estava ancorado nos picos do Ararat. Porém com a planície da Mesopotâmia coberta de águas enlameadas, o Espaçoporto foi mudado para o terreno firme da península do Sinai. O Centro de Controle de Missão deslocou-se de Nippur para onde Jerusalém está localizada atualmente. O novo Cor­redor de Aterrissagem, ancorado ao final por duas montanhas arti­ficiais, as duas pirâmides de Gizé e os picos elevados ao sul do Sinai, incorporavam a imensa plataforma antediluviana de Baalbek, na Montanha dos Cedros.

Foi para a plataforma de Baalbek, na direção do Espaçoporto do Sinai, que Gilgamesh viajou.

 

Gilgamesh na América

A familiaridade com a história épica de Gilgamesh na América do Sul é uma faceta da evidência de contatos pré-históricos entre o Velho e o Novo Mundo.

A marca registrada de tal familiaridade é a representação de Gilgamesh lutando com os leões. Surpreendentemente, tais representações - num continente que não possui leões - foram encon­tradas nos Andes.

Uma concentração de tais representações em estelas de pedra foi achada na área de Chavin de Huantar/Aija, ao norte do Peru, um grande centro produtor de ouro na pré-história, onde outras evidências (estatuetas, relevos e petróglifos) indicam a presença de pessoas do Velho Mundo de 2500 a.C. em diante; são similares às representações hititas.

Outra área em que tais representações proliferaram ficava próxi­ma à margem sul do lago Titicaca (agora na Bolívia), onde uma grande metrópole cujos habitantes trabalhavam metal - Tiahuanacu - floresceu um dia. Fundada, em alguns relatos, antes de 4000 a.C. como centro processador de ouro e tornando-se depois de 2500 a.C. a mais importante fonte de estanho do mundo antigo, Tiahuanacu foi o centro onde o bronze apareceu na América do Sul. Entre os arte­fatos descobertos havia representações, em bronze, de Gilgamesh lutando com animais que lembram leões - um trabalho de arte com certeza inspirado nos fabricantes de bronze, os cassitas, do Luristão.

 

ENCONTROS NA GIGUNU

Mais de 2500 anos depois da busca épica da imortalidade por Gilgamesh, outro rei legendário - Alexandre da Macedônia - imitou o rei sumério e os faraós egípcios da mesma forma. Nesse caso, também, a reivindicação de imortalidade era baseada no fato de que ele era parcialmente divino. A evidência sugere que Alexandre, devido a seu professor, Aristóteles, estava consciente de buscas anti­gas; o que ele não sabia, entretanto, era que a raiz de sua crença específica na divindade de seus pais vinha diretamente da GIP AR de Uruk ("Casa da Hora Noturna") e da sua GIGUNU ("Câmara dos Prazeres Noturnos").

Logo depois que Alexandre foi coroado rei da Macedônia em seguida ao assassinado Filipe II, ele foi até Delfos, na Grécia, para consultar seu afamado oráculo. Com a idade de vinte anos na épo­ca, ficou chocado ao ouvir a primeira de várias profecias predizen­do-lhe fama e uma vida muito curta. As profecias serviram para aumentar sua crença nos rumores que circulavam na Corte da Macedônia, segundo os quais seu pai não seria Filipe II, e sim um faraó egípcio de nome Nectanábis, que visitara a Macedônia e sedu­zira em segredo Olímpia, a mãe de Alexandre. Nectanábis era um mestre em magia e adivinhação, e, segundo rumores, seria a encarnação do deus egípcio Amon, que se teria disfarçado de hu­mano para produzir o futuro conquistador do mundo.

Assim que Alexandre chegou ao Egito (em 332 a.C.), depois de prestar homenagem aos sacerdotes e deuses egípcios, dirigiu-se para o oásis de Sivah, no deserto ocidental, local de um afamado oráculo de Amon. Lá, conforme relatam os historiadores que o acompanhavam, o próprio deus confirmou a origem divina de Alexandre. De­pois que ele foi confirmado como filho de um deus, os sacerdotes proclamaram-no um faraó divino. Porém, em vez de querer morrer e atingir a imortalidade no Pós-Vida, Alexandre partiu numa busca imediata para encontrar as afamadas Águas da Vida. Sua busca o levou a locais subterrâneos, repletos de mágica e anjos, na penínsu­la do Sinai, depois (sob as ordens de um Homem Alado) para a Babilônia. Ao final, como o oráculo de Delfos profetizara, ele morreu famoso, mas jovem.

Em sua busca pela imortalidade, Alexandre, deixando seus sol­dados para trás, avançou até a Terra da Escuridão, para encontrar lá uma montanha chamada Mushas. No fim do deserto ele deixou seus poucos companheiros e avançou sozinho. Viu e seguiu um "cami­nho reto que não possuía parede, e não havia lugar alto ou baixo nele". Caminhou por esse caminho durante doze dias e doze noites, quando "percebeu o brilho de um anjo". À medida que se aproxi­mava, esse brilho tomou-se" um fogo flamejante", e Alexandre percebeu que se encontrava na "montanha pela qual o mundo está cercado" .

Falando a Alexandre do fogo flamejante, o anjo o interrogou: "Quem és, e por que motivo estais aqui, ó mortal?", e imaginou como Alexandre havia "penetrado nas trevas, onde nenhum outro mortal conseguira entrar". Alexandre explicou que o próprio Deus o guia­ra e lhe dera forças para chegar àquele lugar, "que era o Paraíso", Porém o anjo lhe disse que a Água da Vida ficava em outro lugar; "e quem a tomasse, mesmo uma única gota, jamais morreria".

Para encontrar o "Poço da Água da Vida", Alexandre precisava de um sábio que conhecesse tais segredos, e, depois de muito pro­curar, tal homem foi encontrado. Aventuras mágicas e miraculosas aconteceram no caminho. Para estar certo de que o poço era o certo, os dois levavam um peixe salgado e seco. Certa noite, ao alcançar uma fonte subterrânea, enquanto Alexandre estava dormindo, o guia testou a água, e o peixe retomou à vida. Em seguida ele mesmo imergiu nas águas, tomando-se daí em diante EI Khidr - "O Sem­pre Verde" -, Aquele Que É Jovem para Sempre, das lendas ára­bes. Pela manhã Alexandre apressou-se até o local indicado. Era "incrustado de safiras, esmeraldas e jacintos". Mas havia dois pássaros com feições humanas bloqueando o caminho. "A terra sobre a qual estás pertence a Deus apenas", disseram eles. Percebendo que ele não podia mudar seu destino, Alexandre desistiu da busca e, em vez disso, começou a construir cidades com seu nome, uma forma de ser lembrado para sempre.

Os numerosos detalhes da busca de Alexandre são virtualmen­te idênticos aos de Gilgamesh - o lugar, o nome da montanha, os doze períodos da jornada subterrânea, os guardas alados, o interrogatório pelos guardas, a imersão no poço das Águas da Vida - indicam familiaridade com a Epopéia de Gilgamesh; não apenas com o trabalho literário (que sobreviveu até nossos tempos) mas também com o próprio motivo da busca - a divindade parcial, a descendência divina de Gilgamesh.

Realmente, mesmo as reivindicações por parte dos faraós egípcios de que seus pais eram deuses, ou pelo menos de terem sido amamentados por uma deusa, podem ser traçados até a época e lugar de Gilgamesh; pois foi em Uruk que o costume e a tradição se iniciaram com a dinastia à qual pertencia Gilgamesh.

Os reinados se iniciaram em Uruk, podemos lembrar, quando a futura cidade consistia quase unicamente no terreno sagrado. Lá, segundo as Listas de Reis Sumérios, "Meskiag-gasher, o filho do deus Utu, se tomou sacerdote e também rei". Lá, depois dos reina­dos de Enmerkar e Lugalbanda e de um reinado intermediário pelo deus Dumuzi, Gilgamesh subiu ao trono; e ele, conforme anuncia­do, era filho da deusa Ninsun.

Essas são revelações surpreendentes, especialmente à luz do epi­sódio da tomada de esposas humanas por parte dos Nefilim, que fez com que Enlil procurasse a aniquilação do homem. A humanidade, os Anunnaki e a própria Terra demoraram milênios para se recupe­rar do Dilúvio. Foram necessários milênios para que os Anunnaki, passo a passo, ensinassem ao homem seu conhecimento, a tecnolo­gia, a domesticação e, depois, a civilização em si. Levou a maior parte de um milênio para desenvolver, em Kish, a instituição do reinado. Inesperadamente, a realeza foi transferida para Uruk, e a I dinastia se iniciou com o filho de um deus (Utu/Shamash) e uma fêmea humana...

Enquanto as escapadas sexuais de outras divindades (algumas já mencionadas, outras ainda não) foram registradas em textos antigos, as de Utu/Shamash não parecem estar entre elas. Sua esposa oficial e consorte era a deusa Aia, e os textos não descrevem infidelidades cometidas. Ainda assim encontramos um filho dele com uma fêmea humana, um filho cujo nome, funções e localização são perfeitamente definidos. O que acontecia? Teriam os tabus sido removidos ou simplesmente ignorados pela nova geração?

Ainda mais peculiar seria o caso de Ninsun, mãe de Gilgamesh. A própria genealogia e registro de seus filhos são ilustrati­vos da mistura de gerações que ocorria entre os Anunnaki - talvez como resultado do fato de que alguns retiveram a longevidade adquirida em Nibiru (contada em Sars), outros (as primeiras gerações na Terra) foram parcialmente afetados pelos ciclos terrestres, menores, e ainda outros (a terceira e quarta gerações) eram mais terres­tres do que Anunnaki.

Anu, que além de sua esposa oficial, Antu, possuía várias con­cubinas e (pelo menos numa oportunidade) aventurou-se ainda mais longe, teve corno resultado um grande número de filhos oficiais e não-oficiais; até agora encontramos Enki, Enlil e Ninmah, todos os três meio-irmãos entre si (nascidos de mães diferentes). Acontece que Anu possuía ainda outra filha, mais nova, chamada Bau, que se tomou esposa de Ninurta, filho de Enlil com sua meio-irmã Ninmah. Tanto quanto se pode julgar a partir dos textos, Ninurta e Bau tiveram um casamento imaculado, sem infidelidades. Foi um casa­mento abençoado com dois filhos e sete filhas, entre as quais Ninsun ("Senhora Vaca Selvagem") era a mais conhecida. Essa genealogia a tomou neta de Anu assim corno neta do filho dele, Enlil (é bom mencionar que Enlil gerou Ninurta em Nibiru; depois que Enlil ca­sou com Ninlil na Terra, foi escrupulosamente monógamo).

Não menos confusa foi a formação dos filhos de Ninsun. Por outro lado, ela era mãe de Gilgamesh. A Lista de Reis Sumérios afirma que o pai dele era o sumo sacerdote do terreno sagrado de Uruk; a Epopéia de Gilgamesh e outros textos de narrativas em rela­ção a ele afirmam que seu pai era Lugalbanda, o terceiro dirigente de Uruk. Como o primeiro dirigente, Meskiagasher, era sumo sa­cerdote e rei, a presunção é de que Lugalbanda também tivesse os dois títulos. A conclusão é de que Ninsun, oficialmente casada ou não com o mortal Lugalbanda, manteve relações com ele e teve um filho.

Por outro lado, Ninsun também teve relações sexuais com deu­ses, ou pelo menos com um deles. Segundo as Listas de Reis Sumé­rios, o jovem deus Dumuzi reinou brevemente em Uruk, entre Lugalbanda e Gilgamesh. A lista reconhece a divindade de Dumuzi, pois era filho de Enki. O que as Listas não mencionam, mas ficou atestado pelos vários textos literários que tratam da vida, amores e morte de Dumuzi, é que sua mãe era a deusa Ninsun - a mesma deusa que era a mãe de Gilgamesh.

Ninsun teve, assim, relações sexuais com ambos, deuses (Enki) e homens (Lugalbanda). Nessa nova fase dos Encontros Divinos, ela imitava não apenas Utu/Shamash (cuja esposa era a deusa Aia, porém teve um filho com uma mulher mortal) mas também Inana/ Ishtar, irmã gêmea de Utu/Shamash. O fato de que todos esses en­contros, de uma forma ou de outra, envolvessem Uruk não era acidente; foi em Uruk que a GIGUNU - a "Câmara dos Prazeres No­turnos" - estabeleceu-se na GIPAR.

Ao contrário de Utu/Shamash e Ninsun, Inana/lshtar não é mencionada nas Listas de Reis Sumérios em conexão com Uruk; na Epopéia de Gilgamesh, porém, ela se junta aos dois como atriz divina da saga. De certa forma, Inana pertencia à história mais do que eles, pois era a padroeira de Uruk, e foi por ela que o terreno sagrado tomou-se uma grande cidade. Como ela conseguiu foi descrito num texto conhecido como "Enki e Inana", a ser examinado em breve; porém primeiro precisamos explicar como Inana tomou-se associa­da a Uruk - na verdade, como ela começou a ser chamada de "Inana" .

Quando o reinado foi transferido de Kish para Uruk, no começo do III milênio a.C., Uruk consistia apenas em um terreno sagrado, o Kullab. Tal terreno sagrado existia ali havia quase mil anos, já que fora originariamente construído para acomodar Anu e Antu em sua visita oficial à Terra. Estelas encontradas nas ruínas de Uruk, cópias de textos mais antigos, registram a pompa e circunstância do even­to, reproduzindo detalhes suficientes para seguir os ritos e as ceri­mônias cuidadosamente descritos, assim como a natureza do terreno sagrado e suas várias construções. Além dos templos e santuá­rios, cada um com suas funções específicas, o local incluía quartos especiais para que os visitantes divinos dormissem. Os dois, entre­tanto, não parecem ter partilhado o mesmo quarto.

Uma vez que o banquete e as outras cerimônias terminaram, depois que a ceia foi servida os dois visitantes divinos foram con­duzidos pelo pátio principal até dois aposentos separados. Antu foi levada para a "Casa da Cama Dourada", onde as "Divinas Filhas de Anu e as Divinas Filhas de Uruk" mantiveram vigilância até o nascer do sol. Anu foi acompanhado pelos deuses até seu próprio apo­sento, uma casa conhecida como a Gipar; sabemos por um número de textos acadianos e sumérios que era um local" tabu", ou um harém (pois esse é o significado da palavra árabe harim) - o lugar onde a Entu, uma virgem escolhida, aguardava o deus.

Em épocas posteriores, a Entu era uma filha do rei, e seu papel como Hierodula, "donzela sagrada", era considerado uma grande honra. No caso de Anu e sua visita ao Kullab, não era uma fêmea mortal a escolhida para esperá-lo na Gipar; tratava-se de sua própria bisneta, Irninni. Passaram a noite na câmara fechada no inte­rior da Gipar, a Gigunu ("Câmara dos Prazeres Noturnos"). E, de­pois disso, Irninni recebeu o nome de IN.ANNA - "A Amada de Anu" .

Apesar de atualmente podermos encarar o encontro como um caso de incesto, tal não era o enfoque naquela época. Os hinos su­mérios exaltam o fato de que Inana era a amada de Anu, sua bela Hierodula. Um Hino a Ishtar, escrito numa estela de Uruk (estela Ao.4479, no Museu do Louvre), descreve Ishtar "vestida de amor, emplumada de sedução, uma deusa de alegria", "com Anu, juntos ocupando a Gigunu fechada, a Câmara da Alegria, enquanto outros deuses ficavam em frente". De fato, outro texto (Ao.6458) revela que a própria idéia de escolher Irninni para a honra de dormir com Anu não foi idéia do grande deus - mas da própria Ishtar. Foi por meio de outros deuses que ela se apresentou a Anu, e foram eles que per­suadiram Anu a aceitar.

Como Anu (e Antu) era apenas visitante, não havia necessidade de aposentos permanentes no templo E.ANNA; dessa forma, come recompensa, Anu designou o uso do templo para Inana.

 

Depois que o Senhor garantiu

um grande destino para a filha de Sin,

o templo Eanna ele lhe confiou

como presente de noivado.

 

Com esse presente do templo Eanna veio também a Gipar, "um local de madeiras fragrantes" e sua Câmara dos Prazeres Notur­nos", a Gigunu; com o tempo, Inana fez bom uso do local.

Porém um território sagrado não era uma cidade, e as Listas de Reis Sumérios registram que foi apenas o filho do primeiro rei-sacerdote, Enmerkar, "quem construiu Uruk". Foi então que Inana decidiu que se Uruk era seu centro de culto, devia ser um centro completo de civilização. Para conseguir isso, ela precisava dos ME.

Os ME eram objetos portáteis que continham toda a sabedoria e outros aspectos de uma civilização avançada. No estado atual da tecnologia moderna, se pode encará-los como uma espécie de dis­cos de computador ou chips de memória que, a despeito de seu ta­manho reduzido, contêm vastas quantidades de informações. Em poucas décadas, com mais tecnologia avançada, poderemos compará-los a outra maravilhosa fonte de registro de informações (ainda a ser inventada). Quando Nippur se tomou (depois do Dilú­vio) uma Cidade de Homens, Enlil queixou-se a Anu de que Enki estava guardando todos os ME para ele mesmo, usando-os apenas para melhorar Eridu e seu esconderijo no Abzu; Enki foi forçado a partilhar os ME com Enlil. Agora que Inana queria tomar Uruk um grande centro urbano, ela partiu para a habitação de Enki com o intuito de conseguir alguns importantes ME com seu tio-avô.

Um texto conhecido como "Inana e Enki", que possui o subtítu­lo de" A Transferência das Artes da Civilização de Eridu para Erech", descreve corno Inana viajou em seu "Barco do Céu" até o Abzu, no sudeste africano, onde Enki havia guardado em segredo os ME. Per­cebendo que Inana viria até ele desacompanhada - "a donzela, sozinha, dirigiu seu passo para o Abzu" -, Enki ordenou que seu camareiro preparasse um banquete, com muito vinho de tâmaras. Depois que Inana e Enki comeram e o coração dele se tomou leve por efeito do vinho, Inana tocou no assunto dos ME.

Alegre com a bebida, Enki presenteou a ela alguns ME, que tor­nariam Uruk um trono para a realeza; o ME para "Domínio", o ME para "a nobre e duradoura tiara", o ME para o "trono do Reinado", e "a alegre Inana os apanhou" - mas pediu mais. À medida que Inana usava seus encantos em seu anfitrião mais velho, Enki lhe fez uma segunda oferta: deu-lhe"o nobre cetro e o cajado, o nobre san­tuário e o Governo justo". A "alegre Inana os apanhou também". Enquanto o banquete e as bebidas continuavam, Enki ofereceu ou­tros sete ME que continham as funções e atributos de uma Senhora Divina - o status de uma Grande Deusa: um templo e seus rituais, sacerdotes e atendentes; justiça e tribunais; música e artes; a arte de trabalhar pedras e madeira; metalurgia, couro e tecelagem; alfabeti­zação e matemática; por último e não o menos importante, armas e a arte da guerra.

Segurando em suas mãos tantas coisas essenciais para urna civi­lização de progresso, Inana saiu sem ser notada e partiu em seu Bar­co do Céu, de volta para Uruk. Quando Enki ficou sóbrio e perce­beu o que fizera, ordenou a seu camareiro que perseguisse Inana em sua "Grande Câmara Celestial" e recuperasse os ME. Ele a alcançou em Eridu, na Suméria. Mas Inana entregara os ME a seu pi­loto, que voou para Uruk enquanto Inana discutia com o camareiro em Eridu. As pessoas de Uruk relembram corno sua cidade se tor­nou um centro de reinado e civilização num hino intitulado Senho­ra dos ME, lido escrupulosamente pela congregação em ocasiões festivas:

 

Senhora dos ME,

Rainha resplandecente.

Justa, vestida de brilho,

Amada do Céu e da Terra,

Hierodula de Anu,

Usando grandes adorações.

Apropriada para a nobre tiara,

Adequada para o sacerdócio.

Conseguiu os sete ME,

Em sua mão ela os segura.

Senhora dos grandes ME,

Deles ela é guardiã.

 

Se Enki conseguiu seduzir Inana, não fica claro (uma presunção que não podia ajudar a resolver o enigma de quem é a mãe de Ningishzidda, filho de Enki). O que parece certo é que, como resul­tado das experiências com Anu e Enki, a feminilidade de Inana foi despertada. Como amada de Anu, ela foi eleita patrona da cidade de Arata, na Terceira Região (a civilização do vale do Indo). Um dos propósitos de buscar os ME para Uruk seria fazer de Uruk um gran­de centro para que Inana pudesse reinar onde realmente importava, não na distante Arata. Vários textos foram encontrados e que lidam com a luta de vontades entre o novo rei de Uruk, Enmerkar (" Aque­le que construiu Uruk"), e o rei de Arata; o prêmio não era simples­mente onde Inana passaria seu tempo - mas sim onde ela se envol­veria em fazer amor com o rei.

Numa das passagens do texto chamado Enmerkar e o Senhor de Arata, este último, certo de ser o favorito de Inana, provocava Enmerkar:

 

Ele vai viver com Inana

(separado) por uma parede;

Eu vou viver com Inana

na casa de lápis-Iazúli, em Arata.

Ele vai olhar para Inana apenas em sonho;

eu vou deitar com ela docemente numa cama ornada.

 

Parece que essas declarações provocaram um franzir de sobran­celha por parte dos pais de Inana, e ainda mais: por parte de seu irmão, Utu/Shamash. Quando ele a repreendeu, Inana respondeu perguntando quem iria cuidar de suas necessidades sexuais:

 

 

 

E quanto à minha vulva...

Quem irá arar o campo para mim?

Minha vulva, um campo irrigado,

quem irá colocar o boi ali?

 

Ao que Utu respondeu: "Ó donzela celeste, Dumuzi, que possui a semente divina, ele irá arar seu campo", disse ele.

DUMUZI ("Filho que é Vida"), um deus-pastor cujos domínios se localizavam nas terras africanas do clã de Enki, era, como obser­vamos acima, filho de Ninsun e, assim, parte enlilita. Se havia uma parte oculta na união proposta, Utu não perdeu tempo em mencioná­Ia; em vez disso realçou os méritos de casar com um pastor: "O cre­me dele é bom, o leite é brilhante". Mas Inana pensava no deus­fazendeiro como marido: "Eu, a donzela, casarei com um fazendei­ro... O fazendeiro cultiva muitas plantas, o fazendeiro cultiva grãos", anunciou ela.

Ao final, a genealogia e os dividendos da paz prevaleceram, e Inana e Dumuzi ficaram noivos.

Os textos poéticos que lidam com a corte, o amor e o casamento de Inana e Dumuzi - textos dos quais foi desenterrada uma boa coleção - são algumas das melhores canções de amor de todos os tempos, explícitas porém carinhosas. Quando, depois da aprovação dos pais de ambos os lado, o casamento foi proclamado, Inana espe­rou a consumação do casamento na Gipar em Uruk. Antecipando o momento, Inana, "dançando e cantando, enviou uma mensagem ao pai" a respeito da Gipar:

 

Em minha casa, minha casa-Gipar,

minha cama frutífera será preparada.

Com plantas da cor do lápis-Iazúli

será coberta.

Levarei lá meu amado;

ele irá colocar sua mão sobre minha mão,

ele irá colocar seu coração sobre meu coração,

em minha casa, minha casa-Gipar,

deixe que ele "faça demorado" para mim.

 

O grande amor entre os representantes de clãs em guerra - uma ­neta de Enlil, um filho de Enki - significava, sem dúvida, aumen­tar a paz entre os dois adversários, mas não durou muito. Marduk, o primogênito de Enki e reclamante da supremacia em todas as regiões, se opôs à união desde o princípio. Quando Dumuzi retornou ­ao seu domínio pastoral na África, prometendo a Ishtar fazê-la rainha do Egito, Inana gostou, porém Marduk ficou enraivecido. Usan­do uma indiscrição de Dumuzi como pretexto, Marduk enviou ­"xerifes" para prender Dumuzi e levá-lo a julgamento. Porém ­Dumuzi, tendo previsto sua morte num sonho premonitório, ten­tou escapar e esconder-se. Na perseguição que se seguiu, Dumuzi foi morto acidentalmente.

Quando as notícias alcançaram Inana, ela começou a lamentar­se. O choque e o pesar pelo acontecimento foram tão grandes entre as pessoas do povo - para quem esse caso tipo Romeu e Julieta veio a simbolizar o amor e suas alegrias - que o aniversário da morte de Dumuzi se tomou um dia de lamentações por muito tempo depois. Quase 2 mil anos depois do evento, o profeta Ezequiel ficou chocado ao ver as mulheres de Israel sentadas e "chorando por Tamuz" (nome hebraico de Dumuzi).

Inana levou muito tempo para superar a tristeza; em sua procu­ra de consolo, voltou-se para a Gipar e sua câmara Gigunu, como o local onde podia esquecer seu amor perdido. Lá ela aperfeiçoou os ritos do sexo para uma nova forma de Encontro Divino. Eles se tor­naram conhecidos como o ritos do Casamento Sagrado.

Quando Ishtar disse a Gilgamesh, "venha, meu amante", ele re­cusou enumerando os nomes dos amantes anteriores que ela usara e descartara. Começou depois da morte de Dumuzi/Tamuz, "o amante de sua juventude, lembrou Gilgamesh. Por ele, você orde­nou luto ano após ano". O texto implica que, na comemoração des­ses aniversários, Ishtar convidava homens para passar a noite com ela. "Venha, vamos aproveitar seu vigor! Estenda a mão e toque minha vulva!", convidava ela. Porém Gilgamesh perguntou: “A qual deles você amou para sempre?". Em seguida mencionou alguns dos amantes dispensados e seus destinos: um deles, pastor, teve sua “asa” quebrada depois de ter passado a noite com ela. Outro, forte como um leão, foi enterrado num poço. Um terceiro foi encantado e trans­formou-se num lobo; outro, ainda, "o jardineiro de seu pai", foi pro­curado e transformado em sapo. "E quanto a mim?", indagou Gilgamesh. "Você vai me amar e me tratar como eles." Não era de estranhar que, com tal reputação, Ishtar fosse representada com mais freqüência, por artistas da Antiguidade, como uma beldade nua, provocando e convidando homens a vê-la.

Entre tais aniversários agridoces, Ishtar passava seu tempo per­correndo os céus da Terra em sua Câmara Celeste, e assim é representada como uma deusa alada. Conforme menciona­mos, ela era a deusa de Arata, no vale do Indo, e voava periodica­mente para lá.

Foi num desses vôos aos domínios distantes que Inana/lshtar teve um encontro sexual ao contrário: ela foi estuprada por um mor­tal; nessa inversão de papéis, o homem que fez isso viveu para con­tar a história.

Ele é conhecido nos registros históricos como Sargão da Acádia, o fundador de uma nova dinastia que se instalou numa nova capital (geralmente chamada Acádia). Em sua autobiografia, um texto em linguagem acadiana conhecido pelos estudiosos como A Lenda de Sargão, o rei descreve as circunstâncias de seu nascimento em ter­mos que nos lembram a história de Moisés: "Minha mãe era uma alta sacerdotisa; não conheci meu pai. Minha mãe, a alta sacerdotisa que me concebeu, fez isso em silêncio. Ela me colocou numa cesta de juncos, com a tampa selada por betume. Ela me colocou no rio; não afundou (comigo). O rio me aceitou, me levou até Aki, o irrigador. Aki, o irrigador, me ergueu quando retirava água. Aki, o irrigador, me tratou e criou-me como filho. Aki, o irrigador, me in­dicou como seu jardineiro".

Então, cuidando do jardim, Sargão não acreditou em seus olhos:

 

Um dia, a rainha,

depois de atravessar os céus, atravessar a Terra,

Inana...

Depois de atravessar Elam e Shubur,

depois de atravessar...

A hierodula se aproximou, cansada, e adormeceu.

Eu a vi da fímbria de meu jardim;

eu a beijei e copulei com ela.

 

Inana, em vez de ficar zangada, descobriu que gostava de Sargão. A Suméria, com sua civilização de um milênio e meio de idade, àque­la altura precisava de um pulso forte em seu reinado - um reinado que, depois da glória de Uruk, ficava mudando sua capital; tais mudanças levavam a conflitos entre as cidades e, eventualmente, entre seus deuses-patronos. Enxergando em Sargão um homem de ação e decidido, Inana o recomendou como o rei seguinte "sobre toda a Suméria e a Acádia". Ele também se tornou seu amante constante. Como Sargão afirma em outro texto, conhecido como a Crôni­ca de Sargão, "Quando eu era jardineiro, Ishtar me ofereceu seu amor, e por 54 anos exerci o reinado".

Foi no reinado dos sucessores de Sargão como reis da Suméria e da Acádia que Inana/Ishtar incorporou as conjugações com o rei às cerimônias do Festival do Ano-Novo, formalizando-as no rito do Casamento Sagrado.

Em tempos antigos, eram os deuses que se reuniam para reviver e recontar, na ocasião do Ano-Novo, o épico da Criação e a odisséia dos Anunnaki ao chegarem e ficarem na Terra; o festival era chama­do A.KI.TI - "Vida Construída na Terra". Depois que o reinado foi introduzido, e depois que Inana começou a convidar o rei para ir até a sua Gigunu, uma reencenação da morte de seu parceiro sexual - e depois sua substituição pelo rei - foi incorporada aos rituais do festival. A essência desse procedimento era encontrar uma for­ma de fazer o rei passar a noite com a deusa sem acabar morto... De tal resultado dependia não apenas o destino pessoal do rei mas também o destino da terra e de seu povo - prosperidade e abundância, ou a falta delas no ano que entrava.

Pelos primeiros quatro dias do festival, apenas os deuses parti­cipavam da reencenação. No quinto dia, o rei entrava em cena, liderando os anciãos e outro dignitários numa procissão ao longo de um Caminho de Ishtar especial (na Babilônia, esse caminho assu­mia proporções monumentais e grandeza arquitetônica capaz de impressionar até os dias de hoje; foi reconstruído no Museu Vorderasiatisches, em Berlim). Ao chegar ao templo principal, o rei era recebido pelo sumo sacerdote, que retirava todas as insígnias reais e as colocava perante a divindade no Santo dos Santos. De­pois, voltando-se para o rei destronado, o sumo sacerdote batia em seu rosto e o fazia ajoelhar-se para uma cerimônia de expiação na qual o rei precisava recitar uma lista de pecados e procurar o per­dão divino. Os sacerdotes, então, o levavam para fora da cidade, a um poço de morte simbólica; o rei ficava lá, aprisionado, enquanto os deuses decidiam seu destino. No nono dia, ele saía, recebia seus símbolos de realeza e roupas reais para conduzir uma procissão de volta à cidade. Lá, ao anoitecer, banhado e perfumado, ele era conduzido à Gipar, no terreno sagrado.

Na entrada da Gigunu, ele era recebido pela criada pessoal de Inana, que fazia um apelo especial à deusa, em nome do rei:

 

O sol foi dormir,

o dia passou.

Quando na cama olhares para ele,

enquanto o acaricias ­

Dá Vida ao rei...

Possa o rei a quem teu coração escolheu

gozar dias longos em teu colo sagrado...

Concede-lhe um reino favorável e glorioso,

dá ao trono uma fundação duradoura...

Possa o fazendeiro tornar os campos produtivos,

possa o pastor multiplicar seus rebanhos...

Que haja no palácio longa vida.

 

O rei, então, ficava sozinho com a deusa na Gigunu para o en­contro conjugal. Durava a noite inteira. Pela manhã, o rei saía, para que todos vissem que sobrevivera à noite. O Casamento Sagrado ocorrera; o rei poderia reinar por mais um ano; a terra e o povo tinham garantida a sua prosperidade.

"O Rito do Casamento Sagrado foi celebrado com alegria e êx­tase por todo o Oriente Médio durante cerca de2 mil anos", escre­ve o grande sumeriólogo Samuel N. Kramer em O Rito do Casamento Sagrado. Na verdade, muito depois dos dias de Dumuzi e Gilgamesh, os reis sumérios descreviam poeticamente o êxtase des­sas memoráveis noites com Ishtar. O Cântico dos Cânticos bíblico descreve os prazeres do amor no Ta'annugim, e vários profetas previram a queda da "Casa de Annugim" (Casa dos Prazeres) da "Filha da Babilônia" (Ishtar); e se toma claro para nós que o termo em hebraico deriva do sumério Gigunu, indicando familiaridade com a Câmara dos Prazeres e o rito do Casamento Sagrado na metade do I milênio a.C.

Antigamente, a Gipar era a estrutura separada para a qual o deus e sua esposa oficial se retiravam para passar a noite. Deuses que permaneceram monógamos - Enlil, Ninurta - mantiveram essa tradição. Ishtar, em sua cidade, Uruk, encontrava lá seu amado Dumuzi, mas transformou a câmara interna, a Gigunu, em um lugar de encontros únicos. As mudanças introduzidas por Ishtar - o uso da Gipar para uma nova forma de Encontros Divinos - sugeri­ram idéias a algumas divindades masculinas da época.

Alguns dos registros mais bem preservados a esse respeito con­cernem a Nanar/Sin (pai de Inana/lshtar) e a Gipar em seu terre­no sagrado, em Ur. O papel representado pelo rei nos ritos de Ishtar era desempenhado por uma Entu, uma "Dama Divina", (NIN.DINGIR em sumério). Escavações feitas lá desenterraram os aposentos das Entu na parte sudeste do território sagrado, não mui­to longe do zigurate de Sin e nitidamente distante da habitação­templo de sua esposa, Ningal. Próxima à Gigunu das Entu, os ar­queólogos encontraram um cemitério em que gerações de Entu ha­viam sido enterradas. O cemitério e as estruturas descobertas con­firmaram que a prática de ter uma "Dama Divina" ao lado da es­posa oficial estendeu-se desde os primórdios do período dinástico até épocas neo-babilônicas - um período de tempo que excede dois milênios.

Heródoto, o viajante e historiador grego do século V a.c., descreveu em seus escritos (História, Livro 1,178-182) o território sagra­do da Babilônia e o templo-zigurate de Marduk (a quem ele chamava de "Júpiter Bellus") - de forma bastante acurada, conforme demonstrou a moderna arqueologia.

Segundo o testemunho de Heródoto:

 

"Na torre mais alta existe um templo espaçoso, e no interior do templo há um leito de tamanho incomum, ricamente adornado, com uma mesa dourada ao lado. Não existe estátua de nenhum tipo nesse local, nem na câmara ocupada à noite por uma única mulher nativa, que, segundo os caldeus, os sacerdotes desse deus afirmam, é escolhida pela divindade entre todas as mulheres da terra.

 

"Também declaram - mas não coloco crédito nisso - que o deus vem em pessoa até essa câmara e dorme no leito. É como a história contada pelos egípcios sobre o que acontece em sua cidade de Tebas, onde uma mulher sempre passa a noite no templo de Júpiter Tebano. Nos dois casos, a mulher é proibi­da de ter relações com homens. Também é esse o costume em Patara, na Lícia, onde a sacerdotisa que faz os oráculos, durante o tempo em que é assim empregada... é fechada no tem­plo todas as noites."

Embora as afirmações de Heródoto dêem a impressão de que qualquer donzela poderia estar qualificada para essa prática gene­ralizada, não era o que ocorria.

Uma das inscrições encontradas nas ruínas da Gipar, em Ur, foi por uma Entu de nome Enannedu, identificada como filha de Kudur-­Mabuk, um rei da cidade suméria de Larsa, por volta de 1900 a.C "Sou magnificamente adequada para ser uma mulher-Gipar, a casa que em lugar puro é construída para as Entu", escreveu ela. Um fato interessante é que os objetos votivos encontrados no templo de Ningal traziam inscrições identificando-os como presentes de Enannedu, sugerindo a alguns estudiosos (por exemplo, Penelope Weadock, "A Giparu de Ur") que, enquanto servia como consorte humana do deus Nanar, a Entu também tinha de estar em bons ter­mos com a esposa oficial, "providenciando o conforto e os adornos da deusa Ningal".

Os reis procuravam a posição de Entu para suas filhas. O moti­vo que emerge das inscrições é que por ter tanto acesso íntimo ao deus, a Entu podia apresentar o pedido do rei por "longos dias de vida e boa saúde" - os mesmos pedidos feitos pelo rei na ocasião do Casamento Sagrado com Ishtar. Com tal acesso direto ao deus da cidade por intermédio da "Dama Divina", não é de espantar que reis sucessivos por todo o Oriente Médio construíssem e re­formassem as Gipar em suas cidades, certificando-se de que suas filhas, e ninguém mais, fosse a Entu. Esse ofício elevado e único era totalmente diferente da variedade de sacerdotisas que serviam no templo como "prostitutas sagradas", referidas pelo termo geral Qadishtu - uma ocupação freqüentemente mencionada pela Bí­blia (e especificamente proibida para as Filhas de Israel; Deutero­nômio 23:18). A Entu era diferente das concubinas que deuses (e reis ou patriarcas) tinham, já que a Entu não podia e não tinha (por procedimentos desconhecidos) filhos, enquanto as concubinas podiam e tinham.

Tais regras e costumes significavam que reis que procuravam ou reivindicavam origem divina precisavam encontrar outras for­mas que não fossem descender de uma Entu (já que esta não gerava filhos) ou de uma concubina (cujos filhos eram preteridos pelos da esposa oficial). Não é de estranhar que durante a última época glo­riosa dos sumérios, a é poca da III dinastia de Ur, alguns de seus reis, imitando Gilgamesh, afirmaram ser filhos da deusa Ninsun. O rei assírio Senaqueribe, incapaz de fazer tal alegação, afirmou, em uma de suas inscrições, que" a amante dos deuses, a deusa da pro­criação, me olhou favoravelmente (enquanto eu ainda estava) no ventre da mãe que me concebeu, e protegeu minha gestação; Ea providenciou um ventre espaçoso e me concedeu entendimento penetrante, igual ao do mestre Adapa". Como variantes, outros reis da Mesopotâmia garantiam que esta ou aquela deusa os criou ou os amamentou.

No Egito, também, reivindicações de nascimentos divinos foram feitos (e representados nas paredes de templos) por vários reis e rainhas, especialmente durante a XVIII dinastia (1567­-1320 a.C.). A mãe do primeiro faraó dessa dinastia recebeu o título (provavelmente póstumo) de "Esposa do deus Amon-Rá", e o título passou de mãe para filha, sucessivamente. Quando o faraó Tutmés I (também chamado de Tutmósis) morreu, ele deixou uma filha (Hatshepsut) da esposa legítima e um filho com uma concubina. A fim de legitimizar seu reino depois da morte do pai, o filho (conhe­cido como Tutmés II) casou com sua meia-irmã Hatshepsut; ma:. quando ele morreu, depois de um curto reinado, o único filho q1k possuía era um menino ainda jovem, filho de uma mãe jovem; .i própria Hatshepsut teve uma ou duas filhas, mas nenhum homem (Em nossa opinião, Hatshepsut, quando ainda princesa, ostentando o título de filha do faraó, seria a bíblica Filha do Faraó que encon­trou o menino hebreu, chamando-o de "Moisés", de acordo com o princípio divino de sua dinastia, terminando por adotá-lo como fi­lho; mas esse é outro assunto).

A princípio, Hatshepsut foi co-regente com seu meio-irmão (que 22 anos depois tomou-se o faraó Tutmés/Tutmósis III). Logo em seguida, porém, ela decidiu que o poder seria apenas seu e providenciou sua coroação como faraó (as representações nas paredes de templo mostravam-na com uma barba falsa...).

Para legitimizar sua coroação e ascensão ao trono de Osíris, Hatshepsut mandou registrar nos anais da Corte egípcia o seguinte, relativo a sua mãe:

 

O deus Amon tomou a forma de sua majestade o rei, do marido dela (da rainha). Então ele foi imediatamente até ela; então teve relações sexuais com ela.

Estas são as palavras com as quais o deus Amon, Senhor dos Tronos das Duas Terras, falou mais tarde na presença dela:

 

"Hatshepsut-por-Amon-criada deve ser o nome desta minha filha a quem plantei em teu corpo... Ela irá exercer com bondade a realeza nesta terra inteira".

 

Um dos mais imponentes templos reais do Egito é aquele da rainha Hatshepsut, em Deir-el-Bahari, uma parte de Tebas no lado oeste do Nilo. Uma série de rampas e terraços levava o antigo devoto (e o moderno visitante) até o nível de magníficas coluna tas (à esquerda), onde a expedição da rainha a Punt estava representada em relevos e murais, e (à direita) seu nascimento di­vino. Nessa seção, os relevos pintados mostravam o deus Amon sendo levado pelo deus Tot até a rainha Ahmose, a mãe de Hatshepsut. A inscrição que os acompanhava bem podia ser con­siderada uma das narrativas mais poéticas e carinhosas de um Encontro Divino sexual, de como o deus - disfarçado como o marido da rainha - entrou no santuário interno da câmara notur­na da rainha:

 

Então veio o deus glorioso, o próprio Amon,

Senhor dos tronos das Duas Terras,

Quando assumiu a forma de seu marido.

 

Encontrou-a dormindo em seu belo santuário;

ela acordou com o perfume do deus,

riu alegremente em face de sua majestade.

Inflamado de amor, ele se apressou na direção dela;

ela o contemplou na forma de um deus,

quando ele se aproximou dela.

Ela exultou com a visão da beleza dele;

o amor dele penetrou em todos os membros dela.

O lugar ficou repleto com o doce perfume da divindade.

 

O deus majestoso fez a ela tudo o que ele desejou.

Ela o satisfez com o melhor de si mesma;

Ela o beijou.

 

Para fortalecer ainda mais sua reivindicação de realeza por ordem divina, Hatshepsut afirmou que foi amamentada pela deusa Hátor, senhora do sul do Sinai, onde ficavam as minas de turquesa, cujo nome egípcio Hat-Hor ("Casa/Habitação de Hórus") sinaliza­va seu papel em criar e proteger o jovem deus depois que seu pai

Osíris, foi assassinado por Seth. Hátor, cujo apelido era A Vaca, era representada com os chifres de uma vaca, ou alternativamente come uma vaca; as decorações do templo de Hatshepsut mostravam a rai­nha mamando na deusa-vaca, sugando-lhe o úbere.

Na ausência de uma alegação de semidivindade, o filho e suces­sor de Tutmés III, chamado Amenófis II, também afirmou ter sido cuidado por Hátor, e ordenou que assim fosse representado nas paredes do templo. Mas um sucessor, Ramsés II (1304-1237 a.C.), afirmou outra vez que seu nascimento foi divino ao registrar a seguinte revelação secreta do deus Ptah ao faraó:

 

Eu sou teu pai...

 

Assumi minha forma de carneiro, Senhor de Mendes,

e concebi a ti, no interior de tua augusta mãe.

 

Mil anos mais tarde, como já mencionamos, Alexandre, o Grande, escutou os rumores de sua origem semidivina, concebida quando sua mãe teve um Encontro Divino em seu quarto com o deus Amon.

 

Quando os Deuses Envelheciam

A imortalidade dos deuses que os terrestres queriam obter não passava, na realidade, de uma longevidade aparente, devida aos diferentes ciclos da vida nos dois planetas. Quando Nibiru completa­va uma órbita ao redor do sol, alguém nascido lá teria apenas um ano de idade. Um terrestre nascido no mesmo instante teria, entre­tanto, 3600 anos de idade ao final de um ano em Nibiru, pois a Terra teria orbitado ao redor do Sol 3600 vezes.

Como o fato de vir à Terra e aqui permanecer afetava os Anunnaki? Teriam sucumbido ao tempo orbital mais curto, e dessa forma aos ciclos mais curtos do nosso planeta?

Um caso que pode ilustrar isso foi o que aconteceu a Ninmah. Ao chegar à Terra como chefe dos médicos, ela era jovem e atraente; tão atraente que quando Enki - experiente em maté­ria de sexo - a viu nos alagados, "seu falo regou os canais". Ela era representada ainda jovem, com os cabelos longos na época em que (como Ninti, "Senhora da Vida") ajudou a criar o Adão. Quando a Terra foi dividida, ela recebeu a região neutra na penínsu­la do Sinai (e foi chamada de Ninharsag, "Senhora dos Picos"). Mas na ocasião em que Inana foi elevada à preeminência e tornada deu­sa-padroeira da civilização do Indo, também tomou o lugar de Ninmah no panteão dos doze. Nessa altura, os Anunnaki mais jovens, que se referiam a Ninmah como Mami "mãe velha", a chamavam de "A Vaca" pelas costas. Artistas sumérios a representaram como uma deusa envelhecendo, com chifres de vaca.

Os egípcios chamavam a Senhora do Sinai de Hátor e sempre a representaram com chifres.

À medida que os deuses mais jovens quebravam tabus e reestruturavam os Encontros Divinos, os deuses antigos pareciam mais arredios, menos envolvidos, interferindo no cenário apenas quando os eventos estavam saindo fora de controle. Os deuses, sem dúvida, envelheceram.

 

VISÕES ALÉM DA IMAGINAÇÃO

O popular seriado Além da Imaginação manteve telespectadores fiéis durante muitos anos (e ainda mantém, em suas reapresentações) ao colocar os heróis dos episódios em circunstâncias obviamente perigosas - um acidente fatal, uma doença terminal, um aprisionamento na dobra do tempo - das quais eles miraculosamente saíam incólu­mes porque ocorria alguma alteração de destino. Na maior parte das vezes, o milagre era o trabalho de uma pessoa, aparentemente comum, que provava seus poderes extraordinários - um "anjo", se você desejar.

Mas a fascinação do espectador era o Além da Imaginação; no fi­nal, depois de tudo, quando o herói do episódio - e com ele o es­pectador - ficava incerto sobre o que acontecera. Teria sido o peri­go apenas imaginário? Teria sido apenas um sonho - e assim o "milagre" que resolvera o final inevitável não teria sido milagre; o "anjo" também não teria sido anjo; a dobra de tempo não o levara a outra dimensão, pois nada acontecera, na realidade...

Em alguns episódios, entretanto, a surpresa do herói e do teles­pectador recebia um impacto final que tomava o programa digno de seu nome. No fim, quando o herói e o telespectador estão quase certos de que ele imaginou tudo, ou foi um sonho, ou um truque de sua mente consciente, uma história que não aconteceu no mundo real, entra em cena um objeto. Algumas vezes, durante o episódio, o herói apanhava, ou ganhava, um pequeno objeto que era colocado no bolso sem pensar, ou um anel colocado no dedo, ou um talismã usado como colar. Como todos os outros aspectos da história imagi­nária e irreal, o objeto teria de ser "não-existente". Quando o prota­gonista e o espectador estão convencidos de que tudo se passou apenas na imaginação, o herói descobre o objeto em seu bolso ou o anel no dedo - uma realidade que sobrou da fantasia. Assim, Rod Serling nos mostrava que entre a realidade e a não-realidade, entre o racional e o irracional, havíamos passado Além da Imaginação.

Quatro mil anos atrás, um rei sumério encontrou-se Além da Imaginação, como no seriado, e registrou sua experiência em dois cilindros de argila (agora expostos no Museu do Louvre, em Paris).

O nome do rei era Gudéia, e ele reinou na cidade suméria de Lagash por volta de 2100 a.C. Lagash era o "centro de culto" de Ninurta, o filho principal de Enlil, que vivia com sua esposa, Bau, no recinto sagrado da cidade, chamado Girsu - de onde veio seu epíteto local, NIN.GIRSU, "Senhor de Girsu". Por volta dessa épo­ca, devido a uma intensificação da luta pela supremacia na Terra que colocava Marduk, o primogênito de Enki, contra o clã de Enlil, Ninurta/Ningirsu obteve a permissão do pai para construir um novo templo no Girsu - um templo tão magnífico que expressasse o di­reito de Ninurta à supremacia. Da forma como aconteceu, o plano de Ninurta era construir na Mesopotâmia um templo incomum, que imitasse a pirâmide de Gizé por um lado e, por outro, em sua enor­me plataforma, que tivesse círculos de pedra que servissem como um sofisticado observatório astronômico. A necessidade de encon­trar um devoto fiel e confiável para realizar tais planos grandiosos e seguir inteligentemente os projetos dos Arquitetos Divinos serviu como histórico para os eventos mais tarde registrados por Gudéia.

A série de acontecimentos iniciou-se com um sonho que Gudéia teve certa noite; foi uma visão de Encontros Divinos tão vívida que transportou o rei Além da Imaginação; quando Gudéia acordou, um objeto que ele vira apenas no sonho encontrava-se agora fisicamente em seu colo. De alguma forma, a fronteira entre realidade e irrealidade ha­via sido atravessada.

Perplexo com o ocorrido, Gudéia pediu e recebeu permissão para procurar o conselho do oráculo da deusa Nanshe em sua "Casa de Resolver-Destinos", localizada em outra cidade. Gudéia chegou ao local de barco e ofereceu preces e sacrifícios, a fim de que ela resol­vesse o enigma da visão no sonho. Gudéia contou-lhe o que aconte­cera (lemos isso na coluna IV do cilindro" A", nos versos 14-20, con­forme transcrito por Ira M. Price, em "As Inscrições dos Grandes Cilindros A e B de Gudéia".

 

No sonho (eu vi)

um homem brilhante, refulgindo como o Céu

- grande no Céu, grande na Terra -,

que, por seu chapéu, era um Dingir (deus).

Ao seu lado estava o divino Pássaro da Tempestade;

como uma tempestade devoradora sob seus pés,

dois leões se abaixavam, à direita e à esquerda.

Ele me mandou construir seu templo.

 

Seguiu-se uma premonição celestial, cujo significado ele contou à deusa que interpretava sonhos, pois não entendia: o sol sobre Kishar (o planeta Júpiter) foi visto subitamente no horizonte. Uma mulher então apareceu e entregou a Gudéia instruções celestes (coluna IV, versos 23-26):

 

Uma mulher ­-

Quem era? Quem não era?

A imagem da estrutura de um templo

ela carregava na cabeça ­-

em sua mão ela segurava um buril sagrado;

a tábua da estrela favorável do céu

ela trazia.

 

Enquanto a “mulher” consultava a tábua estelar, um terceiro ser divino apareceu (seguimos a coluna V, versos 2-10), era um homem:

 

Um segundo homem apareceu, ele tinha o

ar de um herói dotado de força.

Uma estela de lápis-Iazúli ele segurava na mão.

O projeto de um templo ele desenhou ali.

Colocou à minha frente uma cesta divina;

sobre ela colocou um molde puro de tijolos;

o tijolo do destino encontrava-se em seu interior.

Um grande vaso estava perante mim;

sobre ele estava gravado o pássaro Tibu, que irradia

um brilho dia e noite.

Um jumento se abaixava à minha direita.

 

O texto sugere que todos esses objetos de alguma forma se ma­terializaram durante o sonho, mas em relação a um deles não havia dúvida que passara da dimensão do sonho para a realidade física; quando Gudéia acordou, encontrou a estela de lápis-lazúli em seu colo, com o projeto do templo rabiscado em cima. Ele comemorou o milagre em uma de suas estátuas. A estátua mostra tanto a estela quanto o Buril Divino com o qual o projeto fora esboçado. Estudos modernos sugerem que, de forma engenhosa, as marcas nas margens são escalas para construir os sete estágios do templo com apenas um desenho.

Os outros objetos, que também podem ser materializados, são conhecidos por intermédio de vários achados arqueológicos. Ou­tros reis sumérios representaram a si mesmos com a “sagrada cesta divina” que o rei carregava para iniciar a sagrada construção; moldes de tijolos e tijolos com uma afirmação de "destino" foram encontrados; e um vaso de prata que ostentava a imagem do pássaro Tibu de Ninurta foi encontrado entre as ruínas da Girsu de Lagash.

Repetindo um por um os detalhes da visão-sonho da forma nar­rada por Gudéia, a deusa do oráculo continuou, dizendo ao rei o que significava. O primeiro deus a aparecer, disse ela, era Ninurta/Ningirsu anunciando a Gudéia que ele fora escolhido para cons­truir o novo templo: "Ele ordenou que construas o novo templo". O nome seria E.NINNU - "Casa dos Cinqüenta", para significar que Ninurta possuía o direito de reivindicar junto a Enlil o posto de 50, e assim seria o único abaixo de Anu, cujo número era 60.

A visão da aurora zodiacal de Júpiter "é o deus Ningishzidda", e tinha a intenção de mostrar ao rei o ponto exato nos céus para onde os observatórios do templo deviam ser orientados, indicando precisamente o local em que o Sol irá nascer no dia de Ano-Novo. A mulher que apareceu na visão carregando na cabeça a imagem da estrutura de um templo era a deusa Nisaba; com seu buril numa das mãos e o mapa celeste na outra, "ela o instruiu para construir o tem­plo de acordo com o Planeta Sagrado". E o segundo homem, expli­cou Nanshe, era o deus Nindub; "a ti os projetos do templo ele en­tregou" .

Ela também explicou a Gudéia o significado dos outros objetos que ele vira. A cesta significava o papel de Gudéia na construção; o molde e o "tijolo do destino" indicavam o tamanho e a forma dos tijolos a serem usados, moldados em argila; o pássaro Tibu, que "bri­lha muito dia e noite", significava que, devido à construção, "não haverá bom sono para ti". Se isso não foi o suficiente para empa­nar a alegria de Gudéia para a tarefa sagrada, a interpretação do simbolismo do jumento de carga deveria ser, pois significava que, como uma besta de carga, Gudéia deveria trabalhar pesado na cons­trução do templo...

De volta a Lagash, Gudéia considerou as palavras da deusa e examinou a estela divina que se materializara em seu colo. Quanto mais ele pensava a respeito das instruções, mais ele ficava espanta­do, sobretudo em relação à orientação astronômica e aos prazos. Procurou compreender os segredos da construção do templo indo ao templo existente "todos os dias, e de novo à hora de dormir". Ainda perplexo, entrou no Santo dos Santos do templo e pediu a "Ningirsu, filho de Enlil", para orientação adicional: "Meu coração permanece ignorante, o significado está tão longe de mim quanto o meio do oceano; como o meio do céu está distante de mim".

Pediu um segundo sonho e o recebeu. No que os estudiosos cha­mam de segundo sonho de Gudéia, a posição do rei e a da divinda­de encontrada parecem ser cruciais. O texto (coluna IX, versos 5-6) relata que, "pela segunda vez, prostrado, o deus assumiu sua posi­ção". O termo sumério usado, NAD.A, significa mais do que "dei­tar-se no chão, deitar-se esticado", isto é, "prostrado". Traz também um elemento de não enxergar por ter o rosto voltado para baixo, de uma forma que assegure que ele não irá olhar para a divindade. Por outro lado, o deus precisava posicionar-se próximo à cabeça de Gudéia. Se Gudéia adormecesse, ou estivesse em transe, o deus real­mente falaria com ele? Ou a posição próxima à cabeça tinha a intenção de facilitar algum outro método metafísico de comunicação? O texto não deixa claro esse ponto; não afirma que Gudéia recebeu promessas de constante ajuda divina, sobretudo por parte do deus Ningishzidda. A ajuda dessa divindade, a quem indicamos como o deus egípcio Tot, parecia especialmente importante para o deus Ninurta/Ningirsu, como seria a homenagem que Magan (Egito) e Meluhha (Etiópia) prestariam a Ninurta, uma vez que seu novo tem­plo proclamasse seu posto de 50, "os cinqüenta nomes de Domínio concedidos por Anu". Por isso, explicou ele a Gudéia, o templo de­veria chamar-se EN.NINNU - "Casa dos Cinqüenta". Prometeu a Gudéia que o novo templo não iria apenas glorificar a divindade, mas traria também fama e prosperidade para toda a Suméria e Lagash em especial.

A divindade, então, explicou a Gudéia vários detalhes da estru­tura do templo, incluindo o projeto dos locais especiais para acomodar o Divino Pássaro Negro e a Arma Suprema; a Gigunu para o casal divino; uma câmara de oráculo e um lugar para a reunião dos deuses. Detalhes dos utensílios e mobílias também foram dados. Então o deus assegurou a Gudéia que, "para a construção do meu templo, vou dar a você um sinal; minha ordem vai ensinar a você um sinal do planeta celeste".

A construção, disse ele a Gudéia, deve iniciar-se no "dia da lua nova". Aquela lua nova em particular irá tornar-se conhecida do rei por um presságio divino - um sinal nos céus. O dia vai começar com ventos e grandes chuvas; por volta do anoitecer, a mão do deus aparecerá nos céus; irá conter uma chama "que vai tornar a noite tão clara quanto o dia":

 

À noite uma luz irá brilhar;

vai fazer com que os campos fiquem

muito iluminados, como se pelo sol.

 

Ouvindo tudo aquilo, "Gudéia compreendeu o plano favorá­vel, um plano que era a mensagem clara de seu sonho / visão". "Ago­ra, ele se tomara sábio e compreendia muita coisa." Depois de apresentar oferendas e orações aos" Anunnaki de Lagash, Gudéia, o fiel pastor, lançou-se ao trabalho com alegria". Sem perder tempo, ele começou a "purificar a cidade", depois "lançou impostos sobre a terra". Tais impostos eram pagáveis em bens - bois, jumentos, madeira e cobre. Ele reuniu materiais de construção de origem próxima e distante, organizou um grupo de trabalho. Como Nanshe havia previsto, trabalhou como um Jumento de Carga e "um bom sono não veio até ele".

Com tudo pronto, chegou o momento de começar a fabricar os tijolos. Eram feitos de argila, segundo o molde e a amostra que apa­recera na mão de Gudéia em sua primeira visão/sonho. Lemos na coluna XIX, verso 19, que Gudéia "trouxe o tijolo, colocou-o no tem­plo". Podemos deduzir dessa afirmação que Gudéia tinha o tijolo (e, por inferência, o molde necessário) em sua posse física; o tijolo e o molde eram, portanto, dois objetos a mais (além da estela de lápis-lazúli) que atravessaram a fronteira Além da Imaginação.

Em seguida Gudéia contemplou "a planta esboçada do templo". Mas, "ao contrário da deusa Nisaba, que sempre compreendia o sig­nificado das dimensões", Gudéia ficou intrigado. Novamente pre­cisou de conselhos divinos adicionais; mais uma vez lançou mão do método que utilizara antes - mas apenas depois de obter, por meio de adivinhação, um "vá em frente". O método que ele usou para a adivinhação envolvia a "passagem de águas tranqüilas por semen­tes" e determinava o curso de ação pelo aparecimento de sementes molhadas. "Gudéia examinou os presságios, e seus presságios fo­ram favoráveis."

 

Então Gudéia baixou sua cabeça,

prostrou a si mesmo.

A visão-comando emergiu:

liA construção da Casa do teu Senhor,

a Eninnu, irás completar - ­

de sua fundação até o topo,

que se eleva na direção do céu".

 

Embora os estudiosos considerem esse episódio" o terceiro so­nho de Gudéia", a terminologia do texto é diferente de forma signi­ficativa. Mesmo nas ocasiões anteriores, o termo traduzido "sonho", MAMUZU, é mais parecido com a palavra Mahazeh, semita/hebraica, que é mais bem traduzida como "uma visão". Aqui, pela terceira vez, o termo empregado é DUG MUNATAE - uma "ordem-visão que emerge". Dessa vez, na "ordem-visão" a seu pedido, Gudéia viu o começo da construção do templo de seu Senhor. Em frente aos próprios olhos, o processo de construção da Eninnu, "de sua fundação até o topo, que se ergue na direção do céu", estava tomando forma. A visão de uma demonstração simulada de todo o processo, da base para cima, "chamou sua atenção". O que era necessário fazer final­mente se tomou claro; e "com alegria ele se lançou à tarefa".

Como o trabalho depois continuou, como Gudéia foi ajudado por um grupo de Arquitetos Divinos e deuses e deusas da astrono­mia para orientar o templo e erigir seus observatórios, como e quando as exigências do calendário foram resolvidas, e a cerimônia que inau­gurou o novo templo, tudo é narrado no cilindro" A" e no cilindro "B" do rei sumério. Lidamos com esse assunto dos registros em O Começo do Tempo.

Uma estela que aparece em sonho e depois se materializa com efeitos poderosos nas condições de vigília desempenha um papel­chave na história de um "Jó" babilônico, um sofredor justo. O texto, intitulado Ludlul Bel Nemeqi ("Louvarei o Senhor da Sabedoria"), depois de sua abertura, conta a história de Shubshi, um homem jus­to que lamenta seu infortúnio, tendo sido esquecido por seu deus, "cortado" de sua deusa protetora, abandonado por seus amigos. Ele perde a casa, suas posses, e - pior que tudo - a saúde. Pergunta-se "por quê?", contrata adivinhos e "intérpretes de sonhos" para descobrir as razões pelas quais sofre, chama exorcistas para "aplacar a ira divina". Porém nada parece funcionar ou ajudar. "Estou perple­xo com essas coisas", escreve ele. Debilitado, tossindo, mancando, com terríveis dores de cabeça, ele está pronto para morrer; mas assim que atinge as profundezas do sofrimento e do desespero, a salvação vem numa série de sonhos.

No primeiro sonho, ele vê "um jovem notável, de mente excepcional, de corpo esplêndido, vestido com roupas novas. Quando acorda, ele vê, de fato, o jovem "vestido em esplendor, trajado com vestes impressionantes". A ação e o diálogo que se seguem no curso do sonho que se tomou realidade estão perdidos por danos à estela.

No segundo sonho, um "notável Lavado" apareceu, "segurando em sua mão um pedaço de madeira de tamargueira purificado­ra". A aparição recitava "encantamentos restauradores da vida" e derramou "águas purificadoras" sobre o sofredor.

O terceiro sonho foi ainda mais impressionante, já que continha um "sonho dentro do sonho". Uma "jovem notável, de compleição brilhante", uma deusa, com certeza, apareceu. Ela falou ao "Já" babilônico. "Não tema, eu vou... num sonho, livrar você de seu esta­do miserável". Assim, nesse sonho, o sofredor sonhou que estava vendo em sonho "um jovem barbado usando um chapéu, um exorcista" :

 

Ele carregava uma estela.

"Marduk me mandou" (disse ele),

"Para Shubshi, o Justo,

das mãos puras de Marduk

eu trouxe para ti bem estar."

 

Quando acordou, Shubshi encontrou a estela que aparecera a ele no sonho dentro do sonho. A fronteira Além da Imaginação fora atravessada, o metafísico se tomou físico. A estela abriga escrita cuneiforme, e Shubshi lê: "nas horas de vigília, ele vê a mensa­gem". Consegue força suficiente para "mostrar ao meu povo a estela favorável".

Miraculosamente, "a doença terminou rápido", A febre cedeu. A dor de cabeça foi" carregada", o Demônio foi banido para seu domínio; os arrepios foram" escorraçados até ornar", os "olhos ene­voados" clarearam, a dor de dentes sumiu - a lista dos sofrimentos que desapareceram quando a misteriosa/milagrosa estela apareceu continua, levando até a frase-chave: "Quem, a não ser Marduk, poderia ter restaurado a vida do moribundo?".

A história termina com uma descrição das oferendas, sacrifícios e libações por parte do herói da história em honra de Marduk e sua esposa Sarpanit, enquanto o ex-sofredor caminha para o grande zigurate/templo, através dos doze portões do território sagrado.

Registros antigos incluem circunstâncias adicionais Além da Ima­ginação, em que os objetos - ou ações - que são parte da dimen­são do sonho/visão, aparecem na realidade da vigília. Embora a falta de evidências pictóricas claras, no caso da estela com a planta do templo, os outros relatos sugerem que o fenômeno, apesar de raro, não foi único para Gudéia. Mesmo ali, quando o próprio Gudéia não os segura para que a posteridade os veja, sabemos, pelo texto, que ao menos dois objetos adicionais - o molde e o Tijolo do Desti­no - também se materializaram na dimensão real.

Objetos físicos e ações que transcendem as fronteiras são também encontrados nos sonhos de Gilgamesh. O "trabalho manual de Anu", que desceu dos céus, é narrado na Estela I, conforme foi visto no sonho; porém, quando o episódio se repete na Estela II da Epo­péia de Gilgamesh, o sonho se toma uma visão de acontecimentos verdadeiros. Gilgamesh luta para extrair a parte interna do artefato, e, quando consegue, leva-o à sua mãe e o deposita a seus pés.

Mais tarde, na ocasião em que Gilgamesh e Enkidu acampam no sopé da Montanha dos Cedro, Gilgamesh adormece, tem três sonhos e a cada vez uma ação sonhada - um chamado, um toque - é transformada em ação no mundo real, que o acorda. O chama­do parece tão real que ele suspeita ter sido Enkidu o autor, porém depois que o companheiro nega firmemente chamar Gilgamesh ou encostar nele, o rei compreende que foi o deus em seus sonhos que o tocara tão realisticamente que sua carne pareceu amortecida. E, finalmente, houve o sonho/visão do lançamento do foguete - um "sonho" no qual Gilgamesh enxerga um objeto como jamais vira antes, um lançamento que ninguém em Uruk jamais observara (pois lá não havia nem Espaçoporto nem Local de Aterrissagem). Ele não terminou segurando o objeto na mão depois que a visão se dissipou; mas ainda podemos ver a representação na moeda de Biblos.

Os sonhos-visões de Daniel, um cativo judeu na Corte de Nabu­codonosor (rei da Babilônia no século VI a.C.), contêm ainda mais paralelos diretos aos aspectos físicos dos encontros tipo Além da Imaginação de Gilgamesh e Gudéia. Ao descrever um de seus Encontros Divinos às margens do Tigre (Livro de Daniel, capítulo 10), ele escreveu:

 

Ergui meus olhos e contemplei,

vi um homem solitário vestido em linho,

cujas ilhargas estavam cingidas com ouro de Ofir.

Seu corpo brilhava como topázio,

e seu rosto, como o raio,

seus olhos flamejavam como tochas,

seus braços e pés eram da cor de bronze,

e sua voz, retumbante.

 

"Só eu conseguia ver a aparição", escreveu Daniel; mas embora os outros que estavam com ele não pudessem ver, sentiram uma presença terrível e correram para esconder-se. Ele também sentiu­se imobilizado, capaz apenas de escutar a voz divina; mas:

 

Assim que escutei a voz de suas palavras,

caí adormecido com o rosto para baixo,

meu rosto tocando o chão.

 

Essa posição era similar àquela descrita por Gudéia; em seguida fica a similaridade com o acordar que intrigou Gilgamesh quando em seus sonhos experimentou um toque físico e ouviu a voz de "um deus". Ao prosseguir em sua narrativa, Daniel escreveu que ador­meceu com o rosto para baixo.

 

De repente, uma mão tocou-me

e puxou-me para cima, apoiado

em meus joelhos e na palma de minhas mãos.

 

A pessoa divina, então, revelou a Daniel que ele veria o futuro. Impressionado, com o rosto ainda para baixo, Daniel não conseguia falar. Mas a pessoa - "da aparição dos filhos do Homem" - tocou os lábios de Daniel, e Daniel foi capaz de falar. Quando ele se desculpou por sua fraqueza, a pessoa divina o tocou outra vez, e Daniel "reconquistou sua força". Tudo aconteceu enquanto Daniel era tomado por um sono semelhante a um transe.

Mais memorável do que os sonhos-visões de Daniel foi o incidente Além da Imaginação do Manuscrito-na-Parede. Aconteceu no reinado do sucessor de Nabucodonosor, na Babilônia, Bel-shar-utzur ("Senhor, preserve o Príncipe"), a quem a Bíblia chama de Baltasar, por volta de 540 a.C. Conforme relatado no Livro de DanieI, Baltasar ofereceu um grande banquete para mil de seus nobres e estava festejando e bebendo vinho - uma cena conhecida por várias representações assírias e babilônicas de banquetes reais. Bêbado, ele ordenou que trouxessem os recipientes de ouro e prata que Nabucodonosor apanhara no Templo, em Jerusalém, a fim de que "ele e seus nobres, suas concubinas e cortesãs pudessem beber neles. Então foram trazidos os recipientes de ouro e prata do santuário da Casa de Deus, em Jerusalém; o rei e seus nobres, suas concubinas e cortesãs beberam deles; beberam vinho e louvaram os deuses de ouro e prata, de bronze e ferro e de madeira e pedra". A alegria dos pagãos e a profanação dos objetos sagrados do templo de Iavé pros­seguia, mas:

 

De repente,

apareceram os dedos de uma

mão humana

que escrevia, defronte do candelabro,

na superfície da parede da sala do rei;

e o rei via os movimentos das juntas dos

dedos da mão que escrevia.

 

A visão de uma mão humana - flutuando sozinha, desligada do braço e do corpo - era desconcertante; o inesperado da aparição apenas aumentou a sensação de presságio. "A mente do rei encheu-se de terror, seu semblante tomou-se pálido, cada membro do corpo dele ficou flácido e seus joelhos batiam um contra o outro." Ele deve ter percebido que a profanação dos recipientes do templo de Iavé provo­cara um Encontro Divino com conseqüências imprevisíveis.

Gritou que os videntes e adivinhos da Babilônia entrassem. Diri­gindo-se aos "homens sábios da Babilônia", ele anunciou que a pes­soa que conseguisse ler a escrita e interpretar o significado da apari­ção seria recompensada e elevada para o terceiro posto em poder de seu reino. Porém ninguém conseguiu interpretar a visão ou ler a es­crita. "Baltasar estava pálido e assustado, e seus nobres, perplexos."

Nesse cenário de medo e desespero, entrou a rainha; quando ela ouviu o que acontecera, lembrou que o sábio Daniel era conhecido por sua habilidade de compreender e interpretar sonhos e mensagens divinas. Então Daniel foi chamado e ficou sabendo da recompensa pro­metida. Recusou a recompensa, mas concordou em interpretar a vi­são. A essa altura, a mão que escrevera havia desaparecido, porém a escrita permanecia na parede. Confirmando que o mau agouro era o resultado da profanação dos vasos do Templo consagrado ao Altíssi­mo, ao Senhor do Céu, Daniel explicou a escrita e seu significado:

 

Por isso é que ele mandou os dedos dessa mão

que escreveram na parede.

Esta é, pois, a escritura que ali está disposta:

MANE, TEKEL, FARES.

E aqui está a interpretação das palavras:

MANE: Deus contou os dias do teu reinado

e lhe pôs termo.

TEKEL: Tu foste pesado na balança e achou-se que

tinhas menos do peso.

F ARES: O teu reinado se dividiu

e foi dado aos medos e aos persas.

 

Baltasar manteve sua promessa e ordenou que Daniel fosse envolto em púrpura e honrado com uma corrente de ouro ao redor do pescoço, e o proclamou o terceiro do reino. Porém "naquela mesma noite foi morto Baltasar, rei dos caldeus. E Dario dos medos lhe sucedeu no reino" (Daniel 5, 30-31). A mensagem Além da Imaginação foi cumprida.

As mensagens/sonhos Além da Imaginação de Gudéia, pelas quais ele recebera instruções divinas e projetos para a construção do templo Eninnu em Lagash, foram depois repetidas, de forma si­milar, mais de um milênio depois, em comunicações divinas simila­res em relação ao templo de Iavé, em Jerusalém.

Seguindo as detalhadas instruções fornecidas por Iavé para Moisés no Sinai, os Filhos de Israel construíram para o Senhor um Mishkan ­literalmente, "Residência" - portátil, para o deserto do Sinai; seu mais importante componente era a Ohel Moed ("Tenda da Aliança") em ruja parte mais sagrada havia a Arca da Aliança, que continha as Tábuas da Lei e estava protegida pelos Querubins. Depois da chega­da a Canaã, a Arca ficou temporariamente alojada em seu principal local de adoração, aguardando sua instalação permanente na "Casa de Iavé", em Jerusalém. Por volta de 1000 a.C., Davi sucedeu a Saul como rei de Israel. Depois de tomar Jerusalém sua capital, a ambi­ção e a esperança do rei Davi era a construção do Templo, em cujo Santo dos Santos a Arca da Aliança poderia finalmente repousar num lugar sagrado desde tempos imemoriais. Porém a comunicação divina - sobretudo por meio de sonhos - tinha outros desejos.

Conforme o registro bíblico narra, Davi partilhou sua intenção de construir o Templo com o profeta Natã, que lhe deu sua bênção. Contudo "passou-se, naquela mesma noite, que a palavra de Iavé chegou a Natã, instruindo-o a dizer ao rei Davi que por haver se envolvido em guerras e em derramamento de sangue, seria seu fi­lho, em lugar do próprio Davi, que iria construir o templo".

Como o profeta Natã recebera a comunicação "naquela mesma noite" é explicado ao final da história (Samuel II, 7:17). "Segundo todas estas palavras, e conforme toda esta visão, assim falou Natã a Davi." Não se tratou de um simples sonho, mas de uma epifania; não de um Chalom ("sonho"), e sim de uma Hizzayon ("visão"), na qual não apenas as palavras são escutadas, mas o interlocutor apenas "avistado", conforme fora explicado por Iavé ao irmão e à irmã de Moisés no acampamento do Sinai.

Então o rei Davi foi "e sentou-se perante Iavé", em frente à Arca da Aliança. Ele aceitou a decisão do Senhor, porém desejou certificar-se das duas partes - que não construiria o Templo, mas que seu filho construiria. Sentado em frente à Arca, como Moisés se comunicara com o Senhor, Davi repetiu as palavras do profeta. A Bí­blia não relata a resposta do Senhor; mas na expressão" sentado perante Iavé" pode estar a chave para compreender o quebra-cabeça - a misteriosa origem dos projetos do Templo. Lemos em Crôni­cas I, no capítulo 28, que à medida que Davi sente que o final de seus dias se aproxima, ele reúne os líderes e anciãos de Israel e lhes conta a decisão de Iavé em relação ao Templo. Anuncia que seu su­cessor será Salomão, "Davi entrega a Salomão, seu filho, o Tavnit" do Templo, com todas as suas partes e câmaras "o Tavnit de tudo o que ele tivera pelo Espírito".

A palavra hebraica Tavnit é geralmente traduzida como "padrão", termo que sugere ser um projeto, um plano arquitetônico. Porém o termo bíblico implica, com maior precisão, um "modelo construído", em vez de um Tokhit ("projeto" em hebraico). Devia tratar-se de um modelo físico suficientemente pequeno para ser en­tregue das mãos de Davi para as de Salomão - algo que em nossos dias chamamos de “maquete em escala".

Achados arqueológicos na Mesopotâmia e no Egito provam que tais modelos não eram desconhecidos no antigo Oriente Médio; podemos ilustrar o fato mostrando alguns dos objetos descobertos na Mesopotâmia, assim como numerosos egípcios. Em alguns selos cilíndricos sumérios a representação de um templo-torre é mostrada na mesma proporção dos humanos e personagens na cena; é o caso do sacerdote representado decorando um modelo de templo. Presumiu-se que as estruturas tenham sido traçadas não apenas para que se encaixassem no espaço existente; a descoberta de modelos reais de argila de templos e santuários - em paralelo com as referências bíblicas ao Tavnit - sugere que talvez na Mesopotâmia os reis tivessem visto mode­los em escala dos templos e santuários que receberam a incumbên­cia de construir.

O termo Tavnit aparece antes, na Bíblia, ligado à construção da Casa Portátil de Iavé durante o Êxodo. Foi quando Moisés subiu o Sinai para falar com o Senhor, ficando lá quarenta dias e quarenta noites, que "Iavé falou a Moisés" sobre o Mishkan (um termo que geralmente é traduzido como Tabernáculo, mas literalmente signi­fica "Residência"). Depois de listar uma variedade de materiais necessários para a construção - a serem obtidos dos israelitas como doações, não como taxação imposta por Gudéia -, Iavé mostrou a Moisés um Tavnit da residência e um Tavnit dos instrumentos, di­zendo (Êxodo, 25: 8-9):

 

E me farão um santuário,

e morarei entre eles.

Como tudo aquilo que Eu te mostro -

­o Tavnit do Mishkan e

o Tavnit de todos os seus objetos -,

assim fareis.

 

As medidas arquitetônicas e as instruções para fazer a Arca da Aliança com seus dois Querubins, a Cortina, a Mesa ritual, todos os utensílios e a Menorá seguiam-se; as instruções só foram interrompidas para um aviso, fIe levantarás o Tabernáculo de acordo com o Tavnit que te foi mostrado no monte", após o que as instruções arquiteturais continuam (utilizando dois capítulos adicionais no Li­vro do Êxodo). Moisés, portanto, viu modelos - presumivelmente em escala - de tudo que precisava ser feito. As narrativas bíblicas das instruções para o Mishkan do Sinai, para o Templo em Jerusa­lém, para os vários utensílios, instrumentos rituais e acessórios, eram tão detalhadas que os modernos estudiosos e artistas não tiveram problema em representá-los.

A narrativa do capítulo 28 de Crônicas I sobre os materiais e ins­truções passadas do rei Davi a Salomão para a construção do Templo usa o termo Tavnit quatro vezes, sem deixar dúvida a respeito da exis­tência de uma maquete. Após a quarta e última menção, Davi contou a Salomão que o Tavnit, com todos os seus detalhes, foi literalmente dado a ele por Iavé, acompanhado de instruções escritas:

 

Tudo isso,

escrito pela mão Dele,

Iavé me fez entender

todos os trabalhos do Tavnit.

 

Tudo isso, segundo a Bíblia, foi dado a Davi "pelo Espírito" enquanto ele "sentava perante Iavé", em frente à Arca da Aliança (em sua localização temporária). Como o "Espírito" passou a Davi as instruções, incluindo os escritos pelas mãos de Iavé e o Tavnit tão detalhado, permanece um mistério - um Encontro Divino que se encaixa no tipo Além da Imaginação.

O Templo que Salomão veio a construir foi destruído em 587 a.C. pelo rei Nabucodonosor, que levou a maior parte dos líderes e nobres judeus para o exílio na Babilônia. Entre eles estava Ezequiel; quando o Senhor acreditou que chegara a hora de reconstruir o Tem­plo, o Espírito Divino - o "Espírito dos Elohim" - desceu sobre Ezequiel, que começou a profetizar. Suas experiências pertencem verdadeiramente à zona indefinida de Além da Imaginação.

 

E isso aconteceu no trigésimo ano,

no quarto mês, no quinto dia,

estando eu no meio dos cativos junto ao rio Cobar,

se abriram os céus,

e tive Visões Divinas.

 

Assim inicia-se o bíblico Livro de Ezequiel. Seus 48 capítulos es­tão repletos de visões e Encontros Divinos; a abertura inicial, que fala de uma Carruagem Divina, é um dos mais memoráveis registros de obser­vação de Ovni na Antiguidade.

A detalhada descrição técnica da Carruagem e a maneira como podia se mover em qualquer direção, assim como para cima e para baixo, tem intrigado gerações de estudiosos da Bíblia, desde tempos antigos até nossos dias, e tomou-se parte do folclore místico da Cabala Judaica, cujo estudo limitava-se apenas a alguns Iniciados. (Em anos recentes, a interpretação técnica de Joseph Blumrich, um ex-engenheiro da NASA, em As Espaçonaves de Ezequiel, teve aceitação favorável. Uma antiga representação chinesa de uma Carruagem Voadora atesta a amplitude da consciência do fenômeno na Antiguidade, em todas as partes do mundo.)

No interior da Carruagem, Ezequiel podia ver vagamente, sen­tado sobre o que parecia ser um trono, "a semelhança de um ho­mem" no interior de um brilho ou halo fortíssimo; e enquanto Ezequiel caía sobre seu rosto, escutou uma voz falando. Então ele viu "uma mão estendida" em sua direção, e a mão segurava um pergaminho escrito. "E foi desenrolado à minha frente, e eis que estava coberto de escrita na frente e no verso."

A visão da mão representando a divindade lembra o Escrito na Parede visto por Baltasar; e nas inscrições de Gudéia estava escrito que para sinalizar a data correta para o início da construção do tem­plo, a mão de um deus segurando uma tocha apareceria no céu. A esse respeito, uma placa de bronze do século 11 na catedral de Hildsheim (Alemanha) mostra Caim e Abel fazendo suas oferendas a Deus, sendo o Senhor representado apenas pela mão divina sain­do das nuvens; uma visão bastante inspirada.

A palavra "sonho" não aparece no Livro de Ezequiel nenhuma vez; em lugar disso o profeta usa o termo "visão". "Os céus se abri­ram e eu tive Visões Divinas", afirma Ezequiel no primeiro pará­grafo de seu livro. As palavras usadas no hebraico são "visões dos Elohim", relatando o DIN.GIR dos textos sumérios. O termo retém uma certa ambigüidade quanto à natureza da "visão" - a visão verdadeira de uma cena ou uma imagem mental induzida, criada de alguma forma, apenas para o olho da mente. O que é certo é que

de tempos em tempos a realidade se intromete nessas visões - uma voz verdadeira, um objeto físico, a mão visível. Nisso, as visões de Ezequiel o levaram para Além da Imaginação.

Entre os vários Encontros Divinos que moveram Ezequiel ao longo de seu caminho profético, mais de uma vez ocorreram instân­cias em que o irreal inclui uma realidade que, por sua vez, se torna irreal. Temos os elementos do sonho inicial de Gudéia, no qual se­res divinos lhe mostram planos de um templo e seguram instru­mentos de arquitetura que terminam fisicamente na posse do rei.

"Foi no sexto ano, no sexto mês, no quinto dia", relata Ezequiel no capítulo 8. "Enquanto eu estava sentado em minha casa, e os anciãos de Judá estavam sentados perante mim, a mão do Senhor Iavé aconteceu sobre mim":

E eu olhei para cima e contemplei uma aparição

semelhante a um homem

Da cintura para baixo, a aparência era de fogo,

e da cintura para cima, a aparência era brilhante,

como uma cortina de eletricidade.

 

A escolha das palavras aqui revela a própria incerteza do profe­ta em relação à natureza de sua visão - realidade ou irrealidade. Ele chama o que vê de "aparição", o ser que ele enxerga é apenas "semelhante" a um homem. Estaria a imagem envolta em fogo e brilho, ou seria ela feita de fogo e brilho? Seria real ou imaginada? Qualquer das alternativas escolhidas permitia que agisse fisicamente:

 

E adiantou-se a forma de uma mão,

segurou-me por um cacho em minha cabeça.

E o espírito me carregou

entre a terra e o céu

e me levou a Jerusalém ­-

em visões de Elohim -,

à entrada do portão interno que fica ao norte.

 

A narrativa descreve então o que Ezequiel viu em Jerusalém (incluindo as mulheres chorando por Dumuzi). E quando as instru­ções proféticas se completaram, e a Carruagem Divina" ergueu-se da cidade e pousou sobre o monte que fica a leste da cidade",

 

O Espírito me carregou e me trouxe à

Caldéia, ao local do exí1io.

(Foi) uma Visão do Espírito dos Elohim.

Então, a visão que eu vira

foi afastada de mim.

 

O texto bíblico ressalta mais de uma vez que a jornada aérea foi uma Visão Divina, uma "Visão do Espírito dos Elohim". Ainda as­sim, claramente se trata da descrição de uma visita física a Jerusa­lém, discussões com seus residentes e até" colocação de uma marca nas testas" dos justos que deveriam ser poupados da carnificina prevista para a destruição final da cidade. (O capítulo 33 recorda a chegada de um refugiado de Jerusalém no décimo segundo ano do primeiro exílio, informando, aos que estavam na Babilônia, que a profecia relacionada a Jerusalém se cumprira.)

Catorze anos depois, no vigésimo quinto ano do primeiro exí­lio, no Dia de Ano-Novo, "a mão de Iavé apareceu" a Ezequiel mais uma vez e levou-o a Jerusalém. "Em Visão de Elohim ele me levou à terra de Israel e me colocou numa montanha muito alta, ao lado da qual havia o modelo de uma cidade, ao sul".

 

E quando ele me levou lá, contemplai...

Havia um homem cuja aparência era aquela do cobre.

Ele segurava uma corda de linho em sua mão

e um bastão de medir;

e estava em pé ao portão.

 

(Uma corda de medir e um bastão foram representados na época dos sumérios como objetos sagrados entregues por um Arquiteto Divino a um rei escolhido para construir um templo.

Esse Medidor Divino instruiu Ezequiel a prestar atenção a tudo que escutasse e visse, sobretudo as medidas, para que as pudesse transmitir acuradamente ao exilados. Assim que as instruções foram da­das, a imagem em frente a Ezequiel mudou. De repente, a cena de um homem distante se transformou na de um muro cercando uma casa grande - como se, em termos de nossos tempos, uma câmara pas­sasse a utilizar uma teleobjetiva. Nessa aproximação, Ezequiel conse­guiu enxergar o "homem com a medida" começando a medir a casa.

Dessa cena no exterior da casa, do muro circundante, Ezequiel agora enxergava o medidor caminhando e medindo; enquanto isso ocorria, a cena - como se uma câmara de televisão estivesse seguindo o homem - continuava mudando; em vez de enxergar imagens exteriores, Ezequiel via imagens das partes internas da casa ­pátios, quartos, capelas. De um exame da arquitetura geral, a percepção mudou para os detalhes da construção e pontos de decora­ção. Tomou-se evidente para Ezequiel que ele via o futuro, o Tem­plo reconstruído, com o Santo dos Santos e os utensílios sagrados, os aposentos dos sacerdotes e o lugar dos Querubins.

O relato dessa descrição, que toma três capítulos longos do Li­vro de Ezequiel, é tão detalhado e preciso que construtores modernos não tiveram problema em desenhar a planta do Templo.

À medida que a visão de uma cena ia se sucedendo à outra, numa simulação melhor do que a mais avançada técnica de "Reali­dade Virtual", ainda em desenvolvimento no século 20, Ezequiel foi levado - há mais de 2500 anos - para dentro da visão. Como se fosse fisicamente, ele foi levado ao portão leste no complexo do Tem­plo; lá testemunhou a "Glória do Deus de Israel", entrando pelo portão leste, numa "visão como a visão vista antes" em duas outras ocasiões.

 

E o Espírito me ergueu

e me levou ao pátio interno;

e eu contemplei a Glória de Iavé

enchendo o Templo.

 

Então Ezequiel escutou uma voz dirigindo-se a ele do interior do Templo. Não era o "homem" a quem vira antes, com a corda e o bastão de medir, pois o homem estava a seu lado. A voz do interior do Templo anunciou que seria ali que o Trono Divino seria coloca­do e onde os pés do Senhor tocariam o solo. Por fim, Ezequiel foi instruído para relatar à Casa de Israel tudo o que vira e ouvira, e lhes passasse as medidas, para que o Novo Templo pudesse ser construído adequadamente.

O Livro de Ezequiel, então, termina com instruções extensas para os serviços sagrados no futuro Templo. Menciona que Ezequiel foi "trazido de volta" para ver a Glória de Iavé através do portão norte. Presumivelmente, foi então que ele retomou de sua Visão Divina; porém o Livro de Ezequiel não afirma isso.

 

Antigos Hologramas. Realidade Virtual?

Quando Gudéia recebia as instruções arquitetônicas para o templo a ser construído, viu uma "ordem-visão que emergia", na qual ele en­xergou o templo tomando forma desde os alicerces até ser completa­do, estágio por estágio - um acontecimento de mais de 4000 anos que agora pode ser conseguido por simulações no computador.

Ezequiel não foi apenas transportado miraculosamente (duas ve­zes) da Mesopotâmia até a Terra de Israel. Na segunda vez, ele viu o que em termos modernos chamaríamos de tecnologia de "Reali­dade Virtual", cena a cena, detalhes de alguma coisa que ainda não existia - o Templo futuro: a Casa de lavé que seria construída de acordo com detalhes arquitetônicos revelados a Ezequiel nessa vi­são Além da Imaginação. Como teria acontecido?

No início, Ezequiel chamou a visão de Tavnit, um termo usado an­teriormente na Bíblia, em conexão com a Residência e o Templo. Po­rém, se aqueles eram apenas modelos em escala, o que foi visto por Ezequiel tinha de ser um modelo "em tamanho real da construção", pois o Medidor Divino estava na verdade tomando medidas reais, com um padrão que devia ter seis cúbitos1, anotando uma cifra de 60 cúbitos aqui, uma altura de 25 cúbitos ali. O que Ezequiel via seria baseado numa "Realidade Virtual" ou em tecnologia holográfica? Teria ele visto simulações em computador ou estava enxergando um Templo verdadeiro em algum outro lugar por meio de holografia?

Visitantes de museus científicos geralmente ficam fascinados por holografias nas quais dois raios projetam imagens que se combinam para que vejamos uma imagem tridimensional flutuando no ar. Técnicas desenvolvidas no final de 1993 (Physical Review Letters, de­zembro de 1993) podem originar hologramas a grande distância, que aparecem apenas com o auxílio de um único raio laser focalizado num cristal. Teriam esses tipos de tecnologia, sem dúvida mais avançadas, sido usados para permitir que Ezequiel visse, visitasse e até entrasse no "modelo construído" que estaria em outro lugar - ­talvez tão longe quanto a América do Sul?

 

SONHOS REAIS, ORÁCULOS FIÉIS

"Dormir, porventura sonhar", diz Hamlet na peça de Shakespeare, Hamlet, Príncipe da Dinamarca - uma tragédia na qual uma aparição do rei assassinado é vista por Hamlet numa visão, e prenúncios celestiais entram em jogo. No antigo Oriente Médio, os sonhos não eram considerados um assunto do acaso; constituíam, em vários graus, Encontros Divinos: no mínimo, presságios que apresentavam as coisas que viriam; pensamentos, canais para expressar vontade ou instruções divinas; em sua expressão máxima, epifanias cuidadosamente programadas e premeditadas.

Segundo as antigas escrituras, os sonhos têm acompanhado os habitantes da Terra desde o início da humanidade, começando com a Primeira Mãe, Eva, que teve um sonho-premonição a respeito da morte de Abel. Depois do Dilúvio, quando o reinado foi instituído para criar tanto uma barreira quanto uma ligação entre os Anunnaki e a massa de pessoas, foram os reis cujos sonhos acompanharam o curso dos negócios humanos. E então, quando os líderes humanos se cansavam, a Palavra Divina era passada por intermédio de so­nhos e visões dos profetas. No interior do longo registro de sonhos e visões, alguns, como vimos, se destacaram por participar de zonas Além da Imaginação, em que o irreal se toma real, um objeto meta­físico assume uma existência física, uma palavra não falada se toma uma voz eventualmente ouvida.

A Bíblia está repleta de registros de sonhos como a mais impor­tante forma de Encontro Divino, como canais para fazer saber a de­cisão ou escolha da divindade, uma promessa benevolente ou uma decisão. Em Números 12:6, Iavé é citado explicitamente afirmando (ao irmão e à irmã de Moisés) que "se existe um profeta entre vós" - uma pessoa escolhida para divulgar a palavra de Deus - "Eu, o Senhor, me farei conhecido numa visão e falarei a ele em sonho". O significado dessa afirmação é ressaltado pela precisão da escolha das palavras: Numa visão, Iavé se faz conhecido, reconhecível, visitável; num sonho, ele se faz ouvido, divulgando oráculos.

Uma história que ilustra esse ponto é I Samuel, capítulo 28. Saul, o rei israelita, enfrentou uma batalha crucial contra os filisteus. O profeta Samuel, que a mando de Iavé ungira o rei Saul e o iniciara na palavra divina, estava morto. Um Saul apreensivo tenta obter orientação divina por si só; embora tivesse "pedido a Iavé", "tanto por sonhos quanto por presságios quanto por profetas", Iavé não respondera. Nesse caso, os sonhos são a primeira ou mais impor­tante forma de comunicação divina; presságios - sinais celestiais ou ocorrências terrestres incomuns - e oráculos, palavras divinas por intermédio dos profetas, seguiam-se.

A forma pela qual o próprio Samuel fora escolhido para ser um profeta de Iavé também se apóia no uso do sonho para a comunicação divina. Foi uma seqüência de três "sonhos teofânicos" nos quais os estudiosos, como Robert K. Gnuse (O Sonho Teofânico de Samuel), encontram paralelos incríveis nos três sonhos-com-despertar de Gilgamesh.

Já mencionamos como a mãe de Samuel, incapaz de ter filhos, prometeu dedicar seu filho a Iavé se fosse abençoada com um. Man­tendo sua promessa, a mãe levou o menino a Shiloh, onde a Arca da Aliança era mantida num santuário temporário, sob a supervisão de Eli, o Sacerdote. Mas como os filhos de Eli eram lascivos e pro­míscuos, Iavé resolveu escolher o pio Samuel como sucessor de Eli. Era uma época, conforme podemos ler em I SamueI 3:1, na qual a "palavra de Iavé raramente era ouvida e não havia visão manifesta".

 

Aconteceu, pois, em certo dia,

que Eli estava deitado no seu lugar,

e os olhos se tinham escurecido

e não podia ver.

Antes que se apagasse a lâmpada de Elohim,

dormia Samuel no templo de Iavé,

onde estava a Arca de Elohim.

Iavé chamou a Samuel;

Samuel respondeu, dizendo: "Eis-me aqui".

Foi correndo a Eli, dizendo:

"Aqui estou, pois tu me chamaste".

 

Mas Eli disse que não chamara Samuel, e falou ao menino para voltar a dormir. Mais uma vez Iavé chamou Samuel, e mais uma vez Samuel foi até Eli apenas para ouvir que o sacerdote não o cha­mara. Porém, quando aconteceu pela terceira vez, "Eli conheceu que era Iavé chamando pelo menino". Instruiu-o a responder, se aconte­cesse outra vez: "Pala, Senhor, porque o teu servo ouve". Uma artis­ta do século 13 d.C. fez seu melhor para representar a primeira teofania e o Encontro Divino entre Samuel e Iavé, numa ilustração medieval.

É bom lembrar o Espírito Divino que entregou o Tavnit ao rei Davi e as instruções para a construção do Templo de Jerusalém, o que aconteceu enquanto ele se sentava perante a Arca da Aliança. O chamado a Samuel também ocorreu quando ele" estava deitado no santuário de Iavé, onde se encontrava a Arca dos Elohim". A Arca, feita de acácia e recoberta de ouro no interior e no exterior, servia para guardar as duas Tábuas da Lei. Porém seu propósito principal, conforme afirmado na Bíblia pelo Livro do Êxodo, era servir como Dvir - literalmente, "o que fala". A Arca era encimada por dois Querubins feitos de ouro sólido, com as pontas das asas tocando-se. "E no tempo marcado estarei ali e falarei contigo de cima do tampo, de entre os dois Querubins que estão sobre a Arca" (Êxodo 25:22). A parte mais in­terna do santuário, o Santo dos Santos, era separada da frente por um véu que não podia ser aberto, a não ser por Moisés, depois por seu irmão, Aarão, indicado por Iavé para servir como sumo sacerdote, e os três filhos de Aarão, ungidos como sacerdotes. E eles podiam entrar no local sagrado apenas depois de realizar determina­dos ritos, usando roupas especiais. Além do mais, quando esses sacerdotes consagrados entravam no Santo dos Santos, tinham de queimar incenso (cuja composição é fornecida com precisão pelo Senhor), de forma que uma nuvem ocultasse a Arca; Iavé disse a Moisés: "É na nuvem que aparecerei, sobre a tampa da Arca". Quando dois dos filhos de Aarão "trouxeram um fogo estranho perante o Senhor", um (presumivelmente) falhou ao criar a fumaça adequada, e "um fogo brotou perante Iavé e os consumiu".

Tais forças "sobrenaturais", como o sonho-oráculo de Samuel e o sonho-visão de Davi, continuaram a permear o Tabernáculo, mes­mo depois que a própria Arca se foi, conforme evidenciado por um sonho-oráculo de Salomão. Pronto a iniciar a construção do Templo, ele foi até Gibeon, o último repouso da Tenda da Aliança (a parte da Residência onde estava o Santo dos Santos). A própria Arca já fora movida por Davi para Jerusalém, antecipando o local da per­manência no futuro Templo; porém a Tenda da Aliança permane­ceu em Gibeon, e Salomão foi até lá - talvez apenas para adorar, talvez para ver por si mesmo os detalhes da construção. Ele ofere­ceu sacrifícios a Iavé e foi dormir; em seguida:

 

E foi em Gibeon

que Iavé apareceu a Salomão

num sonho noturno.

E Elohim disse:

"Pede o que darei a ti".

 

A epifania inicia uma conversa de ambas as partes, na qual Salomão pede para ter "um coração compreensivo para julgar meu povo, que eu possa discernir entre o bem e o mal". Iavé gostou do pedido, pois Salomão não pedira riquezas ou vida longa nem a morte de seus inimigos. Portanto, afirma Iavé, concederia Sabedoria e En­tendimento, assim como riqueza e longa vida.

 

E Salomão despertou

e viu que era apenas um sonho!

 

Embora a ação relevante na Bíblia se inicie com a afirmação de que foi uma epifania no sonho, a visão e o diálogo pareceram tão reais a Salomão que ele ficou admirado por tratar-se apenas de um sonho; e compreendeu que o acontecido representava uma realidade com efeitos duradouros: portanto ele realmente fora dotado com Sabedoria e Entendimento extraordinários. Num verso que indica familiaridade com as civilizações egípcia e mesopotâmica, a Bíblia acrescenta que" a sabedoria de Salomão era maior do que a sabedoria de todos os Filhos do Leste e toda a sabedoria do Egito".

No episódio do Sinai, foi Iavé quem selecionou e instruiu dois artesãos para levar a cabo os detalhes arquitetônicos intrincados e artísticos: "e enchi do espírito de Elohim, em Sabedoria, Entendi­mento e Conhecimento", Betsalel, da tribo de Judá, "e pus ciência e sabedoria no coração" de Aholiab, da tribo de Dan. Salomão, por sua vez, dependia dos artesãos do rei fenício, em Tiro, para construir o Templo. Quando este foi completado, Salomão rezou ao Senhor Iavé para que Ele aceitasse a Casa como habitação eterna e como um lugar do qual as orações de Israel seriam ouvidas. Foi então que Salomão teve seu sua segunda epifania no sonho: "Iavé apareceu a Salomão pela segunda vez, na forma vista por ele em Gibeon".

Embora o Templo em Jerusalém fosse literalmente chamado de "casa" para o Senhor, ecoando o termo sumério "E" para um templo-habitação, fica evidente, pela oração de Salomão, que ele não partilhava o ponto de vista mesopotâmico dos templos como luga­res onde os deuses moravam, e sim como local sagrado para comu­nicação divina, um lugar onde homem e Deus pudessem escutar um ao outro, um substituto permanente para a divina presença na Tenda da Aliança.

Assim que os sacerdotes trouxeram a Arca da Aliança para seu lugar, no Santo dos Santos, "a seção Dvir do Templo", e a colocaram "sob as asas dos Querubins", tiveram de partir apressadamente "por­que a glória do Senhor tinha enchido a casa de Deus". Foi então que Salomão começou sua oração, dirigindo-se a Iavé: "O Senhor tinha prometido que Ele habitaria num nevoeiro". "Ouve, Senhor, da tua morada, que é o céu", disse Salomão. "É, pois, crível, que habite Deus entre os homens? Se os céus e os céus dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei". Compreendendo isso, Salomão pediu apenas para que o Senhor escutasse as orações que emanassem do Templo; "Ouve, senhor, da tua morada, que é o céu, todos os que neste lugar orarem, e sê propício".

Foi então que "Iavé apareceu para Salomão por uma segunda vez, da forma que ele foi visto em Gibeon. E Iavé disse a ele: ouvi tua oração e as súplicas que fizeste perante mim, e tem santificado esta casa que construíste, para colocar meu Shem para sempre, de forma que meus olhos e meu coração estejam ali na perpetuidade".

O termo Shem é tradicionalmente traduzido como "nome" pelo qual alguém é conhecido ou lembrado. Porém, como demonstra­mos em O 12o. Planeta, citando fontes bíblicas, mesopotâmicas e egípcias, o termo MU, que ao longo do tempo veio a significar "aquilo pelo qual alguém é lembrado", originalmente se referia às câmaras celestes ou máquinas voadoras dos deuses mesopotâmicos. Assim, quando o povo da Babilônia (Bab-Ili, "Portal dos Deuses") resolveu fazer um Shem para si mesmo, estava construindo uma torre de lan­çamento, não para um "nome", mas para veículos voadores.

Na Mesopotâmia, foi sobre plataformas de templos que os locais especiais - alguns representados conforme o projeto para su­portar grandes impactos - foram construídos especificamente para servir às idas e vindas dessas câmaras celestes. Gudéia teve de pro­videnciar, no recinto sagrado, um local especial para o Divino Pás­saro Preto de Ninurta, e, quando a construção foi feita, expressou a esperança de que no novo templo o "MU abrace as terras de hori­zonte a horizonte". Um hino para Adad/Ishkur afirmava que seu "MU emissor de raios pode chegar ao zênite do céu", e um hino para Inana/Ishtar descrevia como, depois de colocar o traje de pilo­to "ela voa em seu MU". Em todos esses casos, a tradução comum para MU é "nome", lendo para Adad um "nome" que abraça as terras e atinge os céus mais altos, e para Inana/Ishtar a afirmação de que "ela voa sobre todas as terras habitadas em seu MU". Na verdade, a referência era às máquinas voadoras dos deuses e aos seus campos de pouso no interior dos terrenos sagrados. Uma representação de tais veículos aéreos, descoberta por escavações do Vaticano em Tell Ghassul, no rio Jordão, na margem oposta a Jericó, lembra as carruagens descritas por Ezequiel.

Em suas instruções para a construção do templo-zigurate na Ba­bilônia, a E.SAG.IL ("Casa do Grande Deus"), Marduk especificou os requerimentos para a câmara celeste:

 

Construa o Portal dos Deuses...

Deixe que os tijolos sejam fabricados.

Seu Shem deve ficar no local designado.

 

Em intervalos regulares, os templos precisavam de reconstru­ção e reformas, porque a deterioração atingia as torres construídas de tijolos, além da destruição deliberada por atacantes inimigos. Uma ocorrência em relação ao Esagil, registrada nos anais do rei assírio Asaradão (680-669 a.C.), contém vários outros elementos dos sonhos reais registrados na Bíblia em relação ao Templo em Jerusalém. Tais elementos que se repetem incluem a Sabedoria garantida a Salomão, as instruções arquitetônicas e a necessidade de artesãos a ser divi­namente inspirados ou instruídos para compreender tais instruções.

Asaradão, aqui representado nessa estela, na qual aparecem os doze membros do Sistema Solar, representados por seus símbolos, reverteu a política anterior de confronto e guerra com a Babilônia e não viu mal algum em reverenciar Marduk (o deus nacional da Babilônia), além de adorar Asur (deus da Assíria). "Tanto Asur como Marduk me deram sabedoria", escreveu Asaradão, a quem foi concedido" o magnífico Entendimento de Enki" sobre a "tarefa da civilização" - conquistar e subjugar - em outras na­ções. Também foi instruído pelos oráculos e presságios a iniciar um programa de restauração dos templos, começando com o de Marduk, na Babilônia. Porém o rei não sabia como.

Foi quando Shamash e Adad apareceram a Asaradão num so­nho no qual eles mostraram ao rei os projetos arquitetônicos e os detalhes da construção. Em resposta ao espanto dele, disseram para que reunisse todos os pedreiros, carpinteiros e outros profissionais necessários e os levasse à "Casa da Sabedoria", em Asur (a capital Assíria). Também lhe disseram para consultar um vidente em rela­ção ao mês correto para iniciar o trabalho de construção. Agindo sobre o que "Shamash e Adad me mostraram durante o sonho", Asaradão montou a força de trabalho e marchou à frente deles para o "Lugar do Saber". Consultou um vidente, e, no dia auspicioso, o rei carregou sobre a cabeça a pedra fundamental e a colocou no local preciso. Com um molde feito de marfim, ele fabricou o primeiro tijolo. À medida que a reconstrução se completava, ele instalou por­tas de cipreste, ornadas de incrustações de ouro, prata e bronze; mandou fazer recipientes de ouro para os ritos sagrados. E quando tudo foi completado, os sacerdotes foram chamados, ofereceram sacrifícios, e o templo foi renovado.

A linguagem empregada na Bíblia para descrever a compreen­são de Salomão, acordado repentinamente, de que a visão e os sons experimentados eram apenas um sonho, foi eco de uma situação parecida e mais antiga - a de um faraó:

 

E o faraó acordou,

e eis que... era um sonho!

 

Essa é a série de sonhos descrita no capítulo 41 do Gênesis, que começa com o sonho das sete vacas do faraó - algumas traduções preferem o termo, mais arcaico, "kine", usado antigamente em lu­gar de "gado" - "formosas à vista e gordas de carnes" que subiam do Nilo para pastar. Eram seguidas por sete vacas "feias à vista e magras de carne", que comiam as primeiras. Num sonho seguinte, o faraó viu sete espigas de milho que subiam numa só "haste, gorda e boa", seguidas por sete espigas miúdas e batidas pelo vento; as últimas engoliram as primeiras. "E o faraó acordou, e eis que... era um sonho!" A dupla cena parecia tão real que o faraó, ao acordar, ficou surpreso ao constatar que era apenas um sonho. Perturbado pela qualidade real do sonho, convocou seus sábios e os mágicos do Egito para que interpretassem o sonho; nenhum deles conseguiu.

Assim começou a proeminência, no Egito, do jovem hebreu José, que, aprisionado injustamente, interpretou corretamente o sonhos de dois dos subordinados do faraó, que também estavam na prisão. Um deles, o chefe dos copeiros, contou o fato ao faraó, sugerindo que chamasse José para ajudar a interpretar os sonhos reais. José disse ao faraó que os dois sonhos na realidade eram apenas um; "0 que Elohim fará foi revelado". Em outras palavras, foi um sonho­presságio, uma revelação divina sobre o que acontecerá no futuro pelo plano de Deus. Trata-se de uma previsão sobre sete anos de abundância, suplantados por sete anos de carência e fome, explicou ele. "O que Elohim resolveu fazer está revelando ao faraó", e o sonho foi repetido, o que significa "que a coisa é certa por parte de Elohim, e que Elohim se apressa em fazê-la".

Percebendo então que José estava possuído pelo "Espírito dos Elohim", o faraó nomeou-o Mestre do Rei para toda a terra do Egito, a fim de evitar a fome. E José encontrou formas de dobrar e triplicar as colheitas durante os sete anos de fartura, e estocou a comida. Quando veio a fome, "afetando todas as terras", havia alimento no Egito.

Embora a Bíblia não identifique o faraó da época de José pelo nome, outros dados bíblicos e cronológicos permitiram que o iden­tificássemos como Amenemés III, da XII dinastia, que reinou no Egito de 1850 a 1800 a.C. Sua estátua de granito está exposta no Museu do Cairo.

A história bíblica do sonho das sete vacas desse faraó certamen­te ecoava a crença egípcia de que as sete vacas, chamadas de Sete Hátoras (por causa da deusa Hátor, que, como mencionamos, era representada como vaca), podiam predizer o futuro - precursoras das sibilas, as pitonisas do oráculo de Delfos, para os gregos. Nem a própria noção dos sete anos é uma invenção bíblica, pois tais ciclos de sete anos das águas do NUa - a única fonte de água no Egito sem chuva -, continuam até os nossos dias. Existe ainda um regis­tro anterior de tal ciclo de sete anos de fartura seguido por sete anos ruins. Trata-se de um texto hieroglífico (transcrito por E. A. W. Budge em Lendas dos Deuses), registrando que o faraó Zoser por volta de 2650 a.C.) recebeu um despacho do governador do Alto Egito, ao sul, relatando uma grave onda de fome, porque "o Nilo não veio pelo espaço de sete anos".

Portanto o rei" estendeu seu coração de volta ao início" e perguntou ao Camareiro dos Deuses, o deus Tot com a cabeça de Íbis: "Qual o local de nascimento do Nilo? Existe um deus lá? E quem é esse deus?". E Tot respondeu a ele que de fato existia um deus que regulava as águas do Nilo das duas cavernas e que esse deus era seu pai, Khnum (aliás Ptah, aliás Enki), o deus que fizera a humanidade.

Como exatamente Zoser conseguiu falar com Tot e receber a resposta não fica claro no texto hieroglífico. O texto afirma que uma vez que Zoser soube que o deus em cujas mãos estava o destino do Nilo e o sustento do Egito era Khnum, que residia longe, na ilha Elefantina, no Alto Egito, o rei soube exatamente o que fazer: ele foi dormir... esperando uma epifania.

 

Enquanto eu dormia,

com vida e satisfação,

descobri o deus

em pé à minha frente!

 

Em seu sono - sonho-visão -, Zoser afirma: "Eu o agradei com elogios; rezei para ele na presença dele". Pedi a restauração das águas do Nilo e a fertilidade da terra. E o deus:

 

Revelou-se a mim.

Encarou-me com rosto amigável

e proferiu tais palavras:

"Sou Khnum, o que te fez".

 

o deus anunciou que iria atender às reivindicações do rei se o rei resolvesse "reconstruir templos, restaurar o que está arruinado e erigir novos templos" para a divindade. Para isso, disse o deus, ele daria ao rei novas pedras, assim como "pedras duras que existem desde o início dos tempos".

Então o deus prometeu que em troca ele abriria as comportas em duas cavernas abaixo de sua câmara rochosa, e que, como resul­tado, as águas do Nilo iriam começar a fluir outra vez. No espaço de um ano, disse ele, as margens do rio seriam verdes de novo, as plan­tas cresceriam e a fome desapareceria. Quando o deus terminou de falar e sua imagem desapareceu, Zoser "acordou refrescado, o coração aliviado de peso" e decretou ritos permanentes de oferendas a Khnum, em gratidão eterna.

O deus Ptah e uma visão dele são o tema central de duas outras epifanias de sonhos egípcios: uma delas traz à mente as histórias bí­blicas da mulher que não consegue um herdeiro homem para o trono.

A primeira, descrevendo como um Encontro Divino virou a maré da guerra, está contida numa longa inscrição pelo faraó Merenptah (por volta de 1230 a.C.), no quarto pilar do grande templo em Karnak. Embora fosse o filho do faraó Ramsés II, Merenptah descobriu que estava além de suas capacidades proteger o Egito de uma maré cres­cente de invasores, tanto por terra (os líbios, a oeste) quanto por mar ("piratas" se encontravam posicionados para atacar Mênfis, a antiga capital do Egito. Merenptah, desgostoso, estava mal prepa­rado para enfrentar os atacantes. Então, na noite anterior à batalha decisiva, ele teve um sonho. Nesse sonho, o deus Ptah aparecia; pro­metendo a vitória ao rei, o deus disse: "Apanhe isto agora!", e, com essas palavras, passou a Merenptah uma espada, acrescentando: "E mande embora de você esse coração perturbado".

O texto hieroglífico está parcialmente danificado nesse ponto, tornando indefinido o que aconteceu a seguir. Infere-se que Merenptah acordou e encontrou a espada divina, fisicamente em suas mãos. Com a confiança restaurada pelas palavras do deus, Merenptah liderou seus exércitos na batalha; o resultado foi uma vitória completa para os egípcios.

A outra ocorrência em que Ptah pareceu foi num sonho por uma princesa (Taimhotep), esposa do sumo sacerdote. Ela teve três fi­lhas e nenhum herdeiro homem, portanto "rezava para a majestade do deus augusto, que realizava maravilhas e era capaz de conceder um filho a quem não tivesse nenhum". Certa noite, enquanto o sumo sacerdote dormia, Ptah "veio a ele em revelação" e disse ao sumo sacerdote que por realizar determinados trabalhos de construção, "farei para você, em troca, um filho homem".

 

Com isso o sumo sacerdote acordou

e beijou o chão de seu deus augusto.

Convocou os profetas, os chefes de

mistérios, os sacerdotes e os escultores

da Casa de Ouro para realizar mais uma

vez o trabalho benevolente.

 

O trabalho de construção foi executado de acordo com os desejos de Ptah; depois disso, a princesa afirma na inscrição que ela ficou grávida e teve, de fato, um filho homem.

Embora não nos detalhes, mas no tema essencial, a história egípcia (dos tempos ptolomaicos) traz uma semelhança com narrativas bíblicas muito anteriores da aparição do Senhor, acompanhado de dois outros seres divinos, a Abraão e predizendo que sua esposa idosa e sem filhos, Sara, daria à luz um herdeiro homem.

Entre outros exemplos de sonhos reais de oráculo, encontrados entre os registros egípcios, o mais famoso é aquele pelo príncipe que mais tarde subiu ao trono para ser coroado Tutmés IV. O sonho é bem conhecido porque está descrito numa estela que ele erigiu entre as patas da grande esfinge de Gizé - onde ainda permanece para que todos a vejam.

Conforme está gravado na estela, o príncipe era "acos­tumado a ocupar-se com esportes nas profundezas do deserto, em Mênfis". Um dia ele se deitou para descansar próximo à necrópole de Gizé, perto do "caminho divino dos deuses no horizonte... o local sagrado de templos primitivos". Isso, diz a inscrição, foi onde "a própria estátua da Esfinge repousa, grande em fama, grande em majestade". Era meio-dia, o sol estava forte; portanto o príncipe re­solveu se deitar à sombra da Esfinge e acabou adormecendo.

Enquanto dormia, ele ouviu a Esfinge falar" com sua própria boca, dizendo":

 

Olhe para mim, meu filho Tutmósis...

Contemple, meu estado é o de alguém em necessidade,

meu corpo inteiro está se desfazendo em pedaços.

As areias do deserto, acima das quais sempre fiquei,

fecharam-se sobre mim...

 

O que a Esfinge estava dizendo ao príncipe adormecido era um pedido para que as areias do deserto que cobriram a maior parte do corpo dela - uma situação provável, encontrada pelos homens de Napoleão no século 19 - fossem removidas para que recu­perasse sua antiga majestade. Em troca, a Esfinge - representando o deus Harmakhis - prometeu ao príncipe que ele seria o sucessor no trono do Egito. "Quando a Esfinge terminou tais palavras, o fi­lho do rei acordou", continua a inscrição. Embora fosse um sonho, o conteúdo e o significado foram claros como cristal para o príncipe. Ele "compreendeu a fala desse deus". À primeira oportunidade, realizou o pedido divino, limpando a Esfinge da areia que a ocultava quase completamente; de fato, em 1421 a.C., o príncipe subiu ao trono do Egito para se tomar Tutmés IV.

Tal denominação divina de realeza não era única nos anais do Egito. Na verdade, fora registrado em relação a um predecessor, Tutmés ID. A história de acontecimentos miraculosos e de uma vi­são da "Glória do Senhor" foi inscrita por esse rei nas paredes do templo, em Karnak. Nesse caso, o deus não falou; em vez disso, ele indicou sua escolha do futuro monarca por intermédio da "realização de milagres".

Como o próprio Tutmés relatou, quando ele ainda era jovem e se preparava para ser sacerdote, estava em pé sobre a parte colunada do templo. Repentinamente, o deus Amon-Rá apareceu em sua glória sobre o horizonte. "Ele tomou o céu e a terra festivos com sua beleza; então começou a realizar uma grande maravilha: dirigiu seus raios para os olhos de Hórus-do-Horizonte (A Esfinge)." O rei ofe­receu incenso, sacrifícios e oblações ao deus que chegava, e levou o deus para o templo numa procissão. E o deus caminhou ao lado do jovem príncipe, relatou Tutmés.

 

Ele realmente me reconheceu e me parou.

Eu toquei o chão; me curvei

na presença dele.

Ele me colocou em pé, me arrumou perante o rei.

 

Então, como indicação de que aquele príncipe era o escolhido di­vino para a sucessão, o deus "operou uma maravilha" sobre o príncipe. O que se seguiu, escreveu Tutmés li, por incrível que pareça, e por misteriosas que sejam essas coisas, aconteceu de verdade:

 

Ele abriu para mim as portas do Céu;

ele abriu para mim os portais de seu horizonte.

Eu voei para o céu como um Falcão Divino,

capaz de enxergar sua forma misteriosa

que está no Céu.

Que eu possa adorar a sua majestade.

(E) vi a forma-ser do Deus do Horizonte

em seus misteriosos Caminhos do Céu.

 

Nesse vôo celestial, Tutmés III escreveu em seus registros que ele" se tornou um com a Compreensão dos Deuses". A experiência e seus detalhes certamente trazem à mente as ascensões celestiais de Enoque e Enmeduranki, e a "Glória de Iavé", vista pelo profeta Ezequiel.

A convicção de que os sonhos são oráculos divinos, que predi­zem as coisas que estão por vir, era uma crença firmemente aceita no antigo Oriente Médio. Os reis etíopes também acreditavam no poder dos sonhos como guias para a ação a ser tomada (ou evitada) e dos acontecimentos iminentes.

Um aspecto, registrado numa estela pelo rei etíope Tanutamun, relata que no primeiro ano do reinado, "sua majestade teve um so­nho na noite". No sonho, o rei viu "duas serpentes, uma à sua direi­ta, uma à sua esquerda". A visão foi tão real que, quando o rei acordou, ficou surpreso ao não encontrar as serpentes ao seu lado. Chamou os sacerdotes e videntes para interpretar o sonho, e eles disse­ram que as duas serpentes representavam duas deusas, o Alto e o Baixo Egito. O sonho, disseram, significava que ele poderia conquis­tar todo o Egito" em seu comprimento e na largura; não havia ne­nhum outro para dividir". Então o rei "foi adiante e 100 mil o segui­ram" e conquistou o Egito. Portanto, ele escreveu na estela comemorando o sonho e o período que se seguiu: "Verdadeiro foi o sonho".

Uma profecia divina feita pelo deus Amon, embora à luz do dia, e não num sonho noturno, está registrada na inscrição de uma estela encontrada no Alto Egito, próximo à fronteira com a Núbia. Conta que um rei etíope estava liderando seu exército pelo Egito quando repentinamente morreu. Seus comandados ficaram" como uma manada sem pastor". Sabiam que o novo rei teria de ser escolhido entre os irmãos do rei, mas qual deles? Foram ao templo de Amon para escutar uma profecia do oráculo. Depois que os "profetas e sacerdotes importantes" realizaram os ritos necessários, os coman­dantes apresentaram um dos irmãos do rei ao deus, mas só o silêncio respondeu. Depois apresentaram o segundo irmão, filho da irmã do rei. Dessa vez o deus falou: "Este é vosso rei... vosso dirigente". Então os comandantes coroaram esse irmão, que assumiu a coroa depois que a divindade o apoiou por meio de conselho divino.

Essa história da seleção de um sucessor do rei etíope inclui um detalhe que geralmente não é percebido - o fato de que o escolhido pela divindade era o filho nascido do rei com sua irmã. Encontra­mos um paralelo na história bíblica de Abraão e sua bela Sara, de quem Abimelec, o rei filisteu de Gerara, se agradou. Uma vez antes, ao visitarem a Corte do faraó no Egito, quando o faraó desejou tirar Sara de Abraão, Abraão pediu que ela dissesse que era sua irmã (não esposa), de forma que a vida lhe fosse poupada. Prevenido por sua experiência, Abraão mais uma vez pediu a Sara para dizer que era apenas sua irmã. Mas quando Abimelec continuou com seu pla­no, o Senhor interveio:

 

E Elohim apareceu em sonho

a Abimelec e lhe disse:

"Sabe que serás punido de morte

por causa dessa mulher,

porque ela tem marido".

 

"Abimelec não a tinha tocado" e explica ao Senhor que era inocente, pois Abraão "disse para mim: 'Ela é minha irmã', e ela também disse: 'Ele é meu irmão"'. Então "Elohim disse a ele, no sonho" que ele não seria punido, desde que devolvesse Sara a Abraão, intocada. Depois, quando Abimelec exigiu uma explicação de Abraão, este explicou que temendo por sua vida, disse a verdade, mas não toda a verdade. "De fato, ela é verdadeiramente minha irmã, como filha que é de meu pai, ainda que não filha de minha mãe, e pude recebê-la como mulher." Sendo meia-irmã de Abraão, Sara assegurava que seu filho (Isaac), mesmo não sendo primogênito, seria o sucessor. Essas regras de sucessão, imitando os costumes dos Anunnaki, prevaleceram no antigo Oriente Médio (e chegaram a ser copiadas pelos incas, no Peru).

Os filisteus chamavam sua divindade principal de Dágon, um nome ou epíteto que pode ser traduzido como "Ele dos Peixes" - o deus da Pesca, um atributo de Ea/Enki. Tal identificação, entretan­to, não é tão óbvia e certa, porque quando essa divindade aparece em outros lugares do antigo Oriente Médio, seu nome é soletrado Dagan, que poderia significar "Ele dos Grãos" - um deus da Agri­cultura. Qualquer que seja sua identidade verdadeira, esse deus aparece em vários sonhos-presságios, registrados nos arquivos es­tatais do reinado de Mari, uma cidade-estado que floresceu no iní­cio do II milênio a.C., até sua destruição pelo rei babilônio Hamurábi, em 1759 a.C.

Um registro de Mari pertence a um sonho cujo conteúdo foi jul­gado tão significativo que foi levado por mensageiro à atenção de Zimri-Lim, o último rei de Mari. No sonho, um homem viu a si mes­mo viajando com outros. Ao chegar a um lugar chamado Terga, ele entrou no templo de Dagan e prostrou-se. Naquele instante, o deus "abriu sua boca" e perguntou ao viajante se uma trégua fora decla­rada entre as forças de Zimri-Lin e aquelas dos iaminitas. Quando o viajante respondeu com uma negativa, o deus reclamou que não foi mantido a par dos acontecimentos e instruiu o sonhador para mandar uma mensagem ao rei, exigindo que ele enviasse mensageiros para atualizar o deus sobre a situação. "Isso foi o que esse homem viu em seu sonho", afirmava o relatório urgente enviado ao rei, adi­cionando que "aquele homem era digno de confiança".

Outro sonho relativo a Dagan e às guerras nas quais Zimri-Lim estava envolvido foi registrado por uma sacerdotisa do templo. No sonho, afirmou ela, "Entrei no templo da deusa Belet-ekallim ("Se­nhora dos Templos"), mas a deusa não estava, nem vi as estátuas dedicadas a ela. Quando vi aquilo, comecei a chorar". Então escutei "uma voz lúgubre chorando, repetindo: 'Volte, ó Dagan... volte, ó Dagan'. Isso continuou sem parar". Então a voz tomou-se mais alte­rada, enchendo o templo da deusa e dizendo: " Ó Zimri-Lim, não saia em expedição. Fique em Marl, e eu tomarei a responsabilidade".

A deusa que falou nesse sonho, oferecendo-se para lutar pelo rei cercado, é referida pelo nome no relatório Annunitum, uma refe­rência semítica a Inana/Ishtar. A boa vontade em lutar por Zimri-­Lim faz sentido histórico, pois tinha sido ela quem ungira Zimri-­Lim como rei de Marl - um ato divino, comemorado no magnífico mural encontrado no palácio de Mar quando foi desenter­rado por arqueólogos franceses.

A sacerdotisa que relatou o sonho, de nome Addu-duri, era uma sacerdotisa do oráculo. Em seu relatório, ela lembrou que enquanto suas previsões eram baseadas em "sinais" no passado, aquela fora a primeira vez que ela tivera um sonho premonitório. Seu nome é mencionado em outro relatório de sonho, mas dessa vez um sonho de um sacerdote no qual ele viu a Deusa dos Oráculos falando-lhe sobre o rei ser "negligente ao proteger a si mesmo". (Em outras oca­siões, as sacerdotisas do oráculo levaram ao rei mensagens divinas obtidas quando estavam em transe auto-induzido, em vez de por sonhos.)

Mari ficava na margem do rio Eufrates, onde, nos dias de hoje, a Síria e o Iraque se encontram, e servia como base entre a Mesopotâ­mia e a costa do Mediterrâneo (portanto para o Egito), numa rota que cruzava o deserto da Síria até a Montanha dos Cedros, no Líba­no. (Uma rota mais longa, que passava pelo Crescente Fértil, incluía Harran, no Eufrates superior.) Não é de espantar, pois, que os povos da costa, como vizinhos dos filisteus, acreditassem (e registras­sem) em sonhos como uma forma de Encontro Divino. Embora seus escritos (dos quais sabemos apenas por achados em Ras Shamra, a antiga Ugarit, na costa mediterrânea da Síria) lidassem principal­mente com as lendas ou "mitos" do deus Baal, de sua companheira, a deusa Anat, e do pai deles, o deus idoso El, mencionam sonhos de presságio de heróis patriarcais. Assim, na História de Aqhat, um pa­triarca de nome Danel, sem herdeiro do sexo masculino, escuta de El, num sonho-presságio, que ele teria um filho no espaço de um ano - assim como Abraão recebeu a mensagem de Iavé a respeito do nascimento de Isaac. (Quando o menino Aqhat cresce, Anat tem desejos por ele, e assim como fizera com Gilgamesh, promete longe­vidade se Aqhat se tomar seu amante. Diante da recusa, ela causa a morte dele.)

Os sonhos são uma forma venerada de comunicação divina, e foram registra dos das terras do Alto Eufrates até a Ásia Menor. As costas onde atualmente se localizam Israel, Líbano e Síria serviam tanto de ponte quanto de campo de batalha entre os faraós egípcios e os reis da Mesopotâmia - cada um dizendo agir por ordens divi­nas. Não é de estranhar que nessa reunião e miscigenação os sonhos premonitórios também refletissem o choque entre culturas e a mis­tura de presságios.

Registros egípcios de sonhos premonitórios da realeza incluem um texto conhecido dos estudiosos como a Lenda da Princesa Pos­suída - um dos registros mais antigos sobre exorcismo. Escrito na estela que agora se encontra no Museu do Louvre, em Paris, narra como o príncipe de Bekhten (Bactria, no Eufrates superior), que casara com uma princesa egípcia, buscou a ajuda do faraó Ramsés II para curar a princesa dos" espíritos que a possuíam". O faraó enviou um de seus mágicos, mas não adiantou. Então o príncipe de Bekhten pediu que um deus egípcio "fosse trazido para lutar com aquele espírito".

Recebendo o pedido em Tebas, sua capital, durante um festival religioso, o faraó foi ao templo do deus Khensu, descrito como filho de Rá e geralmente representado com uma cabeça de falcão na qual a Lua repousa com seu Crescente. Lá o rei contou ao deus, "o grande deus que expele os demônios da doença", qual era o problema e pediu a ajuda divina. Enquanto ele falava, "havia muita concordân­cia da cabeça de Khensu", indicando uma atitude favorável. Então o rei montou uma grande caravana que foi para Bekhten acompa­nhando o deus (ou seu "profeta, o que executava os planos", ou a estátua do deus - conforme sugerem alguns estudiosos). Por meio dos poderes mágicos divinos, o "mau espírito" foi exorcizado.

Testemunhando os poderes mágicos de Khensu, o príncipe de Bekhten planejou em seu coração, dizendo: "Vou fazer com que esse deus fique aqui em Bekhten". Tendo, porém, causado um adiamen­to no retomo do deus para o Egito, o príncipe teve um sonho enquanto "dormia em sua cama". No sonho, viu "esse deus vindo até ele do santuário. Era um falcão de ouro que voou pelo céu na direção do Egito". O príncipe" acordou em pânico" e percebeu que o sonho era um presságio divino, instruindo-o a deixar que o deus voltasse ao Egito. Portanto o príncipe" deixou que esse deus voltas­se ao Egito, depois de ter dado a ele muitos presentes entre todas as coisas boas".

Mais ao norte de Bactria, na Terra dos Hititas, na Ásia Menor, a convicção de que os sonhos reais constituíam revelações divinas tam­bém era sustentada. Um dos mais longos textos que refletem tais convicções é chamado pelos estudiosos de Os Rezadores da Praga de Mursilis, um rei hitita que reinou de 1334 até 1306 a.C. Conforme confirmado por textos históricos, uma praga afligiu as terras e co­meçou a dizimar a população; Mursilis não podia entender o que zangara os deuses. Ele mesmo fora piedoso e muito religioso, "cele­brou todos os festivais, nunca preferindo um texto a outro". O que, então, estava errado? Desesperado, ele incluiu as seguintes pala­vras em sua oração:

 

Ouvi-me deuses, meus senhores!

Mandai para longe a praga da terra hitita!

Deixai que o motivo para as pessoas estarem morrendo

seja descoberto - ou por uma profecia,

ou me deixai ver no sonho,

ou deixai que um profeta o declare.

 

Deve ser notado que os três métodos mencionados de obter orientação divina - um sonho de oráculo, uma profecia ou comu­nicação por intermédio de profeta - são exatamente os mesmos três métodos listados pelo rei Saul quando tentou obter a orientação de Iavé. E também, como no caso do rei israelita que não recebeu resposta, também os apelos do rei hitita: "Os deuses não escutaram; a praga não melhorou; a terra dos hititas continuará a ser afligida".

"Os assuntos estão ficando muito grandes para mim", escreveu Mursilis em seus anais, e redobrou seus apelos ao deus Teshub ("O Soprador do Vento" ou "Deus Tempestade", a quem os sumérios chamavam de Ishkur e os povos semitas, de Adad). Por fim ele conseguiu receber um presságio; uma vez que não era uma pro­fecia ou adivinhação, deve ter sido um sonho premonitório, o ter­ceiro método de comunicação divina com o rei. Foi assim que Mursilis ficou sabendo que seu pai, Shupiliumans, em cujo tempo a praga começou, transgredira de duas formas: ele quebrou algumas oferendas aos deuses e também seu juramento num tratado com os egípcios para manter a paz, e levou os cativos egípcios de volta à Terra dos Hititas; foi nessa época que a praga se instalou entre os hititas.

Se assim fosse, disse o rei a Teshub em suas súplicas, ele iria oferecer restituição "em compensação pelos pecados do pai", e acei­tar toda a responsabilidade. Se o aumento da praga ou restituições fossem exigidas, ele pediu ao deus que "deixai-me ver num sonho, ou deixai que encontre num presságio, ou deixai que um profeta o diga a mim".

Assim, ele listou outra vez os três métodos aceitos ou esperados de comunicação com os deuses. Já que o texto, quando encontrado, finaliza aqui, é preciso assumir que a raiva de Teshub terminou, assim como a praga.

Outras inscrições hititas que registram Encontros Divinos por meio de sonhos e visões foram achadas. Algumas estão relaciona­das à deusa Ishtar, a suméria Inana, cuja elevação continuou bem depois dos tempos dos sumérios.

Em uma dessas inscrições, o príncipe hitita que era herdeiro ao trono afirmou que a deusa aparecera a seu pai num sonho, dizendo a ele que o jovem príncipe tinha apenas alguns anos para viver; mas que, se resolvesse dedicar-se a Ishtar como sacerdote, "então ele deve viver". O rei, então, seguiu o sonho/premonição, o príncipe viveu, e seu irmão (Muvatalis) herdou o trono em seu lugar.

O mesmo Muvatalis e Ishtar são os mais importantes num so­nho relatado por Hatusilis ill (1275-1250 a.C.), também um irmão de Muvatalis. Afirma que Muvatalis, aparentemente por algum motivo ruim, ordenou que seu irmão Hatusilis fosse submetido a um julgamento "pela roda sagrada" (um procedimento ou tortura cuja natureza é incerta). "Entretanto", a vítima declarou num rela­tório, "minha senhora Ishtar me apareceu em um sonho. No sonho, ela me disse o seguinte: 'Devo abandonar você para uma divindade hostil? Não tema!'. Com a ajuda da deusa fui agraciado; porque a deusa, minha Senhora, me segurou pela mão; ela jamais me aban­donou a uma divindade hostil ou julgamento ruim."

Segundo os vários anais reais hititas da época, a deusa Ishtar anunciou seu apoio a Hatusilis III, em sua luta pelo trono com seu irmão Muvatalis, em sete sonhos-oráculos. Num deles, o pedido foi que a deusa prometera o trono hitita a Hatusilis num sonho da es­posa dele - esposa, segundo outro sonho, casada "segundo o co­mando da deusa Ishtar; a deusa me confiou num sonho". Num registro de um terceiro sonho, conta-se que Ishtar apareceu a Urhi-­Teshub, herdeiro indicado de Muvatalis, e disse a ele num sonho que todos os esforços para afastar Hatusilis eram em vão: "Sem propósito vocês se cansaram, pois eu, Ishtar, entreguei todas as terras dos hititas para Hatusilis".

Registros de sonhos hititas, pelo menos os que têm sido encon­trados, refletem a importância que foi ligada ali à própria observân­cia dos ritos e requisitos de adoração. Num texto descoberto, "um sonho de sua majestade o rei" é relatado assim: no sonho, a Senhora Hebat que Julga (a esposa de Teshub) repete sempre em sua majes­tade: "Quando o Deus da Tempestade vem do céu, ele não deve achar você avarento". Sonhando, o rei respondeu que fizera um objeto ritual de ouro para o deus. Mas a deusa disse: "Não é o sufi­ciente!". Depois outro rei, o de Hakmish, entrou na conversa-sonho, dizendo a sua majestade: "Por que não deu os instrumentos Huhupal e as pedras de lápis-lazúli que prometeu a Teshub?".

Quando o rei hitita acordou desse sonho em "trílogo", relatou-o à sacerdotisa Hebatsum. E ela disse que o significado do sonho era "Você precisa dar os instrumentos Huhupal e as pedras lápis-Iazúli ao grande deus".

De forma não característica pelas narrativas de sonhos da reale­za no antigo Oriente Médio, alguns deles pertencem aos sonhos de rainhas, membros femininos da realeza. Tal registro, que inicia com a afirmação "Um sonho da rainha", declara que "a rainha fez um voto em sonho à deusa Hebat". Nesse sonho votivo, a rainha disse à divindade: "Se vós, minha Senhora, divina Hebat, irá deixar o rei bem e não o entregará ao mal, farei para a divina Hebat uma estátua de ouro e uma roseta de ouro, e para o regaço, farei também um peitoral de ouro".

Em outra oportunidade, o evento registrado foi a aparição de um deus não identificado no sonho da rainha - talvez a mesma rainha que procurou a intervenção de Hebat para curar seu marido doente. No sonho, esse deus diz à rainha "em relação ao assunto que pesa sobre seu coração, sobre seu marido: ele vai viver; darei a ele 100 anos". Ao ouvir isso, "a rainha fez um voto em seu sonho: "Se vós fizerdes isso para mim e meu marido continuar vivo, darei aos deuses três vasos Harshialli, um com óleo, outro com mel e outro com frutas".

A doença do rei deve ter pesado muito no coração da rainha, pois num terceiro registro de sonho a rainha diz que alguém a quem ela não pôde ver repetia, no sonho: "Faça uma promessa à deusa Ningal" (esposa de Nanar/5in), prometendo a ela objetos rituais de ouro, decorados com lápis-lazúli, se o rei se recuperar. Ali a doença era descrita como "fogo dos pés".

Em outra parte da Ásia Menor, na Lídia, onde as cidades gregas prosperaram, um rei chamado Giges teve - segundo seu adversá­rio, o rei assírio Assurbanipal- um sonho premonitório. Nele, o rei adormecido viu uma inscrição que continha o nome de Assurbanipal. O mensageiro divino disse: "Curve-se perante os pés de Assurbanipal, o rei da Assíria; depois você conquistará seus ini­migos apenas mencionando o nome dele".

De acordo com a inscrição do rei assírio, o rei Giges, "no mesmo dia em que ele teve o sonho, me enviou um cavaleiro para me desejar boa saúde e contar-me o sonho; e desde o dia em que ele se cur­vou perante meus pés reais, conquistou os Cimérios, que vinham ameaçando os habitantes de seu país".

O interesse do rei assírio no registro de um rei estrangeiro não era senão um reflexo das crenças assírias no poder dos sonhos como uma forma poderosa de Encontro Divino. As epifanias e oráculos dos sonhos reais eram um fenômeno procurado com ansiedade e registrado pelos reis da Assíria; o mesmo era verdadeiro para os reis da vizinha e rival Babilônia.

O próprio Assurbanipal, que mantinha anais extensos em pris­mas de argila cozida (como a que se encontra no Museu do Louvre), relata numerosas experiências com sonhos; várias vezes eram de outros que não ele mesmo, como no caso do rei Giges.

Numa ocasião, era o registro de um sacerdote que, no meio da noite, "teve um sonho como se segue: havia um escrito sobre o pe­destal do deus Sin; o deus Nabu, escriba do mundo, estava lendo a inscrição repetidamente: sobre aqueles que planejam o mal contra Assurbanipal, rei da Assíria, e recorrem às hostilidades, trarei morte sofrida, terminarei suas vidas com uma rápida espada de ferro, conflagração, fome e doença". Um pós-escrito por Assurbanipal nesse relatório afirma: "Esse sonho eu escutei e coloquei minha con­fiança na palavra de meu Senhor Sin".

Em outra oportunidade ficou registrado que um só e o mesmo sonho - talvez "visão" fosse um termo melhor - foi experimenta­do por um exército inteiro. Nesse relevante texto, Assurbanipal conta que quando seu exército alcançou o rio Idide, este era uma corrente­za poderosa, e os soldados ficaram com medo de atravessar. "Mas a deusa Ishtar, que mora em Arbela, fez com que meu exército tivesse um sonho no meio da noite." Nesse sonho em massa ou visão, Ishtar dizia: "Vou à frente de Assurbanipal, o rei que eu mesma fiz". O exército, acrescenta Assurbanipal num pós-escrito, "apoiou-se nes­se sonho e atravessou o rio Idide em segurança". (Dados históricos confirmam a travessia desse rio pelo exército de Assurbanipal por volta de 648 a.C.)

Na introdução de outro sonho em relação ao seu reinado, Assurbanipal argumenta que o sonho de um sacerdote da deusa Ishtar resulta de uma comunicação anterior da deusa diretamente com o rei. "A deusa Ishtar escutou meus suspiros ansiosos e disse para mim: 'Não tema... visto que ergueu as mãos em oração e seus olhos estão cheios de lágrimas. Tenho piedade de você'."  .

Foi durante a mesma noite da epifania acima que "um sacerdo­te-vidente foi para a cama e teve um sonho: quando acordou, assus­tado, Ishtar fez com que ele tivesse uma visão noturna". Conforme relatado pelo sacerdote a Assurbanipal, o que ele viu foi isso: "A deusa Ishtar, que vive em Arbela, veio. Aljavas pendiam à sua direi­ta e à sua esquerda; ela manteve o arco em sua mão; sua espada afiada estava desembainhada para a batalha. Vós estáveis perante ela, e ela falava a vós como uma mãe verdadeira". Então, disse, o sacerdote escutou em sua visão Ishtar dizer ao rei: "Espere em seu ataque; aonde quer que vá, eu irei à frente... Fique aqui, coma, tome vinho, alegre-se e louve minha divindade, enquanto avanço e reali­zo a tarefa pela qual me pediu". Então o sacerdote continuou a des­crever sua visão: A deusa abraçou o rei e o envolveu em sua aura protetora; "suas feições brilhavam como fogo, e ela saiu da sala". A visão, contou o sacerdote-vidente ao rei, significava que Ishtar esta­rá ao lado do rei quando ele marchar contra o inimigo. A visão de Ishtar armada como uma deusa guerreira emitindo raios está regis­trada em várias

Os anais de Assurbanipal, que se gabava de que entre seu grande conhecimento constava a habilidade de interpretar sonhos, estão repletos de referências a oráculos - provavelmente por meio de sonhos, embora isso não esteja especificado - dados a ele por este ou aquele dos" grandes deuses, meus senhores", ligados às suas campanhas militares. O interesse dele em sonhos e suas interpretações o levou também a ter os arquivos estatais examinados à procura de registros de oráculos do passado. Assim ficou-se sabendo que um arquivista de nome Marduk-shum-usur contou a Assurbanipal que seu avô, Senaqueribe, tivera um sonho no qual o deus Asur, o deus nacional da Assíria, apareceu a ele e disse: "Ó sábio rei, rei dos reis: és filho do sábio Adapa, ultrapassas todos os ho­mens no conhecimento de Apsu (o domínio de Enki)".

No mesmo relatório, o arquivista, evidentemente treinado como um sacerdote de oráculo, também relatou a Assurbanipal as circuns­tâncias que fizeram seu pai, Asaradão, invadir o Egito. Foi quando "teu pai, Asaradão, se encontrava na região de Haran que ele viu um templo de cedro e entrou e viu no interior o deus Sin apoiado num cajado, segurando duas coroas". O deus Nusku, o Divino Men­sageiro dos deuses, "estava em pé perante ele; quando o pai do rei entrou, o deus colocou uma coroa sobre sua cabeça dizendo: 'Você vai para outros países, onde será o conquistador'. Teu pai partiu e conquistou o Egito".

Embora o texto não diga nada explicitamente, presume-se que o incidente no templo em Haran também tenha sido um sonho, uma visão-sonho de Asaradão. Na verdade, textos históricos e religiosos daquele época indicam que Nanar/Sin deixou a Mesopotâmia de­pois que a Suméria foi destruída e Marduk voltou à Babilônia para reclamar supremacia "na Terra e nos Céus" (em 2024 a.C., por nos­sos cálculos). Haran, onde Asaradão recebeu o oráculo permissivo do deus ausente, era um lugar de dois cultos de Nanar/Sin, imitando o centro principal de Nanar/Sin na Suméria - a cidade de Ur. Foi para Haran que o pai de Abraão, o sacerdote Terah, levou sua família ao deixar Dr. Conforme veremos, Haran entrou em desta­que quando os sonhos-profecias e os eventos reais mais uma vez mudaram o curso da história.

Conforme profetizado pelos profetas bíblicos, a poderosa Assíria, o flagelo das nações, prostrou-se perante os invasores aquemênidas (da Pérsia), que conquistaram Nínive em 612 a.C. Na Babilônia, Na­bucodonosor, livre da pressão dos assírios, avançou nas terras va­zias próximas e distantes e destruiu o templo em Jerusalém. Mas os dias da Babilônia também estavam contados e o final foi previsto para o rei numa série de sonhos. Conforme registrado pela Bíblia, (Daniel, capítulo 2) Nabucodonosor teve um sonho perturbador. Chamou os "mágicos, videntes, feiticeiros e caldeus" (astrólogos) e pediu-lhes para interpretar o sonho - sem contar, entretanto, qual fora o sonho. Como não puderam atender ao seu pedido, ordenou a execução deles. Porém Daniel foi levado perante o rei e invocou os poderes do "Deus no céu que revela mistérios". O carrasco recebeu a ordem de esperar, e Daniel primeiro adivinhou o sonho, explicou seu significado. "Em sua visão, apareceu uma estátua muito gran­de", disse ele ao rei. "Tal estátua era de tamanho extraordinário e tinha em pé diante de ti." A cabeça da estátua era de ouro puro, o peito e os braços, de prata, o ventre e as coxas, de bronze, as pernas eram de ferro, os pés parte ferro e parte barro. Então uma pedra que nenhuma mão segurou apareceu e reduziu a estátua em pedaços; os pedaços se tomaram palha, que foi carregada pelo vento para desa­parecer de todo lugar; e a pedra tomou-se uma grande montanha.

        "Esse foi o sonho", afirmou Daniel, e aqui está o significado: A estátua representa a grande Babilônia; a cabeça de ouro é Nabuco­donosor; depois dele existirão mais três reis menores; no final, tudo será varrido como palha e um novo rei de outro lugar se elevará.

Nabucodonosor teve um segundo sonho, depois disso. Chamou os videntes, incluindo Daniel. Em "visões enquanto estava deitado na cama", o rei disse que viu uma árvore alta que continuava cres­cendo até atingir os céus; era uma árvore frutífera que fornecia som­bra. De repente:

 

A visão da minha cabeça, estando eu na minha cama,

é esta: eis que um Vigia, um Santo, desceu dos céus.

Clamou com uma voz forte e disse:

"Deitai abaixo pelo pé esta árvore, cortai-Ihe os

ramos e espalhe seus frutos, mas deixai na terra

o tronco com suas raízes.

 

E Daniel disse ao rei que a árvore era ele, Nabucodonosor; e a visão era um oráculo das coisas que viriam a acontecer - o final de Nabucodonosor, condenado a perder o juízo, a vagar pelos campos como folha soprada pelo vento e a comer como os animais. A tradi­ção sustenta que Nabucodonosor realmente enlouqueceu, morrendo sete anos depois daquele sonho premonitório (562 a.C.).

Conforme o previsto, os três sucessores foram reis de vida cur­ta, depostos e mortos numa série de rebeliões. Nesse espaço entrou a alta sacerdotisa do templo de Sin, em Haran, a qual numa série de preces a seu deus o convence a voltar para Haran e abençoar a elevação de seu filho, Nabunaid (embora ele fosse apenas remotamen­te associado à linha real assíria). Como resultado disso, o último rei efetivo da Babilônia e seus sonhos ligaram o final da civilização mesopotâmica a Haran. A época era 555 a.C.

Para que um não-babilônio seguidor de Sin fosse o dirigente da Babilônia, era necessária a aprovação de Marduk e a reaproximação entre esse filho de Enki e o filho de Enlil (Sin). A dupla bênção e o entendimento foram confirmados - talvez conseguidos - pelos vários sonhos de Nabunaid. Eram tão importantes que ele os gravou em estelas, para que todos os conhecessem.

Os sonhos premonitórios de Nabunaid possuem alguns aspec­tos incomuns. Em pelo menos dois deles, planetas representando divindades fazem sua aparição. Em outro, a presença de um rei morto toma parte nos acontecimentos, e foi dividido em duas partes como forma de relatar um sonho no interior de outro sonho.

No primeiro dos três sonhos registrados, Nabunaid viu "o pla­neta Vênus, o planeta Saturno, o planeta Ab-Hal, o Planeta Brilhan­te e a Grande Estrela, as grandes testemunhas que vivem no céu". Ele (no sonho) erigiu altares para eles e rezou por uma vida dura­doura, reinado longo e uma resposta favorável de Marduk. Nabunaid, então - no mesmo sonho ou numa seqüência -, "dei­tou-se e contemplou, em visão noturna, a Grande Deusa que restaura a saúde e concede a vida aos mortos". Rezou para ela, também, por vida longa e "pedi que ela voltasse seu rosto para mim". E...

 

Ela se voltou realmente

e olhou diretamente para mim

com seu rosto brilhante,

indicando assim sua piedade.

 

No preâmbulo do relatório de outro sonho, Nabunaid afirma que ele "se tomou apreensivo em relação à conjunção da Grande Estrela e da Lua", os equivalentes celestes de Marduk e Nanar/Sin. Então dispôs-se a contar o sonho:

 

No sonho, de repente apareceu um homem a meu lado. Ele me disse: "Não existem aspectos ruins na conjunção".

No mesmo sonho, Nabucodonosor, meu antecessor no trono, apareceu perante mim. Ele estava em pé sobre um carro, com um cocheiro. O cocheiro disse a Nabucodonosor: "Fale com Nabunaid para que ele possa contar o sonho que teve!".

Nabucodonosor escutou-o e disse para mim: "Conte-me os bons augúrios que viu".

Respondi: "Em meu sonho, vi com alegria a Grande Estre­la e a Lua. E o planeta de Marduk, alto no céu, me chamou pelo nome".

 

A conjunção dos equivalentes celestes de Marduk e Sin significava, assim, a concordância de ambos na ascensão de Nabunaid ao trono. Nabucodonosor parecia, numa espécie de retrospectiva, aprovar sua sucessão.

O terceiro sonho mostrava a reaproximação de Marduk e Sin ainda mais. Nele, os "grandes deuses" Marduk e Sin estavam em pé juntos, e Marduk repreendeu o rei por ainda não ter começado a reconstrução do templo de Sin, em Haran. Na conversa, Nabunaid explicou que não podia fazer aquilo porque os medos estavam sitiando a cidade. Marduk, então" previu a derrota do inimigo pela mão de Ciro, o rei aquemênida. Isso realmente acontece mais tarde, relata Nabunaid num pós-escrito do registro desse sonho.

Ao lutar para manter o império unido, Nabunaid indicou seu filho Baltasar como regente da Babilônia. Lá, porém, no meio de um banquete destinado a fazer esquecer o torvelinho que o cercava, apareceu a Escrita-na-parede. Mene, Tekel, Fares eram as palavras - ­os dias da Babilônia estão contados, o reino será dividido e entregue aos medos e persas. Em 539 a.C. a cidade caiu perante o rei aquemênida Ciro. Um de seus primeiros atos foi permitir o retomo dos exilados para a sua terra de origem e restituir-lhes a liberdade de cultuar nos templos de sua escolha - um edito gravado no Ci­lindro de Ciro, agora no Museu Britânico, em Londres. Para os exilados judeus, ele escreve uma proclamação especial permitindo sua volta para a Judéia e a reconstrução do Templo de Jerusalém; ele fez isso, afirma a Bíblia, porque foi "encarregado de agir assim" por Iavé, o Deus do Céu.

 

Os Deuses também sonham?

 

Todos os animais que dormem também sonham? Apenas os ma­míferos, apenas os primatas - ou o sonho é exclusivo da espécie humana?

Se, como parece ser o caso, o sonho é um dos talentos e habilidades únicas que o homem não adquiriu apenas pela evolução, en­tão é parte da herança genética proporcionada a nós pelos Anunnaki. Mas, para fazer isso, eles mesmos precisariam ser capazes de so­nhar. Será que sonhavam?

A resposta é Sim. Os "deuses" Anunnaki também tinham sonhos-­oráculos.

Um exemplo é o sonho-oráculo quando Dumuzi, o filho de Enki, prometido a Ishtar, neta de Enlil, previu num sonho sua própria mor­te, trazendo a um final trágico a história Anunnaki de "Romeu e Julieta". O texto, chamado "Seu coração está cheio de lágrimas", conta como Dumuzi, tendo estuprado sua própria irmã Geshtinanna, vai dormir e tem pesadelos. Sonha que todos os seus atributos de status e posses são tirados dele um a um por um pássaro "principes­co" e um falcão. No final, ele vê a si mesmo morto em seus pastos de carneiros.

Ao acordar, Dumuzi perguntou a sua irmã o significado do sonho. "Meu irmão, seu sonho não é favorável", disse ela. O sonho previu, prosseguiu ela, sua prisão por "bandidos" que vão atar seus braços e pernas. Em pouco tempo, realmente, "delegados ruins" chegam para prender Dumuzi, por ordem de seu irmão mais velho, Marduk. Uma saga de escapadas e perseguições se seguiu; no fim, Dumuzi, encontrava-se no meio do pasto. Quando o demônio Gallu o agar­rou, na luta, Dumuzi foi morto acidentalmente; conforme ele vira no sonho, seu corpo sem vida jaz entre os equipamentos no campo.

Nos textos cananeus em relação a Baal e Anat, é a deusa Anat que enxerga, num sonho profético, o corpo sem vida de Baal e fica sabendo onde está, de forma que ela possa recuperá-la e reviver o deus morto.

 

ANJOS E OUTROS EMISSÁRIOS

Uma visão noturna, uma observação de Ovni e uma aparição de anjos se juntam como um dos sonhos mais intrigantes narrados pela Bíblia, conhecido como Sonho de Jacó. Trata-se do mais significativo Encontro Divino, pois nele o próprio Iavé jurou proteger Jacó, filho de Isaac e neto de Abraão, abençoá-lo e à sua semente, e dar a Terra Prometida a ele e seus descendentes para sempre.

As circunstâncias que levaram a esse Encontro Divino, no qual Jacó - numa visão - viu os Anjos do Senhor em ação, ocorreram durante a jornada de Jacó de Canaã, onde a família se estabelecera, até Haran, onde outros membros da família de Abraão ficaram quando ele foi até o Sinai e o Egito. Receoso de que seu filho Jacó, com quem a sucessão divina repousava, se casasse com uma cananéia pagã, "Isaac chamou Jacó, o abençoou e disse-lhe: Não tomes mu­lher das filhas de Canaã. Levanta-te, vá para Padam-Aram, à casa de Betuel, pai de tua mãe, e toma para ti, de lá, mulher das filhas de Labão, irmão da tua mãe".

Haran, conforme recordamos, era uma parada de caravanas (que é o significado do nome) na rota para o norte, da Mesopotâmia para as terras do Mediterrâneo, e, portanto, para o Egito. Foi lá que Abraão ficou com seu pai, Terah, antes de receber a ordem de prosseguir para o sul; foi lá que Asaradão (cerca de quinhentos anos depois) recebeu a profecia para invadir o Egito, e Nabunaid foi escolhido para reinar sobre a Babilônia (Haran, ainda chamada por seu nome antigo, atualmente continua uma grande cidade no sul da Turquia, mas desde que mesquitas muçulmanas foram construídas sobre o monte, com a mesquita principal no local do antigo terreno sagrado, os arqueólogos não podem cavar lá. Numerosas ruínas de estruturas ainda são associadas com Abraão, e um poço ao norte da cidade é chamado Poço de Jacó, cuja história se segue).

Ao iniciar sua viagem para o norte de Beersheba, Jacó chegou ao final de um dia a um lugar onde seu avô Abraão havia acampa­do, viajando em sentido oposto, de Haran para Beersheba. Cansa­do, Jacó deitou-se para dormir em um terreno rochoso. O que se segue é mais bem narrado nas próprias palavras da Bíblia (Gênesis, capítulo 28):

 

"E saiu Jacó de Beersheba e foi para Haran. E se encontrou no lugar, e dormiu ali porque havia se posto o sol. E tomou uma das pedras do lugar, colocou-a a sua cabeceira e deitou­-se naquele lugar. E sonhou, e eis que uma escada estava apoia­da na terra, e seu topo chegava até os céus, e eis que anjos de Elohim subiam e desciam por ela. E eis que o Eterno estava sobre ela e dizia: 'Eu sou Iavé, o Elohim de Abraão, teu avô, e o Elohim de Isaac; a terra em que jazes sobre ela, a ti darei e à tua semente. E será a tua semente como o pó da terra, e te fortalecerás, a oeste, a leste, ao norte e ao sul; e por isso serão benditas todas as famílias da terra, e por tua posteridade. E eis que Eu estou contigo, e te guardarei para onde quer que fores, e te farei voltar a esta terra; porque não te abandonarei até que Eu faça o que falei por ti'.

        "E despertou Jacó do seu sono e disse: 'Certamente Iavé está neste lugar, e eu não sabia.

"E ele temeu e disse: 'Quão espantoso é este lugar! Este não é outra coisa a não ser a casa de Elohim, e esta é a porta dos Céus!'.

"E madrugou Jacó, e pela manhã tomou a pedra que colo­cara à cabeceira e a pôs como monumento, e derramou azeite sobre seu topo e chamou aquele lugar de Beth-EI."

Nesse Encontro Divino, numa visão noturna, Jacó viu o que, sem dúvida, hoje em dia chamaria de Ovni; com exceção de que, para ele, não era um Objeto Voador Não-Identificado. Jacó percebeu que os ocupantes ou operadores eram seres divinos, "anjos de Elohim", e seu Senhor ou comandante não era outro que não o próprio Iavé, que "estava sobre ela". O que ele testemunhou não deixou dúvidas de que o local era um "Portal para o Céu" - um lugar do qual os Elohim podiam ir para o céu. As palavras são similares àquelas apli­cadas à Babilônia (Bab-Ili, "Portão dos Elohim"), onde ocorreu o incidente com a torre de lançamento" cujo cimo deve alcançar o céu".

O comandante identificou a si mesmo para Jacó como "Iavé, o Elohim" - o DIN.GIR - "de Abraão, teu avô, e o Elohim de Isaac". Os operadores da "escada" são identificados como" anjos de Elohim", e não simplesmente anjos; e Jacó, percebendo que sem saber parara no local usado por esses astronautas divinos, chamou o lugar de Beth-EI (Casa de El), sendo El o singular de Elohim.

Algumas palavras de etimologia e da identidade desses" anjos" são necessárias.

A Bíblia é cuidadosa ao identificar os subordinados da divindade como “Anjos de Elohim”, e não simplesmente “anjos”, porque o termo hebraico Mal’akhim não significa “ anjos”; significa, literalmente, “emissários”; e o termo é empregado na Bíblia para emissários comuns, de carne e osso, que levavam mensagens reais, e não divi­nas. O rei Saul enviou Mal'akhim (normalmente traduzido como “mensageiros”) para convocar Davi (II Samuel 16:19); Davi enviou Mal'akhim (também traduzido como “mensageiros”) ao povo de Jabesh Gilead para informá-los de que ele fora ungido rei (II Samuel 2:5); o rei Ahaz, da Judéia, enviou Mal'akhim (“emissários”) ao rei assírio, Teglate Falasar para ajudar a repelir ataques inimigos (II Reis 16:7), e assim por diante. Etimologicamente, o termo deriva da mes­ma raiz Mala'kha, que foi traduzida alternadamente como “traba­lho”, “ofício”, “artesanato”. A Bíblia emprega o termo nessa derivação em conexão com a “Sabedoria e Entendimento” que Iavé deu a Bezalel para ser capaz de realizar o Mala'kha necessária para construir o Tabernáculo e a Arca da Aliança no deserto do Sinai, portan­to um Mal'akh (singular de Mal'akhim) significava não um mero mensageiro, mas um emissário especial, treinado e qualificado para a tarefa e com alguns poderes de autonomia (como um embaixador teria). A referência das próximas páginas é relativa à expressão “Anjos de Elohim, os Emissários Divinos”.

A história de Jacó é pontilhada de sonhos premonitórios e en­contros angélicos - continuando, como veremos, as experiências dos Patriarcas, seu avô, Abraão, e seu pai, Isaac.

Ao encontrar Raquel no poço de água nos pastos de Haran e descobrindo que ela era filha de seu tio Labão, Jacó pediu a permissão de Labão para casar com ela. O tio concordou, desde que Jacóaceitasse servir Labão durante sete anos; depois disso Labão fez com que Jacó se casasse com sua filha mais velha, Lia, exigindo que ele servisse outros sete anos para ter Raquel como segunda esposa. Por insistência de Labão, Jacó, suas esposas, os filhos e os rebanhos que ele conseguiu acumular ficaram... por vinte anos. Então, uma noite Jacó teve um sonho. Nesse sonho, ele viu “carneiros saltando nos rebanhos, que eram listrados, malhados e pintados”. Intrigado pelo que vira, Jacó então recebeu uma profecia na segunda parte do sonho na qual um “anjo de Elohim” aparece e o chama pelo nome. “E disse Jacó: Aqui estou eu. E disse o anjo: Ergue, rogo, teus olhos, e vê que todos os carneiros que cobrem o rebanho são listrados, malhados e pintados, pois tenho visto tudo o que Labão fez a ti. Eu sou El, de Beth-El, onde sagraste um monumento... Agora levanta, sai desta terra e volta à terra de teu nascimento."

Assim, agindo de acordo com seu sonho-oráculo, Jacó apanhou sua família e seus pertences, e aproveitando a oportunidade de Labão se encontrar longe de casa, tosquiando ovelhas, deixou Haran apres­sadamente. Quando a notícia chegou a Labão, este ficou furioso. "E veio Elohim a Labão, o arameu, no sonho da noite, e disse-lhe: Guar­da-te ao falar com Jacó; nem bem, nem mal". Assim prevenido, Labão acabou por concordar com a partida de Jacó, e os dois erigiram uma pedra, segundo os costumes da época. Chamadas de Kudurru, eram pedras arredondadas no topo; os termos do acordo foram inscritos nelas, terminando com juramentos e a invocação dos deuses de cada parte como testemunhas do tratado; algumas vezes os símbolos dos equivalentes celestes dos deuses invocados estavam gravados próximos ao topo arredondado da pedra. Constitui um indicativo da precisão bíblica ao descrever o evento quando a narrativa (Gênesis 31:53) afirma: "O Elohim de Abraão e o Elohim de Nahor julguem entre nós, o Elohim dos pais deles". Enquanto o nome do Deus de Abraão, Iavé, não é mencionado, uma distinção é feita entre Ele e os deuses de seu irmão Nahor (que ficara para trás em Haran); todos, segundo Labão, eram Elohim do pai, Terah.

Os dados bíblicos sugerem que a rota favorita dos Patriarcas en­tre o Neguev (a parte sul de Canaã, que faz limite com a península do Sinai), da qual Beersheba era (e ainda é) a cidade principal, envolvia uma travessia do rio Jordão; isso indica que a Estrada do Rei, a leste do rio, era usada (em vez da costeira, a Estrada do Mar - veja o mapa). Foi então que Jacó, viajando para o sul com sua família, comitiva e rebanhos, chegou a um lugar onde o afluente Iaboc cria uma passagem mais fácil para a travessia do Jordão pelas montanhas; ali acon­teceu seu encontro seguinte com um Mal'akhim. Dessa vez, entretan­to, não foi sonho nem visão: foi um encontro face a face!

O acontecimento é relatado no capítulo 32 do Gênesis:

 

E voltou Jacó a seu caminho,

e encontraram-no anjos de Elohim.

E disse Jacó quando os viu:

"Um acampamento dos Elohim é este!",

E chamou o lugar de Mahana' im

(o Lugar de Dois Acampamentos).

 

O acontecimento foi gravado aqui em apenas dois versos, signi­ficativamente constituindo uma secção separada na escrita formal da Bíblia. Nos versos seguintes é narrada a história subseqüente, mas não relacionada à história do encontro de Jacó com seu irmão Esaú. A forma pela qual os antigos editores das Escrituras trataram esses dois versos traz à mente a forma pela qual o segmento dos Nefilim foi narrado no capítulo 6 do Gênesis (antecedendo a histó­ria de Noé e da arca), em que o segmento é nitidamente um rema­nescente de um texto mais longo. Da mesma forma, essa referência deve ser um relato de encontro com um grupo ou acampamento de Emissários Divinos - dois versos que permaneceram de um texto mais longo e detalhado.

Os antigos editores do Gênesis devem ter mantido a breve menção por causa do episódio que se segue, porque explica o motivo pelo qual o nome Jacó foi mudado para Israel.

Ao chegar ao Vau do Iaboc, incerto de qual seria a atitude de seu irmão Esaú ao saber que o rival de sua sucessão retomara, Jacó adotou a estratégia de enviar a comitiva um pouco de cada vez. No fim, apenas ele, suas duas esposas com as criadas e os onze filhos permaneceram no acampamento para passar a noite; dessa forma, sob o proteção da escuridão, Jacó "tomou-os e os fez passar o ribei­ro, e fez passar tudo o que era dele".

Então ocorreu o inesperado Encontro Divino:

 

E ficou Jacó só;

e lutou um homem com ele

até levantar-se a aurora.

E vendo que não podia com ele,

tocou-lhe na juntura de sua coxa (de Jacó),

e desconjuntou-se a juntura da coxa de Jacó

em sua luta com ele.

 

E disse: "Deixa-me ir, que vem rompendo a aurora".

Mas Jacó disse: "Não te deixarei ir,

salvo se me abençoares".

E ele disse: "Qual é teu nome?".

E disse: "Jacó".

E disse: "Não, Jacó não será mais teu nome,

e sim Israel, pois lutaste com (o anjo de) Deus

e venceste".

 

Isra-EI é um jogo de palavras que combina o significado de "disputa, luta", com EI, a divindade).

 

E perguntou Jacó:

"Dize-me, rogo, teu nome!".

E ele disse: "Por que perguntas meu nome?".

E ali o abençoou.

 

E chamou Jacó o lugar de Peni-El

(Rosto de El)

"Porque vi Elohim

face a face e foi salva minha alma".

E nasceu o sol quando passou Peniel,

e manquejava de sua coxa.

 

A primeira referência na Bíblia a um anjo do Senhor é no capítu­lo 16, relatando um acontecimento na época do avô de Jacó, Abraão. Abraão e sua esposa, Sara, estavam ficando velhos - ele com mais de oitenta e ela dez anos mais nova; e ainda não tinham filhos. Abraão acabava de cumprir a missão pela qual fora até Canaã - afastar ataques ao Espaçoporto no Sinai: a Guerra dos Reis (descrita no ca­pítulo 14 do Gênesis). O agradecido Senhor Iavé:

 

Apareceu a Abrão em uma visão, dizendo:

"Não temas, Abrão, Eu sou teu escudo;

tua recompensa será muito grande".

 

Porém Abraão (ainda chamado pelo nome sumério, Abrão), que não tinha filhos, respondeu amargamente: "Eis que a mim não des­te semente, e é que meu escravo vai me herdar".

 

E eis que foi a palavra de Iavé a ele:

"Este não te vai herdar,

senão o que sairá de tuas entranhas;

esse te herdará".

E o fez sair e disse: "Olha para os céus

e conta as estrelas, se podes contá-las".

E disse: "Assim será tua semente".

 

Foi nesse dia que Iavé fez uma aliança com Abrão, dizendo: "À tua semente dei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio Eufrates".

Porém a história bíblica continua. A despeito da promessa de incontáveis descendentes, Sara não teve um filho de Abraão. Então Sara disse ao marido que talvez fosse vontade do Senhor que Abraão não dependesse da capacidade de ela ter filhos, e sugeriu que ele "viesse" até sua serva pessoal, Hagar, a egípcia. E "Hagar concebeu", e começou a depreciar sua ama.

Embora fosse sua própria sugestão, Sara ficou furiosa e "mal­tratou-a", e Hagar fugiu.

 

E achou-a o anjo do Senhor

sobre a fonte das águas do deserto,

no caminho de Shur.

E disse: "Hagar, serva de Sara,

de onde vens e aonde vais?".

 

Hagar explicou que estava fugindo de sua ama, então o anjo lhe disse para voltar, pois teria um filho e dele haveria descendência numerosa. "E o chamarás de Ishma-El - Deus Ouviu -, porque ouviu Deus tua aflição." E voltou Hagar e deu à luz Ismael; "e Abraão tinha 86 anos quando Ismael nasceu". Passaram-se treze anos antes que Iavé mais uma vez" aparecesse" a Abraão e confirmasse a Aliança com ele e seus descendentes e tomasse providências para conceder a Abraão uma legítima sucessão por meio de um filho de sua meia-irmã (Sara). Como parte de sua legitimação, Abraão e todos de sua casa tiveram que ser circuncidados; como parte da herança de Canaã e para cortar todos os laços com o antigo país, a Suméria, o patriarca hebreu e sua esposa tiveram de mudar seus nomes su­mérios (Abrão e Sarai) e adotar as versões semitas, Abraão e Sara. (Nossas referências até agora a "Abraão" e "Sara" foram por conveniência; a Bíblia, até esse ponto, os trata de Abrão e Sarai.) Abraão tinha, nessa época, 99 anos.

Os detalhes desses encontros divinos, associados à predição sobre o nascimento de Isaac por Sara, são fornecidos no capítulo 17 do Gênesis. As circunstâncias - a teofania que levou à destruição de Sodoma e Gomorra - são descritas no capítulo seguinte, "quando Iavé mostrou-se" a Abraão. O idoso patriarca estava sentado à por­ta de sua tenda; era meio-dia, a hora mais quente. Repentinamente, três estranhos apareceram a Abraão, como se viessem do nada:

 

E ele ergueu os olhos e olhou,

e eis que três homens estavam parados acima dele.

E quando os viu, correu ao encontro deles

desde a porta da tenda e prostrou-se em terra,

e disse (ao maior):

"Meu Senhor, se tenho achado graça em teus olhos,

rogo-te que não passes por (sobre) teu servo.

 

A cena é repleta de mistério. Três estrangeiros aparecem de re­pente a Abraão, vistos quando ele ergue os olhos para o céu. Ele os vê em pé, "acima dele". Embora não identificados ainda, ele rapida­mente reconhece a natureza extraordinária - divina - do encon­tro. De alguma forma, um deles se destaca, e Abraão se dirige a ele, chamando-o "Meu Senhor". Suas palavras iniciam-se com um pedi­do importante: "Rogo-te que não passes sobre teu servo". Em ou­tras palavras, ele reconheceu a habilidade de percorrer os céus... Ainda assim, eles eram tão humanos que ele lhes ofereceu água para lavar os pés, convidou-os para descansar à sombra da árvore, e lhes ofereceu um pedaço de pão para "sustentar o coração", an­tes que passassem "sobre" ele. "E eles disseram: Assim fareis, con­forme falaste."

"E apressou-se Abraão à tenda, onde estava Sara" e pediu a ela que preparasse pães, enquanto ele providenciou um prato de carne, depois serviu a refeição a eles. Um deles, perguntando a respeito de Sara, disse: "Em um ano, quando eu retomar a ti, terá um filho Sara, tua mulher". Ao escutar aquilo na tenda, Sara riu, pois como pode­riam ela e Abraão, tão idosos, ter um filho?

 

E disse Iavé a Abraão:

"Por que se riu Sara dizendo:

Como é verdade que darei à luz, se envelheci?

Existe oculto de Iavé alguma coisa?

No prazo fixado voltarei a ti,

na mesma época no ano que vem,

e Sara terá um filho".

 

E seria por intermédio de Isaac que a semente da Aliança feita com Abraão se faria duradoura, afirmou Iavé.

À medida que a história continua, lemos que as pessoas se er­gueram para olhar na direção de Sodoma, e Abraão foi acompanha-­los. Mas enquanto a narrativa continua a descrever os três visitantes inesperados como Anashim - "pessoas" - o oráculo em relação ao nascimento de Isaac (cujo nome hebraico, Itz'hak, era um jogo de palavras com o "riso" de Sara) nos deixa entrever que um dos três era o próprio Iavé. Foi uma teofania impressionante, em que o Patriarca teve o Senhor Iavé como hóspede!

Ao chegarem ao promontório do qual Sodoma podia ser vista no vale do mar do Sal, Iavé resolveu contar a Abraão qual o motivo de sua visita.

 

E disse Iavé:

"O clamor de Sodoma e Gomorra aumentou,

e seu pecado se agravou muito.

Descerei, pois, e verei que,

se fizeram como o clamor (das cidades)

vem a mim, darei fim neles;

Do contrário, o saberei".

 

Essa, então, era a missão das outras duas "pessoas" que esta­vam com Iavé - verificar a verdade ou a extensão da verdade sobre os "pecados" das duas cidades no vale do Jordão, próximo ao que hoje em dia é o mar Morto, de forma que Iavé pudesse determinar­lhes o destino. "E se voltaram dali as pessoas e foram a Sodoma, e Abraão ainda estava diante de Iavé", é o que lemos em Gênesis 18:22; porém quando a chegada das duas "pessoas" a Sodoma é narrada a seguir (Gênesis 19:1), toma-se claro aonde foram os dois: "E vieram os dois anjos a Sodoma, de tarde". Os três visitantes que haviam aparecido a Abraão, portanto, eram Iavé e seus dois emissários.

Antes que a Bíblia se focalize nas visitas dos anjos a Sodoma e Gomorra para a destruição das" cidades do mal", a Bíblia mostra uma conversa incomum entre Abraão e Iavé. Aproximando-se do Senhor, Abraão assumiu o papel de advogado de defesa de Sodoma (onde Lot, seu sobrinho, morava com a família). "Se encontrar cinqüenta justos dentro da cidade, também a destruirás e não a per­doarás pelos cinqüenta justos que há dentro dela? Longe de ti fazer tal coisa, de matar o justo com o mau?"

Lembrando Iavé de que ele era "Juiz de toda a Terra", e que sempre faria justiça, Abraão colocou o Senhor num dilema. Então Iavé respondeu que se houvesse cinqüenta justos em Sodoma ele pouparia a cidade. Em seguida Abraão, pedindo desculpas pela audácia, insistiu, perguntando o que aconteceria se faltassem cinco a esse número. Iavé respondeu, dizendo que não a destruiria se houvesse 45 justos. Assumindo a ofensiva, Abraão começou a barganhar, reduzindo o número de justos pelos quais a cidade seria poupada, até chegar a dez. "E foi embora Elohim logo que acabou de falar a Abraão", subindo para o céu, de onde viera naquele mesmo dia. "E Abraão voltou ao seu lugar."

"E vieram os dois anjos a Sodoma, de tarde, e Lot estava senta­do à porta de Sodoma; e viu-os Lot, e levantou-se indo ao seu en­contro, prostrou seu rosto em terra e disse: Eis que vos rogo, meus senhores, vinde, rogo, à casa de vosso servo e dormi, e lavai vossos pés e madrugareis e seguireis vosso caminho." Sendo que os dois concordaram em ficar na casa de Lot, "os homens da cidade, os ho­mens de Sodoma, desde o jovem até o velho, todo povo de todo lado chamaram a Lot e disseram: 'Onde estão os homens que vieram a ti esta noite? Faze-os sair para nós, e os conheceremos"'. E quando o povo insistiu, chegando a tentar arrombar a porta da casa de Lot, os anjos "feriram de cegueira, desde o pequeno até o grande, e cansaram-se para encontrar a porta".

Teriam os anjos usado algum tipo de cajado mágico, um emis­sor de raios, contra as pessoas que tentavam arrombar a porta? Na resposta a essa pergunta encontra-se a resposta a um mistério maior. Ao descrever a chegada dos visitantes de Abraão e depois de Lot, esses visitantes são chamados de Anashim - "pessoas" (não necessariamente "homens", como o termo é traduzido muitas vezes). Ainda assim, em ambas as instâncias, os anfitriões reconhecem imedia­tamente algo que os faz parecer diferentes, algo" divino" neles. Os anfitriões logo os chamam de Senhores e se prostram. Se, conforme a descrição, os visitantes eram completamente antropomórficos, o quê, apesar disso, era tão diferente e distinto neles?

        A resposta que vem instantaneamente à mente seria - claro - ­suas asas! Mas, como demonstraremos a seguir, veremos que a resposta não é necessariamente essa.

A noção popular de anjos, uma imagem sustentada e ampliada por séculos de arte religiosa, é a de seres idênticos aos humanos,

mas que, ao contrário deles, estão equipados com asas. Na verdade, se lhes fossem retiradas as asas, seriam indistinguíveis de seres hu­manos. Trazidos para a iconografia ocidental pelos primeiros cris­tãos, a origem indubitável de tal representação de anjos foi o Orien­te Médio. Nós os encontramos na arte suméria - o emissário alado que levou Enkidu, os guardiões com os raios mortais. Nós os encon­tramos na arte religiosa da Assíria e do Egito, de Canaã e da Fenícia. Representações similares dos hititas chegaram a ser duplicadas na América do Sul, em Tiahuanaco, na Porta do Sol - evidência de contatos hititas com aquele local distante.

Embora os modernos estudiosos, desejando evitar conotações religiosas, se refiram aos seres representados como" gênios protetores", os povos antigos os consideravam uma espécie de deuses menores, que apenas executam as ordens dos "Grandes Senhores", que eram "Deuses do Céu e da Terra".

A representação deles como seres alados era claramente uma indicação da capacidade de voar pelos céus da Terra; nisso eles imitavam os próprios deuses, e especificamente aqueles representados como divindades aladas - Utu/Shamash e sua irmã gê­mea, Inana/Ishtar. A afinidade dos homens-águias com seu comandante, Utu/Shamash, também era óbvia. Sobre isso, a afirmação do Senhor (Êxodo 19:4) de que ele carregaria os Filhos de Israel "sobre as asas das águias" pode ter sido mais do que alegórica; também traz à lembrança a história de Etana, a quem uma águia ou Homem-Águia carregou pelos ares por ordem de Shamash.

Porém, como as traduções textuais da Bíblia atestam, tais auxiliares divinos alados eram chamados Querubim em vez de Mal'akhim. Querub (singular de Querubim) deriva do acadiano Karabu - "abençoar, consagrar". Um Karibu (macho) era um "abençoado, consagrado", e uma fêmea, Kuribi, significava Deusa Protetora. Tal como o Querubim bíblico foi designado para guardar" o caminho para a Árvore da Vida", a fim de prevenir a entrada de Adão e Eva no Jardim do Éden; proteger com suas asas a Arca da Aliança; servir de portadores do Senhor, seja segurando o Trono Divino, como na visão de Ezequiel, seja simplesmente carregando Iavé: "Ele cavalgou um Querub e voou para longe", lemos em II Samuel 22:11 e em Salmos 18:11 (outro paralelo com a história de Etana). Segundo a Bíblia, então, o Querubim alado tinha funções específicas e limitadas; não era assim com os Mal'akhim, os emissários que tinham ido e vindo em missões determinadas, e, como embaixadores plenipotenciários, possuíam poder de decisão.

Isso fica claro nos eventos em Sodoma. Tendo visto por si mes­mos a maldade do povo de Sodoma, os dois Mal'akhim instruíram Lot e sua família para que partissem imediatamente, "pois Iavé des­truirá esta cidade". Mas Lot demorou e pediu aos" anjos" que adias­sem o cataclismo da cidade até que ele, sua esposa e duas filhas pudessem alcançar a segurança das montanhas, que não ficavam tão perto. E os emissários concederam o pedido dele, prometendo adiar a destruição da cidade, a fim de dar a ele e à família tempo necessário para escapar.

Em ambas as circunstâncias (o súbito aparecimento a Abraão e a chegada aos portões de Sodoma), os" anjos" são chamados de "pes­soas", de aparência humana; se não são alados, então o que os toma reconhecíveis como Emissários Divinos?

Encontramos uma pista na representação do panteão hitita, esculpido num santuário rochoso, num local chamado Yazilikaya, na Turquia, não muito longe das impressionantes ruínas da capital hitita. As divindades estão arranjadas em duas procissões, os machos marchando da esquerda para a direita e as fêmeas em sentido contrário. Cada procissão é liderada por um dos grandes deuses (Teshub comandando os machos e Hebat liderando as fêmeas), seguidos pelos filhos, ajudantes e por deuses menores. Na procissão dos machos, os últimos são doze" emissários" cuja divindade ou papel e status são reconhecidos pelo que usam na cabeça e pela arma curva que empunham; à frente deles marcha um grupo bem mais importante de doze, também identificados pelos chapéus e pelo instrumento - um cajado com um aro ou disco no topo ­que empunham. Esse cajado também é utilizado pelas duas principais divindades.

Os grupos de doze homens desses deuses menores nas representações hititas trazem inevitavelmente à lembrança os Mal'akhim que Jacó encontrou em seu caminho de volta de Haran - que fica na atual Turquia - para Canaã. O que vem à mente, então, é que a posse de um dispositivo levado nas mãos foi O que tomou os anjos reconhecíveis pelo que eram (juntamente, pelo menos em algumas oportunidades, com os chapéus únicos).

Feitos miraculosos realizados por Mal'akhim na Bíblia, como cegar a multidão descontrolada em Sodoma, se repetem; é narrado um incidente similar ligado com as atividades e profecias de Elisha, o discípulo e sucessor do profeta Elias. Em outra oportunidade, o próprio Elias, escapando para salvar a vida depois de matar centenas de sacerdotes de Baal, foi salvo por um "anjo de Iavé" ao ficar exausto, sem comida e sem água no deserto de Neguev - na mesma área onde o anjo salvou Hagar, faminta, sedenta e sem destino.

Quando Elias, cansado, deitou-se para dormir sob uma árvore, um Mal'akh de repente o toca, dizendo: "Levanta-te e come". Ele comeu, bebeu um pouco e dormiu - apenas para ser outra vez tocado pelo anjo, que lhe disse para consumir a comida e a água, pois havia um longo caminho pela frente (o destino era "o monte dos Elohim, o Sinai, no deserto do Sinai). Embora a narrativa (I Reis 19:5-7) não revele como o anjo tocou Elias, pode-se admitir com relativa segu­rança que não foi com a mão, e sim com o cajado divino.

O uso de tal dispositivo é narrado com clareza na história de Gideão (Juízes, capítulo 6). Para convencer Gideão de que sua escolha de liderar os israelitas contra seus inimigos foi ordenada por 1avé, o "anjo de 1avé" o instrui a colocar sua oferenda de carne e pão sobre uma rocha; quando Gideão fez o que fora pedido,

 

O anjo de Iavé esticou o braço

e com a ponta do cajado

tocou a carne e os pãezinhos.

Então uma chama acendeu-se na pedra

e consumiu a carne e os pães.

 

Depois, o anjo de Iavé desapareceu de vista;

e Gideão percebeu que ele era [de fato]

um anjo de Iavé.

 

Em tais instâncias, o cajado mágico podia ter parecido o bastão que o grupo mais importante de doze empunhava na procissão de Yazilikaya. O instrumento curvo que o último grupo levava nas mãos pode ter sido a "espada" vista com os Mal'akhim quando enviados em missões de destruição. Tal visão é narrada em Josué, capítulo 5. Quando o líder israelita da conquista de Canaã enfrentou seu alvo mais difícil- a fortificada cidade de Jericó -, um Emissário Divino apareceu para dar instruções:

 

Estando Josué no campo da cidade de Jericó,

ergueu os olhos, e eis que

viu um homem posto em pé diante dele,

com a espada desembainhada na mão.

 

E Josué foi ter com ele

e disse-lhe:

"Tu és dos nossos ou dos inimigos?".

E ele respondeu:

"Nenhum; sou o capitão das hostes de Iavé".

 

Outra ocorrência, em que um Mal'akh guerreiro apareceu com um objeto como uma espada na mão, se deu na época de Davi. Por não observar a proibição de fazer o censo dos homens de armas do povo, o rei recebeu a palavra do Senhor por intermédio de Gad, o profeta, para escolher qual dos três castigos seria enviado pelo Senhor.

 

E Davi, ao erguer os olhos,

viu o anjo do Senhor

que pairava entre o céu e a terra,

uma espada desembainhada na mão,

voltada na direção de Jerusalém.

E Davi e os Anciãos, cobertos com cilícios,

se prostraram com o rosto por terra.

(I Crônicas 21:16)

 

Igualmente ilustrativas são as ocasiões em que os anjos apareciam sem um objeto específico nas mãos, pois então precisavam re­correr a outros atos mágicos para convencer os ouvintes da palavra divina de que sua embaixada era autêntica. Enquanto no caso do encontro com Gideão o cajado mágico foi especificamente mencio­nado, tal objeto não estava à vista quando o anjo de Iavé apareceu para a mulher estéril de Manoé e predisse o nascimento de Sansão, desde que ele fosse um nazareno, e a mulher, assim como o filho quando nascesse, se abstivessem de consumir vinho, cerveja e ali­mentos impuros (adicionalmente, o cabelo do menino jamais seria cortado). Quando o anjo apareceu uma segunda vez para certificar­se de que as instruções para conceber e criar o menino estavam sen­do cumpridas, Manoé procurou verificar a identidade do interlocu­tor, pois ele parecia um "homem". Então ele perguntou ao emissá­rio: "Qual o seu nome?".

Em vez de revelar sua identidade, o anjo fez uma "maravilha":

 

O anjo disse a ele:

"Por que queres saber meu nome,

que é secreto?".

 

Tomou pois Manoé um cabrito com as suas libações

e colocou-o sobre a pedra

como oferta a Iavé.

 

E o anjo realizou uma maravilha,

e Manoé e sua mulher estavam vendo:

quando subiu a chama do altar ao céu,

subiu também o anjo de Iavé no interior da chama.

E tendo Manoé e sua mulher visto isso,

caíram com o rosto em terra.

 

E depois não se mostrou mais o anjo de Iavé

a Manoé e sua mulher.

Então conheceu Manoé que aquele era um anjo de Iavé.

 

Um acontecimento mais famoso no qual o fogo foi usado magicamente para convencer o observador de que de fato estava recebendo uma mensagem divina é o incidente do Espinheiro Ar­dente. Foi quando Iavé escolheu Moisés, um hebreu criado como príncipe egípcio, para liderar os israelitas na saída do Egito. Ten­do escapado da ira do faraó para o deserto do Sinai, Moisés estava pastoreando o rebanho do sogro, o sacerdote midianita, "e ele veio ao monte dos Elohim, em Horeb", onde uma visão miraculosa cha­mou sua atenção:

 

E apareceu-lhe um anjo de Iavé

numa chama de fogo, no meio da sarça.

Ele olhou, e eis que a sarça ardia no fogo

e não se consumia.

 

E disse Moisés [para si mesmo]:

"Eu me aproximarei

e verei esta grande visão.

Por que a sarça não queima?"

 

E quando Iavé viu que Moisés se aproximou para ver,

chamou-o Elohim de dentro da sarça

e disse: "Moisés, Moisés!".

E disse (Moisés): "Eis-me aqui".

 

Tais milagres não precisam identificar o interlocutor como ser divino, conforme afirmamos quando este empunhava a arma curva ou o cajado mágico.

Representações antigas sugerem que provavelmente, pelo me­nos em alguns casos, foi outro aspecto distinto pelo qual as "pes­soas" ou os "homens" foram reconhecidos como emissários divinos: "óculos" especiais que eles usavam, em geral como parte do capacete. O pictograma hitita que expressa o termo" divino" é revelador, pois representa os símbolos do "Olho" que proliferaram na região do Alto Eufrates como ídolos colocados no alto dos altares ou pedestais. O último claramente imitava representações de divindades cujo aspecto mais aparente (além do capacete divino) eram os olhos protegidos por óculos.

Em um caso, a estatueta que representa uma cabeça com capacete e óculos e tem na mão um instrumento curvo, pode ter representado a forma como os anjos bíblicos apareceram a Abraão e Lot.

(Se, nessas ocasiões, a arma-cajado foi usada para cegar com seu raio, os óculos podem ter sido uma proteção necessária para o "anjo" contra os efeitos cegantes. Essa possibilidade é sugerida por recen­tes aperfeiçoamentos nos Estados Unidos e em outros países de ar­mas cegantes como uma espécie de arma "não-letal". Chamada Ri­fles Laser Cobra, tais armas empregam uma técnica derivada tanto do laser cirúrgico quanto do feixe que guia os mísseis. Os soldados que as utilizam precisam usar óculos protetores.)

Como sugere a comparação das representações com Ishtar de capacete e óculos protetores, os equipamentos e armas dos Mal’akhim apenas imitam os dos próprios Grandes Deuses. O grande Enlil podia" erguer os raios que procuram o coração de todas as terras" de seu zigurate em Nippur, e possuía lá "olhos que podiam ver todas as terras", assim como uma "rede" que podia aprisionar quaisquer transgressores. Ninurta estava equipado com a "arma que despedaça e rouba os sentidos" e com um Brilho que podia pulveri­zar montanhas, assim como um único IB - uma "arma com cin­qüenta cabeças mortais". Teshub/Adad estava armado com um "tro­vão-tempestade que despedaça as rochas" e com o "raio assustador que dispara".

Os reis da Mesopotâmia afirmavam de tempos em tempos que sua divindade padroeira fornecia armas divinas para assegurar a vitória; era assim mais plausível que os deuses providenciassem armas ou cajados mágicos para os próprios emissários, os anjos.

De fato, a própria noção de Emissário Divino pode ser rastreada até os deuses da Suméria, os Anunnaki, quando enviavam emissá­rios em suas negociações uns com os outros em vez de com os terrestres.

Aquele a quem os estudiosos se referem como" o ajudante dos grandes deuses" era Papsukal; seu nome-epíteto significava "Pai/Ancestral dos Emissários". Ele desempenhava missões representa­do Anu, executando as decisões de Anu ou aconselhando os líderes Anunnaki na Terra; metade das vezes demonstrava consideráveis habilidades diplomáticas. O texto sugere que às vezes, talvez quando Anu estivesse longe da Terra, Papsukal servia como emissário de Ninurta (embora, durante a batalha contra Zu, Ninurta empregasse seu principal portador de armas, Sharur, como emissário divino).

O principal Sukkal, ou emissário de Enlil, era chamado Nusku; ele é mencionado numa variedade de papéis na maioria dos "mi­tos" em relação a Enlil. Quando os Anunnaki que trabalhavam nas minas do Abzu (sudoeste da África) se amotinaram e cercaram a casa onde Enlil residia, foi Nusku que lhes bloqueou o caminho com suas armas; foi também ele que agiu como intermediário para evi­tar o confronto. Na época dos sumérios, ele foi o emissário que trou­xe a "palavra de Ekur" (o zigurate de Enlil, em Nippur) àqueles­tanto deuses como homens - cujo destino Enlil decretara. Um Hino a Enlil, o Todo-Benevolente afirma que "apenas a seu excelso ajudan­te, o camareiro (Sukkal) Nusku, ele (Enlil) comanda, as palavras em seu coração são conhecidas". Mencionamos antes um exemplo no qual Nusku, em frente ao templo de Haran, com Sin, informou o rei assírio Esardon sobre a permissão divina para invadir o Egito.

Assurbanipal, em seus anais, afirma que foi "Nusku, o emissá­rio fiel", quem participou a decisão divina de tomá-lo rei da Assíria; depois, por ordem dos deuses, Nusku acompanhou Assurbanipal em sua campanha militar para assegurar a vitória. Nusku, escreveu Assurbanipal, "assumiu a liderança de meu exército e derrubou meus inimigos com sua arma divina". Essa afirmativa lembra o in­cidente reverso assinalado na Bíblia, quando o anjo de Iavé desba­rata o exército da Assíria que sitiava Jerusalém:

 

Aconteceu pois que naquela noite

veio o anjo de Iavé

e matou no campo dos assírios

cento e oitenta e cinco mil.

E quando eles (o povo de Jerusalém)

acordaram cedo de manhã, viram:

eles (os assírios) eram todos cadáveres.

(II Reis 19:35)

 

        O emissário-chefe de Enki, chamado Isimud nos textos sumérios e Usmu nas versões acadianas, desempenhou um papel importante nas escapadas sexuais de seu amo. No "mito" de Enki e Ninharsag, que relata os esforços de Enki para obter um sucessor masculino de sua meia-irmã, Isimud/Usmu agiu primeiro corno confidente e depois trazendo uma variedade de frutas com as quais Enki tentou curar a si mesmo da paralisia que Ninharsag lhe impu­sera. Quando Inana/lshtar foi a Eridu para obter os ME, foi Isimud/Usmu quem fez os arranjos para a visita. Mais tarde, quando Enki ficou sóbrio e percebeu que fora enganado e ficara sem os impor­tantes ME, foi o fiel Sukkall quem ordenou a perseguição de Inana (que fugira em seu "Barco do Céu") para recuperá-las.

Isimud/Usmu era referido algumas vezes nos textos como "de duas faces". Essa curiosa descrição, descobriu-se, era factual; em duas estátuas e nos selos cilíndricos, ele era representado com dois rostos. Teria sido um defeito de nascimento, uma aberração gené­tica, ou havia algum motivo profundo para representá-la assim? Já que ninguém parece saber, ocorreu-nos que essa curiosa propriedade poderia refletir a associação celeste desse emissário (veja o texto no fim deste capítulo).

Havia alguma coisa incomum também a respeito do Sukkal de Inana/Ishtar, cujo nome era Ninshubur. O enigma era que Ninshubur algumas vezes parecia ser masculino, quando os estudiosos traduziam seu título como "camareiro, ajudante"; e em ou­tras ocasiões Ninshubur parecia ser feminino, quando era chamado de "camareira". A pergunta é: seria Ninshubur bissexual ou assexuado? Um andrógino, um eunuco, ou o quê?

Ninshubur age como confidente de Inana/Ishtar durante o na­moro com Dumuzi, papel no qual é tratado(a) como mulher; Thorkild Jacobsen, em "Os Tesouros da Escuridão", traduz o título como "cria­da de quarto". Mas na história da fuga de Inana/Ishtar com os ME que obtivera enganando Enki, Ninshubur é páreo para Isimud/Usmu, um macho, e é chamado pela deusa de "meu guerreiro que luta ao meu lado" - um papel nitidamente masculino. Os talentos diplomáticos desse emissário foram empregados por completo quando Inana/Ishtar resolveu visitar sua irmã Ereshkigal no Mundo In­ferior, desafiando a proibição: nessa narrativa, o grande sumeriólogo Samuel N. Kramer (A Descida de Inana ao Mundo Inferior) refere-se a Ninshubur como "ele"; assim também Leo Oppenheim (Mitologia da Mesopotâmia).

A enigmática bissexualidade ou assexualidade de Ninshubur é refletida pela relação com outros seres -a maioria, mas não todos, criações de Enki -, que parecem não ser nem machos nem fêmeas, assim como nem divinos nem humanos, uma espécie de andróides - robôs em forma humana.

A existência de tais emissários enigmáticos e suas característi­cas espantosas aflora no texto acima mencionado, que lida com a visita não autorizada de Inana ao domínio de sua irmã mais velha, Ereshkigal, no Mundo Inferior (Sudoeste africano). Para a viagem, Inana veste sua roupa de astronauta; os sete itens listados nesse tex­to combinam com a representação de uma das estátuas desenterra­da em Mari. Como uma taxa de admissão a essa zona restrita, Inana teve de dar suas posses, uma de cada vez, enquanto passava pelos sete portões; só então, "nua e curvando-se baixo, Inana entrou na sala do trono". Assim que as duas irmãs pu­seram os olhos uma na outra, ambas ficaram enraivecidas; Ereshkigal ordenou que sua Sukkal Namtar apanhasse Inana e a ferisse da ca­beça ao pescoço. "Inana foi transformada num cadáver pendendo numa estaca."

Prevendo problemas, Inana instruíra seu emissário, Ninshubur, antes de sair na arriscada empresa, para que levantasse um protesto em seu nome, se ela não voltasse em três dias. Percebendo que Inana encontrara problemas, Ninshubur foi de divindade em divindade para procurar ajuda; contudo, ninguém, a não ser Enki, era capaz de enfrentar Namtar, que lidava com a morte. Seu nome significava "Exterminador", os assírios e babilônios o apelidaram de Memittu -"O Assassino", um Anjo da Morte. Ao contrário das divindades ou humanos, "ele não possuía mãos nem pés; não bebia água nem comia comida". Assim, para salvar Inana, Enki resolveu fabricar andróides similares que pudessem ir à "Terra Sem Retomo" e realizar sua missão em segurança.

Na versão suméria do "mito", lemos que Enki fabricou dois andróides de barro e os ativou dando a um deles o Alimento da Vida e ao outro, a Água da Vida. O texto chama a um deles Kurgarru, e ao outro, Kalaturru, termos que os estudiosos deixam sem traduzir por sua complexidade; referem-se às "partes particulares" dos seres, os termos sugerem órgãos sexuais peculiares: traduzidos literalmente, um cuja "abertura" está "trancada", o outro cujo "penetrador" está "doente". .

Vendo-os aparecer na sala do trono, Ereshkigal perguntou quem eram eles: "Vocês são deuses? São mortais? O que desejam?". Eles pediram então o corpo sem vida de Inana, e o conseguiram. Em se­guida "sobre o cadáver dirigiram o Pulsador e o Emissor"; aspergi­ram a Água da Vida sobre o corpo e lhe deram a Planta da Vida, "e Inana ergueu-se".

Comentando a descrição dos dois emissários, A. Leo Oppenheim (Mitologia da Mesopotâmia) descreve os atributos que qualificaram os emissários a penetrar no domínio de Ereshkigal e salvar Inana como (a) não sendo machos nem fêmeas, e (b) não terem saído de nenhum ventre. Além do mais, no Enuma Elish, a versão babilônica da Epopéia da Criação, ele encontrou uma referência à habilidade dos deuses para criar "robôs". No Enuma Elish, a batalha celeste com Tiamat e as maravilhosas criações que se seguiram são atribuídas a Marduk - incluindo a idéia de criar o homem.

Nessa leitura do texto babilônico, foi Marduk que, "enquanto escutava as palavras dos deuses, concebeu um dispositivo engenhoso para ajudá-los". Revelando essa idéia ao pai, Ea/Enki, Marduk dis­se: "Vou trazer à existência um robô; seu nome será 'Homem' (...) Ele será encarregado do trabalho dos deuses, e assim eles serão aliviados". Mas "Ea respondeu fazendo outra proposta, a fim de mu­dar de idéia em relação à intenção de aliviar os deuses"; como já abordamos, mudou para "colocar a marca" dos deuses - a impres­são genética - "num ser que já existia" (produzindo assim o Homo sapiens) .

Numa tradução atualizada da versão suméria, Kiane Wilkstein (Inana, Rainha do Céu e da Terra) explica a natureza dos emissários como sendo "criaturas nem machos nem fêmeas". Uma explicação mais precisa é fornecida, entretanto, pela versão acadiana, na qual Enki/Ea cria apenas um ser para salvar Ishtar. Conforme tradução de E. A. Speiser (Descida de Ishtar ao Mundo Inferior), os versos rele­vantes são:

 

Ea, em seu sábio coração, concebeu uma imagem

e criou Ashushunamir, um eunuco.

 

O termo acadiano, que é traduzido livremente como "eunuco", é assinnu, que significa literalmente "pênis-vagina" - um ser bissexual em vez de macho castrado (que é o significado de “eunuco"). Que essa fosse a verdadeira natureza da criatura ou criaturas que surpreenderam Ereshkigal é evidente pelas representações descobertas por arqueólogos; eles parecem ter tanto órgãos masculinos quanto femininos, dessa forma não possuindo um sexo verdadeiro.

Empunhando um cajado ou uma arma, esses andróides pertenciam a uma classe de emissários chamados Gallu - termo geral­mente traduzido como “demônios" -, que já encontramos na história da morte de Dumuzi, quando Marduk enviou os "xerifes" ­- os Gallu - para apanhá-lo. Numa história que lida com um filho de Enki, Nergal, que viera desposar Ereshkigal, é mencionado que a guarda do filho nessa visita aos perigosos domínios constava de catorze Gallu criados por Enki para acompanhar e proteger Nergal. Na história da descida de Inana/lshtar a esse domínio, é narrado que Namtar tentou evitar a fuga da deusa revivida enviando Gallu para bloquear sua subida.

Todos esses textos apontam que, embora os Gallu não tivessem nem o rosto nem o corpo dos Sukkal divinos, que serviam de emissários entre os próprios deuses, eles “empunhavam um cajado nas mãos e carregavam uma arma na cintura". Não sendo de carne e osso, eram descritos como seres "que não têm mãe, que não têm pai nem irmão ou irmã nem esposa nem filhos; não conhecem comida, não conhecem água. Voam pelos céus como guardiões".

Teriam esses andróides do folclore antigo voltado nos tempos mo­dernos?

A pergunta é pertinente por causa da forma como são descritos os ocupantes de Ovni por pessoas que afirmam tê-las visto (ou mesmo ter sido abduzidas por eles): de sexo indeterminado, pele com textura plástica, cabeça cônica, olhos ovais - de aparência huma­nóide, mas definitivamente não-humanos, comportando-se como andróides. Que suas representações por aqueles que afirmam tê-los visto seja tão similar às antigas representações dos Gallu provavelmente não é acidental.

Havia ainda outra classe de Emissários Divinos - seres demo­macas. Alguns estavam a serviço de Enki, alguns a serviço de Enlil. Alguns eram considerados descendentes do malévolo Zu, "maus espíritos" que não faziam o bem, portadores de doenças e pestilên­cias; demônios que metade das vezes possuíam feições de pássaros.

No "mito" de Inana e Enki, é narrado que quando Enki ordenou que Isimud recuperasse os ME levados por Inana, ele enviou junto uma série de emissários monstruosos, capazes de alcançar o Barco do Céu: gigantes Uru, monstros Lahama, Kugalgal "berradores" e os "gigantes celestes" Enunun. Todos pertenciam, aparentemente, à classe de criaturas chamadas Enkum - "parte humanas, parte ani­mais" segundo uma interpretação por Margaret Whitney Green (Eridu na Literatura Suméria) -, que pareciam, talvez, com os temí­veis "grifas”, que foram criados para guardar tesouros do templo.

Um encontro com um batalhão de tais seres é narrado num tex­to conhecido como A Lenda de Naram-Sin; ele era o neto de Sargão I (fundador da dinastia acadiana) e empenhado em várias campanhas militares - sob as ordens dos deuses enlilitas, segundo seus anais. Porém, pelo menos em uma oportunidade, quando os oráculos di­vinos desencorajaram atitudes belicosas, ele assumiu a responsabilidade da ações. Foi então que uma haste de "espíritos" foi enviada contra ele, aparentemente por uma decisão ou ordem de Shamash.

Eles eram:      

­

Guerreiros com corpo de pássaros das cavernas,

uma raça com rosto de corvos.

Os grandes deuses os criaram;

na planície dos deuses construíram para eles uma cidade.

 

Estarrecido pela aparência e natureza deles, Naram-Sin instruiu um de seus oficiais para espionar um desses seres e atingir um deles com sua lança. "Se sair sangue, são homens como nós", disse o rei; "se não sair sangue, são demônios, criaturas criadas por Enlil". (O relatório do oficial dizia que ele viu sangue, portanto Naram-Sin ordenou um ataque; nenhum de seus soldados retornou vivo.)

Especialmente destacada entre os demônios parte antropomór­ficos parte pássaros foi a fêmea Lilith, cujo nome significava "Ela da noite" e "A que uiva", e segundo a crença (ou como alguns preferem, superstições), ela durou milênios, provocando homens até a morte e arrancando os recém-nascidos das mães. Embora em algumas lendas judaicas pós-bíblicas ela fosse consorte do malévolo Zu (ou AN.ZU, "O Celestial Zu"), na história suméria conhecida como Inana e a Árvore Haluppu, a árvore incomum era habitação tanto do Anzu meio-pássaro quanto da "dama escura" Lilith. Quando a árvore foi cortada a fim de fazer móveis para Inana e Shamash, Anzu voou e Lilith "fugiu para partes desertas e desabitadas".

Com a passagem do tempo e os próprios deuses tomando-se mais distantes e menos visíveis, os "demônios" foram culpados por todas as doenças, pelos infortúnios e azares. Fizeram-se encanta­mentos agradáveis aos deuses para exorcizar os maléficos; foram fabricados amuletos (para serem usados ou fixados às portas) cujas "palavras sagradas" eram capazes de desafiar o demônio represen­tado no amuleto - uma prática que continuou bem depois da época pré-cristã e persistiu depois.

Por outro lado, em épocas pós-bíblicas e na idade helenística que se seguiu às conquistas de Alexandre, os anjos como imagina­mos atualmente vieram a dominar as crenças populares e religiosas. Na Bíblia Hebraica, apenas Gabriel e Miguel são mencionados, no Livro de Daniel, dos sete arcanjos listados em épocas pós-bíblicas. As histórias angélicas no Livro de Enoque e em outros livros apócrifos foram apenas a fundação de uma ampla gama de anjos que habitavam os vários céus e executavam as ordens divinas - componentes de uma angelologia que cativou a imaginação e os anseios humanos desde então. E até hoje, quem não deseja seu Anjo da Guarda?

 

As Duas Faces de Plutão

A menção mais antiga a Usmu é na Epopéia da Criação, na parte que trata da modificação do Sistema Solar por Nibiru/Marduk depois da colisão celeste. Tendo rachado Tiamat, desviando a metade inta­ta para ser a Terra (com sua companheira, a Lua) e criando com a metade despedaçada o cinturão de asteróides entre Marte e Júpiter (e os cometas), o invasor agora voltava sua atenção aos planetas externos.

Lá, Gaga, um satélite de Anshar (Saturno), foi arrancado de sua órbita para ''visitar'' os outros planetas. Agora, Nibiru/Marduk, contemplando o planeta que o havia "gerado" em primeiro lugar ­Nudimmud/Ea (o que chamamos Netuno) -, apresentou o pequeno planeta como "presente à esposa de Ea, Damkina: "Para Damkina, sua mãe, ele o ofereceu como um alegre presente; como Usmu ele o levou a ela num local desconhecido, confiando a ele a chancelaria das Profundezas".

O nome sumério desse deus planetário, Isimud, significa "na pon­ta, no extremo". O nome acadiano, Usmu, significa "Duas Faces". De fato, trata-se de uma perfeita descrição da estranha órbita do planeta mais distante (excluindo Nibiru). Não apenas a órbita é inco­mum pelo fato de ser inclinada em relação ao plano orbital dos pla­netas regulares em nosso Sistema Solar - também é de tal forma que leva Plutão para fora, além de Netuno, o resto do tempo (veja a ilustração da página seguinte). Plutão, assim, mostra duas faces a seu "mestre" Enki/Netuno: uma quando está além dele, outra quando está em frente.

Os astrônomos têm especulado, desde a descoberta de Plutão em 1930, que presumivelmente já tenha sido satélite de Netuno; porém, de acordo com a Epopéia da Criação, foi de Saturno. Os astrônomos, entretanto, não podem explicar a estranha órbita inclinada de Plutão. A cosmogonia suméria, revelada pelos Anunnaki, possui a resposta, foi Nibiru...

 

A MAIOR TEOFANIA

Imagine que extraterrestres, tendo observado acontecimentos na Terra, resolveram estabelecer contato com os terrestres. Usando sua tecnologia avançada para comunicar-se, eles chamam os dirigentes das nações para que desistam e cessem as guerras e a opressão, a fim de terminar a escravidão humana e trazer a liberdade para a humanidade.

Porém as mensagens são tratadas corno brincadeiras, pois os líderes políticos e sábios acadêmicos sabem que os Ovni são uma pia­da, e se existisse vida inteligente em outros pontos do Universo, ficaria a muitos anos-luz da Terra. Assim, os extraterrestres recor­rem a "milagres", aumentando seu impacto sobre a Terra e seus habitantes em maravilhas cada vez mais fabulosas, até que recorrem à maior demonstração de força: parar a rotação da Terra - onde era dia na Terra, o Sol não se pôs; onde era noite, o Sol não nasceu.

Concentrando dessa forma a mente dos terrestres e de seus líde­res, os extraterrestres decidem que é chegada a hora de se mostrar. Urna enorme espaçonave em forma de disco aparece nos céus da Terra; envolta em brilho, flutua sobre raios de luz. Seu destino é a mais poderosa capital do planeta. Lá, aterrissa à vista de uma enor­me multidão estupefata. Urna abertura se revela silenciosamente e surge uma luz extremamente brilhante. Um enorme robô sai, avança e pára. À medida que as pessoas caem de joelhos com medo do desconhecido, uma figura humanóide aparece - o verdadeiro ex­traterrestre. "Eu trago a paz", afirma ele.

Na verdade, o cenário acima não precisa ser imaginado, pois é a parte principal de um filme de 1952, chamado O Dia em Que a Terra Parou, no qual o memorável Michael Rennie interpretava o extrater­restre que saiu da nave em Washington D.C e pronunciou sua fa­mosa frase.

Na verdade, o cenário acima não precisa ser o roteiro de um filme de ficção científica; já o descrevemos - em essência, se não em detalhes - e realmente aconteceu. Não em tempos modernos, mas na Antiguidade; não nos Estados Unidos, e sim no Oriente Médio; e na seqüência real, a Terra parou não antes, mas algum tempo de­pois que a espaçonave apareceu.

Foi, sem dúvida, o maior Encontro Divino na memória humana - a maior teofania jamais registrada, testemunhada por uma multidão de não menos do que 600 mil pessoas.

O local da teofania foi o monte Sinai, o "Monte dos Elohim", na península do Sinai; a ocasião foi a entrega das Leis da Aliança aos Filhos de Israel, o ponto alto do Êxodo do Egito, repleto de milagres.

Uma breve revisão da cadeia de eventos que culminou no Êxodo ajudaria; foi um caminho cujos marcos foram os Encontros Divinos.

Abraão - ainda chamado, na Bíblia, por seu nome sumério ­ mudou-se com seu pai, Terah (um sacerdote de um oráculo, a julgar pelo significado de seu nome), de Ur, na Suméria, para Haran, no Alto Eufrates. Pelos nossos cálculos, isso aconteceu em 2096 a.C, quando o grande rei sumério Ur-Namu morreu inesperadamente e o povo queixou-se de que a morte ocorreu porque "Enlil mudou a palavra" dada a Ur-Namu. Contra um cenário de preocupação crescente na Suméria com cidades "pecadoras" no oeste, ao longo da costa do Mediterrâneo, Abrão / Abraão recebeu a ordem de Iavé para mover-se na direção sul com sua família, servos e rebanhos para posicionar-se no Neguev, a área desértica que circunda o Sinai. A mudança ocorreu com a morte do sucessor de Ur-Namu, (Shulgi), em 2048 a.C, quando o patriarca hebreu tinha 75 anos de idade. Foi no mesmo ano que Marduk, em preparação para conseguir supre­macia entre os deuses, chegou à terra dos Hititas, norte da Mesopo­tâmia.

Ao encontrar uma fome causada pela seca, Abraão continuou até o Egito. Lá, ele foi recebido pelo faraó - o último faraó da X dinastia do norte, que poucos anos depois (em 2040 a.C) foi derru­bado pela princesa e pelos sacerdotes de Tebas, ao sul.

Dois anos antes, em 2042 a.C. segundo nossos cálculos, Abraão voltou ao seu posto avançado no Neguev; agora comandava uma coluna de cavalaria (provavelmente velozes montadores de camelos). Ele retomou a tempo de evitar um atentado por parte de uma coalizão de "Reis do Leste" para invadir as terras do Mediterrâneo e alcançar o Espaçoporto do Sinai. A missão de Abraão era guardar as aproximações ao Espaçoporto, e não tomar partido na guerra do Leste contra as nações de Canaã. Mas quando os invasores rechaçados venceram Sodoma e levaram o sobrinho de Abraão, Lot, como cativo, ele os perseguiu com a cavalaria até Damasco, salvou seu sobrinho e o saque. Em sua volta, foi saudado como vitorioso nas cercanias de Salém (a futura Jerusalém); as saudações trocadas foram repletas de significado:

 

E Melquisedeque, rei de Salém,

trouxe pão e vinho,

e ele servia ao Deus Altíssimo.

E o abençoou dizendo:

"Bendito seja Abrão do Deus Altíssimo,

que entregou os inimigos nas tuas mãos".

 

E os reis cananeus, que estavam presentes à cerimônia, oferece­ram a Abrão todo o saque, só pedindo os cativos. Porém Abrão recusou qualquer pagamento, dizendo:

 

"Eu ergo minha mão ao Eterno,

Deus Altíssimo, Criador do Céu e da Terra:

nem um fio, nem uma correia de sapato

tomarei - nada que é teu".

 

"E depois dessas coisas" - depois que Abrão realizou sua mis­são em Canaã protegendo o Espaçoporto - "manifestou-se a pala­vra de Iavé a Abrão, na visão" (Gênesis 15:1). "Não temas, Abrão", disse o Senhor, "Eu serei teu escudo, teu prêmio é muito grande". Mas Abrão respondeu que na ausência de um herdeiro, que valor teria qualquer recompensa? Então "eis que foi a palavra de Iavé a ele", assegurando que ele teria seu filho natural, e sua descendência seria tão numerosa quanto as estrelas do céu, e que herdaria a terra onde pisava.

Para não deixar dúvida na mente de Abrão de que essa promes­sa se realizaria, a divindade fala a ele, revelando sua identidade para Abrão sem filhos. Até então, tínhamos de aceitar a palavra da Bíblia de que era Iavé quem falava ou aparecia a Abrão. Agora, pela pri­meira vez, o Senhor se identifica pelo nome:

 

"Eu sou Iavé

que te tirei de Ur dos caldeus

para dar-te esta terra por herança."

 

E disse Abrão:

"Meu Senhor Iavé,

como saberei que a hei de herdar?".

 

Então, para convencer um Abrão cheio de dúvidas, "contratou Iavé com Abrão uma aliança, dizendo: À tua semente dei esta terra, desde o rio do Egito até o Eufrates, o grande rio".

A "celebração da Aliança" entre Iavé - "Deus Supremo, Cria­dor do Céu e da Terra" - e o patriarca abençoado envolveu um ritual mágico do qual não se encontra nada parecido na Bíblia, nem antes nem depois. O patriarca foi instruído para tomar um novilho, uma cabra, um carneiro, uma rolinha e um pombo, cortá-los ao meio e colocar os pedaços um em frente ao outro. "E foi quando o sol estava para se pôr, um sono pesado caiu sobre Abrão, e eis que medo e grande escuridão caíram sobre ele." A profecia - um destino pelo qual Iavé declarou-se comprometido - foi então proclamada: de­pois de uma estada de quatrocentos anos no cativeiro numa terra estranha, os descendentes de Abrão herdarão a Terra Prometida. Assim que o Senhor pronunciou essa profecia, "um forno fumegan­te e uma tocha de fogo passaram por estas metades". Nesse dia, afirma a Bíblia, "contratou Iavé com Abrão uma aliança".

(Cerca de quinze séculos mais tarde, o rei assírio Asaradão, "pro­curando a decisão dos deuses Shamash e Adad, prostrou-se com reverência". Para obter uma "visão em relação à Assíria, Babilônia e Nínive", o rei escreveu, "Coloquei as partes dos animais sacrifica­dos nos dois lados; os sinais do oráculo estavam em perfeita concordância e me deram uma resposta favorável". Mas, nesse caso, não havia fogo divino entre as partes dos animais sacrificados.)

Com a idade de 86 anos, Abrão teve seu filho, com a criada Hagar, mas não com sua esposa Sarai (como ela ainda era chamada por seu nome sumério). Foi treze anos mais tarde, na véspera de eventos importantes em relação a deuses e homens, que Iavé "apareceu a Abrão" e preparou-o para a nova era: a mudança de nomes do sumério Abrão e Sarai para o semita Abraão e Sara, e a circuncisão de todos os ho­mens como sinal de uma aliança eterna.

Foi em 2024 a.C., pelos nossos cálculos (baseados em sincronis­mos com as cronologias suméria e egípcia), que Abraão testemu­nhou a revolta de Sodoma e Gomorra, seguida pela visita de Iavé e os dois anjos. A destruição, conforme descrevemos em As Guerras de Deuses e Homens, foi apenas um evento periférico em relação ao principal - a vaporização, com armas nucleares, do Espaçoporto no centro da península do Sinai, por Ninurta e Nergal a fim de pri­var Marduk de instalações espaciais. O resultado não intencional do holocausto nuclear foi o deslocamento da nuvem mortal para o leste; causou morte (mas não destruição) na Suméria, levando a um fim amargo a grande civilização.

 

Agora, apenas Abrão/Abraão e sua semente - seus descendentes ­permaneceram para levar adiante as tradições antigas, para" chamar o nome de Iavé" e manter a ligação sagrada com o início dos tempos.

 

Para permanecer intocado pela radiação nuclear, Abraão rece­beu a ordem de sair do Neguev (a área desértica ao redor do Sinai) e procurar abrigo próximo à costa do Mediterrâneo, na terra dos filisteus. Um ano depois do evento, Isaac nasceu a Abraão, por sua esposa e meia-irmã, Sara, conforme Iavé previra.

Trinta e sete anos depois Sara morreu e o velho patriarca ficou preocupado com sua sucessão. Temendo morrer antes de ver seu filho Isaac casado, fez com que o chefe de seus criados jurasse "por Iavé, o Deus do Céu e o Deus da Terra", que de jeito algum ele ar­ranjasse para Isaac um casamento com uma cananéia.

Para certificar-se, enviou-o para Haran, no Alto Eufrates, a fim de conseguir para Isaac uma noiva entre os parentes que lá ficaram. Com a idade de 40 anos Isaac casou-se com sua noiva estrangeira, Rebeca; vinte anos depois ela lhe deu dois filhos, Esaú e Jacó. O ano, por nossos cálculos, era 1963 a.C.

Algum tempo depois, quando os meninos cresceram, "houve fome na terra, além da fome primeira que ocorrera na época de Abraão". Isaac pensou em imitar o pai indo até o Egito, cuja agricul­tura não dependia das chuvas, e sim da elevação anual das águas do Nilo. Mas, para fazer isso, ele teria de atravessar o Sinai, e isso aparentemente ainda era perigoso, mesmo décadas depois da ex­plosão nuclear. Então "apareceu-lhe Iavé", que o instruiu para não ir ao Egito; em vez disso, deveria ir até Canaã, para uma região onde se podia cavar poços para obter água. Lá, Isaac e sua família perma­neceram por muitos anos, tempo suficiente para que Esaú casasse com habitantes locais e Jacó fosse até Haran, onde casou com Lia e Raquel.

Com o tempo, Jacó teve vinte filhos: seis com Lia, quatro com concubinas e dois com Raquel: José e o mais novo, Benjamim (em cujo parto Raquel morreu). Um deles, José, era o favorito; então seus irmãos mais velhos, com inveja de José, o venderam a mercadores ismaelitas que iam para o Egito. Assim a profecia divina, sobre a permanência dos descendentes de Abraão em terras estrangeiras, começava a cumprir-se.

Por meio de uma série bem-sucedida de interpretações de so­nhos, José tomou-se Ouvidor do Egito, encarregado da tarefa de preparar a terra durante sete anos de fartura para sete anos de fome em seguida. (É nossa crença que em sua ingenuidade José usou uma depressão natural para criar um lago artificial e enchê-lo de água quando o Nilo ainda se elevava, e depois utilizar essa água para irrigar a terra seca. O lago, encolhido, ainda irriga a maior parte da área fértil do Egito, chamada Elfaium; o canal que liga o lago ao Nilo ainda é chamado de O Canal de José.)

Quando a fome se tornou difícil de suportar, Jacó enviou seus outros filhos (com exceção de Benjamim) ao Egito para trazer ali­mento - onde descobriram, depois de vários encontros dramáti­cos com o Ouvidor, que ele não era outro senão seu irmão mais moço, José. Revelando a eles que a fome duraria mais cinco anos, José lhes disse para retomarem e trazerem para o Egito seu pai e o irmão que faltava, assim como o restante das posses de Jacó. Pelos nossos cálculos, o ano era 1833 a.C., e o faraó reinante era Amenemés III, da XX dinastia.

(Uma representação encontrada numa tumba daquela época re­presenta um grupo de homens, mulheres e crianças com alguns ani­mais domésticos chegando ao Egito. Os imigrantes eram representados acompanhados da inscrição "asiáticos"; suas túnicas coloridas, representadas em cores vivas, apresentam um padrão de listras que José usara quando em Canaã. Embora os Asiáticos aqui representados não sejam necessariamente a caravana de Jacó e sua família, a pintura mostra a aparência que deviam ter.)

A presença de Jacó no Egito é diretamente mencionada, segundo A. Mallon em Os Hebreus no Egito, também em várias inscrições em escaravelhos que representam o nome Ia'a-cob (o nome hebraico para Jacó). Escrito algumas vezes no interior de um cartucho real, é soletrado em hieróglifos Ii-A-Q-B com o sufixo H-R, for­necendo à inscrição o significado "Jacó está satisfeito" ou "Jacó está em paz".

Jacó tinha 130 anos de idade quando os Filhos de Israel começa­ram sua permanência no Egito, a qual, conforme a profecia, termi­naria em escravidão quatrocentos anos mais tarde. Com a morte e o enterro de Jacó e a subseqüente morte de José, o Livro do Gênesis se encerra.

O Livro do Êxodo retoma a história, séculos mais tarde, quando "levantou-se um novo rei sobre o Egito, que não conheceu a José". Nos séculos intermediários muita coisa aconteceu no Egito. Houve guerras civis, a capital mudou para o sul e para o norte, a era do Reinado do Meio passou, o assim chamado Segundo Período Inter­mediário, de caos, aconteceu. Em 1650 a.C., o Novo Reinado começou com a XVII dinastia, e, em 1570 a.C., a renomada XVIII dinastia assumiu o trono faraônico em Tebas, no Alto Egito (ao sul), deixan­do-nos seus magníficos monumentos, templos e estátuas em Kamak e Luxor, assim como as esplêndidas tumbas escavadas na montanha, no Vale dos Reis.

Muitos dos nomes escolhidos pelos faraós dessas novas dinastias eram epítetos com os quais eles afirmavam sua condição de semideuses; como o nome Ra-Ms-S (Ramsés), que significava "Do deus Rá emanado". O fundador da XVI dinastia chamava a si mes­mo Ah-Ms-S (Ah-Mósis), significando "Do deus"'Ah ema­nado" (sendo Ah o nome do deus da Lua). Essa nova dinastia começou o Novo Reinado, que, como sugerimos, esqueceu tudo sobre José depois da passagem de cerca de três séculos. Em concordância, um sucessor de Ahmósis chamado Tehuti-Ms-S (Tutmés ou Tutmósis I) - "Do deus Tot emanado" - foi, concluímos, o governante na época em que a história de Moisés e os eventos do Êxodo começaram.

Foi esse faraó que, usando o poder de um Egito revigorado e fortalecido, enviou seus exércitos para o norte até o Alto Eufrates ­a região onde os descendentes de Abraão haviam ficado e se desenvolvido. Reinou de 1525 a 1512 a.C. e foi, conforme sugerimos em As Guerras de Deuses e Homens, quem temeu que os Filhos de Israel aderissem à luta em apoio a seus parentes do Eufrates. Impôs traba­lho pesado aos israelitas e ordenou que qualquer recém-nascido do sexo masculino fosse morto ao nascer.

Foi em 1513 a.C. que um hebreu levita e sua esposa também levita tiveram um filho. Temendo que fosse assassinado, a mãe o acomodou num cesto de papiros impermeabilizado e o colocou no rio Nilo. Acontece que a corrente carregou o cesto para onde a filha do faraó se banhava; ela acabou por adotar o menino como filho, "e o chamou Moisés" - Mosché em hebraico. A Bíblia explica que ela o chamou assim porque ele fora "das águas extraído". Não temos dúvida, porém, de que a filha do faraó deu ao menino o epíteto comum em sua dinastia, com o componente Mss (Mose, Mósis), com um prefixo que, acreditamos, a Bíblia prefere omitir.

 

A cronologia sugerida por nós, ao colocar o nascimento de Moisés em 1513 a.C., combina a história bíblica com a cronologia egípcia e com uma rede de intrigas e lutas pelo poder na corte do Egito.

 

Filha única de Tutmés I e sua esposa meia-irmã, chamada Hatshepsut, realmente ela ostentava o título exclusivo de Filha do Faraó. Quando Tutmés I morreu, em 1512 a.C., o único herdeiro era um filho nascido de uma das concubinas do harém. Ao subir ao trono como Tutmés II, ele casou com sua meia-irmã Hatshepsut para conseguir legitimidade para si mesmo e para os filhos. Porém esse casal só teve filhas, e o único filho do rei foi com uma concubina. Tutmés II reinou por pouco tempo, apenas nove anos. Assim, quando ele morreu, o filho - o futuro Tutmés III - era apenas um meni­no, jovem demais para ser faraó. Hatshepsut foi indicada como Re­gente, e depois de alguns anos coroou-se rainha - um faraó femini­no (que chegou a ordenar que suas imagens esculpidas a represen­tassem com uma barba falsa). Como se pode imaginar, foi nessas circunstâncias que a inimizade entre o filho do rei e o filho adotado da rainha se criou e intensificou-se.

Finalmente, em 1482 a.C., Hatshepsut morreu (ou foi assassina­da), e o filho da concubina assumiu o trono como Tutmés III. Não perdeu tempo em partir para conquistas estrangeiras (alguns estu­diosos se referem a ele como o "Napoleão do Egito antigo") e opri­mir os israelitas. "E foi naqueles dias que cresceu Moisés e foi ter com seus irmãos e viu suas pesadas tarefas". Ao matar um feitor egípcio, deu ao rei uma desculpa para decretar sua morte. "E Moisés fugiu da presença do faraó e deteve-se na terra dos midianitas", na península do Sinai. Acabou por casar com a filha do sacerdote midianita.

"E foi naqueles dias que morreu o rei do Egito; e suspiraram os Filhos de Israel pelo trabalho e gemeram, e subiram os seus clamo­res a Elohim pelo trabalho. E ouviu Elohim os seus gemidos e lembrou-se Elohim de sua aliança com Abraão, com Isaac e com Jacó. E viu Elohim os Filhos de Israel e levou em conta."

Quase quatrocentos anos se passaram desde que o Senhor fala­ra pela última vez a Jacó "numa visão noturna", até que ele viesse a olhar para os filhos de Jacó/Israel gemendo em seu cativeiro. Que o Elohim mencionado era Iavé se toma claro na narrativa subseqüen­te. Onde estava ele durante esses longos quatro séculos? A Bíblia não diz; mas é uma questão a ser ponderada.     ­

Seja como for, era chegado o momento para uma ação dramáti­ca. Como a narrativa bíblica deixa claro, essa corrente de novos desenvolvimentos foi iniciada pela morte do faraó "depois de um longo tempo" de reinado. Dos registros egípcios consta que Tutmés li, que ordenara a morte de Moisés, faleceu em 1450 a.C. Seu sucessor ao trono, Amenhotep II, era um governante fraco, que teve problemas para manter o Egito unido; com sua ascensão ao trono, a sen­tença de morte contra Moisés havia expirado.

Foi então que Iavé chamou Moisés do interior da Sarça Ardente, dizendo que Ele decidira" descer e salvar" os israelitas de seu jugo no Egito e liderá-los de volta à Terra Prometida, e dizendo a Moisés que ele fora escolhido para ser o embaixador divino para conquistar a liberdade do povo perante o faraó e liderar os israelitas em seu Êxodo para fora do Egito.

No capítulo 3 do Êxodo ficamos sabendo que isso aconteceu quando Moisés estava pastoreando os rebanhos do sogro, "condu­ziu o rebanho para trás do deserto, veio ao monte dos Elohim, em Horeb" e viu lá o espinheiro queimando sem se consumir; aproxi­mou-se então para verificar aquele fato incrível.

A narrativa bíblica se refere ao "Monte dos Elohim" como se fos­se um local conhecido; o incomum do evento não foi que Moisés tenha levado para lá o rebanho, nem que lá houvesse espinheiros como a sarça. O aspecto excepcional foi que o espinheiro estivesse queimando sem se consumir!

Foi apenas o primeiro de uma série de impressionantes atos má­gicos que o Senhor empregou para convencer Moisés, os israelitas e o faraó da autenticidade de sua missão e da determinação divina que a motivava. Para esse propósito, Iavé concedeu a Moisés três atos mágicos: seu cajado podia virar um cobra, depois voltar a ser cajado; sua mão podia ser leprosa e voltar a ser saudável; e ele po­dia derramar água do Nilo no solo e este continuava seco. "As pes­soas que desejavam sua morte estão todas mortas", disse Iavé a Moisés; não temas; enfrenta o novo faraó e realiza as mágicas que concedi, e dize a ele que os israelitas devem ir livres para adorar seu Deus no deserto. Como auxiliar, Iavé indicou Aarão, irmão de Moisés, para o acompanhar.

No primeiro encontro com o faraó, o rei não se deixou conven­cer. "Quem é Iavé para que eu atenda seu chamado e liberte os israelitas? Não conheço Iavé e também não libertarei os israelitas." E em vez de libertar os israelitas, dobrou e triplicou sua cota de tijo­los. Quando as mágicas com o cajado não impressionaram o faraó, Moisés foi instruído pelo Senhor a começar a série de pragas - "golpes", se formos traduzir literalmente a palavra hebraica -, que au­mentaram em severidade quando o rei a princípio se recusou a libertar os israelitas; depois vacilou, depois concordou e mudou de idéia. Dez ao todo, foram desde a transformação das águas do Nilo em sangue por uma semana, passando pela infestação do rio e lagos com sapos; infestação de percevejos nas pessoas e pestes no gado; devastação por granizo, enxofre e gafanhotos; e uma escuridão que durou três dias. Quando nada disso conseguiu a liberdade dos israelitas, quando todas as "maravilhas de Iavé" falharam, veio o último e decisivo golpe: todos os primogênitos do Egito, homens e gado, foram exterminados "quando Iavé passou pela terra do Egito. Mas as casas dos israelitas, marcadas com sangue nas portas, foram poupadas. Naquela mesma noite, o faraó os deixou sair da terra do Egito; desde então esse evento é comemorado até hoje pelos judeus como a Pesach, a Páscoa Hebraica. Aconteceu na noite do décimo quarto dia do mês de Nissan, quando Moisés tinha oitenta anos de idade - em 1433 a.C. segundo nossos cálculos.

O Êxodo do Egito se iniciou - porém não foi o final dos proble­mas com o faraó. Quando os israelitas alcançaram a orla do deserto, onde o conjunto de lagos formava uma barreira aquática além das fortificações egípcias, o faraó concluiu que os fugitivos estavam en­curralados e enviou carruagens rápidas para capturá-los. Foi então que Iavé chamou um anjo: "E moveu-se o anjo de Elohim diante do acampamento de Israel", colocou a si mesmo e um pilar de nuvens escuras entre os israelitas e os perseguidores egípcios, para separar os acampamentos. E durante aquela noite, "Iavé retirou o mar, com um forte vento oriental, a noite toda, e fez do mar terra seca, e foram divididas as águas. E entraram os Filhos de Israel no meio do mar, no seco".

De manhã cedo os egípcios tentaram seguir os israelitas através das águas divididas, mas assim que tentaram isso, a muralha de água os engolfou e eles pereceram.      ­

Só depois desse evento - artística e vividamente recriado por Cecil B. DeMille no filme épico Os Dez Mandamentos - é que os Filhos de Israel se tomaram livres para prosseguir através do deser­to e suas vicissitudes até a ponta da península do Sinai - o tempo todo guiados pelo Pilar Divino, que era uma nuvem escura durante o dia e uma chama brilhante à noite. Água e comida foram milagro­samente providenciadas, e ainda havia uma guerra com inimigos amalecitas. Finalmente, "no terceiro mês", chegaram ao deserto do Sinai e "acampou ali Israel em frente ao monte".

Haviam chegado ao destino predeterminado: o "Monte dos Elohim". A maior de todas as teofanias estava a ponto de começar.

Houve preparações e estágios nesse Encontro Divino memorá­vel e único, e um preço a pagar por suas testemunhas escolhidas, que começaram com "Moisés subiu a Elohim" e "chamou-o Iavé do monte", para ouvir as condições para a Teofania e suas conseqüên­cias. Moisés recebeu instruções para repetir aos Filhos de Israel as palavras exatas do Senhor.

 

Agora, se ouvirdes atentamente minha voz

e guardardes minha Aliança,

sereis para Mim o tesouro de todos os povos,

porque toda a Terra é minha.

E vós sereis para mim um reino de sacerdotes

e um povo santo.

 

Antes disso, quando Moisés recebera sua missão no mesmo monte, Iavé afirmara sua intenção de "adotar os Filhos de Israel como seu povo", e em troca "ser Elohim para eles". Agora o Senhor explicava esse "acordo" envolvendo a Teofania - um evento único pelo qual os israelitas se tomariam um Povo Eleito, consagrado a Deus.

"E veio Moisés, chamou os anciãos do povo e expôs diante de­les todas estas palavras que lhe ordenara Iavé. E respondeu todo o povo conjuntamente, dizendo: tudo o que falou Iavé, faremos. E Moisés levou as palavras do povo a Iavé."

Tendo recebido essa aceitação, "Iavé disse a Moisés: Eis que ve­nho a ti na espessura da nuvem, para que ouça o povo enquanto Eu falo contigo, e também em ti crerão para sempre". E o Senhor orde­nou a Moisés que santificasse o povo e o aprontasse para dali a três dias, informando-os que "no terceiro dia descerá Iavé aos olhos de todo o povo sobre o monte Sinai".

A aterrissagem, conforme Iavé indicou a Moisés, iria criar um perigo para todos que se aproximassem muito. Disse a Moisés: "Mar­carás limites ao povo em redor" do monte, para que mantivessem distância, dizendo a eles que não ousassem subir, ou mesmo tocar os limites do monte, pois "todo aquele que tocar o monte certamen­te será morto".

Quando essas instruções foram seguidas, "foi no terceiro dia, ao raiar da manhã" que a prometida Aterrissagem de Iavé sobre o monte dos Elohim começou. Foi envolta em fumaça e fogo: "E houve relâmpagos e trovões e nuvens pesadas por todo o monte, e o som de shofar muito forte; e estremeceu todo o povo que estava no acampa­mento" .

Quando começou a descida do Senhor Iavé, "Moisés levou o povo do acampamento ao encontro de Elohim, e ficaram ao pé do monte", no limite que Moisés marcara ao redor do monte.

 

E o monte Sinai fumegava todo

porque apareceu sobre ele Iavé em fogo.

E subiu sua fumaça como fumo de fornalha,

e estremeceu muito todo o monte.

E o som do shofar foi andando e aumentando muito.

Moisés falava, e Elohim lhe respondia em voz alta.

 

(O termo shofar, associado nesse texto com os sons que emanavam do monte, é em geral traduzido como "trombeta". Literalmen­te, entretanto, significa "amplificador" - um dispositivo, acredita­mos, para que a multidão israelita, ao pé da montanha, escutasse a voz de Iavé e sua conversa com Moisés.)

Assim procedeu Iavé, à vista de todas as pessoas - 600 mil delas - "E desceu Iavé sobre o monte Sinai, no cume do monte, e chamou Iavé a Moisés, ao cume do monte, e subiu Moisés."

Então, do alto do monte, do interior da densa fumaça, "falou Elohim todas essas palavras: "pronunciando em seguida os Dez Mandamentos - a essência da fé judaica, um guia de justiça social e moralidade humana: um sumário da Aliança entre o Homem e Deus, todos os ensinamentos divinos expressos de modo sucinto.

Os primeiros três Mandamentos estabelecem o monoteísmo, pro­clamam Iavé como o Elohim de Israel, Deus único, e proibia a fabricação de ídolos e sua adoração:

 

I -       Eu sou Iavé, teu Elohim, que te tirei da terra

do Egito, da casa dos escravos.

 

II -     Não terás outros deuses além de mim; não farás para

ti imagem de escultura, figura alguma do

que há em cima, nos céus e abaixo, na terra, e

nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás

diante delas nem as servirás...

 

III -   Não proferirás o nome de Iavé, teu Elohim, em vão.

 

A seguir veio um Mandamento cuja intenção é exprimir a santidade do Povo de Israel e sua aceitação de um padrão de vida mais elevado, ao guardar um dia da semana para ser o Sabá - um dia devotado à contemplação e ao descanso, aplicado da mesma forma a todas as pessoas, tanto humanos como seus animais:

 

IV -   Seis dias trabalharás e farás toda tua obra; e no

sétimo dia, o sábado de Iavé, teu Elohim, não

farás nenhuma obra tu, teu filho, teu servo, tua

serva, teu animal e o peregrino que estiver em tuas cidades.

 

O quinto Mandamento afirmativo estabelece a unidade da fa­mília assim como a unidade humana, liderada pelo patriarca e pela matriarca:

 

V -   Honrarás teu pai e tua mãe, para que se prolonguem

teus dias sobre a Terra que Iavé, teu Elohim, te dá.

 

A seguir vêm os cinco Mandamentos negativos, que estabelecem o código moral e social entre o Homem e o Homem, em vez de, como no início, entre o Homem e Deus.

 

VI -   Não matarás.

 

VII -   Não cometerás adultério.

 

VIII - Não furtarás.

 

IX - Não darás falso testemunho contra teu próximo.

 

X -   Não cobiçarás a casa do teu próximo; não cobiçarás a

mulher do teu próximo nem seu servo, sua serva, seu

boi, seu asno e tudo que seja do teu próximo.

 

Muito foi dito, em livros incontáveis, sobre as Leis de Hamurábi, o rei babilônio do século XVIII a.C., que ele gravou numa estela (atualmente no Museu do Louvre), sobre a qual o monarca é mos­trado recebendo as leis do deus Shamash. Mas se tratava apenas de uma lista de crimes e castigos correspondentes. Mil anos antes de Hamurábi, os reis sumérios estabeleceram leis de justiça social ­não tomarás o jumento de uma viúva, decretaram eles, nem adiarás o salário de um trabalhador diarista (para citar dois exemplos). Po­rém nunca antes (e talvez nem depois) dez mandamentos afirma­ram, com tanta clareza, todos os essenciais que um povo íntegro e qualquer ser humano possam usar para se guiar!

Escutar a retumbante voz divina vinda do alto do monte deve ter sido uma experiência impressionante. De fato, lemos que "todas as pessoas viam trovões, as tochas e o monte fumegando, escutaram o som do shofar; e viu o povo e tremeu, e ficou de longe, e disseram a Moisés: Fala tu conosco e ouviremos, e não fale conosco Elohim, para que não morramos". Tendo pedido a Moisés para ser o porta­voz das palavras divinas, em vez de ouvi-Ias diretamente, "o povo afastou-se; e Moisés caminhou em direção às trevas espessas, onde estava a glória de Deus".

 

E disse Iavé a Moisés:

"Sobe a mim, ao monte, e fica ali;

e dar-te-ei as tábuas de pedra,

a lei e os mandamentos que escrevi

para os ensinar".

 

Assim (Êxodo, capítulo 24), é a primeira menção às Tábuas da Lei e a asserção de que foram escritas pelo próprio Iavé. Isso é reafir­mado no capítulo 31, em que o número de tábuas é declarado (duas), "tábuas de pedra, escritas com o dedo de Elohim"; outra vez no ca­pítulo 32: "tábuas inscritas em seus dois lados; de ambos os lados estavam inscritas. E as tábuas eram obra de Elohim e a escritura eram as letras de Elohim, gravadas sobre as tábuas". (Isso é reafirmado no Deuteronômio.)

Escritos nas Tábuas estavam os Dez Mandamentos, assim como ordens mais detalhadas para governar o comportamento diário do povo, algumas regras de adoração de Iavé e proibições estritas so­bre a adoração ou mesmo a pronúncia dos deuses dos vizinhos de Israel. Tudo o que o Senhor pretendia dar a Moisés como as Tábuas da Aliança, para ser mantido na Arca da Aliança, que seria construí­da de acordo com especificações detalhadas.

O recebimento das Tábuas foi um evento de significância dura­doura, embutido na memória dos Filhos de Israel e portanto neces­sitando de testemunhas do mais alto grau. Portanto Iavé instruiu a Moisés que viesse receber as Tábuas, acompanhado por seu irmão Aarão, dois filhos de Aarão que eram sacerdotes e setenta anciãos da aldeia. Eles não puderam subir até o alto (apenas Moisés teve permissão para isso), mas o suficiente para "ver o Elohim de Israel". Mesmo então, tudo o que podiam ver era o espaço sob os pés do Senhor, "obra de pura safira, e como a visão dos céus, em sua limpidez". Chegando assim tão perto, eles teriam normalmente per­dido suas vidas; porém daquela vez, tendo-os convidado, "Iavé con­tra os grandes do povo de Israel não estendeu sua mão". Eles não foram abatidos e viveram para comemorar o Encontro Divino e tes­temunhar Moisés subindo para receber as tábuas:

 

E subiu Moisés ao monte,

e a nuvem cobriu o monte.

e a glória de Iavé pousou sobre o monte Sinai,

e cobriu-o a nuvem seis dias;

e Ele chamou a Moisés no sétimo dia,

do meio da nuvem...

 

E entrou Moisés pelo meio da nuvem

e subiu ao monte;

e esteve Moisés no monte por quarenta dias

e quarenta noites.

 

Desde que as duas tábuas já haviam sido escritas, o longo tem­po que Moisés passou no monte foi usado para instruí-lo sobre a construção do Tabernáculo, o Mishkan ("Residência"), na qual Iavé tomaria sua presença conhecida aos Filhos de Israel. Foi então que, além dos detalhes arquitetônicos dados oralmente, Iavé também mostrou a Moisés o "modelo estrutural da Residência e o modelo de todos os instrumentos". Estes incluíam a Arca da Aliança, o baú de madeira marchetado com ouro, no qual as duas tábuas se­riam guardadas, e no alto da qual os dois Querubins de ouro se­riam colocados; aquilo, explicou o Senhor, seria o Dvir -literal­mente, o Falador - "Falarei de cima do tampo, de entre os dois Querubins" .

Foi também durante esse Encontro Divino no alto do monte que Moisés foi instruído sobre o sacerdócio, nomeando os únicos que podiam aproximar-se do Senhor (além de Moisés) e oficiar no Tabernáculo: Aarão, irmão de Moisés, e seus quatro filhos. Suas ves­tes foram elaboradamente prescritas, em todos os detalhes, incluindo o Peitoral do Julgamento, contendo doze pedras preciosas inscritas com os nomes das tribos de Israel. O Peitoral também era usa­do para manter no lugar - exatamente sobre o coração do sacerdo­te - o Urim e o Tumim. Embora o significado exato dos termos tenha iludido os estudiosos, fica claro de outras referências bíblicas (Números 27:21) que serviam como um painel de oráculo para ob­ter um Sim ou um Não do Senhor como resposta a uma pergunta. A pergunta que a pessoa queria fazer era colocada perante o Senhor pelo sacerdote "para pedir a decisão do Urim perante Iavé, e de­pois agir de acordo". Quando o rei Saul (I Samuel 28:6) procurou a orientação de lavé sobre entrar ou não em guerra contra os filisteus, ele perguntou a Iavé em sonhos, pelo Urim, e por intermédio dos profetas" .

Enquanto Moisés estava em presença do Senhor, lá no acampamento sua longa ausência foi interpretada como má notícia, e o fato de ele não aparecer depois de algumas semanas foi uma indicação de que talvez ele tivesse perecido ao encontrar Deus; "quem já ouviu a voz de um Elohim vivo falando do interior do fogo e ficou vivo?". Então, assim que "o povo viu que Moisés demorava em descer do monte, dirigiu-se a Aarão e disse-lhe: "Levanta-te, faze-nos deuses que andem diante de nós porque a esse Moisés, o homem que nos fez subir da terra do Egito, não sabemos o que aconteceu". Então Aarão, procurando invocar Iavé, construiu um altar para Iavé e colocou perante este a escultura de um bezerro folheada a ouro.

Alertado por Iavé, "Moisés desceu do monte, e as duas Tábuas da Aliança estavam em suas mãos". Quando se aproximou do acampamento e viu o bezerro de ouro, ficou furioso "e jogou de suas mãos as tábuas e quebrou-as aos pés "do monte; e tomou o bezerro que fizeram, queimou-o no fogo e o moeu até que se desmanchou em pó e o espalhou sobre a superfície das águas". Procurando os instigadores da abominação e tendo-os passado a fio de espada, Moisés implorou para que o Senhor não abandonasse os Filhos de Israel. Que se o pecado fosse grande demais, que riscasse a ele, Moisés, do "livro que escrevestes". Mas o Senhor não se aplacou completamente, mantendo aberta a opção de retribuição posterior. "Aquele que pecou contra Mim, riscá-lo-ei do Meu livro."

"E escutou o povo essa coisa ruim e entristeceu-se." O próprio Moisés, sem forças e desesperado, apanhou sua tenda e a montou longe do acampamento. "E quando Moisés saía da tenda, levanta­va-se todo o povo e punha-se de pé, cada um à entrada da própria tenda, e olhava Moisés por trás, até ele entrar de novo em sua ten­da." Um sentido de missão fracassada pairava nele e em todos ao redor.

Mas então um milagre aconteceu; a compaixão de Iavé se tor­nou manifesta:

 

E ao entrar Moisés na tenda,

a coluna da nuvem descia

parava à entrada da tenda

e uma voz falava com Moisés.

E todo o povo via a coluna de nuvens

à entrada da tenda, e todo o povo se levantava

e se prostrava à entrada de sua tenda.

 

E Iavé falava com Moisés face a face,

como um homem falando com seu companheiro.

 

Quando o Senhor falou a Moisés do interior da Sarça Ardente, "escondeu Moisés sua face porque teve medo de olhar para o Elohim". Os anciãos e os nobres que haviam acompanhado Moisés para o alto do monte foram apenas até metade e conseguiram ver somente o pedestal do Senhor - mesmo assim foi espantoso que não tenham morrido. Ao final dos quarenta anos de andanças, os israelitas estavam prontos para entrar em Canaã, e Moisés em sua revisão do Êxodo e da grande Teofania, não deixou de reforçar que "no dia em que Iavé falou a vós em Horeb, do meio do fogo, não vistes rosto de nenhum tipo":

 

E vós chegastes e estivestes ao pé do monte;

e o monte ardia em fogo até o meio do céu,

e havia uma nuvem negra e um denso nevoeiro.

E vos falou Iavé do meio do fogo;

som de palavras ouvistes,

porém rosto algum não vistes ­-

somente uma voz.

(Deuteronômio 4:11-15)

 

Isso, obviamente, era um elemento essencial no "que fazer e o que não fazer" nos encontros com Iavé. Porém naquele instante Deus falava com Moisés "face a face" - mas ainda no interior do pilar de nuvens -, Moisés aproveitou o momento para procurar uma rea­firmação em seu papel de líder escolhido pelo Senhor. Pediu para ver-Lhe o rosto.

        Respondendo enigmaticamente, Iavé disse: "Não poderás ver meu rosto, pois não poderás ver-me o homem e viver".

      Moisés pediu outra vez: "Rogo-te, mostra-me Tua glória!".

             Iavé disse: "Eis aqui um lugar junto a Mim, e te porás de pé sobre o penhasco e te protegerei à Minha maneira até que eu tenha passado; retirarei, depois, a Minha glória e verás minhas costas, e o meu rosto não será visto".

A palavra hebraica que forneceu o termo "glória" nas tradu­ções, em todos os locais acima, é Kabod; deriva da raiz KBD, cujo significado seminal é "peso, pesado". Literalmente, então, Kabod sig­nificaria "o peso, a coisa pesada". Que uma "coisa", um objeto físico, e não urna glória abstrata seja o significado quando aplicada a Iavé, fica claro desde a primeira menção na Bíblia, quando os israe­lenses "contemplam o Kabod de Iavé", envolvido pela nuvem sempre presente, depois que o Senhor concedeu o miraculoso maná para a alimentação diária. No Êxodo 24:16, lemos que o Kabod de Iavé pousou sobre o monte Sinai e cobriu-o de nuvem por seis dias", até que, no sétimo dia, Ele chamou Moisés para subir; o verso 17 acrescenta, para aqueles que não estavam presentes, que" a aparência do Kabod de Iavé era um fogo consumidor no alto do monte, aos olhos dos Filhos de Israel".

Indicando uma manifestação de Iavé, o termo Kabod também é usado nos outros cinco livros do Pentateuco - Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Em todos os casos, o chamado "Kabod de Iavé" é algo concreto que o povo pode enxergar - embora esteja continuamente envolto numa nuvem, como se estivesse num nevoeiro escuro.

O termo é repetidamente empregado pelo profeta Ezequiel em suas descrições da Carruagem Divina (o pedestal é descrito de for­ma quase idêntica aos versos que dizem respeito ao que os anciãos de Israel viram na metade da subida do monte Sinai. A Carruagem, narra Ezequiel, estava envolta num brilho radiante; aquela, disse ele, foi a aparição do "Kabod de Iavé". Nessa primeira missão profé­tica no exílio, estando à margem do rio Khabur, o Senhor dirigiu-se a Ezequiel num vale, onde "o Kabod de Iavé encontrava-se parado, um Kabod como jamais se vira antes". Quando Ezequiel foi carrega­do para o alto, a fim de ver Jerusalém, "visões divinas", novamente ele vê "o Kabod do Deus de Israel, como aquele que vi no vale". E quando a visita em visão terminou, o "Kabod de Iavé" parou sobre o Querubim, e o Querubim ergueu suas asas e "ergueu-se da terra", levando consigo o Kabod.

Ezequiel escreveu que o Kabod possuía uma luminosidade que brilhava através da nuvem que o escondia, uma espécie de radia­ção. Esse detalhe fornece uma idéia nova em face do Encontro Imediato de Moisés com o Senhor Iavé e seu Kabod. Foi depois que Iavé controlou sua raiva e disse a Moisés para fazer duas novas tábuas de pedra, idênticas às duas primeiras que Moisés quebrara, e depois subir outra vez ao monte Sinai para receber os Dez Mandamentos e outras instruções. Dessa vez, entretanto, as palavras foram ditadas a Moisés pelo Senhor. De novo ele passou quarenta dias e quarenta noites no topo do monte; e Iavé "ficou com ele lá" - não falando a distância, mediante um Amplificador, "mas ficando com ele".

 

E ao descer do monte Sinai,

estando as duas tábuas da Aliança

nas mãos de Moisés em sua descida do monte,

Moisés não sabia que resplandecia a pele de seu rosto

por (Deus) ter falado com ele.

 

E Aarão e todos os Filhos de Israel,

ao olhar para Moisés, viram que resplandecia

a pele de seu rosto;

e temeram aproximar-se dele.

 

Então "Moisés pôs um véu sobre o seu rosto. E ao vir Moisés diante de Iavé para falar com Ele, tirava o véu até sair; e ao sair, dizia aos Filhos de Israel o que lhe fora ordenado. E viram os Filhos de Israel o rosto de Moisés e que resplandecia a pele do rosto de Moisés, e tomava a pôr Moisés o véu sobre o rosto até entrar para falar" com o Senhor.

Fica evidente nesse trecho que Moisés, quando estava na proxi­midade do Kabod, ficava exposto a algum tipo de radiação que afetava sua pele. O que era exatamente a fonte material dessa radiação não sabemos, mas sabemos que os Anunnaki podiam e (costumavam) empregar radiação para uma variedade de propósitos. Lemos sobre isso na história da Descida de Inana ao Mundo Inferior, quando ela foi revivida com uma radiação pulsante (talvez não muito diferente daquela representada numa placa de cerâmica da Mesopotâ­mia, na qual o paciente, protegido por uma máscara, é tratado com radiação. Lemos a respeito disso, usado como raio mor­tal, na narrativa de Gilgamesh, quando ele tentou entrara na Zona Proibida na península do Sinai, e os guardiões dirigiram o raio para ele. Lemos na História de Zu o que aconteceu quando ele removeu a Tábua dos Destinos do Centro de Controle de Missão em Nippur: "A ausência de ação espalhou-se, o silêncio dominou; o brilho do santuário fora levado".

Um objeto físico, um que se podia mover, parar sobre uma mon­tanha, elevar-se e decolar, envolto numa nuvem de fumaça escura, emitindo um brilho - é assim que a Bíblia descreve o Kabod - literalmente. O "objeto pesado" - no qual Iavé se movia. Tudo isso descreve o que agora chamamos, em nossa ignorância ou descren­ça, de Ovni - Objeto Voador Não-Identificado.

A esse respeito, será útil traçar as raízes acadianas e sumérias das quais deriva a palavra hebraica. Enquanto o acadiano Kabbuttu significa "peso, pesado", o termo de sonoridade parecida, Kabdu (si­milar ao hebraico Kabod) significava "segurador de asa" - algo ao qual as asas estão presas, ou talvez para onde elas pudessem se re­trair. O termo sumério KI.BAD.DU significava "pairar para um local distante". Num caso, no qual o trono da divindade é descrito, o adjetivo HUSH - "brilho vermelho" é usado para descrever o obje­to que "paira longe".

Só podemos especular se o Kabod parecia com o "Divino Pássa­ro Preto" de Ninurta, os veículos bulbosos sem asas (ou de asas retráteis) representados nos murais de Tell Ghassul - ou como no objeto em forma de foguete que Gilgamesh viu decolar do Local de Aterrissagem no Líbano (uma subida que, lida em sentido inverso, é quase uma descrição como as que constam do capítulo 19 do Êxodo).

Poderia ter semelhança com um ônibus espacial ame­ricano? Formulamos tal pergunta em virtude da similaridade com uma pequena figura, descoberta alguns anos atrás num local na Turquia (a antiga Tuspa). Feita de argila, mostra uma máquina voa­dora que combina aspectos de um moderno ônibus espacial (incluindo os tubos de descarga dos jatos), com a cabine de um avião para uma só pessoa. A imagem parcialmente danificada do "piloto", sentado na cabine, assim como a totalidade da pequena escultura, lembra representações mesoamericanas de deuses barbados acompanhados por objetos em forma de foguetes. O Museu Arqueológico de Istambul, que guarda essa peça, não a colocou à mostra; a desculpa oficial é que sua "autentici­dade" ainda não foi estabelecida. Se for autêntica, não servirá ape­nas para ilustrar Ovni, mas também para lançar uma luz na ligação entre o Oriente Médio e as Américas.

Depois que Moisés morreu e Josué foi escolhido pelo Senhor para liderar os israelitas, estes avançaram ao longo da margem orien­tal do rio Jordão e o atravessaram junto a Jericó; em quase todo o trajeto foram ajudados por milagres divinos. Um deles, que nossos estudiosos e cientistas acham difícil de aceitar é a história da bata­lha no vale de Gibeão quando - segundo o Livro de Josué, capítulo 10 - o Sol e a Lua pararam por um dia:

 

E o Sol parou e a Lua ficou

até que o povo se vingou dos inimigos.

De fato, está tudo escrito no Livro de Jashar:

O Sol parou no meio dos céus

e não se apressou para pôr-se

durante um dia inteiro.

 

O que poderia ter causado a parada do movimento de rotação da Terra, de forma que o Sol, erguendo-se no leste e a Lua se pondo no oeste pareceram parar pela maior parte de um dia (de 24 horas)? Para aqueles que levam ao pé da letra sua fé na Bíblia foi apenas mais uma intervenção divina a favor do Povo Escolhido de Deus. No outro extremo ficam aqueles que acreditam ser toda a história uma lenda, um mito. Entre esses ficam aqueles que, como no caso das pragas do Egito e da separação das águas no mar Vermelho (associando-os aos eventos com a explosão do vulcão na ilha de Thera/Santini no Mediterrâneo), procuram um fenômeno ou uma calamidade natural como causa. Alguns sugeriram um eclipse extraordinariamente longo, contudo a Bíblia afirma que havia luz no dia prolongado, e não que o sol tenha escurecido. Como o longo dia iniciou-se com "grandes pedras" que caíam do céu, alguns sugeriram como explicação a passagem próxima de um grande cometa (Immanuel Velikovsky, em Mundos de Colísão, pos­tulou que tal cometa fora apanhado na órbita solar e tornou-se o planeta Vênus).

Tanto textos sumérios quanto os antigos da Babilônia falam de revoluções celestes observadas nos céus e que exigiam encantamen­tos contra os "demônios" celestes. Tratados como "textos de ma­gia" (por exemplo, Charles Fossey, Textos Mágicos; Morris Jastrow, As Religiões dos Babilônios e Assírios; e Eric Ebeling, Tod und Leben) descrevem um "sete ruim, nascido nos vastos céus, desconhecido no céu, desconhecido na Terra" que "atacou Sin e Shamash" - a Lua e o Sol, preocupando ao mesmo tempo Ishtar (Vênus) e Adad (Mercúrio). Antes de 1994 a possibilidade de que sete cometas "ata­cassem" nossa região celeste de uma vez era tão remota que o texto parecia mais uma fantasia do que uma realidade testemunhada por astrônomos da Mesopotâmia. Quando, porém, em julho de 1994 o cometa Shoemaker-Levy se quebrou em 21 pedaços, que caíram em Júpiter em rápida sucessão - à vista de observadores da Terra -, os textos mesopotâmicos assumiram uma realidade impressionante.

Teria um cometa se quebrado em sete pedaços e causado celeuma em nossa vizinhança celeste, caindo aqui e influenciando a rotação do planeta? Ou, como fez Alfred Jeremias (O Velho Testamento à Luz do Antigo Oriente Médio), ao reproduzir o que ele chamou de "um importante texto astral mitológico", aventando a possibilidade de alinhamento dos sete planetas que, com o resultado da enorme força gravitacional, afetou o Sol e a Lua da perspectiva da Terra ­fazendo com que o Sol e a Lua parecessem ficar parados, todavia a realidade era que a Terra sofrera uma alteração temporária em suas rotações.

Quaisquer que sejam as explicações, existe corroboração da ocor­rência em si no outro lado do mundo. Tanto na América Central como na América do Sul, "lendas" - memórias coletivas - persis­tiram a respeito de uma longa noite com cerca de vinte horas de duração, durante as quais o Sol não se ergueu. Nossas investigações (num relato completo em Os Reinos Perdidos) concluíram que essa longa noite ocorreu nas Américas por volta de 1400 a.C. - a mes­ma época em que o Sol não se pôs em Canaã por um período de tempo similar. Desde que um fenômeno seria o oposto do outro, a mesma causa - qualquer que fosse - que teria feito o Sol parar em Canaã teria impedido que ele nascesse do outro lado da Terra, nas Américas.

Lembranças da América Central e do Sul que validam a história do Dia em que a Terra Parou - não o filme, mas a história bíblica. Não precisamos nem de ficção científica nem de fantasias para acei­tar a história da maior teofania já ocorrida como o fato que foi.

 

Circuncisão: Sinal das Estrelas?

Quando Iavé "fez uma Aliança" com Abraão, todos os machos da sua casa tiveram de ser circuncidados. "E circuncidareis a carne de vosso prepúcio, e será por sinal de Aliança entre Mim e vós. E com a idade de oito dias será circuncidado, entre vós, todo varão, nas vossas gerações... Será minha Aliança em vossa carne, para uma aliança eterna." (Gênesis 17:11-14). A falha em fazer isso teria excluído o pecador do povo de Israel.

A circuncisão tinha, portanto, a intenção de ser um "sinal na carne", único, distinguindo os descendentes de Abraão de seus vizinhos. Alguns pesquisadores acreditam que a circuncisão era praticada entre a realeza, no Egito, conforme evidenciado por uma ilustração (figura da página seguinte) - embora a representação possa ser de um rito de puberdade, em vez de uma circuncisão religiosa.

Com ou sem precedente, qual era o simbolismo implicado pelo pedido de Mul (traduzido "circuncidar") os machos hebreus? Ninguém sabe, na verdade. Inexplicada, também, é a origem do termo; pesquisadores lingüistas procuraram algum paralelo em acadiano ou linguagens semitas mais recentes e voltaram de mãos vazias.

Sugerimos que a resposta ao enigma esteja na origem suméria de Abraão. Procurando lá, a palavra assume um novo significado, pois MUL era o termo sumério para "corpo celeste", uma estrela ou um planeta!

Então, quando Iavé instruiu Abraão para Mul a si mesmo e os outros machos, podia estar dizendo a ele para colocar o "sinal das estrelas" em sua carne - símbolo eterno de uma conexão celeste.

 

PROFETAS DE UM DEUS INVISÍVEL

A maior teofania que jamais aconteceu não foi única apenas em seu alcance - presenciada por 600 mil pessoas - nem apenas em sua duração - vários meses - nem apenas em suas realizações: a Aliança entre Deus e o Povo Escolhido e a Proclamação dos Manda­mentos e Leis de impacto duradouro. Revelou também um aspecto­chave sobre a divindade - o de Deus Invisível. "Ninguém pode ver meu rosto e viver", afirmou Ele; mesmo o fato de se aproximar demais de onde repousava o Kabod constituía um perigo.

Ainda assim, se Ele fosse seguido e adorado, como podia ser procurado, encontrado e ouvido? Como os Encontros Divinos com Iavé podiam ocorrer?

A resposta imediata, no deserto do Sinai, era o Tabernáculo, o Mishkan (literalmente: Residência) portátil, com sua Tenda da Aliança.

No primeiro dia do primeiro mês do segundo ano do Êxodo, o Tabernáculo foi completado de acordo com as especificações deta­lhadas e exatas, ditadas pelo Senhor a Moisés, incluindo a Tenda da Aliança com seu Santo dos Santos; lá, separada das outras áreas por uma cortina pesada, ficava a Arca da Aliança, que continha as duas Tábuas e sobre as quais as asas dos dois Querubins de Ouro tocavam-se. Ali, onde as pontas se tocavam, estava o Dvir -literalmen­te, o Falador -, pelo qual Iavé conversava com Moisés.

E quando Moisés completou "todo o seu trabalho, conforme Iavé ordenou" no dia previsto, uma nuvem grossa aterrissou e encobriu a Tenda da Aliança. "A nuvem de Iavé", afirma o último verso do Livro do Êxodo, "estava sobre a Residência durante o dia e um fogo durante a noite, perante os olhos de toda a casa de Israel, através de suas jornadas". Só quando a nuvem divina se erguia é que eles continuavam; mas quando a nuvem não se erguia da Residência, ficavam no local onde estavam acampados até que a nuvem se levantasse.

Foi durante um desses períodos de descanso (como afirma o pri­meiro verso no livro seguinte do Pentateuco, o Levítico) que "cha­mou Iavé a Moisés e falou-lhe de dentro da Tenda da Aliança". As instruções cobriam a indicação da Descendência de Aarão como li­nhagem dos sacerdotes, e os detalhes precisos sobre as vestes dos sacerdotes, a consagração e os rituais do sacrifício sagrado para Iavé.

Mesmo então, logo após a aterrissagem no monte e dentro dos limites sagrados do Tabernáculo, era do interior de uma nuvem gros­sa de fumaça escura, detrás da parte cortinada, de entre os Queru­bins, é que a voz de Iavé podia ser ouvida - palavras de um Deus Invisível. Com todas essas precauções e obscurecendo os véus, até o sumo sacerdote precisava elevar um cortina de fumaça a mais, ao queimar uma combinação específica de incensos, antes que pudesse aproximar-se do véu que protegia a Arca da Aliança; e quando os dois filhos de Aarão queimaram o incenso errado, criando um "fogo estranho", um raio de fogo" emanando de Iavé" matou a ambos.

Foi durante esses períodos de descanso que Moisés foi instruí­do em relação a uma longa lista de outras regras e leis - para todos os tipos de sacrifícios e homenagens ao Senhor por parte das pes­soas comuns, já que todos deveriam ser considerados "uma nação de sacerdotes"; as relações apropriadas entre os membros da famí­lia e entre uma pessoa e outra prescrevem o tratamento igualitário do cidadão, do servo e dos estrangeiros. Havia instruções para sa­ber qual comida era própria e qual era imprópria, e na diagnose e tratamento de vários males. Repetições exaustivas decretavam a proibição total de costumes de "outras nações" que fossem associa­dos com a adoração de "outros deuses" - tal como rapar a cabeça ou a barba, fazer tatuagens ou sacrificar crianças, queimando-as no altar. Era proibido "voltar-se para videntes e feiticeiros", e enfatica­mente proibida era a "fabricação de ídolos e imagens esculpidas, e a ereção de estátuas, ou uma pedra esculpida, para curvar-se diante dela" .

"Assim serão distintos os Filhos de Israel dos outros - uma nação santa, consagrada a Iavé", foi dito a Moisés.

À medida que os livros seguintes de Juízes, Samuel, Reis e Pro­fetas se desenrolam, percebe-se que a última proibição foi a mais difícil de manter. Ao redor delas, as pessoas podiam "ver" os deu­ses a quem adoravam - algumas vezes de verdade; na maior parte do tempo, olhando para uma imagem esculpida. Porém Iavé disse­ra que ninguém podia ver seu rosto e viver, e agora os israelitas tinham de observar estritamente uma porção de mandamentos e manter a fé em uma divindade apenas, que não podia ser represen­tada por uma estátua - adorar um Deus Invisível!

Esse era um rompimento total com as práticas de todos os locais, e esse fato era prontamente admitido pelo próprio Iavé. "Segundo os costumes na terra do Egito, onde ficastes, e segundo os costumes da terra de Canaã, para onde os estou levando, não fareis, e os preceitos deles não seguireis", decretou Iavé; ele sabia bem do que estava falando.

O Egito, de onde os Filhos de Israel saíram - conforme ates­tam amplamente antigas representações e achados arqueológicos - estava repleto de imagens e estátuas dos deuses do Egito. Ptah, o patriarca do panteão (a quem identificamos como Enki); Rá, seu filho, chefe do panteão (a quem identificamos como Marduk); e seus descendentes, que reinaram sobre o Egito antes dos faraós e que foram adorados depois disso, apareciam aos reis numa série de Encontros Divinos, em outros (na maioria das vezes) eram representados por suas imagens. Quanto mais distante os deuses ficaram com o passar do tempo, mais os reis e o povo se voltavam para sacerdotes e mágicos, videntes e adivinhos para obter e interpretar a vontade divina. Não é de admirar que Moisés, desejando impressionar o faraó em dúvida, tivesse de recorrer aos poderes do Deus dos Hebreus, e precisasse primeiro suplantar os mágicos reais.

Nos reinos dos enlilitas, a noção de um deus invisível era real­mente estranha. Recluso, talvez; seletivamente acessível, talvez; mas invisível, com certeza, não. Virtualmente, todos os "grandes deuses" da Suméria - com a exceção aparente de Anu - eram representados de uma forma ou de outra, em esculturas, gravações ou em selos cilíndricos. Que fossem vistos de verdade por mortais é evidente por incontáveis selos cilíndricos encon­trados ao longo da Mesopotâmia, da Anatólia e em terras do Mediterrâneo que representam o que os estudiosos chamam de "ce­nas de apresentação", em que um rei, metade das vezes vestido como sacerdote, é conduzido por um deus (ou deusa) menor até um "grande deus". Uma cena similar está representada numa grande estela de pedra encontrada num local chamado Abu Habba, na Mesopotâmia, na qual o rei-sacerdote está sendo apresentado ao deus Shamash - uma cena que lembra as de entrega dos códigos de leis que reproduzimos em capítulos anteriores. Pode­mos presumir também que, quando o deus tinha uma esposa hu­mana, ou durante Encontros Divinos do tipo Sagrado Casamento, o deus ou deusa não eram invisíveis.

(Isso também aumentou a consternação dos israelitas, já que em nenhum lugar da Bíblia existe a menção de uma esposa de Iavé, fosse humana, fosse divina. Isso, acreditam os estudiosos bíblicos, foi uma das maiores causas pelas quais os israelitas se voltavam para a veneração de Asherá, a principal deusa do panteão cananeu.)

Mesmo na Suméria, onde a presença dos deuses Anunnaki em seus zigurates era um fato aceito e conhecido, a Palavra Divina era passada às pessoas mediante um intermediário entre os sacerdo­tes do templo. Na verdade, o nome Terah, do pai de Abraão, suge­re que ele era um Tirhu, um sacerdote do templo; o clã da família, Ibri ("hebreu"), indica, acreditamos, que a família vinha de Nippur

(o centro de culto de Enlil), cujo nome sumério era NI.IBRU ­- "Belo lugar de passagem". Depois da queda da Suméria e da ascensão da Babilônia (com Marduk como chefe do panteão), e de­pois da Assíria (com Asur como chefe do panteão), surgiu uma pletora complexa de oráculos e sacerdotes adivinhadores, viden­tes e oráculos que enchiam os templos, palácios e casas mais simples - todos afirmando ser capazes de saber a palavra divina, ou adivinharem a Vontade Divina - "fortuna" - a partir do fígado dos animais, ou de como o óleo se espalha na água, ou das conjunções celestes.

A esse respeito, também os israelitas deveriam agir de forma diferente. "Não praticarás adivinhações ou mágicas", diz o mandamento em Levítico 19:26. "Não procures videntes de espíritos nem leitores de agouros", aconselha o Levítico 19:31. Em contraste direto com os sacerdotes de outras nações da Antiguidade, os sa­cerdotes israelitas e levitas escolhidos para servir no templo eram qualificados a "ficar em pé perante Iavé" (entre outras restrições) por nunca ter se tomado "um mágico, um adivinho, um mago ou encantador, nem ninguém que encante ou veja espíritos, nem orá­culo, nem alguém que conjure os mortos; todas essas são abomi­nações que Iavé, teu Elohim, deve expulsar do teu caminho" (Deu­teronômio 18:10-12).

Práticas que eram - certamente na época do Êxodo, no século XV a.C. - parte do repertório religioso do mundo antigo e da adoração de "outros deuses" sofriam essa proibição rígida por Iavé na religião e na adoração de Israel. Como podiam os Filhos de Israel, uma vez na Terra Prometida, receber a Palavra Divina e conhecer a Vontade Divina?

     As respostas foram dadas pelo próprio Iavé.

     Em primeiro lugar, havia os anjos, Emissários Divinos, que comunicavam a Vontade Divina e agiam por Ele. "Estou enviando um Mal'akh para ficar à frente de vós, para proteger-vos no caminho, até chegardes ao lugar que preparei", disse o Senhor para os Filhos de Israel por intermédio de Moisés; "cuidado com ele e obedeçai-­lhe, pois ele não perdoará vossas transgressões; meu Shem está nele" (Êxodo 23:20-21). "Se o atenderdes", disse o Senhor, "esse anjo vos levará em segurança à Terra Prometida".

Também existiam outros canais de comunicação, disse Iavé. Foram tomados explícitos como resultado de um incidente no qual Aarão, o irmão de Moisés, e Míriam, sua irmã, tornaram-se invejo­sos do fato de Moisés ser o único chamado à Tenda da Aliança para falar com Iavé. No capítulo 12 de Números:

 

E Míriam e Aarão disseram:

"Porventura somente com Moisés falou Iavé?

Certamente, também conosco falou".

E ouviu isso Iavé.

 

E falou Iavé de repente

a Moisés, Aarão e Míriam, dizendo:

"Saí vós três à tenda da Aliança".

E os três avançaram.

 

E apareceu Iavé numa coluna de nuvem

e esteve à porta da tenda.

E chamou a Aarão e Míriam,

e os dois avançaram.

 

Conseguindo assim a atenção dos dois e trazendo-os o mais próximo possível da "coluna de nuvens" que descera para posicionar­se em frente à Tenda da Aliança, Iavé disse a eles:

 

"Escutai minhas palavras:

Se houver um profeta de Iavé entre vós,

Eu, Iavé, em visão a ele me faço conhecer,

ou no sonho falo com ele.

Não é assim com meu servo Moisés,

em toda a minha casa ele é fiel!

Claramente falarei com ele,

com palavras claras, e não com enigmas.

E a glória de Iavé contemplará.

Por que razão ousastes falar

contra meu servo Moisés?

E acendeu-se a ira de lavé contra eles;

e Ele retirou-se.

E a nuvem retirou-se de sobre a tenda;

e eis que Míriam estava leprosa,

branca como a neve.

 

Ali estava, então, claramente afirmado: seria por intermédio dos Profetas de Iavé, aparecendo a eles numa visão ou num sonho, que o Senhor se comunicaria com o povo.

O conceito geral de "profeta" é aquele da pessoa que se com­promete em profecias - predições do futuro (nesse caso, sob orien­tação ou inspiração divina). Mas o dicionário define corretamente "profeta" como "uma pessoa que fala por Deus" em assuntos divi­nos, ou apenas "um porta-voz para alguma causa, grupo ou gover­no". a aspecto da predição está presente ou é presumido; porém a função-chave é a de porta-voz. E, de fato, isso é o que significa o termo hebraico Nabih: um porta-voz. Um "Nabih de lavé", geralmen­te traduzido como "profeta de Iavé", significa literalmente "um por­ta-voz de Iavé" (conforme explicado no capítulo 11 de Números), alguém "sobre quem o espírito de Deus foi lançado", qualificando­o(a) para ser um Nabih, um porta-voz do Senhor.

a termo aparece pela primeira vez na Bíblia no capítulo 20 do Gênesis, que lida com a transgressão de Abimelec, o rei filisteu de Gerar, prestes a incluir Sara em seu harém, sem saber que ela era casada com Abraão. "E Elohim apareceu a Abimelec num sonho no­turno" para avisá-lo. Quando Abimelec protestou inocência, o Senhor lhe disse para devolver Sara a seu marido intocada e pedir que ele rezasse pelo perdão. "Ele é um Nabih e rezará por ti", acrescen­tou o Senhor a respeito de Abraão.

A seguir o termo é usado (em Êxodo, capítulo 6) em seu significado rudimentar. Quando a missão com o faraó foi imposta a Moisés, ele se queixou que sua fala era "hesitante" e não seria levado em conta pelo faraó. Então Iavé respondeu: "Contempla, como um Elohim te farei perante o faraó, e Aarão, teu irmão, será teu Nabih" ­teu porta-voz. E mais uma vez, depois que os Filhos de Israel atra­vessam o mar Vermelho, que se abriu miraculosamente, Míriam, irmã de Moisés e Aarão, liderou as filhas de Israel numa dança e música para honrar Iavé; e a Bíblia a chama: "Míriam, a Nebiah" - ­"Míriam, a profetiza." Em outra ocasião, quando foi necessário incluir os líderes tribais para administrar uma multidão de 600 mil,

 

E Moisés juntou setenta homens

dos anciãos do povo

e os fez ficar em redor da tenda.

E apareceu Iavé na nuvem

e falou-Ihes;

e tirou do espírito que estava sobre ele

e o pôs sobre os setenta homens anciãos.

E quando o espírito pousou sobre eles,

se tornaram Nabih (porta-vozes), depois nunca mais.

 

Porém dois dos mais velhos, continua a narrativa, continuaram sob a influência do Espírito Divino e estavam agindo como Nabih no acampamento. Era esperado que fossem punidos; mas Moisés enca­rou o fato de outra forma: "Gostaria que todo o povo fosse Nabih, que Iavé colocasse seu espírito sobre eles", disse ele a seu servo fiel, Josué.

O assunto dos Nabih como porta-vozes de Iavé ainda necessitou de esclarecimento posterior - afirma o Deuteronômio. Ao contrá­rio de outros povos que" escutam adivinhos e mágicos", o Senhor afirmou ao povo de Israel que Ele providenciaria um Nabih, um do próprio povo, e "Minhas palavras estarão em sua boca, que irá falar para eles segundo minha ordem". Reconhecendo que alguém pode­ria afirmar estar falando por Deus sem que fosse verdade, Iavé avisou que um profeta falso certamente morrerá. Mas como o povo saberia a diferença? "Se surgir no meio de vós um profeta ou um sonhador de sonhos e ele vos der um sinal ou um prodígio", mas apenas para induzi-los a "seguir outro Elohim, desconhecido de vocês, e adorá-lo - não dais atenção às palavras de tal Nabih", ex­plicou Iavé por intermédio de Moisés. Podia ainda haver outro teste sobre a autenticidade do profeta, que foi explicado no Deuteronômio, no capítulo 18: "Quando falar o profeta em nome de Iavé, e a coisa não se cumprir e não suceder, o profeta falou com malícia, não são as palavras de Iavé".

Que não fosse assunto simples distinguir entre os profetas verdadeiros e falsos, foi antecipado desde o início; os eventos a seguir confirmaram amargamente esse problema.

"E não se levantou mais em Israel Nabih algum corno Moisés, a quem Iavé conhecia face a face", é a afirmação na conclusão do Deu­teronômio (e assim a conclusão do Pentateuco, os assim chamados cinco livros de Moisés). Pois Moisés, assim corno todos os que ha­viam conhecido a escravidão no Egito, estava condenado a não en­trar na Terra Prometida. Antes de Moisés morrer, o Senhor fez com que ele subisse ao monte Nebo, que ficava na margem leste do rio Jordão, em frente a Jericó, para ver de lá a Terra Prometida.

De modo significativo ou ironicamente, o monte escolhido para esse ato final, o monte Nebo, tinha esse nome por causa de Nabu, o filho de Marduk. Il Nabium, o "deus que era um porta-voz", confor­me era chamado por inscrições babilônicas. De acordo com regis­tros históricos, foi ele quem, enquanto seu pai Marduk se encontra­va no exílio, percorreu as terras em volta do Mediterrâneo, conver­tendo as pessoas à adoração de Marduk, na preparação da supre­macia de Marduk, à época de Abraão.

A função, a missão dos profetas de Iavé ao longo da era dos juízes, encontra expressão nos livros bíblicos de Samuel e Reis e atinge sua expressão máxima nas mensagens morais e religiosas, com suas visões proféticas para toda a humanidade, nos livros dos Profetas. Orientação, ira e consolo; ensinamentos, reprimendas e elogios; as palavras e feitos simbólicos desses "porta-vozes" de Iavé formam gradualmente, à medida que passam os anos e aconteci­mentos, uma Imagem de Iavé e Seu papel no passado e no futuro da Terra e seus habitantes.

"Foi depois da morte de Moisés, servo de Iavé, que Iavé falou com Josué, filho de Nun, o ministro de Moisés, dizendo: Moisés, meu servo, morreu. Levanta-te, portanto, e atravessa o Jordão, tu e todo esse povo, para a terra que dou a vocês, Filhos de Israel... as­sim corno fui com Moisés serei com ti; não falharei e não te esquece­rei... apenas sê forte e firme em observar e agir segundo os ensina­mentos que Moisés, meu servo, passou a ti... não te voltes para a direita nem para a esquerda." Assim começa o Livro de Josué, com uma reiteração da promessa divina por uma lado e uma exigência de observância absoluta aos mandamentos de Iavé por outro. Logo em seguida Josué, reconhecendo que um dependia do outro, perce­beu que o problema residia no último.

Como na época de Moisés, a ajuda divina na forma de mila­gres foi providenciada pelo novo líder, para tomar claro duas coi­sas: Iavé, apesar de invisível, era onipresente, assim como onipotente. O primeiro obstáculo que os israelitas enfrentaram ao atingir a margem oriental do rio Jordão era como atravessar para a margem oeste; a época era logo depois da estação chuvosa, e as águas estavam elevadas e bravias. Infundindo segurança ao povo e dizendo "Iavé irá mostrar maravilhas", Josué pediu que se santi­ficassem e estivessem prontos para a travessia, pois Iavé o instruí­ra para fazer com que os sacerdotes que carregam a Arca da Aliança entrassem no rio. Eis que no instante em que os pés dos sacerdotes tocaram a água, as águas do Jordão, que correm do norte para o sul, imobilizaram-se e ficaram paradas como uma parede, e os israelitas atravessaram o leito seco do rio. E depois que os sacerdotes com a Arca atravessaram também, as águas recomeçaram a fluir e o rio ficou cheio outra vez.

"Com isso saberão que existe um Deus vivo entre vocês", anun­ciou Josué - prova de que, apesar de invisível, Ele está presente. Ele é poderoso. Pode fazer milagres. Na verdade, os milagres não cessaram; à travessia do Jordão segue-se a aparição de um Anjo de Iavé com as instruções para a derrubada das muralhas de Jericó, e o uso da lança de Josué da mesma forma que Moisés usava o cajado - dessa vez para a prodigiosa derrota da fortaleza montanhosa de Ai. Em seguida veio a miraculosa derrota de uma aliança de reis cananeus no vale de Ajalon, quando o sol parou e não se pôs por 24 horas.

"Eis que se passou depois de um longo tempo, depois que Iavé descansou em Israel dos inimigos que os cercavam, que Josué enve­lheceu e tomou-se avançado em anos", afirma o final do Livro de Josué e o registro de eventos da conquista e colonização de Canaã sob sua liderança. Termina, entretanto, assim como começou: com a necessidade de reafirmar a existência e a presença de Iavé; pois como a Bíblia explica, não apenas Josué, mas todos os anciãos que podiam lembrar o Êxodo estavam saindo de cena.

Josué reuniu os líderes das tribos em Shechem para relembrar perante elas a história dos hebreus desde o início até o presente. Do outro lado do rio Eufrates viveram seus ancestrais, disse ele - Terah e seus filhos Abraão e Nahor - "e eles adoravam outro Elohim". A migração de Abraão, a história de seus descendentes, a escravatura no Egito e os eventos do Êxodo sob a liderança de Moisés foram lembrados brevemente, assim como a travessia do Jordão e o acam­pamento sob a liderança de Josué. Agora, quando eu e minha geração estamos passando, vocês estão livres para fazer uma escolha: podem permanecer ligados a Iavé - ou podem adorar outros deu­ses, disse Josué.

 

Agora, pois, temei ao Senhor

e servi-O com o coração perfeito e sincero ­-

e tirai os deuses, a que vossos pais serviram

na Mesopotâmia e no Egito, e servi a Iavé.

Porém se vos achais mal com servir a Iavé,

na vossa mão está a escolha:

escolhei hoje o que mais vos agradar

e a quem principalmente deveis servir,

se aos Elohim a quem serviram

vossos pais do outro lado do rio,

ou aos deuses dos amorreus em cuja terra habitais,

porque eu e minha casa havemos de servir a Iavé.

 

Confrontado com esse momento de escolha, "o povo respondeu e disse: Longe de nós que abandonemos o Senhor e adoremos ou­tros Elohim... Nós, pois, serviremos a Iavé porque ele é nosso Deus".

E Josué disse ao povo: sois todos testemunhas de que vós mes­mos escolhestes Iavé para servir. E responderam: nós somos teste­munhas. Fez, portanto, Josué uma Aliança naquele dia e "escreveu todas essas coisas no livro da lei de Iavé e tomou uma pedra muito grande e a pôs debaixo de um carvalho que estava no lado do Tabernáculo, como testemunho da aliança.

Mas não havia preleção ou alianças testemunhadas que pudes­sem evitar a realidade da crença israelita monoteísta ilhada por uma multidão de povos politeístas. Conforme apontado pelos escritos do teólogo judeu Yehezkel Kaufmann (A Religião de Israel), o "pro­blema básico" dos israelitas era que a Bíblia era dedicada a "comba­ter a idolatria" - a adoração de ídolos, de estátuas feitas de madei­ra e pedra ou ouro e prata -, mas reconhece que outros povos ado­rem "outros deuses". "A religião israelita e o paganismo são rela­cionados historicamente", escreveu ele. "Ambos são estágios na evo­lução religiosa do homem. A religião israelita surgiu num determi­nado período da história, e nem é preciso dizer que sua ascensão não se realizou num vácuo."

Entre as dificuldades inerentes à Religião de Iavé, estavam a au­sência de uma genealogia e de um reino de onde os deuses tivessem vindo. Os deuses que foram adorados pelos pais e antepassados de Abraão "do outro lado do rio" - o primeiro conjunto de "outros deuses" citados por Josué - incluíam Enlil e Enki, os filhos de Anu, irmãos de Ninharsag. O próprio Anu tinha pais conhecidos. Todos eles possuíam esposas, filhos, - Ninurta, Nanar, Adad, Marduk e assim por diante. Havia ainda uma terceira geração - Shamash, Ishtar, Nabu. Havia um lar de procedência - um local chamado Nibiru, outro mundo (planeta) de onde vieram para a Terra.

Havia ainda os "outros deuses" do Egito; Iavé mostrara seu poder contra eles quando o país foi assolado pelas pragas para deixar sair os Filhos de Israel, mas continuaram a ser venerados no Egito e onde quer que o Egito tivesse alcançado. Eram liderados por Ptah, e o grande Rá era filho dele - viajando em seu Barco Celeste entre a Terra e o "Planeta de um Milhão de Anos", a primeira habitação. Tot, Seth, Osíris, Hórus, Ísis, Néftis eram relacionados em genealogias simples, nas quais os irmãos casavam com meias-irmãs. Quando os israelitas, temendo que Moisés tivesse falecido no monte Sinai, pediram a Aarão que fizesse outra divindade, ele fabricou um bezerro de ouro - a imagem do boi Ápis - para representar o Touro do Céu. E quando uma praga afligiu os israelitas, Moisés fez uma serpente de cobre - símbolo de Enki/Ptah - para controlar a praga. Não é de espantar que os deuses do Egito estivessem na lem­brança imediata dos israelitas.

E havia também os "outros deuses dos amorreus, em cuja terra habitais" os deuses dos cananeus (asiáticos ocidentais), cujo panteão era liderado pelo velho deus aposentado El (um nome próprio ou epíteto singular da palavra Elohim) e sua esposa Asherah; o ativo Baal (significando simplesmente "Senhor"), filho dele; suas esposas favoritas Anat, Shepesh e Ashtoret, e os adversá­rios Mot e Yam. Seus territórios e campos de batalha eram as terras que se estendiam da fronteira do Egito até as fronteiras da Mesopo­tâmia; cada nação naquela área os adorava, algumas vezes sob nomes adaptados ao local; e os Filhos de Israel agora viviam no meio deles...

Para compor o "Problema Básico" dos ingredientes que faltavam numa genealogia e habitação inicial, foi adicionada a grande dificuldade dos israelitas: um Deus Invisível, que não podia ser representado por imagens.

E assim foi que" os Filhos de Israel fizeram mal aos olhos de Iavé e adoraram os falsos deuses; esqueceram Iavé, Elohim de seus antepassados que os tirara do Egito, e seguiram outros Elohim de entre os deuses das nações que os cercavam... e prestaram homena­gem a Baal e Ashtoreth" (Juízes 2:11-13). Repetidas vezes os líderes - juízes eleitos - surgiram para devolver aos israelitas sua fé verdadeira e portanto remover a ira de Iavé.

Um desses juízes, Débora, é lembrada pela Bíblia como Nebi'ah - uma profetiza. Inspirada por Iavé, ela escolheu o comandante e a tática corretos para a derrota dos inimigos ao norte de Israel. Registros bíblicos mostram sua canção da vitória - um poema conside­rado por estudiosos uma obra literária única. Davi Ben-Gurion (ex­primeiro ministro do moderno Estado de Israel), em Judeus em Sua Terra, escreveu que" esse despertar religioso-nacionalista foi expresso de forma comovida em A Canção de Débora, com suas referências ao grande deus invisível". Na verdade, esse hino da vitória fazia mais do que isso: referia-se à natureza celestial de Iavé, afirmando que a vitória foi possível por causa de Iavé, cuja aparição "fazia a terra tremer, os céus se moverem e as montanhas derreterem", fazia com que os "planetas, em suas órbitas", lutassem com o inimigo.

Tal aspecto celeste de Iavé, como veremos, se tomaria altamen­te significativo nas profecias dos grandes profetas da Bíblia.

Cronologicamente, o termo Nabih - e seu detentor - entra em ação outra vez no Livro de Samuel, o garoto que cresceu para ser uma combinação profeta-sacerdote-juiz de seu povo. Temos descrito as séries de sonhos-encontros pelas quais ele foi chamado a represen­tar Iavé; "e o garoto Samuel cresceu e Iavé estava com ele, e nenhu­ma de suas palavras ficou sem se realizar; de Dan a Beersheba, todo Israel sabe que Samuel foi confirmado como Nabih de Iavé. E Iavé continuou a aparecer em Shiloh, pois foi em Shiloh que Iavé se reve­lou a Samuel, quando Iavé falou".

O ministério de Samuel coincidiu com a ascensão de um novo e poderoso inimigo de Israel, os filisteus, que dominavam a planí­cie costeira de Canaã a partir de cinco fortalezas. O conflito, ou o relacionamento tenso e instável, iniciara-se antes, na época de Sansão, e em outro incidente quando os filisteus capturaram a Arca da Aliança e a levaram ao templo de seu deus Dágon (cuja estátua, relata a Bíblia, caía sempre perante a Arca). Foi depois que os líde­res das doze tribos se reuniram perante Samuel e pediram que lhes escolhesse um rei - um sistema de governo "parecido com o de todas as outras nações". Foi assim que Saul, filho de Kish, foi ungi­do o primeiro rei dos Filhos de Israel. Depois de um reinado atri­bulado, a monarquia passou para Davi, filho de Jessé, que ga­nhara fama depois de matar o gigante Golias. E depois de ter sido ungido por Samuel, "o espírito de Iavé desceu sobre ele, dali em diante" .

Tanto Saul quanto Davi, afirma a Bíblia, "perguntavam a Iavé", buscando oráculos para guiar suas ações. Depois que Samuel mor­reu, Saul buscou uma resposta de Iavé, mas "não a conseguiu em sonhos nem em visões nem por meio de profetas". (Ele terminou falando com o fantasma de Samuel por intermédio de um médium.) Davi, segundo lemos em I Samuel 30:7, "falava com Iavé" quando colocava a veste do sumo sacerdote, com a placa de oráculo. De­pois, porém, ele recebia a "palavra de Iavé" por intermédio de profetas - primeiro um chamado Gad, e depois outro de nome Natã. A Bíblia (II Samuel 24:11) chama o primeiro: "Gad, o Nabih, viden­te de Davi", mediante o qual a "palavra de Iavé" era conhecida do rei. Natã foi o profeta por intermédio do qual Iavé disse a Davi que ele não construiria o Templo de Jerusalém, mas sim seu filho (II Samuel 7:2-17) - "todas as palavras de acordo com a visão, Natã contou a Davi".

A função do Nabih como professor e detentor de leis morais e de justiça social, não apenas como canal para mensagens divinas, emerge dos acontecimentos mesmo num profeta antigo como o misterio­so "Natã" ("Ele que recebeu"). Aconteceu quando Davi, tendo visto Betsabá nua enquanto ela se lavava no telhado de sua casa, ordenou a seu general que enviasse o marido dela ao local mais perigoso do campo de batalha, de forma que o rei pudesse tomar Betsabá como esposa, logo que ela enviuvasse. Foi então que Natã, o profeta, veio ao rei e lhe contou a parábola de um homem rico que possuía mui­tas ovelhas, mas mesmo assim cobiçava a única ovelha de um ho­mem pobre. Quando Davi exclamou" esse homem deve ser punido com a morte!", respondeu o profeta: "Sois tal homem!".

Reconhecendo o pecado e interrompendo sua rotina para arre­pender-se, Davi passou ainda mais tempo em meditações e orações solitárias; muitas das reflexões sobre Deus e o Homem encontraram expressão nos Salmos de Davi; neles, os aspectos celestiais de Iavé ecoam e expandem as palavras da Canção de Débora. "Essas são as palavras da canção que Davi cantou para Iavé" (II Samuel 22 e Salmo 18):

 

Iavé é meu rochedo e minha fortaleza;

Ele é meu salvador...

 

Na minha tribulação invocarei Iavé

e clamarei ao meu Deus;

e Ele ouvirá minha voz em sua Grande Casa,

e o meu clamor chegará aos seus ouvidos.

A terra se comoveu e estremeceu.

Os fundamentos dos montes foram agitados...

 

Ele abaixou dos céus e desceu,

a fumaça densa jazia sob seus pés.

E subiu sobre os Querubins e voou,

e apareceu sobre as asas dos ventos...

 

Iavé troveja do céu,

o Altíssimo faz soar sua voz...

Do alto estendeu a mão e recebeu-me...

para me salvar do meu inimigo.

 

"Quarenta anos Davi governou sobre todo Israel - sete anos reinou em Hebron e 33 em Jerusalém," afirma a conclusão de I Crô­nicas, "e morreu em idade madura". "E tudo o que se refere a Davi, da primeira à última palavra, está registrado nos livros de Samuel, o Vidente, e no livro de Natã, o profeta, e no livro de Gad, o Homem das Visões." Os livros de Natã e Gad desapareceram, assim como outros livros - o Livro das Guerras de Iavé, o Livro de Jashar, para mencionar dois outros - citados pela Bíblia. Mas Salmos atribui a Davi (ou à sua interpretação) quase metade (73, para ser exato) dos 150 salmos mostrados na Bíblia. Todos providenciam uma riqueza de idéias novas sobre a natureza e a identidade de Iavé.

O significado de que Davi governou Israel inteiro - sete anos ele reinou em Hebron e 33 em Jerusalém, se torna claro com o desenrolar da história, deixando o segundo milênio e entrando no primeiro milênio a.C., quando Salomão subiu ao trono em Jerusalém; logo depois de sua morte, o reino dividiu-se em Estados separados, a Judéia ao sul e Israel ao norte. Separado de Jerusalém e do Tem­plo, o reino do norte ficou mais exposto a costumes estrangeiros e influências religiosas. A fundação de uma nova capital pelo sexto rei de Israel, por volta de 880 a.C., significa um rompimento com a Judéia, assim como o culto a Iavé no templo de Jerusalém; ele cha­mou a nova cidade de Shomron (Samaria), que significa "Pequena Suméria", a qual começou a adorar deuses cujas imagens podiam ser vistas.

Ao longo desses anos turbulentos, a palavra de Iavé foi levada aos reis competidores por uma sucessão de "Homens de Deus" ­algumas vezes chamados de Nabih (Profeta), outras vezes de Hozeh (Aquele que vê visões) ou de Ro'eh (Vidente). Alguns escutavam diretamente a palavra de Deus, outros eram guiados por um Anjo de Iavé; outros precisaram provar que eram "profetas verdadeiros" realizando milagres que os "falsos profetas" - aqueles cujas previ­sões sempre buscavam agradar ao rei - não conseguiam imitar; todos estavam envolvidos na luta contra o paganismo e em esforços para que o trono fosse ocupado por um rei que fizesse o que" fosse correto aos olhos de Iavé".

Um, cujo ministério e registros se sobressaíram nessa época e deixou uma expectativa messiânica por gerações que se seguiram, foi o profeta Elias (Eli-yahu em hebraico, que significa "Iavé é meu Deus"). Ele foi chamado a profetizar no reino de Acab (por volta de 870 a.C.), o rei de Israel que sucumbiu completamente às influências religiosas de sua esposa sidonita, a infame Jezabel. Ele "começou a adorar Baal e a curvar-se a ele e fazer um altar para Asherah. Dele a Bíblia (I Reis, 16:31-33) afirma que "ele irritou Iavé, o Deus de Israel, mais do que quaisquer outros reis de Israel que reinaram an­tes dele".

Foi então que o Senhor chamou Elias para tomar-se porta-voz, cuidadoso em assegurar-lhe a autoridade e a autenticidade por meio de uma série de milagres.

O primeiro milagre registrado foi quando Elias veio a hospedar-se com uma pobre viúva, e quando ela contou a ele que estava ficando sem comida, ele lhe assegurou que a pouca farinha e o azei­te que ela guardara durariam por muitos dias. De fato, apesar de a consumirem todos os dias, a comida não diminuiu.

Enquanto estava com essa mulher, o filho dela caiu gravemente enfermo "até que seu fôlego cessasse". Pedindo a Iavé que poupas­se o menino, Elias levou o rapaz para cima e deitou-o na cama, estendeu-se por cima do corpo três vezes, a cada vez repetindo o pedido ao Senhor, "e a alma da criança voltou para ela, e ela reviveu", "E a mulher disse a Elias: Agora, com isso, sei que és um homem de Deus, e que a palavra de Iavé em tua boca é verdadeira."

À medida que o tempo passou, Jezabel tinha "não menos do que 450 profetas de Baal" no palácio, e apenas Elias era "profeta de Iavé". Instruído por Elias para organizar um duelo, o rei reuniu o povo e os profetas de Baal no monte Carmelo. Dois novilhos foram trazidos e preparados para o sacrifício em dois altares, mas não ha­via fogo nos altares: cada lado precisava orar e pedir para que o fogo dos céus atingisse o altar. O dia inteiro se passou sem que nada acontecesse ao altar de Baal; mas quando foi a vez de Elias buscar a intervenção divina, "caiu um fogo de Iavé e consumiu o sacrifício" e o próprio altar. "E quando todas as pessoas viram, prostraram-se e disseram: Iavé é o Elohim!" E Elias disse a eles para matarem os profetas de Baal, sem deixar escapar nenhum.

Quando as notícias chegaram a Jezabel, ela ordenou que Elias fosse morto; ele, porém, escapou para o sul, na direção do deserto do Sinai. Com fome e com sede, estava exausto, pronto para morrer, quando o Anjo de Iavé lhe deu água e comida e lhe mostrou o caminho para uma caverna no monte Sinai, o "monte dos Elohim". Lá, o Senhor, falando com ele do nada, instruiu-o a voltar para o norte e ungir um novo rei em Damasco, a capital dos arameus, e um novo rei para Israel; e para "ungir Eliseu, filho de Shaphat, para ser o profeta depois de ti".

Foi apenas uma pista das coisas que iriam acontecer - o envol­vimento dos profetas de Iavé em assuntos de Estado -, predizendo a queda de reis e ungindo os sucessores; não apenas em Israel e na Judéia, mas também em capitais estrangeiras.

Em muitas outras vezes a atividade profética de Elias é declara­da ter acontecido depois que o "Anjo de Iavé" o instruiu, e parece que essa era a forma pela qual Iavé se comunicava com ele. A Bíblia, porém, não relata como Elias recebeu sua instrução mais importan­te (e final) para sua subida aos céus em uma carruagem de fogo. O even­to, que lembra os tempos de Enmeduranki, Adapa e Enoque, é des­crito em detalhes em II Reis, capítulo 2. Toma-se claro pela história que a subida não foi um acontecimento repentino ou inesperado, e sim um evento planejado, e a operação, arranjada em tempo e lugar que foram previamente comunicados a Elias.

"Aconteceu pois que, quando Iavé quis arrebatar Elias ao céu por um remoinho, vinham Elias e Eliseu de Galgala - o lugar onde Josué estabelecera um círculo de pedras para comemorar a miraculosa travessia do rio Jordão. Elias procurou deixar seu discí­pulo principal e prosseguir sozinho, mas Eliseu não quis saber dis­so. Ao chegarem a Bethel, os pupilos (chamados "filhos do profe­ta") também se reuniram lá e disseram a Eliseu: "Acaso sabes que o Senhor há de levar hoje teu amo?". Respondeu Eliseu: "Eu também o sei. Calai-vos".

Ainda tentando livrar-se de seus companheiros, Elias então afir­mou que seu destino era Jericó, e pediu a Eliseu para ficar atrás, mas Eliseu não se deixou convencer e insistiu em continuar com ele. Elias deixou claro que pretendia seguir sozinho depois do rio. Enquanto os discípulos ficavam a distância e observavam, "Elias tomou seu manto e o enrolou, batendo com ele nas águas; estas se abriram e os dois atravessaram pelo leito seco".

Uma vez do outro lado - aproximadamente onde os israelitas haviam chegado pela primeira vez a Canaã -, enquanto andavam, os dois conversavam um com o outro.

 

Eis que um carro de fogo

e uns cavalos de fogo

os separaram um do outro.

E Elias subiu ao céu

por meio de um remoinho.

E Eliseu o via, e clamava:

"Meu pai! Meu pai!

A carruagem de Israel e seu condutor!".

E não o viu mais.

 

Como o detalhe bíblico da rota mostra, a subida de Elias num remoinho de fogo ocorreu perto de (ou em) Tell Ghassul, onde os veículos bulbosos com três pernas estendidas foram representados.

Por três dias os discípulos sem líder procuraram seu mestre desaparecido, embora Eliseu tenha afirmado que a busca seria vã. De posse do manto de seu amo, que caíra durante a subida, Eliseu ago­ra podia fazer milagres, incluindo reviver os mortos e a expansão de um pouco de comida para satisfazer multidões. Sua fama e mila­gres não se limitaram ao domínio israelita, e dignitários estrangei­ros procuraram seus poderes de cura; depois de um tratamento mágico, o rei arameu afirmou que "de fato, não há Elohim na terra, a não ser o de Israel".

Assim como Elias antes dele, Eliseu também se envolveu em sucessões reais por ordens divinas; quando ele morreu, o rei de Is­rael Goás, por volta de 800 a.C. foi o quinto monarca depois de Acab; e como os profetas antes dele, Eliseu era o Porta-voz Divino em as­suntos de guerra e paz. O livro II Reis, capítulo 3, relata a rebelião de Mesha, rei dos moabitas, contra o domínio israelita depois da morte de Acab, quando Eliseu foi consultado para saber se Iavé desejava que se lutasse contra os moabitas. A veracidade da fronteira de guerra foi confirmada por um achado extraordinário - uma estela pelo rei Mesha, na qual ele registrou sua versão dessa guerra de fronteira. A estela, agora no Museu do Louvre, em Paris, está em semítico antigo, utilizado pelos hebreus naquela época; ali consta o nome de Iavé, o deus dos hebreus YHVH - exatamente como era escrito - na linha 18.

Talvez não tenha sido coincidência que nos séculos em que ocor­reu a ocupação e a conquista israelense de Canaã, ao longo dos tempos dos juízes e dos primeiros reis, houve um período intermediá­rio nos Assuntos Mundiais. Os poderosos impérios do Egito, da Babilônia, da Assíria e dos hititas, que surgiram depois da queda da Suméria, por volta de 2000 a.C., e haviam feito das terras próximas ao Mediterrâneo seu campo de batalha, retiraram-se e entraram em declínio. As capitais foram vencidas ou abandonadas; ritos religiosos muito antigos foram deixados de lado, e os templos ficaram em ruínas.

Comentando essa época sobre a Babilônia e a Assíria, H. W. F. Saggs (A Grandeza da Babilônia) afirma que "a migração era tanta que uma crônica com data de aproximadamente 990 a.C registra que "por nove anos sucessivamente Marduk não saiu e Nabu não veio". Isso significa que no Festival do Ano-Novo o ritual no qual Marduk da Babilônia saía para um santuário chamado a casa de Akitu, e Nabu de Borsippa o visitava em seu retomo, não foi cumprido.

Em 879 a.C, uma nova capital, Kalhu (a Calah bíblica), foi ceri­moniosamente inaugurada na Assíria; o evento pode ser considera­do o início do período neo-assírio. As idéias básicas eram expansão, domínio, guerra, carnificina e brutalidade sem paralelo - tudo em nome do "grande deus Asur" e outras divindades do panteão assírio.

A dominação, com o tempo, atingiu a cidade de Babilônia - um pálido fantasma de sua glória antiga. Assim, como um gesto aos seguidores subjugados da Babilônia, os assírios indicavam os "reis" da Babilônia, que não passavam de vassalos do vice-rei. Mas em 721 a.C um líder nativo chamado Merocach-Baladã recomeçou o Festi­val do Ano-Novo, "tomou a mão de Marduk" e proclamou um reinado independente. A ação evoluiu para uma rebelião completa, que produziu guerra intermitente por três décadas. Em 689 a.C os assírios reconquistaram o controle total da Babilônia e foram ao extremo de mudar o próprio Marduk para a capital assíria, como deus cativo.

Mas a resistência continuou no que costumava ser a Suméria e a Acádia, e os envolvimentos assírios em outras terras permitiram que a Babilônia ressurgisse. Um líder chamado Nabopolassar de­clarou independência e o começo de uma nova dinastia babilônica em 626 a.C. Era o começo da nova era neo-babilônica: agora era a Babilônia que imitava a Assíria com suas conquistas próximas e distantes - tudo em nome dos senhores Marduk e Nabu -, se­gundo as inscrições, com a ajuda ativa de "Marduk, o rei dos deu­ses, soberano do céu e da Terra", que depois de 21 anos cativo entre os assírios, orquestrou a derrubada da Assíria e a nova as­censão da Babilônia.

À medida que as guerras de fronteira se transformavam em guer­ras mundiais (em termos e âmbitos antigos) e uma nação era lançada contra outra, os profetas bíblicos também expandiam suas missões para dimensões globais. Lendo-se as profecias, fica-se impressiona­do e surpreso pelo conhecimento de geografia e política das terras distantes, além da compreensão dos motivos para intrigas e confli­tos internacionais, e a visão ao predizer o resultado de movimentos corretos e incorretos pelos reis de Israel e da Judéia no perigoso jogo de xadrez de fazer e quebrar alianças.

Para os grandes profetas, julgados tão importantes que a Bíblia dedica um livro em separado para cada palavra e exortação, o tor­velinho internacional que tomou conta da espécie Humana e até envolveu as nações dos Elohim não foram ações em separado, mas sim aspectos do mesmo Esquema Divino - tudo obra planejada por Iavé para colocar um ponto final nas iniqüidades e transgres­sões internas. Como se houvesse um retomo aos dias que antecede­ram o Dilúvio, quando o Senhor expressou seu dissabor com a es­pécie humana por meio da inundação que afetou toda a humanidade; parecia no momento que a Insatisfação Divina se manifestava outra vez com a queda de todos os reis - de Israel e da Judéia também, e de todos os templos, incluindo o de Jerusalém - e o final das falsas adorações, expressas em sacrifícios para encobrir injustiças terríveis, e a elevação, depois da catarse global, de uma "Nova Jeru­salém", que seria uma "Luz para todas as nações".

  1. A. Heschel, em Os Profetas, chama essa época de "Era da Ira". Seus quinze "Profetas Literários" (como os estudiosos os chamam, já que as palavras foram registradas em livros separados) duraram quase três séculos, desde cerca de 750 a.c., quando Amos (na Judéia) e Oséias (na Samária) começaram a profetizar, até Malaquias, por volta de 430 a.C.; incluiu os grandes profetas Isaías e Jerernias, que nos séculos VIII e VII a.C. previram e viram a queda dos dois reinos hebreus, e o grande profeta Ezequiel, que estava entre os exilados na Babilônia e viu a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor em 587 e profetizou sobre a Nova Jerusalém.

Individualmente, os grandes profetas falavam com dureza con­tra a piedade vazia - rituais que encobriam injustiças. "Odeio, des­prezo vossos banquetes, não tenho prazer em vossas assembléias solenes", disse o Senhor por meio de Amos; em vez disso, "deixai que a justiça aflore como a água nos poços e corra em leito de agir reto como o de um rio poderoso" (5:21-24). "Com que propósito vêm todos esses sacrifícios?", disse Isaías por Iavé; "não trazeis mais oblações vazias... quando estenderdes as mãos, esconderei meus olhos de vós; quando fizerdes muitas orações, não as ouvirei"; em vez disso, "procurai a justiça, desfaçai a opressão, defendei os ór­fãos, pedi pelas viúvas". (Isaías 1:17; Jeremias 22:3). Era uma cha­mada para voltar à essência dos Dez Mandamentos, ao procedimento correto e justo da antiga Suméria.

No ambiente nacional, os profetas viam futilidade e previam o desastre na celebração e rompimento de alianças com reis vizinhos num esforço para resistir aos ataques dos Grandes Poderes daquela época, pois também as nações circundantes estariam condenadas nos conflitos seguintes: "uma tempestade de Iavé, uma ira virá, uma tempestade em espiral irá estourar sobre a cabeça dos ímpios", Jeremias (23:19) previu, afirmando que suas palavras proféticas se referiam a Israel e a Judá, e para todas as "nações não circuncida­das" existentes em sua região - os sidonitas e tirianos, amonitas e moabitas e edomitas, os filisteus e as nações do deserto da Arábia.

Os dois Livros de Reis distinguem os vários reinados dos reis de Israel e Judá de acordo com o que eles "fizeram certo" ou "se des­viaram" dos ensinamentos de Iavé; os profetas consideravam essas alianças volúveis a maior causa dos desvios. Além do mais, onde em tempos antigos era tolerável que "outras nações" adorassem "outros deuses", os profetas afirmavam que aquilo também era uma abominação, pois em sua época os "outros deuses" não passavam de objetos feitos de madeira, metal ou pedra, trabalhados pelo ho­mem - ao contrário de Iavé, que era um deus vivo. As pessoas que adoravam Baal e Astoreth, Dágon e Baal-zebub, Chemosh e Molech eram também pecadoras sem rumo.

Existiam ainda os "falsos profetas", contra os quais os verdadei­ros profetas de Iavé mantinham uma luta constante. Eram acusados não apenas de falar em nome de deuses falsos mas também de fin­gir pronunciar as palavras verdadeiras de Iavé. Em vez de dizer às pessoas o que achavam errado e as listas de perigos à frente, eles apenas diziam o que agradava aos reis e às pessoas. "Eles proclama­vam, Paz, Paz! Mas não havia paz", afirma Jeremias sobre eles. Enquanto os Profetas Verdadeiros não poupavam reis nem pessoas quando passavam as reprimendas e avisos necessários.

Na área internacional, na arena global, os profetas demonstra­vam uma compreensão incomum de geopolítica, e suas visões e premonições tinham amplo alcance. Sabiam do ressurgimento de reinos antigos, como o de Elam, e do surgimento de um novo poder no leste, o dos medos (mais tarde conhecidos como persas); mesmo a China distante, a terra dos Sinim, era levada em conta. As primeiras cidades-Estados dos gregos, na Ásia Menor, sua ocupa­ção das ilhas do Mediterrâneo, em Chipre e Creta, foram reconhe­cidas. A situação de antigos e novos poderes nas fronteiras do Egi­to e da África eram conhecidos. Na verdade, "todos os habitantes do mundo e que viveram na Terra" serão julgados por Iavé, pois todos se perderam.

No palco central, três poderes muito antigos: o Egito, a Assíria e a Babilônia. Desses, os egípcios, com seu panteão, eram tratados com menos respeito. Apesar do relacionamento às vezes estreito, às ve­zes amigável, entre os reinados hebreus e egípcios (Salomão casou com uma filha do faraó e ganhou do rei carruagens e cavalos), o Egito era considerado traiçoeiro e não-confiável. Seu rei, Sheshonq (o Shishac bíblico; I Reis 11 e 14) saqueou o templo em Jerusalém, e Necau II, a caminho para combater a Mesopotâmia, matou o rei judeu Josias, que saiu para cumprimentá-lo (II Reis 23). Tanto Isaías como Jeremias falavam muito contra o Egito e seus deuses, profeti­zando a queda de ambos.

Isaías, em a "Profecia do Egito" (capítulo 19), viu Iavé chegando ao Egito pelo céu no dia em que iria julgar e punir o Egito e os egípcios:

 

Eis aí subirá o Senhor

por uma nuvem leve

e entrará no Egito,

e os simulacros do Egito

se comoverão perante Sua face,

e o coração do Egito se mirrará dentro dele.

 

Prevendo - corretamente - a ocorrência de lutas internas e da guerra civil no Egito, o profeta enxergou o faraó futilmente buscando o conselho de seus videntes e magos para descobrir as intenções de Iavé. O plano divino, anunciou Isaías, era este: "No dia em que houver um altar para Iavé no meio da terra do Egito, e um pilar para Iavé em sua fronteira, será um sinal e um testemunho para Iavé, Senhor dos Exércitos, na terra do Egito... e Iavé se fará conhe­cer no Egito". Jeremias focalizou-se mais nos deuses do Egito, rela­tando (no capítulo 43) o voto de Iavé de "acender um fogo nos tem­plos dos deuses do Egito e queimá-los... quebrar as estátuas de Heliópolis, destruir pelo fogo os templos dos deuses do Egito". O profeta Joel (3:19) explica por que o "Egito se tomará uma desola­ção: por sua violência contra os filhos de Judá e o derramamento de sangue inocente em suas terras".

A ascensão de um império neo-assírio e as matanças contra seus vizinhos com brutalidade sem paralelo eram conhecidas dos profe­tas bíblicos, algumas vezes com tal riqueza de detalhes que chegavam a incluir intrigas da Corte assíria. A expansão imperial assíria, a princípio direcionada para o norte e nordeste, visava as terras da Ásia ocidental à época de Salmanasar m (858-824 a.C.). Em um dos obeliscos comemorativos, ele registrou o saque de Damasco, a execução do rei Asael e o recebimento do tributo do vizinho de Asael, Jeú, rei de Israel (Samaria). Acompanhando a inscrição havia uma representação mostrando Jeú curvando-se diante de Salmanasar sob o emblema do Disco Alado do deus Asur.

Um século mais tarde, quando Menahem, o filho de Gadi, era o rei em Israel, "Pul, o rei da Assíria, veio contra a terra, e Menahem deu a Pul mil talentos de prata para que sua mão permanecesse com ele, a fim de conservar o reinado". Esse registro bíblico em Reis II, 15-19 revela a impressionante familiaridade com a política e os negócios reais na Mesopotâmia distante. O nome do rei assírio que invadiu outra vez as terras à beira do Mediterrâneo era Teglate Falasar III (745-727 a.C.); ainda assim, a Bíblia tinha razão em chamá-lo de Pul, porque esse rei também assumiu o trono da Babilônia e mudou seu nome lá para Pulu - um fato confirmado pela desco­berta de uma estela ("Lista dos Reis da Babilônia B") que atualmente se encontra no Museu Britânico. Alguns anos depois, Ahaz, rei da Judéia, recorreu à mesma tática, "tomando a prata e o ouro que estavam no Templo de Iavé e no tesouro do rei e enviando-a para o rei da Assíria como suborno".

Tais gestos subservientes, em retrospecto, apenas aguçaram o apetite dos reis assírios. O mesmo Teglate Falasar voltou e tomou partes do reino israelita e exilou seus habitantes. Em 722 a.C., seu sucessor, Salmanasar V, tomou o resto do reino israelita e dispersou seu povo pelo império assírio; o paradeiro daquelas Dez Tribos Perdidas e seus descendentes continua um mistério até os dias de hoje.

De acordo com os profetas, o exílio foi desejado pelo próprio Iavé, por causa das transgressões de Israel: "eles não prestaram atenção às palavras de Iavé, seu Elohim, e transgrediram a Aliança e tudo quanto Moisés, o servo de Iavé, ordenou." O profeta Oséias, em palavras e feitos simbólicos, previu esses eventos como castigo pela "prostituição" de Israel com outros deuses, mas deixou claro que "uma questão tinha Iavé com os habitantes da Terra, pois não havia verdade nem justiça, nem entendimento de Elohim sobre a Terra". As profecias de Isaías especificavam que a Assíria seria o instrumento do Senhor para o castigo: "Eu, o Senhor, trarei sobre vós o rei da Assíria e todas as suas hostes", disse ele, como porta­voz de Iavé.

Mas isso era apenas o início. Em "Profecia sobre a Assíria", na qual esse poder foi chamado de "cajado da ira de Deus (10:5), Iavé também expressava sua raiva contra os excessos da Assíria, usando sua combatividade para exterminar nações inteiras com brutalidade sem paralelo na história, quando a intenção de Iavé era apenas de castigar e sempre deixar um núcleo para ser redimido. Os reis da Assíria não tiveram mais livre-arbítrio do que um machado nas mãos de quem o empunha, Ele anunciou; e quando a Assíria cumprir sua missão inicial, seu próprio dia de expiação chegará.

A Assíria não somente deixou de perceber que não passava de uma ferramenta nas mãos de seu empunhador divino como também não percebeu que Iavé era o Senhor, um "Elohim Vivo", Ao contrário dos deuses pagãos. Os assírios exibiram essa falha quando, tendo exilado o povo de Israel de suas terras, deixaram cada grupo continuar a adorar seus deuses. A lista, podemos observar, inclui entre os ídolos: o de Marduk pelos babilônios, o de Nergal pelos cuteanos e o de Adad pelos palmirianos. Os recém-chegados à Samaria foram devastados, entretanto, por leões selvagens e vi­ram aquilo como sinal de irritação do "deus local", Iavé. A solução assíria foi mandar de volta para a Samaria um dos sacerdotes exila­dos de Iavé, para ensinar aos recém-chegados os "costumes do deus local". Então, enquanto um dos sacerdotes israelitas estava mostran­do a eles" como adorar Iavé", foi apenas mais uma adição de um deus à adoração politeísta...

Que Iavé era diferente e que a Assíria estava sujeita à Sua vontade ficou demonstrado quando Senaqueribe (705-681 a.C.) invadiu a Judéia, ignorou seu tributo e enviou seu general Rabshake ao comando de um grande exército para capturar Jerusalém. Cercando a cidade, Rabshake procurou sua rendição, sugerindo que o rei assírio apenas executava a vontade de Iavé: "Pensam que foi sem a vontade de Iavé que vim destruir este lugar? Pois foi Iavé que disse para mim: 'Vai e destrói aquela terra'''.

Sendo que isso não era muito diferente do que o profeta Isaías estava dizendo, os habitantes de Jerusalém poderiam ter se rendido não fosse pela pressa crescente dos assírios. Se vocês pensam que seu deus Iavé pode mudar de idéia e proteger vocês, então esque­çam, disse o general. Em seguida listou as muitas nações que a Assíria havia conquistado; "Por acaso os deuses de algumas dessas nações, um em cada país, salvaram-nas do rei da Assíria? Quem é esse Iavé para salvar Jerusalém de mim?".

A comparação de Iavé com os deuses pagãos foi uma blasfêmia tão grande que o rei Ezequias rasgou suas roupas e colocou cilícios para se lamentar. Juntando-se aos sacerdotes no templo, ele man­dou notícias para !saías, pedindo a ele que buscasse a ajuda de Iavé, "naquele dia de desgraça, humilhação e tristeza", um dia no qual o emissário do rei da Assíria blasfemou contra um "Deus Vivo", com­parando-o aos deuses de outras nações, "que não eram Elohim, mas feitos de madeira e pedra pelo homem".

E Isaías, o profeta, respondeu a Ezequias a "palavra de Iavé" contra o desrespeito de Senaqueribe, que ousou" erguer sua voz para blasfemar contra o Deus de Israel. Aquele que está entronado acima do Querubim". Portanto, declarou o profeta, Jerusalém será poupada e Senaqueribe será punido.

"E sucedeu que naquela noite o Anjo do Senhor veio e atacou o acampamento dos assírios, todos os 185 mil... e Senaqueribe retor­nou para Nínive; enquanto se prostrava em adoração no templo de seu deus, Nisroch, seus filhos Adarmelech e Sharezer o mataram com a espada, escapando para a terra de Ararat; seu filho Esardão tomou-se rei depois dele." (A forma como Senaqueribe morreu e sua sucessão são confirmadas pelos registros assírios.)

Jerusalém fora poupada apenas temporariamente. O plano di­vino para uma catarse global continuava; a diferença é que agora o castigo deveria recair sobre a própria Assíria também. O processo, conforme mencionamos, entrou em ação em 626 a.C.; o cajado divi­no providencia para que a Babilônia tenha seu período imperial sob o reinado de Nabucodonosor II (605-562 a.C.).

Aquelas formas de viver - injustiças sociais, sacrifícios sem sinceridade e a adoração de ídolos - trariam sobre o povo da Judéia seu castigo, previram os profetas ao rei e ao povo. Trariam sobre eles a ira de Iavé na forma de uma "grande e feroz nação vinda do norte". Foi no primeiro ano de Nabucodonosor, rei da Babilônia, que Jeremias tomou explícito o oráculo da punição contra a nação de Judá, os que habitavam Jerusalém e nações vizinhas:

Pelo que isto diz o Senhor dos Exércitos:

Por que não ouvistes minhas palavras,

eis que mandarei vir todas as tribos do norte,

e ao meu servo Nabucodonosor, rei de Babilônia,

e os trarei sobre esta terra

e sobre todas as nações que estão em volta dela.

 

Não apenas a Babilônia era uma ferramenta nas mãos de Iavé ­o rei especificado, Nabucodonosor, foi chamado por Iavé de "meu servo"!

A profecia do final do reinado judeu e da queda de Jerusalém, pelos dados históricos, tomou-se verdadeira em 587 a.C. Porém, mesmo enquanto o oráculo da punição era feito, os eventos que vi­riam depois são descritos:

 

Toda esta terra virá a ser um medonho deserto

e um espanto: e todas essas gentes

servirão ao rei da Babilônia por setenta anos.

 

E completos que forem esses setenta anos,

irei com a minha visita ao rei de Babilônia,

e sobre aquela gente, diz o Senhor, para castigar

a sua iniqüidade, e sobre a terra dos caldeus,

e reduzi-Ia-ei a umas eternas solidões.

 

Prevendo o final amargo da Babilônia quando a nação apenas iniciava seu período de ascendência, o profeta Isaías diz: "Babilô­nia, a jóia dos reinados, glória e orgulho dos caldeus, será aniquila­da pelo Elohim de Sodoma e Gomorra".

A Babilônia, conforme o previsto, caiu perante o poderio de uma nova nação vinda do Oriente, os persas aquemênidas, sob a liderança de seu rei, Ciro, em 539 a.C. Registros babilônicos sugerem que a tomada da cidade foi possível pelo rompimento entre o último rei babilônio, Nabunaid, e o deus Marduk: segundo os anais de Ciro, quando ele capturou a cidade e seu terreno sagrado, e entrou no santuário, Marduk estendeu-lhe as mãos, e ele, Ciro, "segurou as mãos estendidas do deus".

Se Ciro, porém, imaginava que com isso ele obteria as bênçãos do Altíssimo, estava enganado, disse o profeta, pois de fato ele esta­va desempenhando o "desejo de Iavé, o Deus Único ", que chamou a Ciro de "meu pastor escolhido" e "meu ungido". Iavé pronun­ciou-se assim para Ciro, por intermédio de Isaías (cap. 45):

 

Embora não me conheças,

Eu sou aquele que te chama pelo nome...

Eu sou Iavé, o Senhor,

o Deus de Israel.

 

Eu te capacitarei a derrubar reis e governar nações, abrirei para ti portas de bronze e quebrarei barras de ferro para ti, darei tesouros escondidos; tudo porque és Meu escolhido para levar os Filhos de Israel para casa - "por meu servo Jacó e meu Escolhido, Israel, Eu te chamei pelo teu nome; selecionei a ti, embora não me conheças", disse Iavé!

Foi no primeiro ano de reinado sobre a Babilônia que Ciro expediu um edito, chamando para retomar os exilados da Judéia para a própria terra, e permitindo a reconstrução do Templo de Jerusalém. O ciclo das profecias se completara; as palavras de Iavé se tomaram verdadeiras.

Porém, aos olhos do povo, Ele permaneceu um Deus Invisível.

 

Idolatria e Adoração de Estrelas

 

As preleções bíblicas sobre idolatria incluíam a adoração das Kokhabim, as "estrelas" visíveis, que eram representadas por seus símbolos nos monumentos e como emblemas erigidos nos santuá­rios e templos. Incluíam os doze membros do Sistema Solar e as doze constelações do zodíaco.

Entre as advertências gerais, havia algumas proibições específi­cas, como a de adorar a "Rainha do Céu" - Ishtar como planeta Vênus, o Sol e a Lua, além da constelação zodiacal chamada Mazaloth ("Presságios da Fortuna"), um termo derivando da palavra acadiana para esses corpos celestes.

Uma passagem em II Reis, capítulo 23, que lida com a destruição desses emblemas idólatras, nomeia em particular um planeta cha­mado "O Senhor", que estaria entre a Lua e o Sol. Acreditamos serem referências a Nibiru, o décimo segundo membro do nosso Siste­ma Solar.

Esses doze corpos celestes eram representados juntos pelos vá­rios símbolos como eram adorados na Mesopotâmia, numa estela do rei Asaradão que atualmente se encontra no Museu Britânico. Nessa estela o Sol é representado por uma estrela com raios, a lua por seu crescente, Nibiru é o Disco Alado, e a Terra - o sétimo planeta de fora para dentro - pelo símbolo dos sete pontos.

 

CONCLUSÃO

Deus, o Extraterrestre

Afinal, quem era Iavé?

Seria um deles? Um extraterrestre?

        A pergunta, com a resposta que ela implica, não é tão descabida. A menos que possamos afirmar que Iavé - "Deus" para todas aquelas crenças religiosas encontradas na Bíblia - tenha sido um de nós, terrestres, então Ele só poderia ser de fora da Terra - que é exatamente o significado da palavra "extraterrestre". E a história dos Encontros Divinos do homem, assunto deste livro, está tão re­pleta de paralelos entre as experiências bíblicas e aquelas de encon­tros com os Anunnaki de outros povos antigos que a possibilidade de Iavé ser um "deles" deve ser considerada com seriedade.

A pergunta, com a resposta que ela implica, surge inevitavel­mente. Que a narrativa bíblica com a qual o Livro do Gênesis se inicia esteja baseada diretamente no Enuma Elish, um texto mesopotâmi­co, fica além de qualquer dúvida. Que o Éden bíblico é uma palavra derivada do sumério E.DIN, fala pela própria forma. Que a história do Dilúvio e de Noé com a Arca está baseada no Atra-Rasis, o texto acadiano, e na história ainda anterior dos sumérios da Epopéia de Gilgamesh, é certo. Que o plural "nós", no trecho da criação de O Adão, reflete o registro das discussões dos líderes dos Anunnaki, que levaram à engenharia genética que trouxe o Roma sapiens à exis­tência, deve ser óbvio.

Na versão mesopotâmica, é Enki, o cientista-chefe, que sugere a engenharia genética envolvida para criar os terrestres que servis­sem como Trabalhadores Primitivos, e teria de ser Enki que a Bíblia registra ao dizer: "Vamos fazer o Adão à nossa imagem e semelhança". Um epíteto de Enki era NU.DIM.MUD, "Ele que faz"; os egípcios também chamavam a Enki de Ptah - "O Que Desenvolve", "Ele que fabrica coisas", e o representava fabricando o homem de barro, como um oleiro. "O que Fez Adão", os profetas repetidamen­te chamaram de Iavé ("Fazedor", e não "Criador"!) e o comparavam a um oleiro fazendo o homem de barro, com um freqüente sor­riso bíblico.

Como mestre biólogo, o emblema de Enki era o das Serpentes Entrelaçadas, representando a hélice dupla do DNA - o código genético que capacitou Enki a realizar a mistura genética que trou­xe O Adão; depois (que é a história de Adão e Eva no Jardim do Éden) a manipular os novos híbridos e os capacitar a procriar. Um dos epítetos sumérios de Enki era BUZUR; significava tanto" Aque­le que resolve segredos" quanto "Ele das minas", pois o conheci­mento de mineralogia era considerado um dos segredos da terra, segredo das entranhas escuras.

A história bíblica de Adão e Eva no Jardim do Éden - a história da segunda manipulação genética - atribui à serpente o papel de disparar a aquisição de "conhecer" (o termo bíblico para procriação sexual). O termo em hebraico para serpente é Nahash; e, de forma interessante, a mesma palavra se refere a um adivinho "Ele que desvenda segredos", o mesmo significado do epíteto de Enki. Além do mais, o termo deriva da mesma raiz que a palavra hebraica para o minério de cobre, Nehoshet. Foi uma Nahash Nehoshet, uma serpente de cobre, que Moisés fabricou e ergueu para cessar uma epidemia

que afligia os israelitas durante o Êxodo. Segundo nossa análise,

não temos outra saída senão concluir que o que ele usou para invocar a intervenção divina foi um símbolo de Enki. Uma passagem de II Reis, 18:4 revela que essa serpente de cobre, a quem o povo chamou de Nehushtan (um jogo de palavras com o significado triplo serpente-cobre-desvendador de segredos), foi mantida no Templo de Jerusalém por quase sete séculos até a época do rei Ezequias.

Pertinente a esse aspecto pode ser o fato de que, quando Iavé tomou o cajado de pastoreio de Moisés um cajado mágico, o primei­ro milagre realizado foi transformá-lo em serpente. Seria, então, Iavé o mesmo que Enki?

A combinação de biologia com mineralogia e com a habilidade de desvendar segredos refletia o status de Enki como o deus da sabedoria e das ciências, dos metais escondidos na terra; foi ele quem implantou as operações de mineração no sudeste da África. Todos esses aspectos eram atribuídos a Iavé. "É Iavé quem dá sabedoria, de Sua boca saem a sabedoria e o entendimento", afirma o Livro de Provérbios (2:6), e foi Ele quem trouxe sabedoria para Salomão, as­sim como Enki dera ao Sábio Adapa. "O ouro é meu e a prata é minha", anunciou Iavé (Haggai 2:8); "Darei a ti os tesouros da escu­ridão e as riquezas ocultas dos locais secretos", prometeu Iavé a Ciro (Isaías, 45:3).

A congruência mais clara entre as narrativas mesopotâmica e bíblica pode ser encontrada na história do Dilúvio. Nas versões mesopotâmicas, é Enki que se desloca para avisar seu seguidor fiel, Ziuzudra/Utnapishtim, a respeito da catástrofe que se aproxima, instruí-lo sobre como montar uma embarcação à prova d'água, for­necer as especificações e dimensões, e, por fim, dirigi-lo para salvar as sementes dos animais. Na Bíblia, tudo isso é feito por Iavé.

A idéia de identificar Iavé com Enki pode ser ampliada ao exa­minarmos as referências dos domínios de Enki. Depois que a Terra foi dividida entre os enlilitas e enkitas (segundo os textos mesopo­tâmicos), Enki recebeu domínio sobre a África. Suas regiões incluíam o Apsu (derivado de AB.ZU em sumério). O termo Apsu, acredita­mos, explica o termo bíblico Apsei-eretz, geralmente traduzido como "os confins da Terra", a terra no final do continente - o sul da Áfri­ca, como o chamamos hoje. Na Bíblia, esse local distante, o Apsei-­eretz, é onde "Iavé vai julgar" (I Samuel 2:10), onde ele governará quando Israel estiver reconstruído (Micah 5:3). Iavé tem sido com­parado com Enki em seu papel como governante do Apsu.

Esse aspecto das similaridades entre Enki e Iavé se toma mais enfático - e talvez mais embaraçoso para a Bíblia monoteísta - quando alcançamos uma passagem no Livro dos Provérbios no qual a grandeza não ultrapassada de Iavé é trazida pelas perguntas retóricas:

 

Quem subiu ao Céu e desceu dele?

Quem reteve os ventos em suas mãos?

Quem atou as águas como num manto?

Quem firmou o Apsei-eretz? ­

Qual é seu nome, e qual o nome de seu filho -

­se é que o sabes?

 

Segundo fontes da Mesopotâmia, quando Enki dividiu o conti­nente africano entre seus filhos, ele garantiu o Apsu a seu filho Nergal. O aspecto politeísta (em perguntar o nome de quem governa o Apsu e o de seu filho) só pode ser explicado por uma retenção involuntária editorial de uma passagem do texto sumério original - o mesmo aspecto no uso de "nós" em "vamos criar o Adão" e em "vamos descer", na história da Torre de Babel. Esse mesmo aspecto em Provérbios (30:4) obviamente substitui Iavé por Enki.

Então Iavé seria Enki em trajes bíblicos-hebraicos?

Se fosse tão simples assim... Se examinarmos de perto a história de Adão e Eva no Jardim do Paraíso, descobriremos que enquanto é Nahash - a serpente de Enki em seu disfarce de conhecedor dos segredos biológicos - que motiva a vontade de Adão e Eva em "conhecer" sexualmente um ao outro e lhes permite ter descendentes, ele não é Iavé, e sim um antagonista de Iavé (assim como Enki e Enlil). No texto sumério, é Enlil quem força Enki a transferir alguns dos novos Trabalhadores Primitivos recém-fabricados (criados para trabalhar nas minas do Apsu) para o E.DIN, na Mesopotâmia, a fim de que aprendessem a cultivar e pastorear. Na Bíblia, é Iavé quem "to­mou Adão e o colocou no Jardim do Éden para cuidar de si e man­ter-se". Foi Iavé, não a serpente, que é representado como o Senhor do Éden, que conversa com Adão e Eva, descobre o que eles fizeram e os expulsa. Em tudo isso, a Bíblia equaciona Iavé não com Enki, mas com Enlil.

De fato, na própria história - a história do Dilúvio - em que a identificação de Iavé com Enki aparece de forma mais clara, é que a confusão se estabelece. Os papéis são trocados, e de repente Iavé faz o papel não de Enki, mas de seu rival, EnliI. No original mesopotâ­mico, é Enlil que não está satisfeito com a humanidade, quem pro­cura a sua destruição na calamidade que se aproximava e quem faz os outros líderes Anunnaki jurarem manter segredo da humanida­de. Na versão bíblica (Gênesis, capítulo 6), é Iavé quem expressa seu descontentamento com a humanidade e toma a decisão de var­rer o homem da face da Terra. Na conclusão da história, quando Ziusudra/Utnapishtim oferece sacrifícios no monte Ararat, é Enlil a ser atraído pelo cheiro agradável de carne assada, e (com alguma persuasão) aceita a sobrevivência da humanidade, perdoa Enki e abençoa Ziusudra e sua esposa. No Gênesis, é para Iavé que Noé constrói um altar e sacrifica animais, e foi Iavé quem "sentiu o aro­ma agradável".

Então Iavé era Enlil?

        Poder-se-ia construir um caso forte com essa identificação. Se tivesse havido um "primeiro entre os iguais", no que se refere aos dois meios-irmãos, filhos de Anu, o primeiro seria Enlil. Embora fosse Enki o primeiro a chegar à Terra, foi EN.LIL ("Senhor do Co­mando") que assumiu como chefe dos Anunnaki na Terra. Foi a situação que correspondia à afirmação em Salmos 97:9: "Pois Tu, ó Iavé, és supremo sobre toda a Terra; supremo és entre todos os Elohim". A elevação de Enlil a esse status é descrita no Épico Atra­-Hasis, nos versos introdutórios, antes do motim nas minas de ouro dos Anunnaki:

 

Anu, pai deles, era o governante;

seu comandante era o herói Enlil.

Seu guerreiro era Ninurta;

seu provedor era Marduk.

 

Todos se deram as mãos,

fizeram lotes e os dividiram:

Anu subiu ao céu;

a Terra foi tornada um assunto de Enlil.

O reino da fronteira do mar

ao príncipe Enki foi dada.

Depois que Anu subiu ao céu,

Enki desceu para o Apsu.

 

(Enki, também chamado nos textos mesopotâmicos de E.A. ­"Ele, Cuja Habitação é o mar" - era assim o protótipo do deus do mar, Posêidon, da mitologia grega, irmão de Zeus, líder do panteão.)

Depois de Anu, o soberano de Nibiru, retomar a seu planeta da visita à Terra, foi Enlil a convocar e presidir o Conselho dos Gran­des Anunnaki, sempre que isso se tomava necessário para tomar

decisões importantes. Em várias épocas de escolhas cruciais - tais como criar O Adão, dividir a Terra em quatro regiões, instituir o reinado tanto como amortecedor quanto como ligação dos Anunnaki com a humanidade, assim como em épocas de crise entre os próprios Anunnaki, quando suas rivalidades evoluíam para guerras, chegando ao uso de armas nucleares - "Os Anunnaki que decretavam o destino sentavam-se trocando conselhos". É típica a forma como uma discussão era descrita: "Enki dirigiu a Enlil palavras de louvor: 'á mais importante entre os irmãos, Touro do Céu, que de­tém o destino do Homem"'. A não ser em épocas quando os debates se tomavam aquecidos e repletos de gritos, o procedimento era or­denado, com Enlil voltando-se para cada membro do Conselho a fim de permitir a ele ou a ela que desse um aparte.

A Bíblia monoteísta deixa entrever várias vezes que Iavé foi des­crito dessa maneira, dirigindo uma assembléia de divindades menores, geralmente chamados Bneí-elim - "filhos dos deuses". O Li­vro de Jó começa sua história de sofrimento de um homem justo ao descrever como o teste da fé em Deus seria o resultado de uma sugestão feita por Satanás"um certo dia, como os filhos dos Elohím se tivessem apresentado diante de Iavé". "0 Senhor está presente no conselho dos deuses, entre os Elohím Ele julga", lemos em Salmos 81:1. "Entreguem-se a Iavé, ó filhos dos deuses, entreguem-se à glo­ria e poder de Iavé." Salmos 29:1 afirma: "curvem-se à Iavé, majestático em santidade". O pedido que até os "filhos dos deuses" se curvassem ao Senhor lembrava a descrição suméria do status de Enlil como comandante-chefe: "Os Anunnaki se humilham perante ele, os Igigi se curvam de boa vontade; aguardam fielmente ao lado, esperando instruções".

É uma imagem de Enlil que se compara com a exaltação na Can­ção de Míríam depois da travessia miraculosa do mar Vermelho: "Quem é como Vós entre os deuses, Iavé? Quem é como Vós pode­roso em santidade, poderoso em louvores, o milagroso?" (Êxodo 15:11).

No que se refere a caráter pessoal, Enki, o criador da humanidade, era mais permissivo, menos exigente, tanto com deuses como com mortais. Enlil era mais severo, um tipo da "lei e da ordem", sem compromissos nem hesitações em distribuir castigos quando esse era o caso. Talvez por causa disso, enquanto Enki conseguia levar a cabo promiscuidades sexuais, Enlil, que só transgredira uma vez (quando teve um encontro/estupro com uma jovem enfermei­ra, que acabou invertendo os valores da sedução), e foi sentenciado ao exílio (sentença suspensa quando ele se casou com ela, a consorte Ninlil). Ele via de forma adversa o casamento inter-racial entre Nefilim e as "filhas de O Homem". Quando os males do homem se tomaram demais, ele teve vontade de lidar com o assunto por meio do Dilúvio. Sua rigidez com outros Anunnaki, mesmo seus próprios filhos, foi ilustrada quando seu filho Nanar (o deus da lua, Sin) la­mentou a iminente desolação de sua cidade, Ur, em virtude da nu­vem nuclear mortal que derivou do Sinai. Enlil disse a ele: "Ur rece­beu o reinado; um reino eterno não foi concedido".

Apesar de seu caráter, Enlil, por outro lado, tinha o hábito de recompensar. Quando as pessoas desempenhavam suas tarefas, quando eram retas e tementes a Deus, Enlil, por sua vez, provia as necessidades de todos, assegurando-se de que a terra e as pessoas estivessem bem e prósperas. Os sumérios o chamavam afetuosa­mente de "Pai Enlil" e "pastor das multidões abundantes". Um Hino para Enlil, o Todo Benéfico, afirmava que sem ele "nenhuma cidade seria construída, nenhuma colonização realizada, nenhuma cerca ou estábulo erguidos, nenhum rei seria coroado, nenhum sumo-sa­cerdote nascido. Esta última afirmação recordava o fato de que Enlil precisava aprovar os reis e de que forma a linhagem de sacerdotes se ampliava no terreno sagrado do "centro de culto" em Nippur.

Essas duas características de Enlil - rigidez e punição pelas transgressões, benevolência e proteção aos que mereciam - são si­milares às de Iavé, conforme é mostrado na Bíblia. Iavé pode aben­çoar e Iavé pode maldizer, afirma explicitamente o DeuteronômÍo (11:26). Se os mandamentos divinos forem seguidos, o povo e sua descendência serão benditos, suas colheitas serão abundantes, sua criação se multiplicará, seus inimigos serão derrotados, e o povo será bem-sucedido em tudo aquilo que escolherem fazer; mas se esquecerem Iavé e seus mandamentos, eles, suas casas e campos serão amaldiçoados e aflitos, com perdas, privações e fome (Deuteronômio 28). "Iavé, teu Elohim, é um deus piedoso", afirma DeuteronômÍo 4:31. Um capítulo mais adiante (5:9), o mesmo livro declara que "Ele é um Deus vingativo..."

Foi Iavé quem determinou que existissem sacerdotes; foi Ele quem ditou as regras para o reinado (Deuteronômio 17:16), e deixa claro que será Ele quem vai escolher o rei - como sem dúvida foi o caso, séculos depois, do Êxodo, começando com a escolha de Saul e Davi. Em tudo isso, Iavé e Enlil imitavam um ao outro.

Um fato também significativo para essa comparação era a importância dos números 7 e 50. Não são números fisiologicamente óbvios (não temos 7 dedos numa mão), nem essa combinação é típi­ca de fenômenos naturais (7 X 50 é 350, não 365,25 o número de dias num ano solar). A "semana" de 7 dias aproxima a extensão do mês lunar (28,5 dias) quando multiplicada por 4, mas de onde viria esse 4? Ainda assim, a Bíblia introduz a contagem de 7, e a santidade do sétimo dia como o Sabá, desde o início da atividade divina. A maldição de Caim durou sete vezes sete gerações; Jericó deveria ser cir­culada sete vezes até que suas muralhas caíssem; muitos dos ritos sacerdotais deveriam ser repetidos sete vezes, ou durar sete dias. Num mandamento mais duradouro, o Festival do Ano-Novo foi de­liberadamente alterado do primeiro mês, Nissan, para o sétimo mês, Tishrei, e as principais festas religiosas duram sete dias. O número 50 foi um dos principais utilizados na construção da Arca da Alian­ça e o Tabernáculo, além de elemento importante na visão da re­construção de Ezequiel. Era uma contagem calendarista de dias nos ritos sacerdotais; Abraão persuadiu o Senhor a poupar Sodoma se lá fossem encontrados cinqüenta homens justos. Mais importante ainda, o conceito social e econômico do Ano do Jubileu, no qual os escravos poderiam ser libertados, as propriedades reverteriam para seus donos e assim por diante. Era no qüinquagésimo ano: "Vós guardareis o qüinquagésimo ano e proclamareis a liberdade na ter­ra", afirma o mandamento (Levítico 25).

Os dois números, 7 e 50, eram associados, na Mesopotâmia, a Enlil. Ele era o "deus que é sete", porque, como o mais alto líder Anunnaki na Terra, ele estava no comando do planeta que era o sétimo planeta, e na hierarquia numérica dos Anunnaki, na qual Anu ostenta o numeral mais alto (60), Enlil (como seu sucessor em Nibiru) ostenta o número 50 (o número de Enki era 40). De forma significativa, quando Marduk assumiu a supremacia na Terra por volta de 2000 a.C., uma das medidas para confirmar essa ascendên­cia era conceder a ele cinqüenta nomes, significando sua ascensão ao Posto de 50.

As similaridades entre Iavé e Enlil estendiam-se para outros as­pectos. Apesar de ter sido representado em selos cilíndricos (o que não é certo, pois a representação pode ser de Ninurta), Enlil era um deus invisível, encerrado nas câmaras mais ocultas de seu zigurate, ou longe da Suméria. Numa passagem do Hino a Enlil, o Benigno, afirma-se sobre ele:

 

Quando, em sua exaltação, ele decreta o destino,

nenhum deus ousa olhar para ele;

apenas a seu exaltado emissário, Nusku,

a ordem, a palavra de seu coração,

ele torna conhecida.

 

Nenhum homem pode me ver e viver, diz Iavé a Moisés numa situação similar; e Suas palavras e mandamentos eram conhecidas por intermédio de emissários e profetas.

Enquanto todos esses motivos para equacionar Iavé com Enlil estão frescos na mente do leitor, vamos oferecer as evidências con­trárias a esse ponto, que indicam outra identificação.

Um dos epítetos mais poderosos da Bíblia para Iavé é El Shaddai. De etimologia incerta, presume uma aura de mistério, e na época me­dieval tomou-se uma palavra-código para o misticismo cabalístico. Tradutores gregos e latinos da Bíblia colocaram Shaddai como" oni­potente", sendo que, na tradução do rei James, é "Deus Todo-Pode­roso", quando o epíteto aparece nas histórias dos Patriarcas (ex.: "E Iavé apareceu a Abraão e disse a ele: Eu sou El Shaddai, caminhe segundo meus ensinamentos e serás perfeito", no Gênesis 17:1), ou em Ezequiel, em Salmos, ou várias vezes em outros livros da Bíblia.

Nos últimos anos, o avanço no estudo do acadiano sugere que a palavra hebraica é relativa a shaddu, que significa "montanha" em acadiano; assim, El Shaddai significaria "Deus das Montanhas". Isso pode ser uma compreensão correta do termo bíblico, indicado por um incidente em I Reis, capítulo 20. Os arameus, que foram derrota­dos numa tentativa de invadir Israel (Samaria), recuperaram suas perdas e, cerca de um ano mais tarde, planejavam um segundo ata­que. Para vencer, os generais do rei arameu sugeriram que se usas­se um engodo para atrair os israelenses a saírem de suas fortalezas nas montanhas para um campo de batalha nas planícies costeiras. "O deus deles é um deus da montanha, por isso eles nos venceram; se lutarem em terreno plano, nós somos mais fortes", argumenta­ram os generais com o rei.

Não haveria forma de que Enlil pudesse ser chamado, ou ti­vesse a reputação de ser um “deus das montanhas”, pois não exis­tem montanhas na grande planície que a Mesopotâmia era (e ainda é). Nos domínios enlilitas, a terra chamada de “Terra monta­nhosa” era a Ásia Menor, para o norte, iniciando com as monta­nhas do Touro; e era a região de Adad, o filho mais novo de Enlil. O nome sumério dele era ISH.KUR (e seu "animal de culto", o tou­ro), que significa "Ele da terra montanhosa". O sumério ISH era es­crito como shaddu em acadiano; assim, Il Shaddu pode ter se tomado o bíblico EI Shaddai.

Os estudiosos falam de Adad, a quem os hititas chamavam de Teshub o “deus da tempestade”, sempre representado com um raio, trovões e ventos, e assim era o deus da chuva. A Bíblia credita a Iavé atributos similares. “Quando Iavé solta sua voz”, afirma Jeremias, “há um troar de águas no céu e tempestades que che­gam dos confins da Terra; Ele faz raios com a chuva e sopra o vento em suas fontes”. Salmos (135:7), o Livro de Jó e outros profetas reafirmam o papel de Iavé como quem concede ou retira chuvas, um pa­pel inicialmente exposto aos Filhos de Israel durante o Êxodo.

Enquanto tais atributos maculam as similaridades entre Iavé e Enlil, não devemos nos empolgar e presumir que Iavé seja a ima­gem espelhada de Adad. A Bíblia reconhece a existência de Hadad (como é escrito seu nome em hebraico) como um dos Uoutros deu­sesu de outras nações, não de Israel, e menciona vários reis e prínci­pes (na Damasco e em outras capitais vizinhas), chamados Ben­Hadad (UFilho de AdadU). Em Palmira (a Tadmor bíblica), capital da Síria Oriental, o epíteto de Adad era Ba' aI Sahmin, “Senhor do Céu”, por isso alguns profetas o contavam como um dos deuses do panteão de Baal, que eram uma abominação aos olhos de Iavé. Não existe jeito, portanto, de Iavé ter sido o mesmo que Adad.

A compatibilidade entre Iavé e Enlil é ainda diminuída por ou­tro importante atributo de Iavé, o de guerreiro. "Iavé avança como um guerreiro, como um herói ele chicoteia sua ira; ele troveja e gri­ta, e sobre seu inimigo prevalecerá", afirma Isaías (42:13), ecoando o verso da Canção de Míriam, que afirma: "Um Guerreiro é Iavé" (Números capítulo 15). Continuamente a Bíblia se refere a Iavé e o descreve como "Senhor dos Exércitos", "Iavé, Senhor dos Exércitos, comanda um exército de guerra", declara Isaías (13:4). Números 21: 14 refere-se ao Livro das Guerras de Iavé, no qual as guerras divinas foram registradas.

Não existe nada nos registros da Mesopotâmia que sugira tal imagem para Enlil. O guerreiro por excelência era seu filho, Ninurta, que lutou e derrotou Zu, combateu na Guerra das Pirâmides com os enkitas e capturou e aprisionou Marduk na Grande Pirâmide. Seus epítetos mais freqüentes eram o de "guerreiro" e "herói", sendo sau­dado pelos hinos como "Ninurta, Filho Principal, possuidor de poderes divinos... herói cujas mãos carregam as divinas armas brilhan­tes". Seus feitos como guerreiro foram descritos num texto épico cujo título sumério é Lugal-e Ud Melam-bi, que os estudiosos chama­ram de O Livro dos Feitos e Explorações de Ninurta. Teria sido o enig­mático Livro das Guerras de Iavé, que a Bíblia menciona?

Em outras palavras, poderia Iavé ter sido Ninurta?

        Como Filho Principal e aparente herdeiro de Enlil, Ninurta também ostentava o número 50, e assim podia qualificar-se tanto quanto Enlil para ser o Senhor que decreta o ano do Jubileu e outros aspectos do número 50 mencionados pela Bíblia. Ele possuía um fa­moso Divino Pássaro Negro, que usava tanto para combate quanto para missões humanitárias; pode ter sido o Kabod que Iavé possuía. Ele era ativo nos montes Zagros, a leste da Mesopotâmia, as terras de Elam, e era reverenciado lá como Ninshushinak, "Senhor da Ci­dade de Shushan" (a capital elamita). Em determinada época, ele executou grandes trabalhos de represamento nos montes Zagros; em outra oportunidade, ele represou e alterou o traçado de canais na montanha, para tomar cultivável a parte montanhosa da península do Sinai e a canalização dessas águas para sua mãe Ninharsag; de uma certa maneira, ele também era um "deus de montanhas". Sua associação com a península do Sinai e com a canalização das águas ali, que só vinham com as chuvas de inverno, com um sistema de irrigação, ainda é lembrada: o maior wadi (rio que se enche no inverno e seca no verão) na península ainda é chamado de Wadi El­-Arish, o wadi do Urash - o Ceifador -, um apelido antigo de Ninurta. Uma associação com a península do Sinai, devido ao seu trabalho com irrigação e à residência de sua mãe, também oferece ligações para uma relação com a identificação de Iavé.

        Outro aspecto interessante de Ninurta que invoca uma similaridade com o Senhor da Bíblia vem à luz numa inscrição do rei assírio Assurbanipal, que, em determinada época, invadiu Elam. Nela, o rei o chamava de "Deus misterioso que fica num lugar secreto onde ninguém pode ver como é esse ser divino". Um deus invisível!

Porém Ninurta, no tocante aos primeiros sumérios, não era um deus escondido, e representações gráficas dele, conforme mostramos, nem ao menos são raras. Em conflito com uma identificação Iavé­Ninurta, topamos com um grande texto antigo que lida com um evento inesquecível, cujos detalhes deixam claro que Ninurta não era Iavé.

Uma das ações mais decisivas atribuídas a Iavé na Bíblia, com efeitos duradouros e lembranças indeléveis, foi a destruição de Sodoma e Gomorra. O evento, como mostramos em detalhes no livro As Guerras de Deuses e Homens, foi descrito e lembrado nos tex­tos mesopotâmicos, tornando possível uma comparação das divindades envolvidas.

Na versão bíblica, Sodoma (onde morava o sobrinho de Abraão com sus família) e Gomorra, cidades na planície verde ao sul do mar Morto, eram pecaminosas. Iavé "desce", acompanhado por dois anjos, para visitar Abraão e sua mulher, Sara, em seu acampamento perto de Hebron. Depois que Iavé prediz que o casal idoso teria um filho, os dois anjos partem para Sodoma a fim de verificar como estão as cidades "pecadoras". Iavé então revela a Abraão que, se os pecados fossem confirmados, as cidades e seus habitantes seriam destruídos, Abraão pede a Iavé que poupe Sodoma se cinqüenta homens justos forem lá encontrados. Iavé concorda (o número é barganhado por Abraão até dez) e parte em seguida. Os anjos, ten­do verificado o mal nas cidades, avisam Lot para que retire sua fa­mília de lá. Ele pede tempo para atingir as montanhas, e eles con­cordam em adiar a destruição. Finalmente, começa o castigo das ci­dades, "Iavé fez chover sobre Sodoma e Gomorra enxofre e fogo, vindos de Iavé desde os céus. E destruiu essas cidades e toda a pla­nície e a todos os moradores das cidades e as plantas da terra... E madrugou Abraão pela manhã ao lugar em que estivera diante de Iavé, e olhou sobre a face de Sodoma e Gomorra, e sobre toda a terra da planície, e viu, e eis que subia uma fumaça da terra, como a fu­maça de uma fornalha" (Gênesis 19).

O mesmo evento está bem documentado nos anais da Mesopo­tâmia como a culminação do esforço de Marduk para conseguir a supremacia na Terra. Vivendo no exílio, Marduk deu a seu filho Nabu a tarefa de converter as pessoas na Ásia ocidental para se tornarem seguidores de Marduk. Depois de uma série de escaramu­ças, as forças de Nabu tomaram-se fortes o suficiente para invadir a Mesopotâmia e possibilitar o regresso de Marduk para a Babilônia, onde ele declarou sua intenção de tomá-la o Portal dos Deuses (que é o significado do nome Bab-Ili). Preocupados, os Anunnaki reuniram-­se num conselho de emergência, presidido por Enlil. Ninurta e um filho alienado de Enki chamado Nergal (dos domínios sul-africanos) recomendaram uma ação drástica para parar Marduk. Enki protes­tou veementemente. Ishtar lembrou que enquanto discutiam Marduk capturava cidade após cidade. "Delegados" foram enviados para apa­nhar Nabu, mas ele escapou e escondeu-se entre os seguidores de uma das "cidades pecadoras". Por fim, Ninurta e Nergal foram autorizados a recuperar de um esconderijo poderosas armas nucleares e usá-las para destruir o Espaçoporto no Sinai (a fim de evitar que caís­sem nas mãos de Marduk) assim como a área onde Nabu se escondia.

O drama que se desenrolou, as discussões acirradas, as acusações e as ações drásticas finais - o uso das armas nucleares em 2024 a.C. - são descritos com detalhes num texto que os estudiosos cha­mam de Erra Epic.

Nesse documento, Nergal é chamado de Erra "O Uivador", e Ninurta, de Ishum ("O Calcinador"). Uma vez que receberam per­missão, recuperaram "as terríveis sete armas sem paralelo" e foram para o Espaçoporto perto do Monte Supremo. A destruição do Es­paçoporto foi levada a cabo por Ninurta/Ishum: "Ele ergueu a mão; o monte foi esmagado; a planície ao lado do Monte Supremo então ele atingiu; em suas florestas nem um só tronco ficou em pé".

Chegara a vez das cidades da planície, e a tarefa foi desempenhada por Nergal/Erra. Ele chegou lá seguindo a Estrada do Rei, que ligava o Sinai e o mar Vermelho com a Mesopotâmia:

 

Então, imitando Ishum,

Erra seguiu a Estrada do Rei.

Extinguiu as cidades,

entregou-as à desolação.

 

O uso de armas nucleares naquela região destruiu uma ponta de areia que ainda existe parcialmente (chamada EI Lissan), e as águas do mar Morto avançaram para o sul, inundando a planície baixa. O texto antigo registra que Erra/Nergal "cavou através do mar Salga­do, dividiu sua integridade". E a arma nuclear transformou o mar Salgado na extensão de água chamado atualmente de mar Morto: "O que vivia ali ele murchou", e o que costumava ser planície verdejante; ele "com fogo calcinou os animais, queimou os grãos até se tomarem pó".

Assim como no caso típico dos atores divinos na história do Di­lúvio, encontramos nessa, relativa à destruição de Sodoma, Gomorra e outras cidades daquela planície na península do Sinai, material para examinar a quem Iavé pode ou não corresponder quando com­paramos os textos bíblicos e sumérios. O texto mesopotâmico asso­cia claramente Nergal, e nã o Ninurta, como quem destruiu as cidades rebeldes. Como a Bíblia afirma que não foram os dois anjos a verificar a situação, mas o próprio Iavé quem destruíra as cidades, Iavé não poderia ter sido Ninurta.

(A referência, no capítulo 10 do Gênesis, a Nimrod como aquele creditado com o início dos reinados na Mesopotâmia, que já discuti­mos, é interpretada como uma referência a um rei não-humano, mas divino, e de fato foi Ninurta quem recebeu a tarefa de estabelecer os reinados na Terra. Sendo assim, a afirmativa bíblica de que Nimrod "era caçador valente perante Iavé" anula a possibilidade de Ninurta/ Nimrod ter sido Iavé.)

Mas Nergal também não era Iavé. Ele é mencionado pelo nome como divindade dos cuteanos entre os estrangeiros trazidos pelos assírios para substituir os israelitas que estavam exilados. Ele está listado entre os "outros deuses" que os recém-chegados adoravam e para quem faziam ídolos. Ele não poderia ter sido "Iavé" e "Abominação de Iavé" ao mesmo tempo.

Se Enlil e seus dois filhos, Adad e Ninurta, não são finalistas em nossa procura para identificar Iavé, que tal o terceiro filho de Enlil, Nanar/Sin (o "deus da Lua")?

Seu" centro de culto" (como os estudiosos o chamam) na Sumé­ria ficava em Dr, a mesma cidade na qual a migração de Terah e sua família se iniciou. De Dr, onde Terah realizava serviços sacerdotais, foram para Haran, no Alto Eufrates - uma cidade na qual havia uma duplicata (mesmo em escala menor) de Dr como um centro de culto de Nanar. A migração naquele instante em particular acredi­tamos estivesse ligada a mudanças religiosas e monárquicas que pos­sam ter afetado a adoração de Nanar. Teria sido ele quem instruiu Abraão, o sumério, a apanhar suas coisas e partir?

Tendo trazido paz e prosperidade à Suméria quando Ur era ca­pital, Nanar foi venerado no maior zigurate de Ur (cujos restos se erguem majestosamente até os dias de hoje) com sua bem-amada esposa NIN.GAL ("Grande Senhora"). Na época da Lua nova, os hinos cantados a esse casal divino expressavam a gratidão do povo a eles; o escuro da Lua era considerado uma época de "mistério dos grandes deuses, a época do oráculo de Nanar", quando ele enviava "Zaqar, o deus dos sonhos durante a noite", para dar ordens, assim como para perdoar pecados. Ele foi descrito nos hinos como "juiz dos destinos no Céu e na Terra, líder das criaturas vivas... que dá existência à verdade e à justiça".

Não parece muito diferente das preces do salmista a Iavé...

        O nome acadiano / semítico de Nanar era Sin, e não resta dúvida de que foi em honra de Nanar como Sin que aquela parte da península foi chamada de deserto de Sin, aliás, toda a península. Foi nes­sa parte do mundo que Iavé apareceu a Moisés pela primeira vez, onde o "monte dos deuses" ficava, onde aconteceu a Grande Teofania. Além do mais, o principal hábitat na planície central do Sinai, na vizinhança do que acreditamos ter sido o verdadeiro monte Sinai, ainda é chamado, em árabe, de Nakhl, originário da deusa Ningal, cujo nome semita era pronunciado Nikal.

Seria uma indicação da identificação Iavé = Nanar/Sin?

        A descoberta, várias décadas atrás, de grande quantidade de literatura de Canaã ("mitos" para os estudiosos) lidando com os panteões deles revelam que enquanto um deus que eles chamavam Ba'al (a palavra genérica para "Senhor", usada como nome pessoal) dirigia as coisas, não era completamente independente de seu pai, EI (um termo genérico que significa "deus", usado como nome). Nesses tex­tos, El é apresentado como um deus aposentado, que vive com sua esposa Asherah longe das áreas povoadas, num lugar sossegado, onde" as duas águas se encontram" - um lugar que identificamos em A Escada para o Céu como a ponta sul da península do Sinai, onde os dois golfos, estendendo-se desde o mar Vermelho, se encontram. Esse fato e outras considerações nos levaram à conclusão de que o cananeu El era Nanar /Sin aposentado; incluindo nos motivos o fato, já exposto, de que um "centro de culto" para Nanar/Sin existia como cruzamento vital de caminhos no antigo Oriente Médio, e mesmo hoje em dia, a cidade conhecida por nós como Jericó, cujo nome bí­blico e semita é Yeriho, que significa "Cidade do Deus Lua"; assim como a adoção, pelas tribos do sul, de Alá - "El" em árabe - como o deus do Islã é representado pela lua em fase crescente.

Descrito nos textos cananeus como um deus aposentado, El como Nanar/Sin também teria sido forçado a aposentar-se: os textos su­mérios sobre os efeitos da nuvem nuclear que derivou para o leste e

lá alcançou a Suméria e sua capital, Dr, revelam que Nanar/Sin ­recusando-se a deixar sua amada cidade - foi afetado pela nuvem mortal, ficando parcialmente paralisado.

A imagem de Iavé, especialmente no período do Êxodo e na colonização de Canaã - depois, não antes do final de Ur -, não pare­ce combinar com a divindade aflita, cansada e aposentada que Nanar/Sin se tomou. A Bíblia o descreve como uma divindade ati­va, insistente e persistente, completamente no comando, desafiando deuses no Egito, distribuindo pragas, despachando anjos, per­correndo os céus; onipresente, realizando maravilhas, um curador mágico, um Arquiteto Divino. Não encontramos nenhuma dessas descrições em Nanar/Sin.

Tanto a veneração quanto o medo dele derivam da associação com seu correspondente no espaço, a Lua; esse aspecto celeste serve como argumento decisivo contra sua identificação com Iavé. Na or­dem divina da Bíblia, foi Iavé quem ordenou que o Sol e a Lua ser­vissem como luzeiros; "o Sol e a Lua louvam Iavé", declara o livro dos Salmos (148:3). E na Terra, o desabar das muralhas de Jericó perante as trombetas de Iavé simbolizam a supremacia de Iavé so­bre o deus da Lua, Sin.

Existe ainda o assunto de Baal, o deus cananeu cuja adoração era um espinho constante para os fiéis de Iavé. Os textos descober­tos revelam que Baal era um filho de El. Sua moradia nas montanhas do Líbano ainda é conhecida como Baalbek, "o vale de Baal" ­- o local que foi o primeiro destino de Gilgamesh em sua busca da imortalidade. O nome bíblico para isso era Beit-Shemesh - a "Casa/habitação de Shamash"; Shamash, lembramos, era um filho de Nanar/Sin. Os "mitos" cananeus devotaram bastante espaço em suas estelas de argila ao relacionamento entre Baal e sua irmã, Anat; a Bíblia lista na área de Beit-Shemesh um lugar chamado Beit Anat; e temos como certo que o nome semita Anat era uma corruptela de Anunitu (" Amada de Anu") - um apelido de Inana/Ishtar, irmã gêmea de Utu/Shamash.

Isso tudo sugere que no trio cananeu EI-Baal-Anat enxergamos a tríade mesopotâmica de Nanar/Sin-Utu/Shamash-Inana/Ishtar - os deuses associados com a Lua, o Sol e Vênus. E nenhum deles poderia ter sido Iavé, pois a Bíblia está repleta de avisos contra a adoração desses corpos celestes e seus emblemas.

 

Se nem Enlil nem qualquer de seus filhos (ou netos) se enquadram como Iavé, a busca deve voltar-se para outro lado, em direção aos filhos de Enki, para quem algumas das qualificações apontam.

As instruções dadas a Moisés durante a estada no monte Sinai foram, em grande parte, de natureza médica. Cinco capítulos no Levítico e muitas passagens em Números são devotados a procedi­mentos médicos, diagnóstico e tratamento. "Curai-me, Iavé, e serei curado", diz Jeremias (17:14); "Minha alma abençoa Iavé, que cura todos os meus males", em Salmos (103:1-3). Por causa de sua piedade, o rei Ezequias não apenas foi curado de uma doença fatal pela palavra de Iavé, mas também ganhou mais quinze anos para viver (II Reis, capítulo 19). Iavé não apenas era capaz de curar e aumentar a vida, mas também podia (por intermédio de seus anjos e profetas) reviver os mortos; um exemplo extremo foi providenciado pela vi­são de Ezequiel de ossos espalhados e secos que voltavam à vida, sua morte ressurgida pela vontade de Iavé.

O conhecimento biológico-médico com essas capacidades era atribuição de Enki, e ele passou esse conhecimento para dois de seus filhos: Marduk (conhecido como Rá no Egito) e Tot (a quem os egípcios chamavam de Tehuti, e os sumérios de NIN.GISH.ZIDDA ­"Senhor da Árvore da Vida"). Em relação a Marduk, muitos textos babilônicos se referem às suas habilidades de cura; porém - conforme revelado por sua queixa ao pai - ele possuía poderes de cura, mas não o de reviver os mortos. Por outro lado, Tot possuía tal sa­bedoria que empregou-a em uma ocasião para reviver Hórus, filho do deus Osíris e de sua esposa-irmã Ísis. Segundo o texto hieroglífico que lida com esse acontecimento, Hórus foi picado por um escorpião venenoso e morreu. Sua mãe, então, apela para "o deus das coisas mágicas", Tot desce dos céus num barco espacial e devolve a vida ao menino.  .

Quando chegou o momento da construção e do equipamento do Tabernáculo no deserto do Sinai, e depois mais tarde, no Templo de Jerusalém, Iavé demonstrou um conhecimento impressionante de arquitetura, alinhamentos sagrados, detalhes decorativos, uso de materiais e procedimentos de construção, chegando ao ponto de mostrar aos terrestres envolvidos modelos em escala do que Ele havia projetado ou desejado. Marduk não era conhecido por uma sabedo­ria tão ampla; porém Tot/Ningishzidda era. No Egito, ele era cha­mado de guardião dos segredos da construção de pirâmides, e como Ningishzidda foi convidado para ir até Lagash a fim de ajudar a orientar, projetar e escolher materiais para o templo construído para Ninurta.

Outro ponto de congruência entre Iavé e Tot é o assunto do ca­lendário. O primeiro calendário egípcio foi atribuído a Tot, e quando, ao ser expulso do Egito por Rá/Marduk, foi (segundo nossas descobertas) para a América Central, onde foi chamado de "Serpen­te Alada" (Quetzalcoatl), ele criou lá os calendários maia e asteca. Como fica claro pelos livros bíblicos do Êxodo, Levítico e Números, Iavé não apenas mudou o ano-novo para o sétimo mês como tam­bém instituiu a semana, o sabá e uma série de feriados.

Curador; ressuscitador dos mortos que desceu num barco do céu; Arquiteto Divino; grande astrônomo e projetista de calendá­rios. Os atributos comuns a Tot e Iavé parecem exagerados.

Tot seria Iavé?

        Embora conhecido na Suméria, Tot não era considerado lá um dos grandes deuses, e assim não se enquadraria no epíteto "o Altíssi­mo" que tanto Abraão quanto Melquisedeque, sacerdote de Jerusa­lém, usaram em seus encontros. Acima de tudo, Tot era um deus egípcio, e (a menos que seja excluído pelo argumento de que ele era Iavé) era um dos que Iavé iria julgar. Renomado no Egito Antigo, não ha­via um faraó ignorante de sua divindade. Ainda assim, quando Moisés e Aarão chegaram perante o faraó e lhe disseram: "Assim disse Iavé, o Deus de Israel: Liberta meu povo para que ele festeje a Mim no deserto", o faraó respondeu: "Quem é esse Iavé para que eu escute sua voz e liberte Israel? Não conheço Iavé e não libertarei Israel".

Se Iavé fosse Tot, o faraó não teria respondido isso a Moisés, e a tarefa que ele e Aarão desempenharam teria sido muito mais fácil de conseguir, pois bastaria dizer: "Iavé é outro nome de Tot"; além disso, Moisés, tendo sido criado na Corte egípcia, não teria dificuldade em saber disso... se fosse verdadeiro.

Se Tot não era Iavé, isso deixa, pelo processo de eliminação, apenas mais um candidato: Marduk.

Que ele tenha sido um "deus altíssimo" é bem estabelecido; o Primogênito de Enki, que acreditava que seu pai fora injustamente privado da supremacia na Terra - uma supremacia da qual ele, Marduk, e não Ninurta, fillio de Enlil, seria o sucessor legítimo. Seus atributos incluíam muitos - quase todos - os de Iavé. Ele possuía um Shem, urna câmara celeste, assim corno Iavé; quando o rei babilônio Nabucodonosor li reconstruiu o território sagrado na Ba­bilônia, havia um compartimento especial para a "carruagem de Marduk, Viajante Supremo entre Céu e Terra".

Quando Marduk finalmente obteve a supremacia na Terra, não desacreditou os outros deuses. Ao contrário, ele os convidou a todos para residirem em pavilhões individuais no interior do recinto sagra­do da Babilônia. Havia apenas uma condição: seus poderes e atribu­tos específicos teriam de passar para ele - assim corno os "Cinqüen­ta Nomes" de Enlil. Um texto babilônico, em sua porção legível, apre­senta as funções dos outros deuses, transferidas para Marduk:

 

Ninurta       =   Marduk do cultivo

Nergal       =   Marduk do ataque

Zababa       =   Marduk do combate

Enlil           =   Marduk do senhorio e conselho

Nabu         =   Marduk dos números e contagens

Sin             = Marduk o iluminador da noite

Shamash   =   Marduk da justiça

Adad       =    Marduk das chuvas

 

Esse não era o monoteísmo dos profetas e dos Salmos; era o que os estudiosos chamam de henoteísmo - religião em que se cultua uma única divindade, considerada suprema, mas sem negar a existência de outros deuses. Ainda assim, Marduk não reinou muito tempo, pois logo depois de sua ascensão a deus nacional da Babilônia, encontrou rival nos assírios, pela instituição de Asur como "Senhor de todos os deuses".

À parte os argumentos que já mencionamos no caso de Tot, que negam uma identificação com qualquer divindade egípcia (afinal, Marduk foi o grande deus Rá), a própria Bíblia especificamente dei­xa de fora qualquer relacionamento de Marduk com Iavé. Em se­ções que tratam da Babilônia, Iavé é mostrado como maior, mais poderoso e supremo em comparação com os deuses dos babilônios. Tanto Isaías (46:1) quanto Jeremias (50:2) viram Marduk (também conhecido como Bel, em seu epíteto babilônio) e seu filho Nabu caí­dos e fora de ação perante Iavé, no Dia do Julgamento.

As palavras proféticas representavam os dois deuses babilôni­cos como antagonistas e inimigos de Iavé. Marduk (e por conseguinte seu filho Nabu) não poderia ter sido Iavé.

(No que se relaciona ao próprio Asur, as Listas dos Deuses e outras evidências sugerem que ele era uma espécie de Enlil ressurgente, rebatizado pelos assírios de "O Que Tudo Vê", e, como tal, não poderia ter sido Iavé.)

À medida que descobrimos similaridades e, por outro lado, di­ferenças cruciais e aspectos contraditórios em nossa procura por um "Iavé" que combine nos panteões do Oriente Médio, podemos con­tinuar fazendo isso dizendo o que Iavé disse a Abraão: Levanta teus olhos para o céu...

O rei babilônio Hamurábi registrou assim a legitimação da su­premacia de Marduk na Terra:

 

Magnífico Anu,

Senhor dos Anunnaki,

e Enlil,

Senhor do Céu e da Terra

que determina o destino da terra,

determinadas para Marduk, primogênito de Enki,

estão as funções de Enlil sobre toda a humanidade

e o fez grande entre os Igigi.

 

Como esse texto torna claro, até Marduk, ao assumir a supre­macia na Terra, reconhecia que era Anu, não ele, o "Senhor dos Anunnaki". Seria ele o "Deus Altíssimo" pelo qual Abraão e Melquisedeque se saudaram mutuamente?

O signo cuneiforme para Anu (AN em sumério) era uma estre­la; possuía os significados múltiplos de "deus, divino", "Céu" e o nome pessoal da divindade. Anu, conforme sabemos pelos textos mesopotâmicos, ficava no "céu"; numerosos versos bíblicos também descrevem 1avé como Aquele Que Está no Céu. Foi "1avé, o Deus do Céu", que ordenou que ele deixasse sua terra, afirmou Abraão (Gênesis 24:7). "Sou hebreu, e é Iavé, o Deus do Céu, que eu vene­ro", disse o profeta Jonas (1:9). "1avé, o Deus do Céu, me mandou construir para Ele uma Morada em Jerusalém, na Judéia", afirmou Ciro em seu edito em relação à reconstrução do Templo em Jerusa­lém" (Esdras 1:2). Quando Salomão completou a construção do (pri­meiro) Templo em Jerusalém, ele rezou a 1avé para que o escutasse dos céus e abençoasse o Templo como Sua Casa, embora admitisse Salomão que mal fosse possível que "1avé Elohim" viesse morar na terra, em sua Casa, "quando o céu e o céu dos céus não são capazes de conter a Vós" (I Reis 8:27); e Salmos repete: "Dos céus 1avé olhou para baixo, para os Filhos de Adão" (14:2); "Do céu 1avé contemplou a Terra" (102:20); e "no Céu 1avé estabeleceu seu trono" (103:19).

Embora Anu tenha visitado a Terra várias vezes, ele morava em Nibiru; e como o deus que mora no Céu, tratava-se de um deus in­visível; entre as incontáveis representações de divindades em selos cilíndricos, estátuas e estatuetas, esculturas, murais, amuletos - a imagem dele não aparece uma só vez!

Como também 1avé era invisível e não possuía representações pictóricas, residindo no "Céu", a pergunta inevitável que surge é: Onde era a morada de Iavé? Com tantos paralelos entre 1avé e Anu, será que 1avé também tinha uma "Nibiru" para morar?

A pergunta, e sua relevância para a invisibilidade de Iavé, não se originou por nós, agora. Foi colocada com certo sarcasmo para um sábio judeu, Rabbi Gamliel, quase 2000 anos atrás; a resposta dada foi surpreendente!

A conversa, traduzida para o inglês por S. M. Lehrman em O Mundo da Midrash, segue aqui:

 

Quando o Rabbi Gamliel foi indagado por um herege sobre qual seria a localização exata de Deus, percebendo que as terras são vastas e ainda há sete oceanos, respondeu sim­plesmente:

- Isso eu não posso dizer.

Baseado na resposta, o outro continuou em tom de desafio: - E chama a isso de Sabedoria, rezar diariamente para um Deus que você não sabe onde está?

O rabino sorriu.

        - Você pede que eu aponte o dedo para o lugar exato da Presença Dele, apesar de que a tradição ensina que a distância entre o céu e a Terra levaria uma jornada de 3500 anos para ser percorrida. Assim, posso perguntar o paradeiro exato de algo que está sempre com você e que, se o perder, não viverá um só momento?

- O que é? - quis saber por fim o pagão, intrigado.

- A alma que Deus colocou em seu interior; me diga exatamente onde está - pediu o rabino.

Perplexo, o homem sacudiu a cabeça numa negativa. Foi a vez do rabino de parecer espantado.

- Se você não sabe onde a própria alma está localizada, como pode esperar saber a moradia exata do Uno que enche o mundo inteiro com sua glória?

Vamos examinar cuidadosamente a resposta do rabino Gamliel: segundo a tradição judaica, disse ele, o local exato do céu onde Deus reside é tão distante que seria necessária uma viagem de 3500 anos...

Quão perto se pode chegar dos 3600 anos que Nibiru leva para completar uma volta ao redor do Sol?

Embora não existam textos específicos que descrevam a mora­da de Anu em Nibiru, alguma idéia podemos tirar de textos como a história de Adapa, de referências ocasionais e até mesmo de representações assírias. Era um lugar... vamos pensar nele como um pa­lácio real - que foi acessado através de portões imponentes, flanqueados por torres. Um par de deuses (Ninghishzida e Dumuzi são mencionados numa das versões) montava guarda aos portões. No interior, Anu estava sentado num trono; quando Enlil e Enki se encontravam em Nibiru, ou quando Anu visitara a Terra, eles flan­queavam o trono, segurando emblemas celestes.

(Os Textos das Pirâmides do Egito Antigo, descrevendo a subida no pós-vida do faraó para sua morada celeste, carregado para o alto por um "elevador", anunciado para o rei que partia: "Os portões duplos do céu estejam abertos para ti, os portões duplos do céu es­tejam abertos para ti", e viram quatro deuses empunhando cetros e anunciando sua chegada a "Estrela Imperecível".)

Na Bíblia também, 1avé foi descrito como sentado num trono, ladeado por anjos, enquanto Ezequiel descrevia ver a imagem do Senhor, cintilando como eletricidade, sentado num trono no interior de um Veículo Voador, "o trono de 1avé está no Céu", afirma Salmos (11:4); os profetas declaram enxergar 1avé sentado num tro­no, no céu. O profeta Micaías ("Que é como Iavé"), um contemporâ­neo de Elias, disse ao rei da Judéia que procurou um oráculo divino (I Reis capítulo 22):

 

Eu vi Iavé sentado em seu trono,

e as hastes do Céu estavam perante ele,

à sua direita e à sua esquerda.

 

O profeta 1saías registra (capítulo 6) uma visão que ele teve "no ano em que o rei Uzias morreu", na qual ele viu Deus sentado em seu trono, na companhia de anjos flamejantes:

 

Contemplei meu Senhor sentado num trono alto e magnífico,

e a cauda do Seu manto enchia o grande saguão.

Serafins a atendiam,

cada um com seis asas:

com um par, cada um cobria o rosto,

com um par, cada um cobria as pernas,

e com um par cada um, voavam.

E um dizia para o outro:

Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos.

 

As referências bíblicas ao trono de Iavé vão longe: fornecem sua localização num lugar chamado alam. "Teu trono está estabelecido para sempre, desde Olam Tu és", declara o livro dos Salmos (93:2). "Iavé, estás entronado em alam ao longo das eras", afirma o Livro das Lamentações (5:19).

Geralmente, porém, não é assim que esses versos são traduzi­dos. Na versão do rei James, por exemplo, o verso citado de Salmos é traduzido: "Teu trono está estabelecido há muito, És como a eternidade". O verso em Lamentações: "Tu, ó Senhor, permaneces para sempre; Teu trono, de geração a geração". Traduções modernas apresentam Olam como "infinito" e "interminável" (The New American Bible), ou "eternidade" e "para sempre" (The New English Bible), re­velando uma indecisão ao considerar o termo adjetivo ou substanti­vo. Ao reconhecer, entretanto, que Olam é claramente um substanti­vo, a mais recente tradução pela Jewish Publication Society adotou "eternidade", um substantivo abstrato, como solução.

A Bíblia hebraica, rígida em relação à terminologia, tem outros termos para afirmar o estado de "durar para sempre". Um deles é Netzah, como em Salmos 89:47, que pergunta "Quanto tempo, Senhor, irás esconder-Te a Ti mesmo - para sempre?". Um outro, que significa, com mais precisão, "perpetuidade", é Ad, palavra geralmente traduzida como "para sempre", a exemplo de "tua semente farei du­rar para sempre", em Salmos 89:30. Não havia necessidade de um terceiro termo para expressar a mesma coisa. Olam, muitas vezes acompanhado do adjetivo Ad para ressaltar sua característica duradoura, em si não é adjetivo, mas substantivo, derivado da raiz que significa "desaparecido, misteriosamente escondido". Os numerosos versos bíblicos nos quais aparece Olam indicam que se acreditava ser um local físico, não uma abstração. "És de Olam", declara o salmista­Deus é de um lugar que é um lugar oculto (portanto, Deus é invisível).

Era um lugar concebido como fisicamente existente: Deuteronômio (33:15) e também o profeta Habacuc (3:6) falam a res­peito das "colinas de Olam". Isaías (33:14) se referiu às fontes de calor de Olam. Jeremias (6:16) menciona os "caminhos de Olam" e as "pistas de Olam", e chama Iavé "rei de Olam" (10:10), assim como Salmos 10:16. O Livro dos Salmos, em afirmações referentes aos gran­des portões da habitação de Anu (em testos sumérios) e para os Portões do Céu (em antigos textos egípcios), também fala dos "Portões de Olam", que deviam ficar abertos para acolher o Senhor Iavé quando Ele chegar em Seu Kabod (24:7-10):

 

Ergam suas cabeças, ó portões de Olam,

para que o Rei do Kabod possa entrar!

Quem é o Rei do Kabod?

Iavé, forte e valente, um grande guerreiro!

 

Ergam suas cabeças, ó portões de Olam,

e o Rei do Kabod entrará!

Quem é o Rei do Kabod?

Iavé, Senhor dos Exércitos, é o Rei de Kabod.

 

"Iavé é o Deus de Olam", declara Isaías (40:28), ecoando o registro bíblico em Gênesis (21:33) de Abraão, "chamando em nome de Iavé, o Deus de Olam". Não é de admirar, portanto, que a Aliança simbolizada pela circuncisão, "o sinal celeste", foi chamado pelo Senhor, quando Ele o impôs a Abraão e seus descendentes, de "a Aliança de Olam":

 

E minha Aliança estará em tua carne,

a Aliança de Olam.

(Gênesis 17:13)

 

Em discussões rabínicas pós-bíblicas, assim como no hebraico moderno, Olam é um termo que significa "mundo". De fato, a resposta que o rabino Gamliel deu à questão relativa à Habitação Divi­na foi baseada em asserções rabínicas de que ela é separada da Ter­ra por sete céus, um mundo diferente em cada um; a jornada para ir de uma a outra leva quinhentos anos, portanto a viagem completa através dos sete céus do mundo chamado Terra para o mundo cha­mado Habitação Divina demora 3500 anos. Este então, conforme dissemos, é o período que mais se aproxima dos 3600 anos (terres­tres) correspondentes a uma órbita de Nibiru. Na Terra, para um viajante que venha do espaço, somos o sétimo planeta, e para quem esteja em nosso planeta, Nibiru corresponderia a sete espaços celestiais quando desaparecer em seu apogeu.

Tal desaparecimento - o significado-raiz de Olam - cria natu­ralmente o "ano" de Nibiru - um tempo muito grande em termos humanos. Os profetas, em numerosas passagens, falam dos" Anos de Olam" como medida de um tempo muito, muito longo. Um sen­tido claro de periodicidade, resultado do aparecimento e desapare­cimento do planeta, foi produzido por meio do termo "de Olam a Olam" como uma medida de tempo definida (embora extremamen­te longa: "Dei a ti esta terra de Olam a Olam", disse o Senhor a Jeremias (7:7 e 25:5). Uma possível pista para identificar Olam com Nibiru é a afirmação, em Gênesis 6:4, de que os Nefilim, os jovens Anunnaki que haviam vindo para a Terra de Nibiru, eram "o povo dos Shem (o povo dos foguetes), aqueles que vieram de Olam".

Com a familiaridade óbvia dos editores da Bíblia, profetas e salmistas com "mitos" mesopotâmicos e astronomia, teria sido pe­culiar não encontrar referências ao importante planeta Nibiru na Bíblia. Sugerimos que, sim, a Bíblia estava perfeitamente consciente de Nibiru, e o chamava de Olam - o "planeta que desaparecia".

Será que tudo isso implica que Anu seja Iavé? Não necessaria­mente...

Embora a Bíblia tenha representado Iavé como reinando em sua habitação celeste, também o considerou "rei" na Terra e de tudo que está sobre ela - enquanto Anu claramente passa o comando da Terra para Enlil. Anu visita a Terra, mas vários textos descrevem a ocasião em grande parte como uma visita cerimonial de inspeção e de Estado; não há nada ali comparável a um ato de envolvimento de Iavé nos negócios das nações e dos indivíduos. Além do mais, a Bíblia reconheceu um Deus que não era Iavé, um "deus de outras nações" chamado An; sua adoração é notada nas listas (II Reis 17:31) dos deuses estrangeiros que os assírios haviam restabelecido na Samaria, onde ele é referido como An-Melech (" Anu o Rei"). Tam­bém aparecem na Bíblia o nome pessoal, Anani, honrando a Anu, e ainda um lugar chamado Amatot. E a Bíblia não possui nada para Iavé que seja paralelo à genealogia de Anu (pais, consorte, filhos), o estilo de vida (muitas concubinas) ou sua apreciação especial pela neta, Inana, (cuja adoração como "Rainha do Céu" - Vênus - foi considerada uma abominação aos olhos de Iavé).

Dessa forma, a despeito das similaridades, existem também muitas diferenças essenciais entre Anu e Iavé, impedindo que ambos sejam considerados a mesma pessoa.

Além do mais, na versão bíblica, Iavé era mais do que "rei, senhor de Olam" do que Anu era rei em Nibiru. Por mias de uma vez Iavé foi chamado de EI Olam, o Deus de Olam (Gênesis 21:33) e de EI Elohim, o Deus dos Elohim (Josué 22:22, Salmos 50:1 e Salmos 136:2).

A sugestão bíblica de que os Elohim - os "deuses", os Anunnaki - possuíssem um deus, parece totalmente incrível, mas muito lógi­ca se refletirmos sobre ela.

Na conclusão de nosso primeiro livro na série Crônicas da Terra (O 12o. Planeta), tendo contado a história do planeta Nibiru e de como os Anunnaki (os Nefilim bíblicos) vieram para a Terra e "criaram" a humanidade, apresentamos a seguinte pergunta:

 

Se os Nefilim foram os "deuses" que "criaram"

o Homem na Terra, teria sido apenas a evolução

no 12o. Planeta que criou os Nefilim?

 

Tecnologicamente avançados, capazes de viajar no espaço cen­tenas de milhares de anos antes de nós, chegando a uma explicação cosmológica para explicar o Sistema Solar - como começamos agora a fazer ao contemplar e procurar entender o Universo -, os Anunnaki devem ter ponderado as próprias origens e chegaram ao que chamamos Religião - religião deles, seu conceito de Deus.

Quem criou os Nefilim, os Anunnaki, em seu próprio planeta? A própria Bíblia fornece a resposta. Afirma que Iavé não era apenas "um grande Deus, um grande rei entre todos os Elohim" (Salmos 95:3). Ele estava lá, em Nibiru, antes que os Anunnaki chegassem: "Perante os Elohim, Ele se sentava em Olam", explica o Livro dos Sal­mos 61:8. Assim como os Anunnaki estiveram aqui na Terra antes de O Adão, também Iavé esteve em Nibiru/Olam antes dos Anunnaki. O criador precede a criatura.

Já explicamos que a aparente imortalidade dos "deuses" Anunnaki era simplesmente o efeito de sua enorme longevidade para os nossos padrões, que resulta do fato de que um ano-Nibiru equivalia a 3600 anos terrestres, tudo levando ao fato de que eles nasciam, envelheciam e morriam. Uma medida de tempo aplicável a Olam ("dias de Olam" e "anos de Olam") foi reconhecida pelos profetas e salmistas; o que é mais impressionante na compreensão deles é que os vários Elohim (o sumério DIN.GIR, o acadiano Ilu) na verdade não eram imortais - mas Iavé, Deus, era. Assim o salmo 82 descreve Deus julgando os Elohim e lembrando-lhes que eles ­os Elohim! - são mortais também: "Deus se ergue na assembléia divina, entre os Elohim Ele julga" e diz a eles:

 

Eu afirmo, vós sois Elohim,

todos vós filhos do Altíssimo;

mas morrereis assim como os homens,

como qualquer príncipe caireis.

 

Acreditamos que tais afirmações, sugerindo que o Senhor Iavé criou não apenas o Céu e a Terra mas também os Elohim, os "deu­ses" Anunnaki, têm sua parte num enigma que intrigou gerações de estudiosos bíblicos. Trata-se do motivo pelo qual o primeiro verso da Bíblia, que fala sobre o início de tudo, não começa com a primei­ra letra do alfabeto, mas com a segunda. A significância e o simbo­lismo de iniciar o Início com o próprio começo deve ter parecido óbvia demais para os compiladores da Bíblia; ainda assim, foi o que escolheram transmitir para nós:

 

Breshit bara Elohim

et Ha'Shamaim v' et Ha' Aretz

 

habitualmente traduzido como: "No início Deus criou o Céu e a Terra".

Como as letras hebraicas possuem valores numéricos, a primei­ra letra, Aleph (da qual deriva a primeira letra grega, Alfa), possui o valor numérico de "um, o primeiro" - o começo. Por que será, en­tão - estudiosos e teólogos já se perguntaram -, que a Criação co­meça com a segunda letra, Beth, cujo valor é "dois, segundo"?

Enquanto os motivos permanecem desconhecidos, o resultado de iniciar o primeiro verso do primeiro livro da Bíblia com a letra Aleph teria sido impressionante, pois transformaria a sentença em:

 

Ab-reshit bara Elohim,

et Ha'Shamaim v' et Ha' Aretz.

 

O Pai-do-Começo criou os Elohim, os Céus e a Terra.

 

Com essa pequena mudança, simplesmente começando com a letra que inicia tudo, um Criador do Tudo, onipotente e onipresente emerge do caos inicial: Ab-reshit "O Pai do Começo". As melhores mentes científicas do mundo moderno apresentaram a teoria do Big Bang para o início do Universo - mas ainda precisam explicar o que causou o Big Bang. Se o Gênesis começasse como deveria, a Bíblia - que oferece uma história precisa da Evolução e adere à mais sensível cosmogonia - também nos teria dado a resposta: o Criador que estava lá para criar tudo.

E tudo de uma vez, Ciência e Religião, Física e Metafísica, con­vergem numa única resposta que se identifica com o monoteísmo judaico: "Sou Iavé, não há nenhum além de mim!". Este é um credo que os profetas tinham, e nós depois deles, desde a arena de deuses até o Deus que abraça o Universo.

Só se pode especular por que os editores da Bíblia, que os estudiosos acreditam terem canonizado a Torá (os cinco primeiros livros da Bíblia) durante o cativeiro na Babilônia, omitiram o Alef. Seria para evitar ofender os babilônios (porque a afirmação de que Iavé teria criado os deuses Anunnaki acabaria por excluir Marduk). Mas, acreditamos, não devemos duvidar de que em determinada época a primeira palavra do primeiro verso da Bíblia se inicie com a primei­ra letra do alfabeto. Isso certamente se baseia nas afirmações do Livro das Revelações (O Apocalipse Segundo São João, no Novo Testa­mento), no qual Deus anuncia que:

 

Eu sou o Alta e o Ômega,

o Início e o Fim,

o Primeiro e o Último.

 

A afirmação, repetida três vezes (1:8, 21:6, 22:13), se aplica à pri­meira letra do alfabeto (por seu nome grego) para o Início, o Primei­ro Divino; e a última letra (grega) do alfabeto até o Fim, até que Deus seja o Último de Todos, assim como foi o Primeiro de Todos.

Se tivesse sido esse o caso para o início do Gênesis, é confirma­do, segundo acreditamos, pela certeza de que as afirmações no Livro das Revelações remontam às escrituras hebraicas das quais os ver­sos paralelos de Isaías (41:6, 42:8, 44:6) são proclamações nas quais Iavé afirma ser absoluto e único:

 

Eu, Iavé, fui o Primeiro,

e o Último serei também!

 

Eu sou o Primeiro

e sou o Último;

não existem Elohim sem Mim!

 

Eu sou Ele,

Eu sou o Primeiro,

e sou também o Último.

 

São essas afirmações que ajudam a identificar o Deus bíblico pela resposta que Ele mesmo deu quando perguntado: Quem, ó Deus, és Tu? Foi quando ele chamou Moisés para fora da Sarça Ar­dente, identificando a Si mesmo apenas como o "Deus de teu Pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó". Tendo recebido sua missão, Moisés lembrou que quando ele chegasse aos Filhos de Israel e dissesse: "O Deus de vossos antepassados me enviou, e eles me dirão: Qual é o nome Dele? O que digo a eles?".

 

E disse Deus a Moisés:

Ehié-Asher-Ehié ­

assim dirás aos Filhos de Israel:

Ehié me enviou.

E disse ainda Deus a Moisés:

Assim dirás aos Filhos de Israel:

Iavé, o Deus de vossos pais,

o Deus de Abraão, o Deus de Isaac,

o Deus de Jacó,

enviou-me a vós.

Este é meu nome em Olam,

este é meu memorial para todas as gerações.

(Êxodo 3:13-15)

 

A afirmação Ehié-Asher-Ehié tem sido assunto de discussão, aná­lise e interpretação por gerações de teólogos, estudiosos da Bíblia e lingüistas. A tradução do rei James afirma: "Eu sou o que sou... Eu sou enviou-me para vocês". Outras traduções mais modernas adotam "Eu sou quem sou... Eu sou enviou vocês". A tradução mais recente pela Sociedade de Publicações Judaicas prefere deixar intacto o hebraico, acompanhado por uma nota de rodapé: "significado in­certo do hebraico".

A chave para compreender a resposta dada durante esse Encon­tro Divino são os tempos gramaticais empregados. Ehié-Asher-Ehié não é uma frase em tempo presente, mas no futuro. Em termos simples, ela afirma: "Seja quem for que serei, serei". O nome divino é revelado a um mortal pela primeira vez (na conversa, Moisés recebe a informação de que o Nome sagrado, o Tetragrama IHVH não fora revelado nem a Abraão) e combina os três tempos da raiz que significa "Ser" - Aquele que era, é e será. É uma resposta e um nome que reafirmam o conceito bíblico de Iavé como existindo eternamente - Um que foi, que é e que continuará sendo.

Uma forma freqüente de afirmar a natureza duradoura do Deus bíblico é a expressão "És de Olam a Olam". Geralmente é traduzida: "És Eterno". Isso traduz o sentido da afirmação, mas não seu signi­ficado preciso. Literalmente, sugere que a existência e o reino de Iavé se estendem de um Olam a outro - que Ele era "rei, senhor" não apenas de um Olam que era equivalente ao Nibiru dos mesopo­tâmicos -, mas de outros Olamin, de outros mundos!

Nada menos do que onze vezes, a Bíblia se refere a habitação, domínio e "reino" usando o termo Olamin, o plural de Olam - ­uma habitação, um domínio, um reino que abrange vários mundos. É uma expansão do domínio de Iavé além da noção de um "deus nacional", para aquela de "Juiz de todas as nações; além da Terra e além de Nibiru, para o "Céu dos Céus" (Deuteronômio 10:14, I Reis 8:27, II Crônicas 2:5 e 6:18), que abrange não apenas o Sistema Solar mas até as estrelas distantes (Deuteronômio 4:19, Eclesiastes 12:2).

 

ESTA É A IMAGEM DE UM VIAJANTE CÓSMICO.

 

        Tudo - os "deuses" planetários celestes, Nibiru que remodelou nosso Sistema Solar e refaz a Terra em suas passagens mais próximas, os "Elohim" Anunnaki, as nações dos homens, os reis - são manifestações d’Ele e instrumentos d’Ele, realizando um plano divino, universal e eterno. De certa forma, somos todos Anjos d’Ele, e quando a hora chegar para que os terrestres viajem no espaço e imitem os Anunnaki em algum outro mundo, estaremos também cumprindo nosso futuro destino.

É a imagem de Senhor universal que é mais bem apresentada na oração/hino Adon Olam, que é recitada como canção majestosa nos serviços religiosos das sinagogas, no Sabá e em cada dia do ano.

 

Senhor do Universo, que reinou

antes que tudo que existe foi criado.

Quando, por Sua vontade, todas as coisas foram escritas,

"Soberano" era Seu nome então pronunciado.

E quando, no tempo, todas as coisas cessarem,

Ele ainda reinará em majestade.

Ele era, Ele é, Ele permanecerá,

Continuará gloriosamente.

 

Incomparável, único Ele é,

Ninguém pode partilhar Sua Unidade.

Sem começo, sem fim.

O poder do domínio é d’Ele para exercer.

 

 

                                                                  Zecharia Sitchin

 

 

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