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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O AMOR PELA TERRA / Janet Dailey
O AMOR PELA TERRA / Janet Dailey

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Não é fácil integrar-se Quando tudo parece contra. Mais duro é perceber Que eles nasceram Calder E foram criados como tal.

As planícies de Montana varridas pelo vento estendiam-se monótonas sob o céu congelado. Ao longo de uma cerca que se perdia no horizonte infinito, a neve já antiga formara pequenos depósitos. O vento arrebatador carregara consigo a camada marrom de capim congelado que formava as planícies selvagens, deixando em seu lugar fina camada de solo.

Nesta região inóspita e árida não havia lugar para os que desconhecessem suas regras. Os que conseguissem compreender isto obteriam todas as riquezas do lugar. Mas aqueles que tentassem tomá-las à força pagariam um preço descomunal.

A beleza primitiva daquela terra residia na paisagem desolada. As imensas extensões vazias pareciam infinitas. O inverno chegara cedo e se prolongara nos campos solitários, onde havia mais gado do que pessoas. O gado, nesta imensidão particular de pastagens vazias, carregava a marca Triplo C, que o designava como propriedade da Calder Cattle Company.

 

 

 

 

Uma caminhonete solitária sacolejava pelos sulcos congelados da estrada da fazenda, somente um dos quinhentos quilómetros de rodovias particulares que interligavam a fazenda Triplo C. Uma nuvem de fumaça, proveniente do motor, ia sendo deixada atrás da caminhonete em rolos brancoacinzentados. Assim como a estrada, o veículo não parecia dirigir-se a parte alguma. Não havia destino à vista, até que a caminhonete alcançou o topo de uma pequena elevação na planície, chegando a um vale escavado de forma enganosa pela natureza, dando ao terreno aparência de nivelamento.

O campo conhecido como sucursal Sul localizava-se nesta ampla concavidade do terreno, um dos seis campos que formavam um círculo afastado em torno do núcleo da fazenda, desmembrando toda aquela amplitude em distritos controláveis. O termo "campo" era uma denominação antiga, quando foram criadas áreas limítrofes, de forma a oferecer abrigos rústicos para os vaqueiros que trabalhavam em locais distantes das instalações centrais da fazenda.

As construções da sucursal Sul resistiam bem às intempéries, eram estruturas feitas por mãos cuidadosas para durar. Stumpy Niles, administrador desta sucursal, habitava a imensa sede de troncos, com a mulher e três filhos. A acomodação construída com toras de madeira, comprida e atarracada, ficava encravada na encosta, não muito distante do local onde se situava o celeiro e o galpão em que as vacas pariam.

A caminhonete parou ao lado das edificações da fazenda. Chase Calder saltou e levantou sem pressa a gola de pele de carneiro do casaco, protegendo-se do vento penetrante. Como ocorrera com seu pai e seu avô, o domínio da fazenda Triplo C estava em suas mãos. Era preciso pulso firme para controlar os indisciplinados, segurança para conduzir os trabalhos e firmeza para trilhar os caminhos difíceis.

Há muito que a autoridade repousava sobre seus ombros, e ele aprendera a carregá-la. Esta terra que levava o nome de sua família deixara marcas, transformando seu rosto em um couro bronzeado, delineando os traços fortes com a dureza da experiência e estreitando os olhos castanhos que precisaram enxergar problemas potenciais ocultos no horizonte longínquo. Chase estava na casa dos trinta, quase chegando aos quarenta, e todos aqueles anos os passara na terra dos Calder. Ela estava entranhada em sua alma, da mesma maneira que sua mulher, Maggie, entranhava-se em seu coração.

A porta de passageiros da caminhonete bateu com estrondo. Chase olhou preguiçosamente o garoto alto e magricela que contornou a caminhonete para juntar-se a ele; entretanto, não havia qualquer descuido na inspeção que se escondia por trás daquele olhar. Aquele menino de dezesseis anos era seu filho. Ty nascera Calder, mas não havia sido criado como tal, o que Chase lamentava mais do que o incidente que o afastara de Maggie, há quase dezesseis anos.

Longos haviam sido aqueles anos, por ele perdidos para sempre. A morte do pai de Maggie atraíra ódio e amargor para todos os que carregavam o nome Calder. Não tentara detê-la quando ela se fora. Não houvera razão para tal - ou assim pensava ele naquela época. Não soubera da existência do filho até a chegada de um garoto de quinze anos que o qualificava como pai. com a mesma intensidade com que amava Maggie, em diversos momentos ressentia-se por não ter sido informado da existência de Ty. Durante os anos de separação, Ty crescera até quase a maioridade, num ambiente ameno no sul da Califórnia.

Um dia toda aquela terra seria de Ty, mas anos preciosos de treinamento haviam sido perdidos. Chase atormentava-se com a ideia de que teria de enfiar em Ty quinze anos de experiência no menor período de tempo possível. O garoto tinha potencial, tinha iniciativa, mas era inexperiente, como um pónei que não conhece bem o cavaleiro sobre seu lombo, ou o que deve fazer com o freio em suas fauces.

com as férias de primavera, Chase aproveitava para mostrar a Ty o outro lado dos trabalhos da fazenda - a grande provação da primavera, as vacas parindo. Os vaqueiros regulares trabalhavam sete dias na semana, até que a última vaca desse cria em todas as sucursais da Triplo C. Como Stumpy Niles estava com falta de mão-de-obra, Chase trouxera Ty para ajudá-lo e, ao mesmo tempo, aprender algo mais sobre o trabalho.

Ty parou a seu lado, arqueando os ombros sob o vento cortante de março que revirava a planície. com um gesto de camaradagem, Chase pôs a mão sobre o ombro do filho, bem protegido pelo pesado casaco de inverno.

- Você conheceu a maior parte dos rapazes daqui quando trabalhou no rodeio do último outono. - Chase contemplava o filho com um traço de orgulho, sem chegar a perceber a forte semelhança conferida pelos olhos e cabelos escuros e pelos traços rudemente delineados. O que via era o brilho de determinação no olhar de Ty e a projeção levemente desafiadora do queixo.

A lembrança do rodeio não era das mais agradáveis para Ty, por isso limitou-se a inclinar a cabeça diante da informação, mantendo silêncio sobre sua opinião a respeito dos rapazes. Eles haviam transformado sua vida num inferno. Os piores cavalos da fazenda couberam a Ty. Quando os rapazes não atiravam os chapéus sob o cavalo que estava montando, saudavam-no com gritos quando ele tinha dificuldades em dominar o animal que pinoteava. Se esquecia de conferir o aperto da sela antes de montar, com certeza um deles já a teria afrouxado. Já lhe haviam contado tantas mentiras sobre os truques para agarrar um boi que Ty achava que, caso lhe houvessem aconselhado a derramar sal na cauda do animal, ele teria sido ingénuo a ponto de acreditar neles.

Já lhe haviam pregado mais peças do que conseguia lembrar. A pior delas havia sido acordar certa manhã e encontrar uma cascavel em seu peito. Ela estivera hibernando, e o frio a deixara demasiado inerte para fazer qualquer coisa, só que Ty não sabia disso. Ele quase arrancara as calças, enquanto os rapazes o rodeavam, rindo a valer.

Era como ser o novato do grupo. É claro que Ty jamais comentara isso com o pai. Este acreditava que a vida na cidade tornava um homem fraco. Acima de tudo, Ty queria provar ao pai que não era fraco, no entanto não sabia por quanto tempo ainda suportaria aqueles trotes intermináveis. Alguns dos veteranos, Nate Moore por exemplo, lhe disseram que todos os novatos passavam por aquilo, mas a Ty parecia que estavam exagerando.

A mão em seu ombro crispou-se quando o pai falou novamente:

- Stampy provavelmente está no galpão das vacas. Vamos procurá-lo e instalar você.

- Está bem. - Agitado, Ty ergueu com relutância o olhar para o galpão, onde havia uma certa atividade.

Uma garota de rabo-de-cavalo, com uns dez anos de idade, esgueirou-se por entre as traves da cerca e caminhou em direção a eles. Um pesado casaco de inverno, com retalhos e abotoado desigualmente, dava uma certa imponência ao corpo magro, assim como osjeans enfiados dentro de um par de botas gastas e remendadas. Um cachecol de lã estabilizava o chapéu de cowboy sobre a cabeça, os cabelos cor de mel forçando-o para diante.

- Oi, sr. Calder - saudou a Chase com o devido respeito, o respeito de uma jovem diante de alguém mais velho, sem qualquer tipo de subserviência.

- Olá, Jessy. - Um sorriso leve suavizou a tensão em torno dos lábios quando Chase reconheceu a filha mais velha de Stumpy.

Desde pequena, Jessy Niles foi uma garota levada. Stumpy dizia que quando ela ainda estava na primeira dentição eles a deixavam mastigar um pedaço de couro cru do freio. Ela brincava com cordas e rédeas, enquanto outras garotas se entretinham com bonecas. Preferia andar atrás do pai a ajudar a mãe na cozinha ou tomar conta dos dois irmãos mais novos.

Ela não possuía a graça de uma garotinha. Assemelhava-se a um potro desengonçado, toda pernas e braços, além de tudo magricela. Não era feia, mas seus traços fisionómicos eram bem acentuados - as maçãs do rosto salientes e a mandíbula marcada. De tez clara, o cabelo era de um tom castanho, desbotado, e os olhos cor de avelã comuns, exceto pelo fulgor de inteligência, sempre direta e algumas vezes penetrante.

- Vi vocês chegando - anunciou, enquanto se voltava para olhar Ty inquisitivamente. - Disse a meu pai que estavam aqui, portanto ele já deve estar vindo.

Ty começara a irritar-se sob o olhar insistente da garota. Apesar de habituado a ser comparado a seu pai pelos adultos era irritante aquela criança olhando-o de cima a baixo. Cerrou os dentes. Estava farto de ter de afirmar-se diante de cada pessoa que conhecia.

- Você não conhece a filha de Stumpy, não é? - perguntou Chase, procedendo às apresentações. - Esta é Jessy Niles. Meu filho, Ty.

Ela estendeu uma mão enluvada para Ty, que a apertou de má vontade.

- Já ouvi falar de você - afirmou ela e Ty ficou imaginando com amargura o que ela queria dizer com aquilo. Não tinha cabimento pensar em uma garota de rabo-de-cavalo rindo das besteiras que fizera. - Temos vários novilhos que vão dar cria pela primeira vez este ano, e com certeza toda ajuda será bem-vinda. - Jessy falava como se fosse a encarregada.

- Você conhece algo sobre o parto de novilhos?

Tanto o pai quanto a garota pareciam esperar uma resposta. Ty achou melhor não fingir um conhecimento que não possuía.

- Não, mas já ajudei bastante no de potros - respondeu ele, sucinto. A jovem não se mostrou impressionada.

- Não é exatamente a mesma coisa. As contrações de uma égua são mais fortes do que as de uma vaca... quer dizer, o parto não é tão demorado. - A informação foi dada naturalmente, como se fosse de conhecimento geral.

- Como vão indo as coisas? - inquiriu Chase.

- Até agora só perdemos uma cria - disse ela, com um menear de ombros parecendo indicar que era cedo demais para prognósticos. Então, seus olhos iluminaram-se com um lampejo de ironia. - Três dos rapazes já avisaram a papai que vão embora para o Sul no fim do mês. Um a mais do que no ano passado.

Chase soltou uma risadinha, consciente de que mais vaqueiros ameaçavam desistir no período de parto das vacas do que em qualquer outra época, apesar de poucos realmente o fazerem. Desviou o olhar da garota para Stumpy, que vinha do galpão de parto, os passos ecoando no solo congelado.

- Lá vem papai - fez Jessy, virando a cabeça.

Stumpy Niles era um homem atarracado, necessitando de saltos de quase dez centímetros para chegar a uma altura de 1,70m. Mas o que lhe faltava em tamanho, sobrava em habilidade e perseverança. Estava sempre pronto a rir, sem deixar de levar o trabalho e as responsabilidades a sério. Assim como Chase, Stumpy nascera e fora criado na fazenda; seu avô trabalhara com o avô de Chase, e a tradição se mantivera nas gerações seguintes. Diversas famílias na fazenda nunca haviam visitado umas às outras. As pessoas não se aposentavam quando ficavam mais velhas, simplesmente eram designadas para trabalhos mais leves.

Aos dez anos, Jessy Niles já batia no ombro do pai. Ela era magra e de pernas compridas, enquanto ele era baixo e atarracado. Os cabelos de Stumpy eram escuros, quase negros, assim como os olhos. Aparentava uma grande energia represada logo abaixo da superfície, ao contrário da filha, calma e contida.

Após a troca de cumprimentos, Stumpy adiantou-se:

- Certamente teremos necessidade de ajuda. Não poderiam escolher época melhor para soltar os rapazes para as férias de primavera.

- Quase todos os filhos de Triplo C estão sendo postos para trabalhar nos galpões de parto - observou Chase. - Não há motivo para Ty ser uma exceção. Basta dizer onde ele será necessário e o que deseja que faça.

Stumpy olhou para Ty.

- Você pode levar suas coisas para o alojamento e descansar um pouco, se quiser. O trabalho nos galpões é em dois turnos. Você ficará no turno da noite, portanto vai começar a trabalhar às cinco e irá até às seis da manhã.

Conversa fiada, pensou Ty, mas guardou o rancor para si. Os trabalhos mais desagradáveis e os piores horários eram sempre destinados a ele. O pai o avisara de que seria assim até que provasse seu valor, mas Ty jamais imaginara que o teste duraria tanto tempo. Tinha de suportar a zombaria e os trotes sem reclamação, porém a frustração se avolumava dentro dele, e a pressão externa só aumentava a tensão. Mais que tudo no mundo, queria que o pai se orgulhasse dele, só que este dia parecia cada vez mais distante.

- Eu o levarei ao alojamento, pai - ofereceu-se Jessy. - E mostrarei tudo a ele.

- Faça isso - sorriu o pai em assentimento.

- Onde está o seu equipamento? - Jessy virou-se para Ty, lançando-lhe outro daqueles olhares avaliadores. Embora não o demonstrasse, gostara daquele garoto de rosto forte e músculos delgados, mesmo quando confundia uma Honda com algum tipo de motoneta, o que era uma vergonha, sendo ele um Calder.

- Está na parte de trás da caminhonete. - com o frio, ele parecia falar por entre os dentes, ou assim pensou Jessy, sem perceber a irritação que endurecia a mandíbula do rapaz. - vou pegá-lo.

Depois de puxar a mochila de campanha e o pesado saco de dormir do interior da pick-up, Jessy dirigiu-se ao alojamento de troncos, olhando por sobre os ombros para ver se Ty a seguia.

- Estarei de volta no domingo à tarde para buscá-lo, Ty - disse Chase ao filho, que assentiu tocando a aba do chapéu Stetson. Ficou observando os dois caminharem em direção ao alojamento, mas suas palavras foram para Stumpy: - Muitos acham que os vaqueiros deixam as vacas parirem sozinhas, à mercê da natureza, dos predadores e das complicações durante o nascimento.

Era uma maneira indireta de mostrar que Ty pensava assim até que Chase lhe desvendasse a realidade. Há cem anos se fazia assim, mas não atualmente.

- Uma vaca e sua cria são demasiado valiosas para serem deixadas nas mãos da natureza. Oito entre cada dez vezes, uma vaca não tem qualquer problema, mas nas duas vezes que sobram, é preciso um cara habilidoso para ajudá-la - declarou Stumpy, soltando uma risada, a respiração fluindo em ondas de vapor. - Puxa, a maior parte dos caras da cidade pensam que tudo que um vaqueiro ou um fazendeiro fazem é colocar a vaca perto do touro, deixá-la emprenhar, recolher os bezerros na primavera, marcá-los a ferro quente e levá-los à feira no outono. Eles não sabem mais nada sobre a castração, retirada dos chifres, vacinação, medicação... sem falar nos desgostos que elas trazem.

- É, nós temos uma vida fácil e não sabemos, Stumpy. - A boca torceu-se em um sorriso, enquanto o fazendeiro continuava a apreciar os dois jovens que se aproximavam do alojamento. - Isto é que é garota. Ela não se parece com a mãe?

Não chegava a ser uma pergunta, já que Chase conhecia Judy Niles há quase tanto tempo quanto Stumpy. Ela era uma mulher fantástica, cabelos cor de areia, uns cinco centímetros mais alta que o marido e atraente, em seu estilo comum.

- Você devia vê-la nos galpões, puxando bezerros em temperaturas abaixo de zero. - Stumpy assobiou de orgulho. - Os dois rapazes, Ben e Mike, ficam mais tempo saracoteando em volta do que realmente ajudando. Mas Jessy faz as coisas nas horas certas sem que lhe peçam. Se ela quer, não sou eu que vou impedi-la. É uma pena que não seja um homem. Ela teria tudo para ser um dos melhores.

- Ela vai deixar de ser moleca quando descobrir os rapazes - piscou Chase, com malícia.

- Provavelmente - concordou Stumpy, demonstrando certo ceticismo quanto à chegada deste dia. - Sei que a mãe preferiria que ela ajudasse mais em casa. Por falar em mães... - Fez uma pausa, fitando Chase com interesse. - Como vai Maggie?

- O médico disse que ela está bem. Nada que possa preocupar.

Um brilho diferente pareceu irradiar-se da profundeza de seus olhos castanhos, um orgulho interior indisfarçável.

- Está chegando a hora, não? - perguntou Stumpy, franzindo ligeiramente as sobrancelhas no esforço para lembrar.

- Dia 1º de maio. Ela tem pouco mais de dois meses até a chegada do bebé. - Contudo, ele não estava tão calmo sobre o futuro acontecimento como queria apresentar. - O senador está para chegar de avião junto com algumas pessoas que deseja me apresentar. É melhor eu voltar à sede da fazenda.

Enquanto seguia a garota porta adentro, Ty pôde ouvir a caminhonete sendo ligada. Olhando por cima do ombro, viu apick-up manobrar e tomar a estrada que levava à saída do campo. Sabia que mais uma vez estava sozinho. Uma tensão desconfiada retesou seus nervos até um grau acentuado de alerta, ao fechar a porta e virar-se para enfrentar a sala.

Encontrava-se no interior de uma saleta ordinária. A um canto, uma mesa e várias cadeiras. Um sofá e um par de poltronas ocupavam a outra extremidade do recinto. Toda a mobília evidenciava as marcas da diferença dos vaqueiros. Um barril transformado em aquecedor dividia o compartimento ao meio, as laterais incandescentes de um tom quase vermelho-cereja em luta ininterrupta para impedir que o frio exterior invadisse o alojamento. Junto à parede do fundo, uma cadeira quebrada servia como graveto para o forno a lenha. Nas paredes estavam penduradas inúmeras caricaturas, fotos do Oeste e de garotas curvilíneas, numa decoração bastante heterogénea.

- O banheiro fica atrás daquela porta. - Jessy apontou para a direita, dirigindo-se ao barril para aquecer as mãos. - As camas ficam ali.

- Indicou o lado oposto com um movimento de cabeça. - Você pode pegar uma das que estiverem vazias.

Ty sopesou a mochila, trocando-a de mão, e em seguida rumou para a porta aberta à sua esquerda. O dormitório do alojamento era precariamente dividido em quartos pequenos, mobiliados com camas de ferro comuns, o saco de dormir de vaqueiro servindo de colchão e cobertor. As primeiras camas, as mais próximas do salão comunitário, e portanto do aquecimento proveniente do forno a lenha, estavam todas ocupadas, tanto por formas que dormiam quanto por pertences. Ty parou ao lado da primeira cama vazia que encontrou, colocando a sacola e o saco de dormir sobre a armação de arame. Os pregos colocados na parede serviam para pendurar o chapéu, o casaco e uma ou outra peça de roupa.

- Encontrou alguma? - O tom de voz interpelativo da garota esperava resposta.

- Encontrei. - Virando de costas para a porta, começou a tirar a jaqueta pesada. As roupas térmicas de baixo e a camisa de lã eram mais do que suficientes com o aquecimento relativo do alojamento.

Os passos da garota soaram até o limiar da porta.

- Se não quiser deitar-se agora, tem café no fogão.

- Não, obrigado. - Continuou de chapéu, mas pendurou o casaco, virando-se para desamarrar o saco de dormir e estendê-lo sobre a cama. Pelo canto dos olhos, percebeu Jessy apoiada ao umbral da porta, o casaco desabotoado e o cachecol frouxo em torno do pescoço. Gostaria que ela parasse de observá-lo com aqueles olhos inquisitivos. Aquilo o incomodava. Percebeu a xícara de café fumegante nas mãos sem luva da garota. Viu-a levá-la à boca, soprando para o café esfriar, e sorver em pequenos goles. Ele ainda não conseguia aguentar aquele café forte que todos na fazenda tomavam com regularidade, a não ser quando misturado com leite.

- Você não devia beber esta droga. - Puxou o cadarço que amarrava o saco de dormir, desdobrando o forro que servia de colchão, junto com os lençóis, e o acolchoado colocado no interior. - Isso vai impedir o seu desenvolvimento.

- Bebo café desde os seis anos. - A voz alteou-se, ligeiramente zombeteira. - Detestaria ficar pensando como eu seria alta agora, se não tivesse tomado tanto café. - Fez uma pausa, acrescentando, por via das dúvidas: - E o café não enrolou meu cabelo nem o fez crescer no peito.

Após estender o acolchoado e as cobertas, Ty colocou a mochila com as roupas e os apetrechos de barba na cabeceira da cama, servindo de travesseiro. Percebendo que a garota parecia não ter intenção de ir embora, ele estirou-se na cama e colocou o chapéu sobre o rosto.

- vou descansar um pouco - disse Ty, para o caso de ela não ter compreendido a mensagem. O chapéu abafou a voz ligeiramente.

- Vejo você à noite - replicou Jessy Niles, sem notar qualquer rudeza no comportamento do rapaz. Cruzando a porta, dirigiu-se despreocupadamente para a sala comunitária.

Quando o ruído de passos desapareceu, Ty retirou o chapéu do rosto. Colocou as mãos na nuca e ficou olhando para o teto. Sentia um frio interior que era quase doloroso. Não tinha a quem recorrer, ninguém com quem pudesse falar sobre suas frustrações. Estava muito grande para ir chorando procurar a mamãe, e como ansiava desesperadamente obter o respeito do pai, não podia importuná-lo com seus problemas. Queria resolvê-los sozinho, mas até então ninguém lhe dera uma oportunidade. Havia muito que aprender. Quando sentia estar começando a adquirir alguns rudimentos, aparecia alguma coisa nova que lhe era atirada; e sempre os trotes e as gozações por sua desinformação, até que ele acabava por se sentir um idiota.

A viagem de volta à casa-grande, nome dado à casa ocupada pelos proprietários da Triplo C, levou quase duas horas. O aeroplano luzidio com seus dois motores, estacionado junto à pista de pouso particular, próxima à sede da fazenda, avisou Chase da chegada do senador Bulfert durante sua ausência.

Após estacionar a caminhonete diante da casa imponente de dois andares, Chase subiu os degraus da ampla varanda que ocupava toda a extensão do lado sul, atravessando as portas duplas de madeira maciça. O casarão fora construído décadas atrás com cuidado artesanal, possuindo a rara qualidade do estilo. Dali a duzentos anos ainda continuaria lá e, caso Chase seguisse este caminho, um Calder ainda o habitaria.

Ao passar para o vestíbulo, Chase ouviu vozes provenientes do gabinete à sua esquerda. DrougTrumbo, um dos empregados da fazenda, carregava as bagagens escadaria acima, levando-as para o quarto de hóspedes.

Mudando de direção, Chase dirigiu-se às portas abertas do gabinete, onde certamente os convidados estariam reunidos. Ao entrar, buscou Maggie com o olhar. Ela estava sentada em uma cadeira próxima à janela, os cabelos negros reluzindo à luz do sol, um braço descansando sobre o ventre protuberante. Vê-la sempre produzia uma reação imediata em Chase, evocando, ao mesmo tempo, sentimentos profundamente ternos.

O sorriso de Maggie saudou-o, enquanto ele se dirigia até sua cadeira, tirando as luvas e colocando-as nos bolsos do casaco. Mesmo com a atenção desviada para os convidados, tentava envolver a mão delicada da esposa com a sua.

- Desculpem por não estar aqui quando chegaram - redimiu-se Chase, correndo os olhos pelos quatro convidados. Já conhecia o senador de rosto corado e seu ajudante, Wes Govern.

- Não importa. O tempo estava melhor do que esperávamos. Tivemos ventos favoráveis - replicou o senador, a fala rápida. A idade começava a afrouxar suas bochechas arredondadas, criando bolsas sob os olhos.

- Chegamos há poucos minutos. Wes ainda nem teve tempo para uma rodada de drinques. - Virando a cabeça ligeiramente, o senador lançou um olhar significativo ao assistente. - Chase gosta de beber, Wes.

- Eu me lembro - assentiu o homem, pousando outro copo na bandeja.

- Como vão as coisas? Bem, espero - fez o senador e, sem dar a Chase oportunidade de responder, prosseguiu: - Não precisa de minha ajuda para a compra de mais terras? - inquiriu, com uma piscadela de cumplicidade.

- Não. - Os olhos de Chase congelaram-se à menção do arrendamento de três mil hectares de terra pelo governo, arranjado por Bulfert há alguns anos. A última parcela das terras arrendadas anteriormente passaram para o nome dos Calder. Ele agora era o dono de toda a área que constituía a fazenda Triplo C.

- Chase, quero que conheça Eddy Joe Dyson. - O político passou o braço ao redor dos ombros de um homem de compleição franzina, gesticulação e linguagem corporal sugerindo a Chase estarem ambos envolvidos numa mesma causa, fosse ela qual fosse. - Estava ansioso para reuni-los. E.J., este é Chase Calder.

Chase afastou-se de Maggie para cumprimentar um homem mais velho, vestido com um terno caro azul-marinho listrado adaptado ao estilo do Oeste, a parte dianteira em pala e as calças para dentro das botas. Calculou a idade dele em torno de 45 anos. As mãos eram lisas, sem calosidades, e a pele não tinha aquela textura coriácea dos vaqueiros, a despeito do chapéu de feltro Stetson de cor branca.

- Bem-vindo ao Triplo C, sr. Dyson. - As roupas em estilo do Oeste não passavam de uma fachada; mesmo assim, Chase não detectou superficialidade no olhar inquisitivo oferecido em resposta a sua inspeção silenciosa. No máximo, um ar matreiro.

- O prazer é meu - retrucou ele, falando com lentidão. - Meus amigos me chamam E. J. Gostaria que você e sua mulher fizessem o mesmo.

- Voltando-se um pouco, chamou o segundo homem: - Este é meu sócio, George Stricklin.

Dez anos mais jovem, alto, louro, o segundo homem usava óculos de aro de ouro, os quais retirou e colocou dentro do bolso da jaqueta. Apesar do porte atlético, parecia astuto e silencioso. Os dedos eram longos e finos, e Stricklin limitou-se a assentir ao cumprimento de Chase.

Dyson retomou a palavra. Dirigindo-se a Maggie, inclinou-se num gesto de cortesia.

- Confesso que pensava que as mulheres do Texas não combinavam com beleza, mas tive que reformular minha opinião quando conheci sua adorável esposa.

- Acho que sou muito mais parcial - murmurou Chase, fitando os olhos verdes cheios de vida de Maggie. Agora que a indisposição matinal da gravidez passara, ela estava radiante. Ele ouvira dizer que as mulheres ficavam mais belas quando estavam grávidas e não acreditara. Naquele instante, inclinava-se a pensar que a beleza poderia estar nos olhos do observador, pois Maggie nunca lhe parecera tão bonita.

- Você é do Texas? - Maggie desviou o assunto com habilidade, dirigindo a conversa para longe dos comentários lisonjeiros a seu respeito. Não importa quão feliz e atraente se sentisse, persistia sempre um sentimento de timidez e falta de jeito revividos por cumprimentos insistentes.

- Sou. - A voz arrastada e anasalada era ao mesmo tempo suave e charmosa. - Este par de chifres sobre a lareira realmente me faz sentir em casa - atalhou, indicando o par de longhorns na ampla lareira de pedra que dominava a sala com toda a sua extensão e o fogo alegre de achas.

- Eles são de um boi texano. Podemos dizer que esta fazenda foi construída com longhorns texanos - admitiu Chase, aceitando o copo de uísque com gelo que lhe oferecia o ajudante do senador.

- Lembro-me de seu pai dizendo que sua família veio de uma região de Fort Worth. - O senador pegou um charuto grosso no bolso, olhando inquisitivamente para Maggie, a qual assentiu em silêncio, dando-lhe permissão para acendê-lo.

- Fort Worth é o lar de E. J. - Vasculhou os bolsos à procura do isqueiro, mas o assistente já providenciara um. - E. J. é uma espécie de empreendedor, não é mesmo?

A relação de Dyson com seu sócio nunca parecera muito comum aos olhos do senador. Certa vez descrevera Stricklin como o cérebro da companhia e Dyson como a energia. Cada ato, cada movimento do silencioso Stricklin eram deliberadamente medidos com antecedência por aquele cérebro de computador. A lógica e a razão ditavam suas decisões. Dyson, por outro lado, agia por instinto e tinha nervos de aço para jogar com as possibilidades. Era uma mistura curiosa, um contrabalançando o outro, com Dyson evidentemente no papel de cabeça da parceria.

- De fato, tenho diversos interesses profissionais - admitiu Dyson, encarando Chase como se este fosse a fonte do homem ao seu lado.

- Se está pensando em aventurar-se no negócio de gado, saiba que significa muito investimento em bens não depreciativos - avisou Chase, secamente.

Houve uma rápida troca de olhares entre o político e o texano.

- Posso dizer que estou mais interessado no que há debaixo da terra do que na superfície. Por isso pedi ao senador para apresentar-me a você. Estou dando os primeiros passos na exploração de petróleo e gás natural.

Diante desta afirmação, Chase elevou uma das sobrancelhas, denotando leve curiosidade. Colocou sem pressa os óculos sobre a mesa ao lado da cadeira de Maggie e tirou o casaco. As achas de lenha crepitavam na lareira, preenchendo o curto silêncio.

- Acho que você está no lado errado de Montana - disse por fim. - Deve ir para os Badlands ou para o território de Powder River.

- Companhias perfuradoras já estão trabalhando nestas áreas - discordou E.J. - Ora, não quero tentar bancar o esperto, mas já tentei contratá-los. Gosto de jogar com meu capital, encontrar novos campos de aplicação, sem ter de entrar em conflito com as grandes empresas.

- Devo concluir que você veio aqui porque pensa poder encontrar petróleo na Triplo C. - Chase estava um pouco atordoado com a ideia.

- Se você sabe algo sobre Powder River e as Badlands, então deve saber que fizemos alguns achados próximos à base das Rochosas. Não muito longe do extremo oeste de suas fronteiras - reavivou a memória de Chase em tom calmo e com conhecimento de causa. - Poderia ter trazido o geólogo comigo, para que lhe dissesse tudo sobre as camadas da rocha, e como é promissor este lado da terra. Para você não faria muita diferença, nem para mim, pois não sei discernir uma da outra. Ora, Stricklin já fez todos os cálculos e afirma haver mais do que uma simples possibilidade de encontrarmos petróleo. Portanto, aqui estou para ver se consigo adquirir os direitos.

Nenhuma mudança de expressão operou-se no semblante de Chase, incapaz de demonstrar seus sentimentos mais íntimos. Olhou para Maggie e sorveu um gole da bebida. Quando voltou o olhar para o empreendedor, ele era todo avaliação.

- Sem dúvida, o tema está aberto à discussão. - Ouviria E. J., mas não tomaria decisões precipitadas.

Maggie despertou do sono leve ao ouvir o ruído de alguém movendo-se na escuridão do quarto. Apoiando-se em um cotovelo, procurou o interruptor do abajur de cabeceira.

- É você, Chase? - A luz acesa revelou o marido sentado em uma poltrona, tirando as botas.

- Não queria acordá-la. - Ele colocou as botas no chão e começou a desabotoar a camisa. O cansaço conferia a seus traços masculinos habitualmente austeros uma aparência de fadiga e abatimento. O olhar carinhoso com que envolveu a mulher não disfarçava um ar de preocupação.

- Você estava conversando até agora? - Os ponteiros do relógio aproximavam-se da meia-noite. Maggie recolhera-se bem mais cedo, necessitando de repouso em razão de seu estado.

- Estava.

Ela percebeu um tom de irritação na resposta entre dentes. Embora Chase não a excluísse dos assuntos de trabalho, ainda tinha aquela tendência própria do Oeste de nunca pedir conselho a uma mulher.

- E aí? - Em sua voz sentia-se o desafio rude, incitando-o a contar o que estava pensando, pois era impossível adivinhar o que ele sentia por trás daquela máscara. - O que achou da proposta de Dyson?

A boca do marido contorceu-se em um sorriso duro.

- Só poderei dizer com certeza quando souber mais sobre o homem. A opinião do senador é suspeita, ele deve ganhar algo com a transação. Fez uma pausa, consciente de não ter dito realmente nada à mulher. Quanto a arrendar uma parte da fazenda para perfuração, estou pronto a aceitar. O tempo dos fazendeiros que não queriam a presença de sondas perfuradoras em suas propriedades já passou.

- Então você decidiu deixar a decisão para depois. - Cansada de apoiar o peso do corpo em um só braço, ajeitou dois travesseiros sob a cabeça e reclinou-se.

- Não há razão para pressa. Caso haja gás ou petróleo debaixo daquelas pastagens, ele continuará lá daqui a dois meses... ou dois anos. Levantando-se, Chase começou a esvaziar os bolsos das calças. Ao colocar o conteúdo sobre a mesa, percebeu uma pequena pilha de cartas. - O que é isso?

- Um relatório do psiquiatra sobre o caso de meu irmão e também um bilhete de Culley. - Apesar de estar sorrindo, em seus olhos acendeu-se um brilho de preocupação.

Ela sabia que a instituição para doentes mentais era o lugar mais adequado para o irmão, mas Culley era o único da família que lhe restava.

- O médico disse que houve melhora. Talvez ele possa receber visitas logo.

- Não até que o bebé tenha nascido, Maggie. - O olhar endureceu-se. - Não me importa se o médico disser que você pode vê-lo amanhã.

- vou esperar. - Mas não porque ele ordenara. - O médico acha desaconselhável para ele, neste estágio do tratamento, saber que vou ter um filho seu. E não dá para esconder isto com facilidade. - Tentou fazer pilhéria, contudo a mão pousada sobre a barriga era mais protetora do que uma simples forma de chamar a atenção para o seu estado. Fora a doença de Culley, um ódio sem motivo a tudo que se relacionasse a um Calder, que o levara àquele ponto.

Chase pegou o envelope, leu o endereço da instituição, mas não tocou na carta.

- Q que Culley disse no bilhete?

Estava preocupado com a fazenda e como o gado suportara o inverno. O irmão acreditava que Maggie estava administrando a pequena fazenda da família O'Rourke, a qual se limitava ao norte com a fazenda Triplo C. Não fora julgado aconselhável informá-lo de que a propriedade estava sendo administrada por cavaleiros da Triplo C.

com um murmúrio de assentimento, Chase recolocou o envelope sobre a mesa e terminou de despir-se. Deslizou nu para debaixo das cobertas, enquanto Maggie afastava-se um pouco para que ele pudesse usar metade dos travesseiros. Mas não era isso que Chase queria. Envolveu-a com um braço, trazendo-a para junto de si. O calor do corpo do marido inundou-a por completo, fazendo-a sentir-se aquecida e aconchegada.

- Como está se sentindo? - Aproximou o rosto do dela, aninhando-se entre os cachos negros sedosos que caíam sobre as têmporas da esposa.

- Grávida. - Maggie virou a cabeça no travesseiro para olhá-lo, os cantos dos lábios curvados num meio-sorriso.

A mão do marido deslizava familiarmente sobre o ventre dilatado, levemente protegido pela camisola de seda cor de marfim. Os olhos de Chase reluziram de prazer ao sentir um ligeiro movimento.

- Nosso filho vai ter uma personalidade forte. O semblante de Maggie tornou-se sério.

- Se for menina, gostaria de chamá-la Cathleen, como minha tia.

- Cathleen Calder - pronunciou alto, dando em seguida seu consentimento. - Gosto do nome.

- Que bom - suspirou Maggie, contente, um sorriso entreabrindo seus lábios.

- Pobre Ty, pegou o turno da noite nos galpões de parto de novilhos - murmurou Chase, observando os seios fartos da mulher, após desamarrar o corpete da camisola.

- Deve estar congelado lá fora. - Conteve um tremor, aconchegando-se mais junto à quentura do corpo longo e musculoso a seu lado.

- Eu te amo, Maggie - murmurou, soltando um leve gemido, e inclinou-se sobre ela para cobrir, ansioso, os lábios da mulher com um beijo exigente.

O uivo solitário de um coiote ecoou no ar frio da meia-noite. De lado de fora dos galpões de parto de novilhos, o céu era uma massa de frágeis estrelas de gelo que pareciam tocar as planícies congeladas de Montana. O vento polar errava por entre as casas amontoadas em uma concavidade da terra, onde as temperaturas eram ainda mais baixas.

Entorpecido pelo frio intenso, Ty aconchegou-se mais dentro do casaco, enterrando as bochechas e a boca na gola de pele de carneiro, tentando aquecer o ar que respirava. As pernas estavam quase completamente insensíveis, dificultando o andar, mas ele precisava continuar se movimentando para manter o fluxo circulatório. O nariz escorria, devido ao frio. Fungava o tempo todo, tentando desobstruir as narinas, respirando pela boca. com os braços cruzados, as mãos buscavam proteção extra sob as axilas.

As lâmpadas sem cúpula, estendendo-se em todo o galpão, estavam cobertas de poeira, toldando a iluminação. A palha farfalhava sob os cascos dos animais inquietos. O mugido ocasional das vacas confinadas misturava-se ao praguejar abafado de algum vaqueiro.

Ty olhou novamente para o animal em trabalho de parto. Stumpy Niles deixara-o vigiando enquanto ia ajudar outro vaqueiro, cuja vaca estava rejeitando seu novilho recém-nascido. Quando Ty ficava encarregado do turno do começo da noite, Stumpy deixava-o sob sua responsabilidade, permanecendo a seu lado durante cada parto, dando-lhe instruções e conselhos. Todos os nascimentos haviam sido bem-sucedidos, e as vacas não necessitaram de grande assistência por parte de Ty.

Não houvera muita gozação em razão da presença de Stumpy. Quando o grupo da noite veio substituir o do dia, dois dos vaqueiros que Ty conhecera durante o rodeio do outono o importunaram bastante, perguntandolhe se sabia por qual orifício o novilho saía, e alertando-o para não mexer no lugar errado. Ty fizera o possível para ignorá-los.

O rapaz deu uma olhada na direção do galpão, mas não havia nem sinal de Stumpy; voltou a atenção para a vaca. O trabalho já ia bem adiantado: o animal estava com bastante dilatação, mas ainda não acontecera nada. Os olhos castanhos rolavam nas órbitas brancas e Ty começou a ter a sensação desconfortável de que algo estava errado.

Alternando o peso do corpo de um pé para o outro, tentou aquecer-se um pouco. Parecia que suas orelhas iam despregar-se, apesar do cachecol de lã tricotado à mão que as cobria. Nunca sentira tanto frio, pensou, enquanto se aproximava da vaca, agachando-se ao lado da cauda do animal.

- O que é que está segurando seu bebé, mamãezinha? - As palavras de preocupação foram murmuradas rigidamente, os músculos faciais demasiado endurecidos pelo frio para que a boca do garoto pronunciasse as palavras adequadamente.

- Ela está com problemas?

Ty levantou o olhar e viu as bochechas vermelhas de Jessy Niles, enfiada em roupas grossas que a faziam gingar. Sem esperar resposta, parou ao lado de Ty, abaixando-se para ter uma visão melhor da situação.

No começo da noite, ela percebera a presença de Ty no galpão, mas depois não o vira mais. A ele não agradava a ideia de uma garota de dez anos olhando por sobre seus ombros, especialmente quando não sabia bem o que estava fazendo.

- O que está fazendo aqui? Já está na hora de dormir, não? - murmurou.

- Não consegui dormir, por isso levantei. - Mal se percebia o menear de ombros sob a jaqueta pesada que ela vestia. - O bezerro já deve estar saindo.

Fora o que Ty pensara alguns minutos atrás, só que até o momento não havia sinal do bezerro. A vaca estava tendo alguma dificuldade. Sentiu calafrios com um princípio de suor nervoso. Então, viu alguma coisa, perpassando-o um tremor de alívio.

- Lá vem ele - anunciou o garoto, quando uma contração expeliu outra parte da forma escura envolta em uma bolsa.

Uma fração de segundo depois, suas esperanças desvaneceram-se com uma contração na boca do estômago. Ao invés de um par de cascos em miniatura, o que emergiu foi a cabeça branca do novilho. O rapaz contraiu os punhos.

- Acho melhor chamar seu pai - disse ele. - Diga-lhe para vir correndo. A cabeça do novilho está saindo primeiro.

No mesmo instante, Jessy Niles disparou à procura do pai. Ty passou minutos de agonia aguardando o auxílio, consciente de que a abertura não era larga o suficiente para permitir a passagem da região dianteira do novilho. Pela ordem natural do parto, primeiro deviam sair as partes dianteiras e depois a cabeça do feto.

Virou-se ansioso ao ver Jessy chegando, ofegante. A garota parou a seu lado, balançando a cabeça negativamente enquanto tentava reunir forças para falar. Caiu de joelhos no chão de palha.

- Ele não pode vir - disse ela, ofegante. Uma ferroada de pânico atravessou o rapaz. - Ele disse... que você vai ter que se virar sozinho.

- Eu? - Ty olhou para a vaca, sentindo-se desamparado.

Em um segundo, Jessy percebeu que ele não sabia o que fazer. Instantaneamente a garota tomou conta da situação. Haviam-lhe dito que vira o primeiro animal nascer aos quatro anos. Desde então, passou grande parte da temporada de partos nos galpões. Observou quase todas as situações de parto imagináveis e recentemente tomara parte em um deles.

- Primeiro você empurra, entre as contrações, a cabeça de volta pelo canal por onde elas saem. É melhor apressar-se e tirar o casaco e as luvas - alertou-o.

Ty hesitou durante um segundo. A autoridade tranquila que emanava da voz da garota lembrava a do pai. Os dedos entorpecidos desabotoaram rapidamente o casaco, tirando com um menear de ombros a jaqueta volumosa. Os pensamentos transbordavam em sua mente, a situação demasiado urgente para que sentisse o ar gelado ao enrolar as mangas da camisa suada de lã até acima dos cotovelos.

Com a ajuda de Jessy, Ty conseguiu manobrar o feto de volta ao útero da vaca, tateando em seguida à procura das pernas dianteiras, que colocou em posição normal de nascimento. Estava completamente apavorado. As batidas de seu coração ecoavam na garganta. Sentia-se fraco e trémulo, o estômago revolvendo-se em intensidade doentia. O suor nervoso provocava-lhe calafrios na espinha.

A intervalos regulares, sentia as contrações musculares que apertavam seu braço com toda a força, algumas vezes obrigando-o a aguardar até que a pressão diminuísse. Todavia, as contrações foram ficando cada vez mais fracas. Quando conseguiu colocar o novilho na posição correta no interior do canal, a vaca estava exaurida pelo trabalho prolongado para auxiliá-lo.

A respiração de Ty vinha aos arrancos, enquanto os músculos distendidos, ainda trémulos com a tensão, alternadamente contraíam-se e relaxavam. As patas dianteiras e a cabeça do novilho emergiram, em seguida o peito e as espáduas.

- Depressa - incitou Jessy com um tom de voz ansioso que Ty não chegou a compreender.

Logo depois, ela se juntou a ele para terminar de puxar o novilho. Ao pousar o feto sobre a palha, Ty firmou-se sobre as pernas, tentando reordenar os nervos em frangalhos. Mas Jessy não se deteve. Começou a limpar os restos de muco da bolsa membranosa das narinas do feto.

- Não fique aí parado. - A impaciência tornava seus olhos cor de avelã faiscantes. - O cordão umbilical está enrolado em volta do pescoço.

Depois de toda aquela provação, ele não conseguia suportar a ideia de perder o novilho.

Ty arrancou a garota do caminho e, levantando a cabeça do novilho, procurou desenrolar com cuidado o cordão umbilical preso em torno do pescoço. Inclinando-se, soprou no interior das narinas, como vira certa vez um cavalariço fazer com um potro recém-nascido, com o objetivo de limpar as vias aéreas.

- Enquanto estava tentando virar o novilho dentro da vaca sentiu algum movimento? - Jessy pegara um trapo e ia friccionando velozmente o corpo do novilho para estimular-lhe a circulação.

- Não me lembro. - Ty tentou sentir algum batimento cardíaco, tentando recordar se o feto dera algum chute.

- Está morto, não é? - concluiu ela, objetiva, cessando de fazer esforços.

O rapaz trincou os dentes, sem querer admitir que o novilho estava morto. Sentiu que a culpa era dele. Se soubesse mais, talvez o animal pudesse ter sido salvo. Desanimado, baixou a cabeça.

- Tome. - Jessy estendeu-lhe o trapo. - É melhor limpar o muco no seu braço.

A sugestão da garota chamou a atenção de Ty para o braço descoberto, inerte e pegajoso, o frio congelando a substância viscosa colada sobre sua pele. Logo ela ia congelar. Pegando o pedaço de pano, Ty esfregou o braço até que as terminações nervosas formigaram em protesto; então, abaixou as mangas e pegou o casaco para combater o frio penetrante que já começava a sentir.

- Pelo menos a vaca vai ficar legal - tentou consolá-lo. Preocupação e culpa toldavam os olhos que pousaram em Jessy. Olhou para o feto vermelho-ferrugem, com a cabeça e as pernas brancas imobilizadas pela morte. Reconfortava-o ligeiramente saber que poderia ter perdido também a mãe.

Uma gargalhada amarga brotou de sua garganta ao se dar conta de que nem ao menos sabia o que fazer com um novilho morto. O solo estava por demais congelado para enterrá-lo. Talvez devesse jogá-lo ao relento para os coiotes se banquetearem.

- Você deve estar com frio. - Jessy observou a brancura da pele retesada sobre os ossos proeminentes das bochechas e da mandíbula, e a revolta no olhar de Ty. - Talvez seja melhor tomar um pouco de café da garrafa térmica ao lado da porta. Vai demorar um pouco até as páreas terminarem. Se quiser pegar uma xícara, ficarei aqui.

- Não. - Os dentes começaram a chocalhar, entretanto Ty estava decidido a não ir embora até que tudo estivesse terminado. Stumpy lhe dissera para cuidar da vaca, e ele não ia colocar tudo a perder abandonando o trabalho antes do final. Evidentemente, a garota poderia se encarregar do serviço melhor do que ele próprio.

- Ei, garoto. - Uma voz ecoou do lado de fora, antecipando o ruído de botas roçando a palha. Ty empertigou-se, endireitando os ombros e as costas ao reconhecer Sid Ramsey, um dos vaqueiros que estavam sempre lhe dando dor de cabeça. - Stumpy disse que você estava precisando de ajuda.

- Agora não preciso mais - replicou Ty.

O vaqueiro arreganhou os dentes, o vapor da respiração saindo de sua boca como fumaça no ar congelado, embora parecesse esquecido do frio quando chegara.

- Finalmente conseguiu descobrir de qual orifício sai um novilho?

- O novilho está morto - replicou, tenso. - Foi estrangulado pelo cordão umbilical.

- Não era para esmagar o bicho até a morte quando estava puxando, garoto - brincou o vaqueiro, próximo o suficiente para ver o novilho morto sobre a palha.

- O cordão estava enrolado no pescoço - informou Ty, zangado e defensivo.

- Pelo menos você arranjou mais isca para os coiotes, quer dizer, acho que você serve para alguma coisa. - Voltando-se, Sid cuspiu o sumo do tabaco, enxugando a boca com as costas da mão enluvada, encarando Ty com ar de zombaria.

- Você não tem o direito de falar uma coisa dessas, Sid Ramsey! Jessy lançou a reprimenda implacável no rosto do vaqueiro. Já convivera com os homens o suficiente para que percebesse que o senso de humor deles algumas vezes beirava a crueldade. Em sua opinião, ele estava zombando de Ty injustamente, e era contra a natureza de Jessy permanecer calada. Ser defendido por uma garota com rabo-de-cavalo que ainda nem alcançara a puberdade foi a gota d'água para Ty.

- Não se meta nisso, Jessy - rebateu rudemente.

- Ora, ora - zombou o vaqueiro. - O garoto é nervosinho.

Ty já estava com o sangue fervendo. Se não saísse dali, explodiria.

- Cale essa boca, Ramsey - grunhiu entre os dentes, deixando o recinto a passos largos.

- Ei, não precisa correr. - O vaqueiro colocou-se na frente dele, impedindo-o de sair. - Onde é que você vai?

- Não é da sua conta, saia da minha frente. - Sid Ramsey era dez anos mais velho que Ty, mas este levava vantagem no tamanho e no peso, embora ficasse muito a dever em experiência.

Sem hesitar, arriou as mãos sobre os ombros do vaqueiro, empurrando-o até um dos pilares centrais que suportavam o teto do galpão. A agressão pegou Sid de surpresa. Ty aproveitou para ultrapassá-lo, encaminhando-se à porta distante sem prestar atenção no vaqueiro, afastando-se da pilastra surpreso e aturdido.

- O que foi que eu fiz? - indagou, sem disfarçar a raiva. - Puxa, eu só estava brincando.

Ty estacou e voltou-se.

- Suas brincadeiras não têm graça, portanto não me encha o saco.

- O que você acha que vou fazer? - desafiou, com um traço de beligerância ofendida.

- Só quero que pare de implicar comigo e me deixe em paz. - A dureza na voz do garoto tornava sua voz retumbante. - Deixe-me em paz.

Ramsey estudou-o com os olhos semicerrados, sem responder. Ty saiu gingando e, ao alcançar a extremidade do galpão, a chama de ódio já o queimava por dentro. Cansado, com frio, sentindo-se desprezível e tomado por sentimentos de culpa e incompetência, caminhou cegamente até a garrafa térmica, enchendo uma das canecas disponíveis. Na verdade, não queria aquele café forte, mas a bebida era uma desculpa para estar lá.

Junto a uma parede estavam empilhados fardos de palha. Ty jogou-se sobre um deles e inclinou-se para diante, apoiando os cotovelos nas coxas, afastando os joelhos para colocar as mãos que envolviam a caneca de café. Sentia a garganta apertada, a ameaça de lágrimas em seus olhos. A boca permaneceu entreaberta devido ao esforço para refrear toda a angústia que sentia.

Nada havia acontecido como imaginara ao deixar sua Califórnia natal há quase um ano, atravessando metade do país de carona para encontrar o homem cujo nome estava escrito na Bíblia da família como sendo o de seu pai. No começo, tudo parecera perfeito. Até mesmo os pais haviam se reunido, casando-se e transformando os três em uma verdadeira família. Idolatrava o pai e queria ser exatamente como ele, contudo parecia não ter sido feito para aquela vida. Morar em uma fazenda do tamanho da Triplo C, ser o filho do dono, o que mais poderia desejar? Mas ele não fazia parte daquilo tudo. Ninguém ligava para as medalhas que ganhara em apresentações equestres na Califórnia; nada do que realizara possuía algum significado naquele lugar. Mais do que tudo, queria ser aceito.

No entanto, não parecia ter muita importância o que fizera ou tentara, tudo sempre dava errado. Trabalhara nos galpões e o novilho morrera. Pior ainda, ganhara a inimizade de Ramsey. A situação parecia desesperadora.

Ouviu passos se aproximando e arriscou uma olhada por sob a aba do chapéu. Era Stumpy. Ty inclinou novamente o chapéu e empertigou-se, apertando os braços em torno de si, à espera da condenação muda dos vaqueiros veteranos, mais arrasadora do que uma repreensão aos berros para que deixasse de ser idiota.

- Nada melhor do que uma xícara de café numa noite fria como essa - declarou Stumpy, elevando a voz acima do som do líquido sendo derramado em um recipiente.

Fitando a própria xícara, Ty endireitou-se e sorveu um gole da infusão forte. Estremeceu com o amargor da bebida.

- Você vai se acostumando com o gosto. - A voz de Stumpy era jovial.

- O novilho está morto - anunciou Ty, categórico.

- Isso acontece. Você sempre quer que todos vivam, mas um ou dois se perdem. - Stumpy permaneceu de pé ao lado da garrafa térmica.

- A cabeça saiu primeiro, e eu não sabia o que fazer - admitiu Ty, ainda olhando fixamente para a xícara de café. - Se não fosse sua filha... puxa, uma garota de dez anos sabe mais que eu!

- Ela convive com isso há mais tempo do que você - lembrou-lhe Stumpy.

- Não adianta. - Os ombros encurvaram-se com a derrota. Por fim, ergueu o olhar para o novo mentor. Os olhos castanhos bem escuros refulgiam. - É melhor desistir. Jamais conseguirei me adaptar.

A doce compreensão desvaneceu-se do rosto de Stumpy, agora duro e zangado.

- Nunca diga isso. - Rebateu, em voz baixa. - Está sendo difícil para você, mas se desistir agora vai se arrepender pelo resto da vida. Tem de aguentar firme, se não vai se sentir um derrotado.

- Por quê? - indagou Ty. - Nunca serei o homem que meu pai é.

- Não será mesmo - concordou Stumpy friamente. - Se está tentando se transformar no seu pai, já cometeu o primeiro erro. Você é Ty Calder e ninguém mais.

- Ser Ty Calder não é motivo de muito orgulho - resmungou. Fora tolice pensar que Stumpy compreenderia.

- Você é um Calder, não é? - desafiou o vaqueiro. - Acho que isso já é suficiente para que se sinta orgulhoso. O que vai fazer? Ficar aqui sentado sentindo pena de si mesmo? Ou erguer a cabeça e voltar para o trabalho?

com este desafio, Stumpy engoliu o café quente do modo característico de um vaqueiro veterano, pousando a xícara vazia ao lado da garrafa térmica. Limitou-se a relancear os olhos por Ty enquanto saía com passadas curtas e rápidas. Fizera sua parte. Agora a decisão cabia a Ty.

Por um momento, Ty permaneceu sentado no fardo com a cabeça abaixada. Para Stumpy era fácil dizer tudo aquilo. Não era ele quem estava atravessando períodos difíceis. Indeciso, buscava alguma outra alternativa.

- Droga! - resmungou, jogando a cabeça para trás e derramando o café garganta abaixo. A beberagem já estava bem mais fria, o que não a tornava mais saborosa.

Levantando-se, deixou a xícara ao lado da de Stumpy Niles e dirigiu-se aos galpões com um andar arrastado. Seu pensamento não mudara. Ainda se sentia vil e miserável. Se havia alguma decisão sábia a tomar, seria a de desistir. Só que Ty não estava completamente certo de que ela o fosse.

- Ei, garoto - chamou alguém quando ainda não estava a meio caminho do local onde deixara Jessy. - Me ajude aqui.

Tiny Yates, um dos vaqueiros casados, envolvia com os braços um novilho trémulo, recém-nascido. A mãe fitava o homem e o novilho, ansiosa e agitada. Ty hesitou, especulando qual seria a brincadeira agora, então mudou de direção e foi juntar-se a ele.

- O maldito novilho não sabe para que servem as tetas e fica o tempo todo dando cabeçadas nas tetas da vaca - resmungou irritado. - Ela tem tanto leite que está agoniada. Eu trago o novilho para perto e você ordenha as tetas para que saia um pouco de leite, assim o novilho talvez aprenda.

O plano não era dos mais atraentes para qualquer dos quatro participantes, mas após muito xingamento, balidos do novilho, mugidos da vaca e manobras sobre a palha, eles alcançaram o resultado desejado. Ty esfregou a perna no local em que a vaca lhe dera um coice e ficou observando o novilho mamar selvagemente, enquanto a vaca ia lambendo o envoltório vermelho-tijolo.

- Legal, né? - entusiasmou-se Tiny, dando um tapinha nas costas de Ty e saindo.

Não houve qualquer "obrigado pela ajuda". Não era costume. Um homem correspondia ao que dele esperavam, pois era isso que devia fazer. Não havia razão de agradecer alguém por realizar sua tarefa. Ty soltou um longo suspiro e retornou a seu caminho.

 

Não é que eu queira te magoar

Só que não posso seguir teus passos

Não se coloque entre mim e meus planos

Porque você nasceu Calder

E sempre será um Calder

Ao entrar, a casa pareceu a Maggie estranhamente calma. Parou no vestíbulo, ouvindo o silêncio do meio da tarde. Um sorriso entreabriu-lhe os lábios ao recomeçar a caminhar, os saltos altos ecoando no piso de madeira.

Sobre a mesa de cerejeira havia um maço de cartas aguardando serem abertas, a correspondência da fazenda separada das cartas pessoais. Deteve-se ao lado dessas e retirou o casaco de camurça para os dias de primavera, pendurando-o temporariamente nas costas da cadeira. Por baixo, usava um vestido clássico simples de seda brilhante cor de vinho. O corte da vestimenta proporcionava uma aparência de altura a sua constituição delgada, favorecendo discretamente as curvas maduras de sua figura elegante.

Um dos envelopes endereçava-se a Ty. O olhar da mãe correu ansioso para o remetente e ali estacou. Um tremor de antecipação a percorreu ao constatar que a carta provinha do Departamento de Administração da Universidade do Texas, em Austin. Mordiscou o lábio inferior, ansiosa por abrir a carta e saber se Ty fora aceito para o semestre de outono. com a atenção concentrada no envelope, não ouviu a entrada de Ruth Heskell, vindo da cozinha.

- Achei que tinha ouvido alguém mas não sabia que era você, Maggie. Pensei que só chegaria no final da tarde. - A voz de Ruth quebrou o silêncio, e Maggie voltou-se com um sobressalto quase de culpa, o envelope nas mãos. Ruth percebeu e desculpou-se com uma rapidez nervosa que se tornara uma característica de seu modo de falar.

- Desculpe. Pretendia pegar a correspondência mais cedo e colocá-la no escritório, mas ocupei-me com outros afazeres e acabei não o fazendo.

- Não tem importância. - Maggie ofereceu um sorriso tranquilizador a Ruth, que já fora governanta e cozinheira da fazenda. Agora vinha ocasionalmente para tomar conta do mais novo membro da família Calder, quando Maggie tinha que sair.

Assim como muitos outros, Ruth descendia de um dos condutores que haviam levado o gado do Texas para Montana com o primeiro Calder e ficaram para auxiliar na construção da fazenda. Isto conferia à fazenda uma tradição e continuidade dos vínculos forjados há muito tempo, e ainda poderosos.

Enquanto observava a mulher, Maggie não podia deixar de perceber como Ruth estava mostrando a idade que tinha. Os cabelos haviam desbotado até um tom cinza, e uma série de rugas havia marcado seu rosto. Os ternos olhos azuis haviam perdido seu brilho. Ruth já fora rechonchuda, mas os aborrecimentos a haviam consumido até a magreza. Agora adquirira um eterno tremor nas mãos, e a agitação servia para piorar seu estado.

Para quem a conhecia, como Maggie, a origem de seu declínio relacionava-se diretamente com o filho. Após uma tentativa, no verão anterior, de matar Ty e ela mesma como parte de uma conspiração sangrenta para obtenção do controle da fazenda, Buck Heskell fora julgado e condenado a um período longo na prisão. Em face da dureza típica das pessoas do Oeste, o nome dele fora cortado de qualquer conversa. Embora Ruth o visitasse regularmente, ninguém indagava a respeito do filho ou mesmo se referia às ausências de Ruth da fazenda. Fazia parte da tradição daquela terra, semelhante à morte de uma pessoa. Ninguém mencionava o morto, pois os sentimentos profundos, especialmente a tristeza e o desgosto, deviam ser guardados dentro de cada um. Agir de forma diferente consistia em sinónimo de fraqueza.

Às vezes Maggie pensava que seria melhor para Ruth se pudesse falar a respeito do filho, trazendo à luz o sentimento de fracasso e culpa que provavelmente sentia, assim como o amor materno que tudo perdoa. Mas enquanto sentia muita pena de Ruth, Maggie não nutria qualquer compaixão pelo filho. Como não podia perdoá-lo no íntimo de seu coração, não tocava em seu nome.

Lamentando ter deixado que os pensamentos tomassem este rumo desagradável, Maggie voltou mais uma vez a atenção para a carta, separando, relutante, o envelope endereçado a Ty do restante da correspondência.

- Cathleen está lá em cima fazendo a sesta? - indagou Maggie, com um sorriso fugaz.

- Ah, não, ela está com o pai.

Maggie levantou a cabeça, voltando-se para a mulher com alguma curiosidade.

- Ela não deve ter dormido o bastante.

- Esta tarde ela não fez a sesta - informou Ruth, ansiosa. - Chase saiu logo após o almoço e levou-a com ele. Ela chorou tanto enquanto ele se aprontava para sair, que Chase não teve coragem de deixá-la. Você sabe como Chase é louco por ela.

- Eu sei - murmurou secamente. O marido, tão forte e inflexível, não passava de um brinquedinho nas mãos da filha de dois anos.

- Aonde eles foram?

- Ao local de perfuração de Broken Butte. Ele tem algumas instruções para o capataz. - Olhou ansiosamente para o relógio frouxo em torno do pulso. - Disse que não ia demorar.

Maggie suspirou e continuou a separar o resto da correspondência.

- Tenho certeza de que ele não pretendia demorar tanto.

A porta da frente se abriu, revelando uma risadinha aguda e excitada.

- Olha a cabeça, Cat. - A voz de Chase alertava a filha quando Maggie voltou-se para vê-los entrando na casa. Cathleen estava montada nos ombros do pai, com as mãozinhas amassando o chapéu de feltro prateado à sua frente. As mãos dele sustinham-na firmemente pelas pernas, para que não caísse. Ao ver Maggie, o bronzeado rosto coriáceo iluminou-se em um sorriso. - Eu não disse que mamãe estava em casa? - Disse para o pedacinho de gente com os cabelos negros sobre os ombros.

Ao cruzar o vestíbulo para juntar-se à esposa, a impaciência que Maggie nutria por ele, pois havia privado Cathleen de seu descanso vespertino, reduziu-se a uma leve irritação. O rosto do marido irradiava tal força que parecia esculpido nas matérias-primas de Montana que ele tanto amava. Devido à presença de Ruth, Chase não a beijou. Em vez disso, envolveu a criança com um braço, retirando-a de sobre os ombros e pegando-a no colo enquanto ela ria de prazer.

- Dê um beijinho na mamãe - instruiu Chase, assistindo à cena com satisfação, ambas com os cabelos igualmente negros e os olhos cor de esmeralda.

- Veja como você está. - Maggie inspecionou as manchas escuras de terra nos joelhos da calça de veludo cotelê e a blusa branca encardida, sem falar no rosto e mãos sujos. - Parece que ela brincou o dia todo em um chiqueiro.

- Uma sujeirinha não vai fazer mal. Além do mais, isso é terra dos Calder, da boa - insistiu Chase com um pequeno sorriso retorcido. - Está bem enlameado no local de perfuração. Ela gostou de brincar lá. Você precisava vê-la antes que eu a limpasse.

- Ainda bem que não vi - retorquiu Maggie.

- Me bota no chão - pediu Cathleen, oferecendo ao pai um de seus olhares de avaliação, enquanto serpenteava em seu abraço apertado, decidida a descer.

- Vem com a tia Ruth, Cathleen. - Ruth estendeu as mãos trémulas em direção à criança. - Vamos subir que vou lhe dar um banho.

- Não - recusou energicamente o oferecimento, o lábio superior projetado em desafio.

- Você não quer tomar banho? vou fazer bolhinha de sabão na banheira. - Ruth tentou persuadi-la.

A garotinha considerou a oferta durante um longo minuto, antes de finalmente tomar a mão da mulher mais velha. Chase deixou-a aos cuidados de Ruth, o orgulho suavizando seus traços habitualmente duros, ao ouvir a filha tagarelando com a mulher, que a conduzia escada acima.

- Ela sabe muito bem o que quer, não? - sussurrou junto a Maggie.

- E você faz questão de satisfazer todas as vontades dela - murmurou secamente em resposta.

- Isto é uma prerrogativa do pai - insistiu Chase, inclinando o rosto e envolvendo os lábios da esposa com os seus. - Como foi a visita a Culley?

- Bem. - Para ela, ver o irmão naquela instituição era sempre uma experiência dolorosa, mas consolava-se em saber que ele estava recebendo ajuda. - Hoje permitiram que eu mostrasse uma foto de Cathleen. Culley cismou que ela parecia comigo quando criança.

- Ele está certo - replicou Chase. - Ela é você em miniatura.

- Só que eu nunca fui tão mimada quanto ela - redarguiu Maggie.

- Um dia você vai se arrepender de deixá-la fazer tudo o que quer. Ela vai crescer achando que o mundo está em suas mãos. - Percebendo que se desviara do assunto principal, continuou: - Voltando a Culley, o médico ficou entusiasmado com a reação dele diante da foto de Cathleen. Não pareceu perturbá-lo o fato de ela ser uma Calder.

- Provavelmente porque ela parece com você e não comigo. - Os lábios torceram-se no habitual sorriso severo.

- Talvez - concedeu ela. - Mas isto é só um começo.

- Espero que sim, para o seu bem, Maggie. - O irmão dela só lhe trouxera aborrecimentos, consequentemente não simulava qualquer interesse pessoal nas possibilidades de cura de Culley. Sabia do ódio que Culley cultivava em relação aos Calder, contaminando Maggie durante um bom período. Há pouco tempo, Buck Heskell utilizara aquela maldade acumulada no íntimo de Culley, transformando-o em instrumento para sua conspiração extrema. O que Chase não conseguira esquecer, embora mantivesse silêncio sobre o assunto.

Maggie conhecia os sentimentos do marido e sorriu debilmente com a resposta por ele dada, enquanto examinava o restante da correspondência a ser separada.

- Ruth disse que você foi a Broken Butte. Como vai a perfuração?

- Eles esperam alcançar a profundidade desejada daqui a duas semanas. - Por sobre o ombro da esposa, esquadrinhou a separação das cartas pessoais e das relativas à fazenda. - Não espere um poço jorrando petróleo desta vez - avisou, zombeteiro. - Os resultados do primeiro poço e os testes já realizados indicam que aquele é um terreno pouco profundo, capaz talvez de suportar uma meia dúzia de poços, portanto existe pouca possibilidade de que venhamos a nos tornar magnatas do petróleo. com sorte, ganharemos o suficiente, com os barris que estão sendo enchidos, para fazer algumas melhorias na fazenda. Todas as estradas precisam de conserto, e existem alguns trechos onde são necessárias novas cercas. E precisamos de habitações melhores para alguns dos homens casados.

- Eu estava pensando em um carro novo, ou cortinas novas para os quartos do segundo andar. - Pequena parte dos lucros da Triplo C era usada nas vidas particulares de ambos. Tudo parecia ser aplicado na fazenda. Maggie sempre se surpreendera com a voracidade da fazenda... não que lhes faltasse algo, mas as necessidades pessoais estavam bem abaixo na lista de prioridade.

- Se sobrar alguma coisa, estava pensando em comprar um helicóptero. com certeza seria uma vantagem durante os rodeios - provocou.

- Agora você está brincando, mas quando chegar a hora, vai falar sério - retorquiu Maggie.

- Por que esta carta está separada? - À indagação ingénua, seguiu-se a mão buscando a missiva.

Maggie retesou-se com a atitude do marido.

- É para Ty. - Pelo canto do olho percebeu-o enrijecer-se ao ler o remetente no envelope.

- O que é isso? - Franziu as sobrancelhas, lançando um olhar acusador à mulher. - Por que ele está recebendo uma carta de uma universidade no Texas?

- Por coincidência, E.J. Dyson é um ex-aluno da Universidade do Texas. Quando esteve aqui, no inverno passado, conversou com Ty sobre o assunto. Ty demonstrou algum interesse em possivelmente frequentar aquela faculdade. - Impossível explicar de maneira casual, quando estava tão consciente da expressão cada vez mais turbulenta de Chase. - E. J. ia mexer os pauzinhos para ver se o aceitavam. Imagino que esta carta seja a resposta.

- Por que não me disseram nada? - indagou, a voz beirando perigosamente os tons graves.

- Você estava presente quando houve a conversa - recordou ela, tensa.

Este choque de vontades há muito estava em fermentação, Maggie estava decidida a colocar Ty na faculdade, enquanto Chase era diametralmente contrário a tal ideia. Aquilo era um assunto sobre o qual dificilmente se obteria concordância. Há muito ela temia este momento, mas não pretendia voltar atrás agora.

- Eu estava presente - admitiu Chase com rudeza. - Mas não consciente de que o tema fosse além de simples discussão. - A mão crispou-se

sobre o envelope, dobrando-o em dois. - Droga, Maggie! Existem especialistas na Triplo C que sabem mais do que essa cambada de professores universitários. É aqui que ele tem de ficar.

- Ele deve receber a melhor educação que pudermos lhe dar - interpôs ela, com igual energia. - E não somente a que você recebe no lombo de um cavalo. E ele precisa de tempo para divertir-se... coisa que eu e você nunca tivemos. Era sempre trabalhar... trabalho, luta e dificuldades de um ou outro tipo. Não quero que Ty amadureça tão rapidamente quanto nós.

- Você quer torná-lo frouxo - acusou ele. - Ele não pode ser delicado e comandar a Triplo C! Um homem deve praticamente nascer nesta terra para ter conhecimento adequado de sua administração. Ty não teve esta vantagem. Tudo o que teve foram três anos, e somente no decorrer do último ano desenvolveu habilidade suficiente para ser considerado um trabalhador mediano de fazenda. Ele precisa de muito treinamento, adequação e experiência nos trabalhos de uma fazenda deste porte.

Como é que você quer que ele obtenha tudo isso de um livro?

- Há muito o que aprender com os livros. - Maggie estava trémula, mas recusava-se a refrear seu temperamento quente. - Alguns membros da família Calder pensavam o mesmo, do contrário todas aquelas prateleiras no escritório não estariam repletas de livros!

- É muito cedo, Maggie - insistiu Chase, implacável. - É muito cedo para ele deixar a fazenda. Praticamente tudo o que aprendeu se perderá. Deixe-me tê-lo aqui o ano inteiro por pelo menos mais três anos. Não o tire de mim agora.

- Se eu desse ouvidos a você, em três anos você viria com alguma outra razão pela qual eu deveria esperar. Não. Não vou fazer isto. - Balançou a cabeça firmemente, os olhos brilhando, desafiadores. - Se ele for para a faculdade, quero que comece neste semestre de outono.

- Maggie...

- Há quatro anos você me deu sua palavra de que, quando chegasse a hora, aceitaria a decisão de Ty sobre a universidade. Quero que mantenha o que prometeu - afirmou ela.

Chase jogou a cabeça para trás, inspirando profundamente e retendo a respiração. Seu rosto carrancudo estava duro e impenetrável. Havia uma crueza no ar, uma tensão quase palpável.

- Você desgraçadamente sabe bem que cumpro minhas promessas

- informou-lhe rudemente. - E vou cumprir esta também. Mas se ele for para a faculdade - Chase enfatizou o se -, será aqui em Montana, e não a três mil quilómetros daqui.

- A decisão caberá a ele. - Maggie recusou-se a ceder mesmo neste ponto, e resgatou o envelope da mão do marido.

- Não tente influenciar a decisão do garoto, Maggie - alertou Chase.

- Não tente você influenciá-lo. Sabe que ele o considera como uma espécie de Deus. Bastaria uma palavra sua, Chase. Por favor, não diga nada. - Aquela era a sua maneira de avisá-lo.

Estabelecera-se a separação. Não importa para qual lado se inclinasse a balança, ela permaneceria lá. Chase saiu gingando, suas passadas longas impulsionando-o para a porta da frente. Maggie estremeceu quando o marido saiu batendo a porta.

Naquela noite, ao entrar na sala de jantar, Ty sentiu que algo estava errado. A atmosfera estava tensa e o silêncio pesado. Parando um minuto, ele estudou o homem e a mulher evitando, muito empertigados, o olhar do outro. Ele imaginava que isto tinha relação com a carta que encontrara em cima da cómoda quando chegara ao quarto para lavar-se para o jantar. com a aproximação de Ty, Maggie levantou os olhos e assistiu ao filho caminhar até a cadeira. com ombros largos e músculos rijos, ele crescera até quase dois metros. O andar lento e gingado, típico de um vaqueiro, se tornara natural no filho. E o rosto bronzeado de sol adquirira aquela textura de couro, devido às longas horas ao ar livre, no sol e no vento. Os traços de rapaz, já denotando o vigor da masculinidade, possuíam a característica dos Calder, a força bruta em uma estrutura de ossos fortes.

- Onde está Cathie? - Ty puxou sua cadeira e sentou-se.

A irmã nascera em meio a tempos difíceis para ele. Por um tempo, invejara a ausência de disciplina a ela ministrada, e até tivera um pouco de ciúmes da afeição que o pai devotava tão abertamente ao mais novo membro da família.

Mas as travessuras e a tagarelice foram dominando-o. A afeição finalmente substituíra o ressentimento.

- Seu pai levou-a com ele esta tarde, e ela nem fez a sesta - replicou a mãe, enchendo a concha com creme de aspargos. - Ela estava tão cansada e irritadiça que lhe dei o jantar mais cedo e a pus na cama.

Mesmo enquanto os pratos de sopa iam sendo passados, a tensão opressiva permanecia no ar. Chegava ao auge com a conversa inútil alimentada pelos pais. Ambos estavam tentando agir normalmente na frente dele, mas a falsidade era evidente.

Há muito que esta hora estava para chegar. Nada poderia tornar menos tenso aquele momento. Se ele sabia algo na vida, era que adiar um momento desagradável não o evitava. pousou a colher no fundo do prato de sopa.

- Hoje recebi uma carta da Universidade do Texas. - A voz do garoto soou calma e uniforme, mas um silêncio opressivo caiu sobre a sala, como se alguém tivesse entrado com uma arma carregada. - Fui aceito para este semestre.

- Nós... vimos a carta e ficamos imaginando o que conteria - admitiu a mãe, o olhar perpassando o rosto do pai.

Ty olhou de um para o outro, consciente de que ocupavam pólos opostos naquela questão, o que o colocava desconfortavelmente no meio.

- Sei que você sempre quis que eu fosse para a universidade, mãe admitiu Ty. - Foi sempre muito importante para você. - O rosto do pai permaneceu praticamente inexpressivo, exceto por uma contração do músculo que atravessa a mandíbula quando Ty dirigiu-se a ele. - Certa vez você me disse que eu tinha um monte de coisas para aprender caso algum dia quisesse dirigir esta fazenda. Na época não percebi quanto. Mas mesmo se eu aprendesse durante toda a minha vida, existem homens aqui nesta fazenda que sempre saberão mais do que eu.

- Fico contente por ter percebido isso - murmurou o pai satisfeito.

- Acho que alguns deles nasceram sabendo. - Uma leve torção curvou-lhe os lábios ao soltar um longo suspiro. - Venho pensando nisto desde antes desta carta. Nunca saberei tanto sobre a fazenda e o gado e esta terra quanto os homens da Triplo C. Já que não vou conseguir, decidi aprender coisas que eles não sabem. vou me matricular na Universidade do Texas em setembro.

- Esta é sua decisão? - perguntou o pai em um tom insuportavelmente apático.

Ty ficou especulando se o pai percebia como fora difícil para ele chegar àquela decisão. Lutava contra a sensação de estar decepcionando o pai, porque sentia que a decisão que tomara era a certa, mesmo se ele não concordasse.

Foi com feroz determinação que Ty encontrou os olhos duros do pai.

- Sim, esta é minha decisão - afirmou, conseguindo sustentar o olhar sob os olhos investigadores do pai.

Então Chase desviou o olhar.

- Passe-me aquela cesta de torradas, Maggie. - com o pedido breve, encerrou o assunto. A mãe, sabiamente, não demonstrou seu apoio à decisão de Ty, o que só faria aumentar o sentimento de desavença na mesa.

Depois do jantar, o pai não ficou para o café, como era seu hábito. Ty ouviu os passos avançando para o escritório e empurrou a cadeira, fazendo menção de segui-lo.

- Ty - protestou rapidamente a mãe. Ele parou próximo à porta e virou-se.

- Tenho que falar com ele. - Ty não podia suportar o silêncio que se interpusera entre eles. A aceitação do pai era importante demais para ele.

A expressão da mãe disse-lhe que discordava, mas ela limitou-se a alertá-lo.

- Não o deixe dissuadi-lo a ir.

Uma risada silenciosa e sem contentamento ecoou em forma de um suspiro alto.

- Eu sou metade Calder e metade O'Rourke, e não sei qual de vocês é mais teimoso quando enfia algo na cabeça. Acho que isso me faz duas vezes mais determinado quando tomo uma decisão, não é? - Ty olhou-a, entristecido, mas sem mover-se um milímetro sequer de sua posição. - Você não me convenceu a ir, mãe. E ele não vai me convencer a sair.

Ao entrar no escritório, percebeu o pai de pé em frente à imponente lareira de pedra. Uma mão descansava sobre a cornija, enquanto ele olhava para a lareira enegrecida. Os ombros curvados denotavam a dificuldade que o pai estava tendo para tomar uma decisão. Neste minuto, ficou contente de não ver seu rosto.

- Pai... - começou Ty, fitando os ombros largos e o pescoço musculoso. - Sei que está desapontado comigo.

- Desapontado! - O homem cuja palavra era lei na Triplo C deixou tombar a mão e virou-se, alto e ereto, com o corpo em ângulo em relação a Ty. Em seu íntimo travava-se uma batalha entre suas emoções e o controle das mesmas. Quando voltou a falar, a voz estava contida, ainda que tensa. - Prometi à sua mãe que respeitaria sua decisão, e vou respeitála. Mas não posso concordar com uma coisa errada.

- Sei disso - assentiu Ty, compenetrado.

- Existe alguma lógica nas razões que me deu - concedeu o pai. Mas elas não são suficientes. - Juntou os lábios, que desapareceram inteiramente em uma linha tensa de raiva. - Droga, Ty! Você acha que nunca tive dezoito anos? Eu fui como você! Achava que sabia mais que meu pai. A maior parte das vezes, ouvia os conselhos que ele me dava com um sorriso.

Pensava que ele estava exagerando. Puxa, eu não sabia da missa a metade! E você não entende nada!

A condenação impetuosa instigou Ty à defesa.

- Entendo mais do que você possa supor.

- É mesmo? - desafiou o pai asperamente. - Olhe no mapa. Apontou para o mapa desenhado à mão, colocado em uma moldura e pendurado na parede atrás da escrivaninha grande. Os anos haviam amarelado a tela em que estavam demarcados os limites da fazenda Triplo C. - Este mapa está velho, Ty. Está velho mas ainda é necessário. Você tem uma ideia do número de grandes fazendas que havia então? Hoje, só existe um punhado que ainda pode ser considerado fazenda... e a maior parte delas pertence a corporações de investidores ausentes. As outras fazendas também já tiveram seus dias de glória. Mas os Calder permaneceram porque assumiram um compromisso com a terra e tudo que nela vivia, pessoas e gado.

- Eu compreendo - insistiu Ty com um misto de irritação e ressentimento. Ele não precisava de pregações. Naqueles três últimos anos, ouvira mais sermões do que qualquer outra coisa. - Posso raciocinar sozinho.

- Então é melhor começar a pensar - avisou o pai. - Uma propriedade deste tamanho é vulnerável a forças externas, e desabará como um castelo de cartas se o homem que a administrar não souber o que está fazendo. É melhor começar a compreender isto muito bem. Se o coração está fraco, ele não aguenta o corpo que sustenta.

- Estou defendendo algo que acho certo - declarou ele por entre os dentes cerrados. - Droga, isto tem que significar algo!

- vou lhe conceder isto - aquiesceu o pai sem voltar atrás sobre o que dissera -, mas tenho certeza de que esta terra o transformará no tipo de homem que a fazenda precisa. E você jamais me convencerá de que um bando de malditos professores será capaz de fazer o mesmo. Não vou ficar«no seu caminho, Ty. - Ele suspirou pesadamente. - Mas tampouco vou mover um dedo para ajudá-lo. Você vai aprender sobre a vida em uma sala de aula. E deveria aprender aqui! - Esticou o dedo na direção da janela.

- com o tempo, provarei a você que estou certo. - Ty ficara magoado com a falta de apoio do pai, mas não o demonstrou.

- Por Deus, você terá que prová-lo.

Ty estava com a cabeça um pouco mais baixa ao virar-se para deixar a sala. A firmeza de suas convicções fora abalada, mas ainda estava determinado a persistir em sua decisão. O orgulho teimoso do garoto queria provar que tinha razão.

No final do verão, mais de duzentas pessoas - trabalhadores da fazenda e suas famílias - reuniram-se na sede da Triplo C em uma festa de despedida para Ty, antes de sua partida para a universidade.

Não houve discursos, mas muitos tapinhas nas costas e algumas brincadeiras bem-intencionadas sobre as garotas na universidade. A cerveja gelada jorrava livremente dos barris e os jovens sorviam pequenos goles, às escondidas, de copos de papel abandonados. Grandes mesas foram colocadas ao ar livre, repletas de uma variedade de saladas, pratos de forno, tortas e bolos feitos pelas mulheres dos trabalhadores do rancho.

Tucker, o cozinheiro calvo da fazenda, lutou para manter a supremacia contra a invasão das mulheres, mas no final retirou-se para o reino das churrasqueiras, munido de comprido espeto denteado e de um facão de trinchar. Era constante o ir e vir de pessoas para as mesas de comida colocadas debaixo de uma grande tenda de lona com os lados levantados para permitir o acesso. Mesas para piquenique improvisadas com tábuas sobre cavaletes foram espalhadas à sombra das árvores. Os que não estavam comendo ou bebendo reuniram-se no grande curral ao lado do celeiro. Parte das festividades da tarde incluía algumas competições amistosas entre os vaqueiros, comparando suas habilidades nos jogos relacionados à fazenda, como no laço, no abate do gado, cabo-de-guerra sobre cavalos e corrida com cordas, em gincanas, como na corrida de saco e de vara.

Ty participava da maioria dos eventos sem esperanças de vencer, mas, como convidado de honra, esperava-se dele ativa participação. Ao menos ele teria a satisfação de fazer uma exibição respeitável nos jogos em que tomara parte.

Um dos vaqueiros deixou o portão aberto, enquanto Ty, com seu alazão malhado, saía do curral e terminava de enrolar sua corda, após haver participado da corrida com cordas. Este tipo de competição diferia do laço ao novilho porque no primeiro o vaqueiro só tinha que laçar o novilho e deixar o laço bem apertado em volta do pescoço, soltando a corda em seguida. O novilho não era derrubado nem amarrado.

Do lado de fora do curral, Ty amarrou o cavalo na cerca para assistir ao concorrente seguinte. Após colocar a corda enrolada em seu lugar na sela, enganchou a perna na sela e inclinou-se sobre ela. Os participantes ou os espectadores volta e meia dirigiam um ou outro comentário a Ty; em sua maioria, não exigiam como resposta mais do que um aceno de cabeça ou um leve sorriso.

Sid Ramsey estava, no curral, levando o gado que estava solto de volta ao cercado. Durante um intervalo nas competições, Sid deteve o cavalo próximo à cerca do curral, onde Ty estava montado.

- Quer dizer que você está indo para o grande estado do Texas, hem? - fez para Ty, as comissuras labiais repuxadas para baixo.

- É - assentiu Ty. - vou com Dyson de avião depois de amanhã. A sela de couro rangeu com a inclinação do vaqueiro para o lado, dando uma cusparada que foi cair próxima às patas do cavalo.

- Pelo menos nem eu nem o resto dos rapazes vamos ter de fazer a sua parte do trabalho. Você sempre foi uma boa desculpa para um vaqueiro.

- Diabo, imagine o que espera meus professores - interpôs ele com uma risada irónica. Percebeu que o comentário depreciativo era a maneira desajeitada encontrada por Ramsey para dizer que ia sentir sua falta. Expressar-se com rudeza quando os sentimentos eram profundos fazia parte do código peculiar daqueles homens. Os que haviam sido mais desagradáveis eram os que mais lamentavam sua partida, observara Ty.

com uma risadinha, Ramsey tocou o chapéu com o dedo, esporeando o cavalo em direção à parte mais movimentada do curral. Ty sentiu um súbito aperto na garganta ao se dar conta de que ia perder tudo aquilo. Por sob a aba do chapéu, esquadrinhou o céu azul infinito que se estendia acima de sua cabeça. A visão e os sons tornaram-se importantes - o ruído dos cascos no chão duro, o grunhido de animais em marcha, o retinir das esporas, o odor rançoso do estrume e do suor dos corpos. Havia uma unidade, um companheirismo no trabalho entre os homens, os animais e a terra. Ficava difícil recordar algum outro estilo de vida.

No curral, uma onda de aplausos e gritos de aprovação perpassou os espectadores. Ty desviou a atenção para aquele lado. Um cavaleiro jovem e esguio movia-se em círculos para reaver a corda que estava sendo retirada do pescoço de um novilho de aparência bastante resistente.

- Puxa, você viu aquilo? - exclamou o cavaleiro à esquerda. Posso apostar que ela não levou mais de cinco segundos para fazer isso.

Quando o cavaleiro virou-se na sela, Ty imediatamente reconheceu o rosto sorridente de Jessy Niles. Desde que começara a trabalhar nos galpões do Sul a vira somente umas poucas vezes. Ela não mudara muito, só estava mais alta. Percebeu que estava mais sapeca do que nunca.

Enquanto ela trotava em direção ao portão do curral, Ty olhou para o cavalo que ela estava montando, aguçando seu interesse. O buckskin azulacinzentado possuía as formas inconfundíveis da criação cougar, o garanhão que emprenhava algumas das melhores fêmeas das redondezas. Ty estava quase certo de que o nome do cavalo era Rato. Ele fora um dos primeiros cavaleiros a montar aquele cavalo; lembrava-se vagamente de algum comentário a respeito de Rato na coudelaria da sucursal Sul.

- Jessy - chamou Ty ao vê-la atravessando o portão. Sem desenganchar a perna, ele pressionou a extremidade das botas contra o estribo e aguardou a aproximação da garota montada no cavalo cinza, deixando-os emparelhar.

- Hoje foi o dia da vitória.

- Tive sorte. - O olhar da garota transbordava de orgulho, combinando naturalmente com os traços fortes e a boca bem-desenhada. Acariciou o pescoço arqueado do cavalo. - Rato ainda não está suficientemente treinado para esta competição. Ele sai tão rápido do portão de partida que geralmente ultrapassa o novilho. Tive que arremessar o laço rapidamente, torcendo para o bezerro correr em direção a ele. E ele correu.

- Ajudei a amansar este cavalo - fez Ty. - Fiquei matutando com quem ele estaria agora.

- É do meu pai, mas ele me deixou trabalhar com ele neste verão.

- Enquanto o olhava, Jessy vasculhava o rosto do rapaz em busca de algum sinal que confirmasse ou desmentisse os boatos que ouvira.

A despeito das dimensões da Triplo C, as notícias e os rumores percorriam rapidamente as distâncias. Todo mundo se interessava particularmente pelo assunto Calder. Na maioria das vezes, Jessy não se dava ao trabalho de ouvir mexericos sobre os problemas alheios. Mesmo reconhecendo a posição dos Calder na hierarquia da fazenda, não se interessava muito por suas idas e vindas - até conhecer Ty. Jessy nunca tentara analisar as razões de seu interesse. De qualquer maneira, Ty tinha mais ou menos a sua idade e era o único membro da família Calder com quem convivera algum tempo. Jessy jamais admitiria estar apaixonada por Ty, mas tudo levava a crer que a garota estava enrabichada pelo rapaz, apesar de considerar idiotas e estúpidas as paixões nutridas por jovens da mesma idade.

- Por que você vai embora? - questionou Jessy, inconsciente do tom atrevido e inquisitivo que empregara.

- Vou fazer faculdade.

- Eu sei - retorquiu com calma e paciência. - Mas por quê? - Sem fazer uma pausa para tomar fôlego, Jessy prosseguiu: - Sei que alguns rapazes foram duros com você desde que chegou. Mas você não vai entregar os pontos, não é, Ty? - A menina tinha o semblante austero e um pouco preocupado.

Ele começou a rir, suavizando os traços bem-delineados.

- Não, não vou entregar os pontos, Jessy - assegurou, divertido com a preocupação vinda de alguém tão jovem.

Disfarçando o alívio, Jessy ajustou as rédeas.

- bom, eu só queria ter certeza de que você ia voltar - replicou, assumindo um ar de indiferença. - Tenho que procurar meu pai, para colocarmos estes cavalos no caminhão. - Puxou as rédeas do cavalo acinzentado, afastando-se da cerca do curral. - Tchau.

- Tchau - retribuiu Ty, observando a garota guiar com destreza o animal para fora do local, com uma combinação de movimentos das rédeas e das pernas. Jessy não podia ser considerada sem graça, mas tampouco chegava a ser bonita.

- Ei, Ty! - chamou alguém. - Sua mãe o está procurando. com um gesto de assentimento na direção da voz, afastou-se com o alazão malhado rumo à tenda armada no quintal da fazenda.

O veloz aeroplano formava uma sombra nas pastagens abaixo. A oeste, havia um agrupamento de pequenos quadrados escuros do que parecia ser os edifícios da sucursal Sul. Ty forçou a vista tentando distingui-los, mas as construções estavam muito distantes e o aeroplano muito rápido. Ele sentiu o chamado da terra e sorriu debilmente ao recordar a preocupação de Jessy quanto ao seu retorno.

Não havia muito que o induzisse a voltar. Ty amaldiçoara o frio contundente do inverno e praguejara contra o calor escaldante do verão e o céu sem chuvas, com o solo amarelo e pegajoso que empastava-lhe as botas quando chovia muito. Mas aquela era sua terra natal. Lutara tanto por tão longo tempo para se tornar parte dela que era estranho constatar que agora ela era parte dele.

O avião lançava-se em direção ao trecho pedregoso do rio Yellowstone, deixando para trás a fronteira sul da Triplo C. Ty afastou-se da pequena janela e acomodou-se no assento, olhando o homem mais velho que examinava detalhadamente os últimos relatórios sobre a perfuração na localidade de Broken Bute.

E.J. Dyson era praticamente um desconhecido. Ty sabia muito pouco sobre ele, exceto que Dyson e o sócio tinham alguns negócios com seu pai. Ty participara de algumas reuniões e ficara impressionado com o raciocínio frio e a inteligência daquele homem; contudo, sua vida particular era um mistério. Percebia-se um certo grau de fascinação na atitude de Ty em relação a Dyson. Ele era sem dúvida tão poderoso quanto o pai, só que Dyson circulava no mundo acelerado dos jatos, corporações e altas finanças. A despeito de viver na cidade, Ty jamais poderia descrevê-lo como molenga ou fraco. Dyson não tinha a presença física de Chase Calder, mas Ty não se deixava enganar pela insignificância daquele homem nada atraente. Debaixo daquelas roupas com um toque texano, escondia-se um homem de negócios astuto como uma águia.

- Pronto - fez Dyson com sua voz arrastada, fechando o relatório. A boca torceu-se em um sorriso em direção a Ty, enquanto guardava o relatório em uma das divisões da maleta, consciente da observação do rapaz. A essa altura, Dyson considerava qualquer rapaz de dezoito anos como um garoto.

Ocultara melhor sua própria curiosidade. Este produto de Chase Calder não parecia adaptar-se ao modelo paterno. Pela manhã, na pista de pouso antes da decolagem, tornara-se evidente a tensão no relacionamento pai-filho. Era normal a discordância entre parentes, mas este caso interessava particularmente a Dyson.

- Ainda bem que até agora estamos tendo um bom voo - fez ele, para puxar conversa. - É mais fácil falar quando não se está sacolejando em pleno ar.

- É verdade.

Não se alongara muito sobre o assunto. Ty era calado como o pai, observou Dyson.

- O dia em que se entra para a faculdade é um marco na vida de um homem. É um misto de antecipação e arrependimento - ensaiou Dyson sutilmente, tentando encorajar Ty a manifestar seus sentimentos.

- Acho que sim. - Ele quase sorriu, reconhecendo a exatidão da ideia de Dyson a respeito de sentimentos misturados.

- Você já pensou em que vai querer se especializar? - Dyson inclinou a cabeça para o lado, mostrando interesse.

Um lampejo de diversão percorreu os olhos castanhos, enquanto o sorriso do rapaz ia se ampliando.

- Em nada, se eu conseguir evitar. A resposta intrigou-o.

- O que você quer dizer com isso?

- Quero matricular-me em todas as matérias... ciência veterinária, cuidados animais, administração de empresas, recursos naturais, algumas cadeiras sobre mecânica e engenharia, contabilidade, psicologia. - Ty fez uma pausa, indicando que a lista não tinha fim. - Quero aprender um pouco de tudo.

- Conhecimento superficial pode ser perigoso - alertou Dyson, estudando o garoto mais de perto.

- Não penso da mesma maneira, sr. Dyson - ele replicou calmamente.

- Chame-me E.J. - propôs.

- E. J. - concordou Ty. - Estou interessado em aprender. Não estou ligando a mínima para o diploma. Se conseguir aprender o básico em várias áreas, vai ser mais difícil me enganarem.

- Ou mais fácil - murmurou Dyson.

A resposta veio acompanhada por um meneio de ombros e um sorriso levemente desafiador.

- Como me disse Nate Moore, um dos vaqueiros mais antigos, bom senso não se ensina. Ou você tem ou não vai ter nunca. Não adianta toda a educação do mundo se você não tiver bom senso para aplicá-lo de forma adequada.

- Camarada esperto.

- Nate Moore é o vaqueiro filósofo por excelência. - Ty franziu o rosto em um sorriso. - Ele não fala muito, mas quando chega a fazê-lo, é algo que vale a pena lembrar.

- A maior parte dos verdadeiros vaqueiros que conheci não se preocupava muito com a educação formal.

- Quase todos os garotos da escola eram garotos de fazenda. Alguns deixaram o colégio e empregaram-se como vaqueiros ou foram ajudar em casa em tempo integral. Ao que eu saiba, nenhum dos que se formaram comigo matricularam-se em alguma faculdade, a não ser uma ou duas garotas. - com tantos afazeres em casa, Ty jamais se aproximara de seus companheiros de classe que não viviam na Triplo C. E além de ser um desconhecido para aqueles que moravam na fazenda, ele era um Calder, consequentemente tampouco se tornara muito próximo de qualquer deles.

- Parece que você quebrou a tradição - observou Dyson.

Um lampejo divertido, quase sarcástico, perpassou os olhos do garoto.

- Acho que eu quase estilhacei a tradição. - Ty estava amargamente ciente de que seu pai ainda não aceitara sua decisão de frequentar a faculdade.

- Tenho um grande respeito por seu pai. - No último fim de semana, Dyson sentira o desagrado de Chase com o filho, mas não sabia a causa. com a observação de Ty, teve certeza do motivo. - Ele é um homem honesto, e tem a cabeça no lugar. Não é de pressionar as pessoas a fazerem o que ele quer. Mas ele é duro, muito duro - declarou Dyson com firmeza, com um brilho de admiração nos olhos azuis desbotados. - Seu comportamento às vezes é meio arcaico. A época dos barões de gado já acabou. Uma fazenda deve ser encarada como um grande negócio como outro qualquer. A administração deve ser dinâmica e altamente eficiente, lançando mão dos métodos mais modernos à disposição, se quisermos que o negócio cresça e seja competitivo. Todos os recursos existentes devem ser usados ao máximo. Seu pai sabe disso, mas não quer admitir. Acho que esse é um dos problemas quando vai se ficando mais velho. Você gosta de fazer as coisas do jeito que está habituado, certo de que é a melhor maneira, porque é a mais conhecida. - Dyson torceu a boca em um sorriso, incluindo-se a si mesmo no comentário. - Mas você tem a cabeça no lugar, Ty. O que você vai fazer trará vida nova àquela fazenda.

Esta concordância inesperada com sua decisão vinda de alguém do calibre de E.J. Dyson, isento de quaisquer preconceitos ou tendências, apagou as dúvidas que ainda persistiam em Ty. Não podia dizer que considerara a situação da mesma maneira que Dyson. Os motivos do garoto eram mais egoístas, centrados no objetivo de adquirir um conhecimento que ninguém mais possuísse.

- Espero que sim. - Muitos vaqueiros veteranos criticaram Ty por seu excesso de confiança. - É por isso que quero fazer todas as matérias que possam me beneficiar a longo prazo.

- Você não pode estudar o tempo todo. Deixe algum tempo para se divertir e arranjar algumas garotas. - Dyson deu uma piscadela.

- Sempre há tempo para as garotas. - Ty soltou uma risada.

- Agora você está falando como um verdadeiro texano - brincou Dyson. - Aliás, fui sincero com sua mãe. Enquanto estiver na faculdade, você será bem-vindo em minha casa em qualquer final de semana. Veja bem, não estou falando isso tudo da boca pra fora. Quero realmente que vá nos visitar.

- Eu irei - prometeu o garoto.

- Quando conhecer minha filha, aposto que irá mesmo - declarou Dyson.

Ty esquecera-se do detalhe. Franziu as sobrancelhas tentando lembrar-se da discussão em que o nome da filha de Dyson fora mencionado.

- Lembro-me de ouvir você dizer algo sobre sua filha uma vez.

- Provavelmente quando falei com você sobre a universidade. Tara Lee matriculou-se como caloura, tal qual você, só que duvido que ela seja tão aplicada em sua educação quanto você. Ela é uma garota brilhante, e tira notas altas com demasiada facilidade.

- Deve ser bom. - As notas do garoto sempre haviam se situado acima da média, mas ele tivera de estudar para obtê-las.

- Vou lhe dar um aviso sobre minha filha... de homem para homem - disse Dyson. - Tara Lee atrai os rapazes como moscas para o mel. Ela vai nos esperar à saída do avião, portanto lembre-se de que ela é como uma borboleta, voando de um garoto para outro.

- Vou tentar lembrar-me disso. - Acentuou-se sua curiosidade. Ty simplesmente não conseguia adaptar a imagem da garota com a daquele homem delicado e insignificante. Evidentemente, ela não se parecia com o pai, ou então, com a cegueira paterna, ele estava exagerando a beleza da filha.

O aeroplano taxiou até parar diante de um hangar particular com o símbolo de identificação da Dy-Corp Development Ltd. Ty soltou o cinto de segurança e deixou ô homem mais velho sair do avião na sua frente. O ar quente subia da pista de concreto, envolvendo-o em seu cerne sufocante, e o calor refletia-se em ondas nos edifícios próximos. Ty sentia o suor escorrendo pelo peito e axilas. Estava acostumado com o calor seco de Montana, e não com esta umidade do verão texano.

Esticou-se bem, distendendo os músculos contraídos em razão do voo demorado. Um trator em miniatura, rebocando um pequeno vagão, aproximou-se do aeroplano com grande ruído, enquanto os membros da tripulação de terra, que haviam colocado cunhas atrás das rodas, acorreram para abrir o compartimento de bagagens. Ty deu um passo naquela direção.

- Não se preocupe com a bagagem - disse-lhe Dyson. - Eles vão descarregá-la e colocá-la no porta-malas de meu carro.

O som de uma buzina anunciou a chegada de um Cadillac no estacionamento ao lado do hangar. Dyson acenou em saudação, dirigindo-se rapidamente na direção do carro, indiferente ao calor escaldante. As passadas largas e preguiçosas de Ty equipararam-se às dele sem dificuldade. Uma jovem desceu do lado do motorista e aproximou-se deles.

Ty ficou olhando. Não podia evitar. Morena e vivaz, ela personificava tudo o que havia de saudável e sexy em uma mulher. Os cabelos negros eram longos e levemente encaracolados, caindo sobre os ombros em um estilo puramente leve e feminino. Parecia imaculada em seu bronzeado dourado, irradiando um calor que ele pareceu sentir no próprio sangue. Os lábios pintados de rosa-cereja combinavam com o vestido de verão que ela estava usando.

Elegante como uma gazela, correu em direção ao pai, pousando as mãos sobre seus ombros e inclinando-se para beijá-lo nas bochechas.

- Desculpe o atraso, papai. Espero que não tenham pousado há muito tempo.

- Acabamos de sair do avião. - Ele retribuiu o beijo, chamando a atenção da garota para Ty. - Quero apresentá-lo à minha filha, Tara Lee. Este é Ty Calder.

Ty ficou deslumbrado de encontrar aqueles olhos escuros aveludados. Já namorara algumas garotas atraentes. Iniciara-se sexualmente logo após completar dezessete anos, em um final de semana desregrado em Miles, mantendo desde então os encontros com a mesma mulher experiente. Agora estava diante de verdadeira beleza.

- Como vai, Tara Lee? - A voz de Ty era baixa e profunda, vibrante com o alvoroço interior que ela provocava.

- Ty Calder. - Ela repetiu o nome, com um provocante par de covinhas formando-se próximo às comissuras labiais. - Da família Calder?

- Arriscou um olhar enviesado para o pai em busca de confirmação; um tom alegre e crítico, mas não deselegante, transpareceu em sua voz.

- Ele mesmo - assentiu.

- Bem-vindo ao Texas, Ty Calder. - Ofereceu-lhe a mão esguia. Ele a tomou, cumprimentando-a. O olhar do rapaz deslizou para o corpete do vestido, observando a sombra do suor na minúscula divisão que se entrevia. Seios jovens e rijos alteavam-se seguindo o ritmo da respiração. - Vai ficar aqui por muito tempo?

- vou... alegra-me dizer. - O olhar voltou ao rosto da garota, encontrando-se com olhos calmos e astutos; um leve sorriso levantou os cantos dos lábios dela, sem rejeitar o interesse de Ty.

- Ty matriculou-se na faculdade daqui. Acho que comentei isso com você - interpôs secamente E. J. Dyson.

- Recordo-me de que você estava ocupado tentando obter a admissão na universidade do filho de alguém. - Ela meneou timidamente os ombros, que brilhavam dourados, sob a luminosidade pálida do sol. com um leve puxão, escorregou a mão, soltando-a do aperto de mão do rapaz, provocando-o com um olhar por tê-la retido durante muito tempo. Ty limitou-se a sorrir, procurando deixar claro sentir-se atraído por ela... mais do que atraído, ele estava fascinado. - Papai tem negócios com tantas pessoas que acabo confundindo quem é quem.

- Com exceção dos Calder? - Ty fez uma zombaria suave usando a frase proferida por ela, demarcando sua família como algo separado.

- As histórias que papai conta sobre a fazenda de vocês... aposto que quase todas não são verdadeiras. - A voz dela possuía um acento sulista elegante, bem diferente da fala arrastada, estridente e fanhosa de Dyson. Ty poderia ouvi-la falar a noite inteira. - É verdade que seu pai é dono de uma fazenda quase tão grande quanto Rhode Island?

- Mais ou menos isso.

- Você vai ter de falar sobre isso depois - declarou, dando o braço ao pai e sorrindo para ele. - Para que eu possa comparar as versões e descobrir quem está inventando contos de fadas.

Ela pareceu esquecer Ty por completo enquanto o trio caminhava em direção ao Cadillac prateado. Tara Lee sorriu para os homens que estavam colocando a bagagem na mala do carro, e Ty percebeu o modo como eles se derretiam para respondê-la. Era vagamente irritante.

- Vejo que Tara Lee convenceu-o a deixá-la dirigir o carro - disse Dyson para o sócio, George Stricklin, que aguardava no Cadillac.

- É - admitiu ele. Tara era uma das fraquezas emocionais que Stricklin se permitia ter. Desde o primeiro momento em que a vira, ainda adolescente, ela lhe fizera lembrar a boneca chinesa que sua mãe deixava guardada na cristaleira. Era um objeto para ser olhado e admirado, mas não tocado. Ele devotava a Tara a mesma adoração distante.

Após matricular-se nas cadeiras de maior interesse, como ciência da agricultura e administração animal e, em menor grau, administração comercial, Ty inscreveu-se em grande número de matérias. Durante a primeira semana de aulas, tentou descobrir em qual associação de garotas Tara Lee Dyson se havia inscrito antes de optar ele mesmo por alguma associação estudantil. Na época dos trotes que acompanharam sua iniciação na associação, Ty já estava craque em suportá-los. Sua única outra atividade extracurricular era o time de rodeio da faculdade.

Uma vez passado o período inicial de adaptação, com Ty bem acomodado à rotina da vida universitária, o primeiro semestre pareceu voar. Apesar dos dois finais de semana passados em casa dos Dyson e a interação de suas respectivas associações de rapazes e moças, Ty passou pouco tempo com Tara. com sua aparência e personalidade, logo no primeiro semestre ela se tornara uma das garotas mais populares do campus. A disputa por sua atenção era das mais encarniçadas.

A associação de Ty promovera uma festa de Natal no final de semana anterior ao início das férias. Durante a maior parte da noite, Ty foi forçado a assistir a Tara rindo e dançando com outros. Por duas vezes, ele tentara chamá-la para dançar, e em ambas alguém se aproveitara de sua qualidade de calouro e se adiantara. A frustração do rapaz já estava chegando a um nível intolerável, quando finalmente surgiu uma oportunidade. Tara tinha acabado de sair do banheiro de senhoras e ia juntar-se aos outros. Ty interceptou-a antes que algum dos companheiros da associação percebesse, tirando-a do salão e levando-a para o pequeno caramanchão sob as escadas.

- Ty Calder, por que você me trouxe para cá? - Seus olhos anulavam o débil protesto que suas palavras continham, mostrando ao rapaz que ela sabia o motivo.

- Em que outro lugar eu conseguiria ficar cinco minutos sozinho com você sem que alguém nos interrompesse? - contra-atacou veemente, a beleza da garota excitando toda a crueza do seu desejo.

- Papai ficou especulando se você pretende ir lá em casa este fim de semana, antes de seguir para a fazenda - murmurou ela.

O banco não era muito cómodo, mas era o único assento disponível.

Ela sentou-se de lado, de frente para ele, os ombros apoiados na dobra do banco. Sua posição mantinha-o à distância, somente os joelhos se tocando quando Ty inclinou-se em direção à garota, uma das mãos espalmada sobre a almofada forrada de couro, próxima ao quadril de Tara. A luminosidade dourada favorecia o brilho de ébano de seus cabelos e a delicadeza cremosa de sua pele. Os lábios eram cor de cereja e refletiam um convite silencioso que penetrava até as entranhas do rapaz.

- Você vai estar lá? - O desejo transparecia na voz de Ty e ele nem se deu ao trabalho de ocultar que sua decisão dependia da presença da garota.

- vou estar lá durante uma parte do tempo, é claro, mas recebi convites para no mínimo uma dúzia de festas. - O calendário social dela parecia sempre completo. Ty não estava bem certo se gostava do turbilhão social que tomava-lhe grande parte do tempo, trocando de acompanhante com frequência. Consolava-o saber que ela não tinha namorado firme, mas sentia-se frustrado por não ter a oportunidade de modificar a situação.

- Tenho um trabalho final para terminar, portanto é melhor você não contar comigo. - Procurou um brilho de desapontamento, qualquer coisa que o encorajasse.

- vou avisar meu pai - replicou Tara tranquilamente, não lhe proporcionando a satisfação que esperava.

Ondas de riso chegaram até o caramanchão, quebrando a intimidade da atmosfera.

- Vamos sair daqui. - Colocou a mão sobre o joelho da garota, acariciando-o sob a saia de lã cor de cereja. - Vamos para algum lugar calmo onde possamos falar. Esta noite não consegui nem cinco minutos com você.

Tara lançou um olhar sombrio na direção dos ruídos, voltando-se em seguida para Ty.

- É uma ótima ideia, só que prometi a Ed Bruce voltar à associação com ele - desculpou-se sorrindo. - Quem sabe, outro dia?

- Você sempre diz a mesma coisa. - A frustração endureceu-lhe a mandíbula. - Fico pensando quando este dia vai chegar. Diga a Bruce que mudou de ideia e vai voltar comigo.

- Não - recusou ela, afastando a mão de Ty de seu joelho. - Não tenho culpa se ele me convidou primeiro, portanto não seja rude só porque aceitei. Ninguém me diz o que devo fazer, Ty Calder, nem mesmo meu pai.

Levantou-se com um movimento escorregadio, marcantemente atraente. Um segundo depois, Ty ficou de pé, finalmente próximo a ela. O aroma perfumado do corpo da garota estimulou os sentidos já suficientemente despertos de Ty, aquela beleza natural tocando fundo sua alma. Pousou a mão na cintura, impedindo-a de afastar-se. Elevou-se acima daquele corpo delgado, olhando-a com todo o apetite de um homem jovem.

Apesar das palavras e atitude, Tara não parecia zangada com ele. Estava simplesmente estabelecendo as regras do jogo. Ninguém iria ditar-lhe ordens ou controlá-la - ou mesmo limitar o número de amigos do sexo masculino. Ela não queria conquistas, mas sim a liberdade de estar com quem lhe aprouvesse, quando bem quisesse.

- Diabos, só quero ver você e nunca consigo. - As cordas vocais vibravam de frustração. Antes, ele não quisera juntar-se à fila de namorados. Queria-a toda para si, mas naquele momento Ty estava tão desesperado que aceitaria qualquer coisa que lhe desse o prazer da companhia de Tara.

A expressão da garota suavizou-se, quase fazendo-o gemer alto.

- Ninguém me convidou para o primeiro jogo de basquete após o Ano-Novo.

- Quer ir comigo? - indagou Ty, aproximando-se mais.

- Quero. - Os olhos escuros brilharam promissores, eliminando os últimos vestígios de controle do rapaz.

Apertando-lhe a cintura com mais força, trouxe-a para junto dele, enquanto com a outra mão ia acariciando os cabelos e a nuca da garota. Não queria ser rude, mas a pressão da boca do rapaz sobre os lábios quentes e curvos de Tara acabou sendo exigente e violenta.

Um arrepio de triunfo percorreu-o, ao sentir o gosto breve de uma resposta. Queria mais e tentou consegui-lo, deparando com uma resistência determinada. Ela colocou as mãos contra seu peito, afastando-se.

Ty apressou-se em pedir desculpas.

- Tara, eu... - Ela o silenciou, pousando os dedos sobre seus lábios.

- Meu pai devia ter me prevenido a seu respeito - ela sussurrou, fitando-o com uma consciência não demonstrada anteriormente. Ty poderia ter aproveitado esta chance e tê-la novamente nos braços, mas ela escorregou para longe de seu abraço com uma rapidez que negava sua aceitação anterior. - Não quero precipitar-me, Ty Calder, portanto vamos voltar para a festa.

Puxou-o pela mão, retornando à sala lotada e barulhenta. Não era o calor daquela mão o que ele queria sentir, mas sim o fervor do corpo e o frescor dos lábios junto aos seus. Um beijo apenas não seria suficiente para satisfazer um apetite que se tornara voraz. Só o fato de estar com ela já despertava seus sentidos, e nenhum alívio era oferecido a seus desejos mais íntimos.

A porta frontal da associação balançava aberta, ajudada pelas rajadas frias do vento que revoluteava os enfeites prateados da árvore de Natal, balançando os ornamentos coloridos. Dois de seus companheiros de associação vinham bufando do interior do salão, cada um carregando um engradado de cerveja sobre os ombros.

- Feche a porta - gritou alguém, protesto endossado pelos demais.

- Chegou o maldito vento Norte!

Jack Springer, um dos carregadores da cerveja, fechou a porta com um chute. Assim como Ty, Jack era novato. Vento Norte era o termo aplicado às correntes frias que invadiam as planícies do Texas com lufadas que baixavam a temperatura, resfriando o ambiente.

- É, e isso é culpa de Montana - censurou Willie Atkins, olhando para Ty, apelidado Montana pela maioria dos companheiros sulistas. Você deve ter deixado algum portão aberto quando veio para cá no último outono. - O olhar perpassou Ty, iluminando-se ao pousar na garota de trança negra que estava com o amigo. Ele tirou o engradado de cerveja de sobre os ombros, empurrando-o para Ty. - Só por isso você vai perder o direito à sua acompanhante pelo resto da noite.

Instintivamente, Ty agarrou o engradado de cerveja em lata. com isso, soltou a mão de Tara. Willie Atkins imediatamente arrebatou-a, valsando exageradamente, o que a fez rir.

Ty ficou vendo-os se afastar, os dentes trincados enrijecendo a mandíbula. Como novato, ele não podia protestar contra seu veterano companheiro de associação. Ainda assim, ficara furioso com a disposição de Tara a ir com Atkins, sem qualquer pesar além de um sorriso descuidado e um vago menear de ombros em sua direção.

Não era a primeira vez que o tratava daquela maneira, e o comportamento dela o desagradava a cada vez. O que mais o irritava era não ter direitos sobre ela. Não era sua namorada nem tampouco lhe dera esperanças de vir a sê-lo. Seu ego estava machucado e seu corpo suportava uma grande dor física.

- Você pretende ficar segurando esta caixa de cerveja a noite toda, Montana? - repreendeu-o Jack Springer, da porta de entrada do salão.

- O pessoal aqui está com sede.

Impelido à ação, Ty ajeitou melhor o engradado e seguiu o filho magrinho de um fazendeiro de alguma colina no Texas até o salão lotado. Mal havia pousado o engradado sobre a mesa de bebidas, alguém arrancou uma lata de cerveja de sua mão. Ty engoliu em seco, dirigindo-se para um espaço vazio, apoiando-se em uma parede lateral.

Apesar de muitos pares já estarem formados com o avançar da hora, muitos rapazes e moças ainda não haviam arranjado parceiros para aquela noite. O número de candidatos à atenção exclusiva de Tara diminuiu, mesmo assim, Ty estava perfeitamente consciente de que ela se encontrava entre aqueles que já tinham par.

Seu cotovelo foi projetado, fazendo-o derramar a cerveja. Ty conseguiu evitar que esta respingasse nele, indo salpicar o tapete já manchado.

- Opa, desculpe. - Ty não ligou para o incidente, mal concedendo um olhar para a garota rechonchuda com cabelos louros oxigenados habilidosamente descolorados.

Só que ela se aproximou, forçando-o a dar-lhe atenção.

- Ouvi falar de você - ela declarou com um olhar de soslaio. - Você não é o Ty Calder?

- Sou. - Analisou-a distraidamente, percebendo as roupas e jóias de aspecto caro.

- Seu pai é dono de alguma fazenda no Norte - ela fingiu lembrar a informação.

- Em Montana. - O sorriso sem graça revelava um traço de ironia. O esbarrão fora somente uma desculpa para conhecê-lo, não um acidente.

Provavelmente ela o analisara de cima a baixo antes de aproximar-se.

- Montana, isso mesmo - assentiu a garota, continuando a sorrir para ele como uma pantera, toda felina e sexy. - Acho que posso considerálo um vaqueiro. Sempre gostei muito de vaqueiros. Eles são bem naturais.

- É mesmo? - A resposta lacónica só fez acentuar o sorriso da loura.

- Você não devia ficar aí bebendo sozinho. Eu me chamo Dott. Apoiou-se contra a parede, tocando-o com o ombro, enquanto o seio protuberante roçava a manga da camisa de Ty.

Neste momento, Ty percebeu Tara sendo levada para um ponto escuro do salão, onde havia uns poucos casais embalados ao som de uma música lenta. Uma sensação diferente revirou-lhe as entranhas ao vê-la ser abraçada pelo parrudo S,chroeder.

- Vamos dançar. - Pegou a loura pela cintura, carregando-a para a pista de danças. Deixaram as latas de cerveja na primeira mesa por que passaram.

Tentando acalmar a dor de seu desejo, puxara a curvilínea Dott para bem junto de si - e também um pouco para mostrar a Tara que havia outras garotas disponíveis. Enquanto seus pés seguiam mecanicamente o ritmo da música, a loura platinada tomou a iniciativa, aconchegando-se mais aos músculos do pescoço do rapaz. com toda aquela paixão que o devorava exigindo algum alívio, Ty não demorou muito a esquecer Tara, aceitando o longo e exigente beijo de seu par.

As mãos de Ty puxaram-na mais para perto, pressionando-a contra seus quadris. Tentando respirar, afastou-se um milímetro dos lábios da garota.

- Qual é mesmo o seu nome? Pat? - Naquele momento, ele não estava ligando a mínima para ela. Só queria obter a satisfação prometida pelo corpo da loura.

- Dott. - Os lábios úmidos e brilhantes separaram-se levemente, esperando que ele os tomasse entre os seus.

- Vamos sair daqui, Dott. - Sentia a língua espessa e a garganta seca.

- Como quiser, vaqueiro.

Ao vê-lo sair com a loura rechonchuda pendurada em seu braço, Tara ferveu de ódio. A reputação de Dott MacElroy era bem conhecida; afinal de contas, ela pertencia à associação e participava da mesma esfera social de Tara. Não a surpreendia ver os dois juntos. Lembrava-se muito bem do olhar ávido de Ty. Em parte por isso mantivera-se longe dele. Ele a excitava mais do que a maioria dos homens.

Sob certos aspectos, sua criação fora bastante severa. Este era o primeiro gosto de liberdade, e ela pretendia saborear cada minuto dos quatro anos de faculdade. Na quantidade, residia a segurança contra relacionamentos sérios e possessivos. Quando necessário, conseguia ser tão cruel e determinada quanto seu pai, assim decidira que Ty não seria mais do que um dos inúmeros namorados.

Sabia que o excitara sexualmente, jogando-o nos braços de Dott MacElroy. Isto não a preocupava. No entanto, afrontava-a a crueza de Ty, demonstrando tão espalhafatosamente suas intenções. Um cavalheiro teria encontrado Dott em algum outro local, em vez de se deixar ver saindo da festa com ela. Todo mundo sabia que Dott só não era chamada de prostituta em razão do petróleo MacElroy. Considerando os comentários de seu pai sobre o primitivismo das atitudes dos Calder em certas ocasiões, ela deveria ter previsto tal comportamento por parte de Ty.

Provavelmente não o veria até o fim das férias de Natal, já que ele não os visitaria no próximo fim de semana. Portanto, tratou de esquecê-lo. Uma mulher possuía muitas maneiras de demonstrar seu desagrado, e Tara conhecia-as todas muito bem.

Durante as férias, Ty não percebeu mudanças na fazenda, exceto sua irmãzinha. O vocabulário dela aumentara, tornando-se assim bastante faladeira. Crescera um pouco e perdera aquele ar de bebé rechonchudo.

Ao contrário, era como se ele estivesse vindo do colégio e não da faculdade. Todos os dias, o pai tinha uma lista de tarefas para ele na fazenda. Após o inverno ameno no Texas, levara uns dois dias para adaptar-se ao frio agudo de Montana.

Não fora recebido efusivamente nem tampouco pareciam haver sentido sua falta - exceto sua mãe, o que Ty já esperava. Mas era em relação ao pai que nutria maiores expectativas. Quatro meses na faculdade não haviam mudado nada.

Talvez fosse esta a causa da depressão em que mergulhara, considerou Ty. Estava esparramado no grande sofá diante da lareira, rodando lentamente um cálice pequeno de conhaque entre as mãos. Ou talvez fosse a imensa pilha de presentes de Natal sob a árvore na sala de estar, um pinheiro longo e pontudo cortado e trazido das montanhas situadas no extremo da propriedade dos Calder. Finalmente, a pequena Cathleen já estava grande o suficiente para compreender o significado do Natal e de Papai Noel. Praticamente todos os presentes sob a árvore eram para ela, graças a uma grande loja de brinquedos que o pai possuía em Denver. Sua mãe rira e contara a Ty tudo sobre o assunto quando ele percebera o número de presentes junto à árvore.

Esfregou a testa com a mão. Todas as comemorações das férias pareciam ser para Cathleen, e ele se sentia magoado com aquilo. Fora ele que estivera longe, mas nenhum novilho gordo fora sacrificado por ocasião de seu retorno. Maldição, ela não sabia a sorte que tinha por estar sendo criada naquelas redondezas - fazer parte desde o começo. Ele não tivera o mesmo início. Ao contrário, viera para a fazenda quando adolescente, completamente inexperiente quanto ao jeito do Oeste e de seus habitantes. Desde então lutara para progredir, e preocupava-o a possibilidade de jamais tornar-se um deles. Às vezes não conseguia deixar de invejar a irmã. Tivera mais facilidade do que ele.

Ao abaixar a mão, seu olhar repousava sobre o telefone. Talvez a melancolia que estava sentindo não fosse causada por nada daquilo. Talvez fosse Tara Lee. Só Deus sabia como a imagem dela o perseguia, o pensamento torturando-o com lembranças muito vívidas da beleza, orgulho e força que demonstrava possuir. Ty não queria estar com ela no Texas, mas estava desgraçadamente seguro de querê-la ali com ele.

A festa na Associação não terminara bem. Apesar de haver obtido a gratificação sexual que sua carne suplicava, a experiência o deixara com um sabor amargo na boca. Era Tara que ele desejava, e ficara irritado por contentar-se com menos. De alguma maneira o que acontecera parecia haver vulgarizado seus sentimentos em relação a ela. Se ao menos ele pudesse explicar, talvez as coisas melhorassem um pouco. A lembrança da voz arrastada, educada e suave de Tara acentuava a ânsia que sentia.

Levantou-se do sofá e dirigiu-se para o telefone preto sobre a mesa. com o fone em uma das mãos, começou a discar o número da telefonista, hesitando em seguida. O barulho de passos aproximando-se fê-lo decidirse, recolocando carrancudo o fone no gancho.

- Ah, você está aí, Ty. Pensei encontrá-lo lá em cima - exclamou a mãe, entrando. - Estávamos esperando você descer para abrirmos os presentes. - Ao virar-se para olhá-lo, ela percebeu a mão do filho pousada no telefone. - Desculpe. Você estava no telefone?

- Não. - A negativa imediata soou falsa. - Ia telefonar para uma pessoa, mas mudei de ideia. - Pegou o cálice de conhaque e engoliu o conteúdo, inflável, estudando os próprios movimentos.

Poucos motivos seriam capazes de ocasionar aquele ar preocupado no rosto de alguém. A curiosidade materna de Maggie acendeu-se quanto às razões.

- É uma garota?

Ty levantou a cabeça, desconfiado e arredio, então um sorriso repentino retorceu seu rosto.

- É, sim.

- Se você estava pensando em telefonar para ela na noite de Natal, é porque deve ser muito especial. - Maggie sentiu uma pontada de apreensão, misturada com um certo divertimento.

- E é mesmo. - O sorriso perdeu sua aspereza, tornando-se aconchegante e suave. Um sopro de determinação perpassou-o. - Para falar a verdade, vou me casar com ela.

- O quê? - enrijeceu-se Maggie em vago alarme.

- Não se preocupe, mãe. - Ty sorriu docemente. - Não vai ser logo. Nós dois temos de terminar a faculdade.

- Qual é o nome dela? - Ele não mencionara qualquer namorada firme em suas cartas. É certo que suas cartas haviam sido poucas e espaçadas, típicas epístolas curtas. - Suponho que seja alguma daquelas belezas do Texas de que E.J. está sempre se vangloriando.

- É verdade - admitiu, sem dizer à mãe que a garota era filha de E. J. Dyson. Terminou de beber o resto do conhaque, colocou o copo sobre a mesa e cruzou a sala, envolvendo com o braço os ombros da mãe.

- Sabe que ela é do seu tamanho? Os cabelos também são escuros. Os olhos são castanhos, quase negros... não verdes como os seus. Ela é tão bonita quanto você.

- Nesta última parte eu não acredito. - Ela riu, finalmente à vontade com os comentários lisonjeiros do filho. Ele os pronunciara com naturalidade. Mesmo assim, era difícil para ela considerá-lo homem feito. Ele sempre seria seu filho, provavelmente o veria como um garotinho para sempre. com o olhar materno atento aos detalhes, como a sujeira atrás das orelhas, Maggie esticou-se para ajeitar as pontas dos cabelos negros do pescoço do garoto, onde a gola da camisa os levantara. - Você precisa cortar o cabelo.

- Está na moda, mãe - assegurou ele com uma piscadela de cumplicidade. - Alguns dos caras do campus usam o cabelo na altura dos ombros.

- É melhor você não vir para casa com os cabelos neste comprimento, ou seu pai vai ter um ataque do coração. - Era uma brincadeira, mas nenhum dos dois sorriu. Ambos sabiam que aquilo só serviria para endurecer os preconceitos paternos contra a faculdade.

- Por falar no papai - Ty mudou de assunto com habilidade -, é melhor irmos para a sala de estar antes que ele e Cathleen comecem a abrir os presentes sem nós.

O ferro de marcar, com uma área central vermelha, mostrava a letra C incandescente. Mesmo de luvas, Jessy sentia a quentura percorrendo o ferro e alcançando suas mãos. Mas ela já estava acostumada - assim como se habituara à poeira sufocante, às imprecações e à confusão de cavaleiros e animais. Já participara de inúmeros rodeios no decorrer de sua jovem vida para que estranhasse o que quer que fosse.

O flanco vermelho-cinzento do novilho Hereford estava exposto ao ferro. Existia um truque para fazer uma marca nítida. Jessy aprendera o macete há dois anos, e agora já manejava o ferro como especialista. O pêlo chiava com a quentura, deixando um cheiro forte no ar já impregnado com o odor de estrume, sangue e suor. Ela não piscava um olho sequer.

Pressionou o ferro incandescente com firmeza sobre o lombo do animal, não demasiado profundo a ponto de ferir a carne, mas fundo o suficiente para queimar uma marca bem-delineada no couro do novilho. Se não aprofundasse o suficiente, o pêlo voltaria a crescer e encobriria a marca. Repetiu o ato mais duas vezes, de modo a colocar três cês no flanco do novilho. Deu um passo para trás, fazendo um sinal para o homem que estava segurando o novilho apavorado.

- Pode soltá-lo - disse ela.

com o passo apressado, Jessy encaminhou-se para a serralheria, desviando-se de cavalos, cavaleiros e laços sendo lançados, bem como de outros membros da equipe da fazenda. Quando chegou à serralheria, colocou o ferro no carvão fervendo para reaquecimento e pegou um outro ferro incandescente.

Membros da equipe convergiram para o local onde os novilhos estavam sendo laçados aos berros e aos pinotes, cada um deles com sua tarefa. Um homem pegava o novilho pelos flancos e o jogava no chão enquanto um outro agarrava-o pelas orelhas e um terceiro espetava-o com uma agulha de vacinação e castrava os novilhos de touros. Por fim, marcavam-no a ferro. Eles trabalhavam com eficiência e destreza, colocando o bezerro a seus pés antes mesmo que ele se recobrasse do terror de haver sido meio estrangulado pelo laço em volta do pescoço.

O número de novilhos parecia infinito quando Jessy passou para o seguinte. Um filhote de touro pesadão estava dando trabalho aos homens, escoiceando e recusando-se a ser deitado esticado. Em respeito aos ouvidos supostamente sensíveis de Jessy, a maior parte dos xingamentos era proferida em voz baixa, embora há muito tempo já tivesse escutado todos os palavrões imagináveis e usasse alguns ela mesma, não na frente do pai. Aquela seria a maneira mais certa de ser expulsa de casa, e Jessy amava o trabalho na fazenda, não importando o esforço físico que fosse necessário despender.

Ela ficou para trás, de pé, esperando até que os demais terminassem suas tarefas e aprontassem tudo para ela manejar o ferro. Escutava distraída a conversa dos homens, interrompida por grunhidos de esforço e xingamentos abafados.

- Ouvi dizer que Ty vai chegar no mês que vem - afirmou um deles, xingando o novilho quando este lhe deu um coice na canela. Ao ouvir o nome de Ty, Jessy era toda ouvidos. com treze anos, já estava na idade de pensar em garotos, repousando em Ty a escolha ideal, já que era mais velho e de uma beleza rude - e ausente, o que permitia à garota inventar pequenas fantasias a seu respeito. As ideias dela sobre romantismo coloriam-se naturalmente de acordo com sua personalidade. Imaginava ela e Ty cavalgando pelo pasto e trabalhando juntos com o gado. Ele se impressionaria com a habilidade dela. Até então, seus sonhos não haviam levado a garota além do dar as mãos e pequenos beijos rápidos e castos.

- Vem para casa no verão, né? - Lês Brewster agarrou uma orelha vermelha e colocou a marca no lugar. Jessy percebeu o assentimento dado pelo primeiro.

Na outra extremidade do novilho, uma faca para castração estava sendo usada.

- Ouvi dizer que ele deixou o cabelo crescer. - Ele não afastou os olhos de sua tarefa enquanto fazia uma incisão para remoção dos testículos. - Vai voltar parecendo Jesus Cristo.

- Ty não ia fazer isso - Jessy protestou perplexa.

- Por que não? - interpôs Lês. - Está me parecendo que a faculdade lhe deu umas ideias meio arrogantes. Vamos ver se ele está precisando de um corte de cabelo quando ele chegar em casa. - Ele desviou o olhar do novilho, uma faca ensanguentada na mão, encarando Jessy com dureza.

- Você vai ficar aí parada ou vai colocar o ferro neste novilho?

Normalmente ninguém dizia a ela o que fazer ou quando fazê-lo. Ela enrubesceu um pouco com a crítica subjacente, aplicando o ferro com rapidez.

À noite, em casa, Jessy escreveu uma pequena carta para Ty, contando sobre a marcação a ferro da primavera na sucursal Sul. Assim que terminou as amabilidades, inquiriu-o bruscamente se deixara o cabelo crescer, alertando-o contra tal besteira. Telefonou para a casa-grande e pegou o endereço, colocando a carta em um envelope e enviando-a quando voltou para a escola na segunda-feira.

Ao ler a carta de Jessy, Ty ficou rindo sozinho. Era típico da garota passar pelos mexericos e ir direto às fontes para descobrir as respostas. Duvidava que um dia houvesse passado pela cabeça da garota que estivesse sendo intrometida e metendo-se com o que não lhe dizia respeito.

Após ler toda a carta, dobrou-a, colocando-a no bolso da calça, prometendo a si mesmo procurá-la quando voltasse para casa. O conteúdo da carta transportara-o de momentos do calor de uma tarde de maio no Texas para a primavera fria de Montana, a excitação e algazarra da época de marcar o gado. Esqueceu o suor em sua pele ao passar os dedos pelos cabelos, medindo-os distraído. Uma buzina soou bem à esquerda, trazendo seus pensamentos subitamente de volta ao presente. Um carro esporte conversível estacionara ao lado do meio-fio. Tara estava ao volante, vestida com um elegante uniforme branco de ténis, uma faixa branca mantendo os cabelos longe de seu rosto oval. O sangue de Ty acelerou-se nas veias enquanto, evitando a calçada, atravessou a grama em direção ao carro, detendo-se no meio-fio.

- Entre aqui. - Presenteou-o com um de seus meio-sorrisos provocantes.

Ty saltou agilmente por cima da porta, acomodando seu corpo comprido no assento ao lado dela. O carro afastou-se suavemente do meio-fio, em direção ao sinal da rua do campus. Ty ficou analisando o perfil e a perfeição dos traços de Tara, o que nunca se cansava de fazer.

- Você estava absorto em seus pensamentos quando cheguei. - A observação era quase uma repreensão por não tê-la percebido antes de buzinar.

- Estava decidindo se estou precisando cortar o cabelo.

O olhar dela percorreu os cabelos negros de Ty, desordenados com a brisa soprando por sobre o vidro dianteiro do carro.

- Eu gosto assim.

Ele percebera o traje sumário e as pernas nuas, bronzeadas e bem-feitas de Tara.

- Vai jogar ténis? - adivinhou ele, percebendo ao mesmo tempo como ela parecia bem-disposta e vivaz.

- Eu e Roger Mathison vamos fazer parceria no jogo de duplas às quatro horas - admitiu ela, com considerável autocontrole. - Você está indo para a biblioteca ou para a associação?

- Para a biblioteca. - Ajeitou o caderno espiral no colo, olhando fixo para frente, não demonstrando qualquer reação diante da afirmação de Tara de que tinha um encontro com outro homem.

Nada mudara entre eles, não da maneira como ele esperava. Se tivesse sorte, ele conseguiria encontrar-se com ela uma ou duas vezes por mês. Neste meio tempo, ela saía com outros enquanto ele satisfazia suas necessidades básicas com uma fila de garotas sem importância. Tara tornara-se mais conhecida no campus de Austin, acirrando-se a disputa pelas atenções da garota. Um encontro com ela transformara-se em prémio que os rapazes disputavam encarniçadamente. Ty perdera a conta do número de rivais. Alguns vinham e iam, especialmente os que tentavam dominá-la e exigir maior atenção - fato que Ty logo observara. Assim, ele engolira o orgulho e tornara-se um dos habituais.

- Você tem planos para o verão? - ele perguntou.

- Nada específico. - Balançou os ombros.

- Seu pai geralmente faz uma ou duas viagens a Montana durante o verão. Por que você não vai com ele? - Seria uma oportunidade de tê-la só para ele, sem competição.

- Vamos ver.

Ele não a pressionou para obter uma resposta definitiva quando ela parou o carro em frente à biblioteca da universidade. Em vez de abrir a porta, Ty virou-se um pouco no assento, ficando de frente para ela, o braço estendido sobre o encosto.

Colocou a mão em concha no pescoço da garota, puxando-a para mais perto enquanto se inclinava em direção a ela. Havia uma certa passividade na maneira com que ela se deixava aproximar, passividade que chegava à indiferença. Mas Tara inclinou a cabeça à espera do beijo, demonstrando que também queria. com isso conseguiu seu intento, o de excitá-lo.

Ty lutava para controlar seus impulsos enquanto a beijava; no entanto, a paixão inundou-o. Ela correspondeu, ainda que mantendo alguma reserva, sem deixá-lo obter tudo o que queria. Impaciente, ele se afastou um pouco, percebendo a veia azulada pulsando no pescoço da garota, mesmo enquanto sorria tão calmamente.

- Vá para Montana neste verão, pelo menos um fim de semana ele insistiu. - Seria uma eternidade até setembro.

Ela correu um dedo sobre seus lábios, um lampejo quase sorridente acendendo-se em seus olhos escuros.

- É muito cedo para fazer planos para o verão - repreendeu-o brincando. - O semestre ainda nem terminou. Agora saia, ou vou me atrasar para o encontro com Roger. - Enquanto Ty saltava relutante do carro, ela soprou um beijo descuidado e acelerou.

Naquele verão, Tara não o visitou na fazenda. Em três ocasiões diferentes, E. J. Dyson e seu sócio, Stricklin, voaram até a Triplo C, mas ela não os acompanhou como poderia facilmente ter feito.

Ty telefonou-lhe duas vezes, renovando o convite. Não fosse o trabalho pesado que o sobrecarregava e o deixava cansado demais para pensar, teria ficado maluco, imaginando o que ela estaria fazendo e com quem.

Novamente os empregados da fazenda zombaram de Ty, querendo saber o que ele aprendera na faculdade. No começo do verão, alguns dos veteranos retraíram-se um pouco em relação a ele, designando-lhe os piores trabalhos, para saber se a faculdade o tornara bom demais para tal tipo de tarefa. No final, foi novamente aceito.

Ty só foi designado para trabalhar na sucursal Sul da fazenda na metade do verão, encontrando-se por acaso com Jessy Niles, com quase quatorze anos, alta e ainda desengonçada. Àquela altura, já esquecera a carta que ela lhe escrevera.

O mata-burrão vibrava sob as rodas do carro que se dirigia à fronteira Leste da fazenda Triplo C. O portão Leste consistia de uma estrutura despretensiosa com dois postes altos sustentando uma placa descorada pelo sol, que ficara pendurada sobre a estrada. Na inscrição lia-se simplesmente: The Calder Cattle Company, com a marca Triplo C escavada na madeira. Não havia nada à vista exceto as altas planícies desertas, ondas douradas de relva taluda. Ainda faltavam uns setenta quilómetros antes que os prédios principais da sede da fazenda começassem a ser vistos.

Fazia-se um profundo silêncio de meditação no interior do carro. Os pensamentos de Maggie estavam voltados para a despedida no aeroporto. Quando Ty se foi para seu primeiro ano na faculdade, ela ficara contente por ele. Mas nesta segunda vez, estava mais difícil. Não lhe agradava separar-se dele, apesar de Ty retornar sempre que havia uma oportunidade.

- Gostaria que Ty estudasse em uma faculdade mais perto de casa.

- Ela enunciou seu desejo em voz alta.

- Se você tivesse me ouvido, ele estaria estudando - rebateu Chase.

- Mas não, você insistiu para que Ty fizesse sua própria escolha.

- Eu sei. - A resposta veio seca, não o encorajando a discutir mais aquele assunto. Já houvera muita briga sobre o problema da faculdade.

- Então pare de reclamar. - Ele não desviava a atenção da estrada da fazenda.

- Eu não estava reclamando - retorquiu Maggie. - Só estava enunciando um desejo.

- bom, eu queria muito que ele não tivesse ido para a faculdade. Chase despejou as palavras zangado.

- Você já deixou bem clara a sua opinião em outras ocasiões.

- Bolas, isso é perda de tempo. - Bateu com a mão no volante. Se ele quisesse ser engenheiro, professor, médico, tudo bem, o estudo seria valioso para ele. Mas ele quer ser fazendeiro, droga! Ele me disse isso!

E a melhor maneira de se aprender o trabalho na fazenda é através de experiência prática.

- Por quê? Só porque foi assim que você aprendeu? Quer dizer que esta é a única maneira? - Ela se opôs, em um arroubo genioso. Sabendo como era inútil discutir com ele, Maggie aprumou-se no assento e cruzou os braços, altiva. - Você não está raciocinando, Chase! - disse ela, retesando-se. - Quando você está envolvido, existe a maneira certa e a errada... e a sua maneira. E se não for a sua forma, então naturalmente tudo estará errado.

- Uma coisa é certa: o meu jeito funciona. - Era uma resposta áspera e decisiva.

Os últimos quarenta quilómetros foram ultrapassados em silêncio constrangedor. Chase preferia que o assunto não tivesse vindo à baila. Ele não conseguia explicar a Maggie o quanto desejava estar errado. Falar sobre aquilo aumentava a tensão entre eles, em vez de diminuí-la. Ela sempre discordava dele, sem ceder um milímetro, jamais reconhecendo qualquer validade nas preocupações de Chase. Não entendia que ele precisava de sua compreensão; estava muito ocupada em defender a atitude do filho.

Ele estacionou o carro próximo à escadaria principal da casa-grande, deixando o motor ligado. Maggie abrira a porta de passageiros antes de perceber que ele não ia descer. Ainda pairava no rosto dele uma certa dureza quando ela lhe dirigiu um olhar interrogativo.

- Você não vem?

- Não. - Olhando por sobre ela, Chase viu a filha saindo correndo de casa para saudá-los. - Se eu me atrasar para o jantar, não precisa me esperar. Eu esquento alguma coisa quando voltar.

Embora estivesse zangada demais para perguntar aonde ele ia, Maggie perturbou-se com a atitude do marido. Saiu com o carro assim que ela bateu a porta... sem esperar a filha festejá-lo. Ela não se lembrava de Chase estar tão apressado que não pudesse trocar uma palavra com Cathleen.

- Papai! - exclamou Cathleen, batendo os pés no chão de madeira da varanda num acesso de raiva ao ver que suas lágrimas não o traziam de volta.

Voltando à pista de mão dupla, Chase seguiu até um pequeno aglomerado de prédios dispostos em meio ao nada. Era uma cidade chamada Blue Moon, situada ao lado da estrada em um círculo irregular. Uma casa fora relegada ao abandono, ao crescimento do mato no quintal, com a parede de trás destruída e prestes a desmoronar. A pintura da placa no alto da mercearia e do posto de gasolina estava descascando e quase ilegível, descolorida pelo sol. Dois carros encontravam-se abandonados atrás da construção, sem pneus e enferrujados.

O prédio seguinte parecia em melhores condições, exceto por uma placa arruinada devido ao acúmulo de gelo, além do vento forte. Estava escrito simplesmente Sally's. Chase estacionou o carro em frente, ao lado de duas caminhonetes empoeiradas da fazenda, e entrou.

Metade das mesas estava coberta com toalhas de algodão e a outra metade sem nada. Em um canto do salão, havia uma mesa de sinuca isolada, um vaqueiro debruçado sobre ela, mirando uma bola com o taco. A máquina automática de música tocava uma canção qualquer.

Chase dirigiu-se ao balcão, onde uma mulher de cabelos castanho-avermelhados estava sentada em um banco. Ela sorriu para ele. Um lampejo de ansiedade melancólica acendeu-se por um instante em seus olhos azuis.

- Oi, Chase. - Deslizou do banco, indo para trás do balcão. - O que você vai querer? Cerveja? Uísque? Café?

Ele deu uma olhada para a xícara de café pela metade que ela estava bebendo.

O café não parecia muito forte.

- Uísque com água - pediu, subindo no banco ao lado daquele de onde ela descera.

Ela recusou o dinheiro que ele colocou sobre o balcão quando a bebida chegou.

- O primeiro drinque é por conta da casa.

A boca de Chase retorceu-se em uma careta de remorso.

- Acho que não venho aqui desde que você começou a servir bebidas alcoólicas, não é? - Virou a bebida. A princípio não sentiu nada, mas logo sua garganta começou a pegar fogo.

Ao fitá-la por sob a aba do chapéu, viu que ela o olhava calmamente. Chase não sabia se era o uísque ou a força tranquilizante da presença dela que parecia acalmá-lo. Antes de Maggie voltar para ele, chegara a pensar em casar-se com Sally. A serenidade agradável que a envolvia o reconfortava e tranquilizava.

- Não me agrada nem um pouco a ideia de você tomar conta de um bar, Sally - fez ele, acostumado à força de sua opinião.

- Foi uma decisão puramente profissional - argumentou ela, sem ofender-se, reação que seria típica de Maggie. - Minha clientela consiste principalmente de vaqueiros, e eles bebem muito. Mesmo gostando bastante da minha comida, eles começaram a ir para outros locais. Se eu quisesse manter o bar aberto, não teria outra escolha.

- Avise-me se houver qualquer problema.

Novamente ela ofereceu um sorriso calmo que parecia suavizar as linhas em torno da boca e olhos, tornando-a atraente.

- Às vezes os garotos são meio desordeiros, mas ninguém sai da linha. O lugar se tornou como um segundo lar para grande parte deles. Geralmente tenho muitos defensores à mão, se precisar.

- Imagino que sim. - Abaixou a cabeça e empurrou o copo vazio em direção a ela. - Encha mais um, sente-se e termine seu café.

Desta vez, ele bebericou o uísque aos poucos, enquanto ela se sentava no banco ao lado do dele.

- Como vão as coisas na fazenda?

- Bem. - Chase estudava a bebida marrom-dourada, erguendo o copo para sorver outro gole. - Acabei de levar Ty ao aeroporto.

- Ouvi dizer que ele está indo bem.

- Seria melhor se ele ficasse em casa. - A mão bronzeada apertou o copo, a pele em torno dos ossos mais branca. - Não consigo fazer Maggie compreender, Sally. Desde que ela voltou tudo tem sido melhor. Ela não estava aqui nos períodos difíceis. Não estou falando só sobre a seca. Houve uma época em que as pequenas fazendas do Norte derrubaram as cercas e levaram o gado até nosso pasto... e a disputa para a posse daqueles três mil hectares de terra do governo bem no meio da fazenda. Tem sempre alguma coisa ou alguém. - Chase suspirou fundo.

- Vai dar tudo certo - murmurou Sally.

- Será? - Percorreu o rosto da mulher com o olhar, os cantos da boca levantados em ironia taciturna. - Quero Ty em casa, e Maggie acha que estou sendo egoísta.

- Duas pessoas não concordam em tudo. Sempre existe algo com que você discorda.

Chase suspirou fundo.

- Esta discordância está se tornando um inferno. - Buscou os olhos serenos de Sally. - Você é mulher, Sally. Diga-me como fazê-la entender.

- Foi por isso que você veio aqui? - Seu olhar refletia certo arrependimento e mágoa. - Não sou boa para dar conselhos, Chase.

A boca do homem estreitou-se.

- Não quis incomodar, Sally. Acho que só precisava falar com alguém. - A lembrança estava em seus olhos escuros ao olhar para ela. Pensei em você.

Ela balançou os cabelos avermelhados, em silêncio, fazendo força para falar até que finalmente conseguiu pronunciar as palavras.

- Acho melhor você ir para casa, Chase.

- Tudo bem - assentiu ele, carrancudo, esforçando-se por terminar logo o segundo drinque.

Ao longo do outono e inverno, encontrou inúmeros motivos para ir até Blue Moon.

Todas as vezes ele passava no bar de Sally para trocar uma palavrinha. Não mencionou seus problemas em casa. E continuou dizendo a si mesmo que Sally era somente uma velha amiga.

As lápides antigas estendiam-se em silêncio ordenado. Grandes talos de grania emergiam em volta de suas bases. Havia quietude no velho cemitério, as árvores frondosas estendiam seus galhos protetores sobre os túmulos lascados e gastos pelo tempo.

- Quando me pediu para sair com você esta tarde, eu não sabia que ia me levar a uma excursão por um cemitério velho. - Tara olhava em torno com um misto de susto, curiosidade e desconforto. - Sinto que deveria estar sussurrando.

Ty limitou-se a sorrir, apertando mais a mão dela. Um velho carvalho retorcido se elevava ao lado do caminho à frente deles.

- Por aqui. - Levou Tara em direção ao carvalho.

- Não seria nada mau se você me dissesse o que espera encontrar ela protestou.

Ao lado do tronco grosso de carvalho, Ty deu uma espiada na lápide inclinada, espichando as passadas, ansioso. Era uma tumba simples, sem desenhos entalhados. Anos de exposição à chuva e ao vento, ao calor e ao frio, haviam alisado sua superfície, mas o nome gravado ainda podia ser lido: Seth Calder. Não tinha data e era marcado com os dizeres "Descanse em paz"

- Aqui está - exclamou para Tara, ficando de lado para que ela pudesse ver. - Era meu tetravô.

- Não sabia que você tinha algum parente aqui em Fort Worth. Dissimuladamente, ela desviou os olhos da lápide para analisar o homem alto, em muitos sentidos bem mais amadurecido do que outros de sua idade.

- Nem eu - admitiu Ty. - Não sabia nada sobre ele - indicou a tumba de seu ancestral com a cabeça -, até o último Natal. Papai estava contando a Cathleen a história do primeiro Calder a estabelecer-se em Montana. Ele começou a fazenda com um rebanho de gado que trouxera do Norte do Texas. É sua história favorita. Acho que já escutei meu pai contar esta história para Cathleen pelo menos cem vezes, só que desta vez ela perguntou sobre o pai e a mãe de Benteen Calder e por que eles não vieram para Montana com o filho. Meu pai explicou que Seth Calder morrera poucos meses antes de eles irem para Montana e fora enterrado aqui no Texas.

- E a mulher dele?

- Possivelmente fugiu com algum inglês quando Benteen Calder ainda era garoto. Pelo que papai sabe, nunca se ouviu falar nela desde então. Desde que descobri que existia este velho cemitério em Fort Worth, estava querendo dar um pulo até aqui para procurar o túmulo.

Era difícil explicar esta necessidade de saber mais sobre sua família, uma espécie de busca de identidade. De pé ali na beira do túmulo, olhando para o nome Calder gravado na pedra, Ty sentiu uma proximidade com o passado, um sentimento de congregação. O nome Calder era tanto sua herança como seu futuro.

Tara mexeu-se, um pouco irrequieta, ao lado dele. Retomou a atenção do rapaz para si. Ao baixar os olhos para ela, Ty observou um brilho de impaciência no olhar da garota.

- Acho que isso lhe parece loucura - murmurou ele. Não sabia por que a trouxera consigo, só que aquilo era importante para ele e, sendo importante, queria que ela tomasse parte.

- Não, não acho loucura. - Sabia o que queria que ela dissesse, mas não tinha noção do significado de tudo aquilo para Ty. - Não é estranho querer homenagear um membro da família.

- Não sei muito sobre minha família ou sua história, somente alguns trechos, alguns pedaços - confessou Ty, com um suspiro profundo. Meus pais ficaram separados até eu completar quinze anos. Vivi com minha mãe na Califórnia durante todo este tempo, quer dizer, cresci sem saber os detalhes sobre a família do meu pai da maneira como minha irmãzinha vai saber. Não foi fácil o começo na fazenda. Lutei com todas as forças para integrar-me. - Soltou uma risada curta ao perceber o que dizia. - Acho que, à minha maneira, ainda estou lutando.

- Significa muito para você integrar-se, não? - Lia o olhou, curiosa e inquisitiva. - Talvez seja isso que o torne diferente dos outros. Você parece levar os estudos mais a sério... e todo o resto.

- Você me faz parecer monótono. - O sorriso silencioso ocasionou um efeito estonteante em Tara, acelerando sua respiração. Era perigosamente sensual e desafiador.

- Monótono, não - corrigiu Tara, tentando dar a seu sorriso um aspecto provocante. - Só perigoso.

Ele elevou uma sobrancelha em resposta.

- Perigoso como?

- Não sei se consigo explicar. - Deu de ombros. - A maioria dos caras da faculdade quer aprender, mas estão mais interessados em se divertir. com você é o contrário. Você vai a festas e bebe cerveja com eles, mas não está aqui especialmente para farras. Acho que não é só isso. Tenho a impressão de que você persegue as coisas, até conseguir.

- Como você, por exemplo. - O olhar de Ty mergulhou em Tara com uma intensidade perturbadora.

- Não disse isso - recolheu-se quando ele pareceu aproximar-se mais, mesmo sem mover-se um palmo.

- Mas você sabe que quero você - afirmou calmamente, inspecionando o rosto e as curvas de Tara como se já a estivesse possuindo.

- Nem sempre as pessoas conseguem o que querem - ela contrapôs novamente.

- O que é que você quer, Tara?

- Divertir-me e aproveitar a vida. - Era uma resposta trivial, do tipo adequadamente feminino. No fundo do coração, ela sabia o que verdadeiramente desejava. Era filha de E. J. Dyson, consequentemente crescera rodeada pelo poder. Isto implicava um sentido de satisfação que se tornara um hábito. com sua beleza, ela possuía seu próprio poder, e sabia disso. Na faculdade, começara a exercitar este poder e a testá-lo naqueles que não estavam sob a influência de seu pai, a fim de descobrir sua força potencial.

- E quanto a um lar e uma família? - sugeriu ele.

- Quando chegar a hora. - No momento, seus planos para o futuro eram nebulosos. Acalentava um vago sonho de tornar-se a matriarca dominante de uma família poderosa. - Primeiro vou terminar a universidade. Depois, papai me prometeu um ano na Europa.

- E você vai?

- Claro que vou. - Ela soltou uma gargalhada alegre e musical. As alternativas não são muito atraentes. Simplesmente não consigo me ver arranjando um emprego e trabalhando cinco dias por semana. Logo se tornaria monótono.

- Você poderia se casar. passar um mês na Europa em lua-de-mel - ensaiou Ty.

- Poderia. - Os lábios vermelhos aproximaram-se, convidativos. Tenho a impressão de que papai espera que eu faça um casamento vantajoso algum dia, para que houvesse a junção de duas famílias importantes.

- Seu pai não me parece tão calculista. - E. J.Dyson sempre se mostrara um pai indulgente, procurando realizar todos os caprichos da filha, jamais pressionando-a a seguir este ou aquele caminho. Ty nunca pensara que E. J., ao contrário de seu próprio pai, esperasse que a filha preenchesse um determinado papel.

- Todo pai quer que a filha faça um casamento perfeito e tenha um marido à altura. Não há nada de errado ou mesmo de calculista nisto. Mas ela conhecia o pai suficientemente bem para saber que com ele as coisas não eram assim tão casuais. Ele era esperto o bastante para não impor-lhe regras. Nutria fortes suspeitas de que o pai estava certo do alinhamento final dos desejos de ambos.

Toda aquela conversa sobre casamento entusiasmou-o.

- Você daria uma bela noiva, Tara - sussurrou Ty, estendendo as mãos para acariciar os cabelos negros sedosos. - Posso ver você com um vestido de cetim branco, salpicado de pérolas, e um véu de renda.

Levantou a mão esquerda da garota. No dedo anular havia um topázio, pedra da sorte, circundado de diamantes. Ele cobriu o anel para que pudesse imaginar o diamante que lhe daria. Quando olhou para ela, os pensamentos sobre a cerimónia de casamento imediatamente deram lugar a imagens sobre a noite de núpcias.

- Você vai ser minha, Tara - declarou rudemente. - Mais cedo ou mais tarde você vai ser minha.

Ela começou a rir da afirmativa de Ty, mas ele não fazia pouco-caso dos próprios sentimentos. Envolveu-a em seus braços enquanto cobria seu sorriso com a boca. A intensidade do beijo inclinou-a para trás, arqueando-lhe a coluna e colando os quadris da garota a suas coxas musculosas.

A força do desejo e a dificuldade em obter o que queria o tornou indiferente à resistência das mãos dela. Restou somente a doce sensação dos beijos de Tara, as formas arredondadas desenhando-se em seu peito. O corpo quente excitava-o, e a suavidade de mel dos lábios dela compensavam a relutância em dar uma resposta.

Ty sabia estar levando-a além do ponto em que Tara queria parar, mas era tal sua confiança que sentiu-se capaz de finalmente convencê-la a ceder a seus impulsos. Obrigou-a com as mãos, exigindo uma intimidade maior ao sentir suas nádegas arredondadas e rijas, o busto protuberante e elevado. Sugou o lóbulo da orelha e mordiscou a pele sensível do pescoço e da nuca. Durante todo o tempo estava consciente da respiração descontrolada e ansiosa de Tara e dos ruídos de protesto que ecoavam em sua garganta.

Quando a mão da garota repentinamente fechou a boca do rapaz, interpondo-se contra seus beijos, Ty segurou-a impaciente, tentando afastála. Enquanto crispava os dedos em torno do punho esguio para retirar a mão de Tara, observava aquele rosto excitado e tomado pelo rubor, próximo ao seu. Os olhos luziam escuros com determinação implacável.

- Se você realmente gosta de mim, Ty, pare com isso agora antes que vá longe demais - insistiu, aproveitando a vantagem de ele possuir aquele louco código de honra há muito descoberto por ela. Não tinha escrúpulos em explorar o que considerasse fraqueza.

- Se eu gosto de você? - O tom grave de sua voz repercutia à débil manifestação da fúria apaixonada que desencadearia dentro dele. - Por Deus, Tara. Eu amo você - confessou Ty, quase zangado.

Ela não se enterneceu.

- Não saí com você para ser seduzida em um cemitério. - Colocou as mãos sobre o tórax do rapaz, exigindo distância.

A referência ao local não muito apropriado fê-lo sentir-se desajeitado, grosseiro e primitivo. Ela sempre o fazia sentir-se como um animal concupiscente, conspurcando-a com seus desejos primários. Ty zangou-se instantaneamente consigo mesmo por permitir tal pensamento. Tentara obter dela a submissão com aceitação, portanto era perfeitamente justo condenar a força de vontade para resistir a ele.

- Desculpe. - Deixou-a afastar-se e virou-se, coçando a nuca. Não tenho o direito.

- Ty. - Sentiu o toque da mão dela sobre seu braço. A doçura da voz de Tara e a fragrância de seus cabelos fizeram-no soltar um gemido.

- Não estou zangada com você. Para falar a verdade - em sua voz reverberava uma auto-reprovação divertida -, eu provavelmente ficaria magoada se você não quisesse transar comigo. Ficaria especulando o que eu tinha de errado.

Virando a cabeça para olhá-la, a beleza inacreditável da garota tocou-o mais uma vez. Um arrepio de desejo, quase doloroso, percorreu-o inteiro.

- Não há nada errado com você. - A voz grave saiu meio engasgada pela emoção. - Você é perfeita em tudo. Qualquer homem que não veja isso deve ser cego. - Cobriu a mão delgada sobre seu braço e apertou-a. O olhar refletia uma decisão importante. - Quando disse que a amava, estava sendo sincero, Tara. Quer ir para Montana neste verão? Quero que conheça meus pais. Quero que veja minha casa.

- Tentarei ir - prometeu ela.

- Não tente. Simplesmente vá - insistiu Ty. Só que ela não foi.

Quatro cavaleiros cercaram a última das vacas que estavam sendo conduzidas em direção ao portão aberto. O capim alto ondulava, refletindo a luminosidade dourada do final do verão. Uma vaca retardatária encarava a porteira com desconfiança, ignorando teimosamente os estímulos dos vaqueiros para que a atravessasse.

Ty comandava o cavalo ao lado do animal relutante, estendendo o braço para incitá-la, atingindo-a nas ancas com o laço enrolado. A vaca espreitava a distância entre os vaqueiros e Ty. com um giro de cabeça, o animal precipitou-se em direção à abertura, o rabo elevado em desafio. Ty puxou os freios e girou o cavalo sobre as patas traseiras, para dar caça ao bicho.

Outro cavalo e cavaleiro dispararam em direção à vaca desgarrada, o vaqueiro franzino esporeando o lombo do cavalo. com o canto dos olhos, IV entreviu a perseguição efetuada pelo companheiro, mas ele se encontrava em melhor ângulo. O barulho dos cascos dos cavalos golpeando o pasto ecoava em seus ouvidos; Ty começou a girar o laço, galopando mais alguns metros até que o cavalo estivesse em posição para o lançamento da corda.

com o laço preparado, apoiou-se sobre a sela e freou o cavalo, preparando-se para o momento em que todo o peso da vaca se concentraria na extremidade da corda. A sombra ou o silvo do laço devem ter alertado o animal da captura iminente. No último segundo, girou a cabeça para o lado e o laço foi atingir sem perigo a mandíbula e o pescoço da vaca, deslizando pelos flancos do animal sem pegá-lo.

Xingando silenciosamente a laçada perdida, Ty enfiou as esporas no cavalo e saiu novamente em perseguição à vaca, enrolando a corda. A essa altura, o cavalo acinzentado e seu cavaleiro haviam atingido uma boa posição, manobrando para jogar o laço. O laço partiu para o alvo com precisão infalível, assentando na cabeça da vaca com estilo perfeito.

Ty foi diminuindo a marcha do cavalo, até chegar a um trote resfolegante. Tivera poucas chances de demonstrar progressos no laço durante a temporada de verão na fazenda.

Irritava-o haver perdido aquela oportunidade. E para uma garota, ainda por cima, o que não tornava as coisas mais fáceis, não importa quão hábil ela fosse.

Estava mais para carrancudo ao deparar com o sorriso de orelha a orelha no rosto de Jessy Niles, guiando a vaca teimosa rumo à porteira. Ela era alta e magra como uma vara. Tufos de cabelos castanho-acinzentados escapavam do elástico de borracha que apertava aquela cascata volumosa para trás. com o chapéu de vaqueiro disforme no alto da cabeça, ela parecia uma garotinha contente. A pele bronzeada pelo sol irradiava saúde, resultante da vida ao ar livre, juntamente com o brilho ensolarado dos olhos cor de avelã.

- Nós a pegamos! - Esfuziante, fora magnânima na divisão do triunfo na captura da vaca, concedendo alegremente parte do crédito a Ty.

- Você pegou, Jessy - corrigiu ele. O semblante da garota assumiu certa gravidade, parte da euforia desaparecendo de seu sorriso.

- Mesmo assim nós dois trabalhamos juntos - fez ela com um vago menear de ombros, indicando ser dispensável saber qual dos dois realmente laçara o animal.

Já que ela o seguira dando-lhe cobertura, havia uma certa verdade na resposta de Jessy, só que lhe doía saber que perseguira a vaca, mas fora Jessy quem a agarrara e a trouxera. Isto não o satisfazia muito, mesmo assim tentou não demonstrá-lo.

Mantendo o cavalo um pouco recuado, foi conduzindo a vaca laçada atrás de Jessy para que o animal não resistisse a ser guiado. Buzz Taylor estava de pé junto à porteira, esperando para fechá-la assim que a vaca fosse solta e Jessy saísse. Logo que o portão foi fechado, Ty colocou a corda enrolada na sela,e desmontou.

com o gado em bom pasto e com água em abundância, não havia mais trabalho para o resto do dia, e os cavaleiros fizeram uma pausa para fumar antes de retornarem ao campo da sucursal Sul. Ty inclinou a cabeça, aproximando o cigarro sem filtro do fósforo aceso que Bill Summers oferecia.

- Aquela danada da vaca musculosa escapou direitinho do seu laço, hem? - observou Bill, compadecido.

- É. - Mesmo sem vento, Ty colocou as mãos em concha protegendo o cigarro por puro hábito, pois qualquer brasa naquele capim seco de agosto seria carregada pelo. vento como pavio aceso.

- O olho de lince de Jessy pegou a vaca, né? - declarou Buzz Taylor com uma risada entusiasmada, aprovadora e implicante, em direção à garota, de pé no meio dos vaqueiros.

- Ty colocou-a em posição para mim. - Soltou uma baforada do cigarro e girou a cabeça para cuspir os restos de tabaco presos na língua.

- Ora essa, ele só fez sair do caminho, só isso - retorquiu Buzz. Lançou um olhar desconfiado para Jessy. - Seu pai sabe que você está fumando?

- Claro. Ele não gosta muito - admitiu Jessy com um balançar de ombros indiferente.

- Stumpy não gostava que ela ficasse filando cigarros da gente - corrigiu Bill Summers, vindo em defesa dela. - No final, disse a ela que como estava fazendo um trabalho de homem, recebendo pagamento de um homem e fumando cigarros de homem, ou ela começava a comprar os seus ou parava de fumar.

Jessy conseguiu torcer os lábios em um esgar. As coisas haviam se arranjado dessa maneira depois que o pai superara o preconceito contra uma garota fumando. Antes, ele fizera de tudo, menos dar-lhe uma surra, para que não fumasse. Evidentemente, ela não dera ouvidos a seus sermões. Todos em volta dela fumavam, portanto Jessy não sabia o que havia de tão errado no fato de fazer o mesmo.

- É legal o dia do pagamento - anunciou Buzz, enfiando o pacote quase vazio de Camel no bolso. - Eu mesmo estou quase sem cigarro. Só tenho o bastante para chegar até a cidade.

- Em que você vai gastar o dinheiro, Jessy? - Bill puxou a aba do chapéu sobre a testa da garota. - Vai soltar um pouco daquele dinheiro que você está acumulando e comprar um chapéu decente?

- Não fale mal do meu chapéu. Ele tem personalidade - insistiu ela com um sorriso. - E estou juntando o dinheiro para pagar a sela que o Barnes está fazendo para mim.

- Uma sela. - Summers balançou a cabeça, com um desânimo em tom de gozação. - E eu que pensei que você fosse comprar um vestido de festa para seu aniversário.

- Prefiro ter uma boa sela do que um vestido de festa - redarguiu Jessy. Ela já tinha dois bons vestidos domingueiros, portanto não via razão em gastar seu dinheiro comprando outro, especialmente um vestido que provavelmente só teria oportunidade de vestir uma vez por ano. Uma sela era mais prático e duraria anos com os cuidados apropriados. Era um investimento, algo de que poderia orgulhar-se. - Esperem até vocês a verem, garotos.

- Barnes faz ótimas selas. Já vi alguns de seus trabalhos. - Buzz Taylor reforçou a escolha da garota. - Ele fez nome. Alguns vaqueiros vieram de longe, do Colorado por exemplo, para que lhes fizesse selas.

Ty levou o cigarro aos lábios, estudando a garota magricela, com os olhos semicerrados, através da fumaça. Os modos estabanados eram ligeiramente divertidos, mas ele também se deu conta da suave harmonia existente nos movimentos dela, cada ação integrando-se calma e facilmente uma à outra. Havia uma espécie de elegância natural na postura relaxada de seu corpo longo e delgado, e também ágil. Percorreu por um instante com o olhar o tórax liso, os seios de menina formando pouco mais do que pequenas elevações sob a blusa.

- Quando é seu aniversário, Jessy? - perguntou Ty ao erguer o olhar para descobri-la olhando diretamente para ele. A insistência do olhar incomodou-o um pouco, por ter percebido a imaturidade da garota.

- Semana que vem - respondeu ela.

- Vamos fazer uma festa sensacional para você. - Buzz deu uma piscadela. - Vamos convidar o delegado Potter, assim ele vai desistir de parar você por dirigir sem licença.

- Quantos anos vai fazer? - Ty ensaiou um cálculo mental dos anos passados, mas ela lhe respondeu antes que houvesse terminado a subtração.

- Dezesseis.

Um lampejo de implicância iluminou seu olhar.

- Dezesseis anos e nunca foi beijada?

- Jessy? - duvidou Buzz Taylor, divertido com a ideia daquela garota desajeitada no meio deles sendo beijada. - Aposto que o único que já a beijou foi seu cavalo!

Os olhos dela brilharam de raiva. Arrancou o chapéu e atirou-o nele.

- Buzz Taylor, você quer calar a boca? - explodiu furiosa, como Ty jamais a vira. Nenhum dos três a vira tão ultrajada e na defensiva, e acharam muito engraçado. Começaram a rir dela, o que a enfureceu ainda mais. - Eu não fico por aí beijando o cavalo!

- A coitadinha não foi beijada nem pelo cavalo! - berrou Buzz às gargalhadas, apontando a garota, o tempo todo protegendo-se do chapéu com o qual ela descarregava toda a raiva que sentia.

- Não podemos deixá-la completar dezesseis anos sem ser beijada, hem, rapazes? - desafiou Ty com uma gargalhada maliciosa.

Daquela vez era ele o atacante e um outro a vítima das brincadeiras de um vaqueiro. Após ter sido diminuído por culpa de Jessy, inconscientemente agradava-lhe a ideia de vê-la um pouquinho humilhada. Apagou o cigarro entre o dedão e o dedo indicador enluvados antes de jogá-lo no chão e amassá-lo sob a bota, triturando-o contra o solo duro e ressecado.

Ao vê-lo dar um passo em sua direção, Jessy rodopiou e ficou de frente para ele, percebendo em um segundo que Ty não estava brincando. Constrangimento e surpresa assomaram em seu rosto, toldando o brilho zangado de seus olhos. Ty conseguiu abraçá-la antes que se recobrasse e tentasse livrar-se do abraço.

- Cuidado, Ty - alertou Buzz com uma risada. - Ela é selvagem. A resistência oferecida por Jessy não era do tipo fútil e feminino. Ty

percebeu a dificuldade em segurá-la, os braços finos como barras de ferro lançados contra seu peito, repelindo-o enquanto ela ia dando chutes bem direcionados nas canelas do rapaz.

- Olhe bem onde você vai chutar, Jessy - avisou Bill Summers. Vai ter que se explicar se machucá-lo no lugar errado.

As bochechas de Jessy incendiaram-se repentinamente, enquanto desistia da violenta resistência que estava oferecendo até então, jogando a cabeça para trás e desafiando Ty com o olhar. Seus lábios estavam apertados em suave linha tensa. Divertiu-o vê-la assim tão desamparadamente fora de si. Envolveu-lhe o queixo com a mão, inclinando a cabeça em direção aos lábios imóveis.

Em vez de beijá-la suavemente e soltá-la, como talvez tivesse feito com qualquer outra garota inexperiente, ele pressionou os lábios contra os dela por vários segundos. Quando levantou a cabeça, percebeu os olhos da menina bem fechados. Seus traços refletiam uma tensão de algum modo vulnerável.

- Agora você já pode dizer que foi beijada - declarou Ty, lutando contra a pontada de arrependimento que começava a sentir.

Ao soltá-la, ela imediatamente baixou o queixo e virou-se. O rubor incendiou seu rosto, embora Jessy mantivesse uma expressão facial controlada, os lábios bem apertados.

- com todos os demónios - murmurou Buzz, sem fôlego. - Jessy ficou vermelha!

Ela lhe atirou um olhar zangado enquanto tomava os freios do cavalo nas mãos.

- Cale a boca, Buzz.

Ty sentiu-se culpado por tê-la constrangido com aquele beijo. Ele não fora o único a ser apaziguado pelo silêncio de Jessy. Um murmúrio constrangido perpassou os passos dos vaqueiros que se dirigiam para seus cavalos. Jessy montou sobre a sela e deu rédeas ao cavalo para sair dali. Ty agarrou a rédea, refreando-a.

Ela lhe lançou um olhar zangado que denotava a traição e a humilhação por que passou. Ty esquecera como se sentira vulnerável nesta idade, com as atitudes impensadas dos outros. Não importa quão confiante parecesse Jessy, o fato é que tinha sentimentos que podiam ser feridos.

- Desculpe, garota - ensaiou Ty.

O olhar zangado endureceu-se mais ainda.

- Não sou garota - declarou ela, a voz entrecortada, puxando as rédeas para virar o pescoço da montaria. Vagamente irritado com a negativa da garota em aceitar suas desculpas, Ty soltou o bridão. Ninguém jamais lhe pedira desculpas, portanto talvez fosse melhor se tivesse ficado de boca fechada.

Jessy atravessou a cerca com o cavalo, enquanto os demais gingavam atrás dela. Felizmente não estava mais vermelha, mas por dentro ela tremia. A sensação daquela boca quente sobre seus lábios permanecera juntamente com o toque dos braços de Ty envolvendo-a.

Queria tocar a própria boca, mas não ousava erguer a mão. Eles poderiam pensar que estava chorando, e ela preferia morrer a fazê-los pensar isso. Já era bastante ruim terem visto como ficara embaraçada e perturbada.

Aquele fora seu primeiro beijo, e sempre sonhara que Ty seria o primeiro a dá-lo. O sonho se realizara, só que amargamente. Ele a beijara, tudo bem, mas só de brincadeira. E doía pensar que Ty a beijara só para implicar com ela... e diante de Buzz Taylor e Bill Summers, para piorar. No dia seguinte, todo mundo já estaria sabendo e rindo do assunto.

Jessy ergueu um pouco a cabeça quando os quatro cavaleiros emparelharam com ela, indo em direção ao campo da sucursal Sul. A conversa era mínima, mas gradualmente Jessy começou a participar. Externamente, as coisas pareciam ter voltado ao normal quando eles chegaram ao campo, o que não era verdade.

Jessy arremessou com toda a força a mala pesada na caçamba da caminhonete, fechando a porta traseira. No ar sentia-se o cheiro da neve. Nuvens carregadas pairavam baixo no céu. Ela enfiou as mãos descobertas nos bolsos do casaco novo, rodeando o veículo e dirigindo-se para a varanda na frente da grande casa feita de troncos. Estava com um pé no primeiro degrau quando a porta da frente abriu.

- Oi, sr. Grayson - ela saudou o geólogo quarentão. Ele estava enfiado em um casaco felpudo, um cachecol de lã em torno do pescoço e do gorro e luvas de pele. Jessy, ao contrário, não estava usando luvas nem cachecol, e os últimos botões da gola do casaco estavam desabotoados. Estava usando o chapéu preto de marca Stetson... ela sempre estava de chapéu. - Só vim para saber se o senhor já estava pronto.

- Já estou pronto. - Parou por um momento no alto da escada, friccionando as mãos enluvadas e estudando o céu cinza-chumbo melancólico de fins de outubro. - Hoje está frio. - Qualquer temperatura abaixo de zero era fria para os texanos, e os termómetros acusavam esta marca. Já coloquei a mala na varanda. - Leo Grayson girou a cabeça à procura da mala, esquadrinhando a varanda através dos óculos de aro de metal.

- Já a coloquei na caminhonete - informou Jessy. - O senhor tem mais alguma coisa?

- Não. - Ele lançou um olhar de expectativa em direção ao celeiro.

- Seu pai está pronto?

- Papai ficou detido na hora H. Ele me designou para levá-lo até a casa-grande para que possa pegar o avião. - Desceu o último degrau e dirigiu-se para o lado do motorista.

- Você não tinha aula hoje? - Um sorriso ténue surgiu em seus lábios enquanto a seguia até a caminhonete. No curto período em que permanecera na sucursal Sul da Triplo C, percebera que Jessy tinha suas próprias opiniões sobre a importância relativa de certas coisas.

- Não, realmente. - Balançou os ombros indiferente, pulou para dentro, deslizou para trás do volante, tudo em um só movimento fácil e leve. Aguardou a entrada no lado de passageiros e a batida da porta para então comentar: - Não tinha nada especial na escola hoje, nenhum teste. Posso telefonar para Betty Trumbo à noite e saber quais são os deveres. Mas não vi por que ir e talvez ficar presa pela neve na cidade.

Girando a chave na ignição e pisando no afogador, a caminhonete deu sinal de vida. O último comentário da garota atraíra o olhar curioso de Leo Grayson.

- A previsão do tempo é de que há somente uma leve possibilidade de nevasca hoje.

- Segundo Abe Garvey, estamos na iminência da primeira tempestade de neve da estação. Ele nasceu e cresceu aqui na fazenda, quase setenta anos atrás. Confio mais na palavra de Abe do que em algum meteorologista que não conhece as peculiaridades do clima daqui. Abe dificilmente erra - concluiu ela.

- Parece que vou sair daqui na hora certa. - No princípio, Leo Grayson teria zombado das previsões do tempo nada científicas do pessoal da velha guarda daquela região, que não ligava a mínima para os parâmetros avançados. Entretanto, ele descobrira que as previsões deles eram quase tão apuradas quanto as de qualquer meteorologista profissional. Se um dissesse nevasca e o outro nevada, algo estava para acontecer.

Quando os prédios da sucursal Sul desapareceram de vista, seguiramse quilómetros sem nada em qualquer direção, exceto a monótona sucessão de pastagens irregulares, elevando-se sobre ondulações do terreno e mergulhando em vales pouco profundos. As árvores eram poucas e afastadas, a ponto de se tornarem marcos, consistindo principalmente de choupos ao longo de alguns riachos esparsos. O dia cor de chumbo fazia a extensão solitária do campo parecer fria e desolada.

Grayson já vira espaços abertos e descampados, mas nada se comparava ao desolamento daquele lugar.

O ar quente começou a fluir com toda a intensidade pelo respiradouro com o aquecimento do motor, suficiente para liberar o excesso de calor. Os óculos de Leo ficaram embaçados, ele os retirou e limpou no forro interno do casaco. com os olhos entreabertos, observava distraído a paisagem do lado de fora da janela, mas nem mesmo a visão enevoada conseguiu tornar a paisagem sem graça mais interessante.

- Não sei como você aguenta isso aqui. - Ele ajustou os óculos sobre o nariz e fitou Jessy.

- Nunca estive em outro lugar. - Ela dirigia com a habilidade confiante de um homem, uma das mãos descansando no alto do volante e a outra segurando-o. Leo supunha que ela dirigia desde os oito ou nove anos. Era nesta idade que a maioria dos garotos da fazenda começavam, geralmente equipando o carro com algum mecanismo que lhes permitissem alcançar os freios e ao mesmo tempo ver aonde estava indo.

- Aposto que você mal pode esperar completar dezoito anos para sair daqui e conhecer alguma coisa além de céu e capim. - O rigor solitário daquele tipo de vida não o atraía. Para uma garota devia ser pior.

- Estou satisfeita com minha vida aqui - replicou Jessy, consciente de que fazia parte de uma minoria, já que a maior parte das outras garotas de sua idade sempre lamentavam o que estavam perdendo. Mas essas coisas não lhe interessavam. - Nunca tive vontade de sair daqui. Sei que desviou a atenção da estrada o suficiente para lançar-lhe um sorriso - isto me torna estranha. Mas eu não ligo para cinemas, festas e todas essas coisas fascinantes. Gosto de montar, de jogar o laço e da vida ao ar livre, mesmo quando fico exausta de tanto trabalho. Queria ser uma daquelas árvores, enfiar minhas raízes neste chão e nunca mais sair.

- Vai mudar de ideia quando ficar mais velha. - Durante o tempo em que ficara na sucursal Sul, observara como ela era estabanada.

- É o que todo mundo vive me dizendo. - Mas ela não via isto acontecer. A maioria afirmava que estava passando por uma fase, só que ela realmente adorava o que fazia e não via mudanças só porque estava ficando mais velha.

Leo Grayson limitou-se a sorrir, do jeito que os adultos riam quando ela discordava das predições deles:

- Espere até descobrir os rapazes.

- Onde é que está escrito que garotos e cavalos não se misturam? contrapôs Jessy.

Ty Calder fora sua única paixão, agora no terceiro ano da faculdade. Mas fora um amor demasiado unilateral para sobreviver, sobretudo após aquela experiência humilhante do beijo no verão passado. Ainda enrubescia quando lembrava como ele se divertira com aquela história. Todos os outros garotos com que andava na escola não passavam disso - garotos. Não valia a pena entusiasmar-se por qualquer um deles.

- Acho que em lugar nenhum. - Olhou-a novamente, reconhecendo uma maturidade em seu comportamento de que jamais suspeitara.

O perfil da garota era de uma pureza clássica: o queixo proeminente, a mandíbula bem-desenhada e os malares saltados. O cabelo cor de mel, escuro, caía solto em ondas sobre os ombros. Leo Grayson descobriu-se admirando e respeitando a garota que estava vendo. Os traços dela refletiam uma força que parecia combinar com terra, e ela estava crescendo com uma confiança capaz de enfrentar o desafio representado por aquele lugar. Não era bonita, mas a beleza ali não demoraria muito, percebeu ele.

- Você é uma garota bonita, Jessy. - O adjetivo não era o mais adequado para definir os traços fortes sem diminuir a feminilidade potencial aos olhos de Grayson.

- Eu? Sou comum como uma batata - recusou o elogio.

- Não é não.

- Olha. - Ela se armou de paciência para com a cegueira de Grayson em relação a seus defeitos. - Eu sou alta demais... mais alta do que a maioria dos caras da minha turma. - Entretanto, Leo percebeu, ela não tinha má postura para dissimular sua altura. - Sou magra demais, e não adianta me entupir de comida, não ganho curvas. E quanto aos seios, acho que botei um ovo... ou melhor, dois. - Nas poucas ocasiões em que tivera a oportunidade de constatar a franqueza da garota, ele sempre achara divertido, e tivera de se controlar para não rir alto diante dessa implacável demonstração de seus atributos físicos.

- O que vai fazer quando terminar o segundo grau? - perguntou, para mudar de assunto.

- Ficar aqui e trabalhar. Esta é uma das vantagens de nascer e ser criado na terra dos Calder. Tudo o que você tem a fazer é ir até o patrão e pedir-lhe um emprego. Em uma fazenda deste tamanho, tem sempre muito trabalho - disse ela.

- O que você vai fazer? - inquiriu desaprovador.

- Não sei. - Balançou os ombros, demonstrando considerar o problema muito distante ainda para ser decidido. - Poderia trabalhar no pasto, ou ajudar na escola diurna ou talvez trabalhar no armazém. - Ela possuía um leque de opções, embora preferisse a primeira.

Mas também sabia que mesmo com algumas das esposas, especialmente as mais jovens, que ajudavam durante a temporada de pastos ou em um rodeio quando havia falta de vaqueiros, nenhuma mulher montada em um cavalo ganhava salários regulares de vaqueiro. Existia um preconceito implícito contra mulheres assumirem trabalhos na fazenda reservados aos homens. Nunca haviam dito algo sobre ela receber o salário pelo trabalho de vaqueiro no verão.

Jessy desviou o assunto, transferindo o foco da atenção de si mesma para o trabalho dele.

- Qual foi o resultado de todos aqueles testes que você andou fazendo? As máquinas de perfuração vão ser transferidas para nossa área da fazenda?

- Não. vou relatar que este terreno é muito difícil. - Como sua decisão fora negativa, Leo não a considerava secreta. - Acho que esgotamos todas as possibilidades de descobertas futuras de petróleo ou gás na Triplo C.

Ele lançou o olhar pela janela lateral da caminhonete com os cantos do vidro embaçados. Os contornos daquele terreno acidentado lembravam músculos rigidamente contraídos, bíceps salientes cobertos de capim. A seu ver, a terra parecia imprevisível, demasiado árida e estéril. Eram precisos

35 hectares para uma vaca e seu novilho. Improdutiva, um desperdício de tanta terra.

- Isto é um crime - anunciou em voz alta.

- O quê? - Jessy não chegou a entender o que ele disse. Leo caiu em si.

- Só estava olhando pela janela e pensando em tantas reservas valiosas sem exploração.

- Você quer dizer o pasto? - Tudo o que conseguia ver era a pastagem congelada e ressequida, em sua opinião verdadeira riqueza.

- Estou me referindo a todo o carvão que existe sob a pastagem, tão próximo à superfície. - Um grande depósito de carvão de baixo teor sulfúrico estendia-se por baixo de toda a região oriental de Montana. - Tudo o que um homem precisaria fazer seria escavar este solo inútil e encontrar o carvão.

- Não é preciso nem cavar o solo. - Jessy sorriu, como se conhecesse um segredo, desacelerando o veículo e olhando em torno para orientarse e ver onde estavam. - Você quer que eu lhe mostre?

- Quer dizer que existe um lugar onde o veio carbonífero está exposto? - perguntou com interesse crescente, ao que ela balançou a cabeça afirmativamente. - Eu gostaria de ver isto... se não nos for afastar demais do caminho.

- Não nos vai afastar, não - garantiu ela, virando a caminhonete para uma trilha, pouco mais que uma vereda com dois sulcos cortando o capim.

- Mas você vai ter que aguentar firme. O caminho é bem acidentado.

O aviso não chegou nem aos pés da realidade. Leo Grayson acabou com uma das mãos apoiada no teto e a outra comprimida contra o painel, enquanto apick-up sacolejava pela vereda selvagem. Jessy agarrava o volante com as duas mãos para não perder o controle da direção. Era impossível conversar naquele passeio em que os dentes chacoalhavam. A trilha galgava uma elevação e descia um vale íngreme. Jessy freou a caminhonete, parando no fundo do vale, mais nivelado.

- Aqui estamos. - Mostrou com um gesto uma falha no terreno.

Exceto por fina camada de grama entrelaçada ao capim seco na superfície, a área exposta era de um negro compacto. Diversos sinais indicavam que o alargamento fora obra do homem.

- A maioria das casas mais antigas é aquecida com forno de carvão - explicou Jessy. - Existem umas duas ou três áreas escavadas como esta. A gente simplesmente vem aqui e pega o combustível. Não custa nada além do trabalho.

Cedendo à curiosidade profissional, Leo enfrentou o frio e saiu da caminhonete para olhar de mais perto. Uma coisa era saber que existia carvão sob o solo, e outra era ver um grande filão exposto. Envolveu melhor a cabeça e o pescoço com o cachecol e foi em frente para investigar o extenso banco negro.

Jessy ficou observando do interior aquecido da caminhonete, levemente divertida com a fascinação daquele homem por algo tão comum. Ninguém gostava da tarefa de providenciar o suprimento de carvão para o inverno. Era um trabalho pesado, sujo e poeirento, além de outro inconveniente: ter de reabastecer a fornalha constantemente. Por isso, a maior parte das casas mudara para fontes de calor mais modernas, geralmente petróleo ou propano. O carvão não era prático, apesar de barato.

Grayson circulou pelo veio exposto de carvão negro, colhendo algumas pequenas amostras para estudo. Por fim, a baixa temperatura levouo de volta à caminhonete. Entrou na cabine tremendo, esfregando as mãos e soprando-as.

- Pronto? - As mãos de Jessy descansavam no câmbio.

- Espere. - Vasculhou o bolso do casaco, retirando um pedaço negro e brilhante. - Sabe o que é isso?

- Carvão. - Lançou um olhar que parecia questionar a inteligência do geólogo.

- Isto é o sol sepultado. - A voz era entusiástica. - O carvão é a energia solar aprisionada há muitas eras... em florestas antigas... samambaias e árvores gigantescas. Em um ciclo interminável, as plantas morriam e apodreciam, crescendo outras por sobre estas para também morrer e apodrecer. Aí, vieram as inundações, formando mares interiores. A pressão da água compactou as camadas mortas das plantas, primeiramente formando turfas e depois o carvão. - Olhou para ela. - Este pedaço de carvão armazena a energia de luz solar de quatrocentos milhões de anos atrás.

- Deixe-me ver. - com um ar de curiosidade, Jessy olhou mais atentamente para aquele tablete comum de carvão.

Na manhã seguinte, Leo Grayson estava no escritório impecável e refrigerado de E.J.Dyson, concluindo o relatório final e as recomendações. Em contraste com a vestimenta do dia anterior, estava usando um terno leve de trabalho e gravata. A cabeça descoberta evidenciava o pequeno claro no alto dos cabelos castanhos.

O escritório administrativo da Companhia Dy-Corp Ltd. era extremamente luxuoso, ostentando o dinheiro do Texas, dos tapetes brancos de dois dedos de altura até as paredes revestidas de nogueira legitima. A mobília muito confortável era forrada por couro da melhor qualidade. A escrivaninha de nogueira tinha um tamanho compatível ao Texas, e a enorme cadeira giratória fora especialmente desenhada para seu ocupante, a fim de que o homem de compleição estreita não parecesse diminuído por sua própria mesa.

Misturado ao rico mobiliário, dispunham-se pela sala esquisitos objetos texanos berrantes - como o vaso de Meissen sobre uma mesa, sustentado por chifres de vaca retorcidos ou o couro de cavalo malhado jogado sobre o encosto de um sofá de couro. O escritório estava à altura da imagem criada por seu ocupante.

Stricklin sentou-se empertigado na cadeira forrada de couro, os óculos de aro de metal intensificando a aparência de seriedade. Concluiu a leitura do relatório de Grayson, passando-o a Dyson com um leve movimento de cabeça, comunicando silenciosamente sua opinião ao sócio.

- Não posso dizer que estou surpreso com seus achados, Grayson.

- E. J. folheou o relatório já detalhadamente analisado. - Eu tinha o pressentimento de que já havíamos esgotado o potencial da fazenda Calder. Foi bom ter começado a arrendar terras em Wyoming. Vamos prosseguir, transferindo o resto dos homens e equipamentos para lá.

- Você é quem decide. - Deu de ombros. A única recomendação de Leo fora abandonar a fazenda Calder e não tentar quaisquer perfurações, mas não sugerira para onde ir. Não era seu trabalho envolver-se em tais decisões.

- Você está intimamente convicto de que não há nada que valha a pena explorar sob o território dos Calder? - Dyson instigou o geólogo com um olhar inquisitivo, a fim de certificar-se inteiramente de que Grayson não tinha reservas. Era um truque psicológico que testava a confiança de um homem em seu julgamento. Os que não acreditavam em si mesmos dificilmente enfrentavam o desafio.

- A única coisa que há sob aquele solo é um filão materno de carvão de baixo teor sulfúrico - afirmou Leo com um meneio melancólico de cabeça. - É uma pena o petróleo ser tão barato. Ele toma conta do mercado para o carvão.

- Carvão? - Dyson ergueu a cabeça, demonstrando leve interesse, atirando um rápido olhar para Stricklin, que limpava meticulosamente as unhas com canivete. - O que quer dizer com filão materno? Tem muito carvão?

- Muito? Acho que sim. - Grayson soltou uma risada curta. - Não gostaria de ter de adivinhar quantos milhões de toneladas de carvão betuminoso estão a poucos metros da superfície.

- A poucos metros. Você deve estar exagerando - declarou E.J., descartando a informação com um sorriso e baixando os olhos para reestudar o relatório.

- Não é exagero - insistiu o geólogo. - Em alguns locais está a uns poucos metros da superfície. Umas duas perfurações com uma escavadeira poderosa e você o encontra.

- É mesmo? - ponderou Dyson, afastando em seguida a hipótese.

- Como sabe, Leo, não há muita demanda de carvão hoje em dia.

- É uma pena, com toda aquela abundância - replicou ele, perguntando. - Quer examinar mais algum ponto?

- Não, isto é tudo. - Dyson continuou passando os olhos pelo relatório, mal levantando a cabeça ao dispensar o geólogo.

Depois que Grayson deixou o escritório, Dyson concentrou a atenção na mesma página do relatório. Durante toda a vida fora um jogador de pressentimento. Quando todo o país convergira para o Texas e outros estados do cinturão do Sol, ele fora para o Norte e vira o futuro próximo nos estados do Oeste. Por um momento, pensou que seu palpite estava errado quando a perfuração não redundou na grande descoberta de petróleo que esperava.

Girou a cadeira em direção a Stricklin.

- Talvez a fortuna esteja nos diamantes negros e não no ouro negro - sugeriu. - O que você acha?

Stricklin balançou os ombros vagamente, parando de escovar as unhas nas dobras afiadas do cortador.

- No Oriente Médio há rumores sobre uma possível restrição ao comércio.

Prognósticos sombrios previam a falta mundial de petróleo, caso não se tentasse restringir o consumo. O assunto nunca interessara muito a Dyson, exceto em relação a quanto isto afetaria o preço do bruto. Mas se o fornecimento de petróleo fosse reduzido, a demanda de carvão aumentaria.

- Acho que está na hora de começarmos a saber mais sobre o carvão - anunciou para Stricklin. - O custo do transporte para os mercados do Leste, a disponibilidade das ferrovias. Usos atuais e potenciais e o aumento de competição que enfrentaríamos com as minas de carvão nos Apalaches.

- vou procurar me informar.

Em primeiro lugar, na lista mental de Dyson, havia um nome. E.J. apertou a campainha do interfone.

- Por favor, faça uma ligação para o senador Bulfert, e avise-me quando ele estiver na linha - instruiu a secretária. O senador não seria uma fonte para suas respostas, mas Dyson tinha outros planos para o senador inescrupuloso.

- Ora, Chase, você tem de admitir que nosso verão texano é bem melhor do que o tempo que você deixou para trás - repreendeu E.J. Dyson, oferecendo-lhe um copo de uísque e soda.

Chase estava na sacada do condomínio luxuoso com vista para o golfo. Uma brisa tropical quente e úmida soprava do mar.

- Admito que sim - reconheceu ele, levando a bebida gelada aos lábios.

- Não sabe como estou contente com a presença de você e Maggie aqui. - E.J. colocou-se ao lado dele, admirando a vista. - Finalmente tenho a oportunidade de retribuir a hospitalidade que me ofereceu em diversas ocasiões.

- Maggie e Cathleen estavam ambas com febre alta. Aí, decidimos viajar por alguns dias e visitar Ty. - Na praia embaixo, ele via Cathleen correndo pela areia, colhendo conchas, apressando-se a mostrá-las a Ty e colocá-las num baldinho. A terceira pessoa, além dos filhos, era uma garota de beleza estonteante com um biquini sumário, quase totalmente encoberto por um camisão rendado. - Sua filha é muito bonita, E.J.

- Acho que seu filho está apaixonado por ela. - Estudou Calder através dos aros dos óculos para ver a reação dele. - Por enquanto, ela o colocou em uma caçada divertida.

- A maioria das mulheres faz isso. - Era uma resposta meio desagradável, mas Chase não conseguia explicar por que estava se sentindo tão negativo.

- Não posso dizer que terei qualquer objeção a uma união pelo matrimónio de nossas duas famílias no futuro - observou Dyson.

- Fazer qualquer objeção seria prematuro. Não acredito que qualquer um dos dois tenha idade suficiente para saber o que quer - afirmou, olhando novamente para o jovem casal na praia. - Não está na hora de Ty levar qualquer garota a sério.

- Concordo plenamente - admitiu o texano, com sua voz arrastada.

- Os dois têm que terminar a faculdade. E quero que Tara passe um ano conhecendo a Europa para que aquela sede jovem de aventura seja satisfeita antes que ela se estabeleça. Como você, não quero que se precipitem em nada. Casamentos infelizes são um inferno, como você bem sabe.

- É verdade. - A resposta brusca intrigou Chase, que tentou discernir se o comentário de Dyson não passava de uma observação geral ou se ele estava se referindo a seu relacionamento tenso com Maggie.

Naquela primeira chama do amor renascido, ambos haviam sido culpados em acreditar que só o amor seria capaz de atenuar as diferenças e eliminar as desavenças existentes em todo casamento. A maturidade e a experiência modificara os dois, embora não fosse fácil desfazer-se das imagens passadas que cada um guardava do outro. Às vezes era difícil para ele reconhecer a mulher sofisticada e altamente culta em que Maggie se transformara. Acostumara-se a tomar decisões sem consultar quem quer que fosse, só que ela esperava tomar parte nelas. Adaptar-se um ao outro e adaptar as antigas maneiras às necessidades atuais requeria esforço constante.

Havia momentos em que tudo estava bem entre eles, no entanto, esses momentos estavam-se tornando cada vez menos frequentes. Contanto que não se tocasse no nome de Ty, eles conseguiam fingir não ter problemas, mas era impossível não falar sobre o filho.

Era uma ironia do destino o fato de ter sido Ty o responsável pela união de Chase e Maggie, enquanto que agora ele era o xis da desunião de ambos. Chase nutria a esperança de que, quando Ty concluísse a faculdade e voltasse definitivamente para casa, seu próprio conflito com Maggie chegaria a um termo naturalmente.

Outrora ele pensara poder suportar um casamento sem o amor ou a compreensão de sua mulher. Talvez sem ambos. Apesar de saber que Maggie continuava a amá-lo, procurava Sally para obter a compreensão de que necessitava. Até então, ainda não cruzara o ténue limite da fidelidade sexual, observou.

- Tive a oportunidade de conhecer seu filho desde que ele começou a frequentar a faculdade aqui no Texas - observou Dyson. - Como você sabe, de vez em quando ele passa os fins de semana em minha casa de Fort Worth ou aqui em Padre Island. É um jovem inteligente e sensível.

Passei a gostar dele, mesmo sabendo que vem por causa de Tara Lee.

- Percebi que Ty também o respeita muito. - Era uma resposta diplomática que ocultava o ressentimento que nutria em razão da admiração demonstrada por Ty em relação ao ativo empreendedor. Ty parecia considerar bastante as opiniões de Dyson. Chase não tinha reclamação quanto a seus negócios com E.J., mas tampouco queria ver o filho considerando o homem como um modelo. Este era o mal da faculdade. Ela escolhia os exemplos menos adequados para serem seguidos.

Chase não desejava continuar a discussão.

- Tenho ouvido falar muito sobre as novas descobertas de petróleo e gás em Wyoming. Parece que você vai ter mais sorte lá do que em seu estado.

- Os poços em Broken Butte vão proporcionar um retorno respeitável, um pouco abaixo da média, mas ainda assim considerável. Mas, é verdade, a bacia de Wyoming parece compensar bem mais - assentiu Dyson.

- Não há nada a ser explorado em sua terra além do carvão. Penso que a região Leste de Montana está repleta de depósitos. Se as reservas de petróleo se esgotarem, você vai se tornar um homem rico, Calder.

- Talvez, mas não sobraria nada da fazenda. - A ideia era inconcebível. Chase engoliu uma talagada de uísque e soda, tentando livrar-se do gosto horrível. - Basta olhar para algumas minas de carvão no Leste para ver como elas destruíram a terra.

- Isto acontecia no passado - admitiu Dyson, escolhendo as palavras com cuidado. - Mas com os métodos modernos de recuperação, a terra pode voltar a seu uso original como pasto para o gado. Não haveria estragos remanescentes.

- É mesmo? - Chase fitou o homem com um arquear de sobrancelhas frio e desafiador. - Se você abrir a barriga de alguém, tirar metade das tripas e depois recosturá-lo, ele nunca mais será o mesmo, e a cicatriz não vai desaparecer. Donos de propriedades violaram a terra há quase cinquenta anos, e ela ainda não passa de um deserto com capim cerrado e ervas daninhas. Esta não é minha ideia de pasto.

- Chase Calder, como é que você consegue olhar para todo aquele mar azul do Golfo e falar sobre gado e pastagem? - Maggie repreendeuo, juntando-se aos dois homens na sacada a tempo de ouvir as últimas observações. - Estamos em férias, lembra?

- Desculpe. - Os cantos da boca curvaram-se num sorriso, enquanto ela se colocava ao lado dele, Outrora ele teria automaticamente colocado os braços em torno da mulher, mas naqueles dias o gesto deixara de ser natural.

- vou preparar uma bebida para você, Maggie - ofereceu Dyson.

- Quero só um pouco de água tónica -disse ela, inclinando-se sobre o balcão para olhar a praia. - Cathleen está se divertindo, não?

À coleção de conchas no balde de praia juntou-se mais uma quebrada, colocada aos pés de Ty. Os dois adultos cansaram-se de andar pela praia e estenderam as toalhas na areia para apreciar a garotinha de cinco anos.

- Vá pegar outras. - Ty incentivou a irmãzinha. Fitas verdes-esmeralda enfeitavam o rabo-de-cavalo negro de Cathleen, combinando com o maio que ela estava usando. Cathleen estava afastada, fugindo cheia de energia das ondas, e o rabo-de-cavalo balançava.

- Sua irmã é uma gracinha, Ty - declarou Tara, admirando silenciosamente como uma criança podia ser tão linda. - Ela se parece muito com sua mãe.

- O que você acha de meus pais? - Voltara os ombros para ela, contra a luz do sol que se refletia sobre os músculos bem-desenhados.

- Seu pai é quase exatamente do jeito que eu imaginava - admitiu ela. - Mas fiquei surpresa com sua mãe, tão moderna e sofisticada. Achei que ela seria uma daquelas mulheres submissas e mal vestidas que só sabem cozinhar.

- Eu disse que ela era especial - lembrou Ty.

- Os filhos são muito parciais a respeito das mães - contrapôs ela.

- Sua mãe não parece ter um filho da sua idade.

- Ela era muito nova, ainda adolescente, quando eu nasci. - Não era hora nem lugar para entrar em detalhes sobre o passado.

Na testa de Tara desenhou-se uma ruga superficial.

- Sempre tive pena das garotas que ficam presas aos filhos quando jovens. Elas perdem muita coisa. - A expressão de Tara suavizou-se em um sorriso, dizendo o que queria a Ty, mas atenuando o impacto da mensagem. - Ainda faltam mais alguns anos até que eu me prenda com crianças ou marido. Há muito por aí para eu ver e fazer antes.

- Já lhe ocorreu a ideia de que um marido poderia ver e fazer isso tudo junto com você? - A pergunta denotava ligeira tensão. Ela era parte de todos os seus sonhos, embora não parecesse pensar em incluí-lo nos seus.

- Um marido? Um homem só? Que monótono!

O ponteiro do medidor de gasolina dapick-up estava oscilando próximo à marca vazio quando Chase chegou às bombas de gasolina localizadas em frente à mercearia e aos correios de Blue Moon. Reconheceu outra pick-up empoeirada da frota da fazenda, já estacionada junto às bombas.

Chase acabara de descer da caminhonete quando viu Ty saindo do armazém, inclinando a cabeça para acender um cigarro. O pai teve um segundo para analisar o filho sem ser observado, e gostou do que viu. Osjeans desbotados e empoeirados, as botas puídas à altura dos dedos, com saltos gastos e marcas negras no local onde geralmente se adaptam as esporas, a camisa de cambraia já um pouco usada, e o chapéu de vaqueiro manchado de suor, vestimentas de um vaqueiro em trabalho. Os cabelos de Ty haviam crescido demais no comprimento, mas Chase fez vista grossa quanto a esse detalhe.

Ty olhou para cima após jogar fora o fósforo. Houve um segundo de hesitação ao ver o pai; então, encaminhou-se para a frente com passos despreocupados e ondulantes. Sentiu alguma diferença na atitude do pai, como se estivessem se encontrando em território neutro pela primeira vez em muito tempo. Haviam silenciado sobre as desavenças desde que ele anunciara sua decisão de frequentar a faculdade. Entretanto, um segundo atrás, pensou ter captado um lampejo de aprovação nos olhos do pai.

- Você está vindo da fazenda Phelps? - Ty lembrava-se vagamente da noite anterior, em que o pai mencionou algo sobre ir lá para ver alguns potros.

- Estou. A gasolina não deu para chegar à casa-grande. - Fez uma pausa enquanto Emmett Fedderson espremia o corpo arredondado entre as bombas e apick-up para colocar a mangueira de gasolina no tanque da caminhonete. Levantou a mão, cumprimentando o gerente do estabelecimento, voltando então a atenção para Ty. - Hoje é o seu dia de folga, não?

- É. - Ty estreitou os olhos, protegendo-se dos rolos de fumaça do cigarro em seu rosto. - Estava pensando em ir para casa tomar banho e comer alguma coisa. Alguns caras vão para o Sally's esta noite.

- Quando tinha a sua idade, o dono do lugar era um homem chamado Jake. - Sorriu distraidamente o pai. - Era o único bar em vários quilómetros.

- Ainda é. - Ty abriu um sorriso.

- Bem diferente dos lugares noturnos a que você está acostumado na faculdade. - Aquilo era uma observação para testá-lo.

- É verdade que um homem aqui não tem que pensar muito para saber onde vai passar a noite de sábado - concedeu Ty afetuosamente. Chase relaxou um pouco, aliviado em saber que o filho não estava ansioso por programas mais sofisticados. - Se não estiver com pressa de ir para casa, podemos ir ao Sally's. Eu pago uma cerveja.

- Tudo bem. vou pagar Emmet e encontro você lá. - Interiormente estava contente, apesar de aceitar casualmente o convite do filho. Há muito não se aproximavam. Talvez precisassem sentar com uma cerveja e ganharem intimidade de novo.

O primeiro grupo do sábado à noite costumava chegar depois do jantar, assim, quando Ty estacionou a caminhonete em frente ao café-bar, outras pick-up já estavam no local. Os fregueses do início da noite consistiam geralmente de pessoas mais velhas e casais com crianças. Eles chegavam cedo, faziam uma refeição e ficavam para alguns drinques. Este grupo costumava sair para pôr os filhos na cama mais ou menos na hora em que a turma mais agitada chegava.

Quando Ty chegou, a maioria das mesas de jantar estavam ocupadas. A máquina automática de música estava em pleno funcionamento, enquanto os garotos circulavam entre ele e os pais, tentando arranjar mais moedas para manter a máquina em funcionamento. Em meio ao ruído dos talheres e da música alta, elevavam-se os risos e muita conversa. O lugar era aconchegante, confortável e caseiro.

- Oi, Ty. O que vai tomar? - Sally Brogan fez a pergunta antes do rapaz acomodar-se numa das mesas vazias. Ela estava se dirigindo a outra mesa, carregando dois pratos em uma mão, equilibrando um terceiro no antebraço e um quarto na outra mão.

- Duas cervejas. - Puxou a cadeira e sentou-se, sorrindo diante da informalidade amigável do local.

Sally Brogan serviu mais duas mesas antes de colocar os dois copos de cerveja espumante sobre a mesa.

- Como vão as coisas? - Por mais cheio que estivesse o café, nada parecia alterar a serenidade daquela mulher ruiva.

- Tudo bem - assentiu Ty. Ela era uma mulher agradável, elegante e atraente em seu jeito tranquilo. Era como a irmã ou mãe de todo mundo, dependendo da idade.

- Como vai a faculdade? Esqueci em que você está se especializando.

- Franziu o cenho.

- Ciência agrícola e administração animal, com menor ênfase em administração comercial. O que mais poderia fazer um futuro fazendeiro?

- brincou secamente.

- Agora aprendi - sorriu em resposta.

- Sally? - A outra mulher servindo as mesas chamou-a. - DeeDee precisa de você na cozinha.

Ele tomou um gole de chope e limpou a espuma em torno dos lábios com as costas das mãos. A reação dela era típica daquele local quando o assunto era a faculdade. Ali, especialmente na comunidade da fazenda, quem tivesse um diploma de segundo grau era considerado afortunado, consequentemente eles não se sentiam à vontade para falar sobre sua escolaridade avançada. Fora censurado por usar palavras complicadas e, brincando, lhe haviam pedido para falar inglês comum, embora houvesse um quê de seriedade nas brincadeiras. Na maioria dos casos, Ty aprendera a suprimir seu conhecimento em uma tentativa de pô-los à vontade.

A porta do café se abriu com a entrada do pai. Procurando o lugar onde Ty estava sentado, dirigiu-se por entre as mesas até chegar à cadeira em frente ao filho.

- Oba, esta cerveja está com uma cara boa - exclamava ele, levantando o outro copo. - Phelps me deixou com sede. - Referia-se ao dono da fazenda que visitara à tarde.

- Ele tinha bons cavalos? - perguntou Ty.

- Uns dois, mas queria muito dinheiro por eles.

Enquanto tomavam as cervejas, discutiram sobre cavalos e trocaram opiniões sobre os modos de procriação. Chase terminou a cerveja e pousou o copo na mesa, debruçando-se sobre ela.

- Está com fome? - inquiriu Ty. - Esta cerveja me lembrou de que não almocei.

- Estou. - A fome parecia aguçar seus sentidos, tornando o aroma proveniente da cozinha mais tentador. Era quase como estar em volta de Tara, embora Ty duvidasse que ela apreciasse a comparação. - Você acha que mamãe preparou o jantar?

- Por que você não telefona e diz a ela para não fazer nada? - O pai recostou-se na cadeira, esticando-se e olhando o bar repleto. - vou pedir a Sally para colocar dois bifes na grelha para nós. Ela está aqui?

- A última vez em que a vi estava indo para a cozinha. - Ele não tinha percebido se ela saíra de lá.

- Você liga para sua mãe enquanto faço nosso pedido.

- Tá. - Ty levantou-se da cadeira e enfiou a mão no bolso dojeans confortável, retirando uma moeda para pagar o telefone instalado na parede dos fundos, próxima ao banheiro. Enquanto caminhava numa direção, o pai fora para outra, dirigindo-se para a cozinha. Cathleen atendeu o telefone na casa-grande. Teve de falar com a irmãzinha de seis anos alguns minutos antes que ela finalmente chamasse a mãe ao telefone.

- Algo errado, Ty? - A voz demonstrava preocupação.

- Nada errado, a não ser que você tenha começado a preparar o jantar - replicou ele.

- Ainda não. Estava esperando seu pai chegar em casa para começar a fritar a galinha. Por quê? Pelo visto você não vem jantar hoje - respondeu à própria pergunta.

- Não. E nem papai - informou-a. - Encontrei com ele a caminho da fazenda Phelps. Agora estamos no Sally's e vamos comer alguma coisa, portanto não se preocupe em cozinhar para nós.

- Está bem. - A reação de Maggie oscilou entre contentamento, porque Chase e Ty evidentemente estavam se dando tão bem que queriam prolongar o tempo juntos, e desconforto, por Chase estar no bar de Sally. Parecia-lhe que ultimamente ele parava bastante por lá, ou talvez ela estivesse sensível porque as coisas não estavam bem com eles.

- Não sei a que horas papai vai voltar, mas eu provavelmente vou chegar em casa tarde - avisou Ty.

- Entre em silêncio para não acordar Cathleen. - O filho já estava em uma idade em que não lhe competia ditar as horas.

- Ela sempre acorda quando estou entrando. - Ele deu uma risada.

- Eu me saio melhor quando subo as escadas. Aí ela nunca me escuta.

- Tome cuidado e dirija com atenção. O mesmo para seu pai. - Ao desligar, Maggie especulou por que Ty e não Chase lhe havia telefonado. Mas não queria pensar no assunto.

Ao puxar a porta da cozinha, Chase foi presenteado pela visão de Sally em mangas de camisa, esticando a cabeça para olhar sob a enorme pia de lavar pratos. DeeDee Rains, a mulher alta que cozinhava, sorriu e abriu a boca para falar com ele, mas Chase colocou os dedos nos lábios em sinal de silêncio. O sorriso alargou-se compreensivo, ao vê-lo mover-se silenciosamente por trás de Sally, inclinando-se sobre a pia.

- Perdeu alguma coisa? - perguntou ele.

O som inesperado da voz dele surpreendeu-a. Tentou equilibrar-se sobre os saltos tão rapidamente que bateu com a cabeça na pia. Estava esfregando um galo sob a massa de cabelos ruivos quando finalmente fitou-o com olhos acusadores, mas um sorriso que o perdoava. O calor da cozinha e o esforço despendido sob a pia trouxeram a seu rosto pálido um leve colorido.

- Desculpe, Sally. Você se machucou? - Chase curvou-se ao lado dela, estendendo a mão em direção ao local em que batera a cabeça. Retirou a mão sem encontrar qualquer protuberância.

- Não fiquei maluca, se é o que está pensando - replicou ela, sem conseguir disfarçar o prazer que se acendera em seus olhos azuis.

Chase percebeu a chave inglesa na mão dela.

- Qual é o problema?

- A água começou a jorrar da torneira de água quente - explicou ela com um suspiro profundo. - Felizmente era só uma conexão frouxa. No começo pensei que era um cano quebrado, e já podia ver os lucros desta semana irem por água abaixo, literalmente.

- Me dê a chave inglesa. vou me certificar de que está bem apertado.

- Tem muita água no chão - alertou Sally. - Cuidado para não escorregar nem se molhar.

Enquanto ele dava algumas voltas com a chave inglesa, assegurando-se de que o engate estava bem ajustado, Sally pegou um esfregão esfarrapado e começou a secar a água empoçada no chão de linóleo. Ao terminar, Chase ficou de pé, supervisionando a limpeza do assoalho.

- Você esqueceu uma área. - Apontou para um local onde ainda havia um brilho de água.

- O que está fazendo na cozinha? - Sally passou o esfregão no local molhado, apoiando-se no cabo comprido. - Quero dizer, além de dar ordens.

Ele soltou uma risadinha com a pergunta.

- Vim aqui pedir para você passar dois filés bem grossos na grelha.

- Dois? - repetiu ela. - Primeiro vem o Ty e pede duas cervejas, e agora é você pedindo dois... - Deteve-se, finalmente captando as evidências. - Você e Ty estão juntos?

Ele balançou a cabeça afirmativamente, usufruindo o suave contentamento que iluminou a expressão de Sally.

- Percebi que não falava com meu filho há muito tempo. Não sei se porque estamos ambos longe da fazenda ou outra coisa. Eu... - parou, dando-se conta de que não deveria estar dizendo isso a Maggie.

- Fico feliz por você - insistiu ela calmamente, distanciando-se também. - Fico feliz por vocês dois. - Virou-se um pouco para chamar a cozinheira. - Passe dois grossos, DeeDee. - Hesitante, voltou o olhar para Chase, desviando-se em seguida. - Acho melhor colocar este balde no quarto dos fundos.

Deu um passo, esquecendo que o chão molhado estava escorregadio.

O pé deslizou sob ela. Instintivamente, Chase adiantou-se, estendendo os braços para agarrá-la, pressionando-a contra seu corpo e equilibrando-a. Sally apertou a mão contra o peito, inclinando a cabeça, rindo trémula.

- Meu coração está batendo como um louco - declarou Sally.

- É? - Chase sentia a suavidade da mulher apoiada nele, os quadris arredondados e os movimentos pesados dos seios. Colocou a mão em volta do pescoço dela, como se buscando a pulsação da veia, afagando-lhe o queixo com o polegar. Sentiu a mudança provocada em Sally com o carinho, empertigando-se, subitamente tensa.

- Chase - sussurrou, alertando-o contra a direção dos pensamentos dele.

- Existem ocasiões em que um homem se cansa de lutar o tempo todo, Sally - ele murmurou -, quando tudo o que quer é viver a vida em paz. Você é uma mulher notável, tão calma e tranquila. Preciso dessa força.

- Você sempre me vê forte, mas eu não sou forte, Chase. Sou fraca. Sei que você não me ama e nunca vai me amar. E no entanto, aqui estou eu. - Sentiu a sua entrega, entrega que não esperava nada em retorno: nem mentiras nem promessas. Ela não lhe pedia amor, pois sabia que este já pertencia a Maggie.

Seria tão simples desfrutar do conforto daquele corpo... tão simples. Inclinou a cabeça, a boca suspensa sobre os lábios suaves e convidativos. Sentia o fluxo da respiração dela em seu rosto; o odor vivo da comida misturado com o cheiro de Sally. Seu apetite tentou-o a tomar o alimento que lhe era oferecido.

Diante da grelha enorme e plana, DeeDee Rains virou os nacos de carne chiando, de pé, de costas, enquanto a gordura respingava, a fumaça e o vapor produziam um silvo de calor. A cozinheira estava consciente do casal atrás dela, considerando-os dentro do padrão familiar de um antigo caso de amor.

A porta da cozinha oscilou, chamando-lhe a atenção. Durante intermináveis segundos, manteve-se entreaberta, então foi solta e fechou. Provavelmente o par fora visto, mas DeeDee não tinha certeza. Já imaginava como aquilo ia terminar.

O orgulho dos Calder abaixava a maioria das cabeças dos homens, mas também depositava sobre eles um grande peso. Ela sabia que o orgulho não lhes dava chance. Ao ver o casal separar-se com o beijo não consumado, DeeDee não se surpreendeu. Não importava como aquilo terminasse aquela noite, nada adviria dali. O orgulho era um sentimento engraçado. Tanto podia quebrar um homem como torná-lo mais forte.

Ela não disse uma palavra a Sally quando esta aproximou-se da grelha, ocupando-se em reabastecer o suprimento de pão. O rosto de Sally estava pálido e os olhos brilhantes, próximos às lágrimas. Ao passar por trás dela para pegar um punhado de batatas fritas no congelador, DeeDee passou a mão sobre o ombro de Sally, apertando-o suavemente. Sally agarrou aquela mão, mantendo-a sobre seu ombro um segundo mais, soltando-a logo após, alisando a frente do avental.

- Parece que vamos ter uma noite movimentada - declarou com vivacidade forçada, as vozes e as gargalhadas vigorosas compondo um pano de fundo ao mesmo tempo estável e barulhento.

Ty inclinou-se sobre a mesa, ambas as mãos envolvendo o segundo copo de cerveja. Já engolira um drinque, mal sentindo o gosto. O choque que tomara ao ver o pai beijando Sally Brogan deixara-o estupidificado. Era como se não conseguisse sentir nada, embora o tempo todo sua mente buscasse desesperadamente algo em meio à ausência de pensamentos. Sentia-se traído, mas não sabia como ou por quê.

A outra cadeira foi puxada, obrigando Ty a olhar para cima. O rosto de seu pai não expressava nada, mas parecia dissimulado quando se sentou. O sangue correu mais rápido nas veias de Ty, eliminando um pouco a insensibilidade.

- Falou com sua mãe?

- Falei. - A voz soava tensa, com um traço áspero, enquanto Ty tentava decidir se deveria confrontar o pai com o que vira. - Por que demorou tanto na cozinha? - Lançou um olhar desafiador em direção ao pai, baixando-o rapidamente para o copo de cerveja que segurava.

- O engate do cano da pia da cozinha estava frouxo, aí eu ajudei Sally a apertá-lo. - Era uma resposta simples e direta, uma desculpa prontamente arranjada. Ty soltou uma gargalhada curta e abafada.

- Qual é a graça?

A dúvida entrou em choque com o ódio abrasador, pois uma parte de Ty não queria acreditar no que vira. Queria achar outra explicação. Talvez seu pai estivesse somente consolando Sally, ou ela estivesse com algum cisco no olho. Talvez somente parecesse que ele ia beijá-la. Ty amaldiçoou a si mesmo por não ter olhado mais.

O pai esperava resposta. Ty levantou o copo de cerveja em direção à boca.

- Não consigo ver Chase Calder como bombeiro. - Virou um gole de cerveja goela abaixo, deixando-a ali para lavar o gosto amargo que se impregnara em sua língua. Por fim, deixou a cerveja descer pela garganta, sem desviar o olhar da caneca de chope novamente entre as mãos. - Sempre pensei que você era especial. - As mãos apertaram-se em torno do copo, embranquecendo as juntas.

A observação levou Chase a lembrar a insistência de Maggie de que o filho o considerava como algum deus mortal. Não poderia sentir-se menos semelhante a um deus do que agora.

- Sou um homem, Ty. - Sentiu um cansaço imenso, cansaço por alguém esperar que fosse forte quando sentia dificuldade em ser forte consigo mesmo. - Sinto-me sozinho e cansado... e farto como outra pessoa qualquer.

Parte da resposta acarretou uma reação.

- Por que se sente sozinho se tem mamãe? - Desta vez Ty levantou o olhar para o pai, procurando ocultar o brilho de raiva em seus olhos.

- Não é porque você ama alguém que você deixa de se sentir sozinho - replicou, enquanto os olhos apertados percorriam Ty atentamente.

Sally Brogan aproximou-se da mesa carregando dois pratos cobertos com batatas fritas e filés. Ty evitou encará-la, levantando o copo de cerveja para bebê-la de um só gole enquanto ela colocava a refeição em frente a ele, junto aos talheres de prata enrolados em guardanapos, as facas de carne pousadas sobre a comida de aparência convidativa.

Impulsionou a cadeira para trás, apoiando-a nos pés traseiros, observando o pai enquanto a mulher ruiva colocava o prato diante dele e parava ao seu lado.

- Mais alguma coisa?

- Pra mim não, obrigado - recusou o pai, com ar reservado, lançando-lhe um olhar rápido que parecia cheio de arrependimento.

- E você, Ty? - disse bem tranquila e natural.

Ele apoiou a cadeira nos quatro pés com um ruído pesado.

- Quero outra cerveja. - Empurrou a caneca vazia em direção a ela sem olhá-la por um momento sequer.

Trocaram o sal e pimenta sem falar. Um copo de cerveja gelada foi colocado diante de Ty e ele resmungou um obrigado curto. A comida parecia ocupar a atenção de ambos, no entanto os pensamentos de Ty continuaram concentrados na descoberta sobre o pai.

Se sua mãe algum dia descobrisse que o pai estava mantendo relacionamento com Sally Brogan, iria ficar terrivelmente magoada. Como um homem podia amar uma mulher e fazer-lhe isto? Ainda que este relacionamento fosse diferente do seu com Tara: amava-a enquanto usava outras mulheres para satisfazer os desejos de seu corpo? Rejeitou a comparação de imediato. Quando estivessem casados não seria assim.

Não sabia como lidar com a situação, por um lado odiando o pai por trair a mãe daquela maneira, e por outro arranjando desculpas que pudessem justificar o comportamento de Chase. Todas as vezes que o fel amargo do ressentimento assomava em sua garganta, ele o engolia com a cerveja gelada.

Quando terminaram a refeição, o pai pediu uma xícara de café, e Ty outra cerveja.

- Em algumas semanas você vai embora para começar o último ano da faculdade. - O pai acendeu um charuto fino e soprou a fumaça para cima, misturando-a à névoa próxima ao teto. - Acho que você sabe, sempre vou achar que teria aproveitado melhor o tempo na fazenda. Finalmente está quase terminando e você vai voltar para sempre. - Vendo que Ty não respondia, Chase levantou a cabeça, sentindo que algo estava errado. Ou você tem outros planos que eu não conheço?

- Não, nenhum. - O copo úmido de cerveja deixou um círculo molhado sobre a mesa, e Ty circulava o copo dentro daquele perímetro. vou voltar quando me formar.

- Por um momento, você me deixou em dúvida. - A boca relaxou-se em um imenso sorriso. Houve uma pequena pausa, um momento de calma que foi se deixando tomar pelo zumbido crescente das vozes e risadas no fundo, até que o pai falou novamente. - Dyson vem nos visitar num dia qualquer da semana que vem. Ele telefonou hoje de manhã, dizendo que estaria em Wyoming e como estava tão próximo decidiu pegar dois dias e parar na fazenda.

- Tara vem com ele? - Ty teve de perguntar.

- Ele não mencionou isto. - Passou os olhos por Ty enquanto batia a cinza do charuto no cinzeiro. - Você tem intenção séria em relação a ela?

- vou me casar com ela - afirmou.

O pai levou algum tempo assimilando a afirmação enquanto rodava o charuto preguiçosamente.

- Ela é uma garota bonita. - O olhar correu com preguiça forçada para Ty. - Tem certeza de que a ama?

Ninguém jamais lhe explicara o que era o amor. com Tara, descobrira que o amor era a fome... uma ânsia arrebatadora que o consumia até que a desejasse da maneira como um homem faminto venderia sua alma por um pedaço de pão.

- Tenho certeza.

- Não vou dizer que você é muito jovem para casar, mesmo achando que seja. Se ela o enfeitiçou como acho que está enfeitiçado, você não sabe o que está sentindo e não vai ouvir ninguém. Mas se realmente a ama, traga-a até a fazenda antes de casar... para o bem dela.

- Por quê? - Naquele momento, Ty se ressentiria contra qualquer conselho paterno em relação a casamento ou mulheres.

- Algumas pessoas não conseguem se acostumar ao isolamento. A vida aqui não é igual à que ela conhece. Não existem teatros ou butiques elegantes ou clubes sociais, ou muitas coisas naturais à vida dela. Ela tem o direito de saber que tipo de vida terá depois do casamento.

- Mamãe gosta daqui - afirmou ele.

- Sua mãe nasceu no campo. Tara foi criada na cidade.

- E isto faz tanta diferença? - Um traço de sarcasmo surgiu na voz de Ty, com a constante volta ao assunto.

- Se ela não gostar daqui, você se verá diante de um problema insuperável - avisou o pai. - Todo casamento tem seus problemas.

- Qual é o seu? - perguntou Ty.

O pai reclinou-se para trás, seus olhos estreitavam-se.

- Este é um assunto particular entre mim e sua mãe, algo que temos que resolver sozinhos.

- Primeiro você tem de querer resolver. - O relacionamento entre os pais já não estava bom há algum tempo, desde que haviam assumido posições antagónicas na questão de sua educação universitária. Talvez a solução do pai tivesse sido arranjar uma amante.

- Se você está querendo insinuar alguma coisa, fale claramente desafiou o pai. - Caso contrário, não fique tentando dar conselhos sobre assunto que não conhece.

A reprimenda forçou Ty a conter suas acusações já meio prontas, mas o fez de má vontade. Como um adulto de 21 anos, queria respeitar a privacidade dos pais. Entretanto, como filho, não podia ficar indiferente. Levantou o copo de cerveja, sentindo-se interiormente inquieto e zangado. A outra garçonete aproximou-se da mesa com o bule de café para encher a xícara de Chase, mas ele cobriu-a com a mão.

- Não quero mais, não. Está na hora de ir para casa, antes que Maggie comece a pensar que me perdi. - Pagou a conta que fora deixada sobre a mesa e levantou-se. - Hoje o jantar é por minha conta.

Após a saída do pai, Ty ficou sentado sozinho na mesa mais um pouco. As cervejas que tomara estavam começando a fazer efeito. Tinha dificuldade em ordenar os pensamentos. Sua mente ia e voltava do pai para Tara. Queria falar com ela - ouvir a voz dela.

Levantando, enfiou a mão no bolso da calça, retirando algumas moedas. O movimento pareceu fazer o sangue correr mais rapidamente dentro dele. Subitamente, estava se sentindo bem, solto e sem problemas. E se havia alguma irritação, algum mau humor, isto só fazia intensificar os outros sentimentos.

O bar-restaurante havia enchido. Algumas das famílias com os filhos mais jovens estavam indo embora, enquanto os vaqueiros e empregados da fazenda lotavam o café em grupos de dois ou três. Ty conhecia a maioria deles de vista ou de nome. Eles o cumprimentavam, e ele retribuía as saudações enquanto se dirigia ao telefone na parede exterior do toalete.

Um jogador de bilhar inclinado sobre a mesa de sinuca impulsionou o taco para trás. Ty desviou-se do taco e esbarrou num garoto de cabelos louros bem claros de dezoito anos, o rosto sardento bronzeado, exceto na faixa clara na testa.

- Desculpe, Andersen. - Ty pediu desculpas ao filho de uma família dona de terras limítrofes à Triplo C. Havia uma infinidade de garotos e Ty nunca conseguia guardar seus nomes.

- Tudo bem. - O garoto magricela saiu do caminho, permitindo a Ty entrever a garota que estava com ele.

- Oi, Jessy. - Havia um certo deboche em seu sorriso preguiçoso enquanto usava o dialeto local. - Diabos, nunca te vejo sem chapéu. Desarrumou a cabeleira compacta, a penumbra obscurecendo os raios dourados. - Parece que a melhor laçadora da Triplo C finalmente laçou um namorado.

- Talvez algum dia eu possa te ensinar a laçar tão bem quanto eu replicou ela.

Ty cutucou o garoto Andersen com o cotovelo.

- É melhor tomar cuidado com ela. Não tem papas na língua. Não percebeu osjeans brancos que ela estava vestindo ou o corte da blusa azul-brilhante.

Sem esperar resposta do garoto silencioso, saiu em direção ao telefone. Quando a telefonista entrou na linha, deu o número no Texas, colocando a quantidade necessária de moedas para a chamada.

- Alo, gostaria de falar com Tara. - Colocou a mão sobre a orelha, tentando evitar o barulho da máquina de música e do bar.

- Quem está falando?

- Ty Calder. - A mesma voz impessoal pediu que esperasse. O que Ty fez, impaciente.

- Alo, Ty? Aqui é E.J. Tara saiu. Era alguma coisa importante? O sentimento gostoso esvaiu-se. Franziu o cenho, tentando produzir uma explicação para a chamada.

- Só queria falar com ela - resmungou, repetindo-se. - Só queria falar com ela, só isso.

- Ty, você está bêbado? - ecoou Dyson, meio divertido.

- Não, senhor, ainda não. - Mas a ânsia estava presente, o álcool apagava toda a confusão. - Diga a ela que telefonei. - Sentiu uma precipitação de raiva por não encontrá-la em casa. Não encontrá-la deixou-o tenso ao desligar o telefone.

Com o canudinho, Jessy mexeu o gelo no copo de Coca. Voltava a olhar com frequência para a mesa de sinuca em que Ty estava, com um taco na mão e uma garrafa de cerveja na outra. Tentava segurar os dois, mesmo quando era sua vez de jogar, ao mesmo tempo que um cigarro pendurado em sua boca obrigava-o a semicerrar os olhos para proteger-se da fumaça.

As pernas longas e musculosas não apresentavam muita estabilidade. Mal conseguia controlar seus movimentos, meio cambaleantes. Jessy não tinha ideia de quantas daquelas garrafas de cerveja de gargalo longo ele entornara, mas estava prestes a se tornar um bêbado divertidíssimo. Tanto as gargalhadas como a voz dele soavam alto, embora uma onda de raiva parecesse percorrê-lo. Ela sentia um traço de impaciência e desagrado no comportamento dele, apesar de ignorar os vaqueiros com quem estava, todos no mesmo estado de embriaguez.

Inclinou a cabeça, sorvendo a Coca-Cola aguada pelo canudinho. Leroy Andersen usava a tampa da mesa como tambor, batendo os dedos em compasso com a música da máquina, e os ombros ondulando no ritmo. Jessy desistira de tentar conversar com ele, cansada de competir com a música pela atenção do garoto. Os dedos deram uma batida final, terminando junto com a canção.

- Isto é que é ritmo. - Esfregou as mãos nas coxas, olhando-a em busca de concordância.

Ela sorriu desanimada em resposta sem dizer nada. Pessoalmente não gostava daquela música, e nem das outras canções selecionadas por Leroy.

- Quer escolher algumas músicas? - sugeriu ele.

- Por que não? - As opções de entretenimento eram limitadas, já que Leroy não falava e, apesar de todo o ritmo, não sabia dançar. Todas as amigas dela faziam alvoroço com um encontro no sábado à noite, como se fosse alguma honra especial, não importa qual rapaz convidasse. A pressão a fazia pensar que havia algo errado com ela se não aceitasse um convite em princípio. Só que Jessy invariavelmente se sentia entediada. Ela se divertia mais quando saíam em dois casais ou em grupo.

A máquina automática continuava a tocar as músicas selecionadas, enquanto Leroy fazia o copo de tambor. Jessy não sabia nem mesmo por que estava olhando as opções musicais. Elas não haviam mudado durante todo o verão.

- Ei, me traz outra cerveja. - Era Ty fazendo o pedido, e Jessy se virou. Estava passando o taco para outro jogador quando a viu na máquina. A música foi mudada e a canção Cotton-eyed Joe ecoou nas caixas de som.

- Que tal esta? - perguntou Leroy e ela olhou para ver qual ele escolhera, convicta de antemão de que não ia gostar.

Sentiu um braço envolvê-la pela cintura, arrastando-a para o lado. Sua respiração acelerou-se de perplexidade. Ty sorriu preguiçosamente para ela, com um brilho gozador nos olhos meio toldados. Os quadris dela estavam grudados na coxa de Ty, os ombros e braços dela incomodamente aprisionados contra o seu tórax. Sentia o coração batendo loucamente no peito.

- Não vi você dançar nem uma vez esta noite, Jessy. - A voz potente soava fraca. - Vamos ver se você é tão boa dançando quanto em cima de um cavalo.

- Ty Calder, você está bêbado.- ela o acusou.

- Estou pedindo para dançar com você. - Franziu o cenho, zangado. Não vá me dispensar. - Então olhou por sobre ela com um alegre sorriso de desrespeito para o acompanhante de Jessy. - Você não se importa, não é, Anderson?

- Não me importo, sr. Calder.

- Ouviu isso? - Arqueou uma sobrancelha negra exageradamente, até a testa bronzeada, olhando de novo para Jessy. - O sr. Calder tem a permissão do seu namorado para dançar com você. - com um movimento de cabeça, fez uma reverência de formalidade jocosa.

- Tudo bem, vamos dançar - concordou ela. - Se você conseguir ficar de pé o tempo todo.

Afrouxou um pouco o abraço para que pudessem dar alguns passos até o espaço livre para dançar. Ao virar-se de frente, o braço em torno dela novamente apertou Jessy contra seu corpo. Os quadris de ambos estavam quase colados enquanto ela empurrava a coxa dele, buscando espaço para os pés, sem pisar nas botas de Ty. O contato assinalava cada movimento dele com antecedência, tornando mais fácil segui-lo, mas aquela proximidade que lhe permitia sentir cada fibra dos músculos do rapaz era perturbadora.

Nas primeiras voltas em torno da pequena área, ele parecia estar esforçando-se intensamente para coordenar os pés de forma correta. Jessy já estava começando a duvidar se Ty estava tão bêbado quanto pensara inicialmente. Neste momento, ele perdeu a concentração e tropeçou.

- Desculpe - murmurou Ty, quase pisando no pé dela. Apertou-a mais, e Jessy se deu conta de que Ty estava confiando no equilíbrio dela. O chapéu sobre a testa, sombreando os traços dele, ocultava a luta por um instante de sobriedade.

- Talvez seja melhor eu guiar e você me seguir - sugeriu ela. Ty empertigou-se.

- Uma ova que vou deixar você me guiar. - Começou a rodopiar com ela pela pista de dança, mal deixando os pés de Jessy tocarem no chão.

Quando a música finalmente terminou, ele parou e soltou-a. Oscilando desequilibrado, tirou o chapéu e tentou fazer uma reverência em tom de gozação, cambaleando para o lado. Jessy segurou-o, auxiliando-o até uma cadeira que alguém colocara ali para eles.

- Ufa! - Ty tentou parecer ofegante, mas suspeitou de que o salão inteiro estava olhando para eles. - Preciso de outra cerveja.

- Você já tomou o suficiente - afirmou ela.

- Tem razão - concordou Ty inesperadamente, levantando-se e assegurando-se do apoio nas costas da cadeira. - Está tarde. Tenho que ir para casa. - Começou a vasculhar os bolsos. - Onde estão as chaves?

- Em seguida, gritou para o salão: - Alguém viu minhas chaves?

- Você não está em condições de ir para casa dirigindo - anunciou Jessy, enquanto ele cambaleava.

- Deixei-as na caminhonete - lembrou-se, oscilando em direção à porta.

Alguém o agarrou antes que tropeçasse em uma mesa, e Jessy arremessou-se para diante, colocando o braço dele sobre os seus ombros, guiando-o na direção certa.

- Jessy, aonde você vai? - Leroy surgiu ao lado dela, fechando a cara enquanto caminhava tentando acompanhá-la.

- Ty está bêbado demais para dirigir. Apick-up dele está lá fora, e vou levá-lo para casa. De qualquer jeito, já está tarde. - Ela lutava contra o peso dele, que estava se apoiando mais nela do que em suas pernas instáveis.

- Quer que eu vá com você? - Leroy não sabia bem o que fazer.

- Não é preciso você nos seguir todo este percurso até a fazenda e depois voltar sozinho para casa. - Na verdade, ela estava aliviada em dar um fim prematuro ao encontro.

com a ajuda dos outros cavaleiros da Triplo C, Jessy conseguiu manobrar Ty até a caminhonete. Protestou quando ela se sentou atrás do volante, insistindo em que podia dirigir. Mas ela o ignorou.

- Você pensa que estou bêbado, né? - Pronunciava as palavras indistintivamente. Ao tentar deixá-la sem graça, a imagem de Jessy começou a confundir-se como se estivesse tentando separar-se em duas. Ty não tinha certeza, mas achava que ela nem ao menos o estava olhando. - bom, eu estou mesmo - informou orgulhosamente, agarrando-se à porta quando ela acelerou a pick-up em uma curva fechada na pista dupla. - Sou um Calder, você sabe. - Firmou-se à espera de outras curvas inesperadas que não vieram. - E um Calder sempre faz o que quer. - Tentou pronunciar as palavras claramente. - Esta noite quis ficar bêbado e consegui.

- Conseguiu mesmo - murmurou Jessy.

A cabeça caiu pesada, o peso maior do que o pescoço poderia aguentar. Ty afundou-se no banco, jogando a cabeça para trás, apoiando-a no encosto. O chapéu foi projetado para diante, caindo em ângulo sobre os olhos.

O facho dos faróis iluminava o asfalto irregular à frente da caminhonete, e o capim alto e as ervas daninhas encobriam as faixas à beira da estrada. A escuridão ao redor era total. Ty olhava as bordas do cerrado, mas o veículo ia muito rápido para que conseguisse firmar um pouco a vista.

A noite inteira ele vestira uma máscara jocosa de bom humor para ocultar a raiva, entretanto agora o espetáculo acabara. A língua tinha um gosto amargo. As coisas deveriam ser tão perfeitas e corretas, no entanto nem mesmo seus pais estavam contentes. Um ódio cego golpeou-o ao pensar no pai, sempre tão desgraçadamente honrado e pregando suas malditas ideias. Todos deveriam viver de acordo com elas, menos ele.

Embriagado, Ty abaixou os vidros da janela lateral, deixando o ar entrar na pick-up, e jogou-se novamente no assento. Após o primeiro doce aroma do ar puro, sentiu a pressão do vento contra si, sem deixá-lo levantarse, sem dar-lhe descanso. Estava cansado de enfrentá-lo, sem desviar-se um instante sequer, temeroso de que isto pudesse ser interpretado como sinal de fraqueza.

A caminhonete desacelerou, fazendo a curva para o portão leste da fazenda. Sua mente grogue estava por demais lenta para reagir ao que seus olhos viam. Eles há muito já tinham ultrapassado o portão menor, sem que Ty percebesse onde estavam.

- Encoste o carro. - Teve que ensaiar umas duas tentativas antes de conseguir sentar-se mais ereto no assento. A velocidade da caminhonete não mudou. - Eu disse para encostar - ele repetiu a ordem.

- Não posso parar no meio da estrada - explicou Jessy.

- Você vai ter de esperar até que haja espaço na beira da estrada para a gente descer do carro.

- Quero que você encoste a caminhonete agora. - Agarrou o volante, virando-o ele mesmo.

A pick-up deu uma guinada acentuada em direção à vala, e o movimento repentino jogou-o para longe do volante. Jessy conseguiu desviar bem na hora, o coração ribombando na garganta até que os faróis afastaram-se do buraco negro que corria paralelo à estrada. Quando ele tentou agarrar o volante de ferro novamente, furiosa, a garota deu-lhe um empurrão.

- Você vai matar a gente. - Foi forçada a reduzir a velocidade da caminhonete para controlá-la. - Se quer vomitar, é só colocar a cabeça para fora da janela.

- Não. Pare a caminhonete para eu descer. - Ty buscou as chaves às apalpadelas.

- Tudo bem. Tudo bem. - Ela estava furiosa com o comportamento idiota e perigoso dele. Colocou o pé no freio e apick-up derrapou até parar. - Pronto, paramos. - Ele já estava se virando, procurando desajeitado a maçaneta da porta. Jessy segurou o volante com ambas as mãos, flexionando-as enquanto tentava controlar a raiva que surgira com o medo que havia sentido. Assistiu-o sair dapick-up cambaleando. - Devia simplesmente deixar você aqui - resmungou. - Uma caminhada até em casa ia deixá-lo sóbrio.

Mas a ameaça não foi ouvida enquanto Ty avançava na escuridão, tropeçando para dentro da vala e tentando sair dela umas duas vezes até conseguir. Jessy ficou de olho na silhueta negra que ia se misturando à noite escura. A princípio, pensou que ele estava buscando a privacidade da escuridão para urinar. Então, viu-o parar e olhar em torno, como se estivesse perdido.

Ele se afastou mais ainda da estrada, e ela começou a perdê-lo de vista. Apressadamente, desceu dapick-up para segui-lo. Bêbado como estava, era impossível saber seu grau de consciência. Se ele escorregasse ou caísse em algum lugar, ia levar um bom tempo até achá-lo.

A uns dez metros da estrada ele parou novamente; e Jessy estacou não muito longe. Deixara os faróis da caminhonete acesos, os longos feixes de luz brilhando em ângulos retos a alguma distância atrás. Entretanto, a luminosidade não adiantava, ela estava cercada de sombras. A linha irregular de colinas baixas ao longo furava o céu da meia-noite, empoeirado de estrelas e aceso com a lua nova prateada. Jessy estava suficientemente próxima de Ty, que tinha o contorno escuro de seu corpo bem-delineado.

Os braços dele estavam afastados do corpo, parcialmente levantados em um gesto suplicante que era negado pelos punhos cerrados. A postura era tensa, vagamente desafiadora, os pés separados e a cabeça jogada para trás.

- Você é uma terra solitária e fedorenta! - O grito de raiva saiu de suas profundezas mais angustiadas. - Um sonho. Pensava que tinha um sonho. - A gargalhada bêbada produziu um som horrível. - E foi um pesadelo desde o começo. Você fez um homem de idiota... o fez ver coisas que não existem. Você o fez pensar que só tem mais uma colina. Você o fez prosseguir. Você o fez pensar que as coisas vão melhorar. - A voz fraquejou. - E tudo só fica pior. Você enrola um homem e ele vai afundando cada vez mais.

As pernas de Ty dobraram-se, ele caiu de joelhos. A cabeça pendia melancolicamente. Jessy hesitou, comovida com a explosão de raiva e frustração arrancada das entranhas. Sabia que Ty não queria que ninguém o ouvisse. Esperou até ter certeza de que o silêncio se prolongaria, e então aproximou-se dele lentamente. Estava sentado sobre as ancas, os ombros caídos e a cabeça inclinada para baixo. Ao tocar-lhe no ombro, virou-se para cima com um olhar aturdido.

- Vamos, Ty. - Foi gentil com ele, ajoelhando-se para ajudá-lo a ficar de pé. - vou levá-lo para casa.

- Você sabe onde é? - perguntou ele, lutando para ficar em posição vertical com o auxílio de Jessy. Passou um braço em torno dos ombros dela enquanto a garota mantinha o apoio em volta da cintura dele, guiando-o em direção aos faróis da caminhonete. Um sorriso largo suavizou a expressão de Ty, que deu uma risadinha, divertido com algum pensamento.

- Sempre quis ser como ele - anunciou Ty, fitando Jessy sem saber ao certo quem era ela. - Já te disse isso? - A ironia na voz dele perturbava-a.

- Não. - Jessy achava que estava falando do pai, mas não compreendia exatamente sobre o quê.

Quando chegaram à pick-up, ela abriu a porta de passageiros, ajudando-o a entrar. Várias vezes tentou colocar o pé no estribo até finalmente conseguir encontrá-lo e atirar-se dentro do carro com um empurrão de Jessy, batendo depois a porta.

O esforço pareceu gastar todas as energias de Ty. Estava jogado a um canto quando Jessy entrou no lado do motorista. O ruído de motor dando partida reanimou-o por um instante.

- Diabos, estou cansado - resmungou, acomodando o corpo comprido no espaço entre o assento e a porta.

Pouco menos de um quilómetro depois, Jessy ouviu-o respirando profundamente, adormecido. Dirigiu mais devagar sobre os caminhos acidentados da estrada da fazenda para perturbar o menos possível o sono do rapaz. Tentou convencer-se de que estava simplesmente deixando-o dormir para curar a bebedeira antes de deixá-lo em casa, mas a irritação que sentira interiormente com seu estado de embriaguez evoluiu para uma preocupação carinhosa. A dependência que ele inspirava acendera todos aqueles velhos sonhos que ela tivera com ele. Eles ainda estavam frescos. E se naquela noite ele a decepcionara por não se comportar como um herói forte e corajoso, mostrara-se humano, mais atingível, portanto,

A faculdade não o modificara tanto quanto ela julgara. Era verdade que ele falava melhor do que a maior parte dos vaqueiros - quando estava sóbrio -, mas bem no fundo, Ty era o mesmo garoto solitário que ela idealizara um dia.

Uma luz brilhava nas janelas da casa-grande quando parou a caminhonete em frente aos degraus que levavam à varanda com compridas colunas. A luz refletiu-se irregularmente sobre o assoalho de tábuas corridas. Ao desligar o motor, Jessy olhou para Ty, mas a ausência de movimento e ruído não alterou o ritmo profundo da respiração dele.

Cutucou-o levemente para acordá-lo, mas ele não se mexeu sob o toque da mão dela. Produziu apenas um grunhido de protesto.

- Acorde, Ty. - Jessy mudou de tática, agarrando-o pelos ombros e tentando tirá-lo do canto confortável. - Vamos. Você chegou em casa.

Ele era um peso morto, mas ela não conseguiu levantá-lo. Ty se mexeu, resmungando coisas ininteligíveis, tentando aninhar-se novamente em seu canto. Jessy insistiu, chegando mais perto para obter melhor apoio.

- Aprume-se, Ty - ordenou pacientemente, conseguindo arrancálo de perto da porta. - Vamos, para que eu possa te ajudar até em casa.

A cabeça de Ty pendeu enquanto ele tentava acordar e saber onde estava. O chapéu fora jogado tão para a frente que ele precisou inclinar a cabeça para enxergar.

- Onde nós estamos? - perguntou com imperfeição na fala.

- Estamos em casa. - Ela continuou a usar o plural, como o adulto às vezes faz com uma criança.

O som da voz dela, porém, atingiu a consciência de Ty pela primeira vez, e ele girou a cabeça para olhá-la. A intensa iluminação da luz do quintal não chegava até o interior da pick-up e a luz exterior deixava as sombras escuras dentro do veículo. Entre a luz ofuscada e sua própria visão embaçada, Ty não conseguiu ver com nitidez o rosto da garota que estava com ele. Tinha uma vaga impressão dos cabelos negros e do brilho das bochechas arredondadas. Começou a sorrir.

Satisfeita ao vê-lo finalmente desperto, ou tão desperto quanto poderia estar naquele estado, Jessy afastou-se dele para saltar do lado do motorista e fazer a volta para ajudá-lo a sair da caminhonete.

- Fique aqui - ordenou ela. - Volto num instante.

- Não. - Agarrou o antebraço da garota com a mão, os dedos o pressionavam com força descuidada. - Não vá. Você não vai voltar.

- Claro que vou. - Jessy repreendeu-o, torcendo o braço para libertar-se do aperto forte.

Em vez de afrouxar a pressão, ele a apertou mais.

- Não. - A determinação endureceu a boca de Ty, recusando-se a deixá-la ir. Envolveu-a com um braço, curvando-o como um gancho de ferro de forma a aproximá-la bruscamente de seus ombros e peito. À resistência de Jessy misturava-se a comfusão. Ele a agarrava da maneira como uma criança abraça um brinquedo que estava perdido. Escondeu o rosto nos cabelos dela.

- Não me deixe - sussurrou com uma voz sofrida que emocionou-a.

- Preciso de você. Sempre precisei.

- Ty. - Jessy estava atordoada; um arrepio de incredulidade percorreu-a toda. Mal podia crer no que estava ouvindo.

Quando Ty levantou a cabeça, o rosto de Jessy permanecera na sombra do chapéu dele; mesmo assim, ele distinguiu o brilho dos dentes brancos. Ela estava sorrindo, mas ele não sabia se ridicularizando-o ou o acolhendo. O estado de embriaguez reduzia as barreiras que em geral ocultavam a emoção da expressão dele.

Jessy susteve a respiração na garganta, diante do desejo selvagem que viu no rosto dele. Era alguma outra brincadeira cruel que lhe estava pregando. E conseguia. A mão dela tremia enquanto a estendia para passar o dedo pela linha rígida da mandíbula de Ty, semelhante ao bronze com a reflexão luminosa da luz externa.

A carícia hesitante quebrou os limites da reserva. Ele estava por demais vulnerável para arriscar-se a uma rejeição, mas não era rejeição o que aquele gesto transmitia. Um gemido de desejo profundo e surdo ecoou na garganta do rapaz.

Pousou a boca úmida sobre os lábios dela, englobando-os totalmente com uma sensualidade impudente jamais experimentada por Jessy. Não era um garoto desajeitado de escola pressionando o nariz no dela, nem tampouco um adolescente impetuoso, precipitando-se sobre ela de maneira enérgica e rude. Sentia-se fraca com o modo ardente como ele a consumia, faminto e buscando com uma ânsia que a fazia sentir-se inexperiente.

Cegamente, ela procurou dar o que ele buscava desesperadamente. A invasão da língua dele trouxe junto o gosto de cerveja e fumo e um algo mais. Tudo se acelerou e acendeu, o sangue fervente correndo pelas veias de Jessy, despertando todos os sentidos.

Os braços não afrouxaram a pressão que a mantinha colada a ele, mesmo quando as mãos começaram a percorrer o corpo da garota. Não conseguia mais saber onde estavam as mãos, correndo dos ombros às coxas, sempre insistentes e ansiosas. Elas pareciam expandir a intimidade sensual dos beijos dele para outras regiões do corpo. Ela sabia que era uma pessoa apaixonada, mas sua paixão nunca fora desencadeada, exceto por sua própria imaginação.

Ela buscou um pouco de ar puro quando ele finalmente afastou a boca. Mas aquilo não era o fim, e sim o início de uma série de beijos molhados e quentes, um juntando-se ao outro numa linha por todo o rosto de Jessy. A respiração de Ty acelerou-se sobre a pele da moça, em ondas tímidas e ardentes que engolfavam-na. Todas aquelas sensações haviam-na despertado. Suas mãos há muito haviam encontrado o caminho até os ombros dele, abraçando-o fortemente.

- Você é minha. - A voz profunda vibrava sobre a pele de Jessy.

- Sabia disso desde o princípio.

Jessy não discernia o som das palavras, mas somente o conteúdo delas. Deixara de acreditar que Ty algum dia sentisse o mesmo que ela. Começara a aprender que ele estava além de seus sonhos mais intensos há algum tempo.

- Eu também sabia - sussurrou impetuosa.

- Oh, meu Deus, te quero há tanto tempo. - Gemeu palavras repletas de desejo reprimido, enquanto buscava os lábios dela com ânsia selvagem.

Ela correspondeu avidamente ao beijo faminto e ardente. Os braços dele apertavam-na mais, levando-a com ele, enquanto ele ia afundando gradualmente no assento, deslizando até ambos estarem desajeitadamente deitados. Jessy ficara comprimida entre o encosto do assento e o corpo viril de Ty.

Ela era inexperiente, mas não ingénua. O que não aprendera observando os animais da fazenda, colhera nas conversas nos alojamentos. Sentindo a mão dele movimentar-se por dentro da blusa, buscando-lhe os seios, Jessy não se preocupou até onde ele iria, mas sim se chegaria suficientemente longe. As atitudes dela jamais haviam sido governadas pelo que as pessoas consideravam como comportamento apropriado para uma garota e não o seriam agora.

O chapéu de Ty pendeu para trás enquanto ele se contorcia, aninhando-se entre os pequenos seios e os mamilos duros e sensíveis. O que lhes faltava em tamanho sobrava em sensibilidade. com a língua ele traçou espirais de excitação, movendo-a em círculos progressivamente exigentes por todo o corpo de Jessy. com as mãos em concha, englobou o arredondado de um dos seios aproximando-o da boca, pressionando os bicos castanhos usando os dentes, a língua e os lábios. O desejo intensificou-se dolorosamente dentro de Jessy, os lábios contorcendo-se em busca de pressão capaz de aliviar a ânsia que a tomara.

Ty pareceu perder as forças, afastando a cabeça dos seios dela e apoiando-se cambaleante, com a ajuda de um braço sobre o assento. As mãos dela crisparam-se em torno dos ombros dele para que não perdesse o equilíbrio e tombasse sobre o chão da caminhonete. A pressão exercida pelos braços dela trouxe-o novamente para seus lábios.

- Não pare agora, Ty. - Havia uma ponta de frustração no pedido sussurrado, um certo rancor por ele tê-la levado até aquele ponto, mas bêbado demais para ir até o fim.

A respiração dele era ritmada e profunda. No estado em que se encontrava, mais do que bêbado e completamente excitado, tudo era confuso. Ela lhe tinha dito algo, mas ele já se esquecera do que se tratava; tudo o que conseguia lembrar era a insistência no tom de voz dela. com experiências anteriores, Ty sabia ser aquele o momento em que surgiam os protestos. Ty buscou-lhe os lábios na escuridão.

- Tenho que ter você - resmungou contra aqueles lábios, mergulhando neles profundamente sem encontrar resistência.

com os dedos procurou o fecho da calça jeans de Jessy, manuseando-o desajeitado até que finalmente conseguiu abri-la. A ânsia resultante era mútua; ele ia abaixando um lado ao jeans sobre as ancas de Jessy que abaixava o outro lado. Pousou todo o peso sobre ela. As pernas de ambos entrelaçaram-se, o joelho dela batia no volante. O calor do corpo de Ty era mais do que suficiente para aquecer a nudez dela, o jeans branco jogado sobre o chão sujo da caminhonete. A essa altura não importava que ele não estivesse despido. Bastava abaixar o zíper das calças.

Embora Jessy não soubesse exatamente como fazer, sabia o que devia ser feito. Em local tão apertado, era necessário cooperar. Sem hesitação, Jessy posicionou-se e o trouxe para si, evitando as tentativas desajeitadas e frustradas.

Previra a dor aguda da violação, trincando os dentes para não deixar escapar um grito de protesto. Aos poucos, a dor foi sendo entorpecida pelos movimentos ritmados, o início do prazer suavizando as sensações.

Todo o desconforto desapareceu com o prazer aumentando ao máximo. Apertava-o bem próximo a si, tentando envolvê-lo totalmente enquanto os beijos se tornavam mais sedentos e exigentes, requisitando mais e mais. Jessy silenciara em sua dor, mas não procurou conter os ruídos sensuais de prazer que escaparam quando o clímax tempestuoso de sensações invadiu-a inteira, transformando-a em uma massa gelatinosa.

Mal começara a recobrar-se quando sentiu os braços dele apertandoa contra si, a carne absorvendo os tremores que sacudiam Ty. Atenuou-se a rigidez enquanto ele tombava sobre ela.

A posição tão satisfatória tornara-se desconfortável; o corpo dele transformou-se em um peso sufocante e fervente; começou a sentir câimbras nas nádegas. Os músculos protestavam contra a dureza do assento. Afastou-o, incitando-o a sair de cima dela.

Foram necessárias algumas manobras até que ambos estivessem sentados novamente. Jessy começou a colocar as roupas, forçada pelo volante a inclinar o corpo para o lado de Ty. Interiormente, sentia-se livre e apaixonada, macia como creme.

Olhou para Ty com interesse vivo. Os cantos dos lábios repuxaram-se em um sorriso ao perceber que o chapéu ainda pendia retorcido na parte posterior da cabeça. Abotoou ojeans e puxou a frente do chapéu por sobre a testa de Ty com um gesto possessivo. Os reflexos dele eram lentos, mas Jessy não tentou evitar as mãos que a mantinham junto a ele. Estava tão relaxado que ela podia sentir-lhe os músculos frouxos enquanto aninhava-se nos braços dele. A aba do chapéu roçou a cabeça de Jessy quando ele se curvou, passando a boca sobre os cabelos de Jessy.

- Você tem que casar comigo, Tara - afirmou com a voz inarticulada. Jessy imobilizou-se.

- O quê? - insistiu para que ele repetisse, esperando não tê-lo ouvido corretamente.

- No entanto, Ty não se deu conta do pedido dela, nem ao menos percebeu estar acariciando um corpo que se tornara frio em seus braços.

- Tara, querida - gemeu -, eu te amo. - A voz baixa não era suficientemente ininteligível ou enrolada para que duvidasse do que ouvira.

Tomada de insensibilidade, saiu rígida dos braços dele. As mãos sem força ensaiaram uma tentativa de segurá-la, mas bastava evitá-las. Jessy fez isto sem pensar, afastando-se dele e indo para o lado do motorista.

Os dedos fecharam-se em torno do volante, apertando-o ao máximo. Olhava para o nada, com a atenção voltada para o mais íntimo dela, para a descoberta devastadora de que em meio à bebedeira, ele fizera amor com ela acreditando que era outra pessoa.

E idiota como só ela poderia ser, pensara que tudo aquilo que Ty dissera fora para ela, Jessy.

Fora usada. Não importa o quanto o quisera. Ty a usara para realizar sua própria fantasia. Um tremor violento acometeu-a, e o sangue transformou-se em gelo.

- Seu filho da puta! - Jessy virou a cabeça, faiscando todo o ódio que sentia por ele. Queria fazê-lo em pedaços, com as próprias mãos. Seu verme desgraçado! - A fúria contida jorrava das palavras, pronunciadas entre os dentes trincados.

Entretanto ele não esboçou qualquer reação, afundado no assento, o queixo enfiado contra o peito. Por um minuto, Jessy ficou completamente cega de ódio para perceber o ritmo regular da respiração dele. Ao se dar conta de que Ty dormia, ela quis gritar.

Sem qualquer delicadeza, sacudiu-o pelos ombros e rudemente tentou trazê-lo à consciência.

- Acorde, seu filho da puta! - Não tinha palavras suficientemente baixas para chamá-lo. Mas nem os xingamentos, nem os sacolejes perturbavam o estupor sonolento em que ele mergulhara.

Jessy saiu da caminhonete batendo a porta, caminhando a passos largos em direção ao lado do passageiro. Abriu a porta subitamente, fitando duramente aquela figura decaída e inconsciente. O chapéu estava amarfanhado por trás da cabeça inclinada, lembrança insultante de que ele não se preocupara nem em tirar o chapéu para transar com ela.

- Devia arrastar você para fora do carro e deixá-lo onde caísse. Jessy não sabia por que não cumpria a ameaça, a menos que fosse porque a sua segunda opção lhe parecesse mais atraente.

A dor geralmente produzia a sobriedade, ou assim ela ouvira, nos alojamentos, de vaqueiros bêbados. Xingar e sacudir não resolvera, mas a dor o acordaria.

Fechando o punho, Jessy apontou para a boca entreaberta e o queixo, colocando o braço para trás. Apertou os lábios em uma linha de prazer cruel, impulsionando o punho fechado. O impacto foi desagradável, mas quando Jessy sentiu o lábio inferior de Ty abrindo-se contra a pressão dos dentes, compreendeu a satisfação que um homem sentia lutando. O golpe lançou a cabeça dele para trás, acordando-o instantaneamente. Uma carranca aturdida deformou-lhe os traços enquanto olhava em torno, semialerta, ainda que não inteiramente consciente do que estava ocorrendo. Passaram-se alguns segundos até que percebesse Jessy ou sentisse a dor na boca e na mandíbula. Pressionou a mão contra a boca, olhando a mancha de sangue nos dedos com assombro inusitado.

- O que diabo está acontecendo? - A influência viscosa da bebida ainda estava em sua voz, mas ele parecia quase sóbrio.

Jessy não deu uma palavra, permanecendo ali de pé, esperando que ele lembrasse o que ocorrera entre os dois antes de perder a consciência. A luz do quintal derramou-se sobre o teto da caminhonete, iluminando os traços dela e acentuando-lhes o formato anguloso: não havia sombras que distorcessem a imagem, levando-o a pensar que ela fosse outra pessoa.

- Quem me bateu? - Ty continuava olhando carrancudo para ela, enquanto passava a língua pelo corte e examinava a mandíbula ferida. Não me lembro de briga nenhuma.

- Eu bati - confirmou Jessy. A mágoa e a raiva aumentavam ao ver que ele não se lembrava do que ocorrera. Morria de vontade de socá-lo novamente, independente dos nós dos dedos doloridos e latejantes pelo murro anterior.

A confissão surpreendeu-o.

- com todos os demónios, por quê? - Não importava quão sóbrio ele parecesse, perdurava-lhe uma falta de coordenação enquanto tentava colocar as pernas para fora da caminhonete.

- Você perdeu a consciência - ela afirmou, insolentemente, dando um passo para trás, enquanto ele saía aos tropeções da pick up. - E eu não ia te carregar até a casa.

- Isto não é razão para me bater - resmungou, agarrando-se à porta aberta da caminhonete em busca de equilíbrio, esfregando o lábio ensanguentado novamente. Saiu em direção aos degraus da frente da casa com passos vacilantes.

- Você devia agradecer - provocou Jessy. - Deixei você em casa inteiro. - O que era mais do que ela poderia afirmar sobre si mesma.

Ty estacou com um pé nos degraus, a língua solta com as cervejas que consumira.

- Podia ter dirigido até em casa. - Ressentia-se por ficar devendo algo à garota auto-suficiente e comprida. - Por que não espera que te peçam em vez de sempre ficar metendo o nariz onde não é chamada? Nunca te pedi ajuda... e nunca a quis. - Se estivesse lúcido, teria sido mais tolerante com as atitudes prestativas para o bem dele.

Jessy empalideceu diante da rejeição a tudo que já fizera por ele. Mas aprendera com a maioria dos vaqueiros a não deixar as emoções transparecerem no rosto. Só a pele mais branca revelava que as palavras haviam causado algum efeito sobre ela.

com um silêncio em que tentava esconder a dor, assistia-o subir as escadas, tropeçar na ponta de um dos degraus e cair para a frente, batendo com o joelho e caindo para o lado com toda a força sobre os quadris. Praguejando furiosamente, Ty tentou ficar de pé, mas os pés continuavam entrelaçados. Ficou de quatro, tentando andar e escalar os degraus ao mesmo tempo.

O papel ridículo que estava representando, subindo as escadas como bêbado idiota, deixou Jessy pregada no mesmo lugar. As mãos apertavam a cintura rigidamente, recusando-se a esboçar qualquer gesto de ajuda. A sobriedade momentânea desaparecera. Ao vê-la parada no pé da escada assistindo-o lutar, Ty enfureceu-se, embriagado.

- Me ajuda, merda! - Tentou ser agressivo, mas a frase saiu com esforço, ininteligível.

Sorrindo levemente, Jessy subiu três degraus e estendeu as mãos para auxiliá-lo.

- É uma pena que sua querida Tara não esteja aqui para vê-lo assim. - Não percebeu a amargura que irradiava-se de sua voz.

- Tara. - Ty olhou em torno, como se esperasse vê-la surgir. - Pensei que ela estava aqui. - Virou-se para Jessy enquanto apoiava-se pesadamente sobre os ombros dela para vencer os degraus. - Ela não estava aqui?

- Não - respondeu, curta e grossa. Grande melancolia pareceu abater-se sobre ele.

- Não. Ela tinha um encontro hoje à noite... com outro. Sempre com outro - resmungava consigo mesmo, inconsciente de que estava falando alto ou de que Jessy poderia ouvir. - Eu devia estar bêbado. Parecia... tão real.

Jessy carregou-o pela ampla varanda até a porta da frente, com um leve esforço sob o peso crescente sobre seus ombros. Magoava-a profundamente escutá-lo, sabendo tudo o que sabia.

A porta da frente não estava trancada. com um chute, Jessy foi empurrando-a, tentando passar de lado com Ty através da abertura. Ele apoiou o ombro na porta dupla, mantendo-a aberta. Desequilibrado, entrou no vestíbulo tropeçando com estrondo, carregando Jessy junto. Ela só conseguiu equilibrar-se sobre os calcanhares alguns metros adiante, perante o impulso de ambos.

- Seu idiota convencido!

- Estou cansado demais - Ty murmurou, virando-se para olhá-la, o corpo alto oscilando, enquanto colocava um dedo sobre os lábios, exigindo silêncio. - Não podemos acordar Cathleen.

Uma luz foi acesa no segundo andar, jogando um facho de luminosidade sobre as escadas que davam para o salão. Chase Calder desceu os degraus, parando por um minuto para observar a cena. Não se preocupara em abotoar ou colocar as fraldas da camisa para dentro das calças. Ao descer o último lanço das escadas e aproximar-se deles, dava para se ver o rosto enrugado e inchado de sono. Um feixe de pêlos grisalhos-dourados atapetavam seu peito, embora este sinal de envelhecimento ainda não houvesse atingido a massa de cabelos.

O olhar de desaprovação desviou-se de Ty para centralizar-se em Jessy.

- O que houve? - No mesmo instante, aliviou Jessy do peso que carregava, colocando o braço de Ty em torno de seu pescoço, sustentando-o com um braço em volta da cintura do filho.

- Ele estava bêbado demais para voltar para casa dirigindo, aí eu o trouxe. - Não explicou por que se oferecera em lugar de deixar um dos vaqueiros da Triplo C trazê-lo.

Ty pareceu demorar vários segundos para perceber o que acontecera.

- bom, se não fosse o poderoso Chase Calder. - Cambaleou para trás, tentando focalizar o rosto do pai.

- Isto já é suficiente, Ty. - Lançou um olhar impaciente e duro em direção ao filho, voltando-se para Jessy a fim de perguntar algo, mas foi interrompido antes que conseguisse falar.

- Qual o problema? - perguntou Ty. - Desrespeitei alguns dos códigos preciosos de vocês só porque fiquei bêbado? Imagino que um Calder não devia ficar bêbado e divertir-se. Ele tem que ser um homem e maneirar na bebida. - Empertigou-se, ridicularizando a situação.

- Você está bêbado - declarou o pai, categórico.

- Ah, é? - A resposta era um misto de desafio e sarcasmo. - Você não é assim todo-poderoso.

Jessy percebeu movimentação nas escadas. A mãe de Ty descia silenciosamente os degraus, amarrando apressadamente o robe.

- O que é isso, Chase? Ty está bem?

O som da voz dela mudou a atitude de Ty. A hostilidade desapareceu sem deixar traços, enquanto ele se virava vendo-a aproximar-se, com um sorriso brando curvando-lhe a boca.

- Ele está bem.

- Não se preocupe comigo, mãe - contrapôs Ty. - Só estou um pouco bêbado.

- Já ia levá-lo para cama - fez Chase com a cabeça em direção a Jessy. - Arranje um jeito de Jessy ir para casa.

Maggie Calder olhou incerta para Chase e o filho, antes de virar-se para Jessy.

- vou voltar para casa com apick-up de Ty e amanhã de manhã peço a alguém para trazê-la de volta - declarou Jessy.

- Está bem. - A voz de Maggie soava hesitante ao perceber as manchas de sujeira nojeans branco de Jessy e a palidez da pele dela. - O lábio de Ty está cortado. Houve algum acidente ou alguma briga?

- Não. - com um traço de autoconsciência, Jessy limpou osjeans.

- Acho que me sujei tentando tirar Ty da caminhonete. - Quando se virava para sair, uma curiosidade irresistível levou-a a voltar-se. - Sra. Calder, quem é Tara? Ty mencionou o nome dela várias vezes esta noite.

- Tara é filha de E.J.Dyson. - Parecia quase aliviada com a pergunta. - É uma garota adorável. Não me surpreende que tenha falado nela. Ty vem se encontrando com ela há algum tempo.

- Sei - murmurou Jessy. - Boa noite, sra. Calder.

- Boa noite, Jessy. E obrigada por trazer Ty para casa em segurança - acrescentou.

A meio caminho da ramificação Sul, as lágrimas começaram a brotar dos olhos de Jessy, escorrendo pelos cílios. As bochechas reluziam úmidas, mas não havia ninguém para ver, exceto as milhares de estrelas no céu ou os olhos brilhantes e luminosos de um coiote cruzando a estrada diante da caminhonete.

Na casa-grande, Maggie foi ver a filha no quarto, mas ela dormia profundamente, mesmo com a chegada barulhenta de Ty. Chase juntou-se a ela no corredor do segundo andar, após carregar o filho até a cama, onde Ty começara a roncar mal se jogou no colchão.

- Ty estava certo quando disse que Cathleen continuaria a dormir se ele não tentasse fazer silêncio - observou Maggie em tom divertido, enquanto ela e Chase caminhavam juntos até o quarto. Diante do silêncio, ela levantou os olhos, perscrutando-lhe o rosto. - Chase, você não ficou zangado com Ty só porque ele chegou em casa bêbado, não é?

Ele abriu a porta do quarto e deixou-a passar, os olhos frios encontrando os dela por um instante.

- Você está contente em saber que seu filho está bêbado e desmaiado na cama? - contrariou-se.

- Não estou contente. - Para Maggie aquela pergunta era ridícula.

- Mas isto tampouco me preocupa. - com um gesto de impaciência, ela desamarrou o nó do robe. - Você é muito rígido com Ty. Você sempre exige demais dele. Deixe-o ser jovem e divertir-se enquanto puder.

- A culpa é sempre minha, não é? - Lançou-lhe um olhar sombrio e calmo. - Sou sempre muito severo com ele, mas você nunca é muito condescendente.

- Eu não sou condescendente. Simplesmente compreendo.

- E eu não? - desafiou ele.

- Nunca disse isso - negou Maggie, desviando-se dele e odiando aquela discussão. - Você tem que parar de querer que ele pense como você.

Fez-se longo silêncio e Maggie aguardou a explosão de palavras zangadas... a briga de sempre sobre o filho. Em vez disso, ouviu-o soltar um suspiro profundo, vindo das profundezas de si mesmo. Chase embolou a camisa e atirou-a a um canto.

- Nós não conseguimos falar sobre esse assunto sem discutir, não é, Maggie? - Ele parecia muito cansado e saturado. Ao voltar-se para Chase, ele a fitava, a extensão do quarto separando-os. - Nós dois nos achamos absolutamente certos.

- Acho que sim. - Retendo inconscientemente a respiração, ela esperou-o dar o primeiro passo que a levaria para os braços dele. Esperou, mas ele não tomou qualquer atitude.

Perdeu-se o momento de conciliação, ambos contidos pelo orgulho.

- Acho melhor dormirmos um pouco. - Chase finalmente desviou o olhar, indo em direção à cama.

Os lençóis estavam frios quando Maggie deslizou para baixo deles, demasiado distante do corpo de Chase para aquecer-se. Sofria por dentro, atormentada pelo pensamento de que Chase lhe oferecera uma trégua e ela não o percebera.

O verão rapidamente chegou a setembro e ao último ano de Ty na faculdade. A única lembrança nítida que ficara daquela noite fora a cena de seu pai e Sally Brogan. O conhecimento tornara constrangedor o relacionamento com os pais. Ficou contente quando chegou a época de voltar para a faculdade.

Mal chegou à associação, Ty ensaiou uma tentativa fracassada de desfazer as malas, as energias concentradas na possibilidade de rever Tara levando-o direto ao telefone. O corredor estava cheio dos membros que também retornavam, carregando malas, raquetes de ténis, tacos de golfe, rádios e uma variedade de artigos fundamentais. Era constantemente abordado por amigos que estavam chegando, gritando saudações e querendo saber como diabos ele estava.

- Ei, Ty! - Já estava quase chegando ao telefone quando foi saudado outra vez. Olhou em volta, impaciente, o rosto iluminando-se em um sorriso ao reconhecer Jack Springer, que se tornara seu melhor amigo na universidade. - Já estava indo te procurar. Sappy me disse que você chegou hoje à tarde.

- Cheguei. Ainda nem terminei de desfazer as malas - admitiu Ty, aproximando-se inconscientemente do telefone. - Como foi o verão?

- Quente e interminável, como sempre. - O pai de Springer era dono de uma fazenda em uma colina fora de Austin. Ty passara alguns finais de semana lá, quando Tara tinha outros compromissos. Era uma fazenda de bom tamanho, uma mistura de área de criação e parque para caça, mas não passava de uma pequena parte do tamanho da Triplo C. - Vamos sair daqui, tomar umas cervejas, comer pizza, e curtir a noite.

- Parece legal, mas primeiro tenho que dar um telefonema. Acho que vou ter um compromisso. - Ty esperava que sim. Há muito tempo não via Tara.

Um olhar de compreensão surgiu no rosto do rapaz de compleição delgada.

- Não pode nem desarrumar as malas antes de telefonar para uma certa garota, hem?

- Mais ou menos isso. - Ty soltou uma risada.

- Se você vai telefonar para quem estou pensando, vou poupá-lo de uma rejeição. Ela está ocupada esta noite. - Jack informou-o.

A afirmação fez o sorriso desaparecer do rosto de Ty.

- Como é que você está tão certo disso?

- Porque vai ter um jantar importante na mansão do governador hoje à noite.

- E daí? - Ty franziu o cenho, estreitando os olhos.

- Tara vai estar lá com seu senador galã. - O tom dele era uma mistura de deboche e pena. - Um dos problemas de se viver isolado em algum canto de Montana é que você fica desatualizado. Tara se cansou da vida no campus e começou a frequentar ambientes mais nobres.

- O que você quer dizer? - Sentiu um nó na garganta.

- Os jornais daqui só falam de Tara Lee Dyson e o jovem, atraente e solteiro senador Mason Dodd in. Parece que o pai deixou uma fortuna em reservas de petróleo para ele. Os dois foram o assunto do verão em Austin.

Ty olhou para o telefone, querendo pegá-lo e telefonar para ela, descobrir por si mesmo se o que Jack estava falando era mesmo verdade.

- Ela se encontra com vários caras. Isto não significa nada - fez ele.

- Antigamente eu teria concordado com você, mas agora ela passou para as altas esferas. Vem cá, Ty. Você pode ver isto também. Ela já passou pelo campus com todos os tipos de cara que tinham algo a oferecer... de atletas conhecidos a mandachuvas. Já fez suas conquistas aqui, e agora partiu para jogadas mais altas - insistiu Jack. - Você devia esquecê-la como nós fizemos.

- Isto está me cheirando a despeito, Jack - acusou Ty.

- Ei, nunca fingi que não ia aproveitar qualquer chance de ficar com ela. Poxa, ela não precisava levantar um dedo. Eu ia direto fisgar a isca que ela pusesse para mim. Só que sou esperto o suficiente para saber que ela não ia deixar a isca lá por muito tempo para eu fisgar. E você também devia ser.

- Não é a mesma coisa. - Ele a amava. De uma maneira ou de outra, estava determinado a tê-la.

- É a mesma coisa sim. Você é muito cabeça dura para admitir. Balançou a cabeça loura em tom de quase desespero. - Só estou tentando ser seu amigo, portanto não me importa se você vai gostar ou não do que estou dizendo. A dona Tara Lee gravita em torno do poder como uma abelha em torno do mel. com um pai como o dela, ela só podia ser desse jeito. Ninguém no campus é suficiente para ela agora, inclusive você.

A previsão não era totalmente verdadeira. Tara geralmente ia a quaisquer obrigações sociais importantes no campus com Ty como seu acompanhante, mas grande parte de sua vida social centralizava-se fora do campus. Os encontros variavam de homens jovens envolvidos com a política a politiqueiros importantes.

Com a aproximação da formatura, o desespero tomava conta de Ty. Outra noite chegava ao fim. Sozinho com ela no pátio particular da casa dos Dyson, sabia que não restavam muitas chances. Tragou o cigarro profundamente, retendo a fumaça nos pulmões, soltando-a por fim pelas narinas, em espirais. Sentiu uma mão em seu braço. Tara tinha um jeito de tocá-lo com as pontas dos dedos que catalisava a atenção de Ty.

- Ty Calder, acho que você não ouviu uma palavra do que estou dizendo - ela acusou-o com sua voz suave e arrastada.

- Isto não é inteiramente verdade - ele murmurou, estudando-a com os olhos semicerrados, tentando ocultar o desejo evidente que sentia. Estava ouvindo o som da sua voz. Ela me lembra gotas de chuva caindo docemente.

- Ty. - A pressão da mão dela aumentou suavemente sobre o braço do rapaz enquanto um sorriso agradecido irradiava dos traços de Tara. Você faz uma garota sentir-se muito especial.

- Você é muito especial para mim. - Ele jogou o cigarro sobre o pátio de paralelepípedos, amassando-o sob a bota. - com um pouco de encorajamento eu começaria a pensar em dizer como você é especial para mim.

- Colocou o braço em torno da cintura delgada dela, virando-se de frente para encará-la e entrelaçando as mãos por trás das costas dela. - Só que ia levar a noite inteira.

- Aposto que ia. - Soltou uma risada, correndo os dedos sob a gola da jaqueta de Ty. Olhou-o por entre os cílios escuros. - Contei que Douglas Stevens vai ser convidado para o corpo diplomático da embaixada americana na França?

- Não. - Ty não poderia se importar menos para onde o homem ia ser convidado.

- As fofocas dizem que vão dar um posto importante para ele. Ela prosseguiu, deslizando os dedos ao longo da gola dele. - com Doug lá, vou poder ficar na embaixada enquanto estiver na França, e provavelmente ir a várias festas.

- Isto é importante para você?

- Importante? Acho que não sei o que você quer dizer com isso. Inclinou a cabeça de um jeito maroto, os cabelos negros aveludados confundindo-se com a escuridão da meia-noite, compondo um camafeu com o rosto. - com certeza será uma experiência inesquecível. Quantas garotas teriam uma oportunidade como essa?

- Não muitas, suponho. - A resposta inocente fê-lo sentir-se um caipira por nutrir qualquer ressentimento. - Acho que não gosto da ideia de você ver muito o Stevens.

- Ciumento - provocou ela.

- Sou.

Tara sorriu indulgentemente.

- Não sei por que me surpreendo tanto com a sua franqueza - ela declarou. - Você parece dizer sempre o que sente.

- Como, por exemplo, que eu te amo - especificou Ty. Quando Tara tentou cobrir-lhe a boca, impedindo-o de dizer mais, ele prendeu-lhe a mão contra o peito. - Não. Não tenho muito tempo para dizer tudo o que quero. Não vou ter muitas oportunidades de vê-la antes da formatura.

- Está tarde, Ty. Daqui a pouco papai vai vir até aqui me enxotar para poder trancar a casa - alertou-o, mas ele discerniu-lhe um brilho de excitação nos olhos, percebendo que ela não estava realmente protestando.

- Posso resumir tudo em uma frase, Tara - assegurou, com a voz rouca. - Eu te amo.

- Ty...

Havia um tom evasivo na voz dela, portanto ele não se arriscou sobre qual seria a resposta de Tara. Inclinou a cabeça, cobrindo-lhe os lábios com a boca faminta e ardente. Sentiu-lhe o doce sabor dos lábios, maleáveis sob seu beijo persuasivo.

- Me diga uma coisa. - Ele roçou a boca sobre a bochecha de Tara, aspirando-lhe o aroma suave da pele.

- O quê? - O corpo dele debruçado sobre a silhueta delgada de Tara fazia-a dobrar-se como um salgueiro flexível. As mãos dele acariciavam-lhe a curva delicada das costas e os quadris-arredondados. O vestido de seda fina não ocultava nenhum detalhe do seu corpo.

- Por que você me deixou por perto? Por que não me dispensou como fez com os outros?

A hesitação parecia sincera, como se não tivesse certeza da resposta.

- Você não é como eles. Você tem algo de diferente.

- Quem sabe, você me ama? - ele sugeriu levantando ligeiramente a cabeça, a respiração de ambos mesclando-se apaixonadamente.

- Talvez eu te ame. - A voz sussurrante de Tara excitou-o. As defesas caíram um pouco. Fizera uma concessão jamais oferecida anteriormente. Desta vez ele a beijou como um homem beija uma mulher, sem usar artifícios de persuasão ou apelo. Ela correspondeu apaixonada, mas ele sentiu a batalha interior que ela travava consigo mesma para não se deixar levar demasiado. Era esta vaga relutância que ele tentava eliminar, fazendo com que ela se entregasse livremente à paixão que sacudia seu corpo. Entretanto, quanto mais exigente ele se tornava, menos progressos fazia.

Tremores perpassavam-no ao terminar o beijo. Tara inclinou-se sobre ele, pousando a cabeça em seu ombro. Um sorriso exultante levantou os cantos da boca do rapaz. As mãos dele acariciavam todo o corpo dela.

- Você tem que se casar comigo agora, Tara. - A proposta parecia o eco de alguma coisa vinda do passado, familiar e conhecida.

- Ty... - Ela ergueu a cabeça. Desta vez ele pousou um dedo sobre seus lábios, buscando algo no bolso do paletó.

- Mandei fazer isto para você - fez ele. - Tive de adivinhar o tamanho, portanto espero que caiba.

O gritinho de prazer foi para ele um som delicioso, mais valioso do que quaisquer palavras que expressassem a sinceridade de contentamento de Tara. As luzes do pátio refletiam a opala negra, incrustada em um círculo protetor feito de diamantes.

- Você mandou fazer para mim? - Ela parecia encantada com o presente. A mão dela estava tremendo quando ele colocou-lhe o anel no dedo anular.

- Uma pedra rara para uma beleza rara. - Do jeito que se sentia, Ty poderia declamar sonetos de amor, sem se sentir ridículo.

- Cabe direitinho. - Ela ficou admirando o anel, sem querer desviar os olhos dele.

Ty achava engraçado e ao mesmo tempo sentia-se orgulhoso enquanto observava Tara admirando o presente, esquecida de tudo, exceto da luz refletida no centro flamejante do anel.

- Quer dizer que você está aceitando meu pedido de casamento? Os olhos escuros e límpidos pousaram em Ty, sem registrar a pergunta de imediato.

- Aceito, aceito - ela repetiu com mais certeza, beijando-o rapidamente e agarrando-o pela mão. - Vamos contar pró papai. Quero mostrar o anel para ele.

Ele teria preferido ficar no pátio e aproveitar mais alguns momentos de intimidade. Mas Tara concordara em casar-se com ele. Agora podia suportar a espera.

- Ei, Ty! - Jàck Springer colocou a mão na porta do quarto de Ty. Tem um brotinho lindo aqui querendo ver você. É melhor vir logo antes que alguém o roube.

- Quem é? - Apoiou a cadeira sobre os pés traseiros, esfregando a nuca, endurecida com as horas passadas na mesa estudando para os exames finais.

- Sua noiva sempre amada, é claro - declarou Jack. - Acho que ela está com ciúmes desses dois dias que você passou em cima dos livros.

- Ty pulou da cadeira e dirigiu-se para a porta, enfiando apressado a camisa para dentro das calças jeans.

- Você escolheu uma época ruim para pedi-la em casamento... logo antes da semana de provas - zombou o amigo, saindo da frente da porta.

- É claro que eu não teria apostado nem um centavo em que Tara aceitasse.

com ansiedade em vê-la, Ty não perdeu tempo explicando que não via muito a noiva porque precisava de tempo para as provas finais. Ficara contente em saber que ela não conseguira ficar longe dele. O noivado deles se tornara o rumor mais quente do campus, embora o anúncio oficial só saísse nos jornais na semana seguinte.

Ao vê-la ao pé da escada, parou por um segundo. A visão dos cabelos negros causava-lhe impacto. Ela olhou para cima, os traços bem compostos, sem qualquer expressão, ainda assim tão perfeitos em seu todo. Ele desceu correndo os últimos degraus, fazendo menção de tomá-la nos braços, mas as mãos dela os mantiveram afastados.

- Senti saudades, querida - ele insistiu, inclinando a cabeça para beijá-la, mas ela desviou-se. Ty empertigou-se, intrigado com a atitude dela.

- Algo errado?

Ao olhar para ela, sentiu que Tara queria lhe dizer algo.

- Vamos sentar ali. - Pegou-o pela mão, levando-o até o sofá encravado no vão sob a escada. Uma vez sentados, Ty sentiu a distância que ela estava mantendo, colocando o corpo sobre a almofada mantendo-o distante. Uma sensação de desconforto perpassou-o, mas ele olhou para a opala negra brilhando no dedo dela e tranquilizou-se. Tomou a mão esquerda de Tara, passando o dedo sobre o anel.

- Comecei a telefonar para você uma dúzia de vezes... só para ouvir a sua voz - murmurou Ty, louco para abraçá-la. - Fico contente de você ter vindo.

- Não, não Fica - fez ela. Ty começou a rir, mas as palavras seguintes fizeram o sorriso morrer em seu rosto. - Porque achei que devia no máximo dizer pessoalmente que não posso casar com você.

- O quê? - Ecoou alto, o início de um berro crescendo dentro dele.

- Não vou casar com você. Existem muitas coisas que quero fazer... muitos planos e não estou pronta para deixá-los de lado - afirmou claramente mas com doçura. - Jamais deveria ter aceito sua proposta desde a primeira vez. Eu não teria aceito, mas fiquei tão deslumbrada com o anel que perdi a cabeça.

- Você não está sendo sincera. Eu te amo... e você me ama - insistiu ele, a voz falhando sob a intensidade do sentimento.

- Ty, não torne as coisas mais difíceis do que já são para mim

- disparou Tara. - Seja um cavalheiro e aceite o fato de que mudei de ideia. - Era de uma determinação implacável, herdada do pai.

- Aceitar o fato. Simplesmente. - A raiva tomava conta dele.

- É. - Ela estava irritada com ele por transformar as coisas em uma cena emocional. A irritação faiscava em seus olhos quando começou a tirar o anel do dedo.

- Fique com ele - declarou Ty, furioso. Deixou-a ali sentada e foi embora em estado de fúria e mágoa.

 

Após quilómetros na faixa de rodovia que cortava a pradaria deserta, surgiu um punhado de construções. O lugar irradiava a sensação de abandono e esquecimento, como uma valise velha que algum viajante fatigado esquecera, achando depois que não valia a pena voltar para buscá-la. A velha caminhonete foi chacoalhando e perdendo velocidade, embora habitualmente ela nunca corresse muito.

O tráfego para aquela região não era dos mais intensos, consequentemente Ty fora obrigado a pegar uma carona com o primeiro que passou. Sentou-se relaxado no banco de passageiros, um cotovelo apoiado na janela aberta, enquanto observava os prédios de Blue Moon amontoados próximos à rodovia, desesperadamente unidos à sua vida de concreto. Seu rosto não demonstrou qualquer reconhecimento, e o rapaz permaneceu na mesma posição em que se colocara quilómetros atrás.

O velho magro e encanecido atrás do volante mudou a marcha da caminhonete sacolejante, reduzindo ainda mais a velocidade do veículo. Ele não era muito falador, não dissera mais do que cinco palavras desde que parara no cruzamento para dar uma carona a Ty. A barba cinzenta de dois dias encarapitava-se pelas bochechas encovadas do velho, e a calça e a jaqueta jeans, de tão desbotadas, aparentavam um azul acinzentado, inclusive os remendos.

Duas pick-ups estacionadas em frente ao Sally's constituíam os únicos sinais de vida. O motorista grisalho desviou a caminhonete da pista dupla, freando até que o veículo parasse barulhento. Por fim, Ty saiu do mutismo em que se encontrava, estendendo a mão para a maçaneta da porta.

- Obrigado. - Ofereceu um sorriso rápido ao homem e saiu gingando da cabine. A velha pick-up vibrou como pipoca na panela, enquanto era dada a partida ao motor.

- Você é um Calder? - O homem gasto, abatido, observou Ty com os olhos duros e apertados.

Ty fechou a porta e respondeu pela janela aberta.

- SOU.

O velho demonstrou satisfação com a exatidão de sua descoberta.

- Parece mesmo um Calder. - A mão bronzeada e manchada pela idade pousou na alavanca de marchas, indicando que a conversa terminara e que ele estava pronto para ir embora, assim que Ty retirasse sua valise da caçamba da caminhonete.

A valise encontrava-se no meio da palha solta, latas de gasolina e uma coleção de peças sobressalentes sujas. Ty ergueu a sacola por sobre a lateral da caçamba e afastou-se, levantando a mão em despedida para o motorista.

A sombra vespertina da caminhonete foi se afastando, enquanto Ty dirigia-se aos veículos estacionados em frente ao Sally's. Um vento forte levantava ondas de poeira que se projetavam à sua frente, atravessando o solo árido.

Ele teria duas formas de alcançar a Triplo C. Poderia ter sido deixado no portão leste da fazenda, mas se ninguém lhe desse uma carona, teria que fazer uma longa caminhada, de aproximadamente cinquenta quilómetros, até a casa-grande. Assim, ele optou por Blue Moon. Mais cedo ou mais tarde, apareceria alguém da fazenda e ele pegaria uma carona de volta para casa.

Mas ele estava com sorte. Um dos veículos pertencia à fazenda. Ty jogou a valise na caçamba dapick-up e ganhou os degraus do bar de Sally. A porta abriu antes que a tocasse. Ty enrijeceu-se e estacou ao ouvir a gargalhada rouca, que imediatamente reconheceu como sendo de seu pai.

- Vejo você depois, Sally. - O pai surgiu gingando da penumbra do interior, ultrapassando o limiar da porta e saindo. Deteve-se ao perceber Ty, a surpresa perpassando seu rosto. - Como chegou aqui?

- Arranjei uma carona em Miles City e achei que arranjaria outra para a fazenda com mais facilidade aqui. - Ty ficou pensando que desculpa seu pai arranjara para parar no Sally's. Ouvira aquela gargalhada e captara o ardor na voz do pai. Sem dúvida, ele ainda estava envolvido com a mulher.

O pai adiantou-se, o cenho franzido.

- A formatura é na próxima semana.

- Eu sei. - Ty voltou-se e desceu as escadas para beber ao ar livre. Outros passos seguiram-se aos dele. - Ontem fiz as últimas provas. Não vi qualquer razão para ficar por causa de uma cerimónia. Eles vão mandar o diploma pelo correio.

Tolerara a simpatia e os olhares pesarosos, os quais denotavam que todo mundo sempre soubera que seu noivado com Tara não duraria. Até que não suportara mais. O diploma não passava de um documento para satisfazer a mãe e provar que atingira o objetivo que quatro anos atrás se propusera a realizar. Concluíra o último semestre à força de uma razão principal: o orgulho, que o impedira de ir embora rastejando para curar as feridas, depois que Tara terminou o noivado.

O que se escondia por baixo das palavras de Ty, além da insipidez em sua voz e olhos e a ausência de qualquer referência a Tara eram indícios suficientes do verdadeiro motivo por que chegara sem avisar. Chase não o forçou a uma explicação mais completa enquanto subia para trás do volante dapick-up. Ty acomodou-se ao lado dele. No devido tempo, a verdade surgiria.

O longo trajeto até a Triplo C foi feito em silêncio, e Chase não tentou quebrá-lo. Quando já estavam próximos à sede, as chaminés sobre o telhado da casa-grande desenhando-se no horizonte azul, Ty mudou de posição, demonstrando intenção de falar.

- Terminamos o noivado. - Nada além disso, e Chase não indagou os motivos, que não eram da sua conta.

- Imaginava algo assim - admitiu ele, lançando um olhar de soslaio em direção ao filho. - Nunca conheci um homem que não tenha se dado mal com uma mulher ou bancado o idiota pelo menos uma vez na vida. A sensatez só vem com a experiência.

- Acho que sim. - Ty virou a cabeça e ficou olhando a paisagem pela janela. Não o consolava saber que não fora o primeiro nem seria o último.

As portas da casa-grande abriram-se com estrondo, mal a caminhonete chegou, e Cathleen veio correndo, os longos cachos negros caindo por sobre os ombros. Soltou gritinhos de prazer ao ver Ty descer do veículo, arremessando-se dos degraus para os braços do irmão.

- Opa, você está ficando pesada, Cat. - Ele sorriu, fitando-lhe os olhos verdes, engraçados com os cílios remelentos. Mas para uma garota de sete anos recém-completados, ela era extremamente bela.

- Ninguém me avisou de que você voltava para casa hoje. - Ela fez beicinho durante um segundo e então começou a rir, envolvendo-o pelo pescoço.

- Não? - Ty transferiu-a de um braço para o outro, alisando a saia do avental branco da garotinha. - Eu pensei que você estava usando este vestido lindo só para mim.

- Eu coloquei para o meu tio Culley, mas teria vestido para você também - prontamente ela garantiu.

- Culley. - Ty lançou um olhar interrogativo em direção ao pai, enquanto colocava a irmã no chão.

- É - veio a confirmação. - Ele recebeu alta do hospital. Maggie vai trazê-lo aqui hoje à tarde.

- Ele estava doente - Cathleen informou a Ty com um ar adulto, tomando-o pela mão e guiando-o escada acima. - Mas agora está melhor. É claro, mamãe disse que ele ainda tem que descansar muito.

- Quando foi isso? - Ty fitou o pai, tentando captar a reação dele. Estava a par das desavenças que separavam o pai e o tio, e duvidava seriamente que a alta de O'Rourke da instituição para doentes mentais agradasse ao pai.

- O assunto foi discutido muitas vezes nos últimos meses, mas o doutor avisou sua mãe da decisão que pretendia tomar logo depois que você telefonou na semana passada. Planejávamos contar a você quando fôssemos para sua formatura. - A frase era a declaração de um fato, sem comentários, indefinível, enquanto Chase Calder abria a porta da casa e os três entravam.

- Nunca vi Tio Culley antes. E você? - Os sapatos de verniz de Cathleen produziam sons de sapateado no assoalho de tábua corrida, enquanto ela saltitava ao lado do irmão mais velho.

- Já vi sim. - Mas lembrava-se de um homem paranóico, o olhar selvagem, trémulo, à beira da loucura. Não queria transmitir uma tal imagem à irmãzinha.

- Como ele era?

- Isso foi há muito tempo, Cat. Ele já deve ter mudado bastante desde a última vez em que o vi.

O semblante dela toldou-se, preocupado.

- Você acha que ele vai gostar de mim? - Cathleen Calder era a queridinha da Triplo C, todos a adoravam. A aguda percepção infantil permitira que percebesse os fatos ocultos que cercavam a chegada iminente do tio, adivinhando que havia algo no tio que o tornava diferente. Não ter o amor e a aprovação eram as piores coisas que poderia imaginar.

Ty não queria responder à pergunta dela, pois sabia o quanto Culley O'Rourke odiara aqueles que foram ligados aos Calder no passado. Mas não era preciso que a irmãzinha soubesse disso; de qualquer maneira, ela não compreenderia, mesmo se ele tentasse explicar.

Assim, limitou-se a descartar a pergunta com um sorriso, apertando-lhe a pontinha do nariz de brincadeira.

- Aposto que ele não vai gostar de você tanto quanto eu. - Cathleen sorriu radiante, sentindo-se segura com aquela prova de afeição.

- Tia Ruth! - Cathleen procurou a senhora que acabara de entrar na sala, vindo da cozinha, soltando a mão de Ty para ir correndo ao encontro dela. - Olha quem está aqui.

- Ty! Meu Deus! - Pousou uma mão trémula no pescoço, com a voz fraca de surpresa. - Não sabia que você estava para chegar.

- Eu não estava. Queria fazer uma surpresa para todo mundo. Aquela se tornaria sua explicação-padrão.

- Sem dúvida você me surpreendeu - declarou Ruth Haskell, mordendo o lábio inferior. - Estivemos tão ocupadas ajudando Maggie a arrumar tudo para a chegada do irmão que Audra não teve tempo de arejar seu quarto e colocar roupa de cama limpa. - Audra Cummings era esposa de um dos vaqueiros da Triplo C. Ela fazia a maior parte da limpeza pesada da casa-grande.

- A culpa é minha de não ter avisado ninguém que decidi escapulir da cerimónia de formatura e vir para casa mais cedo. Eu cuido disso ofereceu-se Ty.

- Você não vai à cerimónia de formatura? - O rosto encheu-se de rugas de preocupação e pesar. - Sua mãe estava ansiosa para vê-lo de beca.

- Ela vai ter de se contentar com o diploma. - Sorriu, procurando suavizar a desobediência ao desejo da mãe.

- Trouxe sua namorada? - Ruth olhou-o em expectativa. - Ou ela vem depois?

- Não. - Ty ficou sério, o semblante grave. - Ela não virá.

- Oh - emitiu Ruth ao perceber que sua pergunta fora inoportuna. Já testemunhara muitas reações como essa em sua vida... a expressão fechada no rosto de um homem cujos sentimentos haviam sido profundamente feridos.

As paredes grossas da casa abafaram o som da porta de um carro se fechando, seguido do ruído de uma outra porta também se fechando.

- Deve ser mamãe e tio Culley. - Cathleen estava prestes a ir correndo ao encontro deles, mas Ty reteve-a pelos ombros.

- Vamos esperar por eles aqui - sugeriu, percebendo o olhar de aprovação do pai antes de voltar-se para a entrada da casa.

O homem que atravessou a porta na companhia da mãe parecia uma sombra daquele de que Ty se lembrava. Os ombros pareciam permanentemente encurvados em uma postura protetora, e os cabelos negros e finos que cobriam a cabeça agora estavam grisalhos. Ele não estava tão magro como na imagem de Ty, mas o aumento de peso lhe conferira uma aparência balofa e indulgente... ou talvez fosse a palidez da pele branca, há muito distante da luz do sol. O nervosismo, a energia eletrizada que parecia a um passo da violência haviam desaparecido por completo. Havia uma espécie de submissão no modo como ele se deixava guiar para a sala de estar.

A surpresa perpassou o rosto da mãe, ao ver Ty de pé atrás de Cathleen, mas não questionou a presença inesperada do filho. Mais tarde ela faria isso. No momento, sua preocupação básica consistia em aplainar o caminho para a volta do irmão ao mundo. A tensão estava presente em ambos os lados.

- Olá, Culley - o pai de Ty falou primeiro, sem oferecer falsas boasvindas ou cumprimentos.

- Olá. - Meneou abruptamente a cabeça em reconhecimento. Ty observou como os olhos de O'Rourke estavam inexpressivos, como se tentasse apagar a identidade do homem que estava cumprimentando. A mãe não procurou estender a conversação, direcionando a atenção do irmão para ele.

- Este é Ty - fez ela, em tom alegre e confiante. - Ele cresceu tanto desde a última vez em que você o viu que provavelmente você não o deve estar reconhecendo.

- Ele está mais alto, mais velho... mas eu estou reconhecendo. - A voz era clara e calma, hesitando somente na escolha das palavras. Enquanto os olhos entreabertos colhiam dados de que lembrava de Ty, este recordou o homem envelhecido e grisalho na caminhonete, que observara como Ty parecia ser um Calder. - Olá, Ty.

- Olá, Culli - ele retribuiu, mantendo as duas mãos sobre os ombros da irmã, não oferecendo-as ao cumprimento.

Cathleen virou a cabeça para encará-lo, sussurrando uma correção.

- Você deve chamá-lo tio Culley.

Um brilho opaco surgiu na expressão vazia que perpassou a garotinha. O'Rourke agachou-se, pousando um joelho no chão.

- Você deve ser Cathleen. - A boca suavizou-se numa espécie de sorriso.

- Oi, tio Culley. - Cathleen não se sentiu constrangida pela reticência do pai ou do irmão. - Fico contente em saber que você está se sentindo melhor. Mamãe me contou que esteve doente durante um longo tempo. Não é nada engraçado ficar doente.

- Não é mesmo. - A inocente referência à enfermidade prolongada não pareceu aborrecê-lo. Indeciso, O'Rourke estendeu a mão, envolvendo os dedos da garota com todo o cuidado, como se ela fosse feita de louça. O gesto refletia uma certa surpresa, sugerindo fazer muito tempo que ele não tocava outro ser humano, principalmente uma criança. - Você é muito bonita.

- Você gosta do meu vestido? - Cathleen largou as mãos do tio para segurar os dois lados da anágua verde e mostrá-la. - Coloquei-o para você. Teria vestido para Ty, mas não sabia que ele ia voltar para casa hoje. Nós temos biscoitos. Você quer?

- Acho uma boa ideia, Cathleen. - Maggie sorriu, interiormente satisfeita com os progressos que a criança obtivera com sua conversa. Ty estava tão pouco à vontade, observando atentamente tudo o que ele dizia. Há tanto tempo Culley acostumara-se com sua própria companhia que não aprendera a relacionar-se. - Por que não nos sentamos? - sugeriu Maggie, pedindo em seguida a Ruth: - Você pode falar com a Audra para trazer-nos café e um prato de biscoitos?

Durante o café, O'Rourke começou a se soltar, e Ty analisou o surgimento gradual do homem de cabelos grisalhos, há pouco entrado na casa dos quarenta. Parte das impressões iniciais permaneceram, mas algumas se modificaram.

- Espere até ver o quarto que eu e mamãe arrumamos para você declarou Cathleen. - Quer que eu lhe mostre?

- Mais tarde você pode levá-lo para cima - acrescentou Maggie.

- É legal - ela assegurou. - Você tem seu próprio rádio, uma cadeira grande, revistas e tudo o mais. E o quarto será seu para sempre.

O rosto pálido acendeu-se, e ele voltou-se para Maggie, sentada no sofá ao lado dele.

- Algo errado, Culley? - indagou ela.

- Era isso que queria dizer quando falou que ia me levar para casa? - interpelou-a.

- Era. - A pergunta intrigou-a. - Como Cathleen disse, arrumamos um quarto para você... um local particular em que poderá ficar sozinho se quiser ou...

- Não acho que seja uma boa ideia minha permanência aqui. - Lançou um olhar avaliador em direção a Chase. - Entende o que quero dizer, não?

- Entendo.

- Culley, quero que esta seja sua casa também - insistiu Maggie, apelando para o apoio do marido. - Eu e Chase discutimos o assunto e ele concordou que você ficasse aqui conosco.

- Eu... aprecio a oferta - assentiu Culley - mas... não daria certo.

- Para onde mais você pode ir?

- Aonde eu pensei que você ia me levar... em Shamrock - falou ele simplesmente.

- Mas há anos não mora ninguém naquela casa velha - ela protestou. - Não tem luz nem aquecimento... há sete anos que não tem. Você não pode ir para lá.

- Posso arrumar a casa... pelo menos, um quarto. Maggie, lá é meu lugar. Eu não faço parte dessa casa. - Correu os olhos pela enorme casa, quase uma mansão. - Tem quartos demais, muita gente indo e vindo.

Maggie empertigou-se na beira do sofá.

- Não vou permitir que você volte para lá.

Um sorriso melancólico esboçou-se no rosto dele.

- Se ficasse aqui, o que faria de mim? Ficaria sentado à toa. Seria o mesmo que continuar no hospital. Preciso trabalhar em algo que seja meu. Os médicos chamam isso de terapia.

- Não me interessa como eles o chamam.

- Você tem uma fazenda? - Cathleen estava intrigada com a descoberta.

- Tenho. Chama-se fazenda Shamrock.

- É grande como a nossa?

- Não. Acho que não existe nenhuma propriedade tão grande quanto a Triplo C - admitiu O'Rourke.

- Aposto que você queria que fosse - ela sentenciou.

- Não, acho que não, porque eu sempre me preocupei com quem tentasse roubar uma parte dela de mim. Minha fazenda é tão pequena que ninguém iria se dar o trabalho de roubá-la. - Ele explicou.

- Você não pode viver dela - lembrou Maggie. - Se quer trabalhar, Chase pode empregar você aqui na fazenda.

- Deixe Culley decidir sozinho o que quer, Maggie - aconselhou Chase, calmamente.

- Mas ele não está... - Ela não concluiu a frase, estacando culpada e olhando para o irmão, tentando desculpar-se.

- Eu ainda não estou completamente bom. Não era isso que ia dizer? - indagou.

- Culley, desculpe. Realmente não queria dizer isso. Só que você não exerce trabalho físico há muito tempo. Você está mais velho e...

- Quero ir para casa, Maggie.

Chase retirou o problema das mãos dela, consciente de que ela jamais concordaria.

- Amanhã de manhã levaremos você para a fazenda. Enquanto isso, você passa a noite conosco.

- A sua fazenda é longe? Posso ir visitá-lo algum dia? - Cathleen queria saber.

- Somos praticamente vizinhos. Você pode me ver sempre que quiser. - Há muito privado de sentimento, ele parecia alimentar-se da inocência feliz e atenção disponível de Cathleen.

- Sem dúvida ele mudou - comentou Ty, acendendo um cigarro preguiçosamente. O'Rourke estava no andar de cima lavando-se para o jantar.

- Assim o parece - murmurou o pai, mas parecia pensativo. Mesmo assim, não quero sua mãe ou Cathleen sozinhas com ele em casa. Portanto, quero que você fique aqui esta noite, enquanto vou à sucursal Norte; avise Arch Goodman que O'Rourke vai se mudar para Shamrock.

- Por quê? - Ty questionou a ordem. - Os médicos o liberaram, então eles devem estar convencidos de que ele é inofensivo.

- Nada, nem ninguém é inofensivo, Ty. - A voz era dura. - Poderia haver duas razões pelas quais ele não quer viver aqui. Primeiro, ele sabe que o passado pode ser perdoado, mas raramente esquecido. Ele pode não ter gostado da ideia de dormir sob um teto Calder, comer a comida Calder, e beber a água Calder. Segundo, ele pode ser suficientemente esperto para saber que eu teria alguém vigiando-o o tempo todo.

- Você não confia nele?

- Só estou sendo cauteloso - replicou o pai. - Ele vai precisar de ajuda para tornar aquele casebre novamente habitável; quero que você dê uma mão a ele.

- Eu? Por quê?

- Porque pensei que você gostaria de escapulir por umas duas semanas. - Não esperava resposta, e Ty não ofereceu nenhuma. Mas era verdade que precisava de algum tempo sozinho para se acostumar com a ideia do noivado desfeito. E desconfiava de que O'Rourke iria se isolar completamente, o que significaria estar sozinho. - Temos deixado o gado de Shamrok em nossos pastos, quero dizer, tenho de avisar Arch que deveremos separá-lo de nosso rebanho. O'Rourke nunca se preocupou muito com estoques, portanto vamos ver o que poderemos economizar assim que ele construir um galpão para guardá-lo. Ele precisará de ferramentas, madeira, provisões.

- Ele vai acabar sabendo que tudo isso vem de nós - observou Ty.

- E se ele não aceitar?

- Ele vai aceitar. Ele é um O'Rourke, consequentemente achará que é direito seu.

A última vaca com a marca Shamrock foi separada do rebanho e levada para um curral menor. Jessy afastou o alazão de pernas socadas do portão, enquanto um dos homens desmontados o fechou atrás do animal. Ela retirou o chapéu e enxugou o suor da testa na manga da camisa, enfiando novamente o chapéu na cabeça. O alazão castrado resfolegou barulhento, limpou as narinas da poeira do curral e empinou as orelhas, com a atenção desviada para a parte principal do rebanho do Norte sendo instigado para fora do portão, para pastar e dispersar-se. Um bezerro confuso tomou o caminho errado, e Jessy brandiu o laço tentando capturá-lo e reuni-lo ao rebanho.

Após seguir o gado e os outros cavaleiros até o lado de fora do curral, ela direcionou a montaria para a cerca onde dois homens estavam sentados. Ela desmontou e afrouxou a cilha, dando um descanso ao cavalo.

- Você pegou todos eles, Arch - ela informou o capataz, sucinta, tocando em seguida a aba revirada do chapéu empoeirado, e cumprimentando o mais velho, desgastado e alquebrado pela idade. - Oi, Nate.

- Jessy. - Ele retribuiu a saudação. Nate Moore era o filósofo celibatário da fazenda. Seus ossos já estavam demasiado entrevados e frágeis para aguentar os maus-tratos de uma sela, mas seus olhos não o haviam traído. E seu tino para o gado o havia transformado em autoridade indiscutível em criação de gado na fazenda Triplo C. Como não conseguia mais percorrer longas extensões, exceto em uma caminhoneta, ele estava sempre à mão, onde quer que houvesse um ajuntamento para analisar de perto a procriação.

- Vamos deixá-los aqui esta noite e levá-los para Shamrock amanhã de manhã - decretou Arch Goodman, descendo da cerca para ir avisar os outros cavaleiros de seus planos.

Nate continuou empoleirado:

- O'Rourke está recebendo um gado melhor do que o que ele tinha antes. - Pegou o papel para cigarro e a bolsa de fumo do bolso do colete. Muitos dos veteranos ainda preparavam seus próprios cigarros, mas para Nate a tarefa tornara-se uma provação, pois as juntas dos dedos estavam dilatadas e enrijecidas.

- É verdade. - Jessy observou as tentativas desajeitadas de colocar o tabaco na calha de papel. - Deixe que eu faça para você.

Ele passou o material para ela e ficou assistindo à garota colocar habilmente a quantidade certa de tabaco:

- Imagino que o jovem Ty esteja na casa de O'Rourke, ajudando-o a recuperar alguma coisa daquelas construções caindo aos pedaços.

- Ouvi falar. - Segurou o fumo entre os dentes e fechou a bolsa.

- Aquele noivado não ia durar muito, estava na cara; terminou, você sabe.

- Também ouvi falar nisso. - Ela enrolou o papel em volta do fumo e passou a língua pela borda do papel, fechando-o.

- Parece que ela rompeu o noivado - comentou Nate. Jessy lhe deu o cigarro feito a mão e ele riscou um fósforo no lado inferior da coxa para acendê-lo. - Não posso pensar muito bem de uma mulher que empenha sua palavra e depois volta atrás.

- Provavelmente ela tinha suas razões. - Ainda se sentia interiormente machucada com a maneira como fora usada por Ty, conscientemente ou não. com toda a honestidade, Jessy não podia dizer que ficara triste com a forma como ele fora tratado por sua bem-amada. Era uma espécie de doce vingança para ela.

- Está defendendo-a? - observou Nate, enquanto soprava a brasa do cigarro, as mãos em concha, tentando acendê-lo.

- Só estou defendendo a minha espécie. - Ela balançou um ombro.

- Existem espécies... e espécies. - Ele olhava ao longe, contemplando a imensidão do céu. - A maioria dos rancheiros faz questão de ter o melhor touro reprodutor, gastando o que for preciso para obter a mais alta qualidade... e então colocam o animal para servir a vacas inferiores. Olha, se você quer um bom novilho - Nate voltou os olhos atentos para a garota -, você tem que ter uma boa mãe. Muitos caras que se dizem especialistas não percebem que um novilho recebe muito mais da mãe do que do touro que a cobre. O dinheiro de um fazendeiro é mais bem aproveitado em uma boa vaca do que em um touro. O que conta é a fêmea, e não deixe ninguém convencê-la do contrário.

- vou me lembrar disso. - Pareceu-lhe estranho ouvir tal conselho quando fora criada em uma sociedade inteiramente dominada pelos homens, principalmente vindo o conselho de Nate Moore, um machão durante toda a vida. Provavelmente ele fora forçado a lançar mão das velhas ideias com relação às mulheres.

- Ouvi dizer que você vai trabalhar em horário integral - observou Nate.

- É. Claro que papai não acha direito eu trabalhar sob as ordens dele, então ele me mandou para Arch. - Houvera certa hesitação em colocá-la como fixa, mas ninguém podia negar sua habilidade. E todo mundo já se acostumara à presença dela trabalhando com eles no pasto.

Mas Jessy também sabia que estava sendo colocada à prova. Se o fato de ser mulher trouxesse brigas entre os homens, há muito desacostumados com a presença de uma moça, ela sabia que seria jogada em algum trabalho mais doméstico no celeiro ou no aprovisionamento. Ela zombara do pai quando este afirmara que a filha tinha o tipo físico pelo qual os homens poderiam brigar, até que ele explicou que um rosto se torna mais belo quando um homem está desesperado. com amargura, ela lembrou que um homem pode estar tão desesperado a ponto de imaginá-la uma outra pessoa.

- Parece que eles vão guardar os cavalos. - Jessy percebeu os outros cavaleiros reunindo-se no vagão dos cavalos, ao que ela pegou as rédeas do seu animal. - Vejo você por aí, Nate.

Enquanto a garota guiava o alazão, Nate manobrou cautelosamente os ossos endurecidos, saindo de cima da cerca. Deu uma última tragada no cigarro, estudando-o, e então lançou um olhar para a menina graúda. Ela é danada de boa enrolando um cigarro - murmurou para ninguém em particular.

 

O amor é como um sonho Quando a eleita É a mulher desposada Por que então a dúvida Naquele que nasceu Calder E sempre será um Calder.

- Isto é muito frustrante - resmungou Chase, suspirando. O couro da sela estalava enquanto ele apoiava o peso do corpo momentaneamente sobre o estribo para mudar de posição.

- O que há de errado? - A atenção de Maggie foi desviada do caos aparente do local de marcação do gado para o marido. Não percebera a razão para a impaciência que endurecia a mandíbula e os olhos dele. Contemplava-a com um olhar fulminante de disfarçado desgosto.

- Quando eu tinha a idade dele, já liderava uma turma. Ty ainda está recebendo ordens. - A aspereza em sua voz tentava dissimular a raiva latente. - Ele estará com trinta anos quando tiver experiência em liderança sobre os homens.

com o olhar infalível de mãe, Maggie localizou o filho entre os cavaleiros laçando novilhos e trazendo-os para o grupo de marcação. Seu laço era lançado com mão tão certeira quanto a de outros, Ty trabalhava sem cessar, sem afrouxar o ritmo. Todos estavam sentindo a pressão do céu de chumbo, de tempestade, ensombreando a tarde com a ameaça de chuva fria... ou pior, de neve.

- Você fala como se Ty jamais pensasse por si mesmo - ela o reprovou. - Esqueceu que foi ideia dele alternar estacas de ferro com as de madeira para a cerca, quando você estava substituindo as velhas cercas por novas no verão passado?

- Não esqueci. - A lembrança suavizou um pouco a dureza de Chase. - Mas isto não pode ser considerado uma ideia original. Já foi usada por alguns fazendeiros, para manter suas cercas intactas onde há perigo de fogo na pradaria.

No caso de incêndio, os postes de madeira pegariam fogo, provocando o desmoronamento da cerca, o que permitiria a dispersão do gado. Usar somente estacas de ferro preveniria isto, mas o preço seria consideravelmente mais alto. Uma combinação de madeira e ferro, entretanto, consistia em uma alternativa possível.

- Mas foi Ty quem sugeriu e fez todos os cálculos do custo do projeto - recordou Maggie.

- Maggie, não estou criticando o trabalho que ele fez ou a maneira como o realizou - replicou Chase, demonstrando paciência. - Mas estou consciente do progresso que ainda terá de fazer, e isto me aborrece.

Embora Chase não houvesse feito esta observação pensando nos quatro anos que Ty passara na universidade, longe da fazenda, Maggie foi atingida pela frase do marido, acreditando que ele estava se referindo àquele tempo perdido. Já fazia dois anos que Ty retornara à fazenda, mas Chase ainda não estava satisfeito. Maggie manteve-se em silêncio, deixando sobressair os berros do gado e os gritos do grupo de marcação.

- Cat está adorando, não é? - A voz de Chase enternecia-se com um orgulho que raramente percebia em relação a Ty. Enquanto Ty dificilmente fazia algo certo aos olhos do pai, a filha não errava nunca. Maggie não considerava justo o favoritismo que ele conferia à filha. - Parece que ela acha muito monótono conduzir o rebanho. Agora já está perseguindo os novilhos com o grupo de terra.

- Acho que ela atrapalha mais do que ajuda - retorquiu ela.

- Ela está se divertindo. - Para ele, esta justificativa era suficiente.

- Se realmente começar a atrapalhar, os garotos expulsam-na de lá.

Mesmo que fosse verdade, Maggie sabia que os rapazes a mimavam tanto quanto Chase. Era surpreendente como uma garota conseguia ter tantos homens adultos na palma de sua mão, considerando-se que acabara de completar nove anos.

Tornara-se difícil manter Cathleen à vista, agora que desmontara de seu vistoso preto e branco. Ele ficara amarrado na estaca, a sela preta trabalhada à mão e as rédeas combinando com adornos prateados, aguardando para o caso de Cathleen mudar de ideia. Ela sempre queria estar no meio de tudo.

Aos nove anos, Cathleen continuava tão bela quanto em qualquer outro período de sua vida. Mesmo agora, quando parecia uma moleca, não deixara o jeito de garota de lado. Maggie desconfiava ser este o motivo por que ela atraía tanto os rapazes. Ela representava o ideal, deixando de ser uma criança deslumbrante para transformar-se em uma garota adorável.

- Agarre o pescoço dele e largue-o no chão, Cat. - Binky Ford instruía Cathleen com um sorriso largo, enquanto montava no novilho que jogara ao solo.

Rindo, Cathleen tentou subir no pescoço do novilho, mas ele era um animal pesado. Sua luta para libertar-se desequilibrou-a, projetando-a no chão com um ruído surdo. Não importava. Afinal de contas, era só uma brincadeira. Não precisava da ajuda da garota para dominar o novilho. Os garotos só a haviam incluído para que pudesse participar das atividades. E Cat sabia como obter a atenção deles. Os rapazes gostavam quando ela se misturava e se sujava toda, e caíam na gargalhada quando torcia o nariz com o fedor do couro e pêlo queimado, ou quando encolhia-se durante a retirada dos cornos.

O bezerro foi marcado, rotulado, vacinado e solto para que voltasse correndo ao rebanho, em busca de sua mamãe. Cat sacudiu a poeira dos jeans novos, dirigindo-se para onde estava o outro burburinho de homens em torno de um bezerro laçado. Enquanto trotava em direção a eles, reconheceu a figura esguia, uma massa de cabelos queimados de sol estendendo-se até o meio das costas.

- Oi, Jessy. - Deteve-se ao lado dela e agachou-se. - Posso ver como você castra este novilho?

Uma risadinha de surpresa ecoou de alguém do grupo que estava trabalhando sobre o animal deitado.

- Acho que você tem a curiosidade de um gato.

- Por quê? - Cathleen indagou com toda a inocência, mas o homem enrubesceu e não respondeu.

Jessy abaixou a cabeça, dissimulando um sorriso, e calmamente passou uma lata de anti-séptico para a garota.

- Você pode esguichar um pouco disto quando eu terminar.

Divertia-a a ideia de que aqueles homens rudes ficavam constrangidos com a possibilidade de a garota assistir à castração de um bezerro. Mas Jessy era mais nova do que Cathleen quando vira pela primeira vez um novilho ser castrado. Além disso, a garota tinha nove anos, portanto ela sabia o que era aquilo. A ideia não era nova para ela.

- Dói muito? - perguntou Cathleen, franzindo o rosto em antecipação à dor. Suas bochechas estavam empoeiradas, o que lhe conferia um charme bem moleque.

- O truque é fazer tão rápido que quando o novilho sentir, a dor já terá terminado - explicou Jessy, tomando o escroto em suas mãos para fazer a incisão.

Cat sugou o ar com um silvo ao primeiro esguichar do sangue. Trabalhando com a destreza de longo tempo de prática, Jessy removeu as glândulas reprodutoras masculinas, ordenando com um sinal de cabeça que a garota jogasse o anti-séptico. Afastou-se do bezerro para jogar os testículos ao fogo.

- Posso ver? - pediu Cat, e Jessy ouviu um dos homens protestando contra a garota ser submetida a tal cena indecorosa. Sentiuvontade de rir do absurdo. Os homens não se importavam com que as mulheres tomassem conhecimento daqueles procedimentos, só que não queriam estar por perto quando elas descobrissem tudo isso.

- Claro que pode - redarguiu, percebendo pelo canto dos olhos como os homens mais do que prontamente voltavam a atenção para o trabalho deles.

Um grupo nas proximidades acabara de remover a corda do pescoço do outro novilho. Ty começou a enrolar a corda, enquanto direcionava o cavalo para o rebanho, para pegar outro. O cavalo castrado e malhado que estava montando mostrava-se descansado e ansioso para entrar em ação. Pisava para o lado, impaciente com o freio em suas faces, mordiscando-o com ruído. Ty direcionou o animal para onde estava o segundo grupo. Percebeu a irmãzinha entre eles, e não pensou duas vezes sobre o fato, exceto que ela estava observando com atenção algo que Jessy segurava. Entreviu os órgãos sangrentos e sentiu-se ferver em uma espécie de ultraje.

- Cat - ele gritou seu nome, e a irmã levantou-se de um salto, sentindo-se quase culpada. - Volte para seu cavalo. Ela o fitou, surpresa, desconcertada e desconfiada do tom imperativo em sua voz. Naquele momento, pareceu-lhe prudente não questionar a autoridade do irmão. Assim, fez o que ele ordenara. Ainda ignorando Jessy, Ty correu o olhar fulminante pelos outros homens. - Como é que vocês a deixam castrar os novilhos? Isto não é trabalho para uma garota.

- Qual é o problema, Ty? - desafiou Jessy. - Está com medo que minha faca escorregue e acabe cortando mais alguma coisa? Ora, não se preocupe. Já cortei mais bezerros do que o número de pêlos que você tem.

Atirou-lhe um olhar irritado e ordenou:

- Jobe, coloque-a no ferro de marcar. Jobe Garvey hesitou.

- Ela é rápida e hábil com a faca.

Ele contraiu os lábios em uma linha estreita. Jobe era o líder do grupo desmontado, e não fazia parte das atribuições de Ty trocar as tarefas. O máximo que poderia fazer era utilizar o fato de ser um Calder, e não lançaria mão disso. Não tinha escolha, a não ser deixar o problema aos critérios de Jobe.

- Acho que se ela recebe o salário de um homem, ela pode fazer o trabalho de um homem - declarou Ty rudemente.

O novilho conseguira se erguer e fugir, e Jessy desfizera-se dos testículos, de pé ao lado do cavalo inquieto de Ty. com a afirmação do rapaz, os outros foram se afastando, dando o assunto por encerrado, mas Jessy permaneceu onde estava. Seus olhos cor de avelã faiscavam de raiva.

- O que o incomoda mais, Ty? - indagou, em um tom de voz que ninguém mais poderia ouvir. - Eu fazer o trabalho de um homem, receber o salário de um homem ou fazer o trabalho melhor do que você?

- Talvez eu não goste do jeito como você exibe sua habilidade - respondeu bruscamente.

- Maldição, eu sou boa. E não vou esconder ou fingir que não sou só para agradar algum homem.

- Imagino que você seja uma daquelas mulheres que queimam os sutiãs para serem tratadas como iguais. - Havia um tom de escárnio na voz dele.

- Se isto significa respeito, sim. - Ela atirou em resposta.

- Tudo bem. - Ty estava fervendo, a respiração alterada e cortante. As acusações o haviam atingido, demasiado próximas da verdade. Instintivamente, ele sabia como se vingar. - Para uma garota, até que você daria um bom homem.

Viu-a contrair-se e ele puxou as rédeas de seu cavalo para o lado, instigando-o para diante. Jessy lançou-lhe um olhar feroz, ferida com o insulto. Zombara dele usando seu papel no mundo masculino para que per1cebesse que ela era uma mulher. Naquele verão completara dezenove anos. Possuía todas as necessidades, desejos e ânsias de uma mulher. E ele era cego demais para enxergar isto.

Uma gota de chuva caiu e espalhou-se por sua bochecha. Jessy ergueu os olhos para Broken Buttes, mas o contorno pontudo estava encoberto por uma névoa cinzenta. A chuva estava para chegar.

- Abram os impermeáveis - alguém gritou.

Chase e Maggie estavam montados em uma elevação da planície herbosa, observando os trabalhos de marcação. Ele ordenou a Maggie:

- É melhor pegar Cathleen e levá-la para a tenda de comidas. Vocês não precisam se molhar. - Esticou-se para trás, desatando o impermeável preso à sela.

À distância, ouvia-se um zumbido baixo, que foi aumentando gradativamente. Maggie guiara o cavalo, desviando-se do rebanho para buscar abrigo na tenda do rancho, antes que as gotas de chuva intermitentes se transformassem em temporal, só que o ruído cresceu para um troar surdo. Chase olhou para cima quase ao mesmo tempo que ela.

Um bimotor surgira do Sul, voando logo abaixo das nuvens baixas. As asas oscilavam enquanto eles ouviam o ruído do avião à esquerda.

- É o aeroplano de Dyson - reconheceu Chase. ?

- Você o esperava?

- Não. - Observou o avião rebaixar uma asa em direção ao solo, fazendo uma curva oscilante e nivelando em direção à casa-grande.

- Ele está bem baixo. - O aeroplano parecia deslizar sobre o topo das colinas.

- Provavelmente ele está voando sobre os poços de gasolina - concluiu Chase. - É melhor irmos para casa e recebê-los.

O avião corria à frente da chuva, tão próximo do solo que todas as ondulações do terreno eram visíveis, desvendando a aparência plana. Da janela, o terreno abaixo parecia deslizar lentamente de modo a permitir a inspeção.

- Olhe. Lá está um rebanho... e alguns cavaleiros. - Tara pressionou o rosto contra a janela, tentando ver mais nitidamente. Imaginava que Ty estaria ali entre eles.

- Parece que eles estão em pleno período de marcação - observou E.J. Dyson. A visão da cena foi interrompida quando o piloto começou lentamente a fazer uma curva. Quando voltaram ao nivelamento, Tara perdera o ajuntamento de animais de vista, mesmo assim continuou a olhar pela janela.

- Quanta terra - ela murmurou, maravilhada.

- E só voamos sobre metade dela... nem isso. - Para ele era difícil olhar para toda aquela terra sem pensar na possível riqueza que existia sob as pastagens, aguardando serem exploradas. Não era o lucro potencial que o excitava, mas o desafio emocionante de elaborar um projeto daquela magnitude e colocá-lo em prática. Era a aventura pura e simples, muita coisa colocada em jogo. - A amplitude desta propriedade é desconcertante.

- É mesmo - ela aquiesceu. - E os Calder são os donos de tudo?

- De cada santo talo de grama. - Na verdade, havia certa controvérsia a esse respeito, mas ele queria manter a informação em sigilo, mesmo da filha. - Esta terra tem um grande futuro à sua frente.

Afastando-se da janela, Tara manuseou compenetrada a gola alta e franzida da blusa, enquanto observava o panorama movimentando-se lentamente do lado de fora da janela.

- Engraçado. Você contou tanta coisa sobre esta fazenda. E Ty falava sobre ela sem parar. Mesmo assim, eu nunca imaginara uma coisa dessas.

- Isso aqui é um reino, e não é dos pequenos. - Esboçou um sorriso seco. - É quase uma propriedade feudal. Falando sério - insistiu, ao ver que a filha lhe mandava um olhar cético. - Chase Calder é o dono da terra. Sua palavra é lei, não se engane a esse respeito.

Ela pousou a mão no colo, entrelaçando-a com a outra em uma atitude que parecia calma e equilibrada, mas o polegar corria por sobre a opala negra adaptada em um anel.

- Ele tocou no assunto do... noivado rompido alguma vez?

- Não... além do comentário do Calder, certa vez, de que achava vocês dois muito jovens para enfrentar um casamento.

- Ótimo. Não quero dificultar as coisas com minha presença acompanhando você nesta visita - murmurou Tara, com um sorriso ténue.

- Vem cá, Tara Lee - E. J. censurou-a. - Não sou um dos seus namorados para ser enganado por seu recato. Você está louca para dificultar as coisas. Admita.

- Papai - ralhou com ele, sorrindo em seguida diante da facilidade com que ele a percebia. - Você está absolutamente certo. É isto mesmo que quero.

- Minha querida, ninguém resiste a você - ele garantiu. - Nem mesmo um Calder.

Uma sombra de satisfação delineou a curva de seus lábios enquanto Tara permanecia pensativa e silenciosa. Nos últimos dois anos, Ty viera com frequência ao seu pensamento. Tudo não passara de uma questão de prioridade e oportunidade. Teria sido bem mais fácil se Ty houvesse compreendido.

Agora era o momento certo e, ao que tudo indicava, o local certo. Não duvidava de sua habilidade em reconquistar a afeição de Ty. O simples fato de ela ir ao encontro dele já constituía uma vantagem.

- Quanto tempo falta para pousarmos? - Ela tirou o estojo da bolsa e checou a maquilagem diante do pequeno espelho.

- Alguns minutos.

O avião fora avistado ao pousar no campo particular, e um carro estava à espera para transportar os passageiros até a casa-grande. Quando se aproximava da entrada sustentada por colunas, Dyson sussurrou um comentário para a filha.

- Um castelo ideal para um rei do gado, não acha?

Não houve tempo para resposta além de um sorriso, pois a porta da entrada imponente abrira, dando passagem a uma mulher idosa que aguardava para lhes dar as boas-vindas. Dyson reconheceu Ruth Haskell de visitas anteriores e sorriu acolhedor. Uma de suas regras de trabalho consistia em ser gentil com os empregados. Um homem nunca sabia quando eles poderiam se tornar uma fonte inesperada de informações.

- Ruth, que bom ver você novamente. Como vai? - Ele injetou uma simpatia cordial ao seu acento texano arrastado. Ela murmurou uma resposta e Dyson foi novamente tomado pela sensação de que ela parecia uma folha morta, embora, sem sombra de dúvida, privasse de grande parte dos segredos da família Calder. - Tara Lee, quero lhe apresentar Ruth Haskell. Esta senhora notável cuida das coisas aqui há anos. É praticamente um membro da família.

- Sinto muito, mas nem Chase nem Maggie encontram-se em casa no momento - desculpou-se Ruth, acompanhando o par recém-chegado para dentro da casa. - Agora é a época dos rodeios de primavera, vocês sabem, e eles levaram Cathleen para assistir à marcação. Mandamos um recado avisando que vocês estão aqui.

- Por um acaso estávamos voando por esta região e percebemos o rodeio. - Ele puxou as calças e acomodou-se em uma cadeira de veludo desbotado na sala de estar, onde o fogo há pouco aceso crepitava na lareira de mármore negro. Esta afastou a melancolia do dia cinzento e a chuva fria que começara a cair do lado de fora. Tara circulava em torno da lareira, vivaz.

- Estou certa de que eles virão diretamente para cá - prometeu a mulher. - Audra logo estará aqui para preparar seus quartos.

- Não será necessário. Infelizmente, tenho que me encontrar à noite com meu sócio em Calgary para uma reunião amanhã pela manhã; este voo vai ser uma simples visita - explicou Dyson. - Não tinha certeza de que teríamos tempo livre para nos determos aqui, se não teria avisado Chase para nos esperar hoje à tarde.

- Vocês são sempre bem-vindos - garantiu Ruth, sabendo por experiência anterior que essa era a pura verdade. Deslizou um olhar hesitante em direção à filha. - Aceitam um cafezinho?

- Sim, por favor.

Uma hora depois, Chase e Maggie chegaram à casa-grande. Isto deu a Tara tempo suficiente para analisar os móveis sem parecer bisbilhoteira. Vários artigos eram antiguidades indubitavelmente valiosas; outros eram antigos mas não tão preciosos. O tapete que começava a soltar alguns fios dispunha-se na área em que os móveis estavam agrupados. A sala lhe dava a nítida impressão de que o relógio parara há cinquenta anos atrás. Mantinha um certo charme e conforto gastos mas, na opinião da garota, ela poderia ser muito mais imponente.

Após as saudações, desculpas e explicações, uma Cathleen suja e alagada de chuva foi enviada a seu quarto no andar de cima, para tomar banho e trocar de roupa. Depois de decidido que eles ficariam para o jantar, Tara achou conveniente perguntar por Ty. Nenhum dos Calder mencionara o nome dele, possivelmente porque não quisessem trazer à baila um assunto potencialmente embaraçoso.

- Ty virá jantar conosco esta noite? - ela perguntou casualmente.

- Não. - Foi Chase Calder quem respondeu à pergunta dela, estudando-a com olhar afável, o qual captava muito mais do que demonstrava. - A turma do rodeio vai passar a noite lá.

- Ah. - Ela demonstrou o desapontamento que estava sentindo olhando através da vidraça, observando o temporal. - Pensei que eles suspenderiam o trabalho até que esta chuva passasse.

A aridez do sorriso divertido dele refletiu-se nos olhos escuros.

- Um rodeio, quando começa, continua até o último bezerro ser marcado, chova ou faça sol.

- Esperava vê-lo enquanto estivéssemos aqui - admitiu Tara, lançando um olhar rápido em direção ao pai antes de dirigir-se novamente aos pais de Ty. - Sei que poderia parecer uma precipitação de minha parte querer revê-lo após desmanchar o noivado. Mas Ty nunca me deu oportunidade de explicar minhas razões para tal. Esperava que agora ele quisesse ouvi-las. Lamento muito o que aconteceu. Cometi um erro, e devo a ele poder admiti-lo agora.

Maggie admirava muita coisa naquela mulher jovem e bela. Identificava-se com o forte senso de independência que Tara possuía e com sua vontade imperiosa. Sempre achara que Ty e Tara combinavam muito bem, mas também estava consciente da profundidade da ferida de Ty. O término do noivado ainda consistia em assunto sobre o qual ele não podia falar.

- É uma pena você não ficar por mais tempo. - Maggie relutava em comentar a confissão de remorso de Tara.

- Talvez... - Ela hesitava propositalmente, lançando um olhar para o pai, que estava observando atentamente suas manipulações com olhar de aprovação, embora inteiramente à parte. O jogo era dela, e deveria ser jogado sem a ajuda dele. - Se não fosse uma imposição desabusada voltou um olhar expressivo e súplice para Maggie -, poderia ficar aqui por uns dois dias, até que papai e Stricklin terminassem seus negócios em Calgary. Assim, teria chance de falar com Ty. - Sua audácia em convidar-se para permanecer na fazenda fora um risco calculado. Sabiamente, Tara não insistiu em uma resposta imediata. Ao contrário, desviou a atenção para o pai. - Você se incomodaria de parar aqui novamente, quando estiver voltando do Canadá, para me buscar? Sei que não planejara isto.

- Naturalmente que posso voltar por aqui - ele replicou. - Não será nenhum grande inconveniente para mim. Acho que o problema é se os Calder se importariam de receber uma hóspede não-convidada em uma época tão atarefada do ano.

- Desculpem. - Tara justificou-se por ter sido tão desatenta com o horário de trabalho deles. Não houve reação por parte de Chase, mas a garota percebeu que Maggie estava despertando. - Tinha esquecido como vocês estão ocupados com o rodeio e tudo o mais. É que me parece terrível estar tão perto e não ter a oportunidade de rever Ty.

- É claro que você pode ficar aqui conosco por alguns dias - insistiu Maggy, sem consultar Chase. Mas se esperava que ele discordasse dela, estava enganada. Ele achava que já estava mais do que na hora de Ty enfrentar esta mulher bela e escorregadia e domá-la de uma vez por todas.

A chuva transformara o chão batido em massa pegajosa de lama, a qual esgotava homens e cavalos; o lodaçal sugava os pés deles a cada passo; não se tinha certeza de que os pés estavam bem plantados no solo. Vários homens e cavalos escorregavam e caíam na perseguição aos novilhos. O lamaçal retardava consideravelmente o ritmo da marcação, pois os homens enlameados e lambuzados trabalhavam com mais dificuldade e produziam menos.

Um sol forte surgiu no alto do céu, secando a lama no corpo dos trabalhadores, transformando-a em crostas que os tornavam semelhantes a bestas. A montaria de Ty tropeçava cansada, a cabeça descaindo, enquanto ele trotava em direção à cerca onde um cavalo limpo estava à espera.

- Ei, Calder - o grandalhão Ab Taylor gritou. - O chefão está chamando você.

Um tanto aborrecido, Ty ergueu a mão em direção ao vaqueiro, em sinal de reconhecimento. Notara a caminhonete que chegara há poucos minutos, mas não pensara mais sobre o assunto. Dirigiu o cavalo para onde ela estava estacionada, agora galopando aos trancos e barrancos.

Apick-up estava parada perto do trailer de lanches. O pai encontrava-se ali parado, uma xícara de café na mão, sua estrutura alta e forte apoiada contra a capota e voltada para um lado. Freando o cavalo, Ty fê-lo parar ao lado do pneu dianteiro e inclinou-se sobre a sela, jogando o chapéu para trás.

- Ab falou que você queria me ver. - Podia sentir os respingos de lama endurecendo em seu rosto; as pernas das calças estavam duras de barro.

- Tem uma pessoa aí querendo vê-lo.

- Quem? - Franziu as sobrancelhas em uma careta de curiosidade. Visitantes eram coisa que ele não recebia, e o período de rodeios não constituía a época mais adequada para visitas.

- Tara.

Ty lentamente empertigou-se na sela, a descrença evidente em seu rosto. Uma procura rápida com os olhos a descobriu, sentada em uma cadeira de armar ao lado do trailer, observando a confusão de homens e animais na arena de marcação como se todos eles estivessem representando para diversão dela. Ela ainda possuía aquela qualidade de tomar posse do que estivesse a seu redor e colocar-se à vontade.

Ele levou um segundo para recobrar-se do choque de vê-la. Desceu da sela com aquela maneira sem pressa própria de um homem que está tentando tomar uma decisão. As esporas não produziram qualquer ruído, o tilintar silenciado pela lama, enquanto ele atravessava a distância que os separava, retirando metodicamente as luvas. O pai permaneceu na caminhonete, para que o encontro fosse a sós.

Ao levantar os olhos para observar a aproximação de Ty, Tara sorriu daquela mesma maneira provocante e enigmática que havia obcecado as noites dele, meses a fio. Ele tentou manter-se indiferente àquela beleza esfuziante mas, como sempre acontecia, ela penetrou até as suas entranhas. Tão profundamente feminina em suas calças pretas colantes, uma camisa de mangas compridas de seda escarlate e um colete de pele de carneiro branco, ela acendia todos os seus instintos masculinos. Puro orgulho levou Ty até onde se encontrava a garrafa de café sempre cheia, a dois passos dela.

- Oi, Tara. - Ele estava tremendo por dentro, enquanto enchia uma xícara de café, mas conseguiu manter o tom normal de voz. Mal olhou para ela, embora consciente de cada movimento, cada suspiro da garota.

Ela se pôs de pé com aquela graça natural, tão impecável que imediatamente ele se lembrou de sua aparência imunda, o fedor de suor e excremento animal que estava entranhado em suas roupas, além da barba por fazer crescendo por suas bochechas, ensombrecendo-as. Ele não se parecia nem um pouco com aquele universitário bem vestido que esperara pela atenção dela.

Tara inclinou um pouco a cabeça enquanto contemplava as mudanças evidentes em Ty. A semelhança com o pai era agora bem mais marcada, quase um sinal tribal. Os cabelos escuros, grossos e desordenados, o queixo e a testa de granito, a escuridão impenetrável daqueles olhos grandes e profundos, as maçãs do rosto bem-delineadas, e a gravidade inerente à mandíbula forte, eles tinham os mesmos traços. A camada de sujeira não chegava a ocultar o homem em que ele se transformara.

- Oi, Ty. - Por fim ela falou, a voz suave, meio jocosa, mas inteiramente confiante. - Esperava que você escrevesse, mas nunca recebi uma palavra sua. Percebi que se quisesse vê-lo novamente, teria de vir até você. Portanto, eis-me aqui... pronta para implorar o seu perdão.

As mãos dela se abriram num gesto gracioso que parecia oferecê-la a ele sem reservas. Ty recordou as mensagens subliminares que ela sabia transmitir-lhe com os movimentos de corpo, as muitas nuanças de significados que ela conseguia urdir em palavras.

Mil reações conflitantes dominaram-no ao mesmo tempo, mil emoções atravessando-o descontroladas, sem que conseguisse desenredar-se. Desejava-a; odiava-a; e ressentia-se com ela por estar ali fazendo-o passar por tudo aquilo de novo.

- Não consigo imaginar você implorando o que quer que seja - contrapôs Ty suavemente, levantando a caneca de metal até sua boca, sem modificar a postura despreocupada.

Diante dessa observação, ela soltou uma gargalhada, admitindo, com um olhar provocante e superior:

- Não sei fazer isso muito bem. - Então, aquele sorriso leve voltou aos seus lábios. - Prefiro você aqui. Na faculdade você estava fora de seu elemento.

- Por que veio aqui? - indagou, abaixando a caneca e fitando o que restara de conteúdo em seu interior. Nem por um segundo Ty acreditou que Tara estava lá para pedir perdão. Ela nunca se importara se seus atos iam de encontro à aprovação ou desaprovação das outras pessoas. Só se importava com a sua própria opinião.

- Já disse que...

- Não brinque comigo. - Ele cortou rudemente as palavras dela.

- Você faz isso bem demais.

Por uma fração de segundo ela duvidou de sua habilidade em comandar a situação. Então, um olhar ferido atravessou seu rosto, enquanto ela baixava os olhos sob a força do olhar fixo de Ty.

- Pensava que você ia ficar contente em me ver novamente. - Tara levantou a cabeça, jogando-a para trás com equilíbrio renovado, deixando sua voz refletir uma despreocupação em relação a ele. - Não vim aqui para deixá-lo com raiva. É evidente que não sou bem-vinda aqui. - Ela fez uma pausa, sustentando o olhar dele durante um segundo significativo. - Sei que demorei muito a aceitar seu convite para vir aqui, mas acabei vindo. Pensei que isso significaria algo para você.

O silêncio foi sua única resposta. Quando ela se voltou para ir embora, o sol iluminou a opala negra em seu dedo. A visão da pedra afrouxou a postura de rígida indiferença.

- Por que você ainda está usando o anel? - Sua voz traía-se, rouca, vibrando emocionada.

Tara voltou-se lentamente para enfrentá-lo, relaxando um pouco. E Ty sabia que mais uma vez fora aprisionado no feitiço de sua beleza ardilosa.

- Porque foi você quem o deu - disse ela. Os olhos dele estudaram-na por completo, até o último sinal. O silêncio se prolongava. - Em que está pensando, Ty?

- Que você está mais bonita do que nunca, mas não tente mais jogar a isca para ver se vou mordê-la - alertou-a.

- Esta é a segunda vez que você me acusa de brincar com você.

- E você não brincou? - O desafio foi súbito e veemente, prova de que ela já o desarmara.

- Não, conscientemente não. Ah, admito que cometi erros sobre o que era importante para mim. Mas Ty... - Tara apelou, num tom meio brincalhão. - Uma garota não pode mudar de ideia mais do que uma vez?

A intensidade do momento atingiu-o. Esvaziou a xícara lançando o café fumegante ao chão, como se necessitasse de uma válvula de escape para a energia acumulada dentro de si.

- Você diz isso com muita facilidade. É só um outro jogo para você. Não houve dia em que eu não pensasse em você, não quisesse você. Não houve céu da meia-noite que não trouxesse nele o seu rosto. Nunca deixei de querer você. Quando papai disse seu nome há um minuto, eu também quis você.

- Mas eu estou aqui - insistiu ela.

- Você não entende - rebateu, rouco. - Eu queria você, mas as feridas ficaram secas. Elas não foram curadas, não desapareceram, mas o sangue parou de correr. Não vou deixar você abri-las novamente.

- Posso fazer isso? - perguntou Tara, brincando.

- Sei muito bem que você pode. - Ty estava sério. - Mas eu estou quase conseguindo esquecer você, e quero continuar assim.

- Sem olhar para trás? - Ela também ficou séria. - Mesmo quando estão chamando por você?

As defesas desapareceram, deixando-a perceber por um segundo a incerteza dele. Ela não teve mais dúvidas. Estendendo o braço, agarrou a mão áspera e calosa.

- Não vim aqui para abrir velhas feridas, Ty. Pode ser que eu tenha vindo aqui para persuadi-lo a me pedir novamente.

- Você já recusou uma vez. Não, obrigado. - O toque das mãos dela parecia endurecê-lo novamente.

- Você não consegue acreditar que percebi que estava errada? É pedir muito querer ter uma outra chance?

- Então você mudou de ideia de novo? - desafiou Ty. - Já passei por isso uma vez, Tara. Você vai me fazer sofrer o mesmo mais uma vez.

A sabedoria de Eva a fez perceber que não adiantava insistir. Era hora de recuar. Ele demonstrara um segundo de incerteza; ela sabia que ele era vulnerável. Retirou as mãos das dele, sorrindo resignada.

- Só vou ficar aqui dois dias - avisou. - Papai está em Calgary a negócios. Ele volta na quarta-feira para me buscar e voltarmos para casa. Gostaria que houvesse tempo suficiente para você me mostrar a fazenda. Afinal de contas, você falou tanto dela, eu gostaria de conhecê-la com você.

- Talvez noutra oportunidade. - Ty ficara aliviado com a aceitação de que o passado estava enterrado e respondeu sem pensar.

Imediatamente os olhos dela se acenderam.

- Isso significa que fui convidada a voltar?

- Esta é uma das leis não-escritas do Oeste: Nunca feche a porta a um visitante; você ainda pode precisar da hospitalidade recíproca algum dia. - Ele foi cuidadoso, de forma a não tornar o convite mais do que uma simples cortesia. - Fiquei várias vezes na casa de seu pai. Você é bem-vinda à minha.

Um cavaleiro aproximou-se sozinho, vindo do lado oposto do rebanho. Alerta, Ty percebeu-o e forçou o olhar para identificá-lo. Tara voltou os olhos na mesma direção, para ver o que desviara a atenção dele.

- Algo errado? - O cavaleiro parecera-lhe igual a todos os outros.

- Não. Nada errado. - Mas Ty imaginava o que Culley O'Rourke estaria fazendo tão longe, na terra dos Calder.

Durante dois meses, ele passara noite e dia com o homem, partilhara refeições e tarefas, embora não houvesse quaisquer confidências. O'Rourke devia ter aprendido a tolerar um Calder, mas não aprendera a gostar deles. Limitara-se a ir visitar Maggie na casa-grande, raramente, sempre saindo assim que Ty ou o pai chegavam. Parecia ter-se estabelecido uma trégua, ou, mais exatamente, uma neutralidade desconfiada em ambos os lados.

 

Não era muito cortês cavalgar até o campo, onde possivelmente o cavalo poderia sujar o solo em que o grupo estava comendo. Em vez de deixar o animal atado às estacas junto com as outras montarias, O'Rourke amarrou as rédeas do seu separadamente, no pára-choque traseiro de uma caminhonete.

Embora não parecesse deliberado, O'Rourke aproximou-se da extremidade aberta da cozinha ambulante, sempre mantendo um veículo entre ele e os circunstantes, como se quisesse ocultar-se de olhares curiosos. Ty não mais acreditava ser tal comportamento causado pela timidez. Mais parecia um desejo de passar despercebido. O'Rourke não gostava de ser observado pelas pessoas.

- Òi, Culley - Ty cumprimentou-o quando O'Rourke contornava a cozinha ambulante.

- Ty. - Ele assentiu, os olhos desviando-se curiosos para Tara. A vida ao ar livre havia bronzeado sua pele até um tom marrom, acentuando-lhe os cabelos grisalhos e tornando-lhe os olhos negros mais constrangedores. O'Rourke era sempre cuidadoso com a aparência, vestindo roupas limpas e barbeando-se diariamente. Passados dois anos, Ty convencera-se de que o tio era um tanto estranho, mas inofensivo.

- O que traz você aqui?

- Estou cansado de cozinhar e lembrei como a comida de Tucker é gostosa. - Novamente pousou os olhos em Tara, tocando levemente a aba do chapéu. - Senhora.

Ligeiramente relutante, Ty procedeu às apresentações que O'Rourke desejava visivelmente. Manteve o olhar fixo na garota, o que deixou Ty embaraçado.

- Você se parece muito com minha irmã - disse ele por fim.

Ty percebeu uma certa semelhança entre Tara e a mãe. Ambas possuíam cabelos pretos e eram pequenas. Ficou pensando se isto teria estimulado O'Rourke a aproximar-se, supondo ter uma aliada na sucursal, para logo depois descobrir que se enganara.

- Acho que vou perguntar a Tucker quando o almoço vai ficar pronto. - O'Rourke recuou e desapareceu por trás da caminhonete.

- Parece impossível este homem ser seu tio - murmurou Tara.

- Culley sofreu por causa disso, de um jeito ou de outro. - Limitou-se a responder. Ouvindo passos, Ty não se surpreendeu ao ver o pai aproximando-se deles.

- O que O'Rourke está fazendo aqui?

- Pelo que ele disse, está com vontade de comer a comida de Tucker.

O pai não insistiu no assunto na presença de Tara.

- Daqui a pouco a turma vai fazer um intervalo para o almoço. Lançou um olhar interrogativo em direção à garota. - Você quer ficar, ou prefere voltar para a casa-grande e almoçar lá?

- Prefiro ficar, se não for incómodo.

- Incómodo algum - assegurou ele, olhando curioso para Ty, tentando descobrir se ele pensava da mesma maneira. O filho não fez qualquer sinal de objeção.

- vou avisar a Tucker que teremos companhia para o almoço. Aquilo era uma forma de dizer que o pai pretendia alertar os homens para que tomassem cuidado com o linguajar.

Já se formara uma fila nas bacias para lavar as mãos quando Jessy acudiu ao chamado de almoço. Suas roupas haviam endurecido com a lama seca que ia se esfacelando aos pedaços enquanto ela andava. Os músculos da perna estavam doloridos com o esforço ininterrupto contra a sucção do atoleiro. Ela fez meia tentativa de retirar o acúmulo de lama grudado em suas botas esfregando-as na grama, mas não foi muito bem-sucedida. Colocou-se na fila.

- Precisamos de água limpa. - Um cowboy em frente a uma bacia requisitou aos berros. - Metade de Montana está usando esta aqui.

- É - ecoou o cavaleiro atrás dele. - Essa aqui já está cheia de lama. O cozinheiro rotundo aproximou-se irritado e pesadão, jogando fora a água suja e enchendo a bacia com água limpa. Ele era socado, maciço como um fogão antigo, o pescoço mergulhado nos ombros sólidos, coroado por uma careca pequena e desproporcional em relação ao resto do corpo.

- Temos uma senhorita aqui conosco, garotos, portanto cuidado com o linguajar, ou serei obrigado a bater umas cabeças contra as outras - avisou Tucker.

- Ouviram isso? Ele chamou Jessy de senhorita.

- Como vai, madame? - Um dos cowboys tocou a ponta do chapéu em uma reverência exagerada, ao que Jessy respondeu com uma mesura de zombaria.

- Tucker não está falando dela, seus idiotas! - declarou Sid Ramsey, dando um tapa no chapéu do homem. - A senhorita é aquela gracinha de olhos escuros sentada ali com Ty.

Jessy virou-se para a direção que Ramsey indicara, o olhar fixo como os demais. Ouviu os assobios baixos e disfarçados e os comentários sussurrados, elogiosos e pornográficos que os homens trocavam, de forma a manter suas imagens viris intactas entre seus pares.

A visão da garota de cabelos negros exerceu efeito contrário em Jessy: ela não teve o poder de soltar-lhe a língua: o silêncio tornou-se mais e mais profundo. A indiferença que Ty dispensava à garota sentada a seu lado era bastante significativa. Não estava conferindo um pingo da ardente atenção que os cowboys em volta de Jessy com prazer teriam oferecido a Tara. Ty mal a olhava, a expressão de seu rosto inteiramente carrancuda, fechado em si mesmo. Para Jessy, só havia uma razão por que Ty não estava sorrindo e falando livremente com uma garota bonita como aquela. Ela o ferira no passado.

Enquanto os outros especulavam sobre a identidade da garota, Jessy especulava sobre o motivo da presença dela ali. Por trás de toda aquela beleza, escondia-se um cérebro esperto. Havia um motivo para a vinda dela, que não se limitava a um simples convite amigável. Jessy aproximou-se da bacia, mergulhando as mãos na água turva, esfregando-as com uma barra grosseira de sabão Lava.

Na hora da refeição, em vez de se espalharem pelo campo, os trabalhadores agruparam-se em torno da cadeira de armar da garota. Quase todos cumprimentaram-na com movimentos de cabeça, ligeiramente envaidecidos com o leve sorriso que ela distribuiu a cada um deles. Uns dois cutucaram Ty, tentando forçá-lo a apresentá-la. A sensação que estava produzindo entre os homens irritava-o vagamente, embora já houvesse presenciado o mesmo tipo de reação, por ela deflagrada, muitas vezes antes. Ela possuía o tipo de beleza que fazia com que um homem esquecesse o bom senso. Ele ficava furioso com o jeito como os homens farejavam-na, semelhantes a um bando de idiotas, pois a fraqueza deles servia como um espelho para a sua.

Impossível evitar uma apresentação, mas Ty esperou até que o último homem houvesse deixado a fila de comida e arranjado um lugar para sentar. Não foi preciso chamar a atenção dos cowboys para ele, já que todos aguardavam ansiosos que fizesse as apresentações.

- Todos vocês conhecem E.J. Dyson. Esta é a filha dele, Tara Lee.

- Ty omitiu qualquer referência ao noivado. De qualquer maneira, os vaqueiros regulares fariam a conexão. Lançou um rápido olhar a Tara. Não vou me dar ao trabalho de dizer o nome de cada um desse monte de cowboys. Todos eles se acham grandes e espertos, mas tenho que alertá-la contra uns dois.

Olhou em torno para os rostos subitamente baixos, a agitação percorrendo o grupo, todos preocupados com o tipo de observação escandalosa que Ty poderia fazer sobre eles para aquela visão da beleza. Instalou-se um silêncio sepulcral.

- Tiny Yates, aquele ali com olhar de culpa. - Ty apontou. - Ele é casado, mas muitos dos caras acusam-no de confundir as mulheres deles com a sua. - Um rabo-de-saia notório, Tiny Yates enrubesceu do pescoço para cima. - E Billy Bob Martin bate em seu cachorro todas as vezes que bebe. A bebida o torna completamente intratável. - Alguém engasgou-se com o café diante daquela acusação. Billy Bob evitava beber como o diabo foge da cruz. Bastavam dois copos de cerveja para ele cair em prantos. Chorar era pior do que estar sóbrio. - Ramsey se pavoneia como se fosse o rei da bola. Ele canta de galo desde que o sol nasce.

Ninguém se mexeu, temeroso de chamar a atenção de Ty. Um silêncio apreensivo e desconcertado abateu-se sobre eles. Tara percebeu que nada do que Ty dissera era verdade , mas não conseguia entender o motivo que o levara a deixar os vaqueiros tão constrangidos.

Ninguém desviou a atenção da comida. Todos comiam rapidamente e depois despejavam os restos dos pratos sujos em uma panela velha. Ty observou-os partir apressados com um sorrisinho de satisfação.

- Por que fez isso? - murmurou Tara.

- Demorei muito para me vingar desse pessoal - ele replicou, engolindo o café.

- Vingar-se de quê? - Ela não sabia dos trotes que ele tivera de suportar nas mãos daqueles mesmos homens.

- De nada. - Ty esvaziou a caneca. - Foi só uma brincadeira entre amigos.

- Que brincadeira! - Tara achou que ele fora exageradamente ríspido com eles. Nunca entrara em contato com este lado da personalidade dele, e não sabia como considerá-lo.

- Aqui a brincadeira é meio dura. - Ele deu de ombros, mas não tentou explicar que os homens não guardariam rancor pelo que lhes dissera. Não fora nada pessoal, e eles sabiam disso. Um fluxo de vaqueiros em direção a suas montarias teve início. Ty apoiou-se sobre os joelhos e pôs-se de pé, lutando contra o desejo de permanecer ao lado dela. - Está na hora de voltar ao trabalho.

- Ty. - Ela ficou de pé, pousando uma mão em seu braço para detêlo um minuto mais. Ele inclinou ligeiramente a cabeça sobre ela, e Tara aproximou-se dele. Ele aspirou o aroma fresco do corpo da garota, a suavidade do perfume contrastando com o cheiro rançoso que emanava dele.

- Cuidado. Você vai se sujar - avisou, detendo-a antes que a tentação o dominasse.

- Você acha que eu ligo? - ela riu, mas recuou um passo. - Você se importa se eu ficar para assistir à marcação esta tarde?

- Faça como quiser, Tara. Você sempre fez o que quis. - Ty cortou, abrupto, sabendo que não faria diferença se ela ficasse ou voltasse à casa-grande. Ela continuaria em seu pensamento.

- Então vou ficar. - Perspicaz, ela percebera a emoção que afinara a voz dele, enquanto tentava controlá-la.

- Um conselho. Mantenha-se à distância e contra o vento. Este trabalho é sujo e cheira mal.

Os trabalhos da tarde mal tinham começado quando Sid Ramsey prendeu dois dedos na corda quando lidava com um bezerro, quebrando-os; os dedos ficaram soltos como ramos secos. Uma torrente de palavrões irrompeu dele, uma combinação de dor e raiva por cometer um erro tão primário como aquele.

Foram precisos alguns minutos para que a corda afrouxasse o suficiente, para soltar os dedos presos à sela. Curvado sobre a sela, Ramsey apertava a mão contra o corpo, dirigindo-se para a cozinha ambulante. Ficou faltando um laçador, e Art Trumbo deslocou Jessy do grupo desmontado para ocupar a posição de Ramsey.

Vibrando o laço, ela ajustou a pega da corda e lançou o cavalo em direção ao rebanho para pegar outro novilho ainda não marcado. Enviou um olhar de soslaio em direção a Ty e viu-o perscrutando a cozinha ambulante. Sabia o que estava atraindo a atenção dele, e não era Ramsey.

- Foi ela quem rompeu o noivado com você, não é? - Jessy mantinha os olhos fixos à sua frente e disse o que os outros só haviam ousado pensar. Ele pressionou os lábios, sem responder. - Imagino que ela vai querer remediar as coisas. Vai aceitá-la de volta? - Jessy denotava calma e frieza, mas ele não demonstrou haver escutado a pergunta. - Você é um idiota, Ty Calder - fez ela, esporeando o cavalo em perseguição a um bezerro.

Ramsey galopou até a cozinha ambulante e desmontou gingando.

- Ei, Tuck - berrou para o cozinheiro. - Traga sua sacola preta. Quebrei os meus malditos dedos. - Ele passou por Tara, o braço comprimido contra o abdome. - Desculpe, senhorita.

Testemunha da calamidade, Tara seguiu-o, impulsionada pela fascinação curiosa que os seres humanos exerciam sobre pessoas como ela, atraindo-a e repelindo-a ao mesmo tempo. Ficou de pé, assistindo-o a descalçar as luvas cuidadosamente, sugando o ar com um som sibilante.

Os dedos indicador e médio estavam ambos descolorados e principiando a inchar. Tara afastou-se ligeiramente, fazendo uma careta diante da cena. Olhando para o rosto dele, percebeu a pele esticada sobre os ossos, lívida.

- Você precisa ir a um hospital e tirar uma radiografia - murmurou ela.

- Radiografia? Diabos, eu já sei que eles estão quebrados. - Lançoulhe um esgar, escarnecendo da sugestão.

- Mas eles precisam ser colocados em posição - insistiu Tara.

- Não preciso de médico para fazer isso. Basta colocá-los no lugar até que estalem e imobilizá-los com alguma fita. - Depois de tranquilizála quanto à simplicidade do procedimento, voltou-se para o cozinheiro de idade indefinível. - Você tem algum daqueles palitinhos de sorvete aí?

Tomada de uma espécie de fascinação, horrorizada, Tara assistiu às mãos rechonchudas do cozinheiro unirem os dois filamentos quebrados entre um par de pequenos talos finos de madeira. Em seguida, Ramsey esboçou um sinal afirmativo com a cabeça. Ela ouviu o ruído angustiante dos ossos estalando ao serem colocados no lugar. Ramsey soltou um grunhido. Gotas de suor explodiam em seu rosto subitamente branco. Tara sentiu-se fraca e nauseada. Oscilou um pouco, até que o cozinheiro agarrou-a pelo ombro.

- Você está legal? - Os olhinhos miúdos estudavam-na.

- Estou bem. - Determinada, ela se empertigou e voltou-se, afastando-se da cena dos talos de madeira sendo colocados em posição.

O primitivismo do incidente a abalara. Fora criada em um mundo convencional, onde buscava-se auxílio médico profissional para o menor problema. Para ela, afigurava-se inconcebível os ossos serem recolocados em seu lugar sem a ajuda de um médico. Por um instante foi acometida de dúvidas quanto à sua presença em lugar tão selvagem.

Todavia, bastou olhar para Ty para que sua decisão fosse reforçada. Embora criada num meio ambiente onde fora protegida, isto não queria dizer que ela não soubesse ser corajosa quando a situação assim o exigia. Ela ousara vir até a fazenda com o objetivo único de persuadir Ty a aceitála de volta, ainda que tentasse camuflar esta determinação sob uma disposição despreocupada.

Os motivos que a haviam levado a mudar de opinião eram nebulosos, e Tara os considerava irrelevantes, conseqúentemente evitava analisá-los em busca da verdade. A decisão fora tomada. Agora toda a sua atenção concentrava-se em fazê-la realizar-se. Pretendia tê-lo, mesmo que isso significasse renunciar a tudo.

Um cavaleiro esguio e com cabelos longos aproximou-se do rebanho, lado a lado com Ty. Tara não percebeu que o vaqueiro era uma mulher até que entreviu o rosto, de traços clássicos e refinados, as maçãs do rosto e a linha da mandíbula suaves como mel. Pela primeira vez, considerou a possibilidade de uma competição local.

Durante toda a manhã o grupo trabalhara em meio à lama até a exaustão. No fim da tarde, o sol e um vento ininterrupto haviam ressecado o lodo a uma consistência de cimento duro, criando sulcos e montes que precisavam ser vencidos aos tropeções. O chão duro e maltratado esgotava muitos cavalos; os cavaleiros mudavam frequentemente de montaria, para que estas não ferissem as pernas.

Retirando a sela e o cobertor de um cavalo, Ty atirou-os sobre um cavalo buckskin, apertando a sobrecilha em torno da cilha. A sela de couro rangeu atrás dele. Olhou por sobre os ombros e percebeu o pai, montado num cavalo castrado cinza-chumbo a menos de um metro de distância.

- Quer alguma coisa? - perguntou Ty, apertando mais a cilha.

- Tara só vai ficar aqui mais uns dois dias. É você quem decide se quer ir para casa hoje à noite ou ficar aqui com o grupo.

- Tá. - Agachando-se sob a barriga do cavalo, afivelou a cilha traseira.

O pai incitou o cavalo, estalando a língua, e deu meia-volta. As ferraduras metálicas tilintaram enquanto o animal acelerava para um meiogalope. Sem ser observado, Ty deteve-se na tarefa de arrear o cavalo para considerar a opção que o pai lhe dera - ficar ou não com Tara.

Tudo o que dissera a ela era verdade. A vontade não cessara, mas a mágoa sim. Para variar, ela estava representando o papel de perseguidora, em vez do contrário. Ty sentiu uma satisfação perversa com a situação. Jessy o chamara de idiota, mas como um homem seria capaz de não se apossar de algo há muito desejado e que agora lhe estava sendo oferecido?

O som da risada de Tara inundou a sala de jantar, lembrando a Ty o doce tilintar de sinos. Ficou imaginando o que sua irmãzinha teria dito para fazer Tara rir. Fazendo um esforço, desviou o olhar da porta por onde ela entrara, carregando os pratos para a cozinha.

Durante todo o jantar, a conversa fora viva e animada, sua mãe e Tara trocando impressões sobre países europeus que ambas haviam visitado, encantando Cathleen com as reminiscências de suas aventuras. As três haviam se comportado como irmãs. Chegado o momento de retirar os pratos da mesa, afigurou-se perfeitamente natural que Tara ajudasse, embora Ty não conseguisse lembrar de alguma ocasião em que ela houvesse realizado tarefas domésticas no passado.

Esfregou a boca com a mão, em um gesto que denotava ao mesmo tempo preocupação e reflexão. A fumaça azul de um charuto flutuou preguiçosa sobre a mesa coberta por uma toalha de linho. Olhando para a cabeceira da mesa, Ty percebeu o pai observando-o.

- Não tome decisões precipitadas, Ty. Contraiu os lábios, severo.

- Acho que vou tomar um pouco de ar lá fora. - Empurrou a cadeira e levantou-se. A casa tornara-se muito pequena com Tara em seu interior, sem que algo de temerário acontecesse.

Ty deteve-se na varanda espaçosa para acender um cigarro. Em seguida, foi andando até a borda, apoiando-se em uma alta coluna branca. O céu negro reluzia com as estrelas; uma delas caiu, traçando uma risca branca. A lua cheia cintilava como uma pérola gigantesca colocada entre estrelas de diamantes.

Morena e vibrante como o céu, suave e torturante como a brisa, Tara era como uma canção na noite, cheia de mistério e beleza indefiníveis. Ela resumia a essência de um sonho masculino, feminina e sedutora, que era, tentadora como a noite.

Sorvendo uma última tragada do cigarro, Ty atirou-o ao ar, observando o rastro rubro traçado na escuridão. A porta da frente abriu, mas ele se fez de aço para não voltar-se. Passos leves aproximaram-se por trás dele.

- Posso ficar aqui com você? - Tara considerou como certa uma resposta positiva, deslizando a mão por entre a curva do braço dele, trazendo-o para junto de si. O calor do corpo de Tara pressionado contra o dele despertaram o rapaz para o contato de seu braço contra o seio, o formato arredondado delineado contra seus músculos.

- Você já está aqui. - Tenso e rude, ele desviou o olhar.

Tara analisou astutamente o perfil a seu lado. Percebera a chama de uma reação na profundeza dos olhos castanhos. As palavras podiam ser frias, mas não ele. Reparou nas linhas finas que haviam brotado em seu rosto, eliminando um pouco da juventude. Os traços rudes eram agora puramente masculinos, de uma beleza não lapidada. Sentia uma confortável certeza de que no fim ela acabaria por conseguir vencer as resistências dele, enquanto voltava a cabeça para olhar o que ele estava contemplando.

Luzes provenientes das janelas de vários edifícios que faziam parte da sede bruxuleavam em torno da colina onde se situava a casa-grande, como se fossem estrelas terrestres. As árvores ao longo do rio formavam fios intrincados contra o brilho da noite. Em algum estábulo, um cavalo relinchou.

- Parece uma cidade pequena - sussurrou Tara. - Tantas luzes; tantos prédios.

- De certa maneira é. Somos praticamente auto-suficientes, com nosso próprio suprimento de água, uma estação geradora de energia auxiliar, um sistema de esgoto e todas as facilidades. Temos dois caminhões contra incêndio, uma oficina para conserto de veículos, sem falar na escola primária para os garotos mais novos, atendimento veterinário, um posto para primeiros socorros totalmente equipado e uma mercearia.

- Gostaria de ver tudo isso. - Ela suspirou, aconchegando-se mais.

- Está mais frio aqui fora do que imaginava. Por que você não me abraça e me aquece?

- Por que você não entra e coloca um casaco? - Mas Ty não fez objeção quando ela levantou o braço dele, colocando-o em torno dela, aninhando-se mais nele.

- Assim está melhor, não?

- Pare com isso, Tara.

- Estou contente de você ter vindo jantar esta noite.

Não tanto as palavras, mas a maneira como ela as dissera, lhe dava a sensação de que ela se sentia em casa, onde estaria sempre esperando por ele. O rosto voltado em direção a ele era um convite aos lábios cintilantes. A ânsia era demasiado intensa, e o hábito de beijar aquela boca estava profundamente vivo em sua memória. Antes que os lábios de Ty alcançassem Tara, ela já se voltara para ele.

O contato insistente causou-lhe um choque e Ty começou a recuar, mas as mãos finas envolviam-no pelo pescoço, pressionando-o sem deixá-lo afastar-se. Os lábios dela colavam-se aos dele, exalando a suavidade inebriante de sua respiração, corroendo-o até o sangue martelar tão forte em suas veias que não conseguia mais raciocinar.

De súbito irritou-se, odiando a fraqueza que o transformava em brinquedo nas mãos dela. Agarrou-a pelos pulsos, arrancando-os de seu pescoço, ofegante enquanto cortava o beijo. Mas a raiva não eliminou o desejo que o fazia tremer por dentro.

- Nada de brincadeiras - insistiu.

- Por que você é tão bronco? - explodiu de impaciência, mudando rapidamente de disposição logo em seguida. - Você não deixa uma garota ter amor-próprio. - A voz arrastada assumia nuanças provocantes e alegres. - Atravessei quase metade do continente para lhe dizer que estava errada... para tentar consertar o erro que cometi. O que tenho de fazer para que você me peça para ficar?

- Para quê? Para sofrer os mesmos tormentos novamente? - Os músculos mandibulares saltavam, a tensão corria desenfreada em seu íntimo.

- Não. - Ela ergueu a cabeça, fitando-o ao mesmo tempo promissora e contida. - Sei que palavras não bastam, Ty. Mas dê-me uma chance de mostrar que estou sendo sincera.

Ele ouviu, consciente de sua incapacidade em negar o fato de que desejava que ela ficasse.

- Dou-lhe a chance, mas não vou mais esforçar-me como antes. Não lhe dera outra alternativa.

Ela percebeu isto. Por um instante, viu-se em alguma época no futuro em que teria de oferecer-se e aceitar as regras ditadas por ele. Ao invés de temer este momento de absoluta capitulação, sentia-se aturdida com a antecipação de um delicioso prazer. Há tanto tempo controlava cuidadosamente suas emoções que era excitante pensar em deixá-las dominarem pelo menos uma vez.

- Vamos nos divertir juntos. Você vai ver. - Os olhos escuros brilharam em meio ao silêncio eloquente.

Ty não sabia o que passava pela cabeça de Tara, mas o olhar, tão confiante e sedutor, fez com que seu sangue acelerasse nas veias.

- É melhor entrarmos antes que você se resfrie.

-Diga-me, papai. - Tara escoltava o pai, de braços dados com ele, encaminhando-se para o avião que esperava. Permitiu que uma espécie de presunção jocosa assomasse seu rosto enquanto o fitava. - Você ainda gostaria que eu me tornasse sra. Calder?

A escala na Triplo C fora breve, sem que houvesse tempo para períodos de privacidade entre pai e filha. O olhar de Dyson refletia um misto de orgulho e diversão.

- Ty resolveu ceder, hem?

- Não completamente, mas vai chegar lá.

Tara vasculhou os arredores com ares de proprietária. Além da pista de pouso, com o aeroplano e os helicópteros atarracados, ela conseguia enxergar a infinidade de telhados das construções da sede e a imponente casa-grande, além de toda aquela terra vasta e descampada. Dyson observou a expressão da filha com um sorriso seco.

- Já está se vendo como uma senhora em sua propriedade feudal, não é?

- Algum dia serei. - Estava certa disso,toda confiante. Voltou-se com um giro, ficando de frente para o pai, alegre e esfuziante. - Você pode ficar mais de um mês fora, não pode? Certamente você pode arranjar alguma desculpa para retardar a volta.

- Eu poderia, mas tenho alguns encontros importantes que não quero adiar... nem por você.

- Aqui? com quem?

- Uns vizinhos dos Calder. Na verdade estarei de volta daqui a umas três semanas, mas vou permanecer em Miles City, e então tomarei um avião de lá mesmo, quando terminar.

- Se são vizinhos, por que você não fica aqui?

- Porque não gosto de fazer negócios na casa de terceiros - replicou calmamente. - Além disso, acho que Calder não aprovaria meus planos. É melhor que ele não saiba o que estou fazendo até que o negócio esteja concluído. Ele poderia tentar convencer os vizinhos a não aceitarem minha proposta, e não vou medir forças com um touro brabo como esse.

- O que você e Stricklin estão tramando? - Mais uma vez ele estava sendo misterioso, da mesma maneira que ficava quando estavam planejando alguma grande e nova aventura.

- Nada que lhe interesse. - Deteve-se quando alcançaram a porta do bimotor, beijando as bochechas da filha. Empertigando-se, ele deu uma piscadela. - Não vou dizer para você se comportar. Em vez disso, vou lhe desejar boa sorte. Você já fez Ty esperar tempo demais no carro. Agora corra. - Deu-lhe um tapa nas nádegas, cheio de afeição paternal, colocando-a a caminho, observando-a um segundo, pensativo, e então subindo no avião. Seus planos individuais no final poderiam harmonizar-se agradavelmente.

Stricklin já se encontrava no aeroplano, afivelado em seu assento. Dyson cumprimentou-o com um movimento de cabeça e acomodou-se em um assento em frente ao amigo, apertando seu cinto de segurança.

- Acho que ela vai fisgar o homem, Stricklin - fez ele, observando o casal pela janelinha. - O que você acha da combinação?

- Ideal - replicou o sócio, e estava sendo sincero.

 

A temporada de rodeio terminou uma semana depois e arranjou-se para que Ty trabalhasse perto da sede da fazenda, em vez dos campos extensos da propriedade. com Tara exercitando sua prerrogativa de hóspede e dormindo até tarde, ela raramente o via antes de meio-dia.

Na maior parte das tardes, ela fazia o que bem quisesse. Maggie Calder a havia levado para conhecer as facilidades da fazenda, ciceroneandoa até a escola de um só cómodo e mostrando-lhe a mercearia com a variedade de artigos comestíveis, vestuário e diferentes tipos de ferramentas. Tara achara tudo fascinante, mas teria preferido que fosse Ty quem lhe mostrasse estas coisas. Ela passava pouco tempo com ele sozinho. Às vezes ficava pensando se ele tinha algum dia livre de trabalho da fazenda.

com passadas vagarosas, ela desceu as escadas, deslizando distraída as mãos pela balaustrada enquanto matutava como preencher aquela tarde de sábado. Alguém abriu e fechou a porta da frente com estrondo, e Cathleen entrou correndo. Tara olhou para a garota com súbito interesse. Talvez conseguisse persuadi-la a levá-la até onde Ty estava trabalhando.

- Oi, Cat. - Chamava a garota pelo apelido familiar.

- Tara! Estava mesmo procurando por você. - Mudou de direção, encaminhando-se para as escadas e detendo-se no sopé, ofegante, os olhos brilhando. - Ty me pediu para lhe avisar para colocar roupas de montar. Daqui a meia-hora ele chegará em casa com os cavalos.

Então era assim. Ele estalava os dedos e ela devia vir correndo. com esforço, Tara tentou conter a irritação que acendia seus nervos.

- O senhor comanda e a senhora obedece - murmurou.

- O quê? - Cathleen inclinou a cabeça com uma carranca de perplexidade.

- Nada, gatinha. - Ela balançou a cabeça e voltou-se para subir novamente os degraus. - Meia hora é pouco tempo. Acho melhor me apressar. - Lançando um meio-olhar apressado e zombeteiro para a garotinha, Tara foi trocar de roupa.

Quarenta minutos depois, ela saiu da casa. A impaciência na expressão de Ty deu lugar a uma admiração relutante enquanto ela se dirigia para onde estavam os cavalos, certificando-a de que o atraso dedicado à aparência valera a pena. Da franja da jaqueta aos jeans desenhados por costureiro, do chapéu de penas às botas de cowboy italianas, ela estava vestida à moda do Oeste, com as últimas novidades oferecidas pelas lojas texanas exclusivas.

- Pensei em darmos um longo passeio esta tarde - fez Ty. - Você não viu muita coisa da fazenda, exceto voando sobre ela ou atravessandoa de carro.

- Seria bom. Eis aí algo que tinha vontade de fazer com você. Ty auxiliou-a a subir no lombo do cavalo baio puro-sangue, rápido como um relâmpago. Assegurou-se de que os estribos estavam adequadamente ajustados para o comprimento da perna dela e por fim montou o seu próprio. Juntos, percorreram de Norte a Oeste, os cavalos embalados em um galope que poderia ser mantido durante quilómetros.

Os prédios foram deixados bem para trás enquanto eles se embrenhavam mais e mais na propriedade, subindo e descendo as ondulações do terreno. O sol assemelhava-se a um disco de ouro em um céu gigantesco, e o horizonte a uma cadeia de montanhas envoltas em neblina azulada. Não havia nada além de quilómetros infinitos estendendo-se iguais. O vazio chegava a ser opressivo, circundando Tara até que ela começou a se sentir um objeto minúsculo.

Finalmente Ty puxou as rédeas do cavalo, detendo-o próximo à borda de uma colina isolada com o pico achatado. Desmontou e segurou as rédeas do cavalo de Tara, enquanto ela descia da sela. Amarrando os animais, eles caminharam até à beira, de onde se descortinava a extensão circundante de terra. Tara, ao lado dele, sentiu-se esmagada pela amplidão e o silêncio. Profunda solidão pareceu invadi-la, e a garota aproximou-se de Ty. Este fitou-a por um momento, tomando-lhe a mão e entrelaçando os dedos, sem saber que assim lhe dava confiança.

Enquanto ele apontava a extensão da pastagem dos Calder, indicando os limites mais distantes, ela ouvia o orgulho subliminar na voz dele, absorvida em seus próprios pensamentos. De cima daquele platô, e em todas as direções que seu olhar conseguia alcançar, a terra pertencia à família dele. Que seria a família dela.

- Sente-se uma imponência, não é? - afirmou ela quando ele terminou de falar, mas não mencionou a melancolia que o lugar também lhe evocava.

- Essa terra tem a capacidade de colocar um homem em sua verdadeira dimensão e torná-lo humilde - concordou Ty.

Ela não queria aquele tipo de argumentação.

- Mas você é um Calder, Ty. Você pode fazer e ser o que quiser. com o poder e a influência de um Calder, algum dia você poderá ser o governador de todo esse Estado.

Após uma luta ininterrupta para que sua família reconhecesse seus dotes, o elogio e crença em seu potencial alimentaram o ego carente. Ele sorriu, meio divertido com a sugestão dela.

- Eu disse algo engraçado? - Tara ficara um pouco ofendida com a reação dele.

- Meu avô defendia uma filosofia sobre políticos. Meu pai uma vez explicou-a para mim - fez ele, linhas indulgentes enrugando os cantos dos olhos enquanto olhava ao longe. - É algo do tipo por que ser governador quando você pode comprar um?

Ser a força manipuladora por trás do pano constituía uma possibilidade tentadora. A pulsação de Tara acelerou-se, enquanto ela observava os traços inteligentes, a determinação inquebrantável e a vontade de vencer do rapaz.

- Você está se perdendo brincando de cowboy, Ty - declarou firmemente. - com a sua experiência e educação, você poderia fazer muito mais. Meu pai o considera muito. Simplesmente não consigo entender por que você continua aqui, trabalhando como um vaqueiro comum, quando poderia estar realizando alguma coisa importante e digna.

- Estou aprendendo o trabalho de uma fazenda desde o começo, você poderia dizer - afirmou Ty.

- Por quê? Não é importante saber fazer tudo quando se tem pessoas que podem ser empregadas para fazer estas tarefas. Seu pai é um homem notável e eu o admiro muito, mas os métodos dele são demasiado antiquados. - Ela suavizou a afirmação. - Não pretendo criticá-lo. Só quero que você seja bem-sucedido e importante à sua maneira.

- Tenho um compromisso com meu pai. Você pode ser capaz de voltar atrás em uma promessa sem escrúpulos, mas para mim isso não é tão fácil - interpôs, rígido, começando a voltar.

- Estraguei a tarde, não foi? - fez Tara, contrita. - Desculpe.

- Esta é a primeira vez que você diz isso. - Ele estacou, desejando acreditar nela, mesmo lembrando como ela tentara incutir suas ambições nele.

- É mesmo, não? - Ela riu. - Cometi tantos erros em relação a você que tenho que estar sempre lhe pedindo desculpas.

Ele arqueou uma sobrancelha.

- bom, seria uma nova experiência.

- Há uma série de novas experiências pelas quais ainda não passamos. - Ela se inclinou sobre ele, erguendo o rosto em um gesto milenar que todas as garotas aprendiam praticamente antes de saírem do berço. Desta vez ele a tomou nos braços, ofegando quando o beijo terminou. Ela escorregou a ponta de uma unha ao longo dos lábios dele. - Você ainda me ama, não é, Ty? - O ronronar de segurança na voz dela foi suficiente para desconcertá-lo. Soltou-a e dirigiu-se para onde estavam os cavalos, quebrando o feitiço que mais uma vez ela jogara sobre ele.

Quando Chase estacionou a caminhonete em frente ao bar de Sally, quase não viu o trailer parado à sombra do prédio. Só a parte dianteira aparecia sob o sol, e Chase percebeu o reflexo da luz sobre a superfície metálica.

A visão do veículo surpreendeu-o, fazendo-o mudar de direção, aproximando-se para olhar mais de perto. Um fio elétrico saía do trailer, estendendo-se até a brecha da janela da cozinha, aproveitando a energia do restaurante. Um degrau de madeira fora colocado em frente à porta do trailer, substituindo os retráteis de metal. Grossa camada de poeira e sujeira cobria o veículo, indicando que ele percorrera alguma distância desde a última vez em que fora limpo.

Não parecia haver ninguém por perto, mas as janelas encontravam-se abertas, mais um indício de que havia alguém ali. Chase aproximou-se da traseira do trailer. A placa no pára-choque estava torcida e meio coberta com a poeira da estrada. O trailer tinha um distintivo do Texas. Chase limpou um pouco da poeira, de modo a ler os números. Em seguida empertigou-se, mais intrigado do que antes.

Entrando pela porta dos fundos, atravessou a cozinha vazia e a porta de vaivém que separava o restaurante do bar. Não havia fregueses, somente Sally, percorrendo as mesas e enchendo os açucareiros.

- Oi, Chase. - A satisfação inundou o rosto calmo e expressivo. Vi você chegando e fiquei pensando para onde você teria ido e desaparecido. - Continuou derramando açúcar do jarro para os recipientes de vidro. - Já estou terminando. Coloque café para você.

- Vi aquele trailer estacionado ao lado do prédio. - Pegou uma xícara do escorredor de plástico, enchendo-a com café. - De quem é?

- É de um homem chamado Belton. Na verdade, existem três homens vivendo no trailer, mas acho que Belton é o dono. - Ela atarraxou a tampa da garrafa e enxugou o lado de fora antes de colocá-la sobre a mesa, levando a bandeja para a mesa seguinte. - Ele chegou... no sábado, acho que foi isso, e perguntou se podia estacionar o trailer aqui e usar minha eletricidade. Ofereceu-me setenta e cinco dólares por mês, mas não pude aceitar tudo isso. Aí, só cobrei cinquenta.

- O que você sabe dele? - Chase franziu o cenho.

- Ele é do Texas. - Meneou os ombros levemente. - Sei que está trabalhando em algum lugar aqui por perto. Todos os três usam aquelas botas pretas de engenheiro. Parecem com aqueles homens do petróleo que trabalharam na sua propriedade... quer dizer, o jeito de vestir.

- Não me agrada a ideia de você ter três estranhos estacionados bem do lado de fora da sua janela, especialmente com você dormindo sozinha lá em cima. Não é seguro.

Ela sorriu da severidade dele.

- Qual é a diferença se eles estão a três ou trinta metros? Eles teriam parado o trailer em algum lugar. Por que não aproveitar o lucro de uma taxa para que estacionassem aqui? Além do mais, são mais três cafés da manhã e jantares, sem falar que nos dois últimos dias eles me pediram para preparar uma quentinha de almoço.

- Você confia demais. - Chase resistiu à lógica dela.

- É um bom negócio - recomeçou Sally calmamente. - E verifico se todas as portas estão trancadas e aferrolhadas antes de ir me deitar. E se acontecer o pior, tenho uma arma. - Estava zombando dele em silêncio.

- Quanto tempo eles vão ficar aqui?

- Acho que o verão todo. Talvez mais. Um deles se informou a respeito de casas para alugar na cidade. Queria saber quem era o dono e se alguma delas era adequada para morar agora. Tenho a impressão de que eles talvez fiquem aqui por um bom tempo. - Encheu o último açucareiro e foi para o balcão onde Chase estava de pé bebericando seu café. - Seria bom ter pessoas morando em algumas dessas casas abandonadas novamente. Algumas delas só precisam de pequenos reparos.

- Eles não disseram para quem estão trabalhando? - ele insistiu na busca de informações.

- Não. E eles pagaram com dinheiro vivo. Dois meses adiantados.

- Ela sorriu diante da expressão séria, interiormente satisfeita com a preocupação dele com sua segurança. Os instintos protetores de um homem eram fortes, sempre querendo defender do perigo aqueles com quem se preocupava. Sally encheu uma xícara de café para ele e deu a volta no balcão, sentando-se em um banco, sugerindo a Chase que fizesse o mesmo. Terça-feira é sempre tão parado - ela observou, mudando de assunto. Quais são as novidades sobre Ty e a namorada? Ele a trouxe aqui na sexta passada. Todo mundo de três municípios está especulando sobre o resultado desse romance.

- Tenho a impressão de que ele vai casar com ela.

- Você não parece muito contente com a ideia - observou Sally. Ela é deslumbrante.

- E acostumada com um estilo de vida completamente diferente acrescentou Chase secamente.

- Isto não significa nada necessariamente. Já vi os solteirões mais empedernidos se tornarem mansos e respeitados quando casados.

- E alguns continuam empedernidos e irresponsáveis... assim como o seu marido - recordou Chase.

- O que Maggie acha dela? Ele deu de ombros.

- Maggie está gostando da companhia dela. Ela sentiu falta de tudo que as mulheres conversam sobre moda, jantares e locais no exterior. Mesmo as mulheres da fazenda tendem a falar do novilho ou da laringite do bebé. Não são assuntos muito sofisticados. - A boca curvou-se em um sorriso cínico. - Maggie e Tara se dão muito bem.

- Que bom. Maggie poderá ajudar Tara a se adaptar à nova vida... se ela e Ty se casarem. - Sally preferiu ver o lado positivo.

- Esperemos que sim.

A tarde já chegava ao fim quando Chase chegou à casa-grande. Foi direto para o escritório e pegou o fone, discando um número.

- Alo, Potter. Chase Calder.

- Alo, Chase. - Ele ouviu a resposta lacónica. - O que posso fazer por você?

- Tenho o número da placa de um carro e quero que você a verifique para mim. - Disse o número.

- Placa do Texas? Vai levar algum tempo. - O xerife local alertouo em voz baixa. - Qual é o problema? Você está tendo problema com ladrões de gado de novo?

- Não. Tem um trailer estacionado ao lado do Sally's. Quero saber quem é o dono, onde trabalha e tudo que for preciso sobre o passado dele.

- Fez uma pausa e acrescentou: - E peça a seus homens para patrulharem o restaurante depois que fechar. Telefone-me assim que souber algo sobre essa placa.

- Está certo. Aliás... Não vou me candidatar para as próximas eleições. vou arranjar uma vara de pescar e vou para um daqueles ribeirões cheios de trutas. Tenho um cara born, chamado Dobbins, ideal para o trabalho. Seria ótimo se você desse apoio a ele.

- vou me lembrar disso, Potter. - Desligou o telefone e deu meia-volta. Maggie estava parada na porta.

- Estava falando com o xerife?

- Estava. Tem uma coisa que quero que ele verifique para mim. Hesitou ligeiramente, quase imperceptivelmente, sem querer declarar a natureza da investigação.

- O que é? Algum problema? - Maggie não se satisfizera com a meia-resposta, nem com os trechos da conversação que ouvira.

- Não. - Aproximou-se dela tranquilamente. - Só quero ter certeza de que não vai haver nenhum.

Estava sendo deliberadamente evasivo, e ela só conseguia pensar em uma razão para tal comportamento.

- Diga-me, Chase - insistiu ela -, tem algo a ver com Culley? Ele fez alguma coisa?

- Não tem nada a ver com Culley - tranqúilizou-a. - Chegaram alguns forasteiros na cidade. Eles estacionaram o trailer ao lado do Sally's e estão usando o restaurante como uma espécie de base de operação. O xerife vai descobrir quem são e o que estão fazendo aqui. Só isso.

Sally's. Ela sentiu o coração oprimido enquanto perscrutava-lhe o rosto marcado.

- Quando soube disso?

- Dei uma parada lá hoje à tarde. Quando ela me contou dos homens, decidi averiguar. - Chase fitou Maggie com uma ponta de irritação. Ela mora sozinha no andar acima do bar. - Sua voz soara um tanto ríspida.

- Tenho certeza de que Sally Brogan pode tomar conta de si própria. Ela não precisa de você para protegê-la. - Maggie empertigara-se, tomada pelo ciúme. Um homem protegia o que considerava seu. Maggie já pensara se as cinzas do relacionamento dele com Sally haviam sido avivadas algumas vezes. - Desculpe. Tenho que ver o jantar. - Retirou-se antes que dissesse algo de que pudesse se arrepender.

Uma brisa noturna agitava as cortinas da janela do quarto, encontrando-se com a risca preguiçosa da fumaça do cigarro de Ty e sugando-a por entre a abertura da tela. O pio de uma coruja caçadora nas margens do rio mergulhado na escuridão foi carregado para o interior do quarto imerso em penumbra, iluminado unicamente pelo reflexo prateado da lua minguante. A meia-noite trazia a quietude.

Ty sentou-se na cama, sem conseguir dormir. Acomodou os travesseiros atrás das costas, apoiando-se na cabeceira da cama. Os pensamentos voavam. Estava preocupado. Naquelas últimas três semanas, passara por uma mudança sutil em relação a Tara. A beleza dela ainda o cativava; ainda a desejava. Mas sentia a falta de alguma coisa. Às vezes tinha a sensação de que agora a enxergava mais claramente, mas não sabia o que isso significava.

O ruído fraco da maçaneta da porta sendo virada chamou-lhe a atenção, mas acabou relaxando. Provavelmente seria Cat, entrando furtivamente em seu quarto para conversar. Ela era uma espécie de criatura da noite, perambulando irrequieta e lendo até altas horas. Não era fácil ter dez anos, ele se lembrou, muito madura para os jogos infantis e muito jovem para o divertimento adulto.

A porta foi aberta silenciosamente. Uma sombra desenhou-se no quarto, no retângulo de luz proveniente do corredor do segundo andar. Ty muniu-se de precaução ao ver um perfil feminino deslizar para dentro do quarto, envolvido em um robe de seda prateado reluzente. Apagou o cigarro pela metade no cinzeiro e sentou-se empertigado. As cobertas escorregaram-lhe até a cintura, revelando o peito nu.

- Tara, o que está fazendo aqui? - A voz era meio irritada, meio surpresa.

- Não consegui dormir. - Ela se dirigiu até a cama, o tecido brilhante farfalhando a cada movimento, delineando os seios e quadris. - Você também não conseguia dormir, não é? - A astúcia na voz dela acentuou a percepção que tinha dela.

- Você não deveria estar aqui a esta hora. - Mas ele não se

mexeu enquanto a observava erguer graciosamente a saia de robe para apoiar um joelho na cama.

O colchão afundou ligeiramente sob o peso concentrado no joelho da garota. O robe abriu-se com leve farfalhar, oferecendo-lhe provocante vislumbre da coxa nua. Em seguida, o tecido cintilante juntou-se de novo. Ela se sentou ondulante na borda da cama, estendendo um braço em direção a ele.

- Fiquei pensando na gente e tinha que ver você - sussurrou Tara.

- Imagine se meus pais ouviram você entrar aqui. - Seus protestos limitavam-se a palavras. A sensualidade atraente daquele corpo e a beleza estonteante daquele rosto funcionavam como uma bebida, trazendo-lhe velhas recordações e acendendo-o com o antigo desejo.

- Fui bastante silenciosa. Ninguém me ouviu. - Aproximou-se mais, reclinando-se sobre os travesseiros que ainda traziam a marca do corpo dele. Deitou-se, convidativa, um quase sorriso nos lábios. - Relaxe, Ty. Só vamos sentar aqui e conversar um pouco.

- Você está maluca. - Fitou-a, os traços se endureciam. - Já basta dormirmos sob o mesmo teto, mas ter você na minha cama... Pó, Tara, você acha que sou de ferro?

A risada suave e viva era como pingentes de cristal se chocando.

- Espero que não.

A resposta o despertou.

- Você vai sair dessa cama - rosnou, lembrando-se bem da infinidade de vezes em que ela o atormentara com o corpo, sempre negando, sempre lançando a corda e retirando-a quando ele se aproximava.

Agarrou-a pela cintura, tentando colocá-la na borda da cama, onde ela estava, só que Tara envolveu-o com os braços. Ty nunca pensara que ela fosse tão forte. Caíram pesadamente sobre o colchão. A sensação do corpo dela sob o seu era como ferro em brasa. Tentou afastar-se dela, mas os braços apertados em torno do pescoço não o deixavam libertar-se.

- Você ainda me odeia muito, Ty? vou ter que ser completamente descarada e sem-vergonha?

O corpo dele mantinha-se arqueado sobre o dela, os músculos retesados de forma a estabelecer a distância, a despeito da pressão incansável sobre sua nuca. Permaneceu imóvel, vasculhando o rosto iluminado pela luz da lua, buscando o objetivo que não se refletia naquela face.

- Diga o que pretende, Tara.

- Você me deseja, não é? - Os lábios estavam entreabertos, os olhos fixos na boca de Ty.

- Quero você. - Toda a ânsia e solidão provocadas pela ausência dela cresceram dentro dele, enquanto a olhava. - Você está pedindo para ser violada - acusou Ty rudemente. com dificuldade, conseguiu arrancar uma das mãos de seu pescoço, separando-se dela e deitando-se rígido e tenso, tremendo por dentro. Ela virou de lado, fitando-o. A delgada mão branca acaricioulhe o peito nu, entrelaçando os dedos por entre os pêlos cacheados.

- Ty, meu amor bobo. vou ter de realizar a violação também? Os lábios de Tara correram sobre o músculo protuberante do ombro.

Quando ela deslizou para cima dele, Ty estendeu as mãos para afastála, mas deixou-as pousar sobre o corpo envolto em seda, enquanto ela devorava seus lábios, mordiscando-o em um beijo veemente e jocoso. Ele suportou o fogo torturante que o excitava mas não satisfazia, até que não pôde mais controlar o desejo selvagem. Era de carne e osso.

com um movimento do corpo, rolou-se para o lado e colocou-se em cima dela, usufruindo o prazer dos lábios a ele oferecidos. Ela se mexia sob ele, impaciente e ansiosa. Afundou as mãos nos cabelos de Ty, as unhas cravadas; ruídos sussurrantes escapavam de sua garganta, gemidos exigentes e lânguidos de prazer.

Sentiu a pele da garota contra a dele, o robe acetinado afastando e permitindo o contato do corpo de Ty diretamente sobre a nudez de Tara. As mãos dele exploravam as formas arredondadas daquele território por cuja posse ansiara. Agora ele estava sendo entregue. A febre que tomara conta dele não o deixava questionar a atitude da garota.

A respiração de Tara acelerou-se sob as carícias dele. A textura da pele maltratada agia como uma lixa, sensibilizando algumas áreas mais do que ele se dava conta. Era bom o que ela estava sentindo, mas com Ty as sensações sempre haviam sido diferentes. Não havia mais necessidade de refrear o que estava sentindo. Coração e mente estavam juntos visando aquele objetivo.

A pressão aumentava dentro dele, o suor explodindo em pequenas gotas que umedeciam sua pele. O fervor do desejo latejava em suas veias, sem dar tempo a preliminares. Em um segundo de sensatez, Ty tentou avaliar as consequências daquele momento, recuando e buscando descobrir se as vagas dúvidas que nutria quanto a Tara seriam importantes. No entanto, ela apertou as pernas enroladas em torno dele.

- Ty, por favor.

- Não.

- Ty!

Não havia selo da virgindade a ser transposto. Ele absorveu-se com Tara e ela colou-se apaixonada contra o corpo dele. Seguiu-se uma sensação movida pelo instinto que os acoplou, forjando correntes que não seriam facilmente desfeitas.

Ela estava meio deitada sobre ele, a respiração normalizada, sentindo pesar o corpo delgado.

- Foi gostoso, não foi? - A voz suave estava grossa e sonhadora.

- Foi. - Acariciou distraído o quadril de Tara, olhando fixamente para as sombras delineadas no teto.

Os dedos dela correram ao longo do músculo do pescoço de Ty.

- E você não está mais tenso - ela observou. - Você tem pensado muito, ultimamente, complicando o que pode ser simples. Agora o nervosismo e a tensão acabaram. E foi tão fácil.

O corpo dela lhe havia proporcionado calma e contentamento. Ela estava confiante de poder eliminar tudo que o preocupava, percebeu Ty. Mas um homem possuía outras necessidades... as quais o sexo não conseguiria satisfazer. Agitou-se, inquieto.

- Ty, em que está pensando? - ela interpelou o silêncio do rapaz.

- Em nada - mentiu.

- Era isso que você queria - lembrou-o.

- Era.

Lá estava o jogo. Ele a tomara, e agora tornara-se responsável por isso. Não havia perdão para o que acontecera, nem saída possível para as consequências. Quando a vontade novamente tomasse conta de seu ser, ele a desejaria, e estava consciente disso. Como um cão, retornaria sempre à presa de onde se alimentara.

O fato de que fora ela quem o procurara deveria fazer diferença nos pensamentos dela. O desejo fora tanto dela quanto dele. A culpa deveria ser dividida. Mas com as mulheres as coisas nunca aconteciam dessa maneira... não mulheres como Tara Lee Dyson.

Não fora um acontecimento fortuito. Ela colocara um dedo na consciência dele. Ele a levara para a cama; agora, devia desposá-la.

Acostumou-se com a ideia. Afinal de contas, fora isso que quisera durante tanto tempo. Tara significava o prémio, o sucesso... e ela fora até ele.

- Imagino que você vai querer a maior e mais fantástica cerimónia de casamento que o Texas já viu - ele afirmou secamente.

Ela soltou uma gargalhada.

- Adivinhou, querido. - Inclinou-se para beijá-lo.

 

Não houve torção que permitisse a Jessy alcançar o fecho nas costas do vestido. A frustração só fez aumentar a irritação, cuja culpa ela colocava no começo quente da manhã de agosto. O calor acentuava-se rapidamente nos quartos do andar superior da casa de troncos. Ela saiu do quarto e desceu as escadas. Um ventilador barulhento produzia uma abençoada corrente de ar na sala de estar, onde os dois irmãos adolescentes, Ben e Mike, estavam à toa, vestindo jeans novos e camisas estilo Oeste com botões de madrepérola. Ben esmerava-se em atenuar os vincos da capa do chapéu do cowboy de boa qualidade. O som dos passos da irmã descendo as escadas atraiu seu olhar, ao que ele cutucou o irmão.

- Olha só para Jessy. - O rosto quadrado abriu-se em um sorriso de deboche. - Ela tem pernas.

- É assim que você chama essas duas coisas brancas? - Mike rapidamente captou o inusitado da irmã mais velha de vestido, tomando como sempre o partido do irmão quando se tratava de escarnecer da garota.

- Elas são melhores do que esses caniços cabeludos que você tem retrucou Jessy.

- Espere até os caras verem Jessy - persistiu Ben, com um brilho malvado.

- Espere até eles verem essa penugem no rosto que vocês chamam de barba - contrapôs ela, acostumada a rebater insultos fraternos.

Ben esfregou a bochecha, defensivo.

- A barba está enchendo e ficando com boa aparência. - Mas a barbicha era rala e ruiva, o que lhe conferia uma aparência irregular.

- Cadê mamãe? - Jessy lançou um olhar em direção à cozinha.

- Acho que está terminando de se aprontar - replicou Mike.

O quarto no térreo pertencia aos pais. Jessy aproximou-se da porta e bateu.

- Sou eu. Posso entrar? - Dada a permissão, Jessy entrou, fechando a porta atrás de si. A mãe estava sentada diante da penteadeira antiquada, vestindo somente uma combinação de algodão enfeitada com um laço. Os fios prateados em seu cabelo ruivo o tornava mais brilhante. Inclinou-se para mais perto do espelho, maquiando-se e observando o reflexo de Jessy.

- Não consigo encaixar o fecho no alto do vestido. - Jessy cruzou o quarto, parando ao lado da penteadeira.

- Este vestido fica bem em você. - Judy Niles enviou um olhar de aprovação para a filha, voltando a atenção para o espelho. - Estou contente por você ter decidido comprar um vestido novo para a festa.

- Uma festa para a nova noiva dos Calder é uma ocasião especial.

- Havia uma certa aspereza na voz da garota.

- Fico pensando como ela será. - Usou um pedaço de pano para limpar os excessos de batom.

- Não pediria a um homem para lhe dizer. Eles não podem ver um rostinho bonito.

- Você não gosta dela, Jessy? - A mãe se voltou, surpresa, ao perceber aquela nota cínica na voz de Jessy.

- Nem a conheço. Além do mais, o que é que isso interessa? - Ela suspirou, tentando conter a impaciência e irritação que a perturbavam. Estava ferida por dentro. Não queria ir àquela festa e encontrar-se frente a frente com a noiva inacreditavelmente bela. Durante toda a sua vida, fora ensinada a suportar as coisas desagradáveis, e o orgulho não a deixaria fugir daquele encontro.

- com este humor você não vai conseguir aproveitar a festa - declarou a mãe, colocando-se de pé ao lado de Jessy, tão alta quanto ela. Pousando as mãos nos ombros da filha, empurrou-a para a banqueta. Sente-se; vou escovar seu cabelo.

Fora uma rotina de todas as noites quando ela era criança... a mãe penteando seus cabelos até que brilhassem e reluzissem... e Jessy se sentia por alguns instantes linda como uma princesa de contos de fada. Fechou os olhos e entregou-se aos movimentos ritmados da escova de cabelo, que aliviavam seus ânimos exaltados.

Alguns minutos depois, a mãe desembaraçou-os e começou a penteá-los, puxando os cabelos de um lado para o outro.

- Sempre pensava que quando tivesse uma menininha eu faria essas coisas para ela, só que tive você - brincou a mãe. - Você tem belos olhos. Devia passar um pouco de sombra.

- Ia parecer muito pintada - replicou Jessy, os olhos fechados. Além do mais, passei rímel.

- Deixe-me tentar algo. - O chocalhar denotava que a mãe vasculhava a caixa de pintura. - Fique de olhos fechados.

- Não adianta, mãe. - Mas Jessy, paciente, deixou-a pincelar aqui e ali com um aplicador, e por fim empoar levemente suas bochechas.

- Olhe agora. - Um par de mãos virou o rosto de Jessy para o espelho; ela abriu os olhos para ver o efeito. - Existe um velho ditado - murmurou a mãe. - Feia no berço, bela na mesa.

Jessy ficou olhando seu próprio reflexo. O sol havia clareado o cabelo em tom brilhante. - Ele caía em ondas cheias e compactas, emoldurandolhe o rosto. Mal se percebia a maquiagem, mas as maçãs do rosto haviam sido ressaltadas e os olhos pareciam mais escuros e misteriosos. Quanto mais Jessy se olhava, menos reconhecia a si própria. Por um segundo ficou tentada.. . mas então pegou um pano e esfregou o rosto, retirando a pintura.

- Jessy, você está adorável - protestou a mãe.

- Mãe, essa não sou eu - explicou, paciente e melancólica. - Você poderia prender meu vestido?

O pai abriu a porta do quarto e entrou, carrancudo.

- Vocês ainda estão se paramentando, mulheres? Temos que chegar cedo para ajudar a arrumar as coisas.

- Só falta colocar o vestido - replicou a mãe.

Havia tantos trabalhadores para arrumar as mesas e cadeiras e supervisionar as churrasqueiras que ninguém sentiu falta de Jessy quando ela saiu para dar uma circulada. Como sempre, ela gravitou para os estábulos, imersos em penumbra, bolorentos com o odor do feno e o fedor de cavalo. Estava em completo silêncio, exceto pelo relincho de um animal e o silvo da cauda espantando uma mosca.

Jessy vagou pelo chão de cimento, varrido e limpo, afora uns tufos de palha. As sandálias de salto baixo mal produziam algum ruído enquanto ela caminhava pelas baias, detendo-se uma vez ou outra para acariciar um focinho aveludado curioso em direção a ela. Um cavalo na extremidade do estábulo agitou-se irrequieto. Ao mesmo tempo, Jessy ouviu o som de uma voz grave e calma cantarolando para o animal.

Um leve sorriso ergueu as comissuras labiais enquanto ela adivinhava ser Abe Garvey. Há muito tempo não falava com ele. Abe era um grande contador de histórias, sempre cheio de contos de antigamente. Ela foi até o fim das baias e inclinou-se sobre a cerca, evitando encostar no bordo lascado.

- Oi - cumprimentou a figura obscura agachada esfregando a pata de um alazão vermelho-sangue. O homem empertigou-se, e Jessy contraiu-se ao reconhecer Ty Calder. - Pensei que fosse Abe.

Ty ergueu ligeiramente as sobrancelhas, ao perceber-se confundido com um homem velho, curvado e aleijado; voltou a escovar o alazão.

- Abe foi para casa para tomar banho para a festa.

- Oh, cavalo novo? - Jessy conhecia quase todos os cavalos da fazenda. Aquele não era do tipo que ela esquecesse facilmente. Possuía belas linhas e era inteligente.

- Essa potranca é meu presente de casamento para Tara. Estava lustrando-a para dá-la a Tara à tarde - explicou.

- Por falar em sua noiva, onde está ela?

- Lá em casa, suponho. - Acariciou o pescoço luzidio e colocou-se de pé ao lado da manjedoura, de frente para Jessy.

Ela o estudava com os olhos, perscrutando seus traços à procura de algum sinal de que a vida de casado o houvesse modificado. Ele e a noiva vieram diretamente da cerimónia de casamento no Texas para uma lua-demel de três semanas. Mas ele não parecia estabelecido, os olhos preguiçosos não lhe conferiam uma sugestão do que estaria pensando.

- Você viajou e casou-se tão rapidamente que não tive oportunidade de lhe dar parabéns - ofereceu.

- Obrigado. - O olhar dele percorreu aquele rosto, como se tentasse descobrir algo que o intrigava.

- Quando vai arranjar um homem para você, Jessy?

- O que o faz pensar que preciso de um? - Afligiu-a o fato de Ty fazer tal pergunta.

Ele soltou uma risada seca e rouca.

- Você sempre foi auto-suficiente, mesmo quando era criança. - Jogou uma perna por sobre a manjedoura e saltou para o outro lado, pondo-se perto dela. A potranca remexeu-se, puxando a corda que a amarrava.

- Calma, garota. - Ty acalmou a égua; voltando-se para Jessy. - Acho que está na hora de me lavar e vestir para a festa. - Ele vestia velhas calças Levi's e uma camisa xadrez desbotada com as mangas enroladas.

- Até mais tarde.

Ty já ia passar por ela, mas estacou.

- Você está de vestido - disse ele. - É por isso que está diferente.

- Olhou-a de cima a baixo, descobrindo curvas femininas que ficavam ocultas nas roupas masculinas. - Fica bem em você.

- Sei disso.

As sobrancelhas dele aproximaram-se, formando rugas superficiais.

- Não sei se algum dia vou conseguir entender você, Jessy - murmurou.

- Agora você tem uma esposa. É ela que você tem que entender recordou Jessy, assistindo-lhe retroceder um pouco e depois sair.

- Onde está Tara? - perguntou Ty ao entrar na casa-grande.

- Ainda está lá em cima - informou Cathleen. - Não sei o que está fazendo, mas com certeza faz muito barulho.

Subindo as escadas de dois em dois degraus, Ty foi direto ao quarto do casal. Ao entrar, viu Tara de pé no meio do quarto, um dedo apoiado nos lábios, contemplando uma cadeira. Vestia um penhoar amarelo de tecido fino de enxoval.

- bom dia, querido. - Saudou-o distraída, não lhe concedendo mais do que um relance.

- O que está fazendo? - Havia um certo prazer no olhar de Ty ao cruzar com ela. Mal saída da cama, descabelada e sem um pingo de maquiagem, ainda era a mulher mais desejável que ele jamais vira.

- Estou tentando decidir onde colocar essa cadeira - respondeu ela, afastando as mãos que deslizavam para sua cintura. - Não, Ty. Estou querendo resolver isso.

- Você está arrumando os móveis - observou, correndo os olhos pelo quarto. - E deveria estar se aprontando para a festa.

- Ninguém vai morrer se nos atrasarmos. - Com um aceno dispensou o lembrete do marido. Subitamente, voltou-se e agarrou as mãos dele.

- Você não sabe como me sinto bem. - Olhou para o quarto espaçoso cheio de orgulho. - Este é o nosso cantinho particular na casa, completamente nosso. Mal posso esperar para começar a arrumá-lo.

- Você terá de esperar, pois tem de se arrumar para a festa. Foi muita generosidade da parte de meus pais nos dar o quarto de casal principal com a sala de estar contígua - concordou, soltando as mãos e aproximando-a para dar um beijo.

Após um leve toque, ela se afastou.

- Você está com cheiro de cavalo. - Torceu o nariz. - É melhor tomar um banho antes que eu fique fedendo também. - O zumbido do motor de um avião penetrou pela janela. - Devem ser papai e Stricklin.

- Ela correu para a janela. - Lembre-se de pedir a eles para trazerem aquela escrivaninha antiga aqui para cima. Vai ficar perfeita neste canto.

O xerife Potter encontrara um lugar à sombra, onde soprava uma brisa proveniente do rio. De sua cadeira, ele tinha uma visão da barraca e das estacas de madeira, o agrupamento de mesas e pessoas. Sem muito esforço conseguia acompanhar quase tudo que estava acontecendo. Franzino e com os quadris largos, escarrapachou-se na cadeira, as pernas esticadas a sua frente, os pés cruzados. Os cabelos ralos em torno do crânio haviam-se reduzido a tufos grisalhos. Sempre preguiçoso, a velhice o tornara ainda mais lento.

Embora houvesse percebido a aproximação de Chase Calder, não aprumou-se nem mudou de posição. Continuou a sugar os dentes, de vez em quando escarafunchando a separação entre um e outro com um palito. Esperou até Calder parar diante dele para se dar ao trabalho de oferecer-lhe um cumprimento de cabeça.

- Fico contente por ter vindo, Potter. - Havia uma cadeira vazia ao lado do tronco da árvore frondosa. Chase trouxe-a para perto e sentou-se.

- Não ia perder o banquete. - O xerife mergulhou o palito nos dentes de novo, conseguindo sugar um pedaço de comida. - Queria ver o casório. Já conheci quatro Calder em meu tempo. Fico matutando se vou ver o quinto nascer.

- Não me surpreenderia - murmurou Chase secamente. O velho possuía uma forma de conservar a energia e a atividade de que muita gente não suporia ser ele capaz.

- Já vi muita coisa. - Lançou-lhe um olhar. - E tenho sido esperto o suficiente para esquecer a maior parte. - Deixou o palito pendurado nos lábios, rodando-o e mastigando. - Aquele engenheiro, Belton, que estacionou ao lado do Sally's? Consegui descobrir alguma coisa sobre a companhia dele. Já sei quem o contratou.

A verificação inicial, há mais de dois meses, provara que o homem era honrado. Como não houvera nenhum problema, Chase deixara a questão de lado. Evidentemente o xerife não fizera o mesmo.

- Outra companhia texana. De Fort Worth, chamada Dy-Corp. Prosseguiu na observação da multidão com a tranquilidade de alguém acostumado a ver o mundo passar. - É a mesma companhia que perfurou aqueles poços de petróleo na sua propriedade, não é? Acho que o dono é o sogro de seu filho.

- É. - Chase voltou o olhar para o grupo de pessoas, à procura do texano. Não se lembrava de algum comentário de Dyson de que pretendesse fazer mais perfurações na área.

- Recorda-se daquela propriedade do velho Stockman? Alguma companhia do Leste é dona da terra e arrenda uma parte da pastagem do governo. Em junho, Dyson fez um negócio e arrendou tudo, até os direitos de exploração mineral, incluindo a área do governo. - Mastigava o palito, girando-o para o outro canto da boca, como se os dentes se cansassem de segurá-lo de um lado só. - Colocou um velho nojento no lugar. Belton vai e volta todo dia. Não sei o que há por lá. É secreto mesmo. Mas não é petróleo que eles estão querendo encontrar.

- A água seria de mais valor para eles. Fez-se uma longa pausa.

- Estou vendo O'Rourke ali, esgueirando-se em volta do estábulo observou o xerife. - Cara esquisito.

Chase seguiu o olhar do xerife, localizando o homem esguio e magricela, apoiado em um canto do estábulo. Parecia um coiote; a curiosidade o levava a se aproximar o suficiente para ver o que estava se passando, mas sempre com bastante espaço aberto à retaguarda, a fim de que pudesse escapar.

- Ele anda bastante a cavalo. - Arch Goodman acompanhara a frequência de rastros frescos atravessando a propriedade dos Calder, provenientes de Shamrock. Até o momento não houvera problemas. - Parece que ele não pode se sentir tolhido.

- Tipo um animal selvagem que ficou enjaulado por um tempo e depois foi solto. - Potter demonstrou compreeender. - Agora tem que estar sempre em movimento.

- O'Rourke sempre foi um solitário. Nunca quis se adaptar - concluiu Chase.

- Olha lá, eis um par para ficar de olho... Dyson e Bulfert. - O palito caiu da boca enquanto o xerife analisava os dois homens, pensativo, conversando afavelmente no meio da multidão. - Sim, senhor, Bulfert tem o melhor que o dinheiro pode comprar, e já comprou mais de uma vez. Aposto que ele tem mais truques que uma puta. E gastou seu dinheiro tão rápido quanto uma. - Outra pausa. - Ouvi dizer que ele vai se aposentar depois desse mandato. Gostaria de saber onde ele vai encher os bolsos.

- Isso está parecendo um aviso.- Chase estudou-o, tentando ler nas entrelinhas.

- Só uma observação. - O xerife quase conseguiu esboçar um sorriso cansado. - Noventa por cento de meu trabalho consistem em observar as pessoas. Eu deixo os idiotas correrem atrás dos apressadinhos a 150 por hora para trazerem bêbados incorrigíveis. Eu não, eu olho. Foi assim que permaneci xerife por tanto tempo... observando e tomando conhecimento. Só estou passando para você o que vejo... seja lá qual for a vantagem para você.

- Gosto disso.

- Aquele sócio do Dyson... qual é o nome dele? - O xerife virou-se para Chase. - O cara de óculos, alto e de cabelos claros.

- Stricklin.

- Stricklin. - Repetiu o nome com uma espécie de satisfação. - Ele tem as mãos limpas. Já percebeu como elas são limpas? - Balançou a cabeça. - Nunca confiei em homem de mãos imaculadas. Sempre fico pensando por que ele as lava tanto. - Descruzou os pés com esforço aborrecido, fazendo menção de levantar-se. - Acho que tenho que cumprimentar os noivos e voltar para o trabalho.

- Vejo você por aí, Potter. - Chase permaneceu na cadeira enquanto o homem mais velho se levantava e ia se arrastando em direção ao ajuntamento de pessoas. Muito fora dito, e seria necessária alguma reflexão.

- Ty... - Tara apoiou-se nele. - Quem é aquela garota alta de vestido florido? Alguém importante?

Ele só conseguia ver uma garota alta.

- É Jessy Niles. Trabalha aqui.

- O que é que ela faz?

- Trabalha com o gado junto com os homens. - Lançou um olhar divertido para a mulher, observando-lhe a expressão de surpresa.

- Não é aquela garota imunda que eu vi no rodeio? - Tara franziu o cenho, sem acreditar que fosse possível.

- A própria. - Ty analisou a garota em questão, especulando preguiçoso.

Sempre direta e igual, Jessy possuía olhos que podiam enxergar o fundo do coração de um homem. Era uma garota séria e quieta, e Ty nunca tivera muita certeza do que se escondia atrás daquela serenidade genuína, se indiferença ou avaliação ou algum sentimento mais dissimulado. Houvera algumas discussões quando ela crescera.

O leve sorriso começou a desaparecer de seu rosto quanto mais ele a observava. Não havia nada de desgracioso naquele corpo elegante. Os raios solares penetraram na massa de cabelos, tornando-os dourados. Ty se deu conta da forma altiva com que ela sustentava a cabeça, e a força inata de seus traços. O corpo parecia flexível, um jeito gracioso e provocante quando se movimentava. Ela era inteiramente mulher, um fato que constatou e o surpreendeu. Já a vira muito em ambientes masculinos, suspeitando de que havia um algo mais nela que um homem poderia não perceber, a não ser que a estudasse longa e atentamente.

A descoberta perturbou-o vagamente. Desviando o olhar, Ty olhou disfarçadamente para a mulher, perscrutando a expressão do rosto dela. Descobriu que Tara a analisava com frio interesse. Ty lançou uma risada rápida, ocultando a curiosidade ociosa que se acendera dentro dele.

- Quer ver seu presente de casamento? - A pergunta apagou todo o resto do pensamento de Tara, e o assunto Jessy Niles foi esquecido.

Do lado de fora do estábulo, o vento uivava, espalhando a neve de fins de novembro pelo quintal. A égua baia na cocheira fuçava o feno fresco da manjedoura, as orelhas girando agitadas, captando cada som diferente e estranho. Olhava as figuras encasacadas de homens que a estudavam, os cheiros deles ainda desconhecidos para ela. Abocanhou o feno.

- Ela está se acostumando - previu o vaqueiro Wyatt Yates.

- Vamos ter que mantê-la aqui durante o inverno - declarou Ty.

- Ela foi criada no Texas e não está acostumada com este frio.

A égua era mais do que um novo cavalo. Era uma nova aquisição à cavalhada de éguas reprodutoras que Ty estava criando. Boas fêmeas de raça eram difíceis de ser obtidas. A Triplo C sempre criara um número limitado de cavalos para o trabalho da fazenda, mas Ty convencera o pai da necessidade de expansão e reprodução de animais de melhor qualidade.

Algumas éguas cougar proporcionavam um estoque de boa estirpe. Nos últimos dois meses, Ty comprara mais três fêmeas; todas elas haviam correspondido à fama de bons cavalos, além de adicionarem seu sangue superior ao gado equino. Ele ainda estava à procura de dois garanhões. Enquanto não encontrasse o que queria, planejava mandá-las para fora da fazenda, a fim de que fossem emprenhadas por um grupo selecionado de garanhões.

Esta procura se traduzira em inúmeras viagens, e outras ainda por vir. Tara sempre ia com ele, transformando-as invariavelmente em uma combinação de trabalho e lazer. Se Ty fosse honesto, admitiria que lhe agradava exibi-la, consciente de atrair a inveja de todos os homens, pois possuía uma esposa linda e amorosa.

Deixando o novo animal aos cuidados de Yate, Ty saiu do estábulo e enfrentou o vento até alcançar apick-up. Estava a somente umas centenas de metros da casa-grande, com suas luzes brilhando em meio ao crepúsculo de inverno, mas um homem jamais andava quando podia ir de carro nestas paragens.

Na varanda, Ty tirou a neve das botas, esfregando-as no capacho colocado na porta da frente e entrou. A casa irradiava silêncio e vazio. Cat estava fora, no internato, o que naturalmente tornava a casa mais calma do que o habitual. Desabotoando a jaqueta acamurçada de pele de carneiro, percorreu o escritório e a sala de estar sem ver ninguém. Uma olhada na cozinha e sala de jantar mostrou-as igualmente vazias, apesar do aroma de algo sendo cozinhado.

Subiu as escadas com lentidão deliberada, indo até os aposentos particulares seus e da esposa. Os dois compartimentos haviam sido gradativamente transformados por Tara, os móveis mais pesados retirados em favor dos mais requintados. A cama com quatro pilares havia sido substituída por uma enorme com dossel, pregueada e drapejada em cetim dourado. Novas cortinas nas janelas, tapetes, sempre havia algo que fora modificado ou acrescentado. Ty nunca sabia o que esperar a cada vez que entrava no quarto.

Uma lâmpada de cabeceira, acesa no grau mínimo, mal iluminava a sala de estar. Vindo do corredor bem-iluminado, ele levou um segundo para acostumar os olhos à penumbra. Quando tirou o chapéu, percebeu a luz bruxuleante de uma vela. A pequena mesa redonda, uma das aquisições mais recentes, estava coberta com uma toalha adamascada, arrumada com a louça e cristais para dois, um par de velas vermelhas em portadores de prata avivados pelas chamas amarelas no centro.

Tara surgiu do quarto, detendo-se sob a luz quando o viu. Enquanto percorria-a com o olhar, Ty sentia-se excitado com a beleza dela, naquela noite envolta em um vestido de veludo de Borgonha. Os cabelos cor de ébano caíam em cachos, gotas de diamantes pendiam dos lóbulos delicados. Ela deslizou pelo quarto em direção a ele, que estendeu os braços para recebê-la, tão bela e delgada.

Entretanto ela colocou as mãos firmes contra o peito dele, sem conceder nada além de um beijinho nos lábios.

- Você está todo sujo. Já preparei tudo para o banho.

As mãos continuaram em torno dos ombros de Tara, sem soltá-la mas tampouco forçando um abraço, enquanto ele aspirava a fragrância dos cabelos da mulher, a atenção desviada para a abertura na região inferior do vestido.

- O que é isso? - Ty queria dizer tudo aquilo... as velas, a mesa para dois, o vestido de festa.

- Esta noite temos a casa só para nós, então decidi fazer algo diferente e íntimo, ao invés de sentarmos naquela mesa enorme e velha da sala de jantar mais uma vez.

- Para nós, nem? - Os olhos escureceram-se de desejo.

- Seu pai telefonou avisando que vai chegar tarde e que não é preciso esperá-lo para jantar, ele vai parar em um lugar chamado Sally's para comer algo - explicou, oferecendo-lhe os lábios vermelhos provocantes.

- Quando dei o recado à sua mãe, ela sugeriu que jantássemos sozinhos para variar um pouco.

- Aonde ela foi? - A pressão das mãos de Ty sobre os ombros dela aumentou, súbita tensão atravessando-o.

- Disse que ia fazer uma surpresa para seu pai e encontrá-lo no Sally's. Saiu há uns vinte minutos. - Percebeu a hesitação repentina de Ty, a severidade expressa em sua boca. Tara inclinou a cabeça para o lado.

- Algo errado?

Ele levou um segundo para ouvir a pergunta. Ele diminuía a pressão das mãos, deixando-as tombar. O interesse na noite intima que Tara planejara desvaneceu-se ao constatar que a mãe devia ter adivinhado o que estava se passando entre o pai e Sally Brogan.

- Nada. Nada não. - Não havia nada que pudesse fazer. Deu-lhe as costas. - Acho melhor tomar aquele banho.

- vou abrir uma garrafa de vinho tinto para que o vinho possa encorpar o sabor e o buquê. - Tara movimentava-se graciosamente em torno da mesa, inconsciente dos sentimentos contraditórios que haviam tomado conta de Ty. Um sopro do vento sacudiu a janela; os lábios apertaram-se com os uivos melancólicos. - Odeio esse vento.

Ty não a ouviu.

- Que tipo de maquinaria pesada? - Chase franziu o cenho diante da descrição que Sally fez do equipamento carregado pelo enorme semi-tra7er que parara em busca de informações sobre o caminho para a fazenda Stockman. - Você quer dizer equipamento de perfuração?

- Não. - Sally pousou a xícara de café na mesa. A noite fria e tempestuosa atraíra poucos clientes para o jantar, e os bebedores só chegariam mais tarde. - Parecia equipamento de construção... aquelas pás enormes para remover terra, esse tipo de coisa. Eles devem construir algo.

- Podia ser equipamento de rodovias - sugeriu Chase pensativo, cortando a carne. Faróis brilharam atravessando as janelas grandes de vidro do bar-restaurante.

- Provavelmente era isso mesmo - concordou Sally, observando-o levar um pedaço de carne até a boca. - Como está o bife? bom?

- Perfeito como sempre. - Sorriu para ela. A expressão no rosto de Chase refletia carinho e sinceridade; uma corrente de ar frio entrou pela porta aberta por alguém. Chase lançou um olhar preguiçoso e imobilizou-se ao ver Maggie atravessando o salão a passos largos, sorrindo alegre demais. Recobrou-se rapidamente.

- Maggie? - A voz soou levemente inquisitiva, com uma ponta de aborrecimento.

- Surpreso? - Ela puxou uma cadeira e sentou-se à mesa, olhando por um segundo para a mulher de cabelos castanho-avermelhados ao lado dele. Os olhos verdes de Maggie faiscavam, praticamente forçando-o a dizer algo quando voltou o rosto para ele.

- Sabe que estou - ele contrapôs suavemente.

- Decidi vir jantar com você esta noite e apreciar a comida de outra pessoa para variar um pouco - anunciou Maggie. - Além do mais, proporcionaremos aos recém-casados algum tempo sozinhos.

Sally não perdeu seu olhar sereno, embora seus olhos tenham corrido inseguros para Chase por um breve segundo.

- O que quer que prepare para você, Maggie?

- vou querer o mesmo que Chase, só que malpassado - pediu, acrescentando quando Sally se levantou: - Mas volte e junte-se a nós.

Após trazer a refeição de Maggie, Sally encheu novamente a xícara de café e sentou-se na mesa. Chase não levou muito tempo para perceber o que Maggie estava fazendo ali. Quanto mais a observava, mais orgulhoso e divertido ficava. com seu jeito próprio e dissimulado, ela o requisitava como sua propriedade, alertando Sally para que se mantivesse longe. Não perdera a classe, mas a amabilidade não passava da superfície. Por sob ela, Maggie estava imersa em luta feroz.

Na hora de ir embora, Chase sentiu uma pena momentânea de Sally, naturalmente calma, que se tornara ainda mais reservada. Mas há muito tempo ela sabia o resultado da partida, e naqueles momentos ela fora deixada para trás desde o começo.

Quando saíram, dois vaqueiros da Triplo C estavam entrando.

- Me dê as chaves do carro, Maggie - ordenou Chase.

- Por quê? - Ela as tirou da bolsa.

- Grady! - Ele chamou um dos cavaleiros e jogou-lhe as chaves. Minha mulher vai voltar comigo. Providencie para que o carro dela seja levado de volta à fazenda... inteiro. - Maggie não protestou.

- Sim, senhor. - O cowboy enfiou-as no bolso e dirigiu-se para a porta de entrada, onde seu companheiro o esperava.

Chase colocou o braço em torno dos ombros da esposa enquanto se afastavam da taverna. O começo de uma risadinha ecoou na garganta dele, aumentando gradativamente para uma gargalhada vigorosa.

- Qual é a graça? - A respiração dela saía ofegante e irritada, vaporizada pela temperatura fria.

- Você - ele declarou.

- Ainda bem que você me acha tão divertida. - A única coisa que ela não sentia era alegria, afastando-se do braço dele e apressando-se empertigada até a perua.

Chase alcançou-a junto à caminhonete e virou-a antes que ela conseguisse abrir a porta. O olhar dele irradiava carinho e diversão que os olhos duros de Maggie não conseguiam desencorajar.

- Você estava com ciúme, não é? - ele a desafiou com conhecimento de causa.

- Não sei do que está falando - ela replicou bruscamente, tentando escapar do abraço dele. Só que Chase simplesmente a apertou mais ainda no círculo de seus braços, agarrando-a tão próximo quanto o permitia a espessura dos casacos.

- Você não tinha motivo para sentir-se assim - informou Chase, insensível à geada. - Nem mesmo quando tivemos nossos períodos mais difíceis. Oh, admito que tive alguns pensamentos em relação a Sally, mas não consegui esquecer você. Tinha lhe dado minha palavra... prometera amar somente você.

- Então por quê...? - Maggie estacou, sem terminar a pergunta, pois não queria admitir que sentira ciúme, e não desejava saber por que ele buscava continuamente a companhia de Sally durante tanto tempo.

O sangue agitou-se exultante em suas veias, com a embriaguez de um jovem, enquanto Chase sentia-se como um garoto, apaixonado por ela novamente. Sentia vontade de gritar e cantar suas fantasias. Todos os sentidos haviam sido acesos com o sentimento, os aromas fortes e os sons suaves. Essa senhora orgulhosa era a mulher certa para ele; nenhuma outra conseguira satisfazê-lo e nunca haveria alguma capaz.

- Por que eu continuei parando para vê-la? - Chase conhecia a pergunta que ela não quisera fazer, estranhamente sintonizado aos pensamentos dela, após um longo período de afastamento. - Ela me oferecia conforto. Além disso, eu estava com medo de perder você.

- Me perder? - O rosto de Maggie expressava perplexidade e confusão diante da suposição de que deixara, de alguma maneira, de amá-lo.

- Não sei se posso explicar. - A boca de Chase contorceu-se, triste.

- Talvez seja a sua sofisticação sei lá. Mas cada vez eu via menos a Maggie e mais a Elizabeth refinada, tão fria e contida. Quando Ty foi para a universidade, pensei que você desejava isso como compensação para sua vida passada. Que talvez você lamentasse... até que você apareceu no bar hoje à noite, pronta para lutar por seu homem. - Ficou sério e tenso. Sou seu homem, não sou?

- É. - Ela sentia-se tão feliz que chegava a doer.

Quando ele a beijou longa e profundamente, a paixão renovada fluiu livremente. Maggie envolveu os braços em torno do pescoço do marido, ficando na ponta dos pés, aferrando-se ao sentimento que quase haviam perdido.

Os lábios se separaram, mas eles continuaram abraçados, a respiração de ambos agitada, sorrindo de leve diante da vertigem do amor renascido. As mãos de Chase correram pelas costas dela, vagamente irritado com o casaco e o frio, sem querer que nada interferisse nessa proximidade tão especial.

- Maggie, meu amor... meu único amor... vamos para casa - insistiu, rouco.

Ela ria, o amor brotava de suas entranhas.

- Oh, sim, vamos.

Vapores luminosos formavam ondas na extensão da rodovia, distorcendo os prédios adiante. Placas de velocidade foram colocadas nos arredores, o primeiro traço de mudança. Ty desacelerou apick-up enquanto se aproximava da cidade, observando as mudanças que quatro curtos anos, desde que se casara com Tara, haviam provocado.

Blue Moon não tinha mais a aparência de uma cidade-fantasma, fragmentada ao lado da estrada. Os prédios abandonados e arruinados com os interiores quebrados e os lados abaulados que se mantinham, miseráveis, próximos à pista dupla, desintegrando-se lentamente ao longo de muitas décadas, haviam desaparecido - retirados pelas máquinas de terraplenagem, e o entulho carregado para sepultamento. Em seu lugar surgiram casas pré-fabricadas, os quintais com o mato aparado para que as crianças pudessem brincar.

Já havia três veículos estacionados ao lado das bombas de gasolina quando Ty chegou. Um deles carregava a marca Dy-Corp Carvão, uma subsidiária da Dy-Corp Ltd. Blue Moon era uma cidade da empresa, povoada basicamente por operadores da maquinaria pesada, que manejavam o equipamento de mineração e suas famílias.

Os forasteiros eram encarados com curiosidade, e Ty recebeu a sua cota de olhares quando desceu de caminhonete. Os quatro anos haviam produzido algumas mudanças nele também. O peito e os ombros haviam sido cobertos de músculos; tornara-se um homem alto e imponente. O sol e o vento haviam endurecido seu rosto e delineado linhas profundas em seu semblante e sentimentos. Um bigode negro ajudava a reforçar a aparência de virilidade enérgica.

com aquelas passadas largas que nunca pareciam ter pressa, Ty saiu da caminhonete e entrou na loja. A seção de comestíveis fora aumentada, incluindo mais artigos, o que deixara o guichê dos correios espremido em um corredorzinho na parte dos fundos. Duas mulheres estavam fazendo compras, tentando manter as crianças junto de si.

Enquanto Ty se aproximava do guichê engradado dos correios, ouviu vozes, reconhecendo-as como pertencentes a dois antigos moradores de Blue Moon. A área postal também dobrara, consistindo em escritório particular para a loja e a estação.

- Calder não vai gostar de ouvir isso - declarou uma voz masculina, ao que Ty reduziu os passos.

- Deixe-o ficar preocupado - disse um segundo. - Ele pode reclamar e ficar furioso o quanto quiser para proteger a terra e não danificar o meio ambiente. É muito bom quando se pode sustentar isso. Mas ele nunca fala sobre as vantagens provenientes da mineração do carvão.

- Sei disso. Eu e Anna quase tivemos de fechar a loja. - Era Lew Michels, dono da loja de tecidos e ferramentas do outro lado da rua. Simplesmemte nós não estávamos lucrando o suficiente, até que todas essas famílias do carvão mudaram aqui para a cidade. Agora temos uma boa chance de passar o negócio e ter um bom lucro para nossa aposentadoria.

- Essa cidade estava morrendo. Todos os caras mais jovens estavam indo embora porque não havia trabalho para eles. Agora temos trabalho e sangue jovem. Um homem já tem chance de manter a cabeça fora d'água. Calder nunca fez mais do que nos atirar um osso de vez em quando. Estou dizendo, a Dy-Corp foi a melhor coisa que aconteceu para esta cidade, e que se dane a terra e o Calder.

- É o progresso - afirmou Michels. - Calder tem de aceitar isso. com os regulamentos para a mineração do carvão, a terra tem que ser aproveitada. O próprio presidente disse isso... desenvolver nossos recursos é de interesse nacional. E temos em Montana carvão suficiente para aquecer o país inteiro.

Quando Ty surgiu na janela com barras, a conversa cessou subitamente.

- Acho que você tem um pacote para minha mulher - fez ele.

- Certamente. - Emmett Fedderson pôs-se de pé, parecendo constrangido. - Passe por aquela porta que vou entregá-lo a você.

O embrulho de papelão foi-lhe passado. Ty colocou-o debaixo do braço e saiu da loja. A conversa que entreouvira estava em seus pensamentos. Sabia que os ânimos estavam exaltados quanto à questão da mineração de carvão, mas não se dera conta de que as pessoas estavam tomando partido. Talvez porque ele não compartilhasse a mesma paixão que o pai a respeito da questão. Quanto mais seu pai envelhecia, mais resistia às mudanças do tempo.

Enquanto subia na caminhonete, Ty ficou pensando que seu pai não ia gostar de ouvir aquilo tudo. O jantar mais tarde, à noite, se tornaria embaraçoso se as notícias fossem tão desagradáveis quanto Fedderson indicara. Dyson encontrava-se na fazenda, visitando Tara e verificando a operação de carvão. Aquilo contribuiria para uma noite constrangedora.

Segundos depois de Ty cruzar a porta da casa-grande, ouviu a voz zangada do pai ecoando no gabinete.

- Maldição, você conseguiu! - Bateu com o fone no gancho.

com uma dose de resignação, Ty caminhou em direção às portas abertas do escritório. Não precisava de mais suposições sobre o que acontecera. Estava prestes a descobrir. Mas a mãe já chegara antes com as perguntas.

- O que houve, Chase? - Ela mordiscou o lábio de preocupação. A mão dele transformara-se em um punho cerrado sobre o tampo da mesa, a cabeça abaixada e virada.

- Não acredito - murmurou. - Todo aquele trabalho... todo o dinheiro e esforço desperdiçados na elaboração de uma das peças mais rigorosas de legislação para regular a mineração de superfície... e o que acontece? O Ministério do Interior em Washington ordenou ao estado de Montana que se pusesse de acordo com o regulamento federal.

Chase Calder exercera toda a pressão contra a passagem daquela lei na legislação de Montana. Fora um amargo revés.

- Dyson está por trás disso - anunciou o pai com ar grave. - E Bulfert proporcionou as vantagens para ele.

A suspeita de vigarice enfurecera mais o pai do que o enfraquecimento da lei de mineração de carvão, percebeu Ty. A discordância com Dyson nunca fora pessoal. Cada um fizera pressão para neutralizar o outro, mas a nível de negócios. Perder para Dyson não era o pior, mas a possível traição do senador não era fácil de engolir. Era como dizia aquele velho código, quando você recebe o pagamento de um homem, você se torna seu aliado. Quando um homem tem uma marca, tem de defendê-la também.

O telefone tocou, o pai o levou ao ouvido irritado. Agora que soubera dos últimos acontecimentos, não havia mais motivo para Ty permanecer na sala. Ele saiu em direção à escada.

- O que você está fazendo aqui em cima? - Ty surpreendeu-se ligeiramente ao ver Tara nos quartos do segundo andar. Ultimamente, ela passava pouco tempo ali, reclamando que eles eram muito apertados.

- Onde mais eu poderia estar? - retorquiu irritada, erguendo-se do divã adamascado.

Ty preferiu ignorar a observação.

- Peguei aquele pacote para você.

- Ponha em qualquer lugar - disse Tara, desinteressada. - São aquelas botas que encomendei.

- Talvez fosse bom experimentá-las - ele sugeriu.

- Agora não. - Perambulava pela sala, indo até a janela. - Gostaria que seu pai construísse uma piscina ou uma quadra de ténis. Sem dúvida ele poderia pagar. Pelo menos haveria alguma coisa para se fazer aqui.

- Essa é uma fazenda de trabalho, Tara... e não um lugar de veraneio - respondeu Ty com paciência forçada. - Se você quer nadar, Cat deve estar no rio. Por que não vai se encontrar com ela?

- Não gosto de nadar no rio. - Houve época em que ela gostava, mas isso fora no princípio do casamento deles. A partir do estabelecimento da cavalhada, eles haviam parado de viajar tanto em busca de animais de raça; Tara gradativamente fora se cansando da monotonia da rotina na fazenda. Ela girou, ficando de frente para ele. - Vamos fazer alguma coisa hoje à tarde, Ty - solicitou, com um quê de desespero no sorriso que lançou ao marido.

- Estava mesmo a caminho para verificar algumas possibilidades para novas regiões de alimentação. Venha comigo - ele convidou com um sorriso lento, jogando o pacote no sofá e aproximando-se dela. - Você costumava me acompanhar a qualquer lugar que eu fosse a cavalo. Acho que você não monta sua égua há mais de um mês.

Ela se voltou para a janela e levantou a cortina. Seu corpo móvel e delgado irradiava tensão.

- Quando se sai desses prédios, não existe nada além de terra. Não importa o quanto você cavalgue, você não chega a parte alguma. - Estava triste, o que era raro em Tara. - Você já olhou para esses campos, Ty? Quero dizer, realmente olhar e senti-los?

Não entendo o que quer dizer. - Ele estava intrigado.

- Eu já - ela prosseguiu, respondendo à própria pergunta. - Essa terra me faz sentir pequena... como se eu fosse nada. bom, eu sou alguma coisa - fez ela, agressiva.

- É claro que é. - Ty estava achando ligeiramente engraçado o drama feito por ela, embora percebesse que estava falando sério. - Só sugeri que viesse comigo porque pensei que você gostava de passear. Mas se você prefere não ir, tudo bem,

- Ty. - A cortina caiu quando ela girou para olhá-lo. Chegou perto dele, escorregando as mãos pela camisa até descansá-las no peito do marido. - Fique aqui hoje à tarde. Pode olhar esses locais em um outro dia. Hoje você pode ficar comigo..

- Não posso, Tara. - Havia certa impaciência na voz dele. Já conhecia aquela história. Se lhe desse oportunidade, ela arranjaria um jeito de mantê-lo a seu lado o tempo todo. - Tenho que trabalhar. Não posso ficar aqui para distrair você.

- E o que vou fazer? - ela desafiou.

- Mamãe não teve problema em arranjar algo com que se ocupar.

- Sua mãe tem uma casa para dirigir e amigos para visitar. - Tara afastou-se dele, apertando os braços nervosamente. - Tudo o que tenho são esses dois quartos e um marido que fica fora o tempo todo. Não sei por que não podemos construir nossa própria casa para que eu possa receber visitas de amigos, festas e jantares.

- Tara, já discutimos isso antes. - A paciência estava chegando ao fim.

- Eu sei. Primeiro você quer construir esse tão sonhado local de alimentação. Então, talvez você possa construir uma casa para sua esposa.

- A raiva escondia-se por trás do sorriso.

- Olha, foi você quem insistiu em que construíssemos uma casa nova - lembrou Ty, sucinto. - Você não se satisfez em mudar para uma das casas vazias aqui das redondezas.

- Ty, francamente. O que é que ia parecer, um Calder morando em uma dessas casas simples, igual a qualquer outro trabalhador da fazenda?

- incitou Tara, impaciente com a sugestão que considerava ridícula. Ela não está à sua altura.

- Você quer dizer que não está à sua altura.

- Não, não está. Eu sou alguém, e não vou viver como um joãoninguém. - Postara-se rígida diante dele, a cabeça projetada para trás em desafio. Permaneceu assim por um momento, necessitando das provas materiais de posição e o reconhecimento de projeção social. Por fim, perdeu o controle e correu para ele, apertando-o entre seus braços. - Ty, não quero que a gente brigue novamente por causa disso. Posso aguentar viver na casa de seu pai, mas estou farta de ver você à sombra dele. Sei o quanto você é inteligente e capaz, mas você não está tendo a chance de mostrar o seu potencial a ninguém.

- Tara, isso não é verdade. - Abraçou-a. - O programa de criação de cavalos, a operação de alimentação... foram ideias minhas. Papai deixou-as a meu critério. São responsabilidade minha.

Imagino que sejam. - Ela desistiu, relutante, ensaiando um sorriso forçado nos lábios. - Querido - acariciou-lhe o queixo -, o governador está dando uma festa particular hoje à noite. Papai vai de avião hoje à tarde para a festa. Vamos com ele.

Não posso sair assim de repente, Tara - afirmou; a boca franziu com severidade por sob o bigode.

- Claro que pode, só essa vez - ela tentou persuadi-lo com seu sorriso mais provocante. - Há séculos que não vamos a lugar nenhum.

- Se você tivesse avisado mais cedo, eu poderia ter arranjado tudo para que fôssemos. Mas hoje à tarde é impossível. - Havia uma determinação naquela voz que não encorajava qualquer outro estratagema, feminino. Tara já lançara mão inúmeras vezes de sua beleza e de seu corpo para convencer Ty a alterar suas decisões. No entanto, sabia que essa festa seria um acontecimento de que ela estava louca para participar. Os protestos de Tara contra o tédio o fizeram sentir-se culpado, pressionando-o a não negarlhe a excitação que ela tanto almejava. - Se quiser, você pode ir ao jantar com seu pai - ofereceu relutante.

- Está falando sério?

Percebeu o brilho que se acendera nos olhos da esposa.

- Estou. - Sorriu, mas seus olhos não diziam o mesmo. De alguma maneira, sabia que aquilo era o começo de algo, a primeira de muitas viagens que ela faria sem ele, o primeiro dos muitos motivos que ela encontraria para deixar a fazenda e retornar a uma vida socialmente mais ativa, circundada por gente importante.

- Já sei que vestido vou colocar. - Tara estava ocupada com os planos. - Onde está Stricklin? Tenho que avisá-lo que vou com eles.

- Não o vi desde o café da manhã. - Ele devia ter adivinhado que Stricklin também iria à festa. Dyson nunca ia a parte alguma sem seu segundo par de orelhas.

- Deve estar no quarto dele, trabalhando naqueles relatórios para papai. - Tara encaminhou-se para a porta, enviando um beijo atrasado para Ty. - Vejo você amanhã, Ty querido.

Ty deixou o quarto mais lentamente.

O zumbido de um avião quebrou a calma da tarde. Ty deu rédeas ao cavalo, subindo uma elevação para ver o bimotor de Dyson fazendo uma curva para oeste, com Tara a bordo. Seus músculos se contraíram, a tensão excitava seus nervos.

Terminara a inspeção do local na pastagem Norte. Parecia ser o mais promissor, com suprimento abundante de água, boa drenagem natural, e a pequena distância de uma das estradas principais da fazenda e da Sucursal Norte, dirigida por Arch Goodman.

O avião foi se tornando menor. Ty logo o perdeu de vista, na luz forte do sol baixo. Ficou mais um segundo parado sobre o cavalo, e por fim encaminhou-se para a sucursal Norte, onde deixara a caminhonete e o caminhão de cavalos.

Quando começava a descer a elevação, localizou um cavaleiro guiando um animal com a pata ferida ao longo da reentrância pouco profunda do terreno. Era Jessy Niles, que fora forçada a desmontar. Ty desceu a colina. As botas de cowboy não eram adequadas para longas caminhadas. Ao ouvir o som de cascos, ela estacou, aumentando a sombra produzida pela aba do chapéu com a mão, protegendo os olhos dos raios solares para identificar o cavaleiro que se aproximava.

- Encrenca? - O olhar divertido dele percorreu-lhe o rosto empoeirado.

- Perdi uma ferradura a uns dez quilómetros atrás - ela respondeu pesarosa. - Pensei que ia chegar em casa antes que alguém aparecesse.

Ty soltou uma risadinha e retirou a bota do estribo esquerdo.

- Suba.

Jessy passou as rédeas de seu cavalo para ele, e enfiou o pé no estribo vazio, agarrando-se à sela para subir no cavalo de Ty. Ela nunca se sentia à vontade quando ele estava por perto. E não se sentia bem tendo que segurar-lhe a cintura para acomodar-se e equilibrar-se em posição mais confortável. Por baixo de toda aquela naturalidade, sentia-se mais tensa que uma corda de arco.

- Pronta? - Ty enrolou as rédeas do cavalo dela em torno da sela para rebocá-lo.

- Estou. - Tirou as mãos apoiadas nele e descansou-as sobre as coxas, oscilando suavemente com o trote exigido por seu cavalo inexperiente. Os ombros dele eram largos e musculosos. Cheirava a cavalo e fumaça de cigarro. Jessy levou um minuto para se dar conta de que ele se desviara do caminho em que ela estivera. - Aonde você vai?

- À sucursal. - Virou a cabeça, oferecendo-lhe uma visão do perfil bem-delineado, bronzeado e marcado pelo sol nos cantos dos olhos. - Por quê?

- Se você tomar a direção norte, pegará um atalho até a extremidade da sucursal - fez Jessy, pois conhecia aquela área como a palma de sua mão. - Tenho uma cabana lá, encravada no bosque.

- A casa do velho Stanton? - perguntou Ty, puxando as rédeas de sua montaria em direção norte.

- É.

- Pensei que você ainda estava morando com seus velhos - observou preguiçosamente.

- Estava lá até o último outono. Morei com os Goodman no inverno porque é muito duro ir de um lado para o outro da fazenda quando o tempo não está bom. O velho Abe Garven vivia na choupana do Stanton. Quando ele morreu em setembro decidi mudar para cá definitivamente, para que não precisasse mais percorrer este longo trajeto - ela explicou, com simplicidade.

- Agora você é completamente independente. - Queria dizer que ela sempre fora independente por natureza, e deixando sua casa tornava esta independência total.

- Agora meus velhos têm a casa só para eles; Ben e Mike foram trabalhar em outras partes da fazenda. Eles reclamavam que a casa era muito barulhenta. Agora eles dizem que ela está muito calma - fez ela, sorrindo levemente e oscilando com o movimento do cavalo. - Eu digo a eles que deveriam ficar contentes de terem se livrado de uma filha de vinte e quatro anos.

- Você vai virar uma solteirona, Jessy. - Havia um sorriso na voz dele.

- Lá está a cabana. - Apontou por sobre o ombro dele para um telhado entre as sombras dos choupos erguendo-se paralelo à margem do rio.

Ao chegar à pequena estrutura de troncos, puxou as rédeas do cavalo e Jessy deslizou da anca da montaria para o chão. Ty desenrolou as rédeas do cavalo de Jessy e desmontou.

- Se não estiver com pressa, posso fazer um café - ofereceu em retribuição ao favor que a poupara de andar mais um quilómetro.

Ty hesitou brevemente. Não tinha razão para voltar correndo à casa-grande.

- Parece uma boa ideia - aceitou. - Vou-lhe dar uma mão com o cavalo.

Em pouco tempo, o animal estava sem a sela e solto no curral. Jessy entrou na choupana antes de Ty, convidando-o a pegar uma cadeira. O lugar consistia de três compartimentos, simples e arrumados. As paredes eram caiadas e as cortinas de algodão brilhante nas janelas esvoaçavam com a brisa que soprava através das árvores. A casa irradiava conforto e aconchego.

Soltando as esporas, Ty sentou-se em uma das cadeiras de madeira de costas curvas, pegando uma outra com o pé para apoiar as botas. Recostou-se e pôs-se a ouvir os ruídos provenientes da cozinha... a água correndo na torneira, os passos de Jessy, as portas de armário abrindo e fechando.

Sentiu a tensão desaparecer lentamente. Uma sensação de calma e conforto o relaxava. Pegou um cigarro do maço no bolso da camisa e acendeuo, tragando profundamente e deixando a fumaça sair lentamente.

Dez minutos depois, Jessy apareceu na sala, carregando duas xícaras de café fresco, percebendo a posição relaxada e completamente à vontade de Ty.

- É bom colocar os pés para cima depois de um dia de trabalho, não é? - Pousou a xícara na mesa e puxou mais duas cadeiras, sentando-se em uma e apoiando os pés na outra, tal qual ele. - Principalmente quando você andou o tempo todo. - Tirou o chapéu, jogando-o sobre a mesa, soltando a massa de cabelos.

- É mesmo. - Um sorriso curvou-lhe as comissuras labiais. Beberam o café sem falar, sem necessidade de falar. Ele a observava quase sem se dar conta. Conhecia-a há tanto tempo, e no entanto nada sabia sobre ela. Os lábios de Jessy eram longos e carnudos. Ficou olhando-os sorver o café.

Jessy raramente falava de si mesma, nunca deixava escapar nada. Por isso era tão difícil conhecê-la, percebeu Ty. Ela parecia direta e obstinada, embora, quando a olhava em certas ocasiões, ela parecesse à espera, calmamente, com aqueles seus olhos sérios. Aquela calma fazia-o suspeitar de emoções profundas e fortes, as quais ela não podia ou não queria mostrar.

- Você sabe fazer um bom café, Jessy. - Ele colocou a xícara vazia sobre a mesa, apoiando relutante os pés no chão.

- Tem mais na cozinha.

- Não, obrigado. - Balançou a cabeça negativamente e levantou-se, dirigindo-se para a porta sem realmente querer ir embora, mas sem tampouco encontrar motivo para ficar mais. Assim foi saindo lentamente. Jessy seguiu-o, tão devagar quanto ele, as mãos enfiadas nos bolsos de trás das calças jeans de vaqueiro. - Você é uma garota legal, Jessy. - Olhou para ela, descobrindo algo de atraente e forte no rosto da garota. - Não consigo acreditar que ninguém a tenha pedido em casamento.

- Ah, recebi algumas propostas - ela admitiu com um olhar seco.

- Mas não de casamento.

- Imagino que você deu um soco na cara deles. - Sorriu um sorriso preguiçoso.

- Na verdade, mirei um pouco mais embaixo - replicou Jessy com um brilho malicioso em seus olhos.

A resposta fê-lo soltar uma sonora gargalhada, e Ty passou um braço em torno dos ombros dela enquanto saíam da choupana.

- Não existe mais ninguém igual a você nesse mundo, Jessy.

- Imagino que a próxima discussão será se isso é bom ou ruim - fez ela, olhando-o de soslaio.

Novamente sentiu aquela espera vinda dela. Algo dentro dele também o incitava. Tornou-se consciente do braço em torno dos ombros dela, e dos seios rijos sob a camisa xadrez. Ela o perturbava... aliás, sempre tivera esse poder.

- É melhor eu ir andando. - Retirou o braço e desceu os degraus.

- A gente se vê - fez ela.

 

 

                                                       CONTINUA

 

 

O campo de alimentação estava sendo construído no local da pastagem Norte. Silos para grãos haviam sido erigidos; grande parte do equipamento para transporte mecanizado de alimentação fora instalado. Cercas estavam sendo erguidas, dividindo os pastos em lotes. As máquinas escavadoras barulhentas e com diferentes velocidades enchiam a tarde com seus ruídos, forçando os homens a erguer a voz para se fazerem ouvir.

Caminhões de estacas atravancavam o caminho, repletos de postes para cercas, os quais eram rolados para fora do caminhão a intervalos regulares. Outros operários iam atrás do escavador de buracos para as estacas, retificando as estacas em seu local no chão e socando-as firmemente. Aos ruídos de martelos vibrando juntava-se a algazarra, na fixação das vigas de madeira.

 

 

 

 

De pé, ao lado dos veículos estacionados, Chase observava os trabalhos, as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta aberta e a cabeça jogada para trás em satisfação silenciosa. Ty encontrava-se entre todos aqueles operários, supervisionando o projeto por ele elaborado e organizado.

- O que acha? - Maggie estava a seu lado.

- Acho que não existe época específica para um garoto transformarse em homem. Alguns nunca se tornarão um homem. - Chase fez uma pausa. - Sabe, para um pai é difícil saber quando chegou a hora de seu filho. Você se envolve tanto na tentativa de ajeitar tudo para ele, pensando que a responsabilidade é toda sua, pois ele não tem condições de enfrentar o mundo, que você acaba não enxergando quando ele é capaz. - Esboçou um sorriso levemente triste, detendo-se por um instante. - Ty não é mais um garoto, Maggie. E isso não tem nada a ver com a idade ou o tamanho.

- Não - ela concordou, sentindo um aperto por dentro diante das palavras dele, quando pensara que ele ia comentar os progressos de trabalho nesta nova operação. Mas Ty fora o trabalho de Chase.. seu projeto... ensinando-o, treinando-o, tentando incutir-lhe todos os valores que considerava importantes.

Chase colocou o braço em torno dos ombros dela, trazendo-a mais para perto, a voz ficando apertada.

- Sempre pensei que ele tinha de fazer as coisas à minha maneira, mas...

 

 

                                                                                                    

 

                                       

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