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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O DESCONHECIDO E OS PROBLEMAS PSÍQUICOS / C.F.
O DESCONHECIDO E OS PROBLEMAS PSÍQUICOS / C.F.

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

VOLUME 2°

 

 

 

VI

 

AÇÃO PSIQUICA DE UM ESPIRITO SOBRE OUTRO

 

Transmissão de pensamentos. - Sugestão mental. - Comunicação à distância entre pessoas vivas.

 

VII

 

O MUNDO DOS SONHOS

 

Diversidade indefinida dos sonhos. - Fisiologia cerebral. - Sonhos psíquicos: manifestações de moribundos recebidos durante o sono. - A telepatia nos sonhos.

 

 

VIII

 

A VISÃO A DISTANCIA, SONHO, DE FATOS ATUAIS

 

 

IX

 

OS SONHOS PREMONITÓRIOS E A ADIVINHAÇAO DO FUTURO

 

 

CONCLUSÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

VI

 

AÇÃO PSIQUICA DE UM ESPIRITO SOBRE OUTRO

 

Transmissão de pensamentos. - Sugestão mental. - Comunicação à distância entre pessoas vivas.

 

Aquele que, fora das matemáticas puras, pronuncia a palavra impossível, falta à prudência.

ARAGO.

 

 

 

Tomamos o cuidado de começar estes estudos somente pelo exame de fatos de uma mesma ordem: as manifestações dos moribundos, à distância, a fim de lhes encontrar mais facilmente a explicação. Chegaremos em breve às manifestações de mortos, reais ou aparentes, e aos outros fenômenos, avançando gradualmente, lentamente, mas com segurança. O objetivo destas pesquisas é saber se a observação científica possui bases suficientes para provar a existência da alma, como entidade real independente e sua sobrevivência à destruição do organismo corporal. Os fatos examinados nos capítulos precedentes já colocaram a primeira proposição sobre um bom terreno. Tendo sido, pelo cálculo das probabilidades, eliminada, em abono da telepatia, a hipótese do acaso e da coincidência fortuita, somos forçados a admitir a existência de uma força psíquica (57) desconhecida, emanada do ser humano e podendo agir a grandes distâncias.

Parece difícil, à vista do acervo tão eloqüente e tão demonstrativo desses testemunhos, recusarmo-nos a esta primeira conclusão.

Não foi o espírito dos observadores, isto é, dos que experimentaram essas impressões, que se transportou até o moribundo. Este é que os foi impressionar. A maior parte dos exemplos citados mostra que aí é que reside a causa do fenômeno, e não em uma clarividência, uma segunda vista das pessoas impressionadas.

Do mesmo modo, não é necessário supor que a alma do moribundo se desloca e se transporta para junto da pessoa impressionada. Pode não haver no fato mais do que uma irradiação, uma modalidade de energia ainda desconhecida, uma vibração do éter, uma ondulação que, repercutindo sobre determinado cérebro, dá-lhe a ilusão de uma realidade externa. Todos os objetos que vemos, aliás, não nos são sensíveis, não atingem o nosso espírito senão por efeito de imagens cerebrais .

Esta hipótese explicativa parece-me necessária e suficiente, pelo menos no que concerne ao maior número dos fatos que vêm de ser expostos.

Esses fatos que, em realidade, representam uma ordem de coisas muito mais divulgada do que se tem imaginado até hoje, nada têm de sobrenatural. O papel da Ciência é: 1.° não rejeitá-los cegamente e 2.° procurar explicá-los. Ora, de todas as explicações que podem ser imaginadas, a mais simples e, ao mesmo tempo, a que parece impor-se com mais força, consiste em admitir-se que o espírito do moribundo agiu à distância sobre o daquela ou daquelas pessoas que foram impressionadas. As aparições, as audições, os espectros, os fantasmas, os deslocamentos de objetos, os ruídos, tudo parece fictício; nada, por exemplo, poderia ser fotografado. A parte certos casos de que voltaremos a tratar, é no cérebro das pessoas impressionadas que tudo se passa. Nem por isso, entretanto, o fato é menos real.

Firmaremos, pois, como conclusão das observações precedentes, que um espírito pode agir a distância sobre um, outro, sem ser, como habitualmente acontece, por intermédio da palavra ou de outro qualquer meio sensível. Parece-nos de todo impossível rejeitar-se esta conclusão, desde que os fatos sejam aceitos.

Esta conclusão vai ser superabundantemente demonstrada .

Nada há de anticientífico nem de romanesco em admitir-se que possa uma idéia agir a distância sobre um cérebro.

Fazei vibrar uma corda de violão ou de piano: a certa distância, uma outra corda de violão, de piano, vibrará e emitirá um som. A ondulação do ar é transmitida com a primeira.

Ponha-se em movimento uma agulha imantada. A uma certa distância, e sem contacto, por simples indução, uma outra agulha imantada oscilará sincronicamente com a primeira.

Fale-se, em Paris, sobre uma placa de telefone: a comunicação elétrica irá fazer vibrar a outra placa sonora em Marselha. O fio material não é indispensável. Não é uma substância que se transporta; é uma onda que se propaga.

Lá está uma estrela, a milhares de milhões de quilômetros, na imensidade dos céus, a uma distância da qual a Terra não é mais do que um ponto absolutamente invisível. Exponho a essa estrela, no foco de uma lente, uma placa fotográfica: o raio de luz vai trabalhar sobre essa placa, impressioná-la, desagregar a camada sensível e imprimir sua imagem. Este fato não é, em si mesmo, muito mais admirável do que a onda cerebral que vai a alguns metros, alguns quilômetros, alguns milhares de quilômetros repercutir noutro cérebro em relação harmônica com aquele de que partiu essa onda?

A 149 milhões de quilômetros de distância, através do que se chama o vácuo, uma comoção solar produz sobre a Terra uma aurora boreal e uma perturbação magnética .

Todo ser vivo é um centro dinâmico. O próprio pensamento é um ato dinâmico. Não há pensamento algum sem vibração correlata do cérebro. Que há de extraordinário em que esse movimento se transmita a uma certa distância, como no caso do telefone, ou melhor ainda, do fotofone (transporte da palavra pela luz) e da telegrafia sem fio?

No estado atual de nossos conhecimentos físicos, tal hipótese nem mesmo é, verdadeiramente, uma ousadia. Ela não sai do quadro de nossas operações habituais.

Todas as nossas sensações, de prazer, de dor, do que quer que sejam, todas, sem exceção, se verificam em nosso cérebro . Entretanto, localizamo-las sempre em outra parte qualquer, jamais no cérebro.

Queime alguém o pé, sofra um ferimento no dedo, magoe o cotovelo, respire um perfume agradável, prove um saboroso manjar, beba um licor delicado: todas as sensações resultantes serão instintivamente localizadas no pé, no dedo, no cotovelo, no nariz, na boca, etc. Na realidade, entretanto, serão os nervos que as transmitirão, todas, sem exceção, ao cérebro - e só no cérebro é que serão percebidas . Poderíamos queimar os nossos pés até os ossos, sem experimentarmos sensação alguma, se os nervos que vão do pé ao cérebro estivessem seccionados em um ponto qualquer do seu percurso. O nervo é um simples condutor.

O fato está demonstrado pela Anatomia e pela Fisiologia. O que há talvez de mais curioso, ainda, é que não é necessário que um membro exista para que o sintamos. Os indivíduos que sofrem qualquer amputação, experimentam as mesmas sensações como se tivesse ainda o membro de que foram privados. Costuma-se dizer que a ilusão dura algum tempo, até que, cicatrizada a ferida, cesse o doente de receber os cuidados do profissional. Mas a verdade é que essas ilusões persistem sempre e conservam a mesma intensidade durante a vida toda. Resta uma sensação de formigamento e de dor, que tem, na aparência, sua sede nos órgãos exteriores, não obstante estes não existirem mais. Essas sensações não são vagas, porquanto o amputado sente dores ou formigamentos em tal ou tal artelho, na planta ou sobre o dorso do pé, na pele, etc .

Certo homem que sofrera a amputação da coxa, experimentava ainda, ao fim de doze anos, as mesmas sensações como se possuísse os dedos e a planta do pé. Um outro tinha amputado há treze anos o braço; contudo, as sensações nos dedos jamais havia para ele cessado: supunha sempre sentir encurvada a sua mão. Outro ainda que teve o braço direito estraçalhado, por uma bala de canhão, e em seguida amputado, ainda experimentava, vinte anos depois, dores reumáticas nesse membro, todas as vezes que havia mudança de tempo. O braço que ele perdera parecia-lhe sensível à menor corrente de ar!

Quando, em uma operação de rinoplastia, se volta um pedaço da pele da fronte, talhado próximo à raiz do nariz, para enxertá-lo no coto do mesmo órgão, o nariz artificial conserva, enquanto esse retalho de pele não está separado da fronte, as mesmas sensações que se experimentam quando a pele da fronte é excitada por um estimulante qualquer, isto é, o indivíduo sente na fronte os apalpamentos exercidos sobre o seu nariz.

A conseqüência é que, quando uma sensação tiver como condição ordinária à presença de um objeto mais ou menos afastado de nosso corpo, e a experiência nos der a conhecer essa distância, é a essa distância que situaremos a nossa sensação. Tal é, efetivamente, o caso para as sensações do ouvido e da vista.

O nervo acústico tem sua terminação exterior na câmara profunda do ouvido. O nervo óptico tem a sua no alvèolozinho mais interno do olho. No estado atual, entretanto, não é jamais nesses pontos que localizamos as nossas sensações de som ou de cor, mas fora de nós e freqüentemente a uma distância muito grande. Os sons vibrantes de um grande sino parecem-nos vibrar muito longe e muito alto no ar; um apito de locomotiva parece-nos cortar o ar a cinquenta passos, à esquerda.

A localização, mesmo longínqua, é ainda muito mais nítida para as sensações visuais. Vai isso a tal ponto, que as nossas sensações de cor nos parecem destacadas de nós; não mais percebemos que elas nos pertencem; cuidamos que fazem parte dos objetos. Acreditamos que a cor verde, que nos parece aplicada, a três pés de nós, sobre esta poltrona, é uma das suas propriedades; esquecemos que ela não existe senão em nossa retina, ou antes nos centros sensitivos aos quais se transmite a vibração de nossa retina. Se aí formos procurá-la, não a encontraremos; em vão procuram os fisiologistas provar que o abalo nervoso, que provoca a sensação de cor, tem início na retina, como o que provoca a sensação de contacto começa nas extremidades nervosas da mão ou do pé; em vão nos mostram que o éter, vibrando, fere a extremidade de nosso nervo óptico, como um diapasão que vibra abala a superfície de nossa mão: não temos a menor consciência deste contacto em nossa retina, mesmo quando dirigimos nesse sentido todo esforço de nossa atenção. Todas as nossas sensações de cor, são assim projetadas fora de nosso corpo e revestem os objetos mais ou menos distantes, móveis, paredes, casas, árvores, céu e tudo o mais . Eis porque, quando em seguida refletimos sobre elas, cessamos de no-las atribuir; são afastadas, destacadas de nós, até nos parecerem estranhas.

A cor, de modo algum, está no objeto nem nos raios luminosos que ele irradia; está na excitação da retina.

Pouco importa que a excitação seja produzida por um jacto de raios luminosos ou por outra causa qualquer. Pouco importa que seja ou não espontânea. Qualquer que seja a causa, logo que ela se manifesta, produz-se a cor e, ao mesmo tempo, o que chamamos a imagem visível. Em todos os casos, a cor e a imagem visível não passam de manifestações interiores, na aparência exteriores. Toda a óptica fisiológica repousa sobre este princípio . Resulta, portanto, de nossa organização, que a visão, a audição, qualquer observação que fazemos de um objeto ou de um ser, é devida a uma impressão cerebral e que, por conseguinte, para que acreditemos ver, ouvir, tocar um ser, é preciso e suficiente que nosso cérebro seja impressionado por um movimento vibratório que lhe dê uma sensação adequada ao resultado obtido (58).

O cérebro, ao qual chegam todas as sensações, possui várias centenas, vários milhares de nervos aferentes, de nervos eferentes, de células e de nervos intercelulares, nos quais a corrente nervosa se propaga por várias centenas e vários milhares de caminhos distintos e independentes. Essas comunicações tão complicadas são estabelecidas por milhares e por miríades de células e de nervos. E o que se constata pelo microscópio, pelas vivisseções e pelas observações patológicas. O eixo da medula espinhal, longo cordão de substância cinzenta, contém essencialmente sessenta e dois grupos principais de centros nervosos, distribuídos em trinta e um pares, que podem mesmo agir, sem a cabeça, por meio de ações reflexas. Em um homem decapitado, cuja medula espinhal fora reanimada por meio da eletricidade, o Doutor Robin, tendo arranhado com um escalpelo a parede direita do peito, viu o braço do mesmo lado levantar-se e dirigir a mão para o lugar irritado, como para executar um movimento de defesa. O Doutor Kuss, tendo amputado a cabeça de um coelho com tesouras mal afiadas que cortaram esmagando as partes moles de modo a prevenir a hemorragia, viu o animal arremessar-se sem sua cabeça e percorrer toda a sala com um movimento de locomoção perfeitamente regular (59) .

Os mecanismos vitais são ligados entre si e subordinados uns aos outros; seu conjunto não representa uma república de iguais, mas uma hierarquia de funcionários, e o sistema dos centros nervosos na medula e no encéfalo, parece-se com o sistema dos poderes administrativos em um Estado. Pode-se compará-lo à rede telegráfica que põe em comunicação todos os departamentos com Paris, todos os prefeitos com os ministros, transmite as notícias, recebe as ordens. Uma onda de renovação molecular propaga-se ao longo de um filete nervoso com rapidez avaliada em 34 metros por segundo para os nervos sensitivos, em 27 metros, para os nervos motores. Chegada à célula cerebral, essa onda aí provoca uma mudança molecular ainda maior; em nenhuma outra parte se produz tão grande desprendimento de força. Podemos comparar, com Taine, a célula a pequeno armazém de pólvora que, a cada excitação do nervo aferente, incendeia-se, faz explosão e transmite, multiplicada, ao nervo eferente, a impulsão que recebeu do nervo aferente.

Tal é o abalo nervoso sob o ponto de vista mecânico. Do ponto de vista físico, trata-se de uma combustão da substância nervosa que, incendiando-se, desprende calor. Do ponto de vista químico, de uma decomposição da substância nervosa que perde seus lipóides fosforados e sua neurina. Do ponto de vista fisiológico, do jogo de um órgão que, como todos os órgãos, se alteram pelo seu próprio funcionamento e, para, funcionar de novo, tem necessidade de uma reparação sanguínea. Mas, de quaisquer desses pontos de vista, não se nos deparam no fato mais do que caracteres abstratos e efeitos de conjunto; não o surpreendemos absolutamente em si mesmo e em seus detalhes, tal qual o veríamos se, mediante olhos ou microscópios mais penetrantes, pudéssemos segui-lo, do começo ao fim, através de todos os seus elementos e de um extremo a outro de seu desenvolvimento. Sob este ponto de vista histórico e gráfico, o abalo da célula é certamente um movimento interior de suas moléculas, movimento que pode ser comparado muito exatamente a uma figura de dança., na qual as moléculas muito diversas e muito numerosas, depois de terem descrito, cada qual com determinada rapidez, uma linha de certo comprimento e de certa forma, voltam ao seu primitivo lugar, salvo alguns dançarinos fatigados que desfalecem, tornam-se incapazes de recomeçar cedem seus lugares a outros recrutas bem dispostos, para que a figura de novo possa ser executada.

Eis aí, tanto quanto se pode conjeturar, o ato fisiológico cuja sensação é o correspondente mental (60).

Todos os fatos relativos à produção e à associação das idéias, podem ser explicados pelas vibrações do cérebro e pelas do sistema nervoso que aí têm sua origem, como o demonstrou David Hartley no décimo oitavo século (61). A acústica nos esclareceu, depois, a este respeito.

Uma experiência bem conhecida, de Sauveur, mostra que uma corda sonora não vibra unicamente em todo seu comprimento, mas que cada uma de suas metades, cada um dos seus terços, cada uma de suas quartas, quintas, sextas partes, etc., vibra separadamente (62). Um fenômeno de ordem análoga pode ser produzido nas vibrações das fibras encefálicas e estas então estariam em relação análoga à dos sons harmônicos. Uma vibração, determinada por uma idéia (63), seria acompanhada das vibrações correspondentes às idéias conexas; e a conexidade resultaria, quer da vizinhança das fibras que elas afetam, quer de correntes do mesmo gênero da indução eletrodinâmica.

Qualquer que seja o seu modo de produção e de distribuição, todo pensamento e toda associação de idéias representa um movimento cerebral, uma vibração de ordem física.

As vibrações, a ação psíquica à distância, qualquer que ela seja, aliás, explicam portanto os fatos de telepatia. Não se trata, no caso, de alucinação, mas de impressão física real.

Lançai no ambiente de um salão determinada nota, seja por meio da voz, seja por meio do violino, ou por outro meio qualquer; um si-bemol, por exemplo. A corda de um piano próximo, correspondente a este si-bemol, vibrará e ressoará, ao passo que as 84 outras cordas ficarão surdas e mudas. Se pudessem as cordas do piano pensar, essas 84 que permaneceram surdas, notando a agitação da corda si-bemol, tomá-la-iam evidentemente por uma alucinada, uma nervosa, uma imaginativa, porquanto elas ficaram insensíveis ao movimento transmitido e o ignoram .

Cada sensação, como cada idéia, corresponde a uma vibração no cérebro, a um movimento das moléculas cerebrais . Reciprocamente, toda vibração cerebral dá origem a uma sensação, a uma idéia, no estado de vigília tanto quanto em sonho, E natural admitir-se que uma vibração transmitida e recebida, dá lugar a uma sensação psíquica.

Uma idéia, por muito íntima que seja, uma impressão, uma comoção mental, pode, inversamente, produzir efeitos fisiológicos mais ou menos intensos e mesmo produzir a morte. Não faltam exemplos de pessoas mortas subitamente em seguida a uma emoção. Há muito que está feita a prova dos efeitos do poder da imaginação sobre a própria vida.

Ninguém esquecerá a experiência realizada em Copenhague, em 1750, sobre certo condenado, entregue aos médicos para um estudo deste gênero e que foi observado até a morte inclusivamente. Este infeliz fora solidamente ligado a uma tábua por meio de fortes correias; vendaram-se-lhe os olhos; depois lhe anunciaram que ia ser sangrado no pescoço, e que se deixaria correr o sangue até o completo esgotamento: uma insignificante picada foi em seguida praticada em sua epiderme com a ponta de uma agulha, sendo colocado perto de sua cabeça um sifão, de modo a fazer correr sobre o pescoço um filete d'água que caía sem interrupção, com um leve ruído, em uma bacia colocada no chão. O supliciado, convencido de que deveria ter perdido pelo menos de sete a oito litros de sangue, morreu de pavor.

Um outro exemplo é aquele do porteiro de um colégio, que atraíra sobre si o ódio dos alunos submetidos à sua vigilância. Alguns desses jovens se apoderaram dele, fecharam-no em um quarto escuro e em sua presença procederam a um simulacro de inquérito e de julgamento. Recapitularam todos os seus crimes e concluíram que, somente podendo ser expiados pela morte, seria esta a pena aplicada mediante decapitação. Em conseqüência, foram buscar um machado e um cepo que colocaram no meio da sala, anunciando ao condenado que ele dispunha de três minutos para se arrepender de suas faltas e fazer as pazes com o Céu; decorridos, afinal, os três minutos, vendaram-lhe os olhos e forçaram-no a ajoelhar-se, com o colo descoberto, diante do cepo, depois do que os malvados lhe aplicaram sobre a nuca uma forte pancada com um guardanapo molhado, dizendo-lhe, a rir, que se levantasse. Com inaudita surpresa deles, o homem não se mexeu. Sacudiram-no, tomaram-lhe os pulsos: estava morto (64) .

Para concluir: mais recentemente um jornal inglês, A Lanceta, contou que uma moça, querendo acabar com a vida, ingerira certa quantidade de pó inseticida, depois do que se estendeu em seu leito onde foi encontrada morta fez lhe o inquérito e autópsia.. A análise do pó encontrado no estômago demonstrou que era o mesmo absolutamente inofensivo, pelo menos para um ser humano; todavia, a moça estava perfeitamente morta.

Meu sábio amigo, Charles Richet, refere (Revista dos Dois Mundos, L.XXVI, 1886, pág. 79) que seu pai, tendo certo dia de submeter um doente, no Hospital Geral, à operação de cálculos, morreu o mesmo de medo, no instante em que o cirurgião acabava simplesmente de traçar com a unha sobre a pele a linha que a incisão devia seguir.

Todos estes fatos psíquicos e fisiológicos nos ajudam a compreender a telepatia. Certamente, esta tentativa de explicação de fenômenos estranhos, não se processa sem levantar objeções numerosas. A primeira consiste em dizer que essas manifestações de moribundos, não somente são raras, excepcionais mesmo, mas ainda não se verificam em circunstâncias nas quais parece que deviam justamente produzir-se, como, por exemplo, por ocasião de uma morte trágica que separa bruscamente dois corações ternamente unidos, ao verificar-se um desses dramas que de súbito cortam o fio de várias existências, ou mesmo quando o ser que morre prometeu formalmente, esperou, desejou, ele próprio manifestar-se e dar àquele que fica. uma prova de sua existência póstuma. Podemos, sem dúvida, responder que ignoramos de que modo essas manifestações se podem produzir, que há leis desconhecidas, dificuldades, impossibilidades; que é necessário estarem dois cérebros em harmonia, em sincronismo, para que vibrem sob a mesma influência; que a união intima de dois corações não prova a igualdade sincrônica de dois cérebros, etc., etc. Mas, visto que tais coisas têm por vezes lugar e em circunstâncias bastante vulgares, não deixa a objeção de subsistir com maior razão - e muito grave.

Sim: muito grave. Por minha parte, diversas vezes me tenho encontrado, no curso desta vida, com a alma amargurada pela separação brusca de um ente amado. Em minha adolescência, um amigo íntimo, um colega de classe, morreu prometendo-me provar sua sobrevivência, se fosse isso possível. Tínhamos tão freqüentemente discutidos juntos a questão! Mais tarde, um dos meus mais queridos companheiros da imprensa científica propôs-me o mesmo pacto, mutuamente aceito. Ainda mais tarde, uma pessoa a quem me achava intimamente ligado, desapareceu do cenário terreno no próprio instante em que esse problema da sobrevivência nos apaixonava a ambos, e dando-me a maior segurança de que o seu único e exclusivo desejo era ver sua morte prematura servir à demonstração desta verdade. E jamais, jamais, mal grado às minhas esperanças, mal grado aos meus desejos, às minhas súplicas, obtive qualquer manifestação que fosse. Nada! Nada! Nada!

Perdi há alguns anos meu pai. E' verdade que eu permanecia a seu lado e não necessitava ser advertido com relação à sua morte. Mas, tão-pouco depois, nada obtive .

Eu tinha por meu avô e por minha avó uma adoração sem limites; também eles me adoravam loucamente, e eu os amava tanto que sempre me foi impossível, absolutamente impossível, ir ao túmulo onde repousam: muito antes de chegar a esse pequeno jazigo rústico, os soluços me sufocam, cegando-me e amortecendo-me as pernas.

Jamais tive qualquer manifestação deles; de modo algum, nem no instante da morte, nem depois que deste mundo partiram .

Sem duvida , o meu cérebro não é apto a perceber essa espécie de ondas etéreas, quer promanem de vivos, quer de mortos . Nada, sensação alguma me veio avisar dessas mortes e, depois, nenhuma comunicação me chegou deles .

Mas o papel do pesquisador, como o do historiador, é o de permanecer impessoal, e as nossas próprias impressões não devem influenciar-nos .     Todavia, deve-se colocar sempre a verdade, a lealdade, a franqueza acirra de tudo.

Consiste uma outra objeção na extravagância de certas manifestações, como já tivemos ocasião de assinalar. Se há ação à distância de um espírito sobre outro, porque esta ação dá nascimento a ilusões como estas: abrir ou fechar uma janela, levantar um leito, bater em um móvel, rolar uma bola sobre o assoalho, fazer ouvir o ranger de gonzos, etc.? Parece que tal ação devia ser intelectual, dar a audição de uma voz amada, mostrar a imagem do ser que nos deixa, permanecendo, assim, na ordem psíquica e moral.

Esta objeção é menos grave do que a precedente. Grandes números de manifestações consistem por um lado, em visões ou audições. Podemos supor, em outros casos, que a comoção produzida no cérebro do moribundo se transmite a certas células, a certas fibras de um outro cérebro e determina, nesta zona cerebral, uma ilusão, uma impressão qualquer. Uma ondulação luminosa, calorífica, elétrica, magnética, que vem ferir, atravessai um objeto, como, por exemplo, uma esponja, encontra resistências diferentes, segundo a natureza da esponja, suas diferenças de densidade, as substâncias minerais que a pode ter em suspensão, etc . , e cada uma de suas partes é diferentemente impressionada.

Os caprichos aparentes do raio oferecem-nos singularidades não menos estranhas . Aqui, o raio queima uma pessoa, que flameja como um feixe de palha; ali, reduz as mãos a cinzas, deixando as luvas intactas ; solda os anéis de uma corrente de ferro como ao fogo de uma. forja e, ao lado, mata um caçador sem quebrar o fuzil que ele tinha à mão; funde um brinco de orelha sem queimar a pele; despe completamente uma pessoa, sem lhe fazer mal algum, ou então se contenta em furtar-lhe o sapato ou o chapéu; fotografa, sobre o peito de um menino, o ninho que ele agarrava no cimo de uma árvore fulminada; doura as moedas de uma porta-moeda, praticando a galvanoplastia, de um compartimento a outro, sem que o portador seja atingido; arrasa instantaneamente uma muralha de seis pés de espessura e abate um castelo secular, ou abate-se sobre um paiol de pólvora sem fazê-lo explodir. Há muito mais esquisitices inexplicáveis nos efeitos e nos movimentos do raio do que nas manifestações telepáticas (65) .

E nosso dever, na pesquisa da verdade, não dissimularmos objeção alguma. As que acabam de apresentar não impedem que os fatos existam, e a única explicação desses fatos parece-me ser a ação, à distância, de um espírito sobre outro .

Vamos agora um pouco mais longe. Existem, fora da ordem de coisas que acabamos de examinar, exemplos que levem a admitir a probabilidade, a realidade desta ação? Possuímos provas experimentais, incontestáveis, da transmissão do pensamento sem o concurso dos sentidos?

Sim. Vamos passá-las em revista, constatá-las, demonstrá-las, porquanto, em questões desta natureza, para estar seguro, é preciso estar de vês seguro.

E, primeiro que tudo, no que diz respeito aos fenômenos do magnetismo humano.

Não falarei de grande número de experiências de sugestões hipnóticas às quais tenho assistido, notadamente as do Doutor Puel, as do Doutor Charcot, as do Doutor Berety, as do Doutor Luys, as do Doutor Dumontpallier, etc., não que eu duvide da realidade da sugestão e da auto-sugestão, mas porque são elas de tal modo conhecidas que é supérfluo relatá-las aqui.

Há também, nesta ordem de estudos, experiências muito incertas e mesmo fraudulentas, provando-me isso os próprios pacientes por suas acusações recíprocas e por suas confissões. E muito freqüente a simulação neste gênero de experiências. Apenas citarei um exemplo.

O Doutor Luys tinha o hábito de apresentar ao paciente, pseudo-adormecido, frascos que ele colocava sobre sua nuca e que continham diferentes produtos: água pura, conhaque, absinto, óleo de rícino, essência de timo, água de louro cereja, amoníaco, éter, essência de violeta, etc. O paciente adivinhava sempre do que se tratava e, freqüentemente, manifestava os sintomas dessas drogas. Desgraçadamente para o valer da experiência, sempre o doutor apresentava os frascos na mesma ordem, pelo menos nas sessões a que assisti. Pedi-lhe, certo dia, que invertesse a ordem de colocação dos frascos, sem nada dizer a respeito . Ele não aceitou e respondeu-me que não devíamos pôr em dúvida a boa fé dos pacientes.

Esse paciente era uma moça histérica, atriz em um dos teatros de Paris. Regressei com ela de Irry e não tardei a ficar completamente elucidado a respeito da sua sinceridade, assim como da de suas companheiras de experimentação.

Para estarmos seguros destas experiências, necessárias é que estejam elas ao abrigo de toda desconfiança: que o cheiro não possa atravessara rolha dos frascos, sobretudo quando se trate de olfatos hiperstesiados; que o paciente nada possa desconfiar; que o próprio experimentador não possa sugestioná-lo, e que ele mesmo ignore o conteúdo dos frascos (66).

E indispensável que não percamos o nosso tempo no exame de casos duvidosos, pois que nada é mais absurdo do que perder tempo .

A vida é curta. Devemos somente escolher, admitir, examinar observações bem feitas. E, depois, não sair do nosso objetivo: demonstrar as ações psíquicas mentais de um espírito sobre outro.

Fornecer-nos-á o sonambulismo as primeiras. Eis aqui, de início, um processo verbal relatando três casos de sugestão mental, obtidos pelos Srs. Guaita e Liébault, no domicílio deste último, em Nancy, a 9 de Janeiro de 1886 (67):

Nós, abaixo assinados, Liébault (Ambrosio), doutor em Medicina e de Guaita (Estanislau), homem de letras, ambos residentes atualmente em Nancy, atestamos e certificamos haver obtido os seguintes resultados:

1.° - A Srta. Luísa L., submetida ao sono magnético, foi informada de que deveria responder a uma questão que lhe seria feita mentalmente, sem a intervenção de qualquer palavra ou de qualquer gesto. Com a mão apoiada sobre a fronte do sensitivo, o Doutor Liébault recolheu-se um instante, concentrando sua própria atenção sobre a pergunta: Quando estareis curadas? que ele tinha vontade de fazer. Os lábios da sonâmbula moveram-se imediatamente:

- Em breve - murmurou ela distintamente. Convidaram-na, então, a repetir, diante de todas aa pessoas presentes, a questão que havia instintivamente percebido. Ela a expressou nos termos em que fora formulado no espírito do experimentador.

2.° - O Senhor de Guaita, pondo-se em relação com a magnetizada, propôs-lhe mentalmente uma outra questão - Voltareis na próxima semana?

- Talvez - foi a resposta do sensitivo. Convidada a comunicar às pessoas presentes a questão mental, respondeu a magnetizada:

- Perguntastes se voltaríeis na próxima semana. Esta confusão estabelecida a respeito de uma palavra da frase, é muito significativa. Dir-se-ia que a moça, vacilou ao ler no cérebro do magnetizador.

3.° - O Doutor Liébault, para que nenhuma frase indicativa fosse pronunciada, mesmo em voz baixa, escreveu em um bilhete : A senhorita, ao despertar, verá seu chapéu preto transformado em chapéu vermelho.

O bilhete circulou, previamente, por todas as testemunhas; depois os Srs. Liébault e de Guaita colocaram em silêncio suas mãos sobre a fronte do sensitivo, formulando mentalmente a frase convencionada. Então, a moça, informada de que veria na sala qualquer coisa de insólito, foi despertada. Sem qualquer hesitação, fixou logo seu chapéu e, com grande gargalhada, reclamou. Aquele não era o seu chapéu; não o queria. Tinha perfeitamente a mesma forma; mas o gracejo devia terminar; urgia que lhe restituíssem o que lhe pertencia .

- Mas, afinal, que notastes de diferente?

- Vós o sabeis ; de resto, tendes olhos como eu.

- Mas então ? . . .

Foi preciso insistir por muito tempo, para que ela consentisse em dizer no que seu chapéu tinha mudado; estavam a caçoar com ela. Assediada de perguntas disse afinal:

- Bem vedes que está todo vermelho. Recusando-se ela a recebê-lo, forçosa se tornou pôr um fim à sua alucinação, afirmando-se-lhe que o chapéu ia voltar à cor primitiva. O Doutor Liébault assoprou no chapéu e este, voltando, aos olhos da moça, a ser o seu, consentiu ela em recebê-lo .

Tais os resultados que certificamos haver concordemente obtido. Em fé do que, redigimos o presente processo verbal.

Stanislan de Guaita.

  1. A. Liébault.

 

A sugestão mental tornou-se, de muitos anos a esta parte, objeto de estudos muito importantes, à frente dos quais convém colocar a obra, especialmente consagrada ao assunto, do Doutor Ochorowicz. Extrairemos dessa obra algumas experiências características:

O Senhor de la Souchère, antigo aluno da Escola Politécnica, sábio químico residente em Marselha, tinha como empregada uma mulher do campo, com a qual se produziam, com a maior facilidade, o sonambulismo e diversos dos seus fenômenos dignos de nota. Em estado de sonambulismo magnético, diz ele, Lazarine mantinha comigo perfeita comunhão de pensamento e se tornava a tal ponto insensível que eu lhe enterrava agulhas na carne, nas unhas, sem que ela experimentasse a menor dor e sem que saísse uma gota de sangue.

Em presença do engenheiro Gabriel e de alguns amigos, repeti as seguintes experiências: fazia-a beber água pura e ela dizia-me que a água tinha o gosto sugerido por mim: limonada, xarope, vinho, etc. Indicaram-me o gosto de areia para sugerir-lhe. Ela não pôde adivinhar. Então, derramei um pouco de areia em minha boca e imediatamente ela se pôs a cuspir, dizendo que eu lhe dava areia. Na ocasião, achava-me por trás de Lazarine e era-lhe impossível ver-me.

Experiência análoga, porém ainda mais avançada, é referida pelo Conde de Maricourt. Tendo o sensitivo bebido, em estado de vigília,, um copo de água, com sugestão mental de ser um copo de kirsch, manifestou todos os sintomas da embriaguez durante vários dias. Foram os fenômenos deste gênero que fizeram crer aos magnetizadores poderem eles, magnetizando um copo de água ou um outro objeto, impregnar seus fluidos de diferentes qualidades físicas ou químicas. A magnetização é neste caso inútil, pois que é o pensamento que age sobro o cérebro do paciente e não sobre o objeto.

Alguém me remete um livro: Robinson Crusoé . Abro-o e examino uma gravura que representa Robinson em uma canoa. Lazarine, interrogada a respeito do que estou fazendo, responde:

- Tendes um livro, não o ledes; observais uma gravura; há um barco c dentro dele um homem.

Recomendo-lhe que me descreva o mobiliário de um quarto que ela não conhecia, e foi indicando os móveis à medida que ia representando em pensamento hão tenho verificado em minha empregada à transposição dos sentidos. Aplicavam-se-lhe sobre o epigástrio diversos objetos: se eu os conhecia, ela os indicava; se eu ignorava o que eram, não podia ela designá-los. Não era, portanto, mais do que a transmissão do pensamento que se produzia nela. E' possível que, em certos casos, o que se tenha atribuído à transposição dos sentidos, nada mais seja que efeito da transmissão do pensamento.

O Doutor Texte constatou, diversas vezes, que a sonâmbula pode acompanhar o pensamento do magnetizador. A Srta. Diana, diz ele, seguia uma conversação, durante a qual eu falava apenas mensalmente. Respondia às perguntas que, desta maneira, eu lhe endereçava.

Cita ele ainda uma notável experiência na qual a sugestão mental se manifesta como uma alucinação:

Imaginei um dia, uma trincheira de madeira em redor de mim; sem nada dizer, deixei em estado de sonambulismo a Srta. H., jovem muito nervosa, e lhe pedi que me trouxesse os meus livros . Chegada ao lugar onde eu havia imaginariamente levantado a trincheira, ela se detém, dizendo que não podia mais avançar.

- Que extravagante idéia - diz - essa de levantar ali uma trincheira?

Tome-a alguém pela mão, a fim de fazê-la passar, e verificará que seus pés estão colados ao assoalho, somente o alto do corpo se inclina para frente, e ela diz que se comprime o seu estômago contra o obstáculo. Em geral, se o sonâmbulo acredita ver alguma coisa fora das condições ordinárias, compre indagar-se imediatamente se não se trata, no caso, de simples sugestão involuntária de nossa parte.

Um estudante de Medicina perguntou a uma de minhas sonâmbulas quais os doentes que o júri lhe daria a examinar para uma prova do doutorado. Descreveu ela nitidamente três doentes na. Casa de Misericórdia, que haviam atraído. mais especialmente a atenção do estudante e que este teria desejado fossem objeto de seu exame. Ela chegou a acrescentar (detalhe característico) a respeito de um desses pacientes:

- Oh! como essa mulher tem o olhar brilhante... e fixo!... Causa-me pavor... esse olhar!

- Ela vê com esse olho brilhante? - pergunta o estudante.

- Esperai... não sei... esse olho é duro.. não é natural.

- De que é feito esse olho?

- De qualquer coisa... que se quebra... e que brilha... Oh! ela tira-o... mergulha-o na água.... - etc., etc.

Essa enferma tinha um olho de vidro: o fato, absolutamente ignorado por mim, porquanto eu não conhecia os doentes em questão, mas conhecido do estudante que fazia perguntas à sonâmbula, foi perfeitamente descrito por esta. Aonde ia a sonâmbula encontrar essa imagem ? No psiquismo do interrogante que, por intermédio do meu psiquismo, nela se refletia.

E' justo acrescentar que as predições da sonâmbula não se realizaram; que no dia de sua prova o estudante teve de examinar outros doentes e que nem mesmo se falou nos doentes descritos pela sonâmbula.

Ordinariamente, diz o Doutor Charpignon, a visão a distância é confundida com o fenômeno da transmissão de pensamento. Assim, a maior parte das experiências citadas consiste em pedir ao sonâmbulo que se dirija à vossa casa ou a um lugar que conheceis. Estais em relação com ele, que freqüentemente vos descreve os lugares, os objetos com a máxima precisão. Pois bem, não se trata, no caso, a maior parte das vezes, de uma visão real ; o sonâmbulo vê em vosso pensamento as imagens que ai delineais (68) .

Um prestidigitador bastante conhecido, Roberto Houdin, interessava-se por estas questões. Imitava ele a dupla vista e a transmissão do pensamento com ajuda de um truque engenhoso. Incrédulo a respeito de sonambulismo, habituado a produzir prodígios, fazia muito pouco caso do maravilhoso, de cujo segredo se julgava possuidor; também ele considerava todos os altos feitos atribuídos à lucidez, como golpes de agilidade, da mesma natureza daqueles com que divertia o público. Em diversas cidades onde os sonâmbulos obtinham alguns êxitos, divertia-se ele em imitar seus exercícios e mesmo em excedê-los. O Senhor de Mirville, célebre demonólogo que, em seu sistema, tem necessidade de sonambulismo para fazer as honras aos espíritos infernais, teve a pretensão de converter um adversário tão temível; pensava ele, com razão, que, se conseguisse demonstrarei que a lucidez pertence a uma ordem de coisas inteiramente estranha aos seus estudos e à sua prática, o testemunho de um juiz tão experimentado seria de grande peso para a causa do sonambulismo . Levou-o a casa do sonâmbulo Alexis. Dá conta o Senhor de Mirville, em seu livro Dos Espíritos, da cena que se passou.

Morin autor de um livro de cunho espiritual, mas céptico, sobre o magnetismo, afirma que Roberto Houdin lhe confirmou a exatidão da narrativa do Senhor de Mirville.

- Eu estava confuso - disse o mágico - não havia ali nem destreza, nem escamoteação. Eu era testemunha do exercício de uma faculdade superior, inconcebível, de que não tinha a menor idéia, e à qual recusaria dar crédito se os fatos não se tivessem passado sob as minhas vistas . De tal forma estava emocionado que o suor inundava-me o rosto.

Cita o prestidigitador, entre outras, a seguinte experiência

- Tomando Aléxis as mãos de minha mulher, que me havia acompanhado, falou-lhe de acontecimentos passados e especialmente da perda bastante dolorosa de um de nossos filhos; todas as circunstâncias eram perfeitamente exatas.

No caso em apreço, lia o sonâmbulo, no pensamento da Senhora Houdin, suas recordações e seus sentimentos mais ou menos despertos em sua consciência.

Um outro fato mostra ao mesmo tempo a visão e a clarividência, igualmente pela transmissão das recordações.

Um médico incrédulo, o Doutor Chomel, querendo também se cientificar por si mesmo, apresentou uma caixinha a Aléxis. Este a palpou, sem abri-la, e disse:

- E uma medalha; ela vos foi dada em circunstâncias bem singulares. Éreis então um pobre estudante. Residíeis, em Lião, numas águas furtadas. Um operário, ao qual prestastes serviços, encontrou esta medalha nuns escombros, pensou que vos pudesse ser agradável possuí-la, e subiu ao vosso 6.° andar para vo-la oferecer.

Tudo isso era verdade. Certamente, aí estão dessas coisas que se não podem adivinhar nem encontrar por acaso. O doutor partilhou da nossa admiração.

Há casos de vista a distância independente da transmissão do pensamento. Deles nos ocuparemos mais tarde. Importa estabelecer as necessárias distinções e afastar confusões muito freqüentes.

O que pretendemos aqui é demonstrar a realidade científica da transmissão do pensamento e da sugestão mental. Tão-pouco, não temos que falar das sugestões verbais, das ordens dadas por meio da voz e executadas em tal ou tal data, de antemão fixada. Não nos desviemos do nosso principal objetivo.

Prossigamos em nosso estudo.

No mês de Novembro de 1885, o Sr . Paul Janet, do Instituto, leu na Sociedade de Psicologia uma comunicação de seu sobrinho, o Senhor Pierre Janet, professor de Filosofia no Liceu do Havre: Sobre alguns fenômenos de Sonambulismo .

Esse título, prudentemente vago, ocultava revelações verdadeiramente extraordinárias. Tratava-se de uma série de ensaios realizados pelos Srs. Gibert e Janet, e que pareciam provar não somente a sugestão mental em geral, mas, ainda, a sugestão mental à distância de vários quilômetros e na ignorância do paciente.

Esse paciente, chamado Léonie B., era uma honesta mulher do campo, uma bretã, com a idade de cinquenta anos, bem disposta, honrada, muito tímida, inteligente ainda que sem instrução alguma (não sabendo mesmo ler e apenas podendo soletrar algumas letras) . Era de constituição forte e robusta; quando jovem fora histérica, tendo sido, porém, curada por um magnetizador desconhecido. Depois disso, é somente em estado sonambúlico que se manifestam alguns traços de histerismo, sob a influência de uma contrariedade. Seu marido e seus filhos gozam boa saúde. Parece que vários médicos já manifestaram o desejo de utilizá-la para as suas experiências; ela sempre recusou, porém, as suas propostas. Somente a pedido do Senhor Gibert consentiu em vir passar algum tempo no Havre.

Fazem-na adormecer mui facilmente: para isso basta que se lhe tome a mão, apertando-a ligeiramente, durante alguns instantes, com a intenção de adormecê-la. De outra forma, nada se produz. Após um lapso de tempo mais ou menos longo (de 2 a 5 minutos, segundo a pessoa que a hipnotiza), o olhar se torna vago, as pálpebras são agitadas por pequenos movimentos quase sempre muito rápidos, até que o globo ocular se esconde nas pálpebras cerradas. Ao mesmo tempo o peito se dilata com esforço; um estado de indisposição evidente parece invadi-la. Muito freqüentemente o corpo é agitado por estremecimentos passageiros ; ela dá um suspiro e cai para trás, mergulhada em profundo sono.

O Doutor Ochorowicz fez a viagem do Havre para observar esses fatos.

A 24 de Abril, diz ele, chego ao Havre e encontro os Srs. Gibert e Janet a tal ponto convencidos da realidade da ação à distância, que se prestam às minuciosas precauções que lhes imponho, para dispor-me a verificar o fenômeno.

Os Srs. F. Myers, o Doutor Myers, membro da Society for Psychical Researches, o Senhor Marillier, da Sociedade da Psicologia, e eu, formamos uma espécie de comissão, e os detalhes de todas as experiências são por nós determinados, de comum acordo.

Eis as precauções que adotamos nessas experiências:

1.° - A hora exata da ação a distância é tirada à sorte;

2.° - Essa hora não é comunicada ao Senhor Gibert senão alguns minutos antes de ela soar, e imediatamente os membros da comissão se transportam ao pavilhão onde se encontra o sujet (sensitivo) .

3.° - Nem o sujet, nem qualquer dos moradores do pavilhão situado a, um quilômetro de distância, têm conhecimento da hora exata, nem mesmo do gênero da experiência que se realizará.

Para evitar a sugestão involuntária, nem nós, nem qualquer desses senhores entramos no pavilhão senão para verificar o adormecimento do sujets.

Resolve-se fazer a experiência de Cagliostro: adormecer de longe o paciente e fazê-lo vir através da cidade. Eram oito horas e meia da noite. Estando o Senhor Gibert de acordo, tira-se a hora exata por meio da sorte. A ação mental devia começar às 9 horas menos. l5 minutos e durar até 9 e 10. Nesse momento, não havia ninguém no pavilhão, salvo a Sra. B. e a cozinheira, que não contavam com qualquer tentame de nossa parte. Ninguém foi ao pavilhão. Aproveitando essa oportunidade, de se acharem todos ausentes, as duas mulheres entraram no salão e divertiam-se tocando piano .

Já passava de 9 horas quando chegamos nas proximidades do pavilhão. Silêncio.

A rua está deserta. Sem fazer o menor ruído, separamo-nos em dois grupos para vigiar a casa, à distância. Às 9 horas e 25, vejo uma sombra aparecer na porta do jardim. Era ela. Escondo-me em um canto para ouvir sem ser notado.

Nada mais ouço, entretanto : a sonâmbula, depois de permanecer um instante na porta, retirou-se para o jardim. (Nesse momento o Senhor Gibert deixava de atuar; à força de concentrar seu pensamento, teve uma espécie de síncope ou de torpor, que durou até 9 h. 35).

As 9 h. e 30, a sonâmbula reaparece de novo no limiar da porta e, desta vez, precipita-se para a rua sem hesitar, com a pressa de uma pessoa que está retardada e que deve absolutamente atingir seu objetivo. Os senhores que se encontravam em seu caminho, não tiveram tempo de nos prevenir, a mim e ao Doutor Myers. Mas, tendo ouvido passos precipitados, pusemo-nos a seguir a sonâmbula que não via nada em torno de si, ou pelo menos não nos reconheceu.

Chegada à rua de Bard, começou a hesitar, deteve-se um momento e esteve a ponta de cair.

De repente, retomou a marcha com vivacidade. Eram 9 h. 35. (Nesse momento o Senhor Gibert, voltando a si, recomeçou a ação.) A sonâmbula caminhava depressa, sem se inquietar com o que se passava em torno.

Em dez minutos, estávamos perto da casa do Senhor Gibert, quando este, supondo malograda a experiência, e admirado de não nos ver de volta, sai ao nosso encontro e cruza com a sonâmbula, que conserva sempre os olhos fechados.

Ela o não reconhece . Absorta em sua monomania hipnótica, precipita-se para a escada, seguida por todos nós. O Senhor Gibert fez menção de entrar em seu gabinete, mas eu seguro-lhe a mão e o introduzo em um quarto oposto ao seu.

A sonâmbula, muito agitada, procura por toda parte, esbarra conosco, e nada sente; entra no gabinete, tateia os móveis, repetindo em tom desolado: Onde está ele? Onde está o Senhor Gibert?

Durante esse tempo, o magnetizador permanece sentado e curvado, sem fazer o menor movimento. Ela, entra no quarto, quase o toca ao passar, mas a sua excitação a impede de reconhecê-lo. Ainda uma vez se arremessa em outros quartos, percorrendo-os. Foi então que o Senhor Gibert teve a idéia de atraí-la mentalmente e, em conseqüência dessa vontade, ou por simples coincidência, ela torna atrás, agarra-o pelas mãos, gritando: Aqui estás! Aqui estás, enfim! Ah! como estou contente!

Enfim, declara o Doutor Ochorowicz, constatara eu o fenômeno extraordinário da ação à distância, que transtorna todas as opiniões atualmente admitidas .

Citemos também a experiência seguinte:

Convencionamos, escreve o Senhor Janet, a 10 de Outubro de 1885, fazer, o Senhor Gibert e eu, a seguinte sugestão: Fechar à chave, amanhã, ao meio dia as portas da casa. Registrei a sugestão em uma folha de papel que guardei comigo e que não quis comunicar a ninguém.

O Senhor Gibert fez a sugestão, aproximando sua fronte da de Mme . B . durante o sono letárgico, e durante alguns instantes concentrou seu pensamento na ordem que lhe dava mentalmente .

Na manhã seguinte, quando cheguei ao meio-dia menos um quarto, encontrei a casa trancada e a porta fechada à, chave. Informando-me, soube que fora a Sra. B. que acabava de fechá-la; quando lhe perguntei porque havia praticado esse ato singular, respondeu-me ela:

- Sentia-me muito fatigada e não queria que pudésseis entrar para adormecer-me.

A Sra. B. estava nesse momento muito agitada; continuou a vagar pelo jardim e eu a vi colher uma rosa e ir verificar a caixa de correspondência, colocada perto da porta de entrada. Tais atos não têm importância, mas é curioso assinalar que eram precisamente os atos que tínhamos um momento pensado, na véspera, em ordenar-lhe que praticasse. Estávamos decididos a ordenar-lhe um outro, o de fechar as portas, mas a idéia dos primeiros ocupava sem dúvida o espírito do Senhor Gibert durante o tempo em que ele fazia a sugestão, e a sonâmbula sentira também a sua influência.

A 13 de Outubro ordenou-lhe o Senhor Gibert, sempre pelo pensamento, que abrisse um guarda-chuva no dia seguinte ao meio-dia e fizesse duas vezes à volta do jardim. Mostrou-se ela muito agitada, no dia seguinte, ao meio-dia, deu duas vezes volta ao jardim, mas não abriu o guarda-chuva. Adormeci há pouco tempo depois, para acalmar uma agitação que se tornava cada vez maior. Suas primeiras palavras foram estas:

- Porque me fizestes caminhar tanto em volta do jardim?... eu tinha um ar estúpido... ainda se tivesse estado o tempo como ontem, por exemplo... mas hoje terei parecido imensamente ridícula.

Nesse dia o tempo estava magnífico, ao passo que na véspera chovera muito: ela não quisera abrir o guarda-chuva de medo de parecer ridículo.

Ainda outra experiência.

Refere o Doutor Dussart que ele dava cada dia à sua magnetizada, antes de a deixar, a ordem de dormir até o dia seguinte a determinada hora

Um dia, diz ele, esqueci esta precaução e já estava a 700 metros de distância, quando me apercebi disso. Não podendo volver para trás, considerei que a minha ordem talvez fosse ouvida mal grado à distância, pois que a 1 ou 2 metros uma ordem mental era executada. Em conseqüência, formulo a ordem de dormir até o dia seguinte às oito horas e prossigo meu caminho. No dia seguinte, chego às sete horas e meia, a doente dormia.

- Qual o motivo por que ainda dormis ?

- Mas, senhor, eu vos obedeço.

- Estais enganada, eu me retirei, sem vos dar ordem alguma.

- E verdade; porém, cinco minutos depois, ouvi perfeitamente dizerdes que eu dormisse até 8 horas.

Esta última hora ordinariamente era a que eu indicava. E possível que o hábito tenha sido a causa de uma ilusão e que não houve aí mais do que simples coincidência. Para ter o coração tranqüilo e não deixar margem à dúvida alguma, ordenei à doente que dormisse até receber ordem de despertar.

Durante o dia, tendo encontrado um intervalo disponível, resolvi completar a experiência. Parto de minha casa (7 quilômetros de distância) dando a ordem de despertar. Verifico que são 2 horas. Chego e encontro a doente acordada; os parentes, segundo recomendação minha, havia registrado a hora exata do despertai. Era rigorosamente aquela que eu havia determinado. Esta experiência, várias vezes repetida em horas diferentes, teve sempre o mesmo resultado .

Eis aqui o que parecerá mais extraordinário ainda:

A 1.° de Janeiro suspendi as minhas visitas e cessei toda a relação com a família. Não ouvira mais falar a seu respeito, quando, a 12, excursionando em uma direção oposta e achando-me a dez quilômetros da doente, comecei a refletir se me seria ainda possível, mal grado à distância, à cessação de todas as relações e à intervenção de uma terceira pessoa (o pai magnetizando agora em diante sua filha), fazer-me obedecer. Proíba à doente se deixar adormecer; depois, cerca de meia hora após, considerando que, se porventura fosse eu obedecido, poderia isso causar prejuízo a esta infeliz moça, suspende a proibição e deixo de pensar nisso . Fiquei imensamente surpreendido, quando, no dia seguinte, às seis horas da manhã, vejo chegar em minha casa um expresso trazendo uma carta do pai da Srta. J. Dizia-me este que na véspera, 12, às 10 horas da manhã, não tinha ele conseguido adormecer sua filha senão após uma luta prolongada e muito dolorosa. A doente, uma vez adormecida, declarara que, se havia resistido, fora devido à minha ordem e que só adormecera quando eu o tinha permitido. Essas declarações tinham sido feitas em presença de testemunhas que, a pedido do pai, assinaram as atas que as continham.

Torna-se, portanto, provável que, com um conhecimento exato das condições do fenômeno, poderá chegar-se a comunicar a distância pensamentos inteiros, como se faz hoje pelo telefone (69) .

Refere o Doutor Charles Richet que, estando a almoçar com seus colegas, na sala dos enfermeiros, seu confrade Landouzy, então, como ele, interno no Hospital Beaujou, achando-se presente, afirmou que podia adormecer uma doente à distância e fazê-la vir à sala de enfermeiros unicamente por um ato de sua vontade. Ninguém tendo vindo ao cabo de dez minutos, considerou-se fracassada a experiência. - Em realidade, escreve o experimentador, ela não havia fracassado, porquanto, algum tempo depois, vieram prevenir-me de que a doente passeava nos corredores adormecida, procurando falar-me e não me encontrando; e, com efeito, isso era verdade, sem que eu pudesse obter de sua parte outra resposta para explicar o seu sono e esse passeio desorientado, senão que ela desejava falar-me.

Todas essas experiências demonstram a ação psíquica à distância. Tais fatos tão curiosos da ação da vontade nas experiências de magnetismo foram observados centenas, milhares de vezes .

Eis aqui, por exemplo, um caso de sono sonambúlico Provocado Pelo Senhor E. Boirac, reitor da Academia de Grenoble.

Em Setembro de 1892, escreve ele, estava eu instalado com todos os meus, para passar aa as férias, na pequena cidade de d'Amélie-les-Bains.

Falava-se muito das sessões dadas por um moço do lugar, conhecido pelo nome de Docliman. Tive curiosidade de assistir a essas sessões. Esse moço, contando cerca de 20 anos, moreno e magro, muito nervoso, fora magnetizado, três anos antes, por um medico da Marinha e sentira despertar-se-lhe a vocação de ledor de pensamentos. Todo mundo conhece esse gênero de espetáculo em que um dos assistentes consegue, com maior ou menor felicidade, transmitir sua vontade sem palavras, sem gestos e mesmo sem contacto, por simples esforço mental .

A perspicácia do jovem montanhês sempre me pareceu deficiente e ele próprio confessou-me que procurava por todos os meios adivinhai as intenções do seu condutor.

- Tereis necessidade - disse-lhe eu, rindo - de voa deixardes de novo hipnotizar para recuperar vossa antiga lucidez; se o consentirdes, estou inteiramente às vossas ordens para prestar-vos esse serviço.

Dockman pareceu surpreso e um pouco chocado com a minha proposta:

- Sou eu que faço dormir os outros - disse ele; - ninguém me pode mais adormecer.

Entretanto, alguns dias mais tarde, provavelmente para agradar ao prefeito da cidade, que parecia ter o desejo de assistir a uma sessão de hipnotismo, Dockman consentiu em se deixar hipnotizar. Assim pois, uma noite, pelas dez horas, perante um círculo de quatro ou cinco pessoas, tomei-lhe as mãos e dirigi o meu olhar com fixidez para os seus olhos: ao cabo de alguns minutos, é-lo adormecido, se entretanto se pode chamar sono ao estado comatoso cataléptico em que parecia mergulhado. Todo seu corpo se inteiriçou: seus maxilares cerraram-se rigidamente e com grande custo obtive breves respostas às minhas perguntas. O despertar produziu-se com extrema lentidão e um segundo sono apresenta as mesmas características. Dentro em pouco o paciente se torna desinteressante e não vejo grande coisa a tirar dele .

No dia seguinte, segundo os meus hábitos, dirigi-me ao cassino, cerca de uma hora da tarde, para tomar um café. Sentei-me no terraço e, ao mesmo tempo em que saboreava o café que me acabavam de servir, deixei meus olhos vaguearem por baixo do lugar em que me encontrava. Dockman estava sentado no jardim, com um amigo que tinha em mãos um jornal: voltava-me quase as costas, ocupando-se em enrolar um cigarro . Como é que me veio à idéia de ensaiar a experiência cujo relato se vai ler? Não sei, mas enfim essa idéia me veia e com todas as forças da minha vontade eu a pus imediatamente em execução. Concentrado, isolado neste único pensamento, olhando fixamente na direção de Dockman, ordenei-lhe que cessasse todo movimento e adormecesse. Em momento algum pareceu aperceber-se ele de meu olhar, mas, com muita rapidez, viu afrouxarem-se os seus gestos e tornarem-se fixos os seus olhos. Com o cigarro inacabado entre as mãos, fechou ele de repente as pálpebras e ficou imóvel, semelhante a uma estátua. Seu amigo levanta a cabeça., percebe-o nesse estado, interpela-o e não obtém resposta. Uma cantora, sentada à mesa próxima, amedronta-se, e já começa a gritar. Apresso-me em descer e, dentro de alguns segundos, soprando-lhe vivamente nos olhos, desperto meu improvisado sujet que não pode mesmo saber o que lhe acaba de suceder.

Tentara eu essa experiência por acaso, de forma alguma contando com êxito e eu próprio estava estupefato do resultado. No dia seguinte, ofereceu-se-me ocasião de renová-la. Chego ao Cassino mais ou menos há 1 hora e meia. Desta vez, Dockman estava sentado no terraço, sozinho, a uma mesa onde escrevia uma carta, curvado sobre o papel, quase o tocando com o nariz . Minha mesa estava a cinco ou seis metros da sua; entre mim e ele achava-se uma turma de jogadores de cartas.

De novo me concentrei em uma tensão nervosa que me fazia de algum modo vibrar da cabeça aos pés, e ordem com todas as minhas forças a Dockman, ao mesmo tempo em que lhe dirigia o olhar com firmeza, que cessasse de escrever e adormecesse. A ação foi menos rápida que na véspera. Dir-se-ia que o sujet lutava contra a minha vontade. Após um ou dois minutos, deu evidentes sinais de crispação. A pena ficou em suspenso, como se ele procurasse em vão as palavras; fazia com a mão o gesto de alguém que afasta uma influência obsidiante; depois rasgou a carta começada e se pôs a escrever outra; dentro. em pouco, porém, sua pena ficou pregada no papel e ele adormeceu nessa posição. Aproximei-me dele, juntamente com diversos dos assistentes que interromperam o jogo: todo o seu corpo estava contraído, duro como um pedaço de madeira; debalde procuraram dobrar um de seus braços. Não perdeu sua rigidez senão sob a ação dos meus passes. Quando recuperou o uso de seus sentidos, Dockman pediu-me para não repetir essas experiências; queixava-se de estar muito fatigado devido à da véspera. Assegurou-me, por outro lado, que adormecera as duas vezes sem a menor desconfiança de que esse brusco sono lhe fosse provocado por mim ou por qualquer outra pessoa.

Essa experiência é muito significativa e nenhuma dúvida pode deixar, tão-pouco, sobre a ação à distância. O Doutor Dariex, diretor dos Anais de Ciências Psíquicas, publicou as seguintes experiências sobre as transmissões mentais, feitas por um dos seus amigos que deseja conservar-se incógnito em virtude da situação importante que ocupe o que lamentamos.

De 7 de Janeiro de 1887 a 11 de Novembro, Maria é muito freqüentemente adormecida, a fim de ser desembaraçada, por sugestão, de intoleráveis dores de cabeça e de uma sensação de bola que lhe toma todo o esôfago. Ela e assediada de indisposições histeriformes, verdadeiro Proteu, que é necessário expelir sem cessar por meio de sugestões apropriadas. No mais, o seu estado gerai de saúde é excelente, porquanto, nos dezessete anos que tenho sob as minhas vistas esta moça, jamais a vi abandonar um só dia suas ocupações, por causa de qualquer outra indisposição.

Durante as numerosas sessões de sugestão, ensaiara eu em vão a transmissão mental; até 11 de Novembro não obtive traço sequer de execução das ordens dadas: Maria tinha o pensamento incessantemente desperto, sonhava e não obedecia senão a ordens verbais.

Uma noite, enquanto escrevia as minhas notas a respeito de Maria, que deixara dormindo atrás de mim, teve ela uma alucinação espontânea, muito penosa, e desfez-se em lágrimas: acalmei-a com dificuldade e, a fim de evitar esses sonhos, proibi-lhe de pensar fosse no que fosse, quando eu a deixasse dormir. Depois, refletindo que todos os meus insucessos, a propósito da transmissão mental, bem podiam ser devido a esse estado poliidéico do cérebro (70), insisto em minha sugestão e a formulo assim

Quando dormirdes e eu não vos falar, em nada absolutamente pensareis; vosso cérebro ficará vazio de pensamentos, para que coisa alguma se oponha à recepção dos meus.

Repito quatro vezes esta sugestão, de 11 de Novembro a 4 de Dezembro, dia em que pude constatar pela primeira vez a transmissão do pensamento .

Maria adormeceu, após um instante, caindo em sonambulismo idéico profundo; dou-lhe as costas e, sem um gesto ou ruído qualquer, lhe dou a seguinte ordem mental :

Quando despertardes, ireis procurar um copo, nele derramareis algumas gotas de água de Colônia, trazendo-me em seguida.

Ao despertar, ela se acha visivelmente preocupada, não pode estar parada e vem por fim colocar-se à minha frente e me diz

- Ora pois! em que pensais? e que idéia pusestes em minha cabeça.!

- Porque me falais assim?

- Porque a idéia que tenho não pode provir senão de vós, e eu não quero obedecer!

- Não obedeçais, se assim o quiserdes; mas exijo que me digais imediatamente o que pensais .

- Muito bem! cumpre-me ir buscar um. copo, enchê-lo d'água, com algumas gotas de água de Colônia. e trazer-vo-lo: é realmente ridículo!

A minha ordem havia sido, pois, perfeitamente compreendida, pela primeira vez. A partir desse momento, 6 de Dezembro de 1887, até hoje (1893), salvo raríssimos dias, a transmissão mental, em estado de vigília ou de sono, é das mais nítidas. Não é perturbada senão em certas épocas, ou quando Maria tem desassossegos muito vivos .

A 10 de Dezembro de 1887, escondi, às ocultas de Maria, um relógio parado, atrás dos livros, em minha biblioteca. Quando ela chega, faço-a adormecer e lhe dou a seguinte ardem mental:

Vai buscar-me o relógio que está escondido atrás dos livros da biblioteca..

Estou em minha poltrona, Maria por trás de mim e tomo o cuidado de não olhar para o lado onde está o objeto escondido . Ela deixa bruscamente sua poltrona, vai direito à biblioteca, não pode, porém, abri-la; movimentos regulares enérgicos se manifestam todas as vezes que ela põe a mão na porta. e sobretudo na vidraça..

- Lá está? lá está,! estou segura disso: mas este vidro queima-me !

Decido-me eu próprio a abrir a porta; Maria precipita sobre os meus livros, retira-os e segura o relógio, mostrando muito alegre por havê-lo encontrado.

Experiências análogas foram feitas, com sugestões enviadas por um dos nossos amigos, previamente escritas sem a presença do sujets, e foi completo a êxito; mas se a pessoa que me envia a sugestão lhe é desconhecida, recusa-se ela, a obedecer, dizendo que não sou eu que ordeno.

Certo dia chega ao meu gabinete um amigo comum, enquanto Maria está adormecida, e me passa o seguinte bilhete: Dai-lhe a ordem mental de trazer-me um cigarro à antecâmara, acendê-lo e apresentar-me.

Ela está sentada por trás de mim; sem deixar a minha poltrona, voltando-lhe sempre as costas, faço a sugestão mental. O meu amigo toma de um livro e faz menção de ler, vigiando-a sempre.

- Quantos me aborrecem ! Como quereis que eu me levante ?

- (Sugestão mental .) Podeis muito bem vos levantar; descruzai os pés.

Depois de algum esforço, ela consegue descruzar os pés (que sempre os cruza sob a cadeira), levanta-se e vai, lentamente e tateando, em direção a uma caixa de charutos, toca-os e em seguida põe-se a rir.

- Ah! não! estou enganada, não é isto que devo fazei.

E ela vai direito ao compartimento próximo, não hesitando mais, toma um cigarro e apresenta-o ao nosso amigo .

- (Ordem mental.) Há outra coisa a fazer: acendei-o imediatamente .

Maria toma um fósforo, não o pode, porém, acender facilmente, detenho-a e faço novamente sentar-se em sua poltrona.

Aí está, igualmente, uma prova evidente de transmissão de pensamento.

Tive ocasião de fazer algumas experiências pessoais de transmissão de pensamento ou sugestão mental, no mês de Janeiro de 1899, com Ninof, o ledor de pensamentos, na residência do Senhor Clóvis Hugues, ,e constatei que: 1.° - para que ele adivinhe alguma coisa necessária é que a pessoa que o interroga conheça o de que se trata; 2.° - é preciso que essa pessoa lhe dê a ordem mentalmente, mas com energia; por vezes ele obedece, rigorosamente, nos menores detalhes à ordem mentalmente dada, se essa ordem é simples e precisa; 3.° - a transmissão do pensamento se opera de cérebro a cérebro, sem nenhum contacto, sem nenhum sinal, a um metro ou dois de distância, somente pela concentração do pensamento de quem dá a ordem e sem nenhum compadrio; 4 ° - não são raios os insucessos e parecem devidos a falhas na relação perfeita que deve existir entre o cérebro do ordenador e o do operador, à fadiga deste, a correntes contrárias.

Exemplo: Formulo o pensamento de que Ninof deve ir buscar uma fotografia que se acha ao lado de várias outras, no fim do salão, e levá-la a um senhor que não conheço e que indico como sendo a sexta pessoa sentada, a partir daquele ponto, entre uma trintena de assistentes. Esta ordem mental é executada pontualmente e sem hesitação alguma..

O Senhor Clóvis Hugues formula o pensamento de que ele deve ir procurar uma. pequena gravura representando Michelet, colocada sobre o piano, entre vários outros objetos, e colocá-la diante de uma estatueta de Joana d'Arc, no lado oposto do salão. A ordem é executada sem hesitação .

Era a primeira vez que Ninof vinha nesta casa, aonde chegou sem companheiro algum, sozinho . Tem os olhos vendados por um guardanapo que se lhe passa em torno da cabeça, para isolar-se de toda distração, diz ele. Quatro fios de cabelo tomados pelo Senhor Ad. Brisson a quatro pessoas diferentes foram achados onde tinham sido escondidos e postos pelo operador nas cabeças das quais foram destacados e no próprio lugar.

Até o momento desta experiência, não tinha eu visto absolutamente nada mais do que compadrios. Nas leituras de pensamentos e buscas de objetos, feitos seriamente, constataram que são movimentos inconscientes da mão que guiam o adivinho. No caso em apreço, não se tem contacto algum com o operador, e mesmo na hipótese de poder ele ver por baixo da venda, nada explicaria. esta suposição, porquanto se conservam os assistentes por trás dele.

Dentre os 1.130 casos psíquicos recebidos e admitidos à discussão, na época do meu inquérito, de que mais acima falei, e dos quais já citei os principais relativos às manifestações dos moribundos, devo assinalar várias cartas muito interessantes, concernentes ao assunto especial deste capítulo: comunicações psíquicas, transmissões mentais entre os vivos. Destacarei algumas delas desse dossiê que é verdadeiramente um variado acervo. Elas são instrutivas.

I - Permitireis a um dos vossos mais assíduos leitores, e acrescento - dos que mais simpatizam convosco, solicitar vossa atenção para um fato de que certamente tendes conhecimento ?

Estais em uma rua alguém cujo porte, modo são familiares. E dizeis: - Ora, ora, lá está o Senhor X.

- Ora, ora, lá está o Sr. X

Aproximai-vos, mas não é ele. Que sucede, entretanto? Continuais a caminhar; minutos após, vedes, encontrais, de modo a vos não enganardes desta vez, a personagem que supusestes ver no começo.

Quantas vezes me tem acontecido isso! E certamente a vós também? Qual a sua causa?

Tenho por muito tempo procurado, acabando por me convencer de que a irradiação emanada da personagem que se devia por fim encontrar,, e que convinha talvez atribuir esta curiosa sensação.

A respeito poderão dizer, como nos casos de Mas é um absurdo; isso não tem senso comunicação? Como admiti-la de uma rua a outra, onde teve ocasião de ser interceptada cem vezes pelas pessoas que passam, pelos veículos que rodam, etc., etc.!

Todavia, mesmo fisicamente, não há impossibilidade em crer que cada indivíduo projeta, adiante de si ou em sua volta, uma irradiação e que esta seja suscetível de escapar as causas de alteração ou de refração que acabo de indicar, etc.

Em todos os casos é extremamente curioso que se chegue freqüentemente a deparar face a face com um homem em quem não se pensava e que se supôs distinguir, quando nesse momento era de um outro que se tratava.

 

(Carta 7.)

L . DE LEIRIS

Juiz no Tribunal Civil, em Lião.

 

  1. - Sucede-me freqüentemente, quando saio à rua, que a silhueta de um transeunte, visto de longe, faz-me lembrar alguém com que tenha parecença, quer nas maneiras, quer no andar, etc. Uma ou duas horas depois cruzo com a pessoa assim evocada em meu espírito, mas somente quando a encontro é que me lembro de ter nisso pensado.

 

(Carta 39 .)

BERGER

Professor, em Roanne.

 

- Tendo casado, anos atrás, na província, mantenho correspondência diária com meu pai que reside em Paris. Também ele me escreve todos os dias e fazemos habitualmente esta correspondência um pouco depois do meio-dia.

Acontece-nos, freqüentemente, fazer um de nós uma pergunta e dar o outro a resposta a essa pergunta, no mesmo dia e há mesma hora referindo-se quase sempre a pergunta a amigos ou a pessoas estranhas, que um ou outro não veja há muito tempo, pois que não moramos na mesma cidade. E, se me acontece estar doente e não falar a respeito disso a meu pai, ele o adivinha quase sempre e pede-me com insistência noticias sobre o meu estado de saúde, no instante mesmo em que ela está um pouco abalada.

 

(Carta 58.)

L.R.R.

 

  1. - Se, ao passar por uma rua, qualquer pessoa olha para mira, mesmo que ela esteja em um 5.° andar, meus olhos se voltam involuntariamente e se confundem com os seus.

Considerar-me-ia feliz se me désseis uma explicação desse fenômeno .

 

(Carta 152 .)

  1. C., Pezenas

 

  1. - Há bem pouco tempo, minha mãe, antes de entrar em um armazém (ela ainda estava dele distante uns vinte metros) , disse-me de repente

- Sabes? acabo de ver fulano; preserve-me Deus de encontrá-lo!

Sem dúvida havia-o visto por intuição, moralmente. Mas, fato extraordinário, ao entrar no armazém, encontra-se minha mãe justamente em presença dele;

 

(Carta 189.)

  1. B. VINCENT, Lião.

 

- Como explicar que, freqüentemente, nove vezes sobre dez, depois de haver sonhado com uma pessoa que tenha vaga parecença com outra encontrada na rua, encontre-me eu precisamente em presença dessa mesma pessoa, um instante após, ou pelo menos durante o dia, ainda que não haja motivo algum que possa levar essa pessoa a ver-me?

 

(Carta 199 .)

J . RENIER Verdun (Meuse) .

 

VII. - Certa manhã, há cerca de dois meses, estava eu ainda deitada, mas perfeitamente acordada, e pensava em chamar minha mãe para lhe dizer bom dia, desde que ouvi seus passos aproximarem-se de meu quarto; calculava com que tom de voz deveria gritar: Mamãe!, estou certa, porém, de não haver pronunciado esta palavra, pois não estava dormindo, achava-me a muito tempo acordada e tinha perfeita consciência do que fazia ou deixava de fazer. Nesse momento, mamãe entra em meu quarto; digo-lhe a rir:

- Sabes eu pensava justamente em chamar-te.

Respondeu-me ela:

- Mas tu me chamaste, eu te ouvi do outro lado do apartamento, por isso é que vim!

Por mim, estou certa de não haver dito nada e minha mãe certa de ter-me ouvido. Isso nos fez rir, pois realmente é um caso extraordinário.

 

(Carta 207 .)

  1. Dubois

Rua da Moeda, 8 (Nancy) .

 

VIII. - Sucede muito freqüentemente ver-se inopinadamente uma pessoa, a respeito de quem tivemos um pensamento ou acabamos de falar; e isso tem sido observado desde longa data, pois até existe uma expressão proverbial, consagrada ao fato: Falar do mau preparar o pau (71).

 

(Carta 222.)

ALPHONSE RABELLE

Farmacêutico em Ribemont ( Aisne ) .

 

  1. - Tendes talvez ouvido falar de uma crença assaz disseminada em certas regiões, qual seja a de que o zumbido nos ouvidos (72) é sinal de que a vosso respeito estão falando em qualquer parte. Sempre achei graça nas pessoas que ligavam importância a esta superstição, mas aconteceu-me, em circunstancia penosas, um fato dessa natureza que modificou a minha incredulidade. Não teria havido, no caso em apreço, uma transmissão do gênero dessas de que vos ocupais? Se o quiserdes, estarei ã vossa disposição, para relatar-vos o que me sucedeu, com as provas em seu apoio, cartas, telegramas, horas de recepção, de expedição, fáceis de controlar, hora do fenômeno, etc. ; talvez mesmo possa a minha afirmação ser certificada por uma das pessoas, que, tendo sido causa da transmissão, vi em Dezembro e a quem falei a respeito do que me aconteceu.

 

(Carta 232.)

  1. L. R.

 

  1. - Sou professor e estou casado a 9 anos. Temos, minha mulher e eu, mais ou menos os mesmos gostos e a mesma educação e constatamos - isso logo depois de nosso casamento - uma similitude de idéias que nos parece extraordinária. Muito freqüentemente, um de nós formula alto uma opinião, uma idéia qualquer, no momento exato em que 0 outro ia exprimir-se precisamente do mesmo modo. Termos idênticos, para julgar de uma pessoa ou de uma coisa, vêm-nos à boca no mesmo instante, a ambos, e as palavras de um se acham, por assim dizer, duplicadas por aquelas que o outro ia pronunciar.

E' esse, porventura, um fenômeno comum que se reproduz quando há simpatia entre duas naturezas, ou o mesmo nos diz particularmente respeito?... Em todo caso, se tem alguma importância, qual a sua causa, a sua natureza e porque se produz?

 

(Carta 299.)

F . DALIDET

Professor, Secretário da Prefeitura, em Saint Florent, perto de Niort (Deux Sèvres) .

 

Visto, para efeito de reconhecimento da firma de M, Dalidet, professor em Saint Florent.

Prefeitura de Saint Florent, 28 de Março de 1899.

O Prefeito: A. FAVRIOU.

 

  1. - Minha mãe, esposa de capitão de navio, era sempre avisada, por sinais quaisquer insólitos, todas as vezes que meu pai corria um perigo. Era isso tão freqüente que ela adquirira o hábito de tomar nota desses avisos. Mais tarde ela vinha a saber, com efeito, que ã hora assinalada seu marido, em perigo de naufrágio, enviava-lhe o seu pensamento, que supunha ser o último. Casos análogos multiplicam-se ao infinito com relação à quase todas as esposas de marujos. Lembro-me muito bem que a conversação das visitas que mamãe recebia, tinham freqüentemente por objeto a telepatia.

Uma de minhas amigas, também esposa de marujo, viu, no mesmo dia da morte de seu marido, que pereceu tragicamente em um naufrágio, a mão de seu esposo desenhar-se sobre um dos vidros da janela: o que a impressionou, foi que o anel conjugal sobressaía nitidamente de sua mão.

Outra de minhas amigas, tendo sua irmã doente, - devo precisamente dizer-vos que esta prometera ã irmã, de quem se achava separada, fazer-lhe saber, por um sinal qualquer, sua morte, se esta ocorresse - sentiu, na mesma hora em que sua irmã desprendia o último suspiro, um terno abraço que ela reconheceu ser o abraço de sua querida irmã, que efetivamente expirava. Eu própria, em companhia de minhas alunas, ouvimos - todas três - pronunciar distintamente Fraulein, voz que reconheci imediatamente por ser a de uma de minhas conhecidas que se havia portado mal para comigo. Registrei o fato e a hora em que se verificou; mais tarde vim a saber que essa personagem morrera precisamente no instante em que o som de sua voz chegara ao meu ouvido.

 

(Carta 319.)

MARIA STRIEFFERT (Nascida em Stralsund, na Pomerania) Calais.

 

XII. - Leitora apaixonada de vossos recentes artigos, é com satisfação que constato o poder do pensamento humano. Pessoalmente, não tenho mais do que um fato a assinalar. Por ocasião da minha passagem pela Alemanha, ouvi distintamente meu pai chamar-me pelo diminutivo do meu nome .

E no dia seguinte verifiquei que ele me estava escrevendo precisamente no instante em que o eco dessa voz querida veio ferir meus ouvidos.

 

(Carta 320.)

MADALENA FONTAINE

Pensionato de Mlle. Bertrand, Calais .

 

P.S. . - Diversas confidenciais têm sido feitas a propósito da telepatia; se elas vos podem interessar, comunicar-vos-ei com solicitude.

XIII - Jamais fui avisado da morte de quem quer que seja, por uma aparição; o mesmo não se passa com relação aos doze ou quinze membros de minha família, que conheço bem.

Tive, porém, um dia, certo pressentimento que, se bem diferente, nestas circunstancia, dos fenômenos que estudais, talvez na mesma categoria se possa agrupar.

Dirigindo-me, certa manhã, para o Hospital Lariboisière, de que eu era externo, tive por um momento a idéia de que ia encontrar, na porta do hospital, o Senhor P., que só uma vez tivera ocasião de ver, oito meses antes, em uma casa amiga e que, desde essa data, jamais voltara a ocupar meu pensamento. Este senhor, doutor em Medicina, teria vindo ali para avistar-se com um certo cirurgião de Lariboisière.

Não me enganara de todo: a porta do hospital encontrei o Senhor P., que vinha com a intenção de visitar, não o cirurgião em apreço, mas o chefe do serviço de obstetrícia.

Notai que em tudo isso não poderia eu ter visto de longe, nem reconhecido subconscientemente o Senhor P. , porquanto esse pressentimento me veio no bulevarde Magenta, à direita da rua, de Saint-Quentin, ao passo que o Senhor P., quando o avistei, esperava no vestíbulo à distância de vinte minutos. (Perguntei-lhe, depois, há quanto tempo estava ali, antes de lhe falar acerca do meu pressentimento, para que sua resposta fosse livre de qualquer influência.)

A isso acrescento que, de modo algum, sou inclinado à superstição, antes me julgo céptico, e meu primeiro cuidado, em presença desse caso, foi procurar-lhe uma explicação física, antes de pensar na intervenção de um fator ainda indeterminado. Não encontrei, porém, essa explicação física.

 

(Carta 331.)

G . MESLEY

Estudante de Medicina, rue de 1'Entrepôt, 27.

 

XIV. - Uma de minhas jovens amigas, que residia e:n Paris, ao passo que eu me achava na província, foi acometida de um mal que a levou em poucas horas às portas da morte. Nada absolutamente me advertira de sua enfermidade, entretanto eu tive exatamente naquele instante um sonho, verdadeiro pesadelo, durante o qual assistia eu ao casamento dessa amiga. Parentes e amigos, todos estavam na solenidade trajando roupas de cor escura e choravam amargamente! A impressão tornou-se tão dolorosa, que despertei. Quinze dias depois, vim a saber do perigo do qual escapara a mesma pessoa.

Acontece-me também, freqüentemente, pensar, sem aparente motivo, em uma pessoa cuja coincidência de idéias posso controlar pela recepção de uma carta que coisa alguma tornava necessária. Sucede isso tão freqüentemente, que tenho o hábito de esperar notícias das pessoas nas quais penso involuntariamente. Todavia o fato não deixa de ter exceções.

 

(Carta 382 .)

  1. B. (Chagny).

 

  1. - O seguinte fato foi-me narrado por um de meus amigos, professor em uma faculdade de Medicina de França e apresentando, por suas circunstâncias, garantias muito especiais. Não posso, sem a sua autorização, dar-vos o seu nome a propósito de um acontecimento que ele me confiou na intimidade e que não desejaria, talvez, ver publicado. Designaremos pois, pela inicial Z.

O Senhor Z., que se achava, então, em S. Luís do Senegal. foi picado em um dedo por um inseto da região, muito perigoso, conhecido, entre os europeus, pelo nome de chique. Em conseqüência dessa mordedura, foi ele tomado por uma febre intensa que o levou a dois passos do túmulo e o deixou, durante creio que uns vinte dias, absolutamente sem o uso da razão. Ora, algumas horas depois de ele ter perdido os sentidos, levaram-lhe um telegrama de sua mãe, que estava em França, perguntando o que lhe acontecera. A hora em que fora formulado esse telegrama, tomando em consideração o tempo necessário para levá-lo ao telégrafo, coincidia com a do desfalecimento do Senhor Z.

Quando este, felizmente restabelecido, voltou à França, contou-lhe sua mãe que, sem motivo aparente, experimentara de súbito uma espécie de abalo e tivera imediatamente a intuição de que seu filho corria um grande perigo; essa impressão era tão poderosa, que ela imediatamente mandara expedir um telegrama Para saber notícias suas.

A fim de dar maior autenticidade à minha narrativa, prefiro assinar minha carta; mas sou funcionário público, como vedes, e eu vos ficaria reconhecido, se, no caso que julgásseis bom reproduzir os fatos que cito, o fizésseis sem publicar meu nome e o meu endereço.

 

(Carta 393.)

  1. (Argélia) .

 

XVI. - Tinha eu outrora um amigo a quem as circunstancia (era um explorador) obrigavam a viver muito longe de nós. Adquiríramos o doce hábito de nos correspondermos muito regularmente e, pouco a pouco, nossas almas adquiriram tal afinidade que nos sucedia constantemente escrevermo-nos à mesma hora, dizer um ao outro as mesmas coisas, ou, ainda, responder no mesmo instante a uma questão proposta na carta.

Assim, um dia, inquieto, por não haver recebido noticias, apanhei a pena e tracei duas palavras: Estás doente? No mesmo instante, verificamo-lo mais tarde, escrevia-me ele Descansa teu espírito, o mal passou.

Não digo que seja isso uma visão, mas certamente, nos momentos trágicos da existência, duas almas unidas pela mais profunda ternura devem confundir-se, unindo-se a distancia .

 

(Carta 443 .)

  1. ASINELLI (Gênova) .

 

XVII. - Certa feita, sentiu-se minha mulher, por volta do meio-dia, tomada de um mal-estar inexplicável, que ela depois jamais veio a experimentar; estava opressa e não podia ficar parada. Convidada para uma merenda, ela dirigiu-se ao refeitório, mas não pôde aí permanecer; saiu a passear no jardim, procurando conversar. Esse incômodo atormentava-a sempre e somente às 9 horas da noite foi que ela se sentiu de súbito aliviada, como se nada tivesse experimentado .

No dia seguinte vieram informá-la de que seu pai morrera na véspera, às 9 horas da noite em ponto . Ela não pensara absolutamente em seu pai .

 

(Carta 449 .)

BUSIN

Neuville, Poix-du-Nord.

 

A aldeia em que residíamos estava a 24 quilômetros da em que meu avô morava .

XVIII. - Sucedia-me freqüentemente cantar mentalmente uma ária conhecida e alguns instantes depois meu marido cantava em alta voz a ária que eu tinha no pensamento. Isso nos dava lugar a pequenas discussões que acabavam sempre por nos divertir.

 

(Carta 467 .)

  1. C. (Grenoble) .

 

XIX. - Minha tia (mãe adotiva) amava-me extremosamente, se posso exprimir-me assim, e era muito nervosa. Eu mesmo sou bastante nervoso também. Era muito freqüente a nossa correspondência, sobretudo nos primeiros tempos de nossa separação e observei que, todas as vezes que devia receber uma carta sua, meu pensamento voltava-se com grande intensidade para ela, na véspera da chegada de sua correspondência, cuja data nada tinha de fixa. Estas observações freqüentemente preocupam o meu espírito.

 

Comandante reformado (Riversé) .

 

  1. - Uma noite, passou-se isso há alguns anos, fui bruscamente acordado, tendo consciência de que um dos meus clientes, o Senhor X., residente a 3 quilômetros de minha casa, vinha chamar-me. Salto da cama, ponho-me à janela e... vejo-o chegar alguns minutos mais tarde. Sua mulher estava doente e ele viera pedir-me para ir vê-la.

Fatos deste gênero sucederam-me diversos.

 

(Carta 517).

Doutor N.

 

XXI. - Nesta ordem de idéias, eis a única observação que pude fazer, interessante apenas por causa de sua regularidade : tenho duas amigas no estrangeiro, que muito assiduamente me escrevem, mas não em data fixa.. Quando sonho com uma ou com outra, é raro que o correio da manhã me traga uma carta daquela com quem sonhei .

No principio não prestei atenção ao caso, mas a observação se impôs e, daí em diante, verificou muito freqüentemente o fato. De mais, o sonho não é geralmente precedido de uma idéia particular que pudesse, de qualquer modo, prepará-lo e explicá-lo.

 

(Carta 551.)

  1. CHARPOY (Tournus).

 

XXII - Amiga minha íntima sofreu, durante todo um dia, intensa agonia física, que nenhuma causa conhecida podia explicar na ocasião em que eu própria estava torturada por uma grande dor, sem que ela pudesse, alias, desconfiar do que se passava: achava-me eu em Nantes, ela em Gênova.

 

(Carta 589.)

  1. CHAMPURY (Gênova).

 

XXIII. - Em 1845 e 1846, era eu aluno (classe de francês) do colégio de Alais; ainda que protestante, mantinha as melhores relações com o Senhor Barély, abade do colégio e, por ocasião das festas religiosas, era eu, com alguns colegas, encarregado da ornamentação da capela.

Aproveitávamos de nossa momentânea liberdade, para descer à câmara funerária que se acha sob a sacristia, e à qual se tem acesso por um alçapão e por uma escada dispostos por baixo do estrado dos professores, na capela. Essa câmara encerrava os restos de três ou quatro antigos abades do colégio, cujos sepulcros descobertos, e em parte quebrados, achavam-se dispostos no solo; a abóbada, baixa, estava repleta de nomes de antigos alunos, traçados a fumaça de velas; eu conservara, dessa câmara, uma recordação inapagável.

Mais tarde, em 1849 e 1850, residia eu em Nimes . O Senhor Maulins Salles, livreiro, aplicava-se ao magnetismo, a respeito do que, freqüentemente conversávamos. Desejaria ele alistar-me entre os seus companheiros, dizendo que, tratando eu de arquitetura, poderia, magnetizado, descrever, detalhando-os, os monumentos das cidades a que me transportasse pelo pensamento. Aceitei, mas não o conseguiu, por mais que fizesse, adormecer-me.

Assistia eu, certo dia, a uma sessão muito interessante, para a qual convidara-me; encontrei lá uma senhora de seus sessenta anos, provavelmente a empregada.

Ele magnetizou e pos em comunicação com ela, postas as nossas mãos umas nas outras e em seguida deixaram a sós.

A lembrança da câmara mortuária da capela veio-me à memória e me decidi a conduzir o sujet até esse lugar. Disse-lhe que tomávamos o trem d'Alais: durante todo o trajeto balançou ela a parte superior do corpo.

Ao chegar e daí até a nossa entrada no colégio, detalhou-me perfeitamente tudo o que se encontrava à nossa passagem; entramos no vestíbulo; em seguida, na capela: ela fez o sinal da cruz ao avistar o altar; dirigimo-nos ao estrado da esquerda; ela faz esforços para afastá-lo e me ajuda também a levantar a tampa do alçapão; acendo uma vela, dou-lhe a mão para descer a pequena escada e eis no jazigo; ela tremia de medo e queria retirar-se.

Tranqüilize-a e, conduzindo-a até junto dos túmulos, pedi-lhe que mos descrevesse.

- Aquele se acha coberto de neve!... - diz-me ela. Esse tumulo tinha sido caiado.

- Que bela cabeleira tem este! - O crânio, com efeito, estava rodeado de uma floresta de cabelos.

- Levantai o sudário desse lado - disse-lhe eu.

- Oh! - exclamou ela - quanto é belo! é tudo seda e ouro!... - Tratava-se de um abade amortalhado com as paramentas sacerdotais.

- Olhai para a abóbada, vou iluminar-vos. Que vedes ?

- Nomes - diz-me ela.

- Léde-os.

Ela procede à leitura de uns cinco ou seis desses nomes, de que me recordava perfeitamente bem.

Tornamos a voltar à, capela e disse-lhe eu que íamos a pé a Anduze. Em caminho, deu-me uma série de detalhes sobre a região que percorramos, e todos perfeitamente verídicos .

Chegados a Anduze, introduzi-a em uma casa conhecida; são horas da noite; ela me descreve a casa, a escada, o salão... Peço-lhe, então, que me designe as pessoas presentes . Responde-me ela que o não sabe . . .   Então reflito que eu mesmo o ignorava e que, portanto, ser-me-ia impossível transmitir-lhe o meu pensamento.

 

(Carta 650 .)

 

MEVIL ROUX

Arquiteto em Tornac, Anduze ( Gard ) .

 

XXIV. - Tratei e curei intimamente, por meio do magnetismo, a esposa de um de meus amigos, que sofria de penosa afecção havia mais de dezoito anos. O tratamento por ela seguido cotidianamente comigo durante cerca de seis meses e, como sucede em casos semelhantes entre magnetizador e paciente, ela caiu sob a minha absoluta dependência. Não quero relatar-vos aqui todos os fenômenos que eu podia provocar por seu intermédio, tais como aberrações do gosto, sensação de calor e de frio, etc.; são elas muito conhecidas e muito facilmente imputadas as imaginações. Mas, além disso, ela percebia, sem o concurso da minha vontade, todas as minhas sensações, mesmo a distancia - e nisto a imaginação não pode ser invocada, como uma circunstancia que entra em jogo na realização do fenômeno. Assim, acontecia-lhe dizer-me: Ontem, há tal hora, tivestes uma altercação, ou então: Estáveis tristes; que vos aconteceu? Pude asseguras-me, dentro em pouco, que ela sentia todas as minhas impressões a uma distancia muito grande; pude verificar isso pelo menos para um espaço de l5 quilômetros.

Tive também um outro sujet, sendo esse um homem, a. quem eu fazia a vontade vir a minha presença. Bastava para isso que eu pensasse fortemente em fazê-lo vir.

- Porque - disse-lhe eu um dia - viestes com um tempo tão horrível?

- Realmente, não posso sabê-lo, essa idéia assaltou-me repentinamente, tive desejo de ver-vos, e eis aqui. Onde está em tudo isso a imaginação ?

Do mesmo modo que há um sonambulismo natural e um sonambulismo provocado, há o magnetismo voluntário e o involuntário, o que explica, as simpatias e as antipatias naturais.

 

(Carta 675.)

Dr. X. (Valparaiso).

 

Esses casos não podem, tanto quanto os precedentes, ser atribuídos ao acaso. (Alguns dos lances previstos, podem tê-lo sido por uma semelhança fortuita dos que os precederam, mas trata-se evidentemente de uma exceção) Provam eles a transmissão do pensamento. Apresentaremos ainda alguns outros à atenção dos nossos leitores. O seguinte é extraído da obra Phantasms of the Living

O Senhor A. Skirving, mestre pedreiro da catedral de Winchester, escrever aos redatores da aludida compilação:

XXV. - Não sou um homem instruído. Deixei a escola com, a idade de doze anos, e por isso espero que perdoeis minhas faltas contra a gramática. Sou mestre-pedreiro da catedral de Winchester e resido nesta cidade faz nove anos. Vai para mais de trinta anos, residia eu em Londres, muito perto do local presentemente ocupado pela Great Western Railway. Trabalhava em Regent's Park para os Srs. Momlem, Burt e Freeman . A distancia até à minha casa, era muito grande para que pudesse ir fazer nela as minhas refeições, e por isso conduzia comigo o almoço e não abandonava durante o dia o trabalho.

Um belo dia, entretanto, senti bruscamente um desejo intenso de ir a minha casa. Como, de fato, nada tivesse a fazer em casa, tratei de me desembaraçar dessa obsessão, mas foi-me isso impossível. O desejo de ir a casa aumentou de minuto em minuto. Eram 10 horas da manhã e não havia o que pudesse afastar-me do meu trabalho há essa hora. Tornei-me inquieto e não me sentia bem; percebi que devia ir, mesmo correndo o risco de ser ridiculizado por minha mulher; não podia dar nenhuma razão de deixar meu trabalho e perder seis pentes em cada hora, por causa de uma tolice. Todavia, não pude ficar; parti para casa.

Quando cheguei diante da porta de minha residência, bati; a irmã de minha mulher veio abrir-me a porte. Pareceu surpreendida e me disse:

- Que é isto, Skirving, como é que o sabeis?

- Sabeis o que?

- disse-lhe eu.

- Ora essa! a propósito de Mary Arme.

- Nada sei com respeito à Mary Anne (minha esposa) . - Então, que vos traz a esta hora aqui? Respondi-lhe

- Não o sei . Parecia-me que tinham necessidade de mim aqui. Mas, que foi que sucedeu?

Então ela me contou que um fiacre havia atropelado minha esposa, talvez uma hora antes, deixando-a gravemente ferida. Não havia cessado de chamai-me desde a hora do acidente. Estendeu-me o braço, enlaçou-os em torno do meu pescoço e encostou minha cabeça em seu peito. As crises imediatamente passaram e a minha presença acalmou-a; ela dormiu e repousou. Contou-me sua irmã que ela dava gritos de cortar o coração, chamando-me, ainda que não houvesse a menor probabilidade da minha vinda.

Esta curta narrativa tem apenas um mérito: é estrita mente verdadeira.

 

ALEXANDRE SKIRVING

 

P.S. - O acidente verificara-se uma hora e meia antes da minas chegada. Coincidia essa hora exatamente cole a em que experimentei a obsessão de deixar meu trabalho. Faltava-me uma hora para chegar a minha casa e, antes de Partir, lutara eu bem uma meia hora para vencer o desejo de ir à rainha residência .

Todos esses exemplos mostram que há como que correntes entre os cérebros, entre os espíritos, entre os corações, correntes devidas a uma força ainda desconhecidas eis aqui outros casos não menos evidentes .

O professor Silvio Venturi, diretor do Asilo de Alienados de Girifalco, escrevia a 18 de Setembro de 1892:

XXVI. - Em Julho de 1885 morava eu em Nocera. Fui, certo dia, com um companheiro, fazer uma visita a meu irmão, em Pozznoli, a trás horas de viagem por via-férrea.

Deixei todos, em casa, de perfeita saúde . Habitualmente eu permanecia dois dias em Pozznoli, algumas vezes um pouco mais. Chegamos às 2 horas da tarde. Tínhamos a intenção,de fazer, depois da refeição, um passeio, marítimo com os da família. De súbito, detenho-me pensativo e, tomando uma resolução enérgica, declaro não mais querer dar o passeio, mas, pelo contrário, voltar imediatamente a Nocera. Perguntaram-me porquê, declarando que me achavam esquisito. Eu mesmo sentia toda a extravagância da minha resolução, mas não hesitei, pois experimentava uma necessidade irresistível de retornar a casa.

Vendo a minha resistência, deixaram-me partir. A seu mau grado, o meu companheiro seguiu-me. Aluguei uma pequena viatura, puxada por um cavalo magro e lento que ia a passo, em vez de trotar. De repente, receando perder o trem das 7 horas da noite (era o último) , apressei o cocheiro, que fustigou o cavalo, mas o pobre animal, enfraquecido, não podia avançar. Finalmente saltamos e pudemos tomar outra viatura, a tempo de alcançar o trem .

A minha casa em Nocera está situada a trezentos metros da gare, mas não tive paciência para fazer o trajeto a Pé e subi ao carro de um amigo, deixando meu companheiro vir a pé. Chegando em casa, empalideço vendo quatro médicos: os Srs. Ventra, Canger, Roscioli e o da cidade; achavam-se todos ao redor da cama de minha querida filhinha. atacada de crupe e ameaçada de morte. Não existia enfermidade na região. Declarou-se o crupe às 7 horas da manhã, talvez há mesma hora em que experimentei a obsessão de regressar a casa o mais depressa possível. Tive a alegria de haver contribuído, assim, para a cura. Minha esposa, antes da minha chegada, gritava e me chamava angustiosamente (73) .

Todos esses fatos tão numerosos não indicam a existência de correntes psíquicas entre os seres vivos? Essas constatações são da mais alta importância para o conhecimento que procuramos adquirir, por estes estudos, da natureza e das faculdades da alma humana.

Outro documento absolutamente da mesma ordem: confirmam-se eles, assim, uns pelos outros.

O Sr. Lasseron, tabelião em Châtellerault, escreve, em data de 31 de Janeiro de 1894 (74).

XXVII. - Um advogado, de serviço na Guarda Nacional, achava-se no corpo da guarda. De repente, deu-lhe na fantasia sair, sem a ninguém prevenir. Estando sob as armas, nem mesmo o comandante do posto o poderia ter permitido; além disso, ele não tinha nenhum motivo plausível a apresentar. Era uma extravagância que lhe assaltava o cérebro e mau grado à prisão que a falta lhe acarretava (com efeito, pegou ele, por esse ato de indisciplina, oito dias de prisão), deixa o fusil e vai a casa, correndo.

Chegando, encontra sua mulher banhada em lágrimas, rodeada de médicos que cercavam o leito de sua filha, de seis anos de idade, atacada de crupe e próxima da morte... Não havia essa moléstia na cidade.

A visita inopinada de seu pai pareceu produzir uma reação de tal modo favorável, que a criança sobreviveu. Casou-se com o irmão do juiz que me contou esse fato extraordinário; morreu antes dos vinte e cinco anos.

Foi preciso recorrer a toda espécie de valiosa proteção, para relevar a pena de oito dias de prisão e isso se deu antes em consideração ao fato de tratar-se desse estranho caso de telestesia.

 

LASSERON

Tabelião em Chatellerault .

 

O Dr. Aimé Guinard cirurgião dos hospitais de Paris, residente na mesma cidade, à rua de Rennes, menciona o seguinte caso (Outubro de 1891)

XXVIII - Tenho habitualmente como dentista um de meus amigos instalado longe de minha casa, no quarteirão da Opera. Como sua clientela. tomasse proporções consideráveis e não tivesse eu tempo de passar longas horas em seu salão de espera, decidi-me a solicitar os cuidados de um dos seus colegas, que trabalhava a alguns passos de minha casa, o Senhor Martial Lagrange.

Dou esses detalhes para bem demonstrar que não mantinha relações com este último, pois o vi pela primeira vez no começo deste ano.

Uma noite do mês de Setembro, deito-me como de ordinário, pelas onze horas e meia: cerca de duas horas da madrugada sou acometido de uma dor de dentes das mais insuportáveis e conservo-me toda a noite acordado. Achava-me muito incomodado pelo fato de não poder dormir, mas não a ponto de ficar impossibilitado de pensar em meus costumeiros afazeres. Como estivesse preste a terminar um memorial sobre o tratamento cirúrgico do câncer do estomago, passei uma parte da noite a meditar sobre esse assunto e a traçar o plano do meu último capitulo. Freqüentemente era interrompido o meu trabalho mental por uma arremetida dolorosa, e eu me impunha à resolução de ir logo pela manhã procurar o meu vizinho, Senhor Marcial Lagrange, para arrancar o dente enfermo.

Insisto sobre este ponto: durante essa longa insônia, meu pensamento esteve em absoluto concentrado nesses dois objetivos (e isso com tanto mais intensidade por se achar tudo, em redor de mim, mergulhado na calma e na obscuridade): de um lado o memorial sobre o tratamento cirúrgico do cancro do estomago, no qual estudo a extirpação do tumor por meio do bisturi, e, de outro, o dentista em questão e a ablação do meu dente em mau estado.

Às dez horas da manhã chego à sala de espera, e, logo que o Senhor Martial Lagrange abre a porta do seu gabinete, exclama:

- Oh! coeso isto é admirável! Sonhei convosco toda à noite.

Respondo-lhe gracejando:

- Espero, pelo menos, que vosso sonho não tenha sido muito desagradável, ainda que eu tenha estado metido nele.

- Mas, pelo contrário - replica ele - era um horrível pesadelo; eu tinha um cancro no estômago e estava obsidiado pela idéia de que fez abrir-me o ventre, para curar-me.

Ora, afirmo que o Senhor Marcial Lagrange ignorava em absoluto que, nessa noite, estivesse eu estudando precisamente essa questão; há mais de seis meses que não me encontrava com ele e não tínhamos nenhum amigo comum.

Acrescentarei que é um homem de cerca de 45 anos, neuropático, muito emotivo.

Eis aí o fato em toda a sua simplicidade; não se trata de uma narrativa de segunda ou terceira mão, pois o caso me diz pessoalmente respeito. Seria uma simples coincidência? Parece-me isso muito improvável.

Não se tratará, antes, de uma observação que se deve incluir entre os casos autênticos de telepatia? O que há aqui de particular, é, com o meu estado de vigília, o pensamento do dentista por mim influenciado ou sugestionado durante o sono.

Diz-se correntemente, desde séculos provavelmente, quando alguém se ocupa com insistência de qualquer ausente: Devem-lhe estar as orelhas tinindo. Seria esse dito baseado em fatos de telepatia análogos ao meu?

Não datam de hoje essas observações. Eis uma experiência relatada por meu saudoso amigo Doutor Macário, em seu livro tão interessante sobre O Sono (75):

XXIX. - Uma noite o Doutor Grosnier, depois de haver adormecido por magnetização uma senhora histérica, pediu permissão ao marido da mesma para fazer uma experiência, e eis o que se passou. Sem dizer palavra, mentalmente, bem entendido, conduziu-a ele para o alto mar. A doente conservou-se tranqüila enquanto durou a calma na superfície das águas; dentro em pouco, entretanto, o magnetizados levantou em seu pensamento uma horrível tempestade e a doente se pôs imediatamente a dar gritos penetrantes e a se agarrar aos objetos que lhe estavam em torno; sua voz, suas lágrimas, a expressão de sua fisionomia indicavam um terrível medo. Então ele reduziu sucessivamente, e sempre pelo pensamento, as vagas a limites razoáveis. Cessaram elas de agitar o navio e, conforme a progressão do seu apaziguamento, foi a calma voltando ao espírito da sonâmbula, ainda que conservasse ela, por algum tempo, a respiração ofegante e um tremor nervoso por todo o corpo.

- Não me transporteis jamais para o mar - gritou a Sonâmbula, um instante depois, com arrebatamento - tenho medo; e aquele miserável capitão que não queria deixar-nos Subir ao convés!

Esta exclamação nos surpreendeu tanto mais, diz o Senhor Grosnier, quanto é certo que eu não pronunciara uma única palavra que pudesse indicar a natureza da experiência que tinha a intenção de fazer.

Relatam igualmente o Doutor Macário os casos seguintes:

XXX - Achava-se à, venda, judicialmente, um terreno em uma das comunas dos arredores de Paris. Ninguém lhe oferecia qualquer lanço, ainda que mínimo em extremo fosse o preço da avaliação, porque o terreno fora tomado ao velho G, que passava entre os camponeses por perigoso feiticeiro. Após uma longa hesitação, certo agricultor chamado L., seduzido pela insignificância do preço, arriscou-se a fazer o seu lanço e se tornou proprietário do campo.

No dia seguinte, pela manhã, o nosso homem, sobraçando a enxada, dirigia-se, cantando, à sua nova propriedade, quando um objeto sinistro lhe saltou aos olhos; era uma cruz de madeira, à qual estava pregado um papel com estas palavras: Se meteres a enxada nesse campo, virá à noite atormentar-te um fantasma. O lavrador derrubou a cruz e se pés a trabalhar a terra, mas sem muita disposição; mal grado seu, pensava no fantasma que lhe fora anunciado, deixou o trabalho, voltou para casa e meteu-se na cama; seus nervos, porém, estavam superexcitados e ele não pôde dormir. A meia-noite viu um grande vulto branco a passear em seu quarto e que se aproximando dele, murmurou: Restitui-me o meu campo .

Renovou-se a aparição nas noites subseqüentes . O lavrador foi acometido de febre. Ao médico que o interrogou sobre a causa da moléstia, contou ele a visão que o obsidiava e declarou que o velho G. tinha-lhe feito malefício. O médico mandou buscar esse homem e, em presença do prefeito da Comuna, interrogou-o. O feiticeiro confessou que todas as noites, à, meia-noite, passeava em sua casa, envolto em um lençol branco, a fim de enfeitiçar o comprador do seu campo, Sob a ameaça de ser preso, caso continuasse a fazer isso, desistiu ele do sortilégio. Cessaram as aparições e o lavrador recuperou a saúde.

Como podia esse feiticeiro, passeando em sua casa, ser visto do camponês cuja morada ficava a um quilômetro de distância? Não explicaremos o fenômeno, apenas diremos que o caso não é sem precedentes e que está apoiado na autoridade irrecusável do célebre Doutor Récamier .

XXXI. - Vinha o Doutor Récamier, de Bordéus e atravessava em segue de posta uma aldeia; sucedendo quebrar-se uma das rodas da viatura, tratou-se de procurar o carpinteiro que a pudesse consertar e cuja oficina ficava próxima do local do acidente. Mas esse homem estava de cama, enfermo, o que obrigou o cocheiro a ir procurar outro carpinteiro que residia na aldeia vizinha. Aguardando que o acidente fosse reparado, entrou o Doutor Récamier na casa do camponês enfermo e dirigiram-lhe perguntas sobre a causa do seu mal. Respondeu-lhe o carpinteiro que a sua enfermidade provinha da falta de sono: ele não podia dormir porque um caldeireiro que residia na outra extremidade da aldeia, a quem recusara dar sua filha em casamento, o impedia batendo a noite toda em seus caldeirões.

O doutor foi procurar o caldeireiro e, sem preâmbulos, lhe disse:

- Porque bates a noite inteira em teu caldeirão?

- Por Deus! - respondeu ele - é para impedir Nicolau de dormir.

- Como pode Nicolau ouvir-te, se ele mora a uma meia légua daqui?

- Oh! oh! - replicou o camponês, sorrindo com ar maligno - sabemos bem que ele ouve

O Doutor Récamier ordenou expressamente ao caldeireiro que cessasse aquele barulho, ameaçando-o de mandá-lo castigar se o doente viesse a morrer. Na noite seguinte o carpinteiro dormiu calmamente. Alguns dias depois, retomou suas ocupações.

Nas considerações de que faz acompanhar a narração desse caso, o Doutor Récamier o atribui ao poder da vontade, do qual não se conhece ainda toda a energia e que se revelara espontaneamente a um camponês inculto. O fenômeno, de resto, não parecerá extraordinário aos que conhecem o magnetismo.

O General Noizet, um dos autores mais sérios e mais precisos que já têm escrito sobre o magnetismo, relata a história seguinte (76)

XXXII - Pelo ano de 1842 fui convidado a passar em casa de um de meus antigos camaradas, uma noite na qual deveriam ostentar-se as maravilhas do sonambulismo. para lá me transportei.

Era a primeira vez que eu assistia a esse gênero de espetáculo, bastante comum, entretanto, nos salões de Paris; depois disso nunca mais tive ocasião de assistir a espetáculo idêntico.

Lá encontrei umas quarenta pessoas, algumas delas adeptas mais ou menos exaltadas, e muitas incrédulas, entre as quais podia-se contar, na primeira plana, o dono da casa. Augurei mal da sessão e, com efeito, todas as experiências de vista a distância, de leitura de carta escondida, todos os milagres, em uma palavra, falharam completamente e foi muito reduzido o número de fatos bastante interessantes que uma assistência tão numerosa e com disposições tão diversas, pudesse sabiamente apreciá-los.

Conversando em um grupo, à saída desse malogro, observei ao dono da casa que não era por meio de semelhantes representações que se podia convencer alguém da realidade dos fenômenos; mesmo que as experiências tivessem bom êxito, cada qual, em uma reunião numerosa de pessoas estranhas umas às outras, podia supor tratar-se de compadrio, fraude, etc., sendo necessário, para bem observar os fatos, vê-los na intimidade ou em um pequeno grupo, examiná-los sob todos os aspectos e repeti-los freqüentemente.

Um de nossos interlocutores aplaudiu as minhas palavras, disse que conhecia uma excelente sonâmbula e nos propôs tentar algumas experiências com ela, em presença apenas do dono da casa e de um amigo comum. Aceitamos e combinamos dia e hora em data próxima.

Cheguei à casa de meu amigo antes do magnetizados e de sua sonâmbula, e vim a saber que, entre outras faculdades extraordinárias atribuídas à referida sonâmbula, estava a de poder dizer o que uma pessoa, com quem se a pusesse em relação, tinha feito durante o dia. Sucedia justamente, por acaso, que nesse dia realizara eu um empreendimento pouco vulgar. Tinha ido ao arquivo dos Inválidos, Com o Duque de Montpensier, para mostrar-lhe os planos em relevo nas praças fortes. Propus que se fizesse comigo a experiência da faculdade da sonâmbula, e esta proposta foi aceita pelos meus dois amigos.

Chegada à sonâmbula e adormecida, entrou em relação com ela e perguntei-lhe se podia ver o que eu fizera durante o dia.

Após alguns detalhes assaz insignificantes e penosamente obtidos, a respeito do modo por que empregara as minhas horas da manhã, perguntei-lhe onde estivera eu depois do almoço. Respondeu-me sem hesitação: nas Tulherias; o que se podia muito bem entender por um simples passeio. Insisti, perguntando por onde eu tinha. entrado, e ela respondeu muito bem ainda:

- Pela passagem do cais, perto da ponte Real.

- E em seguida?

- Subistes ao castelo.

- Por qual das escadas? A do meio?

- Não, a do canto, perto da entrada.

Lá, ela se perdeu pelas escadas, e há com efeito lugar para isso, porque existem diversas escadas: a grande, do serviço do pavilhão de Flora, e a dos apartamentos do rei, com patamares e degraus de ligação conduzindo de uns a outros. Afinal, deixou-me em uma grande sala onde havia oficiais. Era uma sala de espera no andar térreo.

- Estivestes esperando - disse-me ela.

- E depois?

- Veio um moço alto falar-vos.

- Quem era esse moço?

- Não o conheço.

- Observais bem?

- Ah! é um filho do rei.

- Qual deles?

- Não o conheço.

- Não é muito difícil de saber, só há dois em Paris: o Duque de Nemours e o Duque de Montpensier; é o Duque de Nemours ?

- Não o conheço.

Digo-lhe que é o Duque de Montpensier.

- Depois?

- Tomastes um carro.

- Sozinho ?

- Não, com o príncipe.

- Onde estava eu sentado?

- No fundo, à esquerda.

- Éramos só nós que estávamos no carro ?

- Não, havia ainda na frente um corpulento senhor.

- Quem era esse senhor?

- Não o conheço.

- Examinai .

Depois de haver refletido, disse

- Era o rei.

- Como! - repliquei - eu no fundo da carruagem e o rei na frente! Isso não é razoável.

- Não sei, não conheço esse senhor.

- Pois bem! era o ajudante de campo do príncipe.

- Não o conheço.

- Onde estivemos?

- Seguistes pela margem do rio .

- E depois ?

- Fostes a um grande castelo.

- Que castelo era esse?

- Não sei, havia árvores antes de si chegar.

- Observai bem, portanto; deveis conhecê-lo.

- Não, não sei.

Deixo de lado essa particularidade e peço-lhe que continue .

- Estivestes em uma grande sala.

Nesse ponto, fez ela uma descrição imaginária da sala onde via brilhar estrelas sobre um fundo branco. Por fim, ela me diz:

- Havia aí grandes mesas.

- E o que havia sobre essas mesas?

- Não era alto, não era também inteiramente liso. Não pude levá-la a dizer-me que ali estavam planos-relevos, objetos que sem dúvida ela jamais vira.

- Que fizemos nós, então, diante dessas mesas?

- Vós mostráveis. Subistes em uma cadeira e com uma varinha mostráveis alguma coisa.

Esta particularidade notável era perfeitamente exata. Enfim, depois de muitas delongas, fez ela tomar novamente o carro e partir. Disse-lhe então:

- Mas, olhai para trás, deveis reconhecer o lugar donde saímos.

- Ah! - disse ela como que admirada e uma tanto confusa - é o quartel dos Inválidos.

Acrescentou ainda que o príncipe deixara-me à porta de minha casa, o que era verdade.

Por muito que estivesse eu familiarizado com os fenômenos do sonambulismo, esta cena impressionou-me, todavia, muito e não posso razoavelmente atribuir senão à faculdade de ler em meu pensamento, ou através das impressões ainda existentes em meu cérebro, a espécie de adivinhação de que a sonâmbula acabava de dar prova. E ainda hoje a única explicação que lhe posso dar.

Eis aqui um segundo fato relatado pelo mesmo autor:

XXXIII - Há cerca de dois anos, aconselhou-me uma sonâmbula, para o tratamento de certas dores que eu sentia, o uso de banhos de vapor seco sulfuroso, e indicou-me um estabelecimento da rua da Vitória como o único de Paris, que os administrava bem. Segui esse conselho, que me pareceu razoável.

O dono do estabelecimento que, embora grande conversador, é um velho de fisionomia e atitudes francas, perguntou-me um dia quem me houvera indicado esses banhos. Como eu evitasse uma resposta, disse-me ele:

- Não teria sido uma senhora D. ?

Neste comenos perguntei-lhe se conhecia essa senhora. Respondeu-me que não, mas que desejaria muito conhecê-la, e que se propunha ir vê-la um dia, porque ela lhe havia prestado um serviço e de uma forma verdadeiramente extraordinária. Eis o que a respeito contou-me:

Uma pessoa a quem administrava banhos desde algum tempo, disse-lhe certo dia:

- Acaba de me acontecer qualquer coisa sobremodo admirável e que tem relação convosco. Vou por vezes consultar uma sonâmbula para a minha moléstia, e ontem, após longa interrupção, voltei novamente a consultá-la. Assim que me reconheceu, disse-me:

- Estais muito melhor! Que fizestes então para ficardes em tão bom estado?

- Vede se descobris - respondi-lhe.

- Fizestes uso de banhos, não porém banhos ordinários, mas sim banhos secos sulfurosos. Onde, pois, tomastes esses banhos?

- Procurai-o!

- Ah! estou vendo, fica do outro lado dos bulevares. Não é na rua de Provence, mas na que se lhe segue.

- Em que número? Prucuraí-o ainda!

- E na casa dos banhos, número 46, mas não no próprio estabelecimento: é ao fundo do terceiro pátio, no rès do chão.

Todas essas indicações eram perfeitamente exatas. Falei desse fato â sonâmbula durante o seu sono, ela o confirmou, considerando, aliás, em tom de perfeita indiferença; e, o que me causou admiração, é que eu sabia que lhe repugnava, por hábito, sem dúvida, ocupar-se de qualquer coisa além do que concerne às doenças. No presente caso, ela havia lido no cérebro da senhora que a consultava.

Eis um fato ainda mais curioso referido pelo Doutor Bertrand:

XXXIV. - Um magnetizador muito imbuído de idéias místicas, trabalhava com um sonâmbulo que, durante o sono, via somente anjos e Espíritos de toda espécie: essas visões serviam para firmar cada vez mais o magnetizados em sua crença religiosa. Como citasse sempre os sonhos de seu sonâmbulo em apoio de sua doutrina, um outro magnetizado de seu conhecimento incumbiu-se de desiludi-lo, mostrando-lhe que o seu sonâmbulo não tinha as visões a que ele se referia, senão porque a causa de tais visões existia em sua própria cabeça. Propôs, para provar o que avançava, que sugerisse ao mesmo sonâmbulo ver a reunião dos arejas do paraíso sentados d mesa e comendo um peru.

Fez, portanto, o sonâmbulo adormecer e ao cabo de algum tempo lhe perguntou se não via Nada de extraordinário. Este respondeu que: percebia uma grande reunião de anjos.

- E que fazem eles?

- pergunta o magnetizados.

- Acham-se em redor de uma mesa e estão comendo. Não pode indicar, entretanto, a espécie de iguarias que estava diante deles.

Independentemente desses casos notáveis e de muitos outros ainda, grande número de observações gerais contribuem para demonstrar que as idéias, e especialmente as opiniões dos magnetizadores, podem ser percebidas pelos sonâmbulos .

Tem-se constatado, por exemplo, que todos os sonâmbulos adormecidos, pela mesma pessoa, têm as mesmas idéias sobre o magnetismo, e precisamente as do seu magnetizador. Assim, quando um magnetizado, persuadido da existência de um fluido magnético, pergunta ao seu sonâmbulo se percebe a ação desse fluido, responde-lhe este que sim e assegura, além disso, estar vendo o magnetizador circundado de uma atmosfera luminosa, ora brilhante, ora azulada, etc. Pelo contrário, os sonâmbulos adormecidos por pessoas que não admitem nenhum fluido particular, pretendem que não existe fluido magnético. Os que são adormecidos por homens supersticiosos vêm demônios, anjos que vem comunicar-se com eles e lhes fazem revelações ou desvendam-lhes segredos. Os sonâmbulos observados pela Sociedade Swedenborguesa, de Estocolmo, todos eles acreditavam ser inspirados por Espíritos vindos do outro mundo e que, durante algum tempo, haviam habitado corpos humanos. Esses fantasmas davam notícias do que se passava no paraíso ou no inferno e repetiam mil contos, que enchiam de santa admiração os que os escutavam. Os católicos, que acreditam no purgatório, vêem almas que pedem missas e preces, e com elas conversam por meio do magnetismo e do Espiritismo. Os protestantes jamais.

Não pode, portanto, haver dúvidas a respeito da transmissão das idéias e sobretudo das opiniões mais pronunciadas dos magnetizadores. Mas o que é bastante singular é que esses magnetizadores, que reconheciam, desde a origem da observação do sonambulismo artificial, a influência que sua vontade exerce sobre os sonâmbulos, tenham estado tanto tempo sem descobrir o fenômeno da transmissão das idéias, sendo que a ignorância, na qual muitos permanecem a este respeito, é uma das causas que os têm levado a exageros e erronias, porquanto, depositando ilimitada confiança em seus sonâmbulos, interrogavam-nos a respeito de todos os sistemas que seus cérebros forjavam e, como as respostas se achassem sempre de acordo com os seus sistemas, as mais absurdas opiniões se tornavam para eles certezas - o que os afastava cada vez mais do caminho da verdade.

A simpatia foi sempre admitida por todos os povos, em todas as épocas. Entretanto, esta palavra é ainda vazia de sentido para aqueles que não crêem na influência recíproca e misteriosa que dois seres podem exercer um sobre o outro.

Poucas pessoas haverá que, durante sua vida, não tenham feito algumas observações sobre as simpatias e as afinidades. Ainda aí se constata a transmissão do pensamento, uma comunicação harmoniosa entre os cérebros e entre as almas.

O mundo psíquico é tão real como o mundo físico. Apenas tem sido, até aqui, menos estudado.

Talvez estejamos nós, em face das manifestações da energia psíquica, no estado dos animais inferiores que não dispõem ainda de sentidos iguais aos nossos. Mas, que dificuldade há em admitir que essa força, como todas as outras, possa agir à distância? Muito mais curioso, mais inadmissível, seria que essa força, uma vez que existe, não pudesse agir à distância: seria isso um paradoxo sem precedentes.

Já temos dito inúmeras vezes que é uma estranha presunção, para não dizer profunda ignorância, supor que não existe em torno de nós, em matéria de movimentos, mais do que aqueles que somos capazes de perceber. Os nossos sentidos evidentemente são muito grosseiros, se compararmos a soma do que nos transmitem eles, com a massa provável do que são incapazes de perceber. Sabemos que existem cores, sons, correntes elétricas, atrações e repulsões magnéticas que em absoluto nos escapam, cuja existência, entretanto, podemos constatar, por meio de aparelhos registradores, de extrema delicadeza. Não estamos autorizados, de acordo com os atuais dados da Ciência, a considerar todos os corpos que nos rodeiam como estando em relações infinitas e constantes uns para com os outros, segundo todas as modalidades da energia? E não devemos considerar-nos, nós mesmos, mergulhados nos meandros inextricáveis e serrados de todas essas ações recíprocas caloríficas, elétricas, atrativas, que cada corpo exerce sobre todos os que o rodeiam - sem falar das influências que derivam de forças de que nem desconfiamos - ações dinâmicas das quais só percebemos, de passagem, as mais grosseiras ?

Mas a evolução dos organismos prossegue seu curso, dir-nos-ão com o Senhor Héricourt, e sem dúvida alguns seres já começam a serem impressionados por certas vibrações errantes no meio desses turbilhões de ações e de reações que nos deixam insensíveis .

Os fenômenos surpreendentes de ação à distância e de clarividência, diz ainda o mesmo autor, observados com as pessoas hipnotizadas, isto é, submetidas a uma espécie de desequilíbrio experimental, no qual certas partes do sistema nervoso parecem ter sua sensibilidade acrescida a expensas de outras, devem indicar-nos o sentido e a natureza dos fenômenos de telepatia. Serão eles sem dúvida que servirão de ponte entre a ciência positiva de hoje e o que bem poderá vir a ser a ciência de amanhã.

Segundo tudo o que precede, a comunicação de cérebro a cérebro (em condições especiais, certamente) não é duvidosa. Pensamentos, imagens, idéias, impressões podem ser transmitidas. Os cérebros são centros de radiações. Dizemos algumas vezes que certas idéias andam no ar. Esta metáfora é uma realidade.

Certo número de pesquisadores têm procurado realizar experiências precisas sobre a transmissão mental. Pode-se encontrar, entre as obras especiais, as dos Srs. Richet, Héricourt, Guthrie, Lodge, Schmoll, Desbeaux, W. M. Pickering, etc., as primeiras das quais remontam aos anos de 1883 e 1884, e se referem à adivinhação de números, reprodução de desenhos, em uma proporção assaz notável para mostrar a realidade da transmissão. Nos trabalhos do 5r. Richet, por exemplo, 2.997 experiências deram 789 resultados positivos, ao passo que o número provável era de 732. O Senhor Marillier recebeu os resultados de 17 séries de experiências, elevando-se ao número de 17.653, dos quais com bom êxito 4.760, ultrapassando de 347 o número provável. Em Junho de 1886, as Srtas. Wingfield obtiveram 27 resultados positivos completos em 400 experiências de leitura de algarismos : o número provável era apenas de 4 . Sem poderem ser consideradas definitivas, essas experiências têm seu valor. Sei perfeitamente que se brinca de transmissão de pensamento nos salões e no palco dos prestidigitadores e que existem truques tão simples quanto engenhosos. Assisti mais de uma vez, prazerosamente, às sessões dos irmãos Isola, de Cazeneuve, bem como às dos seus êmulos. Tratamos, porém, neste livro, de experiências científicas, nas quais os experimentadores a ninguém enganavam .

Assinalarei, por exemplo, a seguinte:

O meu erudito confrade e amigo, Emílio Desbeaux, autor de obras muito apreciadas e estimadas, fez entre outras as curiosas experiências seguintes, das quais ele próprio redigiu o relato:

XXXV. - A 23 de Maio de 1891, faço sentar-se em um canto obscuro do salão o Senhor G., lente substituto de ciências físicas, para quem essas experiências eram absolutamente desconhecidas. São nove horas da noite, o Senhor G. tem os olhos vendados e o rosto voltado para a parede.

Coloco-me a quatro metros de distância dele, diante de pequena mesa onde repousam duas lâmpadas.

 

PRIMEIRA EXPERIENCIA

 

Sem ruído e na ignorância do Senhor G., tomo um objeto e conservo-o em plena luz. Sobre ele concentro os meus olhos e percebo que o Senhor G. vê esse objeto.

No fim de 4 minutos e meio, o Senhor G. anuncia-me que esta, vendo uma roda metálica.

Ora, o objeto era uma colher de prata (pequena colher de café), cujo cabo desaparecia em minha mão e da qual eu apenas fixava a concha, de um oval um pouco alongado.

 

SEGUNDA EXPERIENCIA

 

O Senhor G. vê um retângulo brilhante.

Eu tinha uma tabaqueira de prata.

 

TERCEIRA EXPERIENCIA

 

O Senhor G. vê um triângulo.

Eu desenhara, a traços largos, sobre um cartão, um triângulo .

 

QUARTA EXPERIENCIA

 

O Senhor G. vê um quadrado com arestas luminosas e com pérolas brilhantes; ora ele vê duas pérolas somente, ora vêem diversas.

Eu tinha na mão um objeto de cuja presença não era possível desconfiar: tratava-se de um grande dado de papelão branco cujas arestas a luz fazia brilhar vivamente, dando aos pontos gravados em baixo relevo reflexos brilhantes de pérolas negras.

 

QUINTA EXPERIENCIA

 

O Senhor G. vê um objeto transparente com filetes luminosos formando um oval ao fundo.

O que eu mantinha era um copo para cerveja (chope), de cristal, com o fundo talhado em oval.

Eis aí, quero crer, cinco experiências (feitas em excelentes condições de controle e de sinceridade), que podem ser consideradas como tendo chegado a completo bom êxito.

E igualmente interessante reproduzir a este propósito algumas das experiências realizadas com êxito pelo meu amigo A. Schmoll, um dos fundadores da Sociedade Astronômica de França..

XXXVI. - Experimentou ele com diversas pessoas que, a seu turno, experimentaram entre si. O problema consistia em adivinhar e desenhar o objeto no qual pensava o autor da experiência e que ele mesmo desenhava fora das vistas do percipientes colocado no mesmo compartimento, com as costas voltadas para a mesma e tendo os olhos vendados. Reproduzo aqui simplesmente em uma página algumas das experiências, aquelas que melhor êxito conseguiram. A duração da prova era em média de 13 minutos. Em 121 experiências, 30 fracassaram, 22 tiveram bom êxito, 69 deram soluções mais ou menos aproximadas.

Todos esses estudos nos mostram que o espírito pode ver, adivinhar, sem o concurso do órgão da visão material .

Esta teoria das correntes psíquicas, capazes de transmitir a distância, a outros cérebros, impressões cerebrais e mesmo pensamentos, explica, grande número de fatos observados e que permaneceram inexplicados até agora. Por exemplo, em um teatro, em uma soirée musical, etc., tendes diante de vós cinquenta, cem mulheres mais ou menos atentas. Fixai vosso olhar e vosso pensamento sobre uma delas; projetai vossa vontade com insistência: não decorrerão alguns minutos sem que ela se volte e vos dirija seu olhar. Atribui-se essa coincidência ao acaso. Sim, com muita freqüência, sem dúvida, mas não sempre! O êxito depende dos operadores e dos pacientes. Outros casos: estais em correspondência irregular com uma pessoa simpática; não é raro que vossas cartas se cruzem, porque tendes pensado ao mesmo tempo com idêntica intenção. Estais à mesa, conversais, levantais uma questão, fazeis uma reflexão: Veja só! eu ia dizer isso mesmo, responde-vos vossa mulher, vosso marido, vossa irmã, vossa mãe, que tiveram a mesma idéia precisamente no mesmo instante.

Se, ao passardes por uma rua, dizeis de vós para vós: - Oxalá não me encontre com o Senhor Fulano de tal! - um instante depois é justamente ele que vem cruzar convosco; pressentiste. Ou então supondes reconhecer determinada pessoa em uma outra, e cinco minutos depois encontrais essa mesma pessoa. Falais a respeito de certa pessoa: éi-la que chega. Daí o provérbio: Falar no mau... Acabamos de citar numerosos exemplos. Até o presente atribuíam-se todas essas coincidências ao acaso, explicação simples, banal e burguesa, que abre mão de toda e qualquer pesquisa.

Há casos de leitura de pensamentos, que não são devidos à sugestão mental. Os leitores atentos já puderam assinalar diversos desses casos neste capítulo. Eis aqui um exemplo muito curioso desse gênero observado em 1894 com uma criança, pelo Doutor Guintard, e comunicado por esse sábio, com todas as garantias de autenticidade (77), à Sociedade de Medicina d'Angers:

XXXVII. - Ludovico X. é uma criança de menos de 7 anos, viva, alegre, robusta e dotada de excelente saúde.

Ela é absolutamente indene de qualquer tara nervosa. Seus pais igualmente não apresentam nada de suspeito sob o ponto de vista neuropatológico. São pessoas de bom humor que nunca passaram pelos dolorosos transes da vida.

Na idade de 5 anos, entretanto, essa criança parecia caminhar pelas pegadas do célebre Inaudi. Querendo sua mãe, nessa época, ensinar-lhe a tabuada de multiplicar, percebeu, surpresa, que ele a recitava tão bem quanto ela! Dentro em pouco, Bébé, entusiasmando-se, chegava a fazer, de cabeça, multiplicações com um multiplicador formidável. Atualmente basta ler-lhe um problema tomado ao acaso em uma compilação qualquer, para que ele dê imediatamente a solução. Este, por exemplo:

Se pusessem no meu bolso 25 fr. 50, eu ficaria com três vezes o que tenho, menos 5 fr. 40. Qual a soma que tenho?

Apenas termina o enunciado e Bébé, sem mesmo ter tempo suficiente para refletir, responde: 15 fr. 45, o que é exato. Vai-se em seguida procurar no fim do livro, entre os mais difíceis, este outro problema:

O raio da Terra é igual a 6.366 quilômetros; achar a distância da Terra ao Sol, sabendo que ela corresponde a 24.000 raios terrestres. Exprimir esta distância em léguas.

O bambino, com a sua voz gaguejante, dá, igualmente sem hesitar, esta solução, que é a do compêndio: 38.196.000 léguas!

O pai desse menino, envolvido em outras preocupações, não tinha prestado às proezas do filho mais do que uma relativa atenção. Acabou, entretanto, impressionando-se com o caso e, como é um tanto observador, ao menos em virtude de sua profissão, não tardou a notar que: 1,° - o menino pouco escutava, e algumas vezes absolutamente nada, da leitura do problema; 2.° - a mãe, cuja presença é uma condição expressa do bom êxito da experiência, devia sempre ter, sob os olhos ou em pensamento, a solução pedida. Donde concluía que seu filho não calculava, mas adivinhava, ou, para dizer melhor, praticava, com relação a sua mãe, a leitura do pensamento; resolveu, pois, certificar-se disso. Em conseqüência, pediu a Sra. X. para abrir um dicionário e perguntar a seu filho qual a página que tinha sob os olhos; e o filho respondeu imediatamente: E a página 456. Estava certo. Repetiu dez vezes a experiência e dez vezes obteve idêntico resultado.

Eis, portanto, que o Bébé se transforma, de matemático, em feiticeiro-, digamos adivinho, para não ofendê-lo! -

Mas a sua notável faculdade de vista dupla não se exerce unicamente com relação a números. Marque a Sra. X. com a unha qualquer palavra em um livro; o menino, questionado a esse respeito, nomeia a palavra sublinhada. Escreve-se qualquer Praxe em um carne : por muito longo que seja, basta que ela passe sob os olhos maternais, para que o menino, interrogado, mesmo por um estranho, repita a frase, palavra por palavra, sem demonstrar pela fisionomia que realizou um tour de force. Nem mesmo é necessário que a frase, o número ou a palavra estejam fixados no papel; basta que se achem bem nítidos no espírito da mãe, para que o filho opere a leitura mental dos mesmos.

Mas o triunfo principal de Bébé está nos entretenimentos de salão. Ele adivinha, umas após outras, todas as cartas de um baralho. Indica, sem hesitar, o objeto que esconderam às ocultas dele, em uma gaveta. Se lhe perguntar o que contém uma bolsa, mencionará até o mais insignificante dos objetos que aí se encontram. Onde a criança é sobretudo admirável, é na tradução das línguas estrangeiras. Acreditar-se-ia que ele compreende claramente o inglês, o espanhol, o grego. Ultimamente um amigo da casa lhe perguntava o sentido desta charada latina: Lupus currebat síne pedibus suís. Bébé saiu-se da dificuldade com aplausos gerais. O nome de pequeno prodígio estava em todas as bocas?

Bem se vê que há muitas distinções a estabelecer nesses estudos. A leitura de pensamentos é aqui feita sem sugestão. Os fenômenos sugestivos são produzidos pela penetração da idéia do experimentador no cérebro do sujet. Logo, para que houvesse sugestão, no caso de que nos ocupamos, seria preciso constatar da parte da mãe certa concentração psíquica, certo grau de querer, indispensável ao sucesso da experiência. Ora, a leitura do seu pensamento realizava-se mui freqüentemente a seu mal grado.

Toda medalha, com efeito, tem seu reverso. Quando Bébé ficou em idade de aprender seriamente a ler, sua mamãe, que se consagrara a essa tarefa, constatou, não sem mágoa, que, sob sua direção, seu filho não fazia progresso algum. Tudo adivinhando, não exercitava nem seu discernimento, nem sua memória. Foi mister dispensar-lhe mil cuidados engenhosos para levar o barco a bom porto.

Ao tempo em que eu estudava com o maior cuidado esses casos de transmissão de pensamentos, recebi a seguinte carta de um leitor dos Annales, que parece em absoluto justificar as reflexões precedentes:

XXXVIII. - Permitireis a um leitor assíduo trazer ao vosso conhecimento um caso interessante de telepatia de que fui muito recentemente testemunha.

No mês passado (Dezembro de 1898) eu tinha sob os meus cuidados uma senhora idosa, que chegara ao último período de uma doença aguda; dia a dia o seu enfraquecimento aumentava, conquanto guardando ela intacta a sua inteligência, e foi mesmo na véspera de sua morte que sobreveio o fenômeno seguinte:

Visitara eu a minha doente pela manhã. Ela raciocinava perfeitamente e suas faculdades cerebrais de modo algum haviam diminuído.

Cerca de onze horas da manhã, encontro um amigo com o qual converso sobre diferentes coisas. Em dado momento, esse amigo me diz

- Procuro uma casa para alugar, a fim de nela passar a primavera. Poderíeis dar-me qualquer informação a respeito ?

- Confesso que não - respondi-lhe eu. - Vós, empreiteiro de construções, podeis estar mais bem informado do que eu nesta matéria.

Nesse momento, estávamos absolutamente sós e ninguém podia surpreender a nossa conversação.

- E que - acrescenta o meu amigo - a casa em que mora a Sra. P. (a minha doente) me conviria muito. Que pensais do seu estado? Dizem que ela está mal. Ainda pode viver por muito tempo?

- Quem sabe? - respondi evasivamente. - Em todo o caso ela dispõe de um arrendamento que se transfere para os seus herdeiros, em caso de falecimento.

- E indiferente; esperarei ainda alguns dias; procurarei, depois, o proprietário.

Ficou apenas nisso a nossa conversação. Não se tratou mais nem da doente nem da casa, e sei que o meu amigo não falou a ninguém de seus projetos no correr do dia. Ora, por ocasião da minha visita da noite, a enfermeira da Sra. P. me disse:

- Doutor, a nossa enferma divaga, ou, pelo menos, delirou cerca do meio-dia. Perguntou-me se ninguém tinha vindo ver a casa, com o fim de alugá-la. Aliás, acrescentou ela diversas vezes, tenho um contrato de arrendamento: que querem comigo?

- E foi só?

- Nada absolutamente compreendi - ajuntou a enfermeira.

Nem a criada, nem qualquer outra pessoa, das que convivem com a enferma, teve conhecimento dos projetos de meu amigo; Por conseguinte, a própria enferma não podia conhecê-los, nem ter a intuição deles por meio do mundo exterior.

Fiquei e ainda estou convencido de que a Sra. P., unicamente por ação telepática percebeu nossa conversação da manhã. Foi a hora em que eu estava com o meu amigo que ela delirou . Foi o único delírio que teve e morreu no dia seguinte à noite, antes que alguém soubesse dos projetos de locação do meu amigo.

Passou-se isto a 13 de Dezembro último. Retive bem o fato, assaz curioso em si mesmo. Lendo esta tarde vosso artigo dos últimos Annales, imaginei que ele poderia interessar-vos. Eis porque tomei a liberdade de vo-lo comunicar imediatamente.

 

Dr. Z.

 

  1. S. - E pessoalmente a vós que eu remeto este documento. No caso que tenhais a intenção de publicá-lo, ser-vos-ia reconhecido se me guardásseis o anonimato.

Eis aqui um outro caso de observação, que se parece muito com o precedente:

XXXIX. - No mês de Abril de 1874, em Beaumont-la-Ferrière (Niévre), dava eu, em companhia de minha esposa, os meus cuidados a minha mãe que contava 72 anos de idade. Passávamos, minha esposa e eu, todas as noites, no quarto de minha mãe e, pela manhã, iamos para a nossa casa onde estávamos o tempo suficiente para fazer a nossa toalete e voltávamos imediatamente para junto de minha mãe, a quem uma camareira guardava durante esse tempo.

A casa em que morávamos era muito grande e os dois quartos, de que vos falo, estavam ambos situados no primeiro andar, cada um, porém, em uma das extremidades da casa, e separados um do outro, por quatro quartos e um grande hall onde se achava o patamar da escada.

Certa manhã, estando minha mãe agonizante, não a queríamos deixar, e ela insistiu para que fôssemos um instante só nosso quarto. Estávamos, minha mulher e eu, muito emocionados e falávamos a respeito da morte iminente de minha mãe e dos parentes próximos que já havíamos perdido, no número dos quais estava um de meus irmãos, capitão de Artilharia, morto dois anos antes dessa época.

Eu não conservava recordação alguma material e palpável desse irmão. Recolhera minha mãe os diferentes objetos pertencentes a ele, dragonas, cruz da Legião de Honra, espada, etc . , e, entre outros, um chicote da época em que ele estava na Escola Politécnica ou em Metz, tendo um grosso cabo de prata com um troféu de armas em relevo.

Há muito tempo que eu desejava esse chicote, mas não ousara jamais pedi-lo a minha mãe, sabendo quanto apego tinha ela as relíquias do filho morto. Falei sobre isso à minha esposa que me dissuadiu de dizer o que quer que fosse a respeito, a minha mãe.

Não fora esta conversação ouvida por ninguém, achando-se fechada à porta de nosso quarto, bem como a do quarto de minha mãe; disse-vos que distância separava nossos quartos; acrescento que minha mãe estava ã morte, hidrópica, em seu leito, incapaz de mover-se. Não poderia ter-nos ouvido, nem ela, nem qualquer outra pessoa, e ninguém lhe podia ter comunicado as palavras trocadas entre mim e minha mulher.

Voltamos ao seu quarto. Ao abrir a porta encontramos minha mãe em seu leito onde a havíamos deixado, quase agonizante. Antes que eu tivesse tido tempo de lhe perguntar como estava, disse-me ela em voz muito débil:

- Luís, desejas o chicote de teu irmão; faço-te presente dele : está guardado na última gaveta de minha cômoda, guarda-o; será uma dupla recordação: de teu irmão que lhe tinha muito apego, e de tua mãe que vai morrer.

Ela fez um grande sinal da cruz e exalou o último suspiro.

Tal é o fato de que fui emocionada testemunha, como bem podeis compreendê-lo.

Eu vo-lo comunico, atestando-vos a sua absoluta veracidade; usai-o como vos parecer melhor. Minha esposa, testemunha do que sucedeu, assina comigo esta carta, para certificar-lhe a exatidão.

 

(Carta 38 .)

  1. FOUPURAY.

Castelo de Malpeyre, Brionde, Alto-Loire

 

Fui testemunha de tudo que meu marido acima vos expõe.

O Senhor Cromwell Varley, célebre eletricista, construtor do cabo submarino lançado entre a Inglaterra e os Estados Unidos, conta (78) o seguinte caso de comunicação mental:

XL - Procedendo a estudos sobre a faiança, respirara eu vapores de ácido fluorídrico, que me causaram espasmo da glote. Fora seriamente atingido e sucedia-me freqüentemente ser despertado por um ataque espasmódico. Haviam-me recomendado que tivesse sempre ã mão éter sulfúrico, para respirá-lo, que assim teria imediato alívio. Recorri a ele umas seis ou oito vezes; mas o seu odor era-me tão desagradável, que acabei por me servir de clorofórmio. Colocava-o perto do meu leito e, quando tinha necessidade de servir-me dele, voltava-me para cima, em uma posição tal que, desde que se produzia à insensibilidade, eu tombava de costas deixando cair à esponja.

Uma noite, entretanto, ao cair sobre a cama, retive a esponja que permaneceu aplicada à minha boca.

A Senhora Varley achava-se em um quarto por cima do meu, tratando de uma criança doente. No fim de alguns instantes voltei a mim: vi minha esposa ao alto e eu próprio deitado de costas, com a esponja sobre a boca, na impossibilidade absoluta de fazer qualquer movimento; por esforço de minha vontade, fiz penetrar em seu espírito a clara noção de que eu corria um perigo. Ela ergueu-se, sob uma viva impressão de alarme, desceu e apressou-se em retirar a esponja. Fui salvo.

Todas essas observações, que me escusaria de tê-las multiplicado tanto, se não se tratasse de uma demonstração tão nova, tão discutida e tão importante, provam, à saciedade, a realidade da ação psíquica de um espírito sobre outro.

Por vezes, essa transmissão psíquica vai até produzir sensações físicas, materiais.

Eis, como exemplo, um caso bem curioso, narrado na obra sobre as Alucinações Telepáticas (pág. 325), ao qual já temos tantas vezes recorrido. E ele devido a Sra. Sevem, de Brantwood (Inglaterra)

XLI. - Levantei-me em sobressalto, escreve ela. Senti que recebera violento golpe na boca. Tive a nítida sensação de que havia sido golpeada e que escorria sangue por baixo do meu lábio superior.

Sentada na cama, tomei um lenço, amarrotei-o e comprimi-o, à guisa de tampão, sobre o lugar ferido. Segundos após, retirando-o, surpreendeu-me não ver traço algum de sangue. Só então reconheci que era absolutamente impossível haver-me qualquer coisa ferido, porquanto eu estava em minha cama e dormia profundamente. Refleti, pois, que simplesmente acabava de sonhar. Mas, consultei o relógio e, vendo que eram sete horas, e que Artur (meu marido) não estava no quarto, concluí que havia saído para fazer, muito cedo, um passeio de bote no lago, pois o tempo estava magnífico .

Tornei, depois, a dormir. Almoçávamos as nove horas e meia. Ele demorou-se em voltar e notei que fora se sentar um pouco mais afastado de mim do que de costume e que, de tempos em tempos, levava o lenço aos lábios.

- Artur - disse-lhe eu - porque fazes isso? - E acrescentei, um pouco inquieta: - Sei que te feriste, mas dir-te-ei depois como vim a sabê-lo.

- De fato! - disse-me ele - Eu andava de bote há pouquinho, quando fui surpreendido por uma rajada de vento e a cana do leme veio bater-me na boca; recebi um golpe violento no lábio superior, fazendo-me derramar muito sangue que não pude ainda estancar.

- Tens alguma idéia da hora em que sucedeu isso ?

- Deviam ser pouco mais ou menos sete horas - respondeu-me ele.

Então eu lhe contei o que me acontecera; ficou muito surpreendido com o fato, como também o ficaram todas as pessoas que almoçavam conosco. Passou-se isso em Brantwood, há cerca de três anos.

 

JOANA SEVERN .

 

A Senhora Severn escreveu, em resposta a algumas perguntas:

E absolutamente certo que eu estava completamente acordada, pois que levei o meu lenço à boca e comprimi-o sobre o meu lábio superior, durante certo tempo, para ver o sangue. Fiquei muito admirada de não vê-lo. Logo, depois, voltei a dormir novamente; creio que, logo que me levantei uma hora depois, ressentia-me ainda de uma impressão muito viva e, ao vestir-me, observava o lábio, para ver se não trazia algum sinal do golpe .

Eis, de outra parte, o relato do Senhor Sevem (79)

Brantwood, Conniston, 15 de Novembro de 1883.

Por uma bela manhã de verão, levantei-me muito cedo, com a intenção de realizar um passeio de bote no lago. Não sei se minha mulher percebeu quando saí do quarto.

Quando entrei na água, achei-a tranqüila como um espelho e lembro-me que experimentei uma espécie de arrependimento a toldar a paisagem encantadora da ribanceira oposta que se refletia ã superfície do lago. Entretanto, eu pusera desde logo a flutuar a minha embarcação e, como não ventasse, contentei-me em içar as velas, para fazê-las secar e por em ordem o barco. Não tardou a levantar-se uma leve brisa que me permitiu navegar, cerca de uma légua, águas abaixo de Brantwood. Depois o vento refrescou. Preparei o meu bote tão bem quanto possível, para receber a lufada; mas, por um motivo qualquer, foi ele impelido para trás e parecia querer girar sobre si mesmo quando foi apanhado pelo vento.

Como quisesse evitar a verga, voltei à cabeça para trás, do lado do leme, mas a cana veio bater-me na boca e me cortou profundamente o lábio. Entretanto, consegui sem demora alcançá-la e, como tinha bom vento, pude voltar a Brantwood. Depois de haver amarrado o bote no porto, dirigi-me para casa, tratando de esconder, quanto possível, o que me sucedera à boca. Tomei um outro lenço, entrei na sala de jantar, e consegui contar coisa diferente a respeito da minha saída matinal. Ao cabo de um instante, disse-me a esposa:

- Parece que estás com a boca ferida!

Então expliquei o que me acontecera e muito me surpreendeu o interesse extraordinário que notava em seu semblante; ainda mais surpreso fiquei, quando me contou ela que havia despertado em sobressalto, crente de que ela recebera um golpe na boca. Acontecera-lhe isso pelas 7 horas e poucos minutos. Foi precisamente cerca dessa hora que o acidente devia ter-se dado.

ARTUR SEVERN.

 

No curso das dezoito primeiras edições deste livro (1900-1906) tais observações da ação psíquica de um sobre outro espírito, detinham-se aqui, mal grado aos documentos mais numerosos ainda que eu tinha entre as mãos. Depois, recebi grande número de novos documentos, entre os quais sobretudo dois me parecem particularmente interessantes.

O primeiro procede do Senhor Doutor H. Viry, de Poitiers (1907) . Depois de haver confirmado o caso n. 1 das manifestações de moribundos, mais acima descrito pelo General Parmentier, declarando que nele se trata de sua avó, a Senhora Geschurnd, que pessoalmente lhe fez a narrativa do fato, mostrando-lhe o vão da larga janela, onde se passou o fenômeno, acrescenta o doutor o seguinte caso:

Tratava eu, escreve ele, uma jovem parente a cuja casa ia de bicicleta. Tinha-a adormecido diversas vezes com um fim terapêutico e ela se achava em relação magnética comigo. Uma tarde, regressava eu a minha casa, de bicicleta, quando, a uns vinte metros do edifício, me senti com a perna esquerda presa um pouco acima do tornozelo, a ponto de ser forçado a parar. Salto para o chão, examino a bicicleta, torno a subir, dou ao pedal duas voltas e torno a sentir a mesma retenção causada por uma mão que me prende a perna no mesmo lugar. Vem-me a idéia de que é a mão da minha parenta, que me detém; volto-me, olho para a sua janela e vejo-a, efetivamente, com seu pai, fazendo-me sinal para voltar.

Que se passou? No momento de minha partida, puseram-se os dois à janela e seu pai lhe exprimira o pesar de não me ter feito uma comunicação importante. A moça lhe respondera: Pois bem, vou detê-lo, prendendo-lhe a perna.

A segunda observação é devida ao Doutor d'Ardenne, médico em Tolosa (1903), e tem igualmente por objeto a projeção da vontade à distância, sem palavra, nem ruído, nem contacto. Eis o relato:

Antes de ter tido ocasião de ocupar-me pessoalmente de hipnotismo e de observar por minha conta, assistira eu, diversas vezes, a sessões públicas organizadas, para as multidões pagantes, por magnetizadores de profissão, dublês de prestidigitadores (Donato, Verbeck, Caseneuve, Pickmann, etc.). Todo o mundo sabe que ao lado dos fenômenos de hipnose clássica, reproduzidos milhares de vezes por médicos do maior mérito, que definitivamente entraram para o domínio científico, não faltaram exibicionistas, como os de que se trata, para apresentarem aos seus espectadores experiências perturbadoras a seu modo - telepatia, sugestão mental, etc. Trata-se, porém, de questões ainda relegadas ao ostracismo pela generalidade dos sábios, ainda que diversos dentre eles, e não dos menores, se tenham mostrado muito abalados por certos fatos sobremodo interessantes, e que alguns mesmo, após os ter admitido como incontestáveis, se tenham retraído até encontrarem uma explicação racional para os fatos em apreço.

Entre as experiências extracientíficas, uma das que mais vivamente me tem interessado, consiste no que denominarei a atração à distância sem palavra alem contacto. Vi a esse respeito, notadamente Verbeck, sair-se maravilhosamente bem, com sonâmbulos colocados no fundo da cena, voltados de costas para a sala e com os olhos vendados, que ele fazia caminhar para o seu lado, de recuo em recuo, apenas executando, com as duas mãos, gestos de atração. No curioso volume do célebre magnetizador Lafontaine, encontram-se várias observações desta natureza. Eis uma das mais notáveis

Em Orleans (edição de 1860, pág . 118) , uma jovem chamada Branca, e que diversos médicos me tinham feito magnetizar em sua presença, ofereceu-me o fenômeno da atração em grau muito desenvolvido. Vi diversas pessoas bastante vigorosas reterem-na com força, entre outros o Senhor Danicourt, redator-proprietário do jornal Le Loiret e o Senhor de Saint Maurice, redator do Orleanais, ambos empregando nesse ato sua inteira força muscular, com risco de quebrar os membros da moça; estava ela distante de mim uns 30 metros. Logo que, por um sinal, eu a atraía a mim, apresentando a ponta dos meus dedos e encurvando-os um pouco, Branca, que me voltava às costas, fazia esforços sobre-humanos para se desprender; não o podendo, arrastava esses dois senhores, mal grado a toda a resistência que opunham. Desde que a soltavam, ela caminhava de costas e caía em meus braços, sem sentidos .

Compreende-se bem que no tempo de Lafontaine a interpretação desses fatos não podia deixar de ser errôneos. Estaremos em condições, na hora atual, de dar-lhe uma explicação mais satisfatória? Talvez seja permitido duvidar-se disso. Como quer que seja, o importante seria, aguardando embora essa explicação, verificar os casos ocorrentes; foi o que me dispus a fazer na primeira ocasião.

Esta se me apresentou, pela primeira vez, em 1894.

Tratava eu, então, de uma histérica, a Srta. T., com a idade de 40 anos, que me fora recomendada pelo professor Bonnemaison. Com o fim de tentar uma diversão e também para tentar a lavagem do estômago contra acidentes gástricos rebeldes, o eminente clínico confiara-me o cuidado, em 1889, de submeter sua doente ao uso do tubo Faucher. Como, neste comenos, ele tivesse morrido, fiquei encarregado, desde então, de dirigir todo o tratamento; e não tardei em reconhecer que a minha nova cliente realizava o tipo do que se convencionou chamar um sujets notável.

Utilizando essas disposições especiais com o intuito de atenuar as terríveis crises que se repetiam incessantemente, fiz desde o começo, mas sobretudo em 1894, diversas tentativas de atração, cujo bom êxito foi além das minhas expectativas. Mas foi somente quatro anos mais tarde, no curso de nova série de acidentes, que tive completo campo para a realização das minhas experiências. Pratiquei-as durante a mais profunda letargia, em começo com o auxílio de um movimento das mãos (como Verbeck e como Lafontaine), em seguida somente pelo olhar. Pareceram-me elas a tal ponto concludentes, que tive a idéia de levá-las ao conhecimento do meu velho colega e amigo, professor Grasset .

Aceitei de bom grado suas explicações relativamente ao que concerne ã possibilidade da sugestão, por um gesto das mãos. Confesso, porém, que me foi difícil admitir que um simples olhar fosse de natureza a determinar uma sugestão. Resolvi, pois, retomar as minhas experiências em condições diferentes e mais rigorosas : 1.° agindo sobre a paciente em letargia, através de um obstáculo material; 2.° agindo sobre ela, quer em estado de sonambulismo, quer em estado de vigília, mas depois que me tornasse invisível por sugestão.

O resultado, que foi absolutamente o mesmo, causou-me admiração vizinha do espanto.

Cessando de operar com as mãos, procurei experimentar apenas com o olhar: sentado em uma cadeira, por detrás do espaldar da poltrona em que repousa a doente, e em uma posição tal que me encontro inteiramente oculto, posso ficar indefinidamente nessa posição, sem que suceda coisa alguma. Basta, porém, que eu projete meu olhar sobre o espaldar, para que a atração se produza logo e a paciente se precipite para o meu lado, depois de haver contornado sua poltrona. O mesmo resultado se verifica, se, achando-se o sujets em estado de sonambulismo ou mesmo de vigília, me torno previamente invisível por sugestão. Com a diferença apenas que, neste caso, a enferma é consciente e se queixa energicamente de ser, a seu mal grado, atraída. Sucede, entretanto, neste caso, que ela não vai tão diretamente ao alvo; tateia para encontrar o meu corpo, quando está próximo dele e, não sem um vivo sentimento de despeito, pergunta onde estou às pessoas presentes. Ontem eu fazia tais experiências em estado de vigília. A Srta. T. estava quase encolerizada. Depois de acalmá-la, consegui fazê-la sentar-se ao canto do fogão e tomei uma poltrona defronte da sua. Ela estava com frio nas mãos e aproximava-se do fogo, tremendo. Ao cabo de um instante, olho-a fixamente; ela imediatamente se precipita para frente, reclamando energicamente de que eu não a deixava aquecer-se.

- Aquecei-vos, pois!

- Sim, se não me forçásseis a correr para o vosso lado! E a experiência é repetida dez vezes, vinte vezes, até que a fadiga e a exasperação fossem tais que compreendi dever por um fim às mesmas experiências. Se quiser atrair a perna ou a mão, consigo-o facilmente, fixando o meu olhar sobre essas partes do corpo, exclusivamente.

Dir-se-á que o olhar é sentido, que os movimentos das pálpebras são percebidos, e que as sensações, que daí resultam, são as causas da sugestão ? Sem dúvida, parece necessário que uma advertência qualquer, emanada do hipnotizados, chegue até a paciente. De que natureza, entretanto, é tal advertência?

O que tenho constatado, firma-me, de uma forma absoluta, na persuasão, em que eu já estava, de que não tinha havido erro no caso. A atração, nas condições que especifiquei, é - com relação á Srta. T. - um fato inegável e constante.

Chego, portanto, hoje às mesmas conclusões que precedentemente, com esta única apreciação a mais: a de que tenho, presentemente, quase certeza de que o que é sentido é o próprio olhar em si mesmo. O que me permitiu acreditá-lo é que um estremecimento, por vezes bastante intenso, precede imediatamente o movimento de atração. Acabei por adquirir a convicção de que alguma coisa escapava dos meus olhos para ir assaltar os centros automáticos da paciente, por intermédio dos nervos sensitivos cutâneos.

Enfim, no curso das minhas experiências com o paciente desperto (quando me tornava invisível por sugestão pós-hipnótica) aproveitei a plenitude de consciência de que desfrutava a Srta. T. que é, aliás, muito inteligente, para pedir-lhe que me explicasse porque se precipitava assim, de repente, em direção a mim. Ela me respondeu textualmente:

- Sou impelida por uma força irresistível, da qual não posso discernir nem a origem nem a natureza. Experimento a necessidade de levantar-me; devo caminhar; é necessário que vá ao vosso encontro!

Eu - Essa necessidade de seguir-me é tão urgente como no momento da projeção do olhar (fascinação) ?

Ela - E um pouco menos forte, ainda que invisível. No segundo caso, eu quebraria tudo!

Em realidade, o que lhe é dado distinguir, de mais claro, nessa aventura que a espanta extraordinariamente e mesmo, em verdade, a humilha, é que o seu hipnotizado assim o quer; que ela se sente, mau grado seu, invencivelmente, fatalmente, sob o império dessa estranha vontade, sem que lhe seja possível explicar porque e como a coisa é assim.

Em conclusão, parece-me evidente que o gesto das mãos e o próprio olhar são percebidos e sentidos pelo sujets, mesmo à distância, mesmo através de um corpo sólido e que disso resulta uma sugestão (na espécie, atração, sempre, seja total, seja parcial) .

Resta saber qual é, em semelhante caso, o traço de união entre o hipnotizados e o sujets...

Poderíamos ainda multiplicar indefinidamente esses exemplos . Quer nos parecer que os nossos leitores estão completamente edificados também, quanto à certeza da transmissão de pensamentos, de impressões e de sensações.

Admitiremos, pois, coma demonstrada, a ação de um espírito sobre outro, a transmissão do pensamento, a sugestão mental, ainda que o fato seja contestado por grande número de sábios, mesmo especialistas. Assim, por exemplo, o Doutor Bottey afirma que a pretensa transmissão do pensamento, a vista dupla, não poderiam existir e que tal coisa não passa de uma charlatanice explorada pelos magnetizadores (80) . Parece-nos que a falsa moeda não impede que a legítima também exista.

Grande número de sábios professam a mesma negação para com essas transmissões psíquicas, especialmente na Inglaterra, onde Sir William Thomson (Lord Kelvin) e Tyndall tornaram-se particularmente notáveis pelo profundo desprezo que afetavam por esta espécie de estudos.

O astrônomo francês Laplace dava provas de espírito bem superior, quando escrevia (81)

Os singulares fenômenos que resultam da extrema sensibilidade dos nervos, em certos indivíduos, deram nascimento a diversas opiniões sobre a existência de um novo agente, a que chamaram magnetismo animal. E natural que se acredite ser muito fraca a causa desta ação, e talvez mesmo facilmente perturbada por grande número de circunstâncias acidentais; todavia não se deve concluir que ela deixe de existir, pelo fato de se não haver manifestado em diversos casos. Estamos tão longe de conhecer todos os agentes da Natureza e seus diversos modos de ação, que seria pouco filosófico negar a existência de fenômenos, unicamente porque são inexplicáveis no estado atual de nossos conhecimentos.

Aí estão palavras dignas de serem meditadas por aqueles que se sentissem tentados a pronunciar aqui a palavra impossível; a outros, que temem sobretudo o ridículo, aconselham elas pelo menos a prudência na crítica .

Admite-se, em Física, que o éter, esse fluido imponderável, considerado como o elemento que enche o espaço, atravessa todos os corpos e que, mesmo nos mais densos minerais, os átomos não se tocam e flutuam, de alguma sorte, no éter.

Esse fluido transmite, através da imensidade, os movimentos ondulatórios produzidos em seu seio pelas vibrações luminosas das estrelas: transmite a luz, o calor, à atração, a distâncias consideráveis .

Que haveria de inadmissível em que, penetrando, como ele o faz em realidade, nos cérebros em vibração, transmita igualmente à distância as correntes que invadem as nossas cabeças e estabeleça verdadeira permuta de simpatias e de idéias entre os seres pensantes, entre os habitantes de um mesmo mundo e quem sabe mesmo se, através do espaço, entre a Terra e o céu?

Podemos conceber que, em certos casos, em certas condições, um movimento vibratório, uma irradiação, uma corrente mais ou menos intensa, sejam projetados de um ponto do cérebro e vão repercutir em outro cérebro, comunicar-lhe umas excitações súbitas, que se traduza em sensação auditiva ou visual. Os nervos se acham de tal ou tal modo abalados. Aqui, acreditar-se-ia estar vendo ou reconhecer o ente querido, de quem partiu a comoção; lá, julgar-se-ia ouvi-lo; alhures, a excitação cerebral se traduzirá pela ilusão de um ruído, de um movimento de objetos. Todas essas impressões, porém, se passam no cérebro do sujets, como em estado de sonho. Aliás, no estado normal, não percebemos igualmente as coisas senão por uma excitação cerebral, obscuramente processada no interior de nossos crânios.

O cérebro, material, localizado no crânio, é um órgão de onde emanam radiações, um foco que irradia em seu derredor, coma um sino em vibração, como um centro luminoso ou calórico, e emite ondas físicas análogas às da luz? ou antes é o espírito um foco de outra espécie, mais etéreo, de natureza psíquica, que emite radiações invisíveis de grande poder e que se podem transportar a grandes distâncias? O fato da existência de uma radiação emanada do ser pensante parece necessário para explicar os fatos observados, quer proceda ela do espírito ou do cérebro. Efetua-se ela em ondas esféricas? Projeta-se ela em jactos retilíneos? Está aí em jogo a eletricidade? (Ela existe certamente no organismo humano e eu tive disso a prova um cento de vezes.) Nada mais podemos fazer, por enquanto, do que propor a questão. Mas o fato da ação da alma a distância está presentemente demonstrado, e eu peço aos leitores que não me atribuam coisa diferente do que o que escrevi.

Proponho as hipóteses explicativas, simplesmente como interrogações. Há cem anos a teoria da emissão era, admitida, ensinada pela Ciência. Hoje está. abandonada e substituída pela teoria das ondulações do éter. Nada, porém, nos prova que esta possa dar explicação a tudo, principalmente aos fatos de ordem psíquica. Não é absolutamente necessário explicar uma coisa, para admiti-la: recebeis um soco violento; voltando-se, não vedes ninguém. Nem por isso, deixastes de receber o golpe inexplicável - e sois forçados a registrá-lo. A importância, o valor essencial desta obra, e provar que tais fatos existem, que há uma ordem de coisas invisível e desconhecida, ao lado do mundo visível e conhecida, e que esse desconhecido merece estudado .

A ação, à distância., de um ser sobre outro, é um fato científico, tão certo como a existência de Paris, de Napoleão, do oxigênio ou de Sírius.

As pesquisas empreendidas em nosso trabalho, mesmo que se detivessem aqui, servindo exclusivamente para afirmar o fato a que acima nos referimos, teriam a mais alta importância e não lamentaríamos havê-las empreendido. Elas, porém, conduzem a muitas outras constatações não menos audaciosas, não menos surpreendentes e não menos verdadeiras.

Ensinam os ocultistas que o homem é composta de três partes: a alma, o corpo astral e o corpo físico, e explicam as manifestações dizendo que o corpo astral do moribundo se escapa e se transporta para junto da pessoa impressionada.

Não nos parece esta explicação satisfatória, por causa da diversidade de impressões. Uns são advertidos de uma, morte pela visita de um gato, de um pássaro, de um cão; pelo suposto abrir ou fechai de um postigo, de uma janela, de uma porta; por meio de pancadas ou de passos ouvidos; por aparições de seres, sempre vestidos; por pedidos de preces, quando se trata de mortos, para se verem livres do purgatório. Aí estão, evidentemente, impressões pessoais produzidas por uma causa telepática, e não manifestações de um corpo astral que se tivesse transportado.

Proclama-se, por vezes, nas ciências, como princípios axiomáticos, que uma hipótese deve abranger uma explicação completa. Eis aí um erro. Uma hipótese pode explicar certos fatos e não explicar outros.

E o que sucede no caso de que nos ocupamos. Mas não consideremos como menos demonstrada a ação psíquica de um espírito sobre outro, à distância e sem o intermédio dos sentidos, ainda que esta ação não possa tudo explicar.

Ela explica as impressões do cérebro, as aparições fictícias. Não explica os movimentos reais dos objetos. Uma teoria que explicava grande número das impressões mencionadas, seria esta:

Uma pessoa, na ocasião de morrer, querendo-o ou não o querendo (a examinar), produziria no éter um movimento que iria impressionar um cérebro a vibrar sincronicamente e determinaria neste cérebro, do lado da região onde terminassem os nervos ópticos e auditivos, uma impressão que sofreria variações segundo o estado particular dessa região no percipiente.

Por exemplo (carta 151, pág. 183), uma criança que tinha paixão pelas aves, ouve um pio de pássaro, que o leva a procurar esse pássaro. Sabe-se, no dia seguinte, da morte de um parente.

Não tenhamos, porém, a pretensão de saber, ao primeiro esforço, de que modo se opera a transmissão. A hipótese de vibrações esféricas ondulatórias do éter parece a mais racional; não basta, entretanto, para explicar todos os casos. Uma espécie de projeção do pensamento parece manifestar-se nos casos de transmissão mental magnética, que se poderia por vezes comparar a um chamado silencioso. Entretanto, em um chamado, em um grito, mesmo lançado expressamente para determinada direção, o som também é transmitido por ondulações esféricas através da atmosfera, do mesmo modo que a luz através do espaço. Produzir-se-á, porventura, uma projeção mais completa do espírito, uma espécie de exteriorização de força que se escaparia do ser em perigo de morte, para ir tocar no amigo a que se dirige? A hipótese é sustentável. Parece mesmo, por vezes, que o fantasma ~ constituído pelo ser subconsciente do sujets - causa do efeito observado - tenha arrebatado consigo alguns elementos materiais do organismo (82).

Uma projeção de forças psíquicas pode transformar-se em efeitos físicos, elétricos, mecânicos. A correlação das forças, suas mútuas transformações, ressaltam até à evidência, dos estudos modernos. O movimento, o calor, não se transformam, todos os dias, em eletricidade? Quando Crémieux, que fora fuzilado, faz ouvir a Clóvìs Hugues pancadas desferidas em sua mesa, é possível que não haja nisso uma influência cerebral, mas uma produção real de pancadas. Podem não ser sempre tais efeitos fictícios, subjetivos. As impressões produzidas sobre os animais, um piano que toca inteiramente só um serviço de porcelana atirado ao chão, as sensações coletivas (V. notas, págs. 17C, e 213) indicam realidades objetivas. Não somos, porém, de opinião que os elementos do problema estejam assaz estudados, quanto ao presente, para autorizarem uma conclusão definitiva, tanto mais que mui freqüentemente parece certo que o moribundo não tenha podido pensar, de modo algum, na pessoa que soube telepaticamente de sua morte.

Talvez que espírito, força, matéria não sejam mais do que manifestações diversas de uma mesma entidade inacessível aos nossos sentidos. Talvez exista um princípio único, ao mesmo tempo inteligência, força e matéria, compreendendo tudo o que existe e tudo que é possível, causa primária e causa final, cujas diferenciações não seriam mais do que formas diversas de movimento, Assinalemos a este propósito, de passagem, que se o pensamento não deve mais ser considerado como uma secreção da matéria, mas sim como forma de movimento do princípio único não é lógico afirmar o aniquilamento da inteligência pela morte do organismo.

Sem duvida, não representam aa manifestações de moribundos um fato geral, urna lei da Natureza, uma função da vida ou da morte, não parecendo elas mais do que uma exceção sem causa conhecida e sem razão aparente. A proporção não chega a ser talvez de 1 para 1.000 mortos. Esta proporção daria ainda cerca de 50 manifestações de moribundos por ano em Paris verificar mesmo este número?

A eletricidade atmosférica nem sempre se traduz na deflagrar do raio.

Não são nem a inteligência, nem o saber, nem o valor moral, quer do ser que morre, quer do que recebe a manifestação, que causam e orientam essas comunicações. Nelas as leis aparentes não são mais distintas do que nos efeitos do raio. Uma faísca elétrica vai ferir um ser vivo, um objeto, por efeito de uma circunstância ocasional, sem que a Ciência lhe descubra as causas.

Contudo estas constatações psíquicas diversas nos encaminham os passos para uma ordem de coisas dignas de toda a nossa atenção. Le Verrier freqüentemente externava-me o pensamento de que, na Ciência, o que há de mais interessante são as anomalias, as exceções . Sabia-o, de alguma sorte, por causa da descoberta de Netuno.

Podemos dizer com Ch. du Prel que, enquanto houver possibilidade de progresso, haverá fenômenos por explicar, e que quanto mais esses fenômenos nos pareçam impossíveis, tanto mais serão eles de natureza a fazer-nos avançar no conhecimento do enigma do Universo.

Acrescentaremos, com os autores dos Phantasms of the Living, que se pronunciou um divórcio entre as opiniões científicas dos homens cultos e as suas crenças. A velha ortodoxia religiosa, sendo muito estreita para conter a ciência do homem, a nova ortodoxia materialista, a seu turno, tornou-se demasiado estreita para conter as suas aspirações e os seus sentimentos. E' chegado o momento de nos elevarmos acima do ponto de vista materialista e de chegar a concepções que nos permitam considerar como possíveis essas sutis comunicações de espírito a espírito, mesmo essas comunicações entre as coisas visíveis e invisíveis, cuja idéia fecundou, em todos os tempos, a Arte e a Literatura:

 

Star to star vibrates light; may soul to soul

Strike thro'some finer element of her own

 

O amante, o poeta, todos os que sentiram entusiasmo por uma causa generosa, têm, em todos os séculos, inconscientemente respondido a esta interrogação de Tennyson. Para alguns, como, por exemplo, o Goethe, em certas horas de arrebatamento, esta sutil comunhão dos espíritos aparece com uma luminosa claridade. Para outros, como Bacon, esta convicção se foi formando lentamente com os mínimos subsídios que o estudo cotidiano do homem vai revelando. Mas, pela primeira vez, sabemos que essas mensagens mudas viajam verdadeiramente, que essas impressões se expandem e se transmitem .

Dizemos que essa força é de ordem psíquica e não física, ou fisiológica, ou química, ou mecânica, porque ela produz e transmite idéias, pensamentos, exercendo-se sem o concurso de nossos sentidos, de alma para alma., de espírito a espírito.

Nossa força psíquica dá, sem dúvida, nascimento a um movimento etéreo, que se transmite ao longe como todas as vibrações do éter, e se torna sensível para os cérebros em harmonia com o nosso. A transformação de uma ação psíquica em movimento etéreo, e reciprocamente, pode ser análoga à que se observa no telefone, em que a placa, receptiva, idêntica à placa. de transmissão, reconstitui o movimento, não por meio do som, mas da eletricidade. Isso não passa, entretanto, de simples comparação .

A ação de um espírito sobre outro, à distância, sobretudo em circunstâncias tão graves como a da morte, e da morte súbita em particular, a transmissão do pensamento, a sugestão mental, a comunicação à distância, não são mais extraordinárias que a ação do ímã sobre o ferro, a atração da Lua sobre o mar, o transporte da voz humana pela eletricidade, a revelação da constituição química de uma estrela pela análise da sua luz; do que todas as maravilhas da ciência contemporânea. A diferença que há, consiste apenas em que tais transmissões psíquicas são de ordem mais elevada e podem pôr-nos a caminho do conhecimento do ser humano.

A seqüência gradual do nosso exame levar-nos-á provalmente, a admitir que há aparições reais, objetivas, substanciais, duplos de pessoas vivas e talvez mesmo manifestações de mortos. Não antecipemos, porém.

Como quer que seja:

A telepatia pode e deve ser inscrita doravante na Ciência, como realidade incontestável;

Os espíritos podem agir uns sobre os outros sem o intermédio dos sentidos;

A força psíquica existe. Sua natureza, permanece desconhecida.

 

 

 

VII

 

O MUNDO DOS SONHOS

 

 

Diversidade indefinida dos sonhos. - Fisiologia cerebral. - Sonhos psíquicos: manifestações de moribundos recebidos durante o sono. - A telepatia nos sonhos.

 

 

 

 

 

Os fenômenos psíquicos com que nos acabamos de ocupar, podem produzir-se durante o sono, tanto quanto no estado de vigília. Até ao presente, o sono e os sonhos têm sido muito estudados, é certo, por grande número de observadores perspicazes (83); mas é preciso confessar que eles se acham ainda incompletamente elucidados. O sono não é um estado excepcional em nossa vida; é, pelo contrário, uma função normal de nossa existência orgânica, da qual representa, pelo menos, um terço. O homem ou a mulher, que viveu sessenta anos, dormiu vinte pouco mais ou menos. As horas de sono (três mil por ano!) são, sem contradita, horas de repouso, de reparação vital, tanto para o cérebro como para os membros em repouso; não são, porém, horas de morte. Nossas faculdades intelectuais permanecem em atividade, com a diferença que é o inconsciente que age, e não a nossa lógica consciente do estado de vigília.

Do mesmo modo que pensamos constantemente em uma ou outra coisa, em estado de vigília, sonhamos constantemente, durante o sono, quer-nos parecer. O sonho é a imagem da vida. Aqueles cujas idéias são vigorosas, cujos pensamentos são poderosos, têm sonhos intensos. Os que pouco pensam, fracamente sonham. Há número igual de sonhos e de idéias e todas as classificações tentadas têm sido quase todas vãs e ilusórias.

Nem sempre nos lembramos dos sonhos. Aliás não nos recordamos de três quartas partes dos pensamentos que atravessaram nosso cérebro durante o dia. Para fixar um sonho, à sua passagem, cumpre despertar bruscamente e prestar viva atenção a ele, pois que não há o que se desvaneça mais depressa do que um sonho. Em geral é coisa de um ou dois segundos e, se não o fixamos imediatamente, ele se desvanece... como um sonho.

Grande número de autores asseguram que somente sonhamos pela manhã, antes de despertar, ou à noite quando acabamos de adormecer. Entretanto, basta que despertemos - ou que se desperte alguém - a qualquer hora da noite, para. constatar que se estava sonhando.

Afirma-se também que o sonho é produzido pelo ato de despertar. De forma alguma, evidentemente, pois que nos sentimos por vezes muito felizes de nos livrarmos de um pesadelo, e certos sonhos são bastante violentos para obrigar-nos a despertar. A questão do sono completo, do repouso absoluto do espírito, não me parece resolvida.

Em geral sonhamos com as coisas de que nos ocupamos e com as pessoas que conhecemos. Há, entretanto, exceções estranhas, e os pensamentos mais intensos do dia, por vezes, não têm repercussão alguma durante o sono que se lhes segue. As células cerebrais que estiveram associadas a esses pensamentos, estão exaustas e repousam, e quase sempre isso nos proporciona felicidade. Por outro lado, o tempo e o espaço desaparecem. Acontecimentos de várias horas, mesmo de vários dias, podem desenrolar-se em um segundo podeis recuar o grande número de anos no passado, à vossa infância, com pessoas mortas desde muito tempo, sem que essas longínquas recordações pareçam enfraquecidas. Encontrais em sonho, sem espanto, personagens de um outro século. Pode-se também sonhar com coisas que jamais sucederam e que seriam aliás impossíveis. Imagens extravagantes e burlescas, das mais disparatadas, associam-se sem a menor verossimilhança.

Certos sonhos provêm, mesmo, de uma transmissão hereditária .

Mil causas diversas atuam sobre os sonhos, exteriormente ao próprio espírito : uma digestão difícil, uma respiração contrafeita, qualquer má posição do corpo, o roçar do lençol, da camisa; uma coberta. muito pesada, um resfriado, um barulho, uma luz, um odor qualquer, o contacto das mãos, a fome, a sede, a plenitude dos tecidos, tudo atua sobre os sonhos.

Pode-se assinalar, por exemplo, a este propósito, uma alucinação hipnagógica assaz freqüente, aquela que nos faz cair em um buraco, tropeçar em um degrau de escada, tombar ao fundo de um precipício. Ela se manifesta geralmente um pouco depois do começo de nosso sono, no momento em que os membros, relaxando-se inteiramente, fazem, parece-me, mudar de súbito de lugar o centro de gravidade de nosso corpo. Sem dúvida é essa deslocação subitânea de nosso centro de gravidade que dá origem a esse gênero de sonhos. Quando nos ocuparmos do Tempo, teremos ocasião de voltar a tratar da admirável rapidez dos sonhos.

As atitudes do sono tendem a um equilíbrio passivo. Todas as atividades sensoriais se obscurecem gradativamente e o olvido do mundo exterior chega por transições insensíveis, como se a alma se retirasse lentamente para os seus mais íntimos redutos. Cerram-se às pálpebras e os olhos são os primeiros a adormecer, velando o sentido da vista. Em seguida perde o tato suas faculdades de percepção e logo adormece. O olfato por sua vez se amortece. O último a retirar-se é o ouvido, sentinela vigilante, para advertir-nos em caso de perigo, mas também ele acaba cedendo. Então o sono é completo e o mundo dos sonhos se abre diante do pensamento com sua indefinida diversidade.

Quando eu catava pelos meus vinte anos (entre 14 e 23 anos), divertia-me em observar os meus sonhos e em escrever ao despertar, com os comentários que podiam explicá-los. Continuei depois, mui raramente porém, a tomar novas notas a esse respeito. Acabo de encontrar esse registro, assaz volumoso.

Tirara eu desses sonhos certas conclusões interessantes.

Desse registro inédita extrairei alguns sonhos e algumas reflexões que me parecem ter todo cabimento nesta parte do presente livro.

Deixara eu o Observatório de Paris, em conseqüência de dissentimento com o respectivo diretor, Le Verrier, e fora encarregado, no Departamento das Longitudes, dos cálculos relativos ás posições futuras da Lua. Sonho que estou no Palais Royal, na galeria de Orleães, em companhia do livreiro Ledoyen, e que o Senhor Le Verrier entra e compra a minha primeira obra, A Pluralidade dos Mundos Habitados .

Vendo-me lá, pergunta o comprador, olhando para mim:

- E' dele ?

- Sim, senhor senador - responde o livreiro - e é esse o nosso maior êxito de livraria.

Havia diversas pessoas no estabelecimento. Desaparecem todas elas, como por encanto, e encontro-me a sós com Le Verrier, em imenso salão de hotel.

- Estais satisfeito no Departamento das Longitudes - pergunta-me ele - com os Matheu, os Langier, os Delaunay? Melhor faríeis em voltar para o Observatório.

- Estou muitíssimo bem - repliquei. - Aqueles cálculos são mais interessantes do que as vossas reduções de observações.

- Lá, não tendes futuro! - continuou ele. - Em vosso lugar, eu entraria para um Ministério.

- O Senhor Rouland recebeu um pedido para admitir-me nos trabalhos públicos, na repartição de Estatística de fiança.

- Rouland ? Não: Legoix .

- Tendes razão. Mas recusei. A Astronomia está acima de tudo.

- Entretanto, na vida, o principal é ter-se boa colocação.

- Não estamos na. Terra para comer, mas para nutrir nosso espírito com os alimentos que ele prefere. - Sois muito desinteressados! Não alcançareis nada.

- Não compreendemos do mesmo modo a Ciência. Para mim, ela não é um meio: tem em si mesma a sua própria finalidade.

- Poderia confiar-vos no Observatório um cargo importante, mas seria preciso para tanto que vos demitísseis imediatamente do Departamento das Longitudes e que eu tivesse a garantia de que não deixaríeis mais o Observatório.

- E porque deixaria eu uma situação que realizaria uma parte das minhas esperanças?

- O que chamais a filosofia astronômica é uma quimera. A Astronomia é o cálculo.

- O cálculo serve-lhe de base, nada mais.

- Veremos - acrescentou ele, rodando sobre a perna direita e, dirigindo-se para uma porta alcatifada que conduzia, como me pareceu na ocasião, ao apartamento que ele ocupava no hotel, deixou-me a sós com as minhas reflexões.

Levantei-me: batiam 7 horas.

Este sonho se explica, mui facilmente pelas minhas preocupações nessa época. Nele o ilustre astrônomo conserva, de um modo absoluto, o caráter sob o qual eu o conhecia. A substituição do nome de Rouland, ministro da Instrução Pública, pelo nome de Rouher, ministro dos Trabalhos Públicos, pode ter tido por causa a similitude dos dois nomes e a circunstância de que eu via mais freqüentemente este nome que o segundo. O Senhor Legoix era então chefe do Departamento da Estatística e ele insistiu comigo, efetivamente, para entrar para esse departamento. Le Verrier, em todas as ocasiões, testemunhava profundo desdém pelo Departamento das Longitudes. Tal sonho é, portanto, muito simplesmente, o reflexo, o eco de pensamentos reais.

E sobremodo razoável. Todos nós temos outros que o são muito menos. Eis aqui um que termina de forma bem extravagante .

Encontro o meu amigo Doutor Eduardo Fournié, que me censura por ter deixado de visitá-lo há muito tempo e que acrescenta:

- Estas censuras não partem unicamente de mim, mas também da Srta. A. que se queixa da vossa indiferença. Ela não vos teve para dançar, no baile da Sra. F. ; mostrou-se indignada, porque lhe disseram que tínheis ido a uma. outra soirée, e sua mágoa, de que não podia falar a ninguém, levou esta pobre criança a ser acometida de febre cerebral.

Um estudante de Medicina, que se especializa em cirurgia, tratou-a, conseguindo salvá-la. Curou-a, não somente dessa febre, mas também da causa de tal enfermidade, porquanto desde que ele notou a fève conjugale, tornou-se apaixonadamente amoroso, ela correspondeu ao seu amor e agora é a ele que a senhorita ama. Está em plena convalescença.

Leio na anotação feita a este sonho: Eu conhecia a Srta. A., tinha por ela uma viva admiração e lhe dedicara o meu romance Se tu soubesses ; não acreditava, porém, numa reciprocidade de sua parte. Encontrara em casa do Doutor Fournié um jovem cirurgião do Val de Grâce, trajando com muita elegância, que me pareceu fazer a corte à mesma senhorita. Fiquei despeitado com isso e retirei-me. O sonho não é, portanto, até aqui, mais do que uma associação de idéias habituais. Mas a expressão fève conjugale é curiosa no sentido de parecer uma deformação da assonância febre cerebral. Ela é sobremaneira extravagante, ainda que lembre até certo ponto a metamorfose, no sonho precedente, de Rouher em Rouland. Sente-se que as células do encéfalo trabalham, no caso em apreço, de um modo obscuro no inconsciente. Talvez mesmo, reportando-nos à situação do sonho, pudéssemos achar uma outra, aproximação de imagens, que poderá ter dado nascimento, em cerebração inconsciente rápida, a esta expressão singular...

Em outro sonho, encontro-me nas últimas fileiras de um exército em combate. Passam por mim as balas, enormes balas de canhão se sucedem, mas nenhum ruído. Eu via as grandes balas virem e me voltava, ora à esquerda, ora à direita, segundo sua direção. Sucederam-se elas, porém, a intervalos tão curtos, que pensei não ter nada melhor a fazer do que deixar de mover-me, porque, evitando uma, podia achar-me sob a visada de outra.

Disse para comigo, então: Quanto os homens são irracionais, para se divertirem deste modo! Não têm eles, então, outra coisa a fazer?

A explicação deste sonho é igualmente muito simples. Eu havia tirado, na conscrição, quinze dias antes, um mau número. O que há talvez de mais curioso, são essas balas inofensivas chegando sem roído e que se viam quando vinham.

 

OUTRO SONHO

 

Estávamos várias pessoas em uma praça, pública. Nos ares, acima de nossas cabeças, um imenso balão parece lutar desesperadamente contra o vento. De repente, ele se revira completamente, ficando a nacelle para cima. A multidão comprime-se, esperando ver cair o aeronauta. Mas abre-se um pára-quedas no espaço e o aeronauta desce.

Este sonho é extravagante. E difícil de imaginar que um balão possa revirar-se desse modo. Vêem-se em sonhos coisas dezarrazoadas e que se não podem dar.

Várias semanas depois, o Senhor de La Landelle anunciava a partida de um balão monstruoso.

- Sonho que diversas mulheres me acompanham na rua. Sendo a última notavelmente jovem e graciosa, volto-me para contemplá-la. Eis, porém, que escuto umas pessoas dizerem: E o presidente! é o presidente! Fiquei envergonhado e prossegui meu caminho.

Eu era então presidente de uma pequena sociedade de moços que consagravam seus lazeres à literatura . Procedi em sonho como teria procedido acordado.

- Hoje, 5 de Outubro de 1863, a Srta. K. D. conta-me que sonhou estar-me vendo no céu, do outro lado da Lua, com um compasso de ouro em punho, medindo grandezas desconhecidas. De repente desço rapidamente em direção a ela, para lhe dizer que lá se achava um novo planeta, que não se conhecia ainda.

Recebo hoje mesmo o número 1.439 da revista Astronomische Nachrichten que noticia que um novo planeta vem de ser descoberto. Ninguém o sabe ainda em França, e eu o noticiarei no Cosmos .

Não há, seguramente, nisso mais do que uma simples coincidência. Por essa. mesma data, eu li nesse registro a seguinte nota:

O Doutor Hoefer, diretor da Biografia. Geral, publicada pela Casa Didot, dizia.-me ontem que os sonhos representam operações da alma, complexas e difíceis de determinar. No artigo sobre Humboldt, ele escrevera que a Alemanha podia orgulhar-se de dois grandes homens, bem diferentes quanto ao gênio: Frederico, o Grande e Alexandre de Humboldt. Este, a quem enviara ele uma prova, escreveu-lhe pedindo, de joelhos, que suprimisse tal comparação, supondo-se muito pequeno para ser chamado gênio na pátria de Leibniz, e muito ligado às idéias de liberdade, para ser posto em tão íntima companhia de Frederico .

O Doutor Hoefer vinha transferindo sempre de um dia para outro sua resposta a esta carta, quando soube da. morte do ilustre sábio.

Cerca de dois meses após, sonhou que se encontrava em um imenso e esplêndido salão, brilhantemente decorado, no qual um auditório atento escutava um orador. Este orador era ele próprio. Eis, porém, que, percorrendo com o olhar o auditório, reconhece seu amigo Humboldt

- Oh! - exclamou ele, de súbito, interrompendo-se em seu discurso -, como, sois vós? Disseram-me que tínheis morrido .

- Não, meu caro - respondeu Humboldt, com seu sorriso habitual -, era um gracejo. Fiz circular o boato da minha morte, mas bem vedes que não é exato.

Tal sonho é ainda o resultado das preocupações habituais, e Humboldt, falecido, aí aparece provavelmente por acaso.

- Assisto a uma sessão de Espiritismo, na qual o Senhor Mathieu, decano do Departamento das Longitudes e da Academia de Ciências (cunhado de Arago) era médium. Trazem-me a cabeça de meu pai, muito bela, como se fosse moldada em cera ou em marfim.

Não me sinto demasiado impressionado por este quadro, tanto mais que meu pai, bem vivo neste sonho, como o estava em realidade, assistia a esta exibição e não queria de modo algum acreditar no que ocorria.

A classificar entre as absurdidades mais estupefacientes .

- Parto do Observatório, onde se achava o escritório dos cálculos do Departamento das Longitudes (falso: estava então à rua Notre-Dame-des-Champs) e onde acabava de erguer um toast à demissão do Senhor Le Verrier, atravesso um pátio de estilo gótico da Idade Média, que não existe, e vou a Mont Rouge: lá, erguiam-se as muralhas da cidade de Langres e sua amplíssima paisagem .

Associações de imagens e de idéias contraditórias.

- Vejo em sonhos homens voadores que passavam por cima da rua de Rivoli. Entre eles estava meu tio Carlos, que acabava de chegar da América. em sua companhia .

Eu preparava então (1864) minha segunda obra: Os Mundos Imaginários, onde se trata dos homens voadores, e nas sessões de Espiritismo eram recebidas comunicações assinadas por esse meu tio Carlos (que não era, entretanto, falecido) .

- Após o baile da Opera. A orquestra continua a tocar, não cessam as danças, as aventuras e as intrigas prosseguem como em sua realidade.

Sensações da véspera, que ainda perduram.

- Magnífico dia passado em Atenas. Fazia eu pequena viagem e lá cheguei fortuitamente antes do nascer do Sol. Achava-me sobre a Acrópole; em face de magnífico panorama. Vagueava entre monumentos, túmulos e mármore branco, estátuas caídas por terra.

Pura imaginação.

- O Senhor Le Verrier mostra-se freqüentemente em meus sonhos. Decididamente, ocupa-me ele mais a noite que o dia. Esta noite achava-me no pavilhão da guarda do Observatório. Era tarde. A Senhora Le Verrier vem pra curar-me e conversa comigo com a maior amabilidade deste mundo . Passeamos os dois pelos jardins . Assegurou-me que seu marido sentir-se-ia muito feliz de me tornar a ver, que eu teria um instrumento à minha disposição para observar quando quisesse, que eu seria independente, muitas coisas, enfim, inverossímeis e impossíveis .

Copio textualmente. Dez anos depois, era isso que precisamente acontecia: o Senhor Le Verrier punha à minha disposição a grande equatorial para as minhas mensurações de estrelas duplas. Não se trata, por isso, entretanto, de um sonho premonitório. Simples associações de idéias o explicam completamente.

Eis aqui um fragmento de carta, que eu hesitava em imprimir (muitos sonhos, certamente, não o podem ser), e que, entretanto, parece-me, pode ser lido. Eu tinha um colega chamado Sazin:

Voltando ontem à noite de tua casa, escreveu-me ele, com Laurent, Deflandre e Gonet, não fiz encontro algum que tenha podido originar o sonho que tive esta noite. Cerca de hora e meia adormeci. Sonhei que me encontrava contigo no bulevar. Uma mulher de modos levianos, que eu conhecia., passou e foi abordada por um homem que seguiu com ela. Eu os segui (em sonho) e fiquei no quarto, como espectador invisível. O homem era alto e louro, com o ar de um inglês. Eu não o conhecia. Qual não foi a minha surpresa, quando, esta manhã, ao passar, vi sair do n° 68 da rua da Vitória essa mesma mulher com esse mesmo homem!

Este caso é interessante, sem ser probante. Não é impossível que, sem o notar, o autor já tivesse encontrado esse senhor louro em seu quarteirão, ou talvez. mesmo naquela noite, não longe da mulher em questão. Pode o sonho tê-los associado. Não o deixa de ser menos curioso como coincidência.

- Encontro no jardim do Luxembourg o Senhor Desains membro do Instituto, professor da Sorbonne, físico do Observatório (o que tem acontecido mui freqüentemente), que me diz estar escrevendo uma obra sobre os homens dos planetas, o qual seria uma restauração da teoria de Wolff, segundo a qual o talhe dos seres está em proporção com a dimensão dos olhos, e os olhos em proporção com a dilatação da retina, sendo esta inversamente proporcional à intensidade, de modo que em nosso sistema solar os habitantes de Mercúrio seriam os menores e os de Netuno os mais gigantescos.

Respondo-lhe que esta hipótese não tem fundamento, que os elefantes têm olhos pequenos em relação com a sua corpulência, que os mochos os têm grandes e não são gigantescos.

- E para vós que trabalho - acrescenta ele - fareis disso o uso que quiserdes.

A explicação deste sonho é igualmente fácil, atendendo a que nessa época. eu me dedicava a pesquisas astronômicas e fisiológicas .

Se lembro certo número desses sonhos, é que o seu estudo está longe de ser estranho à Psicologia e aos problemas que nos ocupam. Talvez mesmo ofereçam as nossas conclusões mais de uma aplicação quando chegarmos ao Espiritismo .

- Sonho que estou sobre uma, alta montanha. Umas nuvens de corvos passam grasnando. Despojam-se como lagartas de suas cascas e borboletas de suas crisálidas, de seus envoltórios que, para minha estupefação, em nada se pareciam a corvos, mas a cabeças pergaminháceas de orangotangos. O astrônomo Babinet, que lá se encontrava, encheu com elas os seus bolsos .

Explicação: Na véspera, havia eu muito observado, no Atlas celeste de Flamsteed, a constelação do Corvo. O sábio Babinet não era belo e seu aspecto, como o de Littré, fazia pensar na origem simiesca da Humanidade.

- Ao despertar, estas manhãs, ouvem pronunciar este nome: Senhorita d'Arquier. Ora, ontem escrevi no Cosmos que a nebulosa perfurada fora descoberta por d'Arquier, em 1779.

Acho também no mesmo caderno as seguintes reflexões:

- Quase todos os meus sonhos têm neste momento por objeto a mais bela das moças que tenho encontrado neste mundo, a Sra. S. M.

Aquele que conhecesse os sonhos de uma pessoa conhecer-lhe-ia os sentimentos .

Entretanto, se acontece freqüentemente que os pensamentos dominantes da véspera entrem em boa parte nos sonhos, eles, contudo, não os preenchem tanto quanto durante o dia: juntam-se-lhes, neste caso, outras impressões bastante inesperadas e mesmo somos algumas vezes em sonho o oposto do que somos em realidade. Há o verdadeiro e o falso . Fazendo julgamentos segundo certos sonhos expostos, estaríamos, portanto, a julgar mal.

O editor, Senhor Didier, informa-me que, de ordinário, tem ele consciência de seus sonhos e sabe perfeitamente que o que faz em sonhos, não é verossímil.

Já há bastante tempo, diz-me ele, encontro-me, certa vez, em sonho, num salão, ao lado de uma senhora elegante e muito desejável. Tomo-a em meus braços, cerrando-a contra mim, com a sua aquiescência e mal grado a toda aquela multidão que me observa, digo para comigo: Isso me é bem indiferente, pois que estou sonhando. E, com efeito, agi desdenhando todos aqueles olhares inexistentes e coma se eu estivesse sozinho.

Certo dia, sendo perseguido, em um sonho, por um malfeitor e já prestes a ser atingido, ele disse para consigo mesmo: Para escapar-lhe, nada mais preciso do que acabar este sonho, acordando-me . E despertou . Outra transcrição do mesmo caderno:

- Eu me dirigira ao castelo de Compiègne onde o Senhor Filou, preceptor do príncipe imperial, entreteve-me conversando a respeito de Home, a quem eu ainda não conhecia. Jantei e dormi no colégio. O diretor, Senhor Paradis, contou-me um sonho digno de ser registrado. Dormia ele profundamente e sonhou que uma grande e medonha aranha subiam por ele e chegava até o seu peito. Seu horror foi tal, que ele acordou em sobressalto. Sua mulher, apercebendo-se do ocorrido, perguntou-lhe a causa de seu despertar subitâneo, e lhe contou essa espécie de pesadelo. A Senhora Paradis, passando a mão pela cobertura, encontrou uma grande aranha.

E provável que o Senhor Paradis tivesse recebido, dormindo, a impressão da passagem desse nojento animal sobre a sua mão ou o seu pescoço e que essa impressão tenha determinado o sonho.

- Tive um sonho, no qual eu sangrava pelo nariz, o que jamais me acontece, ou quase nunca. Esta manhã, ao levantar-me, apercebo-me de que tinha um pouco de sangue nas fossas nasais.

Impressão igualmente causada por uma sensação física.

- Achava-me na cratera de um vulcão em Paris ou nos arredores. Não sei o que me sucedera, perto de um transeunte, mas falava-lhe eu com altivez, de chapéu na cabeça, e rogava-lhe que seguisse seu caminho sem dizer-me uma palavra. De súbito, no fundo da cratera, uma doce e resplandecente luz inundam as entranhas do vulcão; depois vejo se se abrirem admiráveis minas de cristal, que se desdobravam Pm brilhantes estalactites. O solo não tremia. Sombras cobertas de capuzes de monges saíram deste solo revolvido, tranjando hábitos monasteriais. Ligeiro estremecimento de receio de mim se apoderou, mas logo me pude conter e esperar com calma que um destes recém-vindos chegasse perto de mim. Eu era o único do mundo dos vivos, ali presente, mas não me atemorizei, porque nesse momento me achava dominado pelo mais ardente desejo de interrogar aquelas sombras, a respeito do outro mundo, a fim de obter finalmente a certeza à qual aspirava. Logo que um desses mortos se aproximou de mim o mais possível, para ele me encaminhei, perguntando-lhe, súplice, se realmente ele vinha da mansão dos mortos, se todos os homens aí reviviam, se era esse um mundo positivo e definido como o dos vivos. Ia ele responder-me, quando o cenário mudou de aspecto e, em lugar das colunas irregulares de cristal, que se tinham deixado ver ao fundo, substâncias desconhecidas, límpidas, transparentes e coloridas das mais ricas nuanças, puseram-se em movimento, de baixo para cima e de cima para baixo. Era uma coisa esplêndida. Belíssima luz refulgia nessas diversas cores. As sombras continuavam a vaguear tranqüilamente. A terra não tremia e a majestade do espetáculo não era perturbada por incidente algum que inspirasse medo. Não obstante, apoderou-se de mim a idéia do fim do mundo, senti morrerem as palavras em meus lábios e desde logo deixei mesmo de experimentar a desejo de fazer perguntas como as precedentes, pois que de um instante para outro imaginava ter de passar, sem perturbação alguma, do estado de vida, em que ainda estava, ao de além-túmulo, em que se achavam os que me rodeavam .

Uma nota acrescentada a este sonho, parece explicá-lo: Penso muito no Além desde algum tempo e nas possibilidades de criações difErentes daquela no meio do qual vivemos .

- Encontro-me na Livraria Acadêmica Didier, que publicou as minhas primeiras obras, A Pluralidade dos Mundos Habitados, Os Mundos Imaginários, Deus na Natureza, etc. Aí encontro os Srs. Cousin, Guizot, de Barante, de Montalembert, Lamartine, Maury, Miguet, Thiers, Caro, que aí tenho, de fato, algumas vezes encontrado. Os Srs. Jean Reynaud, Henri Martin e Charton, que eu conhecia mais particularmente, detiveram-me um instante, à porta de entrada, que dá pana o cais, e pediram-me que me não demorasse muito, porque havia reunião ao lado, no Armazém pitoresco. O Senhor Didier, um instante depois da minha chegada, diz-me:

- Vamo-nos então as Tulherias; aí vai tocar a música da Guarda .

Deixamos toda aquela gente na livraria e partimos.

- Então não tendes mais o vosso empregado Maindron? - perguntei-lhe em caminho.

- Não.

- Não o substituireis?

- Se estivesse certo de encontrar um bom homem, um rapaz laborioso e inteligente !

- Tenho um para vos propor.

- De fato?

- Sim: meu irmão. Ele é bastante jovem, tem quatro anos menos que eu, gosta do comércio e estou certo de que se dará bem na livraria.

- Muito bem, então ele que venha.

Chegamos as Tulherias, as cadeiras estão todas ocupadas e procuramos um lugar para nós. O Imperador, que estava sentado em uma cadeira, levanta-se e oferece-a ao Senhor Didier, dizendo-lhe:

- Que é feito de Maury, que não aparece mais?

- Sire - respondeu o editor -, estão todos eles neste momento na minha livraria, preparando um golpe de Estado.

Logo após, o cenário muda aos meus olhos, para dar lugar a um vale do Alto Marne, defronte de Bourmont e a um riacho, às margens do qual eu brincava, quando pequeno, com meu irmão.

Este sonho se explica por meio de associações de idéias, muito simples. Tinha eu, com efeito, conseguido que meu irmão entrasse como empregado para a Livraria Didier. Alguns dias antes deste sonho, havia jantado e dormido em casa do historiador Henri Martin, onde se tratara do golpe de Estado e a lembrança dos autores que eu encontrara no cais dos Agostinhos, despertara todas essas reminiscências. O Senhor Maury era bibliotecário do Imperador, com quem almoçava mui freqüentemente. A idéia de que todos esses autores se encontrassem na livraria no mesmo dia e à mesma hora, é inteiramente inverossímil; a de que o Imperador estivesse sentado em uma cadeira no salão de música das Tolherias, é absurda. Tudo nos sonhos parece, entretanto, natural.

- Sonhei que o Senhor Didier ainda vivia e que, entrando eu, no correr do dia, em sua livraria, tive ocasião de vê-lo, como habitualmente, e demo-nos as mãos sem parecermos admirados com isso. Então imaginei que o haviam enterrado em estado de letargia, três dias antes (5 de Dezembro de 1865) e que se reerguera de seu túmulo. Achei, porém, que lhe não devia pedir uma explicação a respeito e falamos sobre assunto de livraria.

Depois de conversarmos, saímos juntos, como de costume, e descemos pelo cais, rumo das Tolherias . Sua pessoa, ainda que não diferindo daquela que eu conhecera, mostrava-se estranha e sagrada. Estava, entretanto, bem viva e eu lhe disse que ele tinha o aspecto de um ressuscitado.

- Bem posso ter p ar de um ressuscitado - respondeu-me -, pois que o sou.

Queria a todo transe tomar-me a mão, mas um horror invencível me impedia..

- Perdoai-me - disse-lhe eu - de recusar-vos a mão: mas, não sei porquê, não posso fazer como desejara.

Esta resposta começou a indispô-lo contra mim. Fiz, então, um supremo esforço e dei-lhe o meu braço; mas comecei logo a tremer e forçoso me foi retirá-lo.

- Conversemos - disse-lhe eu - afastado um do outro .

Esse homem parecia-me um morto a andar, e notei, por suas respostas, que ele não dispunha mais de inteligência nem da faculdade de julgar e falava como um autômato . Tendo-me, por acaso, aproximado mesmo um pouco de seus lábios, senti um odor fétido que acabou de aumentar o horror por mim experimentado. E não sei então que altercação sobreveio entre nós ; mas o que é fato é que eu discutia com aquele morto, que acabou por dar-me uma bofetada.

No mesmo instante surgiu uma companhia de gendarmes e de agentes de polícia, e, em lugar de nos acharmos no Instituto, diante do qual estávamos então, encontramo-nos sobre o declive de uma colina. Olhei-o então fixamente.

- Não sabeis - disse-lhe - que sou Camilo Flammarion, o vosso autor favorito?

Pareceu-me que ele se recordava.

- Sim - declarou -, é um grande autor. Mas porque não quereis saber de mim, Sílvio? Tendes horror de mim, Sílvio.

- Não me chamo Sílvio - disse-lhe eu -, mas sim Camilo .

Tomou-me a mão. Então esse contacto foi tão horrível, que despertei.

Esse pesadelo pode ter sido causado pela morte deste amigo, ocorrida três dias antes. Morrera subitamente, ao sentar-se na agência dos ônibus da praça São Miguel, e ao vê-lo, no dia seguinte, em seu leito mortuário, eu perguntara a mim mesmo se não se achava ele em estado de letargia. Essa morte impressionara-me muito, e convidado a pronunciar um discurso sobre o seu túmulo, desempenhara-me da incumbência sem contudo poder vencer a minha emoção. A forma agressiva desse pesadelo é inexplicável. A substituição final é assaz singular. Há, todavia, sonhos ainda mais incoerentes. Assim, em um outro sonho, Montmartre achava-se à beira mar e um navio a vapor transportava-me pelo Alto Marne, costeando o mar.

Eis aqui um sonho mais recente que mostra à evidência a ação de uma causa estranha ao cérebro, sobrepondo-se a um sonho e determinando uma imagem nova.

- Esta manhã (6 de Junho de 1897), vi em sonho alguém batendo fortemente com os talões dos sapatos sobre um degrau de escada de madeira. Esse ruído me despertou. Provinha de um morteiro de artifício, com os disparos do qual se anuncia, às 6 horas da manhã, uma das festas anuais de Juvisy (Pentecostes) . Esse tiro era dado a 200 metros do Observatório, no alto da rua Camille Flammarion. Dois outros foram dados em seguida.

Assim, o ruído que me despertara, foi à causa determinante de uma imagem que me pareceu anterior ao meu despertar. Pode-se dizer que essa imagem se produziu durante tempo muito curto, necessário ao despertar, talvez um décimo de segundo.

Quando vi o homem batendo com o pé sobre um degrau da escada, sonhava que me achava completamente nu, e que fora obrigado, para sair do compartimento em que me encontrava, e ir buscar minhas roupas, a atravessar o salão, onde conversavam umas trinta pessoas. Havia. muito tempo que durava a minha inquietude e que eu procurava os meios de sair, quando me acordei. Ora, despertando, senti que tinha frio, pois me achava descoberto. Foi sem dúvida também esta sensação de frio, que determinou tal sonho, como a explosão determina. a imagem de um homem batendo com os talões dos sapatos.

Vê-se, por essas descrições sumárias, tomadas do natural, quanto os sonhos são múltiplos e variados e quantas causas diversas os produzem.

E um erro fisiológico pensar que os elementos dos sonhos sejam unicamente tirados da realidade. De minha parte, por exemplo (e não estou só no caso em apreço), tenho freqüentemente sonhado que vôo pelos ares, a pequena distância acima de um- vale ou de graciosa paisagem e foi mesmo a agradável sensação experimentada nesses sonhos encantadores, que me inspirou o desejo de subir em balão e de fazer viagens aéreas.

Devo dizer, a propósito, que a sensação de uma viagem em balão, por muito esplêndida que seja, pela extensão dos panoramas de: enrolados sob os olhares do observador e pelo solene silêncio das alturas do azul, não equivalem, no ponto de vista do movimento, à dos sonhos, porquanto, dentro da nacelle do aeróstato, nos sentimos imóveis - molécula de ar imersa no ar que se desloca - e constitui isso uma desilusão.

Não se percebe perfeitamente quais os fatos da vida orgânica que podem dar a sensação do vôo em sonho. Não está certamente em jogo a vertigem, como se supôs. Seria a mágoa de nos julgarmos inferiores aos pássaros? Mas a sensação?

Tenho, por vezes, em sonho, conversado com Napoleão. Seguramente ouvi, em minha infância, muita referência a esse conquistador, feito por homens que o tinham visto, e o meu espírito pôde ser por elas impressionado . Mas a relação de causa e efeito permanece assaz afastada.

Vejo-me algumas vezes encerrado em uma torre, tendo diante de mim um belíssimo prado verdejante. Onde está a causa disso?

Outras vezes estou condenado à morte, e não tenho mais do que duas horas, uma hora, meia hora, alguns minutos de vida. Será uma recordação do passado?

Tenho, por vezes, em sonho, viajado pelos outros mundos, nas profundezas infinitas. Neste caso, porém, pode haver associação de idéias que me são familiares.

Em geral, no estado normal das coisas, são os sonhos tão numerosos, tão variados, tão incoerentes, que é quase supérfluo procurar-lhes as causas fora do domínio das associações de idéias latentes no espírito ou de imagens adormecidas no cérebro. Do mesmo modo que pensamos em toda a sorte de coisas e de situações, com elas sonhamos; em lugar, porém, de ter apenas pensamentos, como em estado de vigília, imaginamos estar agindo de fato, vivendo as coisas pensadas, e as idéias se tornam atos aparentes; toda a diferença reside nisso, e como a razão está ausente desses atos inconscientes, as situações mais extravagantes deparam-se-nos realizadas, muito simplesmente, sem surpresa alguma, como se fossem naturais.

Pode-se, pois, assinalar no sonho três fases características. Ao passo que no estado de vigília uma idéia é sempre una idéia, no sonho ela se torna imagem, depois ser perfeitamente real, pessoa ou coisa.

Personificamos nossas idéias; atribuímos em sonho, a diferentes personagens, pensamentos, palavras que não são mais do que os nossos próprios . Homens de grande superioridade espiritual, como, por exemplo, Benjamins Franklin, crêem achas-se em comunhão com seres que os assistem. Não há mais do que uma personificação, entretanto, de nossos próprios pensamentos, em todos esses casos.

Eis alguns exemplos:

Em um dos sonhos mais claros, mais nítidos, mais razoáveis de todos que tenho tido, escreve A. Maury, sustentava eu com um interlocutor uma discussão sobre a imortalidade da alma e cada um de nós fazia valer argumentos opostos, que outros não eram senão as objeções que eu mesmo me fazia. Esta divergência não é mais do que um fenômeno de memória: lembramo-nos dos prós e dos contras de uma questão e reportamos a dois seres diferentes as duas ordens opostas de idéias. Há tempos, veio-me subitamente ao espírito a palavra Mussidan. Eu sabia, então, perfeitamente, que era o nome de uma cidade de França, mas, onde estava situada, ignorava-o; para melhor dizer, esquecera. Algum tempo depois, vi em sonho certa personagem que me dizia haver chegado de Mussidan; perguntei-lhe onde se achava essa cidade . Respondeu-me que era uma sede de distrito do Cantão da Dordonha. Levanto-me, o sonho estava-me bem presente à memória, mas eu permanecia na dúvida. O nome de Mussidan apresentava-se ainda então ao meu espírito nas condições dos dias precedentes, isto é, sem que eu soubesse onde é situada a cidade assim denominada. Apresso-me em consultar um dicionário geográfico e, com grande espanto, constato que o interlocutor de meu sonho sabia melhor do que eu a geografia, isto é, bem entendido, que eu me recordava em sonho de um fato esquecido em estado de vigília e que eu pusera na boca de outrem o que não era mais do que reminiscência minha.

Faz muitos anos, quando eu estudava o inglês, e em que me esforçava sobretudo para conhecer o sentido dos verbos seguidos de preposições, tive o seguinte sonho : Eu falava inglês, e, querendo dizer a uma pessoa que lhe fizera na véspera uma visita, empreguei esta expressão: I called for you yesterday. - Vós vos exprimis mal, respondeu-me ele, devíeis dizer: I called on yon yesterday. No dia seguinte, ao despertar, a lembrança desta circunstância do meu sonho estava-me presente à memória. Tomo uma gramática colocada sobre uma mesa vizinha, faço a verificação: a pessoa imaginária tinha razão .

A recordação de uma coisa esquecida em estado de vigília voltava em sonho, e o observador atribuíra a uma outra pessoa o que não era mais do que uma operação do seu espírito .

A grande maioria dos sonhos podem explicar-se, muito naturalmente, pela concentração do pensamento durante o sono.

Não há ninguém que tenha o hábito dos trabalhos intelectuais, diremos com Max Simon e Alfred Maury, que não haja constatado que o trabalho do cérebro se completa freqüentemente à nossa revelia, sem que a vontade intervenha. Os fatos que nos mostram esta ação apresentam a cada instante. Quando os escolares têm uma lição a aprender, nós os vemos de preferência estudar a noite, assegurando com razão que este modo de agir ajuda-os singularmente. A lição que aprenderam, sabem-na ao dia seguinte melhor e com mais segurança que na véspera. As pessoas que tiveram de lutar contra as dificuldades que sempre se encontra para assimilar uma língua estrangeira, puderam igualmente fazer a seguinte observação: se ocupações cotidianas, deveres de ordem social, forçam-nas a interromper durante algum tempo o estudo dessa língua, ao retomarem mais tarde esse estudo, apercebem-se, não raro, com espanto, que possuem do idioma estrangeiro, momentaneamente posto de lado, um conhecimento mais completo do que na. época em que o deixaram de estudar. Constatação análoga pode ser feita a propósito de trabalhos originais, de composições literárias ou de problemas científicos. Se qualquer dificuldade embaraça o trabalhador e este cessa de ocupai-se com o objeto de seus estudos, após alguns dias de repouso, tendo o espírito, durante esse tempo, feito, por assim dizer, sozinho o seu trabalho, vencerá com a maior facilidade e como que brincando, o obstáculo que lhe parecera, à primeira vista, quase intransponível. Há porém, um fato que cumpre salientar porque tem certa importância e vem a ser que, muito freqüentemente, nesses casos de cerebração inconsciente, um impulso foi inicialmente dado, imposta uma direção ao pensamento e foi após esse impulso e dada essa direção, que a ação cerebral continuou conseguindo chegar finalmente a trabalho mais avançado (84) .

E' fácil compreender que o trabalho mental, resultado de um impulso cerebral dado durante a vigília e completado durante o sono, possa engendrar sonhos que serão, de alguma sorte, a expressão representada por imagem do problema cuja solução continua a ser procurada por quem dorme, da preocupação que o obsidiava.

Narra Condillac que na época, em que ele redigia o seu curso de estudos, se via obrigado a deixar, para entregar-se ao sono, um trabalho preparado, mas incompleto, sucedia-lhe freqüentemente encontrar, quando despertava, acabado esse trabalho em seu espírito.

Também Voltaire conta que uma noite compôs, em sonho, um canto completa da sua Henriade diversamente do que havia escrito.

Menciona-se freqüentemente, a ate propósito, um sonho que ficou célebre, no qual uma das cenas mais curiosas e mais fantásticas acompanha o trabalho intelectual inconsciente do sonhador, que não é outro senão Tartíni . Este célebre compositor havia adormecido depois de ter procurado em vão terminar uma sonata; esta preocupação acompanhou-o durante o sono. No momento em que, num sonho, se via de novo entregue a seu trabalho e que desesperava de compor, em vista de tão pouca verve e tão pouco êxito, nota de repente que lhe aparece o diabo e propõe-lhe acabar sua sonata, desde que se disponha o compositor a entregar-lhe sua alma. Inteiramente subjugado por esta aparição, aceita ele a permuta proposta pelo diabo e ouve-o então, muito distintamente, executar em seu violino a tão almejada sonata, com um encanto inexprimível de execução. Acorda-se o compositor, e, nos transportes de sua alegria, corre à sua mesa e escreve de memória o trecho que havia terminado imaginando ouvi-lo.

Como se produzem imagens semelhantes a essas que acabamos de ver no sonho de Tartíni? Por que espécies de mecanismo as aparecem? Eis o que é impossível dizer, não que a questão seja insolúvel, mas porque, ordinariamente, nos fatos que não nos dizem pessoalmente respeito, alguns detalhes, que nos dariam a chave de certas particularidades do sonho, são omitidos pelo narrador que os considera como de pouca importância. E possível que essa imagem do diabo, vindo associar-se ao trabalho mental do grande compositor, tenha a sua razão de ser e a sua explicação em alguns pensamentos que teriam atravessado o espírito do musicista, em alguma representação artística, desenho ou pintura do Espírito do mal que se tivesse oferecido à sua vista. Este ponto, porém, é secundário, na questão de que se trata.

O que haveremos de constatar, uma vez mais, é a maneira pela qual o sonho se produziu, é a gênese do sonho. O pensamento de Tartíni tinha estado fortemente ocupado com a composição musical a que se entregava, e como sucede mui freqüentemente nas obras do espírito, não estando madura a idéia, nenhum efeito houvera produzido imediatamente; mas durante e mal grado o sono, o trabalho começado tinha sido terminado e a melodia maravilhosa como que explodiu das profundezas do cérebro do compositor.

Suprimi esse esforço, essa tenção de espírito anterior, e o sonho não se apresentará. Isso é tanto mais verdadeiro, quanto é certo que exclusivamente sobre o objeto mais especial dos estudos do sonhador, sobre a ciência ou sobre a arte que ele cultiva com paixão, é que vemos produzir-se tão singular trabalho cerebral.

Gratiolet faz a narrativa do seguinte sonho sofrivelmente macabro:

Há alguns anos, ocupado com o meu ilustre mestre, Senhor de Blainville, nos estudos concernentes à organização do cérebro, preparei grande número deles, quer de homens, quer de animais. Eu os despojava cuidadosamente de suas membranas, e mergulhava-os no álcool.

Tais foram, sumariamente, os antecedentes do sonho que vou relatar.

Pareceu-me, certa noite, que eu extraíra o meu próprio cérebro. Despojava-o de suas membranas. Depois de ter acabado esta preparação, mergulhei-o no álcool ; em seguida, ao cabo de algum tempo, daí o retirei e o recoloquei em meu crânio . Pareceu-me, então, que meu cérebro, condensado pela ação do líquido, sofrera uma grande redução. Incompletamente preenchia a cavidade craniana, de sorte que eu o sentia a sacudir-se dentro da minha cabeça; tal sensação lançou-me em tão estranha perplexidade, que despertei em sobressalto e saí deste sonho como de um pesadelo.

Eis aí, seguramente, uma visão estranha e das mais absurdas ; todavia, não deixava de ter sua causa e, com efeito, havia uma relação bem evidente entre este sonho e as coisas de que eu me ocupava, então, mais particularmente. E' provável que no momento em que eu imaginava estar despojando um cérebro estranho, uma causa qualquer haja tornado mais distinta a sensação da minha cabeça. Sonhando ao mesmo tempo com esta e com e meu cérebro, ter-se-ia dado uma associação dessas duas idéias, de onde se seguir naturalmente e logicamente todo o fim do sonho (85) .

O fisiologista Abercomble cita, nesta ordem de estudos, um sonho muito curioso que não é mais também do que uma conseqüência das preocupações do espírito:

Um de meus amigos, diz ele, empregado como caixa em um dos principais bancos de Glascow, estava em seu escritório, quando se apresentou um indivíduo reclamando o pagamento de uma soma de seis libras (150 francos). Havia diversas pessoas antes dele, que aguardavam a sua vez; mas estava ele tão impaciente, tão ruidoso e sobretudo tão insuportável devido à sua gagueira, que um dos circunstantes pediu ao caixa que o pagasse, a fim de se desembaraçarem dele. O caixa atendeu prontamente o pedido, com um gesto de impaciência e sem tomar nota desse pagamento. No fim do ano, que ocorreu oito ou nove meses depois, o balanço dos livros não chegava a um resultado exato: havia nele sempre um erro de seis libras. O meu amigo passou inutilmente várias noites e vários dias a procurar essa diferença para menos; vencido pelo cansaço, voltou para sua casa, recolheu-se ao leito e sonhou que estava em seu escritório, que o gago se apresentava, e logo todos os detalhes do caso desenharam-se fielmente em seu espírito . Ele ergue-se, com a idéia nítida do sonho e com a esperança de que ia descobrir o que procurava. Depois de haver examinado os seus livros, reconheceu, com efeito que aquela soma não tinha sido registrada em seu diário e que ela. correspondia exatamente ao erro (86) .

Vê-se que, neste sonho, o que é revelado ao homem adormecido era, numa palavra, do seu conhecimento, mas que a vontade permanecera durante muito tempo impotente para despertar a lembrança do fato encerrado nas profundezas da memória. Entretanto, tendo sido viva a preocupação, mantendo o espírito, por muito tempo, uma fortíssima tensão no mesmo sentido, sucedeu provalmente que, neste esforço da mente, neste trabalho inicialmente improdutivo, as células cerebrais, em que foi conservada a série de imagens, entraram em ação e conduziram finalmente a uma percepção nítida do fato inutilmente procurado durante a vigília.

Diversos sonhos de aparência telepática, estão neste caso, e podemos explicar por meio deles mais dê uma aparição de defuntos.

As influências físicas e a cerebração inconsciente de idéias e de imagens latentes no cérebro, explica a maior parte dos sonhos. Importava que tivéssemos perfeito conhecimento desta ação fisiológica, para um julgamento científico dos fatos que temos a analisar. Os resultados do meu inquérito proporcionaram-me grande número desses sonhos que se explicam fisiologicamente e que não reproduziremos .

Podem, entretanto, forças psíquicas que nos são exteriores, influenciar nosso espírito durante o sono, tanto quanto em estado de vigília. Chegamos agora ao exame desse gênero de sonhos . Os fenômenos psíquicos mencionados no capítulo III têm sido observados por pessoas acordadas, em seu estado normal e em plena. posse de suas faculdades . Não incluímos nesse número os que pertencem aos sonhos, porque nos parecem de caráter diferente, devendo agrupar-se em uma outra ordem. Afiguram menos seguros, sendo numerosos os sonhos e as coincidências que se podem produzir, tendo como oposição contraditória quantidades inumeráveis de não-coincidências. Por outro lado, são igualmente um pouco vagos e sujeitos às flutuações da memória. Não creio, porém, que seja lógico rejeitá-los sem exame. Muitas dessas visões em sonho apresentam ao observador um interesse particular e podem certamente ensinar-nos alguma coisa a mais sobre as faculdades do espírito humano.

Agora que a demonstração está feita, que está feita a prova, pelo capítulo precedente, da ação psíquica de um espírito sobre outro, podemos entrar no mundo um pouco mais complicado dos sonhos.

Já se pôde assinalar mais acima (pág. 264) uma casa bem curioso, observado em sonho : uma jovem estar vendo, de Paris, sua mãe expirando na província e chamando-a para abraçá-la uma última vez. Este sonho fora classificado por Brièrre de Boismont no número das alucinações, com uma restrição indicando todavia seu caráter psíquico. Vimos igualmente, mais acima (pág. 336), um sonho telepático da mesma ordem.

Apresentarei agora aos nossos leitores alguns extratos das cartas que tenho recebido em resposta ao meu inquérito, daquelas que concernem às aparições e manifestações de moribundos vistos em sonho. Não menos interessantes e probantes são elas que as primeiras e devem, parece-me, ser aceitas do mesmo modo que as outras

  1. - Na noite de 25 de Julho de 1894, vi em sonho, tal como o conhecera outrora, de 1883 a 1885, quando prestava ele seu serviço militar, um moço com quem devia casar-me.

Por motivos que seria ocioso relatar, cortara eu todas as relações com ele, e o casamento não se realizou. A partir desse momento, não ouvira mais falar a respeito desse moço (residia eu em Paris, ele em Pau) , quando, nessa noite de 25 de Julho de 1894, o torno a ver, em sonho, tal qual o conhecera, envergando o seu uniforme de sargento. Olhou-me com um ar muito triste, mostrando-me um maço de cartas . Depois a aparição se desvaneceu, como pela manhã o raio de sol dissipa pouco a pouco o orvalho.

Acordei, perturbada e, por muito tempo, vivi com este sonho, a perguntar-me porque, porquê? Se eu jamais sonhava com ele, conquanto lhe conservando urna amizade sincera!

A 20 de Janeiro de 1885 tinha eu noticia de sua morte, ocorrida na noite de 25 de Julho de 1894 uma de suas palavras tinha sido para mim.

 

(Carta 3.)

LUCIE LABADIE (Rochefor) .

 

  1. - Estava-se no período da guerra de 1870-1871; uma das minhas intimas amigas, esposa de um oficial, encerrada em Metz, sonhou que meu pai, residente no Norte, seu médico, a quem ela venerava e amava profundamente, viera encontrá-la ao pé de seu leito e lhe dissera : - Vede, acabo de morrer.

Logo que foi possível ter comunicações com o exterior da cidade, minha amiga escreveu-me banhada em lágrimas, pedindo-me noticias exatas de toda a minha família e rogando-me informá-la se, a 18 de Setembro, não ocorrera alguma desgraça em casa de meus pais, porquanto, nessa data, ela tivera um sonho, que a preocupava muito, relacionado com meu pai. Extraordinário! A 18 de Setembro, às 5 horas da manhã, meu pai morria, sem ter estado doente.

Quando, no outono seguinte, tornei a ver esta senhora, contou-me ela que esse sonho a impressionara tanto mais vivamente, quanto era certo que, pouco tempo antes, tivera sonho idêntico, referente a um outro de seus amigos, residente em Metz e, certa manhã, tomando informações a seu respeito, viera a saber que ele acabava de morrer.

 

(Carta 28 .)

  1. BOUTHORS Diretor das Contribuições diretas, em Chartres

 

III. - Contava eu 7 anos; meu pai residia em Paris; encontrava-me desde alguns anos em Niort, em casa de parentes que se haviam encarregado de minha educação. Um dia, ou antes, uma noite, tive um sonho. Sonhei que subia por uma escada interminável e chegava a um quarto escuro. Ao lado havia um outro, levemente iluminado. Entro neste segundo compartimento e vejo um féretro sobre dois cavaletes; ao lado um círio aceso.

Fiquei com medo e fugi; chegada ao primeiro quarto, senti que alguém me punha a mão sobre a espádua. Voltei-me trêmulo de medo e reconheci meu pai, que eu não,via havia dois anos e que me disse com voz muito doce: - Não tenhas medo, abraça-me, filhinha.

No dia seguinte recebíamos um telegrama : meu pai morrera, não naquela noite, mas na tarde precedente. Achava-me inteiramente órfã, pois minha mãe há muitos anos que estava morta. Este sonho de tal modo me impressionou, que eu o reconstituo freqüentemente.

  1. b) Quando eu contava treze anos, a tia que me educava e que eu amava como se fosse minha mãe, morreu de varíola negra. Não me disseram que ela estava morta e, naturalmente, não me permitiam entrar em seu quarto. Ela me dizia muitas vezes, brincando: - Oh! se eu morresse, e não estivesses perto de mim, iria dizer-te adeus. Em meio da noite, vi avançar para o meu lado uma forma branca que imediatamente não reconheci. Levantei-me; o meu quarto estava envolto em uma como que meia claridade e vi o fantasma refletir-se no espelho do armário colocado defronte do meu leito. E ela disse com uma voz apenas distinta: - Adeus! Estendi os braços para abraçá-la; ela, porém, desapareceu.

Minha pobre tia já estava morta há algumas horas, quando tive esta alucinação.

 

(Carta 35.)

  1. BONIFACE

Diretora da Escola Maternal, em Étampes (Seine-et-Oise).

 

V - Minha mulher vislumbrou o semblante de seu irmão no instante preciso de sua morte.

Meu cunhado, professor no colégio de Luxeuil, estava doente do peito . Foi tratado por sua irmã com o maior devotamento durante sua última enfermidade e ele preferia os seus cuidados aos de qualquer outra pessoa. Entretanto, os pais de minha mulher, tendo vindo a Luxeuil e vendo-a muito fatigada, induziram meu cunhado a ir com eles, para se tratar no estabelecimento das diaconisas de Strasburgo. Cerca de três semanas após sua partida, foi minha esposa despertada por uma espécie de pesadelo e viram, semi-acordada, seu irmão deitado e encerrado em um sepulcro de pedra, semelhante às pedras tumulares romanas que se vêem expostas no estabelecimento termal daqui. O sepulcro contraía-se cada vez mais, tornando quase impossível a respiração de seu irmão; contemplava-a ele com olhares súplices, pedindo-lhe para vir em seu socorro e tirá-lo dali; depois, viu-o assumir um ar resignado, parecendo dizer-lhe: `Tudo está terminado, nada mais podes fazer. Ela despertou então de todo e viu que horas eram: 3 horas e 20 da manhã.

No dia seguinte soubemos da morte de meu cunhado. A hora de seu falecimento coincidia exatamente com a hora do sonho.

E favor não citar nossos nomes .

 

(Carta 60.)

  1. S. (Luxeuil, Alto Saone) .

 

  1. - Minha avó faleceu o ano passado, a 6 de Janeiro, à meia-noite menos dois ou três minutos; residia em uma fazenda nas cercanias de Rochefort-sur-Mer e eu estava s esse tempo em Auxerre. Tínhamos andado, na noite de 6 de Janeiro, a tirar Reis muito alegremente e eu me deitara Bem pensar nela, que sabia, entretanto, mais enferma nos últimos quinze dias.

Despertei à meia-noite, precisamente, com uma impressão penosa. Acabava de ver em sonho minha mãe e meu irmão mais moço em grande aflição. Fiquei persuadido de que não se passaria aquela manhã sem que eu tivesse a confirmação de meu sonho. Não há uma estranha relação entre a realidade e o sonho, pois que minha avó morreu à meia-noite e eu me acordei à mesma hora?

 

(Carta 64.)

  1. B. (Versalhes).

 

VII. - Meu tio era sargento do 2° Regimento de Infantaria, quando foi declarada a guerra, em 1870. Ele assistiu aos primeiros combates, conservou-se em Metz durante o assédio dessa cidade, foi feito prisioneiro, conduzido em cativeiro para Mayence, depois para Torgan, onde permaneceu nove ou dez meses .

No domingo da páscoa de 1871, foi convidado, por um dos seus camaradas, para ir à cidade, à tarde. Preferiu Picar no campo, em sua casamata, dizendo ao amigo que não se achava bem disposto, não sabendo ele próprio a que atribuir essa tristeza. Ficando a sós ou quase a sós, atirou-se, mesmo vestido, na cama (eram cerca de duas horas e um quarto), e caiu em sono profundo. Logo que adormeceu, pareceu-lhe estar na casa paterna: sua mãe estava agonizante no leito. Via as suas tias, tratando-a; por fim sua mãe expirou pelas três horas. Levantou-se, então, e apercebeu-se de que havia apenas tido um sonho.

Quando o seu amigo voltou, às seis horas da tarde, contou-lhe ele o que tinha visto durante o sono e acrescentou: Estou convencido de que hoje, às três horas, minha mãe faleceu .

Riram-se dele, mas uma carta de seu irmão veio confirmar-lhe a triste noticia .

Julgo do meu dever acrescentar que a morta achava-se, há três anos, constantemente em precário estado de saúde.

 

(Carta 66 .)

 

CAMILLE MASSOT

Farmacêutico de l° Classe (Banylus-sur-mer, Pirineus Orientais)

 

VIII. - Minha mãe contava-me freqüentemente um estranho sonho.

Um de seus cunhados achava-se doente. Certa noite ela sonhou que o via morto; via também minha avó acompanhando seus filhos, por um caminho que ela desconhecia, mas que atravessava um campo. Nesse instante ela desperta, desperta igualmente meu pai, a fim de lhe contar o sonho que acabava de emocioná-la. Eram 2 horas da manhã.

No dia seguinte vieram comunicar a meus pais, que meu tio morrera essa noite, às 2 horas; então mamãe não pode eximir-se de responder que já o sabia. Interrogou em seguida minha avó, para saber se ela havia conduzido as crianças; respondeu-lhe esta que sim e que tinha precisamente atravessado o campo em que mamãe a avistara em sonho.

 

(Carta 68 .)

M.ODEON

Prof. Em Saint- Genix-sur-Guiers

 

  1. - Em 1895, por uma noite de inverno, sonhei muito nitidamente que o Senhor Crouzier, octogenário da minha aldeia, situada a 10 quilômetros do alojamento onde eu ensinava, morrera em conseqüência do frio.

No dia seguinte vou à casa de minha família e minha mãe me diz: - Sabes? o velho Crouzier morreu a noite passada; precisaram levantar-se, cerca de meia-noite e foi surpreendido pelo frio, sucumbindo quase instantaneamente.

Esta impressão ficou sempre comigo e sinto-me feliz, nestas circunstancia, de responder ao vosso inquérito.

 

(Carta 77.)

ALPHONSE VIDAL

Preceptor em Aramon

 

X - Achando-se em França, minha mãe viu em sonho seu irmão, há esse tempo na América, morrer-lhe nos braços. Um mês depois, recebeu ela a noticia da morte desse irmão, que havia precisamente expirado nos braços de minha avó. As datas coincidiam.

 

(Carta 118 .)

A.D. (Arles)

 

  1. - Eu tinha um irmão residente havia vinte e cinco anos em Petersburgo; nossa correspondência jamais fora interrompida .

Há três anos recebi uma carta dele, no mês de Julho: seu estado de saúde era satisfatório. A 8 de Setembro seguinte, sonhei que o carteiro me entregava uma carta de Petersburgo e que, abrindo-lhe o envelope, achara duas estampas: uma representando um morto estendido em sua cama e vestido segundo o hábito que eu mesmo constatara, em minha viagem à Rússia, no ano de 1867.

Não olhei bem, no momento, para o rosto do morto; vi em torno do leito várias pessoas de joelhos, entre outras um rapaz e uma rapariguinha, mais ou menos da idade dos filhos de meu irmão . Na outra estampa havia como que uma assistência à cerimônia fúnebre. Voltei então a examinar de mais perto o rosto do morto, que logo reconheci e despertei gritando : Oh! mas é Luciano! (era o nome de meu irmão) .

Alguns dias depois, eu sabia, com efeito, que este morrera naquele dia (não pude verificar exatamente a data) em que eu tivera o citado sonho, que está sempre bem presente à minha memória e que tenho contado a várias pessoas.

 

(Carta 125 .)

  1. CARRAU

Rue de Bel-Air, 46, em Angers

 

XII - Meu avô deixou, na idade de catorze anos, sua família que residia perto de Strasburgo; creio que jamais regressou ao país natal, nem jamais tornou a ver seus pais.

Aos vinte e quatro anos casou-se em Nanci; sua jovem esposa jamais viu os sogros.

Uma noite. viu minha avó desfilar diante de seu leito um interminável séqüito funerário. No dia seguinte ou no outro anterior, anunciava-lhe uma carta o falecimento de seu pai . O enterra se realizou, sendo acompanhado pela população de três grandes aldeias, assim como pelo marte e pelo pároco do lugar (Bischeim) embora se tratasse de um judeu.

 

(Carta 130 .)

JEULEND

RUA DA PROVENÇA, 55 PARIS

 

XIII. - Tenho a referir fatos ocorridos em sonho, com coincidência de marte:

  1. a) - Sucedeu o primeiro a meu pai, Pedro Dutant, morto em 1880 e que fora farmacêutico em Bordéus durante cinquenta anos.

Era um homem de caráter absolutamente honesto, escrupuloso, dotado de aguda inteligência e nenhuma das pessoas que o conheceram jamais punha em dúvida a sua palavra. Eis o fato que ele me contou diversas vezes e que relato quase textualmente:

Uma noite sonhei que meu irmão, há esse tempo notário em Léagnan e contando triste e três anos de idade, era criança como eu e que ambos brincávamos na casa paterna. De súbito ele cai de uma janela na rua, gritando para mim: Adeus! Desperto muito impressionado pela intensidade deste sonho, vejo que horas são: 3 horas. Não tornei a dormir. Eu sabia que meu irmão estava doente; não o supunha, porém, em perigo de vida. Meu irmão morrera nessa noite às 3 horas precisamente.

  1. b) - O fato diz-me pessoalmente respeito. Sonhei certa noite que uma velha prima, que me estimava muito, estava morrendo. Pela manhã contei o sonho às pessoas da minha família, todas as quais se lembram muito bem da minha narrativa .

Na mesma semana, dois ou três dias após este sonho (não o registrei e por isso não posso precisar com exatidão o tempo decorrido), a velha prima sucumbia a um ataque de apoplexia. À noite do meu sonho achava-se ela bem disposta, não tendo morrido senão dois ou três dias depois e vi neste sonho um como pressentimento ou aviso. Minha família encheu-se de admiração em face do acontecido e ainda se recorda perfeitamente do meu sonho.

  1. c) - Posso ainda citar-vos um fato pessoal que muito me impressionou ao suceder-me; como, porém, trata-se, desta vez, de um simples cão, talvez não me seja lícito ocupar o vosso precioso tempo. Desculpo-me com o interrogar-me qual o limite que se deve traçar aos problemas . . .

Era eu então moça e tinha freqüentemente em sonho uma lucidez surpreendente. Tínhamos uma cadela de inteligência pouco vulgar; era-me particularmente afeiçoada, ainda que eu mui poucos afagos lhe prodigalizasse. Sonho uma noite que ela está morrendo e fixa-me com olhos humanos. Acordando-me, digo a minha irmã : - Leoa morreu, tenho certeza, e o sonhei. Ria-se minha irmã, e não o queria acreditar. Chamamos a criada e lhe dissemos que trouxesse a cadela. Chama-se, ela não vem. Dá-se uma busca em toda a casa e por fim é encontrada morta em um canto. Ora, na véspera não estava ela doente, e meu sonho não tivera causa alguma que o provocasse.

 

(Carta 138.)

M.R. LACASSAGNE, nascida Dutant ( Castre)

 

XVI. - Era eu estudante de Medicina em Paris, em 1882. Certa manhã, o meu porteiro que me levava, na cama, acordando-me para ir ao hospital, o meu pequeno almoço, encontrou-me em pranto. Perguntando-me o que eu tinha, respondi-lhe : - Acabo de ter um horrível pesadelo: meu tio, que me educara (pois havia perdido, ainda muito moço, meu pai e minha mãe) e a quem eu amava enternecidamente, estava em vésperas de morrer, quando me acordastes, e tenho certeza de que, pelo primeiro vapor que chegar de Havana., meu pais natal, terei a triste noticia de sua morte.

Foi o que aconteceu. Afirmar-vos ter sido isso à mesma hora do meu sonho, não o posso, pois já não me lembro mais; a coincidência, porém, do dia, posso garantir-vos.

  1. S. - Peço-vos não publicar meu nome. Quanto à observação, podereis inseri-la em vossas publicações, se o merecer.

 

(Carta 153.)

Dr. T. de M.L.

 

XVII. - De 1870 a 1874, tinha eu um irmão empregado no Arsenal de Fou-Tchéou, na China, como mecânico ajustador. Um de seus amigos, mecânico e compatriota, da mesma cidade (Brest), que trabalhava igualmente no Arsenal de Fou-Tchéou, foi, certa manhã, visitar meu irmão em seu alojamento e contou-lhe o seguinte: - Meu caro amigo, estou muito angustiado: sonhei esta noite que meu filhinho tinha morrido de crupe e estava sobre um edredom vermelho. Meu irmão zombou da sua credulidade, falou a respeito de pesadelos e, para dissipar aquela impressão, convidou seu amigo para almoçar. Nada, porém, pode distraí-lo: para ele, seu filho estava morto.

A primeira carta que recebeu de França, após essa narrativa, e que era de sua esposa; anunciava-lhe a morte de seu filho, em conseqüência do crupe, em meio de grandes sofrimentos, e, coincidência estranha, sobre um edredom vermelho, na mesma noite do sonho.

Logo que recebeu essa carta, ele foi, banhado em lagrimas, mostrá-la a meu irmão, do qual ouvi esta narrativa.

 

(Carta 162.)

H.V. (Brest)

 

XVIII. - Uma de minhas primas residia em Nion, na Suíça, e sua mãe, Clairveaux, no Jura. Estava-se em um desses rigorosos invernos, com todas as comunicações impraticáveis, por causa das neves. Desde muito que minha tia se achava doente; não a supunha sua filha, em pior estado que de costume, quando, uma noite, vê em sonho sua mãe morta; ela acorda aterrorizada e diz a seu marido: - Minha mãe está morta, acabo de vê-la! Ela queria partir imediatamente para Clairveaux, mas dissuadiram-na, mostrando-se-lhe a imprudência de empreender uma viagem por estradas cobertas de neve, por causa de um simples pressentimento. Tendo o correio deixado de funcionar, não se podiam receber cartas.

Pela tarde desse dia ou no dia seguinte, não me lembro bem, vê minha prima um cavaleiro entrar no parque; então ela grita: - Vêm anunciar-me a morte de minha mãe? Com efeito, não sendo possível comunicar de outro modo, enviaram um cavaleiro que a informou de haver sua mãe falecido naquela noite. Passara-se o fato no momento em que minha prima tivera este sonho.

Existe ainda a minha prima e poderia dar-me detalhes mais precisos se o desejásseis.

 

(Carta 286 . )

  1. Belnenat

Lous lê Saunier(Jura)

 

XIX. - Fato assinalado por um de meus amigos a quem referira os vossos estudos. Trata-se de um antigo empreiteiro de vias férreas na França e no estrangeiro, atualmente retirado de negócios, em Saint-Pierre-lés-Nemours. Sua honorabilidade e sua fé não podem sofrer suspeição. Eis o fato tal qual me contou ele:

Tinha eu ido ver um fazendeiro meu amigo, que se achava muito enfermo, encontrei à porta da herdade sua sogra que me disse haver o seu genro recebido muitas visitas que o tinham fatigado em excesso; todavia, convidou-me a entrar para vê-lo alguns instantes; acrescentando que lhe daria com isso muito prazer. Pedi então àquela senhora o obséquio de transmitir-lhe os meus cumprimentos e de anunciar a minha visita a realizar-se no dia seguinte.

No dia seguinte, pelas 7 horas da manhã, quando eu apenas dormitava, dispondo-me a levantar-me, fui tomado de súbito por um pesadelo. Parecia-me ver o doente, do tamanho de um menino e como que enterrado em um buraco, sobre o talude da estrada, a alguns metros da fazenda, e eu empregava todos os meus esforços para arrancá-lo desse buraco, sem o conseguir.

Ao cabo de alguns instantes saltei para fora da cama, a fim de livrar-me do pesadelo, e vim a saber, no correr da manhã, da morte do fazendeiro, ocorrida há mesma hora em que eu tivera essa visão.

A distancia de Saint-Pierre-lés-Nemours à fazenda é de cerca de duas léguas. Passou-se esse fato a uma dezena de anos.

 

(Carta 298.)

  1. BOIREAU

Farmacêutico em Nemours (Seine e Marne)

 

  1. - Meu tio-avô, o Senhor Henri Horet, que era professor de Música em Strasburgo, viu uma noite, em sonho, cinco ataúdes saírem de sua casa: na mesma noite, um escapamento de gás ocorreu em sua casa e cinco pessoas foram asfixiadas.

Contam-se, em nossa família, vários casos de aparições telepáticas. Procurarei informar-me exatamente a respeito deles e vo-los comunicarei, desde que tenha tomado conhecimento dos mesmos.

 

(Carta 330 .)

GEORGES HORET

Lyceen, Brouxwiller (Basse Alsace)

 

XXI. - Jamais experimentei coisa alguma que se relacione com o que pedis em vosso questionário. Em sonhos, porém, pelo contrário, tenho tido, algumas vezes, certos avisos. Entre outros, na noite do assassínio do saudoso Senhor Carnot, vi o morto em meus sonhos. Na véspera, à noite, fora me deitar muito cedo. Não residindo na própria cidade de Lião, mas em La Croix-Rousse, não havia eu tido o menor conhecimento de nenhum dos fatos que se estavam passando nessa memorável noite. Pela manhã, a criada entra em meu quarto e eu lhe digo imediatamente

- Acabo de sonhar com a morte do Senhor Carnot.

Ela me respondeu que bem poderia ter-se dado isso.

- Mas não - disse-lhe eu - antes meu sonho deve causar riso, pois o Senhor Carnot vai passar às dez horas sob as minhas janelas. (Ele devia, com efeito, passar pelo bulevar.)

Dez minutos depois, ela volta ao meu quarto e me diz, muito impressionada:

- O sonho da senhorita realizou-se, o leiteiro acaba de dizer-me que o Senhor Carnot fora assassinado na noite de ontem .

Mal grado ao sonho que eu tivera, foi-me difícil acreditar no fato, no primeiro momento.

 

(Carta 340.)

  1. M. (Lido).

 

XXII. - Eis aqui um fato pessoal: Na noite de 13 para 14 de Junho de 1887, sonhei que minha mãe estava morta. Chegado ao restaurante, no dia seguinte, comunicava eu esse fato a um colega, quando recebo um telegrama que me anunciava à desgraça pressentida.

Eis si o fato de que me recordo nitidamente.

 

(Carta 353.)

  1. Carayon

Diretora da Escola da Cruz de Ferro (Nimes)

 

XXIII. - O pai de meu marido, achando-se afastado da casa. onde havia deixado sua mulher doente, foi uma noite despertado pela voz de sua esposa que o chamou três vezes distintamente pelo nome: Pedro! Pedro! Pedro!

Acreditando haver sonhado, ele de novo adormeceu. Dois dias mais tarde recebeu a notícia de que naquela mesma noite sua mulher morrera.

 

(Carta 358.)

MARIA PAUVREL (Vedrod).

 

XXIV. - Na noite de 1° para 2° de Janeiro de 1898, vi em sonho minha mãe, morta havia dois anos e meio. Ela encaminhou-se gravemente para o meu leito, apertou-me em seus braços e saiu sem nada dizer. No dia seguinte, recebi uma carta participando-me a morte súbita de minha irmã, na noite de 1 de Janeiro, às 10 horas. Como eu não houvesse despertado, foi-me impossível saber se havia coincidência perfeita entre a hora do sonho e a da morte de minha irmã.

 

(Carta 360.)

  1. RAZONS

Professor em Trelous (H. Gor.) .

 

  1. - A Sra. V. residia em Gênova e tinha um irmão dentista no Cantão de Vaud. Esse irmão morreu subitamente. Na noite de sua morte, a Sra. V. viu em sonho, sobre a parede, o nome de seu irmão e a data do seu nascimento, ou da sua morte, não me recordo qual das duas. Ao acordar, ficou a referida senhora com receio de uma desgraça, que em. breve lhe foi confirmada.

 

(Carta 365.)

JEANNE BLANC

Lê Cannet (Alp. Marc.)

 

XXVI. - Passou-se isto no convento. Umas noites fomos despertadas por gritos e prantos. A religiosa de guarda aproxima-se do leito da criança, que em meio de suas lágrimas diz-lhe que sua avó estava morrendo, que ela a chamava e que queria ir para junto dela.

Procuraram acalmá-la, fizeram-nos orar, a religiosa reza o terço: nós respondíamos de nossas camas e o sono de novo nos empolga .

Outra vez somos despertadas. A menina sonhara novamente, ela nos repete que sua avó estava morta, que lhe enviara adeuses aflitivos e que, entre outras coisas, designara um cofrezinho no qual havia guardado jóias que ela queria dar à netinha de sua predileção. Findou a noite.

Na manhã seguinte, pelas 8 horas, estávamos reunidas na classe, ajoelhadas para curta prece que precedia os estudos, quando violenta badalada de sino corta o ar, fazendo-nos tremer sem saber porquê - todas nós que não éramos interessadas no acontecimento -, e dá entrada na sala a irmã mais velha da nossa companheira. Vinha para buscar sua irmãzinha - a avó morrera naquela noite - e tudo que a menina tinha visto, se havia passado absolutamente assim como contara ela.

Bem podeis imaginar a emoção que se produziu no convento, viu-se em tudo isso a intervenção divina, e passou-se o dia em preces.

 

(Carta 374.)

J.G.(PARIS)

 

XXVII. - Há cerca de dois anos, em Jarnac, certa manhã, pelas 7 horas, uma senhora amiga de minha família, estando ainda levemente adormecida, foi despertada por uma voz que a chamava muito distintamente e na qual reconhecia a voz de seu cunhado a respeito de quem eram boas às últimas notícias recebidas.

Nesse momento, ninguém se achava em seu quarto, nem nos apartamentos vizinhos, e era impossível correlacionar esta impressão com uma causa conhecida.

Algumas horas depois - cerca das 10 - esta senhora tinha conhecimento, por um telegrama, que seu cunhado, residente em Auzances, acabava de morrer subitamente; no dia seguinte informava-lhe uma carta que o falecimento sobreviera às 7 horas, isto é, no mesmo Instante em que a voz fora escutada.

 

(Carta 377.)

BREAUND (JARNAC)

 

XXVIII. - Estive durante catorze anos ligada, por uma afeição, a certa pessoa; depois, sobrevindos à separação, não nos vêm mais senão a grandes intervalos. Por fim, decorreu mais de um ano sem nos tornarmos a ver, porque, doente, foi o meu amigo constrangido a partir para o Tirol: estávamos, pois, separados por uma distância correspondente a 58 horas de caminho de ferro. Tinha eu indiretamente noticias desse amigo: eram relativamente boas e a sua volta estava próxima. Na noite de 2 de Março, vi o meu amigo durante um entre sono; estava sentado em uma cama em trajes de dormir e me dizia: Oh! quanto sofro! Eram, nesse momento, 2 horas da madrugada. Dois dias depois, anunciava-me um telegrama a morte dessa pessoa, ocorrida às 2 horas e 20 minutos.

Na ocasião me senti e ainda me sinto impressionada por essa coincidência, parecendo-me importante, para as vossas pesquisas, relatar-vos o que precede.

 

(Carta 397.)

  1. COUESNOU

Estrada Romana, 23 ( Jassy, Romênia ) .

 

XXIX - Um tio de minha mulher, capitão de Marinha, muitas vezes me contou que a noite que coincidiu com a data da morte de sua mãe, estando ele, então, em viagem, apareceu-lhe ela em sonho com o semblante muito triste. Impressionado, escreveu ele, a lápis, a data deste sonho na parede do seu beliche, tendo o pressentimento de uma desgraça.

Por isso, pouco se surpreendeu quando, à sua chegada, soube dessa morte: a data era bem aquela que ele havia escrito em seu beliche.

  1. b) - Fato idêntico sucedeu à minha sogra, por ocasião da morte de seu irmão. Ela sonhou, na noite precedente, que se encontrava com sua falecida mãe na escadaria da casa e que, sem lhe dizer palavra, mirou-a com um ar de funda tristeza. No dia seguinte encontram o irmão, morto de um ataque de apoplexia.
  2. c) - Por ocasião de meu casamento, sucedeu um fato quase semelhante. Minha sogra, muito impressionada pela aparição de sua mãe no caso que venho de relatar, dissera a uma de suas amigas que, se algum dia ainda tornasse a ver sua mãe daquele modo, estaria certa de se achar em véspera de grande desgraça. Essa amiga, alguns dias antes do meu casamento, teve também uma aparição, em sonho, da mesma pessoa que lhe dizia não querer ver sua filha, com receio de torná-la enferma, tendo, entretanto, vindo para Vê-la. A mesma pessoa sonhou na mesma noite, creio, que a porta da casa de minha mulher estava coberta de luto no próprio dia do meu casamento. Foi o que aconteceu, conquanto nada fizesse prever: na véspera meu cunhado morria da ruptura de um aneurisma e foi sepultado no dia em que nos devíamos casar.

Eis ai fatos cuja autenticidade vos posso garantir.

 

(Carta 401.)

  1. COUTANT (La Ciotat).

 

XXXII. - Meu pai era, segundo creio, aluno do 6° ano no pequeno seminário de Guérande. Uma noite ele viu, em sonho, sua mãe deitada e não dando mais sinal de vida, no quarto dela, no Croisic, onde morava. Ele acordou-se com o rosto banhado em lágrimas.

No dia seguinte, comunicava-lhe uma carta que sua mãe, à hora em que ele a vira assim, tivera uma crise súbita e estiveram prestes a morrer nos braços de seus filhos que acorreram aos seus gemidos . Isto, como vedes, se afasta um pouco das observações por vós publicadas, pois que apenas se trata de um sonho e não se deu morte alguma. E porém, seguramente, um fato de ordem psíquica - eis porque achei conveniente fazer-vos, a seu respeito, este relato.

 

(Carta 434 .)

POLUEC(PLORMEL)

 

XXXIII. - Uma de vossas leitoras sonhou, uma noite, que se achava em casa de uma de suas amigas, tuberculosa havia muito tempo. Ignorava que estivesse ela, nesse instante, mais sofredora que de ordinário. A amiga estava deitada; ela estendeu-lhe a mão, disse-lhe adeus e morreu em seus braços. No dia seguinte, as pessoas de quem vos falam, disse a sua mãe: - Fulana morreu; eu a vi esta noite... Soube-se durante o dia da morte da enferma.

Realizando-se a visão em estado de sonho, não se poderia precisar se a hora da morte coincidiu com a da aparição.

 

(Carta 438.)

JEAN SURYA

Rua Raynouard 37, Paris

 

XXXIV . - Não tenho mais que vinte e dois anos e já por três vezes, com coincidência de morte, experimentei em sonho os fenômenos que estudais:

  1. a) - A primeira vez, há cinco anos. Acordara-me rindo e contei a minha irmã que acabava de sonhar com o pai Fulano de Tal (velho rabugento com o qual minha família se malquistara) . Hoje não me lembro mais em que consistia o sonho, mas fiquei muito impressionado com o mesmo. Nesse mesmo dia soubemos que ele acabava de suicidar-se.
  2. b) - A segunda vez, um ano depois. Sonhei que um de meus primos, viúvo, residindo na mesma cidade, mas a quem eu raramente via, comunicava-me o seu desejo de tornar a casar (fato que eu ignorava em absoluto). Contei o sonho à, minha família no dia seguinte pela manhã, e cerca das 10 horas encontramos, banhada em lágrimas, uma tia desse moço, que nos participou sua morte ocorrida à noite, após urna doença de três dias, deplorando que sua morte, assim tão brusca, o impedisse de realizar seu projeto de dar uma mãe aos seus órfãos.
  3. c) - Uma terceira vez, há um ano. Achava-me doente de influenza e vários locatários da casa estavam enfermos. Sonhei uma noite com um enterro que saia dessa casa, sendo que o féretro era de enormes proporções. Tinha a intuição de que se tratava do Senhor Durand, um dos locatários doentes, cuja corpulência era notável. Por isso, ao despertar, minhas primeiras palavras foram para pedir notícias dele. Fiquei penosamente impressionado ao saber que morrera durante a noite.

 

(Carta 441.)

Jeanne About (Nanci)

 

XXXVII. - Uma de nossas amigas teve durante a noite um sonho que lhe mostrou um de seus irmãos que ela muito amava e que não pudera ver desde muito tempo; estava vestido de branco, tinha boa cor e parecia feliz. A sala. onde ele se achava era igualmente pintada de branco e regurgitava,de gente. O irmão e a irmã abraçaram-se afetuosamente. Terminado o sonho, a minha amiga despertou e teve o pressentimento que seu irmão falecera. Soou meia-noite no mesmo instante. No dia seguinte esta senhorita sabia, por uma carta, que seu irmão expirara naquela noite, precisamente à meia-noite.

 

(Carta 450.)

  1. P. (Arfes).

 

XXXVIII. - Querendo eu, em sonho, no mês de Julho de 1890, abrir uma porta de comunicação de meu quarto com uma outra peça, não o pude conseguir, mal grado aos mais vigorosos esforços; vieram então em meu auxilio e, por uma outra porta, muito próxima da primeira, acabamos por afastar o obstáculo: era o corpo de meu tio, estendido no chão, com as pernas dobradas.

Não liguei importância alguma a esse sonho, mas voltou-me ele à memória quando soube da morte súbita desse Pneu parente, sobrevinda no campo a SO de Julho de 1890.

Não notei, infelizmente, a data desse sonho, mas creio poder afirmar que se deu nas primeiras noites da semana, ou talvez mesmo na de 10, que era uma quinta-feira.

 

(Carta 466 .)

J.C. (Lião)

 

XXXIX. - Achava-me doente em Cartágena, no fim de 1888. Na noite de Natal, tive um sonho desagradável que relato resumidamente. Estava eu na povoação de Rezé-les-Nantes, vendo passar o enterro de uma jovem. Não conhecia nem o nome nem a família da morta e, entretanto, sentia-me invadir por grande tristeza. Juntei-me ao cortejo; na igreja, coloquei-me no primeiro lugar por trás do ataúde, sem me apercebei das pessoas que estavam perto de mim. Estava banhado em lágrimas e uma voz me dizia : Ali tens a tua melhor amiga. No cemitério, desencadeou-se tremenda tempestade e uma chuva diluvial. Despertei, julgando ouvir a trovoada.

De regresso à casa de minha família, vim a saber que uma parente próxima, amiga de infância, contando, como eu, 15 anos de idade, morrera nessa noite de Natal.

 

(Carta 468 .)

 

E . ORIEUX

Inspetor-chefe honorário do Departamento das Estradas, em Nantes.

 

  1. - Meu tio era capitão de Marinha. Voltava ele ã França depois de uma ausência de vários meses. Uma tarde de calor excessivo, estava em sua cabine, procurando anotar algumas observações em seu livro de bordo. Adormeceu e sonhou que via sua mãe sentada, tendo sobre os joelhos um pano manchado de sangue, sobre o qual repousava a cabeça de seu irmão. Desagradavelmente impressionado, despertou e quis continuar a fazer as suas anotações, mas tornou a adormecer e teve de novo o mesmo sonho. Ao despertar sob a sugestão desses dois sonhos, registrou-os em seu livro de bordo, com a data e a hora.

A chegada do seu navio no porto de Marselha, veio um amigo ao seu encontro e lhe disse

- Acompanho-te à tua casa.

Meu tio dirigiu-se ao camarote; durante esse tempo, o amigo providenciara a fim de que o navio hasteasse bandeira a meio pau. Ao sair do camarote, meu tio, à vista do sinal de luto, surpreendido, exclamou:

- Meu irmão morreu.

- Sim - diz-lhe o amigo - como o sabes ?

Então contou meu tio o sonho que tivera em pleno Oceano seu, irmão suicidara-se no dia indicado no livro de bordo.

 

(Carta 476.)

  1. S. (Marselha) .

 

XLI. - Conheço uma pessoa cuja impressão foi muito violenta em face da aparição de uma amiga, a quem ela amava muito e cuja morte, ocorrida na véspera, um telegrama acabava de anunciar-lhe. Posteriormente foi essa pessoa informada, por uma carta, que a agonizante pronunciara exatamente as mesmas palavras que ela ouvira em sonho.

 

(Carta 513 .)

JEANNE DELAMAIN (Jarnac, Charente) .

 

XLII. - Faz alguns meses, fui avisado, em sonho, da morte de uma das minhas conhecidas, na mesma noite dessa morte, que ninguém esperava.

Pela manhã contei esse sonho à minha amiga. Ao voltar para casa, ela encontrou um telegrama, anunciando-lhe essa morte, ocorrida ã mesma noite.

 

(Carta 515.)

  1. BARDEL (Yverdon, Suíça) .

 

XLIII. - Aparição, em sonho, de minha avó, na noite de 8 para 9 de Julho de 1855. Ela morreu no dia 9 de Julho, às 8 horas da manhã. Estava eu a 120 quilômetros do lugar onde ocorreu o falecimento.

 

(Carta 518.)

ALLIEK

Professor em Florac (Lozère) .

 

XLIV . - Recentemente, achando-me em casa de pessoas de meu conhecimento, aí encontrei uma senhora que teve ocasião de ver-vos em Paris. Falávamos a vosso respeito e de vossos estudos recentes, e um dos circunstantes me disse a propósito: - Oh! se soubésseis que estranho sonho tive esta noite!... Vós vos lembrais de Gabriela T.? Respondi afirmativamente. - Pois bem, sonhei que ela estava morta e que eu a via deitada em seu túmulo! . . . Esta manhã desci para dar um passeio e a pessoa com quem eu ia me disse: Sabeis que a Sra. T. morreu? Acabo de sabê-lo neste instante. Meu sonho da noite e esta notícia impressionaram-me tão vivamente que fiquei confusa e perturbada com essa inexplicável coincidência, pois não a conhecia particularmente, não a sabia doente e não falava a seu respeito, havia muito tempo.

Esse o fato curioso que acabo de saber. No caso de o citardes, ficar-vos-ia agradecida de somente publicardes as minhas iniciais.

 

(Carta 534.)

J.A. (Bourges)

 

XLV. - Eu estava muito enamorado de uma jovem honesta e de muito boa família. Ela caiu doente. Uma noite, cerca de 9 horas, eu passava por uma madorna e me via em uma grande sala onde todo mundo dançava. A minha bem-amada achava-se presente, vestida de branco, com um semblante ao mesmo tempo pálido e triste . Aproximo-me dela e convido-a para dançar. Ela me recusa com uns modos bruscos, dizendo-me baixo : - E impossível, estão-nos vendo.

Despertei com grande palpitação do coração e lagrimas nos olhos. Logo que amanheceu, vesti-me à pressa e corri para a residência da enferma. Encontrei na rua o criado de sua casa, o qual me comunicou haver ela morrido nessa mesma noite .

 

(Carta 535 .)

M.T. (Constantinopla)

 

XLVI. - Meu pai tinha um amigo de infância, o General Charpentier de Cossigny, que sempre me testemunhara muita afeição. Como estivesse ele atacado de uma moléstia nervosa, que tornava esquisito o seu modo de ser, não nos admirávamos jamais que nos fizesse por vezes três ou quatro visitas sucessivas, pois que ficavam meses sem aparecer. Em Novembro de 1892 (havia cerca de três meses que não víamos o general), estando eu com forte dor de cabeça, fui deitar-me muito cedo. Já me achava há bastante tempo na cama e começava a adormecer, quando ouvi meu nome pronunciado a princípio em voz baixa, depois um pouco mais alta. Apliquei o ouvido, supondo que era meu pai que me chamava, mas percebi que ele dormia no quarto vizinho sua respiração era bastante natural, como a de alguém que dormisse há muito tempo.

Novamente adormeci e tive um sonho. Vi a escada da casa em que o general morava (7, Cité Vanean). Ele próprio apareceu-me debruçado sobre a balaustrada do Patamar do primeiro andar; depois desceu, veio a mim e me beijou na fronte. Seus lábios estavam tão frios que o contacto me despertou. Vi então distintamente, no meio do meu quarto, iluminado pelo reflexo do gás da rua, a silhueta alta e fina do general que se afastava. Eu não estava dormindo, pois que ouvi bater onze horas no Liceu Henrique IV e contei as pancadas. Não pude tornar a dormir, e a impressão fria dos lábios de nosso velho amigo perdurou-me na fronte a noite inteira.

Pela manhã, as minhas primeiras palavras a minha mãe, foram: Teremos notícias do General de Cossigny, eu o vi esta noite.

Alguns instantes depois, meu pai encontrava em seu jornal a notícia da morte de seu velho camarada, ocorrida na véspera, ã noite, em conseqüência de uma queda na escada.

 

(Carta 543.)

JEAN DRENILHE

Rue dês Boulangers 36, Paris

 

XLVII. - Uma noite, achando-me a dormir em minha casa, aqui, vi meu irmão que se achava em Argel, em agonia de morte.

Foi tão viva a impressão experimentada, que despertei subitamente. Seriam cerca de 4 horas da manhã.

Meu irmão há perto de dois anos vivia sofrendo, mas nenhuma importância liguei a este sonho, sabendo que seu estado de saúde, no momento, era assaz bom, porquanto me havia dado noticias suas alguns dias antes. Pela manhã recebi um telegrama participando-me o seu falecimento às 6 horas da manhã.

Jamais falei a respeito disso a quem quer que seja, atribuindo o fato a uma pura coincidência e não teria certamente falado sobre o mesmo, se não se tratasse do testemunho estatistico-cientifico que desejais.

 

(Carta 552.)

LEHEMBRE

Intérprete do Tribunal, em Sousse (Tunísia).

 

XLVIII. - Era durante a grande guerra de 1870-1871; meu noivo era soldado no exército do Reno - se não me engano -, e depois de dias e dias não tínhamos notícias suas. Na noite de 23 de Agosto de 1870, tive um sonho singular que me atormentou, mas ao qual não liguei grande importância. Encontrava-me em um quarto de hospital, no meio do qual estava uma espécie de mesa onde meu noivo se achava deitado. Seu braço direito estava nu e percebia-se grave ferimento perto da espádua direita; dois médicos, uma irmã de caridade e eu, estávamos perto dele. De repente olha-me ele com seus grandes olhos e me diz: - Amas-me ainda? Alguns dias depois, soube pela mãe de meu noivo, que ele fora ferido mortalmente na espádua direita, a 18 de Agosto, perto de Gravelotte, e que morrera a 23 de Agosto de 1870. Uma irmã de caridade que o tratara, foi a primeira que nos participou sua morte. O quadro está ainda presente ao meu espírito como se eu o houvesse sonhado e vivido ontem .

 

(Carta 583 .)

SUZANNE KUBLER

Professora (Heidelberg)

 

XLIX. - Na noite de 30 para 31 de Julho de 1897, sonhei que atravessava a praça de Quinconces onde estavam trabalhando marceneiros. Um deles me tomou a mão esquerda e serrou-me o dedo mínimo: o sangue corria em abundancia e gritei por socorro.

Nesse instante acordei-me, em um estado impossível de descrever, levantei-me, e minha mulher, admirada, perguntou-me o que fazia. O relógio batia 3 horas. Momentos depois, tornei a dormir. Tive novo sonho, no qual eu via um navio atravessando um canal; no fim desse canal, uma embarcação destacava-se do navio e encostava à margem. Alguns homens desembarcaram, cavaram um buraco, enterraram qualquer coisa e, depois de terem tapado o buraco, retiraram-se .

Chegando ao meu escritório, contei aos colegas os dois sonhos que tivera durante a noite. Eles ficaram muito admirados. Um deles declarou que, quando a gente via, em sonho, correr o seu próprio sangue, era isso presságio de desgraça na família.

Eu tinha então o meu primogênito como soldado no 11° Regimento de Marinha em Saigon. Tendo enfermado, regressara à França.

A 11 de Agosto soube, pelo comissário de policia do meu quarteirão, da morte de meu filho. Falecera no canal de Suez a 31 de Julho. Algum tempo depois, eu recebia uma cópia do registro de óbito, segundo a qual meu filho morrera, com efeito, a 31 de Julho, às 3 horas da manhã e fora inumado em Port-Said.

 

(Carta 587 .)

  1. DUBOS

Diretora-Chefe das alfândegas, em Bordéus

 

  1. - Sendo estudante de Medicina e prestes a terminar meus estudos, eu fora passar com a minha família as férias da Páscoa de 1895. Uma noite (não me recordo da data exata) deitamo-nos como de ordinário; o repasto fora muito alegre e todos os da família se achavam de perfeita saúde. Pelas 2 horas da manhã, tive um sonho penoso: meu pai estava morto, eu chorava desesperadamente, acompanhando-o ao cemitério. Esse pesadelo acabou por me despertar e pude constatar que o meu travesseiro estava molhado de lágrimas.

Não dando crédito aos sonhos e não estando ainda muito iniciado em questões de telepatia, tornei a dormir calmamente, na crença de que aquilo não passava de um sonho. Às 7 horas da manhã ainda eu dormia, quando minha mãe entrou em meu quarto para dizer-me que eu fosse ver meu pai imediatamente, pois estava com um ataque de paralisia. Corri para ele e vi, com efeito, que não podia mais mover o braço e a perna esquerda, tornados inertes.

Sabendo-se que os ataques de paralisia se produzem freqüentemente durante o sono dos doentes, que despertam hemiplégicos, calculo que a hemorragia cerebral de meu pai se declarou pelas 2 horas da manhã, no instante do meu pesadelo.(Meu pai ainda vive, mas é doentio.)

Trata-se de um caso de telepatia? Talvez? Eu vo-lo relato para que lhe deis o valor que mereça.

 

(Carta 591.)

  1. DURAND

Saint-Purçain-(Alier)

 

LI - a) - A uma quinzena de anos, a Senhora T . C . dava a algumas senhoritas um garden-party em sua vila, situada em Dourbali Déré, sobre a margem asiática do Mar de Marmara. Foram ai servidos, entre outras coisas, sanduíches de presunto.

Cinco ou seis anos depois desse pequeno festival, uma das convidadas, a quem ela apenas conhecia e a respeito de quem não ouvira mais falar, apareceu-lhe em sonho, pedindo-lhe para lhe dar um pouco daquele presunto que ela comera em seu garden-party.

A Sra. T. C. conta a seu marido o sonho que tivera e este presta ao caso justamente a atenção que de ordinário se concede aos sonhos. Qual não é o espanto de M. C., ao chegar ao seu escritório, aí encontrando o pai da senhorita que a Sra. T. C. tinha visto em sonho e que lhe comunica que sua filha morria aos poucos de tuberculose e que ela o enviava a ele para lhe pedir um pouco daquele excelente presunto que ela saboreou no garden-party de alguns anos atrás! M. C. satisfez ao desejo da moça e, ao voltar para casa, conta a sua mulher o que se passara. E não se falou mais nisso.

Alguns dias mais tarde a Sra. T. C, torna a ver em sonho a mesma jovem, que desta vez lhe pede flores de seu jardim. Ao despertar, a Sra. T. C. conta seu sonho ao marido, dizendo-lhe: Tenho certeza de que a Srta. Fulana morreu. Com efeito, no mesmo dia, recebe M. C. o anúncio mortuário: a moça expirara durante a noite.

  1. b) - A Sra. T. C., em seguida a uma sentença pronunciada em processo de separação, parte para o Egito. Sua filha, de 14 anos de idade, é confiada a um estabelecimento escolar religioso da cidade de Constantinopla. A 18 de Março de 1880, a Sra . T . C . está sentada em seu balcão, em Alexandria. Era após o entrar do Sol, no momento em que começa a escurecer. De súbito, ela ouve como que o roçagar de um vestido de seda no hall que ficava por trás dela. Volta-se e vê o fantasma de uma jovem vestida de branco, parecida com sua filha, que atravessa o hall e desaparece.

Alguns dias depois, vem um amigo visitar a Sra. T. C. E portador de noticias de Constantinopla. Este amigo não acabara de pronunciar o nome de sua filha, quando a Senhora T . C .   o interrompe, dizendo-lhe : - Minha filha morreu, eu o sei; ela morreu a 18 de Março pelas 5 horas da tarde. A carta mencionava a data e a hora do falecimento: eram precisamente as da aparição.

 

(Carta 594.)

ALPOURONI (Constantinopla)

 

LIII. - a) - Na noite de 23 de Março de 1884, sonho que uma de minhas amuas jogava sua partida de xadrez com o Doutor D., em família, na minha casa; percebi que se achava revestida de um véu negro muito espesso e lhe disse: - Vais perder se ficares, assim, envolta nesse véu.

- E que eu estou morta, reparara!

Ela então levanta o véu de crepe e vejo uma caveira sem dentes, os olhos convertidos em buracos? Era horrível!

Esta amiga estava ainda há oito dias em minha casa, tinha quarenta e nove anos, estava de perfeita saúde e não me deixara senão pelas férias da Páscoa, para dirigir-se a Paris, onde ia buscar seu filho no colégio, e depois com ele voltar, a fim de concluir seu pequeno estágio de recreação, em minha casa. O quarto por ela ocupado permanecia tal qual o deixara e aguardava-a. Não havia, portanto, suposição alguma de morte. Contudo, na própria manhã que se seguiu a este horrível sonho, cuja narrativa eu fazia ainda muito emocionada ao doutor, o carteiro traz-me um telegrama concebido nos seguintes termos: Venha depressa, Maria morreu esta noite... e foi o que aconteceu?...

  1. b) - Coisa idêntica sucedeu por ocasião da morte de meu pai, na idade de setenta e nove anos. Deixa-nos ele, com perfeita saúde e nós nos admirávamos mesmo da sua vivacidade. Na noite de 17 de Outubro de 1879, sonho que mudaram o tanque do jardim; puseram flores no lugar e a terra se acha revolvida. Aproximo-me, inclino, olho... solto um grito! pois avisto o caixão de meu filho! . . .

Chega, nessa mesma manhã, um telegrama: Vosso pai morreu esta noite... E o seu ataúde está agora colocado no mesmo sepulcro, sobre o de meu filho querido.

 

(Carta 599.)

MME. H.D.

Rue du Conedic, Paris

 

LIV. - Uma manhã, às 9 horas, tinha meu marido saído para o desempenho dos seus afazeres e eu tornei a dormir por alguns minutos. No breve espaço de tempo que durou o meu sono, tive um sonho que me impressionou fortemente. Sonhei que tinha saído em companhia de meu marido. Deixou-me ele por alguns momentos, para entrar em um estabelecimento, a fim de conversar com alguém, e eu fiquei da parte de fora, esperando-o. Instantes depois, vejo-o sair muito pálido e tenda sua mão esquerda apoiada sobre o coração. Pergunto-lhe ansiosamente o que era, ele me responde:

- Não te amedrontes, isto não é nada. Ao sair dali, alguém me deu acidentalmente um tiro de revólver, suponho, mas não tenho mais do que leve ferimento na mão.

Despertei em sobressalto e, vestindo-me, contava meu sonho a criada de quarto, quando um toque violento de campainha me fez estremecer. Meu marido entrou em meu quarto tão pálido como o tinha visto em sonho e, trazendo sua mão esquerda envolta em panos, me disse:

- Não te alarmes, isto não é nada. Indo ao meu escritório com um amigo, deu-me alguém um tiro de revólver e a bala, passando por meu braço, produziu-me apenas leve ferimento no pulso .

Trata-se de sonho, visão, ou de um caso de telepatia?

 

(Carta 606 .)

MME.KRANSKOFT (Constantinopla)

 

LVI. - Em 1866, estava eu em um pensionato situado em pequena localidade da Floresta Negra. Uma manhã, no momento em que o professor ia começar a lição, apresentou-se diante dele um aluno e perguntou-lhe se tinham boas noticias de seu irmão (igualmente professor no mesmo pensionato e que estava passando uns tempos com sua família, na Suíça) .

Respondendo-lhe o professor que não tinha noticia alguma, contou-lhe o discípulo, em alta voz, que tivera um horrível sonho na noite precedente e que, durante o sonho, vira o professor ausente, estendido sobre a relva, com um buraco negro no meio da fronte.

A fim de dissipar a emoção experimentada por todos os que ouviram essa narrativa, começou o mestre à aula imediatamente e durante todo o dia não se falou mais a respeito do sonho.

Um ou dois dias depois (minha memória está indecisa quanto ao dia precisamente em que se deu o fato) o professor recebeu uma carta participando-lhe que seu irmão morrera em conseqüência de um acidente na caçada: ao querer transpor um fosso, sua espingarda disparou e a carga inteira penetrou-lhe na cabeça.

 

(Carta 611.)

A.H. (Genova)

 

LVII. - Minha mãe residia em Lile e tinha na Alsácia um tio a quem ela amava muito. Tinha ele os dedos muito finos e compridos: ora, um dia em que minha mãe estava a dormir, viu em sonho esta mão longa pairar lentamente por cima dela, procurando agarrar um objeto qualquer. No dia seguinte, recebia minha mãe a notícia da morte do tio e, conforme informações obtidas dos que o rodeavam, o falecido, com efeito, antes de morrer, fizera todos os movimentos vistos por minha mãe.

 

(Carta 616 .)

A.P. (RUA DAS Plantas, Paris)

 

LVIII. - Sucede-me constatar, muitas vezes, uma impressionante coincidência entre os meus sonhos e acontecimentos sobrevindos no mesmo instante .

Permito-me citar-vos, como exemplo, o último desses sonhos, aquele que mais presente se acha ao meu espírito. Aconteceu-me sonhar, uma noite inteira, com uma religiosa que tivera outrora como professora. Vendo-a muito doente, eu experimentava, por isso, grande angústia e procurava, baldamente, confortá-la. Constato, no dia seguinte, que as irmãs da escola comunal se acham em Mirecourt, a fim de assistirem aos funerais de uma de suas colegas. Ainda sob a impressão de meu sonho, digo imediatamente: Trata-se da Irmã Saint-Joseph!

E, com efeito, era precisamente dela que se tratava. Entretanto eu não pensara nisso nos dias precedentes, ninguém me havia falado nesse assunto, eu ignorava que ela estivesse doente.

 

(Carta 631.)

G.COLLIN (Vittel)

 

LIX. - Era o dia 13 de Junho de 1894. Residia eu nesse momento em Barbezieux (Charente). Tive um sonho no qual via constantemente um empregado dos Correios e Telégrafos portador de um telegrama. No dia seguinte e mal grado as minhas ocupações, a visão desse empregado, de papel azul em punho, não deixou meu pensamento.

Durante sete dias e sete noites consecutivos, este pesadelo me tiranizou a tal ponto, que no dia 20, pela manhã, me achava verdadeiramente enfermo. Ao meio-dia, a minha doença desapareceu como por encanto, e eu me sentia perfeitamente bem; mas, às 3 horas da tarde, deram-me a noticia da morte de meu pai, em conseqüência de um ataque de apoplexia, em Castillon-sur-Dordogne, ao meio-dia, hora na qual me senti de súbito aliviado.

Vi então diante de mim o empregado dos Correios, tal qual minha imaginação o havia representado - e que jamais eu tinha visto.

Em absoluto ignorava que meu pai estivesse doente e estávamos separados por uma distância de cem quilômetros.

 

(Carta 649.)

ULYSSE LACOSTE

Saint Louis 48, Bordéus

 

  1. - Sou um homem bem disposto e de nervos sólidos. Em 1894, a 20 de Abril, pelas 7 e meia horas, morre minha mãe Olga Nikadlevna Arbonsova. Sua idade era de 58 anos. Na véspera de sua morte, pela Páscoa, tinha eu ido visitar amigos que residiam a 15 verstes de minha propriedade. Em geral, fica-se para dormir, mas eu, por não sei que pressentimento, não quis ficar e, durante todo o caminho que percorri para voltar a casa, não me sentia em meu estado habitual. Chegando em casa, vi minha mãe a jogar as cartas com um senhor e fiquei tranqüilizado. Deitei-me. Pela manhã de 20 de Abril, despertei com um arrepio de frio em todo o meu corpo, em conseqüência de um sonho horrível e olhei o relógio: eram 7 e meia da manhã. Vi minha mãe aproximar-se de minha cama, abraçar-me e dizer: - Adeuses, vão morrer. Estas palavras despertaram-me de todo.

Não pude tornar a dormir. Dez minutos depois, vejo que todo mundo corre em minha casa. Entra a minha criada de quarto que me diz: - Senhor, a patroa morreu.

Conforme a narrativa dos empregados, minha mãe levantou-se ás 7 horas, esteve no quarto de dormir de sua neta para abraçá-la, depois tornou a entrar no seu quarto para ler suas preces matinais; em seguida, ajoelhou-se diante do oratório e ato continuo morreu da ruptura de um aneurisma. Segundo o que me disseram, passou-se isso às sete e meia horas da manhã (exatamente o instante de minha visão.)

 

(Carta 670.)

ALEXIS ARBOUSOFF

 

LXI. - Em 1881, deixara eu a França para ir a Sumatra, onde meus amigos me chamavam. Deixei minha mãe em França, com saúde pouco robusta, mas não inquietante, e uma irmã de vinte anos, fortemente atacada de urna moléstia incurável, A saúde delata última exigia cada ano uma viagem à.s águas de Mont-Dore. Do mesmo modo, todos os anos eu recebia regularmente a noticia de sua partida para essa estação de águas .

Ora, em 1884, na noite de 3 para 4 de Agosto, em sonho, eu recebia uma carta de minha irmã, informando-me de que minha mãe havia morrido subitamente nos Pirineus.

Despertei muito impressionado com esse sonho e falei a respeito do mesmo a dois europeus que residiam, um deles comigo, outro na minha vizinhança. A lembrança do sonho perseguiu-me sem descanso, era uma verdadeira obsessão, fazendo-me desejar e recear ao mesmo tempo o recebimento da correspondência que me pudesse trazer notícias relativas ã época do sonho. Ela chegou afinal e recebi uma carta de minha irmã, informando-me de que o médico a enviara a Luchon e que minha mãe, acometida de um resfriado, devia seu restabelecimento somente aos cuidados enérgicos do doutor. Declarara este, na tarde de 3 de Agosto, que se minha mãe ainda vivesse, no dia seguinte, poderia responder por ela, mas que aguardava esse dia para pronunciar-se.

O sonho não era exato quanto ao desenlace anunciado por ele: a morte de minha mãe. Não é, porém, menos notável

1° - Que o sonho assinalasse um perigo concernente a minha mãe e não a minha irmã, cuja saúde preocupava muito mais o meu espírito;

2° - Que o sonho se referisse a uma estação balneária diferente daquelas a que iam elas ordinariamente - o que se verificou ser perfeitamente exato;

3° - Que se o sonho induziu a erro quanto â morte em si mesma, a iminência da morte existiu perfeitamente e sonho coincidiu com essa iminência, como pude verificá-lo pelas datas e pelos detalhes que pedi a minha irmã, para controlar a coincidência.

Enfim, não é estranho que um sonho preocupe o espírito a tal ponto que ainda eu o tenha presente à memória depois de decorados quinze anos? Faço-vos este relato sem o concurso de uma simples nota e penso que me recordarei do sonho toda a minha vida, tanto a impressão dele permanece, por assim dizer, impagável em mim . Todo mundo concorda que não ai dá o mesmo com todos os sonhos. A maior parte deles Passam com a rapidez do vento.

 

(Carta 678 .)

J.BOUCHARD

Ocara Enim, Palembang, Sumatra

 

LXII - A 16 de Junho de 1870, eu dormia profundamente quando alguém me despertou batendo-me nas costas. Abro os olhos e vejo minha irmã, de quinze anos de idade, sentada em minha cama. - Adeus, Nadia - disse-me ela. Depois desapareceu.

No mesmo dia soube que ela morrera, nessa mesma hora em que tive esse despertar e essa visão (5 horas).

 

(Carta 822 .)

H.N. UBANENKO (Moscou)

 

Eis aí uma série de sonhos relativos a manifestações de moribundos e que devem, ao que nos parece, ser classificados na mesma categoria dos casos de telepatia, que constituíram objeto do Capitulo III. Indicam eles uma ação psíquica do moribundo sobre o espírito daquele que dorme, ou, em quaisquer casos, correntes psíquicas entre os seres; achei, entretanto, de bom alvitre, não lhes dar mais do que um lugar secundário, porque se tem menos segurança. das coisas percebidas em sonho do que daquelas que vemos em estada normal e também porque, sendo inumeráveis os sonhos e devidos freqüentemente a preocupações pessoais, os casos de coincidências fortuitas não podem ser eliminados pelo cálculo das probabilidades, como os fatos observados em estado de vigília com a plenitude da razão.

Não é menos certo que grande número desses sonhos devem ser aceitos temo testemunhando também uma relação de causa e efeito entre o espírito do moribundo e o do percipiente. Alguns são de uma precisão de detalhes absolutamente probantes, notadamente os casos VIII, IX, XI, XVII, XX, XXVI , XLVIII, LVI. Ido próprio instante em que redijo estas páginas, o seguinte relato acaba de ser-me dirigido pelo Senhor Daniel Beylard, arquiteto, discípulo distinto da Escola de Belas Artes, filho do conhecido estatuário . A impressão telepática não foi sentida em sonho, mas em um estado mental que oferece alguma analogia com o sono, o estado de infância assaz freqüentemente observado na extrema velhice .

LXIII. - Minhas duas avós vivem juntas em Bordéus desde muitos anos: uma tem 80 anos; a outra, minha avó paterna, tem 87. Esta última não goza mais, desde muito tempo, ai suas faculdades intelectuais: de dois anos para cá, sobretudo, ela perdeu a memória, a tal ponto que não sa lembra do nome dos objetos mais usuais e não nos reconhece.

A 10 de Outubro último, segundo seu hábito, minha avó passou a manhã em seu quarto. A criada que a trata muito ocupada em cortar papelão e pentear seus cabelos satisfeita com a sua tranqüilidade, deixou-a estar assim até à hora do almoço. Sentando-nos à mesa, percebemos que minha avó amarrara aos seus cabelos, por trás da cabeça, com auxílio de fios e de alfinetes, uma fotografia: era o retrato, em cartão, de seu único sobrinho, residente em Madrid. Rimo-nos logo do caso, e em seguida quisemos tirar-lhe o retrato, ao que ela se opôs, resistindo, e foi até às lágrimas quando se fez menção de empregar a força: então, deixamo-la tranqüila .

Às quatro horas da tarde desse mesmo dia, recebíamos um telegrama de Madrid, participando-nos a morte do referido sobrinho, ocorrida nessa mesma manhã. Surpreendeu-nos tanto mais essa notícia quanto ninguém sabia, em Bordéus, que estivesse ele doente.

Devo acrescentar que minha avó educara esse sobrinho até a idade de cinco anos e que tinha um pelo outro profunda afeição.

Eis ai, caro mestre, os fatos tais quais se produziram em minha presença, e tais como vos podem atestar minha avó materna, meus pais e a empregada.

 

(Carta 845 .)

DANIEL BEYLARD

Rua Denfert Rocheran,77 - Paris

 

Pedi ao narrador desse caso muito interessante de telepatia, que solicitasse das testemunhas o obséquio de atestá-lo também e elas apressaram-se em fazê-lo.

Ainda que aí estejam provas tão numerosas quanto irrecusáveis, acrescentar-lhes-erros ainda algumas outras. E preciso que não fique nenhum lugar à dúvida.

O Marechal Serrano morreu em 1885. Sua mulher escreveu o seguinte relato de um curioso incidente relativo a essa morte .

LXIV . - Há longos doze meses que uma enfermidade muito grave, aí de mim? pois que devia levá-lo, minava a existência de meu marido. Percebendo que o seu fim chegava rapidamente, seu sobrinho, o General Lopez Dominguez, dirigiu-se ao presidente do Conselho de Ministros, Senhor Canovas, para obter que, por sua morte, Serrano fosse enterrado, como os outros marechais, em uma igreja.

O rei, então em Pardo, recusou aceder ao pedido do General Lopez Dominguez. Acrescentou, entretanto, que prolongaria sua estada no domínio real, a fim de que sua presença em Madrid não viesse a impedir que fossem prestadas ao marechal as honras militares devidas ao posto e a elevada hierarquia que ele ocupava no Exército .

Aumentavam dia a dia os padecimentos do marechal; ele não podia mais se deitar e permanecia constantemente em uma poltrona. Uma manhã, ao romper da aurora, meu marido, a quem um estado de completo aniquilamento, causado pelo uso da morfina, paralisava inteiramente, e que não podia fazer um só movimento sem o auxílio de várias pessoas, levantou-se de súbito, sozinho, direito e firme, e com uma voz mais sonora do que jamais o tivera em sua vida, gritou no grande silêncio da noite:

- Depressa, que um oficial da ordenança monte a cavalo e corra ao Pardo: é morto o rei?

Tornou a cair, esfalfado, em sua poltrona. Todos acreditamos tratar-se de delírio e nos apressamos em dar-lhe um calmante .

Ele acalmou-se, mas, algum minuto depois, de novo se ergueu. Com uma voz débil, quase sepulcral, disse:

- Meu uniforme, minha espada: o rei é morto!

Esse foi o seu último sinal de vida. Depois de ter recebido, com os últimos sacramentos, a bênção do papa, expirou. Afonso XII morreu sem tais confortos.

Aquela súbita visão da morte do rei, por um moribundo, era verdadeira. No dia seguinte toda Madrid soube, com estupor, da morte do rei, que se encontrava quase só no Pardo.

O real cadáver foi transportado para Madrid. Por esta causa, Serrano não pôde receber a homenagem que tinha sido prometida. Sabe-se que, quando o rei está no palácio de Madrid, as honras são somente para ele, mesmo estando morto, desde que seu corpo aí se encontre.

Foi o próprio rei que apareceu a Serrano? O Pardo fica longe; tudo dormia em Madrid; ninguém, a não ser meu marido, o sabia. Como pôde ter ele a noticia dessa morte! Eis uma coisa digna de meditação.

 

CONDESSA DE SERRANO (Duquesa da Torre)

 

O Senhor G. J. Romanos, membro da Sociedade Real de Londres, consignou o fato seguinte que lhe foi comunicado por um de seus amigos

LXV. - No correr da noite de 26 de Outubro de 1872, Senti-me de súbito muito indisposto e fui deitar-me às 9 1/2, cerca de uma hora mais cedo que de costume; adormeci quase imediatamente. Tive, então, um sonho muito intenso, que me causou grande impressão, de modo que, logo ao dos` portar, falei a respeito à minha esposa; temia que me anunciasse ele uma desgraça.

Eu me vi, em sonho, sentado no salão, perto de uma mesa, na atitude de quem lê, quando uma velha senhora apareceu repentinamente, sentada do outro lado, muito perto da mesa. Ela não falou nem se mexeu, mas olhou-me fixamente e do mesmo modo fixei-a durante vinte minutos pelo menos. Impressionou-me vivamente o seu aspecto; tinha cabelos brancos, sobrancelhas muito negras e um olhar penetrante. Não a reconheci absolutamente e imaginei tratar-se de uma estrangeira. Minha atenção foi atraída para o lado da porta, que se abriu e, sempre em meu sonho, entrou minha tia. Vendo esta velha senhora, muito surpresa, ela. exclamou, em tom de censura:

- John, não sabes então quem é? - e, sem me dar tempo de responder, acrescentou - E tua avó.

Do lugar em que se achava, o Espírito me viera visitar levantou-se de sua cadeira e desapareceu. Nesse momento despertei. Tal foi à impressão, que tomei o meu carnet e registrei esse estranho sonho, persuadido tratar-se de um mal pressagio. Entretanto, passaram-se alguns dias sem que chegassem quaisquer más noticias. Uma tarde recebi uma carta de meu pai, anunciando-me a morte súbita de minha avó, que se verificou na mesma noite do meu sonho e na mesma hora         (10 1/2 horas) (87 ) .

O Doutor Oscar Giacchi publicou os três casos seguintes nos Anais de Ciências Psíquicas (1893, pág. 302):

LXVI. – 1° Caso (pessoal) . Em 1853, era eu estudante em Pisa, contava 18 anos de idade, tudo me sorria então, Q nenhuma preocupação do futuro me perturbava.

Uma noite, a 19 de Abril (não posso bem precisar se passou isso em sonho ou em estado de sonolência), vi meu pai estendido em sua cama, pálido, lívido e a me dizer com uma voz quase extinta: Meu filho, dá-me o último beijo, pois que em breve eu te vou deixar para sempre; e senti o frio contacto de seus lábios sobre a minha boca. Lembro-me tão bem desse triste episódio, que poderia repetir com o divino poeta: “che la memoria il sangue ancor mi scipa” .

Alguns dias antes havia eu recebido, a seu respeito, excelentes noticias e, por essa razão, não liguei importância a essa fantasmagoria do meu espírito; mas uma tortura horrível apoderou-se da minha alma e aumentou com tanta persistência, que na manhã seguinte, resistindo ao raciocínio e as advertências dos meus amigos, tomei o caminho de Florença, abatido qual condenado que se conduz ao suplício. As minhas angústias eram fundadas, pois apenas franqueara o limiar da casa, minha mãe, correndo ao meu encontro, anunciou-me, em desespero, de envolta com seus beijos e suas lágrimas, que na noite precedente, à mesma hora de minha visão, meu pai nos fora arrebatado por subitâneo colapso cardíaco.

2° Caso (em minha clientela) . - Tenho aqui, em minha casa de saúde para moléstias mentais, há mais de três anos, uma velha afetada de delírio senil que lhe deixa, entretanto, longos períodos de calma, durante os quais ela se mostra inteligente e tranqüila, de maneira a fazer acreditar em suas asserções. E' uma pobre viúva que, ao tempo em que se achava em liberdade, era generosamente socorrida pelo cura de São João de Racconigi, que se apiedava de sua miséria. Na noite de 17 de Novembro de 1892, esta mulher que, geralmente - então ela não sofria dessa inquietação - dorme um sono ininterrupto, começou ã meia-noite a gritar, a se desesperar, alarmando todo o dormitório, sem excetuar as irmãs da secção dos tranqüilos, assegurando a essas religiosas, que procuravam acalmá-la, ter visto o prior cair ao chão, deitar uma espuma ensangüentada pela boca e morrer em poucos instantes. O relatório do médico de plantão mencionava esse episódio da noite, ao passo que ao mesmo tempo se espalhava na região a dolorosa notícia de que o cura de Saint Jean morrera de fato, vítima de fulminante apoplexia, à mesma hora em que a velha tivera seu pesadelo.

3 ° Caso (idem). - Um Senhor G. C., de Gottasecca, Comuna de Monesílio, fora admitido, havia dois meses, em uma casa de saúde. Seu estado melhorara e tudo fazia esperar a cura com essa prontidão que se verifica nas doenças mentais sem elementos hereditários na marcha degenerativa. Era perfeita a saúde física, ainda que houvesse sintomas de ateroma vascular. Mas, na noite de 14 de Setembro de 1892, foi ele acometido de uma hemorragia cerebral que o arrebatou no dia seguinte. A 16 recebi de sua mulher, que até então guardara silêncio, uma carta postal em que me pedia, em frases cheias d? ansiedade, notícias de seu marido, rogando-me responder-lhe imediatamente, porquanto ela receava que tivesse havido uma desgraça.

Tal coincidência de fatos e de datas não podia passar despercebida nem me deixar indiferente. Escrevi, pois, imediatamente ao eminente Doutor Dhiavarino, médico da família, pedindo-lhe indagar das razões que levavam essa senhora a escrever-me de uma forma tão alarmante. Respondeu-me o doutor dizendo haver efetuado as necessárias indagações, tendo obtido os seguintes detalhes

Na noite de 14 e precisamente a hora em que C. foi acometido de apoplexia, sua esposa (que é dotada de temperamento excessivamente nervoso e estava então grávida de 7 meses), depois de haver experimentado grande abatimento moral durante toda à noite, despertou em sobressalto, desesperada com a sorte de seu marido; e tal foi à emoção experimentada que ela se viu obrigada a acordar seu pai, a fim de contar-lhe o triste pressentimento e conjurá-lo a acompanhá-la desde logo a Rocconigi, persuadida de que alguma desgraça sucedera.

Esses três casos parecem-me dignos de ser tomados em consideração. Atribuí-los unicamente a uma coincidência fortuita parecer-me-ia de um cepticismo desprezível e isso até seria, segundo penso, um falso orgulho de persistir em negar que possam eles ser o efeito de uma lei biológica, pela razão de que ignoramos essa lei, como desgraçadamente ignoramos tantos outros mistérios da Psicologia.

A hipótese de uma transmissão misteriosa do cérebro daquele que sofre, ou se acha em situação difícil, ao da pessoa amada, é sedutora, porque em momento de supremo perigo, ou de horrível desgraça, poderia o pensamento fazer um esforço assaz poderoso para vencer as distâncias; mas, em meu 2° caso e no 3° esta teoria não pode ser admitida, pela razão de que, nem o prior de Saint-Jean, nem G. C., acometidos como foram ambos, repentinamente, pela apoplexia, não puderam ter a força de pensar em seus queridos ausentes, e certamente a velha não podia ser amada pelo cura, a tal ponto que fosse para ela que se dirigisse a suprema invocação do moribundo.

Assinalarei ainda, aqui, a propósito deste gênero de sonhos, um caso bem notável, observado pelo Senhor Frederic Wingfield, em Belle-Isle-en-Terre (Côtes-du-Nord), já publicado em “Hallucinations Télepathiques”, (página 101):

LXIX. - O que vou escrever é precisamente a descrição do que se passou, e devo tornar bem claro, a propósito, que eu me sinto o menos disposto possível a acreditar no maravilhoso e que, muito ao contrário, tenho sido acusado, muito justamente, de um cepticismo exagerado, a respeito das coisas que não posso explicar.

Na noite de quinta-feira, 25 de Março de 1880, fui deitar-me depois de haver lido até muito tarde da noite, como era meu hábito. Sonhei que estava estendido em meu sofá e entregava-me à leitura, quando, erguendo os olhos, vi distintamente meu irmão, Richard Wingfield Baker, sentado em uma cadeira diante de mim. Sonhei que lhe falava, mas que ele simplesmente inclinava a cabeça, à guisa de resposta, depois se levantava e deixava o quarto. Quando me acordei, pude constatar que me achava levantado, com um pé firmado no chão, perto da cama, e o outro nesta e que procurava falar e pronunciar o nome de meu irmão.

A impressão de que se achava ele de fato presente era tão forte, e toda a cena com que eu sonhara mostrava-se tão vivamente, que deixei o quarto de dormir para procurar meu irmão na sala. Examinei a cadeira em que o tinha visto sentado, voltei à minha cama e procurei adormecer, porquanto esperava que a aparição de novo se produzisse, mas o meu espírito achava-se muito agitado. Devo, entretanto, ter dormido pela manhã. Quando despertei, a impressão do meu sonho era muito viva e devo acrescentar que ela está sempre assim em meu espírito. O sentimento que eu tinha de uma desgraça iminente era tão forte que anotei esta aparição em meu diário, fazendo-o do seguinte modo: Que Deus tal não permita!

Três dias depois, recebi a noticia de que meu irmão, Richard Wingfield Baker, morrera na quinta-feira, dia 25 de Março de 1880, as 8 1/2 horas da noite, em conseqüência de terríveis ferimentos que recebera em uma queda, quando caçava.

O Senhor Wingfield enviou com essa carta o seu carnet, no qual, entre grande número de notas referentes a negócios, se lê a seguinte menção: Aparição, noite de quinta-feira, 25 de Marco de 1880. R. B. W. B. Que Deus tal não permita! Junto a essa nota, achava-se a seguinte carta:

Coat-an-nos, 2 de Fevereiro de 1884.

Meu caro amigo.

 

Não preciso fazer nenhum esforço de memória para lembrar-me do fato a que vos referis, porquanto, conservei do mesmo nítida e precisa recordação. Lembro-me perfeitamente que no domingo, 4 de Abril de 1880, tendo chegado de Paris nessa manhã mesmo, para passar aqui alguns dias, fui almoçar convosco. Lembro-me também perfeitamente que vos encontrei muito emocionado com a dolorosa notícia que vos tinha chegado da morte de um dos vossos irmãos. Recordo-me igualmente, como se fosse de ontem o fato, tanto me impressionou ele, que, alguns dias antes de conhecer a triste notícia, vistes ou acreditastes ver, achando-vos já deitado, mas em todo caso muito distintamente, vosso irmão, aquele cuja morte súbita acabáveis de conhecer, muito perto de vossa cama e que, na convicção em que estáveis de que era bem ele, vos levantastes e lhe dirigistes a palavra, e que nesse momento cessastes de vê-lo, como se ele se tivesse desvanecido assim como um espectro. Recordo-me que, sob a impressão bem natural que fora a conseqüência desse acontecimento, anotaste-o em um pequeno carnet em que costumais registrar os fatos mais salientes de vossa existência muito tranqüila e que me mostrastes esse carnet.

Pouco me surpreendeu o que me dizíeis então e disso conservei muito nítida lembrança, como em começo vos dizia, porquanto em minha família tenho casos similares nos quais acredito absolutamente.

Fatos semelhantes sucedem, crede-o bem, com muitos mais freqüência do que geralmente se pensa. O que acontece, apenas, é que ninguém quer contá-los, porque todo mundo desconfia de si ou dos outros, em casos análogos.

Adeus, caro amigo, até breve, espero-o e crede sempre na expressão dos mais sinceros sentimentos de

Vosso muito devotado:

FAUCIGNY, Príncipe de Lucinge .

 

O Senhor Wingfield acrescenta em resposta às questões:

 

Jamais tive sonho dessa espécie, assim horrível, nem outro qualquer sonho de que tenha despertado com semelhante impressão de realidade e de inquietude e cujo efeito haja durado tanto após o despertar; jamais tive alucinações.

Cumpre assinalar que esse sonho se deu somente várias horas após a morte.

Os documentos deste gênero são de tal modo numerosos que se torna difícil estabelecer preferência entre eles. Não podemos, entretanto, deixar de assinalar ainda um sonho não menos notável, que foi recentemente trazido a público, acompanhado de todos os documentos suscetíveis de garantir-lhe a absoluta veracidade, através das páginas da excelente revista especializada no assunto – “Annales des Sciences Psychiques” do Senhor Doutor Dariex:

LXX. - Nos primeiros dias de Novembro de 1869, parti de Perpignan, minha cidade natal, para ir continuar meus estudos de Farmácia em Montpellier. Compunha-se a minha família, nessa época, de minha mãe e minhas quatro irmãs. Deixei-as muito felizes e de perfeita saúde.

A 22 do mesmo mês, minha irmã Helena, linda e vigorosa moça de dezoito anos, a mais jovem e minha predileta, reuniam na, casa materna algumas de suas jovens amigas. Cerca de três horas após o jantar, dirigiram-se elas, em companhia de minha mãe, para a alameda dos Plátanos .

O tempo estava magnífico. Ao cabo de meia hora, minha irmã foi acometida de súbita indisposição:

- Mãe - a disse - estou sentindo estranho calafrio percorrer-me todo o corpo; tenho frio, e a minha garganta causa-me grande incômodo. Voltemos para casa.

Doze horas depois, a minha irmã bem-amada expirava nos braços de minha mãe, asfixiada, subjugada por uma angina diftérica que dois médicos foram impotentes para dominar .

Minha família - era eu o único homem para representá-la nos funerais - endereçou-me telegrama sobre telegrama para Montpellier. Por terrível fatalidade, que ainda hoje deploro, nenhum deles me foi entregue a tempo.

Ora, na noite de 23 para 24, dezoito horas depois da morte da pobre criança, fui presa de terrível alucinação. Voltara eu para casa às 2 horas da madrugada, com o espírito descansado e ainda saturado da felicidade que experimentara nos dias 22 e 23, consagrados a uma temporada de alegria. Recolhi-me ao leito muito contente. Cinco minutos depois estava dormindo.

Pelas 4 horas da manhã vi aparecer diante de mim o rosto de minha irmã, pálido, ensangüentado, inanimado, e um. grito agudo, repetido, queixoso, vinha ferir meus ouvidos:

- Que fazes, meu Luís? porque não vezes, porquê!

Em meu sonho, agitado, nervoso, tomei um carro; mas, ai de mim! mal grada a esforços sobre-humanos, não conseguia fazê-lo avançar.

E eu via sempre minha irmã pálida, ensangüentada, inanimada, e a ferir-me os ouvidos o mesmo grito estridente, repetido, amargurado

- Que fazes, meu Luís vem, peço-te, vem!

Despertei bruscamente, a face congestionada, a cabeça em fogo, a garganta seca, a respiração curta e ofegante, ao mesmo tempo em que meu corpo se banhava em suor. Saltei da cama, procurando acalmar-me. Após uma hora tornei a deitar-me; mas não pude recuperar a calma.

Cheguei à pensão às 11 horas da manhã, presa de uma incoercível tristeza. Interrogado por meus colegas, contei-lhes o brutal acontecimento, tal como o sentira. Valeu-me isso algumas zombarias. Às 2 horas dirigi-me a Faculdade, esperando encontrar no estudo algum repouso.

Saindo das aulas, às 4 horas, vi uma mulher de luto pesado dirigir-se a mim. A dois passos, levantou ela o véu. Reconheci minha irmã mais velha, que, inquieta a meu respeito, vinha, mal grado a sua grande dor, perguntar o que se tinha passado comigo. Comunicou-me o fatal acontecimento que absolutamente nada me podia fazer prever, porquanto eu recebera ótimas notícias de minha família a 22 de Novembro pela manhã.

Tal a narrativa que vos faço, sob palavra de honra, absolutamente verdadeira. Não emito opinião alguma, limito-me a contar o que se passou.

São decorridos vinte anos, mas a impressão que me deixou esse caso é sempre tão funda como no instante em que se verificou - sobretudo agora - e se os traços da minha Helena não me aparecem com a mesma nitidez, ouço constantemente aquele mesmo chamado angustioso, multiplicado, desesperado Que fazes, meu Luis? vem, peço-te, vem!

 

LUIS NOELL

Farmacêutico em Cette .

 

Esta narrativa acha-se acompanhada de documentos destinados a confirmar-lhe a autenticidade. Desses documentos citaremos a seguinte carta da irmã do observador:

Por solicitação vossa, pediu-me meu irmão para enviar-vos a narrativa do encontro que tive com ele em Montpellier, após a morte de nossa irmã Helena. Segundo o vosso desejo e o dele, venho, mal grado a amargura de tão dolorosas recordações, trazer-vos o meu testemunho.

Ao ver na rua o meu irmão, que foi o primeiro a reconhecer-me, apesar das mesmas vestes de luto, compreendi que ele ignorava ainda a morte de Helena. Que desgraça veio sobre nós abater-se? gritou ele. Sabendo, por minha boca, da morte de Helena, apertou-me ele nos braços com tal violência, que quase caí para trás. Entrando em casa, tive de suportar uma cena terrível. Louco de cólera, meu irmão, muito nervoso, muito veemente, mas também muito bom, quase me maltratou: Que fatalidade, gritava, que desgraça! Oh! os telegramas! Porque não os recebi, então? E ele batia violentamente na mesa com ambas as mãos. .. Aos repetidos goles, ele esvaziou três grandes garrafas de água. Por um momento, eu o julguei louco, de tal modo o seu olhar se mostrava desvairado...

Quando recuperou a calma, algumas horas depois, disse Oh! eu estava certo disso, uma grande desgraça devia sobre eu abater-se. Então me contou à alucinação que tivera na noite de 23 para 24.

TERESA NOELL .

 

Este sonho, como o precedente, verificou-se depois da morte da pessoa que .parece tê-lo determinado. Não analisaremos aqui as causas imediatas de tais sensações, pois que mais adiante nos ocuparemos em distinguir as manifestações de mortos, das de moribundos, de vivos; mas o que devemos ter em consideração é o sonho em si mesmo, qualquer que seja a natureza da ação psíquica. Diversas explicações podem ser propostas. Foi o Espírito do autor que se transportou para junto de sua irmã e não achou mais do que uma morta? Ou, pelo contrário, foi sua irmã quem o procurou antes de morrer e esse apelo teria levado dezoito horas para despertar a sensação?

Não teria havido simplesmente uma corrente psíquica, de natureza desconhecida, entre o irmão e a irmã? Quantas questões a estudar!

Entramos em um novo mundo que não é muito fácil de ser explorado. Mas, desde já, lendo-se esses sonhos, percebe-se, sente-se que a força em ação nem sempre vai do moribundo ao percipiente, mas antes, por vezes, daquele que sonha ao moribundo, assemelhando-se o fato ao da vista a distância.

Os casos número VIII (avó conduzindo seus netos através de um prado), XI (irmão moribundo em S. Petersburgo, com os filhos de joelhos perto do leito), XII (extenso préstito mortuário), XV (morte de um cão), XVII (criança a expiar sobre um edredon vermelho), XX (cinco ataúdes), XXI (morte de Carnot), XXXIX (vista do préstito de uma jovem, de Cartágena a Nantes), XLVI (o General de Cossiggy caindo de uma escada), XLVIII (ferimento na espádua direita), LV (tiro de revólver recebido na mão), LVI (discípulo que vê o irmão do professor morto por uma carga de chumbo na cabeça), LXIV (o Marechal Serrano anunciando a morte do rei), LXVII (velha que vê a morte de seu pároco), etc., dão essa impressão. Parece que nestes casos o espírito de quem dormia, viu, percebeu, sentiu coisas que se passavam ao longe.

Essa constatação da vista, a distância, em sonho, fará o objeto do nosso próximo capítulo.

Nós temos, porém, como outros tantos documentos absolutamente demonstrativos, os setenta casos que vêm de ser relacionados e que confirmam, sob outro aspecto, as 186 manifestações de moribundos, expostas mais acima. Para nós, esses fenômenos psíquicos são certos e incontestáveis. Devem esses, doravante, constituir um novo ramo da Ciência.

 

 

 

 

CAPÍTULO VIII

 

A VISÃO A DISTANCIA, SONHO, DE FATOS ATUAIS

 

 

 

 

Parece, com efeito, conforme se verifica pelos exemplos já mencionados, que em certos sonhos se vê, de fato, o que se passa à distância. Continuaremos aqui esse exame por meio de outros casos especiais, observados e relatados com grande cuidado, sem retornarmos às manifestações de moribundos, que temos, de hoje em diante, como absolutamente demonstradas.

De mais, nos exemplos de visão à distância, em sonho, não nos ocuparemos senão da que se relaciona a acontecimentos presentes, atuais, reservando, em nossa classificação metódica., a adivinhação do futuro para o capítulo seguinte, que será o último deste volume . Deixaremos também para mais adiante a visão à distância em estado de vigília, do mesmo modo que a análise dos pressentimentos. Essas distinções são absolutamente indispensáveis para nos reconhecermos nestas pesquisas, para ajudar-nos de modo a que não aceitemos, não admitamos senão o que estiver suficientemente constatado e, em seguida, para conduzir-nos às explicações, se for possível.

Desde muitos anos constituem essas questões objeto de meus estudos. Publiquei o seguinte sonho no Voltaire de 18 de Fevereiro de 1899; sonho que me fora comunicado por meu amigo Pierre Conil, nosso simpático confrade da imprensa parisiense:

  1. - Em 1884, fazia eu o 7P ano do curso no Liceu São Luís. Nessa época, um dos meus tios, José Conil, juiz de instrução na ilha de Bourbon (hoje ilha da Reunião), tinha vindo a Paris para consultar as celebridades médicas, de então, a respeito de uma grossura que, tendo-se a princípio declarado sobre o pescoço, detrás da orelha, invadira pouco a pouco toda a face e ganhara a cabeça.

Dormia eu, certa noite, profundamente, quando um sonho me transportou a Courbevoie (meu pai e minha madrasta passavam o verão nesse lugar para onde haviam transportado meu tio) .

No grande quarto do primeiro, dando para o. jardim, deitado em sua cama de cortinados vermelhos, meu tio estava rodeado de meu pai, de minha madrasta; perto do leito, sentada e orando, uma velha criada bretã, Luisa, que desde muitos anos estava ao nosso serviço.

Meu tio falava ora a uma, ora a outra das pessoas presentes. A meu pai, a minha madrasta, o fazia algumas recomendações concernentes a minha irmã e a mim, e eu ouvia muito distintamente as suas palavras . A Luísa deu ele a sua bolsa .

- Tomai - lhe dizia - tratastes-me como uma irmã de caridade.

Ainda ouço os soluços dessa filha devotada. fez silêncio que Luisa quebrou:

- Senhor José, há bem três meses que não tendes podido abrir vosso olho direito. Olhai, eu tenho uma medalha da Virgem d'Auray: colocai-a sobre o vosso olho e ele se abrirá.

Meu tio esboçou um sorriso, tomou a medalha, colocou-a sobre as pálpebras que, quase no mesmo instante, se abriram e assim permaneceram alguns minutos.

Meu tio era muito crente:

- Não passarei desta noite, sinto-o. Luísa, ide chamar-me um padre .

Luisa partiu. Meu pai e minha madrasta tomaram as mãos do doente, que continuou a conversar com eles sem que eu perdesse uma única das palavras trocadas.

O padre chegou. Deixaram-no a sós com o querido moribundo. Assisti à confissão, mas não ouvi uma única palavra.

O padre saiu. Meus pais e Luisa voltaram. Dentro em pouco a agonia começou e observei-lhe todos os detalhes dilacerantes...

Meu bem-amado tio exalou prolongado suspiro. Estava morto . . .

Quando despertei, o relógio do colégio batia 2 horas da manhã. Eu tinha os olhos cheios de lágrimas.

Devemos tomar os sonhos em sentido contrário, disse de mim para mim. Sonhei que meu tio estava morto, é que ele está passando bem .

Domingo, pela manhã, um velho amigo de minha família veio procurar-me e transmitiu-me a triste noticia. Chegando a Courbevoie, meu pai transmitiu-me as últimas recomendações de meu tio... e essas recomendações eram as mesmas que eu ouvira . Vivamente impressionado, tomo a palavra e pergunto a meu pai:

- Meu tio disse isto assim, assim?

- Disse.

- Seus últimos instantes não se passaram desta forma? - e narrei tudo o que tinha visto e ouvido . Tudo era de absoluta exatidão.

- Mas como sabes disso? - interrogou meu pai.

- Papai, eu o sonhei. Mas, dize-me,a que horas morreu meu tio?

- Precisamente às 2 horas.

- Exatamente - repliquei - foi essa a hora em que despertei!

A cerebração inconsciente não explica esta espécie de sonhos, como também não explica os do precedente capítulo.

No caso em apreço parece que o Espírito do autor, transportando-se, viu a distância o que se passava no quarto de seu tio agonizante. Em outro sonho, o Senhor Conil viu o Havre, antes de aí ter ido e lhe reconheceu perfeitamente os cais e as ruas, quando os visitou pela. primeira vez .

Eis alguns outras exemplos da mesma ordem, extraídos do dossiê do meu inquérito:

  1. - Várias vezes, no curso dos meus trinta e oito anos de vida sacerdotal, fui instintivamente impelido para junto do leito de moribundos que eu não sabia estivessem doentes.

Certa noite, à 1 hora da madrugada, desperto bruscamente, vendo em seu leito um dos meus paroquianos que estava morrendo e me chamava em altos brados. Em cinco minutos eu estava vestido e, levando à, mão uma pequena lanterna, corri à casa do doente. Em caminho, encontro um emissário que vinha às carreiras procurar-me.

Chego perto do moribundo que havia perdido os sentidos. Ataque apopléctico. Tive apenas tempo de recitar a fórmula da absolvição. Em seguida morreu.

Ora, esse homem tão forte, tão robusto, deitara-se às 9 horas da noite nas melhores condições que se pode imaginar.

 

(Carta 4 .)

BONIN

Cônego honorário, Cura de Couze (Dordogne)

 

III. - Eu tinha ótimos amigos, fazendeiros em Chevennes, mas desde algum tempo que não os via. Certa noite tive um horrível pesadelo: vejo o incêndio a devorar a fazenda desses amigos. Eu fazia esforços sobre-humanos para correr, a fim de chamar por socorro e permanecia impotente; nenhuma voz saia da minha garganta, meus pés estavam como que pregados ao solo. Desse modo, vi o fogo comunicar-se a vários edifícios; enfim, no instante de um desmoronamento geral, fiz um esforço violento para desvencilhar-me dos escombros e despertei, com a garganta seca, imensamente fatigada. Saltei da cama. Nesse instante, minha mulher despertou. Contei-lhe o meu sonho. Ela riu muito de me ver assim tremendo tanto.

No correr do dia seguinte, recebo um expresso comunicando-me que uma parte da fazenda havia sido destruída por um incêndio.

 

(Carta 20.)

GEORGES PARENT

Prefeito em Wiege-Faty (Aisne)

 

IV . - Meu pai, Palmero, engenheiro colonial de ponte e calçadas, natural de Toulon, depois de haver passado pinte anos na ilha da Reunião, onde se casara e onde lhe nasceram cinco filhos, pediu aposentadoria e veio residir em Toulon, isso em 1867.

Minha mãe, que nascera na Reunião, de uma das mais nobres famílias, não deixou seu pais sem um aperto do coração, tanto mais que ela deixava seu pai e sua mãe em situação que os reveses da fortuna haviam grandemente rebaixado.

Os primeiros anos passados em França, onde lhe era tudo desconhecido, foram tão penosos para ela, que meu pai, cuja bondade era inigualável, tomou a secreta resolução de mandar buscar seus pais para junto de nós.

Tomou todo o cuidado de não o dizer à sua esposa que, mau grado o grande amor dedicado a seu pai e à sua mãe, opor-se-ia` a uma determinação de tal modo dispendiosa e cujas conseqüências podiam ser tão prejudiciais aos interesses de uma família de sete pessoas que viviam a expensas da aposentadoria de meu pai.

Minha mãe, pois, ignorava, e por várias razões, a resolução tomada por meu pai e, embora o soubesse, não acreditaria. Minha avó e minha avó, ambos de idade muito avançada, viviam na Reunião, no meio de outros filhos, cercados de cuidados e das mil satisfações procuradas por uma existência honesta e tranqüila..

Nada, portanto, fazia prever que eles aceitariam, como resolveram, a proposta do genro.

Deixando tudo, vendendo os poucos móveis que tinham, impelidos por essa força, desconhecida que se chama destino, tomou esses dois velhos o primeiro paquete para a França, sem escrever (sua carta chegaria depois deles) , sem telegrafar (não havia comunicação alguma, nessa época, entre Bourbon e a metrópole) .

Estava portanto, sem noticias, quando uma noite do mês de Maio de 1872, minha, mãe, despertando em sobressalto, disse a meu pai:

- Meu amigo, meus filhos, levantai-vos, acabo de ver passar papai e mamãe, diante de Toulon, em um navio; vesti-vos, temos apenas tempo de lhes preparar o quarto.

Meu pai, que não julgava ter sido assaz persuasivo em sua carta e não podia supor que um paquete houvesse deixado a ilha da Reunião algum dia após a chegada daquela carta, pôs-se a rir e aconselhou minha mãe a voltar para a cama e deixar que os filhos dormissem.

Passada a primeira emoção, rendeu-se minha mãe a esse conselho e tornou a deitar-se, não sem repetir que estava certa de ter visto passar em um navio seu pai e sua mãe diante do porto de Toulon.

No dia seguinte, recebíamos um telegrama de Marselha comunicando-nos a chegada de vovô e vovó, por um paquete da Messageries Marítimes. Passando na véspera ã vista de Toulon, haviam nos enviados seus beijos e sua saudade.

 

(Carta 24.)

PALMERO

Agente dos Correios e Telégrafos, em Marselha.

 

  1. - Estando meu pai em um internato, a 60 quilômetros aproximadamente da sua casa, foi certa noite despertado em sobressalto pela idéia, tão dolorosa, quanto súbita, de que sua mãe estava morrendo. (Seria um sonho?) Não pode mais dormir até de manhã, tomado de grande pavor e, assim que se levantou, foi pedir ao diretor do internato autorização para regressar a casa. Foi-lhe isso recusado.

Uma carta de seu pai deu-lhe a conhecer que nessa mesma noite e da mesma hora sua mãe, que estava desenganada, recebera os sacramentos e se referira a ele diversas vezes. Mas depois de ter estado tão perto da morte, ainda viveu durante longos anos.

 

(Carta 31.)

BERNARD VANDENHOUGEN

 

  1. - Faz alguns anos residia eu numa propriedade situada a alguns quilômetros de Papeete, sede de nossos estabelecimentos franceses da Oceania. Eu devia tomar parte em uma sessão noturna do Conselho Geral e, pela meia-noite, deixando a vila, sozinho, em uma pequena charrete inglesa, fui surpreendido por uma tempestade medonha.

Apagaram-se as minhas lanternas. A estrada que eu seguia, marginando o mar, estava absolutamente negra; meu cavalo espantou-se e disparou. De repente experimentei violento choque: a minha viatura acabava de quebrar-se contra uma árvore .

As duas rodas, com o seu eixo, ficaram no lugar do acidente, e eu, projetado entre o cavalo e a caixa da charrete, meio esfacelada, fora arrastado pelo animal espantado, em vertiginosa carreira, no curso da qual deveria eu ter corrido cem vezes o risco de ser morto.

Não tendo, entretanto, perdido meu sangue frio, consegui dominar meu cavalo e desvencilhar-me daqueles destroços sobre os quais me encontrava. Gritei por socorro unicamente por mera formalidade, pois me encontrava em região absolutamente deserta.

De súbito, percebo uma luz que parecia dirigir-se para o meu lado, e alguns instantes depois chega minha mulher, tendo percorrido uma distancia de perto de dois quilômetros para vir diretamente ao local do acidente.

Contou-me ela que, estando a dormir, foi subitamente despertada, vendo muito nitidamente que eu estava em Perigo de morte e, sem hesitar, acendera uma lanterna e, debaixo da chuva torrencial, correra em meu socorro.

Sucedia-me, com muita freqüência, regressar da cidade tarde da noite; jamais, porém, minha mulher experimentara a menor inquietação a meu respeito. Nessa noite ela realmente viu o que se passava comigo e não pode resistir à imperiosa necessidade de se dirigir ao meu encontro.

Quanto a mim, não tendo lembrança alguma de lhe haver dirigido um ardente, apelo mental, caí das nuvens, confesso-o, quando, a mais de cem metros de mim, em meio da treva, escuto uma voz a gritar-me:

- Sei que estás ferido, mas eis aqui?

 

(Carta 50.)

JULES TEXIER (CHATELLERAULT)

 

VII. - Residia eu em Cette, com minha esposa, minha sogra e minhas duas filhas, numa vila sobre a vertente da montanha. Eu ia todas as manhãs à cidade, conduzido por um carro alugado, mensalmente, que me vinha buscar às 8 1/2 horas da manhã. Ora, um dia despertei às 5 horas, após um sonho horrível.

Acabava de ver uma jovem cair de uma janela e morrer na queda. Contei este sonho à minha família: eram 7 horas, momento em que todos se levantavam; ficaram emocionados com o meu sonho. Desci para o jardim a aguardar o carro que às 8 horas devia buscar-me, como de costume; mas somente às 9 1/2 ele chegava. Queixava-me desse atraso que me trazia transtornos em meus afazeres. Mas o cocheiro me disse que se viera substituir seu patrão, que tinha o hábito de vir buscar-me, é que nessa mesma manhã, às 5 horas, sua filha (de 10 anos, suponho) caíra da janela e morrera. Eu jamais vira essa moça.

 

(Carta 61.)

MATIN HALLE

Rua Clement Marol, 19, Paris

 

VIII - Tive há seis anos um segundo filho que devido ao meu estado se saúde, minha mãe levou para sua casa ao dia seguinte do nascimento, a sessenta léguas para fazer nutrir sob as suas vistas. Estive doente, depois entrei em convalescença. Começava a levantar-me e (tenho necessidade de dizer?) meu pensamento estava incessantemente com o querido entezinho que me tiraram tão cedo, mal eu o tinha entrevisto.

Tínhamos freqüentemente notícias dele e essas noticias eram muito satisfatórias; não poderíamos estar mais tranqüilos a seu respeito.

Certa manhã, acordo-me com uma opressão singular: tinha visto, ã noite, em sonho, o meu filho corcunda. Disse-o a meu marido e me pus a chorar; ele riu-se de mim . Logo que me levantei, durante sua ausência, escrevi ã minha mãe, dizendo-lhe do meu sonho e pedindo que nos escrevesse sem perda de tempo, falando detalhadamente do querido anjinho.

Respondem-nos fazendo mil referências elogiosas ao pequeno: era um bochechudinho magnífico; enfim, um avô orgulhoso de seu neto... Tempos depois, minha mãe, que não me via, desde o último parto, veio visitar-nos e, ã noite, na intimidade do lar, revelou-nos, a meu marido e a mim, que minha carta fizera-a adoecer de pavor; com efeito, no momento em que essa carta chegava, meu filho estava corcunda. Estivera assim durante uns quinze dias, não fora nada em realidade, pois que algumas massagens inteligentemente feitas suprimiram esse pequeno defeito. Mas, tanto minha mãe, como a ama, sem dizerem nada a ninguém, tinham estado realmente inquietas. Minha carta chegara no momento mais crítico da ocorrência, quando, desesperada, minha mãe mostrara a criança ao médico, que imediatamente a tranqüilizou, recomendando-lhe não me alarmar inutilmente .

 

(Carta 166 .)

MARIA DUCHEIN (Paris)

 

  1. - Achava-me em casa de uma de minhas amigas, no mês de Outubro de 1896. Tendo de dar alojamento a soldados, por causa da revista do czar, e achando-se entre eles o cozinheiro, este, no momento de partir, empacotou juntamente com as suas, inadvertidamente, uma coberta da casa.

Logo que partiram, deu-se pelo desaparecimento da dita coberta. Imediatamente a minha amiga escreveu, e, no dia seguinte, pela manhã, levantando-se, disse-me ela:

- Maria, sonhei que receberia hoje a minha coberta e, ao mesmo tempo, uma carta. Mas, o que há de mais curioso, é que o papel da carta é róseo, inteiramente escrito, sem um lugar, sem o menor caminho esquecido, e o envelope deve ser branco!

Esperamos com impaciência o carteiro, que nos trouxe, com efeito, a coberta e a carta em um envelope branco, sendo o papel cor de rosa, com as quatro páginas cobertas de letras.

Como é que a minha amiga pode adivinhar assim, com tanta exatidão, por meio de um sonho?

Maria Bouvry (Brimont)

 

  1. - Tenho um irmão atualmente com 29 anos que, em 1889, partiu para Santiago do Chile. Tinha ele o hábito de nos dar notícias suas muito regularmente. Em uma carta recebida em 1892 (a data não recordo com exatidão), disse-nos mamãe ter visto, em sonho, meu irmão doente e conduzido ao hospital, sobre uma padiola. Gastam as cartas cerca de trinta e cinco dias para fazer o trajeto de Santiago à França. Cinco meses se passaram sem noticias. Chega-nos afinal uma carta, na qual meu irmão nos diz ter saído do hospital, onde estava em tratamento havia cinco meses; para ai tinha sido transportado acometido de febre tifóide, tendo tido em seguida uma pleuresia.

 

(Carta 146.)

MARIA VIALLA

Rua Victor Hugo, 30, Lyon

 

  1. - Um tio de minha cunhada que vive ainda e que se achava então no campo, acerca de 60 quilômetros de Bayonne, sonhou certa noite que um de seus amigos íntimos, o Senhor Rausch, fora assassinado na alameda marítima de Bayonne, quando entrava em casa.

No dia seguinte, pela manhã, o Senhor Bonin, tio de minha cunhada, contou o sonho, sem revelar, aliás, confiança no mesmo; mas pouco depois recebeu a notícia de ter sido o seu amigo assassinado na alameda marítima de Bayonne, por espanhóis, na mesma noite em que tivera o aludido sonho. Assino estas linhas que encerram a expressão da verdade, mas ficar-vos-ia grata se não publicásseis nem o nome de minha família nem o meu.

 

(Carta 177.)

G.F.(Bordéus)

 

XII. - Em 1872 ou 1873, minha mãe, ainda moça, residia na rua des Tonnelles, em casa de sua mãe. Ela conhecia uma família, Morange, de gente pobre, residente na rua Saint Antoine, perto do Liceu Charlemagne. Um sábado, à noite, ela encontra essa família, e a pequena Morange, que a queria muito, vem mostrar-lhe um vestido novo, posto naquele mesmo dia. Deixando a menina, minha mãe entra em casa. Na manhã seguinte, ao despertar, conta-lhe sua mãe mover sonhado que a família Morange estava morta.

No correr dessa manhã mesma, sabe-se que todos eles morreram durante a noite no incêndio de sua casa.

 

(Carta 204.)

MARCEL GERSCHEL

Arrabalde saint Denis, 80, Paris

 

XIII. - Posso afirmar-vos, como absolutamente autêntico, um fato gire se passou há alguns anos. Vi uma noite, em sonho, duas senhoras de meu conhecimento, de luto fechado, ainda que eu, então, não tivesse a menor idéia de que tivesse morrido ou se achasse enfermo qualquer membro de sua família. Interroguei-as e vim a saber que traziam luto por um senhor, irmão de uma e marido de outra.

Dias depois, soube que o falecimento se verificara na mesma noite do meu sonho. Dera-se a morte em Moscou; as senhoras estavam na Alemanha e eu morava em Mitan (Courlande, Rússia) .

 

(Carta 234.)

SOFIA HERSENBERG (Mitan)

 

  1. - Há trinta anos, morava minha família em Marselha. Uma noite, disse-nos meu pai haver sonhado, na noite precedente, que sua mãe, residente na Alsácia e que ele ignorava estivesse doente, havia morrido.

Alguns dias depois, era ele cientificado de que, efetivamente, sua mãe falecera naquela noite.

 

(Carta 279.)

  1. NICHE(Chalons-Sur-Marne

 

  1. - a) Quando eu era moça, assisti em sonho ao roubo de um cavalo de meu marido por dois indivíduos, e a todas as precauções tomadas para fazê-lo sair da estrebaria sem ruído. Ao despertar, contei o sonho a meu marido, que foi à estrebaria, achando-a vazia. Três anos mais tarde os ladrões foram presos e meu marido foi indenizado.
  2. b) Vejo, certa noite, em sonho, um amigo de meu marido; achava-se em um subterrâneo, cercado por minha mãe e minhas irmãs falecidas, para com as quais esse senhor nutria viva simpatia. Ele achava-se envolto em longas vestes brancas, veio a mim fazendo-me profunda saudação; depois, desapareceu, o mesmo sucedendo àquelas pessoas de minha família. Alguns dias depois, meu marido morria.

Se julgardes útil mencionar esses dois sonhos, não citeis o meu nome, sou viúva e vivo modestamente em meu retiro.

 

(Carta 312 .)

VIUVA C.F.

 

XVII. - No dia 13 ou 14 do mês de Outubro de 1898, despedia-me da Sra. G., com quem passara alguns dias, para voltar à minha casa. Na noite seguinte, ela viu em sonho um naufrágio, sendo grande o número de afogados. Queria, ao despertar (persuadida, por outros exemplos, que dispõe de uma espécie de segunda vista), telegrafar-me para pedir-me que não viajasse; mas foi impedida de fazê-lo por seu marido.

A 15 de Outubro os jornais anunciavam uma grande tempestade, e a perda de um navio, ocasionando uma centena de mortes. Felizmente, para mim, não era ainda a minha vez.

 

(Carta 396 .)

P.P.

Doutor em direito em Philippeville

 

XVIII. - A Sra. B. residia, havia vários anos, em uma vila perto da cidade de Yokohama. Tinha ela o hábito de deitar-se uma hora antes do jantar. Uma tarde (não se recorda ela bem se estava inteiramente acordada ou ainda meio adormecida) ela repentinamente grita:

- Ah! meu Deus, o Senhor N. está se afogando! Salvai-o, salvai-o! . . .       Ah! morreu! . . .

Viu-o distintamente. Seu marido procura tranqüilizá-las, rindo-se do sonho, como disse ele, mas, pouco tempo depois, um mensageiro vem participar-lhe que o seu amigo, Senhor N., se afogara quando tomava seu banho habitual no rio, antes de subir à vila desse casal, para jantar com eles.

A intenção de jantar com os esposos B. facilmente explica que ele pensou em seus amigos no momento de dirigir-se ao banho. A hora do acidente e a do sonho da Sra. B. coincidiam exatamente .

 

(Carta 447.)

F.E.BADE(Hamburgo)

 

XIX. - Nos primeiros dias de Abril de 1884, em Nice, sonhei que meti marido, deitado e doente, me dizia: Vem abraçar-me. (Vivíamos separados desde muito tempo.) Realizava-se então a Exposição de Nice. A 11 de Abril, sexta-feira santa, uma voz me disse: Vai à exposição hoje, ou não o verás mais. Na noite de 12 para 13 chegou um telegrama : meu marido estava acometido de congestão . A 13, parto para Paris Vi meu marido, no Val-de-Grace, tal como em meu sonho: expirou no dia 15, sem recuperar os sentidos.

Desejo conservar-me incógnita: usai simples iniciais, peço-vos.

 

(Carta 463 .)

VIUVA A.S.(NICE)

 

  1. - Tenho para contar-vos um sonho que tive há cerca de seis anos e que me impressionou fortemente, ainda que eu não seja supersticiosa.

Era eu, nessa época, professora em um internato do Departamento do Aisne . Sonho, uma noite, que caminhava na principal rua da cidade, quando, erguendo os olhos, avisto, em um céu muito claro, na direção de nordeste, uma grande cruz negra, por baixo da qual pude ler bem distintamente as duas letras seguintes: M.M.

No dia seguinte contei o meu sonho, procurando em vão saber se alguém de minha família tinha um nome começado por essa mesma inicial; não encontrando, pensei em outra coisa. Alguns dias depois (não poderia infelizmente precisar a data com exatidão), recebo uma carta participando-me que uma de minhas tias, residente em certa aldeia situada ao nordeste de nossa cidade, e que se chamava Margarida Marconnet, acabava de morrer.

Esta coincidência entre meu sonho e tal morte, era tão surpreendente, que jamais pude esquecê-la, e o que sobretudo me causa admiração é que, conhecendo muito bem minha tia, não a via senão raramente, já fazendo muito tempo que a não via e nela quase nunca pensava.

 

(Carta 540 .)

L.MARCONNET (Montbeliard)

 

XXI. - Li, há alguns anos, em um jornal mensal (inglês), que um amigo de Sir John Franklin vira em sonho que o dito Franklin fracassava em sua expedição ártica, e que esse amigo, chamado, se bem me recordo, Walter Snoo, vira toda a região em que sucedera a desgraça.

Imediatamente ele desperta e, sendo bom desenhista, toma um lápis e desenha as embarcações, os blocos de gelo circunvolventes, toda a região, em suma.

Enviou então esse desenho a um dos seus amigos, proprietário de um grande jornal americano ilustrado, no qual foi inserto o desenho com uma sucinta menção das impressões de Walter Snoo; não se podia ter, naturalmente, opinião alguma sobre a exatidão do acontecimento desenhado. Quando foram achados, muito tempo depois, os despojos mortais de Franklin e de seus companheiros nas geleiras árticas, as testemunhas oculares desenharam também o lugar, a posição dos corpos inertes e gelados, as embarcações, os cães atrelados e mortos: tudo concordava com o desenho anterior .

Não sei o nome do jornal ilustrado, nem do mensário inglês, mas para vós seria sem dúvida uma coisa fácil constatar, por meio de vossas relações com o mundo inteiro, a exatidão desta carta que ouso escrever-vos.

 

(Carta 563 .)

  1. BRONISLAW GALECKI

Advogado. Praça da Catedral Farnow, Galicia (Áustria)

 

XXII. - Posso certificar-vos a absoluta autenticidade dos seguintes fatos:

Tinha eu então 7 anos. Minha mãe, que jamais havia consentido em separar-se de mim, rendeu-se um dia, entretanto, ao desejo de uma de minhas tias e me deixou partir com ela para a província, após mil recomendações.

Decorrera um mês sem incidente algum, nem acidentes, quando, certa manhã, minha mãe corre a toda a pressa A. casa de meu tio e lhe diz o seguinte

- Escrevei, peço-vos, bem depressa a minha irmã, para pedir-lhe notícias de minha filha, pois estou em inquietação mortal! Esta noite eu a vi, em sonho, coberta de sangue e estendida sem vida em uma estrada. Sucedeu-lhe com certeza alguma desgraça, tenho o pressentimento disso. Ora, vós sabeis que nessas coisas eu jamais me engano.

Meu tio, rindo-se de minha mãe, disse que sua esposa era bastante prudente para não me expor a perigo algum. No próprio dia seguinte, recebia ele uma carta, Prescrita na véspera, em que lhe contava sua esposa, com a recomendação de nada dizer à minha mãe, o acidente que me sucedera.

Na mesma noite em que minha mãe me tinha visto coberta de sangue, levara-me minha tia com três outras pessoas, de carro. Estava a noite escura, apagou-se a lanterna e achamo-nos em pleno campo, sem saber onde estávamos, quando subitamente o cavalo, que trotava tranqüilamente, empinou-se, precipitando-se num valado que marginava a estrada, arrojando por terra as pessoas que se encontravam no carro, não se sabe como, sem a menor arranhadura; somente eu, que nesse momento dormia profundamente, fui lançada, pelo choque, sob o ventre do animal, que me fustigou o rosto e o peito com as patas e, nos esforços que fazia para erguer-se. dilacerava-me nas pedras da estrada, sobre as quais arrastara especialmente o lado direito do meu rosto.

Corria o sangue em abundancia; eu estava com a orelha dilacerada; ouvia os gritos desesperados que me chamavam e não lhes podia responder, não havendo, como já o disse, luz alguma nessa noite escura! . . . Chegaram, enfim, socorros de uma casa pouco distante e foram achar-me desmaiada, em deplorável estado. Um homem em mangas de camisa passara diante do cavalo e o espantara.

 

(Carta 625.)

G.D.

Avenida de Saxe, 58, Paris

 

XXIII. - Certa manhã (tinha eu, a essa época, 17 anos), pelas 7 horas, acordo-me; de novo adormeço até às 8 horas, e sonho que passava diante de uma casa onde residia uma família minha conhecida, mas que eu não freqüentava. Tinha essa casa um armazém e eu sonhava que via esse armazém fechado, com um papel branco colado à porta, no qual se achava escrito : Falecimento . Acordo-me e conto o meu sonho à mamãe que me mostrou o jornal em que vinha essa morte noticiada.

Esta coincidência não provará um certo deslocamento da alma durante o sono, circunstância sem a qual não poderia eu ter tido o sonho em questão, atendendo-se a que coisa alguma me fazia pensar em um falecimento nessa família?

 

(Carta 661.)

MARIE LOUISE MILICE

Rua Boudet, 33 (Bordéus)

 

XXIV . - Uma de minhas amigas, atualmente cobradora dos Correios em Louvigné-du-Dezert (IIle-et-Vilaine), a Srta. Blanche Susanne, era, talvez há uns vinte e cinco anos, noiva de um moço, filho de agricultores, que entrara para os estudos. Um dia, sonhou ela que seu noivo lhe dirigira uma longa carta, na qual escrevera a frase seguinte, pouco mais ou menos: Eu teria feito melhor se permanecesse a charrua do que entrando para os estudos.

De manhã, a moça contou seu sonho a sua mãe, citando a frase; depois, dirigiu-se ao seu trabalho. Após algumas horas, chega o carteiro, trazendo para essa jovem criatura uma carta de seu noivo. A frase do sonho estava ad escrita integral e identicamente.

 

(Carta 662.)

HENRIETTE FRANCOIS

Bromberg-Posen (Alemanha)

 

XXV. - Eis o que aconteceu a meu pai, conselheiro de Estado, homem de idade, septuagenário, por ocasião de sua temporada no campo, aonde viera gozar um pouco de repouso. Era dia de Santo Elias. No campo, onde não há distrações nem mudanças, onde todos os dias se parecem, não tinha meu pai consciência do tempo e esquecera mesmo que era dia santo.

Nessa manhã, ao almoço, contou-nos um dos sonhos da noite precedente: vira sua cunhada, que estava longe dele, perguntando se as exéquias de seu marido deviam ser realizadas no dia de Santo Elias ou em outro dia. Contando-nos o sonho, ficou meu pai muito admirado de saber que justamente esse era o dia de Santo Elias. Depois de haver refletido e discutido sobre a estranheza dos sonhos em geral, tomou meu pai o trem, para dirigir-se à cidade, prometendo voltar na mesma noite. Qual não foi a nossa surpresa, quando, após sua chegada, recebemos de sua cunhada um telegrama comunicando-nos a morte de seu marido, ocorrida no dia de Santo Elias!

 

(Carta 679 .)

MARIA DE LESLEY

Riga-Orel, Gov de Sanolensk

 

XXVI. - Eu tinha uma filha com a idade de quinze anos, minha alegria, meu orgulho; deixara essa criança com minha mãe, ausentando-me para uma pequena viagem. Devia regressar a casa a 17 de Maio de 1894; ora, a 16, sonho que minha filha está muito mal, que ela me chama, a chorar, com todas as suas forças. Acordo-me muito agitada, dizendo que todo sonho é mentira.

No correr do dia, recebo uma carta de minha filha, não se queixando, contando-me o que se passa em nossa casa. Volto no dia seguinte para casa; não vejo minha filha correr ao meu encontro, conforme o seu costume; uma criada me informa que foi acometida de um mal súbito; subo à pressa: uma forte dor de cabeça a fazia sofrer; meto-a na cama. Pois bem! ela não mais se levantou: uma angina diftérica se declarou dois dias depois e, mal grado a todas os nossos cuidados, a pobre criança expirava a 29 de Maio.

Ora, duas noites antes dessa desgraça, eu estava deitada em minha cama, em um gabinete separado por uma porta, fechava os olhos e não podia dormir; quanto ã minha filha, estava adormecida; a enfermeira velava. De repente, uma viva claridade penetra na obscuridade do quarto, com uma rapidez e um brilho que lembra o sol do meio-dia, no mês de Agosto. Chamo a enfermeira. Ela demora um pouco para responder-me; nesse ínterim já eu estava perto do leito de minha filha, a luz extinguira-se; o clarão tinha desaparecido. A enfermeira parecia amedrontada, em vão interroguei-a, mas no dia seguinte ela disse as pessoas da casa, e ainda no presente o afirma, que avistou meu marido, falecido seis meses antes, aos pés da cama de minha filha.

Essa pessoa é viva, tem quarenta e seis anos, e o repete a quem quer ouvi-la.

 

(Carta 683 .)

MME. R. DE L.(LACAPELLE)

 

XXVII. - a) Num destes últimos dias achava-me muito nervosa, pensando em meu falecido esposo, morto há sete anos, quando, ao deitar-me, tomo um jornal em que leio a critica a um dos livros escritos pelo Senhor K.

Depois de haver lido essa crítica., tive o desejo ardente de obter o livro em apreço, tanto mais que o Senhor K. era um velho amigo de meu marido.

No dia seguinte, chegando ao colégio de moças, onde sou professora, uma das alunas da classe superior me traz um livro e diz:

- Senhora, muito desejaria que lesse este livro e que a respeito me désseis a vossa opinião.

Abro-o e vejo que era o livro por mim tão desejado no dia antecedente.

  1. b) - Se esse fato fosse único, eu o teria talvez deixado em silêncio, mas no curso da mesma semana um segundo fato ocorreu que igualmente me impressionou. Sonhei com uma das alunas que já partira para uma outra cidade e que não mais eu a vira, desde o ano anterior. Eu a vi no sonho com os cabelos cortados.

No dia seguinte, no ginásio, uma das alunas da minha classe se aproxima de mim e diz:

- Senhora, recebi carta de minha amiga Z.; ela me pede para transmitir-vos suas saudações; acha-se muito contrariada neste momento porque lhe cortaram os cabelos...

Porque esse dois fatos tão extraordinários na mesma semana?

 

(Carta 684 .)

M.ONANOFF

Fagauray, Mar de Azov

 

Vê-se que os exemplos de visão à distância, em sonho, não faltam. Eis ainda alguns outros. Parece-nos claro que essas observações, tão repetidas, tornam impossível toda negação.

Estes são extraídos das Alucinações Telepáticas . O primeiro é do Doutor Gaodall Janes, residente em Liverpool, 6, Prince Edwin Street.

XXIX. - A Sra. Jones, esposa de William Jones, piloto em Liverpool, guardava o leito no sábado, 27 de Fevereiro de 1869. No dia seguinte, domingo, quando fui vê-la, às 3 horas da tarde, encontrei seu marido que estava em caminho para vir buscar-me, porque sua esposa delirava. Contou-me que, pouco mais ou menos meia hora antes, estava ele entretido a ler, no quarto de sua esposa. De repente ela despertou de um profundo sono, declarando que seu irmão William Roulands, também piloto em Liverpool, afogara-se no rio (Mersey) . Seu marido procurou acalmá-la, dizendo-lhe que Roulands estava em serviço no exterior e que não podia há essa hora encontrar-se no rio. Ela, porém, persistiu em sustentar que o tinha visto afogar-se.

À tarde chegaram notícias, informando que, à hora mencionada, isto é, cerca de duas horas e meia, Roulands se afogara. Desencadeara-se uma grande ventania no mar a embarcação da pilotagem não pudera por, um piloto a bordo de um navio que queria entrar. Fora, pois, necessário guiar. Quando se chego: ao rio, defronte do farol que ficava sobre um rochedo, o pequeno bote virou e Roulands bem como um outro prático se afogaram.

E esse igualmente um exemplo notável de visão à distância, em sonho. O inquérito provou a sua absoluta autenticidade . O mesmo acontece com o seguinte caso assinalada por uma Senhora Green de Newry, Inglaterra:

XXX. - Eu via duas senhoras convenientemente trajadas, guiando sozinha um carro semelhante a um veículo próprio para transportar águas minerais. O cavalo encontrou água em sua frente, parou para beber, mas, faltando-lhe um ponto de apoio, perdeu o equilíbrio e, procurando restabelecê-lo, caiu na água. Com o choque, as mulheres levantaram-se, pedindo socorro: caíram-lhes os chapéus das cabeças, e tudo mergulhou na água. Voltei-me chorando, perguntando se não havia ninguém para socorrê-las. Neste ínterim despertei, muito agitada, e meu marido também se acordou. Contei-lhe o sonho. Perguntou-me se eu conhecia as mulheres e lhe respondi que não, parecendo-me jamais tê-la visto.

Não consegui, durante todo o dia, subtrair-me ã impressão do sonho e da inquietação na qual me deixara ele. Observei a meu filho que essa data era a do aniversário de seu nascimento e do meu também - 10 de Janeiro - e essa é a razão que me faz recordar exatamente aquela data.

No mês de Março recebi uma carta e um jornal de meu irmão, residente na Austrália e que me participava a mágoa que tivera de perder uma de suas filhas, que se afogara, com uma amiga, precisamente nessa data e nessa hora, levando-se em conta a diferença das longitudes.

Fazem referência ao acidente duas passagens diferentes do jornal Inglewood Advertiser.

O jornal Inglewood Advertiser publicou, a 11 de Janeiro de 1878, a descrição do acidente, que corresponde exatamente ao que foi visto em sonho.

Eis ainda um caso bastante notável de visão à distância, em sonho. O paciente é filho do antigo bispo protestante de Iowa (Estados Unidos); viu, em sonhos, a uma distância de perto de 5 quilômetros, seu pai caindo de uma escada. Damos a seguir o que ele escreveu a respeito a um de seus parentes:

XXXI. - Devo inicialmente dizer que existia entre meu pai e eu, um laço mais forte de afeição do que os laços que ordinariamente ligam um pai a seus filhos, e desde alguns anos pareciam-me conhecer e sentir quando ele estava em perigo, ainda que estivéssemos várias milhas separadas um do outro.

Na noite em que ele caiu da escada, voltara eu das minhas ocupações, pelas 8 horas, após um dia de trabalho muito fatigante, e retirei-me logo após a ceia. Tenho o hábito de deitar-me do lado da parede. Nossas cabeças ficam para o lado do Norte, de maneira que ocupo o lado de Oeste da cama. Peguei no sono logo que minha cabeça tocou o travesseiro e dormi pesada e profundamente. Não senti quando minha esposa se deitou e nada vi até o momento em que meu pai me apareceu no alto da escada, em perigo de cair. Precipitei-me para agarrá-lo e saltei da cama, fazendo grande barulho. Minha mulher acordou perguntando que diabo de coisa queria eu fazer. Acendera eu imediatamente uma lâmpada e verificara em meu relógio que eram 2 horas e um quarto. Perguntei a minha mulher se ela escutara o rumor. Respondeu-me negativamente. Disse-lhe então o que tinha visto; ela, porém, procurou fazer-me rir, não o conseguindo.

Não dormi mais toda à noite; nem mesmo torneia deitar-me. Fora muito viva a impressão, para que eu pudesse por em dúvida que meu pai se tinha ferido gravemente.

Dirigi-me à cidade pela manhã muito cedo e telegrafei para casa perguntando se tudo ia bem: recebi uma carta de meu pai, que confirmava a exatidão da minha visão, correspondendo ao acontecimento até ao detalhe mínimo de se ter verificado no mesmo minuto. O triste resultado da queda, só o conhecemos mais tarde; mas como pude ver, a uma distancia de mais de três milhas, meu pai cair, é o que não pretendo explicar.

  1. M. LEE.

 

O Senhor Sullivan, bispo d'Algowa, confirma o fato, porque teve ocasião de ouvi-lo relatado imediatamente (88).

O exemplo precedente foi publicado pelo Senhor Sidgwick nos Proceedings da Sociedade Psíquica de Londres. Acrescenta-lhe o seguinte caso comunicado em Agosto de 1890 pela Sra. A. de Holstein (Avenida de Wagram, 29, Paris) . Este caso é um pouco menos satisfatório que o último, como elemento de prova, visto o sonho não ter sido contado a ninguém antes que seu caráter verídico fosse reconhecido ; parece, entretanto, haver produzido tão grande impressão sobre o Doutor Golinski, que se torna improvável terem sido os detalhes muito alterados mais tarde. Ele difere dos precedentes no fato de parecer que a impressão clarividente tivesse sido devida, não a qualquer relação entre o agente e o paciente ou a qualquer crise especial sofrida pelo agente, mas à sua ansiedade e ao seu intenso deseja de ser socorrido. (Ondas psíquicas?)

Eis o que escreveu o Doutor Golinski, médico em Krementchug, na Rússia:

XXXII. - Tenho o hábito de jantar às 3 horas, entregando-me, após esse repasto, a pequeno sono de uma hora ou de hora e meia. No mês de Julho de 1888, estendi-me, como de costume, em um canapé e adormeci perto das 3 horas e meia. Sonhei que faziam soar a campainha e que eu tinha a sensação ordinária, um pouco desagradável, de ter de levantar-me e ir à casa de um doente. Depois me vi diretamente transportado a pequeno quarto de tapeçarias escuras.

À direita da porta de entrada achava-se uma cômoda, e sobre esta notei uma vela ou pequena lâmpada de petróleo de forma particular. Chamou-me particularmente a atenção à forma desta vela, diferente de todas as que me tinha sucedido ver. À esquerda da porta de entrada, vejo uma cama na qual está deitada uma mulher que tem forte hemorragia. Não sei como cheguei a saber que ela está com uma hemorragia, mas o sei . Examino a mulher, mas de alguma sorte por desencargo de consciência, pois de antemão sei o que devo fazer, ainda geie ninguém me fale . Em seguida sonho, de um modo vago, com alguns recursos médicos que aplico; depois, acordo-me de forma inusitada. Ordinariamente desperto lentamente, fico alguns minutos em um estado de adormecimento; desta vez, porém, despertei quase em sobressalto, como se alguém me tivesse acordado. Eram 4 horas e meia.

Levantei-me, acendi um cigarro e comecei a passear pelo quarto, em estado de excitação todo particular, refletindo no sonho que acabava de ter. Desde muito tempo não tivera caso algum de hemorragia, de qualquer espécie que fosse, em minha clínica, e eu perguntava a mim mesmo qual podia ser a causa desse sonho.

Cerca de dez minutos após o despertar, fizeram soar a campainha e fui chamado para ver uma doente. Entrando no quarto de dormir, fiquei surpreso, pois reconheci nele o quarto com que acabava de sonhar. Tratava-se de uma mulher doente, e o que sobretudo me impressionou foi uma lâmpada de petróleo colocada sobre a cômoda, absolutamente no mesmo lugar, e da mesma forma que no meu sonho, e que eu via pela primeira vez. Foi tão grande a minha admiração, que perdi, por assim dizer, a distinção nítida entre o sonho passado e a realidade presente e, aproximando-me do leito da enferma, disse-lhe tranqüilamente: Estais com uma hemorragia, e não voltei a mim senão quando a doente me respondeu: Sim, mas como o sabeis?

Impressionado com a estranha coincidência de meu sonho com o que vi, perguntei à enferma a que horas decidira mandar chamar-me. Respondeu-me que estava indisposta desde pela manhã. À 1 hora da tarde, pouco mais ou menos, apareceu ligeira hemorragia, acompanhada de mal-estar; ela, porém, não deu a isso muita importância. Pelas 2 horas, a hemorragia tornou-se muito forte, e a doente inquietou-se sobremodo. Não estando seu marido em casa, não sabia que fazer e deitou-se esperando que parasse a hemorragia. Entre 3 e 4 horas ela continuava sempre indecisa e em grande ansiedade. Pouco mais ou menos às 4 horas e meia, decidiu-se a mandar chamar-me. A distancia entre a minha casa e a sua é de vinte minutos de marcha.

Eu não conhecia a doente senão por havê-la tratado há tempos; nada, porém, sabia a respeito do estado atual da sua saúde.

Em geral não sonho freqüentemente e é esse o único sonho de minha vida, de que me recordo, graças ao seu caráter verídico.

A Sra. Henry Sidgwick descreveu, (89) diversas experiências de visão à distância, realizadas com uma moça de quinze anos, magnetizada, as quais certamente se podem acrescentar às observações feitas nos sonhos. Citaremos aqui duas dessas experiências.

XXXIII. - A Srta. Florence F., presentemente Sra. R., vizinha nossa, foi convidada a vir, uma noite, à nossa casa, após o preparo de uma experiência, no correr do dia, que pudesse servir de prova. Ela chegou e ordenou ao sujet que fosse à cozinha e lhe dissesse o que via. O sujet respondeu:

- A mesa está no meio da peça e em cima há uma caixa coberta com uma toalha de mesa.

- Que há, na caixa, Fannie? - perguntei.

- Oh! não ouso olhar para a caixa! A Srta. Florence decerto ficaria furiosa.

- Á Srta . Florence quer muito que V . olhe . Levante a toalha, Fannie, e diga-me o que ali existe.

De repente ela respondeu:

- Há sete pães e dezesseis biscoitos.(Era exato)

Tenho para mim que se trata, neste caso, da transmissão do pensamento, porque a Srta. Florence estava no quarto e sem dúvida alguma os fatos estavam inteiramente presentes no seu espírito, achando-se as coisas dispostas por ela como prova; mas o que se segue não o estava certamente:

A Srta. Florence perguntou a Fannie o que havia na estrebaria. Ela respondeu:

- Dois cavalos negros, um cinzento e um vermelho. (Ela queria dizer um baio.)

A Srta. Florence:

- Não é isso, Fannie: só estão na estrebaria os meus cavalos negros.

Dez ou quinze minutos depois, um irmão da Srta. Florence veio a casa e disse à sua irmã que aí se achavam uns viajantes e, interrogando-o, soubemos que o cavalo cinzento e o vermelho lhes pertenciam e que se achavam na estrebaria há uma meia hora, quando Fannie os assinalou.

Pode-se aventar, sem dúvida, a teoria de que Fannie chegou a esse conhecimento pelo intermédio do espírito de alguma das pessoas que se achavam então na casa de Miss Florence, ou que, por simpatia telepática com seu irmão ou seu pai, Miss Florence era inconscientemente prevenida dos fatos, indo Fannie buscar informação nessa fonte inconsciente; não é, porém, esta hipótese um tanto alambicada?

XXXIV. - a) O Senhor Howard morava a seis milhas de minha casa. Tinha acabado de construir uma grande casa de madeira. Nosso sujei jamais vira essa casa, ainda que, suponho, tenha podido ouvir falar a respeito. O Senhor Howard, que estava há alguns dias fora de casa, pediu a Fannie que lá fosse e visse se tudo ia bem. Ela fez uma exclamação diante da grandeza da casa, mas criticou a disformidade do alto da fachada, dizendo que não queria ter uma fachada tio antiquada e horrível em uma casa tão bela.

- Sim - disse Howard rindo - minha mulher mostrou-se-me contrariadissima por causa do acabamento da fachada e dos degraus da escada.

- Oh! - interrompeu Fannie - os degraus são belos e novos.

- Ela não entende disso - replicou Howard - os degraus são ainda mais pesados que a própria fachada.

- Não vedes - gritou Fannie com impaciência - como eles são novos e bem proporcionados? Hein! (E ela parecia absolutamente revoltada, a julgar pelo tom de sua voz.) Eu os acho verdadeiramente belos.

Mudando de assunto, Howard perguntou-lhe quantas janelas tinha a casa. Quase imediatamente deu ela o número (creio que eram vinte e seis) . Pensava Howard que era muito, mas, contando-os com cuidado, verificou ser isso mesmo .

De minha casa seguiu ele diretamente para a sua e, com grande surpresa, verificou que, durante sua ausência, sua esposa chamou um carpinteiro, que construíra degraus novos para a escada, tendo a obra terminado um ou dois dias antes de ter Fannie observado o lugar com seu invisível telescópio.

  1. b) - O filho do Senhor Howard tinha ido a um condado vizinho e não se esperava a sua volta antes de alguns dias. Fannie conhecia esse moço (André) . Tendo sido o Senhor Howard obrigado a voltar à localidade, achava-se ainda conosco na noite seguinte. Sua fé em nosso oráculo tomara maiores proporções e ele sugeriu-nos a idéia de fazer uma visita a sua casa, por meio das maravilhosas faculdades de Fannie. Descreveram ela perfeitamente os quartos, até um buquê sobre uma das mesas e disse que diversos jovens lá se encontravam. Interrogada sobre os seus nomes, respondeu que não conhecia nenhum deles, salvo André.

- Mas - disse eu - André não está em casa.

- Como! não o vedes?

- Estais certa disso?

-Oh! Será que eu não conheço André! Lá está ele, posso afirmar-vos .

O Senhor Howard voltou para casa na manhã seguinte e constatou que André regressara tarde, na véspera, e que vários moços da vizinhança tinham passado a noite com ele.

Eis aqui um outro caso, bastante notável, de visão à distância por um sujet magnetizado. A descrição dele foi feita, em primeira mão, pelo Doutor Alfredo Backman, de Kalmar.

Em resposta a uma carta perguntando ao Senhor A. Suhr, fotógrafo em Ystad, na Suécia, se podia ele recordar-se, de algum modo, de certa experiência hipnótica realizada pelo Senhor Hansen, havia vários anos, em presença dos irmãos Suhr, o Doutor Backman recebeu a seguinte narrativa:

XXXVI. - Foi em 1867 que nós, os irmãos abaixo assinados, nos estabelecemos em Odensa (Dinamarca), onde víamos muito freqüentemente nosso comum amigo, Senhor Carlos Hansen, o hipnotizador, que residia perto de nós. Diariamente encontrávamos um jurisconsulto, o Senhor Balle, atualmente advogado em Copenhague, sobre o qual tinha Hansen grande influência hipnótica, e que desejou, certa noite, ser mergulhado em um sono profundo, para se tornar clarividente.

Nessa época residia nossa mãe em Roeskilde, na Seelândia. Pedimos a Hansen para mandar Balle visitá-la. Era tarde da noite, e, depois de haver exitado um pouco, fez o Senhor Balle a viagem em alguns minutos. Encontrou nossa mãe doente e na caspa; o que tinha, porém, não era mais do que ligeiro reumatismo que devia passar no fim de pouco tempo. Não acreditamos que fosse isso verdade e, como controle, Hansen pediu a Balle que lesse no canto da casa o nome da rua. Balle dizia que estava muito escuro para poder ler; Hansen, porém, insistiu e ele por fim leu Skomagerstraede. Pensamos que ele estivesse completamente enganado, pois sabíamos que nossa mãe residia em outra rua. No fim de alguns dias, escreveu-nos ela uma carta, na qual nos dizia que estivera doente e que se havia mudado para Skomagerstraede .

Outro caso ainda de visão à distância, de um fato atual, em sonho:

XXXXVII. - Residia eu em Wallingford. Meu melhor amigo era um jovem chamado Frederico Marks, graduado pela Escola Científica de Yale. Frederico tinha um irmão chamado Carlos, que morava nessa época no Estado central de Nova York, perto do lago Oneida. Pela tarde de um dia chuvoso, Frederico subiu ao seu quarto para deitar-se e descansar. Cerca de uma hora depois, desceu, dizendo que acabava de ver seu irmão Carlos, em uma visão, supunha. Estava ele em um pequeno barco de vela e tinha um companheiro consigo, sentado a ré. Desencadeara-se forte tempestade, porque as vagas eram enormes. Carlos se encontrava na proa, apertando o mastro com um dos braços, ao mesmo tempo em que com o outro agarrava o gurupés que se tinha quebrado. Sua posição perigosa de tal modo aterrou Frederico, que ele despertou ou a visão desapareceu. Pensaram as pessoas de sua família que ele dormira inconscientemente e nada mais fizera do que sonhar.

Três ou quatro dias depois, entretanto, recebeu Frederico uma carta de Carlos narrando uma aventura que acabava de ter no lago Oneida. Na manhã do dia em questão, ele e um camarada foram ao lago, alugaram um bote e soltaram a vela. Como o tempo estava bom, desceram o lago até à ilha de Frenchman, à distância de perto de vinte milhas.

Ao voltarem, à tarde, levantou-se furiosa tempestade. Carlos ocupou-se em esgotar a água, enquanto seu companheiro se mantinha ao leme. No mais impetuoso da tempestade, o gurupés quebrou-se. Vendo Carlos o perigo, saltou à proa da embarcação e, agarrando o mastro com uma das mãos, o gurupés com a outra, procurou amarrar este. Conseguiram impedir que o bote corresse, mas o mesmo acabou por encalhar. Eles saltaram à água e atingiram a margem, sãos e salvos.

O lago Oneida está à cerca de trezentas milhas de Wallingford e, tendo em conta a diferença da hora, verificou-se que o acidente e a visão ou sonho de Frederico deviam ter ocorrido à mesma hora, talvez no mesmo momento .

Os temperamentos e os caracteres desses dois irmãos são dessemelhantes e nenhuma afinidade particular existe entre eles. Frederico reside atualmente em Santa Ana (Califórnia) e Carlos na cidade de Nova York .

B . BRISTOL

Short Beach (Estados Unidos) .

 

Cartas dos Srs . Carlos e Frederico Marks explicam em detalhe o perigo e a visão . São encontradas nos Anais de Ciências Psíquicas (1892, págs. 230-235) .

Há nessa ocorrência, de forma a ser afastada qualquer dúvida, um caso de vista a distância, com todos os requisitos da certeza. Assinalemos da carta do Senhor Charles Marks a seguinte passagem:

Em resposta a esta pergunta: Soubestes que vosso irmão acreditava estar vendo-vos nesse instante? responderei que, tanto quanto me recordo, não tive consciência de que meu irmão me via. Creio que todo meu pensamento, toda a minha atenção estavam ocupados pelo que eu fazia, quando, levantando-me no banco, procurava arriar a vela, no instante em que meu irmão me viu aparecer-lhe. Conhecendo os hábitos de meu irmão (é um homem excepcionalmente forte e bem disposto), penso que naquele momento devia estar dormindo, pois que, dada a sua robusta constituição, quando o deseja pode adormecer quase instantaneamente durante o dia, e muito freqüentemente entrega-se â sesta pela tarde. Durante sua permanência em Wallingford, era ele estudante na Escola Científica de Yale (Sheffield).

  1. R. MARKS.

 

Todas estas relações provam com exatidão que o ser humano é dotado de faculdades ainda desconhecidas que lhe permitem ver o que se passa ao longe . Eis aqui um exemplo muito mais notável ainda, no qual a pessoa que desempenhou o principal papel, não somente viu, mas parece que ele próprio se transportou, em uma espécie de duplo, e foi visto não somente por seu marido, mas ainda por uma outra testemunha.

XXXVIII. - A 3 de Outubro de 1863, deixei Liverpool, paia dirigir-me a Nova York pelo vapor City of Limerick, da linha Inman, do comando do Capitão Jones. À noite do segundo dia, pouco depois de deixar Kinsale Head, começou uma grande tempestade que durou nove dias. Durante todo esse tempo não vimos nem o Sol nem as estrelas, nem embarcação alguma; as amuradas foram arrebatadas pela violência da tempestade, uma das âncoras foi arrancada de suas amarras e produziu muitos estragos antes que se pudesse imobilizá-la. Diversas e fortes velas, conquanto cuidadosamente ferradas, foram levadas pelo vento e vários botalós partidos .

Durante a noite que sucedeu ao oitavo dia da tempestade, houve um pouco de calma, e pela primeira vez, desde que deixei o porto, pude gozar de um sono reparador. Pela manhã sonhei que via minha esposa, a quem deixara nos Estados Unidos. Veio à porta do meu quarto, em seu trajo de dormir. A entrada, pareceu descobrir que eu não estava só no quarto, hesitou um pouco, depois se dirigiu para o meu lado, parou e me abraçou, e, depois de acariciar-me por alguns instantes, retirou-se tranqüilamente.

Acordando, fiquei admirado de ver meu companheiro, cujo beliche estava por cima do meu, mas não diretamente - porque o nosso camarote ficava á ré -, apoiando-se nos cotovelos, olhar-me fixamente:

- Sois um felizardo - disse-me por fim - em ter uma china como esta que veio ver-vos.

Pedi-lhe que me explicasse o que queria dizer; a principio recusou, mas, afinai, contou-me o que tinha visto, estando inteiramente acordado e debruçado sobre o seu beliche. O que ele viu correspondia exatamente ao meu sonho.

O nome desse companheiro era William J. Tait; não era dotado de caráter inclinado habitualmente a brincar, mas, pelo contrário, era um homem sério e religioso, cujo testemunho pode ser aceito sem hesitação.

No dia seguinte ao do desembarque, tomei o trem para Watertown, onde se achavam minha esposa e meus filhos. Quando ficamos a sós, sua primeira pergunta foi:

- Recebeste a minha visita, na terça-feira da semana passada ?

- Uma visita - exclamo - se estávamos a mais de 1.000 milhas sobre o mar!

- Eu o sei - replicou ela - mas pareceu-me ter-te feito uma visita.

- E impossível; dize-me o que te faz crer nisso.

Contou-me, então, minha mulher que, notando a tempestade e sabendo da perda da áfrica, que partira para Boston no dia em que deixáramos Liverpool, rumo a Nova York, e que naufragara no cabo Race, ela estivera extremamente inquieta pela minha sorte. Na noite precedente, a mesma noite em que, como já disse, começara a diminuir a tempestade, ela ficara acordada durante muito tempo, pensando em mim, e pelas 4 horas da mamã pareceu-lhe que vinha ao meu encontro. Atravessando o largo mar enfurecido, encontrou enfim um navio baixo e negro, subiu para bordo e descendo sob o convés, atravessando os camarotes até à ré, chegou ao meu quarto .

- Dizei-me - acrescentou - há sempre camarotes como esse que vi, nos quais o beliche superior está mais para trás do que o de baixo? Havia um homem no de cima, que me olhava fixamente, e, durante um momento, fiquei com medo de entrar, ruas por fim me encaminhei para o vosso lado, inclinei-me, abracei-vos e vos apertei em meus braços, depois me retirei .

A descrição feita por minha esposa era correta em todas os seus detalhes, ainda que ela jamais tivesse visto o navio. Verifico pelo diário de minha irmã, que partimos a 4 de Outubro, chegamos à Nova York a 22 e, a casa, a 23.

  1. R. WILMOT

Manufatureiro em Bridgeport.

 

O New York Herald noticia que o City of Limerick deixou Liverpool a 3 de Outubro de 1863, Queenstown a 5, chegou muito cedo pela manhã de 22 de Outubro de 1863, e refere-se à tempestade, assim como à situação critica do navio e ao naufrágio da áfrica. O inquérito confirmou de diversos modos essa estranha narrativa. A irmã do Senhor Wilmot, que viajava no mesmo navio, escreve especialmente:

A respeito de tão curioso fenômeno ocorrido com meu irmão por ocasião de nossa viagem pelo Limerick, lembro-me que o Senhor Tait, que nessa manhã me levava para o almoço, por causa do terrível ciclone que causava grande estrago, perguntou-me se na noite precedente eu viera ver meu irmão, com quem ele partilhava do mesmo camarote .

Não, respondi, porque? - Porque vi uma mulher de branco que viera ver vosso irmão.

 

A Senhora Wilmot, por seu lado, escreveu:

 

Bridgeport, 27 de Fevereiro de 1890.

 

Em resposta à pergunta; Guardastes alguns detalhes a respeito do homem que vistes no beliche superior? Não posso, tanto tempo depois, dizer com certeza que reparei em detalhes, mas lembro-me instintivamente que me senti muito perturbada pela sua presença, vendo-o assim olhar-nos do alto.

Creio que contei meu sonho a minha mãe no dia seguinte pela manhã; e sei que, durante todo o dia, experimentei a impressão nítida de ter ido ver meu marido. Era tão forte a impressão, que me sentia feliz e reconfortada, de forma inusitada - e com grande surpresa de minha parte.

SRA. S. R. WILMOT. (90)

 

Este importantíssimo caso merece especial atenção. E ele um pouco antigo: a sua narrativa foi escrita provavelmente mais de vinte anos após a ocorrência, uma das testemunhas é morta, e não pode dar um relato de primeira mão do - que observou. Não se pode afirmar que, após tão longo tempo, a memória das testemunhas, por muito fiel que se mantenha, seja exata, nem que a gente possa fiar-se de todos os detalhes. Entretanto, depois de guardadas todas as reservas, é incontestável que se verificou uma notável correspondência, entre as impressões das três pessoas em questão. A Senhora Wilmot - em sonho ou acordada - tem uma visão de seu marido, na qual percebe exatamente uma parte do que o rodeia; o Senhor Wilmot sonha com o que sua esposa pensa e, ainda mais, vê e sente-a; e o Senhor Tait, acordado, vê com os seus próprios olhos, o sonho do Senhor Wilmot. Eis aí três fatos inexplicáveis que é preciso admitir. Quanto aos duplos, às manifestações do corpo fluídico ou astral, é esse um assunto sobre o qual teremos de nos pronunciar mais tarde.

O Senhor Marcel Séméziès Sérizolles descreve as curiosas observações seguintes, feitas nele próprio (91).

XXXIX. - Em Novembro de 1881, tive um sonho muito claro, durante o qual eu lia um volume de versos. Experimentava as sensações exatas da leitura real; não somente compreendia o que estava a ler, gozava com essa leitura, mas ainda notavam meus olhos a aspereza do papel, um pouco amarelo, a impressão muito negra e carregada, meus dedos voltavam às folhas espessas e minha mão esquerda sustentava o volume bastante pesado.

De repente, ao voltar de uma página, despertei e maquinalmente, meio dormindo ainda, acendi a vela, tomei de sobre a mesa o lápis e os papéis que aí sempre estavam ao lado do livro, para ler a noite (era, nesse dia, uma obra de história militar), e escrevi as duas últimas estrofes que acabava de ler no volume do sonho.

Foi-me impossível, mal grado a violentíssimos e dolorosos esforços de memória, lembrar-me de um só verso além desses doze que pareciam tratar de uma questão de metafísica e cujo sentido está incompleto, achando-se inacabado o período. É-los, tal qual então os escrevi:

 

Do tempo em que eu vivia uma vida anterior,

Do tempo em que eu levava existência melhor,

Que não posso recordar,

Quando eu sabia, então, os efeitos e as causas

Antes da queda lenta e das metamorfoses

Para um mais triste tornar;

 

Do tempo em que eu vivia as altas existências,

De que temos, como homens, simples reminiscências

Rápidas como relâmpagos;

Do tempo em que, livre talvez, eu ia pelo espaço

Como um astro deixando ver, um instante, seu traço

No azul sombrio do éter . . .  (*)

 

(*) Procuramos acima dar a tradução dessas belas e incompletas estrofes, que assim estão no original francês.

 

DU TEMPS OU JE VIVAIS UNE VIE ANTÉRIEURE

DU TEMPS OU JE MENAIS I EXISTENCE MEILLEURE

DONT JE NE PUUIS ME SOUVENIR

ALORS QUE JE SAVAIS LÊS EFFETS ET LÊS CAUSES

AVANT MA CHUTE LENTE ET MÊS METAMORPHOSES

VERS UM PLUS TRISTE DEVENIR

 

DU TEMPS OU JE VIVAIS LES HAUSTES EXISTENCES

DONT HOMMES NOUS AVONS QUE DES REMINISCENSES

RAPIDES COMME DES ECLAIRS

OU PEUT-ETRE ALLAIS LIBRE A TRAVERS ESPACE

COMME UM ASTRE LAISSANT VOIR UM INSTANT AS TRACE

DANS LE BLEU SOMBRE DES ETHERS.....

 

Esses versos não poderiam ser uma reminiscência de leitura, procurei-os, sem os encontrar, em todas as compilações publicadas: era bem um volume inédito e que permanecia desconhecido, o que eu lia no sonho em questão.

Eis agora um ou dois casos de pressentimentos ou de adivinhação por meio do sonho.

Quando, em 1880, meu pai era magistrado em Montauban, havia no Tribunal um advogado de nome Laporte. Vejo-o ainda, delgado, louro, de olhar frio, um tanto enigmático. E' preciso notar que eu era ainda muito jovem que os togados me interessavam pouco e eu não tinha com eles mais do que as relações de estrita cortesia que devem ser mantidas por um filho de magistrado com todos os membros do Tribunal.

Em 1883 meu pai faleceu e pouco depois o advogado Laporte foi nomeado juiz de Noutron (Dordogne). Apenas dei atenção ao fato e tinha perdido completamente a lembrança do mesmo magistrado, quando, dois ou três anos mais tarde, certa noite, em sonho, vi meu pai a passear em um lugar indefinido, uma espécie de solo trepidante que parecia flutuar sobre as nuvens. Meu pai, nas atitudes, trajes, moda de andar, sorriso, era tal qual antes de sua morte. De repente vi uma forma sair das nuvens do fundo e encaminhar-se par ele. Essa forma tomou a pouco e pouca a aparência real do Senhor Laporte, e quando as duas sombras se acharam uma perto da outra, ouvi muito distintamente estas palavras pronunciadas por meu pai : Então, Laporte, aí estais, é chegada pois a vossa vez? Ao que o Senhor Laporte respondeu simplesmente: Pois não, sou eu em carne e osso, e eles apertaram-se as mãos.

Ora, alguns dias depois, encontrei em minha correspondência uma carta de participação: O Senhor Laporte, juiz em Noutron (Dordogne), morrera, recentemente, no mesmo dia em que eu tivera o citado sonho.

Um outro caso, quase idêntico, porém, menos fúnebre. Desse conservo a data: 18 de Dezembro de 1894. Dormindo e sonhando, avistei em seu escritório, a compulsar seus dossiês, um notário residente em pequena cidade, distante cerca de 20 quilômetros da sede onde eu então morava. Esse notário tinha em suas mãos capitais meus e habitualmente se apresentava em minha casa, uma ou duas vezes por ano, em épocas incertas, levando-me os juros vencidos. Repito-o suas visitas não tinham nenhuma data fixa, e jamais eu via esse notário, homem respeitabilíssimo, conselheiro geral, prefeito e condecorado, muito correto no trajar e quase elegante. Nessa noite eu o vi envergando um comprido casacão azul, trazendo a cabeça um barrete de seda preta.

Ora, dois dias depois, a 20 de Dezembro, pela manhã, o Senhor X. apresentava-se em meu gabinete de trabalho e me entregava uma soma atrasada e inesperada.

- Então - disse-lhe eu - que fizestes do vosso casacão azul e do vosso barrete de seda preta?

Olhou-me ele com a mais viva surpresa e me respondeu:

- Mas como conheceis tão bem meu traje de casa? Contei-lhe meu sonho e, então, confessou-me ele, não sem admiração, que a 18 de Dezembro estivera com efeito acordado até muito tarde em seu escritório e que trazia as vestes por mim descritas.

Desses três sonhos, o último indica uma visão à distância, de um fato atual; o segundo é uma espécie de manifestação telepática de moribundo, mas que não deve proceder dele, assaz estranho ao percipiente : é talvez ainda a visão à distância, mas de ordem muito transcendente. O primeiro parece indicar uma composição, uma invenção real, do espírito do autor, análogas às produzidas pela cerebração inconsciente, acima assinaladas (Maury, Condillac, Voltaire, Tartini, Abercrombie, págs. 377-380) .

A propósito de sonhos, o seguinte fato histórico é conhecido desde longa data:

XLII. - Uma noite a Princesa de Conti viu em sonho um dos compartimentos do seu palácio prestes a ruir, e seus filhos, que aí dormiam, a ponto de serem sepultados sob as ruínas. A imagem, apresentada a sua imaginação, alarmou seu coração e pôs-lhe o sangue em ebulição. Em seu pavor, ela acorda sobressaltada e chama as mulheres que dormiam em seu quarto de vestir. Ao ruído, elas vêm receber as ordens de sua senhora. Conta-lhes a princesa a visão que tivera e declara querer peremptoriamente que lhe tragam seus filhos. Suas fâmulas resistem-lhe citando a propósito o antigo provérbio: que todo o sonhar faz enganar.

A princesa renova a sua ordem com insistência. A governante e as amas de leite deram mostras de obedecer; depois voltou para dizer que os jovens príncipes dormiam tranqüilamente e que seria violência perturbar-lhes o repouso. Vendo a princesa à obstinação e talvez mesmo o embuste das serviçais, pediu altivamente o seu roupão. Não houve mais meio de recuar; foram buscar os principezinhos; apenas chegaram estes ao quarto de sua mãe, eis que desaba o em que dormiam (92) .

A visão à distância, sem o concurso dos olhos, em sonho, parece-se, por umas analogias muito acentuadas, ao que muitas vezes tem sido constatado pelos magnetizadores em seus sujets lúcidos. Eis, como exemplo, um caso incontestavelmente autêntico, observado por vários médicos a propósito da ablação do seio, operada sem dor, durante o sono magnético, conforme o relato de Brierre de Boismont .

XLIII. - A Senhora Plantin, com cerca de 64 anos de idade, escreve ele (Obs. 106) consultara, no mês de Junho de 1828, uma sonâmbula que o Doutor Chapelain lhe indicara; esta a prevenira de que se estava formando um tumor sob o seio direito, ameaçando tornar-se canceroso.

A doente passou o verão no campo e seguiu com pouca exatidão o regime que lhe havia prescrito. No fim de Setembro foi consultar o Doutor Chapelain e confessar-lhe que o tumor havia aumentado consideravelmente. Começou ele a magnetizá-la a 23 de Outubro seguinte e o sono manifestou-se poucos dias após; mas o sonambulismo lúcido, nessa paciente, foi sempre muito imperfeito. Os cuidados médicos diminuíram os progressos do mal, sem curá-lo . Por fim, o seio ulcerou-se e o médico julgou não haver esperança de cura senão mediante amputação. O Senhor Jules Cloquet cirurgião de raro merecimento, foi do mesmo parecer; restava ainda o trabalho de convencer a enferma. Isso foi conseguido pelo Doutor Chapelain, graças à influência magnética que exercia sobre ela.

Trabalhou com todas as forças da sua vontade para produzir a insensibilidade do órgão e, quando acreditou havê-lo conseguido, apertou fortemente com as unhas. sem causar dores, o bico do seio cuja ablação devia ser feita. Ignorava a doente o dia exato da operação, marcada para 12 de Abril de 1829. O Doutor Chapelain fê-la entrar em estado magnético; magnetizou fortemente a parte que ia ser operada.

Eis o relatório apresentado, a esse respeito, à Academia de Medicina: (93)

No dia designado para a operação, o Senhor Cloquet, chegando às dez horas e meia, encontrou a doente vestida e sentada em sua poltrona, na atitude de pessoa tranqüilamente entregue ao sono natural. Fazia perto de uma hora que ela regressara da missa, a que assistia habitualmente à mesma hora, tendo-a o Senhor Chapelain mergulhado no sono magnético desde a sua chegada. A doente falava com muita calma a respeito da operação que ia sofrer. Estando tudo disposto para a operação, ela mesma se despiu e se sentou em uma cadeira.

O Senhor Pailloux, aluno interno do Hospital de S. Luís, ficou encarregado de apresentar os instrumentos e de fazer as ligaduras.

Uma primeira incisão, partindo da cavidade da axila, foi dirigida por cima do tumor até à face interna do peito. A segunda, começada no mesmo ponto, contornou o tumor pela parte inferior e foi conduzida ao encontro da primeira; os gânglios ingurgitados foram dissecados com precaução, à vista da sua proximidade da artéria axilar, e o tumor foi extirpado. Durou a operação dez ou doze minutos.

Durante todo esse tempo, a doente continuou a conversar tranqüilamente com o operador e não deu o menor sinal de sensibilidade; movimento algum nos membros ou modificação nas feições; mudança alguma na respiração, nem na voz; emoção alguma, sequer assinalada nas pulsações; manifestação alguma dessa espécie, em suma, se verificou. A enferma não cessou de apresentar esse estado de abandono e de impassibilidade automática, que oferecia à chegada do Sr. Cloquet. Quando o cirurgião lavou a peie, nas proximidades da ferida, com uma esponja embebida em água, a doente manifestou sensações idênticas às produzidas pelas cócegas e disse várias vezes com hilaridade: Acabe com isso, não me faça cócegas.

Essa senhora tinha uma filha casada com o Senhor M. Lagandée; infelizmente residia ela na província, e não pode transportar-se a Paris senão alguns dias após a operação. A Senhora Lagandée caía em sonambulismo e era dotada de notabilíssima lucidez.

XLIV. - O Senhor Cloquet pediu ao Doutor Chapelain que magnetizasse a Senhora Lagandée e fez diversas perguntas sobre sua mãe. Ela respondeu da forma seguinte:

- Minha mãe está muito enfraquecida de alguns dias para cá; não vive mais senão em virtude da ação magnética, que a sustenta artificialmente: falta-lhe a vida própria.

- Acreditais que se possa sustentar a vida de vossa mãe ?

- Não, ela expirará amanhã de manhã bem cedo, sem agonia, sem sofrimento .

- Quais são, pois, as partes doentes?

- O pulmão direito está diminuindo, contraído sobre si mesmo; acha-se envolto por uma membrana semelhante a cola; flutua em meio de muita água. Mas é sobretudo ali - diz a sonâmbula, mostrando o ângulo inferior da omoplata -, que está o sofrimento de minha mãe. O pulmão direito não respira mais, está morto. O pulmão esquerdo está, pelo contrário, são: é por ele que minha mãe vive. Há um pouco de água no envoltório do coração (o pericárdio).

- Como se acham os órgãos do baixo ventre?

- O estômago e os intestinos estão bons, o Fígado está branco e descorado na superfície.

O Senhor Chapelain magnetizou o doente várias vezes no correr de segunda-feira e conseguiu apenas fazê-la dormitar. Quando voltou na terça-feira, pelas sete horas da manhã, ela acabava de expirar. Os dois médicos desejariam 'verificar as declarações da sonâmbula sobre o estado interior do corpo; obteve o consentimento da família para fazer-lhe a autópsia. O Senhor Moreau, secretário da secção de cirurgia da Academia e o Senhor Doutor Drousart foram solicitados a servir de testemunhas da autópsia e ficou deliberado que ela seria feita no dia seguinte, em sua presença. Foi à mesma procedida pelos Srs. Cloquet e Pailloux, seu ajudante, assistidos pelo Doutor Chapelain, sendo que este fez adormecer a Senhora Lagandée um pouco antes da hora fixada para a autópsia. Não relatarei uma cena de ternura e de piedade filial, durante a qual esta sonâmbula banhou com suas lágrimas o rosto inanimado de sua mãe.

O Doutor Chapelain apressou-se em acalmá-la. Os médicos desejariam ouvir, de seus próprios lábios, o que ela declarara ter visto no interior de corpo da Senhora Plantin, e a sonâmbula repetiu, com voz firme e sem hesitar, o que já havia declarado aos Srs. Cloquet e Chapelain. Conduziu-a este último ao salão contíguo ao quarto onde ia ser feita a abertura do cadáver, quarto cuja porta foi hermeticamente fechada. A Senhora Lagandée continuava mergulhado em sono sonambúlico e, mal grado às barreiras que a separavam desses senhores, seguia o bisturi na mão do operador e dizia às pessoas que permaneciam perto dela:

- Porque fazem a incisão no meio do peito, uma vez que o derramamento é à direita?

As indicações fornecidas pela sonâmbula foram reconhecidas como exatas, sendo o processo verbal da autópsia escrito pelo Doutor Drousard.

As testemunhas desse caso, acrescentam B. de Boismont, estão todas vivas; ocupam no mundo médico um lugar honroso. Sua comunicação foi interpretada de diferentes maneiras, mas jamais se levantaram dúvidas sobre a sua veracidade .

Eis ai, portanto, uma observação incontestável de visão magnética sem a intervenção dos olhos. Ela é ainda mais notável que a referida ablação do seio sem dor, que relatamos, por ser a primeira operação magnético-médica que tenha sido feita.

  1. de Boismont acrescenta o seguinte caso a propósito dessa visão à distância:

XLV . - Um magistrado, conselheiro da Corte, contou-me o seguinte caso: Sua esposa tinha uma criada de quarto, de saúde precária. O tratamento magnético era feito secretamente, para que as suas intenções caridosas ficassem ao abrigo das chacotas. Esta senhora era ajudada por seu marido. Um dia em que a sessão magnética lhe fizera experimentar fortes dores, pediu a sonâmbula um pouco de vinho velho: o marido tomou uma luz e saiu para buscar o vinho. Desceu o primeiro andar sem acidente; mas a adega estava situada mui profundamente abaixo do solo, os degraus eram húmidos, ele escorregou a meio da escada e caiu para trás, sem ferir-se, nem mesmo apagar a luz que trazia à. mão. Isso não o impediu em seguida de continuar seu caminho e de tornar a subir trazendo o vinho solicitado. Verificou que sua mulher já era sabedora de sua queda e de todos os detalhes de sua viagem subterrânea: a sonâmbula havia-lhe feito à narrativa deles à proporção que se iam sucedendo.

Outro exemplo de visão magnética à distância, tirado do mesmo autor

XLVI. - Conheci a esposa de um coronel de Cavalaria, que era magnetizada por seu marido e que se tornava sonâmbula; no curso do tratamento, uma indisposição o constrangeu a pedir o auxílio de um oficial do seu Regimento. Isso não durou mais do que oito ou dez dias.

Algum tempo depois, em uma sessão magnética, tendo o marido posto sua esposa em estado sonambúlico, induziu-a a verificar o que se passava com o mesmo oficial:

- Ah! o infeliz! - gritou ela - eu o vejo; ele está em X.; quer suicidar-se; toma um revólver. Correi depressa. . . O lugar indicado estava a uma légua. O coronel tomou imediatamente um cavalo; mas, quando chegou, o suicídio estava consumado.

Eis ainda a narrativa de uns casos curiosos de lucidez no sonambulismo, extraídos de uma das últimas cartas recebidas em meu inquérito

XLVII. - Sou muito incrédulo quanto ao Espiritismo e era muito céptico relativamente ao magnetismo, quando um fato da mais alta evidencia veio esclarecer-me e forçar a minha convicção sobre este último ponto.

Uma jovem de trinta e seis anos, muito respeitável, de uma distinção e instrução superiores, e que morava com a minha família, foi acometida de um quisto do ovário e resistia aos médicos que a aconselhavam fazer-se operar. Em 1868, foi ela presa, um dia, de dores terríveis, e, sendo chamado o Doutor B., teve ele receio de um desenlace fatal após uma crise de trinta horas, pelo que decidiu tentar, em despeito de causa, magnetizá-la. Conseguiu adormecê-la e amenizar seus sofrimentos.

Continuando assim o tratamento, sentiu-se a doente muito aliviada e, desde a segunda sessão, produziram-se fenômenos de lucidez absolutamente notáveis. Cada vez que sobrevinha um novo acesso, ela indicava, com extrema precisão, o dia, a hora e o minuto exato em que o mesmo devia recomeçar e isso a intervalos muito irregulares e distanciando-se cada vez mais uns dos outros. Advertido, o médico anotava cuidadosamente essas indicações, de modo a chegar antes do começo da crise e a magnetizar a paciente que se sentia rapidamente aliviada.

Uma noite, pelas 3 horas da madrugada, achando-se o médico doente, produziu a anunciada crise, que se desenvolveu com aterradora intensidade. A religiosa que a assistia, sabendo que eu, em conseqüência dessas constatações, estudara os fenômenos magnéticos nas obras de Deleuze e do Barão du Potet, sugeriu-me a tentativa de substituir o doutor ausente. Com efeito, consegui rapidamente fazê-la dormir e acalmar-se, tão bem, senão melhor, declarando a paciente que o meu fluido era muito mais calmante. Eis como o acaso me revelou qualidades de magnetizador, que eu não desconfiava possuir. Magnetizava-a regularmente todas as noites, em presença de minha mãe e de minha numerosa família e assistíamos a fenômenos extraordinários de lucidez.

Mal grado a melhora considerável experimentada pela doente, ela reconhecia que o magnetismo não lhe era mais do que um calmante, que o desenvolvimento de seu quisto fazia progressos inquietantes e que a operação se tornava absolutamente urgente para evitar um desenlace fatal.

Ficou decidido que a Srta. de Viria, acompanhada de sua mãe, fazer-se operar em Strasburgo, pelo Doutor Koeberlé, que desfrutava, nessa época, grande renome nessa espécie de operações. A extensão de semelhante viagem para a pobre doente inquietava o médico, que aconselhou efetuá-la em diversas etapas. Mas a doente, consultada, declarou que poderia fazê-la sem inconvenientes, de uma só vez, observando-se as precauções seguintes: de início seria necessário conduzir diversas garrafas de água magnetizada, mas sobretudo doze ou quinze lenços magnetizados, tendo-se o cuidado de encerrá-los em fortes envelopes de papel, cuidadosa e hermeticamente fechados e colados, de modo a impedir toda entrada de ar exterior. Declarou a doente que, desde que se produzisse um começo de fadiga e de crise, sua mãe, rasgando um envelope, aplicaria um lenço sobre a sua fronte, o que provocaria o sono magnético, e em seguida aplica-lo-ia sobre o ventre na parte doente .

Mal grado essas precauções, ficamos todos muito inquietes quanto ela partiu com sua mãe.

Tudo se passou precisamente como a paciente o havia anunciado. A viagem fez bem, sem interrupção alguma, nada mais usando do que alguns lenços magnetizados e sem ter necessidade de recorrer à água também magnetizada.

Chegando a Strasburgo, foi a mãe apresentar sua filha ao sábio cirurgião e; tomando-o em seguida à parte, apresentou-lhe uma nota que o médico, Senhor B., redigira conforme o ditado da enferma. Durante o sono, a paciente descrevera minuciosamente seu estado.

- O meu quisto - dissera -, é da grossura e da cor desses balões amarelos com que as crianças brincam, seu conteúdo não é fluído, mas composto de uma matéria compacta de cor parda. Em uma de suas faces já está formada uma nova bolsa do tamanho da metade de uma pequena laranja e, do outro lado, começa a desenvolver-se uma outra bolsa da espessura de uma meia avelã. Está o quisto rodeado de aderências ou ligamentos numerosos.

Interrogada pelo Senhor B., seu médico, sobre os perigos da hemorragia na operação, respondeu que não havia o que recear por esse lado, mas, à pergunta sobre os temores de septicemia, ela empalideceu horrivelmente e, após um instante de silêncio, respondeu:

- Somente Deus o sabe .

Tal o conteúdo da nota que a genitora apresentou ao Doutor Koeberlé, que a acolheu com ironia e incredulidade, declarando que não acreditava nessas elucubrações, e como prova acrescentou:

- Vossa filha pretende que existem numerosos ligamentos; ora, a palpação acaba de mostrar-me que há poucos ligamentos, pois o quisto flutua desde que se lhe faça pressão. Vedes, portanto, que os seus dizeres são puramente imaginários .

A operação, entretanto, foi das mais demoradas e graves, por causa do grande número de ligamentos, como o havia a enferma indicada, e, tendo-se declarado a septicemia, levou a enferma dentro de três ou quatro dias.

Chamado pela infeliz mãe, partiu para Strasburgo, a fim de assisti-la em sua cruel prova. Constatei com os meus próprios olhos a exatidão de todas as informações quanto ao quisto, que fora conservado após a operação. Acompanhei a pobre mãe, antes de sua partida, à casa do sábio Doutor Koeberlé, que encontrei absolutamente desconcertado pela minúcia dos detalhes e predições que lhe transtornavam todas as idéias. Perguntei-lhe especialmente como a palpação lhe havia feito crer em poucas aderências contrariamente à realidade . Respondeu-me ele

- E um dos casos mais extraordinários que tenho constatado; evidentemente as aderências eram muito numerosas, mas eram longas, o que permitia a flutuação e o deslocamento do quisto sob a pressão da mão e me fez concluir de modo muito diverso da realidade. Tudo isso é verdadeiramente extraordinário, pois não posso contestar a perfeita exatidão de todas as previsões e indicações da pobre doente.

Não sei se o Doutor Koeberlé ainda vive, mas a lembrança de todos esses fatos sensacionais deve ter sido conservada na excelente casa de saúde mantida pelas religiosas (de cuja ordem esqueci o nome) e que deve ainda existir.

Tais os fatos que eu vos posso atestar sob palavra de honra e que me parecem de natureza a ocupar um lugar no vosso dossiê, do ponto de vista estritamente científico.

 

(Carta 743.)

  1. DU CHATELLARD (Marselha)

 

  1. S. - Permitir-me-eis assinar com um pseudônimo, pois que sou muito conhecido em Marselha, onde ocupo situação de evidencia, e não desejava que meu nome ficasse envolvido em qualquer controvérsia pública.

Mais abaixo assino o meu verdadeiro nome, a titulo confidencial, para o caso em que, acolhendo com confiança as minhas declarações, julgardes interessante que eu as complete com outros informes que me parecem do mais alto interesse, sob o ponto de vista humanitário e científico.

O mesmo correspondente acrescenta:

XLVIII. - Uma noite em que a enferma se achava magnetizada, calma e lúcida, ocorreram numerosas experiências usuais de magnetismo, perante numerosa reunião familiar, quando uma de minhas primas teve a idéia de ver se poderia seguir e encontrar meu tio que partira na antevéspera com seu filho Paulo, para fazer uma tournée em suas vastas propriedades que compreendiam diversas comunas. Interrogada, a magnetizada declarou vê-los em uma estalagem cuja descrição demonstrou estarem em outra aldeia, que não aquela que se supunha. Declarou que o pai conversava com um guarda e que seu filho Paulo embalava-se em uma cadeira defronte do fogão, na cozinha. De repente, a magnetizada solta uma grande gargalhada, gritando:

- Ah! não é que o Senhor Paulo acaba de virar-se para trás! Oh! que engraçadas contorções ele acaba de fazer ao cair! Mas nenhum mal sofreu.

Terminada a sessão, a irmã de Paulo tomou a pena para lhe descrever a hora e os detalhes desse grotesco incidente. Tudo estava rigorosamente exato na descrição, e Paulo e seu pai ficaram muito intrigados até à sua volta, antes de saberem como se pudera ter tido conhecimento do ocorrido.

Se desejardes controlar a narrativa que vos fiz, seja pedindo informações ao Doutor Koeberlé (caso ainda esteja vivo), seja à casa de saúde que deve ainda existir em Strasburgo ou na França, enviar-vos-ei confidencialmente o nome da Srta. de V.

 

Segunda carta:

 

Sensíveis aos agradecimentos e ao interesse que testemunhastes pelas minhas comunicações, vêm hoje completá-las, persuadido de que devereis tirar deduções instrutivas do que vou dizer-vos.

Volto, pois, à, sessão da estalagem. Um de meus primos, presente àquela reunião familiar, sugeriu-me ordenar-lhe que subisse a saía de jantar. Imediatamente a magnetizada me respondeu:

- Mas não! há três degraus a descer, para ir-se à sala de jantar.

XLIX. - Pediram-me para enviá-la à igreja e solicitar-lhe a descrição de uma bela série de quadros religiosos. Convencido desta asserção, em virtude do tom sério que a acompanhara, transmito o pedido ã magnetizada. Fiquei muito admirado ouvindo-a rir desabaladamente e fazer rima descrição muito humorística desses famosos quadros. Era uma série de telas absolutamente grotescas, feitas per um habitante da aldeia, nas quais os agrupamentos e o desenho apresentavam anomalias e efeitos dos mais hilariantes. Igualmente explodiam risadas de todos os assistentes que conheciam essas pinturas e que estavam aturdidos com a fidelidade da descrição e dos minuciosos detalhes enumerados.

Convém tirar cartas deduções dos dois precitados fatos. do ponto de vista científico. Sábios mais ou menos convencidos, e mesmo magnetizadores, têm sustentado que em casos semelhantes o magnetizado pode ler semelhantes detalhes no pensamento quer do magnetizador, quer das pessoas presentes, o que excluiria a visão a distancia. Ora, não seria em meu pensamento que teria ela podido encontrá-los, pois que eu os ignorava absolutamente (94). Não podia ser, muito menos, no pensamento daquele que me pedira para transmitir as duas perguntas, porquanto se, de uma parte, conhecia ele as originalidades dos quadros, fora de boa fé que me fizera ordenai à magnetizada que subisse à sala de jantar, para fazer-lhe a descrição e que outros membros da família reconheceram ter tido razão à magnetizada em dizer que havia três degraus a descer.

Resulta, pois, do que precede, que a visita e descrição dos quadros na igreja era bem uma visão e descrição a distancia, com a circunstância de que isso se passava entre 10 e 11 horas da noite, hora na qual as igrejas estão fechadas e em completa obscuridade.

Durante os longos serões de família em que eu a fizera adormecer, tive certa vez à idéia de perguntar-lhe qual a composição de um remédio de nome estranho que eu acabava de ler em uma farmacopéia. Ela imediatamente me deu a descrição completa de uma planta com suas fases sucessivas, sua floração, gênero, família, enfim, todas as descrições botânicas mais minuciosas. Em seguida acrescentou:

- Essa planta cresce em uma ilha, eu a vejo, ela é natural das ilhas da Oceania.

Feita uma verificação, todos estes detalhes eram exatos. Ocupei depois as minhas noites a escrever, sob ditado seu, a descrição de grande número de plantas medicinais. Ao seu despertar, eu conduzia sem afetação a conversação para as plantas que ela acabava de descrever e sobre as quais não parecia ter senão muito vagos conhecimentos.

Interrogando-a, certa noite, sobre o acônito, de que me fizera a descrição, indicando a zona de crescimento, ficou durante longo tempo pensativa, mergulhada em profunda reflexão, de que tive dificuldade em tirá-la, e acabou por me responder nestes termos que faço questão de repetir-vos escrupulosamente, tão profunda impressão os deixaram em minha lembrança. Saindo de sua profunda meditação, ela me disse:

- E entretanto, verdade; não me engano. Por que razão não se pôde ainda encontrar o remédio para esse mal terrível, o remédio para o câncer? vejo a planta, ela cresce nas mesmas regiões que o acônito.

Fez a descrição exata, completada em diversas sessões, acrescentando que se lhe reconheceria a virtude, inoculando em um animal, notadamente em um cão, a tintura mãe obtida pela maceração dessa planta, o que determinaria uma gerida de aparência cancerosa.

Várias vezes procurei, mas sempre em vão, interessar médicos e botânicos em pesquisas nesse sentido. Um sábio botânico declarou-me que a descrição parecia referir-se a oxiria dygina.

Envio-vos a descrição literal que foi feita dessa planta sob ditado da magnetizada. Melhor do que eu, vós, cujo nome e cuja ciência fazem honra ao nosso país podereis, sem dúvida, realizar a fundo essas pesquisas e verificar-lhes o fundamento. Que auréola acrescentaria ao vosso nome, se chegásseis, como Pasteur, a dotar a Humanidade de semelhante beneficio!

Ninguém ignora que os mais lúcidos magnetizados têm os seus momentos de obnubilação, sobretudo as mulheres, em certas épocas, ou sob influencias patológicas. Não tenho, porém, razões para duvidar que as suas afirmações sobre o remédio do câncer sejam tão probantes como tantas outras. Sua gravidade, sua espontaneidade, sua longa meditação antes de emitir suas afirmativas, seu ardente desejo de ver assim a cura de tantas infelizes, impressionaram-me profundamente e levam-me a crer em suas declarações.

Todavia, se tiverdes de mencionar em publicações o que vos comunico, muito desejaria que não citasses este último fato que, único em minha narrativa, ainda não pôde ser controlado.

Permito-me não manter a reserva solicitada por meu respeitável correspondente, porquanto jamais teria nem o tempo nem a competência para ocupar-me com essa questão, e talvez um medico ou um fisiologista, encontrando aqui essa indicação, poderiam fazer com que resultasse da mesma algum proveito para a Humanidade (95) . Pois que a visão . a distancia e as adivinhações (está provado) são possíveis, não desdenhemos nada, registremos as coisas úteis sem negar coisa alguma.

Sem multiplicar indefinidamente estes exemplos, constatemos somente que seria muito fácil de fazê-lo e que a vista independente dos olhos, em estado sonambúlico, é um fato assaz freqüente, que nos cumpre admitir, mal grado às numerosas fraudes, mais freqüentes ainda. A visão à distância, em sonho e em estado sonambúlico, não pode mais ser negada.

A comunicação psíquica recíproca, por meio do sonho, pode ser igualmente demonstrada por exemplos positivos . Sem remontar até o caso assinalado por Santo Agostinho (Cidade de Deus, liv. XVIII, cap. 18), recordemos, entre outros, os de que fala Gratiolet (Anatomie, tomo II, pág. 515) . Uma mulher levantou-se certa noite, inteiramente desatinada, sonhando que envenenara os filhos: no mesmo instante seu filho sonhava que tinha sido envenenado por ela. Um moço sonha que sua mãe é mordida por uma serpente e desperta no momento exato em que sua mãe tinha o mesmo sonho, etc., etc. As correntes psíquicas devem ser admitidas como uma realidade.

 

 

 

IX

 

OS SONHOS PREMONITÓRIOS E A ADIVINHAÇAO DO FUTURO

 

 

 

Quum est somnos evocatus animus societate corporis, tum meminit praeteritorum, praesentía cernit, futura praevidet.

CICERO

 

 

 

Os sonhos mais curiosos e os mais difíceis de explicar são talvez ainda os que nos mostram um fato, uma situação, um estado de coisas que ainda está por suceder e que vem a realizar-se efetivamente a alguma distância da predição, em futuro mais ou menos próximo. Não se trata aqui somente de ver sem os olhos, mas de ver antecipadamente o que ainda não existe.

O enunciado da questão, só por si, parece absurdo e contraditório, inaceitável por conseguinte. Sua aceitação é prenhe de conseqüências, pois implicaria o princípio da possibilidade de determinar antecipadamente o futuro, pelo encadeamento das causas e dos efeitos sucessivos, e de que o livre arbítrio muito se aproxima de uma ilusão.

Antes de entrar na análise filosófica de um problema que esbarra com as maiores dificuldades do conhecimento das coisas, vejamos desde logo se há sonhos dignos de fé, que tenham verdadeiramente revelado, de alguma forma, o futuro. Essa é uma primeira constatação necessária e sem a qual seria supérfluo embrenhar-se alguém em digressões imaginárias.

Pois bem, devo confessá-lo imediatamente, os sonhos que mostram antecipadamente e com precisão um acontecimento futuro, são certos, devem ser aceitos como reais. Não se trata de fábulas e aqui tão-pouco a coincidência fortuita, o acaso podem explicar a realização do sonho.

Acabamos de ver, no capítulo precedente, sonhos que mostram o que se passa ao longe, no presente. Fatos análogos são observados em certos casos de hipnotismo, de magnetismo, de sonambulismo e de experiências espíritas . Essa parte constitui uma espécie de prefácio, de preparação natural do que temos, agora, de examinar.

Citarei, de inicio, dois sonhos, cuja autenticidade absoluta posso afirmar, que minha mãe teve em duas circunstâncias bem diferentes e que ela acaba de confirmar-me, talvez pela vigésima vez .

O primeiro data de uma época na qual não tinha ela ainda estado em Paris . Habitavam meus pais a vila de Montigny Lê Roi (Alto Marne) . Começava eu os estudos em Langres e haviam eles decidido deixar a província pela capital, sobretudo movidos pelo desejo de assegurarem aos filhos carreiras mais seguras e mais elevadas .

Uns quinze dias antes de sua partida, sonhou minha mãe que ela já estava em Paris, que atravessava grandes ruas e chegava diante de um canal, sobre o qual se estendia uma ponte com escadarias. Ora, algum tempo depois de sua chegada a Paris, foi ela em visita a uma de suas paremos, residente na rua Fontaine-au-Roi, no arrabalde do Templo, e ficou muito surpresa, chegando ao canal, de reconhecer a ponte, o cais, o aspecto do bairro, coisas de que não pudera ter conhecimento algum, quer por meio de gravuras, quer de qualquer outro modo.

Tal sonho não se pode, de maneira alguma, explicar. E preciso admitir que o espírito possa ver, à distância, detalhes que se acharão conformes com a imagem deixada no cérebro. Seguramente é isso difícil. Eu preferiria supor que pessoas vindas de Paris tivessem contado a minha mãe a existência dessa espécie de pontes, que ela houvesse esquecido essa descrição, rememorando-a no sonho . Minha mãe afirma-me, porém, de um modo absoluto, que ninguém jamais lhe falara quer do canal parisiense, quer das pontes aéreas .

Eis aqui o seu segundo sonho:

Em um certo verão, fora uma das minhas irmãs, com seu marido e seus filhos, residir na pequena cidade de Nogent (Alto Marne) ; meu pai os havia acompanhado, permanecendo minha mãe em Paris. Todas as crianças estavam de perfeita saúde, e não havia a menor inquietação a respeito deles.

Minha mãe sonha que recebe de meu pai uma carta na qual lê esta frase. Sou o portador de uma triste notícia: o pequeno Henrique acaba de morrer, quase sem ter estado doente, em conseqüência de convulsões. Acordando-se, diz minha mãe para consigo mesma: Não é mais do que um sonho ; todo sonhar, todo enganar.

Oito dias depois, uma carta de meu pai trazia exatamente a mesma frase. Desolada, minha irmã acabava de perder seu recém-nascido, em conseqüência de convulsões.

No primeiro desses dois sonhos poder-se-ia, com estremo rigor, invocar, como dizíamos, uma narrativa esquecida, latente no cérebro . E' excessivamente pouco provável, pois que minha mãe está certa de não haver jamais ouvido falar daquelas pontes. Mas, para o segundo, que explicação dar?

Meu saudoso amigo, o Doutor Macário, autor de apreciada obra sobre O Sono, os Sonhos e o Sonambulismo, a respeito da qual falei mais acima, refere o seguinte caso, ocorrido em sua família:

A Sra. Macário, diz ele, partiu a 6 de Julho de 1854 para Bourbon I Archambault, a fim de usar as águas do lugar para uma afecção reumática. Um de seus primos, o Senhor O, que reside em Moulins e que ordinariamente sonha com o que lhe deve suceder de mais ou menos extraordinário, teve, na noite precedente à viagem de minha esposa, o seguinte sonho: viu a Sra. Macário, acompanhada de sua filha, tomar o caminho de ferro para dirigir-se às águas de Bourbon. Ao despertar pediu a sua esposa que se preparasse para receber duas primas que,ela ainda não conhecia.

- Chegam hoje mesmo a Moulins - acrescentou ele - e partirão esta noite para Bourbon; não deixarão, espero-o, de vir ver-nos.

Com efeito, minha mulher e minha filha não tardaram a chegar a Moulins; mas, como o tempo estivesse horrível (chovia a cântaros), dirigiu-se para casa de um amigo, perto da gare da estrada de ferro e não foram visitar (por lhes faltar o tempo) o primo que mora em bairro muito afastado da cidade. Este não perdeu a esperança.

- Ficará para amanhã - pensou.

Mas, ainda dessa vez, enganou-se em sua expectativa .

Persuadido, entretanto (já o fizemos notar: o Senhor O, tem habitualmente sonhos verdadeiros) de que os avisos do seu sonho eram exatos, foi ele ao escritório da diligencia que faz o serviço de Moulins a Bourbon, para informar-se se uma senhora, acompanhada de sua filha, a respeito de quem deu ele as características individuais, não havia partido na véspera para Bourbon. Foi-lhe respondido afirmativamente. Perguntou então se a referida senhora desembarcara em Moulins e soube que todas as particularidades do seu sonho eram perfeitamente exatas.

Antes de terminar, seja permitido fazer observar que Sr. O. não tinha conhecimento algum nem da doença, nem da viagem da Sra. Macário, que não via há tantos anos.(96)

A propósito, acrescenta o doutor o seguinte fato:

Na quinta-feira, 7 de Novembro de 1850, no momento em que os mineiros da mina de carvão de Belfast, se dirigiam ao trabalho, a esposa de um deles recomendou-lhe que examinasse com cuidado a corda da cesta ou caixão que serve para descer ao fundo do poço:

- Sonhei - disse ela - que a cortaram durante a noite .

O mineiro não ligou a principio grande importância a esse aviso; comunicou-o, entretanto, aos seus camaradas.

Desenrolaram o cabo de descida e, com grande surpresa de todos, verificaram achar-se o mesmo cortado em diversos lugares. Alguns minutos mais tarde, os trabalhadores iam tomar essa espécie de elevador, com o qual seriam infalivelmente precipitados no abismo; e, se o New Castle Journal merece crédito, não devem eles a sua preservação senão ao citado sonho .

Na época dos meus primeiros ensaios no jornalismo, em Paris, tinha eu como companheiro, no Siècle, um amável escritor, de caráter afabilíssimo, que se chamava Émile de la Bédollière . Seu casamento fora devido a um sonho premonitório .

Em pequena cidade do centro da França, La Charité-sur-Loire, Departamento de la Nièvre, havia uma moça admirável de graça e de beleza. Era, como a Fornarina, de Rafael, filha de um padeiro. Diversos pretendentes aspiravam à sua mão, tendo um deles grande fortuna. Os pais o preferiam. Mas a Srta. Angela Robin não o amava e o recusava.

Exasperada, um dia, pelas instâncias de sua família, dirigiu-se ela à igreja e rogou à Santa Virgem que viesse em seu auxílio. Na noite seguinte ela viu em sonho um homem em trajes de viagem, trazendo um grande chapéu de palha e umas lunetas . Despertando, declarou a seus pais que recusava em absoluto o pretendente e que esperaria, o que os levou a formular mil conjecturas.

No verão seguinte o jovem Emílio de la Bédollière é convidado por um de seus amigos, Eugéne Lafaure, estudante de Direito, a fazer uma viagem ao centro da França. Passam por La Charité e vão a um baile de cota. A sua chegada, o coração da moça bate precipite em seu peito, suas faces enrubescem-se, o viajante observa-a, admira-a, ama-a e, alguns meses depois, eles estavam casados. Era a primeira vez em sua vida que ele passava por essa cidade.

Esta curiosa história de casamento, não é única no gênero. Poderia citar várias outras análogas, e creio mesmo não ser indiscreto acrescentando que um dos nossos mais célebres astrônomos contemporâneos, o Senhor Janssen, foi antecipadamente visto em sonho pela Senhora Janssen, muito tempo mesmo antes de sua mútua apresentação.

Alfredo Maury cita um caso análogo, mas explicando-o pela sua teoria das imagens da memória, que certamente não se aplica ao casamento de la Bédollière e que sem dúvida menos ainda se aplica a este .

O Senhor P. (97), escreve ele, antigo bibliotecário do Corpo Legislativo, assegurou-me ter visto em sonho a mulher que em seguida desposou, e todavia lhe era a mesma desconhecida, ou pelo menos acredita ele jamais tê-la visto realmente: há aí, segundo toda a verossimilhança, um caso de 3embrança inconsciente.

O mal dos construtores de teorias é quererem tudo explicar, tudo encerrar em seus quadros . Segundo toda a verossimilhança, à luz de nossas recentes investigações psíquicas, Alfredo Maury engana-se em sua conclusão .

O Senhor A. Goupil, engenheiro civil em Cognac, nos comunicou o seguinte fato:

Em Tunis, entre o edifício dos Correios e o Café de França, há um cabeleireiro francês, cujo nome esqueci. Certa manhã do verão de 1891, jogava eu com ele uma partida de bilhar. Terminada essa partida, propus-lhe uma segunda:

- Não - disse-me ele -, espero o médico e desejo saber o que ele disse.

- Tendes alguém doente em casa?

- Não, mas tenho o meu sobrinho, com idade de... (11 anos, creio) que teve ontem a noite uma alucinação, levantou-se de repente, gritando: Lá vem uma mulher que quer pegar a minha priminha (a minha filhinha de alguns meses), não quero que ela a carregue. Isso durou certo tempo, não nos sendo possível fazer-lhe crer que havia sonhado.

- Já tem ele tido dessas alucinações ?

- Não.

- Está passando bem?

- Sim, mas receio que seja essa manifestação sintoma de alguma febre.

- Vossa filhinha está passando bem?

- Sim, muito bem.

Fiz esta última pergunta porque acabava de me passar nela cabeça que essa visão queria dizer que a pequena ia morrer dentro de pouco tempo. Nada disse a respeito desse pensamento ao meu interlocutor que de mim se despediu. Pedi-lhe notícias no dia seguinte. Todos de sua família iam bem. Passados dois dias, fiz-lhe a mesma pergunta, obtendo a mesma resposta; ao terceiro dia ainda a mesma pergunta e a mesma resposta. Ele dava ares de quem se admirava do interesse que eu parecia manifestar por essas crianças que não conhecia. Três dias se passaram sem que eu visse nada de novo. Tendo-o encontrado ao dia seguinte na rua, perguntei-lhe se as crianças iam sempre bem.

- Sabeis - disse-me ele -, que perdemos nossa filhinha: faleceu inesperadamente em curto lapso de tempo. (Creio que me disse ter sido de crupe.)

-Não

- disse eu -, não o sabia, mas esperava-o.

- Como assim?

- Pois não, foi a mulher que a levou.

- Que mulher?

- Ora! aquela que vosso sobrinho viu; ela representava a morte, a doença, ou o que quiserdes. Aquilo devia ter sido lama alucinação profética.

Lá deixei o meu homem muito admirado: ele poderia confirmar esta narrativa, pelo menos em suas linhas principais, porquanto se mostrou surpreendido pelas minhas reflexões e deve recordar-se delas.

Invocar-se-á ainda aqui o acaso? Não. Há nisso tudo alguma coisa de desconhecido para nós, mas que é real.

Na primeira edição desta obra, nesta mesma página, publiquei, de segunda mão, indicando-lhe a origem, uma narrativa muito comovente, devida à pena do Senhor Alexandre Bérard, antigo magistrado, atualmente (1903) deputado de Ain e sub-secretário de Estado da Cor­reios e Telégrafos, acompanhando-a, todavia, de uma ex pressão de dúvida, causada precisamente pelo enredo muitíssimo perfeito desse «conto dramático admiravelmente redigidos e manifestando o desejo de ver o próprio autor fazer a prova da autenticidade dessa curiosa narrativa.

Todo o valor do nosso trabalho reside na sinceridade documentária. Desse modo, lancei mão da primeira oportunidade que se me ofereceu, para trocar idéias a respeito com o seu erudito autor. Confirmou o Senhor Bé­rard as minhas dúvidas, confessando-me que, efetivamente, era isso uma simples novela literária .

       Assim, julguei do meu dever suprimir semelhante ficção deste repositório essencialmente verídico. Será substituída por fatos de observação, realidades correspondentes ao assunto deste capítulo, aos sonhos premonitórios .

       Eis aqui um caso que deve ser, parece-me, atribuído a um sonho esquecido. O Senhor Vallet, doutor em Direito, substituto em Lião, escreveu-me na data de 15 de Julho de 1900:

     Eu tinha quinze anos e era de temperamento muito nervoso, muito impressionável e mesmo um pouco doentio. Resolveram meus pais, a conselho de nosso médico, submeter ao uso dos banhos de mar. Sendo meu tio, o General Parmentier, nessa época, diretor do Serviço de Engenharia no Havre, era muito natural que eu fosse para a casa dele. A passagem, devia saltar em Paris - que eu ainda não co­nhecia. Foi-me recomendado que não deixasse de ir saber noticias do Coronel Levret, antigo examinador da Escola Po­litécnica, amigo de minha Família. Conservava eu do coronel uma impressão de terror infantil; parecia-me ele, devido ã sua rigidez de atitudes, qualquer coisa de análogo a um cute­lo de guilhotina! Cumpria-me, porém, levar a efeito, por muito pouco sedutora que me parecesse, a visita recomendada. Chegando ã frente da sua cava, dei-me conta de tudo, repentinamente. Já tinha visto isso tudo: os quatro andares dispostos em quadrado em derredor do espaço formado pelo pátio, o bico de gás, que ardia ao centro, etc., etc.; disse eu à pessoa que me acompanhava (o irmão do general) : é lá no quarto andar, à direita. Tudo era claro para mim.

         Como explicar esse já vistos sem admitir que, de fato, isso tudo já fora visto pelo espírito do narrador? Como poderíamos ser impressionados a tal ponto por essas coisas, sem uma causa eficiente, sem uma visão anterior exata e real? Ter ouvido falar da casa habitada pelo coronel bastaria para explicar essa impressão? A hipótese é pouco admissível.

Escolherei, por outro lado, entre os numerosos documentos que perpetuamente recebo de todos os pontos do Globo, o seguinte fato que me foi comunicado, a 25 de Junho de 1901, de Middletown, Estado de Nova York, pelo Senhor J. O. Austin, juiz de paz:

Contava eu a idade de 20 anos mais ou menos e regia uma escola pública. Muito absorvido por meus deveres, pensava neles à noite, em meus sonhos, tanto quanto de dia, durante as minhas horas de trabalho. Sonhei, certa noite, que me achava na sala da escola e acabava de concluir os exercícios de abertura, quando ouvi batidos na porta. Abro-a e vejo um senhor com duas crianças, uma menina de 1l anos e um rapazinho de 8. O visitante entra e me explica que, em conseqüência da Guerra de Secessão, deixou sua casa de Nova Orleans e transferiu a família para o distrito de minha escola. Era seu desejo confiar os filhos aos meus cuidados, para que eu os educasse e instruísse. Perguntou-me então que livros eram necessários, e dei-lhe uma relação que ele guardou. No dia seguinte as crianças eram recebidas no número dos meus alunos.

Ficou aí o sonho. Mas impressionou-me ele vivamente, e a imagem desse pai e dessas duas crianças estava tão fortemente gravada em meu espírito, que tê-los-ia reconhecido onde quer que os encontrem na população de Paris ou de Londres.

Qual não foi o meu espanto quando, ao dia seguinte deste sonho, no instante em que terminava os exercícios de abertura da escola, ouvindo baterem a porta aquelas mesmas pancadas ouvidas em sonho, fui atender e vi diante de mim aquele visitante e os seus dois filhos! Seguiu-se o restante: houve entre nós a conversação do sonho.

Acrescentarei que esse gentleman era-me absolutamente estranho. Nova Orleans está a 1.350 milhas, ou seja mais de 2.000 quilômetros deste lugar, e nunca me afastei mais do que 100 milhas ou 160 quilômetros, de minha casa.

O dever do pesquisador independente e sincero é, também aqui, não se iludir com palavras ou fogos fátuos, mas olhar de frente a realidade. Pois bem, perguntarei a todos os professores de Psicologia a razão por que, se jamais foi dada explicação alguma desses fatos, continuam a repetir, há dois mil anos, as mesmas frases ocas das Universidades, e porque se recusam a compreender que a Psicologia deve ser uma ciência experimental?

Prossigamos. Eis aqui, certamente, uma previsão circunstanciada e com efeito extraordinária

Na última quinzena do mês de Novembro de 1871 - sei que era uma quarta-feira e creio que era o dia 22 desse mês - estive com os meus amigos da família Davidson, de Nova Orleans. Uma Senhora Thilton achava-se conosco. Fazia a narrativa de certos sonhos que tivera, sonhos proféticos que quase nunca deixavam de realizar-se. Essas visões da Senhora Thilton eram conhecidas da assistência.

Impressionado com uma narrativa desta senhora, o nosso hospedeiro exclamou:

- Senhora, proíbo de ter sonhos que me digam respeito!

- Tardiamente o recomendais, senhor! Ontem mesmo, à noite, tive um sonho que vos toca de perto!

Pediram-lhe que o contasse .

- Sonhei que, dentro de seis semanas, a partir de hoje, sou convidada para passar o dia convosco, aquiescendo ao vosso obstinado convite .

- Eis um sonho que facilmente se satisfaz, senhora! Peço-vos que venhais passar o dia comigo, na data indicada. Senhorita - continuou ele, voltando-se para mim -, não deixareis, por vossa parte, de comparecer. Em que dia será isso ?

Consultando o calendário, anunciou um dos assistentes:

- Quarta-feira, 3 de Janeiro de 1872.

- Bom! Somos todos testemunhas do sonho de madame! Mas é muito simples!

- Esperai! não é tudo! Sonhei - insistiu a senhora - que, em aqui chegando, encontrei a casa triste e vazia e que debalde vos procurei. Acabei por avistar um grande ataúde metálico no meio do segundo salão. A tampa estava fechada; eu nada via, mas sabia que estáveis lá, dentro!

O nosso hospedeiro desatou a rir, bem como a assistência. Gracejando, o Senhor Davidson disse à sua esposa:

- Nada de caixão metálico, ouvistes? Tenho-lhes horror! Prometei-me que mandareis fazer um caixão de embutidos!

E rindo sempre, deu-lhe sua mulher a palavra de que, se ainda estivesse neste mundo, satisfaria seus gostos. Todos se mantinham totalmente incrédulos. A Senhora Thilton prosseguiu:

- Não encontrei senão uma pessoa no salão. Conservava-se ela de pé, ao lado daquele corpo invisível. Coloquei-me de um e de outro lado do esquife. Então verifiquei que havia seis rosas de prata sobre cada um dos dois compridos bordos da tampa.

Todos explodiram em riso, novamente. Perguntavam uns aos outros quem algum dia ouvira falar de ornatos tão esquisitos sobre um esquife. Mas a Senhora Thilton prosseguiu:

- Isso me impressionou muito, mesmo no sonho. Chamei a atenção da pessoa que estava perto do caixão para essas duas fileiras de rosas de prata.

Ao despedirem-se, emprazaram-se todos para a quarta-feira, 3 de Janeiro de 1872. Durante essas seis semanas, tal sonho constituiu sempre um motivo para gracejos entre nós.

Em conclusão: A 2 de Janeiro de 1872, o nosso hospedeiro, Senhor Davidson, foi vítima de um acidente inconcebível, imprevisto. Foi horrivelmente esmagado por uma locomotiva.

No dia seguinte, bem cedo, foi seu corpo colocado em um ataúde. A família fazia questão de que ninguém lhe visse o rosto. Coube-me o desempenho dessa incumbência. Não o deixei, mesmo depois de haver sido a tampa ajustada.

Achava-me a sós no meu posto. A Senhora Thilton, de nada desconfiando, chegou para corresponder ao convite. Encontrou o caixão, ao lado do qual me achava, no segundo salão. Veio e colocou-se a meu lado. Não trocamos nem palavras, nem olhares. Mudas, conservávamo-nos de pé, olhando para o caixão. Ela tomou-me o braço e com a outra mão mostrou-me seis rosas de prata que ornavam os dois longos bordos da tampa de um ataúde metálico. Mesmo então nada compreendi, senão quando ela me disse:

- Não vos lembrais? Vedes as seis rosas de prata de cada lado, tais como eu as vi em meu sonho?

Quinze dias mais tarde, disse-me a viúva:

- Não vos lembrais daquele extraordinário sonho de nossa amiga? Tudo aconteceu como nos anunciara ela. Salvo aquele caixão! Graças a Deus, mesmo em minha dor, lembrei-me da minha palavra. Pelo menos ele teve seu ataúde de embutidos! Mas, que tendes?

Não sabendo dissimular, respondi

- Era o ataúde metálico.

- Jamais! Quem ousaria? Meu Deus! Não me digas que havia, além disso, seis rosas de prata de cada lado!

- Ao pé da letra, cara amiga, nada faltou naquele sonho. Tudo se passou conforme a Senhora Thilton o descrevera. A minha pobre amiga caiu em uma crise de nervos. Mandei chamar a pessoa que se encarregara dos funerais . Nada mais pode responder senão que haviam embalde procurado o ataúde de embutidos que ela encomendara. O único, das dimensões requeridas, era de metal. A vista da urgência, fora necessário adquiri-lo.

- Mas não com seis rosas de prata de cada lado?

- Sim, senhora. Como vos disse, não havia senão esse!

Das treze testemunhas desse fato, há hoje quatro que estão mortas. A família, sendo calvinista, ficaria muito chocada de ver seu nome ligado a uma superstição. Ela, porém, é muito justa e verdadeira para negar esses fatos tais como vo-los descrevo.

 

Paris, 20 de Dezembro de 1901.

SARAH MORGAN DAWSON

Rua Varenne, 36.

 

A Senhora Dawson, que eu conhecia desde muitos anos, é incapaz de modificar uma narrativa para acomodá-la a um plano qualquer; mas a memória de qualquer de nos pode ser infiel. A filha do falecido, sendo ainda viva (reside em Nova Orleans), foi solicitada a dizer-me, por obséquio, o que se recordava dessa história.

Eis um extrato de sua resposta, de 24 de Janeiro de 1902:

Sim, recordo-me, pelo menos em parte, do sonho da Senhora Thilton. Um dia, após o jantar, contou-nos ela que sonhara estar meu pai morto e seu corpo encerrado em um ataúde metálico. Replicou meu pai que certamente não era ele, pois não tencionava fazer-se enterrar em um caixão metálico, que não gostaria nada disso, etc. De fato, ele morreu logo depois do dia de Ano Bom, e seu corpo foi enterrado em um caixão metálico. Ainda pertence a este mundo a Senhora Thilton e pode confirmar-vos, por si mesma, sua predição.

Foi o que igualmente se fez.

O Senhor Jean Fugaison, arquiteto, residente à Avenida de Wagram, 62, em Paris, escrevia-me em data de 18 de Julho de 1900:

Meu caro Mestre .

Seja-me permitido comunicar-vos um caso de premonição análogo aos que tendes publicado em L'Inconnu e certamente dos mais esquisitos

Há três anos, minha mulher, sem propósito algum, disse-me que desejaria ter um púlpito para pregar! Esta reflexão não tinha sentido algum e não podia corresponder a um desejo razoável de sua parte, porquanto um púlpito não podia ficai, de modo algum, no meu apartamento parisiense, muito pequeno para os diversos objetos que o atravancam . Além disso, minha mulher detesta as inutilidades.

Ora, dois dias depois, recebia eu de um notário de Antibes uma carta informando-me de que um de meus primos acabava de morrer, deixando-me como lembrança, uma obra-prima: de trabalho manual executada por seu pai, que era marceneiro: um púlpito!

Dizeis com razão: há muito mais singularidades inexplicáveis nos efeitos e extravagâncias do raio do que nas manifestações telepáticas. Vossa observação faz-me lembrar um fato verificado há quarenta anos por uma pessoa muito digna de confiança.

Caíra um raio nas cercanias do castelo de la Houille, perto de Pierrefont (CantaI), na casa do Senhor Costerousse, proprietário. Penetrara em um compartimento onde se achava uma baixela. Uma pilha de pratos apresentou esta particularidade ultra-extravagante: a metade dos pratos estavam perfurados no centro por um buraco circular da dimensão de uma moeda de um franco; mas essas perfurações se alternavam do seguinte modo: o primeiro prato estava furado, o segundo não, o terceiro sim, o quarto não, etc., seguindo sempre esta ordem muito regularmente .

Outro exemplo:

O Coronel Cotton, de Nanterre, dirigia-me, a 26 de Outubro de 1900, uma narração, da qual destaco o que se segue:

Um sonho que tive, na idade de catorze anos, impressionou-me tão fortemente que ainda se conserva tão nítido em minha memória como a trinta anos passados.

Eu era nessa. época soldado de uma Companhia de Infantaria da guarnição da Escola Militar. Um primo meu deveria vir buscar-me em um sábado, para levar-me ao teatro; nesse dia, embalde esperei a chegada de meu parente e me deitei com o coração cheio de despeito. À noite vi em sonho um enterro e, acompanhando-o, meu primo. Fiz a seguinte reflexão: compreendo agora porque não me vieste buscar, e foi tudo o que se passou.

Oito dias depois, meu parente veio buscar-me e me disse que a pessoa que lhe deveria oferecer as entradas para o teatro morrera subitamente.

- Sim, eu o sei - disse-lhe eu, - e fostes ao seu enterro.

Contei-lhe então o meu sonho, que muito o surpreendeu.

A Sra. A. Valllant endereçou-me de Foncquevillers (Pas-de-Calais) o curioso relato de um sonho premonitório e de três casos de telepatia muito notáveis que, por uma inadvertência devida certamente à quantidade considerável de cartas recebidas, não foram acima registradas . Sem voltar a esse assunto, direi que o primeiro diz respeito à visão precisa de uma morte, ocorrida em 1794, às margens do Reno, em Arras; o segundo, à aparição e à audição, constatadas em Bapaume, por duas testemunhas, separadamente, de um marido e de um pai mortos nesse mesmo dia na Áustria (1796); o terceiro, a uma jovem, residente em um castelo da Escócia, que, ao descer, correndo, uma escada, vê ao pé da mesma escada, banhado em sangue, um tio assassinado nesse mesmo instante em Londres (1796) . Eis o sonho premonitório:

Há alguns anos, em uma cidade do Norte, foi nomeado um novo vigário para certa paróquia. Uma pessoa conhecida da Senhora Vaillant sonhou, alguns dias antes, que esse vigário era um Senhor G., que o mesmo pregava no domingo seguinte sobre determinado assunto, que sua irmã estava sentada diante dele; sendo que todas as particularidades do seu sonho foram realizadas . (Carta 103 .)

Eis aqui um outro sonho premonitório, contado por respeitável eclesiástico:

Achava-me em um internato em Niort, quando tinha quinze ou dezesseis anos e, certa noite, tive um sonho extraordinário. Parecia-me estar em Saint Maixent (cidade que eu apenas conhecia de nome) , com o diretor do meu colégio, em uma pequena praça, perto de um poço defronte do qual havia uma farmácia e ver aproximar-se de nós uma senhora da localidade, que reconheci por tê-la visto uma única vez em Niort, na casa em que me achava. Abordando-nos, esta senhora nos falou de coisas tão extraordinárias, que, pela manhã, dei parte do que oura ao patrão (assim tratávamos o diretor do estabelecimento) . Este, muito admirado, fez repetir a citada conversação.

Alguns dias depois, tendo o que fazer em Saint Maixent, levou-me ele em sua companhia. Apenas chegados, encontramo-nos na praça que eu tinha visto em sonho, em dois pontos determinados, e vimos dirigir-se-nos, noutro ponto da mesma praça, a senhora em questão, que teve com o patrão a tal conversa que eu lhe havia contado, absolutamente a mesma, palavra por palavra .

 

GROUSSARD

Cura de Saint-Radegonde (Charrente Inferior) .

 

Não se vê, tão-pouco, como o acaso poderia explicar esta premonição tão precisa.

Os psicólogos devem ao Senhor Flournoy, eminente professor da Universidade de Genebra, o conhecimento do seguinte sonho premonitório, ocorrido com uma senhora de Genebra, conhecida do aludido sábio.

Em Agosto de 1883, a Senhora Buscarlet regressou a Genebra, por motivo de saúde, após uma permanência de três anos, como professora de duas jovens, na família Moratief, em Kasan. Ela conhecera, nessa localidade, uma Senhora Nitchinof, que era amiga íntima da Senhora Moratief e que dirigia o Instituto Imperial das moças de Kasan.

A 10 de Dezembro de 1883 sonhou que passeava em uma estrada não muito larga, na Rússia, com a Senhora Moratief; viu chegar um carro, espécie de break baixo, fechado por meio de cortinas de couro preto, dizendo-lhe aquela senhora:

- Ide ver o que se acha lá dentro.

Ela foi, levantou as cortinas e viu uma mulher estendida em todo o seu comprimento, transversalmente à viatura toda vestida de branco, salvo os sapatos que eram pretos e as meias, cinzentas, trazendo ã cabeça um chapéu branco, guarnecido de fitas amarelas. Não reconheceu essa mulher. Ouviu no mesmo instante uma voz forte dizer:

- A Senhora Nitechinof deixará o Instituto a 17.

No mesmo instante deixou cair às cortinas do carro e o sonho terminou. Era-lhe aquela voz desconhecida; não pôde dizer se era uma voz de homem ou de mulher, nem de onde vinha; entretanto não o era da mulher estendida no carro. Ainda que a viatura nada tivesse de carro fúnebre, a Senhora Buscarlet recorda-se de haver assistido em Kasan ao enterramento de uma senhora que se achava vestida, em seu ataúde, exatamente como a mulher vista em seu sonho.

A Senhora Buscarlet não deu interpretação alguma ao seu sonho: entretanto, ficou profundamente impressionada com ele. Escrevendo aos Moratief, por ocasião do fim do ano, contou-lhes o sonho, sem atribuir-lhe nenhum alcance molesto, nem lhe dar sentido literal maior do que o de um simples afastamento da Senhora Nitchinof, a 17, do Instituto.

Sabendo quanto se deve desconfiar das lembranças um tanto longínquas, depois de haver fielmente anotado o relato da Senhora Buscarlet, o Senhor Flournoy encarregou-a de pedir a seus amigos, da Rússia, restituição da carta em que lhes contara seu sonho, se é que a tinham conservado. Felizmente era esse o caso e ele pôde examinar a vontade essa preciosa missiva, que traz sobre o envelope os carimbos do Correio de Genebra com as datas 24, XII, 83 (ou seja 12 de Dezembro em estilo antigo) e de várias agências russas, dos quais o último é o de Kasan 20. XII. 83.

Após algumas linhas consagradas aos bons votos de Natal e de Ano Bom, escrevia a Senhora Buscarlet:

Tive esta noite um sonho engraçado, que vos quero contar, não que lhe dê maior importância, mas unicamente por ser engraçado. Vós e eu estávamos em uma estrada, no campo, quando diante de nós passou um carro do qual partiu uma voz que vos chamou. Chegadas perto do carro, vimos a Srta. Olga Popoi deitada transversalmente, vestida de branco com um chapéu guarnecido de fitas amarelas. Ela vos disse

Chameis-vos para dizer que a Senhora Nítchinof deixa o Instituto a 17.

Depois o carro continuou a rolar. Como os sonhos são por vezes burlescos!

Duas semanas mais tarde, a Senhora Buscarlet recebia do Senhor Moratief uma carta, da qual eis o começo:

Acabamos de receber vossas cartas, muito querida senhora e foi no leito que minha esposa as leu...

Não, prezada senhora, não é engraçado, não é burlesca; ai de mim! é estranho, é impressionante, estupendo o vosso sonho de 10-22 de Dezembro.

A Senhora Nitchinof, a querida, a pobre Senhora Nitchinof, deixou, com efeito, o Instituto, a 17, mas para jamais voltar a ele. A febre escarlatina, acompanhada de difteria, no-la arrebatou em três dias. Faleceu no dia 16, as 11 e 3/4 da noite, e às 2 da madrugada de 17 (não é isso extraordinário?) levaram seu corpo para a capela contígua. Receou-se no Instituto o contágio, eis a razão por que se deram pressa em retirá-la dali.

Se examinarmos hoje a diferença entre a realidade, tal qual ressalta da carta contemporânea do sonho, e a narrativa verbal da Senhora Buscarlet, dezoito anos mais tarde, constataremos, de um lado, notável exatidão de suas recordações, quanto ao conteúdo essencial da predição onírica, e de outro lado uma alteração das circunstâncias conexas, especialmente o completo esquecimento em que ficou a Srta. Olga Popoi. Era esta uma conhecida qualquer de Kansan, e a Senhora Buscarlet, que ficou estupefata de torná-la a encontrar em sua carta de outrora, não pode explicar o que fora a mesma fazer naquele sonho.

Como quer que seja, trata-se aí de um acontecimento passado na Rússia e visto, em sonho, na Suíça, com oito dias de antecedência.

O meu inquérito forneceu-me grande número de sonhos premonitórios. Classifiquei-os especialmente, e pedirei ainda permissão aos meus leitores para citar aqui os principais sonhos classificados e acrescentá-los aos onze exemplos precedentes, a fim de lhes facultar o exame de todos os elementos de convicção.

XII - Faço eu mesmo a minha apresentação: Pierre tules Berthelay, nascido em Yssoire, Puy-de-Dôme, a 23 de Outubro de 1825, antigo aluno do Liceu de Clermont, padre da diocese de Clermont em 1850, antigo vigário durante oito anos em Saint Europe (Clermont), três vezes inscrito no Ministério da Guerra como esmoler militar .

1° - Após treze anos de penoso ministério, achava-me bastante fatigado, tanto mais que tivera de servir de contramestre vigilante, em nome da fábrica, para a construção da graciosa igreja de Saint Eutrope, em Clermont; durante quatro anos acompanhei os operários, desde a profundidade de 10 metros mergulhado na água das fundações, até à cruz da torre. Fui eu quem colocou as três últimas ardósias.

Nosso professor, o Senhor Vincent, para fazer-me mudar de trabalhos, mandou-me a Lião, onde eu jamais fora. Num dos primeiros dias, ao sair do almoço, disse-me o meu discípulo:

- Senhor abade, quereis acompanhar-me à nossa propriedade de Saint Just Doizieux ?

Aceitei; eis a caminho, de carro. Depois de haver passado Saint-Paul-en-Jarret, profiro uma exclamação: filas eu conheço a região! digo, e, de fato, poderia andar por aí sem guia. Um ano antes, no mínimo, eu vira, durante o sono, todos aqueles pequenos terraços de pedras amarelas.

2° - Regressei a minha diocese, mas enviaram-me a desempenhar nas montanhas do Oeste uma missão muito penosa, acima das minhas forças . Fiquei durante sete meses muito doente em Clermont. Logo que pude manter-me sobre as pernas, mandou-me substituir o esmoler do hospital de Ambert, acometido de uma congestão cerebral. Ainda não estava construído o caminho de ferro de Ambert e encetei viagem na viatura que fazia o serviço de Clermont a Ambert. Depois de haver passado Billom, lanço os olhos à direita e reconheço o pequeno castelo com sua avenida de olmozinhos, como se eu tivesse aí habitado. Vira-o durante o sono, dezoito meses antes, pelo menos.

3° - Estamos no ano terrível. Minha mãe, que tinha visto os aliados formados em parada nos Campos Elíseos, em Paris, é viúva, reclama-me como seu único sustentáculo; dão uma pequena paróquia próxima de Yssoire. A primeira vez que fui ver um enfermo, achei-me em ruazinhas estreitas, entre altas muralhas negras, mas encontrei facilmente a saída. Durante o sono, vários meses antes, eu havia percorrido aquele Dédalo de vilas sombrias.

4° - Acontecimentos independentes de minha vontade, levaram-me a Riom, onde me preparo para a grande viagem. Qual não é a minha surpresa em reconhecer, como coisa de meu antigo conhecimento, a capela que o meu colega, o abade Faure, construíra para os soldados, capela que eu jamais vira com os meus olhos e cuja própria existência eu ignorava! Poderia ter feito os croquis (98) que vos remeto, como se houvesse servido de contra-mestre.

 

(Carta 19.)

BERTHELAY

Rion (Puy-de-Dome)

 

XVI. - Nos primeiros dias de Setembro de 1870, nos banhos de mar em Weymouth (Inglaterra), pelas 2 horas da manhã, de quinta para sexta-feira, acordei-me no mesmo instante em que uma voz misteriosa pronunciou estas palavras muito distintamente: Jump out of bed, pray for these at sea. (Saltai para fora da vossa cama, orai pelos que se acham no mar.) Quase ao mesmo tempo o Captatin, grande navio inglês, naufragava na baía de Biscaia. Trezentos afogados. O resto da esquadra chegou a Portland Roads, próximo do lugar onde estávamos.

Tendo sido o público admitido a visitar esses navios, companheiros do que naufragara, aproveitamos, eu e um irmão meu, dessa oportunidade. Sete anos depois, a 9 de Setembro de 1877, esse mesmo irmão pereceu no naufrágio do Avalanche, no citado ancoradouro de Portland Roads.

 

(Carta 29 .)

MARY C.DEUTSCHEMDAFF

Esposa do pastor protestante de Charleville(Ardenes)

 

 

XVII. - O seguinte fato me foi relatado por um dos meus velhos confrades, hoje com a idade de 91 anos, espírito muito positivo e de forma alguma inclinado ao misticismo .

Uma noite, no correr de 1835, trabalhava ele em seu quarto, em Strasburgo. Subitamente lhe acorreu a visão muito nítida de Morey, sua aldeia natal. A rua, onde estava localizada a casa paterna, apresentava uma animação insólita há essa hora, e ele reconheceu diversas pessoas entre as quais uma de seus parentes conduzindo uma lanterna.

- Alguns dias depois - dizia-me ele -, recebia noticia da morte de minha mãe, ocorrida naquela mesma noite, e na presença das mesmas pessoas que eu tinha visto. Além disso, era precisamente a mãe de minha mãe que trazia a lanterna.

Semelhantes fatos sem dúvida são inexplicáveis atualmente, mas isso não é uma razão para negá-los desdenhosamente. Esperemos e pesquisemos: o futuro nos reserva muitas surpresas e desvendara muitos mistérios.

Que é o pensamento? Ignoramo-lo em absoluto, mas podemos supor que ele corresponde a determinado número de vibrações: digamos, se o quiserdes, um milhão de quintiliões por segundo. O cérebro, aparelho que emite essas vibrações, é ao mesmo tempo transmissor e receptor. E' possível que sob a influência de uma excitação intensa, essas vibrações sejam capazes de impressionar a enormes distâncias outras células nervosas. E se os fenômenos de telepatia são sobretudo produzidos por moribundos, sabe-se que, freqüentemente, à aproximação do último instante, o cérebro possui uma superatividade extraordinária. Por outro lado, os que se deixam impressionar, são também geralmente seres sensíveis, nervosos, impressionáveis, em uma palavra. Enfim, a afeição, o ódio, a inquietude, podem contribuir para por em estado de isocronismo cerebral duas pessoas possuídas de tais sentimentos .

Sem cair no domínio do sobrenatural, ou do impossível, dia virá, talvez, mas ainda tão longe, em que o homem verá no telefone e no telégrafo meios primitivos e bárbaros de correspondência à distância; a vontade enviará seu pensamento através do espaço. Será isso, então, verdadeiramente, a subversão do velho mundo.

 

(Carta 26.)

  1. DEVE

Fouvent-le-Haut(Alto Saona)

 

XVIII. - No mês de Setembro do ano passado, tive, durante uma noite, a visão muito distinta de um enterro de criança saindo de certa casa cujos moradores eu conhecia, ignorando apenas em meu sonho qual das crianças morrera. Esse sonho me veio à memória durante o dia todo e pra curei em vão afastá-lo de meu espírito. À noite, uma das crianças dessa casa, da idade de 4 anos, caiu acidentalmente em um fosso e ai se afogou.

 

(Carta 53.)

EMILE BOISMARD

Seiches(Maine-et-Loire)

 

XIX - Meu irmão mais velho, Emílio Zipélius, artista pintor, morreu a 16 de Setembro de 1865, na idade de 25 anos, quando se banhava no Mosela. Residia ele em Paris, mas achava-se naquele momento em visita a parentes seus em Pompey, perto de Nancy. Duas vezes minha mãe sonhará em intervalos assaz distanciados, que seu filho se afogava.

Quando a pessoa incumbida de transmitir a terrível notícia, aos meus pais, se apresentou a casa deles, minha mãe, adivinhando que sucedera uma desgraça, procurou logo se informar a respeito de uma de suas filhas ausentes, de quem não tivera notícias desde alguns dias quando lhe responderam que não se tratava dela, exclamou

- Não continueis; sei o que aconteceu: meu filho afogou-se .

Havíamos recebido uma carta dele durante o dia, de sorte que nada fazia prever essa catástrofe.

Meu próprio irmão tinha dito à sua empregada pouco tempo antes:

- Se uma noite qualquer eu não regressar a casa, ide a Morgue no dia seguinte, porque tenho o pressentimento que morrerei na água. Sonhei que estava no fundo d'água, morto e com os olhos abertos.

Foi, com efeito, assim que o encontraram: morrera, n'água, da ruptura de um aneurisma. Minha mãe e meu irmão estavam tão persuadidos de que isso aconteceria, que no dia de sua morte recusara-se ele a banhar-se no Mosela. Mas, à noite, deixou-se seduzir pela frescura da água e foi arrebatado, desse modo, à nossa afeição.

 

(Carta 127 .)

J.VOGELSANG-ZIPELIUS(MULHOUSE)

 

  1. - Há vários anos levei eu a sonhar, pelo menos uma vez por semana, durante seis meses, que me via obrigada a deixar sozinho os meus filhos, para ir trabalhar em um escritório; andava a correr, temerosa de estar atrasada; e a fadiga, a inquietação, fazendo-me despertar, constatava com prazer que nada justificava esse estúpido sonho, e que, ao lado de meu marido, desfrutava uma posição modesta. mas suficiente.

Ai de mim! no correr do ano este sonho realizava-se.

 

(Carta 151.)

CLAIRE

 

XXI. - A 25 de Novembro de 1860, achando-nos no mar, pelas 4 horas da tarde, em um barco, voltávamos a terra e não estávamos a mais de 20 metros da praia, quando um de meus amigos me confessou que havia sonhado, nas noites precedentes, que ele morreria afogado nesse dia.

Tranqüilize-o dizendo-lhe que dentro de dez minutos estaríamos em terra.

Instantes depois o nosso barco soçobrou e dois dos meus amigos, um dos quais a quem me referi, afogaram-se, mal grado os cuidados que lhes prodigalizamos. O irmão desse meu amigo, ainda é advogado no Havre, onde se verificou a citada catástrofe. (Pode-se a respeito consultar os jornais do Havre de 26 de Novembro de 1860.)

 

(Carta 194.)

E.B.

Rua de Phalsbourg 78, Havre

 

XXII. - No mês de Agosto último, numa ocasião em que eu estava ocupado com estudos sobre a greda, supus encontrar, em sonho, um calhau na greda de Brocles, perto de Bernot. Resolvera eu consagrar o dia seguinte a uma visita a essa greda; fiquei muito surpreso de encontrar, nessa minha exploração, um seixo e muito exatamente nas condições de meu sonho; os seixos de greda são raros (99).

  1. b) - Há alguns anos, igualmente em sonho, deparou-se-me um achado de objetos galo-romanos, em determinado lugar da aldeia de Sissy. Esse lugar acabava de ser escolhido para a instalação de um novo cemitério. Em uma das primeiras covas abertas, os coveiros encontraram um vaso de barro que me foi enviado: era um vaso galo-romano e verificou-se que o novo cemitério achava-se situado sobre antigos túmulos galo-romano.

 

(Carta 222.)

ALPHONSE RABELAIS

Farmacêutico em Ribemont (Aisne)

 

XXIV. - Já fui, por duas vezes, avisado, em sonhos, da morte de pessoas que eu conhecia apenas de vista e de cujo falecimento, ocorrido na véspera ou na noite do sonho, tive conhecimento no dia seguinte em circunstancia e com Palavras quase idênticas às do sonho. Em ambos os casos eu ignorava em absoluto que essas pessoas estivessem doentes, pessoas que, alias, eram-me indiferentes.

 

(Carta 248.)

M.LORILLIAR

Przemyal (Polônia)

 

XXV – Tinha eu 18 anos, quando morreu meu pobre pai, em conseqüência de um ataque . Quinze dias antes da sua morte eu o tinha visto em sonho, em seu quarto, estendido em seu leito de morte, corretamente vestido, rodeado de cinco pessoas todas íntimas da família, que o velavam. Foram essas mesmas cinco pessoas que velaram o corpo durante a noite que se seguiu ao falecimento.

Essa constatação, muito extraordinária, deixou-me durante longo tempo debaixo de profunda emoção.

 

(Carta 251.)

P.B. MARSELHA

 

XXVI. - Três dias (exatamente o tempo necessário para uma carta vir de Petersburgo aqui) antes de saber da morte da irmã do pintor Vereschagnine, vi em sonho seu marido, ao qual perguntei, admirado de vê-lo só:

- Onde está Maria Vasilievna?

Respondeu-me ele distintamente

- She rest - o que quer dizer: “ela repousa”.

 

(Carta 253.)

J.MOTHE

Seale Horn Ainbleside, Wertmorland

 

XXVII. - Quando minha mulher, ainda solteira, tratava de sua mãe, pouco repousava tanto de noite como de dia. Certa noite, a última, durante um breve sono bem pouco reparador, ela viu sua mãe em sonho. Esta última lhe disse:

- Perder-me-ás às onze horas.

E a predição cumpriu-se exatamente; o doloroso acontecimento verificou-se à hora predita.

Minha mulher não falou a respeito desse sonho senão após os primeiros dias de luto, não havendo portanto outra prova além de sua palavra, na qual acredito cegamente. Se julgardes útil publicar este caso, prefiro, dada a minha qualidade, que meu nome fique oculto.

 

(Carta 261.)

1° Tenente de Marinha, em Rocheford

 

XXVIII. - Em 1858 (já não sou criança), estava eu em Terrasson (Dordogne), empregado na construção da estrada de ferro de Perigueux a Brive. Um outro empregado no mesmo trabalho, natural dos Altos Alpes, disse-me, certa manhã, muito preocupado, que na noite precedente vira um fantasma no qual acreditava reconhecer seu pai. Dois dias depois recebia ele um sobrescrito tarjado de luto: era uma carta participando-lhe o falecimento de seu pai, ocorrido na própria noite da aparição.

  1. b) - Em 1885, estava eu em Perigueux com a minha família. Minha mulher viu em sonho, na noite de 15 para 16 de Janeiro, um leito cercado de cortinado e, perto, uma mesa sobre a qual se achavam um círio aceso e um crucifixo; ela me contou esse sonho que a alarmava. Ora, recebemos uma carta de Rodez, onde se encontrava meu sogro, comunicando-nos que ele fora acometido de pleurisia, em conseqüência da qual sucumbira pouco depois.

 

(Carta 268.)

LUMIQUE

Rua Traversiere-des-Poitiers,

n° 7, Toulouse

 

XXX - Achando-me acordada, tenho freqüentemente sentido perto de mim a presença. de um ente desaparecido e vivamente relembrado com saudade . Além disso, dois dias antes da morte dessa mesma pessoa, sonhei que me chegava uma carta impressa participando o seu falecimento, e foi por essa forma que a triste noticia veio ao meu conhecimento.

 

(Carta 270.)

VIUVA POULLAIN BOUHOU(Seignelay)

 

XXXI – Tenho feito a triste experiência de que todas as vezes que vejo em sonho uma das minhas amigas, falecida há cinco anos, perco um membro de minha família.

O que sobretudo me impressionou, porém, há cerca de mês e meio, foi que essa mesma pessoa veio, em sonho, passear comigo, do lado de Lagoubran. Chegados ao bulevarde de Strasburgo, à entrada de Toulon, ela deixou-me e voltou para Lagoubran, em companhia de operários que eu não conhecia. Todos tinham o ar de pessoas infelizes.

Durante vários dias, eu perguntei a mim mesmo com pavor, a quem ainda ia perder, quando ocorreu a catástrofe de Lagoubran, que todo mundo conhece. Ela viera, pois, anunciar-me a desgraça que devia ferir a cidade inteira.

Uma de minhas amigas sonhou, na noite de 3 para 4 de Março, com as cenas que se produziram na noite de 4 para 5, e no domingo, quando ela viu desfilar pela frente de sua casa os carros de artilharia transportando os mortos e os feridos, acompanhados de soldados e de padres, parecia-lhe ver uma segunda edição de seu sonho.

 

(Carta 345 .)

M.J.D. (TOULON)

 

XXII. - Acontece-me freqüentemente achar-me em uma situação qualquer, tão banal quanto possível, de que eu tivera a exata sensação em indeterminado tempo antes.

 

(Carta 351.)

H.CHARPENTIER

Francfort-sur-Mein

 

XXXIII - Era em 1889, num certo dia do mês de Abril. Uma jovem chamada Jeanne Dubo, empregada no serviço de minha casa como criada, sucumbia repentinamente, em minha presença, sem que eu pudesse prestar-lhe o menor socorro. Tratava-se de um caso de morte súbita, causada pela ruptura de um aneurisma.

Os pais dessa moça, pobres rendeiros que moravam e moram ainda no Departamento de Landes, tendo recebido a dolorosa noticia, chegavam em prantos a casa, no dia seguinte ao dessa triste ocorrência.

Essa primeira entrevista foi tão penosa para mim como para eles, pois me sentia profundamente abalado com a morte dessa moça a quem tanto me afeiçoara pela franqueza e pela doçura de seu caráter, como também por causa do zelo que demonstrava nos cuidados da minha casa.

Chegada à noite, estando eu a velar a morta, em companhia de seu pai e de sua mãe, dirigi-me ao velho Dubo, fazendo-lhe, em patoá, a seguinte pergunta:

- Diga-me, Dubo, não teve algum pressentimento a propósito da morte de Joana?

- Como é isso? - respondeu-me ele -, não compreendo.

- Sim - continuei - um sinal qualquer... que sei eu. . . qualquer coisa que lhe tenha podido advertir de que o ameaçava uma desgraça?

- Não, respondeu-me ele sacudindo a cabeça; nada!

- Um sonho? . . . por exemplo - insisti .

- Um sonho!... Ah! esperai - disse ele, como uma pessoa que procura recordar-se. - Sim, um sonho!, murmurou, depois voltando à cabeça para o lado de sua mulher, que se achava deitada, vestida, num colchão: Ouves, Marcelina? Teu sonho, hein!

Soluços abafados responderam a essa interrogação. Contou-me, então, que uma noite -, fora isso há uma dezena de dias - sua mulher sonhara que a filha estava morta; que, durante o sonho, ela gemera e chorara lágrimas ardentes e que, mal grado os esforços que fizera para consolá-la, sua mulher conservou até o amanhecer a idéia de que sua filha estava morta. Seguiu-se uma forte enxaqueca, que durou vários dias.

Este sonho, que de alguma sorte eu adivinhara, e que a esposa de Dubo tomara por uma realidade, devia assim tornar-se, com efeito, dez ou doze dias mais tarde.

 

(Carta 371.)

JUSTIN MANO

Tesoureiro-Cobrador em Belin(Gironde)

 

XXXIV - Em 1865, achava-me na Inglaterra, como professora em um internato; contava 18 anos. O clima não me convinha, sentia-me doente e os meus pensamentos volviam-se constantemente para a França.

Fora à Inglaterra com o intuito de ai permanecer por dois anos, o tempo necessário par aprender o inglês; ai estava desde o mês de Janeiro, quando, exatamente no fim de Julho, sonhei que me era preciso estudar rapidamente, Porque não devia permanecer muito mais tempo nesse país, mas sem conhecer o motivo que me obrigaria, a partir.

Tal sonho me preocupou e afastei-o de meu pensamento, dizendo que todo o sonho é enganoso.

A 13 de Agosto seguinte, morreu minha mãe e eu precisei, com efeito, voltar à França.

 

(Carta 406.)

LEONINE SERRES, nascida em Fabre Deaux, cantão de Vezenabre(Gard)

 

XXXV. - Em sonhos, vi e percorri detalhadamente um país que me era desconhecido. Mais tarde pude controlar essa... visão e verificar que era exata e precisa. Se o desejardes, entrarei em detalhes.

 

(Carta 486.)

ARDOU GRAU

Ain Beida(Constatantine)

 

XXXVI. - Há justamente dois anos, ocupando eu um lugar na América, estávamos em vilegiatura no Maryland, quando uma noite vi em sonho uma grande porta monumental que fechava a entrada de vasta floresta e, a dois passos dessa porta, a casinhola de um guarda de mata. Contei meu sonho na manhã seguinte à Srta. S., de quem eu era professora, dizendo-lhe que, sem dúvida, voltaria breve a Europa.

Mas, qual não foi a minha surpresa, quando, o ano passado estando, na verdade, de retorno e tendo sido nomeada para Cracóvia, partimos para o campo, no mês de Junho .

Alguns dias depois de nossa chegada, uma jovem aluna minha, de catorze anos, disse-me:

- Vinde, senhora, quero mostrar-vos a bela floresta de T . , pertencente ao Conde P .

Para lá nos dirigimos e a entrada da floresta, reconheci aquela porta que tanto me impressionou por ocasião do sonho, exatamente um ano antes.

- Maria - me disse a minha aluna - vi esta porta há um ano, muito longe daqui, em sonho - no que achou ela muita graça .

Rogo-vos não publicardes o meu nome.

 

(Carta 496).

L.R.(Moravia, Áustria)

 

XXXVII. - Suponho que seja útil assinalar-vos dois fatos bem característicos, relativos ao pressentimento que tiveram em sonho duas pessoas do meu inteiro conhecimento.

  1. a) -A primeira pessoa sonha que seu pai faleceu. Um mês depois, seu pai morre nas mesmas circunstancias que acompanharam o sonho.
  2. b) - A segunda sonha (uma senhora) que seu filhinho acaba de morrer, na véspera do dia em que realmente ele falece e sempre nas mesmas circunstâncias do sonho.

 

(Carta 499 .)

G.VIAN

Antigo secretario da Sociedade Cientifica (Flammarion) de Marselha

 

XXXIX. - Tive, em Fevereiro ou Março de um dos últimos anos, a visão, em sonho, de uma amiga intima, trajando luto fechado de um de seus parentes. Assisti nessa noite a todas as peripécias que se podem experimentar em uma viagem de retorno, em meio da noite, vendo-a no meu sonho, com seu filho, vagueando, em meio a uma gare, no escuro da noite, à procura de veículos ou meios de transporte, para chegar a casa antes da cerimônia fúnebre.

Cinco meses depois, constatei a completa realização de meu sonho. Essa pessoa, a quem dedico a mais elevada afeição, experimentou, nas circunstanciais relatadas, todos os desassossegos, tormentos e agonias de que eu a vi assoberbada com seu filho. O membro de sua família, que ela perdera, estava, aliás, muito doente, mas estava-se longe, contudo, de imaginar um desenlace tão próximo.

A realização, conquanto não tenha sido muito rápida, produziu-se, entretanto, no espaço de poucos meses.

De onde vem, pois, esta presciência do futuro, manifestada nos sonhos?

 

(Carta 509).

  1. P. H. D. M. (Romana).

 

- Dirigia-me ao colégio, de que era aluno externo, vendo-me, em sonho, a atravessar a Praça da República, em Paris, com um guardanapo no braço, quando, exatamente defronte dos Armazena do Pauvre-Jacques, passou um cão Perseguido Por um bando de garotos que o maltratavam. Contei exatamente o número: oito. Os empregados começavam a desempenhar suas funções, uma vendedora das quatro meações Passava com seu carro cheio de frutas e de flores.

No dia seguinte, Pela manhã, dirigindo-me ao colégio, vi em idênticas circunstâncias, na mesma praça, a cena que tinha visto em sonho. Nada aí faltava: o cão corria pela sarjeta, os oito garotos o perseguiam, a vendedora das quatro estações subia com o seu carro, em direção ao Bulevarde Voltaire, e os empregados do Pauvre-Jacques dispunham os seus Tecidos à porta da loja.

 

(Carta 527).

  1. HANNAIS

Av. Lagache, 10 Villemomble(Seine)

 

- Pelos anos de 1827 ou 1828 achava-se meu Pai em Nanci. Existia na. época uma dessas loterias, depois interditas, nas quais era preciso determinar, ao tomá-los, os números em que se desejava jogar. Meu pai estava fortemente inclinado a tentar a sorte, mas ainda hesitava, quando uma noite viu, durante o sono, destacarem-se dois números em caracteres fosforescentes sobre uma das paredes do seu quarto. Vivamente impressionado, resolveu ir, logo que se abrissem os guichês, pedir os números sonhados. Escrúpulos de delicadeza retiveram-no ã porta. Não pôde deixar, entretanto, após a extração da loteria, de ir informar-se dos resultados da mesma. Os números com que ele havia sonhado tinham saído na ordem em que lhe apareceram, dando um premio de 75.000 francos.

 

(Carta 549.)

SRTA MEYER

Niort (Deux Sevres)

 

XIII. - Fomos a Paris, minha mulher e eu, em Maio de 1897, passar alguns dias, e detivemo-nos em Angers, na casa de uns parentes. Pela manhã do dia fixado para a nossa partida para Paris, eu estava nesse estado de delicioso adormecimento, no qual nos comprazemos, quando temos a vaga idéia de que a vida renasce em torno de nós e muito confortavelmente repousamos deitados em boa cama. Não me achava acordada; cochilava. De repente ouvi uma voz fresca e de bom timbre cantando uma romança deliciosa que me encantou; essa Ária me pareceu tão bonita que lamentei haver-me acordado. Eu estava em êxtasis.

Em minha imaginação atribui esse canto a um, jovem aprendiz que se tivesse detido sobre o cais, exatamente sob as minhas janelas, para cantar.

Chegados a Paris nesse mesmo dia, fomos passear a noite em um café-concerto dos Campos Elíseos. Imagine o meu espanto quando, a meio do espetáculo, ouvi um artista cantar a mesma ária que ouvira em sonho pela manhã. Afirmo que eram absolutamente as mesmas notas.

Essa ária era-me completamente desconhecida na véspera e depois não mais a ouvi .

 

(Carta 554 .)

EMILE SOUX

Rua Victor Hugo, 6, Carcassone

 

XLIII. - Eu tinha, em 1871, um irmão de vinte anos, médico militar no hospital de Montpelier. Meu desgraçado irmão veio a cair doente. Chamaram meu pai por telegrama, pois meu irmão estava com a febre tifóide. Esgotado pelas emoções e pelas fadigas da guerra, ficou bem depressa em estado grave, mal grado os cuidados de que foi rodeado.

A 19 de Dezembro disse ele a meu pai, que não saía de sua cabeceira:

- Vejo três ataúdes no quarto.

Disse-lhe papai:

- Enganas-te, meu bom amigo, estás vendo berços.

Devo esclarecer-vos que eu tinha uma irmã primogênita, casada há três anos, que tinha um gentil garotinho de treze meses, muito bem disposto, e um outro de oito dias.

No dia seguinte meu irmão piora e expira nos braços de meu pai. Este regressa a Douai após o enterramento e encontra o meu pequeno sobrinho morrendo de crupe; o segundo, soberbo de saúde, sucumbiu a seu turno.

Eis aí, portanto, os três túmulos vistos por meu pobre irmão. Aí se acham descritos, textualmente, os fatos como se passaram.

 

(Carta 558.)

BERTHE DUBRULLE

Rua de I abbaye-des-Pres, Douai

 

XLIV.- a) Em 1889 era eu inspetor das estradas distritais no Departamento de Lozère . Achando-me em viagem de inspeção em Saint Urcize ( Cantal ) , tive, pela meia-noite, a impressão de uma voz que me disse: Teu pai morreu. Regressei ã casa, dois dias depois, muito preocupado; não havia nenhuma notícia desagradável a respeito de meu pai, residente em uma comuna afastada; mas, dois dias depois (creio) de minha chegada, recebi um telegrama chamando-me para junto dele, gravemente enfermo de uma congestão pulmonar. Parti imediatamente, mas só cheguei dez a doze horas após o falecimento.

Se houvesse partido logo em seguida ao aviso recebido em sonho, teria podido passar cerca de trinta e seis horas com meu pai antes da sua morte. Não tenho necessidade de dizer-vos quanto lamentei não tê-lo feito.

b - Contava eu vinte e um anos; ia ser sorteado. Na véspera sonhei com o numero 45, que me foi dado no dia seguinte . Isso parece indicar-me que as operações que se julgam subordinadas meramente ao acaso, estão submetidas a outras leis. Por outro lado, entre o momento do sonho e o momento em que tirei o número da urna, passaram-se muitas operações com o objetivo de entregar ao acaso a aplicação dos números. Como se compreende que não tenham elas modificado o que parecia resolvido na véspera?

 

(Carta 573.)

GUIBAL

Inspetor distrital em Belizane, Argélia.

 

XLVI. - Em 1893, tinha eu minha filha em Paris, na Escola de Odontologia. Conquanto estivesse com 20 anos, não a manifestava disposição alguma para o casamento.

Tive, a 2 de janeiro, um sonho, realmente estranho. Via chegar minha filha, que estava em férias, às 5 horas da manhã (ela jamais viera por esse trem) ; vi-a entrar em meu quarto, coberta com um grande manto listrado que eu não conhecia. Aproximou-se da minha cama, abraçou-me e me disse:

- Mamãe quero casar-me; amo, sou amada e, se o não desposar, morrerei por essa causa.

Fiz-lhe todas as minhas advertências, dizendo-lhe que seria mais prudente esperar pelo fim dos estudos, para não interromper o seu curso. Nada consegui; ela insistiu de tal modo que, em meu sonho, aquiesci ao seu desejo.

No dia seguinte, ao despertar, voltou-me o sonho à memória. Contei-o logo à, minha empregada e a uma operária que eu tinha em casa, e acrescentei:

- Tanto vale sonhar como enganar. Mas, não importa; não escreverei sobre este sonho à minha filha, com receio de lhe despertar a idéia do casamento.

No fim de Julho do mesmo ano, recebi uma carta de minha filha, informando-me de que ela havia passado, com êxito, nos exames do 24 ano e que voltaria a casa nessa mesma noite, pelo trem que tomava habitualmente e que chegava a Saint Amand a meia noite e quarenta e nove minutos. Esperamos mais em vão.

Às 5 horas da manhã, somos despertados por um forte soar de campainha. A criada vai atender e minha filha entra em meu quarto, coberta com um guarda-pó listrado que comprara alguns dias antes. Abraça-me e me repete, palavra por palavra, as expressões que me viera dizer, a 2 de Janeiro, em sonho. Eu não estava completamente acordada e lhe dei esta resposta:

- Mas tu já me disseste!

- Como poderia ter-te falado nisso? Há apenas oito dias que tomei esta decisão!

Imediatamente me lembrei do sonho; a minha empregada relatou-o, Mas minha filha não se mostrou surpresa, dizendo-me que eu já tinha visto em sonho o que deveria suceder muito tempo depois. Efetivamente, eu vira Saint Amand, que não conhecia, assim como os apartamentos que atualmente ocupo, dois anos antes de vir habitá-los.

 

(Carta 584.)

SRA. BOVOLIN

Saint Amand(Cher)

 

XLVII. - Há alguns anos tínhamos uma amiguinha, a quem sua mãe acabava de levar ao internato, em Ecouen. Sonhei nessa época que via a menina passar na rua. Admirava-me de sua presença, sabendo que havia partido e (sempre em sonho) sua mãe veio dizer-nos: Não pude conformar-me em deixar minha filha no internato, fui buscá-la.

Um ou dois dias depois deste sonho, recebemos a visita dessa senhora. Disse-lhe eu:

- Margarida vai bem no internato?

Respondeu-nos ela:

- Não sabeis o que acabo de fazer: é que não me pude conformar em deixá-la no internato e a vivi buscar.

  1. b) - Em Toul, onde residíamos, havia um mendigo que me impressionava estranhamente; inspirava-me uma grande aversão, porquanto era repugnante física e moralmente. Uma noite sonhei que batiam à porta, à noite, e na obscuridade pareceu-me reconhecer a silhueta desse mendigo, que me disse: Senhorita, estou sem abrigo; podeis dar-me uma pousada para esta noite?

No dia seguinte, à noite, não mais em sonho, mas em realidade, achava-me na saia de jantar com minha irmã e uma priminha, quando ouvi barulho do lado da porta da cozinha.. Fui ver. O mendigo lá estava e disse-me:

- Não tenho abrigo, podes dar-me uma pousada por esta noite?

XLIX. - a) Com a idade de li anos sonhei que me achava perto de um bosque, ao cair da noite, tendo diante de mim uma parede. Estava a sos e tinha vontade de chorar. Alguns meses mais tarde achei-me nesse mesmo local e em idênticas circunstancia.

  1. b) - Em 1882, vindo de ser promovido a sub-oficial no 119 (Haure), sonhei que era professor; achei graça no sonho, pois não tinha elementos para conseguir isso. Dois anos depois, achava-me em Stains, como professor e com as crianças que tinha visto .
  2. c) - Em 1893, batia eu à porta do quarto de meu pai (residente em Faux-la-Montagne, Cantão de Gentioux, Creuse), recém-chegado da Martinica, após nove anos de ausência. Pergunta-me ele, sem reconhecer-me, quem sou e o que quero.

- Sou um viajante e trago-vos notícias de vosso filho que está na Normandia.

- E o da Martinica?

- Não tenho notícias dele. Porque me perguntais isso?

- E porque esta noite sonhei estar vendo-o, aí, perto da porta, como o estás agora.

E caiu em pranto. E' preciso notar que ele falara deste sonho ao despertar e antes de ter-me visto. A minha volta não tinha sido anunciada de modo algum .

 

(Carta 608.)

SRATA. HUBERT (Nanci)

 

LII. - Alguns dias após meu casamento, disse-me a esposa:E extraordinário, mas eis que há cerca de seis meses sonhei que me casava contigo. Cheguei mesmo a fazer à narrativa do sonho a minha mãe, no dia seguinte pela manhã e nos rimos do caso, tendo minha mãe declarado: Oh! é provável que esse moço não pense em ti.

Ora, notai que não nos tínhamos, até essa data, jamais falado; que não nos conhecíamos, embora residindo na mesma localidade, que nos tínhamos visto somente de longe, por acaso, e que não freqüentávamos nenhum amigo comum.

E portanto, assaz extraordinário que essa moça tenha sonhado a respeito de uma próxima união comigo. Entretanto, esse sonho teve a sua realização (100).

 

(Carta, 619 .)

T.

Villeneuve sur Yonne

 

 

LIII. - Pedistes que fossem trazidos ao vosso conhecimento os fatos inexplicados, a respeito dos quais não se tenha dúvida, concernentes aos sonhos, e outras observações da mesma ordem. O que vou dizer-vos talvez não tenha para vós importância alguma, nem vos interesse; mas, se todo mundo pensasse assim, nada dissesse, vosso apelo seria inútil e a Ciência não avançaria. Venho pois vos escrever o que sei, unicamente rogando-vos que não publiqueis o meu nome, se por acaso fizerdes uso de minha carta : resido em pequena cidade e prefiro o silêncio.

  1. a) - No mês de Janeiro de 1888, achava-me grávida desde uma data absolutamente desconhecida, por motivos especiais. Achando-me muito incomodada, mandou meu esposo chamar a parteira, que me disse:

- Creio que será para breve.

Trata-se de uma senhora muito instruída. No dia seguinte eu ia bem. A l de Fevereiro repetiu-se o incidente, e minha irmã, um ano mais moça do que eu e solteira, disse-me pela manhã (ela ignorava que eu ainda estivesse sofrendo e residia em outro bairro)

- Esta noite, não me parece que tenha sido sonho, conquanto eu não estivesse desperta, disse-me alguém: Vossa irmã não se deve inquietar com essas indisposições, a criança nascerá a 22 de Junho.

E acrescentou:

- Repliquei àquela voz: Mas, uma vez que estais tão bem informados, dizei-me, será um rapaz ou uma menina?

Responderam : Não o sei, mas não ficareis muito contentes.

Tínhamos dois filhos e desejávamos ardentemente uma filha. Naturalmente todos nós achamos graça no que minha irmã nos disse, e, como as minhas indisposições continuassem, fazia os meus preparativos.

Mas, como fossem passando os meses de Fevereiro, Março, Abril, deixamos pouco a pouco de rir de minha irmã, que suportava as nessas zombarias sem abalar-se em sua convicção; acabamos mesmo concluindo que ainda dessa vez seria um rapaz, pois que irão devíamos ficar contentes. e acreditamos tanto em sua predição que a 21 de Junho armei o berço e preparei tudo para o dia seguinte.

A 22 de Junho, pelas 10 horas da manhã, veio ao mundo à criança. Era uma menina, que foi aclamada, mas tive logo em seguida uma hemorragia que me levou à beira do túmulo. Dois dias depois, meu primogênito foi acometido de bronquite; minha irmã, pela primeira vez em sua vida, ficou doente; em seguida meu segundo filho teve o crupe e foi operado; saindo minha irmã muito cedo para vê-lo, teve uma angina diftérica muito grave, e enfim, meu pai, três meses depois, sofreu um acidente de que veio a morrer: não nos sentíamos, portanto, de certo muito felizes.

  1. b) - Tinha três semanas a minha filha; eu não podia mais amamentá-la, devido a abscessos do peito; meu marido devia ira Manosque ver uma ama que nos inculcaram e trazê-la no mesmo dia. Era uma sexta-feira, 13 de Julho. Ao despertar, senti-me inquieta por causa de um sonho extravagante que tive . Meus filhos iam bem, estando o primogênito em convalescença e o segundo, admirável criança, como um verdadeiro mimo. Eu disse a meu marido:

- Coisa estranha, esta noite sonhei que estava em uma cidade desconhecida, procurava a pajem de René e me disseram: Como é sábado, ela foi lavar. Eu a buscava inquieta, e, encontrando-a a sós, perguntei-lhe : E René, que fizeste dele? Clotilde respondeu: Senhora, deixei-o atrás dessa parede . Fui correndo procurá-lo, ele estava deitado contra a parede, inteiramente nu, o corpo negro como que de fuligem e um buraco na garganta, de onde saía à traquéia-artéria: não estava, entretanto, morto.

Meu marido riu-se do meu sonho e da inquietude que ele me trazia . Pelas 4 horas da tarde, René, que não saíra, brincando com seu pai, foi acometido de um acesso violento de tosse, que o sufocava; mandei depressa chamar um médico. Imediatamente declarou-se o crupe.

Às 2 horas da manhã de sábado, 14 de Julho, os quatro médicos se preparavam para fazer a operação de traqueotomia: ainda não havia sido descoberto o sérum. A criança, inteiramente nua, foi deitada em uma mesa, teve o pescoço aberto e uma cânula de prata introduzida na traquéia-artéria; quase terminada a operação, tendo-se desprendido a traquéia do colchete que a mantinha, foi à criança sufocada pelo sangue, seu corpo tornou-se todo negro. Felizmente, uma forte dose de ipeca provocou uma tosse que, fazendo a traquéia elevar-se, permitiu segurá-la.

Durante a operação, inclinando-se meu marido para mim, disse-me

- Valentine, teu sonho de ontem, de que eu fiz tanta caçoada!...

Hoje o menino está crescido e muito bem disposto.

 

(Carta 623.)

SRA.X.(Forcalquier)

 

  1. - O Senhor A., juiz de Direito, contou certa manhã à sua esposa e ã sua filha (a Senhora M de quem ouvia narrativa) o seguinte sonho:

- Tomava eu um carro na vila, quando vejo diante da casa D, dois ataúdes e um cortejo fúnebre que os acompanhava; reconheci quase todos os assistentes: o prefeito, os juízes, as autoridades municipais, os parentes. Perguntei a um transeunte. Quem morreu na família D. ? Então não sabeis? - foi-me respondido - a Senhora D, e seu filho morreram no mesmo dia e realiza-se hoje o enterramento.

Nesse mesmo dia, chegando ã vila, o Senhor A. viu, com efeito, dois ataúdes diante da casa D, e os assistentes exatamente como os reconhecera em sonho. Não ousava quase perguntar quais eram as pessoas falecidas, pois estava antecipadamente certo de ouvir as palavras de seu sonho. Decidiu-se afinal a deter um transeunte e fazer-lhe a pergunta., sendo-lhe respondido:

- Então não o sabeis? A Sra. D. e seu filho morreram no mesmo dia e realiza,-se hoje o enterramento.

O que me pareceu interessante neste sonho, é que as palavras ouvidas nele foram exatamente às mesmas que na realidade : houve, portanto, ao mesmo tempo visão e audição premonitórias .

Podeis estar certo da perfeita autenticidade do fato. A família A. ficou tão impressionada com isso que lhe conservou uma recordação absolutamente precisa.

 

(Carta 632.)

  1. BESSON

Pastor em Orvin-Pres-Bienne, Suiça

 

LVI. - Sonhei que, estando a andar de bicicleta, veio um cão lançar-se de encontro à roda, e eu caí, quebrando e pedal da máquina.

Pela manhã, contei o ocorrido à minha mãe que, sabendo quanto habitualmente os meus sonhos são exatos, me convidou a ficar em casa. Resolvi, efetivamente, não sair, mas pelas 11 horas, no momento de nos sentarmos à. mesa, o correio trouxe uma carta informando-nos de que minha irmã, residente há cerca de 8 quilômetros, se achava doente. Esquecendo de repente meu sonho, para não pensar senão em saber noticias de minha irmã, almocei as pressas e parti de bicicleta. Minha viagem realizou-se sem incidente algum até o lugar em que me vira, na noite precedente, rolando no pó e quebrando a minha máquina. Apenas meu sonho me atravessou o espírito e enorme cão desembocou subitamente de uma propriedade vizinha, procurando morder-me a perna. Sem refletir, eu quis dar-lhe um ponta-pé, mas no mesmo instante perdi o equilíbrio e cai sobre a bicicleta, quebrando-lhe o pedal, realizando assim meu sonho em seus mínimos detalhes. Ora, peço-vos que noteis o seguinte: era bem a centésima vez - pelo menos, que eu fazia esse trajeto, sem que jamais tivesse a deplorar o menor acidente.

 

(Carta 640 .)

AMEDEE BASSET

Notário em Vitrac (Charente)

 

LVII. - O Marechal Vaillant, que não era nem um visionário, nem um espírito apoucado, afirmou a um de meus amigos, que mais de uma vez me contou isso, que, partindo para o assédio de Roma, cujas operações estava incumbido de dirigir, e ignorando completamente os trabalhos executados para fortificar a praça, vira muito distintamente em sonho, antes de chegar à Itália, o lugar preciso por onde deveria começar o ataque. Era, com efeito, como o reconheceu depois, o ponto mais fraco da defesa.

Relato-vos o fato sem comentários; vós o classificareis sem dúvida na categoria das auto-sugestões (101).

 

(Carta 643 .)

B.KIRSCH

Diretor aposentado em Semur(Cote de Or)

 

LVIII. - a) Minha mãe, nascida em 1800, morta em 1886, teve as febres em 1811, quando estava no internato em Aire-sur-la-Lys. Em um acesso de delírio, viu-se em casa de sua mãe, a Senhora Campagne, nascida Maria Luíza de Launoy de Linghem, em Estrée-Blanche (Pas-de-Calais) e pediu em grandes gritos que a levassem, porque a casa estava pegando fogo.

Ora, um ano depois, em 1812, a casa d'Estrée incendiava-se realmente e minha mãe tornava a ver o incêndio exatamente como o tinha visto no delírio da febre, em 1811.

O corpo principal do edifício e uma das alas foram reduzidos a cinzas; a outra ala foi preservada, tendo sido aí que a minha avó se alojou provisoriamente, mau grado sua numerosa família. Minha mãe nunca mentiu, que eu saiba; ela me contou isso um número incalculável de vezes, e não somente ela, mas também os meus tios e minhas tias. O edifício preservado do fogo ainda existe.

  1. b) - Pelo mês de Julho de 1887, suponho (poder-se-ia saber a data exata na mairie de Saint-Omer) - residia eu então em Tatinghen, aldeia situada a 4 quilômetros daquela cidade, uma pessoa, a Srta. Estepe Poulain, que mora em minha casa desde 1873, viu em sonho sua tia, a Senhora Leprêtre, nascida Honorina Hochart, que lhe falava. A Srta. Poulain não podia distinguir seus traços, mas sabia que era bem sua tia. Despertou em sobressalto, e, quase ao mesmo tempo, 3 horas (da manhã) soaram no relógio do seu quarto.

Entre meio-dia e 1 hora, o tio da Srta. Poulain, Senhor Noel Leprêtre, chegou a minha casa, para comunicar-lhe que sua esposa e tia daquela senhorita, Honorina Hochart, morrera pela manhã, um pouco antes das 3 horas, tendo dito à irmã de São Vicente de Paulo, que a tratava:

- Que desgraça! não mais verei minha sobrinha Estela!

Ora, a Srta. Estela Poulain, afirmo-o sob palavra de honra, contara-me o seu sonho muito tempo antes da chegada de seu tio...

 

(Carta 667.)

LEON LECONTE

Redator-chefe do estudante, Paris

 

LX . - Fui, em 1882, bruscamente separado de uma pessoa que me era muito querida e, certa vez, no lapso dessas semanas em que estive mergulhada no mais profundo acabrunhamento, ouvi uma voz desconhecida dizer-me: Dentro de um ano, contado dia á dia, essa pessoa voltará a ti. Foi isso no mês de Maio, e, no ano seguinte, pela mesma época, encontro na rua à referida pessoa que, à minha vista, experimenta uma emoção tão viva como a que eu própria experimentava. Entramos em explicações, queixas, remorsos, por fim reconciliação e desde essa hora não tive amigo mais devotado e cujo arrependimento fosse mais sincero. Tenho tido, durante o sono, visões à distância, de cidades onde em seguida tenho ido, (muito surpresa de ver monumentos e ruas já vistos quando dormia), como Bruxelas, por exemplo, que visitei um ano antes de aí ter estado.

 

(Carta 725 .)

H.PONCE

Rua Paradis, 457, Marselha

 

LXI - a) Minha pobre mãe morreu na noite de 17 de Setembro de 1860, as 3 horas da madrugada, tendo conservado integra a memória e tendo nítida consciência do que se passava ao seu derredor. Um pouco antes de morrer, procurou-me com o olhar, parecendo que seu sofrimento era dilacerante; grossas lágrimas corriam-lhe pelo rosto. (Isso me foi contado mais tarde.)

Ora, nessa mesma noite, 17 de Setembro de 1860, às 3 horas da manhã acordei-me em sobressalto, crendo ouvir minha mãe chamar-me, e isso repetidas vezes; levantei-me da cama, gritando: Mamãe, mamãe! o que despertou meu companheiro de cama, depois, como uma massa, cai por terra. Foi necessário fazerem-me voltar de uma síncope que não durou menos de vinte minutos.

  1. b) - Estava-se em 1869, no momento do plebiscito. Tive, certa noite, um sonho, para melhor dizer : um pesadelo horrível. Nesse pesadelo, eu me via soldado. Estávamos em guerra; eu experimentava todas as agruras da vida militar: a marcha, a fome, a sede; ouvia as vozes de comando, a fuzilaria, o estampido do canhão; via os mortos e os feridos caírem aos meus lados, ouvindo-lhes os gritos.

De repente, encontrei-me numa região, numa aldeia onde tivemos de suster um ataque terrível do inimigo. Eram prussianos, bávaros, cavaleiros (dragões badenses) - notai bem que jamais tinha eu visto desses uniformes e que não se tratava absolutamente de guerra. Em dado instante vi um dos nossos oficiais subir ao campanário da aldeia, munido de um binóculo, para observar os movimentos do inimigo, depois descer, formar-nos em coluna de ataque, ordenar o toque de avançar e lançar-nos para frente, a marche-marche, numa carga de baioneta, contra uma bateria prussiana.

Nesse instante do meu sonho, achando-nos engalfinhados corpo a corpo com os artilheiros daquela bateria, vi um deles desferir-me um golpe de sabre na cabeça, tão formidável que a separou em duas partes. Foi então que despertei, caindo da cama: experimentava uma forte dor de cabeça. Ao cair da cama bati com a cabeça em uma pequena estufa que me servia de mesa.

A 6 de Outubro de 1870, este sonho realizou-se: aldeia, escola, mairie, igreja; o nosso comandante subindo ao campanário para observar as posições do inimigo, depois descendo e, ao toque de avançar, arrojando-nos, a baioneta calada, contra as peças prussianas. Em meu sonho, nesse mesmo instante, eu tivera a cabeça rachada por um golpe de sabre! Aqui, realmente, eu o esperava; mas não recebi mais do que um golpe de lanada (talvez destinado à cabeça) que, repelido a tempo, veio ferir-me a coxa direita.

 

(Carta 748.)

 

  1. REGNIER

Antigo sargento-mor da Companhia dos Francos Atiradores de Neully sur Seine. Rua Jeanne Hachette, 23, Havre.

 

LXIII. - Em 1867, estava eu em Bordéus, à frente de uma farmácia que abrira havia alguns meses. Uma noite vi em sonhos os algarismos 76 fr. 30 inscritos no livro da receita, no lugar onde se devia inscrever a receita do dia seguinte. Pela manhã desse dia eu estava vendo tão bem gravada essa cifra em meu espírito que não pude deixar de falar a respeito ao meu ajudante. Sendo a receita ordinária em média de 45 francos, pensamos que os algarismos 76 fr. 30 deviam representar a soma de dois dias. O trabalho durante o dia foi igual ao dos dias precedentes, mas à noite a farmácia regurgitava de gente. Enfim, às 10 horas e meia, depois de despachado o último cliente (centésimo, pelo menos) , contei a féria e achei exatamente 76 fr. 30.

O Senhor Jaubert, de Carcassonne, a quem contei o fato, fez notar que teria sido necessário o concurso de Espíritos muito numerosos para conseguirem: atrair clientes, impedir que Outros chegassem, devendo seguramente figurar um caixa entre os operadores (102) . Lembro-me de uma circunstância. Uma jovem senhora, que eu sabia muito segura, comprava, artigos e mais artigos, como que parecendo obedecer a uma inspiração. Enfim terminou! Esta compradora era a última, provavelmente era necessário o seu dinheiro ao caixa espiritual.

 

(Carta 782. )

 

  1. COMERA (Toulouse) .

 

LXIV . - Perdi meu pai em 1865 e tornei-me chefe de família, com dois irmãos de menor idade.

O mais moço, Aristides, nascido em 1853, fazia parte da classe de 1873, sendo sorteado em 1874. Ele não tinha querido apresentar-se como voluntário e aguardava a sorte para fazer, quer seis meses, quer cinco anos de serviço militar ativo.

Essa alternativa preocupava muito minha pobre mãe, que a respeito conversava comigo todas as vezes que me encontrava junto dela, em Nieuil-sur-1'Antise (Vendeia) aos domingos, tendo então o meu tabelionato em Niort.

Com a preocupação de amparar meu irmão - como um pai - por ocasião de seu sorteio militar, na terça-feira, 10 de Fevereiro de 1874, parti de Niort, segunda-feira, para Nieuil. Depois do jantar, durante o qual a conversação girou em torno dos sucessos do sorteio, fui-me deitar, cerca de dez horas. A preocupação sem dúvida me levou a sonhar e vi distintamente meu irmão Aristides introduzindo a mão na urna, retirando um número e mostrando-me os algarismos consideravelmente elevados de 67.

Desperto em sobressalto, acendo a vela e, vendo a hora, constato que são 3 horas da manhã.

Levantando-me às 8 horas, dei parte do meu sonho ã minha mãe, ao meu irmão, ao guarda-matas e aos conscritos da comuna, que muito se riram dele.

Mas exatamente às 3 horas da tarde, do mesmo dia, na sede do cantão de Saint-Hilaire-des-Loges (Vendéia) , meu irmão tirava da urna o famoso número 67 e mostrava-me com o mesmo gesto que fizera no sonho de doze horas antes; e, coisa igualmente extraordinária, o número 66 foi o último do contingente que devia fazer cinco anos de serviço ativo, ao passo que meu irmão tirou um número que o obrigava a seis meses de serviço na Artilharia, em Brest.

 

(Carta 788 .)

 

ALFREDO CAIL

Avenida de Wagram, 154, Paris.

 

LXV. - Uma de minhas tias-avós, hoje falecida, teve, durante sua vida, freqüentes pressentimentos que se realizaram. No mês de Fevereiro de 1871, teve ela um sonho anunciando-lhe a morte próxima de duas de suas irmãs, que estavam, na ocasião, de perfeita saúde. Esse sonho foi transcrito em um livro de memórias em que tinha ela o costume de anotar todos os acontecimentos de sua vida, e realizou-se ele, infelizmente, de uma forma terrível.

Um mês depois, como se pode verificar pelos jornais da época, irrompia a febre amarela em Buenos Aires e as duas irmãs foram vítimas da epidemia.

  1. b) - Uma outra vez, em 1868, a mesma parente viu em sonho uma cena de interior, que era uma completa revelação. O quadro representava um compartimento, onde uma de suas amigas, a Sra. B., sentada em sua poltrona, perto do fogão, no qual flamejava um grande fogo, acariciava uma criancinha que estava em seus braços, enquanto uma serviçal enxugava suas fraldas diante das chamas.

Este sonho foi narrado a diversas pessoas, sem que nenhuma delas lhe prestasse grande atenção, porquanto a Sra. B., mãe de numerosa família, já tendo passado dos quarenta anos e não tendo tido filhos há mais de sete, não parecia mais suscetível de ter outros. Entretanto, o que parecia no momento impossível, realizava-se um ano depois, e uma noite em que minha tia-avó foi visitar a parturiente, para felicitá-la pelo nascimento do recém-nascido, tornou a ver, como realidade, o que precedentemente fora sonho: O compartimento, a disposição dos objetos, o fogão aceso, a serviçal ocupada em secar as fraldas diante do fogo, enfim todos os detalhes do sonho estavam fielmente reproduzidos. A adivinhação realizara-se com exatidão completa.

 

(Carta 802 .)

EMILIO BECHER

Rosário de Santa Fé (República Argentina).

 

LXVII. - Fui educado em Paris, onde meus pais eram negociantes estabelecidos com casa de vinhos e laticínios, à rua Saint Ambroise, n. 7. Meu pai faleceu em 1867. Minha mãe e eu deixamos Paris em 1872. Eu tinha também um tio, irmão de meu pai, falecido depois deste, e que era estabelecido com especiarias à rua Saint-Roch, n. 32.

  1. a) - Em 1868, tinha então 17 anos, estava eu empregado na casa desse tio, como caixeiro. Certa manhã, depois de lhe haver dado bom-dia, ainda sob a impressão de um sonho que tivera à noite, contou-me ele que no aludido sonho se achava na soleira de sua porta quando, ao voltar seus olhos na direção da rua Neuve-des-Petits-Champs, vê desembocar um ônibus urbano da Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte, que se detém diante da porta de seu armazém . Sua mãe desce e o ônibus continua sua viagem, conduzindo uma outra senhora que estava na viatura com minha avó, cuja senhora, vestida de preto, mantinha um cesto sobre os joelhos .

Ambos acham muita graça neste sonho, tão em desacordo com a realidade, porquanto jamais minha avó se aventurara a vir da gare do Norte até à rua Saint-Roch. Residindo perto de Beauvais, quando ela queria vir passar uns tempos com seus filhos, em Paris, escrevia de preferência a meu tio, que era aquele a quem mais queria, e ele ia esperá-la na estação, de onde a trazia, invariavelmente, de fiacre. Ora, naquele dia, à tarde, como estivesse meu tio à porta, olhando os transeuntes, voltam-se seus olhos maquinalmente para a esquina da rua Neuve-des-Petits-Champs e ele vê rodar um ônibus do caminho de ferro do Norte, que vem parar defronte de seu armazém.

Nesse ônibus achavam-se duas senhoras, das quais uma era minha avó, que desce, continuando o veículo sua viagem com a outra senhora, tal como ele tinha visto em sonho, isto é, vestida de preto e tendo seu cesto sobre os joelhos.

Imaginai a estupefação geral! Minha avó, crente de nos fazer uma surpresa, e meu tio contando-lhe o sonho!

  1. b) - Durante o assédio de Paris, achava-me incorporado ao 10° Batalhão do Sena. Um dia em que eu estava jantando em casa de minha mãe, encontravam-se à nossa mesa um de meus primos, então estudante de Farmácia, atualmente proprietário nos arredores de Dieppe, um de meus amigos, sargento da Guarda Móvel, um outro, desenhista, que reside atualmente no bulevarde Beaumarchais, n . 1, e enfim um cliente da casa, guarda-livros de notável inteligência, sargento-mór do 1920 Batalhão de Infantaria. Não me recordo mais do seu nome; chamemos-lhe o Senhor X.

No fim do jantar, como falássemos da guerra e dos alemães que nos cercavam, o Senhor X. pôs a examinai as linhas das nossas mãos, declarando-nos que sP, dedicava seriamente à quiromancia e pretendendo dizer-nos se qualquer coisa de grave estava para suceder-nos durante os acontecimentos que se desenrolavam. Perguntamos-lhe naturalmente se seríamos feridos. Para três dentre nós a resposta foi negativa: os Srs. Lucas, o estudante, François, o desenhista e eu próprio. Quanto ao quarto, o sargento do Corpo Móvel, Senhor Lalier, disse-lhe o Senhor X.:

- E' extraordinário! Sereis feridos seriamente, dentro de pouco tempo, mas não por uma arma; queimar-vos-eis.

- Como se dará isso?

- Não poderia dizer-vos; acidentalmente, sem dúvida - respondeu-lhe o X. E falou-se de outras coisas.

Passava-se isso pelos fins de 1870.

No corrente ano de 1871, partira para Bordéus, aonde cheguei em Novembro. Passando em Tours, aí me detive para ver meu amigo Lallier que estava destacado nessa cidade desde o fim da guerra. Ao vê-lo, fiquei admirado com a mudança operada em sua fisionomia, sem poder compreender bem o que poderia tê-lo assim transformado, quando ele me diz:

- Lembras-te das predições de X. ? O que ele me predisse, desgraçadamente sucedeu! Há dois meses, o aprendiz do armazém praticou a imprudência de ir com uma vela acesa em um compartimento onde estavam dois garrafões de petróleo; por descuido seu, um deles pegou fogo; procurei, para evitar maior perigo, retirar o segundo, cujo líquido se inflamou. Fiquei com o lado esquerdo todo queimado, e faz apenas quinze dias que voltei ao serviço.

Cito-vos esses dois casos, como rigorosamente verdadeiros, pois que ambos se passaram em minha presença e pude controlá-los. Tenho freqüentemente falado a respeito deles aos de minha família e aos meus amigos sem poder achar-lhe uma explicação que me satisfaça, salvo, contudo, para uma parte do sonho de meu tio, depois que li vossos interessantes artigos sobre os sonhos.

Suponho que minha avó, em um momento de insônia, terá tomado a deliberação súbita de partir para Paris no mesmo dia, com a resolução de não prevenir ninguém, e, uma vez chegada à estação do Norte, tomar um veículo como tão freqüentemente vira fazer-se, e isso, para ter o prazer da surpresa do filho. Foi, sem dúvida, precisamente nesse momento que teria o meu tio sonhado.

 

(Carta 825)

Paul Leroux

Neubourg (Eure)

 

LXIX. - Em 1879, meu tio Jacques Théodore Hoffmann era professor em Heerenveen (Holanda). Meu pai, tendo ido vê-lo no começo de Julho, contou-lhe sua cunhada, minha tia Margarida, antes de sua partida, que tinha visto em sonho a esposa de meu tio Jacques e seus dois filhos trajados de luto fechado, receando ela uma desgraça, pelo que lhe recomendava todo cuidado se porventura tivessem que embarcar, etc .

Meu pai e seu irmão Jacques fizeram a 7 de Julho uma longa viagem à vela, nenhum acidente ocorrendo, e por esse motivo se riram um pouco do sonho de minha tia Margarida.

Dois dias depois, a 9 de Julho, foi levar meu pai a estação. Lá estava uma parte da família. Meu tio Jacques, atravessando os trilhos, não prestou atenção a um trem que se afastava da gare, foi atropelado, guilhotinado, indo a cabeça rolar distante do corpo.

Minhas duas tias e os dois filhos de meu tio vivem ainda e podem, como eu, confirmar a realização deste sonho.

 

(CARTA 850)

A.C.C. HOFFMANN

Estudante de medicina na Universidade de Amsterdã, rua de França, 25

 

 

LXX. - Fui bruscamente acordado, à noite, depois do seguinte sonho : a aparição da metade de um. ataúde, isolado no espaço.

A precisão desse sonho perturbou-me e me conservou mergulhado, durante toda a manhã, em certa melancolia. Contudo, os numerosos negócios que eu tinha a tratar, as numerosas voltas que dei, afastaram um pouco as idéias tristes, almocei como de costume e retornei às minhas ocupações. Quatro horas depois, drenando, em uma dessas voltas, ao angulo formado pelas ruas Saint-Pierre e du Plâtre (Lião) e olhando para frente, por causa dos veículos que obstavam a passagem, vi, cerca de vinte e cinco metros, e no espaço, a metade de um ataúde.

Esse ataúde acabava de ser retirado do carro do empresário dos funerais, por um carregador, sendo que a primeira metade me estava oculta pela porta de entrada da casa.

 

(Carta 862 .)

  1. C. REVEL

Rua Thomassin, 39, Lião.

 

Ia eu encerrar estes exemplos quando, percorrendo antigas cartas em que são tratados problemas desta natureza, acabo de encontrar uma da saudosa Princesa Emma Carolath, de 5 de Março de 1870, contando-me um sonho da mesma ordem e notavelmente explícito .

E o seguinte, bastante resumido:

LXXI - Acabava eu de adormecer, muito ansiosa a respeito da saúde de uma pessoa amada, e me vi transportada em sonho a um castelo desconhecido, encontrando-me aí em uma sala octogonal alcatifada de damasco vermelho, onde havia um leito em que dormia a pessoa cuja saúde me preocupava. Uma lâmpada, suspensa da abóbada, inundava de luz a face pálida, mas sorridente, emoldurada por opulenta cabeleira negra. A cabeceira do leito, vi um quadro cujo assunto se gravou tão estranhamente em meu pensamento, que, ao despertar, poderia desenhá-lo: era um Cristo coroado de rosas por um gênio celeste, contendo versos de Schiller, que pude ler.

Dois anos depois, convidada para uma vilegiatura a um castelo do interior da Hungria, detive-me, tremendo, ao penetrar no compartimento que nos estava destinado: achava-me no gabinete octogonal, alcatifado de damasco vermelho, diante do leito, e defronte do quadro do Cristo coroado de rosas, contendo os versos de Schiller. Jamais foi este quadro copiado ou reproduzido, e era impossível que eu o tivesse visto de outro modo senão no sonho, o que, de resto, acontecia em relação ao gabinete octogonal.

 

EMMA, Princesa Carolath

Wiesbaden.

 

Depois de ter lido e comparado este conjunto de fatos, é impossível duvidar de que se tenha visto por vezes em sonho as coisas porvindouras.

Diversos sonhos desses podem explica-se naturalmente . Já o assinalamos . Não é mais extraordinário, por exemplo, sonhar com um número de sorteio a sair, do que com um outro, e, como esses casos são muito raros, a coincidência fortuita pode, talvez, explicá-los. Seria necessário conhecer-se-lhes o número para saber se excede notavelmente o que seria dado pelo cálculo das probabilidades. Mas a maior parte das premonições que acabam de ser expostas, não se explicam.

Trata-se, no caso, de visões, de sonhos que parecem ser produzidos no estado normal de saúde, ou que podem ser assim considerados, e não em estados patológicos excepcionais . Essa mesma previsão do futuro tem sido observada no estado sonambúlico e magnético . São mesmo muito numerosos os exemplos de tal previsão. Somente assinalaremos alguns dentre eles .

O Doutor Liébault cita o caso seguinte em sua Terapêutica Sugestiva:

LXXII. - Em uma família dos arredores de Nanci, magnetizavam freqüentemente uma jovem de dezoito anos, chamada Júlia. Essa moça, uma vez posta em estado de sonambulismo, era por si mesma levada, como se recebesse uma inspiração a respeito, a repetir, em cada nova sessão, que uma próxima parente dessa família, por ela citada, morreria em breve e não chegaria ao dia 1º de Janeiro. Estava-se então em Novembro de 1883. Uma tal persistência nas afirmativas da sonâmbula, levou o chefe da família em questão que farejava nisso um bom negócio, a segurar em 10.000 francos a vida da mencionada senhora, a qual, não estando de modo algum doente, com facilidade obteria um atestado médico.

Para obter aquela soma, dirigiu-se ele ao Senhor L., a quem escreveu diversas cartas, em uma das quais contava o motivo que o induzia a fazer o empréstimo. E essas cartas, que o Senhor L. me mostrou, ele as guarda como provas irrefragáveis do sucesso futuro, previamente anunciado. Acabaram, afinal, por não se entenderem sobre a questão dos juros, e o negócio entabulado ficou indeciso. Mas, algum tempo depois, grande foi a decepção de quem desejava tomar a quantia por empréstimo. A Sra. X., que devia falecer antes de 19 de Janeiro, sucumbiu, com efeito, e de repente, a 31 de Dezembro, conforme faz certo uma última carta de 2 de Janeiro, endereçada ao Senhor L., carta que este senhor guarda juntamente com as que receberam precedentemente, a propósito da mesma pessoa.

O mesmo Autor cita igualmente o seguinte caso, extraído textualmente de sua agenda diária. Sabe-se até que ponto o Senhor Liébault é escrupuloso e metódico observador.

LXXIII. - 7 de Janeiro de 1886. Veio consultar-me hoje, às quatro horas da tarde, o Senhor de Ch. para um estado nervoso, sem gravidade. O Senhor de Ch. anda muito preocupado por causa de um processo em que se acha envolvido e de outras circunstancia que em seguida conheceremos.

Estando ele a passear em uma rua de Paris, no dia 26 de Dezembro de 1879, viu escrito sobre uma porta: Mme. Lenormand, necromante. Movido por uma curiosidade irrefletida, ele entrou.

A Senhora Lenormand, examinando a face palmar de uma de suas mãos, disse-lhe

- Perdereis vosso pai dentro de um ano, sem aumento nem diminuição de um só dia. Muito breve será soldado (tinha então ele dezenove anos), mas não ficareis por muito tempo sob a farda. Casar-vos-eis moço; nascer-vos-ão dois filhos e morrereis aos vinte e seis anos.

Essa estupefaciente profecia, que o Senhor de Ch. confiou a dois amigos e a alguns dos seus parentes, não foi por ele tomada a sério; havendo, porém, seu pai, falecido a 27 de Dezembro de 1880, após breve enfermidade e justamente um ano depois da entrevista com a necromante, essa desgraça abateu um pouco a sua incredulidade. E quando se tornou soldado - apenas durante sete meses, quando, pouco depois casado, se tornou pai de dois filhos e estava preste a atingir seus vinte e seis anos, abalado definitivamente pelo terror, acreditou que não teria mais do que alguns dias de vida. Foi então que veio consultar-me se não me seria possível conjurar a sorte, porquanto, pensava ele, se os quatro primeiros acontecimentos da predição se realizaram, o quinto devia também fatalmente realizar-se.

Nesse mesmo dia e nos dias subseqüentes, procurei mergulhar o Senhor de Ch. em sono profundo, a fim de dissipar a negra obsessão gravada em seu espírito: a da morte próxima, morte que ele imaginava ter de realizar-se a 4 de Fevereiro, dia aniversário de seu nascimento, ainda que a Senhora Lenormand nada houvesse precisado a esse respeito. Não pude provocar nesse homem o mais ligeiro sono, tanto estava ele agitado. Entretanto, como era urgente afastar-lhe a convicção de que devia em breve sucumbir, convicção perigosa, pois se tem visto freqüentemente predições desse gênero cumprirem à risca, por auto-sugestão, mudei de maneira de agir e propus-lhe consultar um dos meus sonâmbulos, um velho chamado o profeta, pelo fato de haver anunciado a época exata de sua cura de um reumatismo articular, que o apoquentava havia quatro anos, e a própria época da cura de sua filha.

O Senhor de Ch. aceitou a minha proposta com avidez e não deixou de comparecer à hora exata à reunião. Posto em relação com o sonâmbulo, as suas primeiras palavras foram

- Quando morrerei?

O sonâmbulo experimentando, suspeitando da perturbação desse moço, respondeu-lhe, depois de fazê-lo esperar algum tempo

- Morrereis... morrereis... dentro de 41 anos.

Foi maravilhoso o efeito causado por essas palavras. Imediatamente o consultante se tornou alegre, expansivo e cheio de esperança; e quando viu passar o dia 4 de Fevereiro, esse dia tão temido por ele, acreditou-se salvo.

Foi então que alguns dos que tinham ouvido falar dessa pungente história, acabaram concluindo que nisso tudo nada houvera de verdade; que seria devido a uma sugestão pós-hipnótica que esse moço concebera tal narrativa imaginária. Palavras no ar! Se a sorte estivesse lançada no sentido da sua morte, ele teria de morrer.

Eu não pensava mais nisso quando, em começo de Outubro, recebi uma carta de participação, pela qual soube que o meu infeliz cliente acabava de sucumbir a 30 de Setembro de 1886, em seu vigésimo sétimo ano, isto é, na idade de vinte e seis anos, como o predissera a Senhora Lenormand. E para que se não suponha que algum erro tenha havido, de minha parte, no que afirmo, conservo essa carta no meu registro: são dois testemunhos escritos, irrecusáveis.

As 22 primeiras edições desta obra publicaram a seguinte narrativa, atribuída a Senhora Leconte de Lisle, cunhada do poeta (Anais de Ciências Psíquicas, 1898, pág. 257).

LXXIV. - Um Senhor X. tivera a idéia de consultar uma cartomante. Predisse-lhe esta que ele morreria da picada de uma serpente.

Este Senhor X., empregado na administração, havia sempre recusado um posto na Martinica, ilha célebre por suas serpentes classificadas entre as mais perigosas. Afinal o Senhor B., diretor do Interior em Guadalupe, decidiu-o a aceitar uma boa posição sob as suas ordens, ...a administração dessa colônia que, ainda que próxima da Martinica, jamais teve serpentes.

Ninguém foge ao seu destino, diz um provérbio que se verificou, uma vez mais, ser verdadeiro. Tendo terminado seu tempo de estada em Guadelupe, o Senhor X. estava de regresso à França. Como o navio fizesse escala em Martinica, não ousou ele, sequer, descer ã terra.

Conforme um costume local, tinham vindo negros vender frutas a bordo. Estando o Senhor X. com multa sede, tomou uma laranja do cesto de uma das negras, mas imediatamente soltou um grito e disse que tinha sido picado. A preta virou o seu balaio e viu-se então uma serpente que estava escondida, não sob os frutos, mas sob as folhas que forravam o cesto. A serpente foi morta; mas o infeliz morreu algumas horas depois.

Várias cartas recebidas da Martinica, por leitores deste livro, fizeram-me ver que o correio das Antilhas, de retorno à Dança, toca na Martinica antes de passar em Guadelupe e ruma diretamente a Saint-Nazaire ou Bordéus e que a anedota precedente não deve ser mais do que cr eco de um conto narrado às crianças de Guadelupe. Essa narrativa é, portanto, inverídica. Mas pode ser que lhe tenha dado origem um fato anterior real.

O extraordinário caso de clarividência e de previsão, abaixo inserto, foi publicado pela mesma revista (1896, pág. 205):

LXXV. - Uma senhora das minhas relações, Lady A . , residia nos Campos Elíseos. jantara eu em casa dessa amiga, numa tarde de Outubro de 1883. Mal grado sua grande fortuna, era uma senhora metódica. Muito ativa satisfazia-se em dormir apenas mui poucas horas. Todas as noites. logo após a saída de seus hóspedes, fazia suas contas.

Qual não foi, nessa noite, o seu espanto, ao constatar que lhe faltava à quantia de 3.500 francos no bolsinho interior da enorme bolsa de viagem, onde tinha o hábito de guardar as suas jóias e o seu dinheiro!

Entretanto, a fechadura não tinha sido forçada. Somente os bordos da bolsa pareciam ter sido separados... Contudo, Lady A. estava certa de que, pelas 2 horas da tarde, diante da sua criada de quarto, havia aberto a sua bolsa, pago uma conta e posto o dinheiro em seu lugar de costume, do que tinha absoluta certeza. Em sua perturbação, chamou a criada de quarto, que nada lhe pode esclarecer, mas que teve tempo de advertir todo o pessoal, de sorte que o culpado ou os culpados - se porventura se achavam entre os domésticos - pudessem pôr em lugar seguro o fruto do roubo.

No dia seguinte, bem cedo, foi avisado o comissário de Polícia da rua Berryer. Mordomos e criados, armários e esconderijos, todos os móveis, enfim, foram revistados. Nada se encontrou, naturalmente.

Tendo terminado suas pesquisas infrutíferas, o comissário conversou por um momento com Lady A. Perguntou-lhe quais eram as suas impressões, relativamente à maneira por que teria sido o roubo praticado.. . quais os empregados menos dignos de confiança, etc.

Lady A., enumerando seus criados, pediu ao comissário para excluir de desconfianças seu segundo criado de quarto, um moço de dezenove ou vinte anos, muito bem apessoado, muito respeitoso, muito conhecedor do serviço, que tinha sido apelidado "o Pequeno", não por causa de seu talhe, pois que ele era, pelo contrário, bem grande -, mas por um sentimento de gentil familiaridade protetora que lhe haviam conquistado as suas boas qualidades.

Tinha-se escoado quase toda a manhã nessas pesquisas infrutíferas, quando Lady A. me enviou a Srta. C., professora de sua filha mais moça, para contar-me o que lhe sucedera e pedir-me para acompanhar a mesma moça ã casa de uma clarividente cuja lucidez - alguns dias antes - eu havia elogiado.

Para lá nos dirigimos.

Mme. E., a nossa clarividente, trouxe uma taça cheia de bagaço de café, pediu à Srta. C. para soprar em cima por três vezes, depois do que foi esse bagaço passado para uma outra taça, sendo a primeira emborcada sobre a segunda, a fim de que o conteúdo passasse em parte para o novo recipiente, retendo apenas, sobre a superfície da parte interna, algumas partículas mais sólidas do pó de café, que devia, deixando escapar sua parte liquida, formar extravagantes desenhos, nos quais a pitonisa parecia ler.

Durante essa preparação oculta, era preciso ocupar-nos; a Sra. E. estendera as suas cartas e começava:

- Ah... mas... é um roubo, e um roubo praticado por uma das pessoas da casa e não por alguém que se introduzisse sub-repticiamente.

Essa declaração era bem promissora . . . Reconhecemos que o que ela afirmava era verdadeiro... Quanto ao ladrão, era-nos infelizmente desconhecido.

- Esperai - disse-nos ela - vou agora ver os detalhes no bagaço que deve ter formado o seu depósito.

Tomou a taça emborcada, mandou que a Senhora C soprasse ainda por três vezes, e pôs seu lornhão.

Então, como se houvesse assistido a cena, descreveu-nos peça por peça a topografia do apartamento de Lady A . , sem jamais se enganar relativamente a um quarto ou a uma sala. Viu desfilarem diante de seus olhos, como em lanterna mágica, sete domésticos dos quais nos disse exatamente o sexo e as atribuições. Depois, novamente penetrando no quarto de Lady A . , avistou um armário (103) que lhe pareceu bem extraordinário

- Existe lá - repetia-nos ela, com espanto - um armário ao centro, cuja porta é ornada de espelho; e, de cada lado desse armário principal, há ainda dois outros sem espelho, e tudo isso se conserva...

Porque esse armário jamais está fechado? Entretanto, ele contém sempre o dinheiro que se acha... em... Que objeto esquisito!.. . abre-se como um porte-monnaie, em for­ma de bolsa... e não como um cofre... Ah! eu o sei!... é uma bolsa de viagem. . . Que idéia a de guardar ai seu dinheiro! e sobretudo que imprudência de deixar o armário aberto!...

Os ladrões conheciam bem a bolsa... Eles não forçaram a fechadura. Introduziram um objeto bastante largo para separar os dois lados; depois, com auxilio de uma tesoura ou de uma pinça., retiraram o dinheiro que aí estava, em notas de banco...

Nós a havíamos deixado Pelar. Tudo o que nos dissera essa mulher confundia-nos, na veracidade dos detalhes, ainda os mais ínfimos.

Ela se deteve fatigada. Quanto a nós, desejáramos saber mais. Pedimos-lhe, suplicamos-lhe que nos dissesse qual ou quais os empregados que tinham praticado o furto, pois que nos assegurava fazerem os mesmos à parte do pessoal do serviço doméstico.

Confessou ela que lhe seria impossível fazê-lo sem incorrer nos rigores da lei francesa que diz não se poder e não se dever admitir que uma culpada seja reconhecida como tal, sem provas, por meios ocultos.

A força de rogativas ela nos assegurou, entretanto, que o dinheiro de Lady A. não seria jamais encontrado; o que era muito provável, porquanto o culpado não seria, de forma alguma, descoberto por causa desse roubo, e enfim, o que era mais para admirar, que dois anos mais tarde, ele sofreria a pena capital.

Todas as vezes que seu olhar, percorrendo os desenhos do bagaço de café, fixavam-se sobre o Pequeno, ela o distinguira perto de cavalos. Asseguramos-lhe que jamais ser vira ele de escudeiro, ocupando-se exclusivamente com os serviços domésticos, ao passo que os escudeiros residem com os cocheiros: mas a Sra. E. estava obstinada na sua afirmativa. Quanto mais a contradizíamos, tanto mais se obstinava ela em o afirmar. Acabáramos por deixar de lado este pequeno nada, que nos impressionava, entretanto, como uma nódoa em um conjunto surpreendente de exatidões .

Lady A., ao cabo de quinze dias, despediu seu mordomo e sua criada de quarto. O Pequeno, sem que se soubesse a razão disso, no momento, deixou Lady A três ou quatro semanas mais tarde. O dinheiro não foi encontrado; e, um ano depois, Lady A. partia para o Egito.

Dois anos após aquele acontecimento, Lady A. recebia, procedente do Tribunal do Sena, o aviso de se dirigir, como testemunha, a Paris.

Encontrara-se o autor do roubo. Acabava ele de ser preso: o Pequeno, dotado de tantas qualidades, não era outro senão Marchandou, o assassino da Senhora Cornet.

Como se sabe, sofreu ele a pena capital, como o anunciara a clarividente da rua Notre Dame de Lorette e, pelo processo, ficou provado que o Pequeno tinha, nos Campos

Elíseos, muito perto da residência de Lady A., um irmão que era cocheiro em uma grande casa.

O Pequeno, ou Marchandou, pois que ambos são a mesma pessoa, aproveitava, então, todos es seus momentos de liberdade para ir ter com seu irmão, pois era grande amador de cavales. E portanto, essa a razão pela qual a Sra. E. nos afirmara, mal grado as nossas contraditas, que ela o via sem cessar verto dos cavalos.

Ainda nesse pequeno detalhe, que as peripécias do processo nos revelaram, acertara a clarividente.

  1. D'ERVIEUX

Atesto estar conforme a verdade

 

  1. DESLIOUS

Que assistiu à consulta.

 

Observação - Este caso de clarividência é absolutamente extraordinário. Tivemos ocasião de avistar-nos com Lady A. que nos confirmou a exatidão da precedente narrativa.

Não se deve, evidentemente, ver no emprego das cartas e do bagaço de café, senão um meio empregado, sem dúvida inconscientemente, pelo sujet, para ficar em estado de auto sonambulismo, isto é, em um estado em que a consciência normal se torna inativa, para que se manifeste o inconsciente. Nesse segundo estado, as faculdades inconscientes podem adquirir todo o seu desenvolvimento, sendo possível admitir que a faculdade de clarividência, que todos talvez possuímos em um estado mais ou menos rudimentar, possa exercer-se mais livremente e adquirir, em indivíduos predispostos, um certo grau de precisão. - DARIEX

O Senhor Myers cita na mesma revista (1899, pág. 170), o seguinte caso de repetição de um sonho premonitório:

LXXVI. - Há sessenta anos, uma Senhora Carleton faleceu no Condado de Leitrim. Era amiga íntima de minha mãe, e poucos dias após a sua morte ela lhe apareceu em sonho e lhe disse que nunca mais minha mãe teria ocasião de vê-la em sonho, salvo uma única vez, vinte e quatro horas antes de sua morte .

Em Março de 1864, minha mãe residia em companhia de meu genro e de minha filha, o Dr, e Sra. Lyon, em Dalkey, A 2 de Março, à noite, minha mãe recolheu-se ao seu quarto, muita bem disposta, rindo e gracejando com a Sra. Lyon. Nessa mesma noite, ou antes na manhã seguinte, o Doutor Lyon, ouvindo barulho no quarto de minha mãe, acordou a Sra. Lyon, para que fosse ver o que se passava. Ela encontrou minha mãe com o corpo a meio para fora da cama e com uma expressão de horror desenhada em seu rosto. Proporcionaram-lhe os melhores cuidados e, na manha seguinte, parecia ter voltado ao seu estado natural. Almoçou como de costume, em sua cama, e muito alegremente. Pediu à minha filha para dizer à criada que lhe preparasse um banho, que ela tomou . Mandou em seguida chamar a Sra. Lyon e lhe disse que a Senhora Carleton viera enfim, após um intervalo de cinquenta e seis anos, falar-lhe de sua morte muito próxima, e que morreria na manhã do dia seguinte, à mesma hora em que a haviam encontrado como acabo de dizer. Acrescentou que havia tomado um banho por precaução, para evitar a lavagem de seu corpo. Começou então a decair pouco a pouco e morreu na manhã de 4 de Março, à hora que havia dito.

O Doutor e a Sra. Lyon podem corroborar esta narrativa. Sempre minha mãe me dizia que tornaria a ver a Senhora Carleton antes de sua morte.

 

THOMAS JAMES NORRIS

Dalkey, Irlanda.

 

Seguem-se diversos atestados .

O Sr . Myers escreve a propósito:

 

Há diz ele, três explicações possíveis para esses fatos:

De minha parte, sinto-me bastante propenso a admitir que a falecida Senhora Carleton conhecia realmente a doença que ameaçava a sua amiga, e que os dois sonhos foram produzidos telepaticamente por um Espírito desencarnado para com um Espírito encarnado. Mas podemos também supor que o primeiro sonho, ainda que puramente acidental, produziu uma impressão tão profunda que, quando se reproduziu, também por acaso, foi equivalente a uma auto-sugestão de morte. Ainda uma terceira explicação é possível: a de supormos que o primeiro sonho foi acidental, mas que o segundo foi simbólico e produzido por alguma sensação orgânica que preludiava a morte iminente, sendo porém perceptível durante o sono, em vez de o ser em estado de vigília.

Há, entretanto, casos em que tais predições de morte, em sonho, são feitas com tanta antecipação relativamente à data fixada para o falecimento, que é difícil conceber que seja a auto-sugestão a causadora do resultado.

Não começaremos aqui a discussão do grande problema das comunicações de mortos, que só por si exigirá desenvolvimentos indispensáveis à sua elucidação, dado que nos seja possível chegar até lá. Já se puderam assinalar diversas dessas comunicações na variedade dos exemplos aqui consignados . Possuímos considerável número de tais exemplos, cuja análise exige um trabalho ainda mais atento do que o que presidiu às pesquisas precedentes, nas quais não saímos dos quadros dos seres vivos.

O que precedentemente quisemos estabelecer, com a publicação desses sonhos premonitórios, foi que realmente certos sonhos têm previsto e anunciado o futuro, e isso com precisão . Não se trata de pressentimentos vagos ou de predições alambicadas, suscetíveis de duplos e tríplices sentidos, no gênero das de Nostradâmus, que se podem aplicar indistintamente a vários e diferentes sucessos, mas da visão real e exata do que em seguida sucede.

Por hora, não iremos mais longe .

O ser humano é dotado de faculdades ainda desconhecidas, que permitem ver de longe, no espaço e no tempo. Foi o que quisemos demonstrar por um conjunto de testemunhos satisfatórios.

Quanto à pesquisa das respectivas leis, não é chegada ainda à hora de a encetarmos. Pôde-se constatar que são freqüentemente esses sonhos concernentes a coisas banalíssimas da vida cotidiana. Mas pode-se, de resto, confessar que a vida humana terrestre é, em geral, assim constituída .

Pelo fato de ter sido o futuro previsto em certos sonhos excepcionais, não se deveria concluir por idêntica interpretação geral dos sonhos. Seria isso um completo erro. Ao demais, eu não aconselharia a consultar o que quer que seja sobre o futuro.

Falta-nos espaço para tratarmos neste volume da questão dos pressentimentos, assim como da que concerne à adivinhação do futuro em estado de vigília, e somos obrigados a deixar para mais tarde essas interessantes pesquisas, para nós o fato se acha igualmente resolvido no sentido da afirmativa. A curiosa impressão do já visto será em seguida examinada. Chegaremos depois ao eterno problema do livre arbítrio e do destino, e constataremos que o futuro existe de um modo tão preciso, como o passado e o presente, determinado pelas causas que o produzirão, em virtude daquele princípio absoluto, segundo o qual não há efeito sem causa. sendo a alma humana, aliás, com todas as suas faculdades, uma dessas causas.

Não se pode fazer tudo de uma vez e, antes, devo excusar lendo o número 575 no alto desta página, da longa atenção a que submeti os meus leitores e as minhas leitoras . Mas o que antes de tudo importava fazer, era uma classificação metódica dos fenômenos, começando pelos mais seguros, estudá-los sucessiva e completamente, admitindo em primeiro lugar o que parecesse, à nossa razão, estar demonstrado como certeza moral.

As manifestações telepáticas de moribundos, a transmissão do pensamento, a ação psíquica de um ser humano sobre outro, à distância, e a previsão do futuro, em sonho e em estado sonambúlico, constituem, para nós, fatos positivos . Pareceu-nos lógico iniciar por aí a nossa investigação do mundo invisível.

 

 

CONCLUSÃO

 

 

Os documentos, neste volume apresentados à atenção dos amigos da verdade, estão longe de representar o conjunto dos fenômenos psíquicos; eles, porém, já nos conduzem a algumas conclusões preliminares .

O fim destas pesquisas é saber se a alma humana existe como entidade independente do corpo, e se ela sobrevive à destruição deste.

Pois bem! Os fatos que acabam de ser expostos, depõem quase todos em favor dessa existência. A hipótese de influências físicas, mecânicas, fisiológicas, não os explica. A palavra alma, espírito, entidade psíquica é a que melhor convém para designar essas transmissões. A palavra cérebro não é adequada.

Pode uma alma exercer influência sobre outra, à distância e sem ter os sentidos por intermediários .

Aí estão manifestações de faculdades de ordem psíquica e não de ordem fisiológica.

Grande número de mortes, cujos exemplos são acima dados, foram conhecidos por meio de comunicações telepáticas, aparições (subjetivas ou objetivas), chamamentos, cantos, ruídos e movimentos (fictícios ou reais), impressões diversas. Não pode haver mais dúvida alguma sobre este ponto.

A alma, portanto, age à distância.

Igualmente indubitável é a sugestão mental.

A comunicação psíquica entre os vivos não está menos corroborada por um número suficiente de fatos de observação. Há correntes psíquicas, como há correntes aéreas, elétricas, magnéticas, etc.

A abundância dos testemunhos recentes e contemporâneos impediu-nos de citar as narrativas antigas que não são, tanto quanto as modernas, para desprezar, e diversas das quais se apresentam com todas as características de uma autenticidade incontestável. Algum dia talvez as descrevamos com todos os seus interessantes detalhes.

A telepatia era quase que um dos lugares comuns da literatura antiga. As obras de Homero, de Eurípides, de Ovídio, de Virgílio, de Cícero põem mui freqüentemente em cena manifestações de moribundos e de mortos, aparições, evocações, realizações de sonhos premonitórios .

Podem-se acompanhar esses fatos telepáticos no curso de toda a história da Humanidade e entre todos os povos, desde a antiguidade, através da lenta sucessão dos séculos, até a nossa época moderna. São eles extremamente numerosos, e enganam-se aqueles que os consideram todos como falsos e lendários.

Essas observações não datam, portanto, de hoje. Devemos esperar que o seu estudo científico as force a saírem das sombras da lenda e da superstição.

Falta-nos espaço para analisar detalhadamente cada uma das que neste volume registramos e para estabelecer desde agora que há grande número de causas diversas em jogo nesses fenômenos. O que, desde logo, quisemos deixar aqui provados, foi à realidade das manifestações de moribundos, da ação psíquica à distância, das comunicações mentais, do conhecimento das coisas pelo espírito, sem o concurso dos sentidos .

Pode-se ver sem os olhos, ouvir sem os ouvidos, não, de modo algum, por uma hiperestesia do sentido da vista ou do ouvido, visto como essas observações provam o contrário, mas por um sentido interior, psíquico, mental.

A vista interior da alma pode ver não somente o que se passa ao longe, em distâncias consideráveis, mas ainda conhecer antecipadamente o que sucederá no futuro. O futuro existe potencialmente, determinado pelas causas que provocarão os efeitos sucessivos.

A observação positiva prova a existência de um mundo psíquico, tão real como o mundo conhecido pelos nossos sentidos físicos .

Presentemente, partindo do princípio de que a alma age à distância, em virtude de uma força que lhe é própria, estamos autorizados a concluir, daí, que ela existe como ser real, que não é resultante das funções do cérebro ?

A luz realmente existe?

Existe realmente o calor?

Existe o som ?

Não .

Em tudo isso há apenas manifestações de movimentos .

O que chamamos luz é uma sensação produzida sobre o nosso nervo óptico pelas vibrações do éter, compreendidas entre 400 e 756 trilhões por segundo, ondulações de si próprias obscuras.

O que chamamos calor é uma sensação produzida por vibrações, não quentes em si mesmas, cujo número está. compreendido entre 350 e 600 trilhões .

O Sol ilumina o espaço tanto à meia-noite como ao meio-dia. Entretanto, o espaço permanece na obscuridade. Sua temperatura é de cerca de 270 graus abaixo de zero.

O que chamamos som é uma sensação produzida sobre o nosso nervo auditivo por vibrações do ar, silenciosas em si mesmas, compreendidas entre 32 e 36.000 por segundo.

A eletricidade existe, ou é, em si mesma, apenas uma certa modalidade do movimento? O futuro da Ciência no-lo revelará. (E provável que ela exista como entidade real. Não será o éter uma substância elétrica?) A palavra atração foi aplicada por Newton apenas para representar a maneira por que os corpos celestes se movem no espaço .As coisas passam-se, diz ele, como se esses corpos se atraíssem. Quanto à essência, à natureza dessa força aparente, ninguém a conhece. Grande número de termos científicos não representa mais do que efeitos, e não causas .

Poderia acontecer que a alma estivesse no mesmo caso .

As observações expostas nesta obra, as sensações, as impressões, as visões,        as audições, etc . ,   poderiam indicar efeitos físicos produzidos de cérebro a cérebro. Sim, sem dúvida. Mas não parece ser assim que se passam as coisas .

Examinemos um exemplo. Abramos este livro na página 190:

Uma jovem esposa, adorada de seu marido, morre em Moscou. Seu sogro, em Poulkovo, perto de São Petersburgo, vê, a essa mesma hora, a seu fiado, a nora acompanhando-o pela rua e depois desaparecer. Tomado de surpresa e de pavor, telegrafa a seu filho e é informado ao mesmo tempo da doença e da morte da referida pessoa.

Somos de modo absoluto obrigado a admitir que alguma coisa emanou da morta e foi impressionar seu sogro.

Esse algo desconhecido pode ser um movimento etéreo, como no caso da luz, e não ser mais do que um efeito, um produto, um resultado; mas esse efeito tem uma causa, e essa causa é a agonizante, evidentemente. Pode a constituição do cérebro explicar essa projeção? Não creio que algum anatomista ou algum fisiologista ouse responder afirmativamente.

Pressente-se ali uma propriedade desconhecida, não do organismo físico, mas do ser pensante.

Tomemos um outro exemplo; seja o da página 81:

Uma senhora escuta, em sua casa, uma voz que canta, a voz de uma amiga que entrara para o convento, e cai desmaiada porque compreendeu que era a voz de uma morta! No mesmo instante essa amiga morria, com efeito, a 40 quilômetros de distância .

Não temos ainda aqui a mesma impressão, a de uma. comunicação de alma a alma?

Ainda outro exemplo (pág. 197):

A esposa de um capitão que partira para as índias vê, certa noite, seu marido de pé diante dela, com as mãos comprimidas sobre o peito e o semblante de quem está sofrendo. A comoção que ela experimenta, por causa disso, convence-a de que ele está morto ou gravemente ferido. Era 14 de Novembro O Ministério da Guerra anuncia-lhe em seguida que ele foi morto a 15. Faz-se uma verificação a respeito. O Ministério tinha-se enganado: foi precisamente a 14 que ele morreu.

Em meio de seus folguedos uma criança de seis anos detém-se gritando com aspecto apavorado: Mamãe, acabo de ver mamãe! Nesse mesmo instante sua mãe morria, longe dali.(Pág.156.)

Uma jovem, estando no baile, pára de repente no meio de uma contradança; e; banhada em lágrimas. grita: Meu pai morreu, acabo de vê-lo! No mesmo instante seu pai morria, ignorando a filha que ele estivesse doente. (Pág. 143.)

Todos esses fatos se nos apresentam como designativos não de atos fisiológicos de cérebro a cérebro, mas de atos psíquicos de espírito a espírito .

E sempre difícil, sem dúvida, separar o que pertence ao espírito, à alma, do que pertence ao cérebro . Não nos podemos deixar guiar em nossas apreciações e em nossos julgamentos, senão pelo sentimento íntimo que resulta para nós da discussão dos fenômenos . Nem foi outra a maneira por que todas as ciências foram fundadas. Pois bem! Não sentem todos que se trata, nos exemplos citados, de manifestações de um ser pensante e não somente de fatos fisiológicos materiais ou de transformações da energia física?

Essa impressão é superabundantemente confirmada pela constatação de faculdades desconhecidas da alma, que se acham em jogo nos sonhos e no sonambulismo .

Um irmão é sabedor da morte de sua jovem irmã por meio de um horrível pesadelo (pág. 424) .

Um senhor sonha que vê cair de uma janela uma moça que, aliás, ele não conhece (pág. 435) . - Uma senhora vê em sonhos um de seus amigos afogar-se (pág. 440).

Uma mãe vê em sonho sua filha caída em uma estrada e coberta de sangue (pág. 442).

Uma senhora vai, em sonho, visitar seu marido sobre um navio longínquo e seu marido recebe realmente essa visita, testemunhada por uma terceira pessoa (página 457).

Uma senhora magnetizada vê e descreve todo o interior do corpo de sua mãe agonizante, no estado em que foi exatamente constatado pela autópsia (pág. 466).

Um senhor vê em sonho uma senhora, sua amiga, chegar pelo trem de ferro, viagem essa aliás imprevista (pág.514) .

Uma senhorita vê antecipadamente, em sonho, o jovem desconhecido que ela desposará (pág. 482).

Uma senhora vê o ataúde no qual será enterrado um senhor bem disposto com quem ela conversa (página 487).

Diversas pessoas vêem de antemão uma cidade, uma paisagem, em circunstâncias idênticas às em que se encontram em seguida (págs. 479, 493, 494, 496, 501, 506, 507, 517, 518) .

Uma mãe ouve, com seis meses de antecipação, sua filha anunciar-lhe um casamento imprevisto (pág. 511) . Determinada morte é predita com precisão (casos freqüentes).

E visto um roubo por uma sonâmbula e anunciada a execução do delinqüente (pág. 533).

Uma jovem vê seu noivo, seu amigo íntimo, no momento da morte (casos freqüentes).

A ação psíquica de um espírito sobre outro, a comunicação à distância existem, com tanta certeza como as correntes elétricas e magnéticas da atmosfera (páginas 266-343).

São faculdades desconhecidas da alma. Tal é, pelo menos, a minha impressão . Não me parece que se possa racionalmente atribuir a previsão do futuro e a vista mental a uma produção nervosa do cérebro.

O cérebro não é mais do que um órgão, como o nervo óptico ou o nervo auditivo . A alma, o espírito, o ser intelectual age e percebe por si mesmo ; não é, porém, uma propriedade física o de que ele dispõe.

A adivinhação do futuro é talvez o que ainda há de mais extraordinário, pois que, para que ela exista, é necessário que o futuro seja determinado de antemão, com certeza, pelas causas que o produzirão. Notemos que um só fato desse gênero, com exatidão constatado, provaria a tese. Ora, não é um fato apenas que temos sob nossas vistas, mas centenas de fatos.

Falta-nos o espaço - e mesmo não é este o lugar - para discutir o grave problema do livre arbítrio e da fatalidade. Relembremos somente as palavras seguintes de Laplace: Os acontecimentos atuais têm com os precedentes uma conexão fundada sobre o princípio evidente de que não pode uma coisa começar a existir sem uma causa que a produza. Este axioma, conhecido sob o nome de princípio da razão suficiente, é extensivo às ações mais insignificantes. A mais livre das vontades não pode, sem um motivo determinante, dar-lhes origem, porquanto, sendo todas as circunstâncias de dupla posição exatamente as mesmas, se ela agisse sobre uma e se abstivesse de agir sobre outra, sua escolha seria um efeito sem causa: seria então, diz Leibniz, o cego acaso dos epicuristas. A opinião contrária é uma ilusão do espírito que, perdendo de vista as razões fugitivas do desígnio da vontade, nas coisas mínimas, persuade-se de que ela se determina por si mesma e sem motivo algum. Devemos, pois, encarar o estado presente do Universo como o efeito do seu estado anterior e como a causa do que vai seguir-se. Uma inteligência que conhecesse todas as forças de que está animada a Natureza e a situação respectiva dos seres que a compõem, se, além disso, fosse bastante ampla para submeter esses dados à análise, abrangeria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do Universo e os do mais ligeiro átomo: nada existiria de incerto para ela, e tanto o futuro como as passadas estariam presentes aos seus olhos. O espírito humano oferece, na perfeição que soube dar à Astronomia, um frágil esboço dessa inteligência (104).

Se o futuro é inevitável, a que se reduz a nossa liberdade? Um dia possivelmente a Filosofia conciliará essas duas aparentes contradições, pois que temos o sentimento de poder escolher e da utilidade dos esforços que empregamos, e todo o progresso dos povos ocidentais é devido precisamente à ação intelectual, oposta ao fatalismo dos orientais. Fatos, na aparência contraditórios, já se explicam hoje pelo conhecimento das coisas, como por exemplo à levitação, o levantamento de um pesado corpo de ferro sob a influência de um ímã. A ascensão de um balão é tão natural como a queda de uma pedra. Que os moralistas não venham, pois, deduzir conseqüências de uma determinação antecipada que se possa fazer de certas coisas, para se recusarem a admitir as previsões do futuro, reconhecidas e controladas.

As contradições não são mais do que aparentes. Determinismo não é fatalismo.

Os fenômenos que estudamos talvez não estejam tão fora do alcance, como parece, dos raciocínios da ciência positiva .

Creio que seja necessário, ou negar todos esses fatos, ou admitir que eles denotam uma causa intelectual, espiritual, de ordem psíquica, e estou persuadido de que os cépticos, por parti pris, preferirão negá-los, tratando-os como ilusões e coincidências fortuitas: será isso mais simples. Os pegadores intransigentes, rebeldes mesmo à evidência, serão ainda mais absolutos e declararão que os autores, dessas extravagantes narrativas, não passam de farsantes que me escreveram com o intuito de mistificarem-me, e que o mesmo sucedeu em todos os séculos para com todos os pensadores que se dispuseram a ocupar-se com essas questões.

Seria, efetivamente, possível recusarmo-nos a aceitar todos esses testemunhos humanos? Não nos parece que tenhamos esse direito .   Os que foram controlados, provaram sua veracidade, sua autenticidade. Não foram imaginados ou coordenados após os sucessos: pelo contrário, o que impressiona é a sua espontaneidade, tendo sido freqüentemente por causa dessa aparência de mistério, que me escreveram, narrando-os, no desejo de receberem uma explicação. Sem dúvida alguma, nem todas as narrativas oferecem as mesmas garantias e várias entre elas podem, aliás com toda a sinceridade, ter sido mesmo modificadas na memória dos narradores e adaptadas mais estritamente aos acontecimentos; mas isso não quer dizer que tenham sido inventadas, nem que sejam mistificações. Recusar todos esses testemunhos levaria a recusar as narrativas de tudo o que se passa constantemente em torno de nós, durante a vida, sob o pretexto de que não se verificou tudo ou de que certos detalhes são inexatos. Atenho-me aqui ao raciocínio de Emmanuel Kant mais acima citado e ao que já fiz notar a esse propósito.

Tal é, pelo menos, a minha impressão e submeto-a com confiança aos leitores ansiosos de chegar à verdade, sem ter, aliás, de modo algum, a presunção de impor minha opinião a ninguém . Cada um apreciará conforme o seu julgamento próprio .

Procuro simplesmente pôr as coisas em foco, tal como um astrônomo a sua luneta, um fotógrafo em face de uma paisagem ou um naturalista armado de um microscópio.

Segundo penso, provam esses fenômenos que a alma existe e é dotada de faculdades ainda desconhecidas. Era, portanto, lógico iniciarmos por aí os nossos estudos, cujo prosseguimento nos conduzirá ao problema da sobrevivência e da imortalidade . Pode uma idéia transmitir-se de um a outro espírito. Há transmissões mentais, comunicação de pensamentos, correntes psíquicas entre as almas humanas. O espaço não parece constituir um obstáculo, e o tempo se nos afigura, por vezes, como que aniquilado.

Qual o modo de energia que se acha em jogo nessas transmissões ? Atualmente é impossível dizê-lo. Um certo número das impressões experimentadas, faz pensar nos fenômenos do raio e da eletricidade. Não seria desarrazoado pensar-se que este último agente esteja muito mais intimamente associado ao organismo humano, do que até hoje se tem acreditado. Mas, uma vez ainda, a hora das teorias não é chegada.

Muito embora relativamente raros e sem a banalidade das coisas ordinárias da vida cotidiana, esses fatos são muito mais numerosos e freqüentes do que até agora se tem julgado. Vimos mais acima que o inquérito aberto por mim, em Março de 1899, fez que chegassem às minhas mãos 1.130 cartas a respeito de tais fatos. Juntando a esse número as que recebi durante a impressão deste volume, excedem elas a 2.000. Podem-se ler, julgar, apreciar neste primeiro volume, 186 casos de manifestação de moribundos constatados em estado de vigília, 70 casos percebidos durante o sono, 57 observações ou experiências de transmissão de pensamento sem o concurso da vista, do ouvido ou do tato, 49 exemplos de vista a distância, em sonho ou em estado de sonambulismo, 80 sonhos premonitórios e adivinhações do futuro, ou sejam 442 fenômenos de ordem psíquica que indicam a existência de forças ainda desconhecidas agindo entre os seres pensantes e pondo-os em comunicação latente uns com os outros. (Tenho ainda talvez outro tanto de casos análogos a esses .) Mesmo atribuindo a máxima amplitude às variações da memória e à imaginação dos narradores, não é possível deixar de sentir e de reconhecer nesses testemunhos um fundo de verdade e de sinceridade incontestáveis. Certas observações e certas experiências, além disso, foram relatadas com o cuidado de não deixarem margem alguma ao erro, que em si mesmas contêm a característica da autenticidade científica mais absoluta e mais bem controlada. São, portanto, testemunhos que acusam o cepticismo dos pegadores por parti pris e o reduzem à última extremidade . E agora que a atenção geral está voltada para essa ordem de fatos, serão eles assinalados em muito maior número, visto como bem considerável era o dos que passavam despercebidos ou aos quais nenhum valor se atribuía. Em Astronomia, desde que os astros são descobertos, todo o mundo os vê.

Tenho para mim que as conclusões seguintes resultam logicamente do conjunto dos fatos expostos

1° - A alma existe como personalidade real, independente do corpo;

2° - A alma é dotada de faculdades ainda desconhecidas da Ciência ;

3° - Ela pode agir e perceber, à distância, sem os sentidos como intermediários ;

4° - O futuro é de antemão preparado, determinado pelas causas que o produzirão. A alma percebe-o algumas vezes .

Observações outras já foram apresentadas, especialmente no que concerne aos duplos de vivos, ao corpo etéreo ou astral e as manifestações de morins; mas os quatro pontos precedentes parecem-me firmados e demonstrados.

Quanto às explicações, é prudente não tentá-las. Já mostrei por diversas vezes neste livro que não são elas necessárias para a admissão dos fatos. Muita gente, em geral, é ludíbrio, a este respeito, de ilusões assaz singulares . Ao tempo dos possessos de Loudun ou dos convulsionários de Saint-Médard, por exemplo, como os efeitos da sugestão e do hipnotismo eram desconhecidos, declarava-se que tais fenômenos eram ou fraudulentos ou diabólicos. Ora, eles não são nem uma nem outra coisa. Muitos deles hoje se explicam e ouve-se freqüentemente dizer de todos aqueles de que se fala: isso é hipnotismo, sugestão, subconsciente . Outro erro . Pode muito bem acontecer que não se trate nem de uma nem de outra coisa, não sendo por isso que o fato deixe de existir. Não fechemos o círculo de nossas concepções, não estabeleçamos nem escolas nem sistemas e não pretendamos que atualmente deve ser tudo explicado para que seja admitido. A Ciência está longe de haver dito a sua última palavra, seja a respeito do que for.

Estes estudos em muito ultrapassam os limites de um volume no qual eu tinha a intenção de encerrá-los. Mas esse quadro restrito obrigava-me a tantas condensações, restrições e superstições, que o conhecimento dos assuntos era por esse motivo consideravelmente diminuído, impondo-se, por isso, insensivelmente, naturalmente, um maior desenvolvimento . Ser muito incompleto, teria tido como conseqüência nada poder provar. Preferi tratar de modo completo e metodicamente os objetos de estudo, em lugar de esflorar apenas superficialmente e inutilmente um exagerado numero deles. São necessários, neste gênero de pesquisas, provas acumuladas e convincentes, testemunhos seguros, numerosos e concordantes. Cumpria antes de tudo provar. Espero que essa demonstração esteja aqui feita para todo espírito livre, esclarecido e de boa fé.

Leva-nos a seqüência destas pesquisas a examinar os fenômenos do Espiritismo e da mediunidade; os do sonambulismo, do magnetismo e do hipnotismo; o conhecimento dos fatos remotos e do futuro sem o concurso dos sonhos; os pressentimentos, os duplos de pessoas vivas, o corpo astral, as aparições e manifestações de mortos, as casas mal-assombradas, os movimentos de objetos sem contacto, a feitiçaria, a magia, etc . , etc .

O que desde já podemos estabelecer é que, pondo de parte superstições, erros, ilusões, farsas, malícias, mentiras, fraudes, restam fatos psíquicos verdadeiros, dignos da atenção dos pesquisadores . Isto quer dizer que entramos na investigação de todo um mundo, tão antigo como a Humanidade, mas ainda bem novo para o método científico experimental, que apenas começa a aplicar-se a tais estudos de alguns anos a esta data e simultaneamente em todos os países.

E esse um programa de estudos que eu desejaria levar a bom termo, se me fosse dado o tempo indispensável para alcançar esse resultado. Mas, de uma parte, é prudente não nos entregarmos exclusivamente a essa espécie de indagações ocultistas, porque bem depressa perderíamos a independência de espírito necessária para julgar imparcialmente: melhor será não ver em tudo isso mais do que uma digressão à margem da vida normal, uma distração de ordem superior, curiosa e interessante há manjares e vinhos que é mais higiênico tomarmo-los em pequenas doses. Por outro lado, a Terra gira muito depressa e os dias passam como sonhos . Sem embargo, espero desfrutar o prazer científico de estudar uma parte desses mistérios. Depois, o que um não faz, outros o fazem; cada qual conduz sua modesta pedra para a construção da pirâmide futura.

Recordemos também o caráter excepcional desses fatos. Os fenômenos psíquicos de qualquer ordem que sejam, aliás, conquanto cessem de pertencer ao domínio mórbido das superstições e dos fantasmas ocultos e sejam tratados à luz dos métodos experimentais, não deixarão, por isso, de ser anormais e excepcionais. Não nos devemos, portanto, afoitar por esses caminhos sem nos armarmos do espírito crítico, sem o qual a razão humana não seria mais do que um simples engodo. Não devemos considerar esses fatos senão como objetos de estudo interessantes, do ponto de vista do conhecimento de nós mesmos.

Cumpre sinceramente confessar, com efeito, que o que menos conhecemos ainda, é a nossa própria natureza. A máxima de Sócrates: Conhece-te a ti mesmo pode sempre inspirar os nossos mais nobres pensamentos. Todo autor tem seus imperativos de consciência . Não se deve dizer senão o que se sabe . Talvez mesmo nem sempre se deva dizer tudo o que se sabe ; mas até na vida normal cotidiana, não deveríamos jamais dizer senão o que sabemos.

Estudemos, portanto, trabalhemos e esperemos . O acervo dos fatos de ordem psíquica mostra que vivemos em meio de um mundo invisível, no seio do qual operam forças ainda desconhecidas, o que está de acordo com o que sabemos sobre o limite dos nossos sentidos terrenaïs e sobre os fenômenos da Natureza. E mesmo precisamente por causa de tal estado de coisas, que tem este trabalho por título O Desconhecido. Repitamos com Shakespeare o pensamento por nós inscrito como epígrafe a um dos nossos capítulos:

 

Há mais coisas do céu e sobre a terra, Horário,

Que tudo o que saber pede a nossa filosofia;

 

E digamos também com Lamartine, reportando-nos à filosofia astronômica:

 

E a vida um degrau dessa escada dos mundos,

Que devemos subir para alcançar o além.

 

 

FIM

 

 

 

 

NOTAS DE RODAPÉS

(57) Creio ter sido o primeiro a empregar esta expressão - forca psíquica. Acha-se ela na primeira edição (1865) de minha obra: As forças naturais desconhecidas. Há mais de um quarto de século está ela incorporada à linguagem habitual.

(58) A. Taine - "Da Inteligência", t. II pás. 139.

(59) Uma rã de que se extraiu o coração, nada e salta ainda durante quatro ou cinco horas (Claude Bernard).

(60) Da Inteligência t. I pág. 306.

(61) Theory of the Human Mind.

(62) V. Pouillet - Física Experimental, t. II, pág. 65.

(63) Os filetes (os nervos) já Malebranche dizia em 1674 (Em busca da Verdade, cap. X, liv. 1.9), podem ser excitados de duas maneiras: quer pela extremidade que está fora do cérebro, quer pela que se acha no cérebro.

(64) V. A. de Rochas – Lês Forces non Definies

(65) V, as minhas obras: Os Caprichos e os fenômenos do Raio.

(66) Esta ação das substancia tóxicas e medicamentosas e dos mentais, exteriormente ao corpo, sobre pacientes sensitivos, é certa. V. Bourru e Burot, a Sugestão mental e a Ação a Distancia, Paris, 1857. Ai a narrativa de numerosas experiências conduzidas com uma perfeita sagacidade científica.

(67) Doutor Liébault - "O Sono Provocado e os estudos análogos nova edição, 1889, pág. 297.

(68) Fisiologia do Magnetizador, pág. 99.

(69) Ochorowicz - Da Sugestão Mental, pág. 419.

(70) A expressão deve corresponder a estado de exacerbação mental.

(71) E falar-se no lobo, logo se lhe vê a cauda. (En pariant du loup, on en voit la quene.

(72) No Brasil a superstição é concernente à afluência de sangue às orelhas. (Ibd).

(73) Annales des Sciences Psychiques 1893, pag. 331.

(74) Annales des Sciences Psychiques 1894, pág. 268.

(75) 1857, pág. 185.

(76) Memória sobre o sonambulismo e o Magnetismo Animal em 1820 a Academia de Berlim e publicada com adições, em 1854.

(77) Vide, Ann. des Sc. Psych., 1894, pag. 325.

(78) Report on Spiritualism 1870, traduzido em francês em 1899.

(79) O pintor bastante conhecido.

(80) O magnetismo Animal, 1884, Prefácio e pág. 266.

(81) Ensaio Filosófico sobre as Probabilidades, 1814, página 110.

(82) V. E. Gyel - O Ser Subconsciente, págs. 88 e 152.

(83) Consultar especialmente: Leuret e Gratiolet, Anatomia Comparada do Sistema Ferroso, Paris, 1839-1857; Baillarger, Das Alucinações, Paris, 1846; Brierre de Boismont, Das Alucinações. Paris, 1852; A. Lemoíne, Do Sono sob o ponto de vista Fisiológico e Patológico, Paris, 1855; Macário, Do Sono, dos Sonhos e do Sonambulismo, Paris, 1857; Lelut, Fisiologia do Pensamento, Paris, 1862; Alfred Maury, O Sono e os Sonhos, Paris, 1862; Líébault, Do Sono e dos Estados Análogos, Paris, 1866; Hervey, Os sonhos e os meios de os dirigir, Paris, 1867; Max Simon, O mundo dos Sonhos, Paris, 1888; Vaschide, C.R., Academia de Ciências, 1889, II, pág. 183; F. W. H. Myers, A Personalidade Humana, Paris, 1905.

(84) Max Simon - Le Monde des Reves, pág. 49.

(85) Anatomia Comparada do Sistema Nervoso, t. II, pagina 501.

(86) Inquiries Concerning the Intellectual Powers, 1841, página 280.

(87) Alucinações Telepáticas, pág. 329.

(88) Scíences Psychiques 1891, pág. 215. Encontrar-se-á em Phantasmas of the Living (vol. I, pág. 338, n. 108), um caso singularmente análogo a esse, em que o cônego Warburton desperta em sobressalto, vendo seu irmão cair de uma escada. Comparar também o n. 24 no mesmo volume, pág. 202 e um sonho do Senhor Drenilhe, descrito no capitulo precedente, XLVI, Pág 432.

(89) Ann. Sc. Psychiques, 1892, pág. 17.

(90) Annales des Sciencies Psychiques, 1891, pág. 219.

(91) Sciences Psychiques, 1895, pág 279.

(92) Ver para esta espécie de sonhos: Suetonio, Vida de Augusto; Cícero, Da Adivinhação; Valério Máximo, Dos Sonhos, etc.

(93) Arquivos Gerais de Medicina, Maio de 1829, pág. 131.

(94) Vimos que se passam os dois fenômenos: Leitura do Pensamento e Visão a Distância.

(95) Descrição da planta: E uma planta herbácea, formando um buquê de folhas espatuladas assaz largas e muito tenras; de um verde nem muito claro nem muito carregado, mas antes claro. A planta com que tem mala analogia é a azeda As folhas inteiramente unidas, sem espinhos, delicadas, contém um suco de cor esverdeada muito ativo que é ainda mais abundante na grande haste de 50 centímetros (da grossura de um dedo e que se vai adelgaçando), que se eleva no momento da florescência do meio das folhas. As flores, apensa visíveis em botões avermelhados antes do desabrochamento, tornam-se esverdeadas ao de­sabrocharem e se apresentam na extremidade e ao longo dessa grande haste, que é inteiramente desprovida de folhas. A planta cresce na vertente de uma montanha, na Suíça provavelmente...? Desenvolve-se na zona elevada antes das neves; mala alto se encontra a ranonculus glacialís; prolifera em um solo avermelhado, seco e friável, onde a vegetação é rara e acaçapada.

A haste assemelha-se muito à da azeda; floresce uma só vez no verão, em Junho; essa haste permanece até o Inverno, quando então seca; as pequeninas flores tornam-se pequenos grãos negros que se espalham sobre a terra e as folhas morrem; a raiz subsiste e na primavera as folhas saem da terra.

Provavelmente da família das poligonáceas, planta dicotiledônea, talvez da família das Ranonculáceas, o acônito viceja nos mesmos lugares que ela.

A flor, cujo invólucro é avermelhado antes de abrir-se, torna-se esverdinhada desabrochando. A haste é toda coberta dessas flores, que se parecem muito com as de Lapathum.

Apresentaram-lhe alguns dias depois um Polygonum Alpinun do Valaís e ela respondeu:

A planta em questão difere desta que me apresentam, pela razão de ser e sua flor ainda mais pequena, mala espessa e mais polpuda; ela não secaria tão facilmente. Além disso é esverdinhada, ao passo que esta é mais branca.

A folha é menos pontiaguda e sobretudo mele lenhosa e mais herbácea. No conjunto, a planta é mais espessa em todas as suas partes e mesmo em sua extremidade.

(96) Sem por em dúvida um só instante a sinceridade absoluta do Doutor Macário, que em todas as circunstâncias constatei, repetirei que é deplorável que este Senhor O... tenha tido o prejuízo de não ousar subscrever as suas observações e as suas convicções, porque essa estreiteza de espírito? Que há nesse sonho que possa comprometer um homem de bem?

(97) Ainda um que não ousa comprometer-se dando seu nome.

(98) Esta comunicação é acompanhada de quatro desenhos das paisagens e monumentos vistos em sonho.

(99) Caso de celebração inconsciente, talvez. Entretanto...

(100) Este sonho está no nível dos que podem ser explicados por causas conhecidas, pois que, a rigor, pode-se admitir que essa moça tenha notado aquele moço e que o sonho haja associado idéias muito naturais. Pode não haver ai mais do que coincidência fortuita.

(101) Este sonho está igualmente no mesmo caso dos premonitórios, como o caso LII. O marechal Vaillant estudava então o plano da tomada de Roma, com o qual ele próprio me entreteve diversas vezes. Cerebração inconsciente, provavelmente.

(102) Esta hipótese não parece necessária. O Senhor Jaubert, magistrado aliás muito distinto, tinha uma forte tendência para atribuir tudo aos Espíritos.

(103) Era um armário inglês, como sem duvida jamais tivesse ela visto igual.

 (104) Laplace - Essai analytíque sur les probabilítés 1814, pág. 3.

  

                                                                                                  

 

                                                                  Camille Flammarion

 

 

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