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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PROMETE-ME O AMANHÃ / Candace Camp
PROMETE-ME O AMANHÃ / Candace Camp

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Lorde Lambeth não podia evitar sentir-se cativado pela bela Marianne Cotterwood, ainda que soubesse que ela ocultava um segredo. O desejo que sentia por aquela enigmática mulher era tão intenso como sua necessidade de desentranhar aquele mistério...

Marianne não podia recordar nada de sua vida antes de seu internamento num orfanato. Seu futuro voltou a mudar quando foi acolhida por uma excêntrica família de ladrões. A elegância natural de Marianne fazia dela uma perfeita ladra, que se infiltrava facilmente entre os ricos em procura de possíveis presas. Até que Lorde Lambeth a surpreendeu com as mãos na massa... Mas tinha outra pessoa interessada nos segredos de Marianne. Uma perigosa sombra de seu passado que se aproximava, e Marianne descobriu que não teria outra solução que não entregar sua confiança a Lorde Lambeth, um homem tão temerário como ela mesma.

 

 

 

 

 

 

Marie Anne ergueu a cabeça e olhou sonolenta ao homem que permanecia sentado diante dela na carruagem. Piscou e depois franziu o cenho.

— Você é um homem malvado.

Ele olhou de relance à menina e suspirou.

— Silêncio. Já estamos chegamos.

Seu rosto ficava oculto na penumbra. Era muito delgado, quase esquálido, e não deixava de mover-se, inquieto.

—Quero ir para minha casa — disse ela que jumbrosamente. Tudo era muito confuso. Jogaba de menos a John e à pequena. E, sobretudo, sentia falta a seus pais. Recordava a não che em que sua mãe os tinha tirado apressadamente da casa, guiando-os pela escura rua. Recordava o aroma familiar do perfume de sua mãe enquanto esta a apertava contra seu peito e lhe sussurrava:

—Te cuide, MA chérie.

Sua mãe chorava e Enjoe Anne sabia que era pela gente horrível que espreitava nas ruas.

—Quero ficar contigo! —tinha gemido Enjoe Anne, aferrando-se a sua mãe. A pequena também rompeu a chorar e tentou escapar dos braços da senhora Ward. Somente John tinha permanecido estoicamente calado e sereno.

—OH, chérie... oxalá pudesse, mas é muito perigoso —sua mãe, a mulher mais bela do mundo, enxugou-lhe as lágrimas das bochechas e tentou sorrir—. Deve voltar para a Inglaterra com os avós. A senhora Ward lhes levará. Ela é amiga de mamãe e cuidará de vós. Papai e eu devemos ficar até que os avós aceitem partir. Logo nos reuniremos com vós.

—Promete-o?

—Sim, carinho, prometo-o —tinha respondido sua mãe.

—Onde está minha mãe? —perguntou Enjoe Anne a seu acompanhante—. Disse que íamos ver a —tinha chorado e esperneado quando a tirou da cama um momento antes, até que finalmente ele teve que lhe pedir que guardasse silêncio, que a levaria com sua mãe.

— Já quase chegamos —repetiu o homem aparecendo pelo guichê.

Enjoe Anne viu que se aproximavam de um enorme edifício. Mas não era sua casa, nem a casa de sua avó. tratava-se de uma imensa estrutura quadrada de pedra cinza. Muito feia, compreendeu, para que nela sei encontrasse sua mãe. Os olhos lhe encheram de lágrimas.

—Essa não é a casa de minha avó —durante um tempo muito curto, seu irmão John e ela tinham estado na casa de sua avó em Londres. A senhora Ward, a amiga de sua mãe, tinha-os levado ali e, ao princípio, Enjoe Anne se alegrou ao pensar que veria sua querida avó. Mas uma mulher os tinha levado a outra casa, onde se achava aquele homem horrível. Enjoe Anne já o tinha visto antes, embora não sabia com segurança quem era.

Essa mulher lhe deu de comer e tentou que John também comesse algo, mas estava muito doente. retorcia-se na cama, suando e tiritando. Enjoe Anne se sentiu aterrada ao vê-lo assim. Mas ainda a aterrorizava mais estar longe de seu irmão maior, viajando de noite com aquele desconhecido.

 

Por que os tinha deixado a senhora Ward com aquela mulher? por que se tinha levado a pequena, mas não a eles dois? Onde estava sua avó?

Rompeu a chorar diante daquele homem estranho e nervoso ao que não conhecia de nada.

—Quero ir com minha avó —disse com voz trêmula—. Quero ver mim mãe!

—Logo, logo —disse ele com voz impaciente. Assim que o carro se deteve, abriu a portinhola e desembarcou de um salto. Depois alargou os braços para ela e a arrastou fora da carruagem.

—Não, não! — Enjoe Anne chiou, lutando—. Mamãe! Papai!

O homem a levou inexoravelmente até a porta e chamou com a pesada aldaba. Transcorridos uns segundos, uma carrancuda criada lhes abriu e, minutos depois, apareceu no vestíbulo uma mulher corpulenta de aspecto severo, vestida com uma camisola e um gorro de dormir.

Ao vê-la, os soluços de Enjoe Anne se congelaram em sua garganta. Era alta e fornida, com os olhos pálidos e frios como o metal. Olhou a Enjoe Anne como se conhecesse todas as travessuras que a pequena tinha cometido em sua vida.

Encontrei-a junto ao caminho. É óbvio que a abandonaram —disse o homem—. Não sabia a que outro sítio levá-la.

Isso é mentira! —gritou Enjoe Anne com indignação—. Não me encontrou junto ao caminho!

A mulher deu uma palmada com tal força, que tanto Enjoe Anne como o homem sei sobressaltaram.

—Já basta! —sua voz estalou como um látego—. Aqui logo aprenderá a falar somente quando lhe falarem e a não contradizer aos adultos.

Seu tom fez que a Enjoe Anne lhe acelerasse o coração, mas a menina endireitou os ombros e ergueu o queixo.

—Não me encontrou junto ao caminho —insistiu.

Os olhos da mulher se entrecerraron.

—Já vejo que vais ser teimosa. As ruivas sempre dão problemas.

—Estou seguro de que se adaptará assim que leve aqui um pouco de tempo —disse o homem com uma nota de pânico na voz.

—Não se preocupe, senhor —respondeu a mulher com um sorriso sardônico—. A admitiremos. Não demorará para aprender disciplina —seus olhos faiscaram.

O homem emitiu um suspiro de alívio e soltou a Enjoe Anne.

—Obrigado —se girou e se apressou para a porta.

Não! Espere! —gritou Enjoe Anne voltando-se para correr atrás dele, mas a mulher a deteve.

Basta! acabou-se esse comportamento agora mesmo! —ordenou lhe dando um forte açoite nas pernas, por debaixo da saia.

Enjoe Anne, que jamais tinha recebido um golpe em sua vida, girou-se e olhou boquiaberta à mulher. O homem saiu pressuroso e fechou a porta detrás de si.

—Isso está melhor —a mulher assentiu aprobadoramente—. Os meninos de São Anselmo não se comportam assim, como muito em breve descobrirá. Os meninos de São Anselmo são calados e obedientes. Bom... —acrescentou olhando-a com atenção—. Que idade tem?

—Cinco anos —se apressou a responder a menina, orgulhosa de sua idade.

—E como te chama?

—Enjoe Anne.

—Um nome pouco adequado para uma menina de sua condição. Chamaremo-lhe simplesmente Mary. Tem sobrenome?

Enjoe Anne ficou olhando-a.

—Não... não estou segura. Solo sei que me chamo Enjoe Anne.

—Tem pai?

Pois claro que sim! —respondeu, indignada—. E virá por mim!

Seguro —disse a mulher cinicamente—.Muitos de nossos meninos esperam que venham seus pais. Mas, enquanto isso, terá que te dar um sobrenome. Como chama a gente a seu pai?

—Chilton.

—Muito bem. Mary Chilton. Assim te chamará. Eu sou a senhora Brown, diretora de São Anselmo.

—Mas esse não é meu nome —protestou Enjoe Anne com indignação.

—Será-o a partir de agora. E não me replique. Já te hei dito que não tolero semelhante conduta.

—Mas você se equivoca!

A senhora Brown alargou a mão e lhe deu uma forte bofetada na bochecha.

—Não me fale nesse tom. Entendido?

Enjoe Anne assentiu, aturdida, levando a mão à bochecha. Jamais a tinham tratado assim. Lhe saltaram as lágrimas e, por uns instantes, esteve ao bordo do pranto.

—me responda quando te falar —ordenou a senhora Brown.

—Sim, senhora Brown —respondeu Enjoe Anne diligentemente, embora seu tom era gelado e orgulhoso como o de uma duquesa.

—me siga —a mulher a conduziu por umas escadas e um corredor escassamente iluminado com candelabros. A luz das velas titilava e piscava, projetando estranhas sombras. Enjoe Anne tentou reprimir o medo, recordando as palavras que sua avó lhe havia dito uma vez, quando foi a ela chorando porque John e outros meninos a tinham assustado com histórias de terror: «Mantenha a cabeça alta, pequena minha. Que não saibam que tem medo. Isso lhes daria muita mais satisfação».

A senhora Brown se deteve diante de um armário e tirou uma manta e um vestido marrom.

Em cima colocou umas anáguas brancas, uns pontos de tricô com vários cerzidos e uma camisa de dormir excessivamente grande. Entregou-lhe o montão a Enjoe Anne.

—Sua roupa e uma manta para a cama.

Enjoe Anne olhou dúbia o feio vestido marrom.

—Mas se já tenho roupa. Eu gosto mais meu vestido.

—Sua roupa é inadequada. Excessiva para sua condição. Agora está em São Anselmo e levará o vestido que te dei.

Recordando a dolorosa bofetada, Enjoe Anne preferiu não discutir. Seguiu à senhora Brown até o dormitório situado mais à frente do armário.

Era um dormitório enorme, com fileiras de camas a ambos os lados. Ao lado de cada cama havia uma pequena cômoda com três gavetas. E em cada cama dormia uma menina. Enjoe Anne jamais tinha visto tantas pessoas dormindo em uma mesma habitação.

A senhora Brown se girou para ela.

Agora quero que te dispa e chá deite. Amanhã apresentarei às demais meninas e te atribuirei suas tarefas.

Tarefas?

É obvio. Aqui todo mundo tem que trabalhar para ganhá-la comida —a mulher se voltou e começou a afastar-se.

Mas e a luz? —inquiriu Enjoe Anne, incapaz de dissimular o tremor de sua voz—. Como vou despir me às escuras?

—Entra bastante luz pelas janelas —respondeu a diretora, assinalando as altas janelas sem cortinas—. Não permito que as meninas esbanjem velas.

Dito isto, saiu da habitação. Enjoe Anne viu como se desvanecia a lhe pisquem luz da vela. Jamais se havia sentido tão só em toda sua vida, nem sequer a noite em que sua mãe a deixou a ela e seus irmãos com a senhora Ward.

Uma manita tomou a sua e uma voz suave sussurrou:

—Vamos, não chore. Amanhã se sentirá melhor, já o verá.

Enjoe Anne se girou e viu uma menina de sua estatura, embora sua cara aparentava mais idade. Olhou-a com curiosidade enquanto suas lágrimas remetiam lentamente.

—Olá. Quem é?

—Meu nome é Winny —respondeu a menina com um tímido sorriso—. Tenho oito anos. E você como te chama?

—Enjoe Anne. Embora essa mulher diz que agora me chamo Mary.

A pequena assentiu.

—Gosta dos nomes singelos. Quantos anos tem? Você gostaria de ser meu amiga?

—Né, não seja tola, Winny —disse uma voz áspera da cama situada em frente.

Uma menina de mais idade se deu a volta para sentar-se no bordo da cama, as olhando. Tinha o cabelo negro e encaracolado, recolhido em desalinhados acréscimos, e a redonda cara salpicada de sardas—. Quem quereria ser amiga de alguém como você?

Eu —disse Enjoe Anne firmemente — . Winny parece muito simpática.

«Winny parece muito simpática» —a arremedou a outra menina, elevando a voz para imitá-la dicção precisa de Enjoe Anne — . O que é, uma maldita princesa?

Enjoe Anne ergueu o queixo. —Não, mas algum dia serei duquesa sim quero. Isso diz minha avó.

—Duquesa! —a outra menina se deu uma palmada na perna e estalou em gargalhadas—.Né, me ouçam todas, temos a uma maldita duquesa entre nós. A duquesa de São Anselmo.

—Não lhe faça caso —sussurrou Winny—. A Betty cai mal todo mundo. Eu sim acredito que parece uma duquesa —tocou a manga do vestido de Enjoe Anne com admiração—.

Mas será melhor que ponha a camisola. A senhorita Patman vem a nos ver cada hora e te castigará se vir que não está deitada.

Enjoe Anne suspirou. Com a ajuda do Winny, desabotoou-se o vestido e desdobrou a camisola para ficar o —¡Anda! ¿Qué es eso? —Betty, que seguía observándola, se inclinó y echó mano al meda_llón que Marie Anne llevaba al cuello.

—Anda! O que é isso? —Betty, que seguia observando-a, inclinou-se e jogou mão ao medalhão que Enjoe Anne levava a pescoço.

Enjoe Anne retrocedeu rapidamente, fechando a mão em torno do prezado medalhão. Sua avó o tinha agradável os últimos natais. Era de ouro e continha dois retratos em miniatura de seu pai e de sua mãe. Tinha a letra gravada M, de Enjoe. Sua avó lhe tinha agradável um similar à pequena, com a letra A da Alexandra. Naturalmente, Alexandra era muito pequena para levá-lo, mas Enjoe Anne se pôs o seu e jamais sei o tinha tirado.

—Dêem me exigiu isso Betty avançando para ela.

— Não! É meu! Me deu de presente isso minha avó!

—Agora é minha —Betty agarrou o medalhão e começou a atirar, mas Enjoe Anne emitiu um grito feroz e lhe cravou os dentes. Betty retirou a mão, deixando escapar um alarido de dor.

Renda-se, a menina de mais idade que havia no quarto se aproximou para as separar.

—Acredito que encontraste a fôrma de seu sapato, Bet —disse com voz divertida a jovem de quatorze anos. Fez uma reverência zombadora a Enjoe Anne, que seguia rígida pela ira—. Encantada de conhecê-la, duquesa. Sou Sally Gravers.

—Obrigado. Eu também me alegro de te conhecer — Enjoe Anne se inclinou levemente, como lhe tinham ensinado a fazer.

A jovem sorriu. Logo se girou para a Betty e franziu o cenho.

—Deixa-a em paz, ouve-me? Esse medalhão é dele.

—Está bem, Sally —respondeu Betty asperamente, ao tempo que dirigia a Enjoe Anne um olhar venenoso.

—E agora, vamos dormir —prosseguiu Sally—. Eu, pelo menos, não tenho nenhuma vontade de me levantar às cinco e me pôr a esfregar chãos sem ter pego olho.

Enjoe Anne a olhou boquiaberta, sem dar crédito ao que ouvia. Acaso tinha acabado convertendo-se em uma espécie de faxineira?

—Betty não lhe roubará —sussurrou isso Winny, que seguia a seu lado—, porque teme a Sally. Mas a diretora lhe tirará isso se lhe vê posto. Eu tenho um esconderijo. Ensinarei-lhe isso e poderá guardá-lo ali.

Enjoe Anne assentiu agradecida enquanto, com a ajuda do Winny, estendia a manta sobre o estreito colchão. Logo se meteu na cama. Recordou como sua mãe estava acostumada lhe dar sempre um beijo de boa noite e os olhos lhe encheram de lágrimas. por que não tinha acudido sua mãe a procurá-la? Prometeu que seu pai e ela se reuniriam com eles assim que pudessem.

Uma horrível sensação de solidão se abateu sobre Enjoe Anne, enquanto em seu interior uma voz malévola lhe sussurrava que seus pais já não a queriam.

Mas isso não era certo! Enjoe lutou contra o horror que ameaçava engolindo-a. Sabia que seu pai e sua mãe a amavam. iriam procurar a, e também encontrariam à pequena, e John... John ficaria bem. Solo tinha que esperar, disse-se, e algum dia sua família a encontraria e seria feliz de novo..

 

Marianne respirou fundo enquanto observava a radiante multidão. Jamais tinha assistido a uma festa tão grande, com tantas pessoas da nobreza. perguntou-se o que pensariam se soubessem que era em realidade a humilde Mary Chilton, do orfanato de São Anselmo, e não a refinada viúva Marianne Cotterwood.

Sorriu interiormente. O que mais gostava daquela farsa era a idéia de enganar à aristocracia, de conversar com gente que se haveria sentido horrorizada ao saber que estavam falando de igual a igual com uma antiga faxineira.

Marianne considerava inimigos naturais a todos os membros da classe alta. Ainda recordava seus tempos no orfanato, quando as grandes senhoras iam para fazer suas «obras de caridade». Vestidas com seus elegantes trajes, olhavam às órfãs com lastimoso desprezo. Logo se foram, sentindo-se imensamente superiores e santas por sua caridade. Marianne estava acostumado às olhar com o coração cheio de uma abrasadora fúria. Suas experiências detrás abandonar o orfanato não tinham diminuído o desprezo que sentia para elas. Tinha entrado em servir em casa de lady Quartermaine quando tinha quatorze anos, e ali tinha trabalhado como donzela, com um só dia livre à semana e um salário de um xelim diário.

—Uma festa maravilhosa —disse a acompanhante do Marianne, interrompendo seus pensamentos.

A senhora Willoughby estava tão orgulhosa de ter sido convidada à festa de lady Batterslee, que convidou ao Marianne a acompanhá-la para que presenciasse tal esplendor. Marianne se alegrou de ter estado com a senhora Willoughby o dia em que esta recebeu o convite.

Uma festa na elegante mansão Batterslee era uma oportunidade que não se dava todos os dias, e Marianne a aproveitou, embora isso entranhasse suportar o estúpido bate-papo da senhora Willoughby durante toda a velada.

Marianne olhou a seu redor e viu um homem apoiado em uma das esbeltas colunas da sala de baile, a poucos metros dela.

Estava-a olhando e, quando Marianne se deu conta, ele não retirou o olhar envergonhado, como teria feito a maioria. Seguiu observando-a fixamente, de um modo que resultava quase indecente.

Era alto e esbelto, com os ombros largos e as pernas musculosas próprias de um homem que tinha passado grande parte de sua vida montando a cavalo. Seu cabelo, curto e ligeiramente despenteado, era castanho claro. Seus olhos também eram castanhos e ao Marianne recordaram os de um falcão. Tinha os maçãs do rosto altos, o nariz fino e reta; seu rosto era aristocrático, atrativo e orgulhoso, e parecia ligeiramente aborrecido, como se o mundo não oferecesse o suficiente para captar seu interesse.

Seu olhar a desassossegou. Ao Marianne resultava quase impossível retirar os olhos daquele homem. Lhe sorriu, um sorriso lento e sensual que lhe provocou um estranho formigamento no sob ventre. Marianne fez gesto de lhe devolver o sorriso, mas se conteve a tempo, recordando o que era aquele homem e o que ela sentia pelos indivíduos de sua classe. Além disso, uma viúva refinada não sorria aos desconhecidos. De modo que arqueou uma sobrancelha desdenhosamente e, continuando, deu-lhe as costas.

A anfitriã se aproximou delas para as saudar. Saudou a senhora Willoughby, sem dar sinal alguma de reconhecê-la, e depois fez o próprio com o Marianne.

Havia tanta gente na sala que resultava difícil abrir-se passo.

Finalmente, conseguiram encontrar um par de cadeiras vazias. A senhora Willoughby se desabou em uma delas, abanicándose o rosto congestionado, e olhou em torno com o entusiasmo de uma trepadeira social.

—Aí está lady Bulwen. Surpreende-me que tenha vindo. Dizem que está a um só passo de ir ao cárcere como morosa, sabe você? —meneou a cabeça, estalando a língua, antes de prosseguir—. Esse daí é Harold Upsmith. Conhece-o? Um autêntico cavalheiro... e não como seu irmão James, que é um folgado.

—Certamente —murmurou Marianne, seguindo sem esforço a conversação. Para ela era uma sorte que a senhora Willoughby fosse uma fofoqueira empedernida. antes de que acabasse a noite, saberia tudo a respeito da aristocracia.

Ao cabo de uns instantes, entretanto, chamou-lhe a atenção o tom imperioso de uma mulher sentada a sua direita.

—Ponha reta, Penelope. E tenta aparentar que te está divertindo. É uma festa, sabe?, não um velório.

Marianne as olhou com curiosidade. A voz pertencia a uma mulher alta, vestida com um traje cor púrpura. Também ela olhava à multidão como um ave de presa, fazendo comentários sobre os solteiros pressente e dirigindo-se a seu jovem acompanhante em tom autoritário.

A jovem em questão estava sentada entre o Marianne e a mulher de mais idade, luzia um singelo vestido branco. O branco, conforme sabia Marianne, era a cor que deviam levar as garotas solteiras nas festas.

—Sim, mamãe —murmurou Penelope com voz inexpressiva ao tempo que apertava os punhos no regaço. Elevou a mão para ficar bem os óculos e o leque lhe caiu ao chão, aterrissando sobre o pé do Marianne.

—Penelope, tenta ser menos desajeitada. Não há nada menos atrativo para um homem que uma mulher torpe.

—Sinto muito, mamãe —disse Penelope ruborizando-se e se agachou para recuperar o leque, mas Marianne já o tinha recolhido.

O devolveu ao Penelope com um sorriso compadecido.

—Obrigado —murmurou a jovem sonriendo timidamente.

—Não há de que. Uma festa tremenda, né?

Penelope assentiu enfaticamente.

—Sim, as ódio quando há tanta gente.

—Sou a senhora Cotterwood. Marianne Cotterwood —se apresentou Marianne.

—Eu me chamo Penelope Castlereigh. É um prazer conhecê-la.

—O prazer é inteiramente meu. Terá-lhe parecido um atrevimento por minha parte que me presente, mas, a verdade, considero ridículo estar aqui sentadas sem falar simplesmente porque não haja ninguém perto que nos conheça ambas para nos apresentar.

—Tem toda a razão —conveio Penelope—. Eu me teria apresentado se tivesse mais valor. Mas me temo que sou uma covarde.

Nesse momento, a mãe do Penelope reparou em que sua filha não a estava escutando e olhou para ver o que era o que a tinha distraído. Observou desaprobadoramente ao Marianne e franziu o cenho.

— Penelope! O que está fazendo?

—Só estava falando com a senhora Cotterwood. Conheci-a a semana passada, em casa da Nicola.

Rapidamente, antes de que sua mãe indagasse mais no assunto, apresentou ao Marianne. A mãe do Penelope, descobriu Marianne, era lady Úrsula Castlereigh.

Imediatamente, a senhora Willoughby sei inclinou para diante.

—OH, conhece você a lady Castlereigh, senhora Cotterwood? —disse, encantada—. Sou a senhora Willoughby, lady Castlereigh. Não sei se o recorda, mas nos conhecemos na festa da senhora Blackwood, o verão passado.

—Seriamente? —respondeu lady Úrsula em um tom que teria desalentado a uma mulher menos decidida que a senhora Willoughby.

—Pois sim. eu adorei o vestido que levava aquele dia —a senhora Willoughby procedeu a dar uma descrição detalhada do vestido enquanto se levantava para sentar-se ao lado de lady Úrsula.

Marianne aproveitou a oportunidade para escapar de ambas.

—Gosta de dar uma volta pela sala, senhorita Castlereigh?

O semblante do Penelope se iluminou.

—Parece-me uma idéia estupenda.

A jovem se relaxou visivelmente quando se afastaram de lady Úrsula. Marianne olhou em torno enquanto passeavam, inspecionando a sala. Na enorme habitação havia poucos dos objetos valiosos que procurava. Conduziu ao Penelope para os grandes ventanales, abertos para arejar o ambiente.

—Ah, aqui se está muito melhor.

—OH, sim —conveio Penelope, seguindo-a—. O ar fresco sinta bem.

Marianne apareceu ao exterior. Estavam no segundo andar, que dominava um pequeno jardim situado na parte traseira da casa. Não havia nenhuma árvore ou grade oportuna perto. Mesmo assim, Marianne estudou com olho profissional o ventanal e a fechadura antes acompanhar ao Penelope a outra parte da sala.

Enquanto caminhavam, sentiu um estranho formigamento na nuca, que lhe disse que alguém a estava observando. Girando-se, viu o mesmo homem que se esteve fixando nela um momento antes. Enquanto Marianne o olhava, lhe fez uma breve reverencia. sentiu-se invadida por uma súbita sensação de calor a que não estava acostumada. disse-se que era sobressalto.

—Penelope... —Marianne tomou a seu acompanhante do braço—. Quem é esse homem?

Penelope se ajustou os óculos e seguiu a direção de seu olhar.

—refere-se a lorde Lambeth?

—A esse tão bonito com o sorriso de superioridade.

Penelope sorriu levemente para ouvir a descrição.

—Sim. É Justin. O marquês do Lambeth.

—Não deixa de me olhar. Resulta-me desconcertante.

—Deveria estar acostumada a que a olhem os homens —respondeu Penelope, fazendo uma óbvia referência a sua beleza.

—Obrigado pelo completo —Marianne lhe sorriu—. Mas é a segunda vez que o surpreendo me olhando indecorosamente. E não parece lhe importar que me tenha dado conta. fica aí com esse ar de...

—De arrogância? —disse Penelope—. Não sente saudades. Lambeth é muito arrogante. Naturalmente, tem motivos para sê-lo. Todo mundo o adula, sobre tudo as jovencitas casaderas.

—É que é uma boa partida? Penelope emitiu uma risita.

—Eu diria que sim —a olhou com curiosidade—. Insinúa que alguma vez tinha ouvido falar dele?

—Temo-me que não. passei estes últimos anos no Bath. Levo uma vida tranqüila desde que meu marido morreu.

—Claro. Sinto muito. Com razão não ouviu falar dele. Bath não é o tipo de sítio que Lambeth está acostumado a freqüentar. Não é o bastante excitante.

—É um farrista, então?

Penelope se encolheu de ombros.

—Detesta o aborrecimento. Bucky diz que é capaz de algo com tal de não aborrecer-se. O mês passado, sir Charles Pellingham e ele fizeram apostas sobre quão rápido uma aranha podia tecer seu tecido em uma janela do White'S.

Marianne fez uma careta.

—Parece-me uma soberana tolice.

—Sir Charles é parvo —reconheceu Penelope—, mas Bucky diz que Lambeth as sabe todas.

—Quem é Bucky? —inquiriu Marianne.

Penelope se ruborizou ligeiramente.

—Lorde Buckminster. É primo de meu boa amiga Nicola Falcourt —apressadamente acrescentou—: Lhe considera uma excelente partida.

—A lorde Buckminster ou a lorde Lambeth?

Penelope se ruborizou ainda mais.

—A ambos, suponho, mas referia a lorde Lambeth. Dizem que é imensamente rico e seu pai é o duque do Storbridge, assim que todas as mães casamenteiras têm os olhos postos nele.

—Compreendo.

—Embora imagine que é em vão. Minha mãe diz que existe um acordo tácito entre ele e Cecilia Winborne e que acabarão casando-se algum dia. Seria um matrimônio perfeito. A linhagem dela é tão elevado como o dele... e jamais houve um escândalo na família. São terrivelmente dissimulados —acrescentou Penelope em tom de confidência.

Marianne se pôs-se a rir.

Penelope pareceu levemente envergonhada.

—Sinto muito. Não devi dizer isso. Deve me considerar uma jovem terrível. Minha mãe diz que sempre vou da língua.

—Tolices —lhe assegurou Marianne—. Desfruto muito com sua companhia... e essa língua inquieta é uma das principais raciocine.

—Seriamente? —Penelope pareceu agradada—. Sempre tenho medo de dizer algo indevido. E logo, quando outros esperam que fale, a língua parece travar-se me —A Bucky le cae bien lord Lambeth. Dice que es un «buen tipo». Pero a mí me da un poco de miedo. Es tan frío y orgulloso... igual que el resto de su familia. Su madre impone aún más respeto que él.

—Também me ocorre freqüentemente — mentiu Marianne amavelmente. Em realidade, jamais tinha tido problemas de acanhamento. Suas palavras, não obstante, pareceram animar ao Penelope, que seguiu falando.

—Ao Bucky cai bem lorde Lambeth. Diz que é um «bom tipo». Mas me dá um pouco de medo. É tão frio e orgulhoso... igual ao resto de sua família. Sua mãe impõe ainda mais respeito que ele.

—Pois deve ser terrível, então.

—É-o. Pessoalmente, acredito que Cecilia Winborne e ela são do mesmo pano. Mas, dado que lorde Lambeth despreza o amor, suponho que não lhe importa.

—Mmm, parece que formam um casal encantador.

Penelope deixou escapar uma risita.

—Vá... Penelope! —disse uma voz masculina atrás delas. Ao voltar-se, viram que sei aproximava um homem alto e loiro, de expressão amável, que olhava sorridente ao Penelope—. Que sorte te encontrar longe de lady Úrsula!

Penelope se ruborizou e seus claros olhos castanhos se iluminaram.

—Bucky! Não sabia se foste vir esta noite.

—Saí da ópera antes de tempo. Seguro que a mãe da Nicola me esfolará a próxima vez que me veja, mas... por favor! — fez uma pausa, mostrando sua indignação — . Um homem só pode agüentar esses uivos até certo ponto! Penelope sorriu.

—Estou segura de que lady Falcourt o compreenderá.

—Não, mas... —Buckminster se girou para o Marianne e disse—: Desculpe, fui tremendamente descortês ao... —suas palavras se extinguiram quando olhou a cara do Marianne, e ficou muito pálido—. Eu, né... vá.

Marianne logo que pôde conter uma risita. Lorde Buckminster tinha todo o aspecto de ter recebido um mazazo na cabeça.

—Senhora Cotterwood, me permita lhe apresentar a lorde Buckminster —disse Penelope.

—Que tal está? —Marianne lhe tendeu a mão.

—É... é um prazer conhecê-la —conseguiu dizer ele, avançando para tomar sua mão. Depois de saudá-la, seguiu olhando-a fixamente com uma sonrisita tola nos lábios.

Marianne suspirou para si. Estava claro que Penelope sentia debilidade pelo Bucky», mas ele não parecia adverti-lo. Também era evidente que se deslumbrou com o Marianne. Muitos homens estavam acostumados a reagir assim ao vê-la.

—Encantada de havê-lo conhecido —lhe disse em tom amável—, mas me temo que não posso ficar a conversar. Devo retornar com a senhora Willoughby ou começará a me jogar em falta.

—Permita que a acompanhe —sugeriu Buckminster com ansiedade enquanto se alisava o punho da cha-queta. Um de seus gêmeos de ouro caiu ao chão e saiu rodando — OH, vá... —olhou consternado o gêmeo e sei agachou para recolhê-lo.

—OH, não —protestou Marianne — . Deve ficar fazendo companhia ao Penelope. Seguro que têm muito de que falar —dito isso, se escabulló rapidamente, enquanto Buckminster seguia concentrado no gêmeo.

Continuando, abriu-se passo por entre a multidão até chegar à porta. Abrindo o leque, para simular que era o calor o que a impulsionava a abandonar a sala, avançou pelo comprido corredor. Olhou a seu redor fingindo um ar avoado, memorizando a posição das portas, as janelas e as escadas. Depois se deteve e fez como que contemplava um retrato. Enquanto, jogou uma olhada à janela para comprovar sua acessibilidade da rua. Depois de certificar-se de que não havia serventes nem outros convidados à vista, caminhou para o vestíbulo, aparecendo a todas as habitações pelas que acontecia. Todas estavam cheias de objetos valiosos, desde quadros a finas peças de mobiliário, mas ao Marianne solo interessavam aqueles objetos que pudesse transportar e vender com facilidade, como a prata e os adornos. Sua intenção era localizar o despacho, pois sabia que ali estaria provavelmente a caixa forte. Encontrou-o ao abrir a segunda porta. Embora, mais que um despacho, parecia um estudo.

Com um sorriso de satisfação, Marianne entrou na habitação, agarrou um candelabro da mesa situada junto à mesa e o acendeu com um dos candelabros de parede do corredor. Logo fechou a porta detrás de si. Aquela era a parte mais perigosa de seu trabalho, assim como a mais excitante. Devia proceder com rapidez.

Com o coração martilleándole o peito, Marianne deixou o candelabro na mesa e inspecionou o estudo, retirando levemente os quadros de cenas de caça para olhar detrás. O terceiro quadro ocultava o prêmio: uma caixa forte embutida na parede. aproximou-se para examinar a fechadura, que se abria com chave e não com combinação.

 

— Desculpe, mas não posso permitir que abra a caixa forte de minha anfitriã —disse uma voz masculina atrás dela.

Sobressaltada, Marianne se girou rapidamente, com o coração na garganta. Apoiado no marco da porta, com uma sobrancelha socarronamente arqueada, estava lorde Lambeth.

Durante um comprido momento, Marianne não pôde a não ser ficar olhando-o, sua mente girando freneticamente. Por fim, conseguiu esboçar um sorriso trêmulo e disse:

—Milord! Deu-me um bom susto!

—Sim? —ele sorriu, mostrando seus brancos dentes. Marianne teve a súbita e intensa impressão de estar vendo um lobo—. Pensei que teria uns nervos mais temperados... dada sua profissão.

Marianne se endireitou e pôs uma expressão arrogante que tinha aprendido de lady Quartermaine.

—Como há dito? Minha profissão? Temo-me que não sei do que está falando.

—Bravo — Lambeth entrou na habitação e fechou a porta—. Quase poderia acreditá-la... de não havê-la surpreso com as mãos na massa.

Marianne notou um nó de terror no estômago.

—O que está fazendo? Devo insistir em que abra essa porta. Isto é extremamente indecoroso.

Ele arqueou uma sobrancelha.

—Pensei que gostaria de falar do assunto em privado. Mas se preferir que abra a porta para que todo mundo nos ouça...

Lambeth se dirigiu para a porta, mas Marianne deu um passo adiante.

—Não! Não, aguarde. Tem razão. Será melhor que o esclareçamos em privado.

Ele esboçou um sorriso presunçoso e cruzou os braços.

—você tem uma explicação? Adiante, por favor. eu adoraria ouvi-la.

—Não vejo por que tenho que lhe explicar nada — repôs Marianne acaloradamente. Superado seu arrebatamento inicial de medo, voltava a ter a integridade de sempre. Aquele homem personificava tudo o que ela detestava da aristocracia: a altivez, a arrogância, o desdém para as pessoas de classe inferior—. Além disso, solo estava jogando uma olhada. Isso não tem nada de mau.

—E o que me diz da caixa forte? —Lambeth assinalou o quadro, ainda deslocado—. Estava tentando abri-la.

—Eu não estava fazendo tal coisa! —Marianne pôs gesto de absoluta indignação—. O quadro estava torcido e o pus direito.

Ele emitiu uma gargalhada.

—É você atrevida, terá que reconhecê-lo. Mas a tenho em minhas mãos e sabe perfeitamente —avançou para ela—. A festa era aburridísima, mas se animou muito ao chegar você.

—supõe-se que isso é um completo? — Marianne retrocedeu um passo. A proximidade do Lambeth lhe resultava desconcertante. Detestava-o. Era seu inimigo. Mas seu sorriso lhe provocava uma sensação estranha na boca do estômago. E, quando se aproximou, viu que tinha os olhos claros, da cor do conhaque, obscurecidos sob suas espessas pestanas. Marianne se deu conta de que não podia deixar de olhá-los.

—Sim, é-o. As jovencitas revistam me aborrecer.

—Eu não sou uma jovencita —assinalou ela—. Sou viúva.

— Sério?

—É obvio. Como lhe ocorre duvidar de minhas palavras?

Lambeth estava tão perto, que ela podia sentir o calor de seu corpo. Marianne retrocedeu até que se viu abandonada.

—É você um mal educado.

—Isso revistam me dizer. Entretanto, não sou nenhum ingênuo, assim que lhe sugiro que deixe de fingir. Levo observando-a toda a noite.

—Sei. Dava-me conta. Foi então quando compreendi quão grosseiro é você.

—Ao princípio, fixei-me em você porque é extremamente atrativa —Lambeth sorriu e elevou a mão para lhe acariciar a bochecha.

Marianne sentiu um calafrio, estranho e delicioso, e se separou dele, irritada consigo mesma.

—Estava-me perguntando como me poderia engenhar isso para conhecê-la quando a vi com a senhorita Castlereigh e lorde Buckminster. Sabia que eles nos apresentariam, mas, quando cheguei, você já se foi. Assim que a segui pelo corredor e foi então quando reparei em sua estranha conduta.

—Estava-me espiando? Surpreende-me, milord.

—Você tem vantagem sobre mim. Parece saber quem sou... pois é a segunda vez que me chama «milord». Eu, em troca, não sei seu nome.

—Não acredito que seja de sua incumbência.

—Mais vale que me diga isso. De todos os modos, acabarei sabendo-o pelo Bucky.

Marianne franziu o cenho.

— Sou Marianne Cotterwood. A senhora Cotterwood.

—Ah, sim. Esquecia que é viúva.

—Desejaria que deixasse de utilizar esse tom desdenhoso. por que ia fazer me passar por viúva, se não fosse realmente?

—Não sei. Possivelmente o seja. Embora também poderia formar parte de seu engano.

—Eu não estou enganando a ninguém. Esta conversação é absurda, assim que vou.

Marianne fez gesto de partir, mas Lambeth alargou ambos os braços e a deteve.

—Antes me diga que fazia farejando pelo corredor e aparecendo a todas as habitações. E por que entrou nesta e retirou os quadros até que encontrou a caixa forte.

Marianne se notou a garganta seca. O corpo do Lambeth estava a escassos centímetros de distância; seus olhos pareciam brocar os seus. Resultava-lhe difícil respirar e, extrañamente, sentia frio e calor ao mesmo tempo.

—É você uma benjamima, senhora Cotterwood —disse ele em voz fica—. Não me ocorre outra explicação.

—Não —sussurrou ela, lambendo-os lábios para umedecê-los.

Os olhos do Lambeth se obscureceram. Elevou a mão para lhe percorrer o lábio com o polegar.

—É você a mulher mais formosa que conheci jamais, mas não posso permitir que roube a meus amigos —fez uma pausa, e um sorriso aflorou a seus lábios—. Por outra parte, lorde Batterslee não é o eu chamaria um «amigo», mas sim mas bem um conhecido.

inclinou-se sobre ela, envolvendo-a em seu calor e seu aroma. Marianne fechou os olhos, quase enjoada por sua proximidade. Notou o contato de seus lábios nos seus e se sobressaltou ligeiramente, mas não se retirou. A sensação que experimentava era muito doce e estranha. relaxou-se, sucumbindo ao prazer. Lambeth a rodeou com os braços, atraindo-a para si ao tempo que reclamava sua boca ansiosamente.

Marianne notou como se estivesse fundindo-se por dentro. Nenhum homem tinha feito que se sentisse assim jamais. De fato, estranha vez tinha permitido que um homem a tocasse, desde o do Daniel. Os beijos do Daniel também tinham sido doces ao princípio...

Marianne ficou rígida ao lembrar-se do Daniel Quartermaine. Outro aristocrata de beijos e palavras amáveis, mas sem nenhum desejo em mente salvo o de utilizá-la e abandoná-la. De repente, compreendeu as intenções do Lambeth e se separou dele, lhe dando uma bofetada na bochecha.

Ele ficou olhando-a, surpreso.

Sei o que tenta fazer! gritou Marianne.

Sim, está muito claro —respondeu ele sardónicamente.

Acredita que me deitarei com você para que não diga a ninguém que sou uma benjamima!

Lambeth arqueou as sobrancelhas.

—Eu não hei dito em nenhum momento que...

—Não fazia falta. Como acaba de dizer, tudo estava muito claro. Acusou-me de ser uma benjamima e logo começou a me beijar. O que outra coisa quer que pense?

—Que sua beleza me apartou que meu dever, por exemplo.

Por favor. Não sou estúpida. Nem tampouco uma fulana. Está perdendo o tempo. Não me deitarei com você, embora vá por aí me difamando.

Em outras palavras, é uma benjamima com princípios.

Marianne abriu a boca para replicar airadamente, mas nesse momento se abriu a porta e um homem de média idade entrou na habitação. Ao vê-los, deteve-se boquiaberto.

—OH, vá.

—Lorde Batterslee — Lambeth o saudou inclinando a cabeça.

Marianne notou uma sensação geada no estômago. Lambeth diria ao dono da casa que a tinha encontrado farejando em seu estudo para roubar. E a palavra do filho de um duque bastaria para que se avisasse a um oficial.

—Lambeth, que demônios está acontecendo aqui?

Lambeth esboçou uma lhe sugiram sorriso.

—Pois exatamente o que parece, temo-me. Estava... procurando um lugar privado para, né, convencer à dama do afeto que sinto por ela.

Marianne se ruborizou. Não sabia se sentir-se aliviada ou humilhada ao ter manchado Lambeth sua reputação daquela forma.

—Uma entrevista? Em meu estudo? Francamente, Lambeth...

Lambeth se encolheu de ombros, levando a mão à bochecha avermelhada.

—Não era uma entrevista, exatamente. Como pode você ver, a senhora Cotterwood se mostrou algo contrária a minhas sugestões —se girou para o Marianne—. Não fazia falta que me pegasse, sabe? Com um simples «não» tivesse bastado.

— Não se atreva a me falar! —a emoção da afogada voz do Marianne era sincera. sentia-se ao bordo do pranto por causa das emoções contraditórias que a rasgavam por dentro. Mas, mesmo assim, conservou a serenidade suficiente para aproveitar a oportunidade—. Canalha! —espetou a lorde Lambeth e, seguidamente, pôs-se a correr para a porta. Tentando não chamar a atenção dos pressente, saiu da casa e tomou uma carruagem imediatamente.

Para seu alívio, a carruagem empreendeu um passo ligeiro. Marianne se girou e apareceu pelo guichê. Não viu sinal alguma de lorde Lambeth. Com sorte, teria retornado à sala de baile, pensando que ela tinha voltado para a festa. Ou possivelmente nem sequer se tomou a moléstia de procurá-la.

Mas por que lhe tinha mentido a lorde Batterslee? Possivelmente tinha esperado poder chantageá-la com o que sabia dela.

Marianne sorriu para si. Nesse caso, lhe ia resultar muito difícil encontrá-la. Ninguém, nem sequer a senhora Willoughby, sabia onde vivia. Sempre tinha procurado manter sua vida privada à margem do mundo do que Piers denominava «as carreiras». Além disso, aquela tinha sido sua primeira incursão na alta sociedade londrino. Nos anos anteriores, centraram-se nas classes médias de Londres e outras cidades, até infiltrar nas zonas de balneários de Brighton e Bath, onde Marianne se mesclou com os ricachones que veraneavam ali. Solo fazia um par de meses que tinham decidido provar sorte com a aristocracia de Londres.

Tinha dedicado algum tempo a estabelecer-se na cidade, visitando damas como a senhora Willoughby, a quem tinha conhecido no Bath e Brighton. A senhora Willoughby a tinha animado a visitá-la se alguma vez ia a Londres. Marianne tinha esperado introduzir-se pouco a pouco nos círculos da alta sociedade. Foi uma sorte que se encontrasse visitando a senhora Willoughby quando esta recebeu a cobiçado convite à festa de lady Batterslee. Jubilosa e desejando que alguém compartilhasse seu triunfo, a senhora Willoughby tinha convidado impulsivamente ao Marianne a que a acompanhasse, lhe brindando uma oportunidade com a que ela logo que tinha sonhado.

Mas nesses momentos, pensou sombríamente, tudo se tinha ido abaixo. Recostada no assento, Marianne fechou os olhos. Todo o trabalho, o tempo e o esforço que tinham investido para tirar suficiente dinheiro em Londres e retirar do «negócio»... tinham sido em balde.

Quando a carruagem se deteve diante de sua pequena e acolhedora casa, situada nos subúrbios do Mayfair, Marianne se sentia completamente abatida.

Depois de apear-se e pagar ao chofer, caminhou lentamente para a casa. Mas antes de que chegasse a tocar o pomo da porta, esta se abriu de repente. Winny apareceu dentro da casa, sonriéndole.    

—Vi-te chegar —disse.

Winny tinha sido seu amiga desde que Marianne podia recordar. Maior que ela, tinha abandonado o orfanato de São Anselmo dois anos antes que Marianne e tinha entrado em servir em casa dos Quartermaine, situada perto do orfanato. Em seus poucos dias livres, tinha visitado o Marianne e, quando esta fez quatorze anos e saiu do orfanato, Winny a recomendou à ama de chaves dos Quartermaine.

Tinham estado sempre juntas após, exceção feita dos dois anos seguintes a que jogassem ao Marianne da casa. Não obstante, quando Marianne se estabeleceu em sua nova vida, procurou o Winny, quem se uniu a sua nova «família». Winny carecia as habilidades com as que o resto da família ganhava a vida, assim que se encarregava da casa, tarefa com a que estava mais que familiarizada.

—Todos lhe esperam na sala de estar —seguiu dizendo Winny.

Marianne assentiu, ainda mais descorazonada que antes. Sabia que todos aguardavam com entusiasmo os resultados de sua primeira incursão na alta sociedade e detestava ter que lhes comunicar seu fracasso. Eles o aceitariam bondosamente, certamente. Sempre o faziam. Solo entre aqueles marginados tinha encontrado Marianne bondade.

Entrou na sala de estar, seguida do Winny. Em efeito, todos estavam ali. Rory Kiernan, a quem chamavam afetuosamente «Papai» porque era o mais velho de todos. A seu lado estava sentada Betsy, sua mulher. Betsy era uma perita com as cartas e Papai era um dos melhores ladrões de carteira de Londres, embora ambos levavam já algum tempo retirados. Tinham uma filha, Della, uma mulher moréia de média idade que se levantou de um salto ao vê-la entrar.

— Marianne! —Della sorriu de brinca a orelha e abriu os braços para abraçá-la. Era o mais parecido a uma mãe que Marianne tinha tido jamais. Tinham sido ela e seu marido, Harrison, quem a tinha resgatado quando chegou a Londres uns nove anos antes.

Nnaquele tempo naquele tempo Marianne era Mary Chilton, uma jovencita de dezenove anos assustada, sozinha... e grávida. Enquanto trabalhava em casa dos Quartermaine, tinha atraído a atenção do Daniel, o filho maior, quem tratou de seduzi-la com palavras doces e amáveis. Ela, ingenuamente, tinha pensado que a amava e, durante um tempo, foi feliz. Não obstante, ao não conseguir convencer a de que se deitasse com ele, Daniel a possuiu à força. Afligida e descorazonada, Marianne foi à ama de chaves, quem lhe recomendou que guardasse silêncio sobre o ocorrido. Daniel logo se iria a Oxford, recordou-lhe o ama de chaves e, enquanto isso a poria a trabalhar na cozinha, para que não tivesse que encontrar-se com ele.

Marianne não demorou para descobrir que estava grávida. Escreveu- uma carta ao Daniel, tragando o orgulho pelo bem de seu futuro filho e lhe pedindo ajuda, mas jamais lhe respondeu. Quando seu embaraço começou a notar-se, lady Quartermaine ordenou à ama de chaves que a despedisse. Marianne não pôde encontrar trabalho em nenhuma outra casa da zona. Ninguém desejava admitir a uma criada licenciosa. Finalmente, transladou-se a Londres, esperando encontrar um emprego naquela cidade impessoal, onde seu embaraço não constituísse uma trava. Winny lhe deu até o último penique que tinha economizado, mas Marianne não encontrou trabalho e as escassas economias do Winny não demoraram para esfumar-se.

Desesperada-se e faminta, Marianne roubou fruta de um posto ambulante. Mas o vendedor a viu e correu atrás dela. Della e Harrison, que tinham contemplado a cena, salvaram-na. Enquanto Harrison distraía ao vendedor, Della a agarrou por braço e a levou a sua casa para lhe dar de comer. Marianne, afligida por sua bondade, estalou em soluços e relatou a Della sua história.

Assim foi como a acolheram na família. Della e Harrison não eram ladrões correntes. Harrison era especialista em forçar fechaduras, abrir caixas fortes e irromper nas casas sem que os ocupantes o advertissem. Uma das razões de seu êxito era o trabalho da Della, sua sócia. Della falava e se comportava como uma autêntica dama. Sua mãe, Betsy, havia regentado um salão de jogo e tinha ensinado a sua filha falar e atuar corretamente, preparando-a para a vida que tinha que levar posteriormente. Marianne tinha permanecido com o casal enquanto durou seu embaraço e durante vários meses depois de que a menina, Rosalind, tivesse nascido. Com o tempo, Harrison lhe propôs que fizesse o mesmo trabalho que Della. Ao fim e ao cabo, já falava muito melhor que a maioria de seus semelhantes e se desembrulhava com uma graça natural. Della e ele, assinalou Harrison, podiam ensiná-la a polir suas maneiras e a comportar-se como uma verdadeira dama, o qual lhe resultou assombrosamente fácil.

Para quando Rosalind teve completo um ano, Marianne já tinha adotado o nome do Marianne Cotterwood, fazendo-se passar por uma viúva respeitável, e tinha começado a visitar casas com a Della.

Era um trabalho fácil, sempre que sei possuísse acuidade e nervos firmes, qualidades que tinha Marianne. Possuía bom olho e uma memória excelente, e era capaz de localizar, sem que ninguém se desse conta, entrada-las e saídas de uma casa, assim como os objetos mais valiosos e fáceis de transportar. Depois de memorizar a informação, a passava ao Harrison. Della logo admitiu que Marianne o fazia muito melhor que ela, assim acabou em um feliz semiretiro, acompanhando ao Marianne em visitas sociais solo quando lhes parecia imprescindível.

A «família» cresceu durante os seguintes oito anos. Primeiro, Papai e Betsy, já muito majores para o negócio, transladaram-se a viver com eles. Logo, Harrison e Della acolheram a um adolescente extraviado que até então se ganhou a vida roubando carteiras. Piers já tinha completo vinte e dois anos e Harrison o tinha convertido em um ladrão profissional de primeira fila.

—Sente-se e conta-nos o tudo —disse Della ao Marianne—. Havia muito luxo?

—foi a festa mais luxuosa que vi jamais —respondeu Marianne sinceramente.

—Sabia! —Betsy proferiu uma gargalhada—. O pai desse tipo estava acostumado a ir a meu salão e sempre tinha os bolsos cheios. Pelo menos, ao entrar.

—Bom, parece que o filho também está forrado. O mau é que... —Marianne titubeou—. Ah, que demônios! A verdade é que o danifiquei tudo.

—Não seja parva —disse Piers—. Você sempre tem a impressão de havê-lo feito mal.

—É certo. Seguro que o fez estupendamente —conveio Della.

—Não —inesperadamente, os olhos do Marianne se encheram de lágrimas—. Me descobriram.

A habitação ficou em silêncio. Marianne agachou os olhos, incapaz de olhar a outros.

Finalmente, Harrison pigarreou para esclarecê-la garganta.

—Como puderam te descobrir? Está aqui, não? Certamente lhe haveriam...

—Esse homem não me denunciou. Mas me pilhou com as mãos na massa. OH, como pude ser tão descuidada? Não o vi em nenhum momento!

—Quem te descobriu? —inquiriu Harrison.

—Lorde Lambeth. esteve-se fixando em mim. Logo me seguiu pelo corredor, sem que eu me desse conta, e entrou no estudo justo quando eu examinava a caixa forte.

— OH, não! —Della respirou fundo — . E o que te disse?

—Pensou que eu tratava de abrir a caixa. É obvio, disse-lhe que tinha interpretado mal a cena, que simplesmente estava pondo direito o quadro, mas ele não me acreditou. Estava convencido de que era uma benjamima —Marianne lhes relatou o resto, incluída a chegada de lorde Batterslee e a mentira improvisada do Lambeth.

—Graças a Deus! —exclamou Della.

—por que faria esse homem algo assim? —inquiriu Harrison.

—Vamos, moço —Papai falou pela primeira vez—. Não me diga que minha filha se casou com um mendrugo. Note na garota —fez uma piscada ao Marianne—. Qualquer homem que mereça chamar-se assim perdoaria a semelhante beleza um roubo de nada. Por isso a mãe da Della teve sempre tanto êxito —deu ao Betsy um tapinha na mão—. Era tão agradável à vista, que os pobres incautos não viam como o dinheiro desaparecia de seus bolsos.

—Crie que foi por isso? —perguntou Harrison ao Marianne.

Ela notou como suas bochechas se ruborizavam.

—Bom, acredito que esperava que chegássemos a certo... acordo em troca de seu silêncio.

—O muito chantagista! —rugiu Piers, levantando-se com o rosto congestionado de ira—. Deveria ir lhe dar seu castigo.

—OH, Piers, volta a te sentar. Não merece a pena que te meta em algo assim. Em realidade, ele não me propôs nada. Foi um... pressentimento que tive. Embora talvez me equivoquei. Apesar de minha negativa, não lhe disse nada a lorde Batterslee.

Piers emitiu um grunhido.

—Conheço os de sua índole. Esse tipo não quis renunciar ao poder que tem sobre ti. Tão solo pretende deitar-se contigo.

—Eu também o pensei. Mas descobrirá que suas ameaças são inúteis. Embora, então, possivelmente o contará tudo a lorde Batterslee. Estou muito preocupada, Harrison. Danifiquei-o tudo. E se denunciam às autoridades?

—O que poderão demonstrar? —assinalou Harrison—. Não roubou nada. Solo lhe surpreenderam te passeando pela casa e jogando uma olhada. Isso não constitui nenhuma prova.

Não sempre se necessitam provas —atravessou Papai—. Uma palavra de um lorde, Y... —passou-se o dedo indicador pela garganta, em um macabro gesto.

E embora não o denunciem às autoridades —disse Betsy —, pode corrê-la voz de que Marianne é uma benjamima e o negócio se virá abaixo.

—É certo —Harrison se esfregou o queixo pensativamente—. Mas estávamos tão perto... Detesto dar por perdida esta oportunidade de qualquer jeito. Sugiro que esperemos a ver o que acontece. Além disso, esse homem não sabe onde vive, verdade?

Não. Estou segura de que não me seguiu —Marianne suspirou—. O sinto. Não compreendo como pude ser tão descuidada.

acontece com todos —lhe assegurou Harrison amavelmente — . O principal é que não te aconteceu nada.

—Obrigado. Mas é uma lástima. Tinham tantos objetos de valor...

—Seguro que a perda não foi completa. Conheceu gente, verdade?

Marianne assentiu com a cabeça.

—Sim, a alguma. Por exemplo, a lady Úrsula Castlereigh e sua filha. Estive um momento falando com a jovem.

—Vê-o? Isso te dará acesso a outras casas, já o verá. E se não... —Harrison se encolheu de ombros—. Bom, provaremos no continente, ou voltaremos para o Bath.

Piers deixou escapar um bufido.

— Ao Bath, nem pensar! Ali não há mais que velhas.

Harrison arqueou uma sobrancelha.

—Não estamos nisto para que te divirta.

—Sei, sei —Piers suspirou, dando-se por vencido.

—Enfim — Della olhou em torno—. De momento, pouco mais podemos fazer. Terá que esperar a ver o que acontece. Seguro que ao Marianne gosta de comer algo e ir-se dormir.

Marianne lhe sorriu agradecida.

—Obrigado. A verdade é que não tenho muita fome. Mas dormir sentará bem. Com sorte, amanhã as coisas terão melhor aspecto.

O grupo se separou e cada qual se dirigiu a sua habitação. Marianne também se encaminhou para a porta, mas Winny a deteve.

—Fica um momento, Mary.

Marianne se girou e a olhou inquisitivamente.

—Há... algo que quero te dizer.

—O que? —ao Marianne deu um tombo o coração—. Se trata do Rosalind? Não estará doente, verdade?

—Não, não é nada disso. É que... verá, acabo de receber uma carta da Ruth Applegate. Lembra-te dela, não? Era criada dos Quartermaine.

Marianne franziu o cenho. A expressão de seu amiga a inquietava.

— Sim, claro que me lembro. Foram muito amigas. O que acontece? Ocorreu-lhe algo?

—Não. Ela sabe que me devi viver contigo. Tem escrito para te avisar. Pelo visto, um tipo esteve na casa perguntando por ti. Ruth acredita que um detetive te está seguindo a pista.

 

— Um detetive! —Marianne exalou um ofego afogado—. Deus santo, acreditei que as coisas não podiam ser piores.

Winny se rebuscou no bolso e tirou a carta, escrita a lápis.

—A letra da Ruth não é muito boa. Mas, por isso pude entender, afirma que um homem esteve na casa perguntando por uma tal Mary C. Bom, em realidade parece que foram dois homens, em dias distintos. Ninguém deu informação sobre ela e Ruth tampouco disse nada, mas pensou que devia te avisar. Acredita que eram detetives.

—Terão-nos descoberto? pôde alguém...? Não, é impossível. Nos últimos anos jamais lhe hei dito a ninguém que meu nome era Mary Chilton ou que trabalhei em casa dos Quartermaine.

Winny assentiu.

—Sei. Deve ser alguém do passado.

—Mas quem? E por que?

—Crie que... poderia ser sua família? —inquiriu Winny, expressando em voz alta o sonho de todo órfão—. Possivelmente foram a São Anselmo e ali lhes falaram dos Quartermaine.

—depois de tanto tempo? —Mary reprimiu o leve broto de esperança inspirado pelo comentário do Winny—. Não tenho família. Se a tivesse, me teriam procurado faz muitos anos. Já passaram mais de vinte.

—De todos os modos, o desse detetive me preocupa —Winny se mordiscou o lábio inferior.

—Deus santo, como se a situação não fosse já o bastante complicada — Marianne suspirou—. Por sorte, não averiguaram nada em casa dos Quartermaine, assim não poderão dar comigo. Obrigado, Winny. Não sei o que faria sem ti.

—Não seja tola. Sou eu quem teria estado perdida sem sua ajuda. Bom, vete já à cama. Precisa dormir.

Marianne assentiu e subiu a seu quarto. Não obstante, antes de entrar, deteve-se na pequena habitação contigüa à sua e entrou nas pontas dos pés. As cortinas estavam abertas, como ao Rosalind gostava, e a lua projetava um resplendor pálido no dormitório. Marianne se situou junto à cama e contemplou a sua filhinha um momento. Tinha o negro cabelo estendido sobre o travesseiro e a boquita entreabierta. inclinou-se para posar um beijo em sua frente. Apesar de que desprezava ao pai, Marianne sempre havia sentido um imenso amor por sua filha. Rosalind era o mais importante de sua vida e sempre tinha feito o possível por protegê-la.

Depois de sair do quarto, Marianne entrou em sua habitação e se despiu rapidamente. Luegose pôs uma camisola e procedeu a escovar o cabelo. antes de deitar-se, abriu o pequeno joalheiro da cômoda e extraiu um medalhão. Era um medalhão de ouro que a tinha acompanhado desde que podia recordar. Seu único elo de união com o passado.   

Tinha uma vistosa gravada M e se abria para mostrar dois retratos em miniatura. Marianne se sentou diante da cômoda e contemplou ao homem e à mulher dos retratos. Estava segura de que eram seus pais, embora não sabia se se lembrava deles verdadeiramente ou só tinha essa impressão como resultado de ter cuidadoso os retratos tantas vezes.

Aquele medalhão tinha sido seu talismã durante os tempos escuros e terríveis do orfanato. Sempre o tinha tido posto, e inclusive dormia com ele. Marianne percorreu com o dedo sua delicada superfície e recordou as fantasias que tinha tido de menina. Tinha imaginado a seus pais nobres, ricos e carinhosos. Um homem malvado a tinha separado deles e a tinha levado a São Anselmo, mas ela sabia que seus pais seguiam procurando-a. Nunca se dariam por vencidos.

Marianne esboçou um sorriso triste e voltou a depositar o medalhão no joalheiro. Fantasias próprias de uma menina, solo se tratava disso. Ninguém a estava procurando para devolvê-la com sua família. Sua única família estava ali: sua filha, Rosalind, Winny e outros.

Entretanto, enquanto se metia na cama, Marianne não pôde evitar sentir uma pontada de dor em seu coração pela família a que nunca tinha conhecido.

 

Lorde Lambeth fixou o olhar na taça de conhaque, que agitou perezosamente com a mão, observando como o licor girava no recipiente de cristal. Marianne Cotterwood. Quem diabos era aquela mulher?

Irritou-o sobremaneira que lhe tivesse escapado. Justin não estava acostumado a que ninguém contrariasse sua vontade, e menos uma mulher. As mulheres estavam acostumadas ir a ele como as moscas ao mel, atraídas por sua atrativo e sua fortuna. Em realidade, ao Justin o aborreciam mortalmente.

A só idéia de atar-se a uma delas durante o resto de sua existência lhe provocava calafrios. Supunha que, chegado o momento, acabaria casando-se com a Cecilia Winborne, como esperavam seus pais. Ao fim e ao cabo, um futuro duque devia engendrar herdeiros. Logo, naturalmente, Cecilia e Justin teriam vistas independentes, e ele se buscaria amantes que rebatessem a frieza de sua esposa.

Em realidade, Justin jamais tinha conhecido a uma mulher que não acabasse aborrecendo-o ao cabo de certo tempo. E se havia algo que lorde Lambeth detestava, era o aborrecimento. De fato, aquela noite tinha estado a ponto de abandonar a festa de lady Batterslee, encontrando-a terrivelmente tediosa, mas então viu a ruiva.

Não tinha nem idéia de quem era. Nunca a tinha visto antes. Mas era a mulher mais formosa que tinha contemplado jamais. O solo feito de vê-la, do extremo oposto da sala, tinha despertado nele uma quebra de onda de desejo puramente sexual. Mas ela o tinha cuidadoso com arrogância, elevando o queixo, e havia lhe tornado as costas, desprezando-o. Nada do que aconteceu a seguir, incluído o fato de que aparentemente era uma benjamima, tinha conseguido que diminuíra seu interesse por ela.

Lambeth sorriu para si, seus lábios sei suavizaram sensualmente enquanto recordava o beijo que tinham compartilhado. Passou a gema do dedo pela Lisa superfície da taça, desejando que fosse a pele dela.

Logo se levou a mão à bochecha que lhe tinha esbofeteado. A dor tinha merecido a pena, tendo em conta o beijo que o tinha precedido. Tinha-o deixado com vontades de mais, de muito mais.

O único problema, naturalmente, era que não tinha nem idéia de como encontrá-la. Solo sabia seu nome, e isso caso que não lhe tivesse mentido a respeito. Os ladrões, conforme sabia por experiência, nunca tinham reparos na hora de mentir. Entretanto, aquela mulher não era uma benjamima corrente. Falava e sei comportava como uma dama.

Maldito fora o parvo do Batterslee, por havê-los interrompido naquele preciso momento! De ter acontecido alguns minutos mais com ela, Justin poderia ter obtido algo mais de informação. E a teria convencido de que não pretendia aproveitar do conhecimento de suas atividades ilegais para levar-lhe à cama. Mas ela o tinha tomado pelo mais vil dos homens e tinha fugido sem deixar rastro.

Lambeth não carecia de recursos, por outra parte. Tinha-a visto com o Penelope Castlereigh e lorde Buckminster. Possivelmente eles soubessem quem era e onde vivia. Decidiu visitar o Buckminster ao dia seguinte para lhe surrupiar um pouco de informação.

Por muito que lhe custasse, estava decidido a encontrar a aquela mulher.

Richard Montford, sexto conde do Exmoor, reclinou-se na cadeira e contemplou ao homem que tinha diante.

—Vá, vá... fazia muito tempo que não falávamos, né? Sente-se, sente-se. Não fique aí como um pasmarote.

O homem negou com a cabeça, carrancudo. Era algo mais jovem que o Conde e de facções atrativas, embora não memoráveis.

—A que vem tudo isto, Montford? —perguntou com voz irritada e certo deixe de apreensão—. Já não somos o que se diz amigos.

—Não. Já logo que fica nada em ti do extravagante jovem ao que conheci em outra época.

—Extravagante? Embotem pelo ópio e o álcool, mas bem. Mas ambos sabemos que deixei atrás essa vida. por que desejas falar comigo?

—É mais por necessidade que por desejo, querido amigo. Suponho que terá ouvido falar dessa herdeira americana que se casou com lorde Thorpe. Alexandra Ward.

—Certamente. A neta da Condessa, a que todos acreditavam morta. E que diabos tem que ver isso comigo? É tua prima, não minha.

—Ah, mas seu passado está ligado ao dele...

— Ao dele, não. Eu nunca cheguei a ver a menina. Você me disse que tinha morrido.

—Assim acreditava —os olhos castanhos do Exmoor se endureceram—. Essa maldita mulher me mentiu!

—Não sei por que se preocupa. Você não teve nada que ver com seu desaparecimento. Por isso ouvi, foi sua mãe, sua suposta mãe, quem fez acreditar que tinha morrido.

— Sim, mas a volta da Alexandra tirou reluzir o fato de que os outros dois meninos tampouco morreram em Paris. A Condessa sabe que a tal Ward os levou a casa Exmoor.

—Mas você não esteve comprometido. Eu pensava que se culpou de seu desaparecimento à prima da Condessa, que confessou antes de morrer.

—A Condessa suspeita de mim. Sabe que sou o único ao que teria beneficiado a morte do menino. Por isso sei, a estúpida da senhorita Everhart disse que eu estava comprometido.

—Mas a Condessa não pode demonstrá-lo. Em caso contrário, já o teria feito.

—Exato, e não quero que possa demonstrar nada no futuro. Não arrastará o nome dos Exmoor pela lama sem motivo, mas, se descobrir minha participação nos fatos, nem sequer o medo ao escândalo a deterá.

—Mas como poderia demonstrá-lo? A senhorita Everhart morreu e eu não penso dizer nada, certamente. Tenho tanto que perder como você.

Os lábios do Conde se curvaram em um cruel sorriso.

—Sei. Por isso te chamei. A Condessa está procurando à outra menina, Enjoe Anne.

Seu interlocutor ficou tenso. Ao cabo de um momento, pigarreou nervosamente.

—Não poderá dar com ela.

—contratou a um detetive. Tenho entendido que já conseguiram lhe seguir a pista até o orfanato.

—São Anselmo? —o lábio superior do outro homem se perló de suor.

—Surpreende-me que recorde o nome.

—Como ia esquecer o? Não todos fomos agraciados com sua falta de consciência.

Richard arqueou uma sobrancelha.

—Não estou questionando sua aborrecida moralidade. A verdade, me sentiu saudades que recorde algo daquela época.

O outro homem apertou os lábios.

—Foi uma experiência difícil de esquecer.

—Como resultado disso deixou atrás sua antiga vida? —inquiriu Richard em tom ligeramentedivertido.

—Sim. Quando me vi sozinho em minha habitação, com o canhão de uma pistola apertado contra a têmpora.

—Que dramático.

—Estou seguro de que te teria divertido muito a cena. Mas então compreendi que ou morria ou trocava de vida. Não podia seguir assim. Decidi deixar os vícios. Bem sabe Deus que, nas semanas seguintes, houve muitos momentos nos que desejei ter apertado o gatilho.

—Eu, ao menos, me alegro de que não o fizesse. Tenho uma tarefa que te encomendar.

—Uma tarefa? —o homem ficou atônito— . Crie que estou disposto a trabalhar para ti? Já fiquei em paz contigo quando me levei a aqueles meninos. Não voltarei a mover um só dedo por ti.

—E por ti mesmo tampouco?

—Do que está falando?

—Eu não sou o único que se verá prejudicado se certas coisas do passado saem à luz.

—Como? O major, o menino, nem sequer sobreviveu, verdade? Estava virtualmente morto quando eu o deixei.

—O menino morreu —respondeu Richard lacónicamente—. O problema é a garota.

—Não teria mais de cinco ou seis anos nnaquele tempo. naquele tempo. Não pode lembrar-se de nada.

—Possivelmente não. Mas se visse certa cara, a cara do homem que a separou de seu irmão e a levou a inferno do orfanato, quem sabe se isso não estimularia sua memória?

—Não... não estará sugiriendo que a encontraram.

Richard se encolheu de ombros.

—Duvido-o. Ainda é logo. Mas eu também enviei a um homem a São Anselmo quando soube que a Condessa estava procurando a jovem. E ali nos disseram aonde foi abandonar ele

orfanato. Pelo visto, entrou em servir em uma casa de aristocratas locais, os Quartermaine.

—Deus bendito! —o outro homem empalideceu—. A descendente de uma família de condes trabalhando como donzela.

—Mmm. Muito irônico, verdade?

—Trágico, mas bem.

—Jogaram-na da casa dos Quartermaine... grávida.

O homem fechou os olhos.

—Que Deus me perdoe.

—Possivelmente Deus sim, mas duvido que a alta sociedade o faça.

—Eu não queria fazê-lo! —espetou o homem—. Sabe que tentei te dissuadir. Jesus bendito, quando deixei à pequena com aquela arpía do orfanato, chorando e esperneando...—apertou os punhos com força nos flancos.

—Mas o fez.

—Porque você me obrigou! foi a única maneira de poder te pagar o que te devia.

—Não te obriguei. Você me tinha suplicado esse dinheiro, tremendo e pálido como um cadáver. Segundo lembrança, nnaquele tempo naquele tempo elogiou minha generosidade.

—Porque não conhecia suas intenções! —acrescentou o homem, enojado de si mesmo—: Yfui débil.

Richard não disse nada. Podia lhe haver famoso que seguia sendo débil ou, do contrário, não teria ido a sua chamada.

—Crie que isso te salvará se tirar o chapéu que separou à filha do Chilton de sua família e a levou a um orfanato porque necessitava dinheiro para ópio?, para beber, jogar e ir de fulana? Crie que se compadecerão de ti? — inquiriu Richard—. Não. Ambos sabemos o que acontecerá tira o chapéu o que fez.

—Acaso me está ameaçando lhe dizendo a todo mundo o que fiz? Você também te veria comprometido!

—OH, não, não direi nada... a menos que me veja obrigado. Mas se o detetive da Condessa encontra à garota... Se ela contar o ocorrido e isso causa minha ruína, prometo-te que não cairei sozinho. Você cairá comigo.

—É repugnante.

—E isso o que tem que ver com o assunto? Pensa-o. E se a garota te reconhece? Você foi o que a levou ali, sabe? O último homem ao que viu. Se se lembrar de alguém, será de ti.

—Asseguro-te que não pode lembrar-se! A gente sempre esquece as coisas que lhe aconteceram deniño.

—Inclusive algo que trocou sua vida para sempre? Não sei. Eu acredito que sim pode lembrar-se. E se se encontra contigo, casualmente, e ao ver sua cara suas lembranças saem à superfície? Agora bem, se estiver disposto a correr o risco... —Richard se encolheu de ombros.

—Maldito seja! O que é o que quer de mim? O que te propõe?

—Quero que te assegure que o detetive da Condessa não a encontre.

—E como se supõe que vou dar com ela?

—Isso não será tão difícil. Todos os criados dos Quartermaine afirmaram desconhecer seu paradeiro. Mas uma moço de quadra se levou à parte a meu enviado e lhe contou algo muito interessante. Por um preço, claro. Ao parecer, a pequena Mary. Chilton, que assim se chamava, tinha uma amiga muito especial entre as demais donzelas, uma tal Winny Thompson. Dois anos depois de que Mary deixasse a casa, a tal Winny recebeu uma carta, deixou seu trabalho e se transladou a Londres. Se rumoreó que Mary tinha achado um meio de ganhá-la vida e convidou a seu amiga a que vivesse com ela. Meu enviado seguiu a pista do Winny Thompson até Londres. Pelo visto, uma das donzelas recebe cartas suas com regularidade, e o ama de chaves viu as direções mais recentes.

—Assim que seu enviado... encontrou a Mary.

—Acredito que sim. Em qualquer caso, localizou ao Winny Thompson. Trabalha como ama de chaves para uma família que conta entre seus membros com uma «viúva», mãe de uma menina de nove anos. A suposta viúva se chama Marianne Cotterwood. Tem veintitantos anos e é ruiva.

O outro homem deixou escapar um bufido.

— Sim, parece tratar-se da garota que estamos procurando.

— Se seu enviado conseguiu averiguar tanto, por que não lhe ordena que se ocupe pessoalmente? Parece muito eficaz.

—Sim, é-o. Mas há dois problemas. Primeiro, eu gostaria de me assegurar que a senhora Cotterwood é realmente a mulher que estamos procurando. Segundo, não quero pagar a ninguém para que realize uma operação tão delicada como esta. A pessoa em questão poderia voltar-se atrevida e exigir mais dinheiro em troca de permanecer calada. Você, por outra parte, não poderá me extorquir com a ameaça de romper seu silêncio. Por isso compreendi em seguida que foi o homem perfeito para este trabalho.

—O que quer que faça? Que lhe ofereça dinheiro por partir de Londres antes de que o detetive da Condessa a encontre?

Uma solução fácil, certamente, mas pouco segura. A gente não está acostumada cumprir sua palavra.

Então, o que se supõe que devo fazer? — inquiriu o homem com evidente impaciência.

É muito singelo. Essa mulher parece uma dama, não uma antiga donzela. move-se enlos mesmos círculos que você. Resultará-te fácil conhecê-la e te assegurar que, efetivamente, é a que procuramos. E logo... —Richard fez uma pausa, cravando seus acerados olhos no outro homem—. Logo a matará.

 

Marianne olhou a sua filha. Um de seus passatempos favoritos era ensinar ao Rosalind, uma menina acordada e inteligente. achavam-se na cozinha, com a mesa cheia de livros e cadernos, concentradas em uma lição de vocabulário e caligrafia. Sentada frente a elas, Betsy tomava uma taça de chá, enquanto Winny e Della preparavam a comida. Rosalind, com a língua entre os dentes, escrevia cuidadosamente utilizando um lápis.

—Perfeito —a animou Marianne—. Bom, que palavra é essa?

—E-s-p-e-c-ou-1-a-r. Especular.

—Muito bem. Sabe o que significa?

Rosalind a olhou com seus enormes olhos azuis, tão parecidos com os de sua mãe.

—Mmm. É o mesmo que «especulação»?

—Sim. «Especulação» é o nome. «Especular» é o verbo. Sabe o que é a especulação?

Rosalind assentiu, satisfeita de saber a resposta.

—Sim, a avó me explicou isso ontem, enquanto você estava fora.

A avó? — Marianne se girou para o Betsy, a única avó que Rosalind tinha conhecido. Betsy, cuja educação era muito rudimentar, não parecia a pessoa mais adequada para repartir lições de vocabulário—. Está bem, Ros. O que é a especulação, exatamente?

Bom, é quando um aposta uma quantidade de dinheiro. A avó e eu estivemos praticando. que reparte dobra a aposta e logo entrega três cartas a outros, Y...

—Um jogo de cartas? —Marianne se girou para o Betsy—. Lhe ensinou um jogo de cartas?

Betsy se encolheu de ombros.

—Um singelo, para passar o momento.

Foi muito divertido, mamãe! E ganhei! —assegurou Rosalind entusiasmada—. A avó diz que outro dia me ensinará mais jogos.

Já te hei dito que não quero que a menina aprenda a jogar às cartas, Betsy.

Tem um talento natural —protestou Betsy—. É uma lástima que o desperdice. Jamais tinha visto ninguém que aprendesse tão depressa.

—Rosalind não vai se dedicar a isso.

— Claro que não. Mas nunca vem mal aprender a ganhar um pouco de dinheiro, se por acaso faz falta.

Marianne emitiu um bufido e fechou os olhos. Ouviu umas risitas amortecidas e se girou para o Winny e Della. Estavam contendo a risada.

—Adiante, reí se gosta de —grunhiu Marianne.

—Sinto muito, Marianne —se desculpou Winny, ainda sonriendo—. É que... estava tão Mona, aí sentada, com três cartas na mão e jogando como uma profissional.

Marianne pôde imaginar-se perfeitamente a cena e seus próprios lábios se curvaram em um sorriso.

—Por Deus, Betsy —disse, tratando de permanecer firme—. Solo tem nove anos.

—Sei. Por isso resulta ainda mais incrível. Jogava como se fora muito major.

Marianne sorriu.

—Bom, no futuro, poderia lhe ensinar algo que não sejam jogos de cartas? Nem nenhum de seus outros truques.

Betsy abriu os olhos inocentemente.

—Truques? E por que ia ensinar lhe à menina nenhum truque?

—Ensinou-me um a semana passada —assinalou Rosalind—. Sabe? Se cravar o ás com um alfinete, nota-o com a mão enquanto joga, mas não se vê, Y...

— Betsy! A isso exatamente referia.

Betsy se encolheu de ombros.

—Está bem. Se isso for o que quer... Mas, em minha opinião, o saber nunca está de mais.

Meneando a cabeça, Marianne prosseguiu com a lição. Sabia que era impossível fazer entender ao Betsy seu desejo de que Rosalind levasse uma vida normal. Ignorava como ia conseguir o, mas estava decidida a que sua filha crescesse sem conhecer a pobreza... ou o medo de viver à margem da lei.

A lição continuou sem incidentes. Piers tinha prometido levar ao Rosalind a voar cometas e, pouco depois do almoço, ambos partiram. Marianne, que tinha a tarde livre, decidiu visitar a biblioteca pública.

Era uma de suas atividades favoritas. adorava ler, um hábito que outros ocupantes da casa encontravam certamente estranho. Tal atitude não lhe era desconhecida. Às meninas do orfanato também estava acostumado a lhes chocar sua afeição e, mais tarde, em casa dos Quartermaine, Marianne tirava livros da biblioteca para lê-los escondido de outros.

Quando estava a alguns metros da biblioteca pública, viu que uma jovem dama avançava para ela, seguida de sua donzela. Ao aproximar-se, reconheceu-a imediatamente.

— Senhorita Castlereigh! —ao Marianne surpreendeu o prazer que experimentou ao ver quão jovem tinha conhecido a noite anterior.

Penelope, que caminhava com a cabeça encurvada, elevou o olhar e um sorriso iluminou seu semblante.

— Senhora Cotterwood! Que agradável surpresa.

—Sim que o é. Dirigia-me à biblioteca pública —Marianne se fixou no livro que levava Penelope—. Parece que você também.

—Em efeito —o sorriso do Penelope se alargou—. Gosta de ler, como a mim?

—OH, sim —confessou Marianne—. É meu passatempo favorito.

—De verdade? Também o meu —Penelope parecia encantada de ter encontrado a alguém com sua mesma afeição aos livros—. Minha mãe sempre diz que sou um camundongo de biblioteca. Mas os livros são muito mais... excitantes que a realidade, não lhe parece? —acrescentou com olhos brilhantes—. Me tenho feito viciada nas novelas de terror. Já sabe, com monges loucos, castelos encantados e condes malignos. Essas coisas não se vêem na vida real.

—Não —Marianne sorriu—. Embora certamente não o desfrutaríamos tanto se nos acontecesse em realidade.

—Tem você razão —estiveram um momento conversando de seus livros favoritos. Finalmente, Penelope alargou a mão impulsivamente e a posou em seu braço—. Venha a me visitar, quer?

Poderemos falar de livros e outras coisas. eu adoraria lhe apresentar a meu amiga Nicola. Seguro que lhe cairá bem —titubeou, insegura—. Espero... espero não estar me precipitando.

—Céus, não. Para mim será um prazer ir —era uma oportunidade que Marianne não estava disposta a deixar passar, embora sabia que teria aceito embora não lhe tivesse convencionado. Caía-lhe bem aquela muchachita tímida e supunha um prazer pouco habitual poder falar de literatura com alguém.

—Magnífico — Penelope lhe disse onde vivia. A direção, no elegante bairro do Mai—fair, confirmou a impressão inicial do Marianne a respeito da posição social da família.

detrás do Penelope, a donzela se removeu incômoda e disse amavelmente:

—Senhorita...

— Sim, Millie, sei —Penelope dirigiu ao Marianne um sorriso de desculpa—. Desejaria poder ficar a conversar mais tempo, mas devo me reunir com minha mãe em casa de minha avó e não quero chegar tarde.

—Nesse caso, não a entreterei mais.

—Mas irá visitar me?

—Prometo-o —detrás despedir-se, Marianne reatou seu caminho para a biblioteca pública.

Penelope se dirigiu pressurosa a casa de sua avó. Sabia que sua mãe não veria bem que fizesse amizade com alguém a quem logo que conhecia e não desejava piorar as coisas chegando tarde.

Ao entrar na sala de estar, encontrou a sua mãe de muito bom humor.

—Ah, por fim chega, querida —disse lady Úrsula sonriéndole —. Céu santo, parece muito acalorada. Estas jovencitas... —dirigiu um recatada sorriso aos dois homens que se levantaram o entrar Penelope—. Sempre andam com pressas.

Penelope compreendeu em seguida o motivo da atitude melosa de sua mãe. Lorde Lambeth e lorde Buckminster tinham ido a visitar sua avó, a condessa do Exmoor. Embora lady Úrsula menosprezava ao Buckminster, por «frívolo», sentia-se deslumbrada por lorde Lambeth, como quase todas as mulheres da alta sociedade.

Penelope grunhiu para si. Lorde Lambeth a fazia sentir-se algo incômoda e estava segura de que ele não tinha interesse nenhum nela, face às esperanças de sua mãe. Se estava ali de visita, devia-se unicamente a sua amizade com o Bucky.

—Tinha ido à biblioteca pública a tirar um livro —disse Penelope.

Lady Úrsula lhe franziu o cenho.

—Vamos, querida, não quererá que os cavalheiros pensem que é uma intelectual, verdade?

—Não sei por que isso tem que preocupá-lo — falou a Condessa pela primeira vez—. Qualquer homem digno admiraria a uma mulher com cérebro. Não é certo, lorde Lambeth?

— Certamente que sim, senhora —respondeu Justin afablemente—. Ao fim e ao cabo, não há mais que ver quão admirada é você.

A Condessa pôs-se a rir. Era uma mulher alta, de porte régio, a quem a idade tinha curvado sozinho levemente, e se notava que de jovem tinha sido muito formosa.

—É você um adulador, lorde Lambeth —a Condessa se girou para sua neta—. Vêem, filha, me dê um beijo e insígnia me esse livro.

Penelope assim o fez e depois tomou assento junto a sua avó. Continuando, enquanto a Condessa examinava o livro, decidiu dar a notícia aproveitando o bom humor de sua mãe.

—Tropecei-me com a senhora Cotterwood na rua —começou a dizer.

Tanto Buckminster como Lambeth sei endireitaram para ouvi-lo.

—Seriamente? —disse Buckminster em tom admirativo—. Pelo Júpiter, devi supor que seria você quem saberia como dar com ela. Sempre foste muito lista.

Para ouvir suas palavras, Lambeth se girou para olhá-lo.

—Assim que a estava procurando?

—Bom, eu... —as bochechas do Buckminster se tingiram de cor—. Pensei que Nicola quereria convidá-la à festa da sexta-feira. Tenho que lhe mandar um convite, já sabe.

—Ah, compreendo —sim, Justin acreditou entendê-lo. Não era habitual que seu amigo mostrasse tanto interesse em uma mulher. Sem dúvida, aquilo complicava um tanto as coisas. Olhou de esguelha ao Penelope, que também estava observando ao Bucky, e viu certa aflição em seu semblante.

—Quem é essa tal senhora Cotterwood? — perguntou lady Úrsula.

—Já sabe, mamãe, a mulher que conhecemos na festa de ontem à noite. Apresentou-nos a senhora Willoughby.

Eu logo que conheço a senhora Willoughby. É uma advenediza! Não acredito que goste de conhecer nenhuma amiga dela.

Possivelmente a senhora Cotterwood não seja mais amiga dela que você —sugeriu Penelope.

—Tem razão —atravessou lorde Buckminster seriamente—. Estou seguro de que a senhora Cotterwood é uma dama perfeitamente respeitável.

Lady Úrsula franziu os lábios para mostrar sua opinião com respeito ao critério do Buckminster. girou-se para lorde Lambeth.

—Conhece sua família a essa mulher, lorde Lambeth?

—OH, sim —respondeu Justin com calma—. Conheço a senhora Cotterwood há algum tempo.

Penelope o olhou agradecida enquanto Úrsula comentava com certa reserva:

—Então, suponho que será respeitável.

—Hei-a convidado a que nos faça uma visita — seguiu dizendo Penelope.

—Sem consultá-lo antes comigo?

—Bom, é que não estava ali —respondeu Penelope razoavelmente—, e o certo é que me cai muito bem.

—Pensa visitá-la, Pen? —inquiriu Buckminster—. eu adoraria te acompanhar.

—Temo-me que não é possível. Ainda não sei onde vive —confessou Penelope—. Não me ocorreu perguntar-lhe —No lo creo, abuela. Es muy agradable... y muy guapa.

Buckminster pareceu tão desiludido que Lambeth teve que reprimir uma risita.

—Quem é essa senhora? —perguntou a Condessa—. A conheço?

—Não acredito, avó. É muito agradável... e muito bonita.

—Ah, estranha combinação — lady Exmoor sorriu a sua neta.

Sim, mas não é isso o melhor. Resulta que também é aficionada à leitura. Passamos um agradável momento falando de livros. De fato, tropecei-me com ela perto da biblioteca.

Espero poder conhecê-la-a Condessa olhou a lorde Buckminster, que seguia muito sério, e a lorde Lambeth, que aparentemente estava distraído tirando um fio da calça—.Mas me temo que estamos aborrecendo a nossos visitantes. Lorde Buckminster veio para ver se tiver notícias de lorde Thorpe e Alexandra.

Ah! E as tem? —inquiriu Penélope com interesse.

Sim. Esta manhã recebi uma carta da Alexandra. Ainda seguem de lua de mel na Itália. Ao parecer, pensam voltar logo.

—Bem. Tenho muitas vontades de vê-la.

—Sim. Será estupendo —conveio Buckminster—. Thorpe é um bom tipo —fez uma pausa—. E lady Thorpe também, claro... Bom, ela não é um «tipo», certamente... Queria dizer que...

—Sim, Bucky —atravessou lady Úrsula ácidamente—. Todos sabemos o que queria dizer.

—Né... Sim, claro —Buckminster ficou calado.

—Seguro que todos celebram muito a volta de lady Thorpe, lady Castlereigh —disse lorde Lambeth a Úrsula, observando-a com as pestanas médio entreabridas.

Lady Úrsula se ruborizou. Todo mundo sabia o que tinha opinado da Alexandra ao princípio. Finalmente, quando se demonstrou que Alexandra era sobrinha dela, Úrsula a aceitou a contra gosto.

—Certamente que sim —disse a lorde Lambeth—. Agora que sei que Alexandra é realmente filha do Chilton, a avaliação tanto como a qualquer membro de minha família.

—É obvio —Lambeth não conhecia todos os detalhes do caso, dado que não era amigo íntimo da família nem de lorde Thorpe.

Entretanto, nos círculos da alta sociedade se havia rumoreado ampliamente a respeito do acontecido. Pelo visto, lorde Chilton, o filho da Condessa, e sua esposa francesa se achavam de visita na França quando estalou a Revolução, vinte e dois anos atrás. Tanto eles como seus três filhos foram declarados mortos, assassinados pelo povo. Entretanto, uma americana chegada a Londres a primavera anterior demonstrou ser em realidade a filha menor do Chilton e acabou casando-se com lorde Thorpe. A história, em opinião do Justin, parecia tirada de uma daquelas horripilantes cria novelas que tanto gostavam ao Penelope.

Lambeth tinha completo seu objetivo de convencer ao Buckminster de ir visitar o Penelope e sua família. Não tinha descoberto o paradeiro da escorregadia senhora Cotterwood, mas a informação contribuída pelo Penelope tampouco era nada desdenhável. Se era aficionada aos livros, repetiria sua visita à biblioteca pública. Justin só tinha que enviar a um criado para que vigiasse o lugar e descobrisse onde vivia.

Ao cabo de um momento, quando lorde Lambeth e lorde Buckminster se partiram, a Condessa se girou para o Penelope.

— recebi notícias do detetive que contratei para procurar a Enjoe Anne.

—houve sorte? —perguntou Penelope ansiosamente.

Lady Exmoor exalou um suspiro.

—Em parte, sim. Já te disse que o detetive tinha localizado um orfanato, fora de Londres, onde foi acolhida uma menina chamada Mary Chilton por aquelas mesmas datas. Ao parecer, a diretora já se retirou, mas uma de seus ajudantes segue em ativo e disse lembrar-se da menina. O detetive conseguiu lhe tirar aonde foi a jovem detrás abandonar o orfanato —a Condessa fez uma pausa e tragou saliva antes de continuar—. Entrou em servir em uma casa da localidade.

OH, não! —exclamou Penelope tomando a mão de sua avó—. É horrível! Pensar quemi prima teve que trabalhar como criada...

Sim. E para uns dom ninguém como esses Quartermaine —acrescentou lady Úrsula com indignação—. Nunca tinha ouvido falar deles.

—São uns nobres da localidade —explicou lady Exmoor—. Embora suponha que isso logo que tem importância. O problema é que a jovem abandonou a casa alguns anos depois e ninguém sabe aonde foi. O rastro desaparece aí.

—E não se pode fazer nada mais? —inquiriu Penelope desiludida.

—O ama de chaves lhe disse ao detetive que a jovem era muito amiga de outra criada. Mas essa garota tampouco trabalha já na casa. Tanto os criados como a família pareciam muito reticentes a falar do assunto. O detetive suspeita que possivelmente houve um escândalo relacionado com sua marcha.

Penelope abriu os olhos de par em par.

—Isso é terrível.

A Condessa suspirou.

— Enfim, ao menos o outro indivíduo não pôde ter mais sorte. Isso é o único positivo.

—O que outro indivíduo?

—Outro homem esteve na casa fazendo perguntas sobre a Mary Chilton. O ama de chaves o comentou, sentida saudades de que tanta gente estivesse de repente tão interessada nela.

—E crie que esse outro homem é um enviado do... Conde?

A boca de lady Exmoor se esticou.

—Estou convencida disso. Quem, além dele, teria motivos para procurá-la? Richard conhece minhas suspeitas de que foi ele quem se desfez de Enjoe Anne e Johnny... OH, oxalá essa malvada mulher ainda vivesse!

Penelope sabia que se referia a Willa Everhart, prima e antiga dama de companhia de sua avó. antes de morrer, a senhorita Everhart confessou que, vinte e dois anos atrás tinha conspirado para separar à Condessa de seus netos. Durante os escuros dias vividos em Paris, depois da tira da Prisão fortificada, o filho da Condessa, Lorde Chilton, e sua esposa tinham sido assassinados pelo povo, que os tinha confundido com aristocratas franceses. Informe-os chegados a Londres asseguravam que os três filhos do Chilton também tinham morrido. Mas, em realidade, tinham saído da França com a Rhea Ward, uma amiga americana de lady Chilton. A senhora Ward, só e incapaz de ter filhos, ficou-se com a Alexandra, a pequena, e a tinha criado nos Estados Unidos como se fora sua própria filha. Aos dois maiores, em troca, tinha-os levado a casa da Condessa.

A Condessa, prostrada em cama pela dor, negou-se a receber visitas, de modo que foi a senhorita Everhart quem atendeu à senhora Ward. Locamente apaixonada pelo Richard Montford, um primo longínquo renomado conde do Exmoor depois da morte do Chilton e o suposto falecimento de seu filho John, o legítimo herdeiro, Willa tinha levado aos meninos com o Conde, sem dizer nada à Condessa. Sabia que a existência do menino, John, ocasionaria que seu amante perdesse o título e as propriedades, e Willa esperava ganhá-la gratidão do Conde, que o ataria a ela de por vida. O menino, conforme tinha contado Willa enquanto jazia moribunda, estava muito doente e faleceu. Enjoe, entretanto, tinha ingressado em um orfanato.

A Condessa tinha contratado imediatamente a um detetive para que investigasse o paradeiro de Enjoe, mas compreendeu que pouco podia fazer com respeito ao ato de traição do Richard. Morta Willa, não existiam testemunhas nem provas materiais que o inculpassem e, naturalmente, ele o tinha negado tudo, assegurando que Willa estava louca e que tinha atuado por sua conta.

—Mas para que ia Richard a procurá-la? —perguntou lady Úrsula, desconcertada—. Não lhe importa nada Enjoe Anne. De fato, seguro que preferiria que seguisse desaparecida.

—com certeza que sim —disse a Condessa—. Acredito que a está procurando precisamente para isso, para assegurar-se de que siga desaparecida.

Penelope emitiu um gemido afogado.

—Crie que... pretende assassiná-la?

—Não sentiria saudades. Certamente está desesperado por perpetuar a mentira que esteve vivendo durante todos estes anos. Como mínimo, enviará-a fora do país para que eu não possa localizá-la. depois de tudo, Enjoe tinha cinco anos quando ocorreram os fatos. Existe a possibilidade de que recorde o que lhe aconteceu... ou quem a levou a orfanato. Possivelmente inclusive recorde o que foi de seu irmão.

—OH, céus. Sinceramente espero que Richard não a encontre. Não podemos fazer nada mais?

—O senhor Garner, o detetive, diz que tentará lhe seguir a pista a amiga da Mary Chilton, Winny ou algo assim. O ama de chaves sabia que se transladou a Londres, embora ninguém tinha idéia de onde vive. Uma das donzelas é muito amiga do Winny, mas afirmou desconhecer seu paradeiro, mesmo que Garner lhe ofereceu uma boa soma. De todos os modos, embora consigamos dar com ela, não há garantias dê que essa garota saiba onde está Mary Chilton. Penelope lhe deu um tapinha na mão.

—Não se preocupe, avó. Estou segura de que Enjoe Anne acabará aparecendo, igual a Alexandra.

Lady Exmoor lhe sorriu.

—Obrigado, querida. Seguro que tem razão. Encontraremo-la.

—Esperemos que Richard não a encontre antes —lady Úrsula, como de costume, teve que dizer a última palavra.

Marianne soltou as cartas com um suspiro.

—Você ganha, Betsy. como sempre.

—Mmm —a anciã entrecerró os olhos—. foi muito fácil. O que é o que chá passa, filha? jogaste ainda pior do que acostuma.

Marianne sorriu com certa tristeza.

—Nada. É sozinho ansiedade. Ainda não sei se lorde Lambeth se haverá olvidado1 de mim ou terá ido às autoridades. Esta inatividade me põe nervosa.

Em realidade, tratava-se de algo mais, embora não desejava inquietar ao Betsy com suas dúvidas. A carta da amiga do Winny a preocupava mais do que estava disposta a admitir. Quais seriam aqueles indivíduos que andavam procurando-a?, perguntava-se Marianne uma e outra vez.

Tampouco podia deixar de pensar em lorde Lambeth. Recordava como se havia sentido quando ele a beijou.

Foi como se, de repente, o sangue lhe fervesse nas veias e suas vísceras se convertessem em cera derretida...

—Senhora Cotterwood —uma das duas criadas apareceu na porta—. veio certa pessoa que deseja vê-la. Está no saguão.

Marianne a olhou surpreendida. Ninguém acudia nunca a visitá-la.

— Obrigado, Nettie —se levantou e olhou ao Betsy, que parecia tão perplexa como ela.

A teria encontrado o homem que esteve em casa dos Quartermaine perguntando por ela?

Superando seus temores, Marianne saiu ao vestíbulo. deteve-se em seco ao ver o homem que se achava no saguão, com o chapéu na mão, sonriendo a sua filha.

Lorde Lambeth a tinha encontrado.

 

—Milord —disse Marianne fracamente. Lambeth elevou o olhar para o Marianne e sorriu.

—Senhora Cotterwood.

—Rosalind, o que está fazendo aqui? Acreditava que estava na cozinha com o Winny, fazendo suas tarefas.

—Saí para ver quem tinha vindo, mamãe—respondeu Rosalind em tom prático—. Nettie entrou na cozinha e disse: «Deus, aí fora há um tipo muito bonito», de modo que devi jogar uma olhada.

Lambeth emitiu uma risita.

—E sim que é bonito.

—Obrigado pelo completo, pequena —Lambeth sorriu—. Sozinho por isso, levarei-te a dar um passeio em minha carruagem um dia destes.

—Sério? —Rosalind o olhou com olhos faiscantes—. E todo mundo nos verá?

—Claro. por que não foram ver nos?

Um radiante sorriso se estendeu na carita da menina.

—Eu gostaria muitíssimo.

—Rosalind, acredito que já vai sendo hora de que siga com suas tarefas.

—Sim, mamãe —a menina se deu meia volta para partir, mas antes se girou e disse ao Lambeth—: Não se esquecerá, verdade?

—Juro que não —respondeu ele levando-a mão ao coração teatralmente.

Com um sorriso, Rosalind desapareceu. Marianne se girou para o Lambeth, irritada pela facilidade com que se ganhou em sua filha.

—Como me encontrou? —perguntou-lhe sem rodeios.

Os olhos dele se iluminaram com um brilho risonho.

—Acaso estava você ocultando-se de mim?

—Certamente que não. Mas não lhe dei permissão para que me visite.

—Sei. Sou atrevido em excesso. Já me hão isso dito outras vezes. Entretanto, estou seguro de que, se não nos tivessem interrompido tão bruscamente, me teria dado você sua direção.

—Supõe você muito.

—Pensei que podia confiar em sua bondade — Lambeth voltou a olhá-la com olhos risonhos.

—Bom, quer você passar? —disse Marianne assinalando a porta do salão, que era a habitação mais formal da casa. Olhou de esguelha para a sala de estar, de onde acabava de sair, e viu que Betsy os observava com curiosidade desde detrás da porta.

Quando tiveram entrado no salão, Marianne fechou a porta atrás dela.

—E agora, quer me dizer a que veio?

—Pois a vê-la, a que se não?

—Não sei. Por isso o pergunto. Pensei que possivelmente tinha vindo com a intenção de repetir suas absurdas acusações.

—Querida minha —Lambeth pôs expressão doída enquanto tomava a mão para aproximar-lhe aos lábios—. Venho a me desculpar por havê-la ofendido.

Seus lábios lhe acariciaram associação de Futebol pele com a suavidade do veludo e Marianne teve que esforçar-se para respirar com normalidade.

—Com uma nota teria bastado.

— Ah, mas então não teria tido o grande prazer de vê-la de novo enquanto apelo a sua misericórdia.

—Não diga tolices. Não acredito que o sinta absolutamente.

—Pois sim, sinto muito. Lamento muito que me escapasse você antes de que finalizássemos nossa conversação.

—Não havia nada mais que dizer. Você se levou uma impressão equivocada de mim e, a verdade, não sei o que fazer para que troque de opinião.

—Não me oponho a que o tente.

—Lorde Lambeth, é você um homem muito presunçoso —ainda lhe sustentava a mão, como se lhe custasse trabalho soltá-la. Marianne a retirou e tomou assento em uma cadeira, assinalando o sofá situado em frente.

—Mmm. Sem dúvida. Tenho descoberto que normalmente está acostumado a me dar bom resultado —Lambeth se sentou na cadeira do lado, desdenhando o sofá.

—Esteve-me você seguindo ontem? —inquiriu ela sem rodeios.

—Asseguro-lhe que não —ele sorriu—. Enviei a um de meus criados para que o fizesse. E deveu fazer um trabalho muito torpe se você o viu.

—Não o vi. Solo pressenti que me observavam.

— Peço-lhe desculpas se isso a alarmou —a voz do Lambeth parecia sincera e Marianne se sentiu involuntariamente comovida—. Desejava muitíssimo voltar a vê-la. É minha única desculpa para tal comportamento. Há dito que me levei uma impressão equivocada de você a outra noite, em casa de lorde Batterslee. Temo-me que você também se levou uma impressão errônea de mim.

Tinha começado a aproximar-se, seus olhos de negras pestanas cravados nos dela. Marianne notou que lhe faltava a respiração e seus olhos se desviaram involuntariamente para a boca do Lambeth. Ele o advertiu e seus olhos sei obscureceram. Logo elevou a mão para tomar o queixo.

—É você uma mulher muito atrativa e confesso abertamente que a desejo. Mas jamais me levaria isso a cama me valendo de ameaças.

Seu rosto seguiu aproximando-se e Marianne compreendeu que ia beijar a. Também compreendeu que devia apartar o de si, mas lhe resultava tremendamente difícil mover-se. Fechou os olhos.

Nesse momento, a porta do salão se abriu de repente. Ambos se separaram, girando-se rapidamente. Ao Marianne deu um tombo o coração.

—Piers. Quanto me alegro de verte —disse com uma voz que soou falsa.

—Marianne —Piers olhou fixamente ao Lambeth.

—Sinto muito. Lorde Lambeth, apresento ao Piers Robertson.

Lambeth se levantou educadamente e estreitou a mão que lhe oferecia.

—É irmão da senhora Cotterwood?

—Não —respondeu Marianne.

—Sim —respondeu Piers ao mesmo tempo.

Lambeth arqueou as sobrancelhas.

Marianne olhou de esguelha ao Piers e logo se girou de novo para o Lambeth, sonriendo inexpresivamente.

—Em realidade, Piers é minha primo, mas sempre tivemos uma relação de irmãos. Eu... isto... criaram-me seus pais. meus morreram quando eu era muito jovem.

—Lamento-o.

—Aconteceu faz muito tempo. Nem sequer me lembro deles —isso, ao menos, era certo.

Os olhos do Lambeth foram do Marianne ao Piers.

—Vive você em Londres, senhor Robertson?

Vivo aqui —Piers permanecia com as pernas separadas e a mandíbula erguida, como se estivesse preparado para iniciar uma briga.

Ah. Compreendo.

—Toda minha família vive aqui —atravessou Marianne rapidamente—. por que não se sinta, Piers?

Piers aceitou aproximar-se do sofá, embora não deixou de olhar ao Lambeth com hostilidade.

—Acredito que não o vi na festa dos Batterslee —prosseguiu Lambeth com absoluta calma—. Não foi você com seu... prima?

—Não. Piers não assiste a essa classe de festas —explicou Marianne antes de que Piers pudesse responder—. O aborrecem muitíssimo, verdade, Piers?

—Sim. Embora possivelmente deveria assistir no futuro, para que certos tipos não tentem aproveitar-se de ti —dirigiu ao Lambeth um olhar carregado de intenção.

—Piers!

Um leve sorriso curvou os lábios do Lambeth, embora seus olhos permaneciam frios como o metal.

Sim. Possivelmente deveria fazê-lo. Não convém deixar desamparada a uma dama.

Sou perfeitamente capaz de me cuidar reveste —replicou Marianne bruscamente, impedindo a resposta do Piers com um olhar fulminante.

—Certamente. Suspeito que são os cavalheiros quem deve cuidar-se de você —respondeu Lambeth com um brilho de diversão nos olhos.

—Que diabos significa isso? —inquiriu Piers, fazendo gesto de levantar-se.

Lambeth o olhou com expressão afável.

—Porque a senhora Cotterwood é tão formosa, que os cavalheiros correm o perigo de perder nossos corações por ela.

—Seria um completo precioso se tivesse você algum coração que perder —disse Marianne ácidamente.

Justin deixou escapar uma gargalhada.

—Touché, querida minha.

Nesse momento, Betsy entrou no salão, seguida de seu marido. Marianne comprovou que tinha aproveitado os minutos anteriores para se maquiar um pouco e pintá-los lábios.

—OH, vá! —exclamou a anciã com voz jovial — . Não sabíamos que tinha companhia, Marianne.

—Sim, avó —disse Marianne com ênfase—. Lorde Lambeth nos honrou com o favor de uma visita.

Não teve mais remedeio que lhe apresentar ao casal, lhe explicando que eram seus avós.

—Lástima que Harrison e Della não estejam aqui para conhecê-lo —disse Betsy sonriendo ao Lambeth.

—Meus pais —explicou Marianne—. Melhor dizendo, os pais do Piers. As pessoas que me criaram.

—Claro.

Marianne tinha pensado que a situação não podia piorar, mas estava equivocada, porque nesse momento a criada apareceu na porta e anunciou nervosamente:

—Lorde Buckminster, senhora.

Marianne se levantou rapidamente. Inclusive lorde Lambeth parecia surpreso. Também ele ficou em pé e se dirigiu para a porta, onde lorde Buckminster apareceu depois da criada.

—Bucky!

—Lambeth. Vá —Buckminster sorriu—. Não esperava te encontrar aqui.

—O mesmo digo —Lambeth olhou a seu amigo pensativamente—. Não sabia que conhecesse a direção da senhora Cotterwood.

—E, em efeito, não sabia. Mas minha ajuda de câmara solucionou o problema. Um tipo preparado, Wiggins. Sempre sabe o que terá que fazer. Quando lhe falei do encontro do Penny com a senhora Cotterwood perto da biblioteca, tornou-se à rua e voltou com a direção.

—Mmm. Sim, já entendo.

Lorde Buckminster avançou para o Marianne, mas lhe enganchou o pé no fio do tapete Y. tropeçou. Conseguiu deter-se antes de se chocar com a cadeira do Lambeth.

— Vá. Normalmente não sou tão desajeitado. Mas meus pés parecem enredar-se quando estou perto de você, senhora Cotterwood.

—Claro, claro —disse Papai lhe dando ânimos enquanto se aproximava para lhe estreitar a mão—. Não é tão estranho. Minha neta está acostumada ter esse efeito nos homens. me permita me apresentar. Sou Rory Kiernan, e esta é Betsy, minha esposa.

—Como vai, senhor Kiernan? É você da Irlanda? Tenho terras ali, sabe?

—Como se deu conta? —os olhos de Papai faiscaram enquanto convidava ao Bucky a sentar-se no sofá.

—Em realidade, devia convidar à senhora Cotterwood à festa de minha prima —Bucky se rebuscou nos bolsos e franziu o cenho—. Que estranho, juraria que havia trazido o convite.

—É isto o que busca? —perguntou Papai, alargando a mão depois das costas do Bucky e tirando um sobre branco.

—Vá, pois sim.

— Deveu cair ao sentar-se —sugeriu Papai. Buckminster se levantou para entregar o convite ao Marianne.

—Nicola espera de todo coração que atira.

—Nicola?

—Nicola Falcourt, minha prima. Em realidade, a festa é de sua mãe, mas Nicola se encarregou de organizaria. Falei-lhe de você e está desejando conhecê-la. É na sexta-feira. Espero que não tenha já algum compromisso para esse dia.

—Pois não, não o tenho. Mas me dá certo apuro ir. Não conheço sua prima.

—OH, Nicola não é amiga de formalidades — lhe assegurou Buckminster.

—Obrigado. Aceito gostosa o convite.

—Esplêndido. Seguro que o passará melhor que na festa dos Batterslee.

—com certeza que sim —Marianne olhou sem querer ao Lambeth e descobriu que a estava observando enigmáticamente.

—Possivelmente goste de nos visitar uma tarde, lorde Buckminster —disse Betsy —. de vez em quando, jogamos uma partidita de cartas.

Marianne abriu os olhos de par em par, alarmada.

—Estou segura de que a lorde Buckminster não interessa jogar com apostas tão baixas como as nossas.

—claro que sim —se apressou a dizer Bucky—. Será delicioso passar uma tarde jogando às cartas.

—Estupendo. na terça-feira que vem, então?

—Temo-me que essa tarde terei coisas que fazer —disse Marianne rapidamente — . por que não fala-mos disso logo, avó? —olhou severamente ao Betsy, que se encolheu de ombros, dando-se por vencida.

Lorde Lambeth, que tinha estado observando-o tudo com interesse, fez gesto de falar, mas Buckminster lhe adiantou.

—Senhora Cotterwood, desculpe meu atrevimento, mas... convidei a uns amigos a passar uns dias em minha casa de campo. Para mim seria um prazer tê-la conosco.

Lambeth olhou a seu amigo fixamente. Marianne ficou atônita.

—Pois, não sei o que dizer...

—Nicola e Penelope estarão ali. Seguro que Nicola lhe cairá muito bem.

—Não... não o duvido.

Bom, não tem por que me responder agora. Mas me prometa que o pensará.

Sim, como não.

Esplêndido! —Buckminster sorriu de brinca a orelha—. Bom, suponho que devo ir já —jogou mão ao bolso de seu colete para consultar o relógio e se deteve, assombrado, ao elevar a cadeia sem nada no extremo—. Vá, suponho que também me terá cansado o relógio.

—Que estranho —observou Lambeth. Marianne ficou rígida.

—Sim, é-o. Ajudaremo-lhe para buscá-lo. Papai... —dirigiu um frio olhar ao ancião.

—O que? OH, sim. Um relógio. Vejamos —Papai começou a rebuscar pelo sofá, logo se levantou e rodeou as cadeiras—. Estraga! —agachou-se e, ao incorporar-se, tinha um relógio de ouro na mão—. Estava aí, detrás dessa cadeira.

O rosto do Buckminster se relaxou.

—Sim, esse é. Celebro que o tenha encontrado.

—Que estranho que se cansado aí —comentou Justin sarcásticamente.

—Sim, verdade? —respondeu Rory Kiernan com afabilidade—. Provavelmente saiu rodando.

—Sem dúvida —Lambeth consultou seu próprio relógio —. Tem razão, Bucky. está-se haciendotarde. Sairei contigo.

Ambos se levantaram e se despediram educadamente. Marianne os acompanhou até a porta e a fechou quando tiveram saído, aliviada. Outros saíram em turba do salão, sorridentes.

—O teu é assombroso, jovencita —disse Papai—. Dois lores vêm a te visitar e chá enchem de convites.

—Pensa no que poderá fazer no imóvel do Buckminster —acrescentou Piers ansiosamente.

—OH, sim. Esse pássaro está preparado para que o depenem —conveio Papai, esfregando-as mãos com regozijo.

—Não! —a idéia de roubar a lorde Buckminster horrorizava ao Marianne. Era um homem amável, calmo e singelo. Não desejava lhe mentir e aproveitar-se de sua hospitalidade para logo exauri-lo.

Outros a olharam sentidos saudades.

—Quero dizer que... bom, seria muito perigoso. Eu estaria ali, e se os oficiais fossem interrogar nos...

—Por Deus, Marianne, tenha um pouco de sentido comum. Não o faríamos enquanto você estivesse ali. Harrison e eu esperaríamos semanas, ou inclusive meses, antes de atuar. O caso é que disporia de vários dias para memorizar o plano da casa e localizar a caixa forte e outros objetos de valor.

—Sim, e esse tipo é rico. Viram o alfinete de diamantes que levava no lenço? —añadióBetsy.

—Mas lorde Lambeth estará ali também e não é tolo. Já suspeita que sou uma benjamima. E arrumado a que você tampouco o enganou com esse truque do relógio, Papai. Notei-o em sua expressão. deu-se conta de que lhe roubou o relógio a lorde Buckminster. E o convite! Como te ocorreu?

—Só queria ver se ainda conservo minha habilidade —respondeu Rory alegremente.

—Se Lambeth suspeitar que é uma benjamima e não há dito nada já, não é provável que o faça —assinalou Betsy.

—Exato. Quão único fará será te vigiar para assegurar-se de que não rouba nada. E, como você não vais fazer tal coisa, não haverá nenhum problema —adicionou Piers.

—Além disso —seguiu dizendo Papai—, o tal Lambeth se há encaprichado de ti.

Marianne se ruborizou.

—Eu não o chamaria assim, exatamente.

—E como o chamaria? —atravessou Betsy—. veio a te visitar, não? tomou toda classe de moléstias para averiguar onde vivia. Simplesmente, dissimula-o melhor que lorde Buckminster.

—Pode que esteja interessado em mim —admitiu Marianne—, mas não do mesmo modo que lorde Buckminster.

—É possível. Mas enquanto cria que pode te persuadir para ganhar seus favores, não te delatará.

—Betsy! Isso crie que devo fazer? Incitá-lo a pensar que sou capaz de... de me vender para que mantenha a boca fechada?

Piers enrugou a frente.

—Não. Não o permitirei. Nem Harrison tampouco.

—Não estou sugiriendo que faça nada — protestou Betsy—. Solo que não o rechace por completo. um pouco de paquera nunca tem feito mal a ninguém.

Marianne pensou nos beijos de lorde Lambeth e compreendeu que isso seria uma tarefa muito fácil; por isso, entre outras razões, opunha-se ao plano.

Nesse momento entraram Della e Harrison, que imediatamente foram postos à corrente dos últimos acontecimentos. Finalmente, depois de muito discuti-lo, ambos ficaram de parte do resto da família.

—Vá à festa da senhorita Falcourt. E ao campo —disse Harrison, esfregando o queixo pensativamente—. Memoriza o plano de ambas as residências, como fez o outro dia com a dos Batterslee, mas não faremos nada. Mais adiante, quando as suspeitas desse jovem lorde se aplacaram, daremos o golpe e tiraremos dinheiro para muito tempo. Iremos ao continente e jamais nos apanharão.

Marianne acabou claudicando. Não podia deixá-los na estacada por culpa de suas próprias dúvidas, que outros certamente teriam considerado ridículas. Aquelas pessoas eram sua família, as únicas às que devia lealdade. Lorde Buckminster podia ser um homem agradável, mas seguia pertencendo à classe alta, a que Marianne detestava. Quanto a lorde Lambeth... enfim, Marianne procuraria manter suas emoções a salvo das garras daquele homem arrogante.

 

Lorde Lambeth olhou de soslaio a seu acompanhante enquanto caminhavam. Lorde Buckminster cantarolava uma melodia com um sorriso nos lábios. Justin titubeou um pouco antes de falar.

—Parece muito prendado da senhora Cotterwood.

Bucky o olhou sonriendo de orelha a orelha.

—Sim. Sabe, Lambeth? Acredito que estou apaixonado. Nunca me tinha ocorrido antes. E o encontro delicioso.

—Não sei o que te dizer. Não crie que possivelmente te está precipitando um pouco? Apenas a conhece.

O comportamento de seu amigo o preocupava. Justin nunca o tinha visto perder a cabeça por uma mulher. Além disso, Buckminser seria presa fácil para qualquer que albergasse más intenções. Nem sequer sei tinha dado conta que a «família» da senhora Cotterwood era uma turma de malfeitores. Seu avô incluso lhe tinha tirado o relógio de ouro e o convite diretamente do bolso.

—Conheço-a o suficiente —disse Bucky sonriendo—. Acaso tenta afugentar a um rival? Comigo não te será tão fácil, velho amigo—

—Pensa-o, Bucky. Não sabe nada dela... quem é, de onde procede ou o que está fazendo aqui. Como sabe que não é uma aventureira?

Bucky deixou escapar uma risita.

—Não seja absurdo. Além disso, você mesmo respondeu por ela.

Justin emitiu um bufido.

—Sim, ante lady Úrsula, mas o fiz simplesmente porque não suporto a essa mulher. Não conheço a senhora Cotterwood melhor que você. por que apareceu de repente em Londres? por que alguma vez tínhamos ouvido falar dela?

—Não se pode conhecer todo mundo — assinalou Bucky — . Penelope me comentou que tinha estado vivendo no Bath. Possivelmente deixou de cultivar a vida social depois da morte de seu marido.

—Isso é outra coisa. Quem, exatamente, era o senhor Cotterwood? Quando morreu e do que?

—Francamente, Justin, está indo muito longe. A uma viúva não lhe podem perguntar tais coisas.

—E nisso confia ela, sem dúvida.

Buckminster ficou olhando a seu amigo.

—O que está insinuando?

—Que pode não ser o que aparenta.

—Tolices. Solo terá que falar com ela para compreender que é uma verdadeira dama. É formosa tanto por fora como por dentro.

Justin franziu o cenho. Não podia permitir que a senhora Cotterwood enganasse a seu amigo. Sabia que devia lhe confiar ao Bucky o que suspeitava dela, mas, por alguma razão, as palavras lhe entupiam na garganta. De todos os modos, Bucky provavelmente tampouco o teria acreditado.

—E quando começou a planejar essa festa em seu imóvel?

Buckminster riu.

—Uns dez minutos antes de convidar à senhora Cotterwood —olhou a seu amigo e reparou na expressão sombria de seu semblante — .Ouça, não estará zangado porque eu gosto da senhora Cotterwood, verdade? Não é a primeira vez que competimos por uma mulher. te lembre de Francês Wallesford.

—OH, Deus. Menos mal que Ferdy ganhou nos duas nessa ocasião.

—Sim. E também esteve aquela preciosidade, como se chamava? Já sabe, aquela com o cabelo negro...

—Lizzy. Sim, lembro-me. Mas acredito que esta vez não é o mesmo.

Buckminster o olhou um pouco surpreso.

—Insinúas que seus sentimentos para à senhora Cotterwood são sérios?

—Sérios? Não — Justin meneou a cabeça—. Acredito que jamais me tomei a sério a nenhuma mulher.

—Bem. Então, não há nenhum problema. Quererá assistir à festa no campo, verdade?

OH, sim —prometeu Justin—. Não faltarei, me acredite —de algum modo, acharia a maneira de manter ao Bucky longe das redes da bela senhora Cotterwood.

 

Na sexta-feira pela tarde, chegou a casa do Marianne um buquê, cortesia de lorde Buckminster. Uma hora mais tarde, Marianne recebeu um segundo ramalhete, acompanhado de uma nota em que lorde Lambeth solicitava o privilégio de acompanhá-la ao baile da Nicola Falcourt aquela mesma noite. Marianne não pôde a não ser esboçar um sorriso ao tempo que inalava o aroma das rosas. Aquele detalhe não significava nada, disse-se, mas imediatamente escreveu uma nota ao Lambeth, lhe dando permissão para que fosse a recolhê-la.

Enquanto voltava a guardar as rosas na caixa, a porta principal se abriu e Rosalind entrou seguida do Nettie.

—Mamãe! Vimos a um homem no parque!

Marianne se girou para sua filha. Nesse momento, Do a e Winny se aproximaram para ver o que acontecia.

—Como que viram um homem? A quem?

—Não sei. Mas nos fez perguntas sobre ti —explicou a menina situando-se diante do Marianne.

—O que? —um calafrio percorreu ao Marianne—. Nettie?

A donzela assentiu.

—Sim, senhora. Perguntou-nos se vivíamos nesta casa.

—O que lhe disseram?

—Nada. Reprovei-lhe seu descaramento, mas ele me perguntou se conhecia a Mary Chilton, e eu lhe respondi que não conhecia ninguém com esse nome. Disse que tinha sido donzela e que tinha o cabelo ruivo.

—Assim que eu lhe disse que minha mãe era ruiva —explicou Rosalind.

—OH.

—Sinto muito, senhora —se desculpou Nettie—. Lhe assegurei que você não era Mary Chilton, que devia estar equivocado.

—E ele o que respondeu?

—Não muito, senhora. Perguntou-me o nome de você e eu lhe disse que não era coisa de sua incumbência —Nettie fez uma pausa, antes de acrescentar—: Mas suponho que lhe resultará fácil averiguá-lo perguntando por aí.

Sim, sem dúvida —Marianne olhou ao Winny, que lhe devolveu o olhar com consternación.Della olhou a uma e a outra, confusa.

O que ocorre, querida? Quem é esse homem? por que te busca?

Não sei! —Marianne baixou a vista para sua filhinha, que a olhava preocupada.

—Fiz algo mau, mamãe? —inquiriu.

—Bom, nunca deve falar com desconhecidos no parque, embora esteja com o Nettie. Mas não, não tem feito nada mau —sorriu ao Rosalind carinhosamente—. por que não sobe a te lavar as mãos? Logo me ajudará a decidir que flores devo levar.

Rosalind sorriu e pôs-se a correr escada acima enquanto Nettie a seguia mais lentamente. Marianne se girou para o Winny.

—Crie que se trata do mesmo homem? —inquiriu Winny enrugando a frente.

—Do que estão falando? —quis saber Della, cada vez mais preocupada.

Marianne lhe falou da carta que tinha recebido Winny e dos homens que tinham estado perguntando por ela.

—Mas não afirma essa garota que não lhes disse nada de ti nem do Winny?

—Sim. Mas me figuro que esse homem pôde descobrir algo por mediação de outro criado ou de alguém do povo. Todo mundo sabe que

Winny e eu fomos amigas, assim possivelmente a procurou a ela. Mas quem poderia saber a direção do Winny, além de seu amiga?

—Não sei, mas certamente nos encontrou. E é o mesmo homem. Não acredito que haja dois grupos de pessoas distintas te buscando.

—Eu tampouco acredito. Não sei o que podem querer, e me assusta!

—A mim também —disse Della—. Sei que não deseja ir a essa festa no campo, a semana que vem. Mas, dadas as circunstâncias, conviria que passasse fora uns dias.

—Provavelmente tem razão — Marianne seguia detestando a idéia de passar uma semana no imóvel de lorde Buckminster, mas compreendia perfeitamente a sugestão da Della. Ninguém a encontraria na fazenda de um lorde, em pleno campo.

—E se vier por aqui fazendo perguntas, mandaremo-lo a passeio imediatamente. Enquanto isso, te cubra a cabeça sempre que sair de casa.

— Farei-o.

Naturalmente, não se cobriria o cabelo com nenhum chapéu aquela noite, pois o teria recolhido em um elegante coque com um laço a jogo com o vestido. Marianne contava com que aquele homem não lhe visse a cara na escuridão, e com a carruagem de lorde Lambeth bloqueando a porta, se estava vigiando a casa.

Marianne ficou um vestido azul de cetim que realçava a cor de seus olhos e escolheu levar o ramalhete do Buckminster, embora gostasse mais do do Lambeth. Ao fim e ao cabo, Lambeth não devia pensar que tinha triunfado em tudo. Por esse mesmo motivo, Marianne o teve cinco minutos esperando quando foi a recolhê-la, em que pese a achar-se lista para sair.

Ao vê-la baixar, lorde Lambeth a olhou com olhos redondos de assombro e lhe dirigiu um completo. Continuando, seu olhar se posou no buquê que levava na boneca e sua boca se esticou.

—São do Bucky? —inquiriu lhe oferecendo o braço.

— Sim. Foram melhor com o vestido —explicou Marianne.

—Ah. Compreendo. Espero que, ao menos, me você conceda a primeira valsa da noite.

Ela assentiu grácilmente, tomando seu braço, e ambos saíram pela porta. Marianne se sentia nervosa, feliz e um pouco excitada. Possivelmente outros tivessem razão, disse-se, e tudo sairia bem. Elevou o olhar para o Lambeth e, ao ver que tinha os olhos cravados nela, notou um revôo de mariposas no estômago. Possivelmente lorde Lambeth sim sentisse algo por ela, depois de tudo.

Justin a ajudou a subir na carruagem e depois se sentou frente a ela enquanto o veículo ficava em marcha. Marianne sentiu certo acanhamento ao achar-se tão perto dele naquele espaço reduzido. Recordou como a tinha cuidadoso momentos antes, com olhos ardentes e ansiosos; recordou o tato suave de seus lábios, a força de seus braços enquanto a rodeavam, o calor lhe enjoem que lhe tinha provocado seu beijo.

—Quero que deixe ao Buckminster em paz — disse Lambeth de repente, interrompendo os pensamentos do Marianne.

Ela se limitou a olhá-lo, muito surpreendida para falar.

—É um bom homem, muito ingênuo para uma mulher como você, e não quero que lhe faça mal —prosseguiu ele, fazendo pedacinhos as agradáveis emocione que tinham envolto ao Marianne momentos antes.

Ela tragou saliva, lutando por conter as lágrimas. Enquanto fantasiava com seus beijos, ele sozinho tinha estado pensando em mantê-la afastada de seu amigo.

—Não acredito que meus sentimentos e os de lorde Buckminster sejam assunto dele, milord.

—Bucky foi amigo meu sempre. Não permitirei que lhe destroce o coração uma aventureira sem escrúpulos.

Suas palavras a apunhalaram como uma faca. Lambeth não tinha nenhum interesse nela, compreendeu Marianne. De fato, sua voz somente refletia desprezo.

—Acredita que me tenho proposto lhe fazer danifico? —Marianne foi incapaz de dissimular por completo o tremor de sua voz, embora ele não pareceu notá-lo.

—O que outra coisa vou pensar? É um homem muito rico e está obviamente apaixonado por você. Você, por outra parte, é uma benjamima.

—Como pode dizer isso? Não roubei nada!

—Não a vi roubar nada com meus próprios olhos — admitiu Lambeth—, mas era evidente que tramava algo. E, se necessitava alguma confirmação, sua «família» me proporcionou isso.

—Como se atreve!

—Como atrevo a que? A dizer a verdade? Seu «avô» tirou o relógio ao Bucky com facilidade e sua avó parecia muito ansiosa por convidá-lo a jogar às cartas. Certamente, não deixará você passar uma oportunidade como a que representa Buckminster. Tirará-lhe até o último céntimo e o deixará com o coração destroçado.

—Nesse caso, sente saudades que se você rebaixe procurando minha companhia. me visitando e me enviando flores. O lógico seria que não queria saber nada de mim.

—Existe um mundo de diferença entre o Bucky e eu —respondeu ele tajantemente—. Bucky é ingênuo e crédulo, presa fácil para uma enganadora. Eu, em troca, sei o que é você e posso dirigi-la sem acabar com o coração quebrado.

—Como se tivesse algum coração que se pudesse romper!

— A isso precisamente refiro —disse Lambeth, sonriendo na penumbra—. Posso desfrutar de seus encantos sem me perder. Buckminster, não.

Marianne se sentiu invadida pela fúria. Como podia ter sido tão estúpida? Como podia ter pensado, embora fosse por um instante, que Lambeth sentia algo por ela? Era igual a Daniel Quartermaine. Solo lhe interessava o prazer pessoal.

—Farei o que deseje com o Buckminster e você não poderá impedi-lo.

Os olhos do Lambeth cintilaram e sua mandíbula se esticou.

—Direi-lhe a verdade sobre você.

—Adiante —disse Marianne com desprezo—. lhe Diga quão perversa sou. Não acreditará. Pensará que lhe tem inveja e que me deseja para você sozinho. E lhe odiará por ter sido a pessoa que destroçou seus sonhos. Assim, como vê, também o tenho a você em meu poder.

Ao chegar à casa dos Falcourt, a carruagem se deteve e Marianne se apeou rapidamente, ignorando a ordem do Lambeth de que sei detivera. Ouviu como amaldiçoava a suas costas, mas não olhou atrás, mas sim se apressou para o grupo de convidados que esperavam na porta principal. Ao vê-la entrar, Bucky se aproximou dela imediatamente.

—Senhora Cotterwood! Celebro muito vê-la!

Marianne, segura de que Lambeth estava detrás deles observando a saudação, dirigiu ao Buckminster um sorriso deslumbrante.

—Me alegro muito de que esteja aqui —disse tomando seu braço—. Me sinto um pouco sozinha. Não conheço ninguém.

Lhe aplaudiu a mão para tranqüilizá-la.

—Eu apresentarei a todo mundo.

E assim o fez. Apresentou a sua prima, Nicola, que nesse momento recebia aos invitadosjunto a sua mãe, uma mulher de média idade.

—Alegra-me muito conhecê-la —disse Nicola em tom cordial—. Bucky me falou tanto de você, que é como se já a conhecesse.

Marianne sorriu, sentindo uma pontada de culpabilidade.

—Obrigado. Para mim também é um verdadeiro prazer.

—OH, aí está Penelope —anunciou Buckminster— . Quer que vamos ver a? Parece que sua mãe está distraída.

E assim era, em efeito. Lady Úrsula estava algo à parte, falando encendidamente com um cavalheiro de aspecto sério e expressão enfastiada.

—Olá, Pen —saudou Bucky amigavelmente à filha, que permanecia se separada da conversação de sua mãe.

O rosto do Penelope se iluminou com um sorriso.

— Bucky! E senhora Cotterwood. Celebro muito voltar a vê-la.

—Obrigado. Mas, por favor, me chame Marianne —disse Marianne tuteándola.

—De acordo. E você me chame Penelope.

Lady Úrsula interrompeu seu perorata para comprovar com quem estava falando sua filha. Não se alegrou ao ver lorde Buckminster e a quão ruiva o acompanhava, mas não teve mais remedeio que permitir que as apresentassem. A conversação não demorou para derivar para a festa no imóvel de lorde Buckminster.

Lady Úrsula pareceu desgostar-se para ouvir falar da festa, e o motivo logo se fez evidente.

Sinto muito, lorde Buckminster, mas me temo que não poderei ir. Tinha prometido a meu filho que o visitaria. Partirei na segunda-feira a primeira hora da manhã.

Lamento sabê-lo —respondeu Buckminster—. Mas não se preocupe com o Penelope. Cuidaremos bem dela.

Lady Úrsula pareceu horrorizada.

—Mas Penelope não poderá ir sozinha, sem acompanhante!

Nesse momento, aproximou-se Nicola do braço de lorde Lambeth. Marianne o olhou e os olhos de ambos se encontraram durante um instante que lhe pareceu eterno. Sua expressão, advertiu Marianne, era inexpressiva e fria como o mármore.

—Como? —disse Nicola girando-se para lady Úrsula—. Não deixará que Penelope vá à festa do Bucky? Eu estarei ali. Pode dormir em minha habitação e prometo estar pendente dela.

—Uma garota solteira, da mesma idade do Penelope, não é o que eu considero uma acompanhante adequada —repôs lady Úrsula—. E sabe perfeitamente, Nicola. A verdade, não sei como sua mãe te permite assistir sozinha.

—Minha tia, a mãe do Bucky, estará ali — assinalou Nicola—. Certamente ela sim pode considerar uma companhia apropriada.

—Lady Buckminster? —disse lady Úrsula com desdém—. longe de minha intenção criticar a sua mãe, lorde Buckminster, mas todo mundo sabe que Adelaida está mais interessada nos cavalos que em suas hóspedes. Além disso, uma anfitriã não pode vigiar como é devido a uma jovencita. Faz falta alguém que a acompanhe em todo momento.

—Mas Penelope não necessita que a vigiem a todas as horas —protestou Nicola—. Nunca conheci a ninguém que se comporte melhor que Penny.

—Naturalmente que Penelope saberia comportar-se —disse lady Úrsula, como se pensar o contrário resultasse ridículo—. Mas são as aparências o que conta. Simplesmente, uma garota solteira não pode assistir a uma festa sem acompanhante.

—Milady, seria para mim um prazer fazer de acompanhante da senhorita Castlereigh.

—Sim! —exclamou Penelope—. Seria maravilhoso. OH, obrigado, senhora Cotterwood. foi um detalhe por sua parte.

—Mas se você também é uma jovencita — objetou lady Úrsula.

—Obrigado por dizê-lo, milady, mas não é esse o caso. Sou viúva e mãe de uma menina.

—Vê-o, mãe? Isso sarjeta a questão, verdade? —perguntou Penelope ansiosamente, e inclusive o implacável rosto de lady Úrsula se suavizou ao ver o prazer refletido nos olhos de sua filha.

—Mas logo que conhecemos a senhora Cotterwood, embora o oferecimento a honra.

—Já falamos disso o outro dia —lhe recordou Buckminster—. Não o recorda? Lambeth disse conhecer sua família. E eu já os tratei. São uma gente muito agradável.

Lady Úrsula olhou a lorde Lambeth inquisitivamente.

—OH, sim —disse Lambeth com afabilidade—. Conheço a família da senhora Cotterwood. Não deve você preocupar-se com o Penelope.

—Bem... suponho que então não haverá problema, Penelope. Pode ir.

Penelope emitiu um chiado de prazer, cheia de felicidade.

—Obrigado, mãe. OH, obrigado.

A orquestra, situada no extremo oposto da sala, começou a tocar, e lorde Lambeth se girou para o Marianne, lhe fazendo uma leve reverencia.

—Acredito que prometeu me conceder a primeira valsa da noite, senhora Cotterwood.

Marianne sentiu desejos de negar-se a dançar com ele, mas teria resultado pouco educado por sua parte. Esboçou um sorriso tenso.

—Sim, acredito que sim.

Tomou seu braço e se deixou levar até a pista de baile.

— Surpreende-me, milord —disse Marianne quando começaram a dançar—, que queira compartilhar uma valsa comigo. E ainda me surpreende mais que tenha recomendado a minha família a lady Castlereigh, tendo em conta sua opinião de meus parentes.

—Eu não os recomendei, exatamente. Solo afirmei conhecê-los, o qual é certo. De minhas suspeitas sobre eles prefiro não falar. Se animei a lady Úrsula foi estritamente pelo Penelope. A essa pobre garota sentará bem afastar-se de sua mãe uns dias. Além disso, sei que é uma mulher muito responsável e que, portanto, não necessita acompanhante alguma. Não fará nada imprudente nem indevido. Por isso não tive reparos na hora de recomendá-la a você.

—Ah, já compreendo. Insinúa que Penelope é uma pessoa tão maravilhosa que qualquer, inclusive uma delinqüente da rua, pode fazer de acompanhante sua —Marianne não pôde ocultar o furioso tremor de sua voz.

Lambeth se limitou a olhá-la de soslaio, sem responder.

Sabia que tinha cometido um equívoco um momento antes. Não tinha sido sua intenção falar do Bucky. Seu plano tinha consistido simplesmente em seduzir ao Marianne. Tinha-a desejado do mesmo momento em que a viu pela primeira vez. Uma aventura com ela teria satisfeito seus desejos e, ao mesmo tempo, teria impedido que enganasse ao Bucky. Seu amigo se levou um grande desengano, mas teria acabado superando-o à larga.

Ao Lambeth não lhe tinha passado pela cabeça que Marianne não estivesse disposta a viver um romance com ele. O beijo que compartilharam tinha demonstrado que se tratava de uma mulher apaixonada. E era mãe de uma filha, de modo que tinha experiência. Uma mulher assim, disse-se Justin, estaria mais que disposta a cercar uma relação mutuamente satisfatória.

Entretanto, ao chegar a sua casa e ver que levava o ramalhete do Bucky, em lugar do dele, Lambeth se havia sentido tão furioso que esqueceu seus objetivos e lhe espetou o primeiro que lhe passou pela cabeça.

—   Devo me desculpar pelos comentários que lhe fiz antes —disse com ideia de retificar a situação. irritou-se consigo mesmo ao perceber o tom rígido de sua própria voz—. Não me comportei como um cavalheiro.

Marianne arqueou uma sobrancelha.

—Não, não o fez.

Aquilo tampouco tinha saído como Justin esperava. Amaldiçoando entre dentes, tirou o Marianne da pista de baile e a conduziu até os grandes ventanales que davam a um pequeno jardim. Os ventanales chegavam virtualmente até o chão, de modo que lhes resultou fácil acessar a terraço.

—pode-se saber o que está fazendo? —inquiriu Marianne—. Isto não está bem.

—Ninguém nos viu —se limitou a dizer ele enquanto cruzava a terraço e baixava as escadas para o escuro jardim—. Quero falar com você em privado.

—E se eu não quero? É você um homem de uma arrogância insuportável, lorde Lambeth.

—Sem dúvida alguma. Mesmo assim, tenho a intenção de conversar sobre privado com você.

—Se quiser que continuemos a discussão de antes, devo lhe dizer que...

—Não —disse Justin com impaciência, enfiando um estreito caminho de cascalho que levava até uma pequena fonte. girou-se para o Marianne—. Lamento o que lhe disse antes. Sentia-me preocupado por meu amigo e isso me levou a falar com precipitação.

Marianne o olhou com curiosidade. Seu semblante parecia imóvel, quase rígido, sob o pálido resplendor da lua. Seus olhos ficavam ocultos entre as sombras, de modo que ela não podia ver sua expressão. Sentiu uma sensação estranha no peito, um pouco parecido a uma trêmula esperança.

—O que queria lhe dizer é que... Bom, desejo lhe fazer uma proposta. Queria lhe oferecer meu amparo.

—Seu amparo? —repetiu ela fracamente, sem saber se o tinha ouvido bem—. Quer dizer que...?

Sim. Estou-lhe pedindo que seja minha querida.

 

Marianne ficou pálida.

—Como... como diz?

—Será o melhor para você —Lambeth compreendeu em seguida que tinha falado com excessivo descaramento e estupidez, de modo que sei apressou a dar uma explicação—. Lhe porei uma casa, certamente, e lhe darei toda a liberdade que queira. Não seguiria correndo o perigo inerente a sua atual ocupação. E tampouco faria falta que fingisse estar apaixonada por mim, como sem dúvida deveria fazer no caso do Bucky, assim que lhe resultaria mais fácil. E acredito que poderíamos desfrutar de um do outro —enquanto dizia isto último, seu rosto se suavizou levemente e sua voz se tornou rouca. Acariciou-lhe o braço com suavidade.

Marianne retrocedeu. sentia-se como se acabassem de lhe dar um murro no estômago. Assim para ele não era mais que uma fulana!

—Não me toque! —exclamou em voz baixa, trêmula pela ira—. Como pode pensar que lhe permitiria sequer aproximar-se de mim? Não me seria difícil amar ao Bucky, mas me sentiria doente se tivesse que suportar as carícias de alguém como você!

A expressão do Justin se endureceu.

—O que lhe faz pensar que me conformaria sendo a querida de alguém... seu ou de lorde Buckminster? Ele acredita que sou uma mulher de nobre berço, assim não vejo o que me impede de aspirar a me converter em lady Buckminster.

Os olhos do Justin pareceram desprender faíscas e seu rosto se congestionou de raiva. Deu um rápido passo para ela. Marianne retrocedeu apressadamente, acreditando que pretendia lhe pegar. agachou-se e se elevou o vestido para desencapar a pequena adaga que levava sujeita à pantorrilha.

Lambeth abriu os olhos de par em par enquanto olhava a faca e logo a cara do Marianne.

—Eu não sou como esses homens com os que está acostumada a tratar, querida —disse tuteándola.

Alargou a mão rapidamente e lhe agarrou com força a boneca, lhe cortando a circulação. Marianne tratou de escapar, mas ele a sujeitou ao tempo que utilizava a mão livre para lhe tirar a adaga.

— me solte! —ofegou ela, atirando e retorcendo-se. Tinha as bochechas congestionadas e os olhos lhe ardiam de fúria. O olhar do Justin descendeu até seus seios, que subiam e baixavam com cada um de seus movimentos. Permaneceu imóvel um instante, olhando-a. Logo deu um puxão para atrai-la até seu peito. Os corpos de ambos se uniram e Marianne abriu os olhos ao sentir seu abrasador desejo.

Justin reclamou sua boca ansiosamente, consumindo-a. Ela sentiu um estremecimento e se derrubou sobre ele, lhe rodeando a cintura com os braços. Justin deixou escapar um ofego. Logo a abraçou para apertá-la mais contra seu corpo. A pequena adaga caiu ao chão, esquecida.

Marianne se aferrou a ele, tremente. Jamais se havia sentido assim com antecedência, tão excitada e fora de controle. Justin seguiu beijando-a uma e outra vez, como se não conseguisse saciar-se da doçura de sua boca. Sua língua sei entrelaçou com a dela, enquanto com as mãos lhe percorria as costas e lhe oprimia os glúteos para atrai-la para si.

Marianne se retorcia contra seu corpo, com o sob ventre inflamado pelo desejo. Lambeth murmurou algo que ela não conseguiu entender e a seguir, ao tempo que lhe riscava um atalho de beijos pelo pescoço, elevou a mão para abranger um de seus seios por cima do tecido do vestido. Marianne emitiu um ofego semelhante a um soluço, enterrando os dedos no cabelo do Justin.

Ele se separou repentinamente dela, profiriendo uma sentida maldição.

—Não podemos fazê-lo... aqui —resfolegou. Seus olhos emitiam um brilho quase feroz enquanto seu peito subia e descia em uma rápida oscilação—. Eu... minha casa está perto...

Marianne esteve a ponto de gritar ao deixar de sentir a carícia de suas mãos e de sua boca. ficou olhando-o fixamente, tratando de dar sentido a suas palavras. Levou-lhe um momento entender seu significado. Justin estava sugiriendo que se retirassem a sua casa, onde poderiam culminar aquele momento de paixão. Era o que o corpo do Marianne desejava, mas sua mente por fim voltou a reagir, cobrando verdadeira consciência do acontecido. Justin lhe tinha proposto que fora sua querida e logo, ao rechaçar ela sua oferta, tinha-a acariciado e beijado fazendo caso omisso de suas palavras.

—Não! —gritou Marianne enojada, com ele e consigo mesma—. Eu não sou a propriedade de ninguém. Não pode comprar.

Justin emitiu um rosário de obscenas maldições.

—Maldita seja, mulher, não quero comprar, a não ser te fazer o amor.

—O amor? —repetiu ela com desprezo—. Duvido que conheça o significado dessa palavra. Isto não é mais que um vil intento por sua parte de «salvar» a lorde Buckminster. Ou de lhe vencer. Não sei bem quais são seus propósitos.

—Meu propósito é mantê-lo afastado das garras de uma provocadora sem vísceras como você —repôs ele, a ira, o desejo e a frustração mesclando-se em um rugiente torvelinho em seu interior.

—Provocadora? Beija-me à força e logo tem a desfarçatez de me chamar «provocadora»?

—Aqui não houve força que valha —os lábios do Justin se curvaram—. Você me desejava tanto como eu a ti.

Os olhos do Marianne se encheram de lágrimas. Teve que tragar saliva para não prorromper em soluços. O desdém da voz do Justin refletia o desprezo que sentia fazia si mesmo. girou-se e se afastou pressurosa.

Justin foi atrás dela, estendendo a mão. Acreditou ter visto um brilho de lágrimas em seus olhos enquanto se girava e o atacou uma repentina sensação de culpa. deteve-se o ouvir a voz do Bucky, que chamava o Marianne da terraço.

— Estou... estou aqui, milord —respondeu ela, obrigando-se a manter um tom sereno, e inclusive alegre, enquanto se alisava rapidamente o cabelo e a roupa.

Bucky baixou até o jardim para reunir-se com ela, franzindo o cenho preocupado.

—Não deveria estar aqui sozinha, senhora Cotterwood.

—OH, não acredito que haja nenhum perigo — Marianne sorriu—.-me... enjoei um pouco, assim decidi sair a tomar o ar. Acredita que... poderia me levar a minha casa, lorde Buckminster?

Ele acessou encantado, embora expressou sua preocupação pela saúde do Marianne, Solo quando estiveram na carruagem, de caminho para sua casa, recordou ela que não tinha feito o menor intento de estudar a disposição da residência da festa ou os objetos de valor que pudesse conter. Fechou os olhos, deixando que o bate-papo insustancial de lorde Buckminster caísse em ouvidos surdos.

Tudo tinha sido culpa de lorde Lambeth, naturalmente. De algum modo, tinha conseguido transpassar suas defesas e despertar nela emocione e sentimentos que Marianne tinha acreditado extintos desde fazia muito tempo. Tinha sido uma estúpida, disse-se, ao deixar-se arrastar à paixão por outro nobre. Lambeth era igual a outros. Desejava-a carnal—mente, mas sentia desprezo por ela. Acreditou poder comprá-la igual a comprava um objeto em uma loja, para logo usá-la e atirá-la com a mesma facilidade.

O ódio embargou ao Marianne. Desejou lhe fazer danifico, humilhá-lo como ele acabava de humilhá-la a ela. Lhe teria reportado uma grande satisfação conseguir que se apaixonasse por ela para depois rechaçá-lo e esmagar seu coração com a ponta do pé. Por desgraça, pensou, tal coisa não seria possível. Lambeth era incapaz de apaixonar-se por ninguém, pois carecia de sentimentos.

Podia lhe fazer danifico através do Buckminster, certamente. Marianne olhou de esguelha a afável cara do Bucky. Lambeth iria às nuvens se ela incitava ao Bucky a que a amasse. Entretanto, Marianne se sabia incapaz de fazer semelhante coisa. Buckminster era um homem muito bom. Além disso, estava claro que Penelope o amava e lhe partiria o coração vê-lo apaixonado por outra mulher. Não, Marianne não podia fazer algo assim ao Penelope.

A única idéia viável que podia ocorrer lhe era lhe roubar ao Lambeth algum objeto de valor. Possivelmente na festa pudesse descobrir que coisas eram as que mais apreciava, para que logo Piers e Harrison as roubassem. O mau era que Lambeth suspeitaria dela e, certamente, não teria reparo algum em denunciá-la às autoridades. Se não o tinha feito já, era porque ainda tinha esperanças de levar-lhe à cama.

Ao chegar a sua casa, Marianne viu que estavam todas as luzes acesas. Descorazonada, supôs que todos estariam esperando-a para ouvir seu relatório a respeito da mansão da festa. Como ia explicar lhes que tal relatório não existia?

Sentiu certo alívio quando ao entrar, depois de despedir-se do Bucky, viu que havia uma grande agitação na casa e que ninguém lhe perguntava sequer pela festa.

achavam-se todos na cozinha, ao redor de uma jovem que permanecia sentada à mesa, com uma taça de conhaque diante. Era uma garota muito formosa, com a tez clara e uma larga juba de cabelo loiro escuro, quase avermelhado. Tinha estado chorando, porque tinha as bochechas úmidas e os olhos avermelhados. Piers se encontrava a seu lado e tinha aspecto de estar furioso e todos falavam de uma vez, sem escutá-los uns aos outros.

—O que acontece? —inquiriu Marianne elevando a voz.

Della se girou para ela.

—Marianne! É terrível!

—O que passou? Quem é essa garota?

—OH, senhorita, sinto-o muito —disse a jovem elevando os olhos para olhá-la. Fez gesto de levantar-se, mas Marianne a deteve com um gesto.

—O que é o que ocorre?

—Esta é Íris —explicou Winny—. Vive ao final da rua. Trabalha de donzela em casa dos Cunningham. Alguém a agrediu na rua!

—Quer dizer que alguém tentou...?

—Tentou me estrangular, senhorita —exclamou a jovem—. Justo aí em frente.

—diante de nossa casa?

A garota assentiu enfaticamente.

—Acabava de sair daqui quando esse homem saltou sobre mim e me rodeou o pescoço com as mãos. Estava morto de medo, sei o asseguro!

—Não sente saudades. E o que passou?

Íris se girou para o Piers, com os olhos brilhantes.

—Piers me salvou.

—Devi haver acompanhado a sua casa —disse Piers com evidente ar de culpabilidade.

Íris tomou a mão e a aproximou da bochecha.

—Não, você não tem a culpa. Eu não queria que me levasse a casa. A meus senhores não tivesse gostado.

—De modo que estava aqui, nesta casa.

—Sim, esteve... falando comigo no jardim um momento.

Ou paquerando mas bem, pensou Marianne, embora não disse nada.

—Ouvi-a gritar uns segundos depois de que saísse —prosseguiu Piers—, assim corri asa cale e os vi. Dava-lhe um murro a esse canalha, certamente, e ele a soltou e saiu correndo—franziu o cenho—. Oxalá tivesse podido pescá-lo, mas não quis deixar a Íris ali atirada paraperseguirlo.

—Claro que não —conveio Della.

—Que horrível! —um calafrio percorreu ao Marianne. Primeiro um homem interrogava à donzela e ao Rosalind, e logo ocorria aquilo. Sua casa já não lhe parecia um refúgio seguro.

—Crie que pôde tratar do mesmo homem? —perguntou Marianne ao Winny ao dia seguinte, enquanto tomavam o chá na cozinha.

—E por que ia atacar a Íris? —assinalou Winny—. É a ti a quem busca, não?

—Possivelmente solo queria interrogá-la, mas ela se assustou e começou a gritar, assim que ele tentou silenciá-la. Ou possivelmente... —Marianne titubeou—. Bom, possivelmente te pareça um pouco rebuscado, mas te fixaste na cor de cabelo de Íris? E se, na escuridão, a esse homem pareceu mais ruivo que loiro? E se ia atrás de alguém com o cabelo ruivo e conhecia seus gestos mas não seu aspecto?

—Crie que confundiu a Íris contigo?

—É possível, não te parece?

Winny a olhou preocupada.

Mas por que? por que ia tentar te matar alguém que nem sequer te conhece?

Não sei! Sei que parece pouco provável, mas...

Mamãe! Mamãe! —nesse momento, Rosalind entrou na cozinha, com as bochechas rosadas de excitação—. O vi!

—A quem?

—Ao homem que perguntou por ti ontem! Vêem

—Rosalind se dirigiu para a porta, gesticulando com impaciência—. Vêem comigo.

Marianne seguiu a sua filha escada acima, acompanhada pelo Winny. Rosalind as conduziu até o dormitório da Della e Harrison, situado na parte frontal da casa. Della estava aparecida na janela. girou-se para as ouvir chegar.

—Ainda segue aí —disse com o cenho franzido—. Quem será?

—Estava aqui com tia Della —explicou Rosalind—, e apareci na janela. Então o vi!

Marianne se aproximou da janela e Della se apartou para lhe deixar sitio. Ao outro lado da rua, apoiado na grade da casa de em frente, havia um homem baixo e mas bem corpulento.

—O que quer, mamãe? É um homem mau?

—Sim, temo-me que possivelmente o seja, carinho. Até que saibamos com segurança, manten afastada dele, de acordo? Não quero que saia da casa sem que Harrison ou Piers lhe acompanhem. Nem sequer com o Nettie.

—Está bem, mamãe, não o farei —Rosalind assentiu solenemente.

Marianne observou ao homem. Nunca o tinha visto com antecedência. Nesse momento, a porta da casa de em frente se abriu e um mordomo saiu e se aproximou do homem. Depois de uma breve conversação, o indivíduo se afastou a contra gosto.

Marianne emitiu uma risita.

—Possivelmente os vizinhos se dele ocupem por nós.

—Que bem que vá a essa festa dentro de uns dias —disse Winny—. Se alguém te está procurando, não dará contigo ali.

Marianne se girou para olhá-la.

— Não posso ir agora! Como vou deixar lhes sozinhos... sabendo que podem correr perigo?

—Não corremos perigo —assinalou Winny—. Se estiver no certo, atacou a Íris unicamente por sua cor de cabelo. Não acredito que confunda a nenhum de nós contigo. É mais, estaremos mais seguros se for, porque assim não existirá o risco de que nos faça mal tentando te atacar.

—Bom —os comentários do Winny tinham sua lógica, pensou Marianne — . Está bem. Mas não saiam nunca sozinhas. Saiam sempre acompanhadas, preferivelmente pelo Harrison ou Piers.

Winny assentiu.

—Assim o faremos. E se esse tipo tem o descaramento de vir perguntando por ti, diremo-lhe que já não vive aqui —fez uma pausa e logo sorriu zombadora—. Mas antes lhe perguntarei para que te busca.

Marianne também sorriu. —De acordo. Assim me sentirei mais tranqüila na festa do Buckminster.

Embora, certamente, seria-lhe impossível sentir-se totalmente tranqüila com o Lambeth ali. Mas Marianne estava decidida a deixar de lado aqueles sentimentos tão ridículos. Iria à festa para fazer seu trabalho, simplesmente, e evitaria a lorde Lambeth na medida do possível. depois daquilo, provavelmente não voltaria a ver aquele homem detestável nunca mais.

A carruagem do conde do Exmoor se deteve lentamente e o homem subiu nele. tirou-se o chapéu e se sentou frente a Exmoor.

—Falhou —disse o Conde sem preâmbulos, com gesto impassível—. Não só não conseguiu acabar o trabalho, mas sim te equivocou de pessoa.

—Já te disse que deveria ter contratado a um profissional —assinalou o outro homem com irritação, desviando o olhar—. Eu não estou acostumado a assassinar.

—Terá que tentá-lo de novo.

— Não posso seguir rondando a casa, em espera de que uma ruiva saia pela porta! —estalou o homem.

—Por sorte, inteirei-me que nossa amiga, a senhora Cotterwood, pensa assistir à festa que lorde Buckminster dá no campo, a semana que vem. Esse estúpido cabeça oca veio esta manhã para nos convidar a visitá-los. Nossa casa de campo está perto da do Buckminster, e lady Exmoor é prima dela. Suponho que teremos que ir.

—Nesse caso, poderá fazer o trabalho você mesmo —sugeriu seu acompanhante.

—Nem pensar. Não devem me relacionar com o assunto em modo algum. O que deve fazer é conseguir que lhe convidem à festa do Buckminster. Não será difícil, posto que conhece tipo, verdade? Bucky é uma pessoa patéticamente amistosa, de modo que apenas te custará trabalho lhe tirar um convite.

—   É absurdo. Nem sequer sabemos se esamujer é a que procuramos.

—OH, sim que o é. A similitude dos nomes, sua idade, o cabelo ruivo... Tudo encaixa. Entretanto, procurarei conhecê-la pessoalmente para me certificar.

—Eu não sou um assassino —protestou o homem—. Não posso fazê-lo. Ontem à noite estive tremendo durante horas, e isso que nem sequer matei a essa garota. É do todo impossível.

—É obvio que poderá fazê-lo. É capaz dos atos mais execráveis quando chá sente ameaçado. E, me acredite, agora o está.

Desfruta com tudo isto, verdade? Você gosta de destruir a outros! Agrada-te vendo-os sofrer.

Ajuda-me a aliviar o aborrecimento. Bom, o que responde? Fará o trabalho... ou prefere que certas pessoas recebam informação sobre suas antigas atividades?

— Está bem! Farei-o, maldita seja!

—Excelente. Estava seguro de que veria a luz —Richard golpeou com o fortificação o teto da carruagem e este se deteve.

Com um leve grunhido, o outro homem saiu pela portinhola e a carruagem voltou a ficar em marcha.

 

Uma semana mais tarde, Marianne partiu para o Buckminster Hall em uma carruagem com o Penelope e Nicola. Buckminster e lorde Lambeth as acompanhavam a cavalo.

—Bucky parece muito apaixonado por ti disse Penelope, e Marianne lhe dirigiu um rápido olhar.

perguntou-se se Penelope estaria furiosa com ela, mas ver o rosto afável da jovem lhe bastou para descartar tal idéia. Tratava corajosamente de mostrar sentida prazer, embora a delatava o tremor de seu sorriso.

—Os homens sempre andam à caça de novas conquistas. Mas está acostumado a ser algo passageiro. Não me interessa lorde Buckminster.

— Não? —perguntou Nicola arrastando a voz—. Me pareceu que te mostra muito amável com ele.

—Sim —Marianne fez um gesto para lhe subtrair importância—. E seguirei me mostrando amável, de momento. Verão, forma parte de meu plano.

—Que plano? —inquiriu Penelope.

—Pois meu plano de acabar com o amor de sua senhoria —explicou Marianne.

Nicola arqueou as sobrancelhas e Penelope pareceu assombrada.

—O que... o que quer dizer? —perguntou.

—Ao princípio não sabia muito bem o que fazer —começou a dizer Marianne—. É evidente que lorde Buckminster não me ama realmente. Apenas me conhece. O seu não é mais que um desses teimosias que têm os homens de vez em quando. E acredito que Penelope é a mulher perfeita para ele. Mas Bucky ainda não se deu conta.

Penelope se ruborizou.

—OH, não... Bucky não me quer. Quer dizer, sim me quer, mas do mesmo modo que a Nicola ou A... uma irmã. É muito amável comigo.

—Acredito que é algo mais que simples amabilidade. Ou não recorda como se desgostou o outro dia, quando sua mãe não quis que assistisse à festa?

—Você crie? —Penelope não pôde dissimular a nota de esperança que se filtrou em sua voz. Nicola observava ao Marianne pensativamente.

—Sim, acredito que te quer muito. Mas, como digo, ainda não se deu conta. Teremos que ajudá-lo nós.

—E como sugere que o façamos? — quis saber Nicola.

—Terá que conseguir que se desenamore de mim. Desse modo, não sofrerá tanto como com um rechaço e ficará com o coração intacto e preparado para apaixonar-se pelo Penelope.

—Mas como pretende conseguir tal coisa? — inquiriu Penelope com os olhos muito abertos—. Nunca tinha visto o Bucky assim de apaixonado.

—Mostrarei-me cruel, exigente e autoritária. Protestarei e me queixarei continuamente. Exigirei que me dedique toda sua atenção e deixe de lado as demais atividades, por muito que lhe seduzam.

—Como a caça —disse Nicola—. Os homens sempre vão caça neste tipo de ocasiões.

Marianne lhe dirigiu um sorriso de cumplicidade.

Suspeito que, desse modo, lorde Buckminster não demorará para cansar-se de mim.

Magnífico! —Nicola sorriu—. Para mim será um prazer te ajudar no que possa.

—Bem. Pode te pôr a conversar comigo quando ele esteja perto, para que descubra quão superficial sou. Inclusive podemos planejar de antemão as conversações.

— Sim. E se conseguirmos que Penelope, em troca, pareça apaixonada, amável e inteligente...

—Exato.

—É uma idéia absolutamente maravilhosa — disse Nicola.

—Obrigado.

—Todo isso me parece muito bem —atravessou Penelope, insegura—. Mas criem que assim acabará apaixonando-se por mim?

—Você estará aí quando Bucky te necessite. Quando desejar falar com alguém, estará aí para escutá-lo e lhe dar um carinhoso apoio.

—Mas fixa lhe em mim. Não sou formosa nem tenho encanto. Nicola me emprestou vestidos e tentou me ensinar a paquerar, mas não me dá bem. Sempre me esforcei para nada.

—Não tem por que esforçar —disse Marianne com Esse firmeza foi seu primeiro engano. Verá, ao Bucky já gosta tal como é. Tão solo deve dar-se conta de que é a ti a quem ama. Eu me mostrarei cruel e desumana, você amável e pormenorizada. Eu serei superficial, você inteligente e bondosa. Nicola e eu procuraremos que possam estar juntos para que ele compreenda quão distintas somos.

Penelope sorriu.

—Bom, se crie que assim...

—Estou convencida. Quanto a seu aspecto... outro penteado ajudaria.

—Disso me encarrego eu —disse Nicola confidencialmente—. E não sabe como melhoras de aspecto quando está longe de sua mãe, Pen. Parece muito mais radiante.

—E eu posso te deixar alguns de meus vestidos —sugeriu Marianne.

Passaram o resto da viagem conversando animadamente e fazendo planos. Em um determinado momento, o nome de lorde Lambeth saiu a colação.

—Esse sim que é bonito —disse Nicola.

—Sim, muito bonito —conveio Penelope antes de sorrir malévolamente ao Marianne—. Eu diria que também te jogou o olho.

—Certo —assentiu Nicola, embora acrescentou em tom de advertência—: Mas dizem que vai casar se com a Cecilia, e para mim que é verdade. A gente dessa família nunca se casa por amor. Esse homem pode te destroçar o coração.

Sei. Não tenho nenhuma intenção de cair em sua armadilha.

Mas, ai, esses olhos! —Penelope suspirou afectadamente e as outras duas mulheres sei puseram-se a rir.

Sim. Malditos sejam esses olhos.

Quando a carruagem se deteve em uma estalagem umas horas mais tarde, as três se baixaram já como amigas íntimas. Fiel a sua palavra, Marianne ignorou ao Bucky e paquerou descaradamente com lorde Lambeth. Ao princípio, este pareceu levemente surpreso ante o olhar lânguido que lhe dirigiu enquanto a ajudava a descer da carruagem, mas logo correspondeu a suas paqueras. Adulou-a e lhe dedicou acesos elogios enquanto caminhavam para a estalagem e se sentavam para tomar um ligeiro refrigério, olhando-a com um indolente cinismo que deixava claro que não tomava a sério nem por um momento.

—Está-o fazendo à perfeição, né? — disse Lambeth entre dentes enquanto a acompanhava de volta à carruagem.

Marianne o olhou com desdém.

—Não sei do que está falando.

—De seu intento de pôr ciumento ao Bucky paquerando comigo.

—Jamais me ocorreria tal coisa.

—Mmm. Seguro que não. Mas parece que está dando resultado. Bucky está verde de ciúmes.

—Pessoalmente, nunca me gostaram dos homens verdes.

Ele arqueou as sobrancelhas.

— Senhora Cotterwood! Estou escandalizado. Há-o dito com um dobro sentido?

—O que? Não. A que se refere? —inquiriu Marianne, surpreendida. Logo, ao compreender as conotações sexuais que podiam aplicar-se a seu comentário, ruborizou-se—. Não! Não era essa minha intenção.

O quente brilho risonho de seus olhos fez que se ruborizasse ainda mais. Marianne lhe franziu o cenho.

—É você um homem grosseiro e mal educado, e não sei por que perco meu tempo falando com você —se separou dele e avançou para a carruagem por sua conta. Bucky se aproximou pressuroso para ajudá-la a subir e Marianne lhe sorriu.

—Obrigado, milord. Alguns homens sim são uns cavalheiros —olhou sobriamente a lorde Lambeth, que permanecia a uns quantos passos de distância, sonriéndole de forma irritante.

Passaram a noite em uma estalagem, onde Nicola, Penelope e Marianne tiveram que compartilhar uma habitação. O comilão da estalagem estava cheio e não dispunha de reservados, de modo que as três mulheres jantaram também em seu quarto. Marianne sentiu alívio ao não ter que passar a velada com o Lambeth ou Buckminster, que permaneceram no comilão. Ao dia seguinte, a carruagem reemprendió a viagem para o Dartmoor.

Chegaram ao imóvel do Buckminster pela tarde. Enquanto as moços de quadra acudiam imediatamente para fazer-se carrego dos cavalos do Bucky e lorde Lambeth, a porta principal da casa, um enorme edifício de pedra amarelada, abriu-se e um solene mordomo saiu para dar a bem-vinda a lorde Buckminster. Seguia-o uma mulher, maior e gordinha, que saudou o Bucky com muita menos formalidade. Abraçou ao jovem e lhe deu sendos beijos nas bochechas, entre exclamações de alegria.

Nicola sorriu ao ver a cena.

—Ah, vejo que a aia segue aqui. Sempre que Bucky volta para casa, tábua delgada de alegria como se acabasse de vê-lo retornar da guerra.

Lorde Lambeth se aproximou para as ajudar a descer da carruagem, posto que Bucky seguia ocupado saudando a servidão.

— Bucky! Entrem, filho, faz passar a seus convidados. Não os tenha aí ao sol.

Marianne elevou o olhar para ver uma mulher de média idade situada na porta. Lady Buckminster era uma mulher muito alta, com uma constituição parecida com a de seu filho e, obviamente, não era pulseira da moda. Ia vestida com umas botas e um traje de montar marrom visivelmente antiquado. Levava o cabelo cinza recolhido em um singelo coque e sua tez não era do suave tom pálido próprio da maioria das damas, a não ser bronzeada e curtida pelo vento.

Deu ao Buckminster um beijo na bochecha e logo avançou para tomar a mão de lorde Lambeth.

—Celebro muito voltar a verte, Lambeth. Cárter me prometeu uma caçada decente. Ainda não é temporada, certamente, mas procuraremos fazer o possível — se girou para as mulheres—. Nicola, querida. Fazia muito tempo que não te via. Está muito magra, jovencita. Teremos que engordá-la um pouco, verdade, senhora Waterhouse? —acrescentou olhando por cima do ombro à ama de chaves — .E Penny, minha filha, alegra-me que tenha vindo.

—Obrigado. Sinto que minha mãe não tenha podido vir, mas tinha que...

Lady Buckminster a interrompeu com um gesto.

—Passará-o muito melhor sem ela —declarou sem rodeios — .Sempre digo a Úrsula que te tem muito controlada —se girou para o Marianne —. Você deve ser a senhora Cotterwood. Bucky me falou muito de você em sua nota. Vá, é muito bonito. Compreendo que meu filho se fixou em você. Bem-vinda a nossa casa. Monta a cavalo?

— Sempre que posso —mentiu Marianne. Tinha tomado lições alguns anos antes e sabia montar decentemente, mas logo que tinha ocasiões para praticar—. Mas me temo que não tenho cavalos.

—É difícil na cidade —disse lady Buckminster comprensivamente — . Um lugar horrível. Eu nunca vou. Mas não se preocupe. Daremo-lhe um bom cavalo. Acabará montando tão bem como Penelope rapidamente —sorriu a jovencita situada ao lado do Marianne—. Penny cavalga como uma verdadeira amazona — se deu meia volta e entrou na casa—. Adiante, tomaremos umas taças de chá.

O grupo entrou atrás dela. Penelope tomou o braço do Marianne e lhe disse em voz baixa:

—Tranqüila, não te obrigará a montar se não querer. Lady Buckminster está louca pelos cavalos, como já haveria adivinhado, mas é muito bondosa.

—Não me importará ter que montar, embora confesse que não tenho muita experiência.

—Tia Adelaida é um encanto —disse Nicola afetuosamente—. Se levou muito bem comigo. Quando morreu meu pai, minha mãe e eu nos devemos viver aqui. Nossa casa passou à mãos de minha primo, que herdou o título ao não ter eu irmãos varões, e minha mãe não se levava bem com sua esposa. Mais tarde, minha mãe comprou uma casa em Londres, mas eu fiquei aqui com tia Adelaida e Bucky. Era feliz vivendo com eles —sorriu ao recordar, mas Marianne acreditou perceber também certa tristeza em seus olhos.

Uma vez dentro, viram que já tinham chegado outros duas hóspedes. Lady Buckminster os apresentou como sir Georgé Merridale e Sophronia, sua esposa. George era um homem singelo e discreto, de uns quarenta e poucos anos, cujo rosto anguloso delatava sua antiga herança normanda. Sua esposa, igual de singela, era baixa e gordinha, e falava sem parar.

Marianne se fixou em que lady Merridale ia carregada de jóias. Levava três anéis em cada mão, um deles com um resplandecente diamante. Em sua boneca brilhava um bracelete de esmeraldas, companheiro de quão pendentes pendiam de suas orelhas.

Marianne notou movimento a seu lado e uma voz masculina lhe sussurrou no ouvido:

—Está pensando em lhe tirar a lady Merridale algumas de suas jóias?

Marianne elevou o olhar para os faiscantes olhos dourados de lorde Lambeth. Não pôde evitar sorrir.

—Acredito que luziriam melhor, não lhe parece?

—OH, certamente. Possivelmente poderíamos planejar o golpe conjuntamente.

Marianne teve que recordar-se a si mesmo a antipatia que sentia por aquele homem. Como podia ser tão encantado em umas ocasiões e tão desprezível em outras?

—Esperava que me permitisse a honra de lhe ensinar os terrenos —seguiu dizendo Lambeth, com um sorriso que produziu ao Marianne estranhas sensações—. São muito formosos.

—De acordo —aceitou Marianne—. Irá bem estirar as pernas.

—Que idéia tão esplêndida! —exclamou lady Merridale, ouvindo-o—. por que não vamos todos? George, querido...

Marianne se fixou de reojo no Lambeth, quem olhava a lady Merridale com desconcerto. Logo olhou ao Marianne, que teve que dissimular um sorriso.

—Acredito que eu ficarei conversando com tia Adelaida —disse Nicola, que nem sequer se incomodou em ocultar seu travesso sorriso.

Outros saíram ao jardim. Marianne tomou o braço do Lambeth, deixando que Penelope acompanhasse a lorde Buckminster.

—Temo-me que estou acostumada a caminhar depressa, milord —disse Marianne em voz alta quando tiveram saído—. comprovei que é bom para a saúde.

—Procurarei manter seu ritmo —lhe assegurou Lambeth seriamente.

Marianne apertou o passo, deixando a Sophronia e outros atrás. Rodearam uns sebes altos, perdendo de vista ao resto do grupo, e Lambeth a conduziu fora do atalho.

—por aqui —disse tomando a mão e jogando virtualmente a correr pela extensão de erva.

Quando se detiveram para recuperar o fôlego, Lambeth baixou o olhar para contemplá-la e o comentário provocador que sei dispunha a fazer se extinguiu em sua garganta. Elevou a mão para lhe acariciar a bochecha com os nódulos.

—Que formosa é.

Marianne retrocedeu rapidamente.

—Senhor! Está muito equivocado. Não saí ao jardim para estar a sós com você. O que lhe disse a outra noite ia a sério. Se pretende me acossar...

—Não. Asseguro-lhe que não —como se desejasse mostrar suas boas intenções, Justin lhe ofereceu o braço e a conduziu até o pequeno jardim de rosas que se estendia a uns quantos metros.

Lambeth não era nenhum estúpido no referente às mulheres. Sabia que a melhor maneira de impedir que Marianne cravasse suas garras no Bucky era ganhar ele mesmo seus favores, uma meta que também satisfazia seus próprios desejos. Mas, para consegui-lo, teria que fazer as pazes com ela.

—Senhora Cotterwood, devo lhe pedir desculpas por minha conduta da outra noite —disse lhe falando outra vez de você—. Obviamente, equivoquei-me com respeito a suas intenções.

—Obviamente —Marianne a olhou de soslaio, dando pouco crédito a sua afirmação.

Disse coisas que não devi dizer. Sem dúvida, pensará que sou um néscio ou um canalha.

Ou ambas as coisas —acrescentou Marianne em tom amável.

Ele a olhou surpreso e logo esboçou um sorriso zombador.

—Vejo que não tem intenção de me pôr isso fácil.

—Não sei por que teria que tê-la.

Compreendo-o —Justin suspirou — . Lhe rogo que aceite minhas sinceras desculpas, senhora Cotterwood. Falei precipitadamente. Agora me dou conta de meu engano.

Seriamente? —inquiriu Marianne cinicamente—. E o que é o que motivou essa considerável mudança de opinião?

Ele não tinha esperado semelhante pergunta e, por um momento, permaneceu indeciso.

—Pois... foi a raiva com a que me rechaçou. Compreendi que tinha julgado mal seu caráter. Obviamente, seus princípios são muito mais elevados do que eu tinha acreditado.

Marianne se deteve e se girou para olhá-lo.

—Lorde Lambeth, está claro que segue você tomando por tola. Espera que me cria que trocou que opinião em tão pouco tempo? Acusou-me de roubar. De tentar extorquir a seu amigo Bucky. Continuando, tentou comprar meus favores, como se minha virtude estivesse em venda. E agora decidiu que nada disso é certo?

— Estava roubando! —exclamou Justin à defensiva—. Surpreendi olhando a caixa forte!

—Tomei algo?

—Claro que não. Pilhei-te antes de que pudesse fazê-lo.

—Francamente, lorde Lambeth, o que acreditou você que ia fazer? me guardar a prata da família debaixo da saia? Ou colocar a em um saco e me jogar isso à costas? É absurdo.

—Poderia te haver guardado algumas jóias facilmente. Ou possivelmente simplesmente estava examinando a casa para seus cupinchas. Nada mais conhecer jovem Piers e outros, compreendi que provavelmente atuava como parte de um grupo de ladrões. O que faz, serve-te de sua beleza e seu porte refinado para te introduzir nas casas dos ricos? Localiza os objetos de valor e a caixa forte para que logo seus amigos vão a roubá-los mais tarde? Um bom plano, não o nego. O que não sei é se aprendeu os maneiras e a forma de falar de uma dama para esse fim, ou se te criou como tal e logo te estragou.

O que você cria me traz sem cuidado. Mas lhe agradeceria que deixasse de lombriga como alguém capaz de vender seu próprio corpo.Como se os nobres fossem os únicos com princípios morais!

Sei que há muitas pessoas boas e honradas que não são nobres nem ricas. Mas não poria entre elas aos ladrões, jogadores profissionais e ladrões de carteira!

Ao menos, está sendo sincero. Agora sei o que pensa de mim. Não trate de me fazer acreditar outra coisa. O único que lhe interessa é impedir que prejudique ao Buckminster e está disposto a fazer algo com tal de obtê-lo. Inclusive me seduzir. Mas seus truques não darão resultado, senhor. Agora, se me dispensar, voltarei para a casa e pedirei que me levem a minha habitação.

Marianne se deu meia volta e se afastou dele.

 

Enquanto Marianne descia pelas escadas para assistir ao jantar, seus olhos se desviaram para o Lambeth, que nesse momento conversava com outro cavalheiro. Ele se girou para olhá-la. Marianne voltou a cabeça rapidamente e sentiu que um rubor revelador se estendia por seu pescoço, esperando que Lambeth estivesse muito longe para notá-lo.

Logo passeou o olhar pelo salão, em busca do Penelope e Nicola. Viu-as conversando com o Buckminster e outras pessoas. Penelope, comprovou Marianne com satisfação, tinha muito melhor aspecto aquela noite. Nicola e ela a tinham ajudado a pentear-se e a embelezar-se com um vestido verde claro que favorecia a sua cor de pele.

Marianne avançou para o grupo, olhando de esguelha a lorde Lambeth. Buckminster foi a seu encontro sorridente e Marianne, consciente do olhar do Lambeth, devolveu-lhe o sorriso e lhe tendeu a mão.

—Lorde Buckminster —disse alegremente como se levasse séculos sem vê-lo, enquanto ele se inclinava para lhe beijar a mão—. Damos um passeio?

Buckminster, naturalmente, aceitou gostoso, e ambos empreenderam um lento passeio pelo enorme salão.

Marianne lhe sorriu.

—Estou segura de que a senhorita Castlereigh estará jogando faíscas.

Bucky pareceu surpreso.

—Penelope? por que?

—Pois porque o separei que ela.

—Penelope? OH, não. É uma boa moça, amiga meus há anos.

Marianne emitiu uma risita e lhe dirigiu um olhar compassivo.

—OH, vamos, lorde Buckminster. Essa garota está apaixonada por você.

Ele ficou olhando-a com estupefação.

—Não, está você equivocada —se girou para olhar ao Penelope, como se a visse com outros olhos—. Não pode ser.

Marianne se encolheu de ombros com indiferença.

—Ela tenta dissimulá-lo, certamente.

Sabe que não tem nenhuma possibilidade. Pobrecilla, que mau deve sentir-se sendo tão insossa.

— Penelope não é insossa! —protestou lorde Buckminster em tom ofendido. Logo olhou ao Marianne com doída surpresa—. Acreditei que Penelope era amiga dela.

Marianne emitiu uma risita.

—Mas, lorde Buckminster, não compreende que uma mulher insossa é a melhor amiga que outra mulher pode desejar? Assim não há perigo de que lhe arrebate o noivo.

Buckminster exalou um ofego de surpresa, sua agradável face contraída de horror. Marianne suspirou interiormente. Detestava ter que cair antipática.

—Estou seguro de que não o há dito a sério, senhora Cotterwood.

—Céus, não. Solo era uma pequena brincadeira —respondeu Marianne. Não tinha esperado que os sentimentos do Bucky trocassem em um só instante, mas sabia que seu cruel comentário semearia nele a semente da dúvida. Começou a paquerar com o Buckminster de novo. estavam-se aproximando de lorde Lambeth.

Lambeth e seu acompanhante se inclinaram ao vê-los chegar, e Buckminster se deteve para apresentar ao Marianne ao outro homem. Era sir William Verst, um dos amigos do Bucky e Lambeth. Seu tema favorito de conversação pareciam ser os cavalos, pois não falava de outra coisa.

Ao cabo de um momento, na hora do jantar, Marianne já tinha sido apresentada ao resto dos convidados. além de sir William, havia outros dois cavalheiros sem casal, amigos de lorde Buckminster. Lesley Westerton era baixo e ligeiramente gordinho. Falava muito e com grande engenho. Lorde Chesfield, em troca, era moreno, alto, magro e desconcertantemente calado. Ambos, tinha assegurado lorde Buckminster, eram «tipos excelentes», embora teve que admitir com certo apuro que Westerton não montava bem a cavalo. Aquilo, compreendeu Marianne, era um defeito muito importante para ele.

Bucky conduziu ao Marianne para o Penelope, que naquele momento conversava com o Chesfield e Westerton. Marianne, assim que teve sido apresentada ao grupo, procedeu a paquerar com ambos os homens. Pôde perceber a crescente consternação do Bucky, mas se obrigou a seguir adiante. Ao cabo de um momento, expressou seu interesse em contemplar um quadro situado no extremo oposto do salão e Westerton se ofereceu a acompanhá-la. Chesfield, naturalmente, foi com eles. Marianne deixou ao Bucky nas pormenorizadas mãos do Penelope, sem olhá-lo sequer.

Descobriu que Westerton era extraordinariamente dado às fofocas. Sir George Merridale, conforme lhe informou, casou-se com a volúvel Sophronia por seu dinheiro.

—Sério? —Marianne olhou especulativamente ao casal—. E o que há do senhor Thurston e sua mulher?

Westerton se encolheu de ombros.

—Por isso eu sei, é um tipo normal em todos os sentidos. Família decente e dinheiro decente. ouvi que se correu algumas farras quando era jovem, mas quem não? Seu secretário provém de uma antiga família, mas não tem dinheiro. É um homem inteligente, falei com ele. E logo está Verst, um bom tipo se um não lhe falar de cavalos.

Marianne deixou escapar uma risita.

—Está você sendo algo duro com todos os convidados, não crie?

—Não diria nada mau de lorde Lambeth, certamente. Não me atreveria. É muito bom com os punhos.

—Bom, eu acredito que é mais orgulhoso do que lhe convém —Marianne olhou ao outro lado da sala, onde Lambeth permanecia falando com lady Buckminster. Contemplava-a com evidente afeto e ria ocasionalmente com seus comentários. Marianne experimentou uma súbita pontada de dor no peito. Como seria sentir-se olhar assim por lorde Lambeth?

Westerton arqueou uma sobrancelha.

—Vá, vá, o que temos aqui? Acaso o futuro duque do Storbridge teve algum tropeço com você? Normalmente está acostumado a ser muito admirado pelas mulheres.

—Por mim, não. Encontro-o grosseiro e arrogante.

—O que lhe tem feito? Estou desconcertado.

Marianne fez um gesto com a mão para subtrair importância ao assunto. Já tinha revelado muito com sua afirmação.

—É muito orgulhoso, sim —atravessou Chesfield de repente, surpreendendo-os a ambos—. Toda sua família o é. Está acostumado a ocorrer com os duques.

Nesse momento, lorde Lambeth se girou e fixou a vista no grupo, olhando-os com olhos frios como o mármore.

—OH, céus —murmurou Westerton—. Parece que esta noite me ganhei a inimizade de dois lores. Buckminster não me preocupa, mas não sei se eu gostaria de incorrer na ira do Lambeth, até por uns olhos tão formosos como os de você.

—Não se preocupe —Marianne olhou ao Lambeth com acritud—. Duvido que você seja o branco de sua ira. Lorde Lambeth e eu tivemos alguns... roce.

—Mmm —Westerton elevou a mão para saudar o Lambeth—. Por favor, minha querida senhora Cotterwood, me diga o que tem feito Lambeth para lhe inspirar tal rancor. Confesso que me embarga a curiosidade. Devo lhe desafiar por você?

Marianne emitiu uma gargalhada.

—Não, não acredito que seja necessário.

Lambeth lhe disse algo a lady Buckminster e depois fez gesto de avançar para eles.

Mas nesse momento o mordomo anunciou que o jantar estava servido. Justin franziu o cenho, deteve-se e retornou com lady Buckminster para cumprir com seu dever de acompanhá-la até a mesa. Marianne tomou o braço do Westerton, aliviada, e juntos saíram da sala.

Marianne se levantou cedo ao dia seguinte. A noite anterior, depois do jantar, lady Buckminster anunciou que tinha planejado fazer uma pequena excursão a cavalo às cataratas White Lady aquela manhã.

—Parece um caminho muito comprido para fazê-lo a cavalo —se queixou Marianne quando levavam um momento de marcha—. Não poderíamos havê-lo feito em carruagem?

—Terá que viajar a campo travessa —explicou Buckminster com um sorriso—. Nem sequer o carro que transporta a comida poderá chegar até as cataratas. Terão que levá-la a pé durante a última etapa do trajeto.

—Que horrível —protestou ela com intencionada petulância—. De verdade merece a pena tanta moléstia?

— OH, as cataratas constituem uma vista preciosa —lhe assegurou lorde Buckminster—. Sei que, quando as vir, terá dado por bom a viagem.

Marianne franziu os lábios.

—Oxalá. Faz muito calor. Espero não me torrar — se apalpou a pálida bochecha com preocupação.

Viu uma efêmera expressão de dúvida nos olhos de lorde Buckminster. Mas logo que durou um instante.

—Está você muito formosa —lhe assegurou Bucky com um sorriso.

Ao cabo de umas quantas milhas, viram que outros três cavaleiros se aproximavam deles. Dois homens e uma mulher, a lombos de excelentes cavalos. Lady Buckminster os saudou com um efusivo gesto.

—Quem é esse cavalheiro? —inquiriu Marianne com curiosidade.

—OH, é o conde do Exmoor. Ele e suas hóspedes nos acompanharão na excursão de hoje. São a senhorita Cecilia Winborne e Fanshaw, seu irmão —explicou Buckminster em tom inexpressivo, e Marianne teve a suspeita de que não simpatizava com nenhum dos recém chegados.

—A senhorita Winborne... é a que vai casar se com lorde Lambeth, verdade? —inquiriu em tom fingidamente casual.

—Não estão comprometidos —respondeu Buckminster quase com brutalidade—. A gente o dá por sentado, mas Lambeth jamais lhe tem proposto matrimônio.

—Dá-me a impressão de que não aprecia à senhorita Winborne.

O rígido semblante do Bucky se relaxou.

—É você muito perspicaz, senhora Cotterwood —disse sonriendo—. Os Winborne são, em minha opinião, uma gente muito fria. É uma boa família, certamente, mas eu pessoalmente jamais me casaria com a Cecilia.

—Estou segura de que a lorde Lambeth não importará —repôs Marianne fríamente.

—Lady Buckminster —disse o conde do Exmoor ao chegar até eles, tirando o chapéu e fazendo uma reverência—. É para mim um prazer lhes acompanhar nesta excursão.

— Faz um dia precioso, né? —respondeu lady Buckminster com jovialidade—. Olá, Cecilia. Fanshaw, celebro muito que tenham vindo.

Cecilia respondeu educadamente à saudação, mas Marianne advertiu que seus olhos sei desviavam para lorde Lambeth. Ele fez um leve gesto de assentimento, embora Marianne não viu sinal alguma de afeto em seu olhar.

—Onde está Deborah? —perguntou Nicola adiantando-se com seu cavalo. Marianne advertiu, surpreendida, que tinha expressão de irritação.

—Sua irmã não pôde vir —respondeu o Conde com calma, o que surpreendeu ainda mais ao Marianne. Nicola não havia dito nada de que sua irmã vivesse perto—. Me temo que está indisposta. Já sabe quão frágil é.

—Não o era antes de casar-se contigo —repôs Nicola. O ar pareceu carregar-se de tensão. Todo o grupo olhava a ambos com interesse.

—OH, céus —murmurou Bucky entre dentes, aproximando-se da Nicola e o Conde—. bom dia, Exmoor. Lamento que Deborah não tenha podido vir. Nicola tinha muitas vontades de vê-la. Não é assim, Nicky?

—Sim —respondeu Nicola sem olhar ao Exmoor.

Por favor, lhe dê ao Deborah lembranças de nossa parte —acrescentou Buckminster dirigindo-se ao Conde, quem assentiu.

Será melhor que voltemos a nos pôr em marcha —disse lady Buckminster—. Já perdemos bastante tempo.

Bucky tocou seu cavalo, situando-se entre a Nicola e Exmoor. Começou a falar tranqüilamente com a Nicola à medida que se adiantavam, acompanhados pelo Penelope. O Conde ficou algo atrás, junto ao Alan Thurston, enquanto Cecilia e seu irmão cavalgavam ao lado de lorde Lambeth, Verst e outros jovens. Cecilia se girou e posou o olhar no Marianne. Olhou-a durante uns segundos, sem expressão, e seguidamente voltou a dá-la volta. Lambeth, por sua parte, fez-se a um lado e esperou pacientemente a que Marianne e o senhor Westerton se aproximassem. Tirando o chapéu, fez-lhes uma reverência.

— Senhora Cotterwood, senhor Westerton — disse enquanto dirigia a este último um olhar carregado de intenção — . Sente saudades que não esteja cavalgando junto a seu amigo Chesfield e outros.

—Já sabe o mal que me dá montar a cavalo, Lambeth. Sinceramente, não teria vindo de não ser pela insistência da senhora.

—Mmm. Lástima. A senhorita Winborne perguntou por você.

Westerton arqueou as sobrancelhas com incredulidade.

—Cecilia Winborne? Considera-me um néscio impertinente, e você sabe muito bem.

—Mesmo assim, seria pouco educado por sua parte não saudá-la, não lhe parece? E acredito que cavalgaria mais a gosto com seu grupo —Lambeth o olhou com uma sobrancelha arqueada, até que o outro suspirou ao fim.

—Está bem, deixarei-lhe o campo livre, Lambeth. Se me desculpar, senhora Cotterwood — fez uma reverência e tocou seu cavalo.

Marianne olhou a lorde Lambeth ressentidamente.

Certamente, sabe como desfazer-se de outros.  

Sim —respondeu ele sem alterar-se—. É um de meus muitos encantos.

Cavalgaram em silencio durante um momento e logo Lambeth assinalou ao Buckminster, que cavalgava junto à Nicola e Penelope.

—Parece que perdeste a um de seus admiradores.

—A dois, em realidade... graças a você —assinalou Marianne sarcásticamente. Logo optou por trocar de tema—. O que acontece com Nicola?

Lambeth se encolheu de ombros.

—Não sei. Inclusive duvido que o próprio Bucky saiba. Mas todo mundo sabe que Nicola despreza ao conde do Exmoor—Lambeth franziu um pouco os lábios ao pronunciar o nome.

—Deduzo que a você tampouco cai muito bem.

—Não é a classe de homem que queria ter como amigo, embora tampouco o considero um inimigo. Simplesmente, há algo nele que... —Justin deixou a frase em suspense.

—Mas a irmã da Nicola é sua esposa?

—Sim. Já levam vários anos casados. Suponho que a inimizade entre a Nicola e Richard tem algo que ver com isso, embora ignore exatamente do que se trata. Imagino que o Conde não é o que se diz um marido ideal. Já logo que vá ao Deborah. Ela sempre fica aqui, no campo, e não vai nunca a Londres. Sua saúde é muito frágil. Tenho entendido que se truncaram vários de seus intentos de ter descendência.

Marianne compreendeu que era uma forma educada de dizer que tinha tido alguns abortos.

—OH. Já entendo. Pobre mulher.

Cecilia Winborne se girou de novo para olhar ao Marianne. Em sua cara não se refletiu expressão quando viu lorde Lambeth cavalgando junto a ela, mas Marianne intuiu que a senhorita Winborne não estava destinada a ser amiga dela.

Confirmando sua suspeita, Lambeth disse:

—Acredito que a senhorita Winborne veio para proteger seu investimento.

—Seu investimento?

Lambeth esboçou um sorriso sardônico.

—Não me diga que não ouviste os rumores de que ela e eu temos um acordo.

—Sim. São certos?

Ele se encolheu de ombros.

—É o que nossas famílias desejam. O que Cecilia deseja.

—E você?

—É tão adequada como outra jovem qualquer. E, ao menos, não espera que lhe seja fiel nem lhe sussurre belas palavras de amor. Vê o matrimônio da mesma forma que eu.

—Como um simples acordo? Sem amor?

—Isso está acostumado a ser o matrimônio. Uma simples aliança com outra família. O amor não está incluído nele.

—Possivelmente seja assim para um futuro duque —admitiu Marianne—. Mas não o é para todo mundo.

—Sem dúvida, você e seu marido lhes casaram por amor —repôs Lambeth em tom cínico.

Marianne ficou rígida. Por um momento, tinha esquecido por completo seu papel de viúva.

—Isso não é assunto dele, milord —respondeu Marianne, negando-se a corresponder a seu tuteo.

—Certamente que não. Mas isso não impede que sinta curiosidade por seu marido.

—Temo-me que não poderá satisfazê-la. Prefiro não falar de meu defunto marido.

—Mmm. Nem sequer quererá me dizer se estiver realmente morto ou não?

—O que? Como se atreve? —disse Marianne com as bochechas inflamadas, embora não sabia se se devia à irritação ou à vergonha.

Vamos, vamos, comigo não tem que fingir. Sou o único que sabe que é uma farsante. E, a verdade, não me importa, embora espere que seus amigos e você deixem em paz ao Bucky. Lady Buckminster se desgostaria muito se perdesse seus tesouros.

Enquanto não fossem seus cavalos, não acredito que lhe importasse muito —respondeu Marianne com franqueza.

Sim, acaso tenha razão —conveio Justin sonriendo—. Mas nos estamos se separando do que interessa. Eu gostaria de saber mais da pessoa que é em realidade. A mãe do Rosalind. Uma mulher bela e apaixonada. Mas que mais há? Nem sequer sei se Cotterwood for seu autêntico sobrenome. Por algum motivo, duvido-o.

—Esta conversação é absurda. Se eu fosse a mulher que afirma —disse Marianne tuteándolo por fim—, por que lhe ia confessar isso Marianne lo miró con desprecio.

—Possivelmente porque poderia te resultar prazenteiro ter uma relação honesta com alguém?

—   Sei a classe de relação que buscas —disse Marianne com uma nota de amargura na voz—. E não acredito que seja precisamente «honesta».

—Não? Eu acredito que, em ocasiões, é muito mais honesta e autêntica que a maioria dos matrimônios. Ao menos, apóia-se em uma paixão genuína.

Marianne o olhou com desprezo.

—Por parte do homem, possivelmente. Ao fim e ao cabo, ele é o que pagamento. A mulher, em troca, vende-se. E, como todo vendedor, solo lhe diz ao cliente o que esta deseja ouvir.

—Ai. Um golpe direto — Lambeth deixou escapar uma risita—. Mas eu sei que sente algo por mim. Percebi sua paixão. Não pode negá-lo, por muito que queira. Não te peço palavras de amor. Solo te peço o calor que senti em ti. Essa é a honestidade, a verdade que procuro.

Marianne notou como os olhos dele brocavam os seus enquanto lhe sustentava o olhar, em espera de uma resposta. Ela titubeou. Jamais tinha desejado a um homem como desejava ao Justin, com uma ansiedade que não era somente física.

—Honestidade? —disse ao fim—. Duvido que conheça o significado dessa palavra. O que «buscas» é me afastar de lorde Buckminster. Já me há dito que essa é a razão de que queira me converter em sua querida.

— Buckminster! —em realidade, Lambeth se tinha esquecido por completo do Bucky, compreendeu sentindo-se culpado. Marianne sempre conseguia expulsar todo pensamento racional de seu cérebro—. Não quero falar do Buckminster —disse com impaciência—, mas sim de nós.

— Não temos nada que falar —precisou Marianne fríamente—. Entre nós não há nada.

—Haveria-o se quisesse... — Justin sei deteve bruscamente, compreendendo que estava discutindo com ela. Essa não era a melhor forma de ganhar o coração de uma mulher—. O sinto. Prometi que não te pressionaria.

Seguiram cavalgando em silencio durante uns minutos. Mais adiante, Marianne viu uma estranha estrutura de vigas de madeira, aparentemente construída no interior de uma colina.

—O que é isso? —perguntou com curiosidade, assinalando a escura abertura.

Lambeth seguiu a direção de sua mão.

—OH, é Wheal Sarah, uma velha mina abandonada. Há muitos no Dartmoor. Quase todas elas seguem funcionando, mas essa se fechou faz anos.

—por que se chama assim?

—O nome procede de uma antiga palavra do cômico, hweal, que significa «mina». E Sarah... Bom, a todas as minas põem nomes de mulher.

—por que?

Ele se encolheu de ombros e a olhou com um rictus zombador.

—Provavelmente pelo atrativo e o perigo que encerram.

—Claro. Uma resposta típica de um homem.

Lambeth deixou escapar uma gargalhada. Seguiram conversando enquanto cavalgavam, até que chegaram às cataratas White Lady, onde as águas do rio Lyd caíam em uma rugiente e branca cascata.

Ali, junto às cataratas, os criados estenderam várias mantas e serviram a comida.

—Sabiam vocês que volta a haver foragidos por aqui, como antigamente? —comentou lady Buckminster enquanto o grupo almoçava. Ao ver que todos a olhavam surpreendidos, emitiu uma risita e prosseguiu—: Ninguém sabe onde se ocultam nem os quais são. trata-se de uma banda de salteadores de caminhos. Seu chefe é um homem muito bem falado. A gente o chama «o Cavalheiro».

— Demônios! —exclamou o senhor Thurston—. Que descaramento! Um vulgar ladrão que as dá de cavalheiro.

—Não acredito que as dê de nada, Alan. Simplesmente, chamam-no assim por suas maneiras. Pelo visto, é muito cortês com as damas. Afirmam que não quis lhe tirar a una o colar que levava para que seguisse adornando seu formoso pescoço.

Verst emitiu um bufido.

—Duvido-o. Os ladrões não renunciam à bota de cano longo por questões tão fúteis.

—O que opina você, senhora Cotterwood? — perguntou Lambeth ao Marianne, olhando-a com olhos faiscantes.

—Sobre o que, lorde Lambeth? —replicou ela fríamente.—     você crie que os ladrões educados existem?

—Estou segura de que há ladrões que se comportam tão nobremente como muitos cavalheiros que conheço —respondeu Marianne asperamente, esporeada pelo brilho de seus olhos.

O comentário suscitou um zombador clamor de protesto por parte dos varões pressente. Cecilia Winborne, que as tinha engenhado para sentar-se ao lado de lorde Lambeth, colocou-lhe uma mão no braço em um gesto de premonitoria familiaridade.

—Não deveria provocar assim à senhora Cotterwood, Justin. Apenas te conhece. Não saberá como tomar-se suas brincadeiras.

—OH —respondeu Marianne sonriendo e olhando ao Lambeth diretamente—, sei muito bem como tomar as brincadeiras de lorde Lambeth.

Justin esboçou uma lhe relampejem sorriso, sem apartar os olhos dos do Marianne. Por um momento, ambos compartilharam um momento de intimidade, isolados do resto do grupo.

Cecilia ficou em pé.

—Bom, deixem já de falar de salteadores de caminhos ou me assustarei. Queria dar um passeio. Justin...

Os homens se levantaram imediatamente, e Lambeth se girou para ela.

—Sim?

—Pensei que quereria me acompanhar.

—OH. Certamente, como não.

Marianne teve que morder o lábio inferior para dissimular um sorriso. Não acreditava que a senhorita Winborne conhecesse a verdadeira natureza de lorde Lambeth, face à familiaridade que parecia existir entre ambos.

Justin ofereceu o braço a Cecilia educadamente.  

—Parece-me uma idéia estupenda —disse ao grupo em geral—. Deveríamos ir todos a explorar um pouco. O que me dizem?

A maioria dos jovens pressente aceitou imediatamente e não demoraram para ficar em caminho. Avançaram em grupo pelo acidentado chão, talher de vegetação silvestre e pedras cheias de musgo.

Marianne agachou o olhar para o chão enquanto cruzava um saliente de rocha situado junto ao rio. Ao levantar o pé para esquivar um arbusto, notou um forte empurrão nas costas e, de repente, caiu para as rápidas águas salpicadas de rochas.

 

Mariarne emitiu um ofego afogado e sacudiu os braços ao notar que caía. Ao estender uma mão, apalpou o arbusto e se agarrou a ele com todas suas forças. Uma mulher chiou e se ouviram mais gritos. Marianne notou que seu cabo se debilitava, mas, antes de que a queda sei consumasse, um forte braço a rodeou pela cintura e a pôs a salvo. Tudo ocorreu em um instante.

Lorde Lambeth a estava olhando com uma expressão tensa e cheia de fúria.

—pode-se saber que estava fazendo? — bufou—. Olhe bem por onde vai! Podia te haver matado.

Marianne se dispunha a dizer que alguém a tinha empurrado, mas se deteve o ver como, detrás do Lambeth, todos a olhavam com distintos graus de surpresa e interesse. Compreendeu que tal acusação resultaria ridícula. Qual daquelas pessoas teria tentado atirá-la à água? E por que?

A queda não a teria machucado, pois era uma boa nadadora e havia muitas rochas na borda às que teria podido agarrar-se. Não obstante, aquele mergulho no rio a tivesse posto em ridículo diante de todos.

Marianne se fixou em um par de maliciosos olhos cinzas e se sentiu razoavelmente segura de quem o tinha feito. Cecilia Winborne a detestava. Provavelmente tinha pretendido envergonhar ao Marianne e afastar a de lorde Lambeth durante o que ficava de dia.

—Escorreguei —disse em voz baixa, apoiando-se em lorde Lambeth ao tempo que exalava um suspiro. Ele tomou em braços e a levou de volta aonde estava a gente de mais idade. Marianne se permitiu recostar a cabeça em seu ombro, absorvendo seu calor e seu aroma, imaginando por um momento que Lambeth a amava, que se pertenciam o um ao outro.

Ouviu como lady Buckminster gritava alarmada ao vê-los chegar. Justin soltou ao Marianne em cima de uma das mantas e ela abriu os olhos e o olhou. Sua expressão era tensa e dura, e tinha o cenho franzido.

—Encontra-te bem?

Marianne assentiu, sonriéndole.

—Sim. Solo estou um pouco assustada.

O rosto do Justin se relaxou. Continuando, lady Buckminster, Nicola e Penelope se aproximaram correndo para lhe dar sai e ordenar ao Justin e a outros homens que se retirassem.

Marianne se incorporou, rechaçando o bote de sai que Sophronia lhe tinha aproximado do nariz.

—Estou bem, seriamente.

—O que passou? —quis saber lady Buckminster.

—Uma tolice —disse Marianne—. Escorreguei ao pisar em uma pedra coberta de musgo. Não foi nada, de verdade.

Podia te haver matado! —exclamou Penelope com preocupação.

OH, não. Sei nadar muito bem Y...

—Mas as correntes são muito fortes e rápidas. Lhe teriam miserável contra as rochas! Como mínimo, teria-te quebrado algo.

Nicola, que até aquele momento tinha guardado silêncio, estava muito pálida e se abraçava a si mesmo com força.

Penelope tem razão. Esse lugar é muito perigoso —disse sentindo um calafrio.

Será melhor que voltemos —atravessou lady Buckminster—. Certamente não lhe apetecerácontinuar com a excursão.

—OH, não —se apressou a responder Marianne—. Por favor, de maneira nenhuma queria lhes danificar a tarde.

—Não seja ridícula —disse Lambeth, lhe falando novamente de você—. Deveria voltar para a casa.

Marianne se girou para ele e viu que a olhava com o cenho franzido.

—Estou bem —disse tajantemente—. Não aconteceu nada. Nem sequer me molhei —em realidade, seguia tendo os nervos desfeitos.

Justo quando Justin fez gesto de falar outra vez, Nicola disse com calma:

— Eu acompanharei à senhora Cotterwood de volta à casa. Outros podem ficar aqui, como tínhamos planejado.

—OH, não —protestou Sophronia—. Dois jovens como vocês não podem percorrer sozinhas um trecho tão largo.

—Eu as levarei —sugeriu Lambeth.

—Não, estão sob minha responsabilidade —se apressou a acrescentar Buckminster.

Nicola suspirou.

—Não necessitamos que nos acompanhem. Mesmo assim, para que todos estejam mais tranqüilos, a senhora Cotterwood e eu voltaremos com o carro dos criados. Será amparo suficiente.

Todos se mostraram de acordo. Uma vez em caminho, Nicola emitiu um bufido e se girou para o Marianne.

—Não te dá vontade de gritar quando todo mundo tenta te proteger dessa maneira?

Marianne assentiu. Não era algo ao que estivesse acostumada, mas começava a ver os inconvenientes de crescer como uma jovem dama.

—Resulta mais fácil ser viúva que uma jovencita solteira. Lamento te haver quebrado latarde. foste muito amável ao te oferecer voluntária para me acompanhar.

Nicola meneou a cabeça.

—Tranqüila. Se te disser a verdade, foi um alívio. Não devi vir.

Marianne a olhou surpreendida e reparou na expressão ausente de seus olhos e a tensão de seu rosto. Recordou o pálida e tremente que a tinha visto enquanto Lambeth a soltava a ela na manta.

—Encontra-te bem? —perguntou-lhe preocupada.

—Esse rio me traz muito más lembranças. Devi ter feito caso a meus instintos e lhe dizer a tia Adelaida que não podia ir à excursão.

Marianne, face à enorme curiosidade que sentia, preferiu guardar um educado silêncio. Quando chegaram até onde se achava o carro dos criados, estes saudaram a Nicola com afeto e ela lhes devolveu a saudação. Finalmente, ficaram em caminho para a residência dos Buckminster.

Abatida e exausta, Marianne passou o resto do dia em sua habitação e pediu que lhe levassem o jantar em uma bandeja. face ao bem que lhe caía Nicola, não era provável que pudessem seguir sendo amigas. Ao fim e ao cabo, as amigas intercambiavam visitas e Nicola veria em seguida, ao contrário que sua primo Bucky, o estranha e inverossímil que era sua «família». Marianne compreendeu que não podia permitir-se fazer amizades entre as pessoas que eram suas vítimas.

Já de noite, Penelope bateu na porta do quarto, mas Marianne fingiu estar dormida e não respondeu. Seguiu tombada na cama, sopesando suas escassas opções, até que ao fim a reclamou o sonho.

encontrava-se de melhor ânimo pela manhã quando se levantou e baixou ao salão. Solo encontrou ali a duas mulheres tomando o café da manhã, Sophronia e a senhora Thurston. Lady Buckminster, explicou Sophronia, tinha ido com a Nicola e Penelope a visitar alhos arrendatários de seus terrenos. Quase todos os homens, incluídos o marido da Sophronia e lorde Buckminster, passariam o dia pescando no rio Teign, perto do Fingle Bridge.

Marianne, prevendo um comprido e aborrecido dia em companhia da Sophronia Merridale e a senhora Thurston, acabou de tomar o café da manhã rapidamente e saiu a dar um passeio pelos jardins.

Logo que tinha avançado pelo estreito atalho quando se encontrou com o secretário do senhor Thurston. Estava sentado em um dos bancos, desfrutando de do panorama do lago.

—Senhora Cotterwood! Que agradável vê-la. Por favor, sinta-se.

Ao Marianne não lhe ocorreu uma maneira educada de rechaçar a proposta, de modo que se sentou no banco, a seu lado.

—Não foi a pescar com outros, senhor Fuquay?

—Não. Temo-me que não sou muito aficionado à pesca —Fuquay esboçou um sorriso que iluminou seu sério semblante—. Nem à caça tampouco. De todos os modos, tenho certos deveres que despachar. Correspondência e coisas pelo estilo.

—O senhor Thurston deve estar muito ocupado, certamente, para necessitar a presença de seu secretário em uma ocasião como esta.

—Havia certos assuntos de trabalho pendentes, dado que o senhor Thurston não decidiu vir até o último momento. Entretanto, acredito que me convidou a acompanhá-lo por pura amabilidade. Para mim, isto é um descanso, sabe?

Parece uma boa pessoa —comentou Marianne.

OH, sim, é-o. E a senhora Thurston, é obvio. Gostaria de dar uma volta pelos jardins, senhora Cotterwood? Faz uma manhã idônea para passear.

Marianne aceitou. A companhia do Fuquay resultava muito mais agradável que a da Sophronia Merridale. Não tinham chegado muito longe, entretanto, quando se ouviu um ruído de pegadas no caminho de cascalho, depois deles, e ambos se giraram para ver que lorde Lambeth se aproximava.

—Olá. Vi que estavam passeando e me ocorreu me unir a vocês —disse alegremente, e Fuquay não teve mais remedeio que convidá-lo a acompanhá-los.

Marianne o olhou com acritud.

—Acreditei que se teria ido com outros homens.

Justin se encolheu de ombros.

—Tinha outros planos.

—Sério?

—Sim —Lambeth lhe dirigiu um sorriso enigmático e logo se voltou por volta do outro homem—. Desfrutou com a excursão de ontem, senhor Fuquay?

—Sim. Temo-me que tive poucas ocasiões de visitar Dartmoor.

Seguiram passeando pelo jardim, conversando sobre as cataratas, o rio e outras questões insustanciales, até que o senhor Fuquay se desculpou e voltou para a casa, assegurando que tinha trabalho que fazer.

—Vá —comentou Lambeth com ar inocente—, afugentei-o?

—Parece que não lhe interessava sua conversação.

—Mmm. Eu suspeito, mas bem, que desejava desfrutar de sua companhia a sós.

—Se insinúa que o senhor Fuquay está interessado em mim, equivoca-se —repôs Marianne, molesta com suas palavras.

—Querida minha, certamente te terá dado conta de que quase todos os homens do grupo estão interessados em ti. Terei que ser de pedra para não está-lo.

—Obrigado pela adulação, milord, mas...

—Não pode me chamar simplesmente Justin? Estou-me cansando de tanto «isto milord, «milord» o outro. Já nos havemos tuteado antes quando estamos a sós —sem aguardar uma resposta, acrescentou — : Queria falar contigo.

—Do que?

—Pedi-lhe à cozinheira que prepare um almoço. Pensei que poderíamos cruzar o lago em barco e ir ao caramanchão que há ao outro lado. Viu-o?

Marianne negou com a cabeça.

—É um sítio precioso. E hoje logo que há ninguém nos arredores. É o lugar perfeito para uma escapada.

Marianne esticou os lábios.

—Perfeito para me seduzir, quererá dizer. Ele sorriu.

—É uma mulher muito receosa. E se prometer não fazer nada que você não queira? — levou-se a mão ao peito em um gesto tão teatral, que Marianne não pôde a não ser sorrir. Entretanto, titubeou ante sua proposta.

—Ou acaso teme não o que possa fazer eu, a não ser o que possa fazer você?

— Não seja absurdo! —exclamou Marianne, irritada—. Nesse sentido, não corro nenhum perigo, asseguro-lhe isso.

—Então, por que tem medo de ir ao caramanchão comigo?

—Não tenho nenhum medo. Quando pensa ir?

—Assim que recolha o almoço. Podemos tomar uma das barcos do embarcadero que há ao pé do jardim.

—Ali estarei.

Marianne passou a mão pela água lánguidamente, olhando a plácida superfície do lago por cima do flanco da barco. Justin tinha demorado muito pouco em recolher a cesta com a comida e reunir-se com ela no embarcadero.

Marianne se girou para olhá-lo. Permanecia sentado o extremo oposto da pequena barco, com os botões superiores da camisa desabotoados e as mangas enroladas para poder remar. Marianne não pôde a não ser fixar-se em seu forte pescoço e nos bronzeados músculos de seus braços, notando uma sensação de calor no sob ventre. Bastava-lhe olhá-lo para que se excitassem todos seus sentidos.

Esperou que Justin não pudesse ler sua mente, mas lhe dirigiu um lento sorriso que indicasse que se estendia mais à frente. junto a ele cresciam maciços de rosas cujo aroma adoçava o ar.

—É precioso —admitiu Marianne contemplando as vistas, enquanto lhe chegava o intenso perfume das rosas em flor.

—E muito cômodo — Justin assinalou o assento acolchoado situado junto à parede, debaixo dos ventanales de cristal.

—Sim —Marianne se acomodou no bordo do assento, dobrando as mãos sobre seus joelhos.

Naquele momento não sentia outra coisa que desconforto. Temia que, em que pese a suas afirmações, Justin tentasse beijá-la. E, por muito que Marianne ansiasse sentir o contato de seus lábios, simplesmente não podia permiti-lo.

— me deixe que te tire o chapéu —disse ele aproximando a mão ao laço atado sob seu queixo. Marianne se sobressaltou e o olhou com receio—. Aqui dentro não o precisa —explicou Justin brandamente, e acrescentou—: Não te tirarei mais objetos de roupa.

Ela sorriu, sentindo-se um pouco estúpida, e elevou ambas as mãos para desatar o laço. A seguir aconteceu o chapéu ao Justin, que o depositou na mesa, junto à cesta da comida.

—Não é necessário que esteja tão receosa — disse ele—. Sozinho quero desfrutar de do panorama e conversar contigo —se sentou a seu lado, girando-se pela metade para poder olhá-la ao tempo que contemplava o lago.

—Do que quer falar? —inquiriu ela com certo recato.

—Pelo que surja. Não tinha pensado nada concreto.

—Então, habíame de ti. Sabe mais de mim que eu de ti.

—De acordo. Mas te advirto que minha vida foi mas bem aborrecida. Cresci no Kent, sem destacar especialmente quando era menino, temo-me, e estudei no Eton e Oxford. Estes últimos anos os dediquei a me divertir em Londres. Minha mãe diz que não cumpro com minhas obrigações. refere-se, imagino, a que deveria me casar e engendrar herdeiros. Mas eu não tenho nenhuma pressa.

— Certamente deve haver algo mais. Há descrito na metade dos cavalheiros que há em Londres.

—Provavelmente.

—Mas você não é como eles. Não é como Bucky, o senhor Westerton ou lorde Chesfield.

—Não? —Justin sorriu zombador—. E qual é a diferença?

Marianne titubeou.

—Poses uma... força que não percebo em outros —começou a dizer lentamente—. Chá rodeia um aura de... não sei, de perigo, talvez.

—De perigo? —Justin emitiu uma risita—. Acredito que te equivoca.

—Ninguém mais naquela festa reparou em minhas ações. Ninguém mais me seguiu.

Ele a olhou durante um instante e logo disse:

—Possivelmente ninguém se sentiu tão cativado por ti como eu.

—Acredito que havia algo mais —disse Marianne entrecortadamente. O brilho de seus olhos a deixava sem fôlego.

—É possível. Detesto o aborrecimento e a curiosidade sempre foi um de meus pecados dominantes. Quando vejo uma mulher formosa atuando como você atuou, dá-me o que pensar.

—por que não deu a voz de alarme quando chegou à conclusão de que eu era uma benjamima?

Lambeth se inclinou para ela.

Francamente, sentia-me mais fascinado por ti que preocupado pelos bens de lorde Betterslee.

por que? —inquiriu Marianne abertamente.

—Porque é diferente e eu gosto das pessoas e as coisas que são atípicas. Não parecia saber quem era eu... nem te importava. Desafiou-me. Para mim foi um... provocação.

—Ah, já compreendo. O mau das provocações é que, uma vez superados, deixam de fascinar — Marianne se levantou, retirando-se dele.

Justin ficou de pé e, colocando as mãos em seus ombros, obrigou-a a voltar-se.

—Não acredito que nenhum homem possa superar jamais a provocação que você constitui.

Marianne elevou os olhos para olhá-lo, notando que o coração lhe pulsava desenfrenadamente no peito. Compreendeu que se dispunha a beijá-la.

—Não —disse fracamente—. Prometeu que não o faria.

—Pinjente que não te obrigaria. Que não faria nada que você não quisesse. Desejei-te do primeiro momento em que te vi. Importa-me um nada a que lhes dedicam você e sua «família». E, francamente, agora mesmo me traz sem cuidado o que pense lhe fazer ao Bucky —os olhos do Justin resplandeciam com um intenso brilho e sua voz era rouca e cheia de desejo—. Quão único quero é te beijar. Passar minhas mãos por seu cabelo. Acariciar sua pele.

Aproximou-lhe o dedo indicador à bochecha e percorreu brandamente a linha da mandíbula. Marianne respirou fundo, presa das sensações que aquelas carícias suscitavam em seu interior. Aquilo era o que tanto tinha temido. Aquela ansiedade que Justin provocava nela com tanta facilidade.

—Lorde Lambeth... —começou a dizer trémulamente, apertando os punhos para evitar a tentação de acariciar a larga superfície de seu peito.

—Justin —disse ele com voz rouca, inclinando a cabeça para a dela—. me Chame Justin. Quero ouvir meu nome em seus lábios.

—Justin —obedeceu Marianne, elevando a cabeça para olhá-lo diretamente aos olhos.

Compreendeu que tinha sido um engano. Seus olhos dourados, obscurecidos pelo desejo, cravaram-se nos dela, seduzindo-a sem esforço.

Justin emitiu um ofego e tomou o rosto do Marianne entre suas mãos para beijá-la. Ela sentiu um súbito calafrio. Gemeu e se apertou contra ele, respondendo ao beijo com lábios igualmente ávidos

 

Justin rodeou ao Marianne com seus braços, atraindo-a para si. uniram-se em um beijo tórrido e intenso, cada um atiçando o fogo da paixão que ardia no outro. Finalmente, ele tomou em braços e a levou até o assento acolchoado. Depois de tombá-la nele, ajoelhou-se para beijá-la, deslizando a mão por debaixo do talhe do vestido para acariciar sua pele nua, até que seus dedos encontraram um endurecido mamilo. Com impaciência, atirou do tecido e deixou ao descoberto o branco seio. Por um momento, Justin sei limitou a contemplá-lo. Logo se agachou para acariciá-lo com a ponta da língua até que Marianne ofegou e arqueou as costas. Logo respirou fundo ao sentir como lhe introduzia a mão entre as coxas, separando-os cuidadosamente, subindo com lentidão até que encontrou o úmido centro de seu desejo. Acariciou-o por cima do tecido do objeto interior enquanto, involuntariamente, Marianne começava a mover circularmente os quadris. Desabotoou torpemente os dois botões superiores da camisa do Justin e introduziu a mão, percorrendo a pele nua de seu peito, apalpando seu pêlo encaracolado, notando a rigidez de seus masculinos mamilos.

Enquanto seguia beijando-a, ele desenredou o laço de seu objeto interior e deslizou a mão por debaixo do tecido, enterrando-a entre as coxas. Marianne ofegou e se estremeceu ao notar como seus dedos percorriam expertamente a delicada carne, achando a protuberância oculta que era o núcleo de seu prazer. Suas carícias prosseguiram até que ela gritou e esticou as pernas, sacudida por uma cegadora explosão de prazer que a percorreu em feitas ondas.

Justin lhe esfregou o pescoço com o nariz e murmurou satisfeito:

— Bucky jamais te faria sentir algo assim, garanto-lhe isso.

Suas palavras demoraram um momento em transpassar a neblina de prazer em que Marianne flutuava.

—O que? —uma adaga de gelo fez pedacinhos sua satisfação. Outra vez Buckminster! Sempre Buckminster! —. Para isso tem feito isto? Para que me esqueça do Bucky?

Justin ficou olhando-a, compreendendo o engano que acabava de cometer.

—Não! Não quis dizer isso absolutamente!

—Não? O que quis dizer, então?

Nublada sua mente pelo anseia que o embargava, Justin lutou para encontrar as palavras adequadas que expressassem a satisfação masculina que sentiu para ouvi-la gritar de prazer. Era uma mescla de ciúmes, orgulho e necessidade sexual que ele mesmo logo que acertava a compreender.

—Porque... que é minha. Que nem Buckminster nem nenhum outro homem lhe terão.

—Assim sou tua propriedade? —disse Marianne—. Que amável por sua parte —sei incorporou, sentindo a opressão das lágrimas na garganta, e começou a arrumar o vestido.

Como tinha podido ser tão estúpida! Tão ingênua! Tinha sabido que sua intenção era seduzi-la para afastar a do Bucky, mas tinha cansado em seus braços facilmente.

—Hoje saíste vitorioso, sem dúvida —prosseguiu Marianne furiosa—. Nos ganhaste tanto ao Bucky como a mim.

—Não estava tentando «ganhar » —protestou Justin—. O que tem que mau em que desfrute te dando agradar?

—Que bondoso! E suponho que em nenhum momento teve intenções de afastar ao Bucky de minhas garras... ou de demonstrar o facilmente que pode me dominar.

—Não tratava de te dominar —repôs ele acalorado—. Maldita seja, mulher! Como pode me acusar assim, quando te dei prazer e eu, em troca, sigo insatisfeito?

— Pobrecillo! —respondeu Marianne sarcásticamente—. Possivelmente a próxima vez chá o pensará duas vezes antes de iniciar seus estúpidos jogos — se deu meia volta e saiu do caramanchão. Justin fez gesto de segui-la, mas se deteve e amaldiçoou entre dentes.

Em realidade, tinha planejado seduzi-la no caramanchão para afastar a do Buckminster. Não obstante, na paixão do momento, Justin tinha esquecido por completo seu plano. Tão solo tinha podido pensar em lhe fazer o amor, e seu comentário sobre o Bucky tinha obedecido mais ao ciúmes que a suas intenções de ajudar a seu amigo.

Não obstante, estava claro que Bucky e as possibilidades que este oferecia ocupavam um lugar preferencial no ânimo do Marianne, disse-se Justin com amargura.

De acordo. Se ela não estava interessada, deixaria-a em paz. Abandonaria aquela estúpida perseguição. esqueceria-se do Marianne Cotterwood e procuraria a outra mulher mais complacente. Buckminster não necessitava sua ajuda; era um homem adulto e muito capaz de cuidar-se sozinho.

Com tais pensamentos pragmáticos na cabeça, Justin recolheu a cesta da comida e retornou à barco, voltando-se tão solo uma vez para olhar o atalho pelo que Marianne tinha empreendido o caminho de volta à casa.

Ao chegar à casa, Marianne subiu diretamente a sua habitação. Uma taça de chá e uma hora de reflexão a ajudaram a acalmar-se, embora seguisse igual de zangada com lorde Lambeth. Depois de ficar seu melhor vestido de jornal e pentear-se, baixou quando teve retornado a partida de pesca. Paquerou de maneira escandalosa com lorde Buckminster... ao menos, quando Lambeth se achava presente.

Justin partiu ao pouco momento e Marianne retomou uma vez mais seu papel de muñequita irritante e malcriada. Tratou ao Penelope como a uma faxineira, enviando-a a procurar um leque que se deixou em outra habitação e, mais tarde, um xale. Quando Bucky protestou, ela se limitou a olhá-lo fríamente e disse:

—Tolices. Penelope o faz com muito prazer. Assim se sente útil.

queixou-se sobre tudo o que pôde ocorrer-se o da crueldade do Bucky ao deixá-la só aquela manhã até a temperatura da habitação, que era, alternativamente, muito calorosa ou muito fria para sua delicada cútis. Enquanto Bucky ia em busca de uma banqueta, a pedido do Marianne, Penelope e Nicola se aproximaram dela.

—Querida, está-o fazendo de maravilha! Jamais tinha visto o Bucky tão indignado como quando mandou ao Penelope a procurar esse xale.

—Espero que esteja dando resultado. Já não me ocorre de que mais me queixar —respondeu Marianne. Logo, girando-se para o Penelope, acrescentou—: Espero não ter ferido seus sentimentos.

—OH, não. Sei que o está fazendo tudo por mim. Embora... —Penelope pôs expressão triste—. Odeio ver o Bucky tão aborrecido.

—Tenha valor, Pen —disse Nicola com firmeza—. Todo sairá à perfeição.

—Já volta —Marianne, que estava de cara à porta, abandonou imediatamente seu aspecto amistoso e, quando Bucky se sentou junto a elas, começou a falar de seus temas prediletos: de si mesmo e das festas. Cada vez que Penelope fazia um intento de participar da conversação, Marianne a deixava calada. A decepção do Bucky era cada vez mais patente.

Aquela noite, depois do jantar, os convidados se reuniram na sala de música para escutar, sem excessivo entusiasmo, um concerto de piano devotado por lady Merridale. Alguns dos homens se retiraram para jogar às cartas, mas o senhor Thurston e seu secretário, Fuquay, ficaram-se, assim como lorde Buckminster e lorde Lambeth. Lady Buckminster animou ao Penelope a interpretar algumas canções populares.

Estava muito bonita, disse-se Marianne, com um vestido azul celeste de seu próprio guarda-roupa. Marianne olhou de esguelha a lorde Buckminster, que contemplava ao Penelope com um leve sorriso no rosto. Esperou um momento e, finalmente, abriu o leque e se inclinou para ele para lhe dizer:

—Não suporto nem um segundo mais este insípido recital.

Bucky a olhou de soslaio, surpreso, e Marianne lhe sorriu com afetação.

—Gosta de fazer uma escapada?

Ele abriu de par em par os olhos ante a audácia da sugestão. Logo olhou em torno rapidamente.

—Vamos, vamos, lorde Buckminster. Não me diga que é você um homem precavido —Marianne imprimiu à palavra um deixe de desdém.

—É que... —Bucky olhou de soslaio para o piano, onde seguia sentada Penelope — . Bom, poderia parecer uma descortesia, não crie?

—Ao Penelope não importará —disse Marianne encolhendo-se de ombros. Logo lhe dirigiu um deslumbrante sorriso e ele se levantou desinteressa para segui-la para a porta. Quase nenhum dos pressente se fixou em que saíam, mas Marianne viu que lorde Lambeth os seguia com o olhar.

—Com o que pensa nos obsequiar amanhã, lorde Buckminster? —disse tomando o braço do Bucky quando tiveram saído.

Tinha planejado organizar uma caçada. Ainda não é a estação, certamente, mas mepareció uma lástima desperdiçar a oportunidade.

Uma caçada! — Marianne franziu os lábios—. OH, não, é horrível. Não me diga que pensa ir-se caçar lebres e me deixar reveste outra vez!

—Você virá também.

Marianne emitiu um bufido.

—Outro rodeio? Com a de ontem tive mais que suficiente. por que não fazemos outra coisa? Um pouco divertido?

Buckminster ficou olhando-a consternado.

—Mas... mas... já não posso suspender a caçada, senhora Cotterwood. Todo mundo a espera.

—Mas você não tem por que ir —assinalou Marianne—. Poderia ficar aqui, comigo — lhe dirigiu um radiante sorriso—. Não lhe parece mais divertido?

—Ficar aqui? —repetiu ele fracamente. Marianne teve que morder o lábio inferior para não rir ante a consternação que se refletia em sua cara.

—Sim. Assim poderemos ter nosso téte-Á-téte particular.

—Mas não posso faltar a minha própria caçada —protestou Bucky—. Não... não estaria bem.

—Não basta com que vá lady Buckminster?

—Mas, Marianne...

Assim prefere ir antes que estar comigo! —exclamou Marianne, com os olhos echandochispas—. Tão pouco me estima? Já vejo o que valem todas suas palavras de afeto e respeito. Não sente você nenhum aprecio por mim!

Não! Não, isso não é certo! —assegurou-lhe Buckminster—. A avaliação que sinto por você não poderia ser maior.

Mmmf! —Marianne se deu meia volta e se digeriu de volta para a sala de música. Bucky a seguiu compungido.

—Por favor, senhora Cotterwood, me escute. Asseguro-lhe que...

Marianne se girou bruscamente.

—Suas afirmações não significam nada. Está claro que não lhe importo absolutamente.

—Não, por favor, não deve pensar assim!

—O que outra coisa posso pensar? Prefere a companhia dos cavalos e os sabujos antes que a minha.

—Isso jamais!

Marianne seguiu protestando, queixando e fazendo panelas até que, ao fim, Bucky aceitou ficar com ela em vez de ir à caçada. Marianne, entretanto, não retornou com ele à sala de música. Pretextando uma dor de cabeça, retirou-se a sua habitação.

Ao cabo de um momento, ouviu que batiam na porta. Eram Penelope e Nicola. Penelope parecia angustiada, mas Nicola sorria de brinca a orelha.

—Como o conseguiste? —disse—. Que Bucky falte a uma caçada é... bom, inimaginável.

—Tive que me valer de tudo os ardis possíveis. Comportei-me como uma autêntica bruxa. Começava a pensar que não daria resultado, mas ao final Bucky se rendeu.

—Parecia muito desventurado —disse Penelope com preocupação.

Marianne sorriu e lhe jogou um braço por cima dos ombros.

—Não se preocupe. Isto não terá que durar muito. Seguro que, quando voltarem amanhã, lorde Buckminster não quererá voltar para ver-me nunca mais.

Nicola emitiu uma risita. Mas Penelope pareceu duvidar.

—Seriamente o crie assim?

Marianne assentiu com a cabeça.

—Certamente. Acabará farto de mim. Procurarei que se aborreça imensamente enquanto lhes divertem. E logo quererá que o contem tudo e, com sorte, sentirá a necessidade de falar de seu desengano com alguém pormenorizado.

—Ou seja, contigo —disse Nicola assinalando ao Penelope com o dedo.

—Inclusive pode lhe sugerir que organize outra caçada —acrescentou Marianne—. Assim os dois lhes divertirão juntos e Bucky recordará quão bem encaixam.

—Tudo está saindo à perfeição —disse Nicola abraçando impulsivamente ao Marianne—. Quanto me alegro de te haver conhecido. É fantástica.

—O mesmo digo —respondeu Marianne com sinceridade. Desejou poder ser amiga íntima de ambas, mas o abismo que as separava era muito grande.

Quando Nicola e Penelope tiveram retornado a suas habitações, Marianne se meteu na cama, sentindo-se imensamente desventurada. Tinha a sensação de não encaixar já em nenhum sítio. Suas antigas convicções a respeito de quão odiosa era a aristocracia se desmoronaram no transcurso daqueles dias. Nicola, Penelope e Bucky lhe caíam realmente bem. Por outra parte, começava a sentir-se mais distanciada da Della e outros; algo em seu interior se rebelava ante a idéia de, seguir vivendo uma vida apoiada no engano e o delito. Mas como sairia adiante e manteria a sua filha se não o fazia?

E logo estava Justin. O solo feito de pensar nele fez que se o saltassem isso as lágrimas. Justin a desejava, mas não a amava. E Marianne temia ter começado a albergar emoções indomáveis, sentimentos muito capitalistas para ele.

Tudo era um desastre, disse-se. Tampando-se com a colcha, fechou os olhos para reprimir as lágrimas. Oxalá não tivesse ido à festa de ladyBatterslee. Oxalá não tivesse conhecido nunca a lorde Lambeth...

 

—Chega tarde —lorde Exmoor deixou de contemplar o largo lago para voltar-se para o homem que acabava de entrar no caramanchão.

—vim pelo caminho mais largo. Pensei que assim correria menos riscos de ser visto. Uma barco no lago, em plena noite, chamaria muito a atenção.

—Seguro que não é simples desinteressa? A mesma inapetência que faz que metas a pata sempre que tenta te encarregar da senhora Cotterwood?

—Não sei de que falas.

—Falo de seu último e patético intento de te desfazer dela. Atirá-la ao rio Lyd? Por favor! Embora tivesse cansado, solo se teria feito umas quantas contusões. Além disso, não deveu fazê-lo estando eu presente.

—Sabe que nunca fui um assassino. Nem sequer em meus piores momentos de depravação.

—Eu também tive reparos... em outros tempos —respondeu Exmoor—. Por sorte, consegui vencer minhas inibições.

—Nesse caso, se tão fácil te parecer, por que não a matas você mesmo?

Disso já falamos. É tua responsabilidade.

Viu-me várias vezes, cara a cara, sem dar sinal alguma de me reconhecer —assinalou o homem de menos idade—. Não se lembra de mim, e seguro que de ti ainda menos. Não existe perigo de que nos delate.

— Nunca se sabe quando pode aflorar uma lembrança, sobre tudo se permitirmos que a Condessa chegue até ela. Seu detetive também a está procurando. portanto, sugiro-te que a liquide antes de que a encontrem. Seria uma lástima que certas pessoas soubessem de seu passado, não crie?

—Farei-o. Tenho um plano. o de ontem não estava planejado. Simplesmente, vi a ocasião e a aproveitei, sem saber se daria ou não resultado. Mas agora tenho um plano em mente. Encarregarei-me dela. Não obstante, recomendo-te que tome cuidado. Ambos sabemos que, se começar a arejar histórias sobre mim, eu também posso contar algumas costure.  

Exmoor entreabriu os olhos.

—Está-me ameaçando?

—Não é uma ameaça, a não ser um mero aviso.

—Parece, pois, que estamos em pranchas. Recorda que nossos interesses apontam na mesma direção. Bom, no que consiste seu plano?

O outro meneou a cabeça.

—Deixemos que seja uma surpresa, de acordo? Assim te será muito mais fácil fingir inocência. boa noite —se deu meia volta e saiu do caramanchão.

O Conde observou meditabundo como se afastava. Aquele homem podia voltar-se perigoso, disse-se. Possivelmente, quando estivesse resolvido o assunto da garota, teria que ocupar-se de que seu cúmplice também guardasse silêncio para sempre

 

Ao dia seguinte, quando Marianne baixou a tomar o café da manhã, encontrou a lorde Buckminster esperando-a abatido. Depois do café da manhã, ela declinou sua sugestão de dar um passeio pelos jardins, afirmando que fazia muito calor. De modo que se uniram a lady Merridale na sala de estar, onde Marianne passou o resto da manhã competindo verbalmente com ela para ver qual das duas podia contar as histórias mais aborrecidas. Bucky, conforme pôde comprovar Marianne, tinha verdadeiras dificuldades para permanecer acordado.

Pela tarde, quando a partida de caça retornou ao fim, Bucky se levantou de um salto e, fazendo uma reverência às damas, correu para o vestíbulo. Marianne o seguiu até a porta e apareceu. Satisfeita, viu que Penelope era primeira em aproximar-se dele, e não demoraram muito em cercar uma animada conversação. Sonriendo, Marianne voltou para a sala de estar.

—Parece que tem feito um trabalho excelente —murmurou Nicola ao Marianne tomando-a do braço depois da comida ligeira de meia tarde.

Marianne assentiu.

—Em realidade, tem seu lado divertido tentar parecer aborrecida em vez de simpática.

—Bucky esteve falando com o Penelope durante toda a comida, deu-te conta?

—Sim. E vi que saíram juntos do comilão.—Parece-me que foram à estufa.

—Ah. Nesse caso, deveríamos nos retirar à sala de estar, não te parece?

—Certamente.

Na sala de estar, a senhora Thurston conversava tranqüilamente com a senhora Minton e o senhor Fuquay. Ao as ver chegar, pressente-os as saudaram com um sorriso, e o grupo passou uns agradáveis minutos conversando sobre a beleza dos jardins de lady Buckminster.

Eu gosto especialmente da pracinha das rosas —confessou Marianne — . Se está muito bem ali.

Sim, é claro que sim —conveio a senhora Thurston—. visitou você o caramanchão? A vista é muito formoso.

Marianne entrelaçou as mãos no regaço, esperando não ruborizar-se.

—O... caramanchão?

—Sim, que há ao outro lado do lago —explicou o senhor Fuquay.

—OH, sim. Claro. Não, temo-me que ainda não o visitei.

—Pois deveria fazê-lo —comentou a senhora Thurston—. Nicola, você e a senhora Cotterwood deveriam convencer a algum cavalheiro para que as leve.

—Para mim seria um prazer as acompanhar — se ofereceu o senhor Fuquay.

—Muito amável por sua parte. Possivelmente vamos —aceitou Nicola sem excessivo entusiasmo.

Nesse momento, Sophronia Merridale entrou na sala, seguida da Cecilia Winborne, que em seguida centrou sua atenção no Marianne.

—Estava desejando ter a oportunidade de conhecê-la melhor, senhora Cotterwood —disse arqueando os finos lábios em um sorriso fingido.

—Seriamente? —a que se referia?, perguntou-se Marianne. A que não tinha conseguido enganá-la nem por um momento?

— Sim. Meus amigos falam muito bem de você... e me temo que cativou o coração de meu irmão.

—Sério? —Marianne esteve a ponto de ficar boquiaberta. Tinha surpreso ao Fanshaw Winborne olhando-a em várias ocasiões, mas logo que tinha falado com ele.

—Acredito que alguma vez tínhamos coincidido antes, verdade?

—Não. Não estou acostumado a fazer muita vida social, temo-me. Estes últimos anos estive vivendo no Bath.

—No Bath? Então, conhecerá lady Hardwood.

—coincidi com ela, é obvio — Marianne se alegrou de que Cecilia tivesse eleito aquele nome. Qualquer que tivesse estado no Bath conhecia lady Hardwood, que não estava acostumado a faltar a nenhuma festa—. Embora não acredito que se lembre de mim.

Sua dama de companhia... tinha um nome absurdo. Como era? Fifi?

Acredito que assim se chama o cão de lady Hardwood —respondeu Marianne fríamente.Cecilia estava tentando pilhá-la em falta—. Sua dama de companhia é a senhorita Cummings, acredito recordar.

—Devo havê-la confundido com outra pessoa. Com a senhora Dalby, possivelmente.

—Não conheço a senhora Dalby. Também reside no Bath?

—Pois sim.

—OH, não, acredito que te equivoca —atravessou Nicola—. Se te referir à senhora do James Dalby, estou segura de que vive em Brighton.

—Sim, certamente, tem razão —Cecilia dirigiu a Nicola um sorriso forçado. Seguidamente, voltando-se para o Marianne, perguntou—: De que parte do país é você?

—Do Yorkshire —era o lugar mais afastado que ao Marianne tinha podido ocorrer-se o —Naturalmente —Marianne miró a Nicola, que puso los ojos en blanco, y tuvo que apretar los labios para no echarse a reír.

— Seriamente? Temo-me que não conheço Yorkshire muito bem.

—Não? E você, senhorita Winborne, de onde é?

Cecilia arqueou as sobrancelhas ligeiramente, como surpreendida de que alguém ignorasse de onde procedia a família Winborne.

—Pois do Essex, naturalmente.

—Naturalmente —Marianne olhou a Nicola, que pôs os olhos em branco, e teve que apertar os lábios para não tornar-se a rir.

—Já que falamos de nossos orígenes, eu procedo do Buckinghamshire —disse Nicola alegremente—. E você, lady Merridale?

—OH. Sir George e eu vivemos no Norfolk. Sua família é dali. Eu nasci perto do Newcastle.

—E em que parte do Yorkshire viveu você, senhora Cotterwood? —inquiriu Cecilia Winborne.

Ao Marianne sentiu saudades a insistência da Cecilia, mas tinha uma explicação preparada sobre seu passado, de modo que respondeu sem dificuldade:

—Do Kirkham, senhorita Winborne. É um povo pequeno, não muito afastado dos York.

—E seu defunto marido também era dali?

—Não, ele era do Norton —replicou Marianne com frieza, para lhe dar a entender que suas perguntas começavam a ser impertinentes.

—Ah, compreendo. De modo que é sua família a que vive no Kirkham.

Sim, embora me temo que meus pais já não vivem.

Quanto o sinto. Mas sem dúvida terá irmãos e irmãs que lhe dêem consolo.Como há dito que era seu sobrenome de solteira?

Morely, senhorita Winborne —disse Marianne com aspereza—. E não tenho irmãos.

Francamente, Cecilia —comentou Nicola—, parece o Inquisidor Geral.

Nicola lhe dirigiu um olhar carregado de veneno.

—Sinto muito. Não pretendia ser indiscreta, senhora Cottervvood, a não ser conhecê-la melhor de cara a uma possível amizade. Rogo-lhe que me desculpe.

—Faltaria mais. Mas me temo que devo partir já. Prometi a lady Buckminsterque a ajudaria com os preparativos do baile da sexta-feira —Marianne se levantou sonriendo algrupo em geral.

Nicola a seguiu.

Eu também vou. Seguro que a tia Adelaida irá bem um par de mãos mais. Com sua permissão, Cecilia... Lady Merridale.

Está claro que a senhorita Winborne me detesta —disse Marianne quando se afastaram pelo corredor—. por que me terá feito todas essas perguntas?

—Cecilia é uma bruxa. Não lhe dê nenhuma importância. Seguro que espera que diga algo sobre seu passado que demonstre quão inadequada é para lorde Lambeth. Viu como lhe olhe Justin.

—Não seja absurda —Marianne se ruborizou para ouvir o comentário da Nicola.

—Quando lhe olhe, seus olhos brilham de um modo especial. Eu também me fixei.

—Acredito que te equivoca.

—Não te faça a afetada comigo, Marianne Cotterwood. Sabe perfeitamente que Justin está interessado em ti. por que, se não, ia Cecilia a tomá-la moléstia de te importunar? Não ama ao Justin, certamente, mas ambiciona o título e a fortuna que serão seus quando se casar com ele. Não obstante, sabe que não é algo seguro, pois se Justin se apaixonasse...

—Não acredito que exista esse perigo —comentou Marianne sarcásticamente. Olhou a seu amiga de soslaio—. Quer dizer, acredito que te equivoca se insinúas que Justin está apaixonado por mim. Não é provável que o futuro duque do Storbridge se case com a singela senhora Cotterwood, de um modesto povo do Yorkshire.

—Acredito que está sendo muito injusta com lorde Lambeth. Sempre pensei que Justin é desses homens que fazem o que gosta.

—Não o duvido, mas... Seguro que deseja casar-se com uma mulher de sua classe e, logo, tornar uma querida que lhe dê prazer.

Nicola emitiu uma risita, com os olhos redondos como pratos.

—Por Deus, Marianne, que coisas diz.

—Sugeriu-me um pouco parecido na excursão do outro dia — Marianne se deteve o pé das escadas—. Bom, aonde vamos?

Nicola o pensou um momento e logo sorriu.

—por que não procuramos o Penelope para ver como marcha nosso plano?

—Boa idéia.

dirigiram-se para o estufa, uma ensolarada habitação cheia de novelo. junto à parede do fundo havia um pequeno conjunto de cadeiras de vime e um sofá, e ali estavam sentados Penelope e lorde Buckminster, conversando. Marianne e Nicola se olharam, e logo se esconderam detrás de uma palmeira.

—Parece que tudo vai como foi pedido —murmurou Nicola.

Marianne assentiu.

—Crie que deveria lhe administrar ao Bucky outra dose da «viúva perversa»?

—Seria um bonito contraste —conveio Nicola.

Marianne lhe fez uma piscada e abandonou seu esconderijo. Nicola permaneceu detrás da palmeira, lista para desfrutar da cena.

—Posso   me esconder contigo?   —murmurou-lhe uma voz masculina no ouvido. Ao girar-se, Nicola viu que lorde Lambeth estava a seu lado.

—Justin, assustaste-me —sussurrou, agarrando-o por braço e atirando dele para a palmeira—. Não lhe perca isso. vai ser divertidísimo.

—Milord! —exclamou Marianne com desagradável estridência enquanto se aproximava de lorde Buckminster e Penelope—. De maneira que aqui estava! Fazendo companhia à senhorita Castlereigh... Que detalhe por sua parte.

Penelope e Bucky a olharam com certa expressão de culpabilidade.

—Como está, Penelope? —Marianne lhe sorriu afectadamente—. Espero que a conversação de lorde Buckminster te esteja resultando entretida.     

—OH, sim. foi muito amável ao me fazer companhia —a consternação do Penelope era sincera. Estava passando um momento tão agradável com o Bucky, que se tinha esquecido por completo do plano.

—E eu enquanto me consumindo por você, lorde Buckminster —disse Marianne ao Bucky em tom soberbo—. foi injusto comigo.

sentou-se no sofá acolchoado, entoando uma letanía de queixa e exigências. Pediu ao Bucky que lhe levasse uma banqueta para os pés e, continuando, almofadões para ficar mais cômoda. Não demorou para dese-charlos, aduzindo que eram muito brandos, muito duros ou tinham muitos vultos.

detrás da palmeira, Nicola teve que tampá-la boca para reprimir uma gargalhada, e Lambeth seguiu observando-o tudo com assombro.

Finalmente, exalando um suspiro, Marianne se reclinou no sofá e disse:

—Estou terrivelmente sedenta, Bucky, querido.

—O que? OH. Certamente —respondeu o acossado Bucky—. Irei ao vestíbulo para avisar a um dos criados.

—Céus, não —respondeu Marianne lhe colocando uma mão no braço para detê-lo—. Estou segura de que Penelope o fará com muito prazer.

Bucky emitiu um ofego de assombro.

—Está-lhe pedindo ao Penelope que lhe traga um copo de água?

—Pois sim, querido. Estou segura de que ao Penelope não importa, verdade, Pen, céu?

—Não. Não, claro que não —respondeu Penelope, agradecendo a oportunidade de afastar-se para poder dar rédea solta à risada. levantou-se de um salto e saiu apressadamente.

Bucky olhou boquiaberto ao Marianne.

—A verdade, senhora Cotterwood, não lhe parece um pouco despótico por sua parte? Enviar ao Penelope por um copo de água?

Marianne o olhou com os olhos muito abertos.

—Não lhe importa. É uma criatura tão doce...

—Razão de mais para que não tentem aproveitar-se dela.

—Não me ocorreu outro modo de ficar a sós com você. Penelope leva toda a tarde monopolizando sua atenção! Para mim está muito claro o que acontece.

—De que demônios está falando?

Não se faça o inocente comigo. Está muito claro o que há entre o Penelope e usted.Tengo olhos.

Está insinuando que eu... que nós...? —Buckminster a olhou com olhos exagerados.

—Não sou tola, Bucky —disse Marianne severamente—. É óbvio que se sente atraído pelo Penelope. E que ambos tentavam me esconder de mim. Beijou-a?

Senhora Cotterwood! Como pode dizer semelhante coisa? Penelope não seria capaz de...

Ah, assim Penelope não seria capaz. Mas você sim! —Marianne se levantou bruscamente enquanto Bucky ficava olhando-a, abrindo e fechando a boca como um peixe fora da água—. Devi supor que não estava sendo sério comigo —se deu meia volta e sei dirigiu à porta que conduzia ao jardim.

Mas... mas, Marianne! Quero dizer, senhora Cotterwood... está completamente equivocada!

Marianne se girou para olhá-lo com frieza.

—Seriamente? Duvido-o. Sugiro que faça exame de consciência, lorde Buckminster. Pode afirmar ho-nestamente que não sente nada pela senhorita Castlereigh?

Dito isto, girou-se de novo e saiu pela porta. Buckminster se derrubou outra vez no sofá, cravando o olhar no chão pensativamente.

—foi magistral! —sussurrou Nicola—.Bem feito, Marianne, bem feito! —girou-se para o Lambeth e tomou sua mão, assinalando com o queixo para a porta. Logo saiu nas pontas dos pés, seguida do Justin.

—A que demônios vinha todo isso? —inquiriu ele quando tiveram chegado ao vestíbulo—. Mas se pode saber o que faz essa mulher? Essa não é a forma de ganhar o coração do Bucky.

Nicola o olhou com estranheza.

—Ganhar o coração do Bucky! Crie que isso é o que trata de fazer Marianne?

—Pois sim, certamente.

—Francamente, Justin, que parvos podem chegar a ser os homens.

—O que outra coisa ia pensar? Durante estes últimos dias apenas se separou dele, paquerando, sonriéndole Y...

—E retendo-o a seu lado esta manhã, sem deixá-lo ir à caçada. E flertando de forma escandalosa com outros homens. E queixando sem cessar. Que mais? Ah, sim... e fazendo comentários grosseiros a respeito do Penelope. Tentando que Bucky compreenda que quem verdadeiramente lhe interessa é Pen!

Lambeth ficou olhando-a.

—Mas por que?

Nicola pôs os olhos em branco.

—Pois para acabar de raiz com seu amor, certamente. Assim havia menos perigo de que Bucky acabasse com o coração destroçado. Além disso, procuramos que Penelope estivesse sempre perto para lhe dar consolo e compreensão.

—De modo que entre as três tramaram dito plano.

—Sim. Ou, ao menos, os detalhes. A idéia foi da própria Marianne.

—Quando?

—Na carruagem, quando vínhamos para o imóvel. Era óbvio que Bucky, tinha perdido a cabeça por ela. Pen se tinha resignado, certamente, mas Marianne nos explicou suas intenções.

—Essa pequena picasse —murmurou Lambeth.

—O que?

—Nada. Falava comigo mesmo —Justin se deteve e olhou a Nicola—. Aonde crie que terá ido?

—Não sei. À pracinha das rosas, possivelmente. Gosta de sentar-se ali.

—Obrigado, Nicola. Agora, se me desculpar.

Marianne suspirou e se sentou no banco de madeira situado junto às roseiras, cujo perfume adoçava o ar com sua intensa fragrância. Fechou os olhos, repassando com satisfação a cena que acabava de interpretar. Estava segura de ter resolvido, por fim, o problema de lorde Buckminster.

Um súbito rangido de pegadas no atalho de cascalho interrompeu seus pensamentos e, um segundo depois, lorde Lambeth apareceu na pracinha. Permaneceu imóvel um instante, sua figura recortada contra a luz do dia, com expressão indecifrável. Marianne se levantou lentamente, como movimento por fios invisíveis. Justin avançou para ela e tomou seu braço. Logo atirou dela para atrai-la para si, reclamando seus lábios.

Beijou-a ávida e profundamente, sem a habilidade, conseguida com a prática, com a que a tinha beijado no caramanchão. Entretanto, aquele beijo foi ainda mais comovedor, e Marianne se apoiou nele, lhe rodeando a cintura com os braços.

Finalmente, Justin retirou seus lábios e a olhou.

—por que não me disse isso? —inquiriu fogosamente—. por que me deixou acreditar que...?

Logo voltou a beijá-la, deixando a frase em suspense. Marianne não sabia com segurança a que se referia. Não sabia nada, salvo que seu mundo se estremecia fora de controle. Os braços do Justin a rodearam como bandas de ferro, apertando-a contra ele, e ela sentiu desejos de aproximar-se ainda mais, de fundir-se com ele.

Justin lhe posou uma chuva de beijos nas bochechas e o pescoço, murmurando palavras entrecortadas e carinhosas contra sua pele.

—Deus, se seguirmos, possuirei-te aqui mesmo.

Marianne não acreditou que lhe importasse. Permaneceu imóvel uns segundos, envolta em seus braços, com a cabeça recostada em seu peito. Os batimentos do coração de seu coração começaram a acalmar-se lentamente.

—por que não me disse isso? —repetiu ele, separando-se dela um pouco para olhar a à cara.

—O que? —Marianne o olhou sem compreender.

—o de seu plano com respeito ao Bucky. O que é pior, fez-me acreditar que tentava lhe jogar o laço!

—Ah, isso. Como o tem descoberto?

—Nicola me contou isso. por que quis me fazer acreditar que foi uma arpía sem vísceras?

— Era o que você pensava! Acusou-me de sê-lo. Inclusive me advertiu que me afastasse do Bucky. Eu jamais tive intenções de conquistar o coração de lorde Buckminster. Mas você me considerava uma pessoa sem honra. Alguém capaz de vender-se, Y... —Marianne sei interrompeu, notando que a fúria a embargava de novo.

—De modo que decidiu confirmar minhas errôneas suspeitas? —inquiriu ele surpreso.

—Estava furiosa.

—Mas por que não me disse a verdade?

Marianne arqueou uma sobrancelha.

—Tivesse-me acreditado, acaso? Já te tinha formado uma opinião de mim —se encolheu de ombros—. Assim decidi que seria divertido te martirizar um pouco.

— Divertido! —repetiu Justin—. Isso chá parece divertido? me fazer sofrer o... —deteve-se bruscamente, com uma sombra de confusão em seu semblante.

—Sofrer o que?

—Nada. Não importa — Lambeth sabia que tinha estado a ponto de dizer «o tortura do ciúmes», e a mera idéia o desconcertou. Jamais, em toda sua vida, tinha sentido ciúmes por uma mulher.

Tinha sido o fogo do ciúmes o que o havia corroído aqueles dias, e não o desejo de proteger a seu amigo?

deu-se meia volta, com a mente feita um torvelinho.

—Justin? —disse Marianne insegura. Acaso estava zangado com ela?—. O que te ocorre?

—Nada —se apressou a responder ele, girando-se de novo para ela—. Simplesmente estou... surpreso. É muito para assimilá-lo de repente —lhe sorriu—. Não tinha idéia de quão complexos eram seus planos. Por um lado, enganou-me , me fazendo acreditar que foi detrás do Bucky. Por outro lado, enganou-o a ele, lhe fazendo acreditar que não foi a mulher que desejava.

—Sei. Menos mal que os dois fostes fáceis de enganar —Marianne sorriu.

Justin tomou a mão para aproximar-lhe aos lábios.

—Quererá me perdoar por tudo o que te hei dito? Por tudo o que pensei?

—Então, chegaste à conclusão de que não sou uma benjamima?

Ele emitiu uma risita.

—compreendi que é uma boa amiga e uma mulher de coração bondoso. Quanto ao de benjamima... —encolheu-se de ombros—. Cada vez vejo mais claro que, simplesmente, não me importa. Por favor, dava que me dará outra oportunidade. Dava que não perdi todas minhas possibilidades contigo.

—Não, não as perdeste —admitiu Marianne brandamente—. Eu... Possivelmente seja um homem difícil de... esquecer.

Justin sorriu.

—Que palavras mais formosas, senhora Cotterwood —se inclinou para posar um suave beijo em seus lábios.

Marianne se retirou dele.

—Mas... acredito que devo ser honesta contigo. Tinha razão sobre meus... atividades. Levo dez anos ganhando a vida assim — ergueu o queixo com ar desafiante—. Possivelmente esteja mau, mas não me arrependo. Só roubo às pessoas que logo que sente falta o roubado. Era a única maneira de manter ao Rosalind, de viver com certa dignidade. A outra alternativa era vender meu corpo, e me neguei a fazê-lo. Além disso, estava em dívida com o Harrison e Della. Eles me salvaram a vida. Como não ia corresponder lhes?

—Não faz falta que me dê explicações. Deus sabe que eu tampouco sou um santo —Justin fez uma pausa, e depois acrescentou—: Mas leva uma vida muito perigosa. E se chá detêm? O que será de sua filha então?

Sei. Y... e me parece que não serei capaz de seguir fazendo-o. Durante estes últimosdías, comecei a vê-lo tudo de maneira diferente. Tomei-lhe afeto a lady Buckminster. Jamais faria nada que pudesse prejudicá-la. foi muito boa comigo — Marianne sonrióburlona—. face a quão mau monto a cavalo.

Sem dúvida, espera te reformar —Lambeth tomou ambas as mãos—. Está disposta a perdoar meus enganos? Podemos começar de novo?

—Não sei o que é o que me está pedindo. O que esperas de mim.

Ele esboçou um sorriso.

—Uma oportunidade, isso é tudo. De momento, solo te peço que me reserve uma valsa no baile da sexta-feira.

—Não me custa nada lhe prometer isso Mas e logo?

Justin se encolheu de ombros.

—Já se verá. por agora, basta com isso —arqueou as sobrancelhas socarronamente —. E bem? O que responde?

—Reservarei-te uma valsa —aceitou Marianne, esperando não estar cometendo um terrível engano.

 

Marianne não dormiu bem aquela noite. Não conseguia deixar de pensar no Justin. Depois de sua conversação na pracinha das rosas, ele não tinha tentado beijá-la mais vezes. Posteriormente, durante o resto do dia, mostrou-se galante com ela e tinha passado a maior parte da tarde em sua companhia. Estava tentando cortejá-la sutilmente, e Marianne sabia, embora também sabia que seu cortejo podia desembocar em uma classe de vida que ela se jurou não levar nunca.

Quando despertou, à manhã seguinte, tinha os olhos inchados pela falta de sonho. Se desperezó e, ao sair da cama, viu um sobre branco que descansava no tapete, junto à porta fechada. O coração começou a lhe pulsar com força. aproximou-se rapidamente para recolher o sobre. Dentro havia uma nota:

Querida Marianne:

Espero-te hoje às onze na entrada da mina abandonada que vimos o outro dia enquanto íamos de excursão às cataratas. Wheal Sarah. Por favor, não o diga a ninguém.

Afetuosamente,

Justin

Marianne sabia que seria uma imprudência ir à entrevista, consciente dos perigos que entranhava um romance com lorde Lambeth. Entretanto, tirou um traje de montar do armário e se vestiu rapidamente. Em poucos minutos esteve penteada e arrumada e, depois de tomar um café da manhã ligeiro, dirigiu-se para as quadras. depois de que uma das moços lhe selasse um cavalo, ficou em caminho, mantendo um trote lento para desfrutar de da paisagem enquanto cavalgava.

Ao chegar à entrada da mina, desceu-se do cavalo e, sem soltar as rédeas, aproximou-se da abertura. Compreendeu que devia ser cedo ainda, pois não havia ninguém à vista. O interior da mina estava escuro como boca de lobo. Marianne apareceu a cabeça, agarrando-se a um dos ásperos madeiros que flanqueavam a entrada, e esperou a que seus olhos se adaptassem à escuridão. Tinha tido que agachar-se um pouco, pois a abertura era baixa e estreita. Seguiu sem ver nada, e estava a ponto de retroceder quando algo lhe golpeou com força nas costas. Caiu ao chão, sem respiração. Segundos mais tarde, recebeu um segundo golpe na nuca e perdeu o conhecimento.

Justin acabou de barbear-se e, depois de tirá-los últimos restos de espuma, aproximou-se da janela assobiando e apareceu ao jardim. expôs-se a possibilidade de convidar ao Marianne a dar um passeio a cavalo com ele e a idéia o fez sorrir.

Nesse momento, viu o objeto de seus pensamentos caminhando pelo jardim, em direção às quadras, e teve que piscar para convencer-se de que era realmente ela. Sentiu saudades que se levantou tão cedo e que sei dirigisse para as quadras, mas era uma oportunidade perfeita. Se conseguia alcançá-la, poderiam dar aquele passeio que tinha planejado.

Justin tirou um lenço da gaveta e sei o atou no pescoço. Continuando, depois de ficar apressadamente a jaqueta, saiu da habitação e baixou ao jardim.

Era muito tarde. ao longe pôde ver a esbelta figura de uma mulher a cavalo que se afastava bordeando o lago. Justin entrou nas quadras com grandes pernadas e pediu que lhe selassem uma arreios.

—Há dito a senhora Cotterwood aonde ia? —perguntou à moço de quadra.

—A reunir-se com a senhorita Winborne, milord.

Justin ficou olhando-o, surpreso. Era absurdo pensar que Marianne fosse dar um passeio a cavalo com a Cecilia. Franziu o cenho. A menos que Cecilia tivesse tramado algo... Mas não, Marianne não era tão ingênua para confiar-se na Cecilia. Devia lhe haver mentido à moço.

Justin subiu no cavalo e partiu para galope detrás o Marianne, seguindo os rastros de seu cavalo, até que por fim a viu. Procurou não chegar a sua altura, pois desejava descobrir aonde se dirigia e com quem ia reunir se. Não obstante, quando ela começou a subir para o páramo, Justin teve que ficar atrás uns minutos, pois não desejava ser descoberto naquela extensão de terra sem árvores. Aguardou até que Marianne se perdeu de vista e logo seguiu adiante. ao longe se ouviu um forte som, semelhante a um trovão, e seu cavalo relinchou e ergueu as orelhas. Justin apertou o passo, invadido por uma vaga e indefinível preocupação.

Não havia sinal do Marianne no horizonte, e sua inquietação se intensificou. Nesse momento, viu rastros de cavalo que se saíam do caminho e levavam, por entre as samambaias e as aulagas, até a entrada da velha mina abandonada.

Justin se dirigiu para a mina e se deteve em seco ao ver que a entrada já não existia. A abertura estava bloqueada por um montão de pedras, madeiros e terra. A entrada da mina se derrubou.

Justin desembarcou do cavalo e se aproximou da obstruída abertura.

—Marianne! Marianne! —chamou—. Pode me ouvir?

Utilizando as mãos nuas, começou a retirar freneticamente as pedras e a terra que jaziam sobre os madeiros cansados. Por sorte, dois deles tinham cansado formando um ângulo, de modo que ficava um espaço vazio entre ambos. Justin se introduziu pelo buraco e olhou em torno. A luz que se filtrava pela abertura lhe permitiu ver o Marianne, que sei achava tombada no chão, a uns quantos passos de onde ele estava.

Emitindo um leve grito, Justin se ajoelhou a seu lado. Estava tendida de barriga para baixo, com os braços sobre a cabeça.

—Marianne! —ao vê-la tão imóvel, notou uma garra de pânico lhe atendendo o peito. Seinclinó sobre ela, com o coração lhe pulsando tão fortemente em quão ouvidos logo que ouvia nada mais, e lhe aproximou uma mão ao nariz. Ao sentir um quente sopro de fôlego no dedo, sei tranqüilizou—. Graças a Deus! Marianne, pode me ouvir? Acordada —Justin olhou de soslaio o exíguo buraco pelo que tinha entrado. Seria-lhe virtualmente impossível tirá-la em braços. Um repentino rangido de madeira e rochas o sobressaltou—. Acordada! Temos que sair daqui!

Por fim, suas pálpebras se abriram, e seus olhos tentaram enfocar o rosto dele.

—Justin? OH, graças a Deus! —Marianne se refugiou entre seus braços, apoiando a bochecha em seu peito—. Não sabia onde... Não podia verte. Estava dentro da mina? Quem me empurrou?

—O que? —ele ficou olhando-a. Obviamente, estava aturdida—. Não, eu não estava aqui. tive que escavar um buraco para entrar. por que perguntas quem te empurrou?

Ela ficou olhando-o, piscando, como se tratasse de organizar seus pensamentos para emitir uma frase coerente.

—Não importa —prosseguiu Justin—. Temos que sair daqui —a pôs em pé e a conduziu para a entrada. Não obstante, apenas se tinham aproximado quando se ouviu um forte estrépito. retiraram-se rapidamente enquanto um novo desmoronamento cobria a abertura por completo. O ruído era ensurdecedor. Uma chuva de terra caiu sobre as costas do Justin, que se tinha convexo em cima de Marianne para protegê-la. Uma pedra lhe golpeou a bochecha, lhe fazendo um corte.

Quando tudo teve passado, o ar ficou saturado de pó. Por sorte, a escuridão não era total, pois se filtrava um pouco de luz por algumas frestas existentes entre as rochas. debaixo do Justin, Marianne se retorceu e emitiu um gemido de protesto.

—Está bem? —perguntou-lhe ele, e logo sorriu—. O sinto, foi uma pergunta estúpida. Tem-te quebrado algo?

—Acredito que não —ela tossiu—. Acredito que estou bem. Embora um pouco esmagada, isso sim.

—Peço-te desculpas —disse Justin com uma nota de humor—. Procurarei fazê-lo algo melhor a próxima vez.

—Deus santo, espero que não tenhamos que voltar a passar por isso.

Avançando engatinhando, aproximaram-se da abertura e começaram a apartar ansiosamente as pedras e a terra, vigiando com cautela o teto e as paredes que os rodeavam. Entretanto, logo se fez evidente que a entrada estava bloqueada por madeiros e pedras muito pesados. Aquele segundo desmoronamento os tinha aprisionado na mina.

—Não há esperança, verdade? —inquiriu Marianne com um fio de voz.

—Sempre há esperança —respondeu ele firmemente—. Embora duvide que possamos abrir uma saída nós mesmos. Entretanto, buscarão-nos quando repararem em nossa ausência. Disse a alguém aonde foi?

Marianne o olhou sentida saudades.

—Não. Na nota me disse que não o fizesse.

—A nota?

—Sim. Na nota. Que chá passa, Justin? Deste-te um golpe na cabeça? Refiro-me à nota que me deixou.

—Eu não te deixei nenhuma nota.

—claro que sim —Marianne franziu o cenho, frustrada.

—Onde está? O que dizia?

—Não a tenho. Joguei-a na chaminé antes de sair. Mas nela me citava aqui, na mina. Ao chegar, apareci e alguém me empurrou. Caí ao chão de bruces e depois senti um repentino estalo de dor na cabeça —Marianne elevou a mão para apalpá-la nuca e fez uma careta.

—De modo que... alguém te golpeou na cabeça depois de lhe empurrar.

—Isso é absurdo.

—Sim. Mas não mais absurdo que o fato de que recebesse uma nota minha que eu jamais te deixei.

Marianne se levou uma mão ao estômago.

—Sinto náuseas.

Justin lhe rodeou os ombros com o braço e Marianne se recostou nele, agradecida. Alguém tinha tentado assassiná-la! Parecia incapaz de assimilar a idéia.

—Um momento. Este desmoronamento... como se produziu? E o que faz aqui se não me deixou essa nota? — Marianne procurou seus olhos na penumbra.

—Por acaso vi que dirigia às quadras esta manhã, Y... segui-te.

—Então teve que ver o que ocorreu! —exclamou ela.

Justin meneou a cabeça.

—Não. Atrasei-me a propósito para que não me visse. Esperei a que te perdesse de vista e logo segui adiante. Os rastros de seu cavalo conduziam até a mina. Ao chegar, vi que a entrada se derrubou. Seu cavalo já não se via por nenhuma parte... Suponho que fugiu para ouvir o estrondo.

—Ou alguém o levou.

—Sim —Justin fez uma pausa antes de prosseguir—. Cavei um buraco e, ao entrar, encontrei-te no chão, inconsciente. O resto já sabe —guardaram silêncio uns segundos, absortos em horripilantes pensamentos. Finalmente, Justin disse — : Enquanto me aproximava, ouvi um forte ruído. Naquele momento não o identifiquei, mas agora acredito que eram explosivos. Essa pessoa, seja quem é, deveu utilizá-los para te sepultar aqui.

—Mas por que? —sussurrou Marianne com os olhos cheios de lágrimas—. por que ia ninguém a querer me matar?

Ele a rodeou com seus braços.

—Não sei. Deve ser alguém que chá guarde rancor. Ou te tenha medo.

—O outro dia, quando escorreguei e estive a ponto de cair no rio... Por um momento, tive a impressão de que alguém me tinha empurrado.

Justin arqueou as sobrancelhas.

—por que não disse nada?

—O que tivesse podido dizer? Temia fazer o ridículo. Eu mesma estava segura de havê-lo imaginado. Nem sequer agora estou convencida de que fosse um ataque intencionado.

—Ou possivelmente sim foi. houve algo mais?

—Mais agressões, quer dizer? Não — Marianne negou com a cabeça. Logo se deteve bruscamente ao recordar um detalhe—Possivelmente... Não, não é provável.

—O que?

—antes de vir ao campo, quando ainda estava em minha casa, uma garota foi agredida em nossa rua. O agressor não tratou de aproveitar-se dela. Simplesmente a abordou pelas costas e tentou estrangulá-la. Logo fugiu. Foi algo muito estranho, pois vivemos em um bairro muito respeitável. A garota, que é amiga do Piers, acabava de sair de nossa casa. Tem o cabelo loiro avermelhado.

—Avermelhado? —Justin a olhou atentamente—. Como o teu?

—Não, um pouco mais claro. Mas na escuridão deveu parecer mais escuro. Se esse homem não me conhecia e só sabia de mim que era ruiva...

— Já compreendo. Então, o agressor pôde te seguir até aqui, de Londres?

—Possivelmente — Marianne se encolheu de ombros—. Mas não parece provável. Como ia conhecer esta mina se fosse de Londres? E como ia ou seja que você e eu...? Quero dizer, como ia ou seja que eu viria aqui se você me citava? O que é mais, como pôde penetrar em casa dos Buckminster e me deixar uma nota sem que ninguém o visse?

—Todos seus pontos me parecem válidos — admitiu Justin—. De modo que o aspirante a assassino deve ser um dos hóspedes do Bucky. Está entre nós.

—Há outro detalhe estranho —disse Marianne titubeando—. Não sei se estará relacionado, mas ocorreu recentemente. Um homem esteve perguntando por mim.

—Perguntando por ti, em que sentido?

—Bom, primeiro foi A... onde eu vivia antes. Pediu minha direção atual, mas ninguém a disse. Ao menos, isso acreditava eu. Mais tarde, faz uns dias, um homem apareceu perto de nossa casa e interrogou a uma de nossas criadas. Perguntou-lhe se na casa vivia alguma ruiva. Por desgraça, Rosalind lhe disse que sua mãe tinha o cabelo ruivo. Depois, vimo-lo rondando a casa.

—Isso foi antes de que agredissem à garota?

—Sim.

—Todo este assunto resulta cada vez mais complicado. Alguém de seu passado te está procurando.

—É óbvio que não conhecia meu aspecto. Solo mencionou meu nome e minha cor de cabelo.

—Como se alguém lhe tivesse dado a descrição.

—Exato —Marianne olhou a seu redor, estremecendo—. Me horroriza pensar que tenhamos que passar a noite neste sítio.

Justin a abraçou e lhe posou um beijo na frente.

— Já mim. Entretanto, não acredito que isso acabe conosco. Encontrarão-nos. Alguém verá meu cavalo. Está bem treinado e não se moverá de seu sítio.

—Ódio me sentir tão necessitada.

—Sei. Eu também —Justin a envolveu mais estreitamente entre seus braços, embalando-a sobre seu regaço para confortá-la.

Imediatamente, o fogo do desejo fez arder a pele de ambos. Marianne notou o calor do Justin, a pulsión de seu desejo, e se sentiu percorrida por um calafrio; de repente, seus mamilos pareceram inchar-se e adquirir uma sensibilidade especial. Desejava ao Justin. Ansiava sentir a carícia de suas mãos, de sua boca. Ansiava explorar seu corpo com os dedos, percorrer lentamente seu amplo peito e seus ombros, a curva de suas nádegas.

Marianne se ruborizou na penumbra, envergonhada de sua reação. Como podia sentir-se assim naquelas circunstâncias? Estavam prisioneiros, enfrentados a uma possível morte... e seus pensamentos derivavam para a luxúria carnal!

Não obstante, sabia que, se ia morrer, antes desejava que Justin lhe fizesse o amor. Jamais se tinha entregue voluntariamente a um homem. Morreria sem saber o que era a autêntica paixão? por que negar-se a si mesmo o que tanto desejava?

—Justin —murmurou, elevando os olhos para contemplar seu rosto à escassa luz.

Lhe posou a mão na bochecha, roçando-a apenas. Logo baixou com os dedos pela elegante linha de seu pescoço. Ela se estremeceu, entregando-se à sensação de puro deleite, esquecendo por completo seus medos e suas dúvidas. Enterrou os dedos em seu cabelo, gozando de seu suave tato, ao tempo que ele reclamava por fim seus lábios. As línguas de ambos os som entrelaçaram enquanto seguiam beijando-se sem cessar, ansiosos por conhecer o um ao outro até o limite.

Enquanto Marianne lhe desabotoava a camisa, lhe desabotoou o vestido e desatou o laço da camisa interior para deixar ao descoberto seus seios. Logo tomou com as mãos e baixou os olhos para contemplá-los.

—Que formosa é —murmurou com voz rouca.

—Demonstre me sussurrou isso ela.

Ele obedeceu com ansiedade. Acariciou-lhe os mamilos com os polegares, até que estiveram dolorosamente eretos, e depois se inclinou para saboreá-los com a boca. Marianne lhe cravou os dedos nos ombros ao tempo que apertava a pélvis contra a dele em instintivos movimentos circulares.

Justin lhe deslizou a mão debaixo da saia para procurar o centro de seu desejo. O tecido de seu objeto interior frustrou seu intento, de modo que utilizou a outra emano para rasgar a fina malha de algodão. Marianne gritou seu nome enquanto os dedos dele acariciavam as tenras dobras de seu sexo, com suavidade e urgência ao mesmo tempo.

Com dedos trêmulos, apalpou a dureza de seu membro viril, que se apertava contra a barreira da calça, e procedeu a desabotoar os botões. Quando Marianne introduziu a mão e tomou delicadamente entre seus dedos, ele se estremeceu, emitindo um profundo ofego animal.

Justin se tirou a camisa com gestos frenéticos e a jogou no chão. Não podia esperar mais, de modo que se situou entre as pernas dela e se deslizou em seu interior lentamente. Saboreou a cada segundo enquanto sua feminilidade se fechava em torno dele, com uma calidez e uma suavidade quase insuportáveis. Com um ofego, começou a empurrar a um ritmo cada vez mais forte e rápido. O coração lhe pulsava desbocadamente e respirava com dificuldade, enquanto Marianne soluçava, presa de um prazer tão intenso que resultava quase doloroso. lhe cravando as unhas nas costas, deixou escapar um grito de gozo quando o prazer estalou finalmente em seu sob ventre e a arrastou em uma grande quebra de onda. Justin afogou seu grito com um beijo enquanto alcançava também o climax, e juntos caíram no escuro e vertiginoso abismo do prazer.

Mataram o tempo conversando até que anoiteceu no exterior. Marianne falou de seu passado, de sua infância no orfanato de São Anselmo, de como Daniel Quartermaine a tinha forçado, deixando-a grávida do Rosalind, enquanto Justin a escutava atentamente.

Finalmente, ele se tombou e embalou ao Marianne entre seus braços. Ela fechou os olhos, esperando que o sonho a reclamasse até que voltasse a filtrar-se luz pelas frestas da entrada.

Mas não conseguiu dormir. Tinha terra e piedrecillas aderidas à pele em vários lugares de seu corpo e, o que era pior, seu estômago rugia a causa da fome e se notava a boca ressecada.

De repente, ouviu-se um ruído fora, e Marianne se incorporou rapidamente, esquecendo-se dos desconfortos.

— O que foi isso?

Justin se incorporou a seu lado.

—Não sei —sussurrou.

Procederam a vestir-se apressadamente. Segundos depois, ouviu-se outro ruído, seguido do relincho de um cavalo.

—OH —Justin se relaxou, decepcionado—. Sozinho é meu cavalo. Bom, ao menos sabemos que segue em seu sítio.

Estavam a ponto de tombar-se outra vez quando lhes chegou uma voz procedente do exterior, amortecida pela barreira de pedras e terra.

— Olá! Há alguém aí?

Justin e Marianne se olharam, sentindo uma mescla de medo e esperança. Tinham ido resgatar os? Ou era o assassino, que havia tornado para assegurar-se de ter feito bem seu trabalho?

 

—Podem me ouvir? —repetiu o homem—. Há alguém aí dentro?

—Sim, estamos aqui! —respondeu Justin elevando a voz. Logo, girando-se para o Marianne, explicou—: Se for o assassino, prefiro me enfrentar a ele antes que seguir aqui dentro.

Marianne assentiu, mostrando-se de acordo.

—Estão dentro da mina? —gritou o homem—. Falem mais alto! Não posso ouvi-los bem!

Sim! Estamos apanhados!

Maldição! —respondeu o homem ao tempo que começava a retirar pedras e terra.

Cuidado! —vociferou Justin —. Poderia produzir-se outro desmoronamento.

—Ouço-o. Não se preocupe, irei com cuidado —assegurou o homem em tom otimista—. Mas retirem-se da entrada.

Justin fez retroceder ao Marianne e ambos aguardaram com febril impaciência enquanto o homem seguia escavando. Pouco a pouco, começou a desenhar uma abertura na barreira e, por fim, uma cara apareceu pelo buraco.

—Aí estão —disse iluminando-os com um candil. Era um homem atrativo, com os ojosnegros e uma boca ágil e generosa—. Um de vocês é uma dama?

—Sim. Alegramo-nos muitíssimo de vê-lo — disse Justin adiantando-se—. Tentamos retirar esses madeiros, mas pesavam muito. Possivelmente se eu empurrar enquanto você atira...

—Como não.

Seu rescatador soltou o candil e ambos os homens puseram mãos à obra, com movimentos lentos e precavidos, retirando os grossos madeiros até que a abertura se alargou o suficiente.

Justin exalou um suspiro de alívio e se girou para o Marianne.

—Já há espaço de sobra. Vamos —disse lhe tendendo a mão.

Com certa dificuldade, conseguiram deslizar-se pela abertura e saíram ajudados por seu inesperado salvador.

Era um homem alto, de pernas largas e musculosas e ombros tão largos como os do Justin. Tinha o cabelo negro, igual aos olhos, e possuía uma mandíbula quadrada e forte. Ia vestido com simplicidade, com umas botas e camisa e calça de cor escura.

—Jamais poderei agradecer-lhe o suficiente —Justin lhe ofereceu a mão—. Eu sou Justin, lorde Lambeth, e esta é a senhora Cotterwood.

—Eu me chamo Jack —respondeu o homem lacónicamente, lhe estreitando a mão—. E não têm que me agradecer nada. Foi uma sorte que passasse por aqui., Vi seu cavalo e decidi investigar.

—Sim, uma verdadeira sorte. Imagino que não passa muita gente por aqui, e menos de noite.

—Não, suponho que não —conveio Jack afablemente—. O que passou? Estavam explorando a mina? Como ficaram apanhados aí dentro?

—Não sei com segurança —explicou Justin—. A senhora Cotterwood apareceu à entrada e esta se derrubou parcialmente. Logo, quando fui a ajudá-la, produziu-se um segundo desmoronamento.

—Não sabia que estivesse em tão mal estado —disse Jack fixando-se no montão de pedras e madeiros.

—Acredito que não se derrubou sozinha —disse Justin sombríamente.

Jack se girou para ele, entrecerrando os olhos.

—Demônios! OH, peço-lhe perdão, senhora Cotterwood —disse acontecendo uma mão pelo negro cabelo—. O que lhe faz pensar tal coisa?

—Ouvi uma explosão quando vinha para aqui.

Jack os olhou a ambos.

—Mas quem quereria fazer algo assim?

—Não sabemos. Mas, ao parecer, alguém foi muito descuidado ou desejava lhe fazer machuco à senhora Cotterwood.

—por que razão?

—Não sabemos. Você o que opina?

Jack arqueou as sobrancelhas exageradamente e logo disse com um rictus zombador:

—Eu? Temo-me que não posso opinar. Logo que conheço a dama.

—Mmm. Acreditei que talvez estava familiarizado com a mina. Ao fim e ao cabo, sei encontrava nas cercanias.

O sorriso do Jack se alargou.

—Pilha-me de caminho a minha casa. Mas logo que sei nada dela, salvo que leva muitos anos abandonada.

—Uma mina abandonava pode ser muito útil —comentou Justin.

Marianne ficou olhando ao Justin, desconcertada. Parecia estar insinuando algo, e a expressão atenta e divertida do Jack indicava que ele, ao menos, sabia o que queria dizer.

— Suponho que poderia sê-lo —respondeu Jack—. Mas duvido muito que dita «utilidade» pusesse em perigo à dama.

—Não há modo de saber por que sei derrubou —prosseguiu Justin—. Não acredito que mereça a pena o esforço de escavar para investigá-lo.

—Estou convencido disso —conveio Jack com um brilho risonho em seus olhos negros—. Não acredito que haja nada dentro.

Justin sorriu.

—Seguro que não —voltou a estreitar a mão do Jack e acrescentou—: Lhe estou eternamente agradecido, senhor. Hospedo-me em casa de lorde Buckminster. Somos bons amigos. Se alguma vez necessitar algo de mim, ou de lorde Buckminster, conte com isso.

Jack fez um breve gesto de assentimento.

—Obrigado. Deixarei-o presente.

—Agora, acredito que deveríamos voltar para o imóvel Buckminster. E estou seguro de que você também terá assuntos dos que ocupar-se.

Jack respondeu evasivamente e, continuando, girou-se para o Marianne.

—foi um prazer conhecê-la, senhora Cotterwood. Não me explico quem poderia ter interesse em lhe fazer danifico.

—Obrigado —Marianne lhe tendeu a mão e sorriu afetuosamente—. Não sei como lhe dar as obrigado.

Jack sorriu, lhe piscando os olhos com ousadia.

—Esse belo sorriso é agradecimento suficiente.

Dito isto, apagou o candil e subiu ao cavalo. Depois de lhes dirigir uma última saudação, esporeou ao animal e desapareceu.

Justin se deu meia volta e se dirigiu para seu cavalo. Marianne permaneceu imóvel uns segundos, contemplando a escuridão por onde tinha desaparecido seu rescatador, e logo se aproximou do Justin.

—A que vinha todo isso?

—O que?

—Esses comentários tão estranhos que fez. Não entendi parte de sua conversação.

—Há algo suspeito nesse homem — respondeu Justin—. Que fazia rondando pelo Wheal Sarah a estas horas da noite? E por que levava um abajur consigo? Há lua enche... sua luz é mais que suficiente para orientar-se pelo terreno. Daria-te conta de que não a utilizava para cavalgar. Apagou-a antes de subir ao cavalo.

Marianne franziu o cenho.

—Possivelmente a necessitava para quando chegasse a seu destino.

—Exatamente —conveio Justin—. E qual era esse destino?

—Crie que ia entrar na mina? — aventurou Marianne—. Mas para que? Não acreditará que foi ele quem me empurrou, verdade? que esteve tentando me matar?

Justin se encolheu de ombros.

—É uma possibilidade, embora não me parece provável. Suspeito que esse homem forma parte da banda de salteadores de caminhos da que falou lady Buckminster o outro dia.

—Quando? Ah, sim, na excursão.

—Pelo visto, a seu chefe o chamam «o Cavalheiro». E esse homem tinha aspecto de sê-lo, não te parece? Sua forma de falar e suas maneiras são tão refinados como os nossos. Entretanto, conheço quase todos os aristocratas da zona e Jack não me soa de nada.

—É estranho que não desse seu sobrenome —comentou Marianne, seguindo o raciocínio do Justin

— E ia vestido de negro, para evitar ser visto na escuridão.

—Suspeito que sua banda esteve utilizando a mina, provavelmente para ocultar os botas de cano longo. Leva muitos anos abandonada, de forma que é um lugar idôneo para isso. Certamente Jack tinha vindo com a idéia de entrar para jogar uma olhada a suas posses ou para deixar algo. Por isso levava o abajur.

—Nesse caso, sua ação foi duplamente nobre. Salvou-nos correndo o risco de que tivéssemos visto algo e informássemos às autoridades.

—Estou de acordo. Por isso lhe sugeri que não voltaríamos a entrar na mina para investigar. Quis lhe dar a entender que lhe guardaria o segredo.

—Quando lhe disse que fosse a ti se necessitava ajuda, referia-te a que se alguma vez o apanharem O...

— Sim, faria quanto estivesse em minha mão para ajudá-lo. Queria que soubesse que pode amparar-se em meu nome... ou no do Bucky, que é mais conhecido que eu por aqui.

—foste muito amável.

—Estou em dívida com ele —se limitou a responder Justin—. E Jack é, no fundo, um bom homem. Sei das injustiças e desigualdades que podem empurrar às pessoas ao delito. E não menosprezo a outros pelo simples feito de ser um nobre.

Marianne lhe rodeou o pescoço com os braços.

—Sei. Essa é uma das razões pelas que lhe... —deteve-se bruscamente. Tinha estado a ponto de dizer que o amava, mas ignorava como poderia tomar-se ele uma afirmação semelhante, de modo que ficou nas pontas dos pés e o beijou.

Justin a estreitou entre seus braços, e seguiram beijando-se durante uns instantes. Finalmente, separaram-se e subiram ao cavalo do Justin. Cavalgaram um momento em silêncio e, transcorridos uns minutos, ele comentou:

—Todo mundo perguntará o que nos ocorreu.

Sei —Marianne franziu o cenho — .Como vamos acusar a alguém do grupo dehaber tentado me matar?

Seria um pouco embaraçoso —reconheceu Justin—. Além disso, é preferível que o assassino cria que você considera o ocorrido um simples acidente. Se descobrir que suspeitas e que tenta averiguar sua identidade, estará ainda mais ansioso por desfazer-se de ti. Pode dizer que te ocorreu dar um passeio a cavalo, que viu a mina e decidiu jogar uma olhada. Quão único recorda é te haver descido do cavalo para te aproximar da entrada. A partir de então, não recorda nada. Os golpes na cabeça revistam ter esse efeito, sabe? Depois, casualmente, eu passei por diante da mina e vi que a entrada se derrubou. Ao me aproximar e ver seus rastros, supus que havia alguém apanhado dentro. Imagine minha surpresa ao descobrir que foi você.

—E logo, o que faremos?

—Teremos que descobrir qual dos convidados pode ser o culpado. Contarei- a verdade ao Bucky. vamos necessitar sua ajuda, e arrumado minha vida a que ele não é nosso suspeito.

Marianne não pôde a não ser sorrir.

—Estou de acordo.

— Bucky e eu interrogaremos às moços de quadra. Quem quer que seja esse homem, teve que sair das quadras e voltar para elas. Descobrirei o que outras pessoas saíram a montar a cavalo.

—De acordo. Que mais?

—Não estou seguro. Teremos que descobrir o máximo possível sobre outros hóspedes. Estamos de acordo em que é um homem, não?

Marianne se encolheu de ombros.

—Não sei. Mas, decididamente, a pessoa que esteve perguntando por mim e que atacou à donzela era um homem.

— Então, indagaremos a respeito dos hóspedes varões. Sophronia deveria poder nos proporcionar uma boa quantidade de informação.

—E também perguntarei a Nicola e Penelope —sugeriu Marianne.

—Com discrição.

—É obvio. É lógico que uma viúva se mostre, interessada nos jovens casaderos com os coincide em uma festa.

Justin emitiu um grunhido.

—Mas não muito interessada.

Marianne deixou escapar uma risita.

—Acreditei que você já conhecia bastante bem aos amigos de lorde Buckminster.

—Conheço os mais jovens, sim.

—E aos mais velhos não?

—Muito pouco. Nenhum deles é amigo íntimo do Bucky. Os Minton são amigos do Lady Buckminster. Não sei muito deles. Tampouco estou seguro de por que foram convidados sir George e Sophronia. É muito possível que Sophronia aborrecesse a lady Buckminster até conseguir que os convidasse. Alan Thurston... tampouco é um grande amigo do Bucky. Acredito, entretanto, que Bucky está muito interessado em sua campanha política.

—E o que tem que seu secretário?

—Fuquay? Parece um tipo muito agradável. Embora, francamente, não falei muito com ele. Quanto ao Thurston, apenas o conheço. Alguém me comentou o outro dia que foi um pouco caveira em seus anos moços. Jogava, bebia, freqüentava bordéis... Esse tipo de coisas. Mas isso não significa que seja um assassino, certamente.

Seguiram cavalgando e especulando sobre a identidade do vilão, até que Marianne, adormecida pelo trote lento do cavalo, recostou a cabeça no peito do Justin e sei dormiu. Ele sorriu, desfrutando com a sensação de tê-la entre seus braços.

Era já muito tarde quando chegaram à casa, mas todas as luzes estavam acesas e várias moços de quadra acudiram correndo ao vê-los aparecer, entre gritos e exclamações de alívio. Marianne despertou com o vocerío, e Justin, depois de confiar o cavalo a uma das moços, tirou-a da mão e a levou para a casa. antes de que chegassem à porta, esta se abriu e lorde Buckminster saiu à carreira, com gesto preocupado.

— Justin! Graças a Deus! E a senhora Cotterwood! —aproximou-se pressuroso ao Justin—. Penelope! Mãe! Venham!

Não era necessário que as chamasse, entretanto, pois tanto Penelope como lady Buckminster tinham saído detrás dele, junto com a maioria de outros hóspedes. Marianne viu que alguns deles se fixavam na mão do Justin, que seguia arranca-rabo à sua. Retirou-a rapidamente, ruborizando-se.

Estávamos tão preocupados! —exclamou lady Buckminster, adiantando-se para tomar mãos do Marianne—. Pobre menina! O que passou?

Pobre Marianne! —Penelope lhe jogou um braço pelos ombros, recostando a cabeça na de seu amiga—. passei muito medo!

Justin procedeu a contar a história que tinham inventado pelo caminho. Resultava pouco convincente, compreendeu Marianne, especialmente o detalhe de que Justin tivesse tomado, por acaso, o mesmo caminho que ela.

Pelo Júpiter! —exclamou o senhor Minton, estupefato—. Wheal Sarah se derrubou! Resistente que pareceu sempre.

E o escândalo! —atravessou Sophronia Merridale, levando-as mãos ao peito exageradamente, com expressão de horror.

Ao diabo ele escalda-o! —exclamou Bucky—. puderam morrer.

Lady Merridale fez caso omisso.

estiveram ausentes durante horas e horas! Juntos! E de noite! Não há desculpa que valha. Terão que casar-se.

 

O grupo ficou em completo silêncio. Marianne olhou com consternação a lady Merridale.

—Mas nós... —começou a dizer, com a intenção de negar que tivesse ocorrido algo indecoroso. Mas recordou o que tinha acontecido no interior da mina, e não pôde a não ser ruborizar-se—. Não aconteceu nada —concluiu timidamente, temendo que todos vissem a verdade escrita em seu rosto.

—Não seja parva —rugiu Justin.

Lady Merridale ficou boquiaberta ante a aspereza de seu tom.

— Lorde Lambeth!

—você ouça, Lambeth —protestou sir George—, não é necessário que...

       É culpa dela! —estalou Cecilia Winborne, interrompendo-o ao tempo que se aproximava do Marianne—. Sem dúvida você planejou esse «acidente» para poder jogar o laço ao Justin.

Como se atreve! —respondeu Marianne, apertando os punhos e avançando para ela.

—te cale, Cecilia —disse Justin com voz fria como o mármore. Logo alargou o braço e rodeou a cintura do Marianne—. Já expliquei o que ocorreu e estou seguro de que nenhum de vocês duvida de minha palavra —percorreu com o olhar a outros convidados, inquisitivamente. Ao ver que ninguém falava, assentiu—. Bem. Espero, pois, que não estendam rumores maliciosos. Porque, se tal coisa acontecer, saberei qual é sua origem —dirigiu a sir George Merridale um olhar carregado de intenção e o homem assegurou atropeladamente que tanto ele como sua esposa manteriam a boca fechada.

—Bom, se já acabamos com as tolices —atravessou Nicola, tomando o braço do Marianne—, acredito que a senhora Cotterwood precisa comer algo e descansar.

—Certamente —conveio Penelope, e ambas a conduziram ao interior da casa.

—Não faça caso a Cecilia —aconselhou Nicola enquanto subiam as escadas, em direção ao quarto do Marianne—. E Sophronia não se atreverá a propagar rumor algum, depois da reação do Lambeth. Ela o respeita muito por ser filho de um duque. E seu marido, estou segura, respeita muito sua pontaria.

—Sua pontaria! —exclamou Marianne horrorizada—. Está falando de um duelo?

—Naturalmente. Não te deu conta de que nisso consistia a ameaça do Justin? Estou segura de que sir George sim o entendeu.

—Mas eu não desejo que se bata em duelo!

—Tranqüila. Sir George não se atreveria. Talvez, e sem que sirva de precedente, ponha reserva à afiada língua de sua esposa — Nicola pôs-se a rir.

Quando tiveram chegado à habitação, Penelope chamou uma donzela e ordenou que preparassem o banho ao Marianne e lhe levassem uma bandeja com comida. Enquanto isso, ajudou a esta a despir-se, jogou-lhe por cima uma camisola e procedeu a lhe escovar o cabelo.

Marianne suspirou, notando como seus músculos se relaxavam. Para surpresa dela, umas inesperadas lágrimas afluíram a seus olhos e escorregaram por suas bochechas.

—Sinto-o —disse sorvendo pelo nariz e enxugando-as lágrimas.

—Não tem por que te desculpar —disse Penelope, lhe apertando a mão para confortá-la—. Deve ter sido uma experiência horrível.

Marianne assentiu.

—Sim, foi.

Desejou lhes contar a verdade, mas conseguiu guardar silêncio. Estava segura de que podia confiar na Nicola e Penelope, mas sabia que seria difícil lhes falar do homem que ia atrás dela sem revelar a verdade sobre seu passado. Aquilo suporia o fim de sua amizade, não lhe cabia dúvida. Lorde Lambeth parecia ter aceito seu passado com aparente indiferença, mas isso era porque a desejava. Os cavalheiros estavam acostumados a ter como amantes a mulheres de origem humilde. Mas as mulheres da nobreza não faziam amizade com simples donzelas, por muito aberta que fosse a mentalidade da Nicola.

De modo que Marianne se limitou a sorrir e a lhes agradecer sua amabilidade e, ao cabo de um momento, Penelope e Nicola a deixaram para que pudesse tomar o banho com tranqüilidade. Finalmente, meteu-se na cama, muito exausta inclusive para pensar nos fatos daquele dia. Demorou poucos minutos em ficar dormida.

—Que demônios passou? —inquiriu Bucky enquanto servia uma generosa quantidade de conhaque em duas taças e lhe acontecia uma a seu amigo. Tinha miserável ao Justin até seu estudo depois de que Marianne se retirasse, fechando as portas detrás de si e interrompendo as ansiosas perguntas de outros—. Tenha. Isto te sentará bem.

Justin aceitou a taça e tomou um gole. Continuando, exalou um suspiro e se sentou em uma confortável poltrona estofada em pele.

—Oxalá soubesse, Bucky. A mina se derrubou, tal como expliquei. O mau é como se derrubou.

Bucky arqueou as sobrancelhas.

—Está insinuando que não foi um acidente?

Justin meneou a cabeça.

—Não foi. Alguém atraiu ao Marianne até ali intencionadamente.

Bucky ficou olhando-o.

—Então, ela e você não estiveram... —interrompeu-se, ruborizando-se ligeiramente—. O sinto, velho amigo. Acreditei que solo tentava proteger sua reputação.

—Sei. Seguro que todos pensam o mesmo. Mas Marianne foi até a mina por sua conta. Alguém lhe deixou uma nota, assinada com meu nome, citando-a ali. Logo a empurraram ao interior da mina, deram-lhe um golpe na cabeça e derrubaram a entrada.

Os olhos do Bucky pareceram a ponto de sair-se de suas órbitas.

—Mas o que diz!

—Eu ouvi a explosão. Certamente, não me encontrava perto por acaso. Vi como Marianne se afastava a cavalo... e a segui a certa distância. Por desgraça, fui muito discreto. Não vi seu agressor. O resto aconteceu como expliquei. Tratei de tirar a da mina e provoquei um segundo desmoronamento.

—Mas o que...? Quem...?

—Essa é a questão. Não sei quem pôde ser nem por que o tem feito. A própria Marianne o ignora. Mas essa pessoa deve estar nesta casa.

Bucky abriu a boca e voltou a fechá-la.

Está brincando! —conseguiu balbuciar ao fim.

me acredite, estar apanhado dentro de uma mina, temendo que o resto dos madeiros se derrubem e lhe esmaguem, não é nenhuma brincadeira.

—Mas, maldita seja, como pode pensar que um de nós quer assassinar à senhora Cotterwood? por que ia fazer alguém semelhante costure?

Justin suspirou e recostou a cabeça na poltrona, com gesto cansado.

—Agora, estando aqui sentado, parece-me incrível. Mas aconteceu.

Bucky se sentou também, meneando a cabeça com incrédulo assombro.

—Pergunta-a é, quem o fez? —prosseguiu Justin—. Tenho que descobri-lo e deter o culpado.

—um pouco difícil, parece-me —opinou Bucky—. Não pode ir por aí perguntando às pessoas se tiver tentado assassinar a alguém.

—Sim, seria um pouco embaraçoso. Bucky o pensou um momento.

—Possivelmente deveria pôr o assunto em mãos do magistrado local, o senhor Halsey. Virá ao baile da sexta-feira.

—Não quero colocar à lei nisto a menos que seja estritamente necessário —respondeu—. Além disso, tem mais fé na capacidade do magistrado que na minha? —inquiriu arqueando a comissura da boca.

—Não. Você é o dobro de inteligente. Mas, maldição, Justin, crie que é realmente nosso assunto?

Justin esboçou um débil sorriso.

—Acredito que sim.

Bucky se removeu incômodo na poltrona.

—Ouça, velho amigo, não te terá apaixonado pela senhora Cotterwood, verdade?

—Conhece-me bem —respondeu Justin evasivamente—. Viu que me tenha apaixonado alguma vez?

—Não, mas... o caso da senhora Cotterwood é distinto.

Sim, é-o.

Lambeth... Espero que não me entenda mau. O certo é que respeito muito a señoraCotterwood. É uma mulher muito formosa.

—Estou de acordo.

—Mas não acredito que deva cercar uma relação muito íntima com ela. Verá, a senhora Cotterwood... enfim...

—O que acontece com a senhora Cotterwood?

—Às vezes, bom... não é muito amável!

Justin deixou escapar uma gargalhada.

—A «amabilidade», meu amigo, não é necessariamente o que mais me interessa em uma mulher.

—Maldição, é que me põe os nervos de ponta. É resmungona e insuportável.

Não! —Justin apertou os lábios para não estalar em gargalhadas.

Sim. foi grosseira com o Penelope, quando se supõe que é amiga dela, e inclusive me obrigou a faltar à caçada de ontem! —acrescentou Bucky indignado.

—Sinto muito. E te agradeço sua preocupação. Estou seguro de que, em virtudes, não pode comparar-se com o Penelope. Mas acredito que poderei dirigi-la sem problemas.

Bucky pareceu duvidar.

—Se estiver seguro de que...

—Sim —Justin apurou a taça e a deixou na mesa—. E quando tiver ideado um plano para descobrir a esse canalha...

—Pode contar comigo —lhe assegurou Bucky—. Te ajudarei no, que possa.

—É um amigo de verdade —Lambeth se encaminhou para a porta, mas antes de sair se deteve—. A propósito, se alguma vez capturarem ao salteador de caminhos apelidado «o Cavalheiro», te assegure de que possa escapar. Hoje nos salvou a vida.

—Está de brincadeira. Terá que ver, Lambeth, que coisas lhe passam.

Justin sorriu com ar zombador e saiu do estudo para dirigir-se ao vestíbulo. antes de chegar às escadas, não obstante, alguém o chamou.

—Justin!

Ao girar-se, Justin viu com surpresa que Cecilia Winborne saía por uma das portas do vestíbulo e avançava para ele.

Cecilia —a olhou com ar cansado — .Acreditei que já te teria deitado. E o que faz aqui? Pensei que te hospedava em casa do Exmoor.

Não esperaria que fosse com outros sabendo que tinha desaparecido! Estava morta de preocupação. Não sabíamos o que te tinha passado nem onde estava. Solo que essa mulher tinha desaparecido também —Cecilia franziu os lábios, deixando claro o que pensabade Marianne—. Lady Buckminster teve a gentileza de me oferecer uma habitação e eu aceitei, é obvio.

Um detalhe por sua parte —comentou Justin evasivamente—. Espero que esteja mais tranqüila agora que tornamos. Com sua permissão, preciso me dar um banho Y...

—Espera. Tenho que falar contigo.

—Não pode deixá-lo para amanhã? Estou muito cansado, Cecilia.

—Não —os olhos cinzas da Cecilia cintilaram —. Tem que ser agora.

—Está bem —Justin se cruzou de braços e aguardou—. Do que se trata?

—Não tem nenhuma responsabilidade para com essa mulher —começou a dizer Cecilia acaloradamente.

—Perdão? A que mulher te refere?

—À senhora Cotterwood —disse Cecilia com desdém—. Que te tenha miserável a uma situação comprometedora não significa que esteja obrigado A...

Justin meneou a cabeça com decisão e elevou uma mão.

—Já basta, Cecilia. Deveria saber que eu jamais me sinto obrigado a fazer nada. Não te pedi conselho e, me acredite, tampouco o necessito. boa noite.

—Sei que não vais casar te com ela —disse Cecilia, lhe agarrando o braço—. Não pode te casar com uma mulher assim, apesar do que esses estúpidos digam da honra e o escândalo.

Justin olhou com frieza a mão com que o tinha agarrado. Com expressão imperturbável, retirou-a de seu braço.

Sugiro que demos por terminada esta conversação, antes de que algum diga algo que logo possa lamentar.

Não! vais escutar me. Não sou nenhuma estúpida, Justin. Nem espero que me seja fiel quando nos tivermos casado. Ambos conhecemos as razões de nosso matrimônio e o papel que teremos que desempenhar nele. Mas não vou tolerar que tenha uma aventura com outra mulher em minha presença! Não vou A...

Justin deu um passo adiante com tal presteza que Cecilia retrocedeu surpreendida.

—Direi-lhe o que não vai fazer, senhorita Winborne. Não vai casar se comigo.

Cecilia o olhou com olhos dilatados de horror, sem fala.

Parece te enganar a ti mesma pensando que te tenho proposto matrimônio. Mas não o tenho feito, nem penso fazê-lo. Jamais me casarei com uma arpía como você.

Mas... mas... —balbuciou Cecilia—.Sempre tínhamos suposto que...

—Seus pais e você, possivelmente. E provavelmente também meus. Mas a decisão me corresponde . E decidi que não parecemos o um para o outro — Justin se girou e começou a subir as escadas.

Não pode me fazer isto! —chiou Cecilia—. Não pode! Todos pensam que...

Se pensarem que vamos casar nos, será porque você te trabalhaste em excesso em estender o rumor, de modo que é a única culpado. Sabe perfeitamente que eu jamais te falei que matrimônio.

deu-se meia volta e se afastou escada acima, deixando a Cecilia boquiaberta.

Justin se dirigiu para sua habitação. Sentiu desejos de entrar no dormitório do Marianne para ver se se encontrava bem. Em realidade, lhe teria gostado de tender-se na cama, junto a ela, e dormir embalando-a entre seus braços durante toda a noite, tal e como tivessem feito na mina.

Mas tal coisa era impossível, com a Cecilia observando-o asperamente do vestíbulo.

Entrou em seu quarto de mau humor, despedindo-se de sua ajuda de câmara assim que este lhe teve ajudado a tirá-las botas. Logo se despiu rapidamente, deixando a roupa suja no chão, e se inundou na banheira que lhe tinha preparado seu ajudante. Entretanto, a fumegante água não o ajudou a relaxar-se. Seus pensamentos não deixavam de girar tumultuosamente. Malditas fossem Cecilia e suas insinuações! Doía-lhe que falassem assim do Marianne. Que suspeitassem dela!

Justin fez uma careta e começou a esfregar-se vigorosamente. A idéia de viver uma aventura em segredo com o Marianne não o seduzia absolutamente. Desejava comprar uma casa para ela e para sua filhinha. Desejava apartar a daquela perigosa vida criminal. Desejava poder vê-la sempre que quisesse. Desejava, em soma, tê-la para si.

Por um breve instante, a idéia do matrimônio relampejou em sua mente. Mas a descartou enquanto ficava em pé para secar-se com uma toalha. Era um estúpido, disse-se. Um estúpido que pensava com a entrepierna. O marquês do Lambeth, futuro duque do Storbridge, não se casava com uma mulher simplesmente porque a desejasse. O matrimônio era um dever que devia cumprir pelo bem da família. Devia engendrar herdeiros para que a dinastia perdurasse, e sua esposa seria escolhida em função de sua posição, seu nome e sua fortuna. O que importava era a linhagem, não o amor.

Justin meneou a cabeça, furioso consigo mesmo. estava-se comportando como um verdadeiro néscio. A futura duquesa do Storbridge não podia ser uma ex-benjamima que nem sequer tinha conhecido a seus pais.

tombou-se na cama, carrancudo, e se tampou com a colcha. Devia deixar de pensar em tais tolices e concentrar-se em como apanhar ao homem que quase os tinha matado a ambos.

O resto já se veria.

Justin já estava tomado o café da manhã quando Marianne baixou ao comilão à manhã seguinte. levantou-se rapidamente ao vê-la e os olhos de ambos se encontraram.

—Como se sente esta manhã? —perguntou-lhe ele em voz fica.

Marianne lhe sorriu, incapaz de dissimular o brilho de seu semblante.

— Estou bem.

Justin fez gesto de seguir falando, mas se sentou ao ver que nesse momento chegavam o senhor e a senhora Thurston. Em seguida cercou uma animada conversação com eles e Marianne compreendeu que tentava sutilmente averiguar detalhes do passado do Thurston. Durante o resto do dia, conversaram com quantos hóspedes puderam, às vezes juntos, mas quase sempre por separado. Marianne sentia freqüentemente como os olhos do Justin a olhavam do extremo oposto da sala e comprovou que sempre se mantinha ali onde ela pudesse vê-lo. Nas poucas ocasiões nas que se ausentou, deixou-a em companhia de lorde Buckminster. Marianne compreendeu, comovida, que Justin estava velando por ela.

depois de várias horas de tedioso bate-papo com a Sophronia Merridale, nas que logo que tinha averiguado nada útil, Marianne subiu a seu quarto para vestir-se para o jantar. Abriu a porta e teve que reprimir um grito ao ver que um homem a esperava dentro, sentado.

— Justin! —exclamou. Rapidamente, fechou a porta e jogo a chave—. O que faz aqui? Deste-me um susto de morte!

—Sinto-o —ele se levantou e, aproximando-se dela, estreitou-a entre seus braços—. Pensei que me voltaria louco se não te tinha para mim solo uns minutos.

Marianne se fundiu em seu abraço, mais que satisfeita com sua explicação, e elevou os olhos para olhá-lo. deram-se um comprido beijo.

Justin a levou até a cama e ambos se tombaram, perdidos em um súbito redemoinho de paixão. Os dedos dele foram até os botões de seu vestido.

—Quero verte —murmurou lhe beijando os seios por cima do tecido—. Quero ver sua cara quando chegar ao êxtase —acrescentou com voz rouca.

Marianne notou que seu sob ventre se fazia água para ouvir suas palavras. Ele leu a resposta em seus olhos e emitiu um ofego antes de reclamar novamente sua boca.

Uns repentinos golpes na porta os sobressaltaram a ambos. Justin ergueu a cabeça e amaldiçoou entre dentes. Marianne tratou de falar, mas não pôde. esclareceu-se garganta e provou de novo.

—Sim? Quem é?

—Sou eu, Penelope. Dispunha-me a baixar para o jantar e pensei que possivelmente quereria me acompanhar.

— OH. Ah, sim, eu adoraria, mas ainda não acabei que me vestir —respondeu Marianne incorporando-se.

—Muito bem, esperarei-te —respondeu Penelope—. Nicola tampouco está lista ainda. Quando acabar, estarei em minha habitação.

—Bem. Em seguida vou —Marianne olhou de esguelha ao Justin e esteve a ponto de prorromper em gargalhadas ao ver sua expressão. aproximou-se dele e lhe posou um suave beijo nos lábios.

—Tenho que ir —sussurrou—. Se não, Penelope sentirá saudades. Baixamos juntas para jantar quase todas as noites.

Justin se levantou com inapetência.

—Será melhor que espere até que te tenha partido com ela.

—Se pensa ficar, faz algo útil e sei minha donzela —Marianne lhe deu as costas, lhe mostrando a larga fileira de botões do vestido.

—Acaso te tem proposto me matar? —inquiriu ele enquanto aproximava as mãos aos botões e procedia a desabotoá-los.

Ela sentiu um agradável prazer erótico ao notar o roce de seus dedos nas costas. Quando o vestido caiu a seus pés, cobriu-se instintivamente os seios e o estômago. Justin sei inclinou para lhe beijar a nuca. Finalmente, ajudou-a a ficar outro vestido.

—Posso vir a sua habitação esta noite? —sussurrou-lhe no ouvido.

Marianne assentiu com a cabeça, incapaz de falar.

—Não poderei apartar os olhos de ti durante o jantar —disse Justin.

—Justin... —Marianne se girou para olhá-lo, lhe colocando as mãos nos ombros.

—Não. Não me ponha isso ainda mais difícil —disse ele com um sorriso, tensa ao tempo que retrocedia um passo—. Desfrutarei te olhando... e pensando no de esta noite —assinalou a porta com o queixo—. Será melhor que saia já.

Marianne notou os olhos do Justin sobre ela durante todo o transcurso do jantar. Logo que emprestou atenção à conversação de seus acompanhantes, limitando-se a assentir ocasionalmente enquanto tomava um sorvo de vinho. depois do jantar, as mulheres se retiraram um momento à sala de estar enquanto os homens tomavam uma taça e fumavam na estadia reservada para tal fim.

Finalmente, quando a senhora Minton sei levantou para retirar-se, Marianne seguiu seu exemplo e ficou em pé rapidamente, declarando que estava muito cansada. Subiu as escadas com a mulher de mais idade e entrou em seu quarto. Continuando, chamou uma donzela para que a ajudasse a despir-se e a ficar a camisola.

Quando a donzela se partiu, Marianne se serve um copo de água da jarra situada junto à cama e bebeu nervosamente enquanto se passeava pelo quarto. Ao cabo de uns segundos, soltou o copo e se sentou na cama a esperar.

Bocejou.

Uns instantes depois, ou isso pareceu a ela, despertou bruscamente, olhando em torno com surpresa. Não podia haver-se dormido! Teria sido ridículo, em seus estado de nervos. Mas, por alguma razão, não conseguia manter os olhos abertos. Voltou a fechá-los e, em poucos segundos, ficou dormida.

Marianne flutuou em um vazio de escuridão. Voltava a ser uma menina e seu pai a levava a cama. Ela podia cheirar o aroma de seu tabaco e o algodão de sua jaqueta. Sorriu-lhe e sei apertou contra ele. Seu querido papai! Logo seu pai começou a balançá-la na cadeira de balanço do quarto dos meninos. Ela quis abrir os olhos, mas não podia.

Então, de repente, sentiu que tinha frio e que caía.

Marianne abriu os olhos de repente ao notar a água fria em seu rosto e, logo, inundou-se na escuridão, incapaz de respirar. A água a cobriu de tudo.

 

Marianne começou a debater-se instintivamente conforme se afundava na água. Seguia sem estar de tudo consciente enquanto separava as pernas e agitava os braços, subindo por fim até a superfície. Continuou movendo os braços torpemente, lutando por respirar, e piscou para tirar a água dos olhos. Viu uma pequena barco e uma escura figura escondida nela, que se afastava velozmente. Marianne tomou fôlego para lhe gritar que sei detivera, mas, no último momento, trocou de opinião e guardou silêncio.

Ainda se sentia aturdida, mas era uma boa nadadora, de modo que, depois de esperar a que a barco se afastou, começou a nadar para o embarcadero, que se divisava ao longe iluminado pelo resplendor pálido da lua. A camisola entorpecia seus movimentos e Marianne se deteve para tirar-lhe trabalhosamente. Sentindo-se mais ligeira, seguiu nadando em direção ao embarcadero. Os dentes lhe tocavam castanholas. O frio da água parecia lhe impregnar até os ossos. Assaltou-a a necessidade de calor, de sonho. Os braços e as pernas lhe doíam, começou a temer que não conseguiria chegar até a borda.

Marianne pensou no Rosalind, no que seria de sua filhinha sem ela, e isso lhe deu renovadas forças. Continuou dando braçadas ao tempo que afugentava o demônio do sonho. A borda começava a aproximar-se pouco a pouco. Transcorridos uns minutos, os movimentos do Marianne foram fazendo-se mais lentos, os olhos começaram a cerrársele.y suas pernas se afundaram... tocando a terra do fundo. Torpemente, ficou em pé e percorreu os poucos passos que a separavam da borda. Caiu de joelhos na erva. Finalmente, tremendo, derrubou-se e perdeu o conhecimento.

Marianne! Marianne! —a voz do Justin a tirou do sonho. Marianne abriu os olhos e o olhou.

Justin —resfolegou. Ele estava ajoelhado junto a ela. Tinha-a incorporado levemente, tomando-a entre seus braços. Marianne sei recostou fracamente em seu peito, incapaz de fazer nada salvo dizer seu nome.

—Ânimo, meu amor —disse ele ao tempo que voltava a tendê-la brandamente no chão. Logo se tirou a camisa de dormir para tornar-lhe a ela por cima e a abraçou de novo—. Graças a Deus —murmurou uma e outra vez, lhe posando uma chuva de beijos no cabelo e o rosto—. Acreditei que tinha morrido. Quando encontrei essa nota... Jamais havia sentido tanto medo em toda minha vida.

— Eu não... —Marianne lutou por organizar seus pensamentos—. Estou enjoada... sinto muito.

—Não se preocupe. Jamais voltará a te ocorrer nada. Juro-lhe isso.

Justin tomou em braços e a levou a casa. Entrou pela porta da cozinha e utilizou a escada do serviço para subir a sua habitação. Uma vez ali, deixou ao Marianne na cama e fechou a porta com chave. Depois, depois de lhe tirar a camisa de dormir, envolveu-a com uma manta e se tombou na cama junto a ela, abraçando-a.

—por que tenho... tão frio?

—É o shock, suponho. E a água do lago se esfria muito de noite, embora seja verão. Não se preocupe. Te passará.

Justin tinha razão. Marianne notou que, pouco a pouco, o calor penetrava em seus ossos e sua mente começava a esclarecer-se.

—Mas o que passou? Que fazia eu no lago?

—Alguém te deixou ali —respondeu Justin em tom grave—. Averiguarei quem foi e o deterei.

—Mas como...? por que...?

—Chist. Não se preocupe por isso agora. Já falaremos amanhã —Justin lhe beijou o cabelo, apartando-se o da cara—. Maldição! Devi pedir a Nicola ou Penelope que dormissem em sua habitação. A culpa é de minha estúpida luxúria. Se não tivesse deixado a porta aberta para me deixar entrar, nada disto teria ocorrido — soltou outra retahila de maldições.

—Não... não se preocupe —lhe assegurou Marianne com voz sonolenta enquanto lhe fechavam os olhos—. Te quero —murmurou antes de ficar completamente dormida, deixando ao Justin acordado, com o olhar perdido na escuridão, ligeiramente surpreso.

Ainda não tinha amanhecido quando Justin despertou ao Marianne.

— Tenho que ir já —lhe sussurrou no ouvido—. As donzelas não demorarão para subir e não devem lombriga aqui. Pode fechar a porta quando eu saia?

Marianne assentiu e se desceu da cama, seguindo-o até a porta. Jogou a chave quando ele teve saído e logo voltou a deitar-se, ficando dormida assim que sua cabeça tocou o travesseiro.

Seguiu dormindo até muito depois de que o sol saísse e sua luz se filtrasse por entre as cortinas. Quando despertou por fim, sei incorporou cuidadosamente, notando que lhe doíam todos os músculos do corpo. Permaneceu imóvel uns segundos, tratando de recordar exatamente o que tinha acontecido. Não obstante, o esforço foi excessivo e, com um gemido, Marianne voltou a deitar-se no travesseiro.

Necessitou uma hora, e a ajuda de uma donzela que lhe tinha levado chá, para poder vestir-se e preparar-se para sair da habitação. Quão único sabia com segurança era que tinha estado a ponto de afogar-se no lago a noite anterior.

Logo que tinha chegado ao pé das escadas quando viu que Justin se dirigia pressuroso para ela pelo vestíbulo.

—Aqui está —disse um pouco surpreendida—. Ia te buscar.

—Pedi à donzela que me avisasse quando saísse da habitação —explicou ele.

—O que aconteceu? Somente recordo que despertei de repente no lago, me afogando.

—Saiamos a dar um passeio —sugeriu Justin—. Prefiro não falar aqui, onde alguém pode nos ouvir.

Marianne ficou o chapéu e empreenderam um tranqüilo passeio pelo atalho da entrada, flanqueado de altas árvores o bastante distanciados entre si como para que ninguém pudesse ocultar-se atrás deles.

—Drogaram-lhe —disse Justin carrancudo—. É a única explicação. Do contrário, esse homem não teria podido te levar até o lago sem que despertasse.

—Pois claro. Isso explica por que me sentia tão enjoada e me custava tanto nadar. Suponho que a água fria despertou.

—Menos mal que é uma boa nadadora. E possivelmente não ingeriu toda a droga.

—Como puderam me drogar?

—Possivelmente puseram algo em seu prato ou em sua taça ontem à noite, durante o jantar. Com quem te tocou te sentar?

—Estive sentada entre o senhor Westerton e o senhor Fuquay —Marianne tentou fazer memória—. Acredito que o senhor Minton estava sentado frente a mim, junto a sua esposa Y... a senhora Thurston. Crie que foi algum deles?

—Não necessariamente. Alguém pôde ter entrado no comilão um pouco antes, imagino, e ter posto algo em sua taça. Comeu ou bebeu algo depois?

—Não. OH, espera. Tomei um copo de água antes de me deitar.

—Em sua habitação?

Marianne assentiu.

—Da jarra que havia ali.

Justin pôs expressão grave.

—Pôde lhe resultar ridiculamente fácil entrar em sua habitação e drogar a água. Mas é impossível saber quando o fez, ou qual dos hóspedes se separou do resto o tempo suficiente para fazê-lo.

—Como me encontrou ontem à noite? —inquiriu Marianne—. Como soube que tinham tentado me assassinar?

—Por pura sorte —ele meneou a cabeça—. Fui a sua habitação e vi que não estava ali. Havia uma nota sobre a cama.

— Uma nota! Esse homem parece um especialista na matéria.

Justin assentiu.

—Suponho que, em circunstâncias normais, teria passado por autêntica. Parecia escrita por uma mulher, e nenhum de nós conhece sua caligrafia. Mas eu sabia que não era tua. Você jamais te haveria suicidado por um deslize amoroso.

—Suicidado? Pois claro. Tivesse sido uma maneira fácil de desfazer-se de mim sem levantar suspeitas.

—Na nota, pedia desculpas a lady Buckminster pelo escândalo e afirmava não poder seguir vivendo com semelhante mancha em sua reputação. Dado que eu me tinha negado a me casar contigo, tinha decidido pôr fim a sua vida. Comecei para te buscar pela casa e logo pelos jardins, até chegar à borda do lago Y... Bom, já sabe o resto.

—O que vou fazer? —perguntou Marianne com ansiedade—. Possivelmente deveria voltar para Londres. Ali estaria a salvo.

—Não —Justin negou com firmeza. Logo a olhou e sorriu—. Não o digo simplesmente porque não deseje estar sem ti o resto da semana. Em Londres correria mais perigo. Aqui, eu poderei te proteger. Penelope dormirá em sua habitação pelas noites e fechará sempre a porta com chave.

Seguimos sem ter idéia de quem pode ser —se lamentou ela—. Não consegui averiguar nada ontem, além de algumas intrigas sobre gente a que logo que conheço.

Eu tampouco tive muita sorte —disse Justin—. As moços de quadra não recordam ter selado nenhum cavalo antes que o teu. De modo que nosso homem selou seu cavalo por sua conta. Ao parecer, quase todos os homens da casa saíram a cavalgar no díade ontem. Mas vou deter esse individuo.Tengo um plano.   

—Qual? —Marianne se girou para ele, sentindo certa esperança.

—Tenderemo-lhe uma armadilha e, quando cair nela, apanharemo-lo. Para isso, farei-me passar por ti.

Marianne se pôs-se a rir. Justin a olhou indignado, o qual fez que ela se riera ainda mais.

—Sinto muito. Mas é que, Justin... como vais fazer te passar por mim? Foi mais alto que eu e muito largo de ombros. Nenhum de meus vestidos te caberá.

—Não seja absurda —disse Justin com grande dignidade—. Me porei um vestido de lady Buckminster. É muito mais corpulenta que você, e dá igual a seja mais baixa que eu, porque não me verão as pernas, Y... deixa de rir ! —ele mesmo teve que fazer um esforço para não sorrir, embora finalmente se rendeu e prorrompeu em gargalhadas.

Quando ambos se acalmaram, Justin prosseguiu.

—Bucky e eu o planejamos tudo. Faremo-lo a noite do baile. Haverá uma sessão de foguetes sobre o lago, de maneira que todos os convidados sairão a terraço para vê-lo. Suponhamos que o assassino te esteja vigiando. Você te afastará do grupo para dar um passeio e te internará no jardim. E agora vem o mais importante. Levará um xale e um adorno no cabelo, uma coroa de jóias ou de flores, algo que chame a atenção. Porá-se a andar pelo caminho para a pracinha das rosas. Para essa noite, todos os hóspedes saberão quanto você gosta de te sentar ali. Nicola e Penelope nos ajudarão.

—Teremos que lhes contar toda a história, verdade?

—Não vejo por que não. Elas não são suspeitas.

—Não.

—Como ia dizendo, dirigirá-te para a pracinha das rosas e eu estarei esperando, escondido detrás de um maciço de flores próximo, com um vestido da mesma cor que o tua e uma peruca. Você me passará o xale rapidamente e eu me jogarei isso sobre os ombros. A mudança será rápida e, ocultos detrás dos arbustos e as flores, ele não nos verá. Continuando, eu me sentarei na pracinha enquanto você chá fica à parte com o Bucky. Quando nosso homem dobro ele curva da pracinha, verá uma figura de mulher sentada de costas a ele. Na escuridão, resultará fácil enganá-lo.

—E então te atacará —disse Marianne—. O que fará para que não chá mate?

—Crie que não sei me defender?

—Não se te dispara com uma pistola pelas costas.

—Não fará tal coisa, porque então não pareceria um suicídio ou um acidente. Além disso, acreditará que sou uma mulher e, portanto, mais fraco que ele. Tentará me golpear, me estrangular ou algo pelo estilo, e eu poderei reduzi-lo. Em qualquer caso, Bucky estará perto se por acaso necessito sua ajuda.

—Deveria ser eu a que se sentasse na pracinha. Bucky e você lhes esconderiam perto e poderiam capturá-lo quando tentasse me atacar.

—Crie que seria capaz de permanecer escondido detrás de um arbusto enquanto você corre todo o perigo?

—É para mim a quem estão tentando assassinar. Não tem por que arriscar sua vida.

—Ao contrário. Tenho muitas razões.

Marianne enrugou a frente.

—Não quero que lhe machuquem por minha culpa.

Justin sorriu e, apesar de que se achavam perto da casa, estreitou-a entre seus braços.

—É muito amável ao preocupar-se, mas te asseguro que não é necessário. Não serei eu quem sai machucado.

—Mas pode que esse homem se dê conta. Não acredito que te confunda com uma mulher, até na escuridão da noite.

—Não permitirei que te arrisque —disse Justin tajantemente—. E não se fale mais. Quão único deve decidir, querida, é se for nos ajudar ou não.

—Pois claro que lhes ajudarei —respondeu Marianne irritada—. Não posso me negar. Mas, advirto-lhe isso, como te passo algo...

—Poderá me arreganhar quanto queira —prometeu Justin, tomando sua mão e aproximando-lhe aos lábios.

O plano discorreu mais ou menos como Justin tinha previsto. Aquela tarde, Marianne deu um passeio pelos jardins com o Justin e Bucky, que lhe mostraram o lugar exato onde teria lugar a mudança. Do mesmo modo, confiaram o plano a Nicola e Penelope, e Nicola tirou colação, enquanto falava com o grupo de hóspedes mais nutrido que pôde encontrar, o carinho que Marianne lhe tinha à pracinha das rosas. Durante o resto do dia, Marianne esteve acompanhada pelo Justin ou Bucky em todo momento, e mais tarde Nicola e Penelope se reuniram com ela em sua habitação para vestir-se para o baile.

Enquanto se vestiam, Penelope falou das cuidados que lorde Buckminster estavam tendo com ela. Ruborizada, contou como lhe tinha tomado a mão enquanto davam um passeio aquela tarde. Marianne sorriu e fez o que pôde por participar da conversação, apesar dos nervos que atendiam seu estômago.

ficou seu vestido mais elegante, um traje de noite de veludo verde esmeralda, e sei recolheu o cabelo em um elegante coque, rematando o penteado com um adorno de pérolas e diamantes de imitação. Por fim, quando se teve posto as luvas, as três baixaram ao salão de baile. Justin esperava ao Marianne ali, vestido com um elegante traje de etiqueta negro. Marianne pôde ver a excitação que brilhava em seus olhos enquanto a tirava dançar a primeira peça e, mais tarde, uma valsa. Não obstante, por questões de etiqueta, ela teve que conceder outros dance a outros cavalheiros.

Marianne teve que conversar com outros convidados sem delatar seus estado de nervos. Para piorar as coisas, Cecilia Winborne não deixava de olhá-la com olhos carregados de veneno.

—Arrumado a que Cecilia é a vilã —disse Nicola em voz baixa—. Se houver alguém capaz de cometer um assassinato, é ela. Deborah diz que esteve jogando estes faíscas dois últimos dias.

Nicola tinha visitado sua irmã, lady Exmoor, em duas ocasiões, e Deborah tinha ido ao baile aquela noite. Embora sua figura seguia sendo esbelta, Nicola insinuou que se achava na primeira fase de um embaraço. Era seu terceiro intento de ter descendência, depois de dois abortos, e tinha um aspecto doentio, seu semblante pálido como a cera.

—Sei que ele a obrigou a vir —disse Nicola—. Teria que haver ficado em casa, guardando cama. E não deveria seguir tentando ter filhos. Mas, naturalmente, Richard não quer ficar sem um herdeiro.

Marianne tomou a mão da Nicola, percebendo sua angústia.

—Possivelmente esta vez todo vá melhor.

—Obrigado. Isso espero. Deborah me pediu que lhe faça companhia durante estes meses. Tinha jurado não voltar a pisar nessa casa —Nicola se encolheu de ombros—, mas o farei por ela.

—Sei que sente antipatia com o Conde.

—É algo mais que antipatia —respondeu Nicola amargamente—. Matou ao homem que eu amava e jamais o perdoarei.

Marianne ficou olhando-a, assombrada.

—Nicola! Quer dizer que o assassinou? Nicola se encolheu de ombros.

—Não sei. Richard estava furioso com ele e tiveram uma briga. Disse que tinha sido um acidente. É possível, não sei. Mas eu o perdi igualmente.

—Sinto-o —disse Marianne—. Com razão te desgostou tanto que sua irmã se casasse com ele.

Nicola lhe apertou a mão.

—Obrigado. Sabe que jamais o havia dito a ninguém? Nem sequer ao Penny —seus olhos se desviaram para outro ponto do salão—. A propósito do Penelope, note nisso. Parece que Penny não cabe em si de gozo.

Marianne seguiu a direção de seu olhar e viu seu amiga, que passeava do braço de lorde Buckminster com expressão de radiante felicidade. Conforme se aproximavam delas, Bucky se separou do Penelope com evidente desinteressa, lhe beijando cortesmente a mão enluvada. Acontinuación, Penelope se girou para dirigir-se para seus amigas. 

—Estão vendo a futura lady Buckminster —lhes sussurrou.

—Como!

—Fala a sério, Penny? Pediu-te que te case com ele?

Falavam em excitados sussurros, conscientes de quão ouvidos as rodeavam. Nicola tomou ao Penelope da mão e a conduziu a um rincão afastado.

—Conta-nos o tudo.

—Enquanto passeávamos pelo jardim, pediu-me que me casasse com ele. Disse que me ama.

—Isso é maravilhoso — Marianne abraçou ao Penelope —. Vos desejo toda a felicidade do mundo.

—Jamais lhe poderei agradecer isso o bastante — disse Penelope.

—Bobagens. Antes ou depois, Bucky se teria dado conta de seu amor por ti. Solo lhe demos um empurrãozinho.

Mais tarde, pouco antes da meia-noite, lady Buckminster interrompeu à orquestra e pediu a todos quão convidados saíssem a terraço. Imediatamente, Marianne se situou junto às escadas que descendiam até o jardim, apoiando-se em uma das colunas. jogou-se o xale cor nata sobre os ombros, para proteger do relento da noite. Não viu sinal alguma do Justin ou Bucky; deviam estar já nos lugares acordados. Finalmente, quando se ouviu o primeiro estalo dos foguetes e os convidados exclamavam deleitados ante a chuva de luzes que cobriu o lago, Marianne ficou em marcha e baixou ao jardim, sem apressar-se. Quando teve perdido de vista a terraço, apertou o passo, embora não em excesso. Devia dar a impressão de estar passeando e desfrutando dos fogos e da noite perfumada pelas rosas.

Uns metros mais adiante, viu o arbusto onde, em teoria, Justin estaria esperando-a. Com passo firme, aproximou-se do arbusto e o rodeou, suspirando aliviada ao comprovar que ele estava em seu posto, com seus largos ombros embutidos em um vestido de mulher que apenas chegava aos tornozelos e uma inadequada peruca na cabeça.

Marianne lhe aconteceu o adorno de pérolas e o xale rapidamente. Continuando, Bucky, que se encontrava detrás do Justin, agarrou-a pela mão e a levou até uns arbustos próximos. Uma vez escondidos, viram como Justin avançava até a pracinha das rosas e se sentava no pequeno banco, de costas ao atalho.

Ao cabo de poucos minutos, movendo-se rapidamente pelo caminho, apareceu a figura de um homem. deteve-se um instante, olhando as costas do Justin, e logo avançou. Marianne apertou os punhos e aguardou em tensão, esperando que Justin tivesse reparado na chegada do nome. Ouviu como, depois dela, a respiração do Bucky se acelerava.

Justin tinha percebido, em efeito, o ruído de passos no atalho de cascalho e girou a cabeça para o lado oposto, para que sua presa não vislumbrasse seus rasgos masculinos enquanto entrava na pracinha.

— Senhora Cotterwood —disse o homem aproximando-se, e Justin se voltou rapidamente para ele, lhe apontando com a pistola que tinha tido oculta no regaço.

O homem se deteve bruscamente e emitiu um ofego afogado. ficou olhando ao Justin, surpreso, e uma expressão de medo se apropriou de seu semblante.

Winborne! —exclamou Justin—. É você?

Winborne! —repetiram Marianne e Bucky ao uníssono enquanto saíam de seu esconderijo e se apressavam para a pracinha.

Justin se levantou rapidamente e tentou agarrar ao Winborne, mas este retrocedeu com um ágil salto e fugiu pelo atalho. Justin saiu correndo atrás dele, pistola em mão, elevando-a saia para que não obstaculizasse sua carreira. Lorde Buckminster foi atrás deles, seguido pelo Marianne. Ambos gritavam ao Winborne que se detivesse, e o próprio Winborne começou a gritar também, como pedindo socorro.

Na terraço, uma vez concluídos os foguetes, os convidados desviaram sua atenção para a estranha perseguição que tinha lugar no jardim. Winborne tinha dobrado uma das esquinas da casa, dirigindo-se por volta de e.1 caminho principal. Mas Justin, soltando tanto a pistola como a saia do vestido, saltou sobre ele e o atirou ao chão. Em poucos segundos, Buckminster chegou até eles e começou a atirar do Justin, que permanecia ahorcajado sobre o Winborne, lhe dando murros.

O ar noturno lhes fez chegar com claridade a voz de lorde Chesfield da terraço.

—Caray, por que estará Lambeth lhe pegando ao Fanshaw?

O que eu gostaria de saber é por que tem posto um vestido de mulher —foi a réplica do senhor Westerton.

Marianne se deteve nos limites do jardim para recuperar o fôlego, com o olhar posto na cena. Nesse momento, um braço lhe rodeou a cintura e a elevou em velo, ao tempo que uma mão de homem lhe tampava a boca.

—É você uma mulher difícil de caçar, senhorita Chilton —grunhiu o homem enquanto a arrastava de novo para o jardim.

 

Equivocaram-se de homem! Mariarnne lutou contra seu agressor, esperneando e debatendo-se furiosamente. Justin e Bucky ficariam a discutir com o irmão da Cecilia, enquanto o verdadeiro agressor se desfazia dela!

O homem grunhiu ao sentir uma patada na tíbia e Marianne aproveitou a oportunidade para lhe dar uma dentada no polegar. Amaldiçoando, o agressor retirou a mão e Marianne proferiu um grito.

Justin se girou rapidamente e viu o que estava acontecendo. Com um brilho de compreensão no semblante, soltou a lapela do Fanshaw Winborne.

—Fuquay!

Começou a avançar para o Marianne e Reginald Fuquay, mas este tirou uma pequena pistola e a aproximou da têmpora dela. Justin se deteve imediatamente.

—Que diabos está fazendo, Fuquay? — perguntou—. Não piore ainda mais sua situação. Solte a arma.

É certo —disse Marianne — . Todo mundo, viu-o.

Quero um cavalo —disse Fuquay ao Justin—. A deixarei livre em troca do melhor cavalo de lorde Buckminster.

—É obvio —assentiu Bucky—. Lhe darei meu próprio cavalo — se girou e gritou uma ordem a um dos criados, que tinham saído da cozinha e contemplavam a cena estupefatos. O criado correu para as quadras enquanto Justin dava dois passos para o Marianne.

—Alto! Não se aproxime mais, a menos que deseje vê-la morta.

Justin levantou ambas as mãos em um gesto apaziguador.

—Não pretendo lhe fazer nada. Solo quero falar com você. Aonde pensa ir, Fuquay? Deseja converter-se em um fugitivo e fugir da lei? Ninguém resultou machucado ainda. Possivelmente possamos chegar a um acordo. Ao fim e ao cabo, não queremos que estale um escândalo. por que não solta a pistola? nos diga por que atentou contra a vida da senhora Cotterwood.

—OH, Deus! —gritou Fuquay quase soluçando—. De todas formas, já estou acabado.

—Ainda não —lhe assegurou Justin—. Se deixar essa pistola, poderemos falar. Mas como machuco ao Marianne, não descansarei até vê-lo enforcado. Pense em seus pais, em sua família. lhes economize tal humilhação!

Fuquay emitiu um som inarticulado. Marianne notou como afrouxava sua tenaz e depunha a pistola.

De repente, ouviu-se uma detonação e um estalo de luz iluminou a terraço. Fuquay proferiu um grito e soltou ao Marianne conforme se derrubava no chão. Marianne chiou e correu para o Justin, que imediatamente tomou entre seus braços. Permaneceram abraços uns segundos antes de voltar-se para o Fuquay, que permanecia desabado no chão, com o rosto coberto de sangue.

—OH, Deus —murmurou Marianne, sentindo que lhe revolvia o estômago.

—Espera aqui —lhe disse Justin antes de aproximar-se do Fuquay para tomar o pulso.

Marianne o seguiu.

—Está...?

—morreu —respondeu Justin em tom grave. A seguir se incorporou e se girou haciala terraço.

O conde do Exmoor avançava para eles, com uma pistola na mão. Justin apertou os punhos, enfurecido.

—por que demônios lhe disparou? Pôde haver dado ao Marianne!

—Tolices. Tinha-o a tiro e minha pontaria é excelente. A senhora Cotterwood não correu perigo em nenhum momento —respondeu Exmoor com frieza—. Por isso lhe apontei à cabeça, para não lhe dar a ela. Uma lástima.

—Uma lástima? Isso é o único que lhe ocorre dizer? Por Deus santo, acaba de matar a um homem.

—A um homem que estava a ponto de lhe disparar a uma mulher desarmada.

—Não —protestou Marianne—. ia soltar me. Justin o tinha convencido.

—Agora nunca saberemos por que a atacou! —Justin proferiu uma maldição.

—Não. E o lamento muito —disse Exmoor enquanto se aproximava para jogar uma fria olhada ao Fuquay—. De ter tido mais luz, teria podido feri-lo simplesmente. Mas decidi não correr o risco. É estranho que a agredisse dessa maneira. Imagino que alguns homens são incapazes de reprimir sua luxúria. Fez muitas loucuras em sua juventude, mas parecia ter sentado a cabeça.

—Não foi por luxúria —disse Justin tajantemente, ainda furioso—. Já tinha tentado assassiná-la antes e não sabemos por que razão.

—Assassiná-la! —exclamou Exmoor com ar surpreso—. Que estranho. Enfim! Suponho que devem me dar as obrigado por ter abortado seu intento —olhou inquisitivamente ao Marianne—. Assim não sabem por que o fez?

—Não.

—Conhecia-o você, senhora Cotterwood? —inquiriu Exmoor.

—Não. Jamais o tinha visto antes de vir aqui.

—Que estranho.

—Querida minha — lady Buckminster sei aproximou pressurosa ao Marianne, seguida do Penelope e Nicola—. Que experiência tão horrível — disse abraçando-a—. Deve entrar na casa e descansar um pouco. Tom, que é o magistrado, ocupará-se do assunto.

Enquanto os homens ficavam fora, a maioria das mulheres se reuniram na sala de estar. Falaram pouco, aturdidas como estavam pelos sucessos da noite.

—Não o compreendo —disse ao fim a senhora Thurston com lágrimas nos olhos—. O senhor Fuquay foi sempre um homem muito bom e amável. por que faria algo semelhante?

—Não sei —disse Marianne, notando que todas as olhadas se centravam nela—. Não me disse isso. Eu apenas o conhecia!

—Deveu voltar-se louco —declarou Sophronia Merridale—. por que, se não, ia comportar se de uma maneira tão estranha?

—Mas era tão sensato, cordato e trabalhador... —disse a senhora Thurston—. Embora ultimamente o via mais calado e pensativo, é certo.

—Estou segura de que a senhora Cotterwood sabe por que —disse Cecilia Winborne em tom venenoso, levantando-se e cravando o olhar no Marianne—. Aqui há gato encerrado.

Cecilia! —exclamou lady Buckminster—. Como pode dizer uma coisa assim?

É certo! Essa mulher nos oculta algo. Não há mais que vê-la —Cecilia assinalou com o dedo ao Marianne.

—Não seja mal educada —disse lady Buckminster a Cecilia com severidade.

—Só digo a verdade. É uma impostora!

Marianne sentiu uma repentina sensação de náuseas e esteve segura de que a cor tinha desaparecido de suas bochechas. Leriam a expressão de culpabilidade em seu rosto?

—Hoje falei com a esposa do magistrado —prosseguiu Cecilia—. É do Yorkshire. Concretamente, da zona em que a senhora Cotterwood afirma haver-se criado. Tanto ela como seu defunto marido. A senhora Halsey nunca tinha ouvido falar dos Morely ou os Cotterwood. Está claro que está fazendo-se passar por uma dama. Ou seja quem é em realidade ou de onde procede! Não me surpreenderia que tivesse tido uma relação anterior com o senhor Fuquay.

Todas ficaram olhando a Cecilia em atônito silêncio. Ao Marianne não lhe ocorreu nada que dizer. Seu cérebro parecia estar paralisado. depois daquilo, todos a olhariam com desprezo e repugnância, inclusive Nicola e Penelope. Teria que ir-se da casa envergonhada.

Mas, então, ouviu que Nicola dizia com calma:

—Por favor, Cecilia... que dramática. Como queria que reagisse a pobre garota quando a submeteu a semelhante interrogatório? Francamente, parecia um juiz. «Onde nasceu? Quais foram seus pais? Onde vivia seu marido?». Eu também te teria mentido se me tivesse interrogado desse modo.

—Mas... mas... —balbuciou Cecilia, confundida—. Não é o mesmo. te conheço.

—E eu conheço o Marianne —respondeu Nicola levantando-se—. Sua família mantém uma boa amizade com minha tia no East Anglia.

—Isso não é verdade! —replicou Cecilia airadamente—. Não sei por que a defende, mas sim sei que não a conhecia com antecedência. É uma farsante!

—Está-me chamando mentirosa? —repôs Nicola arqueando uma sobrancelha.

O semblante da Cecilia se crispou.

—A ti não, a ela! —vociferou assinalando ao Marianne—. Lhes enganou a todos.

Nesse momento, uma voz de homem falou da porta.

—Tome cuidado com o que diz, Cecilia. Pode que sofra a humilhação de ter que te tragar suas palavras.

Todos se giraram para a porta, onde permanecia Justin, com o ombro despreocupadamente apoiado no marco de madeira. Sei endireitou e entrou na sala.

—Não tolero esse tipo de infâmias quando estão dirigidas a que vai ser minha esposa.

Na estadia se fez um silêncio de ultratumba. Todas as mulheres, incluída Marianne, ficaram olhando ao Justin com absoluta perplexidade.

—Não... não pode falar a sério! —ofegou Cecilia.

Justin arqueou uma sobrancelha enquanto cruzava a sala.

—Já lhe adverti isso a outra noite —se deteve junto ao Marianne e a olhou—. Te encontra bem, querida?

Marianne assentiu, sem fala.

—O magistrado deseja falar contigo. Vê-te capaz?   

—Sim. Certamente.

—Bem. Com sua permissão, senhoras... —Justin sorriu às pressente enquanto oferecia o braço ao Marianne.

A sala seguiu em silêncio até que tiveram saído pela porta; continuando, as mulheres começaram a tagarelar. Justin sorriu.

—Parece armamos um grande revôo.

—Justin! por que há dito semelhante coisa? —ofegou Marianne.

Justin ficou olhando-a. Ele mesmo estava um pouco surpreso. Não tinha pensado em casar-se com o Marianne até que entrou na sala e ouviu como Cecilia a desprezava. Tinha atuado movido por uma súbita e ino-pinada rabia. Mas agora, ao olhá-la, compreendeu que seu desejo de casar-se com ela era sincero e que desejava manter sua palavra.

—Que explicação dará quando virem que não nos casamos? —prosseguiu Marianne.

—Quem há dito que não vamos casar nos? —respondeu ele.

Marianne se deteve e o olhou com assombro.

—Está de brincadeira!

—Jamais brincaria tratando-se de algo assim — respondeu Justin.

—Mas é impossível! Ele arqueou uma sobrancelha.

—Está dizendo que rehúsas te casar comigo?

—Não, claro que não —respondeu Marianne com sinceridade. O certo era que o amava; tinha-o sabido desde que estiveram juntos na mina.

—Então, assunto resolvido —Justin sorriu enquanto alargava a mão para abrir a porta principal.

—Não, não está resolvido —Marianne lhe agarrou o braço. Sabia que seria ruim por sua parte aceitar a proposta do Justin. Olhou a seu redor e atirou dele até a sala de música, que estava vazia— Não pode te casar comigo! Sabe tão bem como eu que o futuro duque do Storbridge não pode tomar por algema a uma dom ninguém. A uma benjamima!

—Estou de acordo em que não poderemos dizer nada a respeito de sua ocupação atual —disse Justin—. E possivelmente terei que lhe buscar a sua «família» outras maneiras menos delitivas de ganhar dinheiro.

—necessitaria-se muito mais que isso para fazer de mim uma mulher respeitável, e sabe. A verdade acabará sabendo-se. Alguém, certamente Cecilia, indagará sobre meu passado e descobrirá que fui uma simples criada. Será sua perdição!

—Duvido-o.

—Suporá uma mancha na reputação de sua família. Seus pais...

—Faço o que quero —disse Justin em tom cortante—. Meus pais não decidem por mim.

—Mas por que? — inquiriu Marianne quase desesperadamente—. Não está obrigado A...

—Já sei que não estou obrigado. Mas, quando ouvi a Cecilia te acusar dessa maneira, soube que não podia permitir que te visse exposta a tais comentários. Não quero que a gente murmure de ti, especulando se for minha querida.

—OH, Justin! —com os olhos cheios de lágrimas, Marianne lhe rodeou a cintura com os braços—. Que bom é.

Ele sorriu, inclinando-se para posar um suave beijo em seu cabelo.

—Suspeito que há quem não pensa assim.

—Pois se equivocam —disse Marianne ao tempo que ficava nas pontas dos pés para lhe dar um beijo nos lábios—. Te quero.

Justin emitiu um som inarticulado antes de fundir seus lábios com os dela. Ao cabo de uns segundos, soltou-a e deu um passo atrás.

—Como seguimos, não poderá falar com o magistrado. E nos está esperando.

Marianne assentiu. Não podia permitir que Justin fizesse semelhante sacrifício por ela. Mas tinha razão. De momento, tinham que falar com o magistrado. Mais tarde, já pensaria no que devia fazer.

Em realidade, o interrogatório durou muito pouco, pois Marianne tinha poucas respostas que oferecer. Não, logo que conhecia aquele homem. Não, não tinha idéia de por que tinha tentado lhe fazer danifico.

—Lamento não poder ajudá-lo mais —sei desculpou.

Halsey lhe sorriu com benevolência e lhe deu um tapinha nas costas.

—Tranqüila, querida, tranqüila. É óbvio que esse homem estava louco. Não tem por que preocupar-se.

—Oxalá soubéssemos por que... —Justin se interrompeu, fazendo uma careta—. Supongoque não se pode censurar ao Exmoor sua conduta. De ter tido uma pistola naquele momento, provavelmente eu também teria feito o mesmo.

Uma vez concluída a entrevista, Marianne deixou ao Justin com o magistrado e subiu a sua habitação. Tinha muito em que pensar.

Justin seria muito desgraçado se se casava com ela. Era um homem orgulhoso e seu orgulho se veria destruído se outros descobriam que se casou com uma mulher de humilde berço. Sua família iria às nuvens. E sobre seu nome cairia uma mancha impossível de apagar.

Marianne desejava, mais que nada no mundo, ser sua esposa. Tinha-a cheio gozo o fato de que Justin queria proteger a dos falatórios. Mas não havia dito que a amasse. E ela não podia permitir que atirasse sua vida pela amurada simplesmente para salvar sua reputação.

Não podia casar-se com ele.

Voltaria para casa. Sentiu que seu coração sei enchia de amor ao pensar em reunir-se de novo com sua filha. Rosalind a ajudaria a superar a dor. Marianne deixaria a classe de vida que tinha levado até então e se iria com sua filha a outra cidade... Manchester, Leeds ou outra metrópole florescente onde houvesse «novos ricos» dispostos a costear-se lições de dicção e conduta.

Justin se zangaria ao princípio, certamente. Possivelmente inclusive tentará segui-la e convencer a de que trocasse de opinião. Mas, com um pouco de sorte, Marianne conseguiria escapar. E, com o tempo, ele se alegraria de que ela não tivesse aceito sua proposição.

Marianne se enxugou as lágrimas e procedeu a pôr em prática seu plano. Foi à habitação de lady Buckminster e a encontrou ainda levantada, de modo que lhe contou a história que tinha pensado de antemão. Estava tão alterada pelos sucessos daquela noite, que tinha decidido voltar para casa a primeira hora da manhã. Solicitou a carruagem de lady Buckminster para poder ir à estalagem do povo, onde tomaria um carro que a levasse até Londres.

Continuando, depois de retornar a sua habitação, fez a bagagem e escreveu caminhos nota de agradecimento para a Nicola e Penelope. Finalmente, incapaz de pospô-lo por mais tempo, procedeu a escrever uma nota dirigida ao Justin. Derramou cuantiosas lágrimas enquanto a escrevia, mas se obrigou a terminá-la.

Tinha acabado selar as notas quando ouviu que chamavam brandamente à porta. Surpreendida, guardou as cartas em uma gaveta e foi abrir a porta. Era Justin.

Marianne abriu os olhos de par em par, surpreendida, mas se apartou rapidamente para deixá-lo entrar.

—Todos estão deitados —disse ele—. Mas eu não podia dormir —alargou a mão para tomar uma de suas mechas e começou a brincar com ele—. Me tinha proposto não me arriscar a vir aqui esta noite. Acreditei que poderia esperar até o dia das bodas — seus lábios se curvaram sensualmente—. Mas estava equivocado.

inclinou-se para beijá-la, lenta e brandamente. Marianne permaneceu rígida um momento, mas depois se rendeu. Entesouraria aquela noite como uma prezado lembrança, disse-se. Era o menos que se merecia, dado que ia renunciar a uma vida inteira com ele.

Justin elevou a cabeça e a olhou inquisitivamente.

—estiveste chorando?

Marianne assentiu. Deveu supor que repararia em seus olhos avermelhados.

—Pobre menina. Não sente saudades, com tudo o que aconteceu esta noite —Justin a embalou entre seus braços.

Marianne emitiu um suspiro de alívio e se recostou em seu peito.

—Vêem, deixa que cuide de ti —prosseguiu enquanto lhe soltava o cabelo, que caiu brandamente sobre seus ombros. Justin agarrou a escova e procedeu a escová-lo com cuidado. Marianne fechou os olhos, recreando-se na sutil e prazenteira sensação.

Finalmente, Justin lhe tirou o vestido e a tombou na cama para lhe dar uma agradável massagem nos pés. Quando teve terminado, Marianne ardia de desejo.

— me faça o amor —murmurou deslizando as mãos por seus braços, até o peito de seu amante.

Justin sorriu e a beijou.

—Farei-lhe isso, pode estar segura. Mas antes...

Procedeu a lhe tirar a roupa interior ao tempo que a acariciava e seguia beijando-a para acrescentar seu desejo. Fez-lhe o amor com a boca, lhe beijando os seios e o ventre e descendendo até o núcleo de sua paixão. Inflamou-a de paixão servindo-se da língua, e Marianne gemeu e se retorceu, cravando as unhas nos lençóis.

Finalmente, Justin se incorporou para despir-se e logo se situou entre suas pernas. Elevando as nádegas, deslizou-se dentro dela, enchendo-a, e Marianne fechou as pernas em torno dele. Justin empurrou e se retirou, empurrou e se retirou, até que ela começou a convulsionar-se de prazer. Ele emitiu um áspero ofego e se estremeceu ao tempo que vertia sua semente no Marianne. Ela o envolveu depois com seus braços, aferrando-se a ele com todas suas forças, enquanto as lágrimas se deslizavam de seus olhos em silêncio.

Justin partiu da habitação do Marianne muito de amanhã. Assim que a porta se fechou, ela se incorporou na cama. Não tinha dormido em toda a noite. Tinha jazido acordada, ouvindo-o respirar e sentindo os firmes batimentos do coração de seu coração. Não tinha querido perder-se nem um só momento daquela noite com ele. A lembrança teria que lhe bastar para o resto da vida.

Marianne se levantou e, depois de lavar-se, ficou rapidamente um vestido de viagem e uma jaqueta ligeira que a protegesse do pó do caminho. Continuando, chamou à donzela, que lhe disse que lady Buckminster já tinha ordenado que lhe preparassem a carruagem. A donzela retornou à cozinha para lhe levar um café da manhã ligeiro consistente em chá e torradas. Pouco depois, um dos criados apareceu para baixar sua bagagem.

Marianne entregou as cartas à donzela, lhe pedindo que as entregasse a seus destinatários aquele mesmo dia. Esperava que Justin sei levantasse tarde e não reparasse em sua ausência até várias horas depois.

O sol logo que começava a despontar quando Marianne saiu da casa e subiu na carruagem. Com os olhos alagados de lágrimas, girou-se para contemplar a casa conforme se afastavam.

A viagem até o povo durou uma meia hora e, para então, o pranto do Marianne já se aplacou. O chofer levou a bagagem à estalagem enquanto ela perguntava pelo seguinte carro com destino a Londres. Demoraria algo menos de meia hora em passar, de modo que Marianne saiu ao jardim a dar um passeio.

Uma enorme e luxuosa carruagem passou por diante da estalagem, sem deter-se, mas o cavaleiro que o seguia a cavalo sim se parou. desembarcou da arreios com evidente alívio e gritou solicitando uma moço de quadra.

—Vá, perdeu uma ferradura —sei queixou—. Terá que voltar a ficar a em seguida.

A moço de quadra explicou que o ferreiro estava atarefado com outros encargos prévios, e os dois estiveram conversando uns minutos. O cavaleiro se tirou o chapéu para enxugar o suor da frente e Marianne conteve o fôlego.

Era o mesmo homem que tinha estado rondando sua casa... o mesmo que interrogou ao Rosalind e à donzela no parque!

Marianne retrocedeu rapidamente para a estalagem. De uma das janelas, observou ao casal, procurando que o homem não a visse. Quem era? Tinha-a seguido até ali?

Parecia muita coincidência que tivesse aparecido naquele povo precisamente quando ela se achava de visita em uma casa situada a poucas milhas. Devia havertirado a informação ao Rosalind ou a algum dos outros. dirigiria-se ao imóvel dos Buckminster? Marianne não sabia o que queria, mas suspeitava que não devia ser nada bom. Possivelmente inclusive era cúmplice do Fuquay.

Marianne viu como o homem se afastava com a moço para a oficina do ferreiro, atirando do cavalo, e aproveitou para tentar escapar. Saiu da estalagem e enfiou a rua em direção oposta. Logo que tinha percorrido uns metros quando ouviu que alguém a chamava em voz alta.

—Espere! Alto!

girou-se e viu o homem, que se achava na porta do ferreiro, olhando-a. Marianne apertou o passo.

—Senhora Cotterwood! Espere! —gritou o homem.

Marianne ouviu um ruído de passos atrás dela, de modo que se recolheu a saia e pôs-se a correr como alma que leva o diabo até que chegou a um beco. Viu um tablón atirado no chão e se agachou rapidamente para recolhê-lo. Logo, situando-se na entrada do beco, esperou, escutando os apressados passos de seu perseguidor. O homem se deteve, entrou no beco e Marianne aproveitou para lhe golpear com o tablón em pleno estômago.

Seu perseguidor se encurvou, sem respiração, e retrocedeu cambaleando-se. Marianne lhe atirou um segundo golpe nas costas, fazendo que se desabasse no chão. Logo elevou o olhar e viu um homem em um lando, situado a poucos metros. Tinha detido seu veículo e a observava com interesse. Arqueou as sobrancelhas ao reconhecê-la.

Senhora Cotterwood!

Lorde Exmoor! —ao Marianne não caía bem aquele homem, mas, naquele momento, lepareció um presente cansado do céu. Saltando sobre o homem ao que acabava de golpear, correu para o lado—. Por favor, tem que me ajudar! É questão de vida ou morte.

—Cada vez que a vejo, senhora Cotterwood, alguém a está agredindo. Leva você uma vida muito atípica.

—Normalmente não é assim, o asseguro — respondeu Marianne sem fôlego, lhe tendendo a mão—. Quererá me ajudar?

—Como não — Exmoor tomou a mão e a ajudou a subir—. Intuo que deseja afastar-se desse homem. Levo-a de volta ao imóvel dos Buckminster?

— Não! —Marianne olhou aterrada ao homem, que tinha começado a levantar-se com dificuldade—. OH, céus. Pensava tomar um carro até Londres. Mas agora, com esse homem aí, será impossível.

—É um problema, sim —conveio Exmoor—. Lhe direi o que faremos. Levarei-a pessoalmente até o Exeter. Ali poderá tomar um carro mais facilmente.

—Quererá fazê-lo? —Marianne o olhou esperançada. Não lhe agradava a idéia de passar várias horas a sós com ele, mas tinha que escapar de seu perseguidor e estava decidida a não voltar com o Justin.

—Certamente. Sempre me satisfaz ajudar a uma dama em apuros —Exmoor lhe sorriu com frieza e tocou aos cavalos em direção ao Exeter.

O outro homem agitou os braços, lhes gritando que se detiveram, mas o lando passou rapidamente de comprimento.

Marianne se girou no assento. O homem corria atrás deles, amaldiçoando e agitando o punho. Foi um intento inútil, é obvio, pois não demoraram para deixá-lo atrás. O veículo do Exmoor saiu do povo e enfiou a estrada que levava ao Exeter.

 

Ao cabo de uns minutos, Exmoor diminuiu o passo e olhou de soslaio a seu acompanhante.

Quem era esse tipo? —perguntou.

Não sei —admitiu Marianne. O Conde arqueou uma sobrancelha.—Então, por que ia detrás de você?—Tampouco sei —Marianne suspirou—. Minha vida se tornou muito... sente saudades ultimamente.

Tenho que lhe dar a razão. Dois misteriosos ataques no transcurso de dois dias. Não é normal.

Sei. Mas, francamente, ignoro por que esses homens foram detrás de mim. Suponho que haveria alguma relação entre eles, mas não sei qual. Nem sei por que alguém quereria me matar —Marianne o olhou—. Me crie?

Exmoor se encolheu de ombros.

—Sim. por que não ia acreditar a?

—Não sei. Ontem à noite tive a sensação de que todos pensavam que eu sabia algo e não queria revelá-lo.

—Possivelmente saiba algo, mas não é consciente disso ainda. Não lhe ocorreu tal possibilidade?

—Ou possivelmente pensem que sei algo que em realidade não sei. Acredito... acredito que pode estar relacionado com minha infância.

As mãos do Conde se esticaram sobre as rédeas.

—Sim? O que lhe faz pensar tal coisa?

—É a parte de minha vida que menos recordo. E esse homem... esteve indagando sobre mim faz tempo que.

—Sério?

— Sim. Foi ao lugar onde eu vivia quando era mais jovem. Por isso acredito que se trata de um pouco relacionado com essa época. Logo que recordo nada de minha infância.

—E não tentou recordar?

—OH, sim, mas as lembranças são muito turvas.

—Compreendo —Exmoor fez uma pausa e logo seguiu dizendo—: Possivelmente conheceu o Fuquay quando era uma menina?

Marianne negou com a cabeça.

—Se foi assim, não o recordo. Não me soava de nada. É tudo tão estranho... Suponho que nunca saberemos a resposta.

—Mmm, suponho que não. E por culpa desse homem está fugindo a Londres?

—Não estou fugindo —protestou Marianne, mas, ao ver que Exmoor arqueava uma sobrancelha, suspirou — . De acordo, sim, estou fugindo, mas não dele. Vi-o o chegar à estalagem para tomar o carro a Londres. Simplesmente... decidi não ficar mais tempo.

—Por seu incidente de ontem com o senhor Fuquay.

Marianne assentiu, considerando aquela desculpa tão boa como qualquer outra.

—O que fará quando chegar a Londres?

Não estou segura. Havia... havia pensadoen me transladar a outra cidade.

Seriamente? Mas como?

Tenho uma filha —Marianne sorriu ao pensar no Rosalind —. Acredito que seria conveniente para ela crescer em outra cidade mais pequena.

Possivelmente poderia retornar com seus pais —sugeriu Exmoor.

Marianne negou com a cabeça.

Não. Nenhum deles vive.

Lamento-o.

Prosseguiram a viagem em silêncio. Marianne tinha dor de cabeça a causa do pranto e a falta de sonho, e se sentia muito desgraçada.

De repente, o lando se deteve e Marianne ergueu a cabeça sobressaltada. Compreendeu que devia haver-se dormido. Piscou enquanto olhava a seu redor.

—por que nos detemos?

O Conde a olhou de esguelha.

—Estava pensando em tomar esse caminho — assinalou um atalho que se desviava do caminho principal—. Acredito que é um atalho ao Exeter.

Marianne se fixou no atalho, flanqueado de arbustos e árvores. Não tinha pinta de levar a nenhuma parte, e menos a uma cidade grande como Exeter.

—Sim? —inquiriu dubitativamente.

Exmoor emitiu uma risita.

— Sei que parece um caminho vicinal, mas desemboca em outro major.

Marianne sentiu uma estranha inquietação ante o olhar frio e atento do Exmoor. endireitou-se.

—Em realidade, não faz falta que me leve até o Exeter —lhe disse—. Poderei tomar um carro no povo mais próximo.

O Conde fez gesto de responder, mas um súbito ruído de cascos de cavalo no caminho chamou sua atenção, e se girou para olhar. Marianne também se voltou. Um homem a cavalo se aproximava deles e, ao vê-los, apertou o passo de suas arreios. Marianne notou que o coração lhe dava um tombo. Era Justin.

deteve-se junto a eles. Marianne viu que levava uma pistola no cinto.

—pode-se saber que diabos está fazendo, Exmoor? —grunhiu Justin — Também se dedica a seqüestrar jovencitas, entre outras vilanias?

—Meu estimado Lambeth —respondeu Exmoor com calma—, ofende-me você. Em realidade, resgatei à senhora Cotterwood.

Resgatado!

Sim, é certo —atravessou Marianne —. Um homem me estava perseguindo e lorde Exmoorme ajudou a escapar.

Deus santo, Marianne! Não posso te perder de vista nem um momento sem que alguém te ameace. Baixa daí —ordenou Justin—. vou levar te de volta ao imóvel.

—Não quero voltar. E não pode me obrigar. Justin enrugou a frente.

Maldição! Tão temível sou que teve que te escapulir da casa em plena noite para não te casar comigo? Tivesse bastado com que rechaçasse minha proposta.

Sabe muito bem que não se trata disso!— repôs Marianne acalorada.

Quão único sei é que despertou um alvoroço e, quando perguntar a lady Buckminster por ti, disse-me que te tinha partido antes do amanhecer.

—Deixei-te uma carta. Pedi-lhe à donzela que lhe entregasse isso mais tarde.

—Não teve tempo. E quero uma explicação. Se desejas ir, não te reterei. Mas antes, maldita seja, quero saber por que me rechaça—Justin olhou com rabia ao Conde—. Não necessito sua presença, Exmoor.

—Confesso que me sinto um pouco deslocado—comentou o Conde sarcásticamente—. Entretanto, não posso abandonar à senhora Cotterwood.

—Não, pode ir-se —disse Marianne — . Devo uma explicação ao Justin —oferecendo a mão ao Exmoor, acrescentou—: Lhe agradeço muitíssimo sua ajuda e lhe peço desculpas por lhe haver causado tantas moléstias.

—Sempre é um prazer ajudar a uma dama em apuros, senhora —disse Exmoor tomando a mão—. Se for o que deseja, deixarei-a em companhia de lorde Lambeth.

—Sim, será o melhor. Obrigado.

Exmoor a saudou tocando o chapéu e Marianne desembarcou do lando. Continuando, o Conde fez girar o veículo e se afastou pelo caminho.

Marianne se girou para o Justin.

—Muito bem —disse ele—. me Diga por que fugiste que mim.

—Não fugi que ti. Simplesmente, compreendi que devia partir. Assim não teria que te casar comigo. Nem Cecilia indagaria sobre mim para me desacreditar e fazer ficar como um bobo.

—Não tenho que me casar contigo —assinalou Justin—. Quero fazê-lo. Mas, evidentemente, esqueci te perguntar se você quer te casar comigo.

—Não é questão de que queira ou não. É obvio que quero.

—Pois não o parece por sua atitude.

—Não queria ter que discutir contigo! —exclamou Marianne — . Ontem à noite tentei te dizer por que não podemos nos casar, mas você não me escutou. Seria sua ruína! Sua família iria às nuvens. O que passaria quando todos soubessem que sua esposa não só não é de nobre berço, sinoque nem sequer conheceu seus pais?

—Crie que algo disso me importa?

Uma vez me disse que o matrimônio era para ti um dever. Que algum dia te casaria com uma mulher como Cecilia para ter herdeiros.

Maldita seja! Não me jogue em cara minhas próprias palavras! — Justin a agarrou por braço—. Sou muito consciente das tolices que hei dito no passado. Nunca tinha estado apaixonado. Mas agora o estou, e que me pendurem se renunciar à mulher que amo só para agradar a minha família ou à sociedade.

Marianne ficou olhando-o, repentinamente pálida. sentiu-se um pouco enjoada. —A mulher que amas?

—Sim, é obvio. por que, se não, ia pedir te que te casasse comigo?

—Pois para proteger minha reputação.

—Não queria que a gente murmurasse de ti, é obvio. Amo-te muito para isso.

Marianne se cambaleou.

Nunca... nunca me disse que me amava.

Por Deus bendito, não te deprima agora —Justin a rodeou com o braço para sustentá-la—.vais fazer ficar como um autêntico ogro.

Tomou em braços e a levou até um muro desço de pedra situado na margem do caminho. Depois de sentá-la no muro, ajoelhou-se diante dela e tomou a mão.

—Pois claro que te amo, tola. E me nego a passar o resto de minha vida sem ti por um pouco tão absurdo como o orgulho. Quão único fará que me afaste de ti é te ouvir dizer que não me quer.

Marianne emitiu uma risita, com os olhos debruados de lágrimas.

Sabe que nunca me ouvirá dizer tal cosa.Te amo mais que a nada no mundo.

Bem. Então, casará-te comigo?Promete que não voltará a escapar ?

—Sim —Marianne esboçou um radiante sorriso—. Me casarei contigo e nunca voltarei a escapar ! —rodeou-lhe o pescoço com os braços e ele a beijou.

Ao cabo de uns minutos, empreenderam o caminho de volta. Justin divisou ao longe a figura de um cavaleiro que cavalgava para eles.

—Vá —comentou — . É esse tipo. que me disse que caminho tinham tomado.

—Quem? —Marianne se endireitou e olhou para diante, entrecerrando os olhos—. Mas se for ele! O homem que me perseguiu!

—Como? Diz que te perseguiu?

—Sim. Lorde Exmoor me ajudou a escapar dele —Marianne explicou o acontecido na estalagem.

Conforme se aproximavam do cavaleiro, Justin se tirou a pistola do cinto. Logo deteve o cavalo e, depois de apear-se, apontou com a pistola ao outro homem. Este levantou ambas as mãos.

—Isso não é necessário! —exclamou—. Não pretendo lhes fazer nenhum dano.

—Desça do cavalo —ordenou Justin—. Quero lhe fazer umas quantas perguntas.

—Claro, claro —o homem sorriu e desembarcou do cavalo—. Lhe direi tudo o que queira saber. Como hei dito, não pretendo lhes fazer nada mau —olhou ao Marianne com gesto doído—. Não deveu me golpear com essa tabela, senhorita. Solo queria falar com você.

—Bom, agora tem a oportunidade de falar —disse Justin em tom grave—. Quem é você? Qual era sua relação com o Fuquay?

—Com quem?

Justin entreabriu os olhos.

—Recordo-lhe que a esta distância não posso errar o tiro. Assim, se não querer acabar com uma bala no joelho O...

—Não! Direi-lhe tudo o que sei. Não conheço nenhum Fuquay. Meu nome é Rob Garner, senhor. Sou detetive.

—Detetive? —disse Justin com desdém—. Espera que me cria isso? Um detetive que acossa à senhora Cotterwood como um caçador a sua presa?

—Sou detetive, senhor. O juro! E não acossei à senhora Cotterwood. Contrataram-me para procurá-la.

—Quem? —inquiriu Marianne desembarcando do cavalo e aproximando-se.

—A condessa do Exmoor.

—A condessa do Exmoor! —exclamou Justin assombrado ao tempo que depunha a pistola.

—Sim, senhor.

—A irmã da Nicola! —exclamou Marianne—. por que ia querer me fazer danifico? Se apenas a conhecer.

—Estou falando da condessa Dowager, senhorita, e ela não deseja lhe fazer danifico, nem muito menos. Nem eu tampouco. Solo queria falar com você! Mas saiu fugindo à lombriga.

—meu deus! —exclamou Justin—. Por essa razão chegou a Condessa ao imóvel esta manhã? Sua aparição causou o alvoroço que despertou, mas não cheguei a falar com ela. Supus que tinha ido em busca do Penelope.

—Não o compreendo —Marianne olhou a ambos os homens—. Quem é a condessa Dowager do Exmoor?

—A avó do Penelope —respondeu Justin—. Mas suspeito que tudo isto está relacionado com os filhos de seu filho, verdade, Garner?

—Sim, senhor —o detetive sorriu—. É você muito ardiloso —a seguir, girou-se para o Marianne—. É você Mary Chilton?

Marianne conteve a respiração. Tinha suspeitado que aquilo tinha relação com o homem que tinha perguntado por ela no orfanato, mas a confirmação lhe provocou um calafrio.

—Sim. Antes me chamava Mary Chilton.

—Deus santo —murmurou Justin.

Marianne o olhou de soslaio.

—por que diz isso? O que sabe do assunto?

—E esteve no orfanato de São Anselmo? — seguiu perguntando Garner.

—Sim.

—Recorda algo de sua vida antes de ingressar no orfanato?

—Não —respondeu Marianne com sinceridade—. por que me faz essas perguntas? O que está acontecendo aqui?

—A Condessa me pediu que a buscasse e a levasse ante sua presença. É possível que... você esteja aparentada com ela.

—O que? —Marianne emitiu um ofego afogado. voltou-se para o Justin—. A que sei refere, Justin? Como vou estar aparentada com uma condessa? Sabe do que está falando?

ouvi rumores —admitiu Justin — . Acredito que o que diz, Marianne, é que existe a possibilidade de que seja neta da condessa do Exmoor.

—É absurdo —disse Marianne. Ia de novo no cavalo do Justin, rumo ao imóvel dos Buckminster. Tinham deixado atrás ao senhor Garner, mas este tinha assegurado que o mais importante era que Marianne se reunisse quanto antes com a Condessa—. Como vou ser neta de uma condessa? Aos filhos dos nobres não os internam em orfanatos.

—Não estou seguro —respondeu Justin—. Obviamente, se a neta da Condessa acabou em um orfanato, deveu ser por engano. Não conheço a história com detalhe. Mas esse sobrenome, Chilton... Lorde Chilton era o filho da Condessa. Era o título que ostentava enquanto seu pai, o conde do Exmoor, ainda vivia.

—O conde do Exmoor! Não te referirá ao que disparou ao senhor Fuquay.

—Não. Richard é primo deles. Obteve o título quando o velho Conde morreu. Verá, pouco depois de que o Conde falecesse, seu filho, Lorde Chilton, foi assassinado pelo povo em Paris, junto com sua esposa e seus filhos. Aconteceu durante a Revolução. De modo que o título passou ao Richard, e assim ficaram as coisas durante mais de vinte anos. Mas faz uns meses apareceu em Londres uma americana cuja beleza causou sensação. De repente, a Condessa anunciou que essa mulher, Alexandra Ward, era em realidade neta dela, a filha menor de lorde Chilton. Resultou que não tinha morrido, mas sim tinha sido resgatada por uma americana que a criou como se fosse sua filha.

—Céu santo, miúda história.

—Sim, sei. Parece tirada de uma novela, verdade? O que eu não sabia era que sei pensava que os outros meninos podiam ter sobrevivido também.

—Quantos eram?

—Não estou seguro. Três ou quatro, parece-me. Alexandra, um menino e outra menina, como mínimo. Do contrário, a Condessa não estaria procurando a sua neta.

—Mas se essa menina morreu, supostamente, em Paris...

—Não é provável que aparecesse em um orfanato da Inglaterra, sei. Possivelmente a Condessa se agarra a um prego ardendo. recuperou a uma de suas netas e espera encontrar aos outros.

Quando chegaram ao imóvel, Penelope foi primeira em recebê-los. Saiu correndo da sala de estar e tomou as mãos do Marianne.

—Não é maravilhoso? —gritou—. Logo que posso acreditá-lo! Que sorte que tenha resultado ser minha prima. Já verá quando conhecer a Alexandra... Thorpe e ela já voltaram para a Inglaterra. vieram com a avó. Alexandra está ansiosa por te conhecer. Estão no jardim, mas retornarão em seguida. Enviei a uma donzela a avisar à avó assim que lhes vi chegar.

Um pouco aturdida por toda aquela informação, Marianne disse fracamente:

—Mas e se não ser a mulher que estão procurando?

Nesse momento, a porta da sala de estar se abriu e uma anciã saiu com passo majestoso, apoiando-se em um fortificação. Apesar de que sua pele estava alhada pela idade, seus rasgos eram elegantes e seus olhos azuis brilhavam cheios de vida. Tinha o cabelo branco recolhido com um passador de diamantes.

deteve-se para contemplar ao Marianne e por fim disse:

—Assim que você é Mary Chilton.

—Sim, milady. Mas me temo que se equivocaram de pessoa —Marianne suspirou—. Esperava reconhecê-la quando a visse, mas não foi assim.

A anciã sorriu.

—Vá, é uma jovencita franco e direta... Uma qualidade, poderia acrescentar, que compartilha com a Alexandra —se aproximou dela—. Eu também serei sincera. Não estou mais segura que você. Enjoe Anne tinha o cabelo ruivo, embora um pouco mais claro. Mas é habitual que o cabelo se oscurezca com a idade. E guardas certo parecido com meu filho... —fez uma pausa—. Mas estou esquecendo minhas maneiras. Por favor, sente-se.

Marianne tomou assento em uma cadeira com fundo de veludo vermelho e a Condessa se sentou frente a ela.

—Como saberá, seu nome é o detalhe mais convincente. Suponho que o senhor Garner te haverá dito que meu filho se chamava Chilton. E Mary... é a forma inglesa de Enjoe. Agora, conforme tenho entendido, faz-te chamar Marianne. Nós estávamos acostumados a chamar a minha neta maior Enjoe Anne.

Marianne sentiu que um calafrio lhe percorria as costas. chamou-se Mary desde que podia recordar. O que a tinha impulsionado a escolher o nome do Marianne? Uma lembrança enterrada em seu subconsciente, possivelmente?

—Tinha cinco anos quando ingressou no orfanato. A idade de Enjoe Anne. Uma das mulheres que trabalhavam então em São Anselmo recordava que te tinha deixado ali um «cavalheiro». A diretora pensava, ao parecer, que foi a filha natural de algum nobre.

As bochechas do Marianne se tingiram de cor.

— Mas não o compreendo, milady. Como puderam deixar a sua neta em um orfanato sem que você se inteirasse?

—Enganou-me uma pessoa muito próxima —disse a Condessa com pesar—. A senhora Ward, a mulher que criou a Alexandra, trouxe para os outros dois meninos, Enjoe Anne e John, a minha casa. Mas eu estava prostrada em cama, consumida pela pena, e não queria receber a ninguém. Minha prima recebeu à senhora Ward em meu lugar e se fez cargo dos meninos. Mas, em vez de me dizer isso os entregou ao Conde —os lábios da anciã se curvaram com desprezo—. Ele se desfez deles. Minha prima o confessou antes de morrer. Disse que o Conde te tinha levado a ti a um orfanato e que o menino tinha morrido.

—Richard? —inquiriu Justin—. Está dizendo que Richard se desfez de seus netos?

—Assim acredito, embora não tenho provas que o demonstrem.

—Deus santo! —Justin pareceu atônito para ouvi-lo—. Então, Fuquay estava envolto em tudo isto? Por isso lhe disparou Richard?

—Disparou a quem? —inquiriu a Condessa perplexa, olhando ao Penelope—. Não havia dito nada disso!

—Sinto muito. Com sua chegada e as últimas notícias, me passou. Richard matou ontem a um homem, Reginald Fuquay. O senhor Fuquay estava pontudo ao Marianne com uma pistola e Richard lhe disparou...

—Reginald Fuquay! —exclamou a Condessa—. Em outros tempos foi muito amigo do Richard.

—O que? —todos ficaram olhando-a.

—Se atuavam como se logo que sei conhecessem! —disse Penelope.

—OH, certamente que se conheciam. Reginald Fuquay procedia de uma boa família e herdou uma fortuna razoável, mas a esbanjou com seus vícios. ouvi que consumia ópio. Richard o tinha dominado. Sem dúvida, Fuquay lhe devia dinheiro, posto que tinha esgotado sua fortuna pessoal —a Condessa fez uma pausa para olhar a outros—. Não sentiria saudades que Richard lhe tivesse encarregado certos trabalhos sujos, para os quais ele não tinha estômago.

—Ou seja, que matasse ao menino e levasse a menina a um orfanato? —inquiriu Justin.

A Condessa assentiu.

—Exato. Ouvi que tinham acabado brigando, embora ninguém soube por que. Romperam sua amizade e o senhor Fuquay tentou sair do poço no que tinha cansado. Por isso trabalhava como secretário do senhor Thurston. Não pôde recuperar sua fortuna, mas sim seu bom nome.

Se Fuquay estava a ponto de confessar por que tinha tentado matar ao Marianne, certamente Richard se sentiu ameaçado e por isso lhe disparou —disse Penelope.

Uma forma muito efetiva de assegurar seu silêncio —comentou Justin.

Marianne se esclareceu garganta.

—Milady, tenho algo que possivelmente possa servir para esclarecer... —interrompeu-se ao ver que um homem e uma mulher entravam na habitação. Ele era alto e moreno, de facções angulosas. Ela era uma beleza de cabelo negro e olhos castanhos.

Marianne se levantou de um salto ao vê-la, com a cara pálida como a cera.

meu deus! —exclamou, e todos se giraram para ela.

Marianne! —Justin se aproximou e lhe rodeou a cintura com o braço—. Carinho, chá encontra bem?

—O que te ocorre, filha? —perguntou a Condessa.

—O... sinto-o —Marianne se derrubou de novo na cadeira, incapaz de se ter em pé—. É que... parece-se muito à mulher do retrato.

—Retrato? —disseram Alexandra e a Condessa ao uníssono. Alexandra atravessou rapidamente a habitação para aproximar-se do Marianne.

—Que retrato? —inquiriu a Condessa.

—o de mim... medalhão —Marianne elevou olhar para a jovem situada frente a ela—. Me dispunha a dizer-lhe Tenho um medalhão com os retratos de um homem e uma mulher —introduziu a mão no pescoço de seu vestido, extraiu o medalhão e o abriu—. O vêem? Tenho-o desde que era muito pequena. Sempre pensei que eram meus pais, mas...

Alexandra se ajoelhou junto a ela e tomou o medalhão.

—É igual ao meu! —exclamou com lágrimas nos olhos.

—Eu lhes dei de presente isso quando foram muito pequenas —explicou a Condessa com voz afogada pelas lágrimas—. O teu tem uma gravada M — ao ver que Marianne assentia, acrescentou—: E o da Alexandra uma A.

—Somos irmãs! —exclamou Alexandra, sonriendo e chorando ao mesmo tempo. Abriu os braços—. Enjoe Anne. Irmã.

Com os olhos alagados de lágrimas, Marianne abraçou a Alexandra.

Marianne permanecia sentada na pracinha das rosas, pensando nas revelações daquele dia. Durante toda sua vida tinha desejado ter uma família. Pese ao afeto e o carinho da Della e outros, sempre se tinha perguntado por que sua verdadeira família a tinha abandonado... E, por fim, havia tornado a recuperá-la! Sua irmã era carinhosa e divertida. Não podia desejar uma avó melhor que a Condessa. Inclusive sua prima era já amiga dela. Logo poderia apresentar-lhe ao Rosalind.

E, o mais importante de tudo, amava a um homem maravilhoso. E era amada por ele.

Só um detalhe a inquietava, disse-se Marianne com uma careta. Desejou que houvesse uma forma de fazer que Exmoor pagasse pelos crímenes que tinha cometido. perguntou-se o que teria acontecido aquela manhã se Justin não os tivesse encontrado. Teria aproveitado o Conde a oportunidade para assassiná-la e esconder seu cadáver em algum lugar daquele atalho afastado?

—Supus que te encontraria aqui. Marianne elevou o olhar e viu que Justin se aproximava da pracinha das rosas.

—Conhece-me bem.

—Espero te conhecer ainda melhor —ele sei inclinou para posar um beijo em seus lábios—. Metemo que me esperam umas noites largas e solitárias. A Condessa te terá encerrada em sucasa, como se de uma fortaleza se tratasse, enquanto organiza as bodas.

Marianne emitiu uma risita ao ver sua expressão abatida.

—Mmm. Bom, será uma ocasião muito especial. Pensa que duas de suas netas se casarão o mesmo dia.

— O único que me anima é saber que Bucky terá que suportar o mesmo tortura que eu —Jus-tin sorriu provocativamente — Também me causar pena pensar que todos criam que me caso contigo para formar uma aliança adequada entre nossas famílias. Já não parecerei um herói romântico.

—me parecerá isso sempre —respondeu Marianne tomando sua mão—. Sempre saberei que desejava te casar comigo quando não tinha dinheiro nem nome, desafiando à sociedade e a sua família. Sempre saberei que nos casamos por amor.

—Assim é —Justin sorriu e a estreitou entre seus braços.

 

 

                                                                  Candace Camp

 

 

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