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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


TROPAS ESTELARES / Robert A. Heinlein
TROPAS ESTELARES / Robert A. Heinlein

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Tropas Estelares é um dos mais polêmicos livros da história da ficção científica. Escrito por Robert A. Heinlein, e publicado em 1959, mostra a Terra, em um futuro não muito distante, vivendo sob uma federação interplanetária, onde só exerce o direito de voto quem serve às Forças Armadas. A história mostra o treinamento e preparação de jovens soldados (com um realismo impressionante) até que estoura a guerra contra os temíveis e misteriosos Insetóides, poderosos alienígenas aracnídeos que podem destruir o sonho terrestre de expansão no universo.

O livro, vencedor do Prêmio Hugo, o mais importante da ficção científica internacional, foi aclamado por fãs e críticos, mesmo defendendo idéias "politicamente incorretas", para usar a linguagem destes anos 90.

A história chega agora aos cinemas, numa superprodução dirigida por Paul Verhoeven, o mesmo de Robocop (1987) e O Vingador do Futuro (1990), dois dos mais representativos filmes de FC dos últimos anos. E com este não é diferente: lá estão o realismo da caserna, empolgantes batalhas espaciais, isso sem falar nos controversos temas, o que só garante o sucesso de bilheteria que vem alcançando.

Robert A. Heinlein é um dos mais importantes escritores de ficção científica neste século 20. Ao lado de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke forjou as bases para a modernização do gênero a partir dos anos 40. Suas histórias influenciaram por serem das mais realistas, aproximando o futuro de nossos dias, além de apresentar personagens carismáticos e inovar em enredos e temas até então pouco explorados, como a política, sociologia e psicologia. Por estas qualidades ele é visto como um dos precursores da chamada "New Wave", movimento que reformulou a ficção científica a partir dos anos 60, ou ficção especulativa, como ele preferia chamar.

É o escritor que mais venceu o Hugo em sua categoria principal, a de melhor romance, em histórias clássicas, como Tropas Estelares, além de Estrela Oculta (1955), Um Estranho Numa Terra Estranha (1961) -o livro mais lido da FC até hoje, uma radical mudança em relação a Tropas Estelares, mostrando um sociedade contestada naquilo que lhe é mais sensível, seus tabus sexuais, suas contradições políticas e religiosas - e Revolta na Lua (1967). Nasceu em julho de 1907 e faleceu em maio de 1988, deixando um legado dos mais significativos.

 

 

 

 

Sempre tenho os tremores antes de uma queda. Tomei as injeções, é claro, e a preparação hipnótica, e isso garante que não posso estar realmente com medo. O psiquiatra da nave tinha checado minhas ondas cerebrais e feito perguntas idiotas enquanto eu dormia e disse que isso não era medo, que não era nada - é apenas como a tremedeira de um cavalo de corrida ansioso na porta de largada.

Eu não podia dizer nada sobre aquilo; nunca tinha sido um cavalo de corrida. Mas o fato é que fico um bobo assustado a cada vez.

À Q-menos-trinta, após passarmos pela revista na sala de queda da Rodger Young, nosso líder de pelotão nos inspecionou. Não era o nosso líder de pelotão regular, pois o Tenente Rasczak tinha comprado a dele em nossa última queda; era na verdade o nosso sargento de pelotão, Sargento Embarcado de Carreira Jelal. Jelly era um turco-finlandês de Iskander, em órbita de Próxima Centauri - um moreninho que parecia um balconista, mas que tinha sido visto enfrentando dois soldados raivosos tão grandes que ele teve de se esticar pra agarrá-los, rachar suas cabeças como se fossem cocos e dar um passo pra trás saindo do caminho enquanto caíam.

Fora de serviço ele não era mau - para um sargento. Você podia até mesmo chamá-lo de Jelly na frente dele. Não os recrutas, é claro, mas qualquer um que tivesse feito pelo menos uma queda em combate.

Mas neste momento ele estava de serviço. Nós todos tínhamos inspecionado o nosso próprio equipamento de combate (é o seu próprio pescoço, entende?), o sargento interino do pelotão tinha nos examinado com todo o cuidado após a inspeção, e agora Jelly nos examinava de novo, seu rosto atento, os olhos não perdendo nada. Ele parou no homem em frente a mim, apertou o botão no cinto dele que dava as leituras do físico. — Caia fora.

— Mas, Sarja, é só um resfriado. O médico disse...

Jelly interrompeu. - "Mas, Sarja!" - ele cortou. - O médico não vai fazer a queda - e nem você vai, com um grau e meio de febre. Pensa que eu tenho tempo de bater papo com você, logo antes de uma queda? Cai fora!

Jenkins nos deixou, parecendo triste e com raiva - e eu me senti mal também. Pois o Tenente tinha comprado a dele, na última queda, e o pessoal havia sido promovido, eu era assistente do líder de seção, a segunda seção, nesta queda, e agora eu estava com um buraco na minha seção e não tinha como preenchê-lo. Isso não é nada bom; isso quer dizer que um homem pode se meter em confusão, pedir ajuda e não ter ninguém para ajudá-lo.

Jelly não checou mais ninguém. Daí a pouco ele foi para a frente, deu uma olhada em nós e balançou a cabeça, triste. — Que bando de macacos! — rosnou. — Quem sabe se todos vocês comprarem as suas nesta queda, eles possam começar de novo e montar o tipo de unidade que o Tenente esperava que vocês fossem. Mas provavelmente não - com o tipo de recruta que conseguimos hoje em dia. — Subitamente ele se empertigou e gritou: — Quero apenas lembrar a vocês macacos que cada um de vocês custou ao governo, contando armas, armadura, munição, instrumentos e treinamento, tudo, incluindo o jeito que vocês se empanturram - custou, no bruto, mais de meio milhão. Juntem os trinta centavos que vocês realmente valem e isso dá uma boa soma. — Ele nos encarou ferozmente. — Então tragam isso de volta! Nós podemos dispensar vocês, mas não podemos dispensar esse traje enfeitado que vocês estão usando. Eu não quero heróis nesta unidade; o Tenente não gostaria disso. Vocês têm um trabalho a fazer, vocês vão lá pra baixo, vocês o fazem, vocês ficam de orelhas abertas para o toque de recolha, vocês aparecem na recolha quicando e em seqüência. Entenderam?

Ele nos encarou de novo: — Vocês devem conhecer o plano. Mas alguns de vocês não têm sequer uma mente para ser hipnotizada, por isso vou fazer um resumo. Vocês descerão em duas linhas de combate, com intervalos calculados de mil e oitocentos metros. Peguem a sua direção em relação a mim tão logo atinjam o solo, peguem a direção e distância em relação a seus companheiros de esquadra, de ambos os lados, enquanto se abrigam. Vocês já gastaram dez segundos, então esmaguem-e-destruam qualquer coisa que estiver à mão até que os flanqueadores atinjam o chão. — (Ele estava falando sobre mim - como assistente do líder de seção eu seria o flanqueador esquerdo, com ninguém ao meu lado. Comecei a tremer.)

— Uma vez que eles o façam - coloquem em ordem aquelas linhas! - igualem aqueles intervalos! Larguem o que estiverem fazendo e façam isso! Vinte segundos. Então avancem em saltos alternados, ímpar e par, assistentes do líder de seção cuidando de contar e guiando o cerco. — Ele olhou para mim. — Se vocês tiverem feito isso como se deve - do que eu duvido - os flancos farão contato quando a chamada soar... momento em que, pra casa vocês vão. Alguma pergunta?

Não houve nenhuma; nunca houve. Ele continuou: — Mais uma palavra: esta é apenas uma incursão, não uma batalha. É uma demonstração de poder de fogo e de terror. Nossa missão é deixar o inimigo saber que poderíamos ter destruído a sua cidade, apenas não o fizemos. Mas que eles não estão seguros mesmo que evitemos usar bombardeio total. Não façam prisioneiros. Matem apenas quando não puderem evitar. Mas toda a área que atingirmos é para ser esmagada. Não quero ver nenhum de vocês folgados de volta a bordo com bombas não usadas. Entenderam? — Ele deu uma olhada nas horas. — Os Rudes de Rasczak têm uma reputação a manter. O Tenente me disse antes de comprar a dele pra dizer a vocês que sempre estará de olho em vocês a cada minuto... e que espera que os seus nomes brilhem!

Jelly deu uma olhada para o Sargento Migliaccio, líder da primeira seção. — Cinco minutos para o Padre — ele declarou. Alguns dos rapazes abandonaram a formação e se ajoelharam em frente a Migliaccio, e não foram necessariamente aqueles de seu credo, tampouco - muçulmanos, cristãos, gnósticos, judeus, para qualquer um que quisesse uma palavra antes de uma queda, ele estava lá. Ouvi falar que costumava haver unidades militares cujos capelães não combatiam junto com os outros, mas nunca entendi como aquilo poderia funcionar. Quero dizer, como pode um capelão abençoar algo que não está disposto a fazer ele mesmo? Em qualquer caso, na Infantaria Móvel, todos desciam e todos lutavam - o capelão, o cozinheiro e o escritor do Velho. Logo que fôssemos pra baixo pelo tubo não ficaria um Rude a bordo - exceto Jenkins, é claro, e isso não era culpa dele.

Não saí da formação. Estava com medo de que alguém

pudesse me ver tremendo se eu saísse, e, de qualquer forma, o Padre podia me abençoar dali com a mesma facilidade. Mas ele veio até mim quando os últimos que tinham ido até ele se levantaram e apertou seu capacete contra o meu para falar em particular. — Johnnie, —ele disse, calmamente — esta é a sua primeira queda como suboficial.

— Sim. — Eu não era realmente um suboficial, não mais do que Jelly era realmente um oficial.

— Apenas uma coisa, Johnnie. Não compre uma campa. Você conhece seu trabalho; faça ele. Apenas isso. Não tente ganhar uma medalha.

— Uh, obrigado, Padre. Não tentarei.

Ele acrescentou alguma coisa gentil em uma linguagem que eu não conhecia, deu um tapinha no meu ombro e correu de volta para sua seção. Jelly gritou: — Atenn... ção! — e todos obedecemos de imediato.

— Pelo tão!

— Seção! — Migliaccio e Johnson ecoaram.

— Por seções - bombordo e estibordo - preparar para queda!

— Seção/ Às suas cápsulas! Mover!

— Esquadra! — Tive de esperar enquanto as esquadras quatro e cinco ocupavam suas cápsulas e entravam no tubo de disparo antes que a minha cápsula aparecesse no trilho de bombordo e eu pudesse subir nela. Será que aqueles antigos tiveram os tremores quando subiram no Cavalo de Tróia? Ou era apenas eu? Jelly checou cada homem à medida que era lacrado e ele mesmo me fechou. Quando o fez, se curvou para mim e disse: — Não faça besteira, Johnnie. É tal qual um treino.

A parte de cima se fechou sobre mim e eu estava sozinho. "É tal qual um treino", ele diz! Comecei a tremer incontrolavelmente.

Então, em meus fones de ouvido, ouvi Jelly falando do tubo da linha central: - Ponte! Rudes de Rasczak... prontos para a queda!

— Dezessete segundos, Tenente! — Ouvi a Capitã da nave replicar animadamente em sua voz de contralto - e me senti mal por ela ter chamado Jelly de 'Tenente". Claro, nosso tenente estava morto e talvez Jelly fosse pegar sua posição... mas ainda éramos os "Rudes de Rasczak".

Ela acrescentou: — Boa sorte, rapazes!

— Obrigado, Capitã.

— Segurem-se! Cinco segundos.

Eu estava todo preso - barriga, testa, canelas. Mas tremia mais do que nunca.

 

É melhor depois que você desembarca. Até então você fica na escuridão total, embrulhado como uma múmia contra a aceleração, mal podendo respirar - e sabendo que há apenas nitrogênio em volta de você na cápsula mesmo que você pudesse abrir o seu capacete, o que não pode - e sabendo que de qualquer forma a cápsula está cercada pelo tubo de disparo e se a nave for atingida antes de te dispararem, você não tem qualquer chance, vai apenas morrer ali, incapaz de se mover, indefeso. É essa espera sem fim na escuridão que causa os tremores - pensar que eles esqueceram você... que a nave teve o casco vazado e continuou em órbita, morta, e em breve será a sua vez, incapaz de se mover, se asfixiando. Ou é uma órbita de colisão e você vai comprar a sua desse jeito, se não torrar no caminho pra baixo.

Então o programa de frenagem da nave nos pegou e parei de tremer. Oito gês, eu diria, ou talvez dez. Quando um piloto mulher manobra uma nave não há nada confortável nisso; você vai ter contusões em cada lugar onde está amarrado. Sim, sim, eu sei que elas são pilotos melhores do que os homens; as reações delas são mais rápidas e podem agüentar mais gê. Elas podem entrar mais rápido, sair mais rápido e assim aumentar as chances de todo mundo, as suas assim como as delas. Mesmo sabendo disso, não tem graça nenhuma ser achatado contra a espinha com dez vezes o seu peso real.

Mas devo admitir que a Capitã Deladrier conhece seu ofício. Não houve mais movimento após a Rodger Young encerrar a frenagem. Logo em seguida ouvi ela dizer de sopetão: — Tubo da linha central... fogo! — e houve dois baques do coice quando Jelly e seu sargento de pelotão interino desembarcaram... e imediatamente: — Tubos de bombordo e estibordo, fogo automático! — e o resto de nós começou a desembarcar.

Bam! E a sua cápsula dá um tranco para a frente - bam! E ela dá outro tranco, exatamente como cartuchos alimentando a câmara de uma antiquada arma automática. Bem, isso é exatamente o que éramos... só que os canos da arma eram tubos de lançamento gêmeos construídos dentro de uma nave de transporte de tropas e cada cartucho era uma cápsula grande o suficiente (mal e mal) para acondicionar um soldado de infantaria com todo equipamento de campo.

Bam! - Estava acostumado a ser o terceiro, agora eu era o rabo da fila, último após três esquadras. É uma espera tediosa, mesmo com uma cápsula sendo lançada a cada segundo. Tentei contar os bams - bam! (Doze) bam! (Treze) bam! (Quatorze - com um som esquisito, a vazia onde Jenkins deveria estar) bam!...

E clam! Esta é a minha vez quando minha cápsula é atirada pra dentro da câmara de disparo - e então WHAMBO! A explosão me atinge com uma força que faz a manobra de frenagem da Capitã parecer um tapinha de amor.

E então de repente nada.

Nada mesmo. Sem som, sem pressão, sem peso. Flutuando na escuridão... queda livre, talvez a cinqüenta quilômetros de altura, acima da atmosfera de verdade, caindo sem peso em direção à superfície de um planeta que você nunca havia visto. Mas não estou mais tremendo, é a espera que mata. Uma vez que é desembarcado, você não pode se ferir... pois se algo der errado vai acontecer tão rápido que você vai comprar a sua campa sem nem ao menos notar que está morto.

Quase imediatamente senti a cápsula girar e se inclinar e então estabilizar de modo que o meu peso estava em minhas costas... peso esse que foi crescendo rapidamente até estar completo (0,87 gê, nos disseram) para aquele planeta à medida que a cápsula atingia velocidade terminal para a fina atmosfera superior. Um piloto que seja um verdadeiro artista (e a Capitã era) irá se aproximar e frenar de tal modo que a velocidade de lançamento, quando você é disparado do tubo, deixa você parado no espaço em relação à velocidade rotacional do planeta naquela latitude. As cápsulas carregadas são pesadas; elas perfuram através dos rápidos mas ralos ventos da alta atmosfera sem serem sopradas muito para fora da posição - mas apesar disso um pelotão é obrigado a se dispersar na descida, perdendo um pouco da perfeita formação com que é desembarcado. Um piloto relaxado pode tornar isso ainda pior, espalhando um grupo de ataque sobre um terreno tão amplo que se torna impossível o encontro para a recolha e muito menos levar a cabo a missão. Um soldado de infantaria pode lutar apenas se outra pessoa cuida de colocá-lo na sua zona; de certo modo suponho que os pilotos sejam tão essenciais quanto nós.

Eu podia dizer pelo modo suave com que minha cápsula entrou na atmosfera que a Capitã tinha nos colocado com tão pouco vetor lateral quanto se podia desejar. Me senti feliz - não apenas porque teríamos uma formação cerrada e sem desperdício de tempo quando pousássemos, mas também porque um piloto que manda você pra baixo como se deve é também um piloto que é inteligente e preciso na recolha.

A casca exterior se queimou e desprendeu - de forma desigual, pois levei um trambolhão. Então o resto dela se foi e me endireitei. Os freios de ar da segunda casca se ativaram e a viagem ficou dura... e ainda mais dura à medida que eles se queimavam um de cada vez e a segunda casca começava a ser reduzida a pedaços. Uma das coisas que ajudam um soldado numa cápsula a ter uma vida longa o suficiente para poder se aposentar é que as cascas que se descarnam da cápsula não apenas reduzem a velocidade de queda, mas também enchem o céu sobre a área alvo com tanto lixo que o radar apanha sinais refletidos de dezenas de alvos para cada homem na queda, qualquer uma delas podendo ser um homem, ou uma bomba, ou qualquer coisa. É o suficiente para dar a um computador balístico um colapso nervoso - e isso acontece.

Para tornar as coisas ainda mais divertidas a nave lança uma série de ovos falsos nos segundos imediatamente após a queda, os quais cairão mais rápido pois não descarnam. Vão pra baixo de você, explodem, se despedaçam, até mesmo funcionam como retransmissores, vão para o lado com o empuxo dos foguetes e fazem outras coisas que aumentam a confusão do comitê de recepção no solo.

Nesse meio tempo a nave está travada firmemente no rádio-farol direcional de seu líder de pelotão, ignorando o ruído de radar que ela criou e seguindo você, computando seu ponto de impacto para uso futuro.

Quando a segunda casca se foi, a terceira automaticamente abriu o primeiro pára-quedas de fitas. Ele não durou muito, mas isso era esperado; um bom e duro puxão a vários gês e ele seguiu seu caminho e eu segui o meu. O segundo pára-quedas durou um pouquinho mais e o terceiro durou até que bastante. Começou a ficar quente demais dentro da cápsula e eu comecei a pensar sobre o pouso.

A terceira casca descamou-se quando o último pára-quedas se foi e agora eu não tinha nada à minha volta a não ser meu traje blindado e um ovo plástico. Ainda estava amarrado dentro dele, incapaz de me mover; era tempo de decidir como e onde eu iria pousar. Sem mover meus braços (eu não podia), pressionei com o polegar o interruptor para uma leitura de proximidade e a li quando piscou no refletor de instrumentos dentro do capacete em frente da minha testa.

Dois mil e novecentos metros - um pouco mais próximo do que eu gostaria, especialmente sem companhia. O ovo interno tinha alcançado velocidade estável, eu não ganharia nada em continuar dentro dele e a temperatura de sua superfície indicou que não iria se abrir automaticamente ainda por algum tempo -assim toquei um interruptor com meu outro dedão e me livrei dele.

A primeira carga cortou as amarras; a segunda explodiu o ovo plástico pra longe de mim em oito pedaços separados - e então eu estava ao ar livre, sentado no ar, e podia ver! Melhor ainda, os oito pedaços descartados eram metalizados (exceto pelo pequeno espaço através do qual eu tinha feito a leitura de proximidade) e iriam mandar de volta a mesma reflexão de um homem blindado. Qualquer observador de radar, vivo ou cibernético, passaria agora um mau pedaço tentando me separar de toda a sucata próxima de mim, isso pra não falar dos milhares de cacos e peças espalhados por quilômetros de cada lado, acima e abaixo de mim. Parte do treinamento de um soldado da infantaria móvel é deixar que ele veja, do chão, tanto pelo olho, como pelo radar, como uma queda é confusa para as forças de terra - pois você se sente desconfortavelmente nu lá em cima. É fácil entrar em pânico e, ou abrir o pára-quedas cedo demais e se tornar um pato sentado (patos realmente sentam? Se sim, por que?), ou falhar em abri-lo e quebrar os tornozelos, além da espinha e do crânio.

Assim eu me estiquei, acabando com as cãibras, e olhei em volta... então me dobrei de novo e me estiquei em um mergulho de cisne com o rosto pra baixo e tive uma boa visão. Era noite lá embaixo, como planejado, mas visores infravermelhos permitem que você avalie o terreno bastante bem após se acostumar com eles. O rio que cortava diagonalmente a cidade estava quase abaixo de mim e se aproximando rápido, brilhando claramente com uma temperatura mais alta do que a da terra. Não me importava em que lado dele eu desceria, mas não queria aterrissar nele; isso me atrasaria.

Notei um clarão do meu lado direito, mais ou menos na minha altitude; algum nativo pouco amigável lá debaixo havia queimado o que provavelmente tinha sido um pedaço do meu ovo. Portanto acionei imediatamente o meu primeiro pára-quedas, pretendendo se possível dar um pulo pra fora de sua tela à medida que ele acionava o zoom para seguir os outros alvos que desciam. Me retesei para o choque, agüentei-o, e então desci flutuando por uns vinte segundos antes de soltar o pára-quedas -não querendo chamar atenção para mim de outro modo, por não estar caindo à mesma velocidade do resto das coisas à minha volta.

Deve ter funcionado, não fui queimado.

Por volta de duzentos metros de altura disparei o segundo pára-quedas... vi muito rapidamente que estava sendo carregado pra dentro do rio, achei que ia passar uns trinta metros acima da laje de um armazém ou algo do tipo ao lado do rio... soltei o pára-quedas e fiz um pouso bom o suficiente, embora quicando um pouco, no teto por meio dos jatos de salto do traje. Ao mesmo tempo eu esquadrinhava a área em busca do rádio-farol do Sargento Jelal.

E descobri que estava do lado errado do rio; a estrela de Jelly apareceu no anel da bússola dentro do meu capacete bem mais para o sul de onde deveria estar - eu estava muito para o norte. Caminhei apressadamente sobre o teto em direção ao rio enquanto media a direção e a distância do líder de esquadra mais próximo de mim. Descobrindo que ele estava mais de uma milha fora da posição, chamei-o: — Ace! arrume a sua linha, — atirei uma bomba atrás de mim enquanto dava um passo pra fora do prédio e através do rio. Ace respondeu como eu poderia esperar - ele podia ter tido meu posto, mas não quis abandonar sua esquadra. De qualquer maneira, não gostava de receber ordens de mim.

O armazém foi pelos ares às minhas costas e a explosão me pegou enquanto ainda estava sobre o rio, ao invés de estar abrigado pelos prédios do lado oposto como deveria ter estado. Essa droga deu uma cambalhota nos meus giroscópios e quase que eu dei uma também. Tinha ajustado aquela bomba pra quinze segundos... tinha? Subitamente compreendi que tinha me deixado excitar, a pior coisa que você pode fazer quando está no chão. "Tal qual um treino", era esse o jeito certo, exatamente como Jelly tinha me avisado. Use o seu tempo e faça isso direito, mesmo que leve outro meio segundo.

Ao mesmo tempo que pousava tomei outra leitura de Ace e disse-lhe de novo pra realinhar sua esquadra. Ele não respondeu mas já estava fazendo isso. Deixei passar. Enquanto Ace fizesse seu trabalho eu podia me dar ao luxo de engolir sua grosseria - por enquanto. Mas quando estivéssemos de volta a bordo da nave (se Jelly me mantivesse como líder assistente de seção) nós teríamos de mais cedo ou mais tarde achar um lugar tranqüilo e descobrir quem era o chefe. Ele era um cabo de carreira e eu estava apenas cumprindo o meu tempo como cabo interino, mas estava sob as minhas ordens e você não pode se dar ao luxo de receber qualquer insolência sob essas circunstâncias. Não permanentemente .

Mas não tive tempo para pensar sobre isso naquele momento; enquanto estava saltando o rio detectei um alvo gordo e queria pegá-lo antes que algum outro o notasse - um belo grupo do que pareciam ser prédios públicos numa colina. Templos talvez... ou um palácio. Ficavam quilômetros fora da área que eu estava varrendo, mas uma regra do esmague & corra é gastar pelo menos metade da munição fora da sua área de varredura; desse modo o inimigo fica confuso sobre onde você realmente está. Isso e não ficar parado, fazer tudo rápido. Você está sempre em grande inferioridade numérica; a surpresa e a velocidade são o que te salvam.

Já estava carregando meu lançador de foguetes quando checava Ace e dizia pela segunda vez pra ele endireitar. A voz de Jelly me chegou bem naquele momento no circuito geral: — Pelotão! Por saltos alternados! Em frente!

Meu superior, o Sargento Johnson, ecoou: — Por saltos alternados! Números impares! Avançar!

Aquilo me deixou com nada pra me preocupar por uns vinte segundos, assim saltei para o topo do edifício mais próximo, ergui o lançador para meu ombro, achei o alvo e puxei o primeiro gatilho pra deixar o foguete dar uma olhada nele - puxei o segundo gatilho e mandei um beijo enquanto ele ia, pulei de volta para o chão. — Segunda seção, números pares! — gritei... esperei pela contagem em minha mente e ordenei: — Avançar!

E assim fiz também, saltando por cima da próxima linha de prédios, e, enquanto estava no ar, ateando fogo à primeira fileira de edifícios junto ao rio com um lança-chamas manual. Eles pareciam ser feitos de madeira e me pareceu ser uma boa hora pra começar uma fogueira - com sorte alguns dos armazéns teriam estocados produtos inflamáveis ou até mesmo explosivos. Quando pousei, a lançador em Y nas minhas costas lançou duas pequenas bombas de alto explosivo a uns duzentos metros, cada uma para um dos lados dos meus flancos, mas nunca vi o que elas fizeram pois justo naquele momento meu primeiro foguete atingiu seu alvo - aquele inconfundível (se você já viu um) clarão de uma explosão atômica. Foi apenas um pequetitico, é claro, menos do que dois kilotons de rendimento nominal, com refletor de nêutrons e compressão por implosão para funcionar com uma massa inferior à crítica - mas quem quer estar perto demais de uma catástrofe cósmica? Foi o suficiente pra cortar fora o topo daquela colina e fazer todo mundo na cidade se abrigar contra a radiação. Melhor ainda, qualquer dos caipiras locais que por acaso estivesse ao ar livre e olhando praquele lado não iria ver mais qualquer coisa por um par de horas - ou seja, não me veria. O brilho não tinha me ofuscado, nem ofuscaria qualquer um de nós; a redoma de vidro sobre nossas faces tinha bastante chumbo, usávamos visores sobre nossos olhos - e éramos treinados pra nos abaixarmos rapidamente e agüentarmos a explosão sobre a blindagem se acontecesse de estarmos olhando pro lado errado.

Deste modo eu apenas pisquei com força - abri meus olhos e encarei um cidadão local que estava justo saindo de uma abertura no prédio à minha frente. Ele olhou pra mim, eu olhei pra ele, e ele começou a erguer algo - uma arma, suponho - quando Jelly gritou: — Números ímpares! Avançar!

Não tinha tempo pra brincar com ele: estava uns bons quinhentos metros pra trás de onde eu devia estar naquela hora. Ainda tinha o lança-chamas manual na minha mão esquerda, torrei-o e saltei sobre o prédio de onde ele tinha saído, ao mesmo tempo que comecei a contar. Um lança-chamas manual é primariamente para trabalho incendiado, mas é uma boa arma defensiva antipessoal em lugares apertados; você não tem de fazer muita mira.

Entre excitado e ansioso pra alcançar os outros pulei alto e longe demais. É sempre uma tentação conseguir o máximo do seu mecanismo de salto - mas não faça isso! Deixa você suspenso no ar por segundos, um grande alvo gordo. A maneira de avançar é passar roçando sobre cada prédio à medida que chega a eles, passando raspando por eles, e tomando vantagem total da cobertura enquanto está embaixo... e nunca ficar em um lugar mais do que um segundo ou dois, nunca dar a eles tempo de mirar em você. Esteja em algum outro lugar, qualquer lugar. Mantenha-se em movimento.

Dessa vez eu fiz besteira - demais para uma fileira de prédios, de menos para a fileira além deles; me descobri caindo em cima de um teto. Mas não uma bela laje onde eu poderia ter me demorado três segundos pra lançar um pequenino foguete atômico. Este teto era uma selva de canos, suportes e ferragens -talvez uma fábrica, ou algum tipo de instalação química. Nenhum lugar pra pousar. Pior ainda, meia dúzia de nativos estava lá em cima. Aqueles caras eram humanóides, uns dois metros de altura, muito mais magros do que nós e com uma temperatura do corpo mais alta; não usavam roupas e sobressaíam num sistema de visores como um anúncio de néon. Eles parecem ainda mais esquisitos à luz do dia e a olho nu, mas prefiro lutar contra eles do que com os aracnídeos - aqueles insetóides me dão nós no estômago.

Se aqueles garotos estavam lá em cima trinta segundos antes, quando meu foguete explodiu, então não podiam me ver, ou a qualquer coisa. Mas não podia ter certeza e de qualquer forma não queria me embaraçar com eles; este não era aquele tipo de ataque. Assim pulei de novo enquanto ainda estava no ar, espalhando uma mão cheia de pílulas de fogo de dez segundos para mantê-los ocupados, pousei, imediatamente saltei de novo, e gritei: — Segunda seção! Números pares!... Avançar! — e continuei a tirar o atraso, ao mesmo tempo que tentava identificar, a cada vez que saltava, alguma coisa em que valesse a pena gastar um foguete. Eu tinha mais três dos pequenos foguetes atômicos e não tinha qualquer intenção de levá-los de volta comigo. Mas tinha sido socado dentro de mim que você tem de fazer o seu dinheiro valer a pena quando se usa armas atômicas - esta era apenas a segunda vez que me permitiam trazê-las.

Neste momento eu estava tentando identificar o suprimento de água deles. Um tiro direto ali poderia tornar toda a cidade inabitável, forçá-los a evacuá-la sem matar diretamente ninguém - exatamente o tipo de aborrecimento que fomos enviados para provocar. Ele deveria - de acordo com o mapa que estudamos sob hipnose - estar uns cinco quilômetros rio acima de onde eu me encontrava.

Mas não podia vê-lo, meus jatos não me levavam alto o suficiente, talvez. Me sentia tentado a ir mais alto, mas lembrei-me do que Migliaccio tinha dito sobre não tentar conseguir uma medalha, e me prendi à doutrina. Coloquei o lançador em Y no automático e deixei-o mandar pro alto um par de pequenas bombas cada vez que eu pousava. Botei fogo em coisas mais ou menos aleatoriamente no meio tempo, e tentei achar o reservatório de água, ou algum outro alvo que valesse a pena.

Bem, havia alguma coisa lá em cima e estava na distância correta - suprimento de água ou o que quer que fosse, era grande. Pulei pra cima do prédio mais alto nas proximidades, mirei nele e deixei voar. Quando saltava pra baixo ouvi Jelly: — Johnnie! Red! Comecem a curvar os flancos.

Acusei o recebimento e ouvi Red fazer o mesmo, chaveei meu rádio-farol para piscar de modo a que Red pudesse me distinguir bem, tomei a distância e a direção do seu enquanto gritava: — Segunda seção! Curvar e envolver! Líderes de esquadra acusem o recebimento!

A quarta e a quinta esquadras responderam — Recebido e entendido. — Ace disse: — Já tamos fazendo isso; mexa os seus pés.

O rádio-farol de Red mostrou que a ala direita estava quase à minha frente e uns bons vinte e cinco quilômetros distante. Nossa! Ace estava certo; eu devia mexer os meus pés ou nunca iria preencher a lacuna em tempo - e eu com uns cem quilos de munição e uma variedade de malvadezas que mal achava tempo de usar. Tínhamos pousado numa formação em V, com Jelly no fundo do V e Red e eu nas pontas dos dois braços; agora tínhamos de fechá-lo num círculo em volta da área de recolha... o que significava que Red e eu tínhamos mais terreno a cobrir do que os outros e ainda fazer toda a nossa quota de danos.

Pelo menos o avanço em saltos alternados estava encerrado a partir do momento em que começamos a formar o círculo; eu poderia parar de contar e me concentrar na velocidade. Estava ficando menos do que saudável estar em qualquer lugar, mesmo se movendo depressa. Tínhamos começado com a enorme vantagem da surpresa, alcançado o solo sem termos sido atingidos (pelo menos eu esperava que ninguém tivesse sido atingido no caminho), e rompemos furiosamente entre eles de uma maneira tal que nos permitia atirar à vontade sem termos medo de atingir uns aos outros, enquanto eles tinham uma grande chance de atingir o próprio povo quando atiravam em nós - isso se pudessem nos achar pra atirar. (Não sou um expert na teoria dos jogos, mas duvido que algum computador pudesse ter analisado o que estávamos fazendo em tempo para predizer onde estaríamos em seguida.)

De qualquer forma as defesas locais estavam começando a contra-atacar, com ou sem coordenação. Apanhei um par de explosões que não me acertaram por pouco, perto o bastante pra me fazer ranger os dentes, mesmo dentro da blindagem, e uma vez fui roçado por algum tipo de raio que fez meu cabelo ficar em pé e me deixou meio paralisado por um momento - como se eu tivesse batido meu cotovelo, mas no corpo todo. Se o traje não tivesse já sido ordenado para saltar, acho que eu não teria saído de lá.

Coisas como essa fazem você parar pra pensar em por que você quis ser soldado - só que eu estava ocupado demais pra parar pra qualquer coisa. Duas vezes, pulando cegamente sobre prédios, aterrissei bem no meio de um grupo deles - pulando imediatamente enquanto atiçava fogo em tudo à minha volta com o lança-chamas manual.

Incentivado dessa forma, cobri mais ou menos metade da minha quota na lacuna, talvez seis quilômetros, em tempo mínimo, mas sem provocar muito mais do que danos casuais. Meu lançador Y tinha ficado vazio dois saltos atrás. Achando-me sozinho no meio de uma espécie de pátio, parei pra colocar nele minha reserva de bombas de alto explosivo enquanto achava a direção de Ace - descobri que eu estava bem à frente do flanco da esquadra, o suficiente pra pensar em gastar meus dois últimos foguetes atômicos. Saltei para o topo do prédio mais alto nas vizinhanças.

Já havia luz suficiente para ver; lancei os visores pra minha testa e dei uma passada de olhos por toda a área, procurando por qualquer coisa atrás de nós em que valesse a pena atirar, qualquer coisa mesmo. Não tinha tempo para ser seletivo.

Havia algo na direção do espaçoporto deles, talvez a administração e controle, ou quem sabe até uma nave estelar. Quase na mesma direção e mais ou menos na metade da distância estava uma estrutura enorme que não pude identificar nem mesmo mais ou menos. A distância do espaçoporto era extrema, mas deixei o foguete vê-lo, disse: — Vá pegá-lo, garoto! — e mandei ver. Catei o ultimo, mandei-o para o alvo mais próximo, e saltei.

O prédio levou um impacto direto justamente quando eu o deixei. Ou um magrelo tinha julgado (corretamente) que valia a pena destruir um de seus prédios pra pegar um de nós, ou um dos meus próprios camaradas estava ficando bem descuidado com os fogos. De qualquer forma, eu não queria saltar daquele lugar, mesmo que fosse um salto rasante. Decidi ir através do próximo par de prédios em vez de sobre eles. Desta forma, peguei o lança-chamas pesado de minhas costas ao mesmo tempo em que pousava e desci os visores pra cima de meus olhos, ataquei a parede em frente com um raio faca a toda potência. Aquele pedaço da parede caiu e eu entrei.

E voltei pra trás ainda mais depressa.

Não sabia o que é que eu tinha aberto. Uma igreja durante a missa, um pulgueiro de magrelos, talvez até mesmo o quartel general de defesa deles. Tudo que eu sabia é que era uma grande sala cheia com mais magrelos do que eu queria ver em toda minha vida.

Não devia ser uma igreja, pois alguém atirou em mim quando eu saltava de volta pra fora - apenas uma bala que ricocheteou na minha blindagem, fez meus ouvidos tilintarem e me desconcertou sem me machucar. Mas isso me lembrou de que não devia deixá-los sem uma lembrancinha da minha visita. Apanhei a primeira coisa no meu cinto e joguei ela pra dentro - e ouvi-a começar a grasnar. Como eles sempre dizem na instrução básica, fazer alguma coisa construtiva imediatamente é melhor do que ficar calculando a melhor coisa a fazer horas mais tarde.

Por pura sorte eu tinha feito a coisa certa. Era uma bomba especial, tinham nos dado apenas uma para esta missão, com instruções de usá-las apenas se achássemos um modo de torná-las efetivas. O grasnido que ouvi enquanto atirava a bomba era ela gritando na fala dos magrelos (tradução livre): — Sou uma bomba de trinta segundos! Sou uma bomba de trinta segundos! Vinte e nove!... Vinte e oito!... Vinte e sete!...

Se esperava que ela deixasse seus nervos em frangalhos. Talvez o tenha feito; com certeza deixou os meus. É mais humano dar um tiro num homem. Não esperei pela contagem. Saltei, enquanto imaginava se eles conseguiriam achar portas e janelas suficientes pra cair fora em tempo.

Fiz uma leitura do piscante de Red no topo do salto e uma de Ace enquanto pousava. Estava ficando para trás de novo. Hora de correr.

Mas três minutos depois tínhamos coberto a brecha; eu tinha Red no meu flanco esquerdo a oitocentos metros de distância. Ele relatou isso a Jelly. Ouvimos Jelly resmungar calmamente para todo o pelotão: — O círculo está fechado, mas o rádio-farol ainda não desceu. Vão para a frente vagarosamente e esmaguem tudo em volta, causem um pouco mais de problemas - mas lembrem-se do rapaz ao seu lado; não causem problemas para ele. Um bom trabalho, até agora; não o estraguem. Pelotão! Por seções... Chamada!

Parecia um bom trabalho para mim também; muito da cidade estava queimando e, embora fosse quase dia claro, era difícil dizer se o olho nu seria melhor do que os visores, tão grossa era a fumaça.

Johnson, nosso líder de seção, fez-se ouvir: — Segunda seção, chamada!

Eu ecoei: — Esquadras quatro, cinco e seis; chamada e relatório! — A variedade de circuitos seguros que tínhamos disponíveis neste novo modelo de comunicador certamente agilizava as coisas: Jelly podia falar para todos ou para seus líderes de seção; um líder de seção podia falar para toda sua seção ou para os seus graduados; e o pelotão podia responder a chamada duas vezes mais rápido, quando os segundos contavam. Ouvi a quarta esquadra encerrar enquanto eu fazia um inventário do meu poder de fogo restante e jogava uma bomba para um magrelo que botou a cabeça pra fora numa esquina. Ele caiu fora e eu também. "Esmaguem tudo em volta", o chefão tinha dito.

A quarta esquadra encalhou na chamada até que o líder dela lembrou de preencher o número de Jenkins; a quinta esquadra contou como um ábaco e eu comecei a me sentir bem... quando a chamada parou após o número quatro na esquadra de Ace, eu gritei: — Ace, cadê o Dizzy?

— Cale-se! — ele disse. — Número seis! Chamada!

— Seis! — Smith respondeu.

— Sete!

— Sexta esquadra, Flores desaparecido, — Ace completou. — Líder de esquadra saindo para o resgate.

— Um homem ausente, — relatei para Johnson. — Flores, esquadra seis.

— Desaparecido ou morto?

— Líder de esquadra e assistente do líder de seção saindo para o resgate.

— Johnnie, você deixa Ace cuidar disso.

Mas eu não ouvi e assim não respondi. Ouvi-o relatar a Jelly e ouvi Jelly praguejar. Veja bem, eu não estava procurando uma medalha - é dever do assistente do líder de seção fazer o resgate; ele é o que vai atrás, o último homem, o dispensável. Os líderes de esquadra têm outras coisas para fazer. Como você sem dúvida já percebeu, o assistente do líder de seção não é necessário enquanto o líder de seção estiver vivo.

Bem naquele momento eu estava me sentindo incomumente dispensável, quase dispensado, pois estava ouvindo o som mais doce do universo, o rádio-farol do veículo de recolha que estava para pousar, nos chamando. O rádio-farol é um foguete robô, disparado à frente do veículo de recolha, apenas um espigão que se enterra no solo e começa a emitir aquela tão bem-vinda música. O veículo de recolha automaticamente vai até ele três minutos depois e é melhor você estar lá, pois o ônibus não pode esperar e não haverá outro.

Mas você não vai embora deixando um camarada de tropa, não enquanto ainda houver uma chance de que ele esteja vivo - não nos Rudes de Rasczak. Não em qualquer grupo da Infantaria Móvel. Você tenta fazer o resgate.

Ouvi Jelly ordenar: — Cabeças pra cima, rapazes! Fechem o círculo para a recolha e interditem a área! Quicando!

E ouvi a doce voz do rádio-farol: — ... para a eterna glória da infantaria, brilha o nome, brilha o nome de Rodger Young! — e queria tanto ir pra ele que até podia sentir o gostinho.

Ao invés disso eu estava indo pro outro lado, me aproximando do rádio-farol de Ace e gastando o que tinha sobrado de bombas e pílulas de fogo e qualquer coisa mais que pudesse me sobrecarregar. — Ace! Você pegou o farol dele?

— Peguei. Volte, seu inútil!

— Já peguei você pelo olho. Onde ele está?

— Bem à minha frente, uns 400 metros. Cai fora! Ele é meu homem!

Não respondi; apenas virei à esquerda de modo a alcançar Ace onde ele disse que Dizzy estava.

E achei Ace debruçado sobre ele, um par de magrelos queimados e outros fugindo. Parei a seu lado. — Vamos tirá-lo da blindagem, a recolha vai pousar a qualquer segundo!

— Ele está ferido demais!

Dei uma olhada e vi que era verdade - havia realmente um buraco na blindagem e sangue saindo dele. E eu estava sem saber o que fazer. Para resgatar um ferido você o tira da blindagem... e então simplesmente o carrega em seus braços - o que não é problema num traje propulsado - e pula fora dali. Um homem nu pesa menos do que a munição e outras coisas que você gastou. — O que vamos fazer?

Vamos carregá-lo, — Ace disse sério. — Pegue no lado esquerdo do cinturão dele. — Ele pegou do lado direito e o pusemos de pé. — Travado! Agora... vou contar, prepare-se para saltar... um... dois!

Saltamos. Não muito longe, não muito bem. Um homem sozinho não teria conseguido tirá-lo do chão; um traje blindado é pesado demais. Mas dividido entre dois homens podia ser feito.

Saltamos, e saltamos, e de novo, e de novo, com Ace contando e nós dois equilibrando e apanhando Dizzy em cada pouso. Seus giroscópios pareciam não estar funcionando.

Ouvimos o rádio-farol se calar quando o veículo de resgate aterrissou - eu o vi aterrissar... e ele estava distante demais. Ouvimos o sargento de pelotão interino gritar: — Em seqüência, preparar para embarcar!

E Jelly gritou: — Cancele essa ordem!

Chegamos por fim ao campo aberto e vimos o veículo sobre sua cauda, ouvimos o barulho de seus avisos de decolagem -vimos o pelotão ainda no chão em volta dele, formando um círculo de interdição, agachados atrás do escudo que tinham formado.

Ouvimos Jelly gritar: — Em seqüência, para o veículo... movam-se!

E ainda estávamos longe demais! Pude ver a primeira esquadra saindo da formação e entrar no veículo enquanto o círculo se estreitava.

E um vulto solitário saiu do círculo, vindo na nossa direção numa velocidade possível apenas num equipamento de comando.

Jelly nos apanhou enquanto estávamos no ar, agarrou Flores pelo lançador Y e nos ajudou a erguê-lo.

Três saltos nos levaram ao veículo. Todos os outros estavam dentro, mas a porta ainda estava aberta. Pusemos ele pra dentro e a fechamos, enquanto a pilota do veículo berrava que nós a fizemos perder o ponto de encontro e agora todos nós compraríamos uma campa! Jelly não prestou atenção; deitamos Flores e nos deitamos ao lado dele. Quando o impacto nos atingiu Jelly estava dizendo pra si mesmo: — Todos presentes, Tenente. Três homens feridos, mas todos presentes!

Vou dizer uma coisa da Capitã Deladrier: eles não fazem mais pilotos assim. Um encontro de veículo com nave em órbita é precisamente calculado. Não sei como, mas é, e você não muda isso. Não é possível.

Mas ela o fez. Ela viu pelo seu visor que o veículo não tinha sido lançado na hora; freou, ganhou velocidade de novo... e nos encontrou e nos pegou, só pela vista e pelo tato, sem tempo de computar isso. Se o Todo Poderoso algum dia precisar de um assistente para manter as estrelas em seus cursos, sei onde pode procurar.

Flores morreu na subida.

 

Eu nunca quis realmente me alistar.

E muito menos na infantaria! Oras, eu preferiria ter tomado dez chicotadas em praça pública e ouvir de meu pai que eu era uma desgraça para um nome honrado.

Oh, eu tinha mencionado para meu pai, lá pelo fim do último ano do colégio, que estava pensando na idéia de ser voluntário para o Serviço Federal. Suponho que todo garoto faça isso, quando o seu aniversário de dezoito anos está chegando, e o meu caía bem na semana em que me formava. É claro que a maior parte apenas pensa sobre isso, brinca um pouco com a idéia, e então vai fazer alguma outra coisa: vai para a faculdade, ou arranja um emprego, ou outra coisa. Suponho que teria sido desse jeito comigo... se o meu melhor amigo não tivesse, muito seriamente, planejado se alistar.

Carl e eu tínhamos feito tudo juntos no colégio: olhado garotas juntos, saído com pares delas juntos, estado na equipe de debates juntos, empurrado elétrons juntos no laboratório caseiro dele. Eu mesmo não era grande coisa na eletrônica teórica, mas tenho uma boa mão com a pistola de solda. Carl fornecia os miolos e eu levava a cabo suas instruções. Era divertido; qualquer coisa que fazíamos juntos era divertida. A família de Carl não tinha nem de perto o dinheiro que meu pai possuía, mas isso não tinha importância entre nós. Quando meu pai me comprou um cóptero da Rolls no meu aniversário de quatorze anos, ele era de Carl tanto quanto meu; por outro lado, seu laboratório no porão era meu.

Dessa forma, quando Carl me contou que não continuaria direto com a escola, mas que serviria um período primeiro, isso me fez parar pra pensar. Ele realmente queria fazer aquilo; parecia pensar que era natural, direito e óbvio.

Assim eu disse a ele que iria me alistar também.

Ele me deu um olhar estranho. — O seu velho não vai deixar.

— Hã? Como ele pode me impedir? — E de fato não podia, não legalmente. É a primeira escolha completamente livre que alguém faz (e talvez a última); quando um garoto, ou uma garota, chega aos seus dezoito anos, ele ou ela pode ser voluntário e ninguém tem nada a ver com isso.

— Você vai ver. — Carl mudou de assunto.

Assim eu toquei no assunto com meu pai, hesitante, começando pelas beiradas.

Ele abaixou o jornal e o charuto e me encarou. — Filho, você está fora de si?

Eu resmunguei que não pensava que estava.

— Bom, certamente parece. — Ele suspirou. — No entanto... eu deveria estar esperando isso; é um estágio previsível no crescimento de um garoto. Me lembro de quando você aprendeu a andar e deixou de ser um bebê... francamente você foi um diabinho por um bom tempo. Quebrou um dos vasos Ming de sua mãe... de propósito, tenho certeza... mas você era jovem demais para saber que ele era valioso, assim só levou um tapa na mão. Lembro do dia em que você surrupiou um dos meus charutos, e de como isso te deixou doente. Sua mãe e eu tivemos o cuidado de evitar notar que você não podia comer o jantar naquela noite e nunca mencionei isso para você até agora... os garotos têm de experimentar essas coisas e descobrir por si próprios que os vícios dos homens não são para eles. Assistimos quando você entrou na adolescência e começou a notar que as garotas eram diferentes... e maravilhosas.

Ele suspirou de novo. — Todos os estágios normais. E o último, bem no fim da adolescência, é quando um garoto decide se alistar e vestir um uniforme bonito. Ou decide que está apaixonado, apaixonado como nenhum homem esteve antes, e que tem de se casar imediatamente. Ou ambos. — Ele deu um sorriso sinistro. — Comigo foram os dois. Mas consegui superar ambos a tempo para não fazer uma besteira e arruinar minha vida.

— Mas, pai, não vou arruinar minha vida. E apenas um período de serviço... não uma carreira.

— Vamos adiar a decisão, certo? Escute, e deixe que eu lhe diga o que você fará, porque você quer. Em primeiro lugar esta família tem estado fora da política e cultivado seu próprio jardim por mais de cem anos. Não vejo razão pra você quebrar esse excelente registro. Suponho que seja influência daquele sujeito no seu colégio, qual é o nome dele? Você sabe de quem estou falando.

Ele falava do nosso instrutor de História e Filosofia da Moral. Um veterano, é claro. — Sr. Dubois.

— Hmmph, um nome idiota. Combina com ele. Estrangeiro, sem dúvida. Deveria ser contra a lei usar escolas como postos de recrutamento disfarçados. Acho que vou escrever uma carta bem direta sobre isso... um contribuinte tem alguns direitos.

— Mas, Pai, ele não faz isso! Ele... — Parei, não sabendo como descrever. O Sr. Dubois tinha um jeito pomposo e superior, agia como se nenhum de nós fosse realmente bom o suficiente pra sermos voluntários para o serviço. Eu não gostava dele. — Se ele faz algo, é nos desencorajar.

— Hmmph! Você sabe como se conduz um porco? Deixa pra lá. Quando se formar, vai estudar administração em Harvard; você sabe disso. Após isso, irá pra Sorbonne e viajará um pouco, encontrará alguns de nossos distribuidores, descobrirá como os negócios são feitos em outros lugares. Então voltará pra casa e trabalhará. Vai começar por baixo, como atendente no estoque ou algo assim, apenas para manter as aparências... mas será um executivo antes que possa recuperar o fôlego, pois não estou ficando mais jovem e quanto antes você puder pegar o fardo, melhor. Tão logo seja capaz e esteja disposto, você será o chefe. Aí está! Como isso soa pra você como um programa? Quando comparado com jogar fora dois anos de sua vida?

Eu não disse nada. Nada disso era novo pra mim; eu tinha pensado sobre isso. O pai se levantou e pôs uma mão em meu ombro. — Filho, não pense que não estou a seu favor; eu estou. Mas olhe para os fatos da vida. Se houvesse uma guerra, eu seria o primeiro a aplaudir você... e a colocar os negócios em pé de guerra. Mas não há, e graças a Deus não haverá. Nós superamos as guerras. Este planeta agora é pacífico e feliz e temos boas relações com os outros planetas. Então o que é esse assim chamado "Serviço Federal"? Parasitismo, puro e simples. Um órgão sem função, completamente obsoleto, vivendo dos contribuintes. Uma jeito decididamente caro de pessoas inferiores, que de outro modo estariam desempregadas, viverem à custa do público por um período de anos, e então darem-se ares de importância pelo resto da vida. É isso que você quer?

— Carl não é inferior!

— Desculpe. Não, ele é um bom garoto... mas mal orientado. — Ele franziu as sobrancelhas, e então sorriu. — Filho, eu tinha planejado guardar algo como uma surpresa pra você, um presente de formatura. Mas vou contar agora de modo que você possa colocar essa besteira pra fora da sua cabeça mais facilmente. Não que eu tenha medo do que você possa fazer; tenho confiança no seu bom senso básico, mesmo você sendo jovem. Mas você está preocupado, eu sei. E isto vai clarear seus pensamentos. Pode adivinhar o que é?

— Ah, não.

Ele sorriu. — Uma viagem de férias pra Marte. Devo ter parecido espantado. — Puxa, pai, eu não fazia idéia...

— Queria surpreender você e vejo que consegui. Sei como vocês garotos se sentem a respeito de viajar, embora eu não entenda o que alguém veja nisso após a primeira vez fora. Mas este é um bom momento pra fazer isso... sozinho; eu mencionei isso? E superar isso... porque você estará ocupado demais para ter até mesmo uma semana em Luna uma vez que assuma as responsabilidades. — Ele pegou o jornal. — Não, não me agradeça. Apenas vá pra fora e me deixe acabar o jornal; terei alguns cavalheiros chegando esta tarde, brevemente. Negócios.

Saí. Suponho que ele pensou que aquilo resolveu o assunto... e creio que também pensei assim. Marte! E sozinho! Mas não contei a Carl; eu tinha uma leve suspeita de que ele chamaria isso de suborno. Bem, talvez fosse. Ao invés, simplesmente disse a ele que meu pai e eu parecíamos ter idéias diferentes sobre o assunto.

— É, — ele respondeu, — o meu também. Mas é minha vida.

Pensei sobre isso durante a nossa última aula de História e Filosofia da Moral. H&FM era diferente de qualquer outra matéria pois todo mundo tinha de assistir a aula, mas ninguém tinha de passar... e o Sr. Dubois nunca pareceu se importar em nos fazer entender. Ele apenas apontava pra você com o coto de seu braço esquerdo (nunca se importava com nomes) e atirava uma questão. Então a discussão começava.

Mas no último dia ele parecia estar tentando descobrir o que tínhamos aprendido. Uma garota disse a ele sem rodeios: — Minha mãe diz que violência nunca resolve nada.

— Sim? — O Sr. Dubois olhou para ela desoladamente. — Estou certo de que os fundadores de Cartago ficariam contentes de saber disso. Por que sua mãe não diz isso a eles? Ou por que você não faz isso?

Eles já tinham discutido antes. Uma vez que você não podia ser reprovado na matéria, não era preciso agradar o Sr. Dubois. Ela disse numa voz estridente: — Você está me gozando! Todo mundo sabe que Cartago foi destruída!

— Você parecia não saber disso, — ele disse duramente.

— Visto que sabe, você não diria que a violência resolveu seus destinos de forma bem definitiva? Todavia eu não estava gozando você pessoalmente; estava empilhando desdém sobre uma idéia tola e totalmente indesculpável; uma prática que sempre seguirei. A qualquer um que se apegue à historicamente falsa, e assim imoral, doutrina de que "violência nunca resolve nada" eu aconselharia que invoque os fantasmas de Napoleão Bonaparte e do Duque de Wellington e deixe-os debater o assunto. O fantasma de Hitler pode ser o árbitro, e o júri poderia bem ser o dodô, a alça gigante e a pomba migratória. Violência, força bruta, tem resolvido mais questões na história do que qualquer outro fator, e a opinião contrária é uma ilusão da pior espécie. Gerações que esqueceram dessa verdade básica sempre pagaram com suas vidas e liberdades.

Ele suspirou. — Outro ano, outra classe... e, para mim, outro fracasso. Pode-se levar uma criança ao conhecimento mas ninguém pode fazê-la pensar. — Subitamente ele apontou seu coto para mim. — Você. Qual é a diferença moral, se é que há, entre o soldado e o civil?

— A diferença, — respondi cautelosamente, — reside ... no campo da virtude cívica. Um soldado aceita responsabilidade pessoal pela segurança do corpo político do qual ele é membro, defendendo-o, se necessário, com sua própria vida. O civil não.

— As palavras exatas do livro, — ele disse com desdém. — Mas você entende isso? Acredita nisso?

— Ah, não sei, senhor.

— É claro que você não sabe! Duvido que qualquer um de vocês aqui reconhecesse "virtude cívica" mesmo que ela aparecesse bem debaixo de seus narizes! — Ele deu uma olhada em seu relógio. — E isso é tudo, um tudo final. Talvez nos encontremos de novo em melhores circunstâncias. Dispensados.

 

A formatura veio logo em seguida, e três dias depois meu aniversário, seguido em menos do que uma semana pelo de Carl... e eu ainda não tinha contado a ele que não iria me alistar. Estou certo de que ele estava assumindo que eu não iria, mas não discutimos esse assunto claramente... era embaraçoso. Apenas arranjei pra que nos encontrássemos no dia seguinte ao de seu aniversário e fomos para o posto de recrutamento.

Na entrada do Edifício Federal encontramos por acaso Carmencita Ibanez, uma colega de classe e uma das boas coisas a respeito de ser parte de uma raça com dois sexos. Carmen não era minha garota; não era a garota de ninguém. Ela nunca saía duas vezes em seguida com o mesmo cara e tratava a todos com a mesma doçura e de maneira um tanto impessoal. Mas eu a conhecia muito bem, já que ela sempre vinha usar nossa piscina, que era de comprimento olímpico, algumas vezes com um rapaz, outras com outro. Ou sozinha, como a mãe insistia para que viesse. A mãe considerava ela como uma "boa influência". Pelo menos uma vez ela estava certa.

Ela nos viu e esperou, sorrindo. — Oi, pessoal!

— Olá, Ochee Chyornya, — respondi. — O que faz por aqui?

— Não consegue adivinhar? Hoje é meu aniversário.

— Ah! Parabéns!

— Por isso estou me alistando.

— Oh... — Acho que Carl estava tão surpreso quanto eu. Mas Carmencita era assim mesmo. Nunca fofocava e mantinha pra ela mesma sua vida. — Sem brincadeira? — acrescentei, brilhantemente.

— Por que eu brincaria? Vou ser pilota de nave espacial, ou pelo menos tentarei.

— Não há razão pra que não consiga, — Carl disse rapidamente. Ele estava certo... sei agora quão certo ele estava. Carmen era pequena e hábil, perfeita saúde e perfeitos reflexos; ela podia fazer uma competição de salto ornamental parecer fácil e era rápida em matemática. Quanto a mim, consegui apenas C em álgebra e B em matemática financeira; já ela fez todos os cursos de matemática que nossa escola tinha e mais aulas particulares de matemática avançada ao mesmo tempo. Mas nunca tinha me ocorrido imaginar o porquê. O fato era que a pequena Carmen era tão ornamental que você simplesmente nunca pensava nela sendo útil.

— Nós, ãh, eu, — disse Carl, — vou me alistar também.

— E eu também, — concordei. — Nós dois. — Não, eu não tinha tomado nenhuma decisão; minha boca estava falando sozinha.

— Oh, sensacional!

— E vou tentar pra piloto espacial também, — acrescentei com firmeza.

Ela não riu. Respondeu bastante séria: — Oh, que legal! Talvez nos esbarremos no treinamento. Espero que sim.

— Cursos de colisão? — perguntou Carl. — Não é uma boa maneira de pilotar.

— Não seja bobo, Carl. No solo, é claro. Você vai ser piloto também?

— Eu? — Carl respondeu. — Não sou motorista de caminhão. Você me conhece: Starside P&D, se eles me pegarem. Eletrônica.

— "Motorista de caminhão", tá bom! Espero que te metam em Plutão e te deixem congelar por lá! Não, estou brincando... Boa sorte! Vamos lá?

O posto de recrutamento ficava atrás de um balcão no saguão. Um sargento de frota ficava lá sentado numa escrivaninha, num uniforme de gala, espalhafatoso como um circo. Seu peito estava cheio de insígnias que eu não conseguia ler. Mas seu braço direito tinha sido cortado tão curto que o uniforme tinha sido feito sem manga... e quando você chegava perto do balcão, podia ver que ele não tinha pernas.

Isso não parecia incomodá-lo. Carl disse: — Bom dia. Quero me alistar.

— Eu também, — acrescentei.

Ele nos ignorou, deu um jeito de se curvar, mesmo estando sentado, e disse: — Bom dia, minha jovem. O que posso fazer por você?

— Também quero me alistar.

Ele sorriu: — Boa garota! Se você der uma corridinha até a sala 201 e perguntar pela Major Rojas, ela tomará conta de você.

— Ele a olhou de cima a baixo. — Pilota?

— Se possível.

— Você parece com uma. Bem, vá ver a Senhorita Rojas. Ela foi, agradecendo a ele e nos dando um até logo. Ele voltou sua atenção para nós, nos olhou sem qualquer sinal do prazer que tinha mostrado ao ver a pequena Carmen. — Então?

— ele disse. — Para que? Batalhões de trabalho?

— Oh, não! — eu disse. — Vou ser um piloto.

Ele me encarou e depois desviou seus olhos sem dizer nada. — E você?

— Estou interessado na Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento, — Carl disse calmamente, — em especial eletrônica. Ouvi dizer que as chances são bastante boas.

— São, se você tem as qualidades necessárias, — o Sargento de Frota disse com voz grave, — e não são se você não tem o que é necessário, tanto em preparação como em habilidade. Olhem aqui, rapazes, vocês têm alguma idéia de por que eles me colocam aqui na frente?

Não entendi. Carl disse: — Por quê?

— Porque o governo não dá a mínima se vocês se alistam ou não! Porque agora é moda, entre algumas pessoas, pessoas demais, servir um período pra ganhar o direito de voto e poder usar uma insígnia na lapela que diz que você é um veterano... quer tenha alguma vez visto um combate ou não. Mas se vocês querem servir e eu não conseguir fazê-los mudar de idéia, então temos de aceitá-los, pois é seu direito constitucional. A constituição diz que todas as pessoas, homem ou mulher, devem ter o direito inalienável de prestar seu serviço e assumir cidadania plena - mas o fato é que está ficando difícil achar coisas para todos os voluntários fazerem que não sejam apenas uma forma disfarçada de descascar batatas. Vocês não podem ser todos soldados de verdade; não precisamos desse monte e de qualquer forma a maior parte dos voluntários não é material de primeira qualidade. Vocês fazem alguma idéia do que é preciso para se fazer um soldado?

— Não, — admiti.

— A maior parte das pessoas pensa que tudo que é preciso são duas mãos, dois pés e uma mente estúpida. Talvez, pra bucha de canhão. Talvez isso fosse tudo que Júlio César exigia. Mas um soldado raso de hoje é um especialista tão altamente treinado que precisaria de um mestrado em qualquer outra profissão; não podemos nos dar ao luxo de pegar idiotas. Desse modo para aqueles que insistem em servir um período - mas não têm o que queremos e precisamos - bolamos toda uma lista de trabalhos sujos, repulsivos e perigosos que irão ou fazê-los ir correndo pra casa com os rabos entre as pernas e seus períodos incompletos... ou pelo menos fazê-los lembrar pelo resto da vida que a cidadania deles é valiosa, pois pagaram um alto preço por ela. Vejam aquela jovem que estava aqui - quer ser uma pilota. Espero que consiga; sempre precisamos de bons pilotos, nunca há o bastante deles. Talvez consiga. Mas se falhar, poderá acabar na Antártida, seus bonitos olhos vermelhos de nunca ver nada além de luz artificial e os dedos calejados do trabalho duro e sujo.

Quis dizer a ele que o mínimo que Carmencita conseguiria seria programadora de computadores para a vigilância do céu; ela era mesmo um gênio na matemática. Mas ele estava falando.

— Assim eles me colocam aqui para desencorajar vocês garotos. Olhem pra isto. — Ele empurrou a cadeira para ter certeza de que podíamos ver que ele estava sem pernas. — Vamos assumir que vocês não acabem cavando túneis na Lua ou dando uma de cobaias para novas doenças por simples falta de talento; suponham que façamos um combatente de vocês. Dêem uma olhada em mim - isto é o que vocês podem comprar... se não comprarem a campa toda e fizerem as suas famílias receberem um telegrama de "imenso pesar". O que é mais provável, já que nestes dias, em treinamento ou combate, não há muitos feridos. Se comprarem, provavelmente atirarão vocês num caixão - eu sou uma rara exceção; tive sorte... embora talvez vocês não chamassem isto de sorte.

Ele parou e acrescentou: — Então por que vocês garotos não vão pra casa, vão pra a faculdade, e se tornam químicos ou vendedores de seguros ou qualquer coisa? Um período de serviço não é um acampamento de criancinhas, é ou serviço militar de verdade, difícil e perigoso, mesmo em tempo de paz... ou uma imitação muito pouco razoável. Não são férias. Não é uma aventura romântica. Bem?

Carl disse: — Estou aqui para me alistar.

— Eu também.

— Vocês entendem que não poderão escolher os seus serviços?

Carl disse: — Pensava que poderíamos declarar nossas preferências?

— Claro. E essa será a última escolha que vocês farão até o fim de seus períodos. O oficial de colocações também presta atenção à sua escolha. A primeira coisa que ele faz é verificar se há alguma procura por sopradores de vidro canhotos nesta semana - sendo isso o que você acha que lhe fará feliz. Tendo relutantemente admitido que há uma necessidade pela sua escolha -provavelmente no fundo do Pacífico - ele então testa a sua habilidade inata e preparação. Mais ou menos uma vez em cada vinte ele é forçado a admitir que tudo combina e você pega a vaga... até que algum engraçadinho lhe dê ordens de despacho para algo bem diferente. Mas nas outras dezenove vezes ele recusa a sua preferência e decide que você era exatamente o que eles estavam precisando para o teste de campo do equipamento de sobrevivência em Titã. — Ele acrescentou meditativo: — É um pouquinho frio em Titã. E é espantosa a freqüência com que o equipamento experimental dá defeito. Porém testes de campo são necessários - laboratórios nunca têm todas as respostas.

— Posso me qualificar em eletrônica, — Carl disse com firmeza, — se houver vagas abertas.

— Então? E você, maninho?

Hesitei - e subitamente percebi que, se não entrasse de cabeça, iria ficar imaginando toda minha vida se eu não passava do filho do chefe. — Vou me arriscar.

— Bem, vocês não podem dizer que eu não tentei. Trouxeram as suas certidões de nascimento? E deixem eu ver seus RGs.

Dez minutos depois, ainda não jurados, estávamos no andar mais alto do prédio sendo espetados e cutucados e radiografados. Decidi que a idéia por trás de um exame físico é que, se você não está doente, eles farão o melhor que puderem pra te deixar doente. Se a tentativa falhar, então você está dentro.

Perguntei a um dos doutores qual a porcentagem das vitimas que era reprovada no físico. Ele pareceu espantado: — Ora, nós nunca reprovamos ninguém. A lei não permite.

— Ãhn? Quero dizer, não entendi, doutor? Então pra que serve ficar desfilando pelado por aqui?

— Oras, o propósito é, — ele respondeu, erguendo um martelo e batendo em meu joelho (eu o chutei, mas não muito forte), — pra descobrir que serviços você está fisicamente apto a realizar. Mas se você chegar aqui em uma cadeira de rodas e cego dos dois olhos e mesmo assim for idiota o suficiente para insistir em se inscrever, eles encontrarão algo idiota o suficiente pra combinar. Contar os pelos de uma lagarta pelo toque, talvez. O único jeito de você ser reprovado é se os psiquiatras decidirem que não é capaz de compreender o juramento.

— Oh. Ãh... Doutor, o senhor já era médico quando se alistou? Ou eles decidiram que devia ser um e o mandaram pra escola?

— Eu? — Ele pareceu chocado. — Jovem, eu pareço idiota? Sou um empregado civil.

— Oh. Desculpe.

— Não estou ofendido. Mas serviço militar é para formigas. Acredite no que eu digo. Eu vejo eles irem, eu vejo eles voltarem - quando voltam. Vejo o que é feito com eles. E pra quê? Por um privilégio político puramente nominal que não vale um centavo e que de qualquer forma a maioria deles não é competente pra usar com sabedoria. Agora, se eles deixassem o pessoal da medicina dirigir as coisas - mas deixa pra lá; você pode pensar que eu estava falando em traição, liberdade de expressão ou não. Mas, jovem, se você for esperto o bastante para contar até dez, vai voltar pra trás enquanto pode. Aqui, leve estes papéis de volta ao sargento de recrutamento - e lembre-se do que eu disse.

Fui de volta para o saguão. Carl já estava lá. O Sargento de Frota deu uma olhada nos meus papéis e disse mal-humorado: — Parece que vocês dois são saudáveis até demais - exceto pelos buracos na cabeça. Um momento, enquanto arranjo algumas testemunhas. — Apertou um botão e duas escrituradas apareceram, uma velhota e outra até que bonitinha.

Ele apontou para nossos formulários de exame físico, nossas certidões de nascimento e nossos RGs, e disse formalmente: — Convido e requisito que vocês, cada uma e seriamente, examinem estas provas, determinem o que elas são e determinem, cada uma separadamente, que relação há, se houver, entre cada documento e estes dois homens aqui em sua presença.

Elas trataram disso como uma rotina chata, o que estou certo de que era; de qualquer forma elas examinaram atentamente cada documento, tiraram nossas digitais - de novo! - e a bonitinha colocou uma lente de joalheiro no olho e comparou as impressões do nascimento até hoje. Fez o mesmo com as assinaturas. Comecei a duvidar de que eu era eu mesmo.

O Sargento de Frota acrescentou: — Acharam evidências relativas à presente competência deles para fazerem o juramento de alistamento? Se sim, quais?

— Encontramos, — a mais velha disse, — anexo a cada registro de exame físico uma conclusão devidamente certificada por uma junta de psiquiatras, autorizada e delegada, afirmando que cada um deles é mentalmente competente para fazer o juramento e que nenhum deles está sob a influência de álcool, narcóticos, outras drogas desqualificatórias, nem de hipnose.

— Muito bom. — Ele se voltou para nós. — Repitam comigo...

— Eu, — nós dois repetimos, — sendo de idade legal, pela minha livre vontade...

— ... sem coerção, promessa, ou indução de qualquer tipo, após ter sido devidamente aconselhado e alertado do significado e conseqüências deste juramento...

— ... agora me alisto no Serviço Federal da Federação Terrana por um período de não menos do que dois anos e tão longo quanto possa ser exigido pelas necessidades do Serviço...

(Travei um pouco naquela parte. Tinha sempre pensado sobre o "período" como dois anos, mesmo que soubesse da verdade, porque é assim que as pessoas falam sobre ele. Ora, estávamos nos alistando pra vida toda.)

— Juro apoiar e defender a Constituição da Federação contra todos os inimigos, dentro ou fora da Terra, proteger e defender as liberdades e privilégios constitucionais de todos os cidadãos e residentes legais da Federação, seus Estados associados e territórios, e realizar, dentro ou fora da Terra, tais deveres de qualquer natureza legal que possam me ser atribuídos por autoridade legal ou delegada...

— ... e obedecer todas as ordens legais do Comandante em Chefe da Federação Terrana e de todos os oficiais ou pessoas delegadas colocadas acima de mim...

— ... e requerer tal obediência de todos os membros do Serviço ou outras pessoas ou não-humanos que estejam legalmente sob as minhas ordens...

— ... e, ao ser dispensado com honra ao completar todo meu período de serviço ativo, ou ao ser colocado em situação de aposentado inativo após ter completado tal período integral, levar a cabo todos os deveres e obrigações e desfrutar de todos os privilégios da cidadania da Federação, incluindo mas não limitado ao dever, obrigação e privilégio de exercer o direito de voto soberano pelo resto de minha vida natural a menos que seja despojado da honra por veredicto corroborado por uma corte de meus iguais.

(Ufa!) O Sr. Dubois tinha analisado para nós o juramento do Serviço em História e Filosofia da Moral e tinha feito a gente estudá-lo frase por frase - mas você não percebe o tamanho da coisa até que ela esteja rolando sobre você, tudo num todo desajeitado, tão pesado e impossível de parar como um rolo compressor.

Pelo menos isso me fez perceber que não era mais um civil, com a fralda da camisa de fora e nada em minha mente. Ainda não sabia o que eu era, mas sabia o que não era.

— Que Deus me ajude! — nós dois terminamos e tanto Carl como a bonitinha fizeram o sinal da cruz.

Após isso houve mais assinaturas e digitais, de todos nós cinco, tiraram colorografias planas de mim e de Carl e as gravaram em nossos papéis. O Sargento de Frota finalmente olhou para nós. — Oras, já passa da hora do almoço. Hora do rango, garotos.

Engoli em seco. — Ãh... Sargento?

— Sim? Fale.

— Posso fonar minha família daqui? Dizer a eles que eu... Dizer a eles como acabou?

— Podemos fazer melhor do que isso.

— Senhor?

— Vocês vão para uma licença de quarenta e oito horas agora. — Ele sorriu friamente. — Sabe o que acontecerá se não voltar?

— Ãh... corte marcial?

— Nada. Nadinha mesmo. Exceto que seus papéis serão marcados, "Período não completado satisfatoriamente", e vocês nunca, nunca, nunquinha terão uma segunda chance. Este é o nosso período de resfriamento, durante o qual descartamos os bebês supercrescidos, que não tinham realmente a vontade e nunca deviam ter feito o juramento. Isso poupa o dinheiro do governo e também muita tristeza para essas crianças e seus pais - os vizinhos não precisam saber. Você não tem nem mesmo de contar para seus pais. — Ele empurrou sua cadeira pra longe da mesa. — Então vejo vocês ao meio-dia de depois de amanhã. Se eu vir vocês. Tragam os seus pertences pessoais.

Foi uma droga de licença. O pai ficou esbravejando, e depois parou de falar comigo; a mãe ficou de cama. Quando finalmente saí de casa, uma hora antes do que precisava, ninguém além do cozinheiro da manhã e dos criados da casa se despediu de mim.

Parei em frente à mesa do sargento recrutador, pensei em fazer uma continência e decidi que não sabia como. Ele olhou pra cima. — Oh. Aqui estão seus papéis. Leve-os para a sala 201, lá eles vão colocá-lo na engrenagem. Bata e entre.

Dois dias depois eu sabia não viria a ser piloto. Algumas das coisas que os examinadores escreveram sobre mim eram: "insuficiente entendimento intuitivo de relações espaciais... insuficiente talento matemático... deficiente preparação matemática... tempo de reação adequado... visão boa". Estava contente de terem colocado aqueles dois últimos; já estava começando a achar que contar nos dedos era o meu nível.

O oficial de colocações me deixou fazer uma lista de minhas outras preferências, em ordem de prioridade, e apanhei mais quatro dias dos mais malucos testes de aptidão de que já ouvi falar. Quero dizer, o que eles podem descobrir quando uma estenógrafa pula na cadeira dela e grita "Cobras!" ? Não havia cobra alguma, só um inofensivo pedaço de mangueira.

Os testes orais e escritos eram na maior parte tão idiotas quanto aquele, mas eles pareciam felizes com os testes, por isso eu os fiz. A coisa que fiz com mais cuidado foi listar minhas preferências. Naturalmente coloquei todos os trabalhos na Marinha Espacial (que não fossem de piloto) no topo; quer fosse como técnico da sala de força ou como cozinheiro, eu sabia que preferia qualquer trabalho na Marinha do que qualquer trabalho no Exército - queria viajar.

Em seguida listei Inteligência - um espião também anda por aí, e imaginei que esse trabalho não podia ser chato. (Estava errado, mas deixa pra lá.) Após isso vinha uma longa lista: guerra psicológica, guerra química, guerra biológica, ecologia de combate (não sabia o que era, mas parecia interessante), unidade de logística (um simples engano; eu tinha estudado lógica para a equipe de debates e acontece que "logística" tem dois significados inteiramente separados), e uma dúzia de outros. Bem no fim, com alguma hesitação, coloquei a unidade K-9, e a Infantaria.

Não me incomodei em listar as várias unidades auxiliares não-combatentes pois, se não fosse escolhido pra uma unidade de combate, não me importava se me usassem como cobaia ou me mandassem como trabalhador braçal para a Terranização de Vênus - qualquer dos dois era um prêmio duvidoso.

O Sr. Weiss, o oficial de colocações, mandou me chamar uma semana depois do meu juramento. Ele era na verdade um major da guerra psicológica aposentado, no serviço ativo por contrato, mas se vestia à paisana, insistia em ser chamado apenas de "Senhor" e você podia relaxar e se acalmar com ele. Ele tinha a minha lista de preferências e os relatórios de todos os meus testes e vi que estava olhando meu histórico do colégio - o que me agradou, pois tinha feito tudo certo no colégio; tinha mantido minhas notas sempre altas o suficiente, mas não tão altas a ponto de ser marcado como um caxias, nunca tendo sido reprovado em qualquer matéria e desistido apenas de uma. Além do que eu tinha sido um destaque na escola: equipe de natação, equipe de debates, equipe de atletismo, tesoureiro da classe, medalha de prata no concurso literário anual, presidente do comitê organizador da festa anual, coisas assim. Um considerável currículo e ele estava todo lá no histórico.

Ele olhou por cima dos papéis quando entrei e disse: — Sente-se, Johnnie, — continuou olhando o histórico e depois o largou. — Você gosta de cães?

— Ãhn? Sim, senhor.

— Quanto gosta deles? O seu cachorro dormia na sua cama? A propósito, onde está o seu cachorro agora?

— Bem, eu não tenho um cachorro no momento. Mas quando tinha um - bem, não, ele não dormia na minha cama. Sabe, a mãe não deixava cachorros entrarem em casa.

— Mas você não o deixava entrar às escondidas?

— Ãh... — Pensei em tentar explicar pra ele o método não-zangada-mas-terrivelmente-magoada que a mãe usava quando você tentava contrariá-la em algo de que ela estivesse decidida. Mas desisti. — Não, senhor.

— Mmm... você já viu um neocão?

— Ãh, uma vez, senhor. Ele exibiram um no Teatro Macarthur dois anos atrás. Mas a Sociedade Protetora criou problemas.

— Deixe-me dizer a você como é ser parte de uma equipe K-9. Um neocão não é apenas um cão que fala.

— Eu não pude entender aquele neo no Macarthur. Eles falam mesmo?

— Falam. Você apenas tem de treinar o seu ouvido para o sotaque deles. Suas bocas não podem formar o 'b', o 'm', o 'p' e o V e por isso você tem de se acostumar com os seus equivalentes - algo parecido com a deficiência de alguém que tenha o pala to fendido, só que com diferentes letras. Mas um neocão não é um cão falante; ele não é nem mesmo um cão, é um simbionte, uma mutação artificial derivada do material genético dos cães. Um neo, um Caleb treinado, é umas seis vezes mais inteligente do que um cachorro, digamos que seja tão inteligente quanto um débil mental humano - exceto que a comparação não é justa para o neo; um débil mental é um defeituoso, enquanto que um neo é um gênio estável em seu trabalho.

O Sr. Weiss fez uma cara feia. — Desde que, é claro, ele tenha seu simbionte. Essa é a dificuldade. Mmm... você é jovem demais para ter sido casado, mas já viu o casamento, pelo menos o de seus pais. Você pode se imaginar casado com um Caleb?

— Ãhn? Não. Não, não posso.

— O relacionamento emocional entre o cão-homem e o homem-cão numa equipe K-9 é bem mais íntimo e muito mais importante do que o que existe na maioria dos casamentos. Se o mestre é morto, matamos o neocão - imediatamente! E tudo que podemos fazer pelo coitado. Uma morte piedosa. Se o neocão é morto... bem, não podemos matar o homem, mesmo que essa seja a solução mais simples. Ao invés disso nós o contemos e o hospitalizamos, e então lentamente o colocamos inteiro de novo. — Pegou uma caneta e fez uma marca. — Não acho que possamos nos arriscar a designar para a K-9 um menino que nem ao menos conseguiu enganar sua mãe pra dormir junto com o cachorro. Então vamos pensar sobre outra coisa.

Foi só então que percebi que já devia ter bombado em todas as opções de minha lista que estavam acima da Unidade K-9 - e agora tinha sido reprovado nessa também. Estava tão espantado que quase nem ouvi a sua próxima observação. O Major Weiss disse meditativo, sem qualquer expressão e como se estivesse falando de outra pessoa, há muito morta e bem distante: — Já fui metade de uma equipe K-9. Quando o meu Caleb se tornou uma baixa, eles me mantiveram sob sedação por seis semanas e então me reabilitaram para outro trabalho. Johnnie, esses cursos que você fez - por que é que não estudou algo de útil?

— Senhor?

— Tarde demais agora. Esqueça. Mmm... seu instrutor de História e Filosofia da Moral parece pensar bem de você.

— E mesmo? — Eu estava surpreso. — O que ele disse? Weiss sorriu. — Ele diz que você não é estúpido, apenas ignorante e prejudicado pelo ambiente. Vindo dele isto é um alto elogio - eu o conheço.

Não parecia um elogio pra mim. Aquele velhote esnobe cabeça dura...

— E, — Weiss continuou — um garoto que pega um "C-menos" em Apreciação de Televisão não pode ser de todo mal. Acho que aceitaremos a recomendação do Sr. Dubois. Você gostaria de ser um soldado de infantaria?

Saí do Edifício Federal me sentindo diminuído, embora não realmente infeliz. Pelo menos era um soldado; tinha documentos em meu bolso para provar isso. Não tinha sido classificado como burro e inútil demais para qualquer coisa que não fosse trabalho braçal.

Era um pouco depois do horário de trabalho e o prédio estava vazio a não ser pelo pouco pessoal do turno da noite e de uns poucos desgarrados. Cruzei com um homem no saguão, que estava saindo; seu rosto me pareceu familiar, mas não pude me lembrar de onde.

Mas ele me notou e me reconheceu. — Boa tarde! — ele disse rápido. — Ainda não foi despachado?

Então eu o reconheci - o Sargento de Frota que tinha tomado o nosso juramento. Acho que meu queixo caiu; este homem estava em roupas civis, estava andando por ali em duas pernas e tinha dois braços. — Ãh, boa tarde, Sargento, — Eu murmurei.

Ele entendeu minha expressão perfeitamente, deu uma olhada pra si mesmo e sorriu despreocupado. — Relaxe, garoto. Não tenho de manter o meu show de horror depois do horário de trabalho - e não o faço. Ainda não foi embarcado?

— Acabei de receber minhas ordens.

— Para que?

— Infantaria Móvel.

Sua face se partiu num grande sorriso de felicidade e sua mão agarrou a minha. — Minha unidade! Aperte aqui, filho! Faremos de você um homem - ou o mataremos tentando. Talvez os dois.

— É uma boa escolha? — Eu disse em dúvida.

— "Uma boa escolha"? Filho, é a única escolha! A Infantaria Móvel é o Exército. Todos os outros são ou apertadores de botão ou professores, estão lá apenas pra nos passar a serra; nós fazemos o trabalho. — Ele apertou minha mão de novo e acrescentou: — Mande-me um cartão - "Sargento de Frota Ho, Edifício Federal", e ele chegará. Boa sorte! — E se foi, ombros pra trás, batendo os calcanhares, cabeça pra cima.

Olhei pra minha mão. A mão que ele tinha me oferecido era a que não estava lá - sua mão direita. Mas tinha parecido de carne e tinha apertado a minha com firmeza. Já tinha lido sobre essas próteses motorizadas, mas é espantoso da primeira vez que você cruza com uma.

Voltei para o hotel onde os recrutas eram temporariamente alojados durante a colocação - não tínhamos nem uniformes ainda, apenas sobretudos que vestíamos durante o dia e nossas próprias roupas após o horário. Fui para o meu quarto e comecei a empacotar as coisas, já que estaria embarcando cedinho de manhã - empacotando pra mandar as coisas pra casa, quero dizer. Weiss tinha me avisado pra não levar comigo qualquer coisa além de fotos de família e talvez um instrumento musical se tocasse um (o que eu não fazia). Carl tinha partido três dias antes, tendo conseguido o trabalho de P&D que queria. Eu estava contente com isso, pois ele estaria perplexo com o bilhete com que eu tinha sido sorteado. A pequena Carmen também já tinha partido, com o posto de cadete aspirante da Marinha (em experiência) - ela iria ser uma pilota, é claro, se fosse capaz... e eu suspeitava que era.

Meu colega de quarto temporário entrou quando eu estava empacotando. — Recebeu suas ordens? — perguntou.

— Sim.

— Pra que?

— Infantaria Móvel.

— A Infantaria? Oh, meu pobre palhaço! Sinto muito por você, realmente sinto.

Olhei direto pra ele e disse zangado: — Cale-se! A Infantaria Móvel é a melhor unidade no Exército - ela é o Exército! O resto de vocês panacas só estão lá pra nos passar a serra - nós fazemos o trabalho.

Ele riu. — Você vai ver só!

— Está querendo uma boca cheia de cacos?

 

Fiz o Básico no Acampamento Arthur Currie, nas pradarias do norte, junto com umas duas mil outras vítimas - e quando digo "Acampamento" quero dizer isso mesmo, pois as únicas construções permanentes que havia por lá eram para abrigar equipamento. Dormíamos e comíamos em barracas; vivíamos ao ar livre - isto é, se você chamar àquilo de "viver", o que na época eu não fazia. Estava acostumado a um clima quente; parecia pra mim que o Pólo Norte estava a apenas dez quilômetros ao norte do acampamento e se aproximando. A Era Glacial que estava de volta, sem dúvida.

Mas exercício mantém você aquecido e eles cuidavam pra que nós tivéssemos um monte.

Na nossa primeira manhã eles nos acordaram antes do raiar do dia. Eu tinha tido problemas pra me ajustar à mudança de fuso horário e parecia que tinha acabado de ir dormir; não podia acreditar que alguém quisesse seriamente que eu me levantasse no meio da noite.

Mas eles queriam exatamente isso. Um alto-falante em algum lugar estava berrando uma marcha militar, sob medida para acordar os mortos e um chato de galocha que tinha descido a rua da companhia gritando "Todo mundo pra fora! De pé! Quicando!" voltou a atacar justo quando eu tinha acabado de puxar os cobertores sobre a cabeça, derrubando minha cama de armar e me jogando no chão duro.

Foi uma atenção impessoal; nem esperou pra ver se eu caí.

Dez minutos depois, calçado e vestido com calça e camiseta, eu estava alinhado com os outros em fileiras mal feitas para exercícios de aquecimento bem quando o sol aparecia por cima do horizonte leste. De frente pra nós estava um homem grande, de ombros largos e cara de mau, vestido da mesma forma que nós - exceto que eu parecia e me sentia como um trabalho de embalsamamento mal feito, enquanto que ele estava com o queixo tão bem raspado que brilhava, suas calças estavam bem passadas, você poderia ter usado as botas dele como espelhos, e o seu jeito era alerta, bem acordado, relaxado e descansado. Você tinha a impressão de que ele nunca precisava dormir - apenas revisões a cada dez mil quilômetros e limpar o pó de vez em quando.

Ele urrou: — C’pniia! Aten... chão! Sou o Sargento Embarcado de Carreira Zim, seu comandante de companhia. Quando falarem comigo vocês farão continência e dirão "Senhor" -vocês farão continência e tratarão por "senhor" qualquer um que carregue um bastão de instrutor... — Ele estava carregando uma bengala empolada e fez um rápido malabarismo com ela para mostrar o que queria dizer com bastão de instrutor; eu tinha notado homens com eles quando chegamos na noite anterior e tinha tido vontade de conseguir um pra mim - eles pareciam maneiros. Agora mudei de idéia. — ... porque nós não temos oficiais suficientes por aqui pra que vocês pratiquem. Vocês praticarão conosco. Quem espirrou?

Ninguém respondeu...

— QUEM ESPIRROU?

— Eu, — uma voz respondeu.

— "Eu" o que?

— Eu espirrei.

— "Eu espirrei", SENHOR!

— Eu espirrei, senhor. Estou com frio, senhor.

— Oho! — Zim andou com passos largos e vigorosos até o homem que havia espirrado, colocou a ponta da bengala empolada alguns centímetros abaixo de seu nariz e exigiu: — Nome?

— Jenkins... senhor.

— Jenkins... — Zim repetiu como se a palavra fosse de alguma forma desagradável, vergonhosa até. — Suponho que alguma noite em patrulha você irá espirrar apenas por estar com o nariz escorrendo. Eim?

— Espero que não, senhor.

— Também espero. Mas você está com frio. Hmm... vamos dar um jeito nisso. — Ele apontou com sua vara. — Vê aquele arsenal lá? — Olhei e não vi nada além de pradaria exceto uma construção que parecia estar quase no horizonte.

— Caia fora. Corra em volta dele. Corra, eu disse. Rápido! Bronski! Marque o ritmo dele.

— Certo, Sarja. — Um dos cinco ou seis outros portadores de bastão saiu atrás de Jenkins, apanhou-o facilmente e deu-lhe uma pancada com o bastão na altura do traseiro. Zim voltou-se para o resto de nós, ainda arrepiados em posição de sentido. Ele andou pra cima e pra baixo, nos examinou e pareceu terrivelmente descontente. Por fim parou à nossa frente, fez que não com a cabeça e disse, aparentemente para si mesmo, mas ele tinha uma voz que se projetava: — E pensar que isto tinha de acontecer a mim!

Deu uma olhada em nós. — Seus macacos - Não, não "macacos"; vocês não estão à altura. Seu desprezível bando de macaquinhos doentes... seus babões de peito afundado e barriga mole, seus fugitivos de uma barra de saia. Em toda minha vida nunca vi um tão vergonhoso agrupamento de mimadinhos da mamãe em - você ai! Ponha essas tripas pra dentro! Olhos pra frente! Estou falando com você!

Encolhi minha barriga, mesmo não tendo certeza de que se referia a mim. Ele continuou e continuou e eu comecei a esquecer que estava morrendo de frio ouvindo ele esbravejar. Nunca se repetia e nunca usava blasfêmias ou obscenidades. (Aprendi mais tarde que as guardava para ocasiões muito especiais, o que aquela não era.) Mas descreveu todas as nossas deficiências, físicas, mentais, morais e genéticas, em grandes e insultantes detalhes.

Mas de alguma forma eu não me senti insultado; fiquei bastante interessado em estudar seu domínio da linguagem. Desejei que tivéssemos tido ele em nossa equipe de debates.

Por fim ele parou e parecia a ponto de chorar. — Não posso agüentar, — ele disse amargurado. — Tenho de dar um jeito nisso - Eu tinha uma coleção de soldados de madeira melhor quanto tinha seis anos. TUDO BEM! Há algum de vocês piolhos da selva que pensa que pode me bater? Há algum homem na multidão? Falem!

Houve um curto silêncio para o qual eu contribuí. Não tinha dúvida nenhuma de que ele podia me bater; estava convencido.

Ouvi uma voz lá do fim da fileira, do lado dos mais altos. — Eu tenhu p'ra mim qui eu possu... siôr.

Zim pareceu feliz. — Dê um passo pra frente onde eu possa vê-lo. — O recruta obedeceu, e era impressionante; quase dez centímetros mais alto do que o Sargento Zim e mais largo nos ombros. — Qual o seu nome, soldado?

— Breckinridge, siôr - e tenhu noventa e cincu quilus e eles naum saum nenhu' de "baiga mole".

— Algum modo particular pelo qual você goste de lutar?

— Siôr, o siôr ecolhe seu própio reito de morre. Naum sô frescu.

— Okay, sem regras. Comece quando quiser. — Zim jogou fora seu bastão.

Começou - e já acabou. O recruta gigante estava sentado no chão, segurando o pulso esquerdo com a mão direita. Ele não disse nada.

Zim se curvou sobre ele. — Quebrado?

— Tenhu pra mim qui possa sê... siôr.

— Sinto muito. Você me apressou um pouco. Sabe onde é o dispensário? Deixa pra lá - Jones! Leve Breckinridge ao dispensário. — Quando eles saíam Zim deu um tapinha no ombro direito dele e disse baixo: — Vamos tentar de novo em mais ou menos um mês. Mostrarei a você o que aconteceu. — Acho que tinha a intenção de que aquilo ficasse só entre eles, mas estavam parados a uns dois metros de onde eu lentamente congelava.

Zim deu um passo para trás e gritou: — Okay, temos um homem nesta companhia, pelo menos. Me sinto melhor. Temos algum outro? Temos mais dois? Há dois de vocês sapos papudos que acham que podem me enfrentar? — Ele olhou pra frente e pra trás ao longo de nossas fileiras. — Seus fígados de galinha, vermes - oh, oh! Sim? Dêem um passo à frente.

Dois homens que tinham estado lado a lado nas fileiras deram um passo pra frente juntos; acho que tinham combinado em sussurros ali mesmo, mas também estavam lá pro fim da fila, do lado dos mais altos, então eu não ouvi. Zim sorriu pra eles. — Nomes, para eu poder informar os seus parentes mais próximos, por favor.

— Heinrich.

— Heinrich o que?

— Heinrich, senhor. Bitte. — Ele falou rapidamente com 46

o outro recruta e acrescentou polidamente: — Ele ainda não fala muito de inglês padrão, senhor.

— Meyer, mein Herr, — o segundo homem falou.

— Não há problema, um monte de recrutas não o falam quando chegam aqui - eu mesmo não falava. Diga a Meyer para não se preocupar, ele vai pegar o jeito. Mas ele compreende o que estamos pra fazer?

— Jawohl, — concordou Meyer.

— Claro, senhor. Ele entende padrão, apenas não fala fluentemente.

— Tudo bem. Onde vocês arranjaram essas cicatrizes na cara? Heidelberg?

— Nein - não, senhor. Kõnigsberg.

— A mesma coisa. — Zim tinha apanhado seu bastão após ter lutado com Beckinridge; ele o girou e perguntou: — Talvez vocês gostariam de pegar emprestados dois destes?

— Não seria justo para o senhor, senhor. - Heinrich respondeu com cuidado. — Mãos nuas, se faz favor.

— A vontade. Achei que poderia enganar vocês. Kõnigsberg, eim? Regras?

— Como pode haver regras, senhor, com três?

— Um ponto interessante. Bem, vamos concordar que se olhos forem arrancados eles deverão ser devolvidos depois. E diga ao seu Korpsbruder que já estou pronto. Comece quando quiser. — Zim jogou fora seu bastão; alguém o apanhou.

— Está brincando, senhor. Não arrancaremos olhos.

— Nada de olhos arrancados, concordo. "Dispare quando pronto, bronco."

— Senhor?

— Venha e lute! Ou voltem para a fila!

Agora não tenho certeza de que vi acontecer deste modo; posso ter aprendido parte daquilo depois, no treinamento. Mas aqui está o que eu penso que aconteceu: os dois foram um para cada lado de nosso comandante de companhia até que o tinham completamente cercado, mas bem fora de contato. Desta posição o homem que está atuando sozinho tem quatro opções de movimentos básicos. Movimentos que tiram vantagem de sua própria mobilidade e da coordenação superior de um homem quando comparado com dois - o Sargento Zim diz (corretamente) que qualquer grupo é mais fraco do que um homem sozinho a não ser que eles estejam perfeitamente treinados para trabalhar em conjunto. Por exemplo, Zim poderia ter fintado um deles, saltado rápido para o outro com um golpe que o colocaria fora do jogo, tal como uma rótula partida - e então acabado com o primeiro sem pressa.

Ao invés disso deixou que o atacassem. Meyer veio pra cima rápido, querendo agarrá-lo e jogá-lo no chão, acho, enquanto Heinrich viria a seguir por cima, talvez com as botas. Era desse jeito que parecia no começo.

E aqui está o que eu penso que vi. Meyer nunca conseguiu alcançá-lo para agarrá-lo. O Sargento Zim rodopiou para ficar de frente pra ele enquanto dava um chute na barriga de Heinrich - e então Meyer estava deslizando pelo ar, sua arremetida ajudada grandemente por Zim.

Mas tudo de que estou certo é que a luta começou e então havia dois rapazes alemães dormindo pacificamente, um ao lado do outro, só que virados ao contrario, e Zim em pé sobre eles, com sua respiração nem mesmo alterada. — Jones, — ele disse. — Não, Jones saiu, não é? Mahmud! Use um balde de água, e depois os encaixe de volta em seus lugares. Quem pegou meu palito de dentes?

Alguns momentos depois eles estavam conscientes, molhados, e de volta nas fileiras. Zim olhou pra nós e perguntou suave: — Alguém mais? Ou devemos começar com os exercícios de aquecimento?

Eu não esperava que alguém mais aparecesse e duvido que ele esperasse. Mas lá do fim do lado esquerdo, onde estavam os baixinhos, um garoto deu um passo pra fora das fileiras, veio pra frente e para o centro. Zim olhou pra baixo para encará-lo. — Só você? Ou quer escolher um parceiro?

— Só eu, senhor.

— Como quiser. Nome?

— Shujumi, senhor.

Os olhos de Zim se abriram. — Algum parentesco com o Coronel Shujumi?

— Tenho a honra de ser seu filho, senhor.

— Ah so? Bom! Faixa preta?

— Não, senhor. Ainda não.

— Estou contente de saber disso. Bem, Shujumi, vamos usar regras de torneio ou terei de mandar vir a ambulância?

— Como desejar, senhor. Mas eu penso, se me for permitido ter uma opinião, que usar regras de torneio seria mais prudente.

— Não sei o que você quer dizer com isso, mas concordo. — Zim atirou de lado seu distintivo de autoridade, e então, se me lembro bem, eles se afastaram, se encararam e se curvaram.

Após isso eles andaram em círculos, um em volta do outro, meio agachados, fazendo passes para experimentar com as mãos, parecendo um par de galos.

De repente eles se tocaram - e o pequenino estava derrubado no chão e o sargento Zim estava voando no ar por sobre sua cabeça. Mas não aterrissou com o baque de parar a respiração com que Meyer havia caído; pousou rolando e estava de pé tão rápido quanto Shujumi e de frente pra ele. — Banzai! — Zim gritou e sorriu.

— Arigato, — Shujumi respondeu e sorriu de volta. Eles se tocaram de novo quase sem uma pausa e pensei

que o Sargento iria voar de novo. Ele não voou; escorregou pra dentro, houve uma confusão de braços e pernas e quando os movimentos se desaceleraram você podia ver que Zim estava enfiando o pé esquerdo de Shujumi na orelha direita - um mau encaixe.

Shujumi bateu no chão com uma mão livre; Zim largou-o imediatamente. Se curvaram novamente um para o outro.

— Outra queda, senhor?

— Desculpe. Temos trabalho a fazer. Alguma outra hora, eim? Pela diversão... e pela honra. Talvez eu devesse ter lhe contado; seu honorável pai me treinou.

— Assim eu já imaginava, senhor. Outra hora será. Zim deu-lhe um tapa forte no ombro. — De volta para as fileiras, soldado. C’pniia!

Então, por vinte minutos, entramos numa malhação que me deixou tão suado de quente quanto antes eu estava tremendo de frio. Zim conduziu os exercícios ele mesmo, fazendo tudo conosco e gritando a contagem, Ele não estava amarrotado que eu pudesse ver; nem estava sem ar quando terminamos. Nunca mais comandou os exercícios depois daquela manhã (nunca o vimos de novo antes do café; o posto tem seus privilégios), mas ele o fez naquela manhã, e quando tudo estava acabado e estávamos todos caídos, nos guiou numa corrida até a barraca do refeitório, gritando conosco todo o caminho: — Mais rápido! Quicando! Vocês estão arrastando os rabos!

Sempre corríamos pra todo lugar no Acampamento Arthur Currie. Nunca descobri quem foi Currie, mas devia ter sido um corredor.

Breckinridge já estava na barraca do refeitório, com o pulso engessado, mas os dedos de fora. Ouvi ele dizer: — Nada, só u'a fraturinha - já joguei quinzi minutu com u'a pior. Masispere só - vô dá um jeito nele.

Tinha minhas dúvidas. Shujumi, talvez - mas não aquele macacão. Ele simplesmente não sabia quando tinha sido vencido. Não gostei de Zim desde o primeiro momento em que o vi. Mas ele tinha estilo.

O café até que estava bom - todas as refeições eram assim; não havia nada daquelas besteiras que alguns diretores de escola fazem para tornar a vida da gente miserável na mesa. Se você quisesse cair em cima da comida e botar pazadas dela pra dentro com as duas mãos, ninguém iria te encher - o que era bom, já que nas refeições era praticamente a única hora em que não havia ninguém mandando em você. O cardápio do café não era nada como eu estava acostumado em casa e os civis que nos serviam atiravam a comida de uma forma que teria feito a mãe ficar pálida e se retirar para o quarto dela - mas a comida era quente, farta e bem preparada, mesmo sendo simples. Comi umas quatro vezes o que normalmente comia e empurrei-a pra baixo com canecas e mais canecas de café com nata e montes de açúcar - teria comido um tubarão sem nem ao menos parar para esfolá-lo.

Jenkins apareceu por trás de mim quando eu estava começando com a segunda rodada. Eles pararam por um momento numa mesa onde Zim estava comendo sozinho, e depois Jenkins se jogou num banco vago ao meu lado. Parecia muito doente - pálido, exausto e com um chiado quando respirava. — Aqui, tome um pouco de café.

Ele fez que não com a cabeça.

— É melhor você comer, — eu insisti. — Um pouco de ovos mexidos - eles descem fácil.

— Não posso. Ah, aquele sujo, sujo desgraçado. — Ele começou a xingar Zim numa voz baixa, quase sem expressão, monótona. — Tudo que eu pedi a ele foi pra me deixar ir deitar no lugar de vir pro café. Bronski não me deixou - disse que eu tinha de ver o comandante da companhia. Então fui vê-lo e disse pra ele que eu estava doente, eu disse. Ele apenas pôs a mão em minha bochecha e depois contou minha pulsação e me disse que o toque dos doentes era às nove em ponto. Não me deixou voltar pra minha barraca. Ah, aquele rato! Vou pegá-lo numa noite escura, ah se vou.

De qualquer forma coloquei um pouco de ovos no prato dele e servi café. Daí a pouco ele começou a comer. O Sargento Zim se levantou para sair enquanto a maioria de nós ainda estava comendo, e parou em nossa mesa. — Jenkins.

— Ãh? Sim, senhor.

— Às zero-nove-zero-zero compareça ao toque dos doentes e veja o médico.

Os músculos do queixo de Jenkins se contraíram. Ele respondeu lentamente: — Não preciso de comprimidos - senhor. Ficarei bem.

— Às zero-nove-zero-zero. Isso é uma ordem. — Ele saiu. Jenkins recomeçou sua cantiga monótona. Finalmente diminuiu, deu uma mordida nos ovos e disse algo mais alto: — Não consigo deixar de imaginar que tipo de mãe produziu aquilo. Queria só dar uma olhada nela, só isso. Será que ele teve uma mãe?

Era uma pergunta retórica mas foi respondida. Na cabeceira de nossa mesa, a vários bancos de distância, estava um dos cabos-instrutores. Ele tinha terminado de comer e estava ao mesmo tempo fumando e limpando os dentes; evidentemente tinha escutado. — Jenkins...

— Ãh - senhor?

— Você não sabe nada sobre sargentos?

— Bem... estou aprendendo.

— Eles não têm mães. Pergunte pra qualquer soldado treinado. — Ele soltou fumaça na nossa direção. — Se reproduzem por fissão... como todas as bactérias.

 

Duas semanas depois de termos chegado eles tiraram as nossas camas de armar. Isso quer dizer que tivemos o duvidoso prazer de dobrá-las, carregá-las por seis quilômetros e guardá-las num depósito. Mas então isso não importava; o chão parecia muito mais quente e bastante macio - em especial quando o alerta soava no meio da noite e tínhamos de nos arrastar pra fora e brincar de soldados. O que acontecia umas três vezes por semana. Mas eu podia pegar no sono de novo imediatamente após um daqueles exercícios simulados; tinha aprendido a dormir em qualquer lugar, a qualquer hora - sentado, em pé, até mesmo marchando nas fileiras. Oras, eu podia até mesmo dormir durante a revista ao anoitecer, ficando parado em pé na posição de sentido, apreciando a música sem ser acordado por ela - e acordar instantaneamente ao comando de passar em revista.

Fiz uma descoberta muito importante no Acampamento Currie. A felicidade consiste em dormir o suficiente. Só isso, nada mais. Todas as pessoas ricas e infelizes que você já conheceu tomam pílulas pra dormir; soldados da Infantaria Móvel não precisam delas. Dêem a um soldado um lugar onde deitar e tempo para se enfiar nele e ele ficará tão feliz quanto um bicho dentro de uma maçã - dormindo.

Teoricamente você tinha oito horas completas de sono cada noite e uns noventa minutos após a janta para usar como quisesse. Mas de fato o tempo de dormir estava sujeito aos alertas, deveres noturnos, marchas de campo, e aos atos de Deus e caprichos daqueles acima de você, e o tempo livre ao anoitecer, se não fosse arruinado pela bagunça da esquadra ou por deveres extra por pequenas infrações, seria provavelmente ocupado engraxando as botas, lavando roupa, cortando o cabelo uns dos outros (alguns de nós chegamos a ser barbeiros bastante bons, mas uma raspada geral como uma bola de bilhar era aceitável e qualquer um podia fazer isso) - pra não mencionar mil outras pequenas tarefas com o equipamento, cuidados pessoais, e as exigências dos sargentos. Por exemplo, aprendemos a responder na chamada da manhã: "Limpo!" querendo dizer que você tinha tomado pelo menos um banho desde o toque de alvorada. Um homem podia mentir e escapar (eu fiz isso, umas duas vezes) mas pelo menos um em nossa companhia que forçou essa desculpa em face de evidências convincentes de que não tinha tomado um banho recentemente acabou sendo esfregado com escovas duras e sabão de lavar o chão pelos seus companheiros de esquadra enquanto um cabo-instrutor vigiava e fazia sugestões úteis.

Mas se você não tinha coisas mais urgentes pra fazer após a ceia, podia escrever uma carta, vadiar, fofocar, discutir a infinidade de deficiências mentais e morais dos sargentos e, acima de tudo, falar sobre a fêmea da espécie (ficamos convencidos de que não havia tais criaturas, eram apenas mitos criados por imaginações inflamadas - um rapaz em nossa companhia afirmava ter visto uma garota, do lado de fora do quartel-general do regimento; foi unanimemente considerado um mentiroso e um contador de vantagem). Ou pode jogar cartas. Eu aprendi, da pior maneira, a não ser otimista demais e nunca mais fiz isso desde então. De fato, nunca mais joguei cartas desde então.

Ou, se você realmente tivesse vinte minutos todos seus, podia dormir. Esta era uma escolha muito estimada; estávamos sempre com várias semanas de sono atrasado.

Posso ter dado a impressão de que aquele campo de treinamento era mais duro do que seria necessário. Isto não é correto.

Ele era tão duro quanto possível e de propósito.

Todo recruta tinha a firme convicção de que aquilo era pura maldade, sadismo calculado, prazer maldoso de idiotas em fazer outras pessoas sofrerem.

Não era. Era planejado demais, intelectual demais, eficiente demais e organizado impessoalmente paia ser crueldade pelo prazer doentio da crueldade; era planejado como uma cirurgia e com propósitos tão desprovidos de emoção quanto aqueles de um cirurgião. Ah, eu admito que alguns dos instrutores pudessem gostar, mas não sei se eles gostavam - e eu sei (agora) que os oficiais psicólogos tentavam podar qualquer valentão quando selecionavam instrutores. Procuravam profissionais hábeis e dedicados para agir de acordo com a arte de fazer as coisas tão duras quanto possível para o recruta; um valentão é estúpido demais, envolvido emocionalmente demais e propenso a se cansar de sua diversão e afrouxar, para ser eficiente.

E claro, podia haver alguns valentões entre eles. Mas ouvi falar que alguns cirurgiões (e não necessariamente os maus) gostam dos cortes e do sangue que acompanha a arte humana da cirurgia.

Era isso que era: cirurgia. O propósito imediato era se livrar, botar pra correr da unidade, aqueles recrutas que eram muito moles ou muito infantis para algum dia serem um soldado da Infantaria Móvel. E funcionou muito bem; eles se foram aos montes. (Os desgraçados quase fizeram com que eu fosse.) Nossa companhia encolheu para o tamanho de um pelotão nas primeiras seis semanas. Alguns deles foram descartados sem prejuízo e tiveram permissão para, se quisessem, batalhar os períodos em serviços não-combatentes; outros pegaram Dispensa por Má Conduta, ou Dispensa por Performance Não Satisfatória, ou Dispensa Médica.

Geralmente você não sabia por que um homem foi embora a não ser que o visse saindo e ele lhe contasse. Mas alguns deles ficavam de saco cheio, diziam isso bem alto, e se demitiam, perdendo pra sempre a chance de terem o direito de voto. Alguns, especialmente os mais velhos, simplesmente não conseguiam agüentar fisicamente o ritmo, não importa o quanto tentassem. Lembro-me de um deles, um velhinho chamado Carruthers, devia ter uns trinta e cinco; eles o levaram embora numa padiola enquanto ele ainda estava gritando fracamente que aquilo não era justo! - e que voltaria.

Foi um pouco triste, pois gostávamos de Carruthers e ele tentou de verdade - assim olhamos pro outro lado e imaginamos que nunca mais o veríamos, que ele certamente pegaria uma dispensa médica e roupas civis. Só que eu vi ele de novo, muito mais tarde. Ele tinha recusado a dispensa (você não tem de aceitar uma dispensa médica) e acabou como terceiro cozinheiro num transporte de tropas. Ele se lembrou de mim e quis falar sobre os velhos tempos, tão orgulhoso de ter sido um aluno do Acampamento Currie quanto o pai era do seu sotaque de Harvard - ele achava que era um pouco melhor que um homem qualquer da Marinha. Bem, talvez fosse.

Mas, muito mais importante do que a finalidade de cortar logo fora a gordura poupando ao governo os custos de treinamento daqueles que nunca seriam capazes, a finalidade primária era ter tanta certeza quanto humanamente possível de que nenhum soldado jamais subisse numa cápsula para uma queda em combate se não estivesse preparado pra isso - em boas condições, decidido, disciplinado e hábil. Se ele não está preparado, isso não é justo para a Federação, certamente não é justo para seus companheiros, e pior de tudo, não é justo para ele.

Mas o campo de treinamento era mais duro e cruel do que o necessário?

Tudo que eu posso dizer é isto: da próxima vez que eu tiver de fazer uma queda em combate, quero que os homens nos meus flancos sejam formados no Acampamento Currie ou no seu equivalente siberiano. De outro modo me recusarei a entrar na cápsula.

Mas com certeza eu pensava na época que aquilo era um monte de perversidade besta e suja. Pequenas coisas - Quando estávamos lá fazia uma semana, nos entregaram uns uniformezinhos de desfile vinho para acrescentar aos uniformes de trabalho que estávamos usando. (Uniformes de verdade e uniformes de gala vieram muito depois.) Levei o uniforme de volta para o barracão de distribuição e reclamei com o sargento dos suprimentos. Já que ele era apenas um sargento de suprimentos e tinha um jeito bastante paternal eu pensava nele como um semi-civil - naquela época eu não sabia como ler as insígnias no peito dele ou nunca teria me atrevido a falar com ele. — Sargento, este uniforme é grande demais. Meu comandante de companhia diz que serve tão bem em mim como uma barraca.

Ele olhou para a roupa mas não a tocou. — É mesmo?

— É. Quero um que sirva.

Ele ainda não se moveu. — Deixe-me contar uma coisa a você, filhinho. Neste exército há apenas dois tamanhos: grande demais e pequeno demais.

— Mas meu comandante de companhia...

— Não duvido.

— Mas então o que é que eu vou fazer?

Ah! É um conselho o que você quer! Bem, isso eu tenho em estoque - uma nova remessa, chegou hoje. Mmm... vou lhe dizer o que fazer. Aqui está uma agulha e vou lhe dar até mesmo um carretei de linha. Não vai precisar de uma tesoura; uma lâmina de barbear é melhor. Agora você aperta ele bem nos quadris, mas deixa o tecido frouxo nos ombros; vai precisar disso depois.

O único comentário do Sargento Zim sobre a minha habilidade como alfaiate foi: — Você pode fazer melhor do que isso. Duas horas de serviço extra.

Assim eu fiz melhor do que aquilo para a próxima revista.

Aquelas primeiras seis semanas foram só de endurecimento e disciplina, com montes de desfiles e montes de marchas de treino. Por fim, à medida que eles desistiam e iam pra casa ou outro lugar, alcançamos o ponto em que podíamos fazer oitenta quilômetros em dez horas no plano - o que é uma boa quilometragem para um cavalo, no caso de você nunca ter usado suas pernas. Nós descansávamos, não parando, mas mudando o ritmo, marcha lenta, marcha rápida e caminhada rápida. Algumas vezes fizemos a distância inteira, montamos acampamento e comemos ração de campo, dormimos em sacos de dormir, e marchamos de volta no dia seguinte.

Uma vez começamos numa dessas marchas de dia, sem sacos de dormir nos ombros, sem rações. Quando não paramos para o almoço não fui pego de surpresa, pois já tinha aprendido a afanar açúcar e pão duro e outras coisinhas da barraca do refeitório e escondê-los em meu corpo, mas quando continuamos marchando pra longe do acampamento durante a tarde comecei a me preocupar. Mas tinha aprendido a não fazer perguntas idiotas.

Paramos um pouco antes do escurecer, três companhias, agora um pouco reduzidas. Formamos um batalhão e fizemos um desfile, sem música, guardas foram montadas, e então fomos dispensados. Imediatamente procurei o Cabo-Instrutor Bronski pois ele era um pouco mais fácil de tratar do que os outros... e também porque sentia um pouco de responsabilidade; aconteceu de eu ser, naquele momento, um cabo-recruta. Aquelas listras de treinamento não tinham grande significado -era mais o privilégio de ser castigado por qualquer coisa que a sua esquadra tivesse feito como se fosse você que tivesse - e elas podiam desaparecer tão rapidamente quanto apareceram. Zim tinha experimentado primeiro todos os homens mais velhos como suboficiais e eu tinha herdado uma insígnia com listras nela alguns dias antes quando nosso líder de esquadra tinha ficado doente e ido pro hospital.

Eu disse: — Cabo Bronski, qual é a palavra a passar adiante? Quando é a chamada do rancho?

Ele sorriu pra mim. — Eu trouxe uns biscoitos comigo. Quer que eu os reparta com você?

— Ãhn? Ah, não, senhor. Obrigado. (Eu tinha bem mais do que uns biscoitos; estava aprendendo.) Não vai haver chamada do rancho?

— Eles também não me contaram, filhinho. Mas não vejo qualquer helicóptero se aproximando. Agora se eu fosse você, reuniria minha esquadra e resolveria as coisas. Talvez um de vocês possa acertar um coelho selvagem com uma pedra.

— Sim, senhor. Mas... Bem, vamos ficar aqui a noite toda? Não temos os sacos de dormir.

Seus olhos me censuraram. — Sem sacos de dormir? Sim senhor! — Ele pareceu pensar sobre isso. — Mmm... Já viu como as ovelhas se amontoam durante uma tempestade de neve?

— Ah, não, senhor.

— Experimente. Elas não congelam, talvez você também não. Ou se não gosta de companhia, pode caminhar por aí a noite toda. Ninguém vai te encher, desde que fique dentro das guardas postadas. Não vai congelar se ficar se movendo. É claro que pode estar um pouco cansado amanhã. — Ele sorriu de novo.

Fiz continência e voltei pra minha esquadra. Dividimos tudo em partes iguais - e acabei com menos comida do que tinha começado; alguns daqueles idiotas ou não tinham escondido nada pra comer ou haviam comido tudo que tinham enquanto marchavam. Mas uns biscoitos e umas ameixas secas fazem bastante pra silenciar o sinal de alerta do seu estômago.

O truque das ovelhas também funciona; toda a nossa seção, três esquadras, o usou junta. Não recomendo como um modo de dormir; ou você está na camada externa, congelando de um lado e tentando cavar o caminho pra dentro, ou está dentro, um pouco aquecido mas com todo mundo tentando empurrar seus cotovelos, pés e mal hálitos em cima de você. Você migra de uma condição para outra ao longo de toda a noite numa espécie de movimento browniano, nunca completamente acordado e nunca realmente dormindo. Tudo isso faz com que uma noite dure mais ou menos um século.

Saímos ao alvorecer com o familiar grito de: — Levantem! Quicando! — encorajados pelos bastões dos instrutores aplicados com animação nos traseiros que saíam fora dos montes... e então fizemos exercícios de aquecimento. Me sentia como um cadáver e não via como poderia tocar os pés. Mas o fiz, embora doesse, e vinte minutos depois quando começamos a marchar eu me sentia apenas idoso. O Sargento Zim não estava nem ao menos amarrotado e de algum modo o canalha deu um jeito de se barbear.

O sol aquecia nossas costas enquanto marchávamos e Zim nos motivava cantando, primeiro as mais antigas, como "Le Regiment de Sambre et Meuse" e "Caissons" e "Halls of Montezuma" e então a nossa própria "Cap Trooper's Polka" que coloca você andando rápido e te empurra pra uma corrida. O Sargento Zim estava longe de ser afinado; tudo que ele tinha era uma voz alta. Mas Breckinridge nos conduzia forte e com segurança e conseguia fazer com que o resto de nós acompanhasse a música apesar da voz terrível de Zim. Todos nos sentimos orgulhosos e cheios de espinhos.

Mas não nos sentíamos orgulhosos oitenta quilômetros depois. Tinha sido uma longa noite; e agora era um dia sem fim - e Zim nos deu uma bronca pela nossa aparência na revista e vários dos recrutas foram punidos por não terem conseguido se barbear nos nove minutos inteirinhos que tivemos entre o momento em que fomos desmobilizados após a marcha e o momento em que nos mobilizamos de novo para a revista. Vários recrutas se demitiram durante aquele anoitecer e eu pensei sobre isso mas não o fiz porque tinha aquelas divisas idiotas de treinamento e ainda não tinha sido rebaixado.

Naquela noite houve um alerta de duas horas.

Mas finalmente aprendi a apreciar o simples luxo de duas ou três dúzias de corpos quentes para nos aconchegarem, pois doze semanas mais tarde eles me largaram totalmente nu numa área primitiva das Rochosas Canadenses e tive de abrir meu caminho através de sessenta e cinco quilômetros de montanhas. Eu o fiz - e odiei o Exército cada centímetro do caminho.

Porém eu não estava em tão más condições quando me apresentei. Um par de coelhos não tinha conseguido estar tão alerta como eu, por isso eu não estava totalmente faminto... nem totalmente nu; tinha uma bela, grossa e quente cobertura de gordura de coelho e terra em meu corpo e mocassins nos meus pés - os coelhos não precisavam mais das peles. É fascinante o que você pode fazer com uma lasca de rocha se você precisa - aposto que nossos ancestrais homens das cavernas não eram tão estúpidos como normalmente pensamos.

Os outros também conseguiram, aqueles que ainda estavam por lá pra tentar e não se demitiram no lugar de fazer o teste - todos exceto dois rapazes que morreram tentando. Então todos voltamos para as montanhas e gastamos treze dias para encontrá-los, trabalhando com cópteros por cima pra nos dirigir e todos com os melhores mecanismos de comunicação pra nos ajudar e nossos instrutores em trajes de comando propulsados pra supervisionar e verificar suspeitas - porque a Infantaria Móvel não abandona os seus enquanto ainda há um fio de esperança.

Então os enterramos com honras completas ao som de " This Land Is Ours" e com o posto póstumo de Soldado Raso de Primeira Classe, os primeiros de nosso regimento a chegar tão alto - porque não se exige que um recruta necessariamente permaneça vivo (morrer é parte do trabalho)... mas eles se importam muito sobre como você morre. Tem de ser com a cabeça pra cima, quicando, e ainda tentando.

Breckinridge foi um deles; o outro foi um garoto australiano que eu não conhecia. Eles não foram os primeiros a morrer em treinamento; eles não foram os últimos.

 

Mas isso foi depois que tínhamos deixado o Acampamento Currie e um monte de coisas tinha acontecido nesse meio tempo. Na maior parte treinamento de combate - prática de combate, exercícios de combate e manobras de combate, usando de tudo, desde mãos nuas até armamentos atômicos simulados. Eu não sabia que havia tantas maneiras diferentes de lutar. Pra começar, mãos e pés - e se você acha que mãos e pés não são armas é porque não viu o Sargento Zim e o Capitão Frankel, nosso comandante de batalhão, demonstrar la savate, ou o pequeno Shujumi dar um jeito em você apenas com as mãos e um sorriso cheio de dentes - Zim fez de Shujumi um instrutor de imediato e exigiu que acatássemos suas ordens, embora não precisássemos fazer continência pra ele ou dizer "senhor".

À medida que nossas fileiras emagreciam, Zim parou de se importar tanto com as formações, exceto a revista de tropas, e passou mais e mais tempo na instrução pessoal, ajudando os cabos-instrutores. Ele era morte súbita com qualquer coisa, mas amava as facas. Ele fez e balanceou as suas próprias, ao invés de usar as do fornecimento geral que eram perfeitamente boas. Também ficou bem mais suave como treinador pessoal, tornando-se apenas insuportável em vez de totalmente repugnante - conseguia até ser bem paciente com perguntas idiotas.

Uma vez, durante um dos períodos de descanso de dois minutos que tínhamos esparsamente espalhados por um dia de trabalho, um dos rapazes - um garoto chamado Ted Hendrick perguntou: — Sargento? Acho que esse negócio de atirar facas é divertido... mas pra que temos de aprender isso? Qual a utilidade disso?

— Bem, — respondeu Zim, — suponha que tudo que você tem é uma faca? Ou talvez nem mesmo uma faca? O que você faz? Vai apenas fazer suas orações e morrer? Ou vai em frente de qualquer forma e faz o outro comprar a campa? Filho, isto é sério - não é um jogo de damas que você pode desistir se está com uma desvantagem muito grande.

— Mas é isso mesmo que eu quero dizer, senhor. Suponha que você não tenha arma nenhuma? Ou, vamos dizer, apenas um desses brinquedos? E o homem que você está enfrentando tem todos os tipos de armas perigosas? Não há nada que possa fazer; ele te pega à primeira vista.

Zim disse quase que amável: — Você entendeu tudo errado, filho. Não há tal coisa de "arma perigosa".

— Ãhn? Senhor?

— Não há armas perigosas; o que há são homens perigosos. Estamos tentando ensinar você a ser perigoso - para o inimigo. Perigoso mesmo sem uma faca. Mortal enquanto ainda tiver uma mão ou um pé e estiver vivo. Se não sabe o que eu quero dizer, leia "Horatius na Ponte" ou "A Morte do Bon Homme Richard"; a biblioteca do campo os tem. Mas tome o caso que você mencionou primeiro; eu sou você e tudo o que você tem é uma faca. O alvo atrás de mim - aquele que você tem errado, o número três - é um sentinela, armado com tudo menos uma bomba H. Você tem de pegá-lo... em silêncio, imediatamente, e não deixando que ele chame por socorro. — Zim se virou levemente - thunk! - uma faca que não estava sequer em sua mão agora vibrava no centro do alvo número três. — Vê? É melhor carregar duas facas - mas você tem de pegá-lo, mesmo com as mãos nuas.

— Ãhn...

— Ainda há algo preocupando você? Fale. É pra isso que estou aqui, pra responder suas questões.

— Ãh, sim, senhor. O senhor disse que o sentinela não tinha uma bomba H - mas ele tem uma bomba H; esse é o ponto. Bem, pelo menos nós temos se estamos de sentinela... e qualquer sentinela que nós ataquemos é provável que também tenha. Não falo o sentinela, falo do lado dele.

— Eu entendo.

— Bem... entende, senhor? Se podemos usar uma bom-ba-H - e, como o senhor disse, isto não é um jogo de damas; é serio, é guerra e ninguém está pra brincadeira - não é um pouco ridículo ficar por aí se arrastando no mato, atirando facas e talvez sendo morto... e até mesmo perdendo a guerra... quando se tem uma arma de verdade que pode usar pra vencer? Qual é o sentido de um monte de homens arriscar as vidas com armas obsoletas quando um sujeito tipo intelectual pode fazer muito mais apenas apertando um botão?

Zim não respondeu de imediato, o que não era de modo algum típico dele. Então disse suavemente: — Você está feliz na Infantaria, Hendrick? Pode se demitir, você sabe.

Hendrick resmungou algo; Zim disse: — Fale alto!

— Não estou com vontade de me demitir, senhor. Agüentarei até o fim de meu período.

— Entendo. Bem, a questão que você perguntou é uma que um sargento não está realmente qualificado para responder... e uma que não devia ter me perguntado. Supõe-se que você soubesse a resposta antes de ter se alistado. Ou pelo menos devia saber. Sua escola tinha a matéria História e Filosofia da Moral?

— Quê? Claro - sim, senhor.

— Então você já ouviu a resposta. Mas vou lhe dar a minha própria visão disto - não-oficial. Se você quisesse ensinar uma lição para um bebê, cortaria sua cabeça?

— Oras... não, senhor!

— É claro que não. Você daria um tapinha nele. Pode haver circunstâncias onde é tão tolo acertar a cidade do inimigo com uma bomba H como seria espancar um bebê com um machado. A guerra não é violência e matança, pura e simples; guerra é violência controlada, com um propósito. O propósito da guerra é apoiar as decisões de nosso governo pela força. O propósito nunca é matar o inimigo por matar... mas sim fazer com que ele faça o que você quer que ele faça. Não é matança... mas sim violência controlada e com um propósito. Mas não cabe a você ou a mim decidir o propósito desse controle. Nunca cabe a um soldado decidir quando ou onde ou como - ou por que - ele luta; isso cabe aos estadistas e generais. Os estadistas decidem por que e quanto; os generais pegam daí e nos dizem onde e quando e como. Nós fornecemos a violência; outras pessoas - "cabeças mais velhas e sabias", como eles dizem - fornecem o controle. O que é como devia ser. Essa é a melhor resposta que posso lhe dar. Se não for satisfatória pra você, vou lhe dar um papel para você ir falar com o comandante do regimento. Se ele não puder convencer você - então vá pra casa e seja um civil! Porque nesse caso com certeza nunca se tornará um soldado.

Zim pulou de pé. — Acho que você me fez ficar falando apenas pra molengar. De pé, soldados! Quicando! Homens aos seus postos, nos alvos - Hendrick, você primeiro. Desta vez quero que você atire a faca para o sul. Sul, entendeu? Não para o norte. O alvo está na direção sul e eu quero que aquela faca vá pelo menos na direção geral do sul. Sei que não vai acertar o alvo, mas veja se pode assustá-lo um pouco. Não corte sua orelha fora, não solte a faca e machuque alguém atrás de você -apenas mantenha o pouco de cérebro que você tem fixado na idéia de "sul"! Pronto - deixe voar!

Hendrick errou de novo.

Treinamos com bastões e com arame (montes de coisas maldosas podem ser improvisadas com um pedaço de arame) e aprendemos o que pode ser feito com armas realmente modernas e como fazer isso e consertar e manter o equipamento - armas nucleares simuladas e foguetes de infantaria e vários tipos de gás e venenos e técnicas incendiar ias e de demolição. E também outras coisas que é melhor não falar a respeito. Mas também aprendemos um monte sobre armas "obsoletas". Baionetas em rifles de mentira, por exemplo, e também rifles que não eram de mentira, mas quase idênticos aos da infantaria do século XX -muito parecidos com os rifles usados em caça esportiva, exceto que atirávamos apenas balas sólidas, feitas de chumbo e em cápsulas de metal, tanto em alvos à distância fixa, como em alvos surpresa escondidos em corridas de combate. Supunha-se que isso nos preparasse para aprendermos a usar qualquer arma e nos treinava para ficarmos quicando, alertas e prontos pra qualquer coisa. Bem, acho que conseguiu. Estou bem certo de que sim.

Também usamos aqueles rifles em exercícios de campo para simular um monte de armas mais mortais e maldosas que precisassem ser miradas. Usamos um monte de simulação; tivemos de usar. Uma granada ou bomba "explosiva", contra material ou pessoal, explodia apenas o bastante pra lançar um monte de fumaça preta; outro tipo lançava um gás que fazia você ficar chorando e espirrando - aquilo dizia a você que estava morto ou paralisado... e era desagradável o suficiente para que tomasse cuidado com as precauções antigas, pra não falar nada da bronca que levaria se fosse apanhado.

Dormíamos ainda menos; mais da metade dos exercícios eram de noite, com visores e radar e mecanismo de áudio e coisa e tal.

Os rifles usados pra simular armas de pontaria eram carregados com cápsulas de festim, exceto uma em cada quinhentas, que era uma bala de verdade. Perigoso? Sim e não. Só estar vivo já é perigoso... e uma bala não explosiva provavelmente não te mataria a menos que acertasse na cabeça ou no coração e talvez nem assim. O que aquela uma-em-quinhentas dose de realidade fazia era nos dar um profundo interesse em nos abrigarmos, em especial quando sabíamos que alguns dos rifles estavam sendo disparados por instrutores que eram craques no tiro e estavam realmente fazendo o melhor pra te acertar - se daquela vez acontecesse de não ser uma de festim. Eles nos garantiam que não acertariam de propósito um homem na cabeça... mas acidentes acontecem.

Esta garantia amigável não era muito reconfortante. Aquela qüingentésima bala transformava exercícios tediosos numa roleta russa em larga escala; você para de se entediar da primeiríssima vez que ouve uma bala fazer zuiiit! ao lado da sua orelha antes de ouvir o disparo do rifle.

Mas mesmo assim nós amolecemos e eles disseram que se não ficássemos quicando, a incidência das reais seria alterada para uma em cem... e se isso não funcionasse, para uma em cinqüenta. Não sei se foi mudada ou não - não tínhamos como saber - mas sei que passamos a nos esforçar de novo, pois um rapaz da companhia ao lado teve o traseiro atravessado por uma bala de verdade, o que produziu uma espantosa cicatriz, um monte de comentários meio engraçados e um renovado interesse em nos abrigarmos de qualquer forma. Rimos daquele garoto por ele ter levado a bala bem naquele lugar... mas todos sabíamos que podia ter sido a cabeça dele - ou as nossas.

Os instrutores que não estavam disparando não se abrigavam. Usavam camisas brancas e andavam por lá de pé, com as suas bengalinhas idiotas, aparentemente calmos, certos de que mesmo um recruta não iria intencionalmente atirar num instrutor - o que pode ter sido confiança demais da parte de alguns deles. Mesmo assim, as chances eram de quinhentas para uma de que mesmo um tiro com intenções assassinas não fosse de verdade e o fator de segurança era ainda mais alto pois de qualquer forma um recruta provavelmente não seria tão bom atirador. Um rifle não é uma arma fácil; não tem qualquer capacidade de busca de alvo - ouvi dizer que mesmo no tempo em que as guerras eram lutadas e decididas com esses rifles, era comum que fossem precisos em média vários milhares de disparos para matar um homem. Isso parece impossível, mas todas as histórias militares dizem que é verdade - aparentemente a maioria dos disparos era feita sem mira alguma, apenas para forçar o inimigo a ficar de cabeça baixa e atrapalhar a pontaria dele.

Em qualquer caso, não tivemos instrutores feridos ou mortos por fogo de rifle. Também nenhum recruta foi morto por balas; as mortes foram todas de outras armas ou coisas - algumas das quais podiam voltar e morder se você não fizesse as coisas pelo manual. Bom, um rapaz deu um jeito de quebrar o pescoço, se abrigando com muito entusiasmo quando começaram a atirar nele - mas nenhuma bala o tocou.

No entanto, por uma reação em cadeia, esse negócio das balas e de se abrigar me levou ao meu ponto mais baixo no Acampamento Currie. Em primeiro lugar eu tinha sido rebaixado das minhas divisas de treinamento, não por algo que eu tenha feito, mas por algo que alguém da minha esquadra fez quando eu nem estava por perto... o que fiz notar. Bronski disse pra eu ficar de boca fechada. Então fui ver Zim sobre isso. Ele me disse friamente que apesar de tudo eu era responsável pelo que meus homens fizeram... e além de me rebaixar, acrescentou seis horas de trabalho extra por ter ido falar com ele sem pedir a permissão de Bronski. Então recebi uma carta que me deixou muito chateado: minha mãe finalmente me escreveu. Então distendi um ombro em meu primeiro treino com uma armadura propulsada (eles tinham aqueles trajes de treino mexidos de tal maneira que o instrutor podia causar baixas nos trajes à vontade, por rádio controle; caí e machuquei meu ombro) e isso me colocou em serviços leves com tempo demais pra pensar numa época em que me parecia que eu tinha muitas razões para sentir pena de mim mesmo.

Por causa do " serviço leve" fui ordenança naquele dia no escritório do comandante do batalhão. Estava ansioso no começo, já que nunca tinha estado lá antes e queria causar uma boa impressão. Descobri que o Capitão Frankel não queria zelo; queria que eu ficasse ali sentado, não dissesse nada e não o incomodasse. Isso me deixou com muito tempo pra simpatizar comigo mesmo, já que não me atrevia a dormir.

Então de repente, logo depois do almoço, perdi todo o sono; o Sargento Zim entrou, seguido por três homens. Zim estava bem vestido e limpo, como sempre, mas a expressão em seu rosto fazia ele parecer a própria Morte montada a cavalo e ele tinha uma marca em seu olho direito que parecia que ia se tornar num olho roxo - o que, é claro, era impossível. Dos outros três, o do meio era Ted Hendrick. Ele estava sujo - bem, a companhia tinha estado num exercício de campo; eles não lavam o chão daquelas pradarias e você passa um monte de tempo aninhando-se na terra. Mas o lábio dele estava partido, tinha sangue no queixo e na camisa e o boné tinha desaparecido. O olhar dele parecia o de um animal.

Os homens de cada lado eram recrutas. Eles tinham rifles; Hendrick não. Um era da minha esquadra, um garoto chamado Leivy. Parecia excitado e satisfeito, e me deu uma piscadela quando ninguém estava olhando.

O Capitão Frankel pareceu surpreso. — O que é isto, Sargento?

Zim ficou parado como uma estátua e falou como se estivesse recitando algo de cor. — Senhor, Comandante da Companhia H se reportando ao Comandante de Batalhão. Disciplina. Artigo nove-um-zero-sete. Descumprimento de doutrina e comando tático quando o grupo travava combate simulado. Artigo nove-um-dois-zero. Desobediência de ordens, nas mesmas condições.

O Capitão Frankel pareceu perplexo. — Está trazendo isto para mim, Sargento? Oficialmente?

Não sei como um homem poderia parecer tão embaraçado como Zim parecia mesmo sem ter qualquer tipo de expressão em seu rosto ou voz. — Senhor. Se o Capitão me permite. O homem recusou disciplina administrativa. Insistiu em ver o Comandante do Batalhão.

— Entendo. Um advogado de caserna. Bem, eu ainda não entendo o que ele quer, Sargento, mas tecnicamente ele tem esse privilégio. Qual foi o comando tático e a doutrina?

— Uma "congele", senhor. — Olhei para Hendrick, pensando: "Oh, ou! Ele vai se dar mal. Numa "congele" você vai pro chão, se abriga como puder, o mais rápido possível, e então congela - não se move de modo algum, nem mesmo pisca um olho, até que seja liberado. Ou pode congelar quando já está abrigado. Contam estórias de homens que foram atingidos enquanto estavam congelados... e tinham morrido lentamente, sem sequer fazer um som ou movimento.

As sobrancelhas de Frankel se ergueram. — Segunda parte?

— A mesma coisa, senhor. Após ter quebrado a congele, falhou em retornar a ela quando foi assim ordenado.

O Capitão Frankel pareceu aterrador. — Nome? Zim respondeu: — Hendrick, T. O, senhor. Soldado Recruta S-R-sete-nove-seis-zero-nove-dois-quatro.

— Muito bem. Hendrick, está destituído de todos os privilégios por trinta dias e restrito à sua barraca quando não em serviço ou nas refeições, exceção apenas para necessidades sanitárias. Prestará três horas de serviço extra por dia sob a supervisão do Cabo da Guarda, uma hora a ser prestada imediatamente antes do toque de recolher, uma hora antes do toque de alvorada e uma hora no horário da refeição do meio-dia e em vez dela. Sua refeição da noite será pão e água - tanto pão quanto puder comer. Prestará dez horas de serviço extra cada domingo, o horário sendo ajustado de modo a que possa comparecer a serviços religiosos se assim escolher.

(Pensei: Nossa! Ele despejou o livro todo em cima dele.)

O Capitão Frankel continuou: — Hendrick, a única razão pela qual está se saindo desta com uma punição tão leve é que não posso lhe dar uma maior sem convocar uma corte marcial... e não quero estragar o registro da sua companhia. Dispensado. — Seus olhos voltaram para os papéis em sua mesa, o incidente já estava esquecido...

... E Hendrick berrou: — Você nem ouviu o meu lado!

O Capitão olhou para cima. — Ah. Me desculpe. Você tem um lado?

— Pode estar certo de que tenho! O Sargento Zim me odeia! Ele tem estado atrás de mim, atrás de mim, atrás de mim, desde o dia que cheguei aqui! Ele...

— Esse é o trabalho dele, — o Capitão disse friamente. — Você nega as acusações contra você?

— Não, mas... Ele não disse que eu estava deitado num formigueiro.

Frankel parecia estar com nojo. — Ah. Então você iria ser morto e talvez provocar a morte de seus companheiros por causa de umas formiguinhas?

— Não eram "umas" - havia centenas delas. E picavam!

— É mesmo? Jovem, deixe-me ser direto. Mesmo que fosse um ninho de cascavéis, seria esperado - e exigido - que você congelasse. — Frankel parou por um momento. — Você tem alguma coisa qualquer para dizer em sua defesa?

A boca de Hendrick estava aberta. — Claro que tenho! Ele me bateu! Pôs as mãos em mim! Todo esse bando está sempre se exibindo com esses bastões idiotas, dando pancadas na bunda da gente, nos empurrando entre os ombros e nos dizendo pra nos endireitarmos - e eu agüentei isso. Mas ele me bateu com as mãos - ele me atirou no chão e gritou, "Congele! seu burro estúpido!" O que acha disso?

O Capitão Frankel olhou pra baixo, para suas mãos, olhou de novo para Hendrick. — Jovem, você está cometendo um engano muito comum entre civis. Você pensa que seus oficiais superiores não têm permissão para "colocar as mãos em você", como disse. Sob circunstâncias puramente sociais, isso é verdade - digamos que acontecesse de nos encontrarmos por acaso num cinema ou numa loja, eu não teria mais direito, enquanto você me tratasse com o respeito devido a meu posto, de lhe dar uma bolacha, do que você teria de dar uma em mim. Mas no cumprimento do dever a regra é totalmente diferente...

O Capitão girou em sua cadeira e apontou para alguns livros fichários. — Há leis sob as quais você vive. Pode procurar em cada artigo naqueles livros, cada caso de corte marcial que tem surgido sob eles, e não achará nenhuma palavra que diga, ou implique, que seu oficial superior não pode "pôr as mãos em você" ou bater em você de qualquer outra maneira no cumprimento do dever. Hendrick, eu poderia quebrar o seu queixo... e simplesmente seria responsável ante meus próprios oficiais superiores sobre a necessidade e propriedade do ato. Mas não seria responsável perante você. Eu poderia fazer mais do que isso. Há circunstâncias sob as quais um oficial superior, comissionado ou não, é não apenas permitido, mas obrigado a matar um oficial ou um homem sob suas ordens, sem demora e talvez sem aviso - e, longe de ser punido por isso, ele seria elogiado. Por dar fim a uma conduta pusilânime em face do inimigo, por exemplo.

O Capitão bateu na mesa. — Agora, sobre esses bastões - Eles tem dois usos. Primeiro, identificam os homens com autoridade. Segundo, esperamos que eles sejam usados em vocês, para tocá-los e fazê-los ficarem quicando. Não há jeito de você se machucar com eles, não como são usados; no máximo ardem um pouco. Mas poupam milhares de palavras. Digamos que você não se levante rapidinho no toque de alvorada. Sem dúvida o cabo de serviço poderia ser bonzinho com você, pedir por favor todo docinho, perguntar se quer o café na cama esta manhã -isso se pudéssemos desperdiçar um cabo de carreira só pra ser sua babá. Não podemos, por isso ele dá uma pancada no seu saco de dormir e continua correndo pela fileira, aplicando a espora onde for preciso. É claro que ele poderia simplesmente chutar você, o que seria tão legal e quase tão efetivo. Mas o general encarregado do treinamento e disciplina acha que é mais digno, tanto para o cabo de serviço, como para você, tirar um dorminhoco de dentro de seus sonhos com um impessoal bastão de autoridade. E eu concordo. Não que seja importante o que eu ou você pensamos; esse é o jeito que fazemos isso.

O Capitão Frankel suspirou. — Hendrick, eu expliquei essas coisas a você pois é inútil punir um homem, a não ser que ele saiba a razão de estar sendo punido. Você tem sido um menino mau - eu digo " menino" pois é bastante evidente que você ainda não é um homem, embora continuemos tentando - um menino excepcionalmente mau em vista do estágio do seu treinamento. Nada do que disse serve como defesa, nem ao menos como atenuante; parece que você não conhece a razão, nem tem qualquer idéia do que é seu dever como soldado. Então conte-me com suas próprias palavras porque se sente maltratado; eu quero endireitar você o mais rápido possível. Pode ser que ainda haja alguma coisa a seu favor, embora eu confesse que não consiga imaginar o que possa ser.

Eu tinha dado uma ou duas olhadelas para o rosto de Hendrick enquanto o Capitão lhe passava a reprimenda - de alguma forma suas palavras leves e calmas eram uma reprimenda maior do que qualquer coisa que Zim nos tivesse dado. A expressão de Hendrick tinha passado de indignação para um pasmo inexpressivo e então para emburrado.

— Fale! — Frankel acrescentou feroz.

— Ãh... bem, recebemos a ordem de congelar e então eu me joguei no chão e descobri que estava em cima de um formigueiro, então fiquei de joelhos, pra me mover meio metro, e fui atingido por trás e atirado no chão e ele gritou comigo - e eu pulei de volta e acertei ele e ele...

— PARE! — O Capitão Frankel estava fora de sua cadeira e tinha três metros de altura, embora fosse um pouco mais alto do que eu. Ele olhou fixamente Hendrick.

— Você... acertou... o seu... comandante de companhia?

— Ãhn? Foi o que eu disse. Mas ele me bateu primeiro. Por trás, eu nem ao menos vi. Não aceito isso de ninguém. Acertei ele e então ele me bateu de novo e então...

— Silêncio!

Hendrick parou. E então acrescentou: — Quero sair desta droga de unidade.

— Acho que podemos atender você, — Frankel disse gelado. — E bem rápido.

— Apenas me dê um pedaço de papel. Estou me demitindo.

— Um momento. Sargento Zim.

— Sim, senhor. — Zim não tinha dito uma palavra por um longo tempo. Apenas ficou lá em pé, olhos pra frente e rígido como uma estátua, nada se movendo além da contração dos músculos de sua mandíbula. Olhei pra ele agora e vi que era com certeza um olho roxo - uma beleza. Hendrick deve tê-lo apanhado direitinho. Mas ele não tinha dito nada sobre isso e o Capitão Frankel não tinha perguntado - talvez tenha assumido que Zim batera numa porta e iria explicar isso mais tarde, se quisesse.

— Os artigos pertinentes foram divulgados em sua companhia, como é obrigatório?

— Sim, senhor. Publicados e registrados, cada manhã de domingo.

— Sei que foram. Perguntei apenas para registro.

Logo antes do toque de igreja aos domingos eles nos colocavam em linha e liam alto os artigos disciplinares das Leis e Regulamentos das Forças Militares. Também eram afixados no quadro de avisos, do lado de fora da barraca do ordenança. Ninguém ligava muito pra eles - era apenas outro treino; você podia ficar parado e dormir durante a leitura. A única coisa que notávamos, se é que notávamos algo, devia ser o que chamávamos "as trinta e uma maneiras de quebrar a cara”. Afinal, os instrutores davam um jeito de te encharcar com todos os regulamentos que você precisasse conhecer, através da sua pele. Os "quebra a cara" eram um velha piada, como o "óleo do toque de alvorada", ou o "macaco de levantar barracas"... eles eram as trinta e uma ofensas capitais. De vez em quando alguém se gabava, ou acusava outro, de ter descoberto um trigésimo segundo jeito -sempre alguma coisa absurda e em geral obscena.

— Agredir um oficial superior!

De repente isso não era mais divertido. Acertar Zim? Enforcar um homem por aquilo? Ora, quase todo mundo na companhia tinha tentado acertar Zim e alguns de nós tínhamos até conseguido... quando ele estava nos instruindo em combate corpo a corpo. Ele nos pegava após os outros instrutores terem nos trabalhado e começarmos a nos sentir orgulhosos e bons na coisa - e então nos dava o polimento final. Ora essa, uma vez eu vi Shujumi deixá-lo inconsciente. Bronski jogou água nele e Zim se levantou e sorriu e apertou a mão de Shujumi - e então o atirou do outro lado do horizonte.

O Capitão Frankel olhou em volta e fez um sinal pra mim.

— Você. Chame o quartel general do regimento.

Fiz isso, todo desajeitado, dei um passo pra trás quando o rosto de um oficial apareceu, e passei a ligação para o Capitão.

— Assistente do Comandante, — o rosto disse.

Frankel disse secamente: — Os cumprimentos do Comandante do Segundo Batalhão para o Comandante do Regimento. Solicito e requisito um oficial para participar de uma corte.

O rosto disse: — Quando precisa dele, Ian?

— Tão rápido quanto possa tê-lo aqui.

— Agora mesmo. Tenho certeza de que Jake está no QG dele. Artigo e nome?

O Capitão Frankel identificou Hendrick e citou um número de artigo. O rosto na tela assobiou e pareceu severo. — É pra já, Ian. Se não puder pegar o Jake, irei eu mesmo - tão logo avise o Velho.

O Capitão Frankel se voltou para Zim. — Esta escolta - eles são testemunhas?

— Sim, senhor.

— O líder de seção viu o ocorrido?

Zim mal hesitou. — Acho que sim, senhor.

— Traga-o. Há alguém para aqueles lados com um traje propulsado?

— Sim, senhor.

Zim usou o fone enquanto Frankel disse a Hendrick: — Que testemunhas você deseja chamar em sua defesa?

— Ãhn? Não preciso testemunha nenhuma, ele sabe o que fez! Apenas me dê um pedaço de papel, estou saindo daqui

— Tudo a seu tempo.

Um tempo bem rápido, assim me pareceu. Menos de cinco minutos depois o Cabo Jones chegou quicando em um traje de comando, carregando o Cabo Mahmud em seus braços. Ele desceu Mahmud e quicou pra longe bem quando o Tenente Spieksma chegava. Ele disse: — Boa tarde, Capitão. Acusado e testemunhas aqui?

— Tudo pronto. Pode assumir, Jake.

— Gravador ligado?

— Agora está.

— Muito bem. Hendrick, dê um passo a frente. — Hendrick assim fez, parecendo confuso e como se seus nervos estivessem começando a estourar. O Tenente Spieksma disse rápido: — Corte Marcial de Campo, convocada por ordem do Major F. X. Malloy, comandante do Terceiro Regimento de Treinamento, Acampamento Arthur Currie, sob a Ordem Geral Número Quatro, dada pelo Comandante Geral, Comando de Treinamento e Disciplina, em conformidade com as Leis e Regulamentos das Forças Militares, Federação Terrana. Oficial solicitante: Capitão Ian Frankel, LM., designado para e comandante do Segundo Batalhão, Terceiro Regimento. A Corte: Tenente Jacques Spieksma, LM., designado para e comandante do Primeiro Batalhão, Terceiro Regimento. Acusado: Hendrick, Theodore C, Soldado Recruta SR7960924. Artigo 9080. Acusação: Atacar seu oficial superior, com a Federação Terrana estando em estado de emergência.

O que me assustou foi a rapidez da coisa. Vi a mim mesmo subitamente nomeado como "oficial da corte" e instruído para "remover" as testemunhas e tê-las prontas. Eu não sabia como poderia "remover" o sargento Zim se ele não quisesse, mas ele juntou com o olhar Mahmud e os dois recrutas e todos foram pra fora, onde não pudessem ouvir. Zim se separou dos outros e apenas esperou; Mahmud sentou-se no chão e enrolou um cigarro - que teve de apagar, pois foi o primeiro a ser chamado. Em menos de vinte minutos todos os três tinham sido ouvidos, todos contando a mesma história que Hendrick. Zim nem foi chamado.

O Tenente Spieksma disse para Hendrick: — Deseja acarear as testemunhas? A Corte o ajudará, se você assim desejar.

— Não.

— Fique em posição de sentido e diga "senhor" quando se dirigir à Corte.

— Não, senhor. — Ele acrescentou: — Quero um advogado.

— A Lei não permite advogados em cortes marciais de campo. Deseja testemunhar em sua própria defesa? Você não é obrigado a fazê-lo e, em vista das evidências até o momento, a Corte não levará em consideração se você escolher não fazê-lo. Mas você está avisado de que qualquer testemunho que dê pode ser usado contra você e que você estará sujeito a acareação.

Hendrick deu de ombros. — Não tenho nada a dizer. Que bem isso me faria?

— A Corte repete: Você testemunhará em sua própria defesa?

— Ãh, não, senhor.

— A Corte deve fazer a você uma pergunta técnica. O artigo sob o qual está sendo acusado foi divulgado para você antes do momento do alegado delito do qual está sendo acusado? Você pode responder sim, ou não, ou permanecer calado -mas é responsável por sua resposta sob o Artigo 9167 sobre perjúrio.

O acusado permaneceu calado.

— Muito bem, a corte irá reler o artigo da acusação em voz alta e perguntar de novo aquela questão. "Artigo 9080: Qualquer pessoa nas Forças Militares que atacar ou assaltar, ou tentar atacar ou assaltar...

— Ah, creio que sim. Eles lêem um monte de coisas, cada manhã de domingo - uma longa lista de coisas que você não pode fazer.

— Este particular artigo foi ou não lido para você?

— Ãh... sim, senhor. Foi.

— Muito bem. Tendo declinado de testemunhar, você tem alguma declaração a fazer que possa servir como atenuante?

— Senhor?

— Você quer dizer à Corte algo sobre isso? Quaisquer circunstâncias que pense que possam afetar a evidência já dada? Ou algo que possa diminuir o alegado delito? Coisas como estar doente, ou sob o efeito de drogas ou medicamentos. Você não está sob juramento neste ponto; pode dizer qualquer coisa que pense que pode ajudá-lo. O que a Corte está tentando descobrir é isto: Há algo sobre este assunto que lhe pareça injusto? Se sim, por que?

— Ãhn? É claro que sim! Tudo isto é injusto! Ele me bateu primeiro! Você ouviu eles! Ele me bateu primeiro!

— Algo mais?

— Ãhn? Não, senhor. Isso não é o suficiente?

— O julgamento está completo. Soldado Recruta Theodore C. Hendrick, dê um passo à frente. — O Tenente Spieksma tinha estado em posição de sentido todo o tempo; agora o Capitão Frankel se levantou. De repente o lugar parecia gelado.

— Soldado Hendrick, você foi considerado como culpado das acusações.

Meu estômago se revirou. Eles iam fazer aquilo com ele... iam pendurar Ted Hendrick pelo pescoço. E eu tinha tomado o café da manhã ao lado dele hoje mesmo.

— A Corte sentencia você, - ele continuou, enquanto eu me sentia mal, — a dez chicotadas e Dispensa por Má Conduta.

Hendrick engoliu em seco. — Quero me demitir!

— A Corte não permite que se demita. A Corte deseja acrescentar que sua punição é leve apenas porque esta Corte não possui jurisdição para atribuir uma pena maior. A autoridade que nos enviou você pediu uma corte marcial de campo - o motivo desta escolha, esta Corte não especulará. Mas se você tivesse sido enviado para uma corte marcial geral, parece certo que as evidências apresentadas ante esta Corte teriam feito com que uma corte geral o sentenciasse a ser pendurado pelo pescoço até a morte. Você teve muita sorte - e a autoridade que o enviou a esta Corte foi muito piedosa. — O Tenente Spieksma parou por um momento, e então continuou: — A sentença será levada a cabo tão logo a autoridade devida tenha revisto e aprovado os registros, se ela o aprovar. A Corte está suspensa. Remova-o e prenda-o.

A última frase foi dirigida a mim, mas não tive realmente de fazer nada, a não ser fonar para a barraca da guarda e pegar um recibo por ele quando o levaram embora.

Na chamada dos doentes da tarde o Capitão Frankel me tirou do serviço de ordenança e mandou que eu visse o médico, que me mandou de volta para o serviço. Voltei para minha companhia bem a tempo de me vestir e me apresentar para a revista - e de levar uma reprimenda de Zim por "manchas no uniforme". Bem, ele tinha uma mancha maior no olho, mas não falei nada sobre isso.

Alguém tinha preparado um poste no pátio da revista, bem atrás de onde ficava o assistente do comandante. Quando foi a hora de divulgarem as ordens, ao invés de "ordens do dia de rotina" ou outra coisa sem importância, eles divulgaram a corte marcial de Hendrick.

Então o fizeram avançar, entre dois guardas armados, com suas mãos algemadas em frente dele.

Nunca vi um açoitamento. Lá em casa, onde é claro que eles fazem isso em público, é feito atrás do Edifício Federal - e o pai tinha me dado ordens estritas pra que ficasse longe dali. Tentei desobedecê-lo uma vez... mas o açoitamento foi adiado e nunca tentei de novo.

Uma vez é demais.

Os guardas ergueram os braços dele e prenderam as algemas num grande gancho, colocado bem alto no poste. Então tiraram sua camisa e deu pra notar que ela estava preparada de modo a que pudesse sair, e não tinha uma camiseta por baixo dela. O assistente do comandante disse secamente: — Leve a cabo a sentença da Corte.

Um cabo-instrutor de outra companhia deu um passo à frente com o chicote. O Sargento da Guarda fez a contagem.

É uma contagem lenta, cinco segundos entre cada chibatada e parece muito mais do que isso. Ted não deu um pio até a terceira, e então soluçou de choro.

A próxima coisa de que tomei consciência foi de que eu estava olhando para o Cabo Bronski. Ele estava batendo na minha cara e me olhando com atenção. Parou e perguntou: — Tudo bem agora? Certo, de volta para a formação; estamos pra ser passados em revista. — Fomos passados em revista e depois marchamos de volta para as áreas de nossas companhias. Não comi muito no jantar mas um monte dos outros também não.

Ninguém disse uma palavra por eu ter desmaiado. Descobri mais tarde que não fui o único - tinha acontecido com umas duas dúzias de nós.

 

Foi na noite depois de Hendrick ter sido chutado que cheguei ao meu ponto mais baixo no Acampamento Currie. Eu não podia dormir - e você tem de passar pelo campo de treinamento para entender o quanto um recruta tem de afundar antes que isso possa acontecer. Mas eu não tinha feito nenhum exercício de verdade o dia todo e por isso não estava fisicamente cansado, meu ombro ainda doía mesmo que eu já tivesse sido marcado como "em serviço", e eu tinha aquela carta de minha mãe pra me preocupar, e cada vez que fechava os olhos eu ouvia aquele crack! e via Ted se deixar cair contra o poste de açoitamento.

Eu não estava mais esquentando sobre perder as minhas divisas de treinamento. Aquilo não importava mais pois eu já estava pronto e determinado a me demitir. Se não fosse eu estar no meio da noite e sem caneta e papel à mão, teria feito isso naquele momento.

Ted tinha cometido um engano, um que durou todo um meio segundo. E tinha sido mesmo um engano, pois, mesmo que ele odiasse a unidade (quem gostava dela?), ele tinha tentado batalhar e conseguir o direito de voto; queria entrar na política -falava bastante sobre como, quando conseguisse a cidadania, "haveria algumas mudanças - espere e verá".

Bem, agora ele nunca assumiria um cargo público; tinha tirado o dedo por um instante e estava fora.

Se podia acontecer com ele, podia acontecer comigo. E se eu escorregasse? Amanhã ou na semana que vem? Não seria autorizado nem a me demitir... seria expulso com minhas costas em tiras.

Hora de admitir que eu estava errado e o pai estava certo, hora de assinar aquele papelzinho, ir discretamente pra casa e dizer pro pai que estava pronto pra ir pra Harvard e depois trabalhar no negócio - se ele ainda me deixasse. Hora de ver o Sargento Zim, a primeira coisa de manhã e dizer a ele que eu já tinha tido o bastante. Mas não até amanhã, pois não se acorda o Sargento Zim exceto por alguma coisa que você esteja certo de que ele classificaria como uma emergência - pode ter certeza, você não faria isso! Não com o Sargento Zim.

O Sargento Zim...

Ele me preocupava tanto quanto o caso de Ted. Após a corte marcial estar encerrada e Ted ter sido levado, ele ficou pra trás e disse para o Capitão Frankel: — Eu poderia falar com o Comandante de Batalhão, senhor?

— Certamente. Estava pretendendo pedir pra que você ficasse para uma palavrinha. Sente-se.

Zim moveu os olhos na minha direção e o Capitão olhou pra mim e ninguém teve de me dizer pra cair fora; eu desapareci. Não havia ninguém na ante-sala, só um par de escriturários civis. Não me atrevia a ir pra fora pois o Capitão poderia me chamar; achei uma cadeira atrás de uma fila de arquivos e sentei.

Podia ouvi-los falando, através da divisória onde minha cabeça estava encostada. O QGB era uma construção e não uma barraca, já que abrigava equipamento permanente de comunicação e registro, mas era uma "construção mínima de campo", um barracão; as divisórias interiores não eram grande coisa. Duvido que os civis pudessem ouvir, já que estavam inclinados sobre seus teclados e usando fones de transcrição - além do que, eles não ligavam. Eu não queria bisbilhotar. Ãh, bem, talvez eu quisesse.

Zim disse: — Senhor, requisito transferência para uma equipe de combate.

Frankel respondeu: — Não consigo ouvir, Charlie. Meu ouvido ruim está me atrapalhando de novo.

Zim: — Estou falando sério, senhor. Este não é meu tipo de trabalho.

Frankel disse irritado: — Pare de me encher com seus problemas, Sargento. Pelo menos espere até que liquidemos com os assuntos de serviço. Que diabos aconteceu?

Zim disse bastante formal: — Capitão, aquele garoto não merecia dez chicotadas.

Frankel respondeu: — Claro que não. Você sabe quem bobeou - e eu também.

— Sim, senhor. Eu sei.

— Bem? Você sabe até melhor do que eu que esses garotos são animais selvagens neste estágio. Sabe quando é seguro virar as costas pra eles e quando não é. Conhece a doutrina e as ordens permanentes sobre o artigo nove-zero-oito-zero - nunca deve dar a eles a chance para violá-lo. É claro que alguns deles vão tentar - se não fossem agressivos não seriam material para a LM. São dóceis nas fileiras; é razoavelmente seguro virar as costas pra eles quando estão comendo, ou dormindo, ou sentados em seus rabos e sendo ensinados. Mas leve eles pra fora no campo num exercício de combate, ou qualquer coisa que os deixe ligados e cheios de adrenalina, e eles serão tão explosivos quanto uma boa porção de fulminato de mercúrio. Você sabe disso, todos os seus instrutores sabem disso; vocês são treinados - treinados pra ficar de olho nisso, treinados pra cortar o pavio antes que exploda. Me explique como foi possível que um recruta não treinado lhe tenha posto esse olho roxo? Ele deveria nem ter posto as mãos em você; você devia tê-lo botado pra dormir logo que viu o que ele estava pra fazer. Por que você não estava quicando? Está ficando mole?

— Não sei, — Zim respondeu devagar. — Deve ser isso.

— Hmmm! Se for verdade, uma equipe de combate é o último lugar pra você. Mas não é verdade. Ou não era, da última vez que nos exercitamos juntos, três dias atrás. Então o que foi que deu errado?

Zim foi lento em responder. — Acho que eu tinha ele rotulado em minha mente como um dos mais seguros.

— Não há tal coisa.

— Sim, senhor. Mas ele era tão esforçado, tão obstinado a batalhar - ele não tinha nenhuma aptidão mas continuava tentando - que eu devo ter feito aquilo, subconscientemente. — Zim ficou em silêncio e depois acrescentou: — Acho que era por eu gostar dele.

Frankel bufou. — Um instrutor não pode se dar ao luxo de gostar de um soldado.

— Sei disso, senhor. Mas eu gosto. Eles são uma belo bando de garotos. Já nos livramos dos merdinhas - o único defeito de Hendrick, fora ser desastrado, era que pensava que conhecia todas as respostas. Eu não ligava pra isso; naquela idade eu também conhecia todas as respostas. Os merdinhas foram pra casa e aqueles que sobraram são ávidos, ansiosos pra agradar, cheios de energia - tão engraçadinhos como uma ninhada de cachorrinhos. Muitos deles serão bons soldados.

— Então esse era o ponto fraco. Você gostava dele... e por isso falhou em cortá-lo a tempo. Então ele acabou com uma corte, o chicote e uma D.M.C. Belo.

Zim disse ansioso: — Gostaria que houvesse alguma maneira de que fosse eu a receber aquelas chibatadas, senhor.

— Terá de esperar a sua vez, estou na frente. O que você acha que eu desejava durante a última hora? Do que você acha que eu estava com medo desde o momento em que vi você chegar exibindo um olho roxo? Fiz o melhor que pude pra deixar isso pra lá com uma punição administrativa, mas o garoto idiota não quis deixar bem como estava. Mas nunca pensei que ele seria tão louco a ponto de contar que tinha acertado uma em você - ele é estúpido; você devia tê-lo tirado da unidade semanas atrás... ao invés de ter ficado paparicando ele tempo suficiente pra arranjar problemas. Mas ele contou tudo pra mim, e em frente de testemunhas, me forçando a tomar conhecimento oficial disso -e aí nos pegou. Não tinha jeito de manter isso fora dos registros, não tinha como evitar uma corte... o único jeito era enfrentar toda a droga da bagunça, fazer o que era preciso e acabar com mais um civil que nos odiará pelo resto de seus dias. Pois ele tinha de ser açoitado; nem você nem eu podemos ficar no lugar dele, mesmo que a falta tenha sido nossa. Porque o regimento tem de ver o que acontece quando a nove-zero-oito-zero é violada. Nosso erro... mas o castigo é dele.

— Meu erro, Capitão. É por causa disso que quero ser transferido. Ãh, senhor, acho que é o melhor para a unidade.

— Você acha, eim? Mas eu decido o que é melhor para o meu batalhão, não você, Sargento. Charlie, quem você pensa que tirou o seu nome do chapéu? E por quê? Pense sobre doze anos atrás. Você era um cabo, lembra-se? Onde você estava?

— Aqui, como sabe muito bem, Capitão. Bem aqui nesta mesma pradaria esquecida por Deus - e gostaria de nunca ter voltado!

— Todos nós. Mas acontece que este é o trabalho mais importante e delicado no Exército - tornar rapazinhos mimados em soldados. Quem era o pior rapazinho mimado em sua seção?

— Hmmm... — Zim respondeu lentamente. — Não chegaria ao ponto de dizer que o senhor era o pior, Capitão.

— Não, eim? Mas você teria de pensar bastante pra achar outro candidato. Eu odiava você, "Cabo" Zim.

Zim pareceu surpreso, e um pouco magoado. — É mesmo, Capitão? Eu não odiava você - eu até gostava de você.

— Mesmo? Bem, "odiar" é outro luxo ao qual um instrutor nunca pode se dar. Devemos não odiá-los, devemos não gostar deles; devemos ensiná-los. Mas se você gostava de mim -hmmm, me parecia que você tinha modos muito estranhos de mostrar isso. Ainda gosta de mim? Não responda; não me importo se gosta ou não - ou melhor, não quero saber, o que quer que seja. Esqueça; eu o desprezava e costumava sonhar com um jeito de apanhar você. Mas você estava sempre quicando e nunca me deu uma chance pra conseguir uma corte nove-zero-oito-zero pra mim. Assim aqui estou, graças a você. Agora, sobre a sua requisição: você costumava ter uma ordem que me dava de novo e de novo quando eu era um recruta. Lembra dela? Eu me lembro e agora vou dá-la de volta: "Soldado, cale-se e seja um soldado!"

— Sim, senhor.

— Não vá ainda. Esta droga de confusão não é de todo má; todo regimento de recrutas precisa de uma lição severa sobre o significado da nove-zero-oito-zero, como ambos sabemos. Eles ainda não aprenderam a pensar, não lêem e raramente ouvem - mas podem ver... e o azar do pobre Hendrick pode salvar a vida de seus companheiros, algum dia, pode salvá-los de serem pendurados pelo pescoço até estarem mortos, mortos, mortos. Mas sinto muito que o objeto desta lição tenha vindo do meu batalhão e certamente não pretendo deixar que ele forneça outro. Reúna os seus instrutores e os avise. Por umas vinte e quatro horas esses garotos estarão em estado de choque. Depois ficarão mal humorados e a tensão começará a se formar. Lá pela quinta ou sexta algum garoto que esteja pra desistir vai começar a pensar que Hendrick não apanhou muito, nem mesmo o número de chibatadas por dirigir bêbado... e vai começar a matutar que pode valer a pena para apanhar o instrutor que ele odiar mais. Sargento - aquele soco nunca deverá chegar! Estamos entendidos?

— Sim, senhor.

— Quero que sejam oito vezes mais cautelosos do que têm sido. Quero que mantenham distância. Quero que estejam tão alertas como um rato numa exposição de gatos. Bronski -tenha uma conversa especial com Bronski; ele tem uma tendência a confraternizar.

— Vou endireitar Bronski, senhor.

— Faça isso. Porque quando o próximo garoto começar a dar o soco, ele tem de ser parado - não recebido, como hoje. O garoto tem de ser nocauteado e o instrutor deve fazê-lo sem sequer ser tocado •- ou eu juro que vou rebaixá-lo por incompetência. Faça-os saber disso. Eles têm de ensinar esses garotos que não é apenas caro, mas também impossível violar a nove-zero-oito-zero... que até mesmo tentar resulta em uma cochiladinha, um balde de água na cara e um queixo doendo muito - e nada mais.

— Sim, senhor. Será feito.

— É melhor que seja. Vou não apenas rebaixar o instrutor que falhe, mas também vou levá-lo pessoalmente para a pradaria e dar-lhe umas pancadas... porque eu não vou ter outro dos meus garotos amarrado naquele poste por causa de descuido da parte de seus professores. Dispensado.

— Sim, senhor. Boa tarde, Capitão.

— O que há de bom nela? Charlie...

— Sim, senhor.

— Se não estiver ocupado demais esta noite, por que não traz suas sapatilhas e protetores para a ruinha dos oficiais e podemos dançar? Digamos às oito horas.

— Sim, senhor.

— Isto não é uma ordem, é um convite. Se está mesmo ficando mole, então talvez eu consiga deslocar suas omoplatas.

— Ãh, o Capitão se importaria de fazer uma apostazinha sobre isso?

— Ãhn? Comigo sentado aqui nesta mesa me desmanchando na cadeira giratória? Não! Não a menos que você concorde em lutar com um pé dentro de um balde de cimento. Falando sério, Charlie, nós tivemos um dia miserável e vai ficar pior antes de ficar melhor. Se você e eu suarmos um pouco e trocarmos umas pancadas, talvez consigamos dormir esta noite a despeito de todos os queridinhos da mamãe.

— Estarei lá, Capitão. Não coma muito no jantar - também preciso tirar um pouco da tensão.

— Não vou jantar; vou ficar bem aqui sentado e acabar este relatório trimestral... o qual o Comandante do Regimento ficará muito contente de ver após o jantar dele... e que alguém cujo nome eu não citarei me atrasou duas horas. Por isso posso chegar alguns minutos atrasado para a nossa valsa. Vá embora agora, Charlie, e não me incomode. Vejo você mais tarde.

O Sargento Zim saiu tão abruptamente que mal tive tempo de me abaixar pra amarrar meu sapato e assim estar fora de vista atrás do arquivo quando ele passou pela ante-sala. O Capitão Frankel já estava gritando: — Ordenança! Ordenança! ORDENANÇA! - eu tenho de chamar você três vezes? Qual o seu nome? Inscreva a si mesmo para uma hora de serviço extra, com equipamento completo. Ache os comandantes das companhias E, F e G, dê a eles os meus cumprimentos e diga que gostaria de vê-los antes da revista. Então quique até a minha barraca e apanhe um uniforme, quepe, ombreiras, sapatos e faixas - sem medalhas. Arrume-o aqui para mim. Depois compareça ao toque dos doentes - se você pode se cocar com aquele braço, como eu o vi fazendo, o seu ombro não pode estar doendo tanto. Tem treze minutos até o toque dos doentes - quicando, soldado!

Fiz aquilo... apanhando dois deles no chuveiro dos instrutores mais velhos (um ordenança pode ir em qualquer lugar) e o terceiro na mesa dele; as ordens que você recebe não são impossíveis de cumprir; apenas parecem por serem quase impossíveis. Estava arrumando o uniforme do Capitão Frankel para a revista, quando soou o toque dos doentes. Sem olhar pra cima ele rosnou: — Cancele aquele serviço extra. Dispensado. — Assim eu voltei bem a tempo de apanhar serviço extra por " Uniforme, Desleixado, Dois Detalhes" e ver o desagradável fim do período de Ted Hendrick na LM.

Por isso tive bastante tempo para pensar sobre essas coisas deitado acordado naquela noite. Sabia que o Sargento Zim trabalhava duro, mas nunca tinha me ocorrido que ele podia não estar completa e presunçosamente satisfeito com o que fazia. Ele parecia tão presunçoso, tão auto-confiante, tão em paz com o mundo e com ele mesmo.

A idéia de que esse robô invencível pudesse sentir que ele tinha falhado, pudesse se sentir tão profunda e pessoalmente desgraçado que queria fugir, esconder seu rosto entre estranhos, e dar a desculpa de que sua saída seria " melhor para a unidade", me chocou tanto, e de certo modo até mais, do que ver Ted sendo açoitado.

O Capitão Frankel ter concordado com ele - quanto à seriedade da falha, quero dizer - e então esfregar o nariz dele nisso, passar-lhe uma reprimenda. Oras! Realmente. Sargentos não recebem reprimendas; eles as dão. Uma lei da natureza.

Mas tinha de admitir que aquela bronca que o Sargento Zim tinha levado, e aceitado, era tão completamente humilhante e devastadora que fazia com que o pior que eu já tinha ouvido ou tinham me contado sobre sargentos parecesse uma canção de amor. E o Capitão não tinha nem mesmo elevado a voz.

Todo o incidente era tão absurdamente improvável que nunca fiquei sequer tentado a mencioná-lo para ninguém.

E o próprio Capitão Frankel - os oficiais nós não víamos muito. Eles apareciam para a revista do anoitecer, caminhando, bem em cima da hora e não faziam nada que suasse; nos inspecionavam uma vez por semana, fazendo comentários em particular para os sargentos, comentários que sempre implicavam em algo de ruim para os outros, não para eles; e decidiam a cada semana que companhia tinha ganho a honra de guardar as cores do regimento. Fora isso, eles surgiam de vez em quando para inspeções de surpresa, com a roupa bem passada, imaculados, distantes e com um leve cheiro de colônia - e iam embora de novo.

Oh, um ou mais deles sempre nos acompanhavam nas marchas pelo campo e duas vezes o Capitão Frankel tinha nos demonstrado seu talento em Ia savate. Mas os oficiais não trabalhavam, não trabalho de verdade, e não tinham preocupações porque os sargentos estavam abaixo deles e não acima.

Mas parecia que o Capitão Frankel trabalhava tão duro que perdia as refeições, ficava tão ocupado com uma coisa ou outra que reclamava de falta de exercício e gastaria o seu próprio tempo livre apenas para suar um pouco.

Quanto às preocupações, ele tinha parecido estar honestamente mais aborrecido sobre o que tinha acontecido com Hendrick do que Zim. E no entanto ele não conhecia Hendrick nem de vista; tinha tido de perguntar seu nome.

Eu tinha uma incômoda sensação de que tinha estado completamente enganado quanto à natureza do mundo em que vivia, como se cada parte dele fosse algo muito diferente do que parecia ser - como descobrir que a sua mãe não era ninguém que você tivesse visto antes, mas um estranho numa máscara de borracha.

Mas de uma coisa eu estava certo: eu nem queria saber o que a LM. era de verdade. Se era tão dura que mesmo os deuses estabelecidos - sargentos e oficiais - eram infelizes por causa dela, então era com certeza dura demais para o Johnnie! Como você podia evitar cometer erros numa unidade que nem entendia? Eu não queria ser pendurado pelo pescoço até que estivesse morto, morto, morto! Não queria nem correr o risco de ser açoitado... mesmo que o doutor me garantisse que isso não causava dano permanente. Ninguém na nossa família tinha sido jamais açoitado (exceto palmatórias na escola, é claro, o que não é a mesma coisa). Não havia criminosos de qualquer lado de nossa família, ninguém que tivesse sido sequer indiciado. Éramos uma família orgulhosa; a única coisa que faltava era a cidadania, e o pai achava que isso não era uma honra verdadeira, que era uma coisa vã e inútil. Mas se eu fosse açoitado - Bem, ele provavelmente teria um ataque.

E no entanto Hendrick não tinha feito nada que eu não tivesse pensado em fazer mil vezes. Por que não tinha feito? Timidez, eu acho. Eu sabia que aqueles instrutores, qualquer um deles, podia me arrasar, por isso tinha fechado a minha boca e não tinha tentado. Você não tem peito, Johnnie. Pelo menos Ted Hendrick tinha tido o peito. Eu não tinha... e um homem sem coragem não tem nada a fazer no Exército.

Além disso, o Capitão Frankel não tinha nem considerado a falta como sendo de Ted. Mesmo que eu não comprasse uma 9080, por falta de peito, quando eu faria alguma outra coisa que não uma 9080 - algo que não fosse minha culpa - e acabasse caído sobre o poste de um jeito ou de outro?

Hora de cair fora, Johnnie, enquanto ainda está por cima.

A carta de minha mãe apenas confirmou minha decisão. Eu tinha conseguido endurecer meu coração para os meus pais enquanto eles me rejeitavam - mas quando eles amoleceram, não pude suportar isso. Ou quando a mãe amoleceu, pelo menos. Ela tinha escrito:

 

... mas temo que deva dizer a você que seu pai ainda não permitirá que seu nome seja mencionado. Mas, benzinho, esse é o jeito dele de sofrer, já que não pode chorar. Você deve entender, meu querido bebê, que ele o ama mais do que a própria vida - mais do que me ama - e que você o magoou muito profundamente. "Ele diz para o mundo que você é um homem crescido, capaz de tomar suas próprias decisões, e que está orgulhoso de você. Mas isso é o orgulho dele falando, o pior machucado de um homem orgulhoso que foi ferido profundamente por quem ele mais amava. Você deve entender, Juanito, que ele não fala de você nem lhe tem escrito porque não pode - não ainda, não até esta dor se tornar suportável. Quando isso acontecer, eu saberei, e então intercederei por você -e estaremos todos juntos de novo.

Eu? Como poderia qualquer coisa que o garotinho da mamãe faça deixá-la zangada? Você pode me machucar, mas não pode me fazer amar você menos. Onde quer que esteja, o que quer que escolha fazer, você será sempre o meu garotinho que machuca o joelho e vem correndo para meu colo procurando ajuda. Meu colo encolheu, ou quem sabe você tenha crescido (embora eu nunca tenha acreditado nisso), mas no entanto ele estará sempre à espera, quando você precisar dele. Garotinhos nunca deixam de precisar dos colos de suas mães, deixam, querido? Espero que não. Espero que você me escreva e me diga que não.

Mas devo acrescentar que, em vista do tempo terrivelmente longo que você não tem escrito, provavelmente é melhor (até eu dizer o contrário) que escreva para mim aos cuidados de sua tia Eleanora. Ela passará a carta para mim sem demora - e sem causar mais transtornos. Entende?

 

Mm milhão de beijos para meu bebê, Sua mãe

 

Eu entendi, tudo bem - e se o pai não podia chorar, eu podia. Chorei.

E por fim consegui dormir... e fui imediatamente acordado por um alerta. Quicamos para a faixa de bombardeio, todo o regimento, e fizemos um exercício simulado, sem munição. Vestíamos equipamento completo, mas sem blindagem, incluindo receptores intra-auriculares, e tínhamos acabado de nos espalhar quando veio a ordem para congelar.

Agüentamos aquele " congele" por pelo menos uma hora - e quando digo agüentamos, quero dizer isso mesmo, mal respirando. Um ratinho que passasse por ali nas pontas dos pés teria parecido barulhento. Alguma coisa realmente passou e correu bem sobre mim, um coiote eu acho. Nem estremeci. Ficamos morrendo de frio agüentando aquele "congele", mas eu não ligava; sabia que era o meu último.

Nem ao menos ouvi o toque da alvorada na manhã seguinte; pela primeira vez em semanas tive de ser batido pra fora do meu saco e mal cheguei a tempo na formação para os exercícios da manhã. Bom, não havia motivo pra tentar me demitir antes do café, já que o primeiro passo era falar com o Sargento Zim. Mas ele não apareceu no café da manhã. Pedi permissão a Bronski pra ver o C.C. e ele disse: — Claro. Fique a vontade, — e não me perguntou o motivo.

Mas você não pode falar com um homem que não está. Começamos uma marcha pelo campo após o café e eu ainda não tinha visto ele. Era uma vamos-e-voltamos, com o almoço trazido pra nós de cóptero - um luxo inesperado, já que a falha em entregar as rações de campo antes da marcha em geral significava inanição prática exceto por qualquer coisa que você tivesse escondido... e eu não tinha nada; coisas demais em minha cabeça.

O Sargento Zim veio com as rações e fez o toque de correio no campo - o que não era um luxo inesperado. Direi isso pela LM.; eles podem cortar a sua comida, água, sono, qualquer coisa, sem aviso prévio, mas nunca atrasam a entrega da correspondência de uma pessoa um minuto mais do que as circunstâncias exigirem. A correspondência era sua, e eles a levavam para você no primeiro transporte disponível e você podia lê-la em sua primeira pausa, mesmo em manobras. Isso não tinha sido tão importante pra mim, já que (fora um par de cartas de Carl) não tinha recebido nada além de malas-diretas até que a mãe me escreveu.

Nem me aproximei quando o Sargento Zim estava as entregando; conclui que era melhor não falar com ele até que ele se aproximasse - não havia motivo para fazer com que me notasse até que estivéssemos bem perto do quartel. Por isso fiquei surpreso quando ele chamou meu nome e me passou uma carta. Quiquei e a apanhei.

E fiquei surpreso de novo - era do Sr. Dubois, meu professor de História e Filosofia da Moral do colégio. Eu ficaria menos surpreso se fosse uma carta do Papai Noel.

Então, quando a li, ainda parecia que era um engano. Tive de verificar o destinatário e o remetente pra me convencer que ele tinha escrito aquela carta e que era pra mim.

 

Meu caro rapaz:

Teria lhe escrito muito antes para lhe expressar o meu prazer e meu orgulho em saber que você tinha não apenas sido voluntário para servir mas também tinha escolhido a minha própria força. Mas não para expressar surpresa; era o que eu esperava de você - exceto, talvez, o bônus adicional e muito pessoal de ter escolhido a LM. Este é o tipo de consumação, que não acontece muitas vezes, que apesar de tudo faz com que os esforços de um professor valham a pena. Precisamos peneirar muitas pedras, muita areia, pra cada pepita - mas as pepitas são a recompensa.

Por esta altura a razão de eu não ter escrito de imediato é obvia para você. Muitos jovens, não necessariamente por alguma falha que se deva condenar, são descartados durante o treinamento dos recrutas. Eu esperei (tenho me mantido em contado através de minhas próprias conexões) que você tivesse superado o monte (quão bem nós todos conhecemos esse montei) e tivesse a certeza de que, salvo acidentes ou doenças, você completaria o seu treinamento e o período.

Você agora irá passar pela parte mais dura do seu serviço - não a mais dura fisicamente (embora dureza física nunca mais vá lhe causar problemas; você já teve a sua parte), mas a mais dura espiritualmente... os reajustamentos e reavaliações de virar a alma necessários para transformar um cidadão em potencial em um de verdade. Ou, melhor dizendo: você já passou pela parte mais dura, a despeito de todas as tribulações que ainda tem a frente e de todas as barreiras, uma mais alta do que a outra, pelas quais ainda tem de passar. Mas é aquele "monte" que conta - e, conhecendo você, rapaz, sei que esperei o tempo suficiente para estar certo de que passou o seu “monte" - ou estaria em casa agora.

Quando alcançou aquele topo de montanha espiritual você sentiu algo, alguma coisa nova. Talvez você não tenha palavras para isso (eu sei que eu não tinha, quando era um recruta). Então talvez permita que um camarada mais velho lhe empreste as palavras, pois geralmente ajuda ter as palavras certas. Apenas isto: O destino mais nobre que um homem pode enfrentar é colocar o seu próprio corpo mortal entre seu amado lar e a desolação da guerra. As palavras não são minhas, é claro, como você reconhecerá. Verdades básicas não podem mudar e uma vez que um homem de visão as expresse, nunca é preciso, não importa o quanto o mundo mude, reformulá-las. Esta é uma verdade imutável em qualquer lugar, em qualquer época, para todos os homens e nações.

Mande-me notícias, por favor, se você puder gastar com um velho um pouco do seu precioso tempo de sono para escrever uma carta de vez em quando. E se acontecer de você cruzar com algum dos meus antigos companheiros, dê a eles os meus mais calorosos cumprimentos.

Boa sorte, soldado! Você me deixou orgulhoso. Jean V. Dubois Ten.-Cel, LM., ref.

 

A assinatura era tão espantosa quanto a própria carta. O Velho Boca Torta era um quase coronel? Puxa, nosso comandante regional era apenas um major. O Sr. Dubois nunca tinha usado qualquer tipo de título na escola. Achávamos (se é que achávamos alguma coisa) que ele tinha sido cabo ou algo assim e que tinha sido dispensado quando perdeu a mão e que tinham arranjado pra ele um emprego tranqüilo ensinando uma matéria que não precisava ser passada, ou mesmo ensinada - apenas ouvida. É claro que sabíamos que ele era um veterano já que História e Filosofia da Moral tem de ser ensinada por um cidadão. Mas um soldado da LM.? Ele não parecia um. Metido, um tanto cheio de desdém, parecia um professor de dança - não um macaco como nós.

Mas foi desse jeito que ele tinha assinado.

Passei toda a longa caminhada de volta pensando sobre aquela carta espantosa. Não parecia nem um pouco com qualquer coisa que ele tivesse dito em aula. Oh, não quero dizer que contradissesse qualquer coisa que nos tivesse dito em aula; era apenas inteiramente diferente em tom. Desde quando um quase coronel chama um soldado recruta de "camarada"?

Quando ele era apenas o "Sr. Dubois" e eu era um dos garotos que tinha de fazer a matéria ele mal parecia me ver -exceto uma vez quando me ofendeu dando a entender que eu tinha dinheiro demais e bom senso de menos. (Se o meu velho podia ter comprado a escola e dado ela pra mim como presente de Natal, isso era algum crime? Não era nada da conta dele.)

Ele tinha estado discursando sobre "valor", comparando a teoria marxista com a teoria ortodoxa do "uso". O Sr. Dubois tinha dito: — É claro, a definição marxista de valor é ridícula. Todo o trabalho que alguém se importe em adicionar a uma torta de lama não vai transformá-la numa torta de maçã; ela continua sendo uma torta de lama, com valor zero. Concluindo, trabalho mal feito pode facilmente subtrair valor; um cozinheiro sem talento pode transformar massa saudável e maçãs frescas, que já têm valor, numa bagunça não comestível, de valor zero. Inversamente, um grande chefe pode moldar aqueles mesmos materiais num confeito de maior valor do que uma torta de maçã comum, com não mais esforço do que um cozinheiro comum usa para preparar um doce comum.

— Esses exemplos culinários demolem a teoria marxista de valor - a falácia da qual a grande fraude do comunismo provém - e ilustra a verdade da definição de valor do senso comum medida em termos de uso.

Dubois tinha acenado seu coto para nós. — Apesar disso

— acordem, de volta! - apesar disso o velho místico despenteado de Das Kapital, inchado, torturado, confuso, e neurótico, não cientifico, ilógico, esta fraude pomposa chamada Karl Marx, apesar disso teve um lampejo de uma verdade muito importante. Se ele possuísse uma mente analítica, poderia ter formulado a primeira definição adequada de valor... e este planeta poderia ter sido poupado de um sofrimento sem fim.

— Ou talvez não, — ele acrescentou. — Você! Me endireitei num pulo.

— Já que não consegue escutar, quem sabe você possa dizer à classe se "valor" é uma coisa relativa, ou absoluta?

Eu tinha estado escutando; apenas não via qualquer razão pra não escutar com os olhos fechados e a espinha relaxada. Mas esta questão me apanhou; não tinha lido a tarefa do dia. — Um absoluto, — eu respondi, chutando.

— Errado, — ele disse friamente. — "Valor" não tem significado a não ser em relação a seres vivos. O valor de uma coisa é sempre relativo a uma pessoa em particular, é completamente pessoal e diferente em quantidade para cada humano vivo - "valor de mercado" é uma ficção, apenas uma grosseira adivinhação da média dos valores pessoais, todos os quais devem ser quantitativamente diferentes ou o comércio seria impossível. (Fiquei imaginando o que o pai teria dito se tivesse ouvido o "valor de mercado" sendo chamado de "ficção" - bufaria com desgosto, provavelmente.)

— Esta relação muito pessoal, o "valor", tem dois fatores para um ser humano: primeiro, o que ele pode fazer com uma coisa, o seu uso para ele... e segundo, o que ele deve fazer para consegui-la, o seu custo para ele. Há uma velha canção que afirma que "as melhores coisas da vida são de graça". Falso! Completamente falso! Esta foi a trágica falácia que provocou a decadência e o colapso das democracias do século vinte; aqueles nobres experimentos falharam porque o povo tinha sido levado a acreditar que podia simplesmente votar por algo que quisesse... e consegui-lo, sem trabalho duro, sem suor, sem lágrimas.

— Nada de valor é grátis. Mesmo o sopro da vida é comprado no nascimento respirando com dificuldade e dor. — Ele ainda estava olhando pra mim e acrescentou: — Se vocês meninos e meninas tivessem de suar por seus brinquedos do modo como um bebê recém nascido tem de lutar para viver vocês seriam mais felizes....e muito mais ricos. Como é, com alguns de vocês, eu tenho pena da pobreza de sua riqueza. Você! Acabei de dar-lhe o prêmio pela corrida de cem metros rasos. Isso o faz feliz?

— Ãh, acho que sim.

— Nada de evasivas, por favor. Você tem o prêmio -olhe, vou escrever: "Grande prêmio pelo campeonato, corrida de velocidade de cem metros." — Ele tinha realmente vindo até a minha carteira e espetado aquilo no meu peito. — Aqui. Está feliz? Você dá valor a isso - ou não?

Eu estava zangado. Primeiro aquela gracinha sobre crianças ricas - um desdém típico daqueles que não o são - e agora esta farsa. Eu arranquei e joguei nele.

O Sr. Dubois pareceu surpreso. — Isto não o deixa feliz?

— Você sabe muito bem que eu fiquei em quarto!

— Exato! O prêmio pelo primeiro lugar não tem valor para você... porque não o conquistou. Mas você sente uma modesta satisfação por ter ficado em quarto; você o conquistou. Confio que alguns dos sonâmbulos aqui entenderam esta pequena peça sobre moralidade. Eu tenho a impressão de que o poeta que escreveu aquela canção quis dizer que as melhores coisas da vida devem ser compradas com outra coisa que não dinheiro - o que é verdade - da mesma forma que o significado literal de suas palavras é falso. As melhores coisas da vida estão além do dinheiro; o preço delas é agonia e suor e devoção... e o preço exigido pela mais preciosa de todas as coisas na vida é a própria vida - o supremo custo pelo perfeito valor.

Meditei sobre as coisas que tinha ouvido o Sr. Dubois -Coronel Dubois - dizer, bem como sobre sua extraordinária carta enquanto vínhamos de volta para o campo. Então parei de pensar porque a banda veio pra perto de nossa posição na coluna e cantamos por um momento, um grupo de francesas - "Marseillaise", é claro, e "Madelon" e "Sons of Toil and Danger" e então "Legion Étrangère" e "Mademoiselle from Armentières".

É gostoso quando a banda toca; levanta você quando o seu rabo está se arrastando na pradaria. No começo não tínhamos tido nada além de música enlatada e isso apenas para a revista e os toques. Mas os poderosos tinham logo descoberto quem podia e quem não podia tocar; instrumentos foram fornecidos e uma banda do regimento organizada, com todos os membros dentre nós - mesmo o maestro e o baliza eram recrutas.

Isso não queria dizer que eles escapassem de qualquer coisa. Ah, não! Queria dizer apenas que tinham permissão e eram encorajados a fazê-lo em seu próprio tempo, praticando ao anoitecer e aos domingos e tal - e que podiam ficar emproados e contramarchar e se exibir durante a revista em vez de ficar nas fileiras com seus pelotões. Um monte de coisas que fazíamos era desse jeito. Nosso capelão, por exemplo, era um recruta. Ele era mais velho do que a maioria de nós e tinha sido ordenado em alguma pequena seita obscura da qual eu nunca tinha ouvido falar. Mas fosse sua teologia ortodoxa ou não (não me pergunte), ele colocava muita paixão em sua pregação e estava com certeza numa posição de entender os problemas de um recruta. E os hinos eram divertidos. Além do que, não havia qualquer outro lugar pra irmos no domingo entre a inspeção da manhã e o almoço.

A banda sofria muito desgaste mas de alguma forma eles sempre continuavam. O campo possuía quatro gaitas de fole e alguns uniformes escoceses, doados por Lochiel de Cameron cujo filho tinha sido morto ali em treinamento - e aconteceu de um de nós ser um tocador de gaita de fole; ele tinha aprendido nos escoteiros escoceses. Bem logo tínhamos quatro gaiteiros, que talvez não fossem bons mas que tocavam alto. Gaitas de fole parecem estranhas da primeira vez que você ouve uma, e ouvir um novato praticando pode nos fazer ranger os dentes - soa e parece como se ele tivesse um gato embaixo do braço, e rabo dele na boca, e o mordesse.

Mas elas te pegam com o tempo. A primeira vez que os nossos gaiteiros bateram os calcanhares à frente da banda, penetrando-nos com a "Alamein Dead", meu cabelo ficou tão em pé que levantou o boné. Ela apanha você - lhe molha os olhos.

Não podíamos levar uma banda completa numa marcha pelo campo, é claro, já que não eram feitas concessões especiais para a banda. Tubas e tambores tinham de ficar para trás pois um rapaz na banda tinha de carregar o equipamento completo, como todo mundo, e podia fazer isso apenas com um instrumento pequeno o bastante para pôr junto de sua carga. Mas a LM. tinha instrumentos que eu não acredito que alguém mais tivesse, como uma caixinha um pouco maior do que uma gaita de boca, uma invenção elétrica que faz um fantástico trabalho simulando uma trompa e é tocada do mesmo jeito. Quando chega o toque da banda e você está marchando em direção ao horizonte, cada homem da banda abre a mochila, sem parar, seus colegas de esquadra abrem caminho e ele corre para a posição das cores da companhia e começa a tocar.

Isso ajuda.

A banda foi para ré, quase fora de alcance, e paramos de cantar porque nosso próprio canto abafa o compasso quando ela está muito longe.

De repente percebi que me sentia bem.

Tentei pensar no motivo. Por que chegaríamos em um par de horas e eu poderia me demitir?

Não. Quando tinha decidido me demitir, eu tinha dado a mim mesmo um pouco de paz, acalmado o meu terrível nervosismo e me deixado dormir. Mas isto era outra coisa - e não havia razão, que eu pudesse ver.

Então eu soube. Eu tinha passado o meu montei

Eu estava em cima do "monte" sobre o qual o Coronel Dubois tinha escrito. Na verdade eu caminhava sobre ele e começava a descer, caminhando sem dificuldades. A pradaria era de um lado a outro chata como uma panqueca, mas mesmo assim eu tinha estado caminhando lenta e pesadamente colina acima durante toda a ida e mais ou menos metade da volta. Então, em algum ponto - acho que foi enquanto estávamos cantando -eu passei pelo monte e agora tudo era colina abaixo. Minha mochila parecia mais leve e eu não estava mais preocupado.

Quando chegamos, não falei com o Sargento Zim; não precisava mais. Ao invés disso ele falou comigo, me fez sinal quando saímos de forma.

— Sim, senhor?

— Esta é uma pergunta pessoal... então não responda a não ser que queira. - Ele parou, e eu imaginei se ele suspeitava que eu tinha ouvido a reprimenda que ele tinha levado, e tremi.

— No toque de correio hoje, — ele disse, — você recebeu uma carta. Eu notei - puramente por acidente, não era da minha conta - o nome do remetente. É um nome um tanto comum, em certos lugares, mas - esta é a pergunta pessoal que você não precisa responder - por acaso a pessoa que escreveu aquela carta tinha o braço esquerdo cortado pelo pulso?

Acho que meu queixo caiu. — Como sabe? Senhor?

— Estava perto quando isso aconteceu. Era o Coronel Dubois? Certo?

— Sim, senhor. — Acrescentei: — Ele foi meu professor de História e Filosofia da Moral no colégio.

Acho que aquela foi a única vez que impressionei o Sargento Zim, mesmo que pouco. Suas sobrancelhas se levantaram uns três milímetros e seus olhos se arregalaram levemente. — É mesmo? Você foi muito afortunado. - Ele acrescentou: — Quando responder à carta - se não se importar - poderia dizer que o Sargento Embarcado Zim manda-lhe os seus respeitos.

— Sim, senhor. Ah... acho que talvez ele lhe mandou um recado, senhor.

— O quê?

— Ãh, não tenho certeza. - Apanhei a carta e li apenas: - "... se acontecer de você cruzar com algum dos meus antigos companheiros, dê a eles os meus mais calorosos cumprimentos/' É para o senhor?

Zim pensou bem sobre isso, seus olhos olhando através de mim, para algum outro lugar. — Eim? Sim, é. Para mim entre outros. Muito obrigado. - Então de repente estava acabado e ele disse rápido: — Nove minutos para a revista. E você ainda tem de tomar banho e se trocar. Quicando, soldado.

 

Não vou falar muito mais sobre o treinamento. A maior parte era simples trabalho, mas passei por ele - não é preciso dizer mais nada.

Mas quero falar um pouco sobre os trajes propulsados, em parte porque fiquei fascinado por eles e também porque foram eles que me meteram em problemas. Não estou reclamando - mereci o que levei.

Um LM. vive de seu traje da mesma forma que um homem K-9 vive de, com e ao lado de seu parceiro canino. A blindagem propulsada é metade da razão pela qual chamamos a nós mesmos de "infantaria móvel" ao invés de apenas "infantaria". (A outra metade são as naves espaciais e as cápsulas em que descemos.) Nossos trajes nos dão melhores olhos, melhores ouvidos, costas mais fortes (para carregar armas mais pesadas e mais munição), melhores pernas, mais inteligência ("inteligência" no sentido militar; um homem num traje pode ser tão estúpido quanto qualquer pessoa - mas é melhor que não seja), mais poder de fogo, maior resistência, menos vulnerabilidade.

Um traje não é um traje espacial - embora possa servir como um. Não é primariamente uma armadura - embora os Cavaleiros da Távola Redonda não estivessem tão bem blindados como nós. Não é um tanque - mas um só soldado LM. poderia enfrentar um esquadrão daquelas coisas e acabar com elas sem ajuda se alguém fosse tolo o bastante para colocar tanques contra LM. Um traje não é uma nave mas pode voar, um pouco - por outro lado, nem naves, nem aeroplanos podem lutar contra um homem num traje exceto por bombardeio de saturação da área onde ele se encontra (como queimar uma casa para pegar uma pulga!). Inversamente, podemos fazer muitas coisas que nenhuma nave - no ar, na água ou no espaço - podem.

Há uma dúzia de jeitos diferentes de entregar destruição impessoal por atacado, via naves e mísseis de um tipo ou de outro, catástrofes tão generalizadas, tão pouco seletivas, que a guerra acaba porque a nação ou planeta deixou de existir. O que fazemos é inteiramente diferente. Fazemos a guerra ficar tão pessoal como um soco no nariz. Podemos ser seletivos, aplicando precisamente a quantidade certa de pressão num ponto especificado e num momento designado - nunca recebemos ordens de descer e matar ou capturar todas as ruivas canhotas numa área específica, mas se nos ordenarem, podemos fazê-lo. E faremos.

Somos os rapazes que vão a um lugar específico, na hora H, ocupamos um determinado terreno, ficamos nele, arrancamos o inimigo de seus buracos e fazemos com que ele, lá e naquele momento, se renda ou morra. Somos a maldita infantaria, os pé-na-lama, o soldado a pé que vai até onde o inimigo está e o captura em pessoa. Temos feito isso, com mudanças nas armas mas muito poucas no ofício, pelo menos desde cinco mil anos atrás quando os arrasta pés de Sargão, o Grande, forçaram os sumérios a pedir água.

Talvez eles possam fazer as coisas sem nós algum dia. Talvez algum gênio louco com miopia, uma testa inchada e uma mente cibernética conceba uma arma que possa descer num buraco, agarrar o adversário, e forçá-lo a se render ou morrer -sem matar aquele grupo de nosso próprio povo que eles têm aprisionados lá embaixo. Não posso saber; não sou um gênio, sou um LM. Enquanto isso, até que eles construam uma máquina para nos substituir, meus companheiros podem dar conta do serviço - e eu posso ajudar um pouco.

Quem sabe algum dia eles tenham tudo bonito e em ordem e teremos aquela coisa sobre a qual cantamos, quando "não mais iremos estudar a guerra". Quem sabe. Quem sabe no mesmo dia em que o leopardo tirar suas manchas e conseguir um emprego como vaca leiteira. Mas de novo, eu não posso saber; não sou um professor de cosmopolítica; sou um LM. Quando o governo manda, eu vou. Entre as missões, durmo pra caramba.

Mas, enquanto não fazem uma máquina pra nos substituir, eles certamente pensaram em algumas coisinhas para nos ajudar. O traje, em particular.

Não é preciso descrever como ele se parece, pois você com certeza já o viu em alguma ilustração. Vestido, você parece um grande gorila de aço, armado com armas tamanho gorila. (Talvez essa seja a razão de os sargentos iniciarem suas observações com "Seus macacos... " Mas acho mais provável que os sargentos de César usassem o mesmo honorífico.)

Mas os trajes são consideravelmente mais fortes do que um gorila. Se um LM. em um traje trocasse abraços com um gorila, o gorila seria morto, esmagado; o LM. e o traje não seriam nem amarrotados.

Os "músculos", a pseudo-musculatura, recebem toda a publicidade, mas é o controle de todo esse poder que merece a fama. A coisa de gênio no projeto é que você não tem de controlar o traje; você apenas o veste, como as suas roupas, como a sua pele. Qualquer tipo de nave você tem de aprender a pilotar; leva um longo tempo, todo um novo conjunto de reflexos, um jeito diferente e artificial de pensar. Mesmo andar de bicicleta exige uma habilidade adquirida, muito diferente de caminhar, enquanto que uma espaçonave - ah, mano! Eu não viveria o suficiente. Espaçonaves são para acrobatas que também sejam matemáticos.

Mas um traje você apenas veste.

Pesa talvez uns novecentos quilos, com equipamento completo - porém da primeiríssima vez que você é adaptado dentro de um você pode imediatamente andar, correr, saltar, deitar, apanhar um ovo sem quebrá-lo (é preciso um pouquinho de prática, mas qualquer coisa melhora com a prática), dançar uma jiga (isto é, se você puder dançar uma jiga, sem o traje) - e pular sobre a casa ao lado e descer como uma pluma.

O segredo está na realimentação negativa e na amplificação.

Não me peça para desenhar os circuitos de um traje; eu não posso. Mas ouvi falar que alguns violinistas muito bons também não podem construir um violino. Posso fazer manutenção e reparos de campo e verificar os trezentos e quarenta e sete itens desde "frio" até pronto para vestir e isso é tudo que se espera que um LM. idiota faça. Mas se meu traje fica doente de verdade, chamo o doutor - um doutor de ciência (engenharia eletromecânica) que é um oficial do estado-maior da Marinha, geralmente um tenente ("capitão" pela nossa escala), e é parte da companhia embarcada do transporte de tropas - ou que é relutantemente designado para um quartel de regimento no Acampamento Currie, um destino-pior-que-a-morte para um homem da Marinha.

Mas se você está mesmo interessado nas plantas, nos estéreos e nos esquemas da fisiologia de um traje, pode achar a maior parte, a parte não secreta, em qualquer biblioteca pública de tamanho razoável. Para a pequena parte que é secreta, você deve procurar um agente inimigo confiável - digo "confiável" porque espiões são uns pilantras; é provável que lhe vendam as partes que você pode conseguir de graça na biblioteca pública.

Mas aqui está como funciona, menos os diagramas. O lado de dentro de um traje é uma massa de receptores de pressão, centenas deles. Você aperta com as costas da mão; o traje sente isso, amplifica, empurra com você para retirar a pressão dos receptores que deram a ordem para empurrar. É confuso, mas realimentação negativa é sempre uma idéia confusa da primeira vez; apesar de que o seu corpo tem feito isso desde que você parou de chutar desamparado quando era um bebê. Crianças pequenas ainda estão aprendendo isso; é por isso que são desajeitadas. Adolescentes e adultos o fazem sem saber sequer que um dia tiveram de aprender - e um homem com o mal de Parkinson tem os circuitos dessa área danificados.

O traje tem uma realimentação que faz com que ele imite qualquer movimento que você faça, exatamente - mas com grande força.

Força controlada... controlada sem você ter de pensar sobre isso. Você pula, aquele traje pesado pula, mas mais alto do que você poderia pular se estivesse sem ele. Pule realmente forte, e os jatos do traje são acionados, amplificando o que os "músculos" das pernas do traje fizeram, dando a você um empurrão de três jatos, o eixo de pressão dos quais passa pelo seu centro de massa. Desse modo você pula aquela casa. O que faz você descer tão rápido quanto subiu... o que o traje percebe através de seu mecanismo de proximidade & aproximação (um tipo de radar simples que lembra uma espoleta de proximidade) e assim aciona os jatos de novo na quantidade exata para amortecer a sua aterrissagem sem você ter de pensar sobre isso.

E essa é a beleza de um traje propulsado; você não tem de pensar. Você não tem de dirigi-lo, pilotá-lo, guiá-lo, operá-lo; você apenas o veste e ele recebe ordens direto de seus músculos e faz por você o que seus músculos estão tentando fazer. Isso te deixa com toda sua mente livre para manusear as armas e perceber o que está acontecendo à sua volta... o que é de vital importância para um soldado que quer morrer na cama. Se você desembarca um pé-de-lama com uma monte de engenhocas que ele tem de monitorar, alguém com um equipamento muito mais simples - digamos, um machado de pedra - irá se aproximar furtivamente e bater na sua cabeça enquanto ele está tentando ler uma escala.

Seus "olhos" e "ouvidos" também são montados para ajudá-lo sem atrapalhar sua atenção. Digamos que você tenha três circuitos de áudio, comum num traje de assalto. O controle de freqüência para manter a segurança tática é muito complexo, pelo menos duas freqüências para cada circuito, ambas as quais são necessárias para todo e qualquer sinal e cada uma delas muda sob o controle de um relógio de césio sincronizado com o outro lado com uma precisão de um micromicrosegundo - mas tudo isso não é problema seu. Você quer o circuito A, para seu líder de esquadra, você morde pra baixo uma vez - para o circuito B, duas vezes - e assim por diante. O microfone é preso com fita na sua garganta, os fones estão dentro de seus ouvidos e não podem chacoalhar; apenas fale. Além do que, microfones externos de cada lado do seu capacete lhe dão audição estereofônica para a vizinhança imediata, como se sua cabeça estivesse nua - ou você pode suprimir qualquer vizinho barulhento, e não perder o que o seu líder de pelotão está dizendo, simplesmente virando a cabeça.

Visto que a cabeça é a única parte de seu corpo que não está envolvida pelos receptores de pressão controlando os músculos do traje, você a usa - seus músculos da mandíbula, seu queixo, sua nuca - para acionar coisas para você e assim deixa suas mãos livres para lutar. A placa em frente ao queixo manipula todos as apresentações visuais da mesma forma que a do maxilar faz com o áudio. Todos os visores são jogados num espelho sobre a testa a partir de onde o trabalho realmente é feito, acima e atrás de sua cabeça. Todo esse mecanismo do capacete faz com que você pareça um gorila hidrocéfalo mas, com sorte, o inimigo não vai viver o bastante pra ficar ofendido com a sua aparência, e é um arranjo muito conveniente; você pode chavear entre seus vários tipos de monitores de radar mais rápido do que pode mudar de canal pra evitar um comercial - pegar um ângulo e distância, localizar seu chefe, verificar seus homens do flanco, qualquer coisa.

Se você jogar sua cabeça como faz um cavalo incomodado por uma mosca, seus visores infravermelho vão para sua testa, jogue ela de novo e eles descem. Se você largar o seu lançador de foguetes, o traje o agarra de volta até que você precise dele de novo. Não há motivo para discutir sobre os bicos de água, suprimento de ar, giroscópios etc. - o objetivo de todos os arranjos é o mesmo: deixar você livre pra fazer o seu oficio, massacrar.

É claro que essas coisas exigem prática e você pratica até que pegar o circuito correto é tão automático quanto escovar os dentes, e assim por diante. Mas apenas vestir o traje, se mover nele, exige quase nenhuma prática. Você pratica pulando porque, apesar de você fazer isso com um movimento completamente natural, você pula mais alto, mais rápido, mais longe e fica no ar mais tempo. Só esta última exige uma nova orientação; aqueles segundos no ar podem ser usados - segundos são jóias inestimáveis em batalha. Enquanto você está fora do chão num salto, pode tomar uma leitura de direção e distância, escolher um alvo, falar & receber, disparar uma arma, recarregar, decidir saltar de novo sem pousar e sobrepor seus automáticos para acionar os jatos de novo. Você pode fazer todas essas coisas numa quicada, com prática.

Mas, em geral, a blindagem propulsada não exige prática; ela simplesmente faz isso por você, do jeitinho que você faria, apenas melhor. Tudo menos uma coisa - você não pode se cocar onde está cocando. Se algum dia eu achar um traje que me permita cocar entre as omoplatas, vou casar com ele.

Há três tipos principais de armaduras na I.M.: de assalto, de comando e batedor. Trajes de batedores são bem rápidos e têm longo alcance, mas têm armamento leve. Trajes de comando têm bastante combustível de propulsão e de salto, são rápidos e podem pular alto; têm três vezes mais equipamentos de comunicação & radar do que os outros trajes, e um indicador de posição inercial. Os de assalto são para aqueles sujeitos de uniforme com um olhar de sono - os executores.

Como acho que eu já disse, me apaixonei pelas blindagens propulsadas, apesar de que a minha primeira tentativa com elas me deu um ombro distendido. Dali em diante, qualquer dia em que a minha seção tivesse permissão para praticar com os trajes era um grande dia para mim. No dia em que fiz besteira eu tinha divisas de sargento simuladas, sendo um líder de seção simulado, e armado com foguetes atômicos simulados para usar contra um inimigo simulado na escuridão simulada. Esse foi o problema; tudo era simulado - mas você era obrigado a se comportar como se tudo fosse real.

Estávamos em retirada - "avançando pela retaguarda", quero dizer - e um dos instrutores cortou a força de um dos meus homens, por rádio controle, fazendo dele uma baixa desamparada. Pela doutrina da LM., eu ordenei a recolha, me senti todo orgulhoso que tivesse conseguido dar a ordem antes de o meu número dois ir fazer isso mesmo sem a ordem, me voltei para a próxima coisa que tinha a fazer que era arranjar uma confusão atômica simulada, para desencorajar o inimigo simulado de nos capturar.

Nosso flanco estava girando; se esperava de mim que eu disparasse meio que diagonalmente mas com o espaçamento necessário para proteger meus próprios homens da explosão mas ao mesmo tempo perto o suficiente para dar problemas aos bandidos. Quicando, é claro. O movimento sobre o terreno e o problema em si tinham sido discutidos de antemão; éramos inexperientes ainda - a única variável deixada em aberto eram as baixas.

A doutrina exigia que eu localizasse exatamente, pelo feixe de radar, meus próprios homens que poderiam ser afetados pela explosão. Mas tudo isso tinha de ser feito rápido e a verdade é que eu não estava tão afiado em ler aqueles pequenos visores de radar. Trapaceei apenas uma coisinha - levantei meus visores e olhei, a olho nu e à luz do dia. Tinha espaço de sobra. Droga, eu podia ver o único homem afetado, quase um quilômetro longe, e tudo que eu tinha era apenas um foguete de alto explosivo miniatura, feito pra fazer um monte de fumaça e não muito mais. Desse modo escolhi um local pelo olho, peguei o lançador de foguetes e deixei voar.

Então quiquei para longe, me sentindo todo cheio de mim - nenhum segundo perdido.

E tive minha força cortada no ar. Isso não te machuca; é uma ação retardada, executada no pouso. Aterrissei e fiquei ali encalhado, de cócoras, mantido direito pelos giroscópios, mas incapaz de me mover. Você não se move quando está cercado por uma tonelada de metal e com a força desligada.

Ao invés disso fiquei xingando pra mim mesmo - não tinha pensado que eles fariam de mim uma baixa quando se esperava que eu resolvesse o problema. Droga e outros comentários.

Devia ter sabido que o Sargento Zim estaria monitorando o líder de seção.

Ele quicou por cima de mim e falou comigo em particular, cara-a-cara. Sugeriu que eu podia ser capaz de conseguir um trabalho limpando o chão uma vez que eu era estúpido, desajeitado e descuidado demais para cuidar de pratos sujos. Discutiu meu passado e meu provável futuro e várias outras coisas que eu preferia não ouvir. Terminou dizendo numa voz neutra: — Você gostaria que o Coronel Dubois tivesse visto o que você fez?

Então ele se foi. Eu esperei ali, agachado, por duas horas até que o treino acabasse. O traje, que tinha sido leve como uma pluma, botas de sete-léguas reais, parecia agora uma donzela de ferro. Por fim ele voltou para mim, restaurou a força e quicamos juntos à velocidade máxima para o QGB.

O Capitão Frankel disse menos mas feriu mais.

Então ele parou e acrescentou naquela voz monótona que os oficiais usam quando citam regulamentos: — Você pode exigir julgamento por corte marcial, se assim escolher. O que diz?

Engoli em seco e disse: — Não, senhor! — Até aquele momento eu não tinha percebido plenamente o tamanho do problema.

O Capitão Frankel pareceu relaxar um pouco. — Então veremos o que o Comandante do Regimento tem a dizer. Sargento, escolte o prisioneiro. — Andamos rapidamente até o QGR e pela primeira vez me vi face a face com o Comandante do Regimento - e naquele momento eu estava certo de que pegaria uma corte não importava o que acontecesse. Mas me lembrava muito bem de como Ted Hendrick tinha se metido numa; fiquei quieto.

O Major Malloy trocou um total de cinco palavras comigo. Após ouvir o Sargento Zim, disse três delas: — Isso está correto?

Eu disse: — Sim, senhor, — o que finalizou minha parte.

O Major Malloy disse para o Capitão Frankel: — Há alguma possibilidade de recuperar este homem?

O Capitão Frankel respondeu: — Acredito que sim, senhor.

O Major Malloy disse: — Então vamos tentar punição administrativa, — virou-se para mim e disse:

— Cinco chibatadas.

 

Bem, eles com certeza não me deixaram esperando. Quinze minutos depois o médico tinha acabado de verificar o meu coração e o Sargento da Guarda estava me vestindo com aquela camisa especial que sai sem ter de passar pelas mãos - com zíperes descendo do pescoço pelos braços. O toque da revista tinha acabado de ser dado. Eu me sentia neutro, irreal... o que descobri depois é uma forma de estar assustado a ponto de perder os sentidos. A alucinação do pesadelo...

Zim entrou na barraca da guarda bem quando o toque tinha acabado de soar. Deu uma olhada para o Sargento da Guarda-o Cabo Jones - e Jones saiu. Zim veio em minha direção, colocou algo em minha mão. — Morda isto, — ele disse calmamente. - Ajuda. Eu sei.

Era um mordedor de borracha do tipo que usamos para evitar quebrar os dentes em treino de combate corpo-a-corpo. Zim saiu. Coloquei o mordedor em minha boca. Então eles me algemaram e me conduziram pra fora.

A ordem lia: — ...em combate simulado, grosseira negligência que poderia em ação ter causado a morte de um companheiro. — Então retiraram minha camisa e me prenderam.

Agora aqui vai uma coisa muito estranha: um açoitamento não é tão difícil de receber quanto é de assistir. Não quero dizer que seja um passeio. Dói mais do que qualquer coisa que já tenha acontecido comigo, e os intervalos entre os golpes são piores do que os próprios golpes. Mas o mordedor realmente ajudou e o único grito que me escapou não passou por ele.

Aqui está uma segunda coisa estranha: ninguém jamais tocou no assunto comigo, nem mesmo os outros recrutas. Pelo que pude notar, Zim e os instrutores me trataram depois disso exatamente do mesmo modo que antes. A partir do momento em que o médico pintou os vergões e me disse para voltar ao serviço, o assunto estava completamente encerrado. Até mesmo consegui comer um pouco naquela noite no jantar e fingi tomar parte na falação da mesa.

Outra coisa sobre punição administrativa: não há uma marca negra permanente. Os registros são destruídos no fim do treinamento dos recrutas e você começa limpo. O único registro é aquele que conta mais.

Você não se esquece dele.

 

Houve outros açoitamentos, mas muito poucos. Hendrick foi o único em nossa companhia a ser açoitado por sentença de corte marcial; os outros foram punições administrativas, como a minha, e para açoitar alguém era preciso ir todo o caminho até o Comandante do Regimento - algo que um comandante subordinado acha desagradável, pra dizer o mínimo. Mesmo então, o Major Malloy preferia chutar um homem com uma "Dispensa Não Desejável", do que ver o poste erigido. De certo modo, um açoite administrativo é um tipo mais leve de cumprimento; significa que os seus superiores acham que há alguma possibilidade de que você possa eventualmente ter o caráter para ser um soldado e um cidadão, mesmo que isso pareça improvável neste momento.

Fui o único a pegar a punição administrativa máxima; nenhum dos outros pegou mais do que três chibatadas. Ninguém mais chegou tão perto quanto eu de pegar roupas civis e ainda assim escapou. Esta não é uma boa distinção. Não a recomendo.

Mas tivemos outro caso, muito pior do que o meu ou o de Ted Hendrick - um de virar o estômago. Houve uma vez em que eles montaram a forca.

Agora, olhe, entenda isto direito. Esse caso não tinha na verdade nada a ver com o Exército. O crime não ocorreu no Acampamento Currie e o oficial de colocação que aceitou aquele garoto para a LM. devia devolver seu uniforme.

Ele desertou, apenas dois dias após termos chegado ao Currie. Ridículo, é claro, mas nada sobre o caso fazia sentido -por que não se demitiu? Deserção, naturalmente, é um dos " trinta e um quebra a cara" mas o Exército não invoca a pena de morte por causa dela a não ser que haja circunstâncias especiais, tais como "em face do inimigo" ou alguma coisa que a transforme de uma maneira altamente informal de se demitir em algo que não possa ser ignorado.

O Exército não faz qualquer esforço para achar os desertores e trazê-los de volta. Isso faz muito sentido. Somos todos voluntários; somos LM. porque queremos ser, somos orgulhosos de ser LM. e a LM. se orgulha de nós. Se um homem não se sente dessa forma, desde os pés calejados até as orelhas cabeludas, não vou querê-lo do meu lado quando os problemas começarem. Se eu comprar uma parte de uma campa, quero homens à minha volta que vão me recolher porque eles são LM. e eu também e minha pele significa tanto pra eles quanto as deles mesmos. Não quero nenhum soldado de segunda classe arrastando o rabo e se escondendo quando as coisas ficam pretas. É muito mais seguro não ter ninguém ao seu lado do que ter um pretenso soldado que está alimentando a síndrome do "conscrito". Então se eles correm, deixe-os correr; é perda de tempo e dinheiro trazê-los de volta.

É claro que a maioria volta, mesmo que leve anos - nesse caso o Exército, só pra constar, os deixa receber as suas cinqüenta chicotadas em vez de enforcá-los, e depois os solta. Suponho que deve acabar com os nervos de um homem ser um fugitivo quando todos os outros são ou um cidadão ou um residente legal, mesmo quando a polícia não está tentando encontrá-lo. "O perverso foge quando nenhum homem o persegue." A tentação para voltar, pegar suas cicatrizes, e poder respirar aliviado de novo deve ser esmagadora.

Mas esse rapaz não voltou. Ele já tinha partido há quatro meses e duvido que sua própria companhia se lembrasse dele, já que o sujeito tinha estado com eles apenas um par de dias; era provavelmente apenas um nome sem rosto, "Dillinger, N.L." que tinha sido marcado, dia após dia, como ausente sem licença na chamada da manhã.

Então ele matou uma garotinha, um bebê.

Foi julgado e condenado por um tribunal local mas uma verificação da identidade mostrou que ele era um soldado não dispensado; o Departamento tinha de ser notificado e o nosso general comandante de pronto interveio. Ele foi devolvido a nós, já que a lei e a jurisdição militar tem precedência sobre o código civil.

Por que o general se incomodou? Por que ele não deixou a lei local fazer o serviço?

Para nos "ensinar uma lição"?

De modo algum. Tenho absoluta certeza de que o general não pensava que algum dos seus rapazes precisasse ficar mal do estômago pra não matar garotinhas. Hoje acredito que ele nos teria poupado daquela visão - se tivesse sido possível.

Aprendemos uma lição, mesmo que ninguém a tenha comentado na época, uma que leva um longo tempo para absorvermos até que se torne uma segunda natureza:

A LM. toma conta dos seus - não importa o que aconteça.

Dillinger pertencia a nós, ainda estava em nossas listas. Muito embora não o quiséssemos, muito embora nunca devêssemos tê-lo recebido, muito embora quiséssemos ardentemente renegá-lo, ele era um membro do nosso regimento. Não podíamos nos livrar dele e deixar que um xerife a mais de mil quilômetros de distância cuidasse disso. Se tem de ser feito, um homem - um homem de verdade - atira ele mesmo em seu cachorro; não paga um intermediário que pode fazer um trabalho mal feito.

Os registros do regimento diziam que Dillinger era nosso, por isso tomar conta dele era nosso dever.

Naquele anoitecer marchamos para o pátio da revista lentamente, sessenta batidas por minuto (é difícil de manter esse passo, quando se está acostumado a cento e quarenta), enquanto a banda tocava a "Marcha Fúnebre para os Não Lamentados". Então Dillinger foi conduzido, vestido com um uniforme LM. completo, tal qual estávamos, e a banda tocou a "Danny Deever" enquanto eles removiam todo traço de insígnia, mesmo os botões e o chapéu, deixando-o numa roupa vinho e azul claro que não era mais um uniforme. Os tambores soaram e então estava acabado.

Passamos em revista e voltamos rapidamente. Acho que ninguém desmaiou ou passou muito mal, muito embora a maioria não tenha comido muito no jantar daquela noite e eu nunca tenha ouvido a barraca do refeitório tão quieta. Mas, apesar de ter sido horrendo (foi a primeira vez que vi a morte, a primeira vez para a maioria de nós), não foi o choque que foi o açoitamento de Ted Hendrick - quero dizer, você não podia se colocar no lugar de Dillinger, não havia qualquer sentimento de: "Podia ter sido eu." Não contando a matéria técnica da deserção, Dillinger tinha cometido pelo menos outros quatro crimes capitais; se sua vitima tivesse sobrevivido ele ainda assim teria dançado a Danny Deever por qualquer um dos outros três - rapto, pedido de resgate, negligência criminosa, etc.

Não tinha simpatia por ele e ainda não tenho. Aquele velho ditado de que "Tudo compreender é tudo perdoar" é um monte de besteira. Algumas coisas, quanto mais você entende mais você as abomina. Minha simpatia é reservada para Barbara Anne Enthwaite, a quem eu nunca vi, e para os pais dela, que nunca mais veriam sua garotinha.

No momento em que a banda guardou os instrumentos naquela noite, começamos trinta dias de luto por Barbara e de desgraça para nós, com nossas cores cobertas de preto, sem música nas revistas, sem cantos nas marchas pelo campo. Apenas uma vez ouvi alguém reclamar e um outro recruta de pronto lhe perguntou se ele gostaria de uma coleção de cicatrizes? Sem dúvida, não tinha sido nossa falha - mas o nosso negócio era proteger garotinhas, não matá-las. Nosso regimento tinha sido desonrado; tínhamos de limpar essa nódoa. Estávamos desgraçados e nos sentíamos desgraçados.

Naquela noite tentei imaginar como essas coisas podiam ser evitadas. É claro, elas raramente acontecem hoje em dia -mas mesmo uma vez é demais. Nunca cheguei a uma resposta que me satisfizesse. Esse Dillinger - ele parecia um sujeito comum, e o seu comportamento e registro não podiam ser muito estranhos ou ele nunca teria chegado ao Acampamento Currie. Suponho que fosse uma daquelas personalidades patológicas que a gente lê a respeito - não há jeito de identificá-los.

Bem, se não havia jeito de evitar que isso acontecesse uma vez, havia um jeito certo de impedir que acontecesse duas vezes. O que tínhamos usado.

Se Dillinger entendia o que estava fazendo (o que parecia difícil de acreditar) então entendeu o que ia receber... exceto que era uma vergonha que não tivesse sofrido tanto quanto a pequena Barbara Anne - ele praticamente não tinha sofrido.

Mas suponha, como parecia mais provável, que ele era tão louco que nunca teve consciência de que estava fazendo algo errado? Então o quê?

Bem, nós atiramos em cachorros loucos, não é?

Sim, mas estar louco daquele jeito é uma doença...

Eu podia ver apenas duas possibilidades. Ou ele não podia ser curado - case em que estava melhor morto para seu próprio bem e a segurança dos outros - ou podia ser tratado e tornado são. Neste caso (eu achava) se ele algum dia ficasse são o bastante para a sociedade civilizada... e pensasse sobre o que tinha feito enquanto estava "doente" - o que restaria a ele além do suicídio? Como poderia viver com ele mesmo?

E suponha que ele escapasse antes que estivesse curado e fizesse a mesma coisa de novo? E quem sabe de novo? Como você explica isso para pais despojados de suas crianças? Em vista do passado dele?

Eu podia ver apenas uma resposta.

Percebi que estava me lembrando de uma discussão em nossa classe de História e Filosofia da Moral. O Sr. Dubois estava falando sobre as desordens que precederam a queda da república da América do Norte, no século XX. De acordo com ele, houve uma época logo antes de eles entrarem pelo ralo em que crimes como os de Dillinger eram tão comuns como brigas de cachorros. O Terror não tinha sido apenas na América do Norte - a Rússia, as Ilhas Britânicas e outras partes do mundo também o tinham. Mas alcançou o pico na América do Norte logo antes de as coisas ruírem.

— Pessoas cumpridoras da lei, — Dubois tinha nos contado, — raramente ousavam ir a um parque público à noite. Fazer isso era se arriscar a ser atacado por alcatéias de crianças, armadas com correntes, facas, armas feitas em casa, porretes... se arriscar a no mínimo ser ferido, quase certamente roubado, provavelmente aleijado pelo resto da vida - ou até mesmo morto. Isso continuou por anos, até a guerra entre a Aliança Russo-Anglo-Americana e a Hegemonia Chinesa. Assassinato, vício em drogas, furto, assalto e vandalismo eram coisas comuns. E os parques não eram os únicos lugares - essas coisas também aconteciam nas ruas, à luz do dia, nos pátios das escolas, até mesmo dentro dos prédios escolares. Mas os parques eram tão notoriamente inseguros que gente honesta ficava longe deles após o escurecer.

Tinha tentado imaginar essas coisas acontecendo em nossas escolas. Simplesmente não podia. Nem em nossos parques. Um parque era um lugar para diversão, não pra ser ferido. E ser assassinado em um... — Sr. Dubois, eles não tinham polícia? Ou tribunais?

— Tinham muito mais polícia do que nós. E mais tribunais. Todos com trabalho em excesso.

— Acho que não entendo. — Se um garoto em nossa cidade tivesse feito metade daquilo... bem, ele e o pai teriam sido açoitados lado a lado. Mas essas coisas simplesmente não aconteciam.

O Sr. Dubois então me intimou: — Defina um "delinqüente juvenil".

— Ãh, um daqueles garotos - aqueles que batiam nas pessoas.

— Errado.

— Ãhn? Mas o livro diz...

— Minhas desculpas. O seu livro texto diz isso. Mas chamar um rabo de perna não faz com que o nome sirva. "Delinqüente juvenil" é uma contradição em termos, uma que dá uma pista para o problema deles e a sua falha em resolvê-lo. Você já criou um cachorrinho?

— Sim, senhor.

— Você o treinou para não fazer as suas necessidades dentro de casa?

— Bem... sim, senhor. Após algum tempo. — Foi a minha lerdeza nisso que fez com que a mãe decidisse que cães deviam ficar fora de casa.

— Ah, sim. Quando seu cachorrinho fazia besteira, você ficava zangado?

— Que? Oras, ele não sabia o que fazia, estava apenas sendo um cachorrinho.

— O que você fazia?

— Oras, eu dava um bronca, esfregava o nariz dele na sujeira e dava uns tapinhas.

— Certamente ele não podia entender as suas palavras?

— Não, mas podia perceber que eu estava chateado com ele!

— Mas você acabou de dizer que não estava zangado. O Sr. Dubois tinha um jeito de confundir as pessoas que

nos deixava furiosos. — Não, mas eu tinha de fazer ele pensar que eu estava. Ele tinha de aprender, não é?

— Concordo. Mas, tendo tornado claro a ele que você desaprovava o que ele fez, como pode ser tão cruel a ponto de também bater nele. Você disse que o pobre bicho não sabia que estava fazendo algo de errado. Mesmo assim você fez ele sofrer dor. Justifique-se! Ou você é um sádico?

Na época eu não sabia o que era um sádico - mas sabia sobre cachorrinhos. — Sr. Dubois, você tem de fazer assim! Você dá uma bronca nele pra que ele saiba que fez algo errado, você esfrega o nariz dele naquilo pra que ele saiba do que você está falando, você dá uns tapas nele pra que ele não faça isso de novo - e tem de fazer isso na hora! Não ajuda nada castigar ele mais tarde; vai apenas confundi-lo. Mesmo assim, ele não vai aprender com uma lição, então você o vigia e o pega de novo e bate mais forte. Bem rápido ele aprende. Mas é uma perda de tempo apenas dar uma bronca nele. — Então acrescentei: — Aposto que o senhor nunca criou cachorrinhos.

— Muitos. Estou criando um dachshund agora - pelos seus métodos. Vamos voltar àqueles criminosos juvenis. Os piores de todos eram em média ligeiramente mais jovens do que vocês aqui nesta classe... E geralmente começavam na carreira do crime bem mais jovens. Não nos esqueçamos daquele cachorrinho. Aquelas crianças eram pegas muitas vezes; a polícia prendia montes delas todos os dias. Elas levavam broncas? Sim, em geral severas. Os seus narizes eram esfregados no que haviam feito? Raramente. Órgãos de imprensa e do governo em geral mantinham os nomes delas em segredo - em muitos lugares isso era exigido por lei para criminosos de menos de dezoito anos. Elas apanhavam? De jeito nenhum! Muitas não tinham apanhado nem mesmo quando eram pequenas; havia uma crença generalizada de que bater nas crianças, ou dar-lhes qualquer punição que envolvesse dor, causava um dano psíquico permanente.

(Cheguei à conclusão de que o meu pai nunca tinha ouvido falar daquela teoria.)

— Punição corporal nas escolas era proibida por lei, — ele continuou. — Açoitamentos eram legais como sentença de um tribunal apenas em uma pequena província, o Delaware, e mesmo lá apenas para uns poucos crimes e raramente era invocado; era considerado como uma " punição cruel e incomum".

Dubois estava pensando em voz alta: — Não compreendo essas objeções a punição "cruel e incomum". Apesar de que um juiz deva ser benevolente em seus propósitos, suas sentenças devem fazer com que o criminoso sofra, senão não há punição - e a dor é o mecanismo básico construído dentro de nós, que nos protege, avisando-nos quando algo ameaça a nossa sobrevivência. Por que iria a sociedade se recusar a usar um tal mecanismo de sobrevivência tão altamente aperfeiçoado. No entanto, aquele período estava recheado de absurdos pseudopsicológicos.

— Quanto a "incomum", uma punição deve ser incomum ou não serve de nada. — Então ele apontou o coto para outro garoto. — O que aconteceria se um cachorrinho fosse espancado toda hora?

— Ãh... provavelmente ficaria louco!

— Provavelmente. Certamente não ensinaria a ele coisa alguma. Quando tempo faz desde a última vez que o diretor desta escola teve de chicotear um aluno?

— Ãh, não tenho certeza. Uns dois anos. Foi o garoto que roubou...

— Não importa. Tempo suficiente. Isso quer dizer que é uma punição incomum o bastante para ser significante, para desencorajar, para ensinar. De volta àqueles jovens criminosos -Eles provavelmente não apanharam quando pequenos; certamente não foram açoitados por seus crimes. A seqüência usual era: por um primeiro delito, um aviso - uma reprimenda, geralmente sem julgamento. Após vários delitos uma sentença de confinamento mas com a sentença suspensa e o jovem colocado em um período de experiência. Um garoto podia ser preso e condenado várias vezes antes que fosse punido - e então isso seria apenas com confinamento, junto de outros como ele, de quem aprenderia hábitos ainda mais criminosos. Se se mantivesse afastado de maiores problemas enquanto confinado, podia em geral até mesmo evitar a maior parte daquela punição suave e ser colocado em experiência - "liberdade condicional" no jargão da época.

Esta incrível seqüência de acontecimentos podia continuar por anos enquanto os seus crimes aumentavam em freqüência e perversidade, sem qualquer conseqüência a não ser raros chatos-mas-confortáveis confinamentos. Então subitamente, em geral pela lei em seu aniversário de dezoito anos, este assim chamado "delinqüente juvenil" se torna um criminoso adulto - e algumas vezes em apenas semanas ou meses acaba numa cela do corredor da morte esperando a execução por assassinato. Você! Tinha me escolhido de novo. — Suponha que apenas desse broncas em seu cachorrinho, nunca o punisse, deixasse ele fazer coisas erradas em casa... e de vez em quando o trancasse numa casinha mas logo o deixasse voltar pra dentro de casa com uma advertência pra não fazer aquelas coisas de novo. Então um dia você nota que ele é um cachorro crescido e ainda não está ensinado a fazer sujeira no lugar certo - depois do que você saca uma arma e o mata. Comente, por favor?

— Oras... esse é o jeito mais maluco de criar um cachorro que eu já ouvi falar!

— Concordo. Ou uma criança. De quem seria a culpa?

— Ãh... oras, minha, eu acho.

— Concordo de novo. Mas tenho certeza.

— Mas Sr. Dubois, — uma garota falou num impulso, — por quê? Por que eles não batiam nas crianças pequenas quando elas precisavam e não usavam uma boa dose de couro em qualquer um dos mais velhos que merecesse - o tipo de lição que nunca esqueceriam! Falo daqueles que faziam coisas realmente más. Por que não?

— Eu não sei, — ele respondeu seriamente, — exceto que o método testado pelo tempo de insular virtude social e respeito pela lei nas mentes dos jovens não atraía uma classe pré-científica e pseudoprofissional que chamava a si mesma de "trabalhadores sociais" ou algumas vezes "psicólogos infantis". Aparentemente isso era simples demais para eles, já que qualquer um podia fazer, usando apenas a paciência e firmeza necessárias para treinar um cachorrinho. Algumas vezes me perguntei se eles tinham nutrido um velado interesse na desordem - mas isso é improvável; adultos quase sempre agem pelos "mais altos motivos" conscientes, não importa qual seja o seu comportamento.

— Mas - meu Deus! — a garota respondeu. — Eu não gostava de apanhar mais do qualquer criança gosta, mas quando precisei disso, mamãe me deu. A única vez em que fui castigada na escola apanhei de novo quando cheguei em casa - e isso foi anos e anos atrás. Não espero nunca ser arrastada pra frente de um juiz e sentenciada a ser açoitada; você se comporta e essas coisas não acontecem. Não vejo nada de errado com nosso sistema; é muito melhor do que não ser capaz de ir pra rua por medo de morrer - oras, aquilo é horrível!

— Concordo. Minha jovem, o erro trágico que aquelas pessoas bem intencionadas cometeram, quando contrastado com o que elas pensavam estar fazendo, é muito profundo. Eles não tinham uma teoria científica da moral. Tinham uma teoria da moral e tentavam viver por ela (eu não devia ter zombado de seus motivos), mas a teoria deles estava errada - metade era uma miragem, a outra metade era charlatanismo racionalizado. Quanto mais empenhados eram, mais perdidos ficavam. Veja, eles assumiam que o homem tinha um instinto moral.

— Senhor? Eu pensei... Mas ele tem! Eu tenho.

— Não, minha querida, você tem uma consciência cultivada, uma consciência muito cuidadosamente treinada. O homem não tem instinto moral. Ele não nasce com um senso de moral. Você não nasceu com ele, eu não nasci com ele - e um cachorrinho não o tem. Nós adquirimos um senso moral, quando o fazemos, através de treinamento, experiência e trabalho duro mental. Aqueles desafortunados criminosos juvenis nasceram sem qualquer senso moral, da mesma forma que você ou eu, e não tiveram chance de adquiri-lo; suas experiências não o permitiram. O que é "senso morar? É uma elaboração do instinto de sobrevivência. O instinto de sobrevivência é a própria natureza humana, e cada aspecto de nossas personalidades deriva dele. Qualquer coisa que entre em conflito com o instinto de sobrevivência faz com que cedo ou tarde o indivíduo seja eliminado e assim deixa de aparecer em gerações futuras. Essa verdade é matematicamente demonstrável e verificável em todo lugar; é o único imperativo eterno controlando tudo o que fazemos.

— Mas o instinto para sobreviver, — ele tinha continuado, — pode ser cultivado em motivações mais sutis e muito mais complexas do que a necessidade cega e bruta do indivíduo permanecer vivo. Minha jovem, o que você erroneamente chamou de seu "instinto moral" foi a instilação em você pelos mais velhos da verdade de que a sobrevivência pode ter imperativos mais fortes do que a sobrevivência pessoal. Sobrevivência de sua família por exemplo. De suas crianças, quando as tiver. De sua nação, se você se esforçar para chegar tão alto na escala. E por aí em diante. Uma teoria da moral cientificamente verificável deve estar assentada no instinto do indivíduo para sobreviver - e em nenhum outro lugar! - e deve descrever corretamente a hierarquia da sobrevivência, apontar as motivações em cada nível, e resolver todos os conflitos.

— Temos uma tal teoria agora; podemos resolver qualquer problema moral, em qualquer nível. Auto-interesse, amor da família, dever para com a nação, responsabilidade para com a raça humana - estamos até mesmo desenvolvendo uma ética exata para relações extra-humanas. Mas todos os problemas morais podem ser exemplificados por uma citação errônea: "Nenhum homem tem amor tão grande quanto o de uma gata que morre para defender seus gatinhos". Uma vez que você entenda o problema com que se defrontou aquela gata e como ela o resolveu, você estará pronta para examinar a si mesma e descobrir o quão alto na escada da moral é capaz de subir.

— Esses criminosos juvenis chegaram a um baixo nível. Nascidos apenas com o instinto de sobrevivência, a mais alta moralidade a que chegaram foi uma fraca lealdade a um grupo de seus iguais, uma gangue de rua. Mas os fazedores-do-bem tentaram "apelar para suas boas naturezas", tentaram "chegar a eles", tentaram "acender o senso de moral deles". Disparatei Eles não tinham "boas naturezas"; a experiência lhes ensinou que o que estavam fazendo era o jeito de se sobreviver. O cachorrinho nunca apanhou; sendo assim o que ele fazia com prazer e sucesso devia ser "moral".

— A base de toda moralidade é o dever, um conceito que tem a mesma relação com o grupo que o auto-interesse tem com o indivíduo. Ninguém pregou dever para essas crianças de um modo que elas pudessem entender - ou seja, batendo nelas. Mas a sociedade em que estavam contou a elas inúmeras vezes sobre seus "direitos".

— Os resultados deviam ter sido previsíveis, pois um ser humano não tem qualquer tipo de direitos naturais.

O Sr. Dubois tinha parado. Alguém mordeu a isca. — Senhor? E a "vida, liberdade e busca da felicidade"?

— Ah, sim, os "direitos inalienáveis". Todo ano alguém cita aquela magnífica poesia. Vida? Que "direito" à vida tem um homem que está se afogando no Pacífico? O oceano não vai dar atenção aos seus gritos. Que "direito" à vida tem um homem que precisa morrer de modo a salvar suas crianças? Se ele escolhe salvar a sua própria vida, ele faz isso por uma questão de "direitos"? Se dois homens estão morrendo de fome e a única alternativa é o canibalismo, o direito de qual homem é "inalienável"? E é isso um "direito"? Quanto à liberdade, os heróis que assinaram aquele grande documento comprometeram-se a pagar pela liberdade com suas vidas. A liberdade nunca é inalienável; ela deve ser reconquistada constantemente com o sangue dos patriotas ou sempre desaparece. De todos os assim chamados direitos humanos naturais que tenham alguma vez sido inventados, a liberdade é o menos provável de ser barato e nunca é grátis.

— O terceiro "direito"? - a "busca da felicidade"? Sem dúvida que é inalienável, mas não é um direito; é apenas uma condição universal que tiranos não podem eliminar ou patriotas restaurar. Me atire numa masmorra, me queime numa fogueira, me coroe rei dos reis, eu posso "buscar a felicidade" enquanto meu cérebro viver - mas nem deuses, nem santos, homens sábios ou drogas sutis podem assegurar que a alcançarei.

O Sr. Dubois então se virou para mim. — Disse a você que "delinqüente juvenil" é uma contradição em termos. "Delinqüente" significa "o que falhou em cumprir o dever". Mas dever é uma virtude adulta - sem dúvida um jovem se torna um adulto quando, e apenas quando, adquire conhecimento dos deveres e se dedica a eles com a mesma intensidade do amor-próprio com que nasceu. Nunca houve, não pode haver, um "delinqüente juvenil". Mas para cada criminoso juvenil há sempre um ou mais adultos delinqüentes - pessoas de idade madura que ou não conhecem seu dever, ou que, conhecendo-o, falharam em cumpri-lo.

— E esse foi o ponto fraco que destruiu o que foi em vários aspectos uma cultura admirável. Os desordeiros mirins que vagavam pelas ruas eram sintomas de uma doença maior; seus cidadãos (todos eles eram considerados como tais) glorificavam a tal mitologia dos "direitos"... e perderam de vista os deveres. Nenhuma nação, assim constituída, pode perdurar.

Pensei sobre como o Coronel Dubois teria classificado Dillinger. Seria ele um criminoso juvenil que merecia pena, mesmo que você tivesse de se livrar dele? Ou seria um delinqüente adulto que não merecia mais do que desprezo?

Eu não sabia, jamais saberia. A única coisa que eu estava certo é de que ele nunca mais mataria uma garotinha.

Aquilo era o bastante para mim. Fui dormir.

 

Quando já tínhamos feito de tudo que um pé-de-lama pode fazer em terreno plano, nos mudamos para umas montanhas rudes pra fazer coisas mais rudes ainda: as Rochosas Canadenses, entre a Montanha Good Hope e o Monte Waddington. O Acampamento Sargento Spooky Smith era muito parecido com o Acampamento Currie (fora o cenário acidentado) mas era muito menor. Bem, o Terceiro Regimento também era muito menor -menos de quatrocentos, ao passo que tínhamos começado com mais de dois mil. A Companhia H estava agora organizada como um único pelotão e o batalhão passava em revista como se fosse uma companhia. Mas ainda éramos chamados de "Companhia H" e Zim era "Comandante de Companhia", não líder de pelotão.

O que essa perda de peso significava, na verdade, era muito mais instrução pessoal; tínhamos mais cabos-instrutores do que esquadras e o Sargento Zim, com apenas cinqüenta homens em sua cabeça no lugar dos duzentos e sessenta com que havia começado, mantinha os seus olhos de Argos em cada um de nós todo o tempo - mesmo quando não estava lá. Pelo menos, se você fizesse besteira, acontecia de ele estar em pé bem atrás de você.

No entanto, as reprimendas que você levava tinham uma qualidade quase amigável agora, ainda que de um modo horrível, porque nós também tínhamos mudado, tanto quanto o regimento - o um-em-cinco que tinha sobrado era quase um soldado e Zim parecia estar tentando fazer com que ele fosse um soldado, ao invés de fazer com que ele desistisse.

Também víamos muito mais o Capitão Frankel; agora ele passava a maior parte do tempo nos ensinando, ao invés de ficar atrás de uma mesa, e conhecia todos pelo nome e pelo rosto e parecia ter um arquivo em sua cabeça com os dados dos progressos que cada homem tinha feito em cada arma, cada peça de equipamento - pra não mencionar a sua situação de trabalho extra, registro médico e se tinha recebido uma carta de casa ultimamente.

Ele não era tão severo conosco como Zim; suas palavras eram mais suaves e você precisava fazer uma proeza realmente estúpida pra tirar aquele sorriso amigo do rosto dele - mas não deixe que isso o engane; havia uma couraça de berílio por debaixo do sorriso. Nunca consegui decidir qual seria o melhor soldado - quero dizer, se você tirasse as insígnias e pensasse neles como soldados rasos. Sem dúvida os dois eram melhores do que qualquer um dos outros instrutores - mas qual era o melhor? Zim fazia tudo com precisão e estilo, como se estivesse num desfile; o Capitão Frankel fazia a mesma coisa com ímpeto e prazer, como se fosse um jogo. Os resultados eram mais ou menos os mesmos - e nunca acontecia de as coisas serem tão fáceis quanto o Capitão Frankel fazia parecer.

Precisávamos da abundância de instrutores. Pular num traje (como eu disse) era fácil em terreno plano. Bem, o traje pula tão alto e com a mesma facilidade nas montanhas - mas faz muita diferença quando você tem de pular pra cima de um paredão de granito vertical, entre dois pinheiros juntinhos, e sobrepor o controle de jatos no último momento. Tivemos três baixas maiores na prática com os trajes em terreno acidentado, dois mortos e uma aposentadoria por invalidez.

Mas aquele paredão de rocha é mais duro ainda sem um traje, quando atacado com cordinhas e grampos. Eu não conseguia ver como treinamento de alpinismo poderia ser útil para um soldado, mas tinha aprendido a ficar de boca fechada e tentar aprender tudo o que eles nos empurrassem. Aprendi e não foi tão difícil. Se alguém tivesse me contado, um ano atrás, que eu escalaria um sólido pedaço de rocha, tão plano e perpendicular quanto uma parede, usando apenas um martelo, alguns pininhos de aço de nada e um pedaço de varal, eu teria rido na cara dele; sou um sujeito do nível do mar. Correção: era um sujeito do nível do mar. Tinha havido algumas mudanças.

Comecei a descobrir o quanto eu havia mudado. No Acampamento Sargento Spooky Smith tínhamos liberdade - para ir à cidade, quero dizer. Oh, também tivemos "liberdade" após o primeiro mês no Acampamento Currie. Isso queria dizer que, na tarde de domingo, se você não estivesse no pelotão de serviço, podia assinalar a sua saída na barraca do ordenança e caminhar pra tão longe do acampamento quanto desejasse, tendo em mente que tinha de estar de volta para a chamada do anoitecer. Mas não havia coisa alguma dentro da distância de uma caminhada, se você não contasse coelhos selvagens - nada de garotas, nada de cinemas, nada de lugares pra dançar, etcetera.

Apesar disso, a liberdade, mesmo no Acampamento Currie, não era um privilégio pra se desprezar; algumas vezes é sem dúvida muito importante ser capaz de ir pra longe o bastante pra que você não possa ver uma barraca, um sargento, nem mesmo as caras feias de seus melhores amigos dentre os recrutas... não ter de estar quicando pra alguma coisa, ter tempo pra botar a alma pra fora e olhar pra ela. Você podia perder esse privilégio em vários graus; podia ser restrito ao acampamento... ou podia ser restrito à rua da sua companhia, o que significava que não podia ir até a biblioteca ou ao que era enganosamente chamado de barraca de "recreação" (na maior parte alguns tabuleiros de ludo e outras coisas igualmente animadas) ... ou podia estar sob restrição estrita, sendo obrigado a ficar na barraca quando sua presença não fosse exigida em outro lugar.

Este último tipo não queria dizer muito já que era geralmente acrescido de trabalho extra tão exigente que de qualquer forma você não tinha qualquer tempo na barraca a não ser pra dormir; era uma decoração acrescentada como uma cereja no topo de uma porção de sorvete, para informar a você e ao mundo que você tinha feito algo que não era uma besteira cotidiana, mas algo impróprio de um membro da LM. e por isso era indigno de se associar com outros soldados até que tivesse limpado a nódoa.

Mas no Acampamento Spooky podíamos ir à cidade - se o nosso status de serviço, status de conduta, etc, permitissem. Ônibus iam para Vancouver a cada manhã de domingo, logo depois dos serviços religiosos (que passaram a ser trinta minutos após o café) e voltavam logo antes do jantar e de novo logo antes do toque de silêncio. Os instrutores podiam até mesmo passar a noite de sábado na cidade, ou conseguir um passe de três dias, se o serviço permitisse.

Eu mal tinha descido do ônibus, na minha primeira saída, quando percebi em parte que tinha mudado. O Johnnie não estava mais acostumado. À vida civil, quero dizer. Toda ela parecia espantosamente complexa e inacreditavelmente desarrumada.

Não estou falando mal de Vancouver. É uma bela cidade numa paisagem adorável; o povo é muito simpático e eles estão acostumados a ter os LM. na cidade e fazem um soldado se sentir bem-vindo. Há um centro social para nós no centro, onde organizam bailes toda semana e providenciam para que haja jovens anfitriãs à mão para dançarmos, e anfitriãs mais velhas para ter certeza de que um garoto tímido (eu, para meu espanto - mas tente você passar alguns meses sem nenhuma fêmea à sua volta a não ser as coelhas selvagens) será apresentado e terá o pé de um parceira pra pisar.

Mas não fui ao centro social nessa primeira saída. Passei a maior parte do tempo andando por ali apalermado - com os belos edifícios, com as vitrines cheias de todo tipo de coisas desnecessárias (e nenhuma arma entre elas), com todas aquelas pessoas passando por lá, ou até mesmo passeando, fazendo exatamente o que elas bem entendiam e nenhuma delas vestida igual - e com as garotas.

Especialmente com as garotas. Não tinha percebido antes o quanto elas eram maravilhosas. Olhe, eu gostava de garotas desde a época em que notei que a diferença não estava só em elas se vestirem diferente. Pelo que me lembro nunca passei por aquele período que se supõe que os meninos atravessem quando eles sabem que as garotas são diferentes mas não gostam delas; eu sempre gostei de garotas.

Mas naquele dia notei que tinha por um longo tempo dado pouco valor para elas.

Garotas são simplesmente maravilhosas. Só ficar parado numa esquina olhando elas passarem é delicioso. Elas não andam. Pelo menos não o que fazemos quando andamos. Não sei como descrever, mas é muito mais complexo e totalmente delicioso. Não movem apenas o pés; tudo se move e em direções diferentes... e tudo cheio de graça.

Podia ter ficado parado lá até agora se um policial não tivesse aparecido. Ele nos olhou e disse: — Olá, rapazes. Divertindo-se?

Rapidamente li as insígnias no peito dele e fiquei impressionado. — Sim, senhor!

— Não precisa dizer "senhor" para mim. Não há muito para fazer aqui. Por que não vão ao centro de hospitalidade? — Ele nos deu o endereço, indicou o caminho e começamos a ir naquela direção - Pat Leivy, "Gatinho" Smith e eu. Ele nos chamou: — Divirtam-se rapazes... e fiquem fora de problemas. — O que foi exatamente o que o Sargento Zim tinha nos dito quando pegamos o ônibus.

Mas não fomos pra lá. Pat Leivy tinha vivido em Seattle quando era pequeno e queria dar uma olhada em sua velha cidade natal. Tinha dinheiro e se ofereceu pra pagar nossas passagens se fôssemos com ele. Eu não me importava e estava de acordo com a licença; os ônibus saíam a cada vinte minutos e nossos passes não eram restritos a Vancouver. Smith decidiu ir junto também.

Seattle não era muito diferente de Vancouver e tinha a mesma fartura de garotas; gostei disso. Mas Seattle não estava tão acostumada a ter LM. por lá aos montes e escolhemos um mau lugar para comer, um onde não éramos muito bem-vindos - um bar-restaurante, perto das docas.

Agora, olhe, não estávamos bebendo. Bem, o Gatinho Smith tinha tomado uma cerveja enquanto comia, mas ele nunca deixava de ser amistoso e gentil. Foi por isso que arranjou esse nome; a primeira vez que tivemos treino de combate corpo-a-corpo o Cabo Jones tinha dito a ele com desgosto: — Um gatinho teria me acertado mais forte do que isso! — O apelido ficou.

Éramos os únicos uniformes no lugar; a maior parte dos outros clientes eram marinheiros da marinha mercante - por Seattle passa uma tremenda tonelagem de carga. Eu não sabia naquela época que os marinheiros mercantes não gostavam de nós. Parte disso tinha a ver com o fato de que as suas corporações tentaram e tentaram fazer com que o oficio deles fosse classificado como equivalente ao Serviço Federal, sem sucesso - mas ouvi falar que parte disso vai longe na história, séculos.

Havia também alguns jovens lá, mais ou menos da nossa idade - a idade certa para servir um período, só que eles não estavam - com cabelos compridos, despenteados e que pareciam meio sujos. Bem, digamos que era mais ou menos como eu me parecia, antes de me alistar.

Daí a pouco começamos a perceber que na mesa de trás, dois desses merdinhas e dois marinheiros mercantes (a julgar pelas roupas) estavam falando sobre nós de modo a nos fazer ouvir. Não vou tentar repetir o que disseram.

Não dissemos nada. Daí a pouco, quando as observações foram ficando mais pessoais e as risadas mais altas e todo mundo no lugar estava em silêncio e escutando, o Gatinho sussurrou para mim: — Vamos sair daqui.

Olhei para Pat Leivy; ele fez sinal que sim. Não tínhamos uma conta para pedir; era um daqueles lugares em que você paga quando é servido. Nos levantamos e saímos.

Eles nos seguiram pra fora.

Pat sussurrou pra mim: — Fique de olho. — Continuamos caminhando, não olhamos pra trás.

Eles nos atacaram.

Dei em meu homem um golpe do lado do pescoço enquanto girava e o deixava cair além de mim, então me virei para ajudar meus companheiros. Mas já estava acabado. Quatro vieram, quatro caíram. O Gatinho tinha cuidado de dois deles e Pat tinha meio que embrulhado o outro em volta de um poste ao tê-lo atirado longe um pouco forte demais.

Alguém, o proprietário, eu aposto, deve ter chamado a polícia assim que nos levantamos para sair pois eles chegaram enquanto ainda estávamos lá parados imaginando o que fazer com aquela carne toda - dois policiais; era aquele tipo de vizinhança onde eles só andam em pares.

O mais velho queria que déssemos queixa, mas nenhum de nós estava disposto - Zim tinha nos dito para " ficarmos fora de problemas". O Gatinho estava inexpressivo, parecendo ter uns quinze anos de idade e disse: — Acho que eles tropeçaram.

— Também acho, — concordou o oficial de polícia e tirou com o pé uma faca da mão estirada do homem que me atacara, colocou-a contra o meio-fio e quebrou a lâmina. — Bem, é melhor que vocês rapazes saiam daqui... para o outro lado da cidade.

Saímos. Eu estava contente que nem Pat nem o Gatinho quiseram fazer caso daquilo. É uma coisa bem séria, um civil atacar um membro das Forças Armadas, mas que diabo? - estávamos quites. Eles pularam em nós e apanharam suas cicatrizes. Tudo certo.

Mas é uma boa coisa que nunca saiamos armados... e tenhamos sido treinados para imobilizar sem matar. Porque cada detalhe daquilo aconteceu por reflexo. Não acreditei que eles fossem pular em nós até que já o tivessem feito, e não pensei em absolutamente nada até estar acabado.

Mas foi assim que descobri pela primeira vez o quanto eu tinha mudado.

Caminhamos de volta para a estação e pegamos o ônibus para Vancouver.

 

Começamos a praticar quedas tão logo nos mudamos para o Acampamento Spooky - um pelotão de cada vez, em rodízio (um pelotão completo, ou seja, uma companhia), descia de ônibus até o campo ao norte de Walla Walla, embarcava, ia pro espaço, fazia uma queda, passava por um exercício e voltava pra casa por um rádio-farol. Um dia de trabalho. Com oito companhias isso não dava nem uma queda por semana, mas mais tarde isso passou a dar um pouco mais do que uma queda por semana, já que a redução continuava. Então as quedas ficaram mais duras - sobre montanhas, no gelo ártico, no deserto australiano, e, logo antes de nos graduarmos, na superfície da Lua, onde a cápsula é colocada a apenas trinta metros e explode logo que é ejetada - e você tem de ser rápido e pousar apenas com o seu traje (sem ar, sem pára-quedas) e uma má aterrissagem pode fazer o ar vazar e te matar.

Um pouco da redução foi devido às baixas, mortes ou ferimentos, e um pouco foi de pessoas que apenas se recusaram a entrar nas cápsulas - o que alguns fizeram, e era tudo; nem levavam uma reprimenda; eram apenas colocados de lado e naquela noite eram demitidos. Mesmo um homem que já tinha feito várias quedas podia entrar em pânico e se recusar... e os instrutores eram gentis com ele, tratavam-no do modo como você trata um amigo que está doente e não vai melhorar.

Nunca exatamente me recusei a entrar na cápsula - mas certamente tomei consciência dos tremores. Sempre os tinha, ficava um bobo assustado a cada vez. Ainda fico.

Mas você não é um soldado se não faz quedas.

Eles contam uma história, provavelmente não é verdade, sobre um soldado que estava visitando os pontos turísticos de Paris. Ele visitou Les Invalides, olhou para o ataúde de Napoleão e disse para um guarda francês: — Quem é?

O francês ficou devidamente escandalizado. — O monsieur não sabe? Esta é a tumba de Napoleão! Napoleão Bonaparte - o maior soldado que já viveu!

O soldado pensou sobre isso. E então perguntou: — E mesmo? E onde foi que ele fez suas quedas?

Quase certamente não é verdade, porque há uma grande placa lá do lado de fora que diz exatamente quem foi Napoleão. Mas é daquele jeito que um soldado da infantaria pensa.

 

Finalmente nos graduamos.

Posso ver que deixei de fora quase tudo. Nem uma palavra sobre a maior parte de nossas armas, nada sobre a vez em que largamos tudo e combatemos um incêndio florestal por três dias, nenhuma menção do alerta simulado que era real, apenas não soubemos disso até que tinha acabado, nem sobre o dia em que a barraca da cozinha saiu voando - de fato, nenhuma menção ao clima e, acredite em mim, o clima é importante para um soldado a pé, em especial chuva e lama. Mas embora o clima seja importante na hora, acho que é muito chato ficar lembrando dele. Você pode pegar descrições de quase qualquer tipo de clima num almanaque e encaixá-las onde quiser nesta narrativa; provavelmente servirão.

O regimento tinha começado com 2009 homens; graduamos 187 - dos outros, quatorze estavam mortos (um executado e seu nome riscado) e o resto se demitiu, desistiu, foi transferido, teve dispensa médica, etc. O Major Malloy fez um curto discurso, cada um de nós pegou um certificado, fomos passados em revista pela última vez, e o regimento foi debandado, suas cores guardadas até que fossem necessárias (três semanas depois) para dizer a outros dois mil civis que eram uma unidade, não uma turba.

Eu era um "soldado treinado", com o direito de usar "ST" em frente do meu número de série ao invés de "SR". Um grande dia.

O maior que já tive.

 

Isto é, eu pensei que era um "soldado treinado" até que me apresentei em minha nave. Há alguma lei contra ter uma opinião errada?

Vejo que não fiz qualquer menção a como a Federação Terrana mudou de "estado de paz" para "estado de emergência" e então para "estado de guerra". Eu mesmo não notei isso tão atentamente. Quando me alistei, era "paz", a condição normal, ou pelo menos as pessoas pensam que é (quem esperaria outra coisa?) Então, enquanto estava no Currie, tornou-se "estado de emergência" mas eu ainda não tinha notado, pois o que o Cabo Bronski pensava do meu corte de cabelo, uniforme, treino de combate e equipamento era muito mais importante - e o que o Sargento Zim pensava dessas coisas era esmagadoramente importante. Em qualquer caso, "emergência" ainda é "paz".

"Paz" é uma condição na qual nenhum civil presta atenção às baixas militares que não cheguem a ter a proeminência de matéria de capa - a não ser que aquele civil seja parente próximo de uma das baixas. Mas, se é que houve uma época da história quando "paz" significou que não havia combates em curso, não fui capaz de descobri-la. Quando me apresentei na minha primeira unidade, os Wildcats de Willie, algumas vezes conhecida como Companhia K do Terceiro Regimento da Primeira Divisão LM., e embarquei com eles na Valley Forge (com aquele certificado enganoso em minha mochila) o combate já durava vários anos.

Os historiadores parecem não conseguir concordar em se devem chamá-la "A Terceira Guerra Espacial" (ou a "Quarta") ou "A Primeira Guerra Interestelar". Nós a chamamos simplesmente de "A Guerra dos Insetóides", se é que a chamamos de algo, o que normalmente não fazemos, e em qualquer caso, os historiadores colocam a data do início da "guerra" depois da época em que me juntei à minha primeira unidade e nave. Tudo o que tinha acontecido até então, e mesmo depois, eram "incidentes", "patrulhas" ou "ações de polícia". No entanto, você está tão morto se compra uma campa em um "incidente" quanto estaria se comprasse em uma guerra declarada.

Mas, pra dizer a verdade, um soldado não nota uma guerra muito mais do que um civil, exceto na sua própria parte dela e isso apenas nos dias em que alguma coisa está acontecendo. No resto do tempo ele está muito mais preocupado em arranjar tempo pra dormir, com os caprichos dos sargentos, e puxando o saco do cozinheiro pra conseguir alguma coisa entre as refeições. Entretanto, quando o Gatinho Smith, Al Jenkins e eu nos juntamos a eles em Base Luna, todos os Wildcats de Willie já tinham feito mais do que uma queda em combate; eles eram soldados e nós não éramos. Não éramos tratados mal por causa disso - pelo menos eu não fui - e os sargentos e cabos eram espantosamente fáceis de se tratar após o terror calculado dos instrutores.

Levou algum tempo para descobrir que esse tratamento comparativamente gentil simplesmente queria dizer que não éramos ninguém, mal merecíamos uma reprimenda, até que tivéssemos provado numa queda - numa queda real - que talvez poderíamos substituir os verdadeiros Wildcats que tinham lutado e comprado a deles e cujos beliches agora ocupávamos.

Deixe-me contar a você o quanto eu estava verde. Enquanto a Valley Forge ainda estava em Base Luna, aconteceu de eu cruzar com meu líder de seção bem quando ele estava chegando à terra firme, todo engomadinho no uniforme de gala. Ele estava usando no lóbulo da orelha esquerda um brinco bem pequeno, um minúsculo crânio de ouro muito bem feito e sobre ele, ao invés dos costumeiros ossos cruzados da antiga bandeira pirata, havia um feixe de pequenos ossos de ouro, quase pequenos demais pra se ver.

Lá em casa, eu sempre usava brincos e outras jóias quando saía para um encontro - tinha uns belos brincos de pressão, rubis tão grandes quanto a ponta do meu dedinho, que tinham pertencido ao avô de minha mãe. Gosto de jóias e tinha ficado bastante chateado de ter sido obrigado a deixar todas pra trás quando fui pro Básico... mas aqui estava um tipo de jóia que aparentemente era permitido usar com o uniforme. Minhas orelhas não eram furadas - minha mãe não aprovava isso pra meninos - mas eu podia mandar o joalheiro montá-lo numa mola... e eu ainda tinha algum dinheiro sobrando do pagamento na graduação e estava ansioso pra gastá-lo antes que mofasse. — Ãnh, Sargento? Onde a gente consegue brincos que nem esse? Muito bonito.

Ele não pareceu desdenhoso, ele nem ao menos sorriu. Apenas disse: — Gosta?

— Com certeza! — O ouro simples e puro realçava o dourado dos galões e dos metais do uniforme até melhor do que pedras preciosas fariam. Eu estava pensando que um par seria ainda mais elegante, apenas com dois ossos cruzados ao invés daquela confusão em baixo. — Tem na lojinha da base?

— Não, a lojinha aqui nunca os vende. — Ele acrescentou: — Pelo menos eu acho que você nunca poderá comprá-los aqui - eu espero. Mas vou lhe dizer o seguinte: quando chegarmos num lugar onde você possa comprá-los, vou dar um jeito de você saber. É uma promessa.

— Ãh, obrigado!

— De nada.

Vi vários dos pequenos crânios depois disso, alguns com mais "ossos", alguns com menos; meu palpite estava correto, aquelas jóias eram permitidas com o uniforme, pelo menos de licença. Então consegui minha chance para "comprar" um deles imediatamente depois disso e descobri que os preços eram absurdamente altos para uns ornamentos tão simples.

Foi a Operação Toca dos Insetóides, a Primeira Batalha de Klendathu nos livros de história, logo após Buenos Aires ter sido esmagada. Precisou a perda de B.A. para que os caipiras da terra percebessem que alguma coisa estava acontecendo, porque pessoas que nunca estiveram fora não acreditam realmente em outros planetas, não profundamente onde isso conta. Eu sei que eu não acreditava e eu era um entusiasta do espaço desde bebê.

Mas B.A. realmente comoveu os civis e provocou altos brados pra trazer nossas forças pra casa, de todo lugar - colocá-las em órbita ao redor do planeta praticamente ombro a ombro e interditar o espaço que a Terra ocupa. Isso é besteira, é claro; você não vence uma guerra defendendo, mas sim atacando -nenhum "Departamento da Defesa" jamais venceu uma guerra; veja os livros de história. Mas a reação civil padrão parece ser gritar por táticas defensivas tão logo percebam uma guerra. Então eles querem conduzir a guerra - como um passageiro tentando arrancar os controles do piloto numa emergência.

Contudo, ninguém perguntou minha opinião na época; recebi ordens. Fora a impossibilidade de trazer as tropas para casa em vista de nossas obrigações estipuladas em tratados e do que isso causaria aos planetas-colônias da Federação e aos nossos aliados, estávamos terrivelmente ocupados fazendo outra coisa, a saber: conduzindo a guerra contra os insetóides. Acho que notei a destruição de B.A. muito menos do que a maioria dos civis. Já estávamos um par de parsecs longe, na propulsão Cherenkov e as notícias não chegavam a nós até que as pegássemos de outra nave após termos saído da propulsão.

Eu lembro de ter pensado: "Nossa, isso é terrível!" e sentido pena do único porteño a bordo. Mas B.A. não era a minha casa, a Terra estava muito longe e eu muito ocupado, já que o ataque em Klendathu, o planeta natal dos insetóides, foi preparado imediatamente após aquilo e passamos o tempo até o encontro amarrados em nossos beliches, dopados e inconscientes, com o campo de gravidade interno da Valley Forge desligado, para economizar potência e aumentar a velocidade.

A perda de Buenos Aires significou muito para mim; mudou minha vida enormemente, mas só vim a saber disso muitos meses depois.

Quando chegou o momento de fazermos a queda em Klendathu, fui designado para o Soldado de Primeira Classe Holandês Bamburger como um supranumerário. Ele conseguiu esconder o seu prazer com a notícia e tão logo o sargento de pelotão estava longe o bastante para não ouvir, disse: — Escute, recruta, você fica colado atrás de mim e fora do meu caminho. Se você me atrasar, quebro o seu pescoço idiota.

Apenas fiz que sim com a cabeça. Estava começando a perceber que esta não era uma queda de treino.

Então tive os tremores por um momento e então estávamos lá embaixo...

A Operação Toca dos Insetóides devia ter sido chamada "Operação Toca dos Loucos". Tudo deu errado. Tinha sido planejada como um ataque em massa, para fazer o inimigo se ajoelhar, ocupar a capital e os pontos chaves de seu planeta natal, e terminar a guerra. Ao invés disso essa droga quase nos fez perder a guerra.

Não estou criticando o General Diennes. Não sei se é verdade que ele requisitou mais tropas e suporte e aceitou que o pedido fosse indeferido pelo Marechal-do-Céu-em-Chefe - ou não. Nem era da minha conta. Além do que, duvido que algum desses espertinhos com informações de segunda mão conheça todos os fatos.

O que eu sei é que o General fez a queda conosco e nos comandou no solo e quando a situação se tornou impossível, ele pessoalmente liderou o ataque diversionário que permitiu que uns poucos de nós (incluindo eu) fossem resgatados - e, fazendo isso, comprou uma campa. Ele agora é resíduo radioativo em Klendathu e é tarde demais para levá-lo a corte marcial, então por que falar sobre isso?

Tenho um comentário a fazer a qualquer estrategista de poltrona que nunca fez uma queda. Sim, eu concordo que o planeta dos insetóides poderia ter sido coberto de bombas H até que a superfície fosse vidro radioativo. Mas isso venceria a guerra? Os insetóides não são como nós. Os pseudo-aracnídeos não são nem ao menos como aranhas. Eles são artrópodes que por acaso se parecem com a concepção que um louco teria de aranhas inteligentes e gigantes, mas a sua organização, psicológica e econômica, é mais como a das formigas ou cupins; são entidades comunais, a suprema ditadura da colméia. Explodir a superfície do planeta teria matado soldados e operários; não teria matado a casta dos cérebros e as rainhas - duvido que alguém possa ter certeza de que mesmo um impacto direto de um foguete H penetrante mataria uma rainha; não sabemos o quão profundo elas estão. E não estou ansioso para descobrir; nenhum dos rapazes que desceram naqueles buracos voltou.

Então suponha que tivéssemos arruinado a superfície produtiva de Klendathu? Eles ainda teriam naves, colônias e outros planetas, da mesma forma que nós, e o QG deles ainda estaria intacto - então a não ser que se rendessem, a guerra não estaria acabada. Não tínhamos bombas-nova naquela época; não podíamos arrebentar Klendathu. Se eles absorvessem o castigo e não se rendessem, a guerra continuaria.

Se é que eles podem se render...

Os soldados deles não podem. Os operários não podem lutar (e você pode desperdiçar um monte de tempo e munição atirando em operários que nem sequer podem dizer buu!) e sua casta de soldados não pode se render. Mas não cometa o engano de pensar que os insetóides são apenas insetos estúpidos só por eles terem aquela aparência e por não poderem se render. Seus guerreiros são espertos, habilidosos e agressivos - mais espertos do que você, pela única regra universal, se ele atira primeiro. Você pode queimar uma de suas pernas, duas, três, e ele apenas continua avançando; queime quatro de um lado e ele tomba -mas continua atirando. Você tem de mirar a caixa de nervos e acertá-la... depois do que ele passará correndo por você, atirando em nada, até que bata numa parede ou outra coisa.

A queda foi um matadouro desde o começo. Havia cinqüenta naves do nosso lado e elas deviam sair da propulsão Cherenkov e entrar na propulsão por reação tão perfeitamente coordenadas que entrariam em órbita e nos lançariam, em formação e onde devíamos chegar, sem sequer darem uma volta no planeta para arrumar a formação das naves. Acho que isso é difícil. Droga, eu sei que é. Mas quando dá errado, deixa a LM. segurando a bomba.

Tivemos sorte, porque a Valley Forge e todo o pessoal da Marinha nela comprou a deles antes que nós sequer tocássemos o solo. Naquela formação rápida e apertada (7,5 km/s de velocidade orbital não é nenhum passeio) ela colidiu com a Ypres e ambas as naves foram destruídas. Tivemos sorte de sair dos tubos - os que saíram, pois ela ainda estava disparando cápsulas quando foi abalroada. Mas eu não sabia disso; estava dentro do meu casulo, indo para o solo. Acho que o nosso comandante de companhia sabia que a nave tinha sido perdida (e metade dos seus Wildcats com ela) já que ele saiu primeiro e saberia quando de repente perdeu contato, pelo circuito de comando, com a Capitã da nave.

Mas não há como perguntar a ele, pois não foi recolhido. Tudo que eu tive foi uma lenta percepção de que as coisas estavam uma bagunça.

As dezoito horas seguintes foram um pesadelo. Não contarei muito pois não me lembro, apenas fragmentos, cenas de horror paralisadas. Nunca gostei de aranhas, venenosas ou não; uma papa-moscas em minha cama já me dá arrepios. Tarântulas são simplesmente impensáveis, e não posso comer lagosta, caranguejo ou nada do tipo. Quando vi um insetóide pela primeira vez, meu cérebro pulou pra fora do crânio e começou a berrar. Apenas segundos depois eu percebi que o tinha matado e podia parar de gritar. Suponho que era um operário; duvido que estivesse preparado para enfrentar um guerreiro e vencer.

Mas, nessa área, eu estava em melhores condições do que a Unidade K-9. Eles deviam ter descido (se a queda tivesse sido perfeita) na periferia do alvo e os neocães deviam caminhar pra fora e fornecer inteligência tática para as esquadras de interdição cujo trabalho era garantir a periferia. Aqueles calebs não estavam armados, é claro, a não ser por seus dentes. Um neocão deve ouvir, ver, cheirar e contar a seu parceiro pelo rádio o que achou; tudo que ele carrega é um rádio e uma bomba de destruição com a qual ele (ou seu parceiro) pode explodir o cão em caso de ferimentos graves ou captura.

Aqueles pobres cães não esperaram ser capturados; aparentemente a maioria deles se suicidou tão logo fez contato. Se sentiram do mesmo jeito que eu sobre os insetóides, apenas pior. Agora eles têm neocães que são ensinados desde pequenos a observar e escapar sem enlouquecer apenas com a visão ou o cheiro de um insetóide. Mas aqueles não eram.

E aquilo não foi tudo que deu errado. Fosse o que fosse, tudo deu em merda. É claro que eu não sabia o que estava acontecendo; apenas fiquei logo atrás do Holandês, tentando acertar ou queimar qualquer coisa que estivesse se movendo, jogando granadas nos buracos quando via um. Logo descobri que podia matar um insetóide sem desperdiçar munição ou combustível, embora não tivesse aprendido a distinguir os que eram inofensivos dos que não eram. Apenas um em cinqüenta é um guerreiro - mas ele compensa pelos outros quarenta e nove. Suas armas pessoais não são tão pesadas quanto as nossas, mas são letais do mesmo jeito - eles têm um raio que penetra a armadura e fatia a carne como se fosse um ovo cozido, e cooperam até mesmo melhor do que nós... pois o cérebro que está fazendo o principal do pensamento para uma "esquadra" não está onde você possa alcançá-lo; está no fundo de um dos buracos.

O Holandês e eu tivemos sorte por um bom tempo, nos movendo por uma área de uns dois quilômetros de lado, tapando buracos com bombas, matando o que encontrássemos na superfície, economizando o máximo possível de nossos jatos para emergências. A idéia era guardar a área do alvo e permitir que os reforços e o material pesado descessem sem qualquer oposição importante; este não era um ataque, era uma batalha para estabelecer uma cabeça de ponte, ficar nela, mantê-la e permitir que tropas novas e mais pesadas capturassem ou pacificassem o planeta todo.

Só que não conseguimos.

Nossa seção estava fazendo tudo certo. Mas estava no lugar errado e fora de contato com a outra seção - o líder de pelotão e o sargento estavam mortos e não chegamos a nos reorganizar. Mas demarcamos um território, nossa esquadra de armas especiais tinha equipado um ponto forte, e estávamos prontos para entregar o nosso terreno para as novas tropas tão logo elas aparecessem.

Só que elas não vieram. Desceram onde nós devíamos ter descido, encontraram nativos inamistosos e tiveram seus próprios problemas. Nunca os vimos. Então ficamos onde estávamos, pagando um alto preço em baixas de tempos em tempos e devolvendo elas quando aparecia a oportunidade - enquanto ficávamos sem munição e combustível para os saltos e até mesmo energia para manter os trajes se movendo. Isso pareceu continuar por uns dois mil anos.

O Holandês e eu estávamos correndo juntos a uma parede, indo para nossa esquadra de armas especiais em resposta a um berro de socorro, quando o chão de repente se abriu na frente do Holandês, um insetóide pulou pra fora, e o Holandês foi pra baixo.

Queimei o insetóide, joguei uma granada e o buraco se fechou, então me virei para ver o que tinha acontecido com o Holandês. Ele estava caído mas não parecia machucado. Um sargento de pelotão pode monitorar o físico de cada homem de seu pelotão, separar os mortos daqueles que apenas não podem continuar sem ajuda e precisam ser recolhidos. Mas você pode fazer o mesmo a partir do painel no cinturão do traje do homem.

O Holandês não respondeu quando chamei. A temperatura do seu corpo estava em trinta e sete vírgula cinco graus, sua respiração, batimentos cardíacos e ondas cerebrais estavam em zero - o que parecia ruim, mas talvez fosse o traje que estivesse morto ao invés dele. Ou assim eu quis pensar, esquecendo que o indicador de temperatura não daria leitura nenhuma se o traje estivesse morto e não o homem. De qualquer forma, agarrei a chave abridora de latas do meu cinturão e comecei a tirá-lo do seu traje ao mesmo tempo que tentava vigiar tudo em volta.

Então ouvi uma chamada no circuito geral do meu capacete que espero nunca ouvir de novo. — Sauve qui peut! Retirada! Retirada! Recolher e retirar! Qualquer rádio-farol que você possa ouvir. Seis minutos! Chamada geral, salvem-se, recolham os seus companheiros. Retirada em qualquer rádio-farol! Sauve qui...

Me apressei.

A cabeça dele saiu quando tentei arrastá-lo pra fora de seu traje, então o larguei e caí fora dali. Numa queda posterior eu teria tido senso o suficiente para aproveitar a sua munição, mas eu estava apalermado demais pra pensar; simplesmente quiquei pra longe dali e tentei alcançar o ponto forte para o qual estávamos indo.

Eleja tinha sido evacuado e eu me senti perdido... perdido e abandonado. Então ouvi uma chamada, não a chamada que deveria ser: " Yankee Doodle" (se fosse um veículo da Valley Forge) - mas "Sugar Bush", uma música que eu não conhecia. Não importava, era um rádio-farol; usando o resto do combustível de salto prodigamente - subi a bordo bem quando eles estavam a ponto de fechar e logo depois disso eu estava na Voortrek, em tal estado de choque que nem podia lembrar meu número de série.

Ouvi dizerem que foi uma "vitória estratégica" - mas eu estava lá e digo que levamos uma surra.

 

Seis semanas depois (e eu me sentindo uns sessenta anos mais velho) na Base da Frota em Santuário subi a bordo de outro veículo e me apresentei ao Sargento Embarcado Jelal na Rodger Young. Eu estava usando, em meu lóbulo esquerdo furado, um crânio quebrado com um osso. Al Jenkins estava comigo e usava um exatamente igual (o Gatinho nunca saiu do tubo). Os poucos Wildcats sobreviventes foram distribuídos pela Frota; tínhamos perdido mais ou menos metade da nossa força na colisão entre a Valley Forge e a Ypres; aquela bagunça desastrosa no chão tinha aumentado as baixas pra 80 por cento e os poderosos decidiram que era impossível reconstruir a unidade com os sobreviventes -melhor encerrá-la, colocar os registros no arquivo, e esperar até que as cicatrizes se curassem antes de reativar a Companhia K (Wildcats) com novas caras mas velhas tradições.

Além do mais, havia um monte de posições vazias pra preencher em outras unidades.

O Sargento Jelal nos recebeu calorosamente, disse que estávamos nos juntando a uma boa unidade, "a melhor da Frota", numa nave em ordem, e não pareceu notar nossos crânios nas orelhas. Mais tarde naquele dia ele nos levou pra ver o Tenente, que sorriu acanhado e nos falou paternalmente. Notei que Al Jenkins não estava usando o crânio de ouro. Eu também não -porque já tinha notado que ninguém nos Rudes de Rasczak os usava.

Eles não usavam porque, nos Rudes de Rasczak, não importava nem um pouco quantas quedas em combate você tinha feito, e nem quais; ou você era um Rude ou não era - e se você não era, eles não ligavam pra quem você era. Já que tínhamos chegado não como recrutas, mas como veteranos de combate, eles nos deram todo o benefício da dúvida possível e nos fizeram sentir bem-vindos com não mais do que o inevitável traço de formalidade mostrado para uma visita que não é da família.

Mas, menos de uma semana depois quando tínhamos feito uma queda com eles, éramos Rudes cem por cento, membros da família, chamados pelos nossos primeiros nomes, levando broncas quando precisávamos sem qualquer sentimento de ambos os lados de que éramos menos do que irmãos, emprestávamos coisas uns para os outros, participávamos das rodinhas de conversa fiada, e tínhamos o privilégio de expressar nossas idéias idiotas com total liberdade - e tê-las esmagadas com a mesma liberdade. Até chamávamos os suboficiais pelos seus primeiros nomes, exceto em ocasiões estritamente de serviço. É claro que o Sargento Jelal estava sempre de serviço, a não ser que você cruzasse com ele em terra, caso em que ele era "Jelly" e passava a se comportar como se seu endeusado posto não significasse nada entre os Rudes.

Mas o Tenente era sempre "O Tenente" - nunca "Sr. Rasczak", ou mesmo "Tenente Rasczak". Apenas "O Tenente", sempre na terceira pessoa, fosse quando falávamos com ele ou quando falávamos dele. Não havia outro deus a não ser o Tenente e o Sargento Jelal era o seu profeta. Se Jelly dissesse "Não" para alguma coisa isso poderia ser sujeito a mais argumentação, pelo menos de sargentos subordinados, mas se ele tivesse dito: "O Tenente não gostaria disso", estava falando ex cathedra e o assunto era abandonado permanentemente. Ninguém nunca tentava verificar se o Tenente gostaria disso ou não; a Palavra tinha sido dita.

O Tenente era um pai pra gente, nos amava e nos mimava, e apesar disso estava sempre distante de nós a bordo da nave - e mesmo em terra... a não ser que chegássemos a terra via uma queda. Mas numa queda - bem, você não pensaria que um oficial pode se preocupar com cada homem de um pelotão espalhado por mais de duzentos quilômetros quadrados de terreno. Mas ele pode. Ele pode ficar angustiado por cada um deles. Como ele podia acompanhar todos eu não posso descrever, mas no meio do barulho a sua voz diria: "Johnson! Verifique a esquadra seis! Smitty tem problemas", e era certo que o Tenente tinha notado isso antes do líder da esquadra de Smith.

Além do que, você sabia com total e absoluta certeza que, enquanto você estivesse vivo, o Tenente não entraria no veículo de recolha sem você. Houve prisioneiros na Guerra dos Insetóides, mas nenhum dos Rudes de Rasczak.

Jelly era uma mãe pra gente, estava próximo de nós, tomava conta de nós e não nos mimava de modo algum. Mas não se queixava de nós para o Tenente - nunca houve uma corte marcial entre os Rudes e jamais um homem foi açoitado. Jelly nem mesmo nos passava serviço extra com muita freqüência; ele tinha outros meios de nos castigar. Ele podia olhar você de cima a baixo na inspeção diária e dizer apenas: "Na Marinha você estaria bem. Por que não pede transferência?" - e conseguir resultados, já que era um artigo de fé entre nós que os tripulantes da Marinha dormiam com os uniformes e nunca se lavavam abaixo do pescoço.

Mas Jelly não tinha de manter a disciplina entre os recrutas pois a mantinha entre os suboficiais e esperava que eles fizessem o mesmo. Meu líder de esquadra, quando me juntei a eles, era o "Ruivo" Greene. Após um par de quedas, quando eu sabia o quanto era bom ser um Rude, comecei a me sentir alegre e um pouco grande para as minhas roupas e respondi para o Ruivo. Ele não informou sobre mim pra Jelly; apenas me levou para os chuveiros e me deu um conjunto de cicatrizes médio, e então nos tornamos bons amigos. De fato, ele me recomendou para segundo cabo, mais tarde.

Na verdade não sabíamos se os membros da tripulação dormiam com suas roupas ou não; ficávamos na nossa parte da nave e os homens da Marinha na deles, porque se fazia com que eles não se sentissem bem-vindos se aparecessem no nosso território sem ser a serviço - afinal, temos de manter os padrões sociais que temos de manter, não temos? O Tenente tinha a sua cabine na área masculina dos oficiais, uma parte da Marinha, mas nunca íamos lá, exceto em serviço e raramente. íamos para a frente para o serviço de guarda, porque a Rodger Young era uma nave mista, com uma capitã, oficiais pilotas e algumas marinheiras; atrás da antepara trinta era o território das senhoras - e dois LM. armados ficavam ali de guarda dia e noite na única porta de acesso. (Quando em postos de combate aquela porta, como todas as outras portas estanques, ficava fechada; ninguém perdia uma queda.)

Os oficiais tinham o privilégio de ir à frente da antepara trinta quando em serviço, e todos os oficiais, incluindo o Tenente, comiam num refeitório misto logo depois dela. Mas eles não se demoravam por lá; comiam e saíam. Talvez as coisas fossem diferentes em outras corvetas de tropas, mas era desse jeito na Rodger Young - tanto o Tenente como a Capitã Deladrier queriam uma nave organizada e conseguiam.

Apesar disso o trabalho de guarda era um privilégio. Era um descanso ficar de pé ao lado daquela porta, de braços cruzados, pés separados, pegando no sono e pensando em nada... mas sempre calorosamente consciente de que a qualquer momento você podia ver uma criatura feminina mesmo que tivesse o privilégio de falar com ela apenas em serviço. Uma vez fui chamado ao escritório da Capitã e ela falou comigo - ela olhou diretamente para mim e disse: — Leve isto ao Engenheiro Chefe, por favor.

Meu trabalho diário a bordo, fora limpeza, era a manutenção do equipamento eletrônico sob a supervisão de perto do "Padre" Migliaccio, o líder da primeira seção, exatamente como costumava fazer com Carl. As quedas não aconteciam muito freqüentemente e todo mundo trabalhava todo dia. Se um homem não tivesse qualquer outro talento, sempre podia esfregar anteparas; nada estava nunca limpo o bastante para o Sargento Jelal. Seguíamos a regra da LM.; todos lutam, todos trabalham. Nosso primeiro cozinheiro era Johnson, o sargento da segunda seção, um rapaz grande e amigável da Geórgia (a do hemisfério ocidental, não a outra) e um chefe muito talentoso. Também era fácil de enrolar; ele mesmo gostava de comer entre as refeições e não via motivo pra outras pessoas não fazerem o mesmo.

Com o Padre liderando uma seção, e o cozinheiro a outra, estávamos bem cuidados, tanto do corpo como da alma -mas suponha que um deles comprasse a dele? Qual você escolheria? Uma boa questão que nunca tentamos decidir, mas podíamos sempre discutir.

A Rodger Young ficou ocupada e fizemos várias quedas, todas diferentes. Cada queda tinha de ser diferente pra que eles nunca pudessem perceber um padrão. Mas não tivemos mais batalhas campais; operávamos sozinhos, patrulhando, atormentando e fazendo incursões. A verdade é que a Federação Terrana não estava em condições de montar uma grande batalha; a colisão na Operação Toca dos Insetóides tinha custado naves e homens treinados demais. Era preciso tempo para cicatrizar, treinar mais homens.

Nesse meio tempo, naves pequenas e rápidas, entre elas a Rodger Young e outras corvetas de tropas, tentavam estar em todo lugar ao mesmo tempo, mantendo o inimigo confuso, atacando e fugindo. Sofríamos baixas e preenchíamos as lacunas quando voltávamos a Santuário para pegar mais cápsulas. Eu ainda tinha os tremores a cada queda, mas quedas verdadeiras não aconteciam tão freqüentemente e nem ficávamos lá embaixo por muito tempo - e entre elas havia dias e dias de vida a bordo entre os Rudes.

Foi o período mais feliz da minha vida, embora eu na época não estivesse bem consciente disso - usei toda a minha quota de reclamações como todos os outros, e gostei disso também.

Não estávamos realmente mal até que o Tenente comprou a dele.

Acho que aquela foi a pior época de minha vida. Eu já estava em má forma por uma razão pessoal: Minha mãe estava em Buenos Aires quando os insetóides esmagaram a cidade.

Descobri isso numa das vezes em que fomos a Santuário para pegar mais cápsulas e pegamos a correspondência atrasada - uma nota da Tia Eleanora, uma que não tinha sido codificada e mandada rápido porque ela não tinha marcado essa opção; a própria carta veio. Eram umas três linhas amargas. De algum modo ela parecia me culpar da morte de minha mãe. Não era claro se era minha culpa por eu estar nas Forças Armadas e dever assim ter impedido o ataque, ou se ela achava que minha mãe tinha ido a Buenos Aires porque eu não estava em casa como deveria; ela dava a entender ambas as coisas na mesma frase.

Rasguei a carta e tentei me esquecer dela. Pensei que meus dois pais estavam mortos - já que o pai nunca teria mandado a mãe ir numa viagem longa daquelas sozinha. Tia Eleanora não tinha dito isso, mas ela não teria mencionado o pai em qualquer caso; a devoção dela era inteiramente para sua irmã. Eu estava quase correto - mais tarde descobri que o pai tinha planejado ir com ela mas alguma coisa tinha acontecido e ele ficou para resolver; pretendendo ir no dia seguinte. Mas a Tia Eleanora não me disse isso.

Um par de horas mais tarde o Tenente me chamou e perguntou muito gentilmente se eu gostaria de ter uma licença em Santuário quando a nave saísse na próxima patrulha - ele comentou que eu tinha bastante tempo de R&R acumulado e poderia muito bem usar um pouco dele. Não sei como ele sabia que eu tinha perdido alguém da família, mas era óbvio que sabia. Eu disse não, obrigado, senhor; eu preferia esperar até que toda a unidade tivesse R&R junta.

Estou feliz que eu tenha feito isso, porque se não tivesse, não estaria junto quando o Tenente comprou a dele... e isso teria sido demais para suportar. Aconteceu muito rápido e logo antes da recolha. Um homem na terceira esquadra estava ferido, não muito mal mas estava caído; o assistente do líder de seção se moveu para o resgate - e comprou uma parte de uma campa ele mesmo. O Tenente, como sempre, estava de olho em todo mundo ao mesmo tempo - sem dúvida ele tinha checado o físico de cada um a distância, mas nunca saberemos ao certo. O que ele fez foi ter certeza de que o assistente do líder de seção ainda estava vivo; então fez o resgate deles ele mesmo; um em cada braço de seu traje.

Ele os jogou para nós os últimos seis metros e eles foram passados para o veículo de recolha - e com todo mundo lá dentro, sem o escudo de interdição, foi atingido e morreu na hora.

Não mencionei os nomes do soldado e do assistente do líder de seção de propósito. O Tenente estava fazendo a recolha de todos nós com seu último suspiro. Talvez eu fosse o soldado. Não importa quem ele era. O que importa é que a nossa família tinha tido a sua cabeça cortada fora. A cabeça da família da qual tiramos o nosso nome, o pai que fazia de nós o que éramos.

Após o Tenente ter nos deixado, a Capitã Deladrier convidou o Sargento Jelal pra comer lá na frente, com os outros cabeças dos departamentos. Mas ele pediu para ser dispensado. Você já viu uma viúva de caráter austero manter sua família junta comportando-se como se o chefe da família tivesse apenas saído e fosse voltar a qualquer momento? Foi isso que Jelly fez. Foi só um pouco mais severo conosco e se ele tivesse de dizer: "O Tenente não gostaria disso", seria quase mais do que um homem pode agüentar. Jelly não dizia isso muito freqüentemente.

Ele deixou a organização de nossa equipe de combate quase inalterada; ao invés de mudar todo mundo de lugar, moveu o assistente do líder de seção da segunda seção para o lugar nominal de sargento de pelotão, deixando seus líderes de seção onde eles eram necessários - com suas seções - e me mudou de segundo cabo e assistente de líder de esquadra para cabo interino e um muito ornamental assistente de líder de seção. Então ele se comportou como se o Tenente apenas estivesse fora de vista e ele estivesse apenas passando as ordens do Tenente, como sempre.

Isso nos salvou.

 

Quando voltávamos para a nave após o ataque aos magrelos - o ataque em que Dizzy Flores comprou a dele, a primeira queda do Sargento Jelal como líder de pelotão - um artilheiro da nave que estava encarregado da comporta do veículo falou comigo:

— Como foi?

— Rotina, — respondi curto. Suponho que ele estava sendo amigável, mas eu estava me sentindo muito confuso e sem disposição pra conversar - triste sobre Dizzy, feliz que fizemos o resgate, bravo por o resgate ter sido inútil, tudo isso brigando com aquela sensação de derrota, mas feliz de estar de volta à nave e ser capaz de fazer a chamada dos braços e pernas e notar que estão todos presentes. Além do mais, como você pode falar sobre uma queda para um homem que nunca fez uma?

— É mesmo? — ele respondeu. — Vocês só têm moleza. Trinta dias de preguiça, trinta minutos trabalhando. Eu, eu pego um turno em cada três e fico realmente ocupado.

— Sim, claro, — concordei e me virei pra ir embora. — Alguns de nós tem sorte.

— Soldado, você não está dizendo nenhuma mentira, — ele disse para as minhas costas.

E ainda assim havia muita verdade no que o artilheiro da Marinha tinha dito. Nós da infantaria somos como os aviadores das primeiras guerras mecanizadas; uma longa e ativa carreira militar podia conter apenas umas poucas horas de combate real frente ao inimigo, o resto era: treinamento, preparação, ida -depois a volta, limpar a sujeira, se preparar para a próxima, e nesse ínterim, prática, prática, prática. Não fizemos outra queda por quase três semanas e isso num outro planeta de outra estrela - uma colônia dos insetóides. Mesmo com a propulsão Cherenkov, as estrelas estão bem espaçadas.

No meio tempo recebi minhas listras de cabo, nomeado por Jelly e confirmado pela Capitã Deladrier na ausência de um oficial nosso. Teoricamente o posto não seria permanente até que aprovado pela burocracia da LM. da Frota em face das vagas, mas isso não tinha importância, já que a taxa de baixas era tal que sempre havia mais vagas do que corpos quentes para preenchê-las. Eu era um cabo quando Jelly disse que eu era; o resto era papelada.

Mas o artilheiro não estava completamente correto sobre a "preguiça"; tínhamos cinqüenta e três trajes de blindagem propulsada para verificar, fazer a manutenção e os reparos entre as quedas, pra não mencionar armas e equipamentos especiais. Algumas vezes Migliaccio rejeitava um traje, Jelly confirmava, e o engenheiro de armas da nave, o Tenente Farley decidia que não podia curá-lo sem os recursos da base - depois do que um novo traje tinha de ser retirado do estoque e trazido de "frio" para "quente", um processo exato que exigia vinte e seis horas-homem sem contar o tempo do homem para o qual estava sendo adaptado.

Ficávamos ocupados.

Mas também nos divertíamos. Havia sempre várias competições acontecendo, de dois-ou-um até esquadra de honra, e tínhamos a melhor banda de jazz em vários anos-luz cúbicos (bem, talvez a única), com o Sargento Johnson no trompete conduzindo-os de forma suave e doce em hinos ou rasgando o aço das anteparas, dependendo da ocasião. Após aquele acoplamento de mestre (ou devo dizer "de mestra"?), sem uma balística programada, o metalúrgico do pelotão, Soldado de Primeira Classe Archie Campbell, fez um modelo da Rodger Young para a Capitã e todos nós assinamos e Archie gravou nossas assinaturas na placa da base: Para a Excelente Pilota Yvette Deladrier, com os agradecimentos dos Rudes de Rasczak, e a convidamos para vir à popa e comer conosco e a Rude Blues Band tocou durante o jantar e então o soldado mais novo entregou o modelo pra ela. Ela chorou e o beijou - e beijou Jelly enquanto ele ficava roxo de vergonha.

Após ter recebido as minhas divisas eu simplesmente tinha de acertar as coisas com Ace, já que Jelly me manteve como assistente do líder de seção. Isso não é bom. Um homem tem de passar por cada posto em sua carreira; eu devia ter me tornado um líder de esquadra ao invés de ser atirado de segundo cabo e assistente do líder de esquadra direto para cabo e assistente do líder de seção. É claro que Jelly sabia disso, mas eu sabia bem que ele estava tentando manter a unidade tanto quanto possível do modo como ela era quando o Tenente estava vivo - o que queria dizer deixar os líderes de esquadra e de seção inalterados.

Mas isso me deixou com um problema delicado; todos os três cabos abaixo de mim como líderes de esquadra eram na verdade mais antigos do que eu - mas se o Sargento Johnson comprasse a dele na próxima queda, isso faria não apenas com que perdêssemos um ótimo cozinheiro, mas também me deixaria liderando a seção. Não pode haver qualquer sombra de dúvida quando você dá uma ordem, não em combate; tinha que deixar tudo claro antes que fizéssemos a próxima queda.

Ace era o problema. Ele era não apenas o mais antigo dos três, mas também um cabo de carreira e mais velho do que eu. Se Ace me aceitasse, eu não teria qualquer problema com as outras esquadras.

Não tinha realmente tido qualquer problema com ele a bordo. Após termos resgatado Flores juntos ele tinha sido cortês o suficiente. Por outro lado, não tínhamos tido qualquer motivo para discutir; nossos trabalhos a bordo não nos colocavam juntos, a não ser na chamada diária e montando guarda, onde tudo era de rotina. Mas você podia sentir isso, ele não estava me tratando como alguém de quem recebesse ordens.

Por isso o procurei fora do horário de trabalho. Ele estava deitado no beliche, lendo um livro, Patrulheiros do Espaço contra a Galáxia - uma boa estorinha, exceto que eu duvido que uma unidade militar possa ter tantas aventuras e tão poucos fracassos. A nave tinha uma boa biblioteca.

— Ace, quero falar com você.

Ele olhou pra cima. — É mesmo? Acabei de sair da nave, estou fora de serviço.

— Quero falar com você agora. Largue o livro.

— O que é tão urgente assim? Quero terminar este capítulo.

— Ah, para com isso, Ace! Se você não pode esperar eu te conto como acaba.

— Faz isso e eu te arrebento. — Mas largou o livro, sentou-se e me escutou.

Eu disse: — Ace, sobre esse negócio da organização da seção - você é mais antigo que eu, devia ser o assistente do líder de seção.

— Ah, então é isso de novo!

— É. Acho que devemos falar com Johnson e pedirmos a ele pra arrumar as coisas com Jelly.

— Você acha, eim?

— Sim, acho. É assim que tem de ser.

— É mesmo? Olha, baixinho, vamos ser diretos. Não tenho nada contra você. Pra falar a verdade, você estava quicando naquele dia em que tivemos de resgatar Dizzy; eu lhe concedo isso. Mas se você quiser uma esquadra, vá batalhar uma sua. Tire o olho da minha. Meus rapazes nem ao menos descascariam batatas pra você.

— Essa é sua palavra final?

— Essa é minha primeira, última e única palavra.

Dei um suspiro. — Assim pensei. Mas tinha de ter certeza. Bem, isso resolve o assunto. Mas eu estava pensando numa coisa. Por acaso notei que o vestiário precisa ser limpo... e acho que poderíamos cuidar disso. Então deixe seu livro de lado... como Jelly diz, suboficiais estão sempre de serviço.

Ele não se moveu de imediato. Disse calmamente: — Tem certeza de que isso é necessário, baixinho? Como eu disse, não tenho nada contra você.

— Acho que sim.

— Acha que consegue?

— Com certeza posso tentar.

— Está bem, vamos dar um jeito nisso.

Fomos para o vestiário na popa, enxotamos um soldado que estava pra começar um banho do qual ele realmente não precisava, e trancamos a porta. Ace disse: — Tem alguma restrição em mente, baixinho?

— Bem... eu não pretendia matar você.

— Concordo. E sem ossos quebrados, nada que possa impedir que qualquer um de nós saia na próxima queda - exceto talvez por acidente, é claro. Está bom para você?

— Está, — concordei. — Ãh, acho que vou tirar minha camisa.

— Não quer sangue na camisa. — Ele relaxou. Comecei a tirar a camisa e ele mandou um chute pra minha rótula. Não um pra acabar com tudo. Com a sola do pé e relaxado.

— Só que minha rotula não estava lá - eu tinha aprendido.

Uma luta de verdade em geral dura só um segundo ou dois, porque esse é o tempo que leva pra matar um homem, ou deixá-lo desacordado, ou aleijá-lo tanto que não pode mais lutar. Mas tínhamos concordado de evitar causar dano permanente; isso muda tudo. Éramos os dois jovens, em boas condições, altamente treinados, e acostumados a agüentar castigos. Ace era maior, eu era um pouco mais rápido. Em tais condições o negócio miserável simplesmente tinha de continuar até que um de nós estivesse arrasado demais pra continuar — a não ser que um golpe de sorte resolvesse tudo antes. Mas nenhum de nós estava dando chances pra sorte; éramos profissionais e cautelosos.

Então continuamos, por um longo, tedioso e doloroso tempo. Os detalhes não importam, além do mais, não tive tempo de tomar notas.

Muito tempo depois eu estava deitado de costas e Ace estava jogando água na minha cara. Ele olhou pra mim, me colocou em pé e me empurrou contra uma antepara, me firmou. — Me bata.

— Ãhn? — eu estava atordoado e com visão dupla.

— Johnnie... me bata.

Seu rosto estava flutuando no ar à minha frente; mirei bem ele e dei um murro com toda a força que havia em meu corpo, forte o bastante para matar um mosquito doente. Os olhos dele se fecharam e ele caiu pesadamente no chão e tive de me segurar numa coluna pra não acompanhá-lo.

Ele se levantou lentamente. — Certo, Johnnie, — ele disse, chacoalhando a cabeça, — Aprendi minha lição. Você nunca mais vai receber respostas atravessadas de mim... nem de ninguém da seção. Certo?

Fiz que sim com a cabeça e ela doeu.

— Vamos apertar as mãos? — ele perguntou. Apertamos, e isso também doeu.

Quase todo mundo sabia mais sobre como a guerra estava indo do que nós, mesmo que estivéssemos nela. É claro que falo da época em que os insetóides já tinham localizado o nosso planeta natal, através dos magrelos, e o tinham atacado, destruindo Buenos Aires e tornando " problemas de conta to" em uma guerra aberta, mas antes que tivéssemos aumentado nossas forças e antes de os magrelos terem mudado de lado e se tornado nossos cobeligerantes e aliados de fato. Uma interdição parcialmente efetiva da Terra tinha sido organizada em Luna (não sabíamos disso), mas falando abertamente, a Federação Terrana estava perdendo a guerra.

Também não sabíamos disso. Nem sabíamos do grande esforço que estava sendo feito para subverter a aliança contra nós e trazer os magrelos pro nosso lado; o mais perto que chegamos de ser informados disso foi quando recebemos instruções, antes do ataque em que Flores foi morto, para ir devagar com os magrelos, destruir o máximo de propriedade possível mas só matar os habitantes quando não pudéssemos evitar.

O que um homem não sabe ele não pode contar se for capturado; nem drogas, nem tortura, nem lavagem cerebral, nem uma eterna falta de sono podem tirar dele um segredo que ele não tenha. Então eles nos contavam só o que tínhamos de saber com propósitos táticos. No passado, sabe-se que houve exércitos que falharam e desistiram porque os homens não sabiam por que e para que estavam lutando, e assim perderam a vontade de lutar. Mas a I.M. não tinha essa fraqueza. Pra começar, cada um de nós era um voluntário, por uma razão ou por outra - algumas boas, algumas más. Mas agora lutávamos porque éramos LM. Éramos profissionais, com esprit de corps. Éramos os Rudes de Rasczak, a melhor unidade em toda a maldita LM.; subíamos nas cápsulas porque Jelly nos dizia que era hora e lutávamos quando chegávamos lá embaixo porque é isso que os Rudes de Rasczak fazem.

Com certeza não sabíamos que estávamos perdendo a guerra.

Aqueles insetóides botam ovos. Eles não apenas os botam, mas também os estocam e chocam quando são precisos. Se matássemos um guerreiro - ou mil deles, ou dez mil - os substitutos eram chocados e colocados na ativa quase antes que pudéssemos voltar à base. Você pode imaginar, se quiser, um supervisor de população dos insetóides fonando para algum lugar lá embaixo e dizendo: — Joe, esquente dez mil guerreiros e os apronte pra quarta... e diga à engenharia pra ativar as incubadoras de reserva N, O, P, Q e R; a demanda está subindo.

Não digo que fizessem exatamente aquilo, mas os resultados eram os mesmos. Mas não cometa o engano de pensar que eles atuavam puramente por instinto, como formigas ou cupins; suas ações eram tão inteligentes como as nossas (espécies estúpidas não constroem espaçonaves!) e eram muito melhor coordenadas. Leva no mínimo um ano pra treinar um recruta para o combate e para casar o seu combate com o de seus companheiros; um guerreiro insetóide já nasce pronto pra isso.

Cada vez que matávamos mil insetóides com o custo de um LM. era uma vitória para eles. Estávamos aprendendo, a duras custas, o quão eficiente um comunismo total pode ser quando usado por uma espécie realmente adaptada para isso pela evolução; os comissários dos insetóides não se importavam mais com gastar soldados do que nós com gastar munição. Talvez pudéssemos ter imaginado isso sobre os insetóides pensando no trabalho que a Hegemonia Chinesa deu para a Aliança Russo-Anglo-Americana; o problema com as " lições da história" é que em geral as enxergamos melhor depois de quebrarmos a cara.

Mas estávamos aprendendo. Instruções técnicas e doutrinas táticas resultavam de cada escaramuça, e eram espalhadas através da Frota. Aprendemos a diferenciar os operários dos guerreiros - se você tivesse tempo podia diferenciá-los pelo formato da carapaça, mas a regra prática era: se ele avança é um guerreiro; se foge, você pode virar as costas pra ele. Aprendemos a não desperdiçar munição mesmo nos guerreiros, exceto em autodefesa; ao invés disso, íamos atrás de suas tocas. Ache um buraco, deixe cair nele uma bomba de gás que explode suavemente alguns segundos depois, soltando um líquido oleoso que se evapora como um gás de nervos apropriado para os insetóides (e inofensivo para nós) e que é mais pesado do que o ar e continua descendo. - então você usa uma segunda granada de alto explosivo para selar o buraco.

Ainda não sabíamos se estávamos indo fundo o bastante para matar as rainhas - mas tínhamos certeza de que os insetóides não gostavam dessas táticas; nossa inteligência através dos magrelos e a deles entre os próprios insetóides era clara neste ponto. Além do que, limpamos completamente a colônia deles em Sheol desse modo. Talvez eles tenham dado um jeito de evacuar as rainhas e os cérebros... mas pelo menos estávamos aprendendo a feri-los.

Mas para os Rudes esses bombardeios de gás eram apenas outro exercício, para ser feito de acordo com as ordens, na seqüência, e quicando.

Finalmente tivemos de voltar a Santuário para mais cápsulas. Cápsulas são descartáveis (bem, nós também somos) e quando elas acabam você tem de voltar à base, mesmo que os geradores Cherenkov possam ainda levar você duas vezes em volta da Galáxia. Logo antes disso um despacho chegou colocando Jelly como Tenente, no lugar de Rasczak. Jelly tentou manter isso em segredo, mas a Capitã Deladrier divulgou o despacho e solicitou a Jelly que comesse lá na frente com os outros oficiais. Ele ainda passava todo o resto do tempo à popa.

Mas então já tínhamos feito varias quedas com Jelly como líder do pelotão e a unidade tinha se acostumado com a ausência do Tenente - ainda doía, mas agora era rotina. Após Jelal ter sido comissionado começamos a lentamente discutir que já era hora de usarmos o nome de nosso chefe, como em outras unidades.

Johnson era o mais velho e foi falar com Jelly; ele me escolheu pra ir com ele como apoio moral. — O que é? — rosnou Jelly.

— Ãh, Sarge - Quero dizer, Tenente, nós estivemos pensando...

— Com que?

— Bem, os rapazes têm falado sobre isso e eles pensaram - bem, eles acham que a unidade devia se chamar "Jaguares de Jelly".

— Eles acham, eim? Quantos são a favor desse nome?

— É unânime, — Johnson disse simplesmente.

— É mesmo? Cinqüenta e dois sins... e um não. Os nãos vencem.

— Ninguém nunca mais tocou no assunto.

Logo depois disso estávamos orbitando Santuário. Eu estava contente de estar ali, já que o campo de pseudogravidade interno da nave tinha estado desligado por quase dois dias, enquanto o engenheiro chefe o remendava, nos deixando em queda livre - o que eu odiava. Nunca serei um verdadeiro homem do espaço. Gostava de terra sob meus pés. Todo pelotão saiu em dez dias de repouso e recreação e foi transferido pra acomodações no quartel da base.

Nunca soube as coordenadas de Santuário, nem o nome ou número de catálogo da estrela que órbita - porque o que você não sabe, não pode contar; a localização é ultraconfidencial, conhecida apenas pelos capitães das naves, oficiais pilotos e tais... e, ouvi dizer, cada um deles tem ordens e compulsões hipnóticas para se necessário se suicidarem para evitar serem capturados. Por isso eu não quero saber. Com a possibilidade de a Base Luna ser capturada e a própria Terra ser ocupada, a Federação mantinha tanto quanto possível o máximo de suas forças em Santuário, de modo que um desastre lá em casa não significasse necessariamente a rendição.

Mas posso lhe dizer que tipo de planeta ele é. Como a Terra, mas retardado.

Literalmente retardado, como um garoto que leva dez anos pra aprender a dar tchau e nunca aprende a brincar de palminha. É um planeta tão parecido com a Terra quanto dois planetas podem ser, com a mesma idade de acordo com os planetólogos e sua estrela tem a mesma idade que o Sol e é do mesmo tipo, pelo que dizem os astrofísicos. Tem montes de flora e fauna, a mesma atmosfera da Terra, quase a mesma, e quase o mesmo clima; tem até uma lua de bom tamanho e as mesmas marés excepcionais da Terra.

Com todas essas vantagens ele mal saiu do ponto de partida. Veja, ele tem poucas mutações; não tem o alto nível de radiação natural da Terra.

Sua vida vegetal mais típica e mais desenvolvida é um tipo de samambaia; a vida animal mais evoluída é um proto-inseto que nem ao menos desenvolveu colônias. Não estou falando da flora e fauna terranas que foram transplantadas - nossas coisas entram e varrem as nativas.

Com o progresso evolucionário mantido quase em zero pela falta de radiação e a conseqüente insalutar falta de mutações, as formas de vida nativas de Santuário não tiveram qualquer chance de evoluir e não estão preparadas pra competição.

O padrão de genes delas permaneceu fixo por um tempo relativamente longo; não são adaptáveis - como se fossem forçadas a jogar sempre com as mesmas cartas, por eras, sem chance de pegar uma mão melhor.

Enquanto elas competiam entre si, isso não importava muito - idiotas contra idiotas, digamos. Mas quando foram introduzidas espécies evoluídas num planeta onde desfrutavam de alta radiação e acirrada competição, o material nativo foi posto fora de combate.

Bom, tudo isso é perfeitamente óbvio a partir da biologia do colégio... mas o geniozinho da estação de pesquisa do planeta que estava me contando isso apontou uma coisa na qual eu nunca teria pensado.

E os seres humanos que colonizassem Santuário?

Não os de passagem como eu, mas os colonizadores que viviam lá, muitos dos quais nasceram ali, e cujos descendentes viveriam ali, até a enésima geração - o que aconteceria com esses descendentes? Não faz mal nenhum a uma pessoa não ser irradiada; de fato é um pouco mais seguro - leucemia e alguns tipos de câncer são quase desconhecidos lá. Além disso, a situação econômica atual é toda em favor deles; quando plantam um campo de trigo (terrano), eles não têm nem de arrancar as ervas daninhas. O trigo terrano toma o lugar de qualquer coisa nativa.

Mas os descendentes desses colonos não vão evoluir. Não muito, em todo o caso. Aquele sujeito me disse que eles poderiam melhorar um pouco através de mutações por outras causas, através de sangue novo dos imigrantes, através da seleção natural entre os padrões de genes que já tinham - mas isso tudo é muito pouco comparado com a taxa de mutação na Terra e em um planeta comum. Então o que aconteceria? Ficariam congelados no nível atual enquanto o resto da humanidade os ultrapassaria, até que não passassem de fósseis vivos, tão deslocados quanto um pithecanthropus numa espaçonave?

Ou se preocupariam com o futuro de seus descendentes e tomariam uma dose regular de raios-X ou talvez fizessem um monte de explosões nucleares sujas a cada ano para construir um reservatório de radiação na atmosfera? (Aceitando, é claro, os perigos imediatos da radiação para eles mesmos de modo a fornecer uma herança genética apropriada de mutações para o beneficio de seus descendentes.)

Aquele cara previa que eles não fariam nada. Ele afirma que a espécie humana é individualista demais, egoísta demais, para se preocupar tanto com as gerações futuras. Ele diz que o empobrecimento genético de gerações distantes pela falta de radiação é algo com que a maioria das pessoas é simplesmente incapaz de se preocupar. E é claro que é uma ameaça muito distante; a evolução trabalha tão lentamente, mesmo na Terra, que o desenvolvimento de uma nova espécie é algo de muitos, muitos milhares de anos.

Eu não sei. Merda, mais da metade do tempo eu não sei o que eu vou fazer; como posso prever o que uma colônia de estranhos fará? Mas de uma coisa tenho certeza: Santuário vai ser totalmente colonizado, ou por nós ou pelos insetóides. Ou por outros. E uma utopia potencial, e, com boas propriedades imobiliárias sendo tão raras nesta ponta da Galáxia, não vai ser deixado na posse de formas de vida primitivas que falharam em subir na escala.

Agora mesmo já é um lugar delicioso, melhor de muitas formas para uns poucos dias de R&R do que a maior parte da Terra. Em segundo lugar, apesar de ter um montão de civis, mais do que um milhão, eles até que não são maus para civis. Sabem que há uma guerra lá fora. Metade deles são empregados ou da base ou da indústria de guerra; o resto cultiva comida e a vende para a Frota. Poderia-se dizer que eles têm um velado interesse na guerra, mas, quaisquer que sejam seus motivos, eles respeitam um uniforme e não se ressentem dos que o usam. Bem pelo contrário. Se um LM. entra numa loja, o proprietário o chama de "Senhor", e parece ser sincero, mesmo que esteja tentando vender uma bugiganga por um preço absurdo.

Mas em primeiro lugar, metade desses civis são mulheres.

Você tem de ter ficado fora numa longa patrulha para apreciar isso direito. Tem de ter aguardado ansiosamente o dia do dever de guarda, pelo privilégio de ficar em pé duas horas de cada seis com a espinha encostada na antepara trinta e as orelhas de pé só por causa do som de uma voz feminina. Acho que é na verdade mais fácil em naves só de homens... mas prefiro a Rodger Young. É bom saber que a razão suprema pela qual estamos lutando realmente existe e que elas não são apenas uma criação da imaginação.

Além dos maravilhosos 50 por cento de civis, cerca de 40 por cento do pessoal do Serviço Federal em Santuário são mulheres. Some tudo isso e terá o mais belo cenário no universo conhecido.

Além dessas insuperáveis vantagens naturais, muito foi feito artificialmente para evitar que o R&R seja desperdiçado. A maioria dos civis parece ter dois empregos; eles têm olheiras de passar acordados todas as noites para fazer a estada de um homem que está servindo agradável. A Via Churchill que vai da base até a cidade é margeada de ambos os lados com empreendimentos feitos para separar sem dor um homem do dinheiro que ele na verdade não tem como usar, para o agradável acompanhamento da comida ligeira, entretenimento e música.

Se você é capaz de escapar dessas ratoeiras, por já ter ficado sem o vil metal, há ainda outros lugares na cidade quase tão satisfatórios (quero dizer que também têm garotas) e que são oferecidos gratuitamente por uma população grata - locais muito parecidos com o centro social em Vancouver, mas nos sentimos ainda mais bem-vindos.

Santuário, e especialmente Espírito Santo, a cidade, me passou a idéia de um lugar tão ideal que brinquei com a idéia de pedir dispensa ali quando meu período estivesse completo; afinal, eu não ligava realmente se meus descendentes (se tivesse algum) vinte e cinco mil anos no futuro teriam longas gavinhas verdes como todo mundo, ou apenas o equipamento que eu tinha recebido. Aquele sujeito com cara de professor da Estação de Pesquisa não me assustava com aquela conversa de falta de radiação; me parecia (pelo que eu podia ver à minha volta) que a humanidade já tinha chegado ao pico.

Sem dúvida um javali macho sente o mesmo por uma javali fêmea - mas, se for assim, ambos somos muito sinceros.

Também há outras oportunidades de diversão ali. Lembro com particular prazer uma noite em que uma mesa dos Rudes teve uma discussão amigável com um grupo de homens da Marinha (não da Rodger Young) sentados na mesa ao lado. O debate foi muito acalorado, um pouco barulhento, e alguns policiais da base entraram e o interromperam com armas de tonteio bem quando estávamos nos esquentando para a réplica. Não aconteceu nada, exceto que tivemos de pagar pelos móveis - o Comandante da Base tem a opinião de que um homem em R&R deve ter um pouco de liberdade desde que não cometa um dos "trinta e um quebra a cara".

As acomodações no quartel também eram até que boas -não caprichadas, mas confortáveis e o refeitório funcionava vinte e cinco horas por dia com civis fazendo todo o trabalho. Sem toques de alvorada, sem toques de silêncio, você fica realmente de licença e nem tem de ficar no quartel. No entanto eu fiquei, pois me pareceu absurdo gastar dinheiro em hotéis quando havia uma cama limpa e macia de graça e tantas maneiras melhores de gastar o pagamento acumulado. Aquela hora extra em cada dia também era boa, pois eu podia dormir nove horas e ainda ter todo o dia pra mim - tinha de repor todo o sono que perdi desde a Operação Toca dos Insetóides.

Estava tão bem como num hotel; Ace e eu tínhamos um quarto todo só pra nós nos alojamentos dos suboficiais visitantes. Numa manhã, quando o R&R estava infelizmente chegando ao fim, por volta do meio dia local, eu estava me virando na cama quando Ace começou a chacoalhá-la. — Quicando, soldado! Os insetóides estão atacando.

Eu disse pra ele o que devia fazer com os insetóides.

— Vamos pra terra firme, — ele insistiu.

— Sem dinheiro. — Eu tinha tido um encontro na noite anterior com uma química (uma mulher, é claro, e muito mulher) da Estação de Pesquisas. Ela tinha conhecido Carl em Plutão e ele tinha me escrito pra procurá-la se algum dia eu fosse a Santuário. Ela era uma ruiva magra, com gostos caros. Aparentemente Carl tinha dado a entender a ela que eu tinha mais dinheiro do que era bom pra mim, por isso ela decidiu que a noite anterior era o momento certo pra se familiarizar com a champanhe local. Não admiti pra ela que tudo que eu tinha era meu soldo pra não deixar Carl mal; paguei champanhe pra ela enquanto eu bebia o que eles diziam que era (mas não era) suco de abacaxi fresco. O resultado foi que mais tarde eu tive de andar de volta - táxis não são de graça. Ainda assim, valeu a pena. Afinal, o que é dinheiro? - falo do dinheiro dos insetóides, é claro.

— Sem choro, — Ace respondeu. — Posso abastecer você - tive sorte na noite passada. Cruzei com um marinheiro que não sabia percentagens.

Assim me levantei, me barbeei, tomei um banho e fomos para o refeitório para meia dúzia de ovos com casca e mais umas coisinhas, como batatas e presunto e bolinhos e assim por diante. E então fomos pra terra firme arranjar alguma coisa pra comer. Estava quente pra caminhar na Via Churchill e Ace decidiu parar numa cantina. Fui junto pra ver se o suco de abacaxi deles era de verdade. Não era, mas estava fresco. Não se pode ter tudo.

Falamos sobre várias coisas sem importância e Ace pediu outra rodada. Tentei o suco de morango - a mesma coisa. Ace olhou pra dentro do copo e então disse: — Já pensou sobre tentar pra oficial?

Eu disse: — Ãhn? Tá maluco?

— Não. Olhe, Johnnie, esta guerra pode durar bastante. Não importa que propaganda eles façam pro pessoal lá em casa, você e eu sabemos que os insetóides não estão pra desistir. Então por que não planejar o futuro? Como se diz, se você tem de estar na banda, é melhor ser o homem que mexe o pauzinho do que o que carrega o tambor grande.

Eu estava alarmado com o caminho que a conversa tinha tomado, especialmente vindo de Ace. — E quanto a você? Está pensando em cavar um posto?

— Eu? — ele respondeu. — Vá examinar os seus circuitos, filho - está dando respostas erradas. Não tenho educação e sou dez anos mais velho do que você. Mas você tem a educação pra fazer os exames de seleção da Escola de Candidatos a Oficiais e tem o Q.I. que eles gostam. Garanto que se você seguir carreira, vai chegar a sargento antes de mim... e ser pego pra E.C.O. no dia seguinte.

— Agora eu sei que você está maluco!

— Ouça o papai. Detesto ter de dizer isto, mas você é estúpido, disposto e sincero na medida certa para fazer o tipo de oficial que os homens adoram seguir numa enrascada. Mas eu -bem, sou um suboficial natural com a devida atitude pessimista pra compensar o entusiasmo dos que são como você. Algum dia serei sargento... e daí a pouco completarei meus vinte anos de serviço, me aposento e pego um daqueles serviços reservados - talvez tira - e caso com uma mulher bela e gorda com os mesmos gostos simples que eu e vou acompanhar os esportes e pescar e me desmanchar com muito prazer.

Ace parou para umedecer a garganta. — Mas você, — continuou. — Você vai ficar e provavelmente pegar um alto posto e morrer gloriosamente e eu lerei sobre isso e direi com orgulho, "Eu conheci ele. Oras, eu costumava emprestar dinheiro pra ele - fomos cabos juntos." Então?

— Nunca pensei sobre isso, — eu disse lentamente. — Tinha intenção apenas de servir o meu período.

Ele deu um sorriso ácido. — Você vê algum dos prestadores de período indo embora hoje em dia? Acha que vai prestar o período em apenas dois anos?

Ele tinha um ponto. Enquanto a guerra continuasse, um "período" não acabava - pelo menos não para os soldados. Era mais uma diferença de atitude, pelo menos no presente. Aqueles de nós que estávamos fazendo o "período" podiam pelo menos se sentir como se fossem ficar pouco tempo; podíamos dizer : — Quando esta guerrinha acabar. — Um homem de carreira não diz isso; ele não vai a lugar algum, a não ser se aposentando - ou comprando a dele.

Por outro lado, nós também não. Mas se você seguisse "carreira" e depois não completasse os vinte anos... ele podiam ser bem chatos quanto ao direito de voto mesmo que não queiram segurar um homem que não está a fim de ficar.

— Talvez não dois anos, — eu admiti. — Mas a guerra não vai durar para sempre.

— Não vai?

— Como pode?

— Gostaria de saber. Eles não me contam essas coisas. Mas sei que não é isso que esta incomodando você, Johnnie. Tem uma garota esperando?

— Não. Bem, eu tinha, — respondi lentamente, — mas ela começou a me tratar por "Caro John". — Como uma mentira, esta não foi mais do que um pequeno enfeite, na qual me meti porque Ace parecia esperar isso. Carmen não era minha garota e não esperava por ninguém - mas ela com certeza me mandava cartas começadas com "Caro John" nas raras ocasiões em que me escrevia.

Ace concordou com a cabeça. — Elas sempre fazem isso. Preferem casar com civis e ter alguém por perto para dar uma bronca quando sentem vontade. Não ligue, filho - você vai encontrar muitas delas mais do que dispostas a casar quando se aposentar... e você estará melhor preparado para lidar com elas naquela idade. O casamento é um desastre para um homem jovem e um conforto pra um homem velho. — Ele olhou para meu copo. — Me dá náuseas ver você bebendo essa água suja.

— Sinto o mesmo sobre o que você está bebendo, — eu disse a ele.

Ele deu de ombros. — Como eu digo, precisamos todos os tipos. Pense sobre isso.

— Vou pensar.

Ace entrou num jogo de cartas logo depois, me emprestou algum dinheiro e eu sai para uma caminhada; precisava pensar.

Seguir carreira? Fora a atração de ser um oficial, eu queria seguir carreira? Oras, eu tinha passado por tudo isso pra conseguir meu direito de voto, não tinha? - e se eu seguisse carreira, estaria tão longe do privilégio de votar quanto se nunca tivesse me alistado... porque enquanto você ainda estiver de uniforme, não pode votar. O que era como devia ser, é claro - oras, se deixassem os Rudes votarem os idiotas podiam votar por não fazer uma queda. Impossível.

Apesar disso eu tinha me alistado para conseguir o voto.

Tinha?

Eu tinha me importado com votar? Não, era o prestígio, o orgulho, o status... de ser um cidadão.

Era?

Nem que eu precisasse disso pra salvar minha vida, eu não poderia lembrar por que eu tinha me alistado.

De qualquer forma, não era o processo de votação que fazia um cidadão - o Tenente tinha sido um cidadão no verdadeiro sentido da palavra, mesmo que não tivesse vivido tempo suficiente pra colocar um voto numa urna. Ele tinha "votado" cada vez que fazia uma queda.

E eu também!

Podia ouvir o Coronel Dubois em minha mente: — Cidadania é uma atitude, um estado de espírito, uma convicção emocional de que o todo é maior do que a parte... e que a parte deve ficar humildemente orgulhosa de se sacrificar para que o todo possa viver.

Eu ainda não sabia se ansiava por colocar o meu primeiro-e-único corpo "entre meu amado lar e a desolação da guerra" - eu ainda tinha os tremores antes de cada queda e aquela "desolação" podia ser bem desolada. Mas apesar disso eu por fim sabia sobre o que o Coronel Dubois estava falando. A LM. era minha e eu era dela. Se aquilo era o que a LM. fazia pra quebrar o tédio, então era aquilo que eu fazia. Patriotismo era um pouco esotérico pra mim, larga escala demais para ver. Mas a LM. era meu grupo, eu pertencia. Eles eram toda a família que me restava; eram os irmãos que eu nunca tinha tido, mais próximos de mim do que Carl tinha sido. Se os deixasse, estaria perdido.

Então por que eu não deveria seguir carreira?

Certo, certo - mas e quanto a essa besteira de tentar para oficial? Isso era uma coisa diferente, eu podia me ver pegando os vinte anos sem problemas, do modo que Ace tinha descrito, com condecorações em meu peito e chinelos nos pés... ou passando as tardes no Hall dos Veteranos, remoendo os velhos tempos com os outros. Mas a E.CO.? Eu podia ouvir Al Jenkins, em uma das sessões de discussões que tínhamos sobre essas coisas:

— Sou um soldado raso! Vou continuar a ser um soldado raso! Quando você é um soldado eles não esperam nada de você. Quem quer ser um oficial? Ou mesmo um sargento? Você respira o mesmo ar que eles, não é? Come a mesma comida. Vai aos mesmos lugares, faz as mesmas quedas. A diferença é que você não tem que esquentar a cabeça.

Al tinha um ponto. O que aquelas divisas tinham me dado? - só cicatrizes.

Mesmo assim eu sabia que aceitaria ser sargento se isso me fosse oferecido. Você não recusa, um soldado da infantaria não recusa coisa alguma; sobe o degrau e entra de cabeça. Pra oficial é a mesma coisa, eu acho.

Não que isso fosse acontecer. Quem era eu pra pensar que podia ser o que o Tenente tinha sido?

Meu passeio tinha me levado próximo da escola de candidatos, embora eu ache que não pretendesse ir naquela direção. Uma companhia de cadetes estava fora no pátio de revistas, se exercitando num passo apressado, parecendo para o resto do mundo recrutas no Básico. O sol estava quente e não parecia nem de longe tão confortável quanto uma rodinha de conversa fiada na sala de queda da Rodger Young - oras, eu não tinha marchado mais longe do que a antepara trinta desde que tinha terminado o Básico; essas besteiras galopantes estavam no passado.

Fiquei olhando pra eles um pouco, suando em seus uniformes; ouvi eles levando reprimendas - de sargentos. Lembrei-me dos velhos tempos. Chacoalhei minha cabeça e saí dali...

... e fui para o quartel, para a ala dos oficiais visitantes e achei o quarto de Jelly.

Ele estava lá, seus pés em cima de uma mesa, lendo uma revista. Bati no batente da porta. Ele olhou pra cima e resmungou: — Que é?

— Sarge... Quero dizer, Tenente...

— Fale!

— Senhor, quero seguir carreira.

Ele tirou os pés da mesa. — Levante sua mão direita.

Ele tomou meu juramento, mexeu na gaveta da mesa e pegou uns papéis.

Tinha os meus papéis já preparados, esperando por mim, prontos para serem assinados. Ê eu não tinha nem contado pro Ace. O que acha disso?

 

A Rodger Young estava de novo retornando à Base para reposição, tanto de cápsulas como de homens. Al Jenkins tinha comprado a campa dele, cobrindo um resgate - um resgate que também nos custou o Padre. E além disso, eu tinha de ser substituído. Estava usando listras de sargento no vinhas (no lugar de Migliaccio) mas tinha um palpite de que Ace as estaria usando tão logo eu saísse da nave - as minhas eram mais uma homenagem, eu sabia; a promoção era o jeito de Jelly me dar uma boa despedida quando fui enviado para a E.C.O.

Mas isso não me impedia de ficar orgulhoso delas. No campo de pouso da Frota eu saí pelo portão com o nariz empinado enquanto avançava para a mesa da quarentena pra ter minhas ordens carimbadas. Quando isso estava sendo feito ouvi uma voz polida e respeitosa por trás de mim: — Desculpe, Sargento, mas aquele veículo que acabou de descer - ele é da Rodger...

Virei-me para ver quem estava falando, bati meus olhos em suas mangas, vi que era um cabo baixo, de ombros um pouco curvados, sem dúvida um dos nossos...

— Pai!

Nesse momento o cabo tinha seus braços em volta de mim. — Juan! Juan! Oh, meu pequeno Johnnie!

Eu o beijei, abracei e comecei a chorar. Acho que aquele escriturário civil na mesa da quarentena nunca tinha visto dois suboficiais se beijarem antes. Bem, se tivesse notado ele sequer erguendo uma sobrancelha, eu o teria esmurrado. Mas não estava olhando pra ele; eu estava ocupado. Ele teve de me lembrar de levar as minhas ordens.

Naquela hora já tínhamos assoado nossos narizes e parado de fazer um espetáculo público. Eu disse: — Pai, vamos achar um canto em algum lugar pra sentar e conversar. Eu quero saber... bem, tudo! — Respirei fundo. — Pensava que você estava morto.

— Não. No máximo cheguei perto de comprar a minha uma ou duas vezes. Mas, filho... Sargento - eu preciso mesmo descobrir sobre aquele veículo de pouso.

— Ah, aquele. Ele é da Rodger Young. Eu acabei...

Ele pareceu terrivelmente desapontado. — Então eu tenho de quicar, agora mesmo. Tenho de me apresentar. — Então acrescentou ansioso: — Mas você estará de volta a bordo logo, não é, Juanito? Ou está saindo em R&R?

— Ãh, não. — Pensei rápido. De todas as coisas que têm de acontecer! — Olhe, pai, eu conheço o programa do veículo. Você não pode ir a bordo pelo menos por uma hora. O veículo não está numa recolha rápida; ela vai fazer uma acoplagem de mínimo combustível quando a Rodger completar esta órbita -isso se a pilota não tiver de esperar pela próxima órbita; eles tem de pegar a carga primeiro.

Ele disse em dúvida: — Minhas ordens dizem para eu me apresentar ao piloto do primeiro veículo disponível.

— Pai, pai! Tem de ser assim tão apegado às normas? A garota que está empurrando aquela sucata não liga se você entra no veículo agora ou quando estiver pra fechar a porta. De qualquer jeito eles vão avisar e tocar a chamada da nave nos alto-falantes dez minutos antes do lançamento. Você não pode perder.

Ele me deixou levá-lo para um canto vazio. Quando sentamos ele acrescentou: — Você vai subir no mesmo veículo, Juan? Ou depois?

— Ãh... — Mostrei a ele as minhas ordens; parecia a maneira mais simples de dar a notícia. Navios que se cruzam na noite, como na estória de Evangeline - droga, que jeito das coisas acontecerem!

Ele as leu, ficou com lágrimas nos olhos e eu disse apressadamente: — Olhe, pai, vou tentar voltar - eu não ia querer qualquer outra unidade a não ser os Rudes. E com você neles... oh, eu sei que está desapontado, mas...

— Não estou desapontado, Juan.

— Ãhn?

— Estou orgulhoso. Meu garoto vai ser um oficial. Meu pequeno Johnnie - Oh, também é desapontamento; eu estava esperando por este dia. Mas posso esperar um pouco mais. — Ele sorriu através das lágrimas. — Você cresceu, rapaz. E ficou mais forte também.

— Ãh, acho que sim. Mas, pai, ainda não sou um oficial e pode ser que eu fique fora da Rog só alguns dias. Quero dizer, algumas vezes eles reprovam os candidatos bem rápido...

— Chega disso, rapaz!

— Ãhn?

— Você vai conseguir. Não vamos mais falar sobre "reprovação". De repente ele espirrou. — Essa é a primeira vez que consegui mandar um sargento calar a boca.

— Bem... pode ter a certeza de que vou tentar, pai. E se conseguir, pode ter certeza de que vou pedir pra ir pra velha Rog. Mas... — eu parei.

— Sim, eu sei. O seu pedido não vai valer nada a não ser que haja uma vaga. Não ligue. Se esta hora é tudo que temos, vamos aproveitá-la o máximo que pudermos - e estou tão orgulhoso de você que estou arrebentando as costuras. Como tem passado, Johnnie?

— Ah, bem, muito bem. — Eu estava pensando que a situação não era de todo má. Ele estaria melhor com os Rudes do que com qualquer outra unidade. Todos os meus amigos... eles tomariam conta dele, o manteriam vivo. Tenho de mandar uma mensagem pro Ace - o pai sendo como é nunca deixaria eles saberem que somos parentes. — Pai, há quanto tempo você está dentro?

— Um pouco mais de um ano.

— E já é um cabo!

O pai sorriu amargamente. — Eles nos fazem rápido nestes dias.

Não tinha de perguntar o que ele queria dizer. Baixas. Sempre havia vagas; não se conseguia soldados treinados o suficiente para preenchê-las. Ao invés disso eu disse: — Ãh... mas, pai, você é... Bem, quero dizer, não é um tanto velho pra ser soldado? Quero dizer, a Marinha, ou a Logística, ou...

— Eu queria a LM. e consegui! — ele disse enfaticamente. — Não sou mais velho do que muitos sargentos - de fato, nem tão velho. Filho, o mero fato de que sou vinte e dois anos mais velho do que você não me coloca numa cadeira de rodas. E a idade também tem suas vantagens.

Bem, havia alguma verdade nisso. Lembrei de como o Sargento Zim sempre tentava os homens mais velhos primeiro, quando estava distribuindo divisas de treinamento. E o pai nunca teria feito besteira no Básico como eu - nada de chicotadas pra ele. Provavelmente foi apontado como material para suboficial antes mesmo de terminar o Básico. O Exército precisa de um monte de homens crescidos de verdade nos escalões intermediários; é uma organização paternalista.

Não tive de perguntar por que ele tinha escolhido a LM., nem por que ou como tinha acabado na minha nave - me sentia bem por isso, mais lisonjeado por isso do que por qualquer elogio que ele tivesse me dado com palavras. E não queria perguntar pra ele por que tinha se alistado; eu sentia que sabia. A mãe. Nenhum de nós tinha falado dela - doloroso demais.

Então mudei de assunto bruscamente. — Me conte tudo. Me conte onde você esteve e o que fez.

— Bem, fiz o treinamento no Acampamento San Martin...

— Ãhn? Não no Currie?

— Um novo. Mas tão difícil quanto, ouvi dizer. Só que eles fazem você passar por ele dois meses mais rápido, você não tem folga aos domingos. Então pedi para ir para a Rodger Young - e não consegui - e acabei nos Voluntários de McSlattery. Uma boa unidade.

— Sim, eu conheço. — Eles tinham uma reputação de serem grossos, duros e sujos - quase tão bons quanto os Rudes.

— Melhor dizendo, eles eram uma boa unidade. Fiz várias quedas com eles e alguns dos rapazes compraram as deles e depois de um tempo eu peguei estas. — Ele apontou pra suas divisas. — Eu já era cabo quando fizemos a queda em Sheol...

— Você estava lá? Eu também! — Com um súbito fluxo de afeto e emoção me senti mais próximo de meu pai do que jamais havia sentido em toda minha vida.

— Eu sei, pelo menos sabia que a sua unidade estava lá. Eu estava cerca de oitenta quilômetros ao norte de você, pelo que posso calcular. Nós agüentamos o contra-ataque quando eles saíram fervendo do chão como morcegos de uma caverna. — O pai deu de ombros. — Então quando aquilo tinha acabado eu era um cabo sem uma unidade, não sobrou o bastante de nós para formar um núcleo saudável. Então me mandaram pra cá. Podia ter ido com os Ursos Kodiak de King, mas tive uma palavra com o sargento de colocações - e, certo como o nascer do sol, a Rodger Young voltou com uma vaga pra cabo. Então aqui estou.

— E quando você se alistou? — percebi que era a observação errada logo depois que disse - mas tinha que desviar o assunto dos Voluntários de McSlattery; um órfão de uma unidade morta quer esquecer isso.

O pai disse calmamente: — Logo depois de Buenos Aires.

— Ah, entendo.

O pai não disse nada por algum tempo. Então disse suavemente: — Não tenho certeza de que você entenda, filho.

— Senhor?

— Ummm... não é fácil de explicar. Com certeza, perder a sua mãe tem muito a ver com isso. Mas não me alistei para vingá-la - mesmo que também tivesse aquilo em mente. Você tem mais a ver com isso...

— Eu?

Sim, você, filho. Sempre entendi o que você estava fazendo melhor do que a sua mãe - não era culpa dela; ela nunca teve uma chance de saber, não mais do que um passarinho pode entender o nado. E talvez eu soubesse porque você fez isso, mesmo que na época eu tenha duvidado se você mesmo sabia. Pelo menos metade da minha raiva era puro ressentimento... que você tivesse feito algo que eu sabia, lá dentro de meu coração, que eu devia ter feito. Mas você também não foi a razão de eu me alistar... apenas ajudou a engatilhar isso e controlou o serviço que escolhi.

Ele fez uma pausa. — Eu não estava bem na época em que você se alistou. Estava vendo o meu hipnoterapeuta com bastante freqüência - você nunca suspeitou, não é? - mas não conseguimos avançar além de um claro reconhecimento de que eu estava enormemente insatisfeito. Depois que você se foi, atribui isso a você - mas não era você, e eu sabia isso e meu terapeuta também. Acho que eu soube que havia problemas reais se formando antes da maioria; fomos convidados a fazer um orçamento de componentes militares um mês antes do estado de emergência ser anunciado. Mudamos quase que totalmente para a produção de guerra enquanto você ainda estava no treinamento.

— Me senti melhor durante aquela época, trabalhando pra caramba e ocupado demais pra ver meu terapeuta. Então comecei a ter mais problemas do que nunca. — Ele sorriu. — Filho, o que você sabe sobre civis?

— Bem... não falamos a mesma língua. Isso eu sei.

— Muito bem posto. Lembra de Madame Ruitman? Eu tive uns poucos dias de licença depois de ter terminado o Básico e fui pra casa. Vi alguns de nossos amigos, me despedi - ela estava entre eles. Estava tagarelando e disse, "então você está realmente indo? Bem, se chegar a Faraway, tem de procurar os meus amigos, os Regatos."

— Disse a ela, tão gentilmente quanto possível, que isso parecia improvável, pois os aracnídeos tinham ocupado Faraway.

— Isso não a perturbou nem um pouco. Ela disse, "Ah, não há problema - eles são civis!" — O pai sorriu cínico.

— Sim, eu sei.

— Mas estou avançando na minha história. Eu te disse que estava ficando mais aborrecido. A morte de sua mãe me liberou para o que eu tinha de fazer... muito embora nós fôssemos mais ligados do que a maioria, mesmo assim isso me libertou para fazer o que eu tinha de fazer. Deixei os negócios com o Morales...

— O velho Morales? Será que ele consegue tomar conta?

— Sim. Porque ele precisa. Um monte de nós estamos fazendo coisas que não sabíamos que podíamos. Dei a ele um bom maço de ações - você conhece o velho ditado sobre o olho do dono é que engorda o gado - e o resto dividi em duas partes: metade para as Filhas da Caridade, metade para você quando quiser voltar e pegá-las. Se quiser. Não me importo. Tinha por fim descoberto o que estava errado comigo. — Ele parou e então disse muito suavemente: — Tinha de fazer um ato de fé. Tinha de provar a mim mesmo que era um homem. Não apenas um animal econômico que produz e consome... mas um homem.

Naquele momento, antes que eu pudesse responder qualquer coisa, os alto-falantes das paredes cantaram: — ... brilha o nome, brilha o nome de Rodger Young! — e a voz de uma garota acrescentou: - Pessoal para a C.T.F. Rodger Young, tomem lugares no veículo. Plataforma H. Nove minutos.

O pai ficou de pé, agarrou a mochila. — É o meu. Cuide-se, filho - e passe naqueles exames. Ou vai descobrir que não é grande demais para uns tapas.

— Passarei, pai.

Me abraçou apressado. — Te vejo quando voltarmos! -E se foi, quicando.

Na parte de fora do escritório do Comandante me apresentei a um sargento de frota que parecia bastante com o Sargento Ho, até mesmo não tinha um braço. No entanto, ele também não tinha o sorriso do Sargento Ho. Eu disse: — Sargento de Carreira Juan Rico, para se apresentar ao comandante conforme ordens.

Ele deu uma olhada para o relógio. — Seu veículo desceu há setenta e três minutos. Bem?

Então contei a ele. Ele puxou o lábio e olhou pra mim pensativo. — Já ouvi cada desculpa do livro. Mas você acabou de acrescentar uma nova página. Seu pai, seu próprio pai, estava realmente se apresentando na sua antiga nave bem quando você era destacado?

— É a pura verdade, Sargento. Pode verificar - Cabo Emilio Rico.

— Não verificamos as declarações dos "jovens cavalheiros" por aqui. Apenas os demitimos com desonra se descobrimos que não disseram a verdade. Certo, um rapaz que não se atrasasse pra ver seu velho partir não valeria muito mesmo. Esqueça isso.

— Obrigado, Sargento. Me apresento ao Comandante agora?

— Já está apresentado. — Ele fez uma marca numa lista. — Talvez daqui um mês ele mande chamar você junto com umas duas dúzias de outros. Aqui está o quarto designado pra você, e aqui uma lista de coisas pra você começar - e pode começar cortando fora essas divisas. Mas guarde elas; você pode precisar depois. A partir deste momento você é "Senhor", não "Sargento".

— Sim, senhor.

— Não me chame de "senhor". Eu o chamarei de "senhor". Mas você não vai gostar disso.

Não vou descrever a Escola de Candidatos a Oficiais. É como o Básico, só que elevado ao quadrado e ao cubo, mais os livros. Nas manhãs nos portávamos como soldados rasos, fazendo as mesmas velhas coisas que fazíamos no Básico e em combate e levando reprimendas pelo jeito que as fazíamos - de sargentos. De tarde éramos cadetes e "cavalheiros", e falamos e aprendemos sobre uma lista sem fim de assuntos: matemática, ciência, galactografia, xenologia, hipnopédia, logística, estratégia e táticas, comunicações, lei militar, avaliação do terreno, armas especiais, psicologia da liderança, qualquer coisa, desde o cuidado e alimentação dos soldados, até por que Xerxes perdeu a grande guerra. Mais especialmente como ser uma catástrofe de um homem só e ao mesmo tempo manter o rastro de outros cinqüenta, cuidando deles, os amando, os liderando, os salvando -mas nunca os deixando mal acostumados.

Tínhamos camas, que usávamos bem pouco; tínhamos quartos com banheiro dentro; e cada quatro candidatos tinham um empregado civil, para fazer as camas, limpar os quartos, lustrar nossos sapatos, passar nossos uniformes e fazer pequenas tarefas. O propósito desse serviço não era ser um luxo e realmente não era; o propósito era aliviar o estudante de coisas que qualquer graduado do Básico pode fazer perfeitamente, de modo a dar-lhe mais tempo para fazer o que era claramente impossível.

Por seis dias trabalhar ás e fará tudo que for capaz, No sétimo o mesmo e a amarração baterás.

Ou a versão do Exército termina: ...e os estábulos limparás, o que mostra há quantos séculos esse tipo de coisa vem acontecendo. Gostaria de pegar só um daqueles civis que pensam que não fazemos nada e botá-lo pra passar um mês na E.C.O.

No anoitecer de todos os dias e nos domingos o dia todo nós estudávamos até nossos olhos arderem e os ouvidos doerem - então dormíamos (quando dormíamos) com um alto-falante hipnopédico zumbindo debaixo do travesseiro.

Nossas canções de marcha eram apropriadamente deprê: "Do Exército vou embora, do Exército vou embora! Preferia estar atrás do arado a qualquer hora!", e "Não mais estudaremos a guerra", e "Não faça de meu menino um soldado, a mãe em prantos gritou", e - a favorita de todas - o velho clássico "Cavalheiros nas fileiras", com o seu coro sobre o carneirinho perdido: "... Deus tenha piedade daqueles como nós. Baá! Iaá! Baá!"

Porém de algum modo não me lembro de estar infeliz. Acho que estava ocupado demais. Não havia aquele "monte" psicológico a ser ultrapassado, aquele que todo mundo passa no Básico; havia apenas o medo sempre presente de ser reprovado. Minha má preparação em matemática me incomodava em especial. Meu colega de quarto, um colonial de Hesperus com o nome estranhamente apropriado de "Anjo", passava noite após noite me ensinando.

A maioria dos instrutores, especialmente os oficiais, era aleijada. Os únicos que posso lembrar que tinham um conjunto completo de braços, pernas, visão, audição, etc, eram alguns dos suboficiais instrutores de combate - e não todos. Nosso treinador de luta suja vinha sentado numa cadeira propulsada, usando um colarinho de plástico e estava completamente paralisado do pescoço pra baixo. Mas a língua dele não estava paralisada, tinha um olho fotográfico, e o jeito selvagem com que podia analisar e criticar o que tinha visto compensava seu impedimento menor.

Num primeiro momento eu me perguntei por que aqueles candidatos óbvios para uma aposentadoria por invalidez com pagamento integral não faziam isso e iam para casa. Depois parei de me perguntar.

Acho que o ponto alto em todo meu curso de cadete foi uma visita da Guarda-Marinha Ibanez, aquela dos olhos escuros, oficial mais nova e pilota sob instrução da Corveta de Transporte Mannerheim. Carmencita apareceu, parecendo incrivelmente empertigada com o uniforme branco da Marinha e com o tamanho de um peso de papel, enquanto minha classe estava alinhada para a chamada do anoitecer. Ela passou em frente às fileiras e você podia ouvir olhos estalando quando ela passava - foi direto para o oficial de serviço e perguntou por mim falando o meu nome numa voz clara e penetrante.

O oficial de serviço, o Capitão Chandar, tinha a reputação de nunca ter sorrido nem pra mãe dele, mas sorriu pra pequena Carmen, esticando e distorcendo o seu rosto, e reconheceu a minha existência... depois do que ela acenou seus longos cílios negros pra ele, explicou que a sua nave estava pra decolar e será que ela poderia por favor me levar pra jantar?

E eu me vi de posse de um altamente irregular e totalmente sem precedentes passe de três horas. Pode ser que a Marinha tenha desenvolvido técnicas de hipnose que ainda não chegaram a passar para o Exército. Ou o armamento dela podia ser mais velho do que isso e impossível de ser usado por um LM. De qualquer forma, não passei um tempo maravilhoso, mas também o meu prestígio com os colegas, não muito alto até então, subiu a alturas espantosas.

Foi uma noite gloriosa e bem valeu ter me dado mal em duas aulas na manhã seguinte. Foi um pouco obscurecida pelo fato de que sabíamos sobre Carl - ele tinha sido morto quando os insetóides esmagaram a nossa estação de pesquisas em Plutão - mas apenas um pouco, pois já tínhamos aprendido a viver com essas coisas.

Uma coisa me espantou. Carmen relaxou e tirou o chapéu enquanto estava comendo, e o cabelo preto-azulado dela tinha desaparecido. Eu sabia que um monte de garotas da Marinha raspavam a cabeça - afinal, não é pratico cuidar de um cabelo longo numa nave de guerra e, mais especialmente, uma pilota não pode se arriscar a ter o cabelo flutuando por aí, ficando no caminho, numa manobra em queda-livre. Droga, eu raspei o meu próprio escalpo, só pela conveniência e limpeza. Mas minha imagem mental da pequena Carmen incluía aquela juba de cabelos grossos e ondulados.

Mas, sabe, logo que você se acostuma, é bonitinho. Quero dizer, se uma garota tem boa aparência, ela continua com boa aparência com a cabeça lisa. E serve pra separar as garotas da Marinha das civis - um tipo de insígnia, como os crânios de ouro para as quedas em combate. Fazia Carmen parecer distinta, lhe dava dignidade, e pela primeira vez eu assimilei por completo o fato de que ela era realmente uma oficial e uma combatente -além de uma garota muito bonita.

Voltei para o quartel com estrelas nos olhos e cheirando levemente a perfume. Carmen tinha me dado um beijo de despedida.

A única matéria da E.C.O. cujo o conteúdo vou discutir é: História e Filosofia da Moral.

Estava surpreso de vê-la no currículo. H.&F.M. não tinha nada a ver com combate e com como liderar um pelotão; a conexão dela com a guerra (quando há conexão) é no por que lutar - um assunto já resolvido pra qualquer candidato muito antes dele chegar à E.C.O. Um LM. luta por que ele é um LM.

Conclui que a matéria devia ser uma repetição para aqueles (cerca de um terço) que nunca a tiveram na escola. Mais de 20 por cento dos cadetes da minha classe não eram da Terra (uma proporção muito maior de colonos se inscreve para servir do que as pessoas nascidas na Terra - isso faz você pensar) e dos mais ou menos três quartos da Terra, alguns eram de territórios associados e outros lugares onde H.&F.M. não tinha que necessariamente ser ensinada. Por isso pensei que seria moleza e que ela me daria um pouco de descanso das matérias duras, aquelas com casas decimais.

Errado de novo. Ao contrário da matéria no colégio, você tinha de passar. Mas não por um exame. Ela incluía exames, redações, testes e tal - mas sem notas. O que você precisava era a opinião do instrutor de que você tinha valor para ser um oficial.

Se ele o reprovasse, uma junta entrevistaria você, investigando não apenas se você podia ser um oficial, mas se podia pertencer ao Exército em qualquer posto, não importando o quão rápido você era com uma arma - decidindo se você devia receber instrução extra... ou se devia apenas ser chutado e virar um civil.

História e Filosofia da Moral funciona como uma bomba de ação retardada. Você acorda no meio da noite e pensa: O que ele quis dizer com aquilo? Isso tinha sido verdade mesmo no colégio; eu simplesmente não sabia sobre o que o Coronel Dubois estava falando. Quando eu era um garoto achava idiota que a matéria fosse parte do departamento de ciências. Não era como física ou química; por que não a colocaram com os outros assuntos vagos? A única razão pela qual eu prestava atenção era porque havia aqueles adoráveis debates.

Não tive idéia de que o "Sr." Dubois estava tentando me ensinar por que lutar até muito depois que eu tivesse decidido lutar mesmo.

Bem, por que eu deveria lutar? Não era um disparate expor a minha pele macia à violência de estranhos inamistosos? Especialmente quando o pagamento em qualquer posto mal dava para o dinheiro das despesas, os horários eram terríveis, e as condições de trabalho piores ainda? Quando podia estar sentado em casa enquanto essas coisas eram resolvidas por sujeitos de cabeça dura que gostavam desses jogos? Particularmente quando os estranhos contra os quais lutava nunca tinham feito nada contra mim pessoalmente até eu aparecer e começar a chutar o carrinho de chá deles - que tipo de besteira é essa?

Lutar porque eu era um I.M.? Cara, você está babando como os cães do Dr. Pavlov. Pare com isso e comece a pensar.

O Major Reid, nosso instrutor, era um cego com o desconcertante hábito de olhar diretamente pra você e chamá-lo pelo nome. Estávamos revendo os eventos que se sucederam à guerra entre a Aliança Russo-Anglo-Americana e a Hegemonia Chinesa, após 1987. Mas esse era o dia em que ouvimos as notícias sobre a destruição de San Francisco e do Vale de San Joaquin; pensei que ele ia dizer algo pra nos animar. Afinal, mesmo um civil entenderia agora - eram os insetóides ou nós. Lutar ou morrer.

O Major Reid não comentou sobre San Francisco. Fez um de nós macacos resumir o Tratado de Nova Delhi, discutir como ele ignorou os prisioneiros de guerra... e, implicitamente, fez com que o assunto fosse esquecido; o armistício tornou-se um impasse e os prisioneiros ficaram onde estavam - de um lado; do outro eles foram soltos e, durante as Desordens, deram um jeito de ir pra casa - ou não, se não queriam.

A vítima do Major Reid fez um sumário dos prisioneiros não libertados: sobreviventes de duas divisões de pára-quedistas britânicos, alguns milhares de civis, capturados principalmente no Japão, nas Filipinas e na Rússia e sentenciados por crimes "políticos".

— Além desses, houve muitos outros prisioneiros militares, — a vítima do Major Reid continuou, — capturados durante e antes da guerra - houve rumores de que alguns tinham sido capturados numa guerra anterior e nunca libertados. O total de prisioneiros não libertados nunca foi conhecido. As melhores estimativas dão um número por volta de sessenta e cinco mil.

— Por que "melhores"?

— Ah, são as estimativas do livro texto, senhor.

— Por favor seja preciso em sua linguagem. O número era maior ou menor do que cem mil?

— Ãh, não sei, senhor.

— E ninguém sabe. Era maior do que um mil?

— Provavelmente, senhor. Quase com certeza.

— Com total certeza - porque mais do que isso conseguiu escapar, deu um jeito de ir pra casa e teve seus nomes registrados. Vejo que não fez a sua lição com cuidado. Sr. Rico!

Agora eu era a vítima. — Sim, senhor.

— Mil prisioneiros não libertados são motivo bastante para começar ou recomeçar uma guerra? Tenha em mente que milhões de pessoas inocentes podem morrer, quase certamente vão morrer, se a guerra for começada ou recomeçada.

Não hesitei. — Sim, senhor! Razão mais do que suficiente.

— "Mais do que suficiente." Muito bem, e um prisioneiro não libertado pelo inimigo, é razão suficiente para começar ou recomeçar uma guerra?

Hesitei. Eu sabia a resposta da LM. - mas não pensei que fosse a que ele queria. Ele disse mordaz: — Vamos, vamos, senhor! Temos um limite superior de mil; eu o convidei a considerar um limite inferior de um. Mas você não pode pagar uma promissória que diz "algo entre um e mil libras" - e começar uma guerra é muito mais sério do que pagar uma pequena quantia. Não seria criminoso colocar em perigo uma nação - de fato duas nações - para salvar um homem? Especialmente quando ele pode não merecer? Ou pode morrer no meio tempo? Milhares de pessoas são mortas todos os dias em acidentes... então por que hesitar sobre um homem? Responda! Responda sim, ou responda não - está fazendo a classe esperar.

Ele me deixou bravo. Dei a ele a resposta do soldado de infantaria. — Sim, senhor!

— "Sim", o quê?

— Não importam se são mil - ou apenas um, senhor. A gente luta.

— Aha! O número de prisioneiros é irrelevante. Bom. Agora prove a sua resposta.

Eu fiquei sem saída. Sabia que era a resposta certa. Mas não sabia por quê. Ele continuou me acossando. — Fale, Sr. Rico. Esta é uma ciência exata. Fez uma declaração matemática; deve prová-la. Alguém pode dizer que você afirmou, por analogia, que uma batata vale o mesmo preço, não mais, não menos, de mil batatas. Não?

— Não, senhor!

— Por que não? Prove isso.

— Homens não são batatas.

— Bom, bom, Sr. Rico! Acho que já forçamos demais o seu cérebro fatigado por um dia. Traga para a classe amanhã uma prova escrita, em lógica simbólica, de sua resposta à minha questão original. Vou lhe dar uma pista. Veja a referência sete no capitulo de hoje. Sr. Salomon! Como a atual organização política evoluiu das Desordens? E qual a sua justificação moral?

Sally hesitou na primeira parte. Porém ninguém pode descrever com exatidão como a Federação surgiu; ela apenas cresceu. Com os governos nacionais em colapso no fim do século XX, alguma coisa tinha de preencher o vazio; e em muitos casos foram os veteranos que voltavam. Eles tinham perdido uma guerra, a maioria não tinha emprego, muitos estavam muito bravos por causa dos termos do Tratado de Nova Delhi, especialmente com a sujeira que fizeram com os prisioneiros de guerra - e eles sabiam como lutar. Mas não foi uma revolução; foi mais como o que aconteceu na Rússia em 1917 - o sistema entrou em colapso; alguém tomou o seu lugar.

O primeiro caso conhecido, em Aberdeen, na Escócia, foi típico. Alguns veteranos se reuniram como vigilantes pra parar os saques e os tumultos, enforcaram algumas pessoas (incluindo dois veteranos) e decidiram deixar apenas veteranos fazerem parte do comitê. Totalmente arbitrário no começo - eles confiavam um pouco uns nos outros, não confiavam em ninguém mais. O que começou como uma medida de emergência se tornou prática constitucional... em uma geração ou duas.

Provavelmente aqueles veteranos escoceses, já que eles estavam achando necessário enforcar alguns veteranos, decidiram que, se tinham de fazer isso, não iam deixar nenhum "maldito aproveitador civil, ganancioso negociante do mercado negro, ganhador de horas extras fugido do exército" pudesse dizer algo a respeito. Eles fariam o que mandassem, entende? - enquanto nós macacos endireitávamos as coisas! Isso é o que eu acho, porque eu me sentiria da mesma forma... e os historiadores todos dizem que a hostilidade entre civis e soldados que voltavam era mais intensa do que hoje podemos conceber.

Sally não contou isso pelo livro. Finalmente o Major Reid cortou ele. — Traga um resumo para a classe amanhã, três mil palavras. Sr, Salomon, pode me dar uma razão - nem histórica, nem teórica, mas prática - de por que o direito de voto é hoje limitado a veteranos aposentados?

— Ãh, porque eles são homens escolhidos, senhor. Mais inteligentes.

— Disparate!

— Senhor?

— É uma palavra longa demais para você? Eu disse que é uma idéia estúpida. Membros do Serviço não são mais brilhantes do que civis. Em muitos casos civis são muito mais inteligentes. Essa foi a justificação principal da tentativa de golpe de estado logo antes do Tratado de Nova Delhi, a assim chamada "Revolta dos Cientistas": deixe a elite inteligente tomar conta das coisas e você terá a utopia. É claro que deu com a cara no chão. Porque a atividade da ciência, a despeito de seus benefícios sociais, não é por si só uma virtude social; seus praticantes podem ser homens tão egocêntricos quanto desprovidos de responsabilidade social. Lhe dei uma pista; pode pegá-la?

Sally respondeu: — Ãh, os membros do Serviço são disciplinados, senhor.

O Major Reid foi gentil com ele. — Desculpe. Uma teoria atraente mas não sustentada pelos fatos. Você e eu não podemos votar enquanto permanecermos no Serviço e não há provas de que a disciplina militar faça com que um homem seja auto-disci-plinado uma vez que esteja fora; a taxa de crimes dos veteranos é muito parecida com a dos civis. E você está esquecendo que em tempos de paz a maioria dos veteranos vêm de serviços au-xiliares não combatentes e não foram sujeitos ao total rigor da disciplina militar; foram apenas atormentados, trabalharam demais e correram perigo - mesmo assim seus votos contam.

O Major Reid sorriu. — Sr. Salomon, lhe passei uma pergunta capciosa. A razão prática para continuarmos com esse sis-""* tema é a mesma razão prática pra continuar qualquer coisa: Ela funciona de modo satisfatório.

— Não obstante, é instrutivo observar os detalhes. Através da história os homens têm se esforçado para colocar o direito supremo do voto nas mãos daqueles que o guardariam bem e usariam sabiamente, para o benefício de todos. Uma das primeiras tentativas foi a monarquia absoluta, ardentemente defendida como o "direito divino dos reis".

— Algumas tentativas foram feitas para escolher um monarca sábio, ao invés de deixar isso para Deus, como quando os suecos escolheram um francês, o General Bernadotte, para governá-los. O problema disso é que o suprimento de Bernadottes é limitado.

— Exemplos históricos vão da monarquia absoluta até a total anarquia; a humanidade tentou milhares de jeitos e muitos mais foram propostos, alguns estranhos ao extremo tal como o comunismo de formigas instigado por Platão sob o nome enganoso de A República. Mas a intenção tem sido sempre moralista: fornecer um governo estável e benevolente.

— Todos os sistemas buscam alcançar isso pela limitação do direito de voto àqueles que se acreditava terem a sabedoria para usá-lo justamente. Repito "todos os sistemas"; mesmo as assim chamadas " democracias irrestritas" excluíam do direito de voto não menos do que um quarto de suas populações por idade, nascimento, imposto de votação, registro criminal e outros.

O Major Reid sorriu cínico. — Nunca fui capaz de entender como um idiota de trinta anos pode votar mais sabiamente do que um gênio de quinze... mas aquela foi a era do "direito divino do homem comum". Não importa, eles pagaram pela tolice.

— O direito supremo do voto tem sido concedido por todo tipo de regras - local de nascimento, família de nascimento, raça, sexo, propriedade, educação, idade, religião, et cetera. Todos esses sistemas funcionaram e nenhum deles funcionou bem. Todos foram considerados tirânicos por muitos, todos finalmente entraram em colapso ou foram derrubados.

— Agora aqui estamos nós com mais outro sistema... e nosso sistema funciona muito bem. Muitos reclamam, mas nenhum se rebela; a liberdade pessoal para todos é a maior na história, há poucas leis, os impostos são baixos, o padrão de vida é tão alto quanto a produtividade permite, o crime nunca foi tão baixo. Por quê? Não porque nossos votantes são mais inteligentes do que as outras pessoas; já nos descartamos daquele argumento. Sr. Tammany - poderia nos dizer por que nosso sistema funciona melhor do que qualquer um usado por nossos ancestrais?

Não sei onde Clyde Tammany arranjou esse nome; diria que era hindu. Ele respondeu: — Ãh, me arriscaria a supor que é porque os eleitores são um pequeno grupo que sabe que a responsabilidade das decisões é dele... e então estuda os assuntos.

— Sem suposições, por favor; esta é uma ciência exata. E sua suposição está errada. Os nobres governantes de muitos outros sistemas eram um pequeno grupo plenamente consciente da seriedade de seu poder. Além do mais, nossos cidadãos com direito a voto não são uma pequena fração em todo lugar; você sabe ou deveria saber que a percentagem de cidadãos entre os adultos varia de oitenta por cento em Iskander para menos do que três por cento em algumas nações terranas - porém o governo é praticamente igual em todo lugar. Nem são os votantes homens escolhidos; eles não usam de especial sabedoria, talento ou treinamento em sua tarefa suprema. Então qual a diferença que há entre os nossos votantes e os que exerciam o direito de voto no passado. Já tivemos suposições o bastante, vou dizer o óbvio: Sob nosso sistema cada votante e político eleito é um homem que mostrou através de serviço difícil e voluntário que coloca o bem do grupo acima da vantagem pessoal.

— E essa é a única diferença prática.

— Ele pode falhar em sabedoria, pode não ter virtude cívica. Mas o resultado médio é muitíssimo melhor do que o de qualquer outra classe de governantes na história.

O Major Reid parou para tocar o mostrador de um antiquado relógio de pulso, "lendo" seus ponteiros. — O horário está quase no fim e ainda temos de determinar a razão moral de nosso sucesso em governar a nós mesmos. Sucesso contínuo nunca é questão de sorte. Tenham em mente que isto é ciência, não ilusão; o universo é o que é, não o que queremos que ele seja. Votar é exercer autoridade; é a suprema autoridade da qual todas as outras derivam - tal como a minha para tornar as suas vidas miseráveis uma vez por dia. Força, se preferir! - o direito de voto é força, nua e crua, o poder das varas e do machado. Quer ele seja exercido por dez homens ou por dez bilhões, autoridade política é força.

Mas este universo é feito de dualidades casadas. Qual o complemento da autoridade? Sr. Rico?

Ele tinha me dado uma que eu podia responder. — Responsabilidade, senhor.

— Aplausos. Tanto por razões práticas como por razões morais matematicamente verificáveis, autoridade e responsabilidade devem ser iguais - ou uma ação de equilíbrio acontece tão certamente quanto a corrente flui entre pontos de potencial diferente. Permitir autoridade irresponsável é semear o desastre; fazer um homem responsável por algo que ele não controla é se comportar com idiotice cega. As democracias irrestritas eram instáveis porque seus cidadãos não eram responsáveis pelo modo como exerciam sua autoridade suprema... a não ser através da lógica trágica da história. O "imposto de votação" sem igual que temos de pagar é inédito. Nenhuma tentativa era feita para determinar se um votante era socialmente responsável na mesma extensão de sua autoridade literalmente ilimitada. Se ele votasse o impossível, aconteceria no lugar disso o desastroso possível -e a responsabilidade era então forçada nele quer ele quisesse ou não e destruía tanto a ele como a seu templo sem alicerces.

— Superficialmente nosso sistema é apenas um pouco diferente; temos democracia irrestrita por raça, cor, credo, nascimento, riqueza, sexo ou convicção, e qualquer um pode ganhar o poder supremo através de um período de serviço em geral curto e não tão difícil - nada mais do que uma leve ginástica para nossos ancestrais homens das cavernas. Mas essa leve diferença é uma entre um sistema que funciona, já que é construído para combinar com os fatos, e um que é inerentemente instável. Visto que o direito de voto supremo é o máximo em autoridade humana, nos asseguramos de que todos que o exerçam aceitem o máximo em responsabilidade social - exigimos que cada pessoa que deseje exercer controle sobre o estado aposte sua própria vida - e a perca, se necessário - para salvar a vida do estado. O máximo de responsabilidade que um humano pode aceitar é assim igualado ao máximo de autoridade que um humano pode exercer. Yin e Yang, perfeitos e iguais.

O Major acrescentou: — Alguém poderia definir por que nunca houve uma revolução contra nosso sistema? A despeito do fato de que cada governo na história as tenha enfrentado? A despeito do notório fato de que as reclamações são altas e incessantes?

Um dos cadetes mais velhos fez uma tentativa. — Senhor, revolução é impossível.

— Sim, mas por quê?

— Porque revolução - levante armado - exige não apenas insatisfação mas também agressividade. Um revolucionário de tem estar disposto a lutar e morrer - ou é apenas um falador. Se você separa os agressivos e faz deles os cães pastores, as ovelhas nunca darão problemas.

— Bem colocado! Analogia é sempre suspeita, mas essa é próxima dos fatos. Traga-me uma prova matemática amanhã. Temos tempo para mais uma questão - vocês a fazem e eu respondo. Alguém?

— Ãh, senhor, por que não ir - bem, ir até o limite? Exigir que todo mundo sirva e deixar que todos votem?

— Meu jovem, você pode restaurar a minha visão?

— Senhor? Oras, não, senhor!

— Você acharia isso muito mais fácil do que instilar virtude moral - responsabilidade social - numa pessoa que não a tem, não a quer e se ressente de ter esse fardo empurrado pra ela. É por isso que fazemos o alistamento tão difícil e a demissão tão fácil. Responsabilidade social acima do nível da família, ou no máximo da tribo, exige imaginação - devoção, lealdade, todas as virtudes mais altas - que um homem deve desenvolver por si mesmo; se elas forem forçadas pra dentro dele, ele as vomita. Exércitos de conscritos foram tentados no passado. Olhe na biblioteca o relatório psiquiátrico sobre prisioneiros que sofreram lavagem cerebral na assim chamada "Guerra da Coréia", por volta de 1950 - o Relatório Mayor. Traga uma analise para a classe. — Ele tocou seu relógio. — Dispensados.

O Major Reid nos mantinha ocupados.

Mas era interessante. Eu peguei uma daquelas tarefas tipo dissertação de mestrado que ele espalhava tão casualmente; eu tinha sugerido que as Cruzadas eram diferentes da maioria das guerras. Fui cortado e ele me passou isto: Requerido: provar que a guerra e a perfeição moral derivam da mesma herança genética.

Em resumo: Todas as guerras surgem da pressão populacional. (Sim, mesmo as Cruzadas, embora você tenha de desenterrar rotas de comércio, taxas de natalidade e várias outras coisas para provar isso.) A moral - todas as regras de moral corretas - derivam do instinto para sobreviver; comportamento moral é comportamento de sobrevivência acima do nível do indivíduo - como no caso do pai que morre para salvar seus filhos. Mas já que a pressão populacional resulta do processo de sobrevivência através dos filhos, então a guerra, por ela resultar da pressão populacional, deriva do mesmo instinto herdado que produz todas as regras morais apropriadas para seres humanos.

Verificação da prova: é possível abolir a guerra através do alívio da pressão populacional (e assim afastar todos os evidentes males da guerra) pela construção de um código moral sob o qual a população é limitada aos recursos?

Sem entrar no mérito da utilidade ou moralidade da paternidade planejada, pode ser verificado por observação que qualquer espécie que interrompa seu próprio crescimento tem o seu espaço tomado por espécies que se expandem. Algumas populações humanas o fizeram, na história terrana, e outros grupos vieram e as engoliram.

Apesar disso, vamos assumir que a raça humana consiga balancear nascimentos e mortes, na medida exata para ocupar seus próprios planetas, e assim se torne pacífica, O que aconteceria?

Em breve (lá pela quarta-feira) os insetóides chegam, matam essa raça que "não mais estudará a guerra" e o universo nos esquece. O que ainda pode acontecer. Ou nos expandimos e acabamos com os insetóides ou eles se expandem e acabam conosco - porque ambas as espécies são duras, inteligentes e querem a mesma propriedade imobiliária.

Você faz idéia de quão rápido a pressão populacional pode nos fazer encher todo o universo ombro a ombro? A resposta vai te espantar, é apenas um piscar de olhos em termos da idade de nossa espécie.

Tente calcular - é um aumento como o de juros compostos.

Mas o Homem tem direito de se expandir pelo universo?

O Homem é o que é, um animal selvagem com a vontade de sobreviver, e (até agora) a habilidade para isso, contra toda a competição. A não ser que se aceite isso, qualquer coisa que se diga sobre moral, guerra, política - você escolhe - é besteira. A moral correta surge do conhecimento do que o homem é - não o que os fazedores do bem e os bem intencionados gostariam que ele fosse.

O universo nos deixará saber - mais tarde - se o Homem tem ou não o "direito" de se expandir por ele.

Enquanto isso a LM estará lá, quicando e lutando, ao lado de nossa espécie.

Perto do final cada um de nós foi embarcado para servir sob um comandante com experiência em combate. Era um exame semifinal, o seu instrutor de bordo podia decidir que você não tinha o que era preciso. Você podia exigir uma junta, mas nunca ouvi falar de alguém que tivesse feito isso; ou voltavam com um aprovado - ou nunca mais os víamos.

Alguns não tinham sido reprovados; apenas morreram - porque as designações eram pra naves prestes a entrar em ação. Nos avisaram para ficarmos com as nossas mochilas prontas -uma vez durante o almoço, todos os oficiais cadetes de minha companhia foram designados; saíram sem comer e me vi como comandante da companhia de cadetes.

Tal como as divisas de treinamento, esta é uma honra desconfortável, mas em menos de dois dias veio a minha vez.

Quiquei para o escritório do Comandante, com a mochila em meus ombros e me sentindo grande. Estava enjoado de ficar acordado até tarde, com meus olhos ardendo e sempre ficando pra trás, parecendo estúpido na classe; algumas semanas na companhia animada de uma equipe de combate era justo o que o Johnnie precisava!

Passei por alguns cadetes novos, indo acelerados para a classe numa formação apertada, todos com os rostos sérios que cada candidato da E.C.Õ. consegue quando percebem que talvez tenham cometido um engano em tentarem pra oficial. Me descobri cantando. Me calei quando estava chegando próximo do escritório.

Dois outros estavam lá, os Cadetes Hassan e Byrd. Hassan o Assassino era o homem mais velho da nossa classe e parecia com algo que alguém tivesse deixado sair de uma lâmpada, enquanto Birdie não era muito maior do que um pardal e parecia tão ameaçador quanto um.

Fomos conduzidos para o santo de todos os santos. O Comandante estava em sua cadeira de rodas - nunca o víamos fora dela exceto na inspeção e revista dos sábados, acho que tinha dores quando andava. Mas isso não queria dizer que você não o visse - você podia estar resolvendo um problema na lousa, se virar e descobrir aquela cadeira de rodas atrás de você, e o Coronel Nielssen vendo os seus erros.

Ele nunca interrompia - havia uma ordem permanente para não gritar "Atenção!" Mas é desconcertante. Parecia haver seis dele.

O comandante tinha o posto permanente de general de frota (sim, aquele Nielssen); seu posto como coronel era temporário, até a segunda aposentadoria, para permitir que fosse Comandante. Uma vez perguntei a um sujeito da folha de pagamento sobre isso e ele confirmou o que os regulamentos pareciam dizer: O Comandante recebia apenas o pagamento de um coronel - mas voltaria ao pagamento de um general de frota no dia em que decidisse se aposentar de novo.

Bem, como Ace diz, precisamos de todos os tipos - eu não posso me imaginar escolhendo receber metade do pagamento pelo privilégio de conduzir um rebanho de cadetes.

O Coronel Nielssen olhou pra nós e disse: — Bom dia, cavalheiros. Coloquem-se à vontade. — Me sentei mas não fiquei à vontade. Ele deslizou para uma máquina de café, pegou quatro xícaras e Hassan o ajudou a servi-las. Eu não queria café, mas um cadete não recusa a hospitalidade do Comandante.

Ele bebeu um gole. — Tenho as suas ordens, cavalheiros, — ele anunciou, — e as suas comissões temporárias. — Ele continuou: — Mas quero ter certeza de que entendem a situação.

Já tinham nos falado sobre isso. Seríamos oficiais apenas o bastante para instrução e teste - "supranumerários, em provação e temporários". Muito iniciantes, bastante supérfluos, em bom comportamento e extremamente temporários; voltaríamos a ser cadetes quando estivéssemos de volta e poderíamos ser reprovados a qualquer momento pelos oficiais nos examinando.

Seriamos "terceiros tenentes temporários" - um posto tão necessário como pés num peixe, entalados no fio de cabelo que há entre sargentos de frota e oficiais de verdade. Tão baixo quanto você pode estar e ainda assim ser chamado de "oficial". Se alguém fizesse continência para um terceiro tenente, é porque a luz devia estar ruim.

— Suas comissões dizem "terceiro tenente", — ele continuou, — mas o pagamento será o mesmo e a única mudança no uniforme será um pontinho no ombro até menor do que a insígnia de cadete. Vocês continuam sob instrução já que ainda não foi decidido se servem para serem oficiais. — O Coronel sorriu. — Então por que chamar vocês de "terceiro tenente"?

Eu tinha me perguntado sobre isso. Por que essa coisa toda de "comissões" que não eram comissões de verdade? E claro que eu sabia a resposta do livro.

— Sr. Byrd? — o Comandante disse.

— Ah... para nos colocar na linha de comando, senhor.

— Exatamente! — O Coronel deslizou para uma tabela de organização numa parede. Era a pirâmide usual, com a cadeia de comando definida até embaixo. — Olhem pra isto... — Ele apontou para uma caixa conectada à sua própria por uma linha horizontal; nela estava escrito: assistente do comandante (Senhorita Kendrick).

— Cavalheiros, — ele continuou, - eu teria problemas para dirigir este lugar sem a Senhorita Kendrick. A cabeça dela é um arquivo de acesso rápido para tudo que acontece por aqui.

— Ele tocou um controle em sua cadeira e falou para o ar. — Senhorita Kendrick, que nota o Cadete Byrd recebeu em lei militar no último período?

A resposta veio de imediato: - Noventa e três por cento, Comandante.

— Obrigado. — Ele continuou: — Vêem? Eu assino tudo em que a Senhorita Kendrick coloca a rubrica dela. Odiaria que um comitê de investigação descobrisse quão freqüentemente ela assina o meu nome e eu nem vejo isso. Diga-me, Sr. Byrd... se eu caísse morto, a Senhorita Kendrick poderia manter as coisas andando?

— Bem, ãh... — Birdie parecia confuso. — Eu acho, que com assuntos de rotina, ela faria o que fosse precis...

— Ela não faria coisa nenhuma! — o Coronel trovejou.

— Até que o Coronel Chauncey dissesse a ela o que fazer - do jeito dele. Ela é uma mulher muito inteligente e entende o que você aparentemente não, especificamente, que ela não está na linha de comando e não tem autoridade.

Ele continuou: — "Linha de comando" não é apenas uma frase; é tão real quanto um tapa na cara. Se eu mandasse você combater como cadete o máximo que você poderia fazer seria passar adiante as ordens de outra pessoa. Se o seu líder de pelotão comprasse a dele e você desse uma ordem para um soldado

— uma boa ordem, sensata e sábia - você estaria errado e ele estaria tão errado quanto você se a obedecesse. Porque um cadete não pode estar na linha de comando. Um cadete não tem existência militar, não tem posto e não é um soldado. Ele é um estudante que irá se tornar um soldado - ou como oficial, ou no seu antigo posto. Ele está sob a disciplina do Exército, mas não está no Exército. É por isso que...

Um zero. Uma rosquinha sem borda. Se um cadete não estava nem no Exército... — Coronel!

— Eim? Fale, jovem. Sr. Rico.

Eu tinha assustado a mim mesmo mas tinha de dizer. — Mas... se não estamos no Exército... então não somos LM. Senhor?

Ele olhou pra mim, piscando. — Isso preocupa você?

— Eu, ãh, não acredito que goste muito da idéia, senhor.

— Eu não gostava nada. Me sentia nu.

— Entendo. — Ele não parecia descontente. — Deixe que eu me preocupe sobre os aspectos legais disso, filho.

— Mas...

— Isso é uma ordem. Você não é tecnicamente um LM. Mas a LM. não esqueceu de você; a LM. nunca esquece os seus não importa onde eles estejam. Se você caísse morto neste instante, seria cremado como Segundo Tenente Juan Rico, da Infantaria Móvel, da ... — O Coronel Nielssen parou. — Senhorita Kendrick, qual era a nave do Sr. Rico?

— A Rodger Young.

— Obrigado. — Ele acrescentou: — ... na e da C.T.F. Rodger Young, designado para a equipe de combate móvel do Segundo Pelotão da Companhia George, Terceiro Regimento, Primeira Divisão, LM. - os "Rudes", ele recitou com prazer, não consultando nada uma vez que tivesse sido lembrado da nave.

— Uma boa unidade, Sr. Rico - orgulhosa e suja. Suas Ordens Finais voltariam a eles para o funeral e é assim que o seu nome apareceria no Hall Memorial. E por causa disso que sempre comissionamos um cadete morto, filho - assim podemos mandá-lo de volta para seus companheiros.

Senti uma onda de alívio e saudade e perdi algumas palavras. — ... de boca fechada enquanto falo, nós o teremos de volta na LM. onde você pertence. Vocês devem ser oficiais temporários para o seu cruzeiro de aprendizagem porque não há espaço para inúteis numa queda de combate. Vocês lutarão - e receberão ordens - e darão ordens. Ordens legais, porque terão um posto e serão ordenados a servir naquela equipe; isso faz com que qualquer ordem que vocês dêem cumprindo os seus deveres atribuídos sejam tão obrigatórias quanto uma assinada pelo Comandante-em-Chefe.

— Mais ainda, — o Comandante continuou, — uma vez que estão na linha de comando, vocês devem estar prontos imediatamente para assumir o comando mais alto. Se estiverem numa equipe de um pelotão - bastante provável no presente estado da guerra - e vocês forem assistentes de líder de pelotão quando o seu líder de pelotão comprar a dele... então... vocês... serão... o líder!

Ele balançou a cabeça. — Não "líder de pelotão interino". Não um cadete liderando um treino. Não um "oficial mais novo sob instrução". De repente vocês são o Velho, o Chefe, o Oficial Comandante Presente - e descobrirão com um choque de virar o estômago que seres humanos seus camaradas estão dependendo só de você para dizer-lhes o que fazer, como lutar, como completar a missão e sair vivo. Eles esperam pela voz segura de comando - enquanto os segundos passam - e é dever de vocês serem aquela voz, tomar as decisões, dar as ordens corretas... e não apenas corretas, mas também num tom calmo e despreocupado. Porque é uma certeza, cavalheiros, que a sua equipe está com problemas - grandes problemas! - e uma voz estranha com pânico nela pode tornar a melhor equipe de combate da Galáxia em uma turba sem líder, sem lei, enlouquecida pelo medo.

— Toda essa carga impiedosa cairá sem aviso. Vocês devem agir imediatamente e terão apenas Deus acima de vocês. Não esperem que Ele tome conta dos detalhes táticos; esse é o trabalho de vocês. Deus estará fazendo tudo que um soldado tem o direito de esperar que Ele faça se ajudar a conter o pânico que vocês com certeza sentirão em suas vozes.

O Coronel parou. Eu estava sóbrio, Birdie parecia terrivelmente sério e terrivelmente jovem e Hassan estava carrancudo. Desejei que eu estivesse de volta na sala de queda da Rog, com umas poucas divisas e numa sessão de discussões a todo vapor após a refeição. Havia um monte a ser dito sobre o trabalho do assistente do líder de seção - quando você o pega, é bastante mais fácil morrer do que usar a cabeça.

O Comandante continuou: — Este é o Momento da Verdade, cavalheiros. Infelizmente não há um método conhecido na ciência militar para distinguir um oficial de verdade de uma imitação com uma insígnia nos ombros, a não ser pela prova de fogo. Os verdadeiros passam por ela - ou morrem como heróis; as imitações se quebram.

— Algumas vezes, quando quebram, os desajustados morrem. Mas a tragédia está na perda de outros... bons homens, sargentos e cabos e soldados, cuja única falha foi a fatal falta de sorte de se encontrarem sob o comando de um incompetente.

Tentamos evitar isso. Primeiro temos nossa regra inquebrável de que cada candidato tem de ser um soldado treinado, batizado sob fogo, um veterano de quedas de combate. Nenhum outro exército na história se ateve a esta regra, embora alguns chegassem perto. A maioria das grandes escolas militares no passado - Saint Cyr, West Point, Sandhurst, Colorado Springs - nem ao menos fingiam segui-la; aceitavam rapazes civis, os treinavam, lhes davam uma comissão e os mandavam sem experiência de combate para comandar homens... e algumas vezes descobriam tarde demais que esse inteligente e jovem "oficial" era um tolo, um covarde ou um histérico.

— Pelo menos não temos desajustados desse tipo. Sabemos que vocês são bons soldados - bravos e habilidosos, provados em batalha - ou não estariam aqui. Sabemos que as suas inteligências e educação estão além do mínimo aceitável. Com isto pra começar, eliminamos tanto quanto possível dos não-com-petentes-o-bastante - fazemos com que voltem rapidamente aos seus postos antes que desperdicemos bons soldados forçando-os além de suas habilidades. O curso é muito duro - porque o que será esperado de vocês mais tarde é ainda mais duro.

— Em algum tempo nós temos um pequeno grupo cujas chances parecem razoavelmente boas. O principal critério que não é testado é um que nós não podemos testar aqui; o indefinível algo que é a diferença entre um líder em batalha... e um que apenas tem as insígnias mas não a vocação. Então fazemos um teste de campo.

— Cavalheiros! - Vocês chegaram a esse ponto. Estão prontos para fazer o juramento?

Houve um instante de silêncio, e então Hassan o Assassino respondeu firme: — Sim, Coronel, — e Birdie e eu repetimos.

O Coronel franziu as sobrancelhas. — Estive dizendo o quão maravilhosos vocês são - fisicamente perfeitos, mentalmente alertas, treinados, disciplinados, experientes. O próprio modelo de um jovem oficial... — Ele bufou. — Besteira! Vocês podem se tornar oficiais algum dia. Eu espero que sim...nós não apenas detestamos desperdiçar dinheiro, tempo e esforço, mas também, e muito mais importante, eu tremo em minhas botas a cada vez que mandamos para a Frota um de vocês quase-oficiais meio-crus, sabendo que monstro de Frankenstein eu posso ter soltando numa boa equipe de combate. Se entendessem o que enfrentarão, não estariam tão prontamente dispostos a fazer o juramento no segundo em que a questão lhes é colocada. Vocês podem desistir e me forçar a deixá-los voltar aos seus postos permanentes. Mas vocês não sabem

— Então vou tentar mais uma vez. Sr. Rico! Já pensou como se sentiria sendo enviado pra corte marcial por perder um regimento?

Eu estava apalermado. — Oras - Não, senhor, nunca pensei. — Ser submetido a corte marcial - por qualquer razão - é oito vezes pior para um oficial do que para um soldado. Delitos que fariam com que um soldado fosse chutado (talvez com chicotadas) valeriam morte para um oficial. Melhor nunca ter nascido!

— Pense sobre isso, — ele disse seriamente. — Quando sugeri que seu líder de pelotão poderia ser morto, eu não estava de modo algum citando o máximo em desastre militar. Sr. Hassan! Qual é o maior número de níveis de comando já quebrados numa única batalha?

O Assassino ficou mais carrancudo do que nunca. — Não tenho certeza, senhor. Não houve um momento na Operação Toca dos Insetóides quando uma major comandou uma brigada, antes do salve-se quem puder?

— Houve e seu nome era Fredericks. Recebeu uma condecoração e uma promoção. Se você voltar à Segunda Guerra Global, achará um caso em que um oficial mais novo assumiu o comando de um grande navio e não apenas combateu, mas também enviou sinais como se fosse um almirante. Ele foi inocentado apesar de que havia oficiais mais velhos do que ele na linha de comando que não estavam nem mesmo feridos. Circunstâncias especiais - uma quebra nas comunicações. Mas estou pensando num caso no qual quatro níveis de comando foram apagados em seis minutos - como se um líder de pelotão piscasse os olhos e se visse comandando uma brigada. Algum de vocês ouviu falar dele?

Silêncio de morte.

— Muito bem. Foi numa daquelas guerrinhas que estouraram nas bordas das guerras napoleônicas. Esse jovem oficial era o mais novo num vaso da marinha - a marinha molhada, é claro - propulsada a vento, de fato. Esse jovenzinho tinha a idade da maioria do pessoal da sua classe e não era comissionado. Ele tinha o título de "terceiro tenente temporário" - notem que este é o título que vocês estão a ponto de usar. Ele não tinha experiência em combate; havia quatro oficiais na cadeia de comando acima dele. Quando a batalha começou seu oficial comandante foi ferido. O garoto o recolheu e o levou para fora da linha de fogo. Isso foi tudo - fazer a recolha de um camarada. Mas fez isso sem ser ordenado a deixar seu posto. Todos os outros oficiais compraram a deles enquanto ele estava fazendo isso e ele foi julgado por "desertar de seu posto como oficial comandante na presença do inimigo". Condenado. Demitido com desonra.

Eu engasguei. — Por isso? Senhor.

— Por que não? É verdade, nós fazemos recolhas. Mas fazemos isso sob circunstâncias diferentes de uma batalha da marinha molhada, e o homem fazendo a recolha está seguindo ordens. Mas a recolha nunca é uma desculpa para se retirar da batalha em presença do inimigo. A família desse rapaz tentou por cento e cinqüenta anos que a sentença fosse revertida. Sem sucesso, é claro. Havia dúvidas sobre algumas circunstâncias mas não havia dúvidas de que ele havia deixado o seu posto durante a batalha sem ordens. É verdade, ele estava verde como a grama - mas teve sorte de não ser enforcado. — O Coronel Nielssen olhou pra mim com frieza. — Sr. Rico - isso poderia acontecer com você?

Engoli em seco. — Espero que não, senhor.

— Deixe-me dizer-lhe como isso poderia acontecer neste mesmo cruzeiro de aprendizagem. Suponha que você está numa operação de múltiplas naves, com todo um regimento para fazer a queda. Os oficiais fazem a queda primeiro, é claro. Há vantagens e desvantagens nisso, mas o fazemos por razões de moral; nenhum soldado chega ao chão num planeta hostil sem um oficial. Assuma que os insetóides sabem disso - pode ser que saibam. Suponha que inventaram algum truque para eliminar aqueles que chegam ao chão primeiro... mas não bom o suficiente para eliminar toda a queda. Agora suponha, já que você é um supranumerário, que teve de pegar uma cápsula vaga qualquer ao invés de ser disparado com a primeira onda. Onde isso o deixa?

— Ãh, não estou certo, senhor.

— Você acabou de herdar o comando de um regimento. O que você vai fazer com seu comando, Senhor? Fale rápido - os insetóides não vão esperar!

— Ãh... — Peguei uma resposta direta do livro e a recitei: — Vou assumir o comando e agirei conforme as circunstâncias permitirem, senhor, de acordo com minha visão da situação tática.

— Você vai, eim? — O Coronel grunhiu. — E vai comprar uma campa também - isso é tudo que alguém pode fazer com uma bagunça daquelas. Mas espero que você caia lutando -e gritando ordens para alguém, quer elas façam sentido ou não. Não esperamos que gatinhos lutem com gatos selvagens e vençam - apenas esperamos que tentem. Certo, de pé. Levantem suas mãos direitas.

Ele se esforçou para ficar de pé. Trinta segundos mais tarde nós éramos oficiais - "temporários, em provação e supranumerários".

 

Pensei que ele nos daria nossos alfinetes de ombro e nos deixaria ir. Não tínhamos de comprá-los - eram um empréstimo, assim como a comissão temporária que eles representavam. Ao invés disso ele se recostou e pareceu quase humano.

— Agora olhem, rapazes - falei a vocês sobre o quanto isso vai ser duro. Quero que se preocupem, façam isso antes, planejem os passos que podem dar contra qualquer combinação de más noticias que possa aparecer no caminho, agudamente conscientes de que suas vidas pertencem aos seus homens e não é de vocês para jogar fora numa busca suicida de glória... e que também as suas vidas não são suas para serem salvas, se a situação exigir que vocês as usem. Quero que se preocupem até ficarem doentes antes de uma queda, de modo a que possam estar calmos quando os problemas começarem.

— Impossível, é claro. Exceto por uma coisa. Qual o único fator que pode salvá-los quando a carga é muito pesada? Alguém sabe?

Ninguém respondeu.

— Oras, vamos lá! — O Coronel Nielssen disse com desdém. — Vocês não são recrutas. Sr. Hassan!

— O seu sargento principal, senhor, — o Assassino disse lentamente.

— Obviamente. Ele provavelmente é mais velho do que você, fez mais quedas e com certeza conhece a equipe melhor do que você. Já que não está carregando aquele fardo terrível e entorpecente do alto comando, ele pode pensar mais claramente do que você. Peçam o conselho dele. Vocês têm um circuito justo pra isso.

— Isso não vai diminuir a confiança dele em vocês; ele está acostumado a ser consultado. Se você não o fizer, ele pensará que você é um tolo, um sabe-tudo empertigado - e estará certo.

— Mas vocês não têm de seguir o conselho dele. Quer usem as idéias dele, ou quer as idéias dele lhes inspirem um plano diferente - tomem a decisão e dêem as ordens com convicção. A única coisa - a única coisa! - que pode colocar terror no coração de um bom sargento de pelotão é descobrir que está trabalhando para um chefe que não consegue tomar decisões.

— Nunca houve uma unidade em que oficiais e soldados fossem mais dependentes uns dos outros do que na LM., e os sargentos são a cola que nos mantém juntos. Nunca esqueçam disso.

O Comandante levou sua cadeira até um armário próximo de sua mesa. Continha filas e filas de alvéolos, como um pombal, cada um com uma pequena caixa. Ele puxou uma e a abriu. — Sr. Hassan...

— Senhor?

— Estas insígnias foram usadas pelo Capitão Terence O'Kelly em seu cruzeiro de aprendizagem. Gostaria de usá-las?

— Senhor? — A voz do assassino guinchou e eu pensei que aquele grande bruto ia começar a chorar. — Sim, senhor!

— Venha cá. — O Coronel Nielssen as colocou e então disse: — Use-as tão galantemente quanto ele o fez... mas traga-as de volta. Entendido?

— Sim, senhor. Farei o meu melhor.

— Tenho certeza de que fará. Há um carro aéreo esperando no teto e o seu veículo decola em vinte e oito minutos.

Leve a cabo as suas ordens, senhor!

O Assassino fez continência e saiu; o Comandante se virou e pegou outra caixa. — Sr. Byrd, é supersticioso?

— Não, senhor.

— Mesmo? Eu sou, bastante. Assumo que não vai se importar de usar estas insígnias que foram usadas por cinco oficiais, todos os quais mortos em ação?

Byrd mal hesitou. — Não, senhor.

— Bom. Porque esses cinco oficiais acumularam dezessete citações, desde a Medalha Terrana até o Leão Ferido. Venha cá. A insígnia com o marrom descolorado deve ser sempre usada no ombro esquerdo - e não tente limpá-la! Apenas tente não ter a outra marcada do mesmo modo. A não ser que seja preciso, e você saberá quando isso é preciso. Aqui está uma lista dos que as usaram anteriormente. Você tem trinta minutos até que o seu transporte saia. Quique até o Hall Memorial e olhe o registro de cada um.

— Sim, senhor.

— Leve a cabo as suas ordens, senhor!

Ele voltou-se para mim, olhou para meu rosto e disse ríspido: — Alguma coisa em sua mente, filho? Fale!

— Ãh... — Eu revelei: — Senhor, aquele terceiro tenente temporário - aquele que foi demitido com desonra. Como posso descobrir o que aconteceu?

— Oh, jovem, não tinha a intenção de assustá-lo tanto; apenas queria despertá-lo. A batalha foi em junho de 1813, pelo velho estilo, entre o USF Chesapeake e o HMF Shannon. Tente na Enciclopédia Naval; sua nave tem uma cópia. — ele voltou-se para o armário das insígnias e franziu as sobrancelhas.

Então ele disse: — Sr. Rico, tenho uma carta de um de seus professores do colégio, um oficial aposentado, pedindo que sejam dadas a você as insígnias que ele usou quando foi um terceiro tenente. Sinto dizer que terei de dizer "Não" a ele.

— Senhor? — Eu estava muito satisfeito de saber que o Coronel Dubois ainda estava se mantendo a par de mim - e também muito desapontado.

— Porque eu não posso. Entreguei estas insígnias dois anos atrás - e elas não voltaram. Uma transação imobiliária. Ummm... — Ele pegou uma caixa, olhou para mim. — Você pode começar com um par novo. O metal não é importante; a importância do pedido repousa no fato de que seu professor queria que você as usasse.

— O que quiser, senhor.

— Ou, — ele embalou a caixa em suas mãos, — você pode usar estas. Elas foram usadas cinco vezes... e os quatro últimos candidatos todos falharam - nada de desonroso mas uma incomoda má sorte. Você está disposto a tentar quebrar o tabu? Fazer com que elas se tornem insígnias de boa sorte?

Eu preferiria fazer carinho num tubarão. Mas respondi: — Tudo bem, senhor. Tentarei.

— Bom. — ele as colocou em mim. — Obrigado, Sr. Rico. Veja, estas eram as minhas, fui eu que as usei primeiro... e me agradaria muitíssimo que fossem trazidas de volta com aquela corrente de má sorte quebrada, com você voltando e se graduando.

Me senti com três metros de altura. — Vou tentar, senhor!

— Sei que vai. Pode agora levar a cabo as suas ordens, senhor. O mesmo carro aéreo levará você e Byrd. Só um momento... Os seus livros de matemática estão na mochila?

— Senhor? Não, senhor.

— Pegue-os. O controlador de peso da sua nave foi avisado da sua permissão de bagagem extra.

Fiz a continência e sai, quicando. Ele me encolheu de volta ao meu tamanho tão logo falou de matemática.

Meus livros de matemática estavam em minha escrivaninha, amarrados num pacote com uma folha de tarefas diárias enfiada sob a cordinha. Fiquei com a impressão de que o Coronel Nielssen nunca deixava nada sem planejar - mas todo mundo sabia daquilo.

Birdie estava esperando no teto pelo carro aéreo. Olhou para os meus livros e sorriu. — Que pena. Bem, se estivermos na mesma nave vou ajudar você. Que nave?

— Tours.

— Pena, eu vou para a Moskva. — Nós entramos, verifiquei o piloto e vi que estava pré-ajustado para o campo, fechei a porta e o carro decolou. Birdie acrescentou: — Você podia estar pior. O Assassino levou não apenas os livros de matemática mas também de duas outras matérias.

Birdie sem dúvida sabia e não estava se exibindo quando se ofereceu pra me ajudar; ele tinha o tipo de um professor exceto que as suas divisas provavam que também era um soldado.

Ao invés de estudar matemática, Birdie a ensinava. Durante uma hora por dia ele era um membro do corpo docente, do mesmo modo que o pequeno Shujumi ensinava judô no Acampamento Currie. A LM. não desperdiça nada, não podemos nos dar ao luxo. Birdie já era formado em matemática quando tinha dezoito anos, então naturalmente recebia serviço extra como instrutor - o que não impedia que recebesse reprimendas no resto do tempo.

Não que ele pegasse muitas reprimendas. Birdie tinha aquela rara combinação de intelecto brilhante, educação sólida, senso comum e coragem, que marca um cadete como um general em potencial. Imaginávamos que era uma certeza que ele estaria comandando uma brigada antes dos trinta, com a guerra.

Mas minhas ambições não iam tão alto. — Seria uma tremenda vergonha, — eu disse, — se reprovassem o Assassino. — Enquanto pensava que seria uma tremenda vergonha se eu fosse reprovado.

— Ele vai passar, — Birdie respondeu animado. — Eles vão fazer ele passar pelo resto nem que tenham de colocá-lo numa cabine hipnótica e alimentá-lo por um tubo. De qualquer forma, — ele acrescentou — Hassan podia ser reprovado e promovido.

— Ãhn?

— Não sabia? O posto permanente do Assassino é de primeiro tenente - uma comissão de campo, é claro. Ele volta a ser se for reprovado. Veja os regulamentos.

Eu conhecia os regulamentos. Se eu fosse reprovado em matemática, voltaria a ser sargento, o que é melhor do que levar um peixe molhado na cara... e eu pensei muito sobre isso, deitado acordado nas noites após ter falhado num teste.

Mas isto era diferente. — Espere aí, — eu protestei. — Ele deixou de ser um -primeiro tenente permanente, e acabou de ser feito terceiro tenente temporário... de modo a se tornar um segundo tenente? Você está maluco? Ou sou eu?

Birdie sorriu. — Nós dois estamos, mas só o bastante para sermos LM.

— Mas - não entendi.

— Entendeu sim. O Assassino não tem nenhuma educação a não ser a que recebeu na LM., então quão alto ele poderia ir? Tenho certeza de que ele poderia comandar um regimento em batalha e fazer um trabalho muito bom - desde que outra pessoa planejasse a operação. Mas comandar uma batalha é apenas um fração do que um oficial faz, especialmente um oficial mais velho. Para dirigir uma guerra, e mesmo para planejar só uma batalha e montar a operação, você tem de saber teoria dos jogos, análise operacional, lógica simbólica, síntese pessimista, e uma dúzia de outras matérias mentais. Você pode aprendê-las sozinho se tiver as bases. Mas você precisa tê-las, ou nunca passará de capitão ou quem sabe de major. O Assassino sabe o que está fazendo.

— Acho que sim, — eu disse lentamente. — Birdie, o Coronel Nielssen devia saber que Hassan era um oficial - ele é um oficial de verdade.

— Ãhn? É claro.

— Ele não falou como se soubesse. Todos recebemos o mesmo discurso.

— Não é bem assim. Não notou que quando o Comandante queria uma questão respondida de um modo particular ele sempre perguntava para o Assassino?

Conclui que isso era verdade. — Birdie, qual é o seu posto permanente?

O carro estava aterrissando; ele parou com uma mão no trinco e sorriu. — Soldado Raso De Primeira Classe - não me atrevo a levar bomba!

Eu gargalhei. — Você não vai! Você não pode! — Eu estava surpreso por ele não ser nem ao menos um cabo, mas um garoto tão inteligente e bem instruído quanto Birdie iria pra E.C.O. logo que provasse o seu valor em combate... o que, com a guerra, podia ser apenas meses após seu aniversário de dezoito anos.

Birdie sorriu mais ainda. — Vamos ver.

— Você vai se graduar. Hassan e eu temos de nos preocupar, mas você não.

— É mesmo? E se a Senhorita Kendrick ficar com raiva de mim? — Ele abriu a porta e pareceu espantado. - Ei! Estão tocando a minha chamada. Até logo!

— Até mais, Birdie.

Mas não o vi de novo e ele não se graduou. Recebeu a comissão duas semanas mais tarde e as insígnias voltaram com a décima oitava condecoração - o Leão Ferido, póstumo.

 

A Rodger Young carrega um pelotão e é lotada; a Tours carrega seis - e é espaçosa. Ela tem os tubos pra fazer a queda de todos eles de uma vez e espaço suficiente pra carregar o dobro e fazer uma segunda queda. Isso iria deixá-la muito lotada, com a gente comendo em turnos, redes de dormir nos corredores e nas salas de queda, água racionada, inspirar quando o seu companheiro expira, e tire o seu cotovelo do meu olho! Estou feliz que não dobramos enquanto eu estava lá.

Mas ela tinha a velocidade e a capacidade de carga para entregar essa lotação de tropas ainda em condições de combate em qualquer ponto do espaço da Federação e muito do espaço dos insetóides; sob a propulsão Cherenkov ela fazia Mike 400 ou melhor - digamos Sol a Capella, quarenta e seis anos-luz, em menos de seis semanas.

É claro, um transporte de tropas de seis pelotões não é grande quando comparado com uma nave de combate ou uma de passageiros; estas naves são meios termos. A I.M. prefere corvetas pequenas e rápidas de um pelotão que dão flexibilidade para qualquer operação, enquanto que se isso fosse deixado pra Marinha decidir teríamos apenas transportes de regimentos. São precisos quase tantos marinheiros pra dirigir uma corveta quanto seria para um monstro grande o bastante pra levar todo um regimento - mais manutenção e limpeza, é claro, mas os soldados podem fazer isso. Afinal, aquelas tropas preguiçosas não fazem nada a não ser comer, dormir e polir botões - faria bem pra eles ter um pouco de serviço regular. Isso diz a Marinha.

A opinião verdadeira da Marinha é até mais radical: O Exército é obsoleto e devia ser abolido.

A Marinha não diz isso oficialmente - mas fale com um oficial naval em R&R que esteja se sentindo todo importante; você vai ouvir até dizer chega. Eles acham que podem lutar qualquer guerra, vencê-la e mandar alguns dos homens deles para baixo pra manter o planeta conquistado até que o Corpo Diplomático assuma.

Admito que os seus brinquedos mais novos podem riscar qualquer planeta do céu - nunca vi isso, mas acredito. Quem sabe eu seja tão obsoleto quanto o Tyrannosaurus rex. Não me sinto obsoleto e nós macacos podemos fazer coisas que a melhor nave não pode. Se o governo não quiser que façamos essas coisas, sem dúvida ele vai nos contar.

Talvez seja bom que nem a Marinha nem a LM. tenham a última palavra. Um homem não pode se candidatar para Marechal do Céu a não ser que tenha comandado tanto um regimento quanto uma nave capitania - seguir na LM. e pegar as suas cicatrizes e depois se tornar um oficial naval (acho que o pequeno Birdie tinha isso em mente), ou primeiro se tornar um piloto-astrogador e depois passar pelo Campo Currie, etc.

Ouvirei respeitosamente a qualquer um que fizer ambos.

Como a maioria dos transportes de tropas, a Tours é uma nave mista; a mais espantosa mudança para mim foi ter permissão para ir ao " Norte da Trinta". A antepara que separa o território das senhoras do pessoal grosso que se barbeia não é necessariamente a número 30 mas, por tradição, ela é chamada " antepara trinta" em qualquer nave mista. O refeitório dos oficiais é logo depois dela e o resto do território da senhoras é mais além. Na Tours o refeitório dos oficiais também servia às mulheres alistadas, que comiam logo antes de nós, e era dividido entre as refeições entre uma sala de recreação para elas e uma sala de estar para os oficiais delas. Oficiais homens tinham uma sala de estar chamada sala de cartas justo à ré da trinta.

Além do fato óbvio de que a queda & recolha exigia os melhores pilotos (isto é, mulheres), há uma razão muito forte para oficiais navais femininos serem designados para os transportes de tropas: é bom para o moral da tropa.

Vamos esquecer as tradições da LM. por um momento. Você pode pensar em qualquer coisa mais idiota do que se deixar ser disparado de uma nave com nada além de mutilação e morte súbita do outro lado? Porém, se alguém precisa fazer essa proeza idiota, você sabe de um jeito mais seguro de manter um homem tenso ao ponto em que ele está disposto a isso, do que lembrando-o constantemente de que a única boa razão por que os homens lutem é uma realidade viva e respirando?

Numa nave mista, a última coisa que um homem ouve antes de uma queda (talvez a última que ele vai ouvir na vida) é a voz de uma mulher, lhe desejando sorte. Se você não acha isso importante então é porque você se demitiu da raça humana.

A Tours tem quinze oficiais navais, oito senhoras e sete homens; havia oito oficiais da LM. incluindo (estou feliz em dizer) eu mesmo. Não vou dizer que a "antepara trinta" fez com que eu me candidatasse à E.C.O. mas o privilégio de comer com as senhoras é mais incentivo do que qualquer aumento de pagamento. A Capitã era presidenta da mesa, meu chefe, o Capitão Blackstone era o vice-presidente - não por causa do posto; três oficiais navais o ultrapassavam; mas como Oficial Comandante da força de ataque ele era de fato mais graduado do que qualquer um a não ser a Capitã.

Cada refeição era formal. Esperávamos na sala de cartas até a hora chegar, seguíamos o Capitão Blackstone pra dentro e ficávamos em pé, atrás de nossas cadeiras; a Capitã vinha seguida por suas senhoras e, quando ela alcançava a cabeceira da mesa, o Capitão Blackstone se curvava e dizia "Madame Presidenta... senhoras", e ela respondia, "Sr. Vice... cavalheiros", e o homem à direita de cada senhora ajudava ela a se sentar.

Este ritual deixava claro que aquilo era um evento social, não uma conferência de oficiais; dali em diante postos ou títulos eram usados, exceto que os oficias navais subalternos e eu mesmo entre os LM. éramos chamados "Senhor" ou "Senhorita" - com uma exceção que me confundiu.

Na minha primeira refeição a bordo vi o Capitão Blackstone ser chamado de "Major", embora a insígnia em seu ombro mostrasse claramente "capitão". Me esclareceram mais tarde. Não pode haver dois capitães em um vaso naval, por isso um capitão do Exército é promovido de um posto socialmente em vez de se cometer o impensável de chamá-lo pelo título reservado para o único monarca. Se um capitão naval estiver a bordo em qualquer função que não seja a de capitão da nave, ele ou ela é chamado de "Comodoro" mesmo que o capitão da nave seja apenas um tenente.

A LM. observa isso evitando a necessidade no refeitório dos oficiais e ignorando esse tolo costume em nossa própria parte da nave.

A graduação desce por cada lado da mesa, com a Capitã na cabeceira e o Oficial Comandante da força de ataque na outra ponta, a aspirante subalterna da Marinha à sua direita e eu à direita da Capitã. Eu teria ficado mais do que feliz de sentar junto à aspirante subalterna; ela era terrivelmente bonita - mas o arranjo é chaperonagem planejada; eu nem ao menos descobri seu primeiro nome.

Eu sabia que eu, como o homem de menor posto, sentava-me à direita da Capitã - mas não sabia que se esperava que eu a ajudasse a sentar. Em minha primeira refeição ela esperou e ninguém sentou-se - até que o terceiro engenheiro assistente cutucou meu cotovelo. Não me sentia tão embaraçado desde um incidente muito lamentável no jardim de infância, mesmo que a Capitã Jorgenson tivesse agido como se nada tivesse acontecido.

Quando a Capitã se levantava a refeição estava encerrada. Ela era muito boa nisso mas uma vez ficou sentada apenas uns poucos minutos e o Capitão Blackstone ficou aborrecido. Ele se levantou, mas chamou-a: — Capitã...

Ela parou. — Sim, major?

— A Capitã poderia dar ordens para que meus oficiais e eu sejamos servidos na sala de cartas?

Ela respondeu friamente: — Certamente, senhor. — E fomos. Mas nenhum oficial naval se juntou a nós.

No sábado seguinte ela exerceu seu privilégio de inspecionar os LM. a bordo - o que capitães de transportes quase nunca fazem. Mas apenas caminhou pelas fileiras sem fazer comentários. Ela não era realmente uma tirana e tinha um belo sorriso quando não estava sendo rigorosa. O Capitão Blackstone designou o Segundo Tenente "Rusty" Graham para estalar o chicote em mim na matemática; ela descobriu isso, de algum modo, e disse ao Capitão Blackstone para que eu me apresentasse em seu escritório por uma hora após o almoço de cada dia, depois do que ela me ensinou matemática e berrou comigo quando meu "dever de casa" não estava perfeito.

Nossos seis pelotões compunham duas companhias que eram uma parte de um batalhão; o Capitão Blackstone comandava a Companhia D, os Blackguards de Blackie, e também comandava a nossa parte do batalhão. Nosso comandante de batalhão pela tabela de organização, o Major Xera, estava com as companhias A e B na nave irmã da Tours, a Normandy Beach -talvez a meio céu de distância; ele nos comandava apenas quando todo o batalhão fazia uma queda conjunta - exceto que o Capitão Blackstone enviava certos relatórios e cartas através dele. Outros assuntos iam direto para a Frota, a Divisão ou a Base e Blackie tinha um sargento de frota que era realmente um mágico para manter essas coisas direitas e ajudá-lo a dirigir tanto uma companhia como uma parte de um batalhão em combate.

Detalhes administrativos não são simples num exército espalhado por muitos anos-luz em centenas de naves. Na velha Valley Forge, na Rodger Young e agora na Tours, eu estava no mesmo regimento, o Terceiro ("Bichinhos Mimados") da Primeira Divisão LM. ("Polaris"). Dois batalhões formados das unidades disponíveis tinham sido chamados "O Terceiro Regimento" na Operação Toca dos Insetóides, mas eu não vi o "meu" regimento; tudo que vi foi o Soldado de Primeira Classe Bamburger e um monte de insetóides.

Posso ser comissionado nos Bichinhos Mimados, envelhecer e me aposentar nele - e jamais ver meu comandante de regimento. Os Rudes tinham um comandante de companhia mas ele também comandava o primeiro pelotão ("Zangões") em outra corveta; eu não sabia o nome dele até que o vi escrito nas minhas ordens para a E.C.O. Existe uma lenda sobre um pelotão perdido que entrou em R&R quando a sua corveta foi descomissionada. Seu comandante de companhia tinha acabado de ser promovido e os outros pelotões estavam ligados taticamente em outros lugares. Esqueci o que tinha acontecido com o tenente do pelotão mas é comum se destacar um oficial durante a R&R - teoricamente após ter sido rendido por um substituto, mas substitutos são sempre raros.

Dizem que esse pelotão desfrutou de um ano local de luxúria na Via Churchill antes que alguém notasse a falta deles.

Não acredito nisso. Mas podia ter acontecido.

A crônica falta de oficiais afetava bastante meus deveres nos Blackguards de Blackie. A LM. tem a menor porcentagem de oficiais de qualquer exército já registrado e esse fator é apenas parte da nossa inconfundível "cunha divisionária" - CD. é jargão militar mas a idéia é simples: se você tem 10.000 soldados, quantos lutam? E quantos descascam batatas, dirigem caminhões, contam túmulos e mexem com a papelada?

Na LM. 10.000 homens lutam.

Nas guerras de massa do século XX algumas vezes eram necessários 70.000 homens (fato!) para permitir que 10.000 lutassem.

Admito que precisamos da Marinha pra nos colocar onde lutamos; porém, uma força de ataque LM., mesmo numa corveta, é pelo menos três vezes maior do que a tripulação da Marinha. Também são necessários civis para nos abastecer e prestar serviço; uns dez por cento de nós estão em R&R; e uns poucos dos melhores de nós são enviados por turnos para instruir nos campos de treinamento.

Há uns poucos LM. em trabalhos de escritório, mas você vai sempre notar que eles não têm um braço ou uma perna, ou outra coisa. Esses são aqueles - como o Sargento Ho e o Coronel Nielssen - que se recusam a se aposentar, e realmente deveriam contar como dois, pois impedem que I.M.s em plena condição física preencham vagas que requerem espírito de combate mas não perfeição física. Eles fazem os trabalhos que os civis não podem fazer - ou contrataríamos civis. Civis são como feijões; você os compra à medida que são necessários pra qualquer serviço que exija apenas habilidade e bom senso.

Mas você não pode comprar espírito de luta.

É raro. Usamos todo ele, não desperdiçamos nenhum. A LM. é o menor exército na história em comparação com a população que protege. Você não pode comprar um LM., você não pode forçá-lo a se alistar, você não pode coagi-lo - você não pode nem segurá-lo se ele quiser ir embora. Ele pode se demitir trinta segundos antes de uma queda, perder a coragem e não entrar na cápsula e tudo o que acontece é que ele recebe o pagamento e nunca poderá votar.

Na E.C.O. nós estudamos exércitos na história que eram conduzidos como escravos nas galés. Mas o LM. é um homem livre; tudo que o conduz vem de dentro - o auto-respeito, a necessidade do respeito de seus companheiros e o orgulho de ser um deles, conhecido como esprit de corps.

A raiz do nosso moral é: "todo mundo trabalha, todo mundo luta". Um LM não mexe os pauzinhos pra pegar um trabalho mole e seguro; não há trabalhos moles e seguros. Oh, um soldado vai se virar como puder, qualquer soldado raso com um mínimo de miolos para marcar a cadência na música pode pensar em razões pra não limpar compartimentos ou conferir o estoque; esse é um antigo direito dos soldados.

Mas todos os trabalhos "moles e seguros" estão preenchidos por civis; aquele soldado molenga entra em sua cápsula certo de que todo mundo, desde o general até o soldado raso, está fazendo o mesmo. A anos-luz de distância e num dia diferente, ou talvez uma hora depois - não importa. O que importa é que todos fazem a queda. É por isso que ele entra na cápsula, mesmo que não esteja consciente disso.

Se algum dia nos desviarmos disso, a LM. se despedaçará. Tudo que nos mantém juntos é uma idéia - uma que nos une com mais força do que o aço, mas o seu poder mágico depende de mantê-la intacta.

É essa regra do "todo mundo luta" que permite à LM. ter tão poucos oficiais.

Sei mais sobre isso do que gostaria, porque fiz uma pergunta tola em História Militar e acabei com um dever que me fez desenterrar coisas que vão desde De Bello Gallico até o clássico O Colapso da Hegemonia Dourada de Tsing. Considere uma divisão ideal da LM. - no papel, pois não vai achar uma em nenhum outro lugar. Quantos oficiais ela precisa? Esqueça unidades ligadas de outros corpos; elas podem não estar presentes durante a bagunça e eles não são como a LM. - os talentos especiais ligados à Logística & Comunicações têm todos o posto de oficial. Se o fato de eu prestar continência para um homem-memória, para um telepata, um sensitivo ou um homem-sorte o fará feliz, então estou contente em fazê-lo; ele é mais valioso do que eu sou e eu não poderia substituí-lo nem que vivesse dois séculos. Ou tome a unidade K-9, que é formada de 50 por cento de oficiais mas cujos outros 50 por cento são neocães.

Nenhum deles está na linha de comando, então vamos considerar apenas nós macacos e ver o que é preciso pra nos liderar.

Essa divisão imaginária tem 10.800 homens em 216 pelo-

toes, cada um com um tenente. Três pelotões por companhia precisam 72 capitães; quatro companhias em um batalhão precisam 18 majores ou tenentes coronéis. Seis regimentos com seis coronéis podem formar duas ou três brigadas, cada uma com um general de brigada, mais um general de divisão como chefe de tudo.

Você acaba com um total de 317 oficiais de um total, em todos os postos, de 11.117.

Não há lugares vagos e cada oficial comanda uma equipe. Os oficiais dão um total de 3 por cento - o que é o que a LM. tem, mas num arranjo um tanto quanto diferente. De fato, um bom número de pelotões são comandados por sargentos e muitos oficiais "usam mais do que um chapéu" de modo a preencher alguns postos de estado-maior muito necessários.

Mesmo um líder de pelotão precisa de estado-maior -seu sargento de pelotão.

Mas ele pode se virar sem um e o sargento pode se virar sem ele. Mas um general tem de ter um estado-maior; o trabalho é grande demais para se fazer sozinho. Ele precisa de um grande estado-maior de planejamento e de um pequeno estado-maior de combate. Já que nunca há oficiais suficientes, os comandantes de equipe na nave capitania dobram como estado-maior de planejamento e são escolhidos dentre os melhores lógicos matemáticos da LM. - depois fazem a queda com suas próprias equipes. O general faz a queda com um pequeno estado-maior de combate, mais uma pequena equipe dos mais duros e quicantes soldados da LM. O trabalho deles é impedir que o general seja incomodado por estranhos mal-educados enquanto está dirigindo a batalha. Algumas vezes eles conseguem.

Além das posições necessárias no estado-maior, qualquer equipe maior do que um pelotão deve ter um comandante substituto. Mas nunca há oficiais o bastante, então nos viramos com o que temos. Para preencher cada posição que é necessária em combate, um serviço para cada oficial, precisaríamos de uma taxa de 5 por cento de oficiais - mas 3 por cento é tudo que temos.

Em lugar de um ótimo de 5 por cento que a LM. nunca conseguiu alcançar, muitos exércitos do passado comissionavam 10 por cento dos seus números, ou até mesmo 15 por cento - e algumas vezes um disparate como 20 por cento! Isso soa como um conto de fadas mas foi um fato, especialmente durante o século XX. Que tipo de exército tem mais "oficiais" do que cabos? (E mais suboficiais do que soldados rasos!)

Um exército organizado pra perder guerras - se a história vale alguma coisa. Um exército que é mais organização, burocracia e despesas, com uma maioria de "soldados" que não lutam.

Mas o que fazem "oficiais" que não comandam combatentes?

Nada, aparentemente - oficial do clube de oficiais, oficial de moral, oficial de atletismo, oficial de informação pública, oficial de recreação, oficial da lojinha, oficial de transportes, oficial legal, capelão, assistente do capelão, assistente subalterno do capelão, oficial encarregado de qualquer coisa que alguém possa pensar, até mesmo oficial de creche!

Na LM. tais coisas são trabalho extra para oficiais de combate ou, se são trabalhos de verdade, são feitos melhor, mais barato e sem desmoralizar uma equipe de combate, através de civis contratados. Mas a situação ficou tão malcheirosa num exército de uma das principais potências do século XX que oficiais de verdade, aqueles que comandavam combatentes, recebiam uma insígnia especial para diferenciá-los dos enxames de soldados de cadeira giratória.

 

A escassez de oficiais ficou se agravou muito durante a guerra, porque a taxa de baixas é sempre mais alta entre os oficiais... a LM. nunca dá uma comissão a um homem apenas para preencher uma vaga. A longo prazo, cada regimento de recrutas deve fornecer a sua própria quota de oficiais e a proporção não pode ser aumentada sem baixar o padrão - a força de ataque na Tours precisava de treze oficiais - seis líderes de pelotão, dois comandantes de companhia e dois substitutos e um comandante da força de ataque assessorado por um substituto e um ajudante.

O que ela tinha era seis... e eu.

 

Eu devia estar sob o Tenente Silva, mas ele foi para o hospital no dia em que eu me apresentei, com umas convulsões terríveis. Mas isso não queria dizer que eu necessariamente pegaria o seu pelotão. Um terceiro tenente temporário não é considerado um trunfo. O Capitão Blackstone podia me colocar sob o Tenente Bayonne e colocar um sargento encarregado do seu primeiro pelotão, ou até mesmo "usar um terceiro chapéu" e ficar com o pelotão ele mesmo.

De fato, ele fez as duas coisas e mesmo assim me designou líder do primeiro pelotão dos Blackguards. Fez isso pegando emprestado o melhor sargento dos Wolverines para atuar como seu assessor no batalhão, então colocou o seu sargento de frota como sargento do primeiro pelotão, um trabalho dois graus abaixo de suas divisas. Então o Capitão Blackstone me disse isto de um modo que fez eu me sentir um anão: eu apareceria na Tabela de Organização como líder de pelotão, mas ele mesmo e o sargento dirigiriam o pelotão.

Enquanto eu me comportasse, poderia dar as ordens, como se fosse um oficial de verdade. Teria permissão até para fazer a queda como líder de pelotão - mas uma palavra do meu sargento de pelotão para o comandante da companhia e a mandíbula do quebra-nozes se fecharia.

Isso me convinha. Era meu pelotão enquanto eu pudesse fazer um bom trabalho - e se não pudesse, o quanto antes eu fosse jogado de lado melhor pra todo mundo. Além d j mais, era um tormento para os nervos muito menor do que assumir um pelotão por causa de alguma súbita catástrofe em batalha.

Encarei meu trabalho muito seriamente, afinal era o meu pelotão - a Tabela de Organização dizia isso. Mas eu ainda não tinha aprendido a delegar autoridade e, por uma semana, fiquei na área dos soldados muito mais do que é bom para uma equipe. Blackie me chamou à sua cabine. — Filho, o que você pensa que está fazendo?

Respondi formalmente que estava tentando deixar meu pelotão preparado para a ação.

— É mesmo? Bem, não é isso que está conseguindo. Você está deixando eles tão agitados quanto um ninho de marimbondos. Por que você acha que eu lhe dei o melhor sargento na Frota? Se você for para a sua cabine, se pendurar lá num gancho e ficar lá! ... até o "Preparar para Ação" soar, ele lhe entregará aquele pelotão afinado como um violino.

— Como o Capitão quiser, senhor, — concordei mal-humorado.

— E outra coisa - não posso tolerar um oficial que age como um cadete tonto. Esqueça essa bobagem de tratamento na terceira pessoa perto de mim - guarde isso para os generais e para a Capita. Pare de levantar os ombros e bater os calcanhares. Oficiais devem parecer relaxados, filho.

— Sim, senhor.

— E que esta seja a última vez que você diz "senhor" pra mim por uma semana. O mesmo sobre bater continência. Tire essa cara séria de cadete e ponha um sorriso nela.

— Sim, s... Está bem.

— Assim é melhor. Se apóie na antepara, se coce. Boceje. Faça qualquer coisa menos se comportar como um soldado de lata.

Eu tentei... e sorri timidamente ao descobrir que quebrar um hábito não é fácil. Se encostar na antepara era mais difícil do que ficar em posição de sentido. O Capitão Blackstone me estudou. — Pratique isso, — ele disse. — Um oficial não pode parecer assustado ou tenso; isso é contagiante. Agora me diga, Johnnie, o que o seu pelotão precisa. Não importam as coisas triviais; não estou interessado em se um homem tem o número de meias regulamentar em seu armário.

Pensei rapidamente. — Ãh.. por acaso sabe se o Tenente Silva pretendia promover Brumby pra sargento?

— Por acaso sei. Qual é a sua opinião?

— Bem... os registros mostram que ele tem sido líder interino de seção pelos últimos dois meses. Suas notas de eficiência são boas.

— Pedi as suas recomendações.

— Bem, s... Desculpe. Nunca vi ele trabalhar no solo, então não posso ter uma opinião de verdade; qualquer um pode ser soldado na sala de queda. Mas do modo como vejo isso, ele tem sido sargento interino por um tempo longo demais pra que possa ser rebaixado pra segundo cabo e ainda ver um líder de esquadra ser promovido acima dele. Deve receber aquela terceira listra antes de fazermos a queda - ou ser transferido quando voltarmos. Até antes, se houver a chance de uma transferência no espaço.

Blackie grunhiu. — Você é muito generoso em dar para os outros os meus Blackguards - para um terceiro tenente.

Fiquei vermelho. — Mesmo assim, é um ponto fraco em meu pelotão. Brumby deve ser promovido ou transferido. Não quero ele de volta a seu antigo trabalho com alguém sendo promovido por cima dele; é provável que fique magoado e eu fique com um ponto mais fraco ainda. Se ele não puder ter outra divisa, deve ser mandado para o Depósito de Colocações. Assim não será humilhado e terá uma chance justa de ser sargento em outra equipe - ao invés de um beco sem saída aqui.

— Sério? — Blackie não desdenhou muito. — Após essa análise de mestre, aplique os seus poderes de dedução e me diga por que o Tenente Silva não o transferiu três semanas atrás quando chegamos a Santuário?

Eu tinha me perguntado isso. A hora certa para transferir um homem é o mais cedo possível depois de você ter decidido que ele vai sair - e sem aviso; é melhor para o homem e para a equipe - assim diz o livro. Eu respondi lentamente: — O Tenente Silva já estava doente na época, Capitão?

— Não.

As peças se encaixavam. — Capitão, recomendo Brumby para promoção imediata.

As sobrancelhas dele subiram. — Um minuto atrás você estava pra jogá-lo fora como um inútil.

— Ãh, não exatamente. Eu disse que tinha de ser uma ou outra - mas não sabia qual. Agora eu sei.

— Continue.

— Ãh, estou assumindo que o Tenente Silva é um oficial eficiente...

— Hummmmfff. Para sua informação, o "Rápido" Silva tem uma cadeia continua de "Excelente - Recomendado para Promoção" em seu Formulário Trinta e Um.

— Mas eu sabia que ele era bom, — abri caminho, — porque herdei um bom pelotão. Um bom oficial pode não promover um homem por - oh, por muitas boas razões - e mesmo assim não pôr esses temores por escrito. Mas neste caso, se ele não podia recomendá-lo para sargento, então não o manteria com a equipe - por isso ele o colocaria para fora da nave na primeira oportunidade. Mas ele não fez isso. Assim sendo, sei que ele pretendia promover Brumby. — Acrescentei: — Mas não entendo por que ele não fez isso três semanas atrás, para que Brumby pudesse usar a terceira divisa no R&R.

O Capitão Blackstone sorriu. — Isso é porque você não me considera eficiente.

— S... Perdão?

— Esqueça. Você provou do que é capaz e eu não espero que um cadete ainda fresco conheça todos os truques. Mas ouça e aprenda, filho. Enquanto esta guerra continuar, nunca promova um homem logo antes de retornar à Base.

— Ãh... por que não, Capitão?

— Você falou sobre mandar Brumby para o Depósito de Colocações se ele não fosse promovido. Mas é justamente para lá que ele teria ido se nós o tivéssemos promovido três semanas atrás. Você não sabe o quão faminto por suboficiais o Depósito de Colocações pode ser. Verifique no arquivo de despachos e vai achar um pedido de dois sargentos para preencher vagas por aí. Com um sargento de pelotão sendo destacado para a E.C.O. e uma vaga de sargento vazia, eu estava abaixo do ideal e podia recusar. — Ele sorriu feroz. — Esta é uma guerra dura, filho, e o seu próprio povo vai roubar os seus melhores homens se não ficar de olho. — Ele tirou duas folhas de papel de uma gaveta. — Olhe...

Uma era uma carta de Silva para o Capitão Blackstone, recomendando Brumby para sargento; tinha a data de um mês atrás.

A outra era a ordem da promoção de Brumby para sargento - com a data do dia seguinte ao que partimos de Santuário.

— Isso lhe serve? — ele perguntou.

— Ãhn? Oh, sim, sem dúvida!

— Tenho esperado que você ache o ponto fraco na sua equipe, e me dissesse o que tinha de ser feito. Estou satisfeito de que você tenha descoberto, mas apenas medianamente satisfeito porque um oficial experimentado teria analisado isso imediatamente da Tabela de Organização e dos registros de serviço. Não ligue, é assim que você ganha experiência. Agora aqui está o que você vai fazer. Escreva uma carta como a de Silva; com a data de ontem. Diga ao seu sargento de pelotão para contar a Brumby que você o indicou para um terceira listra - e não comente que Silva tinha feito isso. Você não sabia disso quando fez a recomendação, então vamos deixar isso desse modo. Quando eu tomar o juramento de Brumby, contarei a ele que ambos os seus oficiais o recomendaram de forma independente - o que fará com que ele se sinta bem. Certo, mais alguma coisa?

— Ãh... não na organização - a não ser que o Tenente Silva planejasse promover Naidi, para o lugar de Brumby. Nesse caso poderíamos promover um soldado de primeira classe para segundo cabo... e isso nos permitiria promover quatro soldados rasos para SPC, incluindo três vagas que já existem. Não sei se a sua política é manter a Tabela de Organização bem cheia ou não?

— Pode ser, — Blackie disse gentilmente, — já que você e eu sabemos que alguns desses rapazes não terão muitos dias para apreciar isso. Apenas lembre-se de que não tornamos um homem um SPC até que ele tenha estado em combate - não nos Blackguards de Blackie. Combine isso com seu sargento de pelotão e me avise. Sem pressa... qualquer hora antes de irmos dormir. Agora... algo mais?

— Bem... Capitão, estou preocupado com os trajes.

— Eu também. Todos os pelotões.

— Não sei sobre os outros pelotões, mas com cinco recrutas para adaptar, mais quatro trajes danificados e substituídos, e mais dois rejeitados na semana passada e substituídos pelos do estoque - não vejo como Cunha e Navarre podem aquecer esse tanto, fazer os testes de rotina em quarenta e um outros e ter todos prontos em nossa data calculada. Mesmo que não apareçam problemas...

— Os problemas sempre aparecem.

— Sim, Capitão. Mas são duzentas e oitenta e seis horas-homem só pra aquecer e adaptar, e mais cento e vinte e três horas de testes de rotina. E sempre leva mais tempo.

— Bem, o que você pensa que pode ser feito? Os outros pelotões lhe darão ajuda se terminarem com os trajes deles antes do tempo. Do que eu duvido. Não me peça pra pedir ajuda aos Wolverines; é mais provável que nós é que acabemos tendo de ajudar a eles.

— Ah... Capitão, não sei o que vai pensar disso, já que me disse pra ficar fora da área dos soldados. Mas quando era um cabo, eu era assistente do sargento de Armas & Blindagem.

— Continue.

— Bem, no finalzinho eu era o sargento de A&B. Mas estava apenas quebrando o galho - não sou um mecânico de A&B completo. Mas sou um assistente muito bom, e se me fosse permitido, bem, posso ou aquecer os trajes novos, ou fazer os testes de rotina - e dar a Cunha e Navarre muito mais tempo para resolver os problemas.

Blackie se curvou pra trás e sorriu. - Fiz uma busca cuidadosa nos regulamentos... e não consegui achar aquele que diz que um oficial não pode sujar as mãos. — Ele acrescentou: — Falo isso porque alguns "jovens cavalheiros" que têm sido designados para mim aparentemente leram tal regulamento. Tudo certo, pegue alguns macacões - não há necessidade de sujar o uniforme junto com as mãos. Vá à ré e ache ' seu sargento de pelotão, diga a ele sobre Brumby e mande-o preparar recomendações para fechar os buracos na Tabela de Organização no caso de eu decidir confirmar a sua recomendação para Brumby. Então diga a ele que você vai usar todo o seu tempo em Armas & Blindagem - e que você quer que ele tome conta do resto. Diga a ele que se tiver problemas é para procurá-lo no arsenal. Não conte a ele que você me consultou - apenas lhe dê as ordens. Compreende?

— Sim, s...Sim.

— Certo, trate disso. Quando passar pela sala de cartas, por favor dê os meus cumprimentos a Rusty e diga a ele para arrastar a sua carcaça preguiçosa pra cá.

Nunca estive tão ocupado como nas duas semanas seguintes - nem mesmo no campo de treinamento. Trabalhar como mecânico de Armas & Blindagem umas dez horas por dia não era tudo que eu fazia. Matemática, é claro - e não tinha jeito de escapar disso com a Capitã me ensinando. Refeições - digamos uma hora e meia por dia. Mais a mecânica de continuar vivo -fazer a barba, tomar banho, colocar botões nos uniformes e tentar achar o mestre-de-armas da Marinha, pegá-lo pra destrancar a lavanderia e procurar uniformes limpos dez minutos antes da inspeção. (É uma lei não escrita da Marinha que todas as instalações sempre devem estar trancadas quando são mais necessárias.)

Montar guarda, formação, inspeções, um mínimo de rotina do pelotão, tomam outra hora por dia. Mas além disso, eu era o "George". Cada unidade tem um "George". É o oficial menos graduado e pega todos os serviços extra - oficial de atletismo, censor de correspondência, árbitro de competições, oficial de escola, oficial de cursos por correspondência, acusador nas cortes marciais, tesoureiro do fundo de empréstimos mútuos, depositário de publicações registradas, oficial dos estoques, oficial do refeitório dos soldados, et cetera e ad nauseam.

Rusty Graham tinha sido o "George" até que alegremente passou o cargo pra mim. Ele não ficou tão feliz quando insisti em fazer um inventário visual de tudo pelo que eu teria de assinar. Sugeriu que se eu não tivesse bom senso suficiente para aceitar um inventário assinado por um oficial comissionado, então talvez uma ordem direta mudasse o meu tom. Então fiquei sério e disse a ele para colocar as ordens por escrito - com uma cópia certificada para que eu pudesse manter a original e endossar a cópia para o comandante da equipe.

Rusty voltou atrás zangado - mesmo um segundo tenente não seria tão estúpido a ponto de colocar essas ordens por escrito. Eu também não estava feliz já que Rusty era meu colega de quarto e na época ainda era meu instrutor de matemática, mas fizemos o inventário visual. Levei uma bronca do Tenente Warren por ser tão estupidamente formal, mas ele abriu o seu cofre e me deixou verificar as publicações registradas. O Capitão Blackstone abriu o dele sem comentários e não pude dizer se ele aprovava o meu inventário ou não.

As publicações estavam em ordem mas as propriedades de responsabilidade do "George" não. Pobre Rusty! Tinha aceito a contagem de seu predecessor e esta contagem deu menos - e o outro oficial não tinha apenas ido, estava morto. Rusty passou uma noite sem dormir (e eu também!), então foi até Blackie e lhe contou a verdade.

Blackie deu uma bronca nele, então foi ver os itens que faltavam, achou jeitos de descartar a maioria como "perdido em combate". Isso reduziu o débito de Rusty para uns poucos dias de pagamento - mas Blackie o manteve no cargo, postergando assim o pagamento indefinidamente.

Nem todos os serviços do "George" causavam tanta dor de cabeça. Não havia cortes marciais; boas equipes de combate não as têm. Não havia correspondência a censurar pois a nave estava na propulsão Cherenkov. O mesmo para o fundo de ajuda mútua pela mesma razão. O atletismo eu deleguei a Brumby; árbitro era "se e quando". O refeitório dos soldados era excelente; rubricava os menus e algumas vezes inspecionava a cozinha, isto é, pedia um sanduíche sem tirar o macacão trabalhando até tarde no arsenal. Cursos por correspondência significavam um monte de papelada porque vários estavam continuando seus estudos, guerra ou não guerra - mas deleguei isso para o meu sargento de pelotão e os registros eram mantidos pelo SPC que era seu escriturário.

Apesar disso, os serviços do "George" absorviam umas duas horas por dia - de tantos que eram.

Você vê onde isso me deixou - dez horas de A&B, três horas de matemática, uma hora e meia de refeições, uma hora de cuidados pessoais, uma hora de pequenos deveres militares, duas horas de "George", oito horas de sono; total: vinte e seis horas e meia. E a nave nem sequer seguia o dia de vinte e cinco horas de Santuário; logo que partimos entramos no padrão de Greenwich e no calendário universal.

O único corte possível era no meu horário de sono.

Eu estava sentado na sala de cartas à uma da manhã lutando com a matemática quando o Capitão Blackstone entrou. Eu disse: — Boa noite, Capitão.

— Bom dia, você quer dizer. O que o aflige, filho? Insônia?

— Ãh, não exatamente.

Ele pegou uma pilha de papéis, observando. — O seu sargento não pode tomar conta da papelada? Ah, entendo. Vá para a cama.

— Mas, Capitão...

— Sente-se de novo. Johnnie, queria falar com você. Nunca vejo você aqui na sala de cartas, ao anoitecer. Passo pelo seu quarto e você está na mesa. Quando o seu colega vai dormir, você vem pra cá. Qual é o problema?

— Bem, parece que nunca consigo fazer tudo que preciso.

— Ninguém consegue. Como está indo o trabalho no arsenal?

— Muito bem. Acho que conseguiremos.

— Também acho. Olhe, filho, você tem de manter um senso de proporção. Você tem dois deveres primários. O primeiro é ver que o equipamento do seu pelotão esteja pronto - você está fazendo isso. Você não tem de se preocupar com o seu pelotão, já lhe disse isso. O segundo - e que é tão importante quanto o primeiro - é você estar pronto para combater. Está falhando nesse.

— Estarei pronto, Capitão.

— Besteira. Você não tem feito exercício e está perdendo sono. É assim que se treina para uma queda? Quando você lidera um pelotão, filho, você tem de estar quicando. Daqui por diante você irá se exercitar das 1630 até as 1800 todo dia. Vai estar na sua cama com as luzes apagadas às 2300 - e se ficar deitado acordado mais de quinze minutos duas noites seguidas, vai se apresentar ao Médico para tratamento. Ordens.

— Sim, senhor. — Eu sentia as anteparas se fechando sobre mim e acrescentei desesperadamente: — Capitão, não vejo como posso estar na cama às 2300, e ainda assim conseguir fazer tudo.

— Então não fará. Como eu disse, filho, tem de ter um senso de proporção. Me conte como você usa o seu tempo.

Então eu contei. Ele balançou a cabeça. - Bem como eu pensei. — Ele pegou o meu " dever de casa" de matemática e o atirou na minha frente. — Tome isto como exemplo. É claro, você quer trabalhar nisso. Mas por que trabalhar tão duro antes de entrarmos em ação?

— Bem, eu pensei...

— "Pensar" foi justo o que você não fez. Há quatro possibilidades, e apenas uma exige que você termine estas tarefas. A primeira, você pode comprar uma campa. A segunda, você pode comprar um pequeno pedaço de uma e ser aposentado com uma comissão honorária. A terceira, você pode se sair bem... mas pegar uma reprovação no seu Formulário Trinta e Um vinda do seu examinador, ou seja, eu. Que é justamente o que você está pedindo neste momento - oras, filho, eu nem deixaria você fazer uma queda se aparecesse com olhos vermelhos de falta de sono e músculos flácidos de ficar muito tempo numa cadeira. A quarta possibilidade é que você dê um jeito em si mesmo... caso no qual eu poderia lhe dar uma chance de liderar um pelotão. Então vamos assumir que você faça isso e dê o maior espetáculo desde que Aquiles matou Heitor e eu aprove você. Apenas neste caso você terá de terminar essas lições de matemática. Por isso faça elas na viagem de volta.

— Isso resolve tudo - vou falar com a Capitã. Você está dispensado do resto desses serviços, agora mesmo. No caminho pra casa você pode passar o seu tempo com a matemática. Se voltarmos pra casa. Mas você não chegará a nenhum lugar se não aprender a colocar as coisas mais importantes primeiro. Vá pra cama!

Uma semana depois fizemos o encontro, saindo da propulsão e deslizando próximo da velocidade da luz enquanto a frota trocava sinais. Nos enviaram o briefing, plano de batalha, nossa missão e ordens - uma pilha de palavras tão grande quanto um romance - e recebemos ordens de não fazer a queda.

Oh, faríamos parte da operação mas desceríamos como cavalheiros, protegidos em veículos de recolha. Podíamos fazer isso porque a Federação já controlava a superfície; as Segunda, Terceira e Quinta Divisões da LM. a tinham tomado - e pago à vista por isso.

A propriedade descrita não parecia valer o preço. O Planeta P é menor do que a Terra, com uma gravidade na superfície de 0,7, é na maior parte oceano e rochas com um frio ártico, com uma flora de liquens e nenhuma fauna de interesse. Seu ar não é respirável por muito tempo, estando contaminado com oxido nitroso e ozônio demais. Seu único continente tem cerca de metade do tamanho da Austrália, mais um monte de ilhas sem valor; provavelmente precisaria de tanta terraformação quanto Vênus antes que pudéssemos usá-lo.

Portem não estávamos comprando uma propriedade para viver nela; fomos lá porque os insetóides estavam lá - e eles estavam lá por causa de nós, pensava o Estado-Maior. Ele nos dissera que o Planeta P era uma base avançada incompleta (prob. 87±6 por cento) para ser usada contra nós.

Já que o planeta não era um prêmio, o jeito rotineiro de se livrar dessa base dos insetóides seria a Marinha ficar a uma distância segura e tornar esse esferóide feioso inabitável por homens ou insetóides. Mas o Comandante-em-Chefe tinha outras idéias.

A operação era uma incursão. Soa incrível chamar uma batalha envolvendo centenas de naves e milhares de baixas unia "incursão", especialmente quando, no meio tempo, a Marinha e um monte de outros soldados estavam mantendo as coisas agitadas por muitos anos-luz dentro do espaço dos insetóides para impedi-los de reforçar o Planeta P.

Mas o Comandante-em-Chefe não estava desperdiçando homens; esta incursão gigante podia determinar quem venceria a guerra, quer fosse daqui a um ano ou daqui a trinta anos. Precisávamos aprender mais sobre a psicologia dos insetóides. Devemos eliminar cada insetóide na Galáxia? Ou era possível dar uma surra neles e impor a paz? Não sabíamos; entendíamos eles tão pouco quanto entendíamos os cupins.

Para aprender a psicologia deles precisávamos nos comunicar com eles, compreender suas motivações, descobrir porque lutavam e sob que condições parariam; para isso, a Unidade de Guerra Psicológica precisava de prisioneiros.

Operários são fáceis de capturar. Mas um operário insetóide é pouco mais que uma máquina com vida. Guerreiros podem ser capturados se queimarmos fora membros o bastante para deixá-lo indefeso - mas sem um diretor eles são quase tão estúpidos quanto os operários. Com esses prisioneiros nossos intelectuais tinham aprendido coisas importantes - o desenvolvimento daquele gás oleoso que matava a eles mas não a nós veio da analise bioquímica de operários e guerreiros, e tínhamos obtido outras armas novas desenvolvidas a partir dessa pesquisa mesmo no curto tempo em que eu tinha sido um soldado. Mas para descobrir porque os insetóides lutavam precisávamos estudar os membros da sua casta de cérebros. Também, esperávamos trocar prisioneiros.

Até o momento, jamais havíamos capturado um insetóide cérebro vivo. Tínhamos ou limpado suas colônias a partir da superfície, como em Sheol, ou (como tinha sido o caso vezes demais) os atacantes tinham descido em seus buracos e não tinham voltado. Tínhamos perdido um monte de homens corajosos desta forma.

E tínhamos perdido muitos mais por falha na recolha. Algumas vezes uma equipe no solo tem a sua nave ou naves posta fora de combate no céu. O que acontece com essa equipe? Talvez morra até o último homem. Mais provavelmente lutam até que o combustível e a munição se esgotam, então os sobreviventes são capturados tão facilmente como besouros de virados costas.

Através de nossos cobeligerantes, os magrelos, sabíamos que muitos soldados desaparecidos estavam vivos como prisioneiros - tínhamos a esperança de que fossem milhares, a certeza de centenas. A Inteligência acreditava que todos os prisioneiros eram levados para Klendathu; os insetóides são tão curiosos sobre nós quanto nós sobre eles - uma raça de indivíduos capaz de construir cidades, espaçonaves, exércitos, deve ser até mais misteriosa para uma entidade coletiva do que uma entidade coletiva é para nós.

Fosse como fosse, queríamos aqueles prisioneiros de volta!

Na lógica cruel do universo isto pode ser uma fraqueza. Talvez alguma raça que não se importe em resgatar um indivíduo possa explorar esse traço humano para nos eliminar. Os magrelos tinham apenas um leve sinal dessa peculiaridade e os insetóides não pareciam tê-la de modo algum - ninguém jamais viu um insetóide vindo em socorro de outro porque ele estava ferido; eles cooperam perfeitamente no combate, mas unidades são abandonadas no instante em que não são mais úteis.

Nosso comportamento é diferente. Com que freqüência você vê uma manchete como esta? - DOIS MORREM TENTANDO RESGATAR CRIANÇA QUE SE AFOGAVA. Se um homem se perde nas montanhas, centenas vão procurá-lo e é comum que dois ou três deles morram. Mas da próxima vez que alguém se perder aparece o mesmo tanto de voluntários.

Má aritmética... mas muito humana. Aparece em todo o nosso folclore, todas as religiões humanas, toda a nossa literatura - uma convicção racial de que quando um humano precisa de socorro, os outros não devem pensar no preço.

Fraqueza? Pode ser que seja a força sem igual que nos fará conquistar a Galáxia.

Fraqueza ou força, os insetóides não a tem; não havia perspectiva de trocar combatentes por combatentes.

Mas numa poliarquia de colméia, algumas castas são valiosas - ou assim nosso pessoal da guerra psicológica esperava. Se pudéssemos capturar insetóides cérebro, vivos e intactos, podíamos ser capazes de negociar em bons termos.

E suponha que capturássemos uma rainha!

Qual o valor de troca de uma rainha? Um regimento de soldados? Ninguém sabia, mas o plano de batalha nos ordenava capturar a "realeza" dos insetóides, cérebros e rainhas, a qualquer custo, na aposta de que poderíamos trocá-los por seres humanos.

O terceiro propósito da Operação Realeza era desenvolver métodos: como ir lá embaixo, como fazê-los sair, como vencer sem usar armas totais. Soldado por guerreiro, podíamos derrotá-los acima do solo; nave por nave, nossa Marinha era melhor; mas, até o momento, não tínhamos tido sorte quando tentávamos descer em seus buracos.

Se falhássemos em trocar prisioneiros em quaisquer condições, então ainda teríamos de : (a) vencer a guerra, (b) fazer isso de um modo que nos desse a chance de resgatar nosso povo, ou (c) - podemos também admitir isso - morrer tentando e perder. O Planeta P era um teste de campo para determinar se podíamos aprender como arrancá-los do chão.

O briefing foi lido para todos os soldados e eles as ouviram de novo no sono durante a preparação hipnótica. Por isso, ainda que todos nós soubéssemos que a Operação Realeza era o trabalho de base para um eventual resgate de nossos companheiros, também sabíamos que o Planeta P não tinha prisioneiros humanos - nunca tinha sido atacado. Por isso não havia razão para cavar uma medalha numa esperança sem sentido de estar pessoalmente em um resgate; era apenas outra caçada aos insetóides, mas conduzida com força maciça e novas técnicas, íamos descascar aquele planeta como urna cebola, até que soubéssemos que cada insetóide tinha sido desentocado.

A Marinha tinha bombardeado as ilhas e a parte não ocupada do continente até que essas áreas fossem apenas vidro radioativo; podíamos enfrentar os insetóides sem nos preocuparmos com a retaguarda. A Marinha também mantinha uma patrulha em órbitas polares apertadas sobre o planeta, nos protegendo, escoltando transportes, vigiando a superfície para ter certeza de que os insetóides não sairiam por trás de nós a despeito daquele bombardeio.

Sob o plano de batalha, as ordens para o Blackguards de Blackie nos encarregavam de dar suporte à missão principal quando ordenados ou quando a oportunidade se apresentasse, substituindo outra companhia numa área capturada, protegendo unidades dos outros corpos naquela área, mantendo contato com as outras unidades LM. à nossa volta - e esmagando qualquer insetóide que mostrasse a sua cabeça feia.

Então descemos em conforto numa aterrissagem sem oposição. Conduzi meu pelotão pra fora num passo rápido de blindagem propulsada. Blackie foi à frente para encontrar o comandante da companhia que estávamos rendendo, apreender a situação e avaliar o terreno. Ele foi para o horizonte correndo como um coelho assustado.

Fiz Cunha enviar os batedores da primeira seção para localizar os ângulos à frente da minha área de patrulha e mandei meu sargento de pelotão para a esquerda a fim de fazer contato com uma patrulha do Quinto Regimento. Nós, o Terceiro Regimento, tínhamos uma grade de quatrocentos e oitenta quilômetros de largura e cento e vinte e oito de profundidade para manter; meu pedaço era um retângulo de sessenta e quatro quilômetros de profundidade por vinte e sete de largura no extremo do ângulo esquerdo à frente. Os Wolverines estavam por trás de nós, o pelotão do Tenente Khoroshen à direita e Rusty depois dele.

Nosso Primeiro Regimento já tinha rendido um regimento da Quinta Divisão à nossa frente, com uma sobreposição de " muralha" que os colocava tanto no meu ângulo quanto à minha frente. "À frente", "atrás", "direita" e "esquerda", se referiam à orientação de indicadores de posição inerciais em cada traje de comando para se encaixar na grade do plano de batalha. Não tínhamos um frente verdadeira, apenas uma área, e o único combate no momento estava acontecendo várias centenas de quilômetros dali, às nossas direita e retaguarda arbitrárias.

Em algum lugar naquela direção, provavelmente a trezentos quilômetros estava o segundo pelotão, companhia G, Segundo Batalhão, Terceiro Regimento - mais conhecido como "Os Rudes".

Ou os Rudes podiam estar a quarenta anos-luz de distância. A organização tática nunca coincide com a Tabela de Organização; tudo o que eu conhecia do plano é que alguma coisa chamada "Segundo Batalhão" estava em nosso flanco direito depois dos rapazes da Normandy Beach. Mas aquele batalhão podia ter sido emprestado de outra divisão. O Marechal do Céu joga seu xadrez sem consultar as peças.

De qualquer forma, eu não devia estar pensando nos Rudes; eu tinha tudo o que podia ter como um Blackguard. Meu pelotão estava bem para o momento - tão protegido quanto você pode estar num planeta hostil - mas eu tinha muito a fazer antes que a primeira esquadra de Cunha alcançasse o ângulo mais distante. Eu precisava:

  1. Localizar o líder do pelotão que estava mantendo a minha área.
  2. Estabelecer ângulos e identificá-los para os líderes de seção e de esquadra.
  3. Fazer contato de ligação com oito líderes de pelotão em meus lados e ângulos, cinco dos quais já deveriam estar em posição (os do Quinto e do Primeiro Regimentos) e três (Khoroshen dos Blackguards e Bayonne e Sukarno dos Wolverines) que estavam agora tomando posição.
  4. Espalhar meus próprios rapazes para as suas posições iniciais tão rápido quanto possível pelas rotas mais curtas.

O último tinha de ser feito primeiro, já que a coluna aberta em que desembarcamos não faria isso. A última esquadra de Brumby precisava se dispor no flanco esquerdo; a primeira esquadra de Cunha precisava se espalhar desde direto em frente até obliquamente à esquerda; as outras quatro esquadras deveriam se espalhar entre as duas.

Esta é uma disposição quadrada padrão e tínhamos simulado como alcançá-la rapidamente na sala de queda; eu gritei: — Cunha! Brumby! Hora de se espalhar, — usando o circuito dos suboficiais.

— Seção um, recebido e entendido!

— Seção dois, recebido e entendido!

— Líderes de seção assumam... e cuidado com cada recruta. Vocês estarão passando por um monte de Querubins. Não quero que eles sejam atingidos por engano! — Mordi pra baixo pra pegar o meu circuito privado e disse: — Sarja, fez contato na esquerda?

— Sim, senhor. Eles me vêem, eu vejo o senhor.

— Ótimo. Não vejo um rádio-farol em nosso ângulo de referência...

— Desaparecido.

— ... então instrua Cunha pelo traçador. O mesmo para o líder dos batedores - Hughes - e faça Hughes estabelecer um novo rádio-farol. — Me perguntei por que o Terceiro ou o Quinto não tinham substituído aquele rádio-farol de referência - meu ângulo à frente e à esquerda onde os três regimentos se encontravam.

Não adiantaria nada ficar falando. Eu continuei: — Verificação do indicador de posição. Você está na direção sete cinco, dezenove quilômetros.

— Senhor, o inverso é nove seis, pouco menos de dezenove quilômetros.

— Próximo o bastante. Ainda não achei meu número oposto, então estou cortando pra frente a velocidade máxima. Tome conta da loja.

— Pode deixar, Sr. Rico.

Avancei à máxima enquanto clicava para o circuito dos oficiais: "Quadrado Preto Um, responda, Preto Um, Querubins de Chang, estão me recebendo? Respondam. — Eu queria falar com o líder do pelotão que estávamos rendendo - e não para qualquer superficial eu-o-rendo-senhor: queria uma conversa bem direta.

Eu não tinha gostado do que tinha visto.

Ou o chefão tinha sido otimista em acreditar que tínhamos montado uma força arrasadora contra uma base pequena e não completamente desenvolvida dos insetóides - ou os Blackguards tinham sido premiados com o ponto onde tudo acontecia. Nos poucos momentos em que eu tinha estado fora do veículo identifiquei meia dúzia de trajes blindados no chão - vazios, eu esperava, possivelmente com homens mortos, mas demais de qualquer forma.

Além disso, meu radar tático mostrava um pelotão completo (o meu próprio) se colocando em posição, mas apenas uns poucos retornando para a recolha ou ainda em suas posições. Também não podia ver qualquer sistemática em seus movimentos.

Eu era responsável por 1730 quilômetros quadrados de terreno hostil e queria muito descobrir tudo que pudesse antes que as minhas esquadras fossem fundo. O plano de batalha tinha ordenado uma nova doutrina tática que tinha me deixado apreensivo: não fechar os túneis dos insetóides. Blackie tinha nos explicado isso como se concordasse de coração com o plano, mas duvido que ele gostasse da idéia.

A estratégia era simples, e, acho, lógica... se pudéssemos agüentar as perdas. Deixar os insetóides saírem. Achá-los e matá-los na superfície. Deixar eles continuarem saindo. Não bombardear os buracos, não jogar gás nos buracos - deixar eles saírem. Após um tempo - um dia, dois dias, uma semana - se nós realmente tivéssemos uma força esmagadora, eles parariam de sair. O Estado-Maior de Planejamento estimou (não me pergunte como!) que os insetóides gastariam de 70 a 90 por cento de seus guerreiros antes que parassem de tentar nos tirar da superfície.

Então nós começaríamos a descascar, matando os guerreiros sobreviventes à medida que descíamos e tentando capturar a "realeza" viva. Sabíamos como a casta dos cérebros se parecia; tínhamos visto eles mortos (em fotos) e sabíamos que não podiam correr - pernas pouco funcionais, corpos inchados que eram quase só sistema nervoso. As rainhas nenhum humano tinha visto, mas a Unidade de Guerra Biológica tinha preparado rascunhos de como elas deviam se parecer - monstros repulsivos maiores do que um cavalo e completamente imóveis.

Fora cérebros e rainhas podia haver outras castas da " realeza". Seja como for - encoraje seus guerreiros a sair e morrer, então capture com vida qualquer coisa que não seja um guerreiro ou operário.

Um plano necessário e muito bonito, no papel. O que ele significava pra mim era que eu tinha uma área de 27 x 64 quilômetros que podia estar crivada de buracos dos insetóides. Queria coordenadas em cada um.

Se houvesse demais... bem, eu podia acidentalmente fechar uns poucos e deixar os meus rapazes se concentrarem em vigiar o resto. Um soldado num traje de assalto pode cobrir bastante terreno, mas pode olhar apenas pra uma coisa de cada vez; ele não é um super-homem.

Quiquei varias milhas pra frente da primeira esquadra, ainda chamando o líder de pelotão dos Querubins, de vez em quando chamando qualquer oficial dos Querubins e descrevendo o padrão do meu rádio-farol (traço-ponto-traço-traço).

Sem resposta...

Finalmente consegui uma resposta do meu chefe: — Johnnie! Pare com o barulho. Me responda no circuito de conferência.

Assim fiz e Blackie me disse secamente para parar de tentar achar o líder dos Querubins para o Quadrado Preto Um; ele não existia. Oh, podia haver um suboficial vivo em algum lugar mas a cadeia de comando tinha quebrado.

Pelo livro, alguém sempre sobe de posto. E isso também acontece quando muitos níveis são quebrados. Como o Coronel Nielssen tinha me avisado, num passado distante... quase um mês atrás.

O Capitão Chang tinha entrado em ação com três oficiais ao lado dele; só restava um agora (meu colega de classe, Abe Moise) e Blackie estava tentando descobrir o que tinha acontecido através dele. Abe não foi de muita ajuda. Quando me juntei à conferência e me identifiquei, Abe pensou que eu era seu comandante de batalhão e fez um relatório quase tão preciso a ponto de partir o coração, especialmente porque não fazia sentido algum.

Blackie interrompeu e disse para eu assumir. — Esqueça o relatório de substituição. A situação é qualquer coisa que você veja que é - então mexa-se e veja.

Certo, chefe! — Eu cortei através de minha própria área na direção de meu ângulo mais distante, o ângulo de referência, tão rápido quanto eu podia, chaveando circuitos na minha primeira quicada. — Sarja! E sobre aquele rádio-farol?

— Não há lugar para colocá-lo naquele ângulo, senhor. Há uma cratera fresca lá, escala seis.

Assobiei pra mim mesmo. Você podia colocar a Tours dentro de uma cratera escala seis. Um dos truques que os insetóides usavam contra nós quando estávamos brigando, nós na superfície, eles embaixo, eram minas terrestres. (Eles pareciam nunca usar mísseis, exceto a partir de naves no espaço.) Se você estivesse próximo do local, o choque do solo pegava você; se estivesse no ar quando uma explodisse, a onda de concussão podia confundir os seus giroscópios e botar o seu traje fora de controle.

Eu nunca tinha visto uma cratera maior do que escala quatro. A teoria é que eles não se arriscavam a usar explosões grandes demais por causa do dano a suas habitações trogloditas, mesmo que eles as blindassem.

— Ponha um rádio-farol deslocado, — eu disse a ele. — Avise aos líderes de seção e de esquadra.

— Já fiz, senhor. Direção um um zero, dois ponto um quilômetros. Traço-ponto-ponto. Já deve ser capaz de lê-lo, direção cerca de três três cinco de onde está. — Ele soava tão calmo quanto um sargento instrutor num treinamento e eu me perguntei se eu estava deixando minha voz ficar estridente.

Achei-o no visor, acima de minha sobrancelha esquerda - um longo e dois curtos. — Okay. Vejo que a esquadra de Cunha está quase em posição. Desmembre aquela esquadra, coloque ela patrulhando aquela cratera. Iguale as áreas - Brumby terá de pegar mais seis quilômetros de profundidade. — Pensei aborrecido que cada homem já tinha de patrulhar trinta e seis quilômetros quadrados; espalhar a manteiga tão fina assim queria dizer quarenta e quatro quilômetros quadrados por homem

— e um monte de insetóides pode sair por um buraco de menos de um metro e meio.

Acrescentei: — A cratera está muito "quente"?

— Ambar-vermelho na borda. Não fui dentro, senhor.

— Fique fora dela. Vou verificar depois. — Ambar-vermelho mataria um homem desprotegido, mas um soldado na blindagem pode agüentar por um bom tempo. Se havia aquele tanto de radiação na borda, o fundo iria sem dúvida fritar seus olhos. — Diga a Naidi para puxar Malan e Bjork de volta para a zona âmbar, e pra eles instalarem auscultadores de solo. — Dois dos meus cinco recrutas estavam naquela esquadra - e recrutas são como cachorrinhos; metem o nariz nas coisas.

— Diga a Naidi que estou interessado em duas coisas: movimento dentro da cratera... e barulhos no chão em volta dela.

— Nós não mandaríamos soldados através de um buraco tão radioativo que a mera passagem deles os mataria. Mas os insetóides fariam isso, se pudessem nos pegar desse jeito. — Mande Naidi me informar. A você e a mim, eu quero dizer.

— Sim, senhor. — Meu sargento de pelotão acrescentou:

— Posso dar uma sugestão?

— Claro. E não pare para pedir permissão da próxima vez.

— Navarre pode tomar conta do resto da primeira seção. O Sargento Cunha poderia ficar com a esquadra na cratera e deixar Naidi livre pra supervisionar a escuta do solo.

Eu sabia o que ele estava pensando. Naidi era cabo há tão pouco tempo que nunca tinha estado com uma esquadra no chão, não era bem o homem certo para cobrir o que parecia ser o pior ponto de perigo no Quadrado Preto Um; ele queria puxar Naidi de volta pela mesma razão que eu tinha feito isso com os recrutas.

Me perguntei se ele sabia o que eu estava pensando. Aquele "quebra-nozes" - ele estava usando o traje que tinha usado como assessor de Blackie no batalhão, tinha um circuito a mais do que eu, um circuito privado com o Capitão Blackstone.

Blackie estava provavelmente conectado e escutando por aquele circuito extra. Obviamente meu sargento não concordava com a minha disposição do pelotão. Se eu não aceitasse seu conselho, a próxima coisa que eu poderia ouvir seria a voz de Blackie cortando: "Sargento, assuma. Sr. Rico, está rendido/'

Mas - com os diabos! Um cabo que não tinha permissão para mandar em sua esquadra não era um cabo... e um líder de pelotão que era apenas um boneco de ventríloquo para o seu sargento era um traje vazio!

Não fiquei remoendo isso. Pensei rápido e respondi imediatamente: — Não posso desperdiçar um cabo pra ser babá de dois recrutas. Nem um sargento pra se encarregar de quatro soldados e um segundo cabo.

— Mas...

— Espere. Quero o sentinela da cratera substituído a cada hora. Quero que nossa primeira patrulha de varredura seja rápida. Líderes de esquadra vão informar qualquer buraco encontrado e dar as posições deles para que os líderes de seção, o sargento de pelotão e o líder do pelotão possam checá-los à medida que cheguem neles. Se não forem demais, colocaremos uma vigia em cada um deles - vou decidir depois.

— Sim, senhor.

— Na segunda volta eu quero uma patrulha lenta, tão apertada quanto possível, para pegar os buracos que não vimos na primeira varredura. Assistentes dos líderes de esquadra usarão visores nessa passagem. Líderes de esquadra pegarão a posição de qualquer soldado - ou trajes - no chão; os Querubins podem ter deixado feridos. Mas ninguém vai parar nem pra checar as medidas físicas até que eu ordene. Vamos saber a situação dos insetóides primeiro.

— Sim, senhor.

— Sugestões.

— Só uma, — ele respondeu. — Acho que os assistentes dos líderes de esquadra deveriam usar os visores naquela primeira passagem rápida.

— Muito bem, faça isso. — A sugestão dele fazia sentido já que a temperatura do ar na superfície era muito abaixo do que aquela que os insetóides usam em seus túneis; uma saída de ar camuflada devia aparecer como se fosse um gêiser na visão infravermelha. Olhei pra meu visor. — Os rapazes de Cunha estão quase no limite. Comece o seu desfile.

— Muito bem, senhor!

— Desligando. — Cliquei para o circuito amplo e continuei para a cratera enquanto escutava todo mundo de uma vez enquanto meu sargento de pelotão revisava o pré-plano - cortando fora uma esquadra, indo para a cratera, colocando o resto da primeira seção numa contramarcha de duas esquadras enquanto mantinha a segunda seção numa varredura rotacional como pré-planejado, mas com seis quilômetros a mais de profundidade; deu ordem para as seções se moverem, largou-as e pegou a primeira esquadra quando ela chegava na cratera de referência, deu a ela as instruções; cortou de volta para os líderes de seção com bastante tempo para dar a eles as novas posições nas quais fariam seus turnos.

Fez isso com a precisão elegante de um tambor-mor num desfile e o fez mais rápido e com menos palavras do que eu teria feito. Distribuir ordens num traje propulsado, com um pelotão espalhado por muitos quilômetros de terreno, é muito mais difícil do que marchar emproado num desfile - mas tem de ser exato, ou em ação você vai explodir a cabeça de seu companheiro... ou, neste caso, vai varrer parte do terreno duas vezes e esquecer a outra parte.

Mas o coordenador tem apenas uma tela de radar de sua formação; ele pode ver com seus olhos apenas os homens mais próximos. Enquanto eu escutava, observava em minha própria tela - vaga-lumes rastejando sobre meu rosto em linhas precisas, "rastejando" porque mesmo sessenta quilômetros por hora é um rastejar lento quando você comprime uma formação de trinta quilômetros de largura numa tela que um homem possa ver.

Estava escutando todo mundo ao mesmo tempo porque queria ouvir a conversa dentro das esquadras.

Não havia conversas. Cunha e Brumby deram seus comandos secundários - e se calaram. Os cabos falaram apenas quando mudanças na esquadra eram necessárias; os assistentes de líderes de esquadra e de seção fizeram correções ocasionais de intervalo e alinhamento - e os soldados não diziam coisa alguma.

Ouvi a respiração de cinqüenta homens como se fosse o chiado das ondas, quebrado apenas por ordens necessárias dadas com um mínimo de palavras. Blackie estava certo; o pelotão tinha sido entregue pra mim "afinado como um violino".

Eles não precisavam de mim! Eu podia ir pra casa e meu pelotão ficaria tão bem quanto comigo.

Talvez melhor...

Eu não tinha certeza se estava certo ao não colocar Cunha pra guardar a cratera; se aparecessem problemas ali e aqueles rapazes não pudessem ser alcançados em tempo, a desculpa de que eu tinha feito isso "pelo livro" era inútil. Se você morre, ou deixa alguém morrer, "pelo livro" é tão permanente quanto de qualquer outro jeito.

Me perguntei se os Rudes tinham uma vaga para um sargento.

A maior parte do Quadrado Preto Um era plana como a pradaria em torno do Acampamento Currie e muito mais estéril. Por isso eu estava grato; nos dava a única chance de ver um insetóide saindo de baixo e pegá-lo primeiro. Estávamos tão espalhados que intervalos de seis quilômetros e meio entre os homens e de uns seis minutos entre as passagens da varredura rápida eram uma patrulha tão apertada quando podíamos fazer. Não era apertado o bastante; qualquer lugar podia ficar fora de observação por pelo menos três ou quatro minutos entre as passagens - e um monte de insetóides podia sair de um buraco muito pequeno em três ou quatro minutos.

E claro que o radar pode ver mais do que o olho, mas não tão bem.

Pra piorar, não nos atrevíamos a usar nada além de armas seletivas de curto alcance - nossos próprios companheiros estavam espalhados ao redor de nós em todas as direções. Se um insetóide pipocasse e você atirasse com algo letal, era certo que não muito além daquele insetóide haveria um soldado; isso limitava bastante o alcance e a força do terror que você se atrevia a usar. Nesta operação apenas oficiais e sargentos de pelotão estavam armados com foguetes e, mesmo assim, nós não esperávamos usá-los. Se um foguete falha em achar seu alvo, tem o desagradável hábito de continuar a busca até que encontra um... e ele não pode diferenciar um amigo de um inimigo; o cérebro que pode ser metido num pequeno foguete é bastante estúpido.

Eu teria alegremente trocado aquela patrulha de área, com milhares de LM. à nossa volta, por um simples ataque de um pelotão no qual você sabe onde o seu próprio povo está e o resto é um alvo inimigo.

Não desperdicei tempo reclamando; nunca parei de qui-car até aquela cratera no ângulo de referência enquanto observava o chão e tentava observar o radar ao mesmo tempo. Não encontrei qualquer buraco dos insetóides mas pulei sobre um riacho seco, quase um canyon, que podia esconder alguns. Não parei para ver; simplesmente dei as coordenadas para o meu sargento de pelotão e disse a ele para que alguém verificasse.

Aquela cratera era até maior do que eu tinha imaginado; a Tours teria se perdido nela. Mudei meu contador de radiação para cascata direcional, fiz leituras do chão e dos lados - vermelho para mais de vermelho saindo da escala, muito insalubre para uma longa exposição até de um homem numa blindagem; estimei a largura e a profundidade pelo meu medidor de distâncias do capacete, então rondei em volta tentando achar bocas de túneis.

Não achei nenhuma, mas esbarrei com vigias da cratera colocados por outros pelotões do Quinto e do Primeiro Regimentos, assim arranjei para dividir a vigia por setores de modo que os sentinelas combinados pudessem gritar por socorro aos três pelotões, o repasse disso sendo feito pelo Primeiro Tenente De Campo dos "Caçadores de Cabeça" à nossa esquerda. Então peguei o segundo cabo de Naidi e metade de sua esquadra e os mandei de volta ao pelotão, relatando tudo isso ao meu chefe, e ao meu sargento de pelotão.

— Capitão, — eu disse a Blackie, — não estamos pegando vibrações no solo. Vou entrar e procurar buracos. As leituras mostram que não tomarei uma dosagem muito grande se eu...

— Jovenzinho, fique longe daquela cratera.

— Mas Capitão, eu só queria...

— Cale-se. Você não pode descobrir nada de útil. Fique fora.

— Sim, senhor.

As nove horas seguintes foram um tédio. Tínhamos sido pré-condicionados pra quarenta horas de serviço (duas revoluções do Planeta P) através de sono forçado, contagem de açúcar no sangue elevada e indoutrinação hipnótica, e é claro os trajes são preparados para necessidades pessoais. Os trajes não podem agüentar tanto tempo, mas cada homem estava carregando unidades de força extra e super cartuchos de ar a alta pressão para recarga. Mas uma patrulha sem ação é chata, e é fácil fazer besteira.

Fiz tudo que pude pensar, coloquei Cunha e Brumby como sargentos da patrulha (deixando assim o sargento de pelotão e o líder livres para andar por tudo lá); dei ordens para que as varreduras fossem repetidas em padrões preparados para que cada homem sempre examinasse terreno que era novo para ele. Há padrões sem fim para cobrir uma dada área, combinando as combinações. Além do que, consultei o meu sargento de pelotão e anunciei pontos de bônus para honra da esquadra para o primeiro buraco encontrado, o primeiro insetóide destruído, etc. -truques de campo de treinamento, mas quando ficar alerta significa ficar vivo, qualquer coisa vale para evitar o tédio.

Finalmente tivemos uma visita de uma unidade especial, três engenheiros de combate em um carro utilitário aéreo, escoltando um talento - um sensitivo espacial. Blackie tinha me avisado para esperar por ele. — Proteja-os e dê a eles o que eles quiserem.

— Sim, senhor. O que eles precisam?

— Como vou saber? Se o Major Landry quiser que você tire a sua pele e dance com os ossos a mostra, faça-o!

— Sim, senhor! Major Landry.

Passei a palavra adiante e preparei guarda-costas por sub-áreas. Então os encontrei quando pousaram porque estava curioso; nunca tinha visto um talento especial trabalhando. Eles pousaram do meu lado direito e saíram. O Major Landry e dois oficiais estavam usando blindagens e lança-chamas, mas o talento não tinha blindagem nem arma - apenas uma máscara de oxigênio. Estava vestido num velho uniforme sem insígnia e parecia terrivelmente entediado. Não fui apresentado a ele. Ele parecia um garoto de dezesseis anos... até que cheguei perto e vi a rede de rugas em volta dos olhos cansados.

Quando ele saiu tirou a máscara de oxigênio. Eu estava horrorizado e falei com o Major Landry, capacete a capacete, sem rádio. — Major... o ar aqui está "quente". Além do que, fomos avisados de...

— Boca fechada, — disse o Major. — Ele sabe disso. Me calei. O talento caminhou uma certa distância, virou-se e puxou o lábio inferior. Os olhos estavam fechados e ele parecia estar perdido em pensamentos.

Ele os abriu e disse zangado: — Como é que alguém pode trabalhar com todas essas pessoas idiotas pulando pra cima e pra baixo?

O Major Landry disse seco: — Coloque o seu pelotão no chão.

Engoli em seco e comecei a argumentar - então cortei para o circuito geral: — Primeiro Pelotão dos Blackguards - pro chão e congelar!

É um mérito do Tenente Silva que tudo que ouvi foi um eco duplo de minha ordem, à medida que ela era repassada para as esquadras. Eu disse: — Major, posso deixá-los se mover no solo?

— Não. E cale-se.

Dai a pouco o sensitivo voltou ao carro e colocou a máscara. Não havia espaço pra mim, mas tive a permissão - na verdade fui ordenado - de agarrar nele e ser rebocado; nos deslocamos um par de quilômetros. De novo o sensitivo tirou a máscara e andou por ali. Desta vez ele falou com um dos engenheiros de combate, que ficou concordando e desenhando numa prancheta.

A unidade de missão especial pousou umas doze vezes em minha área, cada vez fazendo a mesma rotina aparentemente sem sentido. Logo antes de irem embora, o oficial que tinha estado rascunhando puxou uma folha do fundo de sua caixa de rascunhos e me passou. — Aqui está o seu sub-mapa. A faixa vermelha é a única avenida dos insetóides na sua área. Está a uns trezentos metros de profundidade no ponto onde ela entra na sua área mas sobe constantemente em direção à sua retaguarda esquerda e sai dela a cerca de menos de cento e cinqüenta. A rede em azul claro que se junta a ela é uma grande colônia dos insetóides, os únicos lugares onde ela chega a menos de trinta metros da superfície estão marcados. Você pode colocar alguns auscultadores ali até que possamos ir lá e cuidar disso.

Olhei para o mapa. — Este mapa é confiável?

O oficial engenheiro deu uma olhada para o sensitivo, então disse muito calmamente para mim: — É claro que é, seu idiota! O que está tentando fazer? Aborrecer ele?

Eles se foram enquanto eu estudava o mapa. O engenheiro desenhista tinha feito um desenho duplo e a caixa os havia combinado numa imagem estéreo dos primeiros trezentos metros sob a superfície. Eu estava tão estupefato que tive de ser lembrado de tirar o pelotão do "congelar" - então retirei os auscultadores da cratera, peguei dois homens de cada esquadra e dei a eles as coordenadas daquele mapa infernal para que escutassem ao longo da estrada dos insetóides e sobre a cidade.

Informei isso a Blackie. Ele me cortou quando comecei a descrever os túneis dos insetóides por coordenadas. — O Major Landry repassou uma cópia do mapa para mim. Me dê apenas as coordenadas dos seus postos de escuta.

Assim fiz. Ele disse: — Não está mal, Johnnie. Mas também não como eu quero. Você colocou mais auscultadores do que precisa em túneis mapeados. Coloque quatro deles ao longo daquela pista de corrida dos insetóides, mais quatro num losango em volta da cidade. Isso deixa você com quatro sobrando. Coloque um no triângulo formado entre o seu ângulo direito traseiro e o túnel principal; os outros três na área maior do outro lado do túnel.

— Sim, senhor. — Eu acrescentei: — Capitão, podemos confiar neste mapa?

— O que o incomoda?

— Bem... é que parece magia. Ãh, magia negra.

— Oh. Olhe, filho, eu tenho uma mensagem especial do Marechal do Céu para você. Ele disse pra falar pra você que este mapa é oficial... e que ele vai se preocupar com tudo o mais pra que você possa dedicar todo o seu tempo para o pelotão. Compreende?

— Ãh, sim, Capitão.

— Mas os insetóides podem cavar bem rápido, então dê atenção especial aos postos de escuta fora da área dos túneis. Qualquer barulho naqueles quatro postos externos que seja mais alto do que o rugido de uma borboleta é pra ser informado imediatamente, não importa a sua natureza.

— Sim, senhor.

— Quando eles cavam, fazem um ruído como o de toucinho fritando - no caso de você nunca ter ouvido. Pare as varreduras de sua patrulha. Deixe um homem na observação visual da cratera. Deixe metade do pelotão dormir por duas horas, enquanto a outra metade forma pares para se revezar escutando.

— Sim, senhor.

— Você deve ver mais alguns engenheiros de combate. Aqui está o plano revisado. Uma companhia de escavadores vai explodir e tapar aquele túnel principal onde ele mais se aproxima da superfície, ou no seu flanco esquerdo, ou mais além no território dos "Caçadores de Cabeça". Ao mesmo tempo outra companhia de engenheiros vai fazer o mesmo no lugar onde aquele túnel se bifurca, uns cinqüenta quilômetros à sua direita no distrito do Primeiro Regimento. Quando os tampões estiverem nas posições, um bom pedaço da rua principal deles e um grande povoado estarão isolados. Enquanto isso, o mesmo tipo de coisa estará acontecendo numa porção de outros lugares. Depois disso... vamos ver. Ou os insetóides saem pra superfície e nós temos uma batalha campal, ou eles sentam bem onde estão e nós descemos atrás deles, um setor por vez.

— Compreendo. — Eu não tinha certeza de que compreendia, mas eu entendia a minha parte: rearranjar meus postos de escuta; botar metade do meu batalhão pra dormir. E então uma caçada aos insetóides - na superfície se tivéssemos sorte, nos subterrâneos se fôssemos obrigados.

— Faça com que o seu flanco estabeleça contato com a companhia de escavação quando ela chegar. Ajude-os se eles quiserem.

— Certo, Capitão, — eu concordei de coração. Engenheiros de combate são uma unidade quase tão boa quanto a infantaria; é um prazer trabalhar com eles. Numa batalha eles lutam, talvez não muito bem, mas bravamente. Ou continuam com seu trabalho, sem nem levantarem as cabeças, enquanto a batalha ruge em volta deles. Eles têm um lema não oficial, muito cínico e antigo: "Primeiro nós as cavamos, depois morremos nelas", para completar o seu lema oficial: "Podemos fazer!"

Ambos os lemas são a verdade literal.

— Trabalhe nisso, filho.

Doze postos de escuta queriam dizer que eu podia colocar meia esquadra em cada posto, com, ou um cabo, ou seu assistente, mais três soldados, então deixar dois de cada grupo de quatro dormindo enquanto os outros dois se revezam na escuta. Navarre e o outro assistente de líder de seção podiam vigiar a cratera e dormir, um por vez, enquanto os sargentos de seção podiam se revezar tomando conta do pelotão. A rearranjo não levou mais de dez minutos uma vez que eu tinha detalhado o plano e dado as coordenadas para os sargentos; ninguém tinha de se deslocar muito. Avisei todo mundo pra ficar de olhos abertos para uma companhia de engenheiros. Tão logo cada seção informou que seus postos de escuta estavam em operação, eu cliquei para o circuito amplo: — Números ímpares! Deitem-se, preparem-se para dormir... um... dois... três... quatro... cinco -dormir!

Um traje não é uma cama, mas é melhor que nada. Uma boa coisa sobre a preparação hipnótica para o combate é que, no improvável evento de uma chance para descansar, um homem pode ser posto pra dormir instantaneamente por um comando pós-hipnótico acionado por alguém que não é um hipnotizador - e acordado da mesma forma, instantaneamente, alerta e pronto pra luta. É uma coisa que salva vidas, porque um homem pode ficar tão exausto em batalha que ele atira em coisas que não estão lá e não consegue ver aquilo contra o quê deveria estar lutando.

Mas eu não tinha intenção de dormir. Eu não tinha recebido ordens pra dormir - e não tinha pedido. O próprio pensamento de dormir quando sabia que muitos milhares de insetóides estavam a apenas umas poucas dezenas de metros de mim fazia o meu estômago pular. Talvez aquele sensitivo fosse infalível, talvez os insetóides não pudessem nos alcançar sem alertar nossos postos de escuta.

Talvez... Mas eu não queria arriscar.

Cliquei para meu circuito privado. — Sarge...

— Sim, senhor?

— Você também pode tirar uma soneca. Ficarei de vigia. Deite-se e prepare para dormir... um... dois...

— Desculpe-me, senhor. Eu tenho uma sugestão.

— Sim?

— Se entendi o plano revisado, nenhuma ação é esperada pelas próximas quatro horas. O senhor poderia dormir agora e então...

— Esqueça isso, Sarja! Não vou dormir. Vou verificar os postos de escuta e ficar de olho naquela companhia de escavação.

— Muito bem, senhor.

— Vou checar o número três enquanto estou aqui. Você fica aqui com Brumby e descansa um pouco enquanto eu...

— Johnnie!

Eu parei. — Sim, Capitão? — Será que o Velho tinha estado escutando?

— Todos os postos estão instalados?

— Sim, Capitão, e meus números ímpares estão dormindo. Estou pra inspecionar cada um dos postos. Depois...

— Deixe o seu sargento fazer isso. Quero que você descanse.

— Mas, Capitão...

— Deite-se. Esta é uma ordem direta. Prepare-se para dormir... um... dois... três - Johnnie!

Capitão, com a sua permissão, eu gostaria de inspecionar meus postos primeiro. Depois descansarei, se o senhor insiste, mas eu preferia ficar acordado. Eu...

Blackie gargalhou em meu ouvido. — Olhe, filho, você dormiu por uma hora e dez minutos.

— Senhor?

Olhe a hora. — Eu o fiz - e me senti idiota. — Está bem acordado, filho?

— Sim, senhor. Eu acho.

— As coisas se aceleraram. Chame os seus números ímpares e coloque os pares pra dormir. Com sorte, eles terão uma hora. Troque-os, inspecione os seus postos e me chame de volta.

Fiz isso e comecei a minha patrulha sem dar uma palavra com o meu sargento de pelotão. Estava aborrecido tanto com ele como com Blackie - com meu comandante de companhia por ter me posto pra dormir contra a minha vontade; e quanto ao meu sargento de pelotão, eu tinha uma desconfiança de que isso não teria acontecido se ele não fosse o chefe de verdade e eu apenas um testa de ferro.

Mas após ter verificado os postos três e um (nada de sons, ambos estavam pra frente da área dos insetóides), eu me acalmei. Afinal, culpar um sargento, mesmo um sargento de frota, por algo que um capitão fez era bobagem. — Sarge...

— Sim, Sr. Rico?

— Quer tirar uma soneca com os números pares? Acordarei você um minuto ou dois antes deles.

Ele hesitou um pouco. — Senhor, eu gostaria de inspecionar os postos de escuta.

— Ainda não fez isso?

— Não, senhor. Passei a última hora dormindo.

— Ãhn?

Ele parecia embaraçado. — O Capitão me deu ordens para dormir. Colocou Brumby temporariamente encarregado e me pôs para dormir imediatamente após o senhor.

Comecei a responder, então ri incontrolavelmente. — Sarja? Vamos sair pra algum lugar e voltar a dormir. Estamos desperdiçando nosso tempo; o Capitão Blackie está dirigindo este pelotão.

— Já percebi, senhor, — ele respondeu formal, — que o Capitão Blackstone sempre tem uma razão pra tudo que faz.

Fiz que sim com a cabeça, pensativo, esquecendo que estava a quinze quilômetros do meu ouvinte. — Sim. Você está certo, ele sempre tem um motivo. Hmmm... visto que ele colocou a nós dois para dormir, deve querer que fiquemos acordados e alertas agora.

— Penso que sim

— Hmmm... alguma idéia do porquê?

Ele demorou um pouco pra responder. — Sr. Rico, — ele disse lentamente, — se o Capitão soubesse ele nos contaria; nunca soube que ele escondesse informações. Mas algumas vezes ele faz coisas de um certo modo sem ser capaz de explicar a razão. Os palpites do Capitão - bem, eu aprendi a respeitá-los.

— É mesmo? Os líderes de esquadra são todos números ímpares; eles estão dormindo.

— Sim, senhor.

— Alerte o segundo cabo de cada esquadra. Não vamos acordar ninguém... mas quando o fizermos, os segundos podem ser importantes.

— Certo.

Verifiquei o posto restante à frente, então cobri os quatro postos abraçando a vila dos insetóides, plugando meus fones em paralelo com os dos escutadores. Eu tinha de forçar a mim mesmo a escutar, pois você podia ouvi-los, lá embaixo, chilreando uns com os outros. Eu queria sair correndo e era justamente isso que não podia deixar eles perceberem.

Me perguntei se aquele "talento especial" não era simplesmente um homem com uma audição incrivelmente boa.

Bem, não importa como ele fez isso, os insetóides estavam onde ele disse que estariam. Lá na E.C.O. nós tínhamos recebido demonstrações de sons dos insetóides gravados; estes quatro postos estavam pegando o típico som de um ninho de uma grande cidade deles - aquele chilrear podia ser a fala deles (mas por que eles precisariam de fala se eram todos controlados à longa distância pela casta dos cérebros?), um farfalhar como o de gravetos e folhas secas, e um murmúrio alto de fundo que sempre é ouvido na cidades deles e que tinha de ser maquinaria - talvez o ar condicionado.

Não ouvi o silvo, o barulho de quebrar que eles fazem' quando estão escavando rochas.

Os sons ao longo da avenida dos insetóides eram diferente dos sons da cidade - um ronco de fundo baixo que aumentava pra um rugido de tempos em tempos, como se trafego pesado estivesse passando. Escutei no posto número cinco, então tive uma idéia - testei ela mandando o homem de prontidão em cada um dos quatro postos ao longo do túnel gritar "Marcar pra mim a cada vez que o ronco ficasse mais alto.

Dai a pouco eu informei. — Capitão...

— Sim, Johnnie?

— O tráfego ao longo da pista de corrida dos insetóides está todo indo na mesma direção, de mim para o senhor. A velocidade é aproximadamente cento e setenta e cinco quilômetros por hora, uma carga passa aproximadamente uma vez por minuto.

— Exato o bastante, — ele concordou. — Eu medi um-sete-três com um intervalo de cinco-oito segundos.

— Oh. — Me senti acabado, e mudei de assunto. — Ainda não vi aquela companhia de escavação.

— Nem vai ver. Eles escolheram um lugar entre o meio e a retaguarda da área dos "Caçadores de Cabeça". Desculpe, eu devia ter avisado você. Mais alguma coisa?

— Não senhor. — Desligamos e eu me senti melhor. Mesmo Blackie podia esquecer... e não havia nada de errado com a minha idéia. Saí da zona do túnel para inspecionar os postos de escuta à direita e atrás da área dos insetóides, o posto doze.

Como nos outros, havia dois homens dormindo, um escutando e outro de plantão. Eu disse para o que estava de plantão: — Pegando alguma coisa?

— Não, senhor.

O homem escutando, um dos meus cinco recrutas, olhou pra cima e disse: — Sr. Rico, acho que este microfone acabou de dar defeito.

— Vou checar isso, — eu disse. Ele se moveu para que eu pudesse encaixar meu conector junto com o dele.

"Toucinho fritando" tão alto que eu podia sentir o cheiro!

Acionei o circuito geral. — Primeiro pelotão acordar! Acordar e informar!

... e cliquei para o circuito dos oficiais. — Capitão! Capitão Blackstone! Urgente!

— Acalme-se, Johnnie. Informe.

— Sons de toucinho fritando, senhor, — eu respondi, tentando desesperadamente manter minha voz serena. — Posto doze nas coordenadas Esther Nove, Quadrado Preto Um.

— Esther Nove, — ele concordou. — Quantos decibéis?

Olhei apressadamente para o medidor. — Não sei, Capitão. Fora da escala. Soa como se eles estivessem bem embaixo dos meus pés!

— Ótimo! — ele aplaudiu - e eu imaginei como ele podia se sentir daquele modo. — As melhores notícias que tivemos hoje! Agora escute, filho. Acorde os seus homens...

— Já estão, senhor!

— Muito bem. Traga de volta dois auscultadores, coloque-os em pontos de teste em volta do posto doze. Tente descobrir onde os insetóides estão pra sair. E fique longe daquele lugar! Entendeu?

— Ouvi, senhor, — eu disse cuidadoso. — Mas não entendi.

Ele suspirou. — Johnnie, você ainda vai me deixar de cabelos brancos. Olhe, filho, nós queremos que eles saiam, quanto mais melhor. Você não tem o poder de fogo pra cuidar deles a não ser explodindo o túnel quando eles chegarem à superfície -e essa é a coisa que você não deve fazer! Se eles vierem em força, um regimento não pode cuidar deles. Mas isso é justo o que o General quer, e ele tem uma brigada de armas pesadas em órbita, esperando por isso. Então você ache onde eles vão sair, afaste-se e mantenha o lugar sob observação. Se você tiver sorte o bastante para ter uma grande ruptura na sua área, o seu reconhecimento será passado todo o caminho até o topo. Então continue com sorte e continue vivo! Entendido?

— Sim, senhor. Localizar a ruptura. Me afastar e evitar contato. Observar e relatar.

— Faça isso!

Trouxe de volta os auscultadores nove e dez do trecho do meio da "Avenida dos Insetóides" e coloquei-os próximos das coordenadas de Esther Nove à direita e à esquerda, parando a cada oitocentos metros para escutar procurando por "toucinho fritando". Ao mesmo tempo movi o posto doze em direção à nossa retaguarda, verificando se o som diminuía com a distância.

Nesse meio tempo o meu sargento de pelotão estava reagrupando o pelotão na área dianteira entre a vila dos insetóides e a cratera - todos os homens menos doze que estavam escutando o chão. Já que estávamos sob ordens para não atacar, nós dois estávamos preocupados com a perspectiva de ter o nosso pelotão disperso demais para apoio mútuo. Então o rearranjamos numa linha compacta de oito quilômetros de comprimento, com a seção de Brumby à esquerda, próxima da vila. Isso colocava os homens a menos de cem metros uns dos outros (quase ombro a ombro para nós), e ainda deixava nove dos homens nas estações de escuta dentro de uma distância na qual eles poderiam receber apoio de um flanco ou de outro. Apenas os três escutadores trabalhando comigo estavam fora de alcance para socorro imediato.

Disse a Bayonne dos Wolverines e Do Campo dos Caçadores de Cabeça que eu não estava mais patrulhando e porquê, e então informei do nosso reagrupamento o Capitão Blackstone.

Ele grunhiu. — À vontade. Já tem uma previsão da ruptura?

— Parece estar centrada em Esther Dez, Capitão, mas é difícil de definir. Os sons estão muito altos numa área de uns cinco quilômetros de largura - e essa área parece ficar mais ampla a cada momento. Estou tentando cercá-la num nível de intensidade baixo na escala. — Acrescentei: — Será que eles estariam fazendo um novo túnel horizontal bem junto da superfície?

Ele pareceu surpreso. — É possível, espero que não -queremos que eles saiam. — Ele acrescentou: — Me informe se o centro do ruído se mover. Verifique isso.

— Sim, senhor. Capitão...

— Ãhn? Fale.

— Nos disse pra não atacá-los quando eles saírem. Se eles saírem. O que nós faremos? Só assistir?

Houve um atraso grande, quinze ou vinte segundos, e pode ser que ele tenha consultado o "andar de cima". Por fim disse: — Sr. Rico, você não atacará em, ou próximo de Esther Dez. Em qualquer outro lugar - a idéia é caçar insetóides.

— Sim, senhor, — eu concordei alegremente. — Caçamos insetóides.

— Johnnie! — ele disse cortante. — Se você caçar medalhas ao invés de insetóides - e eu descobrir - você vai ter um Formulário Trinta e Um bastante triste!

— Capitão, — eu disse sinceramente, — eu nem ao menos quero ganhar uma medalha. A idéia é caçar insetóides.

— Certo. Agora pare de me aborrecer.

Chamei meu sargento de pelotão, expliquei a ele os novos limites sob os quais íamos trabalhar, disse a ele para passar a palavra adiante e pra se certificar que o traje de cada homem estava recém-carregado, de ar e de energia.

— Acabamos de fazer isso, senhor. Sugiro que substituamos os homens com o senhor. — Ele nomeou três substitutos.

O que era razoável, pois os meus escutadores do chão não tinham tido tempo de se recarregarem. Mas os substitutos que ele escolheu eram todos batedores.

Silenciosamente xinguei a mim mesmo pela minha completa estupidez. O traje de um batedor é tão rápido quanto um de comando, o dobro da velocidade de um traje de assalto. Eu estava com uma incômoda sensação de que tinha esquecido de algo, e vinha atribuindo isso ao nervosismo que eu sempre sinto quando estou perto dos insetóides.

Agora eu sabia. Aqui estava eu, a quinze quilômetros do meu pelotão, com três homens - todos em trajes de assalto. Quando os insetóides aparecessem eu teria de me defrontar com uma decisão impossível... a não ser que os três homens comigo pudessem se juntar aos outros tão rápido quanto eu. — Boa idéia, — eu concordei, — mas não preciso mais de três homens. Mande o Hughes, agora mesmo. Faça com que ele substitua Nyberg. Use os outros três batedores pra substituir os postos de escuta mais à frente.

— Só o Hughes? — ele disse duvidoso.

— Hughes é o bastante. Eu vou tomar conta de um dos auscultadores. Dois de nós podem cobrir esta área; já sabemos onde eles estão. — Eu acrescentei: — mande o Hughes aqui quicando.

Pelos próximos trinta e sete minutos nada aconteceu. Hughes e eu fomos pra cima e pra baixo ao longo dos arcos à frente e atrás de Esther Dez, ouvindo cinco segundos de cada vez e então mudando de lugar. Não era mais preciso assentar o microfone na rocha; era só encostá-lo no chão e pegar o som de "toucinho fritando" alto e claro. A área do barulho se expandia mas seu centro não mudava. Uma vez eu chamei o Capitão Blackstone para avisá-lo de que o som tinha parado abruptamente, e de novo três minutos depois para avisá-lo de que tinha recomeçado; no resto do tempo eu usava o circuito dos batedores e deixava o meu sargento de pelotão tomar conta do pelotão e dos postos de escuta próximos a ele.

No fim desse tempo, tudo aconteceu de uma vez.

Uma voz gritou no circuito dos batedores: — "Toucinho fritando"! Alberto dois!

Cliquei e gritei: — Capitão! "Toucinho fritando" em Alberto Dois Preto Um! — cliquei para a ligação com os pelotões à minha volta: — Mensagem de ligação! "Toucinho fritando" em Alberto Dois, Quadrado Preto Um! — e imediatamente ouvi Do Campo informando: — Sons de "Toucinho fritando" em Adolfo Três, Verde Doze.

Passei isso pra Blackie e cortei de volta para o circuito dos meus batedores. Ouvi: — Insetóides! Insetóides! SOCORRO!

Onde?

Sem resposta. Cliquei pra cima. — Sarja! Quem informou insetóides?

Ele respondeu: — Saindo da cidade deles - em Bancock Seis.

— Pegue eles! — eu cliquei para Blackie. — Insetóides em Bancock Seis, Preto Um - estou atacando!

— Ouvi a sua ordem, — ele respondeu calmamente. — E sobre Esther Dez?

— Esther Dez está... — o chão caiu sob meus pés e eu estava coberto de insetóides.

Eu não sabia o que tinha acontecido comigo. Eu não estava ferido; foi um pouco como cair nos galhos de uma árvore; mas aqueles galhos estavam vivos e ficavam me empurrando enquanto meus giroscópios reclamavam e tentavam me manter em pé. Cai de três a cinco metros, fundo o bastante para estar fora da luz do dia.

Então uma enxurrada de monstros vivos me carregou de volta para a luz - e o treinamento valeu a pena; aterrissei sobre meus pés, falando e lutando: — Ruptura em Esther Dez -não, Esther Onze, onde estou agora. Um grande buraco e eles estão jorrando pra fora, centenas. Mais do que isso. — Eu tinha um lança-chamas em cada mão e estava queimando eles enquanto informava.

— Saia dai, Johnnie!

— Recebido e entendido! — e comecei a pular.

E parei. Detive o salto a tempo, parei de queimar, e olhei de verdade - pois eu subitamente percebi que devia estar morto. — Correção, — eu disse, olhando e mal acreditando. — A ruptura em Esther Onze é uma finta. Não há guerreiros.

— Repita.

— Esther Onze, Preto Um. A ruptura aqui é totalmente de operários. Sem guerreiros. Estou cercado de insetóides e eles ainda estão jorrando, mas nenhum está armado e todos aqueles mais próximos de mim têm características de operários. Não fui atacado. — Acrescentei: — Capitão, acha que pode ter sido uma diversão? Com a ruptura real acontecendo em outro lugar?

— Pode ser, — ele admitiu. — O seu relatório está sendo passado para a Divisão, então deixe que eles cuidem do raciocínio. Movimente-se em volta e confira o que você relatou. Não assuma que são todos operários - você pode descobrir o contrário da pior forma.

— Certo, Capitão. — Pulei alto e longe, pretendendo sair daquela massa de monstros inofensivos mas repugnantes.

Aquela planície rochosa estava fervilhando de formas pretas em todas as direções. Sobrepus o controle dos jatos e aumentei o salto, gritando: — Hughes! Informe!

— Insetóides, Sr. Rico. Zilhões deles! Estou queimando-os!

— Hughes, dê uma boa olhada nesses insetóides. Algum deles está lutando? Não são todos operários?

— Ãh... — Atingi o solo e quiquei de novo. Ele continuou: — Ei! Está certo, senhor! Como sabia?

— Junte-se à sua esquadra, Hughes. — Cliquei pra cima.

— Capitão, vários milhares de insetóides saíram próximos daqui de um número indeterminado de buracos. Não fui atacado. Repito, não fui atacado de modo algum. Se há qualquer guerreiro entre eles, eles não estão atirando e estão usando os operários como camuflagem.

Ele não respondeu.

Houve uma luz extremamente brilhante bem longe à minha esquerda, seguida por outra igualzinha mas lá pra direita e pra frente; automaticamente anotei a hora e as coordenadas.

— Capitão Blackstone - responda! — No topo de meu salto tentei pegar o rádio-farol dele, mas o horizonte estava cheio de colinas em Quadrado Preto Dois.

Cliquei e chamei: — Sarja! Pode repassar minhas palavras para o Capitão?

Naquele mesmo instante o rádio-farol do meu sargento de pelotão se apagou.

Fui na direção daquelas coordenadas tão rápido quanto pude empurrar meu traje. Não tinha estado vigiando de perto minha tela, meu sargento estava com o pelotão e eu tinha estado ocupado, primeiro com a escuta do chão e, mais tarde, com umas poucas centenas de insetóides. Eu tinha suprimido tudo com exceção dos radiofaróis dos suboficiais para permitir que visse melhor.

Estudei a estrutura na tela, vi Brumby e Cunha, seus líderes de esquadra e os assistentes de seção. — Cunha! Onde esta o sargento de pelotão?

— Ele está fazendo o reconhecimento de um buraco, senhor.

— Diga a ele que eu estou a caminho, reagrupando. — Mudei de circuito sem esperar. — Primeiro Pelotão dos Blackguards para o Segundo Pelotão - respondam!

— O que você quer? — o Tenente Khoroshen grunhiu.

— Não posso alcançar o Capitão.

— Não vai, ele está fora de ação.

— Morto?

— Não. Mas está sem energia - então está fora.

— Oh. Então você é o comandante da companhia?

— Certo, certo, então o que? Quer ajuda?

— Ãh... não. Não, senhor.

— Então cale-se, — Khoroshen me disse, — até que precise de ajuda. Temos mais do que podemos cuidar aqui.

— Okay. — Subitamente descobri que eu tinha mais do que podia cuidar. Enquanto falava com Khoroshen, mudei pra tela inteira e curto alcance, quando estava quase em cima do meu pelotão - e agora via minha primeira seção desaparecer um a um, com o rádio-farol de Brumby desaparecendo primeiro.

— Cunha! O que está acontecendo com a primeira seção?

A voz dele soou forçada. — Eles estão seguindo o sargento de pelotão lá pra baixo.

Se há alguma coisa no livro que fale disso, eu não sei qual é. Brumby tinha atuado sem ordens? Ou ele tinha recebido ordens que eu não tinha ouvido? Bem, o homem já estava dentro de um buraco dos insetóides fora de vista e de escuta - isto é hora pra se preocupar com a minha autoridade? Iríamos arrumar essas coisas amanhã. Se algum de nos tivesse um amanhã...

— Muito bem, — eu disse. — Estou de volta agora. Informe. — Meu último salto me colocou entre eles; vi um insetóide saindo à minha direita e peguei-o antes de pousar. Não era um operário, esse - estava disparando enquanto se movia.

— Perdi três homens, — Cunha respondeu, arfando. — Não sei quantos Brumby perdeu. Eles irromperam de três lugares de uma vez - foi quando tivemos as baixas. Mas estamos acabando com os que sobraram deles...

Uma tremenda onde de choque me atingiu bem quando eu quicava de novo e me atirou pro lado. Três minutos e trinta e sete segundos - digamos uns cinqüenta quilômetros. Será que eram os nossos escavadores "colocando as rolhas"? — Primeira seção! Segurem-se para outra onda de choque! — Pousei desajeitado, quase em cima de um grupo de três ou quatro insetóides. Não estavam mortos mas não estavam lutando; apenas se contorcendo. Dei a eles de presente uma granada e quiquei de novo. — Acertem eles agora! — eu gritei. — Estão tontos. E não esqueçam da próxima...

A segunda explosão me acertou bem quando eu dizia aquilo. Não foi tão violenta. — Cunha! Faça a chamada da sua seção. E todo mundo continue quicando e acabando com eles.

A chamada foi irregular e lenta - muitos homens desaparecidos pelo que eu podia ver na minha tela do estado físico do homens. Mas estávamos acabando com os insetóides com precisão e rapidez. Me posicionei no perímetro e peguei uma meia dúzia de insetóides, o último dos quais se tornou subitamente ativo quando eu o queimava. Por que a concussão os atordoou mais do que a nós? Porque não usavam blindagem? Ou era o insetóide cérebro deles, em algum lugar lá embaixo, que estava atordoado?

A chamada apresentou dezenove efetivos, mais dois mortos, dois feridos, e três fora de ação por defeitos no traje - e dois desses últimos Navarre estava consertando canibalizando unidades de força dos mortos e feridos. O defeito do terceiro traje era no rádio & radar e não podia ser consertado, então Navarre designou o homem para guardar os feridos, a coisa mais próxima de uma recolha que podíamos fazer antes de sermos substituídos.

No meio tempo, eu estava inspecionando, com o Sargento Cunha, os três lugares onde os insetóides tinham surgido de seus ninhos lá embaixo. Uma comparação com o mapa subterrâneo mostrou, como se podia imaginar, que eles tinham corado saídas nos lugares onde seus túneis eram mais próximos da superfície.

Um buraco tinha se fechado; era uma pilha de rochas soltas. O segundo não mostrava atividade dos insetóides; disse a Cunha pra colocar um segundo cabo e um soldado ali com ordens para matar insetóides que aparecessem sozinhos, e fechar o buraco com uma bomba se eles começassem a vir aos montes - está tudo bem que o Marechal do Céu sentasse lá em cima e decidisse que os buracos não deveriam ser fechados, mas eu tinha uma situação, não uma teoria.

Então olhei para o terceiro buraco, aquele que tinha engolido meu sargento de pelotão e metade de meu pelotão.

Aqui um corredor dos insetóides vinha a menos de seis metros da superfície e eles tinham apenas removido o teto de ms quinze metros de túnel. Pra onde a rocha ia, o que causava aquele barulho de "toucinho fritando" enquanto eles cavavam, eu não podia dizer. O teto rochoso tinha se ido e os lados do buraco eram inclinados e cheios de sulcos. O mapa mostrava o que devia ter acontecido; os outros dois buracos vieram de pequenos túneis laterais, este túnel era parte do labirinto principal deles - então os outros dois tinham sido diversões e o ataque principal deles tinha vindo daqui.

Será que esses insetóides podem ver através de rocha sólida?

Nada estava à vista no fundo daquele buraco, nem insetóide nem humano. Cunha apontou a direção em que a segunda seção tinha seguido. Fazia sete minutos e quarenta segundos que o sargento de pelotão tinha descido, um pouco mais de sete desde que Brumby tinha ido atrás dele. Tentei enxergar dentro da escuridão, engoli em seco e contrai meu estômago. — Sargento, tome conta da sua seção, — eu disse, tentando fazer isso parecer animador. — Se precisar de ajuda, chame o Tenente Khoroshen.

— Ordens, senhor?

— Nenhuma. A não ser que alguma venha de cima. Estou descendo pra achar a segunda seção - então posso estar fora de contato por um tempo. Então pulei no buraco de uma vez, porque meus nervos estavam se descontrolando.

Atrás de mim eu ouvi: — Seção!

— Primeira esquadra!... Segunda esquadra!... Terceira esquadra!

— Por esquadras! Sigam-me! - e Cunha também pulou no buraco.

Não é nem de longe tão solitário desse jeito.

Fiz com que Cunha deixasse dois homens na abertura pra cobrir nossa retaguarda, um no chão do túnel e outro ao nível da superfície. Então os liderei pelo túnel que a segunda seção tinha seguido, me movendo tão rápido quanto possível - o que não era rápido, já que o teto do túnel estava bem sobre nossas cabeças. Um homem pode se mover mais ou menos como se estivesse patinando num traje propulsado sem erguer seus pés, mas isso não é fácil nem natural; poderíamos ter corrido mais rápido sem a blindagem.

Os visores foram imediatamente necessários - depois do que confirmamos algo sobre o que havia teorias: os insetóides vêem por infravermelho. Aquele túnel escuro estava bem iluminado quando visto pelos visores. Até ali ele não tinha qualquer característica especial - apenas paredes de rocha envidraçada em arco sobre um chão liso e nivelado.

Chegamos num túnel que cortava este em que estávamos e eu parei próximo dele. Havia doutrinas sobre como você deveria dispor uma força de ataque em subterrâneos - mas que valor elas tinham? A única certeza era que o homem que tinha escrito as doutrinas nunca as tinha experimentado... porque, antes da Operação Realeza, ninguém tinha voltado pra dizer o que funcionava e o que não.

Uma doutrina dizia pra guardar cada interseção tal como esta. Mas eu já tinha usado dois homens para guardar nossa saída de emergência; se deixasse dez por cento de minha força em cada interseção, logo logo eu perderia todos os meus homens.

Decidi que ficaríamos juntos... e decidi também que nenhum de nós seria capturado. Não pelos insetóides. É muito melhor um negócio imobiliário belo e limpo... e com aquela decisão um peso tinha sido tirado de minha mente e eu não estava mais preocupado.

Tentei olhar com cuidado dentro da interseção. Nada de insetóides. Então chamei no meu circuito dos suboficiais: — Brumby!

O resultado foi espantoso. Você mal ouvia a sua própria voz quando usava o rádio do traje, já que estava isolado do sinal. Mas aqui, nesta rede subterrânea de corredores lisos, o sinal voltava para mim como se todo o complexo fosse um enorme guia de ondas:

— BRRRRUMMBY!

Meus ouvidos zumbiram com isso.

E depois zumbiram mais ainda: — SR. RRRICCCO!

— Não tão alto, — eu disse, tentando falar muito suavemente. — Onde você esta?

Brumby respondeu, não tão ensurdecedor: — Senhor, eu não sei. Estamos perdidos.

— Bem, fique calmo. Estamos indo pegar você, você não pode estar muito longe. O sargento de pelotão está com você?

— Não, senhor. Nós nunca...

— Espere. — Cliquei para o meu circuito privado. — Sarge...

— Estou recebendo, senhor. — Sua voz soava calma e ele estava mantendo o volume baixo. — Eu e Brumby estamos em contato pelo rádio mas não conseguimos nos encontrar.

— Onde você esta?

Ele hesitou um pouco. — Senhor, meu conselho é para que se encontre com a seção de Brumby - e então retorne para a superfície.

— Responda minha pergunta.

— Sr. Rico, podia passar uma semana aqui embaixo e não me achar... não posso me mover. Você deve...

— Pare, Sarja! Está ferido?

— Não, senhor, mas...

— Então por que não pode se mover? Problemas com os insetóides?

— Montes deles. Eles não podem me alcançar agora... mas eu não posso sair. Então eu acho que é melhor...

— Sarja, está desperdiçando tempo! Estou certo de que você sabe exatamente que curvas virou. Agora me diga, enquanto eu olho no mapa. E me dê uma leitura de seu indicador de posição inercial. Esta é uma ordem direta. Informe.

Ele o fez, precisa e concisamente. Liguei a lâmpada em minha cabeça, joguei pra cima os visores e segui a descrição dele no mapa. — Certo, — eu disse dai a pouco. — você está quase diretamente sob nós e dois níveis abaixo - e eu sei que caminho tomar. Estaremos aí tão logo peguemos a segunda seção. Aguarde. — Cliquei pra cima. — Brumby...

— Aqui, senhor.

— Quando você chegou na primeira interseção do túnel você foi pra direita, esquerda ou direto em frente?

— Direto em frente, senhor.

— Okay. Cunha, traga-os. Brumby, você teve problemas com os insetóides?

— Agora não, senhor. Mas foi assim que nos perdemos. Brigamos com um monte deles... e quando estava acabado, estávamos perdidos.

Comecei a perguntar sobre as baixas, então decidi que as notícias ruins podiam esperar; queria reunir meu pelotão e sair dali. Uma cidade de insetóides sem insetóides à vista era de algum modo mais incômodo do que os insetóides que esperávamos encontrar. Brumby nos guiou através das duas bifurcações seguintes e eu joguei bombas de tropeço em cada corredor que não usamos. "Tropeço" é um derivado do gás de nervos que tínhamos usado contra os insetóides no passado - ao invés de matar, ele dá a qualquer insetóide que corra através dele um tipo de tremor incontrolável. Tínhamos recebido ele para esta única operação e eu teria trocado uma tonelada dele por uns poucos quilos do material verdadeiro. Ainda assim, ele podia proteger nossos flancos.

Numa longa extensão do túnel, perdi contato com Brumby - alguma esquisitice na reflexão das ondas de rádio, eu acho, pois o peguei de novo na interseção seguinte.

Mas ali ele não podia nos dizer pra que lado ele virou. Este era o lugar, ou próximo do lugar, onde os insetóides os tinham atacado.

E ali os insetóides nos atacaram.

Eu não sei de onde eles vieram. Num instante tudo estava quieto. Então ouvi o grito de — Insetóides! Insetóides! — de trás na coluna, me virei - e subitamente os insetóides estavam em todo lugar. Suspeito que aquelas paredes lisas não eram tão sólidas como pareciam; esse é o único jeito que posso explicar o modo como eles de repente estavam à nossa volta e entre nos.

Não podíamos usar os lança-chamas, não podíamos usar bombas; tínhamos grandes chances de atingir uns aos outros. Mas os insetóides não tinham essa limitação entre eles se pudessem pegar um de nós. Mas tínhamos braços e tínhamos pés...

Não pode ter durado mais de um minuto, depois não havia mais insetóides, só pedaços deles no chão... e quatro soldados caídos.

Um deles era o Sargento Brumby, morto. Durante a bagunça a segunda seção tinha reagrupado. Eles não estavam muito longe, se mantendo bem juntos para que não se perdessem ainda mais no labirinto, e tinham ouvido a luta. Ouvindo-a, tinham sido capazes de localizá-la pelo som, quando não tinham sido capazes de fazer pelo rádio.

Cunha e eu nos certificamos de que nossas baixas estavam mortas mesmo, então consolidamos as duas seções em uma de quatro esquadras e fomos pra baixo - e encontramos os insetóides que tinham o nosso sargento de pelotão sitiado.

Aquela luta não durou tempo algum, porque tínhamos sido avisados do que esperar. Ele tinha capturado um insetóide cérebro e estava usando o seu corpo inchado como escudo. Ele não podia sair, mas eles não podiam atacá-lo sem (muito literalmente) cometer suicídio atingindo o próprio cérebro.

Não tínhamos essa desvantagem; acertamos eles por trás.

Então eu estava olhando para a coisa horrenda que ele estava segurando e me sentindo exultante apesar de nossas perdas, quando de repente ouvi aquele barulho de "toucinho fritando" se aproximar. Um grande pedaço do teto caiu em cima de mim e a Operação Realeza estava encerrada no que me dizia respeito.

Acordei na cama e pensei que estava lá na E.C.O. e tinha acabado de ter um pesadelo particularmente longo e complicado com os insetóides. Mas não estava na E.C.O.; estava na enfermaria temporária do transporte de tropas Argonne, e realmente tinha tido um pelotão meu durante quase doze horas.

Mas agora eu era apenas mais um paciente, sofrendo de envenenamento por oxido nitroso e superexposição à radiação por ter estado fora da blindagem por mais de uma hora até ser recolhido, mais costelas quebradas e uma pancada na cabeça que tinha me posto fora de ação.

Isso foi muito antes de eu ter entendido tudo que aconteceu na Operação Realeza e algumas coisas eu nunca saberei. Por exemplo, por que Brumby levou a sua seção para os subterrâneos? Brumby está morto e Naidi comprou a campa ao lado da dele e eu estou contente que eles tivessem apanhado suas divisas e as estivessem usando naquele dia no Planeta P quando nada saiu de acordo com o plano.

Eu descobri, mais tarde, por que meu sargento de pelotão decidiu descer na cidade dos insetóides. Ele tinha ouvido eu informar o Capitão Blackstone que a "ruptura maior" era na verdade uma finta, feita com operários sendo enviados para serem massacrados. Quando insetóides guerreiros de verdade irromperam onde ele estava, ele concluiu (corretamente e minutos antes que o Estado-Maior chegasse à mesma conclusão) que os insetóides estavam fazendo uma tentativa desesperada, ou não iriam gastar seus operários apenas para atrair nosso fogo.

Ele viu que o contra-ataque deles feito a partir da cidade dos insetóides não tinha força suficiente, e concluiu que o inimigo não tinha muitas reservas - e decidiu que, nesse único momento dourado, um homem agindo sozinho podia ter uma chance de atacar, achar a "realeza" e capturá-la. Lembre-se, aquele era todo o propósito da operação; tínhamos força suficiente para esterilizar o Planeta P, mas nosso objetivo era capturar as castas reais e aprender como ir lá embaixo. Então ele tentou isso - agarrou aquele momento - e teve sucesso nas duas coisas.

Isso deu um "missão cumprida" para o Primeiro Pelotão dos Blackguards. Não muitos pelotões, de uma grande quantidade, muitas centenas, podiam dizer isso; nenhuma rainha foi capturada (os insetóides as mataram primeiro) e apenas seis cérebros. Nenhum dos seis foi trocado, não viveram o suficiente. Mas os rapazes da Guerra Psicológica conseguiram seus espécimens vivos, então acho que a Operação Realeza foi um sucesso.

Meu sargento de pelotão recebeu uma comissão de campo. Não me ofereceram uma (e não teria aceitado) - mas não fiquei surpreso ao saber que ele tinha sido comissionado. O Capitão Blackie tinha me dito que eu estava pegando "o melhor sargento na frota" e eu nunca tinha tido qualquer dúvida de que a opinião de Blackie estava correta. Eu já tinha encontrado o meu sargento de pelotão antes. Acho que nenhum Blackguard sabia disso - não por mim e certamente não por ele. Duvido que o próprio Blackie soubesse. Mas eu conhecia o meu sargento de pelotão desde o meu primeiro dia como recruta. O nome dele é Zim.

 

Minha parte na Operação Realeza não me pareceu um sucesso. Passei na Argonne mais do que um mês, primeiro como paciente e depois como visitante antes de eles conseguirem entregar a mim e a umas poucas dúzias de outros em Santuário; isso me deu tempo demais pra pensar - na maior parte do tempo sobre as baixas, e sobre que droga de trabalho eu tinha feito no meu pouco tempo no solo como líder de pelotão. Eu sabia que não tinha mantido tudo equilibrado do jeito que o Tenente fazia - oras, eu nem tinha dado um jeito de ser ferido enquanto ainda lutava; tinha deixado um pedaço de rocha cair na minha cabeça.

E as baixas - eu não sabia quantas eram; sabia apenas que quando fiz a chamada havia apenas quatro esquadras e tinha começado com seis. Não sabia quantas baixas mais tivemos antes de Zim levá-los para a superfície, antes que os Blackguards fossem substituídos e recolhidos.

Nem ao menos sabia se o Capitão Blackstone ainda estava vivo (ele estava - de fato ele estava de novo no comando por volta do momento em que eu fui lá pra baixo) e não tinha idéia de qual era o procedimento quando um candidato estava vivo e o examinador morto. Mas eu tinha certeza de que meu Formulário Trinta e Um me tornaria um sargento de novo. Realmente não parecia importante que meus livros de matemática estivessem em outra nave.

De qualquer forma, quando me deixaram sair da cama na primeira semana que eu passei na Argonne, após ter ficado vadiando e meditando por um dia, peguei emprestados alguns livros de um dos oficiais mais novos e comecei a trabalhar. Matemática é trabalho duro e ocupa a sua mente. E não faz mal aprender tudo o que puder sobre ela, não importa em que posto você está; tudo de alguma importância está fundamentado na matemática.

Quando finalmente me apresentei na E.C.O. e devolvi minhas insígnias, descobri que ainda era um cadete ao invés de um sargento. Acho que Blackie me concedeu o benefício da dúvida.

Meu colega de quarto, Anjo, estava em nosso quarto com os pés sobre a mesa - e em frente de seus pés estava um pacote, meus livros de matemática. Ele olhou pra cima e pareceu surpreso. — Oi, Juan! Pensamos que você tinha comprado a sua!

— Eu? Os insetóides não gostam tanto de mim. Quando você vai?

— Oras, eu já fui, — Anjo protestou. — Saí no dia seguinte a você, fiz três quedas e já estou de volta há uma semana. Por que você demorou tanto?

— Peguei o caminho mais longo pra casa. Passei um mês como passageiro.

— Algumas pessoas têm sorte. Que quedas você fez?

— Nenhuma, — eu admiti.

Ele me encarou. — Algumas pessoas têm toda a sorte!

 

Quem sabe Anjo estava certo; finalmente eu me graduei. Mas ele forneceu um pouco da sorte, me ensinando com paciência. Acho que a minha "sorte" costuma ser as pessoas - Anjo e Jelly e o Tenente e Carl e o Tenente-Coronel Dubois, sim, e meu pai, e Blackie... e Brumby... e Ace... e sempre o Sargento Zim. Capitão Zim, agora, com o posto permanente de Primeiro Tenente. Não seria correto que eu acabasse superior a ele.

Bennie Montez, um colega de classe, e eu estávamos no campo de pouso da Frota no dia após a nossa graduação, esperando para ir a bordo de nossas naves. Éramos segundos tenentes tão novatos que receber continência dos outros nos deixava nervosos e eu estava disfarçando isso lendo uma lista das naves em órbita de Santuário - uma lista tão longa que ficava claro que algo grande estava pra acontecer, muito embora eles não tivessem se importado em contar pra mim. Me senti excitado. Meus dois maiores desejos tinham sido realizados de uma vez - fui enviado pra minha antiga equipe e meu pai ainda estava lá. E agora isso, o que quer que fosse, queria dizer que eu em breve receberia o polimento da prática sob o Tenente Jelal, com uma queda importante por vir.

Estava tão excitado que não podia falar sobre o assunto, então estudei as listas. Ufa, que monte de naves! Estavam separadas por tipos, eram muitas para se achar de outro jeito. Comecei a ler a lista das de transporte de tropas, as únicas que importam para um LM.

Lá estava a Mannerheim! Havia alguma chance de ver Carmen? Provavelmente não, mas eu podia mandar uma mensagem pra ela e descobrir.

Grandes naves - a nova Valley Forge e a nova Ypres, Marathon, El Alamein, Iwo, Gallipoli, Leyte, Marne, Tours, Gettysburg, Hastings, Alamo, Waterloo - todos os lugares onde os pés-de-lama tinham feito seus nomes brilharem.

Pequenas naves, as que recebiam nomes em homenagem aos pés-de-lama: Horatius, Alvin York, Swamp Fox, a Rog, abençoada seja, Coronel Bowie, Devereux, Vercingetorix, Sandino, Aubrey Cousens, Kamehameha, Audie Murphy, Xenophon, Aguinaldo...

Eu disse: — Devia haver uma chamada Magsaysay.

Bennie disse: — O que?

— Ramón Magsaysay, — eu expliquei. — Um grande homem e grande soldado - provavelmente seria o chefe da guerra psicológica se estivesse vivo hoje. Você nunca estudou história?

— Bem, — admitiu Bennie, — eu aprendi que Simón Bolívar construiu as Pirâmides, acabou com a Invencível Armada e fez a primeira viagem pra Lua.

— Você esqueceu de que ele se casou com Cleópatra.

— Ah, isso. É. Bem, acho que cada nação tem sua própria versão da história.

— Tenho certeza disso. — Acrescentei algo pra mim mesmo e Bennie perguntou: — O que você disse?

— Desculpe, Bernardo. É só um velho ditado em minha língua. Acho que você pode traduzir ele, mais ou menos, como: "Casa é onde seu coração está."

— Mas que língua era?

— Tagalog. Minha linguagem nativa.

— Não falam inglês padrão de onde você vem?

— Oh, claro. Pra negócios e escola e assim por diante. Só falamos a velha língua um pouco em casa. Tradições, você sabe.

— Sim, eu sei. Minha família tagarela em español do mesmo jeito. Mas de onde você... — O alto falante começou a tocar "Meadowland"; Bennie abriu um sorriso. — Tenho um encontro com uma nave! Cuide-se, camarada! Até mais.

— Cuidado com os insetóides. — Me virei e continuei lendo os nomes das naves: Pal Maleter, Montgomery, Tchaka, Geronimo...

Então ouvi o som mais doce do mundo: — ... brilha o nome, brilha o nome de Rodger Young!

Agarrei minha mochila e me apressei. "Casa é onde seu coração está." Eu estava indo pra casa.

 

Cada ano ganhamos um pouco. Você tem de manter um senso de proporção.

— Já é hora, senhor. — Meu oficial subalterno sob instrução, Candidato ou "Terceiro Tenente" Pata de Urso, estava em pé junto à minha porta. Ele parecia e soava terrivelmente jovem, era tão inofensivo quanto seus ancestrais caçadores de escalpo.

— Certo, Jimmie. — Eu já estava na blindagem. Caminhamos em direção à popa, para a sala de queda. Eu disse, enquanto íamos: — Uma palavrinha, Jimmie. Fique grudado em mim e fora do meu caminho. Divirta-se e use a sua munição. Se acontecer de eu comprar a minha, você é o chefe - mas se você for esperto, vai deixar o seu sargento de pelotão lhe dar os sinais.

— Sim, senhor.

Quando entramos, o sargento de pelotão os colocou em posição de sentido e prestou continência. Eu a respondi e disse: — À vontade, — e comecei a passar pela primeira seção enquanto Jimmie examinava a segunda. Então também inspecionei a segunda seção, verificando tudo em cada homem. Meu sargento de pelotão é muito mais cuidadoso do que eu, por isso não achei nada, nunca achava. Mas faz com que os homens se sintam melhor se o Velho deles examina tudo com cuidado - além do que, é o meu trabalho.

Então fui para a frente no meio das duas seções. — Outra caçada aos insetóides, rapazes. Esta é um pouco diferente, como vocês sabem. Visto que eles ainda têm prisioneiros nossos, não podemos usar uma bomba-nova em Klendathu - então desta vez vamos pra baixo, ficamos lá, mantemos a posição, tomamos o território deles. O veículo não descerá para nos recolher; ao invés disso trará mais munição e rações. Se vocês caírem prisioneiros, mantenham as cabeças erguidas e sigam as regras - porque terão toda a unidade por trás de vocês, terão toda a Federação por trás de vocês; iremos lá e os pegaremos. É com isso que os rapazes do Swamp Fox e do Montgomery têm estado contando. Aqueles que ainda estão vivos estão esperando, sabendo que vamos aparecer. E aqui estamos nós. Agora vamos lá pegá-los.

— Não esqueçam que termos ajuda ao redor, montes de ajuda acima de nós. Tudo com que temos de nos preocupar é com nosso pequeno pedaço, exatamente como ensaiamos.

— Uma última coisa. Recebi uma carta do Capitão Jelal logo antes de sairmos. Ele diz que as novas pernas funcionam bem. Mas também me pediu pra dizer a vocês que ele pensa em vocês... e espera que os seu nomes brilhem!

— E eu também. Cinco minutos para o Padre.

Senti que começava a tremer. Foi um alívio quando pude colocar eles em posição de sentido de novo e acrescentar: — Por seções... bombordo e estibordo... preparar para queda!

Eu estava bem quando inspecionei cada homem em seu casulo de um lado, com Jimmie e o sargento de pelotão cuidando do outro. Então fechamos Jimmie na cápsula número três da linha central. Logo que o rosto dele estava coberto, os tremores realmente me pegaram.

Meu sargento de pelotão pôs o braço em volta dos meus ombros blindados. — Tal qual um treino, filho.

— Sei disso, pai. — Parei de tremer imediatamente. — É a espera, só isso.

— Eu sei. Quatro minutos. Devemos ser fechados, senhor?

— Agora mesmo, pai. — Dei um rápido abraço nele, deixei a tripulação da Marinha nos fechar. Os tremores não começaram de novo. Logo eu estava pronto para relatar: — Ponte! Rudes de Rico... prontos para a queda!

— Trinta e um segundos, Tenente. — Ela acrescentou:

— Boa sorte, rapazes! Desta vez vamos pegá-los!

— Certo, Capitã.

— Ok. Que tal um pouco de música enquanto esperam?

— Ela ligou a música:

— Para a eterna glória da Infantaria...

 

 

                                                                  Robert A. Heinlein

 

 

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