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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


TSCHATO, O LEÃO / William Voltz
TSCHATO, O LEÃO / William Voltz

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Há meses Perry Rhodan, Atlan e Reginald Bell estão desaparecidos nas profundezas do espaço.

Nem os plofosenses, de quem foram prisioneiros, nem os rebeldes de Badum permitiram que tivessem acesso a um hipercomunicador. E quando os bigheads dispensaram os desaparecidos, uma vez cumprida sua tarefa, a nave automática não os levou para a Terra, conforme esperavam, mas para a estação dos “mortos vivos”.

Nessa estação, situada em pleno círculo da morte formado pelos raios gama, Atlan conseguiu, pondo em risco a própria vida, ativar certos aparelhos que enviaram uma mensagem que não poderia deixar de ser ouvida...

A nave Tramp, que era um cruzador ocupado por ratos-castores, era a única espaçonave solar que estava ao alcance dos impulsos transmitidos e entra em contato com os desaparecidos.

Mas para salvar Perry Rhodan e seus companheiros precisa-se de outros recursos além dos de que dispõe a Tramp e sua heterogênea tripulação. Há necessidade de um couraçado comandado por um homem que não tem nervos, por um homem que arrisca tudo.

Tschato, o Leão... é este homem.

 

Quando o torpedo espacial se encontrava a apenas quarenta e cinco milhas da superfície do pequeno mundo de oxigênio, o mesmo foi atingido por um impulso emitido pela nave Lion, que se encontrava nas profundezas do espaço e estourou na camada intermediária da estratosfera em que costumam entrar em combustão os meteoros que caem sobre o planeta. Uma esfera de luz cuja luminosidade parecia superar a do Sol estendeu-se numa fração de segundo, alcançando um diâmetro de dez milhas. A estes fenômenos seguiu-se a onda de pressão.

O rugido da explosão fez com que trezentos aconenses estremecessem em seus abrigos à prova de bombas. Os contrabandistas aconenses sabiam perfeitamente que o torpedo que acabara de ser disparado só representava uma advertência, mas cometeram o erro de ver nele uma provocação.

Confiavam na força combativa de duas naves de transporte armadas que circulavam em torno do planeta. Se o terrano que os atacava fosse bastante forte — raciocinavam — não teria hesitado em aproximar-se do planeta. Mas o torpedo viera do espaço, e os rastreadores só mostravam a nave inimiga sob a forma de um débil impulso de interferência.

Se naquele momento os aconenses vissem o tenente Nome Tschato, que estava confortavelmente sentado em sua poltrona de comando, eles se mostrariam dispostos a capitular. Até mesmo os mais empedernidos entre eles, para os quais a simples visão de um gigante de pele negra e dentes brilhantes talvez não fosse suficiente, teriam fraquejado se vissem o couraçado Lion, de quinhentos metros de diâmetro, com suas torres de canhões e tubos lança-torpedos.

Lion — Leão. Ninguém melhor que Nome Tschato para simbolizar o nome desta nave. Com seus dois metros de altura e os ombros largos, o tenente Nome Tschato parecia um leão sonolento que se refestelava no Sol.

No entanto, este oficial era cercado por uma auréola de periculosidade. Talvez fosse por causa de sua maneira de falar: baixo, mas com ênfase. Ou então pelo simples fato de ser um homem que sabia tomar decisões instantâneas.

Geralmente Tschato era animado por uma alegria tranqüila, que perante os subordinados degenerava facilmente num suave sarcasmo, enquanto nas situações perigosas o oficial demonstrava um humor feroz. Era um verdadeiro camaleão espiritual, cujo cérebro funcionava com a lógica precisa de um matemático.

Quando os rastreadores da Lion registraram a explosão do torpedo, Tschato reagiu ao acontecimento com uma piscada quase imperceptível.

Dan Picot, o imediato, que estava sentado à frente de Tschato, soltou um suspiro de alívio. Qualquer reação do comandante incutia-lhe a esperança de que um dia pudesse compreender seu superior hierárquico. Enquanto isso Picot afirmava que trabalhar com Tschato lhe dava úlceras — e seu aspecto parecia confirmar estas palavras. Seu rosto tinha a cor da areia escura do deserto e nele havia linhas finas, que se aprofundavam na direção do queixo, dando a impressão de que o tenente era um homem triste.

— Está bem, senhor — disse com a voz rouca.

— Agora estes caras já sabem a quantas andam.

— Pigarreou, e sua voz parecia mais desembaraçada quando prosseguiu: — Espero receber a qualquer momento a oferta de capitulação. Quais serão suas condições?

Tschato apontou com o dedo indicador sobre a grande tela do rastreador espacial. Havia duas manchas claras que indicavam a presença de duas espaçonaves. Sabia que as mesmas pertenciam a um grupo de naves aconenses.

— Condições? — repetiu Tschato em tom delicado. — O mínimo que teremos de fazer é apresentar um ultimato aos aconenses, antes que eles se manifestem.

Picot ficou sem saber se isso era uma ordem para transmitir as respectivas instruções ao operador de rádio. Mas Tschato livrou-o da preocupação, fornecendo pessoalmente o texto do ultimato ao operador de rádio.

Picot lançou um olhar nervoso para o relógio de bordo. A aparente lentidão do comandante, despertava a impressão de que várias horas se tinham passado desde o primeiro contato. Mas ao olhar para o relógio, Picot viu que não era nada disso. Fazia trinta e sete minutos que tinham disparado o torpedo espacial. Dali se concluía que não fazia mais de uma hora que tinham chegado ao sistema. A Lion mantinha-se imóvel no espaço. Bastava uma ordem de Tschato para que esta situação mudasse em uma questão de segundos. Além dos canhões energéticos, o couraçado possuía desintegradores, bombas arcônidas e torpedos de neutrinos. Mas sua arma mais temível eram os sete canhões conversores.

Se a Lion atacasse com todos os seus armamentos, um novo sol surgiria neste setor do espaço, face ao tremendo potencial energético de suas armas.

Dez minutos passaram-se sem que se notasse o menor movimento no mundo de oxigênio, que servia de base aos aconenses. Não havia nenhum ocupante da Lion que não soubesse o que os aconenses faziam neste setor do espaço. Suas naves traziam ininterruptamente armas e aparelhos altamente sofisticados para os blues. Os habitantes do Sistema Azul não faziam isso por pura bondade ou por simpatia para com os blues. Os interesses mercantis também desempenhavam um papel, embora secundário, nessa atividade.

Os aconenses planejavam a longo prazo. Trabalhavam em centenas de lugares ao mesmo tempo. Até então suas tentativas de derrotar a raça terrana tinham fracassado. Nessa altura acreditavam que os blues cuidariam disso para eles, assim que as rivalidades internas do Império atingissem o ponto culminante.

Na Via Láctea não havia mais ninguém que duvidasse da morte de Perry Rhodan. Especialmente os aconenses. Enquanto simulavam tristeza na arena política, e seus diplomatas derramavam lágrimas de crocodilo em todas as recepções a que compareciam nos mundos terranos, suas frotas espaciais transportavam quantidades enormes de artigos bélicos para o setor leste da Via Láctea.

Demonstrando um cinismo a toda prova, apertavam as mãos dos terranos consternados, enquanto era todos os setores do espaço eram travadas batalhas sangrentas entre as naves terranas e aconenses. Isso acontecia toda vez que as mesmas se encontravam.

Tschato não apertava a mão de ninguém. Os astronautas não se deixavam enganar pelas falas diplomáticas. Cada arma que os aconenses conseguiam contrabandear para os blues significava a morte de muitos seres humanos.

O tenente Nome Tschato fez um movimento na poltrona de comando.

O leão está acordando”, pensou Dan Picot numa ansiosa expectativa.

Dali a um instante Tschato ergueu as sobrancelhas, e os olhos apareceram em todo o tamanho.

— Não — decidiu Tschato com a maior calma.

— Vamos entregar-lhes pessoalmente o ultimato. Pousaremos e destruiremos o depósito de armamentos.

O pomo-de-adão de Picot deu um ligeiro salto. Quem dera que Tschato perdesse o costume de anunciar as tarefas mais difíceis como se fossem um piquenique.

Pelos planetas do Universo”, pensou Picot, “o que eu não daria para vê-lo fora de si uma única vez que fosse.”

Picot assumiu o comando. A Lion acelerou. Em comparação com sua tremenda capacidade de aceleração — que chegava a 600 km/seg — ela parecia lenta que nem um peixe velho e cansado que se aproxima duma presa ainda mais lenta.

De repente Nome Tschato, que não tirava os olhos dos rastreadores, disse:

— As duas naves aconenses estão saindo da órbita.

— Que coisa engraçada — exclamou Picot. Como astronauta experiente, sabia que as dificuldades começariam antes do pouso. Se imaginasse o que tinha pela frente, sem dúvida ficaria calado.

— O senhor precisa de um tampão na boca — disse Tschato. Entrou em contato com a sala de artilharia.

Picot sabia que para a operação em que estavam empenhados tinham recebido plenos poderes de Julian Tifflor e outros membros do governo solar. Essa operação fazia parte de uma guerra não declarada, que os aconenses conduziam com a maior brutalidade, enquanto do lado terrano se fazia o possível para reduzir as vítimas ao mínimo possível.

Os oficiais de artilharia da Lion entraram em prontidão. Mas Tschato queria evitar uma batalha a todo custo. Mandou que o operador de rádio expedisse o sinal de advertência para as naves aconenses.

Picot sabia qual seria a resposta.

Esta veio dentro de alguns segundos e consistiu num palavrão bastante apreciado, não somente entre os terranos.

Tschato lançou um olhar triste para seu imediato.

— Gostaria que estes cavalheiros fossem um pouco mais delicados — disse. Mas o tom de sua voz logo mudou. — Ativar campos defensivos! — ordenou.

Picot olhou para as telas de imagem. Os dois pontos luminosos que representavam as naves inimigas tinham ficado maiores. Era apenas uma questão de tempo que os primeiros tiros energéticos fossem disparados contra a Lion.

Picot sentiu-se pequeno e desolado. Conhecia Tschato e sabia que o mesmo sempre concedia a primeira salva ao inimigo, antes de desferir seu golpe. Era bem verdade que a resposta de Tschato a estas demonstrações de espírito belicoso costumavam ser bastante violentas.

Tschato olhou atentamente para as duas naves aconenses, que tinham mudado de posição.

— Talvez possamos passar entre elas — disse.

Picot achou preferível não investigar se estas palavras eram uma manifestação de bom-humor ou se exprimiam uma incrível ingenuidade. Poderiam fazer uma porção de coisas, menos passar entre as duas naves sem serem transformados em uma bolha energética.

— Senhor — disse Picot. — Está na hora de mudarmos de rota.

Tschato examinou os computadores de bordo. Os aparelhos positrônicos calculavam, numa questão de microssegundos, com base em todos os dados disponíveis, a freqüência provável dos impactos que a nave sofreria. Os rastreadores estavam acoplados com estes aparelhos, fazendo com que o processamento de dados tivesse início assim que a nave inimiga disparasse um tiro.

Às vezes os computadores até saíam vencedores. Os pilotos automáticos eram informados com tamanha rapidez sobre o provável lugar onde o inimigo fizera pontaria, que tinham tempo de modificar a rota da nave por alguns segundos de grau. Em virtude da velocidade que as naves combatentes desenvolviam, isso bastava para que a nave visada estivesse a algumas milhas do local do impacto.

Os impactos que não eram reconhecidos em tempo perdiam-se no campo defensivo da nave ou — quando se acumulavam e sua intensidade aumentava — causavam avarias na nave ou sua destruição.

— Os aconenses esperam que mudemos de rota — observou Tschato.

Picot sentiu ondas de frio e de calor percorrerem seu corpo. Será que este afro-terrano maluco queria mesmo conservar a rota? Isto equivaleria a se apresentarem aos aconenses sob a forma de alvo em queda livre, escrevendo em grandes letras luminosas no casco da nave: Favor acertar aqui.

Olhou para Tschato, que acompanhava os acontecimentos com a maior indiferença. Os homens que se encontravam na sala de comando lançavam olhares para Picot, olhares estes que exprimiam um pedido para que o mesmo fizesse logo alguma coisa para impedir a consumação do plano do comandante.

Estamos todos à mercê deste terrível leão”, pensou entre respeitoso e desejoso de revoltar-se. “Está brincando conosco e se diverte com a brincadeira.”

Com o rosto fechado, desviou-se dos olhares dos homens. Não, não se rebelaria contra este felino enorme que tinha o aspecto de uma criatura humana.

Nome Tschato recebeu os resultados dos cálculos realizados pelos circuitos positrônicos.

— Sempre podemos dar a impressão de que estamos mudando de rota — disse.

Picot precipitou-se para a frente em sua poltrona. Suas mãos passavam agilmente sobre os comandos automáticos. A Lion desviou-se num ângulo de quase sete graus. O planeta usado pelos aconenses como depósito das armas transportadas aproximou-se rapidamente. No momento as telas mostravam a quarta parte inferior da esfera planetária. Neste ponto a palavra inferior é empregada em relação à posição dos observadores no interior da sala de comando da Lion.

As naves aconenses reagiram com uma lentidão martirizante.

Tschato observava as naves como se fossem insetos que pudesse destruir com uma única patada.

— Voltar à rota antiga! — ordenou.

As orelhas de Picot esquentaram. A rota que estava programando entrava em contradição com qualquer tipo de raciocínio sensato. O quarto de esfera do planeta transformou-se numa semi-esfera, enquanto a Lion se precipitava em sua direção em velocidade crescente.

As naves aconenses reagiram de uma maneira que provavelmente só poderia ter sido prevista por Tschato, o que significava que não sabiam o que fazer. A manobra da nave terrana devia ter criado uma tremenda confusão nas suas salas de comando.

Mas de repente aproximaram-se que nem marimbondos enfurecidos. Sua forma era quase idêntica à da Lion. O diâmetro de seus envoltórios esféricos era suficientemente grande para deixar Picot nervoso. Fazia votos de que se tratasse de naves cargueiras armadas, não de naves de guerra.

Naquele momento as três naves formavam, do ponto de vista geométrico, um triângulo que repousava sobre um dos ângulos. O ângulo inferior era formado pela Lion. As naves inimigas aproximaram-se em ângulos diferentes. Além disso, havia o deslocamento em profundidade e altitude, que era insignificante, já que com seu arriscado estratagema Tschato atraíra os aconenses para um único plano de manobra.

Por estranho que possa parecer, a nave que tinha de percorrer a maior distância no interior do triângulo imaginário foi a que primeiro se aproximou a distância de tiro. Certamente estava acelerando muito mais fortemente que a outra.

Os indicadores saltaram para os valores máximos, quando uma torrente energética atingiu o campo defensivo da Lion. Os indicadores de carga aproximaram-se perigosamente do vermelho. Os gigantescos geradores rugiram ao fornecerem quantidades suplementares de energia ao campo defensivo da nave. Esta parecia vibrar.

Finalmente Tschato deu ordem para responder ao fogo. Ele o fez quase no mesmo instante em que a segunda nave aconense se precipitou por cima da Lion, para a escuridão do vazio do espaço, não sem antes disparar um enxame de torpedos esguios.

A Lion deu um salto para a frente. Foi um salto de trinta milhas. Depois disso os canhões de conversão entraram em ação. A nave que atacara em primeiro lugar dividiu-se em duas partes, uma das quais se desmanchou numa questão de segundos num raio de luz. Da outra parte saíram barcos de salvamento que se afastaram às pressas. Dirigiam-se ao planeta mais próximo.

A Lion passou por cima dos destroços, pronta para oferecer resistência ao segundo atacante.

Quando o inimigo remanescente se aproximou, Picot teve a impressão de que as atitudes hesitantes da tripulação aconense se tinham transmitido ao vôo da nave.

Sentado em sua poltrona de comando, Tschato parecia firme que nem uma rocha. Mostrou-se calmo e seguro de si como sempre.

Bem que deveria odiá-lo”, pensou Picot, irritado. “Mas que diabo, não consigo.”

Olhou para o capitão Walt Heintmann. O rapaz louro e magro ficou com o rosto tenso enquanto contemplava a tela panorâmica. Sem dúvida era o elemento mais competente na jovem oficialidade da nave. Ao contrário de Tschato, vez por outra mostrava suas emoções. Naquele momento estava com medo. Ao menos parecia inseguro.

Mais uma vez o couraçado estremeceu quando a nave aconense abriu fogo. Tschato recebeu o impacto com o fleuma de um jogador de pôquer que sabe perfeitamente que tem as melhores cartas e só precisa esperar o momento em que seu parceiro perde os nervos.

Os aconenses estavam perdendo os nervos. Provavelmente sentiam pavor daquela nave terrana que, desprezando aparentemente sua própria segurança, corria em direção ao mundo que eles mantinham ocupado.

Um torpedo espacial rompeu num ponto o campo defensivo da nave aconense. Abriu um rombo na cúpula polar da mesma. O veículo espacial cambaleou que nem um balão atingido por uma forte ventania. Seus tripulantes manobraram-na da melhor forma possível para fora do alcance das armas terranas.

A nave tinha sido reduzida a destroços.

Picot suspirou. Tschato fitou-o e sorriu que nem um demônio negro.

— Vamos pousar — anunciou em tom indiferente, sem dar atenção a um verdadeiro enxame de foguetes defensivos que saíam da atmosfera do planeta e se aproximavam da Lion.

Picot acenou com a cabeça. Pousariam mesmo. Fora o que Tschato acabara de dizer. Como sempre, o leão teria razão.

Nos minutos seguintes os homens que guarneciam a sala de artilharia fizeram um verdadeiro exercício de tiro ao alvo contra os foguetes e destruíram dois terços dos mesmos antes que estes chegassem perto da Lion. O resto passou ao lado da nave e foi absorvido pelo campo defensivo.

O caminho da Lion estava livre. No momento em que o couraçado penetrava na atmosfera, chegou uma mensagem dos contrabandistas aconenses. Estavam oferecendo a capitulação. Quem levou a notícia foi Dawson, chefe da equipe de rádio.

— Diga-lhes que devem evacuar os depósitos — disse o comandante. — Informe-os de que dispõem de uma hora. Depois disso bombardearemos seu estabelecimento.

Picot acenou com a cabeça. Era a única maneira de destruir os gigantescos depósitos de armamentos que os aconenses haviam instalado neste mundo. Tschato quis evitar a ocorrência de mortes. Os aconenses já sofreriam bastante por terem de ficar sem alojamentos e equipamentos, à espera das primeiras naves cargueiras. O planeta tornara-se impróprio para servir de depósito, já que os terranos tinham descoberto sua posição.

Os aconenses procuraram negociar. Em vez de cumprir as condições impostas por Tschato, ofereceram-se para entregar todas as armas. Mas Tschato não estava interessado em entendimentos. A frota conhecia os truques que os aconenses viviam usando para salvar parte das mercadorias contrabandeadas.

— Uma hora — disse Tschato em tom firme, dirigindo-se para Dawson. Olhou para o relógio. — Informe-os de que já passaram dez minutos. E bom que se apressem; daqui a cinqüenta minutos cairão as primeiras bombas.

O oficial de rádio transmitiu a informação. Desta vez não houve resposta, mas as pessoas que se encontravam na sala de comando tinham certeza de que naquela altura os aconenses estavam fugindo precipitadamente de sua base.

A Lion voltou a entrar numa órbita em torno do planeta. Ficou suspensa mil e setecentas milhas acima do estabelecimento dos mercadores de armas, adaptando sua velocidade ao movimento de rotação do planeta.

Cinco minutos antes da hora marcada para o início do bombardeio o comandante aconense chamou pessoalmente e disse que queria falar com o comandante da nave terrana.

Tschato saiu calmamente da poltrona de comando e dirigiu-se à sala de rádio. Dawson e um de seus auxiliares cederam-lhe o lugar.

O aconense tinha rosto comprido e magro. Seus olhos chispavam ódio. Mas sua voz soava calma quando cumprimentou Tschato com toda delicadeza. Tschato viu perfeitamente o revestimento de um computador positrônico atrás do aconense. O terrano logo percebeu que era de propósito. O aconense queria enfatizar o fato de que ainda se encontrava no estabelecimento.

— O senhor está sendo leviano — disse Tschato. — Daqui a três minutos destruiremos sua base.

O contrabandista teve de fazer um grande esforço para não perder o autocontrole.

— Pois eu lhe digo uma coisa, terrano — chiou. — Nenhum dos meus homens abandonou o estabelecimento. Faz mesmo questão de tornar-se assassino trezentas vezes?

Um sorriso triste apareceu no rosto de Tschato. Então era isso. Os aconenses tentavam explorar a mentalidade terrana em seu benefício. Os mercadores de armas tinham certeza de que dificilmente um terrano teria bastante sangue frio para mandar despejar bombas sobre um estabelecimento habitado por trezentos aconenses.

— Lamento que seja tão insensato — declarou Tschato. — A destruição da base será iniciada daqui a dois minutos. Isto não muda.

O comandante aconense deu livre curso aos seus sentimentos.

— O senhor não se atreverá, seu sujo...

Tschato fez sinal para que Dawson cortasse a ligação e voltou ao seu lugar.

— Pelo amor de Deus, senhor — fungou Picot. — O que vamos fazer? Será que devemos pousar e tirá-los de lá a soco?

Tschato recostou-se confortavelmente na poltrona.

— Faltam trinta segundos — disse sem olhar para Picot.

As pessoas que vivem lá embaixo são criminosas”, pensou Picot febrilmente. “Segundo as leis interestelares merecem castigos pesados. Mas despejar de sangue frio uma saraivada de bombas sobre elas era algo que diferia bastante de uma punição correta. Precisava explicar isso àquele homem preto. Mas antes que tivesse tempo para formular um protesto, as primeiras bombas explodiram.”

Tudo não demorou mais de dez minutos. A base dos aconenses tinha sido reduzida a escombros. Tschato levantou-se e foi para junto de Dawson. Picot seguiu-o com os olhos. Sentia-se amargurado.

— Sparks — disse Tschato — se esse aconense cheio dos truques voltar a chamar, transmita-lhe minhas recomendações e diga-lhe que o melhor meio de pegar lebres selvagens é espalhar sal no rabo delas.

— Não acredito que lá embaixo ainda haja uma coisa viva, senhor — respondeu Dawson em tom penetrante.

Isso, mostre-lhe”, pensou Picot deprimido. “Ele merece. Como é que alguém pode brincar depois de uma coisa dessas?

— Tenho a impressão de que o senhor formou uma opinião totalmente falsa neste assunto — constatou Tschato em tom indiferente. Colocou uma de suas mãos gigantescas sobre o ombro de Dawson. — Os trezentos aconenses estão todos vivos. Saíram da base, conforme sugerimos. Não acredite que o senhor se deixe enganar por um transmissor que eles carregaram e pelo revestimento desmontado de um computador positrônico, Sparks.

O rosto de Dawson ficou mais alegre.

— É claro que não, senhor — apressou-se a confirmar.

Tschato ergueu o dedo indicador, num gesto professoral.

— O que será que um grupo de aconenses que vai abandonar sua base faz questão de levar consigo? Um transmissor, para mais tarde poder entrar em contato com certas naves. Quanto ao revestimento do computador positrônico, o mesmo foi colocado de maneira ostensiva demais em nosso ângulo de visão.

— Ele tem razão — disse Picot em voz baixa. — Nem mesmo um aconense é capaz de enganar este diabo preto.

Esperava que Tschato voltasse para perto dele, mas de repente Dawson inclinou-se para a frente em sua poltrona. Regulou os rastreadores estruturais para grandes distâncias.

— Olhe, senhor!-— exclamou. — Parece que uma nave está entrando em transição.

— Os impulsos são muito fracos — constatou Tschato sem o menor nervosismo. — Acontece que na Galáxia existe quase um milhão de naves que ainda usam propulsores de transição.

As amplitudes registradas pelos rastreadores estruturais repetiam-se a intervalos regulares. Tschato e o chefe da equipe de rádio contemplavam os aparelhos em silêncio. Picot não agüentou mais em seu lugar; também foi à sala de rádio.

— Esquisito — resmungou Dawson. Transmitiu os dados colhidos aos homens que estavam sentados à frente dos computadores positrônicos.

— Daqui a pouco estaremos em condições de avaliar a distância aproximada destes impulsos — prometeu em tom exaltado. — Não sei o que pensar.

— Tem certeza de que se trata de uma espaçonave que está entrando em transição, Sparks? — perguntou Tschato.

— Não estou, não — confessou o operador de rádio. — Os grupos rítmicos estão longe de apresentar as características de uma transição. Até parece que uma nave está saltando ininterruptamente entre o espaço normal e o hiperespaço, sem sair do lugar.

— Impossível! — exclamou Picot.

— Talvez seja mais de uma nave — conjeturou Nome Tschato. — Será que não é uma frota que está penetrando no hiperespaço?

— A conversão de energia difere de uma nave para outra — disse Dawson. — Quer dizer que se fosse uma frota as amplitudes seriam diferentes. É uma coisa louca.

— Acho que não devemos preocupar-nos com isso — sugeriu Picot. — Peço permissão para lembrar que ainda temos de examinar outros sistemas.

— É verdade — disse Tschato, esticando as palavras, mas no momento poderia estar pensando em tudo, menos em bases aconenses.

Duprene, lógico-chefe da Lion, chegou com os resultados da interpretação dos impulsos captados. Era um homem baixo, de corpo quadrado e olhos penetrantes, cujo raciocínio funcionava com uma precisão milimétrica. Balançou sobre os pés, enquanto entregava os primeiros resultados a Tschato.

— Hum — fez o comandante. — O lugar do qual vêm os impulsos que estamos recebendo fica a mais de oito mil anos-luz deste mundo. Por isso a reação dos instrumentos é tão fraca. — Olhou Picot de lado. — É bem verdade que para um rápido vôo linear é uma distância insignificante.

As rugas do rosto de Picot aproximaram-se. O leão estava farejando alguma coisa. E nada o faria perder a pista.

— Vamos dar uma olhada — sugeriu Picot em tom azedo, pois sabia perfeitamente quais seriam as ordens de Nome Tschato.

— A sugestão merece ser considerada — disse Tschato em tom generoso.

Fechou os olhos, fazendo de conta que precisava concentrar-se.

— Vamos fazer a determinação exata da posição dessas transmissões misteriosas — decidiu Tschato depois de algum tempo.

A Lion abandonou a órbita do mundo ocupado pelos aconenses, precipitando-se espaço a fora. Para uma nave isolada não era nada fácil determinar a posição exata de uma série de abalos estruturais. Mas os tripulantes da Lion tiveram sorte. Os impulsos vinham das proximidades de um sistema solar. A estrela representava um ponto de referência exato para os resultados da interpretação.

Assim que o destino foi fixado, Tschato deu ordem para que a Lion acelerasse. O couraçado passou para o vôo linear. A cada mil e quinhentos anos-luz Tschato dava ordem para retornar por um breve lapso de tempo ao espaço normal. Depois de cada retorno os impulsos tornavam-se mais intensos.

Quando a Lion concluiu a terceira manobra de retorno ao universo einsteiniano, novos sinais foram captados. Eram confusos e muito fracos. Mas não havia dúvida de que se tratava de um pedido de socorro.

Dawson, o chefe da equipe de rádio, pediu que o tenente Tschato comparecesse à sala de rádio. Estava muito nervoso. Entregou ao afro-terrano uma fita estreita com a mensagem recebida.

Nome Tschato limitou-se a lançar um ligeiro olhar para a fita. Era quanto bastava. Qualquer oficial da frota terrana conhecia a mensagem. Mas até então a mesma nunca tinha sido recebida por quem quer que fosse.

RhAtBu-QQYR-doze-quinze-oitocentos e oitenta e oito mil quatrocentos e trinta-NoTri.

Isso podia significar que alguém tinha encontrado Rhodan. Mas também podia significar que alguém queria aplicar um truque sujo.

Tschato entregou a fita a Dawson, que a recebeu com as mãos trêmulas.

— O senhor acredita que encontramos uma pista de Perry Rhodan? — perguntou Dawson.

Tschato piscou como quem tem sono. Mas estava bem acordado. Dali a alguns segundos transmitiu suas ordens aos tripulantes.

O leão estava seguindo a pista.

 

No hangar da Lion estavam guardadas três astronaves auxiliares ultramodernas de sessenta metros de comprimento, do tipo girino. Estas astronaves estavam equipadas com propulsores lineares. Estes veículos espaciais eram importantes principalmente para as unidades que se arriscavam a avançar para os setores mais distantes da Via Láctea. O melhor hipercomunicador não seria capaz de atravessar uma distância enorme como, por exemplo, a que separava a Lion da área de interesses mais próxima dos terranos.

A primeira coisa de que Tschato se lembrou quando os aparelhos de rádio dá Lion captaram a mensagem sobre Rhodan foi o fato lamentável de que não havia como transmitir o pedido de socorro a um destacamento da frota terrana. Dependiam exclusivamente de seus próprios recursos.

O tenente Nome Tschato não se iludiu. A Lion não estava em condições de enfrentar sozinha as dificuldades que, segundo tudo indicava, encontraria pela frente.

Dali a pouco, ao constatar que o pedido de socorro tinha sido expedido pela Tramp, um cruzador tripulado por ratos-castores, Nome Tschato tomou uma decisão importante.

Pediu que o capitão Walt Heintman comparecesse à sua presença.

Contemplou o oficial esbelto com uma aparente falta de interesse.

— O senhor receberá uma missão especial, capitão — anunciou Tschato.

Heintman esforçou-se para descobrir no rosto indiferente de Tschato o que este tinha em mente.

Tschato saiu da poltrona de comando. Ficou parado à frente do capitão em todo o tamanho e robustez, uma verdadeira encarnação de heróis lendários. Picot ficou surpreso ao notar que a admiração ia tomando conta dele. Reprimiu este sentimento e prestou atenção ao que Tschato tinha a dizer.

— O senhor e mais alguns homens ocuparão a Lion III e voarão com a velocidade máxima em direção ao centro da Galáxia, capitão.

— É possível que haja combates por aqui, senhor — objetou Heintman. — Deve haver um oficial mais idoso para...

— O senhor avisará o primeiro destacamento da frota terrana que conseguir encontrar — prosseguiu Tschato em tom penetrante. — Avise ao respectivo comandante terrano que entramos em contato com o cruzador dos ratos-castores Tramp que, ao que tudo indica, descobriu uma pista de Rhodan.

— Sim senhor — respondeu Heintman em tom enérgico.

— Apresse-se — pediu Tschato.

O capitão Walt Heintman retirou-se da sala de comando. Os tripulantes da nave auxiliar foram convocados às pressas. Dali a quatorze minutos as eclusas do hangar abriram-se e a Lion III penetrou no espaço. Dali a alguns segundos disparou em direção ao centro da Via Láctea.

— Lá vai nosso seguro de vida — disse Tschato, dirigindo-se a Dan Picot.

— Sem dúvida precisaremos dele, senhor — respondeu Picot.

Dali a uma hora a Lion prosseguiu em vôo linear. Voltou ao espaço normal a cinqüenta anos-luz do sol desconhecido.

Dirigiu seus rastreadores e goniômetros para o sistema.

Dawson conseguiu localizar as frotas dos blues que combatiam nesta área.

— Há milhares de naves à nossa frente, senhor — informou. — Acho que será um setor bastante desconfortável para uma nave terrana isolada.

Com um gesto apressado, Tschato reduziu a objeção à insignificância.

— Os blues estão se combatendo uns aos outros. Devem estar tão ocupados consigo mesmo que dificilmente nos causarão problemas.

— Com sua permissão, senhor: Existem muitos casos em que os blues se uniram de repente, quando se tratava de atacar uma nave terrana — disse Dawson.

Tschato cruzou os braços musculosos sobre o peito.

— Seja como for, sempre seremos uma única nave — disse. — Temos de pautar nossas ações de acordo com esta realidade. Mas podemos aumentar nossa segurança por meio de um pequeno truque.

Dan Picot fechou os olhos. Estava conformado. Se necessário, Tschato tiraria Perry Rhodan do inferno de fogo de um sol. O único alívio da tripulação seria a permissão de abrir o fecho da túnica do uniforme.

— Vamos soltar mais uma nave-girino — ordenou Tschato. — Prepare-se, capitão Vertrigg.

O oficial idoso ao qual Tschato acabara de dirigir-se levantou-se de seu lugar.

— O senhor é nosso segundo seguro de vida — disse o tenente. — Em hipótese alguma deverá trair-se com a nave-girino. Sua tarefa consistirá exclusivamente em manter contato pelo rádio com a Lion.

— Contato pelo rádio? — fungou Picot. — Nossas mensagens serão ouvidas, senhor.

— É o que eu espero — disse Tschato, deixando estupefatas as pessoas que o ouviam. — De qualquer maneira os blues nos descobrirão. Trocaremos mensagens com o capitão Vertrigg. Vertrigg deve fingir que se trata de uma frota, de guerra terrana em aproximação.

Picot contemplou a tela panorâmica. Enquanto Vertrigg corria para o hangar, ficou refletindo sobre a situação. Estavam prestes a penetrar numa área repleta de naves dos blues. Para sua segurança, Nome Tschato enviara o capitão Walt Heintman com a Lion III em busca de auxílio. Não se sabia quando Heintman voltaria com outras naves... se é que voltaria.

Ah sim, a Lion II era outra medida de segurança tomada por Tschato. Deveria simular a presença de uma frota que nem existia neste setor do espaço.

Belas perspectivas”, pensou Picot.

— Vamos — disse a voz de Tschato em meio aos seus pensamentos. — Só falta um pulo de gato para chegarmos ao lugar dos nossos desejos.

 

Um rato-castor não podia transformar-se num herói de uma hora para outra. Tinha de nascer herói.

O Almirante Geco — ele mesmo se atribuíra este título — deu-se conta disso quando um uniter carregou um membro morto do grupo dos ratos-castores para dentro da sala de comando e, sem dizer uma palavra, o colocou na mesa de mapas.

Era o segundo morto que os ratos-castores tinham a lamentar desde que os blues passaram a caçar ininterruptamente a pequena nave. Os uniters tinham perdido três indivíduos de sua espécie. Até mesmo um dos Willys morrera.

— Como aconteceu isso? — perguntou Geco. Estava com a voz ligeiramente alterada. De tanto gritar comandos, ficara um tanto rouco.

— Um incêndio atômico irrompeu na parte inferior das salas de máquinas — disse o uniter com voz apagada.

Geco olhou com uma expressão de dor para o morto pertencente à sua espécie. Sentiu que a responsabilidade ameaçava estrangulá-lo. Era o culpado de todas as mortes. Seu plano maluco colocara todos em perigo. Nunca deveria ter pedido ao almirante geral da USO Tere Astrur que lhe concedesse permissão para a missão.

Geco observou os controles. As unidades geradoras de energia deixavam-no preocupado. Era só uma questão de tempo, e o sistema entraria em colapso. Isso significava que ficariam à deriva no espaço, transformando-se em presa fácil dos blues que os caçavam. Naquela altura os tripulantes da Tramp já tinham dificuldades para pôr-se a salvo no espaço linear por breves lapsos de tempo.

Acima de tudo um incêndio atômico estava lavrando na parte inferior das salas de máquinas. Bastou olhar para o uniter que lhe trouxera esta notícia para que Geco soubesse de que espécie era esse incêndio. Pertencia à espécie dos incêndios que não podiam ser apagados.

O intercomunicador não estava funcionando.

Por isso Geco não teve outra alternativa senão usar alguns dos uniters, que eram muito ligeiros, para servir de mensageiros.

— Volte — ordenou Geco, dirigindo-se ao uniter que se mantinha em silêncio. — Mande evacuar o convés de baixo. Dê o alarme de radiações.

— Já providenciei isso — respondeu o ser de tromba.

Numa outra oportunidade a omissão do tratamento de almirante deixaria Geco indignado. Mas naquela altura achava que o uso de um tratamento mais íntimo representava uma demonstração de amizade.

De qualquer maneira, tinham encontrado Perry Rhodan, Atlan, Reginald Bell, André Noir, Melbar Kasom e Mory Abro. Rhodan já dispunha de uma astronave.

Geco fazia votos de que tivesse conseguido distrair a atenção dos blues da pessoa de Rhodan, por meio da atuação da Tramp. Hemi e Bokom, que também eram ratos-castores, tinham ficado com Perry Rhodan. Provavelmente acabariam sendo os únicos sobreviventes da Tramp.

Geco olhou em torno com o rosto sombrio. O que adiantava ter descoberto Rhodan, se não tinha possibilidade de transmitir esta informação aos terranos? Arriscara-se muito longe pelas regiões periféricas da Galáxia. Nenhuma nave terrana patrulhava áreas suficientemente próximas para poder captar uma mensagem transmitida pela Tramp.

As luzes da sala de comando começaram a tremer. Geco sabia o que significava isso. Dentro de alguns segundos a Tramp retornaria mais uma vez ao espaço normal, já que o potencial energético de suas unidades geradoras não era suficiente para mantê-la por muito tempo em vôo linear. Dessa forma os blues estariam novamente em condições de orientar-se. Em pensamento Geco já os via aproximarem-se vertiginosamente, abrindo fogo contra a nave espacial de sessenta metros de diâmetro.

Dentro de pouco tempo o campo defensivo da Tramp não resistiria mais à tremenda carga, e então os blues não teriam mais nenhum obstáculo pela frente. Mas mesmo que o campo defensivo estivesse em perfeitas condições, estariam condenados à destruição pelo incêndio atômico que lavrava no interior da nave.

Seria o fim do “Almirante” Geco e do couraçado Tramp. Felizmente os tripulantes pareciam ter perdoado seus caprichos no momento em que a desgraça começou a desabar sobre eles. Não sabia como conseguira esconder o medo.

Todo pecador se arrepende na sua hora de morrer”, pensou Geco numa amarga auto-ironia.

As luzes ficaram ainda mais fracas e a Tramp saiu do semi-espaço.

Geco ligou as telas do rastreamento espacial. Imediatamente os mostradores dos rastreadores de impulsos entraram em atividade, mostrando a presença de numerosas naves.

De um dos lados da Tramp só se via o espaço negro e algumas estrelas distantes, cujo brilho muito fraco fez com que Geco se desse conta de que se haviam afastado demais da região em que estavam. Geco transferiu a imagem para outro setor. O quadro mudou imediatamente. Geco viu as naves dos blues. E sabia que os blues haviam visto a Tramp no mesmo instante, ou ao menos, a tinham localizado.

Geco coçou-se desesperadamente atrás das enormes orelhas. Chegava a sentir o cheiro do perigo. O hipercomunicador da Tramp continuava a transmitir a mensagem que atrairia para o local qualquer nave terrana que a captasse. Mas não parecia haver qualquer nave terrana nesse setor além da Tramp.

As naves dos blues aproximaram-se em alta velocidade. Geco perguntou a si mesmo se deveria voltar a arriscar uma teleportação para dentro de uma das naves dos blues, para colocar uma micro-bomba. Mas sabia que não conseguiria. Desejava que Gucky estivesse a bordo. Que diabo! Não desejava nada disso. Talvez fora somente por arrogância que ele supusera que suas capacidades excediam as de Gucky, mas de qualquer maneira queria enfrentar tudo isso sozinho.

Geco mandou que os técnicos uniterianos andassem depressa com o trabalho. Os blues aproximavam-se rapidamente. Se conseguissem alcançar a Tramp antes que a mesma conseguisse fugir novamente para o espaço linear, Geco não teria mais com que preocupar-se.

Os uniters faziam o possível para aumentar mais uma vez o desempenho dos propulsores forçados ao máximo. Os nove Willys que ainda estavam vivos espalharam-se num canto da sala de comando.

Um solavanco sacudiu a Tramp, já bastante avariada.

A nave vai arrebentar”, pensou Geco. Fechou os olhos, à espera da morte. Os gritos de triunfo dos uniters fizeram com que se levantasse de um salto.

Lançou um olhar para as telas e viu uma coisa que mal ousara esperar. Mais uma vez a Tramp voltava a penetrar no espaço linear. A nave rangia em todos os cantos. Ruídos apavorantes enchiam os diversos conveses. Apesar dos sistemas de absorção de alta potência, os propulsores e geradores bramiam como se estivessem nos últimos estertores.

Desta vez o vôo linear durou menos de sete minutos.

A Tramp voltou uivando ao universo einsteiniano. Geco sabia que os uniters não conseguiriam repetir mais a façanha. Pôs as mãos cansadas nos comandos que se estendiam à frente da poltrona de comando.

As telas iluminaram-se. Geco recostou-se, à espera do momento em que as naves dos blues aparecessem em seu campo de visão. Nesse instante uma das torres de canhões da Tramp explodiu. A nave balançou várias vezes sob o efeito da inesperada pressão lateral. Os uniters gritavam uns para os outros, como se cada um deles quisesse atribuir ao outro a responsabilidade pela desgraça. Dali a alguns segundos as luzes apagaram-se de vez. A nave estava reduzida a uma montanha escura de metais, com algumas criaturas pequeninas em seu interior.

No mesmo instante os uniters ficaram quietos. Geco ouviu-os experimentar os aparelhos. Como que por milagre, os controles e as telas de imagem não foram afetados pela falta de energia.

Geco agarrou-se às braçadeiras da poltrona. Tremia por todo corpo.

Ouviu-se um chiado vindo do interior da nave. Uma viga metálica rangeu ao soltar-se dos suportes. Mas a Tramp continuava a voar, embora o incêndio atômico se alastrasse aos poucos por todo convés inferior.

Geco ouviu sua própria voz gritar ordens absurdas. Observava ininterruptamente as telas de imagem. Esperava ver as naves inimigas aparecerem de um instante para outro.

Finalmente os uniters conseguiram ligar a iluminação de emergência. Geco obrigou-se a ficar calmo.

Até parecia que toda a Galáxia tinha de ser alarmada, pois o hipercomunicador continuava a transmitir o pedido de socorro que já conhecemos: oitocentos e oitenta e oito mil, quatrocentos e trinta-NoTri.

Geco prestou atenção aos ruídos que se faziam ouvir na nave. Qualquer estalo podia ser o fim, qualquer rangido o aproximava da morte.

Viver como herói fora difícil demais para o rato-castor Geco, o terceiro mais velho de sua espécie. E nem sequer poderia morrer como herói. A morte numa explosão não tinha nada de dramático. Ninguém poderia contar à posteridade como ele morrera.

Com estes pensamentos sombrios na cabeça, Geco ficava de olho na tela de imagem.

De repente desejou que tudo fosse muito mais depressa.

 

Quando a Lion atingiu as regiões periféricas do sistema solar desconhecido, o tenente Nome Tschato deu ordem para que a nave saísse do semi-espaço. Imediatamente surgiram numerosas indicações dos rastreadores espaciais. Ninguém poderia deixar de notar a presença da frota dos blues. Diante de tantas naves tornava-se difícil determinar a posição da Tramp, já que havia constantes superposições dos resultados da goniometria.

Depois de algum tempo Dawson e seus homens foram bem sucedidos. Localizaram o cruzador dos ratos-castores, e a posição exata do mesmo foi comunicada a Tschato.

— Tente entrar em contato com a Tramp — Ordenou Nome Tschato. — Diga ao comandante que iremos para lá a fim de recolher a tripulação.

Tschato tinha certeza de que a Tramp não tinha a menor chance de fugir do sistema solar em que se encontravam. Tschato acreditava que se tratasse de um defeito dos propulsores. Era por isso que a nave dos ratos-castores não se recolhia à proteção do espaço linear.

Os olhos atentos de Dan Picot acompanhavam os acontecimentos mostrados nas telas.

— Por mais que queira — disse — não consigo afastar o pensamento de que, se nos aproximarmos da Tramp, estaremos arriscando o pescoço.

Tschato pôs a mão à frente da boca e bocejou. Indignado, Picot esperou ouvir uma observação sobre o funcionamento do ar condicionado da sala de comando. Mas desta vez Tschato abordou diretamente os acontecimentos.

— Por enquanto os blues não têm conhecimento de nossa presença. Temos de ser mais rápidos que eles, e é só.

Realmente era só. Picot teve um calafrio. Ainda bem que naquele momento não era obrigado a ficar de pé.

— O senhor parece muito velho, Dan — observou o comandante em tom de compaixão.

— Sou velho — respondeu Picot em tom agressivo. — Fico admirado que o senhor tenha notado.

— Tenho a impressão de que não estou cuidando como devia do bem-estar dos tripulantes de minha nave — respondeu Tschato em tom sonolento.

— Tenho úlceras no estômago — respondeu Picot, contrariado. — Além disso o trabalho a bordo me cai sobre os nervos.

— Quer que peça sua aposentadoria, Dan? — perguntou Tschato.

Os olhos de Picot começaram a chispar. Num momento em que sua vida corria perigo, esse gigante horrível não hesitava em zombar de seu imediato.

— Sou um sujeito muito resistente — resmungou Picot. — Já sobrevivi a muitos comandantes.

Dawson veio com uma notícia, salvando Picot de outra observação do comandante.

— O comandante da Tramp é um certo Almirante Geco — disse Tschato em tom indiferente. — Será que o senhor conhece este personagem importante, Dan?

— Nunca ouvi falar — respondeu Picot. — Talvez seja um truque.

— Não, é um rato-castor — respondeu Tschato laconicamente.

— Um incêndio atômico irrompeu a bordo da Tramp. Os propulsores não funcionam mais. Geco receia que os tripulantes da nave não resistam a outro ataque dos blues. O belo sistema em que nos encontramos é conhecido como o sistema de Simban. E três planetas gravitam em torno da estrela muito luminosa. Perry Rhodan e os outros desaparecidos encontram-se no segundo planeta. Seu nome é Roost. Pelo que diz Geco, no momento os fugitivos não estão em perigo. — Tschato devolveu a Dawson a fita com a mensagem transmitida pelo rádio-transmissor da Tramp. — Diga-lhes que devem preparar-se para ser levados a bordo da Lion — prosseguiu. — Nós os tiraremos da Tramp.

Dawson saiu correndo. Tschato assumiu os controles do couraçado. Picot e os pilotos prestavam-lhe auxílio. Sem dúvida muitos comandantes altamente qualificados teriam deixado o vôo de aproximação por conta do piloto automático, mas Tschato preferia confiar em seu instinto em vez de depender de dados fornecidos por máquinas. O fato de ainda estar vivo parecia ser uma consagração de seu método.

Dan Picot sabia que a manobra de aproximação seria difícil, pois era necessário adaptar a velocidade da Lion à de uma nave muito menor. A Tramp não poderia prestar-lhes nenhum auxílio na manobra.

A Lion voltou a mergulhar no semi-espaço. Depois de algum tempo Tschato desligou o conversor kalup e a Lion estava a distância visual da Tramp.

Os rastreamentos realizados muito às pressas revelavam que no momento não havia nenhuma nave dos blues nas imediações. As imagens projetadas nas telas mostravam que a área polar inferior da nave de Geco brilhava numa incandescência vermelha. Dentro em breve o incêndio atômico se propagaria ã parte superior da nave. Picot acreditava que o convés central da Tramp já tivesse sido evacuado. Provavelmente os sobreviventes estavam reunidos na eclusa principal.

— Esteja preparado, Duprene! — gritou Tschato para o lógico-chefe, sem desviar a atenção dos controles.

Picot e Duprene entreolharam-se com uma expressão de estranheza. Quais seriam as intenções de Tschato?

A Lion parecia rolar por cima da nave menor. Se a velocidade fosse menor, o campo gravitacional do grande couraçado seria suficiente para arrastar a Tramp.

Por um instante Picot pensou que Tschato tivesse ultrapassado o alvo, mas um olhar para os controles mostrou-lhe que não era nada disso. A

Tramp flutuava no espaço bem embaixo deles.

— Raios de tração! — gritou Tschato com a voz abafada.

Os campos de tração entraram em atividade.

Como se estivesse sendo movimentada por mãos invisíveis, a Tramp passou a deslocar-se para baixo da cúpula polar da Lion.

— Então, Dawson? — A voz de Tschato era tão calma que até parecia que tudo não passava de um simples exercício.

— Já estão na eclusa da Tramp, senhor. Todos usam trajes de proteção.

— Muito bem — respondeu Tschato. Ligou o piloto automático e fez um sinal para o lógico-chefe. — Venha comigo, Duprene.

Nome Tschato e Duprene retiraram-se da sala de comando. Um elevador antigravitacional levou-os à eclusa situada no convés inferior. Tschato apontou para os trajes espaciais pendurados na mesma. Com movimentos rápidos escolheu um deles.

— Vamos fazer uma baldeação — limitou-se a dizer.

Duprene não fez perguntas. O tenente devia saber o que estava fazendo. Tschato ligou o intercomunicador que ficava junto à escotilha externa da eclusa. Duprene fez às pressas a verificação final de seu traje espacial. A escotilha abriu-se.

Duprene colocou-se ao lado de Tschato, que já se encontrava junto à saída da eclusa. Em cima deles a esfera formada pela Lion parecia abaular-se em direção ao nada. O quadro fez Duprene estremecer. Tschato não parecia importar-se nem um pouco. Do lugar em que se encontravam não viam a Tramp. A idéia de simplesmente deixar-se cair no espaço negro provocou um sentimento de depressão e insegurança em Duprene.

Nome Tschato parecia sentir que o lógico-chefe estava hesitando. Virou-se para ele. Por um instante

Duprene viu o rosto negro na luz que saía da eclusa.

— Coragem — resmungou Tschato e empurrou-se.

Dali a pouco Duprene viu a chama minúscula de seu retropropulsor atravessar a escuridão como se fosse uma agulha de fogo.

Duprene fechou os olhos por um instante e deixou-se cair para a frente. Deu uma cambalhota e viu um caleidoscópio de pontos cintilantes que parecia situar-se no infinito. Era o centro da Via Láctea.

Ligou o conjunto embutido em sua mochila e regulou-o para a força mínima, conforme lhe tinham ensinado. Imediatamente parou de girar. Afastou-se em linha reta da Lion, que não passava de uma gigantesca sombra negra que se destacava contra o fundo formado pelas estrelas. Virou abruptamente a cabeça e viu Tschato suspenso bem embaixo. A Tramp devia estar lá. A chama minúscula que marcava o lugar em que estava Tschato fez com que Duprene recuperasse a segurança. Mudou de direção e colocou-se embaixo da Lion. A Tramp aparecia nitidamente, pois o incêndio atômico transformava-a numa mancha luminosa em meio à escuridão. De repente Duprene viu outras chamas pequenas.

Eram os tripulantes da Tramp, que saíam voando da eclusa da nave destroçada e pretendiam transferir-se para o couraçado.

Duprene passou pelos náufragos, enquanto se aproximava da nave dos ratos-castores. Nem de longe sentiu-se como um herói por seguir em direção oposta à dos fugitivos. Teve a impressão de que um milagre estava acontecendo quando foi parar na pequena eclusa situada junto à cúpula polar da Tramp. Com um movimento abrupto, Tschato puxou-o para dentro.

— Desligue seu conjunto — disse o comandante em tom calmo.

Duprene ficou vermelho e cumpriu a ordem. No mesmo instante sentiu chão firme sob os pés. Tschato soltou-o e saiu caminhando para o interior da nave. Duprene seguiu a figura enorme, que dava passos enormes à sua frente.

— Será que o senhor sabe lidar com o computador desta nave? — perguntou a voz de Tschato, transmitida pelo rádio de capacete.

— Sem dúvida — asseverou Duprene, que se sentia satisfeito porque finalmente poderia mostrar quanto valia. Tschato grunhiu satisfeito.

Chegaram à sala de comando. Duprene percebeu ao primeiro lance de olhos que só as luzes de emergência estavam acesas. Fazia voto de que a energia existente na nave fosse suficiente para concretizar as intenções de Tschato. Em toda parte viam-se sinais de pesados ataques. Havia um rato-castor morto sobre a mesa dos mapas. Duprene afastou rapidamente os olhos. Tschato já estava cuidando dos controles. No momento em que se inclinou sobre o quadro de controle do computador positrônico, Duprene sentiu-se mais calmo.

— Tudo em ordem? — perguntou Tschato.

— Parece que ainda está funcionando — respondeu Duprene em tom nervoso.

— Programe o sistema de pilotagem automática — ordenou Tschato. — Faça com que daqui a dez minutos a Tramp dispare para o espaço com todos os canhões que continuam intactos.

Duprene engoliu em seco. Será que Tschato realmente acreditava que seriam capazes de chegar tão depressa à Lion e afastar-se do setor perigoso?

Tschato aproximou-se.

— O que está esperando? — perguntou.

Duprene suspirou e pôs-se a trabalhar. Neste meio-tempo Tschato voltou para junto dos controles. Ouviu o programador resmungar baixinho pelo rádio de capacete. Depois de algum tempo o tenente soltou um som borbulhante. Duprene procurou os comandos necessários ao cumprimento da tarefa de que acabara de ser incumbido.

— Pronto — exclamou e passou as mãos pelas correias que fixavam seu traje protetor às pernas.

Tschato foi à mesa cartográfica e colocou o rato-castor morto sobre os ombros. O ato deixou Duprene perplexo. Nunca imaginara que a morte de outros seres pudesse abalar tanto este homem forte.

Correram juntos para a eclusa. Desta vez Duprene não perdeu tempo. Saltou para fora da pequena nave quase no mesmo instante que Tschato. Flutuaram juntos, “subindo” para a Lion.

No interior da câmara da eclusa, Tschato arrancou o capacete de cima da cabeça mal a escotilha externa se fechou. Entrou em contato com a sala de comando pelo intercomunicador.

— Alô, Dan. Todos os náufragos estão a bordo?

— Sim senhor — respondeu a voz áspera de Picot. — Já estão sendo abrigados em camarotes. Acontece que o Almirante Geco faz questão de ficar na sala de comando.

Duprene arrastou nervosamente os pés.

Faltavam sete minutos, no máximo oito. Será que Tschato queria esperar até que a Tramp se transformasse numa montanha metálica que cuspisse fogo?

— Muito bem, Dan — disse Tschato em tom calmo. — Vamos dar o fora desta região. Passe imediatamente para o vôo linear.

— Entendido — respondeu Picot.

Tschato sorriu e saiu do traje protetor. Só agora o programador notou que o comandante não trouxera o rato-castor morto para bordo. Acreditava que Tschato o tivesse lançado no espaço. Se o cadáver se afastasse do campo de atração das duas naves, encontraria um gigantesco túmulo.

Firmou o capacete de seu traje espacial na armação reservada para este fim e seguiu Tschato, que se dirigia à sala de comando.

Lá, Picot aguardava-os bastante contrariado. Estava com as mãos espalmadas à frente de um rato-castor que usava um uniforme extravagante. Na opinião de Duprene, aquela criatura devia ser o Almirante Geco. Teve de confessar a si mesmo que esse rato-castor não correspondia à imagem que formara de um almirante.

Enquanto Tschato caminhava em direção à poltrona de comando, o corpulento ilt afastou-se de Picot. Tschato estava examinando os controles, quando Geco parou à seu lado.

— O senhor é o comandante desta nave? — perguntou com a voz estridente.

Tschato olhou calmamente para o relógio, comparou-o com as indicações do relógio de bordo e calculou a distância entre a Lion e a Tramp.

— Acho que já nos afastamos bastante — disse. — Não vamos perder o espetáculo.

Deixado de lado, Geco começou a ferver de raiva. A relativa segurança que estava desfrutando devolveu-lhe a velha arrogância.

— Acho que o senhor não me entendeu — gritou.

Tschato levantou o dedo indicador e enfiou-o ostensivamente na orelha direita.

— O senhor é um dos homens que acabam de ser salvos? — perguntou em tom indiferente, sem dignar-se a olhar para o rato-castor.

— Um dos homens? — chiou Geco fora de si. — Sou o Almirante Geco.

Tschato fez um gesto indiferente.

— Levem o almirante daqui — ordenou. — Está perturbando.

Muito satisfeito, Dan Picot aproximou-se do rato-castor, que estava furioso.

— Não sou uma peça de móvel que pode ser le... — A voz de Geco atropelou-se, e ficou incompreensível. Picot empurrou-o cuidadosamente, mas com certa força para longe do comandante.

— Venha cá, Dan — disse Tschato.

Picot colocou o exaltado rato-castor nos braços de outro homem, que ficou encarregado de segurá-lo. Depois voltou para junto do comandante. Tschato apontou para os rastreadores.

— Este pontinho, que permanece em repouso, é a Tramp — explicou. — Os outros pontos são as naves atacantes dos blues. — Olhou para o relógio. — Ora veja! Não pensava que fosse dar tão certo.

Os aparelhos de alta sensibilidade indicaram a liberação de grande quantidade de energia nas imediações da Tramp.

— Duprene ativou todas as armas da nave destroçada — explicou Tschato. — Os blues certamente acreditam que se trata de uma defesa desesperada. Naturalmente destruirão a pequena nave. Como ainda não sabem de nossa presença, temos razões para acreditar que o truque dará resultado. Os cabeças de prato acreditarão que acabaram com todos os inimigos.

Picot acenou com a cabeça sem dizer uma palavra. O leão sabia ser astucioso quando estava em perigo.

Dali a alguns segundos a Tramp explodiu. Até mesmo Geco calou-se por um instante quando os instrumentos da Lion mostraram o fim de seu couraçado.

— Agora vamos salvar Rhodan — disse Nome Tschato.

 

Tan Pertrec dirigiu os olhos alongados para a fileira de telas de imagem dispostas em semicírculo à sua frente. A cabeça em forma de disco assentada sobre um pescoço muito fino estava ligeiramente inclinada. Tan Pertrec estava refletindo.

Perguntava a si mesmo se devia cumprir a ordem de seu superior, que mandara exterminar a população do planeta Roost. Não era que tivesse escrúpulos. O que o levara a estas reflexões fora o resultado de inúmeros hipnointerrogatórios realizados com os nativos, e que o tinham deixado inseguro.

Afinal, como comandante de um grupo de naves vitoriosas tinha plena competência para adiar uma decisão, se houvesse motivos graves para isso, ou até abster-se da mesma.

Havia uma suspeita fundada de que Perry Rhodan e outras pessoas importantes do Império também se encontravam em Roost. Depois que a pequena nave terrana tinha sido destruída pelos blues fugitivos que se encontravam em Roost já não contavam com nenhum apoio. Dificilmente qualquer dos nativos seria capaz de superar o medo das represálias com que os blues os ameaçavam. Nestas condições Tan Pertrec tinha esperanças justificadas de, num golpe de audácia, colocar os terranos mais importantes nas prisões de seu povo. Dessa forma poderiam exercer pressão não somente sobre o Império Terrano, mas também contra os povos blues que os hostilizavam.

Tan Pertrec sabia que sempre era arriscado interpretar a ordem de um superior. Se fosse bem sucedido, poderia contar com honrarias e as possibilidades de promoção cresceriam. Mas o insucesso sem dúvida traria a degradação.

Procurou fazer uma avaliação objetiva da situação. Mesmo que tivesse de contar com a presença de outras naves terranas num futuro previsível, devia ser relativamente fácil prender Rhodan.

Qualquer grupo de naves que viessem com intenções hostis teria de enfrentar as naves dos blues. Enquanto isso Tan Pertrec teria tempo de sobra para concluir sua missão.

Tan Pertrec era jovem e ambicioso. Sabia que um bom comandante tinha boas chances de alcançar os escalões mais elevados da frota.

Esta idéia acabou sendo o fator decisivo. Tan Pertrec resolveu não exterminar os personagens mais importantes juntamente com os nativos de Roost. Pretendia apoderar-se dos mesmos.

Os interrogatórios de nativos tinham revelado o lugar aproximado em que deviam estar os fugitivos. Naturalmente uma única nave não seria suficiente para executar o plano. Tan Pertrec estava decidido a alcançar rapidamente o que queria.

Transmitiu imediatamente suas ordens. Sete naves separaram-se do grupo e acompanharam a nave-capitânia em direção ao planeta Roost. As outras unidades formaram um cinturão de defesa em torno do sistema de Simban. Tan Pertrec queria estar protegido contra qualquer surpresa.

Por mais que refletisse, não descobriu nenhuma falha em seu plano. O acaso presenteara-o com uma grande chance. Apesar disso resolveu permanecer alerta.

Os terranos continuavam a ser inimigos poderosos, que muitas vezes sabiam virar a sorte a seu favor numa situação desesperada. Afinal, aquela pequenina espaçonave dera muito trabalho aos blues.

Tan Pertrec olhou para a tela que ficava bem à sua frente e viu que a posição das estrelas se modificava. A nave-capitânia deslocava-se em queda livre em direção ao planeta. Tudo parecia estar em ordem. Tan Pertrec experimentou um sentimento de profunda satisfação.

Mas dali a alguns minutos este sentimento desapareceu de repente, quando uma espaçonave desconhecida foi localizada.

 

Dan Picot começou a amaldiçoar o dia em que decidira trabalhar na nave Lion. Podia contar nos dedos de ambas as mãos quanto tempo de vida ainda lhe restava. Os êxitos até então alcançados pareciam ter embotado a inteligência de Nome Tschato a tal ponto que o mesmo não conhecia mais nenhum limite.

Ao que tudo indicava, Nome Tschato nem pensava em retirar-se deste setor perigoso. Para ele os acontecimentos que já se tinham desenrolado deviam representar uma simples abertura, à qual se seguiria uma coleção completa de feitos loucos. O rosto de Picot apresentava uma coloração cinza semelhante à de uma parede velha e as rugas ainda reforçavam esta impressão.

— Senhor — disse, fazendo um esforço tremendo para não perder o autocontrole. — Uma armada inimiga está patrulhando a área que fica entre nós e o planeta Roost. Os blues darão cabo de nós antes que tenhamos tempo de pensar.

Tschato esfregou o queixo bem cuidado. Parecia pensativo. Mas não dava a impressão de estar preocupado. Picot perdeu todas as esperanças de que o comandante pudesse resolver outra coisa. Por que diabo esse gigante não podia esperar a chegada de um destacamento de naves terranas que expulsasse os blues?

A resposta saltava à vista. Quanto maior fosse a demora, maior seria a possibilidade de que Rhodan, Atlan e os outros fossem aprisionados pelos blues. Na verdade, Tschato não tinha alternativa senão tentar uma ação desesperada para salvar os desaparecidos.

Picot começou a conformar-se com a idéia.

Tschato tirou uma folha de papel de debaixo do painel de controle. Desenhou um círculo na mesma.

— Isto aqui é Roost — disse. — Nossa distância atual do planeta é de um milhão e duzentas mil milhas. — Marcou um ponto no papel. — E aqui — disse em tom enfático — estamos nós.

Picot contemplou o tosco desenho. O comandante desenhou uma série de pontos entre o ponto que representava a Lion e o círculo que fazia às vezes de Roost.

— Aqui estão as naves inimigas. Encontram-se a trezentas ou quatrocentas mil milhas de Roost.

— Isso mesmo — observou Picot em tom triste. — A distância foi muito bem escolhida. A frota dos blues forma praticamente um envoltório esférico em torno do planeta. Se quisermos ir ao planeta, teremos de sair do espaço linear antes de atingir suas naves, pois do contrário não conseguiremos pousar.

Tschato segurou o lápis entre o polegar e o indicador da mão direita. Desenhou lentamente uma linha que se estendia da Lion até um ponto situado logo atrás das linhas inimigas.

— Assim talvez seria possível — disse.

A idéia parecia tão absurda que Picot levou alguns segundos para compreendê-la em toda a extensão. Sentiu-se como se tivesse levado uma pancada na cabeça. Esperara uma sugestão estranha de Tschato, mas não uma sugestão maluca.

Tschato levantou a folha de papel e girou-a entre os dedos, como se fosse uma pintura valiosa.

— Não compreendo — disse Picot.

— É uma idéia pouco convencional — disse Tschato em tom pensativo. — Que tal lhe parece se só voltarmos ao universo einsteiniano atrás das naves dos blues?

— Existem várias formas de suicídio — exclamou Picot. — De qualquer forma tenho esperanças fundadas de ter uma morte indolor. Se não arruinarmos o planeta, sempre existe a possibilidade de sermos achatados que nem uma panqueca.

Tschato deu uma risadinha.

— Ora essa, Dan — disse. — Quanto tempo já estamos viajando juntos pela Galáxia?

Picot empertigou-se. O leão estava apelando para o sentimentalismo. Deveria redobrar de cuidados.

— Sete anos — respondeu.

— Sete anos — repetiu o tenente em tom solene. — Atravessamos inúmeros perigos. Enfrentamos juntos monstros hor...

— Por favor, senhor! — interrompeu Picot. — Sete anos bastam para eu criar um estômago irritadiço e uma úlcera no duodeno. Agradeço-lhe por ter permitido que entre nós se estabelecesse uma relação de camaradagem, mas nem por isso o senhor pode exigir que eu concorde com seu plano.

Tschato voltou a ficar sério. Enfrentou o olhar de Picot.

— O senhor é um homem tolerante e possui senso de humor — disse, dirigindo-se a Picot. — Não sou capaz de exigir que o senhor me acompanhe para trás das linhas dos blues somente em virtude de uma ordem minha. O senhor entende, Dan? A última nave-girino que possuímos está preparada no hangar. Se quiser, pode abandonar a nave, Dan. Nada mudará entre nós. Se... se a Lion voltar, pode subir novamente a bordo e ocupar seu lugar.

Picot entrelaçou os dedos e olhou para o vazio. — Não estou dando nenhuma ordem, Dan — disse Tschato em voz baixa. — Mas peço-lhe que me ajude nesta operação.

Picot bateu tão violentamente no peito com o dedo indicador que a túnica de seu uniforme saiu de posição.

— Permite que eu faça uma observação de homem para homem?

— Vamos lá — pediu Tschato.

— O senhor é o comandante mais empedernido, selvagem, corajoso, astucioso, duro e louco que já existiu na Galáxia. — Fez uma ligeira pausa. — E eu sou um idiota por ter deixado que o senhor me convencesse. Quais são os planos, senhor?

Tschato colocou seu desenho sobre a placa do painel de comando e alisou-o.

— Quando voltarmos ao espaço normal atrás dos blues, nossa velocidade ainda será próxima à da luz. E isso num momento em que a distância que nos separa de Roost é inferior a duzentas e cinqüenta mil milhas.

Picot soltou um gemido.

— Quer dizer que não teremos tempo para frear se seguirmos diretamente para o planeta — prosseguiu Tschato.

— Mas não existe outra possibilidade — observou Picot em tom exaltado. — Qualquer desvio praticamente nos arremessará para dentro das linhas inimigas.

— Temos uma chance — disse Tschato, inclinando-se sobre o desenho. — Se conseguirmos levar a Lion a tangenciar Roost, de tal maneira que a nave atravesse as camadas superiores da atmosfera do planeta, poderemos aumentar o efeito frenador e fazer sair um jato espacial.

— O senhor sabe tão bem quanto eu que em uma velocidade destas é impossível fazer a nave passar exatamente por uma tangente de Roost. Basta penetrar mais algumas milhas na atmosfera, e a Lion explodirá como se tivesse batido numa montanha. Se errarmos em sentido inverso, os blues nos prepararão uma recepção com seu fogo de artilharia. Além disso fico me perguntando por que quer fazer sair um jato espacial durante a manobra.

Os olhos de Tschato mostravam claramente quem ele escolhera para a manobra tresloucada. Mas no momento Picot ainda não se preocupava com isso. Não acreditava que houvesse possibilidade de fazerem sair um jato espacial.

— Já pensou nos efeitos que nossa saída do espaço linear em uma área tão próxima produzirá sobre o planeta propriamente dito — perguntou.

— Os conhecimentos que temos sobre isso são de natureza puramente teórica — respondeu o comandante. — Existem histórias que falam na interrupção do vôo linear em áreas ainda mais próximas, no interior do campo gravitacional de um planeta, mas as mesmas de forma alguma são autênticas. Na verdade, não sabemos absolutamente nada sobre o que acontece num caso como este. Uma porção de coisas podem acontecer, mas também é possível que tudo corra exatamente como nós esperamos.

É possível, se, porém...” pensou Dan Picot. “Estavam cometendo o maior pecado que um astronauta podia cometer. Confiavam em possibilidades.

— Informarei a tripulação sobre o plano — anunciou Tschato. Ligou o intercomunicador e proferiu um ligeiro discurso. Os homens ficaram sabendo o que estava em jogo. Tschato mostrou-lhes com toda franqueza que as chances de sucesso eram extremamente reduzidas. Da mesma forma que fizera com Picot, permitiu que qualquer tripulante e também as pessoas retiradas da Tramp pegassem a nave-girino e tentassem voltar aos setores espaciais dominados pelos terranos.

— Cada um de nós carrega parte da responsabilidade por Perry Rhodan e seus amigos — concluiu. — Não devemos esquecer que o Administrador Geral muitas vezes arriscou a própria vida para salvar os outros. Em uma situação como esta não devemos hesitar em ajudá-lo da mesma forma.

Os homens que se encontravam na sala de comando aplaudiram o discurso de Nome Tschato. O comandante esperou um momento, mas nenhum dos ocupantes da nave quis recuar diante da empreitada. Picot sabia que em seu discurso Tschato usara argumentos psicológicos que não deixavam outra alternativa aos homens.

Enquanto Nome Tschato e o imediato discutiam os detalhes do plano, o rato-castor Geco aproximou-se da poltrona de comando. Esperou que os dois terranos encerrassem a discussão.

Depois colocou-se à frente de Nome Tschato.

— Gostaria de ir no jato espacial — disse com sua voz aguda. — Dois ratos-castores que estão em Roost também correm perigo.

Picot ficou surpreso ao ver Tschato acenar com a cabeça.

— Está bem, baixinho — disse o tenente. — Pode ir conosco.

Geco franziu o focinho.

— Estarei a bordo do jato espacial na minha qualidade de almirante — disse em tom orgulhoso.

Tschato fez uma mesura.

— Seja o que o senhor almirante quiser — disse.

Geco interrompeu-o com um gesto generoso e saiu arrastando os pés. O rosto de Picot parecia contrariado.

— Quer mesmo levar este anão presunçoso? — perguntou fora de si.

— Ele não nos incomodará — disse Tschato.

— Até é possível que seja um elemento aproveitável. Parece que no momento só está precisando de uma lufada de ar agitado.

Picot percebeu que para o comandante o assunto estava encerrado.

Nome Tschato mandou que os técnicos do hangar preparassem um jato espacial para ser catapultado. Enquanto isso Duprene e seus auxiliares programaram os computadores positrônicos com todos os dados necessários à determinação da rota programada. Bastou olhar o rosto do programador-chefe para que Picot percebesse que o mesmo só obteria valores aproximados. Isso significava que emergiriam que nem um bando de cegos nas proximidades do planeta Roost. Acontece que um cego não costuma atravessar o espaço numa velocidade próxima à da luz.

Tschato o leão estava assumindo um risco enorme. Não hesitava diante da perspectiva de fazer a nave sair do vôo linear num lugar em que poderia perturbar a ordem de um sistema solar.

Dali a dez minutos os técnicos do hangar informaram que o jato espacial estava pronto para decolar. Os técnicos abandonaram o hangar. A escotilha externa da eclusa já estava sendo aberta. Tschato, Picot e o rato-castor usariam trajes protetores para entrar no pequeno veículo voador. Geco ainda possuía o traje espacial com o qual se transferira da Tramp para a Lion.

Finalmente Duprene entregou ao comandante a fita de programação destinada ao sistema de pilotagem automática. Seus olhos claros pareciam preocupados.

— Devo ressaltar que os valores são apenas aproximados. Se tivermos azar, arrebentaremos na atmosfera de Roost ou passaremos bem longe do alvo.

— Conheço as dificuldades — disse Tschato com a voz tranqüila e pegou a fita. Picot, que durante todo o tempo ainda tivera uma esperança de que Tschato suspendesse a operação no último instante, ficou perplexo ao vê-lo colocar a fita na fenda de programação do piloto automático. Não era propriamente medo que estava sentindo, mas de certa forma a idéia da operação maluca que iriam empreender deixou-o paralisado.

A Lion começou a acelerar fortemente. Nome Tschato mandou que o tenente Waso Netronow ocupasse a poltrona de comando. Espreguiçou o corpo enorme, como se acabasse de acordar de um sono prolongado. Netronow verificou os controles.

Tschato olhou por cima do ombro do tenente. Apesar dos seus vinte e sete anos, Netronow dava a impressão de ser um velho. Isso acontecia em parte por causa do corpo encurvado, em parte por causa da cabeça quase calva. Netronow nunca se destacara muito, mas era um homem no qual se podia confiar, que não perdia a calma nem mesmo nas situações mais difíceis.

— Assim que o jato espacial tiver saído, o senhor começa a fugir das naves dos blues, tenente — disse Tschato. — Naquela altura os cabeças de lentilha já nos terão localizado. Use os canhões conversores, a não ser que isso represente um risco muito grande. Nunca se esqueça de que ainda precisaremos da Lion.

— Pode ficar tranqüilo, senhor — confirmou Netronow.

— O senhor terá de manter a nave nas proximidades de Roost, para poder recolher a qualquer momento o jato espacial, depois que tivermos salvo Rhodan e os outros.

— Sim senhor.

— Outro detalhe — disse Tschato, franzindo os lábios. — Quando estiver fugindo, entre em contato com a Lion II. O capitão Vertrigg já foi informado. Responderá às suas mensagens de tal forma que os blues acreditarão que grande número de naves terranas se aproxima do sistema. — Acenou com a cabeça em direção à cabine de rádio. — Dawson já foi instruído. Basta esperar um momento favorável. — Um sorriso irônico apareceu em seu rosto.

— Um momento em que os efeitos forem grandes — acrescentou.

— Entendido, senhor — disse Netronow.

O comandante e Picot despediram-se. Geco já os esperava à saída da sala de comando com todo o equipamento.

— Estou preparado, comandante — piou em tom imponente. — O almirante Geco mostrará a esses blues quanto vale um astronauta do Império quando tem uma boa nave sob os pés.

Picot olhou para o lado, mas Tschato acenou com a cabeça. Seu rosto permaneceu impassível. Caminharam em direção ao elevador antigravitacional: Tschato, um gigante negro, cujos movimentos se assemelhavam aos de um grande felino, Picot, um oficial de pernas tortas com mais rugas no rosto que cabelos na cabeça, e Geco, um rato-castor gordo e fanfarrão.

 

Dan Picot, imediato do couraçado terrano Lion, fitou com os olhos arregalados a escotilha aberta da eclusa e procurou compreender que dentro de alguns minutos seriam arremessados para o espaço misterioso que se estendia à sua frente. De repente sentiu-se tenso e entrevado. E nessa altura estava com medo. Não se envergonhou disso, pois num momento como este qualquer criatura viva tem de combater os próprios sentimentos. Ouviu o rato-castor murmurar alguma coisa, mas Tschato permaneceu em silêncio.

O comandante parecia um gigante vindo de um mundo diferente e misterioso. Estava agachado no assento de piloto muito simples do jato espacial. Era um quadro de força concentrado e segurança inabalável.

Picot olhou para o pequeno relógio de bordo embutido no painel, entre os controles. Teve a impressão de que ouvia seu tiquetaquear, que se confundia com as batidas ensurdecedoras de seu coração.

As estrelas pareciam fios de fogo que se desenrolavam de enormes espulas, de tão depressa se deslocava a Lion.

— Dan — disse Tschato. Sua voz soou em meio à rebelião que parecia tomar conta da alma de Picot e penetrou em sua consciência como alguma coisa em que ele pudesse segurar-se. — Tudo em ordem, Dan?

Um horror paralisante espalhou-se nos pensamentos de Picot.

Nada estava em ordem.

— Está — ouviu dizer sua própria voz rouca.

— Já estamos voando a velocidade inferior à da luz — anunciou Tschato.

— Está certo, está certo — foi a única coisa que Picot conseguiu dizer.

Sentiu alguém chegar a seu lado, Era Geco.

Alguma coisa no subconsciente do rato-castor fazia-o procurar a proximidade dos seres humanos. Mais uma vez o “almirante” Geco perdera toda presunção. Agarrou-se às pernas de Picot.

Picot esticou o corpo, para enxergar melhor o que havia do lado de fora do jato espacial. Ouviu fragmentos de uma conversa que Tschato e Netronow travavam pelo rádio.

Muito mais depressa do que Picot esperara Tschato avançou em seu assento e virou abruptamente a cabeça.

— Atenção, Dan! — gritou.

O jato espacial foi catapultado do hangar como se fosse um projétil.

De um instante para outro Picot viu-se num ambiente bem diferente. O interior do jato espacial parecia ter-se desmanchado. Estavam numa névoa agitada, uma massa turbilhonante que parecia estender-se ao infinito.

Talvez já seja a morte, pensou Picot. Quem sabe se a névoa que os cercava não era a precursora da eterna escuridão?

Mas de repente Tschato soltou um resmungo bem terreno.

Picot teve de engolir em seco quatro vezes antes que conseguisse proferir uma palavra. Tinha uma série de perguntas em mente. O que tinha acontecido com a Lion? Será que o jato espacial já estava sobrevoando Roost? Tschato e o rato-castor estavam bem?

— Já estamos... — principiou, mas logo foi interrompido por Tschato.

— No momento estamos voando a trinta milhas de altitude sobre a superfície de Roost. Tentarei estabelecer um breve contato com a Lion.

A reação dos nervos se fez sentir. Picot enxugou o suor do rosto. Estava tremendo. Geco, que parecia acordar de um sonho, afastou-se de Picot e voltou em silêncio ao seu lugar.

Tschato começou a manipular o rádio. Dali a pouco conseguiu trocar um ligeiro impulso com. a Lion. Era um contato tão breve que dificilmente seria captado pelos blues.

— Tudo em ordem na Lion — anunciou Tschato. — Daqui em diante tudo depende de que Netronow e nós continuemos a ser favorecidos pela sorte.

— Caramba! — exclamou Picot. — Nunca acreditei que conseguíssemos.

— Nem eu — respondeu Tschato. — Mas uma vez que estamos aqui, vamos fazer o possível para tirar Perry Rhodan da situação perigosa em que se encontra.

— Estou ardendo de vontade de fazer isso — observou Geco com a voz titubeante.

— Quem dera que já estivéssemos novamente a bordo da Lion — disse Picot.

 

Por um lapso de tempo que o tenente Waso Netronow só pôde avaliar com base nas impressões colhidas, a Lion ficou suspensa na zona terrível situada entre o ser e o não ser. O casco da nave ficou exposto a cargas tremendas. A Lion atravessou as camadas superiores da atmosfera do planeta Roost como um animal que se vê obrigado a passar por uma lama pegajosa. Diante da velocidade enorme desenvolvida pela nave, até mesmo o ar rarefeito exercia um forte efeito frenador.

Netronow ficou satisfeito quando o couraçado voltou ao espaço livre. O zumbido nos ouvidos do tenente diminuiu. Todos os conveses transmitiam as mensagens de homens aliviados, que avisava que tudo estava em ordem. Mas o nervosismo de Netronow só diminuiu quando Dawson lhe comunicou que acabara de captar um impulso débil emitido pelo jato espacial.

Mas Netronow não teve tempo para descansar. Assim que a Lion se afastou do planeta Roost, a frota dos blues deu por sua presença. Os rastreadores da Lion registraram três naves dos blues que avançavam em alta velocidade em sua direção.

Netronow, que sabia perfeitamente que naquele instante todas as naves inimigas estavam sendo alarmadas, transmitiu o sinal combinado para Dawson. Os hipercomunicadores entraram em atividade. A Lion passou a transmitir pedidos de socorro não codificados.

A resposta da Lion II, que se encontrava a cinqüenta anos-luz de distância, foi imediata. O capitão Vertrigg de propósito emitiu os impulsos com intensidade reduzida, para que os blues tivessem a impressão de que o transmissor se encontrava a grande distância. Os blues certamente acreditavam na aproximação de um destacamento da frota terrana, a não ser que possuíssem o dom da adivinhação.

O tenente Waso Netronow, que observava as naves dos blues que se aproximavam, ficou satisfeito ao notar uma ligeira hesitação das mesmas. Mas os blues prosseguiram no ataque assim que tiveram certeza de que não havia nenhum perigo imediato.

Netronow manteve a Lion de propósito no espaço normal. Poderia arriscar-se a entrar em luta com três naves inimigas. Os sete canhões de conversão da nave representavam uma arma terrível.

Netronow sabia o que estava em jogo. Muita coisa dependia do êxito da operação em que estavam empenhados. Um único erro nos planos arrojados de Tschato poderia representar o fim. Netronow sabia que os planos do comandante tinham seus pontos fracos. Ao que parecia, um dos pontos mais fracos era o tenente Walt Heintman, que tinha de percorrer distâncias enormes em uma nave-girino de sessenta metros de diâmetro — e isso em regiões da Galáxia repletas de naves inimigas.

Por um instante Netronow sentiu apenas uma raiva impotente. Por que a Humanidade não podia apoderar-se de uma milha cúbica da Galáxia sem defrontar-se com inimigos? Será que a raça humana estava condenada a avançar pela estrada da guerra? Os pensamentos de Netronow deram um salto. Na Terra falava-se em avançar um dia para Andrômeda. A Galáxia em que se encontravam era apenas uma entre muitas. Em comparação com as dimensões do Universo, podia-se dizer que Andrômeda ficava do outro lado da rua em que estava situada sua Galáxia. Será que um dia os humanos poderiam atravessar esta rua sem defrontar-se com novos inimigos?

As formas de vida existentes no interior da Galáxia eram tão variadas que era uma verdadeira loucura supor que na galáxia vizinha não podia haver qualquer civilização superior à dos terranos.

Mas, perguntou-se Netronow, se as raças que habitam esta galáxia realmente são mais poderosa, por que permanecem em seus mundos?

Netronow lembrou-se de que talvez pudesse ser por causa da rua que tinham de cruzar. Afastou a idéia, que lhe pareceu absurda. Se imaginasse que os acontecimentos posteriores iriam confirmar suas reflexões, teria esboçado um sorriso de incredulidade.

As naves atacantes aproximaram-se, obrigando Netronow a dedicar sua atenção à Lion.

Dali a alguns segundos os canhões começaram a falar.

 

A astronave arrastou-se lentamente sobre a montanha de lama. As sapatas feitas de ligas metálicas de alta qualidade esmagaram as plantas parasitas que cresciam na montanha de lama. O veículo de esteiras capaz de voar afastou-se da clareira que nem um monstro primitivo. Quando parou entre as primeiras árvores, sua cobertura abriu-se e um rosto barbudo olhou para fora.

— Aposto minha mecha de cabelo contra meia rêz assada de que não poderemos ficar aqui por muito tempo — disse Melbar Kasom. Ao mencionar uma quantidade tão grande de carne, seu rosto assumiu uma expressão triste. Rhodan apareceu a seu lado na porta. Olhou atentamente em torno e voltou para o interior da astronave.

Kasom esticou o corpo para olhar por cima da borda do veículo de esteira. Finalmente colocou para fora uma das pernas e pisou cautelosamente no chão. Quando viu que não iria afundar, saiu de vez. Seu corpo enorme mal e mal conseguiu atravessar a porta.

Correu em torno do veículo.

— Tudo em ordem! — gritou.

Como se encontravam próximos a um dos inúmeros mares de lama, precisavam redobrar seus cuidados. Os habitantes pré-históricos destes pântanos eram em sua maioria pacíficos herbívoros, mas entre os sáurios havia muitos gigantes que poderiam tornar-se perigosos até mesmo para um ertrusiano.

Depois que os blues tinham localizado o esconderijo dos fugitivos nas montanhas, a astronave correra para a planície, a fim de colocar-se em segurança na mata virgem.

O contato com a espaçonave de Geco foi interrompido. Dali só se podia concluir que a Tramp não existia mais. Rhodan sabia perfeitamente que havia pouca esperança de que os pedidos de socorro irradiados pela mesma fossem captadas por alguma nave terrana.

Perry Rhodan também saiu da astronave. Atlan, Bell e André Noir saíram depois dele. Mory Abro, que estava exausta, continuou no interior do veículo, em companhia dos ratos-castores Hemi e Bokom, que haviam trazido a astronave.

Na situação em que se encontravam os dois ratos-castores e André Noir representavam um auxílio inestimável, pois sempre conseguiam localizar as naves de busca dos blues antes que fosse tarde.

Rhodan tinha certeza de que os comandantes dos blues sabiam que ele se encontrava em Roost. Era a única explicação que encontrava para a operação de busca em grande escala. Normalmente os blues se teriam contentado em exterminar a população de Roost, para preparar este mundo para uma ação colonizadora.

Kasom esperou os outros homens junto à popa da astronave.

— Estou com fome — disse em tom irritado. — Garanto que sou capaz de devorar um sáurio, se conseguir pegar um.

— O ronco de seu estômago até parece um terremoto de intensidade média, Kasom — disse Rhodan com um sorriso. — Mas o senhor não terá alternativa senão continuar a viver de frutas como todos nós.

— Já estou ficando com o rosto amarelo — queixou-se o gigante ertrusiano.

A salvação estivera tão próxima que o revés que tinham experimentado atingira aqueles homens com muito mais força, mas apesar disso não perderam o bom humor.

Inspecionaram a área. Kasom recolheu uma braçada de frutos comestíveis que os travers lhes haviam mostrado.

De repente Mory Abro apareceu na portinhola da astronave. Seu longo cabelo ruivo estava reunido num coque. Apesar das canseiras pelas quais tinha passado, ainda era muito atraente.

Levantou o braço e acenou para os homens.

Foi o último movimento que Perry Rhodan percebeu conscientemente nos minutos que se seguiram. De repente os acenos de Mory transformaram-se num gesto esvoaçante. Parecia vibrar e tinha-se a impressão de que seu corpo se separava em vários fragmentos, cada um dos quais tinha uma existência separada. Rhodan levou um segundo para compreender que os outros objetos acompanhavam, a mesma vibração, que todo o planeta estava sendo sacudido por um súbito tremor que parecia vir de seu interior.

Rhodan ouviu o grito de Mory. Esta caiu de volta na astronave, que estava sendo sacudida de um lado para outro sobre o chão lamacento. Em torno dele os homens balançavam. Até pareciam marionetes desamparadas que executavam uma dança louca.

Será que os blues estavam bombardeando um lugar situado nas imediações? Ou era uma catástrofe de proporções nunca vistas que estava desabando sobre eles? Os abalos aumentaram de intensidade. Rhodan perdeu o equilíbrio e caiu para a frente. Quis apoiar-se nas mãos, mas o chão recuou diante dele, empinou e quase lhe quebrou os cotovelos.

Viu que Noir, Atlan e Bell também estavam jogados no chão. Kasom era o único que conseguia manter-se de pé.

Uma árvore gigantesca inclinou-se com um ruído ensurdecedor. Suas raízes desprenderam-se do solo lamacento.

Está caindo na astronave,” pensou Rhodan.

Num tremendo desespero procurou rastejar em direção ao veículo de esteira. O chão em que se apoiava parecia um enorme animal que estivesse dando saltos malucos para libertar-se da pessoa que ó cavalgava. Qualquer ajuntamento de terra transformava-se num obstáculo quase insuperável. A árvore continuou a inclinar-se e porções de terra caíam sobre o corpo de Rhodan. Folhas viajavam pelo ar, carregadas pelos torvelinhos.

Quando Rhodan se encontrava a quatro metros da porta da astronave, a árvore desprendeu-se de vez do solo. Rhodan quis gritar, mas a garganta parecia ressequida. A gigantesca árvore tombou a apenas alguns metros da astronave. Um dos galhos roçou o corpo de Rhodan, que protegeu a cabeça com os braços. De repente o céu que cobria a mata parecia mergulhar numa luz chamejante. Um amarelo apagado estendeu-se de horizonte a horizonte.

Será que uma das naves dos blues tinha interrompido o vôo linear perto demais de Roost? Ou era uma das naves de molkex que acabara de mergulhar no hiperespaço?

Finalmente os abalos diminuíram. O calor parecia ser mais forte que antes. Nuvens de insetos atravessavam o ar. Do mato saiu o grito de um animal apavorado, que saíra do mar de lama para refugiar-se entre as árvores.

Rhodan teve de fazer um grande esforço para pôr-se de pé. A astronave pendia em posição inclinada entre dois troncos enormes. Felizmente uma das árvores o segurara, evitando que tombasse.

Rhodan olhou em torno. Kasom, Bell e Noir estavam de pé junto à clareira. Atlan tinha desaparecido. Rhodan viu uma grande fenda no chão, que o separava dos outros homens. Seu coração contraiu-se. Será que o arcônida tinha sido soterrado por uma avalanche de terra? Ou teria caído numa fenda profunda?

Kasom fez um gesto nervoso. Rhodan saiu caminhando com as pernas cambaleantes.

A fenda aberta no solo atravessava de lado a lado a clareira na qual tinham pousado com a astronave. Era em forma de V. O ângulo do V quase alcançava a astronave. Dali alargava até a extremidade oposta da clareira. Vapores saíram de vários pontos da fenda.

— Os ratos-castores! — gritou Bell, que se encontrava do outro lado. — Hemi e Bokom precisam tentar libertar Atlan por meio da telecinesia.

Rhodan chegou à fenda. Blocos de terra desprendiam-se em toda parte. Teve de cuidar-se para não cair também. Inclinou-se sobre a depressão escura.

— Atlan! — gritou a plenos pulmões. Finalmente viu o arcônida, que estava deitado sobre uma saliência existente no interior da fenda, a uns dez metros do lugar em que se encontrava. O lugar em que estava deitado Atlan devia ficar uns doze metros abaixo da superfície. A qualquer momento as massas de terra poderiam deslizar, arrastando Atlan para o fundo.

Rhodan correu junto ao precipício, até ficar bem em cima de Atlan. O arcônida estava vivo. Estava agachado junto à parede da fenda. Havia uma luminosidade branca em seu rosto.

— Vamos tirá-lo daí — gritou Rhodan, inclinando-se sobre a fenda.

Viu que Atlan estava sorrindo. Rhodan virou-se abruptamente e correu para junto da astronave. Na porta encontrou-se com Mory, que pretendia sair. Rhodan sentiu-se aliviado ao perceber que não estava ferida.

Mory parecia perceber pela expressão de seu rosto que alguma coisa tinha acontecido. Encostou-se à porta e segurou-o pelo braço.

— O que aconteceu, senhor Rhodan?

Rhodan olhou para além dela.

— É Atlan — disse, um tanto perturbado. — Caiu numa fenda. Os ratos-castores precisam tentar libertá-lo.

— Está ferido?

Sua voz parecia insegura. Havia alguma coisa em Mory que perturbava Rhodan. Mas ao mesmo tempo aborreceu-se porque ela se preocupava com Atlan. Amaldiçoou seus pensamentos e passou por ela, entrando na astronave. Os dois ratos-castores estavam agachados num canto. Pareciam assustados.

— Saiam daí — ordenou Rhodan. — Atlan sofreu um acidente. Temos que tirá-lo de uma fenda.

Hemi e Bokom foram atrás dele, arrastando os pés. Mory Abro estava à sua espera à frente da astronave. Alisou o cabelo com as mãos.

— Vou com o senhor — disse com a voz tranqüila.

Rhodan olhava ora para ela, ora para a astronave.

— É perigoso — resmungou. — A qualquer momento a terra pode abrir-se em outro lugar. Acho que a senhora deveria ficar na nave.

— Não tenho medo — disse Mory em tom firme. — Talvez possa ajudar.

Mory falava e agia como um homem. “Por que não pode ser como as outras mulheres?” pensou Rhodan, contrariado. Colocou os dois ratos-castores sobre os braços e carregou-os ao local do acidente. Atlan continuava no mesmo lugar. Mas parte da saliência em que estava deitado já tinha caído.

Rhodan colocou Hemi e Bokom no chão.

— Tentem tirá-lo de lá! — disse.

Sabia perfeitamente que os dois ratos-castores nem chegavam aos pés de Gucky. Mas desde que se concentrassem em conjunto, eles conseguiriam. Rhodan fazia votos de que o medo não tomasse conta deles. Os homens e Mory Abro olharam ansiosamente para o lugar em que estava Atlan. Depois de algum tempo o arcônida ergueu-se da saliência em que estivera deitado e foi subindo. Flutuou para fora da fenda e foi pousar de forma pouco suave a um metro da mesma. Sem dizer uma palavra, Rhodan deu uma palmadinha nos ombros dos dois ratos-castores.

— Aí está ele — piou Hemi em tom orgulhoso. Kasom aproximou-se. Examinou cuidadosamente Atlan e colocou-o de pé.

— Tudo bem com ele, senhor — gritou do outro lado da fenda.

Contornaram a mesma e foram para o lado em que estava a astronave. Mory Abro foi ao encontro do grupo. Atlan bateu a poeira da roupa.

— Fiquei deitado na entrada do inferno — disse. — O pedaço de terra não teria agüentado muito tempo.

Quando se voltaram para a astronave, havia outra surpresa desagradável à sua espera. Um sáurio interpunha-se entre eles e o veículo de esteira. O animal parecia perturbado. Sobre o corpo volumoso e pesado balançava um pescoço comprido, em cuja extremidade estava assentada uma cabeça larga com um par de olhos que pareciam fitar o ar com uma expressão estúpida.

O monstro saiu em direção à astronave e investiu com toda força contra o veículo voador. Estava irritado. Para ele o veículo de esteira parecia ser um perigoso inimigo. A astronave escorregou, afastando-se da árvore que evitara que tombasse.

A cauda do monstro começou a chicotear o veículo.

— Este animal acaba destruindo nossa astronave — disse Bell num cochicho. — E nem sequer temos uma arma para impedi-lo.

Atlan e Kasom puseram-se a gritar e agitaram furiosamente os braços, para distrair o monstro. Mas não conseguiram nada.

Aquela criatura tinha saído de um lago lamacento, quando Roost foi sacudido pelo grande terremoto. Embora estivesse longe de seu elemento, era um inimigo muito mais poderoso que eles.

A astronave balançava sob o efeito das pancadas desferidas com a cauda do animal. Depois de algum tempo o monstro virou-se, para investir novamente com todo o corpo contra o veículo. Mory Abro soltou um grito estridente. Sabia tão bem quanto os homens o que significaria a perda do veículo. Seriada morte e a prisão em mãos dos blues. Os ratos-castores tentaram em vão deter o animal por meio de suas forças telecinéticas. André Noir, que fazia esforços desesperados para exercer sua influência hipnótica sobre o animal, também não conseguiu nenhum resultado. A fúria animalesca de que a fera estava possuída parecia apagar todas as outras emoções.

O chão tremeu quando o gigante saiu correndo entre as árvores, em direção à astronave.

Neste momento Kasom afastou-se de Atlan e saiu correndo em passos gigantescos em direção ã astronave.

— Fique aqui, Kasom! — gritou Atlan. — Será que o senhor enlouqueceu?

O ertrusiano que pesava mais de oitocentos quilos parecia não ouvir o arcônida. A mecha de cabelo tremulava que nem uma bandeira sobre sua cabeça. Chegou ao veículo quase no mesmo instante que o animal. O monstro hesitou um instante ao ver o homem. Provavelmente reagia instintivamente aos movimentos que via embaixo de sua cabeça. Kasom corria em torno do veículo. O pescoço do monstro acompanhava-o como se fosse uma serpente flexível.

As pessoas que assistiam ao espetáculo da clareira prenderam a respiração quando Melbar Kasom deu um enorme salto e pousou nas costas do gigante pré-histórico. O sáurio ainda não compreendera o que tinha acontecido. Seus olhos pequenos e malvados estavam dirigidos para o veículo. Kasom subiu que nem um macaco pelo pescoço da criatura primitiva. Esta sentiu sua presença. O pescoço recuou violentamente e Kasom foi sacudido como se estivesse montado num cavalo selvagem. Agarrou-se ao pescoço com ambos os braços.

— Entrem na nave — gritou. — Rápido!

Enquanto Kasom o mantivesse ocupado, o monstro não poderia dedicar sua atenção à astronave. Rhodan fez um sinal para os companheiros. Bell e Atlan pegaram os ratos-castores. Correram para a astronave o mais depressa que o chão acidentado permitia. Kasom continuava a segurar-se. O monstro grunhia e fazia o corpo girar de um lado para outro, mas não conseguiu livrar-se do ertrusiano.

Rhodan foi o primeiro a atingir o veículo. Saltou pela porta e puxou Mory Abro para dentro. Noir saltou depois deles, seguido por Atlan e Bell com os dois ratos-castores.

Rhodan estava banhado em suor quando se acomodou no assento do piloto. Deu partida no motor e ligou a propulsão de vôo. Mas o veículo de esteira não saía do solo.

— O monstro deve ter danificado o sistema de propulsão aérea — gritou Rhodan em tom nervoso.

Pela carlinga viram o rosto de Kasom escorregar para baixo pelo pescoço do animal. O monstro estava passando entre as árvores, aproximando-se da astronave.

Rhodan ligou abruptamente a propulsão de esteiras. O barco aéreo uivou. As esteiras afundaram no chão lamacento. O veículo balançou e voltou a repousar sobre as esteiras. Rhodan levou-o para trás, em direção à clareira. Teve de prestar muita atenção para não cair na fenda.

Olhando pela carlinga, viu Kasom saltar de cima do animal e correr atrás da astronave. O inimigo iniciou a perseguição com movimentos toscos. Enquanto isso Atlan procurava reparar os danos causados ao sistema de propulsão aérea.

— Alguns cabos ficaram presos — gritou para quem estava na frente. — Dentro de alguns minutos estará tudo consertado.

O veículo passou ruidosamente pela clareira. Kasom saltou de lado sobre o veículo e entrou na portinhola aberta. Uma nuvem de cheiro de podre veio atrás dele.

Ligou o microgravitador, que desativara durante a luta.

— Não seria um bom assado para o senhor? — perguntou Noir em tom seco.

— Seria — respondeu Kasom com a maior calma. — Mas não sei quem poderia virar o espeto.

De repente o monstro parecia ter perdido a vontade de sair em perseguição do veículo e desapareceu na floresta. Rhodan respirou aliviado e recostou-se na poltrona. Atlan não demorou a reparar as avarias. A astronave desprendeu-se do solo. Rhodan deixou que o veículo blindado circulasse sobre a clareira por algum tempo. Só agora viram em toda extensão os prejuízos causados pelo terremoto. Em toda parte viam-se árvores tombadas uma em cima das outras. Vapores desprendiam-se do solo. Em parte a cor amarela-apagada do céu passou para um cinza sombrio. Quando estava sobrevoando a mata, a astronave foi atingida por uma corrente ascendente de ar quente que a fez subir meia milha.

Rhodan viu os contornos de uma cadeia de montanhas bem ao longe e fez a astronave seguir nessa direção. Se o terremoto se repetisse, estariam mais seguros numa das planícies extensas situadas entre as montanhas e as florestas.

Sobrevoaram um mar de lama, que continuava bastante agitado. Grandes bolhas estouravam na superfície. Dois sáurios gigantescos estavam empenhados numa luta. Centenas de troncos de árvores meio apodrecidos tinham caído no pântano.

Mory Abro foi para perto da poltrona do piloto. Rhodan perguntou-se como essa moça era capaz de, apesar do clima tropical e do cansaço, ter uma aparência jovem e bem disposta. Mory sentou a seu lado.

— Por quanto tempo ainda teremos de fugir dos blues, senhor Rhodan? — perguntou.

Se fosse qualquer outra mulher, Rhodan a teria consolado com mentiras. Mas a idéia de manter Mory na ignorância sobre a verdadeira situação não lhe agradava nem um pouco.

— Depende de quem cansa primeiro — respondeu com a voz tranqüila. — Os blues ou nós.

— O senhor acredita que dentro em breve aparecerá uma nave para salvar-nos?

— Não. Sabemos que a Tramp foi destruída pelos blues. A potência de um hipertransmissor não é suficiente para vencer a distância imensa que nos separa da nave terrana mais próxima. Só teríamos uma chance se por acaso uma nave-patrulha terrana tivesse entrado nesta área.

Em meio à pele clara de Mory, as sombras escuras que se estendiam embaixo de seus olhos quase chegavam a ter um aspecto doentio. Por um instante Rhodan teve a impressão de que não passava de uma mulher frágil e angustiada, mas a firmeza de sua voz logo apagou essa impressão.

— O que significaria a prisão em mãos dos blues?

— Depende das circunstâncias políticas — disse Rhodan para esquivar-se a uma resposta direta. — É difícil prever como um blue reagirá em determinadas circunstâncias. Provavelmente nos usariam para exercer pressão.

Mory refletiu por um instante.

— Que tal se alguns de nós se entregassem aos blues, enquanto os outros ficassem escondidos? Os blues acreditariam que os fugitivos desaparecidos pereceram na catástrofe e se contentariam com um número menor de prisioneiros, afastando-se do planeta.

— Os blues não demorariam a descobrir a verdade por meio do hipnointerrogatório — retrucou Rhodan. — Não temos alternativa: precisamos continuar a fugir.

Atlan aproximou-se. Ficou encostado aos controles.

— A velha e sábia coruja — observou Mory em tom irônico. — O que diz sua experiência sobre o problema?

— Nada. — Atlan cruzou os braços sobre o peito. — Existem situações em que até uma coruja se cala.

— É estranho, mas os imortais também têm medo de morrer — constatou Mory em tom indiferente. — Pensei que um homem que já viveu tanto fosse dono dos seus sentimentos.

— Como sabe que tenho medo de morrer? — perguntou Atlan.

Mory olhou para o chão. Mas logo voltou a fitar o arcônida.

— Os dois estão com medo. Graças aos seus ativadores celulares já viveram uma vida tão longa que a morte se transformou numa idéia abstrata. Para os senhores a morte é uma coisa anormal, e por isso a temem mais que o comum dos mortais.

— Sei o que quer dizer — respondeu Atlan.

— E daí? Não tenho razão?

— Às vezes tenho medo — disse Atlan e olhou para fora do veículo. — Agora, por exemplo. Tenho medo de que alguma coisa lhe possa acontecer, Mory.

Deu-lhe as costas e retirou-se para a parte dos fundos da cabine.

— Ele me deixa confusa — admitiu Mory.

— Compreendo perfeitamente — disse Rhodan com um sorriso. — Levei alguns anos para acostumar-me a ele. Não deve julgá-lo pelos padrões normais. Atlan continua sendo um peregrino no tempo. É possível que para ele sejamos apenas um episódio breve e passageiro, se bem que às vezes chego a acreditar que seu destino e o meu estão indissoluvelmente ligados.

Uma rajada de vento atirou a nave para fora da rota, obrigando Rhodan a mudar de direção.

— Os senhores se parecem — constatou Mory. — É bem verdade que tenho a impressão de que o senhor é o único que ainda assume um risco numa situação desesperada. Talvez seja esta a diferença básica entre um arcônida e um terrano.

— Existem outras diferenças — respondeu Rhodan. — São diferenças mais sutis, que a senhora só descobrirá em algumas décadas.

Mory franziu a testa.

— O senhor esquece que eu sou mortal — disse com certa amargura. — O que será de mim daqui a algumas décadas?

Sem saber por quê, Rhodan percebeu que a pergunta o abalava profundamente. Imaginou que a beleza de Mory desapareceria. Ela envelheceria, mas ele conservaria sua aparência atual.

Amaldiçoou-se no íntimo por causa dessa idéia maluca. Afinal, não era nenhum idiota sentimentalista.

Quando já tinham atravessado quase toda a floresta, o motor da astronave começou a falhar. Houve quatro fortes solavancos, que atiraram os passageiros de um lado para outro. O veículo perdeu altura rapidamente. Rhodan via perfeitamente a planície que se estendia à frente das montanhas.

Bell veio para a frente e lançou um olhar preocupado para os controles.

— Consegue mantê-lo no ar? — perguntou, dirigindo-se a Rhodan.

— Parece que o monstro fez mais estrago do que parecia à primeira vista — respondeu Rhodan. — Tomara que cheguemos à planície.

O pesado veículo seguiu cambaleante sobre a floresta. Um vento forte soprava da planície, desviando constantemente o veículo de esteira de sua rota.

Uma tépida chuva tropical desceu sobre eles. Dentro de alguns segundos o veículo brilhou com a umidade. A floresta que se estendia embaixo deles transformou-se numa superfície cinzenta sem contornos definidos.

O conjunto antigravitacional voltou a falhar. Como a velocidade era muito menor, o veículo começou a baixar rapidamente. Quando estava prestes a roçar as copas das árvores mais altas, houve um ruído que parecia uma explosão. A astronave deu um solavanco e voltou a aumentar de velocidade. Rhodan respirou aliviado, embora em sua opinião apenas tivesse ganho mais um pequeno prazo.

O veículo deslizou pouco acima das árvores. Em seu interior reinava o silêncio. Os passageiros observavam a área com os rostos tensos. Uma queda bem na mata poderia tornar-se perigosa.

Finalmente as árvores foram ficando para trás. Estavam sobrevoando a planície que se estendia até a cadeia de montanhas. A chuva batia horizontalmente no veículo e verdadeiras torrentes de água corriam sobre a carlinga.

— Preciso realizar um pouso de emergência — anunciou Rhodan.

A astronave desceu com um forte rugido. Parecia que o mundo estava se afogando na chuva.

— Segurem-se! — gritou Rhodan.

Para surpresa de todos, o veículo pousou suavemente na superfície. As montanhas estavam a três ou quatro milhas.

— Neste lugar o uso das lagartas forneceria uma ótima pista para os blues — disse Bell. — Precisamos reparar as avarias de qualquer maneira.

Rhodan, Bell e Kasom abandonaram o veículo.

A chuva morna bateu-lhes no rosto. Os pingos batiam ruidosamente no revestimento do veículo. Contornaram o mesmo. Bell descobriu um lugar amassado. Sem dúvida o monstro do mar de lama batera com toda força nesse lugar. Examinaram a parte avariada.

— Os condutores de energia do sistema de propulsão estão parcialmente interrompidos — informou Bell depois de ter entrado embaixo do veículo. — Não acredito que possamos fazer os reparos. Não dispomos de ferramentas especiais nem de tempo.

Saiu debaixo do veículo coberto de lama.

— Vamos, tentar avançar com o sistema de locomoção de esteiras — sugeriu Kasom. — Não acredito que esteja avariado.

Voltaram para dentro do veículo. Bell acomodou-se no assento do piloto. Dali a alguns segundos o motor uivou e a astronave começou a avançar. Em terreno plano a velocidade máxima do mesmo era de trinta milhas por hora. Rhodan fazia votos de que alcançassem as montanhas antes que os blues voltassem a aparecer.

Como tinham perdido a capacidade de voar, suas chances estavam reduzidas a um mínimo. Mesmo que alcançassem as montanhas, provavelmente não seria possível enganar os blues por muito tempo.

Atlan foi o primeiro que disse o que todos pensavam.

— Parece que nossa fuga está chegando ao fim. Se os blues aparecerem de novo, estaremos perdidos.

A astronave foi avançando lentamente na superfície. A proa achatada estava voltada para as montanhas, enquanto ia alcançando aos poucos a velocidade máxima. Parecia um fantasma cinzento a deslocar-se em meio à chuva. Naquela paisagem imensa parecia pequena e abandonada.

 

Tan Pertrec procurou combater o pânico que queria levá-lo a dar ordens absurdas aos seus tripulantes. Tinha de conformar-se com o fato de que algo tinha saído errado. Mais uma vez os terranos provavam como eram perigosos.

Tan Pertrec não conseguiu reprimir um sentimento de admiração pelo comandante inimigo, que se arriscara a aproximar-se tanto do planeta em vôo linear, para só voltar ao espaço normal no último instante.

Mas essa mesma manobra provava que o inimigo estava desesperado. Ao dar-se conta disso, o comandante dos blues logo se acalmou.

Sem dúvida tratava-se de uma nave isolada dos terranos, cujo comandante tentava distrair a atenção dos blues do planeta Roost.

Tan Pertrec estava disposto a sacrificar algumas naves em troca dos valiosos prisioneiros. Mandou que os comandantes de três naves cuidassem do inimigo. Manteve sua nave na rota previamente fixada. Seria um reforço para as naves que estavam empenhadas na busca em Roost.

Quando penetrou na atmosfera do planeta Roost, Tan Pertrec já recuperara o sangue-frio que lhe era peculiar. Na verdade, o aparecimento da nave inimiga não mudara absolutamente nada. Tan Pertrec felicitou-se por ser tão inteligente. Seus superiores seriam compreensivos com seu procedimento. Mesmo que três naves de seu grupo fossem perdidas, essa perda seria mais que compensada com os prisioneiros.

Tan Pertrec teve outra idéia. Poderia perfeitamente alegar que perdera as três naves na batalha travada com o grupo de blues inimigos. Desta forma não correria o menor risco.

Mandou que o operador de rádio entrasse em contato com as naves empenhadas ria busca. Conforme era de esperar, a nave terrana sacudira um pouco o planeta. Tan Pertrec fez votos de que os fugitivos não tivessem sofrido algum acidente.

Naquele instante Tan Pertrec foi informado sobre misteriosas mensagens que acabavam de ser recebidas. Os blues não demoraram a descobrir o sentido dos sinais transmitidos.

A nave terrana estava pedindo auxílio pelo rádio.

E obteve uma resposta.

Tan Pertrec começou a sentir-se inseguro. Conforme informaram seus operadores de rádio, o grupo de naves inimigas estava a uma distância tão grande que no momento não representava, nenhum perigo. Mas ao mesmo tempo manifestaram a preocupação de que a operação que se desenvolvia no planeta Roost não pudesse ser concluída com a necessária rapidez. Os terranos não costumavam perder tempo quando uma de suas naves estava em perigo.

Tan Pertrec não deixou que as novas notícias o perturbassem. Os computadores calcularam o momento aproximado em que o inimigo poderia chegar. Tan Pertrec chegou à conclusão de que ainda dispunha de tempo para prender Perry Rhodan e seus companheiros, se tudo corresse conforme ele planejara.

Enquanto a nave-capitânia dos blues se deslocava sobre a superfície de Roost, a Lion destruiu a primeira nave atacante com uma carga de vários gigatons disparada por um de seus canhões conversores. Tan Pertrec recebeu a notícia poucos segundos depois.

Seus olhos de gato permaneceram imóveis. O sentimento de vingança começou a manifestar-se em seu interior. Sabia que seria muito difícil evitar que seus tripulantes cometessem violências contra os prisioneiros.

A nave de Tan Pertrec estava sobrevoando uma grande floresta.

Foi quando houve a indicação dos rastreadores.

O comandante levantou-se de um salto. Não procurou disfarçar seus sentimentos. O pequeno e ágil veículo voador dos terranos devia estar lá embaixo.

A nave-capitânia dos blues penetrou numa pancada de chuva. A cabeça de Tan Pertrec balançava ligeiramente sobre o pescoço fino. Seus olhos de gato fitavam ininterruptamente as telas que transmitiam as imagens do exterior.

Para além da floresta extensa que estava sobrevoando estendia-se uma planície sombria que terminava junto às montanhas.

Era lá que deviam estar os fugitivos.

 

Sentiu que alguém o tocava no ombro. Depois ouviu uma voz que chamava seu nome.

— Capitão! Acorde!

O capitão Walt Heintman lutou contra o cansaço que pesava sobre seu corpo e abriu os olhos. A claridade ofuscante que o cercava fez com que cerrasse as pálpebras.

— O que houve? — perguntou com a voz insegura.

De repente ficou bem acordado. Sabia novamente onde estava. E o conhecimento desse fato tinha algo de deprimente. Encontrava-se no interior de uma nave de sessenta metros de diâmetro, num girino marcado em dois lugares com o nome Lion III.

Heintman nem se esforçou para calcular a distância que já tinham percorrido com esta esfera metálica. Nunca compreenderia. Por três vezes a Lion III foi atacada durante a viagem pelo setor leste da Galáxia e uma vez só por sorte escapou de cair num gigantesco sol vermelho.

Heintman perguntou-se qual era o milagre que fizera com, que ele e seus companheiros tivesse sobrevivido àquele vôo. Entre cem naves que tentassem uma operação semelhante, dez talvez conseguiriam.

— Lamento ter de acordá-lo — soou a voz do sargento Ornar Habul em seu ouvido. — Estamos penetrando na área periférica do centro da Galáxia.

Heintman olhou para o relógio. Não dormira mais de vinte minutos. Não era de admirar que se encontrasse nesse estado.

— Está bem, sargento — respondeu. Endireitou-se e examinou os controles. — Vamos irradiar imediatamente o pedido de socorro em código — ordenou. — Talvez tenhamos sorte e alguma nave nos ouça.

Falava com a voz arrastada. Teve certa dificuldade em concatenar as palavras. Seus pensamentos estavam com os homens que naquele momento provavelmente lutavam pela vida num sistema solar estranho. Mas a raiva que sentira do tenente Nome Tschato já passara. Tschato não quisera livrar-se dele, mas escolhera-o conscientemente para esta missão.

Heintman e os outros tripulantes tinham tentado tudo para entrar em contato com alguma nave terrana, mas a única coisa que conseguiram foi atrair o inimigo em três ocasiões diferentes. Duas vezes foram os blues, enquanto da outra vez foram perseguidos por um grupo de naves aconenses.

O inimigo acreditava que a pequena nave fosse uma presa fácil. Ao lembrar-se de como tinham fugido, Heintman sorriu. O poder do Império estava reduzido a isso nas regiões mais distantes da Galáxia. Os inimigos não podiam atacar o Sistema Solar, mas caçavam suas naves onde quer que as encontrassem.

Durante uma hora a Lion III prosseguiu pelo espaço normal em direção ao centro da Galáxia. As antenas do hipercomunicador irradiavam ininterruptamente o sinal de emergência que revelaria às outras naves que em algum lugar fora descoberta uma pista de Rhodan.

Finalmente a Lion III recebeu uma resposta. Heintman em pessoa estava cuidando do hipercomunicador.

— Aqui fala a Alora, nave-capitânia do destacamento especial Nayhar — disse uma voz tranqüila saída do alto-falante. — Ouvimos perfeitamente sua transmissão e solicitamos maiores detalhes.

Heintman e Habul entreolharam-se. O sargento teve de esforçar-se para reprimir um sorriso de alívio. As mãos de Heintman tremiam enquanto fazia a regulagem, ligava a transmissão de imagem.

Depois disso forneceu as coordenadas da Lion III e identificou-se como comandante.

A tela bruxuleou e um rosto grosseiro, mas simpático, destacou-se na mesma.

— Almirante Role Nayhar, falando de bordo da Alora — disse o homem.

Heintman ouviu seu próprio suspiro. Aquele homem não era um terrano, mas sua nave pertencia a um destacamento do Império.

— Queira desculpar — disse Heintman. — Antes de fornecer maiores detalhes vejo-me obrigado, por cautela, a pedir que se identifique de forma mais precisa.

— O fato de eu ter captado o pedido de socorro não é prova bastante?

— Durante o vôo para cá fomos atacados por naves de diversas nacionalidades embora oficialmente a Terra e essas nações não estejam em guerra.

— Compreendo — respondeu Nayhar.

Sua voz poderosa fez vibrar o alto-falante. Heintman percebeu que o almirante era um homem nascido em Epsal. Todo mundo sabia que se podia confiar nestes homens.

— Sou o Almirante Nayhar — disse o almirante. — Estou falando pessoalmente com o senhor porque sua mensagem está incluída na classe das mensagens urgentíssimas. O Almirante Geral Tere Astrur, atual comandante da USO, colocou um destacamento da frota sob minhas ordens, para que avancemos profundamente na área dos blues. Recebemos ordem para resolver as dificuldades in loco. — Pigarreou. — Será que no momento isto basta?

— Basta, sim senhor — respondeu Heintman e forneceu um ligeiro relato do que tinha acontecido com a Lion.

De vez em quando Nayhar o interrompia com uma pergunta.

— O destacamento que está sob meu comando é composto de cento e cinqüenta e oito naves, entre elas vinte e dois supercouraçados da classe império. Além disso dispomos de vinte e quatro cruzadores pesados superpesados da classe solar. O resto compreende cruzadores pesados e ligeiros. Todas as naves possuem tripulações de elite da USO. Que tal, capitão Heintman?

Heintman acenou com a cabeça. Pretendia prevenir Nayhar contra as naves dos blues, mas as forças do almirante pareciam suficientes para esmagar qualquer grupo de naves.

— Poderia recolher-me em uma de suas naves? — perguntou. — A nave-girino atingiu o limite do desempenho. Não conseguiremos percorrer mais de vinte anos-luz além do ponto alcançado.

— Uma das minhas naves recolherá a Lion III — prometeu Nayhar. — Enquanto isso meu destacamento começará a deslocar-se em direção à área descrita pelo senhor.

Despediram-se. O capitão Walt Heintman olhou para o relógio de bordo. Na Terra as folhinhas registravam o dia 12 de fevereiro de 2.329. O capitão quase não conseguia acreditar que vários dias já se tivessem passado desde o momento em que a Lion tinha registrado os primeiros abalos estruturais. Teve a impressão de que só fazia algumas horas que tudo isso tinha acontecido.

Foi voltando ao seu lugar.

Sabia que Nayhar levaria seu destacamento às pressas ao setor leste da Galáxia. O almirante conhecia as coordenadas do respectivo sistema solar.

Heintman fazia votos de que o auxílio chegasse em tempo para a Lion e Rhodan. Sabia que fizera tudo para organizar uma rápida operação de salvamento.

O cansaço voltou a tomar conta dele. Acomodou-se na poltrona de comando. Só lhes restava esperar a chegada da nave que recolheria a Lion III ao seu hangar.

— Bem que gostaria de estar a bordo da Lion — observou o sargento Ornar Habul.

— Eu também — respondeu Heintman com um suspiro.

 

Os restos da segunda nave dos blues foram-se desmanchando no interior da nuvem de fogo que se espalhava rapidamente, enchendo toda a tela. As bombas de gigatons não deixavam nenhum vestígio. Os campos defensivos dos blues eram incapazes de deter essas armas.

Enquanto o tenente Waso Netronow se concentrava na rota da Lion, a terceira nave inimiga passou por cima da Lion, acelerando ao máximo, e conseguiu acertá-la pela segunda vez.

O primeiro raio energético que rompera o campo defensivo do couraçado atingira o observatório. Netronow imediatamente mandara evacuar o mesmo. Um tripulante tinha morrido no ataque, enquanto três outros tiveram de ser recolhidos à clínica de bordo.

O segundo tiro energético que acertou o alvo abriu um rombo na cúpula polar superior. Netronow alarmou o convés superior e enviou os robôs encarregados de reparar as avarias. O segundo impacto não causou vítimas. As avarias não afetavam as atividades da Lion, mas provavam que um número maior de naves inimigas poderia representar um perigo para o couraçado.

Netronow verificou pelos rastreadores espaciais que a terceira nave dos blues estava voltando. Bem que ficaria mais aliviado se notasse que a nave se afastava. Não era a preocupação pela própria segurança que o levava a desejar o fim da luta. Sabia perfeitamente que cada nave destruída significava a morte de muitos blues. Depois de um ataque com bombas de gigatons dificilmente haveria possibilidade de fazer sair barcos de salvamento. Era bem verdade que os blues haviam provocado a batalha espacial, mas apesar disso fazia votos de que a terceira nave fugisse. Afinal, os blues eram seres inteligentes. De seu ponto de vista a ação que estavam empreendendo parecia justa, mas para os humanos estavam adotando um procedimento hostil e desrespeitoso. “Se cada um compreendesse melhor a mentalidade do outro, talvez nunca houvesse uma luta declarada”, pensou o tenente Netronow.

Mas como, perguntou-se, pode um ser humano ter compreensão para um ato como o dos blues, que exterminam a população de planetas inteiros, tão-somente para criar espaço para sua descendência?

E como poderia um blue compreender que os humanos só costumam pisar em outros mundos para realizar pesquisas?

A guerra nasce de uma série de mal-entendidos. Era possível que a natureza fizesse uma seleção cruel no âmbito de cada Galáxia, para que somente as melhores raças conseguissem dar o grande salto para a Galáxia mais próxima.

E aqui, no sistema de Simban, haveria outra decisão.

A espaçonave dos blues aproximou-se descrevendo uma grande curva. Dava a impressão de que vinha diretamente de Roost. Netronow transmitiu ao centro de artilharia permissão de abrir fogo. Mas antes que os canhões de conversão pudessem entrar em ação, o adversário retirou-se para as profundezas do espaço.

Netronow sabia perfeitamente que só conseguira uma pausa para respirar. No interior do sistema solar havia pelo menos outras cento e setenta naves de guerra.

As mensagens transmitidas pela Lion II continuavam a chegar de uma distância de cinqüenta anos-luz. O capitão Vertrigg fazia tudo que estava ao seu alcance para dar a impressão de que realmente se tratava de um grupo de naves. Isto levou os blues a agir apressadamente.

 

O ponteiro do rastreador de matéria do jato espacial deu um salto, parando no máximo.

Dan Picot esfregou os olhos, como se isto pudesse ajudá-lo a enxergar através da chuva intensa.

— Parece que há uma nave dos blues por perto — constatou Tschato. Bateu com o dedo no vidro do mostrador do rastreador de matéria. A agulha tremia levemente, mas não saiu da posição.

O vento ascendente levantou o jato espacial. Picot comprimiu as mãos contra o estômago. Nas condições em que se encontravam, a calma de Tschato parecia exagerada. Os fugitivos deviam estar escondidos lá embaixo. Os blues pareciam saber disso, pois não havia dúvida de que uma de suas naves se aproximava ou já encontrara um lugar para pousar.

Tschato fez questão de experimentar o prazer que o vôo por aquela atmosfera agitada parecia causar-lhe. Recebia qualquer pancada de vento lateral com um sorriso de satisfação.

— Se localizamos os blues, é bastante provável que eles também saibam de nossa presença — observou Picot em tom azedo.

— Existem fatos que parecem confirmar esta suposição — respondeu Tschato. — Mas não acredito que nos tenham descoberto. A idéia de que por aqui pode haver um veículo espacial de dimensões reduzidíssimas certamente nem lhes passa pela cabeça. Certamente dedicam sua atenção exclusivamente ao veículo dos fugitivos.

Picot massageou os dedos e os fez estalar nas juntas. Sabia que não valia a pena tentar convencer o comandante de que seus receios eram fundados. Tschato não queria ver o perigo, ou então se sentia absolutamente seguro.

— Quer que assuma o comando? — perguntou Geco, que se mantinha nos fundos da cabine.

— Obrigado, almirante — respondeu Tschato em tom amável. — Saberemos enfrentar as dificuldades.

— Compreendo que só queira recorrer aos meus serviços na fase decisiva da operação de salvamento — disse Geco em tom condescendente. — Aprecio este modo de pensar em meus subordinados.

Picot deixou cair o queixo. A arrogância do rato-castor excedia tudo que já tinha ouvido. Tschato esboçou um sorriso alegre.

O jato espacial foi descendo. Picot viu que estavam sobrevoando uma floresta. Talvez a astronave tivesse pousado entre as árvores. Gostaria que Tschato reduzisse um pouco a velocidade, para facilitar a observação.

De repente o jato espacial ficou envolto numa claridade chamejante. Picot soltou um grito. Sentiu-se ofuscado e, cambaleante, colocou-se ao lado de Tschato. Compreendeu que alguém acabara de disparar um tiro energético contra o jato espacial. O pequenino veículo espacial não fora atingido em cheio, mas desceu obliquamente, balançando bastante.

— Segurem-se — recomendou Tschato com a voz tranqüila.

O jato espacial avançou velozmente entre as copas das árvores. Círculos luminosos surgiram diante dos olhos de Picot. Finalmente conseguiu reconhecer a área.

A sua frente estendia-se uma grande planície. Atrás dela destacavam-se os contornos de uma cadeia de montanhas. Viu a espaçonave que acabara de atacá-los. Voava algumas milhas à frente deles, formando uma gigantesca sombra escura.

— Acreditam que fomos destruídos — observou Tschato, satisfeito. — Se não estou muito enganado, eles se preparam para pousar na planície.

O jato espacial corria em disparada junto à mata.

— Temos de encontrar um meio de chegar ao outro lado da planície — anunciou Tschato. — A astronave deve estar entre a mata e as montanhas. Os blues vão desembarcar uma equipe de busca.

Ao lembrar-se da superioridade do inimigo, os cabelos da nuca de Picot eriçaram-se. Há pouco mal e mal tinham escapado da morte, mas Tschato fazia de conta que nada tinha acontecido.

Parou de chover. A visibilidade melhorou. A nave-disco dos blues estava sobrevoando a planície. Desceu à superfície, aparentemente em silêncio. Formava uma barricada insuperável de metal. Por mais que forçasse a vista, Picot não conseguiu descobrir a astronave. Um vento lateral tangeu o jato espacial para a superfície, mas Tschato habilmente levou-a de volta para a proteção das árvores.

Quando se encontravam quase na mesma altura que a nave dos blues, as colunas de apoio desta começaram a sair. Picot esperava que pequenas naves de reconhecimento saíssem dos hangares. Mas viu-se que a previsão de Tschato era correta. Um largo passadiço saiu da nave. Dali a pouco viram os primeiros blues sair da nave. Naquela distância eram apenas figuras insignificantes.

— Estão saindo da nave — gritou Picot. — Será que encontraram a astronave?

— Provavelmente — respondeu Tschato. — Mas é bem possível que os fugitivos nem estejam mais no veículo. Sem dúvida fugiram para as montanhas próximas. Desta forma também se explica por que os blues não fizeram sair discos de patrulha-mento.

Geco esticou o focinho para ver o que havia do lado de fora,

— Vamos atacá-los — chiou e fechou os punhos.

— Fique quieto, almirante — pediu Picot em tom áspero.

Geco empertigou-se. Sua barriga tremia de tão nervoso que estava.

— Neste ato o senhor é rebaixado ao posto de sargento — disse, dirigindo-se a Picot.

Picot agarrou-o e afastou-o dos controles. Por algum tempo os gritos de protesto de Geco superaram os outros ruídos.

A planície terminava em uma cadeia de montanhas em forma de ferradura. Dos lados a mata quase atingia as montanhas. O jato espacial teria de percorrer mais sete milhas para atingir o fim da mata. Chegado lá, Tschato seguiu em direção às montanhas.

Quando o jato espacial desapareceu atrás das colinas, a nave-disco saiu por um instante do campo de visão dos dois homens. Mas o rastreador de matéria não permitia a menor dúvida sobre a presença da nave inimiga. O vento ascendente que soprava junto às montanhas, conjugado com os efeitos do dispositivo antigravitacional e a reduzida potência do propulsor, exigiu o máximo da competência do piloto. Várias vezes Picot acreditou que o pequeno veículo voador seria comprimido contra a rocha ou atirado por cima do cume de uma colina. Mas Tschato sempre corrigia os desvios de rota antes que fosse tarde. As montanhas estavam cobertas de vegetação baixa até o topo. Em vários lugares Picot viu sinais de atividade vulcânica. Sem dúvida em pontos mais distantes daquela cordilheira havia crateras e oceanos de lava.

O tenente Nome Tschato fez o jato espacial passar entre duas colinas baixas e entrou num vale estreito. Picot ficou perplexo ao notar que se preparava para pousar. O jato espacial pousou num platô estreito, nas imediações do topo da colina.

Tschato abriu a pequena eclusa e saltou para fora. Mandou que Picot ficasse no aparelho. Picot viu-o saltar sobre as rochas com a agilidade de uma corça. Ao que parecia, queria dar uma olhada na planície. Tschato atingiu o topo da colina e procurou orientar-se. Logo voltou às pressas ao jato espacial.

Saltou para dentro da poltrona do piloto e deu partida. Picot fitou-o com uma expressão de curiosidade.

— Vi a astronave — informou Tschato com a voz arrastada. — Está a uns trezentos metros das primeiras colinas. — Interrompeu-se, para dedicar sua atenção aos comandos.

— E os blues? — perguntou Picot em tom impaciente.

— O disco encontra-se a apenas meia milha da astronave. Foi por isso que não vimos este da mata. Avistei uns duzentos blues entre o disco e a nave. Os mesmos dirigiam-se apressadamente à astronave.

Picot engoliu em seco.

— Duzentos? — repetiu. — O que vamos fazer?

— Precisamos descobrir se Rhodan ainda se encontra nas proximidades da astronave ou, o que seria pior, se continua no interior da mesma.

O jato espacial passou por cima da colina, deixando para trás o vale. Picot também viu a nave-disco, que parecia encher toda a planície. A seu lado a astronave parecia uma coisa insignificante. Um verdadeiro exército de formigas locomovia-se em direção ao mesmo. Já tinham percorrido metade da distância. Eram os blues.

Picot olhou para a planície.

— Como pretende descobrir onde está Rhodan? — perguntou em tom áspero, sem olhar para o comandante.

Tschato fez uma careta. Os controles quase desapareciam embaixo de suas mãos enormes.

— Vamos dar uma olhada lá embaixo — anunciou.

— Mas... — principiou Picot. Tschato afastou a objeção com um gesto.

— Sei o que está pensando, Dan — resmungou. — Tem medo de que possam disparar contra nós do disco. Mas isso não acontecerá. Quando nos aproximarmos da astronave, haverá duzentos blues entre nós e a nave.

Isso bastava. Picot compreendeu as intenções de Tschato. Não entrariam planando na planície. Tschato pretendia descer em disparada até a altura da astronave, junto à colina. Depois voaria junto à encosta, em direção à mesma. O que viria depois escapava à capacidade de previsão de Picot. Mas não se sentia infeliz por isso. Provavelmente nem mesmo o leão conhecia a continuação.

Picot formou sua própria opinião sobre o plano de Tschato. Era possível que o gigante negro conseguisse chegar à astronave. Mas ali seria o ponto final. Assim que os blues compreendessem quais eram as intenções do pequeno veículo terrano, eles se retirariam da linha de fogo.

E depois disso Dan Picot se desmancharia em meio a uma nuvem de energia atômica. Juntamente com o Almirante Geco e o jato espacial.

E com o tenente Nome Tschato, conhecido como o leão.

 

Quando o rastreador da astronave indicou a presença de um objeto estranho, Rhodan deu ordem para que saíssem. Ainda estavam a cerca de trezentos metros das montanhas. A nave dos blues chegaria tão depressa que não haveria tempo de levar a astronave a um esconderijo. Rhodan não teve alternativa senão deixar a nave para trás, que prenderia a atenção dos blues e os deteria por algum tempo. Até lá teriam de sair do lugar.

Rhodan sabia perfeitamente que qualquer coisa que fizessem poderia prolongar a fuga, mas não evitaria que fossem presos pelos blues. A astronave fora localizada por estes. Como não estava em condições de voar, representava antes um obstáculo que um auxílio.

Rhodan foi o último a abandonar o veículo. Kasom carregou os dois ratos-castores nos ombros. Atlan e Mory Abro já estavam correndo em direção às colinas. André Noir esperava ao lado de Kasom. A chuva provocara uma estranha modificação no aspecto do mutante. Os cabelos molhados caídos no rosto faziam-no parecer bem mais velho.

— Vamos, Kasom — disse Rhodan com a voz tranqüila. — Desligue seu microgravitador. Dessa forma descobrirá um esconderijo bem antes de nós.

Kasom saiu correndo em saltos enormes. Os ratos-castores agarraram-se a ele. Bell esforçou-se em vão para permanecer a seu lado.

— A astronave explodirá dentro de trinta minutos — disse Rhodan, dirigindo-se a Noir. — Liguei o dispositivo de autodestruição. Vamos, André.

Kasom já estava passando à frente de Atlan e da moça. Rhodan viu que o arcônida segurava Mory pelo braço. Fazia voto de que a jovem mulher agüentasse mais esta provação.

— Quando chegarmos às montanhas, vamos dividir-nos em vários grupos — anunciou Rhodan. — Isso dificultará as coisas para os blues. Quem sabe se não acontece um milagre? Talvez o auxílio ainda chegue em tempo. Dessa forma um ou outro de nós poderá ser salvo.

Quando saíram correndo, Rhodan teve a impressão de reconhecer certo cansaço e resignação nos movimentos do mutante. Noir ficou de cabeça baixa.

— Já os sinto! — gritou para Rhodan.

Pouco antes de atingirem a primeira rocha, Rhodan parou e olhou para trás. A nave dos blues acabara de chegar à extremidade oposta da planície. Aproximou-se através da chuva como se fosse um pingo transparente de vidro. Mas isso era somente um efeito da estranha claridade que atravessava as nuvens.

Kasom e os ratos-castores já tinham desaparecido. Atlan puxou Mory Abro para trás de um ajuntamento de rochas grandes.

— Estou sentindo mais uma coisa — disse Noir de repente. — É... não, deve ser engano.

Rhodan fitou-o com uma expressão tensa, mas Noir não soube mais o que dizer. Finalmente Kasom saiu de trás de duas rochas enormes.

— Os ratos-castores dizem ter captados impulsos mentais humanos por um instante — gritou para Rhodan.

Noir e Rhodan entreolharam-se. Noir esboçou um sorriso débil. A nave gigantesca dos blues pousou atrás deles.

— Se é assim, continuaremos juntos — decidiu Rhodan. — É possível que os impulsos fracos realmente sejam sinal da presença de mais alguém além dos blues.

Os olhos de Kasom brilharam.

— Talvez seja um animal — disse em tom esperançoso. — Um animal grande com carne bem macia, que possamos assar entre as rochas.

— Como pode pensar em comida numa hora desta? — perguntou Noir em tom indignado.

— Vivo pensando em comida — retrucou Kasom e fitou-o com uma expressão faminta.

Noir cochichou uma praga e retirou-se para trás das rochas. A cadeia de montanhas diferia bastante das montanhas da Terra. A encosta rochosa entrecortada erguia-se abruptamente na planície. Arbustos e outras plantas cresciam nas encostas mais suaves.

Parou de chover. O vento quente trouxe o cheiro da terra úmida. Havia um zumbido quase imperceptível no ar. Se as circunstâncias fossem diferentes, este mundo teria merecido a atenção de Rhodan, mas naquele momento só estava interessado em escapar dos blues. Os impulsos captados por Noir e os ratos-castores deram novamente uma esperança débil a Rhodan. Será que alguma nave tinha captado o pedido de socorro da Tramp?

Olhando entre as rochas, Rhodan viu os blues baixarem o passadiço, o que era um sinal de que desembarcariam grupos de busca. Será que sabiam que os fugitivos não estavam longe da astronave, ou acreditavam que ainda havia ocupantes no veículo?

— Quando se aproximarem, vamos retirar-nos para mais longe — disse Rhodan. — Como vai, Mory?

— Ora veja! O imortal demonstra interesse pelos outros — disse Mory em tom irônico.

Até então a moça mostrara-se valente, reprimindo todos os sinais de fraqueza. Esforçava-se ao máximo para não ficar atrás dos homens. Mas a ironia que acabara de manifestar provava que seus nervos estavam desgastados. Antes que Rhodan pudesse responder, Hemi e Bokom soltaram gritos de triunfo.

— O que houve com vocês? — perguntou Rhodan, que se sentia perplexo com essa súbita explosão de alegria.

— O almirante Geco está por perto — piou Hemi, exaltado. — Estamos sentindo sua presença.

De repente todos falaram ao mesmo tempo. Rhodan fez um gesto resoluto para que fizessem silêncio.

— Onde está Geco neste momento? — perguntou apressadamente. — O que está pensando? Vocês podem entrar em contato com ele?

Hemi parecia embaraçada.

— Então? — insistiu Rhodan.

— O almirante está com medo — confessou Bokom, quando viu que Hemi não queria falar. — No momento este sentimento domina sua mente, motivo por que dificilmente poderemos chegar a ele. Parece estar numa pequena espaçonave juntamente com algumas outras criaturas.

— Criaturas? — perguntou Atlan, nervoso. — Será que essas criaturas são homens?

Bokom baixou a cabeça.

— Não sei. Talvez sejam homens. O medo de Geco é muito forte. Pensa constantemente na morte que sofrerá em mãos dos blues.

— Que almirante! — esbravejou Kasom em tom exaltado. — Como é que ele conseguiu tornar-se almirante, se ao ver um inimigo suja a... — Seu olhar caiu em Mory, o que fez com que se interrompesse em tempo. — O que eu quis dizer — acrescentou — é que suas calças ficarão...

— Deixe isso para depois, Melbar — recomendou Atlan. — Por enquanto o importante é entrarmos em contato com Geco.

— Também estou sentindo os impulsos — informou Noir. — Sim senhor, há homens em companhia de Geco. São dois. Um deles parece ser um africano.

Rhodan olhou-o como quem não compreende nada. O que significava isso?

— É um jato espacial! — gritou Noir. — Isso mesmo. Estão passando por cima da montanha.

Rhodan virou-se abruptamente. Não se via absolutamente nada. André Noir não era um telepata propriamente dito. Só podia captar impulsos emocionais, dos quais tirava suas conclusões. Não tinha possibilidade de estabelecer contato telepático com Geco ou os desconhecidos.

Rhodan olhou para a planície. Os blues já tinham percorrido mais da metade do caminho que os separava da astronave. Se tivessem azar, alcançariam o veículo antes da explosão. Se cometessem o erro de demorar muito nas proximidades do mesmo, alguns morreriam.

Um zumbido agudo e penetrante fez com que Rhodan voltasse a olhar para outro lado. O que viu fez com que perdesse todo o autocontrole.

Um jato espacial de fabricação terrana vinha por cima da colina, passando rente à rocha.

— É um maluco! — gritou Reginald Bell.

— Um demônio — disse Kasom, maravilhado.

Atlan fitou-os um após o outro e sacudiu a cabeça.

— Nada disso — disse, enquanto o jato espacial passava em alta velocidade por cima de sua cabeça. — É um terrano.

 

As sombras marrom-escuras que passavam de ambos os lados da cela eram rochas, cada qual bastante grande para, no caso de um impacto, transformar o jato espacial num monte de sucata.

Dan Picot encostou fortemente os punhos ao chão e respirava fortemente. O rosto de Tschato exibia um sorriso enlevado. Até parecia que suas vidas não estavam em jogo, mas somente a conquista de um troféu esportivo. Picot acreditara que num momento em que sua vida corria um perigo iminente pudesse descobrir mais algumas facetas do caráter de Nome Tschato. Mas teve uma decepção. O leão não mostrou seus sentimentos.

Antes que o jato saísse para a planície, Tschato e Picot viram algumas figuras acenarem entre as rochas.

— Lá estão eles! — gritou o tenente.

Se o jato não estivesse desenvolvendo uma velocidade tão elevada, Picot teria dado um suspiro de alívio. Mas Tschato não podia interromper o vôo de um instante para outro.

O jato corria dois metros acima do solo. Picot imaginava que os fugitivos deviam sentir-se decepcionados. Naquele momento foram descobertos pelos blues. A reação da tropa inimiga foi mais rápida do que Picot esperara. Os blues entraram em pânico e espalharam-se.

Neste exato momento a astronave arrebentou bem à sua frente, em meio a uma ofuscante língua de fogo. Picot caiu para dentro da poltrona e comprimiu as mãos contra o rosto. O jato empinou sob o efeito da pressão do ar deslocado, caiu para o lado e roçou o chão por um breve instante. Tschato levantou-o e o fez sair numa curva aterradora da nuvem de fumaça que era o que restava da astronave.

Embaixo deles duzentos blues afastavam-se em fuga desabalada. Picot compreendeu que a nuvem da explosão impedia a visão dos artilheiros da nave. O jato pequeno e veloz seria um alvo difícil nos rastreadores dos blues. Além disso qualquer tiro que dessem colocaria em perigo seus próprios soldados, que já não sabiam o que estava acontecendo em torno deles.

— Parabéns, senhor! — Picot ouviu sua própria voz gritando estas palavras, apesar do estranho silêncio que reinava em torno deles.

— Ainda não conseguimos, Dan — respondeu Tschato com a maior tranqüilidade.

Picot não ligou para a objeção — Estava disposto a apostar qualquer coisa de como Tschato seria capaz de fazer coisas bem mais difíceis. Era um homem que parecia ter um sentimento que o fazia tomar a decisão certa no momento exato. Além disso a sorte o favorecia descaradamente.

Tschato fez baixar violentamente o jato, fazendo-o passar junto ao solo. O vento forte que soprava das montanhas espalhava rapidamente a nuvem da explosão. Picot não ficou nada satisfeito ao notar isso. Os blues não demorariam a recuperar o auto-controle. E quando percebessem o que estava em jogo, lançariam mão de todos os recursos de que dispunham. Não permitiriam sem mais aquela que alguém lhes roubasse o êxito que acreditavam estar ao alcance da mão.

O comandante da Lion fez pousar o jato espacial entre as rochas, numa área que mal bastava para abrigá-lo.

Os fugitivos vieram correndo de todos os lados. Picot reconheceu Rhodan, Atlan e Reginald Bell. O gigante que veio correndo com dois ratos-castores sobre os braços só podia ser Melbar Kasom. O outro naturalmente era André Noir.

Picot arregalou os olhos. Será que estava sofrendo alucinações? Ou realmente havia uma moça em companhia daqueles homens? Tschato abriu a eclusa.

Levantou calmamente e foi até a entrada. De repente um lampejo surgiu entre as rochas, a cinqüenta metros do lugar em que se encontravam. Eram os blues que estavam abrindo fogo. Tratava-se de um tiro disparado ao acaso. Mas como um tiro sem pontaria acertou perigosamente perto. A idéia de que os blues pudessem ter abandonado a intenção de pegar os terranos vivos provocou calafrios em Picot.

Tschato não tinha percebido a descarga energética, ou então sua atitude representava uma provocação contra o destino. Sem acelerar o passo, saiu da eclusa.

— Bom dia, senhor — disse sua voz vinda através da eclusa. — Viemos buscá-lo.

Picot soltou um gemido. Ouviu Geco choramingar mais ao longe.

— Não tive razão? — perguntou uma voz. — É uma atitude tipicamente terrana.

Picot já não estava compreendendo mais nada. Alguém empurrou a moça pela eclusa. Segurou-a no braço e ajudou-a sem que ninguém o pedisse. Sabia que ficariam muito apertados no interior do jato, mas conduziu-a ao assento que ficava ao lado do piloto. A moça sorriu.

— Ainda bem que depois de tanto tempo volto a encontrar um cavalheiro — disse com a voz entrecortada.

Picot olhou-a com uma expressão de espanto.

As rugas de seu rosto tremeram.

Pois então! Era um cavalheiro, quis agradecer o elogio, quando o barulho provocado pelos homens o fez olhar para a eclusa. O enorme Kasom mal e mal conseguiu entrar na mesma. Diante dele até mesmo Tschato parecia um anão.

Tschato voltou a aparecer no assento do piloto. O jato espacial levantou-se do solo. Em seu interior quase não havia lugar para todos os passageiros. Picot viu-se empurrado para o fundo. As costas largas de Kasom impediam-no de ver o que acontecia na frente. O lampejo ofuscante provocado pelo segundo tiro dos blues o fez estremecer. A cor de vozes no interior da cabine deixava-o nervoso. Não sabia o que Tschato estava fazendo. Tinha certeza de que o comandante não cometeria nenhum erro, mas naquele momento gostaria de estar a seu lado. Com a maior facilidade o jato espacial levou a carga encosta acima.

Nome Tschato transmitiu o sinal de chamada combinado com Waso Netronow. Dali a pouco a Lion apareceria para recolhê-los.

Picot imaginava que a operação seria pelo menos tão difícil como a saída do jato. As naves dos blues estavam em toda parte. A nave-disco pousada na planície certamente era apenas uma de várias naves empenhadas nas buscas.

O jato espacial deu um solavanco. Por pouco Picot não é esmagado por Kasom. Fez um grande esforço para conseguir um lugar mais à frente. O especialista da USO lhe cedeu um lugar com a maior solicitude.

O jato chegou ao outro lado da colina sem que tivesse sido atingido. Acelerando ao máximo, Tschato fez o pequeno veículo espacial atravessar o vale extenso. Já fazia algum tempo que a Lion tinha confirmado o recebimento do sinal de chamada. Os três ratos-castores e André Noir continuavam a sentir a proximidade dos blues.

Picot sabia que Tschato ainda não podia voar mais alto. O jato representaria um ótimo alvo. Precisavam afastar-se da nave-disco.

Picot sentiu que alguém que se encontrava atrás dele lhe batera no ombro. Olhou para trás e viu o rosto zangado de Melbar Kasom.

— Por acaso existe alguma comida a bordo? — cochichou o ertrusiano.

Picot teve a impressão de que não entendera bem. Como é que esse tipo estranho podia pensar em comida num momento como este? Será que a fuga prolongada tinha afetado suas faculdades mentais? Talvez fosse preferível não irritar o especialista.

— Sinto muito — respondeu. — Sigo um regime alimentar rigoroso.

Kasom fez uma careta. Até parecia que acabara de morder uma maçã azeda.

— Como estão as coisas a bordo de sua nave? — perguntou. — Será que além dos alimentos concentrados há gado de corte nos refrigeradores?

Picot já ouvira falar que certas naves que fazem viagens longas possuíam essas instalações.

— Não — respondeu. — Mas prepararemos um excelente cardápio para o senhor.

Picot sentiu-se aliviado ao notar que Kasom ficara satisfeito com a resposta.

— Estou sentindo a presença de muitos inimigos — piou Geco. — Parece que outras naves dos blues se aproximam.

— Era o que eu imaginava — exclamou Tschato, exaltado. — Agora seremos caçados, senhor.

— Vamos fazer votos de que sua nave não demore — disse Rhodan.

 

Naquele momento o lugar que Tan Pertrec esperara ocupar no Tscheno supremo de seu povo parecia transformar-se na cela de uma das inúmeras prisões de seu mundo, Ainda restavam fundadas esperanças de capturar os fugitivos, mas o comandante dos blues sentia-se deprimido.

Cometera alguns erros fatais. Pousara com a nave-capitânia, sem esperar que uma das outras sete naves empenhadas nas buscas lhe desse apoio circulando sobre a planície. Foi o primeiro erro. Além disso não interpretara corretamente a penetração da nave inimiga na atmosfera de Roost. Deveria ter sabido que os terranos possuíam bastante audácia para numa situação como esta fazer sair um barco auxiliar. Mas estes dois erros não se mostraram decisivos.

Houve uma terceira decisão errada tomada por ele, pessoalmente, que não podia ser reparada. Essa decisão consistia no desembarque de duzentos soldados. Com isso condenara a nave à impotência total, sob dois aspectos diferentes. Não podia fazer decolar a nave-disco, pois não sabia qual seria o comportamento dos duzentos soldados diante da astronave inimiga. Além disso só poderia atirar para bem longe, pois do contrário colocaria em risco seus soldados. E também lembrara-se muito tarde da possibilidade de que o veículo de esteira dos terranos pudesse explodir.

A nuvem da explosão já se desmanchara. As telas forneciam a Tan Pertrec uma imagem exata do que estava acontecendo lá fora. Os soldados corriam de todos os lados em direção à nave-capitânia. No seu íntimo Tan Pertrec amaldiçoou-os, mas era bastante inteligente para não responsabilizá-los por seus próprios erros.

Segundos preciosos passaram-se enquanto Tan Pertrec permanecia totalmente paralisado na poltrona do comandante. O sentimento de culpa que pesava sobre ele fez com que hesitasse em dar novas ordens. A resignação ameaçava tomar conta dele.

Finalmente lembrou-se das outras naves empenhadas nas buscas e resolveu agir. Comunicou a posição atual da nave-capitânia às outras unidades.

Além disso deu ordem para que os comandantes iniciassem a perseguição da nave inimiga.

— Assim que tivermos certeza de que não poderemos capturá-los antes que voltem à sua nave, teremos que destruí-los — concluiu.

Fazia votos de que ninguém tivesse percebido sua insegurança. Os reveses sofridos já bastavam. O que aconteceria se algum comandante resolvesse agir por conta própria, para alcançar o êxito que Tan Pertrec esperava colher?

Pela primeira vez a idéia de que a política do Tscheno supremo pudesse estar errada entrou na cabeça de Tan Pertrec. Será que diante de uma nave estranha não havia alternativa além da guerra?

Por que os povos blues viviam se dilacerando uns aos outros? Desde que os terranos tinham conseguido quebrar o poder dos gatasenses, que já tinham sido a raça dominante dos blues, todos os povos se guerreavam ininterruptamente.

Quase todos os grandes povos lutavam ao mesmo tempo contra os donos do outro império, confiantes nas armas que lhes eram fornecidas pelos aconenses.

Tan Pertrec sabia perfeitamente que até mesmo o Tscheno supremo mantinha contato com os homens do Sistema Azul. Parte das armas da nave sob seu comando era de origem aconense. Como se explicava que os aconenses se mostrassem tão generosos, fornecendo armamentos supermodernos e outros produtos da indústria pesada a preços vis? Será que não estavam criando um inimigo que um dia poderia voltar-se contra eles mesmos? Ou será que tinham a intenção de fortalecer os blues para usá-los na luta contra outro inimigo?

Na luta contra os terranos?

Cada uma dessas idéias o levaria à prisão, se tivesse coragem para manifestá-la perante o Tscheno supremo.

Dentro de alguns instantes as primeiras naves que participavam das buscas apareceram sobre as montanhas. Quem sabe se não tinham chegado em tempo? No momento não se podia saber. Tan Pertrec esperou que todos os soldados voltassem à nave e deu ordem para decolar. Não teve muita pressa. A nave-capitânia não poderia intervir no momento decisivo; o comandante sabia disso. Só poderia desempenhar o papel de espectador.

Tan Pertrec só poderia entrar novamente em ação mais tarde, quando tentassem destruir a grande nave terrana. Mas era provável que até lá chegasse a frota terrana.

Se houvesse uma batalha espacial, Tan Pertrec procuraria a morte. Era um homem jovem e esperançoso quando resolvera levar suas naves ao sistema em que se encontrava.

Cansado e cheio de pressentimentos sombrios, aguardou os acontecimentos. Seus erros não tinham perdão. Os olhos de Tan Pertrec, que não podiam demonstrar nenhuma emoção, fixaram-se nas telas de imagem. Teve a impressão de que naquele momento era mais sábio e experimentado do que jamais fora. A desilusão completa fez com que visse as coisas como realmente eram.

Os blues estavam condenados a desempenhar um papel secundário na Galáxia. A punição que lhe fosse imposta pelo Tscheno supremo não poderia mudar isso.

Era bem verdade que a sentença seria uma mera formalidade. Não seria pronunciada em sua presença.

Quem, perguntou-se numa amarga ironia, podia pedir contas dos atos de um morto?

 

O capitão Jayn Vertrigg levou alguns segundos para compreender que o destacamento da frota cuja presença tentara simular com bons resultados há várias horas realmente existia.

Para Vertrigg o aparecimento do Almirante Nayhar com seu destacamento equivalia ao nascimento de uma supernova ou a outro acontecimento raro. Mas a surpresa não o impediu de entrar imediatamente em contato com as naves da USO.

Nayhar revelou-se como um homem simpático nascido em Epsal, que além do mais parecia ser um tipo resoluto. Vertrigg sentiu-se aliviado ao ouvir que mais de cento e cinqüenta naves aproximavam-se do sistema de Simban.

Nayhar pediu que Vertrigg o informasse detalhadamente sobre a tarefa de que fora incumbido. Finalmente o almirante comunicou a Vertrigg, que naquela altura estava bastante nervoso, que fora avisado dos acontecimentos pelo capitão Heintman. Vertrigg não procurou dissimular a surpresa que lhe causava o êxito alcançado por Heintman.

— Até parece que a bordo da Lion só existem elementos excelentes — disse Nayhar num assomo de bom-humor.

— Fazemos o que podemos — respondeu Vertrigg, que se sentiu embaraçado com o elogio. — Tive a tarefa mais fácil. Afinal, só tive de simular a presença de uma esquadra para confundir os blues.

— O que acha que teria acontecido se os blues se tivessem lembrado de investigar a origem das transmissões?

— Não sei — respondeu Vertrigg, perturbado.

— Mas tudo acabou bem. — Mas logo se corrigiu: — Salvo quanto à salvação do Administrador Geral e de seus companheiros. Quanto a estes, faço votos de que já tenham saído da área de perigo.

Nayhar desligou. A única coisa que Vertrigg tinha que fazer era esperar que a Lion II fosse recolhida por um dos couraçados.

Percebeu que por enquanto sua tarefa no setor leste da Galáxia tinha chegado ao fim.

E não ficou aborrecido por isso.

Se todos aqueles pontos claros que apareciam nas telas dos rastreadores eram naves dos blues — e quanto a isso não havia a menor dúvida — então o recolhimento do jato espacial não poderia demorar mais que alguns minutos. O tenente Waso Netronow notou que em sua maioria as naves inimigas se encontravam em movimento. Deslocavam-se para certo lugar.

Não havia necessidade que alguém dissesse a Netronow o que havia nesse lugar.

Os blues tinham descoberto o jato espacial e estavam caçando o mesmo. Uma única nave do grupo de busca ficou parada. Ao que parecia, estava pousada na superfície do planeta.

Nas telas de alguma nave cujos ocupantes não participassem dos acontecimentos a Lion também não passaria de um ponto que se deslocava lentamente em certa direção. Netronow tentou ver em si mesmo um observador neutro para diminuir o nervosismo, mas a tentativa falhou miseravelmente. Não podia permitir que a tensão o levasse a observar apenas o jato espacial. No momento a Lion não era menos importante que este. Afinal, dependia de sua rota que esta ou aquela nave alcançasse o jato em primeiro lugar.

Pelos seus cálculos, Netronow tinha uma boa chance, pois sua nave era a única que vinha do espaço. Podia permitir-se uma velocidade maior que qualquer outra. Além disso restava-lhe a possibilidade de confundir os blues com um fogo bem dirigido.

Naquele momento os blues não davam a menor atenção ao couraçado terrano, que sem dúvida tinham localizado. Jogavam tudo numa carta, no empenho de alcançar o jato espacial antes que fosse tarde. Haveria de chegar a hora em que as naves inimigas que ainda se encontrassem no espaço entrariam em ação. Netronow imaginava que a Lion seria alvo do ataque concentrado de inúmeras naves, se conseguisse recolher o jato.

Netronow dera ordem paira que a ligação direta com o jato espacial, feita com Dawson, fosse transferida para a poltrona de comando, a fim de poder falar constantemente com Tschato. Admirava a calma com que este pilotava o veículo espacial.

Apesar de tudo, devia manter o comandante informado sobre a situação.

— Os blues vêm de todos os lados — informou. — Estão bem nítidos em nossas telas.

— Permanecerei sobre as montanhas — respondeu Tschato. — Dificilmente poderão manobrar suas grandes naves nos desfiladeiros, e dessa forma terei uma possibilidade de escapar quando for acuado por eles.

— As coisas não chegarão a este ponto — disse Netronow, fingindo uma segurança que ele mesmo não sentia.

Bem que gostaria de acreditar que realmente era assim. Tudo dependia da velocidade com que as naves-disco se aproximassem do jato espacial.

Não houve contatos pelo rádio entre as diversas naves dos blues, o que era um sinal de que a perseguição não era organizada, ou era muito mal organizada. Alguma coisa deixara os blues tão confusos que cada nave praticamente seguia seu próprio plano.

Netronow fazia votos de que as coisas continuassem assim.

— Estamos ganhando altura, tenente — anunciou Tschato. — Ainda não avistamos nenhuma nave-disco, mas André Noir e os ratos-castores sentem a proximidade do inimigo.

Netronow deu um olhar ligeiro para a tela.

— Há uma nave pequena bem perto, atrás do senhor — anunciou. — Mas parece que hesita em acelerar.

A eclusa do hangar já estava aberta. As equipes de salvamento estavam a postos, para intervir imediatamente se houvesse um acidente. Netronow fizera seus planos para qualquer eventualidade. Estava decidido a atacar qualquer nave inimiga que conseguisse obrigar o jato a descer ou destruí-lo.

Gostaria de saber o que se passava na cabeça dos comandantes das diversas naves dos blues. Naquela altura nem mesmo Duprene poderia ajudá-lo. Tudo dependia de que o instinto lhe fornecesse a idéia correta.

Tschato comunicava constantemente a altura atingida pelo jato espacial.

A Lion penetrou na atmosfera de Roost. Pelos cálculos de Netronow, o jato espacial deveria aparecer nitidamente nas telas em menos de três minutos. Por enquanto era apenas um débil ponto luminoso.

— Alguém está nos chamando pelo hipercomunicador! — exclamou Dawson de repente.

Netronow franziu a testa. Será que o capitão Vertrigg voltara a simular a presença de uma frota espacial que não existia?

— Responda, Sparks — ordenou.

Dali a alguns segundos Dawson levantou-se de um salto. Foi para onde estava Netronow com o rosto vermelho de tão exaltado que estava.

— É um grupo de naves da USO — exclamou. — Trata-se de mais de cento e cinqüenta naves que estão a caminho daqui.

Netronow reprimiu a sensação de triunfo que quis apoderar-se dele.

— Talvez seja Vertrigg que está tentando mais um truque — disse. — Ou então os blues nos querem pregar uma peça.

— Não senhor — asseverou Dawson. — O destacamento está sob o comando do Almirante Role Nayhar. Uma de suas naves acaba de recolher a Lion II com o Capitão Vertrigg a bordo. As naves de Nayhar estão a apenas quarenta anos-luz deste sistema. Podem aparecer aqui praticamente a qualquer instante.

Netronow mandou que Dawson voltasse ao seu lugar. Ordenou-lhe que informasse Nayhar detalhadamente sobre os acontecimentos que se desenrolavam no sistema de Simban. Se o grupo de naves realmente aparecesse por ali, não poderia intervir mais nos acontecimentos.

Naquela altura nenhuma frota do Universo seria capaz de ajudar o jato espacial. O problema teria de ser resolvido por uma única nave: a Lion.

Com a maior tranqüilidade Netronow ligou o transmissor e chamou Tschato. Informou-o sobre a mensagem que acabava de receber.

A inteligência penetrante de Tschato percebeu imediatamente que no momento as naves da USO só tinham importância estratégica. Poderiam expulsar as naves dos blues do sistema de Simban, mas seriam incapazes de fazer qualquer coisa pelo jato espacial. Tschato explicou seu ponto de vista ao tenente.

— O senhor tem razão — concordou Netronow. — Precisamos tratar de resolver isto sozinhos. Mas é tranqüilizador saber que as inúmeras naves-disco que circulam nas proximidades do sistema não nos poderão criar mais problemas.

— Olhem! — exclamou Tschato.

Netronow compreendeu imediatamente que esta exclamação fora dirigida a outra pessoa. Sabia o significado da mesma.

Tschato acabara de avistar uma nave dos blues.

Dali a pouco uma sombra escura veio na direção da Lion. Era o jato espacial. Netronow umedeceu os lábios. Os blues não podiam estar longe. Bastou um olhar para certificar-se de que realmente não estavam. Uma nave-disco aproximava-se em diagonal, vinda de debaixo. As outras vinham um pouco atrás, mas não demorariam a alcançar a primeira.

Por enquanto nem um único tiro tinha sido disparado. Os blues certamente queriam evitar que os ocupantes do jato espacial fossem mortos por acaso.

Mas quando percebessem que a Lion chegaria ao jato espacial antes deles, este comportamento mudaria imediatamente.

 

De repente Dan Picot teve a impressão de que o calor no interior do jato espacial era insuportável. Teve a impressão de que toda vez que inalava o ar viciado aproximou-se mais um pedaço da morte. Ouviu Tschato conversar com Netronow. O fato de que naquela altura um grupo de couraçados da USO vinha em seu auxílio, antes parecia uma ironia do destino. Estas naves tinham de aparecer logo agora, que dependiam exclusivamente da Lion.

Picot viu ã sua frente rostos sérios, mas calmos. Não era a primeira vez que aqueles homens se encontravam numa situação em que suas vidas estava por um fio de seda. A moça também demonstrava uma coragem espantosa. Os três ratos-castores estavam agachados num canto, bem encostados uns aos outros. O arrogante Almirante Geco mais uma vez resolvera ficar calado.

— Olhe! — exclamou Tschato.

Picot sobressaltou-se. Virou-se abruptamente, a fim de olhar para fora. Densas nuvens pareciam envolver o jato espacial, mas na verdade Picot enxergava a algumas milhas de distância. Viu uma mancha escura no céu, que aumentava rapidamente. Visto do lugar em que se encontrava Picot, a mancha vinha da superfície de Roost. Portanto, só podia ser uma nave inimiga.

O imediato da Lion não conseguia tirar os olhos da nave-disco que chegava cada vez mais perto. A qualquer momento esperava ver um lampejo. Era possível que fosse tudo tão rápido que nem sequer chegasse a ver o lampejo.

— A Lion! — gritou Tschato. — Está bem em cima de nós.

Picot parecia hipnotizado: virou-se lentamente. Tschato fez o jato espacial descrever uma curva rápida para a direita. Picot perdeu o equilíbrio. Caiu contra Kasom, que o segurou e olhou para ele com um sorriso tranqüilizador no rosto.

Naquele momento o comandante da nave inimiga abriu fogo. O alvo não era o jato espacial, mas a Lion. Picot percebeu isso quando uma claridade ofuscante surgiu acima do pequenino veículo espacial. Os blues tentavam afastar a Lion do jato espacial.

A Lion respondeu ao fogo. Nas condições em que se encontravam Netronow não podia ordenar o emprego das armas mais pesadas, mas apesar disso conseguiu fazer com que a nave-disco baixasse rapidamente.

Isso bastou para que o jato espacial chegasse perto da Lion. Picot imaginava que as mãos enormes de Tschato seguravam firmemente os controles. A manobra que estava para ser realizada só poderia ser bem sucedida se praticada por um verdadeiro ás. Não tinha a menor dúvida de que o comandante da Lion possuía a necessária capacidade, mas havia inúmeras variáveis que poderiam criar situações imprevistas.

Quando Tschato conseguiu colocar o jato espacial no mesmo plano do hangar da Lion, aconteceu.

Uma nave dos blues que Picot não podia ver porque estava bem embaixo deles abriu fogo contra o jato espacial. O campo defensivo não muito forte ameaçou desmoronar. O veículo rodopiou que nem uma folha tangida pelo vento.

A reação de Netronow foi imediata. Interpôs a Lion entre a nave-disco e o jato espacial. O corpo gigantesco do couraçado impediu a passagem dos raios que se destinavam ao pequeno veículo. Tschato conseguiu recuperar o controle do jato espacial.

Fez com que o mesmo se precipitasse em direção ao hangar, que continuava aberto. A Lion permanecia praticamente imobilizada no espaço, formando um excelente alvo para os blues.

Picot ainda chegou a notar que estava escurecendo em torno dele. Antes que pudesse perguntar-se por que o hangar não estava iluminado, o jato sofreu um terrível impacto. Ouviu-se um rangido, surgido por um estrondo surdo. Depois disso Dan Picot bateu com a cabeça na parede lateral e perdeu os sentidos.

 

Devido a rapidez dos acontecimentos Waso Netronow não saberia se a operação de recolhimento do jato espacial fora bem sucedida. Os geradores sobrecarregados espalhavam seu rugido por toda a nave. A qualquer momento o campo defensivo, ativado após a entrada do jato espacial, poderia entrar em colapso. Netronow mandou fechar a eclusa do hangar e acelerou ao máximo.

A Lion literalmente foi arremessada para o espaço. Os olhos semicerrados de Netronow viram as naves inimigas ficarem para trás e fazerem mais alguns disparos, de tão confusas que estavam. Mas logo saíram no encalço da Lion.

Netronow esperava que outras naves-disco, avisadas da fuga, já o aguardavam no espaço.

Já estava na hora de o Almirante Nayhar aparecer com seu grupo de naves. Isso representaria uma ducha fria para o entusiasmo dos blues.

Netronow colocou as equipes de salvamento em estado de rigorosa prontidão quando soube que o jato espacial tinha voltado ao hangar.

Mas ao que parecia fora um regresso bastante acidentado.

O intercomunicador permanecia em silêncio.

O técnico Herald Chanyes olhou para o monte de destroços que antes fora o jato espacial. Depois lançou um olhar na direção da eclusa e suspirou. Se Netronow não tivesse dado ordem de fechar as escotilhas antes que fosse tarde, os ocupantes do jato teriam morrido sufocados.

Chanyes viu que o jato abalroara a Lion I de lado. Depois disso escorregara pela face externa da nave-girino e sofrera o impacto.

Chanyes ainda viu que outros homens que usavam trajes protetores brancos passavam correndo. Saiu andando instintivamente. Dúvidas surgiram em sua mente — dúvidas sobre se conseguiriam retirar algum sobrevivente dos destroços.

Era possível que dentro de alguns minutos a Lion também fosse reduzida a destroços. Chanyes concentrou-se no trabalho. Em toda parte os maçaricos portáteis entravam em funcionamento. As chamas brilhantes separavam materiais irremediavelmente emperrados. A disseminação do calor das chamas era tão reduzida que não havia o menor perigo de que algum náufrago fosse ferido.

Ao lado de Chanyes três técnicos retiraram um homem de meia idade dos destroços. Chanyes percebeu imediatamente que o homem quebrara o braço direito. Além disso apresentava uma ferida aberta na testa.

O homem abriu os olhos. Chanyes compreendeu que era Dan Picot, o imediato. Só naquele instante o reconheceu. Picot olhou em torno, como quem precisa orientar-se. De pé à frente de Chanyes, parecia um tanto perplexo.

— Onde está Tschato? — perguntou com a voz rouca.

Sem dizer uma palavra, Chanyes apontou para os destroços.

Os olhos de Picot cintilaram. Abaixou-se e procurou puxar uma trave de metal com o braço são.

Chanyes puxou-o delicadamente para trás e levou-o a uma das macas que já estavam preparadas.

— Precisamos tirá-lo de lá — resmungou Picot.

Depois disso voltou a perder os sentidos. Dois homens levaram-no ao elevador antigravitacional. Na enfermaria já estava tudo preparado para dispensar o necessário tratamento ao ferido.

Dentro dos dez minutos que se seguiram a equipe de salvamento recolheu Perry Rhodan, Mory Abro e o tenente Tschato. Melbar Kasom não precisou de auxílio para sair dos destroços. Arrastou Reginald Bell, que estava inconsciente. Dentro de mais cinco minutos Atlan e André Noir foram libertados. O mutante teve de ser tirado a maçarico da poltrona de piloto que entortara. Todas as pessoas recolhidas apresentavam ferimentos.

Chanyes e seus auxiliares só encontraram os três ratos-castores depois que os humanos tinham sido levados dali. Hemi e Bokom estavam deitados sobre o “Almirante” Geco. O medo deixara os três paralisados. Geco levou algum tempo para perceber que não havia mais nada a recear. Gritou com Chanyes, acusando-o de ter sido negligente. Depois disso saiu caminhando em direção ao elevador antigravitacional, seguido por seus companheiros.

Chanyes seguiu os ratos-castores com os olhos. Estava furioso. Depois disso a equipe de salvamento passou a remover os destroços.

 

O terceiro impacto que a Lion sofreu no interior do sistema de Simban foi o mais forte. O tiro energético concentrado rompeu o campo defensivo do couraçado na altura do hangar. Um rombo de um metro surgiu junto à eclusa do mesmo. A eclusa propriamente dita foi arrancada dos suportes e vergou para dentro. Dois técnicos que ainda estavam trabalhando na remoção dos destroços do jato espacial foram mortos.

O tenente Waso Netronow recebeu a triste notícia quase no mesmo instante em que chegou a informação de que todos os ocupantes do jato estavam vivos e encontravam-se na enfermaria, onde lhes era dispensado o tratamento de que precisavam.

A única coisa que o tenente podia fazer naquele momento era acelerar ao máximo para afastar a Lion do sistema de Simban. Acontece que os propulsores forçados ao máximo já não forneciam o volume de energia que seria de esperar, pois as distâncias que a nave tinha percorrido eram muito grandes. Por melhor que fosse o material, não resistiria por tanto tempo a tamanha sobrecarga.

A Lion demoraria mais que de costume para entrar no semi-espaço. E enquanto isso não acontecesse os astronautas não estariam salvos.

Netronow sabia perfeitamente que a Lion precisaria de reparos extensos para poder realizar o vôo ao Sistema Solar. Até mesmo durante o vôo linear os conversores kalup entrariam em pane acima de certa velocidade.

Os propulsores das naves dos blues não eram melhores, mas o inimigo dispunha de mais de cem naves para dar caça à Lion.

Netronow desviou-se o melhor que pôde das naves inimigas que vinham de todos os lados. A nave reagia com uma lentidão fora do comum aos impulsos emitidos pelos dispositivos de comando. Três das naves empenhadas na perseguição abriram fogo contra o couraçado terrano. A carga adicional por pouco não fez desmoronar o campo defensivo.

Netronow lançou um olhar ansioso para Dawson, mas este não esboçou a menor reação. Ainda não havia notícias do Almirante Role Nayhar. Netronow cerrou os dentes. Os fugitivos resgatados estavam na enfermaria. Provavelmente nem sabiam que ainda estavam em perigo.

De repente o silêncio tomou conta da sala de comando. Ninguém dizia uma palavra. Como que sob os efeitos de uma compulsão interior, o tenente Waso Netronow virou a cabeça.

Viu que o tenente Nome Tschato acabara de entrar e se dirigia à poltrona de comando. Havia uma grande atadura no ombro do comandante. Mas o andar de felino de Tschato continuava o mesmo.

Netronow respirou aliviado.

Tschato aproximou-se lentamente da poltrona de comando. Seu rosto negro parecia indiferente. Não elevou a voz ao dizer:

— Acho que o senhor está precisando de um revezamento, tenente.

Num movimento comedido, Netronow tirou as mãos dos controles. Apesar dos inúmeros inimigos que caçavam a Lion, sentia-se absolutamente seguro.

Tschato sentou na poltrona e recostou-se na mesma.

O leão estava de volta.

Ele mesmo se incumbiria de levar a nave a um lugar seguro.

 

Entre todas as sensações desagradáveis que o Almirante Role Nayhar já tinha experimentado na vida, a pior era a de que poderia chegar tarde ao sistema de Simban. Uma pressão surda em seus pensamentos não lhe dava paz. Nayhar nunca ligara muito para pressentimentos, mas naquela altura bem que precisaria de um pouco de otimismo.

Nayhar estava acostumado a assumir responsabilidades. Era uma decorrência do posto que ocupava. Como almirante tinha que tomar decisões que eram importantes não somente na área militar. Era um homem que possuía uma enorme experiência e sabia aproveitar a mesma. Suas atitudes irradiavam autoconfiança.

Mas naquele momento notava-se pela primeira vez que até mesmo um homem como Nayhar pode sentir-se inseguro. Trazia em mente a importância da tarefa que assumira por sua livre vontade. Dependia em grande parte dele que os homens mais importantes do Império fossem salvos.

Nayhar sabia que tinha exigido demais das naves de seu grupo.

A velocidade com que tinha tangido as mesmas pelo setor leste da Galáxia não poderia deixar de produzir suas conseqüências. Vários dias se passariam antes que as naves fossem colocadas em condições de iniciar a viagem de volta.

As reflexões do Almirante Nayhar foram interrompidas quando a nave-capitânia do grupo, a Alora, interrompeu o vôo linear e retornou ao espaço normal nas imediações do sistema de Simban.

As outras naves vieram atrás dela, que nem pingos de chuva que caem na água.

Nayhar começou imediatamente a formar um quadro dos dados do setor espacial em que se encontrava. Entrou em contato com a Lion. O couraçado encontrava-se em situação difícil. Os rastreadores de alta precisão da Alora registraram as naves-disco que a perseguiam.

Nayhar deu suas ordens em voz calma.

Dentro de alguns instantes as naves da USO penetraram no sistema de Simban.

Seguiu-se uma encarniçada batalha espacial entre as naves do Império e as dos blues.

O conflito bélico entre os dois grupos de naves terminou no dia 12 de fevereiro de 2.329, pelas vinte e três horas, tempo terrano.

Os blues perderam oitenta e sete naves-disco. Dezenove naves do grupo de Nayhar foram destruídas. As outras naves dos blues fugiram, depois de terem recolhido os barcos de salvamento, no que não foram impedidos pelos terranos.

Da aglomeração de destroços incandescentes saiu um couraçado da classe solar de quinhentos metros de diâmetro e aproximou-se da nave-capitânia de Nayhar.

Era a Lion.

Tschato deleitou-se com o breve instante no qual não fez nada além de recostar-se na poltrona e ouvir a gritaria da tripulação. Palavras insensatas fizeram-se ouvir, palavras que exprimiam triunfo e entusiasmo. Os homens saltaram das poltronas e abraçaram-se. Verdadeiras danças eram executadas na sala de comando.

O Almirante Nayhar praticamente arrancara a Lion a tiros das linhas inimigas. Suas naves dominavam o sistema de Simban.

Tschato sentiu alguém bater-lhe no ombro. Respondeu à manifestação de entusiasmo que violava todas as regras da disciplina com um sorriso débil. Alguém colocou-se a seu lado.

Nome Tschato abriu os olhos. No primeiro instante parecia enxergar o homem através de um véu, mas seus olhos logo clarearam. Reconheceu Perry Rhodan.

Levantou-se imediatamente e ficou em posição de sentido. Rhodan, que estava ligeiramente ferido, empurrou-o de volta para a poltrona.

— Vim dar-lhe os parabéns — disse o Administrador Geral. — Além disso quero manifestar ao senhor e a toda a tripulação da Lion os agradecimentos das pessoas que acabam de ser salvas. Todos sabemos o que o senhor arriscou.

— Obrigado, senhor.

Antes que Rhodan tivesse tempo de prosseguir, uma figura pequena passou a seu lado. Era Geco, o almirante.

— O tenente mostrou-se indisciplinado, mas não posso deixar de louvá-lo com toda sinceridade — disse em tom arrogante. — A história registrará os feitos que estes homens realizaram sob meu comando. Naturalmente tive de conduzi-los com mão-de-ferro, mas felizmente tudo correu segundo o plano.

Tschato sorriu para Perry Rhodan. Enquanto isso Geco continuava a desfiar sua fala grandiosa sobre a própria valentia. Rhodan leu uma pergunta silenciosa no rosto do comandante e respondeu com um aceno de cabeça quase imperceptível.

Tschato sorriu satisfeito e fez sinal para que dois homens se aproximassem. Apontou para Geco.

— Atirem-no para fora da eclusa principal! — ordenou em tom ameaçador.

Assustado, o corajoso rato-castor recuou um passo e por pouco não tropeça sobre as próprias pernas.

— O senhor só pode estar brincando — chiou. Tschato revirou assustadoramente os olhos.

— Concedo-lhe a graça de uma última oração para limpar sua alma imunda — resmungou.

— Sou um herói!

Geco não disse mais que isso. Apressou-se em teleportar para fora da sala de comando.

— Apesar do medo, este baixinho demonstra certa coragem obstinada nos momentos críticos — disse Rhodan com um sorriso. Despediu-se de Tschato com um aceno de cabeça e retirou-se da sala de comando. Tschato entregou o comando ao tenente Netronow e foi caminhando em direção à saída. Uma vez chegado ao corredor, entrou no elevador antigravitacional que levava à enfermaria.

Dali a dois minutos entrou na mesma.

Só havia uma cama ocupada. O homem deitado na mesma trazia um turbante muito branco sobre a cabeça. Estava com os olhos fechados. Nome Tschato aproximou-se da cama numa atitude que quase chegava a ser hesitante. Puxou uma cadeira e sentou na mesma. O ruído levou o ferido a abrir os olhos.

— Olá, Dan — disse Tschato.

Havia uma expressão rabugenta nos olhos de Picot.

— Droga, senhor! — exclamou. — Faça o favor de providenciar para que tirem esta coisa ridícula de cima de minha cabeça, senão matarei o Doutor Netter com minhas próprias mãos. Qualquer pessoa que entra aqui julga-se com direito de fazer piadas estúpidas a meu respeito.

Começou a mexer nos nós que prendiam a atadura. Com um movimento enérgico, Tschato afastou a mão do tenente.

— A tripulação está festejando — informou Tschato, sem deixar perceber se isso o alegrava ou condenava o fato.

Tschato deve estar indeciso entre as duas atitudes”, pensou.Picot.

— Ah, é? — perguntou Picot, contrariado. — Não posso participar dos festejos.

Tschato tirou uma garrafa bojuda de um dos enormes bolsos de seu uniforme e tirou ruidosamente a rolha. Depois disso tirou dois copos. Farejou gostosamente o conteúdo da garrafa.

— Sempre pensei que fosse rigorosamente proibido tomar álcool em serviço — disse Picot.

Tschato brandiu a garrafa como se fosse uma arma. Picot chegou a temer que parte do precioso líquido fosse derramado.

— Isto é remédio — disse Tschato em tom seco. — Não sei se seu estômago sensível suporta o mesmo.

O rosto de Picot ficou ainda mais comprido do que era por natureza.

— Até hoje os remédios sempre me fizeram muito bem — afirmou.

Um sorriso espalhou-se pelo rosto de Tschato. Encheu os dois copos e entregou um deles a Picot.

— A que vamos brindar? — perguntou.

— Ao leão, senhor — respondeu Picot prontamente.

— Está bem — disse Tschato. — Vamos brindar à Lion!

E fizeram o brinde.

Depois beberam — dois homens bons e duros, ambos convencidos de que o objeto de sua admiração valia um brinde.

 

 

                                                                  WilliamVoltz

 

 

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