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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CARÍCIA DA MORTE / Blake Pierce
A CARÍCIA DA MORTE / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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A terapeuta sorriu amavelmente ao seu paciente, Cody Woods, ao desligar a máquina.
“Penso que chega de MCP por hoje,” Disse-lhe à medida que a perna do paciente parava de se mexer.
A máquina movimentara lenta e repetidamente a perna durante quase duas horas, ajudando-o a recuperar da sua cirurgia ao joelho.
“Quase me esquecia que estava ligada, Hallie,” Disse Cody com uma ligeira risada.
Ela teve uma sensação agridoce. Ela gostava daquele nome – Hallie. Era o nome que utilizava quando trabalhava ali no Centro de Reabilitação Signet como terapeuta freelance.
Era uma pena que Hallie Stillians desaparecesse no dia seguinte sem deixar rasto.
De qualquer das formas, era assim que as coisas se processavam.
E para além disso, tinha outros nomes de que também gostava.
Hallie retirou a máquina da cama e colocou-a no chão. Endireitou cuidadosamente a perna de Cody e endireitou os cobertores.
Por fim, acariciou o cabelo de Cody – um gesto íntimo que a maior parte dos terapeutas evitavam. Mas ela assumia aqueles pequenos gestos com frequência e nunca nenhum paciente se queixara. Ela sabia que projetava um certo calor e empatia – e acima de tudo, total sinceridade. Vindo dela, um pequeno toque inocente era perfeitamente apropriado. Nunca ninguém o interpretara de forma incorreta.
“Como está a dor?” Perguntou ela.
Cody vinha tendo algum invulgar inchaço e inflamação depois da operação. Por isso ali ficara mais três dias e ainda não fora para casa. Esse também era o motivo por que Hallie ali estava a fazer a sua magia curativa especial. O pessoal ali no centro conhecia bem o trabalho de Hallie. Os funcionários gostavam dela e os pacientes gostavam dela, por isso era frequentemente convocada para situações como aquela.
“A dor?” Perguntou Cody. “Quase me esqueci dela. A sua voz fê-la desaparecer.”
Hallie sentiu-se lisonjeada, mas não surpreendida. Estivera a ler-lhe um livro enquanto a máquina estava a trabalhar – um thriller de espionagem. Ela sabia que a sua voz tinha um efeito calmante – quase anestésico. Não importava se estava a ler Dickens ou algum romance pulp ou o jornal. Os pacientes não necessitavam de muita medicação para a dor quando estavam sob os seus cuidados; Geralmente o som da sua voz era suficiente.
“Então é verdade que posso ir para casa amanhã?” Perguntou Cody.
Hallie hesitou um milésimo de segundo. Ela não podia ser inteiramente sincera. Não tinha a certeza como é que o seu paciente se sentiria no dia seguinte.
“É o que me dizem,” Afirmou ela. “Como se sente ao saber isso?”
O rosto de Cody foi atravessado por uma expressão de tristeza.
“Não sei,” Disse ele. “Daqui a três semanas é a vez do outro joelho, mas já cá não vai estar para me ajudar.”
Hallie segurou na sua mão carinhosamente. Ela tinha pena que ele se sentisse daquela forma. Desde que estava sob os seus cuidados, ela contara-lhe uma longa história sobre a sua suposta vida – uma história bastante entediante, pensava ela, mas ele parecia encantado com ela.
Por fim, ela explicou-lhe que o seu marido Rupert estava prestes a reformar-se da sua carreira de contabilista. O seu filho mais novo, James, estava em Hollywood a tentar vingar como argumentista. O filho mais velho, Wendell, estava ali em Seattle a dar aulas de Linguística na Universidade. Agora que os filhos estavam crescidos e entregues a si, ela e Rupert iam mudar-se para uma adorável vila colonial no México onde planeavam passar o resto das suas vidas. Partiam no dia seguinte.
Era uma bonita história, Pensou.
E no entanto, nada tinha de verdadeira.
Ela vivia sozinha.
Completamente sozinha.
“Ah, veja só, o seu chá ficou frio,” Disse ela. “Vou aquecê-lo.”
Cody sorriu e disse, “Obrigado. E tome também algum. A chaleira está no balcão.”
Hallie sorriu e disse, “Claro,” tal como sempre fazia quando repetiam aquela rotina. Levantou-se da cadeira, pegou na caneca de chá tépido de Cody e levou-a até ao balcão.
Mas desta vez, pegou na sua mala que se encontrava atrás do micro-ondas, dela retirando um pequeno contentor plástico cujo conteúdo esvaziou no chá de Cody. Fê-lo rapidamente, furtivamente, um movimento que aperfeiçoara com a prática, de tal forma que tinha a certeza que ele não o tinha percecionado. Mesmo assim, o seu coração bateu com maior rapidez.
Depois ela serviu-se de chá e colocou ambas as canecas no micro-ondas.
Não me posso enganar, Lembrou-se a si própria. A caneca amarela é para o Cody, a azul para mim.
Enquanto o micro-ondas trabalhava, voltou a sentar-se junto de Cody e olhou para ele sem dizer uma palavra.
Ele tinha um rosto agradável, Pensou ela. Mas tinha-lhe contado factos da sua própria vida e ela sabia que ele estava triste. Já estava triste há muito tempo. Fora um atleta premiado no secundário. Mas magoara os joelhos a jogar futebol, terminando as esperanças de prosseguir uma carreira no desporto. Aqueles mesmos ferimentos acabaram por resultar na necessidade de substituir as rótulas.
Desde essa altura que a sua vida ficara marcada pela tragédia. A sua primeira mulher morrera num acidente de viação e a segunda mulher deixara-o por outro homem. Tinha dois filhos adultos, mas não falavam com ele. Também tivera um ataque cardíaco há alguns anos atrás.
Ela ficava admirada com o facto dele não se ter tornado numa pessoa amarga. Na verdade, parecia cheio de esperança e otimista em relação ao futuro.
Julgava-o querido, mas ingénuo.
Ela sabia que a sua vida não ia mudar para melhor.
Era demasiado tarde para isso.
O micro-ondas deu sinal e Hallie despertou da sua divagação. Cody olhava para ela com olhos bondosos e expectantes.
Ela deu-lhe uma palmadinha na mão, levantou-se e caminhou na direção do micro-ondas. Retirou as canecas, quentes ao toque.
Lembrou-se mais uma vez.
Amarela para o Cody, azul para mim.
Era importante não as trocar.
Ambos bebericaram o chá sem dizer nada. Hallie encarava aqueles momentos como momentos de companheirismo tranquilo. Entristecia-a um pouco saber que não haveria mais momentos daqueles. Dali a alguns dias, este paciente já não precisaria dela.
Dali a nada Cody cabeceava de sono. Ela misturara o pó com um medicamento para dormir para garantir que tal sucedia.
Hallie levantou-se e juntou os seus pertences para se ir embora.
E então começou a cantar suavemente uma canção que conhecia desde sempre:
Longe de casa,
Tão longe de casa-
Este bebé pequenino está longe de casa.
Definha
De dia para dia
Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.
Não chores,
Sonha até mais não poderes.
Deixa-te vencer pelo sono.
Não há mais suspiros,
Fecha os olhos
E estarás em casa pelo sono.
Os seus olhos fecharam-se, ela afagou o seu cabelo carinhosamente.
Então, depois de lhe pousar um beijo afável na testa, ergueu-se e foi-se embora.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

A Agente do FBI Riley Paige estava preocupada enquanto caminhava na escada de desembarque do Phoenix Sky Harbor International Airport. Estivera ansiosa durante todo o voo desde o Reagan Washington International. Viera à pressa porque ouvira que uma adolescente estava desaparecida – Jilly – uma rapariga em relação à qual Riley se sentia especialmente próxima. Riley estava determinada a ajudar a rapariga e até colocava a hipótese de a adotar.

Quando Riley se encaminhava para o portão de saída, caminhando apressadamente, olhou para cima e ficou chocada ao ver a própria Jilly ali com o agente do FBI do gabinete de Phoenix Garrett Holbrook mesmo a seu lado.

Jilly Scarlatti de treze anos estava ao lado de Garrett, a piscar os olhos, obviamente à sua espera.

Riley ficou confusa. Tinha sido Garrett a telefonar-lhe para lhe dizer que Jilly tinha fugido e estava em parte incerta.

Contudo, antes de Riley fazer qualquer pergunta, Jilly correu na sua direção e atirou-se para os seus braços a soluçar.

“Oh, Riley, desculpa. Desculpa-me. Nunca mais volto a fazer o mesmo.”

Riley abraçou Jilly carinhosamente, olhando para Garrett em busca de uma explicação. A irmã de Garrett, Bonnie Flaxman, tinha tentado adotar Jilly, mas Jilly rebelara-se e fugira.

Garrett sorriu ligeiramente – uma expressão fora do normal para um homem geralmente taciturno.

“Ela ligou à Bonnie depois de saires de Fredericksburg,” Disse Garrett. “Disse que só queria dizer adeus de uma vez por todas. Mas então a Bonnie disse-lhe que estavas a caminho para a levares contigo para casa. Claro que ficou logo entusiasmada e disse-nos onde a devíamos ir buscar.”

Ele olhou para Riley.

“Vires até cá salvou-a,” Concluiu Garrett.

Riley limitou-se a ficar parada durante uns instantes com Jilly a soluçar nos seus braços, sentindo-se estranhamente desajeitada e indefesa.

Jilly murmurou algo que Riley não conseguiu ouvir.

“O quê?” Perguntou Riley.

Jilly recompôs-se e olhou Riley nos olhos, olhos castanhos a transbordar de lágrimas.

“Mãe?” Disse Jilly com uma voz tímida e sufocada. “Posso chamar-te de Mãe?”

Riley abraçou-a novamente, esmagada pelo confuso massacre de emoções a que estava a ser sujeita.

“Claro,” Disse Riley.

Depois virou-se para Garrett. “Obrigada por tudo o que fizeste.”

“Ainda bem que pude ajudar, pelo menos um pouco,” Respondeu. “Precisas de um lugar para ficar enquanto cá estás?”

“Não. Agora que a Jilly foi encontrada, não vale a pena. Apanhamos o próximo voo de regresso.”

Garrett apertou-lhe a mão. “Espero que resulte para ambas.”

Depois foi-se embora.

Riley olhou para a adolescente que ainda estava agarrada a ela. Riley sentia uma mistura de sentimentos. Se por um lado estava eufórica por tê-la encontrado, por outro estava apreensiva quanto ao que o futuro lhes reservaria.

“Vamos comer um hambúrguer,” Disse Riley a Jilly.


*


Nevava levemente durante a viagem de carro do Reagan Washington Airport até casa. Jilly olhava silenciosamente pela janela. O seu silêncio era uma grande mudança depois do voo de mais de quatro horas de Phoenix. Nessa altura, Jilly não conseguia parar de falar. Nunca andara de avião e estava curiosa em relação a tudo.

Porque é que agora está tão sossegada? Interrogou-se Riley.

Ocorreu-lhe que a neve devia ser uma visão pouco usual para uma rapariga que tinha vivido toda a sua vida no Arizona.

“Já tinhas visto neve?” Perguntou Riley.

“Só na televisão.”

“Gostas?” Questionou-a Riley.

Jilly não respondeu, o que fez com que Riley se sentisse desconfortável. Ela lembrava-se da primeira vez que vira Jilly. A rapariga tinha fugido de um pai agressivo. Num ato de puro desespero, decidira tornar-se prostituta. Fora para uma paragem de camionistas que era um lugar conhecido no mundo do engate de prostitutas – chamavam-lhes “lot lizards” porque eram particularmente maltrapilhos.

Riley estava lá a investigar uma série de homicídios de prostitutas. Acontecera encontrar Jilly escondida na cabina de um camião à espera de se vender ao condutor quando ele regressasse.

Riley entregara Jilly aos Serviços de Proteção de Menores e mantivera o contacto com ela. A irmã de Garrett acolhera Jilly para a adotar, mas Jilly tinha acabado por fugir novamente.

E fora nessa altura que Riley decidira levar Jilly para sua casa.

Mas agora começava a pensar se cometera um erro. Já tinha que cuidar de uma filha de quinze anos, April. Só a April podia dar uma trabalheira. Tinham passado juntas por algumas experiências traumáticas desde que o casamento de Riley terminara.

E o que é que ela na verdade sabia sobre a Jilly? Será que fazia a mais pequena ideia do quão traumatiada ela estaria? Estaria preparada para lidar com os desafios que Jilly lhe poderia apresentar? E apesar de April ter aprovado a vinda de Jilly, como é que as duas adolescentes se dariam?

De repente, Jilly falou.

“Onde é que vou dormir?”

Riley ficou aliviada por ouvir a voz de Jilly.

“Vais ter um quarto só para ti,” Disse. “É pequeno mas acho que é perfeito para ti.”

Jilly calou-se novamente.

Então, passados alguns momentos disse, “Mais alguém ficou nesse quarto?”

Agora Jilly parecia preocupada.

“Não desde que lá vivemos,” Disse Riley. “Tentei adaptá-lo a escritório, mas era demasiado grande por isso instalei o escritório no meu quarto. A April e eu comprámos uma cama e uma cómoda mas quando tivermos tempo, podes escolher alguns posters e uma colcha de que gostes.”

“O meu próprio quarto,” Disse Jilly.

Pareceu a Riley que ela soava mais apreensiva do que feliz.

“Onde dorme a April?” Perguntou Jilly.

Riley preferia que Jilly esperasse até chegarem a casa e então veria tudo por si própria. Mas a rapariga parecia precisar de uma garantia naquele preciso momento.

“A April tem o seu próprio quarto,” Disse Riley. “Mas tu e a April vão partilhar a mesma casa de banho. Eu tenho uma só para mim.”

“Quem limpa a casa? Quem cozinha?” Perguntou Jilly. Depois acrescentou ansiosamente, “Não cozinho lá muito bem.”

“A nossa empregada, Gabriela, trata disso tudo. Ela é da Guatemala. Vive connosco, num apartamento na cave. Vais conhecê-la não tarda nada. Ela vai tomar conta de ti quando eu tiver que me ausentar.”

Outro silêncio.

Então Jilly perguntou, “A Gabriela vai-me bater?”

Riley ficou abismada com aquela pergunta.

“Não. É claro que não. Porque é que ela faria uma coisa dessas?”

Jilly não respondeu. Riley tentou compreender o significado daquela questão.

Tentou convencer-se de que não deveria ficar surpreendida. Riley ainda se lembrava do que Jilly lhe tinha dito quando a encontrou na cabina do camião e lhe disse que tinha que ir para casa.

“Eu não vou para casa. O meu pai bate-me se volto.”

Os serviços sociais de Phoenix já tinham retirado a custódia de Jilly ao pai. Riley sabia que a mãe de Jilly estava em parte incerta há muito tempo. Jilly tinha um irmão algures, mas ninguém sabia notícias dele há algum tempo.

Partiu-se-lhe o coração perceber que Jilly receava receber um tratamento semelhante na sua nova casa. Parecia que a pobre rapariga nem conseguia imaginar algo melhor na vida.

“Ninguém te vai bater, Jilly,” Disse Riley, com a voz a tremer um pouco de emoção. “Nunca mais. Vamos tomar bem conta de ti. Percebes?”

Mais uma vez, Jilly não respondeu. Riley desejava que ela ao menos dissesse que percebia e que acreditava no que Riley lhe transmitia. Mas em vez disso, Jilly mudou de assunto.

“Gosto do teu carro,” Disse. “Posso aprender a conduzir?”

“Claro, quando fores mais velha,” Disse Riley. “Agora vamos é instalar-te na tua nova vida.”


*


Ainda caía alguma neve quando Riley estacionou o carro em frente à sua casa e ela e Jilly saíram da viatura. O rosto de Jilly contraía-se um pouco quando os flocos de neve lhe tocavam na pele. Parecia não gostar daquela nova sensação. E tremia freneticamente de frio.

Temos que lhe arranjar umas roupas mais quentes imediatamente, Pensou Riley.

A meio caminho entre o carro e a porta de entrada, Jilly estacou. Olhou para a casa.

“Não posso fazer isto,” Disse Jilly.

“Por que não?”

Jilly calou-se durante alguns instantes. Parecia um animal acossado. Riley suspeitava que o mero pensamento de viver num lugar tão aprazível a oprimia.

“Vou atrapalhar a April, não vou?” Perguntou Jilly. “Quero dizer, a casa de banho é dela.”

Parecia procurar desculpas, agarrar-se a razões para que tudo parecesse um projeto votado ao fracasso.

“Não vais atrapalhar a April,” Disse Riley. “Agora entra.”

Riley abriu a porta. No interior, à espera, estavam April e Ryan, o ex-marido de Riley. Os rostos eram sorridentes e acolhedores.

April foi logo ter com Jilly e deu-lhe um grande abraço.

“Chamo-me April,” Disse. “Estou tão feliz por teres vindo. Vais gostar muito de cá estar.”

Riley ficou alarmada com a diferença entre as duas raparigas. Ela sempre considerara April magra e desengonçada, mas ao lado de Jilly parecia robusta. Riley atribuiu a extrema magreza de Jilly ao facto de, ao longo da sua vida, ter passado fome em alguns momentos.

Tantas coisas que ainda não sei, Pensou Riley.

De repente, Gabriela surgiu da cave, apresentando-se com um amplo sorriso.

“Bem-vinda à família!” Exclamou Gabriela, dando um abraço a Jilly.

Riley reparou que a pele da robusta mulher Guatemalteca era apenas ligeiramente mais escura do que a de Jilly.

“Vente!” Disse Gabriela, pegando na mão de Jilly. “Vamos até lá acima. Vou mostrar-te o teu quarto!”

Mas Jilly afastou a mão e ficou parada a tremer. Começaram a correr-lhe lágrimas pelo rosto. Sentou-se nas escadas e chorou. April sentou-se a seu lado e colocou-lhe um braço à volta dos ombros.

“Jilly, o que é que se passa?” Perguntou April.

Jilly abanou a cabeça lastimosamente.

“Não sei,” Soluçou. “É só que... Não sei. É tudo demasiado.”

April sorriu amorosamente e deu-lhe uma palmadinha carinhosa nas costas.

“Eu sei, eu sei,” Disse. “Vem até lá acima. Vais-te sentir em casa num instante.”

Jilly levantou-se obedientemente e seguiu April. Riley ficou agradada por constatar a forma graciosa como a filha estava a lidar com a situação. É claro que April sempre dissera que queria ter uma irmã mais nova. Mas April tinha passado por momentos difíceis que a tinham traumatizado gravemente.

Talvez, Pensou Riley esperançosa, a April seja capaz de compreender a Jilly melhor do que eu.

Gabriela olhou compassivamente para as duas raparigas.

“¡Pobrecita!” Disse. “Espero que fique bem.”

Gabriela voltou para a cave, deixando Riley e Ryan sozinhos. Ryan ficou a olhar para as escadas, parecendo algo atordoado.

Espero que não esteja arrependido, Pensou Riley. Vou precisar do apoio dele.

Muito tinha acontecido entre ela e Ryan. Nos últimos anos do seu casamento, fora um marido infiel e um pai ausente. Tinham-se separado e divorciado. Mas ultimamente Ryan parecia outro homem e passavam cada vez mais tempo juntos.

Tinham conversado sobre o desafio de introduzir a Jilly nas suas vidas. Ryan parecera entusiasmado com a ideia.

“Ainda concordas com isto?” Perguntou-lhe Riley.

Ryan olhou para ela e disse, “Sim. Mas vai ser duro, muito duro.”

Riley anuiu e seguiu-se um silêncio incómodo.

“Penso que talvez seja melhor eu ir embora,” Disse Ryan.

Riley sentiu-se aliviada. Deu-lhe um beijo leve, ele vestiu o casaco e foi-se embora. Riley preparou uma bebida e sentou-se sozinha na sala de estar.

No que é que nos meti? Interrogou-se.

Ela esperava que as suas boas intenções não dividissem novamente a sua família.

 

 

 

CAPÍTULO DOIS


Riley acordou apreensiva na manhã seguinte. Aquele ia ser o primeiro dia da vida de Jilly na sua nova casa. Tinham muito que fazer e Riley esperava que tudo corresse pelo melhor.

Na noite anterior apercebera-se que a transição de Jilly para a sua nova vida envolveria trabalho árduo de todos. Mas April tinha intervido e ajudara Jilly a instalar-se. Tinham escolhido roupas para Jilly usar no dia de hoje – não das que trouxera consigo num saco de compras, mas das coisas novas que Riley e April lhe tinham comprado.

Jilly e April tinham ido para a cama, por fim.

Riley também tinha ido, mas o seu sono fora perturbado e agitado.

Agora levantara-se e vestira-se, e dirigia-se para a cozinha onde April ajudava Gabriela a preparar o pequeno-almoço.

“Onde está a Jilly?” Perguntou April.

“Ainda não se levantou,” Disse April.

Riley ficou preocupada.

Dirigiu-se ao fundo das escadas e gritou, “Jilly, é altura de te levantares.”

Nenhuma resposta lhe chegou. De repente, foi dominada pelo pânico. Teria Jilly fugido durante a noite?

“Jilly, ouviste-me?” Chamou. “Temos que te matricular na escola agora de manhã.”

“Estou a ir,” Respondeu Jilly.

Riley respirou de alívio. O tom de Jilly era soturno, mas pelo menos estava ali e a colaborar.

Em anos recentes, Riley ouvira com frequência aquele mesmo tom de April. Agora April parecia ter passado essa fase, embora ainda tivesse recaídas de tempos a tempos. Riley interrogou-se se estaria mesmo à altura da tarefa de criar outra adolescente.

E naquele preciso momento, alguém bateu à porta. Quando Riley abriu a porta, deparou-se com o seu vizinho Blaine Hildreth.

Riley estava surpreendida por vê-lo, mas não desagradada. Blaine era alguns anos mais novo do que ela, um homem atraente e encantador, proprietário de um restaurante sofisticado na cidade. Na verdade, ela sentira uma inconfundível mútua atração entre eles que impossibilitava qualquer hipótese de restabelecer a ligação com Ryan. Mas mais importante do que tudo, Blaine era um vizinho maravilhoso e as filhas de ambos, melhores amigas.

“Olá Riley,” Cumprimentou Blaine. “Espero que não seja demasiado cedo.”

“De maneira nenhuma,” Disse Riley. “O que se passa?”

Blaine encolheu os ombros com um sorriso triste.

“Vim cá para me despedir,” Disse ele.

Riley ficou perplexa.

“O que é que queres dizer com isso?” Perguntou.

Ele hesitou e antes de responder, Riley viu um enorme camião estacionado em frente à sua casa. Homens transportavam mobília da casa de Blaine para o camião.

Riley ainda não conseguia acreditar no que via.

“Vais-te mudar?” Perguntou.

“Pareceu-me o melhor a fazer,” Disse Blaine.

Riley quase não conseguiu evitar perguntar, “Porquê?”

Mas era fácil adivinhar. Viver como vizinho de Riley provara ser perigoso e aterrador, tanto para Blaine como para a filha, Crystal. O penso que ainda ostentava no rosto provava-o. Blaine fora gravemente ferido quando tentara proteger April do ataque de um assassino.

“Não é o que estás a pensar,” Disse Blaine.

Mas Riley conseguia perceber pela sua expressão que se tratava exatamente daquilo em que ela estava a pensar.

Ele prosseguiu, “Chegámos à conclusão que este lugar não era o mais conveniente. Fica muito longe do restaurante. Encontrei uma casa bem agradável mais perto. Tenho a certeza que compreendes.”

Riley sentia-se demasiado confusa e aborrecida para responder. Memórias do terrível incidente regressaram numa torrente arrasadora.

Ela estava em Nova Iorque a trabalhar num caso quando soubera que um assassino brutal estava à solta. Chamava-se Orin Rhodes. Dezasseis anos antes, Riley fora obrigada a abater a namorada num tiroteio e ele fora preso. Quando Rhodes foi finalmente libertado de Sing Sing, jurara vingar-se de Riley e de todos os que ela mais amava.

Antes de Riley conseguir chegar a casa, Rhodes invadiu a sua casa e atacou April e Gabriela. Na casa ao lado, Blaine apercebera-se da luta e interviera para ajudar. O mais certo era ter salvo a vida de April. Mas fora gravemente ferido ao tentar.

Riley visitara-o duas vezes no hospital. Da primeira vez fora devastador. Ele ainda estava inconsciente com tubos intravenosos nos dois braços e uma máscara de oxigénio. Riley culpara-se amargamente do que lhe acontecera.

Mas quando o visitou pela segunda vez, ficou mais animada. Ele estava alerta e alegre, e até brincara com um pouco de orgulho da sua imprudência.

Acima de tudo, ela lembrava-se do que ele lhe dissera na altura...

“Eu faria qualquer coisa por ti e pela April.”

Era óbvio que já não tinha tanta certeza. O perigo de ser vizinho de Riley provara ser um fardo demasiado pasado para ele e agora ia-se embora. Ela não sabia se se devia sentir magoada ou culpada. De uma coisa tinha a certeza: sentia-se desiludida.

Os pensamentos de Riley foram interrompidos pela voz de April atrás dela.

“Oh meu Deus! Blaine, vocês vão-se mudar? A Crystal ainda está cá?”

Blaine anuiu.

“Tenho que lá ir dizer-lhe adeus,” Disse April.

April desatou a correr porta fora em direção à porta do lado.

Riley ainda estava a tentar organizar as suas próprias emoções.

“Peço desculpa,” Disse ela.

“Desculpa porquê?” Perguntou Blaine.

“Tu sabes.”

Blaine assentiu. “A culpa não foi tua Riley,” Disse ele com um tom de voz carinhoso.

Riley e Blaine fitaram-se durante um momento. Por fim, Blaine forçou um sorriso.

“Ei, eu não vou propriamente abandonar a cidade,” Disse ele. “Podemos sempre encontrar-nos quando quisermos. E as miúdas também. E elas ainda vão frequentar a mesma escola. Será como se nada tivesse mudado.”

Um sabor amargo apoderou-se da boca de Riley.

Isso não é verdade, Pensou. Tudo mudou.

E nessa altura a desilusão começou a dar lugar à fúria. Riley sabia que não estava certo sentir-se zangada. Ela não tinha esse direito. Ela nem sequer sabia porque é que se sentia assim. Tudo o que sabia era que não o conseguia evitar.

E o que deviam fazer agora?

Dar um abraço? Apertar as mãos?

Ela tinha a sensação de que Blaine sentia a mesma estranheza e indecisão.

Conseguiram trocar um adeus conciso. Blaine voltou para casa e Riley regressou para dentro da sua. Encontrou Jilly a tomar o pequeno-almoço na cozinha. Gabriela já colocara o pequeno-almoço de Riley na mesa por isso, sentou-se à mesa e comeu com Jilly.

“Então, estás entusiasmada com o dia de hoje?”

A pergunta de Riley saiu antes de perceber quão desajeitada soara.

“Acho que sim,” Disse Jilly, espetando um garfo nas panquecas. Nem olhou para Riley.


*


Um pouco mais tarde, Riley e Jilly entravam na Brody Middle School. O edifício era atraente com cacifos com portas de cores coloridas alinhados no corredor e arte de estudantes visível em todo o lado.

Uma aluna educada e agradável ofereceu ajuda e direcionou-as para o gabiente principal. Riley agradeceu-lhe e continuou a percorrer o corredor, segurando nos papéis de matrícula de Jilly com uma das mãos e segurando na mão de Jilly com a outra.

Anteriormente, tinham-se registado no gabinete central. Tinham levado a papelada que os Serviços Sociais de Phoenix tinham reunido – boletim de vacinas, transcrições escolares, a certidão de nascimento de Jilly e uma declaração de que Riley era a tutora oficial de Jilly. Jilly tinha sido retirada da custódia do pai, apesar dele ter ameaçado contestar essa decisão. Riley sabia que o caminho para finalizar e legalizar uma adoção não seria rápido ou fácil.

Jilly apertou com força a mão de Riley. Riley teve a sensação de que a rapariga se sentia muito pouco à vontade. Não era difícil imaginar porquê. Por muito dura que tivesse sido a vida em Phoneix, era o único lugar onde Jilly jamais tinha vivido.

“Porque é que não posso ir para a escola com a April?” Perguntou Jilly.

“No próximo ano vais estar no mesmo liceu,” Disse Riley. “Mas primeiro tens que terminar o oitavo ano.”

Encontraram o gabinete principal e Riley mostrou os papéis à rececionista.

“Gostaríamos de ver alguém para matricular a Jilly na escola,” Disse Riley.

“Tem que se encontrar com um orientador escolar,” Disse a rececionista com um sorriso. “Venham por aqui.”

Ambas precisamos de alguma orientação, Pensou Riley.

A orientadora era uma mulher na casa dos trinta anos com um cabelo castanho encaracolado. Chamava-se Wanda Lewis e o seu sorriso era tão terno quanto um sorriso pode ser. Riley pensou que ela podia realmente ajudar. Com certeza que uma mulher naquela posição já teria lidado com outros alunos com passados problemáticos.

Wanda Lewis fez-lhes uma visita guiada à escola. A biblioteca era impecável, organizada e bem fornecida de computadores e livros. No ginásio, raparigas jogavam basquetebol com alegria. A cantina era limpa e reluzente. Tudo parecia absolutamente perfeito para Riley.

Durante todo aquele tempo, Wanda Lewis colocou a Jilly várias perguntas acerca da sua anterior escola e sobre os seus interesses. Mas Jilly quase não disse nada em resposta e não colocou quaisquer perguntas. A sua curiosidade pareceu espevitar um pouco quando espreitou para a sala de arte. Mas mal se prosseguiu, voltou ao seu silêncio e indiferença.

Riley interrogou-se do que poderia estar a passar pela cabeça da rapariga. Ela sabia que as suas notas mais recentes haviam sido fracas, mas já tinham sido ótimas em anos anteriores. A verdade era que Riley quase não sabia nada sobre a experiência escolar passada de Jilly.

Talvez até odiasse a escola.

Esta nova devia ser assustadora, um lugar onde Jilly não conhecia ninguém. E claro, não ia ser fácil recuperar o atraso nos estudos quando só faltavam algumas semanas para o fim do período.

No fim da visita guiada, Riley conseguiu persuadir Jilly a agradecer a Wanda Lewis. Concordaram que Jilly começaria as aulas no dia seguinte. Depois Riley e Jilly saíram para o exterior rumo ao frio cortante de Janeiro. Uma fina camada da neve do dia anterior repousava no parque de estacionamento.

“Então o que te pareceu a tua nova escola?” Perguntou Riley.

“Bem,” Disse Jilly.

Riley não conseguia perceber se Jilly estava a ser soturna ou se estava simplesmente atordoada com todas as alterações que tinha que encarar. Ao aproximarem-se do carro, notou que Jilly tremia muito e que os dentes batiam. Usava um casaco pesado de April mas o frio estava mesmo a ser um problema para ela.

Entraram no carro e Riley ligou a ignição e o ar quente. Mesmo com o carro mais quente, Jilly ainda tremia.

Riley manteve o carro estacionado. Chegara o momento de descobrir o que incomodava aquela menina que estava ao seu cuidado.

“O que é que se passa?” Perguntou. “Há alguam coisa na escola que te incomode?”

“Não é a escola,” Disse Jilly, com a voz agora a tremer. “É o frio.”

“Bem sei que não faz frio em Phoenix,” Disse Riley. “Isto deve ser estranho para ti.”

Os olhos de Jilly encheram-se de lágrimas.

“Às vezes faz frio,” Disse ela. “Sobretudo à noite.”

“Diz-me o que é que se passa,” Pediu Riley.

As lágrimas começaram a correr pelo rosto. Ela falava numa vozinha mínima e abafada.

“O frio faz-me lembrar...”

Jilly calou-se. Riley esperou pacientemente.

“O meu pai culpava-me sempre por tudo,” Disse Jilly. “Culpava-me por a minha mãe se ter ido embora, e pelo meu irmão e até me culpava por ser despedido dos empregos que arranjava. Tudo o que corria mal, era sempre culpa minha.”

Agora Jilly soluçava silenciosamente.

“Continua,” Disse Riley.

“Uma noite ele disse-me que queria que eu me fosse embora,” Disse Jilly. “Disse que eu era um peso morto, que eu o atrasava, que já estava farto de mim. Expulsou-me de casa. Fechou as portas e eu não conseguia entrar.”

Jilly engoliu em seco perante aquela memória.

“Nunca senti tanto frio na minha vida,” Disse ela. “Nem agora com este tempo. Encontrei um grande tubo de canalização numa vala e era suficientemente grande para eu caber lá dentro, por isso foi lá que passei a noite. Era tão assustador. Às vezes as pessoas andavam por perto mas eu não queria que me descobrissem. Não pareciam pessoas que me ajudassem.”

Riley fechou os olhos, imaginando a rapariga escondida naquele tubo escuro. Murmurou, “E o que aconteceu depois?”

Jilly prosseguiu, “Fiquei por lá a noite toda. Não consegui dormir. Na manhã seguinte, voltei para casa e bati à porta e chamei pelo pai e implorei-lhe que me deixasse entrar. Ele ignorou-me, como se eu nem sequer ali estivesse. Foi quando fui para a paragem de camiões. Ali estava quente e havia comida. Algumas das mulheres eram simpáticas comigo e eu pensei que faria qualquer coisa para ficar ali. Foi nessa noite que me encontraste.”

Jilly acalmou ao contar a sua história. Parecia aliviada por libertar aquele peso de dentro de si. Mas agora Riley chorava. Mal podia acreditar o que aquela pobre rapariga tinha suportado. Colocou o braço à volta de Jilly e abraçou-a com força.

“Nunca mais,” Disse Riley no meio dos soluços. “Jilly, prometo-te, nunca mais te vais sentir assim outra vez.”

Era uma grande promessa e Riley sentia-se pequena, fraca e frágil naquele momento. Só esperava poder cumpri-la.

 

 


CAPÍTULO TRÊS


A mulher não parava de pensar no pobre Cody Woods. Ela tinha a certeza que ele já estaria morto por aquela altura. Saberia, com toda a certeza, pelo jornal da manhã.

Por muito que estivesse a apreciar o seu chá quente e granola, esperar pelas notícias impacientava-a.

Quando é que o jornal chega? Pensou, olhando para o relógio da cozinha.

A entrega parecia estar a atrasar-se cada vez mais nos últimos dias. É claro que não teria estes problemas com uma assinatura digital, mas a verdade era que não gostava de ler o jornal no computador. Gostava de se sentar numa cadeira confortável e desfrutar da sensação antiquada de segurar um jornal nas suas mãos. Ela até gostava da forma como a tinta por vezes ficava agarrada aos dedos.

Mas o jornal já estava atrasado quinze minutos. Se demorasse muito mais, teria que ligar e fazer uma reclamação. Odiaria ter que o fazer. Amargurava-a.

De qualquer das formas, o jornal era a única forma que tinha de descobrir o que sucedera a Cody. Não podia simplesmente ligar para o Centro de Reabilitação Signet para saber dele. Isso seria muito suspeito. Para além disso, para o pessoal de lá, ela já estava no México com o marido sem planos para regressar.

Ou melhor, Hallie Stillians estava no México. Era triste que nunca mais pudesse voltar a ser Hallie Stillians. Tinha-se afeiçoado particularmente àquele pseudónimo. Tinha sido simpático da parte do pessoal do Centro de Signet terem-lhe feito uma surpresa com um bolo no seu último dia no centro.

Sorriu ao lembrar-se. O bolo tinha sido decorado com sombreros coloridos e uma mensagem:


Buen Viaje, Hallie e Rupert!


Rupert era o nome do seu marido imaginário. Iria ter saudades de falar dele de forma tão carinhosa.

Terminou a sua granola e continuou a bebericar o seu chá caseiro preparado segundo uma antiga receita de família – uma receita diferente da que tinha partilhado com Cody e é claro que sem os ingredientes especiais que tinha acrescentado para ele.

Começou a cantar ociosamente...


Longe de casa,

Tão longe de casa-

Este bebé pequenino está longe de casa.

Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.


Como o Cody tinha gostado daquela canção! Também tinham gostado os outros pacientes. E muitos mais pacientes no futuro iriam gostar em igual medida. Aquele pensamento aquecia-lhe o coração.

E naquele preciso momento, ouviu um baque na porta da frente. Apressou-se para a abrir e olhou para o exterior. Repousado no degrau frio estava o jornal da manhã. A tremer de excitação, apanhou-o, voltou para a cozinha e abriu-o nos anúncios de mortes.

E lá estava:


SEATTLE – Cody Woods, 49, de Seattle...


Parou por um momento naquele ponto. Estranho. Quase podia jurar que ele lhe tinha dito que tinha cinquenta anos. Depois leu o resto...


... no Hospital South Hills, Seattle, Wash.; Serviços Funerários e de Cremação Sutton-Brinks, Seattle.


E era tudo. Era conciso, mesmo para um simples anúncio de morte.

Esperava que houvesse um simpático obituário nos próximos dias, mas estava preocupada que talvez não houvesse. Quem o iria escrever afinal de contas?

Estivera sozinho no mundo, pelo menos pelo que ela sabia. Uma mulher tinha falecido, outra tinha-o deixado e os dois filhos não lhe falavam. Não lhe dissera mais nada sobre mais ninguém – amigos, familiares, colegas de trabalho.

Que importa? Interrogou-se.

Sentiu uma fúria amarga e familiar a subir-lhe na garganta.

Fúria contra todas as pessoas na vida de Cody Woods que não queriam saber se ele estava vivo ou morto.

Fúria contra o pessoal sorridente no Centro de Signet, fingindo que gostavam e que teriam saudades de Hallie Stillians.

Fúria contra toda a gente e as suas mentiras e os seus segredos e a sua maldade.

Como fazia com frequência, imaginou-se a sobrevoar o mundo com as suas asas negras, a provocar a morte e a destruição aos maldosos.

E todos eram maldosos.

Toda a gente merecia morrer.

Até Cody Woods fora mau e merecia morrer.

Que tipo de homem fora ele na verdade para deixar este mundo sem que ninguém o amasse?

Com certeza um homem horrível.

Horrível e detestável.

“É bem feito,” Rosnou.

Depois saiu do seu estado de fúria. Sentiu-se envergonhada por ter dito tantas coisas em voz alta. Na verdade, não fora com intenção. Lembrou a si própria que não sentia nada mais do que amor e boa vontade em relação a todo o mundo.

Para além disso, era quase hora de ir trabalhar. Hoje chamava-se Judy Brubaker.

Olhando-se ao espelho, assegurou-se de que a peruca castanho-avermelhado estava devidamente colocada e de que a franja se espalhava de forma natural na sua testa. Era uma peruca cara e nunca ninguém tinha reparado que não era o seu cabelo natural. Por baixo da peruca, o cabelo curto e louro de Hallie Stillians tinha sido pintado de castanho-escuro e cortado num estilo diferente.

Não restava sinal de Hallie, nem no vestuário, nem na forma de se comportar.

Pegou nuns óculos de leitura modernos e pendurou-os num cordão brilhante à volta do pescoço.

Sorriu satisfeita. Era acertado investir nos acessórios apropriados e Judy Brubaker merecia os melhores.


Todos gostavam de Judy Brubaker.

E todos gostavam da canção que Judy Brubaker cantava frequentemente – uma canção que cantava alto quando se vestia para ir trabalhar...


Não chores,

Sonha até mais não poderes.

Deixa-te vencer pelo sono.

Não há mais suspiros,

Fecha os olhos

E estarás em casa pelo sono.


Ela transbordava paz, paz suficiente para partilhar com todo o mundo. Ela dera paz a Cody Woods.

E em breve daria paz a mais alguém que dela precisasse.

 

 


CAPÍTULO QUATRO


O coração de Riley bateu descompassadamente e os seus pulmões queimavam de respirar rápida e dificultosamente. Uma música familiar não lhe saía da cabeça.

“Segue a estrada de tijolo amarelo...”

Por muito cansada e sem fôlego que estivesse, Riley não conseguia evitar sentir-se divertida. Era manhã cedo e estava frio enquanto ela corria os dez quilómetros na pista de obstáculos de Quantico. A pista era vulgarmente apelidada de Estrada de Tijolo Amarelo.

Os Marines que a tinham construído é que lhe tinham dado esse nome por terem colocado tijolos amarelos na marcação de cada quilómetro. Os formandos do FBI que sobreviviam à pista recebiam um tijolo amarelo como recompensa.

Riley já recebera o seu tijolo amarelo há muitos anos, mas de vez em quando, voltava à pista, só para se assegurar de que ainda era capaz. Depois do stress emocional dos últimos dias, Riley precisava de algum esforço físico para limpar a mente.

Até ao momento, já tinha ultrapassado uma série de desafiantes obstáculos e tinha passado três tijolos amarelos. Tinha trepado paredes improvisadas, ultrapassado obstáculos e saltado por janelas simuladas. Há apenas alguns momentos, tinha-se içado por uma corda e agora já descia.

Quando chegou ao chão, olhou para cima e viu Lucy Vargas, a brilhante e jovem agente com quem gostava de trabalhar a treinar. Lucy estava a gostar de ser a companheira de treino de Riley naquela manhã. Estava no topo da face da rocha a olhar para baixo para Riley.

Riley chamou-a, “Não consegues acompanhar uma velhota como eu?”

Lucy riu-se. “Estou a ir nas calmas. Não quero exagerar – não com alguém da tua idade.”

“Ei, não te atrases por minha causa,” Gritou Riley. “Dá tudo o que tens.”

Riley tinha quarenta anos, mas nunca tinha descurada o seu treino físico. Ser capaz de se movimentar com rapidez e responder em força podiam revelar-se cruciais na luta contra monstros humanos. A simples força física tinha salvado vidas, incluindo a sua, mais do que uma vez.

Ainda assim, não ficava feliz por olhar para a sua frente e ver o próximo obstáculo – uma piscina de águas baixas, frias e lamacentas ia deixá-la encharcada e gelada.

Aqui vai disto, Pensou.

Atirou-se na direção da lama. O seu corpo foi trespassado pelo choque tremendo da água gelada. Ainda assim, esforçou-se por rastejar e espalmou-se quando sentiu o arame farpado a raspar ligeiramente nas suas costas.

Um entorpecimento corrosivo começou a apoderar-se dela, acionando uma memória indesejável.


Riley estava num espaço escuro debaixo da casa. Acabara de fugir de uma jaula onde estivera presa e fora torturada por um psicopata com um maçarico de gás propano. Na escuridão, perdera a noção do tempo que passara desde que fora capturada.

Mas conseguira forçar a porta da jaula e agora rastejava às cegas em busca de uma saída. Chovera há pouco tempo e a lama por baixo de si era pegajosa, fria e funda.

À medida que o seu corpo se entorpecia mais por causa do frio, um enorme desespero apoderou-se dela. Estava fraca das noites acordada e da fome.

Não consigo, Pensou.

Ela tinha que libertar a sua mente dessas ideias. Ela tinha que continuar a rastejar e a procurar a saída. Se ela não saísse, ele acabaria por matá-la – tal como o tinha feito com as outras vítimas.


“Estás bem, Riley?”

A voz de Lucy despertou Riley da memória de um dos seus mais assombrosos casos. Era uma situação que jamais esqueceria, sobretudo porque a sua filha fora mais tarde capturada por esse mesmo psicopata. Interrogava-se se alguma vez se libertaria daquelas recordações.

E April alguma vez se veria livre de memórias tão devastadoras?

Riley regressara ao presente e apercebeu-se de que se detivera debaixo do arame farpado. Lucy estava logo atrás dela, à espera que ela terminasse o obstáculo.

“Estou bem,” Disse Riley. “Desculpa atrasar-te.”

Esforçou-se por voltar a rastejar. À beira da água, ergueu-se e reuniu forças e energia. Depois desceu o trilho de madeira, certa de que Lucy não estava muito longe dela. Ela sabia que a sua próxima tarefa seria trepar uma rede. Depois disso, ainda tinha quase três quilómetros até terminar e mais alguns obstáculos duros para ultrapassar.


*


No fim da pista de dez quilómetros, Riley e Lucy tropeçavam juntas, ofegantes e rindo e dando os parabéns uma à outra pelo seu triunfo. Riley ficou surpreendida por ver o seu parceiro de longa data à sua espera onde o trilho terminava. Bill Jeffreys era um homem forte e robusto da idade de Riley.

“Bill!” Disse Riley, ainda sem fôlego. “O que é que estás aqui a fazer?”

“Vim à tua procura,” Disse ele. “Disseram-me que te encontraria aqui. Mal podia acreditar que quisesses fazer isto – e no pico do inverno! És alguma espécie de masoquista ou quê?”

Riley e Lucy riram-se.

Lucy disse, “Talvez a masoquista seja eu. Espero conseguir percorrer a Estrada de Tijolo Amarelo como a Riley quando tiver a sua provecta idade.”

Em jeito de provocação, Riley disse a Bill, “Ei, estou pronta para outra rodada. Queres vir comigo?”

Bill abanou a cabeça e riu.

“Huh-uh,” Disse ele. “Ainda tenho o meu velho Tijolo Amarelo em casa e uso-o como batente. Um é suficiente para mim. Mas estou a pensar em candidatar-me a ganhar um Tijolo Verde. Queres fazer-me companhia?”

Riley riu-se novamente. O chamado “Tijolo Verde” era uma piada que corria no FBI – um prémio concedido a quem conseguisse fumar trinta e cinco cigarros em trinta e cinco noites consecutivas.

“Passo,” Disse Riley.

E de repente a expressão de Bill ficou séria.

“Tenho um novo caso em mãos Riley,” Disse ele. “E preciso que me ajudes. Espero que não te importes. Eu sei que é muito em cima do nosso último caso.”

Bill tinha razão. Para Riley, parecia que apenas no dia anterior tinham apanhado Orin Rhodes.

“Sabes que acabei de trazer a Jilly para casa. Estou a tentar ambientá-la na sua nova vida. Nova escola... tudo novo.”

“Como é que ela está?” Perguntou Bill.

“Está irregular, mas está a tentar. Está tão feliz por fazer parte da família. Penso que vai precisar de muita ajuda.”

“E a April?”

“Está fantástica. Ainda estou abismada por ela se ter fortalecido graças à luta com Rhodes. E já gosta muito da Jilly.”

Depois de uma pausa, Riley perguntou, “Que tipo de caso é esse que tens em mãos, Bill?”

Bill ficou calado durante alguns instantes.

“Vou agora reunir-me com o chefe a propósito disso,” Disse ele. “Preciso mesmo da tua ajuda, Riley.”

Riley olhou para o seu amigo e parceiro. A sua expressão era de profundo desespero. Quando ele dissera que precisava da sua ajuda, não estava a brincar. Riley ficou curiosa.

“Deixa-me tomar um duche e vestir roupa seca,” Disse ela. “Vou ter contigo à sede num instante.”

 

 


CAPÍTULO CINCO


O Chefe da Equipa Brent Meredith não era homem para perder tempo com delicadezas. Riley sabia-o por experiência própria. Por isso, quando entrou no seu gabinete depois da sua corrida, não estava à espera de conversa da treta – não haveria perguntas educadas sobre a saúde e a casa e a família. Ele sabia ser bondoso e carinhoso, mas esses momentos eram raros. Hoje ele iria diretamente ao assunto e os seus assuntos eram sempre urgentes.

Bill já tinha chegado. Ainda parecia extremamente ansioso. Riley esperava compreender em breve porquê.

Mal Riley se sentou, Meredith debruçou-se sobre a secretária na sua direção com aquele seu rosto amplo e angular de Afro-Americano sempre desafiador.

“Comecemos pelo início Agente Paige,” Disse ele.

Riley esperou que ele dissesse algo diferente – que fizesse uma pergunta ou desse uma ordem. Mas em vez disso, limitou-se a olhar para ela.

Demorou apenas um momento para Riley perceber onde é que Meredith queria chegar.

Meredith estava a ter o cuidado de não colocar a pergunta. Riley apreciou a sua descrição. Um assassino ainda estava à solta e o seu nome era Shane Hatcher. Ele fugira de Sing Sing e o caso mais recente de Riley fora capturar Hatcher.

Riley falhara. Na verdade, ela nem sequer tentara e agora outros agentes de FBI tinham a tarefa de o capturar. Até ao momento, não o tinham conseguido.

Shane Hatcher era um génio do crime que se tornara num respeitado perito em criminologia durante a sua longa permanência na prisão. Riley tinha-o visitado algumas vezes na prisão para obter conselhos sobre os seus casos. Conhecia-o suficientemente bem para ter a certeza de que não constituía um perigo para a sociedade naquele momento. Hatcher tinha um código moral estranho mas rígido. Matara um homem desde a sua fuga – um velho inimigo que era, ele próprio, um criminoso perigoso. Riley tinha a certeza de que ele não mataria mais ninguém.

Naquele momento, Riley compreendia que Meredith precisava de saber se ela sabia alguma coisa de Hatcher. Era um caso de grande importância e parecia que Hatcher se estava rapidamente a tornar em algo semelhante a uma lenda urbana – um mestre do crime famoso capaz de tudo.

Riley apreciava a descrição de Meredith em não lhe colocar abertamente a pergunta mas a verdade era que Riley não sabia nada das atuais atividades de Hatcher ou o seu paradeiro.

“Não há nenhuma novidade,” Disse Riley em resposta à pergunta não pronunciada de Meredith.

Meredith anuiu e pareceu descontrair um pouco.

“Então muito bem,” Disse Meredith. “Vou direto ao assunto. Vou enviar o Agente Jeffreys a Seattle por causa de um caso. Ele quer que você seja a sua parceira. Preciso de saber se está disponível para o acompanhar.”

Riley tinha que dizer que não. Ela tinha tanta coisa com que lidar naquele momento na sua vida que assumir um caso numa cidade distante parecia completamente fora de questão. Ainda experimentava ataques ocasionais do SPT de que sofria desde que fora capturada por um criminoso sádico. A sua filha April sofrera às mãos do mesmo homem e agora April tinha que lidar com os seus próprios demónios. E agora Riley tinha uma nova filha que também tinha passado pelos seus próprios terríveis traumas.

Se ela pudesse ficar fora de ação durante algum tempo e dar algumas aulas na Academia, talvez conseguisse estabilizar a sua vida.

“Não posso aceitar,” Disse Riley. “Não agora.”

Virou-se para Bill.

“Tu sabes aquilo com que estou a lidar,” Disse ela.

“Eu sei, só esperava...” Disse Bill com uma expressão implorativa nos olhos.

Chegara o momento de saber o que se estava a passar.

“Que caso é este?” Perguntou Riley.

“Ocorreram pelo menos dois envenenamentos em Seattle,” Disse Meredith. “Parece ser um caso de assassino em série.”

Naquele momento, Riley compreendeu porque é que Bill estava tão abalado. Quando ele era criança, a mãe fora envenenada. Riley não sabia pormenores mas sabia que o seu assassinato fora uma das razões pela qual ele se tornara agente do FBI. Assombrara-o durante anos. Aquele caso abria velhas feridas.

Por isso, quando ele lhe dissera que precisa dela, era porque precisava mesmo dela.

Meredith prosseguiu, “Até ao momento só temos conhecimento de duas vítimas – um homem e uma mulher. Pode ter havido outros e ainda se podem seguir outros.”

“Porque é que nos chamaram?” Perguntou Riley. “Existe um departamento do FBI em Seattle. Eles não podem tratar do assunto?”

Meredith abanou a cabeça.

“A situação por lá é bastante disfuncional. Parece que o FBI local e a polícia local não concordam em nada a respeito deste caso. Por isso somos necessários. Posso contar consigo Agente Paige?”

De repente, a decisão de Riley tornou-se clara. Apesar dos seus problemas pessoais, ela era mesmo necessária neste caso.

“Contem comigo,” Disse por fim.

Bill assentiu e suspirou audivelmente de alívio e gratidão.

“Ótimo,” Disse Meredith. “Voam para Seattle amanhã de manhã.”

Meredith tamborilou os dedos na mesa por um momento.

“Mas não esperem uma receção calorosa,” Acrescentou. “Nem os polícias, nem os agentes federais vão gostar de vos ver.”

 

 


CAPÍTULO SEIS


Riley receava o primeiro dia de aulas de Jilly quase tanto como receava alguns casos. A adolescente parecia bastante sombria e Riley interrogava-se se faria uma cena no último momento.

Estará ela preparada para isto? Não parava Riley de se perguntar. Estarei eu preparada para isto?

Para além de tudo, o momento não parecia o mais adequado. Riley estava preocupada por ter de voar para Seattle naquela mesma manhã. Mas o Bill precisava de ajuda e isso para ela era suficiente. Jilly parecera bem quando conversaram sobre o assunto em casa, mas Riley não sabia muito bem o que esperar naquele momento.

Felizmente, não teve que levar Jilly para a escola sozinha. Ryan tinha-se oferecido para as levar e tanto Gabriela como April também estavam presentes para oferecer apoio moral.

Quando todos saíram do carro no parque de estacionamento da escola, April pegou na mão de Jilly e caminhou com ela na direção do edifício. As duas jovens esguias usavam calças de ganga, botas e casacos quentes. No dia anterior Riley fora fazer compras com elas e deixara Jilly escolher um novo casaco, uma colcha, cartazes e algumas almofadas para personalizar o seu quarto.

Riley, Ryan e Gabriela seguiam atrás das raparigas, e Riley enterneceu-se ao observá-las. Depois de anos de taciturnidade e rebelião, April de repente parecia incrivelmente madura. Riley interrogou-se se April não precisara de algo semelhante desde sempre – tomar conta de alguém.

“Olha para elas,” Disse Riley a Ryan. “Estão a criar laços.”

“Maravilhoso, não é?” Disse Ryan. “Parecem mesmo irmãs. Foi isso que te atraiu nela?”

Era uma pergunta interessante. Quando ela trouxe Jilly para casa, Riley fora surpreendida pelas diferenças entre as duas raparigas. Mas agora apercebia-se cada vez mais de parecenças. April era a mais pálida das duas com olhos cor de avelã como a mãe e Jilly tinha olhos castanhos e uma compleição mais morena.

Mas naquele momento em que as duas cabeças de cabelo escuro se moviam juntas, eram muito parecidas.

“Talvez,” Disse Riley, respondendo à pergunta de Ryan. “Não parei para pensar. Só sabia que ela tinha problemas graves e que talvez eu pudesse ajudar.”

“O mais certo é teres-lhe salvado a vida,” Disse Ryan.

Riley sentiu um nó na garganta. Aquela possibilidade não lhe tinha ocorrido e era um pensamento de humildade. Riley sentia-se tanto entusiasmada como assustada por esse novo sentimento de responsabilidade

Toda a família se dirigiu ao gabinete da orientadora escolar. Carinhosa e sorridente como sempre, Wanda Lewis cumprimentou Jilly com um mapa da escola.

“Vou levar-te já para a tua sala,” Disse Wanda.

“Percebe-se que é um bom lugar,” Disse Gabriela a Jilly. “Vais ficar bem aqui.”

Agora Jilly parecia nervosa, mas feliz. Abraçou-os a todos, depois seguiu Wanda pelo corredor.

“Gosto desta escola,” Disse Gabriela a Ryan, Riley e April quando se encaminhavam para o carro.

“Ainda bem que é do teu agrado,” Disse Riley.

E disse-o com sinceridade. Gabriela era muito mais do que uma empregada. Ela era um verdadeiro membro da família. Era importante que ela se sentisse bem com as decisões da família.

Entraram todos no carro e Ryan ligou a ignição.

“Para onde vamos agora?” Perguntou Ryan com alegria.

“Tenho que ir para a escola,” Disse April.

“Depois casa logo a seguir,” Disse Riley. “Tenho que apanhar um avião em Quantico.”

“Entendido,” Disse Ryan, saindo do parque de estacionamento.

Riley observou o rosto de Ryan enquanto ele conduzia. Parecia realmente feliz – feliz por fazer parte do mundo delas e feliz por ter um novo membro na família. Ele não fora assim durante grande parte do seu casamento. Parecia mesmo um homem mudado. E em momentos como aquele, Riley sentia-se grata.

Virou-se e olhou para a filha que se encontrava no banco de trás.

“Estás a lidar com tudo isto muito bem,” Disse Riley.

April pareceu surpreendida.

“Estou a empenhar-me,” Disse. “Ainda bem que notaste.”

Por um momento, Riley foi apanhada de surpresa. Estava ela a ignorar a filha por estar preocupada em instalar devidamente o novo membro da família?

April calou-se durante uns instantes e depois disse, “Mãe, ainda estou contente por a teres trazido para casa. Acho que é tudo mais complicado do que eu pensava que seria ter uma nova irmã. Ela passou muito mal e por vezes não é fácil comunicar com ela.”

“Não quero que isto seja difícil para ti,” Disse Riley.

April sorriu fracamente. “Fui dura contigo,” Disse ela. “Eu sou suficientemente dura para lidar com os problemas da Jilly. E a verdade é que começo a gostar de a ajudar. Nós vamos ficar bem. Não te preocupes connosco.”

Riley ficou mais tranquila por perceber que deixaria Jilly ao cuidado de três pessoas em quem confiava absolutamente – April, Gabriela e Ryan. Ainda assim, incomodava-a ter que partir naquele preciso momento. Esperava que não fosse por muito tempo.


*


O chão afastou-se quando Riley olhou pela janela do pequeno avião da UAC. O avião subiu acima das nuvens em direção ao nordeste pacífico – quase seis horas. Dali a poucos minutos, Riley já via a paisagem a rolar debaixo deles.

Bill estava sentado a seu lado.

Ele disse, “Voar pelo país desta forma faz-me sempre pensar em outros tempos em que as pessoas tinham que caminhar, cavalgar ou andar de comboio.”

Riley anuiu e sorriu. Era como se Bill tivesse lido os seus pensamentos. E não era raro isso acontecer entre eles.

“O país devia parecer enorme para as pessoas nessa altura,” Disse ela. “Os colonos demoravam meses a atravessar o país.”

Um silêncio familiar e confortável caiu entre eles. Ao longo dos anos, ela e Bill tinham tido a sua conta de desentendimentos e discussões, e houvera momentos em que a sua parceria parecia à beira do fim. Mas agora ela sentia-se mais próxima dele por causa desses tempos difíceis. Ela confiava totalmente nele e sabia que da parte de Bill era recíproco.

Em momentos como aquele, ela ficava feliz por ela e Bill não terem cedido à atração que sentiam um pelo outro. Momentos houve em que tinham estado perigosamente próximos.

Teria estragado tudo, Pensou Riley.

Tinham sido inteligentes em se manterem afastados desse perigo. A perda da sua amizade seria muito difícil de imaginar. Ele era o seu melhor amigo.

Passado um bocado, Bill disse, “Obrigado por vires Riley. Preciso mesmo da tua ajuda desta vez. Acho que não conseguia lidar com este caso com outro parceiro. Nem mesmo a Lucy.”

Riley olhou para ele e não disse nada. Ela não teve que lhe perguntar em que pensava. Ela sabia que ele lhe ia finalmente dizer a verdade sobre o que tinha sucedido com a mãe. Então ela compreenderia quão importante e perturbador aquele caso era para ele.

Ele olhava em frente, recordando-se.

“Aconteceu quando eu tinha nove anos,” Disse ele. “Já te tinha dito que o meu pai era professor de matemática do liceu e que a minha mãe trabalhava como caixa num banco. Com três filhos, vivíamos sem dificuldades. Tínhamos uma vida feliz até que...”

Bill parou por um momento.

“Aconteceu quando eu tinha nove anos,” Prosseguiu. “Mesmo antes do Natal, o pessoal no banco da minha mãe deu a sua festa de Natal anual, trocando presentes e comendo bolo e todas aquelas coisas normais nestas situações. Quando a minha mãe voltou para casa nessa tarde, parecia que se tinha divertido e estava tudo bem, mas à medida que a noite avançou, ela começou a ter um comportamento estranho.”

O rosto de Bill contraiu-se com a simples recordação.

“Ficou tonta e confusa, e a fala era desarticulada. Era quase como se estivesse bêbeda. Mas a minha mãe nunca bebia muito e para além disso não tinham servido álcool na festa. Nós não fazíamos ideia do que se estava a passar. As coisas pioraram rapidamente. Começou a ficar nauseada e a vomitar. O meu pai levou-a às urgências e nós fomos com eles.”

Bill calou-se novamente. Riley sabia que se estava a tornar mais difícil para ele contar-lhe o sucedido.

“Quando chegámos ao hospital, o coração dela estava a mil e estava a hiperventilar e a pressão sanguínea estava descontrolada. Depois entrou em coma. Os rins começaram a falhar e teve uma falência cardíaca congestiva.”

Os olhos de Bill fecharam-se com força e o seu rosto demonstrava toda a dor desses momentos. Riley interrogou-se se talvez fosse melhor ele não contar o resto da história. Mas ela pressentiu que seria errado dizer-lhe para parar de a contar.

Bill disse, “Na manhã seguinte, os médicos descobriram o que estava errado. Ela sofria de um grave envenenamento por etilenoglicol.”

Riley abanou a cabeça. Aquilo parecia-lhe familiar mas não sabia porquê.

Bill explicou tudo rapidamente, “O ponche na festa tinha sido enriquecido com anticongelante.”

Riley ficou chocada.

“Meu Deus!” Disse ela. “Como é que isso foi possível? Quero dizer, será que o sabor...?”

“O que se passou foi que a maior parte dos anticongelantes têm um sabor doce,” Explicou Bill. “É fácil de misturar com bebidas açucaradas sem ser notado. É muito fácil de ser usado como veneno.”

Riley tentava abarcar aquilo que estava a ouvir.

“Mas se o ponche estava contaminado, não houve outras pessoas afetadas?” Perguntou.

“Essa é que é a questão,” Disse Bill. “Mais ninguém foi envenenado. Não estava na taça de ponche. Estava só no copo da minha mãe. Alguém queria atacá-la de forma específica.”

Bill manteve-se em silêncio durante algum tempo.

“Nessa altura, já era tarde demais para fazer o que quer que fosse,” Disse ele. “Ela ficou em coma e morreu na Véspera de Ano Novo. Estávamos todos junto à cama dela.”

De alguma forma, Bill conseguiu não se desfazer em lágrimas. Riley calculou que já tivera a sua dose de choro ao longo dos anos.

“Não fazia sentido,” Disse Bill. “Toda a gente gostava da minha mãe. Ela não tinha inimigos. A polícia investigou e tornou-se claro que ninguém que trabalhava no banco fora responsável. Mas vários colegas de trabalho se lembravam de um homem estranho que ia e vinha durante a festa. Ele parecia amável e toda a gente partiu do princípio de que era convidado de alguém, um amigo ou um parente. Foi-se embora antes de a festa terminar.”

Bill abanou a cabeça amargamente.

“O caso foi arquivado. Penso que nunca se saberá a verdade. Depois de tantos anos, nunca será resolvido. Foi horrível nunca ter descoberto quem o fez, nunca o levar à justiça. Mas o pior de tudo foi não saber porquê. Parecia uma coisa tão sem nexo e cruel. Porquê a minha mãe? O que é que ela fez para fazer com que alguém praticasse um ato tão infame? Ou talvez não tenha feito nada. Talvez fosse apenas algum tipo de brincadeira cruel. Não saber foi uma tortura. Ainda é. E claro, essa foi uma das razões que me levou a...”

Bill não terminou o pensamento. Não precisava. Riley há muito que sabia que o mistério não solucionado da morte da mãe era o motivo pelo qual Bill tinha optado por aquela carreira.

“Lamento muito Bill,” Disse Riley.

Bill encolheu os ombros fracamente, como se tivesse um enorme peso nos ombros.

“Foi há muito tempo,” Disse ele. “Para além disso, deves conhecer a sensação melhor do que ninguém.”

As palavras calmas de Bill sacudiram Riley. Ela sabia ao que ele se referia. E tinha razão. Mas isso não tornava a memória menos abrasadora.


Riley tinha seis anos e a mamã tinha-a levado a uma loja de doces, Riley estava entusiasmada e perguntava por todos os doces que podia ver. Às vezes a mamã repreendia-a por agir assim. Mas naquele dia a mamã era querida e mimava-a, comprando-lhe todos os doces que queria.

Quando estavam na fila para pagar, um homem estranho caminhou na sua direção. Usava qualquer coisa no rosto que lhe espalmava o nariz e lábios e bochechas e o fazia parecer engraçado e assustador ao mesmo tempo, como um palhaço. Levou algum tempo para que a pequena Riley compreendesse que usava uma meia de nylon na cabeça, igual às que a mamã usava nas pernas.

O homem segurava uma pistola. A arma parecia enorme e apontava-a à mamã.

“Dê-me a sua mala,” Disse o homem.

Mas a mamã não a deu. Riley não sabia porquê. Tudo o que sabia era que a mamã estava assustada, talvez demasiado assustada para fazer o que o homem lhe mandava.

O homem proferiu umas palavras feias para a mamã, mas ainda assim ela não lhe deu a mala. Ela tremia como uma vara verde.

Então veio um ruído e um flash e a mamã caiu no chão. O homem disse mais palavras feias e fugiu. O peito da mamã sangrava e ela ainda se contorceu por um momento até ficar completamente imóvel.

A pequena Riley começou a gritar. E não parou de gritar durante muito tempo.


O toque carinhoso da mão de Bill na sua trouxe Riley de volta ao presente.

“Peço desculpa,” Disse Bill. “Não te queria trazer todas essas memórias de volta.”

Obviamente que ele vira as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto. Ela apertou a sua mão. Ela estava grata pela sua compreensão e preocupação. Mas a verdade era que Riley nunca contara a Bill uma memória que a perturbava ainda mais.

O pai tinha sido coronel nos Marines – um homem rígido, cruel, incapaz de amar, de sentir, de perdoar. Nos anos que se seguiram à morte da mãe, ele culpara Riley pela morte da mãe. Não importava que ela tivesse apenas seis anos.

“É como se tivesses sido tu a matá-la,” Dizia ele.

Ele morrera no ano anterior sem nunca a perdoar.

Riley limpou o rosto e olhou pela janela para as paisagens que se movimentavam lentamente tantos quilómetros abaixo deles.

Como já sucedera tantas vezes, apercebeu-se do quanto ela e Bill tinham em comum e quão assombrados ambos estavam pelas tragédias passadas e a injustiça. Durante todos aqueles anos em que foram parceiros, carregavam os mesmos demónios e eram assombrados por fantasmas semelhantes.

Apesar de toda a sua preocupação com Jilly e a vida em casa, Riley agora sabia que tivera razão em acompanhar Bill neste caso. Cada vez que trabalhavam juntos, os seus laços fortaleciam-se e aprofundavam-se. Desta vez não seria exceção.

Eles resolveriam aqueles crimes, Riley tinha a certeza. Mas o que é que ela e Bill ganhariam ou perderiam com isso?

Talvez nos curemos um pouco, Pensou Riley. Ou talvez as nossas feridas abram e acabem por doer mais.

Mas na verdade não importava. Sempre tinham trabalhado juntos para resolver os enigmas que se lhes apresentavam, independentemente da dureza das missões.

Agora poderiam ter que enfrentar um crime particularmente horrendo.

 

 


CAPÍTULO SETE


Quando o avião da UAC aterrou em Sea-Tac, o Seattle International Airport, caía uma chuva pesada. Riley olhou para o relógio. Eram duas horas da tarde em casa naquele momento, mas ali eram onze da manhã. Isso dava-lhes tempo mais do que suficiente para ainda trabalharem no caso naquele dia.

Quando ela e Bill se dirigiram à saída, o piloto saiu da cabina e entregou a cada um deles um guarda-chuva.

“Vão precisar disto,” Disse ele com um sorriso. “O inverno é a pior altura para se estar neste canto do país.”

Quando se colocaram no cimo das escadas, Riley não pôde deixar de concordar. Ela estava contente por terem guarda-chuvas, mas desejava ter-se vestido com roupa mais quente. Estava não só chuvoso como muito frio.

Um SUV parou junto à pista. Dois homens com impermeáveis saíram do veículo e encaminharam-se para o avião. Apresentaram-se como Agentes Havens e Trafford do Departamento do FBI de Seattle.

“Vamos levar-vos para o gabinete do Médico-Legista,” Disse o Agente Havens. “O chefe da equipa desta investigação está lá à vossa espera.”

Bill e Riley entraram no carro, e o Agente Tarfford começou a conduzir debaixo de chuva torrencial. Riley conseguiu distinguir os habituais hotéis junto ao aeroporto e nais nada. Ela sabia que ali existia uma cidade vibrante, mas estava praticamente invisível.

Interrogou-se se enquanto ali permanecesse veria Seattle.


*


Mal Riley e Bill se sentaram na sala de reuniões do edifício de Medicina Legal de Seattle, ela pressentiu logo a existência de problemas. Trocou olhares com Bill e sabia que ele também sentiu essa mesma tensão.

O Chefe da Equipa Maynard Sanderson era um homem robusto com uma presença que oscilava entre o semelhante a um oficial militar e um pregador evangélico.

Sansderson olhava para um homem imponente cujo espesso bigode de morsa dava ao rosto o que parecia ser uma desconfiança permanente. Fora apresentado como Perry McCade, o Chefe da Polícia de Seattle.

A linguagem corporal dos dois homens e os lugares que ocuparem à mesa diziam muito a Riley. Seja por que razão fosse, a última coisa que queriam era estar juntos na mesma sala. E Riley também sentiu que ambos os homens não estavam minimamente satisfeitos por ter Bill e Riley ali.

Riley lembrava-se do que Brent Meredith dissera antes de deixarem Quantico.

“Não esperem uma receção calorosa. Nem os polícias, nem os agentes federais ficarão contentes por vos ver.”

Riley interrogava-se em que espécie de campo minado é que ela e Bill tinham penetrado.

Uma complexa luta pelo poder estava a decorrer sem que fosse pronunciada uma palavra. E ela sabia que dali a poucos minutos tudo se iria verbalizar.

Por contraste, a Chefe de Medicina Legal Prisha Shankar parecia afável e despreocupada. A mulher de pele escura e cabelo negro devia ter a idade de Riley e parecia ter um carácter estoico e imperturbável.

Afinal de contas, está no seu terreno, Pensou Riley.

O Agente Sanderson tomou a liberdade de iniciar a reunião.

“Agentes Paige e Jeffreys,” Disse ele a Riley e Bill, “Fico satisfeito por terem vindo de Quantico até aqui.”

Pelo seu tom de voz frio Riley interpretou precisamente o contrário.

“Estamos contentes por poder ajudar,” Disse Bill, não muito seguro de si próprio.

Riley limitou-se a sorrir.

“Meus senhores,” Disse Sanderson, ignorando a presença das duas mulheres, “estamos aqui para investigar dois homicídios. Um assassino em série pode estar a começar a cometer os crimes aqui na área de Seattle. Compete-nos a nós pará-lo antes que volte a matar.”

O Chefe de Polícia McCade pigarreou audivelmente.

“Deseja fazer algum comentário, McCade?” Perguntou Sanderson secamente.

“Não se trata de um assassino em série,” Disparou McCade. “E não é um caso para o FBI. Os meus homens têm tudo sob controlo.”

Riley começava a compreender tudo. Ela lembrava-se de Meredith dizer que as autoridades locais estavam a debater-se com este caso. E agora ela conseguia perceber porquê. Ninguém concordava em nada.

O Chefe de Polícia McCade estava furioso pelo facto de o FBI se estar a intrometer num caso de assassínio local. E Sanderson estava furibundo porque o FBI tinha mandado Bill e Riley de Quantico para por todos na ordem.

A tempestade perfeita, Pensou Riley.

Sanderson voltou-se para a Chefe de Medicina Legal e disse, “Dra. Shankar, talvez não se importasse de resumir o que sabemos até ao momento.”

Parecendo indiferente às tensões subjacentes, a Dra. Shankar clicou num comando para mostrar uma imagem no monitor de parede. Era uma foto de carta de condução de uma mulher de aspeto bastante normal com cabelo liso de cor castanha.

Shankar disse, “Há um mês e meio uma mulher chamada Margaret Jewell morreu em casa durante o sono de um aparente ataque cardíaco. Queixara-se no dia anterior de dores nas articulações, mas de acordo com a cônjuge, tal não era incomum. Ela sofria de fibromialgia.”

Shankar clicou novamente no comando e mostrou outra foto de carta de condução onde surgia um homem de meia-idade com um rosto bondoso mas melancólico.

Shankar disse, “Há alguns dias, Cody Woods entrou pelo seu próprio pé no Hospital South Hill a queixar-se de dores no peito. Também se queixava de dores nas articulações. Mais uma vez, a situação não tinha nada de surpreendente porque o paciente sofria de artrite e fora sujeito a uma cirurgia ao joelho na semana anterior. Algumas horas depois de dar entrada no hospital também ele morreu do que parece ter sido um ataque cardíaco.”

“Mortes não relacionadas,” Murmurou McCade.

“Então quer dizer que nenhuma destas mortes foi homicídio?” Perguntou Sanderson.

“A Margaret Jewell terá sido,” Disse McCade. “O Cody Woods nem pensar. Estamos a deixar que ele nos distraia. Estamos a turvar as águas. Se deixasse o caso ser resolvido por mim e pelos meus homens, resolveríamos isto em dois tempos.”

“Já passou um mês e meio desde o caso de Jewell,” Atirou Sanderson.

A Dra. Shankar sorriu de forma algo misteriosa enquanto McCade e Sanderson prosseguiam a sua disputa. Depois clicou novamente no comando. Surgiram mais duas fotos.

O silêncio apoderou-se da sala e Riley ficou surpreendida.

Os homens em ambas as fotos pareciam provenientes do Médio Oriente. Riley não reconheceu um deles, mas reconheceu perfeitamente o outro.

Era Saddam Hussein.

 

 


CAPÍTULO OITO


Riley olhou para a imagem no ecrã. Onde quereria chegar a Chefe de Medicina Legal ao mostrar uma foto de Saddam Hussein? O líder deposto do Iraque fora executado em 2006 por crimes contra a humanidade. Qual seria a sua ligação com um possível assassino em série em Seattle?

Depois de instalado o efeito das fotos, a Dra. Shankar falou novamente.

“Estou certa que todos reconhecemos o homem à esquerda. O homem à direita era Majidi Jehad, um dissidente da Shia contra o regime de Saddam. Em Maio de 1980, foi concedida permissão a Jehad para viajar até Londres. Quando parou numa esquadra de polícia de Bagdade para recolher o seu passaporte, ofereceram-lhe um sumo de laranja. Ele deixou o Iraque, aparentemente são e salvo. Morreu pouco depois de chegar a Londres.”

A Dra. Shankar mostrou muitos mais rostos do Médio Oriente.

“Todos estes homens tiveram destinos semelhantes. Saddam liquidou centenas de dissidentes da mesma forma. Quando alguns eram libertados da prisão, era-lhes oferecida uma bebida para celebrar a sua libertação. Nenhum viveu muito tempo.”

O Chefe McCade assentiu.

“Envenenamento por tálio,” Disse ele.

“Exato,” Disse a Dra. Shankar. “O tálio é um elemento químico que pode ser convertido num pó solúvel incolor, inodoro e sem sabor. Era o veneno predilecto de Saddam Hussein. Mas não foi ele que inventou a ideia de assassinar os seus inimigos com ele. Por vezes é denominado de ‘veneno do envenenador’ porque atua lentamente e produz sintomas que podem induzir em causas de morte enganadoras.”

Ela clicou no comando e surgiram mais alguns rostos, incluindo o do ditador Cubano Fidel Castro.

Shankar disse, “Em 1960, os serviços secretos Franceses usaram tálio para matar o líder rebelde camaronês Félix-Roland Moumié. E acredita-se que a CIA tentou usar tálio numa das suas muitas tentativas de assassinato de Fidel Castro. O plano era colocar pó de tálio nos sapatos de Castro. Se a CIA tivesse sido bem-sucedida com este método específico, a morte de Castro teria sido humilhante, assim como lenta e dolorosa. Antes de morrer, aquela sua barba icónica já teria caído.”

Clicou no comando e os rostos de Margaret Jewell e Cody Woods surgiram novamente.

“Faço esta digressão para que compreendam que estamos a lidar com um assassino muito sofisticado,” Disse a Dra. Shankar. “Encontrei restos de tálio nos corpos de Margaret Jewell e Cody Woods. Não tenho dúvidas de que ambos foram envenenados pelo mesmo assassino.”

A Dra. Shankar olhou em seu redor para todos os que se encontravam na sala.

“Alguém deseja fazer algum comentário?” Perguntou.

“Sim,” Disse o Chefe McCade. “Continuo a achar que as mortes não estão ligadas.”

Riley ficou alarmada com aquele comentário, mas a Dra. Shankar não ficou surpreendida.

“E porque pensa assim Chefe McCade?” Perguntou.

“Cody Woods era um canalizador,” Disse McCade. “Não seria possível ele estar exposto ao tálio devido à sua profissão?”

“É possível,” Disse a Dra. Shankar. “Os canalizadores têm que ter cuidado para evitar imensas substâncias nocivas, incluindo amianto e metais pesados tais como o arsénico e o tálio. Mas não me parece que seja o que aconteceu no caso de Cody Woods.”

Riley estava cada vez mais intrigada.

“Porque não?” Perguntou.

A Dra. Shankar clicou no comando e apareceram os relatórios de toxicologia.

“Estas mortes parecem ser envenenamentos por tálio com uma diferença,” Disse ela. “Nenhuma das vítimas mostrou sintomas clássicos – perda de cabelo, febre, vómitos, dores abdominais. Tal como disse anteriormente, ocorreram dores ao nível das articulações, mas pouco mais. A morte surgiu de forma repentina, dando a entender tratar-se de um comum ataque cardíaco. Não houve lentidão. Se o meu pessoal não estivesse atento, nunca reparariam que se trata de casos de envenenamento por tálio.”

Bill parecia partilhar o fascínio de Riley.

“Então estamos a lidar com o quê – um designer de tálio?” Perguntou.

“Algo do género,” Disse a Dra. Shankar. “O meu pessoal ainda está a desmontar a maquilhagem química do cocktail. Mas um dos ingredientes é sem dúvida ferrocianeto de potássio – um químico que podem conhecer como o corante azul Prussiano. É estranho porque o azul prussiano é o único antídoto conhecido para o envenenamento por tálio.”

O grande bigode do Chefe McCade estava a contorcer-se.

“Isso não faz sentido,” Grunhiu. “Porque é que um envenenador administraria um antídoto juntamente com o veneno?”

Riley arriscou uma hipótese.

“Poderia ser para disfarçar os sintomas do envenenamento por tálio?”

A Dra. Shankar anuiu afirmativamente.

“É essa a minha teoria. Os outros químicos encontrados teriam interagido com o tálio de uma forma complexa que ainda não compreendemos. Mas talvez tenham ajudado a controlar a natureza dos sintomas. Quem quer que tenha preparado a mistura sabia o que estava a fazer. Tinha conhecimentos amplos de farmacologia e química.”

O Chefe McCade tamborilava os dedos na mesa.

“Não vou nessa,” Disse ele. “Os vossos resultados para a segunda vítima devem ter sido distorcidos pelos resultados da primeira. Vocês encontraram aquilo que procuravam.”

Pela primeira vez, o rosto da Dra. Shankar mostrou sinais de supresa. Também Riley foi apanhada desprevenida pela audacidade do chefe de polícia ao colocar em causa a competência de Shankar.

“O que o faz pensar isso?” Perguntou a Dra. Shankar.

“Porque temos um suspeito infalível da morte de Margaret Jewell,” Disse ele. “Ela era casada com outra mulher chamada Barbara Bradley. Os amigos e vizinhos do casal afirmam que as duas estavam a ter problemas, discussões aos gritos que acordavam os vizinhos. Na verdade, Bradley até tem cadastro criminal. As pessoas dizem que tem um feitio difícil. Foi ela. Temos a certeza.”

“Então porque é que não a prenderam?” Exigiu saber o Agente Sanderson.

O Chefe McCade ficou na defensiva.

“Interrogámo-la em casa,” Disse ele. “Mas ela é uma pessoa dissimulada e ainda não temos qualquer prova para a deter. Estamos a construir o caso. Está a demorar algum tempo.”

O Agente Sanderson sorriu.

Disse, “Bem, enquanto estiveram a construir o vosso caso, parece que a vossa suspeita infalível matou outra pessoa. O melhor é não perderem o comboio. Pode estar a preparar-se para o fazer novamente neste preciso momento.”

O rosto do Chefe McCade começou a ficar vermelho de raiva.

“Está completamente enganado,” Disse ele. “Garanto-vos que a morte de Margaret Jewell foi um incidente isolado. Barb Bradley não tinha qualquer motivo para matar Cody Woods ou qualquer outra pessoa segundo conseguimos apurar.”

“Segundo conseguiram apurar,” Acrescentou Sanderson num tom de gozo.

Riley conseguia sentir as tensões subjacentes virem à superfície. Ela esperava que a reunião terminasse sem pancadaria.

Entretanto, o seu cérebro já tentava apanhar toda a informação que lhe chegara até ao momento.

Perguntou ao Chefe McCade, “Jewell e Bradley estavam bem financeiramente?”

“Nem por isso,” Disse ele. “Classe média-baixa. Na verdade, pensamos que a pressão financeira pode ter sido parte do motivo.”

“Qual a profissão de Barb Bradley?”

“Faz entregas,” Disse McCade.

Riley sentiu um palpite a formar-se na sua mente. Pensou que um assassino que usava veneno seria provavelmente uma mulher. E como pessoa que faz entregas, poderia ter acesso a várias instalações de saúde. Não havia dúvidas de que era alguém com quem gostaria de falar.

“Gostava que me dessem a morada de Barb Bradley,” Disse Riley. “Eu e o Agente Jeffreys queremos interrogá-la.”

O Chefe McCade olhou para ela como se tivesse enlouquecido.

“Acabei de lhe dizer, já fizemos isso,” Disse ele.

Parece que não muito bem, Pensou Riley.

Mas reprimiu o desejo de verbalizar esta ideia.

Bill falou, “Concordo com a Agente Paige. Devemos voltar a falar com Barb Bradley.”

O Chefe McCade sentia-se nitidamente insultado.

“Não o vou permitir,” Disse ele.

Riley sabia que o chefe da equipa do FBI, o Agente Sanderson, podia fazer prevalecer a sua posição se quisesse. Mas quando olhou para Sanderson para obter apoio, este olhava-a de forma pouco amistosa.

Percebeu a situação de imediato. Apesar de Sanderson e McCade se odiarem, eram aliados no seu ressentimento por Riley e Bill. Na opinião de ambos, os agentes vindos de Quantico não tinham nada que estar ali no seu território. Quer o compreendessem ou não, os seus egos eram mais importantes do que o próprio caso.

Como é que eu e o Bill vamos conseguir fazer alguma coisa? Interrogou-se Riley.

Em contraste, a Dra. Shankar parecia tão fria e controlada como sempre.

Ela disse, “Gostava de saber porque é que se trata de uma ideia tão má os agentes Jeffreys e Paige interrogarem Barb Bradley.”

Riley ficou surpreendida com a audacidade da Dra. Shankar em manifestar-se. No final de contas, mesmo como Chefe de Medicina Legal, estava a ultrapassar as suas competências.

“Porque tenho a minha própria investigação a decorrer!” Disse McCade, agora quase a gritar. “O mais certo é estragarem tudo!”

A Dra. Shankar sorriu aquele seu sorriso inescrutável.

“Chefe McCade, está mesmo a questionar a competência destes dois agentes de Quantico?”

Depois, virando-se para o chefe de equipa do FBI, acrescentou, “Agente Sanderson, o que tem a dizer sobre isto?”

McCade e Sanderson olharam para a Dra. Shankar num silêncio espantado.

Riley reparou que a Dra. Shankar lhe sorria. Riley não conseguiu evitar retribuir-lhe o sorriso com admiração. Ali no seu próprio edifício, Shankar sabia como projetar a sua presença autoritária. Não importava quem mais pensava que mandava. Ela era um osso duro de roer.

O Chefe McCade abanou a cabeça resignado.

“OK,” Disse. “Se querem a morada, nós damos a morada.”

O Agente Sanderson acrescentou rapidamente, “Mas quero que alguns dos meus homens vão com vocês.”

“Parece-me justo,” Disse Riley.

McCade anotou a morada e entregou-a a Bill.

Sanderson deu a reunião por terminada.

“Jesus, alguma vez tinhas visto um par tão arrogante de idiotas na tua vida?” Perguntou Bill a Riley enquanto se dirigiam para o carro. “Como é que vamos conseguir fazer alguma coisa?”

Riley não respondeu. A verdade era que não sabia. Ela pressentia que aquele caso ia ser suficientemente duro sem terem que lidar com a política de poderes locais. Ela e Bill tinham que agir rapidamente antes que mais alguém morresse.

 

 

CAPÍTULO NOVE


Hoje o seu nome era Judy Brubaker.

Ela gostava de ser Judy Brubaker.

As pessoas gostavam de Judy Brubaker.

Movia-se energicamente em redor da cama vazia, arranjando os lençóis e ajeitando as almofadas. Ao fazê-lo, sorria para a mulher sentada num confortável cadeirão.

Judy ainda não decidira se a matava.

O tempo está a esgotar-se, Pensou Judy. Tenho que me decidir.

O nome da mulher era Amanda Somers. Judy encarava-a como uma criaturinha estranha, tímida e reservada. Estava a ser tratada por Judy desde o dia anterior.

Continuando a fazer a cama, Judy começou a cantar.


Longe de casa,

Tão longe de casa-

Este bebé pequenino está longe de casa.


Amanda juntou-se a Judy com a sua vozinha.


Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.


Judy ficou algo surpreendida. Amanda Somers não tinha demonstrado qualquer interesse na canção de embalar até àquele momento.

“Gosta desta canção?” Perguntou Judy Brubaker.

“Penso que sim,” Disse Amanda. “É triste e acho que se adequa à minha disposição.”

“Porque é que está triste? O seu tratamento já terminou e vai para casa. A maioria dos pacientes fica feliz ao saber que vai para casa.”

Amanda suspirou e não disse mais nada. Juntou as mãos em posição de oração. Ao manter os dedos juntos, movia as palmas para longe uma da outra. Repetiu o movimento algumas vezes. Era um exercício que Judy lhe ensinara para ajudar no processo de cura depois da cirurgia de Amanda ao túnel do carpo.

“Estou a fazer isto bem?” Perguntou Amanda.

“Quase,” Disse Judy, ajoelhando-se a seu lado e tocando-lhe nas mãos para corrigir os seus movimentos. “Precisa de manter os dedos alongados para que se inclinem para fora. Lembre-se, as suas mãos devem parecer uma aranha a fazer flexões num espelho.”

Amanda agora já fazia os movimentos e forma correta. Sorriu, parecendo estar muito orgulhosa de si.

“Sinto mesmo que está a ajudar,” Disse ela. “Obrigada.”

Judy observou Amanda a prosseguir os seus exercícios. Judy odiava a pequena e feia cicatriz que se estendia na parte inferior da mão direita de Amanda.

Cirurgia desnecessária, Pensou Judy.

Os médicos aproveitaram-se da confiança e credulidade de Amanda. Ela tinha a certeza de que tratamentos menos drásticos teriam funcionado tão bem ou melhor. Talvez algumas injeções de corticoides. Judy tinha visto demasiados médicos a insistir em cirurgias, quer fossem realmente necessárias ou não. Era algo que a enfurecia.

Mas hoje Judy não estava apenas aborrecida com os médicos. Sentia-se impaciente com a doente também. E não sabia bem porquê.

Esta é difícil de entender, Pensou Judy ao sentar-se na borda da cama.

Durante todo o tempo em que permaneceram juntas, Amanda deixara que fosse apenas Judy a falar.

Judy Brubaker tinha muitas coisas interessantes de que falar é claro. Judy não era muito parecida com a agora desaparecida Hallie Stillians que tinha a personalidade caseira de uma tia de visita.

Judy Brubaker era a um tempo mais franca e mais extravagante, e geralmente vestia roupa de corrida e não vestuário mais convencional. Ela adorava contar histórias acerca das suas aventuras – Voo livre, skydiving, scuba diving, escalada e outras atividades semelhantes. Ela andara à boleia por toda a Europa e grande parte da Ásia.

E claro que nenhuma dessas aventuras tinha realmente acontecido, mas davam histórias magníficas.

A maior parte das pessoas gostava de Judy Brubaker. As pessoas que poderiam considerar Hallie um pouco enjoativa e adocicada, gostavam da personalidade mais direta de Judy.

Talvez Amanda não confie em Judy, Pensou.

Por alguma razão, Amanda não lhe tinha contado quase nada de si. Tinha quarenta e tal anos, mas nunca falara do seu passado. Judy ainda não sabia qual era a profissão de Amanda ou sequer se tinha profissão. Não sabia se Amanda já fora casada – apesar da ausência de uma aliança de casamento indicar que naquele momento não era casada.

Judy estava desapontada pela forma como as coisas estavam a decorrer. E o tempo estava realmente a esgotar-se. Amanda podia levantar-se e partir a qualquer momento. E ali estava Judy, ainda a tentar decidir se a envenenaria ou não.

Parte da sua indecisão era prudência. As coisas tinham-se alterado bastante no decorrer dos últimos dias. As suas duas últimas mortes estavam agora nos jornais. Parecia que algum médico-legista inteligente detetara tálio nos corpos. Era um desenvolvimento preocupante.

Ela tinha uma saqueta de chá preparada com uma receita alterada que usava um pouco mais de arsénico e um pouco menos de tálio. Mas a deteção era sempre um perigo. Ela não fazia ideia se as mortes de Margaret Jewell e Cody Woods tinham sido relacionadas às suas permanências em centros de reabilitação ou às pessoas que os tinham assistido. Este método de matar estava a tornar-se mais arriscado.

Mas o verdadeiro problema era que tudo aquilo parecia não fazer sentido.

Ela não conseguira estabelecer qualquer relacionamento com Amanda Somers.

Nem sentia que a conhecia.

Propor “brindar” à partida de Amanda com uma chávena de chá soaria forçado, até vulgar.

De qualquer das formas, a mulher ainda ali estava, a exercitar as mãos, não demonstrando qualquer inclinação para se ir embora, pelo menos para já.

“Não quer ir para casa?” Perguntou Judy.

A mulher suspirou.

“Bem, sabe, eu tenho problemas físicos. Por exemplo, as costas. Estão a piorar com a idade. O meu médico diz que preciso de ser operada. Mas não sei. Não consigo deixar de pensar que talvez a terapia seja o suficiente para melhorar. E você é uma excelente terapeuta.”

“Obrigada,” Disse Judy. “Mas sabe, não trabalho aqui a tempo inteiro. Sou freelancer e hoje é o meu último dia aqui por agora. Se ficar aqui durante mais tempo, já não será assistida por mim.”

Judy ficou alarmada com o olhar melancólico de Amanda e já não era a primeira vez que a olhara daquela forma.

“Não sabe como é que é,” Disse Amanda.

“O quê?” Perguntou Judy.

Amanda encolheu os ombros, olhando Judy nos olhos.

“Estar rodeada de pessoas em quem não pode confiar completamente. Pessoas que parecem preocupar-se consigo, e talvez se preocupem, ou por outro lado, talvez não. Talvez só queiram algo de si. Usuários. Usurpadores. Muitas pessoas na minha vida são assim. Não tenho família e não sei quem é meu amigo. Não sei em quem posso confiar.”

Com um ligeiro sorriso Amanda acrescentou, “Percebe o que estou a dizer?”

Judy não tinha a certeza. Amanda ainda falava através de enigmas.

Estará apaixonada por mim? Pensou Judy.

Não era impossível. Judy tinha consciência que as pessoas muitas vezes julgavam que ela era gay. Isso divertia-a sempre porque ela nunca pensara se Judy era ou não gay.

Mas talvez não fosse isso.

Talvez Amanda estivesse simplesmente só e tivesse começado a gostar e a confiar em Judy sem ela se aperceber.

Uma coisa parecia certa. Amanda era emocionalmente muito insegura, provavelmente neurótica, de certeza depressiva. Devia estar a tomar imensos medicamentos. Se Judy os pudesse ver, talvez conseguisse criar um cocktail especificamente para Amanda. Já o fizera antes e tinha as suas vantagens, sobretudo numa altura daquelas. Seria proveitoso não utilizar a receita de tálio daquela vez.

“Onde vive?” Perguntou Judy.

O rosto de Amanda foi atravessado por uma expressão estranha, como se estivesse a tentar decidir o que dizer a Judy.

“Numa casa flutuante,” Disse Amanda.

“Uma casa flutuante? A sério?”

Amanda assentiu. O interesse de Judy tinha uma segunda intenção. Mas porque é que ela tinha a sensação que Amanda não lhe estava a dizer a verdade – ou pelo menos não toda a verdade?

“Engraçado,” Disse Judy. “Tenho vivido em Seattle grande parte do tempo e há tantas casas flutuantes nas zonas fluviais, mas nunca estive numa. Uma das poucas aventuras que não vivi.”

O sorriso de Amanda alargou-se e não disse nada. Aquele sorriso inescrutável começava a deixar Judy nervosa. Iria Amanda convidá-la a visitar a sua casa flutuante? Teria ela sequer uma casa flutuante?

“Faz visitas domiciliárias aos seus clientes?” Perguntou Amanda.

“Às vezes, mas...”

“Mas o quê?”

“Bem, não o devo fazer em situações como esta. Este centro de reabilitação consideraria essa situação abusiva. Eu assinei um acordo em como não o faria.”

O sorriso de Amanda tornou-se um pouco malicioso.

“Bem, que mal faria em simplesmente visitar-me? Só passar por lá. Ver a minha casa. Podemos conversar. Passar algum tempo juntas. Ver onde as coisas nos levam. E depois, se eu decidir contratá-la... bem, isso seria diferente, não acha? Nada abusivo.”

Judy sorriu. Começava a apreciar a esperteza de Amanda. Ela sugeria quebrar as regras, mas quem saberia? E não havia dúvidas de que servia bem os propósitos de Judy. Teria todo o tempo que precisasse.

E a verdade era que Amanda começava a fasciná-la.

Seria interessante conhecê-la antes de matá-la.

“Isso parece-me maravilhoso,” Disse Judy.

“Ótimo,” Riu Amanda, já não soando minimamente triste.

Pegou na carteira, tirou de lá um lápis e um bloco de notas, anotou a morada e o número de telefone.

Judy pegou no papel e perguntou, “Quer fazer uma marcação?”

“Ah, não vamos fazer disto uma coisa oficial. Um destes dias seria perfeito. Daqui a um ou dois dias. Mas não apareça sem me ligar primeiro. Isso é importante.”

Judy pensou porque é que isso seria tão importante.

De certeza que tem alguns segredos, Pensou Judy.

Amanda levantou-se e vestiu o casaco.

“Vou sair agora. Mas lembre-se. Ligue-me.”

Assim farei,” Disse Judy.

Amanda saiu do quarto na direção do corredor, cantando o resto da canção de embalar, a voz soando agora mais feliz e segura.


Não chores,

Sonha até mais não poderes.

Deixa-te vencer pelo sono.


A voz de Amanda desapareceu no corredor, mas Amanda continuou a entoar a canção para si.


Não há mais suspiros,

Fecha os olhos

E estarás em casa pelo sono.


Afinal as coisas seguiam o curso programado por Judy.

E esta morte ia ser especial.

 

 


CAPÍTULO DEZ


Riley tentou ignorar as tensões existentes no dentro do veículo do FBI em que ela e Bill se encontravam a caminho de interrogar a mulher de uma vítima de envenenamento. Riley pensava que Barb Bradley seria uma suspeita viável. O facto de fazer entregas parecia-lhe algo de significativo. Se fizesse entregas médicas, também teria acesso a Cody Woods que dera entrada num hospital e lá morrera.

Era óbvio que ninguém das forças policiais de Seattle estava satisfeito com a presença dos dois agentes vindos de Quantico. Mas por outro lado, nenhum dos que trabalhavam naquele caso parecia estar satisfeito uns com os outros.

Talvez a animosidade local seja contagiosa, Pensou Riley. Não gostava dos dois agentes que Sanderson enviara para trabalhar com eles. Disse a si própria que era um sentimento irracional, mas a insatisfação persistia.

Apesar de tudo, era bom que ela e Bill já estivessem a caminho de interrogar Barb Bradley.

Será que vamos ter mesmo sorte e resolver isto hoje? Interrogou-se.

Sabia que não devia esperar demasiado. Oportunidades como aquela não eram frequentes. O mais certo era que o progresso fosse lento e duro, sobretudo devido a tudo o que os rodeava.

A chuva parara e o horizonte começava a clarear.

Pelo menos, Pensou Riley, isto pode ajudar a tornar a viagem mais agradável.

O Agente Jay Wingert ia a conduzir, e Riley e Bill estavam sentados no banco de trás.

Wingert tinha o aspeto físico de um modelo – e a mesma absoluta falta de personalidade. Riley não conseguia imaginar que houvesse um simples pensamento naquela cabeça bem formada com o seu cabelo perfeitamente penteado.

O Agente Lloyd Havens estava sentado no banco do passageiro. Em forma e robusto, apresentava uma postura pseudo-militar e falava em frases curtas e abruptas. Uma careta crónica não acrescentava nada ao seu charme, pelo menos na opinião de Riley.

Havens virou-se para Bill e Riley.

“Pensava que vocês estivessem aqui como consultores,” Disse ele. “ Para ajudar a desenvolver o perfil, não para investigar o caso. Eu e o Agente Wingert estamos nessa parte.”

Riley ouviu Bill a resmonear e apressou-se a dar uma resposta.

“Interrogar um suspeito pode ajudar-nos a traçar um perfil,” Disse ela. “Precisamos de toda a informação que pudermos reunir.”

“Parece um excesso, os quatro a interrogarmos Bradlley,” Disse ele. “Pode assustar a suspeita.”

Riley ficou surpreendida ouvi-lo dizer aquilo. No final de contas, Sanderson tinha insistido em enviar os quatro. Mas ela não podia discordar. Quatro ia realmente ser uma multidão.

“Agente Paige, Agente Jeffreys,” Acrescentou Havens naquele seu jeito oficial. “Não precisam de se incomodar. O Agente Wingert e eu fazemos o interrogatório. Vocês podem esperar no carro.”

Riley trocou olhares chocados com Bill. Nenhum deles sabia o que dizer.

Este fedelho está mesmo a dar-nos ordens? Pensou Riley.

Depois ocorreu-lhe que a ideia seria de Sanderson e Havens estava a agir segundo as suas instruções. Talvez fosse a forma de Sanderson de fazer com que os seus convidados de Quantico se sentissem pouco bem-vindos.

Havens continuou a falar no seu tom descaradamente seguro.

“Um caso pouco normal para ser um assassino em série. O envenenamento não é nada típico. Um método muito pouco utilizado. O estrangulamento é muito mais comum. Depois desse, ataques com armas – facas, armas de fogo, objetos e outros do género. Próximo e pessoal, esse é o assassino em série mais típico. Este caso não se enquadra nos padrões normais.”

Dirigia os comentários a Riley, como se lhe estivesse a dar uma aula de criminologia.

Um sabichão, Pensou com crescente desagrado.

E claro, não dizia nada que ela e Bill já não soubessem.

“Ah, mas há sempre casos atípicos,” Disse Riley, plenamente consciente do seu tom condescendente. “Eu e o Agente Jeffreys já vimos de tudo. O nosso último assassino em série matava pessoas de forma aleatória, só pela paixão de matar.”

Bill acrescentou, “Acredito que este assassino não seja desse tipo. Envenenar é algo pessoal. Este escolhe as vítimas por um motivo.”

Riley anuiu em concordância.

“Ainda assim, este é atípico,” Disse ela. “É só considerar o intervalo entre os envenenamentos e as mortes. A maior parte dos assassinos em série gostam de testemunhar tudo. Eles anseiam pela satisfação de ver as suas vítimas morrer às suas mãos. Este assassino não sente as coisas dessa forma.”

Riley teve o cuidado de dirigir as suas palavras diretamente a Havens, soando tão autoritária quanto possível.

“E isso pode tornar o assassino esquivo, difícil de apanhar. Todo um segmento das pistas normais não se encontra à vista. Não se coloca a questão de transportar ou não transportar o corpo – não há eliminação do corpo ou tentativa de o esconder. Tem razão, neste caso não encontramos os padrões normais. Talvez tenha a sua própria teoria, Agente Havens.”

O Agente Havens aparentava estar claramente desconfortável agora.

Ainda a fitá-lo, Riley prosseguiu, “Eu e o Agente Jeffreys sabemos tudo sobre os padrões normais. O assassino em série geralmente fornece algum tipo de gratificação sexual – ou talvez já saiba isso. Nós apanhámos um psicopata impotente que dispunha as vítimas do sexo feminino como bonecas e outro que tinha apetência por prostitutas. É claro que outros pervertidos perseguem alguém por motivos diferentes. Um dos nossos casos perseguia mulher que eram invulgarmente magras, outro preferia mulheres prestativas vestidas de uniforme. E outros ainda são impelidos por algo completamente diferente. E isso pode ser particularmente verdadeiro se o assassino for na verdade uma mulher.”

Bill continuou,” E isso é apenas parte do que temos que entender quando estamos a trabalhar um perfil para vocês.”

Riley acrescentou, ”Pergunto-me se estas mortes terão uma componente sexual. Ou não. O que lhe parece Agente Havens?”

O Agente Havens parecia verdadeiramente intimidado.

“Eu e o Agente Jeffreys vamos liderar o interrogatório se não se importar,” Disse Riley.

Havens anuiu e depois afastou o olhar. Riley não conseguiu evitar sorrir. Soubera bem colocar aquele pateta arrogante no seu lugar. Agora ela podia concentrar-se onde tinham que estar – no interrogatório que se avizinhava.

Mais uma vez, pensou se talvez estivessem prestes a ter sorte. Esperava sinceramente que sim. Seria fantástico se conseguissem desvendar o caso e afastarem-se daquele cenário desagradável.

 

 


CAPÍTULO ONZE


Riley viu a névoa de Seattle levantar-se quando o Agente Wingert os conduzia pela interestadual que atravessava a cidade. Ela esperava que o caso também clareasse.

À direita, a bela cidade alongava-se na direção da Baía Elliott e à esquerda vislumbrava-se um agradável parque com árvores, abrigos e mesas de piquenique. O Agente Wingert virou para uma rua que terminava junto a uma colina num bairro da classe trabalhadora. No topo da colina, Wingert estacionou o carro em frente a uma pequena casa modesta com uma vista espetacular para o horizonte de Seattle.

Não muito longe, a baía reluzia na névoa que se desvanecia. Riley podia muito bem imaginar como seria a vista dali num dia sem nuvens. Talvez fosse possível ver o Monte Rainier e mais além as Montanhas Olímpicas.

Mas Riley não estava ali para desfrutar do cenário. Os quatro agentes saíram do carro. Uma carrinha estava estacionada próxima com a indicação de “Broomswick Linen Services” de lado. Uma Harley-Davidson velha e maltratada estava mais próxima da casa.

Os agentes caminharam na direção do alpendre e Riley bateu à porta.

“Quem é?” Perguntou uma voz vinda de dentro.

“FBI,” Respondeu Riley. “Gostaríamos de falar com Barb Bradley. Ligámos. Disse que falava connosco.”

“Ah, sim.”

Uns instantes mais tarde, a porta abriu-se. Barb Bradley era uma mulher musculada com cabelo à escovinha. Usava mangas compridas, mas Riley viu as suas mãos e pulsos bastante tatuados. Tal como o seu pescoço até ao decote onde estavam os botões. Riley partiu do princípio que estava praticamente coberta de tatuagens.

Um armeiro na parede estava abastecido com espingardas semiautomáticas. O instinto de Riley dizia-lhe que Barb Bradley também devia ter pistolas algures fora de alcance – provavelmente nas gavetas daquela cabina próxima.

Lembrou-se de algo que o Chefe McCade dissera sobre ela.

“As pessoas dizem que tem um feitio difícil.”

McCade não tinha mencionado que também estava armada até aos dentes.

Temos que ter cuidado com esta, Pensou Riley. As coisas podem complicar-se.

Por outro lado, a pequena casa estava agradavelmente decorada. A presença de cores suaves, pastel. dizia a Riley que não havia muito a apontar a Barb com base na decoração. Como o armeiro, ela parecia deslocada ali. A sua falecida mulher tinha com toda a certeza feito todas as escolhas do interior.

“Lamentamos muito a perda da sua mulher,” Disse Riley.

Bradley afastou o olhar e disse, “Pois, bem. Espero que não tenham vindo até cá só para me dizer isso. Parece-me uma viagem desperdiçada.”

A mulher parecia não ter sido atingida pela dor. É claro que já tinha passado um mês e meio desde que Margaret Jewell tinha morrido. Mas Riley tinha a sensação de que Barb nunca se sentira devastada pela sua perda.

Encontravam-se num pequeno compartimento que funcionava como sala de estar e sala de refeições. Tal como Riley temia, os quatro e ainda a mulher corpulenta eram mesmo uma multidão.

“Espero que não se importem se não os convido a sentar-se,” Disse Barb Bradley com uma expressão desdenhosa. Cruzou os braços numa postura desafiadora.

“Então o que é que querem saber?” Perguntou. “Pensava que os polícias locais já me tinham perguntado tudo o que havia para perguntar.”

“Ocorreram alguns novos desenvolvimentos,” Disse Bill.

“Parece que a morte da sua mulher não foi um incidente isolado,” Disse Riley.

Bradley parecia apenas medianamente interessada.

“Não me digam,” Disse ela. “Bem, no que me diz respeito, a culpa foi dela.”

Riley foi apanhada de surpresa.

“Porque é que diz isso?” Perguntou.

“Aconteceu depois de ter estado no centro de reabilitação,” Disse. “Não confio em lugares como aquele – nem em hospitais. A Maggie estava sempre enfiada em hospitais. Eu faço entregas e vejo o que se passa. As coisas dão para o torto, os médicos enganam-se, as pessoas apanham infeções e morrem. Tenho a certeza de que têm conhecimento disso. Quem não tem? Mas ela não me ouviu. Dizia que tinha muitas dores. Foi àquele lugar algumas noites e depois morreu durante o sono na noite em que chegou a casa.”

Riley olhou para Bill. Ela percebeu que ele se interrogava sobre as mesmas coisas que ela.

“Sra. Bradley, não sei se compreendeu,” Disse Bill. “Foram descobertos vestígios de tálio no sistema da sua mulher. O tálio não foi lá parar por acidente. Margaret foi assassinada.”

Bradley encolheu os ombros.

“Tal como eu disse,” Respondeu. “Não devia ter ido para esse lugar.”

Riley lutava para entender a indiferença de Barb Bradley. Chegara àquele local pensando que a mulher seria uma possível suspeita. Mas agora simplesmente não sabia o que pensar.

“Maggie esteve em que centro de reabilitação?” Perguntou Riley.

Antes de Bradley responder, Wingert falou.

“Esteve no Centro de Reabilitação Física de Natrona.”

Riley ficou contrariada. É claro que não ficou surpreendida pelo facto de o FBI local já ter conhecimento do centro de reabilitação. Mas ela queria ouvir tudo o que pudesse ouvir da própria boca de Barb Bradley. Wingert mal tinha articulado uma palavra durante a viagem até ali.

Escolheu uma bela altura para se armar em falador, Pensou Riley.

Lançou-lhe um olhar severo que esperava mantê-lo calado.

Depois disse, “Sra. Bradley, qual a natureza do problema de Maggie quando foi para o centro?”

Bradley zombou audivelmente.

“Problema? Merda, ela não tinha um problema. Estava tudo na cabeça dela. Estava sempre a receber tratamentos de qualquer espécie. Eram dispendiosos e contraímos dívidas. Os médicos tinham um nome chique para o suposto problema que ela tinha.”

“Fibromialgia,” Disse Riley.

“Pois,” Disse Bradley. “Parece-me tudo psicológico. E a Maggie era isso. Uma habitual confusão psicológica. Os médicos adoram deitar as mãos em idiotas como ela.”

Riley pensou durante uns instantes.

Depois disse, “Sra. Bradley, está no negócio das entregas. Alguma vez fez entregas no Hospital South Hill?”

“Não. Não é a minha zona. Porquê?”

“Foi onde a outra vítima morreu.”

Bradley voltou a encolher os ombros.

“O que é que eu vos disse?” Disse ela. “Merda de hospitais.”

“Por acaso conhecia um homem chamado Cody Woods?” Perguntou Riley.

“O nome não me diz nada,” Disse Bradley. “Porquê?”

Riley estudou o rosto da mulher com atenção, mas não conseguia perceber se estava a mentir.

Entretanto, Riley detetara um lenço de mulher colorido numa cadeira da cozinha. Duvidava que ali tivesse estado durante um mês e meio desde que Margaret Jewell tinha morrido. E não parecia o tipo de acessório que Barb usaria.

Riley caminhou na sua direção e apalpou-o.

“Belo lenço,” Disse. “Era da Maggie?”

“Não,” Disse Bradley.

Era óbvio que não pretendia ir mais além. Riley esperou que ela dissesse algo mais.

“Pertence a uma vizinha. Lulu. Ela passa algum tempo por cá.”

Riley podia ver que Barb estava a ficar visivelmente impaciente.

“Avancei, Ok? Já tive algumas relações desde que a Maggie morreu. Processem-me. A vida continua.”

Então Havens falou.

“Você e a sua mulher estavam a ter problemas conjugais, Sra. Bradley?”

Riley reprimiu um grunhido. Este tipo pomposo era mesmo um elefante numa loja de porcelana. Em primeiro lugar, era uma pergunta estúpida. A polícia já sabia que o casal tinha tido problemas. Pressionar Barb Bradley sobre o assunto só iria irritá-la.

E assim foi. De imediato os olhos de Bradley chisparam raios de fúria.

“O que é que têm a ver com isso? Merda de Federais.”

“Responda à pergunta, por favor,” Disse Havens.

“Porquê? Sou uma cidadã Americana com direitos. Não tenho que responder a perguntas vindas de lacaios do governo como você.”

Riley detetou uma mudança na expressão de Havens. Ela pressentiu exatamente o que ele estava a pensar. Ele tinha a certeza de que Barb Bradley era culpada e chegara o momento de a deter.

Não só pomposo, Pensou Riley. Mas também um idiota.

E logo ali Havens pegou nas algemas que se encontravam no seu cinto. Riley percebeu que Barb detetara o movimento. A mulher moveu-se para mais perto da cabina em que Riley tinha reparado. A mão abriu uma gaveta.

Riley sabia que a situação estava prestes a descontrolar-se.

 

 


CAPÍTULO DOZE


Apenas milésimos de segundos se passaram, mas do ponto de vista de Riley, tudo abrandava. Era a sua reação enraizada a situações de ameaça de vida – sobretudo quando envolviam uma arma de fogo.

Mostrando as algemas, Havens disse, “Barbara Bradley, está presa pelo homicídio de Margaret Jewell.”

Mas antes que Havens conseguisse terminar a frase, Bradley já tinha a gaveta aberta. Num ápice, a arma estava na sua mão. E apontou-a diretamente a Havens.

Pela expressão encadeada de Havens, era óbvio que não fazia ideia do que fazer de seguida.

Agora é comigo, Apercebeu-se Riley. Quando a sua mente entrava em ação, o tempo parecia desacelerar ainda mais.

Após anos de treino e experiência, o desarme em quatro passos tornara-se reflexivo para Riley.

O primeiro passo era desobstruir.

Riley colocou-se em frente de Bradley, mas a arma ficou apontada para ela apenas durante um momento. Simultaneamente, ela colocou o corpo de lado e agarrou Bradley pela mão, afastando o cano de qualquer alvo humano.

Agora o tempo corria em microssegundos.

O próximo passo era controlar.

Barb estava prestes a tentar apontar-lhe a arma novamente. Riley reforçou a forma como a agarrava para evitar que tal sucedesse,

O próximo passo era desarmar.

Ainda a segurar Barb por uma mão, Riley agarrou no cano com a outra, soltando-o.

O último passo era desativar.

E este passo sucedia quase por si só. De repente, Riley encarava Barb, apontando-lhe a sua sua própria arma. Bradley levantou os braços.

Riley olhou para Barb durante alguns instantes. A mulher agora parecia realmente intimidada. Não iria constituir mais perigo.

Sem dizer uma palavra, Riley devolveu a arma à gaveta e fechou-a.

“Já terminámos por aqui,” Disse Riley.

Havens começou a protestar.

“Agente Paige...”

“Eu disse que já terminámos por aqui,” Disse Riley, cruzando agora o olhar com Havens.

Havens olhou para Riley como se tivesse perdido o tino. Wingert estava boquiaberto.

Riley virou-se novamente para Barb Bradley.

“Obrigada pelo seu tempo, Sra. Bradley,” Disse Riley. “Como eu disse, lamentamos a sua perda.”

Bradley sorriu a Riley – um sorriso de admiração, tinha a certeza.

Seguida por Bill, Riley conduziu Havens e Wingert para fora da casa. Ouviu a porta bater atrás deles enquanto se encaminhavam para o carro. Antes de entrarem no carro, Havens virou-se para Riley.

“O que é que pensa que fez ali?”

E deu-lhe um empurrão.

Riley sentiu um sorriso formar-se no rosto.

Ah, como eu queria que fizesses isso! Pensou.

Agarrou no braço de Havens e torceu-o atrás dele, atirando-lhe o rosto contra o carro.

“Ei!” Tentou reagir Wingert.

Segurando bem em Havens, Riley falou ao seu ouvido com doçura fingida.

“Agente Havens, corrija-me se estiver enganada. Será que acabou de fazer um movimento ameaçador contra um superior hierárquico?”

“Não,” Disse Havens.

“Tem a certeza? Agente Jeffreys, qual a sua opinião?”

Bill não conseguiu conter o riso.

“A mim pareceu-me um movimento ameaçador,” Disse Bill.

“Bem, isso não é simpático,” Disse Riley a Havens, falando como se ele fosse uma criança mal-comportada. “Tenho a certeza que o Chefe Sanderson não aprovaria tal atitude. E ele nem gosta de mim.”

Havens resfolegava indefeso. Riley largou-lhe o braço e olhou para Wingert.

“Agente Wingert, entre no carro e conduza,” Disse ela. “Temos mais trabalho a fazer ainda hoje.”

Os quatro agentes entraram no carro e Wingert arrancou.

Após alguns momentos de silêncio tenso, Havens dirigiu-se a Riley a custo.

“Ainda não sei o que pensa que fez.”

“Bater as probabilidades,” Disse Riley. “Agente Jeffreys, quantas vezes é que tentativas de desarme resultam no disparo de uma arma?”

Bill deu uma risada.

“Cerca de noventa por cento das vezes,” Disse ele.

“A sério?” Disse Riley, fingindo surpresa. “Uau, isso são umas probabilidades bem acentuadas. Eu diria que tivemos muita sorte.”

Havens estava a tremer de fúria e frustração.

“Cometeu um erro lá atrás,” Disse Havens.

“Oh, a sério?” Disse Riley. “Diga-me, Agente Havens, já esteve num tiroteio? Porque era isso que ia acontecer. E aquela mulher devia ser uma excelente atiradora. Agente Jeffreys, talvez lhe consiga explicar.”

Havia uma nota de satisfação na voz de Bill ao descrever o que havia observado.

“Você retirou as algemas, ela pegou na arma. Ela tê-lo-ia morto antes que qualquer um de nós conseguisse sacar as armas. Depois só nos restaria abatê-la.”

Riley assentiu em concordância.

“Haveria pelo menos um agente atingido,” Disse ela. “E provavelmente um civil inocente também.”

“Inocente?” Perguntou Havens incrédulo. “Ela sacou uma arma! A mulher estava pronta para nos matar!”

“Estava,” Disse Riley. “Quanto a isso a sua informação estava correta. Ela tem um feitio terrível.”

Havens salivava numa confusão indignada.

“Ela odiava a mulher. Ela parecia feliz por Maggie ter morrido.”

Riley reuniu toda a sua paciência para poder explicar.

“Não, Barb não parecia feliz por Maggie ter morrido,” Disse Riley. “Ela não pareceu nada. Ela estava feliz por a mulher ter morrido. De forma sincera e verdadeira. Ela vê o caso como um golpe de sorte e não quer saber se nós o sabemos.”

“E então?” Perguntou Havens. “Ela queria ver a mulher morta, matou-a e agora está feliz.”

Riley estava a perder a paciência. Mas também sabia que não estava a conseguir ser persuasiva. Tinha uma razão muito mais precisa para saber que Barb Bradley não matara a mulher. Mas como o poderia transmitir para que aquele idiota compreendesse?

Ela sabia que Bill pensava da mesma forma. E felizmente, Bill sabia exatamente como dizê-lo.

“A mulher é uma palerma,” Disse Bill. “Não podemos prendê-la por ser uma idiota. A vida é injusta. Devia haver uma lei contra idiotas, mas não há.”

Se houvesse, haveria menos uma pessoa neste carro, Pensou Riley.

Bill prosseguiu, “Os assassinos em série raramente são idiotas. São maus, sádicos, patológicos, incapazes de sentir empatia, às vezes loucos, muitas vezes encantadores, sempre manipuladores. Mas idiotas? Quase nunca. Aquela mulher podia enfurecer-se o suficiente para matar, mas não é uma assassina em série. Acredito que nunca tenha morto ninguém na vida. Isso podia ter mudado hoje. Podia ter cometido o seu primeiro homicídio.”

Riley sorriu. O seu parceiro tinha conseguido verbalizar exatamente aquilo em que ela estava a pensar.

Mas Havens não parecia estar minimamente convencido.

“Devíamos tê-la detido por resistir à prisão,” Disse Havens.

Riley já estava farta da estupidez de Havens. Chegara o momento de o calar.

“Wingert, páre o carro,” Disse ela.

Wingert disse, “Desculpe?”

“Encoste e pare.”

Wingert obedeceu e parou o carro.

Riley disse a Havens, “Se a quer deter, esteja à vontade. O caminho é curto até lá. Pode prendê-la e ir ao julgamento e até visitá-la na prisão. Mas não nos faça perder mais tempo. Temos um envenenador em série para apanhar.”

Havens olhou para ela incrédulo.

“OK, vamos embora Wingert,” Disse Riley.

Wingert retomou a marcha.

Riley duvidava que tivessem terminado as dificuldades com este par. Ela tinha a certeza que Havens se queixaria ao Chefe Sanderson e o mais certo era Sanderson apoiá-lo.

Vai ser uma chatice, Pensou.

Qualquer esperança que tivesse de resolver aquele caso rapidamente estava fora de questão. E a ajuda local ia ser pior que nada.

Um assassino inteligente ainda estava à solta, tão solto como o nevoeiro de Seattle.

Dependia dela a descoberta da sua identidade.

 

 


CAPÍTULO TREZE


Na reunião do dia seguinte de manhã, Riley considerou o Chefe de Divisão Sean Rigby uma presença assustadora e estranhamente desmoralizadora. Ela pensou que Rigby, que era superior hierárquico do Chefe de Equipa Sanderson, parecia um agente funerário a presidir a um funeral.

Ou talvez algo mais parecido com um abutre, Pensou Riley.

Sim, era mais isso. Parecia um abutre debruçado e a observar tudo do topo de uma árvore, olhando para baixo e à espera que alguém morresse para que pudesse refastelar-se com carne morta.

Para começar, o homem de garras negras e cadavérico recusava sentar-se. Conseguia dominar a sala encostando-se a uma parede enquanto todos os outros se sentavam em torno da mesa de reuniões do FBI. Riley estava ao lado de Bill. Do outro lado da grande mesa estava Maynard Sanderson com Wingert e Havens, todos com ar insatisfeito.

Quanto a Riley, este caso ia ser suficientemente duro sem rivalidades e lutas internas. Mas a sala fedia a hostilidades silenciosas.

Pela sua parte, Sanderson parecia soturno, inquieto e palpavelmente ressentido – não era a mesma pessoa do dia anterior. Mal olhou para quem quer que fosse, muito menos para Rigby.

A única pessoa que não parecia intimidada por Rigby era Van Roff, um analista técnico com excesso de peso e pouco sociável. Estava na ponta da mesa, ocupado com o seu portátil e parecia alheio a tudo o que se passava à sua volta.

Quando a reunião se iniciou, Rigby dirigiu-se a Sanderson.

“Creio que a sua equipa interrogou Barbara Bradley ontem.”

“É verdade, senhor,” Respondeu Sanderson. “Vou passar a palavra ao Agente Havens.”

Apesar do seu nervosismo, Havens conseguiu manter aquela pose pseudo-militar que lhe era própria.

“A nossa equipa concluiu que Margaret Jewell e Barbara Bradley, um casal lésbico, tinha problemas maritais antes de Magaret ser morta,” Disse. “Durante o interrogatório Barb Bradley foi agressiva, beligerante e não cooperativa. Apesar disso, chegámos à conclusão que não se enquadra no perfil de um assassino, sobretudo um assassino em série.”

“Ah?” Perguntou Rigby num tom baixo e ameaçador. “Como chegaram a essa conclusão?”

Havens trocou olhares com Sanderson. Riley tinha a certeza de que Havens já tinha contado a Sanderson acerca das suas ações na casa de Jewell.

Sanderson assentiu, obviamente incentivando Havens a prosseguir.

Riley preparou-se para problemas.

“Senhor, eu cheguei a uma conclusão diferente durante o interrogatório,” Disse Havens. “Eu ia deter Bradley, ela resistiu, sacou uma arma. Uma pistola semiautomática.”

Havens fez uma pausa, aparentemente tentando decidir como melhor verbalizar o que se seguia.

“A Agente Paige conseguiu desarmar Bradley. Depois partimos.”

As sobrancelhas espessas de Rigby ergueram-se.

“Ah?” Disse. “Não detiveram Bradley?”

“Não, senhor. Essa era a minha intenção, mas a Agente Paige era a agente hierarquicamente superior. Ela rejeitou a minha pretensão.”

“A sua pretensão.” Disse Rigby com um ligeiro rasto de escárnio na voz. “Diga-me, Agente Havens. Bradley tinha mais armas em sua posse?”

Havens engoliu em seco.

“Sim, senhor,” Disse.

“Quantas?”

“Não faço ideia, senhor.”

“E a sua equipa estava preparada para confiscar todas essas armas?”

O rosto de Havens contraiu-se.

“Provavelmente não, senhor.”

“Tem alguma razão para crer que ela não teria licença para essas armas?”

“Não, senhor.”

Rigby esboçou um sorriso.

“Não, eh?”

Um silêncio frio apoderou-se da sala.

Rigby disse, “Agente Havens, presumo que a Agente Paige e o Agente Jeffreys foram quem decidiu que Barbara Bradley não se enquadrava no perfil.”

“Foram sim senhor.”

“E decidiram não desordenar a nossa investigação prendendo a mulher?”

“Sim, senhor.”

“E concorda?”

Havens estremeceu.

“Sim, senhor.”

“Muito bem.”

Então Rigby voltou o seu olhar silencioso para Riley.

Posso ainda não estar safa, Pensou Riley.

Riley sabia que fora ideia de Rigby que ela e Bill viessem de Quantico. Era óbvio que não confiava muito em Maynard Sanderson e na sua equipa. Mas quanta confiança teria ele naquele momento em Riley e Bill? Apesar de não depender da sua autoridade, não queria que a apanhasse de ponta.

E ainda não compreendia que tipo de política ali estava em jogo.

É como se tivéssemos sido largados numa selva sem um mapa, Pensou.

Pensou que talvez fosse melhor começar a apalpar terreno. Mas a quem poderia perguntar? Duvidava que alguém ali fosse de grande utilidade.

“Então podemos eliminar a mulher de Margaret Jewell,” Disse finalmente Rigby. “O que é que descobrimos sobre a outra vítima – Cody Woods?”

Rigby acenou na direção de Bill que ainda não se tinha pronunciado.

Bill disse, “Depois de interrogarmos Bradley, falámos com todas as pessoas que encontrámos que conheciam Woods. O filho e filha são casados e têm filhos. Não tiveram grande contacto com Woods nos últimos anos. Nada de rancores, simplesmente Cody Woods tornou-se numa pessoa muito solitária com o passar dos anos. A primeira mulher morreu, a segunda mulher traiu-o e ele teve um ataque cardíaco; acabou por se afastar de todo o tipo de relacionamento. As pessoas que trabalhavam com ele dizem que era um solitário – simpático mas triste, um falhado inofensivo.”

“Então,” Acrescentou Sean Rigby, “não descobriram ninguém com um motivo para o querer morto.”

“Não,” Concordou Bill.

Rigby olhou atentamente para o rosto de todos os presentes.

“Cada vez parece mais que estamos a lidar com um assassino em série que é bastante normal num sentido,” Disse. “Trata-se de alguém que mata por matar. A pergunta é, já matou mais alguém? Pelo que sabemos, comete estes homicídios há vários anos e estes são apenas os primeiros em que reparámos.”

Riley interviu, “Barb Bradley disse que Margaret tinha estado num centro de reabilitação. Apesar de ter morrido em casa, o mais certo é ter sido envenenada mais cedo, talvez no centro. Haverá a hipótese de o assassino se tratar de um trabalhador do setor da saúde?”

Havens disse, “Cody Woods esteve num hospital e depois voltou ao mesmo hospital e morreu lá. Deve ter sido envenenado entre as estadias no hospital. Isso podia ter acontecido em casa ou em qualquer outro lugar que tivesse frequentado.”

“Já verificaram o Centro de Reabilitação Física de Natrona?”

“Claro que sim! Não encontrámos nada fora do normal no tratamento prestado a Jewell.”

Rigby voltou-se para o analista técnico que segurava uma barra de chocolate com uma mão e digitava no portátil com a outra.

Rigby disse, “Sr. Roff, não se importa de fazer uma busca...”

“Já estou a fazê-lo,” Interrompeu Roff. Afinal não era tão alheio como parecia. “E penso ter descoberto algo. Há cerca de um ano e meio, uma mulher chamada Arlis Gannon queixou-se que o seu marido Keith estava a tentar envenená-la. Na altura. Ele trabalhava como auxiliar num hospital. A polícia não descobriu qualquer prova e decidiu que Arlis era apenas paranóica. O casal separou-se e divorciou-se. Keith foi despedido do hospital graças ao seu feitio e há pouco tempo esteve preso por assalto. Agora trabalha numa loja de conveniência.”

Rigby afagou o queixo pensativamente.

“Interessante,” Disse. “E trabalhava num hospital. Pode descobrir algo que sugira que ele possa ter tido acesso a Cody Woods ou Margaret Jewell?”

Van Roff digitou algumas palavras no seu portátil.

“Não me parece,” Disse por fim. “Ele trabalhou no Hospital Nazareth. Cody Woods foi operado no Hospital South Hill e também morreu lá. Não parece que Keith Gannon alguma vez lá tenha trabalhado. Margaret Jewell foi tratada em Natrona e não parece que Gannon também lá tenha trabalhado.”

“Alguma sobreposição de pessoal entre o Hospital South Hill e Natrona?” Perguntou Rigby.

“Já estou à procura,” Disse Roff. “Não, não vejo nada.”

Riley pensou por um momento.

“Procurem-no na mesma,” Disse ele.

Riley falou novamente. “Penso que é mais provável que o assassino seja uma mulher.”

Rigby olhou-a com curiosidade. “Mas a maioria dos assassinos em série são homens. Certo?”

“Sim, mas este caso parece-me diferente. E o veneno parece mais arma de mulher.”

“Desenvolveu um perfil?”

“Ainda não o posso afirmar,” Respondeu Riley. Não estava pronta para explicar os seus pressentimentos a este grupo.

Maynard Sanderson queixou-se, “Trouxemo-la aqui para desenvolver um perfil. Em vez disso, está apenas a confundir a questão.”

Rigby lançou um olhar ao chefe de equipa que o calou de imediato. Depois virou-se para Bill.

“E você?” Perguntou Rigby.

“Ainda não tenho um perfil sólido,” Disse Bill. “Mas sei que posso confiar nos instintos da minha parceira.”

Riley ouviu Havens a bufar de troça. Sanderson estava obviamente a tentar manter-se calado.

Rigby disparou, “Interroguem Gannon. Já. É tudo.”

Raramente Riley ouvira ordens mais concisas e bruscas. Todos se levantavam das suas cadeiras, preparando-se para colocar em prática as ordens de Rigby. Mas Sanderson parecia ter reunido a coragem para se queixar diretamente ao chefe.

“Antes de irmos, gostaria que ficasse registado que os Agentes Jeffreys e Paige insinuaram-se neste caso muito mais do que estava à espera – ou queria. Quando disse que chamava a UAC para ajudar, eu esperava conselho, não investigação. Não estou nada satisfeito – sobretudo com o comportamento que a Agente Paige teve ontem.”

Rigby assentiu.

“Agente Sanderson, tomei nota do seu desagrado. E rejeito-o.”

Sanderson parecia inchado como um balão. Riley quase sentiu pena dele.

Rigby acrescentou, “Se você e a sua equipa tivessem conseguido engendrar um perfil, eu não teria pedido à UAC para vir. Só se pode culpar a si e aos seus subordinados. Os Agentes Jeffreys e Paige têm carta branca aqui em Seattle no que me diz respeito. Espero que os sigam.”

Quando Rigby se voltava para se ir embora, parou e olhou para Riley.

O seu olhar transmitia uma mensagem inconfundível.

Preciso ter cuidado a partir de agora, Pensou Riley.

Sem mais uma palavra, Rigby saiu da sala. Wingert e Havens tinham as cabeças descaídas como crianças repreendidas.

Riley trocou olhares com Bill. Ela podia ver que ele estava tão perplexo como ela.

Sanderson lutava para recuperar a sua dignidade e alguma aparência de comando.

“Ouviram as ordens,” Disse a todos os presentes. “Descubram onde está Keith Gannon e interroguem-no de imediato.”

Riley não estava muito ansiosa em entrar na casa de alguém com Wingert e Havens. Para além disso, sentia um palpite a caminho.

“Agente Sanderson, gostaria de algum tempo para explorar uma teoria minha,” Disse ela.

Sanderson disse, “Raios, vá em frente. Ouviu o que Rigby disse. Carta branca. É como realeza aqui. Avance e gaste o seu próprio tempo. O meu pessoal vai resolver o caso.”

Sanderson atirou as notas para uma pasta e saiu da sala. Wingert e Havens falavam com Roff que procurava a morada de Keith Gannon e informações de contacto.

Bill debruçou-se sobre Riley.

“A ter uma ideia?” Perguntou tranquilamente.

“Ainda nada de sólido,” Disse ela.

“Precisas da minha ajuda?”

Riley estava prestes a dizer que sim, mas depois de olhar para Wingert e Havens decidiu de outra forma.

“Penso que o melhor é ficares com o Tweedledum e com o Tweedledee para que não estraguem tudo,” Disse ela. “O Keith Gannon pode ser um suspeito viável ou pode ter alguma ligação com o assassino, mas não confio neles para fazerem essa descoberta por conta própria.”

Bill anuiu e juntou-se ao grupo que conferenciava com Roff.

Riley saiu da sala de reuniões do FBI e dirigiu-se ao corredor. Pegou no telemóvel e ligou para o gabinete de medicina legal de Seattle. A rececionista rapidamente a colocou em contacto com Prisha Shankar. A voz calma e profissional da chefe de medicina legal surgiu como um alívio depois de tão tensa reunião.

“Olá Agente Paige,” Cumprimentou Shankar. “Como vai o caso?”

“Bem, é por isso que queria falar consigo.”

“Está a saber navegar nas águas políticas?” Perguntou Shankar.

Riley sorriu. Não planeara discutir os papéis de poder local, mas estava contente por Shankar ter trazido o assunto à baila.

“É bastante complicado,” Disse Riley. “Acabei de sair de uma reunião com Sean Rigby e Maynard Sanderson.”

Pareceu a Riley ouvir uma risadinha.

“Oh, meu Deus,” Disse Shankar. “Esses dois são como azeite e água.”

“O que é que se passa entre eles?”

“São rivais há muitos anos, desde que eram novatos. Rigby foi promovido recentemente a chefe de divisão, o topo da cadeia alimentar. Está determinado em mostrar o seu poder a Sanderson. Ele quer garantir que Sanderson nunca passa de chefe de equipa. Adorava encontrar uma desculpa para o despromover. Tente ficar de fora desse fogo cruzado e vai correr tudo bem.”

Riley suspirou.

“É mais fácil dizer do que fazer. O Rigby quer-nos aqui, o Sanderson não. Estamos mesmo no meio. Penso que me encaram a mim e ao Agente Jeffreys como peças do seu jogo de xadrez.”

“Estou a ver. Bem, lembre-se, vocês são da UAC e eles não passam de uns falhados locais.”

Riley riu-se. Seattle era uma grande cidade e os agentes do FBI tinham que ter poderes. Mesmo assim, o tom secamente irreverente de Shankar era de alguma forma reconfortante. Riley gostava que alguém tão profissional como Shankar estivesse no comando da investigação.

“Mas não me ligou para falar disso,” Disse Shankar.

“Não,” Disse Riley. “Só queria que pensasse um pouco comigo.”

“Adorava poder ajudar.”

Riley fez uma pausa.

“Nunca trabalhei num caso como este antes,” Disse Riley. “Pensa ser possível que o nosso assassino em série possa ser um profissional de saúde?”

“Pode ser,” Disse Shankar. “Embora eu não seja a melhor pessoa a quem perguntar. A pessoa com quem devia falar é Solange Landis. Ela é a diretora da Tate Nursing School aqui na cidade. Eu ponho-a em contacto com ela.”

“Ela está familiarizada com esta questão?”

“Ela estudou-a muito,” Garantiu-lhe Shankar. “Landis apresentou trabalhos em conferências académicas e até foi consultora do FBI.”

“Nesse caso, obrigada pelo contacto,” Disse Riley.

Shankar acrescentou, “Peça-lhe para lhe contar tudo sobre o Anjo da Morte.”

 

 


CAPÍTULO CATORZE


O café onde Solange Landis tinha concordado em encontrar-se com Riley era uma agradável mudança à atmosfera turbulenta do edifício do FBI. Riley olhou à sua volta para as grandes imagens de água e céu pintados nas paredes. As flores verdadeiras em vasos nas mesas acrescentava a sensação de estarem sentadas no exterior num dia de sol. Ela bebericou o café e esperou pacientemente pela informação que procurava.

“Então quer informações sobre o Anjo da Morte,” Disse Landis. Ela parecia saborear a frase.

A diretora da escola de enfermagem era uma mulher que envergava um fato formal. O seu cabelo negro estava cuidadosamente penteado e não tinha sinais de brancas. Era evidente para Riley que aquela mulher se tinha dado a algum trabalho para criar uma aparência eficiente e intemporal.

“A Dra. Shankar disse que possui algum conhecimento sobre o assunto,” Disse Riley.

“E de facto tenho. Estudei-o bastante.”

“O ‘Anjo da Morte’ refere-se a um certo tipo de assassino,” Disse ela. “Um assassino que se se faz passar por um profissional de saúde – ou se preferir, um profissional de saúde que abusa da confiança nele ou nela depositado para matar. E presumo que pensa que este assassino que procuram se enquadra nesse perfil.”

“É apenas uma teoria,” Disse Riley. “Nem isso ainda. Pouco mais do que um palpite. E está fora da minha área de conhecimento. O FBI não é chamado a casos destes com frequência. Disseram-me que é porque os colegas de tarbalho entram em negação enquanto as mortes sucedem. Não querem acreditar que tal situação está a ocorrer debaixo dos seus narizes.”

Solange Landis assentiu em concordância.

“Sim, e na altura em que têm que o admitir, a identidade do assassino é bastante óbvia. Já não há muita investigação a fazer. São casos muito raros, claro. Talvez o seu palpite seja uma hipótese remota.”

“Pode falar-me em casos específicos?” Pediu Riley.

Landis encolheu os ombros. “Bem, o mais conhecido é obviamente o caso do Dr. Josef Mengele, o médico do campo de concentração nazi que efetuava experiências horríveis aos prisioneiros. Diz-se que assobiava melodias alegres enquanto cometia os seus crimes, e encantava as crianças com sorrisos e doces, tratavam-no por ‘Tio Mengele’ antes de as torturar e matar.”

Riley estremeceu.

“Parece chocada,” Disse Landis com uma nota de curiosidade. “Porque será.”

“Esse tipo de mal é difícil de compreender.”

Landis sorriu.

“Mesmo para uma experiente agente do FBI?” Perguntou. “Diga-me, em que é que o Dr. Mengele era diferente de outros monstros que conheceu?”

Riley ficou surpreendida. Tinha que admitir que era uma pergunta válida. Só no último ano, apanhara assassinos que tinham chicoteado, morto à fome, torturado com correntes ou humilhado mulheres na morte colocando os seus corpos nus em poses grotescas.

“É claro, Mengele torturou e matou milhares de pessoas,” Disse Landis. “Os criminosos que apanha não são tão profícuos. Mas penso ser sensato não tentar quantificar o mal – dizer que um monstro é pior do que o outro só por causa do número de pessoas que matou. O que mais me surpreende no mal é a sua uniformidade. Parece-me que os monstros são todos muito semelhantes. Mas você já teve muito mais experiência em lidar com monstros do que eu. O que lhe parece?”

Riley não sabia o que dizer. A conversa tinha seguido um rumo que ela não esperava – um rumo estranho que de alguma forma a incomodava.

“Parece que a assustei um pouco,” Disse Landis com um sorriso sombrio. “Costumo exercer esse efeito nas pessoas. Afinal de contas. Dirijo uma escola que ensina as artes da cura. Estará provavelmente a pensar porque é que me sinto fascinada pelos supostos profissionais de saúde que abusam da confiança dos pacientes para torturar e matar. Porque me dei a tanto trabalho para os conhecer?”

“Admito que essa pergunta me ocorreu,” Disse Riley.

Landis ficou embrenhada nos seus pensamentos por alguns instantes.

“Presumo que conhece o lema da minha profissão,” Disse ela. “Primeiro, ´não fazer mal.’ Levo esse lema muito a peito. Ensino os meus alunos a levarem-no também. Mas penso que o ditado ‘Conhece-te a ti próprio’ é igualmente importante. O mal insinua-se em nós e antes de darmos conta, já somos cúmplices dele.”

“Não sei se compreendi,” Disse Riley.

Landis bebericou mais um pouco de café e depois disse, “Considere o caso de Genene Jones, uma enfermeira pediátrica que matou bebés em hospitais do Texas. Num desses hospitais, o pessoal notou que um número pouco normal de bebés estava a morrer, mas ficaram reféns da negação de que falávamos há pouco. Não conseguiam trazer a verdade à superfície. Por isso em vez de localizarem o assassino, substituíram todas as enfermeiras de cuidados intensivos de crianças, Genene limitou-se a ir para outro hospital onde matou mais seis bebés antes de ser apanhada. Seria esse pessoal negligente menos culpado das mortes do que a própria Genene Jones?”

Landis debruçou-se sobre Riley e falou de uma forma apaixonadamente tranquila.

“Acredito piamente que a negação é o nosso pior inimigo. E aquele lema – ‘Primeiro, não fazer mal’ – não sugere que mesmo o mais bondoso dentre nós tem a capacidade para fazer mal? E como é que podemos curar outros quando também abrigamos o desejo de ferir? Porque nós temos esse desejo. Demónios cruéis vivem dentro de todos nós.”

Landis fez uma pausa, olhando fixamente para Riley.

“Deve saber muito sobre demónios,” Disse ela. “Imagino que tem os seus próprios demónios.”

Riley estremeceu ao ser acometida por uma memória.


Ela tinha apanhado Peterson.

Ele era um monstro que mantivera Riley e April presas.

Ele tinha-as torturado no escuro com um maçarico de gás propano.

A vontade de Riley de se vingar era avassaladora – tão fria e cruel como o rio de águas rasas onde se encontravam com água até aos joelhos.

Ela levantou uma pedra afiada e pesada e esmagou-lhe a cabeça com ela.

Ele caiu e ela voltou a atingi-lo vezes sem conta.

Ela esmagou o seu rosto enquanto o rio ganhava a cor púrpura do sangue.


Despertou da sua memória. Solange Landis ainda a observava atentamente.

“A coisa mais terrível acerca do mal é que é fácil,” Disse Landis.

Agora Riley estava profundamente perturbada. Ela sentia que Landis também albergava alguma memória de mal infligido, de crueldade deliberada.

O que seria? Interrogou-se Riley.

De repente, Landis lançou aquele seu sorriso desarmante, impiedoso.

“É claro que alguns Anjos da Morte representam Anjos de Misericórdia. Provavelmente já ouviu falar de Richard Angelo que envenenou pacientes em West Islip, Nova Iorque, nos anos 80. O seu objetivo era salvar as suas vidas e convencer o mundo de que era um herói. Mas foram mais os que morreram do que os que foram salvos. Pensa que o seu assassino pode ser alguém deste género?”

Riley abanou a cabeça.

“Não me parece. O nosso administra o veneno e depois deixa os pacientes morrerem. Não lhe interessa salvá-los. O lapso de tempo entre o envenenamento e a morte é parte do motivo pelo qual é tão elusivo.”

“Compreendo,” Disse Landis. “Mas não me disse que substâncias é que usa.”

“O tálio parece ser o seu veneno de eleição.”

Landis pareceu surpreendida.

“Tálio? Oh, então sei se deve procurar por um profissional de saúde. O tálio quase não tem uso médico. Os Anjos da Morte tendem a utilizar medicamentos que têm à mão – relaxantes musculares, analgésicos, etc. Talvez esteja a perder o seu tempo a falar comigo.”

“Não parece ser tálio puro,” Disse Riley. “É uma espécie de cocktail. A Dra. Shankar diz que contém traços de azul prussiano – um antídoto do tálio. Os Anjos da Morte costumam fazer experiências nas suas vítimas?”

“Muito raramente, mas...”

Landis calou-se por um momento.

“Alguém me ocorre... mas tenho alguma relutância em dizer alguma coisa.”

Landis calou-se, olhando para o espaço.

“Preciso mesmo de saber,” Disse-lhe Riley.

“Bem...” Disse a diretora da escola de enfermagem e depois parou novamente. Após alguns momentos olhou diretamente para Riley e prosseguiu, “Há uma antiga aluna minha, Maxine Crowe. Ela terminou o curso há vários anos. Eu gostava dela e ela era inteligente. Mas nos últimos tempos meteu-se em sarilhos. Foi despedida de um hospital. Penso que terá sido porque fez experiências com medicamentos. Ela ainda trabalha – penso que trabalha em cuidados profissionais a nível particular. Odiaria pensar que ela seria a nossa assassina e não a quero colocar em mais problemas. Mas houve rumores. Posso ajudar a encontrá-la. Vou ligar à minha secretária.”

Landis pegou no telemóvel e ligou um número. Pediu à secretária os contactos de Maxine Crowe e aguardou.

Riley estava cética.

“Não sei Landis,” Disse Riley. “Rumores não podem ser uma razão para se suspeitar de alguém.”

O sorriso de Landis desvaneceu-se.

“Não me diga, Agente Paige? Como sabe? Eu acredito que a maioria dos homicídios não são detetados. Quem sabe quem os pode cometer?”

 

 


CAPÍTULO QUINZE


Bill observava atentamente enquanto os Agentes Wingert e Havens interrogavam o suspeito. O homem sentado numa caixa no canto olhava para eles com um escárnio adolescente no rosto. Bill pensou que teria uns trinta anos, mas tinha o jeito de um miúdo ranhoso de liceu que acabara de ser chamado ao gabinete do diretor.

Estavam num armazém de uma loja de conveniência a interrogar Keith Gannon, cuja ex-mulher o acusara de a tentar envenenar. Bill estava mais atrás e deu a Wingert e Havens espaço para trabalharem. Pelo menos não estavam a estragar tudo desta vez e ele queria observar a forma como o suspeito respondia.

“Ouvimos que tem um feitio difícil,” Disse Havens a Gannon.

“Sim, disseram-nos que foi o que o fez ser despedido de um emprego no hospital,” Acrescentou Wingert.

“É isso mesmo,” Respondeu Gannon. “Dei um murro noutro auxiliar.”

“Porque é que fez isso?”

“Não gostava dele. Porque é que alguém bate noutra? Ei, vão levar-me para a esquadra para me interrogarem? É que não suporto este trabalho e gostava de ter uma desculpa para sair mais cedo.”

Havens deu um passo na sua direção.

“Envenenou a sua mulher?” Perguntou.

Gannon encolheu os ombros.

“Já me fizeram essa pergunta três vezes,” Disse.

“E ainda não respondeu,” Disse Wingert.

Gannon gracejou rudemente.

“Olhem, já vos disse. Primeiro, ela já não é minha mulher. Estamos divorciados. Em segundo lugar, ela está viva, não está? Que mais precisam de saber sobre isso?”

Bill cruzou os braços e ouviu Gannon enquanto ele continuava a brincar com Wingert e Havens. Até ao momento, Bill não tinha a certeza se o homem era um suspeito viável. E claro, Riley parecia ter a certeza de que o assassino não era um homem.

Bill decidiu deixar Wingert e Havens continuarem a fazer o que estavam a fazer. Mas o caso estava a perturbá-lo... a discussão do envenenamento despoletou terríveis memórias que guardava dentro de si há vários dias.

Bill e o irmão estavam de pé na base das escadas. O pai ajudava a mãe a descer as escadas. Todo o peso dela estava em cima dele e ela não se aguentava, estava tão fraca de ter estado uma hora a vomitar. Estava pálida e a suar e a chorar com dores.

Havia pânico nos olhos do pai.

“Vamos ao hospital,” Disse ele.


Bill afastou a memória da sua mente. Tentou concentrar-se no homem que estava a ser interrogado. O que tinha trabalhado no hospital.

Mas ouviu-se a dizer em voz alta, “Ela estava a chorar de dor.”

“O quê?” Perguntou Wingert. Tanto ele como Havens se viraram para encarar Bill.

Bill abanou a cabeça para tentar sacudir aqueles pensamentos. Uma ideia se começava a formar e não conseguia afastá-la. Avançou e agarrou Gannon pela camisa, obrigando-o a ajoelhar-se.

“Então quem envenenou Arlis?” Exigiu saber.

“Espera lá,” Disse Wingert.

Mas Bill estava perdido num labirinto de memórias antigas e fúria presente.

“Estava a trabalhar com quem?” Gritou no rosto de Gannon. “Quando se cansou da sua mulher, envolveu-se com quem? Encontrou alguém que o conseguia ajudar a livrar-se de Arlis?”

Empurrou Gannon contra a parede e viu que acordara o temperamento do homem. Isso dava-lhe uma sensação de profunda satisfação.

Bill facilmente se desviou do murro que Gannon atirou e atingiu o homem no plexo solar. Viu Gannon recuar e começar a cair. Gostava daquela vista.

Depois Havens colocou-se à frente de Bill, gritando, “Acorda, homem.”

O nevoeiro na mente de Bill desvaneceu-se e ele recuou.

Gannon estava sem ar e Wingert ajudava-o a sentar-se na caixa do canto.

“Peço desculpa,” Disse Bill. “Parece que este idiota me fez passar.”

Não conseguiu deixar de reparar que Havens e Wingert olhavam para ele com respeito renovado.

De alguma forma, aquilo mostrou-lhe a grandeza do erro que cometera.


*


Solange Landis tinha dado a Riley a morada onde encontraria Maxine Crowe que agora trabalhava como profissional de saúde na área dos cuidados paliativos. O simples facto atiçou as suspeitas de Riley. Um envenenador safar-se-ia muito mais facilmente se trabalhasse com pacientes que já estavam a morrer.

Era uma questão perturbadora.

Quando Riley chegou à casa, foi atingida por uma sensação estranha em relação ao lugar. Não sabia exatamente porque é que o sentia, mas a própria casa pareceu-lhe muito estranha. Era um velho bungalow situado num bairro de classe média. A casa parecia estar bem tratada, mas ao mesmo tempo tinha um aspecto de abandono.

O relvado fora aparado, mas não havia arbustos nem flores que lhe dessem um toque de cor. Quando se dirigiu ao alpendre, viu que não havia cadeiras, nem mesas, nenhum sinal de que alguém ali passasse tempo.

Riley espreitou pelas grandes janelas da frente. Não parecia haver cortinas penduradas. A luz solar do final de tarde penetrava na casa e incidia num chão simples de madeira.

Ainda mais estranho, o interior parecia ter sido esventrado. O espaço era vasto e vazio, como se um único quarto ocupasse todo o andar de baixo. E tal como o alpendre, não havia mobília à vista no interior.

Olhou novamente para a nota que lhe entregara Landis. Esta era a morada onde Maxine Crowe estaria a trabalhar com uma doente nas suas últimas semanas de vida.

Nada é o que parece aqui, Pensou.

Não fazia ideia do que esperar ou aquilo para que se devia preparar.

Riley bateu à porta e esperou.

Ninguém atendeu.

Bateu novamente e esperou mais alguns instantes. Ainda assim ninguém veio à porta.

O que é que se estava a passar ali? Alguém preparava uma nova vítima? Ou estava o assassino sozinho no interior, usando esta aparentemente casa vazia como esconderijo?

Por fim, rodou a maçaneta. A porta estava destrancada e ela abriu-a.

Anunciou-se, “É o FBI. Procuro Maxine Crowe.”

Uma voz fantasmagórica de mulher respondeu, ecoando como se incorpórea.

“O que é que quer?”

“É Maxine Crowe?”

“Sim.”

“Apenas quero falar consigo.”

Silêncio.

“Vá-se embora,” Disse a mulher.

Riley manteve a mão próxima da arma. Agora conseguia ver o quarto com mais nitidez. Era um quarto enorme que teria começado por ser dois ou três quartos.

Uma comprida parede completamente coberta de espelhos. Uma barra de dança destacava-se entre os espelhos.

Aquele quarto fora um estúdio de dança – há muito ou pouco tempo, Riley não conseguia discernir.

“Onde está?” Perguntou Riley.

“Eu disse para se ir embora.”

Então Riley ouviu o murmurar de oura voz. Parecia decorrer uma conversa. Riley seguia as vozes pelo estúdio até uma porta aberta do outro lado. Espreitou para dentro de um quarto muito mais pequeno.

No meio do quarto mais pequeno estava uma cama de hospital com um IV a seu lado. Na cama estava uma mulher pequenina, emaciada de cabelo branco. A seu lado estava uma mulher mais jovem com um rosto longo e olhos enormes.

Para Riley, a expressão de Maxine Crowe era indecifrável, mas aquele olhar de olhos muito abertos lembrava-lhe o de um predador.

Maxine levou os dedos aos lábios, pedindo silêncio a Riley.

A velha mulher na cama continuava a falar numa voz fraca.

“Mas continuo a esquecer-me – a Millicent vai trazer a sua menina amanhã?”

“Não, depois de amanhã,” Disse Maxine.

A velha senhora soltou uma risada.

“Estou tão entusiasmada por vê-la! Se me tivesses dito quando tinha a tua idade que viveria para ser tetravó, nunca teria acreditado. Um dia vai ser a tua vez. Queres ter filhos Maxine?”

“Ainda não decidi.”

“Bem, tens tempo. Deve ser maravilhoso, saber que tens toda a vida pela frente.”

A velha senhora segurava um pequeno objeto de plástico com um botão. A sua mão tremia tanto que quase não o conseguia agarrar. Não parava de tentar carregar no botão com o polegar.

“Oh, já não consigo,” Disse com um suspiro. “E a dor é terrível. Podes fazê-lo por mim?”

Agora Riley compreendia que o botão controlava o equipamento IV.

Provavelmente morfina, Pensou.

Ou poderia ser algo mais sinistro?

Maxine retirou cuidadosamente o botão da mão da mulher. Segurou o botão à frente da mulher e apertou-o. Um sorriso de alívio percorreu o rosto da mulher. Todo o seu corpo descontraiu.

“Oh, assim está melhor. Fá-lo outra vez, por favor.”

Maxine apertou mais uma vez.

“Um pouco mais, por favor,” Disse a mulher.

E Maxine apertou ainda outra vez.

E outra.

E outra vez ainda.

Os olhos da mulher fecharam-se e ela pareceu adormecer.

Riley sentiu uma espécie de desamparo que raramente sentira anteriormente. Estaria a testemunhar um tratamento médico ou um homicídio em progresso?

“O que está naquela garrafa?” Perguntou Riley.

Maxine virou-se e olhou para Riley com um sorriso misterioso.

“O que é que pensa que está nesta garrafa? Não sabe, pois não? E tenho a certeza de que nunca adivinhará.”

 

 


CAPÍTULO DEZASSEIS


As dúvidas de Riley desapareceram num estremecimento de horror. Esta mulher tinha que ser a assassina que ela procurava. E tinha que a parar naquele momento.

Riley pegou nas algemas.

“Maxine Crowe, está detida. Por tentativa de homicídio.”

Os olhos de Maxine abriram-se muito.

“Por quê?” Perguntou.

“Você ouviu-me. Homicídio. Também será responsabilizada pela morte de três vítimas de que temos conhecimento. E eu sou testemunha desta tentativa.”

O sorrido de Maxine ampliou-se.

“Deixe-me mostrar-lhe uma coisa,” Disse ela.

Puxou a manga esquerda. Riley ficou surpreendida por ver que ela tinha uma porta de injeção no seu próprio braço. Depois desligou o tubo IV da porta da mulher adormecida e inseriu-o nela própria.

Carregou no botão repetidamente. Riley mal conseguia acreditar no que via. O liquído na garrafa deslocava-se agora para a veia de Maxine tal como se tinha deslocado para a veia da paciente.

Os olhos de Maxine faiscavam de forma endiabrada.

“Pronto,” Disse Maxine, carregando no botão consecutivamente. “Ainda pensa que sou uma assassina?”

“O que estava na garrafa?” Perguntou novamente Riley.

“O que é que pensa que está na garrafa?”

Riley começava a compreender.

“Aparentemente nada,” Disse lentamente. “Pelo menos, não morfina. Talvez uma solução salina.”

Maxine assentiu e riu suavemente.

“Estou certa de que já ouviu falar de placebos,” Disse ela. “Agora viu como funcionam.”

Riley apontou para a porta no braço de Maxine.

“Mas porque é que...?”

“Só uma experiência. Sabe, os placebos podem funcionar mesmo quando sabemos que são placebos. Ando a testar este efeito placebo em mim. E para lhe dizer a verdade, sinto-me um bocado pedrada neste momento.”

Desligou o tubo da porta de injeção.

Perguntou, “Mas o que era isso sobre homicídio?”

“O FBI está a investigar alguns envenenamentos recentemente ocorridos aqui em Seattle,” Disse Riley. “Pode ser obra de um assassino em série.”

“E eu parecia um possível suspeito? Porquê?”

“Suspeitamos que o assassino seja um profissional de saúde.”

“Ah,” Disse Maxine com um suspiro. “E veio à minha procura porque tive problemas devido a alguns tratamentos pouco ortodoxos? Bem, sim. Fiz algumas experiências não autorizadas. Tudo relacionado com placebos. As pessoas sabem tão pouco acerca dos inexplorados poderes curativos do corpo. A investigação oficial é demasiado lenta para o meu gosto por isso, faço as coisas por minha iniciativa.”

Maxine escondeu o rosto com tristeza.

“Talvez tenha ido demasiado longe,” Murmurou.

Tudo aquilo parecia irreal a Riley, quase como um sonho. Interrogava-se se Maxine Crowe estaria no seu perfeito juízo. No mínimo, era alguém perigosamente irresponsável.

Mas uma coisa era certa, não parecia ser uma assassina.

“Quanto tempo lhe resta?” Perguntou Riley, indicando a paciente.

“Um dia ou dois no máximo,” Disse Maxine. “Os órgãos já estão a falhar. Não se preocupe, tenho sempre morfina verdadeira caso o placebo não resulte. Isso às vezes acontece. Não permito que ninguém sofra – não em nome de uma experiência ou outra coisa qualquer. De qualquer das formas, faço isto para o bem dela. Penso ser melhor para ela.”

Riley lembrou-se do fragmento de conversa que ouvira quando entrou.

“Quem é ela?” Perguntou Riley.

“Chama-se Nadia Polasky,” Disse Maxine. “Tem noventa e nove anos. Foi dançarina, coreógrafa e professora por mais anos do que aqueles que temos de vida. Provavelmente juntas. Continuou a trabalhar até há cinco ou seis anos atrás.”

Riley ficou impressionada. A mulher devia ter sido uma verdadeira força da natureza.

Como seria viver durante tanto tempo? Interrogou-se Riley.

O que veria Riley no seu tempo de vida? Estaria a trabalhar até uma idade tão avançada? Quereria passar todos aqueles anos a enfrentar demónios – não apenas dos criminosos mas dela própria?

Riley perguntou, “Pensa que viverá o suficiente para ver a tetra neta?”

Maxine encolheu os ombros.

“Que tetra neta? Ela nunca teve filhos, nem nunca se casou. Pelo que me disseram o seu trabalho na dança era a sua vida.”

“Não compreendo,” Disse Riley. “Ela estava a falar em ser tetravó.”

“Eu também não sei se compreendo. Talvez tenha passado toda a sua vida a fantasiar como seria ter uma família. Ela é uma mulher extremamente criativa e imaginativa, por isso essas fantasias deviam ser muito vividas. Agora que sofre de demência, esquece-se de que eram fantasias. Acredita que tudo é verdade. Bem, eu não a vou contrariar. As suas ilusões são os mais poderosos placebos. Mantêm-na em paz.”

Riley refletia em tudo aquilo. Ela lembrava-se do sentimento que tivera quando ali chegara – um sentimento de que nada naquela casa era o que parecia.

Não fazia ideia quão certa estava, Pensou.

“Ainda não compreendo porque é que alguém me julgaria capaz de assassinar,” Disse Maxine. “É certo que algumas pessoas não aprovavam os meus métodos, mas ninguém nunca me acusou de envenenar alguém.”

Riley também estava algo intrigada com essa questão.

“Falei com a sua antiga professora – Solange Landis. Ela disse...”

Maxine interrompeu-a.

“A professora Landis? Já devia saber.”

“Porquê?” Perguntou Riley.

“Não ficámos amigas depois de concluir o curso.”

Riley foi apanhada de surpresa por esta declaração.

“Mas ela falou bem de si,” Disse Riley. “Disse que era inteligente e que gostava de si.”

“A princípio gostávamos uma da outra, mas depois...”

Maxine fez uma pausa, afagando o cabelo da sua paciente.

“Já esteve na casa dela?” Perguntou Maxine.

“Não.”

“É muito estranha. Ela é muito estranha. Tem imagens de morte em todo o lado – fotos antigas de funerais e caixões, uma mesa de embalsamamento do tempo da Guerra Civil, crânios humanos verdadeiros, gravuras e quadros mórbidos. Convidou-me a mim e a outros colegas algumas vezes para irmos tomar uma bebida a sua casa e conversar. As conversas duravam até de manhã – e às vezes eram sobre formas interessantes de matar pessoas. Nada de sério, claro. Só conversa descontraída e divertida, assustando-nos um bocado uns aos outros.”

Maxine pensou por um momento.

“Ainda assim, era demasiado estranho para mim e disse-lho. Deixei de ir a casa dela. Depois disso, as coisas nunca mais foram iguais entre nós.”

Riley agradeceu a Maxine pela sua disponibilidade. Ao atravessar o estúdio de dança vazio, deparou-se com estranhas imagens na sua mente – duas mulheres a discutirem métodos de homicídio num cenário de crânios humanos e lembranças terríficas. Começou a pensar numa forma de conseguir visitar a casa de Solange Landis.

Ao transitar do alpendre vazio para o quintal árido, percebeu que já era tarde. Interrogou-se como se saíra Bill no interrogatório ao possível suspeito. Iria falar com ele e planeariam o que fazer no dia seguinte.

Tal como o nevoeiro de Seattle, pensamentos perturbadores permeavam tudo neste caso estranho e inquietante.

Nada é o que parece, Pensou Riley.

 

 


CAPÍTULO DEZASSETE


Amanda Somers ficou satisfeita quando viu Judy Brubaker a caminhar na sua doca privada em direção à sua casa flutuante. Pela janela podia ver que Judy olhava para cima e para baixo, parecendo algo confusa. Não havia dúvidas de que esperava algo mais modesto.

Coitada, Pensou Amanda. Talvez a devesse ter avisado.

Quando Judy chegou à porta, Amanda carregou no botão para a deixar entrar.

“Não sabia que se tratava de uma comunidade de casas flutuantes fechada,” Disse Judy. “Ainda bem que disse ao guarda para me deixar passar.”

“E ainda bem que ligou antes de vir,” Disse Amanda. “Como lhe disse, era importante. De outra forma, ele teria feito uma confusão e exigido identificação e telefonado para verificação, e teria sido uma grande maçada para todos. É claro que se calhar lhe devia ter dito porque é que era importante. Não me ocorreu.”

“Oh, não faz mal,” Disse Judy.

Então Judy observou o interior espaçoso com as suas linhas modernas e mobília confortável. Amanda parecia esquecer-se sempre que a sua casa flutuante podia não ser exatamente aquilo que os visitantes esperavam que fosse. Sentia-se confortável ali. Adorava o seu quarto no andar superior com grandes janelas com vista para a água e o convés telhado que lhe dava a sensação de ser dona do céu.

É claro que por vezes o espaço parecia ser excessivo para as verdadeiras necessidades de Amanda.

Ainda assim, era pouco mais do que uma cottage em comparação com a casa que tinha em Moritz Hill. Amanda gostava da comodidade comparativa. O que ela mais apreciava na casa flutuante era a privacidade. As casas ali eram próximas, mas todos respeitavam o espaço de cada um. Se alguém ali soubesse como ela era famosa, nunca o tinham mencionado.

Para os seus vizinhos, ela era apenas mais uma pessoa normal que ali vivia a tempo parcial. Todos estavam habituados às suas idas e vindas, ausências de várias semanas de uma assentada. Nunca haviam sido indiscretos para perguntar porque partira ou para onde fora.

Ao olhar à sua volta, a curiosidade de Judy deu a Amanda um momento para a estudar um pouco.

Estava vestida tal como no centro de reabilitação – com um fato de corrida simples. O seu cabelo castanho-avermelhado estava arranjado de forma simples e não usava maquilhagem. Os óculos de leitura pendurados no pescoço eram o único acessório que sobressaía.

Amanda gostava da conduta simples de Judy e sempre apreciara as histórias maravilhosas que a terapeuta gostava de contar. Esperava ter encontrado uma amiga em quem pudesse confiar. Não tinha a certeza, mas esperava que sim. Levava uma vida tremendamente solitária.

Agora Judy já se movimentava à vontade pela casa, espreitando a cozinha e sala de refeições. De imediato pareceu a Amanda alguém que se adaptava facilmente a qualquer lugar.

Mas seria isso uma coisa boa ou má?

Ainda a observar o que a rodeava, Judy disse, “Quando falou em casa flutuante, imaginava...”

E não terminou a frase.

“Algo mais do género de uma casa móvel?” Perguntou Amanda.

“Penso que sim,” Disse Judy. “Não é bem aquilo de que estava à espera.”

“Bem, o meu agente imobiliário insistiu que é uma ‘casa flutuante’. Mas parece tão pretensioso. Até me sinto estranha por dizê-lo.”

Agora Judy olhava pela janela.

“Então não vai para lado nenhum?” Perguntou. “Quero dizer, não é mesmo um barco?”

Amanda deu uma risadinha.

“Não, não há motores, depósitos de combustível ou volantes. Em vez disso, tenho todas as necessidades padrão – água corrente, ligações aos esgotos da cidade e eletricidade. Pode dizer que troquei a mobilidade pelo conforto, mas eu adoro a sensação de viver na água. Às vezes a casa embala suavemente. Espero que não fique enjoada!”

O sorriso de Judy expandiu-se.

“Enjoada, eu? Nem pensar!”

A itinerância de Judy começava a deixar Amanda algo nervosa – uma sensação irracional, pensou para si própria.

“Gostaria de se sentar?” Perguntou Amanda.

“Adorava. Obrigada.”

Judy sentou-se numa das poltronas brancas. Amanda estava sentada num sofá próximo.

“Como se sente?” Perguntou Judy. “O seu pulso? Oh, eu sei que é suposto ser apenas uma visita, mas...”

“O meu pulso está melhor, obrigada,” Disse Amanda.

Começou a fazer aquele exercício com as palmas e os dedos – a “aranha a fazer flexões ao espelho.”

“Os exercícios que me ensinou funcionam às mil maravilhas,” Disse Amanda.

“Fico feliz por saber,” Disse Judy.

As duas mulheres ficaram sentadas em silêncio enquanto Amanda continuava a fazer aquele exercício, juntando os dedos, depois afastando-os, depois juntando-os novamente.

Ela não sabe o que dizer, Pensou Amanda. Eu também não. Afinal, não temos nada de que falar.

Por fim, Amanda disse, “Quer alguma coisa para beber? Tenho café fresco. Ou podemos tomar um brandy se não for muito cedo para si.”

Um olhar estranho atravessou o rosto de Judy.

“Um copo de água seria ótimo,” Disse Judy.

Amanda conseguiu não mostrar uma expressão sisuda. Não gostou da resposta. E não gostou da forma como Judy a verbalizara. Não sabia bem porquê. Mas fora a primeira coisa que Judy dissera que parecia de alguma forma calculada e deliberada.

Amanda foi até à cozinha e encheu um copo de água da torneira.

Depois ficou sozinha na cozinha durante alguns instantes.

Agora começava a sentir-se realmente desconfortável. Tentou convencer-se a si própria que não fazia sentido, que não tinha razão para se sentir inquieta perto de Judy.

Mas Judy fora tão conversadora no centro de reabilitação. Tão amigável. Porque é que hoje se comportava de forma estranha?

São as pessoas, Disse Amanda a si própria. Porque é que eu não consigo confiar nas pessoas?

É claro que ela sabia a resposta. Havia demasiadas pessoas na sua vida -  tantas que tivera que ir para aquele lugar para fugir delas. E não podia confiar em nenhuma. Aprendera com a longa e dura experiência.

Ela sabia que as pessoas a julgavam muitas vezes neurótica e até paranoica, mesmo que raramente o dissessem.

Mas ela sabia. O problema não era dela.

Era como tinha dito a Judy no centro de reabilitação:

Usuários. Usurpadores.

Todos queriam um pedaço dela. Porque é que com Judy seria diferente? Mas lembrou-se de que não devia precipitar o seu juízo. Talvez Judy fosse diferente. E isso seria maravilhoso.

Regressou à sala de estar e entregou a água a Judy.

“Obrigada,” Disse Judy.

A sala foi preenchida por outro silêncio desconfortável.

“Não me disse muito sobre si,” Disse Judy.

Amanda encolheu os ombros.

“Oh, mas há tão pouco a contar. Tudo sobre mim é aborrecido.”

Judy inclinou a cabeça de uma forma curiosa.

“Tenho a sensação de que não é verdade,” Disse. “Por exemplo, como veio viver para um lugar como este?”

A sensação de desconforto de Amanda estava a aumentar.

O que é que ela quer dizer por “um lugar como este”?

Talvez um lugar tão grande e dispendioso.

Quer saber se sou muito rica, Pensou Amanda.

“Gosto de viver na água, é tudo,” Disse, tentando não parecer demasiado defensiva.

Ela sabia que era uma coisa básica para se dizer.

“É um pato estranho, não é?” Disse Judy.

Amanda não respondeu. O sorriso de Judy começava a parecer-lhe bastante frio.

Depois Judy perguntou, “Posso usar a sua casa de banho?”

“Claro,” Disse Amanda, apontando. “É logo ali.”

Judy colocou o copo de água na mesa e dirigiu-se à casa de banho.

Amanda já não conseguia controlar a sua sensação de suspeita. Logo que Judy fechou a porta, Amanda esgueirou-se para a porta e pôs-se a ouvir.

Não tinha dúvidas de que ouvira a porta do armário de medicamentos abrir-se.

É claro que estava repleto de todos os tipos de medicamentos receitados – fluoxetina e bupropiona e sertralina para a depressão, trazodona e hidroxizina e Alprazolam para o sono e a ansiedade, e muitos outros para a dor crónica no pulso e costas e tudo o resto.

Era óbvio que Judy ali estava a fazer uma visita guiada ao histórico médico de Amanda. Provavelmente poderia ter lido esse histórico no centro de reabilitação por isso, porque é que estava tão interessada nele naquele momento?

Amanda não estava chocada. Outras pessoas já tinham feito aquilo na sua casa. Mas a sua desilusão era avassaladora.

Regressou rapidamente ao sofá e sentou-se. Quando Judy voltou da casa de banho, Amanda não parecia ter-se movido do local onde se encontrava.

Judy sentou-se e bebeu um gole de água.

O que é que faço agora? Interrogou-se Amanda.

Confrontar Judy com aquilo que acabara de fazer podia revelar-se complicado e inútil. Provavelmente negá-lo-ia- Mesmo assim, era chegado o momento de um pouco de honestidade.

“Judy,” Disse, inclinando-se na sua direção, “Penso que isto foi um engano.”

“O que é que foi um engano?”

“O facto de vir até cá.”

Judy pareceu alarmada, mas não propriamente chocada.

Amanda disse, “O erro foi meu, eu é que a convidei, mas... bem, não me conhece muito bem mas sou uma pessoa solitária e gosto de ficar no meu canto. Isto deve parecer-lhe algo estranho. Espero que compreenda.”

O sorriso bondoso de Judy surpreendeu Amanda um pouco.

“Claro, eu compreendo,” Disse ela. “Tem todo o direito à sua privacidade. Não era minha intenção intrometer-me.”

“De forma alguma,” Disse Amanda. “Como eu disse, eu convidei-a.”

Judy olhou em seu redor, preparando-se para se retirar.

“Não precisa de se apressar,” Disse Amanda.

“Oh, agradeço-lhe,” Disse Judy. “Na verdade, estava a pensar... penso que lhe falei que tenho uma receita especial de chá que trago sempre comigo. Toda a gente diz que é absolutamente delicioso. Por algum motivo, no centro nunca tivemos a oportunidade de o experimentar.”

Amanda sorriu. Isto não ia ser tão estranho como ela temia. Judy não era má de todo. Era só demasiado curiosa. E Amanda tinha tolerância zero em relação a excessos de curiosidade. Mas não havia necessidade de terminar as coisas de forma abrupta ou rude.

“Adorava experimentar,” Disse ela.

Amanda sentou-se e descontraiu enquanto Judy se dirigiu à cozinha para preparar o chá. Quando Judy a serviu, Amanda tomou um longo gole.

Pensou que era um pouco amargo, mas não queria ferir os sentimentos de Judy por isso continuou a beber até a chávena estar vazia.

 

 


CAPÍTULO DEZOITO


Riley estava à janela do hotel observando Seattle à noite quando o telefone tocou. Ficou preocupada quando viu que o número era de casa. Pensou que o mais certo era ser algum tipo de problema.

Quando partira, Jilly ainda estava muito instável na transição em fazer parte da família. Riley preparara-se para a possibilidade de más notícias desde que chegara em Seattle. Incomodava-a sentir-se assim. Interrogava-se se chegaria outra vez o dia em que pudesse ansiar receber chamadas de casa.

E mal atendeu a chamada, Riley ouviu Jilly dizer, “Tens que me tirar daquela escola.”

Riley não disse nada durante alguns momentos. Ao telefone, apenas se ouvia o som de uma televisão como ruído de fundo.

Por fim Riley disse, “Eu não te posso tirar daquela escola.”

“Porque não?”

Riley evitou explicar as razões pelas quais tal não era possível. Se ela começasse a ceder a todas as exigência de Jilly para explicar coisas, estaria a caminhar em terreno perigoso com ela. Para além disso, Jilly tinha que começar a lidar com as realidades da sua nova vida.

“O que é que se passa com a escola?” Perguntou Riley.

“Não consigo acompanhar as aulas. Os miúdos ignoram-me. Não consigo fazer novos amigos. Ninguém vai gostar de mim. Quero ir para a escola com a April.”

“Jilly, já falámos sobre isto. Estás no preparatório e a April no secundário. Ir para a mesma escola dela não é possível. Eu sei que é difícil encaixar numa nova escola, mas este é só o teu segundo dia. Tens que dar tempo ao tempo,”

Ouviu um balão de pastilha rebentar. Era um som bastante perturbador.

“E se eu arranjasse um emprego?” Perguntou Jilly.

Riley tremeu. Da última vez que Jilly decidira arranjar um emprego, tentara tornar-se prostituta.

“Só tens treze anos,” Disse Riley. “Ainda não podes trabalhar.”

“Quando é que vens para casa?”

Riley não conseguiu evitar sentir-se culpada. Cá estava novamente – a impossibilidade de equilibrar o trabalho com a vida familiar.

Porque é que eu tentei que isto desse certo? Perguntou-se.

 Riley disse, “Vou para casa mal isto termine. Jilly, sabes como é o meu trabalho. Não sou o tipo de mãe que possa aí estar sempre.”

Jilly parecia cada vez mais aborrecida. Riley receava que ela acabasse por chorar.

“Sinto-me tão deslocada. Sempre me senti assim, mas pensei que aqui fosse diferente.”

Riley não sabia o que dizer.

Então Jilly disse, “O Ryan quer falar contigo.”

Riley ficou aliviada e surpreendida. Não esperava que o ex-marido lá estivesse.

Ryan disse, “Olá Riley. Como estão as coisas por aí?”

“Estamos a encontrar muitos becos sem saída,” Disse ela.

“Conta-me,” Disse Ryan. “Vou para a varanda das traseiras onde te ouçou melhor.”

Riley percebeu que Ryan queria falar com maior privacidade. Ela disse, “Eu aguardo.”

Ouviu uma porta a abrir e a fechar, e depois a voz de Ryan voltou à linha.

“Acabei de ouvir o que a Jilly estava a dizer,” Disse ele. “Não que estivesse a bisbilhotar. Acabámos de jantar e estamos sentados na sala a ver televisão. Pensei que eu e tu devêssemos falar.”

“Como é que ela tem sido contigo?” Perguntou Riley.

“Assim, assim. Ela tem muitos problemas de auto-estima. Nenhuma auto-confiança. Está sempre à espera que corra tudo mal. Talvez não seja surpreendente tendo em consideração a vida que teve.”

Riley sentia-se profundamente grata a Ryan por estar lá. Era um sentimento estranho, depois de tantos anos a não confiar nele.

“O que é que vou fazer com ela Ryan?” Perguntou.

“Bem, não estás sozinha nisto. Eu fiquei cá em casa a noite passada e vou ficar esta noite também. Vou assegurar-me de que ela está bem. E a April e a Gabriela passam muito tempo com ela. A April está a ajudá-la com os trabalhos de casa. Ela diz que a Jilly é mais esperta do que pensa. Ela vai conseguir.”

Riley começava a descontrair um pouco. Era reconfortante saber que a sua família estava a intervir para ajudar.

“Qual a disciplina em que está a ter mais dificuldades?” Perguntou Riley.

“Estudos sociais.”

“Talvez a consigas ajudar com isso. O mais certo é gostar dessa atenção.”

Seguiu-se uma pausa.

“Penso que poderia,” Disse Ryan. “Nunca passei tempo a fazer trabalhos de casa com a April. Talvez me possa redimir um pouco agora.”

Havia uma delicadeza na voz de Ryan que Riley raramente ouvira ao longo dos anos.

“Ryan, estou tão contente por estares aí. Tudo isto se desmoronaria sem ti.”

“Sabe bem ajudar. Desculpa ter levado tanto tempo a... bem, tu sabes.”

Riley sorriu.

“Eu sei. Obrigada. Volta para dentro. Deve estar frio por aí.”

Despediram-se e desligaram a chamada.

Riley continuou a olhar pela janela. O nevoeiro levantava-se e conseguia ver as luzes da Space Needle com o seu restaurante em forma de disco voador a planar 500 pés acima da cidade. Ainda vislumbrou a enorme roda gigante de Seattle no passeio pedonal junto ao rio. Seattle era uma cidade bonita, mesmo com nevoeiro.

É evidente que ela não estava ali para desfrutar do cenário. Ainda assim, estava a preparar-se para se encontrar com Bill ao jantar no bar do hotel e talvez não fosse um jantar meramente de trabalho.


*


Um pouco mais tarde, já estava sentada na companhia de Bill numa cabina confortável enquanto aguardavam pelos seus hambúrgueres. O bar do hotel estava difusamente iluminado e era confortável. O bourbon com gelo de Riley ajudava-a a relaxar. Mas lembrou-se de ir com calma. Beber demasiado já lhe tinha dado problemas no passado, sobretudo com Bill.

Estremecia só de pensar numa chamada que fizera a Bill bêbeda na qual lhe dissera que deviam ter um caso. Isso tinha acontecido há seis meses quando o seu casamento ainda não estava oficialmente terminado e o divórcio de Riley e Ryan também não. Isso fora algo de que se envergonhava. E quase tinha destruído a sua amizade e a sua relação de trabalho com Bill. Ela não ia deixar que algo semelhante voltasse a acontecer.

Ela e Bill estavam a inteirar-se das atividades do dia de cada um. Riley contara-lhe das visitas a Solange Landis e a Maxine Crowe.

Bill acabara de lhe contar acerca do interrogatório de Keith Gannon com Havens e Wingert na loja de conveniência.

“Estraguei tudo,” Disse Bill. “Este caso está a afetar-me mais do que me tinha apercebido.”

“Sei o que isso é,” Disse Riley. “Já me viste fazer isso mais do que uma vez.” Depois ela perguntou. “Ainda pensas que Gannon é suspeito?”

“Não, acho que me enganei completamente em relação a este,” Disse Bill. “O Havens e o Wingert ainda têm as suas suspeitas. Tudo bem, deve mantê-los ocupados enquanto nós resolvemos o caso. Mas essa Solange Landis parece uma figura estranha.”

Riley tomou um gole da sua bebida.

“Tens razão. Fui ter com ela para obter informações e não fazia ideia de que ela acabaria por ser suspeita. Liguei ao Roff, pedi-lhe para tentar encontrar quaisquer ligações entre ela e as vítimas. Até agora não descobriu nada. Ainda assim, quero dar uma vista de olhos na casa dela logo que possível.”

“Parece que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance por hoje,” Disse Bill.

“Parece que sim,” Disse Riley.

No entanto, não parecia um dia de trabalho muito satisfatório. Deixara-os com mais perguntas do que respostas.

O empregado trouxe os hambúrgueres que tinham um aspecto delicioso. Riley estava a preparar-se para dar uma grande dentada quando o telemóvel vibrou. Era um SMS de Blaine.

A mensagem dizia...


Espero que tudo esteja a correr bem. Quando regressas? Faço o jantar.


Riley ficou surpreendida. Mal pensara em Blaine desde que estava em Seattle. Não estava particularmente satisfeita. Ainda se sentia desiludida e até zangada por ele se ter mudado.

Agora age como se nada tivesse mudado, Pensou.

E queria saber quando é que ela regressava.

Não lhe apetecia nada dar uma resposta. Colocou o telemóvel na mala.

“Quem era?” Perguntou Bill.

“Ninguém,” Respondeu Riley.

Bill ficou a fitá-la com um sorriso estampado no rosto. Era óbvio que ele tinha detetado que a mensagem lhe desagradara.

“Eu disse que não era ninguém,” Disse Riley.

Bill continuou a olhar para ela.

“É o meu ex-vizinho, OK?” Disse Riley.

“Blaine?”

“Pois.”

“Ela já falara a Bill de Blaine, incluindo o facto de que Blaine se mudara.

“Não lhe vais responder?” Perguntou Bill.

“Não.”

“Porque não?”

Riley debruçou-se na direção de Bill.

“Não sei,” Disse ela. “Porque é que me estás a fazer essas perguntas?”

Bill encolheu os ombros.

“Estou preocupado contigo,” Disse ele. “Estás a lidar com muitas coisas ao mesmo tempo, sobretudo com uma nova adolescente em casa. Vejo que estás preocupada.”

“Não há nada com que me deva preocupar,” Disse Riley. “Tenho muita gente a ajudar em casa. A April está lá, a Gabriela e o Ryan.”

“O Ryan?” Perguntou Bill com uma nota de surpresa na voz.

Riley suspirou. Desejava não ter mencionado o nome de Ryan.

“Não me digas que estás a pensar em voltar para aquele idiota,” Disse Bill.

“E se estiver?”

Os olhos de Bill dilataram-se. Parecia não acreditar no que estava a ouvir.

“Ouve, nós trabalhamos juntos há uma eternidade,” Disse ele. “Safámo-nos de muitas merdas. Preciso lembrar-te do que esse gajo fez para te magoar? É que eu lembro-me de cada pormenor.”

“Agora as coisas estão diferentes. Ele está diferente.”

Bill abanou a cabeça com um esgar de desaprovação.

“A escolha é tua,” Disse ele. “Mas pelo que me contaste, o Blaine é um homem bom, alguém com quem podes contar.”

“Isso acabou por não se revelar verdade,” Disse Riley.

“Porquê, porque se mudou para o outro lado da cidade? Isso não é nada Riley. E aí estás tu, a nem responder às mensagens dele.”

Riley olhou para Bill.

“Deixa as coisas como estão, OK?” Disse ela.

“OK.”

Pouco mais disseram um ao outro enquanto acabavam de comer os seus hambúrgueres.


*


Riley caminhava num nevoeiro húmido e denso.

Segurava duas meninas pela mão.

Uma era April e a outra era Jilly.

Mas não eram adolescentes. Eram meninas pequenas.

Perguntaram em uníssono a Riley...

“Para onde vamos?”

“Para um lugar seguro,” Disse Riley.

Mas não era verdade.

A verdade era que Riley não faziam ideia onde estavam ou para onde iam. Não conseguia ver nada à sua volta. Havia figuras a moverem-se no nevoeiro – sombras predatórias, todas perigosas e letais.

Como é que Riley conseguiria encontrar um lugar seguro para April e Jilly naquele nevoeiro impenetrável?

Uma das figuras caminhou na sua direção. Riley não conseguia distinguir se era um homem ou uma mulher.

“Quem és?” Perguntou Riley.

Um riso emergiu do nevoeiro.

“Quem te parece?”

A voz mal parecia humana.

Riley soube de imediato – era o envenenador, o assassino que procuravam.

A figura começou a afastar-se na direção da brancura rodopiante.

Riley tentou agarrar a sua arma, mas não estava lá.

Largou as mãos das meninas e foi atrás da figura que agora desaparecia.

“Mãe, onde vais?” Chamou April.

“Não nos deixes aqui!” Disse Jilly.

As vozes partiram o coração a Riley. Ela não as queria deixar, mas tinha um trabalho a fazer. Não tinha escolha.

“Eu volto para vos buscar,” Disse Riley.

Mas como as voltaria a encontrar naquele nevoeiro?

Riley acordou com o som do telemóvel a tocar. Todo o seu corpo tremia por causa do sonho. Não tinha a certeza do que mais a tinha assustado, se a figura no nevoeiro ou o facto de ter abandonado as meninas.

Tentou desobstruir a mente ao atender a chamada e ouviu uma voz familiar.

“Agente Paige, é Chefe Rigbgy. Preciso de si e do Agente Jeffreys de imediato. Temos outro corpo.”

“Sabemos quem é?” Perguntou Riley.

“Sabemos,” Disse Rigby. “E a imprensa vai-se refastelar com esta. A vítima é Amanda Somers.”

Riley saltou de imediato da cama.

“Amanda Somers?” Disse.

“Talvez já tenha ouvido falar dela. Vamos encontrar-nos no Hospital Parnassus Heights. O Wingert e o Havens vão buscá-los de imediato.”

Rigby desligou a chamada.

“Amanda Somers!” Disse alto.

O caso tomara uma direção que ela nunca poderia ter imaginado possível.

 

 


CAPÍTULO DEZANOVE


O nevoeiro matinal ainda era espesso quando Riley e Bill saíram do hotel. O Agente Lloyd Havens esperava por eles no exterior. Conduziu-os rapidamente ao carro do FBI. O Agente Jay Wingert conduzia novamente.

“Diga-me o que já se sabe,” Pediu Riley a Havens.

“Desta vez é uma escritora,” Disse Havens. “Alguém famoso. Amanda qualquer coisa.”

Riley exasperou-se.

“Amanda Somers,” Disse ela. “Não me digam que nunca ouviram falar dela.”

“Lembro-me do nome de algum lado,” Disse Havens.

“Escreveu um bestseller, não foi?” Disse Wingert.

Riley estava perplexa com a ignorância daqueles dois.

“Ela era mais do que uma escritora,” Disse ela. “Ela era uma lenda. E o seu livro era muito mais do que apenas um bestseller. Nunca leram The Long Sprint?”

“Eu não,” Disse Havens.

“Eu também não,” Disse Wingert.

Riley olhou para Bill que parecia tão incomodado como ela.

O que é que ensinam aos miúdos nas escolas hoje em dia? Interrogou-se Riley.

Bill disse-lhes, “Amanda Somers escreveu um romance fenomenal há alguns anos atrás. Depois desapareceu. Não dava entrevistas e nunca aparecia em público. Sempre correram rumores de que estava a trabalhar noutro livro ou até em vários. Milhares e milhares de leitores esperavam ansiosamente por esse momento. Esta notícia vai desolá-los.”

Havens e Wingert pareciam não se importar minimamente.

Riley engoliu em seco. A tristeza do que acontecera acabara de a atingir.

Ela lera The Long Sprint quando ainda andava na faculdade – não para uma disciplina, mas porque toda a gente o estava a ler e a adorar. The Long Sprint era um desses raros romances que tocava e mudava vidas. Era uma saga épica sobre uma mulher rebelde e aventureira chamada Emerson Drew. Como milhares de outras jovens mulheres, Riley adorava Emerson Drew e queria ser como ela.

E como tantos outros leitores, Riley sempre esperara que Amanda Somers escrevesse outro livro – talvez até uma continuação com Emerson Drew como personagem. Riley tinha imaginado muitas vezes o que acontecera a essa tão amada personagem. Quão parecida com a sua tinha sido a vida de Emerson?

Agora talvez nunca saibamos, Pensou Riley.

“Como é que aconteceu?” Perguntou Bill.

Havens disse, “Uma vizinha detetou o corpo a flutuar na água a noite passada. A vizinha ligou o 112, depois mergulhou, retirou-a da água e tentou reanimá-la. Os paramédicos chegaram rapidamente, mas já era tarde demais. Foi dada como morta no local.”

Riley tentou compreender o que ouvia.

“Na água?” Perguntou. “Quer dizer numa piscina?”

“Não, no Lago Union,” Disse Havens. “Uma das comunidades de casas flutuantes mais chiques. Ela vivia numa dessas casas flutuantes milionárias.”

Riley não conseguia perceber ao certo o que ele dizia. Ela vira casas flutuantes nos pontos de água em Seattle, mas nunca se aproximara delas.

Bill perguntou, “Temos a certeza que foi enevenada como as outras vítimas?”

“Sim, temos,” Disse Havens. “Por ser quem era, a Chefe de Medicina Legal Prisha Shankar fez a autópsia pessoalmente. Encontrou vestígios de tálio de imediato. Foi quando fomos chamados.”

A cabeça de Riley estava repleta de perguntas. Como é que o assassino tinha tido acesso a ela? Estaria agora o assassino a perseguir alvos conhecidos? Rigby tinha razão quando dissera que não tardava nada a imprensa saberia de tudo. A última coisa de que a equipa precisava agora era de muita publicidade. Poderiam as coisas piorar?

“Levem-nos à casa flutuante,” Disse Riley a Wingert e Havens. “Quero vê-la.”

“Mais tarde,” Disse Havens. “Primeiro temos uma reunião no Hospital Parnassus Heights.”

Wingert conduziu agilmente no tráfego matinal mas Riley estava impaciente para prosseguir com a investigação.

Porque é que ainda temos que fazer um desvio para outra reunião? Interrogou-se Riley.

O caso assumira uma nova urgência e ela estava ainda mais ansiosa para localizar este terrível assassino. Mas percebeu que não estava em posição de dar ordens naquele momento. Com um suspiro de resignação, recostou-se no banco traseiro do carro.

Quando Wingert parou no hospital, o Chefe de Divisão Local Sean Rigby já os esperava no exterior. O seu habitual comportamento frio era agora de alarme palpável.

“Preparem-se,” Disse ele, encaminhando os agentes para o interior. “Estamos metidos numa alhada.”

Riley não conseguia imaginar o que ele queria dizer com aquilo. Mas quando ela, Bill e os outros entraram na grande sala de reuniões, viu que estava repleta de gente e o ambiente era ensurdecedor. A notícia da morte de Amanda Somers espalhara-se rapidamente e os jornalistas já lá estavam.

A quantidade de pessoas lembrou-lhe as figuras sombrias do seu sonho.

Ali estavam eles, a cercarem-na por todos os lados.

E o nevoeiro também está cá, Pensou Riley com desespero.

Era o impenetrável nevoeiro do caos e da confusão.

 

 


CAPÍTULO VINTE


O calor sufocante que se fazia sentir na sala sobrelotada atingiu Riley contrastando com o ar frio e húmido do exterior. O Chefe da Divisão Local Rigby conduziu-a juntamente com Bill e com os Agentes Wingert e Havens aos seus lugares na grande mesa da sala de reuniões.

Os jornalistas estavam amontoados uns em cima dos outros à volta da mesa, tirando fotos, fazendo vídeos e tirando notas. Sentadas à mesa estavam algumas pessoas que Riley conhecia e outras que nunca tinha visto.

Rigby sentou-se próximo, parecendo ansioso e inquieto. O Chefe de Equipa Maynard Sanderson estava sentado a seu lado, lutando para manter uma postura intocável e oficial. O Chefe de Polícia Perry McCade suava profusamente e o seu bigode de morsa retorcia-se nervosamente.

Sentado no topo da mesa estava um homem que parecia ser o responsável. Tinha a rigidez de um manequim e o sorriso gélido de um político.

Riley agora compreendia que se tratava de uma conferência de imprensa, não uma reunião de investigação. Não sabia de quem tinha sido a ideia, mas era péssima. Uma proeza daquelas ia tornar tudo muito mais difícil.

A única pessoa que Riley estava contente por ver era a Chefe de Medicina legal Prisha Shankar. Talvez ela trouxesse um elemento de sanidade ao que estava prestes a suceder.

O homem no topo da mesa levantou-se.

“Para aqueles que não me conhecem,” Disse. “Sou Briggs Wanamaker, Diretor do Hospital Parnassus Heights. O departamento local do FBI e eu queremos confirmar uma trágica notícia. A famosa escritora Amanda Somers foi dada como morta por causa indeterminada na noite passada.”

Os jornalistas tentaram metralhar Wanamaker com inúmeras perguntas mas ele conseguiu calá-los com a sua voz poderosa.

“A Sra. Somers foi hospitalizada aqui há algumas semanas devido a um assunto não relacionado com a sua morte. Também passou algum tempo no Centro de Reabilitação Stark. Nós no Paranassus Heights queremos expressar as nossas condolências à legião de leitores de Amada Somers, bem como ao filho e filha, Logan Somers e Isabel Watson, que estão aqui connosco hoje.”

Wanamker fez um gesto na direção de um homem e uma mulher. Pareciam estar a fazer um grande esforço por parecerem devastados pela dor. Parecia mais um regozijo velado com a desgraça alheia.

Um jornalista perguntou.

“Confirma que Amanda Somers foi intervencionada a uma síndrome do túnel do carpo?”

“Sem comentários,” Disse Wanamaker.

Mas o jornalista não desistiu.

“Esse tipo de cirurgia envolve algum tipo de risco de vida para o paciente?”

Wanamaker respondeu, “A cirurgia não esteve relacionada com a morte.”

Riley conteve um esgar. Era um erro e percebeu pela expressão de Wanamaker que imediatamente se apercebeu disso. Agora as perguntas surgiam em catadupa.

“O hospital aceita alguma responsabilidade por um erro de diagnóstico?” Perguntou outro jormalista.

“Ocorreu negligência médica?” Gritou outro.

Wanamaker ergueu os braços e tentou acalmar o grupo.

“Por favor, temos declarações adicionais para vos transmitir e depois responderemos a perguntas. O chefe de divisão do departamento do FBI de Seattle, Sean Rigby, gostaria de fazer uma declaração.”

Rigby levantou-se e durante um instante pareceu que estava prestes a encaminhar-se para a saída. Riley sabia que ele agora compreendia o desastre que ajudara a criar ao convocar aquela reunião. Ele leu a partir de um pedaço de papel que conseguiu manter firme na sua mão.

“A noite passada, aproximadamente à meia-noite e meia, uma das vizinhos de Amanda Somers, Dale Tinker, detetou um corpo a flutuar na água junto à casa flutuante de Somers. A Sra. Tinker encontra-se connosco hoje.”

Ele apontou na direção de uma mulher de aspecto assustado. Para Riley, nem sequer fazia sentido ela estar ali. Riley questionou-se qual teria sido o maior choque para ela – encontrar o corpo ou ser arrastada para aquela conferência de imprensa.

Riley pode constatar que ela não se encontrava em condições de fazer qualquer declaração.

Mesmo assim, Rigby esperava que ela dissesse alguma coisa.

Encolhendo-se na sua cadeira, Dale Tinker falou numa voz pouco audível.

“Via-a na água. A distância entre as casas é pequena por isso saltei. Puxei-a para o convés, tentei reanimá-la mas...”

A sua voz estacou durante um momento e pareceu ficar aturdida.

“Eu não sabia quem era,” Disse ela, agora quase a chorar. “Conheço-a há anos e sempre foi apenas Amanda. Não sabia que era aquela Amanda. Os vizinhos apenas a conheciam como Amanda. Até li o livro dela e não sabia.”

A mulher não estava capaz de falar mais.

Um jornalista disse a Rigby, “Ainda não disse nada sobre a causa da morte.”

Rigby disse, “Ainda não podemos dar detalhes. Parece que caiu do convés superior da sua casa flutuante.”

“Então pensa que se afogou?” Perguntou o jornalista.

Rigby hesitou.

Depois disse, “Sem comentários.”

Para Riley, aquelas duas palavras eram como atirar carne a uma matilha de lobos. Os jornalistas começaram logo todos a fazer perguntas ao mesmo tempo.

Será que é possível lidar com isto de forma mais incompetente? Pensou Riley.

Uma jornalista conseguiu fazer-se ouvir acima dos outros.

“Vejo que a Chefe de Medicina Legal está aqui. As autoridades têm alguma razão para crer em jogo sujo?”

Outro perguntou, “Sabemos que o FBI está a investigar dois envenenamentos. Esta morte está relacionada com essa investigação?”

Outro jornalista apontou na direção de Riley.

“Aquele não é a Agente Riley Paige da UAC, a muito conhecida profiler? Porque é que ela está aqui?”

A Dra. Prisha Shankar parecia completamente exasperada. Riley pressentiu que também ela pensava que esta reunião era uma inutilidade.

“Sem comentários,” Disse Rigby novamente. “Gostaria de dar ao filho e filha de Amanda Somers a oportunidade de falarem.”

Logan Somers levantou-se.

“Eu e a Isabel só queríamos dizer que isto é um choque tremendo. A nossa mãe andava deprimida ultimamente, mas não tínhamos a noção do quão desesperada ela estava. Se soubéssemos, se nos tivéssemos apercebido dos sinais...”

Ele agia como se estivesse demasiado dominado pela emoção para poder dizer mais. Riley não o considerou minimamente convincente.

Logan sentou-se e a irmã, Isabel Watson, falou num tom de luto calculado.

“Eu e o meu irmão gostaríamos de ter sabido,” Disse ela. “Se soubéssemos, talvez pudéssemos ter feito alguma coisa para evitar este desfecho.”

Riley estava completamente estupefacta. E percebeu que toda a gente na mesa sentia o mesmo.

A sala estava no auge da confusão. O bando de jornalistas exigia saber se Amanda Somers tinha cometido suicídio. As coisas estavam completamente fora de controlo.

Rigby declarou, “Esta reunião está concluída.”

Apesar dos ensurdecedores protestos, os seguranças do hospital encaminharam os jornalistas para fora da sala.

Logan Somers e Isabel Watson levantaram-se. Com expressões solenes, agradeceram a todos de forma cerimoniosa. Depois, aparentando presunção e satisfação, foram-se embora.

Quando a multidão se foi embora, o diretor do hospital Briggs Wanamaker já tinha perdido o que ainda restava da sua postura política cuidadosamente cultivada.

Disse a Rigby, “ Eu disse-lhe para manter o FBI fora desta reunião. Devia ter-me deixado tratar de tudo.”

“Teria estragado tudo ainda mais,” Disparou Rigby. “Deve agradecer-me e ao meu pessoal por o salvar de si próprio. Se a imprensa soubesse o que realmente se está a passar, estaria num sarilho ainda maior do que aquele em que já está metido.”

Riley não conseguia conter a sua frustração por mais nem um minuto.

“Afinal de quem foi a ideia desta maldita reunião?” Disse, quase a gritar.

Rigby e Wanamaker olharam para ela, surpreendidos. Depois olharam um para o outro, parecendo que ambos se acusavam envergonhados. Riley percebeu que tinham cozinhado aquela trapalhada juntos. Porque é que haviam pensado tratar-se de uma boa ideia é que ela não conseguia compreender.

Riley disse, “Sr. Wanamaker, queria que saísse. Preciso de conferenciar com os meus colegas do FBI.”

Parecendo realmente consternado, Wanamaker pegou no que restava da sua dignidade e saiu da sala.

Riley olhou para Rigby e Sanderson.

“Tenho algumas perguntas a fazer,” Disparou Riley. “E espero que me deem as respostas agora mesmo.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E UM


Todos os olhares se voltaram para Riley e toda a gente ficou em silêncio. Os ouvidos de Riley ainda tiniam de toda a confusão que preenchera a sala há apenas alguns minutos. Mas agora o espaço não era sufocante e conseguia respirar com mais facilidade.

Pelo menos agora tinha toda a atenção de todos os presentes na sala.

“Aquela cena foi uma farsa,” Disse Riley, tentando manter a sua fúria sob controlo. “Neste momento, aqueles jornalistas sabem tanto sobre a morte de Amanda Somers como eu e o Agente Jeffreys. Pela minha parte, estão tão bem informados como qualquer pessoa aqui. E isso é um desastre. Penso que chegou a altura de esclarecermos algumas coisas.”

Rileu reparou que duas pessoas sorriam ligeiramente – Bill e a Dra. Shankar. Eles partilharam a sua frustração durante todo aquele tempo.

Então Riley disse, “Antes de mais nada, de que é que o filho e a filha estavam a falar? O Agente Havens comunicou-me que havia vestígios de tálio no corpo da vítima. Então que história era aquela de suicídio? Amanda Somers suicidou-se? Tomou comprimidos, saltou daquela plataforma e afogou-se, ou ambos? Se o fez, o que é que estamos aqui a fazer?”

Riley estava aliviada por ser Prisha Shankar a primeira a falar.

“Ela não se afogou. Essa foi a primeira conclusão. E não cometeu suicídio. O que lhe foi dito está correto. Encontrámos vestígios de tálio no seu sistema. Mesmo que ainda tivéssemos um padrão de envenenamento de tálio, não é uma substância que alguém utilize para se suicidar.”

Bill tirava notas.

“Então de que é que os filhos estavam a falar?” Perguntou Bill.

Todos permaneceram calados durante alguns instantes.

“Tenho um palpite sobre isso,” Disse por fim Shankar. “Toda a gente sabe que Amanda Somers era uma pessoa que gostava de se isolar. Quase aposto que ela e os filhos mal se viram durante anos. Por isso, tudo que dizem acerca de como ela estava deprimida e como estavam preocupados com ela foi pura hipocrisia. Neste momento estão à coca para herdar a sua fortuna.”

Riley começava a perceber onde Shankar queria chegar.

Disse, “E não há nada que aumente mais as vendas póstumas de um autor do que um suicídio.”

Shankar assentiu.

“Muito bem. Melhor que homicídio e muito, muito melhor do que um acidente ou causas naturais. Sobretudo para uma escritora como Amanda Somers. Acrescentaria muito à sua considerável mística. Seria alguém torturado e infeliz, para além de solitário. Tudo acrescenta aspectos que tornam as lendas literárias em lendas.”

Fazia sentido para Riley.Demasiado sentido. “E para além disso,” Acrescentou, “não haveria aquelas perguntas inconvenientes sobre quem a matou e porquê.”

Shankar anuiu e continuou, “e podem apostar que novos livros de Amanda Somers serão publicados no futuro. Obras póstumas, uma a seguir à outra. Muito provavelmente montadas a partir de notas e esboços, o tipo de coisa que Somers nunca autorizaria se estivesse viva.”

A possibilidade entristeceu Riley. Ela passara anos à espera de um romance de Amanda Somers, sobretudo sobre Emerson Drew. Mas não desta forma. E os filhos de Somers estavam em definitivo a turvar as águas da investigação com aquela conversa sobre suicídio.

O Chefe de Polícia Perry McCade afagava o bigode, ouvindo com interesse.

“Então devemos encarar os filhos como suspeitos?” Perguntou.

O Chefe de Equipa Sanderson estivera a olhar para o Chefe de Divisão Rigby. Riley pressentiu que ele estava a ficar encorajado pelo lapso do seu superior.

“Nada está fora de causa,” Disse Sanderson.

“Mas teríamos de os ligar aos outros casos,” Acrescentou Rigby, tentando, aparentemente, reafirmar a sua autoridade. “Isto é, se Amanda Somers foi envenenada pelo mesmo assassino.”

“O que lhe parece, Dra. Shankar?” Perguntou Rigby.

Prisha Shankar nem parou para pensar.

“Tenho a certeza que é o mesmo assassino, tendo em consideração a utilização de tálio,” Disse ela. “A minha equipa tem examinado os cocktails usados nas duas outras vítimas. São muito sofisticados e o assassino variou a receita nessas duas vezes. A mistura de Margaret Jewell incluiu heparina, um anticoagulante. A mistura de Cody Woods incluía a hormona epinefrina. O assassino estava a tentar obter efeitos e sintomas ligeiramente diferentes. Ou talvez atrasar uma morte e apressar outra.”

Riley perguntou, “Alguma informação preliminar sobre o cocktail usado em Amanda Somers?”

Shankar tamborilou os dedos na mesa.

“É demasiado cedo para dizer alguma coisa a esse respeito,” Disse ela. “Mas continha vestígios de cloreto de suxametónio.”

“E que efeito teria?” Perguntou Bill.

“É um relaxante muscular. Pode causar paralisia momentânea.”

Riley pediu a Shankar para soletrar o nome da substância. Apontou-a. Depois virou-se para o Chefe de Polícia McCade.

“Chefe McCade, presumo que já enviou polícias à casa flutuante. O que é que descobriram até agora?”

McCade espreitou para algumas notas.

“A casa flutuante de Amanda Somers fica situada numa comunidade fechada,” Disse. “O meu pessoal falou com o guarda que estava de serviço ontem à tarde. Deixou entrar apenas uma visita. Amanda dissera-lhe que estava à espera de uma visita. Disse-lhe apenas que uma amiga perguntaria por ela e para a deixar entrar. Não deu o nome da pessoa ao guarda. Nós perguntámos aos vizinhos mais próximos quem a poderia visitar, mas eles não faziam ideia. Mas ainda temos mais pessoas para interrogar.”

“O guarda deu-vos uma descrição da pessoa?” Perguntou Riley.

“Disse que era bastante normal – meia-idade, cabelo castanho-avermelhado. Vestia um fato de treino.”

Riley bateu com a borracha contra a mesa, considerando o que perguntar de seguida.

“Obtiveram imagens das câmaras de videovigilância?” Perguntou a McCade.

“As câmaras na casa flutuante de Amanda Somers estavam desligadas. As câmaras na doca tinham imagens pouco nítidas. Apenas uma mulher com um boné, não se consegue ver o rosto. A descrição do guarda é mais útil.”

Riley pensou naquilo. Ela começara a considerar Solange Landis suspeita mas pela descrição não parecia a pessoa com quem tinha falado no dia anterior de manhã. A não ser que utilizasse um disfarce. Poderia Solange passar da sua conversa ao café a uma visita assassina a uma famosa escritora? Era uma pergunta à qual não podia responder.

Riley virou-se para Prisha Shankar, que parecia alerta e atenta como habitual.

“Dra. Shankar, como é que a visitante se encaixa em termos de tempo num cenário de envenenamento?”

A Dra. Shankar pensou durante alguns instantes.

“Não tenho a certeza,” Disse ela. “O tálio não funciona normalmente tão rapidamente. Mas o cocktail poderia ser concebido para apressar o efeito. O cloreto de suxametónio pode ter acelerado os efeitos. Pode ter sido a visitante, mas também é provável que a vítima já tivesse sido envenenada antes.”

Riley não tinha a certeza se devia dirigir a sua próxima pergunta a Sanderson ou a Rigby. As tensões políticas entre eles eram mais palpáveis do que nunca. Rigby estava determinado a permanecer no topo da cadeia alimentar local do FBI, se possível às custas de Sanderson. Sanderson estava ansioso para não ser devorado. Independentemente daquele a quem Riley se dirigisse, o outro ficaria ofendido.

Que raio, Pensou Riley.

Olhou para um e para outro, esperando não mostrar qualquer preferência.

“Dê-nos uma perspetiva do caso até ao momento,” Disse ela.

Rigby antecipou-se antes que Sanderson tivesse a oportunidade de falar.

“Temos três homicídios de que tenhamos conhecimento – envenenamentos. A primeira foi Margaret Jewell que morreu em casa em Novembro. Fora recentemente tratada à fibromialgia no Centro de Reabilitação Física de Natrona. Cody Woods morreu há uma semana. Tinha sido operado ao joelho no Hospital South Hills há pouco tempo atrás. Deu entrada nesse mesmo hospital por não se estar a sentir bem. Morreu pouco depois.”

“E ambos pareceram ter morrido de ataque cardíaco,” Disse Riley.

“Correto,” Disse Sanderson.

Rigby voltou à carga. “E agora Amanda Somers. Também foi hospitalizada para uma intervenção cirúrgica que habitualmente não coloca a vida do paciente em risco. E também foi envenenada.”

Riley perguntou, “O nosso analista técnico encontrou alguma sobreposição de pessoal entre o hospital em que morreu Cody e a clínica de reabilitação onde Jewell foi tratada?”

“Não,” Disse Sanderson.

“Verifiquem isso,” Disse Riley. “Incluam o hospital e o centro de reabilitação que tratou de Amanda Somers. Digam-lhe para verificar os registos de forma exaustiva. Não estamos necessariamente à procura de médicos, enfermeiras ou auxiliares. Verifiquem pessoal de limpeza, pessoal de entregas, assistentes sociais, visitantes – qualquer pessoa que possa ter ido e vindo sem despertar muita atenção. Digam-lhe para estar particularmente atento a uma mulher que corresponda à descrição da visita de Amanda Somers.”

Sanderson apontou as instruções.

Riley virou-se para o Chefe McCade.

“Dê-me a morada da casa flutuante de Amanda Somers,” Disse. “Eu e o Agente Jeffreys vamos para lá imediatamente.”

McCade anuiu e escreveu a morada num pedaço de papel.

Riley observou todos os rostos presentes.

“Não preciso de vos dizer que temos uma confusão em mãos,” Disse ela. “A morte de Amanda Somers torna este caso pessoal para milhões de pessoas. Tudo vai ser cada vez mais difícil. Temos três vítimas até agora e são apenas aquelas de que temos conhecimento. Pode ter havido outras. E haverá mais a não ser que acabemos com isto.”

Riley estabeleceu contacto visual com Rigby e depois com Sanderson.

“Não haverá mais conferências de imprensa se as pudermos evitar,” Disse ela. “Isso significa que não quero mais erros de novato. Percebido?”

Os dois chefes do FBI assentiram. Nenhum dos dois estava agradado. Mais uma vez, Riley detetou um ligeiro sorriso no rosto de Prisha Shankar.

“Esta reunião está terminada,” Declarou Riley.

Quando todos saíam da sala de reuniões, Bill encostou-se a Riley.

“Muito bem,” Disse silenciosamente.

Mas Riley não estava com disposição para felicitações. Agora que a reunião tinha terminado, percebeu mais uma vez que Amanda Somers estava morta e que nunca mais leria outro livro escrito por ela. Mesmo que novos livros fossem editados, seriam trabalho de todos menos de Amanda. O pensamento entristeceu-a profundamente.

Vamos a reagir, Pensou para si própria.

Tinha que manter a cabeça concentrada nos factos.

De seguida, iria visitar a casa flutuante onde Amanda Somers morrera. Esperava encontrar lá algo que tivesse escapado aos outros.

 

 


CAPÍTULO VINTE E DOIS


O Monte Rainier estava sempre visível quando Bill e Riley se dirigiram de carro à casa de Amanda Somers. Riley observava o pico coberto de neve pela janela do carro, tão belo a reluzir ao sol. Parecia uma imagem de majestática tranquilidade – não o que realmente era, um vulcão ativo que poderia explodir a qualquer momento.

Ocorreu a Riley tratar-se de uma imagem apropriada.

Tal com este caso, Pensou Riley. Pronto a explodir.

É claro que se o Monte Rainier explodisse, poderia facilmente destruir grande parte da cidade. Uma série de homicídios pareciam insignificantes, comparativamente, mas os homicídios eram aquilo que Riley tinha que impedir.

Riley estava contente por ela e Bill se terem apoderado de um veículo do FBI só para eles, em vez de se fazerem acompanhar por Wingert e Havens. Ela tinha a certeza que os dois agentes locais estavam tão felizes quanto eles.

Ao passarem por várias comunidades à beira da água, Riley viu casas flutuantes de vários tipos e tamanhos, agregadas ao longo de docas partilhadas. Eram coloridas e tinham um aspecto animado, com pessoas na sua azáfama diária. Mais à distância na água, pequenos barcos à vela aproveitavam a brisa que se fazia sentir.

Rapidamente chegaram aos portões da comunidade onde Amanda Somers vivia. Bill parou e o guarda saiu da sua casinha de aspecto confortável. Enquanto ele se encaminhava para o carro, Bill abriu o vidro.

“Devem ser do FBI,” Disse o homem.

Bill e Riley apresentaram-se e mostraram os seus distintivos. O homem era alto e magro com um rosto revelador de uma boa natureza. Parecia a Riley ter mais ou menos a sua idade.

“Passem,” Disse o guarda. “Podem estacionar lá dentro.”

O homem abriu o portão e Bill estacionou o carro no estacionamento privado. Quando saíram do carro o homem estava próximo e apertou-lhes a mão.

“Chamo-me Evan Highland,” Apresentou-se. “Estava aqui a trabalhar ontem à tarde e...”

Parou de falar repentinamente de forma estranha. Riley percebeu que ele estava a ter dificuldades em compreender o que tinha acontecido.

Riley reconhecera de imediato o seu nome. A polícia local tinha-o interrogado pouco depois da descoberta do corpo de Amanda Somers. Ele não estava de serviço quando o corpo foi encontrado, mas estava presente quando a visitante chegou.

Antes de sair do hospital, Riley lera a transcrição da sua descrição da mulher. Era um homem com capacidade de observação e a sua descrição era bastante detalhada.

Mesmo assim, Riley queria fazer-lhe mais algumas perguntas.

“Será que nos pode dizer algo mais sobre a visitante a quem deu entrada ontem,” Perguntou.

Um olhar de dor atravessou o rosto de Highland.

“Pensam que pode ser a assassina?”

Riley tinha pena de ter que falar no assunto. Ela não lhe queria dizer que podia ter deixado uma assassina entrar em casa de Amanda Somers. Para além disso, Prisha Shankar já expressara as suas dúvidas. De acordo com Shankar, era provável que Amanda Somers tivesse sido envenenada antes de a visitante chegar.

“Não fazemos ideia, Sr. Highland,” Disse Riley. “Ocorreu-lhe alguma coisa a respeito dela depois de ter falado com a polícia?”

Highland abanou a cabeça.

“Não me lembrei de mais nada,” Disse ele. “Tinha um rosto perfeitamente normal. Lábios normais, queixo, olhos, nariz. Lembro-me de pensar nisso nessa altura – ‘esta é a pessoa mais normal que já vi na minha vida.’”

Deu uma risada triste.

“É uma contradição nos termos, não é? Como é que uma pessoa pode parecer mais normal do que todas as outras pessoas?”

Riley apontou as suas palavras.

“Ela usava maquilhagem?” Perguntou.

“Não.”

“Pensa que poderia estar a usar uma peruca?” Perguntou.

Highland não disse nada durante um momento.

“Talvez. O cabelo era castanho-avermelhado como disse ontem à polícia. Estava penteado a direito e tinha franja. Sim, talvez pudesse ser uma peruca. Uma boa peruca.”

Riley imaginava Solange Landis. Com um simples disfarce, ela poderia muito provavelmente encaixar na descrição. Mas mesmo assim, ainda era uma possibilidade reduzida.

Bill perguntou, “Tem a certeza de que não teve mais visitas nesse dia? Antes da visitante que descreveu?”

Highland abanou a cabeça.

“Não,” Disse o homem. “Não deixei mais ninguém entrar para a ver.”

“E visitantes para outras pessoas?”

“Estava um dia tranquilo. Só algumas pessoas, mas ninguém que eu não conhecesse.”

Riley sabia que os agentes do FBI já tinham verificado toda a gente que tinha passado aqueles portões no dia do homicídio. E tinham interrogado todos os vizinhos sem que surgissem novos suspeitos.

Agora ocorria-lhe outra possibilidade. Se o assassino não era um vizinho ou um visitante, parecia-lhe que apenas outra pessoa teria acesso a Amanda Somers.

E essa pessoa era o próprio guarda.

Riley observou-o atentamente, procurando qualquer sinal de ansiedade. Se ele fosse o assassino, ela conseguiria certamente detetar algum sinal indicador de culpa.

De facto, ele parecia estar muito inquieto. Mas Riley pressentia que nada tinha que ver com culpa. Este homem estava incomodado pela possibilidade de ter falhado nos seus deveres profissionais.

“Consegue lembrar-se de mais alguma coisa?” Perguntou.

Highland pensou mais um pouco.

“Ela era bastante normal, mas tinha um sorriso simpático. Parecia – generosa, acho. Amanda – era assim que a tratava – não tinha visitas com muita frequência. Fiquei contente por alguém vir visitá-la.”

Agora o olhar de Highland ficara distante.

Disse, “Sabem, eu era uma das poucas pessoas daqui que sabia quem ela realmente era. Ela era apenas ‘Amanda’ para os vizinhos. Ainda mal posso acreditar. Sempre que aparecia, parava e falava comigo.”

Os olhos de Highland encheram-se de lágrimas.

Riley e Bill trocaram olhares. Ela sabia que ambos tinham percebido uma coisa.

Bill disse, “Leu o livro dela, não foi?”

Highland anuiu.

“Há alguns anos,” Disse ele. “Muito antes de a conhecer.”

“Também nós – Eu e o Agente Jeffreys,” Disse Riley.

Highland teve dificuldade em falar durante alguns instantes.

“Aquele livro mudou a minha vida, fez-me olhar para mim e para o mundo de uma forma completamente diferente. Devia ter-lho dito, mas... ela queria tanto ser deixada em paz porque este era o lugar em que ela não tinha que ser Amanda Somers. Pensei que seria impróprio, por isso nunca toquei no assunto.”

Calou-se. Riley conseguia ver arrependimento no seu olhar – arrependimento por nunca lhe ter feito perguntas, arrependimento por nunca lhe ter agradecido por ter escrito aquele livro magnífico.

Este homem não era um assassino.

“Fez o mais correto,” Disse Riley.

“Obrigado,” Disse ele, mas não parecia muito convencido.

Highland deu indicações da localização da casa de Amanda Somers, e Bill e Riley começaram a caminhar pelas docas.

“Ele não é o nosso homem,” Disse Bill.

“Não,” Disse Riley. “Ele está de luto, tal como todos os seus leitores. E para além disso, está a lutar contra um sentimento de culpa.”

Riley observou o bairro ao caminharem. Ouvira as casas dali a serem descritas como casas flutuantes e não como casas-barco. Agora entendia porquê. As casas eram enormes e algumas tinham uma arquitetura muito elegante.

De lado havia casas mais pequenas – verdadeiras casas-barco com proas levantadas. Lembravam RVs a Riley, exceto que se encontravam na água. Aquelas conseguiam obviamente movimentar-se na água. Fora-lhe dito que as maiores estavam permanentemente ancoradas.

As casas flutuantes estavam alinhadas ao longo de várias docas que se interligavam. Mesmo neste bairro caro, a decoração ia do kitsch ao elegante. Ao caminharem, Riley viu árvores em vasos, esculturas e gnomos de jardim nos convés.

Encontraram a casa de Amanda Somers no fim da doca. Era maior do que a maioria das outras casas e tinha a forma de uma grande caixa moderna. Riley e Bill ultrapassaram a fita da polícia e caminharam na direção da porta de entrada.

Nesse preciso momento, o telemóvel de Bill tocou. Bill viu quem lhe ligava.

“É o Rigby,” Disse ele. “É melhor atender. Vai entrando.”

Riley abriu a porta e entrou em casa. Teve que conter a respiração. A casa era ainda maior lá dentro do que vista do exterior.

Apoderou-se de Riley um sentimento estranho – um arrepio que se lhe entranhou nos ossos.

Até agora, estivera triste pela morte da autora, mas isto era diferente.

Sentiu-se esmagada por um espanto estranho e perturbador.

Estou sozinha na casa onde Amanda Somers morreu, Pensou.

De alguma forma, a casa não parecia completamente desocupada.

 

 


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


O corpo de Riley foi trespassado por um estremecimento ao observar a grandiosa sala de estar com janelas panorâmicas com vista para a água. Foi tomada por ondas de emoção. Ela sabia que não eram as suas emoções, mas sensações poderosas que pareciam preencher o espaço à sua volta.

A sensação mais poderosa de todas era a solidão.

A simples dimensão da casa aprofundava esse sentimento. Parecia estranho e triste que Amanda Somers tivesse escolhido viver ali sozinha.

E no entanto, não estivera completamente sozinha no seu último dia de vida. Riley ainda sentia a presença da visitante. Teria sido esta rara e última visita a sua assassina?

Isso era o que Riley esperava descobrir.

A primeira impressão da casa era de que tudo parecia surpreendentemente impecável. O sofá branco e as cadeiras podiam apenas pertencer a uma pessoa sem filhos ou animais de estimação. Também era óbvio que Amanda nunca esperava entrar em casa molhada vinda da prática de desportos aquáticos. Nem teria convidados que o fizessem. Era provável que nunca tivesse entrado dentro de água para se divertir.

Parecia irónico - viver numa casa flutuante mas não ter interesse na água. Riley questionou-se o que teria atraído Amanda àquele local.

Algo mais parecia estranho a Riley. Já estivera em casa de escritores anteriormente. Nunca estivera numa que estivesse tão limpa. Pela sua experiência, as pessoas criativas eram um pouco desarrumadas. Mas aquela casa estava imaculada.

Fez Riley pensar se Amanda Somers tinha parado completamente de escrever. Apesar de todos os rumores acerca de mais livros a editar, talvez ela simplesmente tivesse desistido de escrever depois de The Long Sprint.

Mas talvez houvesse outro motivo para a casa ter a aparência que tinha.

Esta era a sua fuga, Lembrou-se.

Talvez a mansão de Amanda Somers em Moritz Hill fosse muito diferente. Se escrevesse por lá, pelo menos partes da mansão teriam vestígios da sua torrente criativa.

Riley não sabia e não fazia sentido tentar adivinhar. No final de contas, fora ali que Amanda Somers fora assassinada.

Mantém-te concentrada no caso, Lembrou-se novamente a si própria.

Os seus olhos repousaram numa bebida inacabada em cima da mesa de apoio.

Pegou no copo e cheirou a bebida lá contida.

Uma apreciadora de bourbon, como eu, Pensou.

Mas o bourbon estava diluído. Aparentemente, Amanda Somers preferia o seu whiskey com mais água e gelo do que Riley.

Lembrou-se de algo que Prisha Shankar tinha dito acerca de como Saddam Hussein assassinava os dissidentes.

“Quando um deles foi libertado da prisão, ofereceram bebidas de felicitações para brindar à sua liberdade.”

A bebida estava envenenada?

Mas a teoria não fazia sentido para ela. Havia apenas um copo para uma pessoa. Amanda tinha preparado a bebida sozinha e tinha-se sentado a bebê-la sozinha.

Riley pousou o copo no preciso local onde o encontrara. Depois dirigiu-se à moderna cozinha. Duas chávenas de chá e pires tinham sido lavados e deixados na grelha de secagem.

Riley teve uma sensação de desconforto.

Bebeu uma bebida quente com a visitante, Pensou Riley. E Prisha Shankar tinha dito que o tálio podia ser administrado através de uma bebida.

Riley interrogou-se se teriam partilhado chá ou café.

Em qualquer dos casos, Amanda Somers tinha lavado as chávenas depois de a visitante ter partido. Ainda estava viva e capaz.

O recipiente da máquina de fazer café estava vazio. Mas é claro que Amanda Somers o podia ter lavado quando lavou as chávenas.

Riley abriu o balde do lixo. Alguns papéis e outros restos ainda se encontravam no seu interior, mas não viu grãos de café nem saquetas de chá. Isso pareceu-lhe estranho. Para que teriam utilizado as chávenas?

Não tendo encontrado mais nada de interesse na cozinha, Riley regressou à sala de estar. Uma cronologia de acontecimentos começou a formar-se na sua mente.

Entretanto Bill entrou dentro da casa.

“O Rigby quer que vanos ao Hospital South Hills quando tivermos terminado aqui,“ Disse ele.

“O hospital onde morreu Cody Woods?” Perguntou Riley.

“Sim. Pode ser que o diretor nos consiga ajudar.”

Reparando no copo em cima da mesa, Bill perguntou, “Achas que a bebida estava envenenada?”

“Não, ela mal tinha começado a bebê-la,” Disse Riley. “Penso que nem sabia que tinha sido envenenada quando a preparou. Acredito que a visita já tinha partido há várias horas. Já seria bastante tarde.”

Riley permaneceu quieta e pensou durante um momento.

“Começou a sentir-se mal quando se sentou para a beber,” Disse ela. “Decidiu subir até ao quarto para descansar um pouco.”

Riley caminhou na direção das escadas que conduziam ao segundo andar. Bill seguiu-a. Na base das escadas estava uma pequena mesa com alguns livros dispersos. Percebeu por dois suportes para livros que os livros estavam geralmente bem ordenados. A mulher que mantinha a sua casa tão organizada, não toleraria a mais pequena desordem.

“Ela estava tonta e nauseada quando aqui chegou,” Disse. “Tropeçou e tombou estes livros.”

   Ao continuarem pelas escadas acima, Riley viu que algumas das fotos penduradas nas paredes estavam tortas.

“Continuou a vacilar ao subir as escadas, indo contra as paredes,” Disse Riley.

No corredor no topo das escadas, um tapete estava descomposto.

“Ela caminhava com dificuldade quando aqui chegou,” Disse Riley.

Entraram num quarto espaçoso. A cama estava feita, mas ligeiramente desalinhada. A almofada tinha uma mossa em forma de cabeça e estava ligeiramente manchada. Riley debruçou-se e cheirou a almofada.

“Estava a suar quando finalmente se deitou,” Disse. “Deve ter começado a perceber que algo não estava bem. Ou talvez estivesse demasiado tonta e desorientada para pensar no que quer que fosse.”

Riley começava a enfatizar o sofrimento da vítima. Sentiu-se mal do estômago.

Não era isto que ela queria.

Geralmente, numa cena de assassinato, Riley conseguia entrar na mente do assassino.

Ela não estava habituada a identificar-se com a vítima.

Mas tinha que tirar o máximo partido dessa situação.

“Ela agora estava deitada,” Disse Riley. “Não conseguia dormir. A cabeça devia andar à roda e doer. Ela decidiu que precisava de apanhar ar fresco. Sentou-se Talvez lhe tenha feito bem e conseguiu caminhar mais firmemente.”

Riley seguiu os seus passos pelo corredor, depois continuou para o convés exterior.

“Porque é que ela não ligou o 112?” Perguntou Bill, seguindo Riley.

“Estava delirante. Já não sabia bem o que estava a fazer.”

“A polícia diz que ela caiu do telhado,” Disse Bill.

Com Bill atrás de si, Riley subiu as escadas que conduziam ao telhado a partir do convés.

“Ela devia ter uma ideia vaga de que aqui estaria mais confortável,” Disse Riley.

E de facto, o ar no pátio do telhado era extraordinariamente fresco. A área tinha pedaços quadrados de relva artificial e plantas reais em vasos. Um conjunto de mobília elegante com sofá, uma cadeira e uma mesa de apoio pareciam enquadrar-se perfeitamente numa sala de estar elegante, apesar de Riley ter a certeza de que os estofos eram impermeáveis. Uma das almofadas do sofá estava virada de forma esquisita.

“Ela colapsou aqui durante algum tempo,” Disse Riley. “Talvez até tenha desmaiado. Quando voltou a si, levantou-se e veio até aqui.”

Riley seguia os passos da mulher até ao corrimão com vista para a água com Seattle do outro lado da margem. O ar estava desimpedido agora e Riley podia ver a outra margem. Mas a vista devia ter sido diferente naquele momento. À noite com luzes escassas a brilhar no nevoeiro sobre a água. Devia ser belíssimo. Talvez Amanda até tivesse tido oportunidade de apreciar a vista por uns instantes antes de...

Antes de quê?

Depois lembrou-se de algo que Prisha Shankar dissera naquela manhã. O cocktail venenoso continha uma certa substância – Riley não se lembrava do nome multisilábico apesar de o ter apontado no seu caderno de notas.

Para já, o nome não importava.

Riley recordou-se das exatas palavras da Dra. Shankar sobre a substância.

“É um relaxante muscular. Pode causar paralisia momentânea.”

Riley conseguia sentir o que Amanda devia ter sentido – uma onda de fraqueza e desespero quando o corpo cessou de reagir.

Mas a questão permanecia – a última visitante de Amanda tinha-a envenenado?

Se não, quem o poderia ter feito?

Riley fechou os olhos e tentou captar os últimos pensamentos de Amanda antes de cair sobre o corrimão.

Sentira-se traída...

Tudo o que queria era uma amiga com quem conversar, com quem passar o tempo.

Por isso permiti que alguém entrasse na minha casa solitária.

E a minha convidada fez-me isto.

E agora vou morrer tal como vivi – sozinha.

Riley sentiu uma certeza crescer dentro de si.

Agora lembrava-se de algo que Highland dissera sobre a visita.

“Parecia – generosa, acho.”

E também dissera...

“Estava contente por alguém simpático a ter vindo visitar.”

A certeza de Riley aumentava a cada segundo que passava.

Sim, tinha sido aquela última visitante.

A visitante tinha sido encantadora – demasiado encantadora. Ela era capaz de bondade, talvez até acreditasse que era uma pessoa bondosa.

E no entanto, era uma verdadeira aberração. Os assassinos que Riley já apanhara assistiam à agonia das suas vítimas. Isso fazia parte da sua compulsão – exultarem nos dolorosos momentos finais daqueles que matavam.

Mas esta era capaz de uma crueldade com uma magnitude que Riley raramente encontrara.

Não lhe importava que as vítimas morressem sozinhas.

Ela tinha deixado a mais solitária das mulheres morrer sozinha.

Havia um estranho vazio dentro de si, um abismo de que nem ela tinha conhecimento.

Ela nem sabe o tipo de monstro que é, Pensou Riley.

Os olhos de Riley abriram-se. Olhou para Bill. Ele percebeu com nitidez de que Riley tinha chegado a uma conclusão.

“O que é?” Perguntou ele.

“Foi a visitante,” Disse Riley.

Depois com um esgar, Riley acrescentou, “E é uma louca da pior espécie.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Riley estava apreensiva enquanto ela e Bill se dirigiam para o Hospital South Hills. Ainda estava afetada pelo desastre ocorrido no Hospital Parnassus Heights naquela manhã. Não sabia o que esperar do South Hills, mas não tinha nenhum motivo para crer que as coisas ali correriam melhor.

Ali morrera Cody Woods. É claro que a polícia local e os agentes do FBI já tinham interrogado o diretor do hospital e grande parte do pessoal. Agora ela e Bill iam voltar à carga. Pela experiência de Riley, interrogatórios deste género raramente corriam bem. As pessoas que já estavam cansadas de perguntas, reagiam geralmente de forma nervosa e defensiva.

Quando se encontraram com a Diretora Margery Cummings no seu gabinete, Riley suspirou de alívio. Era uma mulher agradável, corada e cumprimentou-os com apertos de mão e um sorriso sincero.

“Soube da reunião no Parnassus Heights,” Disse Cummings. “Parece que foi uma cena e tanto.”

Riley e Bill trocaram olhares. O que é que lhe poderiam dizer discretamente sobre o desastre daquela manhã?

Cummings riu-se. Pareceu pressentir o seu pouco à-vontade.

“A coscuvilhice corre rápido na comunidade médica,” Disse ela. “Sou nova aqui em Seattle, mas ouvi imensas histórias sobre Briggs Wanamaker. Tem um gosto especial em dar nas vistas. Tento não seguir o seu exemplo.”

Riley sorriu desconfortavelmente. Apesar de considerar a alegria de Cummings refrescante também lhe pareceu um pouco esquisita. A ideia de que um paciente tinha sido envenenado no seu hospital parecia não pesar muito na sua consciência.

Cummings levantou-se.

“Venham comigo,” Disse. “Tenho o meu pessoal à vossa espera.”

Conduziu Riley e Bill por um elevador e corredor até à sala do pessoal do hospital. Estavam lá umas vinte pessoas – auxiliares, enfermeiras, médicos e até pessoal da manutenção. Todos tinham trabalhado no piso onde Cody Woods tinha estado durante o tempo em questão.

Riley ficou aliviada por ver que aquela reunião não seria como a catástrofe de Parnassus Heights. Todos eram cooperantes e pacientes, e ela e Bill fizeram-lhes perguntas que certamente já lhes teriam sido feitas.

Ainda assim, para Riley, aquele esforço não fora muito produtivo. A maior parte daquelas pessoas tinham memórias excelentes. A chefe de equipa do piso tinha registos dos turnos de trabalho e idas e vindas gerais.

Poderia uma visita a outro paciente ter entrado no quarto de Cody Woods quando ele lá estivesse?

O pessoal não acreditava e Riley rapidamente percebeu que era altamente improvável. A Diretora Cummings tinha pessoal vigilante. Um estranho a esgueirar-se num quarto teria chamado a atenção de alguém.

Provavelmente uma viagem desperdiçada, Pensou Riley.

Não que uma viagem desperdiçada fosse algo completamente inesperado. Os becos sem saída como aquele faziam parte da rotina do investigador. O que importava era não deixar nenhuma pedra por virar.

Riley e Bill estavam prestes a terminar a reunião quando se levantou a mão de uma enfermeira.

“Peço desculpa,” Disse ela. “mas alguém se lembra daquele paciente – um tipo que não parava de dizer que tinha sido envenenado?”

Um murmúrio geral percorreu o pessoal. Sim, alguns lembravam-se.

“Demos-lhe alta,” Disse um jovem médico. “Não tinha nada.”

“Também pensei o mesmo na altura,” Disse a enfermeira que tinha falado. “Mas agora que isto aconteceu, fez-me pensar.”

Cummings parecia surpreendida.

“Estão a falar de quem?” Perguntou.

“Aconteceu cerca de um mês antes de assumir o cargo,” Disse a enfermeira. “Qual era o nome dele?”

Outra enfermeira obtinha informações num tablet.

“George Serbin,” Disse ela. “Ele esteve aqui durante uma semana com um caso de pneumonia. Verificámos as suas queixas de forma séria, mas não descobrimos nada que as confirmasse. Fizemos o seguimento depois de lhe darmos alta. Da última vez que soubemos, estava bem e de saúde.”

“Têm alguma informação de contacto dele?” Perguntou Riley.

“Tenho aqui mesmo,” Disse a enfermeira com o tablet.

Bill apontou a informação. Riley e Bill agradeceram a todos e terminaram a reunião.

Quando se dirigiam ao elevador, Bill comentou, “Talvez finalmente tenhamos uma testemunha viva.”

“Espero que sim,” Respondeu Riley. “Os nossos interrogatórios não nos ajudaram em nada até agora.”

Mal saíram, Riley ligou a George Serbin. Obteve uma resposta monossilábica.

“Sim?”

“Estou a falar com George Serbin?”

“Sim.”

A voz do homem era muito estranha, nervosa.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI. Eu e o meu parceiro gostaríamos de lhe colocar algumas perguntas pessoalmente.”

Seguiu-se um silêncio.

“Sobre quê?” Perguntou Serbin.

“Acabámos de falar com o pessoal do Hospital South Hills,” Disse Riley. “Eles disseram que julgava ter sido enevenado. Estamos a investigar essa situação.”

De repente, a voz de Serbin demonstrou sinais de alarme.

“Eu estou bem,” Disse.

Riley olhou para Bill.

Ele não parece estar bem, Pensou Riley.

“Tem a certeza?” Perguntou Riley

“Sim,” Disse, “Cometi um erro. Enganei-me.”

“Gostaríamos de ter a certeza,” Disse Riley. “Queremos ouvir a sua história. Está em casa neste momento?”

Seguiu-se um silêncio ainda mais longo.

“Sim,” Disse o homem.

Depois desligou a chamada.

“O que é que te parece?” Perguntou Bill.

“Está com medo de alguma coisa,” Disse Riley. “O melhor é irmos até lá.”

Ela e Bill dirigiram-se de imediato ao carro.

George Serbin parecia tão estranho ao telefone que Riley não sabia dizer se estava perante uma possível vítima ou um suspeito.


*


O prédio ficava a uma curta distância do hospital. Era uma estrutura simples, em nada diferente de dezenas de outras alinhadas em vários quarteirões. Assim que confirmaram o local, Riley e Bill dirigiram-se ao segundo andar e bateram à porta de Serbin.

“Quem é?” Perguntou uma voz no seu interior.

“Agentes Paige e Jeffreys, FBI,” Disse Riley. “Liguei-lhe há bocado.”

“Ah.”

Riley ouviu o ruído de correntes e linguetas.

A porta abriu-se para um minúsculo e desarrumado apartamento. George Serbin era um homem de baixa estatura, moreno e com uma expressão assustada no rosto.

“Podemos entrar?” Perguntou Riley.

“Claro,” Disse Serbin, saindo do caminho.

Serbin não lhes disse para se sentarem. Caminhava de um lado para o outro desconfortavalmente, evitando olhar para eles. Pareceu a Riley alguém extraordinariamente estranho – como se não confiasse na sua própria sombra e quisesse libertar-se dela.

Riley observou a divisão em que se encontravam. Reparou que as janelas estavam cobertas por dentro com chapas de isolamento. Pareceu-lhe esquisito. O tempo ali em Seattle não parecera especialmente frio até ao momento.

Bill disse, “Sr. Serbin, esteve hospitalizado muito recentemente por causa de uma pneumonia. O pessoal disse que se queixou de que estava a ser envenenado. De que é que se tratou?”

Serbin agitou os braços enquanto falava com aquela voz estranha. Quase parecia a Riley uma personagem de banda desenhada.

“Sim, bem. Como eu disse, foi um mal-entendido. Eu não estava a acusar ninguém de nada.”

“Pode contar-nos o que aconteceu?” Pediu Bill.

“Não foi nada. De verdade, nada.”

Serbin continuava a caminhar.

Riley reparou num portátil situado numa mesa de cozinha com tampo de fórmica. Ficou surpreendida por vê-los aos três no ecrã.

Perguntou, “Sr. Serbin, está a gravar-nos em vídeo?”

“Mais ou menos,” Disse.

Após uma pausa, acrescentou, “Na verdade, estamos em direto no Facebook.”

Riley não sabia o que dizer ou fazer. Não fazia ideia de quantos amigos de Serbin estariam a assistir – talvez alguns ou talvez centenas.

Felizmente, Bill parecia saber como lidar com a situação. Dirigiu-se ao computador e falou diretamente para o ecrã.

“Olá malta,” Disse. “Obrigado por estarem a tomar conta do Sr. Serbin. A vossa lealdade e vigilância é admirável. Mas prometo, eu e a minha parceira não lhe queremos fazer mal.”

Tirou o distintivo e exibiu-o na câmara.

“Eu sou o Agente Especial Bill Jeffreys, FBI,” Disse ele.

Acenou a Riley. Ela espreitou para a câmara, mostrando o seu próprio distintivo.

“Eu sou a Agente Especial Riley Paige.”

“Estamos aqui para fazer um interrogatório de rotina,” Disse Bill olhando para a câmara outra vez. “O que se passa é que não podemos fazer isto com muita gente a assistir, por isso o Sr. Serbin vai sair da sua sessão. Garanto que ele estará novamente online daqui a quinze minutos. Caso contrário – bem, sabem quem somos e para quem trabalhamos. Podem responsabilizar-nos.”

Bill virou-se para Serbin com um sorriso afável. E Serbin, parecendo algo aliviado, saiu da sessão.

“Todo o cuidado é pouco nos dias que correm,” Disse Serbin.

“Concordo,” Disse Bill. Mas porque é que pensou que estava a ser envenenado no hospital?”

Serbin abanou a cabeça freneticamente.

“Eu não estava a ser envenenado no hospital,” Disse ele. Eu estava a ser envenenado em todo o lado. Com certeza que sabem tudo a esse respeito. Por isso aqui devem estar.”

Bill e Riley olharam um para o outro.

“Riley disse, “ Sr. Serbin, garanto-lhe que nem eu nem o meu parceiro fazemos a mínima ideia do que está a falar.”

“Vai ter que nos contar tudo em pormenor,” Acrescentou Bill.

Por fim, Serbin sentou-se, parecendo descontrair um pouco,

“Vocês não sabem mesmo nada, pois não? Não devem ter autorização nesse nível. Ah, caraças. Nem sabem a verdade para quem trabalham. Estamos todos a ser envenenados – ou pelo menos todos os expostos. Mas apenas alguns de nós são escolhidos.”

Serbin encolheu os ombros como se acreditasse estar a dizer a coisa mais sensata do mundo. Depois apontou para a janela.

“Venham cá,” Disse ele. “Eu mostro-vos.”

Riley e Bill olharam para a janela. O céu ainda apresentava apenas algumas nuvens.

“Estou a falar daquilo além,” Disse, apontando.

Riley viu uma nuvem branca, estreita e comprida.

“É um vestígio de vapor de um avião,” Disse ela.

“Sim, e é assim que eles fazem as coisas. O meu pessoal chama-os de ‘trilhos químicos’. Estão semprea a alterar a fórmula para atingir pessoas com genes específicos. Têm todos os nossos DNAs num ficheiro por isso é fácil. Quando eu adoeci, sabia que estavam atrás de mim. Mas depois melhorei e compreendi que me tinham retirado da lista. Alteraram a fórmula.”

Ao ouvir o discurso de Serbin, Riley ficou desiludida.

Então é para isso que servem as chapas de isolamento, Pensou.

O homem estava a precaver-se caso “eles” mudassem de ideias.

Já ouvira a história da conspiraçãos dos trilhos químicos anteriormente, mas nunca tinha conhecido ninguém que a levasse a sério. Ali estava com outros memes estúpidos, tal como a noção de que a Pace Needle de Seattle era na verdade um disco voador ali estacionado por extraterrestres.

George Serbin não passava de um teorista da conspiração.

“Compreendem o que eu estou a dizer, não compreendem?” Perguntou Serbin.

“Sim, compreendemos,” Disse Riley, tentando parecer mais paciente do que na verdade se sentia. “Disse-nos tudo o que precisávamos de saber.”

“Obrigado pelo seu tempo,” Acrescentou Bill.

Serbin ficou alarmado quando viu Bill e Riley a dirigirem-se para a porta.

“Mas não podem regressar,” Disse ele. “Não depois de saberem o que sabem. Não estarão seguros. O meu pessoal pode tomar conta de vocês. Nós podemos proteger-vos. Nós ajudamo-vos a desaparecerem. Basta dizerem e nós tratamos de tudo.”

Riley conseguiu reprimir um sorriso.

“Nós estamos dispostos a correr riscos,” Disse ela. “É o nosso trabalho, sabe.”

Serbin parecia abatido. Obviamente sentia que não estava a ser levado a sério. Antes de dizer algo mais, Riley deu uma cotovelada a Bill na direção da porta e seguiu-o dali para fora.

Caminharam em silêncio pelo correrdor. Depois, no topo das escadas, Bill sentou-se.

Abanou a cabeça. “Não vamos a lado nenhum Riley,” Disse ele. “Nem conseguimos evitar que uma nova vítima seja envenenada. Amanda Somers não devia ter morrido. E não conseguimos impedir este assassino de matar a próxima vítima.”

Riley compreendeu o que Bill queria dizer. Apertou-lhe a mão.

“Vem daí,” Disse ela. “Vamos para um lugar onde possamos falar.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E CINCO


Apesar de Riley e Bill terem ambos pedido sanduíches numa encantadora loja reluzente, não estavam a conseguir comê-las. Riley tinha dado umas dentadas e Bill não tinha sequer tocado na dele. Agora ambos de limitavam a olhar para a comida.

Parece que não nos apetece muito comer, Pensou Riley.

Olhou para o seu parceiro com grande preocupação.

“Temos que conversar sobre isto Bill,” Disse ela. “Tens que me dizer o que te está a incomodar.”

Ele não falou de imediato. Riley viu que ele lutava consigo próprio.

“Acontece sempre que tenho que lidar com uma situação que envolve a palavra ‘veneno’,” Disse Bill.

Acontece? Interrogou-se Riley duramte um momento. Depois percebeu o que ele queria dizer.

“Queres dizer flashbacks?”

Bill anuiu.

“A mãe tinha tantas dores,” Disse ele. “Ela chorava muito das dores. Era...”

Ele parou por um instante.

“E aqui estamos nós, sem conseguir avançar,” Disse Bill. “Só cá estamos há três dias e já perdemos outra vítima. São três vítimas de que tenhamos conhecimento mas ambos sabemos que terão havido outras – vítimas anteriores que nunca foram detetetadas. Nós não fazemos ideia de quantas. E eu estou demasiado próximo para conseguir fazer o meu trabalho de forma apropriada. Não estou a conseguir pensar como deve ser.”

Riley compreendia perfeitamente. Ela também sentia um tipo de stress semelhante, apesar de por razões diferentes. Para ela era uma questão de prioridades – impedir um assassino brutal ali em Seattle ou lidar com os problemas que a esperavam em casa. Saber que não podia ter as duas coisas aborrecia-a constantemente.

“Talvez devesses trabalhar neste caso sem mim,” Disse Bill. “O Meredith pode enviar a Lucy Vargas para me substituir. Ela faria um excelente trabalho. Neste momento, sinto-me um peso morto.”

Riley ficou alarmada. Uma mudança daquelas podia ser perturbadora. Ela tinha a certeza que não seria vantajosa. E não queria que Bill desistisse do caso. Ela sabia que ele se arrependeria mais tarde se se retirasse.

Debruçou-se na mesa na sua direção e falou com um tom de voz afável mas firme.

“Não és um peso morto,” Disse Riley. “Nunca és um peso morto.”

Bill não respondeu.

“Diz-me a verdade Bill. Queres mesmo abandonar este caso?”

Bill abanou a cabeça indicando que não.

“Então o que é que realmente queres?”

O rosto de Bill contraiu-se com determinação.

“Quero resolvê-lo,” Disse ele.

Riley sorriu e deu-lhe uma palmadinha na mão.

“Nesse caso,” Disse ela. “Vamos considerar esse assunto arrumado.”

Bill sorriu um pouco e todo o seu corpo pareceu descontrair.

“OK,” Disse ele. “Vamos voltar ao trabalho. Temos alguma pista concreta?”

Riley não disse palavra. Lembrava-se de algo que Solange Landis lhe dissera.

“O que mais me impressiona no mal é a sua uniformidade. Parece-me que os monstros são todos muito semelhantes.”

Quanto mais Riley pensava naquela declaração mais estranha lhe parecia.

Em primeiro lugar porque não a considerava verdadeira. Ela já vira o mal a manifestar-se de várias formas ao longo dos anos. E estes homicídios recentes pareciam únicos entre todos os casos de que se lembrava.

Será que Solange Landis acreditava no que dissera?

Riley pensou na diretora da escola de enfermagem.

Landis conseguirq lançar uma suspeita sobre Maxine Crowe que se revelara um beco sem saída. Estaria apenas a vingar-se ou era algo mais sinistro?

Estaria Landis a enganá-la de forma deliberada?

Riley tinha um pressentimento de que a mulher não era confiável. Era uma sensação forte que há muito aprendera a não ignorar.

Disse a Bill, “Não consigo evitar suspeitar de Solange Landis.”

“A diretora da escola de enfermagem?”

“Sim. Há algo de errado com aquela mulher.”

“Faz sentido. Parece improvável que alguém que não seja profissional de saúde tivesse acesso às três vítimas. Devemos estar atentos a ela. Que tipo de informação temos até ao momento?”

Riley pensou durante um momento.

“Pedi ao Van Roff, o analista técnico, para descobrir o que fosse possível sobre ela. Ele deu-me um ficheiro com tudo. Li-o e nada de estranho se destacou. Ele não encontrou quaiquer ligações entre Landis e as três vítimas.”

“O melhor é veres outra vez,” Disse Bill.

Riley abriu o seu portátil. Abriu o ficheiro e começou a ler o seu conteúdo.

“São sobretudo coisas de rotina,” Disse ela. “Data de nascimento, número de Segurança Social, morada, número de telefone. Fora casada e divorciara-se e sempre usou o seu nome de solteira.”

Riley percorreu mais registos.

“Fez o curso de enfermagem no Rosin Medical College em Dover, Delaware – uma escola muito prestigiada. Depois disso trabalhou como enfermeira e obteve relatórios laudatórios e recomendações. Há cerca de dez anos, foi contratada para ser a diretora de uma pequena escola de enfermagem em Cincinnati. Fez um excelente trabalho, elaborou um programa de enfermagem e desenvolveu uma reputação sólida.”

Depois Riley encontrou algumas histórias sobre a forma como Landis tinha conseguido o seu novo emprego.

“Quando a Tate School of Nursing aqui em Seattle começou a procurar um novo diretor, ficaram encantados por encontrá-la. Contrataram-na de imediato. E a sua reputação continua em crescendo.”

Riley olhou para os registos de forma insegura.

“Talvez o meu palpite esteja errado,” Disse ela. “Ela tem um registo perfeito.”

Bill olhou para as informações pensativamente.

“Talvez demasiado perfeito,” Disse ele.

Riley compreendeu o que Bill queria dizer com aquela observação.

“É isso,” Disse ela. “É isso que me tem incomodado. É tudo demasiado perfeito. Ela é simplesmente demasiado boa para ser verdade.”

“Então procuramos o que está errado,” Disse Bill.

“Por onde começamos?

Bill encolheu os ombros.

“Pelo princípio,” Disse ele.

Riley compreendeu de imediato o que ele queria dizer. Encontrou o número de telefone do Rosin Medical College. Ligou e colocou a chamada em alta-voz para que tanto ela como Bill pudessem ouvir e falar.

Quando a rececionista atendeu a chamada, Riley disse, “Daqui fala Agente Especial Riley Paige do FBI. O meu parceiro Bill Jeffreys também está em linha. Gostaríamos que procurassem nos vossos registos informações sobre uma antiga aluna. Chama-se Solange Landis.”

Riley disse à rececionista o ano em que Landis tinha concluído o curso.

“Isso foi há mais de vinte anos,” Disse a rececionista. “Não temos registos eletrónicos que recuem tanto. Está tudo em papel. Mas posso verificar e voltar a contactar-vos amanhã.”

Riley reprimiu um esgar de frustração.

“Precisamos mesmo dessa informação hoje,” Disse ela. “É para uma investigação de homicídio.”

“Lamento mas é impossível,” Disse a rececionista, parecendo bastante irritada.

Bill entrou na conversa.

“Então torne possível,” Disse ele. “Descubra os registos agora mesmo ou enviamos uma equipa para aí. Fechamos os vossos serviços administrativos e vasculharmos tudo.”

Riley quase se riu. Era o velho Bill em ação.

“Tudo bem,” Disse a rececionista. “Já vos ligo.”

“Que não demore muito,” Disse Bill.

A chamada terminou. Bill e Riley sorriram um para o outro. Sabia bem avançarem. Agora começaram a comer as sanduíches com muito mais apetite do que há uns minutos atrás.

Passados poucos minutos a rececionista ligou. Parecia abalada e ansiosa.

“Não matem o mensageiro, OK? Mas não encontrei nenhum registo de uma aluna com esse nome. Nenhuma prova de que tivesse frequentado a instituição ou terminado o curso. Têm a certeza de que ligaram para a escola certa?”

Durante um momento, Riley questionou-se se teria cometido algum engano. Olhou outra vez para os documentos constantes do ficheiro que Van Roff lhe dera. E lá estava um diploma, um certificado de enfermagem e uma transcrição académica sólida – tudo do Rosin Medical College.

Riley olhou atentamente para o documento à sua frente.

“O seu nome do meio é Alexandra,” Disse Riley. “Poderão os seus ficheiros ter sido preenchidos com esse como primeiro nome?”

“Não,” Disse a mulher. “Tivemos alguns alunos com o nome Landis, mas nenhuma Solange ou Alexandra. Lamento.”

“Obrigada pelo seu tempo,” Disse Riley. “Foi uma grande ajuda.”

Riley e Bill olharam um para o outro num silêncio espantado.

“Falsificados,” Disse Riley. “Todo o seu registo académico foi falsificado. É na verdade brilhante. Foi inimaginavelmente longe.”

“Todos os que a contrataram presumiram que os registos eram verdadeiros,” Disse Bill. “Ninguém abordou a escola diretamente.”

“Parecem mesmo autênticos,” Disse Riley. “Não admira que não tenha sido descoberta.”

“Até agora,” Acrescentou Bill.

E ficaram ali sentados a olhar um para o outro durante algum tempo.

É esta a oportunidade por que esperávamos? Questionou-se.

“Penso que devíamos ligar a Solange Landis,” Declarou Riley.

“Concordo,” Disse Bill.

Riley ligou o número do gabinete de Landis e colocou novamente o telemóvel em alta-voz. A secretária de Landis rapidamente estabeleceu a ligação com a diretora.

“Agente Paige,” Disse Landis afavelmente. “Não sabia se voltaria a ter notícias suas.”

“O meu parceiro, Bill Jeffreys também está em linha.”

“Olá Agente Jeffreys. Prazer em conhecê-lo. Como está a correr o caso? Verificou Maxine Crowe?”

Riley fez uma pausa antes de responder.

“Interroguei-a,” Disse Riley. “Penso que a podemos eliminar como suspeita.”

“Oh.”

Seguiu-se um breve silêncio.

Depois Landis disse, “Bem, sei que não é uma coisa boa para si. Mas devo admitir que me sinto aliviada. Detestaria pensar que uma das minhas alunas se tivesse tornado numa assassina.”

Mais uma vez, nem Riley nem Bill disseram palavra. Queriam que Solange Landis se sentisse desconfortável. Talvez até dissesse algo que a denunciasse.

“Bem,” Disse Landis por fim, “como vos posso ajudar?”

“Temos mais algumas perguntas que gostaríamos de lhe colocar,” Disse Riley.

“Claro. Estou no meu gabinete neste momento, porque é que não passam por cá?”

Riley lembrou-se da descrição que Maxine Crow fizera da casa de Landis.

“Ela tem imagens de morte por todo o lado...”

Riley disse, “Gostaríamos de falar consigo em sua casa.”

Agora Landis parecia claramente desconfortável.

“Posso perguntar porquê?”

“Explicamos-lhe quando nos encontrarmos.”

Riley e Bill esperaram alguns segundos.

“Estou a trabalhar até ao final da tarde,” Disse finalmente Landis. “Podem aparecer por volta das oito da noite?”

“Muito bem,” Disse Riley.

Solange Landis deu-lhes a sua morada e terminaram a chamada.

Bill e Riley olharam um para o outro.

“Acho que tivemos muita corte,” Disse Bill.

Espero que sim, Pensou Riley.

E ainda assim era difícil de acreditar. É verdade que Solange Landis tinha baseado toda a sua carreira em registos falsificados, mas ainda assim tinha sido uma carreira e tanto e ela ensinara muitas pessoas. Ela fizera muito bem ao mundo.

Seria realmente uma assassina?

Riley lembrou-se de algo mais que Landis dissera.

“Os demónios cruéis estão dentro de todos nós.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E SEIS


O fim da tarde nunca mais chegava para Riley. Solange Landis marcara o encontro para as oito horas. Ela e Bill passaram o resto da tarde a prepararem-se para a visita.

Riley pensou que talvez estivessem prestes a fazer uma detenção naquele caso horrível. É claro que ainda não tinham qualquer certeza, mas se se tratava de facto de uma oportunidade da sorte, Riley não queria deixar nada ao acaso. Confirmou pormenores com Van Roff sobre os documentos falsificados de Landis. Bill pesquisou as consequências legais por utilizar registos falsificados.

Eram quase oito horas quando Riley e Bill entraram num bairro agradável e bem iluminado no norte de Seattle. Mesmo depois de escurecer, havia ainda muita atividade nas ruas. Viam-se pessoas a correr, outras a passearem os cães.

A área estava repleta de árvores e plantas, e casas tradicionais mais antigas estavam misturadas com casas mais modernas. Desde que Riley estava em Seattle que reparara que algumas casas tinham designs muito modernos. Mas esta fila de casas estreitas com telhados de duas águas tinham um aspecto mais tradicional, mais parecido com a sua casa na Virginia.

Estacionaram em frente à casa de Landis, dirigiram-se à porta de entrada e tocaram à campainha. Solange Landis cumprimentou-os, envergando um fato e sapatos de salto alto.

Landis parecia alegre e descontraída, não fazendo notar a intranquilidade que ela notara anteriormente ao telefone. Convidou Riley e Bill a entrar.

Riley ficou imediatamente apanhada de surpresa pela aparência normal de tudo. A sala de estar era igual à de Riley só que esta tinha mobília mais recente, com mais estilo.

Onde estava a decoração macabra de que falara Maxine Crowe – as imagens de morte, as caveiras humanas?

Estaria Maxine Crowe a mentir?

Ter-se-ia Riley precipitado ao descartá-la como suspeita?

Nas paredes havia algumas fotografias de uma rapariga em diferentes fases da sua vida, de bebé a descobrir um baloiço até adolescente a terminar o Liceu. Solange Landis aparecia na maioria dessas fotos a brilhar alegremente junto da menina. As fotos pareciam afetuosas. Nada naquele compartimento era perturbador.

Landis reparou no interesse de Riley.

“É a minha filha, Chloe,” Disse ela com um vestígio de melancolia. “Está fora no primeiro ano da faculdade. A casa está tão vazia sem ela. O pai, o meu marido, partiu há vários anos. Agora vivo sozinha.”

Um pai ausente, Pensou Riley.

É claro que lhe lembrou a atitude de Ryan nos últimos anos. Mas Riley Não conseguiu evitar pensar se o desaparecimento do marido de Landis não estaria relacionado com uma causa mais sinistra.

Landis disse, “Mas disse ao telefone que tinha mais perguntas para me colocar. Em que vos posso ajudar?”

Bill disse, “Em primeiro lugar, gostaríamos de saber se teve algum contacto com Margaret Jewell, Cody Woods ou Amanda Somers.”

Landis olhou para Bill e Riley.

“Esses nomes não me soam familiares – Exceto, claro, Amanda Somers. Li o livro dela mas nunca estive com ela profissionalmente. Ela morreu recentemente?”

Depois os seus olhos dilataram-se.

“Espere um segundo. Esses são os nomes das vítimas de envenenamento, não são?”

Acrescentou com um sorriso irónico, “Oh, não me digam. Sou suspeita?”

“Só lhe queremos colocar algumas perguntas,” Disse Bill.

Landis emitiu uma breve risada e bateu as palmas.

“Sou suspeita, não sou? E eu que pensava que estavam aqui por causa das minhas competências. Mas de certa forma, estão, não é? Bem, isto é uma nova experiência para mim. Devo dizer que me sinto estranhamente lisonjeada. Venham até aqui onde podemos conversar mais confortavelmente.”

Riley e Bill seguiram-na até um compartimento com papel de parede negro. Cortinas pesadas estavam penduradas nas janelas e a sala iluminada por candeeiros turvos. Não era uma sala muito grande, mas estava bem mobilada, permitindo que um pequeno grupo de pessoas – talvez seis ou oito – pudessem sentar-se e conversar.

Este era obviamente o lugar de que Maxine Crowe tinha falado – um covil onde histórias e pensamentos sombrios eram partilhados. Maxine alegava que deixara de ir a casa de Solange Landis porque o cenário e as conversas eram demasiado esquisitos para ela.

É bem esquisita, Pensou Riley ao olhar para a decoração macabra. Havia algumas caveiras humanas verdadeiras aqui e ali. Nas paredes estavam penduradas gravuras de monstros, mortos-vivos e quimeras. Entre eles havia muitas fotografias antigas. Algumas mostravam cadáveres a repouar em caixões. Outras pareciam velhos retratos de família embora houvesse algo de estranho e mórbido a respeito deles.

Landis pareceu reparar na curiosidade de Riley.

Ela explicou, “Esses são retratos de pessoas mortas. Antigamente, quando a fotografia era uma novidade, as famílias posavam com os seus entes queridos mortos. Geralmente davam-se a imenso trabalho para fazer esses cadáveres parecerem vivos.”

Apontou para diferentes fotografias e explicou.

“Aqui vê duas crianças a posarem com a sua irmãzinha morta. Nesta, um homem morto tem o seu cão preferido ao seu colo. Esta mostra uma menina morta junto das suas queridas bonecas. Aqui estão duas meninas a darem as mãos – Não sei qual das duas está morta. Já devem ter notado que os olhos dos mortos estão sempre abertos.”

Landis calou-se, deixando o efeito arrepiante das fotografias entranhar-se no ambiente.

“Imagino que possa parecer mórbido à maioria das pessoas,” Disse ela com um suspiro. “Mas eu penso que era uma tradição tocante. Talvez tenhamos perdido algo de essencialmente humano ao distanciarmo-nos das realidades da morte.”

Depois virando-se para os visitantes, disse, “Mas estou a ser incorreta, não lhes ofereci uma bebida. Gostava de vos oferecer uma cerveja ou vinho, mas estão de serviço. Gostariam de tomar um chá ou café?”

Riley resistiu ao impulso de olhar para Bill. Ela tinha a certeza de que ele estava a pensar na mesma coisa que ela – que Landis estava deliberadamente a brincar com eles. Seria realmente tão ousada a ponto de envenenar dois agentes do FBI na sua própria casa? Riley duvidava, mas não podia ter a certeza e é claro que Bill pensaria da mesma forma. Landis parecia estar a divertir-se de forma algo distorcida face à sua incerteza.

“Não, obrigada,” Disse Riley.

“Estamos bem,” Acrescentou Bill.

“Sentem-se, estejam à vontade.”

Riley e Bill sentaram-se juntos num sofá com estofo negro. À sua frente, uma estranha peça de mobiliário servia de mesa de apoio. Parecia muito antigo com pernas esguias e um tampo em treliça. Riley questionou-se qual seria o seu uso original.

Ao sentar-se, Landis mais uma vez notou a curiosidade dos visitantes.

“Isto é uma verdadeira antiguidade,” Disse ela. “Data do século XIX. Foi restaurada, claro, e a parte em tecido é nova. Já ouviram falar de uma ‘tábua de refrigeração’?”

“Não posso dizer que tenha,” Disse Riley.

“Eu também não,” Disse Bill.

Landis tocou no tampo fino de vime.

“Bem, hoje em dia a refrigeração é uma coisa normal, mas antigamente, armazenar cadáveres na preparação de um funeral era muito difícil, sobretudo quando o tempo estava mais quente. Os corpos eram mantidos em tábuas de refrigeração como esta. Com gelo por baixo, a treliça mantinha-os frescos. A treliça permitia a drenagem de sangue e fluidos corporais.”

Um olhar nostálgico atravessou o rosto de Landis.

“As tábuas de refrigeração foram há muito substituídas por unidades de armazenamento refrigerado e mesas de embalsamamento de metal – não tão elegantes, na minha opinião. Chamem-me antiquada, mas parece-me que o progresso fez-se a custo da graça e do estilo.”

Landis olhou para Bill e Riley com uma expressão inquisitiva.

“Disseram que eliminaram Maxine como suspeita. Porquê?”

Riley estudou a expressão da mulher. Riley e Bill tinham que tratar esta situação com pinças. O objetivo naquele momento era Landis revelar a sua mão, dizer ou fazer alguma coisa que revelasse a sua culpa.

Riley disse, “Quando nos conhecemos disse-me que Maxine Crowe tinha tido problemas por fazer experiências com pacientes.”

Landis assentiu.

Depois Riley acrescentou, “Mas não me disse que ela experimentava com placebos, nada de verdadeiramente venenoso.”

Landis inclinou a cabeça.

“Placebos? Não sabia.”

Riley perscrutou Landis mais atentamente. Estaria a mentir? Geralmente era fácil para Riley detetar uma mentira durante um interrogatório. Mas algo na perpetuamente sardónica expressão de Landis tornava difícil decifrá-la.

Riley disse, “Nunca referiu que você e Maxine não estavam bem quando ela deixou a escola.”

Landis olhou para Riley atentamente.

“Deveria tê-lo feito? Quando nos encontrámos anteriormente, não sabia que era uma suspeita.”

Riley não respondeu.

“Ah, já percebi. Maxine contou-lhe algumas histórias sinistras sobre o que tenho nesta sala e você tirou algumas conclusões precipitadas.”

Riley continuou sem falar. Tanto ela como Bill sabiam que a melhor tática era dizer e perguntar o mínimo indispensável. Deviam deixar ser Landis a falar – de preferência até tropeçar.

Landis franziu a sobrancelha.

“Agente Paige, está a sugerir que eu a conduzi deliberadamente a Maxine Crowe como distração?”

Riley olhou para ela tranquilamente.

“Eu tinha expectativas em relação a Maxine Crowe,” Disse Landis. “Mas penso que a esclareci sobre os meus objetivos educativos anteriormente. A negação é o pior inimigo da cura. É disso que tratam as minhas reuniões aqui. Ela separa os alunos que conseguem enfrentar as realidades daqueles que não conseguem.”

Ainda em silêncio, Riley manteve os seus olhos fitos nos da mulher. Nenhuma delas pestanejou.

Landis prosseguiu, “Eu espero que os meus alunos consigam olhar a morte nos olhos, verem-na tal como é. A Maxine tinha – como é que o hei-de dizer? – um estômago fraco para o tipo de trabalho para o qual estava a ser treinada. Ela licenciou-se e recebeu as suas credenciais, mas eu nunca lhe dei a minha recomendação absoluta. É óbvio que ainda está amarga em relação a isso, mas não se pode evitar. Há algumas coisas que simplesmente não se podem ensinar.”

Landis desviou o olhar, olhando agora para Bill e Riley. Seria por nervosismo? Riley ainda não conseguia perceber.

Depois um ligeiro sorriso atravessou o rosto de Landis.

“Não têm quaisquer provas. Não me podem prender só porque uma ex-aluna despeitada pensa que sou mórbida.”

Mais uma vez Landis brincava com eles.

Mas isso provava que ela era uma assassina?

Ela tem razão, Pensou Riley. Não temos provas – pelo menos, não para já.

Riley e Bill haviam chegado a um impasse. Apenas lhes restava uma opção. Riley olhou para Bill e percebeu que ele pensava da mesma forma.

Bill levantou-se do sofá, dirigiu-se a Solange e pediu para se levantar.

Disse, “Solange Landis, está presa por um crime de classe C.”

Landis ficou descrente enquanto Bill a algemava.

“O quê?”

Riley levantou-se.

“É ilegal usar ou deter um certificado de curso fraudulento,” Disse Riley. “A pena no estado de Washington pode ser cinco anos de prisão e uma multa de dez mil dólares.”

“Não sei do que estão a falar,” Disse Landis.

E pela primeira vez, Riley soube que ela estava mesmo a mentir.

“Penso que sabe,” Disse Riley.

Enquanto Riley e Bill conduziam Landis para fora da sua casa, ela gaguejou numa confusão de choque.

“Mas se o fiz... não estou a dizer que o fiz, mas... com certeza que o FBI tem mais que fazer do que... não têm um assassino para apanhar?... Por favor, eu tenho uma filha, tento fazer o que está certo.”

Riley não disse nada enquanto Bill a empurrava para o carro.

Era uma boa prisão, mas não tão boa quanto Riley esperava.

Ainda não tinham provado que Solange Landis era uma assassina.

E se for culpada, Pensou Riley, ainda tem muitos truques na manga.

 

 

 

CAPÍTULO VINTE E SETE


Na manhã seguinte bem cedo, Riley estava entusiasmada enquanto ela e Bill se dirigiam à Mansão de Amanda Somers em Moritz Hill.

Ela viveu mesmo aqui, Pensou Riley.

Uma autora que tinha tocado Riley tão profundamente tinha vivido naquele local.

O mero pensamento era verdadeiramente inspirador.

Ainda assim, o lugar não era bem o que Riley esperava. Parecia mais a casa de algum senhor medieval do que a casa de uma grande escritora Americana. A fachada estava parcialmente revestida de madeira negra. Apesar de ser impressionante, parecia antiquado e deslocado no contexto de uma cidade moderna.

Bill estacionou o carro no terreno privado ao lado da casa.

“Espero que isto não seja uma perda de tempo,” Disse Bill ao caminharem na direção dos portões ornamentais na entrada da propriedade.

Riley também esperava. Não tinha sido ideia deles lá ir naquela manhã. O Chefe Sanderson ligara-lhes muito cedo e pediu-lhes para irem à mansão de imediato.

Riley compreendeu os motivos de Sanderson. Agora que a atenção do público estava centrada na morte de uma autora famosa, tranquilizar os filhos de Somers era uma grande preocupação.

Mas Solange Landis estava detida. Riley sabia que precisavam de concentrar a sua energia em Landis – em determinar a sua culpa ou eliminá-la como suspeita. Sanderson dissera que Landis negava qualquer relação com os homicídios. A polícia de Seattle e o FBI local tinham feito buscas à sua casa e gabinete e não tinham descoberto nada de suspeito – nada de venenos.

Esta viagem não agradava muito a Riley. Eles precisavam de despachar aquilo rapidamente.

Ao caminharem pelos portões, um homem muito bem vestido saiu da casa para os cumprimentar de uma maneira formal.

“Sou Cromer, o mordomo da falecida Sra. Somers,” Disse com um sotaque Inglês acentuado. “E os senhores são os Agentes Paige e Jeffreys, segundo creio. Acompanhem-me por aqui. São esperados na biblioteca.”

Cromer conduziu-os até um saguão azulejado. Por uma porta aberta, Riley viu uma sala de estar espaçosa com imensos painéis em madeira negra.

Sentia que tinha recuado até um passado distante – e tal como o exterior da casa, nada se parecia com aquilo que esperava. Na sua mente, comparava aquela mansão tradicional à moderna casa flutuante. Como é que a mesma mulher tinha vivido em ambos os lugares? Riley pressentia que Amanda Somers se sentia confortável na casa flutuante. Como poderia gostar de viver numa casa daquelas?

Tudo parecia arrumado e limpo, tal como na casa flutuante de Somers. Não parecia a residência de uma pessoa extremamente criativa. Nem parecia real. A casa parecia mais um cenário elaborado do que uma casa.

Riley continuava a regressar ao inesquecível livro de Amanda Somers, The Long Sprint, e à sua protagonista vital, Emerson Drew. Amanda Somers tinha criado um mundo pleno de personagens que pareciam mais reais do que a realidade, mais vivas do que a vida. Não fazia sentido que a sua casa fosse aquele museu repleto de escuridão.

Cromer conduziu-os à biblioteca. Apresentou-os ao filho e filha de Amanda Somers e retirou-se. Logan Somers e Isabel Watson estavam sentados numa grande mesa antiga de mogno desfolhando páginas manuscritas.

Riley respirou com mais facilidade ao olhar em redor. A biblioteca era caótica e desarrumada – muito mais o tipo de ambiente criativo que esperava encontrar. As paredes estavam cobertas de estantes preenchidas com centenas de volumes, muitos deixados abertos, outros empilhados descuidamente em cima uns dos outros. Os livros e os papéis até se encontravam no chão e pela mobília. Parecia que ninguém limpava o compartimento há muito tempo.

Provavelmente ela não o permitia, Imaginou Riley.

Uma máquina de escrever antiga encontrava-se numa secretária simples, ainda com uma página pendente de um manuscrito inacabado. Não havia nenhum computador à vista. Parecia que Amanda Somers não entrara na era da eletrónica, mesmo depois de todos os seus anos dedicados à escrita.

Riley não estava surpreendida. Somers pertencera a uma tradição literária que estava a desaparecer. Tais autores não tinham qualquer desejo de acompanhar os últimos desenvolvimentos tecnológicos.

Logan Somers olhou para Riley e Bill por cima de uns óculos de leitura.

“Estamos contentes por aqui estarem,” Disse ele.

Isabel Watson nem olhou para eles.

“Sentem-se,” Disparou ela.

Riley e Bill tiveram que remover pilhas de livros de duas cadeiras para se poderem sentar. Durante algum tempo os anfitriões não disseram palavra, por isso Riley continuou a observar o que a rodeava. Uma porta aberta dava para uma casa de banho. Riley reparou numa pequena cama num canto. Riley pressentiu que Amanda Somers dormia ali muitas vezes. Na realidade, Riley adivinhou que ela raramente deixava este compartimento quando se encontrava naquela casa.

Ela odiava aquela casa, Percebeu Riley. Esta biblioteca era o seu único refúgio ali.

Depois Riley demorou alguns instantes a estudar os rostos dos filhos de Amanda Somers. Devido à sua reclusão, a autora nunca permitira que a sua fotografia surgisse em cópias dos livros. Riley só tinha visto uma fotografia sua no dia anterior. Depois fora atingida pela humanidade e profundidade de caráter daquele rosto – exatamente o que Riley esperaria da autora de The Long Sprint.

E agora, detetava Riley alguma parecença entre estes dois adultos e a sua mãe? Os seus rostos tinham a mesma forma e os queixos e narizes eram muito parecidos. Mas os seus traços pareciam de alguma forma desprovidos de qualquer sentimento real.

Riley não encontrou vestígios da alma penetrante que descobrira na fotografia de Amanda Somers.

Talvez tenha saltado gerações, Pensou Riley.

Ao contrário da mãe, Logan Somers e Isabel Watson eram notoriamente pessoas sem profundidade. Riley também sentiu que estavam afastados da mãe há muito tempo.

Por fim, Logan Somers afastou alguns papéis e olhou para Riley e Bill com um sorriso pouco sincero.

“Fantástica casa, não é?” Perguntou.

“Incentivámos a mãe a comprá-la quando ficou à venda, “ Acrescentou Isabel Watson, mal levantando os olhos daquilo que estava a ler. “Pensámos que era perfeita – muito adequada a uma pessoa da sua estatura literária.”

Riley reparou no distinto vazio com que Isabel pronunciou aquelas palavras, “estatura literária,” como se não compreendesse completamente o seu significado.

Logan Somers abanou a cabeça e acrescentou num tom amargo, “A mãe quase não passava aqui tempo nenhum. Continuava a ficar naquele maldito barco.”

“Aquele estúpido barco,” Disse Isabel. “Tentámos convencê-la a não o comprar. Que desperdício de dinheiro.”

O seu tom era frio e desinteressado.

Dinheiro, Pensou Riley. É tudo o que lhes interessa. O dinheiro da mãe.

E agora rodeavam as pilhas de manuscritos inacabados de Amanda Somers como abutres.

Bill disse, “O Chefe Sanderson disse que queriam que falássemos com vocês. Sobre que assunto?”

Logan sorriu novamente.

“Só queríamos ter a certeza de que estávamos no mesmo caminho,” Disse ele.

Riley trocou olhares com Bill.

“E que ‘caminho’ é esse?” Perguntou Bill.

Nem Logan nem Isabel responderam durante alguns instantes. Isabel por fim colocou os papéis de lado e olhou para Bill e Riley.

“Soubemos que detiveram um suspeito,” Disse finalmente Isabel. “Uma mulher.”

“É verdade,” Disse Riley.

Logan e Isabel olharam um para o outro, e depois para Riley e Bill.

“Bem, é claro que têm que fazer o vosso trabalho,” Disse Loga com um encolher de ombros.

Riley sentiu-se algo intrigada.

“O que é que quer dizer com isso?” Perguntou.

“Têm que eliminar outras possibilidades,” Disse Logan.

“Outras possibilidades?” Perguntou Bill.

Logan emitiu uma ligeira risada.

“Quero dizer, outra para além do suicídio. Penso que a morte da mãe foi isso como é evidente. Penso que todos concordamos.”

Riley sentiu invadir-se pela fúria.

“Não sabemos nada a esse respeito,” Disse ela.

Bill acrescentou, “A vossa mãe foi morta por um cocktail de venenos pouco usuais – dificilmente o que a maioria das pessoas utilizaria para um suicídio.”

Isabel sorriu de forma arrogante.

“A nossa mãe não era a ‘maioria das pessoas’,” Disse ela. “Ela era um génio criativo. Mas vocês estão a investigar um caso de homicídios em série, não estão? Bem, simplesmente não faz sentido que a morte da nossa mãe esteja relacionada com isso. As outras duas vítimas eram... bem, demasiado normais. Não tinham nada em comum com a nossa mãe.”

Riley lembrou-se de que a Dra. Prisha Shankar dissera que a tese de suicídio acrescentaria valor de mercado à obra de Amanda Somers.

“Seria torturada e infeliz, para além de solitária. Tudo junto cria as lendas literárias.”

Era disso que se tratava – controlo total da reputação póstuma de um autor. Riley sentiu que Bill se sentia tão incomodado como ela. Mas como habitualmente, manteve um tom tático.

Disse, “Garanto-vos que tudo faremos para descobrir as exatas circunstâncias da morte da vossa mãe.”

Com um ligeiro sorriso, Isabel disse, “Agente Jeffreys, nós conhecemos as exatas circunstâncias. E o seu agente contratou uma empresa de RP para tratar da história dos seus últimos dias. Detestaria que a polícia e o FBI contradissessem essa história.”

Riley ficou estupefacta com o descaramento da mulher.

Disse, “E eu detestaria que você e o seu irmão fossem acusados de obstrução à justiça. O melhor é não deixarem essa vossa ‘história’ ser conhecida até terminarmos a nossa investigação.”

A expressão de Isabel ensombreceu e a sala pareceu, de repente, ficar mais fria. Fez um gesto na direção das enormes pilhas de manuscritos.

“Agentes Paige e Jeffreys, estão a olhar para um tesouro literário,” Disse ela. “Estão aqui pelo menos cinco romances inéditos. É um sonho tornado realidade para a legião de leitores da nossa mãe. Porquê estragar a sua diversão com um escândalo sórdido?”

A hipocrisia da mulher espantava Riley. Nenhuma daquelas pessoas queria evitar um escândalo. Elas apenas queriam escolher o escândalo – suicídio e não homicídio, sobretudo se fosse mais um entre outros homicídios. E com todo o dinheiro que estavam prestes a herdar, podiam contratar uma dispendiosa equipa de advogados e revogar uma acusação de obstrução. Podiam tornar esta investigação mais difícil do que já era.

Ou estava algo mais sinistro em causa?

A morte de Amanda Somers deve ser um sonho tornado realidade para eles, Pensou Riley.

Viveram na sombra da fama da mãe toda a sua vida e nunca tinham podido explorá-la.

Será que poderiam ter decidido encurtar a vida da mãe?

A sua ganância em arrebatar os manuscritos da mãe e receitas antecipadas seriam certamente um motivo eloquente.

Riley tentou enquadrar essa possibilidade. Teriam Logan e Isabel a estaleca para planear um homicídio – ou uma série de homicídios para encobrir este? Talvez não, mas podiam ter contratado outra pessoa para o trabalho.

A voz de Bill interrompeu os pensamentos de Riley.

“Penso que terminámos por aqui,” Disse ele numa voz tensa e furiosa. “Obrigado pelo vosso tempo.”

Isabel chamou o mordomo que acompanhou Riley e Bill à porta.

Enquanto caminhavam na direção do carro, Bill disse, “ Não ficaste com a sensação de que acabámos de falar com dois possíveis suspeitos?”

“Não sei Bill,” Disse Riley. “Ocorreu-me, mas não sei.”


*


Quando Bill e Riley regressavam ao departamento do FBI alguns minutos mais tarde, viram uma multidão de pessoas na entrada principal.

“O que é que se passa?” Perguntou Bill.

Muitas das pessoas tinham câmaras e microfones. Riley estava à espera de uma discussão produtiva de uma investigação em curso. Em vez disso, ela e Bill estavam prestes a cair noutra emboscada dos meios de comunicação social.

Ela conseguia sentir a sua fúria a crescer.

Também sentiu Bill a agarrar no seu braço e a sussurrar-lhe, “Tenta não assustar os simpáticos jornalistas.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E OITO


Quando a multidão de jornalistas viu Riley e Bill, rodearam-nos com microfones em riste e câmaras a dispararem. Riley estava furiosa – mas não com os jornalistas, a maior dos quais reconhecia da desastrosa reunião no hospital no dia anterior. Mas alguém libertara notícias sobre o caso prematuramente e Riley estava furiosa com essa pessoa, fosse ela quem fosse.

Os jornalistas chocavam contra Riley e Bill, ao mesmo tempo que chamavam por eles.

“Agente Paige!” Gritou um.

“Agente Jeffreys!” Gritou outro.

“É verdade que fizeram uma detenção no caso dos envenenamentos?”

“Como se sentem por terem resolvido o caso tão rapidamente?”

Riley e Bill afastaram os jornalistas, tentanto encontrar um caminho para a porta de entrada.

“Sabem que não podemos discutir casos sob investigação,” Disse Bill.

“Mas a investigação está encerrada, não está?” Gritou a mulher com a câmara.

“Como chegaram à conclusão que Solange Landis era a assassina?” Gritou um homem com um microfone.

“Qual foi o motivo?” Perguntou outro jornalista.

Riley e Bill conseguiram chegar à porta de entrada sem responder a nenhuma pergunta. Dois agentes estavam à porta.

“Não os deixem entrar no edifício,” Disse Riley aos agentes.

Os agentes assentiram e caminharam na direção da multidão. Riley e Bill apressaram-se na direção do edifício para ficarem fora do alcance dos jornalistas.

“Raios partam,” Disse ofegante. “Pensava que vínhamos a uma reunião para discutir o progresso do caso.”

Bill abanou a cabeça.

“Bem, pelo que nos disseram, o caso está resolvido. Foi uma pena é termos sabido pelos jornalistas e não pela nossa equipa.”

“Pois, imagino de quem será a culpa,” Disse Riley.

Subiram um lance de escadas até à sala de reuniões do FBI. Quando lá entraram, Riley ficou chocada por ver todos muito satisfeitos.

Maynard Sanderson estava sentado num lado da mesa com os Agentes Lloyd Havens e Jay Wingert a flanqueá-lo. O Chefe Sean Rigby expressava o seu domínio estando de pé enquanto os outros estavam sentados.

Por contraste, Van Roff parecia tão alheio como habitualmente. Mais uma vez, estava sentado na ponta mais distante da mesa, atarefado no seu portátil.

O Chefe Rigby apresentava um sorriso satisfeito e sinuoso.

“Estão um pouco atrasados, Agentes Paige e Jeffreys,” Disse ele.

“Sim,” Disse Riley, resistindo ao impulso de responder com maus modos. “Fomos atrasados pela multidão à frente do edifício.”

Rigby fez um som gutural que parecia o mais próximo de uma risada.

“Ah, os jornalistas. Não os podemos censurar por quererem felicitar-vos por um trabalho bem feito. Na verdade, todos vos queremos felicitar. Sentem-se.”

Bill alternava o peso entre um pé e o outro.

“Eu prefiro ficar de pé, obrigado,” Disse Bill.

“Eu também,” Disse Riley.

O sorriso de Rigby desvaneceu-se um pouco. Também ele não se sentou. Riley pressentiu que estava determinado a manter o domínio e ficaria de pé o tempo que eles também ficassem.

“Porque é que a comunicação social tem tanta certeza de que apanhámos a assassina?” Perguntou Riley.

Rigby disse, “Só lhes disse a verdade – que tínhamos feito uma detenção. E disse-lhes o nome da suspeita.”

Maynard Sanderson acrescentou, “Excelente trabalho que vocês fizeram. Tenho que admitir que não estava ansioso por vos ter aqui. Mas o Chefe Rigby tomou a decisão certa. Vocês fizeram um grande trabalho.”

“Ainda não acabámos,” Disse Riley. “Eu e o Agente Jeffreys queremos interrogar a suspeita.”

Rigby abanou a cabeça.

“Isso não é necessário,” Disse ele.

“O que é que quer dizer com não ser necessário?” Perguntou Bill.

Sanderson disse, “Vocês já fizeram o principal. Nós agora tratamos do resto. Nós sacamos-lhe uma confissão. Ela já começa a ceder. Vocês podem voltar agora para Quantico.”

Riley quase tremia de raiva. Ela não sabia o que dizer. Estava aliviada por ter sido Bill a falar.

“Eu e a Agente Paige sabemos que não encontraram qualquer prova na casa de Solange Landis – nenhum veneno.”

Rigby encolheu os ombros.

“Bem, isso era de esperar,” Disse. “Ela é esperta e sabe encobrir os vestígios. Mas é apenas uma questão de tempo. Todos sabemos que ela é a assassina.”

“Só sabemos que ela é culpada de fraude,” Disse Bill. “Isso não é o mesmo que múltiplos homicídios.”

Rigby olhou para Riley e Bill.

“As provas circunstanciais são esmagadoras,” Disse ele. “Sabem isso melhor do que ninguém. Devido à sua posição na escola podia ter acesso a qualquer tipo de instalação médica. Isso significa que poderia ter tido acesso a qualquer uma das nossas vítimas.”

“Poderia,” Resmungou Bill. “O caminho até à prova é distante.”

Riley olhou para Van Roff que parecia não estar a prestar atenção ao que se dizia. Ainda trabalhava no portátil.

“O que é que está a fazer Sr. Roff?” Perguntou Riley.

“Ainda à procura,” Disse Roff com uma voz distante. “Estou a localizar pessoas que pudessem ter acesso – terapeutas, sobretudo.”

Riley quase suspirou de alívio.

Pelo menos alguém aqui ainda está a trabalhar, Pensou. Se ao menos os outros fizessem o mesmo.

“Ouçam-me,” Disse ela. “Este caso ainda não está encerrado. Se Solange Landis é culpada, acreditem em mim, ainda tem truques na manga, Não será fácil de derrubar. Se não é culpada, ainda temos um assassino à solta.”

Rigby aproximou-se de Riley e Bill.

“Aprecio a vossa diligência,” Disse, parecendo agora mais impaciente. “Mas já acabou.”

Rigby cruzou os braços.

“Estou certo que têm trabalho mais urgente à vossa espera em Quantico,” Disse ele. “Querem que providencie o vosso voo de regresso?”

“Não, obrigado,” Disse Bill. “Nós tratamos disso.”

“Tratem rápido,” Disse Rigby. “Podem ir agora. Nós tratamos do resto. E mais uma vez, obrigado.”

Por fim, Rigby sentou-se à cabeceira da mesa e enfrentou os outros que concentraram a sua atenção nele. Riley e Bill estavam agora de fora do que quer que fosse discutido de seguida. Saíram da sala.

Ao saírem do eifício, ficaram aliviados por perceber que a multidão de jornalistas tinha dispersado.

“Devem ter-se aborrecido de ficar à espera,” Disse Bill.

“Só Deus sabe que história vão divulgar agora,” Disse Riley.

Caminharam em silêncio na direção do carro.

“O que é que devemos fazer agora?” Perguntou Riley.

“Não sei tu,” Disse Bill. “Mas a mim apetece-me mesmo uma bebida.”

“Boa ideia,” Disse Riley.


*


Um pouco mais tarde, Riley e Bill estavam numa cabina no bar do hotel. O bar estava cheio à hora de almoço, mas a cabina era muito privada. Bill acenou ao empregado, dizendo, “Pedimos daqui a alguns minutos.”

Fez uma chamada para Brent Meredith em Quantico e fizeram-lhe um ponto da situação com o telemóvel em alta-voz. Riley fez as suas queixas quanto a encerrar o caso tão rapidamente.

“Concordo com vocês que ainda existem algumas pontas soltas,” Respondeu Meredith. “Mas o Rigby foi a pessoa que solicitou a vossa presença à partida. Se ele pensa que o vosso trabalho está terminado por aí, a decisão é dele. A não ser que tenham uma prova irrefutável do contrário.”

Riley suspirou. “Não temos nada de sólido,” Disse ela. “Mas não gosto disto.”

“Não tem que gostar. É assim que as coisas funcionam.”

Seguiu-se um curto silêncio.

“Espero-vos no meu gabinete pela manhã,” Disse Meredith.

“Sim, senhor,” Disse Bill e terminou a chamada.

Bill e Riley olharam um para o outro durante uns instantes.

“Tenho que admitir que estou aliviado,” Disse Bill. “Estou ansioso para sair daqui.”

Riley ficou chocada.

“O que é que estás a dizer? Pensava que estavas particularmente ansioso em fechar este caso como deve de ser.”

Bill franziu o sobrolho.

“E quero, quero mesmo,” Disse ele. “Mas isto está a comer-me vivo. E não adiantava de nada ficar aqui. O caso está encerrado de acordo com todos exceto...”

Ele parou antes de terminar a frase.

“Todos exceto eu?” Disse Riley. “É isso que queres dizer?”

Bill não respondeu.

“Bill, olha-me nos olhos e diz-me que estás satisfeito por termos apanhado a Solange Landis.”

Bill trocou olhares com ela mas não respondeu.

Por fim, Bill disse, “Vou ligar ao piloto para preparar o avião para nos levar para Quantico.”

Riley mal conseguia acreditar no que estava a ouvir.

“”Força, faz a chamada,” Disparou ela. “Mas entras naquele avião sozinho. Eu vou ficar aqui até o trabalho estar concluído.”

Os olhos de Bill dilataram, alarmados.

“Riley, estás doida? Ouviste o que o Meredith disse. Ele espera-nos a ambos amanhã de manhã.”

Riley conseguia sentir um nó de raiva na garganta.

“Pois, bem, não seria a primeira vez que ignorava uma ordem.”

Bill agora olhava para ela verdadeiramente preocupado.

“Não, não seria,” Disse ele. “Mas pode ser a última. Riley, já foste suspensa e despedida e reintegrada vezes sem conta. Mais cedo ou mais tarde a tua sorte vai acabar. Quando é que vais parar de brincar com o fogo?”

Riley quase teve que trincar a língua. Como podia Bill, de todas as pessoas, estar pronto a desistir assim, daquela forma?

Por fim, Riley disse, “Faz a chamada se quiseres. Vou pedir uma bebida.”

“Riley....” Começou Bill.

Ela saiu da cabina e foi até ao bar. Pediu um bourbon duplo com gelo. Enquanto esperava, deu por si a pensar...

Estarei errada?

Toda a gente parecia ter a certeza de que o caso estava encerrado. Ela não sabia ao certo porque é que não partilhava dessa opinião. Agora arrependia-se por ter sido tão dura com o Bill.

O empregado do bar serviu-lhe a bebida e ela pagou-a.

Preciso de conversar com o Bil, Pensou.

Mas quando regressou à cabina viu que ele já não estava lá.

Tinha ido para o seu quarto, é claro, fazer as malas para regressar a casa. Nem tinha ficado para o almoço.

Riley começou a pensar se não deveria fazer o mesmo.

Não era tarde para mudar de ideias.

Voltou para a cabina e bebericou a sua bebida.

Começou a perceber que uma dúvida vaga se instalara desde que ela e Bill tinham prendido Solange Landis.

O que era exatamente?

Depois Riley lembrou-se daquele momento no convés superior na casa flutuante de Amanda Somers.

Ela apanhara um flash da mente do assassino e percebera duas coisas de forma muito clara.

O assassino era uma mulher...

E era completamente louca.

Será que Solange Landis se encaixava nesse perfil?

Não era impossível. Ela lidara com muitos psicopatas que conseguiam apresentar uma faceta sã ao mundo. E Landis era um mistério para ela.

Mas Riley não conseguia sacudir as suas dúvidas.

Nesse momento, o telefone tocou. Viu que a chamada era de casa. Atendeu e ouviu a voz frenética de April.

“Mãe, tens que vir para casa já! A Jilly está num grande sarilho!”

“O que é que aconteceu?” Perguntou Riley, tentando permanecer calma.

“Não sei, mãe. Acabei de chegar a casa e a Gabriela está assustada de morte. Acabou de receber um telefonema da escola da Jilly. A Jilly não foi às duas últimas aulas e não veio para casa. Não fazemos ideia onde estará.”

Riley sentiu o pânico a dominá-la. April já desaparecera no passado e estivera em grande perigo.

Não tem que ser o mesmo género de coisa, Disse a si própria.

“O pai quer falar contigo,” Disse April.

Riley sentiu um ligeiro alívio ao saber que Ryan lá estava. Depois ouviu a sua voz.

“Riley, lamento isto ter acontecido. Tenho feito o meu melhor. Mas a April, a Gabriela e eu não conseguimos vigiá-la constantemente. Era suposto estar na escola.”

“A culpa não é tua Ryan.”

“Devemos chamar a polícia?”

Riley pensou durante uns instantes.

“Não,” Disse Riley. “Ainda não passou tempo suficiente e a polícia não vai fazer nada. Ligamos-lhes mais tarde se...”

Não conseguiu terminar a frase.

Disse, “Vou para casa, mas só chego à noite. Podes aí ficar com a April e a Gabriela?”

“Claro,” Disse Ryan.

Riley suspirou de alívio e gratidão.

“Obrigada, Ryan,” Disse ela.

“Quem me dera que eu pudesse fazer alguma coisa.”

“Estás a fazer tudo o que podes. Eu... eu agradeço-te muito.”

A chamada terminou e Riley ficou sentada a olhar para o telemóvel durante um momento.

Despacha-te, Disse a si própria. Bill ia fazer as malas para voltar para Quantico e ela tinha que ir com ele.

No final de contas, o FBI tinha a certeza de que ela apanhara a assassina em série de Seattle.

Porque é que ela não se conseguia convenver de que era verdade?

 

 


CAPÍTULO VINTE E NOVE


A mulher estava sentada na mesa da cozinha a ver a primeira página do jornal do dia.

O título anunciava...


Nação chora morte de autora amada


A mulher não queria acreditar.

Pelo segundo dia, as primeiras páginas dos jornais estavam repletas de notícias sobre a morte de Amanda Somers

A última vítima da mulher estava a ter muita visibilidade.

Estava surpreendida pelo facto de a causa da morte ainda parecer contraditória. Parecia que os filhos da vítima diziam tratar-se de suicídio, enquanto a polícia local e o FBI estavam a investigá-la como um homicídio.

De qualquer das formas, a partir de agora tinha que ser mais cuidadosa. A polícia e o FBI estavam demasiado cientes de que se tratatavam de casos de envenenamento. Já estavam a tentar localizá-la. Quanto tempo demoraria até ligarem esta última morte a uma certa profissional de saúde?

Levantou-se da mesa e dirigiu-se a uma prateleira onde guardava dezenas de telemóveis. Cada um deles estava etiquetado com um nome – Susan Guhrie, Esther Thornton, Michele Metcalf, Miranda Oglesby...

Pegou no telemóvel com a eqtiqueta Judy Brubaker.

Ela fora Judy Brubaker quando envenenara Amanda Somers.

Ainda ontem uma clínica ligara para aquele número a perguntar se Judy Brubaker estava disponível. Educadamente dissera que não, Judy Brubaker tinha que sair da cidade devido a uma emergência familiar.

 Mas agora parecia que Judy Brubaker tinha que desaparecer de vez.

Deixava-a triste.

Ela gostava de Judy Brubaker.

Toda a gente gostara de Judy Brubaker.

Mas tal como Hallie Stillians há alguns dias atrás, Judy Brubaker tinha que desaparecer. Tal como outras haviam desaparecido ao longo dos anos.

Levou o telemóvel até ao balcão da cozinha e retirou um rolo da massa de uma gaveta. Rolou-o por cima do telemóvel, partindo-o até ter a certeza de que estava completamente destruído.

Atirou o telemóvel para o lixo.

Depois sentou-se na mesa novamente e olhou em torno da sua cozinha. Suspirou satisfeita. Ela gostava tanto daquela casa! Era incrível como ela era feliz a viver ali. Mas depois de uma vida inteira, nunca se cansara da sua casa confortável. Tivera todos os cuidados para a manter exatamente como era durante a sua infância – um santuário da sua vida perfeita.

Suspirou ao pensar que nem todas as infâncias haviam sido tão felizes como a sua. Nem todas as vidas eram tão ricas e plenas de significado.

Como é triste!

Aquela cozinha era a sua divisão preferida. Tinha as cortinas vistosas e os pratos bonitos alinhados em prateleiras pintadas. Gostava especialmente dos recipientes antigos que tinham pertencido à mãe. Estavam decorados com frutas e flores coloridos e estavam etiquetados com os ingredientes que continham – café, chá, açúcar, farinha, etc.

Durante a sua infância, a mãe fizera magia com os ingredientes. Ela lembrava-se com especial agrado dos biscoitos de laranja da mãe que demoravam um dia inteiro a preparar e cozer.

Claro que aqueles recipientes agora tinham ingredientes bem diferentes.

Isso porque a vida agora era diferente.

Já não era uma menina.

Agora tinha responsabilidades – responsabilidades que nem sempre compreendia.

Muitas vezes compreendia perfeitamente porque é que tinha que acabar com as vidas das pessoas.

Algumas vezes era porque alguém estava a sofrer ou era infeliz ou solitário.

Às vezes era porque as pessoas eram más e tinham vivido vidas sem sentido, vidas nocivas.

Estranhamente, Cody Woods encaixava-se em ambos os perfis. Não sabia se devia ter pena dele ou se o devia odiar. Tudo o que sabia é que tinha que acabar com ele. Não estava tão certa quanto a Amanda Somers. Mas sentia aquela necessidade profunda e soube que tinha que o fazer.

De alguma forma, sempre soubera que tinha que ser feito, mesmo quando não compreendia porquê.

Fechava os olhos e imaginava-se a cobrir o mundo com as suas grandes asas negras.

Mas era mesmo apenas a sua imaginação?

Com o passar do tempo, convenceu-se cada vez mais de que as asas eram reais. Ela sentia-as sobre os ombros. Ninguém no mundo as podia ver, mas elas estavam mesmo lá.

Ela era mesmo um anjo.

E como todos os anjos, tinha um trabalho sem fim a realizar.

Era um trabalho solitário - às vezes insuportavelmente solitário.

Nunca ninguém compreenderia.

Não sintas pena de ti própria!

Abriu os olhos e parou de divagar.

Ela tinha algumas decisões sérias a tomar.

Já usava o tálio há muito tempo – demasiado tempo.

Agora as autoridades estariam atentas a essa substância e, para além disso, atuava com demasiada rapidez – ela precisava de algo muito mais lento.

Felizmente já se preparara para efetuar a necessária alteração. Mas não ia ser fácil. E iria colocar a sua própria vida em grande perigo. Tinha que ser corajosa – e muito cuidadosa.

Levantou-se e dirigiu-se ao balcão da cozinha. Abriu um armário baixo que apenas continha um objeto no seu interior – um pequeno cofre cinzento com uma fechadura.

Nunca apontara a combinação – parecia demasiado perigoso fazê-lo.

Mas estava bem gravado na sua memória.

Para a direita treze, esquerda trinta e seis, depois direita outra vez vinte e quatro.

É claro que não o ia abrir agora. A mera ideia fê-la estremecer. Lá dentro estava um pequeno tubo hermeticamente selado. Dentro do tubo estava um líquido transparente.

Ela tinha roubado o tubo há cerca de um ano de um laboratório de química de faculdade onde estava descuidadamente armazenado num armário marcado como “TOXINAS DE REFERÊNCIA”.

Fosse qual fosse o significado.

Naquele momento, ela não sabia quão imprudente era manipular aquele tubo. Depois fizera alguma pesquisa que a assustou.

Quando percebeu quão perigosa era a substância, comprara um pequeno cofre, fechou o tubo no seu interior e armazenou-o debaixo do balcão onde a temperatura era fresca. Jurara nunca tocar no tubo ou até abrir o cofre até chegar o momento em que teria a necessidade de alterar os seus métodos.

E agora, parecia que o momento chegara.

Mas tinha tudo aquilo de que precisava?

Sabia que sim, mas decidiu verificar, só para se sentir mais segura.

Abriu outro armário e olhou para o seu conteúdo. Sim, a maioria das coisas de que precisava estava armazenada por questões de segurança – um par de luvas laminadas, outro par de luvas que serviriam de reforço, um conjunto de óculos próprios para a manipulação de químicos, um sistema respiratório com máscara incorporada e um casaco branco de laboratório.

Riu-se perante a parafernália necessária.

Tantos cuidados para um tubo tão pequeno!

A única coisa que estava a faltar era um conta-gotas e isso seria fácil de arranjar.

No total, o equipamento custara-lhe quase mil dólares. Mas não tinha dúvidas de que fora um excelente investimento. Sempre soubera que precisaria dele algum dia.

Seria suficientemente corajosa para o utilizar agora?

E foi nesse momento que tocou um telemóvel. Dirigiu-se à prateleira repleta de telemóveis e viu que a chamada era para Esther Thornton.

Ah, sim, Esther.

Já não fazia de Esther há algum tempo.

Esther era uma mulher rígida da Nova Inglaterra com um sentido de humor seco. As pessoas nem sempre gostavam de Esther de imediato, mas acabavam sempre por gostar dela. Havia um mundo de carinho atrás da formidável fachada de Esther.

Atendeu o telemóvel.

“Esther? Daqui fala Molly Braxton do Ormond Rehab.”

Ela respondeu com um sotaque próprio da Nova Inglaterra.

“Ah, sim, Molly. Como está? Já lá vai tanto tempo.”

Molly riu.

“Sim, é verdade, não é? Bem, temos um novo paciente que sofre de vertigens.”

O seu interesse cresceu. Não lidava com um paciente com vertigens há muito tempo.

“A sério? Qual a causa?”

“Disfunção do ouvido interno. E é claro que precisamos de alguém que possa providenciar a terapia física apropriada.”

“E pensou em mim! Estou lisonjeada. Quando começo?”

“Assim que puder.”

“Vou já para aí.”

Anotou a informação que Molly lhe dera e terminou a chamada da forma tipicamente brusca de Esther. Depois percebeu que devia ter feito mais perguntas sobre o paciente. Nem sabia o nome do paciente ou se era homem ou mulher.

Bem, saberei não tarda nada.

E também saberia muito em breve se aquele paciente estava destinado a viver ou a morrer.

 

 


CAPÍTULO TRINTA


Riley sentia-se indefesa ao olhar pela janela do avião para a paisagem que se movimentava lentamente mais abaixo. Demoraria horas até chegar a casa.

O que poderia suceder nesse espaço de tempo?

O que estava a acontecer naquele momento?

Tirou o telemóvel e escreveu uma mensagem a Ryan.

A Jilly já voltou para casa?

A resposta chegou passados poucos segundos.

Não. Lamento.

Riley digitou uma última linha.

Estou a caminho.

Ryan respondeu, Fico contente.

Riley voltou a colocar o telemóvel na mala e olhou novamente para a janela.

“Em que é que estás a pensar?” Perguntou Bill.

Riley quase se esquecera que ele estava sentado a seu lado.

“Sinto-me tão – tão acima das minhas forças em tudo,” Disse Riley.

Ficou surpreendida por sentir um nó na garganta. Era a única coisa que a impedia de chorar.

“Gostava que houvesse alguma coisa que eu pudesse fazer,” Disse Bill.

Riley apertou a sua mão por um momento, depois largou-a. Ela estava contente por ele ali estar e ele já fazia muito em limitar-se a ali estar e em não dizer muito. Ela podia contar com Bill no que dizia respeito a não dizer coisas do género “Tenho a certeza de que vai correr tudo bem,” ou “Ela vai aparecer em casa não tarda nada, vais ver.”

As pessoas fúteis diziam sempre isso e Riley detestava. Mas Bill sempre sabia o que dizer e o que não dizer – e quando não dizer nada. Às vezes ela sentia que não lhe dava o devido valor.

“Desculpa ter-me passado há bocado,” Disse Riley.

Bill não respondeu.

Talvez ainda esteja zangado, Pensou Riley.

“Eu estava errada,” Disse Riley.

Bill franziu o sobrolho.

“Talvez não. Não sei. Não estou satisfeito com a forma como deixámos as coisas lá. E...”

Bill não concluiu. Riley sabia o que ele não estava a dizer. Ele sentia-se mal por se ter deixado dominar pelas emoções. O trauma de infância do envenenamento da sua mãe tinha diminuído a sua objetividade, tinha tornado difícil realizar o trabalho e agora parecia estar a fugir dele.

Mas Riley não o podia censurar. Alguns casos acionavam memórias terríveis. Ela bem sabia por experiência própria.

“Tínhamos as nossas ordens,” Disse Riley. “Estamos oficialmente fora do caso.”

“Não sei, Riley. Vamos admiti-lo, nenhum de nós pensa que isto ficou resolvido. Talvez devêssemos ter ficado e ter ignorado as ordens. Sabes, às vezes invejo a tua...”

Ele parecia procurar a palavra certa.

“Teimosia?” Perguntou Riley com um sorriso.

Bill também sorriu.

“Chamemos-lhe apenas a tua saudável capacidade de insubordinação.”

Riley soltou um riso triste.

“Pois, bem – ambos sabemos que me vai levar à desgraça um destes dias.”

Bill riu tranquilamente.

“Pelo menos terás a tua integridade,” Disse Bill.

“A integridade é sobrevalorizada,”

“Não, não é.”

Riley não disse mais nada durante alguns instantes. Olhou novamente para a janela.

“Não percebo Bill,” Disse, por fim. “Tudo o que quero é dar à Jilly um lar seguro e confortável. Em Phonenix, ela tinha razões para fugir. O pai maltratava-a e era cruel, e só Deus sabe que mais teve ela que enfrentar. Mas eu fiz tudo para fazer com que tudo corresse melhor. Porque é que ela continua a fugir?”

Bill pensou durante alguns segundos.

“Deve por ser tudo novo para ela,” Disse ele finalmente. “Ela nunca esperou ter o tipo de vida que lhe estás a dar. E ela não... não sabe como vivê-la, deve ser isso.”

Riley lembrou-se do que Ryan lhe dissera recentemente.

“Ela tem problemas com a sua imagem. Nenhuma autoconfiança.”

Bill e Ryan pareciam partilhar a mesma opinião sobre Jilly. Riley apreciou ambas as perspetivas.

“Achas que ela vai aprender?” Perguntou Riley.

Bill não respondeu, limitou-se a olhar para ela, pleno de compreensão.

Riley suspirou. Não, não fazia parte de Bill dizer coisas estúpidas e esperançosas – não quando sabia tanto quanto ela sobre o rumo dos acontecimentos.

Recostou-se e fechou os olhos. O barulho dos motores era reconfortante. Ela respirava devagar e adormeceu.


Riley estava a andar num nevoeiro espesso.

Estava sozinha e não sabia para onde ir.

Então viu uma figura estreita a caminhar na sua direção.

O nevoeiro levantou-se um pouco e Riley pode ver que era a mãe.

“Mãe!” Gritou ela. “Estás bem!”

Mas depois surgiu um flash e um ruído, e de repente havia um buraco com sangue no peito da mãe.

A mãe ainda ali estava, parecendo surpreendida, Tocou na ferida, depois olhou para a mão, coberta de sangue.

Riley queria correr na sua direção, mas as suas pernas estavam presas.

“Mãe, temos que ir para o hospital,” Disse ela.

“Não,” Disse a mãe.

“Temos que ir! Se não formos, morres.”

A mãe sorriu tristemente.

“Oh, Riley, eu já estou morta. Estou morta há muito tempo. Porque é que estás sempre a tentar resolver coisas que não podem ser resolvidas?”

Riley ficou confusa com aquela pergunta.

Sentiu que era uma das perguntas mais importantes do mundo.

“Como é que sei a diferença?” Perguntou.

A mãe abanou a cabeça.

“Limita-te a ir embora, Riley,” Disse ela.

“Mas não sei para onde ir,” Disse Riley.

A mãe virou-lhe as costas.

“Limita-te a ir embora,” Disse outra vez.

E depois desapareceu no nevoeiro.


Riley acordou com alguma turbulência. Sentia o avião a descer. Aterrariam a qualquer momento.

Lembrou-se do seu sonho de forma muito vívida e a sua mensagem era dolorosamente clara. A sua mãe tentava dizer-lhe que tentava fazer muitas coisas, tentava resolver problemas que não podia resolver.

Mas como podia escolher?

Devia desistir do caso?

Ou devia desistir de Jilly?

Ou era outra coisa qualquer de que devia desistir?

“Limita-te a ir embora,” Dissera a mãe.

“Mas afastar-se de quê?” Murmurou Riley para a janela.

Ouviu a voz de Bill mesmo a seu lado.

“Disseste alguma coisa?”

“Não,” Disse Riley.

Continuou a olhar para a janela, interrogando-se onde estaria Jilly.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E UM


Quando Riley estacionou o carro na sua casa, mal conseguia respirar de pura ansiedade. Era tarde e escuro agora. Já passava das nove da noite. Não soubera de nada desde a breve troca de mensagens com Ryan no avião.

Quando virou a maçaneta e abriu a porta, a primeira coisa que viu foi Ryan a ir ao seu encontro.

“A Jilly está em casa,” Disse ele. “Acabou de chegar há momentos.”

Riley arfou de puro alívio. As suas pernas quase cederam.

“Tenho que me sentar,” Disse ela.

Gabriela e April estavam à sua espera na sala de estar e Riley afundou-se no sofá para conversar com elas.

“O que é que aconteceu?” Perguntou. “Para onde foi a Jilly?”

“A policía trouxe-a a casa,” Disse Gabriela.

“A polícia?” Perguntou Riley.

“Apanharam-na numa paragem de camiões,” Disse April.

Riley nem queria acreditar. Lembrou-se da paragem de camiões onde conhecera Jilly.

Ryan sentou-se no sofá ao lado de Riley.

Disse, “Uma mulher de uma paragem de camiões – uma prostituta, tenho a certeza – ligou à polícia e disse que uma menor estava a vaguear por ali. Aparentemente falou com Jilly e depois ligou à polícia. Ela deu-lhes o número de telefone, eles ligaram, Gabriela atendeu e depois trouxeram-na para casa.”

Riley sentou-se silenciosamente, tentando abarcar o que acabara de ouvir. O que é que ela pensava que estava a fazer? Estava a tentar vender o corpo outra vez? Riley esperava que essas ideias fossem passado.

“Onde é que ela está?” Perguntou Riley.

“No quarto,” Disse April.

Riley levantou-se e começou a subir as escadas.

“Vai com calma com ela, OK?” Disse April. “Ela está muito transtornada.”

Riley estava a começar a sentir-se zangada ao subir as escadas, mas não estava com disposição para repreender ninguém.

Bateu à porta do quarto de Jilly.

“Entra,” Disse Jilly.

Riley abriu a porta e viu Jilly sentada na beira da cama. Tinha uma caixa de lenços de papel a seu lado. Estivera obviamente a chorar.

“Desculpa,” Disse Jilly.

Riley ficou na ombreira alguns segundos.

Por fim, disse, “O que é que aconteceu Jilly? Porque é que fizeste aquilo?”

“Eu já pedi desculpa.”

“Não estás a responder à minha pergunta.”

Riley sentou-se na cama ao lado de Jilly.

“A April e eu discutimos,” Disse Jilly.

“Sobre quê?”

“Não interessa. Eu estava errada.”

“Foi sobre quê, Jilly?”

Jilly puxou um lenço da caixa e assoou o nariz. Soluçou algumas vezes antes de começar a falar.

“Antes de ir para a escolha esta manhã, comi um iogurte que era dela. Estava no frigorífico e tinha o nome dela mas comi-o na mesma. Ela ficou zangada – só um pouco zangada. E eu também fiquei zangada e disse coisas que não devia ter dito. Não parava de pensar nisso na escola e sabia que estava errada e foi por isso que eu...”

Jilly desatou a chorar e Riley colocou-lhe o braço sobre os ombros.

Não conseguia dar a volta ao que Jilly acabara de contar.

Tudo isto por causa de um iogurte?

“Mas porque é que foste para uma paragem de camiões?” Perguntou Riley. “O que é que pensavas que estavas a fazer?”

“É a única coisa em que alguma vez serei boa.”

Riley ficou perplexa com aquelas palavras.Será que esta criança realmente pensa que só será boa a vender o corpo?"

“Não digas isso,” Disse Riley. “Nunca digas isso. Tu és boa em todo o tipo de coisas. Só ainda não as descobriste. És inteligente e podes aprender. E estamos aqui todos para ajudar.

“Eu não sou ninguém,” Disse Jilly.

Riley levantou o queixo de Jilly e olhou-a nos olhos.

“Tu és alguém. Se não fosses ninguém, ninguém se preocuparia contigo. Mas o Ryan, a April e a Gabriela estavam todos muito preocupados contigo. E eu estava tão preocupada contigo que fiz uma viagem do outro lado do país. Eu diria que és uma pessoa muito importante para pores tanta gente preocupada.”

Jilly riu-se por entre os soluços. Riley abraçou-a com força.

“Chega de fugas, OK?” Disse Riley.

“OK.”

“Agora vamos descer e passar algum tempo juntos, que tal?”

Jilly abanou a cabeça.

“Hu-uh,” Disse. “Tenho que fazer alguns trabalhos de casa.”

Riley sorriu. Ela tinha quase a certeza de que a verdadeira razão para não querer descer era a vergonha.

Deu uma palmadinha no ombro de Jilly e saiu do quarto. Riley viu que a porta do quarto de April estava aberta e April estava sentada na sua cama. Estivera à espera para saber o que se passara.

“Como é que ela está? Perguntou April numa voz calma.

Riley entrou no quarto e sentou-se na cadeira em frente a April.

“Quem me dera saber,” Disse Riley. “Tudo isto é uma novidade para mim.”

“Não é assim uma novidade tão grande,” Disse April. “Eu até tenho sido pior.”

Riley deu uma risadinha triste e abanou a cabeça.

“Não, isto é novo – e diferente.”

Riley e April olharam uma para a outra durante alguns segundos.

“Era só um estúpido iogurte,” Disse April. “Não devia ter gritado com ela por causa daquilo.”

“Talvez não,” Disse Riley. “Mas ela tem que aprender a viver connosco e nós temos que aprender a conviver com ela.”

Riley olhou à sua volta para o quarto de April e reparou que estava surpreendentemente limpo e organizado. Talvez Gabriela a tivesse ajudado com aquilo, mas April também devia ter feito a sua parte.

“Diz-me só que não te andas a meter em nenhum sarilho,” Disse Riley.

April riu-se.

“Só se fazer os trabalhos de casa e ter boas notas e não ter namorado e andar com a Crystal for algum problema.”

Riley riu-se.

“Isso é o que eu quero ouvir. Como está a Crystal?”

“Ótima. Ela diz que o pai pergunta muito por ti.”

Riley lembrou-se daquela mensagem que recebera de Blaine há alguns dias.

“Espero que tudo esteja a correr bem. Quando é que regressas? Eu faço o jantar.”

Ela não respondera. Talvez tivesse sido rude da sua parte, mas não lhe apetecera. Para além disso, um jantar de família no restaurante de Blaine provavelmente agora teria que incluir o Ryan. E isso seria bem estranho.

Riley disse, “Bem, podes dizer à Crystal para dizer ao pai que eu... Estou bem.”

April olhou para ela com um sorriso trocista.

“Aindas estás zanagada com ele, não estás? Quero dizer, por se terem mudado.”

Riley ficou surpreendida. Não se apercebera que os seus sentimentos eram tão transparentes.

“Não estou zangada com ele,” Disse ela, não muito certa de estar a ser sincera. “Mas acho que estou desiludida. Pensava que ele ficaria por cá.”

“Bem, eu estou um bocado zangada com ele,” Disse April. “Quero dizer, mudar-se assim, só por causa de uma coisinha de nada como ser espancado por um psicopata.”

Era uma piada, claro, mas Riley não se riu. Era algo muito próximo da verdade. Riley preocupava-se que a sua vida de perigo fosse tóxica para todos aqueles de quem gostava e que amava. Muitas vezes pensava se teria na verdade direito a ter uma família e algo parecido com uma vida normal.

“De qualquer das formas,” Acrescentou April, “Penso que estás melhor com o pai. Estás a reaproximar-te do pai, não estás?”

Riley soltou uma risada.

“Não sejas intrometida,” Disse.

“Ei, é a minha família.”

Riley e April ficaram sentadas a olhar uma para a outra durante algum tempo.

“Não sei, April. Vamos dar tempo ao tempo.”

Riley virou a cabeça e olhou para o quarto de Jilly. Pensou em bater-lhe novamente à porta para ver se estava bem. Mas não, não parecia uma boa ideia. Se a Jilly alguma vez se sentisse em casa ali, teria que ter a sua privacidade.

April perguntou, “Vamos adotar a Jilly?”

Riley olhou para April e reparou na sua expressão preocupada. Estaria April a sentir-se ameaçada pela possibilidade de ter uma irmã mais nova na sua vida?

“Ainda não sei, April.”

Os olhos de April abriram-se muito.

“Mãe, temos que a adotar! Somos tudo o que ela tem agora! Não a podemos mandar de volta para a sua vida antiga. Ela contou-me coisas tão horríveis e...”

April parou de falar, como se tivesse dito algo que não era suposto dizer. Riley sentiu-se estranhamente agradada. Parecia que Jilly fizera confidências a April, tal como uma irmã faria. E isso era uma coisa boa, mesmo que significasse que as duas raparigas tinham segredos de que Riley não tinha conhecimento.

“Eu preocupo-me April. E não tenho a certeza se é justo. Estou fora muito tempo e sei que a Jilly também é uma grande responsabilidade para ti.”

“Eu não me importo. A sério.”

Riley olhou para April maravilhada. Não há muito tempo, April era uma adolescente difícil. Envolvera-se com um canalha cruel que a drogara e a tentara transformar numa escrava sexual. Crescera tanto em tão pouco tempo.

Graças a Deus, Pensou Riley.

“Vamos ver, April,” Disse Riley, afagando o cabelo da filha. “Vai demorar algum tempo. De qualquer das formas, já é tarde e tenho a certeza que tens trabalhos de casa para fazer.”

“Acho que sim,” Disse April com um lamento adolescente fingido.

“Boa noite. Amo-te.”

“Também te amo.”

Riley saiu do quarto de April e desceu as escadas.


*


Pouco tempo depois, a casa estava silenciosa e pacífica. Riley e Ryan estavam sentados na sala de estar a tomar uma bebida. Não falaram muito durante algum tempo. Riley gostava do silêncio e pressentiu que Ryan também. No final de contas, o dia dele não tinha sido mais fácil do que o dela.

“Como correram as coisas em Seattle?” Perguntou por fim Ryan.

Riley suspirou. Não pensara muito no caso desde que chegara a casa. “O caso está encerrado,” Disse ela.

Ryan inclinou a cabeça e olhou para ela com curiosidade.

“Não pareces muito convencida.”

Riley ficou surpreendida por Ryan conseguir interpretar as suas dúvidas.

Conhece-me melhor do que me apercebia, Pensou.

“Não, não estou,” Disse ela. “Mas não depende de mim.”

Tomou um longo gole da sua bebida.

“Como é que te sentes acerca de tudo isto com a Jilly?” Perguntou Riley.

Ryan pensou durante uns instantes.

“Assustado,” Disse ele. “Mas também – bem, acho que radiante.”

Ele olhou Riley nos olhos.

“Fiz muita asneira ao longo dos anos e peço desculpa. E sinto que estou a ter uma segunda oportunidade. Estou radiante... e estou grato.”

Riley sorriu.

“A April acha que devemos adotá-la,” Disse ela.

Ryan atirou a cabeça para trás e riu.

“Bem, então acho que está decidido.”

Riley também se riu, depois disse, “Vamos levar as coisas com calma.”

“Sim, vamos.”

Seguiu-se outro silêncio e desta vez parecia repleto de todas as perguntas não colocadas e não respondidas. A vida estava a mudar muito e tão rapidamente. Riley não sabia o que fazer de seguida e sabia que Ryan sentia o mesmo.

Por fim, Ryan disse, “Tenho ficado no teu quarto desde que foste para Seattle e tenho algumas coisas lá em cima. Vou buscá-las. Já é tempo de ir para casa.”

Riley sentiu uma ponta de tristeza ao ouvir aquelas palavras, mas não as contrapôs.

Sim, é o melhor, Pensou.

Ryan levantou-se e caminhou na direção das escadas. Sem saber muito bem porquê, Riley seguiu-o. Depois ficou a observá-lo no quarto enquanto juntava as suas coisas.

“Obrigada por aqui estares nesta altura,” Disse ela, com a voz embargada pela emoção.

Ele sorriu. Depois caminhou na sua direção e abraçou-a.

Riley sentiu que todo um mundo de preocupações e ansiedades desaparecia à sua volta. Já se esquecera do que era sentir-se assim. Quando sentiu que ele se começava a afastar, agarrou-o com mais força e colocou a cabeça no seu ombro. O seu corpo aquecia com uma antiga e familiar paixão.

Riley sentiu um formigueiro de prazer quando ele lhe afagou as costas com os dedos. A mão dela entrou na camisa dele. Quando ela tocou a sua pele, uma eletricidade familiar percorreu todo o seu corpo.

Sentiu-se sorrir. Ryan não iria para casa naquela noite.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


Quando Riley acordou na manhã seguinte, notou de imediato que algo estava diferente naquela manhã. Não estava sozinha na cama.

Virou-se e viu as costas nuas de Ryan dormindo a seu lado.

Riley sorriu ao lembrar-se do que acontecera a noite passada.

Era o suficiente para a fazer esquecer tudo o que tinha corrido mal em Seattle. Bem, talvez não esquecer, mas suficiente para a fazer sentir-se muito melhor.

Saiu da cama e vestiu o robe. Ao descer as escadas, ouviu o ruído de alguém a preparar o pequeno-almoço na cozinha.

Oh, meu Deus, Pensou.

Quase esquecera que havia mais três pessoas naquela casa. E muito em breve, todas iriam descobrir que Ryan passara a noite com ela. O pensamento fê-la enrubescer.

Parece que vou ter que dar algumas explicações, Pensou.

Quando Riley chegou ao fundo das escadas, ouviu alguém a cantar e a assobiar na cozinha. Entrou na cozinha e encontrou April e Gabriela a prepararem o pequeno-almoço juntas. Gabriela cantava uma música em Espanhol e April acompanhava-a assobiando.

Ambas olharam para Riley com sorrisos amplos.

“Bem,” Disse Riley, “vocês parecem muito felizes.”

O sorriso de Gabriela abriu-se ainda mais.

“Y tú también,” Disse ela.

April deu uma risadinha.

“Aquilo significa tu também,” Disse April.

“Eu sei o que significa,” Disse Riley.

Elas sabem! Percebeu então.

Mas como? Riley lembrava-se de como tudo tinha sido tão apaixonado com Ryan na noite passada.

Será que toda a gente na casa tinha ouvido o que se estava a passar?

Riley corou consideravelmente.

Parecendo pressentir a vergonha de Riley, April disse, “Vimos o carro do pai lá fora.”

Riley suspirou de alívio.

Naquele momento, Jilly chegou à cozinha.

“Ei, acabei de encontrar o Ryan lá em cima,” Disse ela.

Depois olhando para Riley, acrescentou com um sorriso malicioso, “Assim é que é!”

Riley voltou a corar.

Bem, pelo menos todos parecem estar de acordo, Pensou.

O telemóvel tocou no bolso do robe. Viu que a chamada era de Bill. Saiu da cozinha e atendeu.

A voz de Bill demonstrava preocupação.

“Riley. Como está tudo por aí?”

Riley percebeu que não tinha ligado a Bill a noite passada para lhe dizer que Jilly estava em casa sã e salva.

“Oh, Bill, desculpa, devia ter-te dito alguma coisa. Ela está bem. Está em casa. Conto-te o que aconteceu mais tarde.”

“Fico contente por saber. Então presumo que vens à reunião com o Meredith esta manhã.”

“Sem dúvida.”

Seguiu-se um breve silêncio.

Depois Bill disse, “Riley, acho que esta coisa de Seattle é pelo melhor. O nosso regresso, quero dizer. Fizemos uma boa detenção e a Solange Landis é provavelmente culpada. Se não... bem, é um assunto local e nós devemos ficar de fora.”

Havia algo forçado na voz de Bill. Riley conhecia aquele tom. Era como quando Bill se tentava convencer de algo sem na verdade o conseguir.

Ele não acredita naquilo nem por um segundo, Pensou Riley.

Ela também sabia que a sua consciência o estava a incomodar. Ainda assim, nada podiam fazer. Com alguma sorte, Meredith atribuía-lhes um novo caso naquela manhã e poderiam colocar Seattle atrás das costas e esquecer tudo.

“Vêmo-nos daqui a pouco,” Disse Riley.

“Certo.”

Terminaram a chamada. Riley percebeu que Ryan tinha descido enquanto falava com Bill. Quando se juntou às outras na cozinha deu-se uma explosão de risadas e conversas. Eram umas boas-vindas calorosas de Gabriela, April e Jilly.

Riley sorriu.

Talvez Bill tivesse razão no final de contas. Talvez as coisas assim corressem pelo melhor.

Foi para a cozinha para se juntar à família para o pequeno-almoço.


*


Após o pequemo-almoço, Ryan foi levar as duas raparigas à escola a caminho do trabalho. Gabriela foi às compras. Riley vestiu-se e preparou-se para a sua reunião com Bill e Meredith.

Depois sentou-se sozinha na sala de estar. Tinha alguns minutos antes de ter que sair. Por muito que tentasse manter o caso fora da sua mente, começou a incomodá-la novamente. Odiava deixar as coisas inacabadas.

E começou a crescer a dúvida de que Solange Landis fosse a assassina em série.

Posso estar enganada, disse a si própria. Talvez seja culpada.

Para além disso, Lembrou-se a si própria, não há nada que possamos fazer.

Agora estava do outro lado do país com ordens para se manter afastada de Seattle. Não poderia afetar o resultado da investigação de uma forma ou de outra.

Pior que tudo, Riley sentia-se solitária nas suas dúvidas. Mesmo Bill estava a tentar esquecer o caso. Haveria alguém no mundo com quem pudesse falar naquele momento?

E foi então que sentiu algo dentro de si – algo negro, algo que sabia devia esquecer.

Mesmo assim, subiu as escadas em direção ao seu quarto. Tirou uma caixa de uma prateleira do armário e abriu-a. No seu interior estava um grande envelope com o seu nome escrito.

Estremeceu ao tirar o envelope da caixa.

Volta a colocá-lo no lugar, Tentou dizer a si própria. Melhor ainda, deita-o fora.

Mas sabia que não conseguia fazê-lo.

O envelope era pesado e espesso. E é claro, Riley sabia exatamente o que se encontrava lá dentro. Abrira-o logo que o recebera há não muito tempo.

E agora abriu-o outra vez.

Continha uma pulseira de ouro envolta num pedaço de papel. Desdobrou o papel e leu outra vez a mensagem.


Apenas um pequeno presente em honra da nossa parceria. Foi um prazer trabalhar consigo.

Comprei outra pulseira que condiz com esta.

Vou usar sempre a minha.

Vai usar a sua?


Tanto a carta como a corrente eram de Shane Hatcher.

E não, ela não a tinha usado. Nem a tinha mostrado a ninguém.

Mas também não a tinha deitado fora.

“Shane the Chain”, Murmurou Riley, lembrando-se da sua alcunha.

A pulseira era uma lembrança sombria do fascínio de Hatcher por correntes de todos os tipos.

Ele estava obcecado por correntes e pela dor que podiam infligir. Mal escapara da prisão, localizara o seu inimigo dos tempos do gang, espancara-o até à morte com correntes e prendeu com fita adesiva o seu corpo mutilado a um poste num armazém abandonado.

Fora o último homícidio que cometera – e o último que Riley esperava que ele cometesse.

Mas ainda estava a monte e num sentido perturbador, ainda era responsabilidade de Riley.

Olhou atentamente para a pulseira. Parecia-lhe uma peça cara – o tipo de coisa vendida em lojas de departamento de classe alta e joalharias.

Virando-a nas suas mãos, não viu nada em que não tivesse reparado antes.

Algo parecia estar gravado em letras minúsculas num dos elos.

Tirou uma lupa de uma gaveta e tentou decifrar o que lá estava gravado. Apontou num pedaço de papel. Depois estudou com atenção.

“rosto8otsor”

O que significava?

Porque tinha que significar alguma coisa.

No final de contas, Hatcher sempre comunicava com ela através de enigmas. Às vezes era duro descobrir as respostas a esses enigmas, mas ela tinha um pressentimento de aquele ia ser fácil. Hatcher queria que ela descobrisse.

Para começar, ela tinha um palpite sobre o significado do “8”.

Era um símbolo.

Representava uma corrente.

E claro, as primeiras quatro letras eram uma palavra simples “rosto”.

E as últimas quatro letras – “otsor”?

“Rosto” ao contrário, Percebeu Riley.

Mas o que é que aquilo significava?

Riley pensou por um momento. A palavra seguida das letras ao contrário sugeria um espelho.

Sentiu um arrepio perante aquele pensamento.

Desde que conhecia Hatcher que lhe dizia não ser como ele, que nada tinham em comum. Ele sempre sorrira como se pensasse o contrário. E no fundo, Riley sempre suspeitara do mesmo.

Às vezes olhar para o rosto de Hatcher era como olhar para um espelho – um espelho que mostrasse o seu eu mais sombrio, os seus demónios mais cruéis. E naquele momento, ela sentia aquela escuridão a crescer dentro de si...

A escuridão que conhecera quando destruiu o rosto de um assassino com uma pedra.

A escuridão que conhecera quando ficara tentada a esquartejar um assassino com uma faca de açougueiro.

A escuridao que conhecera quando localizara o jovem que drogara April, esmagara a sua mão com um bastão de basebol e depois lhe pisara a mão sob o tacão até ele gritar por misericórdia.

De todas as pessoas que Riley conhecia, apenas Hatcher compreendia perfeitamente a escuridão que se insinuava dentro dela.

A sua mão tremeu ao segurar na pulseira.

Guarda-a.

Deita-a fora.

Mas não conseguia.

E agora sabia a resposta para o enigma.

“Rosto com rosto,” Murmurou alto. “É o que ele quer.”

Abriu o portátil e entrou no seu serviço de chat.

Digitou alguns caracteres cripticos e esperou, contendo a respiração.

Alguns segundos passaram.

E então lá estava ele, o seu rosto negro a encarar o dela – Shane Hatcher.

Durante uns instantes não conseguiu respirar.

Hatcher estava sentado em frente a um cenário cinzento que não oferecia qualquer pista sobre a sua localiação. Os seus traços intensos pareciam divertidos ao olhar por cima dos seus óculos de leitura.

Era como se estivesse à espera da chamada de Riley naquele preciso momento.

E talvez estivesse, Pensou Riley, tentando recuperar o fôlego.

Talvez me conheça assim tão bem.

“É bom vê-la, Riley,” Disse ele, recostando-se na cadeira e colocando as mãos atrás da cabeça. “Temos alguma conversa para pôr em dia.”

 

 


CAPÍTULO TRINTA DE TRÊS


Riley estava sem palavras. Hatcher parecia estar a saborear o seu espanto.

“Está a tentar localizar esta chamada?” Perguntou ele.

“Posso estar.”

Ele soltou um riso sardónico.

“Eu sei que não está,” Disse ele.

Riley sentiu a sua resistência a ele atrofiar. Não valia a pena tentar convencê-lo do contrário. Ele conhecia-a demasiado bem. Ela não lhe podia mentir.

“Se sabe porque é que perguntou?” Disse ela.

“Só queria ouvir a sua resposta à pergunta.”

Ele estava a brincar com ela como sempre.

E começou o jogo, Pensou Riley amargamente.

Lidar com Shane Hatcher era sempre um jogo. E era um jogo que ele ganhava sempre – não só porque Riley não conhecia as regras, mas porque nem sequer sabia que jogo estava a jogar.

“Então em que posso ajudá-la?” Perguntou Hatcher, baixando os óculos um pouco para a observar com mais atenção.

“Eu não preciso da sua ajuda,” Disse Riley.

“Então porque é que ligou?”

O lábio de Riley tremia com raiva e exasperação.

“Não faço a mínima ideia,” Disse. “Vou desligar agora mesmo.”

Hatcher rolou os olhos e abanou a cabeça.

“Não, não vai, Riley.”

Riley olhou para o teclado. Bastava-lhe terminar a chamada e desligar. Depois poderia cancelar a conta para que nunca mais entrassen em contacto daquele forma. Mas Hatcher tinha razão como sempre. Ela não o conseguia fazer.

“Precisa da minha ajuda Riley. Ambos o sabemos. E tenho todo o gosto em ajudar. Mas é claro que espero um pequeno favor em troca.”

Riley engoliu em seco. Ele esperava sempre um pequeno favor e os seus favores podiam ser extremamente perturbadores.

“E que favor é esse?” Perguntou ela.

“O prazer de poder trabalhar consigo. Pessoalmente, quero dizer.”

Riley não gostou da ideia de o encontrar no mundo real. Não queria voltar a fazer isso – nunca mais. Não fazia ideia onde ele estaria naquele momento. Mas não iria ter com ele só porque ele queria.

“Não vamos fazer isso,” Disse ela. “Prefiro ficar afastada.”

“O que é que a faz pensar que já não esteve perto?”

O coração de Riley saltou-lhe à boca.

Anda a perseguir-me? Interrogou-se.

Poderá estar aqui perto agora?

Tudo o que sabia é que ele não estava a fazer bluff.

De alguma forma, ele estivera perto dela recentemente. E isso também poderia querer dizer que estivera perto de April, Ryan, Gabriela e Jilly.

Talvez estivesse por perto naquele preciso momento.

Agora receava sentir-se mal.

“Fale-me do caso em que está a trabalhar,” Disse Hatcher.

“Não estou a trabalhar num caso,” Disse Riley. “Estou entre casos.”

E é a verdade no final de contas, Pensou.

O rosto de Hatcher foi atravessado por uma expressão de surpresa. Se era fingido ou real, Riley não conseguia dizer.

“A sério?” Disse ele. “Então já desistiu de apanhar a mulher que envenenou Cody Woods e Margaret Jewell? Já para não falar da sua autora preferida, Amanda Somers? E sabe Deus quem mais. Não parece seu. Não parece nada seu.”

Riley sentiu-se tensa e desconfortável. Não só sabia do caso, como também sabia da sua predileção pelo romance de Somers.  Ele também sabia que ela tinha a certeza que o assassino era uma mulher. O seu conhecimento era sufocante.

“Ouvi dizer que o FBI tem um suspeito preso,” Disse Hatcher. “Mas eu sei que duvida que Solange Landis seja culpada de algo mais do que falsificações.”

“Não tenho a certeza.”

“Mas duvida. E também eu. Não é tempo de descobrirmos a verdade?”

Agora Riley sentia-se tonta. Lembrava-se de algo que ele uma vez lhe tinha dito.

“Estamos unidos pelo cérebro, Riley Paige.”

Riley tentou combater o pânico.

Não, ele não estava a ler o seu pensamento.

Mas tinha dinheiro e recursos e uma rede de subalternos.

Ele podia obter informações sobre qualquer coisa que suscitasse o seu interesse.

E nada no mundo parecia interessar-lhe mais do que Riley.

Hatcher juntou os dedos e olhou para cima pensativamente.

“Vamos rever o ponto em que estamos, vamos?” Disse ele. “As três vítimas conhecidas tinham estado sob cuidado médido recente, mas em hospitais diferentes para tratamentos diferentes. Tiveram profissionais de saúde ou outro tipo de pessoal em contacto com eles em comum?”

Riley sentiu uma estranha mudança de emoções. Gostasse ou não, Hatcher era o único ser humano no mundo em sintonia consigo naquele momento. E ela aprendera por experiência própria que ele podia ser extremamente útil.

“Não que tivéssemos descoberto,” Disse Riley.

“Talvez não tivessem procurado com a devida diligência. Sabemos que as três vítimas passaram algum tempo em clínicas de reabilitação.”

Riley estava surpreendida.

Está errado, Pensou.

Não se lembrava de ele alguma vez se ter enganado.

“Cody Woods nunca esteve em reabilitação,” Disse ela.

Os olhos de Hatcher abriram-se muito.

“Ah, mas esteve,” Disse ele.

“Como sabe?”

Hatcher riu-se.

“Como acha que sei?”

Depois ficou ali a sorrir, à espera que Riley fizesse a ligação.

Riley sentiu invadir-se por uma onda de compreensão.

“Falou com alguns trabalhadores do Hospital South Hills,” Disse ela.

Ele anuiu. “Uns auxiliares. Tipos muito prestáveis.”

Riley estremeceu quando percebeu...

Ele esteve em Seattle.

Agora compreendia o que ele queria dizer quando há pouco dissera...

“O que é que a faz pensar que já não estive por perto?”

Tinha-a visto.

Parecendo adivinhar os seus pensamentos Hatcher disse, “Aquilo é que foi uma reunião louca no Hospital Parnassus Height naquela manhã, não foi? Não estava à espera de uma conferência de imprensa, pois não? Parecia querer deitar as mãos ao Rigby, Sanders e àquele diretor do hospital. Não a censuro. Mas parecia entender-se bem com a Prisha Shankar. Percebo porquê. Aquela mulher sabe do que fala.”

Ele esteve lá! Pensou Riley.

Parecia impossível. Riley orgulhava-se dos seus amplos poderes de observação. Pensava ter reparado em todas as pessoas presentes naquela sala repleta de gente. Mas subestimara Shane Hatcher. Era evidente que se disfarçara de jornalista – de forma suficientemente inteligente para que nem Riley o reconhecesse.

“Como conseguiu que os auxiliares falassem consigo sobre Cody Woods?” Perguntou Riley.

“Bem, é claro que eles não sabiam quem eu era. Não sou assim tão famoso. Por isso limitei-me a perguntar. É interessante verificar as coisas que as pessoas nos podem contar se lhes pagarmos uma cerveja. Disse-lhes que lera sobre a morte de Cody Woods e que era uma pena e perguntei-lhes o que pensavam a esse respeito. Eles disseram que ele tinha ido para uma clínica de reabilitação pouco depois de sair do Hospital South Hills.”

A mente de Riley absorvia de forma frenética tudo o que ele agora lhe contava.

“Então as três vítimas terão sido assassinadas em centros de reabilitação,” Disse ela.

“Assim parece.”

Riley tentou encaixar aquela informação.

“Mas não faz sentido,” Disse ela. “Verificámos todos os registos em South Hills. Não havia nenhuma indicação de que iria dali para um centro de reabilitação. Foi diretamente para casa.”

“Parece que os registos estavam errados. Como é que isso pode ter acontecido?

Riley ficou boquiaberta.

“Os registos foram alterados,” Disse ela.

“Parece que sim.”

Riley pensou durante alguns instantes.

“Mas registos falsificados levam-nos a Solange Landis como suspeita.”

Hatcher riu outra vez.

“Então Riley,” Disse ele. “Numa grande cidade como Seattle, Landis não é a única profissional de saúde a ter falsificado documentos.”

Riley debruçou-se para mais perto do ecrã.

“Tem que me dizer tudo o que sabe,” Disse ela.

Hatcher sorriu.

“Lamento, é tudo o que tenho por agora,” Disse ele.

“Mas não tem o nome do centro de reabilitação para onde foi Cody Woods?”

“Talvez tenha, talvez não. Não sabe, pois não?” Disse ele.

Agora Riley estava furiosa. Era típico de Shane Hatcher. Ele adorava provocá-la com informação.

Hatcher encolheu os ombros.

“Mas estou sempre a esquecer-me – já não está no caso, pois não? E ninguém no FBI quer falar sobre isso. Não tem aliados por lá. Está completamente sozinha.”

Hatcher olhou para ela de perto.

“Mas nunca deixou que isso a impedisse de avançar anteriormente,” Disse ele. “E parece-me que não a impedirá agora. E penso que sabe com quem falar no FBI quando é persona non grata. Alguém que não quer saber das regras para nada.”

A cabeça de Riley estava repleta de perguntas. Mas antes que conseguisse dizer mais uma palavra, Hatcher disse, “Falamos novamente em breve.”

E terminou a chamada.

Riley ficou a olhar para o ecrã do computador em estado de choque. Toda a conversa agora parecia um sonho. Mas não fora um sonho. E agora o que faria?

Riley olhou para o seu relógio. Ela sabia que precisava de sair naquele momento se quisesse chegar a tempo da reunião com Meredith.

Também sabia que não iria.

Para já, precisava da ajuda de alguém e precisava com urgência.

Mas para quem se poderia voltar quando todos no FBI estavam contra ela?

Lembrava-se do que Hatcher dissera...

... Alguém que não quer saber das regras para nada.

Tinha uma ideia do tipo de pessoa a quem Hatcher se referia.

Pegou no telemóvel e ligou um número.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


Uma voz roufenha e áspera atendeu rapidamente o telefone.

“Van Roff. E você, presumo que seja a Agente Especial Riley Paige. Ou pelo menos o meu identificador diz-mo.”

Riley sorriu ao imaginar o analista técnico com excesso de peso sentado à frente de vários ecrãs de computador.

“O seu identificador presumiu corretamente,” Disse Riley.

“E está a ligar-me da Virginia,” Disse Roff.

“Correto.”

“E está a ligar-me porque não acredita que o caso dos envenenamentos esteja encerrado.”

Riley ficou alarmada.

“Uh, como é que sabe?” Perguntou.

“Porque me está está a ligar, só por isso.”

É claro que ele tinha toda a razão. Hatcher tinha-lhe dito que precisava de falar com “alguém que não quisesse saber das regras para nada”. E Riley sabia que no FBI não havia ninguém que se encaixasse melhor no perfil do que os analistas técnicos. Estavam sempre à procura de uma desculpa para transpor os limites.

E eram extremamente inteligentes.

“Tem razão,” Disse Riley. “Mas devo avisá-lo que sou capaz de lhe pedir para fazer algumas coisas que não são oficialmente sancionáveis. Vamos manter isto entre nós.”

Riley ouviu um riso alegre. Aparentemente, as suas palavras eram música para os seus ouvidos.

“Acalma-te coração que bate!” Disse ele. “E oh, só para que saiba, esta chamada pode estar a ser gravada para minha diversão futura. Não se preocupe, será apenas para meu uso. O que tem em mente?”

Riley pensou por um momento.

“Há algo de errado com o que sabemos sobre a morte de Cody Woods. Vamos rever o que temos. Ele foi admitido no Hospital South Hills para uma cirurgia, depois foi para casa. Pouco depois, voltou ao South Hills porque estava doente. E morreu lá. Agora, tanto Margaret Jewell como Amanda Somers ficaram em clínicas de reabilitação pouco antes de morrerem.”

“Certo. Mas não o Cody Woods.”

“Errado,” Disse Riley. “Tenho a certeza que Cody Woods também esteve numa clínica.”

“Não ficou. Eu confirmei.”

“Penso que foi enganado Sr. Roff.”

Ouviu Roff libertar um grunhido de surpresa revoltada.

“Não!”

“Lamento que sim. O assassino enganou-o.”

Riley sabia que estava a agir de forma perfeita para que Roff mordesse o isco.

“Como sabe?” Perguntou Roff.

“Tenho uma fonte.”

“Quem?”

“Não posso dizer.”

Roff grunhiu audivelmente.

“Então é guerra. Deixe-me pensar por um segundo.”

Seguiu-se um curto silêncio.

“Vou tentar uma coisa,” Disse Roff. “Deixe-se aí estar, eu ligo daqui a alguns minutos. Em chat de vídeo."

Riley concordou e deu a Roff os seus dados. Depois terminaram a chamada.

Riley olhou para o relógio e suspirou. Se saísse de casa naquele momento, ainda chegaria atrasada à reunião com Bill e Meredith. Ia mesmo perdê-la. Deveria ligar e dar uma explicação?

Explicar o quê? Perguntou a si própria. Que estou a desobedecer a ordens?

Não era uma opção. Teria que viver com as consequências do que quer que estivesse prestes a fazer. Pegou no portátil, colocou-o debaixo do braço e desceu as escadas para a cozinha. Aqueceu uma chávena de café, abriu o portátil e esperou pela chamada de Roff.

Enquanto esperava, sentiu-se preocupada.

Estaria realmente disposta a colocar o seu trabalho em risco outra vez?

Lembrou-se que agora tinha duas filhas. E uma delas estava a passar por um momento particularmente mau. Nâo era a melhor altura para ser despedida.

Talvez não devesse fazer isto, Pensou.

Podia ligar a Bill ou Meredith naquele preciso instante, arranjar uma desculpa pelo atraso e ir para lá o mais rapidamente possível.

Havia apenas um problema. Envolvera Roff e já não havia forma de o afastar daquilo.

Quando acabou de beber a sua chávena de café, chegou a vídeo chamada e viu-se de caras com um técnico socialmente desajeitado. Tinha o rosto vermelho e suava, aparentemente do esforço do que estivera a fazer.

“Bingo,” Disse ele. “Tenho algo.”

“Isso foi rápido,” Disse Riley.

“Estive ocupado. Muito ocupado.”

“O que tem?”

Os olhos de Roff não paravam quietos, como se se quisesse certificar de que ninguém o ouvia.

“Ainda não consegui encontrar nenhum registo computorizado da ida de Cody Woods para uma clínica de reabilitação. Mas tentei uma abordagem diferente.”

“Como?” Perguntou Riley.

Roff desatou a rir alegremente.

“Há uma nova engenhoca tecnológica. Talvez não tenha ouvido falar. Chama-se chamada telefónica.”

Roff sorriu. O seu entusiasmo era verdadeiramente contagiante.

Roff continuou, “Então descobri para que centros de reabilitação um paciente de South Hills podia ir. Decidi ligar a todos, ver o que me diziam. O primeiro para o qual liguei foi o Centro de Reabilitação Signet e voilà! Acertei em cheio.”

“Diga-me o que é que descobriu,” Disse Riley sem fôlego.

“A enfermeira chefe de lá disse-me que se lembrava de Cody Woods. Viera após uma cirurgia no South Hills. Mas quando verificou os registos não encontrou nada a seu respeito. Por isso, alguém anda definitivamente a manipular os registos – tanto no Hospital South Hills como no Centro Signet. Não é um trabalho de proa de um hacker, mas quem o fez é bastante matreiro.”

Roff bufava por todos os lados ao mexer no seu teclado.

Disse, “Como sabe, tenho tentado encontrar pessoal que todas as instalações tivessem em comum. Não encontrei ninguém nas outras duas clínicas e no Signet também saí de mãos a abanar. Mas...”

Três rostos de mulheres surgiram no ecrã de Riley.

“Em cada uma destas instalações, uma terapeuta a trabalhar em regime freelance despareceu logo a seguir ao tratamento dos pacientes. Aqui estão as suas fotos de registos de trabalho.”

Uma seta apontava para o rosto da esquerda. Tratava-se de uma mulher de cabelo negro com óculos enormes.

“Esta é Lisa Tucci que trabalhou com Margaret Jewell no Centro de Reabilitação Física de Natrona. Logo depois de ser dada alta a Jewell, Lisa deixou indicação de que partia para este para se casar e não estaria disponível para mais trabalho.”

A seta agora estava em cima do rosto do meio. A mulher tinha cabelo  encaracolado e castanho-avermelhado.

“Esta é Judy Brubaker,” Disse Roff. “Trabalhou com Amanda Somers no Centro de Reabilitação Stark. Pouco depois de ser dada alta a Amanda, a clínica ligou a Judy para saber se estaria disponível. Ela disse que tinha que sair da cidade devido a uma emergência familiar.”

A seta moveu-se então para o rosto da direita. A mulher tinha uma expressão afável e cabelo curto e louro.

“E esta é Hallie Stillians que trabalhou com Cody Woods no Centro de Reabilitação Signet. Hallie transmitiu ao pessoal que ela e o marido se iam mudar para o México de vez.”

Enquanto Riley observava os três rostos cuidadosamente, Roff disse, “Ainda tenho trabalho a fazer. Por exemplo, tentar descobrir qualquer registo de vistos de Hallie e do marido ou provas de que tenham atravessado a fronteira Mexicana. E procurar registos oficiais de casamento de Lisa Tucci. Isso vai demorar algum tempo. E quais as possibilidades de encontrar alguma coisa?”

Bem pequenas, parece-me, Pensou Riley sem o verbalizar.

“Então todas partiram,” Disse Riley. “Que mais têm em comum?”

“Os seus telemóveis já estão fora de serviço. E as três moradas dadas são na verdade endereços postais – caixas de correio que se alugam para depois se ir buscar o correio.”

A mente de Riley juntava toda esta nova informação.

“O que lhe parece tudo isto, Sr. Roff?” Perguntou Riley.

Roff parecia agradado por ela lhe pedir a opinião.

“Bem, penso que é possível que tenha em mãos vários homicídios. Quero dizer, os assassinos em série geralmente escolhem um tipo de vítima, certo? Por isso talvez este seja um assassino que escolhe mulheres que usem serviços postais. Ou que mate terapeutas cujos pacientes morreram.”

Roff estava a pensar nas coisas cuidadosamente e Riley apreciava isso.

Tirou um screenshot das fotos para que as pudesse ter à mão.

“Bom trabalho, Sr. Roff,” Disse ela.

O rosto de Roff surgiu novamente no ecrã.

“O que é que quer que faça agora?” Perguntou Roff. “Estou entre trabalhos e as coisas estão bem chatas por aqui.”

“Pode começar por pegar onde ficámos – verificar bilhetes de avião, licenças de casamento, vistos e coisas assim.”

“E que mais?”

Riley pensou por um momento. Deveria Roff fazer buscas mais abrangentes para ver se outras mulheres com as mesmas características tinham aparecido mortas ou desaparecido? Não, algo lhe dizia que podia fazer melhor uso dos seus esforços.

“Concentre-se apenas nestas três terapeutas. Descubra tudo o que puder a seu respeito. Entro em contacto em breve. Obrigada pela ajuda Roff.”

Riley fez uma pausa e acrescentou, “Oh, não tenho que lhe dizer...”

Roff terminou o pensamento por ela.

“Não se preocupe. Esta conversa nunca aconteceu. E conversas subsequentes nunca acontecerão.”

Terminaram a chamada e Riley abriu o screenshot que mostrava as três terapeutas.

Riley reparou em algo estranho nas fotografias.

Não eram muito nítidas. Eram todas ligeiramente desfocadas. Mas não parecia ser um problema fotográfico.

Antes parecia que as três mulheres se tinham movido ligeiramente no exato momento em que as fotos eram tiradas.

Era como se não quisessem deixar um registo claro da sua aparência.

Também notou que as mulheres se pareciam umas com as outras – todas de meia-idade com rostos com formatos iguais.

A mesma mulher? Questionou-se.

É claro que havia diferenças óbvias, sobretudo ao nível dos penteados e cor de cabelo. E Stillians e Brubaker tinham olhos azuis enquanto Tucci tinha olhos castanhos.

Mas ela lembrou-se que o guarda de Amanda Somers tinha dito que a visitante poderia estar a usar uma peruca. E lentes de contacto poderiam explicar a diferença na cor dos olhos.

Riley sentiu o entusiasmo a instalar-se. De repente, o caso dera uma volta. Pegou no telemóvel e ligou a Bill.

Bill atendeu a chamada praticamente a gritar.

“Riley! Onde raio estás? A reunião já terminou e o Meredith está lixado.”

Riley andava de um lado para o outro e falou algo nervosamente.

“Bill, ouve-me. Temos que regressar a Seattle. Acho que tenho alguma coisa de concreto.”

“O que é que tens?”

Riley parou de falar. Apercebeu-se de repente que tinha que ter cuidado com o que dizia.

“Não posso falar ao telemóvel,” Disse ela.

Seguiu-se um silêncio curto.

“Tens algo absolutamente sólido?”

“Não,” Disse ela.

Bill demonstrou exasperação.

“Então podes ter a certeza que não volto para Seattle. E tu também não.”

“Bill, ouve-me...”

“Não, ouve-me tu. Eu não posso fazer isto. Eu não posso ignorar ordens e partir contigo para Seattle. Não me posso dar ao luxo de perder o meu trabalho. Nem tu. Esquece, Riley. Seja o que for, esquece.”

Antes de Riley começar a protestar, Bill disse, “Riley, não vamos falar sobre isto agora. Acredita em mim, tens mais com que te preocupar Tens que te concentrar em manter o teu emprego. Compreendes?”

Riley suspirou.

“Sim, compreendo. Adeus.”

Terminou a chamada e sentou-se. Estava tão agitada agora que não conseguia pensar com clareza. E dali a poucos segundos, o telemóvel voltou a tocar.

Desta vez era Meredith.

“Espero que tenha uma boa desculpa, Agente Paige,” Disse.

“Senhor, penso que tenho novos desenvolvimentos no caso dos envenenamentos de Seattle. Se eu pudesse...”

Meredith interrompeu-a.

“O que é que estava a fazer quando era suposto estar na nossa reunião?”

Riley engoliu em seco. Ela sabia que Meredith não a ia deixar esconder nada.

“Estava a verificar algumas informações, “ Disse ela.

“E como chegou a essas informações,”

“Através de uma – fonte.”

“Diga-me que não esteve em contacto com Shane Hatcher.”

É como se me conseguisse ler os pensamentos, Pensou Riley com desespero.

Mas também sabia que se estivesse no lugar dele, faria a mesma associação.

Nada disse.

É claro que ela sabia que o seu silêncio era um consentimento.

Quando Meredith falou novamente, fê-lo num tom mais sombrio.

“Agente Paige, não pode trabalhar com um prisioneiro em fuga que está na lista dos mais procurados do FBI. Agora diga-me onde é que ele está para que eu possa enviar agentes para o prenderem.”

Riley respondeu em voz baixa e tremente.

“Não os ajudo a prepararem-lhe uma armadilha,” Disse ela.

Seguiu-se um longo silêncio.

“Agente Paige, vou tirá-la do terreno,” Disse Meredith por fim. “E desta vez pode ser mesmo definitivo. É tudo o que tenho para dizer por agora.”

Meredith terminou a chamada abruptamente.

Riley ficou a olhar para o espaço durante alguns instantes.

Sozinha outra vez, Pensou.

A situação era demasiado familiar.

Mas tinha um trabalho para cumprir e se não o cumprisse, outras pessoas podiam morrer.

Ao procurar por horários de voos no computador, pensou em tudo o que teria que fazer de seguida.

Tinha que ligar a Ryan e dizer-lhe que tinha que se ausentar.

Tinha que ligar a Gabriela.

Mas e a April – e sobretudo, a Jilly?

A Jilly ficaria bem durante a sua ausência?

Marcou um voo com o coração pesado. Sentia que estava a abandonar todos os que amava – e tudo por causa de um pressentimento.

E se estiver errada?

 

 


CAPÍTULO TRINTA E CINCO


Riley caminhava na direção da sua porta no Dulles International Airport para apanhar o voo para Seattle quando o telemóvel tocou. Ficou entusiasmada quando viu que a chamada era de Van Roff.

“Diga-me que tem alguma coisa, Sr. Roff,” Disse Riley.

“Sou capaz. Talvez não o que estivesse à espera, mas talvez alguma coisa.”

Riley continuou a andar enquanto falava com ele.

“Estive à procura de pacientes que foram tratados pelas nossas três terapeutas – Lisa Tucci, Judy Brubaker e Hallie Stillians. Na maioria não encontrei nada de sinistro. Não há mortes com exceção dos últimos pacientes tratados. Na verdade, elas pareciam sempre fazer um trabalho excelente. Ao pacientes chegavam doentes ou feridos e as mulheres ajudavam-nos a melhorar e depois seguiam com as suas vidas. Exceto que...”

Riley chegara à sua porta e sentou-se na sala de espera.

“Exceto o quê?”

“Bem, há este tipo. Lance Miller. Ele teve um ataque cardíaco há cerca de um ano e meio com quarenta e cinco anos. Hallie Stillians estava a tratá-lo no Centro de Reabilitação Reliance em Seattle. Ficou doente enquanto estava a ser tratado por ela e queixou-se ao pessoal. Melhorou, mas pareceu-me um relato suspeito.”

O interesse de Riley estava espicaçado. Também lhe parecia uma situação suspeita.

“Pode ligar-lhe e obter alguns pormenores mais especifícos?” Perguntou Riley.

Roff não ficou muito satisfeito com a sugestão.

“Bem, penso que esta coisa de interrogar pessoas por telefone está um pouco para lá das minhas capacidades. As outras chamadas que fiz anteriormente destinavam-se apenas a obter informação pura e dura. Fazer perguntas a este tipo sobre a sua doença envolveria relacionar-me com outro ser humano. E eu não lido bem com as pessoas. Poderia dar mau resultado.”

Riley riu.

“Compreendo,” Disse ela. “Estarei em Seattle esta tarde. Pode só ligar-lhe e marcar um encontro para eu o visitar?”

“Claro. Quer que alguém vá buscá-la ao aeroporto?”

“Não, vou alugar um carro. Ainda não vou entrar em contacto com o pessoal local do FBI.”

Roff soltou uma risada de aprovação.

“Não diga mais. Se alguém perguntar, eu nem sei onde está. Na verdade, nunca ouvi falar de si. Direi apenas, ‘Agente Riley quê’?”

Terminaram a chamada mesmo a tempo de Riley entrar no avião.


*


Seis horas mais tarde, Riley saiu do avião em Seattle e alugou um carro. Ao conduzir, ouviu as direções de GPS para casa de Lance Miller. Era início de tarde em Seattle, mas parecia muito mais tarde porque o jet lag estava a atingir Riley de forma mais dura do que o habitual.

Riley interrogou-se porque é que se sentia assim ao aproximar-se do bairro de Miller. Viajava constantemente e normalmente não tinha qualquer problema em adaptar-se. O que era diferente hoje?

Estava parcialmente nublado e o sol brilhava. Conduziu por entre um parque público onde as pessoas caminhavam e as crianças brincavam, aproveitando as tréguas dadas pela chuva. A visão de pessoas a divertirem-se juntas parecia responder à sua pergunta.

Estou sozinha, Pensou.

A sua família estava do outro lado do país e ela parecia incapaz de se devotar a eles como devia. Os seus colegas habituais tinham-lhe voltado costas – incluindo Bill. E agora tinha apenas dois aliados no mundo.

Um era um cromo que lhe dissera diretamente...

“Eu não lido bem com as pessoas.”

E o outro era um assassino cruel obcecado com correntes.

O que é que isso dizia sobre ela?

Ainda não estava a utilizar a corrente de ouro que Shane Hatcher lhe dera. Mas trazia-a na mala. Não sabia bem porquê, parecia ser das poucas coisas que a fazia sentir-se entre seres-humanos.

Parecia apropriado que seguisse as direções dadas por uma voz feminina computorizada.

A casa de Lance Miller estava situada num bairro de classe média-alta perto do University District de Seattle. Estacionou em frente a um grande e confortável bungalow pintado com um azul atraente. Estava rodeado por plantas e arbustos bem cuidados. Caminhou em direção ao alpendre e tocou à campainha.

Um homem bem parecido com cabelo louro e sardas abriu a porta. Riley mostrou-lhe o distintivo, apresentou-se e perguntou se estava a falar com Lance Miller.

“Ah, não, sou o Gary,” Disse o homem, apertando a mão de Riley com um sorriso. “Mas o Lance está à sua espera.”

Gary conduziu Riley à sala de estar onde um homem de aspecto erudito com óculos redondos e uma barba bem aparada se levantou da sua cadeira.

“Sou o Lance,” Disse ele. “Sente-se, por favor. Fique à vontade.”

Riley sentou-se e rapidamente avaliou a casa e os seus dois ocupantes. Os homens usavam ambos alianças de casamento e eram obviamente casados um com o outro. A sala de estar estava decorada com bom gosto e sem ostentação. Riley partiu do princípio que ambos os homens eram profissionais bem sucedidos, talvez professores universitários.

“Vou deixar-vos a falar,” Disse Gary e subiu umas escadas.

Lance sentou-se e dirigiu-se a Riley.

“O homem que me telefonou disse-me que estavam a investigar envenenamentos,” Disse ele. “Isso está relacionado com o que aconteceu com Amanda Somers? Parece haver alguma confusão sobre a forma como ela morreu – se foi suicídio ou homicídio. Foi muito triste.”

“De facto foi,” Disse Riley. Decidira não dizer que a morte de Somers era sem dúvida um homicídio e não um suicídio.

Lance estremeceu.

“Aquilo foi uma experiência estranha.”

“Disseram-me que se queixou ao pessoal.”

“Sim. Eu estava a ser envenenado. Ainda hoje tenho a certeza.”

Riley pegou no seu bloco de notas e começou a tirar notas.

“Soube que estava a ser tratado por uma terapeuta chamada Hallie Stillians.”

Riley ficou um pouco surpreendida pelo sorriso que atravessou o rosto de Lance.

“Sim, Hallie. Conheceu-a? Uma criatura estranha, não bem deste mundo, mas muito querida. Não sei como teria conseguido superar aquilo sem ela.”

Não era bem a resposta que Riley esperava ouvir – não se ela estivesse certa quanto a Hallie Stillians ser uma das identidades da envenenadora.

“Conte-me o que aconteceu,” Disse Riley.

Lance afagou a barba ao recordar-se.

“Bem, eu tive um ataque cardíaco. Tinha apenas quarenta e seis anos mas devia tê-lo previsto. O meu pai morreu de doença cardíaca muito cedo e o pai dele também. Havia uma propensão genética e eu era uma bomba-relógio. Devia ter sido mais cuidadoso. Já não me sinto invencível.”

Parou para pensar por uns instantes.

“Fizera uma cirurgia no Hospital South Hills e deixou-me terrivelmente fraco por isso fui para o Centro de Reabilitação Reliance onde a Hallie começou a acompanhar-me de imediato ao nível da reabilitação física. Simpatizámos logo um com o outro. Ela era tão – pitoresca, acho. Não velha, mas parecia pertencer a um outro tempo. E fazia um chá delicioso.”

Lance estremeceu.

“Mas após um dia na clínica, adoeci – náuseas e vómitos, dores nas palmas das mãos e nas solas dos pés. E fiquei... bem, muito confuso e desorientado. Para dizer a verdade, penso que não estava no meu perfeito juízo. Balbuciava muito. Penso que devo ter dito algumas coisas bem desagradáveis.”

Envenenamento por tálio, Percebeu Riley.

Até ao momento, o que Lance lhe contava era consistente com as outras mortes.

“Como é que a Hallie lidou com isso?” Perguntou Riley.

“Oh, penso que nunca conheci um ser humano tão carinhoso e empático em toda a minha vida. Ela estava tão preocupada comigo que parecia também ela estar doente. Aliás, disse que estava doente e algumas coisas estranhas...”

A sua voz agora divagava.

“O que é que ela disse?” Perguntou Riley.

“Não parava de dizer, ‘É este mundo. Este mundo horrível. Põe-nos a todos    doentes. Também me deixa doente.’ Bem, suponho que seja de alguma forma verdade. A maior parte de nós é bastante duro e cínico, e não pensamos quão duro o mundo é para tanta gente. A Hallie era particularmente sensível nesse sentido.”

Parou de falar outra vez.

“De qualquer das formas, eu tinha a certeza de que estava a ser envenenado. E a Hallie também parecia ter a certeza. Tentei queixar-me ao pessoal mas não acreditavam em mim. Juro, eram das pessoas mais frias que já conheci. Sobretudo a enfermeira chefe, Edith Cooper. Costumava chamá-la ‘Enfermeira Ratched’ mas Hallie não percebia. Sabe, Voando Sobre Um Ninho de Cucos.”

Riley compreendera a referência à gélida enfermeira que ganhara fama mundial.

Lance prosseguiu a sua história.

“Após cerca de um dia e meio assim, disse à Hallie que tinha medo que fosse morrer. A Hallie apertou a minha mão e disse, ‘Não merece isto. Isto é um erro. Não merece sofrer e morrer. É especial. Vou assegurar-me que ultrapassa isto. Vai ver.’”

“E o que é que ela fez?” Perguntou Riley.

“Bem, foi menos o que fez e mais como o fez. Foi afável e carinhosa. Esfregou os pontos que mais me doíam, os pés e as mãos. E continuou a fazer mais chá – uma receita diferente da anterior, algo realmente delicioso e calmante. Até me cantava – uma linda cantiga de embalar, só me lembro de parte...”

Lance fechou os olhos e cantou numa voz agradável.


Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.


Depois abriu novamente os olhos.

“Melhorei muito rapidamente e Hallie disse que também se sentia melhor. Ela disse algo que eu não compreendi. ‘Foi um anjo que nos deixou doentes, mas mudou de ideias porque somos ambos bons. E agora vamos ficar bem.’”

Ele sorriu e acrescentou, “A verdade é que eu penso que a Hallie é uma espécie de anjo.”

Depois encolheu ligeiramente os ombros.

“Ela terminou o meu tratamento e eu voltei para casa, perfeitamente saudável.”

Lance ficou a olhar para o vazio durante um momento, perdido em memórias. Depois olhou outra vez para Riley.

“Posso ajudá-la em algo mais?”

Riley sentiu invadir-se por emoções confusas. Não conseguia ganhar coragem para dizer a Lance que a mulher de quem tanto gostara tentara matá-lo.

“Não, ajudou-me muito,” Disse Riley. “Obrigado pelo seu tempo.”

Quando deixou a casa, Riley sabia onde tinha que ir a seguir. Com certeza que alguém naquela clínica tinha as suas próprias histórias sobre a mulher que dizia chamar-se Hallie Stillians.

Talvez descubra a verdade de uma vez por todas, Pensou ao ligar a ignição.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E SEIS


Riley foi invadida por uma sensação assustadora quando entrou no Centro de Reabilitação Reliance. Havia algo de pouco hospitaleiro naquele local. A começar pela temperatura que parecia invulgarmente gélida.

Mas Riley pressentiu algo mais no ar.

Não é só a temperatura que é gélida aqui, Pensou.

Mostrou o seu distintivo a uma rececionista carrancuda e sombria, e pediu para falar com a enfermeira chefe.

Ao ser conduzida pela recionista pela clínica, o desconforto de Riley cresceu. Ninguém naquele edifício sorria. Todos pareciam soturnos e sempre que alguém olhava para Riley, ela sentia-se indesejada.

Lembrou-se de algo que Lance dissera.

“Juro, eram das pessoas mais frias que já conheci.”

Quando chegaram ao gabinete da enfermeira chefe, a rececionista bateu à porta.

Uma voz no interior inquiriu, “Quem é?”

“Uma agente do FBI,” Respondeu a rececionista. “Está aqui para fazer algumas perguntas.”

Riley ouviu ruídos dentro do gabinete. Depois a porta abriu-se e uma mulher de aspecto agitado surgiu. Tinha um rosto rigido e o sorriso era inteiramente forçado.

“Em que posso ajudá-la?” Perguntou, parecendo faltar-lhe o fôlego.

Riley mostrou o distintivo novamente.

“Agente Especial Riley Paige, FBI,” Disse ela.

“Bem, deve ser alguma coisa muito séria,” Disse a mulher desconfortavelmente. “Entre.”

Riley entrou no gabinete e sentou-se. A mulher sentou-se à secretária.

“Sou Edith Cooper e sou a enfermeira responsável. O que posso fazer por si? O que quer saber?”

Riley notou de imediato algo de estranho no discurso da mulher. Falava muito rapidamente. E os olhos apresentavam um brilho estranho.

“Estou aqui por causa de uma série de envenenamentos,” Disse Riley. “Talvez já tenha lido sobre isso.”

As palavras saíam atabalhoadas da boca da mulher.

“Ah, sim, absolutamente. Fico satisfeita por nada disso alguma vez ter sucedido aqui. Mas porque querem falar comigo?”

Riley estudou o rosto de Edith Cooper durante um instante, tentando descobrir o que havia de errado com ela.

“Gostaria de lhe fazer algumas perguntas sobre uma terapeuta freelance que trabalhou aqui. Chamava-se Hallie Stillians.”

“Ah, sim, Hallie. Os pacientes gostavam dela, mas o pessoal nem por isso. Deixámos de a contratar há cerca de ano e meio.”

Riley tirava notas agora.

“Foi na altura em que tratou um paciente chamado Lance Miller?” Perguntou Riley.

O rosto de Cooper estremeceu.

“Sim, penso que foi,” Disse ela. “Aquele homem precisava de ajuda – o tipo de ajuda que nós não podíamos dar aqui.”

“O que quer dizer com isso?”

Cooper tamborilou os dedos na secretária.

“Bem, ele não parava de dizer que estava a ser envenenado e não estava, era simplesmente impossível. Era um caso típico de esquizofrenia paranoica.”

Riley ficou surpreendida. Depois da sua visita a lance Miller, de uma coisa tinha a certeza – não era minimamente paranoico.

Cooper prosseguiu, “Penso que a Hallie estava a encorajar os seus delírios. Não podemos tolerar esse tipo de comportamento, não aqui. Nunca mais voltámos a solicitar os seus serviços.”

Cooper olhou para Riley durante um instante.

“Mas o que é que isso tem a ver com...?”

Então os seus olhos astutos cravaram-se em Riley.

“Suspeita de Hallie Stillians? Bem, não ficaria surpreendida. Eu sabia que havia algo de errado com aquela mulher logo de início. Mas como é que ela o fez?”

“Ainda não chegámos a qualquer conclusão,” Disse Riley.

“Não? Bem, espero que cheguem a algumas conclusões em breve. É melhor que o façam. Há uma assassina à solta e alguém pode morrer, isso é certo. Não prenderam Hallie Stillians?”

Riley não disse nada, apenas fixou o seu olhar no de Cooper.

Cooper disse, “Pelo que li, parece que o veneno usado era o tálio. É verdade?”

Riley continuou calada.

Cooper estava a comportar-se de uma forma suspeita.

Há algo de muito estranho com esta mulher, Não parava de pensar Riley.

Cooper continuou a falar.

“Estou a perguntar-lhe se é tálio porque como sabe, é denominado o veneno do envenenador mas é claro que não tenho forma de o saber. Foi tálio? E como é que foi administrado? Era tálio puro? Bem, se eu fosse um assassino, penso que não utilizaria tálio puro. Misturava-o com algo para evitar a deteção e para disfarçar os sintomas. Não sou perita é claro. Não faço ideia.”

Parou de falar e olhou para Riley.

“Agente Paige, tenho a sensação de que há algo que não me está a dizer,” Disse ela.

O seu tom era agora defensivo e ligeiramente zangado.

“Sou suspeita? Isso seria um perfeito absurdo.”

Mais uma vez, Riley permaneceu calada.

Cooper olhou com desconfiança e as suas sobrancelhas aproximaram-se.

“Penso que esta conversa terminou,” Disse ela. “Se tiver mais perguntas, sugiro que as dirija ao meu advogado.”

Entregou a Riley o cartão do advogado.

“Claro,” Disse Riley. “Obrigada pelo seu tempo. Eu saio sozinha.”

Quando Riley saiu da clinica, quase respirou de alívio. A atmosfera lá dentro era completamente sufocante.

Entrou no carro. Antes de o ligar, ligou a Van Roff.

“Sr. Roff, gostaria que descobrisse o que conseguisse sobre a enfermeira chefe do Centro de Reabilitação Reliance. Chama-se Edith Cooper.”

Riley ouviu o ruído do teclado.

Alguns segundos depois, Roff disse, “Uau. Aquela clínica tem uma reputação bem colorida. Falo de processos de negligência a rodos. É quase como se...”

Riley ouviu o som de uma porta a fechar.

“Oh, merda,” Sussurrou Roff. “Fomos apanhados.”

Ouviu uma voz familiar a perguntar, “É a Agente Paige?”

Riley ficou alarmada. A voz era de Sean Rigby. Tinha obviamente entrado no gabinete de Roff sem se fazer anunciar. Roff devia ter a chamada em alta-voz e então Rigby reconhecera a sua voz de imediato.

Rigby disse, “Agente Paige, que surpresa interessante. Como está tudo em Quantico?”

Riley engoliu em seco. Tinha que ter cuidado com que ia dizer. Não estava tão preocupada consigo mas mais com Roff. Sabia que não valia a pena mentir sobre o seu paradeiro.

“Na verdade, estou em Seattle,” Disse ela.

“Seattle! Não me lembro de receber qualquer aviso a esse respeito.”

“Não é uma viagem oficial.”

Rigby soltou uma risada irónica.

“Ah. Uma viagem de férias, eh? Bem. Fico satisfeito por gostar tanto da nossa cidade. Desfrute da sua estadia.”

A chamada terminou. Riley estava sentada no carro a olhar em frente.

Ele não acreditou em mim nem por um segundo, Pensou Riley.

E agora o mais certo era Van Roff levar com o pior.

Mas por outro lado, Rigby não parecia estar muito incomodado por ela estar de volta. Interrogou-se se Rigby também não estaria completamente certo da conclusão dada ao caso.

Alguns minutos depois, o telemóvel tocou outra vez. Era Van Roff, falando num sussurro agitado. Era óbvio que desta vez não estava a utilizar a alta-voz.

“Ei, desculpe aquilo de há pouco. Ele entrou sem mais nem menos.”

“Tudo bem,” Disse Riley. “Só espero que não esteja metido em sarilhos.”

“Eu também. Às vezes com o Rigby é difícil de perceber. De qualquer das formas, logo que terminaram a chamada ele perguntou-me o que é que eu estava a fazer e eu disse que estava verificar o Centro de Reabilitação Reliance e a sua diretora. Ele pareceu interessado. Parece que quer dar seguimento à coisa. Isso é bom, certo?”

Riley não respondeu. A verdade era que ela não sabia. Edith Cooper precisava mesmo de ser investigada, mas poderia Riley confiar num chefe local para tratar do assunto? Tinha as suas dúvidas.

“Vou mantendo-a a par dos desenvolvimentos,” Disse Roff.

“Talvez seja melhor não o fazer. Quero dizer, para seu bem.”

“Bem, vamos ver como é que as coisas evoluem.”

Terminaram a chamada. Riley foi para o hotel onde ela e Bill tinham ficado da última vez.


*


Mais tarde, Riley sentou-se no bar do hotel a beber uma bebida. Se Bill tivesse ido com ela, não se sentiria tão terrivelmente isolada.

Reviu os acontecimentos do dia na sua cabeça, tentando interpretá-los da melhor forma.

Antes da sua visita ao Centro de Reabilitação Reliance, parecia perfeitamente óbvio que uma mulher chamada Hallie Stillians tinha morto Cody Woods. Mas após uma estranha conversa com Edith Cooper, Riley já não sabia o que pensar.

Cooper estava nitidamente a esconder algo, mas o quê?

Riley tinha passado parte da tarde a fazer pesquisa online. Roff tinha razão, Edith Coooper e o seu centro tinham sido processados por negligência inúmeras vezes. O Centro de Reabilitação Reliance quase tinha sido encerrado de vez no ano anterior.

Mas isso fazia de Edith Cooper uma assassina – ou até cúmplice de homicídio?

Terminou a sua bebida e estava quase a dirigir-se ao bar para pegar outra quando o telemóvel tocou. Ela estremeceu quando viu o nome no visor, mas mesmo assim atendeu.

“Agente Paige? Daqui fala Chefe Rigby. Pensei que estaria interessada em saber algumas boas notícias. Prendemos a nossa assassina há pouco. É diretora de uma Clínica e chama-se Edith Cooper.”

Depois acrescentou, “Talvez já tenha ouvido falar dela.”

Riley reprimiu um suspiro. É evidente que ele percebera de imediato que Riley estava por detrás da pequisa de Roff sobre Cooper.

“E a Solange Landis?” Perguntou Riley.

“Ainda está presa. Ainda a podemos acusar por falsificar documentos. Mas afinal não é a nossa assassina. Edith Cooper parece definitivamente culpada. Temos um mandado para fazer buscas na clínica e o Havens e o Wingert encontraram um pó branco suspeito numa gaveta da sua secretária. O laboratório ainda não determinou de que se trata, mas será um veneno de algum tipo.”

Riley foi invadida por uma certeza.

Oh meu Deus! Cocaína!

Um veneno de uma espécie diferente, mas não aquele que procuravam.

O uso de cocaína explicaria a postura estranha de Edith Cooper. E a julgar pelo comportamento esquisito do seu pessoal, toda a clínica estaria repleta de dependentes em drogas. Não admirava que a Clínica de Reabilitação Reliance tivesse tantos processos por negligência. Os cuidados médicos que prestavam deviam ser os mínimos.

Riley disse, “Chefe Rigby, não estou certa de que...”

Parou a meio da frase.

“Não está certa de quê, Agente Paige?”

Riley lembrou-se novamente que tinha que ter cuidado com o que dizia para o bem de Van Roff. O laboratório descobriria em breve que o pó de Cooper não era tálio. Entretanto, o melhor era Cooper ficar detida.

“Nada,” Disse ela. “Parabéns.”

Rigby riu.

“Tenho a estranha sensação de que os parabéns também lhe são devidos a si. Não precisa de ser modesta, eu sei que teve algo a ver com isto. E darei boas referências suas em Quantico. Vamos estar a beber champanhe por aqui muito em breve. Digo-lhe quando e espero que se junte a nós na comemoração. Entretanto, merece um pouco de descanso. Desfrute da nossa maravilhosa cidade.”

E terminou a chamada abruptamente.

Riley sentiu invadir-se por uma onda de desespero.

Não consegui nada hoje, Pensou.

Uma assassina ainda estava à solta e ela estava impotente para dar a volta aos acontecimentos.

Queria outra bebida – demasiado.

Mas acabou por não a tomar.

Saiu do bar e caminhou em direção à noite cinzenta, rodeada pelo espesso nevoeiro de Seattle. Mesmo no exterior, sentiu-se estranhamente claustrofóbica, como se o mundo se estivesse a fechar à sua volta.

Como se estivesse atada de pés e mãos, Pensou.

Uma coisa parecia certa – era tempo de desistir e ir para casa.

Não havia nada mais a fazer.

Mas quando se virava para regressar ao hotel, viu uma figura familiar aproximando-se de si vinda do nevoeiro.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E SETE


Riley sentiu um fluxo de adrenalina quando o homem se aproximou dela.

Ela sabia que era uma lutar lu fugir. O seu instinto dizia-lhe que o perigo se aproximava e que o seu corpo se devia preparar para a luta.

Ou a fuga.

E no entanto, ficou imóvel onde estava, incapaz sequer de respirar.

E ali estava Shane Hatcher ao alcance, completamente visível no nevoeiro circular. Era apenas a segunda vez que o vira pessoalmente desde a sua fuga de Sing Sing. A sua presença ali era muito mais intimidante do que fora quando se encontraram dentro das paredes da prisão.

Riley tentou lembrar-se que não corria perigo físico com este homem. Mas bem no fundo, todo o seu corpo sabia que Shane Hatcher era o homem mais perigoso que já conhecera – e possivelmente o mais brilhante.

Shane olhou-a de alto a baixo como se detetando o seu alarme.

“Descontraia,” Disse ele com um sorriso sinistro. “Se a quisesse matar, já estaria morta. Estou só a ajudá-la a concretizar aquele pequeno favor de que falámos.”

As suas palavras não eram minimamente reconfortantes. Mesmo assim, Riley começou novamente a respirar.

Hatcher estendeu a mão. Tinha uma pulseira de ouro no pulso.

“Não está a usar a sua,” Disse ele.

“Nunca a usarei.”

Ele sorriu.

“Mas tem-na consigo.”

Riley não respondeu. Ela sabia que não fazia sentido mentir.

“Caminhe comigo,” Disse Hatcher.

Nenhum dos dois disse uma palavra durante alguns instantes enquanto caminhavam juntos pela rua. Riley ouviu passos e depois preparou-se para que alguém passasse por eles.

Será que aquela pessoa os conseguia ver com nitidez? Em caso afirmativo, importava?

Quem poderia adivinhar que uma era uma agente renegada do FBI e o outro um criminoso brilhante que fugira de uma prisão de segurança máxima?

A pessoa continuou o seu caminho, aparentemente alheio a algo de estranho.

“Ouvi dizer que ocorreu outra prisão,” Disse Hatcher.

Riley anuiu em silêncio.

“E ainda não pensa que apanharam o verdadeiro Anjo da Morte.”

Riley ficou surpreendida por ele utilizar aquele termo.

“Eu sei que não,” Disse Riley. “Eu interroguei aquela mulher. É um caos e provavelmente merece ser acusada e presa. Mas ela não é a envenenadora que eu procuro.”

“E assim a verdadeira assassina atacará novamente.”

“Sim. Ela não vai parar até eu a parar.”

Ficaram calados durante um momento e depois Hatcher disse, “Esteve a trabalhar com o Van Roff, não esteve?”

“Como é que sabe?”

Shane soltou uma risada.

“Fiz a minha pesquisa. O Roff parece ser o tipo mais esperto do gabinete de Seattle. E não quer saber das regras para nada. Eu sabia que se ligaria a ele naturalmente mais cedo ou mais tarde. Era inveitável. Gostava de o conhecer um destes dias. Talvez conheça.”

Mais uma vez, Riley sentiu que estava a ser atraída para uma aliança com Hatcher. Mas ela sabia por experiência própria que ele podia mesmo ajudá-la.

Riley disse, “O Van Roff descobriu que três terapeutas tinham desaparecido, uma após a morte de cada vítima. Tinham nomes diferentes e moradas diferentes, mas as moradas eram todas caixas postais.”

Hatcher assentiu enquanto caminhavam.

“Então são todas a mesma pessoa,” Disse ele.

“Tenho a certeza que sim,” Disse Riley. “Mas após cada desaparecimento, ela regressa com outra identidade. Não temos forma de identificar a sua nova criação. Vi fotos de mulheres que podem ser ela, mas ela é uma espécie de camaleão.”

Hatcher pensou durante um bocado.

“Diga ao Roff para fazer uma pesquisa sobre a frequência com que isto aconteceu – Anjos da Morte que atacaram ao longo dos anos. Estamos à procura de enfermeiras que desapareceram de repente quando um paciente morreu. Imediatamente antes ou depois.”

“Isso é uma busca complicada,” Disse Riley.

“Não para o Van Roff. E lembre-lhe para procurar moradas que sejam serviços postais e não casas ou apartamentos. Diga-lhe para seguir os vestígios desde o início. Ele saberá quando a tiver encontrado.”

Caminharam juntos em silêncio durante algum tempo.

“Está mais perto do que julga,” Disse finalmente Hatcher. “E ela sabe-o.”

Havia algo diferente no seu tom agora.

Teria Riley detetado um vestígio de preocupação?

Depois ele disse, “Quando chegar o momento de fazer uma detenção, envie outra pessoa. Não vá você.”

“Porque não?”

Hatcher não disse nada durante alguns segundos.

“Considere o Anjo da Morte mais terrível de todos – Josef Mengele.”

Riley estremeceu. Saberia Hatcher que ela e Solange Landis tinham falado sobre Mengele?

Não, é impossível, Pensou Riley.

Era simplesmente outro exemplo desconfortável e estranho de Hatcher em consonância com as linhas de pensamento que ela própria seguia.

“O que tem ele?” Perguntou Riley.

“Ainda fazia o seu terrivel trabalho em Auschwitz em 1944 quando teve a certeza que a Alemanha estava a perder a guerra, que o exército vermelho estava a caminho. O que fez ele então? Abrandou as suas atrocidades? Não, acelerou. Tornou-se mais cruel e sádico do que nunca. Os Anjos da Morte são assim. Quando se sentem ameaçados, tornam-se ainda mais determinados. Alteram os seus métodos, tornam-se mais mortíferos. Querem assegurar-se de que o trabalho é feito. Esta mulher não é diferente.”

Caminharam em silêncio durante mais alguns momentos.

“Envie outra pessoa,” Disse Hatcher novamente. “Quem quer que faça essa detenção não deverá sobreviver.”

Os seus passos continuaram a ecoar no nevoeiro.

“Continue a caminhar,” Disse por fim Hatcher. “Não olhe para trás.”

Hatcher parou e Riley prosseguiu.

Depois de ter caminhado três metros, não conseguiu resistir e virou-se.

Não viu ninguém no nevoeiro.

Mas ouviu a voz de Hatcher a ecoar, aparentemente de lado nenhum.

“Tenha apenas uma coisa em mente. Tudo acontece sem motivo.”

Depois ouviu uma risada ribombante.


*


Quando Riley caminhava para a entrada, viu uma figura familiar a falar com o rececionista.

Esta figura não a arrepiou.

“Bill!” Chamou.

Bill virou-se para ela e sorriu.

Riley correu na sua direção e abraçou-o, quase chorando de alegria.

Estavam novamente juntos.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E OITO


Já era noite em Seattle e Riley sabia que precisavam de recorrer à ajuda de Van Roff novamente. Ela e Bill foram para o quarto de hotel de Riley para telefonar ao feiticeiro técnico e alguns minutos mais tarde já o tinham em alta-voz.

“Estou em casa,” Disse Roff. “Por isso agora é mais fácil falarmos.”

“Mas preciso que faça uma busca bem complicada agora,” Disse Riley que sentia uma urgência ainda maior em apanhar esta assassina antes que mais alguém morresse.

Ele riu. “Isso não é problema. Estou bem servido de recursos aqui.”

“O Agente Jeffreys está aqui comigo. Precisamos de localizar uma nova pista.”

Roff cumprimentou Bill alegremente e depois acrescentou, “Ouvi dizer que prenderam a Edith Cooper. Não é ela?”

“A Edith Cooper foi bem presa, mas não é quem procuramos.”

“Raios. Pensei que tivésssemos apanhado a nossa vilã. Mas fico sempre intrigado com uma nova caçada. Então, o que fazemos agora?”

Riley deu-lhe as instruções que ela e Hatcher tinham discutido.

“Muito interessante. Vou começar já. Mas como vou saber se encontrei aquilo que procuro?”

Riley lembrou-se do que Hatcher dissera.

“Ele saberá quando a tiver encontrado.”

“Não se preocupe,” Disse Riley. “Saberá.”

A chamada terminou e Riley e Bill ficaram a olhar um para o outro durante alguns instantes. Riley mal conseguia superar o alívio que fora vê-lo.

“O que te fez decidir vir?” Perguntou Riley.

Bill afastou o olhar.

“O Meredith disse-me que tinhas estado em contacto com o Hatcher. Calculei que ele estivesse em Seattle. É ele?”

Riley não respondeu.

“OK, então não podes falar sobre isso. Mas soube que tinha que vir para cá imediatamente.”

Riley sorriu.

“Para me poderes salvar do Hatcher?” Disse ela.

Bill devolveu o sorriso.

“Nunca precisas de ser salva,” Disse ele. “Mas apercebi-me que não tinhas ninguém do teu lado a não ser um criminoso foragido. Não estava certo. Eu sou o teu parceiro. Devo ficar contigo.”

Riley apertou-lhe a mão.

“Obrigada,” Disse ela. “Mas parece-me que agora ficas metido em sarilhos.”

Bill também lhe apertou a mão e sorriu.

“Sarilhos é o que criamos – e sempre os criamos juntos.”

Seguiu-se um silêncio de alguns minutos. Depois algo começou a incomodar Riley.

“Bill, o Hatcher disse-me uma coisa que não compreendo. Ele disse, “Tudo acontece sem motivo.’ O que é que achas que significa?”

Bill abanou a cabeça. “Se tu não sabes, eu então não sei de certeza.”

Riley ficou a pensar naquilo. Era um óbvio reverso do velho ditado...

“Tudo acontece por um motivo.”

Riley estremeceu. Odiava aquele ditado. As pessoas diziam-no sempre que alguma coisa terrível acontecia e era suposto dar conforto, mas nunca reconfortava. Riley sempre o considerara fútil e até insensível.

Mas Riley nunca dissera a ninguém que se sentia assim.

Sentiu um arrepio estranho.

Mais uma vez, Hatcher tocara em algo muito pessoal.

Mas porque é que apenas o dissera agora?

Por nenhum motivo, acho, Pensou com um sorriso irónico.

O telemóvel de Riley tocou. Era Van Roff outra vez. Riley colocou-o em alta-voz.

“Bingo,” Disse Van Roff. “Tenho mesmo qualquer coisa desta vez.”

Riley e Bill olharam um para o outro na expectativa.

“O que é?” Perguntou Riley sem fôlego.

“Tenho uma pista de nomes – todas terapeutas que usaram serviços postais e que desapareceram pouco depois de um paciente morrer. Também pagaram pelos seus serviços postais em dinheiro – exceto a primeira cujo nome é Alicia Carswell.”

O entusiasmo de Riley estava no auge.

O seu nome verdadeiro! Apercebeu-se.

Roff prosseguiu, “Usou um cartão de crédito por isso foi fácil saber mais coisas a seu respeito. Consegui o seu número de Segurança Social e Carta de Condução. A foto é muito parecida com as outras.”

“Qual a morada na carta de condução?” Perguntou Bill.

Roff deu a morada e Bill anotou-a.

“Só não tenho a certeza se está atualizada,” Disse Roff. “É uma carta de condução antiga, expirada há anos. Parece estar desligada do mundo real há muito tempo.”

“É sempre o que temos,” Disse Bill.

“Obrigada,” Disse Riley.

Terminaram a chamada e Riley e Bill foram logo para o carro.


*


Riley e Bill conduziram por entre o nevoeiro da cidade sombria até à morada que Roff lhes dera. Era uma casa pequena e fora de moda num bairro da classe trabalhadora. O quintal não estava tratado e a vedação branca estava degradada. Não se via luz no interior da casa.

“Será que ainda vive aqui alguém?” Perguntou Riley ao estacionar o carro.

“Vamos ver,” Disse Bill.

Saíram do carro, caminharam até à porta da frente e bateram à porta.

Ninguém respondeu.

Riley olhou para Bill por um momento de indecisão.

Depois rodou a maçaneta.

A porta abriu-se facilmente e entraram. Riley encontrou um interruptor junto à porta e ligou-o.

Era como se tivesse entrado numa sala de estar de outra era.

“Parece que estamos nos anos 50 aqui,” Comentou Bill.

A mobília era colorida e limpa, apesar de parecer estar muito usada. Retratos de família e imagens de cenas alegres estavam pendurados nas paredes. Ao contrário do exterior, ali dentro tudo parecia estar em ordem e no seu devido lugar.

Não havia dúvidas de que alguém ainda vivia ali.

Riley e Bill separaram-se. Bill dirigiu-se a um quarto e Riley à cozinha. A cozinha era ainda pitoresca do que a sala de estar. Quem ali vivia dera-se a muito trabalho para manter aquele lugar congelado no tempo.

Talvez fosse um tempo mais feliz, Pensou Riley.

Mas o seu instinto dizia-lhe que nem tudo era o que aparentava. Ao olhar à sua volta, os seus olhos repousaram numa fila de frascos de cozinha antigos e coloridos etiquetados com letras desenhadas – café, chá, açúcar, farinha...

Riley abriu o frasco que dizia café.

Continha uma substância branca cristalina.

“Bill, é melhor chegares aqui,” Chamou Riley.

Bill chegou num instante. Riley mostrou-lhe o conteúdo do frasco.

“Isto não é café,” Disse Riley. “Tenho um palpite que é tálio.”

“Jesus,” Murmurou Bill. “Esta cozinha é um laboratório para a preparação de venenos.”

Riley virou-se e viu um bloco de notas na mesa de fórmica. As folhas de papel estavam simpaticamente decoradas com imagens de flores. No topo da folha estava impecavelmente escrito “Brio 15”.

Riley mostrou aquilo a Bill.

“O que te parece que é isto?” Perguntou ela.

“Talvez uma morada?” Respondeu Bill.

Riley pegou no telemóvel e ligou a Van Roff.

“Ei, onde estão?” Perguntou ele.

“Estamos na casa de Alicia Carswell,” Disse Riley. “Não há dúvida de que vive aqui. Encontrámos uma nota na sua cozinha. ‘Brio 15’ soa-lhe a morada?”

“Conheço bem a minha cidade,” Disse Roff. “Não me parece que seja uma rua pública. Deixe-me confirmar.”

Riley ouviu uma revoada de teclas de computador.

“Brio 15 é uma casa numa estrada privada numa comunidade retirada. E é mesmo próxima de onde vocês se encontram. Envio-lhes indicações por telefone.”

“E envie uma equipa de reforços para a morada,” Disse Bill. “Não queremos correr riscos com esta.”

Riley olhou para a porta da cozinha e reparou que a porta da frente ainda estava aberta.

Não estava trancada quando entraram.

Saiu à pressa, Percebeu Riley.

“Despache-se,” Disse a Roff. “Tenho a sensação de que não temos um minuto a perder.”

 

 


CAPÍTULO TRINTA E NOVE


A via chamada Brio terminava entre algumas casinhas atraentes espalhadas. A rua era calma com luzes na maior parte das casas mas sem atividade no exterior. Apessar da cena pacífica, Riley tinha a certeza que um destes espaços pitorescos escondia uma assassina.

Bill parou o carro no número 15 e estacionou. Quando desligou o motor, tudo em redor estava silencioso mas Riley sentiu uma renovada onda de alarme. Lembrava-se da pressa com que a mulher parecia ter saído de casa.

Algo de muito mau se está a passar, Pensou.

Estava satisfeita por a equipa de reforço do FBI estar a caminho, mas ela não tinha tempo para esperar por eles. Ela e Bill saíram do carro e caminharam na direção da casa. Quando chegaram à porta de entrada, Bill estava prestes a bater à porta.

Riley impediu-o e colocou o dedo nos lábios para o silenciar.

Dando indicação a Bill para a seguir, Riley moveu-se para a direita e espreitou pela ampla janela. Viu uma sala de estar bem iluminada mas ninguém lá dentro. Depois dirigiu-se às janelas do outro lado da porta. Quando espreitaram por essas, Bill soltou um esgar audível.

“Que raio!” Murmurou.

Uma figura de pesadelo estava debruçada sobre um homem idoso inconsciente numa cama. Era uma mulher usando um casaco de laboratório, luvas pesadas, óculos e uma máscara com uma garrafa de oxigénio. Retirava um tubo de vidro de um pequeno cofre portátil.

“Não há tempo a perder,” Disse Riley. “Vamos entrar.”

Tentaram a porta da frente mas estava fechada, Riley saiu da frente de Bill quando ele recuou e se colocou em posição para a arrombar. Arremeteu todo o seu peso num pontapé logo abaixo da fechadura.

Foi o quanto bastou. A porta cedeu e Riley entrou lá dentro.

A figura estava agora mais próxima do homem inconsciente.

Segurava um conta-gotas sobre ele.

Virou-se e viu Riley e Bill, mal parecendo surpreendida.

Sons abafados surgiam da máscara, e Riley percebeu que aquela criatura assustadora estava a cantar. Lembrava-se da cantiga e da letra da visita que fizera a Lance Miller...


Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.


Riley sacou a arma.

“Pare,” Ordenou.

A mulher limitou-se a olhar para ela através dos óculos ainda a cantar com a voz abafada.


Não chores,

Sonha até mais não poderes.

Deixa-te vencer pelo sono.


Ignorando Riley e Bill, a mulher baixou o conta-gotas na direção do rosto do homem.

Com um grito de fúria, Bill agarrou a assassina pelo pulso da mão que sustinha o conta-gotas. A mulher soltou um grito e lutou com ele.

Enquanto lutavam, Riley guardou a arma e esperou por uma oportunidade para ajudar Bill a subjugar a mulher louca.

A mascára e óculos da mulher soltaram-se na luta e ela recuou. De repente, líquido jorrou do conta-gotas.

Sorrindo medonhamente, a mulher virou-se para Riley.

Olhou para o conta-gotas.

 “Vazio!” Gritou. “E eu tive tanto trabalho! E eu que tinha o Sr. Auslander deitado e sedado e pronto. Que pena.”

Ainda a sorrir, apontou para a mão de Bill.

“Para si não há salvação,” Disse ela.

Bill olhou para a sua mão, reluzindo com gotas de um líquido claro que tinham jorrado do conta-gotas. Ia limpá-lo com a outra mão.

“Não toques!” Disse Riley.

Bill olhou para ela, surpreendido.

“O que é?” Perguntou Bill.

“Não sei, mas não lhe toques.”

A mulher sentou-se numa cadeira e riu. Tocou no seu rosto e sentiu o líquido também lá espalhado. Riley reconheceu o seu rosto das fotos que vira.

Sim, era esta a mulher. Esta era a terapeuta responsável pelas mortes dos pacientes.

“Mas e eu?” Disse numa voz delirante e estranha. “Também estou envenenada. Ah, mas não se preocupem. Eu não posso morrer. Esther Thornton – a mulher que estão a ver – vai morrer. Como morreu Judy Brubaker e Hallie Stillians e tantas outras. Mas não eu. Não sabem quem sou? Não conseguem ver as minhas asas?”

Continuou a cantar.


Longe de casa,

Tão longe de casa-

Este bebé pequenino está longe de casa.


Tocou nos seus braços, olhando para eles com tristeza.

“Mas estas asas estão a definhar. Tenho que me encolher para que cresçam novas asas. Eu regressarei. Os anjos nunca morrem.”

Ficou sentada a cantarolar e a balançar.

Fechou os olhos e pareceu derivar para um estado de inconsciência.

Depois ficou completamente parada e calou-se.

Catatónica, Apercebeu-se Riley.

Na sua loucura progressiva, a mulher ficara em estado catatónico.

O homem na cama agora emitia sons. Apesar de ter sido obviamente sedado, o barulho tinha-o acordado. Sentou-se lentamente e esfregou os olhos.

“Esther?” Disse numa voz fraca.

Depois viu Riley e Bill.

“O que é que se passa?”

“Fique onde está,” Disse Riley. “Não se mexa. Ninguém se mexa.”

Toda a gente na sala ficou imóvel por momentos.

“O que é que fazemos?” Perguntou Bill.

“Sei a quem devemos perguntar,” Disse Riley.

Pegou no telemóvel e ligou a Prisha Shankar. A chamada foi para o atendedor. A voz de Riley tremia.

“Dra. Shankar, atenda por favor. Sou a Agente Riley Paige. Isto é uma emergência. É um caso de vida ou de morte...”

E de repente ouviu a voz de Prisha Shankar.

“Olá.”

Aliviada, Riley colocou o telemóvel em alta-voz.

“Dra. Shankar, o meu parceiro e eu acabámos de encontrar a assassina. Detivemo-la no ato. Ela está vestida com óculos e uma máscara e tem umas luvas enormes. Tem um tubo e um conta-gotas. Impedimo-la de verter o líquido para a vítima, mas parte derramou-se no seu rosto e na mão do meu parceiro. O que é que devemos fazer?”

Seguiu-se um momento de silêncio.

“Óculos, máscara, luvas?” Disse finalmente Shankar.

“Exato.”

“Meu Deus,” Disse Shankar.

Riley ouviu o som de veículos a aproximarem-se.

“Os nossos reforços chegaram,” Disse Riley.

“Não os deixem entrar!” Gritou Shankar. “Não deixem ninguém entrar!”

“Porque não?” Perguntou Riley.

Shankar parecia sem fôlego.

“Mantenham-nos lá fora. Não é seguro aí dentro.”

“Mas o meu parceiro e eu...”

“O seu parceiro não é seguro. É perigoso. Para eles.”

 

 


CAPÍTULO QUARENTA


Um carro parou no exterior e passos aproximaram-se da porta da casa. Riley correu para a porta e fechou-a. Colocou uma cadeira debaixo da maçaneta da porta.

“É o FBI,” Disse uma voz do exterior. “Abram.”

“Ouçam-me!” Gritou Riley. “Não entrem! Sou Riley Paige do FBI de Quantico. Fomos expostos a uma substância tóxica aqui. O meu parceiro e eu estamos a tentar resolver a situação. Não podem entrar.”

Seguiu-se um silêncio breve.

“O que devemos fazer?” Perguntou a voz no exterior.

“Esperem apenas,” Disse Riley.

Riley e Bill olharam para o telefone.

“Fale connosco,” Disse Riley.

“Agentes Paige e Jeffreys, quero que me ouçam com muita atenção. Creio que o químico ao qual o seu parceiro foi exposto é Dimetil Mercúrio. É extremamente perigoso e pode transpor até a roupa mais protetora. Neste momento, deve haver vapor no ar e até isso pode ser letal.”

Os olhos de Bill abriram-se muito com horror e descrença.

“Mas eu sinto-me bem,” Disse Bill. “Não sinto qualquer dor ou...”

Shankar interrompeu-o. “Os sintomas só ocorrem num espaço de meses. Mas se tiver tempo suficiente para entrar no sistema, a morte é inevitável.”

Riley e Bill olharam um para o outro em choque.

“E agora?” Perguntou Riley.

“Vou enviar uma equipa hazmat. Estarão aí dentro de minutos. Quando chegarem, deixem-nos entrar.”

Hazmat – materiais perigosos, Percebeu Riley.

Nunca antes estivera envolvida numa situação que envolvesse hazmat.

“Agora sigam as minhas ordens,” Disse Shankar. “Levem o Bill para a casa de banho e lavem-lhe a mão exposta com sabonete e água durante quinze minutos. Certifiquem-se de que usam muita água.”

Riley lutava agora para evitar o pânico.

“Mas se é tão perigoso como diz que é...”

“Isto é só para começar. Comecem por fazer isso. Mantenham o telefone com vocês em alta-voz. Eu estarei em linha.”

Com o telefone à mão, Riley levou Bill para a casa de banho e abriu a torneira. Bill colocou as suas mãos trementes debaixo de água e começou a esfregar a área exposta. Riley ficou a seu lado, sentindo-se completamente impotente.

“Não posso fazer nada?” Perguntou a Shankar.

“Espere.”

“Depois de alguns minutos, Riley ouviu uma batida forte na porta de entrada.

“Está alguém lá fora,” Disse Riley a Shankar.

“É a equipa hazmat,” Disse Shankar. “Deixe-os entrar.”

Riley apressou-se para a porta e retirou a cadeira que a bloqueava. A porta abriu-se e revelou cinco funcionários de hazmat, todos envergando fatos grotescos com máscaras de plástico enormes. Dois deles tinham reservatórios amarelos às costas.

A visão era de arrepiar mas ela sabia que estas figuras horripilantes estavam do seu lado.

Com um grande sentido de gratidão, Riley afastou-se e as figuras entraram.

“Onde está a substância?” Perguntou com voz abafada um dos funcionários.

Riley apontou para a garrafa e conta-gotas que se encontravam caídos no chão.

Um dos trabalhadores apanhou cautelosamente a garrafa e o conta-gotas e colocou tudo num saco prateado. Dois outros começaram a pulverizar a sala com o conteúdo dos reservatórios amarelos.

“O que devo fazer?” Perguntou Riley.

“Vá para a casa de banho. Dispa-se. Tome banho. Tome banho e esfregue-se até lhe dizermos para parar.”

Riley foi para a casa de banho, tirou a roupa, foi para o chuveiro e ligou a água. Ao virar-se, viu a silhueta de um dos funcionários do outro lado da cortina do chuveiro.

Não sabia se era um homem ou uma mulher, mas sabia que era algo que naquele momento não a devia preocupar.

Esfregou-se por um tempo que parecia uma eternidade, todo o tempo a pensar no que se estaria a passar lá fora.

Finalmente, a figura do outro lado da cortina disse, “Já chega. Pode sair.”

Riley desligou o chuveiro e saiu nua da cabina. Bill ainda lá estava, virado de costas para ela. Outro funcionário estava ao lado dele.

O funcionário que estivera do outro lado da cortina segurava um pijama cinzento e um par de chinelos.

“Vista isto,” Disse o funcionário a Riley.

A voz parecia a de uma mulher.

Riley secou-se e vestiu o pijama e calçou os chinelos.

“Agora é a sua vez,” Disse o outro funcionário a Bill, segurando outro conjunto de pijama.

Bill começou a despir-se enquanto o funcionário conduzia Riley para fora da casa de banho.

A envenenadora continuava ali sentada, completamente apática. O homem idoso estava sentado na beira da cama, parecendo igualmente estupefacto.

“E eles?” Perguntou Riley ao funcionário.

“Também vão tomar banho,” Disse o funcionário. “Venha comigo.”

A figura conduziu Riley ao exterior na direção de um veículo de emergência.

“Mas e o meu parceiro?” Perguntou Riley. “Ele vai ficar bem?”

A mulher não respondeu enquanto Riley subia para as traseiras do veículo.

“E o meu parceiro?” Perguntou Riley outra vez.

“Não sei,” Disse a mulher.

Subiu ao lado de Riley e fechou a porta.

 

 


CAPÍTULO QUARENTA E UM


Mais tarde nessa noite, Riley estava sentada na cama de hospital ao que parecia uma eternidade. Uma enfermeira tinha-lhe tirado sangue há algum tempo e Riley estava à espera dos resultados do laboratório.

Perguntara repetidamente por Bill, mas ninguém lhe dizia nada. A única coisa de que tinha certeza era de que a Dra. Prisha Shankar se responsabilizara por ela e por Bill. Isso era reconfortante para Riley. Tinha a certeza de que ambos estavam em boas mãos.

Por fim, uma mão correu a cortina ao lado de Riley. A Dra. Shankar segurava num quadro.

“Tive boas notícias,” Disse. “Fizemos uma análise completa para detetar metais pesados e não tem Dimetil Mercúrio no seu sistema. Pode ir para casa.”

“Mas e o meu parceiro?” Perguntou Riley.

Shankar sorriu.

“Pode perguntar-lhe.”

Bill aproximou-se a sorrir algo cansado.

Riley manifestou alívio.

“Bill! Estás bem?”

Bill encolheu os ombros.

“Parece que vou ficar,” Disse ele.

A Dra. Shankar explicou.

“Ele foi contaminado e tem Dimetil Mercúrio no sistema. Como lhe disse, os sintomas só surgem daqui a meses. Esta terá sido uma das razões pelas quais a envenenadora optou por utilizar este veneno. O espaço de tempo tornaria impossível ligar os envenenamentos a ela.”

Shankar deu uma palmadinha nas costas de Bill.

“Ele vai precisar de terapia de quelação regular até termos a certeza de que o sistema está limpo. Detetámos tudo bem a tempo, não se preocupem.”

“Terapia de quelação?” Perguntou Riley.

“É uma forma de libertar o corpo dos metais pesados,” Disse Shankar.

Bill apontou para um penso no braço.

“Vou fazer via intravenosa em ambulatório. Também posso fazer o tratamento em casa.”

Esfregou o penso.

“Devo dizer que arde um bocado,” Disse ele,

“Com alguma sorte, esse será o único efeito secundário,” Disse Shankar.

Depois riu-se.

“Agora sugiro que os dois se pirem daqui,” Disse Shankar.

“Boa ideia,” Disse Riley, saindo da cama.

“E... Agente Paige?” Acrescentou.

Riley virou-se.

”Excelente trabalho.”

 

 

 

 

 


EPÍLOGO


Na noite seguinte, Riley estava de volta a Fredericksburg e sentada na sua sala de estar, contando a Ryan tudo o que tinha acontecido. Tinha chegado muito tarde, após atrasos nos voos, e Gabriela, April e Jilly já estavam a dormir. Não as quis acordar.

Para além disso, apreciara aquele momento a sós na companhia de Ryan.

A casa estava sossegada e eles sentaram-se um ao lado do outro no sofá, desfrutando de um segundo copo de vinho.

Riley respirou fundo quando terminou a sua história.

No silêncio que se seguiu, Riley fechou os olhos e lembrou-se do seu dia: o longo voo para casa com Bill; a sua gratidão e o seu alívio por ele estar bem; a chamada de Meredith, as suas relutantes felicitações e reintegração de Riley com um aviso de que teriam que se reunir quando ela regressasse; até Rigby lhe ligara e a felicitara da sua forma estranha. Ninguém admitiria que ela resolvera o caso, mas mesmo assim conseguia ouvir nas suas vozes, um silêncio incómodo que indicava respeito – e que significava tudo para ela.

“Graças a Deus estás a salco,” Disse finalmente Ryan, quebrando o silêncio e abraçando-a.

Ryan estava agora sem palavras.

Enquanto ali ficaram sentado em silêncio, Riley não parava de se lembrar do que Shane Hatcher lhe diseera...

“Tudo acontece sem motivo.”

Por alguma razão, hoje Riley sentia que começava a compreender o significado daquelas palavras.

Por fim Ryan disse, “Mas e a assassina? Ela também foi contaminada, não foi?”

“Sim,” Disse Riley. “Vai ter o mesmo tratamento de quelação do Bill.”

“Mas quantas pessoas é que ela matou?”

Riley suspirou.

“Ainda estamos a tentar confirmar. Pelo menos meia dúzia durante vários anos.”

Ryan coçou o queixo.

“E no entanto vai obter um tratamento médico total. Não parece justo.”

“És advogado, devias compreender,” Disse Riley. “A lei não lida com justiça poética – só com leis normais. E ainda resta ver se estará apta a ser julgada. Da última vez que soube, ainda estava num estado não completamente lúcido. Tenho a certeza que o advogado dela vai optar pela defesa por insanidade.”

Ryan abanou a cabeça.

“Não é tão injusto?”

Riley não respondeu. Até àquele momento, sempre reprovara as defesas por insanidade, mas Alicia Carswell era uma das mais estranhas criminosas que alguma vez apanhara.

Qual era o diagnóstico que o psiquiatra revelara naquela manhã?

Ah, sim, Lembrou-se Riley. “Transtorno mental orgânico.”

Alicia Carswell sofria da crença de que era uma espécie de anjo.

Riley ficou surpreendida por algo realmente estranho. Tinha apanhado muitos assassinos loucos ao longo dos anos. Mas no passado, toda a insanidade tinha uma causa, raízes na infância ou era hereditária.

Mas a loucura de Alicia Carswell parecia não ter qualquer causa.

Até ao momento, as autoridades não tinham descoberto nenhum sinal de que Carswell tivesse tido outra coisa que não uma infância feliz e não tinham descoberto qualquer historial de loucura na família. Prisha Shankar explicara a Riley e a Bill que aquele era um caso típico de transtorno mental orgânico. A sua causa era impossível de determinar. Parecia surgir do nada.

Outra vez surgiram as palavras de Hatcher na cabeça de Riley.

“Tudo acontece sem motivo.”

Era tudo muito perturbador. De alguma forma, o acaso tinha transformado aquela mulher numa assassina.

O mero pensamento fê-la estremecer.

O mundo parecia fazer menos sentido hoje do que anteriormente.

Riley levantou-se e aproximou-se das janelas. A escuridão da noite penetrando na sua sala de estar nunca a incomodara antes.

Mas hoje incomodava.

Fechou as cortinas.

O mundo estava realmente mais negro.

Repleto, Riley sabia, de uma quantidade infinita de assassinos em série.

E por muito que ela tentasse fugir deles, amanhã, sabia, ou talvez no dia seguinte, receberia uma chamada.

E outra.

E outra ainda.

Um dia, ela sabia, chegaria a um limite e deixaria de atender aquela chamada.

Mas por agora?

Não sabia.

A terapeuta sorriu amavelmente ao seu paciente, Cody Woods, ao desligar a máquina.
“Penso que chega de MCP por hoje,” Disse-lhe à medida que a perna do paciente parava de se mexer.
A máquina movimentara lenta e repetidamente a perna durante quase duas horas, ajudando-o a recuperar da sua cirurgia ao joelho.
“Quase me esquecia que estava ligada, Hallie,” Disse Cody com uma ligeira risada.
Ela teve uma sensação agridoce. Ela gostava daquele nome – Hallie. Era o nome que utilizava quando trabalhava ali no Centro de Reabilitação Signet como terapeuta freelance.
Era uma pena que Hallie Stillians desaparecesse no dia seguinte sem deixar rasto.
De qualquer das formas, era assim que as coisas se processavam.
E para além disso, tinha outros nomes de que também gostava.
Hallie retirou a máquina da cama e colocou-a no chão. Endireitou cuidadosamente a perna de Cody e endireitou os cobertores.
Por fim, acariciou o cabelo de Cody – um gesto íntimo que a maior parte dos terapeutas evitavam. Mas ela assumia aqueles pequenos gestos com frequência e nunca nenhum paciente se queixara. Ela sabia que projetava um certo calor e empatia – e acima de tudo, total sinceridade. Vindo dela, um pequeno toque inocente era perfeitamente apropriado. Nunca ninguém o interpretara de forma incorreta.
“Como está a dor?” Perguntou ela.
Cody vinha tendo algum invulgar inchaço e inflamação depois da operação. Por isso ali ficara mais três dias e ainda não fora para casa. Esse também era o motivo por que Hallie ali estava a fazer a sua magia curativa especial. O pessoal ali no centro conhecia bem o trabalho de Hallie. Os funcionários gostavam dela e os pacientes gostavam dela, por isso era frequentemente convocada para situações como aquela.
“A dor?” Perguntou Cody. “Quase me esqueci dela. A sua voz fê-la desaparecer.”
Hallie sentiu-se lisonjeada, mas não surpreendida. Estivera a ler-lhe um livro enquanto a máquina estava a trabalhar – um thriller de espionagem. Ela sabia que a sua voz tinha um efeito calmante – quase anestésico. Não importava se estava a ler Dickens ou algum romance pulp ou o jornal. Os pacientes não necessitavam de muita medicação para a dor quando estavam sob os seus cuidados; Geralmente o som da sua voz era suficiente.
“Então é verdade que posso ir para casa amanhã?” Perguntou Cody.
Hallie hesitou um milésimo de segundo. Ela não podia ser inteiramente sincera. Não tinha a certeza como é que o seu paciente se sentiria no dia seguinte.
“É o que me dizem,” Afirmou ela. “Como se sente ao saber isso?”
O rosto de Cody foi atravessado por uma expressão de tristeza.
“Não sei,” Disse ele. “Daqui a três semanas é a vez do outro joelho, mas já cá não vai estar para me ajudar.”
Hallie segurou na sua mão carinhosamente. Ela tinha pena que ele se sentisse daquela forma. Desde que estava sob os seus cuidados, ela contara-lhe uma longa história sobre a sua suposta vida – uma história bastante entediante, pensava ela, mas ele parecia encantado com ela.
Por fim, ela explicou-lhe que o seu marido Rupert estava prestes a reformar-se da sua carreira de contabilista. O seu filho mais novo, James, estava em Hollywood a tentar vingar como argumentista. O filho mais velho, Wendell, estava ali em Seattle a dar aulas de Linguística na Universidade. Agora que os filhos estavam crescidos e entregues a si, ela e Rupert iam mudar-se para uma adorável vila colonial no México onde planeavam passar o resto das suas vidas. Partiam no dia seguinte.
Era uma bonita história, Pensou.
E no entanto, nada tinha de verdadeira.
Ela vivia sozinha.
Completamente sozinha.
“Ah, veja só, o seu chá ficou frio,” Disse ela. “Vou aquecê-lo.”
Cody sorriu e disse, “Obrigado. E tome também algum. A chaleira está no balcão.”
Hallie sorriu e disse, “Claro,” tal como sempre fazia quando repetiam aquela rotina. Levantou-se da cadeira, pegou na caneca de chá tépido de Cody e levou-a até ao balcão.
Mas desta vez, pegou na sua mala que se encontrava atrás do micro-ondas, dela retirando um pequeno contentor plástico cujo conteúdo esvaziou no chá de Cody. Fê-lo rapidamente, furtivamente, um movimento que aperfeiçoara com a prática, de tal forma que tinha a certeza que ele não o tinha percecionado. Mesmo assim, o seu coração bateu com maior rapidez.
Depois ela serviu-se de chá e colocou ambas as canecas no micro-ondas.
Não me posso enganar, Lembrou-se a si própria. A caneca amarela é para o Cody, a azul para mim.
Enquanto o micro-ondas trabalhava, voltou a sentar-se junto de Cody e olhou para ele sem dizer uma palavra.
Ele tinha um rosto agradável, Pensou ela. Mas tinha-lhe contado factos da sua própria vida e ela sabia que ele estava triste. Já estava triste há muito tempo. Fora um atleta premiado no secundário. Mas magoara os joelhos a jogar futebol, terminando as esperanças de prosseguir uma carreira no desporto. Aqueles mesmos ferimentos acabaram por resultar na necessidade de substituir as rótulas.
Desde essa altura que a sua vida ficara marcada pela tragédia. A sua primeira mulher morrera num acidente de viação e a segunda mulher deixara-o por outro homem. Tinha dois filhos adultos, mas não falavam com ele. Também tivera um ataque cardíaco há alguns anos atrás.
Ela ficava admirada com o facto dele não se ter tornado numa pessoa amarga. Na verdade, parecia cheio de esperança e otimista em relação ao futuro.
Julgava-o querido, mas ingénuo.
Ela sabia que a sua vida não ia mudar para melhor.
Era demasiado tarde para isso.
O micro-ondas deu sinal e Hallie despertou da sua divagação. Cody olhava para ela com olhos bondosos e expectantes.
Ela deu-lhe uma palmadinha na mão, levantou-se e caminhou na direção do micro-ondas. Retirou as canecas, quentes ao toque.
Lembrou-se mais uma vez.
Amarela para o Cody, azul para mim.
Era importante não as trocar.
Ambos bebericaram o chá sem dizer nada. Hallie encarava aqueles momentos como momentos de companheirismo tranquilo. Entristecia-a um pouco saber que não haveria mais momentos daqueles. Dali a alguns dias, este paciente já não precisaria dela.
Dali a nada Cody cabeceava de sono. Ela misturara o pó com um medicamento para dormir para garantir que tal sucedia.
Hallie levantou-se e juntou os seus pertences para se ir embora.
E então começou a cantar suavemente uma canção que conhecia desde sempre:
Longe de casa,
Tão longe de casa-
Este bebé pequenino está longe de casa.
Definha
De dia para dia
Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.
Não chores,
Sonha até mais não poderes.
Deixa-te vencer pelo sono.
Não há mais suspiros,
Fecha os olhos
E estarás em casa pelo sono.
Os seus olhos fecharam-se, ela afagou o seu cabelo carinhosamente.
Então, depois de lhe pousar um beijo afável na testa, ergueu-se e foi-se embora.

 


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CAPÍTULO UM

A Agente do FBI Riley Paige estava preocupada enquanto caminhava na escada de desembarque do Phoenix Sky Harbor International Airport. Estivera ansiosa durante todo o voo desde o Reagan Washington International. Viera à pressa porque ouvira que uma adolescente estava desaparecida – Jilly – uma rapariga em relação à qual Riley se sentia especialmente próxima. Riley estava determinada a ajudar a rapariga e até colocava a hipótese de a adotar.

Quando Riley se encaminhava para o portão de saída, caminhando apressadamente, olhou para cima e ficou chocada ao ver a própria Jilly ali com o agente do FBI do gabinete de Phoenix Garrett Holbrook mesmo a seu lado.

Jilly Scarlatti de treze anos estava ao lado de Garrett, a piscar os olhos, obviamente à sua espera.

Riley ficou confusa. Tinha sido Garrett a telefonar-lhe para lhe dizer que Jilly tinha fugido e estava em parte incerta.

Contudo, antes de Riley fazer qualquer pergunta, Jilly correu na sua direção e atirou-se para os seus braços a soluçar.

“Oh, Riley, desculpa. Desculpa-me. Nunca mais volto a fazer o mesmo.”

Riley abraçou Jilly carinhosamente, olhando para Garrett em busca de uma explicação. A irmã de Garrett, Bonnie Flaxman, tinha tentado adotar Jilly, mas Jilly rebelara-se e fugira.

Garrett sorriu ligeiramente – uma expressão fora do normal para um homem geralmente taciturno.

“Ela ligou à Bonnie depois de saires de Fredericksburg,” Disse Garrett. “Disse que só queria dizer adeus de uma vez por todas. Mas então a Bonnie disse-lhe que estavas a caminho para a levares contigo para casa. Claro que ficou logo entusiasmada e disse-nos onde a devíamos ir buscar.”

Ele olhou para Riley.

“Vires até cá salvou-a,” Concluiu Garrett.

Riley limitou-se a ficar parada durante uns instantes com Jilly a soluçar nos seus braços, sentindo-se estranhamente desajeitada e indefesa.

Jilly murmurou algo que Riley não conseguiu ouvir.

“O quê?” Perguntou Riley.

Jilly recompôs-se e olhou Riley nos olhos, olhos castanhos a transbordar de lágrimas.

“Mãe?” Disse Jilly com uma voz tímida e sufocada. “Posso chamar-te de Mãe?”

Riley abraçou-a novamente, esmagada pelo confuso massacre de emoções a que estava a ser sujeita.

“Claro,” Disse Riley.

Depois virou-se para Garrett. “Obrigada por tudo o que fizeste.”

“Ainda bem que pude ajudar, pelo menos um pouco,” Respondeu. “Precisas de um lugar para ficar enquanto cá estás?”

“Não. Agora que a Jilly foi encontrada, não vale a pena. Apanhamos o próximo voo de regresso.”

Garrett apertou-lhe a mão. “Espero que resulte para ambas.”

Depois foi-se embora.

Riley olhou para a adolescente que ainda estava agarrada a ela. Riley sentia uma mistura de sentimentos. Se por um lado estava eufórica por tê-la encontrado, por outro estava apreensiva quanto ao que o futuro lhes reservaria.

“Vamos comer um hambúrguer,” Disse Riley a Jilly.


*


Nevava levemente durante a viagem de carro do Reagan Washington Airport até casa. Jilly olhava silenciosamente pela janela. O seu silêncio era uma grande mudança depois do voo de mais de quatro horas de Phoenix. Nessa altura, Jilly não conseguia parar de falar. Nunca andara de avião e estava curiosa em relação a tudo.

Porque é que agora está tão sossegada? Interrogou-se Riley.

Ocorreu-lhe que a neve devia ser uma visão pouco usual para uma rapariga que tinha vivido toda a sua vida no Arizona.

“Já tinhas visto neve?” Perguntou Riley.

“Só na televisão.”

“Gostas?” Questionou-a Riley.

Jilly não respondeu, o que fez com que Riley se sentisse desconfortável. Ela lembrava-se da primeira vez que vira Jilly. A rapariga tinha fugido de um pai agressivo. Num ato de puro desespero, decidira tornar-se prostituta. Fora para uma paragem de camionistas que era um lugar conhecido no mundo do engate de prostitutas – chamavam-lhes “lot lizards” porque eram particularmente maltrapilhos.

Riley estava lá a investigar uma série de homicídios de prostitutas. Acontecera encontrar Jilly escondida na cabina de um camião à espera de se vender ao condutor quando ele regressasse.

Riley entregara Jilly aos Serviços de Proteção de Menores e mantivera o contacto com ela. A irmã de Garrett acolhera Jilly para a adotar, mas Jilly tinha acabado por fugir novamente.

E fora nessa altura que Riley decidira levar Jilly para sua casa.

Mas agora começava a pensar se cometera um erro. Já tinha que cuidar de uma filha de quinze anos, April. Só a April podia dar uma trabalheira. Tinham passado juntas por algumas experiências traumáticas desde que o casamento de Riley terminara.

E o que é que ela na verdade sabia sobre a Jilly? Será que fazia a mais pequena ideia do quão traumatiada ela estaria? Estaria preparada para lidar com os desafios que Jilly lhe poderia apresentar? E apesar de April ter aprovado a vinda de Jilly, como é que as duas adolescentes se dariam?

De repente, Jilly falou.

“Onde é que vou dormir?”

Riley ficou aliviada por ouvir a voz de Jilly.

“Vais ter um quarto só para ti,” Disse. “É pequeno mas acho que é perfeito para ti.”

Jilly calou-se novamente.

Então, passados alguns momentos disse, “Mais alguém ficou nesse quarto?”

Agora Jilly parecia preocupada.

“Não desde que lá vivemos,” Disse Riley. “Tentei adaptá-lo a escritório, mas era demasiado grande por isso instalei o escritório no meu quarto. A April e eu comprámos uma cama e uma cómoda mas quando tivermos tempo, podes escolher alguns posters e uma colcha de que gostes.”

“O meu próprio quarto,” Disse Jilly.

Pareceu a Riley que ela soava mais apreensiva do que feliz.

“Onde dorme a April?” Perguntou Jilly.

Riley preferia que Jilly esperasse até chegarem a casa e então veria tudo por si própria. Mas a rapariga parecia precisar de uma garantia naquele preciso momento.

“A April tem o seu próprio quarto,” Disse Riley. “Mas tu e a April vão partilhar a mesma casa de banho. Eu tenho uma só para mim.”

“Quem limpa a casa? Quem cozinha?” Perguntou Jilly. Depois acrescentou ansiosamente, “Não cozinho lá muito bem.”

“A nossa empregada, Gabriela, trata disso tudo. Ela é da Guatemala. Vive connosco, num apartamento na cave. Vais conhecê-la não tarda nada. Ela vai tomar conta de ti quando eu tiver que me ausentar.”

Outro silêncio.

Então Jilly perguntou, “A Gabriela vai-me bater?”

Riley ficou abismada com aquela pergunta.

“Não. É claro que não. Porque é que ela faria uma coisa dessas?”

Jilly não respondeu. Riley tentou compreender o significado daquela questão.

Tentou convencer-se de que não deveria ficar surpreendida. Riley ainda se lembrava do que Jilly lhe tinha dito quando a encontrou na cabina do camião e lhe disse que tinha que ir para casa.

“Eu não vou para casa. O meu pai bate-me se volto.”

Os serviços sociais de Phoenix já tinham retirado a custódia de Jilly ao pai. Riley sabia que a mãe de Jilly estava em parte incerta há muito tempo. Jilly tinha um irmão algures, mas ninguém sabia notícias dele há algum tempo.

Partiu-se-lhe o coração perceber que Jilly receava receber um tratamento semelhante na sua nova casa. Parecia que a pobre rapariga nem conseguia imaginar algo melhor na vida.

“Ninguém te vai bater, Jilly,” Disse Riley, com a voz a tremer um pouco de emoção. “Nunca mais. Vamos tomar bem conta de ti. Percebes?”

Mais uma vez, Jilly não respondeu. Riley desejava que ela ao menos dissesse que percebia e que acreditava no que Riley lhe transmitia. Mas em vez disso, Jilly mudou de assunto.

“Gosto do teu carro,” Disse. “Posso aprender a conduzir?”

“Claro, quando fores mais velha,” Disse Riley. “Agora vamos é instalar-te na tua nova vida.”


*


Ainda caía alguma neve quando Riley estacionou o carro em frente à sua casa e ela e Jilly saíram da viatura. O rosto de Jilly contraía-se um pouco quando os flocos de neve lhe tocavam na pele. Parecia não gostar daquela nova sensação. E tremia freneticamente de frio.

Temos que lhe arranjar umas roupas mais quentes imediatamente, Pensou Riley.

A meio caminho entre o carro e a porta de entrada, Jilly estacou. Olhou para a casa.

“Não posso fazer isto,” Disse Jilly.

“Por que não?”

Jilly calou-se durante alguns instantes. Parecia um animal acossado. Riley suspeitava que o mero pensamento de viver num lugar tão aprazível a oprimia.

“Vou atrapalhar a April, não vou?” Perguntou Jilly. “Quero dizer, a casa de banho é dela.”

Parecia procurar desculpas, agarrar-se a razões para que tudo parecesse um projeto votado ao fracasso.

“Não vais atrapalhar a April,” Disse Riley. “Agora entra.”

Riley abriu a porta. No interior, à espera, estavam April e Ryan, o ex-marido de Riley. Os rostos eram sorridentes e acolhedores.

April foi logo ter com Jilly e deu-lhe um grande abraço.

“Chamo-me April,” Disse. “Estou tão feliz por teres vindo. Vais gostar muito de cá estar.”

Riley ficou alarmada com a diferença entre as duas raparigas. Ela sempre considerara April magra e desengonçada, mas ao lado de Jilly parecia robusta. Riley atribuiu a extrema magreza de Jilly ao facto de, ao longo da sua vida, ter passado fome em alguns momentos.

Tantas coisas que ainda não sei, Pensou Riley.

De repente, Gabriela surgiu da cave, apresentando-se com um amplo sorriso.

“Bem-vinda à família!” Exclamou Gabriela, dando um abraço a Jilly.

Riley reparou que a pele da robusta mulher Guatemalteca era apenas ligeiramente mais escura do que a de Jilly.

“Vente!” Disse Gabriela, pegando na mão de Jilly. “Vamos até lá acima. Vou mostrar-te o teu quarto!”

Mas Jilly afastou a mão e ficou parada a tremer. Começaram a correr-lhe lágrimas pelo rosto. Sentou-se nas escadas e chorou. April sentou-se a seu lado e colocou-lhe um braço à volta dos ombros.

“Jilly, o que é que se passa?” Perguntou April.

Jilly abanou a cabeça lastimosamente.

“Não sei,” Soluçou. “É só que... Não sei. É tudo demasiado.”

April sorriu amorosamente e deu-lhe uma palmadinha carinhosa nas costas.

“Eu sei, eu sei,” Disse. “Vem até lá acima. Vais-te sentir em casa num instante.”

Jilly levantou-se obedientemente e seguiu April. Riley ficou agradada por constatar a forma graciosa como a filha estava a lidar com a situação. É claro que April sempre dissera que queria ter uma irmã mais nova. Mas April tinha passado por momentos difíceis que a tinham traumatizado gravemente.

Talvez, Pensou Riley esperançosa, a April seja capaz de compreender a Jilly melhor do que eu.

Gabriela olhou compassivamente para as duas raparigas.

“¡Pobrecita!” Disse. “Espero que fique bem.”

Gabriela voltou para a cave, deixando Riley e Ryan sozinhos. Ryan ficou a olhar para as escadas, parecendo algo atordoado.

Espero que não esteja arrependido, Pensou Riley. Vou precisar do apoio dele.

Muito tinha acontecido entre ela e Ryan. Nos últimos anos do seu casamento, fora um marido infiel e um pai ausente. Tinham-se separado e divorciado. Mas ultimamente Ryan parecia outro homem e passavam cada vez mais tempo juntos.

Tinham conversado sobre o desafio de introduzir a Jilly nas suas vidas. Ryan parecera entusiasmado com a ideia.

“Ainda concordas com isto?” Perguntou-lhe Riley.

Ryan olhou para ela e disse, “Sim. Mas vai ser duro, muito duro.”

Riley anuiu e seguiu-se um silêncio incómodo.

“Penso que talvez seja melhor eu ir embora,” Disse Ryan.

Riley sentiu-se aliviada. Deu-lhe um beijo leve, ele vestiu o casaco e foi-se embora. Riley preparou uma bebida e sentou-se sozinha na sala de estar.

No que é que nos meti? Interrogou-se.

Ela esperava que as suas boas intenções não dividissem novamente a sua família.

 

 

 

CAPÍTULO DOIS


Riley acordou apreensiva na manhã seguinte. Aquele ia ser o primeiro dia da vida de Jilly na sua nova casa. Tinham muito que fazer e Riley esperava que tudo corresse pelo melhor.

Na noite anterior apercebera-se que a transição de Jilly para a sua nova vida envolveria trabalho árduo de todos. Mas April tinha intervido e ajudara Jilly a instalar-se. Tinham escolhido roupas para Jilly usar no dia de hoje – não das que trouxera consigo num saco de compras, mas das coisas novas que Riley e April lhe tinham comprado.

Jilly e April tinham ido para a cama, por fim.

Riley também tinha ido, mas o seu sono fora perturbado e agitado.

Agora levantara-se e vestira-se, e dirigia-se para a cozinha onde April ajudava Gabriela a preparar o pequeno-almoço.

“Onde está a Jilly?” Perguntou April.

“Ainda não se levantou,” Disse April.

Riley ficou preocupada.

Dirigiu-se ao fundo das escadas e gritou, “Jilly, é altura de te levantares.”

Nenhuma resposta lhe chegou. De repente, foi dominada pelo pânico. Teria Jilly fugido durante a noite?

“Jilly, ouviste-me?” Chamou. “Temos que te matricular na escola agora de manhã.”

“Estou a ir,” Respondeu Jilly.

Riley respirou de alívio. O tom de Jilly era soturno, mas pelo menos estava ali e a colaborar.

Em anos recentes, Riley ouvira com frequência aquele mesmo tom de April. Agora April parecia ter passado essa fase, embora ainda tivesse recaídas de tempos a tempos. Riley interrogou-se se estaria mesmo à altura da tarefa de criar outra adolescente.

E naquele preciso momento, alguém bateu à porta. Quando Riley abriu a porta, deparou-se com o seu vizinho Blaine Hildreth.

Riley estava surpreendida por vê-lo, mas não desagradada. Blaine era alguns anos mais novo do que ela, um homem atraente e encantador, proprietário de um restaurante sofisticado na cidade. Na verdade, ela sentira uma inconfundível mútua atração entre eles que impossibilitava qualquer hipótese de restabelecer a ligação com Ryan. Mas mais importante do que tudo, Blaine era um vizinho maravilhoso e as filhas de ambos, melhores amigas.

“Olá Riley,” Cumprimentou Blaine. “Espero que não seja demasiado cedo.”

“De maneira nenhuma,” Disse Riley. “O que se passa?”

Blaine encolheu os ombros com um sorriso triste.

“Vim cá para me despedir,” Disse ele.

Riley ficou perplexa.

“O que é que queres dizer com isso?” Perguntou.

Ele hesitou e antes de responder, Riley viu um enorme camião estacionado em frente à sua casa. Homens transportavam mobília da casa de Blaine para o camião.

Riley ainda não conseguia acreditar no que via.

“Vais-te mudar?” Perguntou.

“Pareceu-me o melhor a fazer,” Disse Blaine.

Riley quase não conseguiu evitar perguntar, “Porquê?”

Mas era fácil adivinhar. Viver como vizinho de Riley provara ser perigoso e aterrador, tanto para Blaine como para a filha, Crystal. O penso que ainda ostentava no rosto provava-o. Blaine fora gravemente ferido quando tentara proteger April do ataque de um assassino.

“Não é o que estás a pensar,” Disse Blaine.

Mas Riley conseguia perceber pela sua expressão que se tratava exatamente daquilo em que ela estava a pensar.

Ele prosseguiu, “Chegámos à conclusão que este lugar não era o mais conveniente. Fica muito longe do restaurante. Encontrei uma casa bem agradável mais perto. Tenho a certeza que compreendes.”

Riley sentia-se demasiado confusa e aborrecida para responder. Memórias do terrível incidente regressaram numa torrente arrasadora.

Ela estava em Nova Iorque a trabalhar num caso quando soubera que um assassino brutal estava à solta. Chamava-se Orin Rhodes. Dezasseis anos antes, Riley fora obrigada a abater a namorada num tiroteio e ele fora preso. Quando Rhodes foi finalmente libertado de Sing Sing, jurara vingar-se de Riley e de todos os que ela mais amava.

Antes de Riley conseguir chegar a casa, Rhodes invadiu a sua casa e atacou April e Gabriela. Na casa ao lado, Blaine apercebera-se da luta e interviera para ajudar. O mais certo era ter salvo a vida de April. Mas fora gravemente ferido ao tentar.

Riley visitara-o duas vezes no hospital. Da primeira vez fora devastador. Ele ainda estava inconsciente com tubos intravenosos nos dois braços e uma máscara de oxigénio. Riley culpara-se amargamente do que lhe acontecera.

Mas quando o visitou pela segunda vez, ficou mais animada. Ele estava alerta e alegre, e até brincara com um pouco de orgulho da sua imprudência.

Acima de tudo, ela lembrava-se do que ele lhe dissera na altura...

“Eu faria qualquer coisa por ti e pela April.”

Era óbvio que já não tinha tanta certeza. O perigo de ser vizinho de Riley provara ser um fardo demasiado pasado para ele e agora ia-se embora. Ela não sabia se se devia sentir magoada ou culpada. De uma coisa tinha a certeza: sentia-se desiludida.

Os pensamentos de Riley foram interrompidos pela voz de April atrás dela.

“Oh meu Deus! Blaine, vocês vão-se mudar? A Crystal ainda está cá?”

Blaine anuiu.

“Tenho que lá ir dizer-lhe adeus,” Disse April.

April desatou a correr porta fora em direção à porta do lado.

Riley ainda estava a tentar organizar as suas próprias emoções.

“Peço desculpa,” Disse ela.

“Desculpa porquê?” Perguntou Blaine.

“Tu sabes.”

Blaine assentiu. “A culpa não foi tua Riley,” Disse ele com um tom de voz carinhoso.

Riley e Blaine fitaram-se durante um momento. Por fim, Blaine forçou um sorriso.

“Ei, eu não vou propriamente abandonar a cidade,” Disse ele. “Podemos sempre encontrar-nos quando quisermos. E as miúdas também. E elas ainda vão frequentar a mesma escola. Será como se nada tivesse mudado.”

Um sabor amargo apoderou-se da boca de Riley.

Isso não é verdade, Pensou. Tudo mudou.

E nessa altura a desilusão começou a dar lugar à fúria. Riley sabia que não estava certo sentir-se zangada. Ela não tinha esse direito. Ela nem sequer sabia porque é que se sentia assim. Tudo o que sabia era que não o conseguia evitar.

E o que deviam fazer agora?

Dar um abraço? Apertar as mãos?

Ela tinha a sensação de que Blaine sentia a mesma estranheza e indecisão.

Conseguiram trocar um adeus conciso. Blaine voltou para casa e Riley regressou para dentro da sua. Encontrou Jilly a tomar o pequeno-almoço na cozinha. Gabriela já colocara o pequeno-almoço de Riley na mesa por isso, sentou-se à mesa e comeu com Jilly.

“Então, estás entusiasmada com o dia de hoje?”

A pergunta de Riley saiu antes de perceber quão desajeitada soara.

“Acho que sim,” Disse Jilly, espetando um garfo nas panquecas. Nem olhou para Riley.


*


Um pouco mais tarde, Riley e Jilly entravam na Brody Middle School. O edifício era atraente com cacifos com portas de cores coloridas alinhados no corredor e arte de estudantes visível em todo o lado.

Uma aluna educada e agradável ofereceu ajuda e direcionou-as para o gabiente principal. Riley agradeceu-lhe e continuou a percorrer o corredor, segurando nos papéis de matrícula de Jilly com uma das mãos e segurando na mão de Jilly com a outra.

Anteriormente, tinham-se registado no gabinete central. Tinham levado a papelada que os Serviços Sociais de Phoenix tinham reunido – boletim de vacinas, transcrições escolares, a certidão de nascimento de Jilly e uma declaração de que Riley era a tutora oficial de Jilly. Jilly tinha sido retirada da custódia do pai, apesar dele ter ameaçado contestar essa decisão. Riley sabia que o caminho para finalizar e legalizar uma adoção não seria rápido ou fácil.

Jilly apertou com força a mão de Riley. Riley teve a sensação de que a rapariga se sentia muito pouco à vontade. Não era difícil imaginar porquê. Por muito dura que tivesse sido a vida em Phoneix, era o único lugar onde Jilly jamais tinha vivido.

“Porque é que não posso ir para a escola com a April?” Perguntou Jilly.

“No próximo ano vais estar no mesmo liceu,” Disse Riley. “Mas primeiro tens que terminar o oitavo ano.”

Encontraram o gabinete principal e Riley mostrou os papéis à rececionista.

“Gostaríamos de ver alguém para matricular a Jilly na escola,” Disse Riley.

“Tem que se encontrar com um orientador escolar,” Disse a rececionista com um sorriso. “Venham por aqui.”

Ambas precisamos de alguma orientação, Pensou Riley.

A orientadora era uma mulher na casa dos trinta anos com um cabelo castanho encaracolado. Chamava-se Wanda Lewis e o seu sorriso era tão terno quanto um sorriso pode ser. Riley pensou que ela podia realmente ajudar. Com certeza que uma mulher naquela posição já teria lidado com outros alunos com passados problemáticos.

Wanda Lewis fez-lhes uma visita guiada à escola. A biblioteca era impecável, organizada e bem fornecida de computadores e livros. No ginásio, raparigas jogavam basquetebol com alegria. A cantina era limpa e reluzente. Tudo parecia absolutamente perfeito para Riley.

Durante todo aquele tempo, Wanda Lewis colocou a Jilly várias perguntas acerca da sua anterior escola e sobre os seus interesses. Mas Jilly quase não disse nada em resposta e não colocou quaisquer perguntas. A sua curiosidade pareceu espevitar um pouco quando espreitou para a sala de arte. Mas mal se prosseguiu, voltou ao seu silêncio e indiferença.

Riley interrogou-se do que poderia estar a passar pela cabeça da rapariga. Ela sabia que as suas notas mais recentes haviam sido fracas, mas já tinham sido ótimas em anos anteriores. A verdade era que Riley quase não sabia nada sobre a experiência escolar passada de Jilly.

Talvez até odiasse a escola.

Esta nova devia ser assustadora, um lugar onde Jilly não conhecia ninguém. E claro, não ia ser fácil recuperar o atraso nos estudos quando só faltavam algumas semanas para o fim do período.

No fim da visita guiada, Riley conseguiu persuadir Jilly a agradecer a Wanda Lewis. Concordaram que Jilly começaria as aulas no dia seguinte. Depois Riley e Jilly saíram para o exterior rumo ao frio cortante de Janeiro. Uma fina camada da neve do dia anterior repousava no parque de estacionamento.

“Então o que te pareceu a tua nova escola?” Perguntou Riley.

“Bem,” Disse Jilly.

Riley não conseguia perceber se Jilly estava a ser soturna ou se estava simplesmente atordoada com todas as alterações que tinha que encarar. Ao aproximarem-se do carro, notou que Jilly tremia muito e que os dentes batiam. Usava um casaco pesado de April mas o frio estava mesmo a ser um problema para ela.

Entraram no carro e Riley ligou a ignição e o ar quente. Mesmo com o carro mais quente, Jilly ainda tremia.

Riley manteve o carro estacionado. Chegara o momento de descobrir o que incomodava aquela menina que estava ao seu cuidado.

“O que é que se passa?” Perguntou. “Há alguam coisa na escola que te incomode?”

“Não é a escola,” Disse Jilly, com a voz agora a tremer. “É o frio.”

“Bem sei que não faz frio em Phoenix,” Disse Riley. “Isto deve ser estranho para ti.”

Os olhos de Jilly encheram-se de lágrimas.

“Às vezes faz frio,” Disse ela. “Sobretudo à noite.”

“Diz-me o que é que se passa,” Pediu Riley.

As lágrimas começaram a correr pelo rosto. Ela falava numa vozinha mínima e abafada.

“O frio faz-me lembrar...”

Jilly calou-se. Riley esperou pacientemente.

“O meu pai culpava-me sempre por tudo,” Disse Jilly. “Culpava-me por a minha mãe se ter ido embora, e pelo meu irmão e até me culpava por ser despedido dos empregos que arranjava. Tudo o que corria mal, era sempre culpa minha.”

Agora Jilly soluçava silenciosamente.

“Continua,” Disse Riley.

“Uma noite ele disse-me que queria que eu me fosse embora,” Disse Jilly. “Disse que eu era um peso morto, que eu o atrasava, que já estava farto de mim. Expulsou-me de casa. Fechou as portas e eu não conseguia entrar.”

Jilly engoliu em seco perante aquela memória.

“Nunca senti tanto frio na minha vida,” Disse ela. “Nem agora com este tempo. Encontrei um grande tubo de canalização numa vala e era suficientemente grande para eu caber lá dentro, por isso foi lá que passei a noite. Era tão assustador. Às vezes as pessoas andavam por perto mas eu não queria que me descobrissem. Não pareciam pessoas que me ajudassem.”

Riley fechou os olhos, imaginando a rapariga escondida naquele tubo escuro. Murmurou, “E o que aconteceu depois?”

Jilly prosseguiu, “Fiquei por lá a noite toda. Não consegui dormir. Na manhã seguinte, voltei para casa e bati à porta e chamei pelo pai e implorei-lhe que me deixasse entrar. Ele ignorou-me, como se eu nem sequer ali estivesse. Foi quando fui para a paragem de camiões. Ali estava quente e havia comida. Algumas das mulheres eram simpáticas comigo e eu pensei que faria qualquer coisa para ficar ali. Foi nessa noite que me encontraste.”

Jilly acalmou ao contar a sua história. Parecia aliviada por libertar aquele peso de dentro de si. Mas agora Riley chorava. Mal podia acreditar o que aquela pobre rapariga tinha suportado. Colocou o braço à volta de Jilly e abraçou-a com força.

“Nunca mais,” Disse Riley no meio dos soluços. “Jilly, prometo-te, nunca mais te vais sentir assim outra vez.”

Era uma grande promessa e Riley sentia-se pequena, fraca e frágil naquele momento. Só esperava poder cumpri-la.

 

 


CAPÍTULO TRÊS


A mulher não parava de pensar no pobre Cody Woods. Ela tinha a certeza que ele já estaria morto por aquela altura. Saberia, com toda a certeza, pelo jornal da manhã.

Por muito que estivesse a apreciar o seu chá quente e granola, esperar pelas notícias impacientava-a.

Quando é que o jornal chega? Pensou, olhando para o relógio da cozinha.

A entrega parecia estar a atrasar-se cada vez mais nos últimos dias. É claro que não teria estes problemas com uma assinatura digital, mas a verdade era que não gostava de ler o jornal no computador. Gostava de se sentar numa cadeira confortável e desfrutar da sensação antiquada de segurar um jornal nas suas mãos. Ela até gostava da forma como a tinta por vezes ficava agarrada aos dedos.

Mas o jornal já estava atrasado quinze minutos. Se demorasse muito mais, teria que ligar e fazer uma reclamação. Odiaria ter que o fazer. Amargurava-a.

De qualquer das formas, o jornal era a única forma que tinha de descobrir o que sucedera a Cody. Não podia simplesmente ligar para o Centro de Reabilitação Signet para saber dele. Isso seria muito suspeito. Para além disso, para o pessoal de lá, ela já estava no México com o marido sem planos para regressar.

Ou melhor, Hallie Stillians estava no México. Era triste que nunca mais pudesse voltar a ser Hallie Stillians. Tinha-se afeiçoado particularmente àquele pseudónimo. Tinha sido simpático da parte do pessoal do Centro de Signet terem-lhe feito uma surpresa com um bolo no seu último dia no centro.

Sorriu ao lembrar-se. O bolo tinha sido decorado com sombreros coloridos e uma mensagem:


Buen Viaje, Hallie e Rupert!


Rupert era o nome do seu marido imaginário. Iria ter saudades de falar dele de forma tão carinhosa.

Terminou a sua granola e continuou a bebericar o seu chá caseiro preparado segundo uma antiga receita de família – uma receita diferente da que tinha partilhado com Cody e é claro que sem os ingredientes especiais que tinha acrescentado para ele.

Começou a cantar ociosamente...


Longe de casa,

Tão longe de casa-

Este bebé pequenino está longe de casa.

Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.


Como o Cody tinha gostado daquela canção! Também tinham gostado os outros pacientes. E muitos mais pacientes no futuro iriam gostar em igual medida. Aquele pensamento aquecia-lhe o coração.

E naquele preciso momento, ouviu um baque na porta da frente. Apressou-se para a abrir e olhou para o exterior. Repousado no degrau frio estava o jornal da manhã. A tremer de excitação, apanhou-o, voltou para a cozinha e abriu-o nos anúncios de mortes.

E lá estava:


SEATTLE – Cody Woods, 49, de Seattle...


Parou por um momento naquele ponto. Estranho. Quase podia jurar que ele lhe tinha dito que tinha cinquenta anos. Depois leu o resto...


... no Hospital South Hills, Seattle, Wash.; Serviços Funerários e de Cremação Sutton-Brinks, Seattle.


E era tudo. Era conciso, mesmo para um simples anúncio de morte.

Esperava que houvesse um simpático obituário nos próximos dias, mas estava preocupada que talvez não houvesse. Quem o iria escrever afinal de contas?

Estivera sozinho no mundo, pelo menos pelo que ela sabia. Uma mulher tinha falecido, outra tinha-o deixado e os dois filhos não lhe falavam. Não lhe dissera mais nada sobre mais ninguém – amigos, familiares, colegas de trabalho.

Que importa? Interrogou-se.

Sentiu uma fúria amarga e familiar a subir-lhe na garganta.

Fúria contra todas as pessoas na vida de Cody Woods que não queriam saber se ele estava vivo ou morto.

Fúria contra o pessoal sorridente no Centro de Signet, fingindo que gostavam e que teriam saudades de Hallie Stillians.

Fúria contra toda a gente e as suas mentiras e os seus segredos e a sua maldade.

Como fazia com frequência, imaginou-se a sobrevoar o mundo com as suas asas negras, a provocar a morte e a destruição aos maldosos.

E todos eram maldosos.

Toda a gente merecia morrer.

Até Cody Woods fora mau e merecia morrer.

Que tipo de homem fora ele na verdade para deixar este mundo sem que ninguém o amasse?

Com certeza um homem horrível.

Horrível e detestável.

“É bem feito,” Rosnou.

Depois saiu do seu estado de fúria. Sentiu-se envergonhada por ter dito tantas coisas em voz alta. Na verdade, não fora com intenção. Lembrou a si própria que não sentia nada mais do que amor e boa vontade em relação a todo o mundo.

Para além disso, era quase hora de ir trabalhar. Hoje chamava-se Judy Brubaker.

Olhando-se ao espelho, assegurou-se de que a peruca castanho-avermelhado estava devidamente colocada e de que a franja se espalhava de forma natural na sua testa. Era uma peruca cara e nunca ninguém tinha reparado que não era o seu cabelo natural. Por baixo da peruca, o cabelo curto e louro de Hallie Stillians tinha sido pintado de castanho-escuro e cortado num estilo diferente.

Não restava sinal de Hallie, nem no vestuário, nem na forma de se comportar.

Pegou nuns óculos de leitura modernos e pendurou-os num cordão brilhante à volta do pescoço.

Sorriu satisfeita. Era acertado investir nos acessórios apropriados e Judy Brubaker merecia os melhores.


Todos gostavam de Judy Brubaker.

E todos gostavam da canção que Judy Brubaker cantava frequentemente – uma canção que cantava alto quando se vestia para ir trabalhar...


Não chores,

Sonha até mais não poderes.

Deixa-te vencer pelo sono.

Não há mais suspiros,

Fecha os olhos

E estarás em casa pelo sono.


Ela transbordava paz, paz suficiente para partilhar com todo o mundo. Ela dera paz a Cody Woods.

E em breve daria paz a mais alguém que dela precisasse.

 

 


CAPÍTULO QUATRO


O coração de Riley bateu descompassadamente e os seus pulmões queimavam de respirar rápida e dificultosamente. Uma música familiar não lhe saía da cabeça.

“Segue a estrada de tijolo amarelo...”

Por muito cansada e sem fôlego que estivesse, Riley não conseguia evitar sentir-se divertida. Era manhã cedo e estava frio enquanto ela corria os dez quilómetros na pista de obstáculos de Quantico. A pista era vulgarmente apelidada de Estrada de Tijolo Amarelo.

Os Marines que a tinham construído é que lhe tinham dado esse nome por terem colocado tijolos amarelos na marcação de cada quilómetro. Os formandos do FBI que sobreviviam à pista recebiam um tijolo amarelo como recompensa.

Riley já recebera o seu tijolo amarelo há muitos anos, mas de vez em quando, voltava à pista, só para se assegurar de que ainda era capaz. Depois do stress emocional dos últimos dias, Riley precisava de algum esforço físico para limpar a mente.

Até ao momento, já tinha ultrapassado uma série de desafiantes obstáculos e tinha passado três tijolos amarelos. Tinha trepado paredes improvisadas, ultrapassado obstáculos e saltado por janelas simuladas. Há apenas alguns momentos, tinha-se içado por uma corda e agora já descia.

Quando chegou ao chão, olhou para cima e viu Lucy Vargas, a brilhante e jovem agente com quem gostava de trabalhar a treinar. Lucy estava a gostar de ser a companheira de treino de Riley naquela manhã. Estava no topo da face da rocha a olhar para baixo para Riley.

Riley chamou-a, “Não consegues acompanhar uma velhota como eu?”

Lucy riu-se. “Estou a ir nas calmas. Não quero exagerar – não com alguém da tua idade.”

“Ei, não te atrases por minha causa,” Gritou Riley. “Dá tudo o que tens.”

Riley tinha quarenta anos, mas nunca tinha descurada o seu treino físico. Ser capaz de se movimentar com rapidez e responder em força podiam revelar-se cruciais na luta contra monstros humanos. A simples força física tinha salvado vidas, incluindo a sua, mais do que uma vez.

Ainda assim, não ficava feliz por olhar para a sua frente e ver o próximo obstáculo – uma piscina de águas baixas, frias e lamacentas ia deixá-la encharcada e gelada.

Aqui vai disto, Pensou.

Atirou-se na direção da lama. O seu corpo foi trespassado pelo choque tremendo da água gelada. Ainda assim, esforçou-se por rastejar e espalmou-se quando sentiu o arame farpado a raspar ligeiramente nas suas costas.

Um entorpecimento corrosivo começou a apoderar-se dela, acionando uma memória indesejável.


Riley estava num espaço escuro debaixo da casa. Acabara de fugir de uma jaula onde estivera presa e fora torturada por um psicopata com um maçarico de gás propano. Na escuridão, perdera a noção do tempo que passara desde que fora capturada.

Mas conseguira forçar a porta da jaula e agora rastejava às cegas em busca de uma saída. Chovera há pouco tempo e a lama por baixo de si era pegajosa, fria e funda.

À medida que o seu corpo se entorpecia mais por causa do frio, um enorme desespero apoderou-se dela. Estava fraca das noites acordada e da fome.

Não consigo, Pensou.

Ela tinha que libertar a sua mente dessas ideias. Ela tinha que continuar a rastejar e a procurar a saída. Se ela não saísse, ele acabaria por matá-la – tal como o tinha feito com as outras vítimas.


“Estás bem, Riley?”

A voz de Lucy despertou Riley da memória de um dos seus mais assombrosos casos. Era uma situação que jamais esqueceria, sobretudo porque a sua filha fora mais tarde capturada por esse mesmo psicopata. Interrogava-se se alguma vez se libertaria daquelas recordações.

E April alguma vez se veria livre de memórias tão devastadoras?

Riley regressara ao presente e apercebeu-se de que se detivera debaixo do arame farpado. Lucy estava logo atrás dela, à espera que ela terminasse o obstáculo.

“Estou bem,” Disse Riley. “Desculpa atrasar-te.”

Esforçou-se por voltar a rastejar. À beira da água, ergueu-se e reuniu forças e energia. Depois desceu o trilho de madeira, certa de que Lucy não estava muito longe dela. Ela sabia que a sua próxima tarefa seria trepar uma rede. Depois disso, ainda tinha quase três quilómetros até terminar e mais alguns obstáculos duros para ultrapassar.


*


No fim da pista de dez quilómetros, Riley e Lucy tropeçavam juntas, ofegantes e rindo e dando os parabéns uma à outra pelo seu triunfo. Riley ficou surpreendida por ver o seu parceiro de longa data à sua espera onde o trilho terminava. Bill Jeffreys era um homem forte e robusto da idade de Riley.

“Bill!” Disse Riley, ainda sem fôlego. “O que é que estás aqui a fazer?”

“Vim à tua procura,” Disse ele. “Disseram-me que te encontraria aqui. Mal podia acreditar que quisesses fazer isto – e no pico do inverno! És alguma espécie de masoquista ou quê?”

Riley e Lucy riram-se.

Lucy disse, “Talvez a masoquista seja eu. Espero conseguir percorrer a Estrada de Tijolo Amarelo como a Riley quando tiver a sua provecta idade.”

Em jeito de provocação, Riley disse a Bill, “Ei, estou pronta para outra rodada. Queres vir comigo?”

Bill abanou a cabeça e riu.

“Huh-uh,” Disse ele. “Ainda tenho o meu velho Tijolo Amarelo em casa e uso-o como batente. Um é suficiente para mim. Mas estou a pensar em candidatar-me a ganhar um Tijolo Verde. Queres fazer-me companhia?”

Riley riu-se novamente. O chamado “Tijolo Verde” era uma piada que corria no FBI – um prémio concedido a quem conseguisse fumar trinta e cinco cigarros em trinta e cinco noites consecutivas.

“Passo,” Disse Riley.

E de repente a expressão de Bill ficou séria.

“Tenho um novo caso em mãos Riley,” Disse ele. “E preciso que me ajudes. Espero que não te importes. Eu sei que é muito em cima do nosso último caso.”

Bill tinha razão. Para Riley, parecia que apenas no dia anterior tinham apanhado Orin Rhodes.

“Sabes que acabei de trazer a Jilly para casa. Estou a tentar ambientá-la na sua nova vida. Nova escola... tudo novo.”

“Como é que ela está?” Perguntou Bill.

“Está irregular, mas está a tentar. Está tão feliz por fazer parte da família. Penso que vai precisar de muita ajuda.”

“E a April?”

“Está fantástica. Ainda estou abismada por ela se ter fortalecido graças à luta com Rhodes. E já gosta muito da Jilly.”

Depois de uma pausa, Riley perguntou, “Que tipo de caso é esse que tens em mãos, Bill?”

Bill ficou calado durante alguns instantes.

“Vou agora reunir-me com o chefe a propósito disso,” Disse ele. “Preciso mesmo da tua ajuda, Riley.”

Riley olhou para o seu amigo e parceiro. A sua expressão era de profundo desespero. Quando ele dissera que precisava da sua ajuda, não estava a brincar. Riley ficou curiosa.

“Deixa-me tomar um duche e vestir roupa seca,” Disse ela. “Vou ter contigo à sede num instante.”

 

 


CAPÍTULO CINCO


O Chefe da Equipa Brent Meredith não era homem para perder tempo com delicadezas. Riley sabia-o por experiência própria. Por isso, quando entrou no seu gabinete depois da sua corrida, não estava à espera de conversa da treta – não haveria perguntas educadas sobre a saúde e a casa e a família. Ele sabia ser bondoso e carinhoso, mas esses momentos eram raros. Hoje ele iria diretamente ao assunto e os seus assuntos eram sempre urgentes.

Bill já tinha chegado. Ainda parecia extremamente ansioso. Riley esperava compreender em breve porquê.

Mal Riley se sentou, Meredith debruçou-se sobre a secretária na sua direção com aquele seu rosto amplo e angular de Afro-Americano sempre desafiador.

“Comecemos pelo início Agente Paige,” Disse ele.

Riley esperou que ele dissesse algo diferente – que fizesse uma pergunta ou desse uma ordem. Mas em vez disso, limitou-se a olhar para ela.

Demorou apenas um momento para Riley perceber onde é que Meredith queria chegar.

Meredith estava a ter o cuidado de não colocar a pergunta. Riley apreciou a sua descrição. Um assassino ainda estava à solta e o seu nome era Shane Hatcher. Ele fugira de Sing Sing e o caso mais recente de Riley fora capturar Hatcher.

Riley falhara. Na verdade, ela nem sequer tentara e agora outros agentes de FBI tinham a tarefa de o capturar. Até ao momento, não o tinham conseguido.

Shane Hatcher era um génio do crime que se tornara num respeitado perito em criminologia durante a sua longa permanência na prisão. Riley tinha-o visitado algumas vezes na prisão para obter conselhos sobre os seus casos. Conhecia-o suficientemente bem para ter a certeza de que não constituía um perigo para a sociedade naquele momento. Hatcher tinha um código moral estranho mas rígido. Matara um homem desde a sua fuga – um velho inimigo que era, ele próprio, um criminoso perigoso. Riley tinha a certeza de que ele não mataria mais ninguém.

Naquele momento, Riley compreendia que Meredith precisava de saber se ela sabia alguma coisa de Hatcher. Era um caso de grande importância e parecia que Hatcher se estava rapidamente a tornar em algo semelhante a uma lenda urbana – um mestre do crime famoso capaz de tudo.

Riley apreciava a descrição de Meredith em não lhe colocar abertamente a pergunta mas a verdade era que Riley não sabia nada das atuais atividades de Hatcher ou o seu paradeiro.

“Não há nenhuma novidade,” Disse Riley em resposta à pergunta não pronunciada de Meredith.

Meredith anuiu e pareceu descontrair um pouco.

“Então muito bem,” Disse Meredith. “Vou direto ao assunto. Vou enviar o Agente Jeffreys a Seattle por causa de um caso. Ele quer que você seja a sua parceira. Preciso de saber se está disponível para o acompanhar.”

Riley tinha que dizer que não. Ela tinha tanta coisa com que lidar naquele momento na sua vida que assumir um caso numa cidade distante parecia completamente fora de questão. Ainda experimentava ataques ocasionais do SPT de que sofria desde que fora capturada por um criminoso sádico. A sua filha April sofrera às mãos do mesmo homem e agora April tinha que lidar com os seus próprios demónios. E agora Riley tinha uma nova filha que também tinha passado pelos seus próprios terríveis traumas.

Se ela pudesse ficar fora de ação durante algum tempo e dar algumas aulas na Academia, talvez conseguisse estabilizar a sua vida.

“Não posso aceitar,” Disse Riley. “Não agora.”

Virou-se para Bill.

“Tu sabes aquilo com que estou a lidar,” Disse ela.

“Eu sei, só esperava...” Disse Bill com uma expressão implorativa nos olhos.

Chegara o momento de saber o que se estava a passar.

“Que caso é este?” Perguntou Riley.

“Ocorreram pelo menos dois envenenamentos em Seattle,” Disse Meredith. “Parece ser um caso de assassino em série.”

Naquele momento, Riley compreendeu porque é que Bill estava tão abalado. Quando ele era criança, a mãe fora envenenada. Riley não sabia pormenores mas sabia que o seu assassinato fora uma das razões pela qual ele se tornara agente do FBI. Assombrara-o durante anos. Aquele caso abria velhas feridas.

Por isso, quando ele lhe dissera que precisa dela, era porque precisava mesmo dela.

Meredith prosseguiu, “Até ao momento só temos conhecimento de duas vítimas – um homem e uma mulher. Pode ter havido outros e ainda se podem seguir outros.”

“Porque é que nos chamaram?” Perguntou Riley. “Existe um departamento do FBI em Seattle. Eles não podem tratar do assunto?”

Meredith abanou a cabeça.

“A situação por lá é bastante disfuncional. Parece que o FBI local e a polícia local não concordam em nada a respeito deste caso. Por isso somos necessários. Posso contar consigo Agente Paige?”

De repente, a decisão de Riley tornou-se clara. Apesar dos seus problemas pessoais, ela era mesmo necessária neste caso.

“Contem comigo,” Disse por fim.

Bill assentiu e suspirou audivelmente de alívio e gratidão.

“Ótimo,” Disse Meredith. “Voam para Seattle amanhã de manhã.”

Meredith tamborilou os dedos na mesa por um momento.

“Mas não esperem uma receção calorosa,” Acrescentou. “Nem os polícias, nem os agentes federais vão gostar de vos ver.”

 

 


CAPÍTULO SEIS


Riley receava o primeiro dia de aulas de Jilly quase tanto como receava alguns casos. A adolescente parecia bastante sombria e Riley interrogava-se se faria uma cena no último momento.

Estará ela preparada para isto? Não parava Riley de se perguntar. Estarei eu preparada para isto?

Para além de tudo, o momento não parecia o mais adequado. Riley estava preocupada por ter de voar para Seattle naquela mesma manhã. Mas o Bill precisava de ajuda e isso para ela era suficiente. Jilly parecera bem quando conversaram sobre o assunto em casa, mas Riley não sabia muito bem o que esperar naquele momento.

Felizmente, não teve que levar Jilly para a escola sozinha. Ryan tinha-se oferecido para as levar e tanto Gabriela como April também estavam presentes para oferecer apoio moral.

Quando todos saíram do carro no parque de estacionamento da escola, April pegou na mão de Jilly e caminhou com ela na direção do edifício. As duas jovens esguias usavam calças de ganga, botas e casacos quentes. No dia anterior Riley fora fazer compras com elas e deixara Jilly escolher um novo casaco, uma colcha, cartazes e algumas almofadas para personalizar o seu quarto.

Riley, Ryan e Gabriela seguiam atrás das raparigas, e Riley enterneceu-se ao observá-las. Depois de anos de taciturnidade e rebelião, April de repente parecia incrivelmente madura. Riley interrogou-se se April não precisara de algo semelhante desde sempre – tomar conta de alguém.

“Olha para elas,” Disse Riley a Ryan. “Estão a criar laços.”

“Maravilhoso, não é?” Disse Ryan. “Parecem mesmo irmãs. Foi isso que te atraiu nela?”

Era uma pergunta interessante. Quando ela trouxe Jilly para casa, Riley fora surpreendida pelas diferenças entre as duas raparigas. Mas agora apercebia-se cada vez mais de parecenças. April era a mais pálida das duas com olhos cor de avelã como a mãe e Jilly tinha olhos castanhos e uma compleição mais morena.

Mas naquele momento em que as duas cabeças de cabelo escuro se moviam juntas, eram muito parecidas.

“Talvez,” Disse Riley, respondendo à pergunta de Ryan. “Não parei para pensar. Só sabia que ela tinha problemas graves e que talvez eu pudesse ajudar.”

“O mais certo é teres-lhe salvado a vida,” Disse Ryan.

Riley sentiu um nó na garganta. Aquela possibilidade não lhe tinha ocorrido e era um pensamento de humildade. Riley sentia-se tanto entusiasmada como assustada por esse novo sentimento de responsabilidade

Toda a família se dirigiu ao gabinete da orientadora escolar. Carinhosa e sorridente como sempre, Wanda Lewis cumprimentou Jilly com um mapa da escola.

“Vou levar-te já para a tua sala,” Disse Wanda.

“Percebe-se que é um bom lugar,” Disse Gabriela a Jilly. “Vais ficar bem aqui.”

Agora Jilly parecia nervosa, mas feliz. Abraçou-os a todos, depois seguiu Wanda pelo corredor.

“Gosto desta escola,” Disse Gabriela a Ryan, Riley e April quando se encaminhavam para o carro.

“Ainda bem que é do teu agrado,” Disse Riley.

E disse-o com sinceridade. Gabriela era muito mais do que uma empregada. Ela era um verdadeiro membro da família. Era importante que ela se sentisse bem com as decisões da família.

Entraram todos no carro e Ryan ligou a ignição.

“Para onde vamos agora?” Perguntou Ryan com alegria.

“Tenho que ir para a escola,” Disse April.

“Depois casa logo a seguir,” Disse Riley. “Tenho que apanhar um avião em Quantico.”

“Entendido,” Disse Ryan, saindo do parque de estacionamento.

Riley observou o rosto de Ryan enquanto ele conduzia. Parecia realmente feliz – feliz por fazer parte do mundo delas e feliz por ter um novo membro na família. Ele não fora assim durante grande parte do seu casamento. Parecia mesmo um homem mudado. E em momentos como aquele, Riley sentia-se grata.

Virou-se e olhou para a filha que se encontrava no banco de trás.

“Estás a lidar com tudo isto muito bem,” Disse Riley.

April pareceu surpreendida.

“Estou a empenhar-me,” Disse. “Ainda bem que notaste.”

Por um momento, Riley foi apanhada de surpresa. Estava ela a ignorar a filha por estar preocupada em instalar devidamente o novo membro da família?

April calou-se durante uns instantes e depois disse, “Mãe, ainda estou contente por a teres trazido para casa. Acho que é tudo mais complicado do que eu pensava que seria ter uma nova irmã. Ela passou muito mal e por vezes não é fácil comunicar com ela.”

“Não quero que isto seja difícil para ti,” Disse Riley.

April sorriu fracamente. “Fui dura contigo,” Disse ela. “Eu sou suficientemente dura para lidar com os problemas da Jilly. E a verdade é que começo a gostar de a ajudar. Nós vamos ficar bem. Não te preocupes connosco.”

Riley ficou mais tranquila por perceber que deixaria Jilly ao cuidado de três pessoas em quem confiava absolutamente – April, Gabriela e Ryan. Ainda assim, incomodava-a ter que partir naquele preciso momento. Esperava que não fosse por muito tempo.


*


O chão afastou-se quando Riley olhou pela janela do pequeno avião da UAC. O avião subiu acima das nuvens em direção ao nordeste pacífico – quase seis horas. Dali a poucos minutos, Riley já via a paisagem a rolar debaixo deles.

Bill estava sentado a seu lado.

Ele disse, “Voar pelo país desta forma faz-me sempre pensar em outros tempos em que as pessoas tinham que caminhar, cavalgar ou andar de comboio.”

Riley anuiu e sorriu. Era como se Bill tivesse lido os seus pensamentos. E não era raro isso acontecer entre eles.

“O país devia parecer enorme para as pessoas nessa altura,” Disse ela. “Os colonos demoravam meses a atravessar o país.”

Um silêncio familiar e confortável caiu entre eles. Ao longo dos anos, ela e Bill tinham tido a sua conta de desentendimentos e discussões, e houvera momentos em que a sua parceria parecia à beira do fim. Mas agora ela sentia-se mais próxima dele por causa desses tempos difíceis. Ela confiava totalmente nele e sabia que da parte de Bill era recíproco.

Em momentos como aquele, ela ficava feliz por ela e Bill não terem cedido à atração que sentiam um pelo outro. Momentos houve em que tinham estado perigosamente próximos.

Teria estragado tudo, Pensou Riley.

Tinham sido inteligentes em se manterem afastados desse perigo. A perda da sua amizade seria muito difícil de imaginar. Ele era o seu melhor amigo.

Passado um bocado, Bill disse, “Obrigado por vires Riley. Preciso mesmo da tua ajuda desta vez. Acho que não conseguia lidar com este caso com outro parceiro. Nem mesmo a Lucy.”

Riley olhou para ele e não disse nada. Ela não teve que lhe perguntar em que pensava. Ela sabia que ele lhe ia finalmente dizer a verdade sobre o que tinha sucedido com a mãe. Então ela compreenderia quão importante e perturbador aquele caso era para ele.

Ele olhava em frente, recordando-se.

“Aconteceu quando eu tinha nove anos,” Disse ele. “Já te tinha dito que o meu pai era professor de matemática do liceu e que a minha mãe trabalhava como caixa num banco. Com três filhos, vivíamos sem dificuldades. Tínhamos uma vida feliz até que...”

Bill parou por um momento.

“Aconteceu quando eu tinha nove anos,” Prosseguiu. “Mesmo antes do Natal, o pessoal no banco da minha mãe deu a sua festa de Natal anual, trocando presentes e comendo bolo e todas aquelas coisas normais nestas situações. Quando a minha mãe voltou para casa nessa tarde, parecia que se tinha divertido e estava tudo bem, mas à medida que a noite avançou, ela começou a ter um comportamento estranho.”

O rosto de Bill contraiu-se com a simples recordação.

“Ficou tonta e confusa, e a fala era desarticulada. Era quase como se estivesse bêbeda. Mas a minha mãe nunca bebia muito e para além disso não tinham servido álcool na festa. Nós não fazíamos ideia do que se estava a passar. As coisas pioraram rapidamente. Começou a ficar nauseada e a vomitar. O meu pai levou-a às urgências e nós fomos com eles.”

Bill calou-se novamente. Riley sabia que se estava a tornar mais difícil para ele contar-lhe o sucedido.

“Quando chegámos ao hospital, o coração dela estava a mil e estava a hiperventilar e a pressão sanguínea estava descontrolada. Depois entrou em coma. Os rins começaram a falhar e teve uma falência cardíaca congestiva.”

Os olhos de Bill fecharam-se com força e o seu rosto demonstrava toda a dor desses momentos. Riley interrogou-se se talvez fosse melhor ele não contar o resto da história. Mas ela pressentiu que seria errado dizer-lhe para parar de a contar.

Bill disse, “Na manhã seguinte, os médicos descobriram o que estava errado. Ela sofria de um grave envenenamento por etilenoglicol.”

Riley abanou a cabeça. Aquilo parecia-lhe familiar mas não sabia porquê.

Bill explicou tudo rapidamente, “O ponche na festa tinha sido enriquecido com anticongelante.”

Riley ficou chocada.

“Meu Deus!” Disse ela. “Como é que isso foi possível? Quero dizer, será que o sabor...?”

“O que se passou foi que a maior parte dos anticongelantes têm um sabor doce,” Explicou Bill. “É fácil de misturar com bebidas açucaradas sem ser notado. É muito fácil de ser usado como veneno.”

Riley tentava abarcar aquilo que estava a ouvir.

“Mas se o ponche estava contaminado, não houve outras pessoas afetadas?” Perguntou.

“Essa é que é a questão,” Disse Bill. “Mais ninguém foi envenenado. Não estava na taça de ponche. Estava só no copo da minha mãe. Alguém queria atacá-la de forma específica.”

Bill manteve-se em silêncio durante algum tempo.

“Nessa altura, já era tarde demais para fazer o que quer que fosse,” Disse ele. “Ela ficou em coma e morreu na Véspera de Ano Novo. Estávamos todos junto à cama dela.”

De alguma forma, Bill conseguiu não se desfazer em lágrimas. Riley calculou que já tivera a sua dose de choro ao longo dos anos.

“Não fazia sentido,” Disse Bill. “Toda a gente gostava da minha mãe. Ela não tinha inimigos. A polícia investigou e tornou-se claro que ninguém que trabalhava no banco fora responsável. Mas vários colegas de trabalho se lembravam de um homem estranho que ia e vinha durante a festa. Ele parecia amável e toda a gente partiu do princípio de que era convidado de alguém, um amigo ou um parente. Foi-se embora antes de a festa terminar.”

Bill abanou a cabeça amargamente.

“O caso foi arquivado. Penso que nunca se saberá a verdade. Depois de tantos anos, nunca será resolvido. Foi horrível nunca ter descoberto quem o fez, nunca o levar à justiça. Mas o pior de tudo foi não saber porquê. Parecia uma coisa tão sem nexo e cruel. Porquê a minha mãe? O que é que ela fez para fazer com que alguém praticasse um ato tão infame? Ou talvez não tenha feito nada. Talvez fosse apenas algum tipo de brincadeira cruel. Não saber foi uma tortura. Ainda é. E claro, essa foi uma das razões que me levou a...”

Bill não terminou o pensamento. Não precisava. Riley há muito que sabia que o mistério não solucionado da morte da mãe era o motivo pelo qual Bill tinha optado por aquela carreira.

“Lamento muito Bill,” Disse Riley.

Bill encolheu os ombros fracamente, como se tivesse um enorme peso nos ombros.

“Foi há muito tempo,” Disse ele. “Para além disso, deves conhecer a sensação melhor do que ninguém.”

As palavras calmas de Bill sacudiram Riley. Ela sabia ao que ele se referia. E tinha razão. Mas isso não tornava a memória menos abrasadora.


Riley tinha seis anos e a mamã tinha-a levado a uma loja de doces, Riley estava entusiasmada e perguntava por todos os doces que podia ver. Às vezes a mamã repreendia-a por agir assim. Mas naquele dia a mamã era querida e mimava-a, comprando-lhe todos os doces que queria.

Quando estavam na fila para pagar, um homem estranho caminhou na sua direção. Usava qualquer coisa no rosto que lhe espalmava o nariz e lábios e bochechas e o fazia parecer engraçado e assustador ao mesmo tempo, como um palhaço. Levou algum tempo para que a pequena Riley compreendesse que usava uma meia de nylon na cabeça, igual às que a mamã usava nas pernas.

O homem segurava uma pistola. A arma parecia enorme e apontava-a à mamã.

“Dê-me a sua mala,” Disse o homem.

Mas a mamã não a deu. Riley não sabia porquê. Tudo o que sabia era que a mamã estava assustada, talvez demasiado assustada para fazer o que o homem lhe mandava.

O homem proferiu umas palavras feias para a mamã, mas ainda assim ela não lhe deu a mala. Ela tremia como uma vara verde.

Então veio um ruído e um flash e a mamã caiu no chão. O homem disse mais palavras feias e fugiu. O peito da mamã sangrava e ela ainda se contorceu por um momento até ficar completamente imóvel.

A pequena Riley começou a gritar. E não parou de gritar durante muito tempo.


O toque carinhoso da mão de Bill na sua trouxe Riley de volta ao presente.

“Peço desculpa,” Disse Bill. “Não te queria trazer todas essas memórias de volta.”

Obviamente que ele vira as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto. Ela apertou a sua mão. Ela estava grata pela sua compreensão e preocupação. Mas a verdade era que Riley nunca contara a Bill uma memória que a perturbava ainda mais.

O pai tinha sido coronel nos Marines – um homem rígido, cruel, incapaz de amar, de sentir, de perdoar. Nos anos que se seguiram à morte da mãe, ele culpara Riley pela morte da mãe. Não importava que ela tivesse apenas seis anos.

“É como se tivesses sido tu a matá-la,” Dizia ele.

Ele morrera no ano anterior sem nunca a perdoar.

Riley limpou o rosto e olhou pela janela para as paisagens que se movimentavam lentamente tantos quilómetros abaixo deles.

Como já sucedera tantas vezes, apercebeu-se do quanto ela e Bill tinham em comum e quão assombrados ambos estavam pelas tragédias passadas e a injustiça. Durante todos aqueles anos em que foram parceiros, carregavam os mesmos demónios e eram assombrados por fantasmas semelhantes.

Apesar de toda a sua preocupação com Jilly e a vida em casa, Riley agora sabia que tivera razão em acompanhar Bill neste caso. Cada vez que trabalhavam juntos, os seus laços fortaleciam-se e aprofundavam-se. Desta vez não seria exceção.

Eles resolveriam aqueles crimes, Riley tinha a certeza. Mas o que é que ela e Bill ganhariam ou perderiam com isso?

Talvez nos curemos um pouco, Pensou Riley. Ou talvez as nossas feridas abram e acabem por doer mais.

Mas na verdade não importava. Sempre tinham trabalhado juntos para resolver os enigmas que se lhes apresentavam, independentemente da dureza das missões.

Agora poderiam ter que enfrentar um crime particularmente horrendo.

 

 


CAPÍTULO SETE


Quando o avião da UAC aterrou em Sea-Tac, o Seattle International Airport, caía uma chuva pesada. Riley olhou para o relógio. Eram duas horas da tarde em casa naquele momento, mas ali eram onze da manhã. Isso dava-lhes tempo mais do que suficiente para ainda trabalharem no caso naquele dia.

Quando ela e Bill se dirigiram à saída, o piloto saiu da cabina e entregou a cada um deles um guarda-chuva.

“Vão precisar disto,” Disse ele com um sorriso. “O inverno é a pior altura para se estar neste canto do país.”

Quando se colocaram no cimo das escadas, Riley não pôde deixar de concordar. Ela estava contente por terem guarda-chuvas, mas desejava ter-se vestido com roupa mais quente. Estava não só chuvoso como muito frio.

Um SUV parou junto à pista. Dois homens com impermeáveis saíram do veículo e encaminharam-se para o avião. Apresentaram-se como Agentes Havens e Trafford do Departamento do FBI de Seattle.

“Vamos levar-vos para o gabinete do Médico-Legista,” Disse o Agente Havens. “O chefe da equipa desta investigação está lá à vossa espera.”

Bill e Riley entraram no carro, e o Agente Tarfford começou a conduzir debaixo de chuva torrencial. Riley conseguiu distinguir os habituais hotéis junto ao aeroporto e nais nada. Ela sabia que ali existia uma cidade vibrante, mas estava praticamente invisível.

Interrogou-se se enquanto ali permanecesse veria Seattle.


*


Mal Riley e Bill se sentaram na sala de reuniões do edifício de Medicina Legal de Seattle, ela pressentiu logo a existência de problemas. Trocou olhares com Bill e sabia que ele também sentiu essa mesma tensão.

O Chefe da Equipa Maynard Sanderson era um homem robusto com uma presença que oscilava entre o semelhante a um oficial militar e um pregador evangélico.

Sansderson olhava para um homem imponente cujo espesso bigode de morsa dava ao rosto o que parecia ser uma desconfiança permanente. Fora apresentado como Perry McCade, o Chefe da Polícia de Seattle.

A linguagem corporal dos dois homens e os lugares que ocuparem à mesa diziam muito a Riley. Seja por que razão fosse, a última coisa que queriam era estar juntos na mesma sala. E Riley também sentiu que ambos os homens não estavam minimamente satisfeitos por ter Bill e Riley ali.

Riley lembrava-se do que Brent Meredith dissera antes de deixarem Quantico.

“Não esperem uma receção calorosa. Nem os polícias, nem os agentes federais ficarão contentes por vos ver.”

Riley interrogava-se em que espécie de campo minado é que ela e Bill tinham penetrado.

Uma complexa luta pelo poder estava a decorrer sem que fosse pronunciada uma palavra. E ela sabia que dali a poucos minutos tudo se iria verbalizar.

Por contraste, a Chefe de Medicina Legal Prisha Shankar parecia afável e despreocupada. A mulher de pele escura e cabelo negro devia ter a idade de Riley e parecia ter um carácter estoico e imperturbável.

Afinal de contas, está no seu terreno, Pensou Riley.

O Agente Sanderson tomou a liberdade de iniciar a reunião.

“Agentes Paige e Jeffreys,” Disse ele a Riley e Bill, “Fico satisfeito por terem vindo de Quantico até aqui.”

Pelo seu tom de voz frio Riley interpretou precisamente o contrário.

“Estamos contentes por poder ajudar,” Disse Bill, não muito seguro de si próprio.

Riley limitou-se a sorrir.

“Meus senhores,” Disse Sanderson, ignorando a presença das duas mulheres, “estamos aqui para investigar dois homicídios. Um assassino em série pode estar a começar a cometer os crimes aqui na área de Seattle. Compete-nos a nós pará-lo antes que volte a matar.”

O Chefe de Polícia McCade pigarreou audivelmente.

“Deseja fazer algum comentário, McCade?” Perguntou Sanderson secamente.

“Não se trata de um assassino em série,” Disparou McCade. “E não é um caso para o FBI. Os meus homens têm tudo sob controlo.”

Riley começava a compreender tudo. Ela lembrava-se de Meredith dizer que as autoridades locais estavam a debater-se com este caso. E agora ela conseguia perceber porquê. Ninguém concordava em nada.

O Chefe de Polícia McCade estava furioso pelo facto de o FBI se estar a intrometer num caso de assassínio local. E Sanderson estava furibundo porque o FBI tinha mandado Bill e Riley de Quantico para por todos na ordem.

A tempestade perfeita, Pensou Riley.

Sanderson voltou-se para a Chefe de Medicina Legal e disse, “Dra. Shankar, talvez não se importasse de resumir o que sabemos até ao momento.”

Parecendo indiferente às tensões subjacentes, a Dra. Shankar clicou num comando para mostrar uma imagem no monitor de parede. Era uma foto de carta de condução de uma mulher de aspeto bastante normal com cabelo liso de cor castanha.

Shankar disse, “Há um mês e meio uma mulher chamada Margaret Jewell morreu em casa durante o sono de um aparente ataque cardíaco. Queixara-se no dia anterior de dores nas articulações, mas de acordo com a cônjuge, tal não era incomum. Ela sofria de fibromialgia.”

Shankar clicou novamente no comando e mostrou outra foto de carta de condução onde surgia um homem de meia-idade com um rosto bondoso mas melancólico.

Shankar disse, “Há alguns dias, Cody Woods entrou pelo seu próprio pé no Hospital South Hill a queixar-se de dores no peito. Também se queixava de dores nas articulações. Mais uma vez, a situação não tinha nada de surpreendente porque o paciente sofria de artrite e fora sujeito a uma cirurgia ao joelho na semana anterior. Algumas horas depois de dar entrada no hospital também ele morreu do que parece ter sido um ataque cardíaco.”

“Mortes não relacionadas,” Murmurou McCade.

“Então quer dizer que nenhuma destas mortes foi homicídio?” Perguntou Sanderson.

“A Margaret Jewell terá sido,” Disse McCade. “O Cody Woods nem pensar. Estamos a deixar que ele nos distraia. Estamos a turvar as águas. Se deixasse o caso ser resolvido por mim e pelos meus homens, resolveríamos isto em dois tempos.”

“Já passou um mês e meio desde o caso de Jewell,” Atirou Sanderson.

A Dra. Shankar sorriu de forma algo misteriosa enquanto McCade e Sanderson prosseguiam a sua disputa. Depois clicou novamente no comando. Surgiram mais duas fotos.

O silêncio apoderou-se da sala e Riley ficou surpreendida.

Os homens em ambas as fotos pareciam provenientes do Médio Oriente. Riley não reconheceu um deles, mas reconheceu perfeitamente o outro.

Era Saddam Hussein.

 

 


CAPÍTULO OITO


Riley olhou para a imagem no ecrã. Onde quereria chegar a Chefe de Medicina Legal ao mostrar uma foto de Saddam Hussein? O líder deposto do Iraque fora executado em 2006 por crimes contra a humanidade. Qual seria a sua ligação com um possível assassino em série em Seattle?

Depois de instalado o efeito das fotos, a Dra. Shankar falou novamente.

“Estou certa que todos reconhecemos o homem à esquerda. O homem à direita era Majidi Jehad, um dissidente da Shia contra o regime de Saddam. Em Maio de 1980, foi concedida permissão a Jehad para viajar até Londres. Quando parou numa esquadra de polícia de Bagdade para recolher o seu passaporte, ofereceram-lhe um sumo de laranja. Ele deixou o Iraque, aparentemente são e salvo. Morreu pouco depois de chegar a Londres.”

A Dra. Shankar mostrou muitos mais rostos do Médio Oriente.

“Todos estes homens tiveram destinos semelhantes. Saddam liquidou centenas de dissidentes da mesma forma. Quando alguns eram libertados da prisão, era-lhes oferecida uma bebida para celebrar a sua libertação. Nenhum viveu muito tempo.”

O Chefe McCade assentiu.

“Envenenamento por tálio,” Disse ele.

“Exato,” Disse a Dra. Shankar. “O tálio é um elemento químico que pode ser convertido num pó solúvel incolor, inodoro e sem sabor. Era o veneno predilecto de Saddam Hussein. Mas não foi ele que inventou a ideia de assassinar os seus inimigos com ele. Por vezes é denominado de ‘veneno do envenenador’ porque atua lentamente e produz sintomas que podem induzir em causas de morte enganadoras.”

Ela clicou no comando e surgiram mais alguns rostos, incluindo o do ditador Cubano Fidel Castro.

Shankar disse, “Em 1960, os serviços secretos Franceses usaram tálio para matar o líder rebelde camaronês Félix-Roland Moumié. E acredita-se que a CIA tentou usar tálio numa das suas muitas tentativas de assassinato de Fidel Castro. O plano era colocar pó de tálio nos sapatos de Castro. Se a CIA tivesse sido bem-sucedida com este método específico, a morte de Castro teria sido humilhante, assim como lenta e dolorosa. Antes de morrer, aquela sua barba icónica já teria caído.”

Clicou no comando e os rostos de Margaret Jewell e Cody Woods surgiram novamente.

“Faço esta digressão para que compreendam que estamos a lidar com um assassino muito sofisticado,” Disse a Dra. Shankar. “Encontrei restos de tálio nos corpos de Margaret Jewell e Cody Woods. Não tenho dúvidas de que ambos foram envenenados pelo mesmo assassino.”

A Dra. Shankar olhou em seu redor para todos os que se encontravam na sala.

“Alguém deseja fazer algum comentário?” Perguntou.

“Sim,” Disse o Chefe McCade. “Continuo a achar que as mortes não estão ligadas.”

Riley ficou alarmada com aquele comentário, mas a Dra. Shankar não ficou surpreendida.

“E porque pensa assim Chefe McCade?” Perguntou.

“Cody Woods era um canalizador,” Disse McCade. “Não seria possível ele estar exposto ao tálio devido à sua profissão?”

“É possível,” Disse a Dra. Shankar. “Os canalizadores têm que ter cuidado para evitar imensas substâncias nocivas, incluindo amianto e metais pesados tais como o arsénico e o tálio. Mas não me parece que seja o que aconteceu no caso de Cody Woods.”

Riley estava cada vez mais intrigada.

“Porque não?” Perguntou.

A Dra. Shankar clicou no comando e apareceram os relatórios de toxicologia.

“Estas mortes parecem ser envenenamentos por tálio com uma diferença,” Disse ela. “Nenhuma das vítimas mostrou sintomas clássicos – perda de cabelo, febre, vómitos, dores abdominais. Tal como disse anteriormente, ocorreram dores ao nível das articulações, mas pouco mais. A morte surgiu de forma repentina, dando a entender tratar-se de um comum ataque cardíaco. Não houve lentidão. Se o meu pessoal não estivesse atento, nunca reparariam que se trata de casos de envenenamento por tálio.”

Bill parecia partilhar o fascínio de Riley.

“Então estamos a lidar com o quê – um designer de tálio?” Perguntou.

“Algo do género,” Disse a Dra. Shankar. “O meu pessoal ainda está a desmontar a maquilhagem química do cocktail. Mas um dos ingredientes é sem dúvida ferrocianeto de potássio – um químico que podem conhecer como o corante azul Prussiano. É estranho porque o azul prussiano é o único antídoto conhecido para o envenenamento por tálio.”

O grande bigode do Chefe McCade estava a contorcer-se.

“Isso não faz sentido,” Grunhiu. “Porque é que um envenenador administraria um antídoto juntamente com o veneno?”

Riley arriscou uma hipótese.

“Poderia ser para disfarçar os sintomas do envenenamento por tálio?”

A Dra. Shankar anuiu afirmativamente.

“É essa a minha teoria. Os outros químicos encontrados teriam interagido com o tálio de uma forma complexa que ainda não compreendemos. Mas talvez tenham ajudado a controlar a natureza dos sintomas. Quem quer que tenha preparado a mistura sabia o que estava a fazer. Tinha conhecimentos amplos de farmacologia e química.”

O Chefe McCade tamborilava os dedos na mesa.

“Não vou nessa,” Disse ele. “Os vossos resultados para a segunda vítima devem ter sido distorcidos pelos resultados da primeira. Vocês encontraram aquilo que procuravam.”

Pela primeira vez, o rosto da Dra. Shankar mostrou sinais de supresa. Também Riley foi apanhada desprevenida pela audacidade do chefe de polícia ao colocar em causa a competência de Shankar.

“O que o faz pensar isso?” Perguntou a Dra. Shankar.

“Porque temos um suspeito infalível da morte de Margaret Jewell,” Disse ele. “Ela era casada com outra mulher chamada Barbara Bradley. Os amigos e vizinhos do casal afirmam que as duas estavam a ter problemas, discussões aos gritos que acordavam os vizinhos. Na verdade, Bradley até tem cadastro criminal. As pessoas dizem que tem um feitio difícil. Foi ela. Temos a certeza.”

“Então porque é que não a prenderam?” Exigiu saber o Agente Sanderson.

O Chefe McCade ficou na defensiva.

“Interrogámo-la em casa,” Disse ele. “Mas ela é uma pessoa dissimulada e ainda não temos qualquer prova para a deter. Estamos a construir o caso. Está a demorar algum tempo.”

O Agente Sanderson sorriu.

Disse, “Bem, enquanto estiveram a construir o vosso caso, parece que a vossa suspeita infalível matou outra pessoa. O melhor é não perderem o comboio. Pode estar a preparar-se para o fazer novamente neste preciso momento.”

O rosto do Chefe McCade começou a ficar vermelho de raiva.

“Está completamente enganado,” Disse ele. “Garanto-vos que a morte de Margaret Jewell foi um incidente isolado. Barb Bradley não tinha qualquer motivo para matar Cody Woods ou qualquer outra pessoa segundo conseguimos apurar.”

“Segundo conseguiram apurar,” Acrescentou Sanderson num tom de gozo.

Riley conseguia sentir as tensões subjacentes virem à superfície. Ela esperava que a reunião terminasse sem pancadaria.

Entretanto, o seu cérebro já tentava apanhar toda a informação que lhe chegara até ao momento.

Perguntou ao Chefe McCade, “Jewell e Bradley estavam bem financeiramente?”

“Nem por isso,” Disse ele. “Classe média-baixa. Na verdade, pensamos que a pressão financeira pode ter sido parte do motivo.”

“Qual a profissão de Barb Bradley?”

“Faz entregas,” Disse McCade.

Riley sentiu um palpite a formar-se na sua mente. Pensou que um assassino que usava veneno seria provavelmente uma mulher. E como pessoa que faz entregas, poderia ter acesso a várias instalações de saúde. Não havia dúvidas de que era alguém com quem gostaria de falar.

“Gostava que me dessem a morada de Barb Bradley,” Disse Riley. “Eu e o Agente Jeffreys queremos interrogá-la.”

O Chefe McCade olhou para ela como se tivesse enlouquecido.

“Acabei de lhe dizer, já fizemos isso,” Disse ele.

Parece que não muito bem, Pensou Riley.

Mas reprimiu o desejo de verbalizar esta ideia.

Bill falou, “Concordo com a Agente Paige. Devemos voltar a falar com Barb Bradley.”

O Chefe McCade sentia-se nitidamente insultado.

“Não o vou permitir,” Disse ele.

Riley sabia que o chefe da equipa do FBI, o Agente Sanderson, podia fazer prevalecer a sua posição se quisesse. Mas quando olhou para Sanderson para obter apoio, este olhava-a de forma pouco amistosa.

Percebeu a situação de imediato. Apesar de Sanderson e McCade se odiarem, eram aliados no seu ressentimento por Riley e Bill. Na opinião de ambos, os agentes vindos de Quantico não tinham nada que estar ali no seu território. Quer o compreendessem ou não, os seus egos eram mais importantes do que o próprio caso.

Como é que eu e o Bill vamos conseguir fazer alguma coisa? Interrogou-se Riley.

Em contraste, a Dra. Shankar parecia tão fria e controlada como sempre.

Ela disse, “Gostava de saber porque é que se trata de uma ideia tão má os agentes Jeffreys e Paige interrogarem Barb Bradley.”

Riley ficou surpreendida com a audacidade da Dra. Shankar em manifestar-se. No final de contas, mesmo como Chefe de Medicina Legal, estava a ultrapassar as suas competências.

“Porque tenho a minha própria investigação a decorrer!” Disse McCade, agora quase a gritar. “O mais certo é estragarem tudo!”

A Dra. Shankar sorriu aquele seu sorriso inescrutável.

“Chefe McCade, está mesmo a questionar a competência destes dois agentes de Quantico?”

Depois, virando-se para o chefe de equipa do FBI, acrescentou, “Agente Sanderson, o que tem a dizer sobre isto?”

McCade e Sanderson olharam para a Dra. Shankar num silêncio espantado.

Riley reparou que a Dra. Shankar lhe sorria. Riley não conseguiu evitar retribuir-lhe o sorriso com admiração. Ali no seu próprio edifício, Shankar sabia como projetar a sua presença autoritária. Não importava quem mais pensava que mandava. Ela era um osso duro de roer.

O Chefe McCade abanou a cabeça resignado.

“OK,” Disse. “Se querem a morada, nós damos a morada.”

O Agente Sanderson acrescentou rapidamente, “Mas quero que alguns dos meus homens vão com vocês.”

“Parece-me justo,” Disse Riley.

McCade anotou a morada e entregou-a a Bill.

Sanderson deu a reunião por terminada.

“Jesus, alguma vez tinhas visto um par tão arrogante de idiotas na tua vida?” Perguntou Bill a Riley enquanto se dirigiam para o carro. “Como é que vamos conseguir fazer alguma coisa?”

Riley não respondeu. A verdade era que não sabia. Ela pressentia que aquele caso ia ser suficientemente duro sem terem que lidar com a política de poderes locais. Ela e Bill tinham que agir rapidamente antes que mais alguém morresse.

 

 

CAPÍTULO NOVE


Hoje o seu nome era Judy Brubaker.

Ela gostava de ser Judy Brubaker.

As pessoas gostavam de Judy Brubaker.

Movia-se energicamente em redor da cama vazia, arranjando os lençóis e ajeitando as almofadas. Ao fazê-lo, sorria para a mulher sentada num confortável cadeirão.

Judy ainda não decidira se a matava.

O tempo está a esgotar-se, Pensou Judy. Tenho que me decidir.

O nome da mulher era Amanda Somers. Judy encarava-a como uma criaturinha estranha, tímida e reservada. Estava a ser tratada por Judy desde o dia anterior.

Continuando a fazer a cama, Judy começou a cantar.


Longe de casa,

Tão longe de casa-

Este bebé pequenino está longe de casa.


Amanda juntou-se a Judy com a sua vozinha.


Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.


Judy ficou algo surpreendida. Amanda Somers não tinha demonstrado qualquer interesse na canção de embalar até àquele momento.

“Gosta desta canção?” Perguntou Judy Brubaker.

“Penso que sim,” Disse Amanda. “É triste e acho que se adequa à minha disposição.”

“Porque é que está triste? O seu tratamento já terminou e vai para casa. A maioria dos pacientes fica feliz ao saber que vai para casa.”

Amanda suspirou e não disse mais nada. Juntou as mãos em posição de oração. Ao manter os dedos juntos, movia as palmas para longe uma da outra. Repetiu o movimento algumas vezes. Era um exercício que Judy lhe ensinara para ajudar no processo de cura depois da cirurgia de Amanda ao túnel do carpo.

“Estou a fazer isto bem?” Perguntou Amanda.

“Quase,” Disse Judy, ajoelhando-se a seu lado e tocando-lhe nas mãos para corrigir os seus movimentos. “Precisa de manter os dedos alongados para que se inclinem para fora. Lembre-se, as suas mãos devem parecer uma aranha a fazer flexões num espelho.”

Amanda agora já fazia os movimentos e forma correta. Sorriu, parecendo estar muito orgulhosa de si.

“Sinto mesmo que está a ajudar,” Disse ela. “Obrigada.”

Judy observou Amanda a prosseguir os seus exercícios. Judy odiava a pequena e feia cicatriz que se estendia na parte inferior da mão direita de Amanda.

Cirurgia desnecessária, Pensou Judy.

Os médicos aproveitaram-se da confiança e credulidade de Amanda. Ela tinha a certeza de que tratamentos menos drásticos teriam funcionado tão bem ou melhor. Talvez algumas injeções de corticoides. Judy tinha visto demasiados médicos a insistir em cirurgias, quer fossem realmente necessárias ou não. Era algo que a enfurecia.

Mas hoje Judy não estava apenas aborrecida com os médicos. Sentia-se impaciente com a doente também. E não sabia bem porquê.

Esta é difícil de entender, Pensou Judy ao sentar-se na borda da cama.

Durante todo o tempo em que permaneceram juntas, Amanda deixara que fosse apenas Judy a falar.

Judy Brubaker tinha muitas coisas interessantes de que falar é claro. Judy não era muito parecida com a agora desaparecida Hallie Stillians que tinha a personalidade caseira de uma tia de visita.

Judy Brubaker era a um tempo mais franca e mais extravagante, e geralmente vestia roupa de corrida e não vestuário mais convencional. Ela adorava contar histórias acerca das suas aventuras – Voo livre, skydiving, scuba diving, escalada e outras atividades semelhantes. Ela andara à boleia por toda a Europa e grande parte da Ásia.

E claro que nenhuma dessas aventuras tinha realmente acontecido, mas davam histórias magníficas.

A maior parte das pessoas gostava de Judy Brubaker. As pessoas que poderiam considerar Hallie um pouco enjoativa e adocicada, gostavam da personalidade mais direta de Judy.

Talvez Amanda não confie em Judy, Pensou.

Por alguma razão, Amanda não lhe tinha contado quase nada de si. Tinha quarenta e tal anos, mas nunca falara do seu passado. Judy ainda não sabia qual era a profissão de Amanda ou sequer se tinha profissão. Não sabia se Amanda já fora casada – apesar da ausência de uma aliança de casamento indicar que naquele momento não era casada.

Judy estava desapontada pela forma como as coisas estavam a decorrer. E o tempo estava realmente a esgotar-se. Amanda podia levantar-se e partir a qualquer momento. E ali estava Judy, ainda a tentar decidir se a envenenaria ou não.

Parte da sua indecisão era prudência. As coisas tinham-se alterado bastante no decorrer dos últimos dias. As suas duas últimas mortes estavam agora nos jornais. Parecia que algum médico-legista inteligente detetara tálio nos corpos. Era um desenvolvimento preocupante.

Ela tinha uma saqueta de chá preparada com uma receita alterada que usava um pouco mais de arsénico e um pouco menos de tálio. Mas a deteção era sempre um perigo. Ela não fazia ideia se as mortes de Margaret Jewell e Cody Woods tinham sido relacionadas às suas permanências em centros de reabilitação ou às pessoas que os tinham assistido. Este método de matar estava a tornar-se mais arriscado.

Mas o verdadeiro problema era que tudo aquilo parecia não fazer sentido.

Ela não conseguira estabelecer qualquer relacionamento com Amanda Somers.

Nem sentia que a conhecia.

Propor “brindar” à partida de Amanda com uma chávena de chá soaria forçado, até vulgar.

De qualquer das formas, a mulher ainda ali estava, a exercitar as mãos, não demonstrando qualquer inclinação para se ir embora, pelo menos para já.

“Não quer ir para casa?” Perguntou Judy.

A mulher suspirou.

“Bem, sabe, eu tenho problemas físicos. Por exemplo, as costas. Estão a piorar com a idade. O meu médico diz que preciso de ser operada. Mas não sei. Não consigo deixar de pensar que talvez a terapia seja o suficiente para melhorar. E você é uma excelente terapeuta.”

“Obrigada,” Disse Judy. “Mas sabe, não trabalho aqui a tempo inteiro. Sou freelancer e hoje é o meu último dia aqui por agora. Se ficar aqui durante mais tempo, já não será assistida por mim.”

Judy ficou alarmada com o olhar melancólico de Amanda e já não era a primeira vez que a olhara daquela forma.

“Não sabe como é que é,” Disse Amanda.

“O quê?” Perguntou Judy.

Amanda encolheu os ombros, olhando Judy nos olhos.

“Estar rodeada de pessoas em quem não pode confiar completamente. Pessoas que parecem preocupar-se consigo, e talvez se preocupem, ou por outro lado, talvez não. Talvez só queiram algo de si. Usuários. Usurpadores. Muitas pessoas na minha vida são assim. Não tenho família e não sei quem é meu amigo. Não sei em quem posso confiar.”

Com um ligeiro sorriso Amanda acrescentou, “Percebe o que estou a dizer?”

Judy não tinha a certeza. Amanda ainda falava através de enigmas.

Estará apaixonada por mim? Pensou Judy.

Não era impossível. Judy tinha consciência que as pessoas muitas vezes julgavam que ela era gay. Isso divertia-a sempre porque ela nunca pensara se Judy era ou não gay.

Mas talvez não fosse isso.

Talvez Amanda estivesse simplesmente só e tivesse começado a gostar e a confiar em Judy sem ela se aperceber.

Uma coisa parecia certa. Amanda era emocionalmente muito insegura, provavelmente neurótica, de certeza depressiva. Devia estar a tomar imensos medicamentos. Se Judy os pudesse ver, talvez conseguisse criar um cocktail especificamente para Amanda. Já o fizera antes e tinha as suas vantagens, sobretudo numa altura daquelas. Seria proveitoso não utilizar a receita de tálio daquela vez.

“Onde vive?” Perguntou Judy.

O rosto de Amanda foi atravessado por uma expressão estranha, como se estivesse a tentar decidir o que dizer a Judy.

“Numa casa flutuante,” Disse Amanda.

“Uma casa flutuante? A sério?”

Amanda assentiu. O interesse de Judy tinha uma segunda intenção. Mas porque é que ela tinha a sensação que Amanda não lhe estava a dizer a verdade – ou pelo menos não toda a verdade?

“Engraçado,” Disse Judy. “Tenho vivido em Seattle grande parte do tempo e há tantas casas flutuantes nas zonas fluviais, mas nunca estive numa. Uma das poucas aventuras que não vivi.”

O sorriso de Amanda alargou-se e não disse nada. Aquele sorriso inescrutável começava a deixar Judy nervosa. Iria Amanda convidá-la a visitar a sua casa flutuante? Teria ela sequer uma casa flutuante?

“Faz visitas domiciliárias aos seus clientes?” Perguntou Amanda.

“Às vezes, mas...”

“Mas o quê?”

“Bem, não o devo fazer em situações como esta. Este centro de reabilitação consideraria essa situação abusiva. Eu assinei um acordo em como não o faria.”

O sorriso de Amanda tornou-se um pouco malicioso.

“Bem, que mal faria em simplesmente visitar-me? Só passar por lá. Ver a minha casa. Podemos conversar. Passar algum tempo juntas. Ver onde as coisas nos levam. E depois, se eu decidir contratá-la... bem, isso seria diferente, não acha? Nada abusivo.”

Judy sorriu. Começava a apreciar a esperteza de Amanda. Ela sugeria quebrar as regras, mas quem saberia? E não havia dúvidas de que servia bem os propósitos de Judy. Teria todo o tempo que precisasse.

E a verdade era que Amanda começava a fasciná-la.

Seria interessante conhecê-la antes de matá-la.

“Isso parece-me maravilhoso,” Disse Judy.

“Ótimo,” Riu Amanda, já não soando minimamente triste.

Pegou na carteira, tirou de lá um lápis e um bloco de notas, anotou a morada e o número de telefone.

Judy pegou no papel e perguntou, “Quer fazer uma marcação?”

“Ah, não vamos fazer disto uma coisa oficial. Um destes dias seria perfeito. Daqui a um ou dois dias. Mas não apareça sem me ligar primeiro. Isso é importante.”

Judy pensou porque é que isso seria tão importante.

De certeza que tem alguns segredos, Pensou Judy.

Amanda levantou-se e vestiu o casaco.

“Vou sair agora. Mas lembre-se. Ligue-me.”

Assim farei,” Disse Judy.

Amanda saiu do quarto na direção do corredor, cantando o resto da canção de embalar, a voz soando agora mais feliz e segura.


Não chores,

Sonha até mais não poderes.

Deixa-te vencer pelo sono.


A voz de Amanda desapareceu no corredor, mas Amanda continuou a entoar a canção para si.


Não há mais suspiros,

Fecha os olhos

E estarás em casa pelo sono.


Afinal as coisas seguiam o curso programado por Judy.

E esta morte ia ser especial.

 

 


CAPÍTULO DEZ


Riley tentou ignorar as tensões existentes no dentro do veículo do FBI em que ela e Bill se encontravam a caminho de interrogar a mulher de uma vítima de envenenamento. Riley pensava que Barb Bradley seria uma suspeita viável. O facto de fazer entregas parecia-lhe algo de significativo. Se fizesse entregas médicas, também teria acesso a Cody Woods que dera entrada num hospital e lá morrera.

Era óbvio que ninguém das forças policiais de Seattle estava satisfeito com a presença dos dois agentes vindos de Quantico. Mas por outro lado, nenhum dos que trabalhavam naquele caso parecia estar satisfeito uns com os outros.

Talvez a animosidade local seja contagiosa, Pensou Riley. Não gostava dos dois agentes que Sanderson enviara para trabalhar com eles. Disse a si própria que era um sentimento irracional, mas a insatisfação persistia.

Apesar de tudo, era bom que ela e Bill já estivessem a caminho de interrogar Barb Bradley.

Será que vamos ter mesmo sorte e resolver isto hoje? Interrogou-se.

Sabia que não devia esperar demasiado. Oportunidades como aquela não eram frequentes. O mais certo era que o progresso fosse lento e duro, sobretudo devido a tudo o que os rodeava.

A chuva parara e o horizonte começava a clarear.

Pelo menos, Pensou Riley, isto pode ajudar a tornar a viagem mais agradável.

O Agente Jay Wingert ia a conduzir, e Riley e Bill estavam sentados no banco de trás.

Wingert tinha o aspeto físico de um modelo – e a mesma absoluta falta de personalidade. Riley não conseguia imaginar que houvesse um simples pensamento naquela cabeça bem formada com o seu cabelo perfeitamente penteado.

O Agente Lloyd Havens estava sentado no banco do passageiro. Em forma e robusto, apresentava uma postura pseudo-militar e falava em frases curtas e abruptas. Uma careta crónica não acrescentava nada ao seu charme, pelo menos na opinião de Riley.

Havens virou-se para Bill e Riley.

“Pensava que vocês estivessem aqui como consultores,” Disse ele. “ Para ajudar a desenvolver o perfil, não para investigar o caso. Eu e o Agente Wingert estamos nessa parte.”

Riley ouviu Bill a resmonear e apressou-se a dar uma resposta.

“Interrogar um suspeito pode ajudar-nos a traçar um perfil,” Disse ela. “Precisamos de toda a informação que pudermos reunir.”

“Parece um excesso, os quatro a interrogarmos Bradlley,” Disse ele. “Pode assustar a suspeita.”

Riley ficou surpreendida ouvi-lo dizer aquilo. No final de contas, Sanderson tinha insistido em enviar os quatro. Mas ela não podia discordar. Quatro ia realmente ser uma multidão.

“Agente Paige, Agente Jeffreys,” Acrescentou Havens naquele seu jeito oficial. “Não precisam de se incomodar. O Agente Wingert e eu fazemos o interrogatório. Vocês podem esperar no carro.”

Riley trocou olhares chocados com Bill. Nenhum deles sabia o que dizer.

Este fedelho está mesmo a dar-nos ordens? Pensou Riley.

Depois ocorreu-lhe que a ideia seria de Sanderson e Havens estava a agir segundo as suas instruções. Talvez fosse a forma de Sanderson de fazer com que os seus convidados de Quantico se sentissem pouco bem-vindos.

Havens continuou a falar no seu tom descaradamente seguro.

“Um caso pouco normal para ser um assassino em série. O envenenamento não é nada típico. Um método muito pouco utilizado. O estrangulamento é muito mais comum. Depois desse, ataques com armas – facas, armas de fogo, objetos e outros do género. Próximo e pessoal, esse é o assassino em série mais típico. Este caso não se enquadra nos padrões normais.”

Dirigia os comentários a Riley, como se lhe estivesse a dar uma aula de criminologia.

Um sabichão, Pensou com crescente desagrado.

E claro, não dizia nada que ela e Bill já não soubessem.

“Ah, mas há sempre casos atípicos,” Disse Riley, plenamente consciente do seu tom condescendente. “Eu e o Agente Jeffreys já vimos de tudo. O nosso último assassino em série matava pessoas de forma aleatória, só pela paixão de matar.”

Bill acrescentou, “Acredito que este assassino não seja desse tipo. Envenenar é algo pessoal. Este escolhe as vítimas por um motivo.”

Riley anuiu em concordância.

“Ainda assim, este é atípico,” Disse ela. “É só considerar o intervalo entre os envenenamentos e as mortes. A maior parte dos assassinos em série gostam de testemunhar tudo. Eles anseiam pela satisfação de ver as suas vítimas morrer às suas mãos. Este assassino não sente as coisas dessa forma.”

Riley teve o cuidado de dirigir as suas palavras diretamente a Havens, soando tão autoritária quanto possível.

“E isso pode tornar o assassino esquivo, difícil de apanhar. Todo um segmento das pistas normais não se encontra à vista. Não se coloca a questão de transportar ou não transportar o corpo – não há eliminação do corpo ou tentativa de o esconder. Tem razão, neste caso não encontramos os padrões normais. Talvez tenha a sua própria teoria, Agente Havens.”

O Agente Havens aparentava estar claramente desconfortável agora.

Ainda a fitá-lo, Riley prosseguiu, “Eu e o Agente Jeffreys sabemos tudo sobre os padrões normais. O assassino em série geralmente fornece algum tipo de gratificação sexual – ou talvez já saiba isso. Nós apanhámos um psicopata impotente que dispunha as vítimas do sexo feminino como bonecas e outro que tinha apetência por prostitutas. É claro que outros pervertidos perseguem alguém por motivos diferentes. Um dos nossos casos perseguia mulher que eram invulgarmente magras, outro preferia mulheres prestativas vestidas de uniforme. E outros ainda são impelidos por algo completamente diferente. E isso pode ser particularmente verdadeiro se o assassino for na verdade uma mulher.”

Bill continuou,” E isso é apenas parte do que temos que entender quando estamos a trabalhar um perfil para vocês.”

Riley acrescentou, ”Pergunto-me se estas mortes terão uma componente sexual. Ou não. O que lhe parece Agente Havens?”

O Agente Havens parecia verdadeiramente intimidado.

“Eu e o Agente Jeffreys vamos liderar o interrogatório se não se importar,” Disse Riley.

Havens anuiu e depois afastou o olhar. Riley não conseguiu evitar sorrir. Soubera bem colocar aquele pateta arrogante no seu lugar. Agora ela podia concentrar-se onde tinham que estar – no interrogatório que se avizinhava.

Mais uma vez, pensou se talvez estivessem prestes a ter sorte. Esperava sinceramente que sim. Seria fantástico se conseguissem desvendar o caso e afastarem-se daquele cenário desagradável.

 

 


CAPÍTULO ONZE


Riley viu a névoa de Seattle levantar-se quando o Agente Wingert os conduzia pela interestadual que atravessava a cidade. Ela esperava que o caso também clareasse.

À direita, a bela cidade alongava-se na direção da Baía Elliott e à esquerda vislumbrava-se um agradável parque com árvores, abrigos e mesas de piquenique. O Agente Wingert virou para uma rua que terminava junto a uma colina num bairro da classe trabalhadora. No topo da colina, Wingert estacionou o carro em frente a uma pequena casa modesta com uma vista espetacular para o horizonte de Seattle.

Não muito longe, a baía reluzia na névoa que se desvanecia. Riley podia muito bem imaginar como seria a vista dali num dia sem nuvens. Talvez fosse possível ver o Monte Rainier e mais além as Montanhas Olímpicas.

Mas Riley não estava ali para desfrutar do cenário. Os quatro agentes saíram do carro. Uma carrinha estava estacionada próxima com a indicação de “Broomswick Linen Services” de lado. Uma Harley-Davidson velha e maltratada estava mais próxima da casa.

Os agentes caminharam na direção do alpendre e Riley bateu à porta.

“Quem é?” Perguntou uma voz vinda de dentro.

“FBI,” Respondeu Riley. “Gostaríamos de falar com Barb Bradley. Ligámos. Disse que falava connosco.”

“Ah, sim.”

Uns instantes mais tarde, a porta abriu-se. Barb Bradley era uma mulher musculada com cabelo à escovinha. Usava mangas compridas, mas Riley viu as suas mãos e pulsos bastante tatuados. Tal como o seu pescoço até ao decote onde estavam os botões. Riley partiu do princípio que estava praticamente coberta de tatuagens.

Um armeiro na parede estava abastecido com espingardas semiautomáticas. O instinto de Riley dizia-lhe que Barb Bradley também devia ter pistolas algures fora de alcance – provavelmente nas gavetas daquela cabina próxima.

Lembrou-se de algo que o Chefe McCade dissera sobre ela.

“As pessoas dizem que tem um feitio difícil.”

McCade não tinha mencionado que também estava armada até aos dentes.

Temos que ter cuidado com esta, Pensou Riley. As coisas podem complicar-se.

Por outro lado, a pequena casa estava agradavelmente decorada. A presença de cores suaves, pastel. dizia a Riley que não havia muito a apontar a Barb com base na decoração. Como o armeiro, ela parecia deslocada ali. A sua falecida mulher tinha com toda a certeza feito todas as escolhas do interior.

“Lamentamos muito a perda da sua mulher,” Disse Riley.

Bradley afastou o olhar e disse, “Pois, bem. Espero que não tenham vindo até cá só para me dizer isso. Parece-me uma viagem desperdiçada.”

A mulher parecia não ter sido atingida pela dor. É claro que já tinha passado um mês e meio desde que Margaret Jewell tinha morrido. Mas Riley tinha a sensação de que Barb nunca se sentira devastada pela sua perda.

Encontravam-se num pequeno compartimento que funcionava como sala de estar e sala de refeições. Tal como Riley temia, os quatro e ainda a mulher corpulenta eram mesmo uma multidão.

“Espero que não se importem se não os convido a sentar-se,” Disse Barb Bradley com uma expressão desdenhosa. Cruzou os braços numa postura desafiadora.

“Então o que é que querem saber?” Perguntou. “Pensava que os polícias locais já me tinham perguntado tudo o que havia para perguntar.”

“Ocorreram alguns novos desenvolvimentos,” Disse Bill.

“Parece que a morte da sua mulher não foi um incidente isolado,” Disse Riley.

Bradley parecia apenas medianamente interessada.

“Não me digam,” Disse ela. “Bem, no que me diz respeito, a culpa foi dela.”

Riley foi apanhada de surpresa.

“Porque é que diz isso?” Perguntou.

“Aconteceu depois de ter estado no centro de reabilitação,” Disse. “Não confio em lugares como aquele – nem em hospitais. A Maggie estava sempre enfiada em hospitais. Eu faço entregas e vejo o que se passa. As coisas dão para o torto, os médicos enganam-se, as pessoas apanham infeções e morrem. Tenho a certeza de que têm conhecimento disso. Quem não tem? Mas ela não me ouviu. Dizia que tinha muitas dores. Foi àquele lugar algumas noites e depois morreu durante o sono na noite em que chegou a casa.”

Riley olhou para Bill. Ela percebeu que ele se interrogava sobre as mesmas coisas que ela.

“Sra. Bradley, não sei se compreendeu,” Disse Bill. “Foram descobertos vestígios de tálio no sistema da sua mulher. O tálio não foi lá parar por acidente. Margaret foi assassinada.”

Bradley encolheu os ombros.

“Tal como eu disse,” Respondeu. “Não devia ter ido para esse lugar.”

Riley lutava para entender a indiferença de Barb Bradley. Chegara àquele local pensando que a mulher seria uma possível suspeita. Mas agora simplesmente não sabia o que pensar.

“Maggie esteve em que centro de reabilitação?” Perguntou Riley.

Antes de Bradley responder, Wingert falou.

“Esteve no Centro de Reabilitação Física de Natrona.”

Riley ficou contrariada. É claro que não ficou surpreendida pelo facto de o FBI local já ter conhecimento do centro de reabilitação. Mas ela queria ouvir tudo o que pudesse ouvir da própria boca de Barb Bradley. Wingert mal tinha articulado uma palavra durante a viagem até ali.

Escolheu uma bela altura para se armar em falador, Pensou Riley.

Lançou-lhe um olhar severo que esperava mantê-lo calado.

Depois disse, “Sra. Bradley, qual a natureza do problema de Maggie quando foi para o centro?”

Bradley zombou audivelmente.

“Problema? Merda, ela não tinha um problema. Estava tudo na cabeça dela. Estava sempre a receber tratamentos de qualquer espécie. Eram dispendiosos e contraímos dívidas. Os médicos tinham um nome chique para o suposto problema que ela tinha.”

“Fibromialgia,” Disse Riley.

“Pois,” Disse Bradley. “Parece-me tudo psicológico. E a Maggie era isso. Uma habitual confusão psicológica. Os médicos adoram deitar as mãos em idiotas como ela.”

Riley pensou durante uns instantes.

Depois disse, “Sra. Bradley, está no negócio das entregas. Alguma vez fez entregas no Hospital South Hill?”

“Não. Não é a minha zona. Porquê?”

“Foi onde a outra vítima morreu.”

Bradley voltou a encolher os ombros.

“O que é que eu vos disse?” Disse ela. “Merda de hospitais.”

“Por acaso conhecia um homem chamado Cody Woods?” Perguntou Riley.

“O nome não me diz nada,” Disse Bradley. “Porquê?”

Riley estudou o rosto da mulher com atenção, mas não conseguia perceber se estava a mentir.

Entretanto, Riley detetara um lenço de mulher colorido numa cadeira da cozinha. Duvidava que ali tivesse estado durante um mês e meio desde que Margaret Jewell tinha morrido. E não parecia o tipo de acessório que Barb usaria.

Riley caminhou na sua direção e apalpou-o.

“Belo lenço,” Disse. “Era da Maggie?”

“Não,” Disse Bradley.

Era óbvio que não pretendia ir mais além. Riley esperou que ela dissesse algo mais.

“Pertence a uma vizinha. Lulu. Ela passa algum tempo por cá.”

Riley podia ver que Barb estava a ficar visivelmente impaciente.

“Avancei, Ok? Já tive algumas relações desde que a Maggie morreu. Processem-me. A vida continua.”

Então Havens falou.

“Você e a sua mulher estavam a ter problemas conjugais, Sra. Bradley?”

Riley reprimiu um grunhido. Este tipo pomposo era mesmo um elefante numa loja de porcelana. Em primeiro lugar, era uma pergunta estúpida. A polícia já sabia que o casal tinha tido problemas. Pressionar Barb Bradley sobre o assunto só iria irritá-la.

E assim foi. De imediato os olhos de Bradley chisparam raios de fúria.

“O que é que têm a ver com isso? Merda de Federais.”

“Responda à pergunta, por favor,” Disse Havens.

“Porquê? Sou uma cidadã Americana com direitos. Não tenho que responder a perguntas vindas de lacaios do governo como você.”

Riley detetou uma mudança na expressão de Havens. Ela pressentiu exatamente o que ele estava a pensar. Ele tinha a certeza de que Barb Bradley era culpada e chegara o momento de a deter.

Não só pomposo, Pensou Riley. Mas também um idiota.

E logo ali Havens pegou nas algemas que se encontravam no seu cinto. Riley percebeu que Barb detetara o movimento. A mulher moveu-se para mais perto da cabina em que Riley tinha reparado. A mão abriu uma gaveta.

Riley sabia que a situação estava prestes a descontrolar-se.

 

 


CAPÍTULO DOZE


Apenas milésimos de segundos se passaram, mas do ponto de vista de Riley, tudo abrandava. Era a sua reação enraizada a situações de ameaça de vida – sobretudo quando envolviam uma arma de fogo.

Mostrando as algemas, Havens disse, “Barbara Bradley, está presa pelo homicídio de Margaret Jewell.”

Mas antes que Havens conseguisse terminar a frase, Bradley já tinha a gaveta aberta. Num ápice, a arma estava na sua mão. E apontou-a diretamente a Havens.

Pela expressão encadeada de Havens, era óbvio que não fazia ideia do que fazer de seguida.

Agora é comigo, Apercebeu-se Riley. Quando a sua mente entrava em ação, o tempo parecia desacelerar ainda mais.

Após anos de treino e experiência, o desarme em quatro passos tornara-se reflexivo para Riley.

O primeiro passo era desobstruir.

Riley colocou-se em frente de Bradley, mas a arma ficou apontada para ela apenas durante um momento. Simultaneamente, ela colocou o corpo de lado e agarrou Bradley pela mão, afastando o cano de qualquer alvo humano.

Agora o tempo corria em microssegundos.

O próximo passo era controlar.

Barb estava prestes a tentar apontar-lhe a arma novamente. Riley reforçou a forma como a agarrava para evitar que tal sucedesse,

O próximo passo era desarmar.

Ainda a segurar Barb por uma mão, Riley agarrou no cano com a outra, soltando-o.

O último passo era desativar.

E este passo sucedia quase por si só. De repente, Riley encarava Barb, apontando-lhe a sua sua própria arma. Bradley levantou os braços.

Riley olhou para Barb durante alguns instantes. A mulher agora parecia realmente intimidada. Não iria constituir mais perigo.

Sem dizer uma palavra, Riley devolveu a arma à gaveta e fechou-a.

“Já terminámos por aqui,” Disse Riley.

Havens começou a protestar.

“Agente Paige...”

“Eu disse que já terminámos por aqui,” Disse Riley, cruzando agora o olhar com Havens.

Havens olhou para Riley como se tivesse perdido o tino. Wingert estava boquiaberto.

Riley virou-se novamente para Barb Bradley.

“Obrigada pelo seu tempo, Sra. Bradley,” Disse Riley. “Como eu disse, lamentamos a sua perda.”

Bradley sorriu a Riley – um sorriso de admiração, tinha a certeza.

Seguida por Bill, Riley conduziu Havens e Wingert para fora da casa. Ouviu a porta bater atrás deles enquanto se encaminhavam para o carro. Antes de entrarem no carro, Havens virou-se para Riley.

“O que é que pensa que fez ali?”

E deu-lhe um empurrão.

Riley sentiu um sorriso formar-se no rosto.

Ah, como eu queria que fizesses isso! Pensou.

Agarrou no braço de Havens e torceu-o atrás dele, atirando-lhe o rosto contra o carro.

“Ei!” Tentou reagir Wingert.

Segurando bem em Havens, Riley falou ao seu ouvido com doçura fingida.

“Agente Havens, corrija-me se estiver enganada. Será que acabou de fazer um movimento ameaçador contra um superior hierárquico?”

“Não,” Disse Havens.

“Tem a certeza? Agente Jeffreys, qual a sua opinião?”

Bill não conseguiu conter o riso.

“A mim pareceu-me um movimento ameaçador,” Disse Bill.

“Bem, isso não é simpático,” Disse Riley a Havens, falando como se ele fosse uma criança mal-comportada. “Tenho a certeza que o Chefe Sanderson não aprovaria tal atitude. E ele nem gosta de mim.”

Havens resfolegava indefeso. Riley largou-lhe o braço e olhou para Wingert.

“Agente Wingert, entre no carro e conduza,” Disse ela. “Temos mais trabalho a fazer ainda hoje.”

Os quatro agentes entraram no carro e Wingert arrancou.

Após alguns momentos de silêncio tenso, Havens dirigiu-se a Riley a custo.

“Ainda não sei o que pensa que fez.”

“Bater as probabilidades,” Disse Riley. “Agente Jeffreys, quantas vezes é que tentativas de desarme resultam no disparo de uma arma?”

Bill deu uma risada.

“Cerca de noventa por cento das vezes,” Disse ele.

“A sério?” Disse Riley, fingindo surpresa. “Uau, isso são umas probabilidades bem acentuadas. Eu diria que tivemos muita sorte.”

Havens estava a tremer de fúria e frustração.

“Cometeu um erro lá atrás,” Disse Havens.

“Oh, a sério?” Disse Riley. “Diga-me, Agente Havens, já esteve num tiroteio? Porque era isso que ia acontecer. E aquela mulher devia ser uma excelente atiradora. Agente Jeffreys, talvez lhe consiga explicar.”

Havia uma nota de satisfação na voz de Bill ao descrever o que havia observado.

“Você retirou as algemas, ela pegou na arma. Ela tê-lo-ia morto antes que qualquer um de nós conseguisse sacar as armas. Depois só nos restaria abatê-la.”

Riley assentiu em concordância.

“Haveria pelo menos um agente atingido,” Disse ela. “E provavelmente um civil inocente também.”

“Inocente?” Perguntou Havens incrédulo. “Ela sacou uma arma! A mulher estava pronta para nos matar!”

“Estava,” Disse Riley. “Quanto a isso a sua informação estava correta. Ela tem um feitio terrível.”

Havens salivava numa confusão indignada.

“Ela odiava a mulher. Ela parecia feliz por Maggie ter morrido.”

Riley reuniu toda a sua paciência para poder explicar.

“Não, Barb não parecia feliz por Maggie ter morrido,” Disse Riley. “Ela não pareceu nada. Ela estava feliz por a mulher ter morrido. De forma sincera e verdadeira. Ela vê o caso como um golpe de sorte e não quer saber se nós o sabemos.”

“E então?” Perguntou Havens. “Ela queria ver a mulher morta, matou-a e agora está feliz.”

Riley estava a perder a paciência. Mas também sabia que não estava a conseguir ser persuasiva. Tinha uma razão muito mais precisa para saber que Barb Bradley não matara a mulher. Mas como o poderia transmitir para que aquele idiota compreendesse?

Ela sabia que Bill pensava da mesma forma. E felizmente, Bill sabia exatamente como dizê-lo.

“A mulher é uma palerma,” Disse Bill. “Não podemos prendê-la por ser uma idiota. A vida é injusta. Devia haver uma lei contra idiotas, mas não há.”

Se houvesse, haveria menos uma pessoa neste carro, Pensou Riley.

Bill prosseguiu, “Os assassinos em série raramente são idiotas. São maus, sádicos, patológicos, incapazes de sentir empatia, às vezes loucos, muitas vezes encantadores, sempre manipuladores. Mas idiotas? Quase nunca. Aquela mulher podia enfurecer-se o suficiente para matar, mas não é uma assassina em série. Acredito que nunca tenha morto ninguém na vida. Isso podia ter mudado hoje. Podia ter cometido o seu primeiro homicídio.”

Riley sorriu. O seu parceiro tinha conseguido verbalizar exatamente aquilo em que ela estava a pensar.

Mas Havens não parecia estar minimamente convencido.

“Devíamos tê-la detido por resistir à prisão,” Disse Havens.

Riley já estava farta da estupidez de Havens. Chegara o momento de o calar.

“Wingert, páre o carro,” Disse ela.

Wingert disse, “Desculpe?”

“Encoste e pare.”

Wingert obedeceu e parou o carro.

Riley disse a Havens, “Se a quer deter, esteja à vontade. O caminho é curto até lá. Pode prendê-la e ir ao julgamento e até visitá-la na prisão. Mas não nos faça perder mais tempo. Temos um envenenador em série para apanhar.”

Havens olhou para ela incrédulo.

“OK, vamos embora Wingert,” Disse Riley.

Wingert retomou a marcha.

Riley duvidava que tivessem terminado as dificuldades com este par. Ela tinha a certeza que Havens se queixaria ao Chefe Sanderson e o mais certo era Sanderson apoiá-lo.

Vai ser uma chatice, Pensou.

Qualquer esperança que tivesse de resolver aquele caso rapidamente estava fora de questão. E a ajuda local ia ser pior que nada.

Um assassino inteligente ainda estava à solta, tão solto como o nevoeiro de Seattle.

Dependia dela a descoberta da sua identidade.

 

 


CAPÍTULO TREZE


Na reunião do dia seguinte de manhã, Riley considerou o Chefe de Divisão Sean Rigby uma presença assustadora e estranhamente desmoralizadora. Ela pensou que Rigby, que era superior hierárquico do Chefe de Equipa Sanderson, parecia um agente funerário a presidir a um funeral.

Ou talvez algo mais parecido com um abutre, Pensou Riley.

Sim, era mais isso. Parecia um abutre debruçado e a observar tudo do topo de uma árvore, olhando para baixo e à espera que alguém morresse para que pudesse refastelar-se com carne morta.

Para começar, o homem de garras negras e cadavérico recusava sentar-se. Conseguia dominar a sala encostando-se a uma parede enquanto todos os outros se sentavam em torno da mesa de reuniões do FBI. Riley estava ao lado de Bill. Do outro lado da grande mesa estava Maynard Sanderson com Wingert e Havens, todos com ar insatisfeito.

Quanto a Riley, este caso ia ser suficientemente duro sem rivalidades e lutas internas. Mas a sala fedia a hostilidades silenciosas.

Pela sua parte, Sanderson parecia soturno, inquieto e palpavelmente ressentido – não era a mesma pessoa do dia anterior. Mal olhou para quem quer que fosse, muito menos para Rigby.

A única pessoa que não parecia intimidada por Rigby era Van Roff, um analista técnico com excesso de peso e pouco sociável. Estava na ponta da mesa, ocupado com o seu portátil e parecia alheio a tudo o que se passava à sua volta.

Quando a reunião se iniciou, Rigby dirigiu-se a Sanderson.

“Creio que a sua equipa interrogou Barbara Bradley ontem.”

“É verdade, senhor,” Respondeu Sanderson. “Vou passar a palavra ao Agente Havens.”

Apesar do seu nervosismo, Havens conseguiu manter aquela pose pseudo-militar que lhe era própria.

“A nossa equipa concluiu que Margaret Jewell e Barbara Bradley, um casal lésbico, tinha problemas maritais antes de Magaret ser morta,” Disse. “Durante o interrogatório Barb Bradley foi agressiva, beligerante e não cooperativa. Apesar disso, chegámos à conclusão que não se enquadra no perfil de um assassino, sobretudo um assassino em série.”

“Ah?” Perguntou Rigby num tom baixo e ameaçador. “Como chegaram a essa conclusão?”

Havens trocou olhares com Sanderson. Riley tinha a certeza de que Havens já tinha contado a Sanderson acerca das suas ações na casa de Jewell.

Sanderson assentiu, obviamente incentivando Havens a prosseguir.

Riley preparou-se para problemas.

“Senhor, eu cheguei a uma conclusão diferente durante o interrogatório,” Disse Havens. “Eu ia deter Bradley, ela resistiu, sacou uma arma. Uma pistola semiautomática.”

Havens fez uma pausa, aparentemente tentando decidir como melhor verbalizar o que se seguia.

“A Agente Paige conseguiu desarmar Bradley. Depois partimos.”

As sobrancelhas espessas de Rigby ergueram-se.

“Ah?” Disse. “Não detiveram Bradley?”

“Não, senhor. Essa era a minha intenção, mas a Agente Paige era a agente hierarquicamente superior. Ela rejeitou a minha pretensão.”

“A sua pretensão.” Disse Rigby com um ligeiro rasto de escárnio na voz. “Diga-me, Agente Havens. Bradley tinha mais armas em sua posse?”

Havens engoliu em seco.

“Sim, senhor,” Disse.

“Quantas?”

“Não faço ideia, senhor.”

“E a sua equipa estava preparada para confiscar todas essas armas?”

O rosto de Havens contraiu-se.

“Provavelmente não, senhor.”

“Tem alguma razão para crer que ela não teria licença para essas armas?”

“Não, senhor.”

Rigby esboçou um sorriso.

“Não, eh?”

Um silêncio frio apoderou-se da sala.

Rigby disse, “Agente Havens, presumo que a Agente Paige e o Agente Jeffreys foram quem decidiu que Barbara Bradley não se enquadrava no perfil.”

“Foram sim senhor.”

“E decidiram não desordenar a nossa investigação prendendo a mulher?”

“Sim, senhor.”

“E concorda?”

Havens estremeceu.

“Sim, senhor.”

“Muito bem.”

Então Rigby voltou o seu olhar silencioso para Riley.

Posso ainda não estar safa, Pensou Riley.

Riley sabia que fora ideia de Rigby que ela e Bill viessem de Quantico. Era óbvio que não confiava muito em Maynard Sanderson e na sua equipa. Mas quanta confiança teria ele naquele momento em Riley e Bill? Apesar de não depender da sua autoridade, não queria que a apanhasse de ponta.

E ainda não compreendia que tipo de política ali estava em jogo.

É como se tivéssemos sido largados numa selva sem um mapa, Pensou.

Pensou que talvez fosse melhor começar a apalpar terreno. Mas a quem poderia perguntar? Duvidava que alguém ali fosse de grande utilidade.

“Então podemos eliminar a mulher de Margaret Jewell,” Disse finalmente Rigby. “O que é que descobrimos sobre a outra vítima – Cody Woods?”

Rigby acenou na direção de Bill que ainda não se tinha pronunciado.

Bill disse, “Depois de interrogarmos Bradley, falámos com todas as pessoas que encontrámos que conheciam Woods. O filho e filha são casados e têm filhos. Não tiveram grande contacto com Woods nos últimos anos. Nada de rancores, simplesmente Cody Woods tornou-se numa pessoa muito solitária com o passar dos anos. A primeira mulher morreu, a segunda mulher traiu-o e ele teve um ataque cardíaco; acabou por se afastar de todo o tipo de relacionamento. As pessoas que trabalhavam com ele dizem que era um solitário – simpático mas triste, um falhado inofensivo.”

“Então,” Acrescentou Sean Rigby, “não descobriram ninguém com um motivo para o querer morto.”

“Não,” Concordou Bill.

Rigby olhou atentamente para o rosto de todos os presentes.

“Cada vez parece mais que estamos a lidar com um assassino em série que é bastante normal num sentido,” Disse. “Trata-se de alguém que mata por matar. A pergunta é, já matou mais alguém? Pelo que sabemos, comete estes homicídios há vários anos e estes são apenas os primeiros em que reparámos.”

Riley interviu, “Barb Bradley disse que Margaret tinha estado num centro de reabilitação. Apesar de ter morrido em casa, o mais certo é ter sido envenenada mais cedo, talvez no centro. Haverá a hipótese de o assassino se tratar de um trabalhador do setor da saúde?”

Havens disse, “Cody Woods esteve num hospital e depois voltou ao mesmo hospital e morreu lá. Deve ter sido envenenado entre as estadias no hospital. Isso podia ter acontecido em casa ou em qualquer outro lugar que tivesse frequentado.”

“Já verificaram o Centro de Reabilitação Física de Natrona?”

“Claro que sim! Não encontrámos nada fora do normal no tratamento prestado a Jewell.”

Rigby voltou-se para o analista técnico que segurava uma barra de chocolate com uma mão e digitava no portátil com a outra.

Rigby disse, “Sr. Roff, não se importa de fazer uma busca...”

“Já estou a fazê-lo,” Interrompeu Roff. Afinal não era tão alheio como parecia. “E penso ter descoberto algo. Há cerca de um ano e meio, uma mulher chamada Arlis Gannon queixou-se que o seu marido Keith estava a tentar envenená-la. Na altura. Ele trabalhava como auxiliar num hospital. A polícia não descobriu qualquer prova e decidiu que Arlis era apenas paranóica. O casal separou-se e divorciou-se. Keith foi despedido do hospital graças ao seu feitio e há pouco tempo esteve preso por assalto. Agora trabalha numa loja de conveniência.”

Rigby afagou o queixo pensativamente.

“Interessante,” Disse. “E trabalhava num hospital. Pode descobrir algo que sugira que ele possa ter tido acesso a Cody Woods ou Margaret Jewell?”

Van Roff digitou algumas palavras no seu portátil.

“Não me parece,” Disse por fim. “Ele trabalhou no Hospital Nazareth. Cody Woods foi operado no Hospital South Hill e também morreu lá. Não parece que Keith Gannon alguma vez lá tenha trabalhado. Margaret Jewell foi tratada em Natrona e não parece que Gannon também lá tenha trabalhado.”

“Alguma sobreposição de pessoal entre o Hospital South Hill e Natrona?” Perguntou Rigby.

“Já estou à procura,” Disse Roff. “Não, não vejo nada.”

Riley pensou por um momento.

“Procurem-no na mesma,” Disse ele.

Riley falou novamente. “Penso que é mais provável que o assassino seja uma mulher.”

Rigby olhou-a com curiosidade. “Mas a maioria dos assassinos em série são homens. Certo?”

“Sim, mas este caso parece-me diferente. E o veneno parece mais arma de mulher.”

“Desenvolveu um perfil?”

“Ainda não o posso afirmar,” Respondeu Riley. Não estava pronta para explicar os seus pressentimentos a este grupo.

Maynard Sanderson queixou-se, “Trouxemo-la aqui para desenvolver um perfil. Em vez disso, está apenas a confundir a questão.”

Rigby lançou um olhar ao chefe de equipa que o calou de imediato. Depois virou-se para Bill.

“E você?” Perguntou Rigby.

“Ainda não tenho um perfil sólido,” Disse Bill. “Mas sei que posso confiar nos instintos da minha parceira.”

Riley ouviu Havens a bufar de troça. Sanderson estava obviamente a tentar manter-se calado.

Rigby disparou, “Interroguem Gannon. Já. É tudo.”

Raramente Riley ouvira ordens mais concisas e bruscas. Todos se levantavam das suas cadeiras, preparando-se para colocar em prática as ordens de Rigby. Mas Sanderson parecia ter reunido a coragem para se queixar diretamente ao chefe.

“Antes de irmos, gostaria que ficasse registado que os Agentes Jeffreys e Paige insinuaram-se neste caso muito mais do que estava à espera – ou queria. Quando disse que chamava a UAC para ajudar, eu esperava conselho, não investigação. Não estou nada satisfeito – sobretudo com o comportamento que a Agente Paige teve ontem.”

Rigby assentiu.

“Agente Sanderson, tomei nota do seu desagrado. E rejeito-o.”

Sanderson parecia inchado como um balão. Riley quase sentiu pena dele.

Rigby acrescentou, “Se você e a sua equipa tivessem conseguido engendrar um perfil, eu não teria pedido à UAC para vir. Só se pode culpar a si e aos seus subordinados. Os Agentes Jeffreys e Paige têm carta branca aqui em Seattle no que me diz respeito. Espero que os sigam.”

Quando Rigby se voltava para se ir embora, parou e olhou para Riley.

O seu olhar transmitia uma mensagem inconfundível.

Preciso ter cuidado a partir de agora, Pensou Riley.

Sem mais uma palavra, Rigby saiu da sala. Wingert e Havens tinham as cabeças descaídas como crianças repreendidas.

Riley trocou olhares com Bill. Ela podia ver que ele estava tão perplexo como ela.

Sanderson lutava para recuperar a sua dignidade e alguma aparência de comando.

“Ouviram as ordens,” Disse a todos os presentes. “Descubram onde está Keith Gannon e interroguem-no de imediato.”

Riley não estava muito ansiosa em entrar na casa de alguém com Wingert e Havens. Para além disso, sentia um palpite a caminho.

“Agente Sanderson, gostaria de algum tempo para explorar uma teoria minha,” Disse ela.

Sanderson disse, “Raios, vá em frente. Ouviu o que Rigby disse. Carta branca. É como realeza aqui. Avance e gaste o seu próprio tempo. O meu pessoal vai resolver o caso.”

Sanderson atirou as notas para uma pasta e saiu da sala. Wingert e Havens falavam com Roff que procurava a morada de Keith Gannon e informações de contacto.

Bill debruçou-se sobre Riley.

“A ter uma ideia?” Perguntou tranquilamente.

“Ainda nada de sólido,” Disse ela.

“Precisas da minha ajuda?”

Riley estava prestes a dizer que sim, mas depois de olhar para Wingert e Havens decidiu de outra forma.

“Penso que o melhor é ficares com o Tweedledum e com o Tweedledee para que não estraguem tudo,” Disse ela. “O Keith Gannon pode ser um suspeito viável ou pode ter alguma ligação com o assassino, mas não confio neles para fazerem essa descoberta por conta própria.”

Bill anuiu e juntou-se ao grupo que conferenciava com Roff.

Riley saiu da sala de reuniões do FBI e dirigiu-se ao corredor. Pegou no telemóvel e ligou para o gabinete de medicina legal de Seattle. A rececionista rapidamente a colocou em contacto com Prisha Shankar. A voz calma e profissional da chefe de medicina legal surgiu como um alívio depois de tão tensa reunião.

“Olá Agente Paige,” Cumprimentou Shankar. “Como vai o caso?”

“Bem, é por isso que queria falar consigo.”

“Está a saber navegar nas águas políticas?” Perguntou Shankar.

Riley sorriu. Não planeara discutir os papéis de poder local, mas estava contente por Shankar ter trazido o assunto à baila.

“É bastante complicado,” Disse Riley. “Acabei de sair de uma reunião com Sean Rigby e Maynard Sanderson.”

Pareceu a Riley ouvir uma risadinha.

“Oh, meu Deus,” Disse Shankar. “Esses dois são como azeite e água.”

“O que é que se passa entre eles?”

“São rivais há muitos anos, desde que eram novatos. Rigby foi promovido recentemente a chefe de divisão, o topo da cadeia alimentar. Está determinado em mostrar o seu poder a Sanderson. Ele quer garantir que Sanderson nunca passa de chefe de equipa. Adorava encontrar uma desculpa para o despromover. Tente ficar de fora desse fogo cruzado e vai correr tudo bem.”

Riley suspirou.

“É mais fácil dizer do que fazer. O Rigby quer-nos aqui, o Sanderson não. Estamos mesmo no meio. Penso que me encaram a mim e ao Agente Jeffreys como peças do seu jogo de xadrez.”

“Estou a ver. Bem, lembre-se, vocês são da UAC e eles não passam de uns falhados locais.”

Riley riu-se. Seattle era uma grande cidade e os agentes do FBI tinham que ter poderes. Mesmo assim, o tom secamente irreverente de Shankar era de alguma forma reconfortante. Riley gostava que alguém tão profissional como Shankar estivesse no comando da investigação.

“Mas não me ligou para falar disso,” Disse Shankar.

“Não,” Disse Riley. “Só queria que pensasse um pouco comigo.”

“Adorava poder ajudar.”

Riley fez uma pausa.

“Nunca trabalhei num caso como este antes,” Disse Riley. “Pensa ser possível que o nosso assassino em série possa ser um profissional de saúde?”

“Pode ser,” Disse Shankar. “Embora eu não seja a melhor pessoa a quem perguntar. A pessoa com quem devia falar é Solange Landis. Ela é a diretora da Tate Nursing School aqui na cidade. Eu ponho-a em contacto com ela.”

“Ela está familiarizada com esta questão?”

“Ela estudou-a muito,” Garantiu-lhe Shankar. “Landis apresentou trabalhos em conferências académicas e até foi consultora do FBI.”

“Nesse caso, obrigada pelo contacto,” Disse Riley.

Shankar acrescentou, “Peça-lhe para lhe contar tudo sobre o Anjo da Morte.”

 

 


CAPÍTULO CATORZE


O café onde Solange Landis tinha concordado em encontrar-se com Riley era uma agradável mudança à atmosfera turbulenta do edifício do FBI. Riley olhou à sua volta para as grandes imagens de água e céu pintados nas paredes. As flores verdadeiras em vasos nas mesas acrescentava a sensação de estarem sentadas no exterior num dia de sol. Ela bebericou o café e esperou pacientemente pela informação que procurava.

“Então quer informações sobre o Anjo da Morte,” Disse Landis. Ela parecia saborear a frase.

A diretora da escola de enfermagem era uma mulher que envergava um fato formal. O seu cabelo negro estava cuidadosamente penteado e não tinha sinais de brancas. Era evidente para Riley que aquela mulher se tinha dado a algum trabalho para criar uma aparência eficiente e intemporal.

“A Dra. Shankar disse que possui algum conhecimento sobre o assunto,” Disse Riley.

“E de facto tenho. Estudei-o bastante.”

“O ‘Anjo da Morte’ refere-se a um certo tipo de assassino,” Disse ela. “Um assassino que se se faz passar por um profissional de saúde – ou se preferir, um profissional de saúde que abusa da confiança nele ou nela depositado para matar. E presumo que pensa que este assassino que procuram se enquadra nesse perfil.”

“É apenas uma teoria,” Disse Riley. “Nem isso ainda. Pouco mais do que um palpite. E está fora da minha área de conhecimento. O FBI não é chamado a casos destes com frequência. Disseram-me que é porque os colegas de tarbalho entram em negação enquanto as mortes sucedem. Não querem acreditar que tal situação está a ocorrer debaixo dos seus narizes.”

Solange Landis assentiu em concordância.

“Sim, e na altura em que têm que o admitir, a identidade do assassino é bastante óbvia. Já não há muita investigação a fazer. São casos muito raros, claro. Talvez o seu palpite seja uma hipótese remota.”

“Pode falar-me em casos específicos?” Pediu Riley.

Landis encolheu os ombros. “Bem, o mais conhecido é obviamente o caso do Dr. Josef Mengele, o médico do campo de concentração nazi que efetuava experiências horríveis aos prisioneiros. Diz-se que assobiava melodias alegres enquanto cometia os seus crimes, e encantava as crianças com sorrisos e doces, tratavam-no por ‘Tio Mengele’ antes de as torturar e matar.”

Riley estremeceu.

“Parece chocada,” Disse Landis com uma nota de curiosidade. “Porque será.”

“Esse tipo de mal é difícil de compreender.”

Landis sorriu.

“Mesmo para uma experiente agente do FBI?” Perguntou. “Diga-me, em que é que o Dr. Mengele era diferente de outros monstros que conheceu?”

Riley ficou surpreendida. Tinha que admitir que era uma pergunta válida. Só no último ano, apanhara assassinos que tinham chicoteado, morto à fome, torturado com correntes ou humilhado mulheres na morte colocando os seus corpos nus em poses grotescas.

“É claro, Mengele torturou e matou milhares de pessoas,” Disse Landis. “Os criminosos que apanha não são tão profícuos. Mas penso ser sensato não tentar quantificar o mal – dizer que um monstro é pior do que o outro só por causa do número de pessoas que matou. O que mais me surpreende no mal é a sua uniformidade. Parece-me que os monstros são todos muito semelhantes. Mas você já teve muito mais experiência em lidar com monstros do que eu. O que lhe parece?”

Riley não sabia o que dizer. A conversa tinha seguido um rumo que ela não esperava – um rumo estranho que de alguma forma a incomodava.

“Parece que a assustei um pouco,” Disse Landis com um sorriso sombrio. “Costumo exercer esse efeito nas pessoas. Afinal de contas. Dirijo uma escola que ensina as artes da cura. Estará provavelmente a pensar porque é que me sinto fascinada pelos supostos profissionais de saúde que abusam da confiança dos pacientes para torturar e matar. Porque me dei a tanto trabalho para os conhecer?”

“Admito que essa pergunta me ocorreu,” Disse Riley.

Landis ficou embrenhada nos seus pensamentos por alguns instantes.

“Presumo que conhece o lema da minha profissão,” Disse ela. “Primeiro, ´não fazer mal.’ Levo esse lema muito a peito. Ensino os meus alunos a levarem-no também. Mas penso que o ditado ‘Conhece-te a ti próprio’ é igualmente importante. O mal insinua-se em nós e antes de darmos conta, já somos cúmplices dele.”

“Não sei se compreendi,” Disse Riley.

Landis bebericou mais um pouco de café e depois disse, “Considere o caso de Genene Jones, uma enfermeira pediátrica que matou bebés em hospitais do Texas. Num desses hospitais, o pessoal notou que um número pouco normal de bebés estava a morrer, mas ficaram reféns da negação de que falávamos há pouco. Não conseguiam trazer a verdade à superfície. Por isso em vez de localizarem o assassino, substituíram todas as enfermeiras de cuidados intensivos de crianças, Genene limitou-se a ir para outro hospital onde matou mais seis bebés antes de ser apanhada. Seria esse pessoal negligente menos culpado das mortes do que a própria Genene Jones?”

Landis debruçou-se sobre Riley e falou de uma forma apaixonadamente tranquila.

“Acredito piamente que a negação é o nosso pior inimigo. E aquele lema – ‘Primeiro, não fazer mal’ – não sugere que mesmo o mais bondoso dentre nós tem a capacidade para fazer mal? E como é que podemos curar outros quando também abrigamos o desejo de ferir? Porque nós temos esse desejo. Demónios cruéis vivem dentro de todos nós.”

Landis fez uma pausa, olhando fixamente para Riley.

“Deve saber muito sobre demónios,” Disse ela. “Imagino que tem os seus próprios demónios.”

Riley estremeceu ao ser acometida por uma memória.


Ela tinha apanhado Peterson.

Ele era um monstro que mantivera Riley e April presas.

Ele tinha-as torturado no escuro com um maçarico de gás propano.

A vontade de Riley de se vingar era avassaladora – tão fria e cruel como o rio de águas rasas onde se encontravam com água até aos joelhos.

Ela levantou uma pedra afiada e pesada e esmagou-lhe a cabeça com ela.

Ele caiu e ela voltou a atingi-lo vezes sem conta.

Ela esmagou o seu rosto enquanto o rio ganhava a cor púrpura do sangue.


Despertou da sua memória. Solange Landis ainda a observava atentamente.

“A coisa mais terrível acerca do mal é que é fácil,” Disse Landis.

Agora Riley estava profundamente perturbada. Ela sentia que Landis também albergava alguma memória de mal infligido, de crueldade deliberada.

O que seria? Interrogou-se Riley.

De repente, Landis lançou aquele seu sorriso desarmante, impiedoso.

“É claro que alguns Anjos da Morte representam Anjos de Misericórdia. Provavelmente já ouviu falar de Richard Angelo que envenenou pacientes em West Islip, Nova Iorque, nos anos 80. O seu objetivo era salvar as suas vidas e convencer o mundo de que era um herói. Mas foram mais os que morreram do que os que foram salvos. Pensa que o seu assassino pode ser alguém deste género?”

Riley abanou a cabeça.

“Não me parece. O nosso administra o veneno e depois deixa os pacientes morrerem. Não lhe interessa salvá-los. O lapso de tempo entre o envenenamento e a morte é parte do motivo pelo qual é tão elusivo.”

“Compreendo,” Disse Landis. “Mas não me disse que substâncias é que usa.”

“O tálio parece ser o seu veneno de eleição.”

Landis pareceu surpreendida.

“Tálio? Oh, então sei se deve procurar por um profissional de saúde. O tálio quase não tem uso médico. Os Anjos da Morte tendem a utilizar medicamentos que têm à mão – relaxantes musculares, analgésicos, etc. Talvez esteja a perder o seu tempo a falar comigo.”

“Não parece ser tálio puro,” Disse Riley. “É uma espécie de cocktail. A Dra. Shankar diz que contém traços de azul prussiano – um antídoto do tálio. Os Anjos da Morte costumam fazer experiências nas suas vítimas?”

“Muito raramente, mas...”

Landis calou-se por um momento.

“Alguém me ocorre... mas tenho alguma relutância em dizer alguma coisa.”

Landis calou-se, olhando para o espaço.

“Preciso mesmo de saber,” Disse-lhe Riley.

“Bem...” Disse a diretora da escola de enfermagem e depois parou novamente. Após alguns momentos olhou diretamente para Riley e prosseguiu, “Há uma antiga aluna minha, Maxine Crowe. Ela terminou o curso há vários anos. Eu gostava dela e ela era inteligente. Mas nos últimos tempos meteu-se em sarilhos. Foi despedida de um hospital. Penso que terá sido porque fez experiências com medicamentos. Ela ainda trabalha – penso que trabalha em cuidados profissionais a nível particular. Odiaria pensar que ela seria a nossa assassina e não a quero colocar em mais problemas. Mas houve rumores. Posso ajudar a encontrá-la. Vou ligar à minha secretária.”

Landis pegou no telemóvel e ligou um número. Pediu à secretária os contactos de Maxine Crowe e aguardou.

Riley estava cética.

“Não sei Landis,” Disse Riley. “Rumores não podem ser uma razão para se suspeitar de alguém.”

O sorriso de Landis desvaneceu-se.

“Não me diga, Agente Paige? Como sabe? Eu acredito que a maioria dos homicídios não são detetados. Quem sabe quem os pode cometer?”

 

 


CAPÍTULO QUINZE


Bill observava atentamente enquanto os Agentes Wingert e Havens interrogavam o suspeito. O homem sentado numa caixa no canto olhava para eles com um escárnio adolescente no rosto. Bill pensou que teria uns trinta anos, mas tinha o jeito de um miúdo ranhoso de liceu que acabara de ser chamado ao gabinete do diretor.

Estavam num armazém de uma loja de conveniência a interrogar Keith Gannon, cuja ex-mulher o acusara de a tentar envenenar. Bill estava mais atrás e deu a Wingert e Havens espaço para trabalharem. Pelo menos não estavam a estragar tudo desta vez e ele queria observar a forma como o suspeito respondia.

“Ouvimos que tem um feitio difícil,” Disse Havens a Gannon.

“Sim, disseram-nos que foi o que o fez ser despedido de um emprego no hospital,” Acrescentou Wingert.

“É isso mesmo,” Respondeu Gannon. “Dei um murro noutro auxiliar.”

“Porque é que fez isso?”

“Não gostava dele. Porque é que alguém bate noutra? Ei, vão levar-me para a esquadra para me interrogarem? É que não suporto este trabalho e gostava de ter uma desculpa para sair mais cedo.”

Havens deu um passo na sua direção.

“Envenenou a sua mulher?” Perguntou.

Gannon encolheu os ombros.

“Já me fizeram essa pergunta três vezes,” Disse.

“E ainda não respondeu,” Disse Wingert.

Gannon gracejou rudemente.

“Olhem, já vos disse. Primeiro, ela já não é minha mulher. Estamos divorciados. Em segundo lugar, ela está viva, não está? Que mais precisam de saber sobre isso?”

Bill cruzou os braços e ouviu Gannon enquanto ele continuava a brincar com Wingert e Havens. Até ao momento, Bill não tinha a certeza se o homem era um suspeito viável. E claro, Riley parecia ter a certeza de que o assassino não era um homem.

Bill decidiu deixar Wingert e Havens continuarem a fazer o que estavam a fazer. Mas o caso estava a perturbá-lo... a discussão do envenenamento despoletou terríveis memórias que guardava dentro de si há vários dias.

Bill e o irmão estavam de pé na base das escadas. O pai ajudava a mãe a descer as escadas. Todo o peso dela estava em cima dele e ela não se aguentava, estava tão fraca de ter estado uma hora a vomitar. Estava pálida e a suar e a chorar com dores.

Havia pânico nos olhos do pai.

“Vamos ao hospital,” Disse ele.


Bill afastou a memória da sua mente. Tentou concentrar-se no homem que estava a ser interrogado. O que tinha trabalhado no hospital.

Mas ouviu-se a dizer em voz alta, “Ela estava a chorar de dor.”

“O quê?” Perguntou Wingert. Tanto ele como Havens se viraram para encarar Bill.

Bill abanou a cabeça para tentar sacudir aqueles pensamentos. Uma ideia se começava a formar e não conseguia afastá-la. Avançou e agarrou Gannon pela camisa, obrigando-o a ajoelhar-se.

“Então quem envenenou Arlis?” Exigiu saber.

“Espera lá,” Disse Wingert.

Mas Bill estava perdido num labirinto de memórias antigas e fúria presente.

“Estava a trabalhar com quem?” Gritou no rosto de Gannon. “Quando se cansou da sua mulher, envolveu-se com quem? Encontrou alguém que o conseguia ajudar a livrar-se de Arlis?”

Empurrou Gannon contra a parede e viu que acordara o temperamento do homem. Isso dava-lhe uma sensação de profunda satisfação.

Bill facilmente se desviou do murro que Gannon atirou e atingiu o homem no plexo solar. Viu Gannon recuar e começar a cair. Gostava daquela vista.

Depois Havens colocou-se à frente de Bill, gritando, “Acorda, homem.”

O nevoeiro na mente de Bill desvaneceu-se e ele recuou.

Gannon estava sem ar e Wingert ajudava-o a sentar-se na caixa do canto.

“Peço desculpa,” Disse Bill. “Parece que este idiota me fez passar.”

Não conseguiu deixar de reparar que Havens e Wingert olhavam para ele com respeito renovado.

De alguma forma, aquilo mostrou-lhe a grandeza do erro que cometera.


*


Solange Landis tinha dado a Riley a morada onde encontraria Maxine Crowe que agora trabalhava como profissional de saúde na área dos cuidados paliativos. O simples facto atiçou as suspeitas de Riley. Um envenenador safar-se-ia muito mais facilmente se trabalhasse com pacientes que já estavam a morrer.

Era uma questão perturbadora.

Quando Riley chegou à casa, foi atingida por uma sensação estranha em relação ao lugar. Não sabia exatamente porque é que o sentia, mas a própria casa pareceu-lhe muito estranha. Era um velho bungalow situado num bairro de classe média. A casa parecia estar bem tratada, mas ao mesmo tempo tinha um aspecto de abandono.

O relvado fora aparado, mas não havia arbustos nem flores que lhe dessem um toque de cor. Quando se dirigiu ao alpendre, viu que não havia cadeiras, nem mesas, nenhum sinal de que alguém ali passasse tempo.

Riley espreitou pelas grandes janelas da frente. Não parecia haver cortinas penduradas. A luz solar do final de tarde penetrava na casa e incidia num chão simples de madeira.

Ainda mais estranho, o interior parecia ter sido esventrado. O espaço era vasto e vazio, como se um único quarto ocupasse todo o andar de baixo. E tal como o alpendre, não havia mobília à vista no interior.

Olhou novamente para a nota que lhe entregara Landis. Esta era a morada onde Maxine Crowe estaria a trabalhar com uma doente nas suas últimas semanas de vida.

Nada é o que parece aqui, Pensou.

Não fazia ideia do que esperar ou aquilo para que se devia preparar.

Riley bateu à porta e esperou.

Ninguém atendeu.

Bateu novamente e esperou mais alguns instantes. Ainda assim ninguém veio à porta.

O que é que se estava a passar ali? Alguém preparava uma nova vítima? Ou estava o assassino sozinho no interior, usando esta aparentemente casa vazia como esconderijo?

Por fim, rodou a maçaneta. A porta estava destrancada e ela abriu-a.

Anunciou-se, “É o FBI. Procuro Maxine Crowe.”

Uma voz fantasmagórica de mulher respondeu, ecoando como se incorpórea.

“O que é que quer?”

“É Maxine Crowe?”

“Sim.”

“Apenas quero falar consigo.”

Silêncio.

“Vá-se embora,” Disse a mulher.

Riley manteve a mão próxima da arma. Agora conseguia ver o quarto com mais nitidez. Era um quarto enorme que teria começado por ser dois ou três quartos.

Uma comprida parede completamente coberta de espelhos. Uma barra de dança destacava-se entre os espelhos.

Aquele quarto fora um estúdio de dança – há muito ou pouco tempo, Riley não conseguia discernir.

“Onde está?” Perguntou Riley.

“Eu disse para se ir embora.”

Então Riley ouviu o murmurar de oura voz. Parecia decorrer uma conversa. Riley seguia as vozes pelo estúdio até uma porta aberta do outro lado. Espreitou para dentro de um quarto muito mais pequeno.

No meio do quarto mais pequeno estava uma cama de hospital com um IV a seu lado. Na cama estava uma mulher pequenina, emaciada de cabelo branco. A seu lado estava uma mulher mais jovem com um rosto longo e olhos enormes.

Para Riley, a expressão de Maxine Crowe era indecifrável, mas aquele olhar de olhos muito abertos lembrava-lhe o de um predador.

Maxine levou os dedos aos lábios, pedindo silêncio a Riley.

A velha mulher na cama continuava a falar numa voz fraca.

“Mas continuo a esquecer-me – a Millicent vai trazer a sua menina amanhã?”

“Não, depois de amanhã,” Disse Maxine.

A velha senhora soltou uma risada.

“Estou tão entusiasmada por vê-la! Se me tivesses dito quando tinha a tua idade que viveria para ser tetravó, nunca teria acreditado. Um dia vai ser a tua vez. Queres ter filhos Maxine?”

“Ainda não decidi.”

“Bem, tens tempo. Deve ser maravilhoso, saber que tens toda a vida pela frente.”

A velha senhora segurava um pequeno objeto de plástico com um botão. A sua mão tremia tanto que quase não o conseguia agarrar. Não parava de tentar carregar no botão com o polegar.

“Oh, já não consigo,” Disse com um suspiro. “E a dor é terrível. Podes fazê-lo por mim?”

Agora Riley compreendia que o botão controlava o equipamento IV.

Provavelmente morfina, Pensou.

Ou poderia ser algo mais sinistro?

Maxine retirou cuidadosamente o botão da mão da mulher. Segurou o botão à frente da mulher e apertou-o. Um sorriso de alívio percorreu o rosto da mulher. Todo o seu corpo descontraiu.

“Oh, assim está melhor. Fá-lo outra vez, por favor.”

Maxine apertou mais uma vez.

“Um pouco mais, por favor,” Disse a mulher.

E Maxine apertou ainda outra vez.

E outra.

E outra vez ainda.

Os olhos da mulher fecharam-se e ela pareceu adormecer.

Riley sentiu uma espécie de desamparo que raramente sentira anteriormente. Estaria a testemunhar um tratamento médico ou um homicídio em progresso?

“O que está naquela garrafa?” Perguntou Riley.

Maxine virou-se e olhou para Riley com um sorriso misterioso.

“O que é que pensa que está nesta garrafa? Não sabe, pois não? E tenho a certeza de que nunca adivinhará.”

 

 


CAPÍTULO DEZASSEIS


As dúvidas de Riley desapareceram num estremecimento de horror. Esta mulher tinha que ser a assassina que ela procurava. E tinha que a parar naquele momento.

Riley pegou nas algemas.

“Maxine Crowe, está detida. Por tentativa de homicídio.”

Os olhos de Maxine abriram-se muito.

“Por quê?” Perguntou.

“Você ouviu-me. Homicídio. Também será responsabilizada pela morte de três vítimas de que temos conhecimento. E eu sou testemunha desta tentativa.”

O sorrido de Maxine ampliou-se.

“Deixe-me mostrar-lhe uma coisa,” Disse ela.

Puxou a manga esquerda. Riley ficou surpreendida por ver que ela tinha uma porta de injeção no seu próprio braço. Depois desligou o tubo IV da porta da mulher adormecida e inseriu-o nela própria.

Carregou no botão repetidamente. Riley mal conseguia acreditar no que via. O liquído na garrafa deslocava-se agora para a veia de Maxine tal como se tinha deslocado para a veia da paciente.

Os olhos de Maxine faiscavam de forma endiabrada.

“Pronto,” Disse Maxine, carregando no botão consecutivamente. “Ainda pensa que sou uma assassina?”

“O que estava na garrafa?” Perguntou novamente Riley.

“O que é que pensa que está na garrafa?”

Riley começava a compreender.

“Aparentemente nada,” Disse lentamente. “Pelo menos, não morfina. Talvez uma solução salina.”

Maxine assentiu e riu suavemente.

“Estou certa de que já ouviu falar de placebos,” Disse ela. “Agora viu como funcionam.”

Riley apontou para a porta no braço de Maxine.

“Mas porque é que...?”

“Só uma experiência. Sabe, os placebos podem funcionar mesmo quando sabemos que são placebos. Ando a testar este efeito placebo em mim. E para lhe dizer a verdade, sinto-me um bocado pedrada neste momento.”

Desligou o tubo da porta de injeção.

Perguntou, “Mas o que era isso sobre homicídio?”

“O FBI está a investigar alguns envenenamentos recentemente ocorridos aqui em Seattle,” Disse Riley. “Pode ser obra de um assassino em série.”

“E eu parecia um possível suspeito? Porquê?”

“Suspeitamos que o assassino seja um profissional de saúde.”

“Ah,” Disse Maxine com um suspiro. “E veio à minha procura porque tive problemas devido a alguns tratamentos pouco ortodoxos? Bem, sim. Fiz algumas experiências não autorizadas. Tudo relacionado com placebos. As pessoas sabem tão pouco acerca dos inexplorados poderes curativos do corpo. A investigação oficial é demasiado lenta para o meu gosto por isso, faço as coisas por minha iniciativa.”

Maxine escondeu o rosto com tristeza.

“Talvez tenha ido demasiado longe,” Murmurou.

Tudo aquilo parecia irreal a Riley, quase como um sonho. Interrogava-se se Maxine Crowe estaria no seu perfeito juízo. No mínimo, era alguém perigosamente irresponsável.

Mas uma coisa era certa, não parecia ser uma assassina.

“Quanto tempo lhe resta?” Perguntou Riley, indicando a paciente.

“Um dia ou dois no máximo,” Disse Maxine. “Os órgãos já estão a falhar. Não se preocupe, tenho sempre morfina verdadeira caso o placebo não resulte. Isso às vezes acontece. Não permito que ninguém sofra – não em nome de uma experiência ou outra coisa qualquer. De qualquer das formas, faço isto para o bem dela. Penso ser melhor para ela.”

Riley lembrou-se do fragmento de conversa que ouvira quando entrou.

“Quem é ela?” Perguntou Riley.

“Chama-se Nadia Polasky,” Disse Maxine. “Tem noventa e nove anos. Foi dançarina, coreógrafa e professora por mais anos do que aqueles que temos de vida. Provavelmente juntas. Continuou a trabalhar até há cinco ou seis anos atrás.”

Riley ficou impressionada. A mulher devia ter sido uma verdadeira força da natureza.

Como seria viver durante tanto tempo? Interrogou-se Riley.

O que veria Riley no seu tempo de vida? Estaria a trabalhar até uma idade tão avançada? Quereria passar todos aqueles anos a enfrentar demónios – não apenas dos criminosos mas dela própria?

Riley perguntou, “Pensa que viverá o suficiente para ver a tetra neta?”

Maxine encolheu os ombros.

“Que tetra neta? Ela nunca teve filhos, nem nunca se casou. Pelo que me disseram o seu trabalho na dança era a sua vida.”

“Não compreendo,” Disse Riley. “Ela estava a falar em ser tetravó.”

“Eu também não sei se compreendo. Talvez tenha passado toda a sua vida a fantasiar como seria ter uma família. Ela é uma mulher extremamente criativa e imaginativa, por isso essas fantasias deviam ser muito vividas. Agora que sofre de demência, esquece-se de que eram fantasias. Acredita que tudo é verdade. Bem, eu não a vou contrariar. As suas ilusões são os mais poderosos placebos. Mantêm-na em paz.”

Riley refletia em tudo aquilo. Ela lembrava-se do sentimento que tivera quando ali chegara – um sentimento de que nada naquela casa era o que parecia.

Não fazia ideia quão certa estava, Pensou.

“Ainda não compreendo porque é que alguém me julgaria capaz de assassinar,” Disse Maxine. “É certo que algumas pessoas não aprovavam os meus métodos, mas ninguém nunca me acusou de envenenar alguém.”

Riley também estava algo intrigada com essa questão.

“Falei com a sua antiga professora – Solange Landis. Ela disse...”

Maxine interrompeu-a.

“A professora Landis? Já devia saber.”

“Porquê?” Perguntou Riley.

“Não ficámos amigas depois de concluir o curso.”

Riley foi apanhada de surpresa por esta declaração.

“Mas ela falou bem de si,” Disse Riley. “Disse que era inteligente e que gostava de si.”

“A princípio gostávamos uma da outra, mas depois...”

Maxine fez uma pausa, afagando o cabelo da sua paciente.

“Já esteve na casa dela?” Perguntou Maxine.

“Não.”

“É muito estranha. Ela é muito estranha. Tem imagens de morte em todo o lado – fotos antigas de funerais e caixões, uma mesa de embalsamamento do tempo da Guerra Civil, crânios humanos verdadeiros, gravuras e quadros mórbidos. Convidou-me a mim e a outros colegas algumas vezes para irmos tomar uma bebida a sua casa e conversar. As conversas duravam até de manhã – e às vezes eram sobre formas interessantes de matar pessoas. Nada de sério, claro. Só conversa descontraída e divertida, assustando-nos um bocado uns aos outros.”

Maxine pensou por um momento.

“Ainda assim, era demasiado estranho para mim e disse-lho. Deixei de ir a casa dela. Depois disso, as coisas nunca mais foram iguais entre nós.”

Riley agradeceu a Maxine pela sua disponibilidade. Ao atravessar o estúdio de dança vazio, deparou-se com estranhas imagens na sua mente – duas mulheres a discutirem métodos de homicídio num cenário de crânios humanos e lembranças terríficas. Começou a pensar numa forma de conseguir visitar a casa de Solange Landis.

Ao transitar do alpendre vazio para o quintal árido, percebeu que já era tarde. Interrogou-se como se saíra Bill no interrogatório ao possível suspeito. Iria falar com ele e planeariam o que fazer no dia seguinte.

Tal como o nevoeiro de Seattle, pensamentos perturbadores permeavam tudo neste caso estranho e inquietante.

Nada é o que parece, Pensou Riley.

 

 


CAPÍTULO DEZASSETE


Amanda Somers ficou satisfeita quando viu Judy Brubaker a caminhar na sua doca privada em direção à sua casa flutuante. Pela janela podia ver que Judy olhava para cima e para baixo, parecendo algo confusa. Não havia dúvidas de que esperava algo mais modesto.

Coitada, Pensou Amanda. Talvez a devesse ter avisado.

Quando Judy chegou à porta, Amanda carregou no botão para a deixar entrar.

“Não sabia que se tratava de uma comunidade de casas flutuantes fechada,” Disse Judy. “Ainda bem que disse ao guarda para me deixar passar.”

“E ainda bem que ligou antes de vir,” Disse Amanda. “Como lhe disse, era importante. De outra forma, ele teria feito uma confusão e exigido identificação e telefonado para verificação, e teria sido uma grande maçada para todos. É claro que se calhar lhe devia ter dito porque é que era importante. Não me ocorreu.”

“Oh, não faz mal,” Disse Judy.

Então Judy observou o interior espaçoso com as suas linhas modernas e mobília confortável. Amanda parecia esquecer-se sempre que a sua casa flutuante podia não ser exatamente aquilo que os visitantes esperavam que fosse. Sentia-se confortável ali. Adorava o seu quarto no andar superior com grandes janelas com vista para a água e o convés telhado que lhe dava a sensação de ser dona do céu.

É claro que por vezes o espaço parecia ser excessivo para as verdadeiras necessidades de Amanda.

Ainda assim, era pouco mais do que uma cottage em comparação com a casa que tinha em Moritz Hill. Amanda gostava da comodidade comparativa. O que ela mais apreciava na casa flutuante era a privacidade. As casas ali eram próximas, mas todos respeitavam o espaço de cada um. Se alguém ali soubesse como ela era famosa, nunca o tinham mencionado.

Para os seus vizinhos, ela era apenas mais uma pessoa normal que ali vivia a tempo parcial. Todos estavam habituados às suas idas e vindas, ausências de várias semanas de uma assentada. Nunca haviam sido indiscretos para perguntar porque partira ou para onde fora.

Ao olhar à sua volta, a curiosidade de Judy deu a Amanda um momento para a estudar um pouco.

Estava vestida tal como no centro de reabilitação – com um fato de corrida simples. O seu cabelo castanho-avermelhado estava arranjado de forma simples e não usava maquilhagem. Os óculos de leitura pendurados no pescoço eram o único acessório que sobressaía.

Amanda gostava da conduta simples de Judy e sempre apreciara as histórias maravilhosas que a terapeuta gostava de contar. Esperava ter encontrado uma amiga em quem pudesse confiar. Não tinha a certeza, mas esperava que sim. Levava uma vida tremendamente solitária.

Agora Judy já se movimentava à vontade pela casa, espreitando a cozinha e sala de refeições. De imediato pareceu a Amanda alguém que se adaptava facilmente a qualquer lugar.

Mas seria isso uma coisa boa ou má?

Ainda a observar o que a rodeava, Judy disse, “Quando falou em casa flutuante, imaginava...”

E não terminou a frase.

“Algo mais do género de uma casa móvel?” Perguntou Amanda.

“Penso que sim,” Disse Judy. “Não é bem aquilo de que estava à espera.”

“Bem, o meu agente imobiliário insistiu que é uma ‘casa flutuante’. Mas parece tão pretensioso. Até me sinto estranha por dizê-lo.”

Agora Judy olhava pela janela.

“Então não vai para lado nenhum?” Perguntou. “Quero dizer, não é mesmo um barco?”

Amanda deu uma risadinha.

“Não, não há motores, depósitos de combustível ou volantes. Em vez disso, tenho todas as necessidades padrão – água corrente, ligações aos esgotos da cidade e eletricidade. Pode dizer que troquei a mobilidade pelo conforto, mas eu adoro a sensação de viver na água. Às vezes a casa embala suavemente. Espero que não fique enjoada!”

O sorriso de Judy expandiu-se.

“Enjoada, eu? Nem pensar!”

A itinerância de Judy começava a deixar Amanda algo nervosa – uma sensação irracional, pensou para si própria.

“Gostaria de se sentar?” Perguntou Amanda.

“Adorava. Obrigada.”

Judy sentou-se numa das poltronas brancas. Amanda estava sentada num sofá próximo.

“Como se sente?” Perguntou Judy. “O seu pulso? Oh, eu sei que é suposto ser apenas uma visita, mas...”

“O meu pulso está melhor, obrigada,” Disse Amanda.

Começou a fazer aquele exercício com as palmas e os dedos – a “aranha a fazer flexões ao espelho.”

“Os exercícios que me ensinou funcionam às mil maravilhas,” Disse Amanda.

“Fico feliz por saber,” Disse Judy.

As duas mulheres ficaram sentadas em silêncio enquanto Amanda continuava a fazer aquele exercício, juntando os dedos, depois afastando-os, depois juntando-os novamente.

Ela não sabe o que dizer, Pensou Amanda. Eu também não. Afinal, não temos nada de que falar.

Por fim, Amanda disse, “Quer alguma coisa para beber? Tenho café fresco. Ou podemos tomar um brandy se não for muito cedo para si.”

Um olhar estranho atravessou o rosto de Judy.

“Um copo de água seria ótimo,” Disse Judy.

Amanda conseguiu não mostrar uma expressão sisuda. Não gostou da resposta. E não gostou da forma como Judy a verbalizara. Não sabia bem porquê. Mas fora a primeira coisa que Judy dissera que parecia de alguma forma calculada e deliberada.

Amanda foi até à cozinha e encheu um copo de água da torneira.

Depois ficou sozinha na cozinha durante alguns instantes.

Agora começava a sentir-se realmente desconfortável. Tentou convencer-se a si própria que não fazia sentido, que não tinha razão para se sentir inquieta perto de Judy.

Mas Judy fora tão conversadora no centro de reabilitação. Tão amigável. Porque é que hoje se comportava de forma estranha?

São as pessoas, Disse Amanda a si própria. Porque é que eu não consigo confiar nas pessoas?

É claro que ela sabia a resposta. Havia demasiadas pessoas na sua vida -  tantas que tivera que ir para aquele lugar para fugir delas. E não podia confiar em nenhuma. Aprendera com a longa e dura experiência.

Ela sabia que as pessoas a julgavam muitas vezes neurótica e até paranoica, mesmo que raramente o dissessem.

Mas ela sabia. O problema não era dela.

Era como tinha dito a Judy no centro de reabilitação:

Usuários. Usurpadores.

Todos queriam um pedaço dela. Porque é que com Judy seria diferente? Mas lembrou-se de que não devia precipitar o seu juízo. Talvez Judy fosse diferente. E isso seria maravilhoso.

Regressou à sala de estar e entregou a água a Judy.

“Obrigada,” Disse Judy.

A sala foi preenchida por outro silêncio desconfortável.

“Não me disse muito sobre si,” Disse Judy.

Amanda encolheu os ombros.

“Oh, mas há tão pouco a contar. Tudo sobre mim é aborrecido.”

Judy inclinou a cabeça de uma forma curiosa.

“Tenho a sensação de que não é verdade,” Disse. “Por exemplo, como veio viver para um lugar como este?”

A sensação de desconforto de Amanda estava a aumentar.

O que é que ela quer dizer por “um lugar como este”?

Talvez um lugar tão grande e dispendioso.

Quer saber se sou muito rica, Pensou Amanda.

“Gosto de viver na água, é tudo,” Disse, tentando não parecer demasiado defensiva.

Ela sabia que era uma coisa básica para se dizer.

“É um pato estranho, não é?” Disse Judy.

Amanda não respondeu. O sorriso de Judy começava a parecer-lhe bastante frio.

Depois Judy perguntou, “Posso usar a sua casa de banho?”

“Claro,” Disse Amanda, apontando. “É logo ali.”

Judy colocou o copo de água na mesa e dirigiu-se à casa de banho.

Amanda já não conseguia controlar a sua sensação de suspeita. Logo que Judy fechou a porta, Amanda esgueirou-se para a porta e pôs-se a ouvir.

Não tinha dúvidas de que ouvira a porta do armário de medicamentos abrir-se.

É claro que estava repleto de todos os tipos de medicamentos receitados – fluoxetina e bupropiona e sertralina para a depressão, trazodona e hidroxizina e Alprazolam para o sono e a ansiedade, e muitos outros para a dor crónica no pulso e costas e tudo o resto.

Era óbvio que Judy ali estava a fazer uma visita guiada ao histórico médico de Amanda. Provavelmente poderia ter lido esse histórico no centro de reabilitação por isso, porque é que estava tão interessada nele naquele momento?

Amanda não estava chocada. Outras pessoas já tinham feito aquilo na sua casa. Mas a sua desilusão era avassaladora.

Regressou rapidamente ao sofá e sentou-se. Quando Judy voltou da casa de banho, Amanda não parecia ter-se movido do local onde se encontrava.

Judy sentou-se e bebeu um gole de água.

O que é que faço agora? Interrogou-se Amanda.

Confrontar Judy com aquilo que acabara de fazer podia revelar-se complicado e inútil. Provavelmente negá-lo-ia- Mesmo assim, era chegado o momento de um pouco de honestidade.

“Judy,” Disse, inclinando-se na sua direção, “Penso que isto foi um engano.”

“O que é que foi um engano?”

“O facto de vir até cá.”

Judy pareceu alarmada, mas não propriamente chocada.

Amanda disse, “O erro foi meu, eu é que a convidei, mas... bem, não me conhece muito bem mas sou uma pessoa solitária e gosto de ficar no meu canto. Isto deve parecer-lhe algo estranho. Espero que compreenda.”

O sorriso bondoso de Judy surpreendeu Amanda um pouco.

“Claro, eu compreendo,” Disse ela. “Tem todo o direito à sua privacidade. Não era minha intenção intrometer-me.”

“De forma alguma,” Disse Amanda. “Como eu disse, eu convidei-a.”

Judy olhou em seu redor, preparando-se para se retirar.

“Não precisa de se apressar,” Disse Amanda.

“Oh, agradeço-lhe,” Disse Judy. “Na verdade, estava a pensar... penso que lhe falei que tenho uma receita especial de chá que trago sempre comigo. Toda a gente diz que é absolutamente delicioso. Por algum motivo, no centro nunca tivemos a oportunidade de o experimentar.”

Amanda sorriu. Isto não ia ser tão estranho como ela temia. Judy não era má de todo. Era só demasiado curiosa. E Amanda tinha tolerância zero em relação a excessos de curiosidade. Mas não havia necessidade de terminar as coisas de forma abrupta ou rude.

“Adorava experimentar,” Disse ela.

Amanda sentou-se e descontraiu enquanto Judy se dirigiu à cozinha para preparar o chá. Quando Judy a serviu, Amanda tomou um longo gole.

Pensou que era um pouco amargo, mas não queria ferir os sentimentos de Judy por isso continuou a beber até a chávena estar vazia.

 

 


CAPÍTULO DEZOITO


Riley estava à janela do hotel observando Seattle à noite quando o telefone tocou. Ficou preocupada quando viu que o número era de casa. Pensou que o mais certo era ser algum tipo de problema.

Quando partira, Jilly ainda estava muito instável na transição em fazer parte da família. Riley preparara-se para a possibilidade de más notícias desde que chegara em Seattle. Incomodava-a sentir-se assim. Interrogava-se se chegaria outra vez o dia em que pudesse ansiar receber chamadas de casa.

E mal atendeu a chamada, Riley ouviu Jilly dizer, “Tens que me tirar daquela escola.”

Riley não disse nada durante alguns momentos. Ao telefone, apenas se ouvia o som de uma televisão como ruído de fundo.

Por fim Riley disse, “Eu não te posso tirar daquela escola.”

“Porque não?”

Riley evitou explicar as razões pelas quais tal não era possível. Se ela começasse a ceder a todas as exigência de Jilly para explicar coisas, estaria a caminhar em terreno perigoso com ela. Para além disso, Jilly tinha que começar a lidar com as realidades da sua nova vida.

“O que é que se passa com a escola?” Perguntou Riley.

“Não consigo acompanhar as aulas. Os miúdos ignoram-me. Não consigo fazer novos amigos. Ninguém vai gostar de mim. Quero ir para a escola com a April.”

“Jilly, já falámos sobre isto. Estás no preparatório e a April no secundário. Ir para a mesma escola dela não é possível. Eu sei que é difícil encaixar numa nova escola, mas este é só o teu segundo dia. Tens que dar tempo ao tempo,”

Ouviu um balão de pastilha rebentar. Era um som bastante perturbador.

“E se eu arranjasse um emprego?” Perguntou Jilly.

Riley tremeu. Da última vez que Jilly decidira arranjar um emprego, tentara tornar-se prostituta.

“Só tens treze anos,” Disse Riley. “Ainda não podes trabalhar.”

“Quando é que vens para casa?”

Riley não conseguiu evitar sentir-se culpada. Cá estava novamente – a impossibilidade de equilibrar o trabalho com a vida familiar.

Porque é que eu tentei que isto desse certo? Perguntou-se.

 Riley disse, “Vou para casa mal isto termine. Jilly, sabes como é o meu trabalho. Não sou o tipo de mãe que possa aí estar sempre.”

Jilly parecia cada vez mais aborrecida. Riley receava que ela acabasse por chorar.

“Sinto-me tão deslocada. Sempre me senti assim, mas pensei que aqui fosse diferente.”

Riley não sabia o que dizer.

Então Jilly disse, “O Ryan quer falar contigo.”

Riley ficou aliviada e surpreendida. Não esperava que o ex-marido lá estivesse.

Ryan disse, “Olá Riley. Como estão as coisas por aí?”

“Estamos a encontrar muitos becos sem saída,” Disse ela.

“Conta-me,” Disse Ryan. “Vou para a varanda das traseiras onde te ouçou melhor.”

Riley percebeu que Ryan queria falar com maior privacidade. Ela disse, “Eu aguardo.”

Ouviu uma porta a abrir e a fechar, e depois a voz de Ryan voltou à linha.

“Acabei de ouvir o que a Jilly estava a dizer,” Disse ele. “Não que estivesse a bisbilhotar. Acabámos de jantar e estamos sentados na sala a ver televisão. Pensei que eu e tu devêssemos falar.”

“Como é que ela tem sido contigo?” Perguntou Riley.

“Assim, assim. Ela tem muitos problemas de auto-estima. Nenhuma auto-confiança. Está sempre à espera que corra tudo mal. Talvez não seja surpreendente tendo em consideração a vida que teve.”

Riley sentia-se profundamente grata a Ryan por estar lá. Era um sentimento estranho, depois de tantos anos a não confiar nele.

“O que é que vou fazer com ela Ryan?” Perguntou.

“Bem, não estás sozinha nisto. Eu fiquei cá em casa a noite passada e vou ficar esta noite também. Vou assegurar-me de que ela está bem. E a April e a Gabriela passam muito tempo com ela. A April está a ajudá-la com os trabalhos de casa. Ela diz que a Jilly é mais esperta do que pensa. Ela vai conseguir.”

Riley começava a descontrair um pouco. Era reconfortante saber que a sua família estava a intervir para ajudar.

“Qual a disciplina em que está a ter mais dificuldades?” Perguntou Riley.

“Estudos sociais.”

“Talvez a consigas ajudar com isso. O mais certo é gostar dessa atenção.”

Seguiu-se uma pausa.

“Penso que poderia,” Disse Ryan. “Nunca passei tempo a fazer trabalhos de casa com a April. Talvez me possa redimir um pouco agora.”

Havia uma delicadeza na voz de Ryan que Riley raramente ouvira ao longo dos anos.

“Ryan, estou tão contente por estares aí. Tudo isto se desmoronaria sem ti.”

“Sabe bem ajudar. Desculpa ter levado tanto tempo a... bem, tu sabes.”

Riley sorriu.

“Eu sei. Obrigada. Volta para dentro. Deve estar frio por aí.”

Despediram-se e desligaram a chamada.

Riley continuou a olhar pela janela. O nevoeiro levantava-se e conseguia ver as luzes da Space Needle com o seu restaurante em forma de disco voador a planar 500 pés acima da cidade. Ainda vislumbrou a enorme roda gigante de Seattle no passeio pedonal junto ao rio. Seattle era uma cidade bonita, mesmo com nevoeiro.

É evidente que ela não estava ali para desfrutar do cenário. Ainda assim, estava a preparar-se para se encontrar com Bill ao jantar no bar do hotel e talvez não fosse um jantar meramente de trabalho.


*


Um pouco mais tarde, já estava sentada na companhia de Bill numa cabina confortável enquanto aguardavam pelos seus hambúrgueres. O bar do hotel estava difusamente iluminado e era confortável. O bourbon com gelo de Riley ajudava-a a relaxar. Mas lembrou-se de ir com calma. Beber demasiado já lhe tinha dado problemas no passado, sobretudo com Bill.

Estremecia só de pensar numa chamada que fizera a Bill bêbeda na qual lhe dissera que deviam ter um caso. Isso tinha acontecido há seis meses quando o seu casamento ainda não estava oficialmente terminado e o divórcio de Riley e Ryan também não. Isso fora algo de que se envergonhava. E quase tinha destruído a sua amizade e a sua relação de trabalho com Bill. Ela não ia deixar que algo semelhante voltasse a acontecer.

Ela e Bill estavam a inteirar-se das atividades do dia de cada um. Riley contara-lhe das visitas a Solange Landis e a Maxine Crowe.

Bill acabara de lhe contar acerca do interrogatório de Keith Gannon com Havens e Wingert na loja de conveniência.

“Estraguei tudo,” Disse Bill. “Este caso está a afetar-me mais do que me tinha apercebido.”

“Sei o que isso é,” Disse Riley. “Já me viste fazer isso mais do que uma vez.” Depois ela perguntou. “Ainda pensas que Gannon é suspeito?”

“Não, acho que me enganei completamente em relação a este,” Disse Bill. “O Havens e o Wingert ainda têm as suas suspeitas. Tudo bem, deve mantê-los ocupados enquanto nós resolvemos o caso. Mas essa Solange Landis parece uma figura estranha.”

Riley tomou um gole da sua bebida.

“Tens razão. Fui ter com ela para obter informações e não fazia ideia de que ela acabaria por ser suspeita. Liguei ao Roff, pedi-lhe para tentar encontrar quaisquer ligações entre ela e as vítimas. Até agora não descobriu nada. Ainda assim, quero dar uma vista de olhos na casa dela logo que possível.”

“Parece que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance por hoje,” Disse Bill.

“Parece que sim,” Disse Riley.

No entanto, não parecia um dia de trabalho muito satisfatório. Deixara-os com mais perguntas do que respostas.

O empregado trouxe os hambúrgueres que tinham um aspecto delicioso. Riley estava a preparar-se para dar uma grande dentada quando o telemóvel vibrou. Era um SMS de Blaine.

A mensagem dizia...


Espero que tudo esteja a correr bem. Quando regressas? Faço o jantar.


Riley ficou surpreendida. Mal pensara em Blaine desde que estava em Seattle. Não estava particularmente satisfeita. Ainda se sentia desiludida e até zangada por ele se ter mudado.

Agora age como se nada tivesse mudado, Pensou.

E queria saber quando é que ela regressava.

Não lhe apetecia nada dar uma resposta. Colocou o telemóvel na mala.

“Quem era?” Perguntou Bill.

“Ninguém,” Respondeu Riley.

Bill ficou a fitá-la com um sorriso estampado no rosto. Era óbvio que ele tinha detetado que a mensagem lhe desagradara.

“Eu disse que não era ninguém,” Disse Riley.

Bill continuou a olhar para ela.

“É o meu ex-vizinho, OK?” Disse Riley.

“Blaine?”

“Pois.”

“Ela já falara a Bill de Blaine, incluindo o facto de que Blaine se mudara.

“Não lhe vais responder?” Perguntou Bill.

“Não.”

“Porque não?”

Riley debruçou-se na direção de Bill.

“Não sei,” Disse ela. “Porque é que me estás a fazer essas perguntas?”

Bill encolheu os ombros.

“Estou preocupado contigo,” Disse ele. “Estás a lidar com muitas coisas ao mesmo tempo, sobretudo com uma nova adolescente em casa. Vejo que estás preocupada.”

“Não há nada com que me deva preocupar,” Disse Riley. “Tenho muita gente a ajudar em casa. A April está lá, a Gabriela e o Ryan.”

“O Ryan?” Perguntou Bill com uma nota de surpresa na voz.

Riley suspirou. Desejava não ter mencionado o nome de Ryan.

“Não me digas que estás a pensar em voltar para aquele idiota,” Disse Bill.

“E se estiver?”

Os olhos de Bill dilataram-se. Parecia não acreditar no que estava a ouvir.

“Ouve, nós trabalhamos juntos há uma eternidade,” Disse ele. “Safámo-nos de muitas merdas. Preciso lembrar-te do que esse gajo fez para te magoar? É que eu lembro-me de cada pormenor.”

“Agora as coisas estão diferentes. Ele está diferente.”

Bill abanou a cabeça com um esgar de desaprovação.

“A escolha é tua,” Disse ele. “Mas pelo que me contaste, o Blaine é um homem bom, alguém com quem podes contar.”

“Isso acabou por não se revelar verdade,” Disse Riley.

“Porquê, porque se mudou para o outro lado da cidade? Isso não é nada Riley. E aí estás tu, a nem responder às mensagens dele.”

Riley olhou para Bill.

“Deixa as coisas como estão, OK?” Disse ela.

“OK.”

Pouco mais disseram um ao outro enquanto acabavam de comer os seus hambúrgueres.


*


Riley caminhava num nevoeiro húmido e denso.

Segurava duas meninas pela mão.

Uma era April e a outra era Jilly.

Mas não eram adolescentes. Eram meninas pequenas.

Perguntaram em uníssono a Riley...

“Para onde vamos?”

“Para um lugar seguro,” Disse Riley.

Mas não era verdade.

A verdade era que Riley não faziam ideia onde estavam ou para onde iam. Não conseguia ver nada à sua volta. Havia figuras a moverem-se no nevoeiro – sombras predatórias, todas perigosas e letais.

Como é que Riley conseguiria encontrar um lugar seguro para April e Jilly naquele nevoeiro impenetrável?

Uma das figuras caminhou na sua direção. Riley não conseguia distinguir se era um homem ou uma mulher.

“Quem és?” Perguntou Riley.

Um riso emergiu do nevoeiro.

“Quem te parece?”

A voz mal parecia humana.

Riley soube de imediato – era o envenenador, o assassino que procuravam.

A figura começou a afastar-se na direção da brancura rodopiante.

Riley tentou agarrar a sua arma, mas não estava lá.

Largou as mãos das meninas e foi atrás da figura que agora desaparecia.

“Mãe, onde vais?” Chamou April.

“Não nos deixes aqui!” Disse Jilly.

As vozes partiram o coração a Riley. Ela não as queria deixar, mas tinha um trabalho a fazer. Não tinha escolha.

“Eu volto para vos buscar,” Disse Riley.

Mas como as voltaria a encontrar naquele nevoeiro?

Riley acordou com o som do telemóvel a tocar. Todo o seu corpo tremia por causa do sonho. Não tinha a certeza do que mais a tinha assustado, se a figura no nevoeiro ou o facto de ter abandonado as meninas.

Tentou desobstruir a mente ao atender a chamada e ouviu uma voz familiar.

“Agente Paige, é Chefe Rigbgy. Preciso de si e do Agente Jeffreys de imediato. Temos outro corpo.”

“Sabemos quem é?” Perguntou Riley.

“Sabemos,” Disse Rigby. “E a imprensa vai-se refastelar com esta. A vítima é Amanda Somers.”

Riley saltou de imediato da cama.

“Amanda Somers?” Disse.

“Talvez já tenha ouvido falar dela. Vamos encontrar-nos no Hospital Parnassus Heights. O Wingert e o Havens vão buscá-los de imediato.”

Rigby desligou a chamada.

“Amanda Somers!” Disse alto.

O caso tomara uma direção que ela nunca poderia ter imaginado possível.

 

 


CAPÍTULO DEZANOVE


O nevoeiro matinal ainda era espesso quando Riley e Bill saíram do hotel. O Agente Lloyd Havens esperava por eles no exterior. Conduziu-os rapidamente ao carro do FBI. O Agente Jay Wingert conduzia novamente.

“Diga-me o que já se sabe,” Pediu Riley a Havens.

“Desta vez é uma escritora,” Disse Havens. “Alguém famoso. Amanda qualquer coisa.”

Riley exasperou-se.

“Amanda Somers,” Disse ela. “Não me digam que nunca ouviram falar dela.”

“Lembro-me do nome de algum lado,” Disse Havens.

“Escreveu um bestseller, não foi?” Disse Wingert.

Riley estava perplexa com a ignorância daqueles dois.

“Ela era mais do que uma escritora,” Disse ela. “Ela era uma lenda. E o seu livro era muito mais do que apenas um bestseller. Nunca leram The Long Sprint?”

“Eu não,” Disse Havens.

“Eu também não,” Disse Wingert.

Riley olhou para Bill que parecia tão incomodado como ela.

O que é que ensinam aos miúdos nas escolas hoje em dia? Interrogou-se Riley.

Bill disse-lhes, “Amanda Somers escreveu um romance fenomenal há alguns anos atrás. Depois desapareceu. Não dava entrevistas e nunca aparecia em público. Sempre correram rumores de que estava a trabalhar noutro livro ou até em vários. Milhares e milhares de leitores esperavam ansiosamente por esse momento. Esta notícia vai desolá-los.”

Havens e Wingert pareciam não se importar minimamente.

Riley engoliu em seco. A tristeza do que acontecera acabara de a atingir.

Ela lera The Long Sprint quando ainda andava na faculdade – não para uma disciplina, mas porque toda a gente o estava a ler e a adorar. The Long Sprint era um desses raros romances que tocava e mudava vidas. Era uma saga épica sobre uma mulher rebelde e aventureira chamada Emerson Drew. Como milhares de outras jovens mulheres, Riley adorava Emerson Drew e queria ser como ela.

E como tantos outros leitores, Riley sempre esperara que Amanda Somers escrevesse outro livro – talvez até uma continuação com Emerson Drew como personagem. Riley tinha imaginado muitas vezes o que acontecera a essa tão amada personagem. Quão parecida com a sua tinha sido a vida de Emerson?

Agora talvez nunca saibamos, Pensou Riley.

“Como é que aconteceu?” Perguntou Bill.

Havens disse, “Uma vizinha detetou o corpo a flutuar na água a noite passada. A vizinha ligou o 112, depois mergulhou, retirou-a da água e tentou reanimá-la. Os paramédicos chegaram rapidamente, mas já era tarde demais. Foi dada como morta no local.”

Riley tentou compreender o que ouvia.

“Na água?” Perguntou. “Quer dizer numa piscina?”

“Não, no Lago Union,” Disse Havens. “Uma das comunidades de casas flutuantes mais chiques. Ela vivia numa dessas casas flutuantes milionárias.”

Riley não conseguia perceber ao certo o que ele dizia. Ela vira casas flutuantes nos pontos de água em Seattle, mas nunca se aproximara delas.

Bill perguntou, “Temos a certeza que foi enevenada como as outras vítimas?”

“Sim, temos,” Disse Havens. “Por ser quem era, a Chefe de Medicina Legal Prisha Shankar fez a autópsia pessoalmente. Encontrou vestígios de tálio de imediato. Foi quando fomos chamados.”

A cabeça de Riley estava repleta de perguntas. Como é que o assassino tinha tido acesso a ela? Estaria agora o assassino a perseguir alvos conhecidos? Rigby tinha razão quando dissera que não tardava nada a imprensa saberia de tudo. A última coisa de que a equipa precisava agora era de muita publicidade. Poderiam as coisas piorar?

“Levem-nos à casa flutuante,” Disse Riley a Wingert e Havens. “Quero vê-la.”

“Mais tarde,” Disse Havens. “Primeiro temos uma reunião no Hospital Parnassus Heights.”

Wingert conduziu agilmente no tráfego matinal mas Riley estava impaciente para prosseguir com a investigação.

Porque é que ainda temos que fazer um desvio para outra reunião? Interrogou-se Riley.

O caso assumira uma nova urgência e ela estava ainda mais ansiosa para localizar este terrível assassino. Mas percebeu que não estava em posição de dar ordens naquele momento. Com um suspiro de resignação, recostou-se no banco traseiro do carro.

Quando Wingert parou no hospital, o Chefe de Divisão Local Sean Rigby já os esperava no exterior. O seu habitual comportamento frio era agora de alarme palpável.

“Preparem-se,” Disse ele, encaminhando os agentes para o interior. “Estamos metidos numa alhada.”

Riley não conseguia imaginar o que ele queria dizer com aquilo. Mas quando ela, Bill e os outros entraram na grande sala de reuniões, viu que estava repleta de gente e o ambiente era ensurdecedor. A notícia da morte de Amanda Somers espalhara-se rapidamente e os jornalistas já lá estavam.

A quantidade de pessoas lembrou-lhe as figuras sombrias do seu sonho.

Ali estavam eles, a cercarem-na por todos os lados.

E o nevoeiro também está cá, Pensou Riley com desespero.

Era o impenetrável nevoeiro do caos e da confusão.

 

 


CAPÍTULO VINTE


O calor sufocante que se fazia sentir na sala sobrelotada atingiu Riley contrastando com o ar frio e húmido do exterior. O Chefe da Divisão Local Rigby conduziu-a juntamente com Bill e com os Agentes Wingert e Havens aos seus lugares na grande mesa da sala de reuniões.

Os jornalistas estavam amontoados uns em cima dos outros à volta da mesa, tirando fotos, fazendo vídeos e tirando notas. Sentadas à mesa estavam algumas pessoas que Riley conhecia e outras que nunca tinha visto.

Rigby sentou-se próximo, parecendo ansioso e inquieto. O Chefe de Equipa Maynard Sanderson estava sentado a seu lado, lutando para manter uma postura intocável e oficial. O Chefe de Polícia Perry McCade suava profusamente e o seu bigode de morsa retorcia-se nervosamente.

Sentado no topo da mesa estava um homem que parecia ser o responsável. Tinha a rigidez de um manequim e o sorriso gélido de um político.

Riley agora compreendia que se tratava de uma conferência de imprensa, não uma reunião de investigação. Não sabia de quem tinha sido a ideia, mas era péssima. Uma proeza daquelas ia tornar tudo muito mais difícil.

A única pessoa que Riley estava contente por ver era a Chefe de Medicina legal Prisha Shankar. Talvez ela trouxesse um elemento de sanidade ao que estava prestes a suceder.

O homem no topo da mesa levantou-se.

“Para aqueles que não me conhecem,” Disse. “Sou Briggs Wanamaker, Diretor do Hospital Parnassus Heights. O departamento local do FBI e eu queremos confirmar uma trágica notícia. A famosa escritora Amanda Somers foi dada como morta por causa indeterminada na noite passada.”

Os jornalistas tentaram metralhar Wanamaker com inúmeras perguntas mas ele conseguiu calá-los com a sua voz poderosa.

“A Sra. Somers foi hospitalizada aqui há algumas semanas devido a um assunto não relacionado com a sua morte. Também passou algum tempo no Centro de Reabilitação Stark. Nós no Paranassus Heights queremos expressar as nossas condolências à legião de leitores de Amada Somers, bem como ao filho e filha, Logan Somers e Isabel Watson, que estão aqui connosco hoje.”

Wanamker fez um gesto na direção de um homem e uma mulher. Pareciam estar a fazer um grande esforço por parecerem devastados pela dor. Parecia mais um regozijo velado com a desgraça alheia.

Um jornalista perguntou.

“Confirma que Amanda Somers foi intervencionada a uma síndrome do túnel do carpo?”

“Sem comentários,” Disse Wanamaker.

Mas o jornalista não desistiu.

“Esse tipo de cirurgia envolve algum tipo de risco de vida para o paciente?”

Wanamaker respondeu, “A cirurgia não esteve relacionada com a morte.”

Riley conteve um esgar. Era um erro e percebeu pela expressão de Wanamaker que imediatamente se apercebeu disso. Agora as perguntas surgiam em catadupa.

“O hospital aceita alguma responsabilidade por um erro de diagnóstico?” Perguntou outro jormalista.

“Ocorreu negligência médica?” Gritou outro.

Wanamaker ergueu os braços e tentou acalmar o grupo.

“Por favor, temos declarações adicionais para vos transmitir e depois responderemos a perguntas. O chefe de divisão do departamento do FBI de Seattle, Sean Rigby, gostaria de fazer uma declaração.”

Rigby levantou-se e durante um instante pareceu que estava prestes a encaminhar-se para a saída. Riley sabia que ele agora compreendia o desastre que ajudara a criar ao convocar aquela reunião. Ele leu a partir de um pedaço de papel que conseguiu manter firme na sua mão.

“A noite passada, aproximadamente à meia-noite e meia, uma das vizinhos de Amanda Somers, Dale Tinker, detetou um corpo a flutuar na água junto à casa flutuante de Somers. A Sra. Tinker encontra-se connosco hoje.”

Ele apontou na direção de uma mulher de aspecto assustado. Para Riley, nem sequer fazia sentido ela estar ali. Riley questionou-se qual teria sido o maior choque para ela – encontrar o corpo ou ser arrastada para aquela conferência de imprensa.

Riley pode constatar que ela não se encontrava em condições de fazer qualquer declaração.

Mesmo assim, Rigby esperava que ela dissesse alguma coisa.

Encolhendo-se na sua cadeira, Dale Tinker falou numa voz pouco audível.

“Via-a na água. A distância entre as casas é pequena por isso saltei. Puxei-a para o convés, tentei reanimá-la mas...”

A sua voz estacou durante um momento e pareceu ficar aturdida.

“Eu não sabia quem era,” Disse ela, agora quase a chorar. “Conheço-a há anos e sempre foi apenas Amanda. Não sabia que era aquela Amanda. Os vizinhos apenas a conheciam como Amanda. Até li o livro dela e não sabia.”

A mulher não estava capaz de falar mais.

Um jornalista disse a Rigby, “Ainda não disse nada sobre a causa da morte.”

Rigby disse, “Ainda não podemos dar detalhes. Parece que caiu do convés superior da sua casa flutuante.”

“Então pensa que se afogou?” Perguntou o jornalista.

Rigby hesitou.

Depois disse, “Sem comentários.”

Para Riley, aquelas duas palavras eram como atirar carne a uma matilha de lobos. Os jornalistas começaram logo todos a fazer perguntas ao mesmo tempo.

Será que é possível lidar com isto de forma mais incompetente? Pensou Riley.

Uma jornalista conseguiu fazer-se ouvir acima dos outros.

“Vejo que a Chefe de Medicina Legal está aqui. As autoridades têm alguma razão para crer em jogo sujo?”

Outro perguntou, “Sabemos que o FBI está a investigar dois envenenamentos. Esta morte está relacionada com essa investigação?”

Outro jornalista apontou na direção de Riley.

“Aquele não é a Agente Riley Paige da UAC, a muito conhecida profiler? Porque é que ela está aqui?”

A Dra. Prisha Shankar parecia completamente exasperada. Riley pressentiu que também ela pensava que esta reunião era uma inutilidade.

“Sem comentários,” Disse Rigby novamente. “Gostaria de dar ao filho e filha de Amanda Somers a oportunidade de falarem.”

Logan Somers levantou-se.

“Eu e a Isabel só queríamos dizer que isto é um choque tremendo. A nossa mãe andava deprimida ultimamente, mas não tínhamos a noção do quão desesperada ela estava. Se soubéssemos, se nos tivéssemos apercebido dos sinais...”

Ele agia como se estivesse demasiado dominado pela emoção para poder dizer mais. Riley não o considerou minimamente convincente.

Logan sentou-se e a irmã, Isabel Watson, falou num tom de luto calculado.

“Eu e o meu irmão gostaríamos de ter sabido,” Disse ela. “Se soubéssemos, talvez pudéssemos ter feito alguma coisa para evitar este desfecho.”

Riley estava completamente estupefacta. E percebeu que toda a gente na mesa sentia o mesmo.

A sala estava no auge da confusão. O bando de jornalistas exigia saber se Amanda Somers tinha cometido suicídio. As coisas estavam completamente fora de controlo.

Rigby declarou, “Esta reunião está concluída.”

Apesar dos ensurdecedores protestos, os seguranças do hospital encaminharam os jornalistas para fora da sala.

Logan Somers e Isabel Watson levantaram-se. Com expressões solenes, agradeceram a todos de forma cerimoniosa. Depois, aparentando presunção e satisfação, foram-se embora.

Quando a multidão se foi embora, o diretor do hospital Briggs Wanamaker já tinha perdido o que ainda restava da sua postura política cuidadosamente cultivada.

Disse a Rigby, “ Eu disse-lhe para manter o FBI fora desta reunião. Devia ter-me deixado tratar de tudo.”

“Teria estragado tudo ainda mais,” Disparou Rigby. “Deve agradecer-me e ao meu pessoal por o salvar de si próprio. Se a imprensa soubesse o que realmente se está a passar, estaria num sarilho ainda maior do que aquele em que já está metido.”

Riley não conseguia conter a sua frustração por mais nem um minuto.

“Afinal de quem foi a ideia desta maldita reunião?” Disse, quase a gritar.

Rigby e Wanamaker olharam para ela, surpreendidos. Depois olharam um para o outro, parecendo que ambos se acusavam envergonhados. Riley percebeu que tinham cozinhado aquela trapalhada juntos. Porque é que haviam pensado tratar-se de uma boa ideia é que ela não conseguia compreender.

Riley disse, “Sr. Wanamaker, queria que saísse. Preciso de conferenciar com os meus colegas do FBI.”

Parecendo realmente consternado, Wanamaker pegou no que restava da sua dignidade e saiu da sala.

Riley olhou para Rigby e Sanderson.

“Tenho algumas perguntas a fazer,” Disparou Riley. “E espero que me deem as respostas agora mesmo.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E UM


Todos os olhares se voltaram para Riley e toda a gente ficou em silêncio. Os ouvidos de Riley ainda tiniam de toda a confusão que preenchera a sala há apenas alguns minutos. Mas agora o espaço não era sufocante e conseguia respirar com mais facilidade.

Pelo menos agora tinha toda a atenção de todos os presentes na sala.

“Aquela cena foi uma farsa,” Disse Riley, tentando manter a sua fúria sob controlo. “Neste momento, aqueles jornalistas sabem tanto sobre a morte de Amanda Somers como eu e o Agente Jeffreys. Pela minha parte, estão tão bem informados como qualquer pessoa aqui. E isso é um desastre. Penso que chegou a altura de esclarecermos algumas coisas.”

Rileu reparou que duas pessoas sorriam ligeiramente – Bill e a Dra. Shankar. Eles partilharam a sua frustração durante todo aquele tempo.

Então Riley disse, “Antes de mais nada, de que é que o filho e a filha estavam a falar? O Agente Havens comunicou-me que havia vestígios de tálio no corpo da vítima. Então que história era aquela de suicídio? Amanda Somers suicidou-se? Tomou comprimidos, saltou daquela plataforma e afogou-se, ou ambos? Se o fez, o que é que estamos aqui a fazer?”

Riley estava aliviada por ser Prisha Shankar a primeira a falar.

“Ela não se afogou. Essa foi a primeira conclusão. E não cometeu suicídio. O que lhe foi dito está correto. Encontrámos vestígios de tálio no seu sistema. Mesmo que ainda tivéssemos um padrão de envenenamento de tálio, não é uma substância que alguém utilize para se suicidar.”

Bill tirava notas.

“Então de que é que os filhos estavam a falar?” Perguntou Bill.

Todos permaneceram calados durante alguns instantes.

“Tenho um palpite sobre isso,” Disse por fim Shankar. “Toda a gente sabe que Amanda Somers era uma pessoa que gostava de se isolar. Quase aposto que ela e os filhos mal se viram durante anos. Por isso, tudo que dizem acerca de como ela estava deprimida e como estavam preocupados com ela foi pura hipocrisia. Neste momento estão à coca para herdar a sua fortuna.”

Riley começava a perceber onde Shankar queria chegar.

Disse, “E não há nada que aumente mais as vendas póstumas de um autor do que um suicídio.”

Shankar assentiu.

“Muito bem. Melhor que homicídio e muito, muito melhor do que um acidente ou causas naturais. Sobretudo para uma escritora como Amanda Somers. Acrescentaria muito à sua considerável mística. Seria alguém torturado e infeliz, para além de solitário. Tudo acrescenta aspectos que tornam as lendas literárias em lendas.”

Fazia sentido para Riley.Demasiado sentido. “E para além disso,” Acrescentou, “não haveria aquelas perguntas inconvenientes sobre quem a matou e porquê.”

Shankar anuiu e continuou, “e podem apostar que novos livros de Amanda Somers serão publicados no futuro. Obras póstumas, uma a seguir à outra. Muito provavelmente montadas a partir de notas e esboços, o tipo de coisa que Somers nunca autorizaria se estivesse viva.”

A possibilidade entristeceu Riley. Ela passara anos à espera de um romance de Amanda Somers, sobretudo sobre Emerson Drew. Mas não desta forma. E os filhos de Somers estavam em definitivo a turvar as águas da investigação com aquela conversa sobre suicídio.

O Chefe de Polícia Perry McCade afagava o bigode, ouvindo com interesse.

“Então devemos encarar os filhos como suspeitos?” Perguntou.

O Chefe de Equipa Sanderson estivera a olhar para o Chefe de Divisão Rigby. Riley pressentiu que ele estava a ficar encorajado pelo lapso do seu superior.

“Nada está fora de causa,” Disse Sanderson.

“Mas teríamos de os ligar aos outros casos,” Acrescentou Rigby, tentando, aparentemente, reafirmar a sua autoridade. “Isto é, se Amanda Somers foi envenenada pelo mesmo assassino.”

“O que lhe parece, Dra. Shankar?” Perguntou Rigby.

Prisha Shankar nem parou para pensar.

“Tenho a certeza que é o mesmo assassino, tendo em consideração a utilização de tálio,” Disse ela. “A minha equipa tem examinado os cocktails usados nas duas outras vítimas. São muito sofisticados e o assassino variou a receita nessas duas vezes. A mistura de Margaret Jewell incluiu heparina, um anticoagulante. A mistura de Cody Woods incluía a hormona epinefrina. O assassino estava a tentar obter efeitos e sintomas ligeiramente diferentes. Ou talvez atrasar uma morte e apressar outra.”

Riley perguntou, “Alguma informação preliminar sobre o cocktail usado em Amanda Somers?”

Shankar tamborilou os dedos na mesa.

“É demasiado cedo para dizer alguma coisa a esse respeito,” Disse ela. “Mas continha vestígios de cloreto de suxametónio.”

“E que efeito teria?” Perguntou Bill.

“É um relaxante muscular. Pode causar paralisia momentânea.”

Riley pediu a Shankar para soletrar o nome da substância. Apontou-a. Depois virou-se para o Chefe de Polícia McCade.

“Chefe McCade, presumo que já enviou polícias à casa flutuante. O que é que descobriram até agora?”

McCade espreitou para algumas notas.

“A casa flutuante de Amanda Somers fica situada numa comunidade fechada,” Disse. “O meu pessoal falou com o guarda que estava de serviço ontem à tarde. Deixou entrar apenas uma visita. Amanda dissera-lhe que estava à espera de uma visita. Disse-lhe apenas que uma amiga perguntaria por ela e para a deixar entrar. Não deu o nome da pessoa ao guarda. Nós perguntámos aos vizinhos mais próximos quem a poderia visitar, mas eles não faziam ideia. Mas ainda temos mais pessoas para interrogar.”

“O guarda deu-vos uma descrição da pessoa?” Perguntou Riley.

“Disse que era bastante normal – meia-idade, cabelo castanho-avermelhado. Vestia um fato de treino.”

Riley bateu com a borracha contra a mesa, considerando o que perguntar de seguida.

“Obtiveram imagens das câmaras de videovigilância?” Perguntou a McCade.

“As câmaras na casa flutuante de Amanda Somers estavam desligadas. As câmaras na doca tinham imagens pouco nítidas. Apenas uma mulher com um boné, não se consegue ver o rosto. A descrição do guarda é mais útil.”

Riley pensou naquilo. Ela começara a considerar Solange Landis suspeita mas pela descrição não parecia a pessoa com quem tinha falado no dia anterior de manhã. A não ser que utilizasse um disfarce. Poderia Solange passar da sua conversa ao café a uma visita assassina a uma famosa escritora? Era uma pergunta à qual não podia responder.

Riley virou-se para Prisha Shankar, que parecia alerta e atenta como habitual.

“Dra. Shankar, como é que a visitante se encaixa em termos de tempo num cenário de envenenamento?”

A Dra. Shankar pensou durante alguns instantes.

“Não tenho a certeza,” Disse ela. “O tálio não funciona normalmente tão rapidamente. Mas o cocktail poderia ser concebido para apressar o efeito. O cloreto de suxametónio pode ter acelerado os efeitos. Pode ter sido a visitante, mas também é provável que a vítima já tivesse sido envenenada antes.”

Riley não tinha a certeza se devia dirigir a sua próxima pergunta a Sanderson ou a Rigby. As tensões políticas entre eles eram mais palpáveis do que nunca. Rigby estava determinado a permanecer no topo da cadeia alimentar local do FBI, se possível às custas de Sanderson. Sanderson estava ansioso para não ser devorado. Independentemente daquele a quem Riley se dirigisse, o outro ficaria ofendido.

Que raio, Pensou Riley.

Olhou para um e para outro, esperando não mostrar qualquer preferência.

“Dê-nos uma perspetiva do caso até ao momento,” Disse ela.

Rigby antecipou-se antes que Sanderson tivesse a oportunidade de falar.

“Temos três homicídios de que tenhamos conhecimento – envenenamentos. A primeira foi Margaret Jewell que morreu em casa em Novembro. Fora recentemente tratada à fibromialgia no Centro de Reabilitação Física de Natrona. Cody Woods morreu há uma semana. Tinha sido operado ao joelho no Hospital South Hills há pouco tempo atrás. Deu entrada nesse mesmo hospital por não se estar a sentir bem. Morreu pouco depois.”

“E ambos pareceram ter morrido de ataque cardíaco,” Disse Riley.

“Correto,” Disse Sanderson.

Rigby voltou à carga. “E agora Amanda Somers. Também foi hospitalizada para uma intervenção cirúrgica que habitualmente não coloca a vida do paciente em risco. E também foi envenenada.”

Riley perguntou, “O nosso analista técnico encontrou alguma sobreposição de pessoal entre o hospital em que morreu Cody e a clínica de reabilitação onde Jewell foi tratada?”

“Não,” Disse Sanderson.

“Verifiquem isso,” Disse Riley. “Incluam o hospital e o centro de reabilitação que tratou de Amanda Somers. Digam-lhe para verificar os registos de forma exaustiva. Não estamos necessariamente à procura de médicos, enfermeiras ou auxiliares. Verifiquem pessoal de limpeza, pessoal de entregas, assistentes sociais, visitantes – qualquer pessoa que possa ter ido e vindo sem despertar muita atenção. Digam-lhe para estar particularmente atento a uma mulher que corresponda à descrição da visita de Amanda Somers.”

Sanderson apontou as instruções.

Riley virou-se para o Chefe McCade.

“Dê-me a morada da casa flutuante de Amanda Somers,” Disse. “Eu e o Agente Jeffreys vamos para lá imediatamente.”

McCade anuiu e escreveu a morada num pedaço de papel.

Riley observou todos os rostos presentes.

“Não preciso de vos dizer que temos uma confusão em mãos,” Disse ela. “A morte de Amanda Somers torna este caso pessoal para milhões de pessoas. Tudo vai ser cada vez mais difícil. Temos três vítimas até agora e são apenas aquelas de que temos conhecimento. Pode ter havido outras. E haverá mais a não ser que acabemos com isto.”

Riley estabeleceu contacto visual com Rigby e depois com Sanderson.

“Não haverá mais conferências de imprensa se as pudermos evitar,” Disse ela. “Isso significa que não quero mais erros de novato. Percebido?”

Os dois chefes do FBI assentiram. Nenhum dos dois estava agradado. Mais uma vez, Riley detetou um ligeiro sorriso no rosto de Prisha Shankar.

“Esta reunião está terminada,” Declarou Riley.

Quando todos saíam da sala de reuniões, Bill encostou-se a Riley.

“Muito bem,” Disse silenciosamente.

Mas Riley não estava com disposição para felicitações. Agora que a reunião tinha terminado, percebeu mais uma vez que Amanda Somers estava morta e que nunca mais leria outro livro escrito por ela. Mesmo que novos livros fossem editados, seriam trabalho de todos menos de Amanda. O pensamento entristeceu-a profundamente.

Vamos a reagir, Pensou para si própria.

Tinha que manter a cabeça concentrada nos factos.

De seguida, iria visitar a casa flutuante onde Amanda Somers morrera. Esperava encontrar lá algo que tivesse escapado aos outros.

 

 


CAPÍTULO VINTE E DOIS


O Monte Rainier estava sempre visível quando Bill e Riley se dirigiram de carro à casa de Amanda Somers. Riley observava o pico coberto de neve pela janela do carro, tão belo a reluzir ao sol. Parecia uma imagem de majestática tranquilidade – não o que realmente era, um vulcão ativo que poderia explodir a qualquer momento.

Ocorreu a Riley tratar-se de uma imagem apropriada.

Tal com este caso, Pensou Riley. Pronto a explodir.

É claro que se o Monte Rainier explodisse, poderia facilmente destruir grande parte da cidade. Uma série de homicídios pareciam insignificantes, comparativamente, mas os homicídios eram aquilo que Riley tinha que impedir.

Riley estava contente por ela e Bill se terem apoderado de um veículo do FBI só para eles, em vez de se fazerem acompanhar por Wingert e Havens. Ela tinha a certeza que os dois agentes locais estavam tão felizes quanto eles.

Ao passarem por várias comunidades à beira da água, Riley viu casas flutuantes de vários tipos e tamanhos, agregadas ao longo de docas partilhadas. Eram coloridas e tinham um aspecto animado, com pessoas na sua azáfama diária. Mais à distância na água, pequenos barcos à vela aproveitavam a brisa que se fazia sentir.

Rapidamente chegaram aos portões da comunidade onde Amanda Somers vivia. Bill parou e o guarda saiu da sua casinha de aspecto confortável. Enquanto ele se encaminhava para o carro, Bill abriu o vidro.

“Devem ser do FBI,” Disse o homem.

Bill e Riley apresentaram-se e mostraram os seus distintivos. O homem era alto e magro com um rosto revelador de uma boa natureza. Parecia a Riley ter mais ou menos a sua idade.

“Passem,” Disse o guarda. “Podem estacionar lá dentro.”

O homem abriu o portão e Bill estacionou o carro no estacionamento privado. Quando saíram do carro o homem estava próximo e apertou-lhes a mão.

“Chamo-me Evan Highland,” Apresentou-se. “Estava aqui a trabalhar ontem à tarde e...”

Parou de falar repentinamente de forma estranha. Riley percebeu que ele estava a ter dificuldades em compreender o que tinha acontecido.

Riley reconhecera de imediato o seu nome. A polícia local tinha-o interrogado pouco depois da descoberta do corpo de Amanda Somers. Ele não estava de serviço quando o corpo foi encontrado, mas estava presente quando a visitante chegou.

Antes de sair do hospital, Riley lera a transcrição da sua descrição da mulher. Era um homem com capacidade de observação e a sua descrição era bastante detalhada.

Mesmo assim, Riley queria fazer-lhe mais algumas perguntas.

“Será que nos pode dizer algo mais sobre a visitante a quem deu entrada ontem,” Perguntou.

Um olhar de dor atravessou o rosto de Highland.

“Pensam que pode ser a assassina?”

Riley tinha pena de ter que falar no assunto. Ela não lhe queria dizer que podia ter deixado uma assassina entrar em casa de Amanda Somers. Para além disso, Prisha Shankar já expressara as suas dúvidas. De acordo com Shankar, era provável que Amanda Somers tivesse sido envenenada antes de a visitante chegar.

“Não fazemos ideia, Sr. Highland,” Disse Riley. “Ocorreu-lhe alguma coisa a respeito dela depois de ter falado com a polícia?”

Highland abanou a cabeça.

“Não me lembrei de mais nada,” Disse ele. “Tinha um rosto perfeitamente normal. Lábios normais, queixo, olhos, nariz. Lembro-me de pensar nisso nessa altura – ‘esta é a pessoa mais normal que já vi na minha vida.’”

Deu uma risada triste.

“É uma contradição nos termos, não é? Como é que uma pessoa pode parecer mais normal do que todas as outras pessoas?”

Riley apontou as suas palavras.

“Ela usava maquilhagem?” Perguntou.

“Não.”

“Pensa que poderia estar a usar uma peruca?” Perguntou.

Highland não disse nada durante um momento.

“Talvez. O cabelo era castanho-avermelhado como disse ontem à polícia. Estava penteado a direito e tinha franja. Sim, talvez pudesse ser uma peruca. Uma boa peruca.”

Riley imaginava Solange Landis. Com um simples disfarce, ela poderia muito provavelmente encaixar na descrição. Mas mesmo assim, ainda era uma possibilidade reduzida.

Bill perguntou, “Tem a certeza de que não teve mais visitas nesse dia? Antes da visitante que descreveu?”

Highland abanou a cabeça.

“Não,” Disse o homem. “Não deixei mais ninguém entrar para a ver.”

“E visitantes para outras pessoas?”

“Estava um dia tranquilo. Só algumas pessoas, mas ninguém que eu não conhecesse.”

Riley sabia que os agentes do FBI já tinham verificado toda a gente que tinha passado aqueles portões no dia do homicídio. E tinham interrogado todos os vizinhos sem que surgissem novos suspeitos.

Agora ocorria-lhe outra possibilidade. Se o assassino não era um vizinho ou um visitante, parecia-lhe que apenas outra pessoa teria acesso a Amanda Somers.

E essa pessoa era o próprio guarda.

Riley observou-o atentamente, procurando qualquer sinal de ansiedade. Se ele fosse o assassino, ela conseguiria certamente detetar algum sinal indicador de culpa.

De facto, ele parecia estar muito inquieto. Mas Riley pressentia que nada tinha que ver com culpa. Este homem estava incomodado pela possibilidade de ter falhado nos seus deveres profissionais.

“Consegue lembrar-se de mais alguma coisa?” Perguntou.

Highland pensou mais um pouco.

“Ela era bastante normal, mas tinha um sorriso simpático. Parecia – generosa, acho. Amanda – era assim que a tratava – não tinha visitas com muita frequência. Fiquei contente por alguém vir visitá-la.”

Agora o olhar de Highland ficara distante.

Disse, “Sabem, eu era uma das poucas pessoas daqui que sabia quem ela realmente era. Ela era apenas ‘Amanda’ para os vizinhos. Ainda mal posso acreditar. Sempre que aparecia, parava e falava comigo.”

Os olhos de Highland encheram-se de lágrimas.

Riley e Bill trocaram olhares. Ela sabia que ambos tinham percebido uma coisa.

Bill disse, “Leu o livro dela, não foi?”

Highland anuiu.

“Há alguns anos,” Disse ele. “Muito antes de a conhecer.”

“Também nós – Eu e o Agente Jeffreys,” Disse Riley.

Highland teve dificuldade em falar durante alguns instantes.

“Aquele livro mudou a minha vida, fez-me olhar para mim e para o mundo de uma forma completamente diferente. Devia ter-lho dito, mas... ela queria tanto ser deixada em paz porque este era o lugar em que ela não tinha que ser Amanda Somers. Pensei que seria impróprio, por isso nunca toquei no assunto.”

Calou-se. Riley conseguia ver arrependimento no seu olhar – arrependimento por nunca lhe ter feito perguntas, arrependimento por nunca lhe ter agradecido por ter escrito aquele livro magnífico.

Este homem não era um assassino.

“Fez o mais correto,” Disse Riley.

“Obrigado,” Disse ele, mas não parecia muito convencido.

Highland deu indicações da localização da casa de Amanda Somers, e Bill e Riley começaram a caminhar pelas docas.

“Ele não é o nosso homem,” Disse Bill.

“Não,” Disse Riley. “Ele está de luto, tal como todos os seus leitores. E para além disso, está a lutar contra um sentimento de culpa.”

Riley observou o bairro ao caminharem. Ouvira as casas dali a serem descritas como casas flutuantes e não como casas-barco. Agora entendia porquê. As casas eram enormes e algumas tinham uma arquitetura muito elegante.

De lado havia casas mais pequenas – verdadeiras casas-barco com proas levantadas. Lembravam RVs a Riley, exceto que se encontravam na água. Aquelas conseguiam obviamente movimentar-se na água. Fora-lhe dito que as maiores estavam permanentemente ancoradas.

As casas flutuantes estavam alinhadas ao longo de várias docas que se interligavam. Mesmo neste bairro caro, a decoração ia do kitsch ao elegante. Ao caminharem, Riley viu árvores em vasos, esculturas e gnomos de jardim nos convés.

Encontraram a casa de Amanda Somers no fim da doca. Era maior do que a maioria das outras casas e tinha a forma de uma grande caixa moderna. Riley e Bill ultrapassaram a fita da polícia e caminharam na direção da porta de entrada.

Nesse preciso momento, o telemóvel de Bill tocou. Bill viu quem lhe ligava.

“É o Rigby,” Disse ele. “É melhor atender. Vai entrando.”

Riley abriu a porta e entrou em casa. Teve que conter a respiração. A casa era ainda maior lá dentro do que vista do exterior.

Apoderou-se de Riley um sentimento estranho – um arrepio que se lhe entranhou nos ossos.

Até agora, estivera triste pela morte da autora, mas isto era diferente.

Sentiu-se esmagada por um espanto estranho e perturbador.

Estou sozinha na casa onde Amanda Somers morreu, Pensou.

De alguma forma, a casa não parecia completamente desocupada.

 

 


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


O corpo de Riley foi trespassado por um estremecimento ao observar a grandiosa sala de estar com janelas panorâmicas com vista para a água. Foi tomada por ondas de emoção. Ela sabia que não eram as suas emoções, mas sensações poderosas que pareciam preencher o espaço à sua volta.

A sensação mais poderosa de todas era a solidão.

A simples dimensão da casa aprofundava esse sentimento. Parecia estranho e triste que Amanda Somers tivesse escolhido viver ali sozinha.

E no entanto, não estivera completamente sozinha no seu último dia de vida. Riley ainda sentia a presença da visitante. Teria sido esta rara e última visita a sua assassina?

Isso era o que Riley esperava descobrir.

A primeira impressão da casa era de que tudo parecia surpreendentemente impecável. O sofá branco e as cadeiras podiam apenas pertencer a uma pessoa sem filhos ou animais de estimação. Também era óbvio que Amanda nunca esperava entrar em casa molhada vinda da prática de desportos aquáticos. Nem teria convidados que o fizessem. Era provável que nunca tivesse entrado dentro de água para se divertir.

Parecia irónico - viver numa casa flutuante mas não ter interesse na água. Riley questionou-se o que teria atraído Amanda àquele local.

Algo mais parecia estranho a Riley. Já estivera em casa de escritores anteriormente. Nunca estivera numa que estivesse tão limpa. Pela sua experiência, as pessoas criativas eram um pouco desarrumadas. Mas aquela casa estava imaculada.

Fez Riley pensar se Amanda Somers tinha parado completamente de escrever. Apesar de todos os rumores acerca de mais livros a editar, talvez ela simplesmente tivesse desistido de escrever depois de The Long Sprint.

Mas talvez houvesse outro motivo para a casa ter a aparência que tinha.

Esta era a sua fuga, Lembrou-se.

Talvez a mansão de Amanda Somers em Moritz Hill fosse muito diferente. Se escrevesse por lá, pelo menos partes da mansão teriam vestígios da sua torrente criativa.

Riley não sabia e não fazia sentido tentar adivinhar. No final de contas, fora ali que Amanda Somers fora assassinada.

Mantém-te concentrada no caso, Lembrou-se novamente a si própria.

Os seus olhos repousaram numa bebida inacabada em cima da mesa de apoio.

Pegou no copo e cheirou a bebida lá contida.

Uma apreciadora de bourbon, como eu, Pensou.

Mas o bourbon estava diluído. Aparentemente, Amanda Somers preferia o seu whiskey com mais água e gelo do que Riley.

Lembrou-se de algo que Prisha Shankar tinha dito acerca de como Saddam Hussein assassinava os dissidentes.

“Quando um deles foi libertado da prisão, ofereceram bebidas de felicitações para brindar à sua liberdade.”

A bebida estava envenenada?

Mas a teoria não fazia sentido para ela. Havia apenas um copo para uma pessoa. Amanda tinha preparado a bebida sozinha e tinha-se sentado a bebê-la sozinha.

Riley pousou o copo no preciso local onde o encontrara. Depois dirigiu-se à moderna cozinha. Duas chávenas de chá e pires tinham sido lavados e deixados na grelha de secagem.

Riley teve uma sensação de desconforto.

Bebeu uma bebida quente com a visitante, Pensou Riley. E Prisha Shankar tinha dito que o tálio podia ser administrado através de uma bebida.

Riley interrogou-se se teriam partilhado chá ou café.

Em qualquer dos casos, Amanda Somers tinha lavado as chávenas depois de a visitante ter partido. Ainda estava viva e capaz.

O recipiente da máquina de fazer café estava vazio. Mas é claro que Amanda Somers o podia ter lavado quando lavou as chávenas.

Riley abriu o balde do lixo. Alguns papéis e outros restos ainda se encontravam no seu interior, mas não viu grãos de café nem saquetas de chá. Isso pareceu-lhe estranho. Para que teriam utilizado as chávenas?

Não tendo encontrado mais nada de interesse na cozinha, Riley regressou à sala de estar. Uma cronologia de acontecimentos começou a formar-se na sua mente.

Entretanto Bill entrou dentro da casa.

“O Rigby quer que vanos ao Hospital South Hills quando tivermos terminado aqui,“ Disse ele.

“O hospital onde morreu Cody Woods?” Perguntou Riley.

“Sim. Pode ser que o diretor nos consiga ajudar.”

Reparando no copo em cima da mesa, Bill perguntou, “Achas que a bebida estava envenenada?”

“Não, ela mal tinha começado a bebê-la,” Disse Riley. “Penso que nem sabia que tinha sido envenenada quando a preparou. Acredito que a visita já tinha partido há várias horas. Já seria bastante tarde.”

Riley permaneceu quieta e pensou durante um momento.

“Começou a sentir-se mal quando se sentou para a beber,” Disse ela. “Decidiu subir até ao quarto para descansar um pouco.”

Riley caminhou na direção das escadas que conduziam ao segundo andar. Bill seguiu-a. Na base das escadas estava uma pequena mesa com alguns livros dispersos. Percebeu por dois suportes para livros que os livros estavam geralmente bem ordenados. A mulher que mantinha a sua casa tão organizada, não toleraria a mais pequena desordem.

“Ela estava tonta e nauseada quando aqui chegou,” Disse. “Tropeçou e tombou estes livros.”

   Ao continuarem pelas escadas acima, Riley viu que algumas das fotos penduradas nas paredes estavam tortas.

“Continuou a vacilar ao subir as escadas, indo contra as paredes,” Disse Riley.

No corredor no topo das escadas, um tapete estava descomposto.

“Ela caminhava com dificuldade quando aqui chegou,” Disse Riley.

Entraram num quarto espaçoso. A cama estava feita, mas ligeiramente desalinhada. A almofada tinha uma mossa em forma de cabeça e estava ligeiramente manchada. Riley debruçou-se e cheirou a almofada.

“Estava a suar quando finalmente se deitou,” Disse. “Deve ter começado a perceber que algo não estava bem. Ou talvez estivesse demasiado tonta e desorientada para pensar no que quer que fosse.”

Riley começava a enfatizar o sofrimento da vítima. Sentiu-se mal do estômago.

Não era isto que ela queria.

Geralmente, numa cena de assassinato, Riley conseguia entrar na mente do assassino.

Ela não estava habituada a identificar-se com a vítima.

Mas tinha que tirar o máximo partido dessa situação.

“Ela agora estava deitada,” Disse Riley. “Não conseguia dormir. A cabeça devia andar à roda e doer. Ela decidiu que precisava de apanhar ar fresco. Sentou-se Talvez lhe tenha feito bem e conseguiu caminhar mais firmemente.”

Riley seguiu os seus passos pelo corredor, depois continuou para o convés exterior.

“Porque é que ela não ligou o 112?” Perguntou Bill, seguindo Riley.

“Estava delirante. Já não sabia bem o que estava a fazer.”

“A polícia diz que ela caiu do telhado,” Disse Bill.

Com Bill atrás de si, Riley subiu as escadas que conduziam ao telhado a partir do convés.

“Ela devia ter uma ideia vaga de que aqui estaria mais confortável,” Disse Riley.

E de facto, o ar no pátio do telhado era extraordinariamente fresco. A área tinha pedaços quadrados de relva artificial e plantas reais em vasos. Um conjunto de mobília elegante com sofá, uma cadeira e uma mesa de apoio pareciam enquadrar-se perfeitamente numa sala de estar elegante, apesar de Riley ter a certeza de que os estofos eram impermeáveis. Uma das almofadas do sofá estava virada de forma esquisita.

“Ela colapsou aqui durante algum tempo,” Disse Riley. “Talvez até tenha desmaiado. Quando voltou a si, levantou-se e veio até aqui.”

Riley seguia os passos da mulher até ao corrimão com vista para a água com Seattle do outro lado da margem. O ar estava desimpedido agora e Riley podia ver a outra margem. Mas a vista devia ter sido diferente naquele momento. À noite com luzes escassas a brilhar no nevoeiro sobre a água. Devia ser belíssimo. Talvez Amanda até tivesse tido oportunidade de apreciar a vista por uns instantes antes de...

Antes de quê?

Depois lembrou-se de algo que Prisha Shankar dissera naquela manhã. O cocktail venenoso continha uma certa substância – Riley não se lembrava do nome multisilábico apesar de o ter apontado no seu caderno de notas.

Para já, o nome não importava.

Riley recordou-se das exatas palavras da Dra. Shankar sobre a substância.

“É um relaxante muscular. Pode causar paralisia momentânea.”

Riley conseguia sentir o que Amanda devia ter sentido – uma onda de fraqueza e desespero quando o corpo cessou de reagir.

Mas a questão permanecia – a última visitante de Amanda tinha-a envenenado?

Se não, quem o poderia ter feito?

Riley fechou os olhos e tentou captar os últimos pensamentos de Amanda antes de cair sobre o corrimão.

Sentira-se traída...

Tudo o que queria era uma amiga com quem conversar, com quem passar o tempo.

Por isso permiti que alguém entrasse na minha casa solitária.

E a minha convidada fez-me isto.

E agora vou morrer tal como vivi – sozinha.

Riley sentiu uma certeza crescer dentro de si.

Agora lembrava-se de algo que Highland dissera sobre a visita.

“Parecia – generosa, acho.”

E também dissera...

“Estava contente por alguém simpático a ter vindo visitar.”

A certeza de Riley aumentava a cada segundo que passava.

Sim, tinha sido aquela última visitante.

A visitante tinha sido encantadora – demasiado encantadora. Ela era capaz de bondade, talvez até acreditasse que era uma pessoa bondosa.

E no entanto, era uma verdadeira aberração. Os assassinos que Riley já apanhara assistiam à agonia das suas vítimas. Isso fazia parte da sua compulsão – exultarem nos dolorosos momentos finais daqueles que matavam.

Mas esta era capaz de uma crueldade com uma magnitude que Riley raramente encontrara.

Não lhe importava que as vítimas morressem sozinhas.

Ela tinha deixado a mais solitária das mulheres morrer sozinha.

Havia um estranho vazio dentro de si, um abismo de que nem ela tinha conhecimento.

Ela nem sabe o tipo de monstro que é, Pensou Riley.

Os olhos de Riley abriram-se. Olhou para Bill. Ele percebeu com nitidez de que Riley tinha chegado a uma conclusão.

“O que é?” Perguntou ele.

“Foi a visitante,” Disse Riley.

Depois com um esgar, Riley acrescentou, “E é uma louca da pior espécie.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Riley estava apreensiva enquanto ela e Bill se dirigiam para o Hospital South Hills. Ainda estava afetada pelo desastre ocorrido no Hospital Parnassus Heights naquela manhã. Não sabia o que esperar do South Hills, mas não tinha nenhum motivo para crer que as coisas ali correriam melhor.

Ali morrera Cody Woods. É claro que a polícia local e os agentes do FBI já tinham interrogado o diretor do hospital e grande parte do pessoal. Agora ela e Bill iam voltar à carga. Pela experiência de Riley, interrogatórios deste género raramente corriam bem. As pessoas que já estavam cansadas de perguntas, reagiam geralmente de forma nervosa e defensiva.

Quando se encontraram com a Diretora Margery Cummings no seu gabinete, Riley suspirou de alívio. Era uma mulher agradável, corada e cumprimentou-os com apertos de mão e um sorriso sincero.

“Soube da reunião no Parnassus Heights,” Disse Cummings. “Parece que foi uma cena e tanto.”

Riley e Bill trocaram olhares. O que é que lhe poderiam dizer discretamente sobre o desastre daquela manhã?

Cummings riu-se. Pareceu pressentir o seu pouco à-vontade.

“A coscuvilhice corre rápido na comunidade médica,” Disse ela. “Sou nova aqui em Seattle, mas ouvi imensas histórias sobre Briggs Wanamaker. Tem um gosto especial em dar nas vistas. Tento não seguir o seu exemplo.”

Riley sorriu desconfortavelmente. Apesar de considerar a alegria de Cummings refrescante também lhe pareceu um pouco esquisita. A ideia de que um paciente tinha sido envenenado no seu hospital parecia não pesar muito na sua consciência.

Cummings levantou-se.

“Venham comigo,” Disse. “Tenho o meu pessoal à vossa espera.”

Conduziu Riley e Bill por um elevador e corredor até à sala do pessoal do hospital. Estavam lá umas vinte pessoas – auxiliares, enfermeiras, médicos e até pessoal da manutenção. Todos tinham trabalhado no piso onde Cody Woods tinha estado durante o tempo em questão.

Riley ficou aliviada por ver que aquela reunião não seria como a catástrofe de Parnassus Heights. Todos eram cooperantes e pacientes, e ela e Bill fizeram-lhes perguntas que certamente já lhes teriam sido feitas.

Ainda assim, para Riley, aquele esforço não fora muito produtivo. A maior parte daquelas pessoas tinham memórias excelentes. A chefe de equipa do piso tinha registos dos turnos de trabalho e idas e vindas gerais.

Poderia uma visita a outro paciente ter entrado no quarto de Cody Woods quando ele lá estivesse?

O pessoal não acreditava e Riley rapidamente percebeu que era altamente improvável. A Diretora Cummings tinha pessoal vigilante. Um estranho a esgueirar-se num quarto teria chamado a atenção de alguém.

Provavelmente uma viagem desperdiçada, Pensou Riley.

Não que uma viagem desperdiçada fosse algo completamente inesperado. Os becos sem saída como aquele faziam parte da rotina do investigador. O que importava era não deixar nenhuma pedra por virar.

Riley e Bill estavam prestes a terminar a reunião quando se levantou a mão de uma enfermeira.

“Peço desculpa,” Disse ela. “mas alguém se lembra daquele paciente – um tipo que não parava de dizer que tinha sido envenenado?”

Um murmúrio geral percorreu o pessoal. Sim, alguns lembravam-se.

“Demos-lhe alta,” Disse um jovem médico. “Não tinha nada.”

“Também pensei o mesmo na altura,” Disse a enfermeira que tinha falado. “Mas agora que isto aconteceu, fez-me pensar.”

Cummings parecia surpreendida.

“Estão a falar de quem?” Perguntou.

“Aconteceu cerca de um mês antes de assumir o cargo,” Disse a enfermeira. “Qual era o nome dele?”

Outra enfermeira obtinha informações num tablet.

“George Serbin,” Disse ela. “Ele esteve aqui durante uma semana com um caso de pneumonia. Verificámos as suas queixas de forma séria, mas não descobrimos nada que as confirmasse. Fizemos o seguimento depois de lhe darmos alta. Da última vez que soubemos, estava bem e de saúde.”

“Têm alguma informação de contacto dele?” Perguntou Riley.

“Tenho aqui mesmo,” Disse a enfermeira com o tablet.

Bill apontou a informação. Riley e Bill agradeceram a todos e terminaram a reunião.

Quando se dirigiam ao elevador, Bill comentou, “Talvez finalmente tenhamos uma testemunha viva.”

“Espero que sim,” Respondeu Riley. “Os nossos interrogatórios não nos ajudaram em nada até agora.”

Mal saíram, Riley ligou a George Serbin. Obteve uma resposta monossilábica.

“Sim?”

“Estou a falar com George Serbin?”

“Sim.”

A voz do homem era muito estranha, nervosa.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI. Eu e o meu parceiro gostaríamos de lhe colocar algumas perguntas pessoalmente.”

Seguiu-se um silêncio.

“Sobre quê?” Perguntou Serbin.

“Acabámos de falar com o pessoal do Hospital South Hills,” Disse Riley. “Eles disseram que julgava ter sido enevenado. Estamos a investigar essa situação.”

De repente, a voz de Serbin demonstrou sinais de alarme.

“Eu estou bem,” Disse.

Riley olhou para Bill.

Ele não parece estar bem, Pensou Riley.

“Tem a certeza?” Perguntou Riley

“Sim,” Disse, “Cometi um erro. Enganei-me.”

“Gostaríamos de ter a certeza,” Disse Riley. “Queremos ouvir a sua história. Está em casa neste momento?”

Seguiu-se um silêncio ainda mais longo.

“Sim,” Disse o homem.

Depois desligou a chamada.

“O que é que te parece?” Perguntou Bill.

“Está com medo de alguma coisa,” Disse Riley. “O melhor é irmos até lá.”

Ela e Bill dirigiram-se de imediato ao carro.

George Serbin parecia tão estranho ao telefone que Riley não sabia dizer se estava perante uma possível vítima ou um suspeito.


*


O prédio ficava a uma curta distância do hospital. Era uma estrutura simples, em nada diferente de dezenas de outras alinhadas em vários quarteirões. Assim que confirmaram o local, Riley e Bill dirigiram-se ao segundo andar e bateram à porta de Serbin.

“Quem é?” Perguntou uma voz no seu interior.

“Agentes Paige e Jeffreys, FBI,” Disse Riley. “Liguei-lhe há bocado.”

“Ah.”

Riley ouviu o ruído de correntes e linguetas.

A porta abriu-se para um minúsculo e desarrumado apartamento. George Serbin era um homem de baixa estatura, moreno e com uma expressão assustada no rosto.

“Podemos entrar?” Perguntou Riley.

“Claro,” Disse Serbin, saindo do caminho.

Serbin não lhes disse para se sentarem. Caminhava de um lado para o outro desconfortavalmente, evitando olhar para eles. Pareceu a Riley alguém extraordinariamente estranho – como se não confiasse na sua própria sombra e quisesse libertar-se dela.

Riley observou a divisão em que se encontravam. Reparou que as janelas estavam cobertas por dentro com chapas de isolamento. Pareceu-lhe esquisito. O tempo ali em Seattle não parecera especialmente frio até ao momento.

Bill disse, “Sr. Serbin, esteve hospitalizado muito recentemente por causa de uma pneumonia. O pessoal disse que se queixou de que estava a ser envenenado. De que é que se tratou?”

Serbin agitou os braços enquanto falava com aquela voz estranha. Quase parecia a Riley uma personagem de banda desenhada.

“Sim, bem. Como eu disse, foi um mal-entendido. Eu não estava a acusar ninguém de nada.”

“Pode contar-nos o que aconteceu?” Pediu Bill.

“Não foi nada. De verdade, nada.”

Serbin continuava a caminhar.

Riley reparou num portátil situado numa mesa de cozinha com tampo de fórmica. Ficou surpreendida por vê-los aos três no ecrã.

Perguntou, “Sr. Serbin, está a gravar-nos em vídeo?”

“Mais ou menos,” Disse.

Após uma pausa, acrescentou, “Na verdade, estamos em direto no Facebook.”

Riley não sabia o que dizer ou fazer. Não fazia ideia de quantos amigos de Serbin estariam a assistir – talvez alguns ou talvez centenas.

Felizmente, Bill parecia saber como lidar com a situação. Dirigiu-se ao computador e falou diretamente para o ecrã.

“Olá malta,” Disse. “Obrigado por estarem a tomar conta do Sr. Serbin. A vossa lealdade e vigilância é admirável. Mas prometo, eu e a minha parceira não lhe queremos fazer mal.”

Tirou o distintivo e exibiu-o na câmara.

“Eu sou o Agente Especial Bill Jeffreys, FBI,” Disse ele.

Acenou a Riley. Ela espreitou para a câmara, mostrando o seu próprio distintivo.

“Eu sou a Agente Especial Riley Paige.”

“Estamos aqui para fazer um interrogatório de rotina,” Disse Bill olhando para a câmara outra vez. “O que se passa é que não podemos fazer isto com muita gente a assistir, por isso o Sr. Serbin vai sair da sua sessão. Garanto que ele estará novamente online daqui a quinze minutos. Caso contrário – bem, sabem quem somos e para quem trabalhamos. Podem responsabilizar-nos.”

Bill virou-se para Serbin com um sorriso afável. E Serbin, parecendo algo aliviado, saiu da sessão.

“Todo o cuidado é pouco nos dias que correm,” Disse Serbin.

“Concordo,” Disse Bill. Mas porque é que pensou que estava a ser envenenado no hospital?”

Serbin abanou a cabeça freneticamente.

“Eu não estava a ser envenenado no hospital,” Disse ele. Eu estava a ser envenenado em todo o lado. Com certeza que sabem tudo a esse respeito. Por isso aqui devem estar.”

Bill e Riley olharam um para o outro.

“Riley disse, “ Sr. Serbin, garanto-lhe que nem eu nem o meu parceiro fazemos a mínima ideia do que está a falar.”

“Vai ter que nos contar tudo em pormenor,” Acrescentou Bill.

Por fim, Serbin sentou-se, parecendo descontrair um pouco,

“Vocês não sabem mesmo nada, pois não? Não devem ter autorização nesse nível. Ah, caraças. Nem sabem a verdade para quem trabalham. Estamos todos a ser envenenados – ou pelo menos todos os expostos. Mas apenas alguns de nós são escolhidos.”

Serbin encolheu os ombros como se acreditasse estar a dizer a coisa mais sensata do mundo. Depois apontou para a janela.

“Venham cá,” Disse ele. “Eu mostro-vos.”

Riley e Bill olharam para a janela. O céu ainda apresentava apenas algumas nuvens.

“Estou a falar daquilo além,” Disse, apontando.

Riley viu uma nuvem branca, estreita e comprida.

“É um vestígio de vapor de um avião,” Disse ela.

“Sim, e é assim que eles fazem as coisas. O meu pessoal chama-os de ‘trilhos químicos’. Estão semprea a alterar a fórmula para atingir pessoas com genes específicos. Têm todos os nossos DNAs num ficheiro por isso é fácil. Quando eu adoeci, sabia que estavam atrás de mim. Mas depois melhorei e compreendi que me tinham retirado da lista. Alteraram a fórmula.”

Ao ouvir o discurso de Serbin, Riley ficou desiludida.

Então é para isso que servem as chapas de isolamento, Pensou.

O homem estava a precaver-se caso “eles” mudassem de ideias.

Já ouvira a história da conspiraçãos dos trilhos químicos anteriormente, mas nunca tinha conhecido ninguém que a levasse a sério. Ali estava com outros memes estúpidos, tal como a noção de que a Pace Needle de Seattle era na verdade um disco voador ali estacionado por extraterrestres.

George Serbin não passava de um teorista da conspiração.

“Compreendem o que eu estou a dizer, não compreendem?” Perguntou Serbin.

“Sim, compreendemos,” Disse Riley, tentando parecer mais paciente do que na verdade se sentia. “Disse-nos tudo o que precisávamos de saber.”

“Obrigado pelo seu tempo,” Acrescentou Bill.

Serbin ficou alarmado quando viu Bill e Riley a dirigirem-se para a porta.

“Mas não podem regressar,” Disse ele. “Não depois de saberem o que sabem. Não estarão seguros. O meu pessoal pode tomar conta de vocês. Nós podemos proteger-vos. Nós ajudamo-vos a desaparecerem. Basta dizerem e nós tratamos de tudo.”

Riley conseguiu reprimir um sorriso.

“Nós estamos dispostos a correr riscos,” Disse ela. “É o nosso trabalho, sabe.”

Serbin parecia abatido. Obviamente sentia que não estava a ser levado a sério. Antes de dizer algo mais, Riley deu uma cotovelada a Bill na direção da porta e seguiu-o dali para fora.

Caminharam em silêncio pelo correrdor. Depois, no topo das escadas, Bill sentou-se.

Abanou a cabeça. “Não vamos a lado nenhum Riley,” Disse ele. “Nem conseguimos evitar que uma nova vítima seja envenenada. Amanda Somers não devia ter morrido. E não conseguimos impedir este assassino de matar a próxima vítima.”

Riley compreendeu o que Bill queria dizer. Apertou-lhe a mão.

“Vem daí,” Disse ela. “Vamos para um lugar onde possamos falar.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E CINCO


Apesar de Riley e Bill terem ambos pedido sanduíches numa encantadora loja reluzente, não estavam a conseguir comê-las. Riley tinha dado umas dentadas e Bill não tinha sequer tocado na dele. Agora ambos de limitavam a olhar para a comida.

Parece que não nos apetece muito comer, Pensou Riley.

Olhou para o seu parceiro com grande preocupação.

“Temos que conversar sobre isto Bill,” Disse ela. “Tens que me dizer o que te está a incomodar.”

Ele não falou de imediato. Riley viu que ele lutava consigo próprio.

“Acontece sempre que tenho que lidar com uma situação que envolve a palavra ‘veneno’,” Disse Bill.

Acontece? Interrogou-se Riley duramte um momento. Depois percebeu o que ele queria dizer.

“Queres dizer flashbacks?”

Bill anuiu.

“A mãe tinha tantas dores,” Disse ele. “Ela chorava muito das dores. Era...”

Ele parou por um instante.

“E aqui estamos nós, sem conseguir avançar,” Disse Bill. “Só cá estamos há três dias e já perdemos outra vítima. São três vítimas de que tenhamos conhecimento mas ambos sabemos que terão havido outras – vítimas anteriores que nunca foram detetetadas. Nós não fazemos ideia de quantas. E eu estou demasiado próximo para conseguir fazer o meu trabalho de forma apropriada. Não estou a conseguir pensar como deve ser.”

Riley compreendia perfeitamente. Ela também sentia um tipo de stress semelhante, apesar de por razões diferentes. Para ela era uma questão de prioridades – impedir um assassino brutal ali em Seattle ou lidar com os problemas que a esperavam em casa. Saber que não podia ter as duas coisas aborrecia-a constantemente.

“Talvez devesses trabalhar neste caso sem mim,” Disse Bill. “O Meredith pode enviar a Lucy Vargas para me substituir. Ela faria um excelente trabalho. Neste momento, sinto-me um peso morto.”

Riley ficou alarmada. Uma mudança daquelas podia ser perturbadora. Ela tinha a certeza que não seria vantajosa. E não queria que Bill desistisse do caso. Ela sabia que ele se arrependeria mais tarde se se retirasse.

Debruçou-se na mesa na sua direção e falou com um tom de voz afável mas firme.

“Não és um peso morto,” Disse Riley. “Nunca és um peso morto.”

Bill não respondeu.

“Diz-me a verdade Bill. Queres mesmo abandonar este caso?”

Bill abanou a cabeça indicando que não.

“Então o que é que realmente queres?”

O rosto de Bill contraiu-se com determinação.

“Quero resolvê-lo,” Disse ele.

Riley sorriu e deu-lhe uma palmadinha na mão.

“Nesse caso,” Disse ela. “Vamos considerar esse assunto arrumado.”

Bill sorriu um pouco e todo o seu corpo pareceu descontrair.

“OK,” Disse ele. “Vamos voltar ao trabalho. Temos alguma pista concreta?”

Riley não disse palavra. Lembrava-se de algo que Solange Landis lhe dissera.

“O que mais me impressiona no mal é a sua uniformidade. Parece-me que os monstros são todos muito semelhantes.”

Quanto mais Riley pensava naquela declaração mais estranha lhe parecia.

Em primeiro lugar porque não a considerava verdadeira. Ela já vira o mal a manifestar-se de várias formas ao longo dos anos. E estes homicídios recentes pareciam únicos entre todos os casos de que se lembrava.

Será que Solange Landis acreditava no que dissera?

Riley pensou na diretora da escola de enfermagem.

Landis conseguirq lançar uma suspeita sobre Maxine Crowe que se revelara um beco sem saída. Estaria apenas a vingar-se ou era algo mais sinistro?

Estaria Landis a enganá-la de forma deliberada?

Riley tinha um pressentimento de que a mulher não era confiável. Era uma sensação forte que há muito aprendera a não ignorar.

Disse a Bill, “Não consigo evitar suspeitar de Solange Landis.”

“A diretora da escola de enfermagem?”

“Sim. Há algo de errado com aquela mulher.”

“Faz sentido. Parece improvável que alguém que não seja profissional de saúde tivesse acesso às três vítimas. Devemos estar atentos a ela. Que tipo de informação temos até ao momento?”

Riley pensou durante um momento.

“Pedi ao Van Roff, o analista técnico, para descobrir o que fosse possível sobre ela. Ele deu-me um ficheiro com tudo. Li-o e nada de estranho se destacou. Ele não encontrou quaiquer ligações entre Landis e as três vítimas.”

“O melhor é veres outra vez,” Disse Bill.

Riley abriu o seu portátil. Abriu o ficheiro e começou a ler o seu conteúdo.

“São sobretudo coisas de rotina,” Disse ela. “Data de nascimento, número de Segurança Social, morada, número de telefone. Fora casada e divorciara-se e sempre usou o seu nome de solteira.”

Riley percorreu mais registos.

“Fez o curso de enfermagem no Rosin Medical College em Dover, Delaware – uma escola muito prestigiada. Depois disso trabalhou como enfermeira e obteve relatórios laudatórios e recomendações. Há cerca de dez anos, foi contratada para ser a diretora de uma pequena escola de enfermagem em Cincinnati. Fez um excelente trabalho, elaborou um programa de enfermagem e desenvolveu uma reputação sólida.”

Depois Riley encontrou algumas histórias sobre a forma como Landis tinha conseguido o seu novo emprego.

“Quando a Tate School of Nursing aqui em Seattle começou a procurar um novo diretor, ficaram encantados por encontrá-la. Contrataram-na de imediato. E a sua reputação continua em crescendo.”

Riley olhou para os registos de forma insegura.

“Talvez o meu palpite esteja errado,” Disse ela. “Ela tem um registo perfeito.”

Bill olhou para as informações pensativamente.

“Talvez demasiado perfeito,” Disse ele.

Riley compreendeu o que Bill queria dizer com aquela observação.

“É isso,” Disse ela. “É isso que me tem incomodado. É tudo demasiado perfeito. Ela é simplesmente demasiado boa para ser verdade.”

“Então procuramos o que está errado,” Disse Bill.

“Por onde começamos?

Bill encolheu os ombros.

“Pelo princípio,” Disse ele.

Riley compreendeu de imediato o que ele queria dizer. Encontrou o número de telefone do Rosin Medical College. Ligou e colocou a chamada em alta-voz para que tanto ela como Bill pudessem ouvir e falar.

Quando a rececionista atendeu a chamada, Riley disse, “Daqui fala Agente Especial Riley Paige do FBI. O meu parceiro Bill Jeffreys também está em linha. Gostaríamos que procurassem nos vossos registos informações sobre uma antiga aluna. Chama-se Solange Landis.”

Riley disse à rececionista o ano em que Landis tinha concluído o curso.

“Isso foi há mais de vinte anos,” Disse a rececionista. “Não temos registos eletrónicos que recuem tanto. Está tudo em papel. Mas posso verificar e voltar a contactar-vos amanhã.”

Riley reprimiu um esgar de frustração.

“Precisamos mesmo dessa informação hoje,” Disse ela. “É para uma investigação de homicídio.”

“Lamento mas é impossível,” Disse a rececionista, parecendo bastante irritada.

Bill entrou na conversa.

“Então torne possível,” Disse ele. “Descubra os registos agora mesmo ou enviamos uma equipa para aí. Fechamos os vossos serviços administrativos e vasculharmos tudo.”

Riley quase se riu. Era o velho Bill em ação.

“Tudo bem,” Disse a rececionista. “Já vos ligo.”

“Que não demore muito,” Disse Bill.

A chamada terminou. Bill e Riley sorriram um para o outro. Sabia bem avançarem. Agora começaram a comer as sanduíches com muito mais apetite do que há uns minutos atrás.

Passados poucos minutos a rececionista ligou. Parecia abalada e ansiosa.

“Não matem o mensageiro, OK? Mas não encontrei nenhum registo de uma aluna com esse nome. Nenhuma prova de que tivesse frequentado a instituição ou terminado o curso. Têm a certeza de que ligaram para a escola certa?”

Durante um momento, Riley questionou-se se teria cometido algum engano. Olhou outra vez para os documentos constantes do ficheiro que Van Roff lhe dera. E lá estava um diploma, um certificado de enfermagem e uma transcrição académica sólida – tudo do Rosin Medical College.

Riley olhou atentamente para o documento à sua frente.

“O seu nome do meio é Alexandra,” Disse Riley. “Poderão os seus ficheiros ter sido preenchidos com esse como primeiro nome?”

“Não,” Disse a mulher. “Tivemos alguns alunos com o nome Landis, mas nenhuma Solange ou Alexandra. Lamento.”

“Obrigada pelo seu tempo,” Disse Riley. “Foi uma grande ajuda.”

Riley e Bill olharam um para o outro num silêncio espantado.

“Falsificados,” Disse Riley. “Todo o seu registo académico foi falsificado. É na verdade brilhante. Foi inimaginavelmente longe.”

“Todos os que a contrataram presumiram que os registos eram verdadeiros,” Disse Bill. “Ninguém abordou a escola diretamente.”

“Parecem mesmo autênticos,” Disse Riley. “Não admira que não tenha sido descoberta.”

“Até agora,” Acrescentou Bill.

E ficaram ali sentados a olhar um para o outro durante algum tempo.

É esta a oportunidade por que esperávamos? Questionou-se.

“Penso que devíamos ligar a Solange Landis,” Declarou Riley.

“Concordo,” Disse Bill.

Riley ligou o número do gabinete de Landis e colocou novamente o telemóvel em alta-voz. A secretária de Landis rapidamente estabeleceu a ligação com a diretora.

“Agente Paige,” Disse Landis afavelmente. “Não sabia se voltaria a ter notícias suas.”

“O meu parceiro, Bill Jeffreys também está em linha.”

“Olá Agente Jeffreys. Prazer em conhecê-lo. Como está a correr o caso? Verificou Maxine Crowe?”

Riley fez uma pausa antes de responder.

“Interroguei-a,” Disse Riley. “Penso que a podemos eliminar como suspeita.”

“Oh.”

Seguiu-se um breve silêncio.

Depois Landis disse, “Bem, sei que não é uma coisa boa para si. Mas devo admitir que me sinto aliviada. Detestaria pensar que uma das minhas alunas se tivesse tornado numa assassina.”

Mais uma vez, nem Riley nem Bill disseram palavra. Queriam que Solange Landis se sentisse desconfortável. Talvez até dissesse algo que a denunciasse.

“Bem,” Disse Landis por fim, “como vos posso ajudar?”

“Temos mais algumas perguntas que gostaríamos de lhe colocar,” Disse Riley.

“Claro. Estou no meu gabinete neste momento, porque é que não passam por cá?”

Riley lembrou-se da descrição que Maxine Crow fizera da casa de Landis.

“Ela tem imagens de morte por todo o lado...”

Riley disse, “Gostaríamos de falar consigo em sua casa.”

Agora Landis parecia claramente desconfortável.

“Posso perguntar porquê?”

“Explicamos-lhe quando nos encontrarmos.”

Riley e Bill esperaram alguns segundos.

“Estou a trabalhar até ao final da tarde,” Disse finalmente Landis. “Podem aparecer por volta das oito da noite?”

“Muito bem,” Disse Riley.

Solange Landis deu-lhes a sua morada e terminaram a chamada.

Bill e Riley olharam um para o outro.

“Acho que tivemos muita corte,” Disse Bill.

Espero que sim, Pensou Riley.

E ainda assim era difícil de acreditar. É verdade que Solange Landis tinha baseado toda a sua carreira em registos falsificados, mas ainda assim tinha sido uma carreira e tanto e ela ensinara muitas pessoas. Ela fizera muito bem ao mundo.

Seria realmente uma assassina?

Riley lembrou-se de algo mais que Landis dissera.

“Os demónios cruéis estão dentro de todos nós.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E SEIS


O fim da tarde nunca mais chegava para Riley. Solange Landis marcara o encontro para as oito horas. Ela e Bill passaram o resto da tarde a prepararem-se para a visita.

Riley pensou que talvez estivessem prestes a fazer uma detenção naquele caso horrível. É claro que ainda não tinham qualquer certeza, mas se se tratava de facto de uma oportunidade da sorte, Riley não queria deixar nada ao acaso. Confirmou pormenores com Van Roff sobre os documentos falsificados de Landis. Bill pesquisou as consequências legais por utilizar registos falsificados.

Eram quase oito horas quando Riley e Bill entraram num bairro agradável e bem iluminado no norte de Seattle. Mesmo depois de escurecer, havia ainda muita atividade nas ruas. Viam-se pessoas a correr, outras a passearem os cães.

A área estava repleta de árvores e plantas, e casas tradicionais mais antigas estavam misturadas com casas mais modernas. Desde que Riley estava em Seattle que reparara que algumas casas tinham designs muito modernos. Mas esta fila de casas estreitas com telhados de duas águas tinham um aspecto mais tradicional, mais parecido com a sua casa na Virginia.

Estacionaram em frente à casa de Landis, dirigiram-se à porta de entrada e tocaram à campainha. Solange Landis cumprimentou-os, envergando um fato e sapatos de salto alto.

Landis parecia alegre e descontraída, não fazendo notar a intranquilidade que ela notara anteriormente ao telefone. Convidou Riley e Bill a entrar.

Riley ficou imediatamente apanhada de surpresa pela aparência normal de tudo. A sala de estar era igual à de Riley só que esta tinha mobília mais recente, com mais estilo.

Onde estava a decoração macabra de que falara Maxine Crowe – as imagens de morte, as caveiras humanas?

Estaria Maxine Crowe a mentir?

Ter-se-ia Riley precipitado ao descartá-la como suspeita?

Nas paredes havia algumas fotografias de uma rapariga em diferentes fases da sua vida, de bebé a descobrir um baloiço até adolescente a terminar o Liceu. Solange Landis aparecia na maioria dessas fotos a brilhar alegremente junto da menina. As fotos pareciam afetuosas. Nada naquele compartimento era perturbador.

Landis reparou no interesse de Riley.

“É a minha filha, Chloe,” Disse ela com um vestígio de melancolia. “Está fora no primeiro ano da faculdade. A casa está tão vazia sem ela. O pai, o meu marido, partiu há vários anos. Agora vivo sozinha.”

Um pai ausente, Pensou Riley.

É claro que lhe lembrou a atitude de Ryan nos últimos anos. Mas Riley Não conseguiu evitar pensar se o desaparecimento do marido de Landis não estaria relacionado com uma causa mais sinistra.

Landis disse, “Mas disse ao telefone que tinha mais perguntas para me colocar. Em que vos posso ajudar?”

Bill disse, “Em primeiro lugar, gostaríamos de saber se teve algum contacto com Margaret Jewell, Cody Woods ou Amanda Somers.”

Landis olhou para Bill e Riley.

“Esses nomes não me soam familiares – Exceto, claro, Amanda Somers. Li o livro dela mas nunca estive com ela profissionalmente. Ela morreu recentemente?”

Depois os seus olhos dilataram-se.

“Espere um segundo. Esses são os nomes das vítimas de envenenamento, não são?”

Acrescentou com um sorriso irónico, “Oh, não me digam. Sou suspeita?”

“Só lhe queremos colocar algumas perguntas,” Disse Bill.

Landis emitiu uma breve risada e bateu as palmas.

“Sou suspeita, não sou? E eu que pensava que estavam aqui por causa das minhas competências. Mas de certa forma, estão, não é? Bem, isto é uma nova experiência para mim. Devo dizer que me sinto estranhamente lisonjeada. Venham até aqui onde podemos conversar mais confortavelmente.”

Riley e Bill seguiram-na até um compartimento com papel de parede negro. Cortinas pesadas estavam penduradas nas janelas e a sala iluminada por candeeiros turvos. Não era uma sala muito grande, mas estava bem mobilada, permitindo que um pequeno grupo de pessoas – talvez seis ou oito – pudessem sentar-se e conversar.

Este era obviamente o lugar de que Maxine Crowe tinha falado – um covil onde histórias e pensamentos sombrios eram partilhados. Maxine alegava que deixara de ir a casa de Solange Landis porque o cenário e as conversas eram demasiado esquisitos para ela.

É bem esquisita, Pensou Riley ao olhar para a decoração macabra. Havia algumas caveiras humanas verdadeiras aqui e ali. Nas paredes estavam penduradas gravuras de monstros, mortos-vivos e quimeras. Entre eles havia muitas fotografias antigas. Algumas mostravam cadáveres a repouar em caixões. Outras pareciam velhos retratos de família embora houvesse algo de estranho e mórbido a respeito deles.

Landis pareceu reparar na curiosidade de Riley.

Ela explicou, “Esses são retratos de pessoas mortas. Antigamente, quando a fotografia era uma novidade, as famílias posavam com os seus entes queridos mortos. Geralmente davam-se a imenso trabalho para fazer esses cadáveres parecerem vivos.”

Apontou para diferentes fotografias e explicou.

“Aqui vê duas crianças a posarem com a sua irmãzinha morta. Nesta, um homem morto tem o seu cão preferido ao seu colo. Esta mostra uma menina morta junto das suas queridas bonecas. Aqui estão duas meninas a darem as mãos – Não sei qual das duas está morta. Já devem ter notado que os olhos dos mortos estão sempre abertos.”

Landis calou-se, deixando o efeito arrepiante das fotografias entranhar-se no ambiente.

“Imagino que possa parecer mórbido à maioria das pessoas,” Disse ela com um suspiro. “Mas eu penso que era uma tradição tocante. Talvez tenhamos perdido algo de essencialmente humano ao distanciarmo-nos das realidades da morte.”

Depois virando-se para os visitantes, disse, “Mas estou a ser incorreta, não lhes ofereci uma bebida. Gostava de vos oferecer uma cerveja ou vinho, mas estão de serviço. Gostariam de tomar um chá ou café?”

Riley resistiu ao impulso de olhar para Bill. Ela tinha a certeza de que ele estava a pensar na mesma coisa que ela – que Landis estava deliberadamente a brincar com eles. Seria realmente tão ousada a ponto de envenenar dois agentes do FBI na sua própria casa? Riley duvidava, mas não podia ter a certeza e é claro que Bill pensaria da mesma forma. Landis parecia estar a divertir-se de forma algo distorcida face à sua incerteza.

“Não, obrigada,” Disse Riley.

“Estamos bem,” Acrescentou Bill.

“Sentem-se, estejam à vontade.”

Riley e Bill sentaram-se juntos num sofá com estofo negro. À sua frente, uma estranha peça de mobiliário servia de mesa de apoio. Parecia muito antigo com pernas esguias e um tampo em treliça. Riley questionou-se qual seria o seu uso original.

Ao sentar-se, Landis mais uma vez notou a curiosidade dos visitantes.

“Isto é uma verdadeira antiguidade,” Disse ela. “Data do século XIX. Foi restaurada, claro, e a parte em tecido é nova. Já ouviram falar de uma ‘tábua de refrigeração’?”

“Não posso dizer que tenha,” Disse Riley.

“Eu também não,” Disse Bill.

Landis tocou no tampo fino de vime.

“Bem, hoje em dia a refrigeração é uma coisa normal, mas antigamente, armazenar cadáveres na preparação de um funeral era muito difícil, sobretudo quando o tempo estava mais quente. Os corpos eram mantidos em tábuas de refrigeração como esta. Com gelo por baixo, a treliça mantinha-os frescos. A treliça permitia a drenagem de sangue e fluidos corporais.”

Um olhar nostálgico atravessou o rosto de Landis.

“As tábuas de refrigeração foram há muito substituídas por unidades de armazenamento refrigerado e mesas de embalsamamento de metal – não tão elegantes, na minha opinião. Chamem-me antiquada, mas parece-me que o progresso fez-se a custo da graça e do estilo.”

Landis olhou para Bill e Riley com uma expressão inquisitiva.

“Disseram que eliminaram Maxine como suspeita. Porquê?”

Riley estudou a expressão da mulher. Riley e Bill tinham que tratar esta situação com pinças. O objetivo naquele momento era Landis revelar a sua mão, dizer ou fazer alguma coisa que revelasse a sua culpa.

Riley disse, “Quando nos conhecemos disse-me que Maxine Crowe tinha tido problemas por fazer experiências com pacientes.”

Landis assentiu.

Depois Riley acrescentou, “Mas não me disse que ela experimentava com placebos, nada de verdadeiramente venenoso.”

Landis inclinou a cabeça.

“Placebos? Não sabia.”

Riley perscrutou Landis mais atentamente. Estaria a mentir? Geralmente era fácil para Riley detetar uma mentira durante um interrogatório. Mas algo na perpetuamente sardónica expressão de Landis tornava difícil decifrá-la.

Riley disse, “Nunca referiu que você e Maxine não estavam bem quando ela deixou a escola.”

Landis olhou para Riley atentamente.

“Deveria tê-lo feito? Quando nos encontrámos anteriormente, não sabia que era uma suspeita.”

Riley não respondeu.

“Ah, já percebi. Maxine contou-lhe algumas histórias sinistras sobre o que tenho nesta sala e você tirou algumas conclusões precipitadas.”

Riley continuou sem falar. Tanto ela como Bill sabiam que a melhor tática era dizer e perguntar o mínimo indispensável. Deviam deixar ser Landis a falar – de preferência até tropeçar.

Landis franziu a sobrancelha.

“Agente Paige, está a sugerir que eu a conduzi deliberadamente a Maxine Crowe como distração?”

Riley olhou para ela tranquilamente.

“Eu tinha expectativas em relação a Maxine Crowe,” Disse Landis. “Mas penso que a esclareci sobre os meus objetivos educativos anteriormente. A negação é o pior inimigo da cura. É disso que tratam as minhas reuniões aqui. Ela separa os alunos que conseguem enfrentar as realidades daqueles que não conseguem.”

Ainda em silêncio, Riley manteve os seus olhos fitos nos da mulher. Nenhuma delas pestanejou.

Landis prosseguiu, “Eu espero que os meus alunos consigam olhar a morte nos olhos, verem-na tal como é. A Maxine tinha – como é que o hei-de dizer? – um estômago fraco para o tipo de trabalho para o qual estava a ser treinada. Ela licenciou-se e recebeu as suas credenciais, mas eu nunca lhe dei a minha recomendação absoluta. É óbvio que ainda está amarga em relação a isso, mas não se pode evitar. Há algumas coisas que simplesmente não se podem ensinar.”

Landis desviou o olhar, olhando agora para Bill e Riley. Seria por nervosismo? Riley ainda não conseguia perceber.

Depois um ligeiro sorriso atravessou o rosto de Landis.

“Não têm quaisquer provas. Não me podem prender só porque uma ex-aluna despeitada pensa que sou mórbida.”

Mais uma vez Landis brincava com eles.

Mas isso provava que ela era uma assassina?

Ela tem razão, Pensou Riley. Não temos provas – pelo menos, não para já.

Riley e Bill haviam chegado a um impasse. Apenas lhes restava uma opção. Riley olhou para Bill e percebeu que ele pensava da mesma forma.

Bill levantou-se do sofá, dirigiu-se a Solange e pediu para se levantar.

Disse, “Solange Landis, está presa por um crime de classe C.”

Landis ficou descrente enquanto Bill a algemava.

“O quê?”

Riley levantou-se.

“É ilegal usar ou deter um certificado de curso fraudulento,” Disse Riley. “A pena no estado de Washington pode ser cinco anos de prisão e uma multa de dez mil dólares.”

“Não sei do que estão a falar,” Disse Landis.

E pela primeira vez, Riley soube que ela estava mesmo a mentir.

“Penso que sabe,” Disse Riley.

Enquanto Riley e Bill conduziam Landis para fora da sua casa, ela gaguejou numa confusão de choque.

“Mas se o fiz... não estou a dizer que o fiz, mas... com certeza que o FBI tem mais que fazer do que... não têm um assassino para apanhar?... Por favor, eu tenho uma filha, tento fazer o que está certo.”

Riley não disse nada enquanto Bill a empurrava para o carro.

Era uma boa prisão, mas não tão boa quanto Riley esperava.

Ainda não tinham provado que Solange Landis era uma assassina.

E se for culpada, Pensou Riley, ainda tem muitos truques na manga.

 

 

 

CAPÍTULO VINTE E SETE


Na manhã seguinte bem cedo, Riley estava entusiasmada enquanto ela e Bill se dirigiam à Mansão de Amanda Somers em Moritz Hill.

Ela viveu mesmo aqui, Pensou Riley.

Uma autora que tinha tocado Riley tão profundamente tinha vivido naquele local.

O mero pensamento era verdadeiramente inspirador.

Ainda assim, o lugar não era bem o que Riley esperava. Parecia mais a casa de algum senhor medieval do que a casa de uma grande escritora Americana. A fachada estava parcialmente revestida de madeira negra. Apesar de ser impressionante, parecia antiquado e deslocado no contexto de uma cidade moderna.

Bill estacionou o carro no terreno privado ao lado da casa.

“Espero que isto não seja uma perda de tempo,” Disse Bill ao caminharem na direção dos portões ornamentais na entrada da propriedade.

Riley também esperava. Não tinha sido ideia deles lá ir naquela manhã. O Chefe Sanderson ligara-lhes muito cedo e pediu-lhes para irem à mansão de imediato.

Riley compreendeu os motivos de Sanderson. Agora que a atenção do público estava centrada na morte de uma autora famosa, tranquilizar os filhos de Somers era uma grande preocupação.

Mas Solange Landis estava detida. Riley sabia que precisavam de concentrar a sua energia em Landis – em determinar a sua culpa ou eliminá-la como suspeita. Sanderson dissera que Landis negava qualquer relação com os homicídios. A polícia de Seattle e o FBI local tinham feito buscas à sua casa e gabinete e não tinham descoberto nada de suspeito – nada de venenos.

Esta viagem não agradava muito a Riley. Eles precisavam de despachar aquilo rapidamente.

Ao caminharem pelos portões, um homem muito bem vestido saiu da casa para os cumprimentar de uma maneira formal.

“Sou Cromer, o mordomo da falecida Sra. Somers,” Disse com um sotaque Inglês acentuado. “E os senhores são os Agentes Paige e Jeffreys, segundo creio. Acompanhem-me por aqui. São esperados na biblioteca.”

Cromer conduziu-os até um saguão azulejado. Por uma porta aberta, Riley viu uma sala de estar espaçosa com imensos painéis em madeira negra.

Sentia que tinha recuado até um passado distante – e tal como o exterior da casa, nada se parecia com aquilo que esperava. Na sua mente, comparava aquela mansão tradicional à moderna casa flutuante. Como é que a mesma mulher tinha vivido em ambos os lugares? Riley pressentia que Amanda Somers se sentia confortável na casa flutuante. Como poderia gostar de viver numa casa daquelas?

Tudo parecia arrumado e limpo, tal como na casa flutuante de Somers. Não parecia a residência de uma pessoa extremamente criativa. Nem parecia real. A casa parecia mais um cenário elaborado do que uma casa.

Riley continuava a regressar ao inesquecível livro de Amanda Somers, The Long Sprint, e à sua protagonista vital, Emerson Drew. Amanda Somers tinha criado um mundo pleno de personagens que pareciam mais reais do que a realidade, mais vivas do que a vida. Não fazia sentido que a sua casa fosse aquele museu repleto de escuridão.

Cromer conduziu-os à biblioteca. Apresentou-os ao filho e filha de Amanda Somers e retirou-se. Logan Somers e Isabel Watson estavam sentados numa grande mesa antiga de mogno desfolhando páginas manuscritas.

Riley respirou com mais facilidade ao olhar em redor. A biblioteca era caótica e desarrumada – muito mais o tipo de ambiente criativo que esperava encontrar. As paredes estavam cobertas de estantes preenchidas com centenas de volumes, muitos deixados abertos, outros empilhados descuidamente em cima uns dos outros. Os livros e os papéis até se encontravam no chão e pela mobília. Parecia que ninguém limpava o compartimento há muito tempo.

Provavelmente ela não o permitia, Imaginou Riley.

Uma máquina de escrever antiga encontrava-se numa secretária simples, ainda com uma página pendente de um manuscrito inacabado. Não havia nenhum computador à vista. Parecia que Amanda Somers não entrara na era da eletrónica, mesmo depois de todos os seus anos dedicados à escrita.

Riley não estava surpreendida. Somers pertencera a uma tradição literária que estava a desaparecer. Tais autores não tinham qualquer desejo de acompanhar os últimos desenvolvimentos tecnológicos.

Logan Somers olhou para Riley e Bill por cima de uns óculos de leitura.

“Estamos contentes por aqui estarem,” Disse ele.

Isabel Watson nem olhou para eles.

“Sentem-se,” Disparou ela.

Riley e Bill tiveram que remover pilhas de livros de duas cadeiras para se poderem sentar. Durante algum tempo os anfitriões não disseram palavra, por isso Riley continuou a observar o que a rodeava. Uma porta aberta dava para uma casa de banho. Riley reparou numa pequena cama num canto. Riley pressentiu que Amanda Somers dormia ali muitas vezes. Na realidade, Riley adivinhou que ela raramente deixava este compartimento quando se encontrava naquela casa.

Ela odiava aquela casa, Percebeu Riley. Esta biblioteca era o seu único refúgio ali.

Depois Riley demorou alguns instantes a estudar os rostos dos filhos de Amanda Somers. Devido à sua reclusão, a autora nunca permitira que a sua fotografia surgisse em cópias dos livros. Riley só tinha visto uma fotografia sua no dia anterior. Depois fora atingida pela humanidade e profundidade de caráter daquele rosto – exatamente o que Riley esperaria da autora de The Long Sprint.

E agora, detetava Riley alguma parecença entre estes dois adultos e a sua mãe? Os seus rostos tinham a mesma forma e os queixos e narizes eram muito parecidos. Mas os seus traços pareciam de alguma forma desprovidos de qualquer sentimento real.

Riley não encontrou vestígios da alma penetrante que descobrira na fotografia de Amanda Somers.

Talvez tenha saltado gerações, Pensou Riley.

Ao contrário da mãe, Logan Somers e Isabel Watson eram notoriamente pessoas sem profundidade. Riley também sentiu que estavam afastados da mãe há muito tempo.

Por fim, Logan Somers afastou alguns papéis e olhou para Riley e Bill com um sorriso pouco sincero.

“Fantástica casa, não é?” Perguntou.

“Incentivámos a mãe a comprá-la quando ficou à venda, “ Acrescentou Isabel Watson, mal levantando os olhos daquilo que estava a ler. “Pensámos que era perfeita – muito adequada a uma pessoa da sua estatura literária.”

Riley reparou no distinto vazio com que Isabel pronunciou aquelas palavras, “estatura literária,” como se não compreendesse completamente o seu significado.

Logan Somers abanou a cabeça e acrescentou num tom amargo, “A mãe quase não passava aqui tempo nenhum. Continuava a ficar naquele maldito barco.”

“Aquele estúpido barco,” Disse Isabel. “Tentámos convencê-la a não o comprar. Que desperdício de dinheiro.”

O seu tom era frio e desinteressado.

Dinheiro, Pensou Riley. É tudo o que lhes interessa. O dinheiro da mãe.

E agora rodeavam as pilhas de manuscritos inacabados de Amanda Somers como abutres.

Bill disse, “O Chefe Sanderson disse que queriam que falássemos com vocês. Sobre que assunto?”

Logan sorriu novamente.

“Só queríamos ter a certeza de que estávamos no mesmo caminho,” Disse ele.

Riley trocou olhares com Bill.

“E que ‘caminho’ é esse?” Perguntou Bill.

Nem Logan nem Isabel responderam durante alguns instantes. Isabel por fim colocou os papéis de lado e olhou para Bill e Riley.

“Soubemos que detiveram um suspeito,” Disse finalmente Isabel. “Uma mulher.”

“É verdade,” Disse Riley.

Logan e Isabel olharam um para o outro, e depois para Riley e Bill.

“Bem, é claro que têm que fazer o vosso trabalho,” Disse Loga com um encolher de ombros.

Riley sentiu-se algo intrigada.

“O que é que quer dizer com isso?” Perguntou.

“Têm que eliminar outras possibilidades,” Disse Logan.

“Outras possibilidades?” Perguntou Bill.

Logan emitiu uma ligeira risada.

“Quero dizer, outra para além do suicídio. Penso que a morte da mãe foi isso como é evidente. Penso que todos concordamos.”

Riley sentiu invadir-se pela fúria.

“Não sabemos nada a esse respeito,” Disse ela.

Bill acrescentou, “A vossa mãe foi morta por um cocktail de venenos pouco usuais – dificilmente o que a maioria das pessoas utilizaria para um suicídio.”

Isabel sorriu de forma arrogante.

“A nossa mãe não era a ‘maioria das pessoas’,” Disse ela. “Ela era um génio criativo. Mas vocês estão a investigar um caso de homicídios em série, não estão? Bem, simplesmente não faz sentido que a morte da nossa mãe esteja relacionada com isso. As outras duas vítimas eram... bem, demasiado normais. Não tinham nada em comum com a nossa mãe.”

Riley lembrou-se de que a Dra. Prisha Shankar dissera que a tese de suicídio acrescentaria valor de mercado à obra de Amanda Somers.

“Seria torturada e infeliz, para além de solitária. Tudo junto cria as lendas literárias.”

Era disso que se tratava – controlo total da reputação póstuma de um autor. Riley sentiu que Bill se sentia tão incomodado como ela. Mas como habitualmente, manteve um tom tático.

Disse, “Garanto-vos que tudo faremos para descobrir as exatas circunstâncias da morte da vossa mãe.”

Com um ligeiro sorriso, Isabel disse, “Agente Jeffreys, nós conhecemos as exatas circunstâncias. E o seu agente contratou uma empresa de RP para tratar da história dos seus últimos dias. Detestaria que a polícia e o FBI contradissessem essa história.”

Riley ficou estupefacta com o descaramento da mulher.

Disse, “E eu detestaria que você e o seu irmão fossem acusados de obstrução à justiça. O melhor é não deixarem essa vossa ‘história’ ser conhecida até terminarmos a nossa investigação.”

A expressão de Isabel ensombreceu e a sala pareceu, de repente, ficar mais fria. Fez um gesto na direção das enormes pilhas de manuscritos.

“Agentes Paige e Jeffreys, estão a olhar para um tesouro literário,” Disse ela. “Estão aqui pelo menos cinco romances inéditos. É um sonho tornado realidade para a legião de leitores da nossa mãe. Porquê estragar a sua diversão com um escândalo sórdido?”

A hipocrisia da mulher espantava Riley. Nenhuma daquelas pessoas queria evitar um escândalo. Elas apenas queriam escolher o escândalo – suicídio e não homicídio, sobretudo se fosse mais um entre outros homicídios. E com todo o dinheiro que estavam prestes a herdar, podiam contratar uma dispendiosa equipa de advogados e revogar uma acusação de obstrução. Podiam tornar esta investigação mais difícil do que já era.

Ou estava algo mais sinistro em causa?

A morte de Amanda Somers deve ser um sonho tornado realidade para eles, Pensou Riley.

Viveram na sombra da fama da mãe toda a sua vida e nunca tinham podido explorá-la.

Será que poderiam ter decidido encurtar a vida da mãe?

A sua ganância em arrebatar os manuscritos da mãe e receitas antecipadas seriam certamente um motivo eloquente.

Riley tentou enquadrar essa possibilidade. Teriam Logan e Isabel a estaleca para planear um homicídio – ou uma série de homicídios para encobrir este? Talvez não, mas podiam ter contratado outra pessoa para o trabalho.

A voz de Bill interrompeu os pensamentos de Riley.

“Penso que terminámos por aqui,” Disse ele numa voz tensa e furiosa. “Obrigado pelo vosso tempo.”

Isabel chamou o mordomo que acompanhou Riley e Bill à porta.

Enquanto caminhavam na direção do carro, Bill disse, “ Não ficaste com a sensação de que acabámos de falar com dois possíveis suspeitos?”

“Não sei Bill,” Disse Riley. “Ocorreu-me, mas não sei.”


*


Quando Bill e Riley regressavam ao departamento do FBI alguns minutos mais tarde, viram uma multidão de pessoas na entrada principal.

“O que é que se passa?” Perguntou Bill.

Muitas das pessoas tinham câmaras e microfones. Riley estava à espera de uma discussão produtiva de uma investigação em curso. Em vez disso, ela e Bill estavam prestes a cair noutra emboscada dos meios de comunicação social.

Ela conseguia sentir a sua fúria a crescer.

Também sentiu Bill a agarrar no seu braço e a sussurrar-lhe, “Tenta não assustar os simpáticos jornalistas.”

 

 


CAPÍTULO VINTE E OITO


Quando a multidão de jornalistas viu Riley e Bill, rodearam-nos com microfones em riste e câmaras a dispararem. Riley estava furiosa – mas não com os jornalistas, a maior dos quais reconhecia da desastrosa reunião no hospital no dia anterior. Mas alguém libertara notícias sobre o caso prematuramente e Riley estava furiosa com essa pessoa, fosse ela quem fosse.

Os jornalistas chocavam contra Riley e Bill, ao mesmo tempo que chamavam por eles.

“Agente Paige!” Gritou um.

“Agente Jeffreys!” Gritou outro.

“É verdade que fizeram uma detenção no caso dos envenenamentos?”

“Como se sentem por terem resolvido o caso tão rapidamente?”

Riley e Bill afastaram os jornalistas, tentanto encontrar um caminho para a porta de entrada.

“Sabem que não podemos discutir casos sob investigação,” Disse Bill.

“Mas a investigação está encerrada, não está?” Gritou a mulher com a câmara.

“Como chegaram à conclusão que Solange Landis era a assassina?” Gritou um homem com um microfone.

“Qual foi o motivo?” Perguntou outro jornalista.

Riley e Bill conseguiram chegar à porta de entrada sem responder a nenhuma pergunta. Dois agentes estavam à porta.

“Não os deixem entrar no edifício,” Disse Riley aos agentes.

Os agentes assentiram e caminharam na direção da multidão. Riley e Bill apressaram-se na direção do edifício para ficarem fora do alcance dos jornalistas.

“Raios partam,” Disse ofegante. “Pensava que vínhamos a uma reunião para discutir o progresso do caso.”

Bill abanou a cabeça.

“Bem, pelo que nos disseram, o caso está resolvido. Foi uma pena é termos sabido pelos jornalistas e não pela nossa equipa.”

“Pois, imagino de quem será a culpa,” Disse Riley.

Subiram um lance de escadas até à sala de reuniões do FBI. Quando lá entraram, Riley ficou chocada por ver todos muito satisfeitos.

Maynard Sanderson estava sentado num lado da mesa com os Agentes Lloyd Havens e Jay Wingert a flanqueá-lo. O Chefe Sean Rigby expressava o seu domínio estando de pé enquanto os outros estavam sentados.

Por contraste, Van Roff parecia tão alheio como habitualmente. Mais uma vez, estava sentado na ponta mais distante da mesa, atarefado no seu portátil.

O Chefe Rigby apresentava um sorriso satisfeito e sinuoso.

“Estão um pouco atrasados, Agentes Paige e Jeffreys,” Disse ele.

“Sim,” Disse Riley, resistindo ao impulso de responder com maus modos. “Fomos atrasados pela multidão à frente do edifício.”

Rigby fez um som gutural que parecia o mais próximo de uma risada.

“Ah, os jornalistas. Não os podemos censurar por quererem felicitar-vos por um trabalho bem feito. Na verdade, todos vos queremos felicitar. Sentem-se.”

Bill alternava o peso entre um pé e o outro.

“Eu prefiro ficar de pé, obrigado,” Disse Bill.

“Eu também,” Disse Riley.

O sorriso de Rigby desvaneceu-se um pouco. Também ele não se sentou. Riley pressentiu que estava determinado a manter o domínio e ficaria de pé o tempo que eles também ficassem.

“Porque é que a comunicação social tem tanta certeza de que apanhámos a assassina?” Perguntou Riley.

Rigby disse, “Só lhes disse a verdade – que tínhamos feito uma detenção. E disse-lhes o nome da suspeita.”

Maynard Sanderson acrescentou, “Excelente trabalho que vocês fizeram. Tenho que admitir que não estava ansioso por vos ter aqui. Mas o Chefe Rigby tomou a decisão certa. Vocês fizeram um grande trabalho.”

“Ainda não acabámos,” Disse Riley. “Eu e o Agente Jeffreys queremos interrogar a suspeita.”

Rigby abanou a cabeça.

“Isso não é necessário,” Disse ele.

“O que é que quer dizer com não ser necessário?” Perguntou Bill.

Sanderson disse, “Vocês já fizeram o principal. Nós agora tratamos do resto. Nós sacamos-lhe uma confissão. Ela já começa a ceder. Vocês podem voltar agora para Quantico.”

Riley quase tremia de raiva. Ela não sabia o que dizer. Estava aliviada por ter sido Bill a falar.

“Eu e a Agente Paige sabemos que não encontraram qualquer prova na casa de Solange Landis – nenhum veneno.”

Rigby encolheu os ombros.

“Bem, isso era de esperar,” Disse. “Ela é esperta e sabe encobrir os vestígios. Mas é apenas uma questão de tempo. Todos sabemos que ela é a assassina.”

“Só sabemos que ela é culpada de fraude,” Disse Bill. “Isso não é o mesmo que múltiplos homicídios.”

Rigby olhou para Riley e Bill.

“As provas circunstanciais são esmagadoras,” Disse ele. “Sabem isso melhor do que ninguém. Devido à sua posição na escola podia ter acesso a qualquer tipo de instalação médica. Isso significa que poderia ter tido acesso a qualquer uma das nossas vítimas.”

“Poderia,” Resmungou Bill. “O caminho até à prova é distante.”

Riley olhou para Van Roff que parecia não estar a prestar atenção ao que se dizia. Ainda trabalhava no portátil.

“O que é que está a fazer Sr. Roff?” Perguntou Riley.

“Ainda à procura,” Disse Roff com uma voz distante. “Estou a localizar pessoas que pudessem ter acesso – terapeutas, sobretudo.”

Riley quase suspirou de alívio.

Pelo menos alguém aqui ainda está a trabalhar, Pensou. Se ao menos os outros fizessem o mesmo.

“Ouçam-me,” Disse ela. “Este caso ainda não está encerrado. Se Solange Landis é culpada, acreditem em mim, ainda tem truques na manga, Não será fácil de derrubar. Se não é culpada, ainda temos um assassino à solta.”

Rigby aproximou-se de Riley e Bill.

“Aprecio a vossa diligência,” Disse, parecendo agora mais impaciente. “Mas já acabou.”

Rigby cruzou os braços.

“Estou certo que têm trabalho mais urgente à vossa espera em Quantico,” Disse ele. “Querem que providencie o vosso voo de regresso?”

“Não, obrigado,” Disse Bill. “Nós tratamos disso.”

“Tratem rápido,” Disse Rigby. “Podem ir agora. Nós tratamos do resto. E mais uma vez, obrigado.”

Por fim, Rigby sentou-se à cabeceira da mesa e enfrentou os outros que concentraram a sua atenção nele. Riley e Bill estavam agora de fora do que quer que fosse discutido de seguida. Saíram da sala.

Ao saírem do eifício, ficaram aliviados por perceber que a multidão de jornalistas tinha dispersado.

“Devem ter-se aborrecido de ficar à espera,” Disse Bill.

“Só Deus sabe que história vão divulgar agora,” Disse Riley.

Caminharam em silêncio na direção do carro.

“O que é que devemos fazer agora?” Perguntou Riley.

“Não sei tu,” Disse Bill. “Mas a mim apetece-me mesmo uma bebida.”

“Boa ideia,” Disse Riley.


*


Um pouco mais tarde, Riley e Bill estavam numa cabina no bar do hotel. O bar estava cheio à hora de almoço, mas a cabina era muito privada. Bill acenou ao empregado, dizendo, “Pedimos daqui a alguns minutos.”

Fez uma chamada para Brent Meredith em Quantico e fizeram-lhe um ponto da situação com o telemóvel em alta-voz. Riley fez as suas queixas quanto a encerrar o caso tão rapidamente.

“Concordo com vocês que ainda existem algumas pontas soltas,” Respondeu Meredith. “Mas o Rigby foi a pessoa que solicitou a vossa presença à partida. Se ele pensa que o vosso trabalho está terminado por aí, a decisão é dele. A não ser que tenham uma prova irrefutável do contrário.”

Riley suspirou. “Não temos nada de sólido,” Disse ela. “Mas não gosto disto.”

“Não tem que gostar. É assim que as coisas funcionam.”

Seguiu-se um curto silêncio.

“Espero-vos no meu gabinete pela manhã,” Disse Meredith.

“Sim, senhor,” Disse Bill e terminou a chamada.

Bill e Riley olharam um para o outro durante uns instantes.

“Tenho que admitir que estou aliviado,” Disse Bill. “Estou ansioso para sair daqui.”

Riley ficou chocada.

“O que é que estás a dizer? Pensava que estavas particularmente ansioso em fechar este caso como deve de ser.”

Bill franziu o sobrolho.

“E quero, quero mesmo,” Disse ele. “Mas isto está a comer-me vivo. E não adiantava de nada ficar aqui. O caso está encerrado de acordo com todos exceto...”

Ele parou antes de terminar a frase.

“Todos exceto eu?” Disse Riley. “É isso que queres dizer?”

Bill não respondeu.

“Bill, olha-me nos olhos e diz-me que estás satisfeito por termos apanhado a Solange Landis.”

Bill trocou olhares com ela mas não respondeu.

Por fim, Bill disse, “Vou ligar ao piloto para preparar o avião para nos levar para Quantico.”

Riley mal conseguia acreditar no que estava a ouvir.

“”Força, faz a chamada,” Disparou ela. “Mas entras naquele avião sozinho. Eu vou ficar aqui até o trabalho estar concluído.”

Os olhos de Bill dilataram, alarmados.

“Riley, estás doida? Ouviste o que o Meredith disse. Ele espera-nos a ambos amanhã de manhã.”

Riley conseguia sentir um nó de raiva na garganta.

“Pois, bem, não seria a primeira vez que ignorava uma ordem.”

Bill agora olhava para ela verdadeiramente preocupado.

“Não, não seria,” Disse ele. “Mas pode ser a última. Riley, já foste suspensa e despedida e reintegrada vezes sem conta. Mais cedo ou mais tarde a tua sorte vai acabar. Quando é que vais parar de brincar com o fogo?”

Riley quase teve que trincar a língua. Como podia Bill, de todas as pessoas, estar pronto a desistir assim, daquela forma?

Por fim, Riley disse, “Faz a chamada se quiseres. Vou pedir uma bebida.”

“Riley....” Começou Bill.

Ela saiu da cabina e foi até ao bar. Pediu um bourbon duplo com gelo. Enquanto esperava, deu por si a pensar...

Estarei errada?

Toda a gente parecia ter a certeza de que o caso estava encerrado. Ela não sabia ao certo porque é que não partilhava dessa opinião. Agora arrependia-se por ter sido tão dura com o Bill.

O empregado do bar serviu-lhe a bebida e ela pagou-a.

Preciso de conversar com o Bil, Pensou.

Mas quando regressou à cabina viu que ele já não estava lá.

Tinha ido para o seu quarto, é claro, fazer as malas para regressar a casa. Nem tinha ficado para o almoço.

Riley começou a pensar se não deveria fazer o mesmo.

Não era tarde para mudar de ideias.

Voltou para a cabina e bebericou a sua bebida.

Começou a perceber que uma dúvida vaga se instalara desde que ela e Bill tinham prendido Solange Landis.

O que era exatamente?

Depois Riley lembrou-se daquele momento no convés superior na casa flutuante de Amanda Somers.

Ela apanhara um flash da mente do assassino e percebera duas coisas de forma muito clara.

O assassino era uma mulher...

E era completamente louca.

Será que Solange Landis se encaixava nesse perfil?

Não era impossível. Ela lidara com muitos psicopatas que conseguiam apresentar uma faceta sã ao mundo. E Landis era um mistério para ela.

Mas Riley não conseguia sacudir as suas dúvidas.

Nesse momento, o telefone tocou. Viu que a chamada era de casa. Atendeu e ouviu a voz frenética de April.

“Mãe, tens que vir para casa já! A Jilly está num grande sarilho!”

“O que é que aconteceu?” Perguntou Riley, tentando permanecer calma.

“Não sei, mãe. Acabei de chegar a casa e a Gabriela está assustada de morte. Acabou de receber um telefonema da escola da Jilly. A Jilly não foi às duas últimas aulas e não veio para casa. Não fazemos ideia onde estará.”

Riley sentiu o pânico a dominá-la. April já desaparecera no passado e estivera em grande perigo.

Não tem que ser o mesmo género de coisa, Disse a si própria.

“O pai quer falar contigo,” Disse April.

Riley sentiu um ligeiro alívio ao saber que Ryan lá estava. Depois ouviu a sua voz.

“Riley, lamento isto ter acontecido. Tenho feito o meu melhor. Mas a April, a Gabriela e eu não conseguimos vigiá-la constantemente. Era suposto estar na escola.”

“A culpa não é tua Ryan.”

“Devemos chamar a polícia?”

Riley pensou durante uns instantes.

“Não,” Disse Riley. “Ainda não passou tempo suficiente e a polícia não vai fazer nada. Ligamos-lhes mais tarde se...”

Não conseguiu terminar a frase.

Disse, “Vou para casa, mas só chego à noite. Podes aí ficar com a April e a Gabriela?”

“Claro,” Disse Ryan.

Riley suspirou de alívio e gratidão.

“Obrigada, Ryan,” Disse ela.

“Quem me dera que eu pudesse fazer alguma coisa.”

“Estás a fazer tudo o que podes. Eu... eu agradeço-te muito.”

A chamada terminou e Riley ficou sentada a olhar para o telemóvel durante um momento.

Despacha-te, Disse a si própria. Bill ia fazer as malas para voltar para Quantico e ela tinha que ir com ele.

No final de contas, o FBI tinha a certeza de que ela apanhara a assassina em série de Seattle.

Porque é que ela não se conseguia convenver de que era verdade?

 

 


CAPÍTULO VINTE E NOVE


A mulher estava sentada na mesa da cozinha a ver a primeira página do jornal do dia.

O título anunciava...


Nação chora morte de autora amada


A mulher não queria acreditar.

Pelo segundo dia, as primeiras páginas dos jornais estavam repletas de notícias sobre a morte de Amanda Somers

A última vítima da mulher estava a ter muita visibilidade.

Estava surpreendida pelo facto de a causa da morte ainda parecer contraditória. Parecia que os filhos da vítima diziam tratar-se de suicídio, enquanto a polícia local e o FBI estavam a investigá-la como um homicídio.

De qualquer das formas, a partir de agora tinha que ser mais cuidadosa. A polícia e o FBI estavam demasiado cientes de que se tratatavam de casos de envenenamento. Já estavam a tentar localizá-la. Quanto tempo demoraria até ligarem esta última morte a uma certa profissional de saúde?

Levantou-se da mesa e dirigiu-se a uma prateleira onde guardava dezenas de telemóveis. Cada um deles estava etiquetado com um nome – Susan Guhrie, Esther Thornton, Michele Metcalf, Miranda Oglesby...

Pegou no telemóvel com a eqtiqueta Judy Brubaker.

Ela fora Judy Brubaker quando envenenara Amanda Somers.

Ainda ontem uma clínica ligara para aquele número a perguntar se Judy Brubaker estava disponível. Educadamente dissera que não, Judy Brubaker tinha que sair da cidade devido a uma emergência familiar.

 Mas agora parecia que Judy Brubaker tinha que desaparecer de vez.

Deixava-a triste.

Ela gostava de Judy Brubaker.

Toda a gente gostara de Judy Brubaker.

Mas tal como Hallie Stillians há alguns dias atrás, Judy Brubaker tinha que desaparecer. Tal como outras haviam desaparecido ao longo dos anos.

Levou o telemóvel até ao balcão da cozinha e retirou um rolo da massa de uma gaveta. Rolou-o por cima do telemóvel, partindo-o até ter a certeza de que estava completamente destruído.

Atirou o telemóvel para o lixo.

Depois sentou-se na mesa novamente e olhou em torno da sua cozinha. Suspirou satisfeita. Ela gostava tanto daquela casa! Era incrível como ela era feliz a viver ali. Mas depois de uma vida inteira, nunca se cansara da sua casa confortável. Tivera todos os cuidados para a manter exatamente como era durante a sua infância – um santuário da sua vida perfeita.

Suspirou ao pensar que nem todas as infâncias haviam sido tão felizes como a sua. Nem todas as vidas eram tão ricas e plenas de significado.

Como é triste!

Aquela cozinha era a sua divisão preferida. Tinha as cortinas vistosas e os pratos bonitos alinhados em prateleiras pintadas. Gostava especialmente dos recipientes antigos que tinham pertencido à mãe. Estavam decorados com frutas e flores coloridos e estavam etiquetados com os ingredientes que continham – café, chá, açúcar, farinha, etc.

Durante a sua infância, a mãe fizera magia com os ingredientes. Ela lembrava-se com especial agrado dos biscoitos de laranja da mãe que demoravam um dia inteiro a preparar e cozer.

Claro que aqueles recipientes agora tinham ingredientes bem diferentes.

Isso porque a vida agora era diferente.

Já não era uma menina.

Agora tinha responsabilidades – responsabilidades que nem sempre compreendia.

Muitas vezes compreendia perfeitamente porque é que tinha que acabar com as vidas das pessoas.

Algumas vezes era porque alguém estava a sofrer ou era infeliz ou solitário.

Às vezes era porque as pessoas eram más e tinham vivido vidas sem sentido, vidas nocivas.

Estranhamente, Cody Woods encaixava-se em ambos os perfis. Não sabia se devia ter pena dele ou se o devia odiar. Tudo o que sabia é que tinha que acabar com ele. Não estava tão certa quanto a Amanda Somers. Mas sentia aquela necessidade profunda e soube que tinha que o fazer.

De alguma forma, sempre soubera que tinha que ser feito, mesmo quando não compreendia porquê.

Fechava os olhos e imaginava-se a cobrir o mundo com as suas grandes asas negras.

Mas era mesmo apenas a sua imaginação?

Com o passar do tempo, convenceu-se cada vez mais de que as asas eram reais. Ela sentia-as sobre os ombros. Ninguém no mundo as podia ver, mas elas estavam mesmo lá.

Ela era mesmo um anjo.

E como todos os anjos, tinha um trabalho sem fim a realizar.

Era um trabalho solitário - às vezes insuportavelmente solitário.

Nunca ninguém compreenderia.

Não sintas pena de ti própria!

Abriu os olhos e parou de divagar.

Ela tinha algumas decisões sérias a tomar.

Já usava o tálio há muito tempo – demasiado tempo.

Agora as autoridades estariam atentas a essa substância e, para além disso, atuava com demasiada rapidez – ela precisava de algo muito mais lento.

Felizmente já se preparara para efetuar a necessária alteração. Mas não ia ser fácil. E iria colocar a sua própria vida em grande perigo. Tinha que ser corajosa – e muito cuidadosa.

Levantou-se e dirigiu-se ao balcão da cozinha. Abriu um armário baixo que apenas continha um objeto no seu interior – um pequeno cofre cinzento com uma fechadura.

Nunca apontara a combinação – parecia demasiado perigoso fazê-lo.

Mas estava bem gravado na sua memória.

Para a direita treze, esquerda trinta e seis, depois direita outra vez vinte e quatro.

É claro que não o ia abrir agora. A mera ideia fê-la estremecer. Lá dentro estava um pequeno tubo hermeticamente selado. Dentro do tubo estava um líquido transparente.

Ela tinha roubado o tubo há cerca de um ano de um laboratório de química de faculdade onde estava descuidadamente armazenado num armário marcado como “TOXINAS DE REFERÊNCIA”.

Fosse qual fosse o significado.

Naquele momento, ela não sabia quão imprudente era manipular aquele tubo. Depois fizera alguma pesquisa que a assustou.

Quando percebeu quão perigosa era a substância, comprara um pequeno cofre, fechou o tubo no seu interior e armazenou-o debaixo do balcão onde a temperatura era fresca. Jurara nunca tocar no tubo ou até abrir o cofre até chegar o momento em que teria a necessidade de alterar os seus métodos.

E agora, parecia que o momento chegara.

Mas tinha tudo aquilo de que precisava?

Sabia que sim, mas decidiu verificar, só para se sentir mais segura.

Abriu outro armário e olhou para o seu conteúdo. Sim, a maioria das coisas de que precisava estava armazenada por questões de segurança – um par de luvas laminadas, outro par de luvas que serviriam de reforço, um conjunto de óculos próprios para a manipulação de químicos, um sistema respiratório com máscara incorporada e um casaco branco de laboratório.

Riu-se perante a parafernália necessária.

Tantos cuidados para um tubo tão pequeno!

A única coisa que estava a faltar era um conta-gotas e isso seria fácil de arranjar.

No total, o equipamento custara-lhe quase mil dólares. Mas não tinha dúvidas de que fora um excelente investimento. Sempre soubera que precisaria dele algum dia.

Seria suficientemente corajosa para o utilizar agora?

E foi nesse momento que tocou um telemóvel. Dirigiu-se à prateleira repleta de telemóveis e viu que a chamada era para Esther Thornton.

Ah, sim, Esther.

Já não fazia de Esther há algum tempo.

Esther era uma mulher rígida da Nova Inglaterra com um sentido de humor seco. As pessoas nem sempre gostavam de Esther de imediato, mas acabavam sempre por gostar dela. Havia um mundo de carinho atrás da formidável fachada de Esther.

Atendeu o telemóvel.

“Esther? Daqui fala Molly Braxton do Ormond Rehab.”

Ela respondeu com um sotaque próprio da Nova Inglaterra.

“Ah, sim, Molly. Como está? Já lá vai tanto tempo.”

Molly riu.

“Sim, é verdade, não é? Bem, temos um novo paciente que sofre de vertigens.”

O seu interesse cresceu. Não lidava com um paciente com vertigens há muito tempo.

“A sério? Qual a causa?”

“Disfunção do ouvido interno. E é claro que precisamos de alguém que possa providenciar a terapia física apropriada.”

“E pensou em mim! Estou lisonjeada. Quando começo?”

“Assim que puder.”

“Vou já para aí.”

Anotou a informação que Molly lhe dera e terminou a chamada da forma tipicamente brusca de Esther. Depois percebeu que devia ter feito mais perguntas sobre o paciente. Nem sabia o nome do paciente ou se era homem ou mulher.

Bem, saberei não tarda nada.

E também saberia muito em breve se aquele paciente estava destinado a viver ou a morrer.

 

 


CAPÍTULO TRINTA


Riley sentia-se indefesa ao olhar pela janela do avião para a paisagem que se movimentava lentamente mais abaixo. Demoraria horas até chegar a casa.

O que poderia suceder nesse espaço de tempo?

O que estava a acontecer naquele momento?

Tirou o telemóvel e escreveu uma mensagem a Ryan.

A Jilly já voltou para casa?

A resposta chegou passados poucos segundos.

Não. Lamento.

Riley digitou uma última linha.

Estou a caminho.

Ryan respondeu, Fico contente.

Riley voltou a colocar o telemóvel na mala e olhou novamente para a janela.

“Em que é que estás a pensar?” Perguntou Bill.

Riley quase se esquecera que ele estava sentado a seu lado.

“Sinto-me tão – tão acima das minhas forças em tudo,” Disse Riley.

Ficou surpreendida por sentir um nó na garganta. Era a única coisa que a impedia de chorar.

“Gostava que houvesse alguma coisa que eu pudesse fazer,” Disse Bill.

Riley apertou a sua mão por um momento, depois largou-a. Ela estava contente por ele ali estar e ele já fazia muito em limitar-se a ali estar e em não dizer muito. Ela podia contar com Bill no que dizia respeito a não dizer coisas do género “Tenho a certeza de que vai correr tudo bem,” ou “Ela vai aparecer em casa não tarda nada, vais ver.”

As pessoas fúteis diziam sempre isso e Riley detestava. Mas Bill sempre sabia o que dizer e o que não dizer – e quando não dizer nada. Às vezes ela sentia que não lhe dava o devido valor.

“Desculpa ter-me passado há bocado,” Disse Riley.

Bill não respondeu.

Talvez ainda esteja zangado, Pensou Riley.

“Eu estava errada,” Disse Riley.

Bill franziu o sobrolho.

“Talvez não. Não sei. Não estou satisfeito com a forma como deixámos as coisas lá. E...”

Bill não concluiu. Riley sabia o que ele não estava a dizer. Ele sentia-se mal por se ter deixado dominar pelas emoções. O trauma de infância do envenenamento da sua mãe tinha diminuído a sua objetividade, tinha tornado difícil realizar o trabalho e agora parecia estar a fugir dele.

Mas Riley não o podia censurar. Alguns casos acionavam memórias terríveis. Ela bem sabia por experiência própria.

“Tínhamos as nossas ordens,” Disse Riley. “Estamos oficialmente fora do caso.”

“Não sei, Riley. Vamos admiti-lo, nenhum de nós pensa que isto ficou resolvido. Talvez devêssemos ter ficado e ter ignorado as ordens. Sabes, às vezes invejo a tua...”

Ele parecia procurar a palavra certa.

“Teimosia?” Perguntou Riley com um sorriso.

Bill também sorriu.

“Chamemos-lhe apenas a tua saudável capacidade de insubordinação.”

Riley soltou um riso triste.

“Pois, bem – ambos sabemos que me vai levar à desgraça um destes dias.”

Bill riu tranquilamente.

“Pelo menos terás a tua integridade,” Disse Bill.

“A integridade é sobrevalorizada,”

“Não, não é.”

Riley não disse mais nada durante alguns instantes. Olhou novamente para a janela.

“Não percebo Bill,” Disse, por fim. “Tudo o que quero é dar à Jilly um lar seguro e confortável. Em Phonenix, ela tinha razões para fugir. O pai maltratava-a e era cruel, e só Deus sabe que mais teve ela que enfrentar. Mas eu fiz tudo para fazer com que tudo corresse melhor. Porque é que ela continua a fugir?”

Bill pensou durante alguns segundos.

“Deve por ser tudo novo para ela,” Disse ele finalmente. “Ela nunca esperou ter o tipo de vida que lhe estás a dar. E ela não... não sabe como vivê-la, deve ser isso.”

Riley lembrou-se do que Ryan lhe dissera recentemente.

“Ela tem problemas com a sua imagem. Nenhuma autoconfiança.”

Bill e Ryan pareciam partilhar a mesma opinião sobre Jilly. Riley apreciou ambas as perspetivas.

“Achas que ela vai aprender?” Perguntou Riley.

Bill não respondeu, limitou-se a olhar para ela, pleno de compreensão.

Riley suspirou. Não, não fazia parte de Bill dizer coisas estúpidas e esperançosas – não quando sabia tanto quanto ela sobre o rumo dos acontecimentos.

Recostou-se e fechou os olhos. O barulho dos motores era reconfortante. Ela respirava devagar e adormeceu.


Riley estava a andar num nevoeiro espesso.

Estava sozinha e não sabia para onde ir.

Então viu uma figura estreita a caminhar na sua direção.

O nevoeiro levantou-se um pouco e Riley pode ver que era a mãe.

“Mãe!” Gritou ela. “Estás bem!”

Mas depois surgiu um flash e um ruído, e de repente havia um buraco com sangue no peito da mãe.

A mãe ainda ali estava, parecendo surpreendida, Tocou na ferida, depois olhou para a mão, coberta de sangue.

Riley queria correr na sua direção, mas as suas pernas estavam presas.

“Mãe, temos que ir para o hospital,” Disse ela.

“Não,” Disse a mãe.

“Temos que ir! Se não formos, morres.”

A mãe sorriu tristemente.

“Oh, Riley, eu já estou morta. Estou morta há muito tempo. Porque é que estás sempre a tentar resolver coisas que não podem ser resolvidas?”

Riley ficou confusa com aquela pergunta.

Sentiu que era uma das perguntas mais importantes do mundo.

“Como é que sei a diferença?” Perguntou.

A mãe abanou a cabeça.

“Limita-te a ir embora, Riley,” Disse ela.

“Mas não sei para onde ir,” Disse Riley.

A mãe virou-lhe as costas.

“Limita-te a ir embora,” Disse outra vez.

E depois desapareceu no nevoeiro.


Riley acordou com alguma turbulência. Sentia o avião a descer. Aterrariam a qualquer momento.

Lembrou-se do seu sonho de forma muito vívida e a sua mensagem era dolorosamente clara. A sua mãe tentava dizer-lhe que tentava fazer muitas coisas, tentava resolver problemas que não podia resolver.

Mas como podia escolher?

Devia desistir do caso?

Ou devia desistir de Jilly?

Ou era outra coisa qualquer de que devia desistir?

“Limita-te a ir embora,” Dissera a mãe.

“Mas afastar-se de quê?” Murmurou Riley para a janela.

Ouviu a voz de Bill mesmo a seu lado.

“Disseste alguma coisa?”

“Não,” Disse Riley.

Continuou a olhar para a janela, interrogando-se onde estaria Jilly.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E UM


Quando Riley estacionou o carro na sua casa, mal conseguia respirar de pura ansiedade. Era tarde e escuro agora. Já passava das nove da noite. Não soubera de nada desde a breve troca de mensagens com Ryan no avião.

Quando virou a maçaneta e abriu a porta, a primeira coisa que viu foi Ryan a ir ao seu encontro.

“A Jilly está em casa,” Disse ele. “Acabou de chegar há momentos.”

Riley arfou de puro alívio. As suas pernas quase cederam.

“Tenho que me sentar,” Disse ela.

Gabriela e April estavam à sua espera na sala de estar e Riley afundou-se no sofá para conversar com elas.

“O que é que aconteceu?” Perguntou. “Para onde foi a Jilly?”

“A policía trouxe-a a casa,” Disse Gabriela.

“A polícia?” Perguntou Riley.

“Apanharam-na numa paragem de camiões,” Disse April.

Riley nem queria acreditar. Lembrou-se da paragem de camiões onde conhecera Jilly.

Ryan sentou-se no sofá ao lado de Riley.

Disse, “Uma mulher de uma paragem de camiões – uma prostituta, tenho a certeza – ligou à polícia e disse que uma menor estava a vaguear por ali. Aparentemente falou com Jilly e depois ligou à polícia. Ela deu-lhes o número de telefone, eles ligaram, Gabriela atendeu e depois trouxeram-na para casa.”

Riley sentou-se silenciosamente, tentando abarcar o que acabara de ouvir. O que é que ela pensava que estava a fazer? Estava a tentar vender o corpo outra vez? Riley esperava que essas ideias fossem passado.

“Onde é que ela está?” Perguntou Riley.

“No quarto,” Disse April.

Riley levantou-se e começou a subir as escadas.

“Vai com calma com ela, OK?” Disse April. “Ela está muito transtornada.”

Riley estava a começar a sentir-se zangada ao subir as escadas, mas não estava com disposição para repreender ninguém.

Bateu à porta do quarto de Jilly.

“Entra,” Disse Jilly.

Riley abriu a porta e viu Jilly sentada na beira da cama. Tinha uma caixa de lenços de papel a seu lado. Estivera obviamente a chorar.

“Desculpa,” Disse Jilly.

Riley ficou na ombreira alguns segundos.

Por fim, disse, “O que é que aconteceu Jilly? Porque é que fizeste aquilo?”

“Eu já pedi desculpa.”

“Não estás a responder à minha pergunta.”

Riley sentou-se na cama ao lado de Jilly.

“A April e eu discutimos,” Disse Jilly.

“Sobre quê?”

“Não interessa. Eu estava errada.”

“Foi sobre quê, Jilly?”

Jilly puxou um lenço da caixa e assoou o nariz. Soluçou algumas vezes antes de começar a falar.

“Antes de ir para a escolha esta manhã, comi um iogurte que era dela. Estava no frigorífico e tinha o nome dela mas comi-o na mesma. Ela ficou zangada – só um pouco zangada. E eu também fiquei zangada e disse coisas que não devia ter dito. Não parava de pensar nisso na escola e sabia que estava errada e foi por isso que eu...”

Jilly desatou a chorar e Riley colocou-lhe o braço sobre os ombros.

Não conseguia dar a volta ao que Jilly acabara de contar.

Tudo isto por causa de um iogurte?

“Mas porque é que foste para uma paragem de camiões?” Perguntou Riley. “O que é que pensavas que estavas a fazer?”

“É a única coisa em que alguma vez serei boa.”

Riley ficou perplexa com aquelas palavras.Será que esta criança realmente pensa que só será boa a vender o corpo?"

“Não digas isso,” Disse Riley. “Nunca digas isso. Tu és boa em todo o tipo de coisas. Só ainda não as descobriste. És inteligente e podes aprender. E estamos aqui todos para ajudar.

“Eu não sou ninguém,” Disse Jilly.

Riley levantou o queixo de Jilly e olhou-a nos olhos.

“Tu és alguém. Se não fosses ninguém, ninguém se preocuparia contigo. Mas o Ryan, a April e a Gabriela estavam todos muito preocupados contigo. E eu estava tão preocupada contigo que fiz uma viagem do outro lado do país. Eu diria que és uma pessoa muito importante para pores tanta gente preocupada.”

Jilly riu-se por entre os soluços. Riley abraçou-a com força.

“Chega de fugas, OK?” Disse Riley.

“OK.”

“Agora vamos descer e passar algum tempo juntos, que tal?”

Jilly abanou a cabeça.

“Hu-uh,” Disse. “Tenho que fazer alguns trabalhos de casa.”

Riley sorriu. Ela tinha quase a certeza de que a verdadeira razão para não querer descer era a vergonha.

Deu uma palmadinha no ombro de Jilly e saiu do quarto. Riley viu que a porta do quarto de April estava aberta e April estava sentada na sua cama. Estivera à espera para saber o que se passara.

“Como é que ela está? Perguntou April numa voz calma.

Riley entrou no quarto e sentou-se na cadeira em frente a April.

“Quem me dera saber,” Disse Riley. “Tudo isto é uma novidade para mim.”

“Não é assim uma novidade tão grande,” Disse April. “Eu até tenho sido pior.”

Riley deu uma risadinha triste e abanou a cabeça.

“Não, isto é novo – e diferente.”

Riley e April olharam uma para a outra durante alguns segundos.

“Era só um estúpido iogurte,” Disse April. “Não devia ter gritado com ela por causa daquilo.”

“Talvez não,” Disse Riley. “Mas ela tem que aprender a viver connosco e nós temos que aprender a conviver com ela.”

Riley olhou à sua volta para o quarto de April e reparou que estava surpreendentemente limpo e organizado. Talvez Gabriela a tivesse ajudado com aquilo, mas April também devia ter feito a sua parte.

“Diz-me só que não te andas a meter em nenhum sarilho,” Disse Riley.

April riu-se.

“Só se fazer os trabalhos de casa e ter boas notas e não ter namorado e andar com a Crystal for algum problema.”

Riley riu-se.

“Isso é o que eu quero ouvir. Como está a Crystal?”

“Ótima. Ela diz que o pai pergunta muito por ti.”

Riley lembrou-se daquela mensagem que recebera de Blaine há alguns dias.

“Espero que tudo esteja a correr bem. Quando é que regressas? Eu faço o jantar.”

Ela não respondera. Talvez tivesse sido rude da sua parte, mas não lhe apetecera. Para além disso, um jantar de família no restaurante de Blaine provavelmente agora teria que incluir o Ryan. E isso seria bem estranho.

Riley disse, “Bem, podes dizer à Crystal para dizer ao pai que eu... Estou bem.”

April olhou para ela com um sorriso trocista.

“Aindas estás zanagada com ele, não estás? Quero dizer, por se terem mudado.”

Riley ficou surpreendida. Não se apercebera que os seus sentimentos eram tão transparentes.

“Não estou zangada com ele,” Disse ela, não muito certa de estar a ser sincera. “Mas acho que estou desiludida. Pensava que ele ficaria por cá.”

“Bem, eu estou um bocado zangada com ele,” Disse April. “Quero dizer, mudar-se assim, só por causa de uma coisinha de nada como ser espancado por um psicopata.”

Era uma piada, claro, mas Riley não se riu. Era algo muito próximo da verdade. Riley preocupava-se que a sua vida de perigo fosse tóxica para todos aqueles de quem gostava e que amava. Muitas vezes pensava se teria na verdade direito a ter uma família e algo parecido com uma vida normal.

“De qualquer das formas,” Acrescentou April, “Penso que estás melhor com o pai. Estás a reaproximar-te do pai, não estás?”

Riley soltou uma risada.

“Não sejas intrometida,” Disse.

“Ei, é a minha família.”

Riley e April ficaram sentadas a olhar uma para a outra durante algum tempo.

“Não sei, April. Vamos dar tempo ao tempo.”

Riley virou a cabeça e olhou para o quarto de Jilly. Pensou em bater-lhe novamente à porta para ver se estava bem. Mas não, não parecia uma boa ideia. Se a Jilly alguma vez se sentisse em casa ali, teria que ter a sua privacidade.

April perguntou, “Vamos adotar a Jilly?”

Riley olhou para April e reparou na sua expressão preocupada. Estaria April a sentir-se ameaçada pela possibilidade de ter uma irmã mais nova na sua vida?

“Ainda não sei, April.”

Os olhos de April abriram-se muito.

“Mãe, temos que a adotar! Somos tudo o que ela tem agora! Não a podemos mandar de volta para a sua vida antiga. Ela contou-me coisas tão horríveis e...”

April parou de falar, como se tivesse dito algo que não era suposto dizer. Riley sentiu-se estranhamente agradada. Parecia que Jilly fizera confidências a April, tal como uma irmã faria. E isso era uma coisa boa, mesmo que significasse que as duas raparigas tinham segredos de que Riley não tinha conhecimento.

“Eu preocupo-me April. E não tenho a certeza se é justo. Estou fora muito tempo e sei que a Jilly também é uma grande responsabilidade para ti.”

“Eu não me importo. A sério.”

Riley olhou para April maravilhada. Não há muito tempo, April era uma adolescente difícil. Envolvera-se com um canalha cruel que a drogara e a tentara transformar numa escrava sexual. Crescera tanto em tão pouco tempo.

Graças a Deus, Pensou Riley.

“Vamos ver, April,” Disse Riley, afagando o cabelo da filha. “Vai demorar algum tempo. De qualquer das formas, já é tarde e tenho a certeza que tens trabalhos de casa para fazer.”

“Acho que sim,” Disse April com um lamento adolescente fingido.

“Boa noite. Amo-te.”

“Também te amo.”

Riley saiu do quarto de April e desceu as escadas.


*


Pouco tempo depois, a casa estava silenciosa e pacífica. Riley e Ryan estavam sentados na sala de estar a tomar uma bebida. Não falaram muito durante algum tempo. Riley gostava do silêncio e pressentiu que Ryan também. No final de contas, o dia dele não tinha sido mais fácil do que o dela.

“Como correram as coisas em Seattle?” Perguntou por fim Ryan.

Riley suspirou. Não pensara muito no caso desde que chegara a casa. “O caso está encerrado,” Disse ela.

Ryan inclinou a cabeça e olhou para ela com curiosidade.

“Não pareces muito convencida.”

Riley ficou surpreendida por Ryan conseguir interpretar as suas dúvidas.

Conhece-me melhor do que me apercebia, Pensou.

“Não, não estou,” Disse ela. “Mas não depende de mim.”

Tomou um longo gole da sua bebida.

“Como é que te sentes acerca de tudo isto com a Jilly?” Perguntou Riley.

Ryan pensou durante uns instantes.

“Assustado,” Disse ele. “Mas também – bem, acho que radiante.”

Ele olhou Riley nos olhos.

“Fiz muita asneira ao longo dos anos e peço desculpa. E sinto que estou a ter uma segunda oportunidade. Estou radiante... e estou grato.”

Riley sorriu.

“A April acha que devemos adotá-la,” Disse ela.

Ryan atirou a cabeça para trás e riu.

“Bem, então acho que está decidido.”

Riley também se riu, depois disse, “Vamos levar as coisas com calma.”

“Sim, vamos.”

Seguiu-se outro silêncio e desta vez parecia repleto de todas as perguntas não colocadas e não respondidas. A vida estava a mudar muito e tão rapidamente. Riley não sabia o que fazer de seguida e sabia que Ryan sentia o mesmo.

Por fim, Ryan disse, “Tenho ficado no teu quarto desde que foste para Seattle e tenho algumas coisas lá em cima. Vou buscá-las. Já é tempo de ir para casa.”

Riley sentiu uma ponta de tristeza ao ouvir aquelas palavras, mas não as contrapôs.

Sim, é o melhor, Pensou.

Ryan levantou-se e caminhou na direção das escadas. Sem saber muito bem porquê, Riley seguiu-o. Depois ficou a observá-lo no quarto enquanto juntava as suas coisas.

“Obrigada por aqui estares nesta altura,” Disse ela, com a voz embargada pela emoção.

Ele sorriu. Depois caminhou na sua direção e abraçou-a.

Riley sentiu que todo um mundo de preocupações e ansiedades desaparecia à sua volta. Já se esquecera do que era sentir-se assim. Quando sentiu que ele se começava a afastar, agarrou-o com mais força e colocou a cabeça no seu ombro. O seu corpo aquecia com uma antiga e familiar paixão.

Riley sentiu um formigueiro de prazer quando ele lhe afagou as costas com os dedos. A mão dela entrou na camisa dele. Quando ela tocou a sua pele, uma eletricidade familiar percorreu todo o seu corpo.

Sentiu-se sorrir. Ryan não iria para casa naquela noite.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


Quando Riley acordou na manhã seguinte, notou de imediato que algo estava diferente naquela manhã. Não estava sozinha na cama.

Virou-se e viu as costas nuas de Ryan dormindo a seu lado.

Riley sorriu ao lembrar-se do que acontecera a noite passada.

Era o suficiente para a fazer esquecer tudo o que tinha corrido mal em Seattle. Bem, talvez não esquecer, mas suficiente para a fazer sentir-se muito melhor.

Saiu da cama e vestiu o robe. Ao descer as escadas, ouviu o ruído de alguém a preparar o pequeno-almoço na cozinha.

Oh, meu Deus, Pensou.

Quase esquecera que havia mais três pessoas naquela casa. E muito em breve, todas iriam descobrir que Ryan passara a noite com ela. O pensamento fê-la enrubescer.

Parece que vou ter que dar algumas explicações, Pensou.

Quando Riley chegou ao fundo das escadas, ouviu alguém a cantar e a assobiar na cozinha. Entrou na cozinha e encontrou April e Gabriela a prepararem o pequeno-almoço juntas. Gabriela cantava uma música em Espanhol e April acompanhava-a assobiando.

Ambas olharam para Riley com sorrisos amplos.

“Bem,” Disse Riley, “vocês parecem muito felizes.”

O sorriso de Gabriela abriu-se ainda mais.

“Y tú también,” Disse ela.

April deu uma risadinha.

“Aquilo significa tu também,” Disse April.

“Eu sei o que significa,” Disse Riley.

Elas sabem! Percebeu então.

Mas como? Riley lembrava-se de como tudo tinha sido tão apaixonado com Ryan na noite passada.

Será que toda a gente na casa tinha ouvido o que se estava a passar?

Riley corou consideravelmente.

Parecendo pressentir a vergonha de Riley, April disse, “Vimos o carro do pai lá fora.”

Riley suspirou de alívio.

Naquele momento, Jilly chegou à cozinha.

“Ei, acabei de encontrar o Ryan lá em cima,” Disse ela.

Depois olhando para Riley, acrescentou com um sorriso malicioso, “Assim é que é!”

Riley voltou a corar.

Bem, pelo menos todos parecem estar de acordo, Pensou.

O telemóvel tocou no bolso do robe. Viu que a chamada era de Bill. Saiu da cozinha e atendeu.

A voz de Bill demonstrava preocupação.

“Riley. Como está tudo por aí?”

Riley percebeu que não tinha ligado a Bill a noite passada para lhe dizer que Jilly estava em casa sã e salva.

“Oh, Bill, desculpa, devia ter-te dito alguma coisa. Ela está bem. Está em casa. Conto-te o que aconteceu mais tarde.”

“Fico contente por saber. Então presumo que vens à reunião com o Meredith esta manhã.”

“Sem dúvida.”

Seguiu-se um breve silêncio.

Depois Bill disse, “Riley, acho que esta coisa de Seattle é pelo melhor. O nosso regresso, quero dizer. Fizemos uma boa detenção e a Solange Landis é provavelmente culpada. Se não... bem, é um assunto local e nós devemos ficar de fora.”

Havia algo forçado na voz de Bill. Riley conhecia aquele tom. Era como quando Bill se tentava convencer de algo sem na verdade o conseguir.

Ele não acredita naquilo nem por um segundo, Pensou Riley.

Ela também sabia que a sua consciência o estava a incomodar. Ainda assim, nada podiam fazer. Com alguma sorte, Meredith atribuía-lhes um novo caso naquela manhã e poderiam colocar Seattle atrás das costas e esquecer tudo.

“Vêmo-nos daqui a pouco,” Disse Riley.

“Certo.”

Terminaram a chamada. Riley percebeu que Ryan tinha descido enquanto falava com Bill. Quando se juntou às outras na cozinha deu-se uma explosão de risadas e conversas. Eram umas boas-vindas calorosas de Gabriela, April e Jilly.

Riley sorriu.

Talvez Bill tivesse razão no final de contas. Talvez as coisas assim corressem pelo melhor.

Foi para a cozinha para se juntar à família para o pequeno-almoço.


*


Após o pequemo-almoço, Ryan foi levar as duas raparigas à escola a caminho do trabalho. Gabriela foi às compras. Riley vestiu-se e preparou-se para a sua reunião com Bill e Meredith.

Depois sentou-se sozinha na sala de estar. Tinha alguns minutos antes de ter que sair. Por muito que tentasse manter o caso fora da sua mente, começou a incomodá-la novamente. Odiava deixar as coisas inacabadas.

E começou a crescer a dúvida de que Solange Landis fosse a assassina em série.

Posso estar enganada, disse a si própria. Talvez seja culpada.

Para além disso, Lembrou-se a si própria, não há nada que possamos fazer.

Agora estava do outro lado do país com ordens para se manter afastada de Seattle. Não poderia afetar o resultado da investigação de uma forma ou de outra.

Pior que tudo, Riley sentia-se solitária nas suas dúvidas. Mesmo Bill estava a tentar esquecer o caso. Haveria alguém no mundo com quem pudesse falar naquele momento?

E foi então que sentiu algo dentro de si – algo negro, algo que sabia devia esquecer.

Mesmo assim, subiu as escadas em direção ao seu quarto. Tirou uma caixa de uma prateleira do armário e abriu-a. No seu interior estava um grande envelope com o seu nome escrito.

Estremeceu ao tirar o envelope da caixa.

Volta a colocá-lo no lugar, Tentou dizer a si própria. Melhor ainda, deita-o fora.

Mas sabia que não conseguia fazê-lo.

O envelope era pesado e espesso. E é claro, Riley sabia exatamente o que se encontrava lá dentro. Abrira-o logo que o recebera há não muito tempo.

E agora abriu-o outra vez.

Continha uma pulseira de ouro envolta num pedaço de papel. Desdobrou o papel e leu outra vez a mensagem.


Apenas um pequeno presente em honra da nossa parceria. Foi um prazer trabalhar consigo.

Comprei outra pulseira que condiz com esta.

Vou usar sempre a minha.

Vai usar a sua?


Tanto a carta como a corrente eram de Shane Hatcher.

E não, ela não a tinha usado. Nem a tinha mostrado a ninguém.

Mas também não a tinha deitado fora.

“Shane the Chain”, Murmurou Riley, lembrando-se da sua alcunha.

A pulseira era uma lembrança sombria do fascínio de Hatcher por correntes de todos os tipos.

Ele estava obcecado por correntes e pela dor que podiam infligir. Mal escapara da prisão, localizara o seu inimigo dos tempos do gang, espancara-o até à morte com correntes e prendeu com fita adesiva o seu corpo mutilado a um poste num armazém abandonado.

Fora o último homícidio que cometera – e o último que Riley esperava que ele cometesse.

Mas ainda estava a monte e num sentido perturbador, ainda era responsabilidade de Riley.

Olhou atentamente para a pulseira. Parecia-lhe uma peça cara – o tipo de coisa vendida em lojas de departamento de classe alta e joalharias.

Virando-a nas suas mãos, não viu nada em que não tivesse reparado antes.

Algo parecia estar gravado em letras minúsculas num dos elos.

Tirou uma lupa de uma gaveta e tentou decifrar o que lá estava gravado. Apontou num pedaço de papel. Depois estudou com atenção.

“rosto8otsor”

O que significava?

Porque tinha que significar alguma coisa.

No final de contas, Hatcher sempre comunicava com ela através de enigmas. Às vezes era duro descobrir as respostas a esses enigmas, mas ela tinha um pressentimento de aquele ia ser fácil. Hatcher queria que ela descobrisse.

Para começar, ela tinha um palpite sobre o significado do “8”.

Era um símbolo.

Representava uma corrente.

E claro, as primeiras quatro letras eram uma palavra simples “rosto”.

E as últimas quatro letras – “otsor”?

“Rosto” ao contrário, Percebeu Riley.

Mas o que é que aquilo significava?

Riley pensou por um momento. A palavra seguida das letras ao contrário sugeria um espelho.

Sentiu um arrepio perante aquele pensamento.

Desde que conhecia Hatcher que lhe dizia não ser como ele, que nada tinham em comum. Ele sempre sorrira como se pensasse o contrário. E no fundo, Riley sempre suspeitara do mesmo.

Às vezes olhar para o rosto de Hatcher era como olhar para um espelho – um espelho que mostrasse o seu eu mais sombrio, os seus demónios mais cruéis. E naquele momento, ela sentia aquela escuridão a crescer dentro de si...

A escuridão que conhecera quando destruiu o rosto de um assassino com uma pedra.

A escuridão que conhecera quando ficara tentada a esquartejar um assassino com uma faca de açougueiro.

A escuridao que conhecera quando localizara o jovem que drogara April, esmagara a sua mão com um bastão de basebol e depois lhe pisara a mão sob o tacão até ele gritar por misericórdia.

De todas as pessoas que Riley conhecia, apenas Hatcher compreendia perfeitamente a escuridão que se insinuava dentro dela.

A sua mão tremeu ao segurar na pulseira.

Guarda-a.

Deita-a fora.

Mas não conseguia.

E agora sabia a resposta para o enigma.

“Rosto com rosto,” Murmurou alto. “É o que ele quer.”

Abriu o portátil e entrou no seu serviço de chat.

Digitou alguns caracteres cripticos e esperou, contendo a respiração.

Alguns segundos passaram.

E então lá estava ele, o seu rosto negro a encarar o dela – Shane Hatcher.

Durante uns instantes não conseguiu respirar.

Hatcher estava sentado em frente a um cenário cinzento que não oferecia qualquer pista sobre a sua localiação. Os seus traços intensos pareciam divertidos ao olhar por cima dos seus óculos de leitura.

Era como se estivesse à espera da chamada de Riley naquele preciso momento.

E talvez estivesse, Pensou Riley, tentando recuperar o fôlego.

Talvez me conheça assim tão bem.

“É bom vê-la, Riley,” Disse ele, recostando-se na cadeira e colocando as mãos atrás da cabeça. “Temos alguma conversa para pôr em dia.”

 

 


CAPÍTULO TRINTA DE TRÊS


Riley estava sem palavras. Hatcher parecia estar a saborear o seu espanto.

“Está a tentar localizar esta chamada?” Perguntou ele.

“Posso estar.”

Ele soltou um riso sardónico.

“Eu sei que não está,” Disse ele.

Riley sentiu a sua resistência a ele atrofiar. Não valia a pena tentar convencê-lo do contrário. Ele conhecia-a demasiado bem. Ela não lhe podia mentir.

“Se sabe porque é que perguntou?” Disse ela.

“Só queria ouvir a sua resposta à pergunta.”

Ele estava a brincar com ela como sempre.

E começou o jogo, Pensou Riley amargamente.

Lidar com Shane Hatcher era sempre um jogo. E era um jogo que ele ganhava sempre – não só porque Riley não conhecia as regras, mas porque nem sequer sabia que jogo estava a jogar.

“Então em que posso ajudá-la?” Perguntou Hatcher, baixando os óculos um pouco para a observar com mais atenção.

“Eu não preciso da sua ajuda,” Disse Riley.

“Então porque é que ligou?”

O lábio de Riley tremia com raiva e exasperação.

“Não faço a mínima ideia,” Disse. “Vou desligar agora mesmo.”

Hatcher rolou os olhos e abanou a cabeça.

“Não, não vai, Riley.”

Riley olhou para o teclado. Bastava-lhe terminar a chamada e desligar. Depois poderia cancelar a conta para que nunca mais entrassen em contacto daquele forma. Mas Hatcher tinha razão como sempre. Ela não o conseguia fazer.

“Precisa da minha ajuda Riley. Ambos o sabemos. E tenho todo o gosto em ajudar. Mas é claro que espero um pequeno favor em troca.”

Riley engoliu em seco. Ele esperava sempre um pequeno favor e os seus favores podiam ser extremamente perturbadores.

“E que favor é esse?” Perguntou ela.

“O prazer de poder trabalhar consigo. Pessoalmente, quero dizer.”

Riley não gostou da ideia de o encontrar no mundo real. Não queria voltar a fazer isso – nunca mais. Não fazia ideia onde ele estaria naquele momento. Mas não iria ter com ele só porque ele queria.

“Não vamos fazer isso,” Disse ela. “Prefiro ficar afastada.”

“O que é que a faz pensar que já não esteve perto?”

O coração de Riley saltou-lhe à boca.

Anda a perseguir-me? Interrogou-se.

Poderá estar aqui perto agora?

Tudo o que sabia é que ele não estava a fazer bluff.

De alguma forma, ele estivera perto dela recentemente. E isso também poderia querer dizer que estivera perto de April, Ryan, Gabriela e Jilly.

Talvez estivesse por perto naquele preciso momento.

Agora receava sentir-se mal.

“Fale-me do caso em que está a trabalhar,” Disse Hatcher.

“Não estou a trabalhar num caso,” Disse Riley. “Estou entre casos.”

E é a verdade no final de contas, Pensou.

O rosto de Hatcher foi atravessado por uma expressão de surpresa. Se era fingido ou real, Riley não conseguia dizer.

“A sério?” Disse ele. “Então já desistiu de apanhar a mulher que envenenou Cody Woods e Margaret Jewell? Já para não falar da sua autora preferida, Amanda Somers? E sabe Deus quem mais. Não parece seu. Não parece nada seu.”

Riley sentiu-se tensa e desconfortável. Não só sabia do caso, como também sabia da sua predileção pelo romance de Somers.  Ele também sabia que ela tinha a certeza que o assassino era uma mulher. O seu conhecimento era sufocante.

“Ouvi dizer que o FBI tem um suspeito preso,” Disse Hatcher. “Mas eu sei que duvida que Solange Landis seja culpada de algo mais do que falsificações.”

“Não tenho a certeza.”

“Mas duvida. E também eu. Não é tempo de descobrirmos a verdade?”

Agora Riley sentia-se tonta. Lembrava-se de algo que ele uma vez lhe tinha dito.

“Estamos unidos pelo cérebro, Riley Paige.”

Riley tentou combater o pânico.

Não, ele não estava a ler o seu pensamento.

Mas tinha dinheiro e recursos e uma rede de subalternos.

Ele podia obter informações sobre qualquer coisa que suscitasse o seu interesse.

E nada no mundo parecia interessar-lhe mais do que Riley.

Hatcher juntou os dedos e olhou para cima pensativamente.

“Vamos rever o ponto em que estamos, vamos?” Disse ele. “As três vítimas conhecidas tinham estado sob cuidado médido recente, mas em hospitais diferentes para tratamentos diferentes. Tiveram profissionais de saúde ou outro tipo de pessoal em contacto com eles em comum?”

Riley sentiu uma estranha mudança de emoções. Gostasse ou não, Hatcher era o único ser humano no mundo em sintonia consigo naquele momento. E ela aprendera por experiência própria que ele podia ser extremamente útil.

“Não que tivéssemos descoberto,” Disse Riley.

“Talvez não tivessem procurado com a devida diligência. Sabemos que as três vítimas passaram algum tempo em clínicas de reabilitação.”

Riley estava surpreendida.

Está errado, Pensou.

Não se lembrava de ele alguma vez se ter enganado.

“Cody Woods nunca esteve em reabilitação,” Disse ela.

Os olhos de Hatcher abriram-se muito.

“Ah, mas esteve,” Disse ele.

“Como sabe?”

Hatcher riu-se.

“Como acha que sei?”

Depois ficou ali a sorrir, à espera que Riley fizesse a ligação.

Riley sentiu invadir-se por uma onda de compreensão.

“Falou com alguns trabalhadores do Hospital South Hills,” Disse ela.

Ele anuiu. “Uns auxiliares. Tipos muito prestáveis.”

Riley estremeceu quando percebeu...

Ele esteve em Seattle.

Agora compreendia o que ele queria dizer quando há pouco dissera...

“O que é que a faz pensar que já não estive por perto?”

Tinha-a visto.

Parecendo adivinhar os seus pensamentos Hatcher disse, “Aquilo é que foi uma reunião louca no Hospital Parnassus Height naquela manhã, não foi? Não estava à espera de uma conferência de imprensa, pois não? Parecia querer deitar as mãos ao Rigby, Sanders e àquele diretor do hospital. Não a censuro. Mas parecia entender-se bem com a Prisha Shankar. Percebo porquê. Aquela mulher sabe do que fala.”

Ele esteve lá! Pensou Riley.

Parecia impossível. Riley orgulhava-se dos seus amplos poderes de observação. Pensava ter reparado em todas as pessoas presentes naquela sala repleta de gente. Mas subestimara Shane Hatcher. Era evidente que se disfarçara de jornalista – de forma suficientemente inteligente para que nem Riley o reconhecesse.

“Como conseguiu que os auxiliares falassem consigo sobre Cody Woods?” Perguntou Riley.

“Bem, é claro que eles não sabiam quem eu era. Não sou assim tão famoso. Por isso limitei-me a perguntar. É interessante verificar as coisas que as pessoas nos podem contar se lhes pagarmos uma cerveja. Disse-lhes que lera sobre a morte de Cody Woods e que era uma pena e perguntei-lhes o que pensavam a esse respeito. Eles disseram que ele tinha ido para uma clínica de reabilitação pouco depois de sair do Hospital South Hills.”

A mente de Riley absorvia de forma frenética tudo o que ele agora lhe contava.

“Então as três vítimas terão sido assassinadas em centros de reabilitação,” Disse ela.

“Assim parece.”

Riley tentou encaixar aquela informação.

“Mas não faz sentido,” Disse ela. “Verificámos todos os registos em South Hills. Não havia nenhuma indicação de que iria dali para um centro de reabilitação. Foi diretamente para casa.”

“Parece que os registos estavam errados. Como é que isso pode ter acontecido?

Riley ficou boquiaberta.

“Os registos foram alterados,” Disse ela.

“Parece que sim.”

Riley pensou durante alguns instantes.

“Mas registos falsificados levam-nos a Solange Landis como suspeita.”

Hatcher riu outra vez.

“Então Riley,” Disse ele. “Numa grande cidade como Seattle, Landis não é a única profissional de saúde a ter falsificado documentos.”

Riley debruçou-se para mais perto do ecrã.

“Tem que me dizer tudo o que sabe,” Disse ela.

Hatcher sorriu.

“Lamento, é tudo o que tenho por agora,” Disse ele.

“Mas não tem o nome do centro de reabilitação para onde foi Cody Woods?”

“Talvez tenha, talvez não. Não sabe, pois não?” Disse ele.

Agora Riley estava furiosa. Era típico de Shane Hatcher. Ele adorava provocá-la com informação.

Hatcher encolheu os ombros.

“Mas estou sempre a esquecer-me – já não está no caso, pois não? E ninguém no FBI quer falar sobre isso. Não tem aliados por lá. Está completamente sozinha.”

Hatcher olhou para ela de perto.

“Mas nunca deixou que isso a impedisse de avançar anteriormente,” Disse ele. “E parece-me que não a impedirá agora. E penso que sabe com quem falar no FBI quando é persona non grata. Alguém que não quer saber das regras para nada.”

A cabeça de Riley estava repleta de perguntas. Mas antes que conseguisse dizer mais uma palavra, Hatcher disse, “Falamos novamente em breve.”

E terminou a chamada.

Riley ficou a olhar para o ecrã do computador em estado de choque. Toda a conversa agora parecia um sonho. Mas não fora um sonho. E agora o que faria?

Riley olhou para o seu relógio. Ela sabia que precisava de sair naquele momento se quisesse chegar a tempo da reunião com Meredith.

Também sabia que não iria.

Para já, precisava da ajuda de alguém e precisava com urgência.

Mas para quem se poderia voltar quando todos no FBI estavam contra ela?

Lembrava-se do que Hatcher dissera...

... Alguém que não quer saber das regras para nada.

Tinha uma ideia do tipo de pessoa a quem Hatcher se referia.

Pegou no telemóvel e ligou um número.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


Uma voz roufenha e áspera atendeu rapidamente o telefone.

“Van Roff. E você, presumo que seja a Agente Especial Riley Paige. Ou pelo menos o meu identificador diz-mo.”

Riley sorriu ao imaginar o analista técnico com excesso de peso sentado à frente de vários ecrãs de computador.

“O seu identificador presumiu corretamente,” Disse Riley.

“E está a ligar-me da Virginia,” Disse Roff.

“Correto.”

“E está a ligar-me porque não acredita que o caso dos envenenamentos esteja encerrado.”

Riley ficou alarmada.

“Uh, como é que sabe?” Perguntou.

“Porque me está está a ligar, só por isso.”

É claro que ele tinha toda a razão. Hatcher tinha-lhe dito que precisava de falar com “alguém que não quisesse saber das regras para nada”. E Riley sabia que no FBI não havia ninguém que se encaixasse melhor no perfil do que os analistas técnicos. Estavam sempre à procura de uma desculpa para transpor os limites.

E eram extremamente inteligentes.

“Tem razão,” Disse Riley. “Mas devo avisá-lo que sou capaz de lhe pedir para fazer algumas coisas que não são oficialmente sancionáveis. Vamos manter isto entre nós.”

Riley ouviu um riso alegre. Aparentemente, as suas palavras eram música para os seus ouvidos.

“Acalma-te coração que bate!” Disse ele. “E oh, só para que saiba, esta chamada pode estar a ser gravada para minha diversão futura. Não se preocupe, será apenas para meu uso. O que tem em mente?”

Riley pensou por um momento.

“Há algo de errado com o que sabemos sobre a morte de Cody Woods. Vamos rever o que temos. Ele foi admitido no Hospital South Hills para uma cirurgia, depois foi para casa. Pouco depois, voltou ao South Hills porque estava doente. E morreu lá. Agora, tanto Margaret Jewell como Amanda Somers ficaram em clínicas de reabilitação pouco antes de morrerem.”

“Certo. Mas não o Cody Woods.”

“Errado,” Disse Riley. “Tenho a certeza que Cody Woods também esteve numa clínica.”

“Não ficou. Eu confirmei.”

“Penso que foi enganado Sr. Roff.”

Ouviu Roff libertar um grunhido de surpresa revoltada.

“Não!”

“Lamento que sim. O assassino enganou-o.”

Riley sabia que estava a agir de forma perfeita para que Roff mordesse o isco.

“Como sabe?” Perguntou Roff.

“Tenho uma fonte.”

“Quem?”

“Não posso dizer.”

Roff grunhiu audivelmente.

“Então é guerra. Deixe-me pensar por um segundo.”

Seguiu-se um curto silêncio.

“Vou tentar uma coisa,” Disse Roff. “Deixe-se aí estar, eu ligo daqui a alguns minutos. Em chat de vídeo."

Riley concordou e deu a Roff os seus dados. Depois terminaram a chamada.

Riley olhou para o relógio e suspirou. Se saísse de casa naquele momento, ainda chegaria atrasada à reunião com Bill e Meredith. Ia mesmo perdê-la. Deveria ligar e dar uma explicação?

Explicar o quê? Perguntou a si própria. Que estou a desobedecer a ordens?

Não era uma opção. Teria que viver com as consequências do que quer que estivesse prestes a fazer. Pegou no portátil, colocou-o debaixo do braço e desceu as escadas para a cozinha. Aqueceu uma chávena de café, abriu o portátil e esperou pela chamada de Roff.

Enquanto esperava, sentiu-se preocupada.

Estaria realmente disposta a colocar o seu trabalho em risco outra vez?

Lembrou-se que agora tinha duas filhas. E uma delas estava a passar por um momento particularmente mau. Nâo era a melhor altura para ser despedida.

Talvez não devesse fazer isto, Pensou.

Podia ligar a Bill ou Meredith naquele preciso instante, arranjar uma desculpa pelo atraso e ir para lá o mais rapidamente possível.

Havia apenas um problema. Envolvera Roff e já não havia forma de o afastar daquilo.

Quando acabou de beber a sua chávena de café, chegou a vídeo chamada e viu-se de caras com um técnico socialmente desajeitado. Tinha o rosto vermelho e suava, aparentemente do esforço do que estivera a fazer.

“Bingo,” Disse ele. “Tenho algo.”

“Isso foi rápido,” Disse Riley.

“Estive ocupado. Muito ocupado.”

“O que tem?”

Os olhos de Roff não paravam quietos, como se se quisesse certificar de que ninguém o ouvia.

“Ainda não consegui encontrar nenhum registo computorizado da ida de Cody Woods para uma clínica de reabilitação. Mas tentei uma abordagem diferente.”

“Como?” Perguntou Riley.

Roff desatou a rir alegremente.

“Há uma nova engenhoca tecnológica. Talvez não tenha ouvido falar. Chama-se chamada telefónica.”

Roff sorriu. O seu entusiasmo era verdadeiramente contagiante.

Roff continuou, “Então descobri para que centros de reabilitação um paciente de South Hills podia ir. Decidi ligar a todos, ver o que me diziam. O primeiro para o qual liguei foi o Centro de Reabilitação Signet e voilà! Acertei em cheio.”

“Diga-me o que é que descobriu,” Disse Riley sem fôlego.

“A enfermeira chefe de lá disse-me que se lembrava de Cody Woods. Viera após uma cirurgia no South Hills. Mas quando verificou os registos não encontrou nada a seu respeito. Por isso, alguém anda definitivamente a manipular os registos – tanto no Hospital South Hills como no Centro Signet. Não é um trabalho de proa de um hacker, mas quem o fez é bastante matreiro.”

Roff bufava por todos os lados ao mexer no seu teclado.

Disse, “Como sabe, tenho tentado encontrar pessoal que todas as instalações tivessem em comum. Não encontrei ninguém nas outras duas clínicas e no Signet também saí de mãos a abanar. Mas...”

Três rostos de mulheres surgiram no ecrã de Riley.

“Em cada uma destas instalações, uma terapeuta a trabalhar em regime freelance despareceu logo a seguir ao tratamento dos pacientes. Aqui estão as suas fotos de registos de trabalho.”

Uma seta apontava para o rosto da esquerda. Tratava-se de uma mulher de cabelo negro com óculos enormes.

“Esta é Lisa Tucci que trabalhou com Margaret Jewell no Centro de Reabilitação Física de Natrona. Logo depois de ser dada alta a Jewell, Lisa deixou indicação de que partia para este para se casar e não estaria disponível para mais trabalho.”

A seta agora estava em cima do rosto do meio. A mulher tinha cabelo  encaracolado e castanho-avermelhado.

“Esta é Judy Brubaker,” Disse Roff. “Trabalhou com Amanda Somers no Centro de Reabilitação Stark. Pouco depois de ser dada alta a Amanda, a clínica ligou a Judy para saber se estaria disponível. Ela disse que tinha que sair da cidade devido a uma emergência familiar.”

A seta moveu-se então para o rosto da direita. A mulher tinha uma expressão afável e cabelo curto e louro.

“E esta é Hallie Stillians que trabalhou com Cody Woods no Centro de Reabilitação Signet. Hallie transmitiu ao pessoal que ela e o marido se iam mudar para o México de vez.”

Enquanto Riley observava os três rostos cuidadosamente, Roff disse, “Ainda tenho trabalho a fazer. Por exemplo, tentar descobrir qualquer registo de vistos de Hallie e do marido ou provas de que tenham atravessado a fronteira Mexicana. E procurar registos oficiais de casamento de Lisa Tucci. Isso vai demorar algum tempo. E quais as possibilidades de encontrar alguma coisa?”

Bem pequenas, parece-me, Pensou Riley sem o verbalizar.

“Então todas partiram,” Disse Riley. “Que mais têm em comum?”

“Os seus telemóveis já estão fora de serviço. E as três moradas dadas são na verdade endereços postais – caixas de correio que se alugam para depois se ir buscar o correio.”

A mente de Riley juntava toda esta nova informação.

“O que lhe parece tudo isto, Sr. Roff?” Perguntou Riley.

Roff parecia agradado por ela lhe pedir a opinião.

“Bem, penso que é possível que tenha em mãos vários homicídios. Quero dizer, os assassinos em série geralmente escolhem um tipo de vítima, certo? Por isso talvez este seja um assassino que escolhe mulheres que usem serviços postais. Ou que mate terapeutas cujos pacientes morreram.”

Roff estava a pensar nas coisas cuidadosamente e Riley apreciava isso.

Tirou um screenshot das fotos para que as pudesse ter à mão.

“Bom trabalho, Sr. Roff,” Disse ela.

O rosto de Roff surgiu novamente no ecrã.

“O que é que quer que faça agora?” Perguntou Roff. “Estou entre trabalhos e as coisas estão bem chatas por aqui.”

“Pode começar por pegar onde ficámos – verificar bilhetes de avião, licenças de casamento, vistos e coisas assim.”

“E que mais?”

Riley pensou por um momento. Deveria Roff fazer buscas mais abrangentes para ver se outras mulheres com as mesmas características tinham aparecido mortas ou desaparecido? Não, algo lhe dizia que podia fazer melhor uso dos seus esforços.

“Concentre-se apenas nestas três terapeutas. Descubra tudo o que puder a seu respeito. Entro em contacto em breve. Obrigada pela ajuda Roff.”

Riley fez uma pausa e acrescentou, “Oh, não tenho que lhe dizer...”

Roff terminou o pensamento por ela.

“Não se preocupe. Esta conversa nunca aconteceu. E conversas subsequentes nunca acontecerão.”

Terminaram a chamada e Riley abriu o screenshot que mostrava as três terapeutas.

Riley reparou em algo estranho nas fotografias.

Não eram muito nítidas. Eram todas ligeiramente desfocadas. Mas não parecia ser um problema fotográfico.

Antes parecia que as três mulheres se tinham movido ligeiramente no exato momento em que as fotos eram tiradas.

Era como se não quisessem deixar um registo claro da sua aparência.

Também notou que as mulheres se pareciam umas com as outras – todas de meia-idade com rostos com formatos iguais.

A mesma mulher? Questionou-se.

É claro que havia diferenças óbvias, sobretudo ao nível dos penteados e cor de cabelo. E Stillians e Brubaker tinham olhos azuis enquanto Tucci tinha olhos castanhos.

Mas ela lembrou-se que o guarda de Amanda Somers tinha dito que a visitante poderia estar a usar uma peruca. E lentes de contacto poderiam explicar a diferença na cor dos olhos.

Riley sentiu o entusiasmo a instalar-se. De repente, o caso dera uma volta. Pegou no telemóvel e ligou a Bill.

Bill atendeu a chamada praticamente a gritar.

“Riley! Onde raio estás? A reunião já terminou e o Meredith está lixado.”

Riley andava de um lado para o outro e falou algo nervosamente.

“Bill, ouve-me. Temos que regressar a Seattle. Acho que tenho alguma coisa de concreto.”

“O que é que tens?”

Riley parou de falar. Apercebeu-se de repente que tinha que ter cuidado com o que dizia.

“Não posso falar ao telemóvel,” Disse ela.

Seguiu-se um silêncio curto.

“Tens algo absolutamente sólido?”

“Não,” Disse ela.

Bill demonstrou exasperação.

“Então podes ter a certeza que não volto para Seattle. E tu também não.”

“Bill, ouve-me...”

“Não, ouve-me tu. Eu não posso fazer isto. Eu não posso ignorar ordens e partir contigo para Seattle. Não me posso dar ao luxo de perder o meu trabalho. Nem tu. Esquece, Riley. Seja o que for, esquece.”

Antes de Riley começar a protestar, Bill disse, “Riley, não vamos falar sobre isto agora. Acredita em mim, tens mais com que te preocupar Tens que te concentrar em manter o teu emprego. Compreendes?”

Riley suspirou.

“Sim, compreendo. Adeus.”

Terminou a chamada e sentou-se. Estava tão agitada agora que não conseguia pensar com clareza. E dali a poucos segundos, o telemóvel voltou a tocar.

Desta vez era Meredith.

“Espero que tenha uma boa desculpa, Agente Paige,” Disse.

“Senhor, penso que tenho novos desenvolvimentos no caso dos envenenamentos de Seattle. Se eu pudesse...”

Meredith interrompeu-a.

“O que é que estava a fazer quando era suposto estar na nossa reunião?”

Riley engoliu em seco. Ela sabia que Meredith não a ia deixar esconder nada.

“Estava a verificar algumas informações, “ Disse ela.

“E como chegou a essas informações,”

“Através de uma – fonte.”

“Diga-me que não esteve em contacto com Shane Hatcher.”

É como se me conseguisse ler os pensamentos, Pensou Riley com desespero.

Mas também sabia que se estivesse no lugar dele, faria a mesma associação.

Nada disse.

É claro que ela sabia que o seu silêncio era um consentimento.

Quando Meredith falou novamente, fê-lo num tom mais sombrio.

“Agente Paige, não pode trabalhar com um prisioneiro em fuga que está na lista dos mais procurados do FBI. Agora diga-me onde é que ele está para que eu possa enviar agentes para o prenderem.”

Riley respondeu em voz baixa e tremente.

“Não os ajudo a prepararem-lhe uma armadilha,” Disse ela.

Seguiu-se um longo silêncio.

“Agente Paige, vou tirá-la do terreno,” Disse Meredith por fim. “E desta vez pode ser mesmo definitivo. É tudo o que tenho para dizer por agora.”

Meredith terminou a chamada abruptamente.

Riley ficou a olhar para o espaço durante alguns instantes.

Sozinha outra vez, Pensou.

A situação era demasiado familiar.

Mas tinha um trabalho para cumprir e se não o cumprisse, outras pessoas podiam morrer.

Ao procurar por horários de voos no computador, pensou em tudo o que teria que fazer de seguida.

Tinha que ligar a Ryan e dizer-lhe que tinha que se ausentar.

Tinha que ligar a Gabriela.

Mas e a April – e sobretudo, a Jilly?

A Jilly ficaria bem durante a sua ausência?

Marcou um voo com o coração pesado. Sentia que estava a abandonar todos os que amava – e tudo por causa de um pressentimento.

E se estiver errada?

 

 


CAPÍTULO TRINTA E CINCO


Riley caminhava na direção da sua porta no Dulles International Airport para apanhar o voo para Seattle quando o telemóvel tocou. Ficou entusiasmada quando viu que a chamada era de Van Roff.

“Diga-me que tem alguma coisa, Sr. Roff,” Disse Riley.

“Sou capaz. Talvez não o que estivesse à espera, mas talvez alguma coisa.”

Riley continuou a andar enquanto falava com ele.

“Estive à procura de pacientes que foram tratados pelas nossas três terapeutas – Lisa Tucci, Judy Brubaker e Hallie Stillians. Na maioria não encontrei nada de sinistro. Não há mortes com exceção dos últimos pacientes tratados. Na verdade, elas pareciam sempre fazer um trabalho excelente. Ao pacientes chegavam doentes ou feridos e as mulheres ajudavam-nos a melhorar e depois seguiam com as suas vidas. Exceto que...”

Riley chegara à sua porta e sentou-se na sala de espera.

“Exceto o quê?”

“Bem, há este tipo. Lance Miller. Ele teve um ataque cardíaco há cerca de um ano e meio com quarenta e cinco anos. Hallie Stillians estava a tratá-lo no Centro de Reabilitação Reliance em Seattle. Ficou doente enquanto estava a ser tratado por ela e queixou-se ao pessoal. Melhorou, mas pareceu-me um relato suspeito.”

O interesse de Riley estava espicaçado. Também lhe parecia uma situação suspeita.

“Pode ligar-lhe e obter alguns pormenores mais especifícos?” Perguntou Riley.

Roff não ficou muito satisfeito com a sugestão.

“Bem, penso que esta coisa de interrogar pessoas por telefone está um pouco para lá das minhas capacidades. As outras chamadas que fiz anteriormente destinavam-se apenas a obter informação pura e dura. Fazer perguntas a este tipo sobre a sua doença envolveria relacionar-me com outro ser humano. E eu não lido bem com as pessoas. Poderia dar mau resultado.”

Riley riu.

“Compreendo,” Disse ela. “Estarei em Seattle esta tarde. Pode só ligar-lhe e marcar um encontro para eu o visitar?”

“Claro. Quer que alguém vá buscá-la ao aeroporto?”

“Não, vou alugar um carro. Ainda não vou entrar em contacto com o pessoal local do FBI.”

Roff soltou uma risada de aprovação.

“Não diga mais. Se alguém perguntar, eu nem sei onde está. Na verdade, nunca ouvi falar de si. Direi apenas, ‘Agente Riley quê’?”

Terminaram a chamada mesmo a tempo de Riley entrar no avião.


*


Seis horas mais tarde, Riley saiu do avião em Seattle e alugou um carro. Ao conduzir, ouviu as direções de GPS para casa de Lance Miller. Era início de tarde em Seattle, mas parecia muito mais tarde porque o jet lag estava a atingir Riley de forma mais dura do que o habitual.

Riley interrogou-se porque é que se sentia assim ao aproximar-se do bairro de Miller. Viajava constantemente e normalmente não tinha qualquer problema em adaptar-se. O que era diferente hoje?

Estava parcialmente nublado e o sol brilhava. Conduziu por entre um parque público onde as pessoas caminhavam e as crianças brincavam, aproveitando as tréguas dadas pela chuva. A visão de pessoas a divertirem-se juntas parecia responder à sua pergunta.

Estou sozinha, Pensou.

A sua família estava do outro lado do país e ela parecia incapaz de se devotar a eles como devia. Os seus colegas habituais tinham-lhe voltado costas – incluindo Bill. E agora tinha apenas dois aliados no mundo.

Um era um cromo que lhe dissera diretamente...

“Eu não lido bem com as pessoas.”

E o outro era um assassino cruel obcecado com correntes.

O que é que isso dizia sobre ela?

Ainda não estava a utilizar a corrente de ouro que Shane Hatcher lhe dera. Mas trazia-a na mala. Não sabia bem porquê, parecia ser das poucas coisas que a fazia sentir-se entre seres-humanos.

Parecia apropriado que seguisse as direções dadas por uma voz feminina computorizada.

A casa de Lance Miller estava situada num bairro de classe média-alta perto do University District de Seattle. Estacionou em frente a um grande e confortável bungalow pintado com um azul atraente. Estava rodeado por plantas e arbustos bem cuidados. Caminhou em direção ao alpendre e tocou à campainha.

Um homem bem parecido com cabelo louro e sardas abriu a porta. Riley mostrou-lhe o distintivo, apresentou-se e perguntou se estava a falar com Lance Miller.

“Ah, não, sou o Gary,” Disse o homem, apertando a mão de Riley com um sorriso. “Mas o Lance está à sua espera.”

Gary conduziu Riley à sala de estar onde um homem de aspecto erudito com óculos redondos e uma barba bem aparada se levantou da sua cadeira.

“Sou o Lance,” Disse ele. “Sente-se, por favor. Fique à vontade.”

Riley sentou-se e rapidamente avaliou a casa e os seus dois ocupantes. Os homens usavam ambos alianças de casamento e eram obviamente casados um com o outro. A sala de estar estava decorada com bom gosto e sem ostentação. Riley partiu do princípio que ambos os homens eram profissionais bem sucedidos, talvez professores universitários.

“Vou deixar-vos a falar,” Disse Gary e subiu umas escadas.

Lance sentou-se e dirigiu-se a Riley.

“O homem que me telefonou disse-me que estavam a investigar envenenamentos,” Disse ele. “Isso está relacionado com o que aconteceu com Amanda Somers? Parece haver alguma confusão sobre a forma como ela morreu – se foi suicídio ou homicídio. Foi muito triste.”

“De facto foi,” Disse Riley. Decidira não dizer que a morte de Somers era sem dúvida um homicídio e não um suicídio.

Lance estremeceu.

“Aquilo foi uma experiência estranha.”

“Disseram-me que se queixou ao pessoal.”

“Sim. Eu estava a ser envenenado. Ainda hoje tenho a certeza.”

Riley pegou no seu bloco de notas e começou a tirar notas.

“Soube que estava a ser tratado por uma terapeuta chamada Hallie Stillians.”

Riley ficou um pouco surpreendida pelo sorriso que atravessou o rosto de Lance.

“Sim, Hallie. Conheceu-a? Uma criatura estranha, não bem deste mundo, mas muito querida. Não sei como teria conseguido superar aquilo sem ela.”

Não era bem a resposta que Riley esperava ouvir – não se ela estivesse certa quanto a Hallie Stillians ser uma das identidades da envenenadora.

“Conte-me o que aconteceu,” Disse Riley.

Lance afagou a barba ao recordar-se.

“Bem, eu tive um ataque cardíaco. Tinha apenas quarenta e seis anos mas devia tê-lo previsto. O meu pai morreu de doença cardíaca muito cedo e o pai dele também. Havia uma propensão genética e eu era uma bomba-relógio. Devia ter sido mais cuidadoso. Já não me sinto invencível.”

Parou para pensar por uns instantes.

“Fizera uma cirurgia no Hospital South Hills e deixou-me terrivelmente fraco por isso fui para o Centro de Reabilitação Reliance onde a Hallie começou a acompanhar-me de imediato ao nível da reabilitação física. Simpatizámos logo um com o outro. Ela era tão – pitoresca, acho. Não velha, mas parecia pertencer a um outro tempo. E fazia um chá delicioso.”

Lance estremeceu.

“Mas após um dia na clínica, adoeci – náuseas e vómitos, dores nas palmas das mãos e nas solas dos pés. E fiquei... bem, muito confuso e desorientado. Para dizer a verdade, penso que não estava no meu perfeito juízo. Balbuciava muito. Penso que devo ter dito algumas coisas bem desagradáveis.”

Envenenamento por tálio, Percebeu Riley.

Até ao momento, o que Lance lhe contava era consistente com as outras mortes.

“Como é que a Hallie lidou com isso?” Perguntou Riley.

“Oh, penso que nunca conheci um ser humano tão carinhoso e empático em toda a minha vida. Ela estava tão preocupada comigo que parecia também ela estar doente. Aliás, disse que estava doente e algumas coisas estranhas...”

A sua voz agora divagava.

“O que é que ela disse?” Perguntou Riley.

“Não parava de dizer, ‘É este mundo. Este mundo horrível. Põe-nos a todos    doentes. Também me deixa doente.’ Bem, suponho que seja de alguma forma verdade. A maior parte de nós é bastante duro e cínico, e não pensamos quão duro o mundo é para tanta gente. A Hallie era particularmente sensível nesse sentido.”

Parou de falar outra vez.

“De qualquer das formas, eu tinha a certeza de que estava a ser envenenado. E a Hallie também parecia ter a certeza. Tentei queixar-me ao pessoal mas não acreditavam em mim. Juro, eram das pessoas mais frias que já conheci. Sobretudo a enfermeira chefe, Edith Cooper. Costumava chamá-la ‘Enfermeira Ratched’ mas Hallie não percebia. Sabe, Voando Sobre Um Ninho de Cucos.”

Riley compreendera a referência à gélida enfermeira que ganhara fama mundial.

Lance prosseguiu a sua história.

“Após cerca de um dia e meio assim, disse à Hallie que tinha medo que fosse morrer. A Hallie apertou a minha mão e disse, ‘Não merece isto. Isto é um erro. Não merece sofrer e morrer. É especial. Vou assegurar-me que ultrapassa isto. Vai ver.’”

“E o que é que ela fez?” Perguntou Riley.

“Bem, foi menos o que fez e mais como o fez. Foi afável e carinhosa. Esfregou os pontos que mais me doíam, os pés e as mãos. E continuou a fazer mais chá – uma receita diferente da anterior, algo realmente delicioso e calmante. Até me cantava – uma linda cantiga de embalar, só me lembro de parte...”

Lance fechou os olhos e cantou numa voz agradável.


Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.


Depois abriu novamente os olhos.

“Melhorei muito rapidamente e Hallie disse que também se sentia melhor. Ela disse algo que eu não compreendi. ‘Foi um anjo que nos deixou doentes, mas mudou de ideias porque somos ambos bons. E agora vamos ficar bem.’”

Ele sorriu e acrescentou, “A verdade é que eu penso que a Hallie é uma espécie de anjo.”

Depois encolheu ligeiramente os ombros.

“Ela terminou o meu tratamento e eu voltei para casa, perfeitamente saudável.”

Lance ficou a olhar para o vazio durante um momento, perdido em memórias. Depois olhou outra vez para Riley.

“Posso ajudá-la em algo mais?”

Riley sentiu invadir-se por emoções confusas. Não conseguia ganhar coragem para dizer a Lance que a mulher de quem tanto gostara tentara matá-lo.

“Não, ajudou-me muito,” Disse Riley. “Obrigado pelo seu tempo.”

Quando deixou a casa, Riley sabia onde tinha que ir a seguir. Com certeza que alguém naquela clínica tinha as suas próprias histórias sobre a mulher que dizia chamar-se Hallie Stillians.

Talvez descubra a verdade de uma vez por todas, Pensou ao ligar a ignição.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E SEIS


Riley foi invadida por uma sensação assustadora quando entrou no Centro de Reabilitação Reliance. Havia algo de pouco hospitaleiro naquele local. A começar pela temperatura que parecia invulgarmente gélida.

Mas Riley pressentiu algo mais no ar.

Não é só a temperatura que é gélida aqui, Pensou.

Mostrou o seu distintivo a uma rececionista carrancuda e sombria, e pediu para falar com a enfermeira chefe.

Ao ser conduzida pela recionista pela clínica, o desconforto de Riley cresceu. Ninguém naquele edifício sorria. Todos pareciam soturnos e sempre que alguém olhava para Riley, ela sentia-se indesejada.

Lembrou-se de algo que Lance dissera.

“Juro, eram das pessoas mais frias que já conheci.”

Quando chegaram ao gabinete da enfermeira chefe, a rececionista bateu à porta.

Uma voz no interior inquiriu, “Quem é?”

“Uma agente do FBI,” Respondeu a rececionista. “Está aqui para fazer algumas perguntas.”

Riley ouviu ruídos dentro do gabinete. Depois a porta abriu-se e uma mulher de aspecto agitado surgiu. Tinha um rosto rigido e o sorriso era inteiramente forçado.

“Em que posso ajudá-la?” Perguntou, parecendo faltar-lhe o fôlego.

Riley mostrou o distintivo novamente.

“Agente Especial Riley Paige, FBI,” Disse ela.

“Bem, deve ser alguma coisa muito séria,” Disse a mulher desconfortavelmente. “Entre.”

Riley entrou no gabinete e sentou-se. A mulher sentou-se à secretária.

“Sou Edith Cooper e sou a enfermeira responsável. O que posso fazer por si? O que quer saber?”

Riley notou de imediato algo de estranho no discurso da mulher. Falava muito rapidamente. E os olhos apresentavam um brilho estranho.

“Estou aqui por causa de uma série de envenenamentos,” Disse Riley. “Talvez já tenha lido sobre isso.”

As palavras saíam atabalhoadas da boca da mulher.

“Ah, sim, absolutamente. Fico satisfeita por nada disso alguma vez ter sucedido aqui. Mas porque querem falar comigo?”

Riley estudou o rosto de Edith Cooper durante um instante, tentando descobrir o que havia de errado com ela.

“Gostaria de lhe fazer algumas perguntas sobre uma terapeuta freelance que trabalhou aqui. Chamava-se Hallie Stillians.”

“Ah, sim, Hallie. Os pacientes gostavam dela, mas o pessoal nem por isso. Deixámos de a contratar há cerca de ano e meio.”

Riley tirava notas agora.

“Foi na altura em que tratou um paciente chamado Lance Miller?” Perguntou Riley.

O rosto de Cooper estremeceu.

“Sim, penso que foi,” Disse ela. “Aquele homem precisava de ajuda – o tipo de ajuda que nós não podíamos dar aqui.”

“O que quer dizer com isso?”

Cooper tamborilou os dedos na secretária.

“Bem, ele não parava de dizer que estava a ser envenenado e não estava, era simplesmente impossível. Era um caso típico de esquizofrenia paranoica.”

Riley ficou surpreendida. Depois da sua visita a lance Miller, de uma coisa tinha a certeza – não era minimamente paranoico.

Cooper prosseguiu, “Penso que a Hallie estava a encorajar os seus delírios. Não podemos tolerar esse tipo de comportamento, não aqui. Nunca mais voltámos a solicitar os seus serviços.”

Cooper olhou para Riley durante um instante.

“Mas o que é que isso tem a ver com...?”

Então os seus olhos astutos cravaram-se em Riley.

“Suspeita de Hallie Stillians? Bem, não ficaria surpreendida. Eu sabia que havia algo de errado com aquela mulher logo de início. Mas como é que ela o fez?”

“Ainda não chegámos a qualquer conclusão,” Disse Riley.

“Não? Bem, espero que cheguem a algumas conclusões em breve. É melhor que o façam. Há uma assassina à solta e alguém pode morrer, isso é certo. Não prenderam Hallie Stillians?”

Riley não disse nada, apenas fixou o seu olhar no de Cooper.

Cooper disse, “Pelo que li, parece que o veneno usado era o tálio. É verdade?”

Riley continuou calada.

Cooper estava a comportar-se de uma forma suspeita.

Há algo de muito estranho com esta mulher, Não parava de pensar Riley.

Cooper continuou a falar.

“Estou a perguntar-lhe se é tálio porque como sabe, é denominado o veneno do envenenador mas é claro que não tenho forma de o saber. Foi tálio? E como é que foi administrado? Era tálio puro? Bem, se eu fosse um assassino, penso que não utilizaria tálio puro. Misturava-o com algo para evitar a deteção e para disfarçar os sintomas. Não sou perita é claro. Não faço ideia.”

Parou de falar e olhou para Riley.

“Agente Paige, tenho a sensação de que há algo que não me está a dizer,” Disse ela.

O seu tom era agora defensivo e ligeiramente zangado.

“Sou suspeita? Isso seria um perfeito absurdo.”

Mais uma vez, Riley permaneceu calada.

Cooper olhou com desconfiança e as suas sobrancelhas aproximaram-se.

“Penso que esta conversa terminou,” Disse ela. “Se tiver mais perguntas, sugiro que as dirija ao meu advogado.”

Entregou a Riley o cartão do advogado.

“Claro,” Disse Riley. “Obrigada pelo seu tempo. Eu saio sozinha.”

Quando Riley saiu da clinica, quase respirou de alívio. A atmosfera lá dentro era completamente sufocante.

Entrou no carro. Antes de o ligar, ligou a Van Roff.

“Sr. Roff, gostaria que descobrisse o que conseguisse sobre a enfermeira chefe do Centro de Reabilitação Reliance. Chama-se Edith Cooper.”

Riley ouviu o ruído do teclado.

Alguns segundos depois, Roff disse, “Uau. Aquela clínica tem uma reputação bem colorida. Falo de processos de negligência a rodos. É quase como se...”

Riley ouviu o som de uma porta a fechar.

“Oh, merda,” Sussurrou Roff. “Fomos apanhados.”

Ouviu uma voz familiar a perguntar, “É a Agente Paige?”

Riley ficou alarmada. A voz era de Sean Rigby. Tinha obviamente entrado no gabinete de Roff sem se fazer anunciar. Roff devia ter a chamada em alta-voz e então Rigby reconhecera a sua voz de imediato.

Rigby disse, “Agente Paige, que surpresa interessante. Como está tudo em Quantico?”

Riley engoliu em seco. Tinha que ter cuidado com que ia dizer. Não estava tão preocupada consigo mas mais com Roff. Sabia que não valia a pena mentir sobre o seu paradeiro.

“Na verdade, estou em Seattle,” Disse ela.

“Seattle! Não me lembro de receber qualquer aviso a esse respeito.”

“Não é uma viagem oficial.”

Rigby soltou uma risada irónica.

“Ah. Uma viagem de férias, eh? Bem. Fico satisfeito por gostar tanto da nossa cidade. Desfrute da sua estadia.”

A chamada terminou. Riley estava sentada no carro a olhar em frente.

Ele não acreditou em mim nem por um segundo, Pensou Riley.

E agora o mais certo era Van Roff levar com o pior.

Mas por outro lado, Rigby não parecia estar muito incomodado por ela estar de volta. Interrogou-se se Rigby também não estaria completamente certo da conclusão dada ao caso.

Alguns minutos depois, o telemóvel tocou outra vez. Era Van Roff, falando num sussurro agitado. Era óbvio que desta vez não estava a utilizar a alta-voz.

“Ei, desculpe aquilo de há pouco. Ele entrou sem mais nem menos.”

“Tudo bem,” Disse Riley. “Só espero que não esteja metido em sarilhos.”

“Eu também. Às vezes com o Rigby é difícil de perceber. De qualquer das formas, logo que terminaram a chamada ele perguntou-me o que é que eu estava a fazer e eu disse que estava verificar o Centro de Reabilitação Reliance e a sua diretora. Ele pareceu interessado. Parece que quer dar seguimento à coisa. Isso é bom, certo?”

Riley não respondeu. A verdade era que ela não sabia. Edith Cooper precisava mesmo de ser investigada, mas poderia Riley confiar num chefe local para tratar do assunto? Tinha as suas dúvidas.

“Vou mantendo-a a par dos desenvolvimentos,” Disse Roff.

“Talvez seja melhor não o fazer. Quero dizer, para seu bem.”

“Bem, vamos ver como é que as coisas evoluem.”

Terminaram a chamada. Riley foi para o hotel onde ela e Bill tinham ficado da última vez.


*


Mais tarde, Riley sentou-se no bar do hotel a beber uma bebida. Se Bill tivesse ido com ela, não se sentiria tão terrivelmente isolada.

Reviu os acontecimentos do dia na sua cabeça, tentando interpretá-los da melhor forma.

Antes da sua visita ao Centro de Reabilitação Reliance, parecia perfeitamente óbvio que uma mulher chamada Hallie Stillians tinha morto Cody Woods. Mas após uma estranha conversa com Edith Cooper, Riley já não sabia o que pensar.

Cooper estava nitidamente a esconder algo, mas o quê?

Riley tinha passado parte da tarde a fazer pesquisa online. Roff tinha razão, Edith Coooper e o seu centro tinham sido processados por negligência inúmeras vezes. O Centro de Reabilitação Reliance quase tinha sido encerrado de vez no ano anterior.

Mas isso fazia de Edith Cooper uma assassina – ou até cúmplice de homicídio?

Terminou a sua bebida e estava quase a dirigir-se ao bar para pegar outra quando o telemóvel tocou. Ela estremeceu quando viu o nome no visor, mas mesmo assim atendeu.

“Agente Paige? Daqui fala Chefe Rigby. Pensei que estaria interessada em saber algumas boas notícias. Prendemos a nossa assassina há pouco. É diretora de uma Clínica e chama-se Edith Cooper.”

Depois acrescentou, “Talvez já tenha ouvido falar dela.”

Riley reprimiu um suspiro. É evidente que ele percebera de imediato que Riley estava por detrás da pequisa de Roff sobre Cooper.

“E a Solange Landis?” Perguntou Riley.

“Ainda está presa. Ainda a podemos acusar por falsificar documentos. Mas afinal não é a nossa assassina. Edith Cooper parece definitivamente culpada. Temos um mandado para fazer buscas na clínica e o Havens e o Wingert encontraram um pó branco suspeito numa gaveta da sua secretária. O laboratório ainda não determinou de que se trata, mas será um veneno de algum tipo.”

Riley foi invadida por uma certeza.

Oh meu Deus! Cocaína!

Um veneno de uma espécie diferente, mas não aquele que procuravam.

O uso de cocaína explicaria a postura estranha de Edith Cooper. E a julgar pelo comportamento esquisito do seu pessoal, toda a clínica estaria repleta de dependentes em drogas. Não admirava que a Clínica de Reabilitação Reliance tivesse tantos processos por negligência. Os cuidados médicos que prestavam deviam ser os mínimos.

Riley disse, “Chefe Rigby, não estou certa de que...”

Parou a meio da frase.

“Não está certa de quê, Agente Paige?”

Riley lembrou-se novamente que tinha que ter cuidado com o que dizia para o bem de Van Roff. O laboratório descobriria em breve que o pó de Cooper não era tálio. Entretanto, o melhor era Cooper ficar detida.

“Nada,” Disse ela. “Parabéns.”

Rigby riu.

“Tenho a estranha sensação de que os parabéns também lhe são devidos a si. Não precisa de ser modesta, eu sei que teve algo a ver com isto. E darei boas referências suas em Quantico. Vamos estar a beber champanhe por aqui muito em breve. Digo-lhe quando e espero que se junte a nós na comemoração. Entretanto, merece um pouco de descanso. Desfrute da nossa maravilhosa cidade.”

E terminou a chamada abruptamente.

Riley sentiu invadir-se por uma onda de desespero.

Não consegui nada hoje, Pensou.

Uma assassina ainda estava à solta e ela estava impotente para dar a volta aos acontecimentos.

Queria outra bebida – demasiado.

Mas acabou por não a tomar.

Saiu do bar e caminhou em direção à noite cinzenta, rodeada pelo espesso nevoeiro de Seattle. Mesmo no exterior, sentiu-se estranhamente claustrofóbica, como se o mundo se estivesse a fechar à sua volta.

Como se estivesse atada de pés e mãos, Pensou.

Uma coisa parecia certa – era tempo de desistir e ir para casa.

Não havia nada mais a fazer.

Mas quando se virava para regressar ao hotel, viu uma figura familiar aproximando-se de si vinda do nevoeiro.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E SETE


Riley sentiu um fluxo de adrenalina quando o homem se aproximou dela.

Ela sabia que era uma lutar lu fugir. O seu instinto dizia-lhe que o perigo se aproximava e que o seu corpo se devia preparar para a luta.

Ou a fuga.

E no entanto, ficou imóvel onde estava, incapaz sequer de respirar.

E ali estava Shane Hatcher ao alcance, completamente visível no nevoeiro circular. Era apenas a segunda vez que o vira pessoalmente desde a sua fuga de Sing Sing. A sua presença ali era muito mais intimidante do que fora quando se encontraram dentro das paredes da prisão.

Riley tentou lembrar-se que não corria perigo físico com este homem. Mas bem no fundo, todo o seu corpo sabia que Shane Hatcher era o homem mais perigoso que já conhecera – e possivelmente o mais brilhante.

Shane olhou-a de alto a baixo como se detetando o seu alarme.

“Descontraia,” Disse ele com um sorriso sinistro. “Se a quisesse matar, já estaria morta. Estou só a ajudá-la a concretizar aquele pequeno favor de que falámos.”

As suas palavras não eram minimamente reconfortantes. Mesmo assim, Riley começou novamente a respirar.

Hatcher estendeu a mão. Tinha uma pulseira de ouro no pulso.

“Não está a usar a sua,” Disse ele.

“Nunca a usarei.”

Ele sorriu.

“Mas tem-na consigo.”

Riley não respondeu. Ela sabia que não fazia sentido mentir.

“Caminhe comigo,” Disse Hatcher.

Nenhum dos dois disse uma palavra durante alguns instantes enquanto caminhavam juntos pela rua. Riley ouviu passos e depois preparou-se para que alguém passasse por eles.

Será que aquela pessoa os conseguia ver com nitidez? Em caso afirmativo, importava?

Quem poderia adivinhar que uma era uma agente renegada do FBI e o outro um criminoso brilhante que fugira de uma prisão de segurança máxima?

A pessoa continuou o seu caminho, aparentemente alheio a algo de estranho.

“Ouvi dizer que ocorreu outra prisão,” Disse Hatcher.

Riley anuiu em silêncio.

“E ainda não pensa que apanharam o verdadeiro Anjo da Morte.”

Riley ficou surpreendida por ele utilizar aquele termo.

“Eu sei que não,” Disse Riley. “Eu interroguei aquela mulher. É um caos e provavelmente merece ser acusada e presa. Mas ela não é a envenenadora que eu procuro.”

“E assim a verdadeira assassina atacará novamente.”

“Sim. Ela não vai parar até eu a parar.”

Ficaram calados durante um momento e depois Hatcher disse, “Esteve a trabalhar com o Van Roff, não esteve?”

“Como é que sabe?”

Shane soltou uma risada.

“Fiz a minha pesquisa. O Roff parece ser o tipo mais esperto do gabinete de Seattle. E não quer saber das regras para nada. Eu sabia que se ligaria a ele naturalmente mais cedo ou mais tarde. Era inveitável. Gostava de o conhecer um destes dias. Talvez conheça.”

Mais uma vez, Riley sentiu que estava a ser atraída para uma aliança com Hatcher. Mas ela sabia por experiência própria que ele podia mesmo ajudá-la.

Riley disse, “O Van Roff descobriu que três terapeutas tinham desaparecido, uma após a morte de cada vítima. Tinham nomes diferentes e moradas diferentes, mas as moradas eram todas caixas postais.”

Hatcher assentiu enquanto caminhavam.

“Então são todas a mesma pessoa,” Disse ele.

“Tenho a certeza que sim,” Disse Riley. “Mas após cada desaparecimento, ela regressa com outra identidade. Não temos forma de identificar a sua nova criação. Vi fotos de mulheres que podem ser ela, mas ela é uma espécie de camaleão.”

Hatcher pensou durante um bocado.

“Diga ao Roff para fazer uma pesquisa sobre a frequência com que isto aconteceu – Anjos da Morte que atacaram ao longo dos anos. Estamos à procura de enfermeiras que desapareceram de repente quando um paciente morreu. Imediatamente antes ou depois.”

“Isso é uma busca complicada,” Disse Riley.

“Não para o Van Roff. E lembre-lhe para procurar moradas que sejam serviços postais e não casas ou apartamentos. Diga-lhe para seguir os vestígios desde o início. Ele saberá quando a tiver encontrado.”

Caminharam juntos em silêncio durante algum tempo.

“Está mais perto do que julga,” Disse finalmente Hatcher. “E ela sabe-o.”

Havia algo diferente no seu tom agora.

Teria Riley detetado um vestígio de preocupação?

Depois ele disse, “Quando chegar o momento de fazer uma detenção, envie outra pessoa. Não vá você.”

“Porque não?”

Hatcher não disse nada durante alguns segundos.

“Considere o Anjo da Morte mais terrível de todos – Josef Mengele.”

Riley estremeceu. Saberia Hatcher que ela e Solange Landis tinham falado sobre Mengele?

Não, é impossível, Pensou Riley.

Era simplesmente outro exemplo desconfortável e estranho de Hatcher em consonância com as linhas de pensamento que ela própria seguia.

“O que tem ele?” Perguntou Riley.

“Ainda fazia o seu terrivel trabalho em Auschwitz em 1944 quando teve a certeza que a Alemanha estava a perder a guerra, que o exército vermelho estava a caminho. O que fez ele então? Abrandou as suas atrocidades? Não, acelerou. Tornou-se mais cruel e sádico do que nunca. Os Anjos da Morte são assim. Quando se sentem ameaçados, tornam-se ainda mais determinados. Alteram os seus métodos, tornam-se mais mortíferos. Querem assegurar-se de que o trabalho é feito. Esta mulher não é diferente.”

Caminharam em silêncio durante mais alguns momentos.

“Envie outra pessoa,” Disse Hatcher novamente. “Quem quer que faça essa detenção não deverá sobreviver.”

Os seus passos continuaram a ecoar no nevoeiro.

“Continue a caminhar,” Disse por fim Hatcher. “Não olhe para trás.”

Hatcher parou e Riley prosseguiu.

Depois de ter caminhado três metros, não conseguiu resistir e virou-se.

Não viu ninguém no nevoeiro.

Mas ouviu a voz de Hatcher a ecoar, aparentemente de lado nenhum.

“Tenha apenas uma coisa em mente. Tudo acontece sem motivo.”

Depois ouviu uma risada ribombante.


*


Quando Riley caminhava para a entrada, viu uma figura familiar a falar com o rececionista.

Esta figura não a arrepiou.

“Bill!” Chamou.

Bill virou-se para ela e sorriu.

Riley correu na sua direção e abraçou-o, quase chorando de alegria.

Estavam novamente juntos.

 

 


CAPÍTULO TRINTA E OITO


Já era noite em Seattle e Riley sabia que precisavam de recorrer à ajuda de Van Roff novamente. Ela e Bill foram para o quarto de hotel de Riley para telefonar ao feiticeiro técnico e alguns minutos mais tarde já o tinham em alta-voz.

“Estou em casa,” Disse Roff. “Por isso agora é mais fácil falarmos.”

“Mas preciso que faça uma busca bem complicada agora,” Disse Riley que sentia uma urgência ainda maior em apanhar esta assassina antes que mais alguém morresse.

Ele riu. “Isso não é problema. Estou bem servido de recursos aqui.”

“O Agente Jeffreys está aqui comigo. Precisamos de localizar uma nova pista.”

Roff cumprimentou Bill alegremente e depois acrescentou, “Ouvi dizer que prenderam a Edith Cooper. Não é ela?”

“A Edith Cooper foi bem presa, mas não é quem procuramos.”

“Raios. Pensei que tivésssemos apanhado a nossa vilã. Mas fico sempre intrigado com uma nova caçada. Então, o que fazemos agora?”

Riley deu-lhe as instruções que ela e Hatcher tinham discutido.

“Muito interessante. Vou começar já. Mas como vou saber se encontrei aquilo que procuro?”

Riley lembrou-se do que Hatcher dissera.

“Ele saberá quando a tiver encontrado.”

“Não se preocupe,” Disse Riley. “Saberá.”

A chamada terminou e Riley e Bill ficaram a olhar um para o outro durante alguns instantes. Riley mal conseguia superar o alívio que fora vê-lo.

“O que te fez decidir vir?” Perguntou Riley.

Bill afastou o olhar.

“O Meredith disse-me que tinhas estado em contacto com o Hatcher. Calculei que ele estivesse em Seattle. É ele?”

Riley não respondeu.

“OK, então não podes falar sobre isso. Mas soube que tinha que vir para cá imediatamente.”

Riley sorriu.

“Para me poderes salvar do Hatcher?” Disse ela.

Bill devolveu o sorriso.

“Nunca precisas de ser salva,” Disse ele. “Mas apercebi-me que não tinhas ninguém do teu lado a não ser um criminoso foragido. Não estava certo. Eu sou o teu parceiro. Devo ficar contigo.”

Riley apertou-lhe a mão.

“Obrigada,” Disse ela. “Mas parece-me que agora ficas metido em sarilhos.”

Bill também lhe apertou a mão e sorriu.

“Sarilhos é o que criamos – e sempre os criamos juntos.”

Seguiu-se um silêncio de alguns minutos. Depois algo começou a incomodar Riley.

“Bill, o Hatcher disse-me uma coisa que não compreendo. Ele disse, “Tudo acontece sem motivo.’ O que é que achas que significa?”

Bill abanou a cabeça. “Se tu não sabes, eu então não sei de certeza.”

Riley ficou a pensar naquilo. Era um óbvio reverso do velho ditado...

“Tudo acontece por um motivo.”

Riley estremeceu. Odiava aquele ditado. As pessoas diziam-no sempre que alguma coisa terrível acontecia e era suposto dar conforto, mas nunca reconfortava. Riley sempre o considerara fútil e até insensível.

Mas Riley nunca dissera a ninguém que se sentia assim.

Sentiu um arrepio estranho.

Mais uma vez, Hatcher tocara em algo muito pessoal.

Mas porque é que apenas o dissera agora?

Por nenhum motivo, acho, Pensou com um sorriso irónico.

O telemóvel de Riley tocou. Era Van Roff outra vez. Riley colocou-o em alta-voz.

“Bingo,” Disse Van Roff. “Tenho mesmo qualquer coisa desta vez.”

Riley e Bill olharam um para o outro na expectativa.

“O que é?” Perguntou Riley sem fôlego.

“Tenho uma pista de nomes – todas terapeutas que usaram serviços postais e que desapareceram pouco depois de um paciente morrer. Também pagaram pelos seus serviços postais em dinheiro – exceto a primeira cujo nome é Alicia Carswell.”

O entusiasmo de Riley estava no auge.

O seu nome verdadeiro! Apercebeu-se.

Roff prosseguiu, “Usou um cartão de crédito por isso foi fácil saber mais coisas a seu respeito. Consegui o seu número de Segurança Social e Carta de Condução. A foto é muito parecida com as outras.”

“Qual a morada na carta de condução?” Perguntou Bill.

Roff deu a morada e Bill anotou-a.

“Só não tenho a certeza se está atualizada,” Disse Roff. “É uma carta de condução antiga, expirada há anos. Parece estar desligada do mundo real há muito tempo.”

“É sempre o que temos,” Disse Bill.

“Obrigada,” Disse Riley.

Terminaram a chamada e Riley e Bill foram logo para o carro.


*


Riley e Bill conduziram por entre o nevoeiro da cidade sombria até à morada que Roff lhes dera. Era uma casa pequena e fora de moda num bairro da classe trabalhadora. O quintal não estava tratado e a vedação branca estava degradada. Não se via luz no interior da casa.

“Será que ainda vive aqui alguém?” Perguntou Riley ao estacionar o carro.

“Vamos ver,” Disse Bill.

Saíram do carro, caminharam até à porta da frente e bateram à porta.

Ninguém respondeu.

Riley olhou para Bill por um momento de indecisão.

Depois rodou a maçaneta.

A porta abriu-se facilmente e entraram. Riley encontrou um interruptor junto à porta e ligou-o.

Era como se tivesse entrado numa sala de estar de outra era.

“Parece que estamos nos anos 50 aqui,” Comentou Bill.

A mobília era colorida e limpa, apesar de parecer estar muito usada. Retratos de família e imagens de cenas alegres estavam pendurados nas paredes. Ao contrário do exterior, ali dentro tudo parecia estar em ordem e no seu devido lugar.

Não havia dúvidas de que alguém ainda vivia ali.

Riley e Bill separaram-se. Bill dirigiu-se a um quarto e Riley à cozinha. A cozinha era ainda pitoresca do que a sala de estar. Quem ali vivia dera-se a muito trabalho para manter aquele lugar congelado no tempo.

Talvez fosse um tempo mais feliz, Pensou Riley.

Mas o seu instinto dizia-lhe que nem tudo era o que aparentava. Ao olhar à sua volta, os seus olhos repousaram numa fila de frascos de cozinha antigos e coloridos etiquetados com letras desenhadas – café, chá, açúcar, farinha...

Riley abriu o frasco que dizia café.

Continha uma substância branca cristalina.

“Bill, é melhor chegares aqui,” Chamou Riley.

Bill chegou num instante. Riley mostrou-lhe o conteúdo do frasco.

“Isto não é café,” Disse Riley. “Tenho um palpite que é tálio.”

“Jesus,” Murmurou Bill. “Esta cozinha é um laboratório para a preparação de venenos.”

Riley virou-se e viu um bloco de notas na mesa de fórmica. As folhas de papel estavam simpaticamente decoradas com imagens de flores. No topo da folha estava impecavelmente escrito “Brio 15”.

Riley mostrou aquilo a Bill.

“O que te parece que é isto?” Perguntou ela.

“Talvez uma morada?” Respondeu Bill.

Riley pegou no telemóvel e ligou a Van Roff.

“Ei, onde estão?” Perguntou ele.

“Estamos na casa de Alicia Carswell,” Disse Riley. “Não há dúvida de que vive aqui. Encontrámos uma nota na sua cozinha. ‘Brio 15’ soa-lhe a morada?”

“Conheço bem a minha cidade,” Disse Roff. “Não me parece que seja uma rua pública. Deixe-me confirmar.”

Riley ouviu uma revoada de teclas de computador.

“Brio 15 é uma casa numa estrada privada numa comunidade retirada. E é mesmo próxima de onde vocês se encontram. Envio-lhes indicações por telefone.”

“E envie uma equipa de reforços para a morada,” Disse Bill. “Não queremos correr riscos com esta.”

Riley olhou para a porta da cozinha e reparou que a porta da frente ainda estava aberta.

Não estava trancada quando entraram.

Saiu à pressa, Percebeu Riley.

“Despache-se,” Disse a Roff. “Tenho a sensação de que não temos um minuto a perder.”

 

 


CAPÍTULO TRINTA E NOVE


A via chamada Brio terminava entre algumas casinhas atraentes espalhadas. A rua era calma com luzes na maior parte das casas mas sem atividade no exterior. Apessar da cena pacífica, Riley tinha a certeza que um destes espaços pitorescos escondia uma assassina.

Bill parou o carro no número 15 e estacionou. Quando desligou o motor, tudo em redor estava silencioso mas Riley sentiu uma renovada onda de alarme. Lembrava-se da pressa com que a mulher parecia ter saído de casa.

Algo de muito mau se está a passar, Pensou.

Estava satisfeita por a equipa de reforço do FBI estar a caminho, mas ela não tinha tempo para esperar por eles. Ela e Bill saíram do carro e caminharam na direção da casa. Quando chegaram à porta de entrada, Bill estava prestes a bater à porta.

Riley impediu-o e colocou o dedo nos lábios para o silenciar.

Dando indicação a Bill para a seguir, Riley moveu-se para a direita e espreitou pela ampla janela. Viu uma sala de estar bem iluminada mas ninguém lá dentro. Depois dirigiu-se às janelas do outro lado da porta. Quando espreitaram por essas, Bill soltou um esgar audível.

“Que raio!” Murmurou.

Uma figura de pesadelo estava debruçada sobre um homem idoso inconsciente numa cama. Era uma mulher usando um casaco de laboratório, luvas pesadas, óculos e uma máscara com uma garrafa de oxigénio. Retirava um tubo de vidro de um pequeno cofre portátil.

“Não há tempo a perder,” Disse Riley. “Vamos entrar.”

Tentaram a porta da frente mas estava fechada, Riley saiu da frente de Bill quando ele recuou e se colocou em posição para a arrombar. Arremeteu todo o seu peso num pontapé logo abaixo da fechadura.

Foi o quanto bastou. A porta cedeu e Riley entrou lá dentro.

A figura estava agora mais próxima do homem inconsciente.

Segurava um conta-gotas sobre ele.

Virou-se e viu Riley e Bill, mal parecendo surpreendida.

Sons abafados surgiam da máscara, e Riley percebeu que aquela criatura assustadora estava a cantar. Lembrava-se da cantiga e da letra da visita que fizera a Lance Miller...


Definha

De dia para dia

Demasiado triste para rir, demasiado triste para brincar.


Riley sacou a arma.

“Pare,” Ordenou.

A mulher limitou-se a olhar para ela através dos óculos ainda a cantar com a voz abafada.


Não chores,

Sonha até mais não poderes.

Deixa-te vencer pelo sono.


Ignorando Riley e Bill, a mulher baixou o conta-gotas na direção do rosto do homem.

Com um grito de fúria, Bill agarrou a assassina pelo pulso da mão que sustinha o conta-gotas. A mulher soltou um grito e lutou com ele.

Enquanto lutavam, Riley guardou a arma e esperou por uma oportunidade para ajudar Bill a subjugar a mulher louca.

A mascára e óculos da mulher soltaram-se na luta e ela recuou. De repente, líquido jorrou do conta-gotas.

Sorrindo medonhamente, a mulher virou-se para Riley.

Olhou para o conta-gotas.

 “Vazio!” Gritou. “E eu tive tanto trabalho! E eu que tinha o Sr. Auslander deitado e sedado e pronto. Que pena.”

Ainda a sorrir, apontou para a mão de Bill.

“Para si não há salvação,” Disse ela.

Bill olhou para a sua mão, reluzindo com gotas de um líquido claro que tinham jorrado do conta-gotas. Ia limpá-lo com a outra mão.

“Não toques!” Disse Riley.

Bill olhou para ela, surpreendido.

“O que é?” Perguntou Bill.

“Não sei, mas não lhe toques.”

A mulher sentou-se numa cadeira e riu. Tocou no seu rosto e sentiu o líquido também lá espalhado. Riley reconheceu o seu rosto das fotos que vira.

Sim, era esta a mulher. Esta era a terapeuta responsável pelas mortes dos pacientes.

“Mas e eu?” Disse numa voz delirante e estranha. “Também estou envenenada. Ah, mas não se preocupem. Eu não posso morrer. Esther Thornton – a mulher que estão a ver – vai morrer. Como morreu Judy Brubaker e Hallie Stillians e tantas outras. Mas não eu. Não sabem quem sou? Não conseguem ver as minhas asas?”

Continuou a cantar.


Longe de casa,

Tão longe de casa-

Este bebé pequenino está longe de casa.


Tocou nos seus braços, olhando para eles com tristeza.

“Mas estas asas estão a definhar. Tenho que me encolher para que cresçam novas asas. Eu regressarei. Os anjos nunca morrem.”

Ficou sentada a cantarolar e a balançar.

Fechou os olhos e pareceu derivar para um estado de inconsciência.

Depois ficou completamente parada e calou-se.

Catatónica, Apercebeu-se Riley.

Na sua loucura progressiva, a mulher ficara em estado catatónico.

O homem na cama agora emitia sons. Apesar de ter sido obviamente sedado, o barulho tinha-o acordado. Sentou-se lentamente e esfregou os olhos.

“Esther?” Disse numa voz fraca.

Depois viu Riley e Bill.

“O que é que se passa?”

“Fique onde está,” Disse Riley. “Não se mexa. Ninguém se mexa.”

Toda a gente na sala ficou imóvel por momentos.

“O que é que fazemos?” Perguntou Bill.

“Sei a quem devemos perguntar,” Disse Riley.

Pegou no telemóvel e ligou a Prisha Shankar. A chamada foi para o atendedor. A voz de Riley tremia.

“Dra. Shankar, atenda por favor. Sou a Agente Riley Paige. Isto é uma emergência. É um caso de vida ou de morte...”

E de repente ouviu a voz de Prisha Shankar.

“Olá.”

Aliviada, Riley colocou o telemóvel em alta-voz.

“Dra. Shankar, o meu parceiro e eu acabámos de encontrar a assassina. Detivemo-la no ato. Ela está vestida com óculos e uma máscara e tem umas luvas enormes. Tem um tubo e um conta-gotas. Impedimo-la de verter o líquido para a vítima, mas parte derramou-se no seu rosto e na mão do meu parceiro. O que é que devemos fazer?”

Seguiu-se um momento de silêncio.

“Óculos, máscara, luvas?” Disse finalmente Shankar.

“Exato.”

“Meu Deus,” Disse Shankar.

Riley ouviu o som de veículos a aproximarem-se.

“Os nossos reforços chegaram,” Disse Riley.

“Não os deixem entrar!” Gritou Shankar. “Não deixem ninguém entrar!”

“Porque não?” Perguntou Riley.

Shankar parecia sem fôlego.

“Mantenham-nos lá fora. Não é seguro aí dentro.”

“Mas o meu parceiro e eu...”

“O seu parceiro não é seguro. É perigoso. Para eles.”

 

 


CAPÍTULO QUARENTA


Um carro parou no exterior e passos aproximaram-se da porta da casa. Riley correu para a porta e fechou-a. Colocou uma cadeira debaixo da maçaneta da porta.

“É o FBI,” Disse uma voz do exterior. “Abram.”

“Ouçam-me!” Gritou Riley. “Não entrem! Sou Riley Paige do FBI de Quantico. Fomos expostos a uma substância tóxica aqui. O meu parceiro e eu estamos a tentar resolver a situação. Não podem entrar.”

Seguiu-se um silêncio breve.

“O que devemos fazer?” Perguntou a voz no exterior.

“Esperem apenas,” Disse Riley.

Riley e Bill olharam para o telefone.

“Fale connosco,” Disse Riley.

“Agentes Paige e Jeffreys, quero que me ouçam com muita atenção. Creio que o químico ao qual o seu parceiro foi exposto é Dimetil Mercúrio. É extremamente perigoso e pode transpor até a roupa mais protetora. Neste momento, deve haver vapor no ar e até isso pode ser letal.”

Os olhos de Bill abriram-se muito com horror e descrença.

“Mas eu sinto-me bem,” Disse Bill. “Não sinto qualquer dor ou...”

Shankar interrompeu-o. “Os sintomas só ocorrem num espaço de meses. Mas se tiver tempo suficiente para entrar no sistema, a morte é inevitável.”

Riley e Bill olharam um para o outro em choque.

“E agora?” Perguntou Riley.

“Vou enviar uma equipa hazmat. Estarão aí dentro de minutos. Quando chegarem, deixem-nos entrar.”

Hazmat – materiais perigosos, Percebeu Riley.

Nunca antes estivera envolvida numa situação que envolvesse hazmat.

“Agora sigam as minhas ordens,” Disse Shankar. “Levem o Bill para a casa de banho e lavem-lhe a mão exposta com sabonete e água durante quinze minutos. Certifiquem-se de que usam muita água.”

Riley lutava agora para evitar o pânico.

“Mas se é tão perigoso como diz que é...”

“Isto é só para começar. Comecem por fazer isso. Mantenham o telefone com vocês em alta-voz. Eu estarei em linha.”

Com o telefone à mão, Riley levou Bill para a casa de banho e abriu a torneira. Bill colocou as suas mãos trementes debaixo de água e começou a esfregar a área exposta. Riley ficou a seu lado, sentindo-se completamente impotente.

“Não posso fazer nada?” Perguntou a Shankar.

“Espere.”

“Depois de alguns minutos, Riley ouviu uma batida forte na porta de entrada.

“Está alguém lá fora,” Disse Riley a Shankar.

“É a equipa hazmat,” Disse Shankar. “Deixe-os entrar.”

Riley apressou-se para a porta e retirou a cadeira que a bloqueava. A porta abriu-se e revelou cinco funcionários de hazmat, todos envergando fatos grotescos com máscaras de plástico enormes. Dois deles tinham reservatórios amarelos às costas.

A visão era de arrepiar mas ela sabia que estas figuras horripilantes estavam do seu lado.

Com um grande sentido de gratidão, Riley afastou-se e as figuras entraram.

“Onde está a substância?” Perguntou com voz abafada um dos funcionários.

Riley apontou para a garrafa e conta-gotas que se encontravam caídos no chão.

Um dos trabalhadores apanhou cautelosamente a garrafa e o conta-gotas e colocou tudo num saco prateado. Dois outros começaram a pulverizar a sala com o conteúdo dos reservatórios amarelos.

“O que devo fazer?” Perguntou Riley.

“Vá para a casa de banho. Dispa-se. Tome banho. Tome banho e esfregue-se até lhe dizermos para parar.”

Riley foi para a casa de banho, tirou a roupa, foi para o chuveiro e ligou a água. Ao virar-se, viu a silhueta de um dos funcionários do outro lado da cortina do chuveiro.

Não sabia se era um homem ou uma mulher, mas sabia que era algo que naquele momento não a devia preocupar.

Esfregou-se por um tempo que parecia uma eternidade, todo o tempo a pensar no que se estaria a passar lá fora.

Finalmente, a figura do outro lado da cortina disse, “Já chega. Pode sair.”

Riley desligou o chuveiro e saiu nua da cabina. Bill ainda lá estava, virado de costas para ela. Outro funcionário estava ao lado dele.

O funcionário que estivera do outro lado da cortina segurava um pijama cinzento e um par de chinelos.

“Vista isto,” Disse o funcionário a Riley.

A voz parecia a de uma mulher.

Riley secou-se e vestiu o pijama e calçou os chinelos.

“Agora é a sua vez,” Disse o outro funcionário a Bill, segurando outro conjunto de pijama.

Bill começou a despir-se enquanto o funcionário conduzia Riley para fora da casa de banho.

A envenenadora continuava ali sentada, completamente apática. O homem idoso estava sentado na beira da cama, parecendo igualmente estupefacto.

“E eles?” Perguntou Riley ao funcionário.

“Também vão tomar banho,” Disse o funcionário. “Venha comigo.”

A figura conduziu Riley ao exterior na direção de um veículo de emergência.

“Mas e o meu parceiro?” Perguntou Riley. “Ele vai ficar bem?”

A mulher não respondeu enquanto Riley subia para as traseiras do veículo.

“E o meu parceiro?” Perguntou Riley outra vez.

“Não sei,” Disse a mulher.

Subiu ao lado de Riley e fechou a porta.

 

 


CAPÍTULO QUARENTA E UM


Mais tarde nessa noite, Riley estava sentada na cama de hospital ao que parecia uma eternidade. Uma enfermeira tinha-lhe tirado sangue há algum tempo e Riley estava à espera dos resultados do laboratório.

Perguntara repetidamente por Bill, mas ninguém lhe dizia nada. A única coisa de que tinha certeza era de que a Dra. Prisha Shankar se responsabilizara por ela e por Bill. Isso era reconfortante para Riley. Tinha a certeza de que ambos estavam em boas mãos.

Por fim, uma mão correu a cortina ao lado de Riley. A Dra. Shankar segurava num quadro.

“Tive boas notícias,” Disse. “Fizemos uma análise completa para detetar metais pesados e não tem Dimetil Mercúrio no seu sistema. Pode ir para casa.”

“Mas e o meu parceiro?” Perguntou Riley.

Shankar sorriu.

“Pode perguntar-lhe.”

Bill aproximou-se a sorrir algo cansado.

Riley manifestou alívio.

“Bill! Estás bem?”

Bill encolheu os ombros.

“Parece que vou ficar,” Disse ele.

A Dra. Shankar explicou.

“Ele foi contaminado e tem Dimetil Mercúrio no sistema. Como lhe disse, os sintomas só surgem daqui a meses. Esta terá sido uma das razões pelas quais a envenenadora optou por utilizar este veneno. O espaço de tempo tornaria impossível ligar os envenenamentos a ela.”

Shankar deu uma palmadinha nas costas de Bill.

“Ele vai precisar de terapia de quelação regular até termos a certeza de que o sistema está limpo. Detetámos tudo bem a tempo, não se preocupem.”

“Terapia de quelação?” Perguntou Riley.

“É uma forma de libertar o corpo dos metais pesados,” Disse Shankar.

Bill apontou para um penso no braço.

“Vou fazer via intravenosa em ambulatório. Também posso fazer o tratamento em casa.”

Esfregou o penso.

“Devo dizer que arde um bocado,” Disse ele,

“Com alguma sorte, esse será o único efeito secundário,” Disse Shankar.

Depois riu-se.

“Agora sugiro que os dois se pirem daqui,” Disse Shankar.

“Boa ideia,” Disse Riley, saindo da cama.

“E... Agente Paige?” Acrescentou.

Riley virou-se.

”Excelente trabalho.”

 

 

 

 

 


EPÍLOGO


Na noite seguinte, Riley estava de volta a Fredericksburg e sentada na sua sala de estar, contando a Ryan tudo o que tinha acontecido. Tinha chegado muito tarde, após atrasos nos voos, e Gabriela, April e Jilly já estavam a dormir. Não as quis acordar.

Para além disso, apreciara aquele momento a sós na companhia de Ryan.

A casa estava sossegada e eles sentaram-se um ao lado do outro no sofá, desfrutando de um segundo copo de vinho.

Riley respirou fundo quando terminou a sua história.

No silêncio que se seguiu, Riley fechou os olhos e lembrou-se do seu dia: o longo voo para casa com Bill; a sua gratidão e o seu alívio por ele estar bem; a chamada de Meredith, as suas relutantes felicitações e reintegração de Riley com um aviso de que teriam que se reunir quando ela regressasse; até Rigby lhe ligara e a felicitara da sua forma estranha. Ninguém admitiria que ela resolvera o caso, mas mesmo assim conseguia ouvir nas suas vozes, um silêncio incómodo que indicava respeito – e que significava tudo para ela.

“Graças a Deus estás a salco,” Disse finalmente Ryan, quebrando o silêncio e abraçando-a.

Ryan estava agora sem palavras.

Enquanto ali ficaram sentado em silêncio, Riley não parava de se lembrar do que Shane Hatcher lhe diseera...

“Tudo acontece sem motivo.”

Por alguma razão, hoje Riley sentia que começava a compreender o significado daquelas palavras.

Por fim Ryan disse, “Mas e a assassina? Ela também foi contaminada, não foi?”

“Sim,” Disse Riley. “Vai ter o mesmo tratamento de quelação do Bill.”

“Mas quantas pessoas é que ela matou?”

Riley suspirou.

“Ainda estamos a tentar confirmar. Pelo menos meia dúzia durante vários anos.”

Ryan coçou o queixo.

“E no entanto vai obter um tratamento médico total. Não parece justo.”

“És advogado, devias compreender,” Disse Riley. “A lei não lida com justiça poética – só com leis normais. E ainda resta ver se estará apta a ser julgada. Da última vez que soube, ainda estava num estado não completamente lúcido. Tenho a certeza que o advogado dela vai optar pela defesa por insanidade.”

Ryan abanou a cabeça.

“Não é tão injusto?”

Riley não respondeu. Até àquele momento, sempre reprovara as defesas por insanidade, mas Alicia Carswell era uma das mais estranhas criminosas que alguma vez apanhara.

Qual era o diagnóstico que o psiquiatra revelara naquela manhã?

Ah, sim, Lembrou-se Riley. “Transtorno mental orgânico.”

Alicia Carswell sofria da crença de que era uma espécie de anjo.

Riley ficou surpreendida por algo realmente estranho. Tinha apanhado muitos assassinos loucos ao longo dos anos. Mas no passado, toda a insanidade tinha uma causa, raízes na infância ou era hereditária.

Mas a loucura de Alicia Carswell parecia não ter qualquer causa.

Até ao momento, as autoridades não tinham descoberto nenhum sinal de que Carswell tivesse tido outra coisa que não uma infância feliz e não tinham descoberto qualquer historial de loucura na família. Prisha Shankar explicara a Riley e a Bill que aquele era um caso típico de transtorno mental orgânico. A sua causa era impossível de determinar. Parecia surgir do nada.

Outra vez surgiram as palavras de Hatcher na cabeça de Riley.

“Tudo acontece sem motivo.”

Era tudo muito perturbador. De alguma forma, o acaso tinha transformado aquela mulher numa assassina.

O mero pensamento fê-la estremecer.

O mundo parecia fazer menos sentido hoje do que anteriormente.

Riley levantou-se e aproximou-se das janelas. A escuridão da noite penetrando na sua sala de estar nunca a incomodara antes.

Mas hoje incomodava.

Fechou as cortinas.

O mundo estava realmente mais negro.

Repleto, Riley sabia, de uma quantidade infinita de assassinos em série.

E por muito que ela tentasse fugir deles, amanhã, sabia, ou talvez no dia seguinte, receberia uma chamada.

E outra.

E outra ainda.

Um dia, ela sabia, chegaria a um limite e deixaria de atender aquela chamada.

Mas por agora?

Não sabia.

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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