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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CONEXÃO CASA BRANCA / Jack Higgins
A CONEXÃO CASA BRANCA / Jack Higgins

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Manhattan em março, o vento leste arrastando uma mistura de neve e chuva ao longo da Park Avenue, estava tão deserta como a maior parte das grandes cidades depois da meia-noite. Havia pouco tráfego — uma limusine ocasional, um táxi esporádico —, o que dificilmente era surpreendente àquela hora da madrugada.
Numa área mista de escritórios e residências, uma mulher aguardava sob as sombras de uma arcada, chapéu impermeável de abas largas e capa com a gola levantada. Um guarda-chuva pendia de seu pulso esquerdo.
Apalpou a arma que tinha no bolso direito da capa e verificou-a habilmente pelo tato. Era uma arma incomum, uma Colt .25 semiautomática de oito tiros, relativamente pequena mas mortífera, especialmente com um silenciador na extremidade. Voltou a colocá-la no bolso e espreitou a rua deserta.
Do outro lado da Park Avenue situava-se uma casa esplêndida. Seu proprietário era o senador Michael Cohan, que estava num jantar beneficente no Pierre Hotel, jantar este que deveria terminar à meia-noite, e ela aguardava na escuridão com a intenção, se tudo corresse conforme o plano, de deixá-lo morto na calçada.
Ouviu vozes, um grito ébrio, e dois jovens, em gorros de lã, blusões de marinheiro e jeans, dobraram a esquina do outro lado da avenida e avançaram pela calçada. Enquanto a chuva redobrava de intensidade, um deles, alto e de barba, reparou na entrada de um beco. Engoliu o resto da cerveja e deixou cair a lata na valeta inundada.
— Por aqui, irmão — disse, correndo para a entrada do beco.
— Droga — praguejou a mulher em voz baixa. O beco ficava junto à casa de Cohan.

 


 

 

Não havia nada a fazer. Eles tinham desaparecido nas sombras, mas ela continuava a ouvi-los claramente, os risos deles ecoando alto no silêncio. Esperava que fossem embora, mas uma jovem surgiu no caminho deles. Era baixa e, excetuando o guarda-chuva, não estava vestida para aquele tempo, de salto alto e tailleur de minissaia. Ela ouviu as gargalhadas roucas dos homens, hesitou, mas continuou a andar, passando perto deles.

— Ei, aonde vai, boneca? — E o homem barbudo saiu do beco seguido do amigo.

A garota começou a andar mais depressa, e o homem de barba correu atrás dela e agarrou seu braço. Ela deixou cair o guarda-chuva e se debateu.

— Lute o quanto quiser, querida. Gosto de mulheres lutadoras.

O amigo agarrou o outro braço.

— Anda, vamos levá-la ali para dentro.

A jovem gritou, aterrorizada, e o barbudo a esbofeteou.

— Ei, comporte-se.

Arrastaram-na para o beco, e a mulher nas sombras ouviu um grito.

— Droga! — repetiu, saindo da arcada para a chuva e atravessando a rua.

A garota tentou lutar com o homem que a segurava por trás, mas o da barba empunhava uma faca na mão direita e passou-a em seu rosto, deixando um risco ensanguentado.

Ela gritou de dor.

— Disse para se comportar — repetiu ele. Aproximou a faca da bainha da saia, e com um movimento ascendente da lâmina afiada, rasgou-a. — Aí está, Freddy. É meu convidado.

— Não creio — disse uma voz calma.

A cara de Freddy, espreitando sobre o ombro do amigo, denotava estupefação.

— Que diabo é isso? — perguntou.

O barbudo se virou e viu uma mulher parada na entrada do beco. Segurava um chapéu na mão direita. O cabelo era de um branco prateado, realçado pela luz de um poste da rua. Parecia estar na casa dos sessenta, mas era difícil dizer naquela obscuridade.

— Larguem-na.

— Eu não sei o que essa doida quer, mas sei o que ela vai ter — disse o homem de barba ao amigo. — Quer companhia esta noite, avozinha?

Deu um passo à frente, e a mulher o atingiu no coração, atirando através do chapéu, praticamente sem barulho.

A jovem estava tão aterrorizada que não proferiu uma palavra. No entanto, o homem que a segurava reagiu. Sacou uma navalha do bolso e abriu a lâmina.

— Eu corto a garganta dela — ameaçou. — Juro.

A mulher se manteve imóvel, a pistola Colt na mão esquerda, agora encostada na coxa. Sua voz era calma.

— Vocês nunca aprendem, não é?

A mão se ergueu e o tiro o atingiu entre os olhos. Ele caiu para trás.

A jovem se encostou a uma parede, ofegante, o rosto ensanguentado. A mulher tirou seu leve cachecol de lã e o entregou à garota, que o levou ao rosto. A mulher observou o barbudo e depois o amigo.

— Bem, nenhum desses cavalheiros volta a incomodar ninguém.

— Canalhas — explodiu a garota. — Se você não tivesse aparecido... — Estremeceu. — Espero que apodreçam no inferno.

— É bem possível — disse a mulher. — Mora aqui perto?

— A uns vinte quarteirões. Fui jantar num restaurante depois daquela esquina, briguei com meu acompanhante e saí à procura de um táxi.

— Nunca há táxis quando chove. Deixe-me ver o rosto.

Puxou a jovem para a luz na entrada do beco. — Acho que vai precisar de dois ou três pontos. O Hospital St. Mary fica a dois quarteirões naquela direção. — Apontou um dos lados. — Vá à emergência. Diga que teve um acidente.

— Será que acreditam?

— Não interessa. É um assunto que só lhe diz respeito. — A mulher encolheu os ombros. — A não ser que queira ir à polícia.

— Meu Deus, não! — exclamou a garota. — É a última coisa que quero.

A mulher deu um passo, pegou o guarda-chuva caído e o entregou à jovem.

— Então, vá, minha filha, e não olhe para trás. Nada disso aconteceu. — Virando-se, pegou a carteira da garota, que também caíra. — Não se esqueça disso.

A jovem pegou.

— E não vou esquecer você...

— Pensando bem, prefiro que esqueça.

A garota esboçou um sorriso.

— Entendo o que quer dizer. — Virou-se e se afastou apressadamente.

A mulher viu-a ir embora, examinou o buraco da bala em seu chapéu e o pôs na cabeça, depois abriu o guarda-chuva e se afastou na direção oposta.


Dois quarteirões ao norte, o Lincoln estava parado no meio-fio. O motorista, um homem negro e alto de farda cinza, esperava fora do carro.

— Tudo bem? — perguntou.

— Estou aqui, não estou?

Ela entrou no banco da frente. O motorista fechou a porta, deu a volta ao carro e sentou-se ao volante. Ela pôs o cinto de segurança e deu-lhe uma palmadinha no ombro.

— Onde está aquele seu frasco de uísque, Hedley?

O motorista retirou um frasco de prata do porta-luvas, desarrolhou e o entregou. Ela deu um, depois outro gole e devolveu.

— Maravilhoso! — Tirou uma cigarreira de prata, escolheu um cigarro e acendeu-o com o isqueiro do carro, soprando em seguida uma longa baforada para o ar.

— Não devia fazer isso. Não lhe faz bem.

— E que diferença faz?

— Não diga essas coisas. — Aquilo o perturbava. — Pegou o safado?

— Cohan? Não, surgiu um imprevisto. Vamos voltar ao Plaza, e eu conto.

Terminou o relato a meio caminho do hotel, e a expressão de Hedley era de horror.

— Qual é exatamente sua ideia? Agora vai tentar limpar o mundo inteiro?

— Ah, quer dizer que eu devia ter ficado quieta enquanto aqueles dois animais estupravam a garota e lhe cortavam o pescoço?

— Pronto, pronto, está bem — suspirou ele. — E o senador Cohan?

— Voltamos a Londres amanhã. Ele vai estar lá em alguns dias para supostamente tratar de assuntos presidenciais. Então eu o pego.

— E depois? Onde acaba? — resmungou Hedley. — Parece tudo irreal.

Estacionou na porta do Plaza, e ela sorriu.

— Sou sua grande provação, Hedley, mas o que faria sem você? Até amanhã.

Ele saiu do carro, contornou-o, abriu a porta e ficou observando-a enquanto ela subia a escada do hotel.

— E o que eu faria sem você? — murmurou para si mesmo, depois voltou a sentar-se ao volante e afastou-se.

O porteiro de turno encontrava-se no alto da escada.

— Lady Helen! — exclamou. — Que bom voltar a vê-la. Já tinha ouvido dizer que estava por aqui.

— Também é bom voltar a vê-lo, George. Como está a filha mais nova?

— Ótima, maravilhosa.

— Volto a Londres amanhã de manhã. Boa noite.

— Boa noite, Lady Helen.

Ela entrou no edifício, e um homem que estava esperando táxi perguntou: — Ei, quem era aquela mulher?

— Lady Helen Lang. Não vinha aqui há anos.

— Lady, hein? Engraçado, não tem pronúncia inglesa.

— Isso é porque ela é de Boston. Casou-se há muitos anos com um lorde inglês. Dizem que vale milhões.

— Sim. Bem, tem ar disso.

— Pode crer. É uma excelente pessoa.


1

 

 

Nascida em Boston em 1933 de uma das famílias mais ricas da cidade, Helen Darcy era filha única. A mãe morreu de parto, mas afortunadamente, e apesar dos negócios, o pai lhe dedicou todo o tempo livre. Ela frequentou os melhores colégios particulares, depois o Vassar de Nova York, onde descobriu uma aptidão especial para línguas estrangeiras, e, por fim, St. Hugh College, em Oxford.

Muitos conhecidos de negócios do pai em Londres abriam-lhe as portas, e Helen se tornou conhecida na sociedade. Tinha vinte e um anos quando conheceu Sir Roger Lang, baronete e ex-tenente-coronel da Guarda Escocesa, que mais tarde viria a se tornar presidente de um banco com o qual o pai de Helen trabalhava frequentemente.

Ela o adorou desde o início, e a atração foi mútua. No entanto, havia uma falha. Existia entre ambos uma diferença de quinze anos, que na época lhe parecia demasiada. Voltou aos Estados Unidos, confusa e insegura. Conhecia muitos jovens, mas nenhum lhe servia, pois a memória de Roger Lang, com quem mantinha contato, estava sempre presente.

Por fim, num fim de semana na casa de praia de Cape Cod, enquanto tomavam café, ela disse ao pai: — Estou pensando em voltar à Inglaterra e... me casar.

Ele se recostou e sorriu.

— Roger Lang já sabe disso?

— Droga, você sabia.

— Desde que você voltou de Oxford que eu me perguntava quando criaria juízo.

— A resposta é... ele não sabe.

— Então, sugiro que pegue o primeiro voo para Londres e o informe. — Dizendo isso, voltou ao New York Times.


E assim começou uma nova vida para Helen Darcy, agora Helen Lang. Dividia o tempo entre a casa da South Audley Street, em Mayfair, e a casa de campo, Compton Place, perto do mar, em Norfolk. Havia apenas um senão na sua felicidade. Estava difícil conceber. Quando seu filho Peter nasceu, pareceu-lhe um milagre, pois já tinha trinta e três anos.

Peter se tornou outra grande alegria de sua vida, e ela teve com a educação dele o mesmo cuidado que o pai tivera com a sua. O marido concordou que Peter começasse por frequentar um colégio americano, mas depois disso teria que concluir os estudos na Inglaterra. Primeiro Eton e depois a Real Academia Militar de Sandhurst. Era a tradição da família, o que satisfazia enormemente Peter, pois seu único desejo era ser militar, como todos os Langs antes dele.

Depois de Sandhurst, veio a Guarda Escocesa, o antigo regimento do pai, e alguns anos depois uma transferência para o SAS, o Special Air Service, pois herdara as capacidades linguísticas da mãe. Prestou serviço na Bósnia, na Guerra do Golfo e na Irlanda do Norte, onde seu jeito para dialetos o tornou indispensável para agir clandestinamente na luta contra o IRA.

O medo era real, o fardo imenso, mas Helen o carregava como mulher e mãe de militar, até que num terrível domingo de março de 1996 seu marido recebeu uma ligação na South Audley Street e depois, pousando lentamente o fone, virou-se para ela, subitamente pálido.

— Morreu — disse simplesmente. — Peter morreu. — E caiu numa cadeira, começando a chorar convulsivamente, enquanto ela segurava a mão dele e olhava inexpressivamente para o ar.


Se existia alguém que compreendesse o sofrimento de Helen Lang naquele dia chuvoso no cemitério da Igreja de St. Mary and All the Saints, perto de Compton Place, esse alguém era seu motorista, Hedley Jackson, que permaneceu atrás dela e de sir Roger, impecável no uniforme cinza, segurando um amplo guarda-chuva sobre ambos.

Tinha um metro e noventa e cinco e era originário do Harlem. Com dezoito anos, ingressara nos Marines e fora para o Vietnã, terminando o conflito com três condecorações: uma Silver Star e dois Purple Hearts. Em seguida, foi destacado para a segurança da Embaixada Americana em Londres e conheceu uma garota de Brixton que era governanta dos Langs na South Audley Street. Casaram-se, Hedley deixou o serviço e foi contratado como motorista dos Langs, morando ambos no espaçoso apartamento do porão. Tiveram um filho. Posteriormente, uma tragédia: numa batida em cadeia de vários veículos na North Circular Road, a mulher e o filho de Jackson tiveram morte imediata.

Lady Helen segurou a mão dele no crematório, e quando ele desapareceu da South Audley Street, ela o caçou de bar em bar por toda Brixton até que o encontrou encharcado em álcool e com ideias suicidas. Levou-o então para Compton Place e, lenta e pacientemente, acarinhou-o, até ele recuperar a sanidade.

Dizer que ele lhe era dedicado era eufemismo. Seu coração sangrava por ela, especialmente porque as palavras de Sir Roger, “Peter morreu”, escondiam uma verdade terrível. A bomba que o IRA plantou no veículo que matou o filho dos Langs era de tal potência que não restou um pedaço sequer do corpo, e eles só puderam chorar seu nome gravado no jazigo de família.

“Descanse em paz”, pensou Lady Helen fitando a inscrição com o nome de Peter. Supostamente, ele morrera pela paz. A Paz na Irlanda do Norte, e aqueles canalha o destruíram. Sem deixar vestígio dele. É como se ele nunca tivesse existido, pensava, incapaz de chorar. Não podia ser justo. Não existe justiça, nenhuma justiça.

— Eu sou a ressurreição e a vida, disse o Senhor — entoou o padre.

Helen sacudiu a cabeça. “Não, eu já não acredito, pelo menos enquanto o mal na Terra continuar impune.” Virou-se e abandonou o funeral, levando o marido.

Hedley os seguiu com o chapéu aberto acima deles.


O pai de Helen, que não pôde ir ao enterro porque estava doente, morreu pouco depois, deixando-a multimilionária. Os diretores que controlavam os muitos ramos da empresa eram de confiança, encabeçados por seu primo, portanto, tudo em família. Helen se dedicou exclusivamente ao marido, mas ele estava destroçado e morreu um ano depois do filho.

Quanto a Helen, ocupou-se com a beneficência, passando muito tempo em Compton Place, o que constituiu sua salvação. A pouco mais de um quilômetro da costa, essa área de Norfolk ainda era uma das mais rurais da Inglaterra, semeada de veredas estreitas e tortuosas e pequenas aldeias. Desde a primeira vez que Roger a levara lá ficara encantada com as marinhas e dunas de areia e pelos grandes areais úmidos que ficavam a descoberto na maré baixa. Adorava caminhar ou andar de bicicleta ao longo dos diques que atravessavam os grandes caniçais. Sentia sempre uma energia renovada quando respirava a maresia.

A casa, apesar do estilo Tudor, era essencialmente georgiana, com algumas adições posteriores. Helen tinha uma empregada, Mrs. Smedley, e uma mulher da aldeia ajudava na limpeza. Era uma existência calma e organizada que permitiu a Lady Helen voltar à vida. Ia à igreja todos os domingos de manhã, e Hedley se sentava no banco do fundo, envergando sempre seu impecável uniforme. Às vezes, à noite, Lady Helen ia ao pub da aldeia tomar um ou dois drinques, e Hedley a acompanhava.

Assim, apesar de ter perdido o sabor, sua vida podia ter sido pior, até que um dia Lady Helen recebeu um telefonema inesperado.

— Helen, é você? — A voz era fraca, mas de certa forma familiar.

— Sim. Quem fala?

— Tony Emsworth.

Ela se lembrava bem do nome: tinha sido oficial subordinado do marido e mais tarde se tornara subsecretário de Estado no Foreign Office. Já não o via há algum tempo. Devia ter agora uns setenta anos. Não estivera no funeral de Peter nem no do marido. Na hora, Helen considerara o fato estranho.

— Ora, Tony — cumprimentou. — Onde você está?

— Em casa. Agora vivo numa aldeola chamada Stukeley, em Kent. Fica a pouco mais de quarenta quilômetros de Londres. O que ocorre, Helen, é que temos que conversar. É uma questão de vida ou morte. — Foi acometido por um ataque de tosse. — Mais precisamente, da minha morte. Câncer de pulmão. Não me resta muito tempo de vida.

— Lamento muito, Tony.

Ele tentou gracejar.

— Eu também. — Havia agora um tom de urgência em sua voz. — Helen, precisa vir aqui. Tenho que me livrar de um fardo, de uma coisa que deve ouvir. — Voltou a tossir.

Ela esperou que passasse e depois replicou: — Está bem, Tony, não se preocupe. Vou para Londres esta tarde, passo lá a noite e vou ver você amanhã de manhã o mais cedo possível. Combinado?

— Ótimo. Fico esperando. — Desligou o telefone.

Helen atendera a ligação na biblioteca. Ficou ali parada, testa franzida, depois abriu uma cigarreira de prata, tirou um cigarro e acendeu. Tony Emsworth. A voz fraca, a tosse... tinha ficado impressionada. Recordava-se dele como um galante capitão da Guarda. Pensar nele reduzido àquilo que acabara de escutar não era agradável.

Mas havia outra razão secreta para ela estar agitada, uma coisa que nem Hedley sabia. Dores ocasionais no braço e no peito a obrigaram a sossegar. Consultara recentemente um dos melhores médicos da Harley Street, que a mandara fazer exames na London Clinic. Problemas cardíacos, claro. Angina de peito.

— Não há necessidade de se preocupar — dissera o médico. — Basta tomar os comprimidos e não se esforçar demais. Nada de caçar raposa nem coisas do tipo.

— E nem mais um destes — disse baixinho enquanto apagava o cigarro com um sorriso forçado, recordando-se de que andava há meses fazendo essa recomendação a si mesma.


Stukeley era muito agradável: casinhas de ambos os lados de uma rua estreita, um pub, uma drogaria e a casa de Emsworth, a Rose Cottage, em frente à igreja. Tony abriu a porta para recebê-los, alto e frágil, o rosto cadavérico. Lady Helen deu-lhe um beijo no rosto.

— Tony, você está com péssimo aspecto.

— Estou, não estou? — Ele esboçou um sorriso. — É bom voltar a vê-la, Hedley.

— Espero no carro? — perguntou o motorista.

— Não se importa de dar uma mãozinha na cozinha? Mandei a empregada embora há uma hora. Se pudesse nos fazer um chá...

— Com todo prazer — respondeu Hedley, e seguiu-os para dentro da casa.

O fogo crepitava na ampla lareira da sala. Emsworth sentou-se numa poltrona. Na mesinha de apoio a seu lado havia uma pasta marrom.

— Tem uma foto minha com seu marido sobre a lareira.

Helen olhou a foto em sua moldura de prata. — Eram ambos muito atraentes — comentou, sentando-se.

— Não fui ao enterro de Peter. Nem ao de Roger.

— Reparei nisso.

— Estava envergonhado demais para mostrar a cara, entende?

Lady Helen sentiu um arrepio súbito, mas Hedley entrou com a louça do chá numa bandeja.

— Por favor — pediu Emsworth —, há uma garrafa de uísque no aparador: sirva-me um duplo e outro a Lady Helen.

— Vou precisar?

— Acho que sim.

Ela assentiu e Hedley serviu as bebidas.

— Estou na cozinha se precisar de mim.

— Obrigada. Talvez precise mesmo.

Hedley saiu da sala.

— Durante anos, vivi uma mentira no que se refere aos meus amigos — começou Emsworth. — Todos vocês pensavam que eu trabalhava no Foreign Office. Não era verdade. Trabalhei no serviço secreto de informação por muitos anos. Bem, não fazia trabalho de campo. Era um homem de escritório... enviava homens corajosos para o trabalho sujo, homens que arriscavam frequentemente a vida em seu trabalho. Um deles foi o major Peter Lang.

Ali estava de novo aquela sensação arrepiante na pele.

— Compreendo — respondeu Lady Helen.

— Deixe-me explicar: meu departamento era responsável por operações clandestinas na Irlanda. Não andávamos apenas atrás do IRA, mas também de paramilitares legalistas, que intimidavam testemunhas e conseguiam escapar da justiça.

— E qual foi sua solução?

— Tínhamos grupos na clandestinidade, sobretudo do SAS, que cuidavam deles.

— Quer dizer que os assassinavam?

— Não, não posso aceitar essa palavra. Estamos em guerra com essa gente há tempo demais.

Helen não se serviu de chá, mas pegou o uísque e tomou um gole.

— Devo entender que meu filho fazia esse tipo de trabalho?

— Sim, ele era um dos nossos melhores agentes operacionais. Fazia parte de um grupo de cinco. Quatro homens mais um elemento feminino.

— E?

— Tiveram todos um fim inesperado no decorrer da mesma semana. Os três homens, bem como a mulher, abatidos...

— E explodiram Peter?

— Na verdade, não. Isso foi simplesmente o que lhes contaram.

Helen bebeu o resto do uísque, tirou a cigarreira de prata, escolheu um cigarro e acendeu-o.

— Conte-me.

Emsworth apontou a pasta a seu lado.

— Está tudo ali dentro. Tudo o que precisa saber. Estou infringindo a Lei do Sigilo Oficial, mas eu lá quero saber. Posso morrer amanhã.

— Conte-me! — repetiu Helen num tom duro. — Quero ouvir da sua boca.

Ele respirou fundo.

— Se assim prefere.... Como sabe, há muitos grupos minoritários na política irlandesa, tanto católicos quanto protestantes. Um dos piores é um grupo nacionalista chamado Sons of Erin, Filhos de Erin. Era dirigido havia anos por um homem chamado Frank Barry, um verdadeiro crápula e quase único: protestante republicano. Acabou assassinado, mas tinha um sobrinho meio americano chamado Jack Barry, que foi para o Vietnã em 1970, aos dezoito anos, numa missão de curta duração. Houve um escândalo qualquer, segundo parece matou prisioneiros vietcongues demais, e por isso foi desmobilizado na surdina.

— E ele ingressou no IRA?

— Mais ou menos isso. Começou no mesmo lugar em que o tio acabara. É um assassino psicopata que faz o que tem vontade há anos. Ah, e ainda tem outra coisa bizarra. O tio-avô de Jack era Lord Barry. Possuía uma propriedade na costa do Down, no Ulster, chamada Spanish Head. Hoje em dia, faz parte do National Trust, mas quando Lord Barry morreu, deixou o título para Jack. No entanto, ele nunca o reclamou: poderia ser proscrito como traidor da Coroa. — Fechou os olhos por um momento, depois suspirou e continuou: — Havia um homem chamado Doolin que foi motorista de Jack Barry. Foi parar na prisão de Maze, e nós colocamos um informante em sua cela. Doolin contou a ele que certa noite em que seguiam para Stramore, Barry encharcado de pílulas e uísque, o patrão lhe contara que tinha acabado de destruir um grupo inteiro de ingleses trabalhando na clandestinidade graças ao ramo nova-iorquino do Sons of Erin, com ajuda de alguém que chamou de Conexão. Doolin tinha perguntado quem era a tal Conexão, e Barry respondeu que ninguém sabia, mas que era um americano.

— Dando a entender que essa Conexão seria alguém bem do alto e lá de dentro? Mas onde? Como?

— Há anos que a inteligência britânica mantêm ligações com a Casa Branca, e trocam informações na base da confidencialidade.

— Incluindo informações sobre o grupo do meu filho?

— Exatamente. Eu achava que isso era ir longe demais, mas gente mais importante que eu, como Simon Carter, subdiretor de Segurança, decidiu contra a minha opinião. Depois, Doolin foi encontrado enforcado na cela.

Lady Helen serviu-se de outro uísque.

— Isso parece mais uma conspiração dos Bórgias a cada minuto que passa. Continue, Tony.

— Enfim, o Sons of Erin passou a informação da Conexão aos cúmplices em Dublin e Londres. Está nesse arquivo. Tem tudo lá, todos os participantes, as fotos, tudo.

— Conte o que sabe de Peter.

— Barry e os homens dele o pegaram quando saía de um pub em South Armagh. Torturaram-no e, como ele não falou, espancaram até a morte. Havia uma estrada em construção nas proximidades onde havia uma daquelas enormes betoneiras que funcionam dia e noite, e eles jogaram o corpo lá dentro.

Helen ficou em silêncio, depois engoliu o resto do uísque. Tony continuou: — Prepararam o carro dele com uma forte carga explosiva, para que se pensasse que fosse a causa da morte.

Helen soltou um grito, pôs a mão na boca e correu para a porta. Conseguiu chegar ao banheiro no corredor e vomitou. Quando por fim saiu, reparou que Hedley a esperava na porta da sala.

— Ouviu?

— sim. Sente-se bem?

— Já estive melhor. — Voltou a entrar na sala e sentou-se. — O que aconteceu depois?

— Foi decidido encobrir o caso, e por esse motivo você não soube a verdade. Descobrimos que existia realmente um clube-restaurante em Nova York chamado Sons of Erin. Os nomes e as foto dos sócios estão todos na pasta. São homens de negócios proeminentes; um deles é até senador. Tudo encaixa. Já houve vários casos de informações classificadas enviadas de Londres para Washington que acabaram nas mãos do IRA.

— Mas por que nada foi feito?

Emsworth encolheu os ombros.

— Política. O presidente, o primeiro-ministro, ninguém queria levantar problemas. Deixe-me contar uma coisa sobre o serviço secreto: acha que a CIA e o FBI mantêm o presidente informado de tudo? Nem pensar. No Reino Unido acontece o mesmo. O MI5 e o MI6 têm seus próprios segredos obscuros. Como prova disso, vai encontrar dois perfis interessantes na pasta: um americano e um inglês. O americano é Blake Johnson, ex-FBI, agora diretor do Departamento de Assuntos Gerais da Casa Branca, departamento este que é mais conhecido como o Porão. É um dos segredos mais bem guardados do governo americano e totalmente independente do FBI, da CIA e do Serviço Secreto. Só responde ao presidente. Os rumores de sua existência são tão vagos que as pessoas nem acreditam que exista.

— Mas existe?

— Ah, se existe, e o primeiro-ministro britânico também tem sua versão. Está tudo aqui na pasta. É comandado pelo brigadeiro Charles Ferguson.

— Charles Ferguson? Mas eu o conheço há muitos anos.

— Bem, não sei o que você acha que ele faz, mas a organização dele é conhecida no serviço secreto como o exército particular do primeiro-ministro. Ferguson só reponde a ele, e por isso as outras seções o odeiam. O braço-direito dele é um ex-agente do IRA chamado Sean Dillon; o braço-esquerdo é uma detetive inspetora-chefe chamada Hannah Bernstein, neta de um rabino, acredite se quiser. Demais, hein?

— Mas o que isso tem a ver com o resto?

— Simplesmente que o Secret Intelligence Service, o SIS, não quis informar Ferguson porque ele podia contar ao primeiro-ministro, e Ferguson tem contatos com Blake Johnson, o que significa que o presidente americano seria igualmente informado, coisa que o SIS também não queria.

— Então, o que aconteceu?

— Não se conseguiu implicar os membros do Sons of Erin porque os arquivos do SIS sobre eles se extraviaram. — Ergueu a pasta. — Exceto a minha cópia. Acho que deve ficar com ela.

Recomeçou a tossir, e Helen lhe deu um guardanapo. Tony cuspiu nele e ela viu sangue.

— Quer que eu chame o médico?

— Ele vai passar por aqui mais tarde. Não que isso faça alguma diferença. — Lançou-lhe um sorriso pálido. — Agora, já sabe de tudo. É melhor eu ir me deitar. — Levantou-se, pegou a bengala e dirigiu-se lentamente para o corredor. — Lamento muito, Helen, muito mesmo.

— A culpa não é sua, Tony.

Ele subiu com esforço a escada enquanto Helen o observava. Hedley surgiu por trás dela com a pasta na mão.

— Achei que devia querer isso.

— Claro que quero. — Ela a tirou das mãos dele. — Vamos embora, Hedley.


2

 

 

Na South Audley Street, Helen sentou-se no escritório e vasculhou a pasta, analisando atentamente os textos e as fotografias. A composição do Sons of Erin era interessante. Um deles era o senador Michael Cohan, cinquenta anos, fortuna familiar proveniente de centros comerciais e supermercados; outro, Martin Brady, cinquenta e dois anos, destacado funcionário do Sindicato Teamsters; Patrick Kelly, quarenta e oito anos, milionário da construção civil, e Thomas Cassidy, quarenta e cinco anos, que fizera fortuna com pubs temáticos irlandeses. Todos eles eram irlandeses-americanos. Mas havia uma surpresa, um gângster londrino muito famoso chamado Tim Pat Ryan.

Helen foi buscar um bule de chá na cozinha, depois ligou o computador, uma aquisição recente na qual surpreendentemente se tornara especialista graças à ajuda de uma fonte inesperada. Pedira conselho à sucursal londrina da empresa do marido, e o Departamento de Informática enviara à South Audley Street um jovem desconhecido que se deslocava em cadeira de rodas de alta tecnologia. Tinha o cabelo nos ombros e olhos azuis cintilantes.

— Lady Helen? — perguntou alegremente. — Sou Roper. Disseram-me que quer um computador obediente a suas ordens e caprichos. Primeiro vamos ver o que sabe, depois veremos o que posso ensinar.

E assim fez. Todos os truques que não constavam dos manuais. Quando terminou, ela conseguia penetrar até nos computadores do Ministério da Defesa.

Naquele momento, começou a percorrer arquivos, introduzindo nomes à medida que avançava. Alguns eram de fácil acesso. Outros, como Ferguson, Dillon, Hannah Bernstein e Blake Johnson, não. Por outro lado, quando acessou a lista dos mais procurados da Scotland Yard, surgiu a ficha de Jack Barry, à qual estava anexada uma foto preto e branco.

— Já foi apanhado uma vez — refletiu. — Talvez consigamos repetir.

Hedley apareceu vindo da cozinha.

— Quer que lhe traga alguma coisa?

— Não. Vá se deitar, Hedley. Eu fico bem.

Ele obedeceu relutantemente.

Helen se serviu de um uísque, abriu a última gaveta da mesa procurando um bloco de notas e encontrou a Colt .25 que Peter lhe trouxera da Bósnia, bem como uma caixa de cinquenta balas de ponta oca e um silenciador. Foi um presente altamente ilegal, mas Peter sabia que a mãe gostava de atirar e que praticava frequentemente num estande de tiro improvisado no celeiro de Compton Place. Maquinalmente, sem pensar, ela carregou a arma e atarraxou o silenciador ao cano.

Durante um momento, sopesou a arma na mão, depois pousou-a na mesa e recomeçou a pesquisar o arquivo.

Ferguson a fascinava. Conhecia-o há tantos anos e afinal não o conhecera. E a tal Hannah Bernstein, com um ar tão calmo em seus óculos de intelectual e no entanto já matara quatro vezes, segundo o arquivo.

E depois havia Sean Dillon. Nascido no Ulster, criado pelo pai em Londres, frequentara a Real Academia de Arte Dramática e era ator de profissão. Quando Dillon tinha dezenove anos, seu pai tinha sido acidentalmente morto num tiroteio em Belfast que envolvera paraquedistas ingleses. Dillon ingressou no IRA, tornando-se o carrasco mais temível que a organização já tivera. A única coisa a seu favor é que não quis se envolver com a chacina de inocentes. Nunca tinha sido preso, até o dia em que acabara numa prisão sérvia ao tentar entrar na fronteira com remédios destinados aos órfãos de guerra.

Ferguson salvou Dillon de um pelotão de fuzilamento e fez chantagem para convencê-lo a trabalhar para ele.

Lady Helen voltou ao Sons of Erin e chegou por fim às informações sobre Tim Pat Ryan. Seus dados eram revoltantes. Droga, prostituição, serviços de proteção. Suspeitava-se do seu envolvimento no fornecimento de armas e explosivos às unidades ativas do IRA em Londres, mas não havia provas. Era dono de um pub chamado The Sailor, no China Wharf, um cais no Tâmisa. Helen pegou um guia de Londres de uma prateleira e procurou o China Wharf. Ficava em Wapping.

Recostou-se. Ryan era um animal, assim como Barry e os outros, culpado pelo menos de cumplicidade, e a recordação do que acontecera a seu filho não se desvanecia.


Naquele momento, o brigadeiro Charles Ferguson estava sentado perto da lareira na elegante sala de seu apartamento na Cavendish Square. A inspetora-chefe Hannah Bernstein, à sua frente, tinha uma pasta aberta sobre os joelhos. Dillon, de jaqueta de couro e lenço branco no pescoço, servia-se de um Bushmills no aparador.

— Não se acanhe com meu uísque — ironizou Ferguson.

— E alguma vez me acanhei, brigadeiro? — sorriu Dillon.

Hannah Bernstein fechou o dossiê.

— Então, estamos acabados. No momento, não há unidade ativa do IRA agindo em Londres.

— Eu aceito isso com muitas reticências — comentou Ferguson.

— Claro que nossos chefes políticos preferem minimizar qualquer cheiro de ameaça — suspirou. — Farei o relatório ao primeiro-ministro. Nenhuma unidade ativa em Londres.

Dillon deu um gole no seu Bushmills.

— Só porque não as vemos, não significa que não existam. O problema é que atualmente há grupelhos demais. Do lado legalista temos os paramilitares, como UVF e LVF, responsáveis por tantos ataques e assassinatos. Do lado republicano, INLA1 e Sons of Erin de Jack Barry.

— De novo esse cara! — exclamou Ferguson. — Daria a minha aposentadoria para pegá-lo.

— Não podemos fazer grande coisa quanto a isso — comentou Hannah Bernstein. — Enquanto nos proibirem de nos meter.

Dillon foi até a janela. Chovia torrencialmente.

— Bem, seja como for, há canalhas lá fora que só esperam uma oportunidade para fazer jorrar sangue. Como Tim Pat Ryan, por exemplo.

— Quantas vezes já o investigamos? — lembrou-lhe Hannah.

— Tem os melhores advogados de Londres. Teríamos dificuldade em arranjar provas nem que o pegássemos com Semtex na mão.

— Sim, claro — respondeu Dillon. — Mas no passado ele forneceu material às unidades ativas, e nós sabemos.

— Gostaria de voltar a bancar o carrasco, não gostaria? — perguntou Ferguson.

Dillon encolheu os ombros.

— Ninguém sentiria falta dele.

— Nem pense nisso — disse Ferguson, levantando-se. — Quero me deitar cedo. Vão embora, meninos. Meu motorista a espera no Daimler, Hannah. Boa noite.

Dillon pegou um guarda-chuva no vestíbulo, abriu-o e acompanhou Hannah até o Daimler. Ela entrou no banco de trás e abriu um pouco a janela.

— Fico preocupada quando as coisas se acalmam. É quando você fica mais perigoso.

— Desapareça antes que eu comece a pensar que gosta de mim — sorriu Dillon. — Até amanhã no escritório. — Ficou com o guarda-chuva e se afastou rapidamente. Tinha uma casinha em Stable Mews, a cinco minutos apenas de distância, e ao abrir a porta da rua se sentia estranhamente nervoso. A casa era pequena: tapetes orientais, chão de madeira encerada e uma lareira sobre a qual pendia um óleo de Atkinson Grimshaw, o grande pintor vitoriano. Dillon tinha dinheiro, infamemente obtido em seus anos de assassino a soldo de diversas organizações em todo o mundo.

Serviu-se de outro Bushmills e ficou ali com o copo na mão, pensando em Tim Pat Ryan. Sentia energia nervosa demais para conseguir dormir e olhou o relógio.

Onze e meia.

Pegou três livros numa estante, abriu um alçapão por trás deles e retirou uma Walther PPK com silenciador. Verificou a arma e enfiou-a nas costas.

Dillon levou o guarda-chuva quando saiu de casa porque continuava a chover e levantou a porta da garagem, onde guardava seu velho Mini Cooper pintado de verde britânico. Entrou no veículo e arrancou.

— Muito bem, seu canalha, vamos ver como você tem passado.


Lady Helen Lang, cabeceando no sofá, acordou sobressaltada com o rosto de Tim Pat Ryan, a última foto que tinha visto na pasta. Levantou-se, dirigiu-se à mesa e olhou a pasta aberta. Tim Pat Ryan a fitava.

Pegou a Colt e sopesou-a. As suas ações haviam se tornado inevitáveis. Foi até o vestíbulo, pegou capa e chapéu impermeáveis, abriu a carteira pendurada no cabide, retirou algum dinheiro, enfiou a Colt no bolso, pegou o guarda-chuva e saiu.

Andou depressa pela South Audley Street, protegida da chuva torrencial pelo guarda-chuva. Surgiu um táxi do outro lado da rua. Ela acenou e correu até ele.

— Wapping High Street — instruiu ao entrar no carro, tensa e entusiasmada. — Pode me deixar perto do George.

Hedley se retirara sem qualquer intenção de dormir; deixara-se simplesmente ficar sentado no escuro de seu apartamento no porão, por algum motivo receoso por Lady Helen. Ouviu os passos dela no vestíbulo, e já estava embaixo na escada quando a porta da rua se abriu e fechou. Pegou o casaco e a seguiu pela calçada, o guarda-chuva subindo e descendo ao acenar para um táxi que passava. Hedley estacionara o Mercedes no meio-fio e num instante estava ao volante.

Quando o táxi passou do outro lado da rua, ele o seguiu.


Dillon chegou à Wapping High Street e passou pelo George Hotel, virando para um labirinto de ruas transversais. Parou por fim num beco sem saída, desceu, fechou o carro e caminhou rapidamente entre os grandes armazéns decadentes, acabando por virar no China Wharf.

The Sailor ficava além do velho cais. Olhou o relógio. Meia-noite. Já passava muito da hora de fechar. Quando parou nas sombras, a porta lateral da cozinha do pub se abriu, derramando luz na rua. Eram Tim Pat Ryan e uma mulher.

— Até amanhã, Rosie.

Ele a beijou no rosto, e ela se afastou rapidamente, sem ver Dillon, escondido nas sombras. Dillon esgueirou-se até a janela mais próxima e olhou. Ryan estava sentado no balcão com um copo de cerveja, lendo jornal, completamente sozinho. Dillon empurrou a porta da cozinha e entrou. A dobradiça rangeu, e uma lufada de ar agitou o jornal. Ryan se virou.

— Ainda existe esperança no mundo — comentou Dillon alegremente: você sabe ler.

O rosto de Ryan parecia de pedra.

— O que quer, Dillon? Não tem o direito de estar aqui. Estou limpo.

— Nunca estará limpo, nem daqui a mil anos.

— Nem sequer é da Scotland Yard.

— É verdade, sou um pouco mais do que isso. Sou seu pior pesadelo.

— Desapareça...

—... Antes que me ponha na rua, é? Não acho. — Dillon levantou a aba do balcão, passou por trás de Ryan, pegou uma garrafa de Bushmills e encheu um copo.

— Não faço companhia a um monte de merda como você, mas vou beber um por mim. Está frio lá fora.

— O que é isso? Não me deixa em paz há anos — disse Ryan sem uma ponta de emoção.

— É só para saber que continuo a trabalhar no seu caso — respondeu Dillon. — O Semtex que forneceu às unidades de Birmingham e Londres serviu para quantos atentados? Três? Sabemos que foi você, só não conseguimos provar. Por enquanto.

— Olha quem fala! Quantas pessoas você matou? Por quase vinte anos, Dillon, até se transformar num traidor.

— Mas eu nunca vendi droga nem explorei garotinhas para prostituição. Há uma diferença. — Tomou o Bushmills e pousou o copo.

— Está frio e escuro lá fora, e eu estarei sempre nas sombras. Alterando um velho ditado do IRA, meu dia chegará.

Virou-se e saiu por onde entrara, e Ryan, furioso, voltou a levantar a aba do balcão, abriu a antiga caixa registradora e pegou a Smith & Wesson .38 carregada que guardava sempre no fundo da gaveta. Dirigiu-se à cozinha.


Lady Helen Lang pagou ao motorista na porta do George Hotel, na Wapping High Street, e, lembrando-se do guia, atravessou a rua e virou numa viela estreita. Hedley, parado num sinal atrás de dois carros, viu-a se afastar. Praguejou em voz baixa, arrancou assim que o sinal mudou e entrou com o Mercedes na viela.

Mas não havia sinal dela, nem mesmo quando ligou os faróis altos. Era um labirinto de ruas estreitas que se entrecruzavam. Que diabos estaria ela fazendo num lugar daqueles?

Ficou doente de preocupação.


Com o guarda-chuva bem erguido contra a chuva, Lady Helen encontrou o China Wharf sem problema. Havia uma luz na janela do pub e um antigo candeeiro a gás estava pregado na parede, acima da tabuleta THE SAILOR. Hesitou. Um grande Range Rover estava estacionado perto da entrada do pub. Provavelmente era de Ryan.

Enquanto hesitava, abriu a porta da cozinha e Dillon saiu.

Helen o reconheceu imediatamente da foto na pasta e, surpresa, recuou. Viu-o atravessar o cais e acender um cigarro, depois a porta voltou a se abrir e apareceu Tim Pat Ryan, também inconfundível.

— Dillon, seu canalha! — gritou ele, e à luz Lady Helen viu a Smith & Wesson. — Esta é para você.

— Não consegue acertar um boi a dois metros — zombou Dillon. — Nunca conseguiu.

A mão dele procurou a coronha da Walther e ele a sacou, agachando-se, enquanto Ryan começava a disparar selvagemente. Dillon deu um passo à frente para se equilibrar, mas pôs o pé numa poça de óleo e escorregou, caindo de cabeça. A Walther pulou de sua mão.

Ryan riu triunfantemente.

— Agora, peguei você! — Voltou a atirar.

Dillon rolou e se jogou da borda do cais, nas águas escuras,que estavam terrivelmente frias, e quando emergiu viu Ryan espreitando para baixo de arma em riste. Depois, ouviu uma voz.

— Mr. Ryan.

Ryan se virou. Dillon ouviu uma espécie de som abafado que reconheceu como um tiro com silenciador, depois o corpo de Ryan tombou de costas na beira do cais, caindo na água a seu lado e vindo à superfície com um buraco entre os olhos. Dillon o afastou e se agarrou a uma argola.

A voz falou de novo, imitando um sotaque irlandês.

— Está bem, Mr. Dillon?

— Como sempre, cara dama, mas, pelo amor de Deus, quem é você?

— Seu anjo da guarda. Tenha cuidado, meu amigo.

Ele nadou até uma escada de madeira e começou a subi-la. Quando sua cabeça emergiu acima da borda do cais, teve um rápido vislumbre de uma forma escura sob um guarda-chuva que desaparecia nas sombras.

Ergueu-se com água escorrendo do corpo. Sua Walther continuava onde caíra, e a arma de Ryan estava perto. Colocou a Walther nas costas, pegou a Smith & Wesson e atirou-a no rio o mais longe possível.

— E pode mastigar isso, canalha — disse, correndo de volta ao Mini Cooper. Tinha um celular no porta-luvas e ligou para a Cavendish Square.

— Quem é? — A voz de Ferguson soou irada.

— Dillon — respondeu ele.

— Meu Deus, sabe que horas são? É uma coisa assim tão importante?

— Na verdade, é. Acabou de morrer um velho amigo nosso.

O tom de voz de Ferguson se alterou.

— Então, é melhor vir até aqui.

— Preciso ir primeiro em casa.

— Para quê?

— Porque estive nadando no Tâmisa, só por isso. — Dillon desligou e arrancou.

Ferguson telefonou para Hannah Bernstein.


Hedley já tinha quase desistido quando a viu surgir no fundo da rua à sua frente. Freou junto ao meio-fio e saltou do veículo.

— O que está fazendo aqui, Hedley? — perguntou Helen.

— Ouvi-a sair e a segui. Depois, perdi seu rastro quando saiu a pé. — Segurou-lhe a porta para ela entrar e em seguida sentou-se ao volante.

Com a respiração um pouco alterada, ela abriu a carteira, tirou um frasco e jogou dois comprimidos na palma da mão.

— O uísque, Hedley.

Ele lhe passou o frasco prateado.

— O que é isso?

— Só uns comprimidos que o médico me deu. Nada de especial. — Deu um gole, empurrando os comprimidos garganta abaixo, sentindo um brilho quente espalhar-se pelo corpo. — Vamos voltar à South Audley Street e fazer as malas. Amanhã, vamos para Compton Place.

— Sente-se bem? — perguntou ansiosamente Hedley enquanto se afastavam.

— Nunca me senti melhor. Sabe, acabei de limpar Tim Pat Ryan.

Ele quase perdeu o controle do carro, recuperando-o em seguida.

— Está brincando comigo.

— Nem um pingo. Deixe-me contar tudo.


Dillon encontrou Hannah Bernstein sentada em frente a Ferguson na sala do brigadeiro.

— Que Deus os abençoe a todos — cumprimentou.

— Já chega de ator irlandês, Dillon. Conte só o pior — replicou Ferguson, cansado.

Dillon assim o fez em poucas frases curtas.

— Pelo amor de Deus, o que vou fazer com você? — exasperou-se Ferguson. — Conhece a atual situação política. Nada de intromissões, nada de confusões, e no entanto, devido a uma estranha perversidade qualquer, foi procurar confusão.

— Eu só queria assustar o safado.

— Não é grande perda, brigadeiro. Ryan era uma víbora — disse Hannah Bernstein.

— Sim, admito que sinto uma certa satisfação — retorquiu o brigadeiro. — Mas como é que esse seu excelente cérebro pretende resolver o problema?

— Não mexendo em nada, brigadeiro. Em breve, alguém vai encontrar Ryan no cais. O caso será entregue à Scotland Yard e a investigadores de homicídios. Afinal, um pedaço de esterco como Ryan tinha um número incontável de inimigos. O problema não é nosso.

Dillon sacudiu a cabeça.

— Que mulher dura, Hannah. O que aconteceu àquela doce garota judia por quem me apaixonei?

— É o resultado de trabalhar com você. — Hannah disse a Ferguson: — A tal mulher de sotaque irlandês pode nos ter feito um favor, mas eu gostaria de saber quem é. Com sua autorização, vou verificar todas as fontes do serviço secreto no computador do Ministério da Defesa e ver o que consigo descobrir.

— Esteja à vontade, Hannah. Pode haver uma ligação legalista.

— Não creio — interrompeu Dillon. — A maior parte dos legalistas têm sotaque do Ulster, como o meu. O dela era diferente.

Ferguson se levantou.

— Pode ficar num dos quartos de hóspede, Hannah. Não vou deixá-la ir para a rua com essa chuva e a essa hora da madrugada.

— Obrigada, brigadeiro.

Ele falou com Dillon.

— Você, claro, pode ir a pé para casa, Dillon. Afinal, vocês irlandeses estão habituados à chuva, não é?

— Que Deus proteja sua senhoria, homem generoso como é. Tiro os sapatos ao sair de sua porta, amarro no pescoço e vou descalço até Stable Mews para economizar o couro.

— Vá embora, patife — riu Ferguson.

E Dillon saiu.


No escritório da South Audley Street, Lady Helen examinava a pasta de Emsworth quando Hedley entrou com chá numa bandeja.

— Lady Helen, isso não pode continuar.

— Ora, claro que pode. Esses canalhas, todos eles, foram responsáveis pela chacina do meu filho. Como resultado meu marido morreu prematuramente, e digo mais, meu velho amigo: não me resta muito tempo. Os comprimidos que estou tomando... meu coração não está grande coisa.

Hedley ficou profundamente chocado e se sentou.

— Não sabia.

— Agora que já sabe, está comigo ou contra mim? Pode telefonar para a Scotland Yard e eles me prendem por homicídio. É com você.

— Foi boa para mim, mais do que qualquer outra pessoa na minha vida — disse Hedley, suspirando. — Continuo a não gostar, mas uma coisa é certa: quando precisar de um braço amigo, eu estarei sempre a seu dispor, assim como a senhora esteve para mim.

— Que Deus o abençoe, Hedley. Vá se deitar. Seguimos para Compton Place de manhã.

 

________________

1 UVF: Força de Voluntários do Ulster; LVF: Força de Voluntários Legalistas; INLA: Frente Nacional Irlandesa de Libertação.


3


LONDRES • WASHINGTON • ULSTER

 


No Ministério da Defesa, os esforços de Hannah Bernstein na verificação dos dados no computador revelaram-se infrutíferos. Ela até tentou Dublin e o Quartel-General do Exército Britânico em Lisburn, na Irlanda do Norte, mas de nada serviu. A morte de Ryan permanecia um mistério; os jornais falavam de bandos rivais do East End e de outras áreas de Londres. O caso foi arquivado. Deixado em aberto, claro, mas arquivado.


Em Compton Place, Lady Helen alimentou-se bem, deu longos passeios e tomou muito ar fresco. Também praticou tiro ao alvo no estande do velho celeiro, com um Hedley relutante concedendo-lhe os benefícios de sua experiência. Ela nunca tinha visto como ele atirava, até que certa tarde, depois de instruí-la, ele pegou uma Browning e carregou. Na ponta mais afastada do celeiro havia sete alvos de papelão a dez metros de distância. As mãos dele subiram, atirando rapidamente, e atingiu cada alvo em cheio.

— Incrível — murmurou Lady Helen, espantada, quando o barulho dos tiros acabou.

— Tenho treino de soldado. A senhora também atira bem, mas lembre-se de que pistolas não são de confiança a não ser de muito curta distância.

— Que distância?

Ele enfiou um novo pente de balas na Browning e a entregou.

— Venha comigo. — Levou-a até o alvo central. — Pronto, encoste no coração e atire. — Ela assim fez, e ele concluiu: — Agora, já sabe.

— Eu estava a três metros de Ryan.

— Certo, mas podia ter errado, e ele a pegaria.

O celular no bolso de Hedley tocou. Ele o passou e ela atendeu: — Helen Lang. — Depois de um tempo, acenou com a cabeça. — Agradeço por ligar. Lamento muito. — Desligou o telefone e olhou para Hedley. — Tony Emsworth morreu.

— Lamento. Quando é o funeral?

— Quarta-feira.

— Vamos?

— Claro. — Estava calma, mas seus olhos denotavam desgosto. — Já pratiquei o suficiente, Hedley. Acho que vou entrar. — E se afastou.


Era uma esplêndida manhã ensolarada para o enterro em Stukeley. A igreja estava cheia, e Helen Lang, sentada junto ao corredor central, ficou quase divertida ao ver Ferguson, Hannah Bernstein e Dillon do outro lado. Quando saiu, parou para cumprimentar o sobrinho de Tony Emsworth e a mulher, que haviam organizado tudo.

— Ainda bem que veio, Lady Helen — agradeceram eles. — Preparamos uma recepção no Country Hotel, na saída da aldeia. Gostaríamos muito que viesse.

Ela assim fez. O salão do hotel estava abarrotado. Ela aceitou uma taça de champanhe e depois foi avistada por Charles Ferguson, que atravessou a multidão.

— Minha querida Helen. — Beijou-a em ambas as faces. — Meu Deus, ainda parece ter cinquenta anos. Como é que consegue?

— Sempre foi galante, Charles. — Virou-se para Hannah, que estava com ele. — Tenha cuidado com esse sujeito, minha querida. Lembro-me de quando ele teve um caso com a mulher do embaixador do Uruguai e o marido o desafiou para um duelo.

— Vamos, Helen, está sendo malvada. Esta maravilhosa criatura é minha assistente, a inspetora-chefe Hannah Bernstein, e este é Sean Dillon, que conhecia bem Tony. Dillon, esta é Lady Helen Lang. Servi na Guerra da Coreia com o marido dela. O filho deles, o major Peter Lang, foi da Guarda Escocesa e do SAS. Um dos nossos melhores agentes clandestinos onde-nós-sabemos. O IRA o pegou há alguns anos e o explodiu. Um carro preparado.

Dillon usava terno Armani azul-escuro que lhe caía bem. Helen Lang gostou dele assim que apertaram as mãos.

Nesse momento, alguém chamou Ferguson, e ele, desculpando-se, saiu com Dillon e Hannah atrás.

Havia alguma coisa em Lady Helen que Dillon não conseguia bem definir, e por isso, quando Ferguson começou a conversar com o homem que o chamara, ele se encaminhou para o terraço, onde a viu tomando comprimidos.

— Posso buscar-lhe uma taça de champanhe?

— Para dizer a verdade, preferia uísque.

— Então, sou seu homem. Pode ser irlandês?

— Por que não?

Ele voltou instantes depois com dois copos. Ela pousou o seu, tirou a cigarreira de prata e a ofereceu.

— Quer?

— É uma mulher espantosa. — O velho isqueiro Zippo de Dillon se acendeu.

— Importa-se que lhe diga uma coisa, Mr. Dillon? — perguntou Helen. — Sei tudo a seu respeito. Meu velho amigo Tony Emsworth contou-me tudo e por um motivo muito especial.

— Por causa de seu filho, Lady Helen — assentiu Dillon. — Estou surpreso por falar comigo.

— Acredito que a guerra deve ter regras, e pelo que Tony me contou, você era um homem honrado, embora impiedoso e, quem sabe, mal orientado.

— Considere-me curado. — Ele baixou a cabeça numa humildade zombeteira.

— Seu malvado! Agora pode ir buscar o tal champanhe, mas veja lá se lhe arranjam uma garrafa decente.

— Às suas ordens.


Uma semana depois, Lady Helen e Hedley voaram de Gatwick para Nova York num Gulfstream da empresa, ficando alojados no Plaza. Ela levava a Colt .25, mas como usava os Gulfstream há muitos anos, nunca fora revistada pela segurança.

A essa altura ela já sabia o conteúdo da pasta de trás para frente. Sabia, por exemplo, que Martin Brady, o funcionário do Sindicato Teamster, frequentava um ginásio do sindicato perto das docas de Nova York três vezes por semana e normalmente saía por volta das 10 da noite. Portanto, Hedley a levou a um quarteirão de distância, ela fazendo o resto do percurso a pé. Brady tinha um Mercedes vermelho. Ela o esperou num beco perto do carro estacionado e saiu do esconderijo para atingi-lo na nuca quando ele se inclinou para abrir o carro.

Aquilo tinha sido sugestão de Hedley. Ele sabia que a máfia preferia execuções com armas de pequeno calibre, e assim a polícia pensaria que tinha nas mãos um problema da máfia contra os sindicatos.

Quanto a Thomas Cassidy, que fizera fortuna com pubs temáticos irlandeses, foi fácil. Ele abrira recentemente um novo bar no Bronx e estacionava sempre no beco dos fundos. Ela o seguiu por duas noites e à uma da manhã da terceira noite alvejou-o quando ele abria o veículo. De acordo com o New York Times havia um esquema de extorsão na área, e a polícia considerou que Cassidy fora vítima dele. Helen já sabia disso através do computador.

Patrick Kelly, o empresário de construção civil, foi ainda mais fácil. A casa em Ossining era no meio do campo. Tinha por hábito acordar às seis da manhã e correr cinco quilômetros. Ela verificou seu percurso habitual e depois, certa manhã, escondeu-se atrás de uma árvore enquanto ele se aproximava e o alvejou duas vezes no coração. Tirou seu Rolex de ouro e um cordão do pescoço, novamente por sugestão de Hedley. Um simples roubo, era tudo.

Assim, tudo funcionou perfeitamente. Nem precisara muito dos comprimidos, e Hedley, apesar das dúvidas, mostrara-se firme como uma rocha. “Serei mesmo má?”, perguntava a si mesma. Mas, com sua ânsia de justiça, não conseguia sentir remorso. E assim continuou até aquela noite chuvosa em Manhattan, em que esperava o senador Michael Cohan e foi ultrapassada pelos acontecimentos.


Na mesma hora em que Helen Lang voltava ao Plaza, consolando-se com a ideia de que pegaria Cohan em Londres, ocorriam outros acontecimentos com grande influência sobre ela.

Horas depois de Lady Helen ter se deitado, Hannah Bernstein entrou no escritório de Charles Ferguson, no Ministério da Defesa, com Dillon atrás dela.

— Desculpe incomodá-lo, mas temos novidades.

— Sim? — Ele sorriu. — Conte.

Ela acenou a Dillon, que disse: — Um ex-colega meu, Tommy McGuire, irlandês-americano, que negocia armas há anos, foi preso ontem à noite em Kilburn devido a um problema de freios defeituosos e a um jovem e entusiástico policial estagiário que insistiu em verificar o porta-malas do carro.

— Surpresa! — acrescentou Hannah Bernstein. — Quase vinte e cinco quilos de Semtex e duas AK47.

— Encantador! — replicou Ferguson. — Com a ficha que tem, deve pegar pelo menos dez anos.

— Exceto por uma coisa — respondeu Hannah. — Ele diz que quer um acordo.

— Garante que pode nos entregar Jack Barry — explicou Dillon.

O brigadeiro ficou silencioso, a testa franzida.

— Onde está McGuire?

— Na prisão de Wandsworth — respondeu Hannah.

— Então, vamos lá ver o que ele tem a dizer.


A prisão de Wandsworth é conhecida como “cadeia dura”. Ferguson foi ver o diretor e lhe entregou o tipo de mandado que garante a atenção de qualquer pessoa. Só os indicados por Ferguson podiam visitar McGuire, e nem mesmo a Brigada Antiterrorista da Scotland Yard estava autorizada a vê-lo. Descumprimento da ordem jogaria o próprio diretor na prisão por infração da Lei da Confidencialidade.

Ferguson, Bernstein e Dillon esperaram numa sala de entrevistas e um guarda trouxe McGuire, que quase teve uma apoplexia ao ver Dillon.

— Meu Deus, Sean, é você mesmo?

— Em carne e osso — Dillon disse aos outros. — Tommy e eu nos conhecemos há muito tempo. Beirute, Sicília, Paris.

— E o IRA, claro — disse Ferguson.

— Por acaso, não. Tommy nunca participou de ações diretas, mas se houvesse uns cobres a ganhar, ele arranjava tudo o que se quisesse. Armas automáticas, Semtex, lança-mísseis. Conseguiu sempre escapar devido ao passaporte americano e porque agia sempre como agente de empresas estrangeiras de armamento. Alemãs, francesas. Ainda é o testa de ferro do velho Jobert, de Marselha.

Hannah fitou McGuire com um olhar carregado de desprezo.

— Duas AK47 e quase vinte e cinco quilos de Semtex em seu carro ontem à noite. Presumo que fossem amostras. Quem você ia visitar?

— Não, nada disso — respondeu McGuire. — Quer dizer, eu não sabia que estavam lá. Me disseram que tinha um carro me esperando em Heathrow quando chegasse, com a chave dentro. Deve ter sido uma armadilha.

— Bem, acho melhor irmos embora — disse Ferguson friamente.

— Certo, certo — desistiu McGuire. — O material no carro eram de fato amostras de Jobert para Tim Pat Ryan. Quando cheguei, telefonei para Tim para marcar encontro e descobri que ele morreu.

— É, morreu — disse Ferguson —, mas ouvi falar algo sobre Jack Barry.

McGuire hesitou.

— Barry usava Tim Pat Ryan como testa de ferro e agente em Londres. Posso lhes entregar Jack Barry. Juro. Ouçam-me.

— Portanto, conhece Jack Barry? — perguntou Hannah.

— Não. Nunca falei com ele.

— Então, por que nos faz perder tempo?

— Só um pouquinho — interrompeu Dillon, e ofereceu a McGuire um cigarro. — Não conhece Jack Barry? Ainda bem, porque eu o conheço, e ele é capaz de capar você só por diversão se o chatear. Deixe-me especular. Jack está irritado com Dublin, o Sinn Fein e o processo de paz. Provavelmente, considera todos um bando de maricas.

— Já me disseram isso.

— Então, deixe-me especular mais um pouco. O fornecimento de armas em Dublin para ele secou. Só que ele é um homem rico, portanto negocia diretamente com Jobert. Semtex, armas, o que quer que seja, e você é o intermediário.

— Exato — assentiu McGuire ansiosamente. — Vou encontrar Barry em Belfast em três dias.

— Sério? — perguntou Ferguson. — E onde exatamente?

— Tenho que reservar um quarto no Hotel Europa e ficar lá esperando. Ele manda me chamar quando estiver pronto.

A sala ficou subitamente muito silenciosa. Ferguson se levantou.

— Transfiram o prisioneiro para a casa segura de Holland Park.

Hannah tocou a campainha, chamando o guarda.

— Levem-no à cela e preparem as coisas dele para ser transferido.

— Então, temos acordo? — perguntou McGuire.

Mas o guarda já se afastava com ele.

— Está pensando o mesmo que eu? — perguntou Dillon a Ferguson.

— Tem que admitir que seria um golpe fabuloso. Quando McGuire não é McGuire? Isso pode nos levar diretamente a Barry e, oh, como eu gostaria de pôr a mão nesse cara...

— Há só uma coisa, brigadeiro — disse Hannah Bernstein. — McGuire é americano. Quem vai representar o papel dele? Precisamos de uma pessoa que passe por americano e convença Barry.

— Questão pertinente — assentiu Ferguson. — Aliás, eu diria que há uma dimensão americana em tudo isso. Afinal, o presidente não ficaria muito satisfeito por descobrir no meio das negociações de paz irlandesas que um cidadão de seu país tentava vender armas a um dos piores terroristas do ramo.

Dillon, tortuoso como sempre, já estava na frente dele.

— Está sugerindo que eu chame Blake Johnson?

Foi Hannah quem respondeu.

— Bem, é para isso que serve o Porão.

— Talvez Blake queira passar umas férias na Irlanda, quem sabe? — acrescentou Dillon. — Quem melhor para representar um americano do que outro americano?

— Às vezes, você tem jeito para entender as coisas, Dillon — Ferguson sorriu. — Agora, vamos embora deste lugar deprimente.


Aos cinquenta anos, Blake Johnson ainda era um homem atraente, parecendo mais novo. Marine aos dezenove, saíra do Vietnã com quatro condecorações: uma Silver Star, uma Cross of Valor vietnamita e duas Purple Hearts. Uma licenciatura em Direito levara-o ao FBI. Quando o presidente Jake Cazalet era senador, vira-se ameaçado por radicais de direita, e Johnson foi baleado ao protegê-lo de um atentado, o que conduzira a uma relação especial com o homem que mais tarde se tornaria presidente e a uma nomeação como diretor do Departamento de Assuntos Gerais da Casa Branca, ou o Porão, fachada para a brigada de investigação particular do presidente. No cargo, Johnson provou seu valor num certo número de black ops, operações clandestinas às vezes envolvendo Ferguson e Dillon.

Estava quente naquela tarde, quando Johnson entrou no Salão Oval e encontrou o presidente assinando papéis com seu chefe de gabinete, Henry Thornton. Blake Johnson apreciava Thornton, o que era bom, porque ele basicamente dirigia a Casa Branca. O salário nada tinha de especial, mas representava prestígio, e Thornton era um dos poucos homens que conheciam o verdadeiro objetivo do Porão. Sorriu.

— Olá, Blake, está com um ar pensativo.

— E estou mesmo pensativo — respondeu Blake.

— Alguma coisa ruim? — perguntou Cazalet, recostando-se.

— Digamos, traiçoeira. Tive uma conversa interessante com Charles Ferguson.

— Muito bem, Blake, dê as más notícias. — Quando Johnson terminou, o presidente perguntou: — Está querendo mesmo me dizer que vai a Belfast se fazer passar por esse tal McGuire e tentar pegar Barry em seu próprio covil?

— Não tenho férias há algum tempo, Sr. Presidente, e gostaria de rever Dillon.

— Santo Deus, Blake, vai entrar numa zona de guerra. É mesmo necessário?

— Temos trabalhado como doidos pela paz na Irlanda do Norte. O Sinn Fein tentou, os legalistas conversaram, mas são estes grupelhos terroristas de ambos os lados que repetidamente se metem no caminho. Este homem, Jack Barry, é um mau elemento. Devo lembrar-lhe, Sr. Presidente, que ele também é cidadão americano, um oficial que serviu no Vietnã e foi dispensado por crimes que apenas podem ser descritos como assassinatos. Há anos que é um carniceiro, e é tanto da nossa responsabilidade como da deles. Acho que devemos pegá-lo.

— É óbvio que tem opiniões bem definidas a esse respeito, Blake — sorriu Cazalet.

— Sem dúvida, Sr. Presidente.

— Então, tente voltar inteiro. Perder você seria extremamente inconveniente para mim.


Em Londres, no seu escritório no Ministério de Defesa, Ferguson pousou o fone vermelho de segurança e disse no intercomunicador.

— Entrem. — Um momento depois, apareceram Dillon e Hannah Bernstein, e ele informou: — Falei com Blake Johnson. Estará no Europa Hotel depois de amanhã, num quarto reservado em nome de McGuire. Vocês dois vão ao encontro dele.

— Que tipo de apoio teremos, brigadeiro? — perguntou Hannah.

— Você é o apoio, inspetora-chefe. Não quero a RUC nem a inteligência do Exército de Lisburn. Têm fuga de informação por todo lado. Você, Dillon e Blake Johnson vão cuidar de tudo. No fundo, só precisam de um par de algemas para Barry.

— Considere a missão cumprida, brigadeiro — respondeu Dillon.


4

 

 

Como frequentemente acontecia em Belfast, um vento norte gelado empurrava a chuva para a cidade, martelando os vidros do quarto de Dillon no Europa, conhecido por ser um dos hotéis mais bombardeados do mundo. Dillon pegou o telefone e ligou para o quarto de Hannah Bernstein.

— Sou eu. Está decente?

— Não. Acabei de sair do banho.

— Vou imediatamente.

— Deixe de besteira, Dillon. Q que quer?

— Telefonei para o aeroporto. O avião de Londres está com uma hora de atraso. Acho que vou até o bar comer qualquer coisa.

— Vou também.

Passava do meio-dia, e o Library Bar estava silencioso. Dillon pediu um chá Barry, o favorito dos irlandeses, e sentou-se a um canto para ler o Belfast Telegraph.

Hannah chegou vinte minutos depois, elegante num tailleur marrom, o cabelo ruivo preso atrás.

Dillon acenou com a cabeça em aprovação.

— Muito elegante. Parece estar aqui para cobrir um desfile de moda.

— Chá? — perguntou Hannah. — Sean Dillon tomando chá com o bar aberto? Quem diria que eu veria uma coisa dessas.

Ele sorriu e fez um sinal ao garçom.

— Sanduíche de presunto para mim, já que estamos na Irlanda. E você?

— Uma salada mista, por favor, e chá.

Ele fez o pedido ao garçom e depois dobrou o jornal.

— Bem, aqui estamos nós de novo, dando nossa contribuição ao fim do problema irlandês.

— E acha que não vamos conseguir?

— São setecentos anos, Hannah. A solução se revela demorada.

— Parece um pouco desanimado.

Dillon acendeu um cigarro.

— Ah, é só por estar de novo em Belfast. No exato minuto em que volto, o cheiro, a sensação de estar aqui me dominam. Para mim será sempre teatro de guerra. Devia ir à sepultura de meu pai, mas nunca vou.

— Acha que há algum motivo?

— Só Deus sabe. Minha vida estava arrumada. A escola, o Teatro Nacional, enfim, já sabe a história, e eu tinha apenas dezenove anos. Depois, meu pai volta para casa e é morto por paraquedistas ingleses.

— Acidentalmente.

— Claro, eu sei, mas aos dezenove anos vemos as coisas de outra maneira.

— E então se alistou no IRA para lutar pela causa gloriosa?

— Isso foi há muito tempo. Muitos mortos atrás.

Chegou o almoço. Uma jovem os serviu, depois saiu.

— E, olhando para trás, você se arrepende? — perguntou Hannah.

— Ah, quem sabe? A essa altura, eu podia ser um dos atores principais da Royal Shakespeare Company. — Devorou um sanduíche e inclinou-se para pegar outro.

— Podia ser famoso. Não foi Marlon Brando quem disse qualquer coisa assim? Pelo menos você é infame. Tem que se contentar com isso.

— E não há nenhuma mulher na minha vida. Você me rejeita o tempo todo.

— Coitadinho.

— Nem amigos nem família. Ah, tenho mais primos no County Down do que se consegue contar nos dedos das mãos e dos pés, mas saíam correndo se eu aparecesse na linha do horizonte.

— Chega dessa angústia. Gostaria de saber mais sobre Barry.

— Conheci melhor o tio dele, Frank Barry. Ensinou-me muita coisa naqueles primeiros tempos até que brigamos. Jack sempre foi ruim. O Vietnã serviu de campo de testes, e o assassinato de prisioneiros vietcongues foi o motivo para sua expulsão do Exército. Em todos esses anos de conflito, ele foi de mal a pior.

Nesse momento, Blake Johnson entrou no Library Bar, óculos Ray Ban, camisa e calça azul escuros e paletó de tweed cinza. O cabelo negro, com alguns fios grisalhos, estava despenteado. Fingiu que não os reconhecia e dirigiu-se ao balcão.

— Desgraçado. Parece que chegou de viagem — disse Dillon.

— Vamos esperá-lo no quarto — disse Hannah, levantando-se.

Dillon chamou o garçom.

— Ponha na conta do quarto cinquenta e dois. — Depois, seguiu-a.


A chuva continuava batendo na janela enquanto Dillon tirava meia garrafa de champanhe da geladeira. Encheu três copos e distribuiu.

— Bons olhos o vejam, Blake.

— Igualmente, meu amigo irlandês. — Johnson brindou e voltou-se para Hannah. — Inspetora-chefe. Mais bela do que nunca.

— Ei, eu é que faço comentários assim — censurou Dillon. — Bem, ao trabalho.

Sentaram-se.

— Memorizei todo aquele material que me mandou — disse Johnson. — O passado de McGuire, o negociante de armas francês para o qual ele trabalha, Jobert e companhia, e Tim Pat Ryan, que quase acabou com você em Londres, Sean. Quanto a Barry, gostaria de ouvir tudo sobre ele, mesmo o que já vi nos arquivos, mas de você.

Dillon concordou e passou algum tempo falando.

— Então, é isso. Vou precisar ficar bem alerta — comentou o americano quando Dillon terminou.

Dillon assentiu.

— Espere no bar, entre seis e sete, uma mensagem dizendo que o táxi de Mr. McGuire está esperando.

— Destino desconhecido?

— Claro. Calculo que Barry esteja esperando em algum lugar da cidade, local com muitas saídas, para o caso de encrenca. Nas docas, por exemplo.

— E você vai me seguir?

— É essa a ideia. Tenho um Land Rover verde. — Dillon entregou-lhe um pedaço de papel. — A placa é esta.

— E se me perder?

— Isso não vai acontecer. — Hannah Bernstein colocou uma valise preta na mesa e abriu. — Temos aqui um Range Finder.

— Último modelo — acrescentou Dillon.

O Range Finder era uma caixa negra com um visor.

— Olhe — disse Hannah, apertando um botão. Surgiu no visor um mapa das ruas da cidade. — Tem na memória toda a Irlanda do Norte.

— Impressionante — comentou Johnson.

— E com isso fica ainda melhor. — Ela abriu uma caixinha de onde tirou um anel de brasão de ouro. — Espero que lhe sirva. Se não servir, tenho outro dispositivo que pode prender onde quiser.

Johnson experimentou o anel na mão esquerda.

— Serve perfeitamente.

— Nada de armas — avisou Dillon. — Não é possível enganar o pessoal de Barry.

— Então, é bom que venha mesmo atrás de mim.

— Ah, vamos, e armados até os dentes.

— Então, a ideia geral é que eu leve vocês até Barry e vocês o pegam? Sem polícia, sem qualquer apoio?

— É um tiro no escuro, Blake. Pegamos o filho da mãe, espetamos uma agulha nele e o levamos para o aeroporto, onde um Learjet nos transporta até Farley Field, a pista da RAF perto de Londres.

— E depois?

— Depois, seguimos para nossa casa segura no Holland Park, onde o brigadeiro vai conversar com ele — acrescentou Hannah.

— Com as drogas atuais — disse Dillon —, conta tudo num instante.

— Estou satisfeito por estar aqui e o presidente também — disse Blake. — Estou em suas mãos, e isso me basta.


O Library Bar era um ponto de encontro popular de homens de negócios que gostavam de tomar uma bebida antes de voltar para casa, e estava cheio quando Johnson entrou, pouco depois das seis. Sentou-se ao bar e pediu um uísque com água mineral. Estava tenso, mas controlado. O ponteiro se aproximava das 6h30. Pediu outro uísque pequeno, e enquanto o barman providenciava, entrou um porteiro com um cartaz dizendo McGuire.

— Sou eu — respondeu Johnson.

Quando desceu a escada até o táxi vermelho, chovia torrencialmente.

— Boa noite — disse o motorista num acentuado sotaque de Belfast, enquanto Johnson entrava no banco de trás.

O táxi se afastou, Dillon e Hannah o seguiram no Land Rover.

O motorista não proferiu uma palavra, limitou-se a dirigir até as docas e estacionou ao lado de uma velha van Ford Transit.

— Aqui estamos, pode sair.

Johnson assim fez. O táxi se afastou, a porta traseira da Transit se abriu e saltaram dois homens. Um com jaqueta de aviador, o outro, de barba, usava casaco de pastor australiano que lhe chegava aos tornozelos. Estavam ambos armados.

— Mr. McGuire? — perguntou o barbudo. — Sou Daley, e este é Bell. Um movimento em falso e é um homem morto. Encoste-se na van de mãos para cima.

Johnson apoiou as mãos na van e abriu as pernas. Foi minuciosamente revistado.

— Entre atrás e vamos embora — disse Daley, satisfeito.

Os bancos eram razoavelmente confortáveis. Daley sentou-se de frente para Johnson, e Bell trancou a porta, sentou-se ao volante e arrancou.

— O que há? Estou aqui de boa fé e esperava encontrar Mr. Barry — disse Johnson, nervoso.

— E ele está ansioso para falar com você — assegurou Daley —, mas ainda falta um tanto, por isso aproveite a viagem.


Ao ver o táxi virando para as docas, Dillon estacionara numa rua lateral e se aproximou o máximo possível a pé. Depois, voltou correndo ao Land Rover e sentou-se ao volante.

— Foi transferido. Ford Transit branca — disse ele a Hannah, e instantes depois seguiam o veículo no meio do trânsito de fim de tarde.

A chuva não parava e com a noite caindo ficou óbvio que estavam saindo da cidade. Chegaram a uma obra de estrada com luzes temporárias e o trânsito passou de duas faixas para uma.

— Maldição! — exclamou Hannah.

— Abra a caixa, garota. Sem problema.

Hannah, que tinha a valise no colo, abriu a tampa e começou a trabalhar. O mapa era claro. Na frente deles, a Ford Transit tinha desaparecido, mas isso não importava: foi detectada imediatamente no visor. O tempo ia passando e continuavam indo para norte.

— Aonde diabos estamos indo? — perguntou Hannah.

— Bem, a costa de Antrim é perto. Que tal Spanish Head?

— Mas isso é uma loucura. Você disse que agora é patrimônio do National Trust.

— E é, mas esses lugares só abrem ao público a partir da Páscoa. Fique atenta ao visor e logo veremos.


A Ford Transit seguia por uma estrada costeira. A chuva tinha parado e no céu tempestuoso erguia-se uma meia-lua. Viraram finalmente para uma estrada lateral, detendo-se num portão. Uma placa dizia: SPANISH HEAD • PATRIMÔNIO NACIONAL.

Havia uma casinha com luz numa janela. Bell tocou a buzina, abriu-se uma porta e apareceu um velho, que hesitou, mas Bell gritou: — Abra o maldito portão, Harker, e nos deixe entrar.

O velhote abriu remexeu num painel, o portão abriu e Bell entrou de carro.

Pelo vidro traseiro da van, Johnson viu um castelo sobre rochedos íngremes, com torres e ameias, um conjunto espetacular. Só quando se aproximaram é que ele reparou que era apenas uma grande casa de campo construída ao estilo gótico do século XIX. A Transit parou, Bell desceu e abriu as portas traseiras.

Johnson seguiu Daley para o exterior e viu que estava num pátio.

— Por aqui, Mr. McGuire — disse-lhe Daley.

Bell abriu uma porta de carvalho maciço e o levou para dentro. Havia um enorme saguão de entrada com chão de pedra, lareira e tapeçarias na parede.

Daley subiu uma escadaria ampla, e Johnson o seguiu, com Bell atrás. Percorreram um longo corredor com quadros de ambos os lados, até que por fim Daley abriu uma grande porta de mogno. Entraram numa biblioteca. Havia mais quadros, toras ardendo numa grande lareira e janelas abertas de par em par. Um homem olhava para fora com um copo de vinho na mão. Era alto, ombros largos, de camiseta preta e jeans. Quando se virou, o rosto era atraente, embora a expressão fosse sombria, pensativa e cruel.

— Mr. McGuire? Jack Barry.

— Muito prazer. — Johnson tentou soar fraco e perturbado. — Eu estava um pouco preocupado.

— Ora, deixe de encenação, Mr. Johnson. Sei muito bem quem é. Blake Johnson, vigilante pessoal do presidente Jake Cazalet. Diretor do Porão, não é assim que chamam? Vamos, tome um copo de Sancerre. — Retirou uma garrafa de um balde de gelo, encheu um copo e o estendeu. — Aqui está. Sei de fonte segura que o verdadeiro McGuire está nas mãos do brigadeiro Charles Ferguson e de Sean Dillon. E que o meu outro negociante em Londres, Tim Pat Ryan, está morto e enterrado. Com que então, conhece meu velho amigo Sean Dillon, hein?

— Amigo?

— Um pequeno exagero. Bom, vamos aos fatos. Tenho fontes excelentes, mas há coisas que ainda pode me contar, incluindo detalhes das operações daquele velho safado do Charles Ferguson.

— E que tal o rabinho lavado com água-de-colônia? — respondeu Johnson, desafiador.

— Achei que talvez tivesse essa atitude — assentiu Barry, fazendo um sinal para Daley. — Talvez o Soak Hole seja o mais indicado para este caso. Experimente durante uma hora e logo veremos.


Enquanto Daley e Bell levavam Johnson pelo terreno até os penhascos, os relâmpagos iluminavam as vagas lá embaixo. Entraram num atalho, com Bell na frente de lanterna na mão. Então, parou.

— Chegamos.

Houve uma erupção de espuma branca com um rugido sinistro. Daley empurrou Johnson para a frente.

— Entre logo. Há um ressalto três metros abaixo. Ficará bem lá. Como está uma noite fria, pode ficar vestido.

Johnson hesitou, depois começou a descer. Havia uma espécie de degraus, depois uma plataforma. A espuma salpicou, e ele prendeu a respiração. Santo Deus, estava frio.

— Vigie-o, eu já volto — disse Daley a Bell.

Regressou ao castelo.


— Eu sempre tenho razão — disse Dillon enquanto ele e Hannah se aproximavam do castelo. — É mesmo o Spanish Head.

Encostou perto do portão e parou, com o motor ainda ligado. Hannah saiu e tentou abrir o portão sem sucesso.

— Não vale a pena, deve ser elétrico. Espere um momento.

Havia uma cancela baixa de um dos lados da casinha destinada a visitantes pedestres. Quando Hannah pulou por cima dela, a porta abriu e surgiu um velhote.

— Ei, você não pode fazer isso. Isto é propriedade privada.

— Já não é. — Ela sacou a Walther e colocou-a sob o queixo do homem. — Abra o portão e depressa.

O homem ficou visivelmente assustado. Dirigiu-se ao painel, apertou o botão e o portão abriu. Dillon entrou, estacionou e desligou o motor. Desceu e empurrou o homem para a varanda.

— Agora, vamos ver se eu entendi. Você deve ser o guarda. Tem mais alguém na casa?

— Sou viúvo.

— E qual é seu nome?

— Harker, John Harker.

— Bem, acho que você foi um menino mal comportado, Harker. Esta propriedade está fechada desde setembro até a Páscoa, e você permite a entrada de convidados não autorizados, como meu velho amigo Jack Barry.

— Não sei o que quer dizer. — O homem tremia. — His lordship está em casa, isso admito, mas o que quer que eu faça, um velho como eu?

— Sua Senhoria, hein? — Dillon riu. — Ele vem aqui com muita frequência?

— Muitas vezes durante o inverno. Não é segredo. Outras pessoas sabem, trabalhadores da propriedade que moram na aldeia.

— E mantêm a boca bem fechada, com toda certeza — disse Hannah.

— O que podemos fazer? — argumentou Harker. — His lordship não é homem que se possa atraiçoar.

— Senão, ele enfia logo uma bala na sua cabeça, é isso? — perguntou Dillon.

— Não há necessidade, tem o Soak Hole. Tim Leary morreu lá no ano passado.

— E o que é o Soak Hole?

— É o Buraco do Banho, uma espécie de funil nos penhascos. O mar irrompe por ali acima. His lordship manda para lá aqueles a quem quer dar uma lição.

— Meu Deus! — disse Hannah.

— Vamos ao que interessa — continuou Dillon firmemente. — Uma van Ford Transit branca. Chegou há pouco, certo?

Harker assentiu com a cabeça.

— Foram a Belfast à tarde. Voltaram há uns quarenta minutos.

— Quem estava dentro?

— Bobby Daley e Sean Bell, dois homens de His lordship.

— E você ficou curioso e subiu a alameda para ver o que se passava.

Harker ficou espantado.

— Como sabe?

— Eu sei tudo. O que aconteceu?

— Eu estava a uma certa distância, mas vi Bell abrir a porta de trás da van e Bobby Daley sair com outro homem, e depois entraram os três.

— Quem está com Barry no castelo? — perguntou Dillon.

— Só Daley e Bell.

— Está se comportando muito bem. Agora, vamos até lá calmamente e em silêncio e me mostre o caminho.

Luminárias colocadas em pontos estratégicos do gramado proporcionavam uma certa luminosidade enquanto eles avançavam por um caminho estreito entre um arvoredo luxuriante.

Subitamente, Harker parou.

— Acho que vem alguém — sussurrou.

Esconderam-se entre as árvores, e pouco depois viram Daley atravessando outro caminho em direção ao castelo.

— É ele — sussurrou novamente Harker. — É Bobby.

— De onde ele está vindo? — perguntou Dillon. — Isso é que é o importante.

— Ali embaixo só tem os rochedos e o Soak Hole.

— Então, é para lá que vamos e sem barulho.


Sean Bell estava abrigado sob uma árvore num dos lados do caminho, com a lanterna junto aos pés. Estava nitidamente aborrecido, encharcado pela chuva torrencial. Escutava o som cavernoso e ribombante, como um dinossauro em sofrimento, quando a água irrompia para cima no Soak Hole. O americano não duraria muito numa noite daquelas.

Depois, ouviu um ligeiro clique quando o silenciador da Walther de Dillon tocou sua orelha direita.

— O mais fácil, Mr. Bell, seria arrebentar seus miolos, portanto é melhor se comportar bem.

— Quem diabos é você? — gaguejou Bell enquanto Dillon o revistava e lhe tirava o .38.

— O nome é Dillon.

— Oh, meu Deus!

— Esta noite você só terá más notícias. Suspeito que você tenha um amigo meu americano aqui perto. — A Walther bateu com força na orelha de Bell, e o homem gritou de dor.

— Ele está no Soak Hole. A entrada é no fim da trilha.

— E por que ele está lá?

— Barry já sabia que ele não era quem dizia ser. Estávamos esperando.

— Ah, é? Bom, mostre o caminho.

Bell pegou a lanterna e avançou pelo caminho, recuando quando o Soak Hole lançou um jato de espuma branca para a noite.

— Vigie-o — disse Sean a Hannah, e caminhou até a beira dos degraus que desciam. — Ainda está aí, Blake? É Sean.

Blake Johnson, pendurado numa argola de ferro enferrujada, mais enregelado do que nunca na vida, gritou: — Por que demorou tanto?

— Suba — respondeu Dillon.

Pouco depois Johnson aparecia, subindo devagar.

— Isso foi duro, Dillon, não estou muito bem.

— O que aconteceu?

— Barry sabia de tudo. Meu nome, o Porão. Disse que tinha um informante interno, mas queria outras coisas que eu pudesse contar sobre você e Ferguson.

— Vamos até o castelo fazer esse favor a ele.

— É para já — disse Johnson. — Só uma coisa. — Virou-se para Bell, que permanecera no alto da escada. — Esta é para você, seu canalha. — Socou-o violentamente, e o homem caiu para trás de cabeça com um grito. Instantes depois, o Soak Hole foi alagado.

— Já podemos ir? — perguntou Dillon.

— Com todo gosto. — Johnson guiou-os até o pátio e parou diante da porta maciça.

— Volte para o portão, enfie-se em casa e bico calado. Se fizer isso, não te mato. Estamos combinados? — perguntou Dillon a Harker.

O velhote se afastou apressadamente.

— Vamos lá acabar com isso — disse Johnson, e abriu a porta.


Na biblioteca, Daley colocava outra tora na lareira, e Jack Barry estava na janela olhando para fora, enquanto a chuva batia violentamente nos vidros.

— Uma noite miserável, Bobby. Como Mr. Johnson estará se saindo?

— Melhor do que pensa — disse o americano, entrando na sala. Pararam todos numa espécie de quadro, e Barry jogou a cabeça para trás numa gargalhada.

— Santo Deus, é você, Sean!

— Como sempre, Jack. Charles Ferguson quer informações, ainda mais depois do que meu amigo me contou. Tem obviamente uma fonte interna. Só pode ser na Casa Branca. Você mesmo um malandrinho.

— Sempre fui, Sean. Suponho que Bell tenha seguido o caminho de todos os mortais?

— Exatamente.

— Ah, bem, acontece a todos. Sirva um brandy a Mr. Johnson, Bobby, uma dose grande. Acho que ele está precisando.

Ele ergueu o copo para Blake. — De um veterano do Vietnã para outro.

— Não mesmo. Eu matei, mas não do jeito que você matou.

Johnson tirou a garrafa de brandy da mão de Daley e disse a Barry: — Seria um uniforme confederado que vejo ali?

Barry olhou para o retrato. — Sim. O cavalheiro robusto na ponta era Francis, o Primeiro. Ganhou dinheiro em Barbados no século XVIII. Açúcar e escravos. Voltou e comprou um título. Todos se chamavam Francis. É daí que vem o Frank. '

— Até você?

— Sim, Jack vem de John. O que lutou pela Confederação foi morto em Shiloh. Em cartas para casa, ele disse que escolheu esse lado porque o cinza combinava com seus olhos.

— Isso faria diferença, se ele fosse como você — disse Blake. — Mas vamos ao que interessa. Você sabia que eu estava vindo no lugar de McGuire.

— O que lhe aconteceu?

— Como sabe muito bem, está numa casa segura em Londres bufando que nem um louco — respondeu Hannah.

— Grande cachorro!

— Então, parece que sabe de tudo.

— Estou sempre um passo à frente, sabe disso, Sean. É isso que me mantém vivo.

— E ouvimos dizer que quer informações sobre o brigadeiro Ferguson — prosseguiu Hannah.

— É natural, não é? É sempre a mesma raposa velha, esse cara.

— Vau vê-lo em breve — assegurou Dillon. — Estou certo de que terão uma conversa interessante.

— Sem dúvida. — Barry serviu mais Sancerre em seu copo e dirigiu-se à lareira. — Dê outro brandy a Mr. Johnson, Bobby.

Daley foi até o aparador e pegou a garrafa de brandy, depois abriu uma gaveta e virou-se de arma na mão.

— Parece que os dados viraram — disse então Barry.

Mas a mão de Dillon já estava nas costas e logo se ouviu um estampido abafado quando ele alvejou Daley no coração, atirando-o contra o aparador.

Hannah deu um grito de alerta e Dillon se virou a tempo de ver uma seção do painel de madeira junto à lareira se abrindo e engolindo Barry. Ouviu-se um estalido quando o painel voltou a se fechar. Dillon se jogou contra ele, mas o painel não se moveu.

— Eu sabia. Ele nunca usaria este lugar sem uma ou duas vias de fuga. Agora, nunca mais o pegaremos.

— E aquele? Chamamos a RUC? — Hannah olhou para Daley.

Havia um tapete indiano no chão, e Dillon rolou o cadáver para cima dele.

— É a última coisa que queremos. Ajude-me a colocá-lo no ombro.

O americano assim fez.

— E agora?

— Vamos embora daqui. Esse aí vai fazer companhia a Bell no Hole.

Johnson abriu a porta maciça. A chuva arremetia com força.

— Está uma noite ótima para trabalhos sujos. Encontro vocês no portão — combinou Dillon, afastando-se.


Quando Blake e Hannah chegaram à casa do guarda, não havia sinal de Harker, embora a luz ainda estivesse acesa. Entraram no Land Rover para se abrigarem da chuva, e logo surgiu Dillon.

— Tudo pronto. — Foi até a porta da casa e chutou-a. Esta se abriu e Harker apareceu. — Fugiram — disse Dillon. — Sua Senhoria e Daley escaparam por uma passagem secreta.

— Há várias.

— Seja como for, não há necessidade de Barry saber de seu envolvimento. Mantenha o bico fechado e não terá problemas. Nada disso aconteceu.

— Pode ter certeza de que mantenho o bico fechado. Vou abrir o portão.

Dillon sentou-se ao volante do Land Rover e dirigiu para a estrada costeira.

— E agora? — perguntou Hannah.

— Pode chamar o Learjet para vir nos buscar de manhã — respondeu Dillon, perguntando depois a Johnson: — E você? Volta para Washington?

— Não, acho que vou seguir isso até o fim. Acompanho vocês a Londres e ajudo a acalmar a fúria de Ferguson.

— Ótimo, então a próxima parada é o Europa e um serviço de quarto decente.


5

 

 

Eles encontraram os tenentes aviadores Lacey e Parry já esperando, o Learjet pronto para a partida às sete horas. Tudo muito oficial. O Lear exibia escudos da RAF, Lacey e Parry usavam macacões de voo da força aérea e insígnias de alta patente.

— Prazer em vê-lo novamente, Sr. Johnson — disse Lacey a Blake, e para Dillon, o último a subir a escada: — Vamos entrar em ação novamente, Sean?

— Bem, vamos colocar dessa forma: eu não faria reservas pro feriado em Marbella —, disse Dillon, e subiu os degraus.

Decolaram e nivelaram em trinta mil para cruzar o mar da Irlanda. Hannah encontrou chá e café e Dillon pegou três xícaras.

— Você disse que Ferguson está nos esperando para ontem no Ministério da Defesa?

— Foi o que ele disse.

— E como ele soou?

— Neutro.

Dillon serviu o chá.

— Oh, querida, mas isso é o normal dele.


A grande surpresa é que Ferguson os esperava em Farley Field com seu Daimler.

— Entrem, pelo amor de Deus, e vamos embora. Bons olhos o vejam, Johnson, Sente-se aqui a meu lado.

Hannah e Dillon sentaram-se nos bancos dobráveis, e Hannah apertou o botão para fechar a janela divisória.

— Muito bem, ouçamos as más notícias — instruiu Ferguson. — Você fala, Dillon, os irlandeses são bons nisso.

— Ninguém acredita que a santa mãe dele seja de Kerry — Dillon disse a Blake —, mas vamos nessa.

Ele contou os acontecimentos de Belfast e do Spanish Head, nada omitindo. Ferguson ouviu até o fim com expressão grave.

— Que confusão. Ele sabia realmente que você não era McGuire, embora isso tenha sido combinado na última hora.

— Mais do que isso, brigadeiro. Ele sabe tudo do Porão e se vangloriou de sua fonte interna.

— Mas quem pode ser?

— Tem que ser alguém da Casa Branca.

— Mas não tem nenhuma pista?

— Não. Precisei do departamento de viagens, que é o nome eufemístico do setor de falsificações. Eu queria um passaporte em nome de Tommy McGuire para o caso de Barry exigir. Depois, houve os preparativos da viagem. Passagens de avião, o quarto no Europa, tudo com o nome de McGuire.

— E tudo nos computadores — acrescentou Hannah.

— Mas ainda assim há o fato incontestável de que ele sabia quem você é. Não gosto disso. — Ferguson revelou uma centelha de cólera. — Não gosto nada disso.

— Tenho pensado em McGuire — interveio Dillon. — Pode haver mais coisas que ele não nos contou. Deixe-me falar com ele.

— É todo seu — assentiu Ferguson.

— Ótimo — disse Dillon. — Vamos fazer o seguinte...


A casa segura de Holland Park era um sobrado meio vitoriano escondido por muros altos. Parecia bem inocente, mas reunia sistemas de segurança que o tornavam inexpugnável. McGuire estava espantado com o conforto: tinha seu próprio quarto, uma suíte com banheiro, televisão e refeições excelentes.

O que não sabia é que, mesmo quando usava o vaso, todos os seus passos eram vigiados.

Ocasionalmente, levavam-no a uma sala de estar agradavelmente mobiliada e com lareira acesa. Serviam refeições decentes. Muitas vezes, havia uma garrafa de Chablis. O guarda, Mr. Fox, também era um cara decente que não usava uniforme, mas terno azul-escuro. Claro que McGuire não tinha consciência de que o amplo espelho de moldura dourada fornecia visão perfeita a qualquer pessoa na sala ao lado, o que naquela ocasião significava Ferguson, Johnson e Hannah Bernstein.

Observaram McGuire terminando seu almoço sob o olhar vigilante de Fox. Ouviu-se uma pancada na porta e Fox foi abrir, deixando passar Dillon.

— Bem, parece que está se dando bem, Tommy — comentou ele.

— Ah, você. — McGuire o fitou. — O que quer?

— Ah, apenas manter você informado dos acontecimentos no Ulster. — Acendeu um cigarro e continuou: — Jack Barry escapou. Conseguiu fugir. Mas nos livramos de dois de seus homens, Daley e Bell. Conhecia?

— Nunca ouvi falar deles.

— O mais estranho é que Barry estava esperando meu amigo americano, o tal que ia se fazer passar por você. Sabia tudo sobre ele e disse que tinha fontes internas de informação.

— Olhe, eu não tenho nada a ver com isso — argumentou McGuire. — Contei tudo o que sabia de Barry. Se o deixaram fugir, o problema é seu.

— Bem, de fato é um problema, meu caro, mas é seu, não nosso. Sabe, estou convencido de que você tem muito mais informação do que nos passou.

— Que besteira! Contei tudo o que sabia.

— É mesmo? Então tudo bem, o melhor é soltar você logo.

— Me soltar? — McGuire parecia espantado.

— Bem, já nos levou a Barry. Foi azar ele ter escapado, mas convenhamos que não é o tipo de coisa que gostaríamos de ver num tribunal. — Acenou a Fox. — Vá chamar a inspetora-chefe.

— Com certeza. — Fox abriu a porta e saiu, voltando instantes depois com Hannah, que trazia um documento de aspecto oficial na mão.

— Recolha os pertences do prisioneiro e leve-o ao Aeroporto de Heathrow — disse Hannah a Fox, e depois virou-se para McGuire.

— Thomas McGuire, tenho um mandado para sua deportação como estrangeiro indesejado. De acordo com os registros, entrou no país num voo ilegal oriundo de Paris e é para lá que vai voltar. Não faço ideia de como as autoridades francesas vão tratá-lo.

— Bem, ouçam... — começou McGuire.

— Boa sorte, Tommy — interrompeu Dillon. — Vai precisar.

— O que quer dizer?

— Jack Barry sabia que meu amigo Blake Johnson não era você, e suponho que esteja curioso sobre seu papel nisso tudo. Vai querer suas bolas, Tommy, por isso... boa sorte.

— Eu não saio daqui — declarou McGuire.

— Então, fale — propôs Dillon.

A porta se abriu, Ferguson e Johnson entraram.

— Muito bem, filho, comece a falar — disse Ferguson.

— Deem-me um cigarro, pelo amor de Deus.

Dillon ofereceu-lhe cigarro e fogo.

— Ponha tudo para fora, Tommy. Vai se sentir muito melhor depois.

— Como já disse, nunca conheci Barry pessoalmente, mas ele negociava com Jobert em Marselha, e eu trabalhava para Jobert. Por isso, falava com caras que Barry enviava da Irlanda para negociar armas. Havia um homem chamado Patrick Doolin, com quem eu costumava negociar em Paris.

— Conheço esse nome — interrompeu Dillon. — Foi encontrado enforcado em sua cela da Maze.

— É esse mesmo — confirmou McGuire. — Fomos uma vez dar uma volta por Paris à noite e acabamos jantando juntos num daqueles barcos-restaurante que sobem e descem o rio, comida decente, muita bebida. Ele ficou puto da vida. Começou a falar de Barry e do tipo de animal que ele era. Doolin disse que foi motorista de Barry. Creio que deve ter sido há uns três anos. Certa noite, ele ia levá-lo a um lugar qualquer, e Barry, que estava bêbado e drogado, disse a Doolin que acabara de eliminar cinco agentes britânicos, quatro homens e uma mulher. Disse que enfiara um deles numa betoneira. Acho que os outros foram mortos a tiro. Não me recordo.

— Que mais? — Dillon parecia um cão de fila.

— Sabe que ele comanda o Sons of Erin? Barry disse que o golpe foi possível graças à delegação de Nova York, com uma pequena ajuda de alguém que chamou de Conexão.

— Conexão? — perguntou Ferguson.

— Sim, alguém de dentro.

— Parece que ele contou muitas coisas a Doolin — comentou Hannah.

Ferguson assentiu.

— Mantenha-o bem guardado, Mr. Fox. Nós voltaremos.

— Brigadeiro.

Ferguson disse aos outros.

— Vamos embora.


Uma hora depois, Ferguson conversava em seu escritório com Blake Johnson quando entraram Hannah e Dillon.

— Encontrei uma coisa, brigadeiro — informou Hannah. — Há três anos, foi desmascarada uma brigada clandestina no Ulster, quatro homens e uma mulher. O chefe, o major Peter Lang, foi vítima de uma bomba de tal intensidade que não foram encontrados restos mortais. Aqui estão os detalhes sobre os outros quatro. Devia ser a isso que Barry se referia.

— Meu Deus, Peter Lang, o filho do meu velho amigo Roger Lang — disse Ferguson. — Você conheceu a mãe dele, Lady Helen Lang, no enterro de Tony Emsworth.

— A bela dama do terraço — assentiu Dillon. — Com esse tipo de prova, diria que temos alguma coisa. Então, qual é o próximo passo?

— Acho que devo falar disso com o presidente — opinou Blake Johnson.

Ferguson sacudiu a cabeça.

— Ainda não, Blake. Sei que você é um agente livre, mas, por favor, não diga nada, pelo menos por enquanto. Há coisas que gostaria de fazer aqui. — Virou-se para Hannah.

— Havia alguma informação de apoio, alguma ligação provada com Barry?

— Não, e eu investiguei tanto no MI5 como no MI6.

Ferguson matutou por uns instantes.

— Telefone imediatamente para Simon Carter. Fale só com ele. Pergunte o que sabe de Jack Barry e o Sons of Erin e algum tipo de fuga de informação, possivelmente da Casa Branca.

— Certo, brigadeiro. — Hannah saiu.


— Ele reagiu com seu estado habitual de irritação, brigadeiro. Bem, quase — disse Hannah quando voltou meia hora depois.

— O que quer dizer? — perguntou Ferguson.

— Pareceu chocado. Mas de certa forma parecia também saber tudo sobre o caso, mas não é possível, é?

— Esse tortuoso energúmeno seria capaz de mentir até ao Todo-Poderoso — comentou Dillon.

— Devo dizer que depois reagiu muito rapidamente. Contou logo a história de Jack Barry, mas nada além disso. Tudo o que já sabíamos.

— E nada do Sons of Erin? — Johnson virou-se para Ferguson. — Carter ainda é subdiretor de inteligência?

— É.

— Então, se ele não sabe de nada...

— Ligue para ele do celular — pediu Ferguson a Hannah.

Ela fez a ligação e passou-lhe o telefone.

— Carter? — perguntou Ferguson. — Preciso falar com você. No Terraço de Westminster em meia hora.

— Olhe aqui, Ferguson...

— Estou terminando um relatório para o primeiro-ministro. Agradeceria sua colaboração. — Ferguson desligou e se sentou, pensativo. — Venha comigo, Johnson, como representante do presidente — disse por fim. — Isso deve impressioná-lo. E levo você, Dillon, porque consegue sempre deixá-lo nervoso.

— Se algum homem já me odiou, esse homem é o estimado Mr. Carter.

— Enfim, agrada-me a ideia de você deixá-lo nervoso. — Ferguson virou-se para Hannah. — Você é o gênio da informática. Verifique tudo que possa eventualmente ter algum significado. — Levantou-se. Vamos embora.


Mesmo alguém com os privilégios de Ferguson tinha que ficar na fila para entrar nas Houses of Parliament, enquanto ela avançava com lentidão para ser minuciosamente revistada pelos policiais mais corpulentos de Londres. O brigadeiro, Blake Johnson e Sean Dillon chegaram finalmente ao saguão central, percorrendo um labirinto de corredores até a entrada para o Terraço, em frente ao Tâmisa.

— Graças a Deus está de paletó, Dillon — comentou Ferguson. — Transforma você, fica com um ar respeitável.

Dillon acenou ao garçom que passava com taças de champanhe numa bandeja.

— Está com a delegação japonesa? — perguntou o homem.

— Com quem mais estaria? — Dillon passou uma taça a Johnson, outra a Ferguson, que a aceitou com certa relutância, e pegou a sua.

Estavam no parapeito olhando o Tâmisa.

— Que tal a segurança? — perguntou Johnson.

— Aqui, a correnteza é de cinco nós — respondeu Dillon. — Até um Navy SEAL teria problemas.

— Mas Dillon não — disse Ferguson ao americano. — Uma vez, nadou até aqui num encontro entre seu presidente e o primeiro-ministro só para mostrar a Carter que as medidas de segurança não prestavam. Apareceu vestido de garçom e serviu-lhes canapés.

Johnson deu uma gargalhada.

— Carter não ficou muito satisfeito — disse Dillon.

E naquele momento apareceu Carter, que fez uma careta ao ver Dillon.

— Pelo amor de Deus, Ferguson, precisamos mesmo desse miserável aqui?

— Dillon está aqui porque preciso dele, e pronto. Este é Blake Johnson, chefe da segurança pessoal do presidente Cazalet.

— Sim, conheço Mr. Johnson. — Carter apertou-lhe a mão relutantemente.

— Passemos ao que interessa — continuou Ferguson. — A inspetora-chefe Bernstein pediu-lhe informações sobre Jack Barry e do Sons of Erin.

— Contei tudo o que sabia.

— Então, não sabe nada da conexão americana com Barry, possivelmente na Casa Branca?

— Se soubesse, teria informado.

Ferguson virou-se para Blake Johnson.

— Faça as honras da casa. Conte tudo.

Quando Johnson terminou, Carter estava nitidamente menos exaltado.

— Muito disso pode ser simples bobagem. Por que acreditar em McGuire?

— Em contrapartida, quando nosso amigo esteve nas mãos de Barry, ele demonstrou ter excelentes fontes — replicou Dillon.

— Ele me esperava. Sabia que eu não era McGuire — salientou Johnson.

Ferguson acenou ao garçom do champanhe.

— Outro, cavalheiros? Até lhe faria bem tomar um, Carter.

— Se você diz...

— Para terminar, o grupo clandestino desmantelado por Jack Barry há três anos, o major Peter Lang e companhia. Não mencionou o caso à inspetora-chefe Bernstein.

— Porque ela não me perguntou. Os fatos estão no computador para quem quiser ver. Contudo, nunca houve indícios de que Barry e o Sons of Erin estivessem envolvidos nesse caso. Podem pesquisar o que quiserem que essa prova não existe. Bom, mais alguma coisa? Tenho muito o que fazer.

— De fato, não. Direi ao primeiro-ministro que cooperou, como sempre.

Carter franziu a testa.

— Pretende envolver o primeiro-ministro nesse assunto?

— Você mais do que ninguém conhece minhas obrigações especiais.

— Dane-se! — explodiu Carter, e girou nos calcanhares.


De volta ao ministério, encontraram Hannah Bernstein ainda no computador.

— Alguma novidade? — perguntou Ferguson.

— Encontrei uma coisa bem interessante. De acordo com diversas fontes, nos últimos dois anos o serviço secreto tem sido parco em informações sobre as operações irlandesas que afetam nossos amigos americanos, porque parece que esse material acabava sistematicamente indo parar nas mãos do Sinn Fein. E embora o fluxo geral não tenha sido interrompido, aparentemente a qualidade do material deixa muito a desejar. É o tipo de informação que se pode obter na página política dos melhores jornais...

— Portanto, nada de operações clandestinas? — interrompeu-a Dillon.

— É o que parece.

— Mas se isso fosse uma política oficial do SIS — argumentou Johnson —, vocês não estariam informados?

— Eu sou a última pessoa a quem informariam — respondeu Ferguson. — Sempre odiaram minha posição privilegiada junto ao primeiro-ministro.

— Conheço a sensação — replicou Johnson. — Tenho meus próprios problemas com a CIA e o FBI.

— Então, isso significa que Simon Carter e seu pessoal sabiam do que aconteceu há três anos? — perguntou Dillon.

— Eu diria que sim — assentiu Ferguson, e se virando para Hannah, continuou: — O que sua excelente cabeça de Cambridge conclui daqui, inspetora-chefe?

— Temos dois fatos confirmados, brigadeiro. Alguma coisa fez nosso serviço secreto começar a tratar os americanos com desconfiança. Presumo que tenham ouvido falar do envolvimento do Sons of Erin nessas mortes, mas concluíram que não havia provas.

— E o segundo fato?

— Não existe arquivo algum do caso. Pelo menos neste momento não existe.

— Isso faz sentido — disse Ferguson. — Sendo o processo de paz tão importante, o SIS decidiu não arrumar um problema para o primeiro-ministro, porque envolveria o presidente americano, e mais um problema. Forçosamente, também teriam que envolver eu e você, Blake.

— Canalhas! — exclamou o americano.

— Sim. E enviando a seu pessoal informações inúteis, não perdiam nada — disse Ferguson.

Hannah acenou em sinal de concordância.

— Então, o que pretende fazer?

— Falar com o primeiro-ministro. Não tenho outra saída, assim como você, Johnson. O presidente Cazalet deve estar contando com um relatório do caso Barry.

— E a questão do envolvimento do SIS, brigadeiro? — perguntou Hannah.

— É inexistente! Não há arquivo nem conhecimento de alguma coisa estranha. Mostraram espanto com a história de McGuire e fizeram delicadas sugestões de que era tudo besteira.

— Então, ficamos assim?

— De modo algum. Mas de agora em diante vou tratar do caso à minha maneira.


Johnson não conseguiu falar com o presidente, que se deslocara a Boston para um discurso e depois ia para sua casa de Nantucket para uma folga de três dias. Portanto, falou com a secretária, Alice Quarmby, e como usava uma linha segura, pôde falar abertamente.

— Estava preocupada com você — comentou ela.

— E com razão. Aquele safado do Barry escapou, mas quase deu cabo de mim. Ele citou um braço nova-iorquino da tal organização que ele dirige, o Sons of Erin. Verifique isso e veja o que consegue descobrir.

— É para já.

— Preciso voltar depressa, por isso veja se há algum avião militar que parta do Reino Unido hoje à tarde.


No escritório de Ferguson, tiveram um debate final. Foi Hannah quem afirmou o óbvio.

— Não há mais nada que possamos fazer aqui.

— Agora, é tudo com você, meu velho. O braço nova-iorquino do Sons of Erin — disse Dillon rindo. — Parece o nome de um pub temático irlandês.

Johnson franziu a testa.

— Quer saber, não é má ideia...

O telefone tocou. Ferguson atendeu, depois sacudiu a cabeça.

— Só um momento. — Virou-se para Johnson. — Sua secretária avisa que temos um Gulfstream da RAF que parte para os Estados Unidos esta noite. Podem pegá-lo no campo Farley.

— Excelente — respondeu o americano.

— Confirmado — disse Ferguson, e desligou.

— Ficaremos esperando ansiosamente — sorriu Dillon.


6


WASHINGTON • NANTUCKET • NOVA YORK

 


Na Casa Branca, Johnson saudou Alice com entusiasmo. Conseguira dormir no avião e tomara café, mas precisava urgentemente de um banho, o que fez logo que chegou ao escritório; dormia lá tão frequentemente que tinha sempre roupa limpa reservada.

Quando chegou à mesa, lavado, barbeado e resplandecente num terno azul, Alice fez ar de aprovação ao lhe dar um café.

— Parece que tem menos dez anos — comentou. — Agora, conte-me o que houve.

Blake Johnson dirigia o Porão de uma forma bem peculiar. Tinha apenas um colaborador, que era Alice. Sempre que havia trabalho a fazer, convocava agentes de uma lista secreta: amigos do tempo de FBI, especialistas de todos os tipos, de professores universitários a velhos camaradas do Vietnã e quem quer que fosse necessário. Nenhum deles sabia o que os outros estavam fazendo. Excetuando Alice, que ficou indignada com a história.

— Um espião na Casa Branca!

— Por que não? Já os tivemos em toda parte. No Pentágono, na CIA, no FBI...

Ela serviu-lhe mais café.

— O problema é que hoje em dia existe muita informação nos computadores e, apesar de todas as precauções, é muito fácil acessar.

— Por falar nisso, encontrou alguma coisa sobre o Sons of Erin?

— Muito pouco. Jack Barry consta dos arquivos da CIA e do FBI, mas é essa a única menção.

Johnson estava de testa franzida.

— Mas ele os mencionou. — Subitamente, riu. — Acabei de me lembrar de uma coisa que Dillon disse. Que Sons of Erin nome de pub temático irlandês.

— É uma ideia.

— Então vamos seguir um caminho diferente. Pubs, restaurantes, clubes gastronômicos. Veja o que consegue descobrir.

Alice saiu, e Johnson começou a mexer na papelada que se acumulara em sua mesa. Em menos de uma hora Alice reapareceu.

— Foi fácil assim que procurei no lugar certo. — Tinha um papel na mão. — Sons of Erin está na lista de clubes gastronômicos irlandeses. Funciona num bar-restaurante chamado Murphy's, no Bronx.

Johnson olhou o relógio.

— Estou em cima da hora para pegar o voo para Nova York. Consiga um lugar, um carro e um quarto para mim.


O Murphy's ficava na Haley Street. Não tinha o aspecto comum de um pub temático irlandês, normalmente verde e com harpas douradas. Este era mais antigo, mais sólido.

Passava pouco das três da tarde quando o carro de Johnson se aproximou da entrada.

— Espere aqui — disse Johnson ao motorista, e entrou no bar.

O interior era antiquado e escuro, tinha reservados com mesas e paredes com painéis mogno. O barman era velho, pelo menos uns setenta e cinco anos, de mangas arregaçadas, óculos de grau na ponta do nariz e lia a página esportiva do New York Times.

— Boa tarde — cumprimentou Johnson. — Quero um Bushmills com água.

— Bem, pelo menos tem bom gosto. — O velhote pegou a garrafa.

— Com um nome irlandês como Dooley, preciso ter. Foi um amigo que me disse para vir aqui. Um cara chamado Barry.

O velhote empurrou a bebida pelo balcão.

— Não me lembro dele.

— Tome um também.

O homem se serviu de uma dose grande e engoliu-a rapidamente, enquanto Johnson prosseguia: — Ele disse que faz parte de um clube gastronômico, Sons of Erin, que se reúne aqui.

— Ah, isso era um grupo pequeno, quatro ou cinco caras. Não tinham nada de especial, a não ser o senador.

— O senador?

— Sim, o senador Michael Cohan. Um cara muito legal.

— Ei, isso é muito interessante. Quem eram os outros?

— Ora, vejamos se me lembro... Patrick Kelly, empreiteiro de muitas obras nas redondezas... Tom Cassidy tinha uma cadeia de pubs irlandeses... Quem mais? — Franziu a testa, tentando lembrar.

— Não quer outro? — perguntou Johnson.

— Bom, obrigado. Não vou recusar. — Encheu o copo, bebeu metade e sacudiu a cabeça. — Ah, Brady, Martin Brady, um sujeito do Sindicato Teamster. Disseram que foi morto na semana passada. Alguém atirou nele à noite quando saía do ginásio do sindicato. — Inclinou-se para a frente. — Ouvi dizer que tinha problemas com a máfia, entende?

— Sim, claro... Então, quando eles se reúnem?

— Ah, não é nada regular. Só de vez em quando. Não aparecem aqui há meses.

— Ah, não? — Johnson fez deslizar uma nota de vinte dólares pelo balcão. — Parece que afinal perdi minha chance. Gostei de conversar com você. Guarde o troco.

— Oh, muito obrigado.

Do carro, Johnson telefonou para Alice e deu-lhe os nomes.

— Verifique no computador da polícia de Nova York os detalhes do assassinato de Brady. Estou a caminho do Pierre. Volto a telefonar em uma hora.

— Por que nunca sou eu no Pierre? Por que você?

— Porque sou um homem muito importante, Alice.

— Sabe, é seu ego opressor que o torna tão atraente.

Ela desligou o telefone.


Johnson estava tomando café com sanduíches no quarto de hotel quando Alice telefonou.

— Está sentado?

— É assim tão ruim?

— Pode crer. Decidi colocar todos os nomes no computador da polícia para tentar alguma pista. Não há referência alguma a eles como grupo, mas Brady, Kelly e Cassidy constam todos dos arquivos.

— Continue.

— Todos mortos a tiro. O primeiro foi Brady, algum tipo de tiroteio de rua. Três noites depois, Cassidy: há rumores de um desentendimento entre seguranças. Mais três dias, Kelly, num assalto, enquanto fazia o jogging matinal perto de casa, em Ossining. Saiu tudo nos jornais, mas em separado, nada que relacionasse as mortes. Se não soubéssemos do Sons of Erin, não haveria como desconfiar de que não eram o que pareciam.

— Vai contar à polícia

— Não sei bem... E o senador Cohan?

— Não aparece no computador do NYPD, mas, de qualquer forma, ainda está vivo. Foi ao Larry King Live ontem à noite.

— A propósito de quê?

— Ah, a paz irlandesa, como sempre. Está tudo concentrado nisso no momento. Vai a Londres participar, de olho nos eleitores irlandeses-americanos. O que quer que eu faça?

— Sabe aqueles mandados presidenciais em branco, com o selo e a assinatura do presidente? Preencha um em nome do capitão Harry Parker e mande uma cópia por fax para cá. —Johnson deu-lhe o número do fax.

— Quem é esse cara?

— Um produto da tolerância zero nas ruas da velha Nova York. Comanda uma unidade especial de homicídios, com detetives famosos e computadores sofisticados. Conheci-o no FBI.

— E ele te deve uma?

— Não importa. Quando apresentar a ordem presidencial, ele é meu. Volto a ligar.

Em seguida, Johnson telefonou para Ferguson em Londres.

— Não vai gostar disso — avisou, e deu-lhe as más notícias.

— Parece que alguém anda limpando a sujeira — respondeu Ferguson.

— Pode acreditar. Estive pensando na morte de Ryan em Londres. Afinal, ele também era ligado a Barry. Pode conseguir os detalhes com a Scotland Yard? Sabemos que Dillon acha que o assassino é uma mulher, mas estou pensando na arma usada.

— É para já. Ligo de volta em meia hora.

Ferguson telefonou para a Scotland Yard e depois para Dillon.

— É melhor vir para cá depressa.

Dillon apareceu em dez minutos, exatamente quando o fax de Ferguson despejava duas folhas de papel.

— O que há? — perguntou.

Ferguson estava lendo as folhas. Ergueu o olhar e as entregou.

— O relatório sobre Ryan quando o tiraram da água. Foi morto por uma arma incomum. Veja com seus olhos.

Dillon leu e depois sacudiu a cabeça.

— Uma Colt .25. Arma de mulher, mortífera se usada com balas de ponta oca. — Devolveu o fax. — E então?

— Acabei de falar com Johnson, em Nova York. Descobriu onde o Sons of Erin se reunia, e estão quase todos mortos. Três deles a tiro nas últimas duas semanas.

Dillon assobiou.

— O único que resta, pelo que sabemos, é o senador Michael Cohan, de Nova York... E ele é esperado aqui para um encontro qualquer sobre a paz irlandesa no Hotel Dorchester. Só nos faltava essa, um senador americano morto em Londres.

— O que faremos?

— Vou passar os detalhes a Blake Johnson.


Em seu quarto no Pierre, Johnson ouviu com atenção.

— Esta noite, se possível, falo com um perito da homicídios. Anote meu número de fax. Envie o material que tem sobre Ryan e depois conto o que descobrir. Dillon está aí?

— Vou passar o telefone para ele.

— E então, qual é seu palpite nisso, meu amigo irlandês?

— Bem, conhece o velho ditado: “Uma vez é bom, duas é coincidência, três é ato de guerra”, e com esta são quatro.

— Acha realmente que é a mesma pessoa? Uma mulher?

— Uma coisa eu sei: alguém ou algum grupo queria destruir o Sons of Erin, e quatro dos cinco já foram eliminados. Se eu fosse o senador Michael Cohan, estaria preocupadíssimo.


Em seu escritório no número um da Police Plaza, Harry Parker decidira ir para casa. Tinha sido um dia cansativo. Estava pensando em passar pelo seu bar preferido quando o telefone tocou.

— Harry, é você? Fala Blake Johnson.

— Ah, seu velho malandro. Não te vejo desde o caso Delaney. Quando foi isso, dois, três anos? Soube que saiu do FBI.

— Subi na vida. Conto quando nos encontrarmos.

— E quando vai ser isso?

— Bem, pode ser já.

— Eu ia saindo agora mesmo...

— Harry, e se eu te disser que estou trabalhando num assunto presidencial?

— Diria que você está em alguma merda. — Fez-se silêncio, e Parker continuou: — E está mesmo, não está? Diga que sim, Blake. — Então, todos os instintos que adquirira em mais de vinte e cinco anos de rua o alertaram. — Jesus, em que estou me metendo?

— Numa coisa fascinante, garanto. Pode pôr a cafeteira no fogo.

Harry pousou o fone e ficou pensativo. Tinha quarenta e oito anos, era um negro do Harlem com cento e dez quilos, que frequentara a Columbia University com bolsa de estudo e ingressara na polícia logo depois. Sempre quis ser policial e nunca se importara com os turnos da noite nem com as semanas de trabalho de setenta e duas horas. Voltou a pegar o telefone e ligou para a pastelaria no lado oposto da rua.

— Olá, Myra, é o capitão Parker. Preciso trabalhar até tarde. Por favor, traga torradas com queijo para dois, batatas fritas e café.

Um pouco depois, bateram na porta, e quando abriu era o rapaz da pastelaria.

— Ponha naquela mesa ali — disse Parker, no momento em que Blake Johnson aparecia na porta.

— Ei, isso cheira bem. Quase não comi nada o dia todo.

— Então agora quer me roubar a comida. — Parker acenou ao rapaz quando saiu. — Bem, é melhor sentar.

Sentaram-se de frente um para o outro, com a mesa baixa entre ambos, e Johnson provou uma torrada.

— Excelente.

Parker tirou a tampa de um copo de café.

— Fique à vontade. Está com ótimo aspecto. Agora conte o que há.

Johnson sacou um envelope do bolso.

— Leia isto.

Parker abriu o envelope e retirou o mandado presidencial.

— Nunca vi uma coisa dessas, Blake, mas já tinha ouvido falar. Sei que já não pertence ao FBI, mas então é o quê? CIA, Serviço Secreto?

— Nem uma coisa nem outra, Harry. Trabalho para o homem em pessoa. Meu departamento é muito especial, muito secreto. Neste caso, você se desliga de qualquer obrigação com a polícia de Nova York. Passa a lidar diretamente com o presidente dos Estados Unidos. Aceita?

— Tenho alternativa?

— Não, é assunto de segurança nacional e sua experiência é fundamental.

Subitamente, Harry Parker sorriu.

— Sou seu homem, Blake. Sou seu homem. Conte tudo.


Mais tarde, sentado em frente ao computador, de mangas arregaçadas, disse: — Vou introduzir todo este material de Londres sobre Ryan. — Seus dedos batiam agilmente no teclado. — Pronto, comecemos pelos membros do Sons of Erin. Martin Brady, Sindicato dos Teamsters. Saiu uma noite do ginásio e foi atingido na nuca. Uma execução mafiosa típica.

— Sim — disse Johnson. — Mas para esse tipo de golpe, a máfia não costuma imitar a CIA? Eles usam normalmente armas de pequeno calibre, como uma .22.

Os dedos de Parker se moveram pelas teclas.

— Tem razão, mas neste caso foi uma Colt .25 com bala de ponta oca. — Recostou-se. — Deixe-me ver de novo os dados desse tal Ryan. — Voltou ao teclado. — Colt .25. Vejamos os outros. — Parker continuou no teclado. — Três dias depois, Cassidy saía à uma da manhã de seu novo restaurante, no Bronx. Os informantes da polícia revelaram que houve uma operação de extorsão e acharam que ele foi vítima disso. — Logo sacudia a cabeça. — Isso é inacreditável. A arma era uma Colt .25.

— Só resta um — disse-lhe Johnson.

Parker voltou ao trabalho.

— Patrick Kelly, milionário da construção civil, atingido no coração e encontrado morto perto de casa, em Ossining. Sempre usou cordão e relógio de ouro. Ambos desapareceram. — Virou-se para Johnson. — Foi considerado assalto à mão armada que acabou mal.

— Verifique a arma.

Parker o fez e sacudiu novamente a cabeça.

— Bonito. A mesma arma de Londres a Nova York. — Virou-se. — O que acha?

— Acho que o assassino foi muito esperto, exceto ao usar sempre a mesma arma. Vê o padrão? Há uma explicação para cada morte. Brady, a máfia; Cassidy, vítima de extorsão; Kelly, um assalto.

— Certo, muito espertinho. E como as mortes não têm relação aparente, talvez essa coisa da mesma arma nunca viesse à tona se não fosse sua suspeita sobre a morte de Ryan. Mas temos aqui um quebra-cabeça.

— O fato de que em Londres foi uma mulher?

— Não, diabos, o fato de que a Colt usada em Londres foi a Colt usada em três assassinatos em Nova York. Isso me espanta. Quem diabos consegue, hoje em dia, passar pela segurança do aeroporto com uma arma?

Johnson sacudiu lentamente a cabeça.

— Pessoas que usam aviões particulares, Harry, pessoas importantes, ricas, que passam sem verificação.

— Pelo amor de Deus, o que é isso?

— Por enquanto, não posso dizer, mas prometo que, assim que puder, será o primeiro a saber.

— Puxa, muito agradecido.

— É o máximo que posso fazer, Harry. Agora, tenho que falar com o presidente.


Em Londres, já passava muito da meia-noite, mas Blake Johnson telefonou assim mesmo para Ferguson, acordando-o.

— Cada vez mais estranho, brigadeiro — começou.

Ferguson, já totalmente desperto, sentou na cama.

— Conte.

Johnson assim fez e, ao terminar, perguntou: — O que acha? Algum grupo legalista eliminando o Sons of Erin?

— Blake, meu caro, eu sou uma velha ratazana, estou há tempo demais neste ramo e sigo sempre meus instintos. A mesma arma em Londres e em Nova York significa um único assassino. Apostaria a minha vida.


Na mesma hora, numa casa em frente aos penhascos de County Down, no Ulster, Jack Barry tomava uma bebida quando seu celular codificado tocou. Era a Conexão.

— Por onde diabos você tem andado? — perguntou Barry.

— Sou um homem ocupado, amigo. Blake Johnson apareceu em Washington, por isso calculei que você estaria fugido.

— Calculou certo. Sean Dillon e uma inspetora-chefe vieram com ele. Perdi dois homens, mas consegui escapar.

— Ótimo. Espero que não tenha mencionado nosso acordo.

— Claro que não — disse Barry.

— Excelente. Volto a ligar se algo acontecer. — A Conexão desligou.

Barry praguejou. Odiava não saber com quem estava lidando, mas nenhum do grupo sabia. Matutou por um momento, depois telefonou para o senador Michael Cohan, que atendeu logo ao primeiro toque.

— Quem fala?

— É Barry. Liguei em hora errada?

— Sim, tenho uma festa. Refugiei-me no escritório. Pretendia eu mesmo lhe telefonar, mas acabo de voltar do México. Tenho más notícias. Martin Brady foi morto. Um assassinato de rua. Dizem que foi a máfia.

— Que estranha coincidência. Tim Pat Ryan morreu do mesmo jeito dias atrás.

— Sério? — perguntou o senador. — Também, se pensarmos bem, ele era um verdadeiro gângster.

— E quanto a Kelly e Cassidy?

— Não falo com eles há meses. Talvez devesse... — Ouviu-se ao fundo uma porta abrindo com estrondo e uma gargalhada ébria. — Lá vêm eles. Ligo depois. — Cohan desligou.


Blake havia conseguido um voo da Força Aérea para a manhã seguinte.

— O chefe de gabinete está com o presidente em Nantucket, sir. Ele ordenou que o mandássemos de helicóptero.

— Aterrissagem na praia? — Blake perguntou.

— É isso, sir.

— Inferno, tive o suficiente disso no Vietnã.

— Antes do meu tempo, sir. Se vier por aqui, tenho sanduíches e café. Partida em trinta minutos.

Ele segurou seu guarda-chuva bem alto e Blake o seguiu pela pista.

A velha casa de madeira em Nantucket pertencia à família Cazalet havia anos. Continha todas as memórias possíveis do presidente. Na infância, nas férias escolares e por duas vezes foi o lugar para se fortalecer depois de ser ferido no Vietnã. Outras memórias amargas também estavam lá: a lenta morte da esposa devido à leucemia e a ameaça terrorista após a descoberta tardia de uma filha maravilhosa — a condessa Marie de Brissac, agora em Paris ensinando arte na Sorbonne.1

Ele sempre amou a praia em qualquer clima, e estava caminhando lá agora com Henry Thornton e um homem do Serviço Secreto, Clancy Smith, atrás deles, o retriever do presidente, Murchison, entrando e saindo da água. Todos usavam casacos quebra-vento, que soprava forte. A arrebentação rugia, era bom estar vivo e Washington estava longe.

O presidente parou e acenou duas vezes, e Clancy, que sabia o que isso significava, tirou um Marlboro da mochila, acendeu-o dentro do casaco e o passou.

— Já falei antes — disse Thornton. — Faça isso na TV e você perde votos.

— É um país livre, Henry. Pode não ser saudável, mas não me torna uma pessoa má.

Ele se abaixou e acariciou as orelhas de Murchison. — Agora, se eu vencesse esse cão maravilhoso seria diferente.

Houve um rugido à distância. Clancy ouvia pelo fone de ouvido.

— O helicóptero está chegando, Sr. presidente. É Blake Johnson.

— Isso é bom —, disse Jake Cazalet. — Vamos descobrir o que aconteceu na Irlanda — e ele liderou o caminho pela praia até a casa distante.


Blake Johnson estava sentado diante do presidente, Henry Thornton encostado na lareira.

— Toda essa história parece tão inverosímil. O tal Barry, por exemplo — disse Cazalet.

— É real e bem real — respondeu Johnson. — Ele até se vangloriou de sua fonte, que tem de ser forçosamente da Casa Branca. E a verdade é que Barry sabia quem eu era e para quem trabalhava.

— Sabia tudo, resumindo. Não acha que a ligação com Barry implica que essa Conexão é irlandesa ou simpatizante do IRA?

— Mas, Sr. Presidente, isso cobre um leque alargado de possibilidades — replicou Thornton. — Até minha mãe era irlandesa. Veio pequena do County Clare. Pelo menos quarenta milhões de pessoas da população total deste país são de origem irlandesa, incluindo um percentual considerável do pessoal da Casa Branca.

— Lá isso é verdade — assentiu Johnson. — Apesar disso, não vou deixar de investigar em profundidade. Mas deixei as notícias piores para o fim.

— Quer dizer que ainda há pior? — O presidente sacudiu a cabeça. — É melhor continuar, Blake.

Quando Johnson falou das vidas e mortes do Sons of Erin, o presidente e o chefe de gabinete se mostraram horrorizados.

— Isso é inacreditável — comentou Cazalet.

— Posso dizer uma coisa? — pediu Thornton.

— Com certeza.

— Sons of Erin reunia gente corrupta, Sr. Presidente. Tinha que ser, para se envolver com Jack Barry. O que significa que o senador Michael Cohan está na mesma categoria.

— Já tinha pensado nisso — assentiu o presidente. — Pode ser ele a misteriosa Conexão?

— Duvido — disse Johnson. — Se fosse, por que atrair atenção como sócio do clube gastronômico?

— Faz sentido. — Cazalet franziu a testa.

— O que vamos fazer? — perguntou Thornton.

— Oficialmente, nada — disse o presidente. — Cohan negará qualquer envolvimento, e provar será difícil.

— Pode proibi-lo de ir a Londres?

— Para quê? Se ele é um alvo, será em Londres como em Nova York. — O presidente falou com Johnson: — Diga a Ferguson para informar o primeiro-ministro britânico da recente reviravolta nos acontecimentos. Discutirei a questão com o primeiro-ministro numa hora apropriada.

— E quanto ao senador Cohan?

— Assuste-o e vigie seus movimentos. Com alguma sorte, pode ser que apareça alguma coisa.

— Certo, Sr. Presidente.


Cerca de três horas depois, o senador Michael Cohan recebeu uma ligação no seu escritório em Nova York.

— Sou eu — identificou-se a Conexão. — Com más notícias, senador. Receio que os Sons of Erin estejam todos mortos. Brady, Cassidy, Kelly, Ryan. E o que ainda é mais interessante... foram todos mortos com a mesma arma.

Cohan ficou aterrorizado.

— Isso é terrível. Não posso acreditar. Já sabia de Brady e Ryan, mas... Kelly e Cassidy também? Pelo amor de Deus, o que está acontecendo?

— Ouviu falar do Último dos Moicanos? — A Conexão riu. — Bem, você é o último dos Sons of Erin. Onde cairá o machado a seguir? Aliás, o presidente sabe do seu envolvimento.

— Nego. Nego tudo. Como você sabe?

— Já lhe disse que tudo o que entra na Casa Branca é do meu conhecimento.

— Quem é você? Meu Deus, como gostaria de nunca ter me envolvido.

— Bem, tarde demais, e quanto a minha identidade, ela continuará um dos grandes mistérios da vida.

— Maldito!

— Agora, ouça com atenção. O presidente autorizou Blake Johnson a lhe contar o que está havendo e aconselhá-lo a se refugiar num local longínquo.

— O que devo fazer? Sou esperado em Londres dentro de três dias.

— Sim, eu sei. Na minha opinião, acho que deve ir. Não acho que corra mais perigo em Londres do que aqui, e enquanto estiver fora, vejo o que posso fazer. Quando Johnson vier lhe falar, banque o idiota. Vocês do Sons of Erin costumam se encontrar às vezes, mas você não sabe o que está acontecendo.

— Mas quem está por trás disso? São os protestantes?

— É mais provável que seja o serviço secreto britânico. O que significa que você estará em segurança em Londres.

— Por que acha isso?

— Porque é um senador americano, e mesmo que não haja outro motivo, não vão querer que morra em Londres.

— Vou tentar acreditar nisso.

— Ótimo. Vou mantendo em contato. — Henry Thornton desligou o telefone.


Cohan estava entrando em pânico, e quando um homem entra em pânico se transforma num obstáculo. Com alguma sorte, o assassino misterioso trataria dele. Quanto a Barry, Thornton decidiu deixá-lo quieto algum tempo. Primeiro, veria o que ia acontecer com Cohan.

Foi até o aparador e serviu-se de uma dose de uísque, irlandês, claro! Dissera a verdade ao presidente. Sua mãe nascera no County Clare. O que não mencionara é que ela tivera um meio-irmão ilegítimo que lutara com Michael Collins no Levante da Páscoa de 1916 em Dublin. Fora executado pelos britânicos, e Thornton crescera com o nome dele nos ouvidos.

Depois, ao fazer a pós-graduação em Harvard em 1970, Thornton conhecera uma encantadora irlandesa católica vinda da Queens University, de Belfast, chamada Rosaleen Fitzgerald. Ela tinha sido o amor de sua vida. Passaram um ano idílico juntos e depois ela regressara a sua terra para as férias de verão. Mas passou na rua errada numa hora errada. Um tiroteio entre paraquedistas ingleses e o IRA a deixara morta na calçada.

O ódio de Thornton por tudo o que era inglês se tornara total. Depois veio a chance da vingança.

— Vai chegar meu dia — murmurou.


Em seu escritório de Manhattan, no dia seguinte, Cohan recebeu Johnson entusiasticamente e ouviu-o com as adequadas expressões de horror e descrença. Prometeu ser cuidadoso em Londres, mas concordou que precisava ir. Era uma causa importante e já prometera que ia.

— Por favor, mantenha-me informado — disse a Johnson, apertando-lhe a mão e fitando-o diretamente nos olhos.

Johnson prometeu que o faria. Falou rapidamente com o presidente, telefonando em seguida para Ferguson em Londres.

— O que vai fazer com Cohan? — perguntou.

— É minha obrigação protegê-lo.

— E o que acha que vai acontecer?

— Como já disse, sou uma velha ratazana com muitos anos nisso. Acredito nos instintos, e todos os meus instintos me dizem que ele vai morrer em Londres.

 

________________

1 A filha do presidente, de Jack Higgins, a aventura nº 6 do agente Sam Dillon (Record, 1998).


7


LONDRES

 


Chovia em Compton Place. Lady Helen Lang cavalgava, bem protegida por capa e chapéu. O vento soprava vindo do mar do Norte, revolvendo as ondas de espuma que batiam na praia de seixos. Passou pelas dunas a meio galope e puxou as rédeas.

— Pronto, Dolly. — Bateu carinhosamente no pescoço da égua. — Vamos para casa.

Dolly galopou entre os pinheiros, saltando sobre um portão de duas barras como se estivesse numa prova de obstáculos. No pátio da cavalariça, Helen encontrou Wood, o moço da estrebaria.

Ele segurou Dolly, enquanto Lady Helen desmontava.

— Um bom passeio, milady?

— Excelente.

— Então, vou dar a ela uma boa escovada e alguma aveia.

— Obrigada. — Lady Helen dirigiu-se à porta da cozinha, que foi aberta por Hedley.

— Foi montar outra vez.

— O que quer que eu faça, que me deite e morra? — sorriu ela. — Não seja um velho resmungão. Vou tomar um banho e depois pode me levar para almoçar no pub da aldeia.

Depois que ela saiu, Hedley fez um café. Ouviu Wood se afastando, abriu a porta da cozinha e ficou olhando lá para fora. Era como um sonho tudo o que vinha acontecendo desde aquela noite em Wapping, quando ela matou Ryan. Depois, Nova York: Brady, Kelly, Cassidy... Estremeceu. O que podia fazer? Nunca apresentaria queixa contra ela, que significava demais para ele. Além disso, ele matara muita gente no Vietnã, algumas pessoas por razões válidas, outras por motivos desonestos, e havia uma coisa de que tinha certeza, fora de qualquer dúvida que pudesse eventualmente abrigar: se a misteriosa Conexão aparecesse na sua frente, ele mesmo a mataria sem piedade.

Depois de tomar banho e mudar de roupa, Helen Lang se sentou em frente ao computador. Pouco depois, tinha os planos de viagem do senador Cohan no monitor, incluindo a data da chegada e até, por um golpe de sorte, o número de sua suíte no Hotel Dorchester. Em seguida, desceu para a cozinha, onde encontrou Hedley.

Tirou o casaco de pele de carneiro de trás da porta e disse: — Vamos, Hedley, o almoço nos espera. — Saiu para o pátio e encaminhou-se para o Mercedes.

O pub, como era normal naquela época do ano, estava silencioso. Dos mais antigos, tinha grandes lajes de pedra no piso, e teto baixo com vigas. A lareira estava acesa, e o balcão comprido era de carvalho, com barris de cerveja e uma variada gama de garrafas atrás.

A garçonete era uma mulher de meia-idade chamada Hetty Armsby.

— Uma caneca para Hedley e um gim tônica para mim — pediu Lady Helen a Hetty.

— E vai querer almoçar?

— Shepherd pie e aquele pão que você faz. — Helen tirou um cigarro, e Hedley acendeu.

Pegaram as bebidas e se sentaram.

— O senador Cohan chega ao Dorchester depois de amanhã — disse Helen ao motorista enquanto esperavam o almoço.

Hedley respirou fundo.

— Está mesmo decidida, não está?

— Claro. — Ela retirou um pequeno saco do bolso, abriu-o e mostrou-lhe um quadrado de plástico. — Lembra de quando instalaram o fogão novo na cozinha da South Audley Street e eu tive que passar a noite no Dorchester? — Sorriu. — Bem, esta é a chave da suíte.

— Como? — perguntou Hedley, pegando-a.

— Você está sempre se gabando de sua coleção de amigos dúbios. Quando perdemos as chaves das cavalariças antigas, você arranjou uma que abria todas as portas. Disse que tinha conseguido com um amigo que é ferreiro em Londres.

— É verdade.

— Bem, uma das alegrias do sistema aristocrático inglês, como sabe, Hedley, é ser convidado para tudo, e eu tenho um convite para o salão de baile do Dorchester depois de amanhã.

— Então, do que precisa?

— Preciso que esse seu amigo dê uma olhada nesta chave. Eu sei que está codificada por computador e que agora não vai abrir nada, mas se seu amigo for tão bom como acho, ele consegue o código.

Hedley suspirou.

— Se é assim que quer...

— Ah, quero, quero. Não me deixe na mão.


Michael Cohan pegou o Concorde de Nova York para Londres. Três horas e meia de voo suave, comida excelente e champanhe gratuito.

As coisas haviam se complicado enormemente. Uma estupidez. Seus eleitores irlandeses-americanos haviam sido cruciais nas eleições, e Brady se revelara um angariador de fundos de primeira classe devido a sua influência no sindicato. Ele apresentara Cohan a Kelly e Cassidy. Como muitos irlandeses-americanos, Cohan vivia intensamente a situação na Irlanda. Via o IRA como herói, portanto se envolveu no levantamento de fundos. Lembrou-se dos primeiros tempos no Murphy's Bar, das bebidas, das músicas rebeldes em coro. Era uma loucura. E depois aquela noite em que Brady lhe apresentara Jack Barry, que estava em Nova York a serviço. Um sniper do IRA em carne e osso.

Barry contara as histórias de sua vida, as fugas e os tiroteios com os soldados ingleses, e sugerira um jeito de ajudá-los. Brady, com seu trabalho nas docas de Nova York para os Teamsters, era de importância vital. A possibilidade de contrabandear armas para a Irlanda era óbvia. Cohan e Kelly se concentraram nos fundos, e Cassidy, na compra de armas. Cohan se lembrava de seu primeiro golpe: cinquenta rifles ArmaLite contrabandeados para a Irlanda, escondidos num navio português.

Autodenominavam-se Sons of Erin por sugestão de Brady, e tinham fundado o clube gastronômico no Murphy's, colocando uma placa no privado que utilizavam. Era tudo às claras, e nem existiam motivos para não ser. E depois, quando Barry voltara a Nova York, mencionara seu mentor, uma voz misteriosa ao telefone que dissera simplesmente: — Trate-me de Conexão, porque é isso que eu sou.

Surpreendentemente, dava informações trocadas entre o serviço secreto britânico e o americano, informações cruciais para a luta na Irlanda. As coisas ficaram realmente sérias quando a Conexão dera detalhes de operações clandestinas dos ingleses em Nova York e Boston, incluindo as identidades dos agentes.

Foi então que Brady, devido ao seu trabalho sindical, e Cassidy, com seu negócio de construção, revelaram-se indispensáveis. Ambos tinham ligações com a máfia, e havia favores de parte a parte. Ocorreram acidentes estranhos. Os ingleses perderam agentes sem poder reclamar. Afinal, nem deviam estar lá.

Cohan sempre se mantivera afastado de violência. Tudo funcionava perfeitamente e, de súbito, o maldito teto ruía. Brady, Kelly, Cassidy e Ryan, todos mortos. Ele continuava a salvo, apesar do que Blake Johnson dissera. Está bem, era frequentador habitual do Murphy's Bar, e o que é que isso provava? A Conexão prometera resolver o assunto, e no passado sempre os resolvera a contento.

Cohan tentou consolar-se com a ideia de ser um senador dos Estados Unidos. Os senadores dos Estados Unidos não são abatidos, pois não?


Na Downing Street, o primeiro-ministro ouvia cuidadosamente o resumo de Ferguson de toda a história.

— Claro que o senador Cohan nada fez de ilegal. O seu envolvimento com o Sons of Erin torna-o culpado perante os nossos olhos, mas ele pode dizer que frequentava o Murphy's Bar inocentemente.

— De acordo, Sr. Primeiro-Ministro — respondeu Ferguson. Mas ele agora está aqui, e o fazemos com ele?

— Tentem mantê-lo vivo, claro. Ponho esse caso todo em suas mãos, brigadeiro.

— E o subdiretor?

— Você fica totalmente encarregado — insistiu o primeiro-ministro, firmemente. — Já percebi que a inteligência não tem cooperado como no passado, e isso não me agrada.

— Então, tenho autoridade total?

— Sem dúvida. Agora, desculpe, me esperam no Parlamento. — Enquanto Ferguson se levantava, o primeiro-ministro acrescentou: — A propósito, aquela coisa no Dorchester, o Fórum pela Paz na Irlanda, onde Cohan vai estar amanhã à noite, apareço lá às dez. Também vai?

Ferguson acenou que sim.

— Pode contar com isso, Sr. Primeiro-Ministro. — E o seguiu para fora.

Hannah Bernstein e Dillon o esperavam no Daimler. Ferguson entrou, e o carro arrancou. Enquanto os portões de segurança se abriam, ele disse: — Como eu pensava, a batata quente está nas nossas mãos. Carter não terá qualquer envolvimento.

— O que nos deixa enterrados até o pescoço, se o senador acabar esticado ao comprido — comentou Dillon.

— Meu caro, foi sempre assim. — E para Hannah Bernstein. — Quando ele chega?

Ela olhou o relógio.

— Decolou há quarenta minutos.

— Ótimo. Verifiquem todos os movimentos dele, o hotel, a limusine, esse tipo de coisa. Não há muito que possamos fazer, pois como não é propriamente oficial, não podemos destacar segurança extra para sua visita.

— Haverá muita segurança no Fórum amanhã à noite — disse Hannah.

— Claro. — Ferguson franziu a testa. — Mas estou muito apreensivo. Tenho a sensação de que o carrasco anda por aí.

— A irlandesa — assentiu Hannah.

— Ou uma mulher com sotaque irlandês — corrigiu Dillon. — Uma agulha num palheiro. Há oito milhões de irlandeses no Reino Unido.

— Bem, como tenho uma fé incondicional em você, pode começar por Kilburn — disse-lhe Ferguson.

Já estavam em marcha, porém, acontecimentos que alterariam tudo.


Horas antes naquela mesma manhã, Thornton analisara a situação de Cohan em Londres, e quanto mais pensava naquilo, mais descontente se sentia. Quais as garantias de que o misterioso assassino atacaria em Londres? Nenhuma, e no entanto Cohan era agora um risco.

Eram quatro da madrugada, hora americana, quando telefonou para Barry. O irlandês ainda estava no County Down.

— Sou eu — disse Thornton. — Tenho más notícias. — E contou toda a história. — Existe até a possibilidade de o atirador ser uma mulher.

— Sério? Bem, quem me dera pôr as mãos em cima dela. Levaria muito tempo para morrer. Então, Cohan é o único que resta?

— Exato, e está entrando em pânico. A cobertura dele como sócio do Sons of Erin foi desmascarada. Ele se tornou dispensável.

— Então, quer afastá-lo?

— Ele chega hoje à tarde a Londres para uma reunião sobre a paz irlandesa amanhã no Dorchester. Vai se hospedar no hotel. Talvez o assassino desconhecido precise de alguma ajuda.

— Então, quer que eu faça isso para você?

— E para você. Deixaria a mesa limpa, só restaríamos nós dois. Um voo de Belfast a Londres só leva uma hora e quinze.

— Não há necessidade — disse-lhe Barry. — Há uma empresa de táxi-aéreo a quarenta minutos daqui. Uso há anos como transporte rápido para a Inglaterra. É de um antigo oficial da RAF chamado Docherty. Esperto que nem raposa.

— Então você vai?

— Por que não? Vai me dar algo para fazer. Está chovendo e estou entediado.

Barry desligou, entusiasmado, e olhou pela janela. Não havia necessidade de convocar o pessoal. Era trabalho para um homem só. Voltou a pegar o telefone e ligou para Docherty, em Doonreigh.


O local estava escuro e lúgubre sob a forte chuva quando ele chegou uma hora depois. Eram dois hangares antigos, com as portas abertas. Um deles abrigava um Cessna 310, o outro, um Navajo Chieftain. Barry estacionou e desceu. Usava boné de tweed, jaqueta marrom e jeans e levava uma bolsa de viagem na mão.

Saía fumaça da chaminé de uma casinhola com telhado de zinco. A porta se abriu e surgiu Docherty. Tinha cinquenta anos, cabelo fino, pele curtida. Vestia macacão de voo da RAF.

— Abrigue-se aqui da chuva. — Lá dentro estava quente devido ao aquecedor antiquado. — Então, ainda não te pegaram, Jack?

— Está para chegar esse dia. Ouça, não pode ser depois de meia-noite. Consegue?

— Sabe que eu consigo tudo. Nunca te faltei, certo? São cinco mil.

— O dinheiro não é problema — respondeu-lhe Barry.

— Ótimo. Existe um lugar com este em Kent, a uma hora de Londres. O nome é Roundhay, em plena área rural. Conheço bem. Já telefonei ao agricultor que é proprietário, e se lhe der uma nota grande ele arruma um carro para você usar em Londres. Registro falso, placa falsa, o pacote completo.

— Outro crápula — comentou Barry.

— E não somos todos? Menos você, Jack. Um galante combatente da liberdade pela glória da causa.

— Um dia desses te dou um chute, Docherty.

— Não, não dá porque não sabe pilotar. Agora, vamos nessa.


Docherty cumpriu o prometido e chegaram a Roundhay apenas cinco minutos depois do previsto. Fizeram a aproximação entre nuvens baixas e chuva forte. Havia um celeiro ali perto que estava de portas abertas com um velho Ford Escort estacionado no exterior. Docherty desligou os motores.

— E você? — perguntou Barry enquanto saíam.

— Sem problema. Vou dar um passeio até a fazenda e pagar minhas dívidas. Nunca se sabe quando volto a precisar dele.

Afastou-se, atravessando a pista, e Barry entrou no Escort. As chaves estavam na ignição, mas antes de ligar o carro Barry tirou uma Browning e o carregador da bolsa, carregou a arma e guardou-se na jaqueta. Só depois arrancou. Conseguiu chegar a Londres razoavelmente depressa, pois com a aproximação da noite a corrente de tráfego era na direção dos subúrbios, e não da cidade.

Chegou às cinco, prosseguindo até Kilburn, onde estacionou e encontrou o que procurava, um pub chamado Michael Collins. Não se dirigiu ao bar, antes deu a volta até um pátio nos fundos; abriu a porta e entrou.

Um homem baixo de cabelo grisalho estava sentado numa mesa na sala, com óculos de leitura verificar contas. Chamava-se Liam Moran e era um dos organizadores londrinos do Sinn Fein.

— Meu Deus, é você mesmo, Jack?! — exclamou, olhos esbugalhados.

— Em carne e osso — Barry dirigiu-se a um aparador, abriu uma garrafa de uísque e serviu-se. — Alguma ação no momento?

— Diabos, não, com o processo de paz... Os ingleses estão calminhos em Londres, e nossa rapaziada também. Que diabos está fazendo aqui?

— Bem, estou a caminho da Alemanha — mentiu Barry. — Só passei para ver as modas.

— Uma calma de morte, Jack — assegurou Moran, agitado. — Juro.

— À paz, Liam. — Barry engoliu seu uísque. — Que tédio! Vejo você qualquer dia desses. — E foi embora.


8

 

 

O bairro londrino de Kilburn abriga uma população na maioria irlandesa, tanto republicanos quanto legalistas, e à vezes quase parece que se está em Belfast.

Os pubs protestantes, com William of Orange pintado na parede do fundo, são exatamente iguais aos de Shankhill; os pubs republicanos são idênticos aos da Falls Road.

Dillon, de jaqueta de couro, cachecol e jeans, misturou-se à multidão que bebia no Green Tinker, a Walther enfiada na cintura. Não descobriu nada de grande interesse até sair do pub e parar na entrada para acender um cigarro. Ali perto, um velhote enroscado num quiosque de jornais bebia de uma meia garrafa. Chamava-se Tod Ahern. Limpou a boca com as costas da mão e fitou Dillon.

— Sean, estão preparando alguma coisa grande ou interessante? Vi Barry ainda há pouco. Você e ele aqui deve ser algum grande plano...

— Ora, Tod — murmurou Dillon —, não devia falar nessas coisas. A palavra de ordem é silêncio — sorriu. — Jack ficaria furioso se soubesse que você o viu. Aliás, onde o viu?

— Entrando pelos fundos do Michael Collins. Achei que ia visitar Liam Moran.

— Bem, bico calado, Tod. — Dillon deu-lhe uma nota de cinco libras. — Mais tarde, tome um por minha conta.


Ainda verificando as contas, Liam Moran percebeu a corrente de ar que agitou ligeiramente os papéis. Erguendo o olhar, viu Dillon na soleira da porta com um cigarro apagado na boca. Moran quase se borrou nas calças.

— Sean.

— Em carne e osso. — Dillon acendeu o cigarro com seu velho Zippo. — Ouvi dizer que recebeu uma visita há pouco. Jack Barry?

— E quem te vendeu esse absurdo?

Dillon suspirou.

— Podemos fazer da maneira mais fácil ou da mais difícil. O que ele queria e onde ele está?

— Sean, isso só pode ser uma piada sem graça.

A mão de Dillon procurou a coronha da Walther com silenciador, e ele apontou a arma para o joelho direito de Moran.

— Vai andar de muletas.

— Não, Sean! Ele disse que só passou para ver as modas. Disse que estava a caminho da Alemanha.

— Meu traseiro que ele está! — exclamou Dillon. — Ele deve ter um esconderijo aqui. Onde fica?

— E como eu posso saber, Sean?

— Que pena. Lá se vai uma rótula. — Dillon apontou.

— St James's Stairs — gritou Moran —, acima de Wapping. Lá tem uns barcos-casa. O dele se chama Griselda.

— Bom menino — Dillon guardou a Walther. — Quer que eu volte?

— Não.

— Então, bico fechado. — Dillon saiu. Quando voltou ao Mini Cooper, telefonou para Ferguson: — Talvez estejamos com sorte.

— Conte.

Dillon contou, concluindo: — Acho que é coincidência demais ele estar aqui. O que quer que eu faça? Que o pegue? Também podemos chamar a Brigada Antiterrorista da Scotland Yard. Eles armariam aqui a Terceira Guerra Mundial.

— Isso é a última coisa que queremos. Encontre-me nas St James's Stairs.


Barry tinha há anos esse barco-esconderijo ancorado no Tâmisa, perto das St James's Stairs, Wapping, onde guardava roupas e armas.

Estacionou o Escort numa esquina e se dirigiu para as St James's Stairs. Estava escuro, brilhavam luzes no rio e vislumbravam-se barcos na escuridão. Percorreu um velho paredão. Na ponta havia uma doca com algumas gruas velha e armazéns há muito abandonados. O Griselda estava fundeado ali com mais quatro barcos-casa, ligado ao paredão por um cabo elétrico e um cano de água.

Barry percorreu o passadiço, procurou a chave escondida na calha da cabine, abriu a porta de aço e entrou. Havia um interruptor à esquerda. A luz acendeu, revelando um lance de escadas. Também acendeu duas luzes no convés, uma a estibordo, outra a bombordo.

Embaixo acendeu outra luz, iluminando a cabine. Havia bancos, uma mesa e quitinete, mais fogão elétrico e lava-louça. Parou para encher a chaleira elétrica e ligá-la, depois dirigiu-se ao quarto.

Largou a bolsa na cama e verificou o armário. Havia roupas penduradas em sacos de proteção, sapatos, camisas novas, roupa interior, meias, tudo de que ia precisar. A chaleira assobiou. Fez café numa caneca, sentou-se à mesa e telefonou para o Dorchester do celular.

— Ligue-me com o senador Cohan — pediu à telefonista.

— Quem devo anunciar?

— Mr. Harrison, da Embaixada Americana.

Instantes depois, Cohan atendeu.

— Mr. Harrison?

— Sou eu, idiota — riu Barry —, Jack Barry.

— Jack? — riu Cohan em resposta. — Onde está?

— Ainda no Ulster — mentiu Barry. — Falei com a Conexão. Ele me deu as más notícias. Embora eu suponha que sejam boas notícias para os agentes funerários.

Cohan estremeceu.

— Faz piada com tudo.

— Como dizíamos no Vietnã, se não entende a piada, não devia ter se alistado. Veja o lado bom das coisas. Está luxuosamente instalado no Dorchester. No momento, Nova York está muito longe.

— A Conexão disse que resolveria o assunto. Viu que talvez tenha sido uma mulher que matou Ryan? Não é uma loucura?

— Bem, a boa notícia é que vou para Nova York daqui a uma hora. A Conexão me quer lá para ajudar a limpar essa confusão. Depois falo com você. Qual é o número do seu quarto? — Cohan informou, e ele concluiu: — Ótimo. Vai sair esta noite?

— Não, estou descansando. Tenho uma longa noite pela frente amanhã.

— Acho bom.

Cohan desligou o telefone, aliviado. Abriu a garrafa de champanhe de boas-vindas e encheu uma taça. Se havia alguém bom para lidar com aquela confusão, esse alguém era Barry.


Esperando no Mini Cooper no cruzamento da Wapping High Street com Chalk Lane, Dillon estava atento à chegada do Daimler, e ficou espantado quando viu Ferguson sair de um táxi negro e pagar ao motorista. De guarda-chuva, ele correu pela calçada e entrou no Mini, sentando-se ao lado de Dillon.

— Que noite desagradável.

— Um táxi? Não acredito. Suponho que vai cobrar a corrida nas despesas...

— Não seja irreverente, Dillon. Qual é sua ideia?

— Não sei. Está armado?

— Esperava o quê? — perguntou Ferguson, cansado, e sacando do bolso uma velha .38 Smith & Wesson automática. Também trouxe isso. — Mostrou um par de algemas.

— Tem grandes esperanças.

— Bem, eu tenho tendência a me aborrecer polindo a cadeira do escritório. Mas vamos ao que interessa. — Saiu do carro e abriu o guarda-chuva.

Caminharam pela Chalk Lane lado a lado. Quando chegaram à doca, pararam na porta de um armazém.

— Um barco-casa deste lado, quatro do outro — sussurrou Ferguson. — Luzes no mais próximo e nos outros dois. Qual é o nosso?

Dillon tirou um pequeno par de binóculos do bolso.

— Binóculos de visão noturna. Milagres da ciência moderna. — Focou-os no primeiro barco e depois passou-os a Ferguson. — Dê uma olhada.

Ferguson pegou os binóculos, e o barco surgiu em detalhe, tonalidade esverdeada com o nome Griselda na proa.

— Excelente. Qual é seu plano?

Dillon examinou novamente o Griselda.

— Vejo que tem uma escotilha a estibordo. Vou tentar abri-la. Espere aqui por mim. — Entregou os binóculos a Ferguson e desapareceu na escuridão.

Ferguson focou os binóculos, viu Dillon deslizando pela amurada de estibordo e avançando até a escotilha; levantou-a e se esgueirou para o interior.

Depois, apareceu Jack Barry vindo do passadiço. Ferguson o observou, de caneca na mão, a coronha de uma arma na cintura. O brigadeiro se decidiu. Enfiou os binóculos no bolso, sacou a Smith & Wesson e empunhou-a na mão esquerda. Avançou ao longo do cais, depois parou no passadiço, guarda-chuva erguido.

— Ainda não nos conhecemos pessoalmente, Mr. Barry, mas meu nome é Ferguson.


Jack Barry sacou a Browning com silenciador e atirou instintivamente, fazendo saltar a arma da mão de Ferguson. Dillon, que penetrara no barco pela escotilha do banheiro, ouviu Ferguson falando com Barry. Sacou a Walther, correu pela cozinha e a sala e chegou ao convés na hora em que Ferguson caía para trás.

Espetou a Walther nas costas de Barry.

— Largue a arma, Jack, ou parto sua espinha em duas.

Barry não se mexeu.

— Que surpresa, Sean, você aqui?

Ferguson se levantou.

— Tudo bem, brigadeiro? — perguntou Dillon.

Ferguson segurava o pulso, que sangrava.

— Só um arranhão. Estou ótimo.

Barry se inclinou e pousou a Browning no convés, mas quando se endireitou ergueu o cotovelo direito e baixou no rosto de Dillon, que deixou cair a Walther. Agarraram um ao outro, Barry cambaleando para trás enquanto lutavam furiosamente. Quando caíram na água, ainda estavam agarrados.

A água estava gelada, provocando um choque de entorpecer o cérebro, e a corrente era forte. Dillon chutou Barry para longe, e quando emergiu, foi atirado contra a corrente de estibordo, agarrando-se a ela. Ao se virar, viu Barry sendo arrastado.

Dillon se segurou bem à corrente, depois içou-se até o outro lado do Griselda e agarrou-se a uma argola da mureta do cais.

— Dillon? — chamou Ferguson.

— Aqui. — Dillon subia a escada. Sentou-se no cais pingando água.

— Acha que ele desapareceu? — perguntou Ferguson.

— Foi apenas para outro lugar, brigadeiro. Só garanto que ele desapareceu de vez quando acertá-lo no meio dos olhos bem de perto, nunca antes disso. Vamos descer. Estou ensopado e preciso de roupa seca.

No banheiro, Dillon se despiu e se enxugou. No pequeno quarto, serviu-se de roupa interior, jeans e camiseta larga demais, depois se reuniu a Ferguson na sala.

— Acha que Barry vai aparecer no Dorchester?

— Não. Nosso Jack não é nenhum samurai. Não tem intenção de cometer suicídio. Agora sabe que já o descobrimos, portanto, se estava aqui para proteger Cohan vai se mandar.

A disposição de Ferguson melhorou subitamente.

— Vamos embora. Ele não volta aqui. Apague as luzes. Amanhã, mando uma equipe revistar tudo.


Mas Ferguson estava enganado. Barry emergiu nas St James's Stairs, içou-se para a margem e voltou à doca. As luzes no Griselda ainda estavam acesas. Agachou-se na escuridão, encharcado e enregelado, e pouco depois, as luzes se apagaram. Ferguson surgiu no seu campo de visão, acompanhado de Dillon. As luzes do convés também foram apagadas e os dois se afastaram, conversando.

Barry correu para o outro lado, entrou, tirou as roupas e se enxugou, vestiu roupas secas. Pegou o casaco, onde ainda estava o celular num bolso. Pegou um Smith & Wesson embaixo de um banco. Enfiou-o num bolso e saiu, apagando as luzes.

Afastou-se, rindo em voz alta. Que canalha, aquele Dillon. E era agradável poder dar uma cara ao nome de Ferguson depois de todos aqueles anos. Afinal, era tudo um jogo. Ele compreendia isso, mas será que a Conexão também?


O tempo estava péssimo enquanto Barry saía de Londres. A chuva era forte. No entanto, por qualquer razão, ainda se sentia animado ao voltar a Roundhay e ao Chieftain que o aguardava.


9

 

 

Dillon, no escritório às dez, acordou Blake às cinco da manhã em Washington. — Pelo amor de Deus, Sean, olhe que horas são!

— Estou te fazendo um favor, Blake. Minha história é melhor do que o filme da meia-noite. Você ficará perigosamente vivo, descerá para a cozinha em seu agasalho, vai beber suco de laranja fresco e completar oito quilômetros de corrida.

— Como diabos eu vou...

— Apenas ouça.

Quando Dillon terminou, Blake disse: — Deus nos ajude, ficou pior.

— Não me diga. Manterei contato —, e Dillon desligou.


Lady Helen Lang saiu para uma corrida matinal no Hyde Park. Depois, sentou-se num banco perto da Serpentine para descansar. Não estava cansada demais e se sentia muito bem. A perspectiva da noite no Dorchester lembrava estranhamente uma partida para a guerra. Estava determinada em seu plano de ação, sem dúvida. Era lógico que Cohan seguisse o mesmo caminho dos outros sócios do clube, e ela teria daquele modo exercido justiça bem merecida. Serviria de algum consolo na próxima vez que fosse deixar flores junto ao nome do filho no jazigo da família.

Ouviu que a chamavam e viu Hedley se aproximando.

— Achei melhor passar por aqui e ver como estava.

— Muito simpático de sua parte. — Ela se levantou de repente e o ar faltou. Agarrou o peito e voltou a se sentar, procurando atabalhoadamente no bolso o frasco de comprimidos, que deixou cair.

Hedley pegou-o e se sentou ao lado dela.

— Dói?

— Não, não, foi só uma tontura momentânea — mentiu ela. Hedley lhe deu dois comprimidos e ela engoliu. — Já estou melhor.

— Isso não é bom, Lady Helen.

Ela bateu carinhosamente no joelho dele.

— Uma boa xícara de chá e fico como nova, Hedley. Agora, leve-me até aquele café ali do outro lado.

Levantaram-se e ela deu-lhe o braço.


Em sua sala no ministério, Ferguson recapitulava os acontecimentos da noite anterior com Hannah Bernstein e Dillon.

— Que carga de machismo idiota — comentava Hannah, furiosa. — Devia ter sido uma operação em grande escala executada por uma brigada antiterrorista. Se o lugar estivesse cercado de homens armados, ele seria apanhado. Afinal, é um dos terroristas irlandeses mais procurados.

— Mas estaríamos nas primeiras páginas dos jornais, e eu não quero isso — argumentou Ferguson.

Nesse momento, o telefone tocou.

— A recepção tem uma ligação do Ulster. Um tal Jack Barry — anunciou a secretária de Ferguson.

Ferguson ligou o viva voz. — Mande localizar a ligação.

— Impossível, brigadeiro. É de um celular codificado — respondeu a secretária.

— Certo, passe a chamada.

A ligação estava surpreendentemente nítida.

— Ferguson? Só queria lhe dizer que não me afoguei no Tâmisa e estou em casa, são e salvo. Você é um homem de sorte. Pensei que o tivesse atingido.

— É, mas não atingiu. Só arrancou a arma da minha mão, o que já é muito bom.

— Dillon está ouvindo?

— Naturalmente.

— Ao nosso próximo alegre reencontro no inferno, Sean — brindou Barry, rindo, e desligou.

— Qual é a ideia dele, dando um telefonema estúpido? — perguntou Hannah. — Assim, ficamos sabendo que está vivo. Antes não sabíamos.

— Tudo é um jogo para Jack — respondeu Dillon. — Também posso acrescentar que há quem o considere doido varrido.

— Creio que a única vantagem é o senador Cohan não morrer debaixo do nosso nariz — disse Hannah.

— Tem certeza? — Ferguson sacudiu a cabeça. — Não há indício algum de que Barry tenha assassinado os outros. A única razão lógica para a presença dele aqui, se Cohan fosse um alvo, seria o fato de o senador ter se tornado um empecilho. Bom, nos livramos de um perigo, pelo menos temporariamente, mas o outro, nosso misterioso assassino, continua à solta. — Pegou o telefone. — Ligue-me com o senador Cohan, no Dorchester.

Instantes depois, Cohan atendia.

— Michael Cohan. Quem fala?

— Charles Ferguson. Acho que já ouviu falar no meu nome.

— Sim, já ouvi, e não estou interessado em falar com você.

— Senador, acredite que tenho seus interesses em mente.

— Eu sou um senador dos Estados Unidos numa visita presidencial — mentiu Cohan. — Se decidir me assediar, queixo-me ao gabinete do Primeiro-Ministro. — E desligou furiosamente o telefone.

— Um homem irado — disse Dillon. — E então, o que fazemos agora?

— Ora, fazemos um intervalo para o almoço, claro — respondeu o brigadeiro.


Giuliano, o gerente do Piano Bar do Dorchester, acolheu-os entusiasticamente. Ferguson era frequentador habitual há vinte anos ou mais, e Dillon começara mais recentemente, mas aparecia com certa regularidade. Claro que Hannah Bernstein não era problema. Como qualquer italiano, Giuliano apreciava a beleza combinada com a inteligência, e Hannah possuía ambas. O fato de ela ser também inspetora-chefe da Brigada Especial da Scotland Yard era um bônus adicional.

Giuliano cumprimentou-a com dois beijos, depois apresentou-lhes sua sugestão para o almoço. Eles escolheram, e Dillon pediu champanhe Krug.

— Há outra coisa — disse Ferguson a Giuliano —, sei que o senador Cohan tem uma mesa reservada para uma hora.

— É verdade — assentiu Giuliano.

— Bem, já que você é tão bom rapaz, sente-o na mesa ao lado da nossa — pediu Ferguson.

— Lá vamos nós de novo, brigadeiro — sorriu Giuliano. — Eu deveria escrever um livro. Muito bem, o americano fica com a mesa ao lado da sua. Boa sorte.

Afastou-se, o Krug chegou e Dillon insistiu em servi-lo.

— Como soube que Cohan vinha aqui? — perguntou.

— O telefone, Dillon, é um instrumento maravilhoso. Devia tentar usá-lo um dia desses. — Ferguson ergueu sua taça. — À vida, ao amor e à felicidade.

— Bem, se acrescentar “e à paz no Ulster”, eu entro no brinde — respondeu Dillon no momento em que Cohan surgia no alto da escada.

Giuliano o cumprimentou, acompanhou-o à mesa, recebeu o pedido de um martíni seco e voltou a se afastar.

— Senador Michael Cohan? Brigadeiro Charles Ferguson — apresentou-se Ferguson, inclinando-se.

Cohan ficou furioso.

— Isto é assédio do pior tipo. Avisei-o de que me queixaria ao Primeiro-Ministro, e pode ter certeza de que o farei.

— Ouça-me, senador — disse Ferguson. — Vamos conversar sobre o Sons of Erin e veremos se consegue estabelecer algum contato — enfatizou a palavra — com sua própria experiência.

Cohan ficou calado, empalidecendo.

— Isso nada tem a ver comigo.

— Ouça — interveio Dillon —, Jack Barry estava em Londres na noite passada, e sabe para quê? Para lhe tirar a carne dos ossos.

— Não sei nada sobre isso — balbuciou Cohan.

— Os Sons of Erin estão todos mortos, senador — continuou Dillon. — Nossa teoria é que Jack Barry veio aqui numa viagem relâmpago para encerrar o assunto, o que significa eliminar você.

— Mas isso ainda deixa à solta o indivíduo que se livrou de seus amigos — acrescentou Hannah.

— Besteira — respondeu Cohan. — Só besteira. Agora, exijo que me deixem em paz! — Engoliu o martíni seco.

— Então, não vai ajudar. Certo, faça como bem entender — disse Ferguson. — O primeiro-ministro e o presidente serão informados. No entanto, minhas instruções são para mantê-lo vivo durante sua estada em Londres, portanto, hoje à noite, estaremos no Fórum para a Paz na Irlanda dando nosso melhor para atingir esse objetivo, com sua ajuda ou não.

— Vão para o inferno. — Cohan levantou-se e saiu e a massa deles chegou.

— E agora, brigadeiro? — perguntou Hannah.

— Agora, saboreamos este delicioso almoço e voltamos logo mais para tentar manter o safado inteiro.


Cohan telefonou para a Conexão usando um celular codificado e despejou tudo em seus ouvidos: todas as dúvidas e os receios.

— Não entende o que eles estão tentando fazer? — perguntou Thornton quando ele acabou. — Eu tinha acertado com Barry, ele foi aí para protegê-lo. Eles descobriram, e pelo que você me diz conseguiu escapar por pouco.

— Você disse que Barry se encarregaria de quem quer que estivesse por trás dos assassinatos.

— Há muita coisa acontecendo que o senador não sabe. Basta confiar em mim.

— É da minha pele que se trata se alguma coisa der errado.

— Senador, senador, nada vai dar errado. Combinado? Acalme-se, descontraia, aproveite a festa. Depois, falamos. — Thornton desligou e ligou imediatamente para Barry. — Cohan telefonou num estado miserável. Teve um encontro com Ferguson e Dillon. Por que não me contou?

— Porque só aconteceu ontem à noite, e eu estava ocupado demais tentando sair inteiro da Inglaterra.

— Conte-me sua versão.

Barry contou, mantendo-se razoavelmente perto da verdade.

— Foi só uma daquelas coincidências. Como Dillon me encontrou, não sei.

— Um empecilho considerável, esse homem.

— O Exército dizia o mesmo há vinte anos, e o IRA passou a dizer de lá para cá. Mas, afinal, o que há com Cohan?

— No momento temos que deixá-lo em paz. Penso em algo quando ele voltar aos Estados Unidos. Falamos depois. — Desligou.


Na casa da South Audley Street, Lady Helen Lang procurou no armário e por fim escolheu um belo traje de noite em crepe preto. Bateram na porta, e Hedley entrou com uma xícara de chá.

— O que acha? — perguntou Helen.

— Parece perfeito.

Ela pendurou o vestido no armário.

— Ótimo. Tenho hora marcada no cabeleireiro em quarenta e cinco minutos.

— Acho que está muito bem, Lady Helen.

— Esta noite estarão todos lá com suas mulheres, Hedley — sorriu. — Preciso estar no meu melhor. Agora, vá se preparar. Saímos em quinze minutos.


O Fórum para a Paz na Irlanda, no salão de festas do Dorchester, era uma cerimônia sofisticada, muita gente do governo, embora o primeiro-ministro ainda não tivesse chegado. Dillon, de smoking, pegou uma taça de champanhe da bandeja de um garçom que passava.

— Vá com calma, Dillon, temos uma longa noite pela frente — recomendou Hannah, num Versace em seda vermelha.

— Você está fantástica — respondeu Dillon. — Digna das páginas centrais da Vogue.

— A lisonja não o leva a lugar nenhum.

— Eu sei, não é uma injustiça?

Ferguson se aproximou.

— Está tudo bem?

— Nossa, brigadeiro — disse Dillon —, quando eu era garoto em Belfast, minha avó costumava me levar ao velho Grand Central para o chá das cinco. O chefe dos garçons tinha um terno igualzinho ao seu.

— Vai passear, Dillon — respondeu Ferguson. Franziu a testa. — Meu Deus, é Lady Helen Lang. — E virou as costas para Dillon enquanto ela atravessava a multidão.

Abraçaram-se.

— Que bom vê-lo aqui, Charles. — Ela viu Dillon. — Mas é Mr. Dillon, não é?

— É um prazer voltar a vê-la, Lady Helen — Dillon beijou-lhe a mão.

— Não resisti. Moro aqui perto, na South Audley Street.

Nesse momento, ouviu-se um burburinho na entrada principal para a chegada do primeiro-ministro.

— Com licença, Helen — disse Ferguson, acenando a Dillon. — Seja simpático e traga champanhe para Lady Helen. Venha comigo, inspetora-chefe. — Afastaram-se.

— Parece estar sempre na ponta perigosa das situações, Mr. Dillon — brincou Lady Helen.

— É muita astúcia sua. — Dillon pegou duas taças de um garçom. — Aqui tem. — Olhou em volta. — É uma festa e tanto.

— Com gente que você despreza totalmente.

Ele ergueu a taça.

— À sua, Lady Helen, e à minha, as únicas duas pessoas razoáveis num mundo enlouquecido.

Ela sorriu enquanto lhe retribuía o brinde, e por alguma razão Dillon teve uma sensação de terrível ansiedade. Por que seria?

— Fórum para a Paz na Irlanda. — Dillon sacudiu a cabeça. — Arrasta-se há setecentos anos e é tarde demais para alguns. Respirou fundo. — Desculpe.

— Ah, está pensando em meu filho. — Ela sorriu, muito calma. — Mas, como disse um dia um escritor, o passado é um país estrangeiro, Mr. Dillon. Nós nunca devemos remexer no passado. Há que viver com o que temos.

— É uma maneira de ver as coisas — assentiu Dillon. — Mas não muito reconfortante.

Nesse momento, aproximou-se uma senhora idosa.

— Minha querida Helen, bons olhos a vejam. — Beijaram-se, e Helen Lang apresentou: — A duquesa de Stevely, Sean Dillon.

— Muito prazer. — Dillon beijou-lhe a mão.

— Ah, eu adoro irlandeses — disse a duquesa. — São uns vagabundos. É vagabundo, Mr. Dillon?

— Bem, ele trabalha para Charles Ferguson — informou Helen.

— Ora, aí está — disse a duquesa.

— Gostei muito, mas deixa-os — disse Dillon, saindo. Viu Ferguson falando com um ministro e Hannah esperando perto dele. Atravessou a sala até eles.

— Cohan acabou de entrar — informou ela. — Está falando com o embaixador americano naquele canto. É difícil seguir o rastro dele com essa multidão.

Ficaram observando o avanço do primeiro-ministro, que apertava ocasionalmente uma mão ou parava para trocar algumas palavras com alguém. Por fim, parou perto do embaixador americano e de Cohan. Trocaram sorrisos.

— Agora, não parece tão irritado — disse Ferguson.

— De momento — observou Hannah. — Só de momento.

— Senhoras e senhores, o primeiro-ministro — anunciou o mestre de cerimônias, brilhando em seu paletó vermelho.

As conversas morreram enquanto o primeiro-ministro se dirigia ao microfone.

— Senhoras e senhores, vivemos uma época de entusiasmo. A paz na Irlanda está ao nosso alcance, e o que quero dizer é...


Cohan reparara em Ferguson, Dillon e Hannah Bernstein, e a presença deles piorava as coisas. Pegou outra taça e, ao fazê-lo, empurrou uma mulher muito distinta que estava perto.

— Mil perdões.

— Não tem importância — respondeu Lady Helen. Nesse momento, Cohan viu Hannah Bernstein furando a multidão e ficou consciente de sua própria irritação. Por que diabos não o deixavam em paz?

O embaixador pôs a mão em seu ombro.

— Sente-se bem, Michael? Está transpirando.

— Ah, sim, claro — respondeu Cohan. — Peguei um resfriado no avião. — Subitamente, percebeu que precisava sair dali, ao menos por alguns instantes. — Vou subir e tomar uma aspirina.

Helen Lang, ainda suficientemente perto para ouvi-lo, virou-se rapidamente e avançou por entre a multidão. Parou na porta para procurar na bolsa a chave-mestra que amigo de Hedley conseguira e saiu.

Cohan chegou à entrada do salão de festas, parou um momento, consciente de que Hannah continuava perto, depois dirigiu-se ao banheiro dos homens. Molhou o rosto. Vários homens saíam juntos, numa certa algazarra. Cohan percebeu Hannah Bernstein olhando para o outro lado, na direção do salão de festas. Aproveitando a oportunidade, avançou rapidamente para o saguão. Sua irritação diminuiu consideravelmente com essa pequena vitória. No saguão, dirigiu-se aos elevadores e apertou o botão.


Hannah ainda estava na porta do banheiro dos homens dez minutos depois, quando Dillon apareceu.

— Estava procurando você. Onde está o nosso amigo?

— Aí dentro. — Ela apontou a porta. — Vi-o entrar, mas ainda não saiu.

— Deixe isso comigo — sorriu Dillon.

Ela esperou, observando a multidão. Por fim, Dillon reapareceu, parando para acender um cigarro.

— Nem sinal dele.

— Que estranho, eu o vi entrar. Vamos ver se está no salão de festas.


A chave-mestra de Helen Lang funcionou com perfeição. Ela entrou imediatamente na suíte de Cohan e fechou a porta. A criada de quarto fechara as cortinas. Helen esgueirou-se entre elas, abriu as janelas envidraçadas e saiu para o terraço. Em frente, ficava o Hyde Park, as luzes da cidade além dele. Lá embaixo, a Park Lane estava congestionada. Ali no terraço, com uma estranha sensação de nostalgia, ela esperou.


Cohan saiu do elevador e se apressou pelo corredor com o coração acelerado. Entrou na suíte, abriu as portas do bar chinês e serviu-se de um grande uísque com as mãos tremendo. Engoliu-o de um trago e serviu-se de outro. Que diabos devia fazer? Estava tudo desmoronando. A única pessoa que possivelmente poderia ajudá-lo era Barry, por isso entrou no quarto, tirou o celular da bolsa de viagem e telefonou.

— Alô? — atendeu Barry, ainda na casa do County Down.

— Aqui é Cohan. Pelo amor de Deus, o que está havendo?

— O que quer dizer?

— Ouça, falei com a Conexão. Sei tudo de sua escapada até Londres ontem à noite. O brigadeiro Charles Ferguson e aquele cara, Dillon, andaram atrás de mim e me contaram.

— E o que disseram?

Cohan contou-lhe tudo de que se lembrava.

— A Conexão disse que você estava aqui para me proteger.

— Exatamente.

— Dillon disse que você estava aqui para me matar.

— Em quem acredita? — perguntou Barry. — Nos seus amigos ou naquele irlandês miserável? Estamos no mesmo barco. Vamos solucionar isso juntos. Quando volta a Nova York?

— Amanhã.

— Excelente. Estão acontecendo coisas que desconhece, mas todas as dúvidas serão resolvidas, prometo — disse Barry.

— Está bem, está bem — assentiu Cohan. — Vamos nos falando.

Pousou o celular e pegou o copo. — Por que diabos me envolvi nisso tudo?

Quando levou o copo à boca, as cortinas se abriram e entrou Lady Helen Lang, empunhando a Colt .25 na mão direita.


10

 

 

— Que diabos é isso? — perguntou Cohan, chocado.

Ela riu.

— Nêmesis, senador, é o que é.

— Quem é você?

— Sente-se que eu lhe conto. — Ele se deixou cair num sofá, tremendo que nem vara verde, e ela prosseguiu: — Acho que é o que nos velhos filmes de gângster se costuma chamar de “hora do ajuste de contas”.

— Mas o que foi que eu fiz?

— Ah, pessoalmente nada. Estou certa de que tem as mãos limpas, mas foi conivente com os outros sócios do Sons of Erin. Eu tinha um filho, senador, um jovem corajoso e atraente. Deixe-me contar qual foi o fim dele devido aos estúpidos jogos de fantasia em que você e seus amigos se meteram.

Quando ela terminou, Cohan estava cinza. Ela lhe serviu um uísque.

— É inacreditável — murmurou ele.

— Mas verdadeiro, senador. Matei Tim Pat Ryan aqui em Londres, fui a Nova York e liquidei Brady, Kelly e Cassidy.

Ele engoliu o uísque.

— O que pretende?

— Comecemos por algumas perguntas: a Conexão, quem é?

— Apenas uma voz ao telefone, juro.

— Mas certamente tem alguma pista?

— Não! Ele sabe das coisas, mas eu não sei como ele sabe.

— E Jack Barry? Onde está?

— Na Irlanda do Norte, é só o que sei.

— Mas esteve falando com ele, eu ouvi.

— Um celular codificado. Tem um número, mas não pode ser identificado.

— Ah, é? — Ela pegou o celular. — Qual é o número?

Cohan disse, ela anotou num bloco e colocou ambos dentro da bolsa. Mudara a Colt para a mão esquerda para escrever, e Cohan, aproveitando a oportunidade, jogou o copo em cima dela e se precipitou para as cortinas do terraço.

Na realidade, foi uma estupidez. Não tinha para onde fugir. Olhou sobre a balaustrada, viu a fileira de luzes que se movia pela Park Lane e reparou numa escada de ferro abaixo do parapeito, obviamente usada pelo serviço de manutenção. Sentou-se rapidamente na borda do muro e tateou os degraus com o pé no exato momento em que Helen Lang transpunha as cortinas, empunhando a Colt.

— Não, pelo amor de Deus, não! — gritou Cohan, o pé escorregou e ele se precipitou no vazio.

Helen olhou lá para baixo, viu o trânsito parar subitamente e ouviu buzinas, num crescendo de cacofonia. Virou-se rapidamente, atravessou a suíte e saiu. Instantes depois, descia ao saguão.

Nêmesis era a palavra certa. Cohan pagara o preço inevitável. Nem precisou tratar da situação, só lhe interessava que tivesse sido solucionada. Era o suficiente. Observou um grande movimento perto da porta principal, depois viu de relance Ferguson e Dillon e ficou subitamente consciente de uma dor no peito. Procurou a caixa de comprimidos, enfiou dois na boca e avançou para o salão de festas.


— Talvez ele tenha ido à suíte — sugeriu Dillon quando terminaram a busca no salão de festas, e depois ouviram as buzinas e uma confusão no exterior.

— É melhor ver o que há, brigadeiro — disse Hannah a Ferguson.

O trânsito estava parado, e Hannah entendeu imediatamente o motivo. Havia gente em volta de um corpo caído na calçada, e um policial de moto fazia uma ligação telefônica. Hannah mostrou seu distintivo.

— Inspetora-chefe Bernstein, Brigada Especial. O que aconteceu?

— Eu ia passando. Ele caiu lá de cima, quase pegou um casal de pedestres. Chamei uma ambulância e reforços.

Hannah se abaixou e reconheceu imediatamente Cohan.

— Conheço este homem, é um dos hóspedes do hotel. Mantenha silêncio, não responda a perguntas, nem à imprensa nem a ninguém. É um alerta vermelho. Sabe o que significa?

— Claro que sei, Inspetora.


Revistaram cuidadosamente a suíte de Cohan, na presença de um gerente de serviço extremamente abalado.

— Não há sinal de luta — disse Hannah.

— Concordo, inspetora-chefe. Ele caiu ou foi empurrado? — Ferguson virou-se para Dillon.

— O que acha?

— Ora,quem acredita em coincidências no nosso ramo?

— Mantenha esta suíte trancada e vigiada — disse Ferguson ao gerente. — Logo chegarão os técnicos para fazer os testes forenses.

— Certo, brigadeiro.

Ferguson virou-se novamente para Dillon.

— Transmita as más notícias ao presidente por intermédio de Blake. Eu cuido do primeiro-ministro.


Embora perto da casa da South Audley Street, Lady Helen dissera a Hedley para esperá-la no Mercedes, na Park Lane. Atravessou a multidão de curiosos, passando pelo que restava do senador Michael Cohan. Hedley a viu chegando, saiu do veículo e abriu a porta traseira. Ela entrou, Hedley se sentou ao volante e arrancou.

— Dá uma volta por aí, Hedley, foi uma noite pesada.

— O que aconteceu?

Ela contou tudo.

— Portanto, Cohan é caso encerrado e tenho o contato de Jack Barry. — Ela pegou o celular. — Vou tentar, o que acha?

Barry estava jantando quando o telefone tocou.

— Alô?

— É Nêmesis — respondeu Lady Helen. — Mas, para começar, algumas notícias em primeira mão. O senador Michael Cohan caiu do sétimo andar do Hotel Dorchester, na Park Lane. Estou usando o celular dele.

Mais do que em qualquer outra época da vida, Jack Barry ficou tenso.

— Quem diabos é você?

— Brady, Kelly e Cassidy em Nova York, Tim Pat Ryan em Londres e agora o senador Michael Cohan. Eis quem eu sou — riu ela. — Só resta você e a Conexão.

Barry respirou fundo.

— Sim, e quem é você? É dos guerrilheiros legalistas? A Mão Vermelha do Ulster? Escória protestante?

— Na realidade, talvez se surpreenda, mas sou católica apostólica romana, Mr. Barry. Religião nada tem a ver com isso, e estou surpresa por ouvi-lo se referir à escória protestante. Também é protestante.

Ele a interrompeu, zangado.

— Então, do que se trata? Quem é você?

— Trata-se de justiça, Mr. Barry, nada mais; um luxo raro hoje em dia, mas que pretendo obter.

Enquanto ouvia a voz suave e bem modulada, a fúria dele aumentava.

— Você é louca.

— Na realidade, não. Você chacinou meu filho há três anos no Ulster e executou quatro amigos dele, incluindo uma mulher. — Estava dando informações demais, mas não tinha importância. Um plano já se formava em sua cabeça.

Barry nunca se sentira tão frustrado.

— E então, o que quer?

— Muito simples. Como já disse, você chacinou meu filho no Ulster há três anos. Eu vou chacinar você.

Ele sentiu um repentino calafrio de medo.

— Nem pensar. Você é louca.

— Ao menos posso falar com você sempre que quiser por este excelente telefone. Até podemos combinar um encontro. Volto a telefonar. — Desligou. — Passe o frasco, Hedley. — Ele assim o fez. Lady Helen tomou um gole e devolveu. — Excelente, sinto-me ótima. — Tirou a cigarreira de prata e acendeu um cigarro. — Maravilhoso. Continue a passear. O Palácio, Pall Mall...

Hedley dirigia lentamente pelo meio do tráfego.

— Não vai tentar encontrar o canalha, vai?

Ela franziu a testa, matutando.

— A única forma é trazê-lo até mim.

— Certo, então suponhamos que o elimine, como aos outros. E depois? Ainda restaria a Conexão, e nunca saberá quem é... nenhum deles sabia.

— A política, Hedley, é responsável por muitos males. Pense na situação em que estamos envolvidos. Esqueça Sons of Erin e Conexão. Toda a situação começa com o governo americano e inglês. Se não tivessem concordado em trocar informações, não haveria todo esse material suculento para a Conexão poder pescar. De quem é a responsabilidade em última instância?

— Não entendo o que quer dizer.

— Se houve envolvimento da Casa Branca, que representa o poder último, a responsabilidade final é do próprio presidente, Hedley.

— Então, o que pretende?

— Consegui um convite para a festa de Chad Luther na propriedade de Long Island na semana que vem. O presidente é o convidado de honra.

Hedley ia se apavorando.

— Meu Deus, não poderia!

Ela franziu a testa e depois riu.

— Oh, céus, Hedley, acha que pretendo assassiná-lo? Jesus, o que você deve pensar de mim! Ainda não passei dos limites. Não, eu só queria dizer que posso conversar com ele sobre o assunto.

— Conversar com ele? Quer dizer, colocar tudo em pratos limpos, confessar o que fez? Os assassinatos? Ele mandaria prendê-la.

— Não entende mesmo, hein? É a Casa Branca, portanto a confusão é dele. Ele não quer que se saiba, eu também não. Seria um escândalo terrível. Podia colocar em risco seu mandato. Certamente prejudicaria o processo de paz na Irlanda. Mas ele precisa desmascarar a Conexão. — Ela olhou para Hedley. — Senão, sabe o que pode passar para a imprensa?

Hedley mostrou-se horrorizado.

— Quer dizer que faria chantagem com o presidente? — Ele sacudiu a cabeça. — Lady Helen, já pegou os assassinos. Esqueça.

— Não posso — respondeu-lhe ela. — Estou numa corrida contra o tempo, Hedley, muito mais do que você imagina, e isso é muito importante.


Blake Johnson ouviu o que Dillon tinha a dizer.

— Isso lembra meus dias de FBI e a lista dos mais procurados. Esse tipo de assassino obcecado... — comentou Blake quando Dillon terminou.

— Acha que a pessoa que pegou Cohan foi a mesma que pegou os outros?

— Claro que sim.

— Então, significa que uma única mulher é responsável pelo extermínio do Sons of Erin. Matou cinco pessoas.

— Sean, meu amigo, tem alguma sugestão melhor? — perguntou Johnson.

— De fato, não, mas acho que seria útil se você trabalhasse um pouco mais com aquele seu amigo policial, o capitão Parker.

— Certo. Deixe isso comigo. — Johnson desligou e ficou pensativo. Em seguida, telefonou para o presidente. — Já ouviu as notícias sobre Cohan?

— Não pude evitar — respondeu Cazalet. — Passaram o dia transmitindo na CNN.

— Podemos conversar?

— Venha imediatamente.


O presidente estava assinando papéis que o seu chefe de gabinete lhe passava. Thornton ergueu o olhar e sorriu de lado.

— Parece preocupado, Blake, e não é de admirar.

Cazalet recostou-se.

— Terminamos depois. E então, Blake?

— Temos alguém à solta que matou cinco sócios dos Filhos de Erin. Sobram Jack Barry escondido no Ulster e a Conexão aqui em Washington.

— Mas isso tem alguma importância, diante do que aconteceu? — perguntou Thornton.

— Vejamos as coisas da seguinte maneira: o poder da Conexão não deriva apenas da informação classificada que lhe chega às mãos. Essa informação só era útil porque ele tinha pessoas que podiam agir.

— E estão todas mortas — disse Cazalet.

— Menos Barry. Com a Conexão ainda ativa e Barry à solta, funcionando como sua mão armada, continuamos com um grande problema.

— O que sugere?

— Pensei em verificar os antecedentes nova-iorquinos de Cohan. — Johnson olhou para Cazalet. — E acho que chegou a hora de fazer uma investigação em profundidade aqui na Casa Branca, Sr. Presidente.

— Ótimo, concordo absolutamente — respondeu Cazalet. — Investigue Cohan. — Virou-se para Thornton. — E veja o que pode fazer por aqui, Henry.

— Vou começar imediatamente pelos antecedentes de todo mundo que trabalha aqui — disse Thornton, e saiu da sala com Blake Johnson.

Quando se separaram no corredor, Thornton observou Blake Johnson se afastando. Era estranha a sensação de excitação que o invadia.


Naquele momento, Lady Helen ia para Norfolk sentada no banco traseiro do Mercedes. Sentia-se muito calma, muito confortável.

Acendeu um cigarro.

— Acha que estou louca, Hedley?

— Acho que está indo longe demais, Lady Helen.

— Você é um homem encantador, mas, como a maior parte das pessoas, só vê o que pensa ver. Olha para mim e acha que sou a mulher que sempre fui. Não é verdade. Sou uma mulher com pressa, Hedley, porque não tenho tempo a perder.

— Ah, não diga essas coisas.

— É a verdade, Hedley, estou morrendo. Não é para hoje à noite nem amanhã, mas para breve, muito breve, e tenho coisas a fazer, e garanto que vou fazê-las. Vou até Long Island falar pessoalmente com o presidente e tenho Barry à disposição naquele celular codificado. Só quero atraí-lo até mim. Bom, passe-me esse frasco de uísque e pé no acelerador. Podemos estar em casa às três.

Na manhã seguinte, Hedley foi à aldeia, entrou na mercearia e encheu um saco de compras. Não havia sinal de Lady Helen quando voltou a Compton Place. Deixou as compras na cozinha, saiu para o pátio e ouviu um tiro vindo do celeiro. Quando entrou, ela estava praticando tiro ao alvo com a Colt .25.

— Então, posso depreender que vamos a Long Island e a Colt continua na sua bolsa? — perguntou ele.

— Depois de amanhã — assentiu ela, e voltou a carregar a arma. — Voamos de Gulfstream da companhia. Podemos aterrissar no Aeroporto de Westhampton, em Long Island. Seria muito conveniente.

— No entanto, continuo a achar que não devia levar a arma.

— Como já disse, quero estar preparada para tudo. Não precisa vir comigo se não gosta.

— Ah, mas eu preciso ir. — Ele pegou uma Browning entre as armas na mesa e atirou rapidamente, atingindo quatro dos alvos na cabeça.

— Tramando de novo, Hedley?

— Não — respondeu ele. — Estou verificando minha forma, para me certificar da sua forma. Afinal, o que acontece se descobrir a Conexão?

— Então, está comigo?

— Alguém tem que vigiá-la. — Ele tirou a Colt da mão dela, verificou-a e voltou a entregá-la. — Pronto, fique na posição correta e lembre-se do que lhe disse.


11


NOVA YORK • WASHINGTON

 


Na manhã seguinte, Blake Johnson estava no escritório de Parker tomando café e comendo um sanduíche de presunto. Sozinho. Lá fora, o tempo de março não podia estar pior. Flocos de neve batiam na janela. A porta se abriu e Parker entrou.

— Me disseram que você estava aqui. Ora, sirva-se à vontade do meu café da manhã.

— Acabei de chegar de Washington. O tempo estava tão ruim que nem puderam servir o café no avião.

— É o castigo por sua vida de rico. — Parker se sentou e sacudiu a cabeça. — Está metido numa bela encrenca, meu amigo.

— Perdão?

— Ora, vamos... Cohan? Todos os jornais sugerem que foi um infeliz acidente, mas você e eu sabemos a verdade. Então, como estamos?

— Simples. Os Sons of Erin partiram todos para os grandes clubes gastronômicos celestes. Cohan, Ryan, Kelly, Brady, Cassidy.

Parker pegou seu sanduíche.

— O padrão é claro. O motivo é uma vingança por algo que o Sons of Erin fez.

— Concordo. Mesmo assim, não vamos muito longe. Estive pensando em Cohan. Por que não foi atacado em Nova York, como os outros? Não houve nenhuma tentativa de assalto à casa dele, não é? Nem nada parecido?

— Vamos dar uma olhada. — Parker instalou-se em frente ao computador e teclou. — Não, nenhum relatório... — Deteve-se. — Espere aí. Isso é interessante.

— O quê?

— Na semana passada, houve dois homicídios num beco perto da casa dele. Os habituais marginais mortos a tiro. As autópsias revelaram álcool e traços de cocaína.

— Qual a arma? — perguntou Johnson, tentando reprimir sua excitação crescente.

Parker voltou ao teclado, depois recostou-se.

— Meu Deus, uma Colt .25. — Virou-se. — Deixe-me fazer uma pesquisa. — Atacou o teclado numa espécie de frenesi e por fim parou. — Aqui está, Blake. Você achava que tinha quatro membros do Sons of Erin mortos pela mesma arma. Arranjei mais dois para você.

Johnson estava espantado.

— Mas por que esses caras?

Parker se recostou, matutando.

— A ligação óbvia é a casa de Cohan. Talvez alguém estivesse esperando Cohan e esses dois apareceram.

Johnson acenou com a cabeça.

— Estavam no lugar errado na hora errada. Vou dar uma olhada no local do crime. — Levantou-se. — Obrigado, Harry, tenho certeza de que volto. — E saiu.


Lady Helen foi dar um passeio e parou junto aos pinheiros. Fitando o mar turbulento, tirou o celular e ligou para Barry.

— Alô, é você? — perguntou ela.

— O que quer?

— Nada de especial. Deu vontade de ligar.

Barry se sentia surpreendentemente calmo.

— Onde está?

— Ah, progresso. É a primeira vez que pergunta. Vou atormentá-lo. Na costa leste da Inglaterra.

— Yorkshire, Norfolk?

— Aí já é demais. — Desligou.

Barry foi até o armário e preparou um uísque. Sua mão tremia. Ela não ia deixá-lo em paz, isso era óbvio, portanto telefonou para a Conexão.

— Não contei tudo sobre Cohan.

— Então é melhor que o faça agora — respondeu Thornton.

Quando Barry terminou, ordenou: — Conte de novo o que essa mulher disse sobre o filho.

— Disse que eu chacinei o filho dela há três anos no Ulster e que executei os quatro amigos dele, incluindo uma mulher.

— Isso não lembra nada?

— Pelo amor de Deus, ando nesta guerra há anos. Quer saber quantas pessoas já matei?

— Okay, okay. Deixe comigo. Vou indagar.


Blake Johnson pediu ao motorista que parasse em frente à casa de Cohan, na Park Avenue, mas do outro lado da rua. Leu os relatórios do local do crime, que eram bem simples.

Tentou imaginar a cena enquanto olhava para a casa de Cohan; não houve muita luta porque o relatório do legista indicara morte instantânea em ambos os casos... e subitamente franziu a testa. Havia aqui uma anomalia. O grupo sanguíneo da primeira vítima era O. O da segunda era A. O único problema era que havia vestígios de outro tipo de sangue na camisa da segunda vítima, desta vez do grupo B.

Assim, havia uma terceira pessoa envolvida e uma espécie de luta. Podia ter sido o assassino? Por alguma razão, não acreditou que fosse. A forma como os dois fulanos tinham sido mortos tinha sido tão instantaneamente eficaz, tão impiedosa... Por que teria havido luta? Voltou a franzir a testa. Mas se houvesse outra pessoa... Quatro pessoas, e não três.

Decidiu tentar observar o local da calçada, usando uma perspectiva diferente.

— Volte para a central e me espere lá — disse ao motorista. — Depois pego um táxi.

O motorista obedeceu e arrancou.

Bem, era noite, e o assassino esperava que Cohan voltasse para casa. Onde o esperaria? Deste lado da rua, porque tem-se uma visão clara e porque daqui um atirador mediano consegue acertar.

Virou-se e olhou para trás. Muitos vãos de porta em que era possível ficar escondido nas sombras. Então, o que teria dado errado? Olhou para o outro lado da rua, para a casa de Cohan, e nesse momento um casal jovem dobrou a esquina mais à frente na Park Avenue. Blake observou-os passando em frente ao beco e desaparecendo na esquina.

— É isso — disse em voz baixa. — Como pensei. Alguém no lugar errado na hora errada esbarrou em alguma coisa... Portanto, a pessoa com sangue grupo B fugiu dali, sabe Deus em que condições. Para ir aonde?

Johnson atravessou a rua e parou na entrada do beco. Vejamos, se alguém fosse fugir, para que lado iria? Esquerda ou direita? Decidiu ir para a esquerda, quanto mais não fosse porque o jovem casal seguira por esse lado.

Caminhou determinado pela calçada, dobrou a esquina e continuou por mais um quarteirão, passando por escritórios, por uma ou outra boutique, que estariam fechados depois da meia-noite.

— Mas aquilo ali não — murmurou, olhando para o outro lado do cruzamento. — Hospitais nunca fecham.

A placa dizia ST. MARY'S HOSPITAL. Era particular, e um grande painel mostrava uma variada gama de serviços, incluindo assistência em acidentes e emergências.

Johnson se abrigou no vão de uma porta, pegou o celular e ligou para Harry Parker.

— Harry, preciso de você.

— Descobriu alguma coisa?

— Digamos que estou com o nariz coçando, e se tiver razão, preciso de uma presença policial.

— E onde está? — perguntou Harry. — Certo. Até já.


Quando Parker e Johnson entraram no pronto-socorro do St. Mary's ficaram surpresos com o luxo: tapetes caros, poltronas confortáveis, música relaxante.

A atendente na recepção envergava um uniforme que podia ter sido desenhado por Armani em pessoa. — Cavalheiros? — Falava num tom ligeiramente cansado. — Posso ajudá-los?

Harry mostrou seu distintivo dourado.

— Capitão Parker, NYPD. Preciso de informações sobre um homicídio.

— Nesse caso, o melhor é eu ir buscar nosso administrador, Mr. Schofield.

— Muito bem — respondeu-lhe Harry.

Schofield usava terno azul e tinha aspecto bronzeado e de boa forma física. Sentaram-se em seu escritório, e Johnson contou tudo o que ele precisava saber. Que houve um duplo homicídio perto dali e a possibilidade de existir uma terceira pessoa ferida.

— Então, o que querem de mim? — perguntou Schofield.

Johnson pegou um bloco e escreveu uma data.

— Na madrugada deste dia, alguém sangrando deu entrada na emergência logo depois da meia-noite?

— Sigilo profissional, cavalheiros.

— E esta é uma pergunta feita sob mandado presidencial.

Johnson tirou o documento e o mostrou.

— Certo. Vamos dar uma olhada — respondeu Schofield.

Na recepção, passou os olhos pelos registros de admissão, depois sacudiu a cabeça.

— Há uma paciente. Chama-se Jean Wiley. Deu entrada à uma e quinze da data indicada com lacerações no rosto. Foi tratada pelo interno de serviço nessa noite, Dr. Bryant.

— Dr. Bryant está de serviço hoje, Mr. Schofield — informou a recepcionista. — Vi-o indo para a cafeteria.

— Ótimo. Indique o caminho, Mr. Schofield — disse Parker.

Bryant tinha uns trinta anos, algum peso a mais, óculos, cabelo escuro encaracolado e barba. Ergueu o olhar quando os três homens se aproximaram.

— O que houve?

Parker se apresentou, Johnson livrou-se de Schofield e contou o que havia.

— Pense naqueles chatos turnos da madrugada e em alguém chamado Jean Wiley. Qual era o problema?

— Tinha um corte no rosto, nada grave, mas claramente de faca.

— Perguntou a causa? — quis saber Parker.

— Claro. Ela disse que caiu e se cortou na cozinha. Fiz um excelente trabalho de costura, ela deu o número do seguro e foi embora.

— Bem, se deu o número do seguro, os dados dela estão nos computadores, e assim podemos descobrir seu grupo sanguíneo — disse Parker.

— Não é necessário — disse Bryant. — Eu me lembro. — Olharam ambos para ele, que pareceu corar ligeiramente. — Eu já a tinha visto algumas vezes num café na hora do almoço. No Nick's Place, na esquina. Ela... Bem, ela é atraente. — Encolheu os ombros e sorriu. — De qualquer modo, é grupo B.

Parker olhou para o relógio.

— Está bem na hora do almoço.

— Ouçam, há a questão do sigilo profissional — avisou Bryant, hesitando e repetindo o que Schofield dissera.

— Também há a questão de um duplo homicídio na rua, bem antes de entrar aqui. Isso é importante, doutor.

— Ela é pouco mais que uma garota. Não está dizendo que ela matou alguém?

— Não, não estou — respondeu Johnson. — Mas precisamos tirá-la da lista.

— Muito bem — replicou Bryant, cansado. — Mostro quem ela é. Mas não a incomodem, está bem?

— A polícia tem uma nova linha de ação — disse Parker. — Somos treinados em sensibilidade. Agora, vamos lá.


Bryant espreitou pela janela do Nick's Place.

— Não vejo sinal dela.

— Então, vamos ficar ali esperando — disse Parker.

Enquanto se encostavam na soleira de uma porta, Bryant ficou tenso.

— Olhem, ali vai ela atravessando a rua. A morena baixa de capa azul. Guarda-chuva preto. — Jean Wiley entrou no Nick's Place. — Pernas fantásticas — observou Bryant.

— Lembre-se de sua preocupação com a relação paciente-médico — avisou Parker. — Agradecemos muito, Dr. Bryant, e agora pode ir embora.

— Se precisarem de mim, sabem onde me encontrar — disse Bryant, afastando-se.

Johnson e Parker voltaram à janela do Nick's Place e espreitaram o interior. A garota levara um café e um sanduíche para um dos reservados.

— Como vamos fazer isso? — perguntou Harry Parker.

— Não deve ser necessário representar o policial bom e o policial mau. Digamos que você seja um grande e simpático veterano da polícia cumprindo constrangido o seu dever, e eu sou o simpático senhor do FBI. Mas lembre-se de uma coisa — acrescentou Johnson —, quem manda sou eu. Sou eu quem decide o que acontece.

— Quanto mais sei desse caso, mais contente fico por não ser minha a responsabilidade — disse Parker. — Vamos lá.


Jean Wiley ergueu o olhar, a testa ligeiramente franzida.

— Podemos lhe fazer companhia? — perguntou Parker.

— Vejo muitos lugares livres.

Parker mostrou seu distintivo dourado.

— Capitão Harry Parker, NYPD. Meu amigo, Mr. Johnson, é do FBI.

— Achamos que talvez possa nos ajudar — disse Johnson. — O que nos traz aqui está relacionado a um duplo homicídio ocorrido na semana passada.

Seu rosto disse tudo. Pareceu murchar, muito pálido. — Oh meu Deus... — Ela envelheceu bem ali na frente deles. — Preciso ir ao banheiro.

— Claro que sim — disse Harry Parker. — Só não tente a porta dos fundos. Eu sei quem você é, então teria que mandar uma viatura, e tenho certeza de que seu chefe não gostaria disso.

Ela soltou um soluço seco ao se levantar, derrubando a xícara de café. Correu para o fundo da cafeteria e um homem saiu de trás do balcão, um pano na mão, todo beligerante.

— Ei, o que aconteceu? Ela é uma boa menina. Você não pode entrar e interferir com meus clientes.

— Posso fechar você, se quiser. — O distintivo dourado de Harry apareceu novamente. — Assunto de polícia.

— A jovem testemunhou um crime — disse Blake. — Só precisamos fazer algumas perguntas.

A atitude do homem mudou completamente. — Ei, sou Nick, o dono desta casa. Posso trazer café?

— Ótimo — Parker disse a ele. — É disso que eu gosto, cooperação.

A garota voltou em alguns minutos, ainda pálida, mas composta. Havia um toque de aço em seus olhos. Essa não é um bibelô, Blake teve certeza. Ela se sentou e tomou um gole do café que Nick trouxera.

— Certo, o que querem saber?

— Alguns detalhes. Chama-se Jean Wiley, não é verdade? — perguntou Parker. — Vinte e quatro anos?

— E então? — Ela estava furiosa, e seus olhos escureceram.

— Quer nos contar como seu sangue foi parar na camisa de um homem assassinado?

Aquilo a sobressaltou. Ela se virou, espantada, para Johnson.

— Na semana passada, dois homens foram mortos a tiro num beco a alguns quarteirões daqui pouco depois da meia-noite. Um deles tinha sangue do grupo A, e o outro, O — continuou Parker.

— Mas havia vestígios de sangue do grupo B na camisa do segundo sujeito — acrescentou Johnson.

— Que, obviamente, foram parar lá quando ele a cortou — disse Parker, apontando a cicatriz recente que ela apresentava na face. — Provavelmente, enquanto ele a segurava e você se debatia. Tenho razão, não tenho? Os dois a agarraram quando ia passando.

— Canalhas. Porcos malditos. — Ela respirou fundo e tomou um gole do café, mãos trêmulas. — É uma história engraçada, capitão, mas sou sócia da Weingarten, Moore bem ali na esquina, terminei o curso de Direito há dois anos em Columbia, conheço meus direitos e não direi nada aos senhores.

— Ora, mas um teste de DNA revelaria tudo.

Subitamente, Blake Johnson entendeu tudo, entendeu como as coisas deviam ter acontecido.

— Eles iam estuprá-la, talvez até matá-la — disse baixinho. — Você se debateu, foi ameaçada com uma faca, cortaram seu rosto e depois uma mulher apareceu da escuridão e os derrubou a tiro.

Parker se virou para ele, franzindo a testa.

— O quê?

Mas foi a garota quem ficou mais afetada, com um choque total estampado no rosto.

— Como sabe disso?

— Às vezes, essas coisas são como um quebra-cabeça. Primeiro não se chega a lugar algum e depois todas as peças começam a se encaixar, e aparece o desenho completo.

Parker tornou-se mais simpático.

— Conte-nos tudo sobre ela, querida.

— Não posso — respondeu ela. — Prefiro morrer a causar algum problema àquela senhora.

Ela tremia. Johnson chamou a garçonete.

— Pode trazer um brandy? Tem? Ótimo. E café, daquele turco, forte.

Quando a garçonete trouxe o pedido, Parker tirou o brandy da bandeja e estendeu-o à garota. — Tome. — Ela fez o que ele indicou, tossiu uma vez e depois tomou um pouco de café. — A melhor droga do mundo — acrescentou Parker. — E é legal.

— E aqui está outra coisa que é legal — disse Johnson. — Uma coisa que devem ter apenas sussurrado no seu curso de Direito. — Entregou-lhe o mandado presidencial.

Ela o leu rapidamente e fitou Johnson com respeito.

— Meu Deus! — Depois, foi como se ela mergulhasse no passado. — Não faz ideia do que se sente quando se é mulher numa situação realmente difícil. É a pior coisa do mundo. Eu vinha de um encontro que deu errado, um sujeito que mentiu e não me contou que era casado. Estávamos jantando num restaurante italiano a alguns quarteirões daqui. Ele ficou bêbado e se traiu, revelando que tinha mulher e filhos. Vim embora sozinha.

— E não conseguiu táxi? — perguntou Parker.

— Passava da meia-noite, mas, pior do que isso, chovia a cântaros, e onde se acha um táxi em Manhattan quando chove?

— Então, saiu a pé? — inquiriu Johnson.

— Com toda a minha fúria. Tinha um guarda-chuva pequeno, mas mesmo assim fiquei encharcada. Passei por aquele beco, ouvi risos e depois me agarraram. Um cara me segurou, outro cortou meu rosto com um daqueles canivetes de mola. — Estremeceu intensamente.

— E depois ela apareceu? — voltou a perguntar Johnson.

— Foi inacreditável. Tinha uma voz tão suave. Disse que me largassem. Um deles estava me segurando por trás, e o outro gritou ameaças, não consigo lembrar exatamente das palavras, mas depois ele atacou, acho, e ela atirou através do chapéu que segurava.

— Uma grande explosão? — perguntou Parker.

— Não, foi uma espécie de estampido abafado.

— Um silenciador. E o outro homem?

— Tentou me usar como escudo, mostrou a faca, mas ela acertou na cabeça dele por cima do meu ombro.

Parker se virou para Johnson.

— Digo uma coisa, ela tem que ser boa para arriscar um tiro assim. E depois há o silenciador. Tinha razão, Blake. É profissional.

— Fale-me mais dela — pediu Johnson a Jean Wiley.

— O realmente estranho é que ela é uma verdadeira senhora. Deve estar na casa dos sessenta. Usava chapéu impermeável, capa, guarda-chuva. O cabelo, pelo pouco que consegui ver, era branco.

— O rosto?

— Não me peça para ver fotos. Não a vi suficientemente bem para uma identificação precisa.

— Está bem — disse Johnson. — Não ia pedir isso. Este caso nunca chegará a um tribunal. Os sujeitos que ela matou são apenas dois numa lista de assassinatos de rua em Nova York que nunca serão solucionados.

— Então, não vou ser chamada para depor nem nada assim?

— Claro que não. — Ele se virou para Parker. — Por favor, confirme.

— Mr. Johnson é quem manda — disse o capitão de polícia. Só estou aqui para ajudar no que for preciso, tão à mercê daquele mandado presidencial quanto você.

— Garanto que sua identidade não será revelada a ninguém — assegurou Johnson. — Só contarei os fatos desta situação ao presidente. Com alguma sorte, nem precisamos voltar a nos falar, Miss Wiley. — Ele hesitou. — Só uma coisa. Ela tinha sotaque?

— Ah, o sotaque de uma dama, de uma verdadeira dama, como já disse. Classe alta. Sabe o tipo de pessoa? Quase inglesa.

— Está dizendo que ela podia ser inglesa? — perguntou Parker.

— Bom, isso não, mas uma americana de sangue azul, esse tipo de sotaque.

— Ótimo — Parker acenou com a cabeça. — Da próxima vez, não esqueça de pedir no restaurante que lhe chamem um táxi. — Depois disso, levantaram-se e saíram.


Ficaram algum tempo na chuva. — O que acha? — perguntou Johnson.

— É a coisa mais estranha que já ouvi, Blake. Uma angelical dama idosa matando dois canalhas estupradores.

— Como fez com Tim Pat Ryan em Londres.

— E Brady, Kelly e Cassidy em Nova York e possivelmente Cohan em Londres. Todos os meus instintos me dizem que este caso é muito pessoal.

— Concordo — respondeu Johnson.

— Acho que tem mais a ver com o Sons of Erin do que parecia à primeira vista, mas isso não é problema meu, é seu. — Parker olhou para o relógio. — Preciso ir. Tenho uma reunião com o comissário. — Chamou um táxi.

Johnson viu-o ir embora, depois foi pegar o avião de volta para Washington.


12

 

 

Jake Cazalet estava na piscina da Casa Branca nadando de uma ponta a outra, braçada após braçada, vigiado por dois marines, imaculados em seus uniformes brancos. E viu Johnson, em pé na borda.

— Alguma coisa produtiva?

— Pode crer, Sr. Presidente.

— Está bem, não podemos falar agora. Vou tomar um banho e me vestir e encontro você lá em cima, mas não tenho muito tempo. Estou com uma montanha de trabalho.

Quando Blake Johnson entrou no Salão Oval, Henry Thornton arrumava papéis na mesa do presidente.

— Como foi? — perguntou.

— Bem, digamos que descobri muita coisa, mas não o suficiente.

Thornton levantou a mão.

— Não me conte. Esperemos o presidente.

O presidente entrou, o cabelo ainda úmido e despenteado.

— Então, Blake, ouçamos as más notícias.

— Bem, é sempre alguma coisa — comentou Thornton quando Johnson terminou. — Pelo menos, sabemos que a mulher misteriosa mencionada por Dillon existe mesmo.

— Mais do que isso. Parece ser responsável por todas as mortes — disse Cazalet. — Mas por quê?

— Alguma espécie de vingança — respondeu Johnson. — É a única explicação.

— E essa garota, cujo nome não nos deu — disse Thornton. — Ela não pôde ajudar de nenhuma outra forma?

— Como disse, ela descreveu a mulher o melhor que conseguiu.

— E que descrição! — exclamou Thornton. — Sessenta anos, cabelo branco, sotaque da alta sociedade. Mas do que isso nos adianta? Ficamos mais ou menos na mesma.

— Algum resultado na investigação?

— Receio que não — respondeu Thornton.

Cazalet franziu a testa.

— Sugiro que fale com o brigadeiro Ferguson, Blake, que o ponha a par da situação. Pode fazer mais alguma coisa?

— Estive pensando se algum prédio perto do beco onde ocorreu o tiroteio teria alguma coisa gravada nas câmeras de segurança.

— Onde se visse a mulher?

— Possivelmente.

— Está bem, investigue isso, e talvez seja boa ideia trazer Dillon para cá — disse Cazalet. — Ele viu de relance a mulher misteriosa em Wapping depois da morte de Tim Pat Ryan.

— Só de relance mesmo — recordou Johnson.

— Sim, mas numa câmera de segurança pode confirmar uma identificação. O que mais?

— Muito pouco, Sr. Presidente.

— Então, passemos a outros assuntos. Esta festa de Chad Luther em Long Island depois de amanhã. O bom velho Chad é nosso maior doador de fundos, e convidou todo mundo e mais alguém. Quero que venha comigo, Blake. Leve o helicóptero.

— Nessa altura Dillon já estaria aqui.

— Leve-o. Gostaria de revê-lo — Cazalet sorriu. — Mas agora tenho mesmo que trabalhar. O bom e velho Henry aqui está ficando impaciente.

Thornton riu da graça, e Johnson se retirou.


Era fim de tarde em Londres quando Johnson deu ao brigadeiro um resumo de tudo.

— Então, sobre nossa mulher misteriosa, resta apenas a remota chance de uma câmera de segurança ter gravado alguma coisa? — perguntou Ferguson.

— Estou investigando. O presidente acha que talvez valha a pena Dillon vir para cá. Ele é o único que viu a mulher, mesmo que de relance.

— Vou enviá-lo no próximo avião disponível. E me mantenha informado. — Ferguson desligou e logo cuidou da reserva. — Qual é o voo mais rápido para Washington? — perguntou no departamento encarregado.

— O Concorde de amanhã, brigadeiro.

— Bem, suponho que o Governo de Sua Majestade consiga um lugar para Dillon. Se estiver lotado, ponha alguém na rua.

Telefonou depois para Stable Mews. Ninguém atendeu. Tentou o celular de Dillon e teve mais sorte. A voz do irlandês se ouvia perfeitamente acima de um fundo de vozes e música.

— Quem está perturbando meu início de tarde? — perguntou Dillon.

— Eu. Onde está?

— No Mulligan.

Ferguson hesitou, depois cedeu.

— Bem, as ostras são muito tentadoras. Estarei aí em vinte minutos.

Dillon estava sentado no balcão superior do Mulligan, o restaurante irlandês da Cork Street, não muito distante do Hotel Ritz, e devorava um dúzia de ostras acompanhadas de uma garrafa de champanhe Cristal quando Ferguson subiu a escada e atravessou a multidão.

— Ah, aqui está. — Pegou a garrafa de Cristal. — O que aconteceu com Krug?

Apareceu uma jovem irlandesa.

— Algum problema? — perguntou a Dillon em irlandês.

— Uma garota decente de Cork que me compreende — disse Dillon ao brigadeiro, e sorriu para a garota quando respondeu em irlandês. — Traga a este senhor uma dúzia de ostras e uma caneca de Guinness.

A garçonete sorriu para Dillon e desapareceu na cozinha.

— Não entendi patavina, mas suponho que esteja cuidando da minha alimentação? — perguntou Ferguson.

— Claro. Então, o que aconteceu?

— Você parte de manhã no Concorde para Washington.

Dillon ainda sorria, mas seus olhos cinzentos não.

— Conte-me.

Quarenta minutos depois, o brigadeiro engoliu sua última ostra com uma expressão extasiada.

— Soberbas! Só um bar irlandês consegue servir ostras assim. Então, Dillon, o que acha?

— De Blake e do ponto em que nos encontramos? Deus é que sabe. Eu sabia que estávamos lidando com uma mulher porque a vi. Agora, essa história da garota parece confirmar que não foi uma organização perseguindo o Sons of Erin, mas alguém atrás de vingança. Mas por quê?

— Talvez consiga descobrir alguma coisa por lá — respondeu Ferguson.

— Acredito sempre em viajar com esperança. — Dillon serviu champanhe. — No entanto, há uma coisa que me intriga.

— E o que é?

— Sabemos isso tudo do Sons of Erin, e o SIS não sabe de nada. Só o material habitual sobre Barry, mais nada. Convenhamos que é uma enorme falha. Cheira a um daqueles trabalhos “isso-não-aconteceu” de Simon Carter e companhia.

— Talvez tenha razão.

— Tenho sempre — disse Dillon.


Em seu escritório no Porão, Johnson estava pensando. Por fim, chamou Alice Quarmby.

— Está com ar de quem tem algum problema.

— A fuga de informação da Casa Branca. Tem de haver mais alguma coisa que possamos fazer.

— Isso quer dizer que não tem muita fé nos esforços do chefe de gabinete?

— Não é isso. Só que tenho a impressão de que estamos esquecendo alguma coisa. Repare, Alice, digamos que você seja a Conexão. Os Sons of Erin morreram todos. Só tem uma pessoa com quem falar, e essa pessoa é Jack Barry.

— Sim?

— Lembra de quando localizamos aquele espião do Pentágono há uns anos? Patterson?

Alice começou a compreender.

— Refere-se ao Synod?

— Exatamente. Por que não pôr o computador Synod para verificar algumas chamadas telefônicas? Insira o nome Jack Barry. Veja o que aparece.

— Milhões de chamadas, Blake. É isso que o Synod cobre.

— Mas nos dirá de onde se originam as ligações feitas para alguém chamado Barry. Vamos tentar, Alice. O que temos a perder?


Thornton ligou para Barry.

— Tenho mais informações. Blake Johnson conseguiu encontrar uma jovem em Nova York com uma grande história.

— Então conte. — Quando Thornton terminou, Barry praguejou: — A velha cadela! Se ponho as mãos nela...

— Não fique tão irritado. Nem sequer sabe quem ela é.

— Nem você.

— Nem Johnson, nem o presidente, nem seu velho amigo Dillon de Londres. É verdade, Dillon está para chegar e ver se consegue reconhecer a mulher a partir de vídeos de segurança.

— Continuo a me perguntar como consegue saber tudo isso.

— Já disse, tenho minhas fontes — respondeu Thornton. — Eu cuido dos meus assuntos. Cuide dos seus.

— Tudo bem. E a tal mulher?

— Deixe comigo. Talvez descubra alguma coisa.


Nessa noite, Thornton começou a perambular pelo computador. Para começar, percorreu os registros da CIA sobre grupos paramilitares de protestantes legalistas da Irlanda do Norte. Procurou Jack Barry, bem como cada integrante do IRA e ativista do Sinn Fein, de Gerry Adams a Martin McGuinness.

Era claramente uma campanha deliberada para acabar com o Sons of Erin. Por quê? Vingança, mas de quê? A única coisa que encaixava era o que a mulher dissera a Barry: ele chacinara o filho dela no Ulster há três anos.

Retrocedeu três anos no computador, procurando informações do serviço secreto britânico à Casa Branca, e subitamente lembrou. Seu primeiro grande golpe. O grupo clandestino no Ulster. Naquela época tranquila, os ingleses tinham sido encorajados pelo seu próprio governo a dar informações completas à Casa Branca. As informações fluíam, e aquela tinha sido uma das muitas que ele passara a Barry. Encontrou o arquivo.

Jason, tenente dos Comandos da Marinha, abatido em Londonderry. Archer, tenente da Polícia Militar, uma bomba no carro em Omagh. Havia uma mulher tenente, também da Real Polícia Militar, alvejada numa rua de Belfast. Um jovem e ativo capitão de infantaria, aparentemente escolhido porque a mãe era do Ulster. E restava só um. Thornton ficou pensando naquilo. Tentou então o quinto membro do grupo e seu comandante. O major Peter Lang, da Guarda Escocesa e do SAS, morto em South Armagh por uma bomba colocada em seu veículo. Ele sabia que descobrira alguma coisa. Pegou o telefone e ligou para o celular codificado de Barry. Barry soou grosseiro.

— Quem é?

— Diga-me uma coisa — começou Thornton —, lembra do grupo clandestino de oficiais ingleses que você eliminou há três anos?

— E o que tem?

— A mulher disse que você tinha chacinado seu filho e executara mais quatro, incluindo uma mulher. Acabei de me lembrar. Enviei a informação nos bons velhos tempos, quando os ingleses confiavam em nós.

Barry se sentou.

— Estou me lembrando.

— E o comandante, um tal major Peter Lang? De acordo com os registros, foi morto por uma bomba colocada no carro.

— Ele não morreu na bomba. Explodimos o carro para confundir a oposição.

— O que lhe fizeram?

— Ele era um aristocrata inglês, um verdadeiro filho da mãe. Nós o pegamos quando saía de um pub em South Armagh. Tentamos tirar informações dele. Os rapazes o deixaram num estado tal que o jogamos numa betoneira que encontramos na saída de uma autoestrada.

Aquilo dava náuseas, e até Thornton teve de prender a respiração.

— O que esse cara tem de tão especial? — perguntou Barry.

— Acho que descobri algo. Telefono depois.

Thornton desligou.

Voltou a verificar os arquivos de Peter Lang. O pai, Sir Roger Lang, fora coronel da Guarda Escocesa. Depois, surgiu a informação que o deixou sem fôlego. A mãe era Lady Helen Lang, cidadã americana nascida em Boston. Os detalhes fluíram no monitor. As empresas, a imensa fortuna. As casas em Londres e Norfolk. Havia uma informação sobre o motorista, um veterano do Vietnã.

Thornton ficou sentado, olhando fixamente para o computador. Descobrira a mulher misteriosa.


Na manhã seguinte, Barry se levantou da cama em sua casa de County Down e fez chá na cozinha. Estava lendo o Belfast Telegraph da véspera quando o telefone tocou.

— Cale-se e ouça — disse Thornton. — Você matou o major Peter Lang. A mãe dele é Lady Helen Lang. Acho que ela é a mulher. Tudo se encaixa: o tempo, a identidade dos outros.

— Grande cadela — explodiu Barry. — O que fiz ao filho não é nada comparado ao que vou fazer com ela.

— Okay, não se exalte. Q que vai fazer?

— Onde é que ela mora?

— Em Londres e em Norfolk. — Thornton deu-lhe os endereços.

— Vou verificar onde ela está — disse Barry. — Tenho amigos em Londres que cuidarão disso. Depois, apareço lá com o pessoal e cuido da saúde dela.

— É bom saber disso.

— Pode acreditar que é isso que farei. Deixe esse assunto comigo.

Thornton desligou e ficou pensando no assunto. Por alguma razão, continuava apreensivo.


Mais ou menos à mesma hora em que o avião de Dillon aterrissava em Washington, Thornton, que continuava no computador procurando informações sobre o paradeiro de Helen Lang, ficou espantado ao saber que ela tinha um voo marcado para o Aeroporto Westhampton, de Long Island, no seu Gulfstream particular na tarde seguinte.

A razão evidente: era convidada para a festa de Chad Luther. Ele voltou ao computador, procurou a lista de convidados de Luther e lá estava ela. Telefonou para Barry.

— Lady Helen Lang vai estar numa grande festa beneficente amanhã à noite em Long Island, por isso não a procure em casa.

— Posso esperar — respondeu Barry. — Não se preocupe. Ela já passou à história.


Ferguson telefonou para Hannah Bernstein e chamou-a ao escritório dele.

— Como está sua investigação no computador?

— Ainda estou pesquisando, brigadeiro. O que não consigo entender é por que sabemos muito do Sons of Erin e do que fizeram, mas não temos informação alguma sobre o ato específico que possa explicar uma vingança pessoal dessa mulher.

— Então, o que nos resta, inspetora-chefe?

— A figura central desta situação é Jack Barry, mas o computador só nos fornece sua ficha criminal. Nenhuma referência com o Sons of Erin, e isso também não faz sentido, brigadeiro.

— E suas conclusões?

— As informações não estão lá porque alguém não as quer lá.

— O serviço secreto?

— Receio que sim.

Ferguson sorriu.

— Sabe, você é realmente muito boa nisso, minha querida. Já é hora da Brigada Especial promover você a superintendente. Preciso falar com o comissário da Scotland Yard.

— Não estou preocupada com promoção, brigadeiro. O que fazemos?

— O que sugere?

— Acho que devia falar com Simon Carter, brigadeiro. E, como dizem nossos colegas americanos, devia lhe dar um chute no rabo.

— Ah, certamente ele não vai gostar disso, mas tem razão. Telefone e diga-lhe para encontrar conosco no Grey Fox, em St. James, em uma hora.

— Conosco?

— Nem sonharia em privá-la do prazer de pisar nele com seu salto alto, inspetora-chefe.

Hannah sorriu.

— Um verdadeiro prazer, brigadeiro.


O Grey Fox era um dos vários pubs nas proximidades do Palácio de St. James. Eram 2h20, e a maior parte dos clientes da hora de almoço já tinha saído, e o lugar estava praticamente vazio. Ferguson e Hannah se sentaram num reservado ao fundo.

— Gin tônica, inspetora-chefe?

— Água mineral, brigadeiro.

— Que pena! Vou tomar um grande.

A garçonete trouxe as bebidas, e quase imediatamente irrompeu Simon Carter. Tinha a capa molhada e sacudiu o guarda-chuva, obviamente na pior das disposições.

— Então, que diabo é isso, Ferguson? A inspetora-chefe aqui me ameaçou.

— Só quando me disse que estava ocupado demais —, respondeu Hannah.

Carter tirou a capa, pediu um uísque com água mineral e se sentou.

— Essa de me ameaçar com queixinhas ao primeiro-ministro não é legal, Ferguson.

— Meu caro Carter, você não gosta de mim, e se eu me desse ao trabalho de pensar em você e tudo mais, possivelmente também não o suportaria, mas estamos tratando de coisa séria, por isso é melhor ouvir a inspetora-chefe.

Ela contou tudo, a morte de Tim Pat Ryan, o extermínio do Sons of Erin, Jack Barry, o depoimento de Jean Wiley. Carter ficou completamente atordoado.

— Nunca ouvi tanta besteira junta — disse debilmente.

Ferguson virou para Hannah.

— A que horas é nossa reunião com o primeiro-ministro?

Ela mentiu alegremente: — Às cinco, brigadeiro, embora ele não tenha muito tempo. Vai ao Parlamento hoje no fim da tarde.

Ferguson começou a se levantar e Carter disse: — Não, espere um momento.

— Para quê?

Foi Hannah Bernstein, a policial de sempre, quem disse: — Pode ajudar em nossa investigação?

— Ah, não me venha com essa bobagem de procedimento policial. — Ele pediu outro uísque e se virou para Ferguson. — Eu nunca disse uma palavra sobre isso. Sempre vou negar.

— Naturalmente.

— E quero a palavra dela de que isso fica entre nós três. Se ela não puder garantir, ela sai.

Ferguson olhou para Hannah, que assentiu. — Minha palavra, brigadeiro.

— Ótimo, vamos ao que interessa — disse Ferguson.

Carter tomou seu uísque.

— Há uma coisa que nunca contamos, Ferguson, porque não confiávamos em você, como há coisas que nunca nos contou.

Ferguson assentiu.

— Conhece os fatos — disse Hannah. — Sou uma agente policial, treinada para procurar respostas, e minha interpretação é que alguém eliminou todas as vítimas, e tem que haver uma razão para isso. Algo de muito ruim aconteceu, e eu acho que você sabe o que foi, e acho que sonegou dos registros.

Carter respirou fundo.

— Muito bem. Quando se iniciou o processo de paz, disseram-nos para ser simpáticos com nossos primos americanos e passar todas as informações úteis sobre a Irlanda. Depois, começamos a perceber que o material que passávamos à Casa Branca acabava nas mãos do IRA. O ponto culminante foi uma atrocidade chocante, que mais tarde descobrimos ter sido perpetrada por Jack Barry e seu bando. Um grupo inteiro de agentes clandestinos foi assassinado.

— Quem eram eles?

— Uma equipe de cinco, encabeçada pelo major Peter Lang. Havia mais três homens e uma mulher.

— Sim, lembro da morte de Peter Lang — disse Ferguson pensativamente. — Os pais dele eram muito amigos meus. Peter foi morto com uma bomba de tal intensidade que não descobriram vestígio nenhum do corpo.

— Não é a verdade. Viemos a saber mais tarde por um informante que Peter Lang foi torturado, assassinado e depois jogado numa betoneira.

— Meu Deus! — exclamou Hannah.

— Também descobrimos, pelo mesmo informante, tudo sobre o Sons of Erin, Jack Barry e a tal Conexão.

— E o que fizeram em relação a isso?

— O processo de paz estava numa fase delicada, não queríamos desequilibrá-lo.

— Portanto, não contaram ao primeiro-ministro?

— Se o tivéssemos feito você teria sabido, Ferguson, assim como Blake Johnson, o Porão, o presidente e sabe Deus quem mais. Decidimos que havia uma maneira melhor de tratar do assunto.

— Deixe-me especular — disse Hannah. — A desinformação habitual misturada ao tipo de informação irrelevante disponível em qualquer jornal.

— Uma coisa assim — respondeu Carter, pouco convincente.

— Bem, agora está explicado. — Ferguson se levantou. — Obrigado pela ajuda.

— Eu não dei ajuda nenhuma — Carter pegou a capa e o guarda-chuva. — Então, é tudo?

— Acho que sim.

Carter saiu.

— O que acha, brigadeiro? — perguntou Hannah.

— É simples. Acho que a mulher que matou Tim Pat Ryan, Brady, Kelly, Cassidy e o menos que ilustre senador Cohan foi a minha velha e querida amiga Lady Helen Lang.


13


LONG ISLAND • NORFOLK

 


No escritório de Blake no Porão, Dillon tomava chá com sanduíche de queijo que Alice lhe trouxera.

— Está com bom aspecto, meu amigo irlandês — comentou Johnson.

— Oh, no Concorde não há problema. Gosto de viajar como os ricos.

— Sean, você é rico, todos sabemos disso.

— Você não entende — disse Dillon. — O que eu gosto no Concorde é que outra pessoa esteja pagando. De qualquer forma, o que você queria comigo?

— Harry Parker está verificando os vídeos das câmeras de segurança nas casas em frente à de Cohan. Pode ser que a mulher apareça neles, e se aparecer, talvez você a reconheça.

— Via-a em Wapping, mas isso não significa que saiba quem ela é.

— Eu sei, mas o que mais nos resta?

Alice Quarmby enfiou a cabeça pela fresta da porta.

— Harry Parker na linha.

Johnson pegou o telefone.

— Harry? Como foi?

— Mal, Blake. Verifiquei os vídeos. Só três câmeras filmaram a área e todas as gravações foram apagadas. Dali não obtivemos ajuda.

— Que saco — respondeu Blake. — Bem, obrigado, Harry. Se se lembrar de mais alguma coisa, me avise. Falamos depois. — E desligou.

— Outro beco sem saída? — perguntou Dillon.

— Receio que sim.

— Então, fiz uma viagem de Concorde em vão.

— Parece que sim. Desculpe, Sean, mas ao menos podemos distraí-lo enquanto está aqui. Um dos mais importantes doadores do presidente, Chad Luther, vai dar uma festa principesca esta noite em Long Island. Todo mundo importante foi convidado.

— Deixe-me adivinhar — disse Dillon. — Alguns insignificantes também.

— Como sempre, está muito perto da verdade, meu amigo, e isso causa ao Serviço Secreto uma grande dor de cabeça. — Johnson pegou um arquivo. — Tive que verificar eu mesmo a lista de convidados. O presidente vai até lá de Gulfstream. Há um serviço de vaivém de helicópteros para o pessoal da segurança. Isso nos inclui.

— Sinto-me honrado.

Bateram na porta, e Alice perguntou.

— Café fresco?

— Não. Estamos ótimos. E... sobre aquilo que falamos?

— Ainda estamos pescando — respondeu Alice e saiu.

— Pescando? — perguntou Dillon.

Johnson hesitou e depois continuou: — É um programa especial de computador chamado Synod que registra milhares de conversas telefônicas, milhões de palavras. Basta inserir um nome, por exemplo, e o computador encontra. Depois, ouvimos a conversa em questão.

— Então, qual é o nome que inseriram?

— Jack Barry.

— Atrás da Conexão.

— Isso mesmo.

— Ciência e tecnologia... — murmurou Dillon. — Gente como você e eu vamos ficar obsoletas.

O telefone tocou, e Johnson atendeu.

— Brigadeiro, como está? — Ouviu a resposta. — Claro, está bem aqui. — Estendeu o telefone para Dillon. — Ferguson.

— Brigadeiro? — disse Dillon.

— Tenho notícias espantosas para você. Ouça com atenção.

Minutos depois, Dillon pousou lentamente o fone.

— Más notícias? — perguntou Johnson.

— Ele acabou de me revelar quem acha que seja a mulher misteriosa.

Johnson endireitou-se na cadeira.

— Conte-me, pelo amor de Deus.

Dillon contou e Johnson sacudiu a cabeça quando ele terminou.

— Conheci essa mulher. Uma grande dama. Sabia que o filho morreu no Ulster, mas não sabia como...

— Isso explicaria muita coisa. — Dillon acendeu um cigarro. — Algo nela sempre me perturbou desde aquele primeiro dia no enterro. Não me entenda mal, gostei da lady, mas sempre me senti desconfortável perto dela.

— Mas acha que essa história realmente aconteceu?

— Temo que sim. — Dillon esmurrou a mesa com o punho cerrado. — Maldito Jack Barry, que apodreça no inferno!

— Helen Lang... — Johnson franziu a testa. — Espere um minuto. — Pegou a lista de convidados da festa e folheou. — Bem que eu achei. Aqui está, uma das convidadas de Chad Luther desta noite. É melhor dar uma palavrinha com o presidente. — Pegou o telefone e ligou para o Salão Oval. — É Blake Johnson para falar com o presidente. — Acenou com a cabeça. — Compreendo. — Pousou o fone. — Ele já partiu para Long Island — Pensou durante um momento. — Falo com ele lá. Prefiro que seja pessoalmente.

A porta se abriu, e Alice entrou, entusiasmada.

— O Synod já descobriu o que queríamos, mas Deus sabe que você não vai gostar. Encontrou conversas com Jack Barry muito recentes. É melhor vir à sala de áudio.


Sentaram-se na pequena sala fechada, as enormes bobinas girando, para ouvir a última conversa entre a Conexão e Barry.

— Lady Helen Lang vai estar numa grande festa beneficente amanhã à noite em Long Island, por isso não a procure em casa.

— Eu posso esperar. Não se preocupe. Ela já passou à história.

O computador zumbiu e desligou.

— Quem poderia imaginar? — comentou Alice.

— Quer dizer que vocês sabem quem é? — perguntou Dillon.

— Sabemos — suspirou Johnson. — Reconheceria aquela voz em qualquer lugar. É Henry Thornton, o chefe de gabinete do presidente.

Dillon levou um momento para digerir, então disse: — Vai deixar o presidente em pedaços saber o que aquele bastardo tem feito.

— Pode-se dizer que sim. — Virou-se para Alice. — Investigue o passado dele. Precisamos descobrir por quê. Tenho algumas coisas para fazer, mas marque lugares para nós no helicóptero que parte para Long Island em duas horas.

— Vou já tratar disso.


Passava das cinco quando o Gulfstream de Lady Helen aterrissou em Westhampton, e ela e Hedley foram escoltados pela alfândega com o mínimo de incômodo.

Ela mudara de roupa no avião, e usava agora um vestido justo com casaco de seda preta. Hedley envergava seu uniforme cinza.

— O coquetel é às seis — disse Helen. — A limusine está pronta?

— Claro.

— Diga ao comandante Frank que quero decolar de volta ao Reino Unido o mais tardar às dez.

Hedley se afastou, ela pegou o celular codificado e ligou para Barry.

— Olá, Mr. Barry, sou eu — disse quando ele atendeu.

— Sim, e já sei quem você é, cadela. Até sei onde está: em Long Island.

— Meu Deus, que bem informado.

— Agora, é só uma questão de pegar você, Lady Helen. Sei seu endereço em Londres e em Norfolk. O que fiz a seu filho não é nada comparado ao que vou fazer com você.

— Então, Mr. Barry, não fique tão perturbado. Não faz bem ao coração — disse ela, e desligou.


A imponente casa de Chad Luther era seu orgulho e alegria. Os gramados se prolongavam até a baía, que tinha um cais para seu iate e diversas lanchas. Enquanto a escuridão aveludada se adensava, luzes brilhavam nas janelas e a música flutuava para o exterior. O mundo importante estava presente, e, como Dillon comentara ironicamente, alguns insignificantes também.

Luther, resplandecente num smoking de veludo azul, saudou o presidente e Henry Thornton.

— É um enorme prazer, Sr. Presidente.

— Estou muito contente por estar aqui, Chad.

— Preparamos uma suíte no térreo. — Luther foi na frente indicando o caminho, seguido pelo presidente e Thornton, os agentes do Serviço Secreto protegendo a retaguarda.

A sala de estar era agradável, as sacadas dando para a baía.

O presidente dirigiu-se ao terraço.

— Muito agradável.

— Vemo-nos no jantar, Sr. Presidente.


Na mesma hora, Helen Lang chegava num Lincoln dirigido por Hedley. Desceu, alisou a saia e se virou para ele, a carteira na mão.

— Estou bem?

— Como sempre.

— Vejo você depois. — Ela subiu a escada até a porta aberta e viu dois agentes do Serviço Secreto.

— Convite, madame?

Ela abriu a carteira para pegar o convite e gelou quando a ponta dos dedos tocou na pistola. Meu Deus, como tinha sido burra! Como podia ter pensado que passaria a arma pela segurança? Ficou parada um tempo que lhe pareceu uma eternidade, a mão dentro da carteira. Subitamente, Chad Luther irrompeu da multidão.

— Não sejam tolos. Esta dama não precisa mostrar convite. Minha cara amiga! — Beijou-a no rosto. — Está esplêndida. Coloquei-a na mesa principal comigo e com o presidente.

— Você sempre foi um querido, Chad.

— É fácil com uma pessoa como você. Agora, vamos, quero apresentá-la a alguém. — Luther empurrou-a gentilmente para dentro.


Dillon e Blake Johnson chegaram pouco depois, atravessaram a multidão e encontraram o presidente cercado.

— É impossível chegar até ele, pelo menos por ora — disse Dillon.

— Temos tempo — respondeu Johnson. — Tenho providências a tomar. Fique atento aos nossos personagens principais. — E se afastou.

Dillon tirou uma taça de champanhe da bandeja de um garçom, depois encaminhou-se para o terraço, onde havia poucas pessoas. Encostou-se à balaustrada, e Lady Helen Lang apareceu.

Ela sorriu.

— Ah, é você, Mr. Dillon. E o que o traz por aqui?

Dillon aproveitou a oportunidade.

— Possivelmente, a mesma coisa que a trouxe, Lady Helen. Creio que temos alguma coisa em comum. Uma Conexão na Casa Branca?

A expressão de Helen não se alterou.

— Que interessante — comentou simplesmente.

— Acabou — acrescentou Dillon. — Não sei o que pretendia fazer, mas agora está tudo acabado...

— Que bobagem, meu amigo — sorriu ela antes de ele terminar a frase —, nada está terminado sem eu decidir. — E se afastou.


Chad Luther conseguiu levar Jake Cazalet para longe da multidão que o cercava.

— O presidente precisa respirar antes de jantar, senhoras e senhores. Por favor.

— Obrigado, Chad — agradeceu Cazalet enquanto voltavam à sala de estar da suíte.

— O banheiro é por ali, Sr. Presidente, e se quiser uma bebida, acho que encontrará tudo aqui. — Luther abriu um painel na parede, que revelou um bar espelhado.

— Chad, o anfitrião perfeito, como sempre.

— Agora, vou deixá-lo sozinho.

Luther saiu, e um dos agentes do Serviço Secreto, Clancy Smith, entrou na sala e fez uma inspeção rápida.

— Clancy, você parece um cão de caça, nunca para de farejar — disse Cazalet.

— É para isso que sou pago, Sr. Presidente. Estou lá fora. — Saiu para o corredor e fechou a porta.

Cazalet tirou um maço de cigarros. Diabo, um homem tem direito a um vício, pensou. Abriu as portas que davam para o terraço.

Uma meia-lua erguia-se sobre a baía, quase cercada por dois braços de terra. Junto à água, uma casa de barcos e um cais de madeira onde estavam atracados esplêndidos barcos a motor. Era realmente uma vista aprazível. Ele respirou fundo, e uma voz agradável disse:

— Importa-se de me arranjar fogo?

Cazalet se virou e Helen Lang saiu de entre os arbustos.

— Sim, claro. — Ele desceu a escada e acendeu o isqueiro. Ela segurou o pulso dele.

— Que extraordinário. Um velho cartucho Lee Enfield.

— Uma recordação do Vietnã, mas como sabe que é um Lee Enfield?

— O meu marido era coronel do exército inglês. Tinha um. Não se deve lembrar de mim. Só nos vimos uma vez numa recepção em Boston. Sou Lady Helen Lang.

Ele sorriu calorosamente.

— Mas claro. Meu pai e o seu fizeram negócios juntos em Boston nos bons velhos tempos. Você se casou com um barão inglês, se bem me recordo.

— Sir Roger Lang.

— Ele está aqui?

— Ah, não, morreu há dois anos e meio. Nosso filho único também morreu em missão na Irlanda do Norte, e o meu marido era velho e frágil. O choque foi demais para ele.

— Lamento muito. — O presidente pegou a mão dela, ela abriu a boca para falar, mas ouviu que batiam na porta da suíte. — Desculpe — disse ele, e subiu a escada.

Quando chegou à porta, olhou para trás, mas Helen desaparecera como se nunca tivesse estado ali.


Dillon e Blake Johnson estavam num canto do salão apinhado quando o celular de Johnson tocou. Era Alice Quarmby.

— Investiguei o passado de Thornton, chefe, como pediu. E descobri coisas bem interessantes. Ouça.

Ela falou durante alguns minutos. A expressão de Johnson não revelou alteração.

— Obrigado, Alice, você é um anjo — disse por fim.

— Alguma coisa importante? — perguntou Dillon.

— Pode acreditar. Thornton é realmente nosso homem e agora sei por quê. Explico mais tarde. Agora, é melhor procurarmos o presidente.

— Parece não estar por aqui.

— Luther está ali. Ele deve saber onde está o presidente — disse Johnson.

Mas quando atravessaram a sala, encontraram Luther conversando com Henry Thornton. Riam os dois, cada um com a sua taça de champanhe.

— Ei, vocês dois não estão bebendo — disse Luther.

— O dever chama, Chad — murmurou Johnson. — Este é um colega de Londres, Mr. Dillon. O presidente pediu para falar com ele.

— Ele está descansando.

O chefe de gabinete estendeu a mão.

— Mr. Dillon, tenho muito prazer em conhecê-lo pessoalmente. Sua fama o precede.

— É bom saber.

— Sei onde é a suíte do presidente, levo-os lá — ofereceu-se Thornton, pousando a taça. — Por aqui, senhores.

Avançou por entre a multidão e conduziu-os a um corredor afastado, onde Clancy Smith se encontrava sentado numa cadeira ao lado da porta.

O chefe de gabinete bateu, abriu a porta e entrou. Cazalet estava no terraço.

— Houve alguma coisa, Sr. Presidente? — perguntou Thornton.

— Não, só estava conversando com uma mulher muito incomum, mas parece que a perdi. — Sorriu. — Ah, Mr. Dillon. — Apertou-lhe a mão calorosamente. — É um prazer voltar a vê-lo.

— Desta vez não, Sr. Presidente, creio que preferiria matar o mensageiro a ouvir o que Blake e eu temos para contar.

— É assim tão ruim? — Cazalet se encostou na balaustrada. — Então, é melhor fumar um cigarro. — Tirou um Marlboro, e Dillon acendeu. — Muito bem, senhores, vamos ouvir as más notícias.

Abaixo deles, escondida entre os arbustos, Helen Lang escutava.

— Já sabe a história do Sons of Erin, Sr. Presidente. Sempre achamos que os assassinatos tinham sido cometidos por uma única pessoa. Também achávamos que devia existir uma razão muito forte.

Cazalet assentiu.

— Uma vingança por algum ato terrível.

— Exato. Bem, agora sabemos quão terrível. — Johnson se virou para Dillon. — Sean?

— Durante anos, informações do serviço secreto britânico foram passadas pela Conexão da Casa Branca ao Sons of Erin e a Jack Barry. Devido a essas informações, há três anos uma unidade clandestina britânica foi assassinada por Jack Barry e companhia. O comandante era um certo major Peter Lang. Foi torturado e enterrado sob cimento.

— Mas acabei de falar com uma Lady Helen Lang aqui fora — disse Cazalet, espantado. — Ela disse que o filho foi morto na Irlanda.

— Exatamente. Ela é a mãe de Peter Lang — respondeu Dillon.

— E a pessoa responsável pela eliminação do Sons of Erin — acrescentou Johnson.

O presidente parecia atordoado.

— Ora, isso é impossível — exclamou Thornton. — Uma senhora idosa? Não posso acreditar nisso.

— Receio que não haja dúvida — disse Johnson.

— Mas se essa história é verdadeira, por que ainda não a prenderam?

— Também receio que não haja provas concludentes, Sr. Presidente. Por motivos óbvios, seria melhor tratar do assunto sem alarde. E ainda há outra coisa. No meio de toda a confusão, há a questão da Conexão... o traidor da Casa Branca.

— Sim, mas ninguém sabe quem é — disse o chefe de gabinete.

— Ah, mas nós sabemos — interveio Dillon. — Vimos que sua investigação não ia a parte alguma, Mr. Thornton, por isso Blake resolveu fazer outra.

Johnson tirou um pequeno gravador do bolso.

— Pus o Synod controlando as ligações para ou da Casa Branca com um sujeito chamado Jack Barry.

— E deu certo? — perguntou Cazalet.

— O computador encontrou várias ligações, Sr. Presidente, mas bastou uma só. — Colocou o gravador na balaustrada e ligou. A voz saiu claramente do aparelho.

 

— Lady Helen Lang vai estar presente numa grande festa beneficente amanhã à noite em Long Island, por isso não a procure em casa.

— Eu posso esperar. Não se preocupe. Ela já passou à história.

 

Johnson desligou o gravador, e Cazalet se virou para seu chefe de gabinete com uma expressão de horror.

— Meu Deus, Henry, é sua voz!


Thornton pareceu perder a firmeza nas pernas, depois encostou-se na balaustrada, cabisbaixo. Ficou assim, respirando fundo, e no entanto, quando ergueu a cabeça, seus olhos brilhavam.

— Por que, Henry, por quê? — indagou Jack Cazalet.

— Deixe-me responder — disse Johnson a Thornton. — Sua mãe tinha um meio-irmão ilegítimo nascido em Dublin. Era um dos voluntários do Levante da Páscoa em 1916. Foi executado pelos ingleses.

— Sem dó nem piedade — respondeu Thornton —, com sete balas. Minha mãe nunca esqueceu. Nem eu.

— E quando esteve em Harvard, apaixonou-se por uma garota chamada Rosaleen Fitzgerald, oriunda da Irlanda do Norte. Ela morreu num tiroteio em Belfast.

— Assassinada — disse Thornton. — Por soldados britânicos. Canalhas!

— E anos depois — interrompeu Dillon —, aí estava você chefe de gabinete da Casa Branca. Toda aquela informação secreta fluindo dos britânicos e foi sua oportunidade de vingança.

— Como se se envolveu com o Sons of Erin e Jack Barry? — perguntou Johnson.

— Ah, isso foi Cohan. Fui a uma festa de levantamento de fundos do Sinn Fein em Nova York como convidado. Ele estava bêbado e se vangloriou do clube gastronômico e de como todos eles ajudavam a causa gloriosa.

— E como se relacionou com Barry?

— Ele estava em Nova York nos primeiros dias do processo de paz, hospedado no Mayfair. Foi simples. Ofereci-lhe informações, simpática e anonimamente, apenas uma voz ao telefone.

— E depois surgiu o anjo vingador.

Apesar de tudo, Thornton sorriu.

— Não é a coisa mais incrível que já se ouviu? Uma mulher como ela? Quem acreditaria numa coisa dessas?

Cazalet se virou para Johnson.

— Que encrenca tremenda. O que vamos fazer?

Nesse momento, Thornton apoiou a mão na balaustrada e saltou. Aterrissou de cócoras, levantou-se e começou a fugir, não percebendo Helen Lang atrás dos arbustos.

— Não tem para onde fugir, Henry! — gritou Cazalet, e seguiu Johnson e Dillon escada abaixo.

Clancy Smith, alarmado pelos gritos, abriu a porta da suíte e atravessou-a correndo.

— Sr. Presidente?

— Vem comigo, Clancy! — exclamou Cazalet.

Smith seguiu o presidente, lançando um alerta geral para os agentes do Serviço Secreto.


Ziguezagueando entre os pinheiros que ladeavam o gramado, Thornton parou um momento. Tocou a Smith & Wesson, que colocara anteriormente nas costas. Tinha planejado usá-la para tratar da saúde de Helen Lang naquela noite, mas agora teria outra utilidade.

Nesse ínterim, instalara-se um certo pânico na propriedade. Homens do Serviço Secreto percorriam os jardins, alarmando os convidados, já perturbados pelos gritos que tinham ouvido.

Ele correu, abaixado, na direção do cais e saltou para uma das lanchas. Quando começava a soltar os cabos, ouviu uma voz.

— Mr. Thornton!

Ele parou, depois se virou de arma na mão. Mas dava para ver a mulher no crepúsculo que se adensava, mas ele percebeu imediatamente quem era.

— Mr. Thornton, creio que tem conhecimento do que aconteceu a meu filho. Agora, é a hora do ajuste de contas.

Thornton apontou a Smith & Wesson.

Helen Lang pegou sua Colt.

Hedley, que seguira Lady Helen a noite toda, pulou a amurada pela popa do barco, atrás de Thornton, mas escorregou no convés molhado. Thornton se virou e ergueu a arma para disparar. Helen atingiu o chefe de gabinete na nuca. Thornton caiu de joelhos e depois para a frente.

Hedley se levantou.

— Espere por mim no estacionamento. Eu trato disso. Vá embora.

Ela se virou e fugiu.

Hedley tinha analisado a planta da propriedade de Chad Luther, que conseguira no escritório londrino de Helen Lang, e sabia da existência de um recife na entrada de baía por onde só se podia passar na maré cheia. Naquele momento, a maré estava baixa. Empurrou o corpo de Thornton para o convés da popa e ligou o motor. Saltou do barco para o cais, soltou os cabos e deixou-o ir. Quando o barco bateu no recife na entrada da baía, minutos depois, a força do impacto foi tão forte que o jogou pelos ares numa bola de fogo.

Houve gritos de alarme entre os convidados nos jardins, e mais gritos enquanto os homens do Serviço Secreto chamavam uns aos outros. Hedley se escondeu entre os arbustos quando o presidente se aproximou, com Johnson e Dillon.

— Oh, meu Deus! — exclamou Cazalet, olhando o fogo.

Hedley desapareceu entre os pinheiros e no momento seguinte ouviu um grito. A voz de Helen.

— Largue-me!

— Preciso revistar sua carteira, madame.

Era Clancy Smith, que agarrava Helen pelo pulso direito.

Hedley apareceu, puxou Clancy pelo braço e o afastou.

— Deixe-a, meu jovem.

— Serviço Secreto, guarda-costas presidencial — declarou Clancy. — Estou fazendo meu trabalho.

— Com esta senhora, não.

Clancy, veterano da Guerra do Golfo, sabia reconhecer um problema quando o via. Tirou rapidamente a Beretta do coldre de ombro. Mas para Hedley o movimento foi lento e previsível. Seu braço esquerdo moveu-se em velocidade, desviando a Beretta com silenciador, que disparou numa espécie de tosse abafada.

Hedley torceu o braço de Clancy.

— Agora, largue.

Clancy Smith era um homem corajoso, mas a força de Hedley era terrível. A Beretta caiu. Hedley virou Clancy, procurou as algemas dele, ergueu seus pulsos e o algemou. Clancy caiu de cara no chão.

— Não é nada pessoal. Matei mais pessoas no Vietnã do que você pode imaginar. — Hedley virou-se para Helen. — Vamos, Lady Helen.

Afastaram-se rapidamente por uma vereda.

Instantes depois, Clancy era encontrado por dois colegas.


Hedley ajudou Lady Helen a entrar na limusine, sentou-se ao volante e arrancou.

— Sente-se bem?

Ela tentava recuperar o fôlego.

— Ótima, Hedley. Seguimos direto para o aeroporto, mas telefone para avisar. Diga que se preparem para uma decolagem rápida.

Ele não disse nada, limitou-se a fazer a ligação.

— Então, o que foi toda aquela confusão? Quem era o cara?

— Aquele era a Conexão, acabando da pior forma. Um tal Henry Thornton, chefe de gabinete da Casa Branca.

— Meu Deus! — Hedley sacudiu a cabeça. — É verdadeiramente inacreditável.

— Há mais uma coisa que tenho para contar. Eles já sabem tudo a meu respeito. O presidente, Blake Johnson, Dillon, Ferguson. Está tudo acabado.

Ele ficou horrorizado.

— Mas o que vai fazer?

— Vamos voltar a Compton Place e analisar a situação. — Helen Lang acendeu um cigarro. — Continue a dirigir, Hedley, continue a dirigir.

Ela pegou o celular codificado e telefonou para Barry.

— Eu de novo — disse. — Só para mantê-lo informado. Afinal, sua Conexão era um homem chamado Thornton, o chefe de gabinete da Casa Branca. Houve um confronto esta noite numa festa a que o presidente compareceu. Ouvi tudo por acaso. Por isso, atirei na nuca de Thornton. Depois, foi feito em pedaços numa explosão bem grande. Soa familiar?

Houve um longo silêncio.

— Bem — respondeu Barry —, parece que só restamos nós dois. Onde está?

— Ainda em Long Island. Vou partir de imediato para Gatwick, depois volto à casa de Norfolk.

— Compton Place. Eu sei.

— Então, posso contar com sua visita?

— Pode ter certeza de que a visitarei. Vou o mais depressa possível.

— Fico muito satisfeita.

Ela desligou o celular, e Hedley disse: — Está mesmo pedindo, Lady Helen. Outros também podem ir procurá-la. Como o brigadeiro Ferguson, por exemplo.

— Não estou nada preocupada, Hedley, desde que Barry me encontre primeiro. Passe o frasco. — Ele o fez relutantemente. Ela colocou dois comprimidos na palma da mão e tomou-os com um gole de uísque. — Ótimo. Agora, ao aeroporto.


No terraço, Clancy contou ao presidente, a Johnson e a Dillon o que acontecera.

— Grande, negro e disse que esteve no Vietnã? — perguntou Johnson.

— Exatamente — respondeu o guarda-costas.

Dillon disse ao presidente.

— Tem que ser Hedley Jackson. Eu diria que é a prova final.

— Um acidente muito conveniente.

— Se assim o diz, Sr. Presidente — disse Dillon.

— Só que você não acredita em acidentes.

— Nunca acreditei, Sr. Presidente. — Dillon esboçou um ligeiro sorriso. — E certamente não acredito nos que acontecem com esta senhora.


14

 

 

Pouco depois de Helen Lang telefonar para Barry, Dillon falou com Ferguson na Cavendish Square.

— Que confusão — disse o brigadeiro. — O chefe de gabinete... quem diria!

— Agora não interessa mais — respondeu Dillon. — Ficou exposto como um frango assado e não sinto pena. Foi responsável por muitas mortes, e no caso de Peter Lang, por uma atrocidade de primeira.

— Onde está Lady Helen Lang?

— Johnson anda investigando. Depois informo. Com certeza já não está mais aqui.

Despediram-se e Ferguson ligou para Hannah Bernstein.

— Sou eu — disse. — Desculpe, inspetora-chefe, mas vou ter que lhe pedir para começar mais cedo.

— Com certeza, brigadeiro.

— Queria lhe contar uma coisa. O comissário da Scotland Yard telefonou ontem à noite. Agora você é superintendente da Brigada Especial.

— Oh, meu Deus! — exclamou Hannah. — A rapaziada não vai gostar.

— Deixe de ser boba — disse Ferguson. — Pelo que sei, matou quatro vezes no cumprimento do dever.

— Coisa de que não me orgulho.

— Para aliviar sua consciência, superintendente, todas essas pessoas mereciam morrer. Você mesma levou um tiro, e estou muito orgulhoso por trabalhar para mim. De qualquer forma, logo teremos mais notícias de Dillon. Conto os detalhes quando chegar.


Blake Johnson entrou na sala de estar, onde Dillon conversava com o presidente junto à lareira. Cazalet se virou.

— Novidades?

— Sobre Lady Helen Lang, Sr. Presidente? Sim. Ela veio para cá num Gulfstream da própria empresa. Decolou de novo antes das dez. Destino, Gatwick. — Johnson hesitou. — O que quer fazer, Sr. Presidente?

— Sobre Lady Helen? — Cazalet franziu a testa. — Se isso vazar, todo o processo de paz desmorona. Sejamos práticos. A morte de Thornton pode ser considerada um acidente infeliz. Um homem tentou me atacar, Thornton o perseguiu e ambos morreram. As mortes de Brady, Kelly, Cassidy e Tim Pat Ryan têm explicação. Quanto a Cohan — Cazalet encolheu os ombros —, não vou derramar lágrimas por aquele safado. Bebeu demais e caiu do terraço da suíte.

— Quer dizer que nada aconteceu, Sr. Presidente? — perguntou Johnson.

— Blake, todo esse caso cheira mal, não só para a Casa Branca, mas também para Downing Street. Uma coisa assim...

— Afunda o navio — murmurou Johnson.

— E há ainda Jack Barry. — Dillon acendeu um cigarro. — O último homem que resta em pé. Se ele fosse eliminado...

— Não haveria prova de que tudo isso tivesse realmente acontecido — acrescentou Johnson.

Houve uma pausa antes de Cazalet responder.

— Isso ainda nos deixa com Lady Helen. Sabemos que matou pelo menos seis homens.

— Compreendo — disse Dillon. — Quer dizer que ela deve pagar porque expulsou deste vale de lágrimas um grupo de verdadeiros filhos da mãe, responsáveis por muitas mortes, incluindo a do próprio filho dela?

— Ela quebrou mais leis do que é possível... — salientou Cazalet.

— Mas agora já está fora de nossa jurisdição — relembrou Johnson.

— Mesmo assim, em parte, continua sendo minha responsabilidade. — Cazalet hesitou. — Bom, ligue para o brigadeiro Ferguson.

Pouco depois, Ferguson atendia a ligação do presidente.

— Então, nada aconteceu, Sr. Presidente... — disse Ferguson quando Jake Cazalet o informou dos últimos acontecimentos. — Está bem, acho que posso aceitar isso. Mas e Lady Helen?

— Espero que você consiga uma solução. Vou enviar Dillon e Blake o mais rapidamente possível para Londres. Tenho aqui um avião que eles podem usar.


Horas depois, outra ligação transatlântica foi feita para a Cavendish Square.

— Quem fala? — perguntou Hannah Bernstein.

— Lady Helen Lang. Ah, eu a conheço. É aquela agente muito simpática.

Hannah acionou o viva voz e acenou freneticamente para Ferguson.

— Está aí, Charles? — perguntou Lady Helen.

— As coisas não estão nada boas, minha querida — respondeu Ferguson.

— Charles, ouça. Todos eles pagaram o preço justo. O chefe de gabinete foi um bônus. Eu não sabia que era ele a Conexão. Ele tentou me matar, eu me defendi. Não que isso tenha alguma importância. Seu Mr. Dillon foi muito amável, avisou-me de que estava tudo terminado. Tentou ajudar. Um homem muito simpático.

— Entre uma morte e outra.

— Querido Charles, é o que você vem fazendo há anos...

— Helen, diga-me uma coisa. Como soube a verdade sobre a morte de Peter e do envolvimento do Sons of Erin?

— Ah, isso foi o pobre Tony Emsworth, minado pelo remorso e morrendo de câncer. Ele tinha uma cópia ilegal do arquivo do SIS e me contou a história toda. Deu-me o dossiê pouco antes de morrer.

— Compreendo. E agora?

— Volto a Compton Place. Estou esperando convidados. Mr. Jack Barry e seus amigos. Ele não resistiu ao convite. Prometeu que voaria só para me ver.

Ferguson ficou atordoado. — Não pode fazer isso, Helen.

— Ah, posso, posso. Ele é o último, aquele que realmente chacinou meu filho. Se quiser vir também, Charles, será bem-vindo, mas nem que seja a última coisa que faça na vida, quero enfrentá-lo.

Ferguson sentiu um arrepio.

— Por que diz isso?

— Meu coração, Charles, não está grande coisa. É espantoso como o uísque e os comprimidos conseguem nos sustentar. De qualquer modo, se eu não conseguir pegá-lo, tenho certeza de que seu Mr. Dillon consegue.

— Pelo amor de Deus, Helen.

— Por amor a mim mesma, Charles — respondeu Lady Helen, e desligou.

— Brigadeiro? — disse Hannah.

— Bem, não temos a menor prova que nos permita prendê-la.

— E então?

— Vou recebê-la em Gatwick. Depois, veremos.


Em Doonreigh, Docherty tomava café quando tocou o telefone.

— Quero ir até a costa norte de Norfolk — disse Barry assim que Docherty atendeu. — Uma aldeia chamada Compton. Ida e volta.

— Quantos?

— Quatro, talvez cinco. Esta tarde.

— Não sei — hesitou Docherty. — Há tráfego militar na região.

— Ouça, há dez mil libras em dinheiro para você. Decida-se.

— Dê-me um tempo, Barry — respondeu Docherty. — Deixe-me verificar os mapas. Telefono em seguida.

— Em quanto tempo?

— Uma hora.

Barry desligou violentamente o telefone e se aproximou da janela. Ficou olhando a chuva. Não estava zangado, estava entusiasmado. Que mulher!


O avião do presidente decolou de Westhampton. Como sempre, Dillon ficou surpreso com o luxo. As poltronas, as mesas de mogno. O comissário de bordo era um sargento da Força Aérea. Trouxe café para Johnson, um Bushmills para Dillon e depois o telefone portátil.

— É para você, Mr. Dillon. Brigadeiro Ferguson.

— Café madrugador, brigadeiro?

— Cale-se e ouça — disse Ferguson. — Estive falando com Lady Helen ao telefone.

— E?

— Ela descobriu tudo através de Tony Emsworth antes de ele morrer. Ele tinha uma cópia ilegal do arquivo com toda a maldita história da morte do filho dela, mantida em segredo pelo SIS. Ela contou a Barry que vai para Compton Place. Ela o está atraindo para lá.

Dillon assentiu. — É, ela faria isso. Ele é o último. Ela estava falando sério?

— Ela disse que tem problemas cardíacos —, disse Ferguson. — Comprimidos e uísque a estão sustentando, ela disse. Ela está aguentando firme, Dillon. Uma mulher maravilhosa como ela cuidando daquele porco.

— Ei, calma.

— Sabe o que ela disse? “Se eu não conseguir pegá-lo, tenho certeza de que seu Mr. Dillon consegue.”

— Mesmo? — comentou Dillon friamente.

— Deus sabe o que farei em Gatwick.

— Posso dizer desde já — informou Dillon. — Nada, porque ela não vai descer lá. Perguntei sobre a meteorologia ao pessoal de Westhampton antes de partirmos. O tempo no Reino Unido está ruim. Frente fria, nevoeiro, Gatwick não está nada bem. Por isso, acho que ela vai aterrissar em outro lugar qualquer.

— Certo, vou verificar isso.

— Combinado. Falamos depois.


— Okay, pode ser — disse Docherty a Barry ao telefone. Tenho um conhecido lá chamando Clarke. Dirigia uma escola de voo chamada Shankley Down numa velha base de manutenção da Segunda Guerra Mundial. A escola fechou e ele faz voos ilegais para a Holanda num Cessna 310.

— Não quero saber se ele voa pra Marte. Estamos combinados?

— Sim, falei com ele. Shankley Down fica a uma hora, se tanto, de Compton Place.

— Ótimo. Estarei aí em duas horas. — Barry desligou e ligou para outro número.

— Fala Quinn — atendeu uma voz.

— É Jack. Tenho um assunto a tratar. Um voo particular ida e volta a Norfolk.

— E lá?

— Fazemos o que sabemos fazer melhor.

Quinn ficou entusiasmado.

— Quantos?

— Você e eu, Dolan, Mullen, McGee. Encontro no campo de Docherty em Doonreigh em duas horas. Se os rapazes não conseguirem, vamos os dois. ArmaLite e armas de mão.

— Lá estaremos, Jack, todos nós. Em nome do Sons of Erin.


No Gulfstream, Lady Helen Lang ouvia o relatório que o piloto lhe fazia da meteorologia no Reino Unido.

— Então, não está grande coisa — comentou.

— Bem, podemos aterrissar em Gatwick, Lady Helen. Há muito nevoeiro no país inteiro, mas conseguimos.

— E as East Midlands, o tempo está melhor lá?

Ele acenou confirmando.

— Está certamente melhor do que em Gatwick.

Era o que ela planejara desde o início, mas limitou-se a sorrir.

— Então, vamos para lá. De qualquer forma, vou para Norfolk, é até mais perto.

O piloto partiu. Hedley disse: — Você tinha tudo planejado.

— Claro. — Ela pegou um cigarro. — Fogo, por favor.

Ele deu. Ela se recostou. — Só tenho um arrependimento. Não estou lhe dando uma escolha.

— Não tive escolha desde o dia em que a conheci. — Ele sorriu. — Deixe-me pegar uma xícara de chá.


Em Doonreigh, Quinn e os outros já esperavam quando Barry chegou, aglomerados no escritório de Docherty verificando as armas. Houve um rebuliço de excitação quando Barry apareceu, muitas palmadas nas costas e gargalhadas.

— Do que se trata? — perguntou Quinn.

Como sempre, Barry sabia exatamente como lidar com a situação. Estava diante de um grupo de homens que não envergonhariam a máfia, mas que precisavam acreditar serem corajosos guerrilheiros da libertação.

— Camaradas, lutamos ombro a ombro pela liberdade na Irlanda, muitos de nós caímos na beira da estrada, e muitas vezes isso se deveu a traições e desonestidade. Vocês nunca souberam, mas eu tinha um braço do Sons of Erin em Nova York. Quatro deles foram mortos a tiro. — Estavam todos em silêncio. — A pessoa responsável por isso é uma mulher. É essa mulher que vamos visitar em Norfolk. É um ajuste de contas. Tratamos da saúde dela e voltamos imediatamente para cá. Quem não quiser ir que diga agora.

Foi Quinn quem falou.

— Estamos com você, Jack, sabe disso.

Barry deu-lhe uma palmada no ombro.

— Meu bom amigo. Agora, vamos a isso — e saíram do escritório.


O sistema frontal se espraiava pela Inglaterra como praga, invadindo tudo com nevoeiro. Em Gatwick, Ferguson e Hannah esperavam na sala especial de segurança quando a recepcionista anunciou: — Uma ligação para o brigadeiro.

Lady Helen Lang parecia bem-disposta.

— Querido Charles, que pena não poder encontrá-lo. O tempo está péssimo! Acabei de aterrissar nas East Midlands. Tive sorte em conseguir pousar. Estou a caminho de Norfolk. Muito nevoeiro, mas não tão ruim. Hedley é um ótimo motorista.

— Isso é uma loucura, Helen. Dillon e Blake estão doidos atrás de você. Deixe isso com eles.

— Que Deus o abençoe, Charles. — Lady Helen desligou.

— O que acontece agora? — perguntou Hedley.

— Isso depende do Sr. Barry.

— Ele não vai chegar nem perto de Norfolk, não com um tempo desses.

— Eu não me fiaria nisso, Hedley. Ele é um homem de recursos infinitos. — Ela engoliu alguns comprimidos. — O frasco, por favor.

Ele o passou. — Vai se matar.

— Contanto que eu o mate primeiro, serei feliz.


Era fim de tarde quando o Chieftain cruzou a costa inglesa sobre Morecambe. Chovia forte, o nevoeiro era denso, mas Docherty se manteve abaixo do céu nublado. Barry se sentou ao lado dele.

— Vamos conseguir?

— Não está nada bom, mas acho que sim. E sempre podemos voltar.

— Você sabe que seria um homem morto quando pousássemos. — O sorriso de Barry era terrível. — Esta reunião a que vou é a mais importante da minha vida.

Docherty estava apavorado. — Jesus, Jack, vai ficar tudo bem. Apenas me dê uma chance — e ele se concentrou em voar.


Ferguson usou o celular para contar a conversa a Dillon.

— O mau tempo forçou Lady Helen a aterrissar nas East Midlands. Agora, está a caminho de Norfolk. Ela disse que Barry ia ao encontro de avião. Claro que isso significa algum meio ilegal, possivelmente direto a Norfolk.

— Quer dizer que ela pode estar sozinha quando ele chegar a Compton Place?

— Qualquer coisa o tipo.

— Pode telefonar para a polícia de Norfolk e...

— Não seja estúpido, Dillon. Uma vez na vida fale sério.

— Bem, ela precisa de apoio — disse Dillon. — Tem o bom velho Hedley, mas se Barry for, não vai sozinho. Conheço-o há tempo suficiente para ter certeza disso.

— Levaremos horas para chegar a Norfolk de carro, e ela está determinada em levar isso adiante. O que podemos fazer?

— Antes de mais nada, informe-se sobre o tempo para ver se podemos aterrissar no Farley Field. Telefone para o tenente Lacey, ele e Parry podem usar o Learjet. E que providenciem armas adequadas. É a única forma de chegarmos a Norfolk armados de acordo para dar apoio a ela. Conheço um pouco a costa de Norfolk. Tem praias largas, especialmente na maré baixa. Lacey pode me largar de paraquedas. Não é algo que nunca tenhamos feito.

Blake Johnson esticou-se para dizer no telefone: — Desculpe interromper. Peça dois paraquedas.

— Olhe, tenho aqui um doido americano de meia-idade que decidiu saltar junto — disse Dillon a Ferguson, rindo.

— São dois doidos — retorquiu o brigadeiro.


O Chieftain aterrissou na velha e decadente pista de Shankley Down e rolou até parar perto dos hangares. Estava lá um Cessna 310, com uma velha Ford Transit ao lado e um homem de jaqueta de aviador.

Saíram todos do avião.

— Ei, Clarke, você está ótimo — disse Docherty.

— Cadê meu dinheiro?

Docherty entregou-lhe um volumoso envelope.

— Duas mil em dinheiro.

Clarke folheou as notas, e Barry bateu no ombro dele.

— Tudo em ordem?

Clarke fitou o irlandês e seus amigos, e, como sempre, decidiu que era melhor ser discreto do que corajoso.

— Sim, tudo. As chaves estão na Transit.

Barry lhe deu uma palmadinha no rosto.

— Bom menino. Voltamos logo. — Acenou aos homens. Entraram na Transit, com Quinn ao volante, e arrancaram.


O Gulfstream presidencial aterrissou no Farley Field, rolou até parar e Dillon e Johnson saíram. Ferguson e Hannah estavam esperando, os tenentes Lacey e Parry atrás.

— Já está tudo organizado? — perguntou Dillon.

— Vamos entrar e conversar — respondeu Ferguson.

Quando entraram, os paraquedas, duas metralhadoras de assalto AK47 e duas Browning.

Dillon se virou para Lacey.

— Como é que estamos?

— Veja no mapa. — disse Lacey. — Esta é a carta oficial detalhada do Serviço Cartográfico. Compton Place fica perto do mar.Esta baía é muito larga na maré baixa, que é como estará hoje à noite.

— Se decolarmos agora, quanto tempo levamos?

— Quarenta minutos.

— Também vamos — disse Ferguson. — Depois do lançamento, seguimos para a Base de Bramley, a vinte minutos de voo. Faremos a aproximação pela estrada.

— Que simpático de sua parte. — Dillon voltou a observar o mapa e se virou para Johnson. — Então, estamos conversados.

Ele e o americano se entregaram às mãos do armeiro, um primeiro-sargento idoso, que verificou o armamento com competência de profissional. Vestiram macacões, afivelaram coldres de ombro para as Browning e verificaram as AK47.

Dillon sorriu para Johnson.

— Vamos a isso.


Chovia quando Hedley entrou no pátio de Compton Place e desligou o motor. Lady Helen saiu imediatamente do carro e abriu a porta da cozinha, enquanto Hedley transportava as bagagens.

— Vou mudar de roupa, depois nos preparamos para Jack Barry. — Ela ergueu uma mão. — Ora, Hedley, ele vem, não vai conseguir resistir. Por outro lado, Charles Ferguson, Mr. Dillon, Blake Johnson...

— Podem chegar primeiro, e espero que consigam.

Ela fitou o nevoeiro.

— Não seja tonto, Hedley. Se eles pegarem a estrada em Gatwick, com esse nevoeiro levam horas para chegar. Estou pronta em 15 minutos.

No quarto, pegou roupa de corrida no armário e vestiu, calçou tênis, depois abriu a bolsa e tirou a Colt .25. Descarregou-a, aparafusou o silenciador e reinseriu o carregador. Abriu uma gaveta, pegou mais quatro carregadores e pôs dois em cada bolso.

Pegou o frasco de comprimidos, colocou dois na palma da mão, hesitou, depois tirou mais dois. Entrou no banheiro, encheu um copo de água e engoliu tudo. Desceu as escadas e viu Hedley na cozinha fazendo chá. Ele deu-lhe uma xícara.

— Preparado para a batalha, Hedley?

— Já tem muito tempo.

— Acho que há coisas que nunca esquecemos — sorriu ela. — Tem sido um bom amigo.

— Foi fácil... — Ele tomou o chá e deixou a caneca em cima da mesa. — Agora, vamos para o celeiro esperar e ver quem chega primeiro.


A Transit entrou pelo pinheiral de Compton Place. O nevoeiro se movia, permitindo ocasionais vislumbres da casa, do terreno em volta e do mar, no pano de fundo.

— Deixamos a van aqui — instruiu Barry. — Ponha as chaves debaixo do tapete. Vamos a pé.

Enquanto desciam o monte e se aproximavam dos edifícios exteriores começou a chover.

Hedley, no piso superior do celeiro, tinha uma AK47 com silenciador e mira noturna, através da qual viu os cinco homens se aproximando. Focou a atenção em Quinn e apertou o gatilho. Nesse preciso momento, Quinn se virou para falar com Barry, e a bala não o acertou no coração, batendo na ArmaLite. Ele cambaleou para trás.

— Todos pro chão! — gritou Barry, e todos obedeceram. Rastejou até perto de Quinn. — Está bem?

— Acho que sim.

— Ela está lá e nos espera. Cuidado. Agora, espalhem-se e avancem em leque.


O Learjet atravessou o nevoeiro a três mil metros de altitude, depois afastou-se dele sobre a costa.

— Isso não está bom — informou o tenente-aviador Lacey pelo intercomunicador. — No momento, a maré está a meio. É melhor abortar a missão.

— A escolha é sua, senhores — disse o brigadeiro a Dillon e Johnson.

— Que se dane! — Dillon pegou a alavanca, abrindo a porta Airstair. — Quem quer viver para sempre? — Sorriu para Johnson. — Diabos, você é mais velho. Pode ir primeiro.

— Que amável! — disse Johnson, e quando Lacey fez uma passagem a duzentos e cinquenta metros, mergulhou de cabeça, seguido de Dillon.

O céu estava turbulento, o nevoeiro rodopiava no céu escuro, e Dillon, consciente da presença de Johnson à sua frente, deixou-se cair, rolando na corrente de ar provocada pelo Learjet. Puxou a argola do cabo de abertura do paraquedas, olhou para cima e viu o avião subindo.

Abaixo dele, Johnson aterrissou na areia bem junto à arrebentação. Dillon, mais atrás, caiu dentro da água salgada, emergiu e nadou com certa dificuldade por causa do paraquedas, que se arrastava atrás dele. Puxou o grampo para se libertar e, deixando-o para trás, chapinhou até a praia.

Johnson veio ao seu encontro.

— Está tudo bem?

Dillon acenou afirmativamente. Subiram a praia, pararam nos pinheiros, depois encaminharam-se para a casa. Houve uma súbita explosão e viram fumaça no ar.

— Diria que aquilo era uma granada de fumaça — comentou Dillon. — Vamos! — Desataram a correr monte abaixo.


Enquanto Quinn dirigia os outros rumo ao celeiro, Hedley assestou a mira em Mullen e atingiu-o na cabeça, lançando depois uma granada de fumaça. Os outros se jogaram no chão e pulverizaram o primeiro andar do celeiro com rajadas de metralhadora.

Hedley ficou deitado no alto da escada, cabeça baixa, atingido de raspão por uma bala no ombro direito.

Lady Helen se ajoelhou atrás dele.

— Você está bem?

— Ligeiramente acariciado. Não se preocupe.


Quinn se levantou.

— Vamos lá — ordenou, e todos o seguiram.

Lady Helen ergueu a Browning que Hedley e disparou repetidamente, derrubando Quinn. Os outros homens recuaram.


— Bom, rapaziada, para o celeiro — disse Barry. — Eles não têm para onde fugir.

— Jack, isso não está dando certo — respondeu Dolan. — Se entrarmos, estouram nossos miolos.

Barry apontou-lhe a Beretta.

— Bom, ou entra ou eu mesmo estouro teus miolos. Vai, sobe aqueles degraus.

Dolan, assustado, começou a subir, e Blake Johnson, entrando no pátio naquele momento, pulverizou-o com a sua AK47, atirando-o de cabeça nas pedras. Barry se aproximou de McGee.

— Não se preocupe, nós conseguimos.

Dillon surgiu do outro lado do pátio e disparou sua AK47.

— Você está aí, Jack?

— Então é você, Sean — respondeu Barry. — Chega sempre tarde demais.

Johnson disparou na direção da voz de Barry, e o fogo foi retribuído. Sentiu um ardor no braço esquerdo e caiu para trás. Dillon atirou três rajadas, pegando McGee na cara.

Depois, tudo ficou em silêncio. Barry engatinhou até abrir a porta do celeiro e entrar. Viu Lady Helen no alto da plataforma, tentando puxar Hedley para trás.

— Estou aqui — gritou Barry.

Ela se virou, apontando a Browning sem hesitação.

A Beretta de Barry travou. Ele acionou desesperadamente a trava de segurança e depois aconteceu uma coisa estranha. Helen Lang arfou, cambaleou para trás e caiu de joelhos. Barry ejetou o carregador, enfiou outro e apontou, mas nessa hora Dillon entrou de rompante pela porta do celeiro.

— Não! — gritou ele, e atirou.

A bala arranhou o rosto de Barry, atirando-o para trás com um grito. Barry se recuperou e atirou repetidamente, obrigando Dillon a se abrigar, depois desapareceu pela porta dos fundos.

Dillon se levantou e, depois de recuperar o fôlego, subiu a escada.

Viu Lady Helen caída com o rosto acinzentado, Hedley a seu lado. Dillon se ajoelhou junto a ela.

— O que foi?

— Meu coração, Mr. Dillon. Tenho vivido com tempo que já não me pertence. Pegamos todos?

Dillon hesitou.

— Quero saber a verdade — exigiu ela.

— Ao que parece, pegamos o bando, mas Jack não.

— Que pena. — Ela fechou os olhos.

Pouco depois, Charles Ferguson e Hannah Bernstein entravam pelo pátio num Land Rover da RAF.


Dillon se deslocava de um corpo para o outro.

Quinn, atingido várias vezes, ainda estava vivo.

— Dillon? — murmurou.

— Seus companheiros foram todos exterminados.

— E Jack?

— Ah, o diabo olha sempre pelos seus. Ele fugiu.

— Filho da mãe.

— Para onde ele vai?

Quinn conseguiu esboçar um sorriso sombrio.

— Isso vai lhe custar um cigarro.

Dillon tirou a cigarreira de prata. Os cigarros estavam secos, apesar do banho de mar pouco antes. Deu um a Quinn e acendeu com seu Zippo.

— Viemos de avião de Doonreigh num Chieftain pilotado por Docherty. Lembra dele? — murmurou Quinn, mal movendo os lábios.

— Sim, claro.

— Aterrissamos numa velha pista não muito longe daqui. Shankley Down. Docherty está nos esperando. — Sua voz enfraqueceu. — Jack sempre olhou só para si mesmo... volta ao Ulster e os outros que se lixem. Volta ao Spanish Head, seu esconderijo.

— Espere aí — interrompeu Dillon —, ainda posso pegá-lo. Lembra que sei pilotar tudo que tenha asa? Essa coisa de Shankley Down... Havia lá algum outro avião?

— Um pequeno bimotor — assentiu Quinn. — Daqueles que se sobe na asa para entrar.

— Um Cessna 310 — murmurou Dillon.

— Cace o filho da mãe, Dillon. — O cigarro deslizou dos dedos e a cabeça caiu para o lado.

Quando Dillon se aproximou, Ferguson disse: — Já pedi uma unidade de remoção. E ele? — perguntou, fazendo sinal na direção de Quinn.

— Morto. Quatro mortos — respondeu Dillon.

— Eu devia conhecer algum deles?

— Ah, vai ficar encantado. Mais quatro para riscar da sua lista de procurados.

Hannah Bernstein tinha ido ao Land Rover da RAF buscar o estojo de primeiros socorros e estava colocando uma atadura em volta do braço de Johnson. Hedley estava abaixado junto a Lady Helen. Dillon se ajoelhou ao lado deles, e ela sorriu.

— Então, ele conseguiu fugir, Mr. Dillon, que pena.

Dillon pegou a mão dela.

— Ele acha que conseguiu, mas eu vou pegá-lo em seu nome, prometo. — Virou-se para Ferguson. — Vamos levá-la para dentro.

— Que terrível confusão, Charles — disse Lady Helen. Não vai ficar bonito nos jornais.

— Não vai sair nos jornais — respondeu Ferguson. — Meu pessoal leva esta escória para Londres, onde serão processados num determinado crematório. Sobrarão vários quilos de cinzas que podem ser jogadas no Tâmisa, pelo que me diz respeito.

— E tem autoridade para isso, Charles?

Ele pôs a mão no braço dela.

— Eu posso tudo.

— Vou andando. Levo o Land Rover — informou Dillon.

— Aonde vai? — perguntou Ferguson.

— Quinn disse que eles aterrissaram num lugar chamado Shankley Down, num Chieftain pilotado por um velho conhecido meu de nome Docherty. Acho que Jack deve estar prestes a decolar.

— Mas o que vai fazer?

— O lugar é de um homem chamado Clarke, que tem um Cessna 310. Vou perseguir Jack Barry até o inferno. Acho que sei qual é seu destino.

— O Spanish Head — disse Johnson.

— Acertou de primeira.

— Mas onde vai aterrissar, Sean?

— Conheço bem aquilo dos velhos tempos. Na maré baixa ficam grandes extensões de areia a descoberto perto do promontório.

— Dadas as circunstâncias, é melhor eu ir com ele, brigadeiro — disse Hannah.

— Nem pense nisso! — exclamou Dillon.

— Deixe-me lhe dizer uma coisa, Dillon. Para levar o Land Rover precisa das chaves, e elas estão comigo. Em segundo lugar, não tem autoridade nenhuma sem uma presença policial. Que eu, como superintendente da Brigada Especial, posso providenciar.

— Jesus, mas que mulher dura.

— Pensei que já tivesse percebido isso — disse Ferguson. — Tudo o que posso acrescentar é: mantenham contato.


Quando Barry chegou a Shankley Down, Docherty e Clarke estavam num dos hangares fumando. A Transit freou ruidosamente, e Barry saiu.

— Okay, a caminho — disse.

— E os outros? — perguntou Docherty.

— Não vêm conosco — respondeu Barry. — Morreram todos.

— Só um minuto — disse Clarke. — Em que encrenca nos metemos?

Barry sacou a Beretta e o atingiu entre os olhos, depois procurou na jaqueta dele e encontrou as duas mil libras. Quando ergueu o olhar, o rosto de Docherty estava perturbado.

— Jack?

— Deu errado. Vamos nos mexer. — Empurrou Docherty na direção do Chieftain.

Logo rolavam ruidosamente pela pista e desapareciam na escuridão.


Quarenta minutos depois, Dillon e Hannah chegaram no Land Rover, estacionando junto ao corpo de Clarke.

— Não há dúvida de que Barry passou por aqui — comentou Dillon. — Telefona para Ferguson e conte que aqui tem outro candidato ao crematório. — Atravessou a pista, subiu a asa do Cessna, caiu no banco do lado esquerdo e verificou os instrumentos. Hannah subiu poucos minutos depois.

— Tudo em ordem?

— Temos os tanques cheios, se é isso que quer dizer. Ouça, ele já está a caminho, e o Chieftain é muito mais rápido do que nós. A pista de Docherty em Doonreigh fica a quarenta quilômetros do Spanish Head, e é para lá que o canalha vai. Se aterrissarmos na praia, nós o pegamos.

— A maré está cheia ou vazia?

— Veremos isso no caminho. — Ligou os motores. — Se não gosta, deixa-me ir sozinho.

— Vá passear, Dillon. — Ela fechou a porta, apertou o cinto de segurança e pegou os fones sobresselentes.

— Bom, gire o dial até o número cinco — disse Dillon. — É o canal da meteorologia no Reino Unido. Pesquise até encontrar o Ulster. — Colocou seus próprios fones, e depois o avião começou a rolar na chuva.

Dillon sorriu para Hannah, acelerou e a aeronave ribombou pista afora.


O Chieftain pousou em Doonreigh ao anoitecer, e taxiou até os hangares. Barry tinha destruído meia garrafa de uísque Paddy no caminho. Ele não tinha usado nada da caixa médica no rosto, apenas esfregado uísque puro. Quando o Chieftain parou, ele destrancou a porta Airstair e desceu os degraus. A névoa havia se dissipado, mas estava chovendo forte.

— De volta ao velho gramado —, disse ele.

Docherty, saindo atrás dele, disse: — Dez mil libras em dinheiro que você prometeu, Jack.

— E eu ia esquecendo. Não é terrível?

— Barry puxou sua Beretta e atirou duas vezes no coração dele. Momentos depois, estava indo embora.


A escuridão descia, o céu clareava e a luz da lua apareceu enquanto Dillon voava sobre o mar da Irlanda.

Hannah disse: — Vamos conseguir, Sean?

— Ah, mantenha a fé, garota.

Surgia uma estranha intimidade entre eles.

Duas horas depois, Dillon sobrevoava o mar da Irlanda. Ia baixo, a menos de quinhentos metros, e via a costa e os penhascos da Irlanda do Norte, negra sob o luar.

Verificou o quadro que tinha no colo e virou ligeiramente para oeste.

— Já chegamos. Bem em frente. — Baixou para duzentos metros. — Só temos um problema. A maré está enchendo com força lá embaixo. — Sobrevoou os rochedos e o castelo.

— É aquilo? — perguntou Hannah.

— O Spanish Head, como sempre foi. — Voltou a sobrevoar o mar, inclinou o avião e abriu o trem de pouso. — Aqui vamos nós. Experimente rezar. Talvez ajude.

Cristas brancas batiam na praia, e não havia muito espaço para pousar. Dillon nivelou o Cessna menos de cinquenta metros acima da água, depois deixou-se cair. As rodas, sob sessenta centímetros de água, tocaram a areia molhada, e o Cessna se jogou para a frente, depois embicou o nariz na estreita faixa de praia que sobrava.

Fez-se um grande silêncio quando Dillon desligou os motores e removeu os fones. Sorriu.

— Bela vista.

— Não volte a fazer isso comigo — rosnou Hannah Bernstein. — Nunca mais. Podemos sair?

Atravessaram a praia e encontraram um caminho que subia entre dois penhascos. Quando chegaram ao alto, estavam perto do castelo.

— E agora? — perguntou Hannah.

— Vamos até a casa do guarda. — Dillon seguiu na frente.


O velho John Harker estava na cozinha, esperando que a cafeteira fervesse, quando sentiu uma súbita corrente de ar. Virou-se, viu a porta aberta e Dillon, acompanhado de Hannah, na soleira.

— Lembra de mim? — perguntou Dillon.

— Meu Deus! — exclamou Harker.

— His lordship já apareceu?

— Há dez minutos. Como soube?

— Eu sei tudo. Agora, vá buscar sua lanterna e nos guie pelo jardim. Decido o que fazer quando chegarmos ao castelo.

— Como quiser. — Harker hesitou. — Vai ser o fim dele?

— Se depender de mim...

— Graças a Deus. — Harker tirou uma lanterna elétrica de um gancho. — Vamos a isso.


Barry estava na biblioteca tomando uísque e olhando os quadros de seus antepassados. Por trás dele, a porta se abriu e Dillon e Hannah entraram. Dillon estava desarmado, mas Hannah tinha uma Walther na mão esquerda.

— Sean, o diabo está do seu lado?

— Só às vezes.

Barry sorriu.

— Deus sabe como conseguiu chegar aqui.

— Como você, só que aterrissei na praia.

— E como ficaram as coisas em Compton Place?

— Seu bando foi dizimado, Blake Johnson está ligeiramente ferido.

— E Lady Helen? — perguntou Barry com certa ansiedade na voz. — Ela está bem, não está?

— O coração dela não está bom. Teve um enfarte.

— Ela me tinha na mira, minha arma travou e ela parece que caiu.

— Sou a superintendente Hannah Bernstein — apresentou-se Hannah —, da Brigada Especial da Scotland Yard, e devo avisá-lo de que...

Barry atirou o copo em cima dela, abaixou-se quando ela atirou e desapareceu atrás do painel.

— Vamos — gritou Dillon, e correu para a porta.

Chegaram ao saguão e se depararam com a porta da frente aberta e Harker na varanda, de lanterna na mão.

— Ele passou correndo por mim. Seguiu pelo caminho entre as árvores na direção dos rochedos.

Dillon se precipitou para fora, com Hannah e Harker atrás.


Barry corria de cabeça baixa entre as árvores, a Beretta na mão esquerda, já não sabendo muito bem para onde ir.

Helen Lang. Não conseguia tirá-la da cabeça. Chegou ao caminho que levava ao Soak Hole e seguiu aos tropeções, só parando muito perto do penacho de espuma branca que se projetava no ar com um rugido oco. Parou, virou-se e apontou a Beretta com a aproximação de Dillon.

Dillon afastou o braço de Barry para um lado e deu-lhe um encontrão, ao mesmo tempo em que agarrava seu pulso direito e o torcia para cima. Barry deu um berro quando o osso estalou, e Dillon o empurrou de cabeça para a escada, largando-o. Ouviu-se um último grito desesperado, e depois um gêiser de espuma irrompeu no buraco.

O velho Harker segurava a lanterna bem alto.

— Que Deus nos ajude, mas que tipo de homem é você?

— Às vezes me pergunto o mesmo. — Dillon se virou para Hannah. — Ligue para Ferguson. Diga para mandar Lacey e Parry nos buscar.

— Claro. — Ela pôs a mão no braço dele. — Você está bem?

— Melhor do que nunca. — O Soak Hole voltou a explodir. — Jack era um grande filho da mãe, e o mar o levou, por isso assunto encerrado.


Na tarde seguinte, Dillon estava sentado com Hannah e Ferguson na porta de um quarto particular na London Clinic. Hedley saiu do quarto, elegante no seu uniforme de motorista.

— Como ela está? — perguntou Ferguson.

— Nada bem. Pediu para ver Mr. Dillon.

Dillon se levantou e entrou no quarto. Lady Helen estava recostada na cama, com soro no braço esquerdo e diversos fios ligados a um equipamento eletrônico. Tinha uma enfermeira sentada junto a ela.

Dillon se aproximou da cama.

— Lady Helen?

Ela abriu os olhos.

— Ouvi dizer que o pegou. Charles me contou.

— É verdade.

— Então é este o fim do Sons of Erin. De todos eles, até mesmo da Conexão. E sabe de uma coisa? Peter não voltou.

— Eu sei — Ele pegou a mão dela.

Lady Helen sorriu.

— Mr. Dillon, tem-se em muito má consideração, mas digo-lhe que é um dos homens com mais integridade moral que conheci. Não se esqueça disso. — Os olhos dela se fecharam, a mão escorregou e uma das máquinas começou a emitir um ruído estranho.

A enfermeira se aproximou e Dillon saiu do quarto. Ferguson e Hannah se levantaram.

— Ela está morta? — perguntou o brigadeiro.

— Mas não esquecida — respondeu Dillon. — Nunca será esquecida. — Pôs a mão no ombro de Hedley. — Vamos dar uma volta pelo jardim. Preciso de um cigarro.


Epílogo

 

 

Uma semana depois, dirigiram de Londres até Compton Place.

— O que disse o primeiro-ministro quando lhe contou? — perguntou Dillon.

— Lamentou muito o que aconteceu com Lady Helen, claro.

— Não lamentamos todos?

— Mas ficou satisfeito com o resultado. Podia ter sido muito pior.

— E assim o primeiro-ministro e o presidente podem soltar um grande suspiro de alívio e agradecer a Deus pelos soldados que têm — comentou Dillon. Ele olhou para Ferguson. — E me nomeou carrasco público novamente, só que desta vez Hannah e Blake também representaram um papel.

— É a vida — respondeu Ferguson.

Entravam na aldeia. O estacionamento da Igreja de St. Mary and All the Saints estava quase cheio e havia carros na rua.

— Meu Deus, é uma grande despedida! — exclamou Ferguson.

— Acho que tinha que ser. Fiquei sabendo o suficiente sobre ela para entender que era muito querida. — Dillon olhou o relógio. — Faltam quarenta minutos para o serviço religioso. Quanto a vocês, não sei, mas eu preciso de uma bebida. Deixem-me no pub. Se não quiserem me acompanhar, encontro vocês na igreja.

— Não, acho que uma bebida vem a calhar. — Ferguson virou-se para Hannah. — Se concordar, superintendente.

— Claro, brigadeiro.

O Daimler deixou-os na entrada do pub, afastando-se em seguida. Entraram e descobriram que o pub estava cheio, não apenas com os habitantes da aldeia em seus melhores ternos e vestidos, mas também com muitos forasteiros. Hetty Armsby, de preto, servia no balcão, ajudada por duas garotas da aldeia.

— Meu Deus — disse Ferguson. — Dois condes, uma duquesa e diabos me levem se não é o comandante-geral da Guarda Escocesa que está ali. É melhor ir cumprimentá-lo.

— O bom e velho sistema de classes britânico — ironizou Dillon, virando-se para Hannah. — Vou abrir caminho até o balcão. Espere aqui. — Será que tem algum champanhe na geladeira? perguntou a Hetty quando conseguiu se aproximar.

— Devo ter meias garrafas. — Ela franziu a testa. — Champanhe?

— Num funeral, quer dizer? — Ele acendeu um cigarro. — Quero fazer um brinde à melhor mulher que já conheci.

O sorriso de Hetty foi instantâneo, e ela se debruçou sobre o balcão e deu-lhe um beijo.

— Tem razão. Ela era a melhor. — Tirou o champanhe da geladeira.

— Duas taças — pediu Dillon.

— É melhor pedir três — disse uma voz familiar.

Dillon se virou, deparando-se com com Blake Johnson de braços cruzados.

— Meu Deus! — exclamou Dillon. — De onde você surgiu?

— Foi uma decisão de última hora do presidente. Mandou-me pessoalmente trazer a coroa de flores dele.

Pegou uma das taças de champanhe e Dillon as outras duas. Johnson cumprimentou Hannah com um beijo.

— Como sempre, é um prazer vê-la.

— Bons olhos o vejam, Blake. À saúde de Helen Lang, uma grande dama. — Hannah ergueu a taça, e todos se juntaram ao brinde.


Dillon não era religioso. Permaneceu no fundo da igreja cheia, porque o serviço significava muito pouco para ele. Ficou satisfeito quando saiu, mantendo-se sob a chuva à espera de Hannah e Ferguson.

Nisso apareceu Hedley com um amplo guarda-chuva preto.

— Outro lugar-comum, Hedley — comentou Dillon. — Um enterro com chuva.

— Parece zangado, Mr. Dillon.

— Acho apenas que ela merecia mais.

— Você pegou aquele canalha para ela.

— A única coisa positiva.

Mantiveram-se de lado enquanto o caixão saía da igreja e era levado para o jazigo da família Lang.

— Uma mulher dos diabos — disse Hedley. — Sabe o que ela fez por mim?

— Conte.

— O advogado me telefonou esta semana. Deixou-me um milhão de libras em testamento e a casa da South Audley Street.

Dillon tentou encontrar as palavras adequadas.

— Ela adorava você, Hedley, e queria que ficasse bem.

Hedley tinha lágrimas nos olhos.

— É só dinheiro, Mr. Dillon. De que serve isso se pensarmos bem no assunto?

Dillon deu-lhe uma palmadinha no ombro enquanto o caixão avançava e seguiram a multidão, acompanhados de Ferguson, Bernstein e Johnson.

O caixão entrou no jazigo, o prior fez as orações e as portas de bronze se fecharam. Embaixo da lápide dedicada ao major Peter Lang havia uma nova placa:

HELEN LANG,
MUITO QUERIDA
FALECIDA EM 1999

 

 

                                                                  Jack Higgins

 

 

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