Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A CONVIDADA DE HONRA / Irving Wallace
A CONVIDADA DE HONRA / Irving Wallace

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Matt Underwood, Presidente dos E. U.A., era um antigo coordenador de telejornal que se tornara muito popular graças à sua actividade política, mas não lograva ocultar o tédio sentido pelo seu alto cargo.
Esta apatia virá, porém, a ser abalada quando conhece, num almoço protocolar de rotina, Madame Noy Sang, viúva, presidenta do Lam-pang, uma pequena República asiática dos Mares do Sul.
Esquecendo a mulher os próprios conselheiros, Underwood desenvolve mais do que uma amizade diplomática por Madame Noy Sang e depressa fica envolvido não só nos problemas internos do Lampang como também nos contraditórios impulsos do seu próprio coração.
Tal como em A Segunda Dama, é o mundo de Washington, com as suas lutas pelo poder, que revive neste romance de leitura arrebatadora, no qual um dos homens mais poderosos da Terra tem de decidir entre o sentido do dever e o instinto da paixão.

.
.
.

.
.
.

COM os seus impermeáveis ligeiros vestidos, por causa do chuvisco do anoitecer, os dois, o coronel e o major, deixaram o carro e o motorista entre o Templo do Buda Esmeralda e a Igreja da Imaculada Conceição e seguiram a pé, pelo passeio de cimento, para o Palácio Chamadin. Quando chegaram ao portão de ferro forjado instalado no muro de três metros de altura, encimado por espigões, que cercava o palácio de estilo colonial espanhol e a área presidencial, o mais alto dos dois, o coronel, tocou à campainha sem a mínima hesitação.
Tinham ensaiado a operação tantas vezes, que não lhes escapava nenhum pormenor. Sabiam o que esperar e tinham a certeza de que não falhariam.
Em resposta ao toque de campainha, um capitão do comando de segurança presidencial e três soldados, todos eles completamente armados, saíram da casa da guarda e avançaram ao encontro do par.
O coronel passou os documentos de identificação de ambos pelo portão.
O capitão do comando de segurança deu uma vista de olhos aos documentos e levantou a cabeça.
O coronel falou, do seu lado do portão:
- O major e eu somos mensageiros do general Nakorn e temos instruções para entregar, em mão, um documento confidencial ao Presidente Prem Sang. Não precisam de nos anunciar. Como os nossos documentos indicam, o Presidente espera-nos.
O capitão dos guardas abanou a cabeça.
- Lamento, Sr. Coronel, mas temos de anunciar a sua   chegada. - Abriu   o   portão. - Queiram   entrar, enquanto informo a secretária do Sr. Presidente.
O coronel não pareceu nada preocupado; estava preparado para aquilo. Entrou no pátio, seguido de perto pelo major, e ficaram parados ao lado dos soldados sonolentos, enquanto o capitão entrava na casa da guarda para usar o telefone.
Os dois militares ouviram o que ele dizia.
- Miss Kraisri, o coronel e o major chegaram com uma mensagem confidencial do general  Nakorn para o Presidente. Espera-os?
Seguiu-se um silêncio, enquanto o capitão dos guardas escutava.
- Quer dizer que falaram do gabinete do general? Escutou de novo e acenou com a cabeça, num gesto
de assentimento.
- Muito bem, Miss Kraisri, eu informo-os disso e deixo-os entrar.
Desligou e saiu de novo para o chuvisco.
- Com efeito, Sr. Coronel, a secretária dos compromissos  presidenciais  foi   informada  de  que  viriam. Lamenta, no entanto, ter de lhes dizer que o Sr. Presidente não tem tempo para os receber, mas pede-lhes que lhe entreguem os documentos, a ela.
- Obrigado - respondeu o coronel.
- Queiram  atravessar o  pátio  para a  entrada do palácio. Mostrem a identificação a um dos guardas que estão do lado de dentro. Ele encaminha-os para o escritório de Miss Kraisri.
Tanto o coronel como o major inclinaram a cabeça, aquiescendo, receberam de novo os documentos e dirigiram-se para a entrada do palácio.
Uma das portas do palácio abriu-se, quando chegaram, e eles entraram. Um guarda observou-lhes os documentos e, uma vez satisfeito com a identificação, apontou os dois lanços de degraus de mármore que subiam em frente, interrompidos por um patamar largo.
- Queiram subir estas escadas. Depois, à direita, verão guardas defronte da porta do gabinete do Presidente. A secretária dele estará a aguardá-los.
- Obrigado, sargento.
O coronel avançou à frente do major pela entrada de mármore, na direcção da reluzente escada, parou para deixar o companheiro alcançá-lo e depois, com passo certo, começaram a subir.
Achavam ambos os movimentos incómodos, conscientes do que transportavam debaixo dos impermeáveis.
Chegados à consola dourada do patamar, voltaram-se e subira segundo lanço mais rapidamente.
Ao cimo da escada, viram um tenente fardado a rigor e com uma espingarda em bandoleira, a esperá-los do lado de fora da recepção.
Foram direitos a ele.
- Recebemos instruções para entregarmos a Made-moiselle   Kraisri   um   documento   pessoal   do   general Nakorn para o Presidente Sang - disse o coronel.
- Eu sei - respondeu o tenente. - Levo-os até ela. Abriu a porta e conduziu o coronel e o major à sala
de espera de Miss Kraisri. Uma secretária de metal verde e um processador de texto dominavam o aposento, mas não se encontrava ninguém à secretária.
- Miss   Kraisri   deve  estar  lá  dentro,  a  trabalhar com   o  Sr.   Presidente - explicou   o  tenente. - Se  me confiarem o documento, encarrego-me de o entregar ao Presidente Sang ou à sua secretária.
-Eu dou-lho - disse o coronel, e começou a desabotoar o impermeável. Passou para a esquerda do tenente e enfiou a mão no impermeável, para tirar o documento.
O tenente virou-se completamente para a esquerda, a fim de ficar de frente para o coronel e recebê-lo. Ao mesmo tempo que o fazia e estendia a mão, o major colocou-se atrás dele.
Enquanto o tenente aguardava a entrega do documento, o major, atrás de si, levou a mão ao interior do seu próprio impermeável, tirou a adaga comprida da bainha, ergueu-a alto e apontou-a às costas do tenente.
Num instante, com grande ímpeto, a adaga fulgurou, descendo, enquanto a mão livre do major tapava a boca do tenente, para abafar o seu grito.
No vasto gabinete presidencial, Prem Sang, presidente da nação de Lampang, depois de ter mandado a sua secretária ao andar de cima, ler à mulher o seu último rascunho da  lei  da reforma agrária, estava de
novo debruçado para a rima de papéis que tinha em cima da enorme mesa de trabalho.
Era um homem baixo, de quarenta e tal anos, com cabelo castanho, olhos castanhos encovados e rosto prematuramente enrugado, completamente esgotado pela fadiga dos seus três difíceis anos na chefia do Estado. A sua posição, encolhido na vastidão da secretária, acentuava-lhe a pequenez do corpo.
Doíam-lhe as costas, e concluiu que era altura de se levantar e endireitar-se. Ao fazê-lo, pôde abarcar com o olhar o elegante gabinete, do chão de parquet coberto de carpetas persas às paredes apaineladas a mogno, pontuadas por espelhos com molduras douradas e por um murai de camponeses a trabalhar num campo, aos candelabros de parede dourados e aos lustres de cristal. Pelas janelas, a um lado, perto do selo presidencial que pendia de uma parede, via a varanda coberta, à prova de bala, que circundava o edifício. Havia três portas: uma para a sua sala de espera, outra para a sua sala de jantar naquele piso e uma terceira que conduzia à escada de acesso ao apartamento do piso superior, que partilhava com a mulher. Uma quarta porta, não visível, de aço sólido, estava oculta por um prolongamento do apainelado de mogno. Esta porta abria para uma passagem que conduzia ao jardim, onde o comando de segurança presidencial tinha as suas casernas.
Prem Sang voltou a sentar-se na cadeira giratória de cabedal e fixou o olhar no único objecto que ocupava o tampo da secretária, além da rima de documentos. Tratava-se de uma moldura de prata com uma fotografia da sua mulher, No, e do filho de ambos, Den. Depois os seus olhos regressaram aos papéis e a sua mente concentrou-se de novo no trabalho.
Há meses que o Presidente Prem Sang vivia atormentado por um dilema. O seu domínio era constituído por três ilhas no Mar da China Meridional, ao largo da Tailândia, do Camboja e da ponta sul do Vietname. A ilha principal, e de longe a maior, era Lampang, em cuja capital, a cidade de Visaka, Sang residia. As duas ilhas adjacentes, Lampang Lop e Lampang Thon, eram muito mais pequenas, com selvas e montes quase impenetráveis onde se acoitavam, em número preocupante, os rebeldes comunistas.
O problema imediato do Presidente Sang era encontrar uma maneira de satisfazer ambos os lados opostos da sua população. Na ilha principal, Lampang, onde o povo comum-que era democrata, católico e de língua inglesa-o elegera com base numa plataforma de distribuição justa da terra e da riqueza, Sang agarrava-se à sua estreita margem de popularidade. Nas ilhas vizinhas, Lampang Lop e Lampang Thon, os guerrilheiros comunistas dominavam sob o comando de Opas Lunakul, peão dos comunistas vietnamitas que diariamente se infiltravam.
Os comunistas propagandeavam, eficazmente, que o Presidente Sang e Lampang eram fantoches dos Estados Unidos, de onde recebiam considerável auxílio económico. A independência de Lampang estava a ser corroída por essa dependência estrangeira, alegavam. Só com o comunismo Lampang poderia ser verdadeiramente livre e economicamente saudável.
Mas os comunistas não eram o único problema do Presidente Sang. Ele tinha também um problema interno. O chefe do seu exército, o seu amigo íntimo general Samak Nakorn, estava em desacordo total com ele no que dizia respeito aos comunistas.
O general insistia que qualquer dinheiro que porventura viesse dos Estados Unidos fosse gasto em tropas para aniquilar os comunistas. O Presidente Sang queria o dinheiro para reforçar a economia nacional, pois achava ser essa a melhor maneira de vencer qualquer ameaça comunista.
O Presidente revia mais uma vez as colunas de notas que tinha em cima da secretária. A taxa de desemprego em Lampang era de dezoito por cento. E para os empregados, a vida pouco melhor era, pois a família média de cinco pessoas dispunha de um rendimento mensal de cento e dez dólares. Desolador. Se isso pudesse ser melhorado e fossem distribuídas terras, seria possível derrotar pacificamente os comunistas.
Bateram à porta de entrada.
Lembrou-se vagamente de que o general Nakorn enviara uma mensagem, para ser entregue à sua secretária ou ao guarda.
Como a secretária estava no piso de cima, o Presidente Sang respondeu:
- Entre, tenente.
A porta abriu-se. O Presidente esperara ver o seu tenente. Mas não viu ninguém. E no instante seguinte viu. O tenente estava caído na antecâmara, com um punhal  nas costas.
Ao mesmo tempo, dois homens uniformizados, que desconhecia, passaram por cima do corpo do tenente, empunhando cada um uma espingarda.
Quando  as  ergueram, Sang   identificou  as  armas.
Eram automáticas Kalashnikov, espingardas de ataque soviéticas standard, e estavam a ser-lhe apontadas.
Estupefacto, o Presidente Sang saltou da cadeira, gritando:
- Que vem a ser isto? Quem diabo...?
Em resposta, ambas as armas matraquearam hedion-damente.
A velocidade de saída dos projécteis e o seu impacte arrancaram parte do rosto de Sang, trespassaram-lhe o coração, penetraram-lhe no estômago.
A potência do fogo ergueu-o momentaneamente do chão e arremessou-o contra a cadeira, de onde escorregou de novo para o chão e acabou por cair na carpeta, morto. Enquanto uma poça de sangue começava a formar-se, os dois assassinos fecharam devagarinho a porta e desapareceram.
No piso de cima, no quarto de vestir, a esposa do Presidente estava a aplicar creme no rosto, enquanto ouvia a secretária de Prem, quando os sons vindos de baixo a sobressaltaram.
Parou, à escuta.
Fogo-de-artifício, pensou. Ou talvez mais do que isso. Tirou o robe de seda do cabide, vestiu-o e dirigiu-se para a escada. Apressada, confusa, apreensiva, entrou de roldão no gabinete do marido.
Não viu ninguém, mas depois, quando se aproximou mais da secretária e espreitou para trás dela, deparou com o corpo caído de Prem. E, em seguida, viu o seu estado, crivado de balas, e o charco escuro que devia ser sangue.
Ofegou e depois gritou. Gritou, gritou...
O que se seguiu foi um caleidoscópio de gente.
Miss Kraisri e os criados chegaram a correr. Depois os guardas do palácio, com o capitão à frente. Passado pouco tempo, a polícia, médicos e pessoal da ambulância.
Alguém a levara para uma cadeira de espaldar direito, ali perto, e Noy estava lá sentada, paralisada pelo choque.
Estava lá há muito tempo, quando o general Samak Nakorn e os seus oficiais chegaram.
Nakorn interrogou os médicos, enquanto o corpo de Sang era levado numa maca. Em seguida, o general interrogou o capitão dos guardas.
-Dois, disse? A secretária do Presidente disse-lhe que eu a informara para os deixar entrar e esperar uma mensagem? É mentira! Eu não falei com o Presidente a respeito de semelhante coisa! Não lhe enviei mensagem nenhuma! É uma conspiração comunista. Quando o médico legista remover as balas, verá que elas são de origem russa. Isto é terrível, inacreditável, hediondo.
Só mais tarde Noy Sang deu conta de que o general Nakorn estava parado diante dela e lhe falava.
Homem normalmente ríspido e rouco, a sua voz tornara-se agora estranhamente contida.
Tentava expressar-lhe as suas condolências.
-Lamento, lamento muito, Madame Presidente - dizia.
Foi então que Noy teve consciência não só de que era viúva, mas também de que, como vice-presidente do seu marido, se tornara Presidente de Lampang.
Na sala de controlo envidraçada da TNTN - The National Television Network-, na M Street, Hy Hasken instalou-se numa cadeira de braços, ao lado da ocupada pelo seu editor, Sam Whitlaw.
A visita de Whitlaw, que viera de Nova York a Washington, D. C, devia ser de curta duração. Um dos primeiros assuntos da sua breve agenda era uma conversa com Hy Hasken, o correspondente da rede televisiva na Casa Branca.
Depois de terminado o programa de Hasken, Whitlaw telefonara-lhe para a sala de imprensa da Casa Branca: «Hy, quero que venha ter comigo, para vermos juntos o noticiário das sete.»
Hasken chegara mesmo a tempo do noticiário da noite e preparou-se para se observar a si mesmo no ecrã do televisor que tinham à sua frente.
Enquanto esperava pela sua parte do noticiário, tentou conversar descontraidamente com o seu superior. Mas Whitlaw estava inteiramente concentrado nas notícias, o sangue da sua vida. Por isso, Haskero aguardou em silêncio.
Por fim, viu-se no ecrã do televisor, de microfone na mão, parado em Lafayette Square com a fachada da Casa Branca a servir de fundo.
Hasken tentou ver-se como os milhões de espectadores o viam, a fazer o seu trabalho. Viu-se, realmente, como a sua audiência - conhecidos de longa data - o devia ver, numa sala de estar. Era magro, tinha cabelo louro claro penteado para um lado, testa alta que a caracterização do estúdio tornava baça, olhos azuis vivos, nariz comprido e boca pequena, e uma voz - e um tom - ressoante e sincopada, levemente acusadora.
Enquanto se observava, Hy Hasken escutava-se, também.
«-A notícia mais importante proveniente da Casa Branca, hoje, é a de que o Presidente Matt Underwood prepara uma reunião com Madame Noy Sang, Presidente da Ilha de Lampang, uma nação crucial para os interesses imediatos dos Estados Unidos.
«Faz esta semana precisamente um ano que o Presidente Sang, de Lampang, foi morto por pessoas desconhecidas, que se julga terem sido assassinos a mando dos rebeldes comunistas, cuja força tem vindo a aumentar em duas ilhas vizinhas sob a jurisdição de Lampang. O assassínio de Prem Sang implicou a ascensão do seu vice-presidente a presidente. Ora, o vice-presidente era  sua jovem esposa, Noy Sang. Isto poderá parecer estranho aos Americanos, se não tiverem em conta que a política de Lampang assenta numa estrutura social conhecida por prolongamento da família. Um presidente tem sempre, como companheiro de lista e herdeiro, a mulher, ou o filho, ou outro parente chegado. Em certa medida, é lógico, pois nunca nenhum desconhecido ascende à presidência: ao invés, o substituto é sempre alguém próximo do Presidente, uma pessoa cujo pensamento é presumivelmente compatível com o dele próprio.
«O sistema tem funcionado bem em Lampang. Quando da morte de Prem Sang, há um ano, a sua viúva, Noy Sang, pôde suceder-lhe sem esforço no cargo, totalmente conhecedora das ideias e dos objectivos do marido. Há um ano que Noy Sang serve como Presidente, e durante este período de luto não fez qualquer viagem; permaneceu em Lampang para se familiarizar com os assuntos internos do seu país.
«No ano decorrido, Madame Noy Sang adquiriu uma percepção mais aguda da dependência de Lampang dos Estados Unidos. Agora, findo o período de luto, Madame Sang faz a sua primeira viagem ao estrangeiro: uma visita aos Estados Unidos. Chega esta noite. Ficará em Blair House e, amanhã, virá à Casa Branca para um almoço de trabalho com o Presidente Underwood.
«O encontro de amanhã é de importância crucial para ambos os lados. Do lado de Lampang, não resta dúvida de que Madame Noy Sang procura conseguir um empréstimo na ordem dos milhões de dólares, um empréstimo que reforce a sua economia e seja bem aceite pelos seus cidadãos, que pretendem auxílio social e assistência no programa de distribuição de terras agora em curso. Os Estados Unidos, por seu turno, precisam de algo mais importante e valioso: os Estados Unidos precisam de uma base aérea grande e moderna na Ilha de Lampang.
«Para compreendermos a importância desta base aérea, temos de visualizar onde Lampang está situada. A maioria dos telespectadores tem certamente ouvido falar, de quando em quando, de Lampang. Muitos talvez tenham esquecido a sua importância estratégica para a América, que só é ultrapassada, na mesma área geral, pela das Filipinas.
«Lampang situa-se a oeste das Filipinas, na orla do Mar da China Meridional e próximo do golfo da Tailândia. A ilha principal, que tem dois terços da área de Luzón, nas Filipinas, fica a sul do Camboja e do Vietname, mas ainda na vizinhança da República Popular da China. Lampang encontra-se voltada para três países comunistas, dois dos quais recebem abertamente armas e auxílio da União Soviética. Para completarmos o nosso anel   de  ilhas   anticomunistas   no  Oceano   Pacífico, os Estados Unidos precisam de uma grande base aérea em Lampang.
«Conseguir essa base aérea crucial será o principal objectivo do Presidente Underwood, quando amanhã se encontrar com Madame Noy Sang. Consegui-la-á? Existem obstáculos. Madame Sang, como o seu marido antes dela, encontra-se sob pressão crescente para manter a nação livre da dependência dos Estados Unidos, assim como das exigências e influências americanas. Grande parte dessa pressão provém dos rebeldes comunistas locais, que querem apoderar-se de Lampang.
«Ao mesmo tempo, Madame Noy é uma política moderada, que tem um afecto conhecido pelos Estados Unidos e pelos costumes americanos, afecto que remonta ao tempo em que frequentou, aqui, o Wellesley College, quando tinha vinte anos. Mas o factor-chave é que Madame Noy Sang precisa de receber dos Estados Unidos algo de imenso valor - um grande empréstimo em dinheiro para escorar a sua economia - e tem perfeita consciência de que, para o obter, terá de estar preparada para dar.
«Assim, o almoço de amanhã entre o Presidente Underwood e Madame Noy Sang parece ser algo mais do que um encontro de carácter social. É um confronto que envolve uma troca. Efectuar-se-á a troca? Esperamos poder responder-lhes amanhã. Sou Hy Hasken, da TNTN, na Casa Branca.»
Sam Whitlaw levantou-se rapidamente e desligou o televisor. Voltou para a sua cadeira e olhou para Hasken.
- Hy, vi esta sua peça duas vezes, hoje. A primeira em directo  e a segunda, agora, em videotape. Queria falar consigo a esse  respeito. A pergunta que desejo fazer é: porquê?
- Porquê o quê? - indagou Hasken, sem perceber.
- Porquê   todo   um   segmento   em   horário   nobre acerca de Lampang? Quem quer saber de Lampang para alguma coisa?
-Mas você ouviu-me - protestou Hasken. - É estrategicamente importante. Colmata um grande buraco no nosso perímetro defensivo. Considera as Filipinas importantes, não considera? Bem, estão do nosso lado. Lampang tem a mesma importância. Só que não está do nosso lado.
Whitlaw abanou a cabeça.
- Aposto consigo dez contra um em como metade dos   nossos  telespectadores   não  faz   a   mínima   ideia de onde fica Lampang.
- Talvez   não - admitiu   Hasken.- Mas   nem   por isso deixa de ser uma história.
- Fraca. E a vinda da Presidente Noy Sang aqui, para discutir o assunto com Underwood. Entre os líderes mundiais, Noy Sang deve ser um dos menos conhecidos.
- Ocupa o cargo há um ano, apenas. Dê-lhe uma hipótese. A partir de amanhã será mais conhecida.
- Duvido, Hy.
- Além disso, em si mesma, ela é uma personagem dramática. Quero dizer, o marido foi  assassinado exactamente há um ano. Ela era vice-presidente, e prestou   imediatamente  juramento   como   presidente.   E   há mais... - Hasken hesitou. - Ela é espectacular. É capaz de se tornar popular.
- Talvez, mas não acho provável - respondeu Whitlaw.- Não creio que mais uma mulher bonita na Casa Branca vá significar muito, quando temos uma primeira dama que em tempos foi Miss América. - Whitlaw suspirou.- Podia,  com  certeza, ter encontrado uma  peça de topo melhor para o horário nobre.
- Não há nenhuma peça de topo melhor - protestou  Hasken, erguendo as  mãos. - Pelo menos eu  não fui capaz de encontrar nenhuma. O meu problema tem sido, e é,  o  Presidente  Underwood.  Como tenho dito muitas vezes no ar, ele é um presidente preguiçoso. Não gera, pura e simplesmente, notícias.
Hasken pensou uma vez mais no assunto. Conhecia Underwood de longa data, desde que ele próprio era um principiante na TNTN e Underwood atingira o seu zénite na televisão, como o mais popular e querido coordenador de noticiário. A gaforina parcialmente grisalha de Underwood; as suas feições finamente delineadas, algo ásperas, mas sem: dúvida bondosas, e a sua voz quente, tinham-no tornado num nome familiar. O que o tornara ainda mais pitoresco fora o facto de ter casado, realmente, com uma ex-Miss América, Alice Reynolds, que fazia reportagens especiais sobre mulheres, na rede televisiva. Quando Hasken se licenciara pela Universidade de Colúmbia, em Nova York, e conseguira um emprego modesto na rede, Matt Underwood atingira o cume.
Ao princípio, Hasken sentira uma espécie de temor respeitoso pelo famoso coordenador de noticiário. Depois, gradualmente, à medida que fora aprendendo mais sobre televisão, a sua admiração por Underwood diminuíra. Hasken tinha sido um repórter curioso e agressivo. A sua perda de respeito por Underwood derivara do facto de ao coordenador faltar curiosidade. Underwood era aquilo a que ele chamava, secretamente, um «leitor». Reunia-se o material sobre qualquer história, externa ou interna, e Underwood lia-a para a sua audiência como se ele a tivesse inventado. A sua força não residia na sua originalidade, mas sim na sua absoluta sinceridade.
Hasken considerava o seu superior uma contrafacção. Um actor. Nada parvo. Pelo contrário, muito inteligente e com uma extensa gama de conhecimentos acerca de muitas coisas. A sua força genuína consistia na sua faculdade de convencer milhões de pessoas de que as palavras que dizia eram suas e a verdade. E as pessoas acreditavam-no, como as crianças acreditam nos seus pais.
Depois, abruptamente, Underwood trocou a TNTN pela política. Quando um senador de Nova York morreu antes de cumprir totalmente o seu mandato, o governador, que era fã de Underwood e tinha consciência da sua incrível popularidade, escolheu ousadamente um coordenador de telejornal para substituir o senador falecido durante o resto do mandato.
Graças à sua experiência como repórter, Hasken sabia que, frequentemente, juntar-se à matilha do Congresso obliterava um homem ou uma mulher. Com Matt Underwood não foi assim. Underwood transferiu, simplesmente, a sua popularidade da televisão para o Senado dos Estados Unidos. Continuou a ser, mais do que nunca, o menino bonito dos media. Quando chegou a altura de arranjar candidatos presidenciais, foi escolhido pelo seu partido. Nas primárias, venceu no lowa e em Nova Hampshire, e nas eleições obteve uma vitória esmagadora.
E foi assim que a Casa Branca passou a ser ocupada por um ex-coordenador de telejornal e uma ex-Miss América.
Entretanto, Hy Hasken, com toda a sua iniciativa, subira velozmente na hierarquia da rede televisiva e, há dois anos, tornara-se o correspondente da TNTN na Casa Branca.
Desde o princípio, Hasken não gostou do Presidente Underwood. Este era um presidente preguiçoso, tão preguiçoso quanto Calvin Coolidge fora, e o jornalista não tardou a dizê-lo na televisão. Isso irritou o Presidente e o seu chefe de gabinete, Paul Blake; mas Hasken persistiu na sua crítica a um presidente que quase não dava conferências de imprensa e raramente recebia chefes de Estado estrangeiros. Como tinham os seus colaboradores conseguido que ele aceitasse sentar-se e almoçar com a presidente de Lampang, era coisa que transcendia Hasken. Apesar disso, o jornalista considerava que se tratava de uma história e utilizara-a como tal.
E o seu editor, Sam Whitlaw, discordava. Achava a reportagem demasiado enfadonha.
Hasken procurou o fio da conversa interrompida com Whitlaw e, com alguma dificuldade, encontrou-o.
- Deixe-me repetir - disse-, este presidente, pura e simplesmente, não gera notícias. Eu tenho de apresentar qualquer coisa e, por isso, avancei com o que tinha.
- Não podia ter encontrado nenhuma outra peça de topo? - insistiu Whitiaw.
- Não, Sam, acredite, não havia mais nada. O único filão de verdadeira notícia que consigo imaginar, seria anunciar que  Matt Underwood tinha decidido  candidatar-se  à   reeleição  e conquistar um  segundo  mandato. Isso, sim, seria notícia. Por acaso, sei  que a primeira dama quer que ele se recandidate, e o mesmo deseja o chefe do Gabinete, Blake. Uma reeleição proporcionaria  a ambos   poder continuar.   Mas  desconfio   de  que Underwood   não   quer,   nem   tenciona,   recandidatar-se. Repito, é demasiado' preguiçoso para o cargo, que ainda por cima o enfastia.
- Mas Alice Underwood quer que ele se recandidate?
- Oh, sim-, e!a adora a luz da ribalta e todas aquelas oportunidades de ser fotografada.
--Bem, porque não manda você isso para o ar? Hasken pareceu desamparado.
- Eu  gostaria  de fazê-lo, Sam. Mas  não o posso provar. Sou um bom repórter de investigação, talvez até o melhor, mas o que eu investigar tem de poder ser provado. Estou convencido de que a primeira dama quer que ele se recandidate. No entanto, não tenho a sombra de uma prova.
Whitlaw pareceu, finalmente, entusiasmado.
- Então ponha-se em campo, procure e encontre a prova. A primeira dama  quer que  ele se  recandidate. O Presidente não quer. O conflito é a essência de qualquer reportagem digna desse nome. A mim tanto se me dá que Underwood se recandidate ou não. O que interessa é: o que fará ele? Isso, sim, é uma boa história, e não umas balelas a respeito de Lampang.
- Farei tudo, quanto puder para a conseguir - prometeu Hasken, com veemência.
- Claro que consegue!  Dou-lhe uma nova missão. Acabou-se o Hy Hasken, correspondente na Casa Branca. Doravante será Hy Hasken, correspondente presidencial. Acha que pode fazer isso?
- Posso tentar.'
A partir de amanhã, vai ser a sombra do Presidente Underwood. Siga-o como uma consciência culpada.
Há já algum tempo - pelo menos um ano - que dormiam em quartos separados, no segundo piso da Casa Branca.
As razões para essa separação eram duas. Primeira, Alice Underwood sofria de insónias e dormia mal. Tomava um comprimido de dosagem baixa vinte minutos antes de se deitar, e quando Matt Underwood ia para a cama, pouco tempo depois, acordava-a inevitavelmente. Isso tornava-a rabugenta e ríspida. Segunda, Matt Underwood tomava sempre dois ou três-geralmente três - balões de conhaque antes de se deitar. Quando acordava a mulher, ela sentia o bafo do conhaque no seu hálito, o que a deixava ainda mais irritável e furiosa. «Que diabo», protestava, «não podes vir para a cama, nem que seja uma vez, sem cheirar a conhaque?» Enquanto puxava o cobertor, ele respondia: «Não, aqueles balões são o meu comprimido para dormir. Eu tolero o teu. Tu também podes tolerar o meu.»
Pronto, estava desencadeada uma discussão azeda, cheia de recriminações antigas, e depois tinham ambos dificuldade em adormecer.
A iniciativa partiu de Alice. Saiu do Quarto da Primeira Família e mudou-se para a cama com dossel do Quarto da Rainha, ao fundo do corredor.
Nesta manhã, às sete e meia, Horace, o jovial criado negro do Presidente, bateu várias vezes à porta e depois entrou. Não precisou de o sacudir, para o acordar. Under-wood estava deitado, ainda grogue, mas a despertar lentamente.
-Vou preparar o seu fato azul-claro de riscas finas, Sr. Presidente - disse Horace, dirigindo-se para o quarto de vestir. - Creio que hoje tem uma visita estrangeira para almoçar.
- Oh, merda - resmungou o Presidente. - Está bem. Como queira.
O Presidente deixou com relutância a cama espaçosa e dirigiu-se para a casa de banho.
Tomou duche, lavou os dentes, secou o cabelo com uma toalha, escovou-o para trás e pôs um pouco de água--de-colónia no peito, com um vaporizador.
Quando voltou para o quarto, de roupão de banho, as suas roupas aguardavam-no, cuidadosamente dispostas na cama acabada de fazer.
A sua disposição melhorou, à medida que ele se ia vestindo vagarosamente. Gostava da airosidade daquele quarto, vizinho do seu gabinete no segundo piso. Agradava-lhe o papel de parede chinês pintado à mão, representando pássaros em voo; era suave e plácido. Entre as janelas, a paisagem de Willard Metcalf, que sempre o apaziguava. Até a consola de mármore da chaminé, de 1818, era reconfortante.
Depois de fazer o nó da gravata, vestiu o casaco e sentiu-se pronto para começar o dia.
Quando saiu para o corredor, decidiu fazer mais um esforço a favor do seu casamento. Havia semanas que não tomava o pequeno-almoço com Alice. Resolveu fazer-lhe companhia naquela manhã.
Enquanto descia o corredor para o Quarto da Rainha, tentou recordar - coisa que fazia com frequência - como começara o seu distanciamento de Alice.
Vira-a pela primeira vez depois de ela ter vencido o concurso de Miss América. Ou melhor, vira-a antes, mas ão em pessoa. Tinha-a visto na televisão, a desfilar para o concurso, vira-a tornar-se finalista e aprovara quando tinha sido coroada. Lembrava-se do seu corpo no fato de banho branco, apertado. Era impecável. Um belo rosto grego, pescoço comprido, ombros largos, magnífica curva de busto, cintura estreita, ancas arredondadas e pernas compridas e bem torneadas.
Quando ela começou a trabalhar para a TNTN, Underwood foi-lhe apresentado e viu-a em pessoa pela primeira vez.
De saia e blusa cor-de-rosa, Alice não era nem um bocadinho menos atraente do que fora no concurso para Miss América. Tinha-se tornado uma celebridade transitória. Pelo seu lado, Underwood era uma estrela nacional de primeira grandeza. Naturalmente, ela concedeu-lhe tempo e atenção. Ele sentia-se preso a Alice pela sua empolgante beleza.
Pouco tempo depois, foram jantar juntos e puderam conhecer-se melhor num canto discreto de um restaurante italiano, perto do cruzamento da 59th Street com a Avenue of the Americas. Após o jantar, seguiram para o apartamento dele e fizeram amor.
A maneira como se amaram ensinou-lhe mais a respeito dela. Alice não tinha sido terna e meiga, mas sim experiente e agressiva. Sobretudo, era incrivelmente bela.
Para Underwood, Alice Reynolds era irresistível.
Consciente de que jamais encontraria uma mulher mais perfeita, quis torná-la sua.
Sentiu-se feliz por casar com ela.
Tiveram uma filha, Dianne, no segundo ano de casados. Nos anos que se seguiram, Underwood continuou a satisfazer-se com o facto de ser considerado o coordenador de telejornais mais popular dos Estados Unidos. Não deixou, contudo, de detectar que Alice estava agitada, insatisfeita por ter de desempenhar o papel de mãe e reduzir o seu trabalho na TNTN.
O que a animou, e estabilizou momentaneamente o casamento de ambos, foi a nomeação de Underwood para concluir of mandato incompleto no Senado dos Estados Unidos. Aceitou-o como algo que não se rejeita, especialmente por ter uma mulher que queria que ele aceitasse o cargo e desejava uma mudança.
Depois disso, veio a política e Washington, D. C. No seu novo papel, Underwood era mais popular do que nunca, e Alice objecto de maior atenção.
Foi então que as sondagens para a nomeação presidencial começaram a revelar uma coisa surpreendente.
Embora outros candidatos para a nomeação fossem políticos experientes e genuínos, cada um deles bem preparados para servir como presidente dos Estados Unidos, Matt Underwood era, de todos eles o mais conhecido e mais popular.
Disputara as primárias por disputar, convencido' de que não tinha a sombra de uma hipótese de ser nomeado. Mas a sua personalidade afável, as suas conversas informais e o seu rosto conhecido que parecia fazer parte da família de toda a gente, operaram o milagre. Depois de retumbantes vitórias em lowa, New Hampshire e no Sui, tornou-se o favorito do partido para a nomeação.
Uma vez obtida a nomeação e iniciada a campanha, achou cansativo ter de aparecer constantemente em público. No entanto, era bom a ler discursos, muito eficaz, e o público' guardou-o no coração. Alice também. A ideia de ser a primeira dama dos Estados Unidos fizera-a renascer.
A eleição ficou decidida em menos de um dia. Ainda os votos do Illinois não estavam contados, e já Matt Underwood se tornara o próximo presidente dos Estados Unidos. E Alice Reynolds a primeira dama.
Formavam o par mais fascinante da Casa Branca desde John F. Kennedy e Jacqueline Kennedy.
Alice deleitava-se com a sua nova posição. Adorava a oportunidade de se vestir a rigor, de estar com o marido no centro da atenção dos media.
O problema fora Matt Underwood. Ele não gostava da rotina de um horário aparentemente infindável, dos pormenores, das conferências maçantes com colaboradores. Desagradava-lhe o convívio social com pessoas que não lhe interessavam.
Mais do que tudo, desagradavam-lhe os desacordos com a sua mulher. As desavenças eram constantes. O que lhe agradava a ela, achava ele maçador. Havia momentos em que considerava a presidência ilumina-dora, com todas as informações em primeira mão que lhe passavam pela secretária, com todos os recém-adquiridos conhecimentos e poder ao seu alcance. Mas sentia uma falta enorme de privacidade e da oportunidade de se devotar a um livro absorvente.
O desentendimento mais grave entre o casal surgiu quando ele tomou a resolução de que quatro anos bastavam.
Isso fora há um ano. Underwood lembrava-se da discussão como se tivesse sido ontem.
Estava absorto num programa noticioso, da televisão, quando Alice aparecera e desligara o aparelho.
-'Quero ter uma conversa séria contigo-dissera a mulher.
Aborrecido, aguardara em silêncio.
- Tentei abordar o assunto várias vezes, mas mostraste-te sempre evasivo. Agora quero discuti-lo de uma vez por todas.
- Fala - respondeu,  desconfiando  do que  se tratava.
-É acerca dos teus planos, e dos meus próprios. Quero saber se vais candidatar-te à reeleição. Diz-me.
- Bem, realmente, ainda não decidi...
- Claro que decidiste - interrompeu-o ela. - Sabes perfeitamente o que tencionas fazer. E eu também tenho o direito de o saber. Candidatas-te a um segundo mandato?
- Não - respondeu, sem hesitar, surpreendido com a facilidade com que a palavra saíra. - Não - repetiu. - Já me chega.
Alice pareceu atordoada.
- Não  posso  acreditar.  Falas   realmente  a  sério? Matt, que vais tu fazer, depois?
- Tenho um mundo de coisas com que me ocupar. Tu conheces a maior parte delas. Desejo sobretudo dedicar-me ao meu plano de Paz Não-Nuclear. Já me ouviste falar bastantes vezes nisso.
- Tentar convencer nove dirigentes de nações que têm armas nucleares - ou a capacidade de as construir - a abandoná-las. Podes fazer isso com maior eficácia como presidente, Matt.
- Não posso. Como presidente dos Estados Unidos, não posso. Os meus interesses próprios são suspeitos. Mas como ex-presidente...
Alice não se deixara convencer.
Underwood tentara compreender a mulher. A Alice, quatro anos não chegavam. Ela queria oito. Era como ser outra vez Miss América, mas em maior escala. Adorava os projectores, estar em foco. Adorava que durasse sempre.
Além disso, Underwood sabia-o, era competitiva em relação às primeiras damas que a tinham precedido. Alice tinha conhecimento de que Jacqueline Kennedy e Lady Bird Johnson tinham tido, cada uma, quarenta pessoas nos respectivos secretariados, como assessoras para a imprensa e sociais, e desejava ter mais do que elas. Durante dois mandatos, Paj: Nixon fora anfitriã de sessenta e quatro jantares de gala, e Alice queria igualar esse recorde ou ultrapassá-lo. Gostava de ter um mordomo a comandar setenta e cinco empregados domésticos encarregues das cento e trinta e duas divisões da Casa Branca, e não queria abrir mão de nenhuma dessas coisas.
A contenção acerca de um segundo mandato tornou-se, pois, o maior ponto de desacordo entre eles. Underwood tentou recolher-se dentro de si mesmo, evitando mencionar de novo o assunto. Alice, porém, não lho permitia. Continuava com a agressividade de sempre e não perdia nenhuma oportunidade de o punir pela sua indisponibilidade para um segundo mandato.
Ao chegar ao Quarto da Rainha, ele ia disposto a compor as coisas, aproximar-se mais de Alice, sanar as suas divergências.
Abriu a porta sem bater.
Alice, de vaporoso robe branco, estava confortavel-mente instalada na cama de dossel Sheraton Americano, que fora utilizada por cinco rainhas famosas durante as suas visitas oficiais à Casa Branca.
- Uma óptima manhã - desejou Underwood. - Pensei que gostarias que te fizesse companhia ao pequeno--almoço.
Só então reparou que ela tinha no colo um tabuleiro de pequeno-almoço, do qual estivera a comer.
- Tarde de mais - respondeu-lhe Alice, jovialmente. - Para  a  próxima  vez   informa-me   com   antecedência. Tenho estado ocupada com a Monica...
Desviando o olhar, Underwood verificou que a secretária de assuntos sociais de Alice, Monica Glass, tam-
bém se encontrava no quarto, parada junto das janelas altas. Monica, que estivera a procurar qualquer coisa na pasta, fitou-o friamente.
Underwood ignorou-a. Para ele, Monica era tão feia que não valia a pena olhá-la. Era inteligente e não lhe faltava eficiência, mas as suas feições espessas eram um desconsolo.
- É   pena - resmungou   o   Presidente,   aborrecido.
- Hoje   estás   muito   ocupado? - perguntou   Alice, fazendo  um   esforço  cortês  em  nome da  cordialidade pública.
- Razoavelmente. Até logo.
Underwood fechou a porta, sem delicadeza.
Seguindo para a esquina noroeste do corredor, chegou à Sala de Jantar Presidencial, uma divisão pequena, mobilada com peças federais da colecção da Casa Branca, Gostava da atmosfera histórica da sala, sobretudo de um aparador que ornamentava a parede ocidental e ainda conservava as iniciais D.W., de Daniel Webster.
À mesa de mogno do centro da sala encontrava-se já o secretário dos compromissos do Presidente, um jovem apresentável, chamado John Zadrick. Aguardava, sentado com os seus papéis, enquanto o criado da sala de jantar, Babcock, deitava café forte e depois ia ao carro de serviço buscar o pequeno-almoço do Presidente  que era frugal, como de costume:  sumo de  laranja, uma pequena taça de cereais e tostas com manteiga.
Depois de Babcock sair com o carro, Underwood bebeu1 um gole de sumo de laranja e levantou os olhos para o seu secretário dos compromissos.
- Que lhe parece?
- Uma manhã ligeira - respondeu Zadrick. - Tem o encontro habitual, às nove horas, com o chefe do Gabinete Blake, e o secretário de Estado Morrison.
Underwood mostrou-se surpreendido.
- Ezra Morrison? Que vai ele lá fazer?
- Suponho que,  como  secretário  de Estado, quer instruí-lo a respeito do seu almoço.
- Do meu almoço? - Depois lembrou-se vagamente.
- Ah, um diplomata qualquer...
Não se trata exactamente de um diplomata - inter-
rompeu  Zadrick.- A sua  convidada - a  convidada de honra - é presidente de uma nação.
- De qual?
- Lampang, Sr. Presidente.
- Lamp... quê?
- A ilha-nação que não fica muito longe das Filipinas. O senhor almoça ao meio-dia e meia hora com Ma-dame Noy Sang.
Underwood acabou de beber o sumo de  laranja e começou a comer os cereais.
- Noy Sang? Que género de nome é esse?
- É um nome nativo, Sr. Presidente. Ela é  presidente há um ano, desde a morte do marido. Foram-lhe concedidas duas horas consigo. Mr. Blake e o secretário de Estado Morrison, também almoçam com os dois. Suponho que é importante.
Underwood   comeu   apressadamente   os   cereais   e estendeu a mão para o café e as tostas.
- Em que medida é que alguma coisa acerca  de Lampang pode ser importante?
- Bem, eu...
- Deixe  lá - disse o Presidente,  interrompendo-o. - Agora estou a lembrar-me... Lampang e a mulher que a governa. - Riu com desdém.-Que consta da agenda, antes disso?
CAPÍTULO    2
O secretário de Estado Ezra Morrison estava atrasado oito minutos, por causa do trânsito do início da manhã.
Normalmente, era um trajecto relativamente curto, do Departamento de Estado à sede da CIA em Langley, Virgínia. A distância entre o centro de Washington, D. C, e Langley pouco passava, na realidade, dos quinze quilómetros.
Apesar de o seu motorista se esforçar o mais possível, o trânsito estava intenso em todos os quilómetros do caminho.
Finalmente, o motorista passou com a limusina pela entrada de Dolley Madison, para a sede da CIA. Um guarda munido de uma prancheta de mola anotou rotineiramente o nome de Morrison.
Uma vez largado defronte do edifício de vidro e cimento, formato bloco, Morrison deteve-se a endireitar o fato cinzento - apesar do seu considerável arcaboiço, apresentava-se sempre vestido com esmero-e depois, alisando as sobrancelhas bastas e em bico e coçando a comichão do nariz abatatado, entrou no átrio. As paredes e as colunas, todas de mármore, eram imponentes, como sempre, tendo as primeiras cinquenta e duas pequenas estrelas entalhadas, uma estrela por cada homem da CIA que perdera a vida em serviço. O lema da CIA, gravado numa única parede, fez com que Morrison se sentisse, inexplicavelmente, pouco à vontade: VÓS SABEREIS A VERDADE E A VERDADE TORNAR-VOS-Á LIVRES.
No chão, ao atravessá-lo, Morrison deu-se mais uma vez conta do emblema da CIA: um círculo com uma estrela num escudo e, em negrito: CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY/UNITED STATES OF AMERICA.
Ao fundo do átrio, dois guardas apontaram-lhe o lanço de degraus que conduzia à sala de insígnias, onde Morrison, para seu aborrecimento, ainda tinha de pedir a sua chapa de identificação.
Estavam cinco elevadores à espera-o exclusivo do director da CIA, Alan Ramage, e outros quatro-, e Morrison tomou o que o conduziria directamente ao gabinete do director, na cobertura do sétimo piso.
Uma vez dentro do enorme gabinete, com as suas litografias assinadas por Giacometti nas paredes, juntamente com uma série de retratos autografados, dedicados a Ramage, de quatro presidentes dos Estados Unidos, e janelas de onde se podia ver a maior parte dos oitenta e nove hectares de área arborizada no Potomac, Morrison verificou que os outros já lá estavam. Inclinou a cabeça ao chefe do Gabinete do Presidente, que se encontrava confortavelmente sentado do outro lado da secretária, defronte do director Ramage, e do seu direc-tor-delegado de Operações. Morrison lançou um sorriso breve ao director-delegado, que por sinal era uma directora. Tratava-se de Mary Jane O'Neil, uma jovem senhora bonita e petite com quem ele, Morrison, andava a dormir há mais de um ano. É verdade que tinha mulher e três filhos, mas isso não constituía nenhum problema, pois a sua família compreendia que, no seu cargo, não havia horas de largar o trabalho formais. No ano anterior, quando jantara pela primeira vez com Mary Jane, além de fascinado, ficara encantado com a cordialidade que ela lhe demonstrara. Duas semanas depois, estava ditosamente repoltreado na cama de casal dela.
- Peço   desculpa   de   chegar   atrasado - disse   ao director da CIA, enquanto punha o chapéu de feltro e a pasta em cima da mesa. - Deve haver uma corrida ao ouro, a julgar pela maneira como formam fila lá fora.
- Chega a tempo- respondeu Ramage, transferindo uns fiapos compridos de cabelo de um  lado do  crânio para o outro, na vã tentativa de cobrir a careca.
Ramage estava sentado  erecto, como  um   ex-almirante, e como era um texano alto isso permitia-lhe olhar e cima para os seus visitantes e a sua delegada. Era um homem urbano, a que os óculos de armação de ouro davam um; ar optimista e dignidade. Distraidamente, remexeu nos papéis que tinha à frente.
- Lampang- anunciou, e com isso iniciou-se o trabalho da reunião. - Segundo  sei,  Ezra, você e o  Paul vão instruir Underwood - consultou o relógio de pulso - daqui a uma hora. Ele faz alguma ideia do que está em jogo neste caso?
- Tenho a certeza de que faz - respondeu Blake -, mas não diria que está muito interessado.
- Tem de estar - declarou o director Ramage, com ênfase. - É preciso fazê-lo compreender.
Morrison afastou, com um gesto da mão, a preocupação do director.
- Não se apoquente, Allan. Está marcada uma reunião do Gabinete para antes do almoço dele com Madame Noy Sang. Meter-lhe-emos os factos, e o nosso objectivo, na cabeça.
- O Presidente há-de lembrar-se - disse Blake, tranquilizando o director. - Mesmo despreocupado como é, há-de lembrar-se. Era bom nisso na televisão, e continua bom na Casa Branca, quando tem de ser.
- Espero que sim - comentou o director.
- Não  tem   que   se   preocupar - tranquilizou-o   de novo Blake.
- Muito    bem - disse    Ramage. - Examinemos, então, o assunto com toda a minúcia, antes de tentarmos instruí-lo.
O director Ramage virou-se para a delegada.
- Mary Jane, você tem cópias do nosso memorando sobre Lampang. Quer fazer o favor de as distribuir?
Mary Jane O'Neil levantou-se. Não media mais de um metro e cinquenta e cinco - Morrison sabia-o - e tinha um tremendo par de mamas para uma mulher tão baixa. O secretário de Estado imaginou-a como gostava mais de a ver. Nua e acrobática.
Ela entregou o memorando ao director Ramage e depois voltou-se, entregou uma cópia a Blake e reservou Morrison para último. Quando lhe entregou a sua cópia, deixou que a mão tocasse na dele.
Morrison levantou a cabeça e olhou-a excitadamente, e foi recompensado com um sorriso prometedor.
Quando ela voltava para a cadeira, Morrison fixou a atenção no seu ondulante rabo. Inesquecíveis almofadas de amor, pensou, quando se segurava uma nádega em cada mão.
O secretário de Estado começava a ter uma erecção, coisa que não lhe acontecia muitas vezes com a mulher, mas sempre com Mary Jane, quando a voz do director da CIA o chamou vivamente à realidade da manhã.
Lampang - anunciou    Ramage. - Vamos    ao assunto,
- Tudo a postos - disse Morrison. aimage recostou-se um momento na cadeira.
- O Presidente sabe alguma coisa a este respeito? Um pouco-respondeu o chefe do Gabinete, e
Inclinou-se para a frente. - Ele sabe um pouco a respeito de tudo
   acenou com a cabeça.
-  Nesse caso, têm de o instruir minuciosamente: simples mas minuciosamente.
- Temos   duas   oportunidades - disse   Blake. - Eu encontro-me com ele daqui a pouco, no Gabinete Oval. Depois; voltamos a encontrar-nos numa reunião de todo o Gabiinete.
- E ele encontra-se com Madame Noy Sang ao meio-dia.
-- Ao meio-dia e meia hora - precisou Blake -, para almoçar e conversar. Eu estarei presente, e o secretário de Estado também.
-- Muito bem - disse Ramage. - Comecem imedia-tamentte por preparar o cenário. Indiquem-lhe a localização de Lampang.
--Creio que ele sabe - observou Blake.
~- Certifiquem-se - recomendou Ramage. - Sejam o mais precisos possível. É necessário que ele saiba a proximidade da ilha com o Camboja e o Vietname do Sul, e> há que fazer-lhe compreender de que modo ela completará o nosso perímetro de defesa.
-- Eu encarrego-me disso - prometeu o secretário de Esttado Morrison.
ramage tinha dúvidas.
 O que ele conseguir com Madame Sang é vital para os nossos interesses.-'O director da CIA começou  a  folhear  os   papéis   que  tinha  na  secretária. Ao mesmo tempo, deve tomar conhecimento  do tipo de resistência que pode esperar de Madame Noy Sang.
- Espera muita? - perguntou Blake.
- Não sei. - Ramage encontrou  a folha de papel que estivera  a  procurar. - Percy  Siebert,  o  chefe  de estação da CIA em Lampang, apresentou-me um sumário sobre Madame Noy Sang. Vou dar-lhes o essencial do esboço   que   ele  fez. - Ramage   consultou   a   folha   de papel que tinha à frente. - É oriunda de uma boa família; são proprietários de plantações de arroz e abastados. Mandaram-na estudar nos Estados Unidos. Por isso, ela tem uma percepção real do nosso país. Casou com um liberal da ala esquerda chamado Prem Sang, um homem culto, de quarenta  e  dois  anos, dez anos  mais  velho do que ela. Tiveram um filho, um rapaz chamado Den, agora com seis anos. Quando Prem se tornou presidente de   Lampang,   numa   plataforma   de   reforma   agrária,   o seu vice-presidente era a mulher. Curioso para nós, mas um  costume  naquelas  bandas. Eu  não diria que  Prem fosse exactamente um amigo dos Estados Unidos, mas também   não  era  um   inimigo.  Ele  era,  realmente,   um nacionalista.  Queria  que  Lampang  fosse   livre e   independente.
- Qual é, politicamente, a posição da mulher dele? - perguntou Blake.
- Para  ser franco,   não  sei - admitiu   Ramage.- Pelo que  o Siebert me  disse,  ela  alinha  muito  pelas ideias do marido. Agora, após um ano como presidente e  confrontada  com  todos  os  problemas  existentes,  é possível que tenha dado uma certa flexibilidade à sua posição de independência relativamente aos Estados Unidos. Duas coisas são certas. O único amigo poderoso que a América tem na ilha é o general Samak Nakorn, chefe do Exército, e o seu adjunto, coronel Peere Cha-valit. O único inimigo poderoso que a América tem na ilha, ou nas ilhas, é o capitão Opas Lunakul, comandante dos rebeldes comunistas que dominam as duas ilhas exteriores a Lampang, Lop e Thon. Madame Noy equilibra-se numa linha fina entre eles.
- Mas   ela   tem   de   representar  alguma   coisa - declarou Blake.
- Representa, segundo as  informações que reunimos-respondeu Ramage. - Ela precisa da nossa ajuda para pôr a sua reforma agrária em prática. Ao mesmo tempo, não quer que os comunistas propagandeiem que se está a vender a um país capitalista que explorará Lampang. Madame Noy Sang tem o povo atrás de si - na sua maioria camponeses, que não confiam no comunismo. Querem a terra dividida, a economia melhorada, e para isso optarão pela democracia estilo E. U.A.
- Sim, isso satisfaria a maior parte de nós - concordou Blake.- A questão é como consegui-lo. - Olhou para o secretário de Estado  e disse-lhe: - É do  seu pelouro, Ezra.
Morrison admitiu a sua responsabilidade. Levantou-se, abriu a pasta e tirou um dossier. Voltou para a cadeira, a folhear o conteúdo do dossier.
Finalmente, encontrou o que procurava e retirou uma folha. Deu-lhe uma vista de olhos, levantou a cabeça e encarou os outros.
-É uma troca - declarou.-No fim, resume-se tudo a uma troca. Nós damos a Madame Noy Sang uma coisa que ela quer para obtermos o que nós queremos.
- Ela quer um  empréstimo - disse Blake. - Uma grande quantidade de dólares.
- Exactamente - confirmou  Morrison. - Em troca, nós queremos uma grande base aérea em Lampang.
Ramage animou-se.
- Isso  será  uma decisão  difícil  que  ela terá de tomar - comentou. - Considerando a sua situação política, permitir a existência de uma base aérea para os nossos jactos e bombardeiros e consentir que milhares de  homens  nossos  fiquem  estacionados  na  sua  ilha, suscitará fortes objecções, não só dos rebeldes comunistas,   mas   também   do   próprio   Partido   Popular   de Madame Sang. Se ela aceder, vai pedir muito dinheiro em troca.
- Se não aceder-disse Morrison, firmemente-, não consegue nem um cêntimo.
- Não   acho   que  isso  possa   acontecer - opinou Blake. - Ela precisa de nós.
- E nós precisamos dela - disse Morrison. - É por isso que eu digo que tem de ser uma troca.
- Bem,   comecemos   pela   nossa   parte-sugeriu Blake. - Quanto autorizamos o Presidente a oferecer-lhe?
- Começaremos por pouco e subiremos lentamente - respondeu   Morrison. - Depende   tudo,   muito,   dos números que ela nos apresentar. Entretanto, falarei com Cannon, o secretário da Defesa, a fim de saber o que ele  pensa do que  podemos dar para obtermos o que queremos. Estabelecemos uma  quantia  limite  máxima e comunicamo-la a Underwood, na reunião do Gabinete.
- Voltou-se para Blake:-Acha que pode encarregar-se do Presidente na pré-instrução - dar-lhe factos, e não números -, antes de o Gabinete se reunir? Preciso de me demorar algum tempo na Defesa.
- Acho que sim.
- Não se esqueça, reserve todos os números para a reunião do Gabinete, a fim de que o Presidente os tenha  bem  claros  na  memória,  antes  do  seu  almoço. De   qualquer   modo,   tomarei   apontamentos,   para   ele utilizar como lembretes. E se ele se esquecer, eu estarei presente para o ajudar. - Morrison olhou para os outros.
- Creio que é tudo. Estamos preparados para Noy Sang.
- Espero que sim - disse Blake, com algum nervosismo.
- Bem, o importante é certificarmo-nos de que o Presidente   está   preparado - acrescentou   Morrison.- Este almoço é de grande importância. Underwood tem de  obter bons  resultados.  Um  pouco  de  encanto  não faria mal nenhum.
Blake encolheu os ombros.
-A questão é: quem será mais encantador, Matt Underwood ou Noy Sang?
Deixando o edifício da CIA, de volta à Casa Branca, na sua limusina preta com motorista, Paul Blake, o chefe do Gabinete do Presidente, entrou pelo rés-do-chão ocidental. Depois de dar os bons-dias, com uma inclinação de cabeça, a vários agentes da Segurança Nacional, Blake subiu apressadamente um estreito lanço de degraus, para o seu gabinete, duas portas abaixo do Gabinete Oval do Presidente.
Encontravam-se lá três assistentes seus, informalmente vestidos, a discutir o teor de um discurso que  o Presidente faria brevemente sobre cortes nas despesas internas. Depois de lhes retribuir as saudações, Blake dispensou-os e adiou a reunião sobre o discurso para mais tarde, nesse mesmo dia.
Naquele momento, era esperado no Gabinete Oval do Presidente, para lhe dar uma imagem geral do que deveria ser o seu almoço com Madame Noy Sang.
Sentado defronte do Presidente, Blake sentia-se à vontade. Conhecia Underwood há muito tempo. Licenciado pela Escola de Direito de Harvard, tornara-se sócio de uma prestigiosa firma de advogados de Nova York, que contava com Matt Underwood entre os seus clientes. Desde o princípio, fora encarregado de tratar dos assuntos de Underwood. Blake era um homem baixo e gordo, com rosto de querubim. De cara rapada, simpático, com uma eterna expressão benigna, a sua afabilidade agradava ao Presidente. Assim como o seu intelecto e a sua capacidade de organização.
Tentou, como lhe competia, pôr o Presidente ao corrente da situação em Lampang. Underwood parecia ouvi-lo apenas vagamente. Pouco a pouco, conseguiu desviar a conversa para o combate de boxe da categoria de pesos-pesados, a contar para o título que se realizava ao fim da tarde. Quem  pensava  Blake que ganharia?
O chefe do Gabinete, que não tinha a certeza, voltou à carga, pois sabia bem de mais quem perderia se não repusesse o Presidente nos carris a respeito de Lampang.
Underwood impacientou-se.
- Escute, Paul, depois falamos de Lampang. Terei de ouvir tudo isso duas vezes? Tratamos do assunto na reunião do  Gabinete;   assim,  a  minha  memória  estará fresca, quando  me  sentar para  almoçar com   Madame Sang.
- Como desejar, Sr. Presidente.
- Desejo como lhe disse, Paul.
Em dez minutos, tinham concordado que o chalíenger destronaria o campeão em Las Vegas, e o Presidente mostrou algum entusiasmo, pela primeira vez naquele dia.
Quando regressou às suas instalações, aborrecido por não ter chegado a lado nenhum com o Presidente, Paul Blake considerou a ideia de telefonar aos seus colaboradores, para reatarem a discussão do discurso acerca dos cortes nas despesas internas. Observando o seu gabinete, sorriu ao pensar que, a serem explorados cortes, poderiam muito bem começar pelos que ele fizera no seu próprio gabinete. Era um modesto cubículo apainelado de branco, e a secretária que utilizava era simples, de carvalho, do tipo distribuído pelo governo.
Blake dirigiu-se para a secretária, deu uma vista de olhos aos telegramas chegados durante a noite e concluiu que não havia nenhum que exigisse a atenção imediata do Presidente. Ia ligar para os colaboradores, mas lembrou-se de que não concluíra a elaboração da agenda de Underwood para o resto do dia.
Puxou para a frente um bloco de apontamentos branco e uma caneta e começou a esboçar a agenda:
10 h. - Reunião plenária do Gabinete.
11.30 h. - Assinar papéis.
12.30 às 14.30 h. - Almoço na Sala de Jantar Presidencial com a Presidente Noy Sang, em que estarão presentes o secretário de Estado Morrison e o chefe do Gabinete Blake. Depois do almoço, a conversa continuará na Sala Oval Amarela.
15.30 h. - Oportunidade para fotografia no Jardim das Rosas. Entrega de prémios aos Escuteiros da América.
17 h. - Ver o combate para o título de campeão de  pesos-pesados  na Sala Vermelha,  no terceiro piso.
Depois de terminar a lista, e de a conferir, para ter a certeza de que não omitira nada, Blake tocou a chamar a sua secretária e pediu-lhe que a passasse à máquina e distribuísse imediatamente.
Assim que a secretária saiu, o telefone interno azul da Casa Branca tocou.
Geralmente, era o Presidente.
Blake levantou logo o auscultador.
Desta vez não era o Presidente, mas a primeira dama em pessoa.
- Bom dia, Paul. Apanhei-o num momento em que está muito ocupado?
- Nunca   estou   muito   ocupado   quando   tenho   a oportunidade de falar consigo, Alice - respondeu Blake, com os seus modos mais corteses.
- Que amabilidade. Queria falar-lhe a respeito de uma coisa. Já tem pronta a agenda definitiva do Presidente, para hoje?
- Quase. Está a ser passada à máquina neste preciso momento.
- Gostaria de vê-la, Paul.
- Ser-lhe-á distribuída, automaticamente.
Blake quase «ouviu» Alice Underwood fazer uma cara amuada, ao telefone.
- Gostaria   de   vê-la   mais   cedo,   se   possível - disse ela.
Blake ficou logo encantado. Encantava-o sempre qualquer oportunidade de estar na presença da primeira dama.
- Nesse caso, levo-lha já, pessoalmente.
- Não queria interferir no seu trabalho.
- De  modo  nenhum.  Dê-me cinco  minutos. Onde está?
- No Gabinete da Primeira Dama. - Estarei aí num instantinho. Seguiu-se uma pausa.
-A agenda do Presidente ainda não foi distribuída, pois não?
- Ainda não. Quer que a suspenda, por qualquer motivo?
- Possivelmente.   Veremos.   Primeiro   quero   vê-la. Dez minutos depois, Blake, com o cabelo acabado
de pentear, a gravata bem no seu lugar e a agenda na mão, entrava no Gabinete da Primeira Dama.
Ela estava sentada à sua secretária polida, numa cadeira giratória acolchoada, a olhar pela janela para Lafayette Square.
Quando o ouviu, levantou-se. Começou a atravessar a sala, para o sofá de chíntz colocado sob as gravuras de flores silvestres da parede.
Quando Alice lhe indicou a poltrona com almofadas cheias de penugem, ao lado do sofá, ele hesitou um instante, para a ver andar.
Ela era a perfeição em pessoa. Nunca na sua vida tinha visto uma mulher mais perfeita. Alice vestia uma blusa de seda branca finíssima, por baixo da qual se via o soutien de renda, e uma saia curta, de shantung. As suas pernas compridas, cobertas por meias cor de carne, eram empolgantes.
Até a sua própria mulher, que tinha boas pernas e feições  regulares, parecia algo diminuída, e  mesmo deselegante, comparada com ela.
Alice Underwood já se sentara no sofá e cruzava as pernas, e Blake, momentaneamente, não se lembrou do que devia fazer. Depois, com dificuldade, a memória voltou e ele atravessou, hirto, a sala, para se sentar na poltrona ao lado dela.
- Paul, a agenda do Presidente para hoje? Trouxe-a? Ele tirou o papel com o apontamento do bolso do
casaco e desdobrou-o.
Alice estendeu impacientemente a mão.
- Posso vê-la?
Blake deu-lha e ela percorreu-a rapidamente com o olhar.
- No que  estou  interessada - disse,  devagar - é no que o Presidente tem planeado para depois do almoço. Vejo aqui que ele almoça com aquela mulher de Lampang.
- Sim, Madame Noy Sang.
- Que nome esquisito - comentou Alice, distraidamente. - Trata-se   de   alguma   espécie   de   almoço   de carácter social, ou quê? Quero dizer, é uma coisa de cortesia?
Blake não percebia aonde ela queria chegar, mas resolveu ser claro.
- É um bocado mais importante do que isso. É por essa razão que Ezra Morrison e eu também estaremos presentes.
- Vejo que lhe reservou duas horas. Não é muito tempo para um almoço?
- O   tempo   não   está   reservado   apenas   para   o almoço. Primeiro haverá as cortesias da praxe, enfim, o processo habitual para as pessoas travarem conhecimento. A parte realmente séria da reunião será depois do almoço, quando passarmos todos para a Sala Oval Amarela.
- Mas tudo isso terá de demorar duas horas?
-Bem, não, necessariamente - respondeu Blake, cauteloso. - Talvez se possa comprimir numa hora e meia.
Alice inclinou-se para ele. O movimento bamboleou-lhe os seios, o que deixou Blake momentaneamente desconcertado.
- Pode comprimir tudo em hora e meia? - perguntou Alice.
- Não tenho a certeza. Qual é a sua ideia?
- Lembra-se de, quando viemos para a Casa Branca, ter querido que eu participasse em algumas actividades caritativas? - perguntou Alice, muito séria. - Achámos que   primeiras   damas   anteriores   tinham   optado   por acções   antidroga,   antialcoolismo   e  auxílio  a   crianças atrasadas.  Foi você mesmo quem me sugeriu artes  e educação.
- Continuo a considerá-las uma boa escolha.
- Muito bem, sabe que,  entre outras  coisas,  me envolvi   muito   no   novo   Museu   Contemporâneo.   Bem, hoje vamos dar um chá-merenda, para recolha de fundos, principalmente destinado a  patronos.  Esperam  que  eu fale, e eu falarei. Mas sou  muito menos eficaz  nisso do que o Matt, e gostaria, portanto, que ele me acompanhasse ao Museu e dissesse também algumas  palavras. Trata-se, certamente, de uma coisa tão importante como Lampang. Quero dizer, ele pode ter a sua conversa com a tal mulher de Lampang e mesmo assim arranjar tempo  para  ser eficaz  no  Museu. Não acha possível?
Paul Blake hesitou. Quando quisera interessar Alice nas artes e na educação tivera, especificamente, no pensamento fazer coisas para os pobres e desprivile-giados. Os patronos e financiadores do Museu Contemporâneo dificilmente estavam incluídos nessa classe. Não podiam ser considerados necessitados. O chá e a presença do Presidente seriam, unicamente, cobertura de açúcar num bolo já de si demasiado rico.
- Eu... não sei. Alice... - começou Blake.
Alice levantou-se imediatamente. Fizera um avanço e não tencionava, de modo algum, perdê-lo.
-Ora vamos, Paul, meu querido, você pode fazer isso, é um favorzinho pequenino. Peço-lhe.- Inclinou-se para ele e beijou-o na face, e ao fazê-lo um dos seus seios roçou pela mão que ele levantara.
Abalado, Blake recuou.
-Bem...
- Ande lá! -exclamou Alice. Abraçou-o, e ele sentiu   ambos   aqueles  soberbos   seios. - Por  min,   pela minha causa.
Toda a resistência abandonara Blake. Tentou adaptar-se ao rosto dela acima do seu.
- Bem, suponho que se poderá arranjar.
- É  uma jóia! - exclamou Alice, comprimindo os lábios contra os dele. - Obrigada.
- Eu... eu refaço a agenda.
- É   fácil - declarou   Alice,   desembaraçadamente, endireitando-se.-O Matt ainda não viu a agenda final. Marque a mulher de Lampang do meio-dia e meia hora até às duas horas, e acrescente o Matt a ir comigo para o Museu Contemporâneo às duas e meia. - Devolveu-lhe o apontamento da agenda.-Vai fazer isso imediatamente?
- imediatamente-confirmou    ele,    levantando-se, cambaleante, da poltrona funda.
Alice segurou-lhe no braço e conduziu-o à porta.
- Espero  que  o  Matt  me  venha  buscar  às  duas e meia.
Blake deu consigo fora da sala, no corredor. Alice fechara a porta nas suas costas.
Sabia que tinha sido manipulado.
Aqueles lábios cálidos. Aqueles seios macios. Por eles, valera a pena.
Afastou-se, a interrogar-se: Que importava? Que importância poderia ter mais meia hora, menos meia hora, com uma mulher qualquer do Mar da China Meridional?
Respondeu a si mesmo que o Presidente era até capaz de se sentir grato por ficar livre meia hora mais cedo.
Quarenta minutos antes, o chefe do Gabinete fizera outra mudança na agenda do Presidente e enviara um memorando especial, em  mão, às partes  interessadas.
Adiara a reunião do Gabinete.
Estivera preocupado com o facto de não ter conseguido pré-instruir o Presidente sobre Lampang, e achava que a reunião na Sala do Gabinete deveria incidir totalmente sobre Lampang, sobre o que o Presidente devia estar preparado para dar e esperar receber. Concentrada assim a reunião no assunto de interesse imediato, não havia necessidade nenhuma de sobrecarregar o encontro com os secretários da Agricultura, do Comércio e dos Transportes, o Procurador-Geral e outros membros do Gabinete do Presidente.
Ao entrar na Sala do Gabinete, bastou a Blake um olhar para ver que as pessoas necessárias tinham sido avisadas e estavam presentes. Saudou o secretário de Estado, o director da CIA, o secretário da Defesa e os três funcionários do Conselho de Segurança Nacional, e depois ocupou a cadeira de cabedal ao lado da do Presidente, que ainda estava vaga.
- Como  correu  a  sua pré-instrução  com  o  Presidente?- perguntou Morrison.
- Mal - respondeu Blake, com uma careta. -Que significa isso? - insistiu Morrison.
- Significa mal. O Presidente esteve-se nas tintas para Lampang. Só quis falar do combate de pesos-pesados de logo à tarde, em Las Vegas.
- Então o nosso trabalho está traçado - comentou o director da CIA.
- Exactamente - confirmou Blake.-Vai ter de ser Lampang e mais Lampang. Foi por isso que cancelei as outras presenças. Quis que nos concentrássemos no que espera o Presidente ao almoço.
Tinham começado a discutir o que diriam ao Presidente, quando a porta se abriu e Underwood entrou na sala.
Alto e muito direito, parecia bem humorado. Alisou o cabelo para trás, sorriu aos presentes e, sem se dirigir a nenhum deles em particular, perguntou:
- Que se passou nas minhas costas? Dirigiu-se para a sua cadeira e foi saudando todos,
cada um pelo seu nome.
- Temos   estado   a   discutir   o   seu   almoço   com Madame Noy Sang - disse-lhe Blake, enquanto ele se sentava.
-Vai ser um almoço demorado? - perguntou o Presidente.
- Não é obrigatório que seja - garantiu-lhe Morrison.- Depois de um pouco de conversa para se conhecerem, poderá acelerar o almoço e em seguida passaremos   para   a   Sala   Oval   Amarela.   Aí   poderá   falar-se estritamente de negócios.
- Eu só desejava saber, porque não quero perder o grande combate - explicou o Presidente.
- Terá muito tempo para isso - assegurou Blake.
- Está previsto que este almoço e reunião com Madame Noy Sang dure hora e meia. Em seguida, a primeira dama espera que a acompanhe à inauguração do Museu Contemporâneo  e   diga  algumas  palavras,  coisa  para  uns cinco minutos, talvez, acerca de uma importante campanha de recolha de fundos. Terá, portanto, tempo que chegue para regressar e ver o combate.
O Presidente passou uma vista de olhos pela sala.
- Vejo   que   estão   ausentes   muitos   dos   nossos amigos e que você só convocou gente grada.
- Propositadamente - respondeu   Blake,   com   simplicidade.- Como vai negociar com Madame Noy Sang, quisemos que toda a nossa concentração incidisse sobre um tratado com Lampang.
- Parece-me razoável - concordou o Presidente.- Essa senhora com quem vou almoçar... alguém me sabe dizer como ela é?
O  secretário  de  Estado  Morrison   inclinou-se  para a frente.
- Não  sabemos   ao  certo - respondeu. - Nenhum de nós a conhece. Como deve lembrar-se, o marido dela era presidente da ilha quando foi assassinado. Ela era vice-presidente,   de   acordo   com   o   costume   daqueles lados. Por isso, herdou o cargo.
Underwood acenou com a cabeça.
- Sim,  lembro-me. Vi o retrato dela na imprensa. Não parece muito assustadora.
Ramage entrou na conversa.
- Não é, Sr. Presidente. O nosso chefe de estação em Lampang, Percy Siebert, diz que ela é uma mulher pequenina, gentil, e esteve em choque e isolada durante muito tempo, depois da morte do marido. Na verdade, esteve  de   luto  um  ano,  que  aproveitou,   inteiro,  para aprender a desempenhar o seu cargo.
- E agora que esse ano passou- disse Morrison -, Noy Sang vai sair do isolamento. A sua primeira viagem ao  estrangeiro  é  esta,  aos  Estados  Unidos.  Principalmente, suponho, porque precisa de nós.
-'Dinheiro, estou certo-comentou o  Presidente.
- É possível que seja um pouco mais do que isso - observou Blake-, e também pode ser por uma questão sentimental. Noy Sang já esteve na América antes. Passou quatro anos a estudar no Wellesley. O Presidente pareceu interessar-se.
- Dianne   está   lá   a   estudar - disse,   orgulhosamente.-'Frequenta o último ano.
Toda a gente devia saber, e sabia, que Dianne Underwood era a sua filha de vinte e um anos.
-Aí está algo que têm em comum e de que podem falar - sugeriu Blake- antes de passarem ao essencial.
O Presidente acenou afirmativamente.
- Muito bem, o que é o essencial?
Morrison estivera ocupado a desenhar um mapa numa página de um bloco de apontamentos amarelo comprido. Arrancou a folha e contornou a mesa, para se aproximar do Presidente.
- Curtis - pediu,  dirigindo-se a  Curtis  Cannon, o secretário   da   Defesa -,   passe   para  o  meu   lugar  e empreste-me o seu. Assim ser-me-á mais fácil explicar um mapa do Pacífico Sul e mais para além, que estive a desenhar.
Fez-se a troca e Morrison encaixou-se na cadeira ao lado do Presidente e colocou a folha amarela à sua frente.
- Que é isso? - quis saber o Presidente.
- Um   esboço  tosco   do  Extremo  Oriente,   salientando as nossas principais bases aéreas, que nos ajudam a conter qualquer excesso de entusiasmo que porventura ocorra na Coreia do Norte, na China, no Vietname e no Camboja. - Utilizando o lápis como um ponteiro, Morrison prosseguiu:-Como pode ver, Sr. Presidente, a nossa Força Aérea no Pacífico tem três grandes alas. Sem contar com o Hawai, que é o quartel-general  no Pacífico da 15.a Força Aérea, temos três grandes bases aéreas. Esta é a nossa base no Japão para a 5.a Força Aérea. Esta é a nossa base na Coreia do Sul  para a 7.a Força Aérea. Esta é a nossa base nas Filipinas para a  13." Força Aérea. Vê alguma coisa  invulgar no meu mapa?
O Presidente abanou a cabeça.
- Nada de especial.
- Bem, repare aqui em baixo. Que vê?
O Presidente olhou para o mapa com atenção.
- Uma ilha, uma ilha grande e duas pequenas.
- Lampang - disse   Morrison. - Não   temos   lá nenhuma base aérea.
- E queremos ter?
Morrison levantou a cabeça e fitou o Presidente nos olhos.
- Não só queremos, como precisamos de ter lá uma base aérea. Assim ficaríamos com uma base a bem dizer à distância de uma pedrada do Camboja, do Vietname e da China, todos eles países comunistas.
- Compreendo. Como é que a conseguimos?
- Dependemos da sua própria capacidade de persuasão e do seu inegável encanto para reduzir Madame Noy   Sang   a   um   pedaço   de   barro   dócil - respondeu Morrison. - Delinearemos o que queremos dela e o que lhe podemos dar em troca.
- Prossiga - disse o Presidente. Morrison olhou para a mesa.
- Curtis - disse ao secretário da Defesa-, mudemos outra vez de lugar.
Assim fizeram.
De novo firmemente instalado ao lado de Underwood, Cannon tomou a palavra.
- Sr. Presidente, vou dizer-lhe exactamente o que queremos de Madame Noy Sang. Não precisa de memorizar  tudo.   Mandei   dactilografar os   nossos   requisitos em vários cartões, para si. Poderá recorrer a eles, quando tratar de negócios sérios com Madame Sang.
Tirou diversos cartões de uma algibeira e estendeu-os ao Presidente, que os guardou numa das suas próprias algibeiras.
- Está  bem,  continue - disse  Underwood.
- O que queremos é uma base aérea com 52 600 hectares,   aproximadamente,   em   Lampang.   Cerca   de quatro mil hectares dessa área serão necessários para diversos   edifícios  e  outras   instalações.   Deverá  haver espaço para dez mil homens da Força Aérea e cerca de quinze   mil   civis   e  trabalhadores   contratados   nativos.
- E as pistas de aviação? - indagou o Presidente.
- Haverá espaço suficiente para duas pistas vitais -respondeu o secretário da Defesa. - Uma comprida, para receber cerca de cinquenta aviões de combate - F-5's, F-4E's, F-4G's e, talvez, espaço para doze F-5E's.
- Temos de comprar todo esse terreno?
- Eu   não   me  atreveria  a   sugeri-lo,   mesmo   que fosse   possível - respondeu   Cannon,   o   secretário   da Defesa. - A base  propriamente  dita,  excluindo  aviões e edifícios, seria propriedade de Lampang. O que prevejo, e o que Madame Noy Sang quererá,  indubitavelmente, será um acordo mútuo, entre Lampang e nós. Obtemos um  arrendamento  da  base  a  longo  prazo - talvez noventa anos, se o Sr. Presidente conseguir orientar as coisas nesse sentido-em troca de uma ajuda substancial a Lampang, em dólares americanos.
-Que ajuda substancial?-perguntou o Presidente. Cannon olhou, por cima da mesa da Sala do Gabinete, para Morrison. - Tem um número, Ezra?
- Tenho dois números- respondeu Morrison. - São baseados em averiguações que fiz junto dos meus especialistas do Extremo Oriente. Alan Ramage também ajudou e deu-me muito inpitt da CIA. O primeiro número é o  baixo. Talvez  funcione,  em virtude  de   Noy  Sang estar tão desesperada. Jogue com esse número, Sr. Presidente.
- Quanto é? - perguntou Underwood.
- Cento e vinte cinco milhões de dólares.
- Parece-me   bastante   substancial - observou   o Presidente.
-A si é natural que pareça, Sr. Presidente, mas não deve parecer à Presidente de Lampang - comentou Morrison. - Ela pode não ser muito sofisticada, mas desempenha o seu cargo há um ano e faz uma ideia do que nós precisamos. Sabe que o seu trunfo é a base aérea. Conhece a sua importância para a nossa defesa nacional. Por isso, é capaz de ser um pouco intransigente a respeito de toda a questão e de regatear para obter mais. - Morrison considerou o que ia dizer a seguir. - A verdade, Sr. Presidente, é que lhe pode dar mais. Dê-se ares de bom tipo e vá até ao empréstimo mais elevado.
- Quanto?
- Podemos ir até um empréstimo de cento e cinquenta milhões - mas nem mais um cêntimo. Ultrapassar isso  tornar-se-ia  demasiado dispendioso,  considerando os  nossos  grandes  empréstimos  a  outros  países. Oh, Madame Sang poderá pedir mais! Pedem sempre. Esses pequenos países estão empobrecidos e pensam que os bolsos do Tio Sam não têm fundo. Mas nós não temos tanto que possamos esbanjar, sobretudo num lugar relativamente obscuro como Lampang. O Sr. Presidente pode ser um herói e subir até cento e cinquenta milhões, mas, repito, esse é o limite.
- E se ela disser que não?
- Nesse caso, o Sr. Presidente diz adeus à senhora. Procuraremos   outra   base   noutro   lado  qualquer  e   um negociador mais razoável.
O Presidente franziu a testa.
- Pareceu-me   tê-lo  ouvido   dizer   que   precisamos de ter, realmente, essa base em Lampang - observou.
- Precisamos dela, a esse respeito não há dúvida alguma - respondeu Morrison. - No entanto, há limites para o que podemos dar. Não devemos permitir que nos chantageiem. - Sorriu a Underwood.-'Pode consegui-lo, Sr.  Presidente.   Basta  que  ponha  a  funcionar  o velho encanto. É uma sorte para nós o facto de o chefe de Estado de Lampang ser uma mulher. Umas palavrinhas suas, Sr. Presidente, um sorriso generoso, e ela cede. A diplomacia, não raro, resume-se a isso.
Underwood pareceu duvidar.
- Espero que sim.
- Conseguirá - teimou   Morrison.-'Não   tenho   a mínima dúvida. Sairá dessa vencedor.
- Farei tudo quanto puder-prometeu o Presidente, e a reunião na Sala do Gabinete foi dada por finda.
No coração de Visaka, a capital da Ilha de Lampang, Noy Sang estava sentada no gabinete do seu marido, no Palácio Chamadin, à enorme secretária que fora dele, a dar força de lei a documentos com a sua assinatura, antes de partir para os Estados Unidos.
O gabinete e a secretária continuavam a ser, mesmo depois de ela os ocupar há um ano, o gabinete e a secretária do marido. Ele fora ali morto brutalmente, e enterrado com grande cerimonial, mas para Noy Sang o marido, Prem, não estava inteiramente morto. Era como se tivesse apenas partido para uma longa viagem, sem se despedir. Algumas das suas recordações dele tinham-se esbatido, principalmente pormenores, e nos últimos meses sentira-se menos só, porque estivera ocupada com o seu trabalho.
Mas o gabinete e a secretária eram de Prem. Ela não sabia ser desleal. Tudo quanto aprendera e sabia - bem, quase tudo - viera de Prem, e Noy Sang não conseguia acreditar, inteiramente, que era ela própria.
O que lhe trouxe tudo isto ao pensamento, enquanto assinava os documentos, foi o facto de o período de luto ter terminado e ela estar prestes a partir de Lam-pang para a sua primeira viagem oficial ao estrangeiro.
Agora era - seria-, verdadeiramente, a Presidente Noy Sang, de Lampang.
Olhou para o mostrador do relógio de pulso de ouro. Eram horas de o pequeno Den ir para a escola. Onde estaria ele? - pensou. Depois lembrou-se de que a sua própria partida do aeroporto, e o voo para os Estados Unidos com o ministro dós Estrangeiros, Marsop Panyawan, seriam dentro de meia hora e, portanto, o melhor era acabar de assinar os documentos.
Recomeçou a assinar o seu nome, e estava a acabar o último documento quando ouviu barulho de passos na escada que descia do apartamento da família.
O pequeno Den entrou de roldão no gabinete, apressadamente seguido pela irmã de Noy, Thida. Den tinha cabelo e olhos escuros, nariz achatado, e era baixo (mesmo para a sua idade. Thida, três anos mais nova do que Noy, era mais alta e mais magra do que ela e tinha feições mais angulosas. Estava de novo solteira, depois da anulação de um casamento anterior, e era agora vice--presidente de Lampang - uma vice-presidente valiosa, porque politicamente era tão conhecedora como Noy e possuía igual empatia pelos pobres.
Noy largou a caneta, levantou-se da cadeira e ajoelhou para beijar e abraçar o filho.
- Desce já para o carro, senão chegas atrasado à escola - disse-lhe. - A minha viagem não será demorada. Três ou quatro dias e estarei de volta. Hoje Thida vai contigo.
Tinha sido uma combinação especial, mandar Thida com ele, para afastar o pensamento de Den da viagem da mãe. Normalmente, era apenas Chalie, um motorista fiel, que o levava à escola pública - Noy não consentia que o filho frequentasse uma escola particular - e o ia buscar e trazia de novo para o palácio, quando as aulas terminavam.
Noy levantou-se e abraçou a irmã.
- Ficas a substituir-me na minha ausência - murmurou-lhe.- Sê   forte.   Não  deixes   o   general   Nakorn pôr em prática nenhuma das suas ideias anticomunistas. Tenciono manter a atitude dialogar  com  Lunakul  e os rebeldes, até encontrarmos alguma solução.
Thida sorriu e deu uma palmadinha na mão da irmã.
-Não te preocupes. Deixas Lampang em boas mãos. Talvez eu não seja capaz de governar Lampang tão bem como tu, mas acho que conseguirei imitar-te bem. Quanto ao general Nakorn, estarei sempre de olho nele.
- Obrigada, Thida... Adeus, Den, meu amor. Demoro-me poucos dias, voltarei num abrir e fechar de olhos.
Ficou a ver Thida pegar na mão do rapazinho e levá-lo para fora do gabinete.
Quando se preparava para voltar para a secretária do marido, Marsop Panyawan entrou desembaraçadamente no gabinete. Era um homem de aspecto veemente, de uma magreza esquelética e com um ar de gravidade.
Além de encarregado dos seus negócios estrangeiros, Marsop fora o melhor amigo do marido e era o aliado da sua maior confiança.
Um pouco mais alto do que a média do lampanguense do sexo masculino, cerca de um metro e sessenta e sete, Marsop tinha cabelo castanho penteado para os lados, olhos encovados e feições emaciadas. Saudou Noy, atravessou o gabinete até à secretária e sentou-se defronte dela.
-Bem, vamos a caminho de Washington, D.C.- disse Noy.
- É  uma  visita  vital  para  os  nossos   interesses. Agrada-me que vá almoçar com o Presidente Underwood.
- Não   se   trata,   obviamente,   de   um   almoço   de carácter social.
- Eu não o caracterizaria como tal, claro. Nós sabemos que precisamos do dinheiro deles. E eu tenho perfeito  conhecimento  do  que  eles  querem   de  nós,  não em pormenor, mas de modo geral.
-Obtemos um empréstimo - disse Noy, com simplicidade.- Damos uma base aérea.
- Tenho a certeza absoluta de que vai ser assim. Noy ficou pensativa.
- A respeito do empréstimo: quanto queremos dos Estados Unidos?
- O máximo que conseguirmos obter, Noy - resmungou  Marsop.
- Mas em termos práticos. Você já sondou o embaixador dos Estados Unidos aqui. Sabe no que eles estão a pensar.
Marsop abanou a cabeça.
-'Saber, realmente, não sei. Sei o que nós precisamos. Reuni-me com o Gabinete e tenho uma ideia razoável.
-Do que precisamos nós?
Marsop tirou um maço de cigarros da algibeira do casaco e soltou um. Olhou pensativo para o cigarro, antes de o acender.
- Precisamos de duzentos  milhões de  dólares - disse, por fim.
- Eles podem dar-nos essa importância?
- Podem,  mas  não darão - respondeu  Marsop,  a puxar fumo do cigarro.
- Considerarão a verba excessiva?
- Somente   no   sentido   de   que   já  têm   enormes empréstimos por pagar no México, Brasil, Argentina e uma dúzia de outros países. O Congresso tem pressionado o Presidente deles para que controle os gastos e acabe com as distribuições de dinheiro.
Noy mostrou-se preocupada.
- Está bem, eu peço duzentos milhões. E se eles recusarem?
- Terá problemas com o nosso programa aqui. Noy estava a considerar outra coisa.
- Deverei atrever-me a fazer pairar a União Soviética sobre as cabeças deles?
-Não, de modo algum. Nem mesmo como carta para negociar, como ameaça. Eles ficariam apavorados se imaginassem que você considerava a ideia de deixar entrar aqui os Russos, especialmente com o problema americano no Pacífico, que é a razão para se encontrarem e negociarem consigo. Querem uma base precisamente porque seria anticomunista.
- Bem, que farei se eles recusarem os duzentos milhões?
Marsop foi rápido na resposta:
- Não  deve  permitir-lhes  que   recusem.  Tem   de exigir os duzentos milhões e manter-se firme na exigência.
Noy suspirou.
- Está a deixar-me muito nervosa, Marsop.
- É essa a minha intenção - replicou ele, a sorrir. - Mas,  na verdade,  não  precisa  de  se  enervar.  Não esqueça que o Presidente Underwood quer algo de si. Quere-o muito.
- Pode tê-lo. Concordámos a esse respeito.
- Não  inteiramente.  Ele  quererá  uma base  aérea extremamente grande. Duvido que os seus partidários gostassem dessa espécie de cedência. Seria lesivo para si, internamente. Tem de ser avara a respeito da base aérea.  Falaremos  mais  pormenorizadamente  durante  o voo para Washington. Na verdade, dispõe de mais uma carta negocial, e é nela que eu mais confio.
- Qual é?
- O seu encanto, Noy.
- Por  favor,   Marsop,   isso  é   impossível.   Eu   não posso ser uma femme fatale para um americano.
- Nem tem  necessidade  disso - afirmou  Marsop, com um sorriso rasgado. - Basta que seja como é no dia  a  dia. Acredite,  não  pode deixar de o  impressionar bem.
- Gostaria de acreditar em si. Como é ele?
-O Presidente Underwood? Tenho um relatório completo a seu respeito. Dou-lho no avião. Agora acho melhor prepararmo-nos para o irmos conhecer pessoalmente.
CAPÍTULO    3
VOANDO muito alto, sobre o Pacífico, Noy Sang e o ministro Marsop  Panyawan estavam sentados num  sofá forrado de veludo, a  bordo do avião presidencial   de   Lampang,   a   terminar o  jantar  tardio. Quando acabaram, e uma hospedeira morena, de calças e casaco, levou os seus tabuleiros, Noy inclinou-se para a sua direita, a fim de espreitar pela pequena janela.
- Creio que estou a ver a linha costeira da Califórnia.
- Ainda não - disse Marsop. - O horizonte é enganoso. Só chegaremos aos Estados Unidos daqui a uma hora.
- E depois seguimos para Washington, D.C.
- Sim, quase mais cinco horas.
Noy teve um estremecimento e desviou o olhar da janela.
- Ainda falta muito-comentou.- Talvez eu consiga aproveitar parte do tempo para dormir.
- Um descanso ajudaria, sem dúvida.
- Marsop, eu preciso de mais do que de um descanso. Preciso de um anestésico. Receio não estar inteiramente preparada para a minha primeira reunião sobre assuntos exteriores.
- Tenho a certeza de que saberá lidar muito bem com o Presidente Underwood.
-Gostaria de ter metade da sua confiança. - Noy Sang pegou na mala de mão, mas depois não a abriu.
- Esta é uma altura péssima para deixar de fumar. Marsop, pode dar-me um cigarro?
Ele tacteou no bolso à procura do maço de cigarros, abriu-o e estendeu-lho, para ela tirar um cigarro. Depois pegou no isqueiro, accionou-o com o polegar e acendeu-lho.
Noy Sang inalou profundamente, exalou e em seguida olhou, através do fumo, para o seu ministro dos Estrangeiros.
-Não estou realmente com medo de negociar com o Presidente Underwood- disse, devagar.-O que me assusta é ficar cara-a-cara com ele durante duas horas. Com quem negociarei? Abraham Lincoln? Theodore Roo-sevelt? Richard Nixon?
Marsop deu uma gargalhada breve.
- Não creio. Ele não é nenhum deles, como muito bem sabe. Ontem à noite, quando passei uma hora de videogravações de Underwood para si, viu que ele não é assim tão assustador.
- Que conclusão pude eu tirar dessas gravações? Discursos   públicos.   Entrevistas.   Ser   humano,   não   vi nenhum.   Não   paro   de   tentar   pensar   nele   como   ser humano, de imaginar como ele é verdadeiramente. Com quem irei eu falar?
- Com uma pessoa que não é diferente de si, uma pessoa que tem as suas próprias ambições, frustrações, agravos e prazeres. Faça de conta que o Prem está ao seu lado. Amanhã, descontraia-se. Sinta-se segura.
Ela abanou a cabeça, gravemente.
- O meu querido Prem não está ao meu lado. Vi-o morto. Já não posso fazer esse jogo. Doravante, estarei sozinha. Entregue a mim própria. - Apertou com força a mão  de   Marsop  e  depois   largou-a. - Claro   que   você estará lá, atrás de mim.
- Estarei.  Mas,  essencialmente, estará só,  entregue a si própria. Do mesmo modo, o Presidente dos Estados Unidos terá o seu chefe do Gabinete e o secretário de Estado com ele, mas no fim ambos vocês ficarão sós, juntos.
- Como é ele, Marsop? - perguntou Noy Sang, de súbito. - Como é ele, realmente?
- Tenho uma quantidade razoável  de  informações a  seu  respeito - respondeu  Marsop. - Quer  mesmo saber? Deixe-me tirar o meu dossier e ler-lhe o que tenho. - Abriu a pasta de cabedal que estava ao seu lado, no sofá, e tirou um dossier azul. - Vou ler-lhe um pouco mais acerca do Presidente Matthew- tratam-no por Matt-Underwood. Espero que o conhecimento lhe permita sentir-se mais à vontade.
- Toda a luz que você puder derramar, iluminará. Marsop abriu o dossier.
- Muito bem, procuremos o que há para encontrar e oremos para que seja exacto.
- Diga-me tudo-pediu Noy.
- Tudo, Noy.
Marsop estudou o conteúdo da primeira página. Levantou a cabeça.
- Matt Underwood tem cinquenta e dois anos.
- Julgava que fosse mais velho.
- É por causa da sua maneira de ser - disse Marsop,   sorrindo. - Um   truque   para   mostrar   solenidade, quando era coordenador de noticiário na televisão. Para parecer mais paternal.
- Ele   foi   estrela   de   televisão,   uma   verdadeira estrela?
- Muito verdadeira. E  importante,  no seu  tempo.
- É muito difícil de imaginar, um actor de televisão tornar-se presidente dos Estados Unidos.
-'Toda a gente tem de ser qualquer coisa, até mesmo uma estrela da televisão - sentenciou Marsop. - Uma vez, antes dele, tiveram um actor de Hollywood. E ainda antes um cultivador de amendoins. E, antes desse, um manequim masculino. É muito difícil nascer político e permanecer político.
- Continue.
Marsop consultou os apontamentos. Absorveu o que leu e aproximou-se mais de Noy.
- De acordo comi as nossas informações, Matthew Underwood  frequentou   a   Universidade  de  Colúmbia...
- Lembro-me. Fica na Cidade de Nova York.
- Exacto. Quando jovem, Underwood era dotado de uma voz ressonante e profunda e de uma presença agradável e maravilhosa. Frequentou cursos de linguagem e jornalismo e tornou-se chefe da sua equipa de debate. Naquele  tempo, a  Colúmbia  acabava  em  primeiro  em tudo. Um dos professores de Underwood sentia-se tão bem impressionado com ele que, depois da licenciatura, o mandou a um amigo íntimo seu, que era um dos executivos da The National Television Network - trata-se da maior rede de televisão por cabo da América. Transmite a partir de Nova York e Washington, D. C. O executivo ficou igualmente bem impressionado com Underwood e contratou-o para fazer reportagem em torno da América, a partir de Pittsburgh, Chicago, Nova Orleans e Los Angeles. Tratou-se de um dos raros casos em que o carisma de um indivíduo afectou todos os telespectadores. Passados dois anos, Underwood foi contratado como coordenador do telejornal nacional da noite. Era a sua personalidade e o seu peso que mantinham toda uma equipa de repórteres nos devidos lugares. O coordenador inicia o noticiário, todas as as noites, & a sua pessoa e o seu estilo tornam-se tão familiares a tantos milhões de americanos que o acolhem com agrado nos seus lares, que ele fica famoso. Antes de Underwood, houve na CBS coordenadores de noticiário como Edward Murrow e Wal-ter Cronkite. Quando Underwood se tornou ainda mais conhecido do que os outros, transformou-se numa lenda. A sua palavra era lei. Toda a gente acreditava em tudo quanto ele noticiava. Enfim, o seu nome começou a aparecer nas sondagens de popularidade.
- É assim que os Americanos escolhem  os seus dirigentes? - perguntou Noy, maravilhada.
- O nome de Underwood foi posto em competição com os maiores nomes da política, do cinema e dos desportos, e ele ficou sempre à frente, como aquele cujo nome era mais facilmente reconhecível e em cuja pessoa todos confiavam. Foi isso que o levou para a política. Sabe   que   na   América   há   dois   senadores   para   cada estado?
- Sei. Não se esqueça de que estudei o sistema americano. Sei como funciona isso dos senadores para Washington1.
- Muito bem.  Um  dos dois  senadores  do  estado de Nova York morreu no meio do seu mandato de seis anos. O  governador de  Nova York tinha  o  direito  de escolher um substituto para o senador falecido, a fim de completar o mandato.
Noy compreendeu.
-E ele escolheu o coordenador de noticiário televisivo   Matthew   Underwood,   e   Underwood   aceitou   o encargo.
- Sim,   deixou   a   rede   de   televisão   e   foi   para Washington, a fim de prestar juramento como senador Matthew  Underwood.  Foi   uma  celebridade instantânea numa nova profissão, mais conhecido do que qualquer político. Era um assunto constante para os media, alguém acerca de quem escrever e dar notícias, especialmente tendo  em   consideração   a  celebridade   similar  da   sua mulher.
- Alice  Underwood-disse Noy, acenando com a cabeça. - A mulher com quem casou, depois de ela ser eleita Miss América.
- O que sabe a respeito de Miss América?
- Li  sobre o assunto. Vi  muitas fotografias  dela. Ainda é muito bela. Não é invulgar um presidente americano casar com uma mulher só por causa da sua beleza?
- Está mal informada, Noy. Underwood não era presidente dos Estados Unidos quando casou com ela. Ainda era coordenador de noticiário, e Alice fora contratada pela TNTN como  repórter. Claro que  Underwood ficou impressionado1 com  a sua  beleza.  Não  se pode  negar isso. - Mas - Marsop  procurou  de  novo  na sua   rima de apontamentos - Alice  Underwood  não  é  conhecida apenas pela sua beleza. É uma mulher inteligente. Também é conhecida por ser agressiva - persistente, sabe? Por querer ir para a frente, ou fazer o que for preciso para que o marido continue à frente.
- Marsop, como  pode você  saber uma coisa tão íntima e pessoal como essa?
- É para isso que serve ter um serviço de informações   de   primeira   categoria.   O   nosso   país   pode   ser pequeno, tão pequeno como Israel, mas o nosso serviço de informações é excelente, assim como o de Israel é imbatível.
- A primeira dama americana é, portanto, ambiciosa. Mas até onde pode ela ir mais? Já é a primeira dama.
- Quer continuar a sê-lo - respondeu Marsop, sem hesitação.-Quer   que   Matthew   Underwood   continue presidente. Em resumo, quer que ele se recandidate a um segundo mandato.
- Ele está interessado?
- Não.
- Isso é muito surpreendente. Como pode não querer repetir? É o cargo isolado mais importante do munddo, muito mais poderoso do que ser secretário-geral da Unirão Soviética.
- Mas não é o cargo mais interessante; pelo mne-nos é isso que a nossa fonte de informações diz a rees-peito dos sentimentos  de Matthew Underwood acerc-Ca da presidência. Underwood é um homem  intelectual    e curioso, apesar da sua fachada de ilusória jovialidadtfe. A presidência dos Estados Unidos não é um cargo qi|ue se possa ter quando uma pessoa quer dedicar-se a assuntos do intelecto. É  um cargo  para receber conselhoos, ponderar conselhos  e tomar decisões.  Estou  em   cr^er que Underwood o acha enfadonho.
- Então porque  se  candidatou  a presidente,  paiara começar? - perguntou Noy. - Nós sabemos como eu rrme tomei presidente. Foi-me imposto. Mas Underwood podclia escolher.
- Não,   não  é  bem assim - discordou   Marsop.- - Ele era um senador loucamente popular e o seu particido precisava de um candidato presidencial. Era difícil resi;is-tir à oferta. E depois havia a mulher dele, Alice.
- Ela queria que ele fosse presidente? Marsop sorriu, para corrigir Noy.
- Ela queria ser primeira dama. -E ganhou.
- Uma vitória esmagadora para ambos. Ele teria o mesmo tipo de vitória se voltasse a candidatar-se. É imeien-samente popular.
- É  tão  anticomunista  como tenho  ouvido  dizer?
- Quase todos os presidentes americanos o são. É inerente ao cargo. Defender o solo pátrio contra o os comunistas, que pretendem destruir o capitalismo e i a democracia. Foi por isso que a convidaram a ir à Casa
Branca.  Querem torná-la - a  Lampang,  na  realidade------
parte do seu  anel  defensivo contra o comunismo,   nna Ásia.
- Sinto que vou ser usada.
- Não será bem isso. No fim de contas, o communismo local também é um problema seu.
-Sem  dúvida.  No  entanto,  eu  estou  disposta     a negociar um acordo.
- Temo que os Estados Unidos não sejam tão confiantes.
-'Ele confiará em nós? Achará que estou a ser branda com o comunismo?
-Vai querer saber apenas que você deseja tornar o mundo seguro para a democracia.
- E eu quero! -afirmou Noy fervorosamente.
- Então diga-lho.
- Como posso fazê-lo acreditar em mim? Marsop sorriu.
- Sendo  você   mesma,  Noy.  Seja  o  que for  que Underwood e os outros digam, não lhes ceda meramente para lhes agradar. - Marsop fez uma pausa. - Seja você mesma, Noy, do primeiro ao último minuto que estiver com o Presidente Matthew Underwood.
O Presidente e Blake, o chefe do Gabinete, estavam junto do aparador de mogno da sala de jantar presidencial, no segundo piso da Casa Branca, quando a porta se abriu e o secretário de Estado Morrison entrou com Noy Sang.
Underwood levantou imediatamente os olhos do seu Scotch com soda e pousou o copo, enquanto observava Noy Sang, que atravessava a alcatifa direita a ele.
Algo nela o surpreendeu. Tentou identificar o que era. Talvez a sua atracção e graça inesperadas. Estava habituado a lidar com mulheres belas. No fim de contas, casara com uma Miss América. Mas a beleza de Alice era técnica, mais profissional. Aquela mulher de Lampang era completamente diferente.
Os olhos de Underwood fitaram-na. Estivera preparado para um tipo de mulher nativo, pequeno. Ela era, de facto, pequena, delicada, mesmo. A sua pele castanho--clara era impecável, sem mácula. Tinha cabelo preto comprido (um pregador mantinha-o preso no seu lugar, na nuca, fronte alta sem maquilhagem, olhos amendoados, verdes e penetrantes, nariz largo e arrebitado e lábios vermelhos, cheios, a desenhar um sorriso simples, sem afectação. A maneira como se aproximava dele era fluida e graciosa.
Trazia um vestido amarelo, de um tecido fino e macio. Presumiu que ela o escolhera por causa do calor exterior. O vestido desconcertou-o, momentaneamente.
Desenhava e realçava todas as saliências do seu corpo: os seios generosos, que bamboleavam suavemente, e as ancas largas, acima das pernas esbeltas e bem torneadas.
Uma palavra perpassou fugazmente pela cabeça de Underwood, uma palavra que dela estava ausente há anos: erótica. Aquela mulher exsudava erotismo natural.
Como, não sabia, mas não tinha a mínima dúvida.
Noy estava diante dele, com o secretário de Estado Morrison ao lado.
-Sua Excelência, Matthew Underwood, Presidente dos Estados Unidos da América-anunciou Morrison.- Sua Excelência, Noy Sang, Presidente da República de Lampang.
Para sua surpresa, e dela própria, Underwood pegou na mão de Noy, inclinou-se e beijou-lha.
- É um prazer, Sr. Presidente - disse Noy.
- O prazer é meu, Madame Presidente - respondeu Underwood. Depois  largou-lhe a mão e riu-se. - Temo que vamos «presidenciar-nos» até morrermos de tédio. Deve haver uma forma de tratamento melhor.
Foi a vez de Noy se rir.
- Toda a gente me trata por Noy - declarou.
- E a mim toda a gente que me conhece trata-me por Matt. Espero que hoje venhamos a conhecer-nos bem um ao outro.
Um olhar de soslaio de Underwood captou a expressão do secretário de Estado. Era uma expressão de desagrado pela quebra do protocolo.
Mas o Presidente ignorou o seu secretário de Estado e voltou a olhar para Noy.
-Sei que chegou a noite passada. A viagem foi agradável?
- Foi tranquila, eu é que não consegui dormir. Mas quando   chegámos   a   Blair   House   compensei   isso.- Acrescentou, com entusiasmo:-Que maravilhosa casa de hóspedes! Nunca tinha visto nenhuma tão requintada.
-Originariamente, eram duas casas reunidas, construídas antes da Guerra Civil. Em 1942, o Presidente Franklin D. Roosevelt comprou-a para o Governo dos Estados Unidos. Depois disso, foram-lhe acrescentadas mais duas casas.
- Dormi no quarto de hóspedes do segundo piso.
Dormir na cama de colunas com baldaquino foi como estar envolta numa nuvem. Sei que foi tudo preparado de propósito para me amolecer para a nossa reunião.- Olhou para trás. Fez sinal a Marsop para se lhe reunir e depois apresentou-o como seu ministro dos Estrangeiros.
Girou nos calcanhares e observou todos os aspectos da Sala de Jantar Presidencial.
- Esta sala é muito aconchegada e encantadora - elogiou.
Underwood não perdeu tempo, pegou-lhe no cotovelo e ofereceu-lhe uma visita guiada e mais minuciosa. O mobiliário, salientou, era do período federal; a mesa de caça, Hepplewhite; o papel que forrava as paredes, Scenic America. A mesa de jantar de pedestal era She-ratou.
O chefe do Gabinete tomou a última informação como uma deixa para intervir:
- Talvez agora nos possamos sentar para almoçar - sugeriu, seguindo, à frente, para a mesa.
- Não antes de eu perguntar a Madame Noy...
- Noy - corrigiu ela, firmemente.
- ...Sim, Noy, se posso preparar-lhe uma bebida.
- Não, obrigada. Posso falar em meu nome e no do Marsop se disser que estamos ambos esfaimados.
Quando avançou e puxou a cadeira para ela se sentar, o Presidente apontou-lhe a inscrição na consola da parede do lado leste.
- Consegue ler aquilo? «Combatemos com o inimigo e ele é nosso.»
Noy olhou, de olhos semicerrados, e acenou com a cabeça.
-Sim, são palavras do vosso comodoro Oliver Perry, depois da Batalha do Lago Erie.
Underwood ficou impressionado.
- Já tinha estado antes na Casa Branca?
- Uma vez, numa visita turística, quando me encontrava a estudar nos Estados Unidos.
Entretanto, estavam todos a sentar-se: o Presidente Underwood à cabeceira da mesa; Noy à sua direita, com Blake ao lado, e Marsop à esquerda, com Morrison ao lado. Depois de se certificarem de que estavam bem instalados, os dois criados de mesa foram juntar-se ao cozinheiro de barrete branco num segundo aparador, para começarem a servir as saladas.
Underwood não deixou escapar as últimas palavras de Noy.
-Estudou nos Estados Unidos?
- Em Wellesley College, perto de Boston, Massa-chusetts.
- Wellesley!- exclamou Underwood. - Diabos me levem. Que coincidência! A minha filha, Dianne, estuda lá. Quer especializar-se em ciência política. E você?
Noy estava satisfeita.
- Eu também escolhi ciência política. Estudei tudo, de  política  comparada a  política  americana,  direito  e relações internacionais.
- Diabos  me  levem - repetiu  Underwood. - Deve saber mais de política do que eu.
- Duvido, Sr. Presi... Matt- disse ela, atrapalhada. - Não tenho a sua experiência. Mas em história e teoria fui uma estudiosa ávida. Até frequentei um curso sobre Karl Marx.
- Karl Marx-repetiu Underwood, de olhos postos em Noy, enquanto comia a salada. - Sabia que Marx trabalhou, em tempos, como correspondente em Londres de um jornal de Nova York?
- Oh, sabia!
- Vou contar-lhe uma coisa que me espantou. Dis-serarrvme que Lénine  nunca gostou  da obra de  Marx. E também não suportava Marx, o indivíduo.
- Isso é verdade? Nunca o tinha ouvido dizer.
- Acho que sim, que é verdade. A vida de Marx não se limitava aos seus livros. Aprendeu alguma coisa acerca da sua vida íntima?
- Um pouco.
- Em  Londres, creio, teve um caso com a governanta e ela teve um filho dele.
- Já   sabia.-Noy   sorriu   maliciosamente.- Matt, está a pôr-me à prova. Agora é a minha vez de o pôr à prova a si. Sabia que, depois de Marx e Engels terem escrito o Manifesto Comunista, e de o próprio Marx ter escrito, posteriormente, O Capital, ele esperava que as suas   ideias   fossem   adoptadas   na   Alemanha?   Nunca sonhou que a Rússia viria a ser o primeiro país comunista.
- É novidade para mim - admitiu Underwood.
- Desconfio  de que  isso o  teria surpreendido - continuou Noy, enquanto acabava de comer a salada -, assim como o surpreenderia saber que as suas ideias ganharam raízes na Nicarágua e, em certa medida, em Lampang, no Mar da China Meridional.
O secretário de Estado Morrison interrompeu a conversa.
- Fazemos uma ideia do seu conflito com os comunistas, no seu  país - observou, dirigindo-se a  Noy.- É tão grave quanto» os relatórios dos nossos serviços de informações indicam?
Noy admitiu que era.
- Os  comunistas  são   guerrilheiros   e  causam-nos problemas a partir de duas ilhas exteriores, onde estão entrincheirados com auxílio militar e soldados do Vietname. Procuro minar a atracção que eles exercem mediante a implantação vigorosa de um programa de reforma agrária, dividindo os latifúndios dos ricos para dar terra e independência aos pobres. Nem a propriedade dos meus pais escapará à minha reforma.
- Que diz o seu pai a isso? - indagou Blake. Noy riu-se, docemente.
- Desconfia de que me deixei conquistar pelas atitudes comunistas.
- E   deixou? - perguntou   Underwood,   muito depressa.
Noy lançou-lhe um olhar penetrante.
- Claro   que   não! - respondeu,   enfaticamente.- Negociarei com os comunistas, farei, possivelmente, um acordo com eles, mas jamais lhes cederei. Nunca permitirei que o comunismo suplante a democracia em Lampang. Sou uma crente firme e zelosa em Jefferson e Lincoln.
Seguiu-se um breve silêncio, enquanto os criados de mesa serviam os medalhões de vitela com espargos.
Os olhos de Matt Underwood não se desviavam de Noy.
- Jefferson e Lincoln - repetiu. - Considera-os os nossos maiores americanos?
-'Não - respondeu Noy, positivamente. -Não?- Underwood   estava  assustado. - Quem considera, então, o maior americano?                                               
- Thomas Paine - declarou Noy, num tom que não permitia  equívocos.
- Maior do que Jefferson e Lincoln?
- Eles foram grandes homens, sem dúvida. Jefferson foi o mais brilhante de todos os presidentes que ocuparam a Casa Branca, antes de si. Lincoln manteve a União junta num período terrível da história americana. Mas Thomas Paine deu-lhe independência...
Underwood franziu o rosto, pensativo.
- Sempre  considerei   Thomas   Paine   instável,   um fabricante de espartilhos, um falido que veio de Inglaterra...       
- Foi   mais,  muito   mais - insistiu  Noy.  Voltou-se para Marsop, a fim de o esclarecer. - Quando Thomas Paine entrou em cena, não tinha passado pela cabeça de nenhum colono americano que a América se tornasse independente da Inglaterra. Ele escreveu, e publicou à sua custa, Senso Comum, panfleto lido por um em cada vinte americanos.  Paine  não viu  urro xelim  desse  seu esforço. Deu metade dos lucros ao impressor e destinou a outra metade à compra de mitenes para os soldados do Exército Continental. Seis meses depois de ele ter feito propaganda pela liberdade, a Declaração de Independência foi assinada.
As pessoas sentadas à mesa terminavam, entretanto, o ice cream da sobremesa, quando Morrison empurrou, impacientemente, a sua cadeira para trás.
- Talvez seja altura de passarmos para a Sala Oval Amarela - anunciou,   levantando-se. - Podemos   mandar servir lá o café e começar a tratar de negócios.
Matt Underwood puxou para trás a cadeira de Noy e, tocando-lhe ao de leve no cotovelo, saiu à frente para o corredor, na direcção da Sala Oval Amarela, seguido pelos outros.
Ao entrarem na resplandecente sala oval, Noy dete-ve-se um momento, a admirá-la.
- É ainda mais encantadora do que a sala de jantar - disse.
Underwood pegou-lhe de novo no braço, ao conduzi-la, passando pela grande secretária com embutidos de cabedal, para o sofá amarelo voltado de frente para a mesa de mármore branco, ao lado da moldura branca da lareira. Levou-a para o sofá, indicou-lhe um lugar entre as almofadas e sentou-se também, a poucos centímetros dela. Esperou que Morrison, Blake e Marsop se sentassem, e voltou a esperar ainda mais, enquanto os criados entravam com uma mesa rolante que transportava o café. Depois de servido o café e de os criados terem saído, Morrison inclinou-se para a frente, na sua poltrona forrada de tecido castanho com desenhos.
- Talvez seja altura - disse, desembaraçadamente
- de discutir a agenda de trabalho de Madame Noy Sang para esta reunião.
O Presidente Underwood, que estava a beber o café, pousou a chávena.
- Mais devagar, Ezra - pediu ao seu secretário de Estado. - Temos muito tempo. Estou ansioso por ouvir Noy falar mais do que sabe da nossa história e da nossa democracia.
- Não posso deixar de me referir à sua Constituição - começou,   Noy. - Creio  que  é  o  melhor documento que há no mundo, no seu género. Na verdade, o meu marido e eu trabalhámos para melhorar a nossa própria Constituição,  em   Lampang,  baseando-nos  na  sua.  Não quero com isto dizer que a Constituição dos E. U. A. seja perfeita. Tenho pensado muitas vezes que podia ser aperfeiçoada de várias maneiras.
Underwood arqueou uma sobrancelha.
- Deveras? Diga-nos quais.
Noy lançou-se, imediata e destemidamente, numa discussão sobre a Constituição americana.
- Quando modelámos a nossa Constituição pela sua, fizemos mudanças que há muito se impunham. Não aproveitámos a cláusula do colégio eleitoral, que considerámos obsoleta. Acrescentámos uma cláusula de igualdade de direitos, que vocês tinham rejeitado como emenda. Ao princípio, a nossa Assembleia foi constituída segundo os moldes da Câmara dos  Representantes dos E. U.A. Previa, como a americana ainda prevê, que os seus membros fossem eleitos de dois em dois anos. Mas nós percebemos que isso estava errado, e mudámos. Dois anos dá a um novo membro tempo suficiente, apenas, para formar o seu gabinete e candidatar-se de novo. Passámos o mandato para quatro anos. Mas o mais importante, e que é o grande defeito da sua Constituição, é a presidência.- Noy sorriu. - Devia ser abolida nos Estados Unidos, como nós tencionamos aboli-la e modificá-la em Lampang.
Underwood riu-se.                                                    
- Quer livrar-se de mim?
- Não é bem  isso. Queremos  livrar-nos das eleições primárias e públicas. Segundo li algures, seria mais sensato se o chefe do Governo fosse eleito por ambas as câmaras do Congresso e pelo partido principal  em cada câmara. Cada senador deveria ter dois votos :e cada representante um. O chefe de Governo eleito permaneceria no cargo até o seu partido perder um voto chave no Congresso. O voto-chave seria definido. Uma vez, vencido, o chefe do Governo demitir-se-ia e haveria novas eleições  nacionais   para  ambas   as  câmaras.   Uma  vez eleitas, estas votariam  para eleger um  novo chefe de Governo que teria de responder ainda mais  perante o povo. Não haveria vice-presidente. Que lhe parece?
Underwood sorriu.
- Começo  a  sentir-me  pouco  à  vontade.  Você  é uma radical, Noy.
- Tento apenas aperfeiçoar a democracia. Underwood insistiu para que expusesse mais ideias e ficou surpreendido com a sua originalidade e inteligência. Sentia-se suspenso de cada palavra sua.
O diálogo prosseguiu, e o tempo foi passando.
Na primeira oportunidade, o chefe do Gabinete Blake levantou ostensivamente a mão e olhou para o relógio de pulso.
- Sr. Presidente,  se  me permite que  lhe recorde a sua agenda para hoje... Daqui a dez minutos deverá ir buscar a primeira dama e levá-la à inauguração do Museu Contemporâneo. Como se deve recordar, está previsto que diga algumas palavras.
O secretário de Estado Morrison mexeu-Se na cadeira.                                                                              
- Porque não vai andando, Sr. Presidente? Eu posso ficar um pouco mais com Madame Noy Sang e encarregar-me da agenda política que tínhamos elaborado.
O Presidente Underwood franziu a testa.
- Não é necessário, Ezra. Eu prefiro encarregar-me pessoalmente da questão da política externa. - Voltou-se para   Blake. - Você   pode   deixar-nos   agora,   ir   buscar Alice e acompanhá-la ao Museu Contemporâneo. Diga-lhe que estou tão ocupado com os problemas do nosso país que não posso perder o meu tempo com patronos de arte.
Noy tocou no braço do Presidente.
- Matt, se tem de comparecer em qualquer outro lado, por favor, não permita que eu o detenha. Posso tratar do nosso assunto com o secretário de Estado Morrison.
- Não, eu prefiro tratá-lo directamente consigo. Ezra Morrison   pode   levar  o   ministro   Marsop   para  o   seu gabinete,   no  Departamento  de  Estado,  e expor-lhe  as nossas  ideias  a  respeito  de  Lampang. Entretanto, nós também podemos conversar a esse respeito. Vá, Ezra, por favor, e dê ao ministro alguns esclarecimentos acerca do que necessitamos.
Morrison levantou-se, relutantemente.
- Se é esse o seu desejo, Sr. Presidente...
- É, é o meu desejo-respondeu Underwood, com firmeza.
Enquanto o secretário de Estado e Marsop se preparavam para sair da sala, o Presidente voltou a dirigir-se a. Blake:
- Vá, Paul, vá buscar Alice e substitua-me nessa história do museu. Gostaria de conversar a sós com Noy.
Viu Morrison sair com Marsop e depois esperou que Blake fizesse o mesmo.
-Enfim sós - disse, voltando-se para Noy. - Prefiro a intimidade, nas minhas reuniões.
Noy sorriu.
- Sinto-me privilegiada.
Underwood observou-a em silêncio, durante alguns momentos. Estava encantado com a sua naturalidade com ele e com a sua maneira simples e franca de dizer o que pensava. Sentia-se completamente cativado pelos seus vastos conhecimentos e pelo seu hábito corajoso de contradizer a opinião rotineira, incluindo a dele próprio.
- Desejava discutir consigo mais uma coisa a respeito da América, Noy, antes de começarmos a tratar de assuntos mais sérios - disse, gravemente.
- Tudo o que desejar. Faça favor. -: Gosta de filmes americanos?
- Filmes americanos? - A pergunta era tão inesperada que ela desatou a rir.-Está a falar a sério?
- Claro que estou, É possível ficar a saber mais a respeito de um desconhecido se soubermos dos filmes de que gosta e dos livros que lê, do que falando de coisas mais sérias. Quero saber mais a seu respeito.
Ela compreendeu a sua disposição e respondeu solenemente.
- Adoro filmes americanos. À sua maneira, são uma forma  de   arte  americana   única.   Recentemente,  tenho visto reprises de filmes americanos  antigos  na  nossa televisão, e muitos deles são na verdade magníficos.
- Por exemplo?
- Há poucas semanas, assisti a um dos melhores filmes americanos que já vi.
- Qual?
- Chamava-se The Petrifield Forest,  com Leslie Howard, Humphery Bogart...
- Ah, Duke Mantee!
-... e Bette Davis. Foi um filme cheio de significado para mim, um eco de quantos na vida estão num beco sem saída.
Uunderwood concordou.
- Lembro-me de o ter visto três vezes - disse.
- E você? - perguntou  Noy. - De  que  outros  filmes gostou?
- Ainda me lembro de um dos meus favoritos. Uma comédia, com Claudette Colbert e Clark Gable, chamada It Happened One Night.   Fiquei  tão fascinado com Gable a fumar cachimbo que comprei um para mim.- Tacteou numa algibeira de cima do casaco. -Ainda o tenho, ou um parecido. - Tirou um velho cachimbo de raiz de urze, escuro. - Está a ver?
- Aprecio o cheiro do fumo de cachimbo.
- Nesse caso, vou fumar. - Tirou a bolsa de tabaco de cabedal, encheu o cachimbo e acendeu-o. - Pronto, Que tal?
- Suave e agradável.
(*) Chamou-se entre nós A Floresta Petrificada. Filme de 1936, realizado por A. Mayo. (N. da T.)
{*") Chamou-se entre nós Uma Noite Aconteceu. Filme de 1934, realizado por Frank Capra. (N. da T.)
- Outro filme de que gostei - disse ele, a soprar fumo-foi Citizen Kane, (***) com Orson Welles.
- Nunca o compreendi bem, porque não sabia muito a respeito do americano em que se baseava. ít Happened One Night foi mais fácil para mim, porque era acerca de um homem e uma mulher e puro divertimento.
Continuaram a falar de homens e mulheres, e Under-wood sentia-se cada vez mais fascinado com o sentido de humor e a vivacidade de Noy Sang.
A conversa prosseguiu sem parar, e, quando ele se levantou para deitar um Scotch para cada um, deu-se contta de que tinham decorrido duas horas e meia desde o almoço. Estava com Noy há quatro horas e meia, e parecia-lhe que tinham passado apenas dez minutos.
Quando lhe estendeu o copo compreendeu que lhe devia alguma coisa. E ela viera de tão longe, de Lampang, para tratar de assuntos políticos com ele, e ainda nem sequer tinham tocado no motivo1 do seu encontro.
Queria conversar mais a respeito dela, mas também queria ser construtivo e fazê-la sentir-se feliz acerca do seu trabalho.
-Bem, estou muito satisfeito por ter vindo cá, Noy. Foi delicioso conhecê-la.
- Para mim também, Matt.
- Por muito que desejasse continuar a conversar desta maneira consigo, acho que não devo fazê-lo. Sei que veio cá para tratar de negócios.
Ela pareceu um pouco surpreendida.
- Quase me tinha esquecido - admitiu.
- Também   eu. - Underwood  fitou-a. - Quer  que discutamos o que estava previsto que discutíssemos?
Ela acenou afirmativamente, embora não muito feliz.
- Acho que devemos. A tarde está quase no fim. Tenho de regressar amanhã a Lampang, e preciso de justificar esta viagem discutindo um assunto sério.
- Então despachemos isso rapidamente e voltemos a  uma conversa mais  agradável - propôs  ele. - Estou certo de que Marsop lhe disse, como Marrison me disse
(***) Chamou-se entre nós O Mundo a Seus Pés (embora seja, talvez, mais conhecido pelo nome original). Filme de 1940, realizado pelo próprio O. W. (N. da T.)
a mim, que você e eu devemos negociar uma troca que satisfaça cada um dos nossos países.
- Sim, uma troca.
- Eu dou-lhe uma coisa que você quer - continuou Underwood- e, em troca, você dá-me uma coisa de que preciso.
-Foi o que me aconselharam. Toda a atenção de Underwood estava concentrada no rosto sério dela.
- O que é que quer, Noy?
- Um empréstimo generoso para  uma boa causa. Preciso de dinheiro americano para fortalecer a nossa economia.
- Desde o princípio que tencionei conceder-lhe um empréstimo. Quer indicar um «ballpark figure»?
- Um «ballpark figure»? - repetiu, intrigada.
- Trata-se de uma expressão americana que significa que nos encontramos no mesmo campo de basebal, não muito afastados, suficientemente perto para chegarmos a um acordo. De quanto precisa?
- Trata-se de uma questão de sobrevivência, note - disse Noy. - Vou indicar-lhe a quantia que preciso de ter para repelir duas pressões: a dos rebeldes comunistas,   na  extrema   esquerda,   e  a  do   meu   exército,   na extrema direita.
- Qual é a quantia?
- Disseram-me   que   você   poderia   conceder   uma soma mais alta, mas que chegasse a acordo por duzentos milhões de dólares.
Underwood não pôde conter o riso.
- É, sem dúvida, franca, não é?
- Não sou   política. Tenho de  ser sincera.  Outro procedimento seria uma perda de tempo. A soma que indiquei tem a sua aprovação?
- É   um   pouco   excessiva - disse   Underwood.- Permita-me que seja, também eu, franco. Os meus conselheiros disseram-me que lhe oferecesse cento e vinte e cinco milhões e depois  regateasse e fosse até aos cento e cinquenta milhões. Pode viver com esta quantia, Noy?
- Acho que não, Matt.
- Muito bem - disse ele, pondo de lado a bebida a meio e colocando as mãos no colo. - Porque não discutimos o assunto? Sejamos ambos francos.
Normalmente, Underwood não gostava das questões técnicas e do regateio inerentes aos assuntos externos. Evitava-os sempre que possível. Mas agora desejava, quase ansiosamente, uma discussão prolongada com Noy. Ao falar com ela, ao escutá-la, tinha consciência de que estava a tratar com uma mulher notável. Nunca se sentira mais à vontade.
A avaliação do empréstimo foi aprofundada de vários aspectos, e ele escutou com atenção, enquanto Noy falava da situação em Lampang e dos seus problemas como sucessora do marido.
Finalmente, Underwood chegou a uma decisão e resolveu tomá-la. Noy ficou francamente satisfeita e foi mesmo ao ponto de num gesto espontâneo, estender a mão e tocar na dele, num sinal de gratidão.
- Mas trata-se de uma permuta - lembrou. - Agora tem de me fazer o seu pedido.
- É acerca do aluguer de uma base aérea.
- Eu sei, Matt. Mas preciso de tomar conhecimento dos pormenores.
Ele enumerou, cuidadosamente, os pormenores, consultando os cartões que lhe tinham dado para ter a certeza de que não se enganava. Repetiu-lhe tudo quanto o secretário de Estado Morrison e o secretário da Defesa Cannon lhe tinham dito.
Noy escutou com atenção, compreendeu o que ele pretendia e, quando chegou a altura, contrapôs com o seu ponto de vista.
Foi tão lógica que ele achou difícil resistir-lhe, mas continuou a expor as necessidades da América.
Ao fim de meia hora, chegaram a acordo.
- Bem, conseguimos - observou ela. - Está satisfeito?
- Se a solução lhe agrada, estou satisfeito. Noy pegou na mala de mão.
- Tomei demasiado do seu tempo. Acho melhor ir procurar Marsop e regressar a Blair House, para ajudar a empregada a refazer as malas.
Começou a levantar-se, mas ele deteve-a.
- Noy, tem mesmo de regressar a Lampang amanhã?
- Era esse o meu plano. Não é ugeníe, mas faço lá falta.
Underwood hesitou.
- Num  sentido diferente,  faz-me  falta  aqui,  pelo menos mais um dia.
Ela fitou-o.
- Mas porquê, Matt? Resolvemos o nosso assunto.
- Somente   o   assunto   de   política   externa.   Não resolvi o meu assunto pessoal.
Noy enrugou a testa lisa.
- Que significa isso?
- Passei   momentos   tão   agradáveis   consigo-  que detesto vê-los acabar. Além disso, gostaria de lhe permitir que visse Washington de mais perto, de lhe proporcionar uma visita guiada. Sei que já cá esteve antes. Viu muitas coisas?
- Tirando a visita turística à Casa Branca, vi muito pouco.
- Tem de ver mais - disse Underwood, com convicção. - Levo-a   pessoalmente  num   passeio   de   carro por Washington. Depois podemos almoçar, só os dois, e falar de assuntos pessoais.
-Que espécie de assuntos pessoais?
--Você - respondeu o Presidente. - Quero saber mais a seu respeito. E quero que saiba mais a meu respeito. Devemos conhecer-nos um ao outro, não como chefes de Estado, mas como seres humanos.
Ela inclinou a cabeça para o lado e envolveu-o num sorriso.
- Parece-me tentador. É-me quase impossível resistir-lhe.
- Então não resista.
- A sua agenda para amanhã não está preenchida?
- Está:   passar o  dia  consigo - respondeu,   sorridente.- Vou  buscá-la a  Blair House às  onze e vinte. Depois podemos almoçar juntos à uma hora. Ao fim da tarde levo-a às suas instalações, a tempo de poder partir para   Lampang   de manhã  cedo.  Que   lhe  parece?   Não seria  cortês vetar o  Presidente  numa questão  destas.
Noy riu-se.
- Quem disse que eu ia vetá-lo? - levantou-se.- Gosto do programa que apresentou. Está aprovado. Fico à espera de voltar a vê-lo de manhã.
Depois de Noy Sang sair, Underwood viu que ainda tinha tempo de ir ao seu gabinete, verificar se havia na sua secretária alguma coisa que exigisse atenção imediata.
A caminho do elevador e do seu gabinete, sentiu-se muito bem disposto, coisa que não lhe sucedia há meses. Desde que se tornara Presidente que não apreciava tanto a companhia de uma mulher. Tentou analisar o efeito que ela produzia nele. Não devia ser apenas a sua beleza. Era casado com uma mulher que podia ser considerada mais bela. Pensou de novo em Noy, nos seus modos e no seu estilo despretensiosos, na sua franqueza, no seu saber e inteligência, na sua naturalidade.
Era verdadeiramente única.
E causava-lhe uma grande alegria poder passar o dia seguinte quase todo com ela.
Seria, com certeza, um dia memorável.
Mas, ao aproximar-se do seu gabinete, surgiu uma nuvem. Tinha de convocar o chefe do Gabinete e o secretário de Estado e informá-los do que ficara decidido entre Noy e ele. Precisava de se preparar para esse confronto.
Ao entrar no Gabinete Oval, viu que não precisava de convocar nem o chefe do Gabinete, nem o secretário de Estado. Blake e Morrison já lá estavam, esparramados em cadeiras de cada lado da secretária Rutherford B. Hayes, a esperá-lo. Contornou a secretária, com uma saudação breve a Blake e Morrison, e sentou-se na sua cadeira de cabedal, flanqueada pela bandeira presidencial e pela bandeira americana.
Olhou para a presidencial, como se quisesse recordar a si mesmo que quem mandava ali era ele.
Passou em revista os papéis que tinha em cima da secretária e, finalmente, falou.
-Bem, está feito - anunciou.
- Demorou, Matt - observou Blake, tentando apagar da voz o tom de censura. - Estava previsto que passaria duas horas com ela, mas passou mais de cinco. Felizmente, não tinha uma agenda carregada para hoje, a não ser aquela visita ao Museu Contemporâneo. Devo dizer-lhe que a primeira dama ficou muito aborrecida com a sua ausência. Mas, enfim...
- O que conta é como se safou - interveio Mor-rison.
- Foram   cinco  horas? - perguntou  Underwood.- Pareceram-me apenas duas. Creio que havia muito de que falar.
-Como   se   safou? - repetiu   Morrison. - Fez   a permuta?
- Oh, sim! Demos e recebemos.
- O  que  é  que você  deu,  Matt? - quis  saber o secretário de Estado.
- Lampang  tem   uma  quantidade  de problemas - disse Underwood, evasivamente.
- O mundo inteiro tem uma quantidade de problemas- lembrou Morrison. - Por quanto fechou o negócio? Teve de ir aos cento e cinquenta milhões?
- Não. Isso não a teria ajudado, nem a ela  nem a   nós. - Preparou-se. - Concordei   que   lhe   emprestaríamos duzentos e cinquenta milhões, metade dos quais imediatamente.
Morrison estava incrédulo.
- O quê?!
- Eles precisam de dinheiro, lá, e nós precisamos deles.
- Mas duzentos e cinquenta milhões...   Esse é o género de soma que poderíamos considerar dar a uma nação importante, não a uma mera ilha.
- Será bem gasta, verão.
- Quero  dizer, se tivesse dado esse dinheiro ao general   Nakorn,   eu   poderia   compreender - protestou Morrison. - Pelo menos, ele está totalmente do nosso lado.
- Ele   não   está   interessado   em   democracia.   Ele está-se   nas tintas  para  o  povo.  Se ele estivesse   no poder, exterminaria  os  comunistas.  Haveria  um  banho de sangue.
- Mas ele está do nosso lado - repetiu Morrison, em tom  implorativo. - É o nosso tipo de ditador. Noy Sang é demasiado fraca. Não é de confiança.
Underwood mostrou-se inflexível.
- Na minha opinião, ela é de absoluta confiança. Quando  tiver o  dinheiro,  transformará   Lampang   numa democracia genuína. Nós poderemos trabalhar com uma democracia.
- Matt... - interveio, de súbito, Blake.
- Sim, Paul? - Underwood voltou-se para ele. Blake hesitou. Era como se fosse fazer uma pergunta cuja resposta não queria ouvir.
- Muito bem, já sabemos o que você deu, mas, Matt... o que obteve?
- Uma base aérea, como queríamos.
- Como   queríamos - repetiu   Blake,   desconfiadamente.- Quer   dizer   que   obtivemos   exactamente   o espaço que queríamos?
Distraído, Underwood fazia rabiscos com uma caneta. -Bem, exactamente, não. Quase, mas não exactamente.
Morrison inclinou-se para a frente.
- Exactamente, seriam cinquenta e dois mil e seiscentos hectares. Não exactamente, quantos são?
-Noy tem obstáculos a vencer. Não poderia dar cinquenta e dois mil e seiscentos hectares e fingir que Lampang continuava a ser uma nação independente. Tive de ser razoável.
- Que significa ser razoável? - perguntou Morrison.
- Concordámos numa base aérea com trinta e seis mil e quinhentos hectares.
Durante segundos, Morrison ficou sem voz. Por fim, reencontrou-a:
- Isso é para Piper Cubs - declarou. - Não é para os jactos da nossa Força Aérea.
- Podemos   remediar-nos - respondeu   Underwood, e levantou-se.-'Acho melhor subir e dizer umas palavras a Alice. Ela deve estar furiosa, por causa desta tarde.
Quando Underwood chegou à porta, antes de meter por baixo da colunata que passava pelo Jardim das Rosas, a voz de Blake deteve-o:
- Perdeu  o  grande combate  de  Las Vegas,  Matt.
- Esqueci-me por completo.
- O seu homem venceu. O challenger conquistou o título por K. O. técnico.
- Óptimo,   óptimo - comentou   Underwood,   desin-teressadamente, enquanto empurrava a porta.
Mas não saiu.
-Paul, qual é a agenda para amanhã? - perguntou ao chefe do Gabinete.
- Já sabe - respondeu Blake. - Você e Alice recebem as esposas dos senadores para almoçar. Segue-se uma conferência de imprensa. À noite, o jantar tormal para os governadores e suas mulheres.
- Muito   bem.   O   programa   da   noite   mantém-se. Cancele   a   tarde,   com   excepção   da   conferência   de imprensa. Quero dizer, você e Alice podem encarregar-se dessas mulheres.
- Cancelo o seu aparecimento, à tarde, antes da conferência    de    imprensa? - perguntou    Blake. - Que vai fazer?
- Convenci   Noy Sang  a  ficar  mais  um  dia. Vou mostrar-lhe as vistas e depois almoçamos em privado, num restaurante qualquer. - Fez uma pausa.- Discutiremos mais a fundo a base aérea.
E saiu do Gabinete Oval.
Quando ficaram sós, Blake e Morrison mantiveram-se em silêncio. Passados momentos, entreolharam-se.
- Que   está   a   passar-se? - perguntou   Morrison, quase como se falasse consigo mesmo. - Cinco horas em vez de duas com a presidente de uma coisa qualquer chamada   Lampang.   Um   empréstimo   imprudente   muito superior  ao   que   combináramos.   Em   troca,   uma   base aérea   reduzida.   E   agora,   amanhã,   mais   um   dia   com essa   mulher.   Que   aconteceu   ao   Presidente   Matthew Underwood?
-A resposta  é fácil - disse  Blake. - O que  lhe aconteceu até tem um nome.
- Um nome?
- No caso dos homens comuns, chama-se síndroma da meia-idade. Porque não haveria de acontecer também a um Presidente?
CAPÍTULO   4
|A manhã seguinte, Matt Underwood estava decidido a ter aquele dia para si - ou melhor, para Noy e para si.
A Casa Branca era um aquário de peixe dourado, e fugir dele não fora fácil. Começara o dia com uma série de mentiras. Chamou Paul Blake e deu-lhe instruções para informar a primeira dama de que o Presidente estaria ocupado durante a tarde - reuniões importantes com a National Space Agency - e, infelizmente, não poderia tomar chá com as senhoras do Senado. Esperava que Aiice e Blake o substituíssem. Sim, estaria disponível para uma conferência de imprensa, às quatro e meia. Ordenou a Blake que não dissesse uma palavra a ninguém a respeito da sua ausência da Casa Branca. Depois disso, mentiu a Jack Bartlett, seu secretário de imprensa, acerca do seu programa para a tarde, dizendo--lhe que tinha de ficar só para tomar decisões políticas importantes. Esperava que Bartlett inventasse uma mentira saborosa para a imprensa.
Inicialmente, fora sua intenção mentir também a Frank Lucas, director do Serviço Secreto, mas depois pensara melhor. Não se importava de pôr em perigo a própria vida, prescindindo do Serviço Secreto, mas achava que não podia correr esse risco com Noy.
Chamou Lucas e disse-lhe a verdade. Explicou-lhe que precisava de ter uma reunião confidencial com a Presidente Noy Sang, a respeito de Lampang. No entanto, queria protecção para Madame Noy, mais do que para si   mesmo,  e  por  conseguinte  considerava  seu  dever informar Lucas.
- Está a proceder correctamente - disse Lucas, um corpulento ex-capitão da polícia cujo nariz largo parecia ter sido achatado a murro, há muito tempo.
- Mas   quero   apenas   protecção   mínima - acrescentou Underwood. - Dois ou três agentes do Serviço Secreto, no máximo, para que eu não chame a atenção, lá fora.
- Impossível - afirmou Lucas. - Precisarei de uma brigada completa de doze, incluindo vários para revistarem o restaurante que escolher, a fim de se certificarem de que não há dispositivos de escuta, e supervisionarem a preparação da comida, na cozinha. Compreenda uma coisa, Sr. Presidente:  temos um computador que regista todas as pessoas que o ameaçaram. São pelo menos quarenta mil, e nós consideramos graves trezentas e cinquenta das ameaças. Atacantes descontentes feriram ou mataram dez presidentes e dois candidatos, apesar da nossa protecção, e nós perdemos oito agentes no cumprimento do dever.
- Mesmo assim, não quero um séquito de carros. Não pode reduzir para seis o meu contingente de protecção?
- Depende.   Seis   não   é   muito. - Lucas   meditou, decidido a cumprir o seu dever, mas ansioso por agradar ao Presidente. - Qual é o seu horário e itinerário?
- Terei   um   carro  com  motorista  no   Pórtico  Sul, pouco antes das onze e um quarto. Tenciono ir buscar Madame Noy a Blair House. Depois, uma ou duas horas de automóvel, para lhe mostrar as principais vistas da cidade.  Em  seguida,  quero  que  me  encontre  um   restaurante obscuro em Georgetown - não um bebedouro famoso;   qualquer  lugar onde as  probabilidades de  eu ser reconhecido sejam  menores - e  reserve  um  compartimento para Madame Noy e para mim.
Lucas abanou a cabeça.
- Não  há  restaurantes obscuros  em  Georgetown. Será reconhecido aonde quer que vá. A não ser... -ficou a ruminar numa possibilidade.
-A não ser o quê?
- A não ser que eu descubra um que possa fechar durante   a   tarde,   ostensivamente   para   reparações,   e mande colocar um aviso nesse sentido. Assim, o senhor e Madame Noy terão a casa só para os dois.
- Isso é possível?
- Tudo é possível com os contactos certos. E eu acho que já sei o que convém. Há um pequeno restaurante   em   Georgetown,   o   1776   Club,   que   tem   fraca clientela   ao   almoço.   Geralmente,   está  quase  vazio   a essa hora e é fácil torná-lo seguro. Conheço o proprietário e posso falar com ele. Claro que teremos de o compensar do negócio que vai deixar de fazer. Acho que posso convencê-lo.
- Então faça-o. Marque para a uma hora. Precisarei de três horas. Talvez um pouco mais.
- Combinado - respondeu   Lucas. - Como   deve compreender,   terei   de   pôr   um   agente   na   limusina, consigo.
-Aceitável - concordou Underwood. - A nossa conversa confidencial terá lugar durante o almoço.
- Precisarei de pelo menos dois carros com agentes, para o preceder e seguir. Não é possível garantir que não será reconhecido por ninguém.
- Isso  não  me preocupa. As janelas fumadas  da limusina ocultam-nos.
- Não há janelas fumadas nas casas de arenito que circundam o restaurante.
- Arrisco-me, Frank. Consiga apenas que coloquem o  aviso  de  ENCERRADO  PARA  REPARAÇÕES.
- Não se preocupe, isso arranja-se.
- Preste atenção ao seguinte, Frank: ninguém tem conhecimento da minha reunião, a não ser o chefe do Gabinete  e  o  secretário  de  Estado.   Eles  não  falarão. A  imprensa  não sabe. Nem a minha  mulher sabe. Se houver alguma fuga, só poderá vir de si ou dós seus homens.
- Tem a minha palavra de que isso não acontecerá
- garantiu Lucas, que se levantou e dirigiu para a porta.
- Voltamos a ver-nos às onze e um quarto.
A limusina com motorista e o Serviço Secreto chegaram a horas.
O Presidente saiu da Casa Branca pela entrada da retaguarda, virtualmente sem ser visto.
Vestira-se   com   esmero:   fato   de  Verão   cinzento, camisa de um tom de cinzento mais escuro e gravata vermelha com pintinhas brancas.
Em Blair House, saiu da limusina para ir buscar Noy. Aos seus olhos, ela era um sonho de juventude. Vestia um casaco de malha azul Chanel e uma saia plissada de chiffon branco, e pegou-lhe afectuosamente na mão.
Uma vez sentados no banco de trás, Underwood explicou-lhe aonde iriam, como fizera antes ao motorista.
Paravam breves instantes, em cada um dos lugares escolhidos para verem. Underwood fazia comentários curtos, no seu antigo estilo televisivo, e não poderia ter-se saído melhor.
- Uma curiosa cidade americana - disse, enquanto seguiam de carro. - Foi planeada por um francês. A maioria dos seus habitantes são negros. Dois terços da sua população trabalhadora vive em Virgínia e Mary-land... Aquilo é a cúpula do Capitólio, que é uma cópia em ferro fundido da Catedral de S. Pedro, de Londres. O interior da cúpula está parcialmente decorado com folhas de tabaco esculpidas, e não há nenhum aviso sobre os perigos de fumar para a saúde... Aquele é o Monumento a Washington, um obelisco com mais de cento e sessenta e cinco metros de altura e noventa mil oitocentas e cinquenta e quatro toneladas de peso. Ao princípio, inclinou-se como a Torre de Pisa, mas em 1880 endireitaram-no. Não é permitido a ninguém subir a pé os oitocentos e noventa e sete degraus - um elevador conduz-nos ao cimo em setenta segundos -, mas pode descer-se a pé e ver cento e oitenta e oito placas de homenagem de vários estados e países, da nação Cherokee e do Deseret de Brigham Young, onde a poligamia era permitida. O Monumetno celebra o nosso primeiro Presidente, que nos conduziu à liberdade, mas não deixou de ganhar milhões de dólares com trabalho escravo... As cerejeiras japonesas em flor são um espectáculo deslumbrante, não acha? O primeiro carregamento feito em Tóquio vinha infectado com fungos e teve de ser queimado. As árvores que está a ver foram plantadas em 1912... Estão voltadas para um memorial ao revolucionário a que ontem se referiu, Thomas Jeffer-son. Houve grande alarido quando cento e setenta e uma  árvores   saudáveis  tiveram  de   ser  destruídas  ou removidas, para darem lugar ao seu memorial... Ali fica o memorial a Abraham Lincoln. Imagine, um rústico do Illinois criado numa cabana de troncos, agora sentado num templo de mármore grego parecido com o Párte-non... Aquele é o Edifício J. Edgar Hoover, que abriga o Federal Bureau of Investigation. Alberga duzentos e cinquenta milhões de impressões digitais, para identificar assassinos ou pessoas com amnésia.
Quase no fim da excursão, Noy voltou-se para ele.
- É, de facto, irreverente, Sr. Presidente.
- O Sr.  Presidente  nunca é  irreverente. Só  Matt Underwood o é. - Cobriu a mão dela com a sua. - Você está a passar o dia com Matt Underwood.
A velocidade da limusina diminuíra.
- O 1776 Club - anunciou o motorista. Underwood  inclinou-se, fazendo sinal  aos  homens
do Serviço Secreto para se afastarem.
- E agora vamos a um almoço longo e calmo. Não irreverente, mas com  certeza íntimo.
- Porque está a fazer isto, Matt?
- Porque   quis   conhecê-la   melhor,   sem   falar   de empréstimos e bases aéreas.
- Conhecer-me melhor? Mas porquê?
- Porque espero vê-la mais vezes, muitas mais - respondeu, enquanto a ajudava a sair do carro. - Alguma objecção, Noy?
Ela desceu e sorriu-lhe.
- Sinto-me lisonjeada e satisfeita.
Desceram os degraus que os conduziram ao restaurante obscuro e encerrado.
Frank Lucas, que se colocara, pessoalmente, no comando do destacamento do Serviço Secreto, esperava-os à entrada, parado junto do letreiro onde se lia ENCERRADO PARA REPARAÇÕES. Conduziu-os ao longo das mesas vazias do restaurante, até um compartimento situado mesmo ao fundo.
Enquanto se sentavam ao lado um do outro, Underwood disse a Noy:
- Tomei a liberdade de perguntar a Marsop o que costuma comer em sua casa. Ele respondeu-me que é peixe, que você gosta de peixe.
- Estou   acostumada   ao   peixe - disse   Noy. - Somos um país insular e o peixe é a base da nossa alimentação.
- É também a base deste almoço, se não se importa. Bouillabaisse, salmão no forno, batatas fritas, salada de alface e a sobremesa que preferir. Porque não começamos por beber qualquer coisa?
- Scotch com soda, para mim. Underwood olhou para o criado e pediu:
- Scotch e soda, dois.
Depois de o criado se afastar, Noy fitou Underwood.
- Estou curiosa a respeito de uma coisa...
- Do quê?
- Ontem, depois de nos separarmos, voltou ao seu gabinete?
- Voltei.
- Os outros estavam lá à sua espera?
- O meu chefe do Gabinete e o meu secretário de Estado, estavam.
Noy lambeu o lábio superior.
- Já calculava que estariam. Queriam saber como tinham corrido as coisas comigo.
Underwood sorriu-lhe.
- Estavam muito interessados em saber. Eu disse-lhes, claro.
- O   empréstimo   maior   e   a   base   aérea   mais pequena?
- Claro.
- Como reagiram eles?
- Como seria de esperar. - Underwood deu  uma risada. - Ficaram furiosos comigo.
O rosto de Noy tornou-se, subitamente, sério.
- Lamento. - Hesitou, antes de acrescentar:-Se quiser renegociar, podemos fazê-lo.
Underwood abanou a cabeça.
- É muito amável, mas eu dei a minha palavra e mantenho-a.
- Mesmo com a sua equipa contra si? Tem muito... - como é que vocês dizem? - ... peito. Tem muito peito.
- É mais do que isso. Eu nunca falto à minha palavra com ninguém... bem, quase nunca, e, especialmente, jamais o faria consigo.
- Aprecio a sua generosidade.
- Deixemos isso. Reduzamos ao mínimo a conversa sobre assuntos de Estado. Falemos de cada um de nós. Depois da morte do seu marido, ficou uma família, não ficou?
--Pequena - respondeu Noy--, mas suficiente para ser reconfortante. Tenho um filho, Den, de seis anos, que anda na escola, como sabe. Tenho uma irmã mais nova, Thida, solteira e mais inteligente do que eu. Somos muito unidos, Den, Thida e eu. Também sou muito ligada aos meus pais. Eles vivem numa aldeia fora de Visaka. Na verdade, o meu pai é dono da aldeia e de tudo à volta dela. Dou-me bem com a minha mãe, mas menos bem com o meu pai. Adoro-o, mas ele zanga-se frequentemente comigo. No meu país são frequentes os casamentos combinados, mas eu recusei-me a casar assim e escolhi o meu próprio companheiro. O meu pai não gostou disso; e, pior ainda, achava Prem demasiado liberal. Aborrece-o também o facto de eu querer cumprir a promessa que o meu marido fez ao povo de lotear as grandes propriedades para dar terra aos pobres. Não gosta disso. Sabe que a sua propriedade se contará entre as que serão parceladas e acha o procedimento a puxar muito para o comunista. Sabe que não sou comunista, mas pensa que me desviei demasiado para a esquerda. Eu bem lhe digo que, fazendo isso, tentando repartir a terra, podemos acabar com o único atractivo que os comunistas têm -ou seja, de certo modo, preservar aquilo de que ele gosta, a democracia capitalista. Mas ele não consegue ver isso.
As bebidas tinham sido servidas, e Underwood ergueu o seu copo, num brinde.
-À democracia capitalista - disse.
Ela ergueu também o copo e tocou no dele.
-Sim. E a dois líderes democráticos - nós - que acreditam no povo.
- Bem falado - disse Underwood, e bebeu. Noy sorveu um golinho da sua bebida.
- Tenho dois tios e uma tia que vivem no campo. Também   nos   sentimos   muito   ligados   e   reunimo-nos sempre,  durante  as férias,  especialmente  no  Natal   e no Ano Novo. Há outra pessoa que considero da minha família,  embora  não  o  seja.  Refiro-me  a   Marsop.  Ele teria dado a sua vida pelo meu marido, do mesmo modo que, estou certa, a daria por mim.
- Houve outros homens antes do seu marido? - perguntou Underwood.
- Alguns afectos de infância, na escola e quando frequentei o Wellesley.
- Significaram alguma coisa? Noy ficou intrigada.
- Que quer dizer?
- Teve intimidade com alguns deles? Sexo? Pareceu surpreendida.
- É franco, não é?
-¦Realmente,  não  sou.   Mas  quero  saber tudo  a seu respeito. Não quero perder nada. Noy ficou um momento calada.
- Muito bem, não me importo de lhe dizer.
- Não é obrigada a responder - apressou-se Underwood a esclarecer.
- Mas eu quero responder. Nós não fazemos nada desse género na minha classe social, quando não somos casados. Nunca antes de ter casado com Prem, e nunca desde a sua morte, tive alguma relação desse tipo.
- Não era minha intenção intrometer-me na sua...
- Não, Matt, é bom ventilar essas coisas.
- Eu quero saber mais. Falou-me daqueles de que gosta em Lampang. De quem gosta menos?
- Não estou certa de o compreender.
- A   sua   oposição,   os   seus   inimigos - explicou Underwood.-Com  quem   antipatiza   mais?-E  depois respondeu à sua própria pergunta: - Claro que é com Lunakul, o chefe dos  rebeldes comunistas.
- Está enganado. Lunaku! não é o vosso comunista estereotípico.   É   um   homem   brando   e  estudioso,  que não acredita na violência. Empregá-la-á, evidentemente, se for a única maneira de ajudar o nosso povo a alcançar a igualdade, do mesmo modo que aproveita o que pode do Comboja e do Vietname para atingir esse objectivo. Mas no fundo é um homem decente, e eu estou convencida de que posso negociar com ele pacificamente, sem transformar a nossa nação num Estado comunista.
Os copos tinham sido levados, e ela não quis nova bebida. Aguardaram ambos que a bouillabaisse fosse servida.
Provaram a sopa, e Noy emitiu sons deliciosos, de aprovação.
Satisfeito,  Underwood  começou  também  a  comer a sua sopa. !a a meio quando voltou a falar.
- Não respondeu à minha pergunta.
- Com   quem   antipatizo   mais   em   Lampang?   Na verdade,  não  antipatizo  com  ninguém.  No  entanto,  há alguém em quem não confio. Isso é outra questão. Não é nada pessoal. Trata-se de política e de alguém que considero mau para Lampang.
-Quem é?
- O general Samak Nakorn, o chefe do nosso exército. O mesmo pelo qual o seu Pentágono tem o maior respeito.
-Tem? Porquê?
- Porque ele é um caçador de comunistas. Só há um comunista bom, costuma dizer: um comunista morto. Resolve   os   nossos   problemas   aniquilando   todos   os comunistas vivos. Torna Lampang segura para um aliado como os Estados Unidos.
Underwood considerou o que acabava de ouvir.
- Mas você é a Presidente, Noy. Em última análise, o seu departamento de Defesa tem de lhe prestar contas.
- Não é forçoso. - Noy fez uma  pausa.-O seu presta-lhe contas de tudo?
- Creio que sim, mas não posso ter a certeza. Recostaram-se   nas   cadeiras   e   ficaram   calados,
enquanto um empregado retirava os pratos que tinham à frente e servia o prato seguinte.
Quando, discretamente, o homem desapareceu, Noy foi a primeira a reatar a conversa.
- Em quem  pode  ter confiança  absoluta,  no  seu governo, Matt?
-Bem, essa não é fácil.
- Eu troco-a por outra mais fácil. Você quis saber acerca dos que me eram chegados, e eu disse-lhe. Agora sou eu que quero saber quem lhe é chegado.
- Isso é óbvio - respondeu Underwood. Levou um pouco  de salmão  à boca e  provou  a salada.--Tenho mulher, como sabe, e uma filha adulta.
- Fale-me da sua mulher.
- Não há muito que dizer. Foi eleita como a jovem mais bela do país, Miss América...
- Estou  ao corrente  de tudo  isso.  Diga-me  mais.
- Que há para dizer? - perguntou Underwood, em tom ligeiro.
Noy inclinou a cabeça para a comida.
- Constou-me que ela é ambiciosa.
- Não entendo bem o que quer dizer com isso. Já é primeira dama, que mais poderá querer?
- Pode querer ser primeira dama de novo. Underwood   manteve-se  silencioso,  durante  alguns instantes.
- Sim, isso é verdade. Alice gostaria que eu me candidatasse à reeleição.
- E você quer?
- Nem por isso. Fiz o que pude. Defendi e promovi programas contra a pobreza, o desemprego e o crime. Há  muitas  outras coisas  que precisam  de  ser feitas: criar um sistema nacional de saúde, fomentar um programa de apoio à educação, refrear os fornecedores da Defesa, tornar a nossa política externa menos imperialista. Sei que não conseguirei isso num mandato, nem mesmo   em   dois.   Há   demasiada   oposição. - Depois acrescentou:-Tive a minha conta de televisão e desconfio de que já tenho a minha conta da Casa Branca. Não gosto de acordar todos os dias com a obrigação de tomar decisões. Muitas vezes, todas as coisas têm dois aspectos e qualquer deles tem  que se lhe diga. Não gosto de ter de tentar agradar a toda a gente, de andar sempre  com  o  Congresso, o  meu pessoal  e  a imprensa às costas. Não acha isso difícil?
- Acho impossível. Quando este mandato terminar, gostaria de me retirar da vida pública. Aqui entre nós, não tenciono candidatar-me à eleição.
- Apesar do general Nakorn?
- Apesar dele e seja de quem ou do que for. Quero dizer,  não  posso promover eternamente  a  minha  política. Qualquer outro vai ter de me substituir, mais cedo ou mais tarde, e fazer coisas com que não concordo.
Underwood pensava da mesma maneira.
- É assim que eu vejo as coisas, também. Dei o meu melhor. Depois disto, gostaria de permanecer jovem lendo livros que nunca tive tempo para ler, jogando um pouco de golfe, passando mais tempo ao ar livre, fazendo pequenas excursões, esquiando e, por fim, dedicando-me
a uma coisa a que chamo Plano Popular de Paz Não-Nuclear.
- O que é isso, Matt?
Ele explicou-lhe, cheio de entusiasmo.
- Será  maravilhoso, Matt, se conseguir realizá-lo.
- Posso  tentar.  Como vê,  há tudo   isso para  me manter ocupado. E também gostaria de conhecer melhor a minha filha.
- Não fez nenhuma menção à sua mulher.
- Conheço  a  minha  mulher suficientemente  bem. Fora   da   Casa   Branca,   sentir-se-á   insatisfeita.   Há-de querer fazer qualquer coisa que a mantenha na ribalta. Provavelmente,   regressará  à  televisão.   Mas  preferiria fazê-lo   após   mais   quatro   anos   na   Casa   Branca.   Eu, porém, não me consigo ver a fazer isso, nem mesmo por ela. Não suporto o pensamento de ter de conferenciar com mais um líder estrangeiro enquanto for Presidente.   Depois,   seria   outra   coisa,   mas   como   Presidente, não.
Noy sorriu.
- Contudo,  aqui   estamos   nós.  Concedeu-me  dois dias inteiros.
-Você é diferente - respondeu ele, sem levantar os olhos.
- Diferente    como? - perguntou    Noy,   fitando-o. E acrescentou, para o arreliar: - Ou talvez não me veja como uma líder...
-Oh, claro que é uma líder. Não há dúvida alguma a esse respeito. Basta lembrar a maneira como insistiu comigo por causa daquele empréstimo e regateou quanto à base aérea. Prestei toda a minha atenção às nossas divergências, pois esse era o preço de passar mais tempo consigo. Gosto de estar na sua companhia, porque posso conversar consigo de uma maneira que não poderia conversar com Alice. Ela preocupa-se demasiado com a própria pessoa, com o seu corpo. Você interessa-se por outras coisas, interessa-se por tudo. Além disso, é afectuosa, uma pessoa franca que também é afectuosa.
- Talvez isso seja fingimento. Underwood abanou a cabeça.
-Não podemos fingir a respeito do que, realmente, somos. Confio nos meus instintos a seu respeito.
Noy afastou o prato. E mudou de assunto.
- Quais são os  seus instintos acerca dos que o rodeiam, dos membros do seu governo?
- Claro que eles são todos pessoas que escolhi, por conselho de outros, e nomeei.
- Mas em  quem confia mais  e em  quem  confia menos?
Underwood continuou a debicar a salada.
- Não tenho a certeza. Confio no meu chefe do Gabinete,  Paul  Blake.  É organizado  e eficiente,  e  um homem bastante amável. Mas quanto a confiar inteiramente nele...  bom,  isso não. Cobiça a minha mulher.
- Cobiça?
- Sim,  lascivamente.  Costumo observá-lo,  quando ele  observa  Alice.   Não   consegue  tirar  os   olhos   das nádegas e das pernas dela. Estima, razoavelmente, a sua própria mulher, mas é louco por Alice. Um olhar dela, e  torna-se  barro  nas  suas  mãos.  Sendo  assim,  como posso confiar inteiramente nele?
- E os outros?
- Dignos de confiança, de modo geral, embora eu não tenha pensado muito neles. O secretário de Estado, Morrison, é honesto. Nem sempre estamos de acordo, mas ele é competente e honesto. O secretário da Defesa, Cannon,  não  sei.  Pode   ser  um   homem  de  Nakorn,   é muito anticomunista, mas para o bem dos Estados Unidos. Não o posso censurar por isso. O director da CIA, Alan Ramage... Quem demónio sabe, alguma vez, o que anda a CIA a tramar? Em princípio, eu devo ser informado, devo saber tudo, e talvez seja assim,  mas  não apostaria. Aliás, isso só significa que ele é bom  para o seu trabalho.
Pediram tartes de fruta para sobremesa, comeram--nas devagar e depois continuaram a conversar.
A certa altura, Underwood lançou um olhar rápido ao relógio de pulso. O chá com as senhoras do Senado terminara, graças a Deus. Presumivelmente, Alice e Blake tinham comparecido. Ela devia estar aborrecida com a sua ausência, mas isso não a impediria de apreciar o chá. Era boa para esse tipo de coisas.
Lembrou-se, então, do resto da sua agenda. Às quatro e meia haveria uma há muito adiada conferência de imprensa nacional e, depois, após um breve repouso, um jantar com os governadores e as respectivas esposas.
Era melhor apressar-se para chegar a tempo à conferência de imprensa, por muito que relutasse em pôr fim à aventura com Noy.
Faltava quase um quarto para as quatro quando a reconduziu a Blair House.
Apesar de estar com pressa, despedir-se dela parecia-lhe mais importante do que qualquer outra coisa. Deu instruções ao motorista para se manter ao volante, embora o contingente do Serviço Secreto - o agente que ia no banco da frente e os dos outros dois carros - já estivesse no passeio. Underwood insistiu em abrir a porta de trás da limusina e ajudar Noy a sair.
Pegando-lhe na mão, conduziu-a ao portão de ferro forjado que levava à entrada de Blair House. Dois homens do Serviço Secreto abriram-no e Underwood e Noy entraram e, de mãos dadas, subiram os degraus brancos íngremes, até chegarem ao alpendre entre as colunas que flanqueavam a porta principal. Dois outros agentes do Serviço Secreto tinham anunciado a sua chegada, e um criado filipino abrira a porta.
Noy parou e apertou levemente a mão de Underwood, e ele, instintivamente, inclinou-se para lhe dar um beijo de despedida na face. Ela, porém, virou a cabeça e recebeu os lábios dele com os seus.
-Obrigada por tudo, Matt - agradeceu, ofegante. -Você foi mais do que maravilhoso.
- Você também. - Underwood engoliu em seco.- Espero que possamos voltar a ver-nos em breve.
- Espero que sim - respondeu ela, virando-se.
- Voltaremos, Noy - prometeu Underwood.
Ficou parado a vê-la dirigir-se para a porta de Blair House e, pela primeira vez, deu-se conta de que as suas nádegas eram tão curvilíneas e cheias como as de Alice, e provavelmente mais macias.
À porta, ela fez uma pirueta para lhe acenar, e ele observou-lhe uma vez mais o rosto liso e resplandecente, antes de retribuir o aceno.
Não era apenas um rosto inteligente.
É um rosto sensual, pensou, com a consciência pesada, mas satisfeito.
Um pouco aturdido, voltou a entrar para o banco de trás da limusina e ordenou ao motorista que seguisse depressa para a Casa Branca.
Esteve vinte minutos com Blake, no Gabinete Oval, a fim de se preparar para a conferência de imprensa e ganhar coragem para o combate que o esperava.
Sentado com os cartões de pergunta e resposta que Blake preparara eficientemente para ele, deu-lhes um relance de olhos rápido antes de, por sua vez, fazer uma pergunta.
- Como correu o chá das senhoras do Senado com Alice?
- Ela   ficou   um   pouco   aborrecida   por  você   não poder ir, mas compreendeu a prioridade de uma reunião de emergência com a National Space Agency. Além disso, eu recordei-lhe que você cumprimentaria todos aqueles governadores e respectivos convidados ao jantar, esta noite.
- Obrigado, Paul. Vejamos, agora, o que temos aqui. Começou a examinar os cartões.
- Nada demasiado exigente - disse Blake. - Penso que convém não se esquecer de anunciar o novo vaivém espacial, o seu discurso nas Nações Unidas e o êxito da sua reunião acerca de Lampang e da aquisição de uma base aérea.
-Quanto tempo demorará a conferência de imprensa?
- A senhora da United Press prometeu dizer «Obrigada, Sr. Presidente» ao fim de uma hora.
Underwood viu as horas e absorveu-se nas perguntas e respostas dos seus cartões-cábulas. Tinha uma boa cabeça para reter aquele tipo de coisas. Fizera-o durante anos na televisão, muito antes da Casa Branca, e voltaria a fazê-lo agora e a sair-se bem, mesmo que surgisse alguma coisa inesperada.
Deslizou a mão sobre os cartões, formando uma pilha como se fosse um baralho de póquer, e depois meteu-os numa algibeira do casaco, como que para dar confiança a si mesmo.
- Muito bem, Paul, estou pronto. Vamos.
As filas e filas de repórteres que se encontravam na Sala Leste ergueram-se numa onda hostil, como se quisessem tragá-lo.
Underwood fez-lhes sinal para se sentarem.
Combinara antecipadamente que não faria declarações políticas. Anunciaria o que tinha a anunciar por meio de perguntas planeadas. Insistira nisso porque, assim, gastaria uma boa parte da sua hora e, também, porque queria dar à conferência um ar de informalidade e espontaneidade.
Além disso, para um presidente que alguns colunistas consideravam desatento, as suas respostas provariam que ele sabia o que se passava.
Levantou-se uma dúzia de mãos, e Underwood apontou para o correspondente na Casa Branca do The Miami Herald.
- Sr. Presidente, consta-nos que o novo e seguro vaivém espacial estará pronto para partir em breve de Cape Kennedy. Deseja falar-nos das suas características de segurança aperfeiçoadas e da data marcada para o primeiro lançamento?
Habilmente, e usando todos os factos técnicos que conseguira decorar, Underwood resumiu, em linhas gerais, as mais recentes características de segurança do novo vaivém espacial. Falou dos objectivos do lançamento e anunciou que ele se efectuaria dentro de quatro meses, a contar do dia seguinte.
Seleccionou uma mulher da CBS para a pergunta seguinte.
- Sr.   Presidente,   diz-se   que   tenciona   falar   nas Nações Unidas, num futuro próximo - começou ela.- É verdade e,  na afirmativa, pode falar dos  objectivos do discurso?
- O que ouviu é verdade. Tenciono falar às Nações Unidas num futuro próximo, provavelmente daqui a seis semanas. A data exacta do discurso está a ser preliminarmente discutida. Dependerá de quando o Secretário--Geral da União Soviética falar na ONU.
«O meu discurso será feito uma hora depois do dele, e o que eu direi dependerá da resposta que ele tiver dado às nossas acusações de aumento do número de armas soviéticas em países do Terceiro Mundo. Qualquer aumento de armas nessa área do planeta poderá ser caracterizado como uma violação do nosso Acordo da Cimeira de Desarmamento.
Underwood esperava que a pergunta seguinte se relacionasse com o acordo a que chegara com Lampang.
Mas essa pergunta não foi a seguinte, nem se contou entre as mais próximas. As perguntas que se seguiram disseram respeito ao estado da economia, a emendas à lei dos rendimentos no Congresso, ao aumento do desemprego e a um novo programa de defesa civil.
Depois, finalmente, surgiu a pergunta sobre Lampang. Foi feita pelo correspondente do The New York Times na Casa Branca.
- Sr. Presidente, ontem almoçou com a Presidente Noy Sang, de  Lampang. Depreendemos que discutiram uma  aliança  de  defesa com  Lampang.  Está  preparado para anunciar o resultado do acordo?
Underwood estava bem preparado.
- Sim, tive uma reunião frutuosa com a Presidente Noy Sang. Estou preparado para anunciar os resultados dessa reunião.
A promessa de resultados significava notícia, e Underwood viu a maior parte dos quatrocentos correspondentes que se encontravam na sala empunhar lápis e livros de apontamentos.
Deu-lhes todo o tempo necessário para se prepararem e, depois, iniciou o anúncio que ele próprio elaborara àquele respeito.
- Como todos sabem, a Ilha de Lampang, situada no Mar da China Meridional, é vital do ponto de vista dos interesses estratégicos americanos. Até agora, Lampang tem   mantido   uma   política   de   reserva   em   relação   a outras nações. Mas a Presidente Noy Sang, que se tornou chefe de Estado após o assassínio do seu marido, considerou   útil   que   Lampang   estabelecesse   uma   aliança e  amizade  estreitas  com  os  Estados  Unidos. Como  o país se debate com calamitosas dificuldades económicas  e  se  encontra  sob  constante  pressão  continental para ceder ao comunismo, decidimos que, como aliados, podíamos fortalecer a  independência de  Lampang  concordando em fazer-lhe um empréstimo. Informei Madame Sang de que faria tudo quanto estivesse ao meu alcance para que os Estados Unidos emprestassem a Lampang duzentos e cinquenta milhões de dólares, e...
Houve um zumbido de reacção, na sala, perante a enormidade da quantia.
-... e, como demonstração de gratidão da sua parte, e desejo de cimentar a nossa aliança, Lampang concordou em ceder aos Estados Unidos trinta e seis mil e quinhentos hectares de terreno, para construirmos a nossa segunda maior base aérea no Pacífico.
- Sr.   Presidente,   se   me   permite   que   alargue   a minha pergunta...
- Por favor.
- Qual será o comprimento da pista principal? Underwood   ficou   momentaneamente   atrapalhado,
mas depois lembrou-se do número que ouvira mencionar.
- Creio   que   cerca   de   dois   mil   e   quatrocentos metros.
- Não é um pouco curto para os nossos F-4's, F-5's e T-33's?
Mais uma vez, Underwood hesitou.
- Não tenho a certeza. Os números ainda não estão todos fixados. Mas, em devido tempo, na realidade muito em breve, consultarei  a Força Aérea a esse respeito. Se a pista de aterragem não for adequada, estou certo de que o secretário de Estado e eu poderemos  renegociar com a Presidente Noy Sang a nosso contento.
Levantaram-se mais mãos, uma delas de Hy Hasken, da TNTN, na primeira fila. Underwood sabia que era norma, a não transgredir, nunca ignorar uma pergunta de uma grande rede. Já respondera a perguntas da CBS, NBC e ABC, e não se atrevia a furtar-se à TNTN.
Mas sentia-se tentado a evitar Hasken, porque, invariavelmente, o jornalista era desagradável com ele - ou, pelo menos, difícil - e não queria haver-se agora com o indivíduo. Compreendeu, no entanto, que não havia hipótese.
- Mr.  Hasken - disse, apontando  para o repórter da TNTN.
Hasken levantou-se.
- Sr. Presidente, hoje cancelou um encontro com as senhoras do Senado, por causa de uma reunião de emergência com a National Space Agency. A emergência despertou a minha curiosidade e telefonei para um contacto que tenho na NSA. O contacto ficou intrigado com a minha pergunta. Disse que a NSA não se reunia hoje consigo. Concluí que o senhor estava ocupado com qualquer outra coisa.
Enquanto o ouvia, Underwood sentiu o coração cair-lhe aos pés.
Chatices.
- Ansioso por saber de que se tratava, não perdi de vista o director Frank Lucas e o Serviço Secreto a manhã   inteira.   Vi-o   sair   da   Casa   Branca   ao   fim   da manhã,   Sr.   Presidente.   Servi-me   do   meu   carro   para seguir a sua limusina a partir de Blair House, onde foi pessoalmente buscar a Presidente Noy Sang, de Lampang, para uma excursão às principais vistas de Washington. Depois disto, seguiu com ela para um restaurante pouco conhecido de Georgetown, o 1776 Club, em cujo interior desapareceram durante quase três horas. Sei que isto é  um facto,  pois  estacionei  do  outro  lado  da  rua  e contei o tempo. A minha pergunta é a seguinte: Porque a levou nessa visita turística secreta a Washington e porquê o almoço prolongado? Quais foram as suas intenções e por que motivo precisou de a ver tão demoradamente,  um  segundo  dia,  sobretudo  sem  dizer nada  a ninguém?
Hasken ficou à espera da resposta de Underwood.
Durante breves segundos, o Presidente sentiu-se paralisado. O grande sacana descobrira-o e tinha-o seguido. O filho da mãe tinha-o bem filado.
Sentiu-se tentado a safar-se daquela alhada mentindo, novamente. Mas lembrou-se do que um anterior presidente lhe dissera com a maior severidade: Nunca por nunca ser minta pessoalmente à imprensa. Pode mandar o seu secretário para a imprensa ou qualquer outra pessoa mentir por si, mas nunca, nunca minta você mesmo. Não ganhará. A imprensa descobre e destrói-o.
Decidiu não mentir. Hasken apanhara-o, e só lhe restava desenvencilhar-se do assunto o melhor que pudesse.
- Muito empreendedor da sua parte, Mr. Hasken - respondeu, com um sorriso forçado. - Não nego que tentei despistar toda a gente, porque precisava de uma reunião em privado com a Presidente Noy Sang, para explorar   mais   aprofundadamente   factos   relacionados com a nossa aliança e a nossa projectada base aérea.
- Mas um passeio lento de automóvel, antes, para admirar as vistas, Sr. Presidente... - persistiu Hasken.
- Uma    coisa    absolutamente    natural - afirmou Underwood, devagar, a ganhar tempo para descobrir o que devia dizer. - Embora a Presidente Noy Sang tivesse estado na América há muito tempo, pouco sabia a respeito da nossa capital. Em virtude do seu empenho em continuar a modelar Lampang segundo os nossos princípios   democráticos,   pareceu-me   vital   para   o   nosso relacionamento proporcionar-lhe uma percepção de como a nossa democracia funciona, realmente. Ela ficou muito impressionada. - Fez   nova   pausa. - Quanto   ao   que caracteriza como o nosso almoço prolongado...
- Cerca de três horas, Sr. Presidente.
- Ter-me-ia dado jeito mais uma hora - respondeu Underwood, com suavidade-, mas não me esqueci de que esta conferência de imprensa tinha sido planeada e  anunciada.  Na  verdade,  eu  persuadira  a  Presidente Noy Sang a ficar mais um dia a fim de trabalhar comigo, para   esclarecermos   bem   alguns   pormenores-chave   do nosso   acordo.   Para  justificar  o   nosso   empréstimo a   Lampang no Congresso, precisava de saber como Madame Sang tencionava gastar o dinheiro e se isso estaria de acordo  com  os   melhores   interesses  da  América.  Por outro   lado,   precisava   de   saber  mais   a   respeito   das prioridades para a nossa nova base aérea e quais  a; garantias que podia obter de Madame Sang.
Pelo canto do olho, Underwood viu Blake a indicar a correspondente da United Press.
Underwood desviou os olhos de Hasken e inclinou a cabeça à mulher da United Press.
Ela já estava de pé.
- Muito obrigada, Sr. Presidente - disse a correspondente.
Encontrou Alice no Quarto de Vestir da Primeira Dama, no segundo piso.
Estava sentada diante do televisor, a ver a notícia principal do telejomal da noite. Hy Hasken, da TNTN, relatava o  interrogatório demorado a que submetera o Presidente e a resposta menos do que satisfatória que obtivera.
Quando  Underwood  entrou  e  Alice  o viu,   levantou-se, desligou o televisor e parou diante do marido.
- Surpreende-me que tenhas tido o descaramento de vir cá acima - disse-lhe, furiosamente.
Ele permaneceu calado. Depois Alice explodiu.
- Grandíssimo mentiroso! Pensar que me passaste para trás, estragaste o meu dia, para, à socapa, mostrares a cidade a uma galdéria qualquer do Mar do Sul! Quem pensas que és, afinal - com certeza não o Presidente dos Estados Unidos!... E quem é essa dançarina de hula, ou o diabo que a carregue, para ter precedência sobre a tua mulher? Quando estiveres preparado para me dizer, diz-me, mas não voltes a falar-me enquanto não fores capaz de parar de mentir e não tiveres recuperado o juízo!
CAPÍTULO    5
ESTAVAM todos a instalar-se no pequeno auditório dourado do Palácio Chamadin, em Visaka, a cidade capital de Lampang.
Estavam presentes aproximadamente vinte repórteres e jornalistas de rádio e televisão, para assistirem à primeira conferência de imprensa da Presidente Noy Sang, depois do seu regresso dos Estados Unidos.
Proeminentes, na primeira fila, encontravam-se repórteres do Journal de Visaka, do News de Lampang e do Red Banner, o jornal comunista local, que estivera encerrado durante muito tempo, mas que o Presidente Prem Sang mandara reabrir, antes de ser assassinado. O Red Banner também era publicado no Camboja, no Vietname e na China.
Espalhados pelas filas atrás deles, havia repórteres da Tailândia, das Filipinas, de Taiwan e do Japão.
A notícia dos resultados obtidos por Noy nos Estados Unidos chegara imediatamente a Lampang. Apesar disso, a imprensa estava ansiosa por a ouvir relatar, pessoalmente, a sua visita a Washington.
Marsop dirigira-se para a tribuna e a conferência de imprensa estava prestes a começar.
Passando um olhar pela assistência, Marsop começou a falar.
- Senhoras e senhores da imprensa e dos media afins, como sabem, a Presidente Noy Sang regressou ontem de Washington, D. C. Em vez de tentar pôr o seu sono completamente em dia e recuperar da habitual diferença horária, está ansiosa por lhes comunicar o resultado da sua reunião com o Presidente dos Estados Unidos. Depois dos comentários iniciais que vai fazer, a Presidente responderá a perguntas da sala.
Marsop afastou-se para a sua direita, desviando-se um pouco para permitir a Noy Sang entrar no palco e passar por ele. Ao mesmo tempo que Marsop se afastava, Noy Sang colocava-se atrás do pódio.
Parecia pequena, mas o seu porte erecto dava-lhe uma estatura impressionante, e quando começou a falar fê-lo com voz forte e sem hesitação.
- Foi noticiado por todos vocês que me encontrei com o Presidente Underwood duas vezes, e demoradamente,  na  Casa  Branca americana e que tivemos  um almoço privado num subúrbio de Washington chamado Georgetown. Como acontece em reuniões semelhantes entre  dois   países   independentes,   espera-se que  cada lado queira alguma coisa do outro e, por sua vez, esteja preparado para dar também alguma coisa.
Noy Sang fez uma pausa e olhou para a assistência.
- Era vital para os interesses de Lampang que eu obtivesse dos Estados Unidos um empréstimo considerável. Fui avisada de antemão de que não ia ser tarefa fácil, porque a dívida nacional  da América  é astronómica.   Os   Estados   Unidos   estavam   preparados   para colaborar, emprestando dinheiro a Lampang, mas, entre a sua ideia do que podiam disponibilizar e a minha ideia do que nós precisávamos, havia uma grande diferença. O Presidente Underwood estava disposto a aprovar que nos fosse concedido  um  empréstimo de cento e cinquenta milhões de dólares. Eu disse-lhe, sem  rodeios, que a sua oferta era generosa, mas não chegava para nos ajudar a resolver os nossos problemas económicos. Discutimos muito demoradamente o que ele estava preparado a dar e o que eu desejava obter.
Noy Sang fez nova pausa e voltou a observar a assistência.
- Por fim, consegui convencer o Presidente Underwood de que um  empréstimo substancial  dos  Estados Unidos contribuiria muito para construir uma Lampang independente e capaz de se manter aliada fiel da América. A importância do empréstimo em que concordámos acabou por ser quase o dobro da que o Presidente dos Estados Unidos estivera preparado para conceder. Os Estados Unidos vão emprestar-nos duzentos e cinquenta milhões de dólares, e o acordo formal será assinado dentro de um ou dois meses.
Soaram aplausos no auditório, e Noy Sang, surpreendida com eles, pestanejou e escutou-os com satisfação.
- Vamos   agora - recomeçou - ao   que   nós,   em Lampang, teremos de dar, em troca, aos Estados Unidos. É muito pouco, de facto. Há muito que os Estados Unidos pretendem uma base aérea em Lampang, e era inevitável  que acabássemos por cooperar e dar-lha. O único factor  em  questão  era o tamanho da base aérea que os Estados Unidos desejavam. Falando em termos simples, eles queriam uma base aérea formidável e grande para os seus jactos de combate e aviões de carga, e nós   queríamos   alugar-lhes   uma   razoavelmente   mais pequena,  que  não  reduzisse demasiado  a  nossa terra nem constituísse uma invasão da nossa independência.
O olhar de Noy Sang passeou pela sala.
- Também ganhámos esse ponto. Encontrámos uma solução de compromisso satisfatória para Lampang e para os Estados Unidos. Eles construirão uma base aérea que não ocupará mais de trinta e seis mil e quinhentos hectares. No interior desse espaço haverá uma instalação estritamente  americana,  com  uma área  de quatro mil hectares, cercada por uma vedação de segurança. Esta cidade dentro de uma cidade, com dois mil e quinhentos edifícios, terá uma população de trinta e cinco mil pessoas, das quais vinte mil serão cidadãos de Lampang. Esta base acrescentará cem milhões de dólares à economia de Lampang, anualmente, por meio de bens, serviços, fornecimentos, salários e quinze milhões de dólares   de aluguer  pagos  pela   Força  Aérea   dos   Estados Unidos.  Para  Lampang,  o aluguer desta base terá  um custo de soberania muito pequeno, permitindo-nos em contrapartida ganhar muito, incluindo um braço de defesa acrescentado às nossas forças armadas que nos poderá ser muito útil numa ocasião de crise.
Noy Sang percorreu mais uma vez a assistência com o olhar.
- Acredito sinceramente que conseguimos mais do que  podíamos  ter  imaginado  nesta  aliança  com  uma democracia que todos nós respeitamos e admiramos. Nova pausa.
- Agora, se quiserem fazer algumas perguntas, farei o possível para lhes responder.
O repórter alto e magro do Red Banner levantou-se imediatamente, de braço erguido.
- Madame Presidente... -Sim, por favor.
- Disse que se encontrou duas vezes com o Presidente  Matt Underwood  para  discutirem  e   negociarem esta permuta. Achou-o francamente anticomunista?
- De modo nenhum - foi a resposta pronta.
- Bem, seja como for que ele se lhe tenha apresentado, é sabido que se rodeou de falcões ávidos de abocanhar território para a sua causa imperialista. Se ele lhe mostrou uma cara, para a iludir, deve haver outra que ocultou. Pode dizer-nos o que captou dessa outra cara, que até agora tem olhado com pouca generosidade os pobres e oprimidos de outras nações? Diga-nos, com toda a sinceridade, o que puder a respeito dessa outra cara.
De pé no pódio, Noy Sang pensou na maneira de responder àquele repórter devotado ao comunismo em Lampang.
Foi cuidadosa. Sabia que cada palavra que dissesse seria lida ou vista por Matt Underwood, ou lhe seria mostrada por Blake, Morrison e pelos seus outros colaboradores.
Vai com jeito, disse a si mesma. Mas depois acrescentou o que era mais importante:
Sê honesta. Diz o que, realmente, sentes.
- Em  pouco tempo,  pude  conhecer bem  o Presidente   Matt   Underwood - começou. - Posso   dizer   do fundo do meu coração que ele é um homem bom. É um verdadeiro democrata no sentido mais lato da palavra, no sentido em que democrata e democracia abrangem todos os melhores aspectos, tanto do captalismo como do comunismo. Claro que os Estados Unidos estão empenhados numa política que tem como objectivo contrabalançar avanços feitos pela União Soviética. Apesar disso, o Presidente Underwood não é pessoalmente anticomunista nem perseguidor de comunistas. Ama as pessoas.
Quer a liberdade para elas. Quer a segurança para elas. Ele é exactamente o que eu disse ao princípio. É um homem bom, um homem generoso. Tirando o meu falecido marido, nunca conheci nenhum homem melhor.
O repórter do Red Banner não disfarçou o seu cepticismo.
- Pode ter a certeza disso, depois de duas reuniões com ele?
- Tenho a certeza absoluta
O homem entroncado do Journal de Visaka levantou-se e ergueu a mão.
- Madame Presidente...
-Sim, por favor - respondeu Noy Sang.
- Pede-nos que confiemos no seu critério. O general Samak Nakorn também confia?
- Penso que sim. Não posso afirmá-lo, por enquanto. Não  me  encontrei   com   o  general   Nakorn  desde  que regressei. Logo à noite ficarei mais bem informada, pois participarei num jantar em casa do general, para celebrar o meu regresso.
O homem do Journal de Visaka fitou Noy Sang.
- Talvez eu lhe possa dar uma informação que lhe será útil esta noite - disse.
- De que se trata?
- Estive com o general  esta manhã, ao pequeno--almoço, antes desta conferência de  imprensa.  Interroguei-o intensivamente a respeito do resultado das suas reuniões com o Presidente Underwood. O general Nakorn pareceu menos confiante do que a senhora, acerca do que obteve.
Noy Sang sabia que aquilo era astucioso, e talvez mesmo uma armadilha, mas fora ela que abrira a porta e agora tinha que permitir que a opinião de Nakorn fosse ouvida.
- Gostaria  de ouvir o que  o general  Nakorn   lhe disse - respondeu,  mas   sem  convicção,   pois   não  lhe agradava nada ouvir publicamente o que Nakorn dissera. - Continue, por favor.
- O  general  Nakorn  está convencido de que não foi sensato dar aos Americanos menos do que eles queriam para a base aérea - começou o homem do Journal de Visaka. - Ele acha que teria sido mais prudente dar aos Estados a base maior que eles queriam, não só para nossa autoprotecção futura, mas também para cimentar as relações com um aliado do qual talvez precisemos de depender. Quanto ao empréstimo, com isso o general Nakorn ficou satisfeito, acha que o dinheiro será de grande utilidade para modernizar o nosso exército e fortalecê-lo com armas convencionais, quando chegar a altura de aniquilar a oposição comunista.
As últimas palavras fizeram Noy Sang corar.
- Não   tenho   intenção   nenhuma   de   aniquilar   os comunistas - declarou,   vivamente. - Estou   disposta   a gastar parte do empréstimo na modernização da nossa força aérea, como defesa contra inimigos externos, mas tenciono aplicar a maior parte do dinheiro na educação dos jovens  e  na  ajuda  à  saúde e  independência  dos idosos.
- Acho que o general Nakorn ficará surpreendido.
-Não devia ficar - replicou Noy Sang. - Ele sabe muito bem que eu preparei um encontro do ministro Marsop com os comunistas, especificamente com Opas Lunakul, numa tentativa de trazer a unidade e a paz ao nosso país.
O homem' do Journal de Visaka abanou a cabeça.
- O general Nakorn não pensa que isso possa acontecer. Está convencido de que negociações prolongadas com os comunistas podem ser-nos prejudiciais e antagonizar os nossos aliados americanos.
Noy Sang manteve-se firme.
- Eu acredito que as negociações podem ter êxito e que o Presidente Underwood ficará satisfeito com o resultado.
- Dirá isso ao general?
- Esta  noite - respondeu   Noy  Sang. - Dir-lhe-ei isso,   exactamente,  esta  noite. - Passou  o  olhar  pela sala.- Mais perguntas?
Noy Sang não gostava da sala de jantar do general Nakorn, no edifício da Defesa Nacional de Lampang. Tirando um retrato de corpo inteiro de Nakorn com um uniforme carregado de medalhas, e outro mais pequeno da Presidente Noy Sang, as decorações das paredes faziam-na parecer o museu de um arsenal. Ao longo de duas delas estavam penduradas espadas antigas, cruzadas e reluzentes, e, na parede frontal, espingardas do século passado.
Um ajudante do general conduzira os convidados aos seus lugares, na mesa. À cabeceira sentava-se Noy Sang, como Presidente da nação. No lugar directamente oposto, sentava-se o general Nakorn, como chefe do exército e anfitrião naquela noite. A um lado de Noy Sang estava a sua irmã, Thida, a seguir a ela Marsop e, depois, vários dos ministros de Noy.
Ao lado de Nakorn estavam o coronel Peere Cha-valit e alguns militares seus ajudantes, vestindo uniformes de gala.
Tocando no seu copo de pé, Nakorn dirigiu-se a Noy Sang.
- Bem-vinda a Lampang, Madame Presidente, depois do que, segundo me disseram, foi uma viagem coroada de êxito aos Estados Unidos. Marsop manteve-me informado, pessoalmente, dos passos que a senhora deu com o Presidente Underwood.
- Passos com  os quais, segundo  me consta, não concorda inteiramente - respondeu Noy Sang.
Nakorn fingiu surpresa.
- Porque diz isso?
- Porque tive conhecimento  do que  sente  a  respeito das minhas actividades diplomáticas. Dei uma conferência de imprensa esta tarde. O cavalheiro do Journal de Visaka usou de franqueza, ao declarar que tomou o pequeno-almoço consigo e que o general tornou claras as suas opiniões, a respeito dos meus esforços diplomáticos. Não gostou deles.
Nakorn franziu a testa.
- Há, com certeza, algum mal entendido.
- Vejamos   se   há - disse   Noy  Sang,   sorrindo.- Para começar, foi-me dito que, na sua opinião, eu deveria ter sido ainda mais generosa quanto ao espaço que concedi aos Estados Unidos para uma base aérea.
O franzir de testa de Nakorn acentuou-se.
- Não estou certo de ter expressado essa discordância. Mas estou pronto para a expressar agora, a não ser que prefira que esperemos para depois do jantar.
- Prefiro discuti-la já.
- Muito   bem.   Os   Estados   Unidos,   precisam   da grande base aérea como uma questão crucial de auto-defesa, e nós precisamos dos Estados Unidos como parceiro poderoso na nossa própria autodefesa. Porquê negar-lhes o que precisam?
-'Eu não lhes neguei o que precisam. O Presidente dos Estados Unidos ficou muito satisfeito com o nosso acordo. Compreendeu perfeitamente o que eu queria demonstrar: que é absolutamente essencial que Lam-pang não! só pareça, como permaneça, um Estado independente; que excessivas concessões a qualquer potência estrangeira, mesmo a um aliado leal, enfranqueceriam a nossa posição interna, aqui, entre o nosso próprio povo. Se a oposição aos nossos ideais democráticos, neste caso os comunistas, pudesse demonstrar que estávamos a dar demasiada terra preciosa a estrangeiros, em vez de ao nosso próprio povo, isso enfraquecer-nos-ia no nosso próprio país, onde temos de conservar o controlo. Compreende isso, não compreende?
- Na verdade, a base aérea não é a minha principal preocupação-declarou o general Nakorn.- Mais uns milhares de hectares, menos uns milhares de hectares, não afectarão o nosso futuro. O nosso futuro assenta no empréstimo que obteve dos Estados Unidos.
- Foi isso que me disseram - comentou Noy Sang, sarcasticamente.
- Permita que a felicite pelo tamanho do empréstimo   que   conseguiu   obter  do   Presidente   Underwood. Ultrapassou as minhas expectativas.
- Obrigada, general.
- É uma coisa com que sonhei, e por que esperei
- continuou Nakorn. - Com esse dinheiro podemos modernizar o nosso exército e comprar armamento convencional  novo, que nos dará a melhor força de combate nesta parte do mundo. Com certeza que, uma vez gasto, adequadamente, o dinheiro, teremos forças para atacar e aniquilar os rebeldes comunistas numa ofensiva concertada.
-Quer o empréstimo para obliterar os comunistas - disse Noy Sang, calmamente.
-Isso mesmo. Não pode haver melhor objectivo.
- Sabe que discordo de si, general.
- Discorda de mim?
- Sobre o modo como o empréstimo será gasto. Discuti  isso, demoradamente, com o ministro Marsop.
Não vamos destinar o dinheiro para assassinar comunistas. Vamos gastá-lo na saúde, na educação e no bem--estar de todo o nosso povo, em Lampang.
- Mas a ameaça comunista...
-'Não haverá ameaça nenhuma. Marsop vai encontrar-se com Lunakul, a fim de chegar a um acordo pacífico que absorva os vermelhos no seio da nossa sociedade.
Nakoirn soerguera-se da cadeira.
- Impossível. Não se pode confiar neles nem um momento. Marsop é demasiado mole para eles...  Desculpe, ministro Marsop, mas o senhor não é um militar e não tem a minha experiência nestes assuntos. Lunakul e o seu bando só entendem a força, a sua própria e a nossa. Se a nossa Presidente insistir em que se encontre com eles, Marsop...
- Insisto-interrompeu Noy Sang.
- Nesse   caso,   deverei   acompanhar   Marsop.   Os comunistas sabem que não podem brincar comigo.
Noy Sang abanou a cabeça, vigorosamente.
- Isso   jamais   daria   resultado,   general.   Lunakul conhece o seu cadastro e os seus desejos. A sua presença só serviria para o antagonizar. - Fez uma pausa. - Marsop é o único com uma possibilidade de reconciliar ambos os lados.
Nakorn encolheu os ombros.
- Como desejar... Vejo que estão prontos para nos servir o jantar. Isso pede um brinde. Coronel Chavalit, mande servir o champanhe.
O coronel tocou uma campainha, a cujo chamamento acorreu um escanção. Seguia-o um criado de mesa, com duas garrafas de champanhe num reluzente balde de prata com gelo.
Enquanto o primeiro prato estava a ser servido, o criado deu lentamente a volta à mesa, servindo o champanhe.
Servido o primeiro prato, e deitado o champanhe nas flutes, o general Nakorn levantou-se, de copo na mão.
- Permitam-me que brinde à Presidente Noy Sang e ao seu notável êxito na América.
Noy Sang concentrou a sua atenção no general Nakorn, enquanto erguia a sua fIQue para agradecer o brinde. Todos os outros copos foram erguidos e toda a gente se associou ao brinde e bebeu.
Um momento depois, Noy Sang ouviu um som ofegante e voltou-se na direcção de onde ele partira.
Verificou que o som viera de Thida, que a sua irmã estava pálida, tossia e oscilava como se estivesse com vertigens.
- Que aconteceu, Thida? - perguntou.
A irmã teve um violento ataque de tosse.
- Eu...  sufoco.  Estou  agoniada. Acho melhor deitar-me.
O general Nakorn levantou-se imediatamente.
- O que é? - indagou. Contornou metade da mesa, para chegar a Thida.
- N-não sei - respondeu ela, ofegante. - Vou desmaiar.
Nakorn agarrou-a, para a amparar, e gritou por cima da mesa:
- Vamos levá-la para o quarto, para se deitar. Chamem o médico residente!
Enquanto Nakorn, com a ajuda de Noy Sang, levantava Thida e, pegando-lhe quase em peso, a levava para fora da sala de jantar, o coronel Chavalit falava pelo telefone com o médico militar.
- Venha   imediatamente! - gritou. - Ao  quarto  do general! É uma emergência!
Mal ele desligou, o general voltou, a correr.
- Chame uma ambulância! - ordenou. - Temos de a levar imediatamente!
Duas horas e vinte  minutos depois, Thida morria.
Tinham posto veneno no seu champanhe.
Enquanto Noy Sang rebentava em lágrimas, completamente desfeita, Marsop tentava confortá-la e o general Nakorn saía, apressado, para iniciar a investigação da morte.
Noy Sang estava de olhos secos e exausta quando, decorrida uma hora, o general regressou. Vinha com um ar feroz.
- Fui   ao  fundo  da  questão - anunciou. - Interroguei, eu  mesmo, todo  o pessoal  da  cozinha.  Por fim, consegui arrancar a verdade a dois deles. O culpado foi o escanção. Pertence ao Partido Comunista. Detesto que você tenha de ficar a sabê-lo desta maneira, mas os comunistas, todos eles, são capazes de assassinar até os inocentes, para conseguirem o que querem. Noy Sang olhou-o, a pestanejar.
- Mas porquê Thida? Que tinha ela que ver com os comunistas?
- Ignoro. Só sei que tem de abandonar todas as esperanças de negociar com eles.
- Veremos - respondeu Noy Sang. - Agora, quero interrogar esse assassino' comunista.
O general Nakorn abriu as mãos, num gesto de impotência.
--Infelizmente, é demasiado tarde, Madame Presidente. Ordenei que o levassem e executassem de imediato. Ele está melhor morto.
O general Nakorn mandou-os conduzir ao palácio, do hospital, numa  limusina militar.
Marsop fechou a divisória de vidro que separava o motorista dele próprio e de Noy Sang, sentados na retaguarda do carro.
Queria falar a Noy em particular.
- Em que está a pensar, Noy?
- É terrível, é simplesmente terrível. Inacreditável. Marsop pegou-lhe na mão, em silêncio. Por fim largou-lha e virou-se, para a olhar de perfil.
- Noy...
- Sim?
- Foi um: acidente, Noy.
O rosto dela  revelou perplexidade.
-O que é que foi um acidente?                                ,
-A morte de Thida.
- N-não compreendo.
- Deixe>-me explicar. Durante o brinde, viu Thida e eu brindarmos?
- Não tenho a certeza. Acho que não. Como o general Nakorn me estava a dedicar o brinde, suponho que estava a olhar para ele.
- Provavelmente. Mas se tivesse olhado para Thida e para mim, saberia que foi um acidente.
- Que quer dizer?
- Lembra-se da maneira antiga como os nossos pais costumavam brindar?
- Não... não estou certa-titubeou Noy.
- Durante o brinde, davam os braços, ou melhor, cruzavam-nos, e bebiam, não dos seus próprios copos, mas cada um pelo copo do outro.
- Está a dizer...?
 Estou a dizer que Thida e eu rimos e brindámos dessa maneira antiga. Ela colocou o seu copo diante de mim e eu coloquei o meu diante dela. Depois bebemos o champanhe um do outro. O dela estava bom e não me fez mal nenhum. Mas quando ela engoliu o meu, engoliu veneno e morreu.
Noy começava a compreender.
- Quer dizer...?
- Quero   dizer  que   o   veneno  me  era   destinado. O escolhido para morrer era eu, não Thida. Por acaso, ela bebeu o meu champanhe e ele matou-a. Quem' devia estar morto era eu, não ela. O meu champanhe destinava-se a eliminar-me.
- Meu Deus!... -É verdade.
- Mas, Marsop, quem quereria matá-lo?
-Não posso afirmá-lo com certeza. Pode ter sido alguém que não me queria vivo para negociar com os comunistas. Que lhe parece?
-Arrepio-me, só de pensar nisso.
- Mas   pense - disse Marsop   docemente,   e recostouLse no banco de trás, à espera de chegarem ao palácio.
A notícia da morte de Thida não demorou muitas horas a chegar a Washington, D. C.
Foi recebida por Anuthra, embaixador de Lampang nos Estados Unidos, e ele apressou-se a visitar o Departamento de Estado e a falar com o secretário de Estado Ezra Morrison.
- Eu  sabia  que  desejaria tomar conhecimento,  o mais   breve   possível,   desta   grave   ocorrência - disse Anuthra-, em virtude de Thida ser sucessora de Noy Sang na presidência de Lampang. Achei que se tratava de um assunto oficial e que o Presidente Underwood desejaria enviar um representante ao funeral.
- Desejará, certamente - concordou o secretário de Estado. - Permita que, mais uma vez, apresente a minha mais profunda mágoa e as minhas condolências. Informarei, sem demora, o Presidente deste triste acontecimento.
Matt e Alice Underwood estavam no solário do terceiro piso da Casa Branca, a tomar uma bebida antes do jantar e a ver o noticiário da televisão, quando chegou o telefonema de Ezra Morrison.
Underwood atendeu e fez sinal a Alice para baixar o som.
- Más notíciass de Lampang- começou Morrison.
- Que más notícias? Têm que ver com Noy Sang?
- Não, realmente. A irmã dela, Thida, foi envenenada num jantar e morreu quase em seguida. Noy Sang estava presente.
Underwood suspirou de alívio, por Noy estar em segurança, mas depois sentiu-se incrédulo.
- A irmã dela? Conte-me como foi, Ezra. Morrison repetiu o que o embaixador lhe tinha dito.
- Isso   não   me  parece   um   acidente - comentou Underwood, quando ele terminou. - Há mais alguns pormenores?
- Da parte do embaixador, não.
- Como está Noy Sang a reagir?
- Não faço ideia, Matt. Mas suponho que não deve estar a reagir muito bem, claro.
- Acho melhor averiguar isso, pessoalmente. Você ou o Blake podem ligar para Lampang e chamar Noy Sang? É uma da manhã, lá. Se ela estiver a dormir, acordem-na. Quero falar-lhe o mais depressa possível.
- Eu  posso encarregar-me disso - prontificou-se Morrison. - Aguarde. Calculo que voltarei a falar consigo daqui a dois ou três minutos.
Underwood desligou e sentou-se, de olhos fixos no telefone.
- Que foi, toda essa conversa? - perguntou Alice. -Noy Sang, a Presidente de Lampang...
- Ah,  sim,  aquela   com   quem  tiveste  tanto  que tratar.
Underwood ignorou o sarcasmo.
- Ela perdeu a irmã. Aparentemente, tratou-se de envenena mento i ntenc i o na I.
- São, realmente, bárbaros, nesses lados.
- Desconheço as circunstâncias. Sei apenas que a minha irmã, Thida, se seguia na linha de sucessão. Obviamente, teremos de tratar deste assunto com seriedade.
-Mais uma viagem agradável para o vice-presi-dente?
- Talvez. Não sei se Trafford é a pessoa certa.
O telefone tocou e Underwood atendeu imediatamente.
Houve um som tumultuoso, que costumava acompanhar os telefonemas ultramarinos. Depois ouviu-se uma voz masculina.
- Presidente Underwood? -Sim, aqui Underwood.
- Fala Marsop.
- Olá. Tive conhecimento da terrível notícia. Como está Noy?
- Vai ouvi-la pessoalmente. Ela está aqui. Aguarde, por favor.
Apesar da distância, Underwood ouviu a voz dela, suave e clara.
- Matt, é você?
- Noy, soube da trágica ocorrência. É possível?
- Bem sei, é incrível, mas aconteceu na minha presença.
- Conte-me, por palavras suas, o que se passou.
- Bem, foi ao jantar, na sala de jantar do Edifício da Defesa Nacional do general Nakorn. Ele propôs um brinde...
Depois continuou a falar com a voz entrecortada, e contou a Underwood como Thida morrera.
- Disseram-me que o envenenamento não foi acidente- observou   Underwood,  gravemente, quando ela terminou.
- Foi e nãoi foi. O envenenamento foi intencional. Mas o facto de a vítima ter sido Thida, esse, foi acidental. O veneno destinava-se, realmente, a Marsop. - Repetiu  as  circunstâncias  em  que Thida e  Marsop tinham bebido o champanhe um do outro.
- Quem cometeria semelhante crime?
- Alguém que não queria que Marsop se sentasse à mesa com os comunistas e negociasse a paz.
- Nós   conhecemos   os   sentimentos   do   general Nakorni.
- Ele acusa outra pessoa, um escanção ao seu serviço, que  era,  secretamente,  comunista  e  não  queria negociações de paz.
- Esse homem foi  interrogado?
- Somente pelo general. Ele teve a certeza de que o assassino tinha sido encontrado e mandou-o executar imediatamente.
- Isso parece-lhe lógico?
- Não   sei. - Noy   descontrolou-se,   momentâneamente. - Apenas   sei   que   Thida   morreu. - Fez   uma pausa. - Não quero envolvê-lo neste assunto de família, Matt.
- É mais do que um assunto de família - protestou Underwood.- Thida era sua sucessora. Isso, só por si, seria importante para nós. - Hesitou. - Geralmente, em ocasiões tristes como esta, arranjamos alguém para nos representar. O meu vice-presidente, Blake ou Morrison. Mas eu acho que desta vez é mais importante.
- É uma pequena questão para os Estados Unidos.
Ele aproximou-se mais do telefone.
-É uma grande questão para mim, e pessoal.- Acrescentou, impulsivamente:-Tenciono ir a Lampang, para assistir ao funeral.
- Oh, não quero fazê-lo passar por isso...
- É uma coisa que eu desejo, Noy. Uma coisa que quero fazer. Quero dar-lhe apoio. Você vai precisar dele. Aproveite todo quanto puder.
- É muito generoso. Não quero que faça uma viagem tão grande por causa de alguém que nem conhecia.
- Quero fazê-la por alguém que conheço.
- Se insiste...
- Sim,  insisto. Quero encontrar-me  entre aqueles que estiverem ao seu lado.
- Apreciarei isso. Dar-me-á muito conforto.
- Então conte com ele.
Quando Underwood desligou, Alice tentou falar-lhe. Mas ele já levantara de novo o auscultador.
-Ligue-me a Paul Blake-ordenou à telefonista.- Encontre-o para mim, onde quer que ele esteja.
Alice tentou de novo falar, mas Underwood levantou a mão, mandando-a calar.
Segundos depois, Blake estava ao telefone.
- Sim, Matt?
- Já sabe o que aconteceu em Lampang?
- Sei.
- Muito bem. Parto para lá às nove da manhã, para assistir ao funeral de Thida. Mande preparar o  Força Aérea Um.
- Acha isso sensato, Matt? Estou certo que se trata de uma coisa de que o vice-presidente Trafford  pode encarregar-se   rotineiramente.  Tem   uma  agenda   muito carregada para amanhã. Teria de cancelar tudo. E a imprensa?
- Os jornalistas poderão ir no avião da imprensa. Mas tente manter as coisas simples.
- Não posso, Matt. Para começar, tenho de carregar um avião com pessoal da Agência de Comunicações da Casa Branca, para instalarem os dois sistemas telefónicos especiais. E tem de haver um avião militar de apoio para substituir o Força Aérea Um, se alguma coisa correr mal, e transportar o seu conselheiro de segurança nacional, o seu adjunto militar, o seu médico e agentes do Serviço Secreto. Vai estar muito visível. - Hesitou.- Não quer reconsiderar?
- Não, Paul. Faça o que tem de fazer, mas eu vou. Tenciono  estar  em  Lampang  para  assistir  ao funeral. Mãos à obra.
Agora Alice estava de pé e debruçada para ele.
- Não me mandes calar de novo - disse, esganiça-damente.- Ouvi tudo, e declaro que és doido, se vais percorrer meio mundo de avião para assistir ao funeral de alguém que nem sequer conheces!
- Eu prometi.
- Quebra essa promessa estúpida. É loucura, andares  assim  atrás de uma nativa  esperta qualquer,  que está a tentar seduzir-te. Parecerá péssimo.
Underwood olhou, irritado, para a mulher.
- Não parecerá se também fores. Estás convidada, Alice.
- É ridículo, fazer uma viagem tão longa para esse buraco escaldante, por causa de um assunto sem importância nenhuma para ti, para nós, para o país. Se queres fazer papel de idiota, muito bem, faz... mas sozinho!
Na Sala de Imprensa da Casa Branca, Hy Hasken ouviu o anúncio feito pelo secretário da Imprensa, Bart-iett. Antes de ouvir o fim, já tinha percebido de que se tratava. Levantou-se, abriu caminho pelo meio dos outros correspondentes na Casa Branca sentados atrás dele e correu para o telefone mais próximo, nas traseiras do edifício.
Servindo-se do seu cartão telefónico, marcou o número de longa distância da linha particular de Sam Whitlaw, na sede editorial principal de The National Tele-vision Network, na Cidade de Nova York.
Whitlaw respondeu imediatamente.
- Sim?
- Hy Hasken,  chefe.  Estou na Sala  de  Imprensa. Acaba de ser anunciado que o Presidente voa para Lampang de manhã. Por causa do funeral.
-Vi a cobertura telegráfica - disse Whitlaw.- A irmã de Noy Sang envenenada. Você disse que Underwood vai voar para lá, a fim de assistir ao funeral? Porquê?
- Ainda não sei. Talvez para estreitar as  nossas relações com  Lampang. Talvez se trate do prosseguimento do seu relacionamento com Noy Sang, depois das suas reuniões aqui. Sinceramente, não sei.
- Não faz sentido.
-Com sentido ou sem sentido, Underwood está a dar grande importância ao assunto. Vai mandar à frente um avião com a imprensa.
- E você quer ir nesse avião, Hy? -Acho que devo ir.
- Nem sequer se trata de uma história de topo - resmungou Whitlaw.-Para quê perder tempo?
- Você disse que queria que eu ficasse na cola de Underwood. Disse-me que ignorasse a Casa Branca e concentrasse a minha atenção no Presidente.
- Sim, disse.
- Esta viagem parece-me estranha. Acho que devo participar nela. Quero saber mais.
Whitlaw manteve-se em silêncio, durante momentos.
- É estranho o Presidente largar tudo e viajar para tão longe, a fim de assistir ao funeral da irmã de Noy - acabou por admitir.
- Talvez ele não vá por causa da irmã de Noy - insinuou Hasken.--Talvez seja por causa de Noy.
- Que significa isso?
- Não tenho a certeza. Digo-lhe quando descobrir. Pode arranjar alguém para me substituir na Casa Branca. Deixe-me ficar com o Presidente. Que diz Sam?
- Digo que me parece uma  ideia absurda. - Fez uma  pausa. - Mas  esta  ideia  absurda   agrada-me.  Vá atrás dele.
CAPÍTULO    6
O     Força Aérea Um chegou ao aeroporto Muang, em Lampang, vindo de Washington, D. C, numa névoa de calor e humidade característica do início da tarde. Aterrou suavemente na pista amarela, travou  e perdeu gradualmente velocidade. Um jipe com três funcionários do aeroporto curvou à frente dele, conduziu-o para diante e virou na direcção de uma área espaçosa, que tinha sido reservada para o avião.
No campo próximo, os onze correspondentes da Casa Branca e respectivas equipas, que tinham chegado uma hora antes no avião da imprensa americana fretado pelo fundo da imprensa, estavam reunidos e eram mantidos no seu lugar por seguranças de Lampang vestidos de azul. Perto deles, tinham-se juntado, e estavam de igual modo mantidos à distância, membros da imprensa estrangeira e local. Hy Hasken, o seu cameraman e o seu técnico de som tinham assegurado uma posição vantajosa na fila da frente.
- Conseguiste uma tomada completa da aterragem do Força Aérea Um? - perguntou Hasken a Gil Andrews, o cameraman.
-O suficiente para três das tuas actuações.
- Muito bem. Agora vão abrir. Depois o Presidente Underwood aparecerá. Apanha-oi a meia distância, a sair e a descer a escada. Estou a ver uma delegação, ao fundo dos degraus. Quando, e se, Noy Sang avançar ao encontro dele - e existe uma boa possibilidade de ela o fazer-, quero um bom grande plano dela a cumprimentar Underwood. Isso é importante. Percebeste, Gil?
- Percebi, Hy.
Nesse instante, a porta do Força Aérea Um abriu-se e homens do aeroporto empurraram a escada de alumínio para o aparelho.
A atenção de Hasken concentrou-se na porta aberta. Saíram vários homens do Serviço Secreto, que observaram a cena e esperaram. Momentos depois, o Presidente Underwood saiu e colocou-se atrás dos homens do Serviço Secreto. Parecia repousado e em boa forma - sem dúvida dormira durante a viagem-, e vestia um fato de algodão cinzento-escuro, sem uma ruga.
Desceu a escada, seguido por outros agentes do Serviço Secreto.
- Apanhei-o - disse o cameraman.
- Apanha-o em terra, quando Noy Sang, o ministro Marsop e a delegação se lhe reunirem.
Hasken perscrutou a área de baixo e a delegação oficial, à procura de qualquer sinal da presença de Noy Sang.
Não a viu.
Alguém - um homem novo - deixou a delegação e dirigiu-se a Underwood, de mão estendida.
Hasken julgou reconhecer o indivíduo, mas não teve a certeza.
- Onde está  Noy  Sang? - perguntou  Andrews,  o cameraman.
- Não faço ideia. Aqui não está, com certeza. Provavelmente, ficou no palácio, a preparar-se para o funeral.
Nesse momento, Hasken ouviu uma voz aguda familiar: a do secretário da Imprensa, Bartlett.
-O Presidente vai seguir para o Oriental Hotel. Vocês irão todos em dois autocarros. Não haverá motivo para queixas da parte de ninguém. Ficarão no mesmo hotel. Têm acomodações quase tão boas como as do Presidente. Quando chegarmos, ser-lhes-ão indicados os quartos. Têm uma hora para se lavarem e mudarem de roupa e depois regressam aos autocarros, que os levarão ao funeral. Tentem manter algum decoro. No fim de contas, trata-sse de um funeral.
Perturbado, Hasken virou-se, para ir para o autocarro.
O facto de Noy Sang não ter aparecido tornava a sua história uma não-história. Só com o material que tinha, seria alvo da ira de Whitlaw.
Enquanto se dirigia para o autocarro, rezou para que acontecesse mais alguma coisa.
No átrio do esplêndido velho Oriental Hotel, apertado com o resto do corpo da imprensa entre o mobiliário de palhinha, Hasken observou o Presidente e o seu contingente de agentes do Serviço Secreto a serem conduzidos, passando pela escada, para uma série de elevadores.
Guiava-os um funcionário de Lampang que, depois de os ver em segurança atrás das portas do elevador, girou nos calcanhares.
Foi então que Hasken o reconheceu.
O funcionário, o mesmo que dera as boas-vindas ao Presidente quando ele descera do Força Aérea Um, era Marsop, o ministro dos Estrangeiros de Noy Sang.
Os membros do corpo de imprensa americana não o reconheceram e tenderam para ignorá-lo, mas Hasken avançou rapidamente para o interceptar.
- Sr. Ministro Marsop - chamou.
Marsop semicerrou os olhos, hesitante, e parou. Hasken aproximou-se.
- O senhor pode não se lembrar de mim, mas sou Hy Hasken. Da televisão americana. Fiz a cobertura da sua visita, quando foi a Washington, a semana passada, com a Presidente Noy Sang.
Pelo rosto de Marsop passou um vislumbre de reconhecimento.
- Ah, sim, creio lembrar-me.
- Não vou incomodá-lo agora, mas há duas perguntas que preciso de lhe fazer. A primeira é relativamente simples.
- Sim?
- Pode dar-me uma ideia do aspecto da suite do Presidente?
- É grande, mais de duzentos e setenta metros quadrados.  Chama-se  Leader's  Suite  e tem  uma  sala  de estar, uma sala de jantar, uma sala de espera, dois quartos e três casas de banho. Todas as janelas são de vidro à prova de balas. Trata-se, na realidade, da cobertura.
Há um corredor que leva do elevador a uma escada, para os guardas do Serviço Secreto. No cimo, um detector de metais protege a cobertura. Os dois pisos por baixo dela são para o pessoal do Presidente e para a imprensa. -'Obrigado, Sr. Ministro. Mais uma pergunta, se me permite.
- Faça favor.
- De súbito,  o Presidente  Underwood  voou  para Lampang, para assistir ao funeral de Thida. Foi inesperado. Eu não imaginava que Underwood conhecesse Thida assim tão bem.
- Pessoalmente, não a conhecia, sequer.
- Quer dizer que o  Presidente  Underwood  nunca a viu?
- Nunca, pelo menos que eu tenha conhecimento. A surpresa de Hasken não era possível de disfarçar.
- Mas então porque fez ele uma viagem tão grande, para assistir ao seu funeral?
- Porque queria dar apoio à Presidente Noy Sang. Queria confortá-la.
-Não há nenhuma política envolvida?
-Absolutamente nenhuma. É pessoal. O seu Presidente é um homem compassivo.
Hasken seguiu Marsop com o olhar, enquanto ele desaparecia na multidão, a caminho da sua limusina. Mordeu o lábio inferior, a considerar o que acabava de ouvir.
O Presidente Underwood estava ali para ver Noy Sang e por mais nenhuma outra razão.
Nem sequer tinha conhecido a falecida.
Mas, aparentemente, conhecia muito bem a viva.
Hasken sorriu para consigo.
Whitlaw não ficaria decepcionado. No fim de contas, podia haver uma história, uma história muito boa, nas pontas dos dedos de Hasken.
Resolveu manter-se perto dela, tão perto quanto, humanamente, fosse possível.
Para Hy Hasken, foi mais um funeral. Um pouco mais especioso, talvez, considerando a presença de representantes de vários países - neste caso asiáticos, na maioria.
Do seu ponto de observação na crista de um pequeno cabeço, no cemitério, cinco quilómetros fora de Visaka, Hasken podia ver bem a sepultura, em baixo, ao fundo da encosta.
Perto do caixão estavam Noy Sang, seu filho, Den, Marsop e uns idosos, provavelmente os pais de Thida e Noy. Dos estrangeiros presentes, o Presidente Matt Underwood era o que se encontrava mais próximo da família enlutada.
Da distância a que ele e outros jornalistas tinham sido confinados por guardas do exército, Hasken não conseguiu ouvir uma palavra. Mas viu moverem-se os lábios de um sacerdote cristão.
Pó és, ao pó regressas, tinha a certeza.
O caixão fechado avançava pouco a pouco, na direcção de um buraco fundo. O repórter viu Noy ajoelhar e colocar um ramo de flores em cima do ataúde, quando ele começou a descer e a desaparecer de vista.
Embora respeitoso, Hasken sentia-se, fundamentalmente, desinteressado.
Não conhecera Thida. Ela fora um nome para ele, nada mais. Mas não! se podia esquecer que também não fora ninguém para Underwood, excepto irmã de Noy. Hasken tentou prestar atenção.
De súbito, com o caixão a desaparecer, Noy deu a impressão de sucumbir. Os seus ombros descaíram, pareceu amarfanhada. Marsop estendeu a mão para a amparar, enquanto a cerimónia se aproximava do fim.
O repórter teve a certeza de que Noy estava a chorar, e depois viu o Presidente Underwood aligeirar a sua rigidez solene e recuar, sair da linha formada pelos representantes estrangeiros.
Viu Underwood passar pelo pequeno Den e por Marsop e introduzir-se ao lado de Noy. Viu-o tornar-lhe a mão lassa, segredar-lhe e puxar a cabeça dela contra o seu ombro.
Surpreendeu-o, depois, ver Underwood inclinar a cabeça e beijar a face de Noy, não uma vez, mas várias.
Que imagem, pensou, excitado.
Jesus, que suculento petisco para o noticiário das seis horas, em Washington!
Girou nos calcanhares, à procura de Gil Andrews, e só então se lembrou de que ele não estava ali. Não fora autorizada a presença de nenhum cameraman, não haveria imagem. Hasken maldisse a sua pouca sorte. Aquilo não surtiria efeito num noticiário a seco, só de palavras. Era um visual. No entanto, não houvera nenhuma maneira de o captar.
Entretanto, o funeral terminara e afastavam-se todos da sepultura.
Underwood, com o braço à roda da cintura de Noy, levava-a.
- Para onde vão eles? - perguntou-se Hasken, alto. Atrás de si, uma voz americana respondeu-lhe, com conhecimento de causa:
- Vão para uma vigília. É um costume de Lampang. Regressam ao palácio. Noy Sang oferecerá um bufete a hóspedes convidados.
- Ea imprensa? - indagou Hasken, voltando-se um pouco para trás.
- É só para convidados especiais, gente especial - respondeu  a voz.-Você sabe que  nós  não somos gente.
Hasken voltou a praguejar, entre dentes.
Noy e Underwood estariam sós, e ele não poderia aproximar-se deles.
Desculpas não serviriam de nada, pelo menos com Sam Whitlaw.
Mas qualquer coisa se passaria. Tentou especular, imaginar de que falariam Noy e Underwood.
Não fazia a mínima ideia, mas sabia que, mais cedo ou mais tarde, descobriria.
A vigília efectuou-se ao fim dessa tarde na Sala Pavão, uma sala de recepção mais pequena do Palácio Chamadin.
Matt Underwood voltara ao Oriental Hotel para tomar duche e vestir um fato escuro. Ao entrar na sala de recepções cheia de gente, viu Noy do lado oposto - ela também mudara de roupa e usava agora um sári púrpura, que lhe chegava ao tornozelo. Reparou, igualmente, que recobrara a compostura e fazia as apresentações de convidados que não se conheciam, sobretudo asiáticos de países vizinhos amigos.
Underwood foi direito a ela, pôs-se na fila e apertou--lhe a mão.
- Obrigada,  Matt - murmurou  ela. - Permita  que lhe apresente alguns dos nossos vizinhos.
Assim fez, e Underwood cumprimentou-os cortesmente e afastou-se. Momentaneamente separado dos outros, o Presidente americano olhou em redor, à procura de um rosto conhecido. Além da sua colecção de discretos agentes do Serviço Secreto dispersos pela sala de jantar, reconheceu apenas dois outros americanos. Um era Bartlett, seu secretário da Imprensa, e o outro o curvado e fleumático Percy Siebert, cujos olhos azul--claros estavam naquele instante fixos nele. Siebert era chefe da estação da CIA do director Ramage, na Embaixada dos Estados Unidos em Visaka, e Underwood encontrara-o à sua espera na surte do hotel, depois da sua chegada no Força Aérea Um. Antes do funeral, tinham conversado um pouco, o suficiente para o Presidente o considerar um amigo.
A um lado da sala, Siebert dera pela chegada do Presidente e abria caminho na sua direcção, pelo meio da assistência.
O chefe da estação da CIA pegou no braço de Underwood e murmurou:
- Quero apresentar-lhe uma pessoa, Sr. Presidente, um bom amigo meu e dos Estados Unidos. - Conduziu o Presidente para um homem entroncado e idoso, que vestia um uniforme imaculado e coberto de medalhas, e apresentou-os: - Presidente Matthew Underwood, este é o general Samak Nakorn, chefe do exército de Lam-pang. General, o Presidente dos Estados Unidos.
Underwood estendeu a mão e apertou firmemente a do general.
Depois de trocarem algumas palavras amáveis, Underwood procurou de novo Noy Sang, viu-a ali perto e seguiu uma vez mais na sua direcção.
Quando a alcançou, ficou satisfeito por ela estar momentaneamente sozinha e por ver o seu rosto iluminar-se.
Segurando-lhe os braços, inclinou-se e, sem que a presença das outras pessoas o constrangessem, beijou-a na fronte.
- Como se sente, Noy?
- Acabou. Sobreviverei - respondeu ela, e depois acrescentou:-Quanta  amabilidade a  sua,  vir de  tão longe para exprimir as suas condolências.
- Foi uma coisa que eu senti que queria fazer, Noy.
- Ajudou-me muito. Não o esquecerei. - Apontou uma   mesa  comprida,  cheia  de  comida. - Deve   estar esfomeado. Prove o que está naquela taça branca, Gai Tom Ka. É frango cozinhado em leite de coco. Verdadeiramente delicioso. - Empurrou-o na direcção da mesa, enquanto   baixava   a   voz   para   dizer:-Arranjaremos tempo para falar mais tarde.
Underwood deixou-a, dirigiu-se obedientemente para a mesa, pegou num prato grande, num garfo e num guardanapo e começou a encher o prato de frango, arroz frito, peixe e uma minúscula omeleta confeccionada com ervas aromáticas.
Quando se preparava para deixar a mesa, reparou que o general Nakorn vinha na sua direcção, do lado oposto, a encher o seu próprio prato. Antes que Underwood decidisse se falaria com ele, Percy Siebert, o chefe da estação da CIA, meteu-se entre ambos.
- Sr.   Presidente-'murmurou  Siebert,   apressadamente.
- Sim?
- Pode dispor de um momento para falar com o general Nakorn? Ele está muito interessado em dizer-lhe mais uma palavrinha.
- Faz alguma ideia acerca de quê? Siebert acenou afirmativamente.
- Eu diria que seria útil para si ouvi-lo. Ele é um grande amigo dos Estados Unidos. O que tem para dizer pode ser do nosso interesse.
- Nesse caso, está bem, claro.
Underwood ficou onde estava, enquanto Siebert estendia a mão para que o general Nakorn se aproximasse.
- Deseja  falar  comigo? - perguntou   Underwood.
- Esperava  poder fazê-lo - respondeu  Nakorn. - O senhor é uma das razões por que vim a esta recepção.
-Queira dizer, por favor.
- É a respeito do nosso problema comunista, aqui em Lampang. Tem, certamente, conhecimento disso, por intermédio do seu próprio Departamento de Estado e das suas conversas com a Presidente Noy Sang.
- Creio que faço uma ideia da situação-respondeu Underwood, friamente.
- Mas talvez não saiba quanto ela é grave-continuou   Nakorn,   com  veemência.-'Temos  vizinhos  do outro lado do mar que nos respiram literalmente para o pescoço, de tal modo são uma ameaça próxima. Refiro-me ao Vietname e ao Camboja. Estão a despejar guerrilheiros   nas   nossas   duas   ilhas   adjacentes,   e   equiparam-nos com as armas mais modernas. Se lhes for permitido continuarem a fazê-lo, sem uma intervenção, em  breve ter-se-ão tornado demasiado poderosos para o meu exército poder dominá-los. Acabarão por vir para Lampang, ocupá-la e depor a Presidente Noy. Esmagarão a nossa democracia, aqui, e controlarão tudo. Lampang tornar-se-á comunista, um satélite da União Soviética no Pacífico   Sul.   Isso   tem   de   ser   impedido   pela   força enquanto  ainda   há  tempo,  enquanto  nós temos  superioridade militar.
Underwood tinha escutado com muita atenção, e não pôde evitar um sobressalto de preocupação ao pensar que, se houvesse alguma verdade naquilo, o regime de Noy e a sua própria vida poderiam estar em perigo.
- Foi-me dito que os comunistas estavam dispostos a chegar a um acordo-comentou.
O general Nakorn abanou a cabeça, vigorosamente.
-Não é possível - afirmou. - Essa é a crença de alguns dos nossos liberais que foram enganados. Na realidade, a própria Presidente Noy pensa que se poderia alcançar uma tal confluência de vontades. Mas ela não tem nenhum conhecimento verdadeiro da força e das intenções dos comunistas. Tem-se deixado embalar por palavras doces, mas se admitir os comunistas no nosso sistema será engolida.
- Está convencido disso.
- Absolutamente convencido.  Pergunte a  Mr. Siebert qual é a sua opinião a esse respeito.
Underwood voltou-se para Siebert, que tinha estado a ouvir em silêncio.
- Que pensa você, Siebert?
- Deixo   os   dois   sozinhos - disse   Nakorn,   sem esperar que o chefe da estação respondesse. - Obrigado por me ter escutado.
Underwood viu o general desaparecer no meio das pessoas presentes, e depois voltou-se de novo para Siebert.
-Então?
O homem da CIA acenou com a cabeça.
- Eu diria que, de modo geral, ele está certo. E não estou a confiar apenas nas fontes particulares do general. Estou a confiar também nas minhas próprias, baseado no   que   sei   por   intermédio   dos   nossos   informadores pagos.   Fosse   qual   fosse   o   resultado   superficial   de qualquer reunião de Marsop com Lunakul, no fim conduziria a uma tomada do poder pelos comunistas. - Siebert fez uma pausa. - Compreenda, Sr. Presidente, não tenho nenhum interesse pessoal nesta questão. O meu trabalho é dar informações objectivas a Langley e a si. Na minha opinião, será melhor para os Estados Unidos se Madame Sang não permitir que os comunistas se tornem num partido legítimo em Lampang. Madame Sang não se dá conta de que o seu  procedimento daria  à União Soviética uma posição que nunca teve nesta parte do mundo.
- Está, sem dúvida, a ser inequívoco a esse respeito - comentou Underwood, abalado.
- É essa a minha intenção. Não temos outro remédio   senão   concordar  com   o   general   Nakorn.   Não   se pode pensar num acordo. O exército de Lampang tem de repelir os comunistas mais para o interior da selva, despojá-los da sua força e depois eliminá-los.
- Porque me está a dizer isso agora?
- Penso que deve dizer a Madame Noy Sang exactamente o que eu lhe estou a dizer a si.
- Está a sugerir que fale com ela acerca de assuntos de Estado, sem consultar o nosso próprio Departamento de Estado? Afinal, porque não conduz este assunto através das vias normais?
-'Porque, se Madame Sang desse ouvidos a alguém, esse alguém seria o senhor. O senhor, e só o senhor, pode exercer a máxima influência sobre ela. Acaba de aceder a emprestar-lhe milhões de dólares para manter Lampang livre e do nosso lado.
Underwood suspirou.
- Verei o que posso fazer.
Dispensou Siebert e acabou a sua refeição, que perdera subitamente todo o sabor.
Depois de pôr o prato de lado, percorreu a sala com o olhar e viu Noy Sang a apertar mãos e a despedir-se de alguns dignatários estrangeiros.
Quando, por fim, verificou que ela estava só, passou pelo meio de alguns grupos e aproximou-se de novo.
Ela viu-o e sorriu.
- Esperava voltar a vê-lo.
- Aqui estou. Dispõe de um pouco de tempo para mim? Preciso de falar consigo a sós... bem, tão a sós quanto for possível nesta sala.
Noy franziu a testa, tentando compreender o que o preocupava.
- Marsop - chamou, por cima do ombro. - O Presidente Underwood  e  eu gostaríamos de  estar juntos uns momentos. Quer ser bom rapaz e não deixar que nos interrompam?
- Afastarei toda a gente - prometeu Marsop.
- Muito bem - disse Noy, e conduziu Underwood para  um  canto,  onde ficaram  quase  escondidos  atrás de uma árvore-da-borracha alta e frondosa. - Falemos, então. Matt, nunca o tinha visto tão sério. Diga-me o que o preocupa.
 Acabo de ter uma conversa com o seu general Nakorn.
- Sabe a minha opinião a respeito dele.
- Preocupo-me  menos  com  o  que  Nakorn  tem  a dizer do que com o que Siebert, o chefe da nossa estação da CIA aqui, me disse.
- Que foi que ele disse, Matt?
- Aparentemente,   você   combinou   uma   série   de conversações   entre   Marsop  e  o  chefe  rebelde,  Opas Lunakul. O seu general  Nakorn mostrou-se fortemente contra    isso. - Parou    um    instante,   e    acrescentou: - E Percy Siebert também.
O semblante delicado de Noy carregara-se.
- Importa-se de me dizer o que foi que eles lhe disseram?
- Repito-lho palavra por palavra. - Hesitou.-Tem alguma lógica.
- O quê, o que é que tem alguma lógica? - perguntou ela, em voz baixa. - Diga-me.
O melhor que pôde, Underwood tentou relatar tudo quanto ouvira do general Nakorn e tudo quanto Percy Siebert confirmara.
Noy escutou-o sem emoção.
Quando chegou ao fim, Underwood conteve a respiração e acrescentou:
- Sabe que estou do seu lado, Noy. Foi sem hesitar que aprovei o empréstimo que você queria para Lampang, na  verdade,   até   uma  soma   muito   maior.  Era   minha intenção que o dinheiro fosse utilizado para o que você queria,   para   tornar   Lampang   independente  e  a   sua democracia forte. Achei que isso seria, igualmente, do interesse da minha própria nação.
- Mas agora está menos certo - disse Noy, severamente.- Pretende dizer-me que a sua oferta acarretava condições?
- Condições? - repetiu   Underwood,   momentaneamente perplexo.
-Que a sua oferta implica a exigência de que rompamos com os comunistas, os suprimamos e provemos que somos um país anticomunista merecedor de ser um aliado de confiança dos Estados Unidos?
-Noy, compreendeu mal. O empréstimo é seu, pode fazer com ele o que considerar melhor para o seu povo. Mas deve reconsiderar uma coisa: pode estar a ser demasiado indulgente com os rebeldes comunistas que querem destruí-la.
Calada, Noy fixou os olhos em Underwood. Quando falou, foi com paixão contida.
- Matt, os  nossos  comunistas  não são treinados em Moscovo. São camponeses simples, gente simples, agricultores, que querem comer três refeições por dia e ter um tecto seguro sobre a sua cabeça e as dos seus filhos.  O  meu   marido  compreendeu   isso  quando  se candidatou a Presidente. Sentiu que estes comunistas, que queriam sobretudo a reforma agrária, podiam ser integrados com todos os nossos camponeses e aprender a conseguir o que querem mais devagar e sem derramamento de sangue. Estive sempre com Prem na sua convicção. Hoje defendo o que ele defendeu. Não quero chacinas. Quero mediação. Quando os comunistas tomarem conhecimento dos meus planos, quando virem que são exactamente iguais aos seus e sem mortes, tenho a certeza de que depõem as armas e se juntam a nós. Mentalmente, Underwood recuou. Havia tanta lógica nas palavras dela como nas de Nakorn e Siebert. Talvez mais. Só queria fazer uma pergunta:
- O seu  marido  e a  sua  irmã  Thida  não  foram assassinados por comunistas?
- Não tenho  um  resquício de  prova  disso - respondeu ela, sem hesitar. - Suspeitámos, naturalmente, e foi   efectuada   uma   investigação   exaustiva,   mas   não encontrámos qualquer relação com os comunistas. Luna-kul nega-o sem reservas. Talvez esteja a mentir. Talvez esteja a dizer a verdade. Matt, temos de dar uma oportunidade à verdade, antes das balas.
--Bem, talvez tenha razão. Talvez valha a pena dar uma oportunidade à verdade. Noy tocou-lhe no braço.
- Matt, tenho de me ir despedir dos nossos outros convidados. Antes disso, porém, quero pedir-lhe um favor. Quando fui a Washington, convidou-me para ficar mais um dia, para poder mostrar-me a sua capital e conhecer-me melhor. Eu fiquei.
- E eu senti-me grato.
- Agora   quero   retribuir-lhe   o   favor  em   espécie. Quero  que fique  mais   um  dia  em   Lampang,  para  eu poder mostrar-lhe o meu povo e como ele vive. Quero também  que  me  conheça  ainda  melhor,  para  se  convencer da minha sinceridade. Pense na ideia de passar esse dia  extra aqui, comigo.  Não tente responder já; volte para o hotel e consulte o seu travesseiro. Pode dizer-me  qual   é  a  sua   decisão   amanhã,  ao   pequeno--almoço, aqui. Espero que fique o dia extra.
- Por razões políticas?
- Por razões  pessoais,  Matt. Quero  saborear  um dia a sós consigo no meu ambiente. Peço-lhe, pense no assunto, por  favor,  e  seja  o que for  que  decidir  eu compreenderei.
Matt Underwood regressara à sua suíte no Oriental Hotel. Recusando falar com Siebert ou com a imprensa, jantara sozinho e depois tentara dormir, mas virara-se e  revirara-se, desassossegado, na sua cama de  hotel.                                                    
Recordava o convite de Noy, desejando desesperada-mente aceitá-lo, mas duvidoso.
Por fim, a diferença horária levou a melhor e ele acabou por adormecer profundamente.
Acordado por um criado, tomou duche, barbeou-se e vestiu-se, e foi conduzido de carro ao Palácio Chamadin, antes das oito horas.
Na sala de jantar, a beber sumo de laranja, estavam Noy, o seu filho e Marsop, e, do grupo do Presidente, apenas o secretário da Imprensa, Bartlett.
- Bons   dias,   Sr.   Presidente - saudou   Noy,   com algum formalismo. - Dormiu bem?
- Oito ou nove horas e sem sonhos - respondeu Underwood, que depois perguntou a Bartlett: - Para que horas está marcada a nossa partida para Washington?
-O   Força  Aérea  Um   levanta  voo  às  onze  horas. O avião da imprensa, ao meio-dia.
Underwood concentrou a sua atenção em Noy Sang, que estava ao seu lado.
- Pensei na sua oferta, Noy. Mantém-se?
- Claro que sim, Matt.
- Então, está combinado.
- Adiei tudo o mais por causa disso. Estou encantada.   Primeiro  percorreremos  Visaka   e   os   arredores. O nosso destino será a minha residência de Verão, Vila Thap. Tem uma praia deliciosa, onde podemos refrescar--nos. Podemos mudar de roupa e nadar.
- Não vim preparado para isso.
- Mas eu estou preparada - respondeu Noy, sorrindo.- Temos calções de banho de todos os tamanhos. Poderá escolher. Mandarei arranjar um cesto com um almoço leve. Que lhe parece?
- Perfeito.
Bartlett parecia intrigado.
- Há alguma coisa que eu deva saber? - perguntou.
- Há - respondeu  Underwood. - Diga à  imprensa que parto na hora prevista. Mande o avião deles partir ao meio-dia. Mas eu não irei uma hora antes. Fingirei, apenas,  que  parto;  vou  passar  mais  um  dia  aqui   e, provavelmente, sigo à meia-noite.
- Isso vai transtornar uma quantidade de planos, Sr. Presidente. Esse dia extra é imperioso?
- Oficialmente, fico mais um dia para aprofundar a situação comunista em Lampang, com a ajuda de Madame Noy. Pode dizer isso à imprensa, quando aterrarem em Washington e eu só voltar no dia seguinte.
Bartlett continuava confuso.
- Há uma razão não oficial? - perguntou.
Underwood sorriu a Noy e depois a Bartlett.
- Há, mas não é para publicação. É apenas para sua  informação.
- Muito bem - disse Bartlett.
- Quero o dia extra para descansar um pouco e para poder conhecer um pouco melhor o nosso aliado do Sudeste Asiático.
- Obrigada, Matt-disse Noy, em voz baixa.
- Assim  que o  pequeno-almoço terminar - acrescentou Underwood-, pode partir e tratar de tudo, Bartlett. Informe o Serviço Secreto de que fico mais  um dia e espero que eles fiquem, também. Não quero chatices com esses parasitas. Quanto a si, conduza os correspondentes para o avião da imprensa e parta com eles. Diga-lhes que já parti. Isso afastará quaisquer suspeitas.
- Que digo à primeira dama?
- A  versão   oficial - respondeu   Underwood,   com um pequeno rebate de consciência.
Ao sair do Palácio Chamadin, o secretário da Imprensa, Jack Bartlett, parou para falar com o primeiro agente do Serviço Secreto que viu no corredor.
- Smity,  houve  uma  mudança  de  planos.  O   Presidente   não   partirá   ao   meio-dia,   mas   sim   cerca   da meia-noite.  E vocês  devem  preparar-se  para  se   movimentarem esta tarde. Sei que o Presidente vai visitar a cidade e os arredores depois das onze e meia. Creio que o destino dele - irá acompanhado pela Presidente Noy  Sang-é Vila Thap,  a  residência  de Verão dela. Onde está o seu chefe?
-Segundo creio, Lucas foi até ao portão do palácio, falar com o capitão que dirige a segurança de Lampartg.
-Acho melhor procurá-lo. Quero informá-lo da nova agenda do Presidente.
Bartlett saiu do palácio e caminhou na direcção do portão, onde avistou Lucas a conversar com um agente da segurança de Lampang. Bartlett interrompeu-os.
- Frank, preciso de si por um instante.
O portão estava aberto e Bartlett fez sinal ao chefe do Serviço Secreto para sair.
Havia duas colunas, e Bartlett levou Lucas para a mais próxima, fora do alcance auditivo do agente de Lampang.
- Frank, o Presidente vai mandar partir a imprensa, depois de sair. Só que ele não parte daqui à hora prevista.  Mas  os  correspondentes  não  podem  saber que decidiu ficar o resto do dia e ver parte da cidade com a Presidente Noy Sang. Depois segue de carro para fora da cidade com Noy. Ela tem uma residência de Verão chamada Vila Thap. Quer que o Presidente dê um mergulho antes do almoço e se refresque antes de partir para Washington.
- Obrigado por me informar - agradeceu Lucas.- Vou ver essa Vila Thap, antes de o Presidente lá chegar. Ele chega por volta das duas, não?
- Mais ou menos - respondeu Bartlett. - Deixo o Presidente inteiramente nas suas mãos.
- Fique descansado.
- Mantenha a imprensa local à distância. A nossa irá a caminho de casa, mas a local pode ser importuna. Quero que o Presidente tenha alguma privacidade.
- Ele terá toda a privacidade que quiser - garantiu Lucas.
Depois disso, Bartlett meteu-se num carro de comitiva de Lampang e regressou ao Oriental Hotel, e Lucas transpôs o portão e foi ao palácio notificar os seus agentes.
Mas os dois tinham desaparecido da vista, Hy Hasken saiu de trás da coluna.
Acendeu um cigarro, pensativo.
Vila Thap era, agora, o seu próprio destino.
Mas onde diabo ficava?
Resolveu ir até ao portão e perguntar ao agente de segurança que lá se encontrava.
Com que então, o Presidente Underwood queria passar aquele dia extra em Lampang, a sós com Noy Sang...
Hasken rosnou. Mas não estariam inteiramente sós. Não, se estivesse na sua mão, não estariam.
Vila Thap ficava treze quilómetros fora de Visaka.
Com o seu carro alugado, Hasken foi buscar o cameraman, Gil Andrews, e o técnico de som ao Oriental Hotel, e depois seguiu a direcção que lhe tinham indicado, quanto ao caminho.
Quando a encontraram e estacionaram o carro, ele e a sua equipa observaram o local. Como a maioria das residências de Verão, Vila Thap era uma mansão arejada e elegante, construída numa encosta. Presumivelmente, porque aí havia sombra e era fresco.
Hasken parou na orla do cume da colina e espreitou para baixo, para a casa de Verão de Noy. Conseguia ver uma porção razoável da residência, até mesmo os degraus de acesso à porta principal. Havia um caminho que levava a uma crista, da qual descia uma escada, que a certa altura deixava de se ver, para uma praia privada, em baixo.
- Queres apanhar o  Presidente e a sua dama - observou Andrews. - Mas daqui não verás nada, sobretudo se eles desceram à praia para um mergulho.
- Tens   razão-concordou   Hasken. - É  um  ponto cego. Podes apostar que o Serviço Secreto nos manterá aqui em cima, com a imprensa local. Não conseguiremos ver peva. - Voltou-se e acrescentou:-Talvez.
Atrás deles, do outro lado da estrada, erguia-se uma série de modernos prédios de apartamentos de praia, com cinco e seis pisos.
- Aquele   atrás   de   nós - disse   Hasken. - Tem seis pisos, e do último deve ter-se uma vista perfeita da praia. Vamos verificar.
Os três homens atravessaram a estrada para o edifício de seis pisos e tocaram à campainha, para chamar o senhorio.
O senhorio apareceu em menos de um minuto. Era um homem idoso e desabrido, que não devia ter mais de metro e meio de estatura, tinha pele olivácea e bigode grisalho esvoaçante.
- Sim? - perguntou.
- Desejávamos   alugar   um   apartamento - respondeu Hasken.- O do último andar, voltado para a praia.
- Não é possível. Está alugado a um banqueiro de Visaka. Ele chega sempre aqui por volta das seis da tarde, vindo da cidade.
- Nós sairíamos às cinco horas - prometeu Hasken.
- Não  tocaríamos  em  nada.  Queremos,  apenas,  tirar algumas fotografias da janela do sexto piso.
- Não  sei - disse o  homem. - O  apartamento  é dele...
- Mas   é   o   senhor   que   lho   aluga - argumentou Hasken,  que   desabotoou  o  casaco  e  tirou   a   carteira castanha. - Nós podíamos subalugá-lo por três ou quatro horas.-O repórter extraiu algumas notas da carteira.
- Pago em dólares americanos.
O senhorio olhou gananciosamente para as notas.
- Dólares americanos?
- Cem   dólares   americanos - disse   Hasken,   e começou a contar as notas. - Por umas horas, apenas.
- Não sei - repetiu o senhorio. Mas logo a seguir soube. - Não tocariam em nada?
- Nem sequer num grão de pó-> garantiu o repórter, estendendo-lhe as verdinhas.
Minutos depois, estavam dentro do apartamento do sexto piso.
Gil Andrews foi direito à janela e semicerrou os olhos.
- Perfeito - murmurou.
-A praia - disse Hasken.
- Cada centímetro dela. O mais claramente possível. Com a minha objectiva zoom serei capaz, até, de contar os grãos de areia.
Hasken sorriu.
- Monta o equipamento.
Matt Underwood e Noy Sang estavam confortavel-mente sentados no banco de trás do Mercedes dela. Chalie, o motorista bexigoso da Presidente, conduziu-os, cercado por uma escolta de motocicletas.
- Estamos    perto   da    rua   principal? - perguntou Underwood.
- Refere-se   à   «downtown»,   como   na   América? Visaka não tem «downtown», Matt. E também não tem ruas. Apenas estradas e números nos edifícios.
Underwood espreitou mais uma vez pela janela do carro.
- Creio que o que me confunde é a mistura de templos e igrejas. Como é que isso aconteceu?
Noy riu-se.
- Estou a ver que a nossa história não é tão bem ensinada como a vossa. Eu explico-lhe. Há dois séculos, apenas, os meus antepassados, predecessores de toda a gente, viviam na Tailândia, onde o rei decretara que o   budismo   era   a   religião   prevalecente.   No  entanto, havia uma grande seita de thais que tinham sido convertidos  ao  cristianismo por missionários e que decidiram sair da Tailândia e fundar uma nova nação, com maior liberdade religiosa, em Lampang. Foi  assim que apareceram   as   igrejas.   Quando   Lampang   prosperou, outros,   na   Tailândia,   quiseram   vir   para   Lampang,   e vieram.   Como   ainda   eram   budistas,   construíram   os templos. De modo geral, a influência thai é, aqui, muito grande.   Com   o   tempo,   muitos   cristãos   sentiram-se impressionados com a democracia dos Estados Unidos, e  a democracia lornou-se  outra  influência. Aqui  toda a  gente fala   inglês  e o  governo  é  moldado  segundo o próprio sistema que Jefferson criou, e que teria aprovado. Matt, olhe para a sua esquerda.
- Sim?
- É o Museu Nacional. Fundado em 1784, é o maior museu do Sudeste Asiático. Podemos entrar, se quiser, mas tenho a certeza de que já viu museus suficientes em toda a parte.
- Obrigado, passo. Mas é um edifício assombroso.
- Há outra coisa igualmente assombrosa, não longe daqui.  Diferente  de tudo  quanto têm  em  Washington.
Pouco depois, o séquito chegou ao Dusit Thani Hotel, e Noy conduziu Underwood, cercado por seguranças, para uma arena tipo fosso.
- A nossa Quinta das Serpentes - anunciou  Noy. Underwood  olhou  pelas  paredes  íngremes  abaixo.
No centro havia um amontoado de cobras de todas as espécies, da cobra-real à víbora russa.
- Todas as manhãs - disse Noy-, os nossos cientistas descem ao fosso e extraem veneno dos répteis, a fim de prepararem antitoxinas contra mordeduras de serpentes em áreas mais primitivas, fora da cidade.- Observou-o. - Tem   a   camisa   colada   ao   corpo,   e   em breve acontecerá o mesmo ao casaco.
- Bem, está calor e abafado.
- Pois está, e você já tem a sua conta de visitas turísticas. Vamos para o carro. Dentro de vinte minutos, mais ou menos, pode estar em Vila Thap e na praia. A ideia agrada-lhe?
- Nem  posso  esperar!
- Poderá vestir uns calções de banho. -E você um biquini.
Noy sorriu.
- Lampang   ainda   não   está   preparada   para   um biquini. Um sarong satisfá-lo? Não cobre mais do que um biquini.
- Vai vestir um sarong?
- Assim que chegar. Underwood tentou imaginá-la.
- Não posso, realmente, esperar.
- Então   não   percamos   nem   mais   um   minuto - disse Noy, segurando-lhe no antebraço.
De uma janela lateral do apartamento do sexto piso, de onde se via a rua e, mais adiante, Vila Thap, Hasken observava a paisagem.
Entretanto, a rua imediatamente em baixo enchera-se de membros da imprensa local, contidos por guardas da segurança de Lampang. Atrás deles, encontravam-se os residentes curiosos da zona.
O Presidente Underwood e Noy tinham chegado meia hora mais cedo e seguido imediatamente, escoltados, para a vila, descendo uma escada íngreme.
Hasken, a olho nu, e o cameraman com a sua objectiva zoom, seriam os únicos a testemunhar o que se seguiria. O técnico de som deixara de ser necessário - daquela distância, não seria possível captar vozes vindas da praia -, e Hasken mandara-o regressar ao Oriental Hotel, a fim de fazer as malas dos três e arranjar passagens no primeiro avião comercial que partisse para os Estados Unidos - fosse qual fosse a rota, desde que a aterragem final fosse em Washington, D. C.
- Tens melhor vista do que eu - disse Hasken a Andrews.-O nosso Presidente já saiu da vila?
-Ainda não.
- Não te teria escapado, pois não?
- Com   esta   objectiva?   Apanho   tudo   em   grande plano. Além  disso, não está ninguém  na praia, a não ser dois homens do Serviço Secreto americano.
- Não é o que eu procuro - respondeu Hasken.- Não tires os olhos dos degraus que descem da vila.
Observaram ambos, em silêncio, durante um minuto, e, de súbito, o cameraman falou.
- Acabam de sair da vila - anunciou. - Ela veste um sarong vermelho e ele calções de banho brancos, justos.
-Óptimo! Estou a vê-los, mas sem a tua objectiva a imagem não é completamente clara.
- Estão a descer para a praia. Chegaram à areia. Jesus, aquele sarong...
- Que queres dizer?
- Ela conseguiria esconder mais com um  biquini.
- A tua câmara está a trabalhar?
- Claro  que  está  a trabalhar. A  minha  objectiva está praticamente de olhos arregalados.
- Eh, calma aí!
- Deixa-me concentrar - disse Andrews, ofegante. - Vão entrar na água.
- Não  os   largues! - recomendou   Hasken,   excitadamente.
Passados alguns momentos, o cameraman anunciou:
- Estão a brincar.
- A brincar?
- Bem, a nadar, a pular como toninhas, a rolar na água. - Fez uma pausa. - Agora creio que vão sair.
- Não afastes essa câmara deles!
- Está descansado. Uau!
- Pareces um lobo.
- Gostaria de ser, e abocanhar um bocado daquilo. Estou a falar de Noy, de sarong. Ajusta-se-lhe às formas como se estivesse colado, e pode-se ver o corpo dela como se estivesse completamente nua. Jesus, tem uma maminha praticamente de fora! Tenho a certeza de que vejo o bico, é grande e castanho...
- Consegues ver?
•-Jesus, o que eu daria para estar no lugar dele!
- Não estás. E!e é Presidente dos Estados Unidos.
- Bem, ela é mais do que isso. Acreditas?...  Ele está a enxugá-la com uma toalha. Que eu o dela, é o maior e mais macio que jamais vi.
- Domina-te, rapaz. Ela é Presidente de Lampang. O cameraman abanou a cabeça, incredulamente.
- A Presidente de Lampang tem o eu maior e mais arredondado dos Mares do Sul.
Impacientemente, Hasken avançou e afastou o cameraman do caminho.
- Deixa-me dar uma espreitadela por essa objectiva. O que Hasken viu foi Noy de pé, de perfil, com o
rosto virado para Underwood. Andrews tivera razão. Um seio estava parcialmente exposto e o sarong subira um bocado, por uma das suas nádegas. O repórter ficou sem fôlego. Ela era um objecto de arte.
Depois Noy sentou-se numa toalha amarela luminosa. Underwood deixara-se cair ao seu lado e ela servia-lhe comida que tirava de um cesto. Underwood estava a falar.
- Daria tudo para saber o que ele está a dizer - murmurou Hasken. - Agora estão a conversar. - Recuou da  câmara. - É alguma  conferência de  cúpulas. Acho melhor voltares para o teu posto. A câmara pode precisar de um ligeiro ajustamento.
Andrews voltou para o seu lugar e ajustou o ocular.
-Aquele sarong mata-me - disse, como se falasse consigo próprio. - Ela terá alguma coisa vestida por baixo?
- Espero que tenha - respondeu  Hasken-;  caso contrário, Underwood sobe-lhe para cima, não tarda.
- Praticamente,  já   subiu.   Está   encostado   a   ela. Tem o braço esquerdo à roda da sua cintura. Juro que está a cobrir-lhe o seio.
- Duvido - disse   Hasken. - Não   faria   isso   com homens dó Serviço Secreto na praia.
- É o que parece. Agora ele está...
- Ele está o quê? -A beijá-la!
- Apaixonada ou castamente?
- Na  face.  Ela  acaba  de  se   levantar. - Voltou  a ajustar a câmara.-Noy começou a dirigir-se para os degraus da vila. O nosso Presidente levantou-se e segue-a de perto.
- Vão-se embora? --Já foram.
Hasken afastou-se da janela.
- Então  é  altura  de  nós  irmos, também. Toca a andar  para  o  Oriental.   Nesta   altura,   o  teu   rapaz já deve ter uma reserva para nós. Quero partir e chegar a Washington antes de Underwood. Temos material explosivo e eu desejo pô-lo no ar o mais depressa possível.
Andrews começou a arrumar as suas coisas, primeiro a câmara e as lentes e depois a tripeça.
Quando acabou, reuniu-se a Hasken, à porta.
- Hy, achas que ele anda a comê-la?
- Não sejas doido. Os presidentes não fazem isso.
- Ah, não? Harding? Cleveland? Kennedy?
- Claro. Mas noutros casos, não, em absoluto. Presidentes não comem presidentes.
- Tens a certeza, Hy?
- Absoluta.  Nem  sequer  pensam   nisso.  Nós   não precisamos de tanto para arranjar ao velho Matt chatices que cheguem. Mas toca a andar, para embarcarmos.
Quando o Presidente Underwood regressou a Washington e à Casa Branca, procurou a mulher, antes de ir para o seu quarto.
Alice estava no Quarto da Primeira Família, sentada num sofá, de pernas cruzadas e olhos fixos no televisor apagado.
- Bem,  cá  estou - disse  Underwood. - Foi  um demónio de uma longa viagem.
Atravessou o quarto para a beijar, mas ela desviou o rosto.
- Não, obrigada. Já tiveste a tua conta disso.
- De que estás a falar?
- Queres dizer que não viste televisão nem leste um jornal?
- Porquê? Devia ter feito qualquer dessas coisas? Desembarquei   há   bocado  do  avião.   De  que  se  trata, Alice?
-Trata-se do teu dia extra em Lampang, trata-se da tua farra.
- Sabes que eu precisava desse dia com a Presidente Noy.
- Para discutirem o Perigo Vermelho? - Alice fulminou-o   com  o  olhar. - Os  comunistas.  Ou   o  sarong dela?
- Que foi que te deu?
- O mesmo que deu a todos os telejornais e à imprensa. O que conduz a uma pergunta melhor: Que foi que te deu? - Pegou no telecomando do televisor. - Hy Hasken esteve no ar há poucas horas, com uma reportagem completa sobre o teu dia extra em Lampang. Underwood ficou perplexo.
- Não pode ser. Ele regressou no avião da imprensa, um dia inteiro antes de mim.
- Isso é o que tu pensas. Queres dar uma vista de olhos ao que ele viu em Lampang? Hasken ficou lá e registou tudo. E agora eu tenho tudo gravado em video-tape para te mostrar que és um idiota estúpido e devasso. Senta-te e olha para o ecrã.
Confuso, Underwood sentou-se na beira de uma cadeira, de olhos fixos no ecrã do televisor, enquanto Alice premia um botão do telecomando.
O rosto de Hy Hasken encheu o ecrã. Ele empunhava um microfone e estava parado defronte da Casa Branca.
- Hy Hasken, de novo em Washington. Regressei há duas horas da ilha de Lampang, onde permaneci com o Presidente Underwood durante o seu imprevisto dia extra em Lampang. Embora o Presidente tencionasse regressar à Casa Branca mais cedo, e até tivesse mandado regressar a imprensa à sua frente, eu soube que ele ficaria mais um dia para uma reunião secreta com a Presidente Noy Sang. Depois da reunião a que não me foi possível estar presente, o Presidente foi de carro, com Madame Noy, para a vila de Verão que ela tem fora de Visaka, a  capital. O  nosso cameramam conseguiu arranjar  um ponto de onde pudemos observá-los. Agora, exclusivamente para si, um vislumbre do Presidente Underwood e da Presidente Noy Sang na praia defronte da sua vila, desfrutando alguns momentos de repouso.
Seguiram-se imagens de Underwood e Noy brincando na água.
E imagens de Underwood e Noy saindo da água. Underwood ouviu a voz de Alice perguntar:
- Que é aquilo que ela tem vestido? É como se estivesse nua.
- É um sarong, Alice. É o que todas as mulheres usam no Sudeste Asiático.
Alice não respondeu.
O ecrã estava cheio de imagens de Underwood a enxugar Noy com uma toalha.
Mais imagens deles sentados na praia. Uma imagem de Underwood a enlaçá-la.
- Que está a tua mão a fazer no seio dela? - perguntou Alice.
- Eu não fazia a mínima ideia que lá estava.
Uma imagem de Underwood a beijar Noy na face.
- E aqui estão a discutir o comunismo - comentou Alice, acidamente.
Underwood engoliu em seco. Aquele sacana imundo do Hasken! Engoliu de novo.
- Estou a tentar consolá-la da perda da irmã. Alice premiu o botão do telecomando e desligou o televisor.
Levantou-se, calmamente.
- Ela ainda estava a chorá-la, não era? Treta, Matt. E da pior espécie. Ela estava a tentar usar-te da melhor maneira que pudesse. Não permitirei que voltes a ser intrujado assim. Acho que é uma coisa má, muito má, para nós dois. Depois de Hasken ter cedido o seu material exclusivo a todas as televisões e à imprensa, o caso apareceu no horário nobre das três maiores redes, veio nas primeiras páginas de todos os jornais que vi, e o Blake disse-me que ambas as revistas noticiosas estão a apresentar Noy nas suas capas. Matt, pelo amor de Deus,  és  o Presidente dos  Estados  Unidos. O  mundo inteiro desmorona-se em teu redor, mas tu  não  estás interessado nem disponível, porque andas muito ocupado a perder tempo com a chefe de Estado ocasional de uma ridícula ilhota no cu de judas. Se voltares a passar mais um segundo que seja a sós com essa mulher, eu deixo-te, Sr. Presidente. Não te esqueças. Deixo-te. Por isso, mantém  as ceroulas abotoadas e porta-te  bem. Caso contrário, arranjas grandes sarilhos.
CAPÍTULO    7
A   chamada,   na   linha  particular,  era  do   Departamento de Estado para a Casa Branca.
O secretário de Estado Ezra Morrison falou com o Presidente Matthew Underwood.
- Matt- disse,  com,  urgência-,  aconteceu  uma coisa. Tenho de falar consigo imediatamente.
O telefonema irritou Underwood.
- Hoje tenho muito que fazer, Ezra. Mas creio que posso encaixá-lo, se for, de facto, assim tão urgente.
- É urgente-confirmou Morrison.
- Dê-me uma pista do problema.
-Tem duas partes. A primeira parte, é que você está escalado para discursar nas Nações Unidas, na sexta-feira, depois do Secretário-Geral Izakov.
- Que  há  de  urgente  nisso? - perguntou   Underwood. - Esse discurso está na agenda há meses.
- Bem, vocês vão discutir os papéis que os Estados Unidos e a União Soviética têm em países do Terceiro Mundo. Para tornar possível o nosso pacto a alto nível, ambos os lados terão de garantir que não estamos a interferir na vida interna de outros países. Que não estamos a impor a democracia pela força ou pelo uso das nossas armas, e os comunistas também não.
- Claro. Já falámos disso uma dúzia de vezes.
- Mas   não   tomámos   em   conta   eventos   subsequentes.
-Que eventos?
- Acaba de chegar ao meu conhecimento que a União Soviética está a interferir activamente noutro país. Trata-se de algo que você talvez queira incluir no seu discurso.
Underwood franziu a testa.
- Devo querer, com certeza. Qual é esse outro país em que a União Soviética se está a imiscuir?
- Lampang - respondeu Morrison. Foi um choque para Underwood.
- Está a brincar.
- A notícia chegou-me directamente de Visaka. -Que aconteceu?
- Preferia não o dizer pelo telefone. Gostaria de discutir o caso consigo, pessoalmente, o mais depressa possível.
- Venha já.
- Dentro de meia hora.
- Eu arranjo espaço na minha agenda de hoje - prometeu  Underwood, a  pestanejar,  incredulamente.- Problemas em Lampang, hem?
- Aguente firme. Eu conto-lhe tudo.
-Sim, Lampang - repetiu Morrison, sentando-se na cadeira defronte da secretária do Presidente.
Underwood afastou com impaciência os papéis que tinha à sua frente.
- Vá direito ao assunto.
Morrison abrira uma pasta e estava a dar uma vista de olhos a vários memorandos.
- Os  comunistas  saíram do  seu  bastião naquela segunda ilha, Lampang Thor, e a noite passada invadiram a própria Lampang. Ainda ignoro qual a força da invasão. Pode ser uma companhia, várias companhias, ou mesmo um batalhão. Mas sei que invadiram' e conquistaram três aldeias, antes de o general  Nakorn poder ser devidamente alertado e mandar para lá as suas tropas a toda a pressa.
-Os combates continuam? - indagou Underwood.
- Sim, mas nesta altura trata-se já de uma operação de limpeza. Apesar de os comunistas estarem mais bem equipados do que nunca e de terem infligido consideráveis baixas, o exército de Lampang conseguiu contê-los e até mesmo repeli-los.
- Estou surpreendido - admitiu Underwood -, verdadeiramente surpreendido. Madame Noy garantiu-me que estava marcado um encontro, para se chegar a um acordo, entre Marsop e Lunakul.
- O encontro era uma manobra - afirmou Morrison. - Os comunistas não tinham intenção nenhuma de aceitar   uma   situação   conciliatória.   Tencionavam   apanhar Nakorn desprevenido e resolver o caso pela força.
- Incrível - comentou Underwood. - Quem lhe deu essa informação?
- O general Nakorn. Tentei falar com o nosso escritório da CIA lá, mas Siebert e o seu ajudante estavam ausentes, na região montanhosa. As informações provêm todas de Nakorn. Ele está ansioso por avançar e subjugar os comunistas de uma vez por todas. Eu recomendei-lhe que não o fizesse  enquanto não  recebesse  instruções directas de si.
- Isso foi sensato.
- Você pode querer introduzir o assunto no discurso que vai fazer nas Nações Unidas. Depois de termos informações mais completas, claro. Penso que deve confrontar os Soviéticos frontalmente, a este respeito.
Underwood estava perdido nos seus pensamentos.
- Deixe-me   pensar   no   caso.   Mantenha-me   informado. Depois decido o que devo fazer.
Mas, mesmo durante a conversa com Ezra Morrison, o Presidente tinha decidido o que faria. E fê-lo. Chamou Paul Blake.
- Há uns problemas em Lampang - disse-lhe.
- Já me constou.
- Quero   uma   chamada   para   Madame   Noy  Sang. Localize-a para mim e ponha-a na linha.
Dez minutos depois, ouviu a voz dela.
- Noy, como está?
- Óptima, Matt, agora estou perfeitamente bem. Já ouviu falar dos problemas que tivemos aqui?
- Fui informado pelo secretário de Estado Morrison. Ele falou com o general Nakorn. Vou repetir-lhe o que me contaram. - Disse-lho, resumidamente, e depois perguntou: - Parece-lhe certo, Noy?
- Sim e não. Não tenho a certeza. As coisas ainda não estão claras. Estamos a basear tudo no comunicado do general Nakorn. Fomos atacados por agressores comunistas. Repelimo-los. Por outro lado, Marsop falou pelo telefone com os comunistas, com Lunakul, e este nega categoricamente. Insiste que foi precisamente ao contrário. Segundo a sua versão, Nakorn e as nossas tropas atravessaram, para atacar uma guarnição comunista, e os comunistas retaliaram e repeliram-nos de volta à nossa ilha. Ainda não sei quem é que está a falar verdade neste caso.
- Existe a possibilidade de Nakorn ter razão?
- Oh, sim. Depois da escaramuça final, quando os comunistas retiraram, encontrámos muitas armas deles. O seu arsenal era quase totalmente russo.
- Armas da União Soviética.
- Duvido   que  tenham  vindo  directamente   de   lá. Penso que vieram por intermédio do Vietname e do Camboja.
- Sabe que vou discursar nas  Nações  Unidas  no fim da semana, juntamente com o Secretário-Geral, sobre a nossa política de não ingerência e a deles.
- Sim, sei.
- Morrison quer que eu mencione esta possível quebra de compromisso. Que lhe parece?
- Seria seguro para si mencioná-la.
- O instinto diz-me que não o faça.--Underwood hesitou. - Noy, penso que seria mais sensato se a comunicação partisse de si.
Noy pareceu confusa.
- De   mim?   Quer   que eu   proteste   nas   Nações Unidas?
- Eu poderia combinar isso facilmente com o presidente   da  Assembleia-Geral   das   Nações   Unidas.  Você falaria do combate, diria não haver a certeza de quem foi o agressor, mas que uma coisa era certa: os comunistas  de  Lampang  têm  armas  soviéticas.  Eu  também poderia tocar no assunto, depois. O seu  discurso tornaria o meu mais eficaz, pois eu teria motivo para acusar os Soviéticos de quebrarem o acordo verbal de que não apoiariam mais comunistas locais, em lado nenhum.
- Não sei, Matt.
- Eu sei - insistiu Underwood. - O meu Gabinete reservará o seu hotel em Nova York e marcará o seu discurso na Assembleia-Geral. Ajudar-nos-ia muito a ambos.
Ela hesitou.
- Talvez eu possa fazê-lo.
- O caso tem de ser denunciado. E quanto mais     cedo   melhor.  Obrigará   os  comunistas  a  serem   mais comedidos e facilitará o caminho para as conversações de paz com eles, em Lampang.
- Está bem, farei isso. Vê-lo-ei? Underwood riu-se, baixo.
- Que lhe parece? Nas Nações Unidas, mais formalmente. E, informalmente, jantaremos juntos, depois de adiada a sessão.
- Lá estarei - prometeu Noy.
Uma vez anunciada a comparência de Noy Sang nas Nações Unidas, o embaixador soviético nos Estados Unidos, Berzins, não perdeu tempo e visitou Morrison no Departamento de Estado.
- O seu Presidente está, realmente, a apoiar a comunicação dessa mulher, Noy Sang, nas Nações Unidas?
-É o que me parece. Berzins mostrou-se indignado.
- O seu  Presidente quer arranjar aborrecimentos. Tivemos tanta dificuldade para conseguir que o Secretá-rio-Geral Izakov e o Presidente Underwood falassem nas Nações Unidas, dando assim um passo no sentido de um pacto que garantisse que não haveria mais agressões de qualquer dos  lados, e agora o seu  Presidente  resolve interferir, convidando Madame Noy para fazer acusações contra nós. Nada de bom poderá resultar disso.
- O problema aqui, Sr. Embaixador, é que o Presidente Underwood, assim como Madame Noy, acreditam, baseados   numa   investigação   em   curso,   que   a   União Soviética intentou uma acção agressiva, por intermédio dos seus comunistas de Lampang, contra o governo de Lampang.
A indignação do embaixador Berzins não diminuiu.
- Um absoluto disparate. Nós não estamos a apoiar comunistas locais em lado nenhum em actos de agressão contra qualquer governo, e muito menos contra o de Lampang. Não existe prova alguma de que a escaramuça de Lampang tenha sido instigada por comunistas. Pode, pelo contrário, ter sido desencadeada pelo general Nakorn e por forças do seio do próprio governo de Lampang.
Morrison encolheu os ombros, impotente.
- Isso pode ser verdade. Por outro lado, porém, Lampang descobriu provas de que foram usadas contra ela armas soviéticas das mais modernas.
-As armas podem ter vindo de qualquer lado - replicou Berzins, brusco. - Podem ter sido compradas à Síria ou a uma centena de outros mercados que negoceiam com armas soviéticas - e com armas americanas também.
-O Presidente pode querer que provem isso.
- Não   é   necessário   provar   nada.   Basta   apenas lógica e boa fé. - O embaixador Berzins levantou-se.- Tenho uma mensagem que lhe peço para transmitir ao seu Presidente. O nosso governo deseja que ele abandone o esforço para que Madame Noy fale na Assembleia--Geral. É a única maneira de continuar o progresso que tem sido feito pelas nossas duas nações no sentido de acordarmos num plano de paz.
Morrison levantou-se também.
- Comunicarei  o   seu  pedido  ao Presidente.   Mas não posso prometer nada. Sou apenas o secretário de Estado, não o Presidente. A ele caberá decidir. Farei, no entanto, tudo quanto puder.
- Obrigado - agradeceu,  friamente,   o  embaixador Berzins, e saiu da sala.
Quando ficou só, Morrison ligou para o chefe de Gabinete Paul Blake, e pediu que se encontrassem ambos com o Presidente dentro de uma hora, se possível.
Blake ligou-lhe por sua vez, pouco depois. Era possível, e Morrison era esperado no Gabinete Oval dali a uma hora.
Cinquenta minutos volvidos, Morrison estava no gabinete de Blake na Casa Branca, a pô-lo rapidamente ao corrente do protesto e do pedido do embaixador soviético.
Pouco depois, Morrison e Blake sentavam-se defronte do Presidente, no Gabinete Oval.
- De que se trata? - perguntou Underwood.
- Estou preocupado com uma visita que me fez, há pouco, o embaixador soviético.
Em seguida, Morrison expôs o protesto de Berzins e o seu pedido.
O Presidente escutou-o, num silêncio de pedra.
- Resumindo, o que ele quer é que eu cancele a comparência   de   Madame   Noy   na   Assembleia-Geral, não é?
- Ele acha que, como aliado de Lampang, o senhor o pode fazer. Há dois pontos a considerar, Sr. Presidente.
- Prossiga.
- Primeiro, Berzins acha que os fundamentos para a presença de Madame Noy são instáveis, no mínimo. As provas de que os comunistas de Lampang instigaram o ataque são questionáveis e possivelmente infundadas. As provas de que os comunistas utilizaram armas soviéticas também  são questionáveis,  pois as  armas podiam ter vindo de muitas outras fontes, além da União Soviética. O embaixador sente que a comparência de Madame Noy arrefecerá, com certeza, quaisquer negociações de paz entre o Sr.  Presidente  e  o  Secretário-Geral  soviético. Este é o primeiro ponto.
- Qual é o segundo?
Blake interveio, para dar uma ajuda a Morrison.
-O segundo ponto envolve o nosso interesse próprio. Expusemos a nossa posição antes, e é evidente que devemos expô-la de novo.
- Madame Noy - disse Morrison, retomando a palavra- quer condenar os comunistas de Lampang, para os obrigar a sentarem-se de novo à sua mesa de negociações de paz.
- E  isso - acrescentou  Blake - é uma  coisa que nós não queremos.
- Acho a   ideia   admirável - declarou   Underwood.
- Desculpe, mas é uma ideia terrível - discordou Morrison-, sobretudo do ponto de vista dos Estados Unidos. Madame Noy está imbuída de ideias pouco práticas e idealistas, possivelmente adquiridas através do seu   falecido   marido.   Essas   ideias   não   funcionam   no mundo da realidade.
Blake voltou a dar apoio a Morrison.
- Não podem funcionar, Matt, porque os comunistas passarão por cima de Madame Noy em qualquer encontro ou série de encontros. São duros e bons nisso. Ela não. Matt, nós temos um grande investimento em Lampang.
 Estamos a iniciar, apenas, o processo de construção de uma base aérea gigantesca na ilha. Não podemos correr riscos com os comunistas locais. Eles são capazes de se infiltrar, sob o disfarce de um partido democrático, e depois tentarem enfraquecer a posição americana. O discurso de Madame Noy nas Nações Unidas servirá os comunistas de duas maneiras. Obstruirá as nossas próprias conversações de paz com os Soviéticos. Obstruirá a nossa própria força em Lampang.- Blake calou-se, uns instantes. - Matt, reflicta no que o Ezra e eu lhe dissemos. Deve ligar para Lampang e falar com Madame Noy. Deve informá-la de que houve uma mudança de política aqui. Deve dizer-lhe, em termos muito firmes, que ela não pode falar nas Nações Unidas. Faz isso?
Underwood fitou Blake e depois desviou o olhar inflexível para Morrison. Por fim, falou.
- A resposta é não. Não direi a Madame Noy que não é bem-vinda nas Nações Unidas. Acho que ela deve falar lá. Sou inteiramente a favor disso, e não voltemos a tocar no assunto. Bom dia, cavalheiros.
No dia seguinte, ao fim da tarde, Matt Underwood estava sentado no Gabinete Oval com Blake, a trabalhar no seu discurso para as Nações Unidas, quando a sua secretária lhe ligou.
- Sim, Emily?
- Um telefonema da sua filha, do Wallesley. Pode atender ou deseja que diga a Dianne que telefone depois?
Underwood ficou imediatamente entusiasmado. Não falava com Dianne há quase duas semanas, e estava ansioso por ouvir a sua voz. Além disso, uma chamada à tarde era surpreendente. Ela costumava telefonar a Alice ou a ele à noite, para os alojamentos da família, no andar de cima.
- Claro, atendo aqui. Passe a chamada. Blake levantou-se.
- Vou deixá-lo falar a sós com ela - disse. - Estarei na sala ao lado, se quiser voltar a trabalhar no discurso.
- Obrigado, Paul.
Depois de o chefe do Gabinete ter saído, Underwood atendeu a chamada pelo telefone, em vez de pelo inter-comunicador.
- Diarme, que boa surpresa!
- Olá, pai, como está?
- De onde estás a falar?
- Daqui mesmo, do dormitório.
Underwood viu-a, no momento em que ouviu a sua voz. Tinha cabelo louro, comprido e solto, que lhe chegava aos ombros, e um rosto meigo, com um nariz tão arrebitado como o de Alice. Não havia dúvida, ela era parecida com a mãe. Underwood nunca se considerara bonito, embora admitisse que Dianne talvez tivesse herdado um certo calor e uma certa franqueza que existiam no  próprio semblante dele.
- Como vais, minha querida? Está tudo bem?
- Não poderia estar melhor, pai. Estou a trabalhar muito, mas mesmo assim ainda saio algumas noites com o Steve.
- Óptimo.
- Queria dizer-lhe que a minha tese de licenciatura foi aceite. «Grandes Dirigentes Femininas do Século XX». Gosta do título?
- Gosto   muito.   Referes-te   a   Margaret   Thatcher, Indira Gandhi, Golda Meir e outras semelhantes?
- Sim,  e  a  como afectaram  os  seus   países  e  o mundo de maneiras que dirigentes masculinos não poderiam ter feito.
- Estou a sentir-me um pouco rebaixado-'comen-tou Underwood, bem' disposto.
- Vocês,   homens,   já   tiveram   atenção   suficiente. Penso que as mulheres deviam obter a sua parte.
- Não poderia concordar mais contigo do que concordo, Dianne.
- É por isso que estou a telefonar. Preciso de um favor.
- Qual?
- Sei, claro, que o pai e o russo vão discursar nas Nações Unidas, no fim da semana. Mas esta manhã  li no New York Times que Madame Noy Sang de Lampang estará presente, para falar na Assembleia-Geral.
- É verdade.
-Ela é uma pessoa amigável?
- Muito. Gostarias dela.
- Bem, é isso. Quero ir a Nova York e entrevistá-la. Pode dar uma ajudinha?
Underwood hesitou, momentaneamente.
- Talvez possa. Desconheço os seus planos, a não ser no que respeita ao discurso nas Nações Unidas. Que tens em mente?
- Seria um  verdadeiro furo para mim, conhecê-la - disse Dianne, toda agitada. - Não só porque a admiro, mas também porque falar com ela em primeira mão me proporcionaria um fim perfeito para a minha tese sobre dirigentes femininas modernas.
Underwood concordou que era uma boa ideia.
- Isto é, se ela acedesse a falar comigo-acrescentou Dianne, muito depressa.
Underwood pensou em Noy e teve a certeza de que não haveria nenhum problema.
- Claro que ela falaria contigo - afirmou. - Mas há outro obstáculo. Como te disse, não sei quais são os seus planos para depois da ONU, quando... - Underwood não  terminou   a  frase. - Mas   que   estou   eu   a   dizer, Dianne? Claro que sei o que ela fará depois. Convidei-a para jantar - ela e vários membros da sua comitiva jantam comigo no The Four Stations - e ela aceitou. Podes juntar-te lá a nós. Sento-te mesmo ao seu lado.
- Sério? Isso seria memorável!
- Podes contar - respondeu Underwood, satisfeito. - Diz-me uma coisa, Dianne, gostarias de ouvir o teu velho falar nas  Nações  Unidas? Poderias assistir também à comunicação de Madame Sang.
- Adoraria!
- Reservo-te um lugar na galeria. Quando a sessão das Nações Unidas terminar, podemos encontrar-nos na Sala dos  Delegados, seguir daí para a United  Nations Piaza e conversar um pouco antes do jantar.
- Não, o pai deve ter que fazer depois dos discursos-disse  Dianne. - Eu tenho  de visitar uns  amigos em Nova York. Vou ter consigo ao The Four Seasons. Que tal?
- Excelente. Marquemos para as oito da noite.
- Como devo ir vestida, pai?
- Como queres que eu saiba dessas coisas, Dianne? És linda, seja o que for que vistas.
- Não se preocupe. Vou aparecer toda janota e com um livro de apontamentos. Tem a certeza de que não se importa?
- Absoluta. E também tenho a certeza de que Ma-dame Noy ficará satisfeita. Até sexta-feira, então.
Underwood chamou Blake e trabalhou mais uma hora no seu discurso, e quando ficou satisfeito com o resultado deu o dia por findo e saiu para jantar com Alice.
Deixando o Gabinete Oval, atravessou a pé o terraço em L, com colunas, para a entrada do rés-do-chão e subiu no elevador.
Encontrou Alice a tomar o seu martini de vodka na Sala de Jantar da Família.
- Também   tomo   um   desses - disse   Underwood, dirigindo-se ao criado, e sentou-se defronte da mulher.
- Acabo de  receber um telefonema da  Dianne- anunciou Alice. - Queria saber o que deve usar quando for jantar contigo e com a tal Noy em Nova York, depois do teu discurso.
- Claro   que   também   estás   convidada   para   nos acompanhares.
Alice ignorou o convite.
- Quando fizeste papel de parvo em Lampang disse-te que não toleraria ver-te de novo com essa tal Noy.
-A sós, disseste.
-É verdade-admitiu Alice, encolhendo os ombros.
- Sabes que não vou estar a sós com ela. Madame Noy irá acompanhada por algumas pessoas da sua comitiva. Eu irei com a minha filha. Pensa e vai também.
- Não contes comigo. Gostaria de ver Dianne, mas posso vê-la noutra altura qualquer. Quanto à tal Noy, com o seu blá-blá político seria intensamente chato. Por isso, não, obrigada, esperarei que me contes o que acontecer.
-Se insistes. Mas não queres reconsiderar, Alice?
- Parece-me  enfadonho.  Mais uma vez,  não, obrigada.- Acabou de beber o martini e levantou-se. - Vou vestir-me para o jantar. Vê se consegues ser tão divertido com a tua mulher como tenho a certeza que serás com a dama do sarong.
Saiu da sala. Os olhos de Underwood seguiram-na, tristemente.
Dianne Underwood já estava no The Four Stations quando o seu pai chegou com o chefe do Gabinete Paul Blake (Morrison estava ocupado, numa recepção oferecida pelo homólogo soviético), Noy Sang, Marsop, agentes do Serviço Secreto e os seguranças pessoais de Noy.
Underwood beijou a filha e conduziu-a rapidamente para o grupo, a fim de proceder às apresentações.
- O  seu  discurso  foi   muito  bem - disse   Dianne ao pai.
-Tu és suspeita - comentou Underwood. - O discurso de Madame Noy foi muito melhor do que o meu... Você impressionou de facto toda a gente, Noy. Foi a sua clareza e sinceridade. Deu muita validade às minhas próprias palavras.
- Lisonjeia-me,    Matt •- respondeu    Noy. - Mas admito que o discurso foi um ponto alto. Eu, ali em cima, sozinha, na tribuna dos oradores do Salão da Assembleia--Geral,  de  pé  entre os  dois  murais  de  Léger naquele gigantesco lugar abobadado. A dirigir-me a duas mil pessoas, que ouviam o meu discurso em seis línguas. Admito que foi inebriante.
Enquanto o maltre os conduzia, pelos degraus, para o nível inferior do restaurante, na direcção da fonte central, Dianne ouviu Noy dizer ao pai:
- Matt, a sua filha é um primor de beleza.
-Obrigado, Noy. Se ela é tão bela quanto você, já me sinto mais do que satisfeito.
Quando chegaram à mesa principal, Blake tomou a seu cargo a instalação das pessoas. Ajudou Noy a dirigir-se para o seu lugar, indicou a Dianne que ficasse a um lado dela e Underwood do outro, e puxou cadeiras para Marsop e para ele próprio.
Depois de sentados, o encarregado dos vinhos tomou nota do que desejavam beber e Blake falou com o maltre a respeito do jantar.
Underwood escutou a voz da filha:
- É   verdadeiramente   maravilhosa   por   me   deixar estar aqui e fazer-lhe perguntas - dizia Dianne a Noy.
- Sinto-me lisonjeada por fazer parte da sua tese - respondeu Noy.
- O meu pai já a felicitou pelo seu discurso de hoje - disse Dianne, inclinando-se para ela-, mas permita que o faça também. Observei os rostos das pessoas a quem estava a dirigir-se. Vi que estavam impressionadas.
- Todas, excepto os russos, receio-'replicou Noy, a rir.
- A sua percepção da política é notável - continuou Dianne.
Noy tornou-se, acto contínuo, séria.
- Se tenho semelhante percepção, devo-a ao meu falecido marido. E, claro, depois dele, a Marsop.
Underwood1 intrometeu-se, dirigindo-se à filha:
- Não te deixes iludir pela sua modéstia, Dianne. É evidente que ela deve muito ao marido e a Marsop, mas eu nunca conheci nenhuma mulher com um instinto político tão perfeito...  Sim,  instinto, além de  lógica e bom senso. Ela é uma maravilha. Podes citar-me, Dianne.
Com o livro de apontamentos na mesa, à sua frente, Dianne, de caneta em punho, anotava já  informações.
- Não são factos que pretendo - explicou a Noy, levantando a cabeça. - Tenho páginas e páginas a seu respeito, de outras fontes. No que estou interessada é no que puder obter apenas de si. - Os seus olhos fitaram os de Noy. - Refiro-me aos seus sentimentos a respeito de tudo.
Noy pareceu alarmada.
- Os meus sentimentos?
- A   respeito   do   Wellesley,   por  exemplo - disse Dianne. - Esteve lá não há muitos anos. Agora estou eu lá. Entre tantas escolas, o que a levou a escolher essa?
Noy sorriu.
- Como estava a  crescer numa democracia,  quis estudar na principal democracia do mundo. Disse-o aos meus pais e não houve quaisquer objecções. A minha mãe pediu catálogos a dúzias de universidades. O do Wellesley pareceu o mais atraente.
Underwood interveio, uma vez mais:
- Não foi só por isso, Dianne, não, não foi só por isso.   Noy  está   a  ser   deliberadamente   evasiva   e   até mesmo frívola. De novo a sua modéstia. Por acaso sei, pois discuti o assunto com ela, que escolheu Wellesley porque efectuara um estudo quase científico dos cursos de lá e achara-os superiores aos outros.
- Oh, Matt...-protestou Noy.
- Não negue, eu sei que é verdade. Foi a sua sensibilidade, a sua capacidade cerebral, Noy. Tenho conhecido muitas mulheres de grande dinamismo, mas nunca conheci nenhuma com uma cabeça como a sua.
- Foi  feliz  na  escola,   Madame  Noy? - perguntou Dianne.
- Fui. Porque pergunta?
- Bom, eu sinto-me lá bem - respondeu Dianne. - Mas eu sou americana. A escola fica onde é o meu lugar, no meu país. Mas a senhora veio de muito longe, é uma estrangeira do Sudeste Asiático. Que sensação lhe causou isso?
Noy ficou pensativa, a recordar.
- Ao princípio senti-me estranha,  isolada. Assustada, Mas não tardei a fazer amigos. Descobri que éramos todas pessoas, com muito em comum. E comecei a sentir-me bem, à vontade, americana, como você agora.
- O jantar vai ser servido, Dianne - disse Under-wood. - Guarda as tuas perguntas para depois.
- Deixe-a continuar, Matt - pediu Noy. - Pode continuar a fazer-me perguntas enquanto comemos, Dianne. Eu   consigo,   realmente,   fazer  duas   coisas   ao   mesmo tempo.
- Só mais uma pergunta, por agora - disse Dianne.
- Pergunte, por favor.
-Esta também tem que ver com' os seus sentimentos, Madame Noy, mas muito mais tarde, recentemente.
- Tudo quanto desejar, desde que  eu  possa  responder.
- A senhora é a única pessoa que pode responder. Refere-se ao período decorrido depois da morte do seu marido  e de  a  senhora  se ter tornado  Presidente  de Lampang.
- Essa  pergunta  é  necessária,  Dianne? - indagou Underwood.
-Não faz mal nenhum Matt - afirmou Noy.- Deixe a sua filha continuar. - Semivoltou-se para Dianne. - Qual é a pergunta?
Dianne debatia-se com uma certa dificuldade, mas por mim formulou o que queria dizer.
-O seu marido... depois de o perder e de ficar só, alguma vez sentiu algum desejo por outro homem?
Noy fitou a rapariga, muito séria.
- Outro homem - repetiu. - Refere-se a necessidades sexuais ou a companhia?
Dianne pareceu atrapalhada com a sua franqueza. -Eu... acho que me referia a companhia. Talvez me referisse a ambas as coisas. Falemos de companhia. Noy acenou com a cabeça.
- No ano e um trimestre decorrido desde o assassínio, nunca conheci outro homem com quem quisesse estar, a não ser um. Correndo embora o risco de o embaraçar, devo dizer que estou a falar do seu pai.
Dianne pestanejou, olhou para o pai e depois novamente para Noy.
- Gostou, realmente, de estar com o meu pai?
- Não leves Madame Noy a sério - interveio Underwood,   rapidamente. - A   realidade   é   precisamente   ao contrário. Dianne, a mim podes tomar-me a sério quando te digo que de todas as mulheres que conheci desde que estou na Casa Branca, Madame Noy foi, de longe, de muito longe, mesmo, a mais agradável. De todas as vezes que nos encontrámos, pedi tempo adicional para estar com ela.
Dianne olhou para Noy, pensou que talvez ela estivesse a corar e depois fitou o pai.
- Porquê? - perguntou.
- Porque quis passar mais tempo com ela?
- Sim, quero saber. Quero saber a impressão que ela causara a alguém como o pai.
- Há razões óbvias - respondeu Underwood.- Ela é inteligente, para começar. Interessante, também. E possui certas qualidades que não podem ser exactamente definidas.
- Como, por exemplo? - insistiu Dianne.
- E afectuosa, é atraente. E há algo de indefinido. Uma qualidade magnética.
Noy sorriu e dirigiu-se a Dianne:
- É exactamente assim que vejo o seu pai. E agora penso, realmente, que devemos jantar. Prove a salada, é deliciosa. Aquela coisa doce é manga. Temo-las em Lam-pang.
- Eu sei - declarou Underwood. - Encarreguei The Four Stations de as mandar vir de Lampang. Para que você se sentisse em casa, Noy. E agora toca a comer.
Nesta altura, já todos tinham fome, e comeram, portanto.
Pouco falaram, a não ser Dianne, que continuou a fazer perguntas a que Noy tentava responder o mais sinceramente possível.
Underwood não perdeu pitada da conversa entre a sua filha e Noy.
Quando o jantar terminou, como se receasse perder a oportunidade, Dianne insistiu em metralhar Noy com perguntas.
- Estás  a  massacrá-la,  Dianne - protestou  Underwood, brandamente.
- Estou? - perguntou   Dianne   a   Noy. - Estou   a fazer demasiadas perguntas?
- De modo nenhum.
Dianne guardou uma pergunta para o fim.
- Talvez ache atrevimento da minha parte, Madame Noy, mas dispõe de tempo para visitar Wellesley, amanhã, e permite-me que lhe mostre o campus?
- Gostaria muito-respondeu Noy imediatamente. É uma questão de organizar o tempo. Posso estar em Boston amanhã de manhã e passear consigo no campus uma ou duas horas. Depois tenho de me preparar para o regresso a Lampang. Sim, adoraria essa pequena excursão. Estou, até, emocionada com a ideia.
No fim, Underwood levantou-se e ajudou Noy a sair da cadeira.
- Deve descansar esta  noite,  antes  de visitar  a escola, e depois regressar a Lampang.
- É o que vou fazer - respondeu Noy, pegando na mala.
- Dianne-disse Underwood à filha-, vamos deixar Madame Noy no Pierre, e depois levo-te à escola.
- Não precisa de me levar-respondeu Dianne.- Tem de voltar para Washington.
- Eu quero levar-te - insistiu Underwood.
E, dando possessivamente o braço a Noy, conduziu o grupo para fora do The Four Stations.
Depois de deixar Noy Sang no Pierre Hotel - sem se preocupar com a presença da filha, Underwood dera um beijo de despedida a Noy e aceitara os seus agradecimentos-, o Presidente, Dianne e Blake foram conduzidos ao Aeroporto John F. Kennedy. Aí embarcaram no Força Aérea Um para o voo da Cidade de Nova York para o Aeroporto de Logan, em Boston.
Em Logan esperava-os outra limusina presidencial, assim como dois carros cheios de agentes do Serviço Secreto.
Seguiram então para o Wellesley College.
Underwood não teve muita oportunidade de falar com a filha. Conversou principalmente com Blake, que tentava ajudá-lo a pôr o trabalho em dia.
Ao entrar no campas de mais de cento e sessenta hectares do Wellesley, Underwood tentou imaginar como teria sido quando uma jovem de dezoito anos chamada Noy, de rosto ansioso, corpo flexível e devoção pela democracia, ali fora uma estudante subgraduada, há tanto tempo. Concluiu que não devia ter mudado. Naquela noite havia um ar de serenidade entre os estudantes de rostos radiantes que davam passeios tardios.
Quando se aproximavam do dormitório de Dianne, Underwood disse ao motorista:
- Pare aqui. Vou a pé com a minha filha o resto do caminho. Preciso de um pouco de exercício.
Quando Blake começou a descer da limusina com eles, o Presidente levantou a mão.
- Espere por nós, Paul. Quero discutir umas coisas com a minha filha. - Voltou-se para os dois agentes do Serviço Secreto  que se  preparavam  para os  seguir e acrescentou:-Jim, Ed, dêem-nos alguma distância, na medida em que acharem seguro. A minha filha e eu precisamos de falar de umas coisas pessoais.
Underwood pegou na mão de Dianne e começaram a subir um dos caminhos do campus,
- Lamento que não tenhamos tido oportunidade de conversar, Dianne. Blake está sempre cheio de assuntos de trabalho.
- Não   se   preocupe   pai.  Tive   um   dia   memorável. Todas aquelas coisas que Noy me disse. Andam aos saltos na minha cabeça.
- Excelente. Estou satisfeito por teres conseguido o que querias.
- Mais ainda - disse ela, enigmaticamente. Tinham chegado à entrada do dormitório de Dianne.
Underwood parou, momentaneamente, com a filha.
- Estou  com  curiosidade - disse. - Que pensas dela?
- De Madame Noy?
- Sim, de Noy.
Dianne olhou o pai no fundo dos olhos.
- Não importa o que eu penso dela. Sabe o que penso dela. A verdadeira pergunta é: O que pensa dela o pai?
- Isso é fácil. Também gosto dela.  Gostei desde o princípio, e agora ainda gosto mais.
Dianne abanou a cabeça.
- Essa  é  a  declaração  mais  insuficiente  do  ano. O pai não gosta dela. Quer-lhe profundamente.
Underwood pareceu estupefacto.
- Isso é muito extravagante. Ainda mal a conheço. -Pai, vou dizer-lhe uma coisa que talvez não queira
ouvir. Sobretudo em virtude de ser um homem casado. Eu não acho que o pai lhe queira profundamente. Não penso, sequer, que lhe tenha afecto. - Conteve a respiração.-Vou dizer.-E disse:-Tenho a impressão de que está apaixonado por Noy, de que a ama.
Nunca vira o pai com um ar mais assustado. Ele quase não conseguia encontrar palavras para lhe responder. E quando as encontrou, disse:
-'Isso é ridículo, Dianne. Amá-la? Meu Deus, não amei ninguém desde que tenho a tua mãe e a ti. Dianne, esta mulher é praticamente uma estranha para mim. Como poderia eu amá-la?
- Ama - insistiu Dianne, inflexível.
- Que foi que te deu semelhante ideia?
-O facto de o conhecer tão bem. Por muito simpático que seja com a mãe e com outras pessoas, fundamentalmente não sente interesse por elas. Mas com Noy voltou à vida. Pareceu mais jovem e mais animado. Interessado nela e em tudo quanto ela dizia.
- Mas  isso  é  habitual, sempre que  me  encontro com um presidente de outro país.
Dianne não se deixou convencer.
- Ela está longe de ser um presidente para si. É uma mulher jovem. É empolgantemente bonita, delicada, afectuosa, muito inteligente, e quase tudo quanto diz é interessante. Não o posso censurar se o pai se apaixonou por ela.
- Que   tolice! - protestou   Underwood. - Que   foi que te deu? Não vamos discutir mais isso.
-Se não quer, não discutimos. Mas eu observei-o com ela, pai. Vi-o suspenso de cada palavra que ela dizia. E quando lhe falava, era sempre como uma carícia. - Fez uma pausa. - Se não quer falar mais no assunto, está bem, eu não falo. Mas só lhe peço uma coisa: quando tiver tempo, pense um pouco no caso. Pense nos seus verdadeiros sentimentos por Noy. Pode considerar-me jovem, inexperiente, hostil para com a mãe e causadora de problemas. Mas esqueça tudo isso. Preste apenas alguma atenção ao que lhe tenho estado a dizer. Dê-lhe uma volta na sua cabeça.
-Para quê?
- Para saber que ainda é novo e está vivo, e é capaz de sentir. Acho isso revigorante, acho-o saudável.
Underwood tentou ser firme.
-Já te disse que é uma perfeita tolice. Não quero que voltes a tocar no assunto, nunca mais. Eu apaixonado por Noy Sang? É uma loucura. Esquece. Eu garanto-te que tenciono fazê-lo.
Mas no Força Aérea Um, na viagem de Boston para Washington, fingiu que dormia, para que Blake ficasse calado - e para ele poder pensar no assunto.
Pensou, de olhos fechados.
Por muito que respeitasse a filha e a sua inteligência e percepção, sabia que ela estava muito enganada àquele respeito.
Dissera-lhe que era louca e que esquecesse, porque ele certamente esqueceria.
Mas, por muito que tentasse, não conseguia.
Mentalmente, viu Noy, e depois ouviu-a, e o bater do seu coração acelerou-se.
Seria possível que a filha tivesse razão?
Poderia ele estar apaixonado pela Presidente de Lampang?
Impossível, não podia ser.
Mas, durante a maior parte da viagem para Washington, pensou nisso, e interrogou-se.
De manhã, depois de ter interrogado Matt na noite anterior acerca das Nações Unidas e do The Four Sea-sons, e de ter ouvido a versão dele do dia e da noite                                                     
Alice  Underwood  resolveu  ouvir  a versão  da  filha  a respeito do jantar da véspera.
Ainda deitada, ligou para o Wellesley College e ficou satisfeita por apanhar Dianne no quarto, antes de ela sair para se encontrar com Noy Sang.
- Olá,  Dianne.  Apeteceu-me  falar  contigo.  Como estás? Dormiste alguma coisa?
- Dormi perfeitamente, mãe.
- Perguntei   ao  pai   acerca  do   seu  discurso  nas Nações Unidas. Ele disse-me que correu bem, mas tu sabes como minimiza tudo. Por isso lembrei-me de te perguntar. Que te pareceu o discurso?
- Vigoroso. Nunca o ouvi falar melhor. Deu  bem nos Russos.
- Isso é óptimo. Fico encantada por ele ter estado à altura.
- Esteve, mãe, garanto-lhe.
Alice fez a pergunta seguinte cautelosamente, e num tom muito casual:
- E o jantar, depois, no The Four Seasons? Como foi?
- Não  podia  ter sido   melhor. Tive  sorte,  graças ao   pai.   Ele   sentou-me   mesmo   ao   lado   de   Madame Noy Sang.
- Que   bom.   Conseguiste   o  que   querias   para   a tua tese?
- Tudo e ainda mais, novamente graças ao pai.
- Que queres dizer... graças ao pai?
- Quero dizer que ele foi muito prestável e gentil. Fez com que Madame Noy Sang falasse com o coração. Foi assim que ela falou. O pai foi maravilhoso com ela, e Madame Noy foi sensível a isso. Tratou-me como se eu fosse sua filha.
- Compreendo - disse   Alice. - Ficaste,   então, impressionada  com  a  maneira  como  o  pai   lidou  com Madame Noy.
- Ele foi um amor.
- Amor?
- Como   hei-de   dizer,   mãe?   Ele   soube   perfeitamente como lidar com ela.
- E como é que isso foi?
Alice sentiu que o tom da pergunta não escapara a Dianne e que ela estava a recuar ligeiramente.
- Ele... ele tratou-a afectuosamente, fê-la sentir-se à vontade comigo. Foi uma oportunidade para mim. E a visita de Madame Noy aqui, hoje, é outra ainda maior. Não me podia sentir mais feliz.
- Nesse caso, eu também não.
Depois de desligar, Alice sentiu-se tudo menos feliz.
Além de ouvir o que Alice dissera, tinha lido nas entrelinhas.
Matt adulara Noy.
Aquele bode estúpido.
Aquele filho da mãe.
Agora Alice estava desconfiada; não podia deixar passar uma coisa daquelas.
Era melhor bater o ferro enquanto estava quente, pensou. E depressa.
Gostava de ser primeira dama e tencionava continuar a sê-lo.
CAPÍTULO    8
ALICE UNDERWOOD passou em revista o que Matt lhe dissera do seu encontro com Noy e depois o que Dianne  lhe contara do mesmo encontro.
E não gostou.
Cada palavra apontava para o facto de que Matt estava a ser excessivamente atencioso com a dama do sarong. Além disso, ele animava-se sempre que estava na sua presença, o que sugeria algo que equivalia a problemas. No último ano, Matt mostrara-se frio com ela, pensou Alice. Frio talvez fosse demasiado forte. Mais exactamente, mostrara-se desinteressado. Mas não havia dúvida alguma de que estava interessado por uma mulher mais nova chamada Noy, do Sudeste Asiático.
Era impossível conceber tal coisa. No entanto, ali estava.
Completamente acordada, Alice deu-se conta de que tinha sido excessivamente descuidada a respeito da outra mulher. Chegara a altura de ficar a saber mais coisas a respeito de Madame Noy Sang e do tipo de ameaça que ela representava.
Lembrou-se imediatamente de Paul Blake.
Ele seria o seu melhor informador. Sabia tanto como qualquer outra pessoa a respeito de Noy. Conhecera-a na Casa Branca. Estivera, até, com ela, Matt e Dianne no The Four Seasons.
Alice pensou na maneira de abordar Blake.
Na  realidade,  porém,  ele  não  constituiria  nenhum problema. Há muito tempo que Alice sabia o que Blake sentia por ela. Podia manobrá-lo sem o mínimo esforço. Pau! tinha uma paixoneta quase infantil por ela.
Convidaria Blake para o Quarto de Vestir da Primeira Dama, que ficava ao lado. Aparecer-lhe-ia o mais atraente possível. Vestir-se-ia para ele. Melhor, despir-se-ia para ele-o que significava que o receberia de lingerie nocturna. Levantou-se da cama, tomou duche e vaporizou o corpo com uma colónia leve. Depois, procurou no armário da lingerie e escolheu uma camisa de dormir cor de pêssego, muito fina e decotada, e um robe a condizer, e vestiu-se. Sentou-se ao toucador e maquilhou-se cuidadosamente. Satisfeita com o resultado, voltou-se para o espelho de corpo inteiro e treinou, à procura da melhor extensão de perna e coxa decentemente possível.
Ciente de que as suas pernas e coxas, cheias, bem torneadas e rosadas, eram um espectáculo, e irresistíveis para qualquer homem exceptuando o seu marido, concluiu que estava pronta para receber o seu visitante.
Telefonou para o escritório do chefe do Gabinete, foi atendida pelo secretário dele e, segundos depois, tinha-o na linha.
- Bom dia, Paul. É Alice.
-Que agradável surpresa. Bom dia, Alice.
- Dispõe de algum tempo livre?
- Se não dispusesse, inventava-o, se fosse para si. -É para mim. Tente arranjá-lo.
- Quando?
-Já. É um assunto pessoal, Paul, e eu preferia que o Presidente não soubesse que me vem ver.
- Compreendo.
-'Estarei no Quarto de Vestir da Primeira Dama. Ficaremos sós.
Alice imaginou que sentia Blake estremecer.
Foi à sala, pediu chá, esperou que o servissem e depois sentou-se num sofá baixo e experimentou poses. O robe e a camisa de dormir caíram para um lado e a sua bela perna esquerda e parte da coxa ficaram nuas e expostas. Depois, pensando em Noy com Matt no videotape de Hasken, lembrou-se de que um pedaço de um dos seios de Noy estivera claramente visível. Eficaz. Um verdadeiro chamariz. Soltou o cinto de cetim e abriu, mais ainda, o decote. Inclinou-se para a frente, para ver o que acontecia.
O que aconteceu foi que ambos os seus soberbos seios ficaram soltos. Firmes, mas soltos. Ela sabia que se Blake mantivesse os olhos ali, poderia ver-lhe os mamilos.
Ora, porque não? Precisava de descobrir uma coisa e era capaz de usar quase todos os meios para o conseguir.
Sorvendo o chá, contente consigo mesma, esperou.
Passados minutos, Paul estava à porta e a seguir entrava. Olhou-a com uma sucção de ar que ela identificou como mais do que amorosa.
Alice permaneceu sentada e convidou-o a atravessar o aposento para a cumprimentar.
Quando Blake se aproximou, ela inclinou-se para ele, de mão estendida. Sentiu os seios descaírem para a frente. Teve a certeza de que ele lhe vislumbrara os mamilos.
Na verdade, ao pegar-lhe na mão, os olhos de Blake quase saltaram das órbitas.
- Excessivamente   formal - disse   ela,   oferecendo a face.
Palpitante, Blake dobrou-se para a frente e depositou-lhe um beijo seco na face. Depois lambeu os lábios, deu-lhe outro beijo, molhado, desta vez, e ela sorriu.
- Assim está melhor, Paul. Porque não puxa uma cadeira e se senta?
Quando ele começou a fazê-lo, Alice teve a certeza de que Blake estaria confrontado com a sua perna e a sua coxa durante toda a conversa.
- Está com um aspecto maravilhoso - elogiou ele, sentando-se. - Absolutamente arrebatador.
- Obrigada, Paul, meu querido, obrigada. Faz muito bem a uma mulher ouvir isso.
- Você deve ouvi-lo muitas vezes.
-Não as suficientes-respondeu Alice, com cara de amuo. - Dou graças a Deus por você e alguma galantaria. - Mudou de assunto. - Gostava de falar consigo a respeito de umas coisas. Deve compreender que elas são pessoais e esta conversa confidencial.
- Fica entre nós - garantiu Blake. - Tem a minha palavra.
- Soube   sempre   que   podia   confiar  em   si,   Paul. Quando surge alguma coisa confusa, especialmente se é   relacionada   com   o   Matt,   não  tenho   ninguém   para quem me voltar - a não ser para si, claro.
Os olhos dele desceram dos dela para o seu decote.
- Pode dizer tudo quanto desejar, Alice - respondeu calmamente. - Diga o que a preocupa.
Alice acenou com a cabeça.
- A respeito do jantar da noite passada em Nova York. Você esteve lá com Matt e Dianne, e aquela - como se chama ela?-, a tal  Noy Sang,  não esteve?
- Durante todo o jantar e depois  no avião, para Boston.
- Estou  interessada  na noite. Ouvi  duas versões. Matt, claro, não me diz  nada. Quero dizer, fala como se  não  houvesse nada para contar. Dianne,  por outro lado, foi mais acessível e, por isso, eu tenho uma ideia do que se passou. Espero que você me possa dizer mais.
-Como, por exemplo?
- Quero saber se o Presidente se comportou bem. Blake ficou  intrigado.
- Se comportou bem?
- Especificamente, quero saber como se comportou ele com  Madame Noy Sang. Foi  efusivo com ela? Foi atencioso?   Dianne  diz  que  foi   atencioso.  Eu  tenho  a impressão de que foi mais do que rotineiramente atencioso. Concorda?
-Sim, suponho que se pode dizer que foi atencioso.
- Há  duas   maneiras  de  ser atencioso  com   uma mulher, Paul. Cortesmente ou especialmente.
Blake considerou a questão.
- Foi  mais  do que cortesmente - respondeu, por fim. - Na verdade, ele elogiou-a muito a Dianne.
Enquanto o ouvia, Alice pensou que não estava a obter o suficiente de Blake. Podia conseguir mais. Podia atordoá-lo e excitá-lo se o levasse para o quarto, para a cama; mas isso era impensável, embora ela o tivesse pensado.
- Deixe-me exprimir de outra maneira, Paul. Acha que  o   interesse  do  meu   marido  por  Madame   Noy  é apenas político? Ou trata-se de outra coisa diferente?
Blake estivera de olhos fixos no joelho e na coxa desnudos   de   Alice.  Tentou   concentrar   o   pensamento no que ela estivera a dizer. Não era fácil, o assunto era esquivo; mas ele conseguiu.
- Para  dizer  a  verdade-deu   consigo   a   responder-,  não  penso que  Matt esteja  minimamente  interessado em Lampang.
- Nesse caso, está a dizer que ele está interessado em Madame Noy?
- Trata-se, apenas, de uma suposição, Alice. Mas sim, eu diria que o interesse dele por Lampang tem que ver com Noy. Não com política. Com Noy.
- Tem a certeza disso?
- Considere a evidência. Desde o princípio, quando eie a conheceu, Matt quebrou todos os compromissos, ignorou toda a sua agenda, nesse primeiro dia com ela. Estava   previsto   que   lhe   concederia   um   empréstimo limitado. Concedeu-lhe um empréstimo enorme. Estava previsto que obteria dela uma grande base aérea. Ela só queria permitir uma base pequena, e ele vergou-se aos seus desejos. Ela devia regressar ao seu país nessa noite. Ele cancelou tudo e passou mais um dia com ela. Quando  a   irmã  dela  morreu - uma  pessoa  que   Matt nem sequer conhecia -, ele  largou tudo e voou  para Lampang, tão  longe,  para  assistir ao funeral. Depois, estou certo de que você viu a televisão e o viu tomar banho com ela...
- Vi - confirmou Alice, rigidamente. - Vi-a naquele sarong.
- Não indica isso que o interesse de Matt por ela é pessoal e especial? - Os olhos de Blake estavam mais uma vez na coxa de Alice.-Você não merece isso, Alice - declarou, indignadamente.
- Bem, resume-se, então, tudo à própria Noy. Suponho que preciso de saber mais a seu  respeito, e do que há nela que o interessa.
- Tenho a certeza de que sei pouco que você não saiba.
- Ela é bela, não é?
- De  uma  maneira  exótica, creio.  Mas  não  é de modo algum tão bela como você, Alice.
- Obrigada, Paul. - Fez uma pausa. - Essa mulher é viúva, não é?
- É, sim, é viúva.
-Se esse disparate com o meu marido continuar, posso acabar por ser considerada também uma viúva. Uma solitária, pelo menos. Paul, como morreu o marido de Noy?
- Foi  morto a tiro no seu gabinete, por pessoas desconhecidas. Supôs-se que foram os comunistas.
-Como poderiam ter sido? - admirou-se Alice.- Lembro-me de o Matt dizer que o marido dela era amigo dos comunistas.
- Amigo,  exactamente,  não.  Prem  Sang  andava  a tentar apaziguá-los, absorvê-los no seu governo. Havia muita gente impaciente com isso.
- Paul, isso não me soa bem, acho que não bate certo. Gostava de saber como é que ele morreu, realmente. Todos os pormenores.
- Não creio que  alguém  possua  essa  informação na  totalidade, Alice.  Embora  possa tentar descobrir  o que se sabe até hoje.
- Como?
- Ezra   Morrison   deve   saber.   Quer   que   eu   fale com ele?
- Era capaz de ser um querido e fazer isso? Perguntar-lhe confidencialmente, claro.
- Faço-o imediatamente.
- Quando?
- Já - respondeu   Blake,   tirando   com   mágoa   os olhos dela e levantando-se. - Comunico-lhe assim que souber alguma coisa.
Obtida a entrevista, Blake achou que seria mais seguro encontrar-se com Ezra Morrison no Departamento de Estado.
No espaçoso gabinete de Morrison, teve dificuldade em acalmar-se. Andou para trás e para diante, enquanto esperava que o outro assinasse alguns papéis, e quando ele acabou deixou-se cair na cadeira de cabedal, defronte da secretária.
- Em   que   lhe   posso  ser  útil,   Paul? - perguntou Morrison. - É alguma coisa para o Presidente?
- É para a primeira dama.
- Sim?
- Trata-se   de   um   assunto  pessoal.   Confidencial. Um favor.
Morrison rosnou.
- Seria capaz de  lhe fazer todos os favores, se ela  me fizesse um  a mim. Adoraria  ir com  ela para a cama.
- Quem não adoraria?
- Você também, Paul? Não é que eu goste muito dela. Tenho apenas o palpite de que deve ser divertida entre lençóis.
-Bem, pode esquecer isso. E eu também - disse Blake.-'Alice está concentrada no marido.
-Que quer isso dizer?
-Quer mantê-lo. Quer ser primeira dama, e não segunda dama, e está um pouco nervosa por causa do tempo que ele anda a passar com Madame Noy Sang.
- A Madame também não é nada má - comentou Morrison.-Se tal  estivesse ao meu alcance, não me importaria nada de uma cambalhota com ela.
- Infelizmente, é isso que está a preocupar Alice, a respeito do Matt.
- Pensa que ele fará alguma coisa?
- Já fez muito.
- Com que então, a primeira dama está preocupada por  causa   de   Madame   Noy.   Que   tem   isso   que   ver consigo?
- Alice quer saber mais a respeito de Madame Noy Sang.  Da  mesma  maneira, suponho, que um treinador de futebol americano observa e quer saber mais a respeito da concorrência.
- Que há para saber que o público já não saiba, Paul?
Blake chegou-se para a frente da cadeira.
- Como   morreu   o   marido   de   Noy,   Prem,  como morreu ele, realmente.
- Não tenho nada a ver com isso, Paul. Foi abatido a tiro por assassinos.
-Sim, esse parece ser um facto. Agora o facto que falta é saber como morreu ele, realmente. Alice quer saber quem esteve por trás do sucedido. - Blake fez uma pausa. - Talvez queira saber se Noy esteve implicada. Embora isso seja duvidoso. No entanto...
- A versão oficial é que foram os comunistas.
- Igualmente duvidoso. Quem, realmente? Morrison encolheu os ombros.
- Sinceramente, não sei. Se alguém aqui sabe, só pode  ser  em   Langley.   Pergunte  ao  director  Ramage. A CIA tem fama de saber tudo.
- Ramage dir-lhena?
- Não. Nem pensar.
- Há alguma maneira de você poder descobrir? Morrison   mexeu-se,   pouco  à  vontade,   na   cadeira
giratória.
- Pode haver maneiras... Talvez. - Fitou Blake.- Seja franco comigo, Paul. Até que ponto é isso importante para si?
-Até que ponto é a primeira dama importante para nós?
- Percebo, é então assim.
- Alice quer saber. Insiste. Eu disse-lhe que pensava que podia descobrir. Poderei?
Morrison estava pensativo. -'Possivelmente.
- Vai aprofundar o assunto, Ezra?
- Posso tentar.
- É uma promessa?
Morrison apoiou os braços na secretária e fitou os olhos ansiosos de Blake. Depois levantou-se.
- Dê-me umas  horas.
Não muito tempo depois de deixar Paul Blake, Ezra Morrison entrou no luxuoso apartamento que Mary Jane O'Neil tinha na Wisconsin Avenue, em Georgetown.
À primeira vista, era difícil associá-la com Alan Ramage, o director da CIA. Esperar-se-ia, para directora--delegada de operações, uma mulher nova, que fosse enérgica, eficiente, algo masculina na atitude. Embora Mary Jane pudesse ser eficiente no desempenho das suas funções, não era nem enérgica nem masculina. Com um metro e cinquenta e cinco de altura, era inteiramente feminina, brincalhona e divertida, embora intensa na maneira como fazia amor.
Como esperara, Morrison encontrou-a no quarto cheio de rendas. Estava sentada numa cadeira fofa, ao lado da cama, a ver televisão. Havia, como todas as ssmanas, dois copos de Scotch com soda numa mesa, ao lado da cadeira.
- Olá, amor - cumprimentou-a, e  inclinou-se para a beijar bem nos lábios. O beijo demorado induziu uma erecção imediata, coisa que raramente acontecia com a sua mulher, e tranquilizou-o, enquanto estendia a mão para a sua bebida.
Beberam ambos, conversaram de coisas triviais e, no momento em que acabou de beber, Mary Jane levantou-se e despiu o robe de seda. Já a despir-se, também, Morrison estava hipnotizado pelos seus seios pequenos e firmes e pela mancha densa de pêlos púbicos entre as suas pernas.
Ela foi logo para a cama, e Morrison, finalmente despido, deixou-se cair ao seu lado, sobre a coberta. Os preliminares foram breves. Não perdeu tempo com eles;  estava pronto.
Mary Jane foi activa e enérgica como sempre, e ele sentiu-se satisfeito com a sua resistência.
Quando terminaram, deitou-se de costas, ofegante, e Mary Jane, saciada, enroscou-se contra o seu corpo.
- És   bom,   Ezra,   muito   bom.   És   o   melhor   que conheço.   Estás   a   estragar-me   para  todos   os   outros homens. Feliz?
- Porque não deixas a tua mulher e te mudas para cá, para podermos fazer isto todos os dias?
- Mary Jane...
- Estou  apenas   a   brincar.  Tu  sabes. - Deixou-se cair para trás. - Gostava de poder fazer por ti alguma coisa igualmente tão especial.
Até àquele momento, ele não pensara uma vez, sequer, na sua conversa anterior com Blake. No entanto, ela estivera de reserva no fundo do seu cérebro, como algo de que devia falar. Agora, satisfeito, com as ideias a regressar à normalidade, lembrou-se de Blake e do que tinha de descobrir para ele e para a primeira dama.
- Alguma coisa  de  especial  para  mim? - repetiu Morrison. - Já fizeste, meu amor. Mas espera, há outra coisa que podes fazer.
- É só dizeres.
- Olha,  Mary Jane,  estou  metido  numa  situação em que preciso de saber mais do que sei a respeito de Madame Noy Sang.
Mary Jane pareceu, por instantes, intrigada.
- Aquela mulher de Lampang?
- Exactamente.
- Não consigo  imaginar que possa haver alguém que saiba mais do que tu a respeito dela.
- Trata-se de algo específico. Tenho de descobrir como Prem Sang foi assassinado. Exactamente quem o matou e porquê.
Mary Jane sentou-se na cama, franzindo a testa.
- Mesmo que eu soubesse a resposta, não posso discutir essas coisas, bem sabes.
- Não estou a pedir nenhum grande, grande segredo oficial.
- O mais que posso fazer é uma suposição inteligente, baseada no que ouvi - respondeu Mary Jane.- Os Estados Unidos estavam preocupados com o Presidente Prem e as suas relações com os comunistas. Creio que  a  opinião   era,   pelo   menos   em   Langley,  que  se alguém se pudesse  livrar de Prem, a mulher dele se tornaria Presidente. Mas ela é uma amadora, desamparada, inútil, inexperiente. Quando se candidatar às próximas eleições, parece certo que o general Nakorn, um gajo teso, a poderá derrotar facilmente. No que respeita à CIA, Nakorn é o nosso homem.
- Sim, ele tornaria a nossa vida mais fácil.
- Faria  o  que  lhe  mandássemos - afirmou  Mary Jane. - Não hesitaria, aniquilava os rebeldes comunistas e dava-nos a maior e melhor base aérea e defesa no Pacífico Sul. Por isso, eu diria que a estratégia, a aspiração estratégica, era livrar-se de Prem, deixar Noy substituí-lo   e   depois  derrotá-la   legitimamente   em  eleições livres.
Morrison começou a levantar-se.
- Muito bem. No entanto, alguém tinha de correr o risco de se livrar de Prem.
- Mesmo que eu soubesse, Ezra, não poderia discutir o assunto.  Esqueçamos,  portanto,  essa  parte.- Fitou-o. - Pareces mais animado. Podes pô-lo de novo de pé?
- Está de pé.
Mary Jane estendeu a mão por entre as pernas dele.
- Serve muito bem assim. Agora é altura de o usar. Penso muito melhor quando estou relaxada.
- Pensas em quê?
- No que tens estado a perguntar.
- Quero que tentes de novo.
- Depois de nós tentarmos de novo.
- Deita-te, Mary Jane. Chega de conversa.
Ela deitou-se imediatamente de costas. Morrison beijou-lhe os seios e depois meteu-se-lhe entre as pernas.
Esta foi demorada, melhor do que a primeira e barulhenta. Vieram-se ambos ruidosamente, com uma diferença de poucos segundos.
-Que tal foi? - perguntou ele, deixando-se cair para o lado.
- De primeira - respondeu Mary Jane, ofegante.- Sou toda tua. Terás tudo o que quiseres de mim. Ainda queres saber quem matou Prem?
-'Ajudaria.
- Eu   digo-te,   meu  violador.   Estou   à  tua   mercê. Digo-te tudo quanto quiseres saber.
- Quem matou o Presidente Prem? Ela controlou a respiração.
- O chefe sabe. Ramage sabe. Foi ele que desencadeou tudo. Mas não se tratou de nada que ele tenha feito ou que a CIA fizesse. Estou razoavelmente convencida de que ele mandou recado a Percy Siebert, o chefe da nossa estação da CIA em Lampang.
- E Siebert?
- Não posso dizê-lo positivamente. Penso, logicamente, que Siebert terá transmitido os nossos desejos ao general Nakorn. É provável que lhe tenha dito que a ideia era do Presidente Underwood. Então, meu sedutor, isso ajuda?
- Ajuda, querida.
-Onde ouviste isso tudo? Não foi por mim que soubeste. Um passarinho disse-te. Não te atrevas a envolver-me.
-Nem sequer te conheço.
- Bem... Ainda aguentas mais uma?
Ele não tinha a certeza, mas estava grato.
- Talvez. Dá-me vinte minutos.
-Dou-te outro copo e vinte minutos. Não te esqueças, vou contar o tempo pelo relógio.
Ainda um tanto exausto das suas acrobacias com Mary Jane O'Neil, Ezra Morrison preparou-se para telefonar a Blake.
Hesitou, momentaneamente, antes de levantar o auscultador, tentando tranquilizar-se, garantir a si mesmo que Mary Jane não se enganara. Teve de lembrar a si próprio que ela era a directora delegada de operações da CIA, sob as ordens de Ramage, e não podia, portanto, estar enganada.
Blake atendeu logo.
- Está sozinho, Paul? - perguntou-lhe.
- Relativamente.
- Não me refiro ao seu pessoal. Refiro-me ao Presidente. Ele está onde nos possa ouvir?
- Foi  ao  Capitólio com  o secretário  do Tesouro. Demora-se um bocado. Então? Tem alguma coisa para mim?
- Tenho. Talvez tenha tudo.
- Qual é a sua fonte?
- Quase   tão   alta   quando   se    poderia   desejar, na CIA.
- Pode   dizer-me? - Blake   estava   ansioso. - Preciso de saber o mais depressa possível.
- Pelo telefone, não. Sugiro que venha até cá e tenha   uma   conversa   tranquila   com   o   secretário   de Estado.
-Já estou a caminho.
-Eu estarei aqui e só-prometeu Morrison. Três quartos de hora depois, Blake estava no gabinete de Morrison.
- Não atendo chamadas  nenhumas, Suzie - disse o secretário de Estado,  pelo  intercomunicador,  à sua recepcionista. - Informo-a quando estiver livre.
Depois dirigiu-se para o sofá e sentou-se ao lado de Blake.
- Tenho  tudo  quanto  alguma  vez  conseguiremos obter - anunciou.
- E está seguro da sua fonte.
- Não poderia estar mais perto de ninguém do que estou da minha fonte, a não ser que os fodesse - garantiu Morrison, sorrindo.
- Estou a ouvir, Ezra.
Devagar,  escolhendo  as  palavras  cuidadosamente, Morrison disse ao chefe do Gabinete o que ouvira de Mary Jane O'Neil - sem mencionar o nome dela.
- Pronto,  Paul,  aí tem - disse, quando terminou.
- Mas   não   sabe   exactamente   quem   foi   o   responsável?
- Está a referir-se a quem mandou os assassinos? Isso não é importante. Basta saber que, de algum modo, foram encarregados de limpar o sebo a Prem com inteiro conhecimento  de  Ramage,  e  com  uma  autorização  do Presidente. No fim de contas, a CIA notifica o Presidente de tudo quanto está em curso, no seu livro de instruções da manhã.
- Suponha que Underwood não soube? Morrison resmungou.
- Prefiro pensar que soube. De qualquer modo, a principal responsabilidade cabe ao Presidente.
- Incrível.
- Que vai fazer com a informação? Blake levantou-se do sofá.
- Transmiti-la à primeira dama. Não sei se a fará suficientemente   feliz. - À   porta,   deteve-se   a   pensar, antes   de   acrescentar:-Talvez   faça.   Obrigado,   Ezra. Fico a dever-lhe um.
Depois de receber o telefonema de Blake, Alice preparou-se para a iminente chegada do chefe do Gabinete, no Quarto de Vestir da Primeira Dama.
Posou diante do espelho de corpo inteiro, apenas com umas diáfanas e reduzidíssimas cuequinhas pretas tipo biquini e um meio-soutien arrendado. Depois enfiou um vestido preto, que sabia lhe subiria acima dos joelhos quando se sentasse. Calçou os sapatos de salto alto decotados e sentou-se à espera de Blake.
Quando ele entrou, fez-lhe sinal para se sentar na cadeira imediatamente oposta à sua.
Depois de a cumprimentar, Blake afundou-se bem na cadeira e não fingiu, sequer, olhar fosse para o que fosse acima do decote de Alice.
A fímbria da saia do vestido estava subida, e quando ela descruzou as pernas ele julgou distinguir a tirinha das calcinhas, entrepernas. Teve a certeza de que eram as suas calcinhas e de que havia um triângulo escuro atrás delas.
Calmamente, Alice deixou-o desfrutar.
- Tem alguma coisa para mim, Paul? - perguntou, com voz suave.
O que ele gostaria de lhe dizer era que tinha algo melhor do que conversa. Tinha uma erecção embaraçosa. Perguntou a si mesmo se ela estaria suficientemente aborrecida com o marido para dar uma oportunidade ao chefe do Gabinete. Depois, relutantemente, afastou as fantasias eróticas e tentou concentrar-se nas notícias por que Alice esperava.
- Tenho  uma  ideia  sobre quem  pode ter sido  o responsável pela morte do Presidente Prem-disse.
- Quem?
- O seu marido, Alice. Em certo sentido, ele é o responsável.
Alice mostrou-se chocada.
- Isso é impossível.
- Ouça-me, e depois decida.
- Matt?   Ele  não   é  esse  tipo  de   pessoa.  Acho melhor contar-me a história toda.
- Então ouça. Prem não queria uma base dos Estados Unidos em Lampang. Mas queria chegar a um acordo com os rebeldes comunistas. Queria integrá-los no seu governo.  Como sabe,  tal   era contrário  à  política  dos Estados Unidos.
- Tenho conhecimento disso.
- Em determinado nível da CIA surgiu a ideia de que, se fosse possível afastar Prem, Noy o substituiria e, como não estava à altura do cargo, seria manipulada pelo   general   Nakorn,   que   é   um   amigo   dos   Estados Unidos.
- Por conseguinte, alguém tomou a decisão de se livrar de Prem.
Blake acenou afirmativamente. Desbobinou os nomes dos intervenientes. Primeiro, Ramage. Depois, Siebert. No entanto, explicou, a luz verde tinha de vir do Presidente dos Estados Unidos.
- Matt vê todos os relatórios da CIA no seu livro de instruções diário. Nada escapa ao seu controlo.
A incredulidade de Alice persistiu.
-Não posso imaginá-lo a aprovar um assassínio. Conheço o Matt. É demasiado brando para isso. Talvez nunca tenha visto o relatório da CIA.
Blake encolheu os ombros.
- As probabilidades são que viu, de uma forma ou de outra. Não imagino ninguém a passar por cima da sua cabeça.
- Tem a certeza da fonte dessa informação?
- Disseram-me que é a melhor.
- Então   Matt   é   responsável? - Alice   animou-se subitamente. - Noy é viúva por causa dele.
- Sim.
- Isso é maravilhoso!
Deixou-se cair para trás, rindo, com a tirinha das calcinhas claramente visível entre as pernas. Os olhos de Blake desorbitaram-se e ele ficou ofegante.
- O que é - tartamudeou -, o  que  é assim tão maravilhoso? Que vai fazer?
- Vou dizer a Noy Sang?
- O quê?!
- Porque não? Noy ainda está nos Estados Unidos, no   Wellesley.   Quero   que   encarregue   Morrison  de   a localizar e dizer-lhe que deseja que ela venha tomar chá ao fim da tarde, aqui, no Departamento de Estado. Para discutir pormenores a respeito da base aérea, ou seja lá do que for. Ela tem de ter esse encontro com Morrison, mas na realidade não o terá. Será um pretexto para se  encontrar comigo. Sim,  Paul,  comigo,  cara  a  cara. Vou  pôr as  cartas  na  mesa com  ela. Quando acabar, acho que terei  posto fim ao namorico do meu marido com a viúva de Prem. Trata disso?
Noy Sang tinha sido contactada em Wellesley, e concordara em voltar a Washington, e atrasar o seu regresso a Lampang, para uma reunião com o secretário de  Estado Morrison.
Encontrara-se com ele no Departamento d© Estado, tinham tomado chá e pequenas sanduíches, e ele abordara a possibilidade de alargamento da base aérea americana em Lampang. Ela resistira e, para sua surpresa, Morrison resignara-se facilmente.
De súbito, ele tinha-se levantado e dito:
- Madame Noy, tenho uma reunião com o ministro dos Estrangeiros egípcio e preciso de sair e falar com ele. Mas há outra pessoa que precisa de falar consigo e, por isso, agradecia que ficasse mais dez minutos.
- Como desejar.
Noy ficou intrigada com a partida abrupta de Morri-son e com o facto de ter sido deixada só, e perguntou-se com quem iria falar a seguir.
Continuou a beber o seu chá e a esperar, até que a porta de entrada se abriu e apareceu uma mulher bastante alta e imponente, que se dirigiu para ela.
Noy achou-a familiar.
- Madame Noy Sang - disse a mulher. - Permita que me apresente. Sou Alice Underwood, a mulher do Presidente Underwood. Posso fazer-lhe companhia?
- Com certeza - respondeu Noy, perplexa. Alice sentou-se defronte dela.
- Dê-me licença que acrescente o seu chá e  mo sirva de um pouco. - Começou a deitar o chá. - Desejei ter uma oportunidade de a conhecer pessoalmente. Há uma questão que quero discutir consigo e que lhe diz respeito, de uma maneira pessoal.
Noy ouvia-a, mudamente, perguntando-se o que se estaria a passar, o que poderia Alice Underwood querer discutir com ela. Tornaira-se-lhe evidente que tudo aquilo fora preparado. Morrison não quisera, realmente, falar com ela; quisera, apenas, um pretexto para a atrair à Casa Branca, a fim de se encontrar com a primeira dama.
Ali sentada, acompanhando os movimentos da primeira dama enquanto deitava o chá, Noy avaliou-a. Sentiu-se pouco satisfeita consigo mesma por ter pensado que o Presidente Underwood tinha algum interesse nela, tendo uma mulher tão atraente e perfeita. Achava o rosto de Alice um camafeu grego, com cada linha e cada feição simétricas. Alice parecia serena e perfeitamente à vontade.
Em contraste com ela, Noy sentia-se, fisicamente, inferior. Achava-se pequena, diminuída, nada que se pudesse comparar à beleza pálida e à figura esbelta que caracterizavam a primeira dama.
Enquanto a observava, tentava imaginar o motivo daquele encontro. Mas não lograva encontrar a mínima pista.
Alice começou, porém, a falar.
- Quis   vê-la   a   sós - dizia-porque,   por  acaso, tomei   conhecimento   de   uma   informação   acerca   do assassínio do seu falecido marido.
- Sabe, a respeito de Prem, alguma coisa que eu ignoro?
- Trata-se de algo que senti lhe deveria dizer, de mulher para mulher.
O espanto de Noy aumentara sensivelmente. -Que pode...?
- Posso  dizer-lhe a verdade  acerca  da  morte  do seu marido e o motivo por que foi assassinado.
Aquilo era totalmente inesperado, e Noy pestanejou.
- Está  a  referir-se ao assassínio  de  Prem? Sabe alguma coisa a esse respeito?
Alice pôs a chávena no pires. -A verdade. Sucede que sei  a verdade. Como... aconteceu.
- Se eu não consegui descobrir, como pode tê-la descoberto a senhora, a mais de doze mil quilómetros de distância?
- Isso tornar-se-á claro para si dentro de poucos minutos - afirmou Alice. - Tem o direito de saber como ficou  viúva.  Não  é  minha   intenção  transtorná-la,  mas estou certa de que não quer mistérios.
- Quero a verdade, se a sabe.
- Muito   bem,   então   prepare-se   para   ela.   Tem passado uma data de tempo com o meu marido, e eu estou certa de que ele lhe causou boa impressão.
- Parece um homem muito decente. O tom de Alice endureceu.
- É, mas não se deixe iludir. Ele tem sido agradável, até mesmo gentil consigo, porque se sente culpado e isso o incomoda. Para conhecer o meu marido, precisa de saber que Matt ama o seu país acima de tudo o mais e é capaz de fazer seja o que for por ele. Mesmo que isso signifique sacrificar alguém que se atravesse no seu  caminho.
Noy estava, claramente, abalada. O seu rosto Gorou.
- Está a  insinuar...?
- Estou   a   dizer-lhe,   Madame   Sang,   que   o   seu marido era uma pessoa que se encontrava no caminho do  meu. O  Presidente  Prem  era  contra  a  base  aérea que, para nós, é uma necessidade. Pior ainda, o Presidente Prem queria uma reconciliação com os rebeldes comunistas do seu país, e isso constituía uma preocupação ainda maior para o Presidente Underwood. Quando a CIA decidiu que o seu marido devia ser silenciado, e que tal se podia conseguir por meio da liquidação física, Matt não tentou evitá-lo. Como sabe, a CIA não pode fazer nada sem o consentimento do Presidente americano. Seja como for que o tenha feito, activamente ou fechando os olhos, o Presidente Underwood aprovou o plano da CIA - e o seu marido foi eliminado. Foi eliminado para abrir caminho para si, que era tida como ingénua. Parte do plano consiste em que, a si, lhe sucederá alguém mais complacente com a política dos Estados Unidos.
Noy estava atordoada.
- Não posso acreditar nisso.
- Acredite, Madame Noy Sang.
- Como é que sabe semelhante coisa?
- O nosso secretário de Estado soube-o pela CIA, e encarregou-se de o fazer chegar ao meu conhecimento.
- Mas, depois de um procedimento tão horrendo, porque me  convidaram  para vir cá,  porque foi  o  seu marido tão gentil comigo?
- Já  lhe disse:  culpa. O comportamento de  Matt pode parecer cruel, mas ele tem um fraco, debaixo de tudo o mais. Matt Underwood é, essencialmente, brando. Faz uma coisa indizível, e depois recua e sente remorso. Não  pode  mudar  o  que  fez,  mas  fica  pesaroso.  Tem estado a tentar compensá-la.
Noy ficou silenciosa durante muito tempo.
-'Porque me disse tudo isso? - perguntou, por fim.
Alice não respondeu  logo. Primeiro observou Noy.
--Não foi por qualquer sentimento de cuipa da minha parte. Não fiz nada de mal. Lamento o que aconteceu, naturalmente, mas não posso ressuscitar o seu marido. Existe outra razão...
- Qual?
-Você é uma mulher jovem e extremamente sedutora, estou certa de que muito atraente, muito afectuosa e muito compreensiva para com os homens. Tem muitas características que eu não tenho. Pelo menos para o meu marido. - Calou-se durante alguns segundos, e depois fitou Noy bem de frente: - O meu marido parece ter uma paixoneta infantil qualquer por si. Ao princípio foi culpa, mas depois ele conheceu-a melhor e sentiu-se atraído. Isso preocupa-me, claro. Matt é meu marido e eu quero conservá-lo. Quero continuar a ser a sua esposa e a primeira dama dos Estados Unidos. Não tolero quaisquer interferências infantis ou adolescentes. Se, momentaneamente, o meu marido está impressionado consigo, Madame Sang, eu não quero que a senhora seja pateta ao ponto de se deixar impressionar por ele. Quero que saiba como ele pode ser, realmente. Ele é capaz de ser cruel e egoísta ao ponto de sacrificar a vida humana. Queria que soubesse isso, que soubesse como Matt, é, na realidade. Tinha a certeza de que, quando estivesse totalmente informada acerca do assassínio do seu marido, deixaria de encorajar as investidas de Matt. Estou decidida a impedir qualquer relação entre vocês. Se o que lhe disse o conseguir, por muito doloroso que seja para si e para mim, não me arrependerei. Espero que isto ponha fim a tudo, entre a senhora e o meu marido, excepto no nível mais oficial. Noy sustentou o olhar de Alice.
- Foi muito franca e reveladora.
- Foi a única maneira que encontrei para pôr um fim ao que se passava.
Noy levantou-se.
- Pôs-lhe    fim -respondeu,    calmamente. - Quer ter a amabilidade de me acompanhar à saída?
Quando o Presidente Underwood deixou o secretário do Tesouro, e desceu do Capitólio para a Ala Leste da Casa Branca, ficou surpreendido ao verificar que Hy Hasken saíra da sala da imprensa e estava à sua espera.
- Estou demasiado ocupado, não tenho tempo para falar - avisou, com brusquidão.
Hasken não se impressionou.
- Talvez  não  esteja  demasiado ocupado para  me dizer o que esteve Madame Noy Sang a fazer no Departamento de Estado.
Underwood estacou.
- Ela   está   em  Washington?   Estava   previsto  que estaria com a minha filha, no Wellesley. Depois voaria de Boston para Lampang.
- Ela está aqui - reafirmou Hasken.- Pelo menos, está no Foggy Bottom (*), ou estava, há pouco tempo. Tenciona vê-la?
- Como podia  eu tencionar vê-la, se não fazia a mínima ideia de que ela aqui vinha? Obrigado pela informação, Hasken. Agora tenho de voltar para o trabalho.
Mas, chegado ao Gabinete Oval, o Presidente não voltou para o trabalho.
Mal se instalou à secretária, chamou Paul Blake e ordenou-lhe que viesse imediatamente.
Quando Blake entrou, Underwood' não se incomodou a dizer-lhe que se sentasse.
-'Que história é essa que acabo de ouvir a respeito de Madame Noy Sang? - perguntou.
- Que foi que ouviu, Matt?
- Que ela está na cidade. É verdade?
- É. O secretário Morrison quis vê-la e pediu-me que a contactasse no Wellesley. Assim fiz. Ela adiou o regresso ao seu país, para vir aqui direita. Conduzi-a ao Departamento de Estado.
- Uma chefe die Estado aqui e não fui notificado? - perguntou Underwood, incredulamente.
- Estava fechado no Capitólio, a almoçar com todos aqueles senadores. Não quis incomodá-lo.
--Ela esteve com Morrison?
- Sim, eu próprio a fui buscar e a conduzi lá.
- Que queria Morrison dela?
- Que eu saiba, era qualquer coisa relacionada com uma maior clarificação acerca da nossa base aérea em Lampang.
Underwood franziu a testa.
- Isso ficou arrumado há muito tempo. Blake mudou de posição, pouco à vontade.
- Creio que a primeira dama também queria vê-la, e tomar chá com eles.
- Alice encontrou-se com Noy Sang?
- Foi o que me disseram.
- Mas porquê?
O Departamento de Estado dos E. U.A. O nome deriva não só de uma área de Washington, D. C, mas também da «nebulosidade» atribuída ao que por lá se passa. (N. da T.)
- Gostaria de saber, Matt, mas não faço a mínima ideia.
- Está bem. Obrigado, Paul, pode ir. Eu averiguarei, pessoalmente, o que aconteceu.
Assim que Blake saiu do Gabinete Oval, Underwood pediu à sua secretária que ligasse para a Presidente Noy Sang, para Blair House.
Um minuto depois, falava comi Noy pelo telefone.
- Disseram-me que esteve aqui. Fiquei muito surpreendido. Segundo o chefe do Gabinete, encontrou-se com a minha mulher.
- Encontrei.
Underwood notou uma secura que não era característica de Noy.
- Gostava de a ver uns instantes. Quero saber o que  se  passou  entre você  e Alice.  Pode  receber-me agora?
- Não, não posso. Estou a comer qualquer coisa e, depois, Marsop e eu partimos para Lampang. Estou muito ocupada.
- Demasiado  ocupada   para   me  ver - comentou Underwood,  tentando  parecer magoado. - Pode,  certamente, arranjar um minuto.
-Não posso - respondeu Noy, sem rodeios. Underwood ficou perplexo.
- Isso não parece seu, Noy. Parece transtornada. -Estou transtornada.
- Porquê? Há alguma coisa que esteja mal? -Há muitas coisas que estão mal.
- Não me vai dizer?
Seguiu-se um silêncio, do outro lado. Depois Noy voltou a falar.
- Sim, acho que deve vir cá. Eu digo-lhe, exactamente, o que está mal.
Depois de ordenar aos seus homens do Serviço Secreto que ficassem no exterior, cercassem Blair House ou fizessem o que quer que costumavam fazer em visitas inesperadas como aquela, o Presidente Underwood aguardou que o recebessem.
Foi Marsop quem abriu a porta principal e o deixou entrar. O ministro de Noy Sang não denunciou nada, nem por palavra, nem por expressão. Limitou-se a dizer:
- Entre, Sr. Presidente. Madame Sang vem já. Underwood   entrou   na   grande   sala,   que   estava
deserta, deu um relance de olhos à procura de um lugar para se sentar e acabou por o fazer na beira de uma poltrona de cabedal.
Quase no mesmo instante, Noy entrou, séria e de rosto severo. Underwood levantou-se logo, para a interceptar e cumprimentar da maneira habitual entre eles, com um beijo na face. Mas ela não o permitiu. Não lhe estendeu, sequer, a mão, passou por ele e foi sentar-se noutra cadeira, que colocaria alguma distância entre eles.
- Estou a ver que aconteceu alguma coisa - disse Underwood, e voltou para o seu lugar. - Acredite, Noy, não faço a mínima ideia do que se passa nem do que pode ter a ver comigo.
- Eu digo-lhe-respondeu, e não perdeu tempo.- Diz respeito ao assassínio  do meu  marido. Descobri, finalmente, quem foi o responsável pela morte de Prem.
Tudo aquilo era inesperado, e Underwood conseguiu, apenas, perguntar:
- Quem foi? Para   uma   pessoa   com   tanto   calor   natural,   Noy estava transformada numa pedra de gelo.
- Finge que não sabe?
- Não sei. Não sei de que está a falar. - Tentou descobrir alguma  pista no semblante de  Noy,  mas  a expressão dela não denunciava nada. Por isso, insistiu: - Quem foi o responsável pela morte de Prem?
- Você! - explodiu Noy. - Você, Sr. Presidente, foi o responsável pelo assassínio do meu marido.
Underwood teve a certeza absoluta de que não ouvira bem.
- Que... que está a dizer? Noy repetiu a acusação:
- Você, Sr. Presidente, foi o responsável pela morte terrível do meu marido.
Underwood estava horrorizado.                                  -
- Ouvi-a duas vezes. Nunca tinha ouvido nada tão louco.                                                                                      :
- É um facto.
- É uma loucura absoluta. Noy, sabe o que está á dizer?
- Sei perfeitamente o que estou a dizer-respondeu, sentada muito direita na sua cadeira. - Soube, por uma fonte da maior autoridade, que você combinou com a CIA livrarem-se do meu marido... por ele ser demasiado conciliador com os comunistas. Passou a palavra para os inimigos dele o eliminarem.
Underwood levantara-se.
- Noy,  não sei  quem  lhe  meteu  na  cabeça  essa pura falsidade. Onde ouviu semelhante história?
Noy recusou-se a vacilar.
- Ouvi-a da boca da sua mulher. Encontrei-me hoje com ela. Disse-mo cara a cara. Considera a sua mulher mentirosa?
- Ela não é uma mentirosa. Mas nesta acusação, é. O que ela lhe disse é uma insanidade absoluta.
- É? - perguntou  Noy. - Bem, ela obteve-a directamente, em primeira mão, do seu secretário de Estado. Ficou transtornada com o assunto e quis mostrar-se compassiva   comigo.   Quis,   também,   advertir-me   quanto a negociações futuras consigo. Disse-me que não confiasse em si, porque você colocaria a sua posição, o seu país, à frente da vida humana, fosse ela de quem fosse.
- Noy, não sei o que Alice quis dizer. Não é verdade o que lhe disse a respeito da morte de Prem. Não há uma única palavra de verdade nisso. Foi loucura dela dizer-lhe semelhante coisa, e é loucura sua acreditá-la por um minuto que seja.-Perguntou, desesperado: - Que motivo pode ela ter tido para lhe dizer semelhante mentira?
- Quanto   a   isso,   foi   franca - respondeu Noy. - Achou que estávamos a ficar demasiado ligados e que você  demonstrava demasiado  interesse  por mim. Quis que  eu  soubesse a pessoa egoísta e cruel  que,  realmente, é.
- Sabe que isso não é verdade-protestou Underwood.
Noy abanou a cabeça.
- Não, não sei. Na realidade, não o conheço profundamente. Não encontro nenhuma razão para a primeira dama revelar tudo isso, a não ser que houvesse alguma verdade no caso. Matt, eu acredito nela. Também acredito - agora vou ser absolutamente franca - que você talvez esteja a mentir porque isto o abalou. Se não está a mentir, então está a ignorar o facto de que é o responsável, o Presidente dos Estados Unidos, e de que a CIA o mantém informado das suas tramas. Por negligência, pode ter deixado1 passar este assassínio, pode ter permitido que ele se cometesse por estar desatento, o que é igualmente horrível. Em qualquer dos casos, foi culpado. O meu marido está na sepultura por sua causa. Underwood aproximou-se mais dela.
- Noy, seja justa...
- Como posso eu ser justa?
- Dê-me a oportunidade de averiguar tudo isso. Vou falar com Alice. Vou falar com Alan Ramage. Hei-de provar-lhe, a si, que o que lhe disseram foi um monte de mentiras. Alice é uma mulher ciumenta, além  de não ter demasiado afecto por mim. Quando eu acabar, poderei provar-lhe, Noy - não meramente dizer-lhe, mas provar-lhe-, que foi enganada. Eu não tive culpa nenhuma da morte de Prem e, tanto quanto sei, ninguém abaixo de mim foi responsável por ela.
Noy levantou-se, lançou-lhe um olhar irado e depois passou pela frente dele, a caminho da porta de comunicação.
- Matt, não precisa de se incomodar a provar-me nada. - Pôs a mão na  maçaneta da porta. - Opto  por acreditar que você é o culpado desta terrível tragédia da minha vida, e...  e não quero voltar a vê-lo, nunca mais.
Abriu a porta e desapareceu.
CAPÍTULO    9
DEPOIS de deixar Blair House e de ser reconduzido à Casa Branca, Matt Underwood tinha os pensamentos num caos.
Quando chegou ao Gabinete Oval, o seu primeiro impulso foi ir ter com Alice e interrogá-la, até ela lhe dizer onde obtivera a informação falsa a seu respeito e por que motivo a comunicara a Noy. A seguir pensou em localizar Blake e Morrisoir e informar-se melhor acerca de toda aquela complicação.
Sentado à secretária, pensou no que perdera. Fora incapaz de convencer Noy de que estava inocente na questão da morte do seu marido, e desolava-o a consciência de que ela poderia nunca mais voltar a falar-lhe.
Porquê aqueles sentimentos a respeito de Noy? O pensamento de Underwood regressou a Dianne, à certeza da filha de que estava apaixonado por Noy. Não podia ser, continuou a afirmar a si mesmo. Era um homem casado e sensato. Era Presidente dos Estados Unidos e tinha um cento de outros assuntos com que ocupar-se.
Mas agora a perda de Noy sobrepunha-se a tudo o mais.
Só havia uma coisa a fazer. Tinha de chegar ao fundo da falsidade sobre o seu envolvimento no assassínio de Prem. Tinha de procurar e descobrir a verdade, e quando estivesse de posse dela poderia, finalmente, provar a Noy que não tinha nada que ver com o assassínio de Prem.
O facto de Alice lhe ter imputado a responsabilidade, para voltar Noy contra ele, não era a história toda.
Faltava uma parte: como conseguira Alice pôr as mãos na informação que o acusava.
Tinha de começar por Alice e trabalhar para trás, até chegar à origem da malévola falsidade.
Um relance de olhos ao relógio da sua secretária informou-o de que era quase meia-noite e Alice já devia estar a dormir. Mesmo assim, ia verificar e começar a interrogá-la.
Afastou para o lado os papéis da secretária, levantou-se e saiu, no que foi seguido por um agente do Serviço Secreto. Meteu pelo passeio da colunata até entrar de novo na Casa Branca, dirigiu-se para o pequeno elevador e fez sinal ao agente para se ir embora.
Sabia que Alice devia estar no Quarto da Rainha.
Entrou, silenciosamente, e verificou que ela estava estendida debaixo do cobertor, na cama com dossel.
Foi ver se estava acordada. Sentou-se na beira da cama e inclinou-se para ela.
Alice estremeceu. Tinha os olhos fechados, mas abriu-os, momentaneamente, e disse, ensonada:
-Olá, Casanova.
Era o tipo de comentário estúpido que se podia esperar dela, depois de ter tomado o comprimido para dormir e estar à beira do sono. Mas ele vinha decidido a controlar a ira e tentar falar com ela, antes de Alice mergulhar completamente no sono e ficar inalcançável.
- Voltei, Alice. Estás a ouvir-me?
- Um pouco.
- Sei que te encontraste com Madame Noy, hoje.
- Quem?
- Madame Noy.
Alice acordou, ligeiramente, mas estava confusa e hesitante.
- Sim - disse, por fim.-Vi-a. Ela veio aqui. Tomámos chá.
- Porque te encontraste com ela? - insistiu Under-wood.
- Tua amiga... Quis conhecê-la. - Uma recaída no sono,  um   esforço  para  acordar. - Ela...   é,  realmente, bonita. Não te censuro.
Underwood tentou conter a impaciência.
- Não fiz nada para ser censurado.
- Ah, não?
- Nada - repetiu,  com  firmeza. - Eu,  sim,  tenho razão para te censurar.
- Porquê?
- Estás a ouvir-me, Alice?
- Não grites.
- Porque contaste a Madame Noy uma história tão ridícula? Sabes que não sou responsável pela morte do marido dela. Sabes que isso não é verdade.
Um   longo   silêncio.   Alice   mexeu-se   debaixo   do cobertor.
-Ouvi dizer-respondeu.
- Ouviste dizer que eu matei Prem Sang?
- Nunca disse que o mataste. És muito...  demasiado... cobarde para disparar contra alguém. O que eu disse foi que eras responsável pelo assass... ou lá o que foi...
Underwood lutou contra os efeitos do comprimido para dormir de Alice.
-Onde ouviste essa história da carochinha?
- Ouvi - disse ela num murmúrio. -A quem?
- Não  te posso  dizer. Segredo de  Estado.  Vai-te embora, por favor, e deixa-me dormir.
Underwood   agarrou-lhe  no  ombro  e  sacudiu-a  um pouco.
- Tenho de saber a verdade. Quem mexericou semelhante nojice? É melhor dizeres-me. Não te deixarei dormir enquanto não me disseres.
Seguiu-se outra longa pausa.
- Blake - murmurou ela.
- Blake disse-te isso? Ele é apenas chefe do Gabinete. Não sabe uma única coisa que eu não saiba. Onde obteve ele a informação?
-Secretário  de... - Alice  suspirou. - Morrison. Ezra. Ele disse a Blake.
- Qual foi a fonte de Morrison?
- Não sei. Por favor, deixa-me em paz. Voltou a sacudi-la, ligeiramente.
-'Alice...
- Sim?
- É uma mentira, e tu deves sabê-lo. Eu não sei nada, absolutamente nada, a respeito da morte de Prem Sang. Porque disseste isso a Noy? Que coisa horrorosa para lhe contares... e, pior ainda, que a culpa foi minha.
Ela estava semiconsciente.
-'Talvez... tua culpa.
-Não foi culpa minha - afirmou, alto. - Não tive nada que ver com o assunto, mas tu acreditaste na primeira coisa que ouviste e foste dizê-la. Porquê, Alice, em nome de Deus, porquê?
Persistia um resquício de consciência, e Alice fez um esforço para o agarrar, embora a sua voz fosse indistinta, quando falou:
- Eu... eu queria que aquela mulher do sarong deixasse de... se atirar a ti. Ela só arranja chatices. É viúva e quer tornar-me viúva também, roubando-te a mim. Não a deixarei, tanto mais que ela é viúva por tua causa. Foste tu que lhe fizeste isso, não eu. Pergunta ao Morrison. Agora vai-te embora e deixa-me... deixa-me ter um pouco de paz.
De manhã cedo, no Gabinete Oval, Underwood, já barbeado, com duche tomado e impecavelmente vestido, estava pronto para lutar, quando Ezra Morrison entrou, em obediência a um chamamento severo do Presidente.
Underwood esperou que o seu secretário de Estado se sentasse. Depois disso, não perdeu tempo.
- Ezra, você arranjou-me um problema dos diabos. Devia demiti-lo.
Morrison mostrou-se todo inocência.
- Meu Deus, chefe, essas são palavras duras para esta hora da manhã. Tanto mais que eu não sei de que demónio está a falar.
Underwood fitou-o, com olhos irados.
- Arranjou-me problemas com Madame Noy Sang. Arranjou-me problemas com a primeira dama. Acusou-me de assassínio. Não há no Inferno nada que você não me tenha feito.
Morrison deixou-se cair para trás da cadeira, como que aliviado.
- Ah, é isso! Quase me esquecera. - Voltou a endireitar-se no lugar. - É simples, e não me importo de ser franco a esse respeito. Tanto quanto sei, e por qualquer razão que desconheço, Alice queria ser informada de todos os pormenores acerca da maneira como Noy ficara viúva. Encarregou Blake de o descobrir. Blake foi ter comigo; disse que a primeira dama insistia muito no assunto. Ele queria saber a verdade acerca da morte de Premi, para contar a Alice. Estava tão ansioso por saber a história completa, que contactei com a pessoa mais discreta que conheço na CIA. Falei com alguém e descobri o que pude.
- Alguém? - indagou Underwood.
- Confidencial, Matt. Algumas coisas são confidenciais. Aliás,  não tem  importância quem foi  o alguém. Tratou-se  de   uma   pessoa   que   presumivelmente   sabia quem esteve por trás do assassínio. Fiquei a saber que tinha sido um esquema da CIA. Não estou a dizer que alguém de lá o fez, pessoalmente. Foi apenas uma coisa para porem na agenda. Algo que beneficiaria os Estados Unidos. Com os diabos, você recebe, diariamente, os NID e FTPO da CIA. Eu tinha a certeza de que estava ao corrente.
Underwood controlou a indignação.
-Pois bem, eu não estava ao corrente. Liquidar Prem? Não, isso não constou, nunca, de nenhum relatório que eu tenha visto.
-Talvez o papel da CIA fosse secundário, não tivesse importância suficiente para o incomodarem com ele.
- Isso são tretas, Ezra. Um assassínio, até mesmo uma sugestão de assassínio,  considerado  insuficientemente importante para ser comunicado ao Presidente dos Estados Unidos? O plano nunca me foi comunicado. Não recebi nenhuma palavra da CIA a esse  respeito. Está a dizer-me que eles passaram, deliberadamente, por cima de mim e actuaram por sua própria conta?  Me tornaram responsável, quando eu  não tive responsabilidade nenhuma? Jogo sujo, tudo sujo de ponta a ponta. Ezra, vou conseguir as respostas a tudo isto, e depressa. Vou ordenar ao  Ramage  que se  apresente  aqui,  imediatamente, e vou arrancar a verdade ao director da CIA.
- Desejo-lhe sorte-respondeu Morrison, levantando-se.- Sabe, Ramage dirige a sua própria loja.
13 - A Convidada de Honra                                                   
Underwood levantou-se também.
- Talvez dirija - respondeu -, mas eu sou o senhorio. Não se esqueça disso.
Depois de Morrison sair, Matt Underwood ficou algum tempo à secretária, escusando-se a todas as chamadas, para ver se descobria uma maneira de manobrar Alan Ramage.
Não tardou a compreender que não havia opções. A única maneira de abordar o director da CIA era directa e francamente. Mas isso não era coisa para tratar por meio de uma conversa telefónica. Tinha de ser feito de homem para homem.
Por fim, mandou ligar para Langley.
Quando o director atendeu, anunciou:
- Fala Matt Underwood.
- A sua secretária já me tinha dito. Como está, Sr. Presidente? A que devo este prazer?
- Alan,   preciso  de  falar  consigo  aqui,   na   Casa Branca.
- Parece urgente.
- É urgente, Alan. Quero que venha imediatamente para cá.
- Dê-me vinte minutos - pediu Ramage.
Para Underwood, que voltou a atender telefonemas, os vinte minutos passaram num instante.
Por fim, Ramage foi anunciado e entrou no Gabinete Oval.
- Bom-dia, Sr. Presidente.
De rosto sério, Underwood apontou uma cadeira defronte da sua secretária.
- Sente-se, Alan.
Surpreendido com a atitude altiva do Presidente, Ramage sentou-se e aguardou.
- O  assunto tem  que  ver  com   Lampang - disse Underwood.
- Lampang? Pensava que tudo isso estava sob controlo.
- Não,  não  está  inteiramente. - Underwood   incli-nouhse para a frente, apoiado no cotovelo e de olhos fixos no director da CIA. - Há um assunto inacabado que quero discutir.
- Claro, seja o que for.
- Relaciona-se   com   o   assassínio   do   Presidente Prem Sang.
Ramage chegou-se para trás na cadeira.
- Que deseja saber a esse respeito?
- Quem foi? - perguntou, rispidamente, Underwood.
- Quem foi? - repetiu  Ramage. - Os comunistas, evidentemente. O general  Nakorn investigou o caso e foi essa a conclusão a que chegou.
- O general Nakorn é um mentiroso.
- É? - repetiu   Ramage,  parecendo  surpreendido.
- Eu sei quem foi. Fomos nós.
- Nós?  Refere-se aos  Estados  Unidos? Não pode estar a dizer isso.
- A CIA - especificou Underwood. - Suponho que ela ainda faz parte dos Estados Unidos.
- A CIA?  Está a  seguir a pista  errada, Sr. Presidente. O nosso negócio não é o assassínio, e o senhor sabe isso.
- Vocês   estão   metidos   em   qualquer  espécie   de coisa suja em Lampang, e eu tenciono saber tudo a esse respeito antes de você sair daqui.
-Acho melhor clarificar o que pretende.
- Eu sei uma parte, Alan, por isso deixe-se de subterfúgios. Este é um momento de inteira franqueza. Fui informado de que  interviemos  na  liquidação do  Presidente Prem Sang. Quero saber se isso é verdade, meio verdade ou não é, em absoluto, verdade. Não quero mais esquivas. Está a falar com o seu presidente. Pronto, agora é a minha vez de ouvir.
Alair Ramage não disfarçava o seu desconforto. Os seus olhos fugiam aos do Presidente e procuravam as bandeiras atrás da secretária, saltavam de uma para outra.
-A Companhia teve algum envolvimento, claro - respondeu, escolhendo, cuidadosamente, as palavras.- Seja o que for que tenha ouvido, pode ser parcialmente verdade, mas garanto-lhe que não o é completamente. Eu revelo-lhe o cenário real, na medida em que o conheço. - Tirou um maço de cigarros da algibeira do casaco e levantou-o. - Importa-se?
O Presidente não se importava.
Ramage tirou um cigarro e chegou-lhe o isqueiro.
- Muito bem - recomeçou. - Muito bem - repetiu.
- Nós sabíamos que tínhamos alguns inimigos em Lam-pang. Sabíamos que Prem não nos daria a base aérea que queríamos e, mais importante ainda, não eliminaria os rebeldes comunistas. Sabíamos que se Prem fosse, de algum modo, afastado do cargo...
- Que significa isso? - interrompeu Underwood.- Que significa «afastado do cargo»?
- Não significa morto, se é isso que está a pensar. Não, antes  forçado  a demitir-se. Talvez  alguma  coisa debilitante, que o fizesse demitir-se. Então suceder-lhe-ia a mulher, Noy, e ela seria mais fraca, mais fácil de manobrar. Seriam marcadas eleiçõs e, se ela se candidatasse, teria como oponente o general Nakorn, um amigo provado do nosso país. Ele venceria com uma perna às costas e nós obteríamos dele o que queríamos. Consultei, portanto, o chefe da nossa estação em Visaka- Percy Siebert, que creio que conheceu...
- Sim, conheci-o.
- Bem,   disse-lhe,   não  tive   outro   remédio   senão dizer-lhe, depois de numerosas reuniões com Morrison, que não estávamos contentes com o Presidente de Lam-pang   e   preferíamos   muito   mais   que   a   sua   mulher ocupasse o cargo.
- Mas não houve nenhumas instruções acerca de assassinar Prem.
- Absolutamente nenhumas. Eu disse a Siebert que tínhamos de encontrar um  meio de nos  livrarmos de Prem   Sang  de   uma  maneira  aceitável.   Disse-lhe  que investigasse e descobrisse alguma coisa acerca de Prem que pudesse levá-lo a dar-se por vencido e desistir.
- Porque não fui informado disso no seu livro de instruções diário?
Ramage mexeu-se na cadeira, contrariado.
- Tratava-se de uma operação secreta numa fase preliminar. Não gosto de o envolver em operações secretas enquanto não tenho a certeza do que a CIA fará. Pensei que seria melhor dizer-lhe  depois de termos  uma orientação, de  sabermos que daria  resultado e que o general Nakorn estaria em breve ao volante.
- Que aconteceu a seguir?
- Sei que Siebert foi ter com o general Nakorn e pediu a sua cooperação para ser encontrada uma maneira de remover Prem do cargo.
- E Nakorn escolheu o caminho mais rápido: assassínio.
Ramage levantou a mão, num protesto.
- Calma, Sr. Presidente, nós não temos a certeza disso.
- Sabemos que o assassínio foi cometido. Isso é um facto. Quem, mais, a não ser Nakorn, podia tê-lo cometido ou ordenado?
Ramage mostrou-se  menos certo do que o Presidente.
- Qualquer de uma dúzia ou mais de homens seus subordinados. Ele deve ter sugerido que investigassem Prem, e alguém' pode ter chamado a si a tarefa de se livrar do Presidente. Tanto quanto eu sei, Nakorn pode ter passado a palavra aos comunistas, que se encarregaram disso.
- Eles não teriam tocado em Prem. Você mesmo disse que ele estava do seu lado.
- Não totalmente. Estava disposto a falar com eles, mas não, necessariamente, a ceder a todas as suas exigências. Eles podem ter querido  limpar o quadro para um alvo mais fácil e mais maleável, nomeadamente, Noy Sang.
- Duvido. Duvido muito. Não creio que os responsáveis tenham sido os comunistas.
- Nesse caso, não sei quem foi - afirmou Ramage.
- Não sei a quem cabe a responsabilidade, e não estou certo de que o Siebert saiba. O assassínio conduz-nos a uma parede em branco.
Underwood  dava  voltas  ao  assunto,   mentalmente.
- Não   inteiramente.  Foi   uma  decisão  da  Companhia, e eu sou responsável por todas as decisões da CIA.
- Franziu a testa. - Isso foi feito em meu nome. Simplesmente, eu não fui informado. Se tivesse tido conhecimento do que vocês tramavam, tê-los-ia impedido. Teria desconfiado de que o seu bando perderia o controlo das coisas e acabaria por dar em assassínio. Isso foi feito nas minhas costas.
- Desculpe - disse Ramage. - Não sei como dizer--Ihe... - Levantou-se e começou a andar para trás e para diante, à frente da secretária do Presidente. Depois parou e fixou o olhar em Underwood. - Sr. Presidente, tenho de ser rude consigo. Não sei se vai gostar...
- Prossiga.
- Acho que está tudo relacionado com a maneira como tem desempenhado o seu  cargo. Tem delegado questões de Estado e Defesa noutros, como na Segurança Nacional e em gente que lhe está subordinada. Por esse motivo, não lhe mandei o nosso relatório no seu esboço experimental. Tinha todas as razões  para crer que se tratava de uma coisa cuja execução o senhor delegaria em alguém com menos competência na matéria do que a CIA.
Voltou para junto da cadeira, cujas costas agarrou.
- De qualquer modo, Sr. Presidente, é demasiado tarde para mudar seja o que for. Já é história antiga. Já não há absolutamente nada que se possa fazer.
O Presidente levantou-se.
- Aí é que você se engana, Alan. Há uma coisa que pode ser feita, e eu vou fazê-la. Esta não a delegarei em  ninguém. Bom dia, Alan. Não vamos discutir mais o assunto.
Sozinho à sua secretária no Gabinete Oval, comendo a sanduíche de hamburger que o seu criado lhe levara para o almoço, Matt Underwood considerou o que podia ser feito para acabar com a confusão em que estava perante Noy Sang.
Compreendeu que havia apenas uma saída e que tinha de agir de conformidade com ela.
Quando o chefe do seu Gabinete regressou, uma hora depois, Underwood chamou-o e disse-lhe que entrasse imediatamente.
Paul Blake entrou, com uma interrogação no rosto, e Underwood fez-lhe sinal para se sentar na mesma cadeira que Ramage ocupara de manhã.
Quando Blake se sentou, Underwood pegou em três folhas de papel da sua secretária e percorreu com o dedo cada uma delas, de cima para baixo, em silêncio. Por fim, levantou a cabeça.
-O seu esboço de programa para os principais assuntos das próximas quatro semanas...
- Epero que esteja tudo a seu contento, Matt.
- Está, não  há problema. - Encontrou  o  que procurava na segunda folha de papel. - A não ser numa mudança.
- Sim?
- O convite para a China. Diz aqui que fui convidado   para  assistir  a   um   festival   de   aniversário   em Pequim e encontrar-me com os dirigentes da República Popular da China. - Levantou  a  cabeça. - Ainda  está previsto?
- Está e não está - respondeu Blake. - O convite mantém-se, claro. Mas quando discuti o assunto consigo pela   primeira  vez...   bem,  recusou. Achou   que  era   ir demasiado longe para ver umas danças e voltar a falar com dirigentes chineses acerca de nada de importância. Sugeriu que mandássemos o vice-presidente no seu lugar. Ainda não revi  esse assunto, porque me pareceu que lhe devia dar mais tempo para pensar melhor.
Underwood acenou com a cabeça.
- Fez bem, Paul. Eu precisava de mais tempo para pensar melhor no assunto, e pensei.
- Bem, Sr. Presidente, e qual é, agora, a sua opinião?
- Mudei de ideias.
- Vai à China? - perguntou Blake, endireitando-se na cadeira.
-definitivamente. O vice-presidente não tem peso bastante para se encarregar de um encontro como este. Quanto aos festejos, não quero ofender os nossos amigos chineses. Temos de manter as melhores relações com eles.
- Óptimo. Agrada-me que veja isso, Matt.
- Pode reservar-me dois dias em  Pequim.
- Tratarei disso.
- Outra coisa, Paul. Algo que também tem muita importância para  mim,  pessoalmente. - Percebeu,  pela expressão do rosto de Blake, que o chefe do seu Gabinete já adivinhara o que ele ia dizer. Mesmo assim, disse-o.- Quero partir cedo para Pequim. De caminho, pretendo demorar-me dois dias em Laimpang, para desfazer o mal entendido com Madame Noy Sang.
Era o que Blake esperara, mas ele não mostrou qualquer reacção.
- Desejo que  informe  Madame Noy Sang de que irei a Visaka com o propósito expresso de me encontrar com   ela   em   particular.   Encarrega-se   de   preparar   o encontro?
- Imediatamente.
- Mas, antes de me encontrar com Noy Sang, quero que me reserve tempo para outra conversa, também em privado, com Percy Siebert, o chefe da estação da CIA na nossa embaixada em Visaka. Desejo que ele se apresente na minha suite no Oriental Hotel o mais cedo possível após a minha chegada. Diga-lhe que deverá acompanhar-me a um compromisso que terei a seguir.
- Pedirei ao director Ramage que marque imediatamente o encontro com Siebert.
- Obrigado, Paul. Trate disso.
Depois de Blake sair, Matt Underwood levantou-se, espreguiçou-se e sentiu-se melhor. Sabia que tinha um caminho espinhoso à sua frente. Siebert não seria fácil, e Noy talvez fosse ainda mais difícil.
Mas tinha de ser feito.
Reparação de estragos, poder-se-ia chamar.
Estragos causados pela primeira dama.
Ou pela CIA.
Uma semana depois, o Presidente Underwood viajava a bordo do Força Aérea Um, a caminho da República Popular da China, com um desvio para passar primeiro pela Ilha de Lampang.
Depois de aterrar em Visaka, Underwood, com Mar-sop ao lado como escolta, foi conduzido à Leader's Suite do Oriental Hotel. Marsop fora enviado por Noy Sang para o receber e escoltar, por uma questão de formalidade. O ministro não disse nada a respeito de Noy, a não ser que ela esperava atender o pedido de um encontro, feito por Underwood, no seu gabinete no Palácio Chamadin.
Incapaz de obter do ministro algo mais prometedor, Underwood separou-se dele no Oriental Hotel, e, rodeado pelo seu contingente de agentes do Serviço Secreto, preparou-se para um encontro ainda menos prometedor e mais difícil com o chefe da estação da CIA em Lampang, Percy Siebert.
O encontro com Siebert foi tão difícil quanto Underwood previra. Só invocando o poder do seu cargo conseguiu superar a relutância do agente da CIA em colaborar. No fim, Underwood saiu vencedor do esgotante confronto e, decorrida hora e meia de persuasão - na realidade de mando-, foi capaz de obrigar Siebert a acompanhá-lo à reunião com Noy no Palácio Chamadin.
Underwood e Siebert esperavam no gabinete de Noy quando ela entrou.
Inclinou a cabeça a Siebert, enquanto cumprimentava Únderwood friamente.
- Estou surpreendida por voltar a vê-lo tão cedo - disse ao Presidente. - Queiram sentar-se.
Depois de Únderwood e Siebert se sentarem, Noy contornou a secretária e sentou-se na sua cadeira.
- Porque  está  aqui? - perguntou,  sem  rodeios,  a Únderwood.
- Acusou-me de ser responsável pela morte do seu marido. Eu disse-lhe que investigaria a acusação e chegaria ao fundo da questão.
- Penso, realmente, que não há mais nada para discutir a esse respeito.
- Há muito para discutir - discordou Únderwood -, sobretudo porque a senhora não está de posse de todos os factos. Quer ter a bondade de me escutar?
- Claro - respondeu Noy, com enfado-, se tiver alguma coisa para acrescentar.
- Eu tinha-lhe dito que descobriria a verdade acerca do assassínio do seu marido. Fora injustamente acusado. Tentei  dizer-lhe que não gosto de sangue nas  minhas mãos, especialmente quando não é delas. Agora quero esclarecer tudo.  Percy Siebert é funcionário da  nossa embaixada e, como sem dúvida sabe, chefe da estação da CIA em Lampang.
Noy acenou com a cabeça.
- Estou ao corrente disso, Sr. Presidente.
- Bem, de um modo secundário, Mr. Siebert esteve envolvido na morte do seu marido e, depois de eu ter tomado conhecimento disso, vim aqui para o ver e discutir o assunto, e agora estou a forçá-lo, contra a sua vontade, a informá-la do que, realmente, aconteceu.
A atenção de Noy desviou-se para o agente da CIA.
- Sim, Mr. Siebert?
- Compreenda, Madame Sang, que não sou o actor principal dessa infeliz ocorrência - começou Siebert.- Tive um papel porque estava em Lampang. Mas as ordens vieram  de Alan Ramage, o director da CIA. Ele informou-me de que o Presidente Prem Sang estava a obstruir a política dos Estados Unidos no Sudeste Asiático. Foi-me dito que encontrasse uma maneira de o tornar um aliado mais próximo dos Estados Unidos...
- Ele era um aliado! - exclamou Noy.
- Não exactamente Madame. Os Estados Unidos e Lampang tinham objectivos diferentes - respondeu Sie-bert.
- E o assassínio era o meio de alcançarem os seus objectivos? - indagou Noy.
- Nunca ouvi essa palavra nas minhas instruções. Fui aconselhado a encontrar um meio não violento. Talvez um escândalo. É importante para si saber que o Presidente Underwood não teve conhecimento nenhum desse empreendimento, absolutamente nenhum.  Ele não teve nada que ver com as ordens que me foram dadas, está completamente  inocente  no que  a  isso respeita.  Elas não lhe foram mostradas. Nem mesmo no relatório FTPO. - Só Para o Presidente. (*) Previu-se que ele se oporia. O director Ramage recomendou insistentemente segredo, e eu obedeci às suas ordens.
Noy virou a cabeça para Underwood e, pela primeira vez desde que se tinham separado em Blair House, o semblante dela suavizou-se e mostrou-se amigável.
- É... é bom ouvir isto, Matt.
Underwood não lhe respondeu. Em vez disso, fez um gesto a Siebert.
- Continue, Percy.
- Tentei imaginar a quem podia recorrer e, por fim, escolhi o general Samak Nakorn. Encontrei-me com ele. Pu-!o ao corrente dos desejos do meu governo. Não lhe disse que fizesse mal ao Presidente Prem, e muito menos que o matassem, mas sim que encontrasse uma maneira qualquer de o calar ou obrigar a abandonar o cargo o mais depressa possível. Posso até ter empregue linguagem do género de lhe dizer que tentasse descobrir se o  Presidente Prem  estava envolvido  nalgum  escândalo governamental.   Respondeu-me   que   encarregaria  algum pessoal do seu serviço de informações do exército de investigar  mais  profundamente  os  assuntos  do  Presidente  Prem.  De qualquer modo,  arranjaria maneira de que fosse posto cobro à resistência de Prem à política
(*)    Iniciais de For the President Only. (N. da T.)
americana. - Siebert fez uma pausa, para tomar fôlego. - Várias semanas depois, vim a saber que tinham entrado dois homens no gabinete do seu marido e o tinham morto. Não era essa nossa intenção nem o nosso desejo. O Presidente estava completamente alheio ao que se tinha passado. Não se tratou de ser desatento. Pura e simplesmente, não sabia.
O olhar de Noy fixou-se em Underwood.
- Lamento, Matt, tê-lo acusado. Peço desculpa.
-Era isso que queria ouvir da sua boca - disse Underwood. - Que estava convencida de que não tive qualquer participação no caso.
- Agora tenho a certeza disso. Siebert concluiu:
-O assassínio não era desejo da CIA. Mas aconteceu. É tudo quanto sei.
Noy olhou Siebert com atenção.
- Acredita que tenha sido cometido em obediência a ordens do general Nakorn?
- Possivelmente - respondeu o agente, encolhendo os ombros. - Não tenho uma sombra de prova.
- Apesar   disso - declarou   Noy -,   penso   que   o general   Nakorn   deve   ser  sujeito   a   uma   investigação pública. Talvez seja a única pessoa que nos pode dizer como ocorreu o assassínio. Colaborará, Mr. Siebert?
O agente abanou a cabeça, lenta e pesarosamente.
- Não posso colaborar, Madame Noy, por muito que gostasse. Devo a minha lealdade à CIA e prestei um juramento quando ocupei o meu cargo. Não posso contar a minha  história em público...  e não me podem obrigar a fazê-lo. Como funcionário da Embaixada dos Estados Unidos, gozo de imunidade diplomática. Não posso, pura e simplesmente,  revelar o que se faz na CIA. Espero que compreenda isso, Madame Noy.
- Talvez se possa abrir uma excepção neste caso, Percy - intercedeu Underwood.
Siebert abanou de novo a cabeça.
- Sabe que é impossível, Sr. Presidente.
- Deixe   lá,   Matt - interrompeu   Noy. - Eu   compreendo a posição dele. Sem um julgamento, um interrogatório, terei de adoptar a segunda melhor atitude que me resta.
- Qual é ela, Noy? - perguntou Underwood.
- Amanhã   anunciarei   que  tenciono  candidatar-me pessoalmente às eleições, contra o general Nakorni. Ele anunciou a sua candidatura há uma semana. Os Estados Unidos  acreditavam  que,  se   eu  substituísse   Prem   no cargo, seria demasiado fraca para derrotar Nakorn em eleições. Essa convicção revelou-se errada. Não houve quaisquer objecções à base aérea. Ela é vista como uma protecção   da   nossa   democracia.   E   as  pessoas   estão dispostas   a   deixar-me   encontrar   com   os   comunistas, que no fim de contas são compatriotas lampanguianos, e trazê-los para o nosso sistema. Em consequência disso, as   últimas   sondagens   revelam   que   sou   muito   mais popular  do  que  o  general   Nakorn.  Vou   candidatar-me contra ele  e  derrotá-lo.  Essa é,  agora,  a  minha única ambição.  Afastar  o   nosso ambicioso   general   da  vida pública. Aprova, Matt?
- Aprovo, Noy. De todo o coração.
Noy levantou-se, contornou a secretária e tomou nas suas a mão de Underwood.
- Perdoe-me, Matt. Eu devia ter sabido que estávamos do mesmo lado. Desejo que seja bem-sucedido na China. Graças a Deus por ter vindo primeiro aqui. E não se esqueça de voltar em  breve, o mais  breve possível.
Quando Underwood regressou à sua suíte no hotel, Paul Blake já lá estava, de malas feitas e pronto para partir com ele para a China.
Enquanto o Presidente vestia uma camisa lavada e um fato de gabardina, e observava o criado a refazer as malas para a última etapa da viagem, Blake colocou-se atrás dele, para lhe fazer perguntas.
- Pela sua boa disposição, deduzo que teve uma reunião satisfatória com Madame Noy Sang.
- Muito - confirmou o Presidente, sorrindo. - Com Siebert   presente,   pude   esclarecer  tudo   e   Noy   pediu desculpa por me ter acusado de alguma coisa.
- Ela acusa o general Nakorn?
- Suspeita dele. Não pode provar que ele foi responsável pela morte de Prem, mas quer Nakorn afastado do caminho. Na verdade, resolveu não se retirar no fim deste mandato. Amanhã anunciará na televisão nacional que se candidata às eleições. Espera derrotar Nakorn e, se for eleita, afasta-o do caminho.
Blake observou, em silêncio, enquanto o criado acabava de fazer as malas.
- Matt... - disse, por fim.
- Sim, Paul?
-Sabe, Nakorn é o nosso homem em Lampang. Podemos confiar nele.
Underwood fechou a sua mala à chave e levantou a cabeça.
- Eu   não   confio   nele - declarou. - Confio   em Noy Sang.
- Ezra Morrison já está em Pequim. Não vai ficar feliz.
- Eu   sou   o   seu   comandante-chefe - respondeu Underwood. - Eu sou o único que tem de se sentir feliz. - Fez uma pausa. - E neste momento sinto-me.
CAPÍTULO    10
O Hotel Grande Muralha erguia-se imponentemente nos arredores de Pequim. Ao chegar à sua entrada, o Presidente Underwood ficara impressionado com os enxames de chineses, fortemente contidos ao longo do caminho, com as bicicletas muito bem arrumadas, filas e filas de estruturas cromadas. Quando entrou no hotel com a sua comitiva, sentiu-se ainda mais impressionado com as dimensões e o esplendor do vasto átrio.
O gerente do hotel e membros do Politburo chinês tentaram conduzir Underwood para os elevadores de vidro, mas o Presidente, quando viu a larga e ricamente alcatifada escada próxima, insistiu em subir a pé para o terceiro piso, onde ele e Ezra Morrison ocupariam suites contíguas. Underwood queria andar porque estava cansado da sensação de confinamento resultante das viagens de avião e ansiava pelo exercício e pela energia que ele induziria.
Sentia-se um pouco mais lesto e revigorado quando chegou ao terceiro piso. Metade do seu contingente de homens do Serviço Secreto chegaira mais cedo, com Morrison, no avião da imprensa e já estava nos seus postos.
Underwood foi acompanhado à sua suíte, e o seu criado dirigiu-se logo para o quarto, a fim de desfazer as malas.
Obedientemente, o Presidente deixou que lhe mostrassem a suíte. Quando isso terminou, o gerente disse-lhe:
- O secretário de Estado Morrison está na suíte contígua, a aguardar a sua chegada, Sr. Presidente.
- Óptimo - respondeu Underwood. - Estou ansioso por vê-lo.
Discretamente, o gerente e os funcionários chineses retiraram-se e, quando o criado saiu também, Underwood bateu à porta de comunicação entre as duas suítes.
A porta abriu-se e Morrison apareceu. Deram um aperto de mão.
- O voo foi bom? - perguntou Morrison, entrando na suíte do Presidente.
- Perfeito. E você, que andou a fazer?
- Esta manhã, comecei por ir à Praça de Tien An Men.  Ainda  é  espectacular.  Depois  tive  um  encontro preliminar com o Primeiro-Ministro Li Peng, no Grande Palácio do  Povo,  e  passámos  em  revista  o programa para  amanhã.  Haverá vários oradores,  mas você  será o principal. Peng apresenta-o, no Grande Palácio, você fala   aos   mil   e   novecentos  delegados   e  depois   Peng encerra a cerimónia. Isto é amanhã. Esta tarde há uma sessão de fotografias na cidade. Será levado a apreciar todas   as  vistas  que já  viu  dúzias  de  vezes,  noutras ocasiões. A imprensa chinesa e a americana adorarão.
- Parece fácil. Bebamos qualquer coisa. Estavam ambos de pé junto do pequeno bar, quando
Morrison reatou a conversa.
- Como correu a sua passagem por Lampang? Conseguiu ver Noy?
-Consegui, e levei Percy Siebert comigo. Pudemos resolver tudo. As relações entre Noy e mim são de novo amigáveis.
-Já calculava - disse Morrison. - Acabo de ver Noy.
- Viu-a? - perguntou    Underwood,    surpreendido.
- Na televisão. Na televisão chinesa. Compreendi o que ela disse, porque falou em inglês. Os chineses legendiaram o seu discurso.
- Como a achou?
- Muito  eficaz,  pareceu-me. Anunciou  que  se  ia candidatar às   eleições.  Imaginei   que  você   devia  ter alguma coisa que ver com isso. Até agora, só o general Nakorn anunciara que se candidatava. Noy negara qualquer intenção de o fazer. Depois você passa por  lá, vê-a... e, de súbito, ela vai candidatar-se. Underwood acenou com a cabeça.
- Eu posso ter tido um pouco que ver com isso, mas a decisão foi dela própria. Depois de Siebert concluir a sua explicação dos acontecimentos, ficou praticamente convencida de que Nakorn era responsável pela morte do marido.
- Surpreendente, mas possível.
- Ela não o pode provar, Ezra. Por isso, quer esmagá-lo nas  eleições, destituí-lo de chefe do exército  e reduzi-lo a zero.
Morrison ocupou-se a preparar um charuto.
- Compreensível. - Acendeu   o   charuto. - No entanto,  Matt, sabe que o general  Nakorn é  o  nosso homem.
- Claro   que   sei.    Blake   recordou-me   isso   em Lampang.
- Nós  não  queremos  vê-lo derrotado - continuou o secretário de Estado. - Sabemos que ele é de confiança. Acredita na bandeira americana.
- Noy Sang também - afirmou Underwood, veementemente. - Tenho a certeza disso.
- Eu   não - disse   Morrison,   abruptamente. - Os seus sentimentos por Noy podem ser coloridos pela... pela personalidade dela. Ela é branda com os comunistas. Nós   precisamos   de   alguém   que   seja   duro   com   os comunistas.
- Você vê comunistas debaixo de cada arbusto - rosnou   Underwood. - Joe   McCarthy  morreu   há   muito tempo. Deixe-o repousar em paz.
- É   o   meu   dever,   Matt.   Sou   seu   secretário   de Estado. Não confio neles aqui, lá, seja onde for.
- Eu sou seu presidente, Ezra. Confio neles como nunca, agora que estamos num mundo onde nos podemos obliterar mutuamente.
- Eu sentir-me-ia maiis seguro, muito mais seguro, com Nakorn no poder - teimou Morrison.
- Noy vai à frente nas sondagens. Tenho a certeza de que ela ocupará o lugar por mérito próprio. Teremos de confiar nela, e eu garanto-lhe que podemos confiar.
Morrison suspirou.
- Só espero que esteja certo. Não nos podemos dar ao luxo de nos enganar. Precisamos de força no Sudeste Asiático. Isso lembra-me outra coisa. Li o discurso que os assessores lhe escreveram para pronunciar na China. Presumo que também o leu.
- Sabe   que   sim.   Cuidadosamente.-' Undierwood hesitou. - Suavizei-o um pouco - acabou por dizer.
- Porquê? Eu gostava como estava.
- Os Chineses estão a caminhar na direcção do capitalismo e da democracia. Aposto nisso. Não quero que os tratemos eternamente como inimigos.
Impaciente, Morrison afastou-se do bar.
- Espero que não esteja a cometer um erro, Matt. Não  sabemos  para  onde  irá  a  China,  a   longo  prazo. A curto prazo, neste momento, a China é um Estado comunista. E, pela maneira como você está a proceder, Lampang também o poderá ser.
- É demasiado pessimista, Ezra.
- Talvez seja, ou talvez não - respondeu Morrison, a puxar fumo do charuto.-A minha preocupação real e imediata, neste instante, é Lampang. Com risco de o ofender, chefe, detestaria perder uma coisa certa porque alguém de mamas grandes e sarong lhe caiu no goto.
Underwood sorriu.
- Não está a ofender, parece apenas a minha mulher a falar. Tem absoluta razão. Noy é espantosa de sarong. E, sim, aposto que tem mamas grandes, sem sarong. Mas prefiro apostar em mamas do que em alguém que usa -e brande - um sabre.
- Não tenho a certeza de que o amor vença tudo. Underwood aproximou-se de Morrison.
- E   eu   não  tenho   a   certeza   de   que   isto  tenha alguma coisa que ver com amor. Sucede, no entanto, que, historicamente,   o   amor   vence   tudo.   Demos-lhe   uma opotrunidade,  Ezra.  Deixe-me fazer as  coisas  à  minha maneira. Eu sei o que está em jogo, mas façamos as coesas à minha maneira.
Noy Sang não previra que o seu anúncio, pela televisão, de que se candidatava à eleição para Presidente causasse tal furor. O general Nakorn fizera-o na semana anterior, após uma convenção do Partido Nacional Independente, e a excitação fora pouca. Partira-se do princípio de que Noy não se candidataria e, portanto, Nakorn teria a presidência quase automaticamente.
O inesperado anúncio de Noy, de que se candidatava, excedera todas as suas expectativas. Tinham-se--lhe seguido telefonemas, apoio da imprensa e manifestações de contentamento em todo o país.
Andara tão entusiasmada e tão ocupada com a excitação que, naquela manhã, a assaltara um sentimento de culpa, ao pensar que talvez estivesse a prestar pouca atenção aos que a cercavam. Aquele que mais negligenciava, achou, era o seu filho de seis anos, Den.
Normalmente, Noy tomava o pequeno-almoço com Den antes de ele ser levado ao carro para as aulas, na St. Mary's School. Desde o princípio, fizera questão de que Den fosse educado, o mais possível, como qualquer outra criança da cidade. Recusou-se a mandá-lo para uma escola particular, preferindo matriculá-lo numa escola pública. Esta decisão dava ao filho a oportunidade de conhecer crianças comuns, da sua própria idade, e não apenas os filhos de famílias ricas. Noy insistira, também, que ele fosse todos os dias para a escola no seu Mercedes pessoal e com o seu próprio motorista, Chalie, a conduzir. Tinha consciência de que, se o levasse pessoalmente à escola, isso originaria complicações e cerimonial, com pelo menos meia dúzia de guardas da segurança a precedê-los e segui-los. Não queria que assim fosse. Não queria que Den pensasse que era alguém especial. Por isso, mandava-o diariamente para a St. Mary's, no Mercedes Sedan conduzido por Chalie.
Mas, naquela manhã, espicaçada pelo sentimento de culpa, acompanhara Den e Chalie à escola. Pesava-lhe na consciência o tempo que passava longe do rapaz e queria aproveitar todas as oportunidades para estar com o filho e demonstrar-lhe o interesse que ele o as suas aulas lhe merecíiam.
Caminhou com Den até à entrada principal do recreio da escola, onde os três amigos dele - Toru, o seu melhor amigo, e outros dois - estariam à espera. Den beijou apressadamente a mãe e atravessou o passeio a correr, para falar aos amigos.
Um aceno rápido, e depois estava com eles no pátio ensaibrado, do lado da frente do edifício da escola.
Satisfeita, seguiu em silêncio no Mercedes, enquanto Chalie a conduzia de regresso ao portão principal do Palácio Chamadin.
Apeou-se e avisou o motorista:
-'Chalie, vá buscar o Den sozinho, às duas horas, como de costume. Eu estarei ocupada a tarde toda. Encarrega-se disso?
- Como sempre, Madame-respondeu Chalie. Entrando  no palácio,  Noy  pensou  que  havia  uma
única pessoa, no exterior, a quem gostaria de comunicar a grande recepção que o anúncio televisivo da sua candidatura tivera. Essa pessoa era, evidentemente, Matt Underwood. Olhou para o relógio de pulso e lembrou-se de que, mais ou menos àquela hora, Underwood estaria no Grande Palácio do Povo, em Pequim, e indisponível para qualquer telefonema frívolo.
Prometeu a si mesma que lhe telefonaria dentro de poucos dias, quando ele tivesse terminado a viagem oficial à China e estivesse de novo à sua secretária, no Gabinete Oval, em Washington, D.C.
Por cima do ombro, viu Chalie partir, no Mercedes, para a garagem subterrânea, onde poderia deixar o carro até serem horas de ir buscar Den.
Chalie desceu a rampa da garagem e arrumou o sedan na área reservada para os carros presidenciais.
Abriu a porta do seu lado, saiu do Mercedes e afastou-se dele. No mesmo instante, ouviu um ranger de movimento, atrás de si.
Voltou-se para ver o que era, mas teve apenas um vislumbre âe um grosso bastão de basebol na mão de alguém. O bastão estabeleceu contacto violento com a sua cabeça, antes que tivesse tempo de o evitar ou de se defender.
A pancada foi forte e em cheio, na parte de trás do crânio. Os joelhos d© Chalie dobraram-se e ele perdeu a consciência.
O Mercedes estava à espera, no exterior da St. Mary's School, às duas horas, quando Den e os seus amigos atravessaram o pátio a correr, para a saída.
- Lá está o teu carro - gritou Toru.
- Está sempre ali - respondeu Den. - Chalie vem a horas, todos os dias. Tem medo da minha mãe.
- Medo   de   quê? - perguntou   Toru. - Só   porque ela é Presidente?
- Suponho que sim. Aquela aula de geografia foi muito chata, nem?
- Não foi tão má como a de história.
-Até amanhã - despediu-se Den.-Não te esqueças do filme da televisão, esta noite. Casablanca. Li que era o mais popular da televisão americana. Amanhã falamos dele.
Den saiu a correr do pátio, deixando os amigos para trás, agarrou a porta da frente do M&rcedes, abriu-a de repelão e atirou-se para o banco do passageiro. Os seus olhos continuavam nos amigos, a quem acenava. Depois o carro arrancou.
Durante meio minuto, Den olhou a direito à sua frente, pelo pára-brisas.
- Ufa, outro d'ia chato na escola, tirando a aritmética- disse, distraído com os seus pensamentos.
- Ummm... - comentou  o  motorista.
Tinham chegado ao fim do quarteirão, quando o carro virou bruscamente para a direita.
- Eh, que está a fazer? - gritou Den. - Vira sempre para a esquerda, aqui.
Voltou-se no lugar, para ouvir a resposta de Chalie. Mas havia uma coisa errada.
Não era Chalie que ia ao volante.
Chalie tinha uma cara bexigosa. A cara deste motorista era lisa, cheia, acastanhada e tinha um nariz comprido e pontiagudo.
- Você   não  é   o   Chalie-disse   Den,   acusadoramente.-É   outra   pessoa   qualquer.   Que   está   aqui   a fazer?
- Chalie    adoeceu - respondeu    o    homem. - Pediu-me que o viesse buscar.
- Mas este é o caminho errado!
- Não, não é!-disse uma voz da retaguarda. Den virou-se no banco, para olhar para trás. Viu um homem de bigode, lá acocorado, alguém que devia ter estado escondido  no  chão  do  carro,  quando  ele entrara. Viu também  que  o   homem   segurava   uma   arma  prateada, igualzinha   às   dos   filmes,   cujo   cano   encostou   à   sua cabeça. - Agora cala-te, meu rapaz, se não queres ficar com um buraco na cabeça... Chega-te para mais perto do motorista e dá-me espaço. - Empurrou Den. - Vamos, mexe-te!
Den começou a tremer, coisa que nunca acontecia nos filmes.
O homem do bigode era baixo e atarracado. Passou por cima do banco do carro e sentou-se à frente, ao lado de Den, que ficou como num torno, entre ele e o motorista.
- Agora fecha os olhos,  porque vou vendar-te - ordenou o dos bigodes.
Rapidamente, tapou os olhos de Den com um pano qualquer, que prendeu atrás com um nó duplo.
- Quero ver a minha mãe. - A voz de Den tremia. O homem verificou a venda e deu-se por satisfeito.
- Vais ver a tua mãe. A não ser que arranjes problemas. Nesse caso, nunca mais a voltarás a ver, nem a ela  nem  a ninguém. Agora cala-te.  Levamos-te  num instante aonde vais.
Marsop estava no gabinete presidencial de Noy, de pé à secretária dela, a procurar nos papéis um documento de que precisava.
Sobressaltou-o o retinir súbito de um dos três telefones da secretária. O telefone que tocava era o branco, que Noy só permitia fosse usado para chamadas de membros do seu Gabinete, ou para emergências.
O telefonema era claramente para Noy, e Marsop gritou por ela. Não obteve resposta. Onde quer que estivesse, não o ouvira.
Como o retinir insistente persistisse, Marsop resolveu atender.
Levantou o auscultador do descanso.
-Gabinete da Presidente Sang.
- Quem fala?-A voz do outro lado era grossa e profunda.
- Fala o ministro Marsop.
- Preciso de falar com a Presidente Noy Sang. -'Lamento, mas ela não está no gabinete. Seguiu-se uma pausa.
- Pode   dar-lhe   um   recado? - perguntou,   depois, a voz.
- Com certeza.
- imediatamente?
- Sim, claro. Quem fala?
- Sou do estado-maior do exército.
Marsop julgou reconhecer a voz. Era um baixo profundo, que se gravara na sua memória em reuniões do Gabinete e militares. Era uma voz que parecia a do coronel Peere Chavalit, segundo em influência na hierarquia do exército e o ajudante mais chegado de Nakom. Mas Marsop não tinha a certeza.
- É o coronel Chavalit? - perguntou.
- Isso não importa. Desejo falar com a Presidente Noy. Se ela não está aí, falo consigo. Você pode transmitir-lhe a minha mensagem.
Marsop acenou com a cabeça para o telefone.
- Transmitirei. - O tom  da voz,  o  que  ela  dizia, começava a parecer-lhe assustador. - Estou pronto para lhe  transmitir  qualquer  mensagem.   Diga-me o  que  é.
- Diz respeito ao filho dela, Den.
Aquilo era, definitivamente, assustador, e Marsop agarrou o telefone com força.
- Aconteceu alguma coisa? Ele está bem?
- Perfeitamente bem. Aquilo era intrigante.
- Está a telefonar da escola dele?
- Ele saiu da St. Mary's há meia hora, como pode verificar  pelo seu  relógio.
Marsop olhou para o relógio da secretária de Noy. Eram duas horas e trinta e dois minutos da tarde. Chalie, o motorista de Noy, costumava ir buscar Den - ia sempre buscá-lo - às duas horas.
O ministro engoliu em seco.
- Den... onde está ele?
- Connosco. Com amigos.
- Onde estão vocês?
- Já falamos disso.
- Como posso saber que Den está aí?
- Quer ouvir a sua voz?
- Quero - respondeu Marsop.
Ouviu-se um murmúrio de vozes, a certa distância do telefone, depois passos e depois Den.
- Marsop - disse   o   rapaz   esganiçadamente. - Estou aqui. Estou...
Desapareceu abruptamente do telefone. Marsop imaginou que o aparelho lhe tinha sido arrancado das mãos.
- Ouviu-o - disse a voz profunda.
- Ele   está   em   segurança? - perguntou   Marsop.
- Absoluta, se transmitir imediatamente a mensagem que lhe quero dar para a Presidente Noy.
- Sim, prometo que o farei. Qual é a mensagem?
- Quero ver a Presidente Noy imediatamente.
- Pode vir ao palácio...
- Não seja  idiota. Quero vê-la nas minhas condições, aqui mesmo, onde estou.
- Se puder ser...
- Tem de poder, se a Presidente Noy deseja ver o filho vivo.
O coração de Marsop disparou. Tentou manter o tom da voz sereno. Leva o caso a sério, disse a si mesmo, mas não entres em pânico.
- Qual... Qual é a sua mensagem?
- Escute com atenção. Tem um  lápis? Escreva o que lhe vou dizer.
- Tenho um lápis.
- Muito  bem.   Preste  atenção. A  Presidente  Noy Sang tem de vir à esquina - à esquina sudoeste - da Khan Koen Road com a Bot Road, e tem de vir sozinha. Tomou nota? Leia-me o que escreveu.
Marsop estava sufocado.
- Esquina   sudoeste   da   Khan   Koen   Road   com   a Bot Road. Sozinha.
- Exactamente. Diga-lhe que faça isso sem demora e verá o filho são e salvo.
- Pode...  pode...-gaguejou  Marsop - pode ser difícil à Presidente sair do palácio sozinha. Ela tem uma guarda  de  segurança  que segue todos os  seus  movimentos. Não sei se conseguirá fazer isso.
A voz do outro lado tornou-se mais profunda e mais irada.
- Ela descobrirá uma maneira. Tem de vir sozinha, ou o rapaz morre.
- Espere! Têm o carro dela...?
- O carro dela está na garagem do palácio.
- Deixe-me conduzi-la!
-Não. Ela tem de vir sozinha, num táxi, e ninguém a deve seguir. Deve sair do táxi a três quarteirões de distância. Está a ouvir-me?
- Sim...
- Repito:  sozinha. Ou  o  rapazinho  estará  morto. O  telefone  foi   colocado   no  descanso  com  tanta
força que o som ecoou no ouvido de Marsop. Manteve o auscultador silencioso mais um momento encostado à orelha, e depois desligou também.
Aquilo era terrível. A primeira coisa que tinha de fazer era encontrar Noy, e depois raciocinar com ela.
Ficou à secretária, a procurar apressadamente, entre os seus papéis, até encontrar o programa dela para aquele d'ia.
Noy estava numa reunião com meia dúzia dos seus assessores para a agricultura, na Sala Rama.
Dirigiu-se para lá, abriu a porta da sala e viu-a sentada a uma mesa redonda, a ouvir um dos conselheiros, que lhe lia um relatório.
Marsop atravessou a sala até chegar junto dela, fez-lhe sinal e inclinou-se para lhe falar ao ouvido.
- Tenho  de falar consigo  imediata mente - disse-lhe.-É uma emergência.
Ela fitou-o, receosa.
- Lá fora - acrescentou Marsop.
Noy pediu licença, levantou-se da mesa e seguiu Marsop para fora da sala. No corredor, agarrou-lhe o braço.
- O que é?
- Não fique tão transtornada...
- O que é? - repetiu. - Diga-me.
- Den...
Noy levou a mão à boca.
- Está ferido?
- Não - respondeu   Marsop,   muito   depressa. - Tanto quanto sei, está bem. Noy, ele foi raptado. A palavra não foi utilizada, mas não há duvida de que se trata de rapto. Estão dispostos a libertá-lo, mas há um pedido de resgate.
- Que querem eles?
- Você.   Suponho   que   estão   prontos   para  trocar Den por si.
Noy ficou  estarrecida.
- Por mim? Que querem de mim? Marsop não tinha a certeza.
- Querem falar consigo - respondeu.
- Quem são?
- Não sei, Noy. O homem que telefonou... ele ligou, realmente, para si; eu atendi. Tinha uma voz profunda, mas não a reconheci.
- Marsop, repita, exactamente, o que lhe foi dito pelo telefone.
Ele tentou lembrar-se de todas as palavras. Depois entregou-lhe o pedaço de papel.
Noy San semicerrou os olhos, para ler.
- Khan Koen Road e Bot Road- leu.- Desce três quarteirões para a Praça Uhon e depois retrocede a pé para esta esquina. - Levantou a cabeça. - Tem a certeza de que foi a voz de Den que ouviu ao telefone?
- Tenho. Ele pôde dizer muito pouco. Mas era o Den.
- Pode ter sido uma brincadeira. Marsop hesitou.
- Duvido, Noy. Den ainda não voltou da escola. Noy puxou Marsop pelos braços e gritou, sufocada:
- Vamos à garagem!
Desceu a escada à frente dele, entrou na garagem, e Marsop ouviu-a ofegar.
- Chalie!- exclamou Noy.
Chalie estava caído no chão, ao lado do Mercedes. Noy correu para ele, ajoelhou-se e tomou-lhe o pulso.
- Está   vivo - disse,   por  cima   do   ombro.--Meu Deus, olhe para o sangue que tem na nuca! Ligue para o  meu  gabinete e  encarregue  alguém   de  chamar  um médico. Espere aqui por ele.
De novo no seu gabinete, Noy esperou, impacientemente, que Marsop regressasse, tentando imaginar o que acontecera e o que deveria fazer a seguir. Marsop voltou passados minutos.
--O Chalie está bem - informou. - Tem uma pequena fractura, mas amanhã já estará de pé.
Noy escutou, e depois abanou a cabeça.
- Não acho que tenha sido uma brincadeira - disse. - Eles têm  o  Den. Tenho de  cumprir as  ordens  que deram.
- Gostaria de ir consigo-rogou Marsop.
- Segundo me citou, o  homem  disse que,  se  eu não for sozinha, Den morrerá. Não foi assim?
- É verdade.
- Então tenho de  ir sozinha,  Marsop.  Não  posso correr riscos com esses loucos.
- Pode ser perigoso.
- Não tenho alternativa. Sou eu ou é o Den. Para mim, o Den é tudo. - Abanou a cabeça a Marsop.- Como vou conseguir fazer isto sozinha com seis guardas da segurança a seguir cada passo que dou?
- Não sei - confessou Marsop.
- Bem, eu sei. Venha comiigo à cozinha.- Quando atravessavam a sala de jantar, ela continuou:-A cozinheira, Juliellen, tem mais ou menos as minhas medidas. Todos os dias - Noy olhou para o relógio de pulso-, mais ou menos a esta hora, sai e vai ao mercado. Desta vez ela não sairá. Mas eu saio.
Quando entraram na cozinha, Juliellen, que estava a ler um jornal, largou-o e levantou-se, respeitosamente. -Juliellen...
- Sim, Madame Presidíente?
- É essa saia, essa camisola e esse avental que tem vestidos que costuma usar quando vai ao mercado?
- É, sim, Madame.
- Tem outro conjunto que eu possa usar?
- A Madame? Tenho mais, claro, mas...
- Deixe   lá   isso  agora,  Juliellen;   eu  preciso das suas   roupas  imediatamente...   já.  Não  diga  nem  mais uma palavra. Preciso de usar o que você usa quando vai ao mercado.
- Também uso um xaile à roda da cabeça.
- Tanto melhor. Vá buscar as roupas. Espero por si  na copa.
Quinze minutos depois, quando saiu da copa, Noy tinha vestidas uma camisola cinzenta e uma saia de ganga azul idênticas às de Juliellen. Tirando o xaile da mão dá cozinheira, enrolou-o à cabeça e tentou ocultar o rosto nas suas dobras.
- Que tal pareço?
- Não muito presidencial-respondeu Marsop.
- Com isto devo poder passar pelo portão principal. Onde posso arranjar um táxi?
- Um quarteirão a sul do palácio. Há sempre vários defronte da igreja.
- Bem, tenho de me apressar.
Marsop colou-se-lhe aos calcanhares, quando ela começou a afastar-se.
- Noy, não posso deixá-la ir sozinha - disse suplicante.
- Tem  de  deixar.  Se  o  não fizer,  pode  pôr  Den em perigo.
- O que vai fazer pode pô-la, a si, em perigo.
- Não se preocupe. Fique apenas à minha secretária. Comunicarei consigo. Pode dar-me algum dinheiro?
Marsop levou a mão à algibeira do casaco.
- E se não comunicar?
- Se não tiver notícias minhas dentro de uma hora, informe a polícia. Eles devem conhecer bem a área.- Começou a andar. - Marsop, fique a postos e reze por nós dois.
Quando o táxi chegou a Uhon Square, Noy pagou rapidamente a corrida e apeou-se.
Observou a área, confusa, e depois dirigiu-se a um rapaz, que transportava uns embrulhos, e perguntou-lhe o caminho para a esquina da Khan Koen Road com a Bot Road.
O rapaz apontou para oeste.
- Três ou quatro quarteirões, para aquele lado. Noy consultou o relógio e verificou que ainda estava
dentro do tempo estipulado. Começou a andar o mais depressa que podia. A distância parecia interminável. De súbito, deu conta de que chegara ao seu destino. Atravessou a Khan Koen para a esquina sudoeste e parou, áe costas para um grupo de árvores, apreensiva e perguntando-se se os captores de Den o entregariam.
Lembrando-se de que estava vestida com as roupas de Juliellen e talvez não fosse, por isso, imediatamente reconhecível, desatou o xaile que pusera na cabeça, para que o seu rosto bem conhecido fosse identificado com facilidade.
Esperou cinco minutos, e estava a ficar cada vez mais nervosa quando ouviu passos leves atrás dela. Virou-se precisamente quando Den, tirando uma venda, tropeçava na sua direcção e gritava:
- Mãe!
Noy correu para ele com uma exclamação de alívio, ajoelhou-se e ele caiu-lhe nos braços. Apertou-o a si com toda a força possível.
- Den! Estás salvo. Estás bem? Eles fizeram-te mal?
- Não, mãe, estou óptimo, mas deve ter cuidado... Mas nesse momento, quando ela olhou para cima, dois homens agigantavam-se sobre eles. Eram ambos jovens vigorosos, usavam óculos escuros e vestiam fardas de trabalho do exército. À volta das cinturas, debaixo dos casacos de caqui soltos, pôde ver coldres e armas.
- Larga-a, miúdo - disse um dos soldados, batendo no ombro de Den. - Podes ir andando. Ela fica.
-Não... -protestou Den.
O soldado que estava mais perto de Den arrancou-o dos braços da mãe.
- Vai, enquanto podes! - ordenou.
- Mas para onde...?
- Faz o que eles dizem, Den - disse-lhe Noy, que já se erguera.-Caminha naquela direcção. Encontrarás um táxi.  Diz  ao  motorista  que  te  leve ao  palácio.- Tirou  algum  dinheiro  trocado da  algibeira da  saia. - Toma, leva isto para pagares o táxi. Quando chegares ao palácio, vai  direito  ao  meu  gabinete,  onde  encontrarás Marsop. Diz-lhe que tentarei vê-lo em breve.
- Basta   de   conversa - disse,   rispidamente,   o segundo soldado, tocando no revólver. Com a outra mão, empurrou Den.- Vai, já!
Den voltou-se e desatou a correr.
Os olhos de Noy seguiram-no, cheios de lágrimas de alívio.
Entretanto, os soldados tinham-na flanqueado e segurava-lhe cada um seu braço. Rudemente, voltaram-na na direcção das árvores.
- Venha, Madame- disse um deles.
- Para onde vamos?
- Conversar com alguém que a espera - respondeu o   primeiro   soldado. - Toca   a   andar,   mais   depressa, mais depressa!
Den Sang encontrara um táxi e seguira nele direito para o palácio. Quando chegou, correu para o gabibnete de sua mãe, onde Marsop estava sentado num canto da secretária, com os olhos fixos no telefone.
Assim que viu Den, o ministro levantou-se e abraçou-o.
- Que aconteceu? Onde está a tua mãe?
- Eles  levaram-na, dois homens  levaram-na. Mandaram-me sair para a ir ver, à esquina, e depois seguiram-me, agarraram-na e deixaram-me vir. Ela disse-me que procurasse um táxi e viesse para cá.
- Mas para onde a levaram? - perguntou Marsop, aflito.
- Não   sei.  Obrigaram-me  a  correr  para   procurar um táxi. Depois começaram a levá-la  na direcção das árvores...
-Que árvores?
- Árvores à  beira do parque.  Pude vê-las depois de me tirarem a venda.
- Estiveste vendado?
- Estive,   depois   eles   desataram   a   venda   e   ela estava ali. E depois agarraram-na.
- Eles tinham armas?
- Tinham, Marsop, os dois, debaixo dos uniformes. Marsop   inclinou-se   para   Den   e   agarrou-lhe   nos
ombros.
- Está bem, Den. Agora conta-me o que se passou contigo, desde o princípio. Estavas na escola. Saíste...
- Com os meus amigos. Corri para o carro e entrei.
- Não era o teu carro. O teu carro ainda aqui está. Den levantou as mãos, num protesto.
- Era o mesmo carro, Marsop. O ministro compreendeu.
- Usaram outro igualzinho ao Mercedes. E depois?
- Ao    princípio    não    reparei    no    Chaiie.    Estava ocupado a acenar aos meus amigos. O motorista arrancou, e depois vi que ele não era o Chaiie.
- Pois não, não era. Que aconteceu a seguir?
- Afastámo-nos da escola.  Um  homem forte, que devia ter estado escondido no chão, atrás, levantou-se, passou   por   cima   das   costas   do   banco   da   frente   e empurrou-me para o meio. Tirou um lenço e vendou-me.
- Ele   disse   alguma   coisa?   Os   homens   falaram? -'Não. O carro andou, andou, e depois parou.
- Quanto tempo andou o carro? Den   não  encontrou   resposta.
- Calcula.
- Muito  tempo. Talvez  quinze  minutos.  Ou   mais. Marsop tentou avaliar o trajecto, as distâncias para lá da Khan Koen e da Bot, mas foi impossível.
- E depois, que aconteceu?
- Tive  a  impressão de  que  descemos  para  uma garagem como a nossa. Eles tiraram-me do carro. Passámos por uma porta para  uma escada. Ajudaram-me  a subir.
- Um lanço? Dois?
- Dois lanços. Contei os degraus. Empurraram-me para uma sala. Depois de lá estar dentro, tiraram-me a venda.
- Diz-me o que viste. Tenta lembrar-te.
- Estavam quatro homens na sala, fardados.
- Reconheceste algum deles?
- Não.
- Eles usaram os nomes uns dos outros?
- Não, estiveram calados. Menos um deles. Esse perguntou-me  o  número  do  telefone  privado  da   mãe. Disse que me mataria se não lho desse. Eu dei, e ele foi telefonar à sala do lado.
- Sim, fui  eu que atendi a chamada. Era a dizer que a tua mãe te fosse ver, sozinha.
- Depois puseram-me de novo a venda e levaram-me para baixo, para o que suponho ser a garagem. Andámos de  carro e virámos muitas esquinas. Depois parámos, eles  puxaram-me  para fora e arrastaram-me para trás de  umas  árvores,  até desatarem  a venda.  Então vi   a minha mãe.
Marsop suspirou.
- E eles  levaram-na. E obrigaram-te a vir embora a correr.
-Sim. Para que queriam a minha mãe?
Marsop olhou para o telefone da secretária de Noy.
- Creio que o saberemos em breve. Sentaram-se   a   conversar   de   coisas   irrelevantes.
falaram da escola, das aulas de Den e de futebol - embora o rapazinho estivesse preocupado com a mãe.
Quando o telefone branco tocou na secretária de Noy, estremeceram ambos.
Marsop passou, rapidamente, para trás da secretária de Noy, sentou-se na beira da cadeira giratória e levantou o auscultador.
- Gabinete da Presidente Noy - disse.
- Fala  Noy. - A voz do outro  lado estava tensa.
- Graças a  Deus  é você! - exclamou  Marsop.- Está bem?
- Estou   muito   bem.  O   importante   é  o   Den.   Eie regressou sem problemas?
- Está aqui comigo. Ileso.
- Diga-lhe que o amo.
- A tua  mãe diz  que te ama - disse  Marsop  a Den,  por cima  do telefone.-E que  ela  está  bem.- E depois: - Noy, está alguém a ouvi-la?
- Sim e não. Na sala, não numa extensão. Silêncio.
- O    coronel    Chavalit   é    um   deles? - insistiu Marsop.
- Não.
- Foi raptada? Noy hesitou.
- Disseram-me que estou sob custódia.
Marsop ouviu uma voz masculina indistinta, vinda de algures nas imediações de Noy.
- Sim, sim, eu apresso-me - disse ela,  imediatamente, a alguém. - Marsop...
- Estou a escutar.
- Serei libertada, mas com uma condição. Você tem de fazer o que eles querem que faça. Com a minha aprovação, claro.
-'Continue - pediu o ministro, ansiosamente.
- Deve anunciar na televisão e à imprensa que não me candidato às eleições. Por motivos de saúde. Informará o general Nakorn de que, como presidente, ordenei que   se   realizassem   eleições   especiais   daqui   a   uma semana. Percebeu bem?
- Receio que sim - respondeu Marsop, desanimadamente.- Não  se  candidata  à   presidência  contra   o general Nakorrn por motivos de saúde. Eu devo comunicar com ele e dizer-lhe que é seu desejo que se realizem eleições especiais dentro de uma semana. Quando devo fazer isso, Noy?
- Já. Ligue já para o general Nakorn a respeito das eleições. Trate do necessário para aparecer na televisão, amanhã à noite, no horário nobre, e fazer uma declaração breve: que me encontro nas mãos dos meus médicos.
- Quando será libertada?
- No dia seguinte às eleições.
Marsop hesitou, sem saber se deveria atrever-se a dizer mais algumas palavras.
- Há mais alguma coisa que deseje que eu faça?
- Seria bom se conseguisse que alguém do exterior visitasse o palácio, para confirmar e dizer ao mundo que... -fez uma pausa - ... que estou doente.
- Alguém? - repetiu Marsop. - Quem?
No mesmo instante, o telefone foi desligado.
Marsop colocou o auscultador no descanso, devagar.
Estava entregue a si mesmo e com medo.
Recebera instruções para fazer telefonemas, mas havia um que tinha de fazer antes de qualquer outro.
Porque ele compreendera Noy. Sabia quem era o alguém. A pessoa que devia visitar o palácio.
Voltou a pegar, imediatamente, no telefone.
Em Pequim, o Presidente Underwood estava sentado na primeira fila do Grande Palácio áo Povo, com membros do Comité Permanente do Politburo chinês.
Acabava de proferir o seu discurso - com êxito, pensava -, quando viu Ezra Morrison vir, apressadamente, na sua direcção, ao longo da primeira fila.
Morrison chegou junto dele, ajoelhou-se e disse:
- Sr. Presidente, há uma chamada de longa distância para si.
- Washington?
- Não, Lampang.
- Quem é? Noy?
- É o ministro Marsop. Diz que é urgentíssimo. Underwood levantou-se imediatamente, preocupado.
- Onde posso atender a chamada?
Pediu licença aos que o rodeavam, seguiu Morrison para fora do Palácio e dirigiram-se a uma porta lateral, onde um funcionário chinês os esperava.
Seguiram os três, apressadamente, para uma pequena sala, onde apenas havia uma mesa e uma cadeira, e um telefone em cima da mesa. O auscultador estava fora do gancho. Underwood pegou-lhe.
- Marsop?
- Sim, Sr.  Presidente.  Lamento  interromper,  mas tenho de falar consigo. Acerca de Noy. Ela...
O telefone emudeceu.
- Desligado - disse  Underwood, sem esconder a irritação.
O chinês pegou no telefone, carregou num botão, foi atendido por alguém, presumivelmente pela telefonista, e começou a falar em chinês. Por fim, desligou.
- Se esperar aqui, Sr. Presidente, a telefonista tentará restabelecer a ligação com quem telefonou de Lam-pang.
- Jesus - disse  Underwood  a   Morrison -,  que poderá ser? Bem, não posso fazer nada a não ser esperar.
- Tenho a certeza de que será apenas um minuto - tranquilizou-o o secretário de Estado.
Tinham decorrido mais cinco minutos, além do minuto, quando o telefone tocou de novo.
Underwood levantou logo o auscultador.
- Marsop?
- Estou aqui de novo.
- Ia começar a falar de Noy. - Underwood fez sinal a Morrison e ao funcionário chinês para saírem da sala, e quando eles fecharam a porta, agarrou o telefone com força. - Marsop, aconteceu alguma coisa?
-  Aconteceu, sim.
- Não estamos numa linha segura. Isso tem importância?
- Não posso entrar em pormenores. Mas falei com Noy. Ela não pôde falar livremente, a não ser uma coisa. Queria que eu entrasse em contacto consigo. Tive medo de o interromper, mas...
- Procedeu   correctamente.   Noy   não   pode   falar comigo, mas você falou com ela. Não faz sentido.
- Compreenderá quando eu puder explicar.
- Quer que eu vá a Lampang?
-Se possível, antes de regressar a Washington. Eu estarei aqui no palácio, à sua espera. Quando chegar, explicc-lhe tudo pessoalmente. É melhor.
Underwood sentiu um aperto no peito. Não lhe estava a agradar o tom da chamada. A ansiedade apoderara-se dele.
- É  um assunto acerca  do  qual  eu  possa  fazer alguma coisa?
- Não sei, Sr, Presidente. No entanto, Noy pareceu pensar que sim. Ela acha que o senhor pode ser útil.
- Nesse caso, sigo para aí imediatamente.
- Quando posso esperá-lo?
- Durante a noite. Ia deixar a China logo, ao anoitecer. E deixarei, claro. Mas seguirei directamente para Lampang, antes de regressar a Washington.
- Ficaremos muito gratos - disse Marsop.
- Depreendo que é, realmente, urgente.
- Sim, é.
Underwood inspirou e expirou.
- Vemo-nos de manhã.
Ficou um instante imóvel, tentando imaginar o que estaria a acontecer. Tinha uma suspeita, mas não a certeza. Do que tinha a certeza era do que devia ser feito a seguir.
Levantou-se, saiu da sala e entrou no corredor do Grande Palácio, onde Morrison andava, agitadamente, de um lado para o outro.
O secretário de Estado foi logo ao seu encontro.
- Que aconteceu?
- Não sei ao certo. Mas alguma coisa está mal, em Lampang.
- Alguma coisa urgente?
- Marsop não deixou qualquer dúvida a esse respeito. Sou lá preciso, o mais depressa possível.
- Quer dizer que vai levar o Força Aérea Um a Lampang, antes de regressar a Washington?
Underwood pegou no braço de seu secretário de Estado e seguiu com ele pelo corredor fora.
- Tem de ser - respondeu. - Não tenho alternativa. De qualquer modo, é uma coisa que eu queria fazer.
Morrison não disfarçou a sua consternação.
- É uma atitude drástica, Matt. Lixa uma data de coisas. Você é esperado em Washington.
-Também sou esperado em Lampang. Isso tem prioridade máxima na minha agenda.
- Bem, deve fazer alguma ideia do que se está a passar, e eu não imagino o que possa ser. Por isso, como queira.
- É  isso que  eu quero,  Ezra:   Lampang  primeiro. Olhe, verifique o programa do nosso regresso. Meta-se com o Blake no avião da imprensa e sigam. Partam como se nada tivesse acontecido. Depois eu parto no Força Aérea Um com o Serviço Secreto.
- As perguntas vão ser mais que muitas - avisou Morrison, sombriamente. - Insiste nisso, Matt?
- Insisto.
CAPÍTULO    11
HY HÁSKEN regressara de táxi ao Hotel da Grande Muralha, em Pequim, e, na privacidade do seu quarto de pessoa só, ligou para Sam .Whitlaw, para os escritórios da The National Television Network na cidade de Nova York.
Ainda sob o efeito da diferença de fusos horários, resultante do longo voo para a China, estava confuso acerca das horas em Pequim e Nova York.
Quando um redactor do turno da noite lhe explicou que ele tinha o horário às avessas e Sam Whitlaw se encontrava em casa, Hasken consultou a sua agenda de bolso e procurou o número do telefone da casa de Whitlaw, em Manhattan.
Fez nova chamada de longa distância e, ao fim de um punhado de segundos, Whitlaw atendeu. Não parecia ensonado, mas Hasken lembrou-se de que o seu chefe raramente parecia ter sono. Estava habituado a ser acordado a qualquer hora da manhã e sempre preparado para qualquer notícia súbita.
- Sim?
-Sam, é você? Fala Hy Hasken, de Pequim. Onde eu estou, são sete horas da tarde de amanhã. Ouve-me bem?
- Onde? - perguntou Whitlaw, menos atento, momentaneamente  confuso, e  Hasken ficou  a saber que o acordara.
- Estou  na  China - respondeu  o  repórter,  levantando a voz. - Em Pequim, na China.
- Ah, sim. Com o Presidente. Como correu o discurso dele?
- Foi excelente. Ele é bom nisso, como sabe.
- Quer dizer que lhes causou boa impressão. Isso não é notícia. A respeito de que me está a telefonar, com as chamadas telefónicas ao preço que estão?
- Do Presidente. Ele está outra vez a fazer o mesmo.
- Está outra vez a fazer o quê?
- A mudar o itinerário sem dizer nada a ninguém. Estava previsto que partiria esta noite de Pequim para Washington. Vai mandar o avião da imprensa à frente e está a fingir que já partiu para a Base Andrews da Força Aérea.  Mas   não   partiu.  Vai   fazer  um  desvio:   vai   a Lampang antes de seguh- para Washington.
- A Lampang? Cumprindo um programa que não anunciou?
- Como fez da última vez - confirmou Hasken.- Lembra-se quando ele foi a Lampang para assistir ao funeral da irmã de Noy Sang? Lembra-se que ficou mais um dia para ver a cidade com Noy e foi tomar banho na praia com ela? Lembra-se das fotografias formidáveis que consegui?
- Lembro-me, sem dúvida. Foi óptimo.
- Só porque eu fiquei lá, me recusei a regressar no avião da imprensa. Bem, está a fazer outra vez o mesmo. Vou seguir todos os passos do Presidente. Terei de  regressar num  avião  comercial,  mas   estou  certo de que concorda que o investimento vale a pena. Talvez seja um pouco mais caro, mas pode valer a pena.
Whitlaw ficou um momento calado.
- Porque vai  Underwood a Lampang fora do programa? - perguntou, por fim.
- Não sei, Sam. Mas estou desconfiado.
- Como é que teve conhecimento do facto?
- Vi Ezra Morrison entrar no Grande Palácio. Falou baixinho com o Presidente. Depois saíram ambos. Eu esgueirei-me  da  secção da  imprensa  e segui-os.  Para dizer a verdade, esperava apenas conseguir uma entrevista exclusiva sobre os resultados da viagem à China. Calculei que, se não podia falar com o Presidente a sós, talvez pudesse apanhar Morrison de surpresa. Os dois entraram numa sala, aparentemente para atenderem um telefonema. Saí da vista e meti-me numa cabina telefónica, deixando a porta parcialmente aberta...
- Uma cabina telefónica na China?
- O advento da democracia. Quando Underwood e Morrison  saíram  da sala,  subiram  o  corredor juntos, a conversar. Eu conseguia escutá-los. Foi então que ouvi que o Presidente ia fazer um desvio para Lampang e mandar   o   avião   da   imprensa   partir   à   frente,   para Washington. Ouvi-o dizer a Morrison que acompanhasse a imprensa e levasse Blake consigo. Depois, Morrison anunciou que o Presidente estava demasiado ocupado e não podia dar uma conferência de imprensa, mas que ele próprio daria uma no avião da imprensa. Prometeu responder a todas as perguntas acerca da viagem do Presidente à China. A imprensa aceitou isso como rotina. Mas eu não. Eu sabia da ida a Lampang e calculei que talvez houvesse aí uma história melhor.
- Por isso vai deixar a  imprensa partir à frente, mas não a acompanha.
- Quero ir a Lampang.
- Sem a mínima ideia do que está a acontecer.
- Sem   nenhuma   ideia  clara - admitiu   Hasken.- Mas só pode ter alguma coisa que ver com Noy. Tudo quanto envolve o Presidente nessa parte do mundo tem que ver com ela. E há tempos, ao princípio, você mesmo me disse que não largasse o Presidente, aonde quer que ele fosse, fizesse ele o que fizesse.
- Eu disse isso? Creio que disse.
- Portanto, agora que  ele vai  seguir,  inesperadamente,  para  Lampang, acho que  lá devo estar para o cumprimentar.
- Ele falará consigo?
- Tudo depende do motivo por que lá vai. Se não quiser falar comigo, eu posso ficar sempre perto.
- Se pensa que pode...
- Conhece-me, Sam.
- Então porque me telefonou?
- Não há avião de imprensa. Tenho de fazer isto por minha conta. O que quer dizer que a TNTN paga.
- Um simples voo comercial não deve ser muito caro.
- Só há um voo comercial esta noite, mais tarde.
Eu chegaria a Visaka depois do Presidente. Seria mais difícil falar com ele.
- Que está a sugerir?
- Um voo charter da China para Lampang. Se eu partisse   cedo,   estaria   lá   para  dar  as   boas-vindas   a Underwood.
- Isso podia custar um dinheirão.
- É   verdade - admitiu   Hasken.- Se   conduzir   a alguma coisa, é uma pechincha. Se não der em nada, é um prejuízo. Que lhe parece?
. - Não sei o que é que você pensa. Tem a intuição de que está a acontecer alguma coisa em Lampang?
- Uma daquelas intuições que vêm das entranhas. Silêncio, do lado de Whitlaw.
- Estou a matutar - avisou. -À vontade, chefe.
Um silêncio ainda maior. Por fim, Whitiaw reencontrou a voz.
- Está bem, uma palavra.
- Diga-a.
- Vá.
O Presidente Underwood chegou a Visaka tarde, ao anoitecer, no Força Aérea Um.
Tentara passar pelo sono durante o voo de Pequim até ali, mas um vendaval de especulações mantivera-o acordado. Marsop, um homem calmo e cauteloso, pedira-lhe que fosse imediatamente a Visaka. Isso significava que existia uma emergência qualquer. O facto de ter sido Marsop a telefonar, e não Noy, significava que ela não estava disponível - a não ser que estivesse doente - e que algo drástico se passava.
Completamente desperto, Underwood tentou imaginar o que poderia ser. Sem uma verdadeira pista, era impossível chegar a alguma conclusão. Tinha, simplesmente, de ser paciente e aguardar uma explicação de Marsop.
Estaria Noy acessível para dar a explicação? Se ela não lhe telefonara pessoalmente, era improvável que estivesse.
E se não estava acessível, onde estava?
Quando o Força Aérea Um aterrou e, por fim, parou, o   Presidente   teve   alguma   esperança   de   que   Marsop estivesse a esperá-lo. Mas não viu o ministro em lado nenhum. Em vez disso, encontrou uma limusina e dois Fords, a limusina para ele e os carros para os seis agentes do Serviço Secreto que o precederiam e seguiriam. Underwood reparou também que dois carros- de guardas do exército, a força de segurança pessoal de Noy, estavam a postos para o flanquear no trajecto para a cidade.
Como, a pedido de Underwood, não houve cortejo de carros nem foram utilizadas sereias, a viagem do aeroporto para Visaka foi um pouco mais lenta e o grupo levou três quartos de hora para chegar ao Oriental Hotel.
Quatro dos homens do Serviço Secreto correram à frente, para subirem e examinarem a suíte do Presidente. Os outros dois agentes acomparaharam-no na entrada do hotel.
Underwood notou que havia hóspedes alinhados de ambos os lados, contidos pelos guardas de segurança de Noy, para verem que género de celebridade estava a chegar. Um homem soltou-se de um grupo de curiosos, num esforço para se aproximar do Presidente. Foi, acto contínuo, agarrado por um guarda de segurança e bloqueado por um dos dois homens do Serviço Secreto.
Quando Underwood viu quem tentara interceptá-lo, estampou-se-lhe de imediato no rosto uma expressão de descontentamento. Apesar disso, ordenou ao agente que se afastasse e permitiu que Hy Hasken se aproximasse.
- Que  diabo  está   aqui   a   fazer? - perguntou-lhe, furioso. - Devia estar no avião da imprensa, de regresso a Washington.
Hasken aguentou firme, sem se impressionar com o tom do Presidente.
- Morrison  disse que eu  podia entrevistá-lo a  si ou a ele a respeito da viagem à China. Como Morrison está a dar a entrevista aos outros correspondentes no avião da imprensa, pensei deixar-me ficar e tentar obter uma entrevista exclusiva consigo.
- Nada feito - respondeu Underwood, com fúria crescente. -- Estou demasiado ocupado, não posso.
- Sr.   Presidente,   Lampang   não   estava   na   sua agenda...
- Não estava porque não era minha intenção encontrar-me aqui. Surgiu uma emergência.
- Negócios ou recreio?
- Recreio não é, com certeza - replicou Underwood, acaloradamente. - Trata-se  de um  assunto  de  Estado.
- Teria curiosidade em saber...
O Presidente estava a atravessar o átrio, com Hasken ao lado. Mas, de súbito, parou e voltou-se para o jornalista.
- Hasken, nunca se farta? A última vez que tramou uma coisa parecida com esta, invadiu a minha intimidade; tentou impedir-me de ter um dia de férias. Conseguiu mostrar  a  Presidente  Noy num  grande  plano  da  pior maneira, vestindo um sarong, o que fez com que ambos parecêssemos frívolos e foi absolutamente enganador. Agora está de novo a tentar invadir a minha intimidade, e eu não lho permito.
-Sr. Presidente, a minha missão é cobri-lo, aonde quer que vá. Estou apenas a cumprir um dever, como estou certo que acontece com o senhor. Espero que seja mais compreensivo.
- Não o quero, pura e simplesmente, junto de mim! - explodiu o Presidente. - Tenho mais em que pensar do que numa ridícula entrevista jornalística. Mantenha-se afastado do meu caminho e fora da minha vista enquanto eu aqui estiver. Obrigado. Adeus e, apetece-me acrescentar, bons ventos o levem!
Na sua suíte no Oriental Hotel, Underwood começou a abrir as malas, mas depois parou. Não fazia a mínima ideia de quanto tempo passaria ali: uma hora, várias horas, um dia ou mais. O que devia fazer, o mais rapidamente possível, era descobrir por que motivo tinha sido ali chamado e o que se estava a passar.
Telefonou para o Palácio Chamadin, pediu que ligassem ao gabinete da Presidente Noy e foi atendido por Marsop.
- Fico muito satisfeito por ter vindo - disse o ministro.- Precisamos de si.
- Que se passa? - indagou Underwood.
- Pode  vir já,  ou  prefere  que  eu  vá  ter com   o senhor?
-Sigo já para aí.
Meia hora depois estava no palácio e era conduzido ao gabinete de Noy. Quando entrou, ficou surpreendido por ver que Marsop não se encontrava só. Den, o filho de Noy, estava com ele.
Underwood apertou a mão ao rapaz.
- Que bom ver-te, Den.
- Que bom vê-lo, Sr. Presidente.
Marsop aproximou-se e apertou a mão a Underwood.
- Estou contente por ter vindo, Sr. Presidente.
- Vim o mais depressa que pude.
- Nem sei dizer quanto lhe agradeço. Queira sentar-se, por favor.
Underwood sentou-se e olhou em redor do gabinete. Viu que estava sozinho com Marsop e Den. A cadeira giratória da secretária da Presidente estava vazia.
- Onde está Noy? - perguntou.
Marsop teve dificuldade em encontrar voz para responder.
-Foi raptada.
Underwood ficou visivelmente transtornado. Não soubera o que esperar, mas aquilo nunca lhe teria passado pela cabeça.
-'Raptada?-repetiu, incredolamente. - Noy foi raptada? Porquê? Por quem?
Marsop abriu as mãos, a indicar que não tinha resposta satisfatória para aquelas perguntas.
- Não   sabemos   por   quem.   Podemos   fazer   uma suposição com fundamento, mas que não é uma certeza. Quanto a porquê, isso é mais fácil. Os captores de Noy permitiram-lhe falar comigo pelo telefone.  Ela  deu-me instruções para dizer à nação que não se candidatará às eleições.
- Isso é escandaloso! - explodiu Underwood. - Eu esperava que a oposição se sentisse descontente, mas nunca imaginei que fosse tão longe!
- Eles não estão a brincar - sublinhou Marsop.
- Que aconteceu? Conte-me tudo, desde o princípio. Marsop apontou para Den, que estava sentado no
sofá.
- Começou com o Den, ontem ao princípio da tarde. Underwood virou-se na cadeira.
- Que aconteceu, Den? És capaz de me contar? A resposta do rapaz foi negativa.
- Eu   atrapalho-me,   talvez   por   estar   assustado. É melhor que Marsop lhe conte.
Underwood voltou a sua atenção para o ministro.
- Seja, conte-me você.
- Muito  bem.  Noy  leva  o filho à  escola, quando pode.  Ontem  de  manhã,  resolveu  fazê-lo.  Levou-o  no Mercedes, com Chalie a conduzir.
- Quem é Chalie?
- O motorista. Era o motorista da família antes de Den nascer, quando Prem ainda estava vivo.
- É de confiança?
- Absoluta. Não teve nada que ver com o que se passou, como verificará. Bem, deixaram Den na escola e depois regressaram ao palácio. Chalie foi encarregado de ir buscar Den à escola, como fazia todos os dias, às duas horas da tarde. Depois de deixar Noy no palácio, foi arrumar o carro na garagem subterrânea. Estava lá escondido alguém que lhe deu uma pancada na cabeça que  o  deixou   inconsciente.  Encontrámo-lo mais  tarde. Está vivo, mas tem o crânio facturado.
- Quer dizer que outro motorista o substituiu no Mercedes.
- Sim e não. Outro motorista, mas num Mercedes que era uma réplica do que está na garagem. Este carro estava à espera de Den, quando ele saiu da escola. Ele atravessou o pátio da escola com os seus três melhores amigos e saltou para o carro, como faz todos os dias. Só depois de se terem afastado da escola é que perceberam que o motorista era outro e alguma coisa estava mal.
Underwood olhou para o rapaz.
-Quer dizer que foste raptado primeiro. Fazes alguma ideia do lugar para onde te levaram, para onde ias?
Den fez uma careta.
- Não, só percebi que o motorista virou de maneira diferente.
- De maneira diferente?
- Nós virávamos sempre à esquerda, para vir para o palácio. Este motorista virou à direita.
- E depois, que viste?
- Den não pôde ver nada, Sr. Presidente - interrompeu Marsop. - Ao que tudo indica, estava um homem escondido na retaguarda do carro, no chão. Esse homem saltou, passou para o banco da frente e vendou Den.
- Assim ele não pôde ver para onde o levavam? -'Sabe apenas que o trajecto deve ter demorado
vinte minutos, talvez. É difícil saber ao certo.
- Talvez vinte minutos - repetiu  Underwood, dirigindo-se ao rapaz.
- Não sei-disse Den. - Pareceu mais tempo. Underwood compreendeu.
- Deve ter parecido, por teres os olhos tapados. Marsop   explicou   que a   venda   tinha   sido  tirada
depois de o terem conduzido para o que Den supunha ser uma sala num segundo piso. A sala parecia uma sala de estar, escassamente mobilada, e encontravam-se nela quatro homens fardados.
Underwood escutou, procurando encontrar alguma pista. Em vão. Os raptores não tinham sido amadores.
- Depois ligaram para a minha mãe - disse Den. - Disseram-me que eu podia voltar a vê-la, se ela fizesse o que lhe mandassem.
- Ouviste o que eles lhe disseram?
- Ela  não  estava.  Eles  falaram  com  Marsop.  Eu ouvi um bocadinho. Acerca de ir a um lugar qualquer sozinha, para ser trocada por mim.
Underwood mordeu o lábio inferior.
- Marsop pensou que eles estavam a mentir quando diziam que te tinham em seu poder?
- Acho que sim, porque um deles, que tinha voz grossa, disse que Marsop me queria ouvir, queria ouvir-me falar. Levaram-me ao telefone. Disseram que eu podia dizer:   «Marsop,  estou   aqui.»   Que  se   dissesse   mais alguma coisa, me matariam. Eu estava assustado.  Fiz o que me mandaram.
- E Marsop ficou a saber que eras, realmente, tu que eles tinham?
- Sim, ficou.
Underwood voltou-se de novo para o ministro.
- Diga-me como se fez a troca.
Marsop contou como Noy conseguira sair do Palácio Chamadin vestida de cozinheira, sem ninguém dar por isso e sozinha. Depois explicou como ela chegara à esquina designada e tinha sido engodada com a libertação de Den, e como, antes que pudesse seguir o filho, dois homens a tinham agarrado e levado.
- Depois obrigaram-na a telefonar-me.
- O que ela disse foi muito claro?
- Preciso.   Obviamente,   tinham-na   feito   ensaiar antes.
- Pareceu-lhe assustada?
Marsop esboçou um sorriso amarelo.
- Conhece-a. Não se assusta facilmente. Noy pareceu-me completamente calma.
- Repita-me   de   novo   os   termos   em   que   será libertada.
- Não se candidatará à presidência contra Nakorn. Eu tenho de anunciar isso na televisão nacional, amanhã à noite. Tenho de dizer que ela está muito doente, tão doente que não se pode candidatar. Tenho de dizer que, a seu pedido, as eleições se realizam dentro de uma semana.
- E depois disso?
- Depois de Nakorn ser eleito, Noy será libertada. Desassossegado, Underwood levantou-se e começou
a andar de um lado para o outro.
- Acredita nisso, Marsop?
- Porque não?
- É capaz de estar a ser ingénuo. - O Presidente lançou  um  olhar  rápido  a   Den,  voltou   para  junto  de Marsop  e acrescentou,  em  voz baixa: - Podem  achar conveniente não a libertar.
Marsop não considerara, sequer, semelhante possibilidade.
- Não a libertar?
Underwood baixou a cabeça, a confirmar.
- Exactamente. Ela poderia ser um estorvo para os seus captores. Falar. Dizer como foi coagida.
- Acha   que   alguém   consideraria   que  este   rapto tinha sido possível?
- Um número de pessoas suficiente para arranjar problemas a Nakorn, constituir uma verdadeira oposição contra ele.
Marsop ficou atordoado.
- Mas que fariam então a Noy?
Underwood lançou um olhar a Den, que começara a choramingar, e respondeu:
- Você sabe.
- Acha que fariam semelhante coisa? Mesmo que cumpríssemos as suas condições?
- A parada é alta. Diga-me, Marsop, quando Noy falou consigo, como soube que ela me queria aqui?
- Ela não o mencionou por nome, claro.
- Claro que não. Não podia.
- Sugeriu que arranjasse alguém do exterior para visitar o palácio e confirmar que ela estava doente.
- Tem a certeza de que se referia a mim?
- A quem mais, do exterior, se poderia referir... tanto mais que o senhor estava relativamente perto, na China?
Underwood  ficou  muito  quieto,  momentaneamente intrigado.
- Que terá ela pensado que eu podia fazer? Marsop abriu as mãos.
- Não faço a mínima ideia. Talvez a sua importância e  a  sua  chegada  aqui   levassem  os  seus  captores  a hesitar, a respeito do que estavam a tramar.
Underwood duvidou.
- Ninguém sabe que estou aqui.
- Amanhã a sua imprensa tornará isso público. Não por que motivo aqui está, mas que está. E os espiões - o  nosso   exército  tem   inúmeros   espiões - saberão da sua chegada a Lampang e instalação no hotel. Saber--se-á por toda a parte.
- Pensa que a minha presença em Visaka poderá influenciar os captores de Noy?
- Pessoalmente   não   penso - admitiu   Marsop.- No entanto, o senhor tem uma relação com  Noy. Ela considera-o   inteligente. Talvez  suponha  que  começará a procurar pessoas que possam ter alguma ideia acerca de quem a tem cativa e como poderá ser libertada.
- A   procurar   pessoas - murmurou   Underwood, pensativo. - De súbito, endireitou-se na cadeira e estalou os dedos. - Talvez haja alguém.
- Alguém?
- Percy Siebert.
- O chefe da estação da CIA na Embaixada dos Estados Unidos?
- Sim,  Siebert.  Ele  conhece  Noy.  Esteve  comigo quando o trouxe aqui, para falar a Noy a respeito da morte do seu marido.
- É claro.
- Além   disso,   ele   tem   inúmeros   contactos   em Visaka. Talvez seja esse o rumo a seguir. Ele é capaz de me dar um palpite sobre por onde começar.
- Falará com Siebert?
- O   mais   depressa   possível. - Underwood   atravessou para a cadeira giratória de Noy, atrás da sua secretária, e puxou um telefone preto para mais perto. Marcou o  número da  Embaixada dos  Estados  Unidos em Visaka.
Atendeu-d uma telefonista.
- Percy Siebert, por favor - pediu Underwood.
- Quer dizer-me quem fala?
-O Presidente dos Estados Unidos.
- O Presidente? - A voz da telefonista tornou-se hesitante.
- Ouviu o que eu disse-replicou, brusco, Underwood.- Preciso de falar, imediatamente, com Siebert.
- Ele  está  fora  éa  cidade,   Sr.   Presidente.  Desconheço os seus movimentos. Não sei onde pode ser contactado. Estará na embaixada de manhã. Eu posso dar-lhe alguma mensagem, se o senhor quiser.
- Pois sim, transmita-lhe o seguinte: Diga a Siebert que o Presidente dos Estados Unidos telefonou e o quer ver no Oriental Hotel, amanhã de manhã, bem cedo.- E acrescentou, com ênfase: - Diga-lhe que é prioridade máxima. Tenho de o ver o mais depressa possível.
De manhã cedo, Matt Underwood tomava um pequeno-almoço rápido» e esperava a chegada de Percy Siebert.
Bateram à porta, mas quem entrou foi o director do Serviço Secreto, Frank Lucas, e dois dos seus agentes.
- O seu visitante está lá fora - anunciou  Lucas.
- Mande-o entrar.
- Muito bem, mas eu gostaria de deixar dois dos meus agentes na sala contígua - disse Lucas.
A resposta do Presidente foi enfática:
- Vou ter uma conversa privada com o meu chefe da estação da CIA em Visaka. Prefiro não ter ninguém onde essa conversa possa ser ouvida, certamente não mais perto do que o corredor, lá fora.
- Bem, eu preferiria...
- Eu   preferiria   não   ter   ninguém   perto - cortou Underwood.-Trata-se da CIA e eu não quero que seja ouvida nem uma palavra. Tudo quanto me interessa saber é que revistou esta sala, assim como as outras, e elas estão «limpas».
- Estão, Sr. Presidente. Não há escutas nenhumas. Pode falar à vontade.
- Óptimo. Você e os seus agentes coloquem-se lá fora.  Depois  mandem   Percy  Siebert  entrar,   imediatamente.
Enquanto Lucas e os agentes saíam, Underwood tentou organizar o que diria a Siebert, quando o homem da CIA chegasse.
Passado um minuto, Siebert estava na sala.
O Presidente afastou para o lado o tabuleiro do pequeno-almoço, levantou-se e estendeu a mão ao homem da CIA.
- Prazer em voltar a vê-lo, Sr. Presidente. Fui apanhado de surpresa. A sua mensagem  indicava que há alguma urgência a respeito do nosso encontro.
- Há, de facto. Sente-se nessa cadeira.
Siebert sentou-se, alerta e curioso, e Underwood puxou outra cadeira, defronte dele.
-Trata-se mais uma vez da Presidente Noy. A última vez que reuni os dois, foi por uma questão pessoal, uma defesa de mim próprio. Agora é mais grave.
-Que aconteceu?
-Sabe que a Presidente Noy desapareceu?
- Desapareceu? Confesso que não o compreendo. Underwood observou o semblante de Siebert, para
detectar qualquer contradição entre o que ele ouvia e o que já sabia. Concluiu que Siebert estava genuinamente perplexo.
- Noy   foi   raptada - disse   o   Presidente,   sem rodeios.
Os olhos de Siebert arregalaram-se.
- Não posso acreditar nisso!
- Acho melhor acreditar, porque é verdade. - Continuou a estudar o homem da CIA. -Estava convencido de que você saberia alguma coisa a respeito do que aconteceu.
Siebert ainda estava pasmado.
- É a primeira vez que ouço falar disso.
- Eu pensava que a CIA estava sempre a par de tudo.
- Quem me dera que fosse verdade. Mas não é. É uma falácia da ficção. Nós tentamos saber muito, e sabemos muito, mas só valemos o que as nossas fontes valem. Ninguém insinuou, sequer, que tivesse havido um rapto. Que aconteceu a Madame Noy?
Underwood começou a esboçar, vivamente, o que sabia. Começou pelo telefonema de Marsop para Pequim. «Ela queria-me aqui, por isso vim imediatamente.» Contou depois o que lhe fora dito, tanto por Marsop como por Den Sang. Retrocedeu, momentaneamente, para explicar como ocorrera o rapto. Falou do sequestro de Den, da troca por Noy e do telefonema desta a Marsop, ordenando-lhe que a retirasse da disputa das eleições, para assegurar a sua libertação em segurança.
Siebert escutou tudo e proferiu uma única palavra:
- Incrível.
- Sim, é  incrível  raptar a Presidente de um país em pleno dia - concordou  Underwood. - Agora que já sabe tudo, espero que possa projectar alguma luz no caso.
Siebert fez um gesto de rendição.
- Estou tão às escuras como o senhor.
- Pense bem. Não se lembra de ter havido uma insinuação, sequer, de alguém, em qualquer altura, indicando que isto podia ter acontecido?
- Juro-lhe, Sr. Presidente, não tenho a mínima pista. Underwood ponderou o que Siebert dissera.
- Nesse caso, talvez tenha uma pista para outra coisa. Quem o podia ter feito, e com que motivo?
A resposta de Siebert foi imediata:
- Acho que é bastante óbvio.
- Eu  também  acho,  mas  gostaria  de o  ouvir da sua boca.
- Muito  bem. Noy muda de ideias e anuncia ao país  que   se   candidata   às   eleições   contra   o   general Nakorn, e imediatamente...
- Segundo as suas informações, ela ganharia essas eleições? Você estava presente quando ela se mostrou convicta de que ganharia.
- As sondagens indicam-na como vencedora fácil. E  os   meus   melhores   contactos  também.  As   pessoas gostam dela. Claro, Nakorn tem adeptos, mas não tantos como Noy.
Underwood estava satisfeito.
- Muito bem. Voltemos ao que tinha começado a dizer. Noy anuncia que se candidata às eleições, e imediatamente... Imediatamente o quê?
- É raptada. O resgate é enorme. Ela tem de se retirar da disputa das eleições.
- E quem beneficia?
- O general Samak Nakorn. Ficaria com o campo todo para si. Seria um voto » - um voto » ele seria o novo presidente. Muita gente, em  Lampang, a maioria,  ficaria   descontente.   Mas   os   do   seu   próprio governo,  Sr.  Presidente - exceptuando  o  senhor,  refiro-me   a   Ramage   e   Morrison-,   ficariam   muitíssimo satisfeitos.   Podiam   ter   um   aliado   para   chacinar   os comunistas e que seria leal aos Estados Unidos.
As últimas palavras fizeram Underwood pestanejar.
- Não está a sugerir que o director Ramage ou o secretário de Estado Morrison engendraram este rapto, pois não?
- Meu Deus, não! Ramage e Morrison são capazes de muitas coisas, mas não de um acto como este, sobretudo  sabendo quais  são os  seus  sentimentos  a  esse respeito, Sr. Presidente.
- Está, portanto, a dizer que o verdadeiro vencedor nisto, a pessoa que instigou o rapto e exigiu a desistência de Noy das eleições, é o Chefe do Estado-Maior do Exército de Lampang.
-O general Nakorn. Quem sairia a ganhar seria ele.
- Está a acusar Nakorn de o ter feito?
- Não   estou   a   acusar   ninguém,   Sr.   Presidente. Estou apenas a sugerir quem ganharia com o sucedido. Talvez não tenha sido Nakorn. Talvez um dos seus ajudantes ultrazelosos tenha decidido fazer-lhe um favor. É uma possibilidade.  Mas é ainda mais provável  que tenha sido o próprio Nakorn. É um filho da mãe implacável, capaz de qualquer acto de violência.
- Isso significa que, se eu quiser ir até ao fundo deste caso e salvar Noy, todos os caminhos  levam a Nakorn.
- Não tem nenhum outro destino. Todos os outros caminhos levam a um beco sem saída. É Nakorn ou nada.
Underwood considerou a possibilidade. Não lhe agradava.
-Acha que há alguma esperança num encontro com Nakorn?
- Como Presidente dos Estados Unidos, dê-lhe luz verde para  aniquilar os  comunistas,  para  seu  bem, e dê-lhe mais armas para o fazer, e talvez ele seja suficientemente colaborante para investigar este rapto. Mas não é uma certeza. Ele continua a querer ser presidente.
- E eu quero manter a Presidente que foi raptada.
- Difícil.
- Creio que não me resta mais nada senão encontrar-me com o general Nakorn.
- Talvez  tenha sorte - disse Siebert,  secamente. - Mas não conte com isso.
O Presidente Underwood estava no gabinete de Noy, no Palácio Chamadin, atrás da secretária dela, rigidamente sentado na cadeira giratória, à espera do seu visitante.
Mais cedo, telefonara a Marsop, para o palácio, e falara com ele.
- Quero vero general Nakorn - dissera. - No gabinete de Noy, no palácio, daqui a uma hora. Acha que pode conseguir isso?
- Posso tentar, Sr. Presidente.
- Penso que Nakorn virá. Esperarei por ele.
- Sr. Presidente...
- Sim?
- Se Noy voltar a telefonar, para saber o andamento das coisas, que lhe devo dizer?
- Tente dizer-lhe que estou cá, vindo da China, e estou a fazer tudo o que posso. Melhor ainda, para os ouvidos dos que a detêm, informe-a de que vai satisfazer o resgate exigido. Garanta-lhe que falará à nação à noite e retirará a candidatura de Noy às eleições. Com uma condição:  que, não mais de meia hora depois da sua declaração,  os  captores  a   libertem,  ilesa,  na  mesma esquina onde foi raptada.
- Eles são capazes de prometer tudo - comentou Marsop, que o ouvira em silêncio.
- Vale a pena tentar.
- Sr. Presidente, ainda pretende que eu faça aquela declaração à nação, pela TV?
- Prepare-se para isso, planeie-o. Aqui entre nós, confesso-lhe que não fiz progressos na descoberta de quem a raptou. Mas continuarei a esforçar-me.
- Por favor.
- O passo seguinte é o general Nakorn. Consiga-o para mim.
- Conseguirei - prometera Marsop.
Agora o Presidente Underwood estava sentado no lugar de Noy, à espera do seu visitante.
Decorrera mais de uma hora desde que instigara o encontro, e começava a sentir-se apreensivo.
Nisto, o telefone interno tocou, na secretária, e ele levantou logo o auscultador.
- Sim?
- O seu visitante chegou, sir - anunciou a secretária de Noy.
- Mande-o entrar - respondeu Underwood, aliviado. Levantou-se,   precisamente  quando   a   porta   lateral
de acesso à sala de recepção se abria e o general Samak Nakorn entrava, de uniforme de gala.
O Presidente esquecera que, embora muito mais baixo do que ele, Nakorn era também muito mais largo. Era um autêntico barril, de uniforme imaculado, peito coberto de fitas e boné agaloado na mão.
Nakorn atravessou rapidamente o gabinete, apertou a mão estendida de Underwood e, obedecendo ao gesto do Presidente, sentou-se ao lado da secretária.
Underwood voltou para a cadeira de Noy, desconcertado pelo facto de Nakorn não ter, aparentemente, atribuído qualquer significado ao lugar onde o Presidente escolhera sentar-se.
- Não  está  surpreendido  por me  encontrar aqui? - perguntou-lhe.
- Não - respondeu  Nakorn, calmamente, com  um sorriso a perpassar-lhe pelo rosto. - Temos muito bons serviços de informações em Lampang. E mesmo que não fossem tão bons, o Força Aérea Um não consegue passar despercebido.
- Não se sente curioso quanto ao motivo por que estou aqui?
- Sinto-me muito curioso. Não faço a mínima ideia. - Passou o olhar pelo gabinete. - Quase esperava que a Presidente Noy Sang estivesse aqui consigo.
- Se  os   seus   serviços   de   informações   são   tão bons, devia saber que ela desapareceu.
Nakorn,    que    se    mostrara    fleumático,    pareceu, momentaneamente, surpreso.
- Desapareceu? Que quer dizer?
- Raptada - explicou   Underwood   serenamente.- Foi raptada.
- Não posso acreditar. Quem ousaria...
- Foi por isso que quis falar consigo. Para saber se me pode dizer quem ousaria fazer isso.
- Eu? Não sei  nada a respeito de nenhum rapto. Porque haveria de saber?
- Porque é quem mais ganharia com  isso - respondeu Underwood, impassível.
- Em que sentido?
- Anunciou  que é  candidato  às  eleições.  Depois disso,  ela  anunciou que  se candidatava  contra si. Se ela não puder disputar as eleições, o senhor será eleito.
Nakorn mostrou, pela primeira vez, alguma animação.
- Está a insinuar que a mandei raptar?
- Estou a dizer que podia beneficiar com isso. Nakorn  mostrou-se carrancudo.
- Por muito que respeite o seu alto cargo, Sr. Presidente,  acho que tenho direito a  um  pedido de desculpas. Está a fazer-me uma grave injustiça. A insultar-me.
- Apresentarei   desculpas   quando   estiver convencido de que não está envolvido no caso. Neste momento, não estou certo disso. Os raptores fizeram saber que manterão a Presidente Noy em seu poder até ela desistir, publicamente, da disputa eleitoral  contra si.
- Isso é novidade para mim. Eu estou ansioso pela campanha eleitoral  contra ela. Não quero que desista.
A  irritação de  Underwood aumentara.  Levantou-se da cadeira e disse, rispidamente, a Nakorn:
- Então encontre-a.
O general  manteve-se imperturbável.
- Tem quaisquer pistas quanto ao seu paradeiro? Underwood   pensou   contar   a   Nakorn   como   tudo acontecera, mas depois achou melhor não o fazer. Se o general estava, de algum modo, envolvido no caso, seria pouco sensato dizer-lhe aquilo que já era sabido.
- Não  tenho  pistas   nenhumas.   Certamente  que, com os seus vastos recursos militares, arranjará uma maneira de lhe encontrar o rasto.
Nakorn levantou-se, por seu turno.
- Quando se trata de rapto, os  meios de busca são   limitados.  Para  começar,  vai-se  aos   inimigos  da vítima. Neste  caso, graças aos  nossos computadores, posso elaborar uma lista de pessoas que a ameaçaram por cartas e palavras. Posso também interrogar membros dos  partidos da  oposição que  mais  podem  beneficiar com   a   sua  desistência.   Enquanto   não  encontrar  uma pista útil, pouco poderei fazer. Mas tentarei, pode estar certo.
- Pode tentar mais uma coisa.
- O quê?
- Interrogar apertadamente os seus próprios ajudantes e partidários, aqueles que gostariam de o ver eleito acima de qualquer outra pessoa.
- Não posso fazer isso. Todos, e cada um deles, me são leais - e à sua Presidente, Noy.
- General  Nakorn, estou a falar-lhe como coman-dante-chefe   dos   Estados   Unidos   e   como   aliado   de Lampang. A não ser que eu tenha a certeza de que o senhor  faz  tudo   quanto   estiver  ao  seu   alcance   para libertar Madame Noy, temo que as nossas futuras relações   fiquem   gravemente   prejudicadas.   Compreende?
- Compreendo. Só posso fazer o que for possível. Não estou certo de que libertar a Presidente Noy seja de modo algum possível, antes de ela desistir.
- O senhor fará o que puder - disse Underwood, geladamente. - E eu farei o mesmo, pode ter a certeza. - Fez uma pausa. - Sabe onde me encontrará se, subitamente, descobrir que o impossível é possível. Bom dia.
No caminho de regresso ao Oriental Hotel, Matt Underwood sentiu-se peado. Encontrara-se com Siebert sem sorte nenhuma, encontrara-se com o general Nakorn sem nenhuma flexibilidade. Para quem se haveria de virar agora? Considerou a ideia de voltar ao Palácio Chamadin, depois de um breve descanso, e interrogar minuciosamente Marsop. Poderiam elaborar juntos uma lista - a lista de que o general Nakorn falara - dos inimigos e opositores de Noy. Discutiriam os nomes e talvez ele tentasse ver alguns deles.
No Oriental Hotel, mais uma vez acompanhado pelo Serviço Secreto, Underwood subiu no elevador para a sua suíte na cobertura.
Quando seguia pelo corredor a caminho da suíte, viu o director Frank Lucas postado na escada que levava para a sua porta e, de costas, alguém a falar com ele, ou a fazer-lhe perguntas.
Ao chegar perto deles, viu quem era o segundo homem: Hy Hasken, o correspondente da televisão.
Lucas afastara-se, para abrir a porta do Presidente, que estava fechada à chave, e quando Underwood entrou Hasken tentou entrar atrás dele. Lucas bloqueou-lhe a passagem.
- Pensei que podíamos ter uma conversa - disse o   jornalista,   com   o   director   do   Serviço   Secreto   de permeio.
- Eu  penso  que  não - respondeu-lhe   Underwood.
- Tenho muito que fazer, não disponho de tempo para discutir a China.
- Não se trata da China.
- Não? Então de que se trata?
- Lampang - respondeu   Hasken,   tranquilamente.
- De quê, a respeito de Lampang?
- Uma   coisa   que   descobri. - Hasken   lançou   um olhar a Lucas e aos outros homens do Serviço Secreto.
- Quer que fale do assunto aqui, no corredor, ou prefere discuti-lo comigo, em privado?
Underwood observou, momentaneamentte, o repórter, com  indisfarçada antipatia.
- Deixe-o entrar um minuto, Frank - disse a Lucas.
- Quero saber o que ele está a pensar.
Lucas desbloqueou a entrada de Hasken e submeteu-o ao detector de metais. Hasken entrou atrás do Presidente e fechou a porta.
Pararam os dois no meio da sala.
- De que se trata? - perguntou  Underwood.
- Pode demorar um  bocadinho.  Posso sentar-me?
- Sente-se - autorizou   o   Presidente,   com   brusquidão.
Hasken instalou-se num canto do sofá e Underwood sentou-se na beira da poltrona, ao lado.
- Eu digo-lhe porque queria falar consigo, Sr. Presidente.
- Estou tão ansioso que nem posso esperar.
- O senhor não está aqui a tratar de negócios de Estado. Tenho um bom palpite de que é qualquer coisa pessoal.
- É para me dizer isso que está a tomar o meu tempo? - perguntou   Underwood,  com  grande  aborrecimento.
- Há mais.
- Há? Então diga-me. Hasken respirou fundo.
- que tenho a dizer respeita a Madame Noy Sang.
- Sim?
- Madame Noy Sang ou está indisponível, ou desapareceu.   Eu   aposto   na   segunda   hipótese.   Acho   que desapareceu.
- Isso é um tiro às cegas. Onde foi buscar semelhante disparate?
Hasken fitou-o.
- Não é  um disparate, Sr.  Presidente. Creio que é  um  facto.  Não  o  posso provar, por enquanto,   mas tenho a certeza de que é um facto. Noy desapareceu e  palpita-me que é por isso que o  senhor está aqui, para descobrir o que se passa.
Underwood sustentou o olhar do repórter.
- Repito, onde arranjou  essa ideia?
- Tive-a   andando   pelas    imediações   do    Palácio Chamadin. Escutando. Fazendo perguntas e ouvindo as respostas. Verificando, durante dois dias, a rotina habitual de Madame Noy. Descobrindo que uma pessoa tão visível como ela deixou, subitamente, de o ser. Penso que seria sensato da sua parte confirmá-lo e contar-me.
Underwood   mudou,   agitadamente,  de   posição   na poltrona.
- Não  tenho  nada  para   lhe  contar.   Deu   um  tiro cego e acertou muito longe do alvo.
- Não me vai ajudar?
- Mesmo que  pudesse, não o faria. - Underwood fez uma pausa. - A si, não.
- Está a cometer um erro, Sr. Presidente.
- Não estou, mas se estivesse não seria o primeiro. Você está na realidade à pesca, e não há nada para pescar.
- Mais uma oportunidade, Sr. Presidente.
- Adeus, Hasken-disse Underwood, firmemente. O   jornalista   levantou-se,   com   um   encolher   de
ombros demorado.
- Permita que lhe diga o seguinte, Sr. Presidente: vou descobrir por que está aqui. Vou descobrir por que motivo  está  em  Lampang, quando devia  ir a caminho de Washington. Quando o descobrir, não terei  de  lho agradecer. Vou procurar Madame Noy por minha conta, sozinho. Desejo lembrar-lhe apenas uma coisa, Sr. Presidente. Sou  o melhor repórter investigador do meio. Dos três  mil jornalistas que cobrem Washington,  não há  nenhum melhor,  nenhum capaz de fazer o que eu faço. Descobrirei a verdade acerca de Noy, com a sua ajuda ou sem ela.
Hasken impressionou, sem dúvida, Underwood. Enquanto via o jornalista dirigir-se para a porta, uma frase que ele dissera martelava-lhe na cabeça. Sou o melhor repórter investigador do meio.
Underwood andava, ele próprio, a tentar representar o papel de repórter investigador, mas sem êxito. Não possuía esse género de imaginação - ou esse tortuoso tipo de mente. Não o possuía e chegara ao fim da linha. Tempo de desespero.
Sabia que tinha de se agarrar a Hasken. Era altura de pôr de parte divergências, de arranjar um aliado que possuísse o armamento necessário para lhe dar esperança.
Hasken tinha a mão na maçaneta da porta, pronto para sair, quando Underwood o chamou:
- Mr. Hasken!
O jornalista largou a maçaneta da porta e voltou-se.
- Sr.  Presidente?
- Venha cá. No fim de contas, quero falar consigo. Sem  dizer  palavra,   Hasken  voltou  para  o  sofá   e
sentou-se, cautelosamente.
- Não   farei   rodeios   acerca   do   nosso   relacionamento- começou o Presidente. - Nunca simpatizei particularmente consigo. Sempre o achei demasiado bisbilhoteiro.   Mas  é   precisamente  essa  sua  característica que me atrai agora. Estou disposto a esquecer o que já lá vai e a estabelecer uma relação de trabalho consigo, presumindo que posso confiar em si.
Hasken acenou com a cabeça, solenemente.
- Se precisa de confiar em mim para lidar comigo, se é isso que se atravessa entre nós, garanto-lhe que pode confiar, totalmente, em mim.
- Aceito a sua palavra. O que prendeu a minha atenção e me fez mudar de ideias, me levou a chamá-lo, foi a observação que fez de que é o melhor repórter investigador do meio. Não tem dúvida nenhuma a esse respeito, pois não?
- Absolutamente  nenhuma.  Tenho   a   habilidade   e a paciência necessárias. Se alguma coisa tem de ser descoberta,  existem todas as probabilidades de eu   la chegar. Se não sempre, pelo menos noventa por cento das vezes. Por isso, pode ter fé.
- Vou   confiar   em   si   numa   coisa   extremamente importante.
- Pode fazê-lo.
- Eu   não   sou   repórter   investigador,   e   você   é. Discutirei as linhas gerais do problema consigo, minuciosamente, completamente, se me garantir, mais uma vez, que não usará o que lhe disser no seu trabalho. Sentir--se-á tentado, mas eu tenho de ter a sua garantia de que  não tornará o caso público enquanto o problema não   estiver   resolvido.   Promete-me   rigorosa   confiden-cialidade?
- Prometo - respondeu Hasken, sinceramente.
- Acho  melhor  apresentar  o problema  como   um caso   hipotético,   para   saber   se   pode   sugerir   alguma maneira de o abordar.
- Faça-o, Sr. Presidente.
Underwood   teve   dificuldade   em   encontrar   uma maneira de começar, mas finalmente abalançou-se.
- Há uma mulher local que tem um filho. Leva o rapaz à escola. Não o vai buscar. Manda o seu carro e o seu motorista buscá-lo. Antes que possa fazê-lo, o motorista é  posto fora de combate e substituído por outro motorista, e um carro semelhante é usado para ir buscar o rapaz. O rapaz é sequestrado, mantido como refém na cidade, e é ordenado à sua mãe   isso  e é raptada. Mantida como refém. Eu detestaria ver o resgate pago.
Hasken abanou a cabeça.
- Não está a ser sincero comigo, Sr. Presidente.
- Porquê?
- Eu não quero um caso hipotético. Quero o caso verdadeiro. Quero saber os  factos. É óbvio para mim que a mãe é Madame Sang e o seu filho é Den Sang.
Underwood suspirou.
- Tenho   dificuldade   em   meter   os   nomes   deles nisto...  mesmo consigo.
- Deve ser completamente franco. Caso contrário, não o posso ajudar.
Underwood rendeu-se.
- Está bem. Noy e Den. Como parece ser do seu conhecimento, Noy está desaparecida. Foi raptada. O resgate exigido é que ela retire a candidatura às eleições presidenciais.
Hasken soltou uma exclamação abafada.
- Tem algumas pistas, Sr. Presidente?
- Nenhumas. Suspeitas,  sim,  mas  não  uma  pista concreta.
- Suspeitas podem tornar-se pistas. - Como podemos encontrar Noy?
- Bem, agora  que sei  que  é Noy,  e que  o filho dela esteve envolvido...
- E o ministro Marsop também. Foi ele que atendeu o telefonema do filho de Noy.
Hasken  pareceu tranquilizado.
- Muito bem, talvez estejamos a chegar a algum lado. Talvez eu possa ajudá-lo. Mas preciso de ouvir a história toda, todos os seus pormenores, até ao mais pequeno e aparentemente insignificante facto. Terei de interrogar o rapaz. E depois Marsop. Mas, primeiro, o senhor. Comece a falar... sir.
CAPÍTULO    12
DA sua suíte no Oriental Hotel, o Presidente Underwood ligou para o ministro Marsop, no Palácio Chamadin.
- Marsop? Fala o Presidente Underwood, do hotel. Estou com alguém que pensa que nos pode ajudar.
- A encontrar Madame Noy?
- Sim, a encontrar Noy.
- É um detective?
- Não, não é, realmente, um detective. Chama-se Hy  Hasken e  é  correspondente  da televisão   na  Casa Branca, vindo de Washington, D. C.
- Ele não tornará este assunto público? - perguntou Marsop, ansiosamente.
-Mr.  Hasken jurou  segredo.  Ele  é aquilo a que chamamos um repórter investigador.
- Conheço a expressão.
- Embora  não seja,  realmente, um detective, trabalha como se fosse, talvez mesmo melhor - explicou Underwood. - Quer entrevistá-los, a si e ao Den, acerca de tudo o que aconteceu. Den está aí?
-Sim, achei  melhor afastá-lo da escola enquanto não estiver tudo resolvido. Está no quarto, a ver televisão.
- Precisaremos dele e precisaremos de si. Mr. Hasken  quer  recapitular  o  caso todo com  ambos vocês, pessoalmente. É provável que faça perguntas que nem sequer me passaram pela cabeça.
- Responderemos o melhor que pudermos.
- Óptimo. Hasken e eu vamos a caminho.
Trinta e cinco minutos depois, estavam os quatro reunidos no gabinete de Noy no Palácio Chamadin.
Den e Marsop, sentados muito direitos e atentos no sofá, estavam voltados para Hasken, que tirara da algibeira do casaco um pequeno livro de apontamentos e uma caneta. Underwood sentara-se perto, atrás do repórter. Queria ser discreto e dar a Hasken o centro do patco.
Hasken dirigiu-se ao rapaz.
- Vou fazer-te uma quantidade de perguntas, Den. Por muito patetas ou insignificantes que te possam parecer, desejo que respondas a todas o melhor que souberes. Fazes  isso?
- Tentarei.
- Vamos  começar  pelo  princípio  e continuar até ao   momento   em   que   foste   libertado   pelos   raptores. Está bem?
- Sim.
- Saíste da escola. Quem mais saiu e o que aconteceu?
Atento a Den, Underwood voltou a ouvir tudo, sem conseguir imaginar como poderia Hasken encontrar mais pistas no que ouvia do que no que ele, Underwood, ouvira.
Mas, de súbito, Hasken estava a perguntar a Den algo que o Presidente não perguntara, porque não vira nenhuma utilidade nisso.
-Os teus três amigos da escola - disse Hasken. - Queres falar-me deles?
- Falar o quê?
- Os seus nomes, comecemos por aí.
- Toru é o meu melhor amigo. Os outros dois são o Sorik e o Sassi.
- Quais são os antecedentes deles? Den ficou confuso.
- Que significa «antecedentes»?
Hasken, compreendendo que rapazinhos daquela idade pouco deviam saber de antecedentes, reformulou a pergunta.
- Den, sabes que trabalho fazem os pais deles?
O rapaz pensou um momento.
- O pai do Toru tem uma fábrica.
- De que tipo?
-Oh, não sei... Espere, sei. Fabrica pratos de cerâmica. O pai do Sorik faz... publica uma revista acerca de Visaka. O do Sassi é advogado.
- Os teus amigos costumam falar daquilo por que os pais deles se interessam?
- Daquilo por que se interessam?
- Por exemplo, passatempos de que os teus amigos estejam ao corrente.
- O pai  do Toru  colecciona  carros  estrangeiros. O pai do Sorik escreve histórias, e deixa o Sorik ajudá-lo. O pai do Sassi junta uma data de dinheiro.
Hasken riu-se.
- Um bom passatempo. Voltemos um pouco atrás. Estás no Mercedes e tens os olhos vendados.
Den recomeçou a partir daí, relatando tudo quanto já dissera antes.
- Tens  a certeza de que subiste  dois  lanços  de degraus para o apartamento onde eles te mantiveram?
- Subi dois lanços de degraus.
- Quantas  pessoas  estavam no apartamento?
- Quatro homens.
- És capaz de os descrever, de me dizer qual era o   aspecto deles?  Altos,   baixos,   fortes,   magros,   com bigodes, cicatrizes, qualquer coisa?
Den atrapalhou-se, ao tentar descrever os homens. Para ele eram apenas quatro soldados que pareciam iguais uns aos outros.
- A  sala   onde   estiveste - persistiu   Hasken. - Estava vazia?
- Tinha lugares para nos sentarmos.
- Descreve-os se puderes.
Den não o soube fazer muito bem. Lembrava-se de cadeiras de madeira, uma mesa e um divã.           
- Havia janelas?
- Duas.
- Pudeste ver o lado de fora?
- Não; eles não me deixaram aproximar das janelas. Mas eu pude ver, do outro lado da sala. Havia outro apartamento, do outro lado da rua.
- Do outro lado da rua. Não ao lado.
- Era mais longe. Por isso devia ser do outro lado da rua.
Den relatou o telefonema para a mãe. Não ouvira tudo, mas sabia que a mãe não estava perto do seu telefone de emergência. Fora Marsop que atendera.
- Falaste com Marsop?
- Falei. Eles puxaram-me para o telefone e disseram-me: «Diz-lhe que estás aqui. Só para que ele saiba que és tu. Nem mais uma palavra.» Eu disse isso, e quando quis dizer mais o homem tirou-me o telefone da mão e empurrou-me para a minha cadeira.
Com a atenção concentrada nas perguntas e respostas, Underwood não percebia aonde aquilo estava a levar, nem que a dita reportagem investigadora de Hasken estivesse a desvendar alguma coisa.
Hasken acabara de interrogar Den e começara com Marsop.
-Eles mandaram-no dizer a Noy que fosse sozinha à esquina sudoeste da Khan Koen Road com a Bot Road?
- Que fosse três quarteirões para a frente, voltasse à esquina e esperasse por Den.
- Marsop, pode arranjar-me um mapa de Visaka?
- Noy tem,  com certeza, vários  na  secretária.- Procurou nas gavetas, enquanto falava, e por fim encontrou um mapa e desdobrou-o. Percorreu-o rapidamente, levantou-se, levou-o a Haskeo e apontou. - Aqui está, Mr. Hasken. A esquina sudoeste da Khan Koen com a Bot.
Hasken estudou a área apontada no mapa.
- Parece confinar com um  parque. Estou a ver a área arborizada, para lá da esquina.
Marsop sentou-se e o jornalista recomeçou a interrogá-lo.
- Obrigado,   Sr.    Ministro    Marsop - agradeceu, quando  acabou. - Obrigado,   Den. Tenho  a  certeza   de que me disseram tudo quanto se lembravam. Estou grato por isso.
Hasken girou na cadeira e dirigiu-se a Underwood.
- Creio que tenho tudo quanto preciso de saber. Não   muito, mas pode constituir um começo.
- Ajuda? - perguntou    Underwood,    impacientemente.
- Pode ajudar. Vamos descobrir isso.
- Como?
Hasken ficou um momento pensativo. Depois voltou a falar.
- Começando onde tudo começou e reconstituindo cada passo do caminho, até onde pudermos ir. Gostaria de começar pela escola, pelo momento em que as aulas diárias terminaram e Den saiu com os seus três amigos. Vamos em dois carros. O senhor e eu, Sr. Presidente, podemos ir no pequeno Voívo que aluguei. Den e um motorista... Chalie já está em condições...? Estás?... Cha-lie pode conduzir Den no Mercedes, e nós seguimo-los até à escola. - Levantou-se, rápido. - Vamos.
Seguiram quatro carros, ao todo, para a St. Mary's School.
Como motorista, Chalie, de cabeça ligada e Den ao seu lado, à frente, conduzindo o Mercedes 450 de Noy, e os outros atrás. No banco da frente do carro seguinte iam o director do Serviço Secreto, Frank Lucas, e um agente armado. Atrás deles, Hy Hasken e o Presidente Underwood, no Volvo. A fechar a pequena caravana, outro carro do Serviço Secreto com agentes.
Ao chegarem à vedação que cercava a escola, desceram todos dos carros e reuniranvse à frente do portão aberto.
- Esperem aqui - pediu Hasker». - Quero falar um instante com a directora. Den, leva-me ao seu gabinete.
Underwood, rodeado pelos seus homens do Serviço Secreto, perguntou-se o que resultaria daquilo tudo, mas fez figas e ficou calado. Seguiu Hasken e Den" com o olhar, enquanto eles atravessavam rapidamente o pátio.
Dentro da escola, Den foi à frente. Hasken seguiu-o, percorrendo o chão de mosaico, viraram numa esquina e entraram na sala de espera.
- O gabinete da directora - anunciou Den.
Uma mulher grisalha, de aspecto desleixado - obviamente a secretária da directora -, levantou a cabeça.
- Den Sang - exclamou-, não esperávamos vê-lo hoje!  O ministro Marsop telefonou e disse-nos o que aconteceu.
- Foi um grande susto - disse Den.
- Alguém o raptou, de facto? Den confirmou.
- Ficaram comigo só algum tempo, e depois soltaran-me.                        .
A secretária observou Hasken. --Den, quem é este cavalheiro? Éum repórter americano. Está a tentar descobrir quem me raptou. Quer falar com Miss Asripon.
-  vou dizer-lhe que estão aqui. - A secretária levantou-se, desapareceu no gabinete e reapareceu num instante. - Podem: entrar.
Hasken pôs a mão no ombro de Den.
- Den, espera aqui. Quero falar com Miss Asripon a .sós--disse-lhe, e dirigiu-se para o gabinete.
Miss Asripon, uma mulher magra, baixa e preocupada, esperava-o de pé, ansiosa.
Hasken apertou-lhe a mão e apresentou-Se.
-A sua presença aqui relaciona-se com a horrível tentativa de rapto de que Den foi vítima, ontem? - perguntou a directora.
- Relaciona-se. Vim com o Presidente dos Estados Unidos, Matthew Underwood, que está lá fora com o Serviço Secreto. Estou a tentar dar-lhe uma ajuda, como amigo. Devo informá-la de que pensei  iniciar a minha investigação aqui.
- Infelizmente, não poderei ser de muita utilidade - respondeu Miss Asripon, formalmente.- Sei apenas o que o ministro Marsop me disse, antes de virem.
- Não é a si que pretendo fazer perguntas - disse
Disse Hasken, tornando claro que compreendia a situação dela. - O que, realmente, desejo é a sua permissão para falar com três amigos de Den, que assistiram ao rapto.
-Eles estão na aula de História, neste momento.
- Não será  possível  ir buscá-los à  aula,  só  por alguns momentos?                                
- Sabe os seus nomes? -Toru, Sorik e Sassi.
O semblante de Miss Asripon suavizou-se.
- Excelentes    rapazes.    Estão   no   terceiro   piso. O transtorno será menor se eu própria os for buscar. Aguarde no pátio com o Den. Eu levo-lhos daqui a bocadinho.
Observando do meio dos seus homens do Serviço Secreto, o Presidente Underwood viu Hasken e Den do lado da frente da escola e, depois, uma mulher conduzir três rapazinhos à entrada e fazer-lhes sinal para se apressarem.                                                                      -
Underwood percebeu que Den e eles estavam muito satisfeitos por se reunirem. E resolveu livrar-se do seu contingente do Serviço Secreto.
- Frank - disse  ao- director,  Lucas -•, acho que devo ir para ali, para junto de Hasken e dos rapazes. Fique aqui. Poderá manter-me debaixo de olho. Acho que faz uma ideia da razão de tudo isto. Por agora, portanto, esteja atento. Não quero que os miúdos fiquem intimidados com vocês.
Underwood atravessou o pátio ensaibrado e reuniu-se, a meio caminho, a Hasken e Den e aos três amigos deste.
Formalmente, Den apresentou Underwood a Toru, Sorik e Sassi.
- Estão a mostrar a Mr. Hasken como se dirigiram para o carro do Den, ontem? - perguntou o Presidente.
- Eu vou mostrar-lhe -disse Den, e fez sinal aos amigos para o acompanharem.
Começou a correr para o portão, com os três rapazes à porfia atrás dele.                                      
Hasken e Underwood mantiveran-se, o melhor que puderam, nos calcanhares dos garotos. Ao portão, os rapazes pararam.
- O Mercedes estava ali, exactamente como agora
- disse Den, referindo-se ao carro em que fora conduzido à escola, na véspera, e àquele em que acabava de vir, para acompanhar Hasken e Underwood.
- Mas aquele é o Mercedes para o qual saltaste - observou Hasken.
- Eu pensava que era. Foi por isso que entrei logo nele.
- E vocês, rapazes? - perguntou o jornalista, dirigindo-se a Toru, Sorik e Sassi.- Vocês pensaram que era o mesmo  Mercedes que vinha  sempre buscar o Den?
- Sim- responderam Sorik e Sassi.
- Não, não era - discordou Toru, que acrescentou:
- Quando ele começou a andar, eu vi que era diferente. Chamei o Den, mas já era tarde. Estava longe.
Haskem olhou para Toru com atenção. --Percebes de carros-observou. - Sabes distinguir uns dos outros.
-- O meu pai colecciona automóveis.
- Muito bem, Toru. O que foi que achaste diferente?
- As rodas - respondeu o rapaz, sem hesitar.- O Mercedes que levou o Den tinha rodas radiais especiais, feitas de encomenda. Janotas.
Hasken estava impressionado.
- És um excelente observador, Toru. Os Mercedes comuns não têm raios nas rodas?
- Nunca. Raios como aqueles têm de ser encomendados especialmente. Em Visaka só há um concessionário que faz isso.
- Quem é?
- Muchizuki. Não fica longe daqui. Faz coisas especiais para carros que são diferentes. Faz rodas com raios de metal.
-'Muchizuki? Estou a dizer o nome bem?
- Está, está bem. Fui vê-lo muitas vezes com o meu pai.
-O teu pai tem raios nas rodas?               
-Não. É muito caro.                                 
- E a mãe do Den também não tem.       
- Não, como pode ver.
- Mas o Mercedes que veio buscar o Den tinhà esses raios?                                                           
- Sim. Muito bonitos.
- Então o Sr. Muchizuki deve tê-los feito?
- É o único, em Visaka, que os faz.
Hasken voltou-se de Toru para Underwood.        
- Talvez estejamos o obter algum resultado, Sr. Presidente.                                                                                
- Espero que sim.
O repórter pegou no braço do Presidente.
- Acho que é altura de irmos visitar o Sr. Mtíchi-zuki.
Toru juntou-se a Den no Mercedes de Noy, com Chalie a conduzir.
Hasken, depois de mandar Sorik é Sassi de novo para a aula, seguiu Chalie, Den e Tom, com o Presidente Underwood no banco da frente, ao seu lado. Frank Lucas e o contingente do Serviço Secreto iam à frente e atrás do Volvo do repórter.
Tinham percorrido pouco mais de quilómetro e meio quando Underwood viu o braço de Toru sair da janela do carro, à frente, e apontar para o seu destino, um quarteirão adiante.
À medida que se aproximavam, Underwood pôde ver que Toru apontava para uma oficina de reparações de automóveis. Havia uma montra, na frente, que um BMW amarelo enchia, e para trás uma espaçosa área de trabalho. Ao longo da oficina havia uma travessa que conduzia a uma área de estacionamento, na retaguarda. Mar-sop contornou um carro do Serviço Secreto, fez sinal aos outros para o seguirem e virou para a travessa, com os três carros logo atrás.
Uma vez estacionados, saltaram todos dos automóveis e entraram na oficina, atrás de Toru e Den. Um homem baixo e sujo de óleo, de fato-macaco, pintava à pistola o chassis de um Honda. Rapidamente, Toru foi ter com ele e interrompeu-o, dizendo:
- Sou Toru, estive aqui muitas vezes com o meu pai.
- Ah, sim, sim - disse Muchizuki. Olhou para os outros, que estavam atrás de Toru, e ficou confuso com a quantidade de homens que estavam no estabelecimento. - Posso fazer alguma coisa?
Toru aproximou-se mais do homem e começou a falar-lhe baixinho. Depois trouxe o seu amigo Den para mais perto, a fim de explicar quem ele era, e a seguir voltou-se para identificar Hasken e Underwood.
O mecânico assumiu logo uma atitude reverente, por estar a receber o Presidente dos Estados Unidos e, também, uma personalidade famosa da televisão americana.
Depois de Toru ter dado mais algumas explicações, o mecânico, que já era idoso, largou a pistola da tinta, limpou as mãos e acompanhou Toru e Den. Fez uma vénia a Hasken e Underwood, em vez de lhes apertar a mão.
- Desejam saber se eu fiz raios metálicos para as rodas do Mercedes - disse Muchizuki.
- Fomos informados de que é o único que faz rodas por encomenda - respondeu Hasken.
- É  verdade.  Tenho  tentado   importar   rodas   dos Estados Unidos e da Alemanha, mas é impossível. Por isso, tenho de os fazer eu mesmo, à mão.
- Tem a certeza de que é o único, em Lampang, que os faz? - perguntou Hasken.
-O único, sem dúvida. É difícil e custa muito caro.
- Já fez muitas rodas dessas?
- Quatro em dez anos - respondeu Muchizuki.- Tenho uma roda de amostra no meu escritório. As outras três fiz por encomenda, para clientes.
- Só três? - intrometeu-se Underwood.
- Três. Lembro-me perfeitamente, visto serem tão poucas.
- Foram  encomendadas por homens? - perguntou Hasken.
- Por homens que estão interessados em adornar os seus carros o melhor possível.
- Tem os nomes e as moradas dessas  pessoas, Mr. Mucnizuki?
- Tenho, claro.
- Os carros eram todos sedans?
- Eram. Gostaria de saber quem eram esses três cavalheiros?
- Os seus nomes e moradas.
- Eu tenho-os. Se me dão licença, vou ver nos livros de obra, no meu escritório.
- Teremos muito gosto em esperar.
Muchikuzi deixou-os e dirigiu-se para um compartimento envidraçado, que lhe servia de escritório, e eles viram-no tirar livros de uma prateleira e colocá-los em cima da secretária.
Underwood observou-o um momento, e depois olhou para Hasken.
- Que lhe parece, Hy? .       . .
- Se ele tem, realmente, os três nomes, isso pode ser a pista de que precisamos.
- Foi  uma ideia inteligente, falar com os amigos do Den.
Hasken sorriu.
- Em anos de reportagem de investigação tive oportunidade de aprender que, frequentemente, os  miúdos são mais observadores do que os adultos. Têm sido algumas das minhas melhores fontes.
Continuaram a observar Muchizuki no seu compartimento envidraçado, e viram-no tomar alguns apontamentos.
Só passados mais dez minutos ele saiu, com um papel na mão.
Entregou o papel a Hasken, enquanto dizia a Underwood:                                                                              .    
- São estes os nomes, Mr. Suraphong, funcionário da Autoridade  de Turismo  de  Lampang,  Khong   Road.
Depois, Mr. Prayoon, proprietário de uma loja chamada Imported Thai Jewlery, no Loei Mall. Finalmente, Mr. Rata-nadilak. Não tenho a profissão dele, mas reside nos Apartamentos Mai Sai, em Tassman Road. Todos eles compraram e usaram rodas com raios de metal nos seus Mercedes. Espero' que a informação lhe seja útil.
Ao sair para o parque de estacionamento, Undèr-wood pediu a Hasken o mapa de Visaka que tinha utilizado no gabinete de Noy. O jornalista tirou-o da algibeira do casaco e estendeu-o a Marsop.
O ministro abriu o mapa, tirou uma caneta e assinalou o lugar onde estavam. Depois procurou e assinalou as áreas onde Suraphong, Prayoon e Ratanadilak podiam ser encontrados.
- Marsop - disse Underwood, pegando no mapa-, deixe Toru na escola e depois regresse ao Palácio Cha-madin com Den, não vá Noy dar outra vez notícias. Hy Hasken e eu verificaremos as moradas.
- Muito bem - disse Marsop, e voltou com os rapazes para o Mercedes.
Underwood voltou-se para Hasken.
- Pronto, vamos começar a investigar esses três nomes. Comecemos por Suraphong, o tipo do turismo.
Hasken abriu a porta do Volvo.
- A caminho - disse-, e que os deuses estejam connosco.
Os deuses não estiveram com eles nas duas primeiras visitas.
Levaram uma hora a fazê-las. Mr. Suraphong, um indivíduo com ar de escriturário, saiu dos escritórios da Autoridade de Turismo para lhes mostrar, orgulhosamente, os raios das rodas do seu Mercedes creme. Tinham documentos que comprovavam que o carro fora sempre creme, e nunca preto, e um interrogatório intensivo tornou claro que ele não percebia nada de política, e muito menos a respeito de Noy.
Mr. Prayoon deixou a loja de importação de joalharia nas mãos da mulher e conduziu Hasken e Underwood à sua área de estacionamento, para lhes mostrar o seu Mercedes carmesim com rodas radiais. Percebia ainda menos de política do que Mr. Suraphong, e embora já tivesse ouvido o nome de Noy, não fazia ideia de que ela se candidataria às eleições, e também não lhe interessava muito.
- Desencorajador-disse   Underwood   a   Hasken, quando estavam parados no exterior. Só resta o do nome esquisito.
- Ratanadilak - murmurou Hasken, a olhar para o nome escrito no papel pelo mecânico de automóveis.- Não sei porquê, mas o nome parece-me familiar.
- Parece?
- Parece. Olhe, gostava de encontrar um telefone e ligar para o Palácio Chamadin. Queria que Marsop o verificasse. Podemos falar do telefone da joalharia.
Instantes depois, Hasken falava com Marsop pelo telefone. Houve uma espera, aparentemente enquanto o ministro procurava o nome. Quando Marsop voltou ao telefone, Hasken escutou-o e depois estampou-se-lhe no rosto um grande sorriso.
O repórter agarrou no braço do Presidente e levou-o para fora da loja.
- Acho que talvez tenha acertado, Sr. Presidente - disse, com ar de grande excitação.
- Ratanadilak?
- Sim. Parecia-me que tinha visto o nome antes, numa lista de imprensa. É major do exército de Lampang. Ratanadilak é ajudante do coronel Chavalit, e Chavalit é ajudante do general  Nakorn. - A excitação de Hasken aumentou.:-Creio  que  encontrámos   o   nosso   raptor. Apartamentos Mai Sai, Tassman Road. Apostaria que é lá que têm Noy. E aposto também que têm lá um Mercedes preto com raios nas rodas. - Vamos.
Underwood não se mexeu. Tinha uma expressão perturbada no rosto.
- Espere - pediu. - Não estou certo de que queira cair-lhes  em  cima com todo este pessoal  do Serviço Secreto. Podia assustá-los, e se houvesse tiroteio Noy correria o perigo de ser morta.
- Bem, então que quer fazer?
- Falar com o director do Serviço Secreto, Frank Lucas.
O Presidente Underwood fez sinal a Lucas, e afas-tou>-se um pouco com ele.
- Frank, desejo que me faça um favor.
- Diga.
- Sabe que houve alguns  problemas  com  Noy...
- A mulher com quem o senhor esteve em Washington.
- Essa mesmo. Ela é presidente de Lampang.
- Eu sei, claro.
- Foi raptada.
- Também já tinha deduzido isso. Tenho estado com os meus ouvidos atentos.
- Hasken e eu temos uma ideia de onde ela está. Queremos tirá-la de lá com o mínimo de violência possível. As pessoas que a têm em seu poder talvez a entreguem quando souberem quem eu sou, e eu tenho de ir buscá-la.
- Também podem não a entregar, Sr. Presidente.
- Em qualquer dos casos, não o quero atrás de mim. Vocês todos podem assustar os captores dela, e eles são capazes de lhe fazer mal, ou pior ainda. Hasken e eu temos de fazer isto sozinhos.
- Não  posso permitir que o senhor corra  semelhante risco.
- Tem de permitir. Faça de conta que eu sou Harry Truman. É uma ordem. Ele costumava fazer as coisas sozinho, e eu tenho de fazer o mesmo - desta vez, Frank, trata-se de um assunto pessoal, não de um assunto presidencial. Não precisa de estar muito longe, mas tèm de permanecer fora da vista. Acho que pode ocupar uma posição quatro ou cinco quarteirões atrás de Hasken e de mim. Isso seria, pelo menos, uma precaução.
A relutância de Lucas persistiu:
- Desculpe,  Sr.   Presidente,   mas  o  secretário  do Tesouro lixa-me bem lixado, se alguma vez tiver conhecimento disto (
(*) Serviço Secreto a que Frank Lucas pertence não corrresponde exactamente aos «Serviços Secretos» habituais. É um ramo do Departamento do Tesouro e tem a seu cargo acabar com os moedeiros falsos e proteger o Presidente dos E. U. A. e a sua família imediata. (N. da T.)
- Não se importe - respondeu Underwood, acalmando-lhe o medo. - Eu demito-o antes de ele o poder demitir a si. Ainda sou o Presidente.
Lucas pensou no que o Presidente dissera.
- Bem, se o senhor o diz.
- Digo.
Lucas acenou com a cabeça.
- Precisa de um meio de comunicação electrónica, como os que os agentes do contingente têm, para poder, realmente, chamar-nos se as coisas correrem mal. Espere um momento.
O director do Serviço Secreto dirigiu-se para um dos seus agentes. Quando voltou para junto de Underwood, trazia um minúsculo emissor de rádio na mão.
- Isto é um pequeno emissor, alimentado por uma bateria   miniatural - explicou. -  Pode   prendê-lo   ao cinto. Se precisar de ajuda, carregue aqui neste botão. Ele transmitirá um sinal FR a este receptor que tenho no ouvido. Descarregará uma vibração. Se eu o ouvir, irei a correr com os homens todos.
-Obrigado, Frank - agradeceu o Presidente, prendendo o emissor ao cinto.
Lucas inclinou-se, levantou uma perna das calças e tirou qualquer coisa que estava presa por correias. Levantou-a: era um coldre com uma arma.
-Um Smitb & Wesson .66- explicou. - Cada um de nós está equipado com duas armas. Uma metralhadora de mão Uzí, israelita, debaixo do casaco, e armas pequenas, geralmente este Smith & Wesson ou um Sig Sauer P-226, presas em qualquer lado, com frequência nas pernas. - Estendeu a arma a Underwood. - Se vai fazer uma coisa tão idiota, deve ter algo igualmente idiota. Meta esta arma na algebeira. Meu Deus, nunca sonhei que um dia armaria o Presidente dos Estados Unidos. Tem a certeza de que despedirá o secretário do Tesouro antes de ele me pôr na rua?
Underwood pegou no Smith & Wesson.
- Não se preocupe. Nunca será posto na rua. Mostre-me como se usa esta arma.
Lucas explicou, e o Presidente meteu a arma na algibeira.
- Pronto, acho que estou preparado.
- Um   pequeno   conselho -acrescentou   Lucas.- Numa situação como esta, não use a arma para ameaçar ninguém. - Fez   uma  pausa. - Se  existir  verdadeiro perigo, use o rádio que tem no cinto. Se tiver mesmo que ser... riposte logo.
Estavam a um quarteirão da Tassman Road quando Hasken olhou, de olhos semicerrados, pelo pára-brisas do seu Volvo, e disse tranquilamente ao Presidente Underwood:
- Estou a vê-lo.
Underwood inclinou-se para a frente, seguiu a direcção do olhar do repórter e acenou com a cabeça.
- Também o vejo.
Na esquina, do outro lado, erguia-se um prédio branco de cinco andares, com um letreiro preto e vermelho onde se lia: APARTAMENTOS MAI SAI.
- Vou   arrumar   o   carro   aqui - disse   Hasken.- Podemos ir a pé o resto do caminho e observar o edifício.
Arrumou encostado ao passeio, apearam-se ambos e, lado a lado, começaram a caminhar na direcção do prédio de apartamentos.
- Que fazemos a seguir? - perguntou Underwood.
- Quero consultar as caixas de correio, na entrada. Preciso de ter a certeza de que o apartamento de Rata-nadilak é o de gaveto do segundo piso.
- E se ele usou outro nome?
- Porque haveria de usar? Tenho a certeza de que o apartamento é dele.
Aproximavam-se do Mai Sai.
- Receio  uma  coisa - disse  Underwood. - Que eles nos vejam e fujam para outro esconderijo, com Noy. Acha que nos verão?
- Pode   ter  a   certeza   disso.   Estarão   vigilantes, atentos a qualquer pessoa estranha. Deve estar alguém a observar da janela do apartamento ou em baixo, na rua. E também saberão quem nós somos. O seu rosto não é exactamente irreconhecível, Sr. Presidente, nem mesmo em Lampang.
- É  com   isso  que  estou  a  contar.  Espero  que, sabendo quem eu sou, não corram o risco de nos fazer mal. Espero que fiquem suficientemente impressionados para soltarem Noy.
- Esqueça isso - respondeu Hasken, sem rodeios.
- Não vai ter uma oportunidade, sequer, de falar com eles. Essa ideia é tola, se me permite que o diga. Estes homens são bandidos desesperados, que obedecem  a ordens. Estão-se nas tintas para quem o senhor é. Querem Noy e a renúncia dela pela televisão. Quando nos virem, podem disparar contra nós... mas o mais provável é que, em vez de causarem todo esse rebuliço e chamarem a atenção, fujam. Estou certo disso. Devem ter um plano de retirada. - Olhou para o Presidente. - Talvez devêssemos usar, já, o nosso próprio plano de recurso e chamar o Serviço Secreto, Underwood opôs-se, obstinadamente.
-Isso redundaria, com certeza, num tiroteio. Noy podia ser ferida ou mesmo morta. Não corro esse risco.
Tinham percorrido o quarteirão e encurtado o passo.
Hasken olhou por cima do ombro, pela transversal abaixo, e Underwood fez o mesmo. Viram um mísero ambulante, vendendo fruta madura. Estava uma mulher atrás do volante de um Ford estacionado. Um adolescente, encostado a um candeeiro, fumava um cigarro e lia um jornal.
- Um deles é uma sentinela - murmurou Hasken.
- Temos de agir depressa. É melhor o senhor encarregar-se da entrada e examinar as caixas do correio, para ver o número do apartamento. Eu contorno o edifício, para descobrir se há uma escada de serviço ou uma escada de salvação. Espere por mim à entrada. Temos de nos movimentar normalmente, mas depressa.
Juntos, tentando parecer naturais, mas andando rapidamente, atravessaram a rua. Underwood dirigiu-se para os degraus da frente, para as caixas de correio, enquanto Hasken continuava a andar até ao fim do edifício e o contornava.
Underwood chegara  às  caixas de  correio. Observou-as,  e  encontrou  a  que  queria,  no  segundo  piso: RATANADILAK-204.
Concentrou-se nela, na realidade a matar tempo, perguntando-se o que fazer e, também, como teriam corrido as coisas a Hasken, nas traseiras. Estava assim, paralisado, quando ouviu passos. Girou sobre si mesmo e viu Hasken vir direito a si.
- Há uma escada de salvação nas traseiras e, estou certo, um corredor que leva do apartamento deles lá - disse o repórter, ofegante. - Um deles pôs a cabeça de fora, para ver se a costa estava livre. Isso significa que ainda se encontram outros no apartamento e vão fugir.
Antes que tivesse tempo de responder, Underwood viu uma mulher idosa, com uma trouxa de roupa, a sair pela porta principal.
- Vamos manter a porta aberta - disse a Hasken. - Não podemos usar o trinco automático. Só nos resta entrar enquanto a mulher sai.
A mulher abrira muito a porta, e Underwood segurou-a para ela sair. Hasken entrou, apressadamente, e Underwood foi logo atrás dele. Enquanto corriam para a escada, o repórter gritou:
- Arrombamos   a   porta   da   frente,   assim   talvez consigamos apanhar alguns deles  lá dentro. Chegou a altura de contactar com o Serviço Secreto, a pedir ajuda. Se não for agora, depois talvez seja tarde.
Underwood levou a mão ao emissor preso ao cinto e carregou no botão, dando a Frank Lucas o sinal de emergência, e, com a mão livre, tirou o Smith & Wesson da algibeira.
Juntos, correram do rés-do-chão para o primeiro piso, subindo dois degraus de cada vez, e depois para o segundo. No corredor, um sinal apontava para o apartamento 204.
Hasken correu na direcção indicada, com o Presidente um passo atrás.
No 204, Hasken sugeriu, ofegante: - Atiremo-nos contra a porta juntos, para rebentar a fechadura. Tem uma arma?                                       "
Underwood mostrou-lha.
- Óptimo! -exclamou o repórter. - É melhor estar preparado para a usar!
Recuaram simultaneamente, cada qual com um ombro lançado para a frente.
- Agora! - gritou Hasken.
Chocaram ao mesmo tempo com a porta. Houve uma explosão metálica, quando a fechadura saltou e se abriu, partida, e eles empurraram a porta para entrarem na sala do apartamento.
Viram dois dos soldados sair apressadamente por uma segunda porta, para o corredor. Um terceiro ia atrás deles e o quarto, um indivíduo pesado, que Under-wood supôs tratar-se do major Ratanadilak, tinha uma arma na mão, encostada ao lado da cabeça de Noy.
O rebentar da porta e o irromper de Underwood e Hasken na sala paralisaram o major e, depois, distraíram-no. Afastou rapidamente a arma da têmpora de Noy e apontou-a a Underwood, ao mesmo tempo que o Presidente caía sobre um joelho.
A bala de Ratanadilak roçou por Underwood que, nessa fracção de segundo, se lembrou do conselho do director do Serviço Secreto. Se tiver mesmo que ser... riposte logo.
Apontando, o Presidente estava pronto para ripostar imediatamente.
Viu que Noy estava, momentaneamente, livre, encolhida contra a parede, e que o major se preparava para disparar segunda vez.
Rezando para que não falhasse o oficial e, em vez dele, atingisse Noy, Underwood manteve o braço rígido, dobrou o dedo contra o gatilho do Smith & Wesson e puxou-o com força.
O estampido foi como uma bofetada na orelha, e depois viu Ratanadilak largar a arma, agarrar o peito e, lentamente, cair de joelhos. Hasken rastejou e, logo em seguida, atirou-se para apanhar a arma do oficial, e Underwood saltou para a frente com a sua própria arma e comprimiu-a contra a testa do major.
- Seu pulha! - gritou. - Diga-me quem o mandou raptá-la ou estoiro-lhe os miolos!
Sufocado,  ainda  a  agarrar o  ferimento  do  peito, Ratanadilak conseguiu pronunciar uma palavra, num gorgolejo.
- N-N-Nakorn.
Houve uma segunda explosão de disparos e, depois, os outros captores regressaram à sala, a recuar e de mãos levantadas.
Atrás deles, de armas erguidas, vinham o director Frank Lucas e metade da sua equipa do Serviço Secreto.
Underwood soube que estavam, finalmente, em segurança, e então, e só então, estendeu as mãos para a trémula Noy, a apertou muito nos braços e a beijou, beijou...
CAPÍTULO    13
O Presidente Underwood e Hy Hasken levaram Noy Sang para o Palácio Chamadin, no carro alugado do repórter.
À porta, Noy pegou na mão de Underwood. -Matt, venha jantar connosco esta noite. Pode trazer as suas coisas do hotel, dormir num dos quartos de hóspedes e levantar-se tão cedo quanto quiser para embarcar no Força Aérea Um e regressar a Washington, de manhã.
- Aceito - respondeu o Presidente.
- Cerca   das   oito   horas - disse   Noy,   e   depois deixou-os.
Underwood e Hasken regressaram, em silêncio, ao Oriental Hotel.
Quando chegaram, o Presidente apertou a mão a Hasken.
- Você foi brilhante, e eu quero agradecer-lhe.
- Foi  um  prazer-respondeu o  repórter. - Voltamos a ver-nos em Washington.
-Vai fartar-se de me ver antes disso. Encontre-se comigo no Aeroporto de Muang, amanhã às dez horas, quando eu partir. Quero que vá comigo. Poderemos discutir algumas coisas.
- Obrigado,  Sr.  Presidente.
Enquanto Hasken se afastava, para ir entregar o carro alugado, Underwood entrou no hotel e subiu para a sua suíte. O criado ajudou-o a fazer de novo as malas.
Quando estavam prontas, esperava-os uma limusina enviada por Marsop.
Eram sete e quarenta e cinco quando o criado transportou as malas de Underwood para o quarto de hóspedes, antes de ir procurar um lugar para ele próprio dormir nas instalações do pessoal.
Underwood estava no gabinete de Noy, quando ela apareceu resplandecentemente vestida para jantar. Dirigiu-se para ele, abraçou-o e beijou-o.
- O  médico  disse que me  encontro de  perfeita saúde - disse-lhe. - Matt,   importa-se   de   esperar  um pouco? Tenho de resolver dois assuntos da minha agenda, antes do jantar.
Perguntando a si mesmo que assuntos seriam, o Presidente Underwood sentou-se no sofá.
Noy foi para a sua cadeira, sentou-se e ligou para a secretária.
- Pode dizer a Marsop que entre. Marsop entrou, sorridente.
- Encarreguei-me das estações de televisão. Cancelei o tempo que tinha marcado para mim e reservei-o em seu nome. Você não vai desistir, Noy. Pelo contrário, continua a ser candidata, e muito.
- Eu direi isso mesmo. Trouxe o nosso velho amigo?
- O general Samak Nakorn está na sala de espera, sob forte guarda.
- Muito bem. Certifique-se de que foi desarmado, e depois mande-o entrar. Deixe os guardas lá fora.
Depois de Marsop sair, Noy manteve-se à secretária, piscou o olho a Underwoodi e disse:
- Vamos, agora, à sentença do general. Passados momentos, a  porta lateral  abriu-se e o
general Nakorn entrou, sozinho. Vinha com o uniforme de gala e o peito a reluzir de medalhas. Lançou um olhar a Underwood1 e depois caminhou, hirto, para defronte da secretária de Noy.
Nakorn fez-lhe a continência, e pareceu querer sentar-se.
Noy não lho permitiu. Fê-lo ficar de pé, militarmente aprumado, em sentido.
- Este é o seu julgamento, general, e eu sou juiz e júri. Não demorará mais do que um minuto, por isso pode permanecer de pé.
- Eu não fui responsável - declarou Nakorn.
- É a sua palavra?
- A minha palavra chega.
- Eu  tenho  outras  palavras  contra  si  e,  melhor ainda, testemunhas que provam que o senhor foi o responsável. Tenho o seu major, que se encontra agora no hospital e sobreviverá para o acusar de novo, se for necessário. Tenho uma confissão do coronel  Chavalit. Tenho as outras três pessoas que me tiveram sequestrada no apartamento. O senhor não tem defesa. Vou sentenciá-lo pessoalmente.
Nakorn cerrou os lábios.
- Qual é a minha sentença? - perguntou, a seguir.
- Podia mandar executá-lo. Não o farei. Seria demasiado fácil. Podia condená-lo a prisão perpétua. Demasiado fácil, também, e eu não o quero em Lampang. Vou mandá-lo para o  exílio na Tailândia. Esta  noite ficará atrás de grades. De manhã será levado de avião para Bancoque e deixado lá. Ficará na Tailândia o tempo que quiser, mas nunca mais voltará aqui. Dei instruções, em todos os pontos de entrada em Lampang, no sentido de que, se alguma vez aqui for visto, seja imediatamente abatido. - Noy fez uma pausa. - Compreende, Nakorn?
- Compreendo. Noy levantou-se.
- Agora pode sair. Tenho convidados para jantar. Nakorn deu meia volta. Quando transpunha a porta,
um guarda agarrou-o e algemou-lhe os pulsos.
Noy deu o braço a Underwood.
-O trabalho está feito,  Matt. Agora é altura de celebrar com Den e Marsop, ao jantar.
Uma hora depois do jantar, Den foi mandado deitar-se e Marsop foi-se embora. Noy sugeriu a Underwood que seria melhor dormir alguma coisa, pois teria de acordar cedo e viajaria todo o dia.
- Eu   mostro-lhe   o   seu   quarto - acrescentou.- Siga-me.
Obedientemente, Underwood subiu atrás dela para o andar de cima.
- O meu quarto principal-disse Noy, dando uma pancadinha, ao passar, numa porta de carvalho. Depois voltou a bater noutra porta não muito distante, e abriu-a. - O quarto de hóspedes, agora o seu. Boa noite, Matt.
Sem o beijar nem voltar a tocar-lhe, virou-lhe as costas e dirigiu-se para o seu quarto.
Underwood viu-a afastar-se, entrou no quarto e viu que a coberta de seda da cama de dossel tinha sido dobrada para trás e uma almofada fofa aguardava a sua cabeça. As suas duas malas estavam fechadas à chave, e só a mala do guarda-roupa tinha o fecho de correr aberto. Fora deixada assim para ele guardar as roupas que trazia vestidas. O fato para a viagem, camisa, roupa interior e gravata tinham sido preparados para o dia seguinte, assim como sapatos macios, de viagem, e peúgas de seda.
Apagou os candeeiros, um por um, e deixou aceso apenas um, com uma lâmpada fraca, ao lado da cama. Depois despiu-se vagarosamente.
Pegou no roupão azul-marinho e preparava-se para o atirar para cima da cama, quando ouviu o gemer de uma porta.
Voltou-se e, para sua surpresa - não, para sua surpresa não, pois há muito tempo que sonhava e tinha fantasias a respeito daquilo-, a porta entre o quarto de Noy e o seu abria-se devagar e, pouco depois, ela aparecia à entrada.
Vestia apenas um robe cor-de-rosa finíssimo. Mesmo à luz fraca do quarto, distinguia a dança dos seus seios opulentos e via o triângulo escuro, sob o tecido diáfano.
Noy avançou lentamente, com os olhos no seu rosto, no seu pénis, de novo no seu rosto.
Lançou-se nos seus braços estendidos e ele abraçou-a com força.
O seu pénis duro comprimiu-se contra ela.
Noy tentou soltar-se, para despir o robe, mas ele levantou a mão, puxou-lho para baixo e atirou-o para o lado.
Ela ficou nua à sua frente.
Matt sentiu dificuldade em respirar. - Noy, faz isto porque me está grata? Ela estendeu as mãos para a sua cabeça.
- Faço isto porque estou profundamente apaixonada por si, Matt.
- Meu Deus, querida, como a amo. - Com o coração num galope, puxou-a para si, contra si, sentindo o calor da sua pele inflamar-lhe o corpo. Esmagou a boca contra a dela, e Noy tornou-se flácida nos seus braços.
Os seus seios eram maiores, mais macios, mas também mais firmes do que imaginara. Tinha-os nas mãos; inclinou-se e tornou-lhes os bicos, um e depois outro, na boca. A sua doçura tornou-lhe maior a erecção.
Ajoelhou-se, beijando-lhe o ventre, os quadris, as coxas, descendo entre as pernas e penetrando-a com a língua.
Ouviu-a gemer, sentiu-a cambalear, viu que ia desfalecer e, rapidamente, levantou-se, agarrou-a, com a boca a cobrir-lhe toda a carne submissa.
- Matt... Matt... Matt... não espere...
Ergueu-a do chão - era leve como uma pluma-, transportou-a para a cama e deitou-a nela.
Noy chegou-se para um lado, de costas, abriu as pernas e as coxas para ele, de braços estendidos, suplicantes.
De joelhos, ele beijava-lhe os seios, os mamilos pontiagudos, os lábios, o umbigo, o interior das coxas e os outros lábios húmidos.
Estava quase descontrolado, com o pénis alto e firme.
Então, quando estava prestes a penetrá-la, ela procurou-o, puxou-o para si, e ele sentiu-se mergulhar quase infindavelmente no seu interior.
Ela gritou e ele agarrou-a e mergulhou mais fundo.
A excitação da cópula era quase insuportável.
Mas   prolongou-se,   como  se   nunca   fosse   acabar.
Ele fez-lhe amor uma vez, e segunda uma hora depois, e uma terceira, demoradamente.
Depois adormeceram nos braços um do outro, saciados, exaustos e felizes para além do desejo humano.
De manhã cedo, Noy levou para o quarto o seu tabuleiro do pequeno-almoço e partiihou-o com ele. Underwood permaneceu debaixo da coberta, com o tabuleiro no colo, enquanto Noy se sentava no lado da cama e comia com ele.
Mais tarde, despiu o robe, tomou duche e veio secar-se diante dele.
Observando-a, ele disse aquilo em que tinha estado a pensar na última hora e naqueles últimos minutos.
- Noy...
- Sim, Matt?
- Quero   divorciar-me   da   minha   mulher  e   casar consigo.
Ela começou a olhar por cima do ombro e depois fixou os olhos no espelho do toucador, atrás dele.
- Agradeço-lhe, Matt, mas isso é impossível.
- Não  é  nada   impossível.   Nós   merecemos  ficar juntos.
- Não, Matt, isso estragaria tudo. Você é o Presidente dos Estados Unidos. Alice é a sua primeira dama. Não pode abandonar isso. O escândalo pairaria sobre você... sobre nós... para sempre.
- Não importa.
- Deve voltar para a sua mulher. E, como eu, recan-didatar-se à presidência. Não pode abandonar as pessoas que acreditam em si. Tem de se recandidatar para preservar aquilo em que acredita. E eu estou  decidida a preservar aquilo em que acredito.
- É tudo quanto tem para dizer?
- Tenho mais. - Noy voltou-se, para o encarar de frente. - Matt,   se   não   se   recandidatar,   nunca   mais poderei voltar a vê-lo. Eu seria uma presidente e você um simples cidadão. Mas se você se recandidatar e for eleito, e se eu me recandidatar e for eleita, seremos ambos,   novamente,   presidentes   e   poderemos  ver-nos um ao outro, assim, de tempos a tempos, sem nenhum problema.   Pense   no   assunto,   meu   amor.   É   a   única maneira de continuarmos juntos.
- Apaixonados - disse ele, baixo.
- Sempre apaixonados - murmurou Noy.
O Presidente Underwood estava parado fora do Aeroporto de Muang, a olhar para a pista e a observar o Força Aérea Um, que estava a ser submetido a uma revisão final, antes da partida.
Voltou-se para Hasken, que estava a seu lado.
- Hy, você merece um furo exclusivo, como agradecimento de tudo quanto fez por mim. E eu vou dar-lho, aqui e agora.
- Sim? - disse Hasken, ansiosamente.
- Vou candidatar-me a um segundo mandato. A notícia é toda sua.
Os olhos do repórter fixaram-se no Presidente.
- Quer dizer que Noy não consentiu que deixasse a sua mulher - comentou.
O Presidente pestanejou. Após  uma  longa pausa, abanou a cabeça.
- Não, não consentiu.
- A grande história é essa, Matt.
- Eu sei que é. Mas vamos jurar que fica rigorosamente entre nós. É uma história que só você sabe. A história para o mundo não tem nada que ver com a minha mulher, nem com Noy. A história para o mundo é que vou recandidatar-me.
- E ficar com a sua primeira àama. E talvez - talvez apenas -, ver Noy de tempos a tempos, no futuro?
O Presidente esboçou um sorriso.
- Para   discutir   questões   de   Estado,   como,   por exemplo, dar aos Estados Unidos uma base aérea maior em Lampang. Ela pode encontrar-se comigo e discutir isso, uma vez eleita.
- Você é um grande tipo, Matt. O Presidente Underwood sorriu.
- Só porque conheço uma grande mulher, Hy.

 

 

                                                                 Irving Wallace

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

                                                   

O melhor da literatura para todos os gostos e idades