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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A ESTRADA PARA COMPIEGENE / Jean Plaidy
A ESTRADA PARA COMPIEGENE / Jean Plaidy

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Nos dias quentes, o assunto entre o povo na cidade alvoroçada era o Caminho. Debochavam do Caminho; escarneciam do Caminho; não tinham o menor respeito por ele e o odiavam.

Por ser hábito do povo parisiense cantar canções sobre o que amasse em particular ou desamasse, ele cantava canções sobre o Caminho.

Quando os padeiros de Gonesse chegavam à cidade duas vezes por semana com seu carregamento de pão - que deveriam vender todo ele aos cidadãos, porque não podiam levá-lo de volta além da Barreira -, discutiam o Caminho com os camponeses que iam para Lês Halles, o grande espaço circular com seis ruas movimentadas que vão dar lá. Elogiando as qualidades do bom pão, do peixe, da carne e das verduras, achavam tempo para falar do Caminho. As vendedoras ambulantes de café, de pé pelos cantos das ruas, tendo às costas as cafeteiras com torneira, gritavam: "Café au lait, dois sous a xícara. Café au lait, com açúcar, amigos!" E, enquanto bebiam em xícaras de cerâmica, os fregueses de pé zombavam do Caminho com a vendedora.

Os barbeiros, com pinças, correndo freneticamente a fim de não perder os compromissos para empoar perucas, as roupas brancas de pó, comentavam entre si as últimas notícias sobre o Caminho; os advogados a caminho do Châtelet se mostravam preocupados com ele; os sacerdotes, indo cedo para o trabalho, achavam tempo para cochichar sobre ele.

Discutiam isso os nobres e as mulheres em suas carruagens, os passageiros suados e apertados nas carabas pesadonas viajando de um lado para o outro, entre Paris e Versalhes, a uma velocidade média de pouco mais de dois quilómetros por hora, e por aqueles que, por não poder pagar uma carruagem e por menosprezar as carabas, viajavam naqueles veículos engraçados que o humor parisiense deu o nome de pots de chambre, ou seja, bacias de quarto.

No Falais Royal, as prostitutas e as mulheres galantes se apresentavam fazendo algum comentário sobre o Caminho, enquanto, lá, os agitadores faziam dele assunto para discussão.

Homens e mulheres, andando com cuidado pelas ruas para evitar a lama infernal, zombavam dele; os que paravam na altura da Pont-Neuf para descansar falavam dele com os valeis, os criados, nas ruas.

O Caminho para Compiègne, ou a Rota da Revolta, atraiu a imaginação do povo de Paris. Era um símbolo entre eles e o rei. Era uma represália de Luís XV à desaprovação de Paris. "Dentro em pouco, vocês não vão mais me chamar de Luís o Bem-Amado, portanto construí um caminho para evitar a cidade. Nunca mais voltarei a Paris por prazer, mas apenas quando meus deveres o exigirem."

E o povo de Paris cantava e zombava do Caminho para Compiègne, porque queria que o rei soubesse que todos poderiam enfrentar a indiferença real - e, se necessário, mostrar-lhe que odiavam essa ideia.

 

 

 

 

A marquesa de Pompadour se sentou diante do espelho e, enquanto as criadas penteavam seus cabelos e lhe pintavam o rosto, recebia visitantes no aposento. Era a hora da toilette, quando a maior parte das damas da corte estava livre para ouvir a conversa das visitantes.

Ela ria, afável. Com as faces e os lábios pintados de carmim, com os cabelos arrepanhados no alto do rosto, mais malicioso que bonito, o rosto era de fato atraente; mas muitos entre aqueles que lhe cuidavam da toilette declaravam que, por baixo da serenidade e dos cosméticos, havia uma mulher cansada, deprimida e apreensiva. Para aqueles que a viam agora, isso não parecia possível, não podia ser verdade. Mas todos sabiam que a marquesa era uma atriz esplêndida.

Como era graciosa! Nunca, mesmo para os mais humildes, demonstrava apenas atenção cordial.

Seus inimigos cochichavam:

- Veja como é prudente! É porque sabe que sua influência sobre Luís está diminuindo?

- Ela sabe?

- Deve saber, se não é idiota. E como pode uma mulher, nascida simplesmente mademoiselle Poisson e que se tornou a marquesa de Pompadour sem a ajuda de amigos na corte, ser idiota?

- Não dá sinal disso.

- Não dá. Repare a impiedosa determinação do queixo delicado. Luís está a exauri-la, e ela sabe disso. Não pode durar.

Os belos olhos da marquesa eram meigos. Não parecia possível que soubesse dos boatos.

- Meu espelho-murmurou ela à criada; e segurou-o com delicadeza e elegância, de forma a poder ver o rosto de todos os ângulos.

Sorriu para quem estava próximo dela. Esse homem queria um lugar na corte para si próprio e para o filho. Mais adiante, outro, que desejava um comando no Exército. Ali, uma mulher que procurava obter lugar para a filha. Aqui, um comerciante que desejava vender-lhe bonita jarra; sabia que o gosto da marquesa era perfeito. Aqui estava um outro com metros de lindo cetim numa daquelas tonalidades que lhe ficaram associadas.

Procuravam madame de Pompadour, porque a marquesa era encantadora e afável; era sua política não fazer inimigos e ajudar onde pudesse; e, é claro, sua palavra com o rei tinha mais peso do que qualquer outra.

- Por enquanto! - cochichavam os inimigos, contentes. Mas esperem. Deixe aparecer uma jovem mais astuta. Lembrem-se de madame de Mailly. O rei lhe foi fiel durante anos. Ele nunca se livraria dela, mesmo que se cansasse. Mas quando a irmã de madame de Mailly, madame de Châteauroux, disse "Mande embora da corte essa mulher", a pobre madame de Mailly teve de ir-se.

Então, aconteceria o mesmo com a marquesa. Por enquanto, ela permanecia porque Luís não achara outra que o atraísse suficientemente para substituí-la; mas chegaria a ocasião, e, então: desgraça para a Pompadour.

Ela agora sorria para o homem que lhe pedia um comando no Exército.

- Monsieur- dizia ela com seu jeito gracioso -, tenho certeza de que nós poderemos conceder-lhe o seu pedido.

Nós! Ela teve o atrevimento de empregar essa palavra que a unia ao rei. Ela fazia isso seguidamente. "Nós vamos partir para Marly, Choisy, Fontainebleau." E a marquesa queria dizer "o rei e eu".

Luís ouvia e não protestava. Era preguiçoso demais, ansioso demais para evitar aborrecimentos. Mas todos acreditavam que chegaria o dia em que mandariam madame La Marquise embora da corte.

Ela não podia esconder totalmente o fato de ser uma mulher doente; e uma mulher precisava da vitalidade de dez para acompanhar o ritmo de Luís XV da França.

Enquanto a rodeavam, o rei chegou. Todos recuaram, os homens se inclinaram saudando, as mulheres varrendo o chão com os vestidos, enquanto Luís ia à mesa de toilette.

A marquesa se levantou; fez uma mesura graciosa. Todos ficaram alertas, mas, se Luís estava cansado da marquesa, não deu sinal disto. Todos devem ter-lhe percebido o brilho no rosto ao pegar a mão dessa mulher encantadora e dizer:

- Madame La Marquise, como está hoje? Conte-me as novidades.

O rei não dispensou os que estavam reunidos no aposento, mas a etiqueta do château mandava que saíssem logo dali. Ao aproximar-se da marquesa, não olhou nem à direita nem à esquerda, o que significava desejar ficar logo sozinho com ela.

Quando ficaram a sós, a marquesa o olhou com ternura. O rei não parecia bem; a pele estava ligeiramente amarelada, ao contrário de há poucos meses. Luís ainda era muito vistoso. Os olhos, de um azul profundo, pareciam bem escuros, e a peruca branca lhe acentuava a cor. Os movimentos e gestos tinham tal graça e dignidade que a marquesa muitas vezes achava que, se não o tivesse visto antes e se lhe pedissem para reconhecer o rei numa multidão de pessoas, ela o teria visto.

Estava apaixonada por ele. Mesmo antes de conhecê-lo, tinha certeza de que algum dia seria sua amante, e assim que o viu percebeu que nenhuma outra pessoa poderia ser tão importante para ela como ele.

Se eu tivesse ao menos um filho dele, pensou ela. Agora seria impossível. Sofrera vários abortos e o seu médico, Quesnay, lhe dissera que não poderia mais ter filhos.

Era lamentável. Um filho ou filha de Luís XV e da marquesa de Pompadour! Nada teria sido tão bom para essa criança, e as honrarias seriam muito altas. E que vínculo haveria entre eles! Mas não houve.

Ele agora parecia um pouco melancólico, e a Pompadour tinha vontade de saber se o rei não pensava na noite anterior, que, acreditava, não teria sido tão completa para ele.

Pensar em suas deficiências na alcova muitas vezes aterrorizava-a, e ela sabia que o momento em que deveria enfrentar esse problema não poderia estar muito longe.

No entanto, já se fora a noite; e, durante o dia, em todos os acontecimentos sociais, Luís não tivera uma companhia mais deliciosa e divertida que a marquesa.

- Está encantadora - afirmara-lhe Luís.

- E você, sire, está alegre.

Não era bem assim; porém a marquesa achava que, ao dizerlhe que o achava bem e alegre, o rei poderia chegar a esse estado de espírito.

- Estou ávido por ouvir os seus planos para hoje.

- Espero poder ter o prazer de distrair vossa majestade em Bellevue hoje à noite.

- Nada poderia me deliciar mais.

- Para essa noite, imaginei um pequeno divertimento. Uma peça, sire. Uma que o entretenha.

- Se escrita por seu velho amigo Voltaire, não duvido.

- Bem, sire, há muitas pessoas escrevendo peças piores; poucas, melhores.

O rei achou graça.

- Como não temos de ver o autor, com certeza nos divertiremos com a peça. Soube notícias dele em Berlim?

- Sim, sire. Ele escreve de vez em quando.

- É um prazer lembrarmos que temos um lunático a menos na corte.

A marquesa se forçou um pouco a rir, mas não se sentiu desapontada. Esperava por muitas honrarias na vida do velho amigo, François Marie Arouet de Voltaire; considerava-o um génio, mas infelizmente ele carecia das maneiras que o tornassem agradável em Versalhes.

- Acho que vossa majestade vai gostar da peça.

- Tenho certeza. Minha querida marquesa, você vai fazer algum papel nela?

- Um papel importante. Mas não me peça que lhe fale sobre isso. Farei uma surpresa a vossa majestade.

O rei segurou a mão dela e a pôs nos lábios. Como é encantadora, pensava. Sempre era sensata ao falar. Não importa o assunto que tocasse, ele tinha certeza de que iria se dedicar sinceramente a esse tema. Ela, porém, raramente sugeria isso. Esperava que o rei o escolhesse. Era uma mulher admirável. Se também fosse uma companheira de cama mais satisfatória, seria perfeita.

Ele percebia que o seu olhar se desviava muito frequentemente hoje em dia; e isso o fazia sentir-se ligeiramente aborrecido. A marquesa era mulher muito boa, e ele não queria dar aos seus inimigos a satisfação que procuravam.

A marquesa agora lhe sorria ternamente, não traindo o menor sinal do perigo que sentia. Durante os cinco anos em que fora amante do rei, estudara todas as suas disposições de ânimo, de tal maneira que, muitas vezes, conseguia ler seus pensamentos.

As palavras que o rei disse a seguir a deixaram aterrorizada:

- Minha cara marquesa, estou um pouco ansioso por saber sobre a sua saúde. Pode me garantir que consultou Quesnay sobre esse assunto, da maior importância para mim?

A marquesa riu. Ninguém poderia imaginar que começara a sentir-se doente com a apreensão que tomara conta dela. E, de repente, lágrimas lhe escorreram dos olhos.

- Estou muito emocionada - afirmou ela -, por vossa majestade se preocupar com minha saúde. Portanto, desculpe se rio. Nunca me senti melhor.

- Querida, achei que na noite passada você se cansou um pouco... cansou-se com muita facilidade.

- Não, meu querido senhor, não. Mas recorde-se daquela ocasião assustadora quando foi doente ao meu leito e Quesnay afirmou que o senhor devia ter cuidado? Desculpe-me, Luís, mas não consigo esquecer esse momento e muitas vezes tal lembrança me deixa apreensiva.

- Morte! - sussurrou o rei. - Quem sabe o quão próxima está ela de qualquer um de nós?

O rei abanou a cabeça, triste, e os belos olhos azuis a encararam, irónicos. Ele nunca parecia cansar-se. Era isso que estava lhe dizendo? A marquesa abafou uma tosse e explicou:

- Que assunto lúgubre! E a morte está longe, bem longe de nós. Ainda somos jovens.

- Esperemos que ela esteja bem longe de nós - acrescentou ele.

- Oh, mas eu queria fazer vossa majestade rir, e aqui estamos falando desse assunto triste. Sire, soube do mais recente affaire de amor de Richelieu?

- Não, minha querida - respondeu Luís. - Mas me conte. O homem é muito escandaloso. Como consegue ele, na sua idade, se conservar como um garoto ávido? Diga-me.

A marquesa riu levemente e explicou:

- Devemos lembrar, sire, que tais histórias de suas proezas são invariavelmente contadas por ele próprio. Isso pode significar que o vigor de sua excelência seja até mais assombroso depois do acontecimento do que durante ele.

Agora, o rei ria junto com ela. A marquesa se acalmou.

Lembrou-se de outros escândalos que poderiam divertir Luís e, ao partir, ele se sentia muito mais alegre do que ao chegar. Era quase sempre assim. O rei subia as escadas que levavam ao apartamento dela num estado de ânimo triste, e ia embora com elevado ânimo, muito frequentemente sorrindo para si ao lembrar-se de algum caso divertido.

Sozinha, a marquesa se recostou num canapé e tentou conter a tosse, com que lutara durante o encontro com o rei.

Assim que se recostou ali, a porta do aposento se abriu e uma mulher entrou na ponta dos pés.

- É você, Hausset? - perguntou a marquesa.

- Sou eu, madame.

- Estava em sua pequena alcova escrevendo enquanto o rei se encontrava aqui?

- Ao alcance, caso precisasse de mim, madame.

A marquesa sorriu, quase pálida; não havia necessidade de conservar as aparências com a confidente, sempre a boa amiga.

Madame du Hausset ajoelhou-se diante de madame de Pompadour e pegou-lhe a mão.

- Você vai se matar. Você vai se matar - declarou, passional.

- Pobre Hausset... se assim for, vão mandá-la embora do palácio; e como vai continuar a escrever as suas memórias? Acho que poderia continuá-las, embora não fossem ficar tão interessantes, não? Agora, poderá escrever sobre o rei e a sua patroa, que também é amante do rei. Eu me pergunto: até quando será assim?

- Este não é modo de falar-respondeu madame du Hausset.

- Não é modo, de fato. Mas tenho certeza disso, o tempo todo, sabe. Aquelas pessoas na toilette... pensa que eu não lia os pensamentos delas?

- Esta sua dieta, madame, não é boa para você - afirmou madame du Hausset. - Nada do que come vai fazê-la à altura do rei. Nem nenhuma mulher.

- Hausset, receio que eu não seja uma mulher muito sensual. Preciso lhe dizer alguma coisa. Houve noites em que o rei dormiu num canapé, no meu aposento. O que isso quer dizer?

- Que tem grande consideração por você, madame.

- Ele diz "não vou perturbar você". O que isso quer dizer?

- Que leva em consideração o seu conforto.

- Por quanto tempo, Hausset, um homem desses vai continuar a levar em consideração o conforto da amante?

- Vai depender de quão profunda seja a afeição dele por ela. Monsieur Quesnay não pode ajudá-la em nada?

- Deu-me remédios e pílulas, mas eu fico... como você disse... tão fria como meu nome.

- Então, Madame, siga meu conselho. Pare com as trufas, com as dietas e com as pílulas dos médicos. Coma com grande apetite e o que gostar. Tenho certeza de que isso vai resultar em boa saúde mais rápido do que qualquer outra coisa; e com a saúde virá aquele ardor que o rei tanto exige de você.

- Caríssima Hausset, sinto-me feliz por tê-la do meu lado respondeu a marquesa. - Posso lhe falar como a ninguém mais.

- Madame, você sabe que sou sua amiga.

- Então tenha pena de mim, Hausset. A vida que levo não é de se invejar. Momentos como esse são raros, como sabe. Nunca tenho um minuto para mim mesma. Tenho de pensar sempre em minhas obrigações. Não tenho descanso. Você deveria ter pena de mim, Hausset, do fundo do seu coração.

Madame du Hausset respondia que sim com a cabeça, devagar.

- Tenho pena de você, madame La Marquise. Tenho pena de você, do fundo do coração. Todos, na corte, em Paris, na França, têm inveja de você. Porém vejo a verdade, tenho somente pena de você.

- Minha boa Hausset, sinto grande consolo tê-la comigo e pensar em você, na sua alcova, escrevendo sobre as coisas do dia-adia. Apareço muito nessas suas memórias? O rei aparece?

- Muito, madame. Não poderia ser de outra forma.

- Não. Acho que não. Mas em que estou pensando? Preciso mudar o vestido. Preciso distrair o rei em Bellevue, hoje à noite. Venha...

Veio-lhe um forte acesso de tosse que não conseguia conter. Levou o lenço à boca e, quando acabou de tossir, recostou-se, exausta, enquanto madame du Hausset tirou-lhe da mão a musselina manchada de sangue.

Nenhuma das duas falou no assunto; era um segredo que guardavam entre si; mas ambas sabiam que tal segredo não poderia ser mantido para sempre.

De súbito, a marquesa ficou alegre:

- Vamos - respondeu ela. - Não há tempo a perder. Preciso estar em Bellevue a tempo de cumprimentar sua majestade.

 

Ao deixar os aposentos da marquesa, Luís se dirigiu aos petits appartements que havia construído para si próprio ao redor dos Cours dês Cerfs. Era ali que podia deleitar-se com a solidão e se ocupar com os passatempos favoritos; onde podia realizar uma de suas ambições: separar Luís de Bourbon e Luís XV da França.

Desejava agora poder afastar sua melancolia. Ávida parecia não ter real interesse a oferecer-lhe. Era uma rotina cansativa de cerimónia e adulação; de distrações magníficas, parecidas com uma outra de que ele não conseguia lembrar-se.

Tinha quarenta anos - não era muita idade; e no entanto percebia que a vida nada tinha de novo a oferecer-lhe. Sentia-se esgotado e ainda havia poucas pessoas que poderiam tirá-lo da melancolia. A marquesa com certeza era uma delas; Richelieu, outra; a filha Adelaide poderia diverti-lo por ser uma pessoa tão impetuosa e enigmática; a filha Anne-Henriette conseguia tocar sua piedade porque era tão frágil e melancólica como ele.

Pobre Anne-Henriette! Ainda lamentava o amado perdido, Carlos Eduardo Stuart. Teria sido loucura ter permitido semelhante casamento; apesar disso, ele não podia evitar os remorsos todas as vezes em que via Anne-Henriette. Por essa razão, evitava vê-la; detestava ter sua consciência avivada.

Hoje em dia, Adelaide lhe interessava mais. Tinha dezoito anos e sem dúvida era encantadora; divertia-se a ouvi-la falar de assuntos de estado. Ela acreditava ter realmente grande influência sobre o pai. Talvez por isso fosse tão carinhosa com ele. Era de fato carinhosa, e ninguém ousava criticá-la em sua presença, e ele sabia disso. Se ela suspeitasse de alguém agindo assim, gritaria, irada: "Meta-o na masmorra!"

Na corte, as pessoas começavam a perguntar-se se a violenta e vivaz Adelaide estava mentalmente desequilibrada. Perguntavam-se se o rei desejava que todas as filhas ficassem solteiras. Anne-Henriette tinha agora 23 anos; Victoire, dezessete; Sophie, dezesseis, e LouiseMarie, treze, todas - como a própria Adelaide, com dezoito anos casadoiras, e no entanto o rei não se aprestava em casá-las.

Havia naturalmente aqueles que encaravam com alguma suspeita o relacionamento do rei com as filhas. Em especial, com Adelaide, tão espalhafatosa e apaixonadamente devotada a ele. Mas Luís não se preocupava. Tornara-se apático. Não se interessava pelo que diziam dele na corte ou naquela sombria Paris, que retirara dele o seu afeto e que ele, sempre que possível, evitava.

Gostava de ter as filhas na corte. Era agradável ver como eram devotadas a ele e dispostas - não, quase ávidas - a abandonar a mãe em favor do pai.

Oh, havia intriga em muito disse-que-disse sobre ele. Não se preocupava nem um pouco. Havia algum divertimento nisso.

Sentia-se frustrado com o delfim, agora um rapaz de 21 anos, que se tornara gordo e um tanto hipócrita. Era óbvio que estava nas mãos do partido jesuíta, e a mulher com ele.

Era estranho como um rapaz sem atrativos conseguisse inspirar carinho de ambas as mulheres. Parecia que Marie-Josèphe, a atual delfina, estava tão apaixonada pelo marido quanto a anterior, Marie-Thérèse-Raphaèlle, que morrera de parto.

À medida que o tempo passava, Luís conseguia ver que o delfim poderia se tornar um obstáculo ao pai. Que iria dar proteção aos jesuítas e à Igreja, contra o Parlemen. Houvera polémica entre a Igreja e o Estado na França desde que a Bula Unigenhus fora proclamada pelo papa Clemente XI em 1713 e, em particular, fora condenada pelas autoridades civis em Paris, em 1730. delfim podia colocar-se à frente de um partido forte e, dessa maneira, provocar sério atrito no país.

Luís não desejava pensar no futuro, se houvesse tal desagrado. Preferia viver o dia-a-dia.

Ainda assim, não podia deixar de pensar na família. Não levava em conta a rainha. Agora, era raro pensar nela. Havia muito se cansara dela, desde que viera para a França para surpresa de toda a Europa, ela, a filha pobre do rei exilado da Polónia, para unir-se ao rei de um dos países mais importantes. Ele, porém, a amara nos primeiros anos por ser um menino inexperiente, de quinze anos, e ela, a primeira mulher que conhecera. Dera-lhe dez filhos, sete deles vivos; tinham dado, portanto, sua contribuição ao estado e um não precisava preocupar-se com o outro. Ele devia deixá-la com suas devoções, sua vida incrivelmente tediosa, seus esforços pueris na espineta e nos pincéis; deixá-la continuar levando uma vida piedosa entre as pessoas da corte, uma vida feita de pessoas tão desinteressantes quanto ela própria.

Luís continuaria do mesmo jeito, triste, procurando desesperadamente afugentar o tédio na companhia de almas alegres como madame de Pompadour.

Quando comparava a amante com a rainha, afirmava não poder viver sem ela. A querida Jeanne-Antoine Poisson, o seu peixinho. Ah, peixinho! Pena que fosse tão fria-e, no entanto, sentia-se feliz por perceber que tal frieza não era, de forma alguma, devido ao que sentia por ele.

Desejava ardentemente uma amante com quem partilhar seu erotismo e, ao mesmo tempo, que fosse companhia fascinante como a sua querida marquesa.

Era possível? Talvez não. Por isso, devia ficar contente com a amiga querida que o agradava tão completamente de todas as maneiras, menos de uma.

Talvez não fosse possível encontrar satisfação completa numa única pessoa. Amava Anne-Henriette, mas a melancolia que sentia por ter perdido o Bonnie Prince Charlie o irritava e lhe incomodava a consciência. Cansara-se rápido da filha Victoire ao voltar de Fontevraul para casa; Victoire era de fato uma tolinha; mais tolinha que Sophie. Louise-Marie era mais inteligente, porém, pobrezinha, não muito atraente, corcunda. Não, Adelaide era, no momento, a filha favorita - a maluca Adelaide com quem sempre podia contar para se divertir, com seu comportamento nada convencional.

E, ao pensar na família e na amante, lembrou-se da animosidade entre elas.

Era bastante natural talvez que os familiares ficassem ressentidos com a marquesa. Mas por que eles não podiam comportar-se com a mesma dignidade e o mesmo decoro de Pompadour?

Era incrível. Ela, de origem humilde, comportava-se como dama da corte, e, se sentia algum rancor com relação a essas jovens, conseguia disfarçar bem!

Luís sentia vergonha da família: as intrigas impetuosas de Adelaide para afastar a marquesa da corte, a aquiescência enfadonha das irmãs, que pareciam nada poder fazer senão esperar pelas insinuações de Adelaide. Quanto ao delfim, comportava-se como um colegial mal-educado. O rei, na verdade, já o vira pôr a língua de fora, quando a marquesa virara as costas.

Sim, ao pensar na família, não se sentia satisfeito com o comportamento dela. Também estava contente por madame LouiseElisabeth, a gémea de Anne-Henriette, sempre considerada o membro mais velho da família, ter ido embora de Versalhes, apesar de ter se sentido encantado com sua companhia quando ela o visitara recentemente.

Comparadas com sua irmã, conhecida como Madame Infanta, as outras filhas pareciam grosseiras. E o pai sentia vergonha delas e de si próprio por não levarem em conta mais seriamente a educação recebida.

Adelaide logo sentiu ciúmes da atenção que o pai dava a LouiseElisabeth, e, de modo ardente, formara um grupo para lutar contra ela. Além disso, Louise-Elisabeth ficara amiga de madame de Pompadour - talvez para irritar as irmãs e o irmão - e isso deixara o pai ainda mais feliz.

Mas, pouco depois, percebeu que essa era a pretensão de Madame Infanta, muito responsável pelo afeto que demonstrara pelo pai. Ela desejava ardentemente um trono; ficara aborrecida com o fato de uma filha do rei da França ter que se contentar com o ducado de Parma e Piacenza, que lhe fora cedido com a paz de Aix-la-Chapelle. Tinha grandes ambições; gostaria de ver a França ir à guerra mais uma vez a fim de conquistar e assegurar um trono para si; e ela queria que José, o filho da imperatriz Maria Theresa, fosse marido de sua filhinha.

A filha tornara-se política na corte espanhola. Mas, ao senti-la tão exigente, tão perturbadora da paz, em vez de sentir contentamento no encontro, Luís se acalmou quando ela foi embora de Versalhes.

Ele agora ia tomar café com as filhas mais moças. Era um pequeno ritual que nunca deixou de diverti-lo. Além do mais, precisava descobrir aonde iam as intrigas do delfim sob a proteção das irmãs.

Foi à cozinha dos petits appartements e preparou café. Quando ficou pronto, arrumou-o numa bandeja, e foi aos aposentos de Adelaide, utilizando-se da escada secreta.

Ao vê-lo, os olhos de Adelaide brilharam de prazer; com um gesto, dispensou a mulher que estava ali. Fez uma mesura veemente - todos os seus gestos eram veementes - e a cada vez que a via Luís achava a filha um pouco mais rebelde.

- Café... caríssimo sire; esse café torna meu dia feliz.

- Caríssima filha, não fique tão alvoroçada - respondeu o rei.

- Peço-lhe que se levante. Venho aqui em busca de informalidade.

- Caríssimo papai! - riu Adelaide. - Vou tocar a campainha para chamar Victoire. Mas antes vamos aproveitar alguns momentos sozinhos...

- Sozinhos... - repetiu o rei. - É possível ficarmos totalmente a sós? Parece que, mesmo quando pensamos estar inteiramente a sós, há os que não vemos mas nos ouvem.

Adelaide pôs os dedos contra os lábios.

- Intrigas... - murmurou ela. - Fazem intrigas contra nós!

- Minha querida, como você as alimenta! Mas vou lhe servir café.

- Queridíssimo pai, café algum tem o sabor do que você prepara.

- Você me lisonjeia, filha.

- Isso seria impossível. Quaisquer coisas agradáveis ditas sobre você e sobre tudo o que faz, não chegariam aos pés da verdade, porque não o louvariam o suficiente.

- Ora essa, você me faz elogios muito floreados, Adelaide. E me deixa perplexo. O que quer me pedir hoje?

- Tolerância para com os pobres jesuítas, sire. Não são homens virtuosos? Sei que madame de Pompadour os odeia e deseja vê-los sem o poder que têm. Isso é bastante natural, não é? Ela teme os homens da Igreja. Pois bem, se eles conseguissem fazer com que você os aceitasse, ela também os aceitaria e lhes daria o congédela.

- Oh - murmurou Luís. - Sem dúvida. Se eu ouvisse os religiosos não toleraria o que me falaram das "orgias" com minhas filhas encantadoras.

Adelaide bateu o pé, irritada.

- Orgias... que tolice!

- Gosto muito de você - murmurou Luís. - Talvez bebamos muito em nossas ceias... nossas ceias íntimas, de que nós e somente nós compartilhamos.

Adelaide continuou a bater o pé. O rosto enrubesceu.

- Tolice! Tolice! - gritou ela.

Agora, minha filha, toque a campainha para chamar suas

irmãs. O café vai esfriar.

Adelaide puxou a campainha que estava ligada aos aposentos de Victoire, próximos aos seus. Em poucos minutos, Victoire entrou correndo. Adelaide olhou-a, severa, enquanto fazia uma mesura ao pai.

- Chamou Sophie? - perguntou Adelaide.

- Sim, Adelaide.

- Bem, minha querida, preparei esse café. Venha - interveio o rei. - Sente-se aqui pertinho e me conte as novidades.

Foi cinco minutos mais tarde que Sophie apareceu.

Fez uma mesura ao pai e Luís achou divertido ao ver os olhos dela se voltarem para Adelaide, como se perguntasse o que deveria fazer a seguir.

- Chamou Louise-Marie? - perguntou Adelaide. Sophie levou a mão à boca.

- Esqueceu mais uma vez - repreendeu Adelaide. - Volte então e chame-a imediatamente.

Sophie andou a arrastar os pés. Luís evitava olhá-la; não sentia muito orgulho da filha Sophie. Mesmo Victoire não o encantava muito. Ela não era em absoluto alegre e, claro, totalmente dominada por Adelaide.

- O que estava fazendo quando ouviu a campainha? - perguntou-lhe Luís.

Victoire olhou para Adelaide como que a pedir inspiração. Adelaide respondeu, severa:

- Vamos. Sua majestade fez-lhe uma pergunta e espera uma resposta.

- Estava sentada em minha bergère - respondeu Victoire, olhando Adelaide, ansiosa, para ver se a resposta fora aprovada.

- Sentada - continuou o rei. - E lendo, quem sabe?

perguntou Adelaide.

- repreendeu Adelaide. - Volte!

- Oh, não - replicou Victoire. - Estava comendo. Era frango e arroz. - Os olhos brilharam ao lembrar-se.

- E preferia estar lá na sua bergère agora, comendo frango e arroz, a beber café com seu pai?

Victoire olhou para Adelaide.

- Claro que não - atalhou Adelaide. - Você aprecia a grande honra de beber café que não só foi servido, mas também preparado por sua majestade.

- Oh, sim - respondeu Victoire.

- Isso é o máximo da honra - respondeu o rei. - Acho que tudo isso é o mais importante. Com a demora, o café esfriou. E, ah, Sophie está aqui.

- Chamou Louise-Marie? - perguntou-lhe Adelaide. Sophie fez que sim com a cabeça.

De todas as filhas, pensou Luís, Sophie era a mais sem atrativos. Parecia não conseguir olhá-lo direto na cara, pois tinha o hábito irritante de examiná-lo de lado. Adelaide disse que não era só a ele que ela olhava assim. As pessoas a temiam, e muitas vezes não dizia uma única palavra a ninguém, durante dias seguidos. Algumas vezes, ela se atirava nos braços da criada e chorava, mas quando lhe perguntavam por que fizera isto, não tinha certeza.

- Venha cá, minha filha - animou Luís, agora. - Gostaria de um pouco de café?

Sophie olhou para Adelaide. Ela fez que sim com a cabeça e Sophie respondeu, como num grande esforço:

- Sim, majestade.

Luís tinha certeza de que Adelaide olhava para Victoire. Alguma coisa acontecia, percebeu, e ele imaginava o que devia ser. Evidentemente, Victoire tinha de prestar obediência e Adelaide a lembrava disso.

- Então, Victoire? - perguntou ele.

Victoire hesitou, lançou uma olhadela a Adelaide e, depois, respondeu, como se estivesse repetindo uma lição:

Maman Putain está tossindo muito. Cada vez pior. Só piora quando está só.

Por um instante, o rosto do rei demonstrou cólera. Resistiu ao impulso de dar um tabefe nos ouvidos da filha estúpida. Como ela ousava referir-se a madame de Pompadour, em sua presença, como "Mãe Prostituta"? Não era apenas um insulto à marquesa, mas a ele também.

Mesmo assim, lembrou-se: Victoire talvez não entendesse o que havia falado; estava claramente obedecendo a ordens de Adelaide, e se ele tivesse de aborrecer-se com alguém teria de ser com Adelaide.

Ficou apreensivo como sempre, para evitar coisas desagradáveis, assim se sentia agora. Olhou para Adelaide, impassível, e afirmou:

- Sua irmã talvez se refira a alguma conhecida dela. Peço-lhe explicar-lhe que tais injúrias não são apropriadas nos lábios de uma jovem princesa.

Victoire, apática, olhava Adelaide, como se tivesse concluído uma tarefa. Sophie era bastante inteligente para sentir que algo estava errado, e olhava do rei para Adelaide.

- Vejo que está na época de me preparar para a caçada respondeu Luís. - Vou dizer au revoir às minhas filhas.

Nesse momento, Louise-Marie apareceu.

Por causa da deformidade, levara todo esse tempo para atravessar os aposentos das irmãs.

Luís, fitando-a com tristeza, desejava que Louise-Marie tivesse o aspecto de Adelaide, pois era a mais esperta, a mais inteligente de suas filhas. Que infelicidade a pobre filha ser deformada.

Ele a ergueu da mesura que fazia e abraçou-a num momento de súbita compaixão.

- Desculpe-me, filha, que tenha vindo exatamente no momento em que estou de partida - replicou ele.

- Se Adelaide tivesse tocado a campainha ao mesmo tempo para todas nós quando Vossa Majestade quis ver as suas filhas, eu teria chegado bem antes de sua partida.

Adelaide respondeu, ríspida:

- Você esquece de que é a mais moça. Tem que obedecer à etiqueta de Versalhes.

- À etiqueta de Adelaide - corrigiu Louise-Marie, com uma risadinha. - Não à de Versalhes. Talvez vossa majestade devesse dizer como deveria ser feito.

Luís tocou-lhe a face com as costas da mão e atalhou:

- Querida, quer que eu irrite madame Adelaide?

Luís enfrentara os olhares coléricos de Adelaide, a rebeldia de Louise-Marie, a preguiça de Victoire e a lentidão de raciocínio de Sophie.

- Adieu, minhas filhas. Vamos nos rever em breve.

E, a um sinal de Adelaide, elas fizeram uma reverência. Luís voltou ao seu apartamento pela escada secreta.

As filhas pouco podiam fazer para abrandar-lhe a melancolia. Então, lembrou-se de que, de tarde, ele se distrairia com a marquesa em Bellevue; e isso lhe estimulou o ânimo.

Nos seus aposentos, a rainha rezava. Ajoelhou-se diante de um crânio humano, iluminado por uma lamparina e decorado com fitas. Orava por muitas coisas: pela saúde do marido e para que ela voltasse a receber seus favores, para que as filhas pudessem encontrar bons maridos e dessem bom nome à família e ao país, que madame de Pompadour fosse afastada e que, daqui em diante, o rei temesse tanto a vida que voltasse para a mulher.

Era alarmante meditar no poder da amante do rei. Recentemente, o conde Phélippeaux de Maurepas fora exonerado porque escrevera versos chulos sobre ela. Maurepas era amigo da rainha e do delfim; e o seu afastamento foi uma grande perda para eles.

A rainha orava:

- Santa Mãe de Deus, mostre ao rei o equívoco do seu modo de agir.

Ela não pedia um milagre. Luís, apesar de grande vitalidade podia cavalgar um cavalo até esgotá-lo e ficar na sela mais tempo do que qualquer de seus amigos, e ela tivera uma experiência desagradável com suas exigências matrimoniais -, era sujeito a febres frequentes e podia, portanto, pensar em morte súbita.

De fato, ela achava que a melancolia dele era, de alguma forma, devida ao fato de saber que, a qualquer momento, ele poderia morrer com todos os pecados a pesar sobre ele.

A rainha estava apreensiva pela alma de Luís e, sempre que possível, fazia-o saber isso. Não havia, agora, claro, muitas oportunidades. Raramente se falavam, menos em público. Se desejava abordá-lo sobre algum assunto, fazia-o por meio de carta. Era a única forma de ela ter razoável certeza de chamar-lhe a atenção.

Desajoelhou-se e mandou chamar suas mulheres favoritas, a duquesa de Luynes, madame de Rupelmonde e madame d'Ancenis. Todas, como ela, estavam sobriamente vestidas, todas mulheres muito dignas, almas semelhantes à da rainha.

- Acho que vamos ler juntas - informou ela.

Enquanto madame d'Ancenis foi buscar o livro de teologia que liam juntas em voz alta, a duquesa de Luynes afirmou:

- Eu tinha esperança de que Vossa Majestade iria tocar para nós.

A rainha não conseguia esconder a satisfação.

- Se me pedirem, toco - respondeu ela. - Leremos depois. As mulheres se sentaram ao redor da rainha, enquanto ela, na espineta, desafinava as peças, com um sorriso de contentamento na face, porque a música parecia-lhe deliciosa aos ouvidos.

Madame de Luynes, a olhá-la, pensava: Pobre senhora, isso lhe dá muito prazer, mas, para nós, é difícil suportar.

Depois, observaram, atentas, o mural que a rainha pintava em uma de suas pequenas câmaras. Demonstrava prazer nisto, tanto quanto uma criança, não vendo as imperfeições. Madame de Luynes percebeu que seus professores de pintura haviam trabalhado no mural e que, de certa forma, haviam melhorado, mas, ainda assim, era um trabalho inferior.

As mulheres elogiaram sua beleza, mas madame de Luynes sabia que as outras, como também ela, desejavam ardentemente levar um pouco de alegria à vida da rainha. Ao fazerem isto, estavam dispostas a falsear um pouco de honestidade.

Ela sentira prazer: agora voltaria ao seu dever. Trouxeram o livro, e cada mulher leu um pouquinho, enquanto as outras, sentadas, faziam trabalhos de bordado.

Nenhuma acompanhava a leitura monótona, ainda que todas estivessem sentadas, as cabeças pendidas para um lado, parecendo ouvir com atenção.

Os pensamentos de cada mulher estavam longe dali. A rainha pensava no passado, porque, somente hoje, recebera uma carta do pai. Essas cartas de Estanislau, que agora governava o ducado de Lorena e que já fora rei da Polónia, trouxera à sua vida momentos mais felizes. Do pai, sozinho no mundo, ela recebia amor fiel.

Repetia para si mesma a frase inicial dessa carta: "Minha querida e única Maria, você é o meu outro eu e vivo apenas para você..."

Não havia palavras inúteis. O pai amava-a, como ninguém mais. Muitas vezes, ela se lembrava daquele dia quando ele irrompeu diante dela e da mãe e lhes disse que ela seria rainha da França. Jamais conseguia lembrar-se disso sem que as lágrimas lhe caíssem dos olhos e, muito estranho, as lágrimas não eram por ter perdido alegrias que acreditara pudesse ter para sempre, mas porque sentia falta do pai; com certeza, não podiam se rever tão frequentemente como desejavam.

Assim a vida continuava, pensava ela, todos os dias muito iguais aos anteriores. Ela com sua pequena corte, que não era a corte do rei, morava de acordo com o padrão que traçara para si: orações, interlúdios com as mulheres, como agora, tocando a espineta, pintando um pouco, jogando cartas à tardinha e indo cedo para a cama.

Agora, Luís nunca a visitava ali, e, por isso, estava apenas um tanto triste e muito grata. Outra, agora, deveria sofrer desses ataques furiosos de paixão. Pobre madame de Pompadour, como devia suportar a tensão!

Percebeu que falava alto os seus pensamentos:

- Achei, hoje, que a marquesa parecia um pouco cansada. Houve um sentimento de alívio no pequeno grupo. A duquesa

de Luynes levantou o olhar do livro.

- Ouvi dizer, majestade, que, muitas vezes, ela sofre de esgotamento - começou madame d'Ancenis - e que é sujeita a desmaios.

- Só madame du Hausset conhece a verdade - acrescentou madame de Rupelmonde - e ela, devotadamente, resguarda a marquesa e seus segredos.

- Estou contente por madame de Pompadour ter uma amiga e criada tão boa - completou a rainha, sorrindo terna para as três mulheres. - Sei o que uma amizade dessas pode significar.

- Ela é muito malquista pelo povo - murmurou a duquesa de Luynes.

- Em geral, elas são malquistas - acrescentou a rainha.

- Se a senhora, madame, aparecesse mais frequentemente na companhia do rei - afirmou a duquesa -, o povo ficaria satisfeito. Ouvi dizer que na cidade todos não param de falar do Caminho para Compiègne. Essa briga entre o rei e a capital me deixa muito apreensiva. Contam-se muitas histórias...

- Oh - atalhou madame d'Ancenis, arrebatada -, se apenas sua majestade passasse sem a marquesa e fosse como ele era com vossa majestade no início...

Os dedos da rainha apertaram a camisa feita para algum pobre de Paris, e se esqueceu daquele aposento, esqueceu do momento presente, pois voltou ao passado; chegava para o primeiro encontro com o rei, naquele localzinho não muito distante de Moret, que, desde então, passou a ser conhecido como Carrefour de la Reine.

Ela desceu do coche para conhecer o seu marido de quinze anos, o jovem mais lindo que já vira na vida; sentia a grande alegria de saber-se amada - a filha sem vintém de um rei exilado, apesar de quase sete anos mais velha que o marido. E de que falavam as suas mulheres? A conversa se tornava perigosa. A Pompadour. O Caminho para Compiègne. Esses não eram assuntos para uma rainha que preservava a etiqueta de Versalhes mais rigorosamente que qualquer outra pessoa.

A suavidade no rosto e na boca formava uma linha reta firme.

- Rezo por você - afirmou à duquesa. - Continue a leitura.

No cMteau de Bellevue, madame de Pompadour esperava a chegada do rei.

Que paz havia nesse belo local! Preferia vir aqui apenas com sua filhinha Alexandrine e madame du Hausset, e ficar deitada preguiçosamente à sombra, sob as árvores, no ponto mais tranquilo do jardim. Isso era impossível. Lutara intensamente para alcançar sua posição e, da mesma forma, devia brigar muito para conservá-la. Nunca devia abrir mão de sua influência sobre o rei; ninguém poderia saber mais do que ela, como muitos, ávidos, que queriam tirar o que agora era dela.

Chegara meia hora antes de Versalhes, para ter certeza de que tudo estava pronto para a visita do rei. Felizmente, Bellevue não ficava longe de Versalhes. Infelizmente, não era longe de Paris. Assim, as pessoas da capital poderiam viajar com conforto para conhecer a mais recente extravagância da amante do rei.

Pompadour olhou o belo relógio e viu a hora. Dentro de pouquíssimo tempo, o rei estaria com ela.

Foi dar um passeio nos jardins, pois o entardecer estava convidativo. Não havia agitação de vento, e o silêncio e o calor moderado davam ao local uma atmosfera de eternidade. Vai ser assim, pensava ela, muito depois de eu ir. As pessoas virão a Bellevue e dirão "Essa é a casa que o rei construiu para madame de Pompadour". Vão pensar nela, a mulher mais famosa de seu tempo, pouco imaginando toda a história.

Alexandrine - gritou para a menininha que, na companhia de um menino poucos anos mais velho que ela, prestava atenção em um peixinho dourado em um dos laguínhos.

A filha veio correndo até ela. Como a pequena Alexandrine era desajeitada! Porém tinha apenas sete anos, e havia tempo para mudar; de qualquer forma, nunca seria uma beleza como a mãe era.

Talvez, pensou a marquesa, ela vá encontrar satisfação em vez de adulação, paz em vez da incessante necessidade de sobressair-se.

- Ah, minha filha-prosseguiu a marquesa, beijando de leve a filha na face. - Está cuidando do seu convidado?

- Oh, sim, maman; ele acha que os jardins aqui são ótimos para brincar de esconder.

- Não corra demais, querida - aconselhou a marquesa, ansiosa.

Ver a filha, sua única filha, sempre provocava nela uma ternura muito forte. Como agora desejava que o pai da menina tivesse sido Luís em vez de Charles Guillaume Lenormant d'Etioles. Nesse caso, sentir-se-ia muito mais à vontade com relação ao futuro da menina.

Os jardins há muito não pareciam tão tranquilos; cada vez mais tinha consciência de precisar ter um lugar seu, para lutar contra o mal que a forçava todos os dias a reparar.

- Maman, sua majestade vem hoje?

- Sim, querida. Mas, quando ele chegar, você deve continuar a fazer as honras da casa ao seu convidado e não se aproximar de nós, a não ser que eu a chame.

- Sim, maman.

- Agora, vá e brinque com ele. Preciso'ir ao château. Sua majestade deve chegar agora, a qualquer momento.

Alexandrine voltou, correndo ao menino, que estivera a olhálas com grande interesse. A marquesa imaginou o disse-me-disse que ele ouvira sobre ela. Sem dúvida alguma, haviam-lhe dito que devia fazer tudo o que pudesse para agradá-la.

Madame du Hausset chegava aos jardins, para chamá-la.

- A carruagem vai estar aqui dentro de alguns minutos, madame. Já a ouvi no Caminho.

Ela, agora, precisava arrumar-se; não havia sinal de ansiedade. Em Bellevue, ele devia sentir que poderia pôr de lado toda a formalidade; que aqui podia ser apenas Luís de Bourbon, e, da mesma forma, tornar-se rei, se assim o desejasse.

Ela esperava, sorrindo, as mãos estendidas, porque sentia que não precisava de formalidades. Percebia que ele tivera uma manhã triste e imaginava que a causa eram suas filhas estúpidas. Portanto, não queria falar nelas durante as poucas horas em que ficasse em Bellevue. Algumas pessoas procurariam tirar proveito dessa irritação para com elas; mas a marquesa, não. Queria que ele sentisse que, em Bellevue, longe da corte, ele poderia acalmar-se totalmente; nessa tarde, a marquesa não seria a amante, mas a amiga que nunca deixa de distrair e entreter.

- Querida - balbuciou o rei, beijando-lhe a mão -, como Bellevue é delicioso. Como há paz nessa casa. Não se sente encantada com o seu château!

- Agora, mais do que nunca, pois dá a vossa majestade tudo o que procura.

O rei continuava a segurar-lhe a mão.

- Eu ficaria aqui por uma semana. Infelizmente, preciso voltar a Versalhes hoje mesmo.

- Vossa majestade gostaria de tomar chá ou café? Ou prefere vinho? Peço a Hausset para preparar, ou gostaria de prepará-lo? Ou preparamos juntos?

- Eu mesmo vou preparar o café - respondeu o rei. Madame du Hausset já aparecera para perguntar o que a patroa desejava. Fez uma reverência, e o rei ordenou:

Levante-se, minha cara. Escapamos de cerimónia, essa tarde.

Agora vou mostrar-lhe como se faz café. Venha, veja e prove minha bebida.

Com um gesto encantador, pegou os braços de ambas as mulheres. Madame du Hausset ficou ligeiramente ruborizada e uma expressão de intensa felicidade lhe passou pelo rosto. Não era só porque ela estava acabrunhada com o que viu no rosto do rei, mas porque sabia que essa tarde não seria tão exaustiva para a sua patroa.

- É com certeza encantador, sire - atalhou ela.

- Não - respondeu o rei -, você é a melhor amiga de minha melhor amiga. Para mim, isso basta. Preciso dizer-lhe o que a marquesa me disse outro dia? "Tenho o máximo de confiança na querida Hausset. Vejo-a como um gato ou um cão, e muitas vezes comportome como se não estivesse ali. No entanto, sei que, se lhe acenasse, ela imediatamente viria ficar do meu lado para descobrir o que necessito."

- O rei repete o que falei palavra por palavra - atalhou a marquesa, sorrindo para Luís e para madame du Hausset.

- A marquesa - acrescentou madame du Hausset, emocionada - é minha melhor amiga.

- O rei compartilha desse afeto - murmurou Luís. Resolveu que, quando voltasse a Versalhes, providenciaria para madame du Hausset receber quatro mil francos, como sinal de sua amizade, e também um presente no Ano-Novo.

- Mostre a sua majestade o presente que lhe dei - pediu-lhe a marquesa, ao ler as intenções do rei.

- Uma delicada caixa de rapé, sire - completou madame du Hausset.

- E o que a deixou ainda mais orgulhosa, Luís - acrescentou a marquesa -, foi a pintura na tampa da caixa.

- E o que era a pintura?

- Um retrato de vossa majestade - respondeu madame du Hausset.

- É claro - acrescentou a marquesa, afável.

Haviam chegado às cozinhas, e as criadas, fazendo mesuras, desapareceram. Sabiam do interesse do rei nas cozinhas e imaginavam que ele iria preparar o café.

Após beberem o café e madame du Hausset deixá-los, ambos estudaram planos para o Hermitage, uma vivenda, que queriam construir em Fontainebleau. Haviam construído uma há pouco em Versalhes, mas a marquesa achou que seria excelente ideia acrescentar a esse novo Hermitage um local para criar galinhas e outro para vacas.

O rei ficou contente com a ideia e lhe disse que pensava em designar um local para os criados aqui em Bellevue, como tinham em Crécy.

A marquesa se sentia feliz porque, ao mostrar-se absorvido em suas questões, o rei se revelava cordial com ela, como sempre fora.

Depois disso, caminharam pelos jardins, quando ele manifestou o desejo de ver uma nova estátua que fora erguida desde sua última visita.

A marquesa, ao entardecer, sentia-se calma e feliz. Agora não tinha dúvida: mantinha o rei em suas mãos, pois as horas agradáveis que haviam passado juntos, essa tarde, significavam mais para ele do que uma rápida satisfação sexual. Isso ele poderia encontrar em profusão; mas onde, em seu reino, poderia achar uma amiga, uma companhia que se devotasse aos interesses dele, tão submissamente, como fazia a marquesa de Pompadour?

Sentia-se inebriada com a atmosfera morna e perfumada e com um sentimento de realização. Nessa tarde, resolveu que Alexandrine ficaria noiva do menino convidado a brincar com ela. Tinha certeza de que tal noivado iria assegurar o futuro de Alexandrine, porque o menino era nada menos que filho do rei com madame de Vintimille, por quem, dizia-se, Luís sentira mais afeto do que por qualquer outra mulher.

A marquesa sentia enorme inveja da duquesa de Vintimille, que entrara tempestuosamente na vida do rei, dominara-o e morrera antes que um mínimo de poder perdesse o brilho.

Mesmo agora Luís falava dela com alguma emoção. Era mais fácil reinar suprema durante um curto período a tentar manter uma posição por muitos anos. Será que madame de Vintimille, se não tivesse morrido de parto, teria sido tão bem-sucedida como a marquesa?

Passeavam pelos terraços quando viram as crianças. Obedecendo instruções, nem Alexandrine nem seu companheiro pareciam vê-los.

A marquesa tinha certeza de que o rei contemplava o menino. Essa ternura era pela criança ou por sua mãe morta?

- Acho que os dois não perceberam estar na presença da realeza - esclareceu ela, com uma risadinha. - Tenho de avisá-los?

- Deixe-os brincar - respondeu Luís.

- Não fazem um par encantador, o conde de Luc, pequeno e vistoso, e a minha Alexandrine, não tão vistosa?

- São encantadores - concordou o rei. - Um está evidentemente interessado no outro.

- Tenho curiosidade de saber se vão continuar a vida inteira a não perceber que não estão na presença de outras pessoas? Espero que sim.

O rei estava calado. A marquesa, ansiosa. Afinal de contas, esse momento era para preocupar-se com o assunto? Estava a ponto de irritar o rei?

- Sinto ternura pelo jovem conde - explicou ela. - Seu aspecto me agrada.

O rei não sorriu, e a marquesa não teve certeza se ele entendeu o que ela quis dizer. O filho ilegítimo do rei era surpreendentemente parecido com ele; tinha os mesmos olhos azul-escuros, os cachos de cabelos castanho-avermelhados, Luís aos dez deveria parecerse muito com o jovem monsieuràe Vintimille, o conde de Luc.

A marquesa continuou:

- É muito parecido com o pai dele.

O rei parou. As sobrancelhas se contraíram. Protegia-se da luz ou era desagrado? Então, falou:

- O pai dele? - perguntou. - Então, você conheceu bem monsieurde Vintimille?

Era como se um vento frio surgisse de súbito para estragar o sol quente nos jardins tranquilos. O medo perpassou pela marquesa. Ela irritara o rei. Não iria aceitar o menino como filho seu; não estava preparado para discutir a conveniência de um casamento entre ele e Alexandrine. Isto era um descrédito à marquesa? Será que a intimidade agradável da tarde fizera parte de uma trama para obrigá-lo a prometer? Ela era uma exploradora como todos os outros? Ele errara ao pensar que a marquesa lhe oferecia amizade desinteressada?

- Eu o vi - respondeu ela, suave. - Sire, posso saber o que vossa majestade acha do jardim inglês que penso fazer aqui? Queria saber quem seria o melhor homem a se encarregar de tal operação?

O semblante do rei se desanuviou. Foi apenas uma escuridão momentânea num céu perfeito. Mas, embora a marquesa tentasse aquietar seu coração agitado, a qualquer momento poderia desabar uma tempestade.

As pessoas devem ter cuidado ao escolher cada palavra, cada ação.

O rei e seus amigos íntimos se preparavam para deixar Versalhes e ir para o château de Choisy. Luís estava pensativo, porque Choisy lhe trazia muitas lembranças. Pensava agora em madame de Mailly, sua primeira amante, que o amara tanto. Pobre madame de Mailly, ainda morava em Paris - acreditava ele que na rue St. Thomas du Louvre. Ele não perguntava; a maneira como ela vivia era um assunto desagradável para ele. Ouvira dizer que vivia em extrema pobreza e com dificuldade para conseguir comida para os criados.

E outrora ele a amara. Fora a primeira de suas amantes e, no início da paixão, acreditara que a amaria até o fim da vida. Mas as irmãs dela, madame de Vintimille e madame de Châteauroux, haviam suplantado madame de Mailly; era estranho que essas duas, seres humanos tão vigorosos, devessem ambas, agora, estar mortas, e a pobrezinha Louise-Julie de Mailly vivendo em pobreza religiosa na cidade de Paris, que ele tanto detestava.

Foi para madame de Mailly que ele comprara o Château de çhoisy- uma residência encantadora, muito bem situada em posição abrigada, elevando-se acima das margens arborizadas do rio Sena. Lembrava-se do prazer que tivera ao reconstruí-la. Agora, era um château digno do rei da França, com decorações azuis e douradas e paredes espelhadas.

Ali, poderia viver em relativo isolamento com suas amigas íntimas, a marquesa à frente de todas. Poderiam caçar durante o dia e jogar durante a noite. Tudo em Choisy era encantador; mesmo os criados ficavam muito bem com o ambiente todo em azul e dourado.

O uniforme deles era azul - com a mesma delicadeza azul-celeste, predominante nas decorações do château. Ele próprio quisera a criadagem azul em Choisy, assim como quisera a verde em Compiègne.

Ao pensar nos encantos do château, sentia-se impaciente para ir embora.

- Estou pronto - declarara ao duque de Richelieu, Primeiro Cavaleiro da Alcova.

Richelieu se curvou e atalhou:

- A marquesa e a corte, sire, estão todas reunidas de prontidão, porque sabem da impaciência de vossa majestade para chegar à Choisy azul-celeste.

- Então, vamos.

- A Choisy - murmurou o duque -, o mais aprazível dos châteaux de vossa majestade... construído para refletir os nossos prazeres...

Deu ao rei aquele olhar lascivo, onde se podia vislumbrar algo de insolência.

- Ai de mim! - continuou ele. - A muitos de nós falta a mestria de vossa majestade.

O rei sorriu, fraco, fingindo não ter ouvido a insinuação à marquesa.

Voltou-se para o marquês de Gontaut e murmurou:

- Sua excelência não deve sentir inveja de outros a que falta a idade. Não se pode dizer que ele já teve o seu tempo?

Richelieu (universalmente chamado, um tanto ironicamente, de sua excelência, desde que voltara da embaixada em Viena) dirigiu o olhar para o teto e murmurou:

- Sire, não revelei autopiedade. Não posso censurar a mim ou a meu destino por ter descoberto o segredo do prazer eterno, que não se transmite através de experiência, mas se beneficia com ela.

- Tenho certeza de que você compartilhará conosco do seu segredo.

- Com ninguém mais, a não ser vossa majestade. - Richelieu pôs os lábios pertinho do ouvido do rei. - Variedade - segredou ele.

- Insisto em que não compartilhe com ninguém esse segredo

- respondeu Luís. - Meu moral perante a corte não seria pior do que já é. Vamos em frente.

Deixaram a alcova do rei e, quando entravam no Oeil-de-Boeuf, o rei pisou numa folha de papel que estava bem no seu caminho.

Parou para olhá-la. Richelieu parou para pegá-la. Olhou-a e ficou em silêncio. Ele teria contorcido as feições, caso o rei não o tivesse agarrado.

Vejo que se dirige a mim - acrescentou Luís, dando uma olhadela nela.

Algum criado louco deve ter colocado aí - respondeu o duque. Luís leu:

"Luís de Bourbon, outrora você era conhecido em Paris como Luís o Bem-Amado. Porque, antes, não conhecíamos os seus vícios. Agora, vai a Choisy para ficar com seus amigos. Seu povo deseja que vá para Saint-Denis, para ficar com seus antepassados."

Luís ficou parado por alguns segundos. Então, pensava ele, havia alguém no povo que o odiava muito! Era incrível que, há pouquíssimo tempo, aos seus olhos, ele nada pudesse fazer de errado. Pensou rapidamente em sua volta a Paris após ter estado com o exército em Flandres; ainda podia ouvir o aplauso do povo soando aos seus ouvidos; conseguia ver os rostos sorridentes da turba, a adoração que demonstravam por seu rei vistoso. Eles então culpavam as amantes por suas extravagâncias; seus ministros, por sua política de estado. Agora, culpavam madame de Pompadour por tudo; mas também culpavam Luís.

Foi a referência ao túmulo de seus antepassados que imediatamente o deixou abatido. Desejavam-no morto. Tinha medo da morte, medo de morrer de repente, antes que tivesse tempo de arrepender-se.

Haviam estragado a permanência dele em Choisy. Enquanto estava ali nesses aposentos com espelhos delicadamente azuis e dourados, ele de vez em quando se lembrava de seus antepassados que outrora haviam vivido com tanto luxo quanto ele vivia agora, mas cujos cadáveres estavam agora no túmulo em Saint-Denis.

Sua aversão por Paris aumentou. Sentia-se muito feliz por ter construído um caminho para contornar a cidade.

Nunca entraria na capital a menos que fosse forçado a isso. Havia dito que nunca, talvez num momento de constrangimento; mas acontecimentos como esse fortaleceram sua determinação.

Pegou a folha de papel.

- Vamos a Choisy - bradou ele.

 

Nos aposentos do delfim, no andar térreo do Palácio de Versalhes, os amigos se reuniam, de acordo com o costume.

Podia-se dizer que em Versalhes havia três cortes: a do rei, a da rainha e a do delfim.

O jovem Luís tinha 23 anos; e sua qualidade característica era totalmente diferente da do pai. Em aparência, ele era mais como a rainha. Faltavam-lhe a boa aparência e as maneiras delicadas de Luís, era gorducho demais e fazia pouco exercício; era extremamente devoto e mais do que um pouco hipócrita.

Por isso, sentia forte antipatia por madame de Pompadour, que, mesmo não tendo grande influência perante o rei, mesmo assim sentiria aversão por ela. Era revoltante, pensava ele, ver um relacionamento como esse, que existia entre seu pai e a mulher, acontecer tão abertamente; e era escandaloso que ela, sem ter linhagem nobre, fosse quase um primeiro-ministro da França.

Era natural que a mulher ficasse contra ele. Ele queria que os jesuítas voltassem ao poder, pois acreditava que a Igreja deveria controlar o Estado. Ela se opunha a tal política, porque, numa corte em que a Igreja fosse superior, em pouco tempo se tornaria intolerável a posição de uma mulher como Pompadour.

Ao observar seus convidados - que, em tais ocasiões, tratavam-no como se fosse rei da França -, o delfim sentia uma profunda indignação contra o pai. Esquecera-se dos tempos de sua infância, quando o maior prazer que conseguia sentir era visitar o pai, afável e elegante. O rei não sentia mais orgulho do filho. Na verdade, enxergava o delfim com olhos cínicos e o acusara de sonhar com o dia em que se tornaria rei, enquanto se sentava com um livro de teologia diante dele.

- Você gosta que as pessoas pensem que lê livros sérios comentou o rei, sorrindo. - Muito mais do que gosta de lê-los. Por que, meu filho, você é mais preguiçoso que eu?

O comentário era desconcertante, especialmente porque havia um elemento verdadeiro.

Mas o delfim sabia o que queria. Desejava formar uma corte em que se praticasse o máximo de decoro. Em sua corte, pessoas tais como o devasso Richelieu não poderiam ser importantes como eram. Se os homens tivessem amantes, ninguém deveria saber disso, embora o delfim deplorasse profundamente o fato de qualquer homem poder ter uma amante.

Ele fora muito feliz com suas mulheres. Elas não haviam sido

fisicamente atraentes, mas o que lhes faltava em beleza era compensado com devoção ao dever. Sentira amargamente a morte da primeira, Marie-Thérèse-Raphaêlle, que morrera de parto após dois anos de casamento; mas Marie Josèphe da Saxônia, sua atual mulher, era tão virtuosa quanto a antecessora. Agora estava grávida, e ele desejava muito que, dessa vez, ela lhe desse um filho. O primeiro filho fora uma menina, mas tinha certeza de que, sendo ambos muito conscientes de suas obrigações para com o Estado, teriam muitos filhos.

Quando suas irmãs, Anne-Henriette e Adelaide, chegaram, o delfim e a mulher as cumprimentaram com o máximo de afeto. Haviam chegado à conclusão de que, se a aprovação da rainha pudesse ajudá-los um pouco, as duas moças conseguiriam ser muito importantes para seus planos.

O rei tinha grande afeto pelas filhas, e o delfim gostaria de utilizá-las como espiãs bem-vindas ao outro campo.

- Caríssima irmã - murmurou o delfim -, rogo-lhe que se sente ao meu lado e me conte todas as novidades.

Adelaide estava faladora, como sempre; Anne-Henriette, calada. A última, comparada com o delfim, parecia mais frágil que nunca. Era como se ela morresse de saudade por Carlos Eduardo Stuart, que era louco por ela. Sim, pensava o delfim, a indiferença dela era vantagem para ele. Estava pronta para fazer e aprovar tudo o que lhe pedissem, porque não parecia preocupar-se com o que lhe acontecia.

Em ambas as irmãs o delfim tinha duas aliadas, e por dois motivos totalmente diferentes; a desconfiança de Anne-Henriette e o amor de Adelaide pela intriga eram igualmente vantajosos ao grupo do delfim. E era estranho que o grande amor do pai por elas lhe permitia fazê-las opor-se a ele. O fato era que as duas princesas, acima de tudo, tinham ciúmes da influência de madame de Pompadour com seu amado pai.

- Maman Catin fica a cada dia mais doente - explicou Adelaide, feliz. - Tenho certeza de que ela não poderá viver muito tempo. Oh, que ótimo seria para a França e para o rei se ela morresse! Não consigo pensar por que muitos não querem... pois muita coisa boa aconteceria.

O delfim pôs uma mão no braço da irmã.

- Você ouviu demais. Cuidado com o que diz.

- Pouco me importa! - gritou Adelaide. - Digo o que penso.

- Se algo acontecer a ela, lembrarão que você disse tais palavras...

Nosso pai nunca me culparia de qualquer coisa. Está ficando exaltada demais, Adelaide - atalhou AnneHenriette, calma.

- Já que necessita ter amantes, nosso pai precisa é de uma nova todas as noites. Na manhã seguinte, são decapitadas.

- Nosso pai precisa é voltar a ser fiel à rainha e viver com ela honradamente, como convém ao seu cargo - respondeu o delfim, em tom de censura.

Anne-Henriette fez que sim com a cabeça; e nesse momento trouxeram à presença do delfim o cura de Saint Étienne-du-Mont e apresentaram-no. O delfim o recebeu com agrado, pois esse homem, cónego de Sainte Geneviève, já se tornara conhecido ao recusar a extrema-unção aos jansenistas. Corajoso, manifestava suas opiniões ultramontanas e estivera à beira de ter as funções suspensas, o que poderia ser o encarceramento ou a perda do cargo; mas havia homens poderosos da Igreja a defender seus pontos de vista, como ele, e o resultado da briga não seria certo de forma alguma. O arcebispo interviera, e o cura fora libertado. Tais homens aguardavam ansiosamente o dia em que o delfim se tornasse rei da França e eles tivessem o amparo da coroa.

- Bem-vindo seja - cumprimentou o delfim. - É um bravo, monsieur Bouettin. Nosso país dissoluto necessita de pessoas como você. Sei que, se uma ocasião parecida aparecer-lhe pela frente, vai agir tão corajosamente como já o fez.

- Vossa majestade poderia contar comigo-respondeu o cura.

- Permita-me apresentá-lo a madame Anne-Henriette e a madame Adelaide - retrucou o delfim.

As mulheres o acolheram, afáveis; Anne-Henriette ouvia calada o que ele tinha a falar; Adelaide, enérgica, afirmava seus pontos de vista.

O delfim não conseguia deixar de sentir uma pontinha de constrangimento ao ver as irmãs. A delfina espiava o marido, ansiosa, lendo-lhe os pensamentos. Segredou:

- Talvez fosse conveniente deixá-las apenas ajudar a expulsar essa mulher da corte.

O delfim segurou com firmeza o pulso da mulher, num gesto

de afeição.

- Como sempre, você fala ajuizadamente.

Livrarmo-nos dela deveria ser nossa primeira tarefa - continuou a delfina. - Enquanto ela conservar seu lugar com a atual importância, o grupo da Igreja vai ser útil,

O delfim pôs o rosto bem próximo ao da esposa e segredou:

Ela não poderá conservar sua posição por muito tempo.

Quem presta atenção me diz que ela escarra sangue, que há muitos momentos em que ela se sente totalmente exausta. Como uma mulher nesse estado pode continuar a satisfazer meu pai?

- Mas, depois que ela se for, haverá outras.

- Ele é muito amoroso com minhas irmãs - respondeu ele.

- Adora Adelaide mais que Anne-Henriette, porque ela vive melancólica.

- Mas não vai haver uma... amante?

O delfim cobriu os olhos. Ouvira boatos sobre o alegado relacionamento incestuoso do pai com as irmãs. Tais pensamentos eram chocantes demais para um homem de suas convicções cogitar; ele, apesar de tudo, precisava estimular as irmãs a agradar o pai. Ele e o grupo contavam que as duas trabalhassem para eles, numa condição vantajosa.

Concluiu, os lábios com expressão afetada:

- Eu desejaria que o rei se lembre de que tem uma rainha virtuosa e terna.

A delfina fez que sim com a cabeça. Concordava com o delfim em todos os assuntos.

A marquesa se recostou na carruagem, enquanto ia pelo caminho de Versalhes a Paris. Sentia-se descontraída e feliz porque acreditava ter pela frente algumas horas longe do dever.

Ia visitar Alexandrine, que colocara no Convento da Assunção, onde recebia educação que a preparava para uma vida de nobre. Era agradável fazer planos para Alexandrine, e a marquesa percebeu que devia à filha algumas das horas mais felizes de sua vida.

Assim sua mãe deveria ter se sentido. Ria, lembrando-se dos planos de madame Poisson, que, nesse tempo, pareceram tão irrefletidos e que, no entanto, todos tinham se realizado. Haviam então considerado que ser a amante do rei era uma questão de aceitar homenagens e reinar em momentos especiais.

Mas me sinto feliz, pensou a marquesa. Apesar dessa existência exaustiva, sou realmente feliz.

Paris agora ficava a apenas uma pequena distância. Pompadour começava a sentir um pouco de apreensão quando pensava na capital. Luís podia mostrar indiferença total por Paris; ela não podia. Lembrava-se dos tempos em que passava pelos Champs Elysées e as únicas pessoas que se viravam para contemplá-la faziam isso para admirar-lhe a beleza. Depois, diziam: "Que mulher encantadora!" e sorriam, amáveis. Agora, o povo de Paris dizia: "É a Pompadour!" e havia carrancas em vez de sorrisos.

Queria estar livre para andar pelas ruas de Paris novamente despercebida, para descobrir pelo olfato os odores próprios, talvez para vagar ao longo da Rive Gaúche, passar pelas ruínas romanas próximas da rue Saint-Jacques, subir a colina de Sainte-Geneviève.

Lembrava-se de antigamente no Hotel dês Gesvres, quando ali presidira ao seu salão e recebera as inteligências daquele momento. Ela, nesse tempo, não levara em consideração cada palavra que dissera; não sentira necessidade de vigiar cada ação sua.

Não, a pequena Alexandrine teria uma vida muito mais tranquila que a mãe. Seria bem preparada para poder apreciar a convivência de inteligentes e savants como Voltaire e Diderot. Ela ainda nunca haveria de sentir essa apreensão, essa incerteza: o destino inevitável da amante de um rei.

Antes de ir para o Convento da Assunção, ela combinara jantar na rue de Richelieu com o marquês de Gontaut.

Agora aproximava-se da cidade; e agora conseguia ver a Notre Dame, os telhados do Louvre, os torreões da Conciergerie e as flechas das torres de várias igrejas.

Sentiu um ligeiro tremor de emoção ao contemplar essa cidade muito amada, onde ela e a mãe haviam passado vários anos felizes, sonhando com o futuro glorioso. Parecia estranho que agora, realizadas as honras, ela sentisse essa saudade dos velhos tempos.

As ruas pareciam estar mais apinhadas que de hábito, e a carruagem precisava rodar vagarosa. Estranhava por que tantas pessoas estavam na rua. Era uma ocasião especial? Era uma segunda-feira, dia em que não havia execuções na Place de Greve, mas a Feira do Espírito Santo se realizava naquele lugar horroroso. Havia grande agitação enquanto as mulheres experimentavam as roupas de segunda mão, motivo da feira. Sempre havia muito barulho e linguagem de baixo calão, pois as mulheres precisavam experimentar em público as roupas já usadas. Mas esse acontecimento semanal não poderia ser a razão de tanta gente nas ruas.

Talvez monsieur de Gontaut pudesse explicar durante o jantar.

A carruagem agora estava quase na parada. Quando uma mulher olhou pela janela para dentro do veículo, madame de Pompadour viu uma expressão de reconhecimento.

- A Pompadour! - gritou a mulher.

E todos na rua gritaram.

Pompadour se recostou de encontro ao estofo rosado. Não houve necessidade de dizer ao cocheiro para pôr a carruagem em movimento o mais rápido possível. Ele também percebera que havia agitação nas ruas. Não queria aborrecimento.

Como era lamentável que quando o povo de Paris gritava seu nome era com ódio, jamais com afeto.

Sentiu-se calma ao chegar à rue de Richelieu e ao ver que o marquês de Gontaut esperava por ela.

- Hoje há muita agitação nas ruas - informou a marquesa.

- O que aconteceu?

Enquanto ia para sua casa, o marquês de Gontaut esclareceu:

- Madame de Mailly morreu; estão reunidos do lado de fora de sua casa, na rue St. Thomas du Louvre, o dia inteiro. Estão dizendo que ela era uma santa!

- Madame de Mailly, a primeira amante de Luís... uma santa!

- O povo precisa ter santos, tanto quanto bodes expiatórios. Dizem que, quando vivia com o rei, ela o animava a boas ações, e que desde que foi repudiada pelo rei, dedicou-se aos pobres.

A marquesa riu, alegremente.

- Pergunto a mim mesma se quando eu morrer o povo vai ser tão generoso comigo.

- Suplico-lhe, madame, que não nos permita pensar em assunto tão melancólico. Vamos beber alguma coisa antes de jantar?

- Seria agradável, mas não devemos nos demorar, porque minha pequena Alexandrine espera por mim no convento.

O marquês levou a convidada a um pequeno salão e deu ordens para que trouxessem vinho. A menina que o trouxe era jovem não tinha mais que quatorze anos - e muito atraente.

Os olhos da menina se arregalaram de surpresa ao verem a marquesa, que lhe deu um sorriso tanto encantador quanto humilde.

Quando a menina se foi, madame de Pompadour concluiu:

- Uma menina atraente... a sua criada.

- Sim, ela ainda é uma menina inocente. Não vai demorar muito e vai arranjar um amante. Isso é inevitável.

- Porque é muito atraente?

- Sim. E ela vai aceitar, não duvido.

- Há nela um certo ar de sensualidade - concordou a marquesa. - Bem, ela é jovem e saudável... e deve-se esperar isso. Mas me conte as suas novidades, monsieurde Gontaut.

Ele ia começar a falar, quando um criado entrou correndo no aposento. A marquesa olhou, atónita, a intromissão.

- Monsieur lê Marquis... - começou o criado. Dirigiu-se à marquesa e curvou-se. - Senhora... peço-lhe que perdoe essa intromissão, mas a aléia atrás da casa está se enchendo rapidamente de populacho, e todos gritam que vão pôr abaixo as portas e forçar a entrada.

O marquês ficou pálido e foi direto:

- Madame, saia daqui imediatamente de carruagem, enquanto ainda é tempo.

- Mas minha filha...

- É melhor que ela veja a mãe dela outro dia do que nunca mais - sussurrou o marquês, assustador.

- Mas você pensa...

- Madame, conheço o populacho.

O marquês a segurava firmemente pelo braço. Fez um sinal ao criado.

- Veja se estão perto da carruagem de madame.

O criado saiu dali para obedecer. Voltou um ou dois segundos depois.

- Não, senhor, até agora há poucas pessoas na rua. Então, o marquês apressou a convidada a ir até a carruagem.

- Chicoteie os cavalos - instruiu ao cocheiro. - E... volte a Versalhes a toda velocidade.

Enquanto rodavam pelas ruas, a marquesa ouviu seu nome berrado quando reconheciam a carruagem. Sentada rígida, não olhava nem para a direita nem para a esquerda, perguntando a si mesma se alguns agitadores ousados iriam atacar a carruagem e deter-lhe o avanço. E o que aconteceria? O que fariam à mulher que odiavam tão rancorosamente?

Por que me odeiam tanto?, perguntava a si mesma.

Haviam lido os versos chulos que foram produzidos sobre ela

- aquelas poissonades, como haviam chamado; cantavam canções sobre ela; censuravam-na pela fraqueza e excesso do rei.

Pompadour tinha muitos inimigos. Sabia que nos aposentos do delfim tramavam-se intrigas contra ela. A rainha naturalmente não gostava dela. As princesas a consideravam rival no afeto do pai. Richelieu e seus amigos esperavam por alguma oportunidade que pudessem utilizar para provocar a sua derrubada.

Quando ela e a mãe lhe planejaram um futuro glorioso, não haviam levado em conta tais inimigos.

Sentia-se exausta; e era quando ela sentia que tais acessos de tosse, que estavam se tornando cada vez mais aflitivos, poderiam acontecer.

Isso lhe lembrava que de todos os inimigos a má saúde era o pior.

Como sentia-se mais calma ao deixar para trás a cidade; agora, os cavalos galopavam ao longo do Caminho; agora, conseguia avistar à frente o grande château cor de mel.

Sabia que, de súbito, o tempo começara a agir, violento. Há muito protelava tomar essa decisão, não só porque era perigosa, mas porque era repugnante.

No entanto, nesse momento, tinha certeza de que era inevitável saber tomá-la.

Pensava agora na jovem amadurecida-apesar de inocente, mas por quanto tempo? - que a servira na casa do marquês de Gontaut.

Luís estava dominado pelo remorso. Era isto que a marquesa mais temia, pois era quando o arrependimento e a ânsia de levar uma vida virtuosa alcançavam homens como Luís e que mulheres como ela podiam ser consideradas não só generosas, mas uma ameaça à salvação deles.

Se o seu plano desse certo, ela pouco teria a temer no futuro. Mas o plano parecia ousado. Poderia dar certo? Se o discutisse com suas amigas, elas a chamariam louca.

Sua querida amiga madame du Hausset estava muito amolada. Era a única com quem se atrevia a falar do seu plano.

Hausset abanou a cabeça.

Eu não tentaria, madame. Oh, não, eu não tentaria.

Se eu não fosse corajosa, não estaria onde estou hoje - respondeu a marquesa.

E esta noite o plano tinha que ser posto em ação. Se falhasse, como ficaria o relacionamento entre ela e o rei?

Mas não deveria fracassar. Precisava apenas ser executado com cuidado, e que ela - e Luís - o aceitasse.

Madame du Hausset estava ali, pálida e tensa, pensando quanto tempo demoraria até que saíssem para sempre da corte. A marquesa sorria, ao ver a companheira.

- É preciso fazer alguma coisa - afirmou ela. - Sabe que a questão não pode continuar como está. Você mesma me disse que estou me matando.

- Mas isto...

- Isto, cara Hausset, é a única forma. Sei disso. Se não fosse, fique certa de que eu não o aceitaria.

- Mas, grande dama, pergunto-me qual vai ser a sua posição!

- Uma grande ama - pensou alto a marquesa. - O resultado desse assunto pode bem decidir minha grandeza. Até agora fiz pouco, apenas me elevei a uma posição invejada e diverti o rei.

Madame du Hausset indagou:

- Como está o rei? A marquesa riu, triste.

- Está profundamente arrependido do que fez com LouiseJulie de Mailly.

- A santa de Paris! - sussurrou madame du Hausset, cínica.

- Oh, ela foi boa para os pobres. Visitava-os e costurava para eles... e tinha quase nada de seu.

Quando contava com o apoio do rei, ela não os visitava nem costurava para eles, não é verdade?

Minha querida Hausset, como sabe, entreter o rei dá pouquíssimo tempo a uma mulher para algo mais. Não pareça tão desanimada, suplico-lhe. Deixe-me contar-lhe isto: quando tinha nove anos, uma cartomante me disse que eu seria amante do rei. Isso se tornou realidade. Cá entre nós, às vezes penso que minha mãe e eu fizemos isso acontecer. Agora, vou lhe contar mais alguma coisa: eu, a melhor amiga do rei, vou morrer. Estou tão certa disso como sabia que seria a amante dele. E, oh, Hausset, eu seria muito mais feliz se em vez de ser amante fosse sua melhor amiga. Seria a sua confidente, a amiga a quem ele procurasse para tratar de tudo... assuntos de estado, escândalos, projetos de construção... tudo. Preferia ser assim com o rei, Hausset. E, à noite, iria para o meu apartamento aqui em Versalhes e dormiria e dormiria, para estar nova em folha na manhã seguinte para entreter o rei. Madame du Hausset balançou a cabeça.

- Haveria quem providenciaria os divertimentos noturnos e satisfaria os desejos. Esteja certa de que o primeiro desses desejos seria excluir você da corte. Madame de Châteauroux, que parecia segura do afeto dele, não exigiu que madame de Mailly fosse repudiada, mesmo sendo ela a própria irmã?

- Hausset, não há necessidade de seguir os passos do antecessor. Percorrem-se caminhos não trilhados. É aí que está o sucesso.

A marquesa riu, mas madame du Hausset percebeu no riso uma ponta de nervosismo.

- Meus inimigos estão todos por aí. Meu acolhimento em Paris... a que se deve? Às poissonades. E quem escreve as poissonades?

- Dizíamos que era o conde de Maurepas, até que você o dispensasse da corte.

- Ele ainda as escreve, esteja certa. Pode fazer isso facilmente, do exílio, em Bourges, como poderia em Versalhes. Outras pessoas sem dúvida também poderiam escrevê-las. Os que fazem parte do grupo do delfim são meus inimigos. Espalham histórias sobre mim pelas ruas. O plano deles é me expulsar da corte.

- Se você chamasse a atenção do rei para essas reuniões nos aposentos do delfim...

- Eu simplesmente iria irritar Luís. Ele sabe das reuniões. Está irado porque o delfim e ele não são mais bons amigos. Não é meu dever lembrar ao rei o que ele deseja esquecer. Essa luta é minha... só minha, Hausset; e devo travá-la sozinha.

- E o grupo da Igreja está contra você!

- O grupo da Igreja é o grupo do delfim, e às vezes essas coisas... Ano Santo, com o jesuíta père Griffet pregando seus sermões em Versalhes... me deixam apreensiva. A decisão de Paris de praticamente canonizar madame de Mailly não me torna a vida mais fácil. Não vê que tudo faz parte de uma conspiração contra mim? Querem fazer com que Luís se arrependa, para obrigá-lo a repensar a vida... e meu papel nela... e ver esse meu papel como um pecado mortal em sua vida. Querem levá-lo a um tal estado de arrependimento que não terá alternativa senão expulsar-me da corte.

- Expulsar você! Ele não poderia fazer isso. A quem ele recorre quando está cansado e entediado? A você... sempre você.

- No entanto, ele expulsou madame de Châteauroux quando estava em Metz.

- Porque pensava estar morrendo e precisava de arrependimento.

- A vida de amante do rei é cheia de riscos, cara Hausset. No entanto, a vida da maior amiga e confidente do rei, que não era sua amante, poderia, acredito, ser muito agradável.

- Isso me apavora - sussurrou madame du Hausset.

- E, agora, voltamos ao ponto de onde começamos.

- E sua majestade está com os seus inimigos; dizer-lhe que madame de Mailly era uma santa, que ele deveria estar arrependido. Que, embora sua alma se purificasse com anos de devoção, a dele ficou conspurcada com os pecados recentemente cometidos.

- Pobre Luís, vão fazê-lo mais melancólico.

- Vão levá-lo ao arrependimento.

- É possível que a melancolia dele seja tão grande que ele esteja pronto a utilizar quaisquer meios para fazê-la desaparecer. Se isso acontecer, vamos ouvi-lo subir as escadas para o meu apartamento.

- E você vai consolá-lo.

- Eu e a outra. Preparou-a?

Madame du Hausset respondeu que sim com a cabeça.

- Que tal ela?

- Esperta.

- E atraente... muito atraente?

- Parece ser o que é: uma prostituta subserviente. Madame de Pompadour riu.

- Minha querida Hausset, isso é exatamente como eu a consideraria. Acredito que eu esteja certa. Ouça! Ouve passos nas escadas?

- Ele está chegando - gritou madame du Hausset; e um sorriso iluminou-lhe o rosto. - Faça o que puder - sussurrou ela. Nunca o afastariam de você.

- Planejei para que ficássemos a sós - explicou-lhe ela, sorrindo com meiguice. - Adivinho o seu ânimo. Claro que Hausset está em sua pequena alcova.

Luís concordou com a cabeça.

- Não consigo esquecer Louise-Julie - confessou ele. - As lembranças dela sempre me assaltam. Vivia naquele lugarzinho pobre, e soube que não tinha o suficiente para alimentar adequadamente as criadas.

- Ela, sem dúvida, era feliz.

- Feliz, desse jeito?

- Era uma santa, ouvimos dizer. Os santos são felizes. Não querem bens materiais. Querem apenas mortificar a carne e ser úteis aos outros. Ela era mais feliz que você agora; portanto, não se censure.

O rei fitou madame de Pompadour e sorriu.

- Você sempre foi quem me consolou. Pompadour lhe pegou a mão e beijou-a.

- Eu nada lhe pediria de mais a não ser que continuasse assim pelo resto de minha vida.

- Minha querida, não é significativo que eu, nessa depressão, venha ver você, e, depois que estou aqui, nem que seja por alguns minutos, sinta meu ânimo melhorar?

- Que seja sempre assim. Vai fazer alguma coisa para me agradar? Preparei uma pequena ceia... para nós dois, apenas. Vamos comer bourgeoises hoje à noite, se quiser. E, enquanto comemos, quero que esqueça madame de Mailly, mas só depois que você reafirme nada haver a censurar-se. Você a fez feliz enquanto viveram juntos; e, depois disso, ela passou a levar uma vida exemplar. Que mulher feliz ela foi! Viveu uma das vidas mais felizes.

- Não posso esquecer o modo como ela me olhava quando a mandei embora da corte.

- Ela deve ter percebido. Foi a irmã dela, madame de Chateauroux, quem a mandou embora... não você.

- Fui eu quem lhe deu a notícia. Ela me olhava com angústia nos olhos e, depois, desviou o olhar, porque sabia que sua mágoa me faria sofrer.

- Vamos, vou servir o jantar que nos trouxeram. Tenho uma criada nova... a pessoa mais encantadora que já vi. Estou impaciente por saber a sua opinião sobre ela.

- Minha opinião? Ela riu.

- É engraçado, não é? O rei da França dar sua opinião sobre uma simples criada? Mas... ela é inocente, no momento, embora eu veja nessa menina uma devassa.

Ela se levantou e chamou madame du Hausset.

- Sua majestade vai jantar comigo. Vamos ficar a sós. Está tudo pronto?

- Sim, madame.

- Então vossa majestade vai sentar-se? Arrumei tudo numa das antecâmaras. Lá, ficará mais aconchegante, acho.

- Você tem uma surpresa para mim - atalhou o rei. - Minha cara marquesa, é muito agradável que tente distrair-me.

- Essa pequena diversão vai ao encontro das necessidades de vossa majestade esta noite. Não é diversão grande. Além disso, tivesse eu planejado uma mascarada ou uma peça, père Griffet se zangaria comigo mais do que nunca.

- Ele com certeza nos provocou uma atmosfera de tristeza... mas talvez precisemos dela.

A marquesa fez um sinal a madame du Hausset, e a criadinha apareceu.

A marquesa observava com atenção e viu o interesse instantâneo no rosto do rei. Ela sabia que essa menina, mistura especial de inocência e sensualidade, lhe animaria o rosto. Fora escolhida com critério. Até agora, seu plano poderia ter êxito, mas precisava agir com a máxima cautela. Madame de Pompadour precisava manter a dignidade. Não deveria mostrar-se como alcoviteira do rei. Só podia realizar coisas graciosas, com a máxima delicadeza.

A menina não mostrava temer o rei. Curvava-se por sobre ele enquanto o servia; tinha um sorriso inocente embora sensual. Luís lhe acariciou o braço, e a marquesa percebeu que suas mãos deixavam-se ficar na mocinha.

Quando ela se foi, a marquesa esclareceu:

- Deve perdoá-la. Não sabe quem você é. Nunca esteve antes em Versalhes. Vou lhe pedir um favor.

- Concedido - aprovou ele.

- Concede o favor antes de ouvir o que é?

- Minha vontade é ser-lhe agradável. Espero sinceramente que esteja ao meu alcance conceder-lhe esse favor.

Quero sair desses aposentos.

O rei ficou surpreso. Ambos haviam planejado juntos a decoração; era um conjunto encantador de aposentos, dignos da amante do rei.

Há aposentos no andar térreo da ala norte...

Os olhos dele pareciam brilhar quando encontraram os dela. Conhecia os aposentos a que ela se referia. Madame de Montespan os ocupara quando deixara de ser a favorita do seu bisavô Luís XIV.

Lembrava-se de que seu bisavô dera esse apartamento a madame de Montespan quando se casara com madame de Maintenon.

Os olhos da marquesa lhe imploravam; eram sagazes, calmos e muito carinhosos.

Como gostava que ela se comportasse com semelhante delicadeza! Compreendia perfeitamente.

Ela renunciava ao seu lugar como amante, porque sabia que não poderia satisfazê-lo. Ela queria dedicar seus dias ao bem-estar dele e suas noites ao descanso que almejava desesperadamente.

De fato, ela era uma mulher maravilhosa-tão maravilhosa que transformava em virtudes as suas deficiências.

Luís estava alvoroçado. A criadinha atraente não sabia que ele era rei. Poderia ser dispensada do palácio com um presente talvez maior do que conseguiria durante toda a vida. Tudo seria discreto e calmo; confiava na marquesa para conciliar isso.

Que situação! Quem senão a marquesa poderia ter invocado algo não tão necessário para ambos e traçar negócios de estado de modo tão notável e divertido?

Só esse pequeno plano de madame de Pompadour poderia tirálo mais rápido desse estado de melancolia constante.

Ele pegou-lhe a mão e beijou-a. Os olhos de Luís brilhavam de alegria.

- Minha amiga querida, tão querida - declarou ele. - Nunca tive uma amiga como você. Permaneça assim, peço-lhe, enquanto temos vida em nossos corpos.

A marquesa riu, alegre.

Tomara a primeira providência. Ela agora começara um novo modo de viver. Diante dela havia noites de magnífico descanso e paz. A marquesa se levantaria - refeita, cheia de vigor, pronta para ser a boa amiga do rei, pronta para ajudá-lo em assuntos de estado, pronta para planejar o prazer de Luís.

 

Havia no palácio todo aquele alvoroço que se seguia a um nascimento real. Era uma grande ocasião, pois a delfina parira e, dessa vez, não desapontara todos aqueles que desejavam um menino; no 12 dia de setembro do ano de 1751, nasceu o pequeno duque de Borgonha.

O delfim e seus amigos estavam encantados. Assim estavam o rei e a rainha. Maria Leczinska havia tratado sua nora muito friamente logo que chegara à França, porque Marie-Josòphe era filha do homem que tomara de Estanislau o trono da Polónia. No entanto, o jeito meigo da delfina, sua lealdade e determinação em ganhar o afeto da família real francesa haviam conquistado com rapidez as prevenções da rainha.

O rei também era carinhoso com ela. Achava-a inteligente e, embora não fosse de forma alguma uma mulher atraente - os dentes eram muito ruins e o nariz tinha forma feia -, o corpo tinha formas atraentes; a pele era luminosa e, ao tornar-se animada, o que acontecia frequentemente na companhia do rei, era bastante encantadora.

Seu sentimento de dever era muito forte; assim, após ter tido uma menina e um aborto, ela bebera as águas de Forges porque acreditava que elas lhe trouxessem fertilidade; desejava muito dar à luz um menino.

Agora conseguira e o povo se regozijava em toda a França.

Todos vinham admirar o novo bebé que prometia ser saudável e cheio de vitalidade.

O delfim declarava ser o pai mais orgulhoso da França e insistia em levar ele próprio o bebé de um lado para o outro do apartamento, enquanto Marie-Josèphe observava a cena com orgulho e afeto; sempre tinha o desejo de agradar o marido e, numa ocasião dessas, achava que obtivera muito bom êxito.

A marquesa veio homenagear o bebé. Estava ansiosa para que o delfim e a delfina soubessem que, apesar de a caluniarem, não lhes tinha má vontade.

- Ora essa - disse alto -, ele tem os olhos do avô.

Era verdade. O pequeno duque de Borgonha observava-a tranquilo, os olhos de cor azul-escura.

O delfim não podia admitir ver o filho nos braços da marquesa, e ele próprio o tirou dela. A marquesa, sorrindo, o soltou, não dando sinal de sentir-se ofendida com sua rudeza.

Como de costume, estava determinada, se possível, a conquistar os inimigos com sorrisos em vez de ameaças, colocar-se do lado deles em vez de ficar do lado oposto. Tinha consciência de que uma mulher em sua posição precisava de amigos em todos os lugares e acreditava que, ao ignorar hostilidade, poderia muitas vezes acabar com ela.

Após tirar a criança da marquesa, o delfim saiu do apartamento de sua mulher e foi para o de sua mãe.

- Só de pensar na ligação de meu pai com essa mulher sinto náuseas - afirmou ele. - Ela se comporta como se fosse a rainha. Foi afável com meu filho! Essa mulher de baixa linhagem... sem berço... pegar meu filho, o herdeiro do trono da França, e criticar a aparência dele! Está além do que posso tolerar.

Meu filho - respondeu a rainha, agasalhando o xale mais apertado por sobre os ombros -, pensa que vejo com agrado a ascensão dela? Devemos aceitar tais humilhações. Devemos nos resignar e carregar esses fardos... para a glória de Deus.

Se eu fosse rei, puniria mulheres como essa.

- Faz mal em zangar-se com ela; desagrada o seu pai. A única forma de lidar com uma situação dessas é recusar-se a falar-lhe.

- É o que faço. Sabe, meu pai combinou para que, ontem, ela viajasse na minha carruagem. Nem a delfina nem eu lhe dirigimos a palavra.

- Ser tratada como se não estivesse ali é muito pior que ser ofendida - afirmou a rainha. - Agora, diga-me que festividades você e a delfina estão organizando para comemorar o nascimento.

- Como sabe, vai haver um serviço de ação de graças em Notre Dame.

- O povo vai querer procissões, danças nas ruas, vinho em profusão.

- Não vão ter isso. O povo agora está sofrendo com esbanjamento demais. Proponho que dêem um dote a seiscentas meninas que serão selecionadas por suas virtudes.

A rainha sorriu. Esse seu filho era um homem que lhe herdara a sensibilidade.

- Um dia - afirmou ela - o povo da França vai exultar ao chamar você de rei.

O delfim baixou as pálpebras sobre os olhos: não queria que sua mãe visse neles o brilho de esperança; não queria aceitar-se como tal.

Acreditava que o povo de Paris desejava ardentemente esse dia, quando todos gritariam: "Lê Rói est mort. Vive lê Rói!"Não admitia para si próprio que desejava isso ardentemente; por enquanto dava-lhe a impressão de que se fortalecesse o grupo da Igreja, fazendo a corte repudiar mulheres como Pompadour, a França seria um país mais feliz.

A procissão real se encaminhava para a Notre Dame. Eis uma das ocasiões em que Luís tinha que entrar em sua cidade de Paris.

O povo o olhava carrancudo. Desejava que ele soubesse que todos ficavam contentes em tê-lo em Paris apenas quando era preciso.

Com suavidade, encontrou o olhar daqueles que examinavam o interior da carruagem. Havia no rei uma dignidade que exigia respeito, mesmo quando o negavam.

Não era fácil gritar insultos ao rei quando ele estava presente. Ali, em roupas oficiais, Luís era uma figura impressionante; e a rainha, ao seu lado, com a mesma dignidade, uma mulher simples e robusta, com muito pouco de real nas maneiras. Por isso, o povo se orgulhava do rei, apesar do que achava dele.

Lembravam-se de que ele era Luís de Bourbon, que pertencia a uma grande família real, descendente do amado Henrique IV que, precisavam admitir, tivera muitas amantes, se não mais, que qualquer rei da França. Mais tarde poderiam lembrar-se de que Henrique IV, devasso como era, amava o povo e o satisfazia plenamente. Mas, enquanto a carruagem se encaminhava para a Notre Dame, eles por momentos esqueceram o ódio que sentiam pelo rei.

Mas os velhos ressentimentos não eram suficientemente contidos para mostrarem satisfação de vê-lo. Entre si queixavam-se dele. O Caminho para Compiègne fora aberto muito recentemente. Não era fácil esquecer que a ocasião era uma dessas em que Luís não conseguia evitar a visita a Paris.

Por conseguinte, havia poucos a gritar "Vive lê Rói!", enquanto a procissão passava ao longo do caminho de Versalhes a Notre Dame de Paris; dizia-se que esses poucos haviam sido pagos por alguns membros da corte, a fim de incitar entusiasmo na multidão.

Assim o rei ia em frente, para agradecer a Deus pelo nascimento do neto, gentil e calmo como se tivesse esquecido de sua impopularidade, como se não lembrasse de que, há algum tempo, fora recebido com alegria pelos cidadãos de Paris que o chamavam BemAmado.

A delfina se recostou na carruagem, o delfim ao lado. Esse, pensava ela, deveria ser um dos dias mais felizes, e toda a França comemorava o nascimento do filho de ambos, que algum dia deveria ser o rei da França.

Fora exatamente a razão de ela ter vindo para a França, quando menininha de quinze anos - uma menininha muito apavorada a quem haviam dito que deveria agradar a família real da França, porque ser aceita por ela era a maior honra a que poderia almejar.

Nunca esqueceria a recepção fria, dada pela rainha e pelo futuro marido. Ele a abominara: amara tanto a primeira mulher que rejeitaria qualquer outra que tentasse substituí-la. Se não fosse sua cunhada, Anne-Henriette, ela nunca teria compreendido. Sempre adorara Anne-Henriette por lhe explicar isso; sempre amaria o rei por ser-lhe amável.

Desejava que não houvesse tal racha entre o rei e o delfim; sempre lutaria pelos interesses do delfim, mas sempre fora carinhosa com o rei, e ele, com ela. Embora soubesse desses encontros em seus apartamentos a que a delfina comparecia, Luís não guardava ressentimentos com relação a ela. Compreendia que necessitasse e quisesse obedecer em tudo ao delfim, e sabia que, apaixonado por ela como era, Luís a achava um tanto obtusa porque não tinha nem a sagacidade nem o fascínio de mulheres como madame de Pompadour.

O fato de ela e o marido serem considerados obtusos por todas as pessoas da corte do rei acentuava a amabilidade do rei com relação a ela, pois ele sempre ouvia o que delfina dizia, como se ela fosse sagaz e fascinante como a Pompadour.

- Como você é feliz - dissera-lhe o rei - por ter um marido fiel.

Feliz de fato. Havia poucos maridos fiéis na corte da França, e era um segredo seu, horroroso, que um dia o delfim se ajustaria ao padrão e teria uma amante.

Não temia esse dia. Mas nada era como deveria ser. Como as pessoas eram caladas! Não gritavam quando a carruagem do rei passava. Ficavam de pé, olhando, em grupos carrancudos.

Percebeu ela como alguns deles eram magros, como as roupas eram maltrapilhas. Dizia-se que em Paris havia muita pobreza e que isto se devia aos altos impostos. O preço do pão estava sempre aumentando e contavam-se muitas histórias de tumultos do lado de fora das padarias.

Haviam deixado a igreja e voltavam para Versalhes quando, ao aproximarem-se da Pont de La Tournelle, ela percebeu que a multidão ficava maior. A carruagem, com o rei e a rainha, ia à frente, num silêncio que se poderia dizer hostil. A delfina, sem perceber, se aconchegou mais ao marido.

Houve um murmúrio no povo, e a delfina, a olhar para fora da janela, viu que a multidão se compunha mais de mulheres que tentavam aproximar-se da carruagem, e que os guardas mal conseguiam impedir.

Então, uma das mulheres se desvencilhou da multidão e se atirou de encontro à carruagem; segurou-se ao carro, o rosto colado à janela.

- Pão! - gritou ela. - Nos dêem pão! Estamos morrendo de fome.

Os guardas iam tirá-la dali, mas o delfim não deixou.

- Atirem-lhes dinheiro - ordenou.

- Dinheiro! - repetiu a multidão. - Não queremos uns poucos luíses, monseigneur. Queremos pão.

O delfim pôs a cabeça para fora da janela e gritou:

- Compreendo as dores de todos. Faço o melhor que posso para servi-los.

Houve um silêncio. O povo ouvira que o delfim sentia piedade. Ele não vivia com extravagância; não desperdiçava o dinheiro que os impostos extorquiam do povo para construir elegantes châteaux. Dizia-se que ele entregava aos pobres grande parte de sua renda.

Uma mulher gritou:

Nós o amamos, monseigneur. Mas tem que mandar embora a Pompadour, que governa o rei e arruina o reino. Se hoje a tivermos nas mãos, nada vai lhe sobrar como relíquia.

O delfim afirmou:

- Boa gente, faço o que posso por vocês.

Ordenou então que o capitão da guarda espalhasse dinheiro entre a multidão, e a carruagem passou.

A delfina estava pálida e tremia. Tinha dificuldade em refrear o impulso de atirar-se chorando nos braços do marido.

O delfim, no entanto, sentado rígido, de encontro ao estofado de cetim, pensava: Essa mulher falou pelo povo de Paris. Ela disse "Nós amamos você. Mande embora a Pompadour".

Eis a prova de que essas pessoas haviam transferido do pai para ele o dever de obediência. Sabia que o pai poderia reconquistar o respeito popular, pois o rei exercia um fascínio e dignidade naturais que o delfim não tinha. Mesmo agora não era tarde demais para o rei mudar o modo de vida, para deixar o povo vê-lo mais vezes, para pôr fim aos comprometimentos com o Caminho para Compiègne.

Se o pai fizesse isso, se trabalhasse pelo povo, se ele se mostrasse pronto a ser um bom rei, então o povo não se voltaria tão impaciente em favor do delfim.

Mas não fez isso. Resolvera abrir o Caminho. Resolvera assim ao fazer o Caminho para Compiègne.

E agora o povo esperava, pensava o delfim. Está rezando para que em breve seja a minha vez.

O inverno era frio, e os ventos do leste passaram impetuosamente pela cidade. O palácio não foi poupado.

Desde o exílio de Carlos Eduardo Stuart, Anne-Henriette se tornara cada vez mais frágil. O pai e as irmãs a advertiam. Tentavam fazê-la comer, mas tinha pouco apetite. Havia vezes em que, da janela daqueles aposentos em que ventava demais, ficava ela a olhar os jardins ou a Avenue de Paris, parecendo não sentir o frio.

Esses membros da família a amavam - e todas as irmãs a adoravam muito, mesmo Adelaide, que se irritava com o seu desânimo - ficavam cada vez mais preocupados com a sua saúde.

A rainha era a menos indulgente. Lastimava a fraqueza da filha, que dava lugar a sentimentos tão fracos. Se a vida fosse difícil, as pessoas deveriam enfrentar os desapontamentos com orações. Era essa a recomendação da rainha.

Anne-Henriette ouvia com respeito a recomendação da mãe, mas nada podia causar-lhe bem-estar.

De uma janela do palácio, Adelaide a viu nos jardins, num dia frio de fevereiro, inadequadamente vestida, andando pelas avenidas, como se fosse um dia de verão.

Acompanhada por Victoire e Sophie, Adelaide saiu para insistir com Anne-Henriette para que voltasse ao palácio.

Anne-Henriette permitiu que a levassem aos apartamentos de Adelaide, onde uma enorme lareira aquecia um dos menores aposentos.

- Ora, você está tremendo de frio - falou Adelaide, alto, segurando as mãos da irmã. - Como você está tão fria!

Adelaide sacudiu a cabeça, a repreendê-la, e Victoire e Sophie fizeram o mesmo.

Mas, nesse momento, Anne-Henriette não lhes sorriu; recostou-se na cadeira em que Adelaide a empurrara, e tinha os olhos embaçados.

Sentia-se tão cansada que desejava descansar; sentia uma dor no peito, o que lhe dificultava respirar, e via os rostos das irmãs passarem por ela indistintamente. Não estava totalmente segura de quem eram. Durante um tempo, quando estivera nos jardins, junto à lagoa ornamental, pensara em sua irmã gémea, Louise-Elisabeth, que estava com ela. Ambas esperavam ser chamadas pelo pai, que comunicaria a uma delas qual a escolhida para ir para a Espanha como noiva.

Imaginava que ela é que fora chamada, e que portanto iria para a Espanha. O duque de Chartres estava inconsolável; mas, nesse momento, não tinha certeza de quem era, se o duque de Chartres ou o príncipe Carlos Eduardo Stuart.

Não é para mim - sussurrou ela. - Sou infeliz com os amantes...

- O que está dizendo? - perguntou Adelaide.

- O que ela está dizendo? - segredou Victoire a Sophie; e Sophie, como sempre, olhou para Adelaide para dar a resposta.

- Não tem importância - respondeu Anne-Henriette. - Sou infeliz com os amantes. Mas isso não tem a menor importância.

Louise-Marie, a mais jovem das irmãs, entrou devagar no aposento. Caminhava com certa dificuldade, mas o rosto era vivo; no entanto, ao ver a irmã mais velha, o rosto perdeu o sorriso.

- Anne-Henriette, o que houve? - berrou ela e dirigiu-se rápido à irmã, a segurar-lhe a mão. - As mãos dela estão quentes. Tem febre. Chame suas criadas. Chame-as logo. Que lhe aqueçam a cama. Ela deveria estar de cama, nossa irmã está muito doente.

Adelaide se ofendeu com a interferência da irmã mais moça e, arrogante, levantou as sobrancelhas. Mas Louise-Marie gritou:

- Não há tempo para etiquetas. Nossa irmã está doente... tão doente que me deixa apavorada.

Então, Adelaide ordenou que Victoire fosse aos apartamentos de Anne-Henriette e avisasse suas criadas.

- Agora, vamos levá-la para lá - berrou Louise-Marie. Anne-Henriette, irmã, você me conhece?

Anne-Henriette sorriu tão resignada que Louise-Marie achou aquele sorriso o mais doce que já vira.

- Viu? - completou Anne-Henriette, segurando os braços das irmãs. - Não há amantes para mim. Eu trouxe má sorte aos amantes. Não se preocupem com isso. Isso nada significa agora.

- Está delirando - atalhou Adelaide.

- Não - negou Louise-Marie. - Acho que compreendo. Então, começou a chorar, calma, e as lágrimas caíam desordenadas

no cetim do vestido.

Anne-Henriette não percebeu as irmãs enquanto a retiravam do aposento.

Luís fitava a marquesa, o rosto branco de dor.

- Ela... tão jovem... - balbuciou ele. - A minha pequena Anne-Henriette... morta...

- Fazia algum tempo que estava doente - esclareceu a marquesa. - Nunca foi saudável como gostaríamos que fosse.

- Não posso imaginar como será a vida sem ela.

- Meu querido, devemos suportar essa perda o melhor que pudermos - acrescentou a marquesa. - Você perdeu alguém que amava e que amava você; mas está cercado por outros que o amam não menos e que, eu sei, são também amados.

O rei permitiu que a amante lhe pegasse a mão e a beijasse com delicadeza.

Olhou-a, gentil, muito fascinado. E pensou: Ela faz parte de minha vida. Minhas alegrias são suas, minhas tristezas também. Como eu poderia suportar essa tragédia, se a minha querida marquesa não estivesse aqui para consolar-me?

Sentada diante de sua caveira iluminada, a rainha orava pela alma da filha. Orava também para que essa tragédia conseguisse mudar os modos de pensar do rei - da devassidão para a devoção. Que soubesse que a morte estava sempre pronta a atacar. Ela levara a sua menininha; que talvez a filha estivesse perto do pai. Talvez Luís se perguntasse se não deveria procurar uma remissão dos seus pecados enquanto houvesse tempo.

- Se isso acontecesse, a morte de Anne-Henriette não teria sido em vão - explicou ela ao delfim.

O delfim fez que sim com a cabeça; lamentava a morte da irmã. Amara seu temperamento suave, e Marie-Josèphe muitas vezes dizia que sua cunhada era a melhor amiga que já tivera. Ele também recordava que ela fora membro útil dessa pequena comunidade que se reunia no apartamento dele e conseguira alguns privilégios do rei em favor do grupo da Igreja. Muitas vezes, um de seus membros pedia um lugar e não havia advogada mais provável a obter sucesso com o rei do que sua amada Anne-Henriette.

- Sua morte é uma grande perda para mim - atalhou à mãe.

- Talvez seja uma grande perda para a Igreja.

A rainha compreendeu e concordou. A dor que sentia pela morte da filha não era tão forte como a que os outros membros da família sentiam. Muitas vezes, lutara contra o ciúme que tivera das filhas, pois o pai as amava muito mais do que à mãe. Houve vezes, depois que Luís chamara as filhas aos petits appartements para compartilhar com ele de um jantar íntimo, em que se ajoelhara durante horas, a orar, tentando pôr fim ao ciúme turbulento que a dominava.

Jamais esqueceria a sua chegada à França e os primeiros meses da atenção total do rei, quando haviam sido amantes e ela lhe parecia a mais bela mulher no mundo.

Mesmo para a mais virtuosa das mulheres, não era fácil amar outras - ainda que fossem as próprias filhas - mesmo que agradassem o rei como havia muito ela fazia, nem nunca poderiam.

Adelaide pranteava muito a irmã e deixava cair lágrimas fortes. Victoire, sentada em sua bergère, estava mais melancólica que de hábito. Sophie primeiro olhava Adelaide, depois Victoire, como que para saber quanto tempo devia chorar pela irmã.

Louise-Marie estava inconsolável. Não esbravejava nem chorava. Dizia apenas:

- Se me tivessem deixado um pouquinho mais em Fontevrault nunca teria conhecido Anne-Henriette. Oh, por que não me deixaram em Fontevrault?

E, súbito, Sophie deixou de pensar consigo no quanto Adelaide esperava que ela lamentasse a irmã, e fugiu para chorar sozinha num canto sossegado.

Nas ruas de Paris, discutia-se francamente a morte de madame Seconde.

Achavam que a perda dessa filha amada fora vingança de Deus para com o rei por sua vida dissoluta.

- Como poderia ser de outra forma? - as pessoas se perguntavam nos cafés e nos mercados. - Será que Deus o puniria por se esquecer de seu povo e pela preocupação com a marquesa? É o prémio merecido.

- É o resultado por ofender a Deus e desagradar o povo. Deus lhe tirou a filha que mais amava.

O grupo da Igreja incentivava tais observações. Quanto mais cedo o rei percebesse como a sua conduta desagradava aos olhos de Deus - e ao grupo da Igreja -, melhor.

Havia esperança no apartamento do delfim.

- Tal desgraça pode provocar o repúdio à marquesa - murmurou o delfim.

O próprio Luís estava muito temeroso. Começava a pensar se havia algum aviso divino nessa perda. Ela era jovem. Verdade que fora frágil; mas era jovem demais para morrer.

Os médicos do rei haviam afirmado que ela não desejara viver, que rejeitara os remédios; que recusara a alimentação que lhe preparavam; que se desviara de toda a família e amigos para ir na direção do desconhecido.

Luís não ousava pensar na infelicidade da filha. Muitos diriam que morrera de profundo sofrimento. Por duas vezes, amara e por duas vezes se sentira frustrada. O casamento com a família Orléans desagradara Fleury e, portanto, não acontecera. Seu amor por Carlos Eduardo Stuart talvez tivesse sido mais forte, mas como poderia o rei da França dar consentimento depois da derrota dos 45? Isso acontecera fazia quase sete anos. Chorara um príncipe, que durante todo esse tempo nem mesmo lhe fora fiel?

A filha morrera porque não desejara viver. Eram palavras trágicas para descrever a morte de uma jovem. Angustiavam-no e não havia uma única pessoa que o pudesse curar de uma tristeza como essa; no entanto, o ânimo que o povo de Paris provocara e certos membros de sua corte levavam-no a duvidar se ele deveria procurar um alívio.

A morte... tão próxima deles todos! Quem seria a próxima vítima? O que seria se ele, golpeado, passasse desse mundo para o outro... um pecador impenitente?

Queria confessar seus pecados, mas sabia que, antes de poder receber absolvição, devia prometer solenemente nunca mais pecar.

A marquesa agora ocupava o conjunto de apartamentos de madame de Montespan, mas ainda era conhecida como amante de Luís. Sabia que os confessores e os bispos, auxiliados e instigados pelo delfim e pelo partido da Igreja, negar-lhe-iam a remissão dos pecados até que ele expulsasse madame de Pompadour da corte.

Mandou chamar Adelaide; abraçou-a calorosamente e choraram juntos.

O rei olhava essa jovem mulher ativa mas estranha. Tinha vinte anos de idade e sua beleza já começava a definhar, mas ele ainda achava estimulante a sua companhia.

De Adelaide ele poderia ter o consolo que, no momento, receava receber da marquesa.

- Você deve preencher o lugar de sua irmã - informou ele a Adelaide. - Para mim, agora, você precisa ser tanto Adelaide quanto Anne-Henriette.

- Sim, papai - chorou Adelaide; e não havia engano na adoração que Luís via nos olhos dela.

- Terá um apartamento mais próximo ao meu - acrescentou o rei. - Vamos reconstruir uma parte do château. Para isso, é preciso destruir a escada do embaixador... mas é o que faremos...

Adelaide se ajoelhou sem jeito e abraçou os joelhos do pai.

- Serei tudo o que me pede - chorou ela; e seus olhos brilhavam de regozijo; já esquecera a morte de Anne-Henriette.

 

A morte, nesse ano, parecia rondar Versalhes. O verão quente chegara, e o rei e madame de Pompadour ficavam no château de Compiègne para uma temporada de caça.

Certa manhã bem cedo, a delfina despertou com uma sensação agourenta, talvez porque tivesse tido uma noite agitada. Várias vezes despertara para ver o delfim que resmungava durante o sono; e, ao falar-lhe, ele respondera sem coerência.

Ao pensar que estivesse febril, tocara em sua fronte; por isso, passara uma noite muito agitada; e assim que a luz do dia ficou forte o bastante, sentou-se na cama e ficou observando atenta o delfim dormir.

O rosto dele estava corado, e ela não teve dúvida de que agora tinha febre. Levantou-se, chamou os criados e mandou buscar médicos.

Em poucas horas, as notícias se espalharam pelo palácio e fora dele. O delfim sofria de varíola.

Dificilmente haveria doença mais temida - altamente contagiosa, rápida na ação, fora responsável pelo fim de milhares de pessoas.

A delfina estava apavorada. Não podia imaginar sua vida sem o marido; e tinha plena consciência do perigo que ele corria.

Os médicos a mandaram sair dos aposentos. Talvez já tivesse contraído a doença. Devia compreender que, ao ficar na cabeceira do marido, atraía a morte; e, mesmo que escapasse da morte, ela poderia ficar abominavelmente marcada pelo resto da vida.

Respondeu com firmeza:

- É meu lugar ficar ao lado dele. Mais do que qualquer outra pessoa, moro aqui, e aqui vou ficar.

Não permitiu que ninguém a dissuadisse e, trajando um simples vestido branco, desempenhou todos os deveres domésticos, íntimos e necessários. Seus lábios estavam firmemente cerrados; não chorara, mas sempre murmurara orações, enquanto andava pelo apartamento, e muitas e muitas vezes pensara: "Se fizer tudo por ele, vou salvá-lo, pois eu, melhor do que qualquer pessoa, farei essas coisas. Devo fazer, porque o amo muito." Depois, começou a afirmar: "Salvá-lo-ei. Não morrerá." E, com isso, sentiu uma grande paz, porque acreditava que qualquer pessoa que quisesse ser muito bem-sucedida e que pusesse todos os esforços no trabalho não poderia fraquejar.

Muitas vezes pediram-lhe que fosse embora do quarto do doente; novamente lembraram-lhe os horrores da doença, os terríveis resultados: e ela simplesmente sorriu, pálida.

- Seria um preço caro demais pagar pela recuperação dele? - quis ela saber.

E, depois disso, sabiam que nada a faria mudar de ideia. As notícias foram levadas a Compiègne e chegaram ao rei no momento em que voltava ao château após a caçada. Luís ficou horrorizado.

- Preciso voltar imediatamente a Versalhes - asseverou ele. A marquesa arriscou:

- Caríssimo sire, há grande perigo em Versalhes. O rei respondeu, triste:

Madame, meu filho, o delfim, jaz quase à morte.

A marquesa simplesmente inclinou a cabeça.

Vamos nos preparar para partir imediatamente - respondeu ela.

Morte!, pensou o rei. É como um espectro que me persegue. Ameaça a minha família - uma sombra cinzenta de que não consigo escapar. Em fevereiro perdi minha filha mais querida; agora vou perder meu filho?

Sentia-se feliz por ter construído um caminho que ia de Compiègne a Versalhes. Num momento desses, teria sido intolerável a expressão oculta que sugere "essa é a retribuição". As pessoas atribuiriam a doença do delfim à mesma ira divina a que creditaram a morte de Anne-Henriette. Não, num momento desses, ele não poderia suportar o regozijo irónico do povo.

Se o delfim estava para morrer, o herdeiro do trono seria o bebé, o duque de Borgonha. E se ele, Luís, morresse, haveria outro rei bebé da França. O delfim não devia morrer.

A marquesa tentou consolá-lo durante a viagem de volta a Versalhes.

- Soube que um médico chamado Pousse conhece mais sobre varíola que qualquer outro homem - começou ela. - Vossa majestade pensa mandar chamá-lo? Ele é um bourgeois e nada conhece das maneiras e dos procedimentos da corte, mas, como o respeitam por ter salvo de varíola mais pessoas do que qualquer outro médico, vossa majestade pensa levá-lo a Versalhes?

- Temos que aproveitar qualquer oportunidade - concordou o rei. - Não importa quais sejam as origens desse homem, devemos mandar buscá-lo.

- Mandarei que venha sem demora - concluiu a marquesa.

Luís se sentou à cabeceira do delfim. Desdenhara todos aqueles que lhe lembraram dos riscos que corria.

Meu filho, pensou ele. Meu único filho! Eu queria que tivéssemos sido mais amigos.

Como lamentava profundamente que essas diferenças houvessem surgido entre eles. Tentou lembrar-se de quando elas começaram a separá-los. Viu-se indo aos aposentos infantis, quando o delfim era criança, e se lembrou de como o menininho se atirava nos braços dele.

Então, pensou o rei, ele me amava como a ninguém mais. Agora, ele me é indiferente como pessoa e até mesmo meu rival como rei. Deve haver momentos em que pensa estar em meu lugar. Então, espera ansiosamente pelo dia em que eu não esteja mais aqui.

Como a vida era triste!

Se apenas pudéssemos dizer ao tempo, "Pare! Que assim seja para sempre", então, ele permaneceria jovem - um marido jovem, um pai jovem, um rei jovem, a quem as pessoas gritavam "Vida longa ao Bem-Amado!". Relembrando, ele viu o Caminho para Compiègne como uma faixa a dividir-lhe a vida, separando a primeira metade da segunda. A sementeira, dir-se-ia, e a colheita.

Aqui na cabeceira do filho ele sentia forte desejo de ser um bom homem, um bom rei, amado por sua corte e por seu povo. Mas se tornara cínico demais. Conhecia muito bem esses humores de pesar e arrependimento.

Eles passavam tão inevitavelmente quanto o tempo.

O dr. Pousse passou rápido pelos apartamentos do delfim, como um furacão. Não desconhecia a Etiquette; ele apenas não lhe percebia a existência. Não conhecia a diferença entre um conde e um duque; não tinha ideia de que lhe exigiam isso; e, mesmo que soubesse, não se importaria. Tinha um objetivo na vida, curar pacientes de varíola. Não se preocupava se era o herdeiro da mais simples casa de pasto na rue dês Boucheries ou do trono da França - via-os apenas como pacientes em quem praticar a sua habilidade.

E entre aquelas pessoas que cercavam o delfim, havia apenas uma pessoa a quem ele aprovava. Era uma mulher, calada e jovem, vestida de branco.

Você! - falou ele, alto, apontando para ela.-Você vai ficar

tomando conta do paciente. Os outros farão o que você mandar.

Pousse gostava dela, que fazia tudo com calma; com eficiência calada, faria tudo o que lhe pedissem.

- Hum - resmungou Pousse -, quando esse jovem ficar novamente bem, vai dever a duas pessoas a sua convalescença: ao médico e à enfermeira.

Quando ele lhe berrava ordens, ela obedecia rápido. Os dois confiavam ao máximo um no outro.

- Agora, menina-mandava ele -, faça o paciente descansar. Ninguém deve perturbá-lo, entende? Nem mesmo o pai dele.

- Entendo - foi a resposta. Pousse lhe afagou o braço, com afeto.

- Uma boa enfermeira é excelente ajuda para o médico, menina - acrescentou ele.

O precário estado de saúde do delfim provocava forte ansiedade, e o rei entrou no quarto do doente para sentar-se à cabeceira do filho.

Pousse se aproximou de Luís e, segurando um botão do seu casaco, puxou-o de lado.

Os poucos criados que acompanharam o rei ao quarto do doente pararam para contemplar essa familiaridade desconhecida, e Pousse se dava conta da surpresa de todos.

Sorriu severo e, enquanto falava ao rei, deixou que a sua atenção se desviasse temporariamente do paciente.

- Agora, monsieur, não sei como espera que me dirija a você. Para mim, é simplesmente o digno papai do meu paciente. Você se sente ansioso porque o seu filho está muito doente. Mas tenha ânimo, papai! O seu filho, em breve, vai ficar bem.

Luís pôs as mãos nos ombros do médico e afirmou, emocionado:

- Sei que podemos confiar em você. Não sente respeito pelas pessoas - apenas pela varíola.

- Tenho grande respeito pela minha velha amiga - respondeu Pousse, os olhos brilhando. - Mas derrotei-a. Dessa vez, eu e a enfermeira conseguimos o melhor.

O rei respondeu:

- A enfermeira dele é a delfina.

- A mulher do paciente, não? - respondeu Pousse e um ligeiro esgar se formou nos lábios dele. - Não tenho dúvida de que não me dirigi a ela como uma mulher em sua posição espera ser tratada. Mas, papai, sinto forte afeição pela pequena enfermeira, uma afeição que não poderia sentir por nenhuma dama nobre. Vou mandar que a procurem as nobres parisienses quando os maridos estiverem doentes, porque poderão aprender o que se espera delas. É uma menina digna. Estou a chocá-lo, monsieur, ao faltar com o respeito pelos membros de sua família.

O rei respondeu:

- Salve o delfim, e você será meu amigo pelo resto da vida.

Houve grande alegria por toda a corte, pois o delfim se recuperara. Isto se devia, dizia-se, à perícia do dr. Pousse e à devoção abnegada da delfina.

Ninguém poderia ficar mais feliz do que a delfina. Sentia que essa doença do marido os tornara mais próximos do que nunca. Alegrava-se porque, como sempre sentira-se um pouco ciumenta de sua antecessora, podia dizer a si mesma: Marie-Thérèse-Raphêalle jamais cuidaria do marido com varíola, com risco da própria vida. Agora, tinha ela uma vantagem em relação à primeira mulher que fora senhora dos jovens afetos do delfim e que morrera no auge da paixão dele após somente dois anos de casamento, de tal forma que ela ficara gravada para sempre na memória dele - eternamente jovem, embelezada pela distância, um ideal.

Quanto ao dr. Pousse, recebeu uma pensão vitalícia por seus

serviços.

Madame de Pompadour juntara seus cumprimentos aos da corte, mas o delfim os recebera friamente, e, por lastimar a decisão dele de julgá-la como inimiga, resolveu ostentar-se mais que qualquer outra pessoa no regozijo geral.

Por isso, planejou uma festa em Bellevue.

A recepção ia ser mais generosa que qualquer outra até agora realizada. Os fogos de artifício eram sempre populares e poderiam ter mais efeito; a marquesa planejou um espetáculo generosocom um carro alegórico que simbolizava o restabelecimento do delfim.

Tinha de haver um golfinho (delfim) entre serpentes do mar e outros monstros das profundezas, que deviam soprar fogo sobre o delfim. O fato, explicava a marquesa, era para representar a varíola. Apoio deveria aparecer para atacar os monstros que sopravam fogo, e o golfinho, então, seria visto entre graciosas ninfas.

O delfim, durante a doença, nada perdera da antipatia que sentia pela marquesa; na verdade, saíra dessa provação ainda mais puritano. Tais carros alegóricos não lhe agradavam. No entanto, não podia recusar o convite para ir a Bellevue e, enquanto o carro alegórico desfilava em sua honra, ficou sentado, observando, cercado pelos amigos.

Esses companheiros, que temiam muito uma amizade entre o filho e a amante do rei, observaram:

- O golfinho guarda alguma semelhança com você, mas como criatura é abominável! É uma caricatura, ao querer levar vossa majestade ao ridículo.

- Veja os monstros marinhos! Sopram fogo. Acham que representam o povo. Isso é monstruoso. O povo ama o delfim. Madame Catin nunca vai convencer a corte do contrário, por mais que tente.

- Pode estar certo de que a mulher finge homenagear o delfim, mas procura fazê-lo parecer um idiota.

Ao ouvir isso, o delfim ficou cada vez mais furioso com a marquesa.

Quando o carro alegórico estava pertinho, ele repentinamente foi embora de Bellevue para Versalhes, e todos sabiam que esse esforço da Pompadour para acalmar o delfim fora um fracasso miserável, porque o delfim estava resolvido a não se acalmar e ia continuar a guerra contra a marquesa até que um dos dois morresse ou ela fosse banida da corte.

Tudo aguardava uma retaliação ao que ele preferiu julgar insulto à sua dignidade.

Isso aconteceu uns poucos dias depois da festa em Bellevue, quando a marquesa, presente a uma recepção nos apartamentos do delfim, ficou de pé - pois não podia sentar-se sem a permissão do delfim - durante duas horas.

Antes disso, nunca a marquesa permitira que a corte percebesse sua fraqueza física. Dessa vez, era impossível acontecer diferente. Ela, ao fim de duas horas, quase desmaiava de cansaço.

O rei ficou irritado quando lhe contaram o que acontecera, pois sabia que, ao organizar a festa, a marquesa só pensara em conquistar a amizade do delfim. Esse esforço de afeto, que ele sentira pelo filho ao pensar que ele iria morrer, desaparecia aos poucos. Sentiu-se irritado com o comportamento hipócrita do filho em relação à amante do pai.

Havia apenas uma forma de evitar a repetição de tal acontecimento: conceder à marquesa a mais alta honra da corte - o tabouret, o tamborete -, que lhe permitiria sentar-se na presença da realeza.

O rei hesitou. Conceder à marquesa uma alta honra dessas iria provocar uma onda de descontentamento na corte. Ele era impopular em Paris; não queria que essa impopularidade se expandisse ao seu círculo social imediato.

Um tabouret para a marquesa! Ele tinha que meditar por algum tempo sobre um assunto desses, porque, querida como ela era, ele devia lembrar-se das origens dela.

Deveria haver uma comemoração oficial pelo restabelecimento do delfim, o que obrigaria a outra jornada a Paris.

Haveria a viagem cerimonial do château à cidade, e o serviço de ação de graças em Notre Dame. Os ministros do rei, sabendo o que pensavam em Paris e o rápido crescimento da impopularidade do monarca, diminuíram precipitadamente o preço do pão; esperavam que, com isso, pudessem assegurar uma aceitação leal dos parisienses.

Luís viajou sem o menor entusiasmo. Desejava sinceramente tomar o Caminho para Compiègne em vez daquele que passava por Paris.

A rainha vinha atrás dele em sua carruagem. Não tinha esses temores, pois sabia que o povo a considerava uma pobre mulher maltratada, e quanto mais odiassem o rei, maior era a simpatia por ela.

Umas poucas pessoas na beira do caminho gritavam "Vive lê Rói!", conforme o soberano passava, mas isso acontecia fora da cidade; à medida que entravam nas ruas da capital nada se ouvia, apenas um silêncio sombrio.

Terminado o serviço, começou a viagem de volta, e novamente se enfrentava aquele silêncio sombrio. A carruagem do rei corria, e quando a da rainha se aproximou da Pont-du-Jour, um homem com rosto feroz e casaco maltrapilho furou a guarda e pulou em cima dela.

Atirou um pedaço de pão preto no colo da rainha e gritou:

- Veja, madame. É esse tipo de pão que nos obrigam a pagar três sous por meio quilo!

A rainha olhava o pão no colo, enquanto o homem era arrancado do coche.

Os cavalos foram chicoteados, um murmúrio sombrio surgiu da multidão. O rei e a rainha ouviram as palavras: "Não conseguimos pagar três sous por meio quilo de pão! Pão... pão... nos dêem pão...

Parecia impossível uma visita real à cidade por esses dias sem uma manifestação dessas.

Quando a infanta, a filha mais velha de Luís, chegou a Versalhes em visita, ele ficou encantado.

Ela iria consolá-lo, dizia ele, pela perda de sua querida AnneHenriette. Adelaide, ao perceber o afeto entre eles, sentiu ciúmes, porque, desde a morte da irmã, sentia-se segura no papel da filha preferida do rei.

Era difícil, no entanto, competir com a infanta fascinante e experiente. Luís relembrou um apelido da infância da filha e dirigia-se a ela como a sua Babette. Babette era mais esperta do que Adelaide e imediatamente firmou amizade com a marquesa, o que agradou o rei.

Ela agora tinha um filho e uma filha que agora, por isso, lhe permitiam passar um ano em Versalhes.

- Meu lar! - afirmava ela. - Dele nunca deixei de ter saudades.

Nas primeiras semanas do retorno, o rei ficou tão encantado com ela que esqueceu a depressão; mas, depois que o cativara, Babette não conseguiu deixar de mostrar que havia motivos inconfessados nessa forte demonstração de prazer por estar com o pai.

- Sou sua filha, sua filha mais velha - declarou a Luís. - E estou condenada a passar meus dias naquele buraco horrível que é Parma!

Luís prometeu que, se algum dia pudesse fazer alguma coisa para melhorar-lhe a condição, assim o faria.

A infanta estava desgostosa. Suas ambições não tinham limites. Tinha, agora, filhos para quem fazia planos, queria um trono para o filho e nada menos que uma coroa imperial para a filha.

O jovem José, filho de Maria Theresa, era o marido de que precisava para a filha. Arrogante, sugeriu que, se necessário, a França iria à guerra para realizar tal casamento.

Com sorriso tolerante, Luís ouvia os planos da filha, mas, ao conviver com ela, começou a ficar um pouco inquieto.

Entrava num desses momentos de melancolia dos quais somente a marquesa poderia preservá-lo.

Mas também havia muita especulação sobre a mudança no relacionamento entre o rei e a marquesa, que, percebiam, estava agora sugestivamente instalada nos aposentos que haviam pertencido a madame de Montespan; isso poderia significar que nada, mas apenas amizade, existia entre ela e o rei?

Dizia-se que, às escondidas, traziam meninas jovens - muitas vezes de classes mais baixas - aos aposentos do rei.

Podia um tal estado de coisas continuar?

Muito evidentemente era tempo de alguém enérgico e ambicioso levar ao conhecimento do rei que uma mulher poderia conquistar as atribuições de mattresse-en-titre, amante titular, que madame de Pompadour parecia ter abandonado tão graciosamente.

O conde d'Argenson acreditava que poderia provocar o banimento da marquesa, e discutia o assunto com sua amante, a condessa d'Estrades. O conde, irmão mais moço do marquês d'Argenson, o diarista, era nessa época o ministro da Guerra e caíra nas graças do rei; temia a marquesa, e, mais do que isso, que uma nova amante reinasse em seu lugar, principalmente uma das que, percebia ele, estavam próximas do rei, caso fosse protegida dele.

Era a sua amante astuta quem o alertava para a condessa de Choiseul-Beaupré, muito atraente, frívola e recém-casada.

A condessa d'Estrades pedira ajuda à jovem dama para descobrir se ela seria receptiva, e as duas mulheres começaram a comentar sobre a marquesa.

Madame d'Estrades começou:

- Parece que a mulher se torna cada vez mais velha quando alguém presta atenção nela.

- Sem dúvida! - falou alto madame de Choiseul-Beaupré. Ela deve ser bem velha. O que o rei encontra nela para admirar está além dos meus sentidos para perceber.

- O rei é homem de hábitos - acrescentou a outra. - Depois que começou a ir aos aposentos da mulher, isso se tornou um ritual. Alguém precisa fazê-lo perder esse hábito desnecessário.

A jovem quis saber:

- É verdade que ele não dorme mais com ela?

- Dizem que sim.

- Se sua majestade se apaixonar por outra pessoa, sem dúvida ela será banida.

- Haverá grande oportunidade para alguma mulher inteligente. A condessa d'Estrades fitou a outra, interessada. O dardo alcançara o alvo. Madame de Choiseul-Beaupré se alvoroçou, agitada.

A amante do rei! Alguém como madame de Montespan. Que glória seria para ela! Era verdade, contudo, que fora finalmente substituída por madame de Maintenon, mesmo casada com Luís XIV.

Mas Luís XV tinha mulher; mesmo assim talvez morresse. Madame Anne-Henriette morrera, e recentemente o delfim estivera muito próximo da morte.

A jovem condessa se sentia quase atordoada, ao refletir no poder das irmãs Nesle. Somente madame de Mailly havia sofrido; as outras duas haviam morrido, mas o rei tinha um fraco por elas, mesmo sendo louco por madame de Pompadour.

- Como... seria possível? - perguntou ela.

- Se uma jovem senhora fosse bastante atraente, bastante encantadora, bastante divertida e bastante ávida... haveria muitas pessoas a ajudá-la. Talvez até sua excelência. Posso dar testemunho por monsieur d'Argenson. Discutem com o rei os encantos das mulheres. Aguçam a curiosidade dele e depois... uma pequena ceia.

Depois disso, depende da própria dama. O rei é carinhoso, cortês, prestativo... e, devemos reconhecer, extremamente bonito.

- Reconheço isso - respondeu a jovem condessa, juntando as mãos e antevendo um futuro que lhe parecia glorioso.

Luís estava interessado nos relatos que ouvia da condessa jovem e atraente.

Haviam lhe contado que ela estava profundamente apaixonada por ele e que seu maior desejo era ter uma oportunidade de provar-lhe a intensidade do afeto.

Luís estava aborrecido. Necessitava de divertimento e, desde que a condessa desejara sinceramente uma entrevista, ele afirmou que seria grosseria recusá-la.

Combinaram uma entrevista, que foi um sucesso. O rei notou que a condessa não só era encantadora, mas uma companhia apaixonada. Evidentemente, uma entrevista dessas não poderia satisfazê-lo.

As jovens que lhe traziam eram divertidas por muito pouco tempo. Para uma companhia intelectual, contava com a marquesa. Ele agora sentia como era encantador unir o desejo ardente às maneiras cortesãs; a condessa chegara no momento certo para suprir a mudança necessária.

As novas do último caso amoroso do rei ainda não se haviam espalhado pela corte. A força da marquesa era grande e se tornava necessário que ela desconhecesse o que estava acontecendo até o momento em que a condessa exigisse que ela fosse banida.

D'Argenson e seus amigos, juntos, riam de satisfação; sonhavam com o dia em que a marquesa recebesse a lettre de cachei, carta lacrada com a ordem régia de exílio ou prisão.

Quesnay, o médico que trabalhara para madame de Pompadour e muitas vezes cuidara do rei, também era amigo de d'Argenson e de madame d'Estrades.

Quando soube da conspiração para destruir madame de Pompadour, ficou profundamente angustiado.

- Não tenha medo - explicou-lhe d'Argenson. - Não haverá diferença para você. Não perderá o seu lugar.

O médico sacudiu a cabeça.

- Trabalhei para madame de Pompadour em seus tempos prósperos - respondeu ele, grave. - Se for banida da corte, vou acompanhá-la para que, na adversidade, eu possa trabalhar por ela.

Semelhante lealdade desanimou os conspiradores.

Era necessário, resolveram, que madame de Pompadour fosse rapidamente derrotada, enquanto estava no auge a paixão do rei pela condessa de Choiseul-Beaupré.

Ao mesmo tempo, aborreciam-se em pensamento por precisarem agir com a máxima cautela.

A própria madame de Choiseul-Beaupré acreditava saber como pôr isso em execução. O primo do marido, o conde de Stainville, havia recentemente chegado à corte.

- Ele é o homem mais inteligente que conheço - declarou ela. - Odeia a Pompadour. Vai dizer-me o que devo fazer.

O conde de Stainville era um jovem com o rosto que lembrava bastante um cão pug; mas apenas o seu aspecto é que não tinha atrativo. Brilhante, espirituoso, encantador e pertencente a uma das famílias mais nobres da Lorena, parecia feito para a distinção. Protetor das artes, recebia com prodigalidade, jogava em excesso - e sem dúvida alguma era alguém que com certeza abria caminho para a corte.

Quando muito jovem, raramente fora visto em Versalhes. Pertencera ao exército e sentira um forte amor por Paris; por isso, poucas vezes visitara Versalhes.

Parecia que, de súbito, chegara à conclusão de que sua inteligência combinava mais com a vida política do que com a militar, apesar de na época de paz ter se tornado general-de-divisão.

Como homem ambicioso, pusera um olho desconfiado na marquesa e concluíra que não poderia alcançar mais poder se ela não estivesse seguidamente nos ombros do rei, aconselhando-o ao que fazer.

Adorava escrever versos, e era muito natural que tais versos dissessem respeito a madame de Pompadour.

Sentiu-se muito interessado, portanto, quando a mulher do primo perguntou se poderia vê-lo muito reservadamente porque tinha algo muito sigiloso e importante a comunicar-lhe e estava ansiosa pelo seu conselho.

Marcou uma entrevista. Achava-a fisicamente atraente e mentalmente repulsiva.

O conde de Stainville começou:

- Bem, minha cara, que assunto secreto é esse?

- O rei me ama - respondeu ela.

O conde ergueu as sobrancelhas, desconcertado, e lhe sorriu, cínico.

- Pelo que vejo, não acredita em mim - atalhou ela. - O rei me diz que me ama. Madame de Pompadour vai ser banida da corte. Vou pedir isso, e o rei já me respondeu que nada pode me negar.

O conde continuou a estudá-la em silêncio, e a mulher do primo batia o pé, impaciente.

- Então, ainda assim você não acredita em mim. Olhe isto. É um bilhete do rei, que Lê Bei me trouxe hoje. Leia e depois me diga se acredita em mim.

O conde de Stainville pegou a carta e leu-a com apatia.

O rei estava com certeza apaixonado pela mulher, para escrever-lhe com semelhante imprudência, e não havia dúvida de que a carta fosse dele. Que situação! Pobre madame de Pompadour, seus dias com certeza estavam contados.

Assim, essa mulher, que havia conseguido despertar paixão no rei, iria exigir o banimento da marquesa, como preço de favores futuros. Isso acontecera antes. Madame de Châteauroux provocara o banimento da boa madame de Mailly.

- Quero que me ajude, primo - pedia ela. - Vou responder a essa carta. E quero deixar claras minhas intenções. A Pompadour se tornou um hábito e... ouso afirmar que devemos ter cuidado de como pedir a um homem de hábitos, como o rei, que se afaste da criatura.

- Deve-se ter muito cuidado - acrescentou o conde.

- Você é inteligente com tais palavras. Deve saber como exprimir o que quero dizer.

- Tenho ideia - replicou o conde. - Deixe essa carta comigo e escreverei uma resposta para você. A resposta não deve ser logo enviada. Sua majestade não deve pensar que você está ávida demais.

Ela concordou com a cabeça.

- E fará isto por mim?

- Certamente que sim, priminha. Deixe esse assunto a salvo em minhas mãos.

A mulher concordou com a cabeça, animada. Não tinha dúvida de que, com homens como o marquês d'Argenson e seu parente Stainville para orientá-la, seu futuro seria brilhante. Tudo o que tinha de fazer era sorrir e ser agradável, aceitar homenagem e jóias, conceder favores; e esses homens brilhantes iriam encarregar-se de tudo mais.

O conde de Stainville leu e releu a carta. Ele era muito amável.

Seu primo se casara com uma mulher muito atraente, mas excessivamente frívola.

Pobre condessa! Alcançara o leito do rei, mas por quanto tempo se conservaria ali? Uma semana? Quem sabe duas. Talvez, com muita sorte, três.

Poderia conseguir o banimento de madame de Pompadour em tão pouco tempo? Talvez. A paixão do rei, no entanto, era intensa. Stainville tinha certeza de que com tal par ela seria breve.

Ele seria de fato um cego se se deixasse enredar por semelhante parenta bobinha. A aliança com a marquesa seria um assunto totalmente diferente. Sua primeira juventude já se fora, mas ainda era uma mulher bonita; quanto à diplomacia e ao correto bom senso ao conhecimento do mundo, à inteligência - nesses campos, a condessa era tola ao imaginar que poderia competir. Quando pensava na marquesa, perguntava-se se todas as mulheres da corte não seriam tolas de competir com ela.

Pompadour atravessava o que poderia ser o momento mais difícil da carreira. Tornara-se a amiga do rei e abandonara o papel de amante. Esse passo era muito audacioso e perigoso para tomar embora, bem podia acreditar, necessário - e uma mulher precisava de muita coragem para tomar.

Mas, junto com as outras qualidades, a marquesa era dotada de forte coragem.

Ele se decidiu.

Mandou um mensageiro aos apartamentos de madame de Pompadour, perguntando se ela poderia vê-lo imediatamente, para um assunto de real importância.

Madame de Pompadour observava friamente o conde de Stainville. Sabia ser ele o autor de versos danosos e o julgava inimigo. Não deu sinal disto, mas recebeu com máxima amabilidade. O conde a admirava mais que sempre e se felicitava pela astúcia de ele adotar tal posição.

- Madame, chegou ao meu conhecimento algo que poderia interessar-lhe, pois diz respeito à sua felicidade.

- Sim, monsieurle Comtet

- É uma carta, com a letra do rei, para... uma certa senhora.

- Deseja mostrar-me essa carta?

- Não a trago comigo. Considero-a um documento muito importante.

- Por que... me conta isto?

- Porque achei que era um assunto sobre o qual deveria estar informada.

- Eu compreenderia melhor se me mostrasse a carta.

- Se eu tivesse autoridade para tal.

- Está... me pedindo alguma... recompensa por esse documento?

- Madame, para mim, recompensa bastante seria se eu pudesse considerá-la minha amiga.

- Os seus sentimentos para comigo mudaram, monsieur lê Com fé? Oh, desculpe-me. Sou grosseira demais? Como vê, essa informação que me oferece... parece inexplicável demais, vindo de quem vem.

- Compreendo. Houve divergências entre nós no passado. Mas me ocorreu que, no futuro, tais divergências possam ser removidas.

- Sinto-me encantada por ouvir isso. Não desejo ser sua inimiga, monsieur de Stainville.

- Talvez possamos ser amigos. Talvez possamos agir juntos. Você, madame... se desculpar-me a impertinência de expressar-me tão francamente... é uma mulher muito inteligente. Não acredito que obtenha tão valiosa vantagem. Somos parecidos em nossa ambição, que é servir com zelo a sua majestade e evitar que ele se torne presa... de pessoas que nada valem.

- Vejo, monsieur de Stainville, que, na verdade, estamos de comum acordo.

- Estou profundamente grato por essa entrevista, madame. Talvez me permita vê-la amanhã, quando poderemos outra vez tratar desse assunto.

A marquesa inclinou a cabeça, concordando, embora Stainville estivesse certo de que, dentro dela, havia ardente curiosidade para saber o que era insinuado.

Ele a assustara. Era isso que desejava. Pompadour devia perceber a importância desse assunto. Queria que, no futuro, se lembrasse do que havia feito por ela. Mostrar imediatamente a carta tornaria o caso de menor importância. Deixá-la passar horas de incerteza. Deixá-la duvidar dos motivos dele. Quando percebesse que Stainville estava sinceramente ansioso por ficar do seu lado, ela seria muito mais grata.

Foi somente três dias depois que Stainville lhe entregou a carta que o rei escrevera à condessa de Choiseul-Beaupré. Por esse tempo, Pompadour estava num estado de exaustão nervosa: tudo o que Stainville lhe contara confirmava as suspeitas de que o rei estava apaixonado por uma mulher da corte, e que essa mulher e os seus inimigos faziam tudo para que fosse banida.

Com a carta em mãos, ela exultava. Agora, sabia como agir. Foi imediatamente aos apartamentos do rei.

- Como está, minha querida? - perguntou-lhe ele. - Parece estranha. Alguma coisa a perturba?

- Mostraram-me isso - respondeu ela.

Luís leu e ruborizou, irado, supondo que a condessa de Choiseul-Beaupré, para gabar-se de sua conquista, houvesse mostrado a sua carta a madame de Pompadour.

A marquesa informou, lentamente:

- Lembro-me da condessa de Choiseul-Beaupré... uma criatura muito bonita, mas evidentemente frívola e em quem não se pode confiar.

- Como sempre, você tem razão - explicou o rei, guardando a carta em uma gaveta.

A marquesa sabia que ele escolheria uma ocasião própria para destruí-la. Ameaçou, delicada:

- Acredito que não fique muito irado com a condessa. Ela é jovem e tola.

- Minha querida, receio que me fizeram parecer um louco.

- Se isso fosse possível, seria... totalmente imperdoável. Sabe, meu caro sire, que pode acreditar em minha discrição em todas as coisas.

- Acredito, acredito - gritou Luís. - Há ocasiões em que acredito que você é a única pessoa na corte de quem posso dizer isso.

Foi a uma escrivaninha e começou a escrever. Enquanto isso, a marquesa olhava por cima do ombro dele.

Era uma ordem para madame de Choiseul-Beaupré: mandava que, antes do amanhecer, deixasse Fontainebleau.

Ele não queria vê-la novamente.

A marquesa sorriu, serena. Mas compreendia perfeitamente que saíra de uma situação muito perigosa. Bastante singular que tivesse de agradecer àquele surpreendente conde de Stainville. Não esqueceria o que ele fizera. Era um homem brilhante, e ela cuidaria para que ele recebesse aquilo a que tinha direito. Ademais, era confortador saber que tinha, como amigo, alguém que poderia revelarse brilhante político.

Ela sentiu um tanto de piedade por madame de ChoiseulBeaupré; mas não muita. A bobinha nunca seria capaz de assegurar sua posição em Versalhes. Idiotinha! Não se dava conta de toda ansiedade e exaustão que teria para manter o papel de amante do rei?

Ela se arrependeu mais ao saber que já estava grávida. Não permitiram à condessa ver novamente o rei; sua glória fora breve, como foi sua vida. Morreu nove meses depois, de parto.

O rei sentiu que devia reparar a dor que causara em sua querida amiga, por causa do caso da condessa de Choiseul-Beaupré. Havia pouco tempo, o delfim exigira que a marquesa ficasse de pé, durante duas horas, numa recepção. Luís resolvera que madame de Pompadour nunca deveria novamente passar por semelhante desconforto e indignidade.

Para alegria das amigas e consternação das inimigas, Luís declarou sua intenção de conceder o tabouret a madame de Pompadour.

Ela agora tinha o direito de sentar-se no Grand Couverte em qualquer cerimónia da corte; teria os privilégios de uma duquesa e de ser reconhecida como dama, duquesa, marquesa de Pompadour.

Antes, nunca uma honra dessas fora outorgada a alguém que não fosse da nobreza.

A marquesa, encantada, logo ordenou que se deveria ostentar sua coroa ducal em todas as ocasiões possíveis.

D'Argenson e sua amante, madame d'Estrades, estavam apreensivos e apavorados: temiam que a marquesa descobrisse o papel por eles desempenhado no affaire Choiseul-Beaupré.

Ninguém, no entanto, estava mais furioso que o delfim, que cometeu a temeridade de censurar o pai.

Gritou, violento:

- Nunca, nunca uma tal pessoa nascida sem berço foi tão enobrecida.

O rei replicou, frio:

- Deve ser por isso que temos tantos idiotas na corte.

- Vou recusar-me a dirigir a palavra a essa mulher - mesmo que seja duquesa.

O rei sacudiu a cabeça, triste.

- Reze para que eu viva muito tempo - atalhou ele ao filho.

- Tem muito a aprender antes que possa ser rei da França.

Com isso, dispensou o filho, mas a distância entre ambos continuou. Nunca fora tão acentuada, e ninguém na corte sabia que o racha entre eles aumentara; perguntavam-se se ela seria transposta enquanto madame de Pompadour permanecesse na corte.

A própria marquesa desfrutava de nova vitalidade. Sair a vitoriosa de uma batalha, com grandes honras; no entanto, não esquecia que, caso os inimigos tivessem sido mais sutis, ela teria perdido facilmente.

Acreditava agora que poderia medir o afeto do rei por ela. Esse caso lhe ensinara bastante. Luís não iria novamente pensar em abandoná-la levianamente em favor de uma mulher atraente. Aprendera que podia acreditar na marquesa, como poderia em raros outros. O relacionamento havia passado por uma nova fase.

A marquesa não se esqueceu do homem que lhe fora de muita ajuda. Estava agora pronta a cultivar amizade com o astuto conde de Stainville. Deveria fazer alguma coisa por ele; e aguardava ansiosamente por um tempo em que ela e esse homem, cuja intuição e experiência diziam-lhe seria um aliado valioso, ajudar-se-iam para benefício mútuo.

 

Havia tumultos por toda Paris. Nesse momento, não foi a pobreza que levantara a ira do povo.

Haviam pedido a Bouettin, o pároco de Saint-Etienne-du-Mont, que administrasse a extrema-unção ao abade Lê Mère, que era padre jansenista. Bouettin declarou que Lê Mère fazia oposição à Bula Unigénitas e, por isto, negara-lhe a extrema-unção.

Recusar a extrema-unção a um moribundo parecia, a essas pessoas que não revelavam propósitos ultramontanos, um ato de criminalidade desumana: quando o abade foi enterrado, dez mil pessoas o seguiram até o túmulo.

Faziam-se protestos ao arcebispo de Paris, Christophe de Beaumont, cuja resposta foi: aqueles que não aceitavam a Bula Unigenitus eram, a seu ver, hereges e, por isso, não tinham direito à extrema-unção.

Os protagonistas estavam claramente determinados a tirar proveito do caso. Ainda antes de o abade ter falecido, os magistrados haviam chamado o rei a Versalhes e haviam obtido a sua promessa de que o abade receberia a extrema-unção.

Depois que Bouettin, protegido pelo arcebispo, recusara-se a administrar a extrema-unção, o Parlementresolvera escarnecer de sua autoridade, caso não protestassem; mas como o arcebispo era um homem muito importante para ser atacado, contentavam-se em autorizar a prisão de Bouettin.

Luís, percebendo que o Parlement, ao autorizar isso sem o seu consentimento, escarnecia de sua autoridade, cancelou a autorização.

Dessa forma, o Parlement entrou em conflito com o rei, e a desavença se espalhou de Paris para as províncias.

O presidente do Parlement falou ao rei para preveni-lo do que poderia acontecer aos reis que se indispunham com os parlamentares.

Não se falava em Carlos I, da Inglaterra, mas o caso do rei que tinha brigado com o seu parlamento e perdido a cabeça era uma consequência que estava no pensamento de todos.

A resposta de Luís foi que era dever do parlamento informarlhe dos atos de discordância, mas para ele os julgar.

Com tal comportamento, o rei conseguira com que nenhum dos lados desse aprovação. O Parlement julgava que o rei estava a dificultar-lhe os deveres; o clero ultramontano sabia que o rei não estava do lado deles, e que deveriam contar com a ajuda da rainha, que não tinha autoridade, e com o delfim, de quem esperavam muito.

O Parlement salientou que, desde que Luís subira ao trono, 45.000 pessoas que não concordavam com a Bula Unigénitos haviam recebido lettres de cachei.

Luís estava cansado de brigar e de acusarem-no de distrair-se para aumentar os prazeres. Enquanto isso, em todo o país, havia brigas entre os que aceitavam a Bula e os que não a aceitavam. Não era prudente os padres andarem nas ruas, pois só o fato de ver os trajes sacerdotais era o bastante para enfurecer certo grupo de pessoas.

Os tumultos continuavam. O delfim via com impaciência o curso dos acontecimentos.

O rei protestava que estava farto de tais desavenças.

- Não quero mais ouvir sobre o assunto de dar as extremasunções - pedia ele.

Para fugir de toda controvérsia a seu respeito, o rei fez uma visita ao pintor François Boucher, cujo trabalho admirava muito e que empregara para decorar as paredes e tetos de alguns de seus châteaux.

Insistiu com Boucher para que o levasse ao seu ateliê a fim de que visse seus últimos trabalhos, e, enquanto estava lá, seus olhos deram com o retrato de uma criança. Estava no princípio da adolescência, e Luís se deteve diante do retrato, admirado.

- Esse retrato não é uma pintura de verdade do modelo exclamou ele. - Você idealizou essa criatura. Ninguém pode ser tão perfeita, tão bonita.

O pintor quase ia protestar, mas hesitou, e o rei viu uma expressão desconfiada aparecer-lhe nos olhos.

- Tem razão, sire - completou ele.-É um retrato idealizado.

- No entanto, tão real que, se tal menina perfeita existisse, poder-se-ia imaginá-la saindo fora do retrato.

- Vossa majestade é benévola em comentar o meu trabalho. Permita-me presenteá-lo com esse retrato.

O rei estendeu sua mão ao braço do pintor e atalhou:

- Não, meu amigo. Leio seus pensamentos. Desfazer-se desse retrato iria afligi-lo muito. Seria como perder um amigo.

- Vossa majestade está enganado.

O rei ergueu as sobrancelhas, surpreso; era necessário aceitar palavras grosseiras desses pintores que não compreendiam que, pela etiqueta de Versalhes, era impossível a um artífice humilde dizer ao rei que estava enganado.

Boucher ficou embaraçado:

- Nada me daria maior prazer se vossa majestade aceitasse o retrato.

O rei balançou a cabeça.

- Então, não havia modelo. Essa menina perfeita só existia na imaginação do pintor. Que ideia triste, monsieur Boucher.

- Muito triste, majestade. O rei sorria ao deixar o ateliê.

Quando Luís voltou a Versalhes, chamou seu valet de chambre Lê Bei.

Lê Bei se tornara um de seus criados mais estimados, e isso devido às obrigações peculiares, que desempenhava com extraordinária perícia. Depois que fora apresentado a uma criada nos aposentos de madame de Pompadour, Luís havia descoberto tais pessoas para seu gosto. Era excitante desconhecer toda necessidade de finesse, escapar da Etiquete da corte que se insinuava mesmo na alcova. As trabalhadoras jovens desconheciam a Etiquete, porque não tinham consciência de que existisse.

Uma das acalentadas obrigações de Lê Bei era encontrar meninas que pudessem proporcionar prazer ao rei. Era incansável; conseguia descobri-las nos mercados ou nas lojas, seduzi-las com uma fortuna que ganhariam em poucos dias, como jamais conseguiriam depois de anos de trabalho árduo e vida parcimoniosa. Em quase todos os casos, as propostas de Lê Bei eram irresistíveis; e, por isso, grande número de pequenas grísettes subiu as escadas particulares que iam àqueles aposentos secretos da ala norte do palácio, que, para os interessados, se tornara conhecido como Lê trébuchet ou O alçapão.

Ali, nessa "armadilha para passarinhos", Luís recebia as garotas, que o agradavam o máximo que podiam e, depois, eram dispensadas com um presente que as tornava uma partis, uma diversão muito apropriada, e assim garantir uma vida de relativo conforto.

- Lê Bei - começou Luís -, quero que encontre para mim uma certa menina de olhos escuros. Não tem mais de quatorze anos, asseguro-lhe.

- O nome dela, sire?

- Não tenho como lhe dizer, pois não sei. O único indício que posso lhe dar é que há uma pintura dela no ateliê de Boucher. Suspeito de que você possa encontrá-la em algum lugar distante. Boucher prefere exibir suas telas a mostrar sua pequenina amante, o que não me surpreende.

Lê Bei ficou deliciado. Deliciava-se com semelhante pedido. Respondeu:

- Sire, posso assegurar a vossa majestade que não vai demorar para que a deusa de Boucher saia da tela para os seus braços.

- Sinto-me contente por ouvir o que você diz - respondeu Luís. - Sinto-me muito impaciente.

No dia seguinte, Lê Bei bebia no estúdio de Boucher.

Admirava muito o trabalho do pintor, informou ele, e perguntava-se se poderia ver de mais perto alguns de seus quadros.

Era fácil, com um pouco de lisonja, obter a confiança do pintor; e Lê Bei ficou assombrado e deliciado quando a menina entrou no ateliê para servir-lhes vinho.

Lê Bei, connoisseur que era, pensou nunca ter visto mocinha tão bela. Enormes olhos escuros brilhavam no seu rosto oval, e os cabelos longos, preto-azulados, eram presos atrás com uma fita vermelha.

Ela evidentemente se sentia encantada em trabalhar para François Boucher.

Quando se retirou, Lê Bei afirmou:

- Ora, que menina encantadora!

- Encantadora! - exclamou Boucher, indignado. - Louise é bela.

- Vejo que a pintou. É com certeza um quadro impressionante.

- No entanto, não consigo fazer justiça à beleza de Louise esclareceu Boucher. - Pintei-a e repintei-a no esforço de satisfazer-me.

- Você é feliz por ter semelhante modelo. Parece uma garota boa, e também obediente.

Boucher fez que sim com a cabeça.

- Pobre Louise, a vida não é fácil para ela. Como vem de onde vem, acha este lugar luxuoso.

- Muito ruim, então?

- Ruim, meu caro senhor? Quando eu lhe contar que sua velha mãe gananciosa vendeu... sim, literalmente vendeu... suas irmãs, vai entender o que quero dizer. Minha bela Louise cresceu numa loja de roupas de segunda mão, pertinho do Palais Royal. Madame O'Murphy, por não conseguir vender as roupas velhas, então também vendeu as filhas.

- O'Murphy. Que nome estranho.

- O pai era irlandês. Foi soldado em certa época, e homem de pouco caráter. Quando Louise tinha doze anos, entregou-a a madame Fleuret. Agora, tem apenas quatorze.

- Madame Fleuret, a costureira?

- Dirige um negócio lucrativo, sob o pretexto de confeccionar vestidos. Sua casa nada mais é do que um bordel. E assim, para ela, por alguma razão, a mulher de roupas velhas mandou todas as suas filhas. Descobri Louise lá. Carreguei-a comigo. Posso lhe dizer que ela ficou encantada por vir.

- Bem posso imaginar.

Louise entrou novamente na sala. Lê Bei, ao observá-la, sabia que a menina se dava conta de que os seus olhos estavam nela. Lê Bei declarou:

- Ah, que alívio é pôr-se à vontade no ateliê de um pintor, depois de toda aquela etiqueta de Versalhes.

Ela era uma menina inteligente. Ficou alerta. Começou a interessar-se pelo homem que vivia em Versalhes, o grande palácio que, para ela, parecia fabuloso.

- Encha a taça de monsieur Lê Bei, Louise - mandou Boucher.

- Obrigado, meu caro - declarou Lê Bei. Seus olhos se detinham nos da menina; eram ardentes e cheios de admiração.

Lê Bei se levantou para sair no devido tempo e, ao descer as escadas, não saiu imediatamente para a rua. Tinha certeza de que ela compreenderia que ele queria falar-lhe em particular e que encontraria alguma desculpa para sair de casa logo após ele.

Estava certo.

Precisou esperar apenas cinco minutos, quando, com um xale sobre os cabelos preto-azulados, Louise veio à rua.

- Mademoiselle O'Murphy ?-perguntou Lê Bei, em voz alta.

- Ora essa! - falou alto, aparentando surpresa de tal forma que o divertiu. Tinha um certo senso de humor, essa menina. Filha de uma mulher que vendia roupas velhas, podia ser, mas era cabível que possuía um certo espírito bem como uma beleza estarrecedora.

- É o monseurLe Bei, de Versalhes.

- Esperei para ver você, mademoiselle. Tenho algo a dizer-lhe.

- Não podia ter dito no ateliê de monsieur Boucher?

- Não, não podia ter dito lá. Você é muito bela. Deve saber disto.

- Ouvi dizer que sim - respondeu ela, atrevida mas séria.

- Eu poderia fazer a sua fortuna.

- Muitos me ofereceram fortunas.

- Eu poderia oferecer-lhe algo que brilha mais do que qualquer outro que lhe ofereceram. Poderia levá-la para Versalhes.

Ela zombou dele, no calão das ruas.

- Sei, monseur Lê Bei. Você é o rei disfarçado.

- Pode estar mais próxima da verdade do que pensa.

O sorriso da menina era zombeteiro, embora Lê Bei visse que ela estava alerta.

- Escute-me - animou ele. - Amanhã, a essa hora, venho com uma carruagem até o fim da rua. Esteja lá. Vou levá-la a Versalhes... e à fortuna.

- Como vou saber que pode fazer isto ou que fará?

Lê Bei tirou um anel do dedo.

- Veja isto. É um diamante. Vale muito mais do que poderá possuir se passar o resto da vida no sótão de monsieur Boucher. Vou emprestá-lo a você até que tenha tantas jóias que esta vai parecer uma buginganga sem valor algum.

Louise pegou o anel. O brilho a fascinava. Mas não era boba; tinha toda a esperteza das ruas. Lê Bei imaginou que, há anos, se ela tivesse ajudado a mãe, teria conseguido muito pouco no mercado das segundas-feiras, na Place de Greve.

Lê Bei sabia que amanhã a menina examinaria o anel, e, quando descobrisse seu valor, estaria à espera dele para subir na carruagem que viria.

Ele tinha razão.

Lá estava ela, com o xale sobre os magníficos cabelos.

Lê Bei sorria, encantado, ao vê-la. Deliciava-se com tais missões. Encantavam Luís e lhe eram extremamente lucrativas. Começavam a dizer que Lê Bei era um dos amigos mais estimados do rei.

Ao segurar no braço da menina e ajudá-la a entrar na carruagem, perguntava-se se devia avisá-la que a pessoa para quem a levavam era da mais alta nobreza. Talvez isso não fosse prudente, Luís, em particular, adorava os comentários e comportamentos escandalosos das meninas que iam a lê trébuchet. Na verdade, houve ocasiões em que ele dizia uma frase própria do distrito de St. Antoine, que o divertia muito porque, antes, nunca fora ouvida nos apartamentos reais em Versalhes.

Lê Bei lhe sorria, muito satisfeito. Ela teria êxito, tinha certeza. Era quase inacreditavelmente bela e, de forma alguma, tímida. Ainda não apavorada, ficaria impressionada com o próprio esplendor dos apartamentos secretos.

- Devo informá-la - explicou ele -, vou apresentá-la a um nobre que ouviu falar dos seus atrativos.

Louise concordou com a cabeça. Lê Bei percebeu que ela girava sem parar o anel no dedo.

O rei, sem dúvida, ficar-lhe-ia muito grato por sua perícia no caso de mademoisele O'Murphy.

Saíram da carruagem e entraram no palácio pela porta que levava à escada particular. Se alguém os percebesse, seria esperto o suficiente para nada comentar. Lê Bei entrando às pressas no palácio com um vulto embuçado não era uma cena rara.

O rei esperava por eles no pequeno apartamento sob o telhado do palácio, onde havia uma mesa posta para dois. Louise O'Murphy nunca vira nada tão luxuoso. No entanto, sua atenção era toda para o nobre, que acreditava estar humildemente vestido, mas que, para ela, parecia majestoso.

Ele era o homem mais elegante que Louise já vira, mesmo que a seus olhos de quatorze anos parecesse velho. Estava fascinada pela atividade dele, e sua voz era a mais musical que já ouvira.

Tirou-lhe o xale e o jogou a Lê Bei, que o apanhou e ficou como que esperando.

- Obrigado, meu amigo - declarou o rei. - Mademoisele e eu lhe somos gratos. Boa noite.

Lê Bei se retirou, fazendo caretas com o xale nas mãos. Enquanto isso, Luís levava Louise à mesa.

- Você é ainda mais bela do que eu acreditava possível cochichou ele. - O seu retrato, afinal de contas, não lhe faz justiça.

Súbito, Louise riu - um riso um tanto estridente - e respondeu:

- O seu também não lhe faz justiça.

Luís pareceu surpreso, mas muito interessado.

- Então, sabe quem sou? Louise fez que sim com a cabeça.

- O seu retrato está em todas as moedas - respondeu-lhe.

 

Enquanto o rei, na companhia de mademoiselle O'Murphy, procurava esquecer a discussão sobre a Bula Unigénitas, o Parlement não estava ocioso. Seu presidente procurou uma entrevista com Luís e o advertiu de que havia perigo máximo no atual estado de inquietação.

- Sire, dissidências como essa precisam de pequenas tropas para destronar reis notáveis, ao passo que exércitos notáveis são indispensáveis para defendê-los.

- Estou cansado desse assunto - respondeu Luís.

- Sire, o senhor não tem por que estar cansado.

No entanto, o rei declinou de tomar qualquer decisão, enquanto os defensores da Bula continuassem a recusar a extrema-unção aos jansenistas, e os jansenistas continuassem a protestar.

Muitos dos ministros do rei estavam certos de que, a partir de tais circunstâncias, poderia haver uma revolução. Incutiram no rei esse temor e, por fim, ele resolveu agir. Firmemente convencido de que o poder do estado estava investido na coroa, decidiu tratar do assunto de acordo com a própria visão.

Raramente agira de forma tão enérgica. Em certo anoitecer de maio, mandara os mosqueteiros entregarem lettres de cachei aos membros do Parlement, com ordem para que deixassem Paris imediatamente e fossem para certos lugares que lhes haviam sido determinados.

Os membros da Grande Câmara não foram incluídos na lista de exílios, mas, em protesto ao rei, resolveram que seguiriam o Parlement no retiro. Eles se reuniram novamente em Pontoise.

De Pontoise, a Grande Câmara se fez ouvir. Redigiram-se e publicaram-se as Grandes Remonstrances. Homens prudentes as leram e sacudiram a cabeça. Era como que a sombra de uma revolução aparecendo no horizonte.

O ponto principal das Remonstrances era que se suas matérias deviam obedecer ao rei, o rei deveria obedecer à lei. Não deveriam permitir que vencesse uma dissidência, a qual se opusesse à religião e à soberania do estado. Resolveram permanecer fiéis ao estado e ao rei, mesmo que sofressem com essa fidelidade.

O fim de Carlos I, da Inglaterra, era agora abertamente lembrado, e o fato enfatizava que o Parlamento deveria condenar um rei ao cadafalso. O rei estava sendo confrontado com o estado, e o povo da França começava a falar que as nações vinham antes dos reis.

Era o bafo quente da revolução. A nação acima do legislador; a Igreja acima do papa. Era essa a propaganda que se espalhava por todo o país.

A tensão era particularmente alta em Paris. Um passo em falso agora e surgiriam barricadas e teria início a revolução.

A marquesa estava seriamente atenta ao conflito. Sua saúde melhorara bem nos últimos tempos, e ela se felicitava pela providência que tomara. Agora conseguia descansar todas as noites, ao saber que o rei estava a salvo com alguma operariazinha a quem talvez faltasse instrução para escrever o próprio nome.

A mais recente, Louise O'Murphy, a quem ele fora fiel durante muitos meses, era um exemplo típico. A menina deveria ser fora do comum para ter entretido Luís todo esse tempo; com sua beleza, era mais do que atraente e, com sua inteligência irreverente, divertia o rei.

Há muito não morava nos aposentos secretos da "armadilha para pássaros", pois Luís a instalara numa casa pequenina não distante do palácio, onde tinha criados próprios. Assim, poderia mandar chamá-la sempre que tivesse desejo disso e, ao mesmo tempo, utilizar o trébuchet para outras "avezinhas".

Era impossível manter totalmente desconhecida por tanto tempo a existência de uma amante, e a corte havia muito começara a especular sobre a "Petite Morphise", como a chamavam. Quanto à própria Louise, estava maravilhada com a vida que transbordava com grande ânimo e, por ter carruagem própria, não conseguia resistir à tentação de passear todos os dias, com roupas caras e jóias brilhantes, vaidosa, alegre e mais notavelmente bela do que nunca.

Sentia-se tão satisfeita com sua boa fortuna que frequentava regularmente a igreja de São Luís para agradecer aos santos por a terem feito conhecida do rei.

Havia pouco tempo, dera à luz um filho e esse acontecimento encheu-a de alegria.

A marquesa se sentia encantada com a Petite Morphise, bastante inteligente para saber que nunca poderia aspirar ao lugar de mattresse-en-titre, e não tinha desejo de assim o fazer. Sentia-se muito feliz desse jeito, e sem dúvida tinha o bom senso de assegurar o futuro, quando os privilégios do rei não brilhassem tão constantemente para a sua pessoa.

A marquesa, portanto, podia relembrar com algum prazer a providência perigosa que tomara.

Madame du Hausset de tempos em tempos lhe trazia notícias da Petite Morphise, e a mantinha sempre informada das jovens que o infatigável Lê Bei levava aos aposentos secretos.

A marquesa confidenciava a madame de Hausset:

- O único perigo é que uma dama da corte tome o lugar dessas meninas.

Madame de Hausset concordou:

- Precisamos ficar de fato atentas e nos prevenir contra isto.

- Mas, no momento, o rei está por demais absorvido na questão da Unigenitus- atalhou a marquesa. - Resolveu, contudo, ser inabalável; tenho certeza de que está certo quanto a esse assunto.

- No entanto, madame, é perigoso um rei dissolver o Parlement.

- Se Luís for enérgico, vai conseguir sair-se bem dessa questão -refletiu a marquesa. - Você sabe, Hausset, que por muitas vezes achei que Luís precisasse de desgraça para revelar a sua energia. É sensato, tranquilo... tem todas as qualidades da majestade. A questão é que não se esforça por utilizá-las.

Sorriu, afetuosa.

- Você está muito apaixonada por ele, como quando chegou a Versalhes - declarou madame du Hausset.

- Alguns não gostam de Luís - completou a marquesa. Acho, querida Hausset, que no fim de tudo isso vamos nos livrar de alguns de nossos ministros, e alguns novos vão substituí-los. Gostaria de ver monsieur de Stainville ocupando um alto posto.

- Será seu amigo. Podemos estar certos disso.

- Demonstrou-me que é.

- E você se mostrou amiga dele, madame. Que casamento magnífico você lhe arranjou!

- A menininha Crozat, sim, é uma das mais ricas herdeiras na França. Monsieur de Stainville é de certa forma extravagante. Que jogador! Com certeza, ficou encantado com esse casamento e, embora ela não tenha mais de doze anos, vai se tornar adulta e já o adora, ouvir dizer.

- Pobrezinha! - sussurrou madame du Hausset.

- A pobrezinha vai ser esposa de um homem que, num espaço de poucos anos - garanto-lhe isto, Hausset, bem poderá vir a ser o mais importante ministro da França.

- Estava pensando em todas as amantes que ele vai ter. Conheço a sua espécie.

Ela vai perdoá-lo. Stainville é muito sedutor. Eu desejaria que ele não tivesse ido para Roma. Era seu grande desejo ter o posto de embaixador. Creio que ele tenha Viena no pensamento. Está preparado para se dar muito bem com os austríacos. Tenho certeza de que se sairá bem, mas preferia que estivesse aqui em Paris. Ninguém tem tantos amigos que possa perdê-los sem lamentar.

Uma das criadas da marquesa apareceu à porta para avisar que um mensageiro viera vê-la e afirmava que o assunto era urgente.

- Traga-me logo o mensageiro - ordenou a marquesa e, ao ver que era uma das freiras do Convento da Assunção, sentiu-se desfalecer de medo.

- Alexandrine... - sussurrou.

- Madame, sua filha está doente há muito tempo. Achamos que a senhora deve ir vê-la imediatamente.

A marquesa estava atenta, na cabeceira da filha de dez anos. Nada havia que pudesse fazê-la reviver.

Alexandrine, em quem todas as esperanças da mãe estavam centralizadas, fora a única criança a restar-lhe. E nunca mais poderia haver outra; ela acreditava que Quesnay tinha certeza quando lhe falou isso.

A madre superiora veio ficar do seu lado.

- Madame La Marquise, vai ser um grande choque - balbuciou ela. - Por favor, permita-me levá-la deste aposento para que possa descansar um pouco.

- Não - respondeu a marquesa. - Deixe-me com ela. Deixe-me sozinha com minha filha.

Quando a madre superiora e as freiras se retiraram, a marquesa foi até a cama e pegou nos braços o corpinho rígido.

Ontem, essa criança estivera viva e bem. Hoje, morta. Não parecia haver razão para isto. Era um dos golpes mais cruéis que podia ter-lhe acontecido. Uma garotinha aparentemente saudável de súbito tivera convulsões, e em poucas horas morrera!

- Por quê? - perguntava a marquesa. - Por que sofrer assim?

O povo de Paris dizia que isso era castigo para seus pecados. Ela deixara o pai dessa criança para ficar com o rei. Foi por isso que perdera o filho e a filha? O povo de Paris estava certo ao dizer - como ela sabia que dizia - que esse castigo era para uma mulher pecadora?

- Não - sussurrou a marquesa, pondo os lábios na testa fria da filha. - Não há como negar minha fatalidade. Era meu destino. Foi traçado quando nasci. Alexandrine, meu amorzinho, isso teria acontecido mesmo que eu estivesse vivendo com seu pai, no Hotel dês Gesvres, mesmo que eu nunca tivesse ido para Versalhes.

Sentou-se na cama, ainda a segurar a filha, pensando no futuro que traçara para ela e como foi diferente da realidade.

Nunca mais faria planos para a pequena Alexandrine, nunca mais sentiria esse alívio porque a filha não era bonita, nunca mais diria: desejo que ela encontre a paz que me foi negada. Não haveria mais futuro na Terra para a pequena Alexandrine.

A marquesa foi para Bellevue chorar a filha; com ela levava madame du Hausset. A menina fora enterrada com grande pompa. Era necessário que fosse assim; do contrário, pensariam que a marquesa perdia o poder. A angústia agora era forte, porém ela deveria ter sempre em mente o futuro. Assim aconteceu a cerimónia e era tudo o que se podia esperar para a filha da marquesa; e agora Alexandrine jazia na Igreja dos Capuchinhos, na Place Vendôme.

Luís veio visitá-la em Bellevue.

Sentiu-se emocionada, pois sabia como ele odiava pensar em morte e procurava sempre evitar desgostos.

- Minha amiga muito, muito querida - começou ele, abraçando-a. - Vim para aplacar a sua dor.

A marquesa tinha lágrimas nos olhos.

- Então, você é de fato meu amigo.

- Duvidava?

- Pensava que seria maravilhoso demais se viesse ver-me aqui. Ele mesmo lhe enxugou as lágrimas.

Luís a convidou:

- Venha, vamos caminhar nos jardins. Quero ver as flores. A marquesa caminhou ao lado de Luís e se forçou a pensar em

outras coisas, menos na figurinha que jazia no túmulo. Luís viera vê-la; consolá-la em seu luto; mas não esperava que chorasse por mais tempo.

- Sentimos a sua falta em Versalhes - afirmou ele. - Reze para voltar lá o mais breve.

Era uma ordem. Era uma necessidade. Se ela não continuasse a lutar por seu lugar, com certeza iria perdê-lo.

Em duas semanas, saiu do isolamento e voltou para Versalhes.

De volta à corte, a marquesa procurou desesperadamente esquecer a morte da filha. Começou a pensar, mais a fundo que até então, na situação violenta a que levara o conflito entre ultramontanos e jansenitas. Sentia que a revolução estava no ar e, embora parecesse impossível que tais estrondos abalassem os fortes alicerces de Versalhes, acreditava que muita coisa desagradável poderia acontecer.

Ela mesma era a mulher mais malquista no reino, e procurava ganhar a afeição das pessoas, estudando interesses e com sensatez aconselhando o rei.

O delfim e seu grupo estavam por detrás dos ultramontanos; o Parlement, do lado dos jansenitas; e o rei parecia hesitar ambiguamente entre ambos- convencido de que a França não deveria ficar sob a influência do papado, embora igualmente persuadido de não se tornar um joguete do Parlement.

A delfina, durante o escaldante mês de agosto, deu à luz outro filho - o duque de Berry -, mas era tal o estado de agitação no país que esse nascimento pareceu insignificante e não houve as cerimónias que o proclamavam possível herdeiro ao trono.

Tornava-se claro que, em breve, alguma ação firme teria de acontecer, pois Christophe de Beaumont, o arcebispo de Paris, ficara mais forte quando resolveu reprimir todos aqueles que não apoiavam a Unigénitas. Começou por destituir de seu poder os padres que ouviam confissão, quando deixavam de cumprir fervorosamente as instruções que estabelecera. Os jesuítas enviaram a Versalhes um dos seus, o père Laugier, com instruções para que, na presença do rei, pregasse contra o Parlement e exigisse a sua extinção. Os protestantes da França previam uma volta das condições que precederam o massacre de São Bartolomeu, e muitos huguenotes começavam a preparar-se para deixar o país.

O conflito se apresentou de várias formas e, quando a Ópera Buffa veio da Itália a Paris, surgiram discussões sobre os méritos das músicas francesa e italiana, o que refletia a forte briga, como se a França se mantivesse à parte da Igreja de Roma ou fosse governada por ela.

O rei se encaminhava muitas vezes aos aposentos de madâme de Pompadour; a Petite Morphise e as visitantes do íréòucAerconseguiam dar às suas angústias apenas alívio passageiro; era a companhia e a opinião da marquesa que ele apaixonadamente procurava.

Quando de Maupéou, o presidente do Parlement, pediu uma audiência, a marquesa estava firme por detrás do consentimento do rei em vê-lo e, em consequência desse encontro, o Parlement foi reconvocado em Paris. Luís havia visto que a agitação não podia continuar e que seria mais inteligente se reconvocasse o Parlement do que colocar-se inabalável do lado de Roma. A briga entre o rei e o Parlement se apaziguou, uma das condições para manter-se em silêncio sobre o assunto da Bula Unigenitus e que os magistrados deveriam negociar adequadamente com qualquer um que se recusasse a conservar esse silêncio.

Assim, Luís ficara habilmente em uma posição entre dois antagonistas. Fizera valer ao Parlamento o seu poder e, ao mesmo tempo, ao rejeitar a Bula, não brigara com o clero.

Foi um golpe magistral, e Luís sabia que sua querida amiga a marquesa fora útil ao ajudá-lo a realizar isso.

Com a extinção do Parlement, os ultramontanos não estavam preparados para manter silêncio sobre a Bula, e casos de negar extrema-unção a jansenitas moribundos novamente começaram a incomodar as pessoas.

Então, Luís agiu com energia. Christophe de Beaumont recebeu a lettre de cachei que lhe ordenava retirar-se imediatamente para suas propriedades em Conflans.

Esse foi um dos maiores golpes desfechados no Partido Ultramontano; com isso, o delfim ficou irado; a rainha, magoada. Ambos acreditavam que madame de Pompadour fosse a responsável e declararam que não era mesmo questão de princípio com ela, que deveria ser mais perdoável; a mulher tinha medo simplesmente de que a dominação da Igreja quisesse significar a rejeição dela.

O bispo de Chartres foi a Versalhes para protestar junto a Luís que Christophe de Beaumont fora exilado de Paris.

Começou a falar, exaltado:

- Sire, um bispo deve com certeza residir em sua diocese. Luís o olhou com frieza e respondeu:

- Então, sugiro que você vá sem demora para a sua.

O Parlement então anunciou que a Unigenitus não era regra de fé e que o clero estava proibido de tratá-la como tal.

Com o arcebispo no exílio e o Parlement em Paris, a tensão se descontraiu.

Nesse tempo, madame Adelaide se tornou surpreendentemente moderada, e a sua esperta roupeira, a condessa d'Estrades (a mulher que não havia conseguido substituir madame de Pompadour pela condessa de Choiseul-Beaupré) resolveu explorar a situação. Haviam-se provocado certas suspeitas e, recordando uma ocasião em que, durante uma representação teatral em Fontainebleau, madame Adelaide desmaiara, madame de Estrades acreditava conhecer a razão por que a princesa mudara.

- Fui vencida pelo calor; foi insuportável - lamentara-se madame Adelaide.

Mas, concluiu madame d'Estrade, o calor não vencera as outras mulheres.

As saias muito enfunadas de madame Adelaide poderiam estar encobrindo algo. Era possível que a amada filha do rei fosse trazer escândalo na corte?

A marquesa não era, naturalmente, a única a perceber tal mudança em Adelaide; e quando a última deixou Versalhes, por um mês mais ou menos, houve muitos que desconfiaram do motivo.

- Não era inevitável? - perguntavam certos membros da corte. - Adelaide é audaciosa; o rei se recusava a arranjar-lhe casamento e, se levassem em conta todas as circunstâncias, era apenas o que se esperava. Mais um escândalo! Em especial, se...

Mas era insensato persistir em semelhante suposição. Outros diziam:

- Foi o cardeal de Soubise. Ele e Adelaide se tornaram de fato muito amigos.

- O cardeal de Soubise! Mas isso é revoltante demais.

- No entanto, não tão revoltante como...

Erguiam-se sobrancelhas; punham-se os dedos nos lábios; isso era algo em que se podia pensar, mas que seria mais do que a condição de alguém - talvez a vida de alguém - valer a pena se exprimir em palavras.

Assim Adelaide voltou à corte, um pouco menos animada, um pouco precavida, não totalmente a princesa brincalhona que os divertia antes.

O comportamento do rei parecia ter mudado. Era claro que ele não sentia mais a mesma afeição pela filha. Talvez estivesse ela mais desequilibrada do que antes; talvez tivesse deixado de ser tão jovem, e que o comportamento chocante, antes divertido numa jovem, tivesse se tornado exaustivo e aborrecido em alguém mais velho.

Luís se lembrava dos antigos apelidos das filhas. Adelaide era "Loque" ou Farrapo; Victoire, "Coche" ou Porca; Sophie, "Graille" ou Gralha, e Louise-Marie, "Chiffe" ou Trapo de Papel. Em criança, esses nomes, nada lisonjeiros, haviam sido dados por ele carinhosamente; agora, parecia não haver mais o afeto e que eles expressavam o desdém crescente que sentia pelas filhas.

O comportamento do rei causou efeito na corte, e muitos não eram tão atenciosos com madame Adelaide, como antes.

O rei tornou hábito convidá-la a tocar vários instrumentos, a fim de divertir a si e a vários amigos. Como a mãe, Adelaide não era música e, também como a mãe, acreditava tocar muito bem.

Adelaide tocava os instrumentos com vitalidade e fazia muito barulho; e quanto mais dissonantes os sons produzidos, mais ruidoso era o aplauso. Os cortesãos seguiam o exemplo do rei e aplaudiam junto com ele, enquanto Adelaide sorria, desvanecida, recusando-se a acreditar não ser excelente música.

Louise-Marie lhe pediu para não parecer tão ridícula, ao que Adelaide respondeu, mordaz, que a irmã deveria refrear o ciúme. Com isso, Louise-Marie apenas deu de ombros e foi embora.

Eis um exemplo de como os sentimentos do rei haviam mudado em relação à filha mais velha; e madame d'Estrades resolveu tirar o maior proveito da situação.

Seu amante, o intrigante conde d'Argenson, não desistira de tirar da corte madame de Pompadour, e sua amante compartilhava dessa determinação. Adelaide parecia um bom instrumento para dela servir-se. Madame d'Estrades, por isso, começou a agir com cuidado nesse sentido. Como roupeira, tinha essa possibilidade.

Um dia, Adelaide declarou o propósito de usar um dos seus trajes mais caros - um vestido de cetim cor-de-rosa, bordado com estrelas e adornado com ornamentos de ouro.

O vestido não estava no seu guarda-roupa.

- Então onde está? - perguntou Adelaide, impaciente.

- Você se esqueceu, madame-esclareceu a condessa d'Estrades -, de que me deu esse vestido.

- Eu... dei a você! Mas claro que não o dei a você.

- Oh, sim, madame. - A condessa parecia irónica. - Foi naquele momento em que planejava sair de Versalhes... por causa de um encanto. Você pode ter esquecido. Eu não. A saia desse vestido estava um pouco apertada... acho eu.

Os olhos de Adelaide brilharam como antigamente, mas um olhar cauteloso insinuou-se em seu rosto.

- Entendo - gaguejou ela. - Eu... tinha me esquecido. Depois disso, roupas começaram a desaparecer do seu guarda-roupa e, embora odiasse a condessa d'Estrades, Adelaide temia dispensá-la.

Esse estado de coisas continuou por algum tempo, e Adelaide não aparecia mais vestida com seus trajes vistosos de que já gostara. Madame de Pompadour percebeu que seus sapatos estavam bem rotos e que, muitas vezes, não vestia meias.

Não foi difícil para a marquesa descobrir o que desejava saber. Desprezava madame d'Estrades e não se esquecia do seu papel no caso Choiseul-Beaupré. Não desejava parecer que, por isso, queria vingar-se da mulher; preferia deixar a corte pensar que o assunto era de tão pouca importância que ela não conseguia suportar ou ignorar. Entretanto, ela via agora uma forma de livrar-se de uma inimiga inconteste e, ao mesmo tempo, uma forma de transformar um inimigo em amigo. Pediu a madame Adelaide para recebê-la. Isso era significativo da mudança de personalidade da princesa que ela concordasse em assim fazer; e a madame Adelaide que a marquesa viu esperar por ela era uma pessoa diferente da jovem arrogante e voluntariosa de não muito tempo atrás.

A marquesa comportava-se como se tivessem sido amigas de toda a vida, em vez de inimigas; e Adelaide, que fora submetida a um estado de tensão nervosa pela cruel madame d'Estrades, sentia-se quase carinhosa com a marquesa.

- Desculpe-me vir dessa forma - explicou madame de Pompadour -, mas acredito que você seja menos feliz do que costumava ser, e eu gostaria muito de consultá-la sobre certa mulher má que trabalha para você.

- Peço-lhe que continue - acrescentou Adelaide, impaciente.

- Refiro-me a madame d'Estrades.

Adelaide cerrou as mãos e parecia hesitar entre um ataque de fúria e um desabar em lágrimas.

- Acredito que ela esteja intrigando-a com o amante dela continuou a marquesa. - Não penso que seja uma mulher em que se possa confiar. Ela, no entanto, é a sua roupeira e hesito em utilizar de minha influência para demiti-la sem a sua permissão.

Adelaide procurou manter a dignidade.

- Se essa mulher é culpada pela intriga, em nada posso dificultar para que seja demitida.

- Tenho então a permissão de vossa alteza para prosseguir com minhas investigações e demiti-la se descobrir que minhas suspeitas têm bom fundamento?

- Tem a minha permissão-respondeu Adelaide; e seus olhos brilharam de alegria ante a possibilidade de desobrigar-se de uma posição que cada vez mais se tornava intolerável.

Poucas semanas depois, o rei ordenou que madame d'Estrades se retirasse de Versalhes para Chaillot. Sua dispensa da corte foi feita com grande cuidado, pois não tinham como esquecer que ela era amante do poderoso conde d'Argenson e que ela estava a par dos segredos de madame Adelaide. Por isso, deram-lhe uma grande pensão com a sua demissão e ela fora para algum local.

Adelaide, sem a roupeira, começou a recobrar o velho vigor; mas não conseguia reconquistar a posição que já ocupara. A beleza que tivera fora embora durante o esforço dos últimos meses; ela ainda conseguia forças para dominar suas irmãs indecisas, mas apenas elas. As pobres Loque, Coche e Graille, tornaram-se figuras tipos de gracejo troça na corte. Quanto a Chiffe, inteligente como era, conseguia apenas causar pena por causa da deformidade.

A família do rei há muito não lhe proporcionava prazer. Precisava olhar para qualquer outro lugar para fugir de seu crescente enfado.

 

A marquesa sofria muito de ansiedade por causa das pretendentes ao título de mattresse-en-titre.

Madame du Hausset teve importante papel ao impedir que uma jovem conseguisse essa condição. Era a mulher de um financista muito rico que, num baile em Versalhes, ao qual os que não eram da mais alta nobreza haviam sido convidados, conseguira atrair a atenção do rei.

A mulher, após esse encontro, escreveu ao rei e recebeu uma resposta; felizmente para a marquesa, esta resposta caiu em mãos do financista que, estarrecido com a ideia de a sua mulher se tornar amante de outro homem, mesmo sendo o rei, resolveu pôr um ponto final no caso.

Levou a carta a madame du Hausset e lhe pediu conselho. Madame du Hausset imediatamente mostrou a carta a madame de Pompadour.

A marquesa foi muito inteligente ao levar logo a carta ao rei, pois o caso era muito parecido com o de madame de ChoiseulBeaupré. Resolveu dar por encerrado este assunto, fingindo nada saber sobre ele.

Chamou monsieur Berryer, o tenente-geral da polícia, e lhe pediu para apresentar a carta a Luís sem dizer ao rei quem a havia recebido.

Berryer, ávido por agradar à marquesa, assim fez, e Luís ficou chocado ao saber que, assim pensava ele, a pessoa a quem a carta fora enviada a passasse a outras mãos e acreditava que a mulher se orgulhava do seu interesse por ela.

As mulheres muito indiscretas jamais caíram nas boas graças de Luís; assim foi o fim dessa pretendente.

A duquesa de Narbonne-Lara, uma mulher jovem da corte, muito bonita e não exigente, o agradara; nada lhe pedira em troca para obedecer-lhe, mas logo engravidou. Luís tinha aversão a mulheres grávidas, a não ser que estivesse muito apaixonado por elas; e a duquesa partiu de Versalhes para Parma, onde servia à filha mais velha de Luís, madame Première.

Outra mulher - e esta deu à marquesa muito mais inquietação do que qualquer outra - foi a marquesa de Coislin.

Era muitíssimo ambiciosa, determinada a receber as mais altas honras do rei, e, ao saber que não conseguiria atingir o que ambicionava enquanto madame de Pompadour tivesse a confiança de Luís, planejou a dispensa da marquesa.

Essa mulher fizera a marquesa entrar em pânico, porque não hesitou em alardear sucesso diante de toda a corte, e, durante um jogo de cartas, em fazer alusões maliciosas aos seus propósitos.

Mas, novamente, a marquesa teve boa sorte. Madame de Coislin era vulgar, muito ao contrário dela. Suas exigências eram abusivas e, após umas poucas semanas como favorita do rei, conseguiu honras especiais para a família e patronos.

A marquesa não era o único membro da corte a ver, assustada, a ascensão ao poder de madame de Coislin.

Era natural que se fizessem comparações entre madame de Pompadour e madame de Coislin, e se comentavam os modos amáveis desta última. Elogiavam-lhe o hábito de considerar todos como amigos até que se mostrassem inimigos, e havia muitos na corte que começavam a afirmar: "Se tivermos de escolher entre duas pessoas más, vamos escolher a menos má, que é madame de Pompadour."

Submetiam-se a censura todas as cartas que passavam pelos Correios, e o rei podia ler tudo o que desejasse. Foi assim que uma, de membro do Parlement a um amigo, lhe caiu nas mãos. Nessa carta, o autor falava, com algumas minúcias, da nova amante e a comparava a madame de Pompadour. Salientou que ninguém esperasse o rei ficar sem amante, tanto quanto os franceses sentiam ter o direito de entregar-se assim às paixões; mas que o rei seria imprudente se deixasse a que tinha - que já era uma mulher rica - por uma longe de ser gentil e que desejava fazer fortuna. Tal mulher, continuava o autor, poderia com o tempo dominar o rei e assim o faria mais uma vez entrar em conflito com seus ministros.

Ao ler a carta, Luís ficou muitíssimo impressionado. Lembrou-se da época em que se relacionava carinhoso com madame de Pompadour. A condessa de Coislin era bastante sedutora, mas exigente; e ele não podia realmente gostar de alguém que se mostrasse tão ruidosamente inimiga da querida amiga, a marquesa.

Muito pouco depois de a carta lhe cair nas mãos, não se via mais madame de Coislin em Versalhes.

Mas tais sinais de alerta eram muito penosos para a marquesa. Seu plano de trazer jovens operárias para que o rei as conhecesse, ao mesmo tempo em que fora moderadamente bem-sucedido, não o fora por completo. Talvez porque ela não pensara o suficiente no assunto e o deixara muito nas mãos de Lê Bei.

Luís era insaciável, lembrava-se a marquesa. Ele conseguia satisfazer as pequeninas grisettes, as costureirinhas, no trébuchet, e qualquer mulher da corte, que quisessem seus favores.

Ela deveria dar ao assunto a atenção necessária.

A Petite Morphise perdera, afinal, o controle das atenções do rei, e Luís encontrara um marido para ela no Sieur Beaufranchet. A pequena Louise O'Murphy percorrera um bom caminho, iniciado na loja de roupas usadas da mãe, e havia muitas meninas famintas em Paris que se lembravam da sua infância lá e sabiam que, ao ganhar o afeto do rei, o destino não lhe poderia ter sido tão afortunado.

Lê trébuchetnos sótãos de Versalhes há muito não era mais um lugar secreto. As avezinhas apanhadas na armadilha estavam aptas a cantar um tanto ruidosamente, e não se podia esperar que essas jovens aves canoras fossem dominadas. Os aposentos de madame Adelaide ficavam próximos aos do rei. Muitas vezes a forte vivacidade das meninas se fazia ouvir.

Sabia-se muito bem no palácio que o trébuchet existia, mas a etiqueta de Versalhes exigia que se lhe ignorasse a existência. No entanto, não era fácil desconhecer alguma coisa que chamasse a atenção.

A marquesa mandou chamar Lê Bei para discutir o assunto.

- Há barulho demais vindo desses aposentos no sótão - informou-lhe ela.

Lê Bei estendeu as mãos, impotente.

- Madame, é impossível exigir silêncio ali.

- Sei. Por isso, acho uma boa ideia esvaziá-los. Lê Bei pareceu surpreso.

- É o desejo de sua majestade...? - começou ele.

- Ainda não conversamos sobre isso - declarou a marquesa.

- Mas tenho certeza de que o rei vai ver a necessidade de transferir esses apartamentos para outro lugar. Você precisa levar isso em consideração.

- Sim, madame - respondeu Lê Bei; e retirou-se, amável. Em muito pouco tempo, Lê Bei descobrira exatamente o que estava procurando. Levou à atenção do rei a existência do Pare aux Cerfs, distrito de Versalhes, bastante próximo do palácio para se chegar sem se notar, num local isolado, escondido dos visitantes que nada tinham o que fazer.

A casa tinha apenas um pavimento e era dividida em uns poucos aposentos independentes, cada um completo.

Lê Bei com prazer atribuiu a si a tarefa. Via que fornecer ao rei um bordel particular era excelente ideia e que se podia evitar todo o embaraço que sofrera ao fazer meninas operárias risonhas subir e descer a escada particular em Versalhes.

Resolveu utilizar sua governanta de confiança, madame Bertrand, para encarregar-se de tudo, sabendo que poderia confiar totalmente não só na capacidade dela, mas também na sua discrição.

Tratou do assunto com ela e lhe deu um conselho. Informou-lhe:

- Vai precisar ter controle absoluto sobre as meninas.

- Pode confiar em mim para isso, monsieur, e, se eu puder darlhe uma sugestão...

- Peça, madame Bertrand.

- As meninas, suponho, virão de todas as classes sociais de Paris. Podem ser bourgeoises, podem ser apenas grísettes, ajudantes de costureiras, chapeleiras...

- Serão escolhidas, não por sua posição social, mas por seus atrativos físicos.

- Se souberem que é o rei que as mantém, monsieur, vão darse ares de grandeza.

- É muito provável.

- Vão tramar entre si... umas contra as outras... Vamos conserválas distantes o máximo possível; e penso, monsieur, que devam pensar que seu benfeitor é um nobre rico.

- Excelente ideia, madame Bertrand, e estou certo de que vai agradar ao rei. Na verdade, todas as meninas vão ser jovens. Ele não se sentirá feliz com as que tenham tido muitas aventuras anteriores. Você compreende, ele sempre receia pela saúde.

- Pode confiar em mim, monsieur, para cuidar da saúde delas e para assegurar o sigilo necessário.

- Madame Bertrand, estou certo de que vai merecer a gratidão do rei.

- Sei o que esperam de mim e vou fazer por merecer - foi a resposta.

Madame Bertrand provou saber o que dizia; e, em pouco tempo, uma pequena casa no Pare aux Cerfs ficou pronta para a primeira ocupante.

Dividiu a casa em grupos de pequenos aposentos; fez com que cada menina tivesse dois criados - um homem e uma mulher; ela os orientava, severa, e nunca permitia que saíssem de casa a não ser acompanhadas.

Madame Bertrand, no entanto, percebia a necessidade de manter ocupadas suas pupilas, quando o rei não as visitava; por isso, fez com que lhes ensinassem a dançar, pintar e cantar; e os professores iam à casa para dar-lhes as lições. Em certas ocasiões, podiam visitar o teatro, porém que nunca o fizessem desacompanhadas. Determinou um camarote especial, privativo, onde se sentavam com as acompanhantes que as protegiam bem das atenções amorosas dos rapazes jovens e dos olhares muito curiosos da plateia.

Muitas das meninas levadas ao Pare aux Cerfs pelo enérgico Lê Bei tinham vindo de lares muito pobres.

Viver num lugar desses lhes parecia o máximo do luxo, e a fascinante cortesia do seu benfeitor, um contraste com as pessoas de modos grosseiros e muitas vezes brutais com as quais haviam convivido a maior parte de suas vidas, ganhava imediata simpatia.

Além disso, quando os préstimos de uma menina não eram mais necessários no Pare aux Cerfs, davam-lhe um presente que parecia de extraordinária riqueza; e, se estivesse grávida, casar-se-ia com algum cidadão que se sentiria feliz por tê-la e pelo generoso dote que a acompanhava.

A marquesa, levando em conta o local, o Pare aux Cerfs, acreditava ter aumentado a resistência de mulheres como a condessa de Choiseul-Beaupré e a marquesa de Coislin, que lhe ameaçavam a segurança.

A morte de Alexandrine tivera forte efeito na marquesa. Abandonou grande número de suas futilidades, passava menos tempo à mesa de toilette e assistia à missa duas vezes por dia.

Toda a corte sabia agora que ela deixara de ser amante do rei, mas que ocupava um papel igualmente importante de amiga e conselheira.

Agora sustentava um grupo de costura que fazia peças de roupas para os pobres. Os inimigos, com sorrisos zombeteiros, perceberam a mudança nas maneiras de ser.

- A saúde da marquesa enfraquece ainda mais rápido do que pensávamos - diziam uns aos outros. - Veja, está se preparando para deixar o mundo com aura de santidade, imitando madame de Mailly.

Havia alguns que se lembravam de madame de Maintenon. Será que a Pompadour esperava pela morte da rainha para casar-se com o rei?

- A rainha deveria tomar cuidado - cochichava o mais venenoso dos inimigos.

A marquesa ignorava os comentários e continuava a comportar-se como devota.

Os jesuítas, no entanto, não conseguiam esquecer que ela era inimiga deles.

Culpavam-na - injustamente - pelo conflito que cercava a Bula Unigenitus, que, do ponto de vista deles, não tivera resultado satisfatório. Seguindo o decreto do Parlement de que a Bula Unigenitus era uma regra de fé, o papa Benedito XIV declarara que todos tinham o direito de receber a extrema-unção. Isso foi um golpe nos que haviam lutado sinceramente para defender a Bula; era certo que os jesuítas não se sentiam satisfeitos e, como achavam que a marquesa fosse muito responsável por todas as decisões tomadas pelo rei, eram decididamente hostis a ela.

Ela agora procurava a ajuda deles para realizar a sua reforma.

Começou por fazer com que a vida de Maria Leczinska lhe servisse de modelo. Havia os mesmos grupos de costura, a leitura de livros teológicos, as orações.

Maria Leczinska, ao mesmo tempo que não recebia tais melhoras, entusiasmada, não os repelia. Acompanhava a marquesa com inveja, sem admiração. Não podia honestamente deixar de admirar uma mulher que conseguia manter com sucesso a sua posição esperta e perspicaz. Madame de Pompadour, incapaz de satisfazer a sensualidade do rei, ainda permanecia amiga dele e a pessoa mais importante na corte. Era possível que, caso Maria Leczinska tivesse sido igualmente prudente, poderia ter ocupado a posição de madame de Pompadour hoje?

Todos os olhos estavam na marquesa. Queriam saber qual seria a consequência dessa nova fase que se iniciava.

O rei se ocupava, alegre, com o Pare aux Cerfs. Madame de Pompadour estava muito preocupada com a própria alma. Não havia dúvida de que, quando a reconhecessem regenerada e santa, o respeito do rei por ela não diminuiria, ao contrário intensificaria. Talvez seguisse o exemplo dela.

Enquanto isso, era necessário que madame de Pompadour fosse absolvida de seus pecados e lhe permitissem receber a extremaunção; dessa forma, foi buscar um sacerdote que rezasse com ela e a instruísse nas formas de arrependimento.

Escolheu père de Sacy, o confessor do rei.

Enquanto isso, começavam a formar-se na França as nuvens de guerra.

A Paz de Aix-la-Chapelle fora mais proveitosa para os ingleses do que para os franceses, e isso ainda amargurava. O governo britânico mantinha um olhar cauteloso nos negócios com os franceses; a paz havia significado passar Madrasta, na índia, de mãos francesas para inglesas, mas os britânicos vistoriavam, gananciosos, outros territórios na Ásia.

Vigiavam em particular um negociante francês, Joseph Dupleix, dono de uma fábrica em Chandernagore, que se tornara governador de colónias francesas. Ele agora tinha domínio sobre as terras, desde o rio Narbada ao cabo Comorin; mas um inglês empreendedor, Robert Clive, que fora à índia como funcionário a serviço da Companhia das índias Orientais, achara que os ingleses deveriam ser superiores na índia. Clive era um administrador mais brilhante do que o francês e tinha maior apoio de seu governo do que Dupleix teve do seu; além do mais, os franceses, muito ansiosos por continuar em bons termos com seus vizinhos do outro lado do canal da Mancha, repetidas vezes cediam às exigências inglesas na índia.

Os ingleses não só estavam resolvidos a ter supremacia na índia, mas também ansiavam por dominar o Canadá; sempre empenhados em aumentar o comércio, sentiam que os franceses no Canadá estavam atrapalhando o seu avanço e, em junho de 1755, o almirante inglês Boscawen aprisionou duas fragatas francesas, embora não fosse declarada guerra entre os dois países. Os franceses, apanhados de surpresa, perderam trezentos navios na batalha que se seguiu; em consequência, os embaixadores franceses em Londres e Hanover foram imediatamente chamados de volta a Paris.

Tinha de haver retaliação. Richelieu, que se distinguira em Fontenoy, foi encarregado das tropas enviadas a Port Mahon, capital da Minorca. Tomaram de assalto a cidade e essa fortaleza. Foi uma vitória para os franceses, que desejavam se igualar com a dos ingleses na Terra Nova. O resultado é que os ingleses mandaram chamar de volta o almirante Byng, que não conseguira impedir a vitória francesa e foi ferido à traição em Portsmouth, "pour encourager lês autres", para encorajar os outros, como Voltaire comentou.

Antes que os franceses pudessem entrar numa guerra maior com o inimigo do outro lado do Canal, precisavam eles assegurar a paz na Europa.

Maria Teresa via em tudo isso uma possibilidade de recuperar a Silésia, que perdera durante a Guerra da Sucessão.

Seu embaixador, o príncipe von Kaunitz, havia muito procurava fazer aliança com a França. Kaunitz, aparentemente algo janota, era de fato um estadista astuto e vira rapidamente que a melhor forma de obter sucesso para seus esforços na França era ganhar a amizade de madame de Pompadour.

Isso ele tentara fazer, mas Maria Teresa ficava dividida entre a conveniência política e a sua consciência. Sentia isso indigno demais à sua dignidade, ocupar-se com uma mulher que, a seus olhos, era uma pecadora.

Maria Teresa, porém, respeitava muito as necessidades de seu país mais do que os da sua consciência. Seu marido, no entanto, o duque de Lorena, a quem tinham dado a coroa imperial ao fim da Guerra da Sucessão, raramente interferia nos assuntos políticos, mas não podia deixar de sorrir cinicamente ao pensar que a sua devota Maria Teresa tornar-se-ia aliada de madame de Pompadour, de má fama.

O duque de Lorena riu porque ela, Maria Teresa, a imperatriz orgulhosa e devota, pensava ter como aliada uma mulher de costumes livres e de origem bourgeoise também. Não era como se estivesse em boas relações com a Igreja. Era impossível, dizia o pai de dezesseis filhos de Maria Teresa, ter alguma coisa a tratar com uma mulher com a reputação de madame de Pompadour.

Pode ser que isto chegasse ao conhecimento de madame de Pompadour e que, portanto, ela procurasse ansiosa um novo meio de vida.

De qualquer forma, era com grande prazer que Kaunitz relatava a sua imperatriz que a marquesa estava a ponto de converter-se a uma vida de devoção.

O delfim acompanhava com interesse os acontecimentos.

Como sempre, estava decidido a banir da corte a marquesa.

No momento, andava emocionalmente perturbado. Sempre lastimara o comportamento do pai, e lhe parecia incrível que ele estivesse envolvido num caso de amor com uma mulher que não a esposa; no entanto, era exatamente isso que acontecia.

Um dia, fora ele ver o trabalho de Fredon, pintor que admirava, e no ateliê desse homem foi apresentado a uma mulher. Era jovem e muito bela e ambos conversaram sobre o trabalho do artista, que ela também admirava.

Confiara tanto na própria virtude que a princípio não ficara alarmado com o interesse sentido por essa mulher, que lhe dizia chamar-se madame Dadonville e ser grande admiradora de arte.

Poderiam encontrar-se novamente no salão de algum pintor, foi sugerido pelo delfim. Quem sabe no de Fredon? Seria muito interessante se acontecesse, respondeu ela.

Viram-se várias vezes, e, súbito, o delfim percebeu o que tais encontros começavam a significar para ele, e que seria aconselhável parar com eles.

Parou-os apenas para perceber que eles haviam sido muito mais importantes do que imaginara.

O delfim, porém, era um homem virtuoso. Que mal poderia haver num encontro ocasional?, perguntava-se ele.

Pouco mais tarde, teve mais dúvidas. Um homem não poderia ser chamado de libertino por tomar uma amante. Ao olhar ao seu redor e ao estudar as vidas de outros homens, conseguiu sorrir diante dos receios que o perseguiam.

Pensou em Marie-Josèphe. Era uma mulher honrada; adorava-o, mas não havia como negar o fato de que fora forçado a casar-se com ela.

Por que se recusar a esse prazer? Era o que se perguntava. O que fazia a tentação irresistível era que madame Dadonville também se indagava sobre isso.

Assim, o delfim fora, pela primeira vez, infiel à mulher; e, depois da primeira, houve uma segunda, uma terceira, uma quarta... e, então, ele perdeu a conta do número de vezes. Como poderia ser de outra forma? Estava apaixonado por madame Dadonville.

Agora encontravam-se com regularidade.

Esse deslize não o fez sentir-se mais tolerante com relação a madame de Pompadour. O pai tinha muitas amantes. Seu próprio caso era bem diferente; estava certo disso; e ainda estava, tão determinado como sempre, a expulsar da corte madame de Pompadour.

Portanto, ao saber que ela desejava começar a modificar-se a começar pelos bons serviços de peie de Sacy, mandou chamar o sacerdote.

O delfim foi logo ao assunto:

- Então, padre, ouvi dizer que o senhor tem nova penitente.

- Assim é, monseigneur-respondeu o sacerdote.

- E o senhor vai ouvi-la em confissão e fazer dela uma mulher virtuosa?

- É o que ela deseja. O delfim riu.

- O senhor vai parecer ridículo, mon peie, se oferecer-lhe absolvição enquanto continuar com seu modo de viver.

- Ouvi, monseigneur, que ela agora vive virtuosamente. Abandonou a vida carnal e é apenas a boa amiga do rei.

O delfim riu novamente.

- Então, o senhor vai travar amizade com uma mulher que foi inimiga figadal dos jesuítas.

- Se ela estiver de fato arrependida...

- Arrependida! - lamentou-se o delfim. - Ora, padre, onde está o seu bom senso? Sabe o que esta ostentação de piedade quer dizer? Que está muito ansiosa por tornar a imperatriz Maria Teresa sua aliada. Como nunca, está decidida a provocar a derrubada de vocês, os jesuítas.

Père de Sacy fez mesura com a cabeça. Podia ver que, se desse à marquesa o que ela desejava, desagradaria mortalmente o delfim; como haviam sido derrotados pela Unigenitus, os jesuítas pareciam muito ansiosos por agradar o delfim. Acreditavam que quando o delfim fosse rei, o lugar deles seria mais seguro na terra.

Era imperativo não desagradar o delfim.

Père de Sacy curvou a cabeça diante da marquesa. Começou:

- Madame, lamento profundamente que não lhe seja de alguma ajuda. É a senhora quem deve dar o primeiro passo para que eu possa absolvê-la de seus pecados.

A marquesa sorriu.

- Mas, mon père, dei esse passo. Renunciei aos meus pecados e pedi perdão. Estou preparada para viver virtuosa, daqui em diante.

- Madame, há apenas uma forma de fazer isso.

- Não o entendo. Eu já...

- Não, madame, a Igreja pede insistentemente que a senhora mostre ao mundo arrependimento verdadeiro. Há apenas uma forma pela qual pode conseguir a absolvição.

- E qual é?

- Deve abandonar a corte, renunciar à sua posição e voltar ao marido que abandonou ao vir para Versalhes e viver láa com ele.

Foi esta uma das raras ocasiões em que a marquesa

perdeu a calma, ao responder:

- Vejo, monsieur, que o senhor é verdadeiramente um jesuíta!

- Madame, sou mesmo. E a senhora sabia disso quando mandou chamar-me.

- Jesuíta! - gritou a marquesa. - O senhor vai perder-se com o seu poder... ou com o que imagina que seja o seu poder! A sua companhia deseja apenas ver-me abandonar a corte. Ora, deixe-me dizer-lhe algo, monsieur Jesuíta: não abandonaria a corte por minha vontade. Abandonaria apenas para agradar Sua majestade; nunca para servir a uma determinação da Corte de Jesus. O senhor se esquece de que tenho igual poder ao seu.

Mais, não... que o senhor e a sua companhia. E o senhor seria tolo se pensar que vai ditar-me ordens.

- Madame, eu simplesmente lhe dei o preço da salvação.

- E simplesmente lhe digo para sair de minha presença imediatamente.

Père de Sacy se retirou logo; e, quando não estava mais ali, o bom senso da marquesa dominou sua raiva.

Por que perder a serenidade com o homem? Tudo o que tinha a fazer era mandar vir um sacerdote que a ouviria confessar-se e perdoá-la sem ditar-lhe as condições.

Isso não era difícil de fazer.

A marquesa divulgou sua conversão ao construir uma galeria naquele convento, antro de penitentes elegantes: os capuchinhos na Place Vendôme.

Maria Teresa agora sentia que a sua consciência não ficava mais entre ela e madame de Pompadour. Estava livre para negociar com a mulher que todos sabiam ser - embora não oficialmente - o primeiro-ministro da França.

Maria Teresa assinou o primeiro Tratado de Versalhes, em maio de 1756. Enquanto isso, Frederico da Prússia assinara um tratado com Jorge II contra a França. Dessa forma, a guerra em duas frentes ameaçava a França, que já estava em guerra com a Inglaterra. Então, Frederico invadiu a Saxônia sem avisar - um ataque direto a Maria Teresa.

As forças da Europa se alinhavam para um conflito maior. Começara a Guerra dos Sete Anos.

A delfina, durante esses dias, foi uma mulher infeliz.

O pai se tornara vítima da guerra e, à aproximação dos exércitos de Frederico, fugira para Varsóvia, largando a mãe para trás, em Dresden, para negociar com os enviados do rei da Prússia.

Para Marie-Josèphe, este foi com certeza um amargo revés; mas havia um outro a abater-se sobre ela que iria feri-la ainda mais.

Acreditava ter sido a última pessoa na corte a saber da infidelidade do marido. Tal conhecimento nada fez para minorar-lhe o sofrimento.

Acontecera o que ela sempre havia temido. Ele amava alguém mais, na verdade amava-a, não porque fora imposta a ele, não porque a delfina resolveu cumprir seu dever, mas simplesmente porque ela tanto o fascinara que não havia remédio.

Por sua vez, o delfim estava melancólico e agressivo.

Algumas vezes, muito ternamente, chamava de querida a pequena Marie-Josèphe; lembrava-lhe o tempo em que enfrentara com bravura a morte ou o enfeamento para cuidar dele durante uma doença perigosa. Teve então de deixá-lo o mais rápido possível, pois temia desfazer-se em lágrimas e lhe implorar que largasse essa mulher.

Outras vezes, o delfim ia se pavonear nos aposentos dela, como se não fosse a causa do sofrimento de Marie-Josèphe, pois a achava uma tola para sofrer, já que não compreendia que todo homem precisa ter amante.

As camareiras balançavam a cabeça, serenas. O delfim, até então, fora fiel, o que era realmente notável. Quantas mulheres se conheciam com maridos que, durante muitos anos, tiveram apenas uma amante!, insinuavam elas.

Uma é tão difícil de admitir quanto dez teriam sido, pensava ela; talvez mais difícil. Se ele tivesse sido como o pai, eu me acostumaria às suas infidelidades.

A rainha, ao perceber o que acontecia, passou a levar mais tempo com a nora.

Lembrava-se muito bem dos dias em que ela percebeu a fascinação do rei por madame de Mailly.

A pobre Marie-Josèphe sofria tanto quanto Maria Leczinska.

A rainha dispensava as camareiras quando a nora entrava; fazia a delfina sentar-se aos seus pés e encostar a cabeça de encontro ao colo, enquanto afagava os cabelos da jovem.

- Chore se quiser, minha filha - disse-lhe um dia a rainha.

- Você só tem a mim para compreendê-la. Às vezes é bom chorar. Tira a amargura do pensamento.

Dessa forma, a delfina soluçou até ficar exausta; depois, sentou-se quieta aos pés da rainha.

- Vai passar - explicou Maria Leczinska. - Sempre passa.

- Pensei que nunca fosse acontecer... conosco. Éramos diferentes.

- Todos somos diferentes, ou pensamos assim até descobrir que somos todos iguais. Você é como eu era, minha filha. O delfim é como o pai.

- Como o rei há muitos.

- Na juventude, podia ser chamado um homem fiel. Foi só mais tarde que ele começou a ter muitas amantes.

- A senhora quer dizer que o meu Luís vai...

- Quem sabe, filha? É bom que se prepare para qualquer eventualidade.

- Vou morrer.

- Vai viver, como vivi.

- Vossa majestade me dá enorme consolo.

- Talvez você me console. Minha dor era igualzinha à sua. Mas chorar nunca mais, porque não adianta chorar. Rainhas... delfinas... aprendem a aceitar o que se lhes impingem, saiba.

- Sei, majestade.

- Quando ele se aproximar de você, não dê sinal de ressentimento. Conserve-se sua amiga e, se for inteligente, não perderá o afeto dele.

- A senhora não entende - chorou a delfina, veemente. Foi algo perfeito, e agora está... manchado.

- Mas não dê sinal de ressentimento, minha filha. Aceite o meu conselho. Se tivesse sido mais inteligente, eu seria uma mulher mais feliz. Vou mostrar-lhe algo. Hoje, recebi uma carta do rei. Toda a nossa comunicação é por meio de cartas. Não se interessa mais em conversar comigo. - A voz da rainha vacilou ligeiramente. - Mas esta carta... devo contar-lhe o que ela contém? É um pedido do rei para que eu torne uma certa mulher uma das minhas dames du palais.

- E quem é essa mulher?

- Madame de Pompadour, claro. Vê que não é suficiente que ele faça honra a essa mulher em todas as ocasiões; também devo fazer o mesmo.

Marie-Josèphe mexeu com os pés.

- Eu não faria isso. Se ele fosse trazer-me essa mulher...

- Quer saber como respondi a esse pedido, minha filha?

- Sim, majestade.

- Escrevi a meu marido que eu tinha um rei no Céu de quem tiro forças para carregar meu fardo, e um rei na Terra a quem devo sempre prestar obediência.

A delfina cerrou os punhos e gritou:

- A senhora não o ama como eu amo o delfim.

- Minha filha querida, acalme-se - respondeu a rainha. Com o tempo, você vai aprender a ser paciente... mesmo que não seja. Vai compreender que as mulheres como você nasceram para carregar o fardo sem queixar-se.

Então, a delfina se ajoelhou diante da sogra e, em silêncio, afundou o rosto no colo da rainha.

Maria Leczinska sorriu, triste, enquanto, afetuosa, passava a mão pela cabeça da nora.

O povo estava desnorteado. Os franceses em guerra, com os austríacos como aliados! Não se conseguia entender facilmente tal inversão na política, pois os austríacos haviam sido seus inimigos durante longo tempo e não confiavam neles.

A França estava entregue à guerra nas colónias e à guerra na Europa, e as guerras significavam impostos. Os franceses não queriam guerra; queriam pão.

Além do mais, madame de Pompadour fora feita dame dupalais no lar da rainha e exibia sua devoção diante do mundo. Os franceses não acreditavam em madame de Pompadour; não respeitavam orei.

Madame de Pompadour era o primeiro-ministro da França, dizia-se; e a França agora estava empenhada em luta mais amarga nas duas frentes.

Podia-se ter certeza, dizia o povo de Paris, que essa é uma época triste para a França.

 

O rei, durante essa época de tensão, achou grande conforto conseguir sair escondido do palácio para a pequena casa que se tornara conhecida como Pare aux Cerfs, onde duas ou três pequenas sedutoras esperavam, ansiosas, por sua chegada.

Era agradável entrar nessa casa pequena como um nobre sem importância, e chamar Louise... Jeanne... ou outro nome qualquer da atual favorita, e depois ouvir passos ligeiros, apressados, para ver uma menina encantadora - nenhuma delas era mais do que isso - correndo para cumprimentá-lo e atirar-se nos braços dele, num acesso de alegria.

Fora uma brilhante inspiração selecionar essas jovens nos locais mais pobres de Paris. Isso garantia a gratidão de todas. Lê Bei era um connaisseur, passava grande parte do tempo rondando as ruas de Paris, a selecionar candidatas para uma temporada na pequena casa.

A fortuna satisfatória de algumas de suas moradoras se tornara conhecida, e mães queriam saber como as filhas poderiam ser recebidas neste estabelecimento que lhes assegurava as refeições, mais do que suficientes, e também roupas finas, uma vida de luxo enquanto merecessem e, finalmente, um presente generoso e talvez um bom casamento.

Lê Bei parecia não ter dificuldade para manter um abastecimento, pois raramente havia mais de três meninas vivendo ao mesmo tempo no Pare aux Cérfs. Na verdade, não havia aposentos suficientes para mais, e o rei não desejava que o lugar parecesse com um harém. Três era um bom número e, uma vez que as meninas poderiam ser mandadas embora quando começassem a perder a graça, não haveria um acordo mais agradável.

Havia uma menina muito encantadora no local e o rei passava muito tempo com ela. Ele lhe dera um nome seu - Louison; ele era viciado em apelidos, e, como suas amiguinhas não sabiam quem ele era, gostava de preservar-lhes o anonimato.

Louison tinha olhos claros e inteligentes; era observadora uma característica que poderia não ser tão útil, caso não tivesse uma aparência fascinante. Ela podia ser tão apaixonada como ele desejava e algumas vezes parecia uma criança; sentava-se nos joelhos dele e examinava-lhe as roupas. Eram muito finas, dizia ela; sabia porque era hábito seu ir à Place de Greve, às segundas-feiras, quando havia venda de roupas de segunda mão.

Pegava o tecido entre os dedos e o sentia, a cabeça inclinada para um lado.

- Deve ter custado muito dinheiro-dizia ela. - É um bonito tecido. O senhor deve ser, com certeza, um homem muito rico.

Mas era óbvio. Somente um homem rico poderia dar-se ao luxo de sustentar um estabelecimento como o Pare aux Cerfs.

Um dia o rei chegou usando a condecoração do cordon bleu, a insígnia dos cavaleiros do Espírito Santo - e Louison logo percebeu.

No entanto, nada falou, porque sabia que seu patrão ficaria impaciente com perguntas demais, e, quando estava um pouco irritado, embora raramente o aparentasse, poderia mandar recado para uma das outras meninas-para partilhar de sua companhia ou para monopolizá-la totalmente -, e assim, como consequência, repudiar Louison.

Isso era alguma coisa que Louison achava difícil de suportar. Sua nova vida a deixava muito absorvida; achava o Pare aux Cerfs luxuoso ao extremo, mas só conseguia sentir-se totalmente feliz quando o proprietário do estabelecimento a chamasse e ela estivesse com ele, pois se apaixonara violentamente por ele.

Louison nunca sonhara que pudesse haver uma pessoa assim. Ele assumia a idade com graça e, se precisasse do frescor da juventude, compensaria isso com seus modos carinhosos e amáveis. Louison nunca ouvira uma voz tão harmoniosa; nunca vira uma pessoa andar com tal elegância. O costume que ele tinha de segurarlhe a mão e beijá-la quando se encontravam a fazia ter certeza de que entrara num mundo distante da brutalidade dos faubourgs, os arrabaldes.

Aqui estavam todos os enfeites do romance. Sair da mansarda para o que parecia um palácio em miniatura; depois de ter dormido numa enxerga, deitar-se numa cama que tinha a forma de uma concha marinha e coberta com cetim cor-de-rosa claro; vestir belas roupas; ter jóias; ter comida e vinho e aprender a educação de uma mulher; mas, principalmente, ser amada por um homem que com certeza era muito cavalheiro, muito encantador para pertencer a este mundo. Sendo mais imaginativa que suas companheiras, Louison muitas vezes pensava que morrera e fora para o Paraíso.

Certa vez, disse a madame Bertrand:

- Se é isso que vai acontecer quando morrermos, e as pessoas nem sabem, todos vão desejar ardentemente a morte.

Madame Bertrand estava chocada. Fez depressa o sinal-da-cruz. Ali está, pensou ela, alguém que precisa ser observada com mais cuidado.

Após a visita do rei, Louison afirmou a madame Bertrand:

- Ma mère (as meninas consideravam madame Bertrand como madre superiora delas e se dirigiam a ela como tal), reparei que, hoje, o meu senhor estava usando o cordon bleu.

- Os seus olhos estão um pouco atentos demais-respondeu madame Bertrand.

- Mas era o cordon bleu. Tenho certeza.

- Bem, e se fosse?

- Fiquei me perguntando quem ele é, para usar o cordon bleu. Então, madame Bertrand decidiu rapidamente; acreditava que

uma menina tão atenta como Louison deveria acumular muita informação e, se juntasse dois pormenores, descobriria tudo. Resolveu, portanto, dar-lhe uma pista falsa.

- Ele é um grande fidalgo, muito rico, muito importante explicou ela.

- Como eu sabia - sussurrou Louison, séria.

- Vou dizer-lhe algo mais. Ele vem de Versalhes. Louison concordou com a cabeça. Ela imaginara. A jovem continuou:

- E ele é muito amigo do rei. Madame Bertrand a olhou, atenta.

- O que leva você a dizer isso?

- É tão distinto que até o rei deve reparar nele e fazê-lo amigo seu.

- É um conde polonês-respondeu madame Bertrand, rápida.

- É membro da família da rainha. Como sabe, a rainha é polonesa.

Louison assentiu com a cabeça, e madame Bertrand viu que uma das outras meninas aparecera e escutava a conversa.

A partir desse dia, as meninas se referiam ao seu benfeitor como o conde polonês.

Madame Bertrand, relutante, contou a Lê Bei o que havia acontecido; e Lê Bei informou ao rei.

Luís se divertiu, e ficou contente por ser visto como membro da família real da mulher, talvez mesmo parente dela.

Houve um dia em que o rei foi ao Pare aux Cerfs e passou lá algumas horas com uma menina que não era Louison.

Nesses momentos, ela ficava desconsolada.

Para madame Bertrand, era inútil tentar conservar as meninas à distância, para que não soubessem quem gozava de mais favor que outra. Todas sempre sabiam quando o rei estava na casa; os modos de madame Bertrand pareciam modificar-se. Havia no local um ar de cerimónia, impossível não sentir imediatamente.

Louison, em particular, sabia disso e tinha certeza de que ele estava na casa, embora não o ouvisse chegar.

Saía escondida dos seus aposentos. Ouvia o som de vozes que vinha dos aposentos de outra menina. Era a voz dele.

Se esta casa, pensava ela, fosse apenas minha, apenas minha; e ele viesse regularmente ver-me... apenas eu.

Sentia-se tão infeliz que não conseguia ficar nos seus aposentos, e descia escondida as escadas que davarn na saleta de recepção.

Louison agora não tinha dúvida de que ele estava na casa, porque tirara o casaco e o deixara sobre uma mesa.

Foi até lá e deixou os dedos acariciarem o tecido fino. Levou-o aos lábios e, ao fazer isso, ouviu um ruído de papel num bolso.

Louison era curiosa por natureza e, durante sua estada no Pare aux Cerfs, aprendera a ler um pouco. Pôs a mão no bolso e teve certeza de que eram cartas. Olhou ao seu redor.

Ninguém poderia vê-la se tirasse do bolso essas cartas e lesse o que estava escrito. Dissimulada, tocou-as. Ele não ficaria contente se soubesse que lera as suas cartas e, se descobrisse, madame Bertrand poderia achar que era seu dever contar a ele.

Louison sabia disso, mas sentia uma tentação irresistível.

Havia duas cartas. Deu uma olhadela e, um tanto hesitante, tentou ler o que continham.

Ambas começavam com "sire", e faziam alusão a "vossa majestade".

"O mais humilde servo de vossa majestade", leu ela.

Dirigiam-se ao rei. Uma estava assinada com um nome que não lhe era desconhecido: D'Argenson. Era um ministro importante e assinava-se "o mais humilde servo de vossa majestade".

Louison pôs de volta as cartas no bolso.

Fizera uma grande descoberta. O dono do Pare aux Cerfs, seu amante, não era um conde polonês; ele era o rei da França.

Apressada, voltou correndo aos seus aposentos, onde trancou-se. Embora não fosse educada, era inteligente. Imaginava-se caindo de joelhos quando ele viesse na próxima vez, chamando-o sire e dizendo-lhe que ela era uma humilde serva de sua majestade.

Mas, espere. Ele não desejara ser reconhecido como rei, assim nunca deveria saber que ela descobrira a sua identidade.

Louison era bastante inteligente para perceber que esse segredo também deveria ser seu.

 

Aquele inverno foi um dos mais frios na memória viva dos franceses. Até os rios se congelaram; e as pessoas morriam de frio e de fome, não apenas em Paris, mas no campo.

A guerra era um fardo a mais. O preço do pão subiu muito e arrecadavam-se impostos sobre toda comida que entrava em Paris.

A opinião pública era contra a guerra. Os franceses recusavam-se a aceitar os austríacos como aliados. Dizia-se nas ruas que a marquesa convencera o rei a fazer tal aliança por causa de sua amizade com Maria Teresa, que a adulava ao chamá-la "cara amiga e prima". Achavam que, nesta aliança anormal, Luís fora seduzido por seu desejo para que houvesse um casamento entre sua neta a filha de madame Première - e José, filho de Maria Teresa.

Machault e d'Argenson haviam se oposto tenazmente à aliança com os austríacos. Machault, ao suceder Orry nesse cargo, demonstrara ser um zeloso ministro das Finanças. Planejara reformas necessárias, mas o clero o declarara herege, pois se esforçara para fechar muitos conventos e evitar que novos fossem fundados, ao declarar que o desenvolvimento do comércio e da agricultura era mais importante para a nação. Luís, a contragosto, viu-se obrigado a tirá-lo do cargo e transferi-lo para o ministério da Marinha; e a transferência terminou a reforma financeira na França. Luís tinha forte respeito por este homem; contudo, agira contra seu conselho no assunto da aliança com os austríacos.

D'Argenson, agora ministro da Guerra, fora por muito tempo favorito do rei. Era cortesão ao máximo e bem diferente de um diarista, bem diferente do irmão elegante, o conde d'Argenson, conhecido como d'Argenson lê bete, d'Argenson o animal, para distingui-lo do irmão elegante e mais jovem, o marquês.

Como não se podia pôr nos ombros dos ministros a culpa pela guerra, a impopularidade do rei aumentou.

Fora impossível manter em segredo total a existência de um local como o Pare aux Cerfs. Poderia ter sido vantajoso, do ponto de vista do rei, se não tentassem torná-lo secreto, para que o povo não descobrisse que, em relação a esse lugar, era tudo imaginação.

Também havia muitas mães que, como não conseguiam alimentar suas famílias, procuravam lugar para as filhas num lar onde pudessem com certeza receber comida e cordialidade. Muitas dessas jovens se destinavam à prostituição; de fato, muitas haviam se criado pensando nessa carreira. Era muito melhor serem reclusas do bordel particular do rei, onde eram bem tratadas, e receberem um dote quando fossem embora dali.

Histórias licenciosas circulavam por toda a capital.

- Cidadãos, protejam suas filhas - era o grito. - Elas estão sendo estimuladas a servir de alcoviteiras à luxúria de um velho libidinoso.

- Ele faz questão de jovens. Dizem que prefere crianças de dez anos de idade. Dez anos de idade! Não é um escândalo?

- Pensem só, em quanto custa manter um estabelecimento desses? Milhões! Oh, meus amigos, enquanto vocês reclamam para saber se um pão vale uns poucos sous, Luís gasta milhões em seus prazeres.

Nunca o rei fora tão impopular. Evitava ir a Paris, mesmo em ocasiões de gala. Cada vez mais, Adelaide ficava histérica e estava constantemente em alerta com possíveis assassinos. Tentou ressuscitar uma lei medieval que só permitia que se aproximassem do rei aqueles que pudessem provar que sua nobreza remontava a trezentos anos.

Adelaide zombava e afirmava que não se devia confiar mais na antiga nobreza do que em outras.

Enquanto isso, os rumores continuavam. Havia, agora, quase duzentas meninas estabelecidas no Pare aux Cerfs, dizia-se. O rei as comprou como qualquer sultão poderoso.

Ele monopolizara o trigo, a fim de arranjar dinheiro para tais negócios.

- Cidadãos, quanto mais alto for o preço que pedir pelo trigo, mais dinheiro terá à sua disposição para comprar suas meninas.

O rei ignorava tais boatos. Continuava a encontrar prazer intelectual nos aposentos da marquesa e o de natureza física no Pare aux Cerfs.

Nos cafés, discutia-se livremente a situação do país. Deploravam a guerra; reclamavam o preço do pão; a sombria expectativa de uma cidade em que não era fora do comum pessoas desmaiarem de fome e morrerem nas pedras das ruas.

Havia um homem que ia de café em café; sentava-se ouvindo, sôfrego, o que todos diziam, os olhos a brilhar, a cabeça a fazer que sim; de vez em quando, a acrescentar um comentário ao que se dizia.

Um dia, quando sentado a uma mesa, ouvindo como sempre, um do grupo se dirigiu a ele e perguntou:

- Você... o que tem a dizer sobre isso? Está do nosso lado? O que pensa da França hoje, hem? O que pensa de um rei que gasta milhões em sua casa do prazer e manda que os criados tragam criancinhas da rua?

Então, o homem se levantou, apertando as mãos fechadas. Justificou-se:

- O que penso é o seguinte: não se devia permitir que continuasse. Devia-se terminar com isso.

- E quem vai terminar com isso, hem?

- Aquele que for escolhido deveria fazê-lo.

- Vamos! Você sugere que deveríamos nos formar numa sociedade e escolher um de nós para dar uma lição ao rei?

- Talvez - respondeu o homem. - Deus vai escolhê-lo. Seu companheiro olhou o outro e sorriu afetado. Ali estava um

fanático. Devia ser divertido ouvi-lo falar.

- Deus, você disse, meu amigo?

- Sim - foi a resposta. - Eu disse Deus. - Virou-se para encarar todos eles.-Vi um grande número de injustiças em minha vida. Uma vez fui criado de monsieur de La Bourdonnais. Ouviram falar nele, senhores? Foi há muito governador da índia e serviu bem ao seu país. Sua recompensa? A desonra, meus amigos, depois de ficar preso por três anos na Bastilha. Fui criado de monsieur Bèze de Lys. Era um bom homem que tentou acabar com esta prática cruel de lettres de cachet. Sua recompensa? Uma lettre de cachei, que o levou a Pierre-Encise. Vocês, parisienses, não conhecem a PierreEncise? Fica perto de Lyon e é uma das prisões mais cruéis da França.

- Você viu muita injustiça - falou alto um homem à mesa. Todos vimos. Veja... veja apenas as ruas de Paris, hoje. Você não diz que o povo de Paris sofre o mesmo que os homens a quem serviu?

- Ai, meu amigo. Deve-se avisar ao rei. Pode ter muitos anos pela frente. Um aviso, agora, antes que seja tarde demais... é do que ele precisa?

- E quem vai dar esse aviso ao sultão que pensa apenas em seu harém?

- Alguém - foi a resposta dita de modo terno. Então, o homem se levantou e saiu do café.

Era hora de retornar ao trabalho na casa de certa mulher, a amante do marquês de Marigny, irmão de madame de Pompadour.

- Ora, você voltou tarde, Damiens - exclamou um companheiro de trabalho. - Onde estava?

- Parei num café para conversar - respondeu ele.

- Conversa de café - foi a resposta. - O que falam agora nos cafés?

- Aquilo que faz o seu sangue ferver de indignação e o seu coração sangrar de pena por causa da miséria do povo.

- Oh, você sempre foi enérgico. Se quiser, há sopa pronta para você.

Damiens se sentou à mesa e molhou o pão na sopa, enquanto murmurava:

- Aqui, comemos bastante porque somos sustentados pelo irmão da mulher mais depravada da França, enquanto, lá fora, nas ruas, o povo morre de fome.

- Então, dê graças a Deus por estar num ótimo lugar, só isso.

- É a injustiça... a injustiça cruel... - murmurou Damiens. Mas se deve fazer alguma coisa. Deus vai determinar o dia em que se deve fazer alguma coisa.

O companheiro de trabalho saiu da sala, para confidenciar a outro que a cada dia Damiens ficava mais maluco.

Com essa época de ventos, não era fácil aquecer e tornar confortáveis os grandes aposentos do Palácio de Versalhes, e o rei resolveu que a corte deveria ir para o Trianon.

Adelaide foi até o pai, acompanhada de Sophie. O rei ergueu as sobrancelhas, surpreso; era raro atualmente Adelaide aparecer sem a companhia das duas irmãs. Ambas vinham atrás dela, como damas de companhia, e Adelaide era muito arrogante ao tratá-las.

- E, hoje, onde está a nossa Coche? - perguntou Luís.

- Madame Victoire está na cama, sire - respondeu Adelaide -, e temo que não consiga sair dela. Na verdade, eu a proibi de sair da cama. Tem febre, e o ar frio seria muito ruim para ela.

- Pobrezinha da Coche - acrescentou Luís. - Como vai passar sozinha em Versalhes, sem Loque e Graille?

- Vamos visitá-la todos os dias - retrucou Adelaide.

- Sinto-me calmo ao ouvir isso. E você está preparada para fazer a viagem agora?

- Bem preparada, sire.

Dessa forma, a corte se mudou para o Trianon naquele janeiro implacável, e Victoire ficou em Versalhes para restabelecer-se da febre.

Robert François Damiens sabia que fora escolhido. Ainda não entendera o que ia fazer, mas acreditava que, quando chegasse a hora, isso ser-lhe-ia revelado.

Não conseguia permanecer por mais tempo na casa da amante de Marigny. Não conseguia comer por mais tempo a comida fornecida pelo irmão de madame de Pompadour, enquanto o povo de Paris morria de fome.

Partiu de Paris e lhe parecia que seus passos se guiavam para o caminho de Versalhes.

Quando chegou lá, estava escuro, e achou uma hospedaria onde passou a noite.

Lá, juntou-se aos hóspedes e perguntou se havia alguma esperança de ver o rei.

- O rei está em Trianon - afirmaram-lhe. - Só madame Victoire, da família real, está em Versalhes. A corte se mudou para Trianon, há bem pouco tempo. Lá é mais quente.

- Trianon - berrou Damiens. - Não é longe daqui.

- É só atravessar o parque-respondeu a dona da hospedaria.

- Então eu conseguiria ver o rei.

- Monsieur, não parece sentir-se bem. Está doente?

- Sinto-me doente - replicou Damiens. - Talvez precise ser sangrado. Ouço ruídos estranhos na cabeça. Será sinal de febre? Talvez precise ser sangrado.

- Não-informou a dona da hospedaria, pondo a mão na testa dele. - Não tem febre. E com certeza você não gostaria de ser sangrado com um tempo desses. O que precisa, monsieur, é de uma bebida quente e de uma cama aquecida. É um homem feliz, pois veio à hospedaria certa para esses confortos.

Damiens pegou a vela e iluminou o caminho até a cama; porém de tarde, ao acordar, seus passos o levaram ao parque.

Estava deserto e o vento cortava, mas, perto do palácio, encontrou um homem que, como ele, parecia esperar por alguém.

- Bom dia, monsieur- cumprimentou o homem. - Que tempo cortante.

- Desejava ver o rei - respondeu Damiens.

- Também espero por sua majestade. Tenho uma nova invenção e espero mostrá-la a ele. O rei está interessado em novas invenções.

- Então está aqui à espera do rei. Disseram-me que ele está com a corte em Trianon.

- Isso mesmo - respondeu o inventor -, mas virá mais tarde, durante o dia, foi o que ouvi, para visitar madame Victoire, que está em Versalhes padecendo de ligeira febre. Receio que eu também venha a padecer de febre, se ficar nesse vento cortante. Pode ser também que, apesar de tudo, sua majestade resolva não visitar a filha. Não se pode ter certeza. Também tem negócios com o rei, monsieufí

- Oh, sim - respondeu Damiens. - Também.

O inventor encarou o homem com o longo casaco marrom e chapéu desabado que lhe cobria o rosto.

- Procura ajuda dele? - perguntou o inventor.

- Não - respondeu Damiens. - Procuro ajudá-lo. Evidentemente, pensou o inventor, o homem era um pouco

estranho, e o vento estava ficando cada vez mais forte.

- Não acho que vá esperar - murmurou o inventor. - Tenho certeza de que, hoje, sua majestade não vá enfrentar esse vento. Desejo-lhe um bom dia, monsieur, e boa sorte.

- Obrigado, meu amigo - respondeu Damiens. - Deus esteja com você.

Sozinho no parque, Damiens perambulou por ali, procurou as árvores para proteger-se do vento, esfregando as mãos frias para ativar a circulação. Tirou do bolso um canivete; abriu-o; tinha duas lâminas, uma grande e outra pequena.

Enquanto estava ali, ouviu o som das rodas de uma carruagem que atravessava o parque. Apressado, pôs o canivete no bolso e, quando viu o coche sacudindo-se ruidosamente a caminho do palácio, pôs-se a correr atrás dele.

Agora, eram mais de quatro e meia, e escurecia. Quando Damiens alcançou o palácio, o rei já entrara com aqueles que o acompanhavam, e uma pequena multidão se reunira na corte real para ver Luís.

O coche do rei estava parado, e os postilhões conversavam com um pequeno grupo de pessoas à luz fraca das tochas.

- Não vai ficar por muito tempo - informou um dos postilhões, em conversa. - É madame Victoire que ele veio visitar.

Alguém murmurou que ele ficaria por mais tempo, caso a doente fosse madame de Pompadour.

Damiens se encostou no muro, à espera.

Luís estava entediado, embora Victoire febril fosse muito menos irritante que Victoire saudável. Ela ainda estava deitada na cama e apenas sorria fracamente para os visitantes; dessa forma, não havia necessidade de esforçar-se para conversar com ela.

Para animar a todos, Luís trouxera com ele Richelieu, junto com o duque d'Ayen, um dos amigos mais íntimos que ocupava o posto de capitão da Guarda. O delfim também estava presente. Na verdade, Luís viera por causa do delfim, pois não iria deixar que esse rapaz hipócrita se passasse como modelo de virtude que desafiara os ventos de janeiro para visitar a irmã doente. O rei estava determinado a provar ser um bom pai, como o delfim era irmão.

Ficaram por duas horas conversando à cabeceira de Victoire, antes de preparar-se para voltar ao Trianon; e era quase seis e meia quando Luís desceu o Petit Escalier du Rói, na ala leste da Cour dês Cerfs e atravessou a Salle dês Gardes no andar térreo do château.

O delfim caminhava ao lado; Richelieu e o duque d'Ayen estavam imediatamente atrás, seguidos por quatro acompanhantes.

Assim que Luís desceu para a Cour Royale, um homem subitamente empurrou-o para fora do grupo que esperava ali e o pressionou.

Luís, de repente, gritou:

- Alguém me feriu.

Pôs a mão do lado e sentiu estar úmido e pegajoso.

- Fui ferido - berrou. - Foi um homem de chapéu. O delfim gritou:

- Agarrem-no! Agarrem o homem de chapéu!

Os guardas já estavam agarrando Damiens. Alguém lhe tirou o chapéu da cabeça.

- É esse homem - berrou o delfim. - Ele não tirou o chapéu quando o rei apareceu. É esse homem. Notei que era ele por causa do chapéu.

Damiens foi levado para fora dali.

Amparado pelo delfim, Richelieu e d'Ayen, o rei foi levado de volta ao palácio e subiu aos petits appartements.

- Então... estavam decididos a matar-me? - gemeu ele. Por que fizeram isso comigo? O que lhes fiz?

Richelieu sussurrou:

- Sire, crie forças.

- Chamem os médicos imediatamente - ordenou o delfim.

- Sem demora. Todo momento é precioso.

O rei se deitou na cama e rasgaram o casaco no ferimento. Agora, o primeiro dos médicos chegara e verificou que a ferida não era profunda; a faca poderia ter sido menor e, graças ao tempo, havia várias camadas de roupa para ela penetrar.

Luís estava certo de que fora assassinado. Recordava-se da morte do seu antepassado, Henrique IV, que fora golpeado pelo monge louco, Ravaillac, no auge de sua vida.

Luís berrou:

- Muitas vezes, este é o destino dos reis.

Agora mais médicos haviam chegado; a rainha e as princesas, informadas do acontecido, se apertavam no quarto de dormir.

O rei precisa ser sangrado, diziam os médicos; e fizeram isso. Nesse ínterim, espalhavam-se boatos de Versalhes a Paris.

- Luís foi assassinado. Foi atacado hoje por um assassino em Versalhes.

A notícia foi de casa em casa e as pessoas saíam às ruas, apesar do frio, para falar sobre o assunto. Agora que o acreditavam morto, descobriam que não o odiavam tanto hoje quanto ontem.

Fora levado a isso por causa do dever, diziam. Levado a isso por aquela mulher. Era nosso rei. No fundo, era um bom homem. E agora estava morrendo, atacado por um assassino.

Luís, apavorado pelo que considerava seus muitos pecados, pediu a extrema-unção. Era como que a realização daquele pesadelo perpétuo: ele seria morto antes de ter uma oportunidade para arrepender-se.

- Sire, o senhor vai recuperar-se - disseram os médicos. O ferimento não é profundo, e nenhum dos médicos acha que seja fatal.

- Enganam-se - replicou o rei. - A lâmina estava envenenada.

- Não há evidência disso, sire.

- Sinto a morte próxima - respondeu o rei. - Mandem buscar-me os confessores.

Seu caçador, Lasmartes, irrompeu sem-cerimônia. Foi rápido até a cabeceira e se ajoelhou diante da cama.

- Sire, o que não tinha de ser não será - berrou Lasmartes.

- Aconteceu, meu bom amigo - acrescentou o rei.

Lasmartes insistia em examinar o ferimento apesar de os médicos se esforçarem por detê-lo. Sempre fora muito íntimo de Luís, e, durante as caçadas de que participavam, muitas vezes se comportava como se não houvesse diferença de posição social.

- Ora, sire, esse ferimento não é fatal - gritou Lasmartes, enquanto dava um sorriso largo. - Em quatro dias o senhor e eu vamos, juntos, trazer um excelente cervo.

- Meu bom amigo, você procura animar-me - replicou o rei.

- Conspiraram contra mim, e isso é o resultado de uma dessas conspirações. O ferimento é pequeno, mas a lâmina estava envenenada. Você e eu trouxemos o nosso último cervo. Adeus, meu caçador; resta-me apenas fazer as pazes com Deus.

O delfim fez um sinal para Lasmartes ir embora, e o rei chamou o filho até a cabeceira.

- Deixo-lhe um reino que está muito inquieto - sussurrou ele.

- Rogo-lhe que o governe melhor do que eu. Faça saber que perdoo meu assassino. Agora... peço-lhe, traga-me um padre para que eu possa reconciliar-me com Deus.

Uma das meninas, que saíra com a dama de companhia, trouxe novidades ao Pare aux Cerfs.

- Que agitação! Nunca vi nada igual. Multidões por todos os lados... pessoas berrando umas com as outras. Perguntei a razão de tudo isso. Sabe por quê? O rei foi assassinado...

Madame Bertrand ficou pálida, mas nada falou.

Louison olhou a menina que acabara de chegar, que não a viu. Ela o viu... o conde polonês... com a faca enfiada no corpo.

Não conseguia falar; não conseguia pensar; afastou-se discretamente dali e correu para seus aposentos.

Madame Bertrand estava tão transtornada, a refletir sobre o futuro, que nada percebera.

Louison se fechou no quarto; caiu na cama e ali ficou por dois dias, recusando qualquer alimento.

- Tem febre - disseram as outras. - Há uma epidemia de febres. Madame Victoire teve uma; foi por isso que o rei foi visitála naquele dia.

Ao receber a notícia, a marquesa ficou atordoada.

Luís... morrendo! Mal podia acreditar. Não se atrevia. Sempre acreditara que ela deveria morrer primeiro.

Seu querido amigo... morrendo! O que seria dela, quando fosse deixada a seus inimigos, sem a proteção dele? Era como ser atirada num poço de cães de caça há muito sedentos de sangue.

O abade de Bernis, que fora seu amigo desde o tempo em que chegara à corte e fora escolhido pelo rei para prepará-la para as suas atribuições no papel de amante do rei, agora trazia-lhe as notícias.

Ela chorou com ele e, ao perder a calma costumeira, ficou excessivamente nervosa.

- Você deve estar preparada para qualquer coisa que aconteça

- explicou-lhe o abade. - E, quando acontecer, deve entregar-se à Providência.

- Vou agora até ele - gritou ela. - Quando está doente, preciso estar ao seu lado.

- O confessor está com ele, madame - respondeu o abade.

- Num momento desses, não há lugar para você.

Ela ficou pasma, ao compreender a verdade dessa afirmação.

- Sou sua boa amiga. Nosso relacionamento não é mais pecaminoso.

- Temo, madame, que, se aparecer lá, os confessores se retirem. Ele pediu que eles viessem. Não pediu que você fosse.

Ela, então, cobriu o rosto com as mãos e chorou em silêncio. Viu isso como o fim de tudo que fizera sua vida valer.

- Madame, peço que tenha bom ânimo - continuou o abade.

- Eu a manterei informada de tudo que acontecer. Confie em minha amizade. Dividirei meus serviços entre meus deveres e minha amizade por você.

- Obrigada - sussurrou ela. - Você é meu melhor amigo. Depois que foi embora dali, madame du Hausset veio dizer-lhe

que o dr. Quesnay desejava vê-la.

O médico entrou logo, e ela, segurando-lhe ambas as mãos, ergueu para ele o rosto arrasado.

- Vamos, vamos, não há razão para esta dor - começou Quesnay. - É um arranhão, nada mais. Digo-lhe, nada mais.

- Acha que ele vai salvar-se?

- Tenho certeza disso. Há um mundo de diferenças, madame, entre a doença de um rei e a doença de um súdito. Ora, se ele não fosse rei, estaria muito bem para caçar e dançar em aproximadamente um dia.

- Você me alegra, bom amigo. É esse o motivo para falar assim... para alegrar-me?

- Não, madame, se eu achasse que ele estivesse em perigo, o diria. Mas não corre perigo, pode ter certeza. O delfim está constantemente com ele... e os padres também. Insistem em que ele mude seu modo de vida.

- Quer dizer... que tentam convencê-lo a repudiar-me?

- Lembro-me de Netz, madame.

- Sim, sei. Madame de Châteauroux, que tinha acompanhado Luís à guerra, foi rejeitada da presença dele e mandada embora com grande humilhação. Eu não permitiria que isso acontecesse comigo. Iria embora antes que me mandassem.

- Nada faça precipitadamente - aconselhou o médico. Espere. É sempre melhor agir com cautela.

- Sim, vou esperar-respondeu a marquesa. - Sei que oportunamente ele irá atrás de mim. O delfim... os padres... vão levá-lo à depressão. Dentro de pouco tempo, digo-lhe, ele irá atrás de mim. Sim, vou esperar. É apenas uma questão de esperar. Então, tudo vai ser como era... como se esse maluco nunca tivesse se aproximado dele.

O médico lhe sorriu. Gostava muito dela. Despejou um pó no copo e o entregou a madame du Hausset, explicando:

- Junte um pouco de água e dê à sua patroa. Vai ajudá-la a dormir hoje à noite e dar-lhe o descanso de que necessita. E... cuide dela. Agora, precisa dos seus cuidados.

Madame du Hausset fez que sim com a cabeça e se virou para afastar-se, a fim de o médico não vir a sua emoção que sabia existir.

Machault e d'Ayen desceram até a sala de guarda, onde Damiens estava preso.

O duque d'Ayen, muito irado, porque o ataque acontecera quando ele era o capitão da Guarda, estava em presença do rei e precisava evitar tudo isso. Resolvera mostrar ao rei e a todos os outros que ele considerara o ataque um ato de traição e que o traidor não merecia ser perdoado. O duque d'Ayen, filho do marechal duque de Noailles, era defensor dos jesuítas, e resolveu que, se possível, arrancaria de Damiens informações que comprometessem os jansenitas.

Machault, por outro lado, era inimigo dos jesuítas, e se convencera de que Damiens agira em favor da Companhia de Jesus. Acreditava, muito claramente, que esta conspiração era para matar o rei e colocar o delfim no trono; e como o delfim sempre fora muito firme a favor dos jesuítas, seria muito razoável concluir que Damiens era agente deles.

Assim, esses dois homens influentes entraram na cela do infeliz Damiens, cada um decidido a arrancar dele uma confissão que comprometesse um defensor no conflito político.

Damiens o recebeu, calmo. Havia em seu rosto um sorriso maravilhado, embora tivesse sido grosseiramente preso pelos guardas e estivesse ferido e sangrando.

- Diga-me, a lâmina estava envenenada? - quis saber Machault.

- Juro que não estava envenenada- gritou Damiens.

- Então, como desejava matar o rei... com a laminazinha de um canivete?

- Eu não queria matar o rei, queria apenas ensinar-lhe uma lição.

- Que lição?

- Afastá-lo de seu jeito desastroso e de seus conselheiros desastrosos, e fazê-lo governar com sensatez o seu povo.

- Quem o mandou fazer isso? - perguntou d'Ayen.

- Ninguém.

- É mentira.

- Não é mentira. Fiz isso por Deus e pelo povo.

- Pela causa da religião? - quis saber d'Ayen. - Diga-me o que quer dizer com isso.

- O povo está morrendo de fome. Vive na miséria.

- Você foi pago para fazer essa façanha - declarou Machault.

- Quem o pagou?

- Repito-lhe que fiz sozinho, para a glória de Deus e do povo. Eu não queria matar. Se quisesse, poderia ter matado.

- Os jesuítas o mandaram fazer isso? - perguntou Machault.

- Juro que não.

- Então, se não foram os jesuítas... foram os inimigos dos jesuítas? - sugeriu d'Ayen.

- Ninguém me mandou. Fiz isso pela glória de Deus.

- Por que se queixa de pobreza? Por que não estava trabalhando em casas onde lhe davam o suficiente para comer?

- O que é bom só para um não é bom para ninguém - respondeu Damiens.

- Ele tem cúmplices, pode estar certo - afirmou d'Ayen.

- E vamos descobri-los - sussurrou Machault.

- Podem fazer o que quiserem comigo - gritou Damiens. Podem me torturar... podem me crucificar... Só vou cantar de alegria porque morro como meu Senhor morreu.

- É mentira - atalhou Machault, irado. - Vamos ver se ele é tão bom como o que diz.

Mandou despirem o prisioneiro e o amarrarem na cama, e trouxeram à cela brasas e ferros quentes.

Machault e d'Ayen assistiam a tudo: tenazes aquecidas até ficarem rubras dilaceravam a carne das coxas do prisioneiro. E Damiens, embora caído, molhado de suor e gemendo de dor, apenas dizia:

- Fiz... sozinho... fiz pela glória de Deus e do povo!

Luís mandou abrirem as cortinas da cama e ficou deitado, a contemplar, desanimado.

Fazia treze anos que ele ficara próximo da morte em Metz, treze anos que seus confessores foram até ele e assegurado que, se ele vivesse, levaria uma vida melhor. Por algum tempo, após recuperarse, ficara arrependido; mas, muito em breve, ele ignorara as promessas feitas.

Ele mudara em treze anos. Naquele tempo, estava afeiçoado a madame de Châteauroux; era fiel à sua mattresse-en-titre. Ele agora perdera a conta do número de mulheres que o haviam ajudado a sentir prazer; nem mesmo conseguia lembrar-se de quantas haviam passado pelo Pare aux Cerfs.

Ele se menosprezava e ao seu modo de viver; mas ficara cínico, e era inteligente demais para iludir-se com facilidade, de modo que não acreditou que se arrependeria de verdade.

Refletir sobre as esperanças de uma vida futura satisfatória tornaram-no muito desanimado.

Percebeu que seu mal-estar se tornara mais mental do que físico, porque agora se convencera de que a lâmina não fora envenenada. As respostas dadas pelo prisioneiro eram as de um fanático.

Apesar de tudo, ele devia esforçar-se por levar uma vida melhor. Devia ouvir os sacerdotes; devia ter alguém por quem rezar em Versalhes e devia assistir aos serviços com regularidade. Devia, por um tempo, parar de visitar o Pare aux Cerfs; e não mandar chamar madame de Pompadour. Era verdade que há muito ela deixara de ser sua amante, mas fora, e enquanto ele continuasse a tratá-la como amiga íntima, a Igreja o desaprovava e não o ajudaria no arrependimento.

Os médicos vieram para vestir o ferido.

Declararam estar muito satisfeitos por ele estar cicatrizando rápido.

- Que o céu seja louvado, sire - afirmou um. - Não foi um ferimento profundo.

Luís respondeu, fortemente melancólico:

- O ferimento foi mais profundo do que vocês pensam. Feriu meu coração.

O delfim, durante esses dias, parecia crescer. Estava constantemente à cabeceira do rei; mostrava grande tristeza e devoção filial, e ninguém adivinharia, a menos que soubesse realmente disso, que as relações entre o rei e o filho eram forçadas.

O delfim parecia esquecer tais diferenças. Comportava-se com dignidade como rei temporário da França, mostrando ao mesmo tempo relutância por um cargo que só seria seu com a morte do pai.

Pedia o conselho do rei em todos os assuntos, apreciava-o com seriedade e agia com tal modéstia que os ministros começaram a acreditar que o delfim seria algum dia o rei de que a França precisava.

As pessoas se orgulhavam. Era respeitado pela devoção, e perdoavam-lhe a amante, madame Dadonville, a quem ainda era fiel. A delfina não era uma mulher atraente, embora a reconhecessem em geral pela sua devoção, que combinava com a do delfim, e o seu modesto comportamento que a tornaria algum dia uma excelente rainha da França.

Mas, apesar de todas essas virtudes, havia muitas pessoas que se sentiam apreensivas ao pensar que ele ficaria com a coroa.

Inteligente ele era, piedoso com certeza; mas muitos temiam que se tornasse um soberano intolerante; e, caso chegasse ao poder, os jesuítas acompanhá-lo-iam e fariam tudo para governar o país. Por essa razão, o Parseme, passaria por um declínio e a Place de Greve poderia ficar manchada pelo sangue dos mártires.

Um país onde os filósofos conseguiam elevar suas vozes era um lugar mais saudável do que aquele que estivesse nas garras inflexíveis dos intolerantes. Um rei indolente, amante dos prazeres, poderia ser menos ameaçador que um implacável que permitisse o governo dos intolerantes.

O delfim mostrava o que se poderia esperar dele quando, ao temer o julgamento de Damiens, pudesse revelar evidência contra os jesuítas, ordenou que não fosse a descoberto; além do mais, que não fosse dirigido pelo Parlement, mas por uma comissão secreta.

Tal decisão, embora planejada para proteger os jesuítas, na verdade provocou-lhes enorme dano, pois todos acreditavam que o delfim desejasse proteger essa comunidade que sempre amparara. E, agora, todos se convenceram de que os jesuítas estivessem por trás da conspiração para assassinar o rei, e que Damiens fosse instrumento deles.

Quando o rei entrou na capital, o povo se manteve calado; não se ouviram os gritos de "Vive lê Rói"; mas, agora que ele se recuperava de um ataque que poderia ter sido fatal, um pouco da simpatia perdida ressurgiu.

As pessoas esfomeadas, sempre prontas a enfurecer-se, a procurar comoção que as aliviasse temporariamente do tédio e da imundície de suas vidas, estavam ansiosas por tumulto. Procuravam bodes expiatórios e agora se ouviam vozes coléricas na capital, gritando: "Abaixo os jesuítas!"

Espalharam-se rapidamente pela cidade as notícias de que a turba estava em marcha, a fim de atacar o Colégio Jesuíta Louis lê Grand.

Pais apavorados, cujos filhos estavam sendo educados lá, foram correndo ao colégio para resgatá-los. Duzentos meninos foram retirados enquanto multidões se reuniam no convento, gritando insultos aos jesuítas.

A Paris daquele tempo ainda não se inflamara pelos agitadores, sem que houvesse pilhagem e morte. Mas o sentimento da cidade era péssimo, e os pais dos meninos declararam que os filhos não voltariam ao colégio. Esse golpe foi muito forte para o Colégio Louis Ie Grand, uma das instituições mais ricas dos jesuítas.

A marquesa estava descontrolando-se. Os dias se passavam, e o rei não mandava buscá-la; por isso, não tinha como se aproximar dele. Seus amigos tentavam consolá-la. Quesnay era um visitante regular; da mesma forma que o abade de Bernis, o duque de Gontaut, o príncipe de Soubise e a duquesa de Mirepoix.

- Conto com você - explicou madame de Mirepoix. Ele, no momento, está nas mãos do delfim e seu grupo. Assim que ele se livrar, vai mandar buscá-la.

- Espero que sim - respondeu a marquesa -, mas devo confessar-lhe, meu caro amigo, que à medida que os dias passam, fico cada vez mais ansiosa.

- Não fique assim. A ansiedade lhe faz mal. Você teve o bom senso de manter a sua posição durante todos esses anos; não acho que você tenha perdido alguma boa qualidade. Na verdade, eu diria, você a aprimorou.

Madame de Mirepoix era uma companhia alegre, e a marquesa, que há muito sentia falta da amiga, referia-se a ela, afetuosamente, como o seu petit chat.

- Agora, mal posso dizer-lhe como me sinto feliz por ter amigos ao meu redor. É só nestes momentos que conseguimos reconhecê-los. O que eu faria sem você, petit chat, e sem a minha querida Bernis, Quesnay e os outros. Mas a lealdade dessas pessoas chama alarmante atenção depara meus falsos amigos.

- Cara madame, a quem se refere?

- Nem d'Argenson nem Machault me visitaram desde que o rei foi atacado. Isso é significativo.

- Madame, d'Argenson nunca foi seu amigo.

- É verdade. Não me esqueço do que fez no caso ChoiseulBeaupré. Talvez eu não devesse esperar vê-lo aqui, numa época dessas. Mas Machault! Eu pensava que fosse meu amigo. Sempre o ajudei a defender o seu lugar! O que isso quer dizer? Por que me evita agora?

- Poderia significar o seguinte, madame: ele compartilhou a sorte com os seus inimigos. Talvez acredite que o rei não consiga viver por muito tempo, e deseje insinuar-se com o delfim.

- É isso mesmo, sem dúvida. Que amigo ele demonstrou ser!

- Madame, rogo-lhe, tenha bom humor. O rei vai recuperarse e, quando estiver totalmente bem, a primeira pessoa de que vai precisar é a sua querida marquesa.

Por fim, Machault visitou a marquesa.

Chegara a uma conclusão: não ousava falar dela com o rei, e não se sentia à vontade enquanto Pompadour permanecesse em Versalhes. Se ela recuperasse o privilégio perdido, seus dias estavam contados; tinha certeza absoluta disso. Ele agira muito abertamente e se mostrara inimigo dela, porque, durante as primeiras horas após o ataque, acreditara que o rei estivesse moribundo e que, em menos de uma semana, o delfim seria o rei. Muito impaciente por demonstrar sua disposição de servir ao delfim, deixara clara sua posição a madame de Pompadour.

Ele agira um pouco precipitadamente; mas não perdeu as esperanças. Se conseguissem persuadir madame de Pompadour a deixar a corte, o rei poderia aceitar-lhe o afastamento. Luís era um homem de hábitos. Muitos acreditavam que visitasse a marquesa porque ela estava lá. Se não estivesse, poderia em pouco esquecêla e passar o tempo com outras amigas.

Em Metz, quando pensavam que o rei fosse morrer, os inimigos de madame de Châteauroux planejaram para que ela fosse rejeitada. Agora, no caso de madame de Pompadour, chegara a hora de uma ação corajosa e parecida.

Por conseguinte, a marquesa, quando recebia o conforto dos bons amigos, soube que Machault estava a caminho, para visitá-la. Pediu aos amigos que a deixassem sozinha e se preparou para recebê-lo.

Ao ficar à sua frente, Pompadour começou:

- Bem, monsieur de Machault, há muito que não o vejo. O guarda dos Selos do rei respondeu:

- Madame, é com grande pesar que venho com a presente missão.

- Que missão?

- Venho pedir-lhe que deixe Versalhes.

- Mas não tem de me pedir!

- Procedo conforme instruções do rei - mentiu Machault. A marquesa ficou tão perturbada que teve medo de revelar seus

sentimentos diante desse homem que agora, tinha certeza, era seu inimigo. Inclinou a cabeça e nada falou.

- Creia em mim, madame, procedo com grande relutância continuou Machault. - Lembre-se do que aconteceu a madame de Châteauroux, em Metz. O rei deseja mudar seu modo de viver e a senhora, infelizmente, faz muito parte dessa vida que ele agora deseja abandonar.

- O que esperam de mim? - perguntou ela e ficou horrorizada ao ouvir que a voz tremia.

- Madame, apenas que vá embora de Versalhes, sem demora. Siga meu conselho, vá para o mais longe possível de Versalhes. Seria muito inteligente, se fizesse isso.

A marquesa não respondeu. Ficou parada, não via o guarda dos Selos; lembrava-se do seu encontro com o rei na floresta de Sénart, nos primeiros tempos da união de ambos, e que, aos nove anos de idade, uma cartomante na feira lhe dissera ser ela uma morceau du rói, um pedaço do rei, e que, desde essa época, seu destino fora definido.

Tudo isso para chegar a um momento como este! Agora que não era mais jovem, agora que estava fraca e doente, ser afastada da única vida que lhe poderia ter alguma significação!

Machault lhe dava a mão e se despedia.

- Adeus! - balbuciou ela. - Meu amigo!

Madame du Hausset veio correndo até ela.

- Madame, caríssima marquesa, o que aconteceu? O que esse homem fez?

- Deu-me o congé, mandou-me embora, Hausset. É só. Acabou-se. Não sou mais a amiga do rei.

- É impossível, madame.

- Não, Hausset. Ele me trouxe ordem do rei. Comece logo a fazer as malas. Vamos embora de Versalhes.

- Para onde?

- Para Paris.

- Paris! Madame, a senhora conhece a cólera dos parisienses. Odeiam a senhora.

- Quando eu perder o amor do rei, talvez perca o ódio dos parisienses.

- Oh, madame... madame... Deixe-me ajudá-la a se ajeitar na cama. A senhora precisa de descanso. Vai começar novamente a tossir... e então...

- E então... então... - interrompeu a marquesa, triste. - O que importa, Hausset? Quantas semanas me restam, que acha?

- Muitas semanas, muitos anos, se tomarmos cuidado, madame.

- Tenho alguns bons amigos, Hausset. Talvez as próximas semanas os ponham à prova.

- Alguém está à porta, madame.

- Vá ver quem é.

Madame du Hausset voltou com madame de Mirepoix.

- O que isso quer dizer? - perguntou a visitante.

- Sente-se ao meu lado, petit chat-respondeu a marquesa. Estou indo embora de Versalhes.

- Por quê? - perguntou madame de Mirepoix.

- Porque, minha querida, me mandaram embora. O rei...?

Madame de Pompadour concordou com a cabeça.

- Recebeu a sua lettre de cachei?

- Equivale à mesma coisa. Machault veio ver-me há uma hora e me disse que o desejo do rei era que eu fosse embora imediatamente.

- Machault! Aquele velhaco!

- É o guarda dos Selos.

- Graças aos Céus ele é o guardador, o encarregado de sua consciência. Diga-me, recebeu do rei algo por escrito?

- Nada.

Madame de Mirepoix riu, alto e irónica.

- Esteja certa, é uma conspiração de Machault. Luís nada sabe disso. Iria mandar você embora, assim... sem nada falar?

- Você conhece Luís. Faria tudo para evitar assuntos desagradáveis.

- Antes de tudo isso, não foi sempre carinhoso com você?

- Foi.

- A princípio, aterrorizavam-no com histórias de arrependimento. Isso significava que não conseguia ver você. Agora, está ficando melhor. Dentro de poucos dias, pode estar certa, ele vai perguntar por você. Lembre-se de madame de Châteauroux.

- Que foi mandada embora!

- E voltou reabilitada. Em pouco tempo, os inimigos de madame de Châteauroux se sentiram constrangidos.

Madame du Hausset entrou para anunciar que o dr. Quesnay

estava ali.

- O que foi isso que eu soube? A marquesa gritou:

- Meu Deus, já estão falando disso?

- Machault esteve aqui - explicou madame de Mirepoix. Diz vir da parte do rei com ordens para que a marquesa vá embora de Versalhes.

O médico respondeu:

- Machault é como a raposa que vai jantar - respondeu o médico - e diz a todos que estão, ali, correndo perigo e que devem ir embora imediatamente. Com isso, garante para si uma parte maior daquilo que está na mesa.

- O médico está certo - explicou madame de Mirepoix. Machault não tinha autorização do rei. Está agindo totalmente por conta própria. Ignore-o. Fique aqui. Lembre-se, quem se retira do jogo sempre o perde.

- Oh, meus amigos, meus queridos amigos - falou alto a marquesa -, que consolo vocês me trazem... e, acredito, o que é ainda melhor... parece conselho. O rei nunca iria me desamparar. Estou certa disso. Hausset, se já empacotou alguma coisa, desfaça o pacote agora. Vamos ficar em Versalhes.

Todos agora estavam convencidos de que o rei se achava fora de perigo; mas apresentava melancolia. Parecia impossível tirá-lo desse ânimo. Em uma recepção sentava-se sem falar, contemplando o espaço. Resolvera corrigir-se, viver uma vida de devoção, mas não estava de forma alguma sentindo prazer nessa nova experiência.

Os cortesãos se esforçavam ao máximo para fazer algum comentário espirituoso que o divertisse. Mas, não importa quão apropriada fosse o bon mot, o rei não sorria; até mesmo o mais inteligente comentário não resultava em nada mais que um resmungo de aprovação até que Luís caísse mais uma vez em depressão.

Nem mesmo Richelieu conseguia fazer o rei sorrir. Nessas ocasiões, nem as narrativas das suas muitas aventuras amorosas produziam efeito e, apesar das tentativas do duque de contar-lhe histórias cada vez mais escandalosas, não conseguia divertir Luís.

Eram duas horas, e, nos aposentos particulares do rei, reunia-se pequeno grupo, presidido por Luís, ainda convalescente, com camisa e gorro de dormir. O delfim e a delfina estavam presentes e, embora fosse hora do jantar, ninguém poderia sair sem que, antes, o rei desse consentimento. Parecia haver esquecido o tempo, apoiado em uma bengala, olhando pela janela.

Richelieu, ao lado, tentava desesperado distraí-lo, lembrandolhe uma de suas experiências mais licenciosas.

- Esta, sire, foi madame de Popelinière. O marido descobriu nossa trama e determinara pôr fim a ela, assim ele a encerrou em Paris para vigiá-la, e acreditava que a mulher estaria a salvo. Sire, não havia como ficar em casa. Era bem guardada por seus fiéis criados. Muitos, menos eu, teriam admitido derrota e ido para outro local.

O rei bocejou e continuou a olhar pela janela. Richelieu continuou, sem se perturbar:

- E o senhor pergunta o que fiz, sire?

- Não perguntei - respondeu o rei.

- Sire, depois desse ataque, o senhor ficou fraco. Peço-lhe que poupe o cansaço e que eu faça a pergunta pelo senhor. O que fez esse patife do Richelieu? Sire, ele comprou a casa ao lado. Descobriu onde se localizava o quarto de dormir da mulher. Havia uma lareira esplêndida no aposento. Nele, também havia uma lareira. Mandei chamar operários e, em pouco tempo, nossas lareiras foram transformadas numa porta que não era visível ao observador acidental e só conhecida por nós. Foi uma providência excelente. Tornou simples um chamar o outro a qualquer hora do dia ou da noite. Acredite em mim, sire, em Paris estão vendendo agora modelos da lareira de madame de Popelinière.

O rei explicou:

- Acredito em você, pois acho que seria capaz de qualquer vilania.

- Sire, aposto que, quando se sentir melhor, vou contar novamente essa história e vai rir.

- Houve inúmeras outras histórias - acrescentou o rei. - Sei muito bem que as mulheres pensam que se tornar amante do duque de Richelieu seja uma das funções inevitáveis na vida na corte.

- Agradeçamos aos santos que não se diga o mesmo do rei, que é amante fiel de suas súditas.

O rei não sorriu nem censurou o duque; apenas pareceu entediado. Depois, declarou:

- Vejo que a delfina está com fome. É hora de irem jantar, minha querida.

- Obrigada, sire - respondeu a delfina, retirando-se.

O rei, triste, a fitou, os olhos arregalados, e de súbito pareceu chegar a uma decisão.

Olhou o grupo ao redor e viu que uma das mulheres, a duquesa de Brancas, vestia um manto longo.

- Madame, empresta-me o seu manto? Surpresa, ela imediatamente o retirou.

Ele o arrumou sobre os ombros e, curvando-se, afastou-se dali. Todos no aposento o contemplavam, os olhos arregalados, enquanto ele se encaminhava para a porta. O delfim o seguia, mas, quando deixava a sala, Luís se dirigiu ao filho e avisou:

- Quero ficar sozinho!

O delfim se curvou e voltou aos outros. Houve silêncio quando voltou para junto deles. Mas ninguém tinha dúvida sobre o lugar para onde o rei ia.

Madame du Hausset avisou:

- Madame, há um visitante para a senhora.

A marquesa se assustou; não conseguiu conter um grito de alegria.

O rei começou:

- Minha querida, há muito, muito, muito tempo, que não nos vemos...

A marquesa se ajoelhou aos pés dele e lhe beijou as mãos, molhadas de lágrimas. Porém quase imediatamente ela se levantou.

- Mas você está com a camisa de dormir. E nada, além desse manto a proteger-lhe! E o tempo como está...

- Minha caríssima amiga, não se preocupe com o meu bem-estar. Já me recuperei.

- Graças aos santos! Oh, sire, foi o período mais infeliz de minha vida.

- Lamento muito que eu o tenha causado.

- Não, sire, isso não importa, pois agora estou novamente feliz.

- Vamos conversar - respondeu o rei. - Isso me agradaria.

- Tudo o que agrada a vossa majestade sempre me agradou.

- Sei, sei. Tentaram fazer de mim um monge. Ela riu; e ele riu com ela.

- A vida de um rei nem sempre é feliz - acrescentou ele. No entanto, acho que a prefiro à de um monge.

- Vossa majestade... um monge! Oh não! Não poderíamos permitir isso.

- Concordo. Não poderíamos.

- E vê-lo novamente me desconcerta.

- Você sofreu, como eu, acredito.

- Mas veio visitar-me, e fiquei novamente feliz.

- Larguei o grupo - explicou o rei. - Descobri que são todos idiotas. Agora que estou com você, minha alma se sente mais leve. Posso rir novamente.

- Sire, posso convidá-lo a jantar comigo esta noite?

- Convite aceito com entusiasmo.

- Então, vamos nos deliciar com uma de nossas ceias íntimas. Convidaremos apenas os mais divertidos. Como estou feliz que não tenha permitido que monsieurde. Machault me tirasse de Versalhes!

- Machault tentou fazer isso?

- Ele ficou muito importante, sire. Só gritava "e Roi est mort e tinha grande urgência de apresentar os cumprimentos ao delfim.

- Machault me desapontou.

-. Ele e d'Argenson, juntos, provocaram em mim muita angústia e muita humilhação.

-- Isso é imperdoável.

Os olhos da marquesa começaram a brilhar de regozijo, mas nada falou sobre seus inimigos. Esse momento era importante nem acusações, nem recriminações, apenas planos para prazeres futuros.

Mas viu que a experiência o deixara acovardado, e a primeira coisa que deveria fazer era restabelecer a confiança dele. Muitas vezes, Luís demonstrara não se preocupar por ter perdido a estima do povo; mas pensar que o povo o odiava tanto, que uma parte dele resolvera assassiná-lo deprimira-o profundamente.

Ela se apressara a rejeitar esse estado de espírito. Explicou:

- O senhor sabe, sire, que muitos quiseram fazer o senhor acreditar que este ato horroroso foi realizado pela vontade do povo. Nada poderia ser mais distante da verdade. Esse tal de Damiens é simplesmente um louco. Não houve conspiração.

- Eu queria ter certeza disso.

- Mas, sire, é óbvio. Quando as pessoas souberam o que havia acontecido, ficaram horrorizadas. Enviei meus criados a Paris para falar ao povo e descobrir o que acontecera. Não havia ninguém que não se sentisse ultrajado por esse ato. Exprimiam apenas amor em relação ao senhor. Ora, não era só o Colégio Jesuíta Louis-leGrand que estava em perigo de ser atacado! Esse ato deixou Paris horrorizada. E o Parlement também.

- Como sempre, você me consola.

- E, sire, foi bom que isso acontecesse, porque agora vão ser tomadas precauções mais fortes contra um acontecimento desses.

O rei aprovava com a cabeça e sorria, enquanto a marquesa fazia planos ligeiros. Deveria haver uma noite divertida, como há muito o rei não tinha. Talvez um jogo. Cartas, não; talvez ele não se resolvesse arriscar novamente. Um baile, não. Ele não estava bem para dançar. Mas ele apreciaria um jogo; talvez com ela mesma.

Madame du Hausset ouviu a risada de sua patroa misturando-se à do rei.

Madame La Marquise tinha talento, pensava ela; mais uma vez, saíra a salvo de uma situação difícil.

E quando o rei voltara ao apartamento dele, todos os que o viram perceberam que não estava mais deprimido e que sorria.

As notícias se espalharam rápido.

- A marquesa voltou a ser a favorita, e o rei está mais afetuoso que nunca.

D'Argenson e Machault ouviram as notícias e tremeram.

A marquesa agora devia realizar duas tarefas; não sentia prazer nelas, porque odiava fazer inimigos, mas esses dois homens haviam demonstrado muito claramente que, se lhes permitissem ficar na corte, seriam sempre uma ameaça para ela.

Obter a queda de d'Argenson não fora difícil; mas o rei tivera grande consideração pelos poderes de Machault.

No entanto, não se poderiam perdoar tais insultos como os que esses dois fizeram a ela, e o rei, por ter saído tão rápido da sua melancolia, estava impaciente para premiar a marquesa por ter novamente tornado a sua vida gloriosa.

Era verdade que a França estava em guerra, que enfrentava uma situação muito perigosa e que poderia utilizar todos os seus políticos astutos e experientes; mesmo assim, não se poderiam perdoar tais insultos.

No primeiro dia de fevereiro, d'Argenson recebeu do rei a sua lettrede cachet.

- Monsieur d'Argenson, como os seus serviços não me são mais necessários, ordeno-lhe que entregue a sua demissão ao gabinete da Secretaria de Estado de Guerra e outros cargos, e que vá viver em sua propriedade em Ormes.

Era a demissão mais temida por todos que desejavam fazer carreira na corte.

D'Argenson ficou irado. A demissão acontecera, afinal. Sabia que a marquesa teria ficado mais feliz se acontecesse há mais tempo. Agora, ela vencera. Ficara atónito, porque, há menos de um mês, ele pensara ter vencido a batalha entre eles.

Madame d'Argenson veio consolá-lo.

- Não é o fim - animou ela. - Afinal de contas, há uma vida a ser vivida longe de Versalhes.

- Madame, vou viver em Ormes, conforme ordem do rei respondeu ele. - Não é necessário que a senhora renuncie à sua vida aqui. A senhora não foi exilada.

Madame d'Argenson se afastou, triste. Entendera. Ele não precisava dela. Sua amante, madame d'Estrades, partilharia de seu exílio.

A lettre de Machault foi redigida de modo diferente e estava claro que Luís a enviara com algum pesar.

"Embora certo de sua probidade, as circunstâncias me obrigam a pedir-lhe que se demita. Receberá seu salário e honorários. E contará com minha amizade e proteção, podendo pedir privilégios para seus filhos."

O rei estava claramente constrangido por precisar demitir um homem que sempre tivera em alto grau. Mas isso apenas demonstrava como era profunda a consideração que nutria pela marquesa. Aos olhos de Luís, o único erro de Machault era ter humilhado madame de Pompadour, e embora, como o próprio Luís disse, Machault fosse homem que tinha a sua aprovação, um erro como esse cometido contra a mais querida amiga do rei foi o bastante para ocasionarlhe a dispensa.

Serviu de lição para todos.

Qualquer um que procurasse ir contra a marquesa seria um idiota.

Assim, após os dias mais agitados que vivera, a marquesa emergira mais poderosa do que nunca.

Em pouco tempo, Luís havia esquecido que desejava levar um tipo diferente de vida, e, não muito depois, começou a frequentar o Pare aux Cerfs.

Madame Bertrand o saudara com prazer, ao declarar que esse era um dos dias mais felizes de sua vida. Havia certa verdade nisso, pois ela temera ter perdido esse emprego tão lucrativo.

- E hoje, sire, gostaria de ver...? - quis ela saber. Luís ponderou.

- Diga-me - sussurrou ele. - Como vão? O que acham de minha longa ausência?

- Pensam, sire, que o senhor esteve fora da corte. Foi o que eu lhes disse. Estavam esperando avidamente por um aviso de que o senhor voltou. Perguntavam-me todos os dias. Estão bem... menos Louison. Estava doente.

- Lamento ouvir isso - acrescentou Luís, resolvendo se, uma vez que ela estava doente, a não pedir para vê-la nessa visita.

Mas, enquanto conversava com madame Bertrand, ouviu alguém à porta; voltando-se, viu a própria Louison.

Madame Bertrand se levantou, severa e ameaçadora. As meninas não tinham permissão para entrar na sala.

Luís viu que Louison se modificara; estava menos rechonchuda e os olhos pareciam enormes. Ela, no entanto, estava mais bela, pois havia um sorriso de felicidade no rosto. Falou alto:

- Então, meu senhor, meu rei, o senhor está bem novamente e, afinal de contas, aquele assassino não o feriu.

Madame Bertrand ficou muda. Apenas o rei, habitualmente cortês, não dava sinal do susto que a menina lhe dera ao mostrar saber quem ele realmente era.

Louison se precipitara para ele e se atirara aos seus pés, soluçando desvairadamente enquanto lhe beijava as mãos.

- Levante-se - ordenou madame Bertrand. - Vá imediatamente para seu aposento.

Louison continuou a dar vazão à sua alegria, ignorando a ordem. Madame Bertrand pôs as mãos na menina e, grosseira, a fez ajoelhar-se.

- Você enlouqueceu - ameaçou ela. - Não sabe o que diz. Está tendo visões.

- Não seja áspera com a criança - atalhou Luís. - Agora, minha cara, acalme-se.

- Sei... que você é o rei - soluçava Louison. - Vi cartas no seu bolso. Quando soube que esse canalha tentou matar o senhor... quase morri.

- Vamos, você está confusa - continuou Luís. - Vou levá-la ao seu aposento e vamos jantar juntos, lá. Vai falar-me da sua aflição, que não sente mais. É como está se sentindo agora, não?

- O senhor voltou - gritou ela. - Está bem. Agora, não desejo mais morrer.

O rei fez um sinal a madame Bertrand e levou Louison aos seus aposentos.

Ficou com ela por várias horas, durante as quais a ceia foi-lhes servida.

Quando Luís saiu de lá, Louison estava muito mais tranquila.

Enquanto Luís se preparava para ir embora, madame Bertrand esperava por ele.

Tremia, ansiosa. Falou alto:

- Sire, eu não tinha conhecimento da travessura dessa menina.

- Que lamentável - atalhou Luís. - Mas devo culpar-me. Descuidadamente, deixei meu casaco num local onde ela conseguiu examinar o que havia nos meus bolsos.

- Fiz o máximo para preservar o anonimato de vossa majestade.

- Sei disso - replicou o rei. - Não desejo que essas meninas saiam daqui e falem o que lhes aconteceu. O conde polonês... foi uma ótima ideia.

Luís abriu os braços e se mostrou pesaroso.

- Ela deve ser mandada embora, sire?

- Não vejo alternativa.

- Ela afirmou que enlouqueceria se nunca mais o visse.

- Louca - atalhou o rei. - Ela, hoje à noite, estava histérica. Pude bem acreditar que há sementes de loucura nessa menina.

Madame Bertrand estava em silêncio. O rei continuou:

- Você é uma boa mulher, madame Bertrand. Trabalha bem. Não acho que seria prudente encontrar a nossa amiguinha quando vier aqui da próxima vez.

Madame Bertrand curvou a cabeça. Entendeu. Era o que se devia temer nessas menininhas dos faubourgs; nunca haviam aprendido a ser prudentes; quando soluçavam, arrancavam os cabelos e falavam de suicídio; o rei as achava desagradáveis. Tal comportamento era muito estranho à etiqueta de Versalhes em que ele fora criado.

Damiens estava preso em sua cela, na Conciergerie. Fora trazido de Versalhes para cá e, apesar de sua dor, sentia-se exaltado.

Os tornozelos e os punhos estavam presos; não conseguia deitar-se com conforto. Fora muito torturado desde aquele dia tempestuoso, quando, com o canivete na mão, se aproximara do rei.

Haviam tentado de todas as formas arrancar dele uma confissão, mas Damiens rira na cara deles e só lhes falara a verdade.

- Fiz isso por amor ao povo e pela glória de Deus - repetia ele, sempre.

O julgamento de Damiens acontecera na Grande Chambre, onde ele se comportara com dignidade. Falara francamente que não tinha animosidade pessoal contra o rei, que quisera apenas fazer um protesto contra o seu comportamento licencioso e as condições de vida do povo.

Haviam-no condenado à mais dolorosa morte que podiam imaginar; seria arrastado e esquartejado na Place de Greve.

Dez mil pessoas se aglomeravam nas ruas de Paris para ver o fim de Damiens. Estavam de pé nos telhados e em todas as janelas.

Ali, na Place de Greve, estava Damiens, trazido da prisão para que pudesse sofrer o suplício maior e assistir aos preparativos para sua bárbara execução.

Assim, esperou por meia hora, enquanto acendiam a fogueira, preparavam os cavalos e aprontavam o banco.

A multidão acompanhava com os olhos, fascinada e horrorizada. Essa sentença fora comum na época de Henrique IV, quando Ravaillac sofrera o mesmo por ter matado aquele rei; atualmente, as pessoas haviam se tornado mais sensíveis, mais civilizadas; os filósofos tinham mudado as ideias; e havia muitas pessoas incapazes de assistir a este espetáculo pavoroso.

Damiens gemeu quando tenazes rubras lhe dilaceraram o corpo; essa forma de tortura demorava cerca de uma hora, enquanto deixavam o chumbo pingar lentamente nos ferimentos, a fim de provocar o máximo de dor e prolongar ao extremo a agonia.

Mais morto do que vivo, Damiens foi preso por argolas de ferro à cadeira de esquartejar, e os membros do corpo amarrados com cordas e atados a cavalos selvagens que foram então impelidos em diferentes direções.

Mas esses não haviam feito o trabalho completo e o carrasco, num súbito acesso de piedade, quebrou o último membro do corpo do sofredor, que então queimaram.

Foi uma visão revoltante e a multidão ficou em silêncio. Alguns diziam ser incrível que um espetáculo de semelhante barbaridade pudesse acontecer no ano de 1757.

O rei não quis ouvir sobre o acontecido. Era um dos assuntos desagradáveis que ele sempre procurara evitar.

Quando ouviu que certa mulher, desejando agradá-lo, se sentara perto da cena e prestara atenção aos mínimos detalhes, cobriu com as mãos o rosto e gritou:

- Que pessoa repugnante!

Assim terminou o caso Damiens.

E enquanto a multidão se dispersava, uma carruagem se movimentava, barulhenta, pelas ruas de Paris. Dentro dela, estava sentada uma menina de rosto pálido, confusa, com uma mulher ao lado.

Louison, a caminho do manicômio, nunca veria novamente o Pare aux Cerfs, nem o amante, que descobrira ser o rei da França.

 

A França saía-se mal na guerra. Embora os soldados franceses fossem célebres como os melhores do mundo, podia-se dizer que os comandantes eram os piores. Isso devia-se muito ao fato de que haviam sido colocados em seus altos postos, não por causa da habilidade para preenchê-los, mas porque, para agradar a alguma pessoa encantadora em casa, o comando fora-lhes concedido.

A França precisava de um homem forte na chefia dos negócios; e o país era governado por uma mulher. Era inteligente, encantadora; refinada e artista, ninguém duvidava que fosse brilhante dentro dos limites. Mas não conseguia ver além de Versalhes; seu objetivo não era defender a posição da França entre as nações europeias, mas preservar a própria situação na estima do rei. Além do mais, era incapaz de entender a estratégia necessária nas perigosas relações diplomáticas com outros países.

Seus amigos desejavam honrarias. Pompadour amava os amigos e desejava ter certeza de sua amizade; portanto, eles recebiam honrarias e a França perdia batalhas.

O príncipe de Soubise mostrara-lhe lealdade, porém, após o caso de Damiens, ela percebeu que a posição dele era precária, e, como desejasse demonstrar-lhe gratidão, deu ao príncipe de Soubise o comando do Exército.

Soubise era fútil e efeminado, de forma alguma o homem para tal responsabilidade, e ele partiu para a guerra apenas com disposição militar. Seguindo o exército, deveria haver numerosos barbeiros; a moda de Versalhes havia tornado indispensáveis os seus serviços, e Soubise e seu grupo não tinham intenção de mudar os hábitos só porque estavam em guerra. Os soldados deveriam divertir-se; para tanto, artistas ambulantes seguiam a tropa. Deveria haver mulheres, é claro, e viam-se os soldados, nas cidades por onde passavam, com amantes nos braços. As mulheres precisavam das amenidades de Paris; por isso, havia chapeleiras, parfumeurs, até mesmo costureiras, e, naturalmente, os inevitáveis cabeleireiros femininos.

Nenhum oficial pensava em apresentar-se ao dever sem frisar e empoar os cabelos. Para os homens, tornara-se moda na corte fazer bordados; e viam-se muitos dos oficiais com o bastidor, enquanto as amantes, ao pé, tocavam algum instrumento musical, cantavam, dançavam ou apenas sentavam-se ao lado deles, também bordando.

Embora isto fosse muito pitoresco e quase tão agradável quanto estar em Paris ou Versalhes, não ajudava muito a ganhar a guerra.

Os ingleses valorosos e os hanoverianos eram bem menos elegantes e bem mais militares.

A incompetência de Soubise revelou-se em Rossbach, quando os vinte mil homens de Frederico venceram os sessenta mil sob o comando do príncipe.

Mais tarde, Frederico afirmou:

- O exército dos franceses parecia quase atacar-me, mas foi em minha honra que tal não aconteceu, e fugiram tão logo começamos a descarregar nossas armas de fogo, sem eu conseguir dizer coisa alguma.

O campo conquistado mostrava singular visão do exército de Frederico. Os barbeiros haviam desaparecido, abandonando perucas e talco; os parfumeurs largaram os frascos de fragrância; os oficiais, os trabalhos de costura; as mulheres, os trajes da moda.

Não havia butim que atraísse os turbulentos soldados prussianos, sem a concepção da elegância dos que viviam em Paris ou Versalhes; o perfume, as tenazes de frisar cabelo e os delicados trajes femininos pouco significavam para eles; os prussianos não haviam sido criados para mexer em agulhas.

Frederico era bondoso para com os prisioneiros que capturava: pedia-lhes desculpas por sua inabilidade para mantê-los nas condições a que estavam acostumados. Avisou-os:

- Senhores, devem perdoar meu despreparo, pois não os esperava tão breve... nem em tal número.

Soubise, desesperado, escreveu a Luís: "Escrevo a vossa majestade em grande desespero. A derrota de seu exército está completa."

Paris recebeu com desalento as notícias da derrota em Rossbach; depois, os irónicos parisienses puseram-se a rir. Zombaram do rei por permitir que a marquesa escolhesse os generais dele; e gracejaram de Soubise por sua incompetência.

Como sempre, exprimiram-se em canções e epigramas; fizeram circular nos cafés histórias a respeito de Soubise e da batalha de Rossbach.

Caricaturas políticas tornaram-se populares. Havia uma que retratava Soubise carregando uma lanterna à procura do seu exército, com uma legenda abaixo: "Onde está meu exército? Alguém o roubou. Sumiu. Oh, graças aos santos, lá está. Oh! Maldição! É o inimigo!"

Havia outra, em que Frederico, cínico, ao ver Soubise em grilhões, dizia: "Que prisioneiro é esse? O príncipe de Soubise! Solte-o imediatamente! Ele nos é mais útil quando comanda os franceses!"

Mas, embaixo, havia um comentário cínico, muito inquietante. "Que estamos fazendo do lado da Áustria?", perguntava o povo. "Os austríacos não foram sempre inimigos da França?"

A delfina foi afinal visitar a marquesa. Implorou-lhe:

- Rogo-lhe não fazer mais generais, madame.

Mas a marquesa nunca tivera certeza do seu poder, como agora. Quando olhava o passado e via como resistira aos reveses de Versalhes, não tinha dúvida de que poderia levar a França à vitória. Até estudou os mapas e arquitetou planos de ação; e quando Bernis, ministro do Exterior, sobrepujado pela derrota em Rossbach, sugeriu buscar a paz, e o rei admitiu estar cansado de guerra, a marquesa ainda estava resolvida a continuar. Ela colocara-se como chefe do partido de guerra.

Aqueles que haviam abandonado o jogo perderam-no, resolveu ela.

A guerra precisava continuar.

Outro general da França era o duque de Richelieu, a quem o rei dera o comando, por causa da sua capacidade de divertir.

Podia parecer estranho que esse devasso, esse roué envelhecido, houvesse procurado ir à guerra, amante de elegância e luxo que era. Porém tinha suas razões. Durante sua vida extravagante, criara muitas dívidas; e, embora conseguisse esconder em vão seus credores, percebia agora que não poderia fazer assim indefinidamente. Devia recuperar haveres. Pensava ir à guerra, roubar os inimigos e com o butim voltar a Versalhes, rico.

Dessa forma, enquanto Soubise, talvez idealista mas ingloriosamente incompetente, manifestava sua fraqueza diante dos prussianos, Richelieu saqueava, não as tropas mas a população civil.

Tais métodos, ao mesmo tempo que seguidos com impaciência por certos oficiais seus, a tirar muitas vantagens, criaram uma alarmante falta de disciplina no acampamento do duque de Richelieu; mas, por fim, com bastante saque para satisfazer a si e aos credores, Richelieu afastou-se do exército; ao retornar à corte, começou a construir para si próprio uma casa imponente em Paris.

Paris, ao vê-la crescer em suntuosidade a cada dia que passava, chamava-a "Lê Pavillion de Hanovre".

Quando Richelieu se aposentou, Luís de Bourbon (conde de Qerraont) tomou-lhe o lugar e toda a França recebeu com zombaria essa escolha a posto tão alto. Com cinquenta anos de idade, era bisneto do famoso Conde, abade de Saint Germain-des-Près. Embora pertencesse às Ordens Sacras, era conhecido por sua licenciosidade; no entanto, havia de fato servido com distinção sob as ordens de Maurício de Saxe, mas logo provou que, mesmo bom soldado sob a direção de um grande comandante, ele próprio não foi capaz de comandar.

Sem percepção, não conseguia ver o resultado principal, pois se preocupava com detalhes sem importância; e não teve êxito em Crefield, tal como Soubise não tivera êxito em Rossbach, porque contra ele estavam o Exército de Operações de Pitt e as tropas de Ferdinando de Brunswick.

A França estava em desespero.

Era preciso fazer economia em Versalhes para ajudar a enfrentar o custo calamitoso da guerra. Desse modo, organizou-se um espetáculo de esbanjamento controlado. Suspenderam-se muitos dos projetos de construção do rei e da marquesa, e não houve representações teatrais; para expulsar o tédio, passou a haver uma atividade mais intensa nas mesas de jogo. Pouco tempo antes, o rei deleitara-se com um jogo de cartas feito com apostas altas; durante algum tempo, esperou-se que o Erário lhe saldasse as dívidas, porém ele embolsou os lucros.

Desejando comandar o exército, o delfim considerou apreensiva a situação. Sempre se julgara soldado e acreditava que chegara a época de alguém salvar a França do desastre.

A delfina acreditava, com o marido, que ele fosse esse homem.

Ela sempre o apoiara sinceramente. Pobre Marie-Josèphe, padecia muito. Madame Dadonville dera ao delfim um filho, e o pequeno Auguste Dadonville era uma grande satisfação para o pai.

Entretanto, Marie-Josèphe tentava não censurar o marido, e nunca se referia a madame Dadonville. Quanto ao delfim, estava ciente da generosidade da mulher, e sentia forte desejo de escapar dali. Como poderia fazer isso mais elegantemente do que ir para a frente de batalha?

Falou com o pai sobre esse assunto.

- O que acontece com nossas tropas, papai? - perguntou ele.

- Nossos soldados descontrolam-se, por causa da inferioridade de seus comandantes. Para animá-los, só uma coisa pode acontecer: ver seu único filho legítimo como chefe, o próprio delfim.

O rei observava o filho, atento e irónico. O delfim colocara-se contra o pai em mais de uma ocasião. Ficara firme do lado dos jesuítas; criticara abertamente madame de Pompadour. É verdade, na época da doença do rei, depois que Damiens o atacara, portara-se com moderação - até certo ponto; mas isso poderia ter acontecido simplesmente porque sentira o ânimo do povo, que, naquele momento, mostrava notável afeto pelo pai.

Não, o rei não gostava muito do filho; não confiava nele.

Além disso, madame de Pompadour já designara general o duque de Broglie para suceder Clermont.

- O seu pedido comove-me profundamente - respondeu o rei, astuto -, mas você não deve apavorar-se, meu filho. A guerra é contra nós, e a ação mal começou. Não se esqueça de sua posição. Você é o herdeiro do trono. Eu não poderia permitir que corresse perigo. Não, meu filho, sinto orgulho em saber que tem espírito guerreiro para competir com o de seus ancestrais, mas proíbo-o de afastar-se da corte.

O delfim saíu irado dos aposentos do rei e foi aos da delfina.

- O destino da França - lamentou ele - está nas mãos daquela mulher - lamentou ele.

Havia muitos no país que, com enorme apreensão, acreditavam estar ele certo.

Ao perceber que a França aproximava-se de uma das mais desastrosas horas de seu destino, o abade de Bernis, impedido pela marquesa de fazer a paz, tinha dois desejos: um, o chapéu cardinalício; o outro, renunciar ao seu posto ou convidar um assistente.

Bernis sempre acreditara que o chapéu cardinalício fosse um guarda-chuva que protegesse um homem de tempestades ameaçadoras.

Era um homem não muito ambicioso e, em vez de conquistar as honras por si próprio, recebera-as impostas. Nascera pobre, mas fizera fortuna e estaria contente com isso. Mas, desde que fora escolhido pelo rei para ensinar à marquesa de Pompadour-madame d'Etioles, como era então - as boas maneiras de Versalhes, a marquesa o escolhera para que fosse seu amigo e, dessa forma, tornara-se um dos ministros mais importantes na França.

Como muitos de seus compatriotas, era homem extremamente sensual, tido como devasso e considerado por ter-se envolvido em um caso de amor com madame Infanta, a filha mais velha de Luís.

Era um homem sempre dominado por mulheres. Madame Infanta havia feito as suas exigências; agora madame de Pompadour estipulava o caminho que ele seguiria.

No entanto, ele desejava ardentemente a paz, porque estava acabrunhado com a posição trágica de seu país, e antevia não apenas a derrota no continente, mas a perda do Império Colonial Francês para esses zelosos colonizadores, os ingleses. As possessões francesas na índia e no Canadá já estavam em perigo.

Dessa forma, apesar da marquesa, ele protestava eloquentemente junto ao Conselho pedindo paz.

Alertava que Clive vencia na índia e que a Louisiana e o Canadá necessitavam demais de ajuda.

O Conselho hesitava. A paz parecia a resposta.

Mas a marquesa não era facilmente derrotada.

Madame de Pompadour sentou-se com três criadas suas - as melhores amigas. Todas vieram da Lorena e eram madame de Mirepoix, madame de Marsan e a duquesa de Gramont.

Cada uma delas aproveitara-se da amizade com a marquesa: Madame de Mirepoix, por ser sua confidente; madame de Marsan, por ser-lhe dado o posto de governanta das filhas do rei, e a duquesa de Gramont, como madame de Mirepoix, por partilhar das confidências da marquesa; a duquesa ainda não alcançara o lugar que pretendia ter na corte, porém era a mais ambiciosa das três.

Com suas amigas, a marquesa discutia a fraqueza de Bernis e o desdém que sentia pelas ambições dela ao entregar esse discurso ao Conselho que quase resultara num pedido de paz.

- Nunca esquecerei - declarou a marquesa -, minha gatinha, que, depois do caso Damiens, quando eu me preparava para ir embora de Versalhes, você me falou que abrir mão do jogo era perdê-lo. É isso que esse covarde Bernis está preparando para fazer agora.

- Você precisa de um homem forte à frente dos interesses acrescentou a duquesa de Gramont.

- Você, de fato, tem razão - respondeu a marquesa. - Mas onde estão os homens fortes da França?

- Conheço um que agora serve à pátria no exterior e que acolheria com prazer uma possibilidade de fazer o mesmo em seu país.

A marquesa sorria para a duquesa. Não precisava perguntarlhe quem era esse homem, tinha certeza absoluta de que a duquesa venerava o irmão.

O conde de Stainville, alguns anos antes, trouxera a irmã para a corte. Formavam um casal afeiçoado; afeiçoado demais, diziam.

Embora a duquesa tivesse sido chanoinesse, freira de convento - um tipo de vida que não desejara, nem pela qual tivera tendência - e o conde de Stainville procurara lançar-se na corte, viviam abertamente juntos lá, para pasmo de todos que os vissem.

Stainville fora de ajuda incomensurável à marquesa no caso Choiseul-Beaupré, e, desde então, ela resolvera torná-lo forte aliado. A irmã tornara-se amiga da marquesa, e ele tinha suas embaixadas. Mas era natural que um homem como Stainville parecesse querer algo mais além de um cargo de embaixador; gostaria também de estar em Versalhes com a irmã. A mulher, virtuosa e bela - que a marquesa lhe providenciara -, acompanhava-o em sua missão, tranquilizava-o, proporcionando-lhe imensa fortuna, perdoava-lhe os muitos casos de amor e era, além de muito virtuosa, inegavelmente encantadora.

Stainville, no entanto, acreditava que mulher alguma poderia igualar-se à irmã, alta, vistosa e ambiciosa; encontrara-lhe um marido velho e rico na pessoa do duque de Gramont, que ela largara pouco depois da cerimónia de casamento.

- Então? - perguntou a marquesa, a sorrir.

- Refiro-me, é claro, ao meu irmão - respondeu a duquesa.

- Está ansioso por uma oportunidade para utilizar seus talentos incontestes onde melhor sirva à França.

A marquesa ficou pensativa.

Era, claro, a resposta. Trazer Stainville para a corte, deixá-lo substituir Bernis. Uma vez, ele demonstrara ser o amigo fiel da marquesa. Deixá-lo continuar a ser assim.

O conde de Stainville voltara da Áustria para tomar o lugar de Bernis, que recebeu o chapéu cardinalício e foi mandado para Soissons. Stainville, criado pelo duque de Choiseul, e sob a influência desse homem astuto e vigoroso, esperava voltar à França.

Choiseul era brilhante; ninguém o contestava. Era feio e, mesmo assim, conseguia fascinar a tal ponto que, em qualquer reunião, se tornava a figura central.

Era de baixa estatura, embora bem-proporcionado; tinha testa muito alta e ampla, os olhos pequenos, os cabelos ruivos e os lábios grossos, mas era o nariz pequeno retroussé, arrebitado, que lhe dava ao rosto um olhar engraçado e que, em qualquer outro homem, tiraria a dignidade.

Era extremamente espirituoso - muitas vezes cruel; seus casos de amor eram tão numerosos quanto os de Richelieu, embora não houvesse mulher alguma que ocupasse um lugar elevado em seus afetos como a irmã. Ele era gastador; felizmente, a mulher era uma das mulheres mais ricas na França. Era irresponsavelmente generoso. Qualquer pessoa que o visitasse perto da hora do jantar seria convidada a ficar para a refeição. Por isso, mantinha duas mesas imensas no salão de jantar. A primeira era arrumada para 35 pessoas e, se houvesse mais convidados, a segunda ficava imediatamente pronta.

Muitos diziam que era ateu, embora comparecesse de vez em quando a cerimónias religiosas; ficava claro, no entanto, que ali estava por causa das convenções. Tinha enorme respeito pela inteligência e procurava amigos fiéis entre os filósofos e os livres-pensadores, que encontravam uma acolhida mais rápida em sua casa do que na religião. Correspondia-se regularmente com Voltaire; e estava sempre ansioso por estudar novas ideias.

Era um homem de muitos talentos, supremamente confiante na própria habilidade para conseguir boa reputação e livrar a França do lamaçal em que o país parecia atolar-se rápido; não se importava com a opinião de ninguém.

Tinha relações sexuais impetuosas com todas as mulheres cujos encantos o agradassem, embora tais aventuras amorosas fossem de curta duração; e não se esforçava por ocultar seu relacionamento com a irmã. Na verdade, Choiseul estabeleceu uma nova moda na corte. Muitos homens galantes, que se habituavam a seguir servilmente qualquer nova moda, começaram a manifestar amor pelas irmãs.

Em algumas camadas sociais, Choiseul passou a ser ironicamente conhecido como Ptolomeu, por causa da dinastia de reis egípcios que se casavam com as irmãs.

O duque d'Ayen contou a madame de Pompadour que gostaria muito de seguir a moda corrente, mas que ele tinha três irmãs e ficava muito difícil escolher - nenhuma delas o atraía.

Choiseul adorava criticar. Confiava ao máximo em si e no futuro. Podia passar metade da noite em prazer, e, no dia seguinte, ao conduzir negócios de estado, canalizar tremenda energia, em nada debilitada pela farra da noite anterior.

Acreditava-se que, em tempos de tensão, surgisse muitas vezes um homem de génio, em cujas mãos capazes se pudesse colocar o leme do barco, quando ele parecesse ir a pique de encontro aos penhascos da derrota, da fome e talvez da revolução.

Luís acreditava ter achado esse homem na pessoa do duque de Choiseul.

 

Luís procurava desesperadamente esquecer a guerra e todos os seus problemas e, por ser Luís, encontrava maior conforto entre as meninas atraentes que Lê Bei lhe trazia.

A maioria lhe chegava através do Pare aux Cerfs, mas algumas o agradavam tanto que ele as retirava desse estabelecimento e colocava-as em casas próprias.

Mademoiselle Hainault era filha de próspero comerciante. Sua beleza estonteante fez com que Lê Bei a observasse, e até mesmo comerciantes prósperos viam enorme vantagem em oferecerem as filhas ao rei, a família não colocava nenhum empecilho. Insistiam, no entanto, para que esta filha de membros da respeitável classe média não residisse no Pare aux Cerfs.

Ao ver a menina, Luís achou razoável o pedido dos pais. Por conseguinte, deu um local próprio a mademoiselle Hainault e quando - depois de alguns anos - cansou-se dela, arranjou-lhe um marquês para marido. Em troca, ela deu a Luís duas filhas.

Outra menina que recebeu favores especiais era a filha ilegítima do visconde de Ravel - Lucie-Magdeleine d'Estaing, que também deu ao rei duas filhas.

Madame de Pompadour via com bons olhos tais relacionamentos, desde que entretivessem o rei e não lhe dessem a menor apreensão. Sabia que, como as consequências do atentado de Damiens haviam trazido desgraça a homens poderosos, como d'Argenson e Machault, era preciso haver um homem ou mulher muito corajoso para ousar desafiar-lhe o poder.

Mas a marquesa, sempre vigilante, começou a perceber que o rei não visitava o Pare aux Cerfs com a mesma avidez de antes, e lhe ocorreu que ele fartara-se das suas grísettes.

Se foi isso mesmo, poderia apenas significar que haveria o perigo de uma dama da corte se tornar perigo iminente. Tinha amigos poderosos por trás, conquistando a atenção do rei.

Temia que Lê Bei, à procura de mulheres que agradassem seu senhor, as escolhesse de acordo com o próprio gosto. Isso poderia resultar numa torrente de meninas, com características parecidas, levadas a Pare aux Cerfs? Não admira que Luís estivesse ficando exausto!

Dever-se-ia encontrar uma beleza de tipo inteiramente diferente, e a marquesa resolveu mandar que novos descobridores de talento saíssem em sua busca.

Mandou chamar Sartines, o tenente da Polícia, e lhe ordenou que procurasse em Paris uma menina bonita, mas nada tendo de banal; deveria ter alguma qualidade surpreendente na aparência; alguém que fosse bem diferente.

Sartines, quando percebeu que um de seus mais importantes deveres, se fosse inteligente, era agradar à marquesa, saiu à procura.

Sua tarefa era difícil, pois as aventuras inesgotáveis do rei pareciam tê-lo levado a conseguir todas as formas e medidas.

Um dia, numa casa de jogo, conversou negligentemente com a proprietária. Ela falou com saudades da sua infância em Grenoble.

- Ah, monsieur, se meus pais pudessem ver-me agora! Que diferença, hem... Aquela casa pacata na praça. Papai, tão rigoroso.

Tendo tanto cuidado com as filhas... e o que aconteceu? Uma delas veio a Paris para dirigir uma casa de jogo.

Sartines concordou com a cabeça. A mulher era bonita e, naquele dia, ele não queria tentar a sorte nas mesas. Convidou-a a beber, e ela aceitou; mas Sartines via que seus pensamentos estavam distantes, numa casa pacata, numa praça de Grenoble.

- Oh, sim, papai nos protegeu bem. Eu... e minha irmã. Lembre-se, ele a vigiou bem. Fui vê-los há apenas alguns meses. Precisava parecer muito respeitável, senhor tenente. Nem me referi à casa de jogo! Se a mencionasse não me permitiriam ver minha irmã. Ela é linda. Nunca vi ninguém como ela. É como essas estátuas que se vêem nos jardins. É a mulher mais alta que já vi.

- A mulher mais alta que já viu... - sussurrou o tenente, precipitado. - Diga-me, qual a altura de mademoiselle'?

- Mademoiselle de Romans tem um metro e oitenta centímetros, juro. É exatamente como uma dessas deusas de pedra. Sempre pensei que não pudessem haver mulheres como ela - mais alta que as outras, com o corpo perfeito, com olhos e cabelos negros. Minha irmã é uma deusa, monsieur. Se a visse, saberia por que não a deixam sair de casa sem dama de companhia.

- Se eu a visse, tenho certeza de que concordaria com você respondeu o tenente, a sorrir.

Sartines resolvera vê-la - e sem demora.

Assim que Sartines pôs os olhos em mademoiselle de Romans, teve certeza de que terminara a procura imposta por madame de Pompadour.

Viu-a na companhia dos pais. O advogado de Romans era muito claramente um homem severo e hipócrita; mas o tenente não tinha quaisquer escrúpulos. As honras a receber por tornar-se amante do rei eram iguais a quaisquer outras que mademoiselle de Romans conseguiria com um casamento contraído em Grenoble - principalmente se houvesse dote, como o tenente estava certo de que o advogado de Romans daria.

Pediu para ser convidado à casa de de Romans, afirmando ter chegado de Versalhes, após negócio muito importante. A palavra mágica "Versalhes" imediatamente atingiu o alvo e, enquanto estavam sentados tomando vinho, o tenente declarou:

- A sua filha deve ser a menina mais linda de Grenoble, talvez da França.

O advogado pareceu satisfeito.

- Que bem precioso - continuou o tenente. - Ela, claro, não é apenas linda, também é virtuosa.

- Nós a protegemos bem - acrescentou o advogado. - Mas, monsieur, vamos tratar do seu negócio?

- Ela é o meu negócio, monsieur de Romans. Quero que a leve a Versalhes.

- Com que objetivo?

- Isso dependeria de sua filha. Poderia ocupar uma posição na corte, monsieur. É pecado esconder do mundo uma criatura que tanto se destaque em beleza e afaste-a das vantagens que ela tem.

Monsieur de Romans apoiou os cotovelos na mesa e olhou seriamente o tenente.

- Minha filha tem muitos pretendentes, monsieur. Até agora, não houve ninguém que eu julgasse digno dela. Para levar em conta a sua sugestão, necessito de uma proposta excelente. Preciso pensar no futuro de minha filha.

- É um pai sensato, monsieur. Façamos um acordo. Deixe-a ir a Versalhes... oh, com toda a decência, claro. Asseguro-lhe que não haveria dificuldade em fazer o rei reparar nela. Além do mais, depois que sua majestade pusesse os olhos em mademoiselle de Romans, estou certo, ele ficaria tão encantado com sua beleza que garantiria uma ótima proposta, que você não iria rejeitar.

- Teria de ser uma proposta muito boa - protestou o advogado.

- Vamos arranjar isso. Leve-a a Versalhes. Se a... proposta não for do seu agrado, traga-a de volta a esta vida, afastada de tudo. Tenho certeza de que ela vai encontrar um marido digno, da haute bourgeoise, aqui em Grenoble. Isso sem dúvida seria muito satisfatório para uma jovem de sua posição na sociedade - sem grandes ambições.

Os olhos do advogado brilharam com avidez e decisão.

A filha iria para Versalhes. Previa-lhe um brilhante futuro; com isso, ele e a mulher não receariam mais que a filha tivesse uma união ilícita. Quem sabe, tal união poderia levar a um casamento com a haute noblessel Qual o futuro da filha caso continuasse a viver uma vida protegida em Grenoble!

Quando o rei viu mademoiselle de Romans, ficou encantado.

Afirmou que parecia uma deusa. Era Minerva, com formas tão perfeitas, uma mulher a destacar-se de todas as outras pela perfeição física, uma mulher que com certeza não era terrena.

Sartines informou ao rei que seu pai era um advogado muito respeitado e que, como tal, não iria permitir que a filha fosse morar no Pare aux Cerfs.

- De fato, não - concordou o rei. - Arrume logo uma residência para ela. Que seja luxuosa o bastante para agradar aos pais, para que eu me sinta grato a eles que criaram uma filha dessas.

A moça tinha menos de dezenove anos e ficou completamente tonta com a mudança de sorte que lhe surgiu. Fora bem educada, fato que teria perturbado a marquesa, se soubesse disso; a beleza delicada da amante real em breve conquistou-lhe a relutância. As maneiras afáveis do rei logo fizeram-na sentir-se à vontade. Deveria esquecer, pediu-lhe Luís, que ele era o rei. Quando juntos, era simplesmente Luís de Bourbon, que, a cada dia, estava mais profundamente apaixonado por mademoiselle de Romans.

Sartines tinha com certeza conseguido achar alguém diferente dos passatempos pequenos e belos que só o agradavam por pouco tempo.

Essa amazona inteligente e jovem, acreditava Luís, nunca deixaria de ter a capacidade de encantá-lo. Tinha certeza de que nunca se cansaria dela.

Mademoiselle de Romans era meiga por natureza e isso o atraía; não pedia coisas impossíveis, embora soubesse não ser grísette, mas filha de respeitável advogado.

Luís estava impaciente por enchê-la de presentes. Mademoiselle de Romans possuía suntuosa carruagem própria e nela atravessava Paris, com sua beleza de estátua. Por causa de sua grande estatura, não usava os magníficos cabelos arrebanhados no alto, mas caídos sobre a cabeça. Em pouco tempo, as mulheres de Paris seguiam a nova moda e os cabelos eram penteados à La Romans.

As pessoas passavam pela encantadora casa em que morava em Passy para vê-la, para reparar no que usava e na forma como penteava os cabelos.

Tornou-se conhecida em toda a Paris e Versalhes como La petite mattresse, a pequena amante, um apelido que em parte lhe davam por ironia, porque estava longe de ser petite, em parte para diferençá-la da grande mattresse, a grande amante, madame de Pompadour.

Madame de Pompadour sorria afável à recém-chegada, mas, após algum tempo, começou a perguntar-se se Sartines fora atencioso demais em seu dever ao achar alguém bem diferente de todas as outras.

Pompadour era bem esperta para dar semelhante ordem.

Soube da ordem porque tinha informantes em todos os lugares e naturalmente não iria vigiar a residência de mademoiselle de Romans, mas soube que a petite mattresse do rei muitas vezes recebia-o recostada num divã de tafetá, totalmente nua, com os maravilhosos cabelos muito longos, formando um manto azul-escuro ondulante, vendo-se por baixo sua pele de alabastro que brilhava como as estátuas nos jardins de Versalhes.

A marquesa estremeceu. Precisava vigiar La petite maitresse.

O duque de Choiseul estava encantado com as propriedades que adquirira.

Fora encarregado dos Assuntos Estrangeiros, Guerra e Marinha; e, como o país estava em guerra, era praticamente o homem mais importante da França.

De natureza otimista, não deixava que a derrota o deprimisse; tinha uma crença ilimitada na própria capacidade de governar e, não importa a desgraça que ocorresse à França, tinha certeza de que ele, o grande Choiseul, o homem importante, salvaria o país e a ele próprio de todas as provações.

Entregara-se totalmente à causa austríaca porque era de Lorena e, como o marido de Maria Teresa era o duque de Lorena, havia certo parentesco entre ele e a Casa Imperial da Áustria. Resolvera manter a aliança, mesmo que fosse mal acolhido.

Era jovial e espirituoso, e, por isso, divertia o rei. Se os negócios de estado não eram satisfatórios, Luís preferia a opinião otimista; preferia ficar em companhia de homens que o fizessem rir. Choiseul, ao tornar mais leves as dificuldades da França e fazer as perspectivas mais felizes, deixava Luís tranquilo e possibilitava-o de continuar com seus prazeres e a consciência tranquila.

Choiseul pusera em execução o terceiro Tratado de Viena em que prometia a Maria Teresa a ajuda de cem mil franceses. O tratado assegurava-lhe que a França não assinaria um tratado de paz, até que Frederico devolvesse a Silésia à Áustria. Não era surpresa que Maria Teresa estivesse contente com o tratado, em especial porque, em troca desses benefícios, não lhe pediram para ajudar a França em sua luta contra a Inglaterra. Choiseul, no entanto, recebera promessa da czarina Elisabete, para ajudar a França a lutar contra os inimigos.

A marquesa convenceu o rei de que Choiseul era o estadista mais brilhante que a França conhecera desde os tempos dos cardeais Richelieu e Mazarino.

Enquanto isso, Choiseul escolhia com cuidado, para servi-lo, os subordinados em quem podia acreditar. Muitas de suas ações eram mais corajosas do que brilhantes. Tentara invadir a Inglaterra, esquecendo-se, no entusiasmo, do poder da armada inglesa. As esquadras francesas eram miseravelmente derrotadas em qualquer lugar onde atacassem, e o resultado, uma desgraça tão grande que os franceses não podiam mais dizer que possuíam uma esquadra nacional.

O ano de 1759 foi de tragédia. No Canadá, o marquês de Montcalm implorava ao governo que lhe enviasse ajuda contra os ingleses. Morreu em Quebec, em setembro desse ano, e, embora o general Wolfe, o comandante das tropas britânicas, também morresse, essa batalha terminou numa vitória retumbante para os ingleses.

Choiseul, ao perceber que não poderia vencer a guerra, procurou fazer a paz com a Inglaterra, mas o primeiro-ministro Pitt estava resolvido a continuar a guerra.

O povo protestava contra a aliança com a Áustria, e Choiseul, alegre como sempre, esperto como um feiticeiro, olhava ao redor à procura de um novo coelho para tirar do chapéu.

Acreditava tê-lo.

Foi ver a irmã, com quem muitas vezes discutia negócios. Tinha grande respeito por ela, e sua devoção apaixonada cegava-o com relação aos muitos defeitos dela.

Recebeu-o com afeto.

Olhava-a com admiração, a cabeça inclinada, observando-a como a bem-amada companheira de infância que levara à corte para ficar do lado dele, quando tinham pouquíssimo dinheiro e apenas a nobre linhagem de ambos como trunfo.

- Você é linda - sussurrou-lhe ele.

Ela atraiu-o num abraço. Era mais alta que ele e muitos dos inimigos diziam que, dos dois, era ela a mais masculina.

- Por que o rei precisava mandar vir uma filha de advogado quando poderia achar na corte o que queria? - murmurou Choiseul.

A duquesa riu.

- Ah! E como vai o notório caso amoroso com Vénus?

- Minerva, minha querida Minerva. Eu soube pelos próprios lábios de sua majestade. Mademoiselle de Romans é tão extraordinária como uma deusa. É a própria Minerva.

- Minerva - acrescentou a duquesa. - Eu agora deveria achar Vénus mais de acordo com o ânimo de Luís. Minerva não foi impermeável às exigências do amor?

- Houve Vénus demais na vida de Luís. Deixe-o ficar com Minerva para variar. Variar! É tudo variedade. Richelieu incutiu nele que a variedade é o molho que transforma a refeição em banquete. Mas você, minha querida, faz-me lembrar Minerva, e não consigo ver a razão...

A duquesa fez uma careta.

- Você não consegue ver a razão. Meu caro Étienne, que ideias está pondo em minha cabeça? Há uma cabeça que veria muito bem a razão. Meu querido, ela é sua grande amiga; minha, também. Você sabe por que devemos tornar as costureiras em nossas pequeninas Vénus das costureiras, nossas Minervas da bourgeoisie. Ela não iria tolerar que um de nós ocupasse esse lugar que ela guarda tão ciosamente, embora não possa mais ocupá-lo.

- Seria perigoso... muito perigoso perder a amizade dela.

- É por causa dessa amizade, meu caro irmão, que você está hoje onde está.

- E onde pretendo ficar.

Ele ficou calado por um instante; depois, dando-lhe o braço, levou-a a um divã, onde se sentaram; e, ainda abraçando-a, informou:

- Tenho um plano. As pessoas estão impacientes, como sabe, e devemos fazer alguma coisa com a maior rapidez. Dizem que "Os ingleses estão contra nós. Os prussianos estão contra nós; nossos amigos são os austríacos, nossos velhos inimigos". As pessoas desanimam porque têm medo dos inimigos e não confiam em seus amigos. Tenho ideia para um pacto que vou chamar Pacto de Família.

Ela concordou com a cabeça, a sorrir cheia de admiração.

- Você é um génio, meu querido.

Ele aceitou o cumprimento, alegre. Acreditava tanto quanto ela.

- Percebeu que certa parte da Europa é governada pela família Bourbon? A França, a Espanha, Nápoles e Parma. Em época de tensão, as famílias deveriam unir-se. Proponho agora que se mostre ao povo da França que, ao contrário do que dizem esses pessimistas, os Bourbons têm muitos amigos na Europa. Dizem que temos apenas um aliado. Apenas um aliado! Se eu fizer esse pacto... e vou fazê-lo... direi a eles: "Todos os Bourbons da Europa são nossos amigos. Estamos unidos contra todos os nossos inimigos. Uma família. Da Espanha à Sicília, basta eu acenar e ela virá."

- Virá?

Choiseul deu de ombros.

- Nossa maior necessidade no momento, querida irmã, é acalmar as pessoas, torná-las felizes. Um passo de cada vez.

Ela sorriu.

- Estou vendo. Percorremos um longo caminho, a partir da pobreza de nossa infância, irmão.

- E vamos muito mais além... nós dois, minha querida... você e eu. Nossa querida amiga não vai durar para sempre. Não pode durar para sempre.

- E então?

- E então, e então... - murmurou Choiseul - pode ser que o rei não precise procurar sua deusa tão longe da corte, hem?

- Mas o tempo está passando, Étienne.

- O tempo! O que é o tempo para nós? Somos imortais. Não vejo por que você deva ocupar o primeiro lugar na terra. Outros além de nossa querida amiga não podem durar para sempre. Lembro-me de madame de Maintenon.

- Étienne!

Choiseul pôs a mão de leve nos lábios da irmã.

- Cale-se, por enquanto, querida. Podemos esperar. Aprendemos a esperar. Vamos esperar muito pouco tempo... só muito pouco tempo.

- Sonhos pretensiosos, Étienne - respondeu ela.

- As grandes reputações, minha irmã, começam invariavelmente como sonhos pretensiosos.

- Nós dois juntos, irmão! Há alguma restrição à altura que vamos galgar?

- Só o cume é nosso limite, irmã. Espere e veja. O futuro é otimista para o duque de Choiseul, e jura que vai partilhar com ela de toda a glória que sempre será dele. O futuro ama a nossa amiga muito mais que todas as outras.

Houve ocasiões necessárias, quando, muito a contragosto do rei, ele teve de visitar Paris.

O povo agora esquecera seu breve retorno, a fim de tratá-lo com carinho quando se lembravam de que ele estivera à morte porque Damiens o agredira com um punhal. Enquanto rodava pelas ruas da cidade, não lhe gritavam insultos; apenas o olhavam sérios e em silêncio. Na verdade, era tal a sua majestade que era quase impossível insultá-lo em sua presença.

Ele sentava-se rígido em sua carruagem, duro, parecendo indiferente ao ânimo do povo.

Multidões de pessoas juntavam-se para vê-lo passar, conforme sempre haviam feito, e foi somente depois de a carruagem passar estrondosamente que o burburinho surgiu.

Quando a carruagem passou pelos Jardins das Tulherias, Luís viu rapidamente uma menina loura com o pai, evidentemente um velho soldado.

As roupas da menina eram ricas, embora de modo algum elegantes, e o pai se inclinava na sua direção. Luís podia imaginar as palavras que ele lhe dizia.

- Veja, lá está ele. Lá está o rei.

Os belos olhos azuis da menina estavam arregalados de emoção. Ela apontava para a carruagem. Luís inclinou-se um pouco à frente e baixou ligeiramente a cabeça para agradecer-lhe o gesto.

Via um belo sorriso no rosto dela.

Uma menina encantadora, pensou. Vê-la valeu a pena a viagem.

A menina deve ser muito jovem. Imaginava ele que deveria ter um pouco menos de quatorze. As meninas dessa idade pareciam-lhe particularmente deliciosas. Tinham certa inocência, que mais tarde se perdia.

Luís perguntava-se quem era ela, e imaginava como seria agradável segurar-lhe as mãos, abraçá-la e dizer-lhe que, por ter uma súdita como ela, fazia o seu rei muito feliz.

Ao voltar a Versalhes, mandou chamar Lê Bei.

- Hoje vi uma menina encantadora nos Jardins das Tulherias - informou ele.

- E vossa majestade deseja conhecê-la?

- Era atraente, mas muito malvestida. O vestido era cor-de-rosa e usava jóias, obviamente falsas. Eu gostaria de ver uma menina tão atraente como essa bem vestida. Ela apontou para a carruagem. Gostaria que ensinassem essa menina linda a comportar-se.

- Se vossa majestade me dissesse o nome dela...

- Não sei o nome. Mas a vi ao passar pelas Tulherias.

- Sire, não vai ser fácil encontrá-la, se não soubermos o seu nome nem onde vive. Há muitas meninas que vão aos Jardins das Tulherias.

- Você desiste fácil demais - respondeu o rei. Lê Bei transpirava de receio.

- Sire, vou procurar em todas as ruas de Paris. Se for possível achar essa menina, nós a teremos.

- Enquanto isso, mande chamar Sartines. Vou pedir-lhe ajuda. Lê Bei ficou irritado. Sabia que Sartines havia descoberto

mademoiselle de Romans, mas ficava aborrecido que encarregassem o tenente de Polícia de funções que, antes, considerava como suas - que fossem, é claro, partilhadas com os outros valeis de chambre. Quando Sartines chegou, evidentemente encantado por chamarem-no para esta missão do rei, Luís manteve Lê Bei com ele, enquanto explicava o que esperava de ambos.

- Sartines, o senhor é tenente da Polícia - começou ele. Precisa trazer-me uma jovem que vi hoje nos Jardins das Tulherias.

- Ser-lhe-á trazida imediatamente, sire - informou Sartines.

- Se encontrá-la - acrescentou o rei, enquanto Lê Bei sorria, sarcástico.

- Desconfio que Lê Bei não tem esperança de encontrá-la acrescentou o rei.

Sartines sorriu.

- Nós, da polícia, temos nossos métodos.

- Exatamente como eu pensava - atalhou o rei. - Talvez possa ensinar alguns deles a Lê Bei.

- Sua majestade viu a menina com o pai nos Jardins das Tulherias - completou Lê Bei. - É loura, tem olhos azuis, menos de quatorze anos e é muito bonita. O pai é um antigo soldado. São todos os pormenores que temos. Mas não duvido, monsieur, de que, com os métodos eficientes da polícia, o senhor tenha pouca dificuldade em achar uma menina dessas no povo de Paris.

Sartines inclinou a cabeça para um lado.

- A menina estava numa carruagem, sire?

- Não, a pé - respondeu o rei.

- E estava bem vestida?

- O vestido era horrível e cor-de-rosa, mas felizmente não conseguia esconder-lhe o encanto. Era, com certeza, um vestido novo.

- Então, esse detalhe vai ajudar - acrescentou Sartines. Se a família não tem carruagem, não pode ser rica, e a jovem usa o vestido com frequência em suas andanças pelos jardins. Como não estava de carruagem, é muito possível que more perto das Tulherias, pois se torna muito difícil que vá longe com esse vestido cor-de-rosa.

O rei riu e pôs uma mão no ombro de Sartines; a outra, no de Lê Bei.

- Veja, Lê Bei, como fomos espertos ao mandar chamar a polícia - animou ele. - Trabalhem juntos, meus amigos. Não quero ver meu bom amigo Lê Bei infeliz. Traga-me essa menina. Diga aos pais dela que não se arrependerão de a colocarem sob meus cuidados.

O valet de chambre e o tenente da Polícia retiraram-se e foram iniciar a missão.

Sartines sorria de contentamento; encontrar meninas para o rei era um negócio mais vantajoso do que caçar criminosos para a lei.

- A primeira pessoa a quem vamos perguntar é o vendedor de limonada, no terraço - informou Sartines. - Se levam muitas vezes essa menina aos jardins, é muito provável que ele a conheça mais do que qualquer outra pessoa. É um velho amigo meu.

O vendedor de limonada não pareceu satisfeito ao ver o velho amigo Sartines.

Ele obviamente ficou desconfiado, com ar de culpa. Sartines não queria preocupá-lo com alguma falta que tivesse na consciência; viera atrás de uma informação que o homem da limonada não precisava ter medo de dar-lhe.

- Bom dia, meu amigo. Que calor, hem? Um copo de limonada? É disso exatamente que precisamos num dia como este.

- Exatamente - completou Lê Bei.

Sentaram-se nos degraus do terraço e beberam a limonada que lhes foi servida.

- Queremos a sua ajuda - começou Sartines.

- Senhor, não fiz nada - protestou o vendedor de limonada. Não posso imaginar por que a polícia não me deixa em paz.

- Queremos perguntar-lhe algo inocente.

- É sobre uma menina - informou Lê Bei.

- Quem é ele? - quis o vendedor saber, suspeitoso, apontando para Lê Bei.

- Um fidalgo de Versalhes.

O vendedor de limonada deu um sorriso largo e forçado. Era provável tratar-se de um policial, trajado de forma diferente. Lê Bei explicou, impaciente:

- Reparou numa jovem... quase uma menina... que esteve aqui ontem com o pai? Estava muito bem vestida de rosa. O pai era um velho soldado e vieram ver o rei passar por aqui.

O vendedor de limonada contorceu o rosto.

- O que fizeram? - perguntou ele.

- Nada de que se possa acusar. O homem sacudiu a cabeça.

- Tenho muita coisa a fazer. E nenhuma delas inclui ficar reparando na multidão.

- Mas, com certeza, fica atento aos fregueses, não? Sartines tirara do bolso algumas moedas, que fez tilintar sugestivamente.

Ao ver isso, os olhos do vendedor de limonada brilharam.

- Mas como entro nessa história? - quis ele saber.

- Você? Nada tem a ver com isso - explicou Sartines. - Está apenas nos dando a informação que pedimos, e pela qual estamos prontos a pagar.

- Bem, reparei nela, bem ali! Quem poderia deixar de reparar nela, com aquele vestido? Compraram a minha limonada. Sempre compram, quando passam por aqui.

- E sabe quem são?

O homem hesitou, e Sartines enfiou as moedas na mão dele.

- O pai é monsieur de Tiercelin - respondeu ele. - Sente forte afeição por essa menina. E madame também. Acham que ninguém é bom o bastante para pôr os olhos nela.

- Obrigado - concluiu Sartines e falou a Lê Bei: - Vamos. Não vai ser difícil achar a casa de monsieur de Tiercelin, é perto das Tulherias.

Não foi difícil. Menos de meia hora depois do encontro com o vendedor de limonada, ambos eram recebidos na casa de Tiercelin.

- Agora é sua vez, monsieur Lê Bei - determinou Sartines. A empreitada diante dele era lugar-comum para Lê Bei. Sabia

disso. Era raro deparar-se com pais que não ficassem muito alegres ao saber da sua missão; e, seja como for, com um pouco de persuasão, com um pouco de previsão do futuro glorioso que aguardava sua filha, em pouco passaram a ficar receptivos a sugestões.

Monsieur e madame de Tiercelin foram levados a uma saleta de estar muito enfeitada e bastante horrorosa, para os olhos acostumados ao refinado gosto de Versalhes.

- Vou dizer-lhes rapidamente por que vim aqui - informou Lê Bei. - Sirvo ao rei e estou aqui por ordens dele. Sua majestade viu a filha de vocês, ontem, nos Jardins das Tulherias. Achou-a encantadora e gostaria de conhecê-la.

Os Tiercelin olharam-se. Não ficaram evidentemente surpresos. Consideravam a filha a menina mais bonita de Paris. Talvez por isso a levassem para ver o rei passar.

Madame de Tiercelin afirmou:

- Nossa filha é muito jovem.

- Quantos anos? - perguntou Lê Bei.

- Doze.

- O rei ofereceu encarregar-se de sua educação, durante alguns anos.

- Educá-la... como dama da corte!

- Sem dúvida, ele vai em pessoa supervisionar a instrução da menina.

Os pais olharam-se, os olhos brilhando.

- Fazem objeção a essa oferta do rei? Não é uma ordem, sabem disso.

Madame de Tiercelin olhou o marido e, com a cabeça, respondeu que aprovava.

- Nossa filha é uma menina muito atraente - começou monsieurde Tiercelin. - Já recebeu pedidos de casamento...

- Se acham que podem proporcionar à menina um marido mais digno do que o rei poderia, então façam sua escolha. Sua majestade não deseja causar-lhes qualquer infelicidade quanto a isso. - Lê Bei dirigiu-se a Sartines. - Vamos, monsieur, vejo que o senhor e madame de Tiercelin não concordam que a sorte grande pode acontecer àqueles por quem sua majestade tem um interesse paternal. Não temos instruções para contar-lhes isso. Vamos indo.

Madame de Tiercelin olhava o marido como se o considerasse um idiota.

- Esperem, messieurs - concluiu ela.

Então, Lê Bei e Sartines tiveram certeza de que o caso de mademoiselle de Tiercelin seria tão simples como muitos outros.

Talvez por causa da gravidez de Madeleine Romans - e o rei sempre fugia de mulheres grávidas -, Luís passou a dar muita atenção a mademoiselle de Tiercelin.

Ela foi sozinha a Versalhes - uma criaturinha esperta, de fato muito graciosa de ver-se, sem o horroroso vestido cor-de-rosa e usando os trajes que lhe haviam escolhido.

Fora totalmente mimada pela família e, portanto, tinha pouco respeito pelo rei. Felizmente para mademoiselle de Tiercelin, ele estava disposto a regozijar-se com isso.

A bela mademoiselle de Romans era digna e, embora nunca houvesse aprendido a etiqueta da nobreza, caso lhe ensinassem alguma coisa - como no caso de madame de Pompadour -, sentirse-ia à vontade nos círculos sociais da corte. O rei não tinha intenção de casar-se com a sua escultural amante; procurava apenas um pouco de divertimento enquanto a primeira estivesse grávida, e mademoiselle de Tiercelin fornecia-lhe o passatempo apropriado.

Luís considerava a menina tão divertida que afirmou que ele próprio iria encarregar-se da sua educação por algum tempo. Foi o que fez: ensinou-lhe muitas lições nos petits appartements, até mesmo ao ter com ela uma refeição de vez em quando.

Era uma experiência que nunca tivera antes, e divertia-o saber que o delfim sentia-se ainda mais escandalizado que sempre.

Porém, quando o filho de mademoiselle de Romans nasceu, ele sentiu desejo de ficar mais tempo na companhia da menina e tornou-se muito carinhoso com o bebé, que se parecia com a sua "Belle Madeleine".

Quanto a Madeleine de Romans, estava totalmente feliz. Adorava o filhinho e sentia forte afeto pelo rei. Não fora muito exigente quando única amada, mas, agora que tinha esse belo menino, resolvera ganhar dele as mais altas honrarias.

Quando ainda de resguardo com o filhinho, o rei veio visitá-la e exprimiu grande prazer ao vê-la restabelecida do parto e demonstrou um interesse maior no menino.

- Sinto-me muito feliz - afirmou-lhe ela. - Há apenas uma coisa de que preciso, para que a felicidade seja total.

Parecia tão bonita, com os cabelos negros espalhados nos travesseiros, que Luís não pôde deixar de responder-lhe, apaixonado:

- Se estiver em meu poder conceder-lhe, eu o farei.

- Está em seu poder - atalhou ela.

- Então, você conseguiu a felicidade perfeita.

- Nosso filho, dentro em pouco, será batizado - acrescentou ela. - Eu gostaria que tivesse o nome Bourbon.

Luís hesitou. Mas lhe dera a palavra e, embora pudesse muito bem quebrar uma promessa feita aos ministros, achou difícil fazer isso no caso de uma mulher excepcionalmente bela, que pedia de forma tão encantadora.

Inclinou-se e beijou-a. Aconselhou-lhe:

- Tome conta de monsieur Bourbon.

O sorriso de felicidade foi prémio bastante, concluiu ele; e continuou a pensar nela, depois de deixá-la.

Por isso, não estava disposto a ver a impertinente mademoiselle de Tiercelin. Uma criança encantadora, achava ele, mas atrevida, atrevida demais. Precisava ser disciplinada, o que achava difícil de conseguir-se.

Quando voltou a Versalhes, mandou chamar Lê Bei. Começou:

- Creio que prometemos a monsieur e madame de Tiercelin educar a filha deles a fim de ajustá-la à posição que ela algum dia poderá ser chamada a ocupar.

- Prometemos, sire.

- Então tome as providências necessárias. Deverá ir para um convento, onde receberá essa educação.

- Assim será feito, sire - respondeu Lê Bei.

A corte agora sabia que o rei cansara-se temporariamente de sua companheira de folguedos, pequena e maliciosa, e que voltara à relação amorosa mais digna com a escultural mademoiselle de Romans.

Os sonhos de Madeleine de Romans concentravam-se no menino com os olhos azul-escuros que, declaravam todos que o viam, revelavam ser ele filho do rei.

Negava-se a deixar que qualquer uma de suas criadas o banhasse ou vestisse. Dormia com ele no quarto, e ela própria alimentava-o. Ficava apavorada de permitir que qualquer pessoa o tocasse, pois somente ela conseguia entender como o bebé era precioso!

Enquanto o amamentava, imaginava as glórias que o alcançariam. Como fora batizado com o sobrenome de Bourbon, instigaria o rei para reconhecê-lo publicamente como filho natural. Antes que fosse tarde, convenceria o rei a legitimá-lo. Luís XIV não havia legitimado alguns de seus filhos ilegítimos?

Ele seria conde, duque. Teria um lugar seguro na corte. Tornarse-ia tão vistoso que todos o amariam.

- Meu pequenino - sussurrava -, sua sorte está feita. Algum dia, será um dos homens ilustres da França... - Ela se corrigiu.

- Algum dia, será o homem mais ilustre da França.

Tinha tanta certeza de que seus planos tornar-se-iam realidade que resolvera que ele deveria ser tratado desde o início da vida como um membro da família real dos Bourbon.

Todos os criados deveriam seguir o seu exemplo e chamar a criança de alteza. Todos deveriam curvar-se antes de aproximaremse dele. Tão logo ficou mais velho, levou-o a passear no Bois. Viajava sozinho na carruagem, enquanto ela ficava sentada na boleia com o cocheiro, como qualquer preceptora. Desejava que o mundo soubesse que ela, sua mãe, era-lhe socialmente inferior.

Isso provocou muitos comentários e, como sabia-se que o menino fora batizado com o nome de Bourbon, em pouco tempo circulavam rumores de que o rei prometera a mademoiselle de Romans reconhecer a criança como filho.

Madame du Hausset ouviu estas notícias e apressou-se a leválas à marquesa.

- É uma situação perigosa, madame - alertou ela.

A marquesa ficou pensativa. Se ao menos tivesse dado a Luís um filho como esse, assim considerado!

- Ele costumava casá-las assim que aparecessem grávidas refletiu a marquesa.

- Sim, madame. Não há dúvida de que seus sentimentos por esse são diferentes.

- É uma pena. E o que foi feito da jovem Tiereelin?

- Está agora frequentando uma escola em Paris, madame. Foi mandada para lá pouco depois de a criança nascer.

- Como é ele? Tão bonito como a mãe?

- Dizem que muito vistoso, madame, notavelmente parecido com sua majestade. Mademoiselle de Romans está tão orgulhosa que o leva todas as tardes ao Bois e o amamenta em público.

Por uns momentos, madame de Pompadour ficou pensativa; depois declarou:

- Hausset, hoje à tarde vamos dar um passeio no Bois.

A marquesa e madame du Hausset desceram da carruagem e caminharam sob as árvores.

Era uma tarde quente, mas a marquesa tinha uma mantilha enrolada frouxa ao redor do pescoço, que lhe escondia a metade inferior do rosto. Seu chapéu de abas largas sombreava-lhe os olhos.

Nesse dia, não havia muitas pessoas no Bois; por isso, madame du Hausset não teve dificuldade em levar a patroa ao local onde mademoiselle de Romans, sentada sob uma árvore, amamentava o bebé.

Madame du Hausset aproximou-se de mãe e filho.

- Desculpe-me, madame - começou ela -, mas que belo bebé.

Mademoiselle de Romans sorriu, encantada.

- Obrigada - respondeu. - Concordo inteiramente.

- Minha amiga deseja vê-lo. No momento, está sofrendo de forte dor de dente.

- Lamento ouvir isso - respondeu mademoiselle de Romans.

- Deve estar sentindo muita dor.

Olhou para a marquesa, que cobrira o rosto mais cuidadosamente nas dobras da mantilha e aproximara-se. Ela segurava o bebé, e a marquesa curvou-se para vê-lo.

- Encantador, encantador - murmurou ela.

- Ele parece com você ou o pai? - perguntou madame du Hausset.

Mademoiselle de Romans não conseguiu esconder o sorriso de satisfação que lhe surgiu no rosto.

- Disseram-me não poder haver dúvida alguma de que seja filho do pai - respondeu sorrindo. - Tenho certeza de que a senhora iria concordar comigo se eu lhe dissesse quem é ele.

- Tenho a honra de conhecê-lo?

Mais uma vez, o sorriso mostrou-se nos cantos da boca de mademoiselle de Romans. Respondeu, séria:

- É muito provável que o tenha visto.

- Que generosidade a sua, mostrar-me esta pessoinha encantadora -acrescentou madame du Hausset.-Perdoe-nos a intromissão.

- Senhoras, foi realmente um prazer. Vocês foram muito simpáticas.

Enquanto se encaminhavam de volta para a carruagem, madame du Hausset sabia que a marquesa ficara transtornada.

- Os boatos não mentiam sobre o menino - declarou ela. Ele é realmente um belo modelo. Quanto à mãe, é muito linda.

Enquanto isso, mademoiselle de Romans continuava a sorrir. Beijou os cabelos escuros do bebé e sussurrou para si:

- Pensavam que me enganavam? Pensavam que não as reconheci? Era a própria madame de Pompadour com a fiel madame du Hausset. E vieram aqui para ver sua alteza preciosa. Agora sabemos que não vai demorar. Ela não disse que você era uma criança bonita? Em breve, vai ser reconhecido publicamente, meu amorzinho. Então, o mundo inteiro vai aceitar que é filho do rei... e, depois disso, meu querido, não terão fim as honras que pedirei para você; e, por ser tão irresistível, vai consegui-las.

Nessa tarde, foi uma mademoiselle de Romans muito contente que se sentou com sua alteza, no Bois.

Mademoiselle de Romans sentiu dificuldade em controlar a efusão. Contou às criadas a razão disso.

- Não pode levar muito tempo para que sua alteza seja considerada legítima - esclareceu ela. - Já teve a aprovação de madame de Pompadour. Acredito que sua majestade mandou-a ao Bois para ver meu filho, para convencê-la de que ele é tudo o que o pai acredita que seja.

As criadas ficaram um pouco indecisas. Madame de Pompadour, com certeza, iria sentir ciúmes de sua alteza.

- Oh, não, ele é tão afável - afirmou mademoiselle de Romans.

- As pessoas, quando o olham, se apaixonam.

As criadas sugeriram:

- Madame, quando sua alteza for agraciada, talvez a mãe também o seja.

Mademoiselle de Romans admitiu que isso poderia acontecer.

Era impossível a essa mãe extremosa reprimir o orgulho. Quando levava o filho ao Bois e as pessoas paravam para admirá-lo, ela via-se explicando quem ele era, e por que o chamavam alteza. Insinuava que, em breve, reconhecê-lo-iam.

O boato espalhou-se por Paris. Como é linda a petite mattresse do rei, e o filho é com certeza uma das crianças mais encantadoras de Paris. Sabia que ele vai ser reconhecido como filho do rei? A marquesa vai ter que tomar cuidado, hem? Com a Petite Mattresse, com certeza. Pode estar certo de que a mãe dessa criança pretende ser recebida em Versalhes como mâitresse-en-titre.

A marquesa e o rei andavam nos jardins, de um lado para o outro. Passaram pela Orangerie, a estufa de inverno para os frutos cítricos, e olhavam atentos a Pièce d'Eau dês Suisses quando a marquesa retrucou:

- Mademoiselle de Romans está espalhando um boato na capital, desconfio.

A expressão do rei endureceu-se ligeiramente, mas a marquesa estava mais segura de si do que, antes, no caso Damiens, e sentia que, nesse assunto, precisava agir, mesmo com o risco de ofender o rei.

- A criança é com certeza bonita - continuou ela. - Pode-se compreender o orgulho que sente por ele. Mas acho que a mulher perdeu o senso de equilíbrio, e isso pode ser muito perigoso para ela própria... e para os outros.

Luís hesitou e depois falou:

- Nos últimos tempos, ela me escreveu várias cartas.

- É mesmo? Que arrogância!

- Ela ficou de repente obcecada com a ideia de que preciso reconhecer o menino.

- Parece estar forçando vossa majestade a tomar uma decisão. Que insensatez da parte dela.

- É uma mãe que sente orgulho - respondeu o rei, quase suavemente.

- O orgulho pode ser perigoso. Que pena mademoiselle de Romans nunca ter estado em Versalhes. Aqui teria aprendido a comportar-se com decoro. Sua conduta atual é... um pouco vulgar, não acha o mesmo?

- Nunca foi assim antes do nascimento do menino - completou o rei. - Os sentimentos maternais são os culpados.

A marquesa estava ficando cada vez mais apreensiva. O rei, na verdade, relevava a mulher. Isso só poderia significar uma coisa. Para ele, mademoiselle de Romans era mais do que umapettit mattresse. Ele não pensara em repudiá-la. A marquesa conhecia bastante bem o rei. Caso mademoiselle de Romans o encontrasse em necessário estado de espírito tolerante, ele conceder-lhe-ia tudo o que pedisse.

Uma mulher bela, eminente e distinta, que não tinha educação, mãe de um menino cuja beleza era extraordinária. A marquesa bem poderia acreditar que mademoiselle de Romans conseguisse tornarse outra madame de Pompadour; tinha todas as qualidades necessárias para tanto.

- Para mim, é sempre assunto de forte aflição - explicou ela -, ouvir o nome de vossa majestade falado pela boca das pessoas insignificantes. Temo que em seu entusiasmo pelo filho, mademoiselle de Romans ocasione este infeliz estado de coisas. Luís fez que sim com a cabeça.

- Vossa majestade permitir-me-ia explicar a essa mulher... para que ela saiba que colocou o senhor numa posição delicada ao causar-lhe embaraço e que a exibição desagradável de sua conduta está atrapalhando ela própria e... imperdoavelmente... o seu rei? O senhor pode confiar em minha discrição. Acho que seria uma solução acertada se a jovem e o bebé saíssem de Paris por algum tempo. Poderiam voltar quando todos tivessem esquecido os boatos que ela própria fez espalhar.

O rei virara-se para admirar o adornado Bassin de Neptune.

Gostava muito da sua Belle Madeleine; sentia afeto pela criança; mas a jovem mudara desde o nascimento e ela, no momento, criou uma situação algo inconveniente.

Ele pôs a mão no braço da marquesa e animou:

- Eu sei, minha querida, que posso deixar este pequeno caso a salvo em suas mãos.

- Obrigada. Sugiro uma temporada num convento... não muito distante de Paris, para que vossa majestade possa visitá-la, se assim desejar.

- Acho que este plano é excelente.

- Então, vou dar seguimento ao plano, e o senhor não vai precisar mais preocupar-se com este caso. Há problemas mais prementes. Monsieurde. Choiseul pediu-lhe uma audiência para hoje. Vejo que é quase hora de ele chegar.

- Então, vamos voltar ao Château - respondeu o rei.

Mademoiselle de Romans alimentara o bebé e ele dormia no berço, quando as criadas vieram dizer-lhe que um mensageiro de Versalhes estava no andar térreo.

- Veio, afinal - gritou mademoiselle de Romans. - Era por isso que eu esperava. Convoquei Versalhes. Não lhes falei?

Virou-se para beijar o filho que dormia.

- Volto logo, minha alteza preciosa - murmurou ela. Dentro em pouco, você vai fazer uma viagem para Versalhes.

Desceu as escadas. A esperá-la, havia um mensageiro do rei. Não estava sozinho, pois com ele vieram vários guardas reais.

Mademoiselle de Romans ficou surpresa, mas, por estar preparada para qualquer coisa, cumprimentou o mensageiro afetuosamente.

- Tenho uma carta do rei - disseram-lhe. Ela pegou-a e leu-a.

Não conseguia acreditar. Leu-a novamente. Sentou-se, sentindo desfalecer de medo. Não era a carta que esperava. Era uma dessas cartas temidas sobre as quais havia tanta controvérsia na França inteira. A lettre de cachei que, sem motivo algum, poderia mandar uma pessoa para o exílio ou para a prisão simplesmente porque era a vontade do rei.

Era vontade dele que ela fosse imediatamente para um convento fora da cidade, lá vivendo com conforto até que recebesse ordens do rei para voltar.

- Houve um engano-declarou ela.-Isso não me diz respeito.

- É mademoiselle de Romans?

- Sim... sou eu.

- Então, a carta é endereçada a você.

Pareceu que ela ia desmaiar. Dois guardas ampararam e sentaram-na a uma cadeira.

Uma das criadas aparecera, pálida, na porta.

- Madame... - gritou ela. - Eles estão no andar de cima... Mas um dos guardas bradou, decisivo:

- Tragam alguma coisa para reanimar a patroa de vocês. Ela desmaiou.

Ela sentiu a consciência voltar. Compreendeu. A marquesa havia feito isso. Oh, ela fora uma idiota... uma idiota para vangloriar-se do que deveria ser seu e do menino. Como poderia ter-se esquecido até agora dos sentimentos óbvios da marquesa! Ministros influentes haviam sido alijados ao enfrentarem essa mulher; no entanto, ela, uma mulher simples de Grenoble, indispusera-se com a Pompadour.

Não desejara fazer isso. Nunca deveria ter tentado expulsar a marquesa da única posição que ocupava na corte.

Só pedira para que o filho fosse reconhecido.

E agora... o exílio.

Os dois homens que a vigiavam de perto sentiam compaixão por ela. Por ser tão bonita, por ser alta e parecer tão serena, tão capaz de cuidar de si, parecia mais lamentável.

- Madame - murmurou um deles -, é um convento muito agradável. Lá, vão cuidar muito bem da senhora.

- Mas - começou ela -, meu filho...

- Vamos, madame. - Os guardas trocaram olhares. - Precisamos ir. As ordens são para levarmos a senhora até lá. Temos uma carruagem esperando.

- Deixem-me escrever uma resposta ao rei.

- As ordens que temos são para levá-la imediatamente até lá.

- Vou escrever-lhe de lá.

- Isso mesmo - acalmou um dos guardas.

- Vou lá em cima pegar meu filho.

- Olhe aqui, madame - atalhou um deles.

Ela, no entanto, passara correndo por eles e subira a escadaria. Seguiram-na, porque pensaram que fosse fugir.

Duas das criadas estavam no quarto do bebé; viram-na, com o semblante pálido. Apesar de nada lhe dizerem, sentiu um medo súbito tão intenso que ela não conseguia enfrentar.

Correu até o berço. Estava vazio.

- Meu filho... - gritou ela. - Meu bebê! Os guardas estavam ao seu lado.

- Madame - avisou um deles, pegando-a pelo braço, delicadamente -, a senhora não poderia levar o menininho para o convento, sabe.

- Onde está meu filho... onde... onde... onde?

- Olhe, madame, estão cuidando dele. Podemos afirmar-lhe isso.

- Quero-o - soluçava ela. - Quero meu bebé.

Os guardas apenas balançaram as cabeças e abaixaram os olhos. Sentiam vergonha das lágrimas que temiam derramar.

Mas mademoiselle de Romans não os via; jogara-se no berço e chorava pelo bebé.

 

A Guerra dos Sete Anos acabou, a paz viera afinal, e os franceses estavam agora livres para lamber as feridas e olhar ao redor, a fim de ver o longo esforço, a perda dos homens que haviam lutado e dos utensílios, os impostos escorchantes que tudo isso havia provocado.

Só conseguiam ver isso como uma derrota estrondosa.

O Canadá agora estava todo nas mãos dos ingleses. Para eles, também os franceses haviam perdido os interesses na índia.

O plano de Choiseul para acalmar os franceses com o seu Pacto de Família comprovara ser desastroso para os espanhóis, pois com grande alegria, assim que foi noticiado, Pitt declarara guerra à Espanha, como consequência de ela ter sido derrotada por Portugal, aliado da Inglaterra, e Havana e Cuba passando agora a ser possessão dos ingleses. A Marinha francesa estava quase completamente aniquilada.

No entanto, ao deixar de receber a ajuda do duque de Newcastle e do restante dos Whigs, os liberais-conservadores, Pitt foi forçado a renunciar; lorde Bute, que o substituiu, não tinha a capacidade de Pitt e por isso, ao pacificar, a superioridade sobre os ingleses não era tão vantajosa como havia sido.

Seja como for, Pitt ainda estava em condição de pedir a demolição de Dunquerque como questão de princípio e como "monumento externo do jugo imposto à França".

Mas a ansiedade de Bute para terminar a guerra o mais rápido possível levou-o a devolver a Martinica para a França, e Cuba e as Filipinas para a Espanha.

Frederico da Prússia ficara sozinho lutando com a Áustria, mas, ao forçar a Silésia, houve a paz entre esses dois países e assinou-se um tratado em Hubertsburg.

A Inglaterra foi o único país a sair vitorioso dessa prolongada guerra. Tinha toda a América do Norte, uma enorme porção da índia e um controle sobre o comércio do mundo, que era o que ela sempre procurara. Maria Teresa ganhara um pouco, mas ainda recebia os subsídios da França, cujo ministério de Choiseul, a favor dos austríacos, votara nela. Frederico recebera a Silésia, mas precisava retornar a Berlim, que fora saqueada pelos russos, de modo que muito do património da cidade perdera-se e sua população decrescera.

Mas e a França?, perguntava-se a população sofredora desse país triste; o que a França tinha a mostrar com a Guerra dos Sete Anos? Um império e uma marinha perdidos. Um exército que tivera tantas derrotas que há muito não acreditava no seu poder.

Se a paz que se seguira à Guerra da Sucessão Austríaca fora uma "guerra estúpida", esta era "a paz vergonhosa".

Encomendaram-se comemorações. A França estava em paz. Que as pessoas festejaram. Que aguardassem ansiosamente por melhores dias no futuro. Uma nova estátua do rei foi erigida próxima da ponte giratória das Tulherias, na praça Luís XV, construída recentemente.

As pessoas negavam-se a comemorar. O tempo estava ruim, de qualquer modo: muita chuva destruiu as bandeiras e o vento as derrubou. Era como se os próprios elementos rissem dos franceses por serem tão idiotas ao fingir estar alegres.

Todas as manhãs, viam-se novos cartazes sobre a estátua erigida pouco antes, e cada um deles era mais maldoso que o anterior.

Choiseul estava trancado com o rei e a marquesa, no Château de Choisy. O rei parecia deprimido. Não era de admirar, pensava o duque. O povo de Paris ficava a cada dia mais e mais desrespeitoso. Ontem mesmo fora afixado na nova estátua um cartaz, em que se lia:

"Por ordem do Tesouro Real, declara-se que um fraco Luís foi atingido e vai ser novamente atingido."

Palavras ameaçadoras, e o rei, ao demonstrar toda a sua indiferença, não gostou mesmo que soubessem da aversão que sentia pelos seus assuntos.

A marquesa empalideceu. Achava cada vez mais difícil esconder sua doença. O duque sabia - tinha espiões por todo lado que, à medida que as semanas passavam, ela precisava acrescentar mais e mais enchimentos, pois perdia carne rapidamente. Os cosméticos passados com cuidado eram-lhe de grande ajuda, mas, na severa luz matinal, de nada adiantavam.

Os espiões de Choiseul contaram-lhe que não era de vez em quando que ela cuspia sangue. As hemorragias estavam tornando-se mais e mais frequentes, seguidas de dolorosas dores de cabeça, que, ao recolher-se aos seus apartamentos, forçavam-na a passar horas de cama.

A marquesa fora uma boa amiga sua, Choiseul pensava. Enquanto vivesse, haveria essa amizade. Mas pensava que ela não duraria muito tempo.

Então, caríssima irmã, pensou ele, os Choiseul irão dominar tudo.

Esperava realizar planos magníficos. Era natural que a duquesa de Gramont devesse substituir o lugar ocupado pela marquesa. Não, seria um lugar ainda mais vantajoso, porque sua irmã estaria pronta a ocupar o duplo papel de amante e amiga. E, quando a rainha morresse, quem poderia dizer que a irmã não teria mais satisfações? Madame de Maintenon era um exemplo notável de todas as mulheres inteligentes; e quando uma mulher inteligente tinha um irmão forte por trás, um irmão apaixonado segurando firmemente nas mãos as rédeas do poder, quem poderia dizer o que não aconteceria?

De fato, havia dias magníficos à espera dos Choiseuls.

Ele, então, não deveria afligir-se por ver o rei preocupado, a marquesa abatida e exausta.

Choiseul avisou:

- Madame La Marquise, com a permissão de sua majestade e sua, vou trazer-lhe um sucedâneo.

- Muito generoso de sua parte - respondeu a marquesa, ríspida -, mas não preciso dele.

- Não? - quis saber Choiseul. - Tão repousante, acho.

- Quando alguém estiver cansado, sim, Monsieurle Duc. Não estou cansada a essa hora da manhã.

O rei sorriu para a marquesa e, rápido, Choiseul observou que no olhar dele havia compaixão.

- Madame La Marquise humilha-nos com sua energia infatigável - declarou ele, afável.

- Ninguém pode comparar-se a ela, salvo apenas vossa augusta pessoa - murmurou Choiseul. - E como fico feliz que assim seja, pois as notícias não são tão boas como deveriam ser, sire.

O rei bocejou, mas havia apreensão por trás disso.

- Que más notícias agora? - quis ele saber.

- Penso no futuro, sire. Esses nossos detestáveis inimigos de além-canal. Pense na posição em que eles agora se encontram.

- Canadá... índia... - sussurrou o rei.

Choiseul estalou os dedos. Sua natureza otimista recusava-se a levar tais derrotas em consideração. Avisou:

- Pense, sire, nos recursos de que vamos precisar para defender essas colónias. Nosso inimigo estará disposto a atacar em casa. Porque, muito em breve, estaremos em posição de conquistar de volta tudo o que perdemos.

A marquesa observava o duque com sorrisos de aprovação. Haviam combinado essa conversa para abrandar a melancolia do rei. Não parecia importante para ela que, a fim de realizar uma próxima guerra, as pessoas precisassem suportar mais impostos; parecia esquecer que o exército estava esgotado, que a marinha não existia; estava obcecada por um dever: divertir o rei.

Ele, no momento, passava por um momento infeliz em seus assuntos emocionais.

O Pare aux Cerfs estava perdendo a graça. As pequenas grísettes haviam perdido o encanto. Mademoiselle de Tiercelin voltara de sua escola em Paris e ganhara uma casinha não distante do château; ela, no entanto, era exigente e extravagante; pior ainda que ela ficara rapidamente grávida, e o prazo estava próximo. A marquesa sabia que o rei pensava em presenteá-la com a pensão e com o congé.

Mademoiselle de Romans dava trabalho. O rei sentia real afeto por essa jovem; agora, porém, ela oferecia-lhe pouca satisfação. Ia visitá-la no convento, mas a jovem só conseguia chorar e pedirlhe que lhe devolvessem o filho. Em vão, ele afirmava que o menino estava sendo muito bem tratado; ela o veria com olhos trágicos e recriminadores e comportava-se como se não houvesse alegria na vida até que o filho voltasse.

Luís sentia não poder resistir às censuras dela; sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele cederia, se cedesse. E a marquesa esforçara-se por terminar um assunto que se tornava intolerável.

Devolvessem o menino à La belle Madeleine, e haveria novamente essa insistência, esse orgulho em lugares públicos, pois ela ainda se referia ao filho como alteza.

Não, a trágica Romans não lhe dava satisfação, nem a presunçosa Tiercelin, que também poderia tornar-se totalmente irritante como Romans, quando o filho nasceu.

Outro assunto preocupava o rei. Choiseul não era único a perceber o olhar pálido da marquesa, a notar os excessivos enchimentos por baixo do seu vestido.

Claro que ninguém se referia ao assunto quando sabia que, dessa forma, criaria ansiedade; ele, portanto, não lhe falava de seus receios.

Choiseul se perguntava se deveria indagar de madame du Hausset pela saúde da patroa; mas então ele receberia demonstrações de que estava "tão boa como sempre". Hausset, querida, velha e fiel, sempre fazia o que a patroa esperava dela.

O rei voltou a atenção para Choiseul.

- A situação do Exército e da Marinha fugiu-lhe da memória?

- Não, sire. Mas proponho dar-lhes uma força como nunca tiveram antes. Tenho aqui planos para novos arsenais. Quanto à perda do Canadá, podemos ser felizes sem Quebec. Aqui estão planos para mais tarde colonizarmos a Guiana.

O rei acrescentou:

- Parece-me que tais esquemas seus vão precisar de dinheiro. Dinheiro quer dizer novos impostos, monsieur. Esqueceu-se disso?

- Não, sire. E o povo pagará os impostos quando souber que está em jogo a honra francesa. Não sugiro novos impostos. Apenas que continuemos com os vigentes durante uns poucos anos.

- O Parlement jamais concordará.

- Já sondei alguns membros, sire.

- E a reação deles?

- Ameaçam com Estados-Gerais.

A marquesa prendeu a respiração, horrorizada. Sabia que só a menção dos Estados-Gerais, essa assembleia de representantes da nobreza, do clero e da bourgeoisie, conhecida como Tiers État, o Terceiro Estado, era o suficiente para enfurecer o rei.

Agora, o rosto de Luís empalideceu. E cortou, feroz:

- Isso eu nunca vou apoiar. A marquesa atalhou, rápida:

- Que conversa inútil. Não haverá, com certeza, a convocação dos Estados-Gerais. O direito de decidir só pode ser de sua majestade. Se o senhor, monsieur de Choiseul, vai prolongar a tributação para permitir-nos realizar essas melhorias no exército e na marinha, se vai financiar a Guiana Francesa, deve fazer com que o Parlement compreenda que isso deverá ou sustentar você ou demiti-lo.

Choiseul curvou-se. O rei sorria, aprovando as palavras da marquesa.

- Madame, concordo plenamente com a senhora - concordou Choiseul. - Vou agora mesmo procurar esses ministros interessados e falar-lhes sobre as instruções de sua majestade.

O rei continuou:

- E se algum deles falar nos Estados-Gerais, diga-lhe que não tolerarei a presença dele aqui na corte.

Choiseul curvou-se cumprimentando e saiu, deixando o rei e a marquesa juntos.

Ela virou-se para o rei, a sorrir:

- Tenho a máxima confiança em Choiseul - declarou ela.

- Eu também, querida.

- É simplesmente porque sinto a confiança de sua majestade que sinto a minha própria - respondeu ela, rápido. - O senhor governa; eu obedeço. Acho que muitas vezes entendo os pensamentos de sua majestade; então, eles tornam-se meus.

O rei completou:

- Pensamos parecido, porque estivemos juntos por muito tempo.

Ela inclinou ligeiramente a cabeça e ele pensou: Cara marquesa, como está abatida! Por que não me fala de sua doença? Em verdade, não sou seu amigo?

- Vou-me embora agora - retrucou ele, expulsando a piedade de sua voz. - Tenho alguns documentos a assinar. Nada... de importante. Mas preciso estar atento a eles.

Viu o alívio momentâneo nos olhos dela. Havia também pavor. Devia estar pensando: Que documentos? Não vou estar lá para ver esses documentos?

Cansada como estava, sentia um medo desesperado de perder alguma coisa que precisasse saber.

Mas ele estava determinado.

- Retire-se agora - pediu. - Dentro em pouco, vamos nos ver. Então, examinaremos os planos de Choiseul para a nova colónia.

A marquesa fez uma mesura e retirou-se.

Madame du Hausset esperava-a.

- Há novidades - gritou ela, enquanto a patroa entrava no apartamento. - Mademoiselle de Tiercelin deu à luz um menino.

- Um menino - sussurrou a marquesa, consternada.

- Uma menina seria com certeza mais animador - concordou madame du Hausset. - Ela, porém, é mademoiselle de Romans; preocupa-se apenas com ela. Essa criança não seria outra altezinha. Mas estou falando aqui, e a senhora quer descansar. A sua cama está pronta. Ajudo-a a tirar a roupa?

A marquesa concordou com a cabeça, e, enquanto desatava as presilhas do vestido cheio de detalhes, madame du Hausset sentiu que a patroa ia chorar, e quando saíram o vestido e os trajes de baixo com enchimentos postiços, ela parecia uma carcaça da ex-atraente madame de Pompadour.

- Seria mais repousante se fosse deitar-se na cama - aconselhou madame du Hausset. - Gostaria de tomar alguma coisa? Leite?

A marquesa abanou a cabeça.

- Se bebesse um pouco, ficaria mais forte.

- Oh, Hausset, Hausset, estou tão cansada - balbuciou a marquesa.

- Sim... mas a senhora pode descansar agora. Por que não passa na cama o restante do dia? Não a deixam ficar algumas vezes um pouco indisposta?

- O rei sentiria tanta falta minha. Você sabe que nunca fico longe dele mais tempo do que posso evitar.

- Era o que acontecia. Agora, precisa descansar.

A marquesa começou a tossir, e surgiram sinais de alarme nos olhos de madame du Hausset.

A tosse cedeu, e a marquesa avisou:

- Preciso avisar ao duque de Choiseul que, na presença do rei, nunca mais fale nos Estados-Gerais. Isso o transtorna. Irrita-o. Não deve mais fazer isso.

- Bem, isso é aborrecimento dele, madame. Não seu.

- Gostaria de vê-los amigos.

- Venha, descanse enquanto pode, cara madame.

A marquesa sorriu e, enquanto isso, o sangue saía em golfadas da boca.

Não havia como. A marquesa não conseguia levantar-se agora. Embora tivesse combinado estar com o rei nesse dia, precisava ficar de cama, porque não tinha forças para levantar-se. Nunca, antes, tivera uma hemorragia como esta, e chegara o momento em que era inútil tentar esconder da corte o seu estado de saúde.

Madame du Hausset mudara os lençóis, pusera uma colcha limpa, e ela mesma foi levar as notícias ao rei.

A marquesa fizera questão de saber como ele a recebera.

- Lamento ter chorado, madame - respondeu madame du Hausset. - Não pude evitar. E, madame, ele chorou comigo.

- Hausset, o que sabe sobre essa doença?

- Somente o que vi acontecer com a senhora, madame.

- Essas tosses, essas dores de cabeça, essas febres e os suores noturnos... quanto tempo vai demorar para minha vida ter um fim, Hausset?

- A senhora, madame... falar em morte? A senhora, tão cheia de vida. A bem-amada do rei. O primeiro-ministro da França. Não deve falar em morte.

- Imagino a morte perto de mim, Hausset. E não me sinto infeliz. Se morresse agora, morreria como grande amiga do rei. Prefiro morrer agora a ser rejeitada por ele, como já uma vez tive medo de ser. Lembra-se, na época do caso Damiens, quando, ao pensar que seria rejeitada, sentia-me mais infeliz do que agora? Ser rejeitada pela vida não me faz sentir tanta aflição como sentiria se fosse rejeitada pela corte.

- Madame, a senhora fala demais. Crie forças, imploro-lhe. Ela abanou a cabeça.

- Agora, Hausset, farei como deseja. É como se tivessem tirado um peso dos ombros. Não preciso mais fingir. Sou uma mulher doente. Sou uma mulher moribunda. Mas não sou mais uma mulher com um segredo.

- Alguém bate à porta.

- Vá e veja quem é, Hausset.

Madame du Hausset voltou à cama quase imediatamente e informou:

- É a duquesa de Gramont. Ouviu falar de sua indisposição e vem confortá-la. Vou dizer-lhe que a senhora está muito doente para vê-la.

- Não, Hausset, traga-a aqui. Deitada aqui, sinto-me descansada. Mas, se eu tossir, mande-a embora... imediatamente... entendeu?

- Sim, madame.

A duquesa de Gramont veio até a cama e ajoelhou-se.

- Minha querida amiga... - começou ela, e havia um soluço na garganta.

A marquesa não pôs em dúvida a sinceridade. Essa mulher era irmã do duque de Choiseul, em quem ela acreditara totalmente.

- Em pouco tempo, você estará bem - continuou ela.-Você precisa ficar bem. Como o rei pode sentir-se feliz... como a França pode ficar feliz sem você!

A marquesa sorriu.

- O rei lamentar-me-á, creio - afirmou ela. - A França, nunca.

- Mas você... o seu ego jovial... estará conosco muito em breve, prometo-lhe.

- Estarei com certeza - respondeu a marquesa.

Como parece doente!, pensou a duquesa. Não vai viver por muito tempo. Deve estar perto do fim. Esse sangue do lado da boca. Está morrendo, e sabe disso.

- Vamos dar um baile para comemorar a sua recuperação prometeu a duquesa.

- Será um baile de máscaras - acrescentou a marquesa. Lembro-me de um baile de máscaras em Versalhes, que foi uma ocasião muito especial para mim. Fui de caçadora.

Tudo ficará mudado quando ela se for, pensou a duquesa. O rei vai procurar consolação. E meu brilhante irmão e eu estaremos ali... seus maiores amigos. A rainha é sete anos mais velha que o rei. Com certeza, não viverá por muito tempo. Um excelente futuro nos espera. Muitas mulheres vão agora procurar tornar-se amantes do rei. Mas, nesse particular, existe diferença entre os Choiseuls e os homens e as mulheres inferiores. Essas pessoas da corte planejam ser amantes do rei; eu e Étienne planejamos que serei esposa dele.

Madame du Hausset aproximou-se da cabeceira.

- Sua majestade mandou avisar que está vindo visitá-la anunciou ela.

Um sorriso radiante apareceu no rosto da marquesa e parecia quase jovem novamente.

- É melhor você ir embora - avisou à duquesa. - Ele não vai querer que mais ninguém esteja aqui.

A duquesa inclinou-se por sobre a cama e beijou-lhe o rosto quente. Desejava ficar; queria ver como o rei agora comportava-se com essa mulher. Mas a marquesa confirmou sua vontade de que ela fosse embora, e as vontades da marquesa eram encaradas como ordem.

Um dia... dentro de algum tempo... pensou a duquesa, serei a única a dar ordens.

Luís pegou-lhe a mão e fitou, ansioso, seu rosto.

- Aflige-me que você me veja assim - balbuciou ela. - Estou muito doente, Luís.

- Então, por fim você admite.

- Sabia?

Luís fez que sim com a cabeça.

- E sofri uma enorme ansiedade.

- No entanto você nunca falou de minha doença.

- Porque sabia que era sua vontade que eu não falasse.

Os olhos da marquesa encheram-se de lágrimas. Caíam pelas faces. Pediu:

- Desculpe-me, pois agora estou muito fraca. Não é fácil controlar as lágrimas. Caríssimo, eu deveria saber que a maior felicidade em minha vida veio de você.

Luís beijou a mão que ainda segurava.

- Como a minha veio de você. - Ele, de súbito, ficou animado como se tivesse medo dessas emoções entre ambos. - Vou mandar-lhe os meus médicos. Vão curar você.

- Meu médico é Quesnay - balbuciou ela. - Não poderia ter um melhor. Ele me ama. O amor é o melhor médico.

O rei continuou, a voz tremendo de emoção:

- Então, quero ser seu médico, porque ninguém poderia darlhe mais amor do que eu.

- O senhor me fez muita coisa boa. Já me sinto melhor. Vou sair da cama. Talvez, se vossa majestade convidar-me, jantarei na sua companhia hoje à noite.

- Não - respondeu ele, firme. - Você vai ficar de cama.

- Caríssimo...

- É uma ordem-acrescentou ele, tentando sorrir.-Vou visitála frequentemente. Ficarei aqui em Choisy para que possa fazer isso.

A marquesa ficou profundamente comovida.

Luís sentou-se na cama durante longo tempo: não falavam, e nenhum dos dois percebeu o silêncio. Ambos recordavam o tempo em que ele caçava na Floresta de Sénart, e ela viajara em bonitas carruagens pintadas com aquelas cores delicadas que ela tornara elegantes.

Pensavam no baile, no qual ele conhecera a linda caçadora, a dama da Floresta de Sénart; nessa noite, ele resolvera que ambos seriam amantes.

Isso acontecera há vinte anos. Vinte anos de fiel devoção! O mais notável era que, por apenas cinco anos, ela na verdade fora amante dele.

O resto, que acompanhava a inesperada isenção de responsabilidades, teve um efeito acentuado na marquesa. Madame du Hausset, hesitante em relação ao encanto dela, observava-a tomar um pouco de leite.

Mesmo o dr. Quesnay, que não era dado a otimismo, estava ligeiramente animado. Quanto ao rei, tinha certeza de que ficaria novamente boa.

- Vê? - sussurrou a marquesa. - Eu só precisava era de um pouco de descanso. Estava muito exausta, nada mais.

Quando parecia estar a caminho da recuperação, o rei resolveu voltar a Versalhes, onde certos assuntos de estado exigiam sua atenção. Luís explicou:

- Você, assim que estiver bastante bem, deve ir depois, minha querida. Mas, peço-lhe, só saia da cama após ficar totalmente bem para isso.

Luís despediu-se da marquesa e deixou Choisy para Versalhes. Quando a corte partiu, madame du Hausset não conseguiu esconder seu alívio.

- Agora, madame, a senhora vai descansar realmente. Vai dormitar e ler o dia inteiro e dormir profundamente à noite.

A marquesa pegou a mão de sua fiel amiga e criada e apertoua com carinho.

Avisou:

- Antes de mais nada, vou fazer meu testamento.

Assim, durante os dias que se seguiram à partida do rei, a marquesa ocupou-se em listar suas propriedades (que eram numerosas) e em resolver quem as herdaria.

Seu único parente era o irmão, Abel, marquês de Marigny. Pensava nos filhos, ambos mortos, e por quem ela pretendera fazer muito.

Abel deveria ficar com a maior parte de sua fortuna, embora fosse deixar jóias e propriedades para Soubise, Choiseul, Gontaut e outros: ela desejava que a mãe estivesse viva. Oh, mas seria dilacerante demais para ela ver essa doença fatal tomar conta da filha aos poucos. Talvez fosse melhor que madame de Poisson tivesse morrido - e a pequena Alexandrine também. Filhos de mulheres como ela não poderiam ser tratados com carinho pelo mundo, quando não havia ninguém para protegê-los.

Ela era muito rica. Sua renda chegava a um milhão e meio de libras anuais; possuía magníficas propriedades em Versalhes, Fontainebleau, Paris e Compiègne. Tinha os châteauxáe Marigny, St. Remy, Aulnay, Brimborin, La Celle, Crécy e, claro, o luxuoso Bellevue. O Petit Trianon, esse requintado château em miniatura que ela e Luís haviam idealizado juntos, mal terminara, e a marquesa sabia que nunca iria entreter Luís naqueles aposentos pequenos e encantadores.

Sentiu sono enquanto pensava em seus châteaux, de cada um conseguia lembrar-se em certas ocasiões, de modo que fossem indicações claras ao longo da estrada, cada qual anunciando publicamente alguma vitória recente.

Pensava agora em Bellevue e na noite em que Luís viera jantar ali - seria a primeira recepção oferecida na nova casa. Mas o povo - o povo irado - viera andando até Bellevue, e ela e seus convidados foram obrigados a apagar as luzes e jantar numa casa pequenina, ao lado, a alguma distância do château.

Pôs a mão no coração, lembrando-se do terror que sentira nesse momento. Com certeza seu coração não saltara nem pulara então como agora.

Sentia-se sufocada.

- Hausset! - gritou. - Hausset, venha rápido.

Quando o rei soube que a marquesa ficara mais uma vez desesperadamente doente, ele e toda a corte tinham certeza de que ela estava morrendo.

Era da etiqueta que somente membros da família real pudessem morrer no Castelo de Versalhes, mas Luís não podia suportar o pensamento de madame de Pompadour estar longe dele num momento desses; portanto, deu ordens para que os aposentos dela no andar térreo ficassem prontos para recebê-la.

Quando a marquesa soube que o rei desejava que ela fosse para Versalhes, ficou tão contente que até mesmo madame du Hausset acreditou que ela fosse recuperar-se - ao menos por um tempo.

- Vê, Hausset, vê como ele me ama? - segredou ela, segurando a amiga com aqueles braços que faziam madame du Hausset querer chorar todas as vezes em que os via, pois já haviam sido carnudos e roliços e agora eram quase descarnados. - Pertencemos um ao outro. Ele faz-me tão verdadeira quanto ele. Hausset, veja como nossa amizade é muito forte.

A marquesa fora cuidadosamente embrulhada em cobertores e carregada até uma carruagem, em que viajou, devagar, até Versalhes. O povo, ao longo do caminho, saía para vê-la passar; desta vez, não a saudavam com gritos hostis; olhavam-na somente em silêncio.

Até eles sabem, pensava ela, que esta é minha última viagem.

Em seus antigos apartamentos, em Versalhes, estava prostrada na cama. Os médicos abanavam as cabeças; só podiam entregar o caso aos sacerdotes.

Meditava sobre seus pecados e reconhecia-os. Acontecimentos do passado pareciam saltar de quadros borrados e tornavam-se vividamente claros. Viu Charles Guillaume, seu marido, implorando-lhe que voltasse para ele e para a família; lembrava-se de que se recusara a ouvir os rogos dele, levando em conta apenas sua ambição cega. Pensou em Alexandrine, deitada no leito de morte, no Convento da Assunção, e lembrou-se de mademoiselle de Romans, chorando pelo filho.

Havia muitos espectros do passado a zombar de uma mulher ambiciosa.

Luís visitava-a várias vezes por dia, e os médicos perguntavam-lhe se ele daria a notícia à marquesa de que deveria preparar-se para a extrema-unção, pois havia pouco tempo.

Ele abraçava-a com ternura. Era o último adeus. Ela deveria agora esquecer o seu rei na terra, disse-lhe ele, e preparar-se para encontrar um rei ainda maior. E, por causa do relacionamento entre eles, aqueles que lhes dariam a absolvição insistiam em que os que houvessem cometido adultério deveriam mostrar arrependimento, nunca mais encontrando-se na terra.

Era inevitável. O momento chegara.

- Adeus, minha mais querida amiga - despediu-se Luís, com lágrimas escorrendo-lhe pela face. - Invejo-a. Você vai para o seu descanso celestial, enquanto fico aqui. Minha vida vai parecer vazia, porque você não estará mais aqui para encantar.

Abraçaram-se pela última vez, e madame de Pompadour ficou na companhia dos confessores, para os serviços.

Madame du Hausset fez sinal às criadas para que pusessem roupas limpas na cama, porém a marquesa sorriu, pálida, e mandou que fossem embora.

- Não - explicou ela. - Não é preciso. Estou aqui por pouco. As mulheres olharam-se. Sabiam que a marquesa estava certa.

O padre veio e orou na sua cabeceira. E, quando se preparava para ir embora, ela atalhou:

- Espere mais uns poucos momentos e iremos juntos.

O padre segurou-lhe a mão para abençoá-la pela última vez; ela sorriu e fechou os olhos.

Antes que aquele dia terminasse, a marquesa morreu.

Naquele entardecer, o corpo da marquesa, amortalhado em um lençol branco, foi colocado numa maca e levado do Castelo de Versalhes para o Hotel dês Reservoirs.

Luís insistiu em fazer ele próprio todos os preparativos; sabia bem, explicou ele, que era o último desejo da marquesa ser sepultada na Igreja dos Capuchinhos, na Place de Vendôme, onde a pequena Alexandrine estava agora ao lado de madame Poisson.

Dois dias depois da sua morte, o corpo de madame de Pompadour partiu, pela última vez, de Versalhes para Paris.

Era um dia de abril, com tempestade. A chuva caía em torrentes, enquanto a procissão reunia-se em Notre Dame de Versailles, preparando-se para ir para Paris.

Com Champlost, um de seus valeis de chambre, ao lado dele, Luís ficou de pé num balcão, sem chapéu, na chuva, olhando o cortejo, que descia a Avenue de Paris. Lágrimas escorriam-lhe pela face, e soluços sacudiam-lhe o corpo, enquanto lhe vinham lembranças do longo relacionamento de ambos. Não era fácil imaginar Versalhes sem a marquesa.

Champlost estava ali de pé, desamparado. De súbito, Luís pôs a mão no braço dele.

- Ora, Champlost, você é testemunha do meu sofrimento declarou ele. - Não serei totalmente feliz outra vez. Perdi alguém que foi minha amiga... a melhor amiga que tive... durante vinte anos. Vinte longos anos, Champlost.

- Sire, eis algo doloroso, que aconteceu a nós, e a vossa majestade em particular, mas o senhor pegará uma febre se ficar aqui, de pé, sem chapéu, na chuva.

O rei levantou o olhar para os céus soturnos, e pingos de chuva e lágrimas misturavam-se no seu rosto.

- É apenas sinal de respeito que posso demonstrar a ela agora - balbuciou ele.

O cortejo passava pela Avenue de Paris - e o rei sentia que não poderia aguentar assisti-lo.

Saiu do balcão e entrou na sala de estar particular. Champlost seguiu-o, respeitoso.

A dignidade de Versalhes desaparecera para o rei. A vida precisava continuar, mesmo com o desaparecimento da marquesa.

De súbito, Luís pareceu lembrar-se do que a etiqueta exigia dele. Quase falou, levianamente:

- A pobre marquesa teve mau tempo, na viagem a Paris.

 

A morte de madame de Pompadour deixou o rei desolado. Encontrava pouca satisfação, e os jantares íntimos, que haviam sido muito uma característica da vida em Versalhes, tornaram-se acontecimentos tristes, continuaram como hábito, apesar de não lhe darem nenhum prazer particular. Era a marquesa que organizava os divertimentos, que escolhia os convidados, que se dedicava totalmente para que ele sempre ficasse entretido. E como podia qualquer uma dessas meninas sem educação, no Pare aux Cerfs, embora apaixonadas, embora voluptuosas, fazerem-no esquecer por mais de uma ou duas horas tudo o que ele perdera com o falecimento da marquesa? Algumas vezes acrescentava:

- Isso vai divertir a marquesa. Preciso dizer-lhe... Então, parava de súbito e mudava de assunto.

A duquesa de Gramont esperava avidamente oferecer-lhe consolo, mas Luís repeliu-a, desgostoso, e Choiseul, sentindo a efusão impaciente da irmã, foi forçado a pedir-lhe que fosse mais cuidadosa.

O duque murmurou:

- Tempo, é de tempo que ele precisa. Dê-lhe um mês ou dois para pranteá-la e ele sentir-se-á cansado do choro.

Enquanto isso, o rei achou certo conforto no estudo dos negócios estrangeiros. Acreditava pouco em qualquer um de seus ministros; mesmo Choiseul, percebeu ele, estava mais preocupado com o bem-estar de Choiseul do que com o da França.

Talvez algum dia, pensava o rei, pudesse ser possível reaver nossas fortunas perdidas. Se conseguisse isso, seria possível recuperar o afeto do povo. Refletia agora no que um fim vitorioso da Guerra dos Sete Anos poderia ter significado. Se a França houvesse vencido os inimigos, será que o povo falaria no seu nome com o respeito que sempre mostrara por outro Bourbon, o seu antepassado Henrique IV?

Sentiu um entusiasmo que há anos não sentia e que entorpecera a dor sofrida com a perda da marquesa. Escolheu seus agentes secretos - seus, inteiramente seus, desconhecidos de qualquer pessoa, até mesmo de Choiseul - e os enviou às várias capitais europeias. As cartas que mandavam só eram lidas por ninguém mais que ele.

Tomou uma decisão; seu objetivo deveria ser a eleição de um príncipe francês para o trono polonês.

Sua neta Isabelle ficara noiva de José, herdeiro do trono imperial. Madame Première, sua filha Louise-Elisabeth, tivera razão ao insistir nesse noivado. A pobre madame Première morrera de varíola alguns anos antes. O rei não queria pensar nela. A morte sempre o deprimia profundamente, e o seu principal desejo era evitar pensar nessa morte mais importante.

Dessa forma, Luís trancou-se nospetits appartementse chorou a marquesa.

Enquanto isso, o caso contra os jesuítas alcançava um clímax. Não apenas na França erguiam-se dissidências contra eles; no mundo todo, consideravam-nos ameaça. Dizia-se que governavam todos os países católicos, não abertamente mas em segredo; haviam fundado colégios por toda a parte e procuravam educar os jovens no seu modo de pensar e, dessa forma, fortalecer suas irmandades, principalmente como confessores de reis e rainhas e, assim, passavam a ter grande ascendência sobre todos os que governavam.

Alguns anos antes, um rico jesuíta, père La Vallette, que era o superior dos Jesuítas da Martinica, perdera muitos de seus navios para os piratas ingleses. Incapaz de manter acordo industrial, faliu devendo três milhões de francos. Os credores ficaram em pânico, e vários deles, em Marselha, pediram que a Companhia lhes pagasse o milhão de francos confessados por La Vallette.

A Companhia declarou-se não ser responsável pelas dívidas de um de seus membros; em consequência disso, os comerciantes de Marselha solicitaram ao Parlement de Paris, que obrigou père de Sacy, o geral dos Jesuítas, a pagar as dívidas de La Vallette.

Os magistrados, que haviam tomado partido dos jansenitas contra os jesuítas em muitos dos conflitos contra os dois, declarou que esse era mais do que um caso de falência, e os negócios da Companhia deveriam ser cuidadosamente investigados.

Declararam que haviam descoberto que o regulamento da Companhia contradizia-se como o do reino da França, e que ambos eram desleais e imorais. Ordenaram que se fechassem os colégios.

Aqueles que protegiam os jesuítas, à frente o delfim e a rainha, protestaram imediatamente.

Choiseul e a marquesa haviam ficado firmes do lado do Parlement.

Madame de Pompadour sempre considerara os jesuítas uma ameaça, mas ela odiara-os com mais veemência desde que o seu geral, père de Sacy, recusara-se a absolvê-la, a menos que ela fosse embora da corte. No meio desta luta, ela morrera. Choiseul optara pela expulsão dos jesuítas, mas agora que madame de Pompadour morrera, ele perdera uma apaixonada defensora.

Luís não tinha pressa de tomar uma decisão. Quando da investigação, ele procurou defender os jesuítas, porque sentia, como antes, que o Parlement fazia tudo para tirar-lhe das mãos o poder. Impaciente como estava para que a França não ficasse sob o jugo do papa - como desejavam que estivesse -, ele também determinara que fosse o rei, não o Parlement, que desse a palavra final quanto aos interesses do país.

O Parlement mostrara-se em guerra e, quando ele tentara oporse a eles com relação ao assunto dos jesuítas, dera a entender que deveria haver uma investigação sobre os acquits au comptant, o que fora adquirido sem demora. Luís sabia não poder enfrentar um inquérito em suas despesas particulares. Apenas a conservação do Pare aux Cerfs era exagerada. Havia jovens a quem haviam concedido pensões e presentes: ele tinha muitos filhos a manter. A atraente e pequenina mademoiselle Hainault dera-lhe duas filhas encantadoras, e custara uma considerável quantia para proporcionar-lhe pensão e marido na pessoa do marquês de Montmelas. Adorável Lucie-Magdaleine d'Estaing, que era a filha natural do visconde de Ravel, presenteara-o com duas filhas graciosas, Agnes-Lucie e Aphrodite-Lucie. Era louco pelas quatro filhas, mas precisavam ser mantidas em conforto adequado, que custava dinheiro. Havia a maliciosa e pequena mademoiselle de Tiercelin que sempre pedia que ele lhe pagasse as dívidas. Uma vida como essa que ele levava, embora lhe proporcionasse variedade e entretenimento, também lhe apresentava enormes contas. E ele não desejava que o povo soubesse a dimensão de sua vida amorosa.

Já o haviam chamado de O Velho Sultão, e exageravam quanto ao Pare aux Cerfs, que diziam ser o seu harém; mas até que visse em detalhes o custo do seu prazer, sempre iriam duvidar da autenticidade das histórias que se ouviam.

Não, Luís não podia permitir que os seus acquis au comptant se tornassem públicos, nem submeter-se à chantagem do Parlement.

O delfim, que nada tinha a temer com um inquérito sobre sua vida particular, pôs-se seriamente em defesa dos jesuítas.

Pediu uma entrevista com o rei e Choiseul.

Choiseul ignorava o delfim; sabia que sempre seriam inimigos, e que era inútil tentar acalmá-lo.

Declarou ao rei:

- Sire, se o senhor não deseja proibir os jesuítas, deve proibir o Parlement. E, para proibir o Parlement, desta vez isso significaria uma coisa: revolução.

O delfim interpôs-se:

- Por que não devemos proibir o Parlemenfl Por que não organizar os Estados Provinciais? A seleção recairia em pessoas da nobreza.

- E o clero? - quis saber Choiseul.

- Membros do clero e da nobreza - insistiu o delfim. Choiseul novamente dirigiu-se ao rei:

- Sire, não importa que forma tomassem os Estados Provinciais do delfim, compor-se-iam apenas de homens. Imaginemos a unificação deles e a união. Seriam tão poderosos que usurpariam o poder do próprio trono.

- Quem quer que ousasse fazer isso deveria ser exilado gritou o delfim, veemente.

Choiseul desatou a rir alto.

- Sire - dirigiu-se ele ao rei -, é possível exilar a nação inteira?

- Monsieur de Choiseul tem razão - afirmou o rei. - Não há como sair desse impasse, a não ser expulsar os jesuítas.

O delfim virou-se contra Choiseul, com olhos flamejantes.

- Fez isto... você... com seus esquemas, com seus sonhos ambiciosos. Você é ateu... para tudo, você faz um espetáculo para frequentar cerimónias sacras. Estranho que não haja algum sinal do céu...

A expressão no rosto de cão pug de Choiseul era arrogante ao extremo.

- Um sinal do céu? - perguntou ele, olhando ao redor, fora da janela e no céu. - Não sou ateu, monseigneur, mas crescemos na corte refinada do rei, longe de superstição. Talvez seja por isso que, nesses círculos atrasados intelectualmente, nos tomem por ateus.

- Choiseul, esqueça - falou o rei, veemente -, esqueça com quem falou...

- Não esqueço - atalhou Choiseul, tornando-se de súbito tão acalorado quanto o delfim - que algum dia eu possa ser bastante infeliz para ser seu súdito, mas nunca o servirei.

Dirigiu-se novamente ao rei, o rosto pálido com o repente da emoção.

- Sire, tenho a sua permissão para retirar-me?

- Tem - respondeu o rei.

Depois que Choiseul saiu dali, o delfim e o rei enfrentaram-se, e Luís sentiu uma repugnância irreprimível por esse seu filho, convicto de que mesmo agora, acreditava, ele sustentava os jesuítas, não por qualquer ângulo político, mas porque se acreditava representante da Santa Madre Igreja.

Os franceses poderiam ter um rei muito fanáticointolerante quando esse jovem subisse ao trono. De fato, pensava Luís, preciso viver por muito tempo; esse meu pobre filho tem muito a aprender.

- O senhor... vossa majestade ouviu a insolência desse sujeito! - gaguejou o delfim. - Eu... eu não vou perdoá-lo.

Luís abanou a cabeça, triste.

- Meu filho - começou ele -, você ofendeu tanto monsieur de Choiseul que deve perdoá-lo por tudo.

Com isso, o rei virou-se e afastou-se do delfim, que só totalmente atordoado conseguia enxergar o pai.

No fim desse ano que vira a morte da marquesa, a Companhia de Jesus foi expulsa e nenhum jesuíta poderia viver no reino da França, a não ser como simples cidadão.

O povo de Paris ficou louco de alegria; a rainha, o delfim e as princesas ficaram desoladas; e a hostilidade entre Choiseul e o delfim aumentou.

Para confortar o delfim, o rei resolveu permitir realizar a ambição de toda a vida do filho. O delfim sempre desejara ser soldado e, embora isso lhe fosse negado em tempo de guerra, quando sua óbvia aptidão para a vida tinha alguma utilidade para o país, concederam-lhe agora regimento próprio - conhecido como Regimento Real do delfim - para que pudesse enfrentar com prazer a nova vida.

Ele passou semanas no campo com os soldados e mostrou que poderia ter feito excelente carreira no exército. A austeridade granjeara-lhe a estima dos subordinados, pois viam nele um comandante sempre pronto a partilhar dos seus desconfortos.

Durante as manobras, o tempo ficou ruim, e o delfim, desacostumado com a privação, contraiu um resfriado particularmente violento. Não deu importância, mas o resfriado descuidado persistiu e, no princípio de outubro, quando terminaram as operações militares e ele juntou-se à corte em Fontainebleau, a família real ficou surpresa ao ver como ele estava doente.

Ele fora gorducho, mas agora perdera toda a carne de sobra. Acreditava-se que isso era devido ao exercício violento a que ele não estava acostumado, mas quando a tosse persistiu, houve muitas pessoas que se lembravam da doença de madame de Pompadour e comentaram que seria estranho que seu velho inimigo, o delfim, fosse acometido de forma parecida.

Marie-Josèphe ficou muito preocupada quando o viu.

- Deve ir para a cama por algum tempo - insistia ela. - E deve deixar que eu seja sua enfermeira. Uma vez disseram-me que eu era uma boa enfermeira.

- Lembro-me bem da ocasião-respondeu o delfim, emocionado.

- Então, não vai hesitar em colocar-se em minhas mãos? O delfim respondeu, delicado:

- Nessa época, eu estava doente, Marie-Josèphe. Agora, tenho um simples resfriado, de que não consigo livrar-me.

- Os médicos farão sangria em você - informou ela.

Achava-o dócil; era como se ele desejasse agradá-la, para compensar o tormento que lhe causara com aquela mulher.

Sentia curiosidade a respeito dessa mulher, mas nada perguntou.

Sentia que havia algo muito especial sobre esse período de sua vida e não gostaria de estragá-lo totalmente. Ela tentaria esquecer a existência de madame Dadonville e do seu pequeno Auguste; e iria rezar para que o delfim também esquecesse.

Pôs um vestido branco simples, pensando no tempo em que servia de enfermeira ao delfim e o salvara da varíola, quando ficaram muito próximos e ela acreditara que o vínculo entre eles ficara inviolado para sempre.

Sinto-me feliz, pensava ela; mais feliz do que sempre, porque, quando ele fica doente, volta para mim. E sou uma ótima enfermeira. O dr. Pousse afirmou isso. Mais uma vez vou devolver-lhe a saúde

- e, agora, ele está mais velho, mais maduro, a felicidade que recobraremos vai durar para o resto de nossas vidas.

Marie-Josèphe sentou-se à cabeceira do marido. Estava muito preocupada porque ele não estava bem. O resfriado persistia e ficara pior.

- Sofre de pleurisia - informou o médico e, repetidas vezes, fizeram sangria nele.

Aparecera uma úlcera no lábio superior. Era um tumor maligno, sem que nenhum unguento o debelasse, e embora às vezes parecesse cicatrizar-se, sempre ressurgia.

Chegou o dia em que ele pegou o lenço da delfina para levar à boca após um acesso de tosse, e quando o devolveu estava sujo de sangue.

Ela lembrou-se da doença de madame de Pompadour, e que ela vira a figura graciosa definhar diante dos seus olhos.

Ela, porém, poderia salvá-lo. Estava determinada a isso; amava-o como nunca amara ninguém mais no mundo, e lutaria com todas as suas forças para salvá-lo.

Lembrou-se da noite de núpcias, quando ele chorara em seus braços porque perdera a primeira mulher. Nesse instante, ela soubera que ele era um bom homem, um homem de sensibilidade e de sentimento profundo; então, ela, uma criança aterrorizada, tornara-se uma mulher decidida a sair vitoriosa do que desejava, decidida a agarrá-lo. E o que ela desejava era o amor do marido.

Acreditava que, em grande parte, vencera. Talvez estivesse certa demais. Foi por isso que sofrera tanto ao descobrir o amor do marido por madame Dadonville.

Lembrava-se dessa tragédia - a perda do filho mais velho, o duque de Borgonha, o seu pequeno Luís José, aos onze anos. Fora um golpe amargo para ambos, e para os avós da criança. Sua morte fora uma das realmente grandes dores de sua vida de casada; outro filho morrera aos três meses e fora outro golpe amargo. A perda dessas crianças, o caso de madame Dadonville - haviam prejudicado o que poderia ter sido uma vida feliz.

Ele a consolara quando da morte do duque de Borgonha. Tinham outros filhos, lembrou-lhe ele.

Sim, a união fora frutífera. Ela tivera três filhos: o duque de Berry, o duque da Provença e o duque d'Artois e duas filhas, as princesas Clotilde e Isabel. E ela própria cuidara deles, porque acreditava que poderia dar-lhes mais amor e carinho do que qualquer governanta.

O rei apreciara-a com algum assombro.

- Minha filha - afirmara ele -, você é um exemplo para qualquer mulher ou mãe na França.

A delfina imaginara que tinha falado com certa ironia, pois ela parecia muito desanimada, muito sem atrativos aos olhos dele, mas, a certa altura, vislumbrara a aprovação e o afeto genuínos dele.

Quem senão a mãe se preocuparia com o filho?, perguntava-se ela. Quem senão a mulher seria a enfermeira do marido na doença?

Rezava durante longas horas à noite, ajoelhada; murmurava orações, a meia voz, no quarto do doente. Mas, apesar do seu cuidado persistente, apesar de suas orações, o estado de saúde do delfim não melhorou.

O rei mandou chamá-la, e, quando estavam a sós, puxou-a para si e abraçou-a.

- Minha querida filha, estou apreensivo.

- Ele está muito doente, sire - respondeu ela.

- Estou apreensivo com ele e estou apreensivo com você.

- Comigo?

- Não acho que deva passar muito tempo no quarto do doente, minha querida. Sabe o que o aflige. Oh, minha filha, vejo como está transtornada. Mas você é corajosa... você é uma das mulheres mais corajosas da França, acredito. Então, vou contar-lhe a verdade. Temo, filha, que não terei esse filho por muito tempo. Nem você o seu marido.

A delfina fechou a mão, a boca ficou firme.

- Vou cuidar dele até que volte a ter saúde - respondeu ela.

- Fiz isso antes, quando todos haviam perdido as esperanças na vida dele. Vou novamente fazer isso.

O rei observou-a com cuidado e afeto. Tinha enérgica força de vontade, essa Marie-Josèphe. Ele agora ficou surpreso por tê-la achado sem graça. Era uma boa mulher, no entanto isso não significava que, necessariamente, fosse maçante.

- Minha querida, você vai, sim - completou ele, emocionado.

- Sei que vai. Mas quero que ouça o que os médicos me falaram. Dizem que esta doença dos pulmões, de que meu filho sofre, pode ser infecciosa. Os que vivem constantemente no quarto do doente aquecido podem contraí-la com o tempo.

- Meu lugar é com ele - respondeu ela.

- Você se cansa. Poderia partilhar com outras pessoas a responsabilidade da enfermagem.

Os olhos dela ficaram ameaçadores.

- Não há responsabilidade e ninguém vai partilhá-la comigo respondeu ela.

O rei pôs-lhe a mão no ombro.

- Vou juntar minhas orações às suas, filha - acrescentou ele, pegando-lhe a mão e beijando-a. - Vamos esperar que as orações de um velho pecador e da mais virtuosa jovem da corte possam ser ouvidas.

A cada dia, o delfim tornava-se mais fraco, mas ficava inquieto, se, ao abrir os olhos, não visse Marie-Josèphe. Um dia, balbuciou:

- Desculpe-me a infelicidade que lhe causei. A delfina abanou a cabeça.

- Você deu-me grande felicidade - atalhou ela.

- Amo você - acrescentou ele. - Você, como a nenhuma outra.

- Diz isso porque sabe que eu desejava ardentemente ouvir?

- Digo porque é a verdade. Eu desejava dizer isso desde que a vi. Oh, Marie-Josèphe, como eu gostaria de ter sido totalmente fiel a você. Você merece muito mais do que lhe dei.

A delfina abanou a cabeça.

- Por favor... por favor, não fale assim... Agora, estamos juntos.

- Pelo pouco tempo que nos resta - começou ele.

- Não - ela falou alto. - Não vai ser pouco tempo. Fui sua enfermeira quando teve varíola. Serei sua enfermeira durante essa doença.

- Marie-Josèphe, sempre ao meu lado, quando preciso de você. Minha enfermeira, minha consoladora, minha mulher, meu amor...

- Sinto-me tão feliz - interrompeu ela. - Eu queria poder morrer agora mesmo.

O delfim sabia que estava morrendo. Ficara muito tranquilo, muito paciente.

Como podia, perguntava-se a corte, um homem que sabia estar tão próximo da morte enfrentar o futuro com tal serenidade? O rei respondeu à pergunta, ao explicar:

- A vida de meu filho não tem reprimendas. Não tem medo do que o espera. Se todos vivermos tão virtuosamente como ele viveu, enfrentaremos a morte da mesma forma.

A corte devia ficar em Fontainebleau, porque o delfim estava doente demais para ser carregado.

O delfim sabia que era por causa dele que todos ficavam ali e se desculpava por saber que era desejo da maioria voltar a Versalhes, mais confortável e luxuosa.

- Receio estar causando dificuldade à corte - explicou ele.

- É uma pena que eu demore tanto a morrer.

Estava ansioso por poupar o trabalho dos médicos e ficava deitado, fingindo dormir para que eles cochilassem em suas cadeiras, enquanto, junto com a delfina, fizessem a vigília noturna na sua cabeceira.

Chegara dezembro, e ele, deitado na cama, contemplava os flocos de neve caindo lá do lado de fora das janelas. Sabia que não veria mais uma vez a primavera.

Os médicos procuraram o rei e disseram-lhe que a vida do delfim desaparecia aos poucos. Luís esclareceu:

- Meu coração está preocupado com a pobre delfina. Insiste em acreditar que ele vai viver. Pobre alma! Acho que se engana de propósito porque não consegue pensar na vida sem ele. Está exausta. Não quero que esteja com ele no fim. Será penoso demais, e temo que Marie-Josèphe esteja à beira de um colapso. Vou falar com ela e insistir para que descanse por algum tempo em seus apartamentos. Quando ela sair de lá, quero que o cardeal de La Rochefoucauld fique na cabeceira do meu filho, para administrar-lhe a extremaunção. Venha, agora vou acompanhar você ao quarto do doente.

Foi lá com os médicos e, ao aproximar-se da delfina, tomou-lhe o rosto nas mãos e sorriu-lhe, meigo. Viu as olheiras sob os olhos e os sinais de esgotamento.

- Minha filha, vou dar-lhe uma ordem - avisou ele. - Vá para seus aposentos. Uma de suas criadas vai levar-lhe uma bebida confortante e, depois, você vai descansar.

- Vou ficar aqui - respondeu ela.

- O rei lhe fala. Ele ordena que você vá para seu aposento e descanse.

- Meu pai...

A voz do rei tremeu um pouco quando lhe pegou a mão.

- Minha filha, obedeça-me - murmurou ele.-É meu desejo. E pôs os lábios na testa da nora.

- O senhor me acordará se ele me chamar?

- Descanse certa de que vou acordá-la imediatamente. Dessa maneira, a delfina seguiu para seus aposentos e, quando

se foi, o cardeal de La Rochefoucauld se aproximou da cabeceira do delfim para administrar-lhe a extrema-unção.

O rei saiu da cabeceira e sentou-se a um canto do aposento. Conseguia ouvir a voz enérgica do cardeal, as respostas fracas do delfim.

Morte!, pensou o rei. Há morte demais em Versalhes. Em pouco mais de um ano, perdi minha querida marquesa, e agora meu filho único...

Morte! O espectro que persegue a todos nós... Os reis não conseguem esconder-se dela. Ela nos chama e forçosamente alguém a segue.

As vozes se calaram. O rei sabia, antes que o cardeal viesse na sua direção.

Levantou-se e perguntou:

- Acabou-se?

- Sim, sire. O delfim morreu.

Mesmo na câmara sombria, a etiqueta se impusera. Precisavam avisar à delfina. Precisava-se proclamar o novo delfim. O rei se afastou do cardeal e falou em voz alta:

- Tragam-me o delfim aqui.

Em poucos minutos, o duque de Berry estava diante dele envergonhado, tímido, onze anos de idade. Luís olhou o filho mais velho e pensou; Que Deus tenha piedade de você, que um dia será rei da França.

- Sabe por que mandei chamá-lo? - perguntou.

- Sim, sire - falou o menino, num sussurro.

- Sabe que é o delfim da França?

- Sim, sire.

- Há muitos deveres esperando por você, neto. Alguns são agradáveis e outros, desagradáveis. O primeiro que deve realizar como delfim é, espero, um dos mais tristes que lhe caberá. Venha comigo agora.

O rei, solene, saiu da câmara mortuária; o delfim, ajustando seus passos aos do avô, parecia mais aturdido que pesaroso.

Os cortesãos e criados por quem passavam curvavam-se muito, e o menino ficou sabendo que lhe concediam um respeito diferente.

Chegaram aos aposentos da mãe e o pajem anunciou:

- Sua Majestade o rei e Sua Alteza Real o delfim. Marie-Josèphe se levantou da cama, e seu olhar foi do rei para a figura do filho de onze anos que, agora, sugestivamente, vinha à sua presença como delfim da França.

O que se poderia fazer para confortar uma mulher tão ferida pela dor? O rei se perguntava e aos seus cortesãos como poderia tirar Marie-Josèphe da melancolia em que caíra.

Ele não conseguia pensar em nada a não ser dar-lhe forças.

Chamou-a à sua presença e falou:

- Filha, não quero pensar que a sua posição em nada se alterou com a morte de meu filho. Ainda a considero minha filha bem-amada - começou ele.

A delfina agradeceu-lhe com seu jeito calado, desanimado. O rei lembrou que ela sentira a morte durante os costumeiros dois meses e que nunca mais deveria chorar.

- Sire, vou chorar sempre - respondeu ela.

- Isso não vai prolongar-se, se continuar como está agora.

- Então, serei feliz, sire. Ai de mim, Deus quis que eu sobrevivesse a ele, a quem eu daria mil vidas. Espero que Ele me dê a graça de passar o resto de minha peregrinação em preparar-me, em sincera penitência, para reunir-me à sua alma no céu. Não duvido de que ele esteja lá, pedindo a mesma graça para mim.

O rei lembrou como ela sempre avisara ao delfim, e que ele acreditava ser ela uma mulher prudente. Isso ela era sem alegria, e a pouca prudência não parecia importante. Ele próprio não tinha ânimo para prudência ou para alegria. Ele acreditava precisar de uma companhia, alguém que pudesse preencher em sua vida o lugar vazio deixado por madame de Pompadour.

Havia muitas meninas atraentes e mulheres belas ansiosas por preencher suas necessidades físicas. Essa nora consternada poderia ser sua amiga e confidente.

Luís sempre precisava de uma amiga. Não confiava em nenhum ministro. Sempre sentira afeição pelas mulheres, mais do que pelos homens; somente uma mulher, acreditava ele, poderia dar-lhe amizade desinteressada. Os homens estavam constantemente pensando na própria promoção - como, em verdade, muitas mulheres; mas se convencera de que essa centelha divina de amizade desinteressada só poderia vir de uma mulher.

- Minha filha, você perdeu alguém que significava tudo em sua vida - acrescentou ele, num impulso. - Recentemente, perdi uma querida amiga. Ambos sofremos. Vamos procurar nos ajudar para ultrapassarmos esse período difícil de nossas vidas. Quem sabe se, ao procurarmos acalmar o sofrimento um do outro, encontraremos um tantinho de satisfação? Sejamos amigos. Temos muito a conversar juntos. Precisamos pensar no futuro da família. Vai me contar sobre eles, e vou falar de assuntos de estado que costumava discutir com a minha querida marquesa.

Ela chorava, tranquila.

- Ora! Bem, meu caro sire e pai, já me sinto um pouco mais feliz do que antes - animou-se ela. - É a esperança de ser-lhe de alguma utilidade.

- Então, ambos estamos mais felizes. Você vai ocupar um conjunto de aposentos imediatamente abaixo do meu. Prepare-se para mudar-se logo para lá.

Marie-Josèphe sentiu-se animada, porque pensava naqueles encontros que haviam acontecido nos aposentos do marido. Como agradara ao delfim quando o rei demonstrava amizade por ela, quando o marido estava vivo! Cultivara a amizade com as irmãs, porque haviam compartilhado a confiança do rei.

Era possível que ela, Marie-Josèphe, pudesse discutir política de estado com o rei? Se assim acontecesse, ela nunca esqueceria o marido. Parecia senti-lo do seu lado agora, forçando-a a aceitar a amizade do rei, para consolar o rei, para ganhar-lhe a afeição. Dessa forma, ela poderia continuar as políticas interrompidas do marido.

Pensava no duque de Choiseul, que fora tão insolente com o delfim, não fazia muito tempo, na época em que os jesuítas foram proibidos.

De bom grado, assiduamente, ela trabalharia como o faria o falecido delfim; faria tudo o que ele teria feito; dessa forma, pareceria estar vivo.

O que teria feito, caso estivesse vivo e com poder?

 

Dessa vez, havia muita agitação em toda a França, por conta do caso Calas, que se arrastara durante anos, e quanto a Voltaire, de seu refúgio em Ferney in Gex, reclamava do excesso de intolerância.

Durante o reinado de Luís XV, amante do prazer, houvera pouca perseguição aos protestantes em Paris e no norte, mas, no sul da França, que era distante do centro de cultura, continuava a perseguição, e os protestantes eram torturados e executados.

A família Calas, protestante, tornara-se proeminente havia cerca de três anos. Monsieur Calas era um comerciante rico de Toulouse; a mulher, uma nobre. Eram pais felizes de vários filhos e poderiam continuar em feliz obscuridade, mas um deles, Louis, menino de sete anos, era muito querido por uma criada da casa, católica.

Essa criada acreditava que, se não pudesse converter essa criança bem-amada ao catolicismo, sua alma se perderia. Por ser isso intolerável para sua paz de espírito, procurou convertê-lo; assim, começou por levá-lo, em segredo, à missa; mais tarde, porém, ousou tirá-lo da família e levá-lo para um cabeleireiro e peruqueiro católico na cidade, que concordou em esconder a criança.

A perda do filhinho trouxe grande pesar à casa, que procurou por ele em vão. Mas essa incerteza não durou muito tempo, pois era lei da Igreja Católica que qualquer criança de sete ou mais anos tinha idade bastante para manifestar-se católica. Louis fez isso, para alegria da população católica de Toulouse e terror dos pais.

O pai foi chamado a comparecer diante do arcebispo e obrigado a pagar certa quantia em dinheiro pela guarda do menino enquanto ele ficasse escondido, e a pagar para que fosse criado num lar católico. Depois, mandaram o pequeno Louis escrever uma carta ao arcebispo pedindo que duas irmãs suas e um irmão pequeno saíssem de casa para que fossem educados junto com ele, como católico.

Louis tinha um irmão mais velho, Marc Antoine, protestante implacável e bacharel de direito, proibido de praticar, porque, para que tal acontecesse, precisava de um certificado provando ser católico; e, naturalmente, não poderia obter isto a menos que mudasse de religião.

O problema a enfrentar - renegar sua fé ou abandonar a profissão - deprimiu-o tanto que contraiu horríveis hábitos de beber, a fim de abrandar temporariamente a depressão.

Um de seus amigos, Lavaysse, também era de família protestante, mas, como fora criado por jesuítas e não teve qualquer dificuldade em seguir a carreira que desejava, Lavaysse servira na marinha, onde se destacara; e um parente rico lhe deixara uma plantação em São Domingos, para onde iria.

Antes de partir, foi à casa da família Calas para dar adeus. A rigor, não se vangloriou, mas era natural que o deprimido Marc Antoine comparasse a própria carreira com a do próspero Lavaysse; de súbito, largou o hóspede, subiu ao seu quarto e se enforcou.

Ao descobrir o corpo, a família ficou horrorizada, não só pela perda do filho, mas porque o costume católico era levar o corpo de um suicida protestante - ou suspeito de suicídio -, arrastado, despido, numa armação, pela cidade. Considerou isso um estigma que ia ser vinculado ao restante da família muitos anos após o acontecimento.

Os lamentos da família Calas, quando baixaram o corpo de Marc Antoine, atraíram a atenção dos vizinhos, que entraram na casa para verificar o que havia de errado.

- Ele se matou! - gritou um deles.

Monsieur Calas, ao ver o corpo do filho sendo exposto à humilhação, berrou:

- Não, não! Não foi suicídio.

- Então... foi assassinato!

Um dos vizinhos saiu às ruas e berrou:

- Cidadãos, venham rápido! Uma família protestante assassinou o filho.

Em pouco tempo, havia uma multidão do lado de fora da casa. Entraram intempestivamente nela, pegaram o corpo de Marc Antoine, despiram-no e o arrastaram pelas ruas. Prenderam todos os membros da família Calas e, forçando-os a andar pelas ruas atrás do corpo, gritavam:

- Vejam! Protestantes que estrangularam o próprio filho.

A família foi atirada na prisão e os sacerdotes católicos inventaram uma mentira contra ela. Marc Antoine declarara sua intenção de tornar-se católico, disseram eles, e, por causa disso, a família esganara-o. Houve serviços especiais para louvar Marc Antoine, pois os sacerdotes viam nisso uma oportunidade para incitar os cidadãos de Toulouse contra os protestantes, e jamais se ignoravam tais oportunidades.

Declararam que os protestantes mantinham tribunais secretos, nos quais resolviam assassinar todos aqueles que exprimiam a vontade de converter-se ao catolicismo. Convocava-se o povo de Toulouse para demonstrar seu amor à verdadeira fé, o que significava que deveriam exigir perseguição à família Calas.

O caso de Calas poderia ter sido apenas mais outro que ligava a França à intolerância da Idade Média, mas ao falso ateu de Ferney que despejava seu desprezo pelos compatriotas.

Voltaire declarou:

- O julgamento dessa família protestante é ainda mais cristão por ser incapaz de prova.

Calas, um homem de 64 anos, comeu o pão que o diabo amassou. Em meio a sua angústia, pediram-lhe para que se confessasse, mas ele declarou apenas sua inocência e rezou pelo perdão dos seus torturadores.

Voltaire, em Ferney, na fronteira da Suíça - de onde poderia fugir caso as autoridades francesas resolvessem julgar traição a sua franqueza-, acompanhava o caso com grande atenção; escreveu a madame Calas e perguntou-lhe se ela afirmava que o marido era inocente.

Ao receber resposta afirmativa, Voltaire pôs seu génio em jogo. Ia reverter o veredito contra Calas; não apenas isso, iria dar um fim para sempre à perseguição religiosa na França.

Começou por escrever cartas a Saint-Florentin, duque de La Vrillière, conhecido como o "Ministro das lettres de cachei" porque permitia que a amante os vendesse a cinquenta luíses cada. Astuto, Voltaire sugeriu que Saint-Florentin deveria sentir-se, como ele, tão transtornado por esse caso. Saint-Florentin, posto assim em evidência, enquanto protestava que o affaire Calas era assunto para o poder judiciário, ficou apreensivo porque sentia que Voltaire era uma luz a brilhar nas prisões, cheias daqueles que, porque alguém influente desejara que estivessem errados, recebiam suas lettres de cachet.

A campanha foi feroz e longa. Era o que Voltaire queria que fosse. Os inteligentes e os sábios aceitaram; escritores e filósofos discutiram a injustiça do castigo infligido a monsieur Calas.

Choiseul acompanhava o caso com desprazer. Estava do lado de Voltaire, ansioso como sempre para ver a Igreja numa posição subordinada.

A força da opinião pública, incitada pelos escritos ferozes de Voltaire, fez com que madame Calas fosse libertada e mandada imediatamente embora de Toulouse para achar refúgio em Ferney.

Isso aconteceu bem pouco antes da expulsão dos jesuítas; e Choiseul estava ansioso por fazer uma brincadeira com SaintFlorentin, ao libertar um certo rapaz do serviço nas galés. Era Fabre, cujo pai recebera sentença para nelas servir. Fabre tornara possível a fuga do pai, ao tomar-lhe o lugar.

Quando se descobriu isso, houve certa gritaria e pedido para que esse santo rapaz fosse libertado. Saint-Florentin retrucara que Fabre havia desafiado a lei e, como resolvera substituir o pai, que ficasse ali.

Choiseul imediatamente interveio. Tinha em vista a aprovação pública. O caso Calas despertara profunda emoção em toda a França, e ele sentiu que uma forte opinião pública estava a favor da tolerância.

Ordenou, portanto, que libertassem Fabre. Saint-Florentin ficou furioso, mas nada podia fazer contra o todo-poderoso Choiseul.

Enquanto isso, Paris continuava a receber os panfletos de Voltaire que, ao saber que o Parlemente Toulouse planejava novamente prender madame Calas, sugeriu que ela fosse para Paris, mais liberal do que qualquer outra cidade na França, e lá defendesse sua causa.

Enquanto madame Calas viajava para Paris, Saint-Florentin esforçava-se ao máximo por desacreditar Voltaire e, com ele, o seu aliado Choiseul.

Empregou um escritor talentoso, Fréron, para escrever um artigo, que se supunha ter sido publicado num jornal inglês, atacando orei.

Os espiões de Choiseul, no entanto, lhe informaram que ele fora lançado primeiro em Paris; depois disso, a pena virulenta de Voltaire produziu tais ataques a Fréron que o homem tremera de raiva e horror, e Voltaire encontrou pouca dificuldade para provar que o artigo fora uma mentira.

Enquanto isso, o Parlement de Toulouse ocupava-se em apresentar outro caso contra os protestantes; e quando uma menina foi encontrada morta num poço, o pai, monsieur Sirven, que era protestante, foi acusado de assassiná-la, porque, declarou o Parlement, era costume dos protestantes assassinar os filhos.

Seja como for, a denúncia de Voltaire e o conhecimento de que o poderoso Choiseul sustentava-o, estimulou os outros a que fossem corajosos.

Ficou provado que a única testemunha no caso era uma criancinha, primeiro subornada e depois ameaçada para que dissesse ter visto monsieur Sirven atirar a filha no poço. Descobriu-se a verdade, a menina fora tirada dos pais e posta num convento de freiras para aprender a tornar-se católica. A menina fora arrancada dos pais e do lar, e, por causa disso, maltratada. Quando mostrou sinais de loucura, mandaram-na para casa; ali, com medo de ser levada de volta para o convento, matou-se pulando num poço.

Voltaire logo ofereceu refúgio à família Sirven, que se apressou a cruzar as montanhas das Cevenas e atingir Ferney.

O inflamado escritor fez tudo isso e recebia os visitantes do mundo inteiro, pedia aos Sirvens que contassem a história de como haviam sido ofendidos.

Seus escritos haviam circulado no estrangeiro, e, consequentemente, a Inglaterra e a Rússia, talvez para humilhar a França, começaram a levantar fundos para os protestantes perseguidos nesse país intolerante.

Choiseul interveio. Sabia estar dando forte golpe nos jesuítas. Exigiu que o Parlement de Toulouse desistisse dos documentos relativos ao caso Calas, e que se fizesse uma tentativa em Paris.

Ele próprio recebeu madame Calas e suas filhas, tratou-as com o maior respeito, assegurando-lhes que seria o advogado delas; ele mesmo as pôs numa carruagem e levou-as a conhecer as maravilhas da capital.

O comportamento honrado de madame Calas impressionou toda Paris, e Choiseul sabia que o povo estava do seu lado.

Tudo isso acontecera antes da morte do delfim, e a delfina sabia que o marido acompanhara o caso Calas com o máximo de interesse.

Com a tragédia que a surpreendera, esquecera-se de que o caso ainda esperava julgamento.

Agora, depois que o rei lhe dissera desejar ser amigo seu, informaram-lhe que haviam dado a esse caso uma sentença em favor de madame Calas, que ganhara dinheiro; mais uma vez, permitiram-na utilizar o brasão de família. Isso foi o mesmo que declarar que o marido recebera sentença errada.

Voltaire exultou. Comprovara o poder da pena. A partir desse ano, 1765, não haveria mais perseguições a protestantes na França.

Quando a delfina soube como os acontecimentos estavam se desenrolando, decidiu-se.

Isso era um golpe a mais na intolerância que o delfim sustentara. Voltaire, que era chamado ateu, e Choiseul, que ia à Igreja só porque a etiqueta mandava que fosse, haviam desfechado um golpe contra tudo aquilo por que o delfim lutara.

Se a delfina antes tivera alguma dúvida, resolvera agora. Ia parar de chorar o marido e trabalhar como ele teria trabalhado. Não descansaria até que tivesse desajolado o duque de Choiseul da posição de que agora desfrutava.

Ao saber rapidamente da animosidade da delfina, o duque de Choiseul se sentiu apreensivo. Procurou a irmã e sugeriu que dessem uma volta pelos jardins; explicou-lhe que o que precisava falar-lhe deveria ser ao ar livre.

Quando pararam perto da fonte, ele começou:

- A delfina me deixa apreensivo.

- Aquela tolinha!

- Sim - murmurou Choiseul.

- Sempre a achei inofensiva como o leite - informou a duquesa de Gramont. - Agora, nem mesmo é inofensiva. É insípida como a água.

- Percebeu o afeto do rei por ela?

- O rei!

Choiseul riu, alegre.

- Não resolveu fazê-la sua amante, se é o que está pensando -completou ele.-Mas está passando por um momento horroroso. Ainda pensa na marquesa e imagina precisar de conforto. A delfina, como viúva virtuosa que é, chora o marido. Dessa forma, juntaram as cabeças e choram os amores que perderam. Isso os une.

- Ora! - respondeu a duquesa. - Ele vai cansar-se disso em uma semana mais ou menos.

- Talvez, mas muita coisa pode acontecer em uma semana ou mais ou menos. E, depois que madame Calas foi reintegrada, a delfina resolveu atacar-me.

- Um mosquito tenta atacar um touro.

- Há pequenos insetos cujo ferrão contém veneno, lembre-se.

- O que propõe fazer?

- Reprimir o amor do rei por sua norinha. Com um lenço enxugar a compaixão de seus olhos. Deixá-lo ver quem ela realmente é. Em outras palavras, trazer de volta o desprezo sadio que sempre sentiu por ela e pelo agora santificado delfim.

- Como conseguirá isto?

- Dar-lhe outra amiguinha.

- E escolheu-a?

- Nós dois a escolhemos há muito tempo. Diga-me, ele demonstrou algum interesse?

- Pouco. A única mulher por quem ele parece interessar-se agora é a jovem Étiennette Muselier. Ouvi dizer que está grávida.

- Uma mulher dessas não nos incomoda.

- Não, porém ela o satisfaz na atual situação.

- E não demonstra interesse por você?

- O mesmo que demonstra por qualquer outra na corte. Essa tal de Esparbès é muito esperta.

- Devemos com certeza tomar cuidado com ela. Acredito que agora Luís possa deixar-se seduzir por uma ligação e continuá-la como hábito. Sabe que a Pompadour foi mais que um hábito.

- O que sugere?

- Isso. Hoje à noite, vou esforçar-me ao máximo para que ele beba muito. Depois de coucher, depois de dormir, esteja pronta para subir aos aposentos dele pelas escadas secretas.

- E Lê Bei, Champlost e os outros?

- Deixe-os comigo. Lê Bei é o único que precisamos levar em consideração. Vou dizer-lhe que ouvi falar de uma menina que poderia interessar ao rei. Enquanto ele estiver fora, em caçada, você vai entrar nos aposentos reais.

- E depois?

Choiseul estourou em sonora gargalhada.

- Então, irmã, o assunto vai ficar em suas mãos hábeis. - Por um instante, ficou sério. - E lembre-se disso. Devemos afastá-lo da delfina. Quero dizer, devemos mandá-la para a obscuridade. Em pouco tempo, se agirmos juntos, ela na corte não terá mais poder que a rainha. Se permitirmos que influencie o rei, vai frustrar todos os meus planos. Hoje à noite, irmã, você precisa ter êxito.

- Não tenha medo, irmão. Lembre-se de quando ambos éramos jovens e falávamos em fazer nossas fortunas, lembre-se de quando planejávamos em nosso château paupérrimo.

O duque refletiu:

- Que você chamava Château Ennui, Castelo Tedioso. Ela concordou com a cabeça e continuou:

- Eu sempre dizia que, se quisesse alguma coisa, iria consegui-la. Choiseul sorriu com ternura para a irmã. Não via que ela era grande, magérrima, abrutalhada e sem aqueles atrativos femininos que o rei achava tão atraentes; via apenas a mulher que mais admirava no mundo e que acreditava não poder decepcionar.

Luís estava deitado sonolento na cama. Terminara o coucher, o repouso, as cortinas foram puxadas.

Sentia-se desolado. Hoje, vira passar um funeral quando estava fora, caçando. Os funerais exerciam mórbida fascinação nele. Muitas vezes, parava um cortège e perguntava o que causara a morte.

Hoje, recebera uma resposta que o deixara constrangido.

- Fome, sire.

Fora embora daquele local em rápido galope, mas, para ele, a caçada se estragara.

Estava ficando velho, admitia. Não conseguia, tão facilmente como antes, passar por cima do que lhe era desagradável. Por causa dessas mortes ao seu redor. A marquesa. O próprio filho.

Que assombro: ele não precisava ser muito forçado a beber cordialmente.

Não se sentia infeliz por isso. Poderia ajudar o sono.

Percebeu um movimento no quarto, um farfalhar das cortinas da cama.

- Quem está aí? - perguntou.

Puxadas as cortinas, uma mulher longe de ser fascinante olhava-o. Sorria lascivamente. Luís a achou muito sem atrativos, os cabelos desatados, o vestido aberto revelava a camisola de tecido fino.

- Madame de Gramont, o que quer? - perguntou ele, sereno, tentando sair dos vapores de álcool que o haviam feito sentir tanto sono.

- Achei impossível ficar longe por mais tempo, sire. Ela se aproximou mais.

- Tem um pedido a fazer?

Luís ouviu uma gargalhada rouca. Talvez por acreditar que ele pudesse expulsá-la, e ela estava determinada a ficar, madame de Gramont pulou em cima dele e o agarrou com os braços fortes.

Luís, desvairado, pensou que ela viera para assassiná-lo, mas madame de Gramont deixava claro o que desejava; esses abraços sufocantes queriam dizer afeto, essas enormes mãos masculinas, desejo. Luís começou:

- Suplico-lhe que seja pela manhã.

Madame de Gramont, porém, era uma mulher determinada, e Luís lutou um pouco, mas não muito. Era uma situação maliciosa, totalmente rara em sua experiência, e ele se sentia exausto demais para fazer alguma coisa, e se deixou levar à altura.

O rei ainda estava um pouco aturdido de manhã, e ao se levantar sussurrou ao duque de Richelieu, que lhe passava às mãos uma camisa:

- Ontem à noite, fui violentado em minha cama. Preciso dizer a Choiseul para cuidar mais da irmã.

Richelieu ficou alerta.

- Vossa majestade não poderia ter gritado por socorro?

- O ataque foi repentino demais, e ela, muito esmagadora. Parecia não haver alternativa a não ser me entregar.

Isto era sério, pensou Richelieu. Choiseul fazia parte firme no controle do reino; se a irmã tomasse o lugar de madame de Pompadour, haveria uma esfera de influência sobre o rei, em que seria impossível penetrar. Richelieu tinha ambições.

Mandaria buscar a encantadora Esparbès. Gramont pouco poderia fazer contra essa criatura requintada, e a violação do rei só daria certo se acompanhada de indiferença por uma vítima embriagada e por um elemento de surpresa.

Madame d'Esparbès era gorducha e frívola, petite e muito feminina.

- Houve mulher que contraste mais diretamente com a violadora de vossa majestade? - sussurrou Richelieu.

Luís contemplava a jovem condessa; ela apoiava os braços sobre a mesa, tirando a casca de cerejas. Eram de aspecto muito brancos e perfeitos; dizia-se que madame d'Esparbès tinha os mais belos braços da corte.

Luís se sentiu desanimado, mas percebeu que deveria fazer alguma coisa para resistir à duquesa de Gramont. Poderia mandar a mulher embora da corte, mas isso iria desagradar a Choiseul, e ele considerava o duque como o mais inteligente dos ministros e o único que ele permitia nada fazer.

A forma mais simples, imaginava Luís olhando os dedos rechonchudos e pontudos pegando as cerejas, era instalar alguém no lugar que madame de Gramont ambicionava.

Interiormente, ele tremia. Fora uma experiência fora do comum e, por isso, não a lamentava totalmente. Mas, eliminados os elementos de surpresa e novidade, o acontecimento poderia ser apenas repulsivo; e ele precisava proteger-se imediatamente dessa mulher voraz.

Madame d'Esparbès lhe dava um de seus sorrisos inocentes. Era um animalzinho sensual; ouvira falar de suas aventuras com outras. Ele acreditava que ela fosse bem divertida.

Luís retribuiu o sorriso e, com um gesto, convidou-a a mudar de lugar para outro ao seu lado.

Terminado o jantar, ele combinara para que madame d'Esparbès fosse ao seu quarto de dormir logo depois do coucher.

Lê Bei ficaria prevenido para que, caso se aproximassem visitantes indesejáveis, deveria dizer-lhes que o rei estava ocupado.

Por isso, sentia-se a salvo das atenções da duquesa, e ele ficava um tanto satisfeito por ter a brincalhona d'Esparbès aninhada a ele.

- Oh, sire, hoje à noite atingi o máximo dos meus sonhos ela falou alto.

- Sei que você é mulher de muita experiência - respondeu o rei. - Creio que tenha dormido com todos os meus súditos.

Madame d'Esparbès sorriu.

- Oh, sire! - murmurou ela.

- Um deles é o duque de Choiseul - continuou o rei.

- Mas, sire, ele é tão influente.

- E o duque de Richelieu é outro.

- Ele é tão espirituoso, sire.

- Monsieur de Monville, também.

- Que belas pernas!

- Concordo em que Choiseul tenha influência, que Richelieu, espírito, e Monville, pernas bem-feitas. Mas o que tem de atraente o duque d'Aumont?

- Oh, sire, ele é tão dedicado a vossa majestade.

O rei começou a rir. Madame d'Esparbès riu com ele. Isso era bom resultado. Todos os que conseguiam fazer o rei rir, principalmente durante essa fase de depressão, seriam bem-vindos a que partilhassem de sua companhia.

Mas nem a rivalidade entre a duquesa de Gramont e madame d'Esparbès, nem o antagonismo que existia entre a delfina e o duque de Choiseul poderia alegrar o tédio em que o rei sucumbira e a corte com ele. As ceias íntimas eram acontecimentos enfadonhos. Não havia representações teatrais particulares; a marquesa estava tristemente esquecida, não apenas pelo rei.

Sempre lembravam a Luís que estava envelhecendo. Não conseguia parar de falar de morte, e quando qualquer membro da corte morria, queria ouvir todos os pormenores. Se o falecido fosse mais jovem do que ele, a corte podia preparar-se para horas de melancolia.

O pai da rainha, Estanislau, morrera; e a rainha, desde então, ficara triste.

- Era no mundo a pessoa que mais me amava-informou ela às criadas. - Vou chorar sua perda pelo resto da vida. Meu único lenitivo é que ele está mais feliz do que eu e que não gostaria de voltar a esse mundo triste.

O rei, que tentara reconciliar-se com a rainha, deixou-a sozinha após a morte de Estanislau. Queria ficar com aqueles que o ajudassem a esquecer a proximidade da morte.

Parecia que Maria Leczinska não se recuperou da morte do pai. A saúde declinava a cada dia; a pele ficava amarelada e o seu corpo antes rechonchudo parecia emagrecer, embora continuasse a ter apetite anormal. Os médicos estavam perplexos; só conseguiam dizer que a sua doença era coma vigil.

A corte chegara à conclusão de que a próxima pessoa a morrer seria a rainha.

O cérebro de Choiseul estava ocupado. Quando a rainha morresse ele deveria esforçar-se por arranjar um casamento para o rei. Ele, triste, começava a perceber que Luís nunca aceitaria a duquesa de Gramont como mulher. Toda a corte ria da violação do rei, pois Richelieu achara não poder perder uma oportunidade dessas para ridicularizar Choiseul.

Se a rainha morresse, e era impossível esperar por um casamento entre o rei e a duquesa de Gramont, Choiseul tentaria fortalecer os laços entre a França e a Áustria. A arquiduquesa Isabel, filha de Maria Teresa, era forte candidata.

No entanto, enquanto a rainha ainda vivesse, ele nada indicaria; mesmo com sua irmã, ele nada iria comentar, porque sabia que ela ainda não perdera todas as esperanças de casar-se com o rei. Infelizmente seria um pouco mais difícil forçar o rei a casar-se do que forçá-lo a aceitá-la por uma noite em sua cama.

As esperanças de Choiseul para que a irmã tivesse um casamento real não eram muito fortes.

Estava mesmo um pouco amolado com sua própria posição. A delfina abria caminho para a confiança do rei, e ele sabia bem que ela tinha alguma noção sentimental do seu dever para com o marido morto, e isso a fazia esforçar-se ao máximo por mandar embora Choiseul.

Um pouco antes, ele teria rido com a possibilidade; agora não tinha tanta confiança.

Ele muitas vezes achava que a delfina participava das reuniões que tinha com o rei, como madame de Pompadour havia feito, o que era desconcertante, pois, enquanto confiava no apoio da marquesa, podia confiar com igual convicção em que a delfina fosse contra.

Apesar disso ele não hesitava em sua atitude um tanto arrogante e se recusava a admitir que achava a delfina uma adversária digna.

Então, de súbito, ele deixou de sentir-se ansioso com relação à delfina.

Os três estavam no aposento particular do rei, e Choiseul resolvera levar ao conhecimento dele um assunto em que havia muito pensava.

A delfina sentava-se de costas para a janela e, por isso, o rosto estava na sombra. O rei, à mesa, com Choiseul do lado oposto.

Haviam discutido vários assuntos de estado, quando Choiseul afirmou, audacioso:

- Sire, em breve o delfim estará em idade de casar-se.

Não olhava a delfina, mas tinha certeza de que ela lhe prestava atenção.

- Oh, ele ainda é jovem - respondeu o rei. - Não tem treze anos, creio. Que idade tem o Berry, minha querida?

- Ainda não fez treze - acrescentou a mãe.

- Para consumar-se um casamento, ele tem três anos a mais

- refletiu o rei. - E mesmo assim...

A delfina lançou um olhar de poucos amigos a Choiseul.

- Meu filho, em alguns assuntos, é mais jovem do que a idade

- atalhou ela. - Não gostaria que o apressassem a casar-se.

Choiseul levantou as mãos num gesto característico.

- Mas, sire, quando se pensa nos casamentos dos delfins, deve-se pensar mais na França do que na idade de noivar.

- É verdade - assentiu o rei. - Em que pensa?

- Na filha da imperatriz, sire. Tal casamento iria fortalecer os laços entre a França e a Áustria. Nada poderia ser mais desejável.

Choiseul percebeu que a delfina apertara as mãos e, impaciente, tamborilava com os dedos na mesa.

- Ele tem mais de uma filha, creio eu.

- Penso na mais jovem, Maria Antonieta-respondeu Choiseul. Tem quase a idade do delfim e, ouvi dizer, é muito bela e graciosa.

O rei, devagar, concordava com a cabeça, quando a delfina se levantou subitamente da cadeira.

- Jamais vou concordar com esse casamento - avisou ela.

- Minha querida... - começou o rei, em delicada censura. Choiseul também se levantara. Curvou-se por cima da mesa.

- Madame, rogo-lhe que pense na França... - pediu ele - e ponha de lado seus preconceitos.

- Para meu filho, penso em uma mulher - respondeu a delfina, falando rápido, quase sem respirar. - Gostaria de vê-lo aliado a uma filha da casa da Saxônia. Ela seria muito mais de acordo com ele do que essa austríaca. O povo não gostaria de um casamento austríaco. A prima de meu filho tem agora oito anos de idade...

Choiseul interrompeu.

- Significaria uma longa espera até que haja a consumação.

- Há tempo.

- Madame, em assuntos de estado nunca há tempo demais. A delfina desviou o olhar de Choiseul e se dirigiu ao rei:

- Sire, peço-lhe que poupe meu filho desse... casamento desagradável.

- Sire, é bom que só nós tenhamos ouvido as palavras da delfina. Maria Antonieta é admirável em todos os detalhes. Peço a vossa majestade que me permita enviar o retrato do delfim à imperatriz e pedir-lhe que nos mande o da filha.

- Você avança rápido demais, Choiseul - interrompeu o rei. Enquanto falavam, a delfina afundou-se na cadeira. Teve um

ataque de tosse.

O rei foi rápido até o lado dela.

- Minha querida, você está doente. Muito doente.

A delfina concordou com a cabeça e recostou-se na cadeira, o corpo ainda violentamente sacudido pela tosse.

O rei fez meia-volta, sem olhar Choiseul. Luís estava abalado; pensara que a nora empalidecera de súbito, mas que isso era por sentir falta do marido. Agora, ele não conseguia encarar a expressão que receava ver no rosto de Choiseul. O duque iria tirar conclusões quanto ao que queria dizer esse acesso de tosse, e ele não conseguiria esconder satisfação e regozijo.

Chegara a Morte - a Morte inevitável vinha novamente assediá-lo. Ele leria nos olhos de Choiseul que a Morte era sua aliada, estava atenta, à espera, ansiosa, para livrá-lo de um inimigo.

- Mande buscar a sua confidente - declarou ele por cima do ombro.

Choiseul foi com passadas largas até a porta para fazer o que lhe pediam.

A mulher entrou no quarto, assustada.

- Leve a delfina para o apartamento dela - pediu o rei. Acho que tem de ficar de cama, e lá descansar por algum tempo.

- Sim, sire.

O rei se aproximou da mulher e a tocou no braço:

- Ela passou mal. Isso aconteceu antes?

- Sim, sire.

- Recentemente?

- Sim, majestade.

- Não me falaram.

- Foi vontade de madame La Dauphine que ninguém soubesse, sire.

- Leve-a agora aos seus aposentos. Vou mandar que os médicos a vejam.

Dirigiu-se à delfina, recostada na cadeira, os olhos semicerrados.

- Vamos, querida - balbuciou ele. - A sua aia está aqui. Vai levá-la para cama. Vou visitar você lá.

A delfina ficou de pé, trémula. O ansioso e atento Choiseul viu que o rosto dela tinha aquele olhar corado que percebera no delfim; viu que ela perdera muito peso nas últimas semanas.

Ele vira duas pessoas assim recentemente. Uma foi o delfim; a outra, a marquesa de Pompadour. Seria possível que o castigo pulmonar a atormentaria?

Depois que ela se foi, o rei lhe falou:

- Agora, deixe-me. Quero ficar só, pois sinto um grande medo. E agora não tenho mais cabeça para negócios.

Sozinho, o rei andava de um lado para o outro, murmurando:

- Madame La Marquise, queria que estivesse aqui comigo, agora. Saberia como consolar-me. Vi você morrer, queridíssima amiga, e senti a solidão aguda que veio a seguir. Vi meu filho morrer. Não o amava, mas ao menos era meu filho, meu único filho varão. E, hoje, vi a Morte no rosto da delfina. A Morte... Está por todos os lados. A rainha está morrendo devagar, pobre mulher. Vou perder todos aqueles que, por tantos anos, viveram perto de mim? marquesa... por que me deixou? Quem pode consolar-me, agora que você se foi?

Não havia nenhuma mulher - alguém que combinasse beleza e inteligência?

Se havia, era difícil de encontrar. As pequenas grisettes do Pare aux Cerfs não conseguiam mais agradar. Algumas vezes, ao entrar lá, pensava no que lhe aconteceria se morresse em meio aos prazeres, com todos os pecados que tinha. Precisava enfrentar o fato de que não era mais tão viril como fora antes. Suas visitas ao Pare aux Cerfs, com essas jovens desinibidas, muitas vezes o cansavam.

Queria uma amiga que também fosse amante. Deveria ter as qualidades da Pompadour e a beleza dela nas primeiras semanas de suas relações. Mas onde poderia encontrá-la? Existia alguém assim?

A duquesa de Gramont não tinha nenhuma dessas qualidades; madame d'Esparbès mal tinha uma.

Era possível que algum dia a encontrasse? Ele podia, então, dedicar-se à serenidade, quando ocasiões como essa não o abateriam tão completamente?

Em algum lugar de Paris, na França, tal mulher existia. Ele estava pronto a acariciá-la para o resto da vida e recompensar ricamente aquele que a trouxesse.

Choiseul tinha a satisfação de saber que a sua inimiga ficava a cada dia mais fraca.

A delfina não estava bem o bastante para deliberar junto com o rei. Durante todo aquele inverno, fora vista sofrendo da doença que acabara com a vida do marido.

Os médicos abanavam a cabeça. Aquela que cuidara de um paciente, tal como fizera com o delfim, insistindo em fazer ela própria qualquer tarefa servil, correra grandes riscos de contaminarse. E isto acontecera. Sobrevivera à varíola quando tratara dele; mas, desta vez, não iria escapar.

Os médicos estavam certos. Com a chegada da primavera, a delfina morreu.

Seu falecimento pareceu trazer-lhe grande alegria, porque, como afirmava, não desejava viver depois da morte do marido, e agora iria juntar-se a ele, o seu maior desejo desde que ele partira desta vida.

A próxima vítima, diziam os súditos, seria a rainha.

Então, pensava Choiseul, teremos o rei novamente casado. Uma rainha nova e jovial vai mudar tudo na corte. Vai fazer desaparecer a melancolia e, se for a noiva austríaca, será minha amiga. Choiseul começava a julgar-se destinado a ficar no poder para o resto da vida. Até mesmo a sorte o favorecia. Assim que a delfina começara a fazer oposição a ele, ficara doente e, pouco depois, oportunamente eliminada do seu caminho. Isto era um sinal, avisava ele à irmã.

- E o rei não demonstra afeição por você?

A duquesa respondeu, veemente:

- É aquela tola da TEsparbès. Está sempre do lado dele. Ele ri com qualquer disparate dela.

- Quando a mulher faz o rei rir, é perigoso para os inimigos dessa mulher.

- Mesmo que o riso seja de zombaria?

- Luís procura tão desesperadamente o riso que está preparado para aceitar qualquer tipo. Caríssima, acho que está na hora de planejarmos uma forma de essa mulher ser mandada embora Ela é uma idiota, eu sei. Mas não podemos ser benevolentes demais

Antes que ele pudesse planejar uma campanha contra ela, madame d'Esparbès o visitou e anunciou que desejava dar a um parente seu um comando no exército.

Choiseul, arrogante, negou isso; depois, d'Esparbès mandou-o ter cuidado:

- Muito em breve, você vai usar de todos os seus esforços para agradar-me. Tudo o que eu pedir, você vai ficar impaciente para dar-me.

- Que profecia interessante. Quanto tempo vai demorar, imagino, para que saibamos se vai realizar-se?

D'Esparbès se precipitou, irada, e, ao ficar sozinho, algumas das fanfarronices de Choiseul desapareceram. Ele sabia que ela devia sentir-se muito segura de si para falar como falou. Podia ser que o rei, sem o tédio de sempre, ia dar-lhe o que pedia claramente e a aceitaria na corte como mattresse-en-titre.

Precisavam dar um basta nisso sem demora.

Choiseul achava tão bons os métodos utilizados por madame de Pompadour, que propunha usar outros parecidos. Ele era bastante inescrupuloso e imediatamente redigiu um relato do que acreditava ter acontecido quando o rei passou a noite com madame d'Esparbès. Levou-o ao rei e lhe disse que fora escrito por um amigo de madame d'Esparbès, que o ocultara num guarda-roupa perto do quarto de dormir. Nesse relato, afirmava-se que o rei falhara como amante, apesar de usar um afrodisíaco.

Luís, que se sentia tão aterrorizado com a impotência quanto com a morte, ficou furiosamente irado.

Dessa forma, pensou Choiseul em segredo, a convidada não estivera tão longe da verdade, porque só isso foi suficiente para deixar o rei bastante furioso.

O rei desculpou-se, frio:

- Não tenho culpa de estar ficando velho, mas teria culpa se continuasse a receber pessoas que permitiam que tais mexericos idiotas circulassem pela minha corte.

Choiseul fez uma mesura com a cabeça.

Não conseguia resistir a uma objeção aberta a madame d'Esparbès. Ao passar por ele, nas escadarias, numa abertura cerimonial de um baile, perguntou-lhe em voz alta, para que todos pudessem ouvir:

- Bem, ma petite, e como o affaire se desenvolve?

O rei, que ouviu isto, ficou horrorizado e percebeu que recebera friamente madame d'Esparbès.

Todos sabiam que há muito não se devia temer essa mulher como adversária da posição de mattresse-en-titre. Todos, com exceção da própria, estavam certos de sua derrocada. No entanto, ficou surpresa quando, logo após abrir a cerimónia do baile, levaram-lhe uma carta aos seus aposentos. Tinha de deixar a corte imediatamente e seguir para as propriedades de monsieur d'Esparbès, pai do marido, pois a presença dela não era mais necessária à corte.

Desnorteada e impotente para protestar ou mesmo perguntar a razão da dispensa, ela partiu.

Durante o verão seguinte, Maria Leczinska morreu.

Luís, que com certeza não a amava, sentiu-se muito triste ao entrar nos seus aposentos e ao beijar-lhe, calado, a testa fria.

Mais outra morte! Isso não iria melhorar-lhe a depressão.

O rei sentou-se à mesa, nos petits appartements, e nada falou; e, já que o rei estava em silêncio, os convidados ficaram calados.

Que contraste com aqueles dias em que madame de Pompadour dominara a todos e a alegria e o bom senso haviam prevalecido!

O rei fechou o Pare aux Cerfs. Não tinha ânimo para tais prazeres, declarou a Lê Bei. Além do mais, como a Morte parecia ter-se tornado um convidado permanente no château, ele pensava em viver uma vida diferente.

- Pois quem sabe, meu amigo, onde a Morte vai atacar a seguir?

Lê Bei respondeu:

- Não vai ser vossa majestade. Vossa majestade descobriu com certeza o segredo da eterna juventude.

- Não pense em agradar-me com tais hipocrisias espalhafatosas - respondeu o rei, áspero.

E Lê Bei ficou sério. Via perderem-se grandes benefícios, e lamentava os dias em que tinha de procurar em Paris e Versalhes meninas encantadoras para divertir o rei.

A corte era solene demais. Um rei arrependido significava uma corte insípida. Sabia-se lá o que iria acontecer com o atual humor do rei! Poderia povoar a corte com sacerdotes e fazer questão de que os serviços religiosos substituíssem os bailes e os banquetes.

Luís podia sentir necessidade de arrepender-se. Seus amigos, não. Para eles, era mais do que provável que houvesse muitos anos de pecado delicioso na Terra, que lhes fora deixado antes que começassem a pensar em se prepararem para a vida a seguir.

Ora, diziam alguns pessimistas, ele podia mesmo casar-se com a duquesa de Gramont. A mulher era irrefreável. Toda a corte sabia do chamado estupro do rei. Se isso pudesse acontecer a ele, conseguiria resistir ao casamento.

Precisava-se fazer algo. Devia-se achar uma nova amante. Deveria ser tão alegre, tão encantadora, que o pudesse tirar do atual estado de espírito.

Ela existia em algum lugar da França, e encontrá-la era o desejo de todos os homens ambiciosos e amantes do prazer na corte.

Nenhuma das candidatas despertou mais que um fio de interesse no rei. Mas um dia Lê Bei foi imprensado por um homem que lhe assegurou haver terminado a procura.

Esse homem era um parasita na corte, um homem que tomara parte em muita aventura duvidosa, que vivia de astúcias e era dono de um local em que treinava mulheres belas e jovens para que fossem amantes especiais para homens em altos postos, e depois concluía transações vantajosas.

Esse homem era o conde du Barry.

 

Jean-Baptiste du Barry, devasso, trapaceiro e aventureiro, estava muito satisfeito ao deixar Lê Bei. Era de natureza otimista; não poderia ter bom êxito em seu modo de viver se não fosse assim. Vivia com o oportunismo do momento e com inabalável crença no futuro. Ele agora tinha certeza de que, embora homens muito poderosos na corte - tendo à testa Choiseul - não houvessem conseguido arranjar uma amante para o rei, ele, vivendo à margem dela, um homem com passado repugnante e futuro duvidoso, iria ter êxito. Pensava:

- Desta vez, não vai haver fracasso. A mulher é minha. Ah! De Jean-Baptiste, conde du Barry, a Luís de Bourbon, rei da França. Para ela, o passo não é tão grande, como se poderia pensar!

Lê Bei não estava muito entusiasmado; du Barry admitiria isso. Ele mal podia acreditar que o conde iria proporcionar ao rei divertimento para uma noite ou mais.

- Oh não, não, meu amigo - murmurou Jean-Baptiste. Vou proporcionar-lhe uma sucessora para madame de Pompadour.

Não pôde deixar de rir alto. Uma vez, antes, ele quase conseguira ter êxito. Será que eles haviam esquecido? Ele certamente não. Mas, para madame de Pompadour, ele também teria tido êxito.

Não contava com uma grande falha. Muitos homens, mesmo na corte, haviam encontrado nessa mulher um fortíssimo adversário; mas agora ela estava onde não poderia frustrar os planos de JeanBaptiste du Barry. E esse fornecedor de mulheres tinha uma criatura a oferecer que em muito levava vantagem até mesmo sobre a Bela Dorothée.

Sim, ele tinha certeza disso. Jeanne era a criatura mais deliciosa que já passara por suas mãos.

Dorothée também passara a ser encantadora, depois que ele a treinara. Depois, claro. Elas todas deviam muito a Jean-Baptiste.

Ele conseguira um encontro entre o rei e Dorothée, como agora tencionava combinar entre Jeanne e o rei. O rei ficara encantado com a graciosa Dorothée.

- Talvez por uma noite... duas noites - sugerira Lê Bei.

Uma noite! Duas noites! As meninas eram bem-educadas no estabelecimento do conde du Barry. A Bela Dorothée não era passarinho para o trébuchet, nem candidata ao Pare aux Cerfs. Ele a destinara a reinar na corte, e assim aconteceria com ela, embora filha de um aguadeiro de Estrasburgo, se não fosse madame de Pompadour.

Aquela mulher! Era esperta, ele concordava com isso; porém, nada conseguiria contra o conde du Barry, a não ser pelo fato de ele não poder aproximar-se do rei, e ela estava junto dele a qualquer hora do dia.

Ela não se prejudicaria. Não sujaria as mãos aristocráticas. (Aristocrática!, ria Jean-Baptiste. A filha de um fornecedor de carne em Paris era superior à filha de um aguadeiro em Estrasburgo?) Não; muitas pessoas contaram ao rei que a Bela Dorothée fora amante de um homem que sofria de penosa doença, e a simples menção desse fato, levando-se em conta a vida que o rei tivera, poderia levá-lo ao pânico.

Foi assim o final da Bela Dorothée. Talvez ele houvesse pedido rápido demais esse posto diplomático em Colónia. Bem, ele agora tinha mais experiência, mais finesse; e não havia madame de Pompadour para afastar do caminho uma possível rival. Havia apenas o exausto Lê Bei (mostrando a idade, pobre coitado) que, ansioso, procurava por alguém, em todos os lugares, para divertir o rei.

Dessa forma, Jeanne iria obter êxito onde Dorothée não conseguira. Jeanne tinha vitalidade, e quando ele lhe falou que conseguiria, ela ficou extremamente feliz. Ele pensou. Deveria tentar reprimi-la? Talvez sim. Talvez não. Ao pensar em Jeanne com seu jeito desamparado, e a imaginava com o rei, mal conseguia vacilar entre o riso muito alegre e a apreensão. Dependia muito do ânimo do rei.

Luís estava cercado por mulheres que não conseguiam agradá-lo, assim alguma que com certeza não fosse pessoa refinada talvez fosse exatamente a de que ele precisava. E Jeanne (certamente não exagerara ao chamá-la a mais bela menina em Paris) tinha experiência. Divertira tantos homens em sua vida erótica, que, com certeza, saberia como melhor agradar o rei. Jeanne era perfeita nesse papel. Não era muito jovem - na verdade, quase 25 anos -, embora dissessem que tinha 22. Mesmo assim, não era rigorosamente jovem. No entanto, aparentava ser muito nova. Não apenas por causa da pele perfeita; era algo no interior, alguma alegria íntima em estar viva e bem, e capaz de divertir, alguma felicidade eterna que nunca parecia abandoná-la, não importava o que lhe acontecesse. Guardava para si as brigas que tinham, e algumas foram violentas. (Agora ele tremia ao lembrar uma ocasião, quando ela fizera a maleta e saíra de casa. Graças a Deus, encontrara-a e a trouxera de volta.) Estava certo de que fora dela durante os dias de pobreza em Vaucouleurs, e naquele estabelecimento deprimente de La Garde, onde trabalhara por algum tempo. Era a própria Jeanne - transbordante de boas intenções, feliz por estar viva, não importa onde vivesse.

Talvez fosse esta qualidade, mais do que a beleza estonteante que a tornara tão conhecida, que a fizera uma pessoa possível de trazer boa sorte para seu benfeitor.

Imaginava-se andando por Versalhes e Paris. Todos aqueles que lhe avisaram que ele terminaria pobre seriam forçados a engolir o que haviam falado. Ele teria algumas surpresas para mostrar-lhes em casa, em Lévignac, onde ainda o consideravam inútil, apesar das cartas que lhes escrevera de Paris.

Não era mais jovem; estava pronto a aceitar esse triste fato, pois se achava a meio caminho entre os quarenta e os cinquenta anos. Podia não ter até agora acumulado riqueza, mas obtivera sabedoria e experiência, e daí a meses faria fortuna. Jeanne a faria.

Houvera um tempo em que ele fora rico. Isso há vinte anos, quando havia sido bastante sagaz para fazer um casamento rico. A família pensara que Catharine Ursula Dalmas de Vernongrèse chegaria ao velho castelo de Lévignac em ruínas, utilizaria seu dinheiro para reformar o lugar e compraria algumas das terras que haviam perdido durante os anos anteriores, trazendo de volta por conseguinte à família du Barry a dignidade do passado.

Foi exatamente por isso que o casamento fora combinado para o filho mais velho.

Jean-Baptiste tivera outras ideias. Casara-se com Catharine, a fim de conseguir a fortuna dela para si próprio, não para dá-la para a sua família.

Agora reconhecia ter sido descuidado, mas, naquele tempo, faltara-lhe experiência que, agora, adquirira. Tentara duplicar a fortuna nas mesas de jogo e, em pouco tempo, o dinheiro de Catharine desaparecera da mesma forma que o de du Barry.

Isso acontecera há anos e, como Catharine presentemente era tão pobre quanto a família dele, não havia necessidade de que ficassem juntos; por isso, separaram-se, e Jean-Baptiste viera a Paris para fazer outra fortuna.

E, assim como uma vez vira Catharine como a mulher que o enriqueceria com o casamento, ele pensava em Jeanne, que o levaria à mesma situação feliz, caso o rei se apaixonasse por ela.

Catharine fora uma das meninas mais ricas de Toulouse; Jeanne, a mais bonita de Paris.

Jeanne era dele para plasmar e usar em benefício próprio, como fora Catharine. Um homem fica mais esperto em vinte anos, e dessa vez teria êxito.

Há quase 25 anos, na aldeia de Vaucouleurs, Jeanne Bécu (agora conhecida como mademoiselle Vaubarnier) nascera num dia de agosto do ano de 1743.

Jeanne era filha ilegítima de Anne Bécu, e ninguém tinha certeza de quem era seu pai. Não que alguém se preocupasse muito com isso. Alguns diziam ser um dos soldados aquartelados na aldeia. Anne tinha um amante entre eles. Outros diziam que era o cozinheiro da estalagem da aldeia. Anne entrava e saía das cozinhas. Outros diziam que, claro, era um dos monges de Convento de Picpus, pois Anne ia regularmente lá para costurar para eles, e fora vista sempre com Jean-Jacques Gomard - o irmão Ange, na sua comunidade - de um modo que não se esperava entre um monge e uma costureira visitante.

Quando Jeanne tinha quatro anos de idade, acompanhou a mãe a Paris, onde Anne encontrara trabalho como cozinheira na casa de uma bela cortesã conhecida como Francesca.

Anne ficou encantada com a nova situação, especialmente quando Jeanne, cuja beleza já era notável, atraiu a atenção do amante de Francesca, monsieur Billard-Dumonceau, que, por ser pintor amador, desejou pintar o retrato da menina.

- Você precisa emprestar-me Jeanne por algum tempo - explicou ele a Anne. - Vou levá-la à minha casa, porque vou pintála. Você nada terá a recear; ela vai voltar a salvo.

Anne Bécu nada receava. Considerava monsieur Billard-Dumonceau seu benfeitor; além do mais, fizera forte amizade com um criado na casa de mademoiselle Francesca; era Nicolas Rançon. Tornaram-se amantes, mas, por estarem ambos atingindo a idade madura, pretendiam iniciar um relacionamento mais firme.

Quando o abade Arnaud, que visitava monsieur Dumonceau, viu Jeanne, pegou-a no colo e lhe perguntou quem ela era.

Sem constrangimento, ela lhe respondeu. O abade afirmou ser ela a menininha mais graciosa que já vira, e acrescentou lamentar que ela não tivesse instrução.

MonseurBillard-Dumonceau levou isso em consideração e, por fim, resolveu que ela teria instrução; consequentemente, foi mandada para o Convento de Sainte Aure, que, na origem, fora uma escola de caridade para filhas de pobres e de criminosos. Havia pouco tempo, fora resolvido que as meninas que ali fossem trazidas não deveriam ser carentes, nem precisassem de proteção, nem de castigo; deveriam ser filhas de pessoas pobres selecionadas para receber algum tipo de educação.

Nesse lugar, onde o riso era considerado pecado, Jeanne permaneceu até completar quinze anos, pois monsieur Billard-Dumonceau pagava as mensalidades que a conservavam ali. Depois que ele esqueceu a menininha encantadora que o fizera interessado e deixou de pagar as mensalidades, Jeanne foi mandada para a casa da mãe.

Então Jeanne voltou às ruas de Paris, mais bonita que nunca em sua feminilidade prematura, os cachos dourados livres do capuz e da fita na testa que no convento os prendiam, os olhos azuis prontos para a aventura.

E as aventuras que aconteceram a Jeanne eram inevitáveis.

Começara como aprendiz de cabeleireira de mulheres só para tornar-se amante do cabeleireiro e, dessa forma, atraí-lo para que ele quisesse casar-se com ela. Sua mãe não perdeu tempo em mandar Jeanne embora.

Ela se tornara "leitora" de madame de La Garde, a viúva de um endinheirado cobrador fiscal, mas a viúva tinha dois filhos e, depois que ela descobriu o relacionamento de Jeanne com eles, foi imediatamente mandada embora.

Seu próximo posto foi no estabelecimento que fazia chapéus e costuras, de monsieur Labille, na rue Neuve dês Petits Champs; e desde o momento em que entrara naquele local perfumado, sabia que teria de achar os hábitos e costumes mais apropriados do que tudo antes.

Seus deveres não eram de forma alguma trabalhosos, pois sieur Labille decidiu rápido que ela seria mais útil nas salas dos fundos como vendedora do que fazendo chapéus e vestidos.

Mudou o nome para mademoiselle Lange; e, na loja perfumada, esperava as mulheres nobres e os homens que as acompanhavam quando elas iam lá. Muitos nobres iam ao estabelecimento de Labille para ver as amigas escolherem um vestido ou chapéu. Dizia-se em segredo que os vestidos e chapéus de monsieur Labille atraíam muito o sexo masculino.

Agora, a vida estendia-se mais ampla diante de Jeanne. Sentia-se embriagada com o esplendor ao redor. Não conseguia resistir às maneiras fascinantes, aos cumprimentos encantadores desses cavalheiros bem diferentes de monsieur Lametz, o cabeleireiro, e até mesmo dos filhos de madame de La Garde, que, percebia ela agora, haviam sido ambos um pouco menos presunçosos e condescendentes em relação à jovem leitora da mãe.

Monsieur Labille queria que o mundo inteiro soubesse como ele cuidava das meninas. Viviam ali; deviam estar bem cedo em suas camas. Deviam ir regularmente à missa. Não era contra que elas fossem fazer entrega numa casa, como favor especial e, se fossem acariciadas e dessem grande importância a isso e ficassem um pouco mais do que o necessário, monsieur Labille agitava o dedo e dava um sermão, mas não conseguia ser severo com as meninas. Tinha um fraco por elas; assim, como poderia ele censurar os outros por fazerem isso?

Percebia que de todas as suas meninas mademoiselle Jeanne Lange era a mais adorável; e assim vivia ele temeroso de que um dia algum jovem a levasse e que ela não mais honrasse o estabelecimento. Ele nada podia para protegê-la da admiração dos fregueses; afinal de contas, era em sua capacidade de atrair que estava o grande valor da moça.

Jeanne, em breve, teve amantes - jovens ricos à margem da corte que traziam grandes negócios à loja. O chefe deles era. Radix de Sainte-Foix, um rapaz muito rico, arrematante de rendas públicas e empreiteiro da Marinha.

A amante desse rapaz rico era rapidamente notada e, em breve, mademoiselle Lange tornou-se conhecida em muitas camadas da sociedade de Paris, porque Radix de Sainte-Foix apreciava levar Jeanne com ele e observar a admiração e inveja que ela despertava (e a inveja que sentiam dele). A vida de Jeanne era toda ela de alegria despreocupada. Passava todo o seu tempo ocioso em companhia dessa jovialidade apaixonada, até que um dia ele a levou à casa de madame Duquesnoy.

Essa mulher-que se dizia marquesa-fazia-se passar por uma nobre que perdera a fortuna e tentava recuperá-la ao dirigir para os amigos uma casa de jogos. Resolvera conservar o local exclusivo, assim dizia, e os membros eram rigorosamente investigados antes que lhes permitissem a entrada ali.

Sainte-Foix resolvera levar Jeanne lá. Mas, explicou ele, mademoiselle Lange, vendedora de Labille, por certo não seria aceita. Ele não era o tipo de homem que deixasse uma ninharia dessas atrapalhá-lo. Ele lhe daria um novo nome e uma nova personalidade. Para começar, passaria a chamar-se mademosele Beauvarnier. Não achava esse nome mais aristocrático que Lange? E ela não deveria mencionar a sua ligação com Labille.

Jeanne estava sempre pronta para alguma nova aventura e, como mademoiselle Beauvarnier, frequentava o salon da presunçosa marquesa Duquesnoy.

Jean-Baptiste du Barry era visitante habitual, interessado nos métodos de madame Duquesnoy, parecidos com os seus. Como ela, divertia-se prodigamente; tinha suas mesas de jogo e apresentava mocinhas atraentes a homens, permitindo-lhes que se servissem de aposentos da casa.

Mas teria mais êxito que madame Duquesnoy, decidira du Barry, porque ele mesmo treinava as meninas. Conseguia pegar qualquer pequena grisette e transformá-la em amante preparada para qualquer nobre.

Vivia procurando novos visitantes preparados ao seu estabelecimento; e, mal pôs os olhos em Jeanne, achou que iria dar-lhe forma com muita vantagem.

Jeanne jamais conhecera alguém como Jean-Baptiste du Barry. Falador e cortês, conseguia com facilidade adotar as maneiras de Versalhes - ou ao menos assim parecia a uma menina que nada conhecia de tal conduta. Afinal, conhecera um nobre de verdade e se sentia fascinada.

Era um desperdício... um desperdício, declarava Jean-Baptiste. Uma beleza dessas jogada fora numa loja! Nunca ouvira nada semelhante. Jeanne deveria imediatamente largar Labille.

E para onde iria, perguntava-se ela. Onde encontraria trabalho tão fácil e agradável como esse que fazia no estabelecimento de Labille?

- Trabalho! - gritou Jean-Baptiste. - Você nunca deveria trabalhar. Os outros é que deveriam fazer isso por você. Venha à minha casa. Lá, vai viver como... madame du Barry.

- Está dizendo que vai se casar comigo?

- De bom grado o faria... se eu já não tivesse mulher. Mas não vamos deixar que uma ninharia dessas nos detenha. Venha, minha filha, farei de você uma dama. Quem sabe algum dia possa levá-la a Versalhes?

Sentia-se gloriosamente cintilante. Iria consultar a mãe e a tia Hélène, explicou ela ao novo admirador.

Jean-Baptiste ficou um pouco perturbado, mas, para demonstrar boa vontade, ofereceu moradia aos Rançons, se Jeanne saísse do estabelecimento de Labille e viesse para o seu.

Jeanne e a família resolveram isso. Ela, por fim, cumpriu a promessa de juventude. Era amante de um nobre.

Por quatro anos, Jeanne viveu na casa do conde du Barry. Durante esse tempo, ele procurou fazer dela uma dama; uma preocupação que Jeanne lhe demonstrava ser totalmente impossível, e ele passou a concordar com essa opinião.

Primeiro de tudo, o conde mudou-lhe o nome. Não gostava de Beauvarnier. Achava Vaubarnier mais distinto. Jeanne, ao concordar feliz com o novo nome, aceitou com rapidez a qualidade do novo amante. Sentiu-se orgulhoso; não para confiar totalmente nele; mas se apaixonou por ele e se deu conta de que fazia muita coisa por ela. Sua mãe e o padrasto ficaram encantados ao alojar-se em uma casa tão suntuosa e que, diziam eles, tornava a mancebia tão respeitável, embora o conde tivesse muitas amantes e todas ficassem presas na casa. Todas eram atraentes - de outro modo não lhe seriam úteis - e ele adorava vê-las aparecerem em seus saraus, quando se esperava que fossem divertir seus convidados. Não punha limitação na admiração que lhes oferecia e fazia seus visitantes pagarem generosamente por tais privilégios.

Muitas vezes, Jean-Baptiste a levava a um baile no teatro lírico e a divertimentos em casas de nobres; ela sempre se distinguia pela extraordinária beleza, que de modo algum se prejudicava pela vida que levava. Outra poderia definhar e murchar - não Jeanne. Tinha uma vitalidade e impassibilidade; invariavelmente, tinha bom humor; parecia viver apenas no presente e sem se preocupar em absoluto com o futuro.

O próprio duque de Richelieu, quando a viu, sentiu-se atraído. Talvez fossem as atenções desse nobre altamente reconhecido que deram a Jean-Baptiste grandes ideias.

Há muito ele desejava um cargo diplomático na corte, mas, embora fizesse muitos pedidos ao duque de Choiseul, não obtivera êxito; e ainda sofria da desconsideração que recebera no tempo do incidente da Bela Dorothée, quando pedira um cargo em Colónia, imediatamente negado.

Acharia alguma forma de ser recebido na corte; e acreditava que ficaria com Jeanne.

Jeanne estava tão propensa a concordar com seus planos que ele estava certo de que, se tivesse oportunidade, ela faria tudo por ele. Ela fora muito afável com o filho dele, Adolphe, que de vez em quando morava com eles, pois gostava de crianças e elas dela. Adolphe, no princípio da adolescência, considerava-a como uma irmã mais velha, e ela se sentia encantada com o relacionamento de ambos. E Jean-Baptiste também sabia que, se ela tivesse poder, não se esqueceria de ajudar Adolphe.

Por que ela não traria a todos eles algo de bom? Consideravase membro da família. Era até mesmo conhecida em alguns lugares como madame du Barry.

- O que é bom para um é bom para todos - declarava Jean Baptiste.

Como Lê Bei admitira conhecer Jeanne, ele exaltou-se.

Jean-Baptiste voltou para casa antes dela, e ficou apreensivo como sempre se sentia quando estava fora, sozinho; e quando Jeanne chegou, ele perguntou, ameaçador, onde estivera.

- Tomando uma taça de vinho com madame Goudan - explicou-lhe ela; era invariavelmente honesta.

- Tomando uma taça de vinho com aquela café tina velha. Você deve estar louca. Em um momento desses... em um momento desses. Isto poderia destruir tudo. O que ela queria de você?

- Apenas oferecer-me abrigo, se eu resolvesse ir embora da

sua casa.

- Que descaramento! Ah! Ela sabe que você não seria tão louca.

- Uma vez fui embora - recordou Jeanne.

Foi até Jeanne, pôs os braços ao redor dela e apertou-a firme.

- Não me fale mais nisso - suplicou Jean-Baptiste.

- Bem, eu não queria me aproximar dela - atalhou ela, sincera.

- Eu nem deveria pensar... quando a Fortuna está a sorrir-lhe como nunca antes.

- E quem é a Fortuna... desta vez? - quis ela saber.

- Alguém cujo nome não vou dizer, para que não ria de mim, por eu desprezar um velho arrogante e idiota. Lê Bei vem jantar conosco. Quero que você brilhe para ele. Quero que o deixe fascinado. Jeanne, esta noite é a mais importante de sua vida.

Jeanne estava acostumada aos voos de imaginação de JeanBaptiste; queria agradá-lo; desse modo, prometeu-lhe ser a mulher o mais fascinante possível ao seu amigo Lê Bei.

- Lê Bei, você não está ouvindo - começou Louis. - O que tem em mente?

- Mil desculpas, sire. - Lê Bei ajudava o rei a tirar o casaco.

- Eu pensava em certa... mulher.

- Na sua idade, Lê Bei! - acrescentou Luís, sorrindo.

- Uma mulher dessas, sire. Nunca havia visto nada igual. O rei bocejou.

- Lembro a última que trouxe aqui.

- Isto, sire, é um tipo bem diferente. Posso dizer, honestamente, que nem eu nem vossa majestade vimos uma beleza assim.

- Temo estar ficando cansado de tais prazeres - murmurou o rei. - Meus médicos me aconselham a ser mais moderado.

- Mesmo assim... eu gostaria de apresentá-la a vossa majestade.

- Não tenho ânimo para mais uma de suas grisettes.

- Sire, ela não é grisette. É cunhada do conde du Barry, A criatura mais encantadora que já vi. E o marido dela, ouvi dizer, é muito complacente. Nunca se preocupa com a mulher e se sente muito feliz ao saber que ela é adorada por todos.

- Raramente vejo você elogiar tanto, Lê Bei.

- Sire, espere até que a tenha visto.

- Não acho que queira vê-la.

- Sei, sire, que essas meninas lhe são trazidas, e que o senhor é bom demais, amável demais para mandá-las embora quando o desapontam. Mas eu gostaria de mostrar-lhe essa. Só vai precisar olhar. Convidei-a aos meus aposentos, amanhã à noite. Se vossa majestade consentir em ficar escondido no apartamento, veria por si essa mulher, e se não gostar do que vir, ela poderá ser mandada embora e nunca saberá que a observou.

- Esse é um novo jogo que você inventou para eu brincar declarou o rei.

- Sire, ela o agrada?

- Não muito. Mas creio que o seu gosto já não seja o mesmo. Não acredito que essa criatura tenha a oferecer algo mais do que uma centena de outras. Dessa forma, vou pôr você à prova.

- Amanhã à noite, sire. Aposto que vai mudar de ideia.

- Não deixe essa mulher saber que a observam. Não avise para que ela aja como é. Quero vê-la como é realmente.

Lê Bei concordou com a cabeça.

Assim, Jeanne foi levada a esse jantar decisivo na companhia de Jean-Baptiste, que a chamava de cunhada. Foi uma festa muito alegre, e Jeanne, ceando pela primeira vez no Palácio de Versalhes, estava tão alvoroçada como uma criança.

Usava um vestido que de longe sobrepujava em elegância qualquer um que já tivera. No entanto, esqueceu rapidamente as instruções de Jean-Baptiste sobre seu comportamento e, como os convidados mantinham cheias suas taças de vinho, em pouco ela se sentia sem freios.

Jeanne podia, em momentos como esse, livrar-se muito facilmente de seu comportamento refinado, como se ele fosse um manto com que Jean-Baptiste a agasalhara. Poderia ser o que ela fora uma vez - o que nem ele nem as freiras severas de Santa Aure haviam sido capazes de tirar inteiramente -, uma menina despreocupada, generosa e vivaz, das classes mais baixas de Paris.

Luís ficou sentado numa cadeira atrás de cortinas, através das quais conseguia vê-la sem ser visto, e elas foram colocadas sobre uma porta, para que, se o ambiente ficasse enfadonho, ele pudesse abrir a porta em silêncio e ir embora dali.

Desde o primeiro momento, achara-a encantadora e resolvera que só pela sua beleza ela poderia passar a noite com ele; mas, ao vê-la atirar para o alto as suas maneiras que tão evidentemente recebera, ao ouvir aquela risada alta e devassa, o vocabulário chulo, a capacidade de rir de tudo, ele se viu atento, alerta, enquanto um sorriso lhe dobrava os lábios.

Ela procedia das ruas de Paris, sem dúvida, mas era muito diferente de quaisquer outras meninas que haviam vindo ao Pare aux Cerfs. Era singular em seu modo de ser, bem como em seu rosto e formas perfeitos.

Ele ficava dividido entre o desejo de permanecer e ficar de sentinela, e entrar no quarto e mandar embora todos os outros, para que ele e ela pudessem ficar a sós.

Lê Bei estava certo; essa menina tinha algo que faltava às outras de sua camada social. Ele corrigiria isso: tinha ela algo que ele nunca achara em ninguém antes.

Sentia-se alvoroçado como há anos nunca estivera. Feliz como não se sentia desde a morte de madame de Pompadour.

Estava tão velho? Cinquenta e oito anos. Ora, na presença dessa menina, sentia-se como se tivesse vinte!

Luís abriu as cortinas e entrou no aposento.

Todos na mesa se levantaram, menos Jeanne. Luís se sentiu triunfante. Era característico que a menina não se levantasse.

Luís não tomou conhecimento de todos e se dirigiu a ela.

- Madame, como nenhuma dessas pessoas vai apresentá-la a mim, eu me apresento a você.

- Ora, claro que pode se apresentar - respondeu Jeanne. Quer se juntar à festa?

- Madame é bondosa - afirmou ele.

- Oh, tudo bem - continuou Jeanne. - Mais um, pouca diferença faz.

Ela o estudava com prazer. Via um homem envelhecido, que, mesmo agora, era muito elegante. Tinha aspecto mais ilustre que qualquer outro homem nesse aposento; e ele a olhava com... Oh, bem, Jeanne conhecia o olhar. Vira-o muitas vezes antes.

Lê Bei gaguejava:

- Madame du Barry, está na presença de sua majestade.

- Ora! - Jeanne falou alto, rindo. - Acho que vi seu rosto antes em algum lugar.

Houve um silêncio aterrorizado no aposento. Depois, o rei começou a rir.

- Sinto-me tão feliz - bradou ele. - Isso nos faz parecer menos estranhos, não?

- Que piada - respondeu Jeanne. - Nunca pensei no rei e em mim como estranhos.

- É um pensamento que me faz sentir desolado - acrescentou Luís. - Será um contra-senso ao nos tornarmos amigos.

- O senhor é um homem atraente, majes... - Voltou-se ela para Lê Bei e Jean-Baptiste, e não se importou que eles positivamente se sentissem desconcertados. - Como o chamo? - perguntou.

Lê Bei começou a gaguejar, mas o rei pegou a mão da menina.

- Chame-o amigo; isso vai dar mais prazer a ele do que qualquer outro nome.

Jeanne levantou os belos olhos para o teto. Falou como se houvesse alguém ali:

- O rei é meu amigo. Bem, nunca pensaria ver o dia... Luís atalhou:

- Nem eu, quando encontrasse alguém que me desse esse prazer só de olhar e ouvir.

Jeanne se virou para os outros, como se dissesse: "Ouçam-no!" Mas Luís agitava a mão.

- Madame du Barry e eu preferimos ficar a sós - finalizou ele.

- O rei tem grisette nova - informou Choiseul à irmã. - Uma criatura muito inferior. Acho que fica apenas até o fim da semana.

- Então, evidentemente, não precisamos nos preocupar com ela.

- Oh, não-murmurou o duque. - Ela é do tipo mais vulgar. O gosto do rei não melhora com a idade.

- No entanto, percebi que Luís parecia mais feliz do que há muito tempo-respondeu a duquesa. - Estava muito alegre, hoje, na esplanada, e parecia olhar o relógio a toda hora, ansioso por ir a algum encontro combinado.

- Vou pedir a Lê Bei que pergunte a ele sobre a mulher acrescentou o duque.

- Faça-o agora; estou menos satisfeita do que você. É devido a alguma coisa que vi no rosto de Luís.

Choiseul mandou chamar o valet de chambre. Quis saber:

- Bem, Lê Bei, quem é esse novo passarinho que canta tão alegre no trébuchet?

- Refere-se, monsieur lê Duc, à madame du Barry?

- Madame du Barry! A esposa daquela criatura ignominiosa que me aborreceu no passado?

- Sua cunhada, Monsieur lê Duc.

- E você a trouxe para o rei?

- Monsieur lê Duc, tenho meu dever a cumprir.

- Eu gostaria que você olhasse um pouco mais alto do que as sarjetas de Paris.

- Monsieur, ela é cunhada do conde du Barry. Não se pode dizer que tenha vindo das sarjetas.

- O conde du Barry? Não é conde. Deveria ser forçado a abandonar um título a que não tem direito. Contaram-me que a mulher é vulgar... muito vulgar...

- Muito vulgar, monsieurle Duc.

- Uma mulher dessas mal conseguiria divertir sua majestade por mais de uma ou duas noites.

- Não conseguiria, monsieurle Duc. Choiseul balançou a cabeça.

- Muito bem. Mas, Lê Bei, você poderia ter me consultado antes de apresentar a sua majestade essas criaturas tão vulgares.

- No futuro, monsieur lê Duc, é isso que farei.

Lê Bei se retirou. Estava mais perturbado do que Choiseul e a irmã desejavam ver. Há anos, não via o rei tão satisfeito com uma mulher.

Choiseul não foi o único membro da corte a ficar perturbado.

Richelieu, que sabia por experiência própria como Jeanne era atraente, havia se preparado para vê-la ser trazida ao rei por umas poucas noites; ele não teria negado a que ela ficasse nos aposentos secretos de Versalhes, por uma semana - porém não mais do que isso.

Era incrível que Luís pudesse tornar-se tão apaixonado. Confessadamente, a menina possuía rara beleza, mas seu modo de falar denunciava que provinha dos faubourgs e apenas desses locais; no entanto, já que se originava daqueles lábios encantadores, o rei parecia achar que cada palavra dita por ela fosse comparável à inteligência de um Richelieu ou de um Voltaire.

Luís estava por demais maravilhado. Ela já se exibira com muitas jóias preciosas; e toda a corte esperava muito dela. Comparecera a ceias íntimas nos petits appartements, e embora, naturalmente, nunca tivesse ido, não deveria aparecer nos aposentos luxuosos.

Em tais ceias, o rei ficava tão feliz como nos tempos em que madame de Pompadour estivera ali para satisfazer a todos os desejos dele e proporcionar-lhe diversão refinada e espirituosa.

Era um fenómeno extraordinário, mas Luís, aos 58 anos, estava apaixonado, como nunca estivera desde os tempos de meninice.

Madame de Pompadour fora sua querida amiga, porém jamais gozara de saúde, ao contrário, evidentemente, de madame du Barry. Não era uma mulher sensual como madame du Barry. Era óbvio que essa mulher de beleza e vitalidade estonteantes fosse tão experiente como o próprio rei na arte de amar.

Richelieu procurava mostrar a Luís - de um modo perfeitamente respeitável - que ele se comportava como um jovem imberbe.

- É impossível para mim, sire, ver por que o senhor se sente tão apaixonado por essa mulher. Oh, ela é linda, mas muitas outras também o são.

- Deve estar cego - respondeu o rei -, se comparar a beleza dela com a de outras.

- No entanto - murmurou Richelieu -, diz-se que o Amor

nos cega.

O rei estava tão feliz para irritar-se, e isso deu a Richelieu coragem para continuar.

- O que ela tem, sire, que as outras não têm?

- O segredo de fazer-me esquecer que sou velho. Ela, tão jovem, me ensinou muita coisa que antes eu não conhecia.

- Vossa majestade nunca esteve num bordel, isso é óbvio respondeu Richelieu, um pouco ríspido.

E, entretanto, Luís não o censurou.

- Sei que não sou o primeiro - explicou ele. - Acredito que Sainte-Foix me tenha antecedido.

- Vossa majestade veio depois de Sainte-Foix, como vossa majestade veio depois de Faramond.

O rei simplesmente riu diante da alusão a um dos primeiros reis dos francos, que viveu no século quinto.

Então, ficou claro a Richelieu que Luís não se importava com quantos amantes madame du Barry tivera; não se preocupava com as origens humildes. Estava tão feliz em encontrar uma mulher com tudo o que procurava, uma mulher que conseguiria fazê-lo rir novamente, esquecer que tinha 58 anos; uma mulher que conseguiria fazê-lo sentir-se jovem e alegre, porque estava apaixonado.

O constrangimento de Choiseul aumentou. Com a amizade do rei com a delfina, vira como sua posição se tornara precária; não estava preparado para permitir que outra mulher se intrometesse entre ele e o rei.

Como madame de Pompadour fora esperta ao prover o rei de belezinhas incultas, enquanto permanecia amiga e conselheira. Mas o que era esta mulher, mais do que uma grisette inculta? O rei deveria estar caduco.

Quanto à duquesa de Gramont, estava furiosa:

- Se ele conservar essa mulher com ele, todas as mulheres da corte vão julgar-se insultadas.

Choiseul não era homem de deixar-se derrotar facilmente. Utilizava suas fortíssimas energias - tão rapidamente quanto resolvia alguma disputa política - para desacreditar uma mulher do tipo de madame du Barry.

- Ela é evidentemente uma devassa - informou ele à irmã.

- Du Barry continua a fazer como se estivesse num bordel. Não deve ser difícil descobrir tais fatos a seu respeito para que o rei a dispense da corte.

- Então, vamos começar imediatamente a nossa procura gritou a duquesa.

Não muito tempo depois, descobriram uma informação muito importante. A mulher não era de modo algum madame du Barry; era mademoiselle Bécu, Rançon, Lange, Beauvarnier ou Vaubarnier.

Essa foi a mais danosa evidência contra ela, porque, após a morte da rainha, o rei havia declarado enfaticamente que não teria amante na corte, a não ser mulher casada. Não tencionava permitir que qualquer mulher o induzisse ao casamento, como madame de Maintenon tentara seu bisavô.

O primeiro passo era chamar Lê Bei.

Lê Bei mudara desde que Jeanne chegara à corte, pois percebia que, ao levá-la ao conhecimento de Luís, atraíra sobre si a irritação do todo-poderoso duque de Choiseul e sua irmã, e Lê Bei sabia muito bem o que isso poderia significar.

Choiseul e a irmã duvidavam um pouco de Lê Bei quanto ao que consideravam insulto; para ambos, ele cometera uma violação muito forte contra a etiqueta da corte, contra o rei e, o mais hediondo de tudo, contra eles mesmos.

- Idiota! - berrou Choiseul. - É mais que idiota, é velhaco.

- Tenho fé em que não tenha ofendido profundamente você, monsieurle Duc - iniciou Lê Bei.

- Não me olhe tão assustado. Pergunto a mim mesmo o que sua majestade vai dizer quando souber o que você fez.

- Eu... monsieur... obedeço apenas às ordens de sua majestade. O duque continuou, dirigindo-se à irmã:

- Não contente de apresentar a sua majestade uma prostituta comum, esse homem trouxe uma que também é solteira.

- É imperdoável.

- Monsieurle Duc... madame La Duchesse... deve ter havido algum erro. Essa mulher... é cunhada do conde du Barry. É casada com o seu irmão...

- Casada com o irmão do conde du Barry!-riu alto Choiseul.

- Pois eu lhe digo que essa mulher é Jeanne Bécu, ou Rançon, ou Lange ou Beauvarnier ou Vaubarnier. Uma mulher dessas, precisar tantos nomes! Mas há um título ao qual ela não tem direito. Nunca foi casada, e você... idiota, toleirão, velhaco, desobedeceu às ordens expressas do rei.

Lê Bei respondeu, trémulo:

- Monsieur lê Duc, se é assim...

- Se é assim? É, sim. Fiz questão de descobrir a verdade sobre essa mulher. Ela é solteira e, se você dá valor à sua posição na corte, afaste-se dela... rápido, e livre o rei desta situação impossível em que o meteu.

- Farei tudo o que estiver ao meu alcance...

- É o que se espera que faça, para o seu próprio bem- atalhou a duquesa, dissimulada.

- E com toda rapidez - acrescentou Choiseul.

Lê Bei mandou chamar Jean-Baptiste imediatamente.

- O que há de errado? - perguntou Jean-Baptiste. - Parece que você perdeu uma fortuna.

- Pior! Estou arriscado a perder meu lugar na corte.

- O que é isso? Calma!

- Jeanne não é madame du Barry. Não é casada.

- Apenas, monsieur Lê Bei.

- É inútil mentir - explicou Lê Bei, firme. - O duque de Choiseul tem espiões em todos os lugares. Sabe que ela não é casada com o seu irmão.

Jean-Baptiste ficou surpreso.

- Então? - quis ele saber.

- Seu idiota! Você enganou o rei. Não sabe que ele não pode ter amantes solteiras?

- Vamos casá-la.

- A questão é que você afirmou não ser ela solteira, quando na verdade era.

- Uma tolice.

- Será o fim de suas oportunidades na corte.

- Ouça - acrescentou Jean-Baptiste. - Vou casá-la imediatamente. Tenho um irmão que é solteiro. Vai casar-se com ela e, com isso, não vamos ligar a mínima, na frente da cara de cachorro de monsieur lê Duc.

Lê Bei vacilou. Tinha muito medo de Choiseul, e desejava nunca ter trazido Jeanne para a corte. Só poderia conseguir de volta o consentimento do duque caso livrasse a corte dela.

Ele resolvera fazer o que o duque desejava.

Atalhou, firme:

- Vou logo falar com o rei e contar-lhe a verdade.

Lê Bei pediu uma audiência particular.

Luís o olhou com alguma preocupação. O homem mudara visivelmente na última semana, se tanto. Parecia dissimulado, assustado.

- O que o aflige? - perguntou Luís. - Precisa tomar melhor cuidado com a saúde. Você me faz lembrar aquele homem que caiu morto, há cerca de uma semana. Lembra essa pessoa de que lhe falo? Parecia-se muito com você. Tome cuidado, Lê Bei.

- Sire, minha saúde está bastante boa. Mas temo muito haver ofendido vossa majestade, ao chamar-lhe a atenção para madame du Barry.

- Então, você deve estar sofrendo de loucura. Nunca estive mais satisfeito.

- Essa mulher não é o que pensa que seja. Ela não é condessa. Luís sorriu.

- Estou muito inclinado a acreditar nisso.

- Sire, a mãe dela era cozinheira.

- Que interessante - atalhou Luís. - Espero que ela tenha a mesma habilidade da mãe. Você sabe do meu interesse na arte culinária. Esse ainda é outro prazer que podemos estudar juntos?

- Cozinheira, sire... cozinheira... - lamentou-se Lê Bei.-A filha de uma cozinheira, recebida em Versalhes!

Luís estourou de rir. Há quantos anos, avaliou Lê Bei, que não ria assim. Nunca deixaria a mulher ir embora.

- Você se preocupa demais com pequenas diferenças - esclareceu ele. - Uma condessa... uma cozinheira. Sou rei, Lê Bei, e até agora lido tanto com cozinheiras quanto com condessas, que até acho difícil distinguir umas das outras.

- Vossa majestade gosta de brincar, mas não lhe contei tudo. Há algo ainda mais vergonhoso.

O rosto de Luís ficou entristecido. Começava a ficar aborrecido com a referência maliciosa ao passado de Jeanne. Não queria examinar o passado - nem dele nem dela. Só desejava tornar tolerável a sua vida atual.

- Não quero ouvir isso - replicou ele.

- Sire, preciso contar-lhe.

Lê Bei continuou, não tomando conhecimento do olhar de espanto de Luís.

- Desculpe-me, sire, mas essa mulher não é casada. O rei vacilou.

Depois, deu de ombros.

- Dos males, o menor - respondeu ele. - Mas isso se resolve facilmente. Que ela se case logo - começou ele a rir. - Sem dúvida, nesse caso, seria melhor que eu não desse oportunidade alguma de cometer qualquer ato de loucura.

Lê Bei mal podia encarar o rei. Mesmo assim, não o via. Não se devia temer Luís apaixonado, afável e feliz, da mesma forma que o duque de Choiseul e sua irmã.

Lê Bei não se atrevia a ir até eles e dizer-lhes que o rei declarara simplesmente: "Deixe-a casar-se."

- Sire, o senhor não pode... não deve... - lastimou-se Lê Bei. Luís pareceu não acreditar por alguns minutos; depois afirmou, ríspido:

- Você extrapola seus deveres.

- Mas, sire, essa... essa mulher vulgar... essa mulher solteira! O rosto de Luís ruborizou. Apanhou um par de pinças e fez um floreio com elas. Parecia um jovem apaixonado pronto a defender a amante.

- Meu desejo é querer atacar você com elas - gritou ele. Saia de perto de mim, imediatamente.

Lê Bei cambaleou; o rosto, agora ruborizado, a boca crispada e Luís envergonhava-se da sua demonstração incomum de cólera

- Vá para seus aposentos - ordenou ele, gentil. - Precisa descansar. Está ficando velho, Lê Bei. Como eu estava... até que madame du Barry viesse consolar-me. Vá em frente. Você se preocupa com assuntos do coração, que não têm a mínima importância

Lê Bei fez uma reverência e deixou o rei.

Foi para seus aposentos. Descobrira algo. O rei estava apaixonado como há anos não estivera. Iria conservar madame du Barry na corte. Seria reconhecida como mattresse-en-titre. Finalmente, o lugar de madame de Pompadour fora preenchido.

E Choiseul? Permaneceria como seu inimigo.

- Vá para seus apartamentos e descanse - bradara o rei. Descansar! Com Choiseul pronto para vingança?

No dia seguinte, após uma noite em claro, Lê Bei sofreu uma apoplexia. Viveu apenas umas poucas horas.

Morreu de choque, dizia a corte. O choque de ver a ex-grisette, que levara para o trébuchet, quase a preencher o lugar de madame de Pompadour.

Enquanto isso, Jean-Baptiste não perdia tempo, ao trazer para Paris o seu irmão solteiro, o chevalier Guillaume du Barry, que poderia casar-se com mademoiselle de Vaubarnier (Jean-Baptiste, agora, acrescentara o de ao nome dela).

O chevalier Guillaume estava longe de não querer. Prometeram-lhe que seria muito recompensado por seus serviços, e ele se sentia satisfeito com qualquer estímulo que o afastasse, nem que fosse por algum tempo, do velho château em ruínas em Lévignac, onde ele e as irmãs viviam sob o poder despótico da mãe.

Jean-Baptiste estava contente com a forma como seus planos davam certo. O pedido do rei para que Jeanne se casasse apontava para um fato: Luís evidentemente decidira que Jeanne seria recebida na corte, e isso era o mesmo que reconhecê-la como mattresse-en-titre.

Preparavam Jeanne para seguir as pegadas de madame de Pompadour, que, para todos os observadores mais atentos, ainda singrava visivelmente dos vales obscuros para o cume do prazer.

Resolvido a que não esquecessem seus interesses, trouxe de Tévienac para Paris, com seu irmão Guillaume, sua irmã, Fanchon, para que se tornasse companhia para Jeanne na corte e, por isso, cuidasse dos interesses da família.

Fanchon era de meia-idade, ligeiramente coxa mas astuta; e sentia forte afeto pelo irmão aventureiro, a quem estava muito grata por livrá-la da vida melancólica no château da família.

Jean-Baptiste, então, se ocupava em fornecer a Jeanne uma certidão de nascimento falsificada, na qual não apenas a dava como filha legítima de Jean-Jacques Gomard de Vaubarnier, como lhe diminuía a idade em uns poucos anos. Jeanne tinha 25 anos, o que não a deixava muito jovem, e ele fazia parecer ter 22.

Quanto ao chevalier Guillaume, tornou-se o "haut etpuissant seigneur, Messire Guilíaume, Comte du Barry, capitaine dês troupes détachées de La marine".

- Todos, agora, estão felizes - afirmou Jean-Baptiste. Guillaume poderia voltar para casa bem recompensado, Fanchon teria um lugar na corte e Jeanne não precisava afligir-se com o fato de disfarçar-se sob um nome falso, que agora era verdadeiro, madame du Barry. O rei estava satisfeito, porque não precisava mais preocupar-se com esse detalhezinho da etiqueta e poderia gozar em paz da companhia da sua amante.

Mas havia muitos que estavam longe de sentir-se contentes. E o chefe desses era, naturalmente, Choiseul.

 

Richelieu observava de perto os acontecimentos. Era velho, mas, em assuntos amorosos e ambições políticas, ainda estava entusiasmado.

Choiseul era um idiota. O orgulho era seu ponto vulnerável e ele o levaria à desgraça, predizia Richelieu. Desde o início, declarara-se contra a nova amante e não iria mudar de comportamento com relação a ela. Se fosse um homem esperto, iria no mínimo dar como pretexto fazer isso.

O rei estava profundamente apaixonado e Choiseul sabia bem como fora forte a sua ligação com madame de Pompadour. Ele precisava ter em conta: essa mulher era jovem e saudável; o rei estava velho e propenso à melancolia. Madame du Barry tinha a mesma possibilidade, como Pompadour tivera, de conservar seu lugar.

Todos os homens na corte ambicionavam fornecer ao rei uma nova amante que fosse amiga e não esquecesse o padrinho. Por esse motivo, um homem prudente, capaz de proporcionar ao rei uma amante, deveria procurar fazer-se amigo da mulher que outra pessoa conseguira.

Por isso, o duque de Richelieu resolvera que se tornaria amigo de madame du Barry. Não apenas isso, iria juntar alguns amigos seus e ficar do lado deles; o objetivo era expulsar das posições que ocupavam Choiseul e amigos, para ficar com elas.

Tratava desse assunto com o sobrinho, o duque d'Aiguillon, que, ao perceber que isso poderia significar para ele grande melhoria política, achou-a ótima ideia.

- Nosso primeiro dever é nos mostrarmos agradáveis à favorita - afirmou Richelieu. - Não agradáveis demais, entende? A distância. Mas estamos animados em ser seus amigos. Estamos do lado dela, contra o grosseiro Choiseul. Vamos anunciar Vauguyon. Você sabe como ele detesta Choiseul e deseja ardentemente vê-lo dispensado.

O duque d'Aiguillon concordou e teve início a campanha.

Não foi difícil tornar-se amigo de madame du Barry, sempre pronta a conceder sorrisos a quem lhe pedisse um, e, por ficar encantada com a maneira como sua vida se desenrolava, não guardava rancor de ninguém. Chegava mesmo a aplacar a ira do duque de Choiseul.

Ele afrontara muito. Afirmara:

- Madame, 6 inútil tentar seus estratagemas contra mim. As mulheres são as minhas amigas.

Ela ficou irada por algum tempo; depois, jogou fora a sua cólera. Declarou a Fanchon:

- Pobre e velho duque, está preocupado comigo, não? Fanchon aconselhou cautela, mas, por natureza, Jeanne não era precavida; e Fanchon suavizara-se até certo ponto pelas propostas amigas de Richelieu e do duque d'Aiguillon. Fanchon respondeu:

- Não, não compreendemos o motivo por trás dessa demonstração de amizade. Mas os amigos, não importa de onde venham, são bem-vindos.

Richelieu, a caminho da Capela do rei, viu o duque de Choiseul à frente.

A chuva começara a cair forte e Richelieu, que desconfiara de um súbito aguaceiro, armara-se de um guarda-chuva. Choiseul, que não fora previdente, apanhara um aguaceiro.

Richelieu puxou conversa com Choiseul. Dirigiu-se a ele, os olhos brilhando:

- Gostaria de oferecer-lhe o abrigo do meu guarda-chuva.

Choiseul observou Richelieu com o olhar de tolerância divertida que muitas vezes dirigia aos que desconfiava serem inimigos seus, e que - assim desejava transmitir - se preocupavam com ele da mesma forma com que uma mosca zumbe por cima dele.

- Gentileza sua - sussurrou ele.

Enquanto caminhavam juntos na direção da capela, várias pessoas repararam neles, e ambos perceberam os olhares divertidos. Choiseul quis saber:

- O que essas pessoas pensam ao verem nós dois tão juntinhos?

- Que somos duas cabeças debaixo de um abrigo. Choiseul atalhou:

- Ah, ouvi dizer que duas cabeças são melhor do que uma. Richelieu respondeu:

- Tenho certeza de que há verdade nessa afirmação. Entraram na capela e assistiram ao serviço.

Quando saíram, o sol brilhava e muitos súditos se conservavam ao alcance do ouvido dos dois duques, porque o caso do guardachuva fora assombroso e se acreditava que só poderia significar uma reaproximação entre os dois adversários.

Se Richelieu se aliasse a Choiseul e ambos se juntassem contra madame du Barry, ela, mesmo adorada pelo rei, teria pela frente uma viagem muito tempestuosa.

Richelieu deu ao duque um sorriso irónico. Choiseul correspondeu. A sua voz ecoou clara:

- Sou-lhe grato por conservar-me seco. Agora, a temperatura está agradável, e não preciso pedir favores mais adiante. E o meu caminho não vai na mesma direção que o seu.

Richelieu respondeu:

- Tem razão, monsieur de Choiseul. A temperatura está agradável e, por isso, não precisa da proteção que posso oferecer-lhe. No entanto, se houver mudança, pode contar comigo. Sou seu amigo de verdade.

As palavras pareciam cheias de significado. Podia querer dizer que Richelieu e Choiseul estavam juntando forças. Por outro lado, podia ter falado com ironia; e, levando em consideração a natureza dos dois duques, isso parecia mais provável.

Richelieu foi imediatamente procurar o rei:

- Sire, o senhor é a mais feliz das criaturas de Deus neste dia de aguaceiro. Está apaixonado, e o objeto do seu amor tem mais do que boa aparência, tem bom génio. Perdoe o atrevimento, sire, mas o senhor não é apenas o rei mais feliz, é o homem mais feliz no mundo.

O amor devolvera a Luís um pouco de ingenuidade, e Richelieu se lembrava do menino que se casara aos quinze com uma rainha que acreditava ser a mais bela mulher no mundo.

Ele agora sorria para Richelieu, satisfeito porque lhe agradava ouvir elogios a madame du Barry.

- Há uma pequena deficiência que vossa majestade poderá suprir. Essa mulher encantadora é sempre relegada aos aposentos secretos e, por isso, não pode desfrutar a companhia de vossa majestade em todas as ocasiões. Por conseguinte, isso vai se repetir, sire, até que a mulher seja apresentada.

O rei pousou a mão no braço de Richelieu.

- Você falou meus pensamentos em voz alta - aprovou ele.

- Pretendo apresentar madame du Barry em futuro próximo.

O sorriso de Richelieu era com certeza de muita ironia. Ouvia a própria voz ecoando em sua memória. - Pode contar comigo, monsieur Choiseul, sou seu amigo de verdade.

A duquesa de Gramont entrou nos aposentos do irmão, com raiva e violência:

- Então, agora, ela vai ser apresentada à corte. Vão trazer as vendedoras de peixe de Lês Halles e depois apresentá-las na corte. Irmão, isso não pode acontecer.

- Temos de fazer tudo para evitar isso. A duquesa agarrou o braço do irmão.

- Depois que for apresentada, ela será como madame de Pompadour. Tomará conta dos negócios de estado. Atingimos a nossa atual posição porque a Pompadour era nossa amiga. O que nos acontecerá quando tivermos outra, tão forte como Pompadour... como nossa inimiga!

- Esta mulher não é nenhuma Pompadour. Por toda a sua origem bourgeoise, Pompadour era uma mulher inteligente. Essa mulher tem apenas saúde, boa aparência e vulgaridade.

- Mas o rei está mais velho, não esqueça. Está caduco.

- Irmã, vamos lutar com essa mulher. Pense a que ponto chegamos. Resistimos firme contra a Prússia e a Inglaterra. Vamos perder para o capricho de madame du Barry?

- Tenho medo dela mais do que dos estados da Europa.

- Você desanima rápido demais. Nós nos descartaremos dela dentro de poucas semanas. Mas devemos agir com cuidado... passo a passo. Não pode haver essa apresentação.

- Sabia que Richelieu está por trás dela?

- Richelieu! Aquele velho patife e hipócrita! Mas está velho.

- D'Aiguillon o apoia.

- D'Aiguillon! O soldado valente! D'Aiguillon, o idiota. Por que, irmã, você pensa em respeitar um homem desses?

- Receio, irmão, que eles comecem a formar um grupo ao redor dela. Pode estar certo, o rei vai apoiar os que a apoiam.

- Reconheço que possa acontecer. Mas não deve. Enquanto não for apresentada, nem abertamente admitida, ela não é grande perigo. Mas é muito importante que ela não seja apresentada.

- O rei resolveu que isso aconteça. Richelieu e d'Aiguillon o apoiam. E ela está naturalmente ansiosa para que aconteça. Não consigo ver como se poderá evitar.

- Então você não conhece o seu irmão tão bem como pensei que conhecesse, irmã. Se pedíssemos ao rei que não cometesse tal loucura, talvez não nos ouvisse. Mas poderia ser diferente se o ridículo fosse o nosso advogado. Se proibíssemos a apresentação, humilharíamos o rei, embora não possamos convencê-lo a dar tal passo.

- Ridículo - afirmou a duquesa. - Mas tentamos isso. Ele está tão absurdamente apaixonado que se tornou inacessível ao ridículo.

- Você verá. Já providenciei chansonniers, e, dentro de pouco tempo, ouvir-se-ão canções sobre madame du Barry em todos os cafés de Paris.

A duquesa aprovou com a cabeça.

- Isso não é tudo - continuou o duque. - O passado da mulher, como sabe, não vai aguentar uma investigação.

- Mas o rei não faz objeção ao seu nascimento pobre.

- Oh, ela seria mais apropriada ao Pare aux Cerfs e ao trébuchet. Mas Luís precisa ver que há uma diferença entre esses estabelecimentos e a Galerie dês Glaces.

- Tem alguma sugestão?

O duque concordou com a cabeça.

- Estou enviando um amigo de confiança, hoje mesmo, a uma mulher muito conhecida em Paris... e na corte. Trata-se de madame Gourdan, da Maison Gourdan.

Madame Gourdan apoiou os cotovelos na mesa e, matreira, sorriu ao visitante.

Sabia que ele vinha de Versalhes e sempre ficava satisfeita de receber tais clientes em sua casa. Era bem conhecida no château e muitas vezes a chamavam para fornecer meninas que divertissem os convidados em algum banquete generoso. Tais negócios eram muito proveitosos e excelentes para o nome de sua casa.

Madame Gourdan, que tinha algo de esperta, muitas vezes se descrevia como Fornecedora do Château Real de Versalhes. Dizia que tal reputação era muito valorizada pelos comerciantes de Paris.

O visitante avisou:

- Venho da parte de uma pessoa tão famosa que não posso revelar o nome.

Ah, pensou madame Gourdan, é sua majestade, sem dúvida.

Seus braceletes de diamante brilhavam nos braços; as mãos rechonchudas, cheias de jóias, encobriam o magnífico cetim preto do vestido.

- A Maison Gourdan está a serviço dele. Você gostaria de ver algumas de minhas meninas mais bonitas, hem, monsieurl

- Não, vim para conseguir a sua assinatura num documento.

O semblante de madame Gourdan mudou. Não gostava de documentos que precisassem de assinatura. Eles, invariavelmente, traziam confusão.

Respondeu, brusca:

- Explique melhor o seu negócio, porque não consigo entender.

- Acho que conheceu uma jovem chamada mademoiselle Vaubarnier ou mademoiselle de Lange.

Madame Gourdan respondeu que sim com a cabeça.

- Uma das meninas mais encantadoras que já vi.

- Conhecia-a bem, madame?

- Não tão bem como gostaria.

- Trabalhava aqui em seu estabelecimento, não?

- Você agora tocou num dos maiores desapontamentos de minha profissão. Eu teria ficado com ela... Bem, monsieur, eu teria sido uma idiota se não... E asseguro-lhe, monsieur, não sou idiota. Se fosse, não dirigiria uma casa como esta.

- Então, ela não trabalhou nesta casa? Madame Gourdan abanou a cabeça.

- Tenho um documento, aqui, que diz que sim.

- Então, esse documento mente. Quem disse isso?

- A senhora... madame.

- Eu!

- Diz aqui que, uma vez, mademoiselle Vaubarnier ou mademoiselle Lange trabalhou em minha casa, a Maison Gourdan.

- Deixe-me ver isso - madame levantou-se e olhou-o por sobre os ombros dele. - Nada prova que escrevi isso.

- Provará, madame, se puser seu nome aqui.

- Sei - acrescentou madame Gourdan, apertando os olhos.

- Madame, um homem de muita autoridade deseja a sua assinatura nesse documento. Não lhe pede para dá-la. Pagará por ela. Pagará tanto que até mesmo a senhora que, pelo que vejo, é uma mulher próspera, ficará assombrada.

Ela continuava a olhá-lo através dos olhos apertados.

- Vamos, eis uma pena. Assine e receberá uma fortuna. Não apenas isso. Deverá haver outros privilégios...

Madame Gourdan cruzou os braços e olhou-o, hostil. Então, os boatos não mentiam, pensava ela. Jeanne achara o caminho para Versalhes. Isto poderia querer dizer apenas uma coisa: o rei ficaria reconhecido a Jeanne.

De súbito, ela riu.

- Vai chegar a um acordo comigo? - lamentou o homem. Vamos... diga-me o seu preço. Quanto deseja?

- Monsieur, peço-lhe o seguinte: que pegue esse documento e saia de minha casa. Vendo meninas e não mentiras. Está me pedindo para desonrar minha profissão.

Ele abriu a boca para protestar. Mas madame Gourdan chamara o eunuco preto, que poderia levantar o visitante com os braços fortes, como se fosse um bebé.

- Mostre a esse cavalheiro a saída - concluiu ela. Quando ele se foi, madame Gourdan sentou-se e começou a rir.

Então, Jeanne... a pequenina Jeanne... estava a caminho de tornarse a mulher mais importante na França.

Choiseul e a irmã deviam, portanto, agir sem a ajuda de madame Gourdan; e isso, afirmou-lhe ele, ambos poderiam fazer muito bem, embora admitisse que seria muito útil se conseguisse a assinatura da mulher no documento.

Agora, poderiam simplesmente insinuar que Jeanne morara na Maison Gourdan antes de vir para a corte. Isso seria aceito por alguns que desejavam que fosse isso verdade.

- É fácil espalhar histórias prejudiciais sobre o que é bemsucedido - começou ele -, porque tais histórias são invejadas e aqueles que invejam estão tão encantados, que não acreditam no pior. A nossa pequenina du Barry tem inúmeros inimigos... muitos entre aqueles que nunca a viram.

Dessa forma, os boatos começaram e continuaram, aumentados. Nada era escandaloso demais para se recontar sobre madame du Barry.

Nas ruas e cafés, não falavam sobre ela, cantavam sobre ela, e uma das baladas mais populares era aquela em que Choiseul se baseara na velha canção popular La Bourbonnaise.

"Quelle merveille! Une filie de rien, Une filie de ríen, ,-

Quelle merveille! Donne au Rói de 7'amour, Est à Ia Court!

Elle est gentille; Elle a lês yeux fripons; Elle a lês yeux fripons; Elle est gentille; Elle excite avec art

Un vieux paillard.

En maison bonne, Elle a pris de leçons, Elle a pris de leçons.

En maison bonne.

Chez Gourdan, chezBrísson,

Elle en sait long.

Que de postures! Elle a lu Arétin, Elle a lu Arétin; Que de postures! Elle a fait en tous seos Prendre lês sens.

Lê Rot s'écríe: '

LAnge, lê beau talent! L'Ange, lê beau talent! Vienssurmon trone, e veux te couronner, Jeveuxtecouronner."

Essas canções eram cantadas por debaixo das janelas do próprio château. O rei as ouvia. A própria madame du Barry também ouvia.

Luís a contemplava, enquanto a amante sentava-se, com a cabeça de lado, a escutar.

Ele ia ter um ataque de cólera, mas a mulher apenas ria. Ela começou a acompanhar o ritmo, batendo com os dedos, e Luís via, atónito, que madame du Barry cantava La Bourbonnaise.

- Você é uma mulher muito fora do comum - informou ele.

- Como assim? - quis saber ela.

- Cantar essa canção.

- Gosto da melodia.

- "Quelle merveille!

Une filie de rien..."(Que maravilha! Uma filha de nada...) cantava ela. Ria. - Pelo menos esse trecho... é verdade. É o que sou: "une filie de rien", uma filha de nada.

- Vou dizer-lhe o que é - respondeu Luís, emotivo. - Você é, a mulher mais meiga e moderada no mundo. Madame de Pompadour teria descoberto quem escreveu essa canção e insistiria em que ele ficasse por algum tempo na Bastilha.

- Ah, madame de Pompadour era uma grande mulher-respondeu Jeanne. - E eu sou apenas "Une filie de rien".

Raras vezes houvera tamanha controvérsia como houve com relação à apresentação de madame du Barry, porque, apesar da impaciência e determinação do rei para que isso acontecesse, havia uma poderosa parte da corte contra ela.

Naturalmente, Choiseul e a irmã comandavam tal parte, mas havia outros adeptos poderosos.

O delfim, um menino gaúche, inseguro, com cerca de quinze anos, muito influenciado pela tia Adelaide, fora induzido em mais de uma ocasião a mostrar seu desprezo por madame du Barry; e, embora fosse apenas um menino, lembravam na corte que Luís tinha quase sessenta anos e que, quando ele morresse, esse menino se tornaria rei.

A princesa Adelaide também, embora tivesse agora pouca influência na corte, era, no entanto, filha do rei.

Dessa forma, embora desejasse muito tal apresentação, Luís sempre encontrava obstáculos no caminho para que isso acontecesse.

Qualquer um, salvo o imperturbável du Barry, sentia que ela estava destinada a nunca tomar o lugar de madame de Pompadour, mas Jeanne simplesmente encolhia os ombros e, de forma alguma, não se preocupava com as dificuldades que lhe surgiam no caminho, guardava uns poucos rancores contra os inimigos, tinha lições de conduta com Vestris, o mais conhecido professor de dança da França, e continuava a encantar o rei.

Richelieu resolvera dar a conhecer que a apoiava calorosamente, e ele próprio mandara fazer-lhe o vestido para a corte. Marigny, o irmão de madame de Pompadour, também dera provas de seu apoio e ordenara que os châteauxàe Bellevue, Marly e Choisy fossem redecorados com presteza para a nova favorita.

Isso era gratificante, mas até achar um responsável patrocinador, Jeanne não poderia ser apresentada, e, apesar de o próprio rei desejar achar esse responsável, era muito difícil descobrir uma mulher que pudesse encarregar-se da tarefa.

A baronesa de Montmorency ofereceu seus serviços, mas insistia em que, para isso, precisava de generosa recompensa. A quantia pedida era absurdamente fantástica, e, enraivecido, Luís recusara-lhe os serviços, porque, se os aceitasse a esse preço, seria um insulto a madame du Barry.

A candidata seguinte foi a condessa de Béarn. O preço pedido fora mais razoável e, portanto, aceito. Mas, quando souberam que ela seria responsável pela tarefa, o grupo de Choiseul boicotou-a tão severamente, e o delfim e a princesa Adelaide - e naturalmente Victoire e Sophie - trataram-na com desdém, e ela desculpouse por ter torcido o tornozelo.

A cerimónia foi adiada.

Madame d'Alogny foi a seguinte a oferecer-lhe serviços. Adelaide ficou muito irritada. Essa mulher vira a raiva que a conduta da condessa de Béarn provocara e se apresentou descaradamente para fazer o que o bom senso de madame de Béarn deixara de fazer.

Adelaide avisou às irmãs:

- Vou mostrar a ela o que acontece a quem quer zombar de mim.

Mostrou de fato às irmãs e à corte ter tal força, que, durante algum tempo, a pobre madame d'Alogny desejou nunca ter concordado em apresentar madame du Barry e jamais ter nascido.

Numa cerimónia, quando madame d'Alogny foi recebida por Adelaide e tornou-se necessário se ajoelhar, beijar a bainha do vestido da princesa e esperar por permissão para levantar-se, Adelaide simplesmente se afastou dela. Deixara-a ajoelhada, sem nada poder fazer, porque, de acordo com a etiqueta de Versalhes, para levantar-se, precisava da permissão que não lhe fora dada.

Ver-se em semelhante posição era como viver num pesadelo. Madame d'Alogny não sabia o que fazer, mas ficou ajoelhada enquanto os convidados olhavam-na com sobrancelhas arqueadas até que, vencida pela vergonha, levantou-se e desapareceu.

Ela sabia que seria igualmente humilhada em futuras ocasiões, caso insistisse em seus planos de apresentar à corte madame du Barry.

Ela, portanto, declarou que, apesar da remuneração generosa, não podia realizar a apresentação.

O rei ficou furioso; até mesmo Jeanne começou a duvidar se deveria ser apresentada. Luís, no entanto, não iria permitir que seus desejos fossem frustrados. Mandou chamar a condessa de Béarn e lhe falou que ela teria de apresentar formalmente madame du Barry a ele, mesmo que gostasse ou não da tarefa.

Madame de Béarn afirmou à corte que recebera ordens e não se atrevia a desobedecê-las. Rogava que, por esse motivo, não a responsabilizassem. Era obrigada a cumprir essa tarefa incompatível.

Nesse caso, disse o grupo de Choiseul, não havia o que fazer. Madame du Barry seria apresentada.

Então, alguns dias depois de madame de Béarn ser forçada a aceitar a tarefa a ela imposta, o rei sofreu um acidente durante a caçada.

Quando Adelaide viu seu corpo sendo trazido para o château numa padiola, mandou chamar a irmã:

- Este é o julgamento da Providência. Deus determinou que madame du Barry nunca será apresentada à corte.

As princesas instalaram-se no quarto do doente, e quando Jeanne apresentou-se, Adelaide enfrentou-a, triunfante:

- Madame, o rei está morrendo - avisou ela. - É tempo de ele fazer as pazes com Deus e, para isso, não precisa de sua ajuda.

Victoire e Sophie, ao seu lado, concordaram com a cabeça. Jeanne, com lágrimas nos olhos, por acreditar que elas lhe diziam a verdade, afastou-se dali.

No entanto, o rei não foi seriamente ferido e, assim que ficou consciente, dispensou do quarto as princesas e mandou que madame du Barry viesse e o confortasse.

Luís resolvera mais que nunca que Jeanne seria apresentada e que ficaria com ele em todas as ocasiões.

No grande dia, multidões foram de Paris até Versalhes. Queriam ver a chegada de madame du Barry para a apresentação. Era um acontecimento magnífico, e a roupa deslumbrante dos homens e das mulheres da corte refletia-se nos espelhos da Galerie dês Glaces, enquanto Luís, o braço ainda numa tipóia, esperava a chegada da amante.

Ao lado do rei estava Richelieu e, a uma pequena distância, Choiseul e a irmã, as princesas reais e todos os seus partidários.

Houvera tantos empecilhos sinistros que, supersticiosamente, muitas pessoas acreditavam que, mesmo agora, não deveria haver a cerimónia.

Estava na hora de madame du Barry chegar, mas não chegara. Ninguém lembrara à mulher, a ser apresentada, que deveria chegar cedo.

Choiseul sorria, satisfeito. A irmã segredava que isso era de esperar-se. O que as meninas de rua conheciam das maneiras da corte?

O rei começava a ficar envergonhado e constrangido. Richelieu pedia-lhe que fosse paciente. Todos na grande Galerie esperavam, enquanto os minutos marcavam o tempo e madame du Barry ainda não aparecera.

O rei estava para cancelar a cerimónia. Estava irado. Até mesmo Jeanne não deveria ter se comportado dessa forma, impunemente. A agitação era forte. O que iria acontecer quando e se ela aparecesse? O rei iria recebê-la friamente e fazer-lhe uma repreensão pública?

O rei e Richelieu estavam parecendo cada vez mais carrancudos; Choiseul, cada vez mais contente.

E, então, ela chegou; e, ao vê-la - com certeza, a mais bela visão que já havia experimentado -, toda a irritação do rei desapareceu.

Seus cabelos louros - cabelos maravilhosamente dourados estavam arrepanhados no alto da cabeça. O vestido de cetim azul mostrava muito bem seu contorno perfeito; usava diamantes no valor de 100.000 libras, que o rei lhe mandara no dia anterior; e Jeanne brilhava, intensa, com alegria, segurança e jovialidade.

Devia ajoelhar-se diante do rei, mas Luís não permitiu isso e, quando lhe pegou a mão com ternura e sorriu ao rosto radiante, foi como se todos na Galerie respirassem fundo.

A apresentação se realizara.

O rei segurava-lhe a mão, levando-a às princesas. Mesmo Adelaide não se atrevia a nada fazer, mas teve de reconhecê-la com afabilidade.

Vestris fizera bem o seu trabalho. Executou tudo aquilo que lhe haviam pedido, para a mulher que soube a vida inteira que, naquele dia, seria a figura principal da cerimónia.

- Está tão atrasada... - sussurrou o rei.

- Mandei o cabeleireiro me refazer os cabelos-segredou ela.

- Estava certa de que você queria que eu ficasse linda.

Os olhos de Luís toldaram-se. Jeanne não era encantadora? E isso não era mesmo razão para deixar o rei da França esperando?

Por fim, ele tinha alguém que podia substituir os afetos que haviam sido de madame de Pompadour.

Jeanne du Barry fora agora apresentada. Confirmara-se aos olhos de todos como a mattresse-en-titre do rei.

Agora, madame du Barry tinha seu conjunto de cómodos - quarto de dormir, biblioteca e sala de recepção - ligado por uma escada secreta aos aposentos do rei.

Escolheu as criadas mulheres, com ajuda do rei e de Richelieue a chefe delas era a marechais de Mirepoix, a "gatinha" de madame de Pompadour.

O rei ficara muito amigo dessa mulher, que vira muitas vezes na companhia de madame de Pompadour; era espirituosa, divertida e também muito astuta. Verdade que ser amiga da marquesa também ajudara os Choiseuls; ela, porém, estava endividada e, por não ter ressentimento de madame du Barry, aceitara ser sua amiga, desde que tal amizade lhe trouxesse uma renda folgada. Por isso, jovialmente, saiu do grupo de Choiseul para ficar com madame du Barry.

A marquesa de 1'Hôpital e a condessa de Valentinois estavam igualmente preparadas para dar apoio à estrela em ascensão; para isso, Jeanne se viu rodeada de mulheres que estavam por perto com o objetivo de dar-lhe conselhos sobre o modo de vida em Versalhes.

Ela agora se tornara amiga de Fanchon, que apelidara de Chon, tratando-a como cunhada, em cujo pensamento sagaz podia confiar mais do que no de qualquer outra pessoa. Chon começou a trabalhar a favor dos du Barrys, e, agora, Jeanne era membro da família.

A situação tinha seu lado irónico. Nas ruas, cantavam-se as Chansons de Choiseul, repetiam-se suas histórias cruéis, mas o grupo da Igreja, que detestava Choiseul, pois o culpava pela expulsão dos jesuítas, acreditava que madame du Barry fosse um possível aliado. Por isso, muitos clérigos foram à corte para fazer honras à favorita, ignorando, alegre, a verdade da sua sensualidade e os boatos do seu passado.

Jeanne aceitou tudo com forte bom humor, e os ocasionais comentários faziam sufocar o riso.

O rei demonstrara ser-lhe dedicado ao presenteá-la com o Château de Luciennes, não muito longe de Marly; e saiu para mostrar-lhe a excelente casinha que estava sendo construída em Trianon.

Não havia dúvida de que quem receberia esse pequeno tesouro seria madame du Barry, porque, em vez de cansar-se dela, como muitos tinham certeza de que isso aconteceria, Luís ficava a cada dia mais apaixonado por ela.

Certa ocasião, na mesa, o rei deixou cair o palito, e Jeanne, de modo característico, não esperou que um criado o apanhasse; ela própria saiu da cadeira, agachou-se, engatinhou debaixo da mesa para pegá-lo.

Corada e risonha, apanhou-o.

- Aqui está - avisou ela.

Luís olhou-a; nesses momentos, Jeanne conseguia mostrar-se mais encantadora do que quando trajada para alguma cerimónia de gala, e ele, súbito, sentia-se dominado pela emoção.

Sem se preocupar com os presentes, Luís levantou-se da cadeira e ajoelhou-se ao lado dela.

- Não deve ajoelhar-se - afirmou ele, para que todos ouvissem. - Eu é que quero ajoelhar-me diante de você... e, assim, ficarmos sempre juntos.

Nunca, dizia a corte, o rei estivera tão apaixonado por uma mulher como estava por madame du Barry.

 

A corte inteira observava a luta entre os irmãos Choiseul e madame du Barry, e faziam-se apostas em quem finalmente venceria. O rei, sem dúvida alguma, estava apaixonado pela nova amante; mas o duque de Choiseul era o mais brilhante estadista da França.

Choiseul tinha culpa no conflito. Nesses primeiros meses, Jeanne du Barry estava pronta a esquecer os antigos insultos e tornar-se amiga. Em seu modo franco, não hesitou em fazer propostas de amizade; preparou-se para agradar com faceirice o duque. Não obteve resultado. Ele fora bem claro ao mostrar que a beleza de Jeanne deixara-o frio, que sua vulgaridade o chocara e que, embora o rei estivesse apaixonado, ele, Choiseul, deveria conservar-se inimigo dela.

Jeanne finalmente falou um xingamento, repetido em toda a corte. Nunca, dizia-se, se ouvira uma expressão tal naqueles magníficos salões. Jeanne não se preocupava com isso! Chegara a tal posição sendo exatamente assim e, agora, não iria começar a mudar o comportamento.

Ao mesmo tempo que era vulgar, tinha o coração mais bondoso de Versalhes. Jeanne achava difícil odiar alguém, e até mesmo a hostilidade que sentia pelo duque de Choiseul era passageira.

Em verdade, teria dito a Chon:

- Pois bem, acho que ele quis que essa irmã tomasse meu lugar. Devo tê-los desapontado um pouquinho. Imagine só como se sentiram com relação a mim. Pobre velho Choiseul! Pobre velha Gramont.

- Não seja tão tolerante com eles - avisou Chon. - A pena que sentimos ajuda a fraqueza e, acredite-me, você não pode ser delicada com inimigos tão venenosos como esses dois.

Jeanne já se tornara conhecida pela generosidade. Procurara moflseurBillard-Dumonceau, o benfeitor de sua infância, e o recompensara. Jean-Baptiste estava muito satisfeito com a forma por que seus negócios valiam e, embora não tivesse obtido nomeações na corte, recebera várias quantias grandes, capazes de satisfazer aos passatempos preferidos de jogar como nunca antes; Jeanne trouxera o filho, Adolphe, para a corte, e planejava um grande casamento para ele.

Ela, era verdade, resolvera vingar-se de madame de La Garde por tê-la expulsado de casa e, um dia, mandou-a chamar, com o propósito expresso de assim fazer; mas, ao perceber a perturbação da velha, se enterneceu de súbito.

Afinal de contas, pensou Jeanne, sou realmente tudo aquilo que ela disse que eu era, e devo-lhe ser grata por expulsar-me de casa.

Assim, em vez de exibir sua força diante da velha, de maneira vagamente ameaçadora, como pretendia fazer, viu-se prometendo utilizar sua influência em outra direção e atribuir honras aos filhos de La Garde.

Isso era típico de Jeanne. Podia nunca abandonar totalmente a fama de ser das ruas de Paris, e adorava o lado humano; ao mesmo tempo que conseguia perdoar ofensas passadas aqui e ali, achava muito difícil conviver com ressentimentos. Quando havia muito mais coisas empolgantes a fazer, planejar vingança parecia-lhe grande perda de tempo.

Dessa forma, Jeanne foi em frente, não fazendo caso dos inimigos até que o maior de todos forçou-a a reparar nele.

- Céus! - gemeu Jeanne. - Aí vem o cara de cão pug.

E se afastou de uma forma não muito de acordo com a etiqueta de Versalhes. Ao ver-se de costas, fez careta e pôs a língua de fora, algo que poderia ser aceito no distrito de Saint-Antoine, mas que parecia fora do comum na Galerie dês Glaces.

Enquanto isso, os Choiseul continuavam a escrever canções sobre ela. Os espiões do duque descobriram todos os pormenores de sua vida anterior; exageravam e transformavam em canções, cantadas nas ruas.

A gargalhada alta, as imprecações e os gestos pareciam confirmar as histórias do seu início de vida.

O jogo de cartas era uma cerimónia em Versalhes - até que madame du Barry chegou.

Sentava-se segurando as cartas, zombando delas ou blasfemando-as, de uma maneira que nunca se ouvira antes dentro das paredes do Château.

Numa ocasião, ao perder para o rei, gritou:

- Você é um trapaceiro. É o que você é!

O silêncio estupefato que se seguiu a esse comentário não a deteve. Continuou sentada ali, tendo no rosto o que os inimigos chamavam cara de criança abandonada.

O rei, entretanto, apenas sorriu e explicou, alegre, como ele a vencera.

- Mentiroso! - gritou Jeanne, carinhosa.

E Luís parecia achar que era o máximo de satisfação ouvir desses lábios vulgares mas voluptuosos que ele era trapaceiro e mentiroso.

Outros eram menos bondosos.

Uma vez, quando jogava cartas na mesa, gritou, em calão vulgar:

- Estou fodida!

Choiseul, que estava de pé perto dela, murmurou:

- Você poderia julgar melhor essa situação que o restante de nós, madame.

E Jeanne, percebendo a referência à ocupação da mãe, recostou-se na cadeira e deu vazão a alta risada.

Era muito difícil, pensou Choiseul, desconcertar tal criatura, cuja própria vulgaridade fazia-a ter uma capacidade de recuperação rápida e inconquistável.

No entanto, Jeanne du Barry descobriu entre os criados da casa um cozinheiro muito parecido com Choiseul. Havia o mesmo rosto de pug, o mesmo ar de indiferença.

- Ora essa! - exclamou ela a Chon. - É como ter o duque em minha casa, e isso é algo que não consigo suportar.

Falava do cozinheiro como o seu "Choiseul" e o comparava ao Choiseul do rei.

Houve um dia em que despediu o homem, e, nessa noite, num dos jantares íntimos, contou ao rei o que fizera.

- Despedi o meu "Choiseul" - falou alto. - Quando vai despedir o seu?

Todos ali consideraram essa frase uma inequívoca declaração de guerra.

Os Choiseul se desforraram ao apresentar à corte uma jovem créole de grande beleza que, pouco antes, se casara na família deles. Havia sido mademoiselle de Raby, e, em pouco tempo, todos perceberam que os Choiseul pretendiam que ela tomasse o lugar de Jeanne.

Jeanne ficou um pouco abalada, ao ver essa jovem, de beleza escultural e perfeitamente treinada nas maneiras de Versalhes.

Chon implorou que ela tomasse cuidado.

Madame de Mirepoix, cujos sentimentos não eram inteiramente mercenários - pois era impossível viver próximo de Jeanne, sempre mercenária -, avisou-a, como havia avisado madame de Pompadour em seus momentos de temor, que ela não devia entrar em pânico, mas lutar.

- Então, cara condessa, não deve ter medo disso - animou ela. - Se eu própria estou triste, não é porque pense que os Choiseul vão vencer essa conspiração, mas por causa do susto que estão provocando em você.

Jeanne, em seu jeito franco, foi até o rei e perguntou:

- O que o senhor acha dessa créole, Lafrance?

Por ser hábito de Luís dar um apelido aos que estavam ao seu redor, ela se desforrou, dando-lhe um: Lafrance. Ajustava-se a ele, dizia ela; e, por vir dos lábios de Jeanne, Luís não relutava em aceitá-lo.

- Vejo aflição em seus belos olhos? - perguntou o rei, achando graça.

- Vejo desejo pela créole em seus olhos? - ela quis saber.

- Se visse, o que não acontece, não era para dizer que eu desejaria que você me deixasse - respondeu Luís.

Jeanne sorria.

- Não, claro que não. Não gostaria que você me visse a choramingar, se desejasse uma mudança de vez em quando. Contanto que você volte para mim, claro.

Ele lhe sorriu.

- Você teria de encontrar-me alguém para comparar... apenas um pouquinho... com você antes que eu me sinta tentado. Quanto a essa mulher, não posso pensar nela sem pensar ao mesmo tempo na duquesa de Gramont. Nunca permitiria que essa mulher dissesse alguma coisa sobre meus negócios.

Jeanne ficou contente. Ela sabia, antes que Choiseul percebesse isso, que o caso da créole não teria bom êxito.

Os Choiseul ficaram furiosos. Haviam apresentado ao rei a sua protegida e, embora ele tivesse sido bastante cortês, não mostrara mais atenção do que a etiqueta pedia.

A duquesa de Gramont conseguia menos controlar a cólera do que o irmão, e enquanto a procissão descia a grande escada para fazer a corte ao delfim, ela adiantou o passo de tal forma que logo estava atrás de Jeanne.

Quando Jeanne estava para fazer reverência ao delfim, que não hesitara em mostrar desaprovação e antipatia a ela, madame de Gramont pisou a cauda do vestido de Jeanne.

Jeanne, que Já ia fazer uma cortesia, levantou-se rápido e olhou a cauda rasgada do vestido.

Ela ficou irada, em parte porque o rei estava presente e, para agradá-lo, tentara aprender alguma coisa das maneiras de Versalhes.

Ela agora estava disposta a pôr as mãos nas cadeiras e soltar uma torrente de impropérios contra a duquesa. Mas, de súbito, viu que o rei a olhava. Relampejava um recado para ela, que leu como: Há apenas um modo de comportar-se, para que a duquesa pareça mais grosseira do que você.

Então, percebeu Jeanne, a etiqueta exigia que ela se comportasse como se o incidente não houvesse acontecido e como se o vestido ainda tivesse uma cauda.

Virou-se para o delfim, fez-lhe uma solene mesura e foi em frente, deixando a cauda para trás.

Houve olhares significativos. A menina dos faubourgs aprendia.

Mas parecia que a duquesa não; esse pequeno incidente lhe valeu ser afastada da corte por um breve período. Não fosse ela irmã do poderoso Choiseul, teria sido banida para sempre.

Jeanne continuava a ser atormentada. O conde de Lauraguais, um amigo dos Choiseul, procurou humilhá-la com um gesto típico do seu círculo.

Esse nobre foi à casa de madame Gourdan e conseguiu para amante sua uma jovem muito bonita. Comprou-lhe casa, deu-lhe roupas elegantes, dinheiro e jóias; e a forma como realizou tudo isso fez a corte perceber que ele tinha algum motivo em vista e não apenas a paixão que sentia pela menina.

Quando lhe deu o título de condessa de Tonneau, compreenderam o que queria isso dizer. Pois um tonneau, um tonel, e um bar7, um barril, tinham quase o mesmo significado; e era fácil confundir Barry com bani.

Seu castigo por isso trouxe-lhe o desterro da corte; nem madame Gourdan conseguiu evitar a desaprovação. Não lhe permitiram mandar quaisquer de suas meninas para a diversão em Fontainebleau e, para ela, isso foi grande perda financeira, e injusta porque, como não sabia das intenções do conde, não podia de forma alguma queixar-se.

A própria Jeanne sentia pouca indignação e, muito em breve, providenciou para que madame Gourdan se livrasse da proibição; mas ela começava a sentir-se impressionada com a solenidade dos que a cercavam, e percebeu-se que, em público, ela se controlava e comportava-se com decoro, coisa que, um pouco antes, pareceria incrível.

Em particular, com Luís, nunca mudava absolutamente de maneiras; e era assim que o rei desejava que ela fosse.

Quando se tornou evidente que madame du Barry viera para a corte para ficar, começou a formar-se um grupo, tendo ela como centro. Era naturalmente em total oposição ao de Choiseul, comandado por Richelieu e o sobrinho, o duque d'Aiguillon, com evidente finalidade - depor Choiseul.

O duque de Vauguyon e René de Maupéou se juntaram a esse grupo, que se tornou conhecido como os Barriens.

Um novo ano começara; e a luta entre a amante do rei e o primeiro-ministro estava apenas travando-se feroz.

O rei dera de presente a madame du Barry aquela excelente casa pequena, que ele e madame de Pompadour haviam começado a construir juntos; e ali, no Petit Trianon, Luís conseguia afastar-se da corte e viver a vida como um nobre rural.

Tanto o rei como Jeanne ficaram encantados com o lugar; aqui ambos se convenciam de viver em extrema simplicidade. Recebiam os amigos íntimos na pequena suíte de recepção de onde, do alto, se via o Jardin Français, e fingiam não precisar mesmo dos criados quando montavam a table volante, a mais engenhosa invenção de Loriot: mesas de quatro lados baixavam até o chão quando mais uma pessoa chegava sem avisar para fazer refeição (enquanto desciam uma peça de metal em forma de rosa, que substituiria o lugar onde tais mesas haviam estado). Quando estavam recarregados e prontos para subir à salle à manger, a rosa de metal abrir-se-ia delicadamente e todos se afastariam enquanto as mesas cheias de comida surgiam em seu lugar.

Essa invenção interessante era uma constante alegria para Luís.

- Aqui, em nosso Petit Trianon, podemos viver em total isolamento - declarou ele.

Assim, o rei deseja viver com sua amante e deveria indicar que, longe de estar cansado dela, entrava em uma relação bastante parecida com a que tivera com madame de Pompadour.

A corte acreditava que, mais cedo ou mais tarde, tanto madame du Barry quanto Choiseul seriam rejeitados. Também sabiam que ambos estavam igualmente decididos a sair vitoriosos.

Dessa forma, observavam a batalha com ávido interesse.

Madame du Barry podia ter o seu Trianon, mas recentemente Choiseul planejara que o delfim deveria casar-se com a filha mais jovem da imperatriz Maria Teresa.

Os amigos de Choiseul afirmavam que quando a arquiduquesa Maria Antonieta chegasse à França, o poder de madame du Barry começaria a diminuir; pois Maria Antonieta deveria ser firme aliada de Choiseul, já que, mais do que ninguém, ele fora responsável pelo seu casamento.

O delfim detestava a amante; também madame Adelaide - e, claro, suas irmãs. Quando a delfina se desse conta das circunstâncias e somasse sua influência às delas, a du Barry continuaria a manter sua posição?

- Lafrance, resolvi o que você vai me dar como presente de AnoNovo-berrou madame du Barry ao entrar no apartamento do rei.

Luís sorriu. Tinha ela tanta vitalidade, que só de vê-la parecia esquecer-se de que estava com sessenta anos.

- Sim? - quis ele saber.

- Vou lhe dizer. É amigo de madame de Mirepoix?

- Sim - concordou o rei.

- Então, tudo bem. Ela tem tantas dívidas que se desespera só de pagá-las. Sofre de forte angústia. Agora, quero que meu presente de Ano-Novo sejam as Loges de Nantes, para que eu possa dá-las a ela. Se fossem dela, todas as suas dificuldades terminariam. Por favor, diga que vai dá-las para mim, como presente de AnoNovo.

O rei pareceu sério. As Loges de Nantes, as cavalarias de Nantes, eram as rendas que vinham das cocheiras e das barracas armadas em Nantes e representavam uma renda considerável. Até morrer, havia pouco tempo, pertenciam à duquesa de Lauraguais.

Luís balançou a cabeça.

- Lamento mesmo que madame de Mirepoix não possa recebê-las, pois já as concedi.

O rosto de Jeanne ruborizou.

- Mas já lhe prometi que essa renda seria dela! O rei ergueu os ombros e caminhou até a janela. Jeanne bateu o pé.

- Vai ter de dizer a essa pessoa que você mudou de ideia.

- Mas não mudei de ideia - respondeu Luís, calmo. Jeanne o olhou e, pela primeira vez, o rei viu toda a sua alegria escoar-se-lhe do rosto.

Luís se aproximou dela, rápido.

- Você é a mulher mais generosa no mundo - afirmou o rei.

- Não pareça tão triste. Você me pediu um presente de Ano-Novo que poderia conceder a outrem. Agora, vou lhe dizer a quem concedi as Loges de Nantes: a alguém de quem sou muito amigo. O nome dela? A condessa du Barry.

Jeanne deu uma alta gargalhada, e atirou os braços na direção do rei.

- Então, você estava me provocando. E madame de Mirepoix vai receber suas loges. Oh, Lafrance, por um minuto fiquei apavorada.

Ele a olhou, compassivo. Apavorada? Não porque pudesse estar perdendo a popularidade. Não. Aterrorizada porque a pobre madame de Mirepoix não receberia suas rendas.

Pouco depois, perguntou pela volta da condessa de Gramont.

- Ouvi direito? - quis saber o rei.

- Bem, o cãopug anda pela corte parecendo que perdeu a sua cadela - gritou Jeanne. - Adoro cães, como vossa majestade.

- Não sabe que esse homem é o seu mais cruel inimigo? E pior ainda é a irmã dele.

- Oh, deixe-a voltar. De qualquer forma, ela me faz muito mais dano no campo do que em Versalhes. Gosto de conservar meus inimigos à vista.

- Você é muito diferente de madame de Pompadour. Ela jamais teria permitido que a duquesa de Gramont voltasse à corte.

- Oh... a Pompadour. Eu nunca serei como ela, então por que tentar? Sou apenas o que sou.

- A mulher mais generosa no mundo - respondeu Luís. Desse modo, a duquesa de Gramont voltou à corte, e Choiseul

afirmou aos amigos que ele e a irmã preferiam que ela permanecesse no exílio, pois seu retorno acontecera graças a madame du Barry.

- Mesmo assim, talvez a mulher saia da corte quando a delfina chegar. Pois a delfina vai se sentir muito constrangida ao descobrir madame du Barry instalada na corte da França.

Quando Richelieu repetiu a Jeanne o que Choiseul afirmara, a resposta foi uma imprecação que divertiu o velho duque, mais do que se andasse pela corte a contar a todos o que madame du Barry dissera.

A nova delfina chegou à França - pouco mais do que uma criança; era uma criatura delicada, com cabelos avermelhados e uma pele muito clara. Luís se sentiu encantado com ela e saiu à floresta de Compiègne para saudá-la.

Os Choiseul ficaram encantados; consideraram esta jovem charmosa como sua aliada mais próxima e aquela que estaria do lado deles para derrubar a du Barry.

Mas, se pensavam que o rei, em benefício do bisneto, fosse esquecer madame du Barry, estavam equivocados.

Jeanne sentou-se com o grupo real para jantar em Muette, e as duas mulheres se interessaram uma pela outra.

Jeanne ria intimamente. Ora!, pensou ela. Cabelos ruivos e pele muito pálida. Os cílios são tão claros que mal se consegue vê-los. Pois bem, se ela não fosse filha de uma imperatriz, ninguém iria reparar nela.

A delfina fora educada pela mãe; assim, quando o rei lhe pedia opinião sobre a condessa du Barry, ela logo tinha certeza de que ele desejava ouvir uma resposta favorável.

- Acho-a tanto encantadora quanto amável - opinou a delfina.

O rei afagou-lhe a mão e lhe disse estar certo de que ele e ela seriam ótimos amigos.

As festividades que se seguiram ao casamento do herdeiro ao trono foram, é natural, deslumbrantes. O espetáculo de fogos de artifício foi maravilhoso e o caminho de Paris a Versalhes ficou cheio de populares, que foram ver o que acontecia. Dizia-se que Luís estava resolvido a reproduzir o esplendor do seu bisavô.

Ah, afirmaram os agitadores, mas, então, os tempos eram diferentes. Agora havia uma escassez de cereais na França. Por quê? Culpavam-se as más colheitas, mas isto se devia aos comerciantes que escondiam os cereais? O rei estava livre de culpa?

Alguns começaram a calcular os custos das festividades e descobriram que elas deveriam chegar a vinte milhões de livres.

Vinte milhões de livres, quando havia milhares só na capital que não conseguiam comprar pão! Publicavam-se panfletos. Reflexões sobre as núpcias de sua majestade o delfim, circulava por toda a cidade de Paris, explicava os custos das diversões que haviam sido feitas para comemorar o casamento.

Enquanto as pessoas esperavam para ver o que acontecia, resmungavam juntas.

Ofereceu-se um banquete no Hotel de Ville, a que se seguiria um espetáculo de fogos de artifício na place Louis XV, e durante o espetáculo, alguns andaimes pegaram fogo, que se espalhou aos edifícios vizinhos. Houve pânico e, em seus esforços por escapar, muitas pessoas foram pisoteadas. Oitocentas pessoas, nessa noite, ficaram machucadas, duzentas delas fatalmente.

Foi uma cena sinistra quando a luz do dia revelou o que acontecera naquele local trágico, tingido com o sangue dos mortos e feridos. As pessoas estavam em grupos falando sobre a desgraça. Resmungavam sobre tais espetáculos liberais; tagarelavam sobre o preço do pão e a extravagância de tais comemorações de casamento.

Por que as pessoas deveriam morrer de fome, quando os aristocratas viviam no luxo? Essa era a pergunta que se fazia naquele mesmo lugar, que, em futuro próximo, passaria a ter o nome de Place de Ia Révolution.

 

Havia agora um grupo poderoso a lutar contra Choiseul e, no centro, madame du Barry. Jeanne ouvia o que lhe diziam para fazer; Richelieu, Aiguillon, Maupéou, o abade Terray, todos a avisavam.

- Convença o rei a fazer isso... a fazer aquilo...

O rei a ouvia, pois Luís, aos sessenta, começava cada vez mais a querer paz; e Jean-Baptiste e sua irmã Chon estavam sempre prevenindo madame du Barry de que os Choiseul deveriam ser banidos ou ela o seria.

Dessa forma, aumentaram as diferenças contra Choiseul.

O duque, tão sagaz, entrincheirava-se em sua nobreza e se recusava a acreditar que uma filie de ríen pudesse ser sempre importante à coroa da França. Madame de Pompadour era no mínimo bourgeoise; era uma mulher instruída, se comparada aos membros da corte; por isso, ele se dera conta rapidamente de que era mais inteligente ficar do lado dela do que contra ela; mas se recusava a julgar que madame du Barry fosse digna de sua atenção.

Choiseul estava agora sendo acusado do insucesso da Guerra dos Sete Anos - muito injustamente, pois a guerra havia sido uma desgraça antes que ele subisse ao poder. Lembravam que ele gastara trinta milhões de libras ao esforçar-se em estabelecer uma colónia na Guiana, para o que haviam sido enviadas doze mil pessoas da Alsácia e Lorena. Quase todos esses possíveis colonos haviam morrido.

- Por que um homem como esse Choiseul deve ser considerado ótimo estadista, importante para a França? - perguntavam-se os Barriens. - Leiam seu relatório.

Era verdade que ele anexara a Córsega, mas, para fazer isso, utilizara-se de enorme quantia do dinheiro público, que deveria vir de pessoas paupérrimas. Esqueciam-se também de que ele fortalecera o Exército e a Marinha.

Enquanto madame du Barry tornava-se mais importante para o rei, o infortúnio de Choiseul tornava-se mais certo.

Nesse meio tempo, Aiguillon se envolvera com os magistrados de Rennes, ao prender La Chalotais, o ministro da Justiça que trabalhara contra os jesuítas e fora desdenhado pela forma débil com que conduzira os negócios bretões.

Era sinal dos tempos. Todas as províncias francesas haviam começado agora a perguntar o que acontecia à liberdade do povo; e, quando o duque d'Aiguillon procurou forçar obediência ao Paremenf bretão, o Parlement de Paris rebelou-se em apoio à sua contraparte bretã.

Luís via-se induzido a um conflito com seus parlements.

Foi quando La Chalotais escreveu ao rei uma carta de protesto contra Aiguillon, contando que este mandara prender Chalotais. O Parementinstaurou então um contra-ataque contra Aiguillon, acusando-o de malversar o dinheiro público; e, com essa carga contra ele, e o Parlement recusando-se a processar La Chalotais, Aiguillon chegou a Paris para ali reclamar.

Luís presidiu ao seu julgamento. Para isso, os membros de Parementvieram a Versalhes.

O rei, entretanto, estava impaciente por livrar-se da restrição que o Parlement impusera à monarquia, e, depois de duas sessões, ele destruiu os documentos que complicavam Aiguillon e declarou que o duque estava imune a acusações posteriores.

O Parlement deixou Versalhes e, em Paris, fez uma declaração de que, apesar do rei, Aiguillon deveria ser "privado de seus direitos e privilégios como par do reino até que fosse inocentado das suspeitas que lhe manchavam a honra".

Isso foi um insulto direto a Luís, um lembrete de que o Parlement era agora mais poderoso do que a monarquia. Nada poderia ser mais possível de inflamar a ira daquele que sempre acreditara no direito divino dos reis.

Como Choiseul devia ficar do lado do Parlement, os Barriens viram um meio de livrar-se do ministro e seus amigos, e eles próprios tomarem conta do poder.

O chanceler Maupéou colocou-se do lado do rei, apesar de ter sido Choiseul quem lhe dera o posto; mas acreditava ele que, apenas com a demissão de Choiseul, conseguiria alcançar o poder que desejava. Por isso, embora até esse momento aparentasse lealdade a Choiseul, agora que era evidente estar Choiseul em declínio, não sentia necessidade de fazer isso.

Maupéou ligara-se aos Barriens, e o grupo discutia sua política, que receberia o apoio do rei através de madame du Barry.

Nas ruas de Paris, a luta entre o rei e o Parlement aumentava. Havia mudança no ar. Agora, odiado por tanto tempo, que poucos se lembravam daqueles dias em que Luís fora conhecido como Lê BienAimé, o Bem-Amado.

Os compositores de canções e os versejadores estavam atarefados. Havia uma nova oração que era ironicamente falada em voz alta nos cafés:

- Pai nosso que estais em Versalhes, santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dai hoje. Perdoai os vossos Parlamentos, que perdoaram vossos interesses, assim como perdoastes vossos ministros que os venderam. Não nos deixeis cair em tentação pela du Barry, mas livrai-nos do chanceler diabólico. Amém.

Toda Paris estava ansiosa por ver a carruagem suntuosa com que o duque d'Aiguillon presenteara madame du Barry, talvez reconhecendo o apoio do rei em seu recente julgamento.

As armas de du Barry estavam no centro de quatro painéis dourados, com dois pombos, que representavam o rei e sua amante, pintados a aninhar-se em um leito de rosas.

Todos concordavam que nunca poderia haver uma carruagem luxuosa; comparada às da delfina, pareciam vulgares.

Descobriu-se que o custo do magnífico veículo estava em torno de 52 mil livres.

- Cinquenta e duas mil livres numa carruagem - gritava o povo. - Quando não conseguimos pagar dois sous por um pão!

Choiseul não conseguia ver claramente a desgraça avultando e acreditava que somente a guerra poderia salvá-lo da demissão, porque então ele seria indispensável ao país.

Principiou negociações secretas com a Espanha, na esperança de esse país instigar a Inglaterra a deflagrar uma guerra por causa de uma disputa entre os dois países, sobre as ilhas Falklands. Mas, com o exemplo recente do quanto uma guerra seria calamitosa, os espanhóis não estavam dispostos a precipitar-se em hostilidades apenas para salvar Choiseul, e eles vacilaram.

Choiseul ficou em um beco sem saída. Não tinha alternativa senão mostrar suas intenções, e o abade Terray, Aiguillon e Maupéou logo o acusaram de tentar instigar a guerra.

Desesperado, Choiseul lutou por seu posto. Procurou entrevistar-se com o rei, quando lhe assegurou que, se ele exilasse Maupéou e Terray, o Parlementnão iria mais dificultar-lhe em nada. Por outro lado, o chanceler, o abade e Aiguillon afirmaram ao rei que a única forma de evitar aborrecimento era dispensar Choiseul.

Jeanne du Barry foi instruída pelos amigos a que esse era o momento a pressionar para que o inimigo fosse dispensado.

Foi o que fez. E o resultado: escreveram uma carta para Choiseul.

Mesmo assim, Luís nada fazia para entregá-la. Lembrava-se de que, durante doze anos, Choiseul fora o chefe do governo, e, durante esses anos, levando em conta o estado em que o país estivera quando Choiseul tomara posse, nada de ruim acontecera à França, conforme se esperara.

Mas os Barriens pressionavam-no e ele sentia-se aborrecido demais com a situação, ansioso apenas por uma só coisa: abandonar a política de Versalhes pela vida pacífica do Petit Trianon, com madame du Barry para entreter e servir de alcoviteira ao seu prazer.

Eram onze horas da manhã da véspera de Natal de 1770, quando o duque de Vrillière foi visitar Choiseul. Cumprimentou-o:

- Ah, bem-vindo, meu amigo.

Falou com ironia, pois sabia muito bem que Vrillière não era amigo seu.

- Trago-lhe uma carta de sua majestade - informou Vrillière. Ao pegar a carta, Choiseul sabia que a ex-vendedora de Labille derrotara o estadista sagaz. Isso não era típico dos negócios na corte de Luís XV?

Decidira não mostrar desespero a Vrillière.

Apanhou a carta e leu-a:

"Primo, a insatisfação que seus serviços provocaram me força a bani-lo para Chantaloup, para onde você vai em vinte e quatro horas. Não o mandei para lá há mais tempo, em consideração particular a madame de Choiseul, pois sinto enorme interesse pela saúde dela. Tenha cuidado para que seu comportamento não me force a mudar de ideia. Por isso, peço a Deus, primo, que tenha você em Seus sagrados cuidados.

Luís."

Chantaloup!, pensou Choiseul. Totalmente afastado do mundo reluzente de Versalhes. Era este, então, o fim de uma carreira gloriosa, iniciada sob a proteção de madame de Pompadour terminada sem a proteção de madame du Barry.

Um homem com sua inteligência deveria ter aprendido a lição: seja sempre amigo da atual amante do rei.

- Senhor duque - prosseguiu Vrillière -, lamento profundamente que eu tenha sido escolhido para semelhante dever desagradável.

Choiseul riu alto.

- Senhor duque, sei muito bem que seria dificílimo encontrar uma tarefa mais agradável para você.

Vrillière curvou-se e Choiseul percebeu um sorriso de satisfação que lhe surgiu na boca. Assim, esses que haviam sido mais inteligentes do que ele foi e resolveram unir-se aos Barriens, riam hoje.

Mandou que os criados lhe trouxessem a mulher.

Ela veio e ficou de pé diante dele, uma pergunta nos olhos. Tinha um rosto encantador, pensou o duque; ele não tratara bem dela. Trouxera-lhe rara fidelidade, bem como uma fortuna. E, mesmo agora, era a consideração do rei por ela que significava que ele não iria além de Chantaloup. Ela repelira as atenções do rei em consideração a um marido que nunca fingira ser-lhe fiel e que não fazia segredo de amar a irmã mais do que a mulher.

- O que há de errado, Étienne? - perguntou-lhe então. Você parece arruinado.

- Estou arruinado.

Ela tirou-lhe a carta da mão e leu-a.

- Então? - perguntou ele.

- Há lugares no mundo tão bonitos como Versalhes - respondeu-lhe ela. - Acho que Chantaloup seja um deles.

- Nenhuma reprovação? - quis ele saber. - Vamos viver como exilados, e poderia ser diferente. Se tivesse feito amizade com essa criatura vulgar... se tivesse sorrido para ela e a adulado... A mulher abanou a cabeça.

- Para nós, ela não tem mais qualquer importância, Étienne!

Não tem? - riu ele, subitamente. - Não vou esquecê-la.

Vou lembrar-me dela... em Chantaloup.

Não consegue viver a sua vida e deixá-la viver a dela?

Ele segurou-a nos ombros.

- Você é bondosa demais, minha cara. Homens como eu só vivem quando lutam. A batalha não acabou.

Ele a soltou e se afastou dela, porque a duquesa de Gramont chegara ao aposento.

- Posso entrar? - perguntou ela. Ele estendeu-lhe a carta.

Ela leu-a, atirou-a ao chão e pisoteou-a.

- Aquela mulher vulgar fez isso?

- Fez, e conosco; mas a batalha não está perdida. Vamos nos retirar para Chantaloup e, de lá, travar guerra contra ela.

- Lembre-se, Luís passou dos sessenta. Pense na vida que levou. A delfina é minha amiga, e ela vai mandar em nosso delfim jovial mas apático. Oh não, a batalha ainda não está perdida. Venha, vamos jantar. Imagino que quem ficar na corte... um pouco mais de tempo... vai sentir o bom sabor do exílio.

Choiseul, a mulher e a irmã partiram de Versalhes para Chantaloup.

Atravessaram a capital, seguidos por numerosas carruagens com os criados e pertences.

Os cidadãos olhavam-nos.

- Lá se vai um excelente homem - diziam. - Foi demitido porque madame du Barry quer que ele se vá.

Choiseul conhecia-lhes os pensamentos e lhes sorria, afável. Tinha certeza de que a sua volta não iria demorar muito.

Para Chantaloup, pensava ele; lá, manteremos uma corte, tão luxuosa quanto a de Versalhes, e talvez mais resplandecente; lá, serão bem-vindos os filósofos e os mais ilustres escritores; lá, vão se escrever canções e sátiras; e um dia, não muito distante, madame du Barry é quem vai sair desacreditada de Versalhes, enquanto os Choiseul, no auge da glória, vão voltar.

Com a demissão de Choiseul, o Parlement perdera seu mais forte defensor.

Maupéou fazia o máximo que podia para convencer o rei de que o poder do Parlement deveria ser reprimido e um novo sistema posto em ação.

Entretanto Luís, finalmente convencido sobre a demissão de Choiseul, estava indeciso.

Madame du Barry foi chamada a ajudá-lo a tomar a decisão, e conseguiu isso ao colocar em seu apartamento um enorme retrato de Carlos I, pintado por Vandyke. Desculpava-se por fazer isso ao explicar que os Barrys eram aparentados de uma família irlandesa, os condes de Barrymore, vagamente ligados aos Stuarts. Consequentemente, afirmava Jeanne du Barry, o cavaleiro no quadro era parente seu.

Mas a razão real para o quadro ser pendurado era que ele poderia lembrar a toda hora a Luís o que acontecera a um rei, em conflito com seu parlamento.

Como a situação piorasse e os Barriens houvessem resolvido que se deveria fazer alguma coisa e rápido, pediram a Jeanne que, verbalmente, lembrasse ao rei o que acontecera a Carlos I.

Foi o que fez, ao colocar os braços ao redor de Luís e ao explicar:

- Esse quadro se tornou para mim um aviso. Oh, Luís, dissolva seu Parlement Foi um parlement, lembre-se, que cortou fora a cabeça desse homem.

Luís virou-se para olhar o trágico rei retratado na tela.

Lembrou-se dos olhares fixos do povo, os murmúrios malhumorados, a situação difícil do país.

Deu uma ordem, e, a partir dessa noite fria de janeiro, seus mosqueteiros visitavam os lares de todos os magistrados para entregar lettres de cachetque deveriam aceitar, ou concordar com um novo conjunto de regras a ser confirmado pelo rei.

Recusavam-se a obedecer e aceitavam as lettres de cachet, e formou-se um novo governo formado pelo Triunvirato de Aiguillon como ministro dos Negócios Estrangeiros, Maupéou como chanceler e Terray, como tesoureiro-geral.

Luís falou aos seus membros na inauguração, dizendo:

Ordeno-lhes que cumpram seus deveres. Proíbo qualquer

deliberação contrária aos meus desejos e quaisquer representações em favor de meu antigo Parlement, pois não vou mudar.

As nuvens da revolução haviam começado a tomar forma definitiva por toda a terra da França.

 

O rei e sua amante desistiram do prazer, mas Luís sentia que a velhice se aproximava. Havia vezes em que o ennui, o desgosto, não o largava e não conseguia livrar-se dele; vivia pensando na morte, porque tantas pessoas com quem partilhara a vida haviam morrido. Se soubesse da morte de alguém, pedia para saber os pormenores da doença e como havia falecido; muitas vezes parava um cortège fúnebre de estranhos para perguntar por tais pormenores. Então, perdia-se nesses maus pensamentos e achava-os ainda mais depressivos.

A vida só teria sido intolerável para madame du Barry, que estava constantemente do seu lado, animada e alegre, cheia de vitalidade, sempre parecendo saber exatamente o que precisava para dissipar a melancolia dele. Por isso, Luís contava com Jeanne, e sentia-se desassossegado se ela não estivesse por perto.

Quando conferiram honras a Jeanne, Luís ficou contente, e quando Gustavo, o príncipe coroado da Suécia, visitou a corte francesa e tratou madame du Barry como se fosse a rainha da França, dando-lhe como presente de despedida uma coleira para seu cão, que era cravejada de diamantes e continha uma corrente de noventa centímetros toda feita de rubis, ele se sentiu mais feliz do que ela.

Gostava de ver o animal usando a coleira e a corrente, e madame du Barry e o cão eram muitas vezes vistos caminhando com o rei nos jardins, o cão um personagem quase tão cintilante como ela própria.

Ambos adoravam seus animais; Luís, que desde a infância sempre gostara de gatos, ficou certa ocasião mais irado do que seus cortesãos já o tinham visto, ao descobrir que alguns deles embriagavam com vinho o seu gato e se divertiam com as cambalhotas do animal.

Este amor partilhado pelos animais, pela botânica e pela arte culinária era agradável para ambos. Para ele, Jeanne era a pessoa mais agradável da corte.

Mas os amigos haviam prevenido madame du Barry de que madame de Pompadour conservara seu lugar ao encontrar meninas que agradassem ao rei. Jeanne sempre soubera que seria uma tola se ignorasse o exemplo da vitoriosa antecessora; assim, de quando em quando, procurava uma menina bonita e a presenteava a Luís.

Quanto a Luís, não estava muito interessado, mas desde que a sua querida madame du Barry tomara tais cuidados com seu prazer, violara a etiqueta para explicar que sentia a idade e achava correto que sua parceira certa fosse ao encontro de suas carências.

Assim, de vez em quando, maliciosamente, madame du Barry deixava-o sozinho com alguma amiguinha sua - sempre se certificando de que a companhia da noite tinha mais beleza do que miolos.

Maria Antonieta e o delfim eram tão aborrecidos para madame du Barry como o pai do delfim e Marie-Josèphe haviam sido para madame de Pompadour. A volúvel e jovem delfina havia recusado falar com madame du Barry nas recepções, criando portanto um contietemps embaraçoso: se a delfina não lhe dirigia a palavra, madame du Barry não deveria, por exigência da Etiquette, fazerlhe quaisquer comentários.

A delfina fora muito teimosa, e só os avisos severos da mãe, a imperatriz, obrigavam a jovem frívola a concordar com os desejos do rei, pois as relações forçadas com a França eram iminentes nesse tempo, quando se pensava em dividir a Polónia. Em consequência, ela comentou "IIy a bien du monde aujourd'hui à Versailles", e essa frase em pouco tempo era citada com várias entonações por toda a corte - esse comentário sem sentido que tinha de ser declarado para evitar as relações tensas entre dois países!

O delfim foi um desapontamento para seu avô - um menino grande, embaraçoso, sem qualquer encanto pela corte, que passava a maior parte do tempo fazendo cachinhos ou com os trabalhadores empenhados nas operações de construção, mais do que nas obrigações cortesãs. Mal falava uma palavra e tinha um hábito aflitivo - grunhir quando falava com alguém - e escapava da sociedade educada assim que possível.

Luís preferia mais a delfina, embora seu comportamento para com madame du Barry o irritasse.

Suas filhas, tendo à frente Adelaide, fizeram muito para aumentar a dificuldade entre a delfina e madame du Barry; Louise-Marie, a mais jovem, realizara agora um desejo ardente, há muito ansiado, e fora para Saint-Denis tornar-se carmelita. Mais um golpe. Mais uma filha longe, em um lugar onde ela era incapaz de importunar a família e lembrar ao pai que ele não cumprira com seus deveres em relação às filhas!

Um dia, quando o rei jogava cartas nos aposentos de madame du Barry, Chauvelin, um dos mais conhecidos devassos da corte, que estava de pé, perto da cadeira de madame du Barry, aconselhando-a, caiu de súbito para a frente.

- O que há de errado com Chauvelin? - perguntou o rei, esganiçado.

Vários homens o examinaram.

- Chauvelin morreu, sire - foi a resposta.

Luís levantou-se e olhou seu velho amigo. Então, abruptamente, saiu do apartamento.

Madame du Barry seguiu-o e, quando sozinhos, ele dirigiu-se a ela, os olhos arregalados de horror.

- Você conhece a vida que levou - informou ele. - E caiu morto sem avisar!

Ficou muito abalado e pediu para ficar sozinho.

Nesses momentos, era necessário criar alguma diversão que tirasse o rei da depressão em que estava.

Infelizmente, não era fácil, porque, pouco antes da morte de Chauvelin, o abade de La Ville veio agradecer ao rei um posto no Ministério das Relações Exteriores, e, ao entrar, teve um ataque apoplético em presença de Luís, do qual não se recuperou. O marechal d'Armentières teve um colapso durante um lever, um despertar, e morreu; e, enquanto o rei pensava nisso, trouxeram-lhe a notícia de que Sorba, o embaixador de Génova, morrera sem avisar.

Luís, com medo da vida que acreditava haver após a Terra, e sabendo que, antes que pudesse arrepender-se, deveria abandonar madame du Barry, caiu na mais profunda melancolia. Abandonar a única pessoa que conseguiria trazer-lhe algum bem-estar! Ele não podia fazer uma coisa destas.

E um dia, enquanto caçava na floresta de Compiègne, houve uma tempestade, e um raio atingiu uma árvore muito próxima ao rei; Luís acreditou que fora advertido.

Algo se deveria fazer, resolveu madame du Barry. Ela tomaria providências para que fossem para o Petit Trianon. Quando estivessem lá, juntos, ele esqueceria os temores que sentia da morte.

No Petit Trianon, Jeanne du Barry aguardava que o rei voltasse da caçada.

Sentiu uma pequena agitação, estranha para uma pessoa com seu bom humor. A expressão do rosto do rei alarmou-a, quando ele saiu para a caçada naquela manhã.

Ela quisera falar-lhe para não ir, mas percebera que o poder que tinha sobre o rei devia-se em parte a ela não interferir em coisa alguma. Era abril, uma época de bom tempo e aguaceiros. A região rural estava linda e com certeza o Petit Trianon era o lugar mais adorável para estar nessa época do ano.

O que a preocupava? Era tolice. Alertara-a pequeno comentário no Almanach de Liège.

"Em abril, uma grande dama, favorita da fortuna, será chamada a desempenhar suas últimas atribuições."

Jeanne não gostara disso. Bem sabia ter muitos inimigos que poderiam ter inserido isso, sabendo que lhe causaria mais apreensão que quaisquer das canções impiedosas que cantavam sobre ela.

O rei mostrava a idade que tinha; a delfina também não gostava de Jeanne e governaria a França depois que o rei morresse; disso não se tinha dúvida.

- Ora! - replicou madame du Barry. - O que há de errado comigo? Devo lastimar-me porque o rei parecia menos forte esta manhã, e estamos em abril?

Havia muita coisa para ser feliz. Podia uma mulher ficar ainda mais satisfeita?

Ela cuidava daqueles que amava; fizera o máximo para apaziguar os inimigos.

Choiseul, de Chantaloup, continuava a atormentar os inimigos.

- Uma praga em Choiseul! - gritou ela. - Uma praga nesses pensamentos tristonhos!

Mas Chon entrava no aposento, e o rosto dela parecia carregado.

- O rei voltou da caçada - informou ela. - Receio que esteja doente.

Jeanne não consentia que ninguém, a não ser o criado Laborde, se sentasse ao seu lado na cama, e o rei dormia e acordava, com as mãos nas dela.

- Receio que sua majestade tenha febre - sussurrou ela a Laborde. - Se de manhã não estiver melhor, vou mandar chamar Lemoine.

Lemoine, o primeiro médico em serviço permanente, chegou de manhã.

Examinou o rei e sorriu para a angustiada madame du Barry.

- Não é nada demais - informou-lhe ele. - Sua majestade tem uma ligeira febre, mas sem perigo.

Quando Lemoine os deixou, Jeanne du Barry ajoelhou-se diante da cama do rei e lhe beijou a mão. Continuou a beijar aquela mão. Luís tocou nos cabelos dourados.

- O que é? - quis ele saber.

- Tinha medo... - respondeu ela. - Muito medo. E agora Lemoine diz que não é nada a temer.

- Ah, Jeanne, como você depende de mim! - completou o rei. Ela estava mais séria do que jamais ele a vira.

- O senhor pensa que tenho medo porque seria mandada embora da corte! -Jeanne apertou os lábios e deixou escapar uma palavra grosseira. - Pouco me importa a corte! Agora, tenho riquezas. Nunca morrerei de fome. Não é a perda do meu rei que temo. Mas a perda do meu homem.

E, com isso, ela levantou-se de súbito e saiu correndo do aposento.

Luís a acompanhou com os olhos. Antes, ninguém se comportara assim com ele; mas, nesse tempo, ninguém se comportara como Jeanne.

Ele tocou as próprias faces. Havia lágrimas nelas. Eram porque ele estava tão fraco ou porque estava tão comovido?

O cirurgião La Martinière chegou na tarde daquele dia, e, ao examinar o rei, afirmou:

- Sire, o senhor não pode ficar no Petit Trianon. Temos de transferi-lo sem demora para Versalhes.

- Mas por quê? - quis saber o rei. - Tenho apenas uma ligeira febre.

La Martinière, por um instante, não respondeu. Depois, informou que os tetos do Petit Trianon eram baixos demais, e que não eram apropriados; que o rei precisava do quarto de dormir de Versalhes, grande e arejado.

Luís, aborrecido, virou-se para o lado e nada falou.

Jeanne apertou o braço de La Martinière.

- Mas por quê? - perguntou ela. - Por que levá-lo daqui? Não está seriamente doente. Posso cuidar dele. Eu e Laborde. Não será bom para ele mudar-se daqui.

- Madame, sou o médico - lembrou-lhe La Martinière.

- Mas só saber que tem de se mudar para Versalhes vai perturbá-lo. Não vê isso? Vai fazê-lo pensar que está muito doente.

- Madame, o rei está muito doente.

- Tolice! MonsjeurLemoine diz...

- Eu digo que o rei está doente e que deve ir para Versalhes.

- E se eu não concordar...?

La Martinière sorriu e respondeu, calmo:

- Repito, madame, eu sou o médico do rei.

Um criado entrou para anunciar que a carruagem já estava na porta.

- Muito bem-aprovou La Martinière. - Sua majestade deve ir com uma capa pesada por cima do peignoir. Já mandei ordens para o château para que lhe preparem o leito.

Saiu do aposento, passando por Jeanne como se não estivesse ali. Jeanne se voltou para Chon, que estivera no aposento e ouvira a conversa entre a amante do rei e o médico.

- Você... você ouviu o que ele ameaçou?

Chon respondeu que sim com a cabeça. Era significativo. Indicava dois fatos. O rei estava doente - doente o bastante para que se temesse a morte; e Jeanne já perdera a importância que ontem fora sua.

Aumentou a tensão no Château. Enviaram-se notícias a Choiseul em Chantaloup - notícias de esperança. Os Barriens estavam alarmados, porque sabiam que eles cairiam automaticamente com o rei.

As notícias se espalharam pelo palácio. O rei fora sangrado uma vez... duas... e falava-se em uma terceira.

Agora, não poderia demorar muito para que madame du Barry fosse banida, pois o rei devia fazer as pazes com Deus, e os sacerdotes não permitiriam isso enquanto a amante estivesse com ele.

De toda a França, médicos chegavam a Versalhes, e agora havia quatorze deles na cabeceira do rei. Os que estavam ansiosos por notícias abordavam-nos de surpresa, enquanto entravam e saíam dos apartamentos.

E, depois, quando La Martinière se curvava perto do rei, percebeu uma erupção e reconheceu o que era.

Nada falou ao rei, mas fez sinal aos médicos presentes. Foram um por um examinar o rei; nada falaram, mas os olhares trocados eram significativos.

La Martinière levou-os para longe da cama e avisou:

- Penso que a família deva ser informada de que o rei está com varíola.

O delfim recebeu a notícia, sério. Não demonstrou estar apreensivo.

Sua esposa, animada, o contemplava, irritada. Pensar-se-ia que um jovem da idade de Luís queria ser rei. Com que espécie de homem ela se casara? Ele era gaúche, acanhado, preferindo a companhia do serralheiro à feminina. Era impotente, portanto que possibilidade havia de proporcionar um herdeiro ao trono?

Ao refletir sobre o futuro, até mesmo a frívola delfina se sentia fraca e apreensiva.

Maria Antonieta mandou embora seus servidores, porque temia que eles pudessem sentir esse temor que ela e o marido demonstravam. Eles não podiam saber que ele existia; ela resolvera isso.

Foi até o marido e lhe pôs a mão no ombro.

- Terá de fazer o máximo quando ela vier - avisou ela.

Ele grunhiu, mas a delfina conhecia-o bem bastante agora para compreender a emoção por detrás do grunhido.

- Seremos nós dois - assentiu ela, com um sorriso a iluminar-lhe o rosto.

Ele levantou-se abruptamente e, passando rente a ela, foi à janela.

- Somos jovens demais para ser rei e rainha da França - começou ele. - Temos muita coisa a aprender.

A delfina contemplava-o de pé, à janela, olhando à frente a avenida que ia até a soturna cidade de Paris.

Adelaide tocou a sineta chamando Victoire, e Victoire tocou a sineta chamando Sophie.

Quando as duas irmãs mais jovens estavam diante dela, Adelaide comunicou:

- Tenho notícias para vocês. Nosso pai sofre de varíola.

Victoire abriu a boca, e Sophie, atenta a ela, fez o mesmo. Olharam fixamente nos olhos de Adelaide, pois sabiam que ela lhes diria o que fazerem.

- Vamos cuidar dele - acrescentou ela.

Victoire, então, começou a tremer, porque tinha medo de varíola. Sophie, olhando de uma irmã para outra, não tinha certeza do que fazer.

- Há perigo, mas vamos enfrentá-lo - bradou Adelaide. Vamos cuidar dele como a mulher de nosso irmão cuidou do delfim, quando com varíola.

- Nosso irmão, ao recuperar a saúde, era mais jovem do que é nosso pai - esclareceu Victoire.

- Vou cuidar dele. Mais uma vez, eu farei com que ele se fortaleça bem - acrescentou Adelaide, aproximando-se ainda mais das irmãs. - Não vamos ficar na sala enquanto aquela putain estiver lá. Se ela entrar, vamos sair sem falar nada. Vocês me entendem?

Não há lugar no quarto de dormir do rei para aquela mulher vulgar e as princesas da França.

Houve no château um encontro rápido de sacerdotes.

O que se deveria fazer agora? O rei contraíra varíola. Varíola aos 64 anos! Leve-se em conta a vida que tivera. Quais eram as suas possibilidades de sobreviver?

- Devem dar a extrema-unção. O rei deve confessar-se - era uma opinião.

- Só podemos fazer isso depois que madame du Barry for mandada embora.

- Então, ela precisa ir embora.

- Esqueceu-se de que devemos à favorita a demissão de Choiseul? Choiseul acabou com os jesuítas. Choiseul foi inimigo do grupo da Igreja. Como podemos mandar embora da corte a favorita, quando ela é a inimiga de Choiseul?

- Mas o rei precisa receber a extrema-unção... Todos estavam perplexos.

Podiam apenas esperar. Tudo dependia do rei doente. Se ele se recuperasse, os que haviam mandado madame du Barry embora ficariam muito malquistes. Deveriam lembrar-se de madame de Châteauroux, em Metz.

Assim, os homens da Igreja esperavam.

Luís mexeu-se na cama e pediu que chamassem madame du Barry.

- Deixem-na vir a mim sem demora.

O recado foi-lhe levado pelo próprio La Martinière.

- Sabe, madame, a doença que ele tem? - perguntou ele. Ela respondeu que sim com a cabeça.

- Você corre grande perigo ao ter contato com ele. Sabe disso?

- Claro que sei - replicou ela.

- Podemos dizer a sua majestade que você está adoentada, que sentiu necessidade de ir descansar no Petit Trianon.

Madame du Barry virou-se e encarou-o, as mãos nos quadris, todo o verniz da corte de súbito jogado fora.

- Pelo que me toma? - ela quis saber. - Ele não deveria saber, não deveria mesmo, todo o mal que tem? Não deveriam lhe contar. Não pode nem imaginar. Quando souber, vai morrer. Não o conheço melhor do que qualquer um de vocês? Muitas vezes pensou em doença e morte - muitas vezes. Sempre foi meu dever dar um fim a esses pensamentos. Se ele souber que tem varíola, será o fim dele. Creia em mim.

- Então, madame, o que sugere fazer? - quis saber La Martinière.

Jeanne du Barry ficou de pé. Jamais parecera tão bela, jamais mostrara mais claramente que viera das ruas de Paris.

- Vou lhe dizer o que farei. Vou entrar lá... e ficarei com ele. Vou cuidar dele. E... e eu sozinha. Porque, monsieur, é o que ele quer. Ele espera por isso. E, se não se fizer assim, vai começar a desconfiar do motivo.

Com isso, saiu do aposento, majestosa.

E quando La Martinière voltou ao aposento do rei, encontrou madame du Barry sentada à cabeceira do doente. O rei tinha a mão nas suas; ela ria, contava-lhe alguma piada, e o rosto estava de encontro ao seu.

Havia momentos em que ela era forçada a descansar, e quando anunciava que iria retirar-se, as três princesas, informadas por seus espiões, entravam no aposento como três fantasmas vestidos de branco. Nada retrucavam ao passar por madame du Barry; na verdade, olhavam-na, embora não a vissem.

Madame lembrava-se delas - sem se preocupar com a segurança das três, enquanto cuidavam do pai.

Lembrava-se de que ouvira falar da ferocidade de madame Adelaide, e se sentia terna com relação a ela, agora, enquanto ela e todas as irmãs obedientes se desincumbiam dos serviços domésticos no quarto do doente.

Luís divertia-se. Parecia esperar ansioso pelos momentos em que madame du Barry assumisse os encargos do quarto do doente e Loque, Coche e Graille, em fila, saíssem do cómodo.

Algum dia, um homem teve três filhas como essas?, perguntava-se ele. Agora, tinha certeza de que elas eram três tolinhas.

Mas, no oitavo dia, ele olhou as mãos e nelas viu as marcas.

Olhou-as em luz mais forte e chamou os médicos.

- Vejam - afirmou ele.

Os médicos fizeram que sim com a cabeça, tristes.

- Não é surpresa para vocês, vejo - começou o rei. - No entanto, vocês me diziam que eu não estava doente e que iriam curar-me. Mesmo sabendo que sofro de varíola!

Os médicos ficaram em silêncio, e Luís continuou a olhar as mãos, desesperado.

Desde o momento em que não havia mais necessidade de manter secreto esse assunto, as notícias se espalharam pelo château; espalharam-se de Versalhes a Paris, e por toda a França.

O rei tem varíola. Tem 64 anos. Deve-se levar em conta a vida que levou. Chegou ao fim.

E, no château, muitos se apressaram a demonstrar ao delfim e à delfina a sua lealdade.

Assim, chegou a hora, pensava Luís. Sou mais feliz que alguns. Tenho tempo para arrepender-me.

Mandou que lhe trouxessem à presença o arcebispo de Paris e, quando o homem chegou, avisou:

- Tenho uma longa viagem diante de mim e preciso estar preparado.

O arcebispo começou:

- Sire, o senhor precisa fazer as pazes com Deus; mas, antes de confessar os seus pecados, devo lembrar-lhe que há uma pessoa, com quem o senhor partilhou de muita coisa, cuja presença na corte é um desrespeito a Deus.

- Refere-se àquela que me deu o maior bem-estar.

- Refiro-me, sire, à mulher que lhe estorva o caminho para a salvação.

- Quem está à porta? - perguntou Luís.

- É madame du Barry, Sire.

O rei viu-a precipitar-se para a cabeceira. Havia uma tristeza infinita no seu rosto; ele nunca a vira tão sofrida e pálida.

- Você não deve chegar muito perto - informou ele. - É varíola.

Ela concordou com a cabeça.

- Você sabia?-quis ele saber.-Tratou-me todos estes dias... e sabia?

- Eu não queria que você soubesse. Estou muito irada com aqueles que lhe contaram.

- Quem me contou foi minha própria observação - respondeu ele. - Vê, ela se espalhou até minhas mãos. Minha querida, este é o nosso último encontro.

- Não - atalhou ela.

- Você deve ir embora da corte - insistiu ele. - Aqui, agora, não há mais lugar para você.

- Enquanto estiver aqui, meu lugar é aqui.

- Vou partir daqui a pouco.

- Que mentiroso! - declarou ela, quase a sorrir. Ele sorriu-lhe.

- Caríssima, vá embora agora - implorou ele. - Vá embora da corte. Não deve ficar perto de mim. Acredito que a sua ótima saúde a tenha salvado. Tem uma vida longa a sua frente. E estou quase indo embora. Preciso fazer as pazes com Deus. Tenho muitos pecados pelos quais sou responsável.

Ela não respondeu. Ele precisa receber a extrema-unção. Precisa confessar-se e ser perdoado. Ela sabia que a morte dera a ela o congé, a permissão, por que Choiseul se esforçara e não conseguira obter.

Madame du Barry abanou a cabeça, e as lágrimas, escorrendo dos belos olhos azuis, desciam-lhe pelo rosto.

- Se eu me recuperar, a primeira coisa que farei é mandar chamá-la de volta - determinou ele.

Madame du Barry pôs os dedos nos lábios, em um esforço de alegria. Não deixe que ninguém ouça você dizer isso, avisou-lhe ela; eles nunca vão admitir a sua absolvição... se admitirem.

Ela, porém, nunca mais voltaria. Sabia o que estava acontecendo. O rei morria.

Luís aconselhou-lhe mais uma vez:

- Vá agora, minha querida, e peça ao duque d'Aiguillon para vir até aqui. Ele e a duquesa são seus amigos. Quero que você vá para o château deles, em Rueil. Lá, vai ficar protegida. Precisa estar protegida.

- Adeus, meu rei - disse ela, a soluçar. Então, Jeanne du Barry virou-se e foi embora dali.

Chegou o fim, pensou ele.

E seus pensamentos fizeram um retrospecto de sua vida. Pensou em outro homem velho que, em seu leito de morte, apertara em seus braços um menino de cinco anos e lhe dissera que, em breve, ele seria o rei. Esse velho era Luís XIV, e ele próprio fora o menino de cinco anos.

Durante 59 anos, ele fora o rei da França. E o que fizera nesses anos? O que deixava para trás?

Agora que morria, os acontecimentos tinham um significado maior. Seria porque agora ele se forçava a olhá-los, enquanto, antes, sempre os ignorara?

Vividamente, ele se lembrava da época de tumultos em Paris, quando o povo afirmava que ele lhe roubava os filhos para que ele - ou suas favoritas - pudessem banhar-se no sangue deles. Como ele odiara o povo de Paris nessa ocasião! Isso fora quando ele construíra o caminho que ia de Versalhes a Compiègne, para que evitasse visitar a capital a não ser em ocasiões de cerimónia.

O caminho para Compiègne! Nunca deveria ter sido feito. Ele, Luís, deveria ter voltado a Paris... muitas e muitas vezes. Deveria ter conquistado o povo de Paris, não o ódio dele. Conquistou-o? Houve um tempo em que o chamavam Bem-Amado, quando o fora mesmo. Deveria ter atendido aos seus assuntos. Em vez de châteaux requintados, em vez de fêtes extravagantes, em vez de locais como o Pare aux Cerfs, deveria ter havido pão para o povo, extinção de impostos injustos - seria um país feliz.

Ele viu sua vida desenrolar-se por detrás dele como uma estrada que tivesse percorrido... o longo e desastroso caminho para Compiègne.

E qual o legado que deixara para seu neto? Pobre, embaralhado, gaúche Luís XVI! Como ele podia suportar o tumulto que o avô, tão preocupado com seus prazeres, fora egoísta demais para prepará-lo?

Ele vira aborrecimento pela frente. Sentira cheiro de fumaça de uma fogueira distante. Houve ocasiões em que ela parecia muito próxima.

Mas ele sempre se confortara.

Havia confusão se formando, pensara ele. Ainda haveria de vir. As pessoas estão mudando. Não acreditam mais no direito divino dos reis. Os filósofos, esses escritores - fazem chegar novas ideias ao povo.

Haverá confusão algum dia. Oh, mas não no meu tempo. Après mói lê déluge.

Ele queria voltar atrás. Queria viver novamente a sua vida. Queria pedir perdão a muitas pessoas, mas, bastante estranho, principalmente ao neto.

Havia lágrimas em seus olhos. Precisava de riso, de alegria. Queria afastar os pensamentos de melancolia.

Pediu que um pajem fosse ao leito.

- Mande buscar madame du Barry - ordenou ele.

- Sire, ela foi embora de Versalhes - replicou ele.

- Cedo demais - sussurrou ele e fechou os olhos.

No Cour de Marbre, os tambores tocaram quando carregaram o viático da capela para o quarto de dormir do rei. Com ele vieram o delfim e a delfina e outros membros da família real; mas apenas as princesas Adelaide, Victoire e Sophie acompanharam os sacerdotes à câmara mortuária.

Os que esperavam ouviram as badaladas tristes do Grande Esmoler e as fracas respostas do rei.

- Sua Majestade pede perdão a Deus por seus pecados e pelo exemplo escandaloso que deu ao povo. Se for dispensado, jura que passará o tempo penitentemente melhorando o quinhão do povo.

O rei ajeitou-se nos travesseiros, muito aliviado. Essa sorte, que ele sempre temera, não fora sua. Ia morrer - mas seus pecados haviam sido esquecidos.

Do lado de fora do château, a multidão esperava. Em Paris, havia quase um ar alegre. Os cidadãos já começavam a falar do novo rei, jovem e, ouviam dizer, não se interessava por mulher. Era também sossegado e cordial.

O velho deveria ter morrido há mais tempo, para o novo ser o nosso rei.

Já tinham um novo para ele, Luís o Desejado.

Tudo, diziam eles, seria diferente quando ele subisse ao trono.

Havia uma mulher que esperava na multidão, perto do château. Tinha um metro e oitenta centímetros e era muito bonita. Era mulher de um oficial chamado de Cavanac, mas, antes do casamento, fora conhecida como mademoiselle de Romans.

Durante anos, procurara pelo filho que lhe fora tirado; acreditava agora que o encontraria, pois quando o rei morresse não havia ninguém para preocupar-se se esse menino tinha notável semelhança com o pai.

Madame de Cavanac acreditava que Luís XVI, que diziam ser muito cordial, iria ajudá-la a achar o filho perdido.

Ela, portanto, estava na multidão, nervosa, à espera. Ela amara o moribundo; mas desejava a volta do filho perdido.

O duque de Bouillon se postou de pé na entrada do quarto de dormir.

- Messieurs, o rei morreu.

Houve um breve silêncio; e, depois, terminou o silêncio.

Começara a debandada.

As mulheres e os homens da corte estavam todos ávidos por mostrar como rapidamente se juntavam aos novos rei e rainha. Pelos salões nobres, pelas antecâmaras, todos correram para cair aos pés de Luís XVI e Maria Antonieta.

 

 

                                                                                                    Jean Plaidy

 

 

 

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