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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A INDOMAVEL SOFIA / Georgette Heyer
A INDOMAVEL SOFIA / Georgette Heyer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

AO RECONHECER num relance o único irmão sobrevivente da patroa, como depois informou aos seus subordinados mais carentes de percepção, o mordomo concedeu a Sir Horace uma ligeira reverência e encarregou-se de dizer que a senhora, embora não estivesse em casa para pessoas menos intimamente relacionadas, Ficaria feliz de vê-lo. Insensível a essa condescendência, Sir Horace entregou a capa de viagem para um lacaio, o chapéu e a bengala para outro, jogou as luvas sobre uma mesa com tampo de mármore e disse que não tinha dúvidas a esse respeito — e Dassett, como estava passando? O mordomo, grato por ele lembrar-se do seu nome ao mesmo tempo em que reprovava as atitudes livres e descontraídas de Sir Horace, afirmou que estava bem, como era cie esperar, e satisfeito (caso se aventurasse a dizer isso) em ver que Sir Horace não parecia um só dia mais velho que da última vez que tivera o prazer de anunciá-lo à patroa. Em seguida, foi o primeiro a dirigir-se, de maneira muito pomposa, à imponente escadaria até o Salão Azul, onde Lady Ombcrsley cochilava suavemente num sofá ao lado da lareira, com um xale Paisley sobre os pés e a touca decididamente torta. Ao observar esses detalhes, o Sr. Dassett tossiu e anunciou num tom de voz imperioso:

— Sir Horace Stanton-Lacy, minha senhora!

Sobressaltada, Lady Ombersley despertou, manteve os olhos arregalados por um momento, sem entender, fez uma tentativa inútil de ajeitar a touca e emitiu um débil guincho:

— Horace!

— Alo, Lizzie, como vai? — indagou Sir Horace, atravessando o aposento e dando um tapinha animador no ombro da irmã.

— Santo Deus, que susto você me deu! — exclamou ela, destampando o frasco de sais que nunca ficava longe do seu alcance.

Depois de observar com certa tolerância esses arrebatamentos, o mordomo fechou a porta, deixando irmão e irmã juntos, e afastou-se para informar aos seus subordinados que Sir Horace era um cavalheiro que vivia muito no estrangeiro, encarregado, ao que sabia, pelo Governo de assuntos diplomáticos delicados demais para a compreensão deles.

 

 

 


 

 

 


Nesse meio-tempo, o diplomata, de pé, dando as costas para o fogo, servia-se de uma dose de rapé e dizia à irmã que ela estava engordando.

— Já não somos mais jovens — acrescentou de modo simpático. — Exceto você, Lizzie, que aparenta uns cinco anos menos, a não ser que minha memória esteja falhando, o que não creio.

Havia um grande espelho com moldura dourada na parede oposta à lareira, e, enquanto falava, Sir Horace permitiu que seu olhar pousasse na própria imagem, não com intenção vaidosa, mas com louvor crítico. Seus 45 anos haviam-no tratado com generosidade. Se o seu perfil se avolumara um pouco, sua altura, mais de l ,80m, tornara insignificante essa ligeira corpulência. Homem de figura extraordinária, tinha, além de uma grande e bem-proporcionada constituição física, um rosto bonito, encimado por abundante cabeleira castanha, ondulada, não prejudicada, até agora, pelos vestígios prateados. Vestia-se sempre com elegância, mas era muito inteligente para adotar extravagâncias modernas que só poderiam destacar as imperfeições de um talhe de meia-idade.

— Veja o pobre Prinny! — disse Sir Horace, citando o menos íntimo dos amigos. — É um exemplo para todos nós!

Sem ressentimentos, a irmã aceitou a crítica implícita. Ela mostrava as marcas deixadas por 27 anos de matrimónio; e sua submissão a um caprichoso e pouco grato esposo de tantas promessas de afeto há muito havia destruído quaisquer pretensões de beleza que pudesse ter. De saúde medíocre, temperamento dócil, ela gostava de dizer que quando uma mulher chegava a avó, era hora de pensar em contentar-se com a aparência que tinha.

— Como vai Ombersley? — perguntou Sir Horace, mais por educação do que por interesse.

— A gota o faz sofrer um pouco, porém, levando-se em consideração tudo o mais, está muito bem — ela respondeu.

Sir Horace usou uma simples figura de linguagem, numa forma literal de valor duvidoso, dizendo, ao mesmo tempo em que assentia com a cabeça:

— Sempre bebeu demais. Contudo, deve ter quase 60 anos, e julgo que quanto à sua outra preocupação, você agora não tem tido tanta, não é verdade?

— Não, não! — ela respondeu apressadamente. Embora mortificantes no início, como muitas vezes eram, com pleno conhecimento público, jamais as infidelidades de Lord Ombersley a perturbaram em demasia. Agora, porém, ela não tinha vontade de discuti-las com o irmão, que usava de tanta franqueza ao falar, e deu à conversa uma mudança súbita, perguntando de onde ele vinha.

— Lisboa — respondeu, usufruindo de outra pitada de rapé.

Lady Ombersley ficou vagamente surpresa. Havia dois anos que a longa guerra na península ibérica terminara, e até certo ponto pensou nela quando soube que Sir Horace tinha estado em Viena, sem dúvida fazendo parte do misterioso congresso violentamente interrompido pela fuga daquele horrível Monstro de Elba.

— Oh! — ela exclamou, um pouco confusa. — É claro, você temuma casa lá! Já não me lembrava! E como vai a querida Sofia?

— Aliás — replicou Sir Horace, fechando ruidosamente a caixa derapé e guardando-a no bolso —, Sophy é o motivo que me trouxe aqui.

Há 15 anos Sir Horace era viúvo, e durante esse período não solicitara a ajuda da irmã para educar a filha, nem dera a mínima atenção aos seus conselhos espontâneos; contudo, diante dessas palavras, uma sensação inquietante foi dominando-a aos poucos. Ela perguntou:

— É mesmo, Horace? Querida Sofia! São quatro anos ou mais desde que a vi pela última vez. Quantos anos ela tem agora? Imagino que está quase na época de debutar, não é?

— Há anos que está para debutar — respondeu Horace. — Na verdade, c do que precisaria mais do que qualquer outra coisa. Ela está com 20 anos.

— Vinte anos! — exclamou Lady Ombersley. Dedicou-se a fazer alguns cálculos mentais, em seguida disse: — Isso mesmo, deve ter 20; minha Cecília acabou de fazer 19, e lembro-me de que Sofia nasceu cerca de um ano antes. Meu Deus, é isso mesmo! Pobre Marianne! Que criatura encantadora era ela, sem dúvida alguma!

Com um ligeiro esforço Sir Horace evocou a visão da finada esposa.

— Sim, era encantadora — concordou. — A gente esquece, você sabe. Sophy pouco faz lembrar a mãe — ela se parece comigo!

— Avalio que consolo deve ter sido para você — suspirou Lady Ombersley. — Estou certa, querido Horace, de que nada poderia ser mais comovente do que sua devoção para com a menina!

— Não fui nem um pouco devotado — interrompeu Sir Horace. — Não a teria conservado comigo se ela chegasse a representar um problema. Nunca me preocupou. Muito boazinha, a minha Sophy!

— Sim, meu querido, sem dúvida, mas sair arrastando a menina por toda a Espanha e Portugal, quando ela teria ficado muito melhor num bom colégio...

— Não a minha filha! Ela só aprenderia a ser dengosa — replicou Sir Horace com ironia. — Além do mais, é inútil falar comigo sobre isso agora — é tarde demais! O importante, Lizzie, é que estou em dificuldades. Gostaria que você cuidasse de Sophy enquanto eu estiver na América do Sul.

— América do Sul? — exclamou Lady Ombersley, boquiaberta.

— Brasil. Espero não ficar ausente por muito tempo, porém nãoposso levar minha Sophy e não posso deixá-la com Tilly, porque Tilly morreu. Morreu em Viena, alguns anos atrás. Algo muitíssimo inconveniente, mas acho que ela não tinha intenção de fazê-lo.

— Tilly? — indagou Lady Ombersley, inteiramente perplexa.

— Santo Deus, Elizabeth, não fique aí repetindo tudo que eu digo! Um hábito lamentável e chocante! Refiro-me à Srta. Tillingham, a governanta de Sophy!

— Deus do céu! Está me dizendo que a menina agora não tem governanta?

— É claro que não tem! Nem precisa de governanta. Sempre consegui muitas acompanhantes para ela quando estávamos em Paris, e em Lisboa isso não é importante. Mas não posso deixá-la sozinha na Inglaterra.

— Realmente, creio que não pode! Mas, meu querido Horace, embora eu fizesse qualquer coisa para agradá-lo, não tenho muita certeza...

— Tolice! — respondeu Sir Horace, animando-se. — Ela será umaótima companheira para sua filha — qual o nome dela? Cecília? Uma criaturinha adorável, sabe? — sem um pingo de maldade!

Esse elogio paternal fez a irmã pestanejar e pronunciar um débil protesto. Sir Horace não lhe deu atenção.

— Além disso, não lhe causará nenhum aborrecimento — garantiu. — Ela tem a cabeça bem assentada no lugar, a minha Sophy. Nunca precisei preocupar-me com ela.

O conhecimento íntimo do caráter do irmão tornava perfeitamente possível para Lady Ombersley acreditar nessa declaração; mas como ela mesma era favorecida com o mesmo temperamento condescendente, nenhum comentário irónico chegou a aflorar aos seus lábios.

— Mas você deve compreender, Horace...

— Há mais uma coisa: está na hora de pensarmos num marido para ela — prosseguiu Sir Horace, sentando-se numa poltrona no lado oposto ao da lareira. — Sabia que podia contar com você. Ora essa, você é tia dela! E também minha única irmã.

— Eu ficaria muito feliz em apresentá-la à sociedade — disse Lady Ombersley, pensativa. — Mas a questão é que não creio... tenho um certo medo... Veja bem, considerando a despesa realmente assustado ra com o debute de Cecília no ano passado, o casamento da querida Maria apenas um pouquinho antes disso, a ida de Hubert para Oxford, sem mencionar as taxas de Eton para o pobre Theodore...

— Se é a despesa que a amofina, Lizzie, não deve levar em consideração, pois custearei essa tolice. Você não precisará apresentá-la à Corte — cuidarei disso tudo quando voltar. E se você não quiser dar-se a esse trabalho na ocasião, posso encontrar outra senhora para fazêlo. O que eu quero no momento é que ela possa circular com os primos, conhecer o grupo certo de pessoas — você está a par desse tipo de coisa!

— É claro que estou, e quanto ao trabalho, isso é o de menos! Mas não posso deixar de sentir que talvez, talvez seja difícil! Na ver dade não temos muita vida social.

— Ora, com um bando de moças à mão, você devia ter — replicou Sir Horace bruscamente.

— Mas, Horace, eu não tenho um bando de moças à mão! — protestou Lady Ombersley. — Selina está com apenas 16 anos, e Gertrude e Amabel mal completaram 10 anos!

— Compreendo qual é a razão — respondeu Sir Horace, indulgente. — Você receia que ela possa ofuscar o brilho de Cecília. Não, minha querida, nada disso! Não nego que possa considerá-la muito bonita. Mas Cecília é de uma beleza que foge aos padrões comuns. Lembro-me de já pensar assim quando a vi no ano passado. Fiquei surpreso, pois você mesma nunca atingiu um padrão acima da média, Liz-zie, e quanto a Ombersley, sempre o achei um sujeito feioso.

A irmã aceitou a crítica com humildade, mas ficou bastante constrangida porque ele a imaginava capaz de nutrir ideias tão mesquinhas em relação à sobrinha.

— E mesmo se eu fosse detestável a esse ponto, já não há mais a menor necessidade de pensar assim — ela acrescentou. — Nada ainda foi anunciado, Horace, mas não tenho escrúpulos em lhe dizer que Cecília está prestes a contrair um matrimónio muito vantajoso.

— Isso é ótimo — replicou Sir Horace. — Você então poderá procurar um marido para Sophy. Não terá nenhuma dificuldade. Ela é uma coisinha encantadora, e qualquer dia desses receberá uma fortuna modesta, além daquela que a mãe lhe deixou. Tampouco há necessidade de temer que ela se case de um modo que nos possa ofender. É uma jovem sensata, e tem viajado o suficiente para não ser considerada uma tola inexperiente. Quem você conseguiu para a Cecília?

— Lord Charlbury pediu permissão a Ombersley para fazer a corte à nossa filha — informou a irmã, enchendo-se de certo orgulho.

— Charlbury, hein? — exclamou Sir Horace. — Muito bom mesmo, Elizabeth! Confesso, eu não acreditava que você tivesse tal sorte, porque a beleza não é tudo, e do jeito que Ombersley estava gastando sua fortuna quando eu o vi...

— Lord Charlbury — declarou Lady Ombersley, um pouco formal — é um homem extremamente rico, e eu sei que não tem uma ideia tão vulgar. Na verdade, ele mesmo me contou que, no caso dele, foi amor à primeira vista!

— Excelente! — exclamou Sir Horace. — Ele me parecia estar resistindo a uma esposa já faz algum tempo — 30 anos no mínimo, não é o que ele tem? Mas se sente verdadeira tendre pela moça, tanto melhor! Justificaria seu interesse por ela.

— Certo — concordou Lady Ombersley. — E estou convencida de que combinarão muito bem. Ele representa tudo que lembra amabilidade e cortesia, suas maneiras são as mais cavalheirescas, é de uma inteligência decididamente superior e tem o tipo que sempre agrada.

Sir Horace, que não estava muito interessado no romance da sobrinha, respondeu:

— Bem, bem, evidentemente é um exemplo de perfeição, e temos de admitir que Cecília deve se considerar uma felizarda por estar fazendo tal aliança! Espero que você possa sair-se tão bem com relação a Sophy!

— De fato, tomara eu pudesse! — ela respondeu, suspirando. — Só que é uma ocasião constrangedora, porque... você compreende, receio que Charles possa não gostar exatamente!

Sir Horace franziu a testa como se fizesse um esforço para se lembrar de alguma coisa.

— Pensei que o nome dele fosse Bernard. Por que ele não deveria gostar?

— Não estou falando de Ombersley, Horace. Você deve lembrar-se de Charles!

— Se está falando do filho mais velho de vocês, é claro que me lembro! Mas que direito tem ele de opinar, e por que cargas d’água faria objeção à minha Sophy?

— Oh, não, objeção a ela, não! Estou certa de que Charles não faria isso! Mas receio que ele possa não gostar se nos envolvermos com coisas alegres exatamente agora! Acho que você talvez não saiba que ele está para casar, portanto devo informá-lo de que ficou noivo da Srta. Wraxton.

— O quê, da filha do velho Brinklow? Palavra de honra, Lizzie, você tem estado ativa e com muita eficiência! Jamais soube que tivesse tanto bom senso! Apropriadamente, sem dúvida! Deve receber felicitações!

— Devo — concordou Lady Ombersley. — Oh, sem dúvida! A Srta. Wraxton é uma moça excelente! Estou certa de que possui milhares de qualidades extraordinárias. Tem a mente muito esclarecida, do tipo que impõe respeito.

— Dá-me a impressão de uma criatura enjoada ao extremo — replicou Sir Horace com franqueza.

— Charles não se interessa — disse Lady Ombersley, olhando fixa e pensativamente para o fogo — por moças muito animadas ou por... algum tipo de loucura extravagante. Confesso, gostaria que a Srta. Wraxton tivesse um pouco mais de vivacidade. Mas você não deve levar isso em consideração, Horace, pois eu mesma nunca tive a menor inclinação para ser sabida (ou para ter interesses intelectuais), e hoje em dia, quando tantas mulheres jovens são turbulentas em excesso, é gratificante encontrar uma que... Charles acha que o ar de seriedade da Srta. Wraxton é muito digno! — terminou, um tanto apressada mente.

— Sabe de uma coisa, Lizzie, parece estranho que um filho seu e de Ombersley se tenha tornado uma pessoa sem graça e maçante — observou Sir Horace com toda a calma. — Imagino que você não traiu Ombersley, traiu?

— Horace!

— Não, sei que não traiu! Não precisa ficar nervosa! Pelo menos não com referência ao filho mais velho; você é muito esperta para isso! Contudo, é um fato estranho... muitas vezes achei! Ele pode casar com a sua sabichona, e tem toda liberdade de fazê-lo, pouco se me dá, porém nada disso explica a razão por que você deveria se preocupar com o que ele gosta ou não!

Lady Ombersley desviou o olhar das brasas resplandecentes para o rosto do irmão.

— Com efeito, você não entende mesmo, Horace.

— Foi o que eu disse! — ele retorquiu.

— Certo, mas... Horace, Matthew Rivenhall deixou toda sua fortuna para Charles!

De um modo geral, Sir Horace era tido como um homem astuto, contudo parecia achar difícil assimilar essa informação corretamente. Com olhos arregalados, fitou a irmã atentamente por uns momentos, em seguida indagou:

— Está se referindo àquele velho tio de Ombersley?

— Exatamente, ele mesmo.

— O nababo?

Lady Ombersley assentiu com a cabeça, mas o irmão ainda assim não estava satisfeito.

— Aquele sujeito que fez fortuna na índia?

— Ele mesmo, e sempre pensávamos... mas ele disse que Charles era o único Rivenhall, sem contar ele próprio, que possuía ao menos uma parcela mínima de bom senso, e deixou-lhe tudo, Horace! Tudo!

— Santo Deus!

Essa exclamação pareceu conveniente a Lady Ombersley, pois ela tornou a assentir com a cabeça, olhando para o irmão de maneira pesarosa e torcendo a franja do xale entre os dedos.

— Assim, Charles é quem dita as ordens! — disse Sir Horace.

— Ninguém teria sido mais generoso — disse Lady Ombersley, com ar infeliz. — Só podemos nos sentir sensibilizados.

— Maldita seja sua insolência! — exclamou Sir Horace, sentindo a situação como um pai. — O que fez ele?

— Bem, Horace, você provavelmente não sabe, porque está sem pre viajando, mas o pobre Ombersley tinha muitas dívidas.

— Todo mundo está a par disso! Não me lembro de quando não estivesse em dificuldades! Você não vai me dizer que o rapaz foi idiota a ponto de saldá-las?

— Mas, Horace, alguém precisava saldá-las! — ela protestou. — Talvez você não tenha ideia de como as coisas se tornaram difíceis! E tendo de preparar de modo satisfatório os meninos menores, e as meninas... Não admira que Charles ficasse tão ansioso para que Cecília fizesse um bom casamento!

— Responsabilizando-se pelo bando todo, é o que ele está fazendo? Não passa de um tolo! E quanto às hipotecas? Se a maior parte da herança de Ombersley não fosse inalienável, há muito tempo que ele teria perdido tudo no jogo!

— Na verdade, não tenho muito conhecimento sobre legados — replicou a irmã —, mas receio que Charles não se comportou exalamente como devia a respeito desse assunto. Ombersley ficou muito dêscontente, embora eu diga, e sempre direi, que chamar o primogênito de traiçoeiro é usar de uma linguagem um tanto inadequada! Parece que ao atingir a maioridade Charles poderia ter facilitado tudo para o seu pobre pai, se ao menos tivesse sido um pouquinho condescendente! Mas nada o convenceria a concordar em vender o invendável, portanto tudo continuou imobilizado, e ninguém pode culpar Ombersley por ficar aborrecido! E depois aquele velho odioso morreu.

— Quando? — indagou Sir Horace. — Como foi que eu não soube desse fato até hoje?

— Aconteceu há mais de dois anos, e...

— Bem, eis a razão. Eu estava extremamente ocupado, tratando do assunto de Angoulême e de tudo que a ele se relacionava. Deve ter acontecido na época de Toulouse, poderia jurar. Mas quando a vi no ano passado, você não disse uma palavra, Lizzie!

Ela foi atingida pela injustiça dessas palavras e respondeu, indignada:

— Realmente não sei como eu poderia ter pensado em coisas tão insignificantes, com aquele Monstro em liberdade, os campos de recrutamento, os bancos suspendendo pagamentos e só Deus sabe o que mais! E você chegando de Bruxelas sem avisar, ficando comigo cerca de 20 minutos! Minha cabeça estava num redemoinho, e se o atendi condignamente, foi além das condições que eu teria de fazê-lo.

Ignorando essa revolta, Sir Horace disse, com o que para ele era forte emoção.

— Ultrajante! Não vou dizer que Ombersley não seja um doido varrido, porque não adianta cobrir o sol com uma peneira, mas cortar um homem do seu testamento e colocar o filho desse homem para controlar o próprio pai... O que, aposto, ele fará!

— Não, não! — protestou Lady Ombersley debilmente. — Charlês tem plena consciência do que deve ao pai! Não é verdade que esteja faltando com o respeito, asseguro-lhe! Só que o pobre Ombersley não pode deixar de sentir um pouco, agora que Charles assumiu a responsabilidade de tudo.

— Que bela situação!

— É mesmo, mas o consolo é que, de um modo geral, ninguém sabe. E sem dúvida, sob alguns aspectos, é decididamente mais agradável. Seria difícil você dar crédito, Horace, mas estou certa de que no momento não existe uma só conta para pagar nesta casa! — Um instante de reflexão a fez alterar essa afirmativa. — Não posso responder quanto a Ombersley, mas todas aquelas assustadoras contas domésticas que forçavam Eckington — você se lembra do nosso bom Eckington, o agente de Ombersley — a fazer uma careta quando as via, e as taxas de Eton e de Oxford —, de tudo, meu querido irmão, Charles cuida de tudo!

— Você não vai me dizer que Charles é tolo o bastante para desperdiçar a fortuna do velho Matt Rivenhall pagando todas as despesas desta casa que mais parece um quartel! — exclamou Sir Horace.

— Não. Oh, nada disso! Não tenho a menor aptidão para negócios, portanto é inútil pedir que lhe explique, mas acredito que Charles convenceu o pai a... permitir que ele administre a propriedade.

— Está mais com jeito de o ter chantageado! — replicou Sir Horace sombriamente. — Tempos extraordinários vivemos hoje! Notebem, compreendo a intenção do rapaz, Lizzie, mas, por Deus, lamento-a!

— Oh, por favor, acredite, não se trata de nada disso! — exclamou Lady Ombersley, aflita. — Não quero que pense... ou suponha que Charles é sempre desagradável, porque de fato ele não é, exceto quando o deixam zangado, e ninguém pode negar que ele tem muita coisa para testar sua paciência! Razão pela qual só posso sentir, querido Horace, que se ele não quiser que eu cuide de Sofia para você, não devo contrariá-lo!

— Bobagem! — exclamou Sir Horace. — E por que ele não haveria de querer?

— Nós... nós já decidimos não dar nenhuma festa nesta temporada, além das que forem absolutamente necessárias. É um fato dos mais lamentáveis que se tivesse de adiar o casamento de Charles devi-do à perda de um parente que a Srta. Wraxton acaba de sofrer. Foi uma das irmãs de Lady Brinklow, e eles estarão usando luto por seis meses. Você deve saber que os Brinklows são muito meticulosos em todas as questões de etiqueta. Eugenia só vai a reuniões bem tranquilas, e... e é claro que se deve esperar que Charles compartilhe de seus sentimentos!

— Santo Deus, Elizabeth, um homem não precisa usar luto pela tia de uma mulher com quem ainda nem se casou!

— Naturalmente que não, mas Charles parece achar... e além do mais o Charlbury...

— Que diabo há com ele?

— Caxumba — respondeu Lady Ombersley, de modo trágico.

— É? — Sir Horace caiu na gargalhada. — Ora, que sujeito deve ser ele para ter caxumba quando deveria estar se casando com Cecilia!

— Francamente, Horace, devo dizer que considero uma grande injustiça de sua parte falar assim, pois como poderia ele evitar? O rapaz está tão desgostoso! E além disso, o fato é algo extremamente infeliz; não duvido que se pudesse casar-se com Cecilia, já o teria feito, pois nada é mais agradável do que o seu humor, enquanto suas maneiras e modo de falar são exatamente o que se poderia desejar! Mas as moças são muito tolas e cismam com ideias românticas, além de terei todos os tipos de fantasias exageradas. Contudo, sinto-me feliz ao pel sar que Cecília não é uma dessas jovens demasiado modernas, e é claro que ela se deixará orientar pelos pais! Mas não se pode negar que nada poderia ser mais inoportuno do que a caxumba de Charlbury!

Abrindo mais uma vez a caixa de rapé, Sir Horace olhou-a com uma expressão divertida e sagaz:

— E qual é a fantasia exagerada que a Srta. Cecília tem em particular? — indagou.

Lady Ombersley sabia que o filho mais velho a teria aconselhado a manter um silêncio discreto; porém o impulso de desabafar com o irmão foi forte demais para ser contido. Disse:

— Bem, sei que não irá repetir, Horace, mas acontece que a tolinha acha que está apaixonada por Augustus Fawnhope!

— Seria aquele da família Lutterworth? — indagou Sir Horace — Não o tenho em alta conta para uma aliança, devo dizer!

— Santo Deus, nem fale uma coisa dessas! Ademais, sendo o caçula da família, não tem a mínima perspectiva! Mas é um poeta.

— Muito perigoso — concordou Sir Horace. — Creio que jamais vi esse rapaz. Como é ele?

— Muito bonito! — respondeu Lady Ombersley, numa entonação desalentadora.

— Como, no estilo de Lord Byron? Aquele rapaz tem uma grande responsabilidade nas mãos!

— N-não é isso. Quero dizer que ele é louro como Cecília e claudica, e embora seus poemas sejam muito bonitos, encadernados em pergaminho branco, não parecem atrair muito. Quero dizer, de modo algum semelhantes aos de Lord Byron. É lamentável e injusto, pois acredito que custa muito dinheiro tê-los impresso, e ele precisou arcar com tudo — ou mais precisamente, Lady Lutterworth arcou, segundo soube.

— Lembrando bem agora — disse Sir Horace —, eu de fato conheço o rapaz. Ele esteve com Stuart em Bruxelas no ano passado. Se quer meu conselho, você deve casá-la com Charlbury o mais rápido que puder.

— Ora, eu assim faria, se ao menos — isto é, é claro que eu não faria, se achasse que ela tem aversão por ele! E você precisa compreender, Horace, que está totalmente fora do meu controle fazer qualquer coisa desse tipo quando ele está acamado com caxumba!

Sir Horace sacudiu a cabeça.

— Ela casará com o poeta.

— Não diga isso! Mas Charles acha sensato eu não levá-la a lugares onde seja provável ela encontrar o rapaz, o que constitui outra razão pela qual estamos atualmente tendo um estilo de vida tranquilo. É a coisa mais constrangedora! Na verdade, às vezes sinto que seria muito mais fácil se o infeliz fosse inaceitável — um caça-dotes, ou o filho de um comerciante, ou algo parecido! Assim poderíamos proibi-lo de frequentar a casa, proibir Cecilia de dançar com ele nos bailes, só que isso não seria de modo algum necessário, pois jamais o encontraríamos nas reuniões sociais. Mas é natural que encontremos os Fawnhopes em todos os lugares! Nada poderia ser mais aborrecido! E embora esteja certa de que as atitudes de Charles para com ele sejam as mais antipáticas, o próprio Charles reconhece a impropriedade de ser tão desagradável a ponto de ofender a sua família. Almeria Lutterworth é uma das minhas mais velhas amigas!

Sir Horace, que já estava entediado com o assunto, bocejou e disse, de modo indolente:

— Ouso afirmar que não há motivo para você ficar nervosa. Os Fawnhopes são pobres como camundongos de igreja, e provavelmente Lady Lutterworth pouco deseja esse casamento, da mesma forma que você.

Nada disso! — respondeu a irmã, um tanto irritada. — Ela é mais tola que o permitido, Horace! O que Augustus quer, ele precisa ter! Ela já me jogou as mais inequívocas insinuações, de modo que eu mal sabia para onde olhar, quanto mais o que dizer, exceto que Lord Charlbury já nos solicitara permissão para cortejar Cecilia, e eu acreditava que ela fosse... bem, que não fosse indiferente a ele! Nunca passou pela minha cabeça que Augustus houvesse perdido o senso de propriedade a ponto de dirigir-se a Cecilia sem primeiro se aproximar de Òmbersley, mas foi precisamente o que ele fez!

— Oh, bem! — exclamou Sir Horace. — Se Cecilia tem simpatia por ele, seria melhor você deixá-la. Não se trata de estar fazendo um casamento inferior à sua condição; se ela prefere ser esposa do caçula sem vintém daquela família, isso é sem dúvida assunto exclusivo dela.

— Você não diria isso se fosse com Sofia! — replicou a irmã.

— Sophy não é tão tola assim.

— Nem Cecilia é tola! — declarou Lady Òmbersley, ofendida. — Se tivesse visto Augustus, você não ficaria admirado com Cecilia! Ninguém pode deixar de sentir uma indiscutível predileção por ele! Confesso que eu mesma senti isso. Mas Charles tem toda razão, como logo fui levada a reconhecer; Augustus não serviria!

— Pois bem, quando tiver a prima para fazer-lhe companhia, Cecilia se distrairá, e provavelmente dará outro rumo aos seus pensamentos - disse Sir Horace, consolador.

Lady Òmbersley pareceu ficar muito impressionada com a sugestão. Seu rosto iluminou-se; então disse:

— Gostaria de saber se isso seria possível. Ela é um pouco tímida, como você sabe, e não faz amizades com facilidade; e desde que sua querida amiga, Srta. Friston, se casou e foi morar no interior, realmente não há uma jovem com quem possa relacionar-se mais intimamente. Bem, se tivéssemos a querida Sophy para ficar conosco... — Interrompeu-se, obviamente revolvendo os planos em sua mente. Estava ainda entretida nesse exercício quando a porta se abriu e seu filho mais velho entrou no salão.

O Honorable Charles Rivenhall tinha 26 anos, contudo um semblante de traços um tanto severos, unido a um procedimento que reunia segurança e muita reserva, o faziam parecer alguns anos mais velho. Era um rapaz alto, de compleição vigorosa, e dava a impressão de que estaria mais satisfeito caminhando pelas terras do pai em vez de ficar trocando amabilidades na sala de estar de sua mãe. Em geral preferia usar traje de montaria às calças presas abaixo do joelho e botas enfeitadas com borlas, como era moda; atava a gravata no mais simples dos estilos, permitia apenas uma modesta quantidade de goma para enrijecer as pontas bem moderadas do colarinho, desdenhava inteiramente vaidades tais como anéis com sinete, correntes de relógio ou monóculos, e ofendia seu alfaiate ao insistir que seus casacos fossem feitos de modo que ele pudesse vesti-los sem a ajuda do seu criado pessoal. Diziam ter ele expressado a esperança de que o céu perdoaria se alguma vez fosse confundido com um membro do círculo dos dândis, porém, como seu amigo, o Sr. Cyprian Wychbold, gentilmente lhe assegurou, não havia a menor necessidade da intervenção celestial a esse respeito. Os dândis, disse o Sr. Wychbold com certa severidade, eram famosos tanto por sua refinada sociabilidade quanto por seu traje requintado, e, de regra, constituíam um agradável grupo de homens cujos modos educados e dotes sedutores os tornavam aceitáveis em qualquer ambiente. Como a noção do Sr. Rivenhall de fazer-se agradável perante outras pessoas implicava tratar com fria civilidade qualquer um por quem ele não tinha particular simpatia, e seus dotes, longe de serem sedutores, incluíam a habilidade de desconcertar aqueles cujas pretensões ele reprovava, e de proferir comentários frustrantes que punham um fim abrupto na relação social, ele corria o perigo maior (SEgundo o Sr. Wychbold) de ser confundido com um campônio.

Ao fechar a porta atrás de si, sua mãe ergueu os olhos, sobressaltou-se ligeiramente, e disse com uma entonação nervosa que aborreceu o irmão:

— Oh, Charles! Imagine só! Seu tio Horace está aqui!

— Foi o que Dassett me informou — respondeu o Sr. Rivenhall. — Como vai, senhor?

Apertou a mão do tio, puxou uma cadeira e sentou-se, iniciando uma conversa cortês com Sir Horace. A mãe, primeiro manuseando nervosamente a franja do xale e depois o lenço, dentro em pouco intrometeu-se na conversa para perguntar:

— Charles, lembra-se de Sofia? Sua priminha?

O Sr. Rivenhall não tinha a aparência de quem se lembrava da priminha, mas respondeu no seu jeito frio:

— Certamente. Espero que ela esteja passando bem, senhor.

— Nunca ficou doente em toda a sua vida, salvo durante o sarampo — respondeu Sir Horace. — Logo você verá por si mesmo; sua mãe vai tomar conta dela enquanto eu estiver no Brasil.

Era evidente que essa maneira de transmitir a notícia não se recomendava a Lady Ombersley, que imediatamente se apressou a atalhar:

— Bem, é claro que não está de todo decidido ainda, embora eu tenha a certeza de que nada me agradaria mais do que hospedar a filha do meu querido irmão. Também estava pensando, Charles, que seria agradável para Cecília. Sofia e ela são quase da mesma idade, você sabe

— Brasil? — indagou o Sr. Rivenhall. — Deve ser muito interessante, acredito. Vai ficar muito tempo lá, senhor?

— Oh, não! — respondeu Sir Horace vagamente. — É provável que não. Vai depender das circunstâncias. Estive dizendo à sua mãe que lhe ficarei devendo muito se ela puder encontrar um marido adequado para a minha Sophy. Está na hora de ela casar, e sua mãe parece, pelo que me informaram, ser perita no assunto. Soube que devo dar-lhe minhas felicitações, meu rapaz.

— Sim, obrigado — respondeu o Sr. Rivenhall com uma ligeira mesura.

— Se não lhe desagradar, Charles, confesso que ficaria muito feliz em ter Sophia aqui — disse Lady Ombersley de modo apaziguador

Ele lançou-lhe um olhar impaciente e respondeu:

— Peco-lhe que faça exatamente o que desejar, senhora. Não consigo imaginar o que isso tem a ver comigo.

— Bem, eu expliquei ao seu tio que levamos uma vida muito sossegada.

— Ela não ligará a mínima — respondeu Sir Horace tranquilamente. — É muito boazinha e jamais tem dificuldade em encontrar algo com que se ocupar. Fica tão feliz num povoado espanhol como em Viena ou Bruxelas.

Ouvindo isso, Lady Ombersley aprumou o corpo de repente.

— Não me diga que no ano passado você levou a menina a Bruxelas!

— É claro que a levei a Bruxelas! Onde diabo iria deixá-la? — replicou Sir Horace com mau humor. — Não esperaria que eu a deixasse em Viena, não é? Além do mais, ela gostou. Encontramos muitos amigos nossos lá.

— Que perigo!

— Oh, ora bolas! Tolice! Pouquíssimo perigo com Wellington no comando!

Quando, senhor, poderemos ter o prazer de contar com a companhia da nossa prima? — intrometeu-se o Sr. Rivenhall. — Façamos votos para que não venha achar a vida em Londres enfadonha demais depois da agitação excepcional do continente.

— Não ela! — garantiu Sir Horace. — Nunca soube de ocasião em que Sophy não estivesse ocupada com uma coisa ou outra. É dar-lhe liberdade de ação! Sempre dou, e ela jamais sofre qualquer dano. Não sei exatamente quando estará com vocês. Resolveu que quer me ver até o último instante, mas virá para Londres pela posta assim que eu tiver partido.

— Virá para Londres pela posta assim que... Horace, sem dúvida você vai trazê-la até aqui — disse a irmã com voz sufocada, um tanto surpresa. — Uma jovem da idade dela, viajando sozinha! Nunca ouvi uma coisa dessas!

— Não estará sozinha. Virá acompanhada da sua criada — uma megera, é o que ela é; viajou conosco por toda a Europa — e também de John Potton. — Percebeu as sobrancelhas erguidas do sobrinho e sentiu-se impelido a acrescentar: — Cavalariço, mensageiro, factótum! Cuida de Sophy desde que ela era um bebé. — Retirou o relógio do bolso e consultou-o. — Bem, já que acertamos tudo, devo retirar-me, Lizzie. Confio que você vai tomar conta de Sophy e procurar um partido entre os que a cercam. É importante, porque... mas não tenho tempo de explicar isso agora! Ela lhes contará o que for preciso, espero.

— Mas, Horace, não acertamos tudo! — protestou a irmã. — Ombersley ficará desapontado por não ver você! Esperava que jantasse conosco!

— Não, não posso fazer isso — ele respondeu. — Vou jantar em Carlton House. Transmita meus respeitos a Ombersley; acho que o verei novamente qualquer dia desses!

Depois beijou-a num estilo perfunctório, deu outro de seus tapinhas cordiais no ombro da irmã e afastou-se, seguido pelo sobrinho.

— Como se eu não tivesse mais nada a desejar! — exclamou Lady Ombersley, indignada, quando Charles voltou à sala. — E não tenho a mínima ideia de quando a menina deve chegar aqui!

— Isso não tem importância — replicou Charles, com uma indiferença que a mãe achou exasperante. — A senhora dará ordens para que preparem um quarto para ela, suponho, e Sofia pode vir quando bem lhe aprouver. Deve-se esperar que Cecília goste dela, uma vez que será obrigada a vê-la na maior parte do tempo, imagino.

— Pobrezinha! — suspirou Lady Ombersley. — Confesso que almejo servir-lhe de mãe, Charles! Que vida estranha e solitária deve levar!

— Estranha, sem dúvida; dificilmente solitária, se tem feito o papel de anfitriã para meu tio. Eu acreditaria que ela tem tido uma senhora mais velha para viver em sua companhia — uma governanta ou algo desse tipo.

— Realmente, qualquer um julgaria que assim deveria ser, mas seu tio informou-me claramente que a governanta morreu quando estavam em Viena! Na verdade não gosto de dizer uma coisa assim do meu irmão, mas, francamente, tenho a impressão de que Horace é totalmente inadequado para cuidar de uma filha!

— Extremamente inadequado — respondeu o jovem, secamente. — Espero que não venha a ter motivo para lamentar a sua generosidade, minha mãe.

— Oh, não, estou certa de que não terei! — ela assegurou. — Seu tio descreveu-a de tal forma que me deu o maior desejo de acolhê-la! Pobre menina, receio que não tenha sido habituada a ver seus desejos ou seu bem-estar levados em muita consideração! Eu quase me zanguei com Horace quando insistiu em me dizer que ela é boazinha e que jamais lhe causou preocupações! Ouso afirmar que ele jamais permitiu que alguém lhe causasse preocupações, pois um homem mais egoísta acredito que dificilmente você encontraria! Sofia deve ter o temperamento doce da sua pobre mãe. Não tenho dúvida de que será uma companhia encantadora para Cecília.

— Acho que sim — concordou Charles. — E isso me faz lembrar, mamãe, de uma coisa! Acabei de interceptar outro presente de flores daquele peralvilho para minha irmã. Este bilhete veio junto.

Lady Ombersley apanhou o bilhete exibido e olhou com desânimo.

— O que farei com isto? — indagou.

— Jogue no fogo — ele recomendou.

— Oh, não, eu não poderia, Charles! Talvez seja verdadeiramente irrepreensível! Além do que... ora, talvez até contenha um recado da mãe dele para mim!

— Muito improvável, mas, se acredita nisso, seria aconselhável que o lesse.

— É claro, sei que é meu dever fazê-lo — ela concordou, sentindo-se infeliz.

Charles parecia um pouco desdenhoso, entretanto ficou calado. Depois de um momento de indecisão a mãe rompeu o lacre e abriu a solitária folha de papel.

— Oh, meu Deus, é um poema! — exclamou logo depois. — E devo confessar, muito bonito. Ouça, Charles! "Ninfa, quando teu doce olhar cerúleo sobre meu espírito inquieto lança seu raio de luz..."

— Obrigado, não tenho queda para poesia! — interrompeu o Sr. Rivenhall asperamente. — Jogue isso no fogo, senhora, e diga a Cecília que não deve receber cartas sem a sua aprovação!

— Certo, mas acha mesmo que eu deveria queimá-lo, Charles? Imagine só se este for o único exemplar do poema! Talvez ele o queira imprimir!

— Ele não vai imprimir nenhum material sobre minha irmã! — replicou o Sr. Rivenhall severamente, estendendo a mão de modo autoritário.

Sempre dominada por uma vontade mais forte, Lady Ombersley estava prestes a entregar o papel ao filho quando uma voz trémula, vindo da entrada, impediu-a:

— Mamãe! Não o dê, por favor!


II

LADY OMBERSLEY deixou pender a mão; o Sr. Rivenhall virou-se bruscamente, com o cenho franzido. A irmã, lançando-lhe um olhar de veemente reprovação, atravessou a sala correndo em direção à mãe, dizendo:

— Dê-me isso, mamãe! Que direito tem Charles de queimar minhas cartas?

Impotente, Lady Ombersley olhou para o filho, mas ele não disse nada. Com um puxão, Cecília arrancou a folha de papel da mão da mãe e apertou-a contra o peito ofegante. Isso estimulou o Sr. Rivenhall a falar:

— Pelo amor de Deus, Cecília, poupe-nos de representações! — disse.

— Como ousou ler a minha carta? — ela retorquiu.

— Não li sua carta! Dei-a a mamãe e você dificilmente poderá dizer que ela não tinha esse direito!

Os meigos olhos azuis da moça inundaram-se de lágrimas; disse em voz baixa:

— Tudo é culpa sua! Mamãe jamais a leria — odeio você, Charles! Odeio você!

Ele deu de ombros e ficou de costas para ela. Lady Ombersley disse num débil tom de voz:

— Não devia falar assim, Cecília! Sabe que é totalmente inadequado ficar recebendo cartas sem o meu conhecimento! Não sei o que seu pai diria se soubesse.

— Papai! — exclamou Cecília desdenhosamente. — Não é papai! É Charles que gosta de me fazer infeliz!

Ele lançou-lhe um olhar por sobre o ombro.

— Seria inútil, presumo, dizer que o meu fervoroso desejo é que você não se torne infeliz.

Ela não lhe deu resposta, mas dobrou a carta com mãos trémulas e guardou-a no peito, lançando um olhar desafiador para o irmão enquanto assim procedia. O olhar dela encontrou-se com o de desdém de Charles; o Sr. Rivenhall apoiou os ombros no consolo da lareira, enfiou as mãos nos bolsos da calça e aguardou, com uma expressão de ironia, o que ela iria dizer em seguida.

Em vez de falar, ela enxugou os olhos e tomou fôlego em meio a pequenos soluços. Era uma jovem muito encantadora, com cabelos cacheados de um dourado pálido que, em pequeninos anéis, emolduravam o rosto de traços refinados, cuja tez graciosa naquele momento se achava alterada, certamente, por um rubor de cólera. Em geral, sua expressão era de suave melancolia, mas a agitação daquele instante acendera uma centelha belicosa em seus olhos, e ela apertava o lábio inferior entre os dentes de uma maneira que lhe dava um ar muito maldoso. Ao observar esses detalhes o irmão disse, com cinismo, que ela devia adotar o costume de zangar-se, visto que isso a beneficiava, emprestando certa animação a um semblante aceitável, porém um pouco insípido.

Essa observação mordaz deixou Cecília impassível. Seria difícil não saber que era muito admirada, todavia, bastante modesta, depreciava muito a própria beleza; gostaria mais de ter nascido morena. Suspirou, soltou o lábio e sentou-se numa cadeira baixa, ao lado do sofá da mãe, dizendo num tom de voz mais moderado:

— Não pode negar, Charles, que é obra sua o fato de que mamãe foi tomada por essa... essa antipatia inexplicável por Augustus!

— Ora, aí está — disse Lady Ombersley calorosamente —, você está equivocada, querida, porque não tenho absolutamente antipatia por ele! Apenas não posso considerá-lo um marido aceitável!

— Não me preocupo com isso! — declarou Cecília. — Ele é o único homem por quem já pude sentir um grau de afeto que... Em resumo, peco-lhe que abandone qualquer ideia de que eu venha a tomar em consideração a proposta extremamente lisonjeira de Lord Charlbury, porque jamais o farei!

Lady Ombersley emitiu um angustiado porém incoerente protesto; o Sr. Rivenhall disse na sua maneira prosaica:

— Contudo, você não ficou tão hostil, imagino, quando a proposta lhe foi transmitida pela primeira vez.

Cecília volveu um olhar vacilante para o irmão e respondeu:

— Na época eu não conhecia Augustus.

Lady Ombersley pareceu ficar muito impressionada com a lógica dessa declaração, porém o filho era menos sugestionável e respondeu:

— Não desperdice suas expressões eloquentes comigo, peco-lhe! Há 19 anos você conhece o jovem Fawnhope!

— Antes não era a mesma coisa — disse Cecília simplesmente.

— Isso é verdade, Charles — confirmou Lady Ombersley, de modo sensato. — Estou certa de que ele era um menino que nada tinha de extraordinário, e quando foi para Oxford possuía as mais assustadoras espinhas, portanto ninguém teria imaginado que ele se tornasse um rapaz tão bonito! Mas o tempo que passou em Bruxelas com Sir Charles Stuart beneficiou-o como jamais se viu! Confesso que não teria reconhecido nele o mesmo homem!

— Já perguntei a mim mesmo algumas vezes — retorquiu o Sr. Rivenhall — se também Sir Charles algum dia será novamente o mesmo homem! Como Lady Lutterworth pode ter conciliado com sua consciência o fato de obrigar um homem público a aceitar tal bobalhão como secretário, devo deixar que ela mesma decida! Tudo que temos o privilégio de saber é que seu precioso Augustus já não ocupa mais esse cargo! Ou qualquer outro! — acrescentou, de modo incisivo.

— Augustus — Cecília disse orgulhosamente — é um poeta. De modo algum indicado para... o monótono trabalho de secretário de um embaixador.

Não nego — admitiu o Sr. Rivenhall. — É igualmente inadequado para sustentar uma esposa, minha querida irmã. Não pense que eu apoiarei você nessa loucura, pois agora lhe digo que não o farei! E não se iluda acreditando que vai obter o consentimento de papai para esse casamento muitíssimo imprudente, porque enquanto eu tiver algum direito de me manifestar, você não o obterá!

— Sei muito bem que é só você quem tem direito de se manifestar nesta casa! — exclamou Cecília, grandes lágrimas aflorando em suas pálpebras. — Espero que quando tiver me levado ao desespero você possa ficar satisfeito!

Pelo retesamento dos músculos que lhe rodeavam a boca, podia-se ver que o Sr. Rivenhall fazia um esforço louvável para manter sob controle seu humor nada pacífico. Cheia de ansiedade, a mãe lançou-lhe um olhar, mas a voz com que ele respondeu a Cecília revelava uma calma quase alarmante.

— Minha querida irmã, pode ter a bondade de reservar essas tragédias de Cheltenham para um momento em que eu não estiver ao alcance da sua voz? E antes de empolgar mamãe na corrente das suas bravatas, permita-me lembrá-la de que, longe de ser forçada a um casamento indesejável, você mesma expressou a disposição de dar ouvidos ao que descreveu como proposta muito lisonjeira de Lord Charlbury.

Lady Ombersley inclinou-se para a frente, tomou uma das mãos de Cecília entre as suas e a apertou com ternura.

— Bem, se quer saber, minha querida, isso é exato! — confirmou. — Na verdade, me parecia que você gostava muitíssimo dele! Não deve imaginar que seu pai ou eu temos a menor ideia de obrigá-la a casar com alguém que não lhe agrada, pois estou certa de que seria muito chocante! E tampouco Charles faria isso, não é, querido Charles?

— Não, seguramente não o faria. Mas tampouco consentiria que ela se casasse com um tipo afetado como Augustus Fawnhope!

— Augustus — declarou Cecília, empinando o queixo — será lembrado muito tempo depois que você tiver caído no esquecimento!

— Pelos seus credores? Não duvido. Será uma recompensa por você ter passado a vida toda esquivando-se dos cobradores importunos?

Lady Ombersley não conseguiu reprimir um estremecimento.

— Ai de mim, querida, isso também é exato! Você não pode imaginar que mortificação... mas vamos mudar de assunto.

— É inútil falar com minha irmã sobre qualquer coisa além das capas dos romances da biblioteca de empréstimo! — replicou Charles. — Ante a condição a que esta família esteve reduzida, me pareceu que ela ficaria grata por ter chegado à beira de contrair um casamento respeitável. Mas não! Ela não liga para a proposta de um casamento respeitável, brilhante, prefere comportar-se como qualquer moça de Bath, desfalecendo e definhando por causa de um poeta! Um poeta! Santo Deus, mamãe, se a amostra do talento dele, que a senhora foi imprudente a ponto de a ler para mim... Mas não tenho paciência para continuar discutindo esse assunto! Se não pode convencê-la a conduzir-se de modo compatível com a sua educação, seria aconselhável mandá-la para Ombersley. Se passar uma temporada no campo, talvez isso a faça recobrar o juízo!

Com essa terrível ameaça, ele saiu da sala em largas passadas, deixando a irmã a se desfazer em lágrimas e a mãe a recrutar energia por intermédio de seus sais.

Em meio aos soluços, Cecília criticou em algumas palavras a crueldade do destino, que a castigara com um irmão tão insensível quanto tirano, e com pais totalmente incapazes de se interessarem por seus sentimentos. Lady Ombersley, embora essencialmente solidária, não podia aceitar isso. Sem responder pelas suscetibilidades do marido, garantiu a Cecília que as suas eram extremamente acuradas, o que lhe possibilitava avaliar a angústia de um amor proibido.

— Quando eu era jovem, querida, algo parecido aconteceu comigo — confessou, suspirando. — Ele não era poeta, mas eu me imaginava apaixonadíssima. Contudo, não servia, e acabei me casando com seu pai, que todos julgavam ser um esplêndido partido, pois naquela época ele acabava de receber uma fortuna, e... — Ela calou-se, compreendendo que essas reminiscências não eram adequadas. — Em suma, Cecília — e eu não deveria ser obrigada a lhe contar isso —, pessoas da nossa posição não se casam apenas para satisfazer a si mesmas.

Cecília permaneceu quieta, baixou a cabeça e enxugou os olhos com um lenço já úmido. Sabia ter sido muito favorecida pela afeição da mãe e pela alegre indiferença do pai, e estava bem ciente de que ao descobrir sua inclinação antes de permitir que Lord Charlbury lhe fizesse a corte, Lady Ombersley mostrara mais consideração pela filha do que teria aprovado a maior parte de suas contemporâneas... Cecilia podia ler romances, mas estava ciente de que não devia imitar o comportamento vivaz de suas heroínas favoritas. Acreditava-se destinada a permanecer solteirona, e esse pensamento lhe pareceu tão melancólico que novamente se deixou dominar pelo desânimo e mais uma vez levou o lenço aos olhos.

— Avalie só como sua irmã é feliz! — disse Lady Ombersley, em , tom encorajador. — Estou certa de que nada seria mais gratificante do que vê-la em seu próprio lar, com o filho querido, e James tão atencioso e cortês, e... e tudo exatamente como se poderia desejar! Realmente não acredito que um casamento por amor teria resultado mais satisfatório — não que eu afirme com isso que Maria não esteja sinceramente ligada a James! O fato é que ela não o encontrara mais do que meia dúzia de vezes quando James pediu permissão a papai para falar com Maria, e o sentimento dele não estava envolvido. Naturalmente houve forte simpatia, ou eu jamais teria... Mas Maria era uma jovem de procedimento tão correio e bonito! Ela mesma me disse que achava seu dever aceitar um pedido tão respeitável, estando papai em dificuldades, e havendo mais quatro irmãs para preparar!

— Mamãe, espero que eu não seja uma filha anormal, mas antes estar morta do que casada com James! — declarou Cecília, levantando a cabeça. — Ele não pensa em mais nada a não ser caçar, e quando o casal não tem companhia à noite, ele vai dormir e ronca!

Desencorajada por essa revelação, Lady Ombersley não conseguiu achar nada para dizer durante alguns minutos. Cecília assoou o nariz e acrescentou:

— E Lord Charlbury é ainda mais velho que James!

— Certo, mas não sabemos se ele ronca, meu bem — Lady Ombersley salientou. — Na verdade, podemos ficar quase certas de que não ronca, pois suas maneiras são muito cavalheirescas!

— Um homem que chega a apanhar caxumba — declarou Cecília — faria qualquer coisa!

Lady Ombersley não viu nada de estranho nessa opinião, nem ficou surpresa, porque o procedimento sem qualquer romantismo de Lord Charlbury fora motivo para Cecília sentir aversão por ele. Ela própria ficara pesarosa e desapontada, pois o julgara um homem de bom senso, nunca um homem capaz de se entregar a doenças infantis em ocasiões inoportunas. Não achava nada para dizer que amenizasse essa ofensa, e como Cecilia, aparentemente, não tinha mais observações a fazer, o silêncio reinou inquietadoramente por algum tempo. Logo Cecilia o rompeu, perguntando um tanto sem interesse se era verdade que o tio aparecera naquela tarde. Contente por encontrar uma desculpa para falar de assuntos mais alegres, Lady Ombersley imediatamente informou-a do prazer que lhe estava sendo reservado, e teve a satisfação de ver a expressão da filha desanuviar-se um pouco. Não foi difícil constatar as simpatias de Cecilia pela prima. Era certamente uma sina desagradável ser enviada para ficar por um período indefinido com parentes praticamente estranhos, e Cecilia prometeu calorosamente fazer tudo que estivesse ao seu alcance para Sofia sentir-se à vontade em Berkeley Square. Não conseguia evocar uma lembrança muito nítida da prima, pois há alguns anos não se viam; e embora ocasionalmente considerasse que viajar pela Europa devia ser excitante, também suspeitava que poderia igualmente ser desagradável, e concordou logo com Lady Ombersley de que uma existência tão informal dificilmente serviria de preparação adequada para um debute em Londres. A ideia de que a chegada de Sophia em Berkeley Square significaria algum relaxamento na vida quase monástica imposta à família por determinação de Charles como medida de economia fê-la apressar-se para mudar o vestido para o jantar numa disposição de espírito agora mais feliz.

Naquela noite, quatro membros da família sentaram-se à vasta mesa da sala de jantar, depois que Lord Ombersley decidiu presentear a esposa com um de seus raros comparecimentos à própria mesa. Era o único membro espontâneo do grupo, pois tinha uma disposição alegre que lhe possibilitava permanecer desatento aos mais ruidosos sinais de insatisfação em seus acompanhantes. Seu espírito animado lhe permitia, com espantosa facilidade, ficar alegre à sombra da humilhação de ser um pouco mais que um dependente do filho. Tinha pavor de se sentir obrigado a enfrentar aborrecimentos, por isso jamais concordava em abordar assuntos adversos, o que lhe fazia muito bem; e nas horas de tensão realmente inevitáveis, graças à sua capacidade de se convencer de que qualquer necessidade desagradável imposta a ele por sua insensatez ou pela vontade opressora do filho era o resultado da sua própria escolha e sábia decisão. Enquanto Charles continuasse a lhe render o respeito filial de costume, ele podia esquecer que as rédeas do governo tinham sido arrancadas de suas mãos; e quando, como acontecia às vezes, o respeito filial se desgastava um pouco, considerava que esses deslizes não duravam muito, e, para um homem com o seu temperamento alegre, não era difícil esquecer. Não nutria rancor pelo filho, embora o considerasse um indivíduo insensível; e desde que a sorte estava do seu lado, e ele não era obrigado a desempenhar um papel detestável no governo de sua jovem família, permanecia muito satisfeito com o seu quinhão.

Dificilmente teria deixado de perceber o clima de discórdia que na ocasião assolava sua casa, porque um pedido da esposa para exercer sua autoridade paterna sobre Cecília o levara a toda a pressa a Newmarket apenas 15 dias antes. Contudo, nem a expressão carrancuda do filho nem as pálpebras avermelhadas da filha provocaram o menor comentário da parte dele. Parecia extrair grande prazer em participar de uma refeição maçante, na companhia de uma esposa nervosa, uma filha magoada e um filho pomposo. Disse:

— Bem, palavra de honra, é muito agradável estar jantando en famille, deste modo aconchegante! Pode dizer à sua cozinheira, Lady Ombersley, que eu gosto dessa maneira de servir um pato. Confesso que não consigo algo tão bom no White’s! — Depois disso, contou o mais recente relato de um mexerico social, e afavelmente perguntou aos filhos como tinham passado o dia.

— Se está falando comigo, papai — respondeu Cecilia —, passei o dia de hoje como passo todos os outros. Fiz compras com a mamãe; dei um passeio pelo parque com minhas irmãs e a Srta. Adderbury; e estudei música.

Seu tom de voz não indicava que ela achara esses entretenimentos divertidos, mas Lord Ombersley replicou:

— Excelente! — e voltou sua atenção para a esposa. Ela contou-lhe sobre a visita do irmão e seu pedido para que assumisse a guarda de Sofia; e Lord Ombersley externou seu indulgente consentimento ao esquema, dizendo que nada seria melhor, felicitando a filha pela boa sorte ao receber tão inesperadamente uma encantadora companhia. Charles, que estava muito irritado com essa gentil insensibilidade para sentir o mesmo que a irmã, frisou de maneira desencorajadora que eles ainda não tinham motivo para supor que Sofia fosse encantadora —mesmo que fosse um pouco. Todavia, Lord Ombersley disse que não nutria dúvidas a esse respeito, e acrescentou que todos deviam esforçar-se ao máximo para tornar a estada da prima agradável. Depois perguntou ao filho se pretendia ir às corridas no dia seguinte. Charles, sabendo que essas corridas eram organizadas sob o patrocínio do Duque de York, e que trariam para os amigos íntimos daquele jovial personagem várias noites passadas em Oatlands, jogando uíste a dinheiro, pareceu mais ameaçador do que nunca, e disse que partia para Ombersley por alguns dias.

— Sem dúvida que deve ir! — concordou alegremente o pai. — Estava esquecendo esse negócio sobre o South Hanger. Certo, certo, desejo que cuide disso, meu rapaz!

— Cuidarei, senhor — respondeu o Sr. Rivenhall educadamente. Depois olhou para a irmã do outro lado da mesa e indagou: — Você se importaria de acompanhar-me, Cecília? Estou muito inclinado a levá-la, caso queira.

Ela hesitou. Isso poderia significar o ramo de oliveira; por outro lado, poderia também ser uma tentativa particularmente fútil de afastar da sua mente os pensamentos no Sr. Fawnhope. A ideia de que a ausência de Charles, com um pouco de engenhosidade, talvez lhe possibilitasse um encontro com o Sr. Fawnhope, resolveu a questão. Deu de ombros e respondeu:

— Não, obrigada. Não sei o que faria no campo nesta época.

— Cavalgaria comigo — sugeriu Charles.

— Prefiro cavalgar no parque. Se deseja companhia, admiro-me que não convide as crianças para irem com você. Estou certa de que ficariam encantadas com a possibilidade de agradá-lo.

— Faça como lhe aprouver — ele respondeu, indiferente.

Terminado o jantar, Lord Ombersley retirou-se do círculo familiar. Charles, que não tinha compromisso para aquela noite, acompanhou a mãe e a irmã até a sala de estar; e enquanto Cecília passava os dedos ociosamente pelo piano, ficou conversando com Lady Ombersley sobre a visita de Sofia. Para grande alívio da mãe, ele parecia estar resignado diante da necessidade de oferecer pelo menos uma festa moderada em homenagem a Sofia, porém advertiu-a energicamente contra a ideia de ficar com a obrigação de encontrar um marido conveniente para a sobrinha.

— Por que meu tio, depois de ter permitido que ela atingisse a idade de — 20 anos, não é? — sem ele próprio se ocupar do assunto — disse Charles —, de repente resolveu convencer a senhora a se encarregar da tarefa, é uma questão que foge ao meu raciocínio.

— Parece estranho realmente — concordou Lady Ombersley. — Ouso afirmar que ele talvez não tenha percebido como o tempo voa, você sabe. Vinte anos! Ora, ela já está quase na prateleira! Admito, Horace tem sido muito descuidado! Estou certa de que não haveria dificuldade, porque ela deve ser uma herdeira notável! Mesmo se fosse uma jovem feiosa, o que nem por um momento imagino que seja, pois você admitirá que Horace é um homem bonito e a coitadinha da Marianne era extremamente linda, embora eu não possa supor que você se recorde... bem, mesmo se ela fosse feiosa, seria a coisa mais fácil arranjar um casamento respeitável!

— Muito fácil, mas será melhor a senhora deixar isso para o meu tio — foi só o que ele disse.

Nesse momento, os filhos que ainda estavam em idade escolar entraram no salão, acompanhados pela Srta. Adderbury, uma mulher que se assemelhava a um ratinho cinzento, originalmente contratada para se encarregar da numerosa prole de Lady Ombersley quando Charles e Maria foram considerados com idade suficiente para dispensar os cuidados ciumentos da babá. Poder-se-ia julgar que vinte anos de permanência numa família, sob a proteção de uma patroa afetuosa e o estímulo do afeto de seus pupilos, teriam há muito tempo diminuído o nervosismo da Srta. Adderbury, porém o mesmo perdurou com o
passar do tempo. Nem todos os seus méritos — entre os quais se intuíam, além de um conhecimento suficiente de latim que lhe permitirá preparar os meninos para o colégio, o manejo hábil dos globos terrestres e do sistema planetário, instrução completa de teoria musical, competência para tocar piano e harpa o bastante para satisfazer os mais exigentes, e um talento considerável na pintura correta de aquarelas — lhe permitiam entrar no living sem um estremecimento interior ou conversar com Lady Ombersley em termos de igualdade. Os discípulos que se desenvolveram sob seus cuidados achavam maçantes a sua timidez e sua ansiedade para agradar, porém não conseguiam esquecer sua bondade nos tempos em que frequentavam as salas de aula, e sempre a tratavam com um sentimento que não era apenas de urbanidade. Assim, Cecília sorriu-lhe e Charles indagou:

— Bem, Addy, como vai você hoje? — Eram pequenas atenções que a faziam corar de prazer e gaguejar muito quando respondia.

Agora seus pupilos eram apenas três, pois Theodore, o filho mais jovem da família, fora enviado recentemente para Eton. Selina, donzela de 16 anos, de aparência atraente, foi sentar-se ao lado da irmã no banco do piano; Gertrude, aos 12 anos, prometendo rivalizar com Cecília em beleza, e Amabel, uma menina robusta de 10 anos, lançaram-se sobre o irmão, com ruidosas manifestações de prazer ao vê-lo, e lembretes um tanto ruidosos de uma promessa que ele lhes fizera de jogar loto da próxima vez que passasse uma noite em casa. A Srta. Adderbury, gentilmente convidada por Lady Ombersley a sentar-se ao lado do jogo, emitia um tímido som gutural, semelhante a um cacarejo, em sinal de reprovação por essa exuberância. Não tinha esperança de ser atendida, porém ficou mais calma ao observar que Lady Ombersley olhava o grupo em redor de Charles com um sorriso amoroso. Na realidade, Lady Ombersley desejava que Charles, tão popular com as crianças, pudesse resolver-se a ser igualmente gentil com o irmão e a irmã mais próximos dele em idade. No Natal tinha ocorrido uma cena bastante dolorosa, quando os débitos do pobre Hubert em Oxford foram descobertos.

A mesa de jogo fora preparada, e Amabel já estava contando as fichas de madrepérola sobre a toalha de baeta verde. Cecília pediu para ser dispensada do jogo, e Selina, que teria gostado de jogar, mas sempre considerava importante seguir o exemplo da irmã, afirmou que considerava o loto profundamente tedioso. Charles não deu atenção a isso, mas ao passar por trás do banco do piano, em sua ida para buscar as carteias que se achavam num armário alto de marchetaria, curvou-se para dizer algo no ouvido de Cecília. Observando com ansiedade, Lady Ombersley não pôde ouvir o que era, mas viu, com o coração desalentado, que tivera o efeito de fazer Cecília corar até a raiz dos cabelos, após o que ela se levantou do banco e dirigiu-se à mesa, dizendo que muito bem, jogaria um pouquinho. Assim, Selina também cedeu, e depois de pouquíssimos minutos as duas jovens faziam tanta algazarra quanto as menores, e riam o suficiente para fazer um observador imparcial pensar que uma havia esquecido a diferença de idades e a outra sua sensibilidade ferida. Lady Ombersley pôde afastar sua atenção da mesa e dedicar-se a um diálogo agradável com a Srta. Adderbury.

A Srta. Adderbury já soubera por Cecília da próxima visita de Sofia e era toda animação para comentar o assunto com Lady Ombersley. Compreendia os sentimentos da patroa sobre o acontecimento, unia-se a ela suspirando ante a situação melancólica de uma jovem órfã de mãe aos cinco anos; concordava com seus planos para acomodar e distrair a sobrinha e, ao mesmo tempo que deplorava a irregularidade na educação de Sophia, afirmava estar certa de que descobririam nela uma jovem muito encantadora.

— Sei que sempre posso contar com você, Srta. Adderbury — disse Lady Ombersley. — Um consolo e tanto para mim!

A Srta. Adderbury não fazia ideia do que Lady Ombersley ia exigir dela, mas não pediu esclarecimentos, o que foi bom, pois a patroa também não fazia ideia e proferira a frase gratificante levada apenas pelo desejo vago de agradar. A Srta. Adderbury replicou:

— Oh, Lady Ombersley! Tão bondosa!... Tão amável!... — e estava quase pronta a romper em lágrimas diante da prova de tanta confiança depositada numa pessoa tão insensível como ela. Com muito fervor esperava que Lady Ombersley jamais descobrisse que estimula uma serpente em seu seio; e, desconsolada, lamentava a carência de firmeza que a impossibilitava de resistir às persuasões da sua querida Srta. Rivenhall. Dois dias antes ela permitirá que o jovem Sr. Fawnhope se unisse ao grupo no passeio pelo Green Park, e, pior ainda, não fizera objeção a que ele ficasse para trás com Cecília. Na verdade, Lady Ombersley não mencionara a infeliz paixão de Cecília, nem ordenara que se repudiasse o Sr. Fawnhope; contudo a Srta. Adderbury era filha de um clérigo (misericordiosamente falecido) de rígidos e severos princípios morais, e ela sabia que essa desculpa apenas agravava sua falta.

Esses pensamentos foram interrompidos por uma nova observação feita por Lady Ombersley em tom baixo e com um olhar em direção à mesa de jogo na outra extremidade do aposento.

— Estou convencida de que não tenho necessidade de lhe dizer, Srta. Adderbury, que ultimamente temos andado um pouco inquietos devido a um desses caprichos a que as moças estão sujeitas. Não direi-mais nada, mas poderá avaliar o quanto ficarei contente ao receber minha sobrinha. Cecília tem estado muito sozinha, e as irmãs não têm idade para lhe servirem de companhia, como deve ocorrer com a prima. Tenho esperança de que, ao se esforçar por fazer a querida Sofia sentir-se à vontade entre nós — pois a coitadinha ficará lamentavelmente perdida no meio de uma família tão grande, acho eu —, e ao mostrar-lhe como deve proceder em Londres, ela terá muito com que se ocupar, dando outro rumo aos seus pensamentos.

Essa perspectiva só agora se apresentava à Srta. Adderbury, porem ela a recebeu com entusiasmo, e estava certa de que tudo correria exatamente como Lady Ombersley esperava.

— Oh, sim, de fato! — exclamou. — Nada poderia ser melhor! Tanta condescendência de sua parte... Pelo que a querida Srta. Rivenhall disse, pude deduzir... mas ela é uma jovem tão encantadora! Sei que irá devotar-se à prima menos afortunada! Para quando espera a Srta. Stanton-Lacy, querida Lady Ombersley?

— Sir Horace não pôde me dar uma informação muito precisa — respondeu Lady Ombersley. — Mas soube que ele pretende partir para a América do Sul quase que imediatamente. Sem dúvida minha sobrinha estará em Londres muito em breve. De fato, amanhã mandarei a governanta preparar um quarto para ela.


III

TODAVIA, FOI só uma semana depois da Páscoa que Sofia chegou a Berkeley Square. A única notícia recebida pela tia durante os dez dias intermediários foi um bilhete curto, escrito às pressas pelo irmão, informando-a de que a missão dele se atrasara um pouco, mas que ela seguramente veria a sobrinha logo. As flores que Cecília arrumara com muito capricho no quarto da prima murcharam e tiveram de ser jogadas fora; e a Sra. Ludstock, uma governanta meticulosa em seus cuidados, precisou arejar os lençóis duas vezes antes que, no meio de uma brilhante tarde de primavera, uma carruagem puxada por quatro cavalos, abundantemente salpicada de lama, parasse à porta da casa.

Aconteceu que Cecília e Selina tinham ido passear no parque com a mãe, e acabavam de voltar para casa cerca de cinco minutos antes. Todas três estavam a ponto de subir as escadas quando o Sr. Hubert Rivenhall desceu-as, saltitando e dizendo:

— Deve ser a prima, pois há uma bagagem enorme no teto da carruagem! Que cavalo! Santo Deus, jamais vi uma criatura de carne e osso tão extraordinária!

Esse discurso impulsivo fez as três mulheres olharem para ele com os olhos arregalados de espanto. O mordomo, que havia apenas um minuto se afastado do vestíbulo, voltou com seus auxiliares, caminhou pelo chão de mármore até a porta da frente, anunciando com uma reverência para sua patroa que ele suspeitava que a Srta. Stanton-Lacy acabava de chegar. Os auxiliares abriram as portas de par em par, e as senhoras tiveram uma nítida visão não só da carruagem de luxo com cavalos ajaezados e lacaios de libré, como também dos rostos espantados e curiosos dos membros mais jovens da família, que tinham estado jogando pingue-pongue no jardim da casa e agora se apinhavam junto às grades, contemplando, apesar dos protestos da Srta. Adderbury, o animal que fizera Hubert precipitar-se correndo pelas escadas.

A chegada da Srta. Stanton-Lacy sem dúvida foi impressionante. Quatro cavalos de corrida puxavam sua carruagem, dois criados a cavalo acompanhavam o veículo, e atrás vinha um palafreneiro de meia-idade, conduzindo um esplêndido animal negro. Os degraus da carruagem foram baixados, a porta se abriu e saltou um galgo italiano, seguido um instante depois por uma mulher de aparência lúgubre, segurando uma valise, três sombrinhas e uma gaiola. Por último, desceu a própria Srta. Stanton-Lacy, que, agradecendo ao lacaio que lhe oferecia a mão para ajudá-la, pediu-lhe para, em vez disso, segurar seu pobrezinho Jacko. Descobriu-se logo que o pobrezinho Jacko era um mico, o qual usava um casaco vermelho. No momento em que o pequeno animal começou a revelar-se para o grupo de crianças, elas passaram rapidamente pela escandalizada preceptora, escancararam o portão do jardim, e saíram para a rua, tropeçando umas nas outras e gritando:

— Um mico! Ela trouxe um mico!

Nessa altura, Lady Ombersley, imóvel como se estivesse enraizada na soleira da porta, percebeu, com violenta indignação, que a imagem que seu irmão, o cavalheiro de grande estatura e ampla compleição, tinha da filha era ilusória. A pequena Sophy de Sir Horace, sem sapatos, teria cerca de l ,70 de altura, e a constituição física da Sophy real revelava linhas generosas: uma criatura de pernas longas, busto farto, rosto risonho e abundância de cachinhos castanhos acetinados sob um dos mais vistosos chapéus que seus primos já tinham visto. Vestia uma pelica abotoada até o pescoço, uma estola de zibelina bem longa que lhe escorregava dos ombros, e um enorme regalo também de zibelina. Este, contudo, ela passou às mãos do segundo lacaio para poder cumprimentar melhor Amabel, que foi a primeira a alcançá-la. Aturdida, a tia observava-a inclinar-se graciosamente para a menina, apanhar suas mãos e dizer sorridente:

— Sim, sim, sou eu mesma, sua prima Sofia, mas por favor, queira me chamar de Sophy. Se alguém me chamar de Sofia vou me sentir desacreditada, o que é uma coisa muito desagradável. Como se chama você?

— Amabel, e oh, por favor, posso falar com o mico? — gaguejou a mais jovem Srta. Rivenhall.

— É claro que pode, pois eu o trouxe para você. Apenas seja um pouco gentil com ele no princípio, porque ele é tímido, sabe?

— Trouxe-o para miml — disse Amabel, com voz sufocada, muito pálida pela excitação.

— Para vocês todos — declarou Sophy, abraçando Gertrude e Theodore num sorriso afetuoso. — E também o papagaio. Vocês gostam mais de bichos do que de brinquedos e livros? Eu sempre gostei mais, por isso achei que provavelmente o mesmo aconteceria com vocês.

— Prima! — exclamou Hubert, intrometendo-se com a certeza fervorosa dos jovens de que a nova parenta avaliara seus gostos com uma precisão absolutamente sem precedentes, apesar da experiência que tinham com adultos. — Aquele cavalo é seu!

Ela virou-se, examinando-o com sinceridade descontraída, o sorriso ainda em seus lábios.

— Sim, é Salamanca. Gostou dele?

— Santo Deus! Eu diria que sim! É espanhol? Você o trouxe de Portugal?

— Prima Sophy, como se chama seu cachorrinho? Qual é a raça dele?

— Prima Sophy, o papagaio fala? Addy, será que podemos conservá-lo na sala de aula?

— Mamãe, mamãe, prima Sophy nos trouxe um mico!

Esta última exclamação ruidosa, de Theodore, fez Sophy olhar rapidamente ao seu redor. Ao perceber a tia e duas outras primas na entrada, ela subiu correndo os degraus, a exclamar:

— Querida tia Elizabeth! Queira me perdoar! Estava travando conhecimento com as crianças! Como vai? Sinto-me tão contente por estar com vocês! Obrigada por me deixar vir para cá!

Lady Ombersley ainda estava aturdida, agarrando-se febrilmente a uma imagem que se desvanecia com rapidez, da tímida sobrinha da sua imaginação; contudo, diante dessas palavras, aquela insípida imagem foi lançada no limbo das coisas não lamentadas e esquecidas. Apertou Sophy em seus braços, erguendo o rosto para o rosto afogueado mais alto que o dela, dizendo com voz trémula:

— Querida, querida Sophy! Tão alegre! Tão parecida com seu pai! Seja bem-vinda, querida, seja bem-vinda!

Inteiramente tolhida pela surpresa, só alguns instantes depois ela pôde dominar-se o bastante para apresentar Sophy a Cecília e Selina. Sophy arregalou os olhos ao ver Cecília e exclamou:

— Você é Cecília? Mas é tão bonita! Por que não me lembrava disso?

Cecília, que andava se sentindo bastante acabrunhada, começou a rir. Não se poderia desconfiar que Sophy dissesse coisas como aquela só para agradar. Ela dizia exatamente o que lhe vinha à cabeça.

— Bem, eu também não me lembrava! — retorquiu. — Pensei que fosse uma priminha trigueira, só pernas e cabelos emaranhados!

— Certo, mas sou isso... Oh, cabelos emaranhados não, talvez só pernas, garanto-lhe, e horrivelmente trigueira! Eu não me tornei uma beldade! Sir Horace diz sempre que devo abandonar quaisquer pretensões — Q ele é um juiz mesmo, saiba disso!

Sir Horace tinha razão. Sophy jamais seria uma beldade. Era muito alta; tanto o nariz quanto a boca eram grandes demais; e seus expressivos olhos cinzentos dificilmente seriam suficientes para compensar esses defeitos. Mas ninguém poderia esquecer Sophy, mesmo se não pudesse lembrar da forma do seu rosto ou da cor dos seus olhos.

Ela voltou-se novamente para a tia.

— Poderiam seus criados indicar a John Potton onde alojar Salamanca, senhora? Só por esta noite! E um quarto para ele mesmo? Providenciarei tudo logo que tiver aprendido a me desembaraçar!

O Sr. Hubert Rivenhall apressou-se a garantir-lhe que conduziria John Potton aos estábulos. Ela sorriu e agradeceu, e Lady Ombersley disse que havia lugar de sobra para Salamanca, e que ela não devia importunar a cabeça com tais assuntos. Mas Sophy parecia estar determinada a importunar sua cabeça, pois respondeu rapidamente:

— Não, não, meus cavalos não devem ser um fardo para a senhora, querida tia! Sir Horace encarregou-me particularmente de tomar minhas próprias providências, caso eu devesse manter um estábulo, e, na verdade, pretendo fazer isso! Contudo, por esta noite, seria tão gentil de sua parte!

Agora já havia o suficiente para fazer o cérebro da tia vacilar. Que espécie de sobrinha era essa que pretendia manter o próprio estábulo, tomar providências particulares, e que chamava o pai de Sir Horace? Foi aí que Theodore forneceu uma distração para as suas ideias, aparecendo com o apavorado mico preso nos braços. Pediu-lhe para falar com Addy que ele podia levar o animal para a sala de aula, visto que a prima Sophy o dera a eles. Lady Ombersley esquivou-se do mico, e disse debilmente:

— Meu querido, eu acho que não... oh, meu Deus, o que Charles irá dizer? Charles não é tão tolo para ter medo de um mico! — declarou Theodore. — Oh, mamãe, por favor, diga a Addy que podemos conservá-lo.

— Sei que Jacko não vai morder ninguém! — garantiu Sophy. — Eu o mantive a meu lado uma semana, e ele é uma criatura gentil! Não vai banilo, Srta... Srta. Addy? É o seu nome?

— Srta. Adderbury, mas sempre a chamamos de Addy! — explicou Cecília.

— Como vai? — Sophy cumprimentou, estendendo a mão. — Perdoe-me! Foi impertinência, porém eu não sabia! Permite que as crianças conservem o pobre Jacko?

Entre o desalento de ser obrigada a aceitar um mico na sala e o desejo de agradar essa moça tão resplandecente, que lhe sorria de maneira gentil e lhe estendia a mão com sincera afabilidade, a Srta. Adderbury perdeu-se num emaranhado de meias sentenças. Lady Ombersley disse que deviam consultar Charles, o que imediatamente foi interpretado como permissão para levar Jacko à sala de aula. Nenhuma das crianças tinha um conceito tão desagradável do irmão a ponto de acreditar que ele faria a menor objeção à presença desse animalzinho de estimação. Em seguida Sophy foi conduzida ao Salão Azul, onde imediatamente depositou sua estola e regalo de zibelina numa cadeira, desabotoou a pelica e retirou o elegante chapéu. Puxando-a afetuosamente para que se sentasse ao seu lado no sofá, a tia perguntou-lhe se estava cansada devido à longa viagem, e se gostaria de fazer uma pequena refeição.

— Não, obrigada! Nunca fico cansada, e embora fosse um pouco maçante, não posso considerar esta uma viagem! — respondeu Sophy. — Eu teria estado com a senhora esta manhã, mas fui obrigada a ir primeiro a Merton.

— Ir primeiro a Merton? — repetiu Lady Ombersley. — Mas por quê, meu bem? Você tem amigos lá?

— Não, não, mas Sir Horace assim o determinou especificamente!

— Minha querida, você sempre chama seu pai de Sir Horace? — perguntou Lady Ombersley.

Os olhos cinzentos começaram a dançar outra vez,

— Sempre não, se ele me deixa muito zangada eu o chamo de papai! — respondeu Sophy. — É a coisa que ele mais detesta! Pobre anjo, é bastante lamentável o fato de ele ficar sobrecarregado com uma filha, e ninguém poderia supor que aguentasse isso. — Ela percebeu que a tia ficara um pouco chocada, e acrescentou com sua franqueza desconcertante: — A senhora não aprova isso. Lamento muito, porém ele é um pai maravilhoso e eu o amo ternamente! Mas sabe, uma de suas máximas é que jamais se deve permitir que a parcialidade nos deixe insensíveis aos defeitos de uma pessoa.

A assustadora proposta de que uma filha devesse ser encorajada a observar as faltas do pai horrorizou tanto Lady Ombersley que ela não conseguiu pensar numa resposta. Selina, que gostava de chegar ao fundo das questões, perguntou por que Sir Horace desejara que Sophy fosse a Merton.

— Apenas para levar Sancia ao seu novo lar — explicou Sophy. — Foi por isso que vocês me viram com todos aqueles ridículos criados a cavalo, acompanhando a carruagem. Nada iria convencer a pobre Sancia de que as estradas inglesas não estão infestadas de bandidos e guerrilheiros!

— Mas quem é Sancia? — indagou Lady Ombersley, com certo desnorteamento.

— Oh, é a Marquesa de Villacanãs! Sir Horace não mencionou seu nome? A senhora vai gostar dela; na verdade, deve gostar dela! É bastante bronca e sobretudo indolente, como todos os espanhóis, porém tão bonita e tão bondosa! — Ela agora percebia que a tia estava inteiramente perplexa, e suas sobrancelhas retas e um tanto grossas se juntavam. — Não sabe? Ele não lhe contou? Ora, que indignidade da parte dele! Sir Horace vai casar-se com Sancia.

— O quê? — exclamou Lady Ombersley, com voz sufocada.

Sophy inclinou-se para a frente para tomar-lhe a mão e apertá-la, num gesto lisonjeiro.

— Isso mesmo, ele de fato vai se casar, e a senhora deve ficar contente, por favor, porque ela vai corresponder-lhe muito bem. É viúva e extremamente rica.

— Uma espanhola! — exclamou Lady Ombersley. — Ele jamais mencionou uma palavra disso para mim!

— Sir Horace diz que explicações são muito aborrecidas — disse Sophy, à guisa de desculpa. — Ouso afirmar que talvez achasse que levaria muito tempo explicando. Ou — ela acrescentou, com uma expressão maliciosa no olhar — que eu faria isso por ele!

— Nunca ouvi falar numa coisa dessas! — disse Lady Ombersley, quase levada à cólera. — Muito próprio de Horace! E quando, por favor, minha querida, ele pretende casar com essa marquesa?

— Bem — respondeu Sophy, muito séria —, imagino que foi por isso que ele não se interessou em explicar tudo à senhora. Sir Horace só pode se casar com Sancia quando eu não estiver mais nas mãos dele. É tão constrangedor, pobrezinho! Prometi esforçar-me ao máximo, mas não posso comprometer-me a casar com alguém de quem eu não goste! Ele compreende perfeitamente meus sentimentos. Isto direi a favor de Sir Horace, ele jamais é injusto!

Lady Ombersley tinha opinião muito forte de que essas observações de modo algum eram convenientes aos ouvidos de suas filhas, mas não via meio de detê-las. Selina, ainda se aprofundando nas questões, perguntou:

— Por que seu pai não pode se casar até que você o faça, Sophy?

— Por causa de Sancia — respondeu Sophy prontamente. — Sancia diz que não quer absolutamente ser minha madrasta.

Lady Ombersley foi atingida até o âmago do seu ser.

— Minha pobre filha! — exclamou, depositando a mão no joelho de Sophy. — Você é tão corajosa, mas pode confiar em mim! Ela tem ciúmes de você. Creio que os espanhóis possuem natureza ciumenta das mais chocantes! Que infortúnio para Horace! Se eu tivesse sabido disso! Ela não é bondosa, Sophy? Não gosta de você?

Sophy explodiu numa gargalhada.

— Oh, não, não, não! Estou certa de que jamais deixou de gostar de alguém em toda sua vida! O caso é que se ela se casar com Sir Horace enquanto eu ainda estiver sob a responsabilidade dele, todos vão esperar que ela se comporte comigo como mãe, e ela é preguiçosa demais! Além disso, com a melhor boa vontade do mundo eu também poderia continuar controlando Sir Horace, sua casa e tudo que estou acostumada a fazer. Discutimos sobre o assunto, e só posso ver que há muita verdade no que ela diz. Contudo, quanto a ciúmes, não mesmo! Ela é bonita demais para ter ciúmes de mim, e muito bondosa também. Diz que tem por mim o maior afeto imaginável, mas não quer compartilhar a mesma casa. Não a culpo. Por favor, não pense que a culpo!

— Ela me dá a impressão de um tipo muito estranho de mulher declarou Lady Ombersley de modo reprovador. — E por que vive em Merton?

— Oh, Sir Horace alugou lá a mais bela vila para Sancia! Ela pretende viver isolada até ele regressar à Inglaterra. Isso é porque — disse Sophy, com um gorgolejar de júbilo — Sancia é muitíssimo indolente. Permanece deitada na cama até a metade da manhã, come grande quantidade de doces, lê muitos romances e fica satisfeitíssima quando vê algum de seus amigos que se dão ao trabalho de visitá-la. Sir Horace diz que ela é a fêmea mais tranquila do seu círculo de amizades. — Sophy curvou-se para afagar seu cãozinho, que estivera o tempo todo sentado a seus pés. — Exceto Tina, é claro! Querida senhora, espero que goste de cães, sabe? Ela é muito boazinha, garanto, e não poderia desfazer-me dela!

Lady Ombersley garantiu-lhe que não fazia objeção a cães, mas não era de modo algum apreciadora de macaquinhos. Sophy riu e respondeu:

— Oh, meu Deus! Foi errado da minha parte trazê-lo para as crianças? Só que quando o vi, em Bristol, ele me pareceu ser exatamente o presente apropriado! E agora que o dei, acho que será difícil convencê-las a renunciar a ele.

Lady Ombersley achava que seria praticamente impossível, e como parecia não haver mais nada a ser dito sobre o assunto, e ela se sentia muito confusa com as diversas revelações da sobrinha, sugeriu que Cecília acompanhasse Sophy até o quarto dela, onde sem dúvida a jovem gostaria de descansar um pouco antes de mudar de vestido para o jantar.

Cecília levantou-se com entusiasmo, pronta a acrescentar seus argumentos aos da mãe se fosse necessário. Imaginava que Sophy não desejava descansar, pois o pouco que vira da prima bastara para convencê-la de que uma criatura de tão grande vitalidade raramente estaria necessitando de repouso. Porém sentia-se sobremodo atraída por Sophy e estava ansiosa para fazer amizade com ela o mais rápido possível. Assim, quando descobriram que a criada de Sophy desfazia as malas no quarto, pediu à prima que fosse ao quarto dela para conversarem um pouco. Selina, achando que não seria admitida a esse tête-à-tête, fez cara feia, mas afastou-se, encontrando consolo da ideia de que a ela caberia a tarefa agradável de descrever à Srta. Adderbury cada detalhe da conversa de Sophy no Salão Azul.

Cecília era de temperamento tímido, e embora suas maneiras carecessem da intimidante reserva que a diferenciava do irmão mais velho, jamais eram confidenciais. Contudo, poucos minutos depois ela se viu desabafando com a prima, revelando pelo menos alguns dos problemas da sua situação. Sophy ouviu-a com interesse e simpatia, mas a repetição constante do nome do Sr. Rivenhall pareceu confundi-la, e logo interrompeu para dizer:

— Queira me perdoar, mas esse Charles... não é seu irmão?

— Meu irmão mais velho — esclareceu Cecília.

— Bem, foi o que deduzi. Mas que direito tem ele de se manifestar dessa maneira?

Cecília suspirou.

— Logo descobrirá, Sophy, que nada pode ser feito nesta casa sem a aprovação de Charles. É ele quem dá ordens para tudo, providencia tudo, governa tudo!

— Ora, deixe-me entender isso! — replicou Sophy. — Meu tio não morreu, morreu? Estou certa de que Sir Horace jamais me contou a respeito.

— Oh, não morreu! Mas papai... eu não devia estar falando dele e, é claro, e não sei exatamente... mas acho que o pobre papai estava em dificuldades! De fato, eu sei que era isso, porque certa vez encontrei minha mãe muito aflita, e ela me contou alguma coisa, mas estava tão perturbada que mal sabia o que fazia. De um modo geral, jamais diria uma palavra sobre papai a qualquer um de nós... exceto Charles, imagino, e acho que Maria também, agora que é uma senhora casada. Exatamente nessa época meu tio-avô Mathew morreu, e deixou toda a fortuna para Charles, e não sei precisamente como foi, mas creio que Charles fez algo com hipotecas. Ô que quer que tenha sido, parece que colocou papai completamente sob o seu poder. E estou certíssima de que é Charles quem paga para Hubert e Theodore estudarem, além de saldar todas as dívidas, pois isso mamãe me disse.

— Meu Deus, como deve ser constrangedor para seu pai! — comentou Sophy. — Meu primo Charles parece a mais desagradável das criaturas.

— Ele é totalmente odioso! — disse Cecília. — Às vezes penso que sente prazer em deixar todos infelizes, pois não duvido que nos concede de má vontade o mínimo prazer, e só está ansioso para nos casar com homens respeitáveis com grandes fortunas, praticamente de meia-idade, sóbrios e que não fazem nada a não ser apanhar caxumba!

Como Sophy era muito inteligente para imaginar que esse discurso exacerbado era apenas de caráter geral, imediatamente pressionou Cecília a lhe contar mais sobre o homem respeitável com caxumba, e depois de pequena hesitação e muito rodeio, Cecilia não só revelou que um casamento entre ela e Lord Charlbury fora combinado (embora ainda não anunciado), mas também obsequiou-a com um retrato falado do Honorable Augustus Fawnhope que deve ter se assemelhado ao frenesi do delírio para alguém que ainda não tivera o privilégio de ver aquele rapaz bonito. Mas Sophy já conhecia o Sr. Fawnhope, e em vez de convencer a prima a deitar-se na cama com uma dose de calmante, ela disse da maneira mais prosaica:

— Sim, é verdade. Jamais vi Lord Byron, mas me disseram que ele não se compara ao Sr. Fawnhope. É praticamente o homem mais bonito que já vi.

— Conhece Augustus! — murmurou Cecilia, levando as mãos ao peito palpitante.

— Conheço... quer dizer, ele não me é estranho. Imagino que dancei com ele várias vezes em mais de um baile em Bruxelas, no ano passado. Ele não estava ligado a Sir Charles Stuart, ocupando uma determinada posição?

— Era um de seus secretários, mas Augustus é um poeta e, é claro, não tem jeito para negócios de Estado ou de finanças, uma circunstância que desagrada Charles sobremaneira, creio eu! Oh, Sophy, quando nos conhecemos... foi no Salão de Reuniões do Almack, e eu usava um vestido de cetim azul-celeste, todo enfeitado com botões de rosa bordados em linha de seda e laços de fio recurvo prateado... e no mesmo instante em que nos vimos... ele assegurou-me que aconteceu o mesmo com ele! Como poderia eu imaginar que haveria a maior objeção? Os Fawnhopes, você sabe! Ouso afirmar que estão aqui desde a Conquista ou algo semelhante! Se eu não ligo a mínima para coisas como fortunas ou títulos, que preocupação é essa de Charles?

— Absolutamente nenhuma — respondeu Sophy rapidamente. — Querida Cecília, não chore, peco-lhe! Diga-me apenas uma coisa! Sua mãe não gosta da ideia de você se casar com o Sr. Fawnhope?

— A minha querida mãe tem grande sensibilidade e estou certa de que ela deve condoer-se de mim! — anuiu Cecília, enxugando os olhos. — Ela praticamente me afirmou isso, mas não ousa opor-se a Charles! Eis, Sophy, o que prevalece nesta casa!

— Sir Horace está sempre certo! — disse Sophy, levantando-se e sacudindo as saias para alisá-las. — Desafiei-o a levar-me para o Brasil, você sabe, porque, confesso, eu não podia imaginar como conseguiria ocupar-me em Londres, sem nada mais para fazer a não ser distrair-me na casa de minha tia. Ele garantiu-me que eu encontraria algo com que me ocupar, e você pode ver que ele soube avaliar rigorosamente a situação! Será que ele ficou a par disso tudo? Minha querida Cecília... oh, posso chamá-la Cecy? Cecilia! Um nome muito comprido! Confie em mim! Você entregou-se a um acesso de desânimo e não existe a mínima necessidade! De fato, nada seria mais prejudicial numa situação difícil! Faz a pessoa imaginar que não há nada a ser feito, quando uma pequena dose de coragem é tudo que se precisa para conduzir as dificuldades a uma conclusão feliz. Preciso ir para o meu quarto e vestir-me para o jantar ou ficarei atrasada, nada é mais odioso do que um hóspede que chega atrasado às refeições!

— Mas, Sophy, o que pretende? — perguntou Cecilia, com voz sufocada. — O que pode fazer para me ajudar?

— Não tenho a mínima ideia, mas ouso afirmar uma centena de coisas. Tudo que me contou me faz crer que você se deixou dominar — vocês todos se deixaram — por um estado de melancolia chocante! Seu irmão! Santo Deus, onde vocês estavam que o deixaram transformar-se num tirano assim? Ora, eu não permitiria jamais que Sir Horace se tornasse prepotente, uma coisa que o melhor dos homens faz se as mulheres da família são tolas o suficiente para encorajá-los! Não é bom para eles, acaba por torná-los uns rematados maçantes! Charles é um rematado maçante? Estou certa de que deve ser! Não importa! Se o capricho dele é fazer casamentos vantajosos, ele vai procurar à sua volta um marido para mim, e isso irá distraí-lo. Cecy, por favor, venha até meu quarto! Sir Horace quis que eu escolhesse mantilhas para você e minha tia, e acho que, a esta altura, Jane já deve tê-las tirado das malas. Que boa ideia da minha parte ter escolhido uma de cor branca para você! Ainda estou bastante morena para usar o branco, mas você ficará encantadora!

Em seguida, arrastou Cecília para o seu quarto, onde encontrou as mantilhas cuidadosamente embrulhadas em papel prateado, uma das quais levou imediatamente ao quarto de vestir de Lady Ombersley, declarando que Sir Horace a encarregara de oferecer o presente, com todo seu amor à querida irmã. Lady Ombersley ficou encantada com a mantilha, preta e particularmente bonita; e muito comovida (como mais tarde disse a Cecília) com a mensagem que viera junto, não acreditando em uma só palavra, mas que demonstrou, disse ela, a delicadeza atenciosa da sobrinha.

À hora em que Sophy já mudara seu traje de viagem por um vestido de noite de crepe verde-claro, festonado na barra com um precioso enfeite de seda e um cordão de vários fios torcidos e borlas para marcar a cintura, Cecilia completara a própria toalete e estava esperando para acompanhá-la ao living no andar de baixo. Sophy procurava fechar um colar de pérolas no pescoço, enquanto a lúgubre criada, suplicando-lhe para não ficar tão agitada, se ocupava em abotoar na altura dos punhos as luvas de cano longo. Cecilia, trajada com elegância, porém não exageradamente, em musselina estampada de raminhos e com uma faixa azul, calculou invejosamente que o vestido de Sophy fora feito em Paris. Estava absolutamente certa; quase todos os vestidos de Sophy eram de Paris.

— Um consolo, ao menos — disse Cecilia ingenuamente —, é que vai desagradar muito a Eugenia.

— Santo Deus, quem é Eugenia? — exclamou Sophy, voltando-se repentinamente no tamborete da penteadeira. — Por que desagradaria a ela? Não o acha feio, acha?

— Srta. Sophy, com os diabos, quer ficar quieta? — atalhou Jane Storridge, dando-lhe uma sacudidela.

— Não, é claro que não acho! — respondeu Cecilia. — Mas Eugenia nunca usa vestidos modernos. Diz que existem coisas mais importantes para se pensar do que em vestidos.

— Que coisa idiota para se dizer! — comentou Sophy. — Naturalmente que há, mas não quando alguém está se vestindo para o jantar, creio eu. Quem é ela?

— A Srta. Wraxton. Charles está noivo dela, e mamãe mandou me avisar alguns minutos atrás que ela vai jantar aqui hoje. Todos nós nos esquecemos disso no alvoroço da sua chegada. Acho que ela já deve estar no living, pois é sempre muito pontual. Você está pronta? Vamos descer?

— Se ao menos a minha querida Jane pudesse apressar-se um pouco! — replicou Sophy, estendendo o outro braço para a criada e lançando um olhar maroto para a Srta. Storridge, cujo rosto exibia uma expressão de censura.

A criada sorriu um tanto severa, mas nada disse. Abotoou os botõezinhos, ajeitou a echarpe bordada com fio dourado, de modo a criar um drapeado, nos cotovelos da sua patroa, e assentiu ligeiramente com a cabeça em sinal de aprovação. Sophy curvou-se e beijou-a no rosto, dizendo:

— Obrigada! Vá deitar-se, não pense que a deixarei me despir, garanto-lhe que não deixarei! Boa noite, querida Jane!

Muito espantada, Cecília disse, enquanto desciam as escadas: — Quero crer que ela está com você há muito tempo, não? Desconfio que mamãe ficaria boquiaberta se visse você beijar sua criada!

Sophy ergueu as sobrancelhas ao ouvir isso.

— É mesmo? Jane era a criada de minha mãe, e minha bondosa babá quando mamãe morreu. Espero não fazer nada pior para deixar minha tia boquiaberta.

— Oh! É claro que ela compreenderia perfeitamente as circunstâncias! — Cecília apressou-se em dizer. — Só que me pareceu tão estranho, você sabe?

Uma faísca decidida no olhar firme da prima parecia indicar que ela não gostara muito daquela crítica à sua conduta, mas como já haviam chegado à porta da sala de estar, ela se manteve calada enquanto a introduziam no aposento.

Lady Ombersley, seus dois filhos mais velhos e a Srta. Wraxton formavam um grupo, sentados ao redor do fogo. Quando a porta se abriu, todos se voltaram, e os dois cavalheiros levantaram-se — Hubert fitando a prima com admiração sincera, Charles examinando-a com ar crítico.

— Aproxime-se, querida Sophy! — Lady Ombersley disse, num tom cordial. — Veja, estou usando sua linda mantilha e não o meu xale! Que renda delicada! A Srta. Wraxton a esteve admirando muito. Minha querida Eugenia, permita-me apresentar-lhe a Srta. StantonLacy. Cecília já lhe deve ter contado, Sophy, que logo teremos o prazer de receber a Srta. Wraxton como membro da nossa família.

— Contou, realmente! — confirmou Sophy, sorrindo, e estendendo a mão. — Desejo que seja muito feliz, Srta. Wraxton, e meu primo também. — Depois de ter apertado rapidamente a mão da Srta. Wraxton, virou-se e estendeu-a novamente para Charles. — Como vai?

Ele cumprimentou-a, e descobriu que estava sendo examinado exatamente da mesma maneira crítica como o fizera. Isso o surpreendeu, mas divertiu-o também, e ele sorriu.

— Como vai? Não direi que me lembro muito bem de você, prima, porque estou certo de que nenhum de nós guardou a mínima lembrança do outro. ,

Ela riu.

— É bem verdade! Nem mesmo tia Elizabeth conseguiu lembrar-se de mim! Primo... Hubert, não é?... diga-me, por favor, como estão Salamanca e John Potton. Cuidou para ambos ficarem alojados em segurança?

Ela afastou-se um pouco para o lado, ao falar com Hubert. Lady Ombersley, que estivera observando o filho com ansiedade, ficou aliviada ao ver que ele parecia perfeitamente amável, até mesmo bastante compreensivo. Um meio sorriso permanecia em seus lábios, e ele continuou a observar Sophy até que a noiva chamou sua atenção.

A Honorable Eugenia Wraxton era uma moça esguia, de altura um pouco acima da média, que estava acostumada a se ver descrita como uma jovem alta e elegante. Seus traços eram aristocráticos e, de um modo geral, consideravam-na bonita embora um pouco insípida. Estava trajada adequadamente, porém com grande modéstia; seu vestido de crepe cinza, com matiz sóbrio, parecia indicar um estado de luto. O cabelo, que ela usava em bandós caprichados, tinha uma tonalidade suave entre o castanho e o louro; possuía mãos e pés longos e finos; e um busto magro que, entretanto, raramente era visto, pois sua mãe se opunha tenazmente aos decotes amplos como (por exemplo) o que a Srta. Stanton-Lacy estava usando. Era filha de um conde, e embora fosse sempre cuidadosa para não demonstrar orgulho, tinha plena consciência do seu valor. Suas maneiras eram graciosas, e ela se esforçava para deixar as pessoas à vontade. Sua intenção fora ser especialmente encantadora com Sophy, mas, ao se levantar para cumprimentá-la, fitou-a com um ar de soberba espontânea que muito lhe dificultou expressar o encanto. Por um instante sentiu-se um pouco perturbada, mas logo superou isso e disse a Charles em voz baixa, com seu sorriso tranquilo:

— Como a Srta. Stanton-Lacy é alta! Sinto-me até menor.

— Sim, é bem alta — ele confirmou.

A noiva não pôde deixar de ficar satisfeita; aparentemente, Charles não admirava a prima. Embora Eugenia percebesse, num exame mais apurado, que Sophy não era tão bonita quanto ela, sua primeira impressão fora a de uma jovem notável. Percebia agora que ficara seduzida pelo tamanho e brilho dos olhos de Sophy; contudo, as demais características eram menos impressionantes. Comentou:

— Um pouco, talvez, mas é muito graciosa.

Nesse momento Sophy foi sentar-se ao lado da tia, e Charles avistou o fantástico cãozinho galgo que estivera grudado às saias da moça, parecendo não gostar muito de estranhos. Ele ergueu as sobrancelhas e disse:

— Parece que temos duas hóspedes. Qual o nome dela, prima?

Estendeu a mão para afagar o cãozinho, porém Sophy disse:

— Tina. Receio que ela não irá com você, é muito tímida.

— Oh, ela virá, sim! — respondeu ele, estalando os dedos.

Sophy achou o ar de fria segurança do rapaz muito irritante, mas quando viu que ele estava certo, que a cachorrinha, com ar coquete, externava ofertas de amizade, ela o perdoou e sentiu-se inclinada a pensar que ele não podia ser tão mau como diziam.

— Que amor de criaturinha! — exclamou a Srta. Wraxton, amável. — De um modo geral, não gosto de animais dentro de casa. Minha mãe, querida Lady Ombersley, como sabe, jamais permitiu um gato sequer, mas estou certa de que este bichinho seria uma exceção.

— Mamãe tem predileção por filhotes de cachorro — disse Cecília. — Quase sempre temos um, não é, mamãe?

— Do tipo buldogue anão, gordos e supernutridos — disse Charles, fazendo uma careta para a mãe. — Confesso que prefiro esta dama elegante.

— Oh, este não é o filhote mais famoso de prima Sophy — declarou Hubert. — Espere só, Charles, até você ver o que ela trouxe de Portugal!

Lady Ombersley mexeu-se inquieta, pois ainda não revelara ao filho mais velho a novidade de que um mico num casaco vermelho era agora o soberano da sala de aula. Porém Charles disse apenas:

— Sei que trouxe seu cavalo também, prima. Hubert não fala noutra coisa. Espanhol?

— Sim, e treinado por um mameluco maometano. É muito bonito.

— Garanto que você é excelente amazona, prima! — Hubert disse.

— Não sei se sou. Mas tenho sido obrigada a cavalgar muito.

Naquele exato momento a porta abriu-se, mas não, como Lady

Ombersley esperava, para o mordomo participar que, para o seu prazer, o jantar os aguardava. Quem entrou foi o marido, declarando que viera ver apressadamente sua pequena sobrinha antes de dirigir-se ao White's. Lady Ombersley achava que ele não devia ter recusado jantar em casa em atenção à Srta. Wraxton, nem precisava acrescentar esse insólito comportamento, contudo, não deixou a irritação transparecer, dizendo apenas:

— Ela afinal não é tão pequena, meu bem, como pode ver.

— Santo Deus! — exclamou ele, quando Sophy se levantou para cumprimentá-lo. Depois desatou a rir, abraçou-a, e disse: — Ora, ora, ora! Você é quase tão alta quanto seu pai, minha querida! E também muito parecida com ele, agora que a vejo melhor!

— Srta. Wraxton, Lord Ombersley — disse a esposa, com ar de desagrado

— Hein? Oh, sim, como vai? — cumprimentou, concedendo uma alegre inclinação de cabeça à Srta. Wraxton. — Considero-a desde já membro da família e não faço cerimónia com você. Venha sentar-se ao meu lado, Sophy, e conte-me como está seu pai!

Em seguida, levou Sophy para um sofá e mergulhou numa conversa animada, recordando incidentes de trinta anos passados, rindo sinceramente deles, com toda a aparência de alguém que esquecera o compromisso de jantar no clube. Estava sempre bem-disposto para jovens bonitas, e quando acrescentavam vivacidade ao encanto e adivinhavam exatamente como ele gostava de conduzir um flerte, ele se divertia muito na companhia delas e não tinha pressa em deixá-las. Dassett, ao entrar poucos minutos depois para anunciar o jantar, compreendeu a situação imediatamente e, após trocar um olhar com a patroa, retirou-se para providenciar a colocação de mais um lugar à mesa. Quando retornou para fazer agora o anúncio, Lord Ombersley exclamou:

— O quê? Já é hora de jantar? Declaro que jantarei em casa, sem dúvida!

A seguir conduziu Sophy pelo braço, ignorando os direitos de primazia da Srta. Wraxton a essa honra; e enquanto ocupavam seus lugares à mesa de jantar, pediu à sobrinha para informá-lo sobre a fantasia que tinha invadido a cabeça do pai, levando-o a ir para o Peru.

— Peru não, senhor. Para o Brasil — replicou Sophy.

— É quase a mesma coisa, minha querida, e igualmente longe! Jamais conheci um sujeito que viajasse tanto como ele pelo mundo inteiro! Da próxima vez estará indo para a China!

— Não, Lord Amherst foi para a China — informou Sophy. — Em fevereiro, creio. Sir Horace foi indicado para o Brasil porque conhece perfeitamente a questão portuguesa e esperam que seja capaz de convencer o regente a voltar para Lisboa. Ó marechal Beresford tornou-se extremamente impopular, como sabe. Não admira! Ele não é do tipo conciliador e não tem um pingo de tato.

— O marechal Beresford — a Srta. Wraxton informou a Charles, numa voz bem modulada — é amigo de meu pai.

— Então deve perdoar-me por dizer que ele não tem tato — disse Sophy imediatamente, com o seu rápido sorriso. — É bem a verdade, mas ninguém jamais duvidou que seja homem de muitas e excelentes qualidades. Lamentável é que tenha feito um papel de tolo.

Isso fez Lord Ombersley e Hubert rirem, porém a Srta. Wraxton enrijeceu um pouco e Charles lançou um olhar carrancudo para o outro lado da mesa, em direção à prima, como se estivesse reconsiderando a primeira impressão favorável que tivera dela. A noiva, que sempre se conduzia com rígido decoro, não conseguia, mesmo naquela reunião familiar, conversar com as pessoas do lado oposto da mesa. Mas demonstrou sua educação superior ao ignorar a observação de Sophy, iniciando um diálogo com Charles sobre Dante, com particular referência à tradução do Sr. Cary. Ele a ouvia com delicadeza, e quando Cecília, seguindo o exemplo informal da prima, juntou-se à conversa para expressar a própria preferência pelo estilo de Lord Byron, Charles não fez nenhum esforço para censurá-la, ao contrário, pareceu acolher com muito prazer sua entrada na discussão. Sophy aplaudiu com entusiasmo o gosto de Cecília, declarando que seu exemplar de The Corsair fora manuseado a ponto de correr o risco de desintegrar-se. A Srta. Wraxton disse que não podia dar uma opinião sobre os méritos desse poema, uma vez que a mãe não permitia nenhuma obra desse autor na sua casa. Como as histórias sobre as dificuldades conjugais de Lord Byron estavam entre as mais escandalosas, on dit, da cidade — o boato de tal forma espalhado que, mediante fervorosas solicitações dos amigos, Lord Byron pretendia deixar logo o país —, essa observação imediatamente fez o assunto parecer indesejavelmente vulgar, e todos ficaram aliviados quando Hubert, negando qualquer apreço pela poesia, ficou eufórico ao falar sobre o excelente romance Waverley. Aqui, novamente, a Srta. Wraxton foi incapaz de esclarecer o grupo com uma crítica abalizada, porém, cheia de graça, disse que acreditava ser essa obra, como romance, certamente excepcional. Então Lord Ombersley disse que todos eram muito livrescos, mas que o Guia Turfístico, de Ruff, era boa leitura para ele, e afastou Sophy da conversa ao fazer-lhe perguntas sobre velhos amigos seus, os quais, por adornarem agora várias embaixadas, ela talvez fosse a pessoa indicada para informar.

Depois do jantar, Lord Ombersley não compareceu à sala de estar. As exigências do faraó, seu jogo de cartas predileto, mostravam-se irresistíveis demais para serem ignoradas, e a Srta. Wraxton, com muito encanto, pediu que deixassem as crianças descer, acrescentando com um sorriso para Charles que não tivera a felicidade de ver seu amiguinho Theodore desde que ele chegara em casa para as festas da Páscoa. Contudo, quando o amiguinho apareceu, um pouco depois, ele trazia Jacko no ombro, o que a fez encolher-se na cadeira e proferir uma exclamação de protesto.

Chegara o momento terrível da revelação — e, graças (Lady Ombersley refletiu amargamente) ao lamentável descontrole da Srta. Adderbury sobre seus jovens pupilos, numa ocasião totalmente errada. Charles, a princípio inclinado a achar graça, mudou de juízo rapidamente devido à evidente reprovação da Srta. Wraxton. Ele disse que, por mais ambientado à sala de aula que um mico pudesse ser, uma questão a discutir mais tarde, não era uma criatura que se ajustasse ao living de sua mãe, e mandou Theodore, num tom que não admitia argumentação, retirar Jacko imediatamente. Uma carranca mal-humorada dominou o semblante de Theodore, e, por um horrível instante, a mãe receou ficar em estado de grande agitação, à beira de umacena desagradável. Mas Sophy rapidamente ajudou na emergência, dizendo:

— Sim, leve-o para cima, Theodore! Eu devia ter prevenido você que a coisa que ele mais detesta é ser levado à presença de muitas pessoas! E por favor, apresse-se, pois vou ensinar a vocês um famoso jogo de cartas que aprendi em Viena!

Enquanto falava, ia empurrando o menino para fora da sala, e fechou a porta atrás dele. Ao voltar-se, viu que Charles a fitava com expressão glacial, e disse:

— Caí no seu desagrado por trazer para as crianças um animalzinho que você não aprova? Asseguro-lhe, o mico é realmente bonzinho; você não precisa ter medo dele!

— Não tenho o menor medo dele! — replicou Charles rispidamente. — Extremamente amável de sua parte ter presenteado as crianças com um mico!

— Charles, Charles! — pediu Amabel, puxando a manga do seu paletó. — Ela nos trouxe também um papagaio, e ele fala admiravelmente! Só que Addy colocou o xale dela sobre a gaiola, dizendo que marinheiros rudes e malcriados o devem ter ensinado a falar. Diga a ela para não cobri-lo!

— Oh, santo Deus, estou praticamente arruinada! — Sophy exclamou, num cómico desalento. — E o homem garantiu que a deplorável ave não diria nada que fizesse alguém corar! Bem, o que deve ser feito?

Mas Charles ria. Disse:

— Precisa repetir suas orações para ele todos os dias, Amabel, para colocá-lo em melhor disposição de espírito. Prima, meu tio Horace nos informou que você era boazinha, que não nos causaria problemas. Está conosco menos da metade de um dia. Estremeço ao pensar na devastação que terá provocado no final de uma semana!


IV

NÃO SE PODERIA dizer que o jantar da família de Lady Ombersley fora um sucesso completo, contudo deu origem a muita especulação na mente da maioria dos que estiveram presentes a ele. A Srta. Wraxton, que agarrara a oportunidade proporcionada pelo resto do grupo sentado para um jogo de cartas para aproximar-se de sua futura sogra e entabular uma conversa com ela em voz baixa, voltou para sua casa bastante convencida de que por menos mal-intencionada que Sophy pudesse ser, ela fora pessimamente educada e tinha necessidade de orientação exercida com diplomacia. Revelara a Lady Ombersley que lamentava realmente o fato de que o infortúnio em sua família adiara o dia do seu casamento, pois sentia, com toda a sinceridade, que teria sido um amparo e um conforto para a sogra na sua atual aflição. Quando Lady Ombersley disse, um tanto desafiadora, que não achava a visita da sobrinha uma aflição, a Srta. Wraxton sorriu-lhe para demonstrar quão bem compreendia a corajosa atitude que ela estava determinada a mostrar ao mundo, apertou-lhe a mão e disse que aguardava com ansiedade o momento em que poderia aliviar a querida Lady Ombersley das muitas obrigações que agora caberiam a ela. Como isso só podia se referir ao plano do jovem casal de ocupar um andar da mansão da família, uma profunda depressão abateu-se sobre Lady Ombersley. Não seria uma decisão fora do comum, porém ela conhecia muitos exemplos onde o fracasso de tal arranjo fora provado, notadamente na família Melbourne. Sem dúvida a Srta. Wraxton não tornaria a casa Ombersley abominável com espasmos histéricos ou escândalos assustadores, mas Lady Ombersley obteve pouco conforto dessa certeza. Quase tão insuportável quanto o comportamento frenético de Lady Caroline Lamb seria a determinação da Srta. Wraxton de exercer uma influência benéfica sobre os cunhados e cunhadas e sua convicção de que tinha o dever de carregar nos próprios ombros muitos dos fardos que Lady Ombersley não estava de modo algum ansiosa por abandonar.

Charles, que apreciara a séria conversa de alguns minutos com a noiva antes de conduzi-la a carruagem no final da noite, foi para a cama levando sentimentos confusos. Podia reconhecer a justiça da crítica de Eugenia, mas, uma vez que ele mesmo tendia à franqueza, estava inclinado a apreciar as maneiras francas e honestas de Sophy, e, obstinadamente, recusava-se a concordar com a ideia de que ela se punha em evidência de modo errado. Não achava absolutamente que Sophy o fazia de propósito, mas não era difícil ver que ela começava a introduzir uma atmosfera totalmente nova na casa. Era inegável que fazia isso. E ele não estava certo se aprovava.

Quanto à própria Sophy, recolheu-se ao seu quarto com algo mais para pensar do que seu anfitrião. Parecia-lhe que fixara residência numa casa infeliz. Cecília julgava Charles responsável por isso, e sem dúvida ele era. Todavia, Sophy já não era mais uma colegial, e levara apenas 10 minutos para avaliar Lord Ombersley. Sem dúvida, Charles tivera muito que tolerar da parte dele; e uma vez que o resto de sua família o reverenciava claramente, não era de admirar que um temperamento naturalmente severo e autocrático, por conseguinte irreprimido, o tivesse transformado num tirano doméstico. Sophy não podia acreditar que ele fosse irrecuperável, pois não só Tina fizera amizade com ele, como também, quando ele ria, toda a sua personalidade apresentava uma mudança. O pior que até então sabia sobre ele era que escolhera para noiva uma jovem muito insossa. Lamentava que um rapaz tão promissor fosse unir-se a alguém que se encarregaria de encorajar ainda mais os aspectos desagradáveis do seu caráter.

Quanto às crianças, não havia necessidade de se preocupar, decidiu, mas sua inteligência atilada a informara, no transcorrer da noite, que nem tudo estava bem com o Sr. Hubert Rivenhall. Tinha forte desconfiança de que certos problemas ocultos o perturbavam. Ele podia esquecer isso enquanto admirava Salamanca ou ao participar de um jogo ridículo com os irmãos menores, mas quando nada mais ocupava sua mente, a perturbação voltava a introduzir-se furtivamente, após o que ficava emudecido até que alguém olhasse para ele, e então, no mesmo instante, começava a falar de novo, animado, superalegre, daquele jeito que parecia satisfazer os parentes. Guiada por seu conhecimento de jovens oficiais, Sophy acreditava que ele provavelmente estava metido em alguma encrenca tola, na verdade muito menos séria do que imaginava. É claro que ele devia contar tudo ao irmão mais velho, pois ninguém duvidava, ao observar o Sr. Rivenhall, que ele era competente para lidar com qualquer problema; porém, visto que Hubert estava obviamente com medo de assim proceder, seria uma ótima medida convencê-lo a confiar em sua prima.

Depois, havia Cecília, tão encantadora e tão desamparada! O caso dela talvez fosse muito mais difícil de resolver a contento. Educada numa escola muito diferente, Sophy achava iníquo forçar uma moça a um casamento desagradável; entretanto, de modo algum estava determinada a favorecer as pretensões de Áugustus Fawnhope. Extremamente prática, Sophy não podia achar que o Sr. Fawnhope seria um marido satisfatório, pois carecia de meios palpáveis de sustento e estava propenso, quando sob a influência de sua Musa, a esquecer considerações mundanas tais como jantares de compromisso ou transmissão de recados importantes. Contudo, certamente seria preferível a um homem de meia-idade com caxumba, e se a paixão de Cecília por ele provasse ser mais do que um mero capricho, pediria aos seus amigos que encontrassem para o rapaz uma colocação bem remunerada e distinta na qual sua bela pessoa e o encanto das suas maneiras seriam mais importantes do que seus hábitos pouco práticos. Sophy ainda estava a pensar nessa colocação quando adormeceu.

Na mansão Ombersley, o café da manhã era servido em uma sala nos fundos da casa. Apenas as três senhoras sentaram-se à mesa às 9:00; pois Lorde Ombersley, um homem de hábitos notívagos, jamais deixava o quarto antes do meio-dia, e seus dois filhos mais velhos já tiniham tomado o café havia uma hora e partido para uma cavalgada no parque.

Lady Ombersley, cuja saúde sofrível transformava em raridades as noites de repouso em sua vida, empregara parte de suas horas de vigilia planejando distrações para a sobrinha, e, enquanto molhava torradas simples, da espessura de um dedo, no chá, apresentou um plano para uma festa à noite, incluindo dança. Os olhos de Cecília brilharam, mas, um tanto cética, disse:

— Se Charles permitir!

— Minha querida, sabe que seu irmão não se opõe a nenhum divertimento razoável. Eu não quis dizer que daríamos um baile para muitos convidados, é claro.

Sophy, que ficara observando com certa admiração o lânguido consumo de torradas e chá pela tia, replicou:

— Querida senhora, eu preferiria infinitamente mais que não se preocupasse por minha causa!

— Estou mesmo querendo dar uma festa dedicada a você — retrucou Lady Ombersley firmemente. — Prometi a seu pai que o faria. Além disso, gosto muito de receber em minha casa. Asseguro-lhe, em geral não somos tão sossegados como você nos vê no momento. Quando apresentei Maria à sociedade, demos um baile, duas grandes recepções noturnas, um café da manhã veneziano e uma dança de máscaras! Mas na ocasião — acrescentou, com um suspiro — a pobre prima Mathilda ainda vivia, e foi ela quem enviou todos os convites e providenciou tudo com a Gunter's. Lamento muito sua falta. Uma pneumonia causou-lhe a morte, você sabe.

— Não, mas se é isso que a perturba, senhora, por favor, não pense mais no assunto! — disse Sophy. — Cecy e eu providenciaremos tudo, a senhora só terá de escolher o vestido que vai usar e receber os convidados.

Lady Ombersley chegou a pestanejar.

— Mas, meu bem, você não seria capaz de...

— Seria, sim! — afirmou Sophy, sorrindo afetuosamente para a tia. — Ora, tenho cuidado de todas as festas de Sir Horace desde os meus 17 anos! E isso me faz lembrar de algo que preciso fazer imediatamente! Onde posso localizar o Banco Hoare, tia Lizzie?

— Localizar o Banco Hoare? — repetiu Lady Ombersley, aturdida.

— Em nome de Deus, para que quer saber isso? — perguntou Cecilia.

Sophy pareceu um pouco surpresa.

— Bem, para apresentar a carta de autorização de Sir Horace, é claro! — ela respondeu. — Tenho que fazer isso imediatamente, do contrário posso encontrar-me inteiramente em falta. — Notou que a tia e a prima pareciam mais perplexas do que nunca, e ergueu as sobrancelhas. — Mas eu disse algo errado? — indagou, entre divertida e desolada. — Os Hoare, vocês sabem! Sir Horace mantém conta bancária com eles!

— Sim, minha querida, não nego que ele pode manter, mas você não tem uma conta bancária! — protestou Lady Ombersley.

— Não, graças a Deus! É algo tão maçante! Contudo, estabelecemos que eu retiraria da conta de Sir Horace para as minhas necessidades. Ê para as despesas da casa, é claro, mas no momento não temos casa — esclareceu Sophy, espalhando manteiga com generosidade na quarta fatia de pão.

— Minha querida! As jovens jamais... ora, eu mesma nunca em minha vida entrei no banco do seu tio! — confessou Lady Ombersley, profundamente agitada.

— Não? — admirou-se Sophy. — Talvez prefira saldar todas as contas ele mesmo? Nada aborrece mais Sir Horace do que estar atendendo a solicitações de dinheiro! Há anos ensinou-me a entender de negócios, e assim vivemos muito felizes. — Sua testa vincou-se. — Espero que Sancia aprenda a administrar para si mesma. Pobre anjo! Ela vai detestar quando tiver que analisar as contas e pagar todos os salários.

— Nunca ouvi uma coisa dessas! — declarou Lady Ombersley. — Com efeito, Horace... mas esqueçamos isso! Minha querida, você não precisará retirar dinheiro enquanto estiver comigo!

Sophy não pôde deixar de rir ante a clara convicção da tia de que o Banco Hoare devia ser um antro de vício, porém disse:

— Na verdade, precisarei de dinheiro! A senhora não faz ideia do quanto sou dispendiosa! E Sir Horace preveniu-me muito especialmente para não me tornar um fardo em sua casa.

Cecília, cujos olhos se arredondaram maravilhados, perguntou:

— Seu pai não estabelece limites para o que você deve gastar?

— Não, e como poderia, se está sempre viajando, inabordável, incapaz de fazer ideia do que posso precisar de repente? Ele sabe que não me excederei. Mas não pretendia aborrecê-las com meus assuntos! Só me digam em que parte da cidade o Hoare está situado, por favor!

Felizmente, uma vez que nenhuma das duas mulheres tinha a mínima ideia do local onde se achava qualquer banco, o Sr. Rivenhall entrou na sala nesse momento. Usava um traje de cavalgar e vinha apenas perguntar se a mãe tinha alguma incumbência para executar na cidade. Ela não queria nada, mas não hesitou (a despeito da sua provável reprovação) em revelar-lhe o inusitado desejo de Sophy, que pedia instruções para ir ao Banco Hoare. O jovem aceitou isso com serenidade e até se maravilhou ao saber que a prima tinha autorização para sacar da conta do pai. Ele disse:

— É pouco comum! — mas pareceu mais achar graça do que reprovar. — O Banco Hoare fica em Temple Bar — acrescentou. — Se sua necessidade for urgente, eu mesmo vou à cidade esta manhã e ficarei feliz em acompanhá-la.

— Obrigada! Se minha tia não fizer objeção, aceito com prazer a sua companhia. Quando deseja ir?

— Aguardarei suas ordens, prima — ele respondeu educadamente.

Essa urbanidadc era de bom augúrio para o passeio e permitiu que Lady Ombersley, sempre inclinada a sei otimista, alimentasse a esperança de que Charles se entregara a uma das suas raras simpatias. Sem dúvida ele mostrou-se disposto a te-la em consideração ao descobrir que a moça não o deixaria esperando; ela, por sua vêz, não poderia fazer um péssimo juízo de um homem que conduzia tão esplêndida parelha de cavalos em sua carruagem. Tomou lugar ao lado dele no veículo; o palafreneiro assumiu seu posto atras, num impulso, quando os cavalos passaram por ele numai arremetida subita. Sophy, que era uma boa condutora, manteve-de em silencio criterioso, porém não depreciativo, enquanto Charles controlava o primeiro entuiasmo de seus cavalos. Embora reservasse sou julgamento final até que o visse dirigir um tandem, carruagem puxada por dois oavalos om fila, ou uma carruagem puxada por quatro cavalos, ela achou que podia depositar confiança na capacidade dolo paia ajuda Ia a oomptai animais de tração para seu próprio uso, e foi dizendo:

— Preciso comprar uma carruagem e hesito em escolher uma puxada por dois cavalos ou um faeton com assento elevado para o condutor. Qual delas você recomenda, primo?

— Nenhum dos dois — ele respondeu, equilibrando os animais ao dobrarem uma esquina da rua.

— Oh! — exclamou Sophy, um tanto surpresa. — Qual, então?

Ele olhou-a de relance.

— Não está falando sério, está?

— Não estou talando sério? É claro que estou!

— Se deseja dirigir, qualquer dia a levairei ao parque — disse ele. — Espero encontrar um cavalo, ou mesmo uma parelha, sossegada O bastante para uma dama conduzir.

— Oh, receio que não vai me servir! — respondeu Sophy, sacudindo a cabeça.

— É mesmo? Por que não?

— Talvez eu possa excitar o cavalo — replicou Sophy docemente.

Por um momento ele ficou confuso. Depois riu e disse:

— Queira perdoar. Não tive intenção do ofendê-la. Mas você não precisa de uma carruagem em Londres. Certamente sairá com minha mãe, e se desejar sair sozinha, por alguma razão particular, sempre poderá pedir uma das nossas carruagens para seu uso.

— É muita gentileza da sua parte — respondeu Sophy —, mas não se ajusta bem comigo. Onde se pode comprar carruagens em Londres?

— Dificilmente conseguirá conduzir uma carruagem pela cidade! — disse ele. — Nem considero o faéton um veículo muito adequado para uma dama. Não é fácil de dirigir. Não gostaria de ver nenhuma de minhas irmãs fazendo essa tentativa.

— Não deve esquecer de lhes dizer isso — replicou Sophy afavelmente. — Elas se importam com o que você lhes diz? Nunca tive um irmão, portanto não posso saber.

Houve uma ligeira pausa, enquanto o Sr. Rivenhall, não estando acostumado a sofrer ataques súbitos, recobrava sua presença de espírito. Não demorou muito.

— Seria melhor, prima, se tivesse tido — disse ele, em tom severo.

— Eu acho que não — respondeu Sophy, muito tranquila. — Pelo pouco que tenho visto sobre irmãos, alegra-me o fato de que Sir Horace nunca me sobrecarregou com um.

— Obrigado! Suponho que sei como posso interpretar isso!

— Bem, imagino que sabe; mas embora tenha ideias muito antiquadas, creia que não o julgo exatamente bronco.

— Muito grato! Tem mais alguma crítica que gostaria de fazer?

— Tenho: nunca se exaspere enquanto estiver conduzindo uma parelha muito estimulada! Você fez a última curva rápido demais.

O Sr. Rivenhall era considerado uma fortaleza incomparável, e essa estocada não conseguiu perfurar sua armadura.

— Que moça abominável você é! — ele disse, muito amável. — Ora essa! Não podemos discutir o caminho todo até Temple Bar! Vamos declarar uma trégua!

— Perfeitamente — ela concordou, cordial. — Em vez de discutir, vamos falar sobre a minha carruagem. Devo ir a Tattersal’s paracomprar os cavalos?

— Certamente que não.

— Querido primo Charles, você quer, com essa negativa, dizer que me enganei quanto ao nome, ou existe um negociante melhor?

— Nem uma coisa nem outra. O que desejo explicar é que as mulheres não frequentam o Tattersal’s!

— Ora, essa é uma das coisas que você não gostaria que suas irmãs fizessem, ou na verdade seria impróprio eu ir lá?

— Muito impróprio!

— Mesmo se você me acompanhar?

— Não farei tal coisa.

— Então, como atingirei meu objetivo? — ela indagou. — John Potton é um excelente palafreneiro, mas eu não confiaria nele para comprar meus cavalos. Na verdade, não confiaria em ninguém, exceto, talvez, Sir Horace, que sabe exatamente do que gosto.

Ele notou que Sophy estava sendo sincera, e não, como suspeitara, apenas inclinada a ridicularizá-lo.

— Prima, se nada lhe serve se não dirigir você mesma, colocarei meu tílburi à sua disposição e escolherei um cavalo adequado para pôr entre os varais.

— Um dos seus?

— Nenhum dos meus cavalos é adequado para você conduzir.

— Bem, não importa! — respondeu Sophy. — Eu preferiria ter meu próprio faéton e parelha.

— Faz alguma ideia de quanto teria de pagar por uma parelha harmoniosa? — ele perguntou.

— Não, diga-me! Imagino não mais que 300 ou 400 libras.

— Uma bagatela! Naturalmente seu pai não faria a mínima objeção a que você esbanjasse 300 ou 400 libras numa parelha de cavalos!

— Não faria a mínima, a menos que eu permitisse que me enganassem como uma tola, comprando um animal apenas vistoso, com um tumor ossificado crónico na curva da perna ou um altivo cavalo marchador que se descobre ficar descontrolado com o vento depois de percorrer dois quilómetros.

— Então aconselho a espetar até que elê volte para a Inglaterra. Sem dúvida escolherá o certo para você! — Foi só o que o Sr. Rivenhall soube dizer.

Para grande surpresa do rapaz, Sophv pareceu receber o conselho sem levar a mal, pois não fez comentarios e quase que imediatamente pediu-lhe para informar o nome da rua em que passavam. A jovem não se referiu mais ao faélon e a parelha, e o Sr. Rivenhall, compreendendo que ela era apenas um pouco mimada e que precisava de um freio, procurou aliviar a severa censura que lhe fizera, chamando a atenção dela para alguns lugares interessantes por onde passavam e fazendo-lhe algumas perguntas corteses sobre a paisagem de Portugal. Ao chegarem a Temple Bar, ele parou diante da estreita entrada do Banco Hoare e a acompanharia até o interior do predo se ela não tivesse recusado, dizendo que seria melhor fazer os cavalos se movimentarem, pois não sabia quanto tempo ia demorar e soprava um vento cortante. Assim, ele ficou aguardando do lado de fora, a refletir que, por mais raro fosse uma senhorita desacompanhada tratar de negócios em um banco, ela realmente não poderia sofrer ali nenhum mal. Quando a moça reapareceu, uns 20 minutos depois, um alto funcionário do banco acompanhava-a, e, solícito, ajudou a a subir na carrugem, dando-lhe a mão. Ela parecia estar relacionada em termos de muita amizade com essa pessoa importante, porém revelou, ao responder a uma pergunta um tanto irónica feita pelo primo enquanto se afastavam, que aquela fora a primeira vêz que o vira.

— Você me surpreende! — disse o Sr. Riveinhall. — E eu julgando que ele devia tê-la acalentado no colo quando você era um bebé!

— Acho que não — ela respondeu. — De qualquer modo, ele não mencionou o fato. Aonde vamos agoia?

Charles informou-a de que linha um assunto para tratar próximo à Catedral de São Paulo, acrestando que não ficaria à espera mais de cinco minutos. Se era uma flecha, tendo como alvo o tempo que ela passara no banco, ele não atingiu o objetivo, pois Sophy disse, muito amável, que não se importaria de ficar esperando, Essa foi uma flecha muito mais certeira. O Sr. Rivenhall começava a acreditar que encontrara na Srta. Stanton-Lacy uma oponente a ser considerada.

Quando, um pouco depois, ele parou numa rua ao lado da catedral, Sophy estendeu a mão, dizendo:

— Eu fico com eles. — O Sr. Rivenhall entregou as rédeas na mão dela; embora não confiasse na prima para controlar seus fogosos cavalos, o palafreneiro já se achava à frente deles, de modo que não havia probabilidade de algum contratempo.

Sophy viu-o entrar no alto edifício, e tirou uma de suas luvas de pelica. O vento leste soprava muito forte, com força bastante para arrebatar a luva de urna dama e fazê-la voar até a sarjeta, no lado mais afastado da rua.

— Oh, minha luva! — exclamou Sophy. — Por favor, vá apanhá-la correndo, ou o vento a arrastará para longe! Não receie pelos cavalos. Posso controlá-los!

O palafreneiro achou-se num dilema. Sem dúvida, o patrão não esperaria que ele deixasse os cavalos abandonados; por outro lado, alguém devia resgatar a luva da Srta. Stanton-Lacy, e a rua estava momentaneamente deserta. A julgar pelo que pudera ouvir da conversa, ela sabia dirigir o suficiente para controlar os animais por um minuto. Estavam muito sossegados. O palafreneiro tocou no chapéu — num cumprimento — e atravessou a rua em passadas largas.

— Diga ao seu patrão que está muito frio para conservar os cavalos parados! — Sophy gritou atrás dele. — Conduzirei a carruagem pelas ruas vizinhas por alguns minutos e voltarei para apanhá-lo quan-do ele sair!

O palafreneiro, que se abaixava para apanhar a luva, quase caiu, tão rápido se voltou. Teve uma excelente visão da Srta. Stanton-Lacy dirigindo a passo rápido pela rua acima. Fez uma tentativa corajosa, mas retardada, para apanhar a carruagem, e ela dobrava uma esquina no momento exato em que o vento levava seu chapéu e o carregava rua abaixo, fazendo-o rolar no chão como uma bola.

Quase meia hora depois, a carruagem apareceu novamente. O Sr. Rivenhall, aguardando-a com os braços cruzados, teve ampla oportunidade de observar a precisão com que a prima fez a curva, e como manejava bem as rédeas e o chicote; contudo, ele não parecia muito satisfeito, pois assistia à aproximação do veículo com uma expressão carrancuda e os lábios fortemente cerrados. Do palafreneiro não havia sinal.

A Srta. Stanton-Lacy, ao parar exatamente ao lado do Sr. Rivenhall, disse alegremente:

— Queira perdoar-me por deixá-lo esperar! A questão é que não estou familiarizada com Londres e quase me perdi, e fui obrigada a pedir a direção no mínimo três vezes. Mas onde está o seu palafreneiro?

— Mandei-o para casa! — respondeu o Sr. Rivenhall.

Ela olhou-o, seus expressivos olhos transbordantes de divertimento.

— Que sensatez a sua! — aprovou. — Gosto de homens que pensam em tudo. Jamais teria discutido comido adequadamente com aquele homem de pé atrás de nós, ouvindo cada palavra que dizíamos.

— Como ousou dirigir meus cavalos? — perguntou o Sr. Rivenhall, ameaçador. Subiu e ocupou seu lugar, dezendo em tom brusco: — Dê-me as rédeas, já!

Ela entregou-as junto com o chicote, mas disse, num lom apaziguador:

— Sem dúvida não foi muito condo da minha parle, mas deve admitir que não havia como tolerar sua conduta falando comigo como se eu fosse uma desprezivel tola, incapaz de conduzir um asno.

Os lábios impacientes do Sr. Kivenliall estavam de novo tão rigidamente selados que não parecia haver probabilidade de ele admitir qualquer coisa.

— Admita ao menos que posso lidar com a sua parelha de cavalos! — disse Sophy.

— Bom para você que eu os tenha abrandado! — ele retorquiu.

— Que falta de generosidade da sua parte! — queixou-se Sophy.

Era mesmo falta de generosidade, e ele sabia disso. Furioso, disse:

— Conduzindo os cavalos pela cidade, e nem mesmo um palafreneiro ao seu lado! Belo comportamento, palavia de honra! É uma pena que não tenha um pouco mais de compostura, prima! Ou essas são maneiras portuguesas?

— Oh, não! — ela replicou. — Em Lisboa, onde sou conhecida, eu não poderia entregar-me a esse tipo de triavessura, é claro. Medonho, não foi? Asseguro-lhe, todas as pessoas ficaram me observando com olhos arregalados! Eu não o coloquei em má situação por causa disso! Ninguém me conhece em Londres!

— Sem dúvida — disse ele, irónico — Sir Horace teria aplaudido tal comportamento!

— Não teria — respondeu Sophy. — Mais provável seria que Sir Horace esperasse você me convidar para conduzir os cavalos. Exatamente para julgar por si mesmo se eu sou capaz de lidar com uma pa-relha de animais fogosos — explicou ela gentilmente.

— Não deixo ninguém... ninguém conduzir meus cavalos!

— De um modo geral, acho que tem razâo — replicou Sophy. — É surpreendente com que rapidez um par de mãos desajeitadas podem prejudicar os animais!

De modo quase audível, o Sr. Rivcnhall rilhou os dentes. Súbito, Sophy riu.

— Oh, primo, não se zangue de maneira tão absurda! — ela pediu. — Sabe muito bem que seus cavalos não sofreram nenhum dano! Vai me dar a oportunidade de escolher uma parelha para o meu próprio uso?

— Não terei absolutamente nada a ver com um projeto tão louco! — ele respondeu asperamente.

Sophy recebeu isso com serenidade.

— Muito bem — replicou ela. — Talvez fosse mais adequado você encontrar um noivo adequado para mim. Estou muito inclinada a aceitar, e sei que você tem algum talento para isso.

— Você não tem nenhum refinamento de espírito? — perguntou o Sr. Rivenhall.

— Na verdade, tenho! E ouso afirmar que você ficaria assombrado se soubesse quanto!

— Ficaria mesmo!

— Mas com você, meu querido primo — insistiu Sophy —, sei que não preciso ter reserva. Por favor, encontre um marido aceitável para mim! Não sou de modo algum perfeita em minhas opiniões, e fi-carei contente com uma quantidade modesta de virtudes no meu parceiro.

— Nada me proporcionaria maior satisfação — afirmou o Sr. Rivenhall mostrando à prima, enquanto fazia o veículo inclinar-se ao dobrar a esquina na Haymarket, como dirigir rente ao meio-fio — do que vê-la casada com um homem que soubesse controlar seus extraordinários ditos espirituosos!

— Desempenho louvável! — aprovou Sophy. — Mas o que aconteceria se passasse um cão perdido pela rua ou uma pobre alma a estivesse atravessando naquele momento?

O senso de humor do Sr. Rivenhall o traiu. Foi obrigado a conter uma risada antes de responder:

— Acho admirável o fato, prima, de que ninguém a tenha ainda estrangulado!

Ele percebeu que Sophy já não lhe dava mais atenção. Voltara a cabeça na direção oposta, e antes que pudesse descobrir que objeto de interesse atraíra seu olhar, ela disse rapidamente:

— Oh, por favor, pode parar um instante? Acabei de ver um velho conhecido.

Ele atendeu ao pedido, e então reparou, tarde demais, naquele que caminhava pela rua em direção a eles. Não podia haver engano em reconhecer aquela figura graciosa, de louros cabelos encaracolados, expostos quando ergueu a cartola de aba ligeiramente virada para cima. O Sr. Augustus Fawnhope, ao perceber que a dama na carruagem acenava para ele, parou, acenou com o chapéu e ficou com ele na mão, lançando um olhar indagador para Sophy.

De fato era um rapaz bonito. Da sua testa de alabastro partia o cabelo naturalmente ondeado; seus olhos eram de um azul forte, um pouco sonhadores, mas engastados com perfeição sob sobrancelhas arqueadas, e tinham um brilho intenso a desafiar qualquer crítica; a boca era moldada em curvas que o escultor em vão tentaria reproduzir com as ferramentas da sua arte. Era de estatura mediana e proporções perfeitas, não precisava submeter-se a uma dieta de batatas embebidas em vinagre para preservar a figura esguia. Não que algum dia tivesse passado pela sua cabeça a ideia de fazê-lo. Manter-se totalmente despreocupado com sua aparência não era o menor dos encantos do Sr. Fawnhope. Talvez se pudesse admitir que ele não tivesse consciência da admiração que despertava, porem, preocupado com a ambição de se tornar um grande poeta, ao prestar pouquíssima atenção ao que lhe diziam e absolutamente nenhuma ao que era dito sobre ele, até os malévolos (como o Sr. Rivenhall e Sir Charles Stuart) eram forçados a admitir que até então essa admiração provavelmente não tinha penetrado na nuvem de abstração em que ele se envolvia.

Contudo, havia mais do que abstração no olhar que ele lançou à Srta. Stanton-Lacy, e essa circunstância não passou despercebida ao Sr. Rivenhall, que interpretou corretamente a inexpressão e o sorriso de dúvida a pairar nos lábios do Sr. Fawnhope. Este não tinha a mais leve ideia da identidade da dama que lhe estendia a mão de maneira tão cordial. Entretanto, ele segurou aquela mão e disse: — Como vai? — em voz baixa, quase indistinta.

— Bruxelas — disse Sopliy, prestativa. — Dançamos a quadrilha no baile da Duquesa de Richniond, Icmbia se? Já conhece meu primo, o Sr. Rivenhall? Deve saber que estou hospedada com minha tia, em Berkeley Square, para a tempoiada. Precisa vir visitar-nos. Sei que ela ficará encantada!

— É claro que não esquecerei! — respondeu o Sr, Fawnhope, mais educado do que sincero. — Encantado por encontrá-la de novo, senhora, e tão inesperadamente! Sem dúvida o prazer será todo meu, visitar Berkeley Square.

Fez uma reverência e afastou se. Os cavalos, aos quais se comunicara a impaciência do Sr. Kivenluill, seguiram adiante, saltitando. O Sr. Rivenhall disse:

— Que fascinante para você encontrar um velho conhecido logo após a sua chegada!

— Não foi mesmo? — concordou Sophy.

— Espero que ele, antes de aproveitar-se do convite para visitá-la, já tenha lembrado do seu nome.

Os lábios dela se crisparam, mas a moça respondeu com perfeita tranquilidade:

— Pode estar certo, se ele não lembrar, encontrará alguém que o lembre.

— Você não tem pudor! — explodiu o primo, zangado.

— Tolice! Você só diz isso porque conduzi seus cavalos — ela respondeu. — Esqueça! Prometo não fazer de novo.

— Cuidarei disso! — ele retorquiu. — Deixe-me dizer-lhe uma coisa, minha querida prima, ficarei mais satisfeito se você se abstiver de se intrometer nos assuntos da minha família!

— Ora, é isso — disse Sophy —, fico muito contente de saber, porque se algum dia eu desejar agradá-lo, saberei exatamente como começar. Acho que não vou desejar, mas é bom ficar preparada para qualquer eventualidade, por mais improvável que seja.

Ele virou a cabeça para fitá-la, seus olhos se estreitaram, e a expressão deles era sem dúvida alegre.

— Está pensando em ser tão insensata a ponto de se defrontar comigo? — perguntou. — Não tenho intenção de interpretá-la mal, prima, e não a deixarei em dúvida quanto ao meu propósito! Se imagina que algum dia permitirei que aquele peralvilho se case com minha irmã, é porque você ainda não sabe nada a meu respeito!

— Ora bolas! — exclamou Sophy. — Preste atenção nos cavalos, Charles, e não use de linguagem bombástica comigo!


V

— MUITO BOM, para uma manhã de trabalho! — disse Sophy. O Sr. Rivenhall estava menos satisfeito. A mãe ficou desolada ao descobrir que, longe de ter começado a gostar da prima, o filho estava consternado só de pensar que poderiam ser obrigados a hospedá-la durante meses.

— Falando com franqueza, mamãe, não vai dar certo! — disse ele. — Só Deus sabe quanto tempo meu tio pode demorar-se! Só desejo que a senhora não venha a lamentar o dia em que consentiu em se encarregar da filha dele! Quanto mais cedo puder cumprir o restante das expectativas do tio, casando-a com algum pobre-diabo, melhor será para todos nós!

— Santo Deus, Charles! — disse Lady Ombersley. — O que fez ela para aborrecê-lo?

Ele recusou-se a responder, dizendo apenas que Sophy era atrevida, obstinada e tão mal-educada que duvidava haver um homem tolo o bastante para pedi-la em casamento. A mãe absteve-se de mais perguntas sobre as iniqúidades de Sophy, e aproveitou o momento para sugerir que, como prelúdio para encontrar-lhe um marido, lhe permitisse oferecer uma recepção, com dança.

— Não quero dizer um grande acontecimento — apressou-se a acrescentar. — Talvez uns dez casais... na sala de estar!

— Perfeitamente! — ele respondeu. — Isso tornará desnecessário a senhora convidar o jovem Fawnhope!

— Oh, totalmente! — ela concordou.

— Devo avisá-la, mamãe — acrescentou —, que o encontramos esta manhã! Minha prima cumprimentou-o como a um velho conhecido de elevada estima e pediu-lhe que viesse visitá-la!

— Oh, meu Deus! — suspirou Lady Ombersley. — É lamentável, sem dúvida! Mas ouso afirmar, Charles, que ela realmente o conhece, pois esteve com seu tio em Bruxelas, no ano passado.

— Ora! — exclamou Charles, arrasador. — Ele tinha tanta ideia de quem ela era como tem de quem é o imperador da China! Mas seguramente ele vai aparecer! Devo deixar que a senhora trate disso!

Com essas palavras muito desagradáveis, Charles saiu da sala íntima da mãe em passadas largas, deixando-a imaginar de que maneira ele a supunha capaz de evitar a visita de um rapaz de nascimento nobre, filho de uma de suas mais velhas amigas. Chegou à conclusão de que Charles não fazia mais ideia do que ela, e baniu a questão da sua mente, concentrando-se no problema muito agradável de escolher os convidados para a primeira recepção que realizava em dois meses.

Logo foi interrompida pela entrada da sobrinha. Ao lembrar-se das palavras sombrias de Charles, perguntou a Sophy, com suposta severidade, o que teria feito para aborrecê-lo. Sophy riu e quase a deixou aturdida ao responder que nada fizera além de roubar sua carruagem e conduzi-la pela cidade durante meia hora.

— Sophy! — exclamou a tia, com voz sufocada. — Os cavalos de Charles? Você jamais poderia controlá-los!

— Para dizer a verdade — admitiu Sophy —, tive um trabalho dos diabos para conseguir! Oh, queira me perdoar! Não pretendia dizer isso, querida tia Lizzie! Não ralhe comigo! É o resultado de viver com Sir Horace. Sei que digo as coisas mais chocantes, mas asseguro-lhe que tento controlar minha deplorável língua! Por favor, não continue pensando no mau humor de Charles! Ele logo irá reconsiderar. Ouso afirmar que se ele não estivesse comprometido com aquela moça enfadonha, não estaria tão irritado!

— Bem, Sophy! — exclamou Lady Ombersley, sem querer. — Confesso que não consigo gostar da Srta. Wraxton, por mais que tente!

— Gostar dela! Eu nem pensaria nisso! — exclamou Sophy.

— Certo, mas eu preciso — replicou Lady Ombersley, sentindo-se infeliz. — Ela é tão bondosa, e estou certa de que deseja ser uma filha muito amorosa para mim, e é muita maldade de minha parte não querer uma filha assim! Mas quando penso que em pouquíssimo tempo ela estará morando nesta casa... Ora, eu não deveria estar falando dessa maneira! É muito inadequado, e você deve esquecer o que lhe disse, por favor, Sophy!

Sophy não deu atenção ao pedido, e repetiu:

— Morando nesta casa? Não está falando sério, está?

Lady Ombersley assentiu cum a cabeça.

— Não há absolutamente nada de incomum nesse arranjo, sabe, querida? Eles terão seus aposentos, é claro, mas... — Calou-se e suspirou.

Sophy olhou-a fixamente por alguns momentos, porém, surpreendendo a si mesma, não disse nada. Lady Ombersley procurou afastar os pensamentos melancólicos e começou a falar sobre a festa. Nos seus planos a sobrinha participou com um entusiasmo e uma eficiência que arrebataram Lady Ombersley. De que modo chegou a concordar com Sophy em todos os pontos, jamais foi capaz de explicar, quer para Charles ou para si mesma, mas no encerramento de uma entrevista que a fez sentir-se confusa, porém convencida de que ninguém poderia gabar-se de ter uma sobrinha de temperamento mais cativante ou mais amável do que Sophy, ela não só concedeu permissão para Sophy e Cecília se encarregarem de todas as medidas, como também concordou que Sir Horace (através da filha) custeasse a diversão.

— E agora — Sophy disse a Cecília, muito animada — você me dirá onde devemos encomendar os convites e onde vocês mandam fazer os comes e bebes. Acho que não devemos deixar tudo por conta do cozinheiro, pois ele ficará ocupado tantos dias que pouco tempo terá para detalhes, o que causaria constrangimento a todos, fato que absolutamente não desejo.

Espantada, Cecília olhava-a com os olhos arregalados.

— Mas, Sophy, mamãe garantiu que seria uma festa muito dis creta!

— Não, Cecy, foi seu irmão quem disse isso — replicou Sophy. — Vai ser uma festa perfeita.

Selina, que se achava presente nessa reunião, perguntou sensatamente:

— Mamãe sabe disso?

Sophy riu.

— Ainda não! — admitiu. — Vocês acham que ela não gosta de festas animadas?

— Oh, não é isso! Havia mais de quatrocentas pessoas no baile que ela ofereceu a Maria, não havia, Cecília? Mamãe gostou extremamente, porque foi um grande sucesso, e todos a cumprimentaram de pois. Prima Mathilda me contou.

— Certo, mas custou um dinheirão! — comentou Cecília. — Ela não ousaria! Charles ficaria tão zangado!

— Não ligue para ele! — recomendou Sophy. — Sir Horace é quem vai arcar com as despesas, não Charles. Faça uma lista de todos os seus conhecidos, Cecy, e farei uma dos meus amigos que estão na Inglaterra; depois sairemos para encomendar os convites. Calculo que não precisaremos mais de quinhentos.

— Sophy — disse Cecília, em voz velada —, vamos mandar quinhentos convites sem ao menos consultar mamãe?

Diabinhos maliciosos dançaram nos olhos da prima.

— É claro que vamos, tontinha! Depois que os despacharmos, nem mesmo seu horrível irmão poderá cancelá-los!

— Oh, esplêndido, esplêndido! — exclamou Selina, começando a pular pela sala. — Que fúria ele vai ficar!

— Será que ousarei? — Cecília falou num sopro de voz, assustada e confusa.

A irmã pediu-lhe que não fosse pobre de espírito, mas foi Sophy quem resolveu a questão ao salientar que ela não teria de assumir a responsabilidade; era improvável que o irmão a repreendesse severamente, pois veria logo de quem era realmente a culpa.

Nesse meio-tempo, o Sr. Rivenhall saíra para visitar a noiva. Chegou à casa agora tristonha dos Brinklows, na Brook Street, ainda fervendo de indignação. Contudo, essa irada disposição era frágil, e no mesmo instante em que viu seus sentimentos compartilhados e sua crítica endossada, ele deu uma guinada abrupta para outra direção e disse que muito devia ser perdoado a uma jovem capaz de controlar seus cavalos, como Sophy fizera... Não podendo compreender que era digna de censura, Sophy logo se tornou uma jovem informal cujas maneiras naturais eram repousantes numa época em que predominavam sorrisos afetados e frivolidades.

A mudança não foi exatamente do gosto da Srta. Wraxton. Ficar dirigindo pela cidade sem companhia não se harmonizava com o seu senso de decoro e ela expressou isso. O Sr. Rivenhall esboçou um largo sorriso.

— Não se harmoniza, é verdade, mas creio que, de certo modo,a culpa foi minha. Eu realmente a irritei. Não houve danos; se ela pôde controlar meus cavalos, fogosos como são, é uma excelente condutora. Mesmo assim, se eu tiver direito de opinar, ela não vai ter uma carruagem enquanto permanecer sob a responsabilidade de minha mãe. Santo Deus, jamais saberíamos exatamente onde ela poderia estar, pois se conheço alguma coisa da minha abominável prima Sophy, dirigir com decoro ao redor do parque não serviria para ela!

— Você aceitou a situação com uma calma digna do maior mérito, meu querido Charles.

— Não aceitei! — ele interrompeu, com uma risada deplorável. — Ela me pôs num estado de raiva imensa!

— Certamente não me admira que ela o tivesse deixado assim. Conduzir os cavalos de um cavalheiro sem a permissão dele demonstra carência de comportamento, o que está longe de ser agradável. Ora, eu mesma nunca lhe pedi que me deixasse tomar as rédeas!

Ele pareceu achar graça.

— Minha querida Eugenia, espero que não o peça, pois certamente recusarei atender a tal pedido! Você jamais poderia controlar meus cavalos.

Se a Srta. Wraxton não fosse tão bem-educada, diante dessa observação inábil, teria dado uma resposta bastante exaltada, pois orgulhava-se um pouco da sua capacidade de manejar as rédeas; e embora não dirigisse sozinha em Londres, possuía um elegante faéton que dirigia quando ficava em sua casa de Hampshire. De certo modo, foi obrigada a fazer uma pausa por um momento antes de dizer mais alguma coisa. Durante esse breve período, tomou rapidamente a decisão de demonstrar a Charles, e à sua desagradável prima, que uma dama educada nos mais rígidos princípios do decoro podia ser tão notável amazona quanto qualquer rapariga atrevida que passara a meninice viajando pelo Continente à custa do governo. Várias vezes fora elogiada pelo seu jeito de lidar com um cavalo e sabia que seu estilo era excelente. Então disse:

— Se a Srta. Stanton-Lacy se interessa por esse tipo de exercício, talvez goste de cavalgar comigo uma tarde destas no parque. O que dará aos seus pensamentos outro rumo, desviando-a da tola ideia de adquirir uma carruagem. Vamos formar um grupo, Charles! A querida Cecilia não gosta de exercícios, eu sei, ou eu pediria que se unisse a nós. Mas Alfred ficará satisfeito de vir comigo, e você pode levar sua prima. Amanhã? Por favor, peca-lhe que venha conosco!

Por ser um homem intolerante, o Sr. Rivenhall não tinha simpatia pelo jovem irmão da sua Eugenia, e geralmente procurava evitá-lo; entretanto, ficou impressionado pela nobreza da Srta. Wraxton em promover um encontro que (ele imaginava) lhe proporcionaria um pouco de prazer e concordou imediatamente, expressando, ao mesmo tempo, o senso de uma dívida de gratidão para com ela. A moça sorriu-lhe e disse que o seu objetivo era esforçar-se em benefício dele. Charles não parecia muito dado a gestos graciosos, contudo, diante dessas palavras, beijou-lhe a mão e disse que sabia muito bem quanto poderia contar com ela numa situação difícil. Nessa altura a Srta. Wraxton repetiu a observação que já fizera a Lady Ombersley, de que estava particularmente pesarosa porque, devido à crise nas condições da família Ombersley, a circunstância havia obrigado a adiar seu casamento com ele. Achava que sem dúvida o estado apático da saúde da querida Lady Ombersley impossibilitava-lhe conduzir a família exatamente como Charles desejaria. Seu coração generoso talvez a tornasse tolerante em excesso, e o langor produzido por uma constituição física pouco saudável deixava-a cega a determinados defeitos que poderiam ser remediados rapidamente por uma nora solícita. A Srta. Wraxton confessou que ficara surpresa ao saber que Lady Ombersley se deixara convencer pelo irmão — um tipo muito estranho, seu pai lhe contara — a aceitar a guarda de sua filha durante um prazo indeterminado. Da maneira mais serena, passou desse assunto para uma crítica gentilmente formulada sobre a Srta. Adderbury, sem dúvida excelente mulher, porém lamentavelmente incapaz de exercer controle sobre seus vivazes pupilos. Todavia, acabava de cometer um erro. O Sr. Rivenhall não permitia críticas a Addy, que guiara seus primeiros passos; e quanto ao tio, o comentário desatencioso de Lord Brinklow fez Charles encrespar-se em defesa do parente. Informou à Srta. Wraxton que Sir Horace era um homem muito importante, com talentos para a diplomacia.

— Mas você deve admitir que não teve capacidade para educar a filha — replicou a Srta. Wraxton, com malícia.

Ele riu, porém disse:

— Ora, bem! Eu não sei se há realmente algo errado com Sophy, afinal!

Quando o convite da Srta. Wraxton lhe foi transmitido, Sophy declarou-se feliz em aceitá-lo e imediatamente pediu à Srta. Jane Storridge para passar a ferro seu traje de montaria. Assim que a jovem apareceu com a roupa na tarde seguinte, deixou Cecília com inveja, mas desconcertou ligeiramente o irmão, que não achava que um traje feito de pano azul-claro, com dragonas e alamares, à la hússar, e mangas agaloadas do ombro ao cotovelo, recebesse aprovação da Srta. Wraxton. Luvas de pelica azul, botas de cano curto, gola alta debruada de renda, gravata de musselina, babados de renda estreita nos punhos e um chapéu de copa alta, como uma barretina, com a pala sobre os olhos e uma pluma espiralada de penas de avestruz completavam a vistosa toalete. O traje firmemente ajustado realçava a magnificente figura de Sophy, causando admiração; e debaixo da aba do chapéu os cabelos castanhos encaracolados sobressaíam de modo encantador; porém o Sr. Rivenhall, solicitado pela irmã a concordar com a sua convicção de que Sophy estava linda, apenas fez uma mesura e disse não ser juiz nessas questões.

Por mais verdadeiro que isso fosse, certamente sobre cavalos sabia julgar, e quando pôs os olhos em Salamanca, conduzido ao longo da rua por John Potton, não negou seu elogio; ao contrário, disse que não se admirava mais do arrebatamento de Hubert. John Potton ajudou a patroa a subir na sela, e depois de permitir que Salamanca se entregasse à sua alegria durante alguns minulos, Sophy o convenceu a andar com trote miúdo ao lado do baio do Sr. Rivenhall, e partiram a passo tranquilo em direção ao Hyde Park. Salamanca estava inclinado a melindrar-se com a existência de liteiras, cães, varredores dos cruzamentos, e instantaneamente desaprovou a buzina do carteiro, mas o Sr. Rivenhall, acostumado a permanecer alerta para evitar contratempos ao cavalgar com Cecília através das ruas de Londres, não se dispôs a oferecer conselhos ou ajuda à prima. Ela podia controlar muito bem sua montaria, o que, pensou o Sr. Rivenhall, era uma coisa boa, visto que Salamanca dificilmente poderia ser descrito como o cavalo ideal para uma dama.

Esse comentário foi feito pela Srta. Wraxton, que, com o irmão, já os aguardava no interior do parque. Depois de lançar um olhar de relance para o traje de Sophy, a Srta. Wraxton transferiu sua atenção para Salamanca e disse:

— Oh, que linda criatura! Mas sem dúvida é um pouco forte de mais para você, não acha, Srta. Stanton-Lacy? Deveria incumbir Charles de procurar um cavalo próprio para uma senhora bem-educada, que você pudesse cavalgar.

— Acho que ele ficaria encantado, mas descobri que as noções dele e as minhas sobre esse assunto são muito diferentes — respondeu Sophy. — Além disso, embora Salamanca seja um pouco fogoso, não há a mínima maldade nele, e ele tem excelente resistência física, como diz o duque — já me aguentou léguas e léguas áridas sem mostrar sinal de fraqueza! Curvou-se para a frente e bateu amistosamente no negro e luzidio pescoço de Salamanca. — É claro, ainda não escoiceou no final de um longo dia, o que o duque jura que Copenhague fez, quando ele desmontou do seu dorso depois de Waterloo, mas considero isso uma virtude dele!

— Sim, e é mesmo! — disse a Srta. Wraxton, ignorando a inconveniente pretensão demonstrada por essa referência negligente ao herói da Inglaterra. — Permita-me apresentar-lhe meu irmão; Srta. Stanton-Lacy, Alfred!

O Sr. Wraxton, um jovem e pálido cavalheiro, com um queixo mal delineado, lábios úmidos e pouco firmes, e uma expressão astuta no olhar, inclinou-se numa mesura e disse que estava feliz por conhecer a Srta. Stanton-Lacy. Depois perguntou-lhe se ela estivera em Bruxelas por ocasião da grande batalha, e acrescentou que tivera ideia de juntar-se às tropas como voluntário no auge do conflito.

— Porém por um motivo ou outro, nada ficou resolvido — ele disse. — Conhece bem o duque? Realmente um grande homem, não é? Mas de uma amabilidade consumada, eu soube. Ouso afirmar que está em excelentes termos de relacionamento com ele, pois conheceu-o na Espanha, não foi?

— Meu querido Alfred — interveio a irmã —, a Srta. Stanton-Lacy vai pensar que você possui menos bom senso do que o razoável se continuar falando tanta tolice. Ela lhe dirá que o duque tem coisas mais importantes em que pensar do que em nós, pobres mulheres, que o admiram.

Sophy parecia um tanto divertida.

— Bem, eu acho que não diria isso — respondeu. — Mas nunca fui uma de suas namoradas, se é o que quer saber, Sr. Wraxton. Não sou de modo algum o tipo dele, asseguro-lhe.

— Vamos continuar cavalgando? — sugeriu a Srta. Wraxton. — Precisa me falar sobre seu cavalo. É espanhol? Muito bonito, mas um pouco agitado para o meu gosto. Mas eu sou uma pessoa mal acostumada. Este meu querido Dorcas é muito bem-educado.

— Na verdade, Salamanca não é agitado; apenas gosta de brincar — esclareceu Sophy. — Quanto à conduta, eu o obrigo a ser inigualável. Gostaria de me ver mostrar suas qualidades? Veja! Ele foi treinado por um mameluco maometano, sabe?

— Pelo amor de Deus, Sophy, não aqui no parque! — exclamou Charles asperamente.

Ela lançou-lhe um dos seus sorrisos atrevidos, e pôs Salamanca a caracolear.

— Oh, por favor, tenha cuidado! — exclamou a Srta. Wraxton. — É muito perigoso! Charles, faça-a parar! Vamos chamar a atenção de todos!

— Você não vai se importar se eu acabar com o nervosismo das pernas dele, fazendo-o movimentar-se — Sophy gritou. — Ele está ansioso por um galope!

A seguir, ela virou Salamanca num repente, e deixou-o ir livremente pelo trecho de pista que ficava ao lado do caminho para carruagens.

— Isca! — proferiu o Sr. Wraxton, e saiu em sua perseguição.

— Meu querido Charles, o que devemos fazer com ela? — indagou a Srta. Wraxton. — Galopando no parque, e naquele traje que eu enrubesceria se tivesse de usar! Nunca fiquei tão chocada!

— Isso mesmo — concordou Charles, os olhos presos na figura que diminuía ao longe. — Mas, santo Deus, ela tem mesmo talento para cavalgar!

— É claro, se você pretende encorajá-la nessa brincadeira, não há mais nada para ser dito.

— Eu não pretendo — ele respondeu mais do que depressa.

Ela ficou descontente e disse, com frieza:

— Devo confessar que absolutamente não admiro seu estilo. Nada nela me faz lembrar as amazonas no Anfiteatro de Astley. Vamos a meio galope?

Nesse passo tranquilo, cavalgaram lado a lado na pista até que viram Sophy voltando a galope na direção deles, o Sr. Wraxton ainda em sua perseguição. Sophy parou, puxando as rédeas, girou, e entrou em forma ao lado do primo.

— Que prazer! — exclamou, as faces afogueadas. — Há mais de uma semana que não monto Salamanca. Mas diga-me! Fiz algo errado? Muitas pessoas empertigadas arregalaram os olhos como se não pudessem acreditar no que viam!

— Não convém cavalgar dessa maneira desesperada no parque — replicou Charles. — Eu deveria tê-la avisado.

— Devia mesmo! Já receava que poderia ser isso. Não importa! Serei boazinha agora, e se alguém reclamar a respeito, você poderá dizer que é apenas a sua pobre priminha de Portugal, tão mal-educada que não há nada a fazer. — Inclinou-se para a frente a fim de falar com a Srta. Wraxton, que estava do outro lado de Charles. — Apelo para você, Srta. Wraxton! Você, que é uma amazona! Não é insuportável ficar sujeita a um meio-galope quando se anseia por galopar ao longo de quilómetros?

— Muito maçante — concordou a Srta. Wraxton.

Nesse momento Alfred Wraxton reuniu-se a eles, bradando:

— Por Deus, Srta. Stanton-Lacy, pode tirar o brilho deles todos! Você não se compara a ela, Eugenia!

— Não podemos continuar numa coluna de quatro — disse a Srta. Wraxton, ignorando por completo a observação. — Charles, fique para trás com Alfred! Não posso conversar com a Srta. Stanton-Lacy com você no meio.

Ele agiu de acordo com o pedido, e a Srta. Wraxton, emparelhando sua égua com Salamanca, disse com toda a finura de que se vangloriava:

— Estou convencida de que no princípio você vai achar estranho nossos costumes de Londres.

— Por quê? Creio que não diferem muito dos de Paris ou Viena ou mesmo Lisboa! — respondeu Sophy.

— Nunca visitei essas cidades, porém creio — na verdade, estou certa — de que o nosso mundo elegante é muitíssimo superior — replicou a Srta. Wraxton.

Seu ar de serena segurança pareceu a Sophy ser muito engraçado, e ela soltou uma gargalhada.

— Oh, queira perdoar! — falou com voz sufocada. — Mas é muito ridículo, sabe?

— Suponho que assim deve parecer-lhe — concordou a Srta. Wraxton, com sua calma realmente inigualável. — Sei que se permite muita liberdade às mulheres no Continente. Aqui não é assim. Bem pelo contrário! Não ser julgado de bom-tom, querida Srta. Stanton Lacy, é muito desagradável. Não leve a mal se eu lhe fizer uma sugestão. É claro que você vai comparecer às reuniões do Almack's, por exemplo. Garanto-lhe, se chegar o mais simples sussurro de crítica aos ouvidos das patronesses, você pode dizer adeus a qualquer esperança de obter uma autorização delas. As entradas não podem ser compradas sem essa autorização, sabe? É muito exclusivo! Também as regras são muito rígidas, e não devem ser absolutamente infringidas.

— Você me assusta — disse Sophy. — Imagina que serei rejeitada? A srta. Wraxton sorriu.

— Dificilmente, uma vez que fará seu debute sob o patrocínio da querida Lady Ombersley! Sem dúvida lhe dirá como deve conduzir-se, se a saúde dela permitir que a leve. É uma lástima que as circunstân-cias me tivessem impedido de ocupar essa posição, o que me possibilitaria aliviá-la de tais obrigações.

— Perdoe-me! — interrompeu Sophy, cuja atenção estivera divagando —, mas creio que madame de Lieven está acenando para mim, e seria muito indelicado não cumprimentá-la!

Enquanto falava, afastou-se até onde uma elegante caleça que estava parada junto à vereda, e inclinou-se na sela para apertar a mão lânguida que lhe era estendida.

— Sofia! — pronunciou a condessa. — Sir Horace me disse que eu deveria encontrá-la aqui. Vi-a galopando ventre à terre. Nunca mais faça isso! Ah, Sra. Burrell, permita-me apresentar-lhe a Srta. Stanton-Lacy.

A dama sentada ao lado da esposa do embaixador fez uma ligeira mesura, e permitiu que seus lábios relaxassem numa sombra de sorriso, que se expandiu um pouco mais quando ela avistou a Srta. Wraxton seguindo no rastro de Sophy, e inclinou a cabeça, o que nela era um grande sinal de condescendência.

A condessa Lieven acenou com a cabeça para a Srta. Wraxton, mas continuou conversando com Sophy.

— Você está hospedada com Lady Ombersley. Conheço-a um pouco, e lhe farei uma visita. Talvez ela me ceda você uma noite dessas. Ainda não viu a princesa Estcrhazy ou Lady Jersey? Direi a ambas que a encontrei, e elas vão querer saber como vai Sir Horace. O que foi mesmo que prometi a Sir Horace que faria? Ah, mas é claro! O Almack's! Vou lhe mandar uma autorização, ma cherie Sofia, mas deixe de galopar em Hyde Park. — Em seguida mandou o cocheiro prosseguir, incluiu todo o grupo de Sophy num superficial sorriso de despedida, e voltou-se para continuar a palestra interrompida com a Sra. Drumond Burrell.

— Eu não estava a par de que você conhecia a condessa Lieven — disse a Srta. Wraxton.

— Não gosta dela? — perguntou Sophy, percebendo a frieza na voz da Srta. Wraxton. — Muita gente não gosta, eu sei. Sir Horace a chama de poderosa intrigante, mas é inteligente e consegue ser muito divertida. Ela tem uma tendre por ele, corno creio que você adivinhou. Eu mesmo gosto mais da princesa Esterhazy, confesso, e mais ainda de Lady Jersey do que das outras, porque é muito mais sincera, apesar da sua maneira agitada.

— Mulher horrível! — disse Charles. — Não pára de falar! Em Londres é conhecida como Silêncio.

— É mesmo? Bem, estou certa de que, se ela sabe, não liga a mínima, pois adora demais uma brincadeira.

— Você é uma felizarda por conhecer tantas patronesses do Almack's — observou a Srta. Wraxton.

Sophy deu uma risadinha irreprimível.

— Para ser honesta, acho que a minha sorte consiste em ter por pai um namorador consumado!

Diante dessas palavras, o Sr Wraxton também deu uma risadinha, e a irmã, ficando um pouco para trás, fez sua égua aproximar-se pelo outro lado do Sr. Rivenhall, e disse em voz baixa, sob o pretexto de uma observação zombeteira feita para Sophy pelo Sr. Wraxton:

— É pena que os homens riam quando a vivacidade dela a faz dizer coisas que não se pode julgar apropriadas. Isso atrai muita atenção sobre ela, o que, imagino, é a raiz do mal.

Charles ergueu as sobrancelhas.

— Você é muito severa! Não gosta dela?

— Oh, não, não! — respondeu a moça rapidamente. — Apenas não tenho muito gosto por esse tipo de brincadeira esportiva.

 

Ele pareceu tentado a dizer algo mais, porém nesse exato momento uma cavalgada de aparência marcial surgiu à vista, num tranquilo meio-galope, vindo na direção deles. Consistia em um grupo de quatro cavalheiros, cujas vistosas suíças e porte militar proclamavam sua profissão. Negligentemente, lançaram um olhar de relance para o grupo do Sr. Rivenhall. No momento seguinte ouviu-se um brado, houve uma confusão, e um dos componentes do quarteto exclamou com entonação vibrante:

— Por todas as maravilhas, é a magnífica Sophy!

Tais palavras produziram confusão e balbúrdia. Os quatro cavalheiros acotovelaram-se para agarrar a mão de Sophy, crivando-a de perguntas. De onde brotara? Há quanto tempo se achava na Inglaterra? Por que não os tinham avisado da sua chegada? Como estava Sir Horace?

— Oh, Sophy, você é um colírio para os olhos! — declarou o major Quinton, que primeiro a saudara.

— Você ainda tem Salamanca! Deus do céu, lembra-se de o ter cavalgado pelos Pireneus quando quase foi agarrada pelo velho Soult?

— Sophy, qual é o seu endereço? Está morando em Londres? Onde está Sir Horace?

Ela ria, tentando responder a todos, enquanto seu cavalo se movia de lado, agitava-se e sacudia a cabeça.

— No estrangeiro. Não se preocupem comigo! O que fazem na Inglaterra? Pensei que ainda estivessem na França! Não me digam que deram baixa!

— Debenham deu, o felizardo! Eu estou de licença; Wolvey foi designado para a Inglaterra — que grande coisa é pertencer aos Regimentos da Guarda! — e Talgarth tornou-se importante, quase um Tigre! Isso mesmo, asseguro-lhe! Ajudante-de-ordens do Duque de York. Observe o seu ar de importância. Mas ele é todo condescendência, nem um pouco de exagero em suas maneiras... ainda!

— Cale-se, tagarela! — disse a vítima. Um pouco mais velho que seus companheiros, trigueiro e bonito, tinha o porte decidido e as maneiras indolentes do homem elegante. — Querida Sophy, estou quase

certo de que não pode estar em Londres há muitos dias. Nem o mais insignificante boato sobre uma perturbação vulcânica chegou aos meus ouvidos, e você sabe como sou ligeiro para saber das notícias! Ela riu.

— Oh, isso é muita maldade sua, Sir Vincent! Eu não provoco perturbações. Sabe que não!

— Não sei nada disso, minha filha. Quando a vi pela última vez, você estava empenhada em conciliar, da maneira mais implacável, os assuntos da mais confusa família de belgas que já conheci. Tinham toda a minha simpatia, mas não havia nada que eu pudesse fazer para ajudá-los. Conheço minhas limitações.

— Os pobres Lê Brun! Ora, mas alguém tinha de ajudá-los a sair daquela complicação! Asseguro-lhe, tudo ficou resolvido da maneira mais satisfatória! Mas veja só! Com toda essa excitação, esqueci mi-nha civilidade! Srta. Wraxton, por favor, perdoe-me, e permita-me apresentar-lhe o coronel Sir Vincent Talgarth, e, ao lado dele, o coronel Debenham. Este é o major Titus Quinton, e — oh, meu Deus, eu devia ter dito seu nome primeiro, Francis? Esta é uma das coisas que nunca sei, mas não importa! Capitão Lord Francis Wolvey! E este é meu primo, Sr. Rivenhall. Ah, e o Sr. Wraxton também!

A Srta. Wraxton inclinou a cabeça cortesmente; o Sr. Rivenhall, fazendo uma ligeira mesura para o resto do grupo, dirigiu-se a Lord Francis, dizendo:

— Não creio que já o conhecesse, mas seu irmão e eu estivemos em Oxford juntos.

Imediatamente Lord Francis inclinou-se na sela para apertar-lhe a mão.

— Agora sei quem você é! — declarou. — Você é Charles Rivenhall! Bem me pareceu que não podia estar enganado! Como vai? Ainda luta boxe? Freddy costumava dizer que nunca vira um amador com uma direita mais devastadora.

O Sr. Rivenhall riu.

— Costumava? Ele pôde senti-la com bastante frequência, mas não aceito os louros. Ele estava sempre brilhando no estrangeiro!

O major Quiton, que estivera a observá-lo intensamente, disse:

— Então, é provavelmente de onde o conheço. Do salão do Jackson! Você é o rapaz que Jackson afirmava ser capaz de transformar num campeão se não fosse um cavalheiro!

Naturalmente, essa observação levou os três homens a encetarem uma conversa sobre esportes. O Sr. Wraxton, à margem, ouvia atentamente, vez por outra inserindo algumas palavras às quais ninguém prestava atenção; Sophy exibia um sorriso satisfeito ao ver seus amigos e o primo tão cordialmente absorvidos; e o coronel Debenham, que possuía excelente educação e um coração generoso, pôs-se a entabular um diálogo elaborado com a Srta. Wraxton. Por unanimidade implícita, os militares dispuseram-se a acompanhar o grupo do Sr. Rivenhall até a vereda, e a cavalgada crescente prosseguiu a passo lento.

Sophy notou que Sir Vincent conduzira o cavalo para andar ao lado do dela, e, num repente, disse:

— Sir Vincent, o senhor é o homem que eu preciso! Vamos nos afastar, adiantemo-nos um pouco!

— Nada nesta vida, encantadora Juno, poderia proporcionar-me maior prazer! — respondeu ele no mesmo instante. — Não tenho simpatia por boxe. De forma alguma conte a alguém que eu disse isso! E realmente indigno da minha parte! Estará você a ponto de extasiar-me, aceitando um coração que frequentemente é depositado aos seus pés e rejeitado com a mesma frequência? Algo me diz que me entrego a um excesso de otimismo, que você vai exigir de mim um serviço capaz de me lançar num atoleiro de problemas, e que a minha pessoa acabará sendo rejeitada.

— Nada disso! — declarou Sophy. — O fato é que jamais conheci outra pessoa, além de Sir Horace, em cuja opinião eu confiaria mais, quando está em jogo a compra de cavalos. Sir Vincent, quero comprar uma parelha para o meu faéton!

A essa altura eles se haviam distanciado muito do resto do grupo. Sir Vincent fez o ruão diminuir a marcha, e disse, com voz entrecortada:

— Conceda-me um instante para poder recobrar minha masculinidade! Então é só isso que tem para mim?

— Não seja ridículo — disse Sophy. — Que mais eu poderia ter?

— Querida Juno, já lhe disse muitas vezes e não lhe direi mais!

— Sir Vincent — sibilou Sophy, com severidade —, desde o primeiro dia em que o conheci, está sempre atrás das herdeiras que cruzam o seu caminho.

— Será que um dia irei esquecer? Você havia perdido um dente da frente e rasgado o vestido.

— Provavelmente. Embora eu não tenha a menor dúvida de que você não se lembra de modo algum dessa ocasião e que acaba de inventar isso. Você é um namorador ainda mais obstinado do que Sir Horace, e só me propõe casamento porque sabe que não aceitarei seu pedido. Minha fortuna não é grande o bastante para tentá-lo.

— Isso é verdade — reconheceu Sir Vincent. — Contudo, há muito que se sabe que homens melhores do que eu, minha querida Sophy, adaptam-se às circunstâncias.

— Certo, mas eu não sou sua circunstância, e sabe muito bem que, embora possa ser indulgente, Sir Horace jamais permitiria que eu me casasse com você, mesmo se eu quisesse fazê-lo, o que não quero.

— Ora, muito bem! — suspirou Sir Vincent. — Então vamos falar de cavalos!

— A questão é que fui obrigada a vender meus cavalos de t ração quando deixamos Lisboa — confiou-lhe Sophy — e Sir Horace nãoteve tempo de encarregar-se do assunto antes de partir para o Brasil. Disse que meu primo poderia aconselhar-me, mas ele está muito zangado! Não vai me ajudar.

— Charles Rivenhall — disse Sir Vincent lançando-lhe um olhar, através das pálpebras semicerradas — é considerado bom juiz de cavalos. Que travessura está preparando, Sophy?

— Nenhuma. Ele disse que não se envolveria nessa questão, e,além disso, que seria impróprio para mim visitar Tattersal’s. Isso éverdade?

— Bem, pelo menos seria fora do comum.

— Então não irei. Minha tia ficaria angustiada, e ela já tem aborrecimento que baste. Onde mais posso comprar cavalos que me sejamconvenientes?

Pensativo, ficou olhando à frente, entre as orelhas do seu cavalo.

— Pergunto a mim mesmo se você se importaria de comprar umaparelha da falência de Manningtree antes de serem levados para o mercado público — disse a seguir. — Totalmente liquidado, pobre sujeito, e está vendendo o rebanho todo. De quanto dispõe, Sophy?

— Sir Horace me disse para não gastar mais de 400 libras, a menos que encontrasse uma parelha que seria um crime não comprar.

— Manningtree venderá seu par de baios por menos do que isso.Uma parelha linda como qualquer um poderia desejar. Eu mesmo acompraria se tivesse dinheiro.

— Onde posso vê-los?

— Deixe isso comigo. Providenciarei. Qual é o seu endereço?

— A casa de Lord Ombersley, na Berkeley Square, aquela bem grande, na esquina!

— Naturalmente. Então ele é seu tio, não é?

— Bem, a esposa dele é minha tia.

— Portanto Charles Rivenhall é seu primo. Ora, ora! Como consegue distrair-se, minha Sophy?

— Confesso que já perguntei a mim mesma como conseguirei fazer isso, pois descobri que toda a família está numa lamentável com plicação; coitados, só espero poder trazer-lhes algum conforto!

— Não tenho nenhuma estima especial por seu tio, que é um dos amigos íntimos do meu estimado comandante; na única ocasião em que convidei sua bela prima Cecília para dançar comigo no Almack's, seu assustador irmão impediu-me de modo não só urgente como grosseiro. Alguém deve lhe dizer que estou interessado em herdeiras; contudo, por estranho que pareça, sinto-me estranhamente angustiado! Também sinto forte compaixão pela família. Eles caminham as cegas em direção à ruína, Sophy, ou recebem de bom grado um tição no meio deles?

Ela deu uma risadinha.

— Eles caminham às cegas, mas eu não sou um tição!

— Não é, usei a palavra errada. Você é igual aos foguetes do pobre Whinyates; ninguém sabe o que fará a seguir!


VI

— NÃO PARAM DE bater à porta? — perguntou Charles à sua mãe, depois da saída do quarto visitante matutino num único dia.

— Não! — respondeu ela orgulhosamente. — Desde aquele dia em que você levou a querida Sophy para cavalgar no parque, já recebi sete cavalheiros... não, oito, contando Augustus Fawnhope; a princesa Esterhazy, a condessa Lieven, Lady Jersey e Lady Castlereagh, todos deixaram seus convites; e...

— Talgarth encontrava-se entre os que visitaram, senhora?

Ela franziu a testa.

— Talgarth? Oh, sim! Um homem muito amável, com suíças! Sem dúvida, ele estava entre os visitantes!

— Cuidado! — preveniu-a. — Essa amizade não serve!

Ela ficou surpresa.

— Charles, o que quer dizer? Ele parece ter um relacionamentode grande amizade com Sophy, e ela me contou que Sir Horace o conhece há anos!

— Não nego, mas se meu tio pretende conceder-lhe Sophy em casamento, ele não é o homem que considero digno disso! Dizem que é notoriamente conhecido como caça-dotes, e além disso é um jogador com mais dívidas do que perspectivas, e suas propensões libertinas dificilmente o tornam um bom partido na praça!

— Oh, meu Deus! — exclamou Lady Ombersley, desolada. Perguntava a si mesma se devia contar ao filho que a prima saíra com Sir Vincent exatamente no dia anterior e decidiu que seria inútil alongar-se num assunto já superado. — Talvez eu devesse fazer uma insinua ção no ouvido de Sophy.

— Duvido que seja bem recebida, senhora. Eugenia já falou com ela a respeito. Só que minha prima achou conveniente responder que era bastante escolada e que iria empenhar-se em não dar margem para ser seduzida por Sir Vincent ou qualquer outro.

— Oh, meu Deusl — tornou a exclamar Lady Ombersley. — Ela realmente não devia dizer essas coisas!

— É exatamente o que acho, senhora!

— Todavia, embora eu não queira ofendê-lo, Charles, não posso deixar de sentir que talvez não tenha sido muito sensato Eugenia ter falado com ela sobre esse assunto. Você bem sabe, meu querido, que ela não tem qualquer vínculo de parentesco com Sophy!

— Acontece que Eugenia tem forte senso de dever — ele disse fitando-a seriamente —, e devo acrescentar, mamãe, que seu sincero desejo de lhe poupar ansiedades levou-a a assumir uma tarefa que ela achava extremamente desagradável.

— É muita gentileza dela, sem dúvida — replicou a mãe, com voz desanimada.

— Onde está minha prima? — perguntou ele, abruptamente.

A mãe animou-se, pois a essa pergunta podia dar uma resposta irrepreensível.

— Saiu para um passeio na caleça com Cecília e seu irmão.

— Bem, isso pelo menos deve ser inofensivo — disse ele.

Ficaria menos satisfeito com esse detalhe se soubesse que depois de ter apanhado o Sr. Fawnhope, o qual encontraram na Bond Street, os ocupantes da caleça estavam naquele momento em Longacre, inspecionando com olhos críticos veículos esportivos. Havia muitos deles, e quase todas as variedades de carruagem, em exibição no grande estabelecimento comercial ao qual Hubert conduzira a prima, e embora Sophy permanecesse firme em sua preferência por um faéton, Cecília ficou bastante cativada por uma carruagem leve de duas rodas, e Hubert, depois de se ter apaixonado por um cabriole, instigava a prima com veemência a comprá-lo. Quando foram pedir a opinião do Sr. Fawnhope, verificaram que estava ausente, e logo o descobriram sentado, em enlevada contemplação de uma berlinda de luxo, que mais parecia uma enorme xícara de chá equilibrada sobre molas alongadas. Era coberta por uma capota em abóbada, trazia grande quantidade de dourados e tinha um assento para o cocheiro empoleirado sobre as rodas da frente, forrado de veludo azul com franjas douradas.

— Cinderela! — exclamou o Sr. Fawnhope simplesmente.

O gerente do estabelecimento disse não acreditar que a berlinda, exposta apenas para exibição, fosse exatamente o que a senhora procurava.

— Um coche para uma princesa — disse o Sr. Fawnhope, desatento. — Nisto, Cecília, é que você deve andar. Terá seis cavalos brancos para puxá-la, com plumas na cabeça e arreios azuis.

Cecília não achou defeitos para apontar nesse programa, contudo lembrou-o de que tinham vindo para ajudar Sophy a escolher uma carruagem esportiva. Ele deixou-se levar para longe da berlinda, mas quando solicitado a dar seu voto entre o cabriole e o faéton, limitou-se a murmurar:

— O que pode fazer o pequeno T. O. ? Por que dirigir um faéton puxado por dois cavalos? O pequeno T.O. não pode fazer mais? Pode, dirigir um faéton puxado por quatro cavalos!

— Tudo isso está muito bem — disse Hubert, impaciente —, mas minha prima não é Tommy Onslow, e quanto a mim, acho que será melhor para ela este cabriole!

— Não se pode fazer um exame acurado de suas linhas, contudo elas têm grande mérito — disse o Sr. Fawnhope. — Como o cabriole é bonito! Como é rápido! Como é esplêndido! Contudo, Apoio prefe-ria um faéton. Essas carruagens me deixam perplexo. Vamos embora!

— Quem é Tommy Onslow? Ele dirigiu mesmo um faéton puxado por quatro cavalos? — perguntou Sophy, seus olhos em fogo. — Isso seria realmente algo! Que pena eu ter acabado de comprar uma parelha! Receio que jamais encontraria um par para ela.

— Pode pedir emprestados os cavalos de Charles — sugeriu Hubert, esboçando um sorriso largo e maldoso. — Santo Deus, que baderna haveria!

Sophy riu, mas sacudiu a cabeça.

— Não, fazer isso seria uma coisa infame! Vou comprar aquele faéton. Já me decidi.

O gerente parecia confuso, pois a carruagem apontada por ela não era o faéton que ele julgaria do gosto dela: um veículo elegante, perfeitamente adequado para uma dama, mas um modelo de varais altos, com enormes rodas traseiras; a carroceria estendia-se diretamente sobre o eixo dianteiro, bem um metro e meio distante do chão. Contudo, não era da sua conta dissuadir um freguês de fazer uma compra dispendiosa, portanto fez uma mesura e guardou aquelas opiniões para si mesmo.

Com menos tato, Hubert disse:

— Vou dizer uma coisa, Sophy, na verdade não é uma carruagem para uma dama! Só espero que não venha a capotar com ela quando dobrar a primeira esquina.

— Eu não!

— Cecília — exclamou de repente o Sr. Fawnhope, que estivera analisando o faéton intensamente —, jamais deve andar neste veículo!

Ele falou com uma decisão a que não estava habituado, e todos o olharam surpresos; Cecília ruborizou-se, grata pela sua solicitude.

— Asseguro-lhe que não a deixarei capotar — garantiu Sophy.

— Todo sentimento deveria sentir-se ultrajado com a visão de cria-tura tão refinada num veículo como este! — insistiu o Sr. Fawnhope. — Suas proporções são absurdas! Além disso, foi construído para grande velocidade, e deveria ser dirigido, se dirigido devesse ser, por um homem portentoso com quinze mantos e um lenço de pescoço cheio de pintas. Não é para Cecília!

— Bem! — exclamou Sophy. — Pensei que você estivesse com medo de eu capotar com ela dentro.

— Tenho medo disso — replicou o Sr. Fawnhope. — Só de pensar num acontecimento tão deselegante pode ofender! Ofende mesmo! Impõe sua grosseria em qualquer sensibilidade; tolda minha visão de uma ninfa de porcelana! Vamos deixar este lugar imediatamente!

Cecília, hesitando entre o prazer de ser comparada a uma ninfa de porcelana e a afronta de sua

segurança ser tão pouco considerada, disse apenas que não poderiam partir até que Sophy tivesse concluído sua compra; contudo Sophy, muito divertida, sugeriu que ela deveria retirar-se com o namorado e aguardá-la na caleça.

— Sabe de uma coisa — Hubert disse em tom confidencial, depois que o casal se afastara —, não sei se culpo Charles por não ter estômago para aguentar esse sujeito! Ele é de fato insignificante!

Três dias após essa negociação, o Sr. Rivenhall, ao exercitar seus cavalos cinzentos no parque, parou nas proximidades da Riding House para apanhar seu amigo, o Sr. Wychbold, que passeava a pé em todo esplendor de suas calças amarelo-claras, botas brilhantes e um casaco de corte extravagante e cor delicada.

— Santo Deus! — exclamou. — Que visão diabólica! Suba, Cyprian, e pare de lançar olhares cobiçosos a todas as mulheres! Onde esteve se escondendo ultimamente?

O Sr. Wychbold subiu no cabriole, acomodando com rara graça as pernas bem torneadas, e respondeu com um suspiro:

— No cumprimento do dever, meu caro rapaz! De visita ao lar ancestral! Faço o que posso com água de lavanda, mas o cheiro das cavalariças e dos estábulos é difícil de aguentar. Charles, por mais que o ame, se tivesse visto esse lenço de pescoço antes, eu permitiria que me levasse a dar uma volta pelo parque.

— Não desperdice essa conversa comigo! — recomendou Charles. — O que há com os seus baios?

O Sr. Wychbold, uma das estrelas fulgurantes do Clube dos Quatro Cavalos, suspirou pesarosamente.

— Com aleijamento total! Não os dois, só um, mas está realmente mal. Você acreditaria? Deixei minha irmã conduzi-los! Adote isso como um princípio, Charles: não se deve incumbir uma mulher de guiar um carro puxado a cavalos!

— Você ainda não conhece minha prima — respondeu o Sr. Rivenhall, com um sorriso enviesado.

— Está enganado — disse o Sr. Wychbold calmamente. — Conheci-a na noite de gala do Almack's, o que, meu caro rapaz, você saberia se não se conservasse afastado daquelas reuniões.

— Oh, conheceu-a, não é? Não tenho inclinação para essa forma de insipidez.

— Não lhe faria nenhum proveito, se tivesse — respondeu o Sr. Wychbold. — Não havia como aproximar-se de sua prima; para você, creio, não teria sido problema. Eu consegui, mas tive de empregar muita habilidade. Dancei o boulanger com ela. Moça por demais encantadora!

— Bem, já era tempo de você pensar em se casar. Por que não lhe propõe casamento? Eu lhe ficaria muito grato.

— Concordo com quase qualquer outra coisa para o seu bem, meu caro, mas não sou um homem de casar! — respondeu o Sr. Wychbold com firmeza.

— Eu não falava sério. Para ser franco, se você metesse essa ideia na cabeça eu me empenharia ao máximo para dissuadi-lo. Ela é a moça mais aborrecida que já esperei encontrar. A única coisa que conheço para louvá-la é que ela consegue dirigir com perícia. Teve a maldita impertinência de roubar meu cabriole no momento em que lhe voltei as costas por cinco minutos.

— Ela conduziu estes cinzentos? — perguntou o Sr. Wychbold.

— Conduziu. À rédea solta, inclusive. Tudo visando forçar-me a comprar um faéton e uma parelha para exibir-se como objeto de curiosidade! Não farei tal coisa, mas não há dúvida de que gostaria de ver como ela vai resolver esse assunto.

— Não desejo alimentar falsas esperanças — disse o Sr. Wychbold, que estivera observando a aproximação de um vistoso faéton —, pelo contrário, mas sou obrigado a acreditar que é exatamente o que você está a ponto de fazer, meu caro! Mas uma coisa me deixa curioso: por que sua prima estaria conduzindo os cavalos baios de Manningtree?

— O quê? — exclamou o Sr. Rivenhall bruscamente. Seu olhar incrédulo caiu sobre o faéton que vinha na direção dele, num passo rápido e certo. Muito à vontade no perigoso veículo, sentada numa posição mais elevada que os cavalos, com o palafreneiro ao seu lado e empunhando o chicote exatamente no ângulo correto, estava a Srta. Stanton-Lacy, e se a visão proporcionava prazer ao Sr. Rivenhall, ele não demonstrava o menor sinal disso. A princípio pareceu estupefato e depois mais assustador do que habitualmente. Como a andadura dos baios afrouxasse, reduzindo-se a um andar lento, ele conteve a própria parelha. As duas carruagens pararam lado a lado.

— Primo Charles! — exclamou Sophy. — E o Sr. Wychbold! Como vão vocês? Diga-me, primo, o que acha deles? Estou convencida de que fiz um bom negócio.

— Onde obteve esses cavalos? — perguntou o Sr. Rivenhall.

— Ora, Charles, pelo amor de Deus, não seja tão desatento! — suplicou o Sr. Wychbold, preparando-se para descer do cabriole. — Veja bem que ela está com a parelha castrada de Manning tree. Além do mais, acabei de lhe contar isso há apenas um minuto. Mas o que houve, Srta. Stanton-Lacy? Manningtree está venden-do seus bens?

— Creio que sim — ela sorriu.

— Por Deus, então você me passou para trás, pois eu estava de olho nessa parelha desde o dia em que Manningtree apareceu com ela na cidade. Como tomou conhecimento da venda, senhora?

— Para falar a verdade, eu não sabia nada a respeito — ela confessou. — Foi Sir Vincent Talgarth quem me proporcionou a oportunidade de comprá-los.

— Aquele sujeito! — intrometeu-se o Sr. Rivenhall, de modo explosivo. — Eu deveria saber.

— Sim, você deveria — Sophy concordou. — Ele é muito conhecido por saber das notícias antes de os outros ouvirem sequer um boato. Posso convidá-lo a subir, Sr. Wychbold? Se passei o senhor para trás, o mínimo que posso fazer é ceder meu lugar e deixá-lo conduzir minha parelha.

— Não hesite em me dizer quais dos cavalos de minha mãe ou meus você gostaria que eu retirasse dos estábulos para dar lugar aos seus! — pediu o Sr. Rivenhall, com falsa cortesia. — A menos, é cla-ro, que esteja providenciando os próprios estábulos!

— Querido primo Charles, espero ser mais sensata do que lhe causar um incómodo tão chocante! Meu fiel John Potton já cuidou de tudo. Você não deve se preocupar com os meus cavalos! Desça, John. Não precisa ter medo de deixar o Sr. Wychbold ocupar seu lugar, pois se os animais disparassem, ele estaria mais qualificado para controlálos do que qualquer um de nós dois.

O palafreneiro de meia-idade, depois de lançar um longo olhar perscrutador ao Sr. Wychbold, pareceu ficar satisfeito, pois obedeceu sem fazer qualquer comentário. O Sr. Wychbold saltou ligeiramente para o faéton; assentindo com a cabeça, Sophy despediu-se do primo, e os baios prosseguiram. Manifestando uma emoção reprimida, o Sr. Rivenhall ficou observando o faéton por alguns instantes, depois lançou um olhar para o palafreneiro.

— Que diabo fazia você que deixou sua patroa comprar uma maldita carruagem perigosa como essa? — indagou.

— Não precisa ficar preocupado com a Srta. Sophy, senhor! — disse John, de um modo paternal. — O próprio Sir Horace não conseguiria impedi-la, não depois de ela ter tomado a decisão! Muitas foram as vezes em que falei com Sir Horace que ele devia dominá-la, mas jamais fez isso e nem tentou.

— Bem, se eu tivesse muito mais... — O Sr. Rivenhall deteve-se bruscamente, percebendo quão inadequada era essa troca de palavras.

— Maldito seja o seu atrevimento! — disse ele, e pôs os cavalos em andamento numa arremetida súbita que traía seu estado de irritação.

Nesse meio-tempo, o Sr. Wychbold, muito galante, recusava tomar as rédeas da Srta. Stanton-Lacy.

— Macacos me mordam se eu algum dia pensei que diria isso, mas é um prazer ser conduzido por uma dama que lida com uma parelha tão bem como você! Marchadores muito dóceis, sim; não ficaria surpreso se Charles estivesse de olho neles, razão pela qual se teria encolerizado.

— Não, estou certa de que seu julgamento é errado! Ele zangou-se porque comprei os cavalos e o faéton contra a sua recomendação — na verdade, mesmo ante a sua proibição! Conhece bem meu primo, senhor?

— Eu o conheço desde que ele estava em Eton.

— Então me diga, ele tem sempre necessidade de cantar de galo?

O Sr. Wychbold considerou a pergunta, mas não chegou a uma conclusão precisa.

— Bem, não sei — respondeu. — Sempre foi o único a assumir a liderança, é claro, mas um homem não se torna governante de seus amigos, senhora. Pelo menos... — Ele parou, ao lembrar-se de inci-dentes passados. — Sei que ele tem um temperamento constrangedor, mas é espantoso como é bom amigo! — disse. — Já perdi a conta das vezes que lhe disse para prestar atenção à sua língua extremamente desagradável, mas acontece, senhora, que não há ninguém a quem eu recorresse numa dificuldade melhor do que Charles Rivenhall!

— Eis aí um verdadeiro cumprimento — ela disse, pensativa.

O Sr. Wychbold tossiu, como quem desaprova.

— Nunca mencionou o problema para mim, é claro, mas se a metade do que se ouve for verdade, o pobre rapaz teve muito que aguentar. Tornou-o amargo. Muitas vezes pensei nisso! Mas por que diabos ele teve que se comprometer com aquela... — Interrompeu-se, bastante confuso. — Esqueci do que ia dizer — acrescentou rapidamente.

— Bem, agora se explica! — disse Sophy, abaixando as mãos ligeiramente e permitindo que os baios acelerassem a marcha.

— Explica o quê? — perguntou o Sr. Wychbold.

— Ora, Cecilia me contou que você era amigo íntimo de Charles, e se você é de opinião que não serve, não preciso ter escrúpulos. Imagine só, Sr. Wychbold, que infortúnio para a minha querida tia e para as pobres crianças suportar aquela criatura com cara de sexta-feira dando ordens a eles todos! Vivendo sob o mesmo teto, e, pode estar certo, encorajando Charles a ser desagradável, como quando nos encara com os olhos arregalados!

— Não adianta ficar remoendo! — disse o Sr. Wychbold, muito abalado.

— Mas é preciso! — replicou Sophy, resoluta.

— É inútil pensar nisso — insistiu o Sr. Wychbold, sacudindo a cabeça. — Há semanas que anunciaram o noivado com grande alarde em todos os jornais! Nesta altura já estariam casados se a moça não tivesse que usar luto. Um casamento muito bom, é claro... uma mulher de qualidade, um belo dote, não nego, e excelente parentesco!

— Bem — comentou Sophy, liberal —, se o coração dele está em jogo, julgo que se deve permitir que faça o que quiser, contudo não deve impor a mulher à sua família! Porém não creio realmente que seu coração tenha alguma coisa a ver com isso, e, quanto a ela, não tem nada! Pronto! Isso é que é fazer crítica severa do caráter de uma pessoa!

Com o entusiasmo provocado, o Sr. Wychbold disse, em tom confidencial:

— Sabe de uma coisa, senhora? Ela ficou sem pretendentes durante dois anos! Verdade! No ano passado, tentou conquistar Maxstoke, mas ele cortou logo. Nos clubes, também, o que era duvidoso ficou sendo certo, mas ele conseguiu escapar decentemente. — Suspirou. — Charles não fará isso. O noivado foi publicado na Gazelte, você sabe; o pobre rapaz não poderia desistir mesmo se quisesse.

— Não poderia — concordou Sophy, com a testa franzida. — Contudo, ela poderia.

— Poderia, mas não vai desistir — replicou o Sr. Wychbold, positivo.

— Veremos! — disse Sophy. — De qualquer modo, devo impedir e impedirei que ela faça daqueles pobres queridos uns infelizes! Pois é isso o que ela faz, eu lhe asseguro! Está sempre indo a Berkeley Square e deixando todo mundo deprimido! Primeiro é minha tia, que vai para a cama com dor de cabeça quando a criatura fica junto dela meia hora; depois é a Srta. Adderbury, para quem ela diz as coisas mais horríveis naquele odioso tom de voz adocicado que usa quando promete fomentar discórdia! Admira-se que a Srta. Adderbury não tenha ensinado as crianças a ler em italiano. Fica surpresa com o fato de ela fazer tão pouco uso do quadro-negro, e diz a Charles que está com um pouco de medo de que Amabel venha a ter os ombros caídos! Tolice! Está inclusive tentando convencê-lo a tirar o mico das crianças. Mas o pior de tudo é que ela o coloca contra o pobre do Hubert! Isso não posso perdoar! Além do mais, o faz de um modo tão vil! Não sei como mantive minhas mãos longe do rosto dela ontem, pois o garoto vestia um colete novo — bastante feio, mas ele parecia tão orgulhoso! E o que ela haveria de fazer a não ser chamar a atenção de Charles para o fato, fingindo mexer com Hubert, você sabe, mas conseguindo dar a impressão de que ele estava sempre comprando roupas novas e desperdiçando a mesada em bugigangas!

— Que mulher diabólica! — exclamou o Sr. Wychbold. — Confesso que não esperava que Charles aceitasse docilmente esse tipo de coisa! E jamais que aceitasse alguém interferindo!

— Oh, tudo é feito com uma solicitude tão superficial que ele não viu o que se acha enraizado... ainda! — declarou Sophy.

— Uma tarefa muito difícil — declarou o Sr. Wychbold. — Mas nada pode ser feito.

— Isso é o que as pessoas sempre dizem — replicou Sophy com severidade — quando são muito indolentes ou, talvez, muito medrosas para fazerem um grande esforço a fim de serem úteis! Tenho muitos defeitos, mas não sou indolente nem medrosa, embora isso, sei muito bem, não seja uma virtude; o fato é que nasci totalmente isenta de nervosismo, diz meu pai, e quase sem suscetibilidade. Não sei o que devo fazer, ainda não decidi, mas posso precisar da sua ajuda para romper esse compromisso tolo. — Num rápido olhar percebeu que ele parecia extremamente alarmado, e acrescentou de modo tranquilizador. — É provável que não, mas nunca se sabe, e é sempre bom ficar preparado. Agora devo fazê-lo descer, pois vejo Cecília esperando por mim, e ela prometeu deixar-me levá-la numa volta pelo parque depois de se certificar que não capotarei com o faéton.

— Não há perigo! — respondeu o Sr. Wychbold, imaginando o que mais essa jovem e alarmante mulher faria capotar durante sua estada em Berkeley Square.

Apertou-lhe a mão, dizendo que se as mulheres pudessem pertencer ao Clube dos Quatro Cavalos, sem dúvida apoiaria a candidatura dela, e desceu de chofre do faéton, para cumprimentar Cecília, a qual, com a Srta. Adderbury e as crianças, aguardava ao lado da estrada para veículos. Naturalmente, Gertrude, Amabel e Theodore reivindicaram seus direitos de subir primeiro para junto da prima em detrimento da irmã mais velha, mas depois disso ser discutido com perseverança, o Sr. Wychbold ajudou Cecília a subir na carruagem, fez uma reverência com a cabeça e afastou-se em passadas largas.

Logo Sophy percebeu que Cecília estava pálida, enquanto a pequena governanta se encontrava claramente no auge de uma agitação reprimida; como acreditava ser melhor chegar ao âmago de qualquer questão sem perder tempo com rodeios, indagou bruscamente:

— Ora, por que está abatida como quem está com enxaqueca, Cecy?

Tina, que durante a ocupação do lugar do passageiro pelo Sr. Wychbold se aninhara discretamente sob os pés da patroa, agora saiu rastejando de trás do tapete pardo e pulou para o colo de Cecília. Esta apertou-a nos braços e a acariciou maquinalmente, respondendo com voz tensa:

— Eugenia!

— Oh, diabos a levem, criatura desagradável! — exclamou Sophy. — O que fez ela agora!

— Ela estava passeando por aqui com Alfred — respondeu Cecília — e deu conosco!

— Bem — replicou Sophy sensatamente —, confesso que não gosto dela, e Alfred sem dúvida é uma besta, a bestinha mais horrível da natureza, porém não vejo nisso nada para irritá-la tanto! Ele não teria tentado passar o braço pela sua cintura estando a irmã presente!

— Ora, Alfred! — exclamou Cecília desdenhosamente. — Não, exceto que ele me fez pegar no braço dele, e depois apertou-o da maneira mais odiosa, lançando olhares amorosos e dizendo coisas que me dão vontade de esbofeteá-lo. Mas não ligo a mínima para ele! Compreenda, Sophy, Augustus estava comigo!

— E daí? — quis saber Sophy.

— É certo que tínhamos ficado um pouco para trás de Addy, pois como se pode ter uma conversa coerente com as crianças tagarelando o tempo todo? Mas Addy estava à visia, e não pegamos um caminho solitário furtivamente — de fato, não era um tios mais frequentados, mas Addy estava lá o tempo todo, que importa isso? —, e dizer que eu estava me encontrando com Augustus clandestinamente é maldoso e injusto! Qualquer um pensaria num aventureiro odioso, e não numa pessoa que conheço a vida toda! Por que ele não deveria passear no parque? E se o faz, e nós nos encontramos, diga-me, por que eu não deveria falar com ele?

— Não há absolutamente qualquer razão. Aquela moça repelente fez-lhe uma reprimenda?

— A mim nem tanto quanto à pobre Addy. Ela está desesperada, pois Eugenia parece ter dito que ela estava traindo a confiança de mamãe e me encorajando a um comportamento clandestino. Ela foi realmente odiosa comigo, mas não pôde dizer muito mais, porque Augustus estava junto. Ela o fez caminhar com ela e mandou Alfred dar-me o braço, e eu me senti aviltada, Sophy, aviltada!

— Qualquer uma se sentiria, se fosse obrigada a tomar o braço de Alfred — concordou Sophy.

— Por causa disso, não! Mas por causa da atitude de Eugenia! Como se ela me tivesse encontrado fazendo algo ignominioso! E isso não é o pior! Charles está passeando aqui, e nem bem um momento to antes de você chegar ele passou por nós, com Eugenia sentada ao lado dele! E meu irmão me lançou o olhar mais frio do mundo! Ela contou-lhe tudo, pode estar certa, e agora ele ficará furioso co-migo, e provavelmente influenciará mamãe também, e tudo ficará horrível!

— Não, não ficará — disse Sophy friamente. — Na verdade, eu não ficaria absolutamente surpresa se a situação se tornasse uma coisa muito boa. Agora não posso explicar tudo, porém peco-lhe encarecidamente, Cecy, não fique tão angustiada! Não há necessidade.Asseguro-lhe que não há nenhuma necessidade! É muito provável que Charles não lhe diga uma palavra a respeito.

Cecília dirigiu-lhe um olhar incrédulo.

— Charles não vai dizer uma palavra? Você não o conhece! Ele estava parecendo uma negra nuvem de trovoada!

— Não nego que parecesse; mas isso acontece com muita frequência, e você é uma pateta para no mesmo instante ficar tremendo como um manjar-branco — respondeu Sophy. — Agora vou fazê-la descer e você vai juntar-se à pobrezinha da Addy e continuar seu passeio. Eu irei para casa, onde estou muito certa de encontrar seu irmão, pois acabamos de fazer a volta toda do parque e não há sinal dele, e sei que terá de regressar a Berkeley Square, pois o ouvi dizer a meu tio que alguém chamado Eckington estaria lá às 17:00.

— O agente do papai — Cecília informou apaticamente. — E não vejo, querida Sophy, que importância tem isso, se você encontra Charles em casa ou não, porque ele não vai falar com você sobre o assunto. Por que falaria?

— Oh, não vai falar apesar de tudo? — retorquiu Sophy. — Pode estar certa, a esta altura ele se terá convencido de que tudo foi culpa minha, do princípio ao fim! Além disso, está furioso comigo por ter comprado esta equipagem sem a ajuda dele, e por ter alugado um estábulo também! Deve estar ansioso que eu volte para casa de modo a poder brigar comigo sem recear interrupções. Pobre homem! Acho que vou fazê-la descer imediatamente, Cecy.

— Como você é corajosa! — Cecília disse, assombrada. — Não sei mesmo como pode suportar!

— O quê, os acessos de raiva do seu irmão? Não me assustam nem um pouco!

Cecília estremeceu.

— Não é questão de medo exatamente, mas tenho pavor de pessoas que ficam zangadas e me fazem ameaças! Não consigo evitar, Sophy, sei que é covardia de minha parte, mas meus joelhos tremem e sinto náuseas!

— Bem, hoje não devem tremer — disse Sophy alegremente. — Vou estragar os planos de Charles. Oh, veja! Lá está Francis Wolvey! A pessoa perfeita! Ele a restituirá a Addy por mim.

Parou enquanto falava, e Lord Francis, que estivera conversando com duas senhoras em um landolé, aproximou-se do faéton, exclamando:

— Sophy, que equipagem excelente! Seu criado, Srta. Rivenhall! Admira-me vê-la confiar numa pessoa avoada como esta, admira-me mesmo! Certa vez ela me fez capotar num cabriole. Num cabriole!

— Que coisa feia para dizer! — replicou Sophy, indignada. — Como se eu pudesse ter evitado, naquele tipo de estrada. Frenada! Oh, meu Deus, parece que foi há tanto tempo! Cheguei com Sir Horace e hospedei-me com a Sra... Sra...

— Scovell — ajudou Lord Francis. — Naquele inverno era a única senhora morando no quartel-general, e costumava realizar festas comjogos de loo, que é um jogo de cartas sem parceria. Lembra-se?

— É claro que me lembro! E com mais clareza ainda das pulgas naquele vilarejo horrível! Francis, preciso apanhar John Potton e ir embora. Quer acompanhar minha prima que vai ao encontro de seus irmãozinhos? Estavam passeando com a governanta em algum lugar junto à estrada para veículos.

Lord Francis, sobre quem a beleza de Cecília causara grande impressão quando ele a conhecera por ocasião da sua visita a Berkeley Square, respondeu prontamente que nada lhe daria mais prazer e estendeu as mãos para ajudá-la a descer do faéton. Afirmou esperar que não encontrassem muito rapidamente o grupo de estudantes, e Cecilia, sensível às maneiras tranquilas e cordiais do rapaz e à sua evidente admiração, começou a demonstrar mais alegria. Muito satisfeita, Sophy viu-os afastarem-se, e seguiu para onde seu palafreneiro a aguardava, nas proximidades do Portão Stanhope. Informou que vira o Sr. Rivenhall passar pelo portão há poucos minutos, e acrescentou, com uma risadinha insípida, que ele ainda parecia enfurecido.

— Maldita seja a minha insolência, Srta. Sophy, mas ele chegava a ferir a boca dos cavalos com o freio!

— Ora, o que você lhe disse para enfurecê-lo?

— Eu só disse que você jamais fora dominada por freios, senhorita, e considerando que ele está de acordo comigo, e não é capaz de dizer, não havia remédio senão amaldiçoar-me e partir. Eu não o culpo! Encrenca próxima, Srta. Sophy, é o que você representa!

Quando chegou a Berkeley Square, Sophy descobriu que o Sr. Rivenhall acabara de entrar em casa, depois de ter perambulado nas imediações ao deixar as cavalariças. Ainda usava a capa de dirigir e parara ao lado da mesa do vestíbulo para apanhar e ler um bilhete enviado por um dos seus amigos. Carrancudo, ergueu os olhos quando Dassett introduziu Sophy, mas não falou nada. Tina, que manifestara (segundo a opinião da sua dona) uma paixão insensata pela companhia dele, saltou alegremente na direção de Charles e empregou toda arte que conhecia para atrair-lhe a atenção. Na verdade ele não deixou de lançar-lhe um olhar, porém, longe de encorajá-la a prosseguir, disse bruscamente:

— Quieta!

— Ah, então chegou antes de mim! — comentou Sophy, retirando as luvas. — Bem, me dê sua opinião sincera sobre aqueles baios! O Sr. Wychbold desconfia que você mesmo pode ter estado de olho neles. É verdade?

— Muito além do meu alcance, prima! — ele respondeu.

— Não diga, é mesmo? Dei 400 guinéus por eles, e acho que fiz bom negócio.

— Estava falando sério quando me deu a entender que já providenciou seu próprio estábulo? — perguntou.

— Certamente que falava sério. Como iria forçar minha tia a arcar com a guarda dos meus cavalos? Além disso, é provável que eu compre mais dois, se puder encontrar uma dupla que se harmonize com os baios. Soube que é uma especialidade dirigir um faéton puxado a quatro cavalos, embora acredite que isso deve levar a uma adaptação dos varais, o que seria um aborrecimento.

— Não tenho controle sobre suas ações, prima — disse ele friamente. — Sem dúvida, se lhe parece divertido servir de espetáculo no parque, você servirá. Contudo, por favor, não o faça se levar uma de minhas irmãs ao seu lado!

— Mas isso não me diverte — ela disse. — Já levei Cecília numa volta ao redor da estrada para veículos. Você tem ideias muito antiquadas, não tem? Vi diversos veículos esportivos extremamente elegantes dirigidos por senhoras da mais alta camada social!

— Não faço particular objeção a um faéton com uma parelha — replicou ele ainda mais friamente —, embora um modelo com o banco do cocheiro em destaque não seja muito adequado para uma dama. Perdoe-me, mas devo lhe dizer que há algo mais do que um pouco extravagante nesse tipo de carruagem.

— Ora, quem teria sido tão despeitado para meter-lhe essa ideia na cabeça? — quis saber Sophy.

Ele corou, mas não respondeu.

— Viu Cecília? — perguntou Sophy. — Tinha uma aparência arrebatadora naquele novo chapéu que sua mãe, com tanto bom gosto, comprou para ela.

— Eu de fato vi Cecília — ele respondeu severamente. — Além disso, eu, como você, prima, sei exatamente como minha irmã estava passando o tempo! Vou ser extremamente claro com você!

— Se deseja ser extremamente claro comigo — ela interrompeu-o — venha para a biblioteca! É muito impróprio de sua parte ficar falando de assuntos de família onde pode ser ouvido. Além do mais, tenho algo de natureza decididamente delicada para lhe dizer.

Em largas passadas, Charles caminhou imediatamente para a porta da biblioteca e escancarou-a. Ela entrou no aposento passando por ele, e o rapaz a seguiu fechando a porta atrás de si, rápido demais para Tina, que ficou do lado de fora. O que tornou necessário que Charles a abrisse de novo, pois os reclamos de Tina para ele assim proceder eram ao mesmo tempo estridentes e imperiosos. Esse anticlímax insignificante nada contribuiu para melhorar o humor do rapaz, e foi com uma aspereza muito desagradável na voz que ele disse:

— Nada de benevolência entre nós, Sophy! Se foi você ou não quem providenciou um encontro clandestino no parque para minha irmã e o jovem Fawnhope, sei muito bem que...

— Cecília não está causando boa impressão? — perguntou Sophy, de modo aprovador. — Passeou com Fawnhope, e depois com Alfred Wraxton e a deixei com Lord Francis! É sobre isso, querido primo Char-les, que gostaria de falar com você! Longe, está longe de mim a ideia de interferir nos assuntos da sua família, mas acho que devo, talvez, fazer-lhe uma sugestão. Sei que é constrangedor para você, na sua si-tuação, porém você saberá como lançar uma palavra no ouvido de Cecy.

Ele ficou desconcertado por este lance inesperado, e arregalou os olhos ao fitá-la.

— De que diabo está falando?

— Não é nem um pouco do meu agrado mencionar o fato — disse Sophy, mentindo —, mas você sabe quanto gosto de Cecy! O caso é que tenho viajado e aprendi a cuidar de mim mesma. Cecy é tão inocente! Não há uma única partícula de maldade em Augustus Fawnhope, e Francis Wolvey, até o momento, tem sido cavalheiro demais para ultrapassar os limites. Mas você não devia encorajar uma jovem tão encantadora como sua irmã a caminhar pelo parque com o Dishonorable Alfred, Charles!

Ele ficou tão confuso, que por um momento não disse uma palavra. Depois exigiu uma explicação.

— Ele é o tipo do sujeitinho odioso e desprezível que beija as criadas nas escadas — respondeu com franqueza.

— Minha irmã não é uma criada!

— Não é, e realmente confio que ela saiba como conservá-lo à distância de um braço.

— Posso saber se tem o mais leve motivo para fazer essa acusação contra Wraxton?

— Se quer saber se já o vi beijando uma criada, não vi, querido Charles, não vi mesmo. Se, por outro lado, você pergunta se ele tentou me beijar, sim, querido Charles, ele já tentou. A propósito, nesta sala mesmo.

Ele parecia zangado e ofendido.

— Lamento muitíssimo que tenha sido molestada desse modo, debaixo deste teto — respondeu, pronunciando as palavras com esforço.

— Oh, não me preocupo com isso! Já lhe disse que sou capaz de cuidar de mim mesma. Mas duvido que qualquer pessoa consiga tolher os... os hábitos dele de abraçar e passar a mão, ou convencê-lo de que seu tipo de conversa é muito impróprio.

Ela estivera retirando a pelica enquanto falava, e agora a colocava de lado e sentava-se numa bergère junto à lareira. Após um instante, Charles falou, num tom mais brando.

— Não fingirei que tenho alguma simpatia por Wraxton, pois não tenho. Na medida em que estiver ao meu alcance, sem dúvida não encorajarei suas visitas a esta casa. Entretanto, minha situação é constrangedora, como você mesma disse. Eu não permitiria de modo algum que isto chegasse aos ouvidos da Srta. Wraxton.

— Não mesmo! — concordou ela calorosamente. — Seria a coisa mais indigna de sua parte ficar contando histórias do irmão para a Srta. Wraxton!

Ele apoiava o braço ao longo do consolo da lareira e estivera olhando para o fogo, porém, diante dessas palavras, levantou a cabeça e lançou um olhar penetrante para Sophy. Ela achou que havia muita compreensão nos olhos de Charles, contudo ele disse apenas:

— Exatamente, prima.

— Não se estenda demais sobre o assunto! — ela aconselhou-o gentilmente. — Não pretendo dizer que Cecy sente uma tendre por ele, pois entre nós duas é ela quem o julga muito mais odioso.

— Estou bem ciente de que ela não sente nenhuma tendre por ele.

— Obrigado! — o primo retorquiu. — Está apaixonada por aquele peralvilho do Fawnhope!

— É claro que está — confirmou Sophy.

— Também sei que você tem se encarregado do caso desde o dia em que entrou nesta casa, procurando encorajar essa loucura por todos os meios ao seu alcance! Você e Cecília têm sido vistas constantemente na companhia de Fawnhope; você fingiu que ele era um amigo seu, assim ele tem uma desculpa para aparecer aqui seis dias em cada sete; você...

— Em suma, Charles, eu os tenho reunido continuamente. É verdade, e se você tivesse um pingo de bom senso, teria feito o mesmo semanas antes de eu chegar à cidade!

O rapaz ficou coibido por um instante, em seguida perguntou, um tanto incrédulo:

— Imagina que vai curar Cecília, procedendo assim? Ou devo acreditar que tem alguma intenção em mente?

— Bem, não sei — Sophy respondeu, pensando um pouquinho sobre o assunto. — De duas coisas, uma deve acontecer, você sabe. Ou ela se cansará de Augustus — e devo dizer que realmente acho isso muito provável, porque, embora ele seja bonito e consiga ser muito cativante quando quer, é também muito maçante, além de esquecer a existência de Cecília exatamente quando deveria ser mais solícito —, ou ela continuará a amá-lo, apesar das suas faltas. E se isso acontecer, Charles, você saberá que não se trata de mero capricho e terá de consentir no casamento deles.

— Jamais! — bradou ele, com muita violência.

— Mas será obrigado — ela insistiu. — Seria perverso tentar forçá-la a outro casamento, e você seria cruel se tentasse.

— Não a forçarei a nenhum casamento! — ele interrompeu. — Talvez lhe interesse saber que sou muito ligado a Cecília, e é por essa razão, e não por simples teimosia, que não darei apoio à união dela com um homem do tipo de Fawnhope! Quanto a essa ideia tola que você tem, de que reunindo-os sempre Cecília acabará enjoando dele, nunca esteve mais enganada! Longe de se cansar, Cecília não perde oportunidade de ficar a sós com ele! E já perdeu todo o senso de decoro, a ponto de enganar Addy! Ainda esta tarde a Srta. Wraxton deu com ela numa alameda isolada do parque, sozinha com Fawnhope, depois de livrar-se da barreira que era a presença de Addy. Encontros clandestinos! Belo comportamento da Srta. Rivenhall de Ombersley, palavra de honra!

— Meu querido Charles — disse Sophy com uma calma inigualável —, sabe muito bem que está forjando essa história.

— Não estou fazendo uma coisa dessas! Imagina que eu forjaria uma história sobre minha irmã?

— Para dizer a verdade, acho que faria qualquer coisa quando cai num dos seus acessos de fúria — replicou ela, sorridente. — Não há segredo algum sobre ela ter passeado com Fawnhope, e o resto brotou da sua serenidade perturbada. Ora, não me diga que a Srta. Wraxton lhe contou isso dessa maneira, porque estou certa de que ela jamais lhe contaria tais mentiras sobre Cecília! Livrou-se de Addy — francamente! Ela nunca ficou um só minuto afastada do olhar vigilante de Addy! Santo Deus, você já não conhece mais Cecília para ousar acusá-la de um comportamento clandestino. Que expressão vulgar, sem dúvida! Pare de fazer esse papel de bobo! Logo estará arengando aos ouvidos da pobre Cecília porque permitiu que um rapaz respeitável, que ela conhece desde que ambos eram crianças, caminhasse um trecho ao lado dela, sob os olhos atentos da governanta!

Outra vez Sophy caiu sob aquele intenso olhar perscrutador.

— Sabe disto com certeza? — ele perguntou, num tom de voz alterado.

— Certamente que sim, pois Cecy me contou exatamente o que aconteceu. Parece que a Srta. Wraxton disse algo que constrangeu muito Addy — sem dúvida ela interpretou mal! Talvez a Srta. Wraxton sen-tisse que Addy deveria ter enxotado Augustus, mas como ela poderia fazer isso eu dificilmente imagino! Mas Addy é muito sensível, você sabe, e logo ficou transtornada.

Ele parecia aborrecido e disse:

— Não devemos culpar Addy; Cecília não está mais sob o seu controle. Se ela tivesse contado à minha mãe sobre esses encontros... Bem, de fato ela nunca foi de fazer mexerico sobre algum de nós!

Persuasiva, Sophy disse:

— Mostre-lhe que não está zangado com ela, Charles, e que não tenciona despedi-la depois de todos esses anos!

— Despedi-la? — repetiu Charles aturdido. — Que tolice!

— Foi exatamente o que eu disse a ela! Mas ela meteu na cabeça que seus métodos de ensinar crianças são antiquados demais, e parece achar que deveria ser capaz de ensinar-lhes o italiano e mais uma infinidade de coisas que não conhece.

Houve uma ligeira pausa. O Sr. Rivenhall sentou-se do outro lado da lareira, e, um tanto distraído, começou a puxar as orelhas de Tina. Sua expressão estava carrancuda, e dentro em pouco disse, com seu modo lacónico:

— Não tenho absolutamente nada a reclamar da educação das minhas irmãs. Isso é tarefa da minha mãe, e não posso imaginar que algum dia viesse a ser de outra pessoa.

Sophy não viu necessidade de alongar-se nesse ponto e apenas concordou com ele. Com olhos semicerrados, o primo lançou-lhe um olhar de avaliação, inquisidor, mas ela preservou o semblante calmo. Ele disse:

— Nada disso tem relação com o que tenho reclamado a você. Tudo ia muito bem, prima, antes de você começar virando esta casa de cabeça para baixo! Eu lhe ficarei grato se no futuro...

— Ora, o que é que eu tenho feito? — ela exclamou.

Charles viu-se incapaz de juntar em palavras as coisas que ela fizera e foi obrigado a recorrer ao único crime tangível:

— Para começar, trouxe aquele mico para cá! — disse. — Não há dúvida quanto às suas gentis intenções! Porém é o animal mais inconveniente para presentear crianças, e agora, é claro, elas vão achar que somos cruéis obrigando-as a livrar-se dele, o que precisarão fazer.

Os olhos de Sophy começaram a dançar.

— Charles, você está apenas tentando ser desagradável! Você não pode, num dia, alimentar Jacko com pedacinhos de maçã, ensinar-lhe truques e aconselhar as crianças a agasalhá-lo com uma colcha à noite e, no outro, dizer que devem livrar-se dele!

Ele mordeu o lábio, mas seu deplorável sorriso largo e forçado não desapareceu de todo.

— Quem lhe contou que eu fiz isso?

— Theodore. E também que o trouxe aqui embaixo no ombro quando a Srta. Wraxton veio fazer uma visita, para mostrá-lo a ela. Devo dizer que foi uma tolice da sua parte, pois sabe que ela não gosta de animais; ela nos disse isso. Sem dúvida não há razão para que ela devesse gostar, e importuná-la com bichos não é nada gentil. Jamais deixei Tina provocá-la, você sabe.

— Está enganada! — Charles replicou rapidamente. — Ela não gosta de micos, Lady Brinklow é que não gosta de cães.

— Penso que ela sente o mesmo — disse Sophy, levantando-se e dando uma sacudida na saia. — Não se pode deixar de observar com que frequência as filhas se assemelham às mães. Não nos traços faciais, mas no temperamento. Você deve ter notado!

Ele pareceu ficar meio constrangido com essa afirmação.

— Não, não notei. Não creio no que está dizendo!

— Ora, avalie pela Cecy! Ela será exatamente igual à querida tia Lizzie quando for mais velha. — Observou que sua opinião estava causando efeito e considerou que, por um dia, lhe dera o suficiente para pensar. Dirigiu-se para a porta, dizendo: — Tenho que mudar meu vestido.

Ele levantou-se abruptamente.

— Não, espere!

Ela olhou por cima do ombro.

— Sim?

Charles parecia não saber exatamente o que queria dizer.

— Nada! Não tem importância! Da próxima vez que insistir em comprar cavalos, será melhor você falar comigo! Pedir a ajuda de estranhos é muito desagradável!

— Mas você me assegurou que não tomaria parte na compra! — Sophy salientou.

— Certo! — ele admitiu, furioso. — Nada agrada mais a você do que me embaraçar, não é?

Ela riu, mas afastou-se sem responder. No alto da escada foi agarrada por Cecília, ansiosa para saber qual seria o seu destino.

— Se ele falar com você, será para preveni-la contra Alfred Wraxton! — informou Sophy, com uma divertida risadinha gutural. — Informei a ele exatamente como aquele tipo desprezível se conduzira e aconselhei-o a cuidar de você!

— Não fez isso!

— Fiz. Tive um excelente dia de trabalho e da maneira mais inescrupulosa! Oh, diga a Addy que Charles não a culpa nem um pouco! Ele não dirá uma palavra à minha tia sobre o que aconteceu, e duvido se dirá alguma coisa a você. A única pessoa a quem ele pode dizer uma palavra é à sua preciosa Eugenia. Espero que ela o faça perder a paciência.


VII

CECÍLIA não podia acreditar que estava livre de mais uma reprimenda do irmão, e quando mais tarde encontrou-se inesperadamente com ele numa curva da escada, soltou um grito sufocado e procurou firmar os trémulos joelhos.

— Alo — disse ele, passando os olhos pelo seu requintado vestido de baile coberto de gaze e com forro de cetim. — Está muito elegante. Aonde vai?

— Depois do jantar, Lady Sefton vai passar aqui para levar a Sophy e a mim ao Almack's — ela respondeu, agradecida. — Mamãe não se sente em condições esta noite.

— Vai deslustrar o brilho das outras moças — ele comentou. — Está esplêndida!

— Por que não nos acompanha? — perguntou a irmã, tomando coragem.

— Se eu fosse, você não passaria a noite toda na companhia de Fawnhope — ele comentou secamente.

Cecília ergueu o queixo.

— Não passaria, de modo algum, a noite inteira acompanhando um só cavalheiro!

— Bem, acredito que não — concordou o irmão suavemente. — Não estou preocupado, Cilly! Além do mais, assumi compromisso com um grupo de amigos meus.

O emprego do seu apelido infantil, já quase esquecido, a fez retorquir com muito menos constrangimento.

— No Daffy Club (Clube dos Malucos)!

Ele esboçou um largo sorriso.

— Não. No Cribb's Parlour (Salão de Jogo)!

— Como você é horroroso! Pensei que fosse discutir os méritos de um filhote de Bloomsbury ou de um Diamante Negro ou... ou... ...a maravilha de Mayfair — ele ajudou. — Nada tão interessante. Vou fumar tabaco com amigos. E o que sabe você sobre os filhotes de Bloomsbury, senhorita?

Ela lançou-lhe um olhar atrevido enquanto passava por ele ao descer as escadas.

— Apenas o que aprendi com meus irmãos, Charles!

Ele riu e a deixou ir, porém, antes que ela tivesse chegado ao final do lance de escada, inclinou-se sobre o corrimão e a chamou de modo imperativo:

— Cecília! — Ela ergueu os olhos com uma expressão curiosa. — Aquele rapaz, Wraxton, tem aborrecido você?

Ela esteve a ponto de trair-se ao perder o ar de gravidade. Replicou:

— Oh, bem! Acho que eu poderia tratá-lo com bastante rudeza, se... bem, se me decidisse a isso!

— Não precisa ficar constrangida devido a uma consideração por terceiros. Acho desnecessário dizer que se Eugenia soubesse, seria a primeira a condenar o comportamento do irmão!

— É claro — disse ela.

Se ele iria dizer palavras de censura à Srta. Wraxton, era um mistério. Se disse alguma coisa, devem ter sido palavras brandas, Sophy imaginava, pois a moça não pareceu corrigir-se de modo algum. Quando, mais tarde, a Srta. Wraxton abordou o debatido assunto de Jacko, ao confiar a Lady Ombersley que vivia com medo de um dia o mico morder uma das crianças, Charles ouviu-a e respondeu de modo impaciente:

— Tolice!

— Acredito que a mordida de um mico seja venenosa.

— Nesse caso espero que ele morda Theodore.

Lady Ombersley esboçou um protesto, porém Theodore, que tinha recebido uns sonoros sopapos por acertar com uma bola de críquete, do jardim da praça, a janela de uma casa das vizinhanças, apenas esboçou um largo sorriso. Á Srta. Wraxton, para quem ele não fora castigado bastante por essa indisciplina, já havia falado com Charles sobre o assunto, e ele se limitara a dizer: "De fato, mas foi uma rebatida excelente. Eu vi." Esse pouco caso por sua opinião exasperou a Srta. Wraxton e então, com a sua malícia costumeira ao falar com as crianças, pregou um sermão jocoso a Theodore, dizendo-lhe que ele era um felizardo por não perder o direito ao seu novo bichinho de estimação como castigo pelo seu crime. Ele não lhe deu muita atenção,apenas lançou-lhe um olhar ressentido, porém Gertrude soltou sem pensar:

— Acho que você não gosta de Jacko porque foi Sophy quem o deu para nós!

A verdade dessa declaração franca e embaraçosa causou a quase todos os presentes um efeito difícil de descrever. Nas faces da Srta. Wraxton surgiram duas manchas vermelhas; Lady Ombersley emitiu um grito sufocado, e Cecília casquinou uma risadinha contida. Só Charles e Sophy permaneceram impassíveis: Sophy não levantou os olhos da costura em que estava entretida, e Charles, estarrecido, disse:

— Uma observação idiota e impertinente, Gertrude. Você pode voltar aos estudos se não consegue conduzir-se de maneira mais apropriada.

Gertrude, que chegara à idade em que ficava embaraçada tanto quanto os mais velhos, enrubescera intensamente e agora fugia da sala, transtornada. No mesmo instante Lady Ombersley começou a falar sobre a sua projetada excursão com Cecília e Sophy, para visitar a Marquesa de Villacanãs, em Meríon.

— Ninguém gosta de ficar para trás numa cortesia — disse ela —, portanto farei um esforço. Esperemos que não chova, pois tornaria o passeio muito desagradável. Gostaria que viesse conosco, Charles. Afinal, é a noiva do seu tio, você sabe! Confesso que não me importo de sair da cidade sem a companhia de um cavalheiro, embora esteja certa de que Radnor é perfeitamente digno de confiança, e, é claro, devo levar meus lacaios.

— Minha querida mãe, três homens robustos seriam suficientes para protegê-la nessa arriscada viagem! — ele respondeu, um tanto divertido.

— Não obrigue Charles a ir, tia Lizzie! — disse Sophy, cortando a linha com a tesoura. — Sir Vincent prometeu que irá conosco, pois não vê Saneia desde os tempos de Madri, quando o marido dela ainda vivia e davam esplêndidas festas para os oficiais ingleses.

Houve uma ligeira pausa antes de Charles dizer:

— Se deseja mesmo, mãe, irei com vocês. Posso levar minha prima no cabriole, assim não ficarão apertadas na sua carruagem.

— Ora, pretendo ir no meu faéton! — Sophy disse despreocupadamente.

— Pensei que sua ambição fosse conduzir meus cavalos cinzentos!

— Ora, você me deixaria?

— Talvez.

Ela riu.

— Oh, não, não! Não acredito em talvez! Leve Cecília!

— Decididamente, Cecília preferiria ir no pequeno landô de minha mãe. Deixo você tomar as rédeas durante parte do trajeto.

Reanimando-se, ela replicou:

— Isso é algo tentador! Você me convenceu, Charles, e desconfio que não esteja se sentindo muito bem!

— Será uma excursão encantadora — aparteou a Srta. Wraxton alegre. — Sinto-me quase tentada, querida Lady Ombersley, a pedir um lugar na sua carruagem!

Lady Ombersley era muito bem-educada para demonstrar consternação, contudo disse, um pouco em dúvida:

— Bem, minha querida, é claro... se Sophy realmente acha que não seremos gente demais para a marquesa! Não gostaria de aborrecê-la de modo algum.

— Absolutamente! — Sophy replicou no mesmo instante. — Não está em meu poder aborrecer Sancia, querida tia Lizzie! Ela não irá atarefar-se nem um pouco, deixará tudo por conta do mordomo. É um francês que ficará encantado em cuidar de um grupo tão pequeno como o nosso. Tenho apenas de escrever uma carta para Sancia, pedir a meu tio que a envie, e tudo estará resolvido — se ao menos ela acordar por tempo suficiente para transmitir minha mensagem a Gaston.

— Que interessante será conhecer uma dama espanhola de verdade! — comentou a Srta. Wraxton.

— Santo Deus, como se Sancia fosse uma girafa! — comentou Sophy a Cecília mais tarde.

— Oxalá eu soubesse que você pretendia acompanhar minha mãe! — disse o Sr. Rivenhall logo depois, ao acompanhar a Srta. Wraxton até a carruagem. — Eu devia ter-lhe oferecido um lugar no meu cabriole. Agora não posso voltar atrás, é uma amolação. Eu não teria concordado em ir se não tivesse ouvido que Talgarth estaria no grupo. Deus sabe que não me importo com quem minha prima se case, porém imagino que, nas circunstâncias, devemos isso a meu tio: não encorajar essa ligação!

— Receio que a visita dela trouxe preocupações extras para você, meu querido Charles. Muito deve ser perdoado a uma jovem que não conheceu os cuidados de uma mãe, mas eu tinha esperado que, sob a orientação de sua mãe, ela tentasse adaptar-se aos padrões de decoro ingleses.

— Ela nãol — ele respondeu. — Acredito que Sophy se diverte em nos manter a todos sobre brasas! Não se pode adivinhar o que fará a seguir, enquanto o relacionamento que mantém com todo tagarela que já usou casaco vermelho... não que eu me importe com isso! Mas ficar encorajando Talgarth a ser seu pretendente ultrapassa os limites. Não basta dizer que ela pode cuidar de si mesma. Não nego que possa, mas se for vista demais na companhia dele, todo abelhudo da cidade breve estará falando dela!

A Srta. Wraxton, assimilando essas palavras precipitadas, foi muito imprudente para resumi-las a Sophy menos de 48 horas depois.

À hora do elegante passeio público, enquanto caminhava no parque com sua criada, ela deu com o faéton de Sophy parado, enquanto a jovem trocava algumas palavras com o tão censurável Sir Vincent. Ele tinha uma das mãos negligentemente pousada no estribo do veículo, e Sophy estava um pouco inclinada para dizer algo que parecia ter muita graça. Sophy viu a Srta. Wraxton e, sorridente, cumprimentou com a cabeça, porém ficou um tanto surpresa quando Eugenia se aproximou do faéton e dirigiu-lhe a palavra.

— Como vai? Ah, esta é a carruagem da qual ouvi falar tanto! De qualquer modo, vejo que tem uma bela parelha de cavalos. Você os conduz um atrás do outro. Merece congratulações. Acho que não teria confiança em mim mesma para tanto.

— Creio que você já conhece Sir Vincent Talgarth — disse Sophy. Sir Vincent recebeu a mais fria das mesuras e a levíssima insinuação de um sorriso.

— Sabe de uma coisa? — disse a Srta. Wraxton, erguendo os olhos para Sophy. — Penso que devo lhe pedir para me levar ao seu lado numa volta! Estou realmente com ciúmes da sua carruagem, creia!

Sophy fez sinal para John descer, dizendo cortesmente:

— Por favor, venha comigo, Srta. Wraxton! Naturalmente serei posta à prova. Sir Vincent, nos veremos na sexta-feira, então. Visite-nos em Berkeley Square!

Auxiliada por John Potton, a Srta. Wraxton subiu com incrível graça na carruagem incomodamente alta e sentou-se ao lado de Sophy, ajeitando a saia e tomando conhecimento da presença de Tina ao pronunciar:

— Que amor de cãozinho! — uma forma de saudação que fez o pequeno galgo estremecer e achegar-se mais à sua dona. — Estou tão feliz por ter oportunidade de lhe falar, Srta. Stanton-Lacy! Cheguei a imaginar que seria impossível encontrá-la sozinha! Você conhece tantas pessoas!

— Conheço sim, não sou uma felizarda?

— Na verdade, é! — concordou a Srta. Wraxton, em tom doce como mel. — Embora, às vezes, querida Srta. Stanton-Lacy, quando se tem um grande número de amigos, talvez não sejamos tão cuidado sos como deveríamos ser. Pergunto a mim mesma se eu poderia aventurar-me a colocá-la de sobreaviso. Estou certa de que você seria capaz de me dizer como eu deveria proceder em Paris ou Viena; em Londres, porém, devo estar mais à vontade do que você.

— Oh, eu jamais seria tão impertinente a ponto de lhe dizer como deveria proceder, em qualquer lugar! — declarou Sophy.

— Bem, talvez não fosse necessário — reconheceu a Srta. Wraxton, de modo gracioso. — Minha mãe sempre foi muito cuidadosa e muito rígida na escolha de governantas para as filhas. Sinto muita pena de você, querida Srta. Stanton-Lacy, pela situação em que se encontra. Deve ter sentido falta de uma mãe com bastante frequência!

— De maneira alguma. Não desperdice sua compaixão comigo,peço-lhe! Jamais quis uma mãe enquanto tive Sir Horace.

— Os homens são diferentes — declarou a Srta. Wraxton.

— Uma afirmativa incontestável. Gosta dos meus baios?

A Srta. Wraxton colocou a mão no joelho de Sophy.

— Permite que lhe fale sem reservas? — pediu.

— Dificilmente poderia impedi-la, a não ser derrubando-a do carro — Sophy respondeu. — Porém seria aconselhável não o fazer, sabe? Se eu perdesse a calma talvez fizesse o que mais tarde iria lamentar.

— Mas preciso falar! — insistiu a Srta. Wraxton, com seriedade.

— Devo isso ao seu primo!

— É mesmo? Por que razão!

— Compreenda que ele não gosta de mencionar o assunto diretamente. Sente um certo constrangimento...

— Pensei que estivesse falando de Charles! — interrompeu Sophy.

— De que primo está falando?

— Estou falando de Charles.

— Tolice! Ele não tem escrúpulos para se constranger.

— Srta. Stanton-Lacy, acredite-me, esse ar de leviandade não lhe fica bem! — disse a Srta. Wraxton, perdendo um pouco de sua doçura. — Eu de fato acho que você não sabe o que se espera de uma mulher de qualidade! Ou — perdoe-me — quanto é perigoso atiçar as pessoas e despertar mexericos que tanto podem ser dolorosos para os Rivenhall quanto para você, não tenho dúvidas!

— Ora, em nome de Deus, o que vem a seguir? — indagou Sophy, muito surpresa. — Você não pode ser antiquada a ponto de supor que por dirigir um faéton do último tipo eu dê motivo para mexericos!

— Não é isso, embora fosse preferível que fosse vista em um veículo menos esportivo. Mas seu hábito de manter relações afáveis com tantos cavalheiros militares — tagarelas de casacos vermelhos, como diz Charles para zombar! —, e em particular aquele homem com quem a vi conversando há pouco, faz você parecer um pouco leviana, querida Srta. Stanton-Lacy, algo que sei que você não desejaria ser! A companhia de Sir Vincent não pode lhe dar importância, muito ao contrário! Uma certa dama — da mais alta consideração — comentou comigo hoje mesmo sobre ele apegar-se a você de modo tão especial.

— Acho que essa dama tem um interesse pessoal nisso — observou Sophy. — Ele é um namorador impossível! E meu primo Charles quis que você me prevenisse contra esses tagarelas?

— Ele não quis exatamente que eu fizesse isso — respondeu a Srta. Wraxton, hesitando —, contudo falou comigo a respeito, e sei quais são os sentimentos dele. Olhe, a sociedade só verá com indulgência certas brincadeiras, como por exemplo dirigir o cabriole de Charles, por que a proteção de Lady Ombersley lhe dá apoio.

— Que felizarda eu sou! — exclamou Sophy. — Mas considera sensato de sua parte ser vista em minha companhia?

— Agora você está zombando, Srta. Stanton-Lacy!

— Não, só estou com medo de que possa sofrer por ser vista num veículo como este e com uma mulher tão leviana!

— Há pouca possibilidade — respondeu gentilmente a Srta. Wraxton. — Talvez julguem um tanto estranho de minha parte, pois não dirijo em Londres, contudo creio que meu caráter já adquiriu suficien-te reputação para possibilitar-me fazer, se eu desejasse, o que outros talvez possam ser imprudentes tentando.

Nessa altura estavam à vista da entrada junto a Apsley House.

— Bem, deixe-me ver se entendi! — disse Sophy. — Se eu fizesse algo ultrajante estando na sua companhia, sua influência seria boa o bastante para fazer-me sair bem da situação?

— Digamos a influência da minha família, Srta. Stanton-Lacy. Posso arriscar-me a responder, sem hesitação, que seria.

— Excelente — replicou Sophy rapidamente, e voltou os cavalos em direção à entrada.

Perdendo um pouco a autoconfiança, a Srta. Wraxton perguntou rispidamente:

— Diga-me, o que pretende fazer?

— Vou fazer algo que me tenta desde o dia em que me disseram que eu não devia fazer, de forma alguma! — respondeu Sophy. — É uma curiosidade igual à da mulher do Barba-Azul quando resolveu abrir o quarto secreto, coisa que estava proibida de fazer.

O faéton transpôs a passagem sacudindo-se muito e fez uma curva abrupta para a esquerda, escapando por um triz de colidir com uma maciça carruagem brasonada. A Srta. Wraxton soltou um grito sufocado e agarrou-se à parte lateral do faéton.

— Cuidado! Por favor, pare os cavalos imediatamente! Não quero continuar rodando pelas ruas! Você perdeu o juízo?

— Não, não, não tenha medo! Não perdi o juízo. Como estou contente por você ter resolvido passear comigo! Uma oportunidade como esta talvez nunca mais surja no meu caminho!

— Srta. Stanton-Lacy, não sei o que realmente pretende, e devo pedir-lhe de novo que pare! Não estou achando graça alguma nesta brincadeira, quero descer agora mesmo do seu faéton!

— O quê? E caminhar ao longo de Piccadilly desacompanhada? Não pode estar falando sério.

— Pare! — mandou a Srta. Wraxton, com a voz meio esganiçada.

— De modo nenhum. Meu Deus, quanto tráfego! Talvez seja melhor não falar comigo até nos afastarmos deste caminho cheio de voltas e apinhado de carruagens e carroças.

— Pelo amor de Deus, ao menos diminua a marcha! — a Srta. Wraxton suplicou, alarmadíssima.

— Diminuirei quando chegarmos no cruzamento — prometeu Sophy, passando entre um carroção e uma diligência postal, com apenas uns poucos centímetros de folga. Um gemido da companheira a fez acrescentar, com delicadeza: — Não precisa ficar assustada. Sir Horace me fez atravessar passagens estreitas até eu aprender a evitar o menor arranhão no verniz.

Agora subiam a ladeira de Piccadilly. Num grande esforço de autocontrole, a Srta. Wraxton perguntou:

— Diga-me agora mesmo para onde estamos indo!

— Vamos descer a St. James's Street — respondeu Sophy friamente.

— O quê? — exclamou a Srta. Wraxton, com voz sufocada, em palidecendo bastante. — Não fará tal coisa! Nenhuma senhora seria vista dirigindo ali! Em meio a todos os clubes, o valhacouto de todos os desocupados da cidade. Nem imagina o que diriam de você! Pare neste instante!

— Não, quero ver essa Vitrina Redonda da qual tanto ouvi falar e todos os dândis que ali circulam. Que desventura o Sr. Brummell ter sido obrigado a partir para o estrangeiro! Sabe que nunca o vi em minha vida? Você seria capaz de me apontar alguns clubes? Será que reconheceremos o White's ou há outras casas com janelas arredondadas?

— Esta é a sua ideia de brincadeira, Srta. Stanton-Lacy? Não está falando sério!

— Sim, falo sério. É claro, eu não teria ousado fazer isto sem você ao meu lado, concedendo-me sua influência, mas você assegurou-me que sua posição é inatacável, e vejo que não preciso ter escrúpulos em satisfazer minha ambição. Ouso afirmar que sua importância é grande o bastante para tornar este passeio muito elegante para damas. Veremos!

Nenhum argumento que a Srta. Wraxton pudesse expressar, e ela expressou muitos, teve o poder de demovê-la. Sophy prosseguia inexoravelmente. Ideias absurdas de pular do faéton passavam pela mente da Srta. Wraxton, apenas para serem rejeitadas. Era perigoso demais ficar tentada. Se estivesse usando um véu, talvez pudesse cobrir o rosto, na esperança de escapar que a reconhecessem, mas seu chapéu era muito simples e trazia apenas um modesto laço de fita. Não tinha nem mesmo uma sombrinha e era obrigada a sentar-se direita como um fuso, olhando fixa e rigidamente à sua frente toda a extensão daquela rua ignominiosa. Não pronunciou qualquer palavra até os cavalos dobrarem na Pall Mall; só então disse em voz baixa, trémula de raiva e vergonha:

— Jamais a perdoarei! Jamais!

— Que severidade a sua! — disse Sophy alegremente. — Devo agora deixá-la aqui?

— Se ousar abandonar-me neste local...

— Muito bem, eu a levarei para Berkeley Square. Realmente não sei se encontrará meu primo em casa a esta hora; contudo, seja como for, você pode se queixar de mim a minha tia, sei que deve estar an-siando por fazer isso.

— Não fale comigo! — advertiu a Srta. Wraxton, com voz palpitante.

Sophy riu.

À porta da casa dos Ombersleys, ela rompeu o silêncio:

— Pode descer sem ajuda? Depois de ter rejeitado a companhia do meu palafreneiro, juntamente com sua criada, eu mesma devo conduzir o faéton até os estábulos.

Sem dar resposta, a Srta. Wraxton desceu do veículo e alcançou os degraus da porta da frente.

Só meia hora depois Dassett introduziu Sophy em casa. Ela encontrou o Sr. Rivenhall no momento exato em que ele descia as escadas, e disse imediatamente:

— Ah, vejo que já está em casa! Fico muito satisfeita!

Ele exibia uma expressão muito severa, e respondeu em um tom equilibrado:

— Quer vir até a biblioteca por alguns minutos?

Ela o seguiu, começando a tirar as luvas de dirigir com mãos não muito firmes. Seus olhos ainda cintilavam, e um rubor que lhe assentava bem cobria suas faces.

— Prima, em nome de Deus, o que houve com você? — perguntou o Sr. Rivenhall.

— Ora, a Srta. Wraxton não lhe disse? Realizei um desejo ardente!

— Você deve estar louca! Não sabe quanto foi impróprio você fazer uma coisa dessas?

— Sim, na verdade eu sabia e jamais teria ousado realizá-lo sem a proteção da presença da Srta. Wraxton. Não fique tão desalentado! Ela me garantiu que mesmo que eu fizesse algo ultrajante na sua companhia, a boa reputação dela era suficiente para tornar a situação aceitável! Certamente você não duvida!

— Sophy, ela não pode ter dito tal coisa!

A jovem deu de ombros e se pôs de costas.

— Não? Seja como quiser!

— O que aconteceu? Que motivo você teve para lhe causar tal vexame?

— Deixarei que a Srta. Wraxton lhe conte o que ela resolver. Já falei demais. Não gosto nem um pouco de mexeriqueiros, e não descerei a esse nível! Minhas ações não lhe dizem respeito, primo Charles, e menos ainda à Srta. Wraxton.

— O que você acabou de fazer diz muito com respeito a ela!

— Certo. Dou a mão à palmatória.

— Também me diz respeito cuidar para que não lhe aconteça nada enquanto for hóspede desta casa. O procedimento ao qual se entregou esta tarde poderia causar-lhe um grande mal, permita-me dizer!

— Meu caro Charles, como amiga íntima de libertinos e tagarelas, sou um caso perdido! — afirmou repentinamente.

Ele enrijeceu.

— Quem disse isso?

— Você, pelo que entendi, mas estava constrangido demais para me dizer diretamente. Contudo, não devia ter acreditado que eu ouviria a Srta. Wraxton impassível!

— E você não devia ter acreditado que eu faria minha crítica através da Srta. Wraxton ou de qualquer outra pessoa!

Ela levou a mão ao rosto, e Charles observou que era para enxugar uma lágrima.

— Oh, cale-se! Não vê que estou zangada demais para falar com moderação? Minha deplorável língua! Contudo, embora você não de sejasse que a Srta. Wraxton me repreendesse em seu nome, discutiu com ela a meu respeito, não discutiu?

— O que quer que eu possa ter dito, não pretendia que fosse repetido. Entretanto, foi extremamente impróprio de minha parte eu ter feito críticas a você numa conversa com a Srta. Wraxton. Queira me perdoar!

Ela retirou um lenço da manga de seu traje de montaria e assoou o nariz. O corado das faces desaparecera; arrependida, disse:

— Agora estou desarmada. Isto é irritante! Por que não se enfureceu? Você é muito desatencioso! Foi tão ruim passar pela St. James's Street?

— Claro que sim, e a Srta. Wraxton avisou-a. Você lhe causou muita angústia, Sophy.

— Oh, meu Deus! Faço coisas tão abomináveis quando perco o controle! Muito bem, foi errado da minha parte... muito errado! Devo pedir a ela que me perdoe?

— Precisa compreender que lhe deve desculpas. Se alguma coisa que ela disse a deixou zangada, creia que não teve essa intenção. Não pretendia senão demonstrar boa vontade, e está muito transtornada com o resultado. A culpa é minha, por tê-la levado a imaginar que eu desejava que ela a repreendesse.

Sophy sorriu.

— Que atitude bonita a sua, Charles! Desculpe-me. Criei uma situação embaraçosa. Onde está a Srta. Wraxton? Na sala de estar? Leveme até ela, e farei o que puder para consertar as coisas!

— Obrigado — ele disse, abrindo a porta para deixá-la passar.

Ambos constataram que a Srta. Wraxton já se recuperara da sua

agitação e estava passando os olhos de relance pela páginas do Gentleman's Magazine. Ela olhou friamente para Sophy e baixou novamente os olhos para a revista. Sophy atravessou a sala, dizendo à sua maneira franca:

— Poderia perdoar-me? Na verdade peço-Ihe que me perdoe, lamento muitíssimo! Foi uma conduta chocante!

— Tão chocante, Srta. Stanton-Lacy, que prefiro não falar sobre isso.

— Se acha que tentará esquecer, ficarei muito grata.

— Certamente que tentarei esquecer.

— Obrigada! — disse Sophy. — Você é muito bondosa!

Deu meia-volta e dirigiu-se rapidamente para a porta. O Sr. Rive-nhall deteve a prima por um momento, dizendo no tom de voz mais caloroso que ela já o ouvira empregar:

— Se alguém mencionar o assunto, direi que depois de ter comprado aqueles baios contra meus conselhos, você teve o que merecia, pois eles dispararam e você custou muito a sofreá-los.

Ela sorriu, porém disse:

— Gostaria que fizesse o possível para desfazer qualquer mal que eu possa ter causado.

— Minha querida, não faça o assunto render demais! Não há necessidade, asseguro.

A prima lançou-lhe um olhar de gratidão e deixou a sala.

— Você não foi muito generosa, não é, Eugenia? — disse o Sr. Rivenhall.

— Considero o comportamento dela imperdoável.

— É desnecessário dizer; você deixou bastante claro o que pensa.

O peito dela avolumou-se.

— Não pensava que você pudesse ficar do lado dela e contra mim, Charles.

— Não fiz isso, mas a culpa não foi só dela. Não tinha o direito de censurá-la, Eugenia, e menos ainda de repetir qualquer palavra que eu possa ter pronunciado! Não estou surpreso por ela se ter zangado. Também tenho génio!

— Você não parece considerar a mortificação que fui obrigada a sofrer! O que mamãe diria se soubesse...

— Oh, basta, basta! — disse ele, impaciente. — Está dando importância demais ao caso! Pelo amor de Deus, vamos esquecê-lo!

Ela estava ofendida, mas percebeu que insistir a diminuiria aos olhos dele. Aborrecia-a pensar que demonstrara menos superioridade do que Sophy na ceninha que se desenrolara. Forçou-se a sorrir, dizendo de maneira empolada:

— Tem razão. Permiti a mim mesma ficar demasiado perturbada. Por favor, convença sua prima que não pensarei mais no ocorrido!

Ela teve sua recompensa, pois Charles tomou-lhe a mão imediatamente e disse:

— Assim combina melhor com você! Eu sabia que não estava enganado a seu respeito!


VIII

As DUAS MOÇAS não se encontraram de novo senão no dia do passeio a Merton; a Srta. Wraxton, convencida de que chamara muita atenção, fora pagar uma visita há muito adiada à sua irmã mais velha, que vivia em Kent e era famosa por aproveitar-se de seus hóspedes. Eugenia não gostava de ficar executando pequenas tarefas para Lady Louisa nem de brincar com sua numerosa prole, contudo pareceu-lhe que seria sensato ausentar-se de Londres até que os inevitáveis cochichos se tivessem atenuado. Assim, durante sete dias os Rivenhalls deleitaram-se com a ausência de seus ataques punitivos, o que foi sentido por quase todos como um benefício muito mais importante do que os males causados pela imprudência de Sophy. Tal imprudência não chegou aos ouvidos de Lady Ombersley, porém, como era natural, tornou-se conhecida dos membros mais jovens da família, alguns dos quais ficaram muito chocados, enquanto outros, notadamente Hubert e Selina, consideraram que a prima cometera uma esplêndida travessura. Aparentemente, nenhuma repercussão seguiu-se à sua façanha, e embora fosse obrigada a suportar muita caçoada dos primos, até isso logo tomou outro rumo. Um tópico muito mais fértil para brincadeiras apresentou-se na forma do jovem Lord Bromford, que de repente passou a frequentar o círculo dos Rivenhall e foi considerado por eles como um maná caído do céu.

Lord Bromford, que era quase desconhecido na alta-roda, apenas recentemente, com a morte do pai, recebera uma modesta baronia. Era o único filho sobrevivente, seus irmãos e irmãs (que variavam, segundo o dito popular, de 7 a 17) morreram todos na infância. Talvez tenha sido por essa razão que a mãe, desde o princípio, o considerara muito frágil para ser arrebatado aos seus cuidados. Nenhuma outra razão digna de nota; mas, como Sophy destacara imparcialmente para os primos, uma tez corada e um aspecto físico perfeito não eram sinais infalíveis de uma constituição robusta. Ele fora educado em casa, e embora tivesse havido um projeto para enviá-lo a Oxford, uma providencial queda de temperatura interviera para salvá-lo dos perigos de uma vida na universidade. Lord Bromford, o velho, sabia muito bem que os pulmões do seu herdeiro eram delicados, e bastou Lady Bromford alertá-lo todos os dias, durante várias semanas, para os perigos que resultariam de expor Henry aos rigores de Oxford, induzindo-o a dar seu consentimento para um plano alternativo. Em companhia de um clérigo em quem Lady Bromford depositava a maior confiança, Henry foi enviado para a Jamaica, de visita ao seu tio, o governador. Diziam que o clima era benéfico para pessoas com pulmões fracos, e só depois de Henry estar em alto-mar havia bem uns quatro dias sua mãe descobriu que a ilha era periodicamente devastada por furacões. Tarde demais para ser trazido de volta, Henry prosseguiu em sua viagem. Ficou extremamente mareado, mas chegou a Port Royal sem vestígio da tosse que lançara sua mãe em estado de febril ansiedade. Durante a sua visita não ocorreu nenhum furacão, e ao regressar à Inglaterra, alguns meses antes de atingir a maioridade, ele estava tão forte que a mãe pôde congratular-se pelo sucesso do seu esquema. Ela não percebeu logo que a estada de 18 meses longe dela tivera o efeito de torná-lo um pouco avesso à submissão anterior. Sob os conselhos dela, Henry mudava as meias, enrolava cachecóis no pescoço, envolvia as pernas em mantas quentes e evitava todas as formas contra-indicadas de alimentação; entretanto, quando a mãe o advertiu para não se submeter à movimentada vida de Londres, ele afirmou, com todo o respeito, que era justamente em Londres que gostaria de viver; e quando ela lhe propôs um casamento muito vantajoso o rapaz disse que ficava muito grato, mas não se decidira ainda com que tipo de mulher gostaria de casar. Evitou discutir. Apenas recusou o vantajoso casamento e fixou residência em Londres. A mãe passou a assegurar aos amigos que Henry poderia ser conduzido, porém não pressionado; quanto ao seu criado pessoal, um homem franco no falar, dizia que o patrão era teimoso como uma mula.

Só depois de ele já estar na cidade havia algum tempo, os Rivenhalls começaram a tomar conhecimento da sua existência. Os amigos íntimos de Bromford (que Hubert estigmatizava como um maçante bando de tolos) não se incluíam entre os amigos particulares dos Rivenhalls, e só após conhecer Sophy no Almack's, e ser seu par numa quadrilha, o brilho total da sua personalidade subitamente invadiu o círculo deles. Pois Lord Bromford, impermeável à beleza de Cecilia exatamente como se mostrara impermeável à vantajosa proposta matrimonial da mãe, resolvera que Sophy seria uma esposa conveniente para ele. O rapaz apareceu intempestivamente em Berkeley Square numa ocasião em que Hubert e Selina estavam com Lady Ombersley. Permaneceu durante meia hora dando aos seus anfitriões esclarecimentos sobre variados assuntos, tais como a vegetação da Jamaica e o efeito de poções calmantes no sistema humano, e os Rivenhalls ficaram a ouvi-lo, aturdidos de indignação, até Sophy entrar no aposento. Então a névoa dissipou-se dos seus olhos, eles perceberam a razão por que Lord Bromford os honrara com uma visita matutina, e o aborrecimento deles transformou-se num prazer incrível. Logo o namorado de Sophy tornou-se o sólido alicerce sobre o qual um grupo de alegres jovens passou a construir suas tolices mais absurdas. Nenhum cantor de rua podia erguer a voz junto na praça sem que Hubert ou Cecilia declarassem ser Lord Bromford fazendo uma serenata para Sophy; quando ele ficou preso em sua casa, durante três dias, por um distúrbio interno, acreditaram que se tinha batido em duelo por amor aos belos olhos da bem-amada; e a história em série das suas aventuras nas índias Ocidentais, concebida, desenvolvida e aperfeiçoada por três cérebros férteis, tornou-se tão ultrajante que chegou a provocar protestos de Lady Ombersley e da Srta. Adderbury. Todavia Lady Ombersley, embora pudesse reprovar tal excesso de bom humor, não podia deixar de se surpreender com a firme determinação de Lord Bromford em fazer a corte à sua sobrinha. Estava sempre presente em Berkeley Square sob os mais insignificantes pretextos; passeava diariamente no parque só para abordar Sophy de surpresa e ser conduzido em seu faéton; ele chegou a comprar um vistoso cavalo e, solenemente, cavalgava para cima e para baixo da alameda todas as manhãs, na esperança de encontrá-la exercitando Salamanca. Mais assombroso ainda, convenceu a mãe a cultivar a amizade de Lady Ombersley e convidar Sophy para acompanhá-la num dos Concertos de Música Antiga, Era impermeável às censuras, e quando a mãe insinuou que Sophy dificilmente seria uma esposa adequada para um homem sério, por ser totalmente dedicada a frivoli-dades, ele respondeu que estava confiante de ser capaz de conduzir os pensamentos de Sophy para canais mais sóbrios.

O melhor da brincadeira, achavam os jovens Rivenhalls, era que Charles, em geral tão intolerante em sua pretensão, por razões inescrutáveis encorajava o rapaz. Charles dizia que encontrava muitas qualidades boas em Lord Bromford. Garantia que a prosa de Lord Bromford demonstrava ser ele uma pessoa sensível e que sua descrição da Jamaica era muitíssimo interessante. Apenas Selina (que evoluía, como dizia Charles, para ser desagradavelmente esperta) arriscou-se a observar que a entrada de Lord Bromford naquela casa pareceu ser o sinal para a partida de Charles rumo ao clube.

Em consequência da corte de Lord Bromford, dos planos para o baile, do afluxo de visitantes à casa, e até mesmo do procedimento indiscreto de Sophy, a vida em Berkeley Square tornara-se repentinamente repleta de prazer e excitação. Até Lord Ombersley notou o fato.

— Santo Deus, não sei o que aconteceu com vocês todos, pois a casa costumava ser animada como um túmulo.' — declarou. — Quer saber de uma coisa, Lady Ombersley? Acho que posso convencer York a comparecer a sua festa. Nada formal, você sabe, mas no momento ele se encontra em Stableyard e provavelmente ficará muito satisfeito em fazer uma visita de meia hora.

— Convencer o Duque de York a aparecer na minha festa? — repetiu Lady Ombersley, no maior aturdimento. — Meu querido Ombersley, você deve ter perdido o juízo! Serão dez ou talvez doze casais vestidos para um baile na sala de estar e algumas mesas de jogo espalhadas no Salão Vermelho! Peco-lhe, não faça tal coisa!

— Dez ou doze casais? Não, não, Dassett não estaria falando de tapetes vermelhos e toldos para um acontecimento insignificante como esse! — replicou o marido.

Essas palavras funestas provocaram um calafrio na alma da esposa. Exceto fixar a data da festa e avisar Cecília para não esquecer de mandar um convite a uma insípida moça, que era sua afilhada e ela precisava convidar, quase não havia mais pensado na festa. Agora tomava ânimo para perguntar à sobrinha quantas pessoas eram esperadas na noite fatal. A resposta quase lhe provocou um de seus espasmos. Foi obrigada a beber um copo de água-de-flor, prudentemente posto em sua mão por Cecília, antes que ela pudesse recuperar-se o suficiente para protestar. Depois ficou sentada, bebendo o calmante aos golinhos, alternadamente cheirando sais aromáticos, e gemendo porque tremia só em pensar na reação de Charles. Sophy levou 20 minutos para convencê-la de que não era assunto dele, visto que Charles não iria custear as despesas, mas mesmo assim Lady Ombersley temia o momento inevitável da participação e dificilmente podia vê-lo entrar na sala sem sentir um sobressalto nervoso.

Felizmente para o sucesso do passeio, Charles ainda não conhecia a verdade quando o grupo Ombersley partiu para visitar a Marquesa de Villacanas, em Merton. Os augúrios pareciam propícios. A marquesa escrevera uma carta muito gentil para Lady Ombersley, na qual expressava seu prazer no encontro proposto e pedia-lhe que levasse quantos dos seus interessantes filhos desejassem ir; o sol brilhava e o dia estava quente, sem ameaças das chuvas de abril; e a Srta. Wraxton, que regressara à metrópole a tempo de compartilhar do prazer, achava-se num estado de humor muito amável, sem sequer excluir Sophy da sua consideração. No último momento, Hubert anunciou de repente a intenção de acompanhar o grupo, afirmando que também queria ver a girafa. Sophy censurou-o, franzindo a testa, e como a mãe, sem compreender o que ele dissera, começasse imediatamente a expressar seu prazer ao ter a companhia dele, o instante constrangedor passou despercebido. Depois de cumprimentar Sir Vincent Talgarth com perfeita urbanidade, o Sr. Rivenhall ficou parado, conversando com ele, enquanto as três senhoras que deviam viajar no pequeno landô acomodavam-se, a Srta. Wraxton pedindo que lhe fosse permitido ocupar o assento traseiro e Cecília insistindo que ela não o fizesse. Tudo parecia estar em ordem para um dia de divertimento quando o Sr. Fawnhope dobrou a esquina da praça, viu a cavalgada e imediatamente atravessou a rua naquela direção.

As feições do Sr. Rivenhall enrijeceram; lançou um olhar acusador para Sophy, mas ela sacudiu a cabeça. O Sr. Fawnhope, cumprimentando Lady Ombersley com um aperto de mão, perguntou para onde ia partir. Merton, informou ela, e ele replicou elipticamente.

— Estatutos. Nolumes leges Angliae mutare.

— Provavelmente — respondeu Lady Ombersley, quase mordaz.

A Srta. Wraxton, que jamais podia resistir à tentação de exibirsua educação superior, sorriu muito gentilmente para o Sr. Fawnhope e disse:

— Muito correto. Como sabe, dizem que o Rei João dormiu no priorado na noite anterior ao dia em que assinou a Magna Carta. É um lugar muito histórico, pois nos informaram que foi o cenário do assassinato de Cenulf, rei do Wessex. Naturalmente tem ligações históricas mais recentes — ela acrescentou, porém de maneira repressiva, pois essas ligações históricas mais recentes lamentavelmente incluíam uma mulher cujo nome não se devia mencionar.

— Nelson! — exclamou o Sr. Fawnhope. — Romântica Merton! Irei com vocês. — Em seguida subiu na carruagem e sentou-se ao lado de Cecília, sorrindo seraficamente para Lady Ombersley e dizendo: — Agora sei o que desejo fazer. Quando levantei esta manhã não tinha ideia, mas sentia-me sobremodo descontente. Irei a Merton.

— Não pode querer ir a Merton! — replicou Lady Ombersley muito mais aborrecida, e esperando que Charles não a fizesse corar ao dizer algo sarcástico a esse rapaz maçante.

— Quero, sim — respondeu o Sr. Fawnhope. — Haverá vegetação e isso, creio eu, é o que a minha alma pede. Eu, com minha loura Cecília, para Merton irei, onde suavemente corre o Wandle, e os narcisos — que florescem... Que palavra feia é Wandle! Que desagradável ao ouvido! Por que me olha assim carrancuda? Não posso ir com vocês?

Essa mudança súbita de um poeta enlevado para um menino que obtém as coisas por meio de agrados descontrolou Lady Ombersley, e ela replicou num tom de voz mais brando:

— Sem dúvida teríamos o prazer de levá-lo, Augustus, mas vamos visitar a Marquesa de Villacanas, e ela não está contando com você.

— Aí está um lindo nome! — disse o Sr. Fawnhope. — Villacanas! É muito rico! Uma dama espanhola, com "trajes alegres e ricos como, talvez As jóias com as quais se adornar!"

— Realmente não sei — respondeu Lady Ombersley, irritada.

Sophy, muito divertida com a impermeabilidade total do Sr. Fawnhope às insinuações de que não era desejado, disse, rindo:

— Isso mesmo, pérolas dignas do resgate de um rei. Ela inclusive ama um inglês, meu pai!

— Que esplêndido! — exclamou o Sr. Fawnhope. — Estou muito contente por ter vindo!

Impotentes para mandá-lo descer da carruagem, parecia não haver meio de se livrarem dele. Lady Ombersley lançou para o filho mais velho um olhar desesperançado, e Cecília um outro suplicante; e a Srta. Wraxton sorria de modo tranquilo, para mostrar ao noivo como sua compreensão era perfeita e quão firme determinação tinha de não perder Cecília de vista.

— Quem é esse Adónis? — perguntou Sir Vincent ao Sr. Rivenhal. — Ele e sua irmã, sentados lado a lado, são de tirar o fôlego de qualquer um!

— Augustus Fawnhope — respondeu o Sr. Rivenhall laconicamente. — Prima, se está pronta, eu a ajudarei a subir!

Ao considerar que havia recebido um consentimento implícito para a presença do Sr. Fawnhope, Lady Ombersley deu ordem ao cocheiro para partir, Sir Vincent e Hubert entraram em forma atrás da carruagem, e o Sr. Rivenhall disse a Sophy:

— Se isto é obra sua...

— Asseguro-lhe que não é. Se eu achasse que ele tinha a mínima noção da sua hostilidade, eu diria que ele enrolou você, Charles — completamente!

Ele foi obrigado a rir.

— Duvido que ele tivesse a mínima noção de algo menos violento que o golpe de um porrete. Como pode tolerar esse sujeito?

— Eu lhe disse que não era de modo algum equilibrada nas minhas ideias. Venha, não vamos falar dele! Fiz um juramento solene aos céus que não brigaria com você hoje.

— Você me espanta! Por quê?

— Não seja tolo! — ela pediu. — Quero conduzir seus cavalos, é claro!

Charles sentou-se ao lado dela no cabriole e fez sinal com a cabeça ao palafreneiro para sair da frente dos cavalos.

— Ah, sim! Quando estivermos afastados da cidade, passo-lhe as rédeas.

— Eis uma observação calculada, ouso afirmar, para me fazer perder a calma logo de início. Contudo, não a perderei — disse Sophy.

— Não duvido da sua habilidade — ele comentou.

— Bela admissão. Foi um esforço fazê-la, talvez, o que a torna mais valiosa. Mas na Inglaterra as estradas são tão boas que não é preciso muita habilidade. Devia ver algumas da Espanha!

— Provocação deliberada, Sophy! — disse o Sr. Rivenhall.

Ela riu, escusou-se e começou a fazer-lhe perguntas sobre caçadas. Assim que as ruas estreitas ficaram para trás, ele deixou os cavalos estirarem o passo, alcançarem o pequeno landô e o ultrapassarem. A Srta. Wraxton foi vista conversando amigavelmente com o Sr. Fawnhope, enquanto Cecília parecia aborrecida. A razão foi explicada por Hubert, que cavalgou ao lado do cabriole uma pequena distância e revelou que o assunto em discussão era o Inferno, de Dante.

— E devo elogiar Fawnhope! — acrescentou, generoso. — Ele entende desse assunto italiano muito mais do que a sua Eugenia, Charles, e pode continuar falando durante horas, jamais inseguro! Além disso, há outro sujeito, chamado Uberti ou algo parecido, e ele também o conhece. Coisa triste, se quer saber minha opinião, mas Talgarth — afinal, é um sujeito extraordinário, não é? — diz que é muito culto. Cecilia não gosta nem um pouco. Por Deus, eu haveria de rir se Eugenia a desbancasse com o poeta!

Por não receber encorajamento do irmão para discorrer sobre esse tema, ele tornou a atrasar-se e foi se reunir a Sir Vincent. O Sr. Rivenhall entregou as rédeas a Sophy, notando, ao fazê-lo, que estava satisfeito por não se encontrar no pequeno landô.

Sophy absteve-se de fazer qualquer comentário, e o resto do passeio transcorreu agradavelmente, sem tópicos controversos para estragar o bom relacionamento entre eles.

A casa que Sir Horace adquirira para a marquesa era uma espaçosa vila palladiana (ao estilo do italiano Andrea Palladio), lindamente situada em meio a jardins encantadores, e com um bosque de campainhas que, embora afastado das áreas mais aprazíveis, podia ser alcançado através de graciosos portões de ferro trazidos da Itália pelo proprietário anterior. Alguns degraus de pouca profundidade levavam desde o caminho em curva para carruagens até a porta da frente, e esta, à aproximação do cabriole, foi aberta de par em par. Um homem magro, vestido de preto, saiu da casa e ficou parado, fazendo reverências no último degrau. Sophy cumprimentou-o à sua moda cordial de sempre, e imediatamente perguntou onde o Sr. Rivenhall poderia alojar os cavalos. O homem magro fez estalar um dedo autoritário contra o polegar, mais exatamente à maneira de um mágico; um cavalariço pareceu surgir não se sabe de onde e correu para se postar à frente dos cavalos.

— Vou observar onde serão alojados, Sophy, e logo estarei entrando com minha mãe — o Sr. Rivenhall avisou.

Sophy assentiu com a cabeça e subiu os degraus, dizendo:

— No grupo há duas pessoas além das que você esperava, Gaston. Acho que não se importará com isso, não é?

— Não tem importância, mademoiselle — ele respondeu, com imponência. — Madame a aguarda no salão.

Ela encontrou a marquesa reclinada em um sofá na sala de estar que dava para os gramados do lado sul. Predominava uma claridade imprecisa porque as persianas estavam semicerradas, para impedir que os raios de sol de abril penetrassem pelas janelas. Como eram verdes, como o estofado das poltronas, uma luz subaquática iluminava indistintamente o aposento. No mesmo instante Sophy abriu totalmente as cortinas com certa violência, exclamando:

— Sancia, você não pode dormir quando suas visitas estão quase à porta! Um débil gemido veio do sofá.

— Sofia, a minha pele! Nada mais prejudicial do que a luz do sol! Quantas vezes já lhe disse isso?

Sophy aproximou-se dela e curvou-se para beijá-la.

— Certo, querida Sancia, mas minha tia achará você muito estranha se ficar deitada no escuro enquanto ela vem à sua procura, querendo conhecê-la. Por favor, levante-se!

— Bien entendido, eu me levanto quando sua tia se aproximar — disse a marquesa, com dignidade. — Se ela está à porta, será agora. Não preciso fazer esforços em vão.

Como prova dessa declaração, ela desvencilhou-se de um xale bordado particularmente bonito em torno dos pés, jogou-o no chão e deixou que Sophy a ajudasse a levantar-se.

Era uma morena opulenta, estava vestida mais no estilo francês do que no inglês. Tinha um luxuriante cabelo negro ondulado, coberto apenas por uma mantilha, caindo em dobras sobre um pente alto. O vestido era de gaze sobre cetim, firmemente ajustado debaixo dos seios fartos e revelando muito mais de seu corpo do que provavelmente Lady Ombersley acharia decente. Isso, entretanto, era ligeiramente disfarçado pelos vários xales e echarpes com que ela se envolvia como proteção contra correntes de ar traiçoeiras. Ã mantilha estava presa ao corpete baixo por um grande broche de esmeralda; mais esmeraldas, engastadas em ouro maciço, pendiam dos lóbulos de suas orelhas; e ela usava as famosas pérolas que lhe davam duas voltas em torno do pescoço e caíam quase até a cintura. Era extremamente bonita, com grandes olhos castanhos, sonolentos, e uma pele cor de creme, delicadamente colorida pela mão de um artista. Tinha pouco mais de 35 anos, mas o aspecto roliço a fazia aparentar mais idade. Não parecia nem um pouco uma viúva, e esse foi o primeiro pensamento que ocorreu a Lady Ombersley ao entrar logo depois na sala e aceitar a mão lânguida que lhe era oferecida.

— Como está? — perguntou com sua voz rica, indolente.

Isto assustou Hubert, porque lhe haviam assegurado que ela falava excelente inglês. Ele lançou um causticante olhar de censura para Sophy, que imediatamente interveio, chamando a futura madrasta à ordem. A marquesa sorriu placidamente e disse:

— De seguro! Falo francês e inglês, e ambas as línguas muito bem. Também alemão, mas não tão bem, contudo melhor do que muita gente. É uma felicidade imensa conhecer a irmã de Sir Horace, embora você não se pareça com ele, eu acho, senora. Valgamé! Então todos esses são seus filhos e filhas?

Lady Ombersley apressou-se em tranquilizá-la e em fazer as apresentações necessárias. A marquesa perdeu o interesse muito depressa, mas, de um modo geral, sorria para os seus convidados, e pediu a todos que se sentassem. Sophy lembrou-a de que em Sir Vincent ela contemplava um velho amigo, após o que ela deu-lhe a mão e disse que se lembrava dele perfeitamente. Ninguém acreditou, e Sir Vincent muito menos; entretanto, levada a lembrar-se de certa noite no Prado, ela começou a rir e a dizer que sim, agora realmente se lembrava dele pechero que ele era! Então, depois de assimilar a perfeição dos traços de Cecília, ela cumprimentou Lady Ombersley pela beleza da jovem, que, disse ela, era do melhor estilo inglês e muito admirado no Continente. Obviamente, sentindo que devia algo à Srta. Wraxton, ela sorriu-lhe gentilmente e disse que era também muito inglesa. A Srta. Wraxton, que não reconhecia a beleza de Cecília (pois fora educada para considerar a beleza apenas ilusória), respondeu que temia não estar acima do comum e que na Inglaterra a moda era preferir mulheres morenas.

Depois de o assunto ter sido razoavelmente esgotado, caiu o silêncio, a marquesa recostando-se nas almofadas em um canto do sofá e Lady Ombersley perguntando a si mesma que tópico de conversa interessaria a essa dama letárgica. O Sr. Fawnhope, que se retirara para os assentos da janela forrados de brocado, sentou-se, contemplando o verdor que sua alma absorvia; Hubert observava sua anfitriã com olhar fascinado; e o Sr. Rivenhall, que procurava adaptar-se ao grupo, apanhou um jornal da mesa ao lado e folheou casualmente suas páginas. Restava a Srta. Wraxton, com seu refinado senso social, para preencher o vazio, o que ela fez ao dizer à marquesa que era grande admiradora de Dom Quixote.

— Todos os ingleses são — respondeu a marquesa, um pouco divertida. — E nenhum deles pronuncia esse nome corretamente. Em Madri, quando o exército inglês estava lá, todo oficial me dizia que admirava muito Cervantes, embora na maioria das vezes não fosse a verdade. Contudo, também temos Quevedo, Espinel e Montalban, para mencionar só alguns. Também na poesia...

— El Fénix de Espana — acrescentou o Sr. Fawnhope, entrando subitamente na conversa.

A marquesa olhou-o de maneira aprovadora.

— Isso mesmo. Conhece a obra de Lope de Vega? Sophy — disse ela, forçando a própria língua —, este rapaz com o rosto de anjo lê em espanhol!

— Mediocremente — replicou o Sr. Fawnhope, bastante calmo com essa descrição embaraçosa do seu rosto.

— Conversaremos, nós dois — disse a marquesa.

— Certamente que não — aparteou Sophy, com firmeza. — Pelo menos, se pretendem fazê-lo em espanhol.

Felizmente para o sucesso do grupo, Gaston entrou naquele momento para anunciar que uma colação achava-se pronta na sala de jantar. Logo se descobriu que por mais que a marquesa pudesse ser uma anfitriã indolente, seu maltre d'hôtel não deixava nada ao acaso. Aguardava os convidados uma profusão de suculentos pratos estrangeiros, guarnecidos com galantinas ou feitos com molhos delicados, acompanhados de vários vinhos suaves. Gelatinas, bolo de creme com claras de ovos, frutas, amêndoas, etc., embebidos em vinho, sillabubs (creme de leite batido com vinho ou sidra, açúcar e canela), puptons de frutas, e cremes de café em taças de pasta de amêndoas completavam a ligeira merienda, como dizia a marquesa. A julgar pela frugalidade com que a Srta. Wraxton comeu algumas das guloseimas, não era difícil perceber que considerava vulgar essa hospitalidade generosa; contudo Hubert, ao fazer uma refeição com bom apetite, começou a agradecer à marquesa, um tipo de mulher muito boa, afinal. Quando viu quantos cafés com creme, biscoitos italianos e licor de cerejas ela própria consumira, da maneira mais negligente, sua atitude para com ela incluiu um toque de respeito que chegava às raias da admiração. Terminado o repasto, Gaston inclinou-se para falar algo nos ouvidos da patroa, lembrando-a de que o portão para o bosque fora destrancado. Ela disse:

— Oh, sim! O bosque das campainhas! Tão bonito! Será que esses jovens gostariam de perambular por ele, senora, enquanto nós duas repousamos um pouco?

Jamais teria ocorrido a Lady Ombersley sugerir uma siesta a suas visitas, mas como ela invariavelmente cochilava durante a tarde, não tinha a menor objeção a esse programa, e acompanhou a marquesa à sala de estar. A princípio esforçou-se para envolver a marquesa numa conversa sobre o irmão, porém sem muito sucesso. A marquesa disse:

— Não é divertido ser viúva, e além disso prefiro a Inglaterra à Espanha, que agora está muito empobrecida. Mas ser madrasta de Sophy! Não, mil vezes não!

— Todos nós gostamos muito da minha querida sobrinha — disse Lady Ombersley, melindrada.

— Eu também, mas ela é muito cansativa. Não se sabe o que fará a seguir ou, o que é pior ainda, o que obrigará alguém a fazer absolutamente contra a vontade.

Lady Ombersley sentiu-se totalmente incapaz de resistir à tentação de se deliciar com um pouco de malícia gentil.

— Minha querida senhora, estou certa de que minha sobrinha jamais poderia convencê-la a esforçar-se numa atividade que lhe fosse desagradável!

— Mas é claro! — concordou a marquesa, com simplicidade. — É óbvio que não conhece Sophy. Resistir a ela é ainda muito, muito mais cansativo.

Nesse meio-tempo, a personagem desse diálogo ajeitava uma flor na botoeira de Hubert no jardim formal. O Sr. Rivenhall afastara-se em direção aos estábulos, e os outros quatro seguiam seu caminho através da moita de arbustos para o bosque de campainhas, o Sr. Fawnhope depois de ter sido visitado pela inspiração que a imagem de Cecília no bosque, disse ele, podia despertar. Até agora, obtivera apenas um verso do seu poema, mas ele o sentia promissor. Quando em meio às campainhas minha querida Cecília caminha — ele murmurou.

— Tão carolíngio! — comentou a Srta. Wraxton.

Os versos do Sr. Fawnhope nunca eram originais, mas ele gostava que o distinguissem desse modo, não melhor do que qualquer outro poeta, portanto pegou na mão de Cecília e a teria levado não estivesse a Srta. Wraxton alerta para impedir exatamente que isso acontecesse. Determinada, ela permaneceu ao lado dos apaixonados, e pouco depois, devido a uma feliz referência a Cowper, teve êxito em desviar a atenção do Sr. Fawnhope de Cecília para si mesma. Sir Vincent, ao perceber um alívio para o tédio na graça dessa situação, esperou o momento propício e logo foi recompensado. Cecília, incapaz de participar da elevada discussão que se seguiu (pois não era grande leitora), começou a ficar para trás. Sir Vincent surgiu ao lado dela, e, num espaço de tempo bem curto, com lisonjas e agrados, conseguiu livrá-la do mau humor; e, aliás, do bosque também. Disse que embora sua admiração pela inteligência da Srta. Wraxton fosse profunda, achava a conversa dela opressiva. Bosques e mulheres com interesses intelectuais e literários, disse ele, exerciam um efeito sombrio sobre seu ânimo. Achava que a terra estava úmida, sem dúvida inadequada para uma dama de fina educação caminhar. Em vez disso levou Cecília para inspecionar o pombal, e visto ser ele um perito na arte do flerte, e ela encantadora o bastante para tornar uma brincadeirinha um meio agradável de passar uma tarde insípida, eles conseguiram usufruir juntos uma hora satisfatória.

Enquanto tudo isso acontecia, Sophy passeava com Hubert na moita de arbustos. Não lhe passara despercebido que nesses últimos dias ele oscilava entre um ânimo exageradamente agitado e crises de atroz depressão. Mencionara o assunto a Cecília, mas ela respondera apenas que Hubert sempre fora melancólico, não parecendo inclinada a pensar mais a respeito. Contudo, Sophy não podia ver alguém no auge da ansiedade sem no mesmo instante desejar descobrir a causa, e, se possível, destruí-la. Parecia-lhe que agora estava em cordiais relações com ele para aventurar-se a abordar a questão, e concluiu que realmente estava, pois embora não se pudesse dizer que Hubert confiasse nela, ele não assumiu ares de importância, como Sophy temera que fizesse. Sim, confessou, sentia-se um pouco preocupado, mas não era nada de importância, esperava superar tudo dentro de poucos dias.

Sophy, que fora a primeira a ocupar um banco rústico, agora obrigava-o a sentar-se ao lado dela. Enquanto fazia um desenho na trilha de cascalho com a ponta da sombrinha, disse:

— Se for dinheiro — e quase sempre é, dinheiro é a coisa mais odiosa — e você não quer pedir a seu pai, creio que poderei ajudá-lo.

— Belo proveito eu teria se pedisse a meu pai! — confessou Hubert. — Ele não tem um vintém, mas assim mesmo é frustrante pensar que, na única vez que apelei para ele, ele se enfureceu mais do que Charles!

— Charles se enfurece?

— Oh, bem! Não, não exatamente, mas não sei, exceto que eu preferiria de bom grado que ele se enfurecesse! — respondeu Hubert amargamente.

Ela assentiu com a cabeça.

— Então você não deseja abordá-lo. Por favor, diga-me!

— Certamente que não! — respondeu Hubert, com um ar de dignidade. — Muita bondade sua, Sophy, mas ainda não cheguei a isso!

— Chegou ao quê? — ela perguntou.

— A pedir dinheiro emprestado a uma mulher, é claro! Além disso, não há necessidade. Eu conseguirei, e antes de voltar para Oxford, se Deus quiser!

— Como?

— Não importa, mas não pode falhar! Se falhar... mas não vai! Posso ter um pai que... bem, não há sentido em falar delel E posso ter um irmão chocante de tão desagradável, firmemente agarrado ao fecho da bolsa. Felizmente tenho alguns bons amigos, seja lá o que Charles possa dizer!

— Oh! — exclamou Sophy, ao compreender essa informação. Desagradável Charles podia ser, porém ela era bastante sagaz para desconfiar que, se o primo condenava algum dos amigos de Hubert, talvez hou-vesse muito a ser dito em sua defesa. — Ele não gosta dos seus amigos?

— Hubert soltou uma curta risada.

— Meu Deus, não gosta, não! Só porque são uns camaradas espertos e caem na farra de vez em quando, Charles arenga como um metodista, e... Escute aqui, Sophy, você não vai falar com Charles, vai?

— É claro que não farei uma coisa dessa! — ela respondeu, indignada. — Ora, que criatura você me julga!

— Não, eu não julgo, só que... Oh, bem, não tem importância! Dentro de uma semana estarei alegre como um passarinho, e não pretendo me meter em apuros de novo, asseguro-lhe!

Sophy foi obrigada a contentar-se com essa afirmação, pois ele não diria mais nada. Depois de dar outra volta pela moita de arbustos, ela o deixou e voltou para a casa.

Encontrou o Sr. Rivenhall sentado debaixo do olmeiro no gramado do lado sul, com Tina, que dormia a seus pés, depois de um grande repasto.

— Se deseja ver um quadro raro, Sophy — disse ele —, dê uma espiada pela janela da sala de estar! Minha mãe dorme profundamente num sofá e a marquesa em outro.

— Bem, se essa é a ideia que elas têm de divertimento, acho que não devemos perturbá-las — Sophy respondeu. — Não seria a minha ideia, porém tento lembrar-me que algumas pessoas gostam de passar metade do seu dia não fazendo absolutamente nada.

Charles conseguiu um espaço para ela sentar-se ao lado dele.

— Não seria mesmo, imagino que a ociosidade não é seu pecado principal — ele concordou. — Às vezes pergunto a mim mesmo se para o resto de nós não seria melhor se fosse, mas concordamos em não brigar hoje, portanto não insistirei nessa ideia. Contudo, Sophy, que história é essa do meu tio casar-se com essa mulher absurda?

Ela franziu a testa.

— Sancia é muito bondosa, saiba disso, e Sir Horace diz que gosta de mulheres calmas.

— Estou surpreso de que tenha aprovado uma união tão inadequada.

— Tolice! Não tenho nada a dizer a respeito.

— Imagino que tenha tudo a dizer — ele retorquiu. — Não finja esses ares de inocente comigo, prima! Conheço você o suficiente para estar certíssimo de que governa meu tio com punho de ferro, e provavelmente, durante o seu tempo disponível, o protege contra dezenas de marquesas!

Ela riu.

— Ora, é isso mesmo — admitiu. — Mas, por outro lado, nenhuma delas teria feito o pobre anjo feliz, e penso que talvez Saneia possa fazê-lo. Há muito tempo decidi que ele deveria se casar de novo, sabe?

— A seguir dirá que essa união é obra sua!

— Oh, não! Jamais houve a mínima necessidade de providenciar casamentos para Sir Horace! — replicou ela francamente. — Ele é a criatura mais suscetível que se possa imaginar, e, o que é muito perigoso, se uma mulher bonita apenas chorar no seu ombro, ele fará qualquer coisa que ela quiser.

Charles não respondeu, e ela viu que a atenção dele se fixava em Cecilia e Sir Vincent, que, naquele momento, dobravam uma esquina da orla de teixos podados. Um ligeiro franzido dominou-lhe a testa, o que fez Sophy dizer com severidade.

— Ora, não fique mal-humorado porque Cecilia flerta um pouco com Sir Vincent! Devia ficar grato por vê-la interessar-se por outro homem que não seja o Sr. Fawnhope. Mas não há satisfação em você.

— Certamente que não estou satisfeito com essa amizade!

— Ora, você não tem motivo para sentir-se alarmado! Sir Vincent só está interessado em herdeiras e não tem intenção de propor casamento a Cecy.

— Obrigado, não é sobre esse aspecto que me sinto alarmado — ele respondeu.

Ela não pôde continuar falando, porque, a essa altura, o outro casal já se aproximara deles. Cecilia, que parecia mais bonita do que nunca, contou como Sir Vincent fora cortês a ponto de encontrar um criado que lhe deu um pouco de milho para os pombos. Ela os alimentara, e a prima achava que usufruíra muito mais prazer encorajando-os a apanhar o milho com suas palavras do que ouvindo os hábeis elogios de Sir Vincent.

Logo Hubert reuniu-se a eles. Lançou sobre Sophy um olhar de relance tão fértil em malícia, que, apesar do colarinho de pontas altas, do cachecol atado com esmero e do colete elegante, ele parecia muito mais um estudante do que o rapaz citadino que se imaginava. Ela não fazia ideia de que travessura ele teria encontrado para realizar no pequeno espaço de tempo desde que o deixara, porém, antes que ela pudesse especular muito a sério esse problema, sua atenção foi desviada pela marquesa, que apareceu na janela da sala de estar e fazia sinais convidando todos a entrarem em casa. A urbanidade obrigava que até o Sr. Rivenhall obedecesse à convocação. Encontraram a marquesa tão revigorada pela soneca que chegara a ficar animada. Lady Ombersley despertara da modorra, pronunciando as palavras místicas: Loção das Damas da Dinamarca, que operara tão poderosamente sobre sua anfitriã a ponto de fazê-la sentar-se ereta como um fuso no sofá, exclamando:

— Mas não! É melhor água destilada de abacaxis verdes, garanto-lhe! — Quando o grupo que se achava no gramado sul entrou na casa, as duas senhoras mais velhas já haviam explorado totalmente cada caminho que conheciam e que levava à preservação da cútis, e se não concordavam em tais pontos como, por exemplo, o valor da carne de vitela crua sobre o rosto à noite para remover as rugas, eram unânimes quanto aos efeitos benéficos da água de cerefólio e morangos amassados.

Agora já faziam pelo menos duas horas desde que a leve meríenda fora consumida, e a marquesa tinha necessidade urgente de mais alimento, e entusiasticamente convidou seus hóspedes para tomarem chá com bolo de anjo (bolo feito unicamente de farinha, açúcar e claras). Foi então que Lady Ombersley notou a ausência da Srta. Wraxton e do Sr. Fawnhope, e quis saber onde estavam. Cecília respondeu, com um encolher de ombros, que sem dúvida continuavam no bosque, recitando poesias um para o outro; porém, quando mais vinte minutos se passaram sem que aparecessem, Lady Ombersley e também seu filho mais velho ficaram um pouco impacientes. Foi então que Sophy lembrou-se do olhar malicioso de Hubert. Ela lançou-lhe um olhar de relance e viu que a expressão dele estava despreocupada a ponto de parecer completamente falsa. Possuída de forte pressentimento, ela pediu desculpas para mudar de lugar, sentou-se ao lado dele e sussurrou-lhe disfarçadamente em meio à conversa geral:

— Criatura horrorosa, o que fez você?

— Tranquei-os no bosque! — ele sussurrou em resposta. — Isso a ensinará a agir com decoro!

Sophy teve de reprimir uma risada, mas conseguiu dizer com adequada severidade:

— Isso não dará certo! Se tem a chave, dê-me de maneira que ninguém veja!

Ele respondeu:

— Que desmancha-prazeres você é! — mas logo encontrou uma oportunidade para jogar a chave no colo dela, pois embora na ocasião tivesse parecido uma ideia esplêndida trancar o portão do bosque, ficara imaginando, por alguns minutos, que liberar o casal aprisionado sem escândalo talvez fosse um tanto mais difícil.

— Ele é tão diferente da querida Eugenia! — exclamou Lady Ombersley. — Não consigo imaginar em que estarão ocupados!

— En verdad, não é difícil imaginar! — comentou a marquesa, bastante divertida. — Um rapaz tão bonito e um cenário tão romântico!

— Vou procurá-los — declarou o Sr. Rivenhall, levantando-se e saindo da sala.

Hubert começou mostrar-se um pouco alarmado, mas Sophy exclamou, de repente:

— Quem sabe se um dos jardineiros não tornou a trancar o portão, pensando que já tínhamos deixado o bosque! Desculpe-me, Saneia!

Pouco depois alcançou o Sr. Rivenhall na moita de arbustos e gritou:

— Que coisa estúpida! Sancia, você sabe, vive apavorada por causa dos ladrões e treinou todos os criados para jamais deixarem um portão ou uma porta sem trancar! Um dos jardineiros, supondo que todos nós já tínhamos voltado para casa, trancou o portão do bosque. Gaston tinha a chave, ei-la!

Uma curva no caminho de cascalho revelou os portões do bosque. A Srta. Wraxton estava ali, e era evidente para o mais medíocre dos raciocínios que não se encontrava numa disposição de espírito muito amável. Atrás dela, sentado num banco e absorvido numa composição métrica, achava-se o Sr. Fawnhope, em todos os aspectos desligado do mundo.

Enquanto o Sr. Rivenhall introduzia a chave na fechadura, Sophy disse:

— Lamento muito! Tudo é culpa do terror absurdo de Sancia! Está muito aborrecida e com frio, Srta. Wraxton?

Esta passara uma penosa meia hora. Ao descobrir-se trancada no bosque, primeiro pedira ao Sr. Fawnhope para escalar o muro, e quando o rapaz replicara, muito simplesmente, que não conseguiria, ela pediu-lhe que gritasse. Todavia, a ode que desabrochava em sua mente, a essa altura, apoderara-se dele, e o rapaz dissera que o cenário silvestre era exatamente a inspiração que precisava. Depois sentou-se no banco, apanhou seu hloquinho de anotações, um lápis, e sempre que ela lhe suplicava paia agir, para tentar libertá-la, tudo que ele dizia, e isso num tom de voz que demonstrava quão distante seus pensamentos estavam, era "psssiu"! Conseqúentemente, ela se achava num humor propício para assassinar quando seus salvadores finalmente entraram em cena e ela os atacou com uma acusação insensata.

— Foi você quem fez isso! — ela precipitou-se para Sophy, pálida de raiva.

Sophy, que lamentava o fato de Eugenia ter sido descoberta numa situação tão ridícula, respondeu calmamente:

— Não fui eu, foi um criado tolo que julgou que todos já estavam em casa. Não importa! Venha beber um pouco do excelente chá de Saneia!

— Não acredito em você! É uma criatura sem princípios, vulgar e...

— Eugenia! — exclamou o Sr. Rivenhall asperamente.

Ela deixou escapar um soluço zangado, mas não disse mais nada. Sophy entrou no bosque para fazer o Sr. Fawnhope despertar da sua abstração, e o Sr. Rivenhall disse:

— Tudo não passou de um acidente e não há necessidade de ficar transtornada.

— Estou convencida de que sua prima fez isso para tornar-me alvo de riso — ela disse em voz baixa.

— Tolice! — ele replicou friamente.

Eugenia viu que ele de modo algum concordaria com ela e disse:

— Você bem sabe que meu propósito era evitar que sua irmã passasse a tarde toda na companhia desse rapaz odioso.

— E daí resultou que ela passou a tarde na companhia de Talgarth — ele retorquiu. — Não havia razão para você ficar tão preocupada, Eugenia. A presença de minha mãe, sem mencionar a minha, tornou sua atitude... eu diria desnecessária.

Talvez se pudesse imaginar que essas palavras de censura tivessem feito transbordar a taça da Srta. Wraxton, porém, ao entrar na sala de estar, ela constatou que ainda tinha de suportar os comentários da marquesa. Esta brindou os visitantes com uma dissertação sobre o abuso de liberdade concedido às jovens senhoras inglesas, em contraste com a rigorosa tutela da dama de companhia das donzelas espanholas, e todos, com exceção do Sr. Rivenhall, que estava incomumente silencioso, condoeram-se do vexame da Srta. Wraxton e fizeram grandes esforços para acalmá-la, chegando Sophy a ceder-lhe seu lugar no cabriole, na viagem de volta para casa. Ela não demonstrou ficar apaziguada, mas quando, mais tarde, procurou justificar suas ações junto ao noivo, ele a interrompeu abruptamente, dizendo que já se fizera barulho demais em torno de uma ocorrência trivial.

— Não posso acreditar que um dos criados fosse responsável — ela insistiu.

— Contudo, seria melhor você fingir que acredita.

— Então você também não acredita! — ela exclamou.

— Não, creio que Hubert é o responsável — respondeu o noivo

friamente. — E se eu estou certo, você deve agradecer à minha prima por soltá-la tão rapidamente.

— Hubert! — ela exclamou. — Por que faria algo tão indigno de um cavalheiro, diga-me?

Ele deu de ombros.

— Talvez por troça, talvez porque se tenha ressentido com a sua interferência no romance de Cecília, minha querida Eugenia. Ele é muito ligado à irmã.

Ela replicou num tom profundamente magoado:

— Se é isso, espero que você pretenda repreendê-lo!

— Não farei nada tão insensato — respondeu o Sr. Rivenhall em seu tom de voz mais seco.


IX

Pouco DEPOIS desse dia não de todo auspicioso no campo, o Sr. Rivenhall anunciou sua intenção de partir para Ombersley, onde permaneceria um período indefinido de tempo. A mãe não tinha objeção a fazer; contudo, ao perceber que era o momento assustador da revelação, disse, aparentando uma calma que estava longe de sentir, que esperava tê-lo de volta em Londres a tempo para a festa de Sophy.

— É importante assim? — ele perguntou. — Não tenho inclinação para dançar, mamãe, e uma noite como essa que a senhora vai passar é a mais insípida de todas!

— Bem, é realmente importante — confessou ela. — Seria considerado estranho, querido Charles, se você estivesse ausente!

— Santo Deus, mamãe, tenho estado sempre ausente desta casa quando ocorre esse tipo de acontecimento!

— Bem, essa festa deve ser um pouco maior do que a princípio achamos que seria! — ela disse, sentindo-se desesperada.

Ele lançou-lhe um dos seus olhares desconcertantes.

— É mesmo? Pelo que deduzi, seriam convidadas umas vinte pessoas, não é?

— Haverá... um pouco mais do que isso! — ela respondeu.

— Quantos mais?

— Ela concentrou-se em desembaraçar a franja do xale que se enrolava no braço da sua cadeira.

— Bem, achamos que talvez fosse melhor... uma vez que é a nossa primeira festa para sua prima, e seu tio particularmente deseja que eu a apresente à sociedade... dar um baile formal, Charles! E seu pai prometeu trazer o Duque de York, ao menos por meia hora! Pareceque ele é muito amigo de Horace. Estou certa de que será bem agradável.

— Quantas pessoas, mamãe, convidou para esse precioso baile? — perguntou o Sr. Rivenhall, não achando agradável.

— Não... não mais de quatrocentas! — gaguejou a mãe, medrosa. — Mas, Charles, muitas não virão!

— Quatrocentas! — ele exclamou. — Não preciso perguntar de quem é a façanha! E quem, mamãe, vai pagar a conta para esse entretenimento?

— Sophy... isto é, seu tio, é claro! Asseguro-lhe que o custo não vai desabar sobre você!

Ele não ficou aliviado com isso; ao contrário, perguntou, usando uma linguagem rude:

— Imagina que permitirei que essa deplorável criatura pague pelas festas nesta casa? Se foi louca bastante, mamãe, para consentir nesse esquema...

Prudente, Lady Ombersley buscou refúgio nas lágrimas, e começou a procurar às apalpadelas os sais aromáticos. O filho olhou-a de modo desconcertante, e disse com cuidadosa moderação:

— Por favor, mamãe, não chore! Sei muito bem a quem devo agradecer por isto.

Uma interrupção, bem-vinda a Lady Ombersley, ocorreu na figura de Selina, que entrou impetuosamente na sala, exclamando:

— Oh, mamãe! Quando demos o baile para Cecília, nós... — Então percebeu o irmão mais velho e interrompeu-se, parecendo extremamente constrangida.

— Continue! — disse o Sr. Rivenhall severamente.

Selina atirou a cabeça ligeiramente para trás, num gesto de impaciência.

— Suponho que já sabe tudo sobre o baile de Sophy. Bem, sem dúvida não me importo porque não poderá impedi-lo, agora que todos os convites foram enviados e 387 pessoas aceitaram! Mamãe, Sophy disse que quando ela e Sir Horace deram uma grande recepção em Viena, Sir Horace avisou à polícia, para manterem as ruas desimpedidas e informarem aos cocheiros para onde deviam ir, e assim por diante. Não fizemos o mesmo para o baile de Cecília?

— Fizemos, e pusemos pajens portadores de archotes também — respondeu Lady Ombersley surgindo brevemente de detrás do lenço, porém voltando a retirar-se para sua proteção.

— Certo, mamãe, e o champanha! — disse Selina, resolvida a desobrigar-se da sua incumbência. — Deve ser encomendado do Gunter's, como tudo mais? Ou...

— Pode informar nossa prima — interrompeu o Sr. Rivenhall — que o champanha sairá das nossas adegas! — Em seguida deu as costas à jovem irmã e perguntou à mãe: — Como é que Eugenia não me falou sobre a festa? Ela não foi convidada para o baile?

Numa indagação desesperada, um par de olhos surgiu do lenço, procurando desordenadamente um esclarecimento de Selina.

— Santo Deus, Charles! — exclamou a donzela, chocada. — Esqueceu o infortúnio que se abateu sobre a família da Srta. Wraxton? Estou certa de que ela não só nos disse uma vez, mas dezenas de vezes que o decoro a proíbe de comparecer a festas, exceto as mais tranquilas!

— Tal decisão também é obra da minha prima, deduzo! — disse ele, apertando os lábios. — Devo dizer, mamãe, que eu teria imaginado, se a senhora aprovasse essa loucura, que enviaria um convite à minha futura esposa!

— É claro, Charles, é claro! — disse Lady Ombersley. — Se não foi feito, houve falta de fiscalização. Embora seja perfeitamente verdadeiro que Eugenia nos afirmou que enquanto estiver de luvas pre-tas...

— Oh, mamãe, não! — exclamou Selina impetuosamente. — Sabe que ela vai injetar desânimo em tudo, com aquela cara comprida de cavalo...

— Como ousa? — interrompeu o Sr. Rivenhall, furioso.

Selina ficou um pouco assustada, porém murmurou:

— Bem, ela faz isso mesmo, pense o que quiser, Charles!

— Outra obra da minha prima, sem dúvida!

Selina enrubesceu e baixou os olhos. O Sr. Rivenhall voltou-se para a mãe:

— Seja gentil e diga-me, mamãe, de que modo esse assunto ficou acertado entre a senhora e Sophy? Ela vai lhe dar um cheque da conta bancária do meu tio ou o quê?

— Eu... eu não sei exatamente! — disse Lady Ombersley. — Quero dizer, isso ainda não foi discutido! Na verdade, Charles, eu mesma não sabia, até bem pouco tempo, que tantas pessoas iam ser convidadas!

— Bem, mamãe, eu sei! — declarou Selina. Todas as contas de vem ser enviadas para Sophy, vocês não precisam preocupar-se com elas.

— Obrigado! — disse Charles e saiu abruptamente da sala.

Encontrou a prima no pequeno salão dos fundos da casa, conhecido como o Salão das Senhoritas. Ela estava ocupada em fazer uma lista, mas ergueu os olhos quando a porta se abriu e sorriu para Charles.

— Procura Cecilia? Ela saiu com a Srta. Adderbury para fazer algumas compras na Bond Street.

— Não, não procuro Cecilia! — ele respondeu. — Meu assunto é com você, prima, e não demorarei muito tempo. Estou informado de que minha mãe vai dar um baile em sua honra na terça-feira, e por algum extraordinário equívoco administrativo as contas foram enviadas a você. Quer ter a gentileza de procurá-las e entregá-las a mim?

— Exasperado de novo, Charles? — disse ela, erguendo as sobrancelhas. — Este baile é de Sir Horace, não da minha tia. Não há equívoco administrativo nenhum.

— Sir Horace pode ser o dono da sua própria casa — embora eu duvide —, mas não daqui! Se minha mãe resolveu realizar um baile, ela pode fazê-lo, porém em nenhuma circunstância meu tio arcará com as despesas. É intolerável que você a tivesse convencido a consentir em tal esquema. Entregue-me as contas que tiver, por favor!

— Não lhe faço esse favor — respondeu Sophy. — Nem Sir Horace nem você, querido primo, é o senhor desta casa. Tenho o consentimento de meu tio Ombersley. — Com satisfação, ela viu que o confundira totalmente, e acrescentou: — Se eu fosse você, Charles, iria dar um belo passeio no parque. Sempre achei que não há nada mais benéfico para os nervos do que exercício ao ar livre.

Ele controlou-se com grande esforço.

— Prima, estou falando sério! Não posso e nem vou tolerar uma situação como esta!

— Mas ninguém lhe pediu que tolerasse coisa alguma — ela frisou. — Se meu tio e minha tia estão satisfeitos com as minhas resoluções, diga-me, o que tem você a ver com isso?

Ele respondeu através dos dentes cerrados:

— Acho que já lhe disse antes, prima, que vivíamos bem aqui antes de você chegar e demolir o nosso bem-estar!

— Sim, você disse isso, e o que quis dizer, Charles, era que até eu chegar ninguém ousou zombar de você. Devia ser grato a mim — ou, de qualquer maneira, a Srta. Wraxton devia, pois estou certa de que você teria dado um marido odioso entes de eu vir para ficar com sua mãe.

Isso o fez lembrar-se de uma queixa que, com justiça, poderia fazer. Disse friamente:

— Uma vez que trouxe à baila o nome da Srta. Wraxton, ficarlhe-ei muito grato, prima, de abster-se de mencionar às minhas irmãs que ela tem cara de cavalo!

— Mas, Charles, não se pode associar nenhuma culpa à Srta. Wraxton! Ela não poderia evitá-lo, e isso, garanto-lhe, sempre salientei às suas irmãs!

— Considero o semblante da Srta. Wraxton particularmente de boa estirpe!

— Sim, realmente, mas você interpretou mal a declaração! Eu quis dizer um cavalo particularmente de boa estirpe!

— Você pretendia, estou ciente, depreciar a Srta. Wraxton!

— Não, não! Gosto muito de cavalos! — Sophy replicou com veemência.

Antes que pudesse conter-se, ele se viu respondendo também a isso:

— Entretanto Selina, que me repetiu a observação, não gosta de cavalos, e ela... — Charles parou, percebendo o absurdo que era discutir esse assunto.

— Espero que ela venha a gostar, depois de viver na mesma casa com a Srta. Wraxton durante alguns meses — disse Sophy, animada.

O Sr. Rivenhall conteve o impulso de dar um tabefe na prima e saiu da sala, indignado, batendo a porta atrás de si. Ao pé da escada encontrou Lord Bromford, que entregava o chapéu e o sobretudo a um lacaio. O Sr. Rivenhall, ao perceber um modo de, até certo ponto, desforrar-se de Sophy, cumprimentou-o com grande afabilidade, perguntando-lhe se pretendia comparecer ao baile de terça-feira, e ao saber que o rapaz aguardava o acontecimento com muita ansiedade, acrescentou:

— Veio convidar minha prima para o cotilhão? Você é inteligente! Sem dúvida ela estará cheia de pedidos! Dassett, você encontrará a Srta. Stanton-Lacy no Salão Amarelo! Leve Lord Bromford até ela!

— Acha realmente que eu deveria? — perguntou Lord Bromford, ansioso. — Não se dançava isso na Jamaica, sabe, mas estive tomando aulas, e dois dos passos já sei toleravelmente bem. Haverá valsas tam-bém? Não danço valsa. Não a considero decente. Espero que a Srta. Stanton-Lacy não dance valsa. Na verdade, não gosto de ver uma dama dançando valsa.

— Hoje em dia todo mundo dança valsa — replicou o Sr. Rivenhall, determinado ao seu propósito cruel. — Devia tomar aulas de valsa também, Bromford, ou será completamente eliminado!

— Não creio — respondeu Lord Bromford, depois de considerar o assunto com seriedade — que alguém deva sacrificar seus princípiospara satisfazer o capricho de uma mulher. Não julgo o cotilhão censurável, embora saiba que muita gente de fato não permite que seja dançado em sua casa. Quanto à quadrilha, estou preparado para tomar parte. Há permissão para a prática da dança, que, no meu entender, é a dança de roda ou a quadrilha, nas obras dos antigos. Platão, como sabe, recomendava ensinar as crianças a dançarem; e diversos autores clássicos a consideravam excelente recreação depois de um estudo sério.

Nessa altura o Sr. Rivenhall lembrou-se de um compromisso urgente e saiu às pressas. Lord Bromford acompanhou Dassett até o andar de cima, à sala de estar. O mordomo tinha suas próprias opiniões sobre a inconveniência de introduzir cavalheiros solitários no Salão das Senhoritas. Quando Sophy, devidamente acompanhada de Selina, reuniu-se a ele, o rapaz não perdeu tempo em pedir-lhe que fosse seu par no cotilhão. Sophy, esperando que um dos seus amigos da Península Ibérica viria em sua salvação, expressou o quanto lamentava ser obrigada a recusar. Alegou que já estava comprometida. Ele assumiu uma expressão de desalento e pareceu até ficar um pouco ofendido, ao exclamar:

— Como pode dizer isso, se seu primo me disse para apressar-me a fim de ser o primeiro?

— Meu primo Charles? — indagou Sophy, de modo curioso. — Bem, por certo ele não sabia que minha participação foi requisitada nestes três últimos dias. Talvez possamos dançar juntos uma das qua-drilhas.

Ele fez uma reverência e disse:

— Estive informando a seu primo que temos boas opiniões favorecendo as quadrilhas. Creio que não podem ser consideradas inconvenientes. Por outro lado, não posso aprovar a valsa.

— Oh, não dança valsa? Fico tão contente... quero dizer, ninguém o julgaria capaz de gostar de coisa tão frívola, Lord Bromford!

Ele pareceu ficar satisfeito com isso; deixou-se afundar na poltrona e disse:

— Apreciei muito a sua interessante tese, senhorita. Já é conhecida a frase: Diga-me com quem andas e te direi quem és; seria possível também ser avaliado pelas danças que gostamos de dançar?

Uma vez que nenhuma das moças tinha qualquer opinião sobre o assunto, era uma sorte ser a pergunta do rapaz apenas retórica. Ele começou a estender o tópico e só foi interrompido com a chegada do Sr. Wychbold, que veio se oferecer para levar Sophy e seus primos a um espetáculo de animais selvagens, e também para solicitar a honra de ser o par de Sophy no cotilhão. Ela foi obrigada a recusar, porém pesarosa, pois o Sr. Wychbold era notável dançarino e executava cada passo do cotilhão com graça e elegância.

Contudo, quando o dia de terça-feira despontou, ela adquirira um parceiro nada desprezível na pessoa de Lord Francis Wolney. O fato de ele requisitar primeiro a participação da Srta. Rivenhall, ela suportou com grande coragem, ao dizer que num ato de compaixão cristã em relação às outras jovens, Cecília não devia perder tempo em se preparar para o casamento.

Logo ficou evidente que o baile seria um dos sucessos da temporada. Até o tempo o favoreceu. Desde a aurora até a hora do jantar, a casa Ombersley foi o cenário de uma atividade incansável, e a rua, do lado de fora, ficou ruidosa com as rodas das carretas dos negociantes e os assobios dos incontáveis mensageiros. O Sr. Rivenhall chegou do campo no momento exato em que dois homens em mangas de camisa e calças de couro instalavam um toldo desde o caminho lajeado até o passeio e um outro homem, usando avental, estendia uma passadeira vermelha nos degraus, sob a supervisão arrogante de Dassett. Dentro da casa, o Sr. Rivenhall quase colidiu com um lacaio que, cambaleando, se dirigia ao salão de baile com uma gigantesca palmeira num vaso apertado contra o peito, e evitou-o apenas para deparar com a governanta. Ela deixou escapar um grito abafado e se dirigiu para a sala de jantar levando a melhor toalha de mesa adamascada nos braços. Dassett, que seguira o Sr. Rivenhall ao entrar em casa, informou-o com satisfação que teriam trinta pessoas sentadas para o jantar às 20 horas. Acrescentou que a patroa se achava deitada, em preparo para a festa, e que o patrão selecionara pessoalmente os vinhos para o jantar. O Sr. Rivenhall, que mais parecia estar resignado do que encantado, assentiu com a cabeça e perguntou se havia alguma carta para ele.

— Não, senhor — respondeu Dassett. — Devo informar que a banda de música do 2º. Regimento de Cavalaria tocará durante a ceia, pois a Srta. Sophy conhece o coronel, que estará entre os convidados do jantar. Um progresso imenso, se me permite dizer isso, senhor, em relação às flautas-de-pã, que se tornaram muito comuns desde que as tivemos por ocasião do baile da Srta. Cecília no ano passado. A Srta. Sophy, aventuro-me a dizer, é uma dama que sabe exatamente como as coisas devem ser feitas. É um grande prazer, queira me perdoar a liberdade, trabalhar para a Srta. Sophy, pois ela pensa em tudo, e imagino que não haverá obstáculo para estragar a festa.

O Sr. Rivenhall proferiu algo misturado a resmungos e afastou-se para os seus aposentos. Quando reapareceu, foi para juntar-se ao resto da família na sala de estar apenas alguns minutos antes das 20 horas. As duas irmãs mais jovens, divertindo-se muito debruçadas sobre o corrimão da escada que levava ao andar da sala de aula, asseguraram-lhe em sussurros agudos que estava tão elegante que não podiam acreditar houvesse outro cavalheiro capaz de rivalizar com ele. Rindo, ergueu os olhos, pois embora tivesse boa estampa e estivesse elegante no seu traje de calças pretas de cetim pelo joelho, colete branco, meias com barra e um casaco até a cintura na frente e abas bem compridas atrás, ele sabia que, quanto ao alfaiate, seria eclipsado pela metade dos convidados masculinos. Mas a sincera admiração das irmãzinhas certamente suavizou seu mau humor, e depois de prometer lealmente que mais tarde mandaria um criado à sala de aula com sorvetes, continuou seu caminho em direção à sala de estar, e até conseguiu se resolver a cumprimentar a irmã e a prima, elogiando os respectivos trajes.

Sophy escolhera um vestido de crepe da sua cor favorita: verde, com ornatos em amarelo, que usava sobre um forro branco de cetim. Tinha minúsculas mangas bufantes e pérolas miúdas, e era prodigamente rematado com rendas. Pingentes de diamantes lindíssimos pendiam de suas orelhas; e um colar de pérolas cingia-lhe o pescoço; um pente de rico material destacava-se atrás do elaborado coque no alto da cabeça. Jane Storridge escovara e passara brilhantina nos cachinhos laterais, de modo que à luz das velas reluzia o magnífico tom dos cabelos castanhos. Sapatilhas de cetim listrado de verde, luvas longas e um leque de crepe branco sobre varetas de marfim completavam sua toalete. Lady Ombersley, embora aprovasse o efeito do conjunto, não podia abster-se de olhar para Cecília com olhos úmidos de orgulho materno. Toda a juventude e beleza da aristocracia estava presente no baile dessa noite, pensava ela, bem -humorada, mas não haveria uma jovem capaz de superar Cecília, uma princesa encantada em seu vestido branco de gaze finíssima, que chegava a cintilar um pouco quando ela se movia e a luz captava os enfeites argênteos bordados no tecido primoroso. Os cabelos encaracolados, apenas com uma fita prateada passando entre eles, assemelhavam-se a uma espuma de ouro; seus olhos eram de um azul claro, translúcido; e os lábios formavam um arco perfeito. Ao lado de Sophy, parecia etérea; o pai, examinando-a com indulgente afeto, disse que ela o fazia pensar numa fada — Rainha Mab ou Titania, qual delas? Precisava de Eugenia Wraxton para esclarecê-lo. E ele a teria. Depois de prolongada consideração, a Srta. Wraxton decidira comparecer ao baile de Sophy, obtendo o consentimento da mãe ao prometer-lhe que, sem dúvida, não participaria de nenhuma dança. Dos convidados para o jantar ela foi a primeira a chegar, acompanhada de seu irmão Alfred, que, através do monóculo, lançou olhares cobiçosos para Cecília e Sophy, fazendo-lhes elogios tão estravagantes que chegou a provocar um leve rubor nas faces de Cecília e uma expressão sombria nos olhos de Sophy. A Srta. Wraxton, trajada num discreto vestido de crepe lavanda, viera determinada a ser gentil, e até cumprimentou as primas pela aparência de ambas. Suas observações, entretanto, foram muito elegantes, e ela ganhou um olhar fervoroso de Charles. Na primeira oportunidade, absorveu a atenção dela ao aproximar-se para oferecer-lhe uma cadeira, dizendo:

— Eu não ousara esperar que estivesse presente esta noite. Obrigado.

Eugenia sorriu e apertou ligeiramente a mão dele.

— Mamãe não gostou muito, mas concordou que seria adequado eu comparecer. Nem preciso dizer que não vou dançar.

— Fico satisfeito por ouvir isso; você acaba de presentear-me com uma excelente desculpa para seguir seu exemplo!

Ela parecia contente, porém disse:

— Não, não, você deve cumprir o seu dever, Charles! Eu insisto.

— A Marquesa de Villacanas! — anunciou Dassett.

— Santo Deus! — exclamou Charles, num sussurro.

Magnificente, e decididamente exótica, a marquesa entrou na sala num vestido de cetim dourado e, visando um estilo pretensamente casual, adornada de broches, correntes e colares de rubis e esmeraldas. No cabelo trazia um pente extremamente alto, com uma mantilha por cima; um aroma de perfume forte a envolvia; e uma cauda bem longa varria o chão atrás dela. Lord Ombersley tomou fôlego e adiantou-se para cumprimentar com verdadeiro entusiasmo uma convidada tão digna de atenção.

Esquecendo que ele e a prima estavam estremecidos, o Sr. Rivenhall disse em seu ouvido:

— Como conseguiu animá-la a gastar tanto esforço?

Sophy riu.

— Oh, de qualquer modo, ela queria passar alguns dias em Londres; assim, tudo que precisei fazer foi reservar um conjunto de aposentos para ela no Pulteney Hotel e encarregar diretamente Pepita, sua criada, de trazê-la aqui esta noite!

— Estou satisfeito que a conseguissem trazer ao menos para contemplarmos tanto esforço!

— Ah, ela sabia que eu mesma iria buscá-la se se recusasse a vir!

Mais convidados chegavam; o Sr. Rivenhall foi ajudar os pais a recebê-los; a grande sala de estar dupla começava a encher-se; e apenas alguns minutos depois das 20 horas, Dassett anunciou o jantar.

Os convidados eram da qualidade que encheria de orgulho qualquer anfitriã, e entre eles se podia incluir muitos membros do corpo diplomático e titulares de dois gabinetes ministeriais com suas respectivas esposas. Lady Ombersley poderia apinhar seus salões com tantos membros da nobreza quantos quisesse convidar, porém, visto que o marido se interessava pouco por política, os círculos governamentais estavam um tanto fora do seu alcance. Mas Sophy, que não conhecia tantas pessoas bem-nascidas, mas conhecia, de suas viagens, muitas intimamente ligadas ao universo dos círculos governamentais, desde o dia em que pela primeira vez levantara os cabelos e usara saias longas, fazia as honras da casa para pessoas ilustres e com elas mantinha um relacionamento em termos da mais cordial amizade. À mesa da tia predominavam amizades de Sophy ou, talvez, de Sir Horace, mas nem mesmo a Srta. Wraxton, atenta a possíveis sinais de presunção na moça, pôde encontrar qualquer falha em seu comportamento. Seria talvez de esperar, uma vez que todas as medidas para a festa foram tomadas por ela, que Sophy se pusesse em evidência mais do que seria adequado, mas longe de assim proceder, ela parecia estar com uma disposição de espírito reservada, não participando da recepção aos convidados no andar superior, restringindo sua conversa à mesa, mais precisamente aos cavalheiros que a ladeavam. A Srta. Wraxton, que a rotulara de grosseira, era obrigada a admitir que os modos dela, pelo menos ante as visitas, eram irrepreensíveis.

O baile começou às 10 horas, no imenso salão de festas que ficava nos fundos da casa. Era iluminado por centenas de velas num enorme candelabro que pendia do teto, e como ele fora despido de sua capa de holanda três dias antes, para que os lacaios e os copeiros pudessem lavar e polir seus lustres, cintilava agora como uma coleção de diamantes imensos. Grande quantidade de flores destacava-se num grupo de floreiras em cada extremidade do salão, e uma excelente orquestra foracontratada, sem levar em consideração (o Sr. Rivenhall refletiu amargamente) as despesas.

O aposento, embora vasto, logo ficou tão apinhado de pessoas elegantes que parecia certo a festa receber o prémio final: lotação esgotada. Nenhuma anfitriã poderia desejar mais.

O baile foi iniciado com uma quadrilha, na qual o Sr. Rivenhall sentiu-se moralmente obrigado a fazer par com a prima. Ele desempenhou seu papel com dignidade, ela desempenhou o seu com graça; e a Srta. Wraxton, observando de uma das cadeiras arrumadas em um lado do salão, sorria graciosamente para ambos. O Sr. Fawnhope, o mais bonito parceiro, conduzira Cecília para o seu grupo de pessoas, fato que muito aborreceu o Sr. Rivenhall. Ele achava que Cecília devia ter reservado a dança de abertura para um convidado mais importante, e não obteve satisfação ao ouvir elogios à graça e à beleza daquele casal tão impressionante. Em nenhum outro lugar o Sr. Fawnhope se distinguia mais do que num salão de baile, e feliz era a dama que fazia par com ele. Olhos invejosos seguiam Cecília, e mais de uma beldade morena desejou, visto que o Sr. Fawnhope, louro como um anjo, inexplicavelmente preferia louras a morenas, poder mudar a cor dos seus cabelos para satisfazer a fantasia do rapaz.

Lord Bromford, um dos primeiros a chegar, não teve êxito, devido ao senso de dever do Sr. Rivenhall, em segurar a mão de Sophy durante a primeira dança, e como uma valsa se seguiu à quadrilha, só algum tempo depois conseguiu fazer par com a moça. Enquanto a valsa prosseguia, ele ficou parado, observando os que dançavam, e, num dado momento, foi atraído para o lado da Srta. Wraxton, pondo-se a distraí-la expondo a sua opinião sobre a valsa. Até certo ponto, ela se mostrou solidária, contudo expressou-se de maneira mais moderada, ao dizer que embora não se sentisse inclinada a dançar a valsa, a dança não podia ser inteiramente censurada agora que fora admitida no Almack's.

— Não a vi dançar na residência do governador — declarou Lord Bromford.

A Srta. Wraxton, que gostava de ler livros sobre viagens, exclamou:

— Jamaica! Quanto invejo, senhor, a sua estada naquela ilha interessante! Estou certa de que deve ser um dos lugares mais românticos imagináveis.

Lord Bromford, que na adolescência jamais ficara fascinado pelos contos sobre a parte meridional do mar das Caraíbas, respondeu que o lugar tinha muito a elogiar e continuou descrevendo as qualidades das suas fontes medicinais e a grande variedade de mármore que se poderia encontrar nas montanhas. A Srta. Wraxton ouvia tudo com interesse, e mais tarde informou ao Sr. Rivenhall que ela considerava Lord Bromford uma pessoa de mente bem-informada.

Metade da noite já havia passado. Sophy, ofegante depois de uma valsa vigorosa com o Sr. Wychbold, permanecia na parte lateral do aposento, abanando-se e observando os casais que ainda rodopiavam pelo salão, enquanto seu parceiro ia à procura de um copo de refresco gelado para ela, quando, de repente, foi abordada por um cavalheiro de aspecto agradável, que se aproximou e disse com um sorriso franco:

— Meu amigo, o Major Quinton, prometeu apresentar-me à Magnífica Sophy, porém o miserável vai de grupo em grupo sem jamaisme dispensar atenção! Como está, Srta. Stanton-Lacy? Perdoará minha informalidade, não? De fato eu não devia estar aqui, pois não fui convidado, mas Charles me garantiu que se não me julgasse ainda acamado, certamente me mandaria um convite.

Ela olhou-o daquele seu jeito franco, analisando-o. Gostou do que viu. Era um homem de trinta e poucos anos, não exatamente bonito, mas com um semblante agradável, salvo do medíocre por um par de jocosos olhos cinzentos. Era de estatura acima da mediana, possuía ombros largos e pernas fortes em botas de montaria.

— Sem dúvida é uma lástima da parte do Major Quinton — Sophy disse, sorridente. — Mas sabe como é tagarela! Devíamos ter-lhe enviado um convite? Queira perdoar! Espero que sua doença não tenha sido de natureza grave.

— Ai de mim, apenas dolorosa e humilhante! — respondeu ele. — Acreditaria que um homem da minha idade pudesse prostrar-se vítima de uma enfermidade infantil, senhora? Caxumba!

Sophy, deixando cair o leque, exclamou:

— O que disse? Caxumba1.

— Caxumba — ele repetiu, apanhando o leque e devolvendo-o.

— Não é de admirar o seu assombro!

— Então você é... — começou Sophy — ..Lord Charlbury.

Ele fez uma reverência.

— Eu mesmo, e percebo que minha fama dhegou antes de mím. Admito, que eu não devia ter achado conveniente aparecer-lhe como um homem com caxumba, mas vejo que assim aconteceu!

— Vamos nos sentar — sugeriu Sophy.

Ele pareceu surpreso, porém acompanhou-a imediatamente até um sofá encostado na parede.

— Sem dúvida! Mas não quer que eu apanhe um copo de limonada?

— O Sr. Wychbold — espero que o conheça — já foi fazer isso. Eu gostaria de conversar com você um momentinho, pois ouvi falar muito a seu respeito, sabe?

— Nada poderia me dar mais prazer, pois também ouvi falar muito sobre você, o que me inspirou o mais vivo desejo de conhecê-la.

— O Major Quinton — disse Sophy — é um trocista irrecuperável, e acho que lhe deu uma ideia de mim bastante falsa!

— Devo salientar, senhora — ele revidou —, que estamos no mesmo caso, pois você me conhece apenas como um homem com caxumba, e correndo o risco de lhe parecer um peralvilho, posso assegurar-lhe que isso deve ter-lhe dado de mim uma ideia igualmente falsa!

— Está perfeitamente certo — disse Sophy, séria. — Tive umafalsa ideia a seu respeito! — Os olhos dela seguiram Cecília e o Sr. Fawnhope rodando no salão; tomou fôlego e disse: — Talvez as coisas sejam um pouco difíceis.

— Isso eu já havia percebido — replicou Lord Charlbury, seus olhos seguindo os dela.

— Não consigo imaginar — disse Sophy, com forte emoção — o que pode tê-lo afetado, senhor, para contrair caxumba num momento destes!

— Não foi de propósito — respondeu ele, humildemente.

— Nada poderia ter sido mais imprudente! — disse Sophy.

— Imprudente! — declarou ele. — Uma infelicidade!

Nesse exato momento chegou o Sr. Wychbold com o refresco de Sophy.

— Alo, Everard! — cumprimentou. — Não sabia que já estava disposto a fazer visitas! Como vai, caro rapaz?

— Com a alma contundida, Cyprian, com a alma contundida! Os sofrimentos causados pela doença que se abateu sobre mim não foram nada comparados com os que agora padeço. Será que um dia conseguirei reabilitar-me?

— Oh, não sei! — respondeu o Sr. Wychbold tentando consolar. — Uma coisa miserável e chocante para acontecer a alguém, é claro, mas as pessoas têm memória fraca! Ora, você se lembra do pobre Balton, quando levou aquele tombo no Serpentine, voando por cima da cabeça do seu cavalo? Ninguém falou em outra coisa durante quase uma semana! Pobre rapaz, teve que ir para o campo por uns tempos, mas depois tudo dissipou-se, como você sabe!

— Então seria conveniente uma temporada no campo? — Lord Charlbury perguntou:

— De modo algum! — respondeu Sophy, decidida. Ela aguardou até que a atenção do Sr. Wychbold fosse solicitada por uma dama em cetim marrom-arroxeado, em seguida virou-se para o seu acompanhante e indagou com franqueza: — É bom dançarino, senhor?

— Imagino estar dentro da média, senhora. Sem dúvida não chego a me comparar com o belo rapaz que estamos observando.

— Nesse caso — disse Sophy —, se eu fosse você, pediria a Cecilia para dançar a valsa!

— Já fiz isso, mas sua recomendação é desnecessária; ela está com prometida para todas as valsas e também para a quadrilha. O máximo que posso esperar é ser par de Cecília numa contradança.

— Não se deve — Sophy avisou-o — ficar tentando conversar com alguém quando a ideia é dançar. Isso é sempre fatal, acredite em mim! Ele fitou-a, e, da mesma maneira franca que a dela, disse:

— Srta. Stanton-Lacy, a senhora conhece plenamente a minha posição. Diga-me, por favor, que atitude devo tomar, e quem é o Adónis que no momento monopoliza a Srta. Rivenhall?

— Ele é Augustus Fawnhope, e é um poeta.

— Isso tem um som sinistro — comentou ele alegremente. — Conheço a família, é claro, mas creio que não encontrei com esse rapaz antes.

— É provável que não, porque ele costumava estar com Sir Charles Stuart, em Bruxelas. Lord Charlbury, o senhor me parece um homem sensato!

— Eu preferiria ter a cabeça como as moedas gregas, que trazem a figura de um anjo — ele comentou, pesaroso.

— Precisa compreender — disse Sophy, não dando atenção a essa frivolidade — que metade das senhoritas de Londres estão apaixonadas pelo Sr. Fawnhope.

— Acredito prontamente nisso e invejo apenas uma de suas conquistas.

Ela preparava uma resposta, quando foram interrompidos. Lord Ombersley, que saíra depois do jantar, reaparecia agora, acompanhado de um homem idoso, extremamente corpulento, em quem ninguém teve a mínima dificuldade em reconhecer um membro da família real. De fato, era o Duque de York, um dos filhos de Jorge III e o que mais se assemelhava com o pai. Tinha os mesmos olhos azuis salientes, um nariz adunco, as mesmas faces inchadas e lábios salientes, contudo era um homem muito mais avantajado do que o pai. Parecia estar sempre correndo o iminente perigo de explodir de suas calças justíssimas; falava com voz chiada, e era um príncipe simplesmente genial, sempre disposto a ficar satisfeito, quase não fazia cerimónias, conversando afavelmente com todos que a ele se apresentavam. Cecília e Sophy tiveram essa honra. Sua Alteza Real não poupou elogios à beleza de Cecília, expressando-se exatamente com o mesmo exagero empregado pelo Sr. Wraxton, e ninguém duvidava que se ele a tivesse encontrado em um lugar menos público, não teria levado muitos minutos para que o braço ducal a tivesse enlaçado pela cintura. Sophy não despertou tal tendência amorosa nele, porém o duque conversou muito jovialmente com ela, perguntou-lhe como o pai estava, sugerindo, com uma sonora gargalhada, que a essa altura Sir Horace se divertia entre as beldades brasileiras, tão malandro ele era! Depois disso, cumprimentou diversos amigos, circulou pelo salão durante algum tempo, e finalmente retirou-se para a biblioteca com seu anfitrião e mais dois amigos íntimos para uma partida de uíste.

Cecília, ao escapar da presença real com as faces em fogo (pois detestava ser alvo de elogios excessivos), foi interceptada pelo Sr. Fawnhope, que disse com grande simplicidade:

— Você está mais linda esta noite do que eu julgara possível.

— Oh, não! — ela exclamou involuntariamente. — Como este salão está insuportável de quente!

— Você está corada, mas isso lhe assenta bem. Vou levá-la para o balcão.

Ela não fez objeção, embora esse termo pomposo descrevesse na verdade um lugar onde se podia esticar os pés, construído do lado de fora de cada uma das doze janelas envidraçadas até a altura do salão de baile e protegido com baixos balaústres de ferro. O Sr. Fawnhope abriu as cortinas que ocultavam a janela na extremidade mais afastada do salão, e a jovem passou através delas para um vão pouco profundo. Depois de alguma dificuldade com o trinco, o Sr. Fawnhope conseguiu abrir as portas duplas da janela, e Cecília saiu para a saliência estreita. Uma brisa fria soprou em seu rosto. Ela exclamou:

— Ah, que noite! Quantas estrelas!

— Estrela da noite, arauto do amor! — declamou o poeta um tanto vagamente, perscrutando o céu.

Esse idílio foi rudemente interrompido. Depois de presenciar a retirada do jovem casal, o Sr. Rivenhall os seguira, e, ultrapassara as cortinas de brocado, dizendo, em tom áspero:

— Cecília, você perdeu todo o senso de decoro? Volte já para o salão!

Surpresa, Cecília virou-se rapidamente. Já agitada devido ao encontro inesperado com Lord Charlbury, os nervos da moça explodiram numa resposta impetuosa:

— Como ousa, Charles? — perguntou com voz trémula. — Diga-me, de que falta de decoro sou acusada quando busco um pouco dear fresco na companhia do meu noivo?

Ela segurou a mão do Sr. Fawnhope enquanto falava e encarou o irmão com o queixo projetado e as faces muito rubras. Lord Charlbury, que com uma das mãos afastara a cortina, ficou perfeitamente imóvel, tão pálido quanto ela corada, olhando-a firmemente.

— Oh! — exclamou Cecília, soltando num arranco sua mão da do Sr. Fawnhope e apertando-a contra o rosto.

— Posso saber, Cecilia, se o que acabou de anunciar é verdade? — perguntou Charlbury, sem um vestígio de emoção na voz cortês.

— É verdade — ela respondeu.

— Com os diabos que não é! — disse o Sr. Rivenhall.

— Permita-me externar minhas congratulações — replicou Lord Charlbury, fazendo uma reverência. Em seguida deixou a cortina cair e afastou-se, caminhando pelo salão, até as portas de saída.

Sophy, que ia ocupar seu lugar ao lado do Major Quinton na dança que se formava, abandonou o parceiro com uma palavra de desculpa e alcançou Lord Charlbury na ante-sala.

— Lord Charlbury!

Ele voltou-se.

— Srta. Stanton-Lacy! Poderia apresentar minhas desculpas a Lady Ombersley por não me despedir dela formalmente? Ela não se encontra no salão de baile no momento.

— Sim, não se preocupe com isso! O que aconteceu para fazê-lo sair tão cedo?

— Eu vim, senhora, com um único objetivo. Agora tornou-se inútil ficar, devido à participação feita por sua prima, um momento atrás, de que ficou noiva do jovem Fawnhope.

— Que tonta ela é! — comentou Sophy alegremente. — Eu a observei afastar-se com Augustus, e vi Charles segui-la. Pode estar certo, tudo isso é obra dele! Tenho vontade de dar-lhe um bofetão! Costuma cavalgar no parque?

— Eu costumo o quê! — o rapaz perguntou, aturdido.

— Cavalgar no parque!

— Certamente que sim, mas...

— Então faça isso amanhã de manhã! Não muito cedo, pois acho que não me deitarei antes das quatro! Às 10 horas, então; não deixe de ir!

Ela não esperou pela resposta, e voltou para o salão de baile, deixando-o de olhos arregalados, muito surpreso. Em qualquer outra ocasião, teria sorrido diante das maneiras estranhas e abruptas de Sophy; sendo, porém, um homem apaixonado, encontrava-se sob o peso daquela decepção, e embora procurasse manter uma atitude calma, naquele momento estava além das suas forças sentir-se divertido.


X

Foi SEM muita esperança de encontrar Sophy que, na manhã seguinte, Lord Charlbury mandou selar um cavalo e dirigiu-se ao Hyde Park, pois parecia-lhe que uma jovem que dançara a noite toda provavelmente não seria encontrada cavalgando no parque por volta das 10 horas no dia seguinte.

Todavia, ele não chegara a conduzir o cavalo a meio galope em uma volta da pista quando viu um belíssimo cavalo negro vindo em sua direção e reconheceu Sophy no lombo do animal. Ele fez o cavalo parar puxando as rédeas e tirou o chapéu:

— Eu supunha que você ainda estaria na cama, dormindo profundamente. E feita de ferro, Srta. Stanton-Lacy?

Ela deteve Salamanca, que pateou para o lado com grande arrogância.

— Ora bolas! — exclamou ela, rindo. — Considera-me tão fraca criatura para ficar prostrada por causa de um baile, senhor?

Ele fez seu cavalo emparelhar com o dela. John Potton acompanhava a uma distância discreta. Lord Charlbury elogiou Salamanca, mas foi interrompido de maneira brusca.

— Bem, bem, é um cavalo soberbo, mas não nos encontramos para falar de cavalos. Depois daquela confusão que houve em Berkeley Square! Por causa de Charles, naturalmente — tudo por causa de Charles! A coisa mais divertida do mundo — serviu como distração mesmo! Na verdade, não há motivo para essa expressão grave! — no fim Augustus Fawnhope ficou tão confuso quanto você ou Charles!

— Está me dizendo que ele realmente não quer se casar com Cecilia? — perguntou Charlbury.

— Ora, talvez num futuro remoto! Já, por certo que não! Sabe, sendo ele um poeta, preferirá ser vítima de uma paixão insolúvel! — disse Sophy alegremente.

— Tipo pretensioso!

— Como preferir. A noite passada, quando você já nos havia deixado, dancei uma valsa com ele, e creio que lhe vou ser muito útil; sugeri a ele várias ocupações de natureza lucrativa, e prometi procurar entre meus conhecidos um homem importante que precise de um se cretário.

— Espero que tenha ficado grato a você — respondeu Charlbury soturnamente.

— Nem um pouco! Augustus não quer ser secretário de ninguém, pois sua alma está acima de assuntos mundanos como, por exemplo, dedicar-se a algo rentável. Apontei-lhe o seu futuro provável da maneira mais encantadora imaginável! Amor e uma cabana, você sabe, e uma dúzia de crianças esfaimadas balbuciando à sua volta.

— Você é uma jovem enigmática! — exclamou o lorde, olhando-a bastante divertido. — Esse quadro deixou-o consternado?

— É claro que deixou, mas ele é muito cavalheiro e agora já se conformou com o projetado casamento. Que eu saiba, ele talvez esteja planejando fugir para a fronteira.

— O quê? — exclamou Lord Charlbury.

 

— Oh, não tenha receio! Cecília é bem adulta para concordar com algo tão escandaloso! Vamos dar um galope! Não vamos chamar atenção, parece haver unicamente babás no parque esta manhã. Santo Deus, enganei-me redondamente! Lá está Lord Bromford e seu robusto cavalo! É preciso que eu lhe informe que Lord Bromford saiu do baile por volta da meia-noite, porque a madrugada é prejudicial a sua saúde. Agora precisamos galopar ou ele se reunirá a nós e nos falará sobre a Jamaica!

Precipitaram-se pela pista, Salamanca sempre à frente do cavalo cinzento com rabo de rato de Charlbury. O jovem não escondeu o entusiasmo.

— Por Deus, que cavalo excelente! — disse ele. — Não sei como consegue controlá-lo, senhora! Afinal, ele não é forte demais para uma moça?

— Não nego, mas possui maneiras encantadoras, compreende. Agora podemos nos conduzir com mais sobriedade! Você poderia me contar se ainda deseja casar-se com minha prima? Pode me censurar, se isso lhe aprouver!

Ele respondeu, um tanto pesaroso:

— Vai me considerar desprezível se eu lhe disser que sim?

— De modo algum. Seria um tolo se fizesse render demais o que aconteceu ontem à noite. Mas considere uma coisa! Em vez de primeiro revelar seu interesse a Cecília, você foi pedir permissão a meu tio para fazer-lhe a corte...

— É costume proceder assim! — ele respondeu.

— Pode ser uma atitude formalista, mas é também uma tolice imaginável, principalmente quando se pretende contrair caxumba antes mesmo de pedir a moça em casamento!

— Penso que seria inútil assegurar-lhe que eu não pretendia contrair caxumba! E tinha motivos para acreditar que meu pedido de casamento não seria desagradável a Cecília.

— Creio que a disposição dela para com você era favorável — concordou Sophy cordialmente. — Mas então ela ainda não havia visto Augustus Fawnhope. Na verdade, ela o conhecia, mas parece que na ocasião ele tinha o rosto coberto de espinhas e ninguém poderia supor que ela fosse apaixonar-se por ele.

— Não acho esse pensamento muito confortador, Srta. Stanton-Lacy.

— Chame-me Sophy! Todos me chamam assim, e acho que vamos nos tornar amicíssimos.

— Vá... vamos? — ele indagou. — Bem, estou encantado por ouvi-la dizer isso, é claro!

Ela riu.

— Oh, por favor. Não fique alarmado! Se ainda quer casar-se com Cecília — e devo lhe dizer que embora eu pensasse o contrário, antes de conhecê-lo, agora cheguei à conclusão de que você seria muitíssimo conveniente —, vou mostrar-lhe exatamente como deve proceder da qui para a frente.

Ele não pôde deixar de sorrir.

— Fico-lhe muito grato! Mas se ela ama o jovem Fawnhope...

— Por favor, queira refletir por um momento! — atalhou ela, séria. — Pense apenas como aconteceu! Nem bem se declarou a meu tio, você contraiu uma doença ridícula. E ela foi informada que deve ria tornar-se sua esposa... Muito antiquado e, sobretudo, imprudente... E ao mesmo tempo surge Augustus Fawnhope, que parece, você deve admitir, um príncipe de conto de fadas — e então ele despreza todas as pobres mulheres que estavam procurando conquistá-lo e se apaixona pela beleza de Cecília! Meu caro senhor, ele escreve poemas em louvor a Cecília! Ele a chama de ninfa e diz que seus olhos envergonham as estrelas... e todo esse tipo de coisa!

— Santo Deus! — exclamou Lord Charlbury.

— Exatamente! Portanto, não pode admirar-se de ela ter ficado arrebatada. Ouso afirmar que você jamais teria pensado em chamá-la de ninfa!

— Srta. Stanton... Sophy! Mesmo para merecer Cecília, não sei escrever poesia, e se soubesse, macacos me mordam se eu faria tal... Bem, de qualquer modo, não tenho vocação para isso!

— Oh, não, não deve tentar eclipsar Augustus nesse aspecto! — declarou Sophy. — Sua força consiste em ser exatamente o tipo de homem que arranjaria uma liteira para alguém se começasse a chover.

— Como disse?

— Não arranjaria? — ela perguntou, virando a cabeça para olhá-lo com as sobrancelhas erguidas.

— Creio que sim, mas...

— Creia-me, decididamente isso é mais importante do que aprimorar um verso! — disse-lhe. — Augustus é totalmente inepto. Sei disso porque, lamentavelmente, ele se revelou um fracasso nos Chelsea Gardens. Pensei que ele fosse outro tipo de homem, razão pela qual o fizacompanhar Cecília e a mim até lá, certo dia, quando ameaçava chover. Nossos vestidos de musselina ficaram ensopados, e acho que teríamos morrido de pneumonia se um dos meus velhos amigos não tivesse providenciado um coche de aluguel para nos levar a casa. Pobre Cecy! Ela quase ficou zangada com Augustus!

Ô lorde desatou a rir.

— O Major Quinton só falou a verdade a seu respeito! — declarou. — Já estou até assustado com você!

Ela sorriu, mas disse:

— Não se assuste, só pretendo ajudá-lo.

— Pois é o que me assusta.

— Tolice! Está tentando zombar de mim... Já sabemos que vocêpode providenciar uma liteira durante uma tempestade; também sou de opinião que quando você convidar um grupo para jantar no Piazza, os garçons não tentarão lhe impingir uma mesa com corrente de ar.

— Não — ele concordou, olhando-a com expressão fascinada.

— É claro que Augustus não está em condição de nos convidar para jantar no Piazza, porque minha tia certamente não permitiria que aceitássemos; contudo, certa vez, ele nos ofereceu chá aqui, no parque, e pude ver que ele é exatamente o tipo de homem a quem os garçons servem por último. Estou certa de que posso confiar em você para cuidar que tudo corra sem a mínima dificuldade quando nos convidar para um teatro seguido de jantar. É claro que será obrigado a convidar minha tia também, mas...

— Pelo amor de Deus! — ele interrompeu. — Na situação em que estamos, você imagina que Cecilia consentiria em participar de uma festa oferecida por mim?

— Por certo que imagino — ela respondeu friamente. — Ainda mais: você convidará também Augustus.

— Não, eu não farei isso! — ele declarou.

— Então será um grande tolo. Precisa entender que Cecilia se sentiu impelida a anunciar que pretende casar-se com Augustus! Você não estava lá para cativar seu afeto; Augustus, com suspiros, dizia versos para a sua sobrancelha esquerda; e para finalizar, meu primo Charles comportou-se da maneira mais tirânica, ao proibi-la de pensar em Augustus e mandando-a claramente casar-se com você! Asseguro-lhe, teria sido maravilhoso se ela não se visse forçada a fazer o que fez!

Por alguns momentos, ele cavalgou em silêncio ao lado dela, sua expressão carrancuda aparecendo entre as orelhas do cavalo.

— Compreendo — disse ele finalmente. — Pelo menos... Bem, de qualquer modo você não me aconselhou a perder as esperanças!

— Não creio — disse Sophy honestamente — que algum dia venha a aconselhar alguém a perder as esperanças, pois considero isso uma conduta covarde!

— O que me aconselha a fazer? — perguntou ele. — Pareço estar inteiramente em suas mãos!

— Retire o seu pedido! — declarou Sophy.

Ele lançou-lhe um olhar penetrante.

— Não! Pretendo fazer uma investida violenta...

— Esta tarde você fará uma visita a Berkeley Square — disse Sophy, com a máxima paciência — e solicitará o favor de alguns minutos a sós com Cecilia. Quando estiver com ela...

— Eu não a verei. Ela se negará a me receber! — replicou ele, com amargura.

— Ela o verá, porque lhe direi que deve fazer isso. Gostaria que não ficasse me interrompendo! — Ele pediu humildemente perdão, e Sophy continuou: — Quando estiver com ela, diga-lhe que não deseja constrangê-la, que nunca mais vai mencionar o assunto casamento. Será extremamente nobre, e Cecilia sentirá que você está solidário com ela; e se puder também transmitir-lhe a impressão de que tem o coração partido, por mais que se esforce para esconder isso, tanto melhor!

— Sou de opinião que o Major Quinton atenuou flagrantemente os fatos! — declarou Lord Charlbury, emocionado.

— Provavelmente. Os cavalheiros jamais conseguem perceber quando uma ténue duplicidade é necessária. Não tenho dúvida de que se eu o deixasse agir por conta própria, você iria enfurecer-se e usar uma linguagem irritada diante de Cecilia, tudo acabaria em discussão, e você acharia praticamente impossível até mesmo visitar a casa! Contudo, se ela observar que você não desempenha nenhum papel trágico, ficará muito satisfeita de vê-lo quantas vezes você quiser aparecer em Berkeley Square.

— Como posso fazer visitas a Berkeley Square se ela está noiva de outro homem? Se você imagina que concordo em representar o papel de pretendente desprezado na esperança de despertar a piedade de Cecília, nunca esteve mais enganada! Melhor ser um cão fraldiqueiro.

— Muito melhor — replicou Sophy. — Você aparecerá em Berkeley Square para me ver. Você não pode demonstrar que, de repente, transferiu seu interesse para a minha pessoa, é claro, mas seria um excelente começo se criasse uma oportunidade, hoje, de contar a Cecília o quanto você me acha engraçada e divertida.

— Sabe de uma coisa — disse ele, sério —, você é a mulher mais surpreendente que já tive a sorte de conhecer. Observe que não disse boa ou má sorte, pois ainda não faço a mínima ideia do que será!

Ela riu.

— Mas fará o que lhe disse?

— Farei — ele respondeu. — O máximo que permitir minha medíocre capacidade. Contudo, gostaria de conhecer a extensão do negro esquema que você está revolvendo na mente.

Ela virou a cabeça para fitá-lo, seus expressivos olhos questionando, e, ao mesmo tempo, achando válida a irónica observação.

— Mas eu já lhe disse!

— Tenho uma vaga ideia de que há algo mais do que você me disse.

Parecia maliciosa, mas limitou-se a sacudir a cabeça. Chegaram novamente ao Portão Stanhope, e ela fez parar o cavalo puxando a rédea, e estendeu a mão.

— Preciso ir agora. Por favor, não tenha medo de mim! Nunca faço mal às pessoas... realmente não faço! Adeus! Por volta das 16 horas, não esqueça!

 

 

 

 

C O N T I N U A