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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A IRMÃ DA NOIVA / Kay Thorpe
A IRMÃ DA NOIVA / Kay Thorpe

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Faltava apenas meia hora para encerrar o expediente. Por isso, a oportunidade de entrar mais algum cliente era pequena, calculou Claire Marcroft. Não fora o pior dia para o comércio, mas estava longe de ter sido o melhor.

O tempo era o principal responsável. As pessoas não se animavam a sair de casa com chuva. Junho fora um desastre total naquele ano. Esperava que em Julho ou Agosto as vendas melhorassem. Caso contrário, ficaria com um grande stock de roupas de Verão encalhadas, algo que a fazia adoecer só de pensar. Doía-lhe o pescoço, pois estivera debruçada sobre o livro da contabilidade até tarde no dia anterior. Passou a mão pela nuca, tentando relaxar um pouco.

Nada a impedia de fechar o estabelecimento um pouco mais cedo uma única vez, decidiu Claire, deixando de lado os seus problemas. Jill, a sua irmã, deveria estar a chegar da visita à amiga, em Buxton, e com certeza estaria faminta. Seria demais esperar que ela fizesse o próprio jantar, claro. Cozinhar não era o forte da irmã, como várias vezes comprovara.

Na verdade, no que se referia aos trabalhos domésticos, Jill era um desastre total, reflectiu Claire com humor. Também não era o seu passatempo preferido, mas achava que devia assegurar à irmã mais nova quetudo estivesse disponível. Tendo acabado de fazer os exames finais, Jill tinha direito a algumas semanas de descanso antes de começar a faculdade. As suas notas tinham sido suficientemente boas para lhe assegurar um lugar em Warwick, embora Jill tivesse passado várias noites fora, com os amigos, em vez de estar a estudar. Com apenas seis anos de diferença entre as duas, não era fácil impor as regras.

 

 

                             

 

 

Claire ia colocar a placa ”Fechado” na porta quando avistou um homem a vir na sua direcção. Apenas há duas semanas atrás, a empregada de uma loja vizinha fora atacada por um ladrão, que ainda não tinha sido preso. Os danos foram mais emocionais que físicos, mas o malfeitor levara todo o dinheiro do dia e deixara a mulher muito assustada e traumatizada.

 

Vestindo um casaco de lã e calças impecáveis, aquele homem não parecia um assaltante, pensava Claire, tentando manter o auto-controlo. Decerto estaria à procura de um presente para a esposa.

 

- Eu já estava a fechar - informou Claire, assim que ele abriu a porta.

 

- És a Claire Marcroft?

 

- Sim, sou eu - ficou desconcertada com a brusquidão da pergunta. - Em que posso ajudar-te?

 

- Há um lugar onde possamos conversar?

 

- No escritório. Mas eu não sei sobre o que...

 

- Sugiro que vamos para lá.

 

- Sugiro que primeiro me digas o que fazes aqui Claire encarou-o, irritada, porém, mantendo certo grau de compostura. - Senhor...

 

- Ross Laxton - observando uma mudança no rosto dela, uma irónica linha apareceu na sua forte expressão. - Vejo que o nome te diz algo.

 

- Li um artigo a teu respeito no jornal algumas semanas atrás. Havia uma fotografia também. És o presidente da Incorporação HR.

 

- Não te lembras de mais nada? Claire hesitou, confusa.

 

- É a respeito do aluguer da loja? Afinal, a tua empresa é proprietária deste bairro todo.

 

- Não trato desses pormenores.

 

- Não, claro que não - Claire ficou embaraçada com a gafe. - Então, o que desejas?

 

Ross observava-a, estudando os leves traços do seu rosto, os olhos verdes, o nariz pequeno e os lábios generosos. Claire corou sob o olhar penetrante, sentindo-se indignada com a atitude daquele estranho.

 

- Tu e a tua irmã são muito parecidas? - perguntou Ross, surpreendendo-a, pois aquela seria a última coisa que poderia esperar que ele dissesse.

 

- Fisicamente, apenas - respondeu, sem pensar. Confusa, começou a perguntar-se como é que ele saberia que tinha uma irmã.

 

- Os vossos pais já faleceram, não é?

 

Claire sentiu a garganta seca. Mesmo depois de tanto tempo, a dor ainda era muito grande.

 

- Eles morreram num acidente de carro há quatro anos. Ainda não entendi o que é que isto tem a ver contigo.

 

- Quantos anos tinhas na época? - continuou ele, ignorando a observação de Claire.

 

- Vinte. Mas não vejo...

 

- Jovem demais para te responsabilizares por uma garota de catorze anos sozinha, não achas? Ainda mais nos dias de hoje.

 

- Não havia mais ninguém - Claire já estava a começar a perder o controlo. - Queres, por favor, explicar-me o que se passa?

 

Ross inclinou a cabeça, com a expressão séria.

 

- Como parece que a tua irmã não te contou, farei isso por ela - respirou fundo. - A Jill está grávida.

 

Chocada, Claire foi incapaz de falar por alguns segundos. Só conseguia fitar aqueles olhos sombrios.

 

- Deves estar a falar com a pessoa errada! Ross deu uma gargalhada sem graça.

 

- Duvido que existam duas Jill Marcroft na cidade e que ainda por cima tenha uma irmã que possua uma loja na High Street.

 

Confusa, Claire perguntou com rudeza:

 

- E tu és o responsável? Ross estreitou os lábios.

 

- Não tenho o costume de me envolver com meninas com quase metade da minha idade.

 

- Então, quem é o suposto pai?

 

- O meu irmão mais novo. E ”suposto” é uma palavra que se encaixa muito bem.

 

- Espera aí! Estás a dizer que a minha irmã está grávida, mas o teu irmão pode não ser o único responsável?

 

- Estou a dizer que há margens para dúvidas.

 

- Sai daqui! - a face de Claire estava rubra, os olhos brilhavam como duas esmeraldas. A mão, que apontava em direcção à porta, estava pronta para esbofeteá-lo. - Desaparece!

 

Se Ross percebeu o perigo de um ataque físico, não permitiu que isso o detivesse. Não se moveu.

 

- Por trazer más notícias, não esperava ser recebido de braços abertos, mas acho que não seria bom para nenhum de nós se nos agredíssemos. Quanto antes encarares a verdade, mais cedo poderemos procurar a solução.

 

- Não há nada para solucionar, Ross Laxton! Não acredito numa só palavra!

 

- Parece haver poucas dúvidas sobre a gravidez. É o envolvimento de Scott que quero aqui discutir. Ele é um rapaz ingénuo.

 

Claire suspirou, tentando conter os seus impulsos. Não podia ser verdade, disse a si mesma. ”Deve haver algum engano!”

 

- Supondo que não estejas a mentir, quando é que esse... namoro começou? - perguntou ela, ainda com esperança de haver um engano.

 

Ross encolheu os ombros.

 

- De acordo com o Scott, desde Maio.

 

- Isso torna tudo mais impossível! Jill ainda estava na escola nessa época.

 

- Na escola, talvez, mas, pelos vistos, não com a cabeça nos estudos. De qualquer modo, porque é que ele mentiria sobre isto?

 

- Não conheço o teu irmão, não tenho a mínima ideia do motivo que o levaria a fazê-lo. A única coisa que tenho certeza é de que, se a Jill namorasse com ele ou com qualquer outra pessoa, eu teria sabido.

 

Os olhos cinzentos mostravam incredulidade.

 

- Estás a tentar dizer que ela nunca teve um namorado antes?

 

- Nada disso. Mesmo porque, a Jill é uma rapariga muito bonita e popular.

 

- Mais razão me dás. Claire fitou-o.

 

- Estás a sugerir que...

 

- não conheces a tua irmã tão bem como achas. Ela ficou em silêncio por um momento. Se aquela história fosse verdade, Ross teria razão. Jill andava muito calada. Claire julgara que estivesse ansiosa com os resultados dos exames finais, mas agora as coisas tinham mudado de figura. ”Grávida!”

 

- O teu irmão nega a responsabilidade? - perguntou Claire, esforçando-se por manter a calma.

 

- Pelo contrário. Scott está pronto a assumir o que fez.

 

- Quer dizer... casar-se?

 

- Isso mesmo.

 

- E tu não estás de acordo, não é?

 

- O Scott só tem vinte e dois anos. A última coisa que precisa agora é de estar preso a uma mulher e um filho.

 

- Acho que ele já é suficientemente adulto para decidir por si mesmo.

 

Os olhos cinzentos mostravam-se implacáveis.

 

- De modo algum. Além disso, não é só com o futuro dele que estou preocupado. O meu pai sofreu um derrame cerebral há poucos meses. Um casamento inesperado poderia acabar com ele.

 

Claire não se esforçou por aparentar simpatia.

 

- Queres dizer que és o único da tua família que sabe o que está a acontecer?

 

- Sim. O Scott só me contou há poucas horas atrás. Achei que seria melhor vir falar contigo aqui em vez de ir à tua casa.

 

- O que esperas de mim? - Claire mordeu o lábio.

- Acusaste a minha irmã de ser promíscua. Esperas que eu confirme isso?

 

- Estás a colocar palavras na minha boca.

 

- Não acho. Deixaste a tua opinião muito clara. O teu irmão sabe que estás aqui?

 

- Não. Vim por conta própria, para tentar encontrar alguma solução.

 

- Como o quê? Uma oferta de dinheiro, talvez? Pelo olhar que ele lhe lançou, Claire percebeu que acertara no alvo. Daquele momento em diante, teve de se esforçar ao máximo para não o agredir.

 

- Acho que é melhor ires-te embora - disse, com voz baixa e firme.

 

Os lábios sensuais curvaram-se ao perceber que errara na táctica.

 

- Tudo bem, dinheiro não é a resposta certa. Mas, com certeza, concordas que o casamento, sob estas circunstâncias, seria um enorme erro.

 

- Não sei o que pensar. Nem estou convencida do facto ainda. Porque é que deveria acreditar no que dizes?

 

- As palavras não são minhas, são do meu irmão. Duvido que Scott fosse criar tal situação só para se divertir.

 

Claire também pensava assim. Que homem faria isso? Sentia-se em total confusão.

 

- Sugiro que converses com a tua irmã sobre o assunto, menina Marcroft. Amanhã, o Scott e eu iremos à tua casa e decidiremos juntos o que fazer.

 

Claire assentiu, pois protestar seria perda de tempo. A sua prioridade agora era ir para casa e falar com Jill.

 

Satisfeito com os planos, Ross partiu, deixando Claire atordoada.

 

Se o que ele lhe dissera fosse verdade, e parecia haver pouca possibilidade de não ser, o que aconteceria aos dois jovens? Jill tinha uma vida inteira pela frente, estava prestes a entrar para a universidade. Com ou sem casamento, ela era jovem demais para ser mãe.

 

A chuva cessara, embora a rua ainda estivesse molhada quando Claire saiu. Vestindo a sua capa de chuva, trancou a porta da loja e caminhou até ao local onde estacionara o seu carro, um pequeno Fiat vermelho. Já com seis anos de uso, o automóvel estava longe de estar em boas condições, mas pelo menos não lhe dava grandes despesas, considerando todas as dívidas que já tinha.

 

Claire pôs o veículo em movimento, procurando raciocinar com objectividade. Apesar de Scott Laxton estar disposto a ”fazer a coisa certa”, o casamento não era a única solução. Jill podia não querer casar com Scott. Não seria fácil educar uma criança sozinha, mas Scott poderia ajudar. Pelo menos, já não havia preconceitos contra mães solteiras nos dias de hoje.

 

Poderia até ser um alarme falso. Claire esperava que fosse. Oh, como rezava para que nada daquilo fosse verdade!

 

Em direcção ao subúrbio, onde ela e Jill moravam desde pequenas, Claire agradeceu por não haver trânsito intenso àquela hora. Estava com pressa.

 

O valor do seguro e algumas economias deixadas pelos seus pais tinham sido suficientes para pagar a hipoteca da casa e para Claire abrir a loja, além de financiar os estudos de Jill.

 

A residência não era grande, mas era rodeada por um enorme jardim, onde Claire passava a maior parte do seu tempo livre. Adorava cuidar das flores e orgulhava-se da exuberância de cores e perfumes que a recebiam quando chegava.

 

Naquela noite, porém, não teve olhos para o colorido do seus canteiros. Deixou o Fiat na garagem e entrou depressa, respirando fundo antes de abrir a porta da sala.

 

Jill olhou-a sobre a revista que folheava e, de algum modo, Claire achou que estava com uma expressão diferente.

 

- Olá, Claire. Tiveste um bom dia?

 

- Não muito - hesitou, e então decidiu ir adiante. Era o único modo. - Recebi a visita de Ross Laxton esta tarde.

 

Se ainda havia alguma dúvida quanto à veracidade da história, ela desfez-se de imediato com o olhar que surgiu na face da jovem irmã.

 

- Ele não tinha o direito de interferir! - exclamou, com raiva. - Eu mesma ia contar-te hoje.

 

Claire passou a mão pelo cabelo, puxando-o para trás, na tentativa de conter os seus impulsos.

 

- Porque é que eu nem ao menos sabia que saías com o Scott Laxton? Porquê todo este segredo, Jill?

 

- Porque eu sabia como tu reagirias. Os meus exames tinham prioridade, não é? Nunca te importaste com o que quero.

 

- Pensei que entrar na faculdade era o que tu querias - Defendeu-se Claire.

 

- Nunca me perguntaste. Tu decidiste até para que universidade eu deveria entrar.

 

- Nós decidimos juntas. Tu nunca... - Claire interrompeu-se, tentando controlar-se. - Não é hora de discutirmos sobre isso. Quando descobriste que estavas grávida?

 

- Há uma semana - Jill esboçou um sorriso maravilhoso.

 

- Não há oportunidade de estares errada?

 

- Já fiz dois testes.

 

- Mas ainda não foste a um médico?

 

- O Scott está a tratar disso. Vamos casar, independente do que qualquer pessoa diga, Claire! Nós amamo-nos!

 

Claire sentou-se na cadeira mais próxima, concentrando-se em encontrar um modo de quebrar a barreira entre ela e a irmã.

 

- Como é que se conheceram? - foi o tudo que conseguiu perguntar.

 

- O Scott gosta de discotecas. É um dançarino espectacular!

 

Uma típica apreciação de adolescente, pensou Claire, desiludida, lembrando-se da época em que achava tal talento muito importante.

 

Jill ainda era jovem demais em vários aspectos.

 

- Sabias que ele ia contar tudo ao irmão? - perguntou, observando a expressão de Jill ficar tensa de novo.

 

- O Scott faria isso esta tarde, assim que chegasse a casa.

 

- Estiveram juntos esta manhã?

 

- Sim - a irritação retornara. - O Scott levou-me a Buxton, portanto não menti.

 

- E isso torna tudo mais correcto, não é?

 

Claire repreendeu-se por deixar tal futilidade atrapalhar a conversa. O que estava feito, feito estava. O que importava naquele momento era resolver a situação da melhor forma possível.

 

- Parece que o Ross Laxton não vê o casamento como a melhor solução, Jill. Não sei se concordo com ele.

 

- Não serás tu nem ele quem decidirá! Eu e o Scott temos idade suficiente para sabermos o que queremos!

 

- Idade, talvez, mas há outros factores a ser levados em consideração.

 

- Como o quê? - agora em pé, com o rosto vermelho, os olhos verdes a brilhar, Jill encarou-a, pronta para um confronto. - Preferes que eu não tenha a criança?

 

- Não, claro que não! Há outras alternativas.

 

- Como entrar para o número das mães solteiras, por exemplo?

 

Mais escuros que os de Claire, os cabelos de Jill deslizavam sobre os seus ombros enquanto movia a cabeça com ênfase.

 

- Scott não concordaria com isso, mesmo que essa fosse a minha vontade. Ele quer este bebé. Nós dois queremos.

 

- Vocês são jovens demais para saberem o que querem!

 

- Scott já não é nenhum miúdo. Tem vinte e dois anos - pelo modo como Jill falou, ficou claro que achava esse facto suficiente para lhe garantir maturidade. - Se é com dinheiro que estás preocupada, não é preciso. Ele pode manter uma família. Tem investimentos deixados pela avó em seu nome e também uma parte da empresa.

 

- Eu não tinha ido tão longe - Claire hesitou, ao observar a expressão rebelde da irmã. - Achas que sentirias o mesmo por Scott se fosse um homem comum, um trabalhador?

 

- Claro que sim! Eu amo-o, e não ao dinheiro dele! - Jill fez um gesto dramático. - Tu também vais gostar dele, Claire. Sei que vais!

 

”Scott terá de ser bem diferente do irmão para que isso aconteça.”

 

- Ross Laxton virá aqui com o irmão amanhã, e duvido que a sua posição mude durante a noite.

 

- O Scott virá esta noite, Claire. Ele quer conhecer-te.

 

- Depois de te deixar sozinha para me contar a novidade?

 

- Eu quis assim. Ele não é covarde!

 

- Tenho a certeza que é um modelo de virtudes! Claire arrependeu-se de imediato da brincadeira. Qualquer que fosse a sua opinião, não conseguiria influenciar Jill. - A que horas virá?

 

- Disse-lhe para vir perto das sete. O Scott ainda não terá jantado, pois na casa dos pais o jantar só é servido após as oito.

 

Claire pensou na resposta de Jill. Já eram cinco e meia. Fez um rápido apanhado do que possuía na despensa. Havia meia dúzia de trutas, que lhe dera o seu vizinho, no congelador. Podia assá-las directamente no micro-ondas.

 

Tinha feito uma salada antes de ir para a loja pela manhã e descascara batatas, que pretendia assar para o jantar. Uma tarte de maçã e um creme para acompanhar o peixe seriam suficientes.

 

- Então é melhor mexermo-nos - Claire levantou-se, deixando o assunto de lado. - Talvez fosse bom ires pondo a mesa.

 

- Certo! - Jill moveu-se com tal presteza que Claire não pôde deixar de exibir um sorriso irónico.

 

Claire seguiu para a bem equipada cozinha para iniciar a preparação do peixe. As trutas não eram grandes e, com certeza, seriam um pobre substituto para os pratos que deveriam ser servidos na casa dos Laxton, mas não se preocuparia com aquilo. Temperou-as com limão e pimenta e colocou-as no forno.

 

Ainda não podia acreditar que aquilo estivesse a acontecer. E pensar que, ha uma hora atrás, a sua maior preocupação era com as finanças!

 

Pensou em abrir uma garrafa de vinho, mas achou que seria um exagero. Afinal, aquele jantar não era nenhuma celebração.

 

Jill utilizara os talheres de prata, observou Claire ao verificar se a sala de jantar estava pronta. Tinha também colocado uma toalha bordada sobre a mesa e, no centro, um arranjo de flores. Estava óptima, teve de admitir Claire.

 

O som do carro a estacionar à frente da casa chamou a sua atenção, e Claire foi espreitar pela janela. Grande e prateado, o Mercedes escondeu o pequeno Fiat.

 

Claire sentiu o coração disparar, condoído, quando viu quem saiu do carro. A chegada de Ross parecia significar que Scott não viria. O que diria a Jill?

 

Claire sentiu um certo alívio ao ver que a porta do passageiro também se abrira e um jovem saíra. Pela semelhança entre os dois, aquele era, sem dúvida, Scott.

 

Os dois caminharam em direcção à porta. Ross era um pouco mais alto, tinha o corpo mais másculo, mais forte. Vestia um elegante casaco de malha e calças de lã. Ambos tinham o mesmo estilo casual.

 

Claire ficou renitente ao vê-los a aproximar-se. O que quer que fosse acontecer, teria de ser encarado de frente. Ao ouvir o som da campainha, Jill saiu do quarto, apressada.

 

- Ele chegou! - exclamou, excitada. - Eu abro.

 

- O Scott não veio sozinho, Jill. Trouxe o irmão. O bom-humor dela não se alterou.

 

- Então, temos de colocar mais um lugar na mesa. Havia comida suficiente para quatro, previu Claire, embora não conseguisse imaginar Ross Laxton a compartilhar uma refeição ao lado delas. Só podia haver uma razão para ter decidido acompanhar o irmão naquela noite, em vez de esperar até ao dia seguinte, como tinham combinado. Viera para confirmar que não fizera ameaças vãs.

 

Claire permaneceu onde estava enquanto Jill foi recebê-los. O casamento poderia ser ou não a melhor solução, mas, se era mesmo o que os dois queriam, então ela lutaria, com unhas e dentes, pelo direito de tomarem as suas próprias decisões.

 

Com as feições menos vigorosas que as do irmão, embora não menos cativante, Scott pedia desculpas a Jill por ter trazido Ross:

 

- Não foi ideia minha. Nem o que aconteceu esta tarde.

 

- Foi minha, em ambos os casos - confessou Ross.

 

- Não vi razão para esperar até amanhã.

 

Claire ignorou-o, toda a atenção voltada para o jovem rapaz.

 

- Não vou fingir estar feliz com tudo isto, Scott, mas não pretendo condenar-te. Poderemos conversar enquanto comemos. Está quase pronto. Aceitam um aperitivo antes?

 

- Não queremos incomodar - respondeu Ross, antes de Scott ter tempo de falar.

 

- Costumamos jantar neste horário e não vejo razão para mudar a nossa rotina - Claire virou-se em direcção à cozinha, completando, por cima do ombro:

 

- Tenho que pôr outro lugar na mesa. Leva-os para a sala de estar, Jill.

 

Sozinha na sala de jantar, Claire parou um minuto para se recompor antes de pegar na louça e nos talheres extra. Não seria um encontro fácil, reflectiu.

 

Os pratos estavam no antigo armário de carvalho, que a sua mãe adquirira nos antiquários que costumava frequentar. Nenhum dos móveis da casa tinha valor como antiguidade, mas cada um deles fora escolhido com amor e bom gosto.

 

A sua mãe sempre dizia que se apaixonara por aquela casa desde o momento em que a vira pela primeira vez. Tanto ela quanto o marido tinham sido muito felizes ali. ”Os meus pais saberiam como agir nesta situação.”

 

Claire sentiu que aqueles pensamentos estavam a deprimi-la e procurou afastá-los. Tinha de dominar a situação, considerando, em primeiro plano, a felicidade de Jill. Ross Laxton que se preparasse!

 

Ao entrar na sala de estar, os três estavam sentados em frente à lareira. Jill e Scott, juntos num sofá, de mãos dadas, expunham um ar de desafio. Ross, numa poltrona, parecia um peixe fora de água. Não havia nenhum copo com bebidas à vista, e Claire não tornaria a oferecer.

 

- Se quiserem vir... O jantar está servido.

 

Ross foi o primeiro a levantar-se, enchendo a sala com a sua forte presença.

 

- Vamos! - ele convidou o casal com olhar simpático. - Cheira muito bem!

 

Estava a esforçar-se ao máximo para agir com naturalidade, pensou Claire. Bem, ela também podia entrar naquele jogo. Esboçou um sorriso amigável.

 

- Espero que esteja tão saboroso como cheira.

 

- Tenho a certeza disso - afirmou Ross.

 

Jill e Scott levantaram-se, surpresos com o diálogo fácil dos seus irmãos.

 

- Foi muito gentil da tua parte, Claire - disse Scott. - Ainda mais considerando o choque que deves ter sofrido pelo modo como soubeste da gravidez de Jill - olhou com irritação para o irmão.

 

- Peço desculpas - apressou-se Ross. - Eu também estava em estado de choque e não pensei no que estava a fazer.

 

Claire respondeu ao olhar fixo de Ross com expressão superior. Se ele pensava que tal táctica a desarmaria, estava muito enganado. O seu julgamento precipitado de que Scott não tinha sido a única experiência sexual de Jill marcou-a profundamente. Não esqueceria aquele insulto com facilidade.

 

- Tenho a certeza de que estavas chocado - afirmou ela, calma. - Podemos esquecer isso por um momento? Vamos jantar?

 

Dirigiu-se à sala contígua e sentiu que Ross estava logo atrás, perto demais para o seu gosto. Indicou um lugar para ele se sentar, em frente ao seu. Jill e Scott também se acomodaram um diante do outro. Bastava vê-los juntos para perceber que tinham o mesmo sentimento. Scott era muito diferente do que imaginara após ter conhecido Ross. Existiam semelhanças na aparência, mas a personalidade dos dois irmãos era muito diferente.

 

Claire não fez cerimónia, deixando-os à vontade para se servirem.

 

Durante a refeição, a conversa foi superficial. Claire procurava acalmar-se e acreditar que Ross mudara de ideia, mas sabia que um homem como ele não costumava agir assim. Portanto, a guerra ainda estava por vir.

 

- Parabéns, Claire! As trutas foram preparadas na perfeição.

 

- Fiz tudo no micro-ondas, Ross - explicou Claire, incapaz de aceitar elogios sob falsa pretensão. - A tecnologia tem as suas vantagens.

 

- Sobretudo quando temos convidados inesperados - brincou ele. - De qualquer maneira, está óptimo. Poucas pessoas sabem usar o micro-ondas tão bem.

 

Claire resolveu mudar de assunto e tomou a iniciativa antes que ele o fizesse:

 

- Bem, não estamos aqui para conversar sobre culinária, não é?

 

- Não, não estamos. O meu irmão resolveu andar com rodeios. Pára com isso, Ross!

 

Os olhos cinzentos não deixavam transparecer o que lhe passava pela cabeça.

 

- Está certo, Scott, então vamos ao assunto. Descartada a hipótese de casamento, tenho a certeza de que encontraremos outra solução que deixará todos satisfeitos.

 

- Se estás a falar em dinheiro, esquece! - Jill estava bastante exaltada, com as faces a queimar de raiva. - E se pensas que concordarei em não ter o bebé, estás muito enganado! Ouviste?!

 

- Imagino que todos os vizinhos também - respondeu Ross, com ironia. - Vamos tentar ser racionais e sensatos, está bem?

 

- Já te disse o que faremos, Ross - disse Scott com seriedade. - Não preciso da tua aprovação!

 

Ross encarou-o por um momento.

 

- Já consideraste o que essa notícia causará ao nosso pai?

 

- Isso é chantagem emocional! - os olhos do jovem rapaz brilhavam de indignação. - Não precisamos de lhe contar sobre o bebé, por enquanto, se esse é o problema. Diremos apenas que irei casar.

 

- E onde pensas fazer isso?

 

Scott trocou um olhar com Jill, como que a pedir confirmação de um prévio acordo.

 

- No cartório, é claro. Ross sorriu, sarcástico.

 

- E achas que o papá não perguntará porquê? O derrame afectou as suas funções motoras, não a capacidade de raciocínio. Ele ainda sabe somar dois mais dois.

 

- Há possibilidade de ocorrer outro derrame? perguntou Claire. - Quero dizer, os médicos disseram que deve ser poupado de situações que possam aborrecê-lo?

 

- Quem teve um corre sempre o risco de ter outro. Qualquer tolo sabe disso.

 

Claire mordeu o lábio. Falara sem pensar, pretendendo só acalmar os ânimos.

 

- Deves cativar muitos amigos dessa forma - disse ela, sem se preocupar em ser amável.

 

- Foi um modo de falar, nada pessoal. Scott moveu-se, impaciente.

 

- Escuta, assim não chegaremos a lugar nenhum virou-se para Claire, com determinação. - Estás ou não do nosso lado?

 

- Estou - respondeu, com firmeza. Scott sorriu, parecendo aliviado.

 

- Obrigado.

 

- Parece que estou em minoria - disse Ross, resignado.

 

Claire lançou-lhe um olhar desconfiado. Ele aceitara com muita facilidade para alguém tão contra o casamento. Agora, comprometida com Jill e Scott, deixaria as dúvidas de lado e não permitiria que Ross estragasse os planos do jovem casal.

 

Levantou-se para tirar os pratos, evitando o contacto com os longos dedos de Ross quando ele lhe entregou o seu. As mãos eram bem tratadas, a pele bronzeada, as unhas bem cortadas. Do que eram capazes, ela não queria nem imaginar.

 

- Levarei as travessas - ofereceu-se Ross, levantando-se. Ao notar que Claire hesitava, olhou-a com ar interrogativo. - Algum problema?

 

Ela abanou a cabeça, incapaz de recusar a ajuda. Se Ross imaginava que poderia persuadi-la quando estivessem sozinhos, estava muito enganado. Não poderia, nem iria, voltar atrás na sua decisão. De que adiantaria, de qualquer modo? Como Jill dissera, os dois já tinham idade para tomar as próprias decisões e estavam determinados a casar.

 

A cozinha era pequena e Ross deixou-a menor ainda. Colocou as travessas onde ela indicara, mas não fez nenhum gesto imediato de voltar à sala de jantar. Encostou-se no armário, observando-a transferir a tarte de maçã da forma para a travessa.

 

- Foste tu que a fizeste, Claire?

 

- Sim. No forno a gás, desta vez. Os bolos não ficam bons no micro-ondas.

 

- A vida deve ter sido muito difícil para ti nestes anos. Tanta responsabilidade para uma pessoa tão nova! Disseste que não tens outros parentes?

 

- Há um primo da parte da minha mãe, que mora na Nova Zelândia, mas tem a própria família para cuidar - Claire mantinha a voz neutra. - Nós arranjamo-nos.

 

- Talvez consigam manter o pescoço fora de água. Duvido que o teu negócio traga mais dinheiro do que o que necessitam para viver com decência.

 

- Isso depende do que entendes como ”viver com decência”. As nossas necessidades são poucas e simples.

 

- E os teus desejos, as tuas vontades?

 

Claire virou-se para encará-lo, com a travessa apoiada nos braços.

 

- Por acaso estás a sugerir que a Jill esteja interessada no dinheiro do teu irmão?

 

- Ela não seria a primeira.

 

Claire tentou manter a compostura. Não poderia descontrolar-se naquele momento. Não com aquele homem.

 

- Sabia que não aceitarias o casamento com tanta facilidade, Ross Laxton. Estás determinado a não permitir que aconteça, não é mesmo?

 

Os olhos cinzentos não se alteraram.

 

- Quero assegurar o melhor futuro para Scott.

 

- Basta olhar para ele e Jill para ver como estão apaixonados.

 

Os lábios dele curvaram-se.

 

- Achas isso suficiente para que um casamento dê certo?

 

- Penso que é um óptimo começo.

 

- És uma romântica - fez as palavras soarem ofensivas. - E quando a paixão acabar?

 

- Estás a confundir amor com desejo.

 

- Estou a ser realista. A tua irmã é uma miúda adorável. Posso entender porque é que o Scott está tão encantado com ela, mas o que têm eles em comum?

 

- Que mais é preciso? - tentava convencer-se a si mesma. - Jill pode não ter nascido numa família rica, mas também não foi criada na sarjeta!

 

Ross parecia cada vez mais impaciente.

 

- Não é de criação que estou a falar!

 

- Ah, acho que é! Concluíste que ela não se encaixa nos padrões da tua família.

 

Ross observava-a, pensativo, com as mãos nos bolsos das calças, longe de estar tão relaxado quanto deixava parecer.

 

- Para alguém que só ficou a par da situação algumas horas atrás, formaste uma opinião muito depressa, Claire. Talvez estejas a ver vantagens para ti mesma nesta união.

 

Os olhos dela brilharam, os dedos fecharam-se com força ao redor da travessa. Quando conseguiu falar, a voz saiu baixa e rude:

 

- Não preciso, nem quero, nada de vocês! Tudo o que me interessa é ver a Jill realizada. E se o Scott a ama tanto quanto ela o ama a ele, e acredito que sim, então estarei pronta a ajudá-los, custe o que custar.

 

- Sem te importares com o que essa união causará ao meu pai?

 

Claire esquecera-se dele. Parou para considerar a pergunta.

 

- Imagino que será um choque para ele - disse, com cautela. - Sinto muito que tudo isso esteja a acontecer, acredita, mas...

 

- Não tanto quanto eu. Vim aqui esta noite à espera que me pudesses ajudar, mas, pelos vistos, não poderei contar contigo.

 

- Não do modo que queres. Acho que o teu irmão é capaz de decidir sobre a própria vida.

 

- Conheceste-o há menos de uma hora. Não fazes ideia do que o Scott é capaz. A Jill não é o seu primeiro amor.

 

- Estás a dizer-me que não é a primeira vez que o teu irmão se encontra numa situação como esta?

 

- De gravidez não, mas, há pouco mais de um ano, quis casar com uma rapariga de Cambridge.

 

- E mudou de ideia sozinho ou tu tiveste de interferir também? - indagou, com ironia.

 

- Ele percebeu que estava a ser precipitado.

 

- Agora está formado e é auto-suficiente, Ross. Isso faz diferença.

 

- Está mais velho, mas não mais experiente - Ross não cedia um milímetro. - Scott nem sabe ainda o que quer da vida.

 

- Sim, ele sabe - Claire estava determinada a não se deixar influenciar pelos argumentos dele. - O Scott quer casar com a Jill.

 

- E depois?

 

- Depois cabe a ele decidir, não é?

 

- Mas tu dificilmente aceitarias tudo isso se o Scott não tivesse um centavo para sustentar a família.

 

O cinismo fora claro e franco. Tinha certo fundamento, Claire foi obrigada a admitir. Tentou ser o mais honesta possível quando respondeu:

 

- Com um filho na história, o aspecto financeiro tem de ser levado em consideração, é óbvio. Detestaria ver a Jill a viver com dificuldades. Nesse caso, a resposta é não, eu não aceitaria o casamento. Não que eu pudesse impedi-la. Na idade dela, a Jill já é livre para fazer o que achar certo, assim como o Scott.

 

Ross arqueou as sobrancelhas.

 

- Com certeza. O meu irmão já passou da idade de precisar pedir permissão para fazer as coisas.

 

- Então, sugiro que o deixes escolher os próprios caminhos. Tens de parar de tentar ser o super-homem.

 

Virou-se para ir buscar as natas, sentindo as pernas trémulas. Havia algo em Ross Laxton que a incomodava, qualquer que fosse a circunstância. Se Jill e Scott se casassem de facto, iriam encontrar-se muitas outras vezes, o que não lhe agradava.

 

Ross seguiu-a de volta e sentou-se no seu lugar, sem dizer uma só palavra.

 

Claire serviu a tarte, tentando não demonstrar o quanto aquela conversa a afectara.

 

Scott foi o primeiro a quebrar o silêncio:

 

- O que quer que tenham conversado na cozinha, não mudará nada - afirmou, com determinação. - Jill e eu vamos casar. E será em breve.

 

- Isso vocês já disseram - o tom de Ross foi sereno, a face inexpressiva. - Quando pretendes contar ao papá?

 

Scott hesitou, surpreso com a rendição.

 

- Quando achas que será melhor?

 

- Tu é que sabes.

 

- Amanhã de manhã, então.

 

- Queres que eu vá contigo? - Jill prontificou-se. Os dois irmãos trocaram olhares, e o mais jovem respondeu:

 

- Acho melhor ir sozinho.

 

- Claro. Espero que tudo dê certo, querido.

 

- Eu também.

 

Ross desviou a atenção para o pedaço de tarte, intacto, no seu prato.

 

- Acho que perdi o apetite.

 

Claire também. Empurrou o prato e levantou-se.

 

- Servirei o café na sala de estar.

 

Daquela vez, Ross não se ofereceu para ajudá-la.

 

Scott não o contrariou ao ser intimado a partir, logo depois do café, embora não fosse essa a sua vontade.

 

- Ligo-te assim que tudo estiver resolvido disse a Jill, com ar esperançoso. - Eles vão querer conhecer-te. A ti também, Claire. Haverá muito para acertar.

 

- Vamos fazer uma coisa de cada vez - sugeriu Ross. - O bebé não nascerá na próxima semana!

 

Ross acenou a Claire.

 

- Mais uma vez, obrigado pela hospitalidade. Ela inclinou a cabeça em resposta.

 

- A casa é tua.

 

A boa educação costuma envolver hipocrisia, pensou Claire quando os dois partiram.

 

O esforço que ela fizera nas últimas horas desgastara-a. Suspirou, atirando-se para o sofá, ao lado da irmã.

 

- Então, o que achaste dele? - perguntou Jill, ansiosa.

 

”Importa o que eu achei?”, Claire gostaria de perguntar, mas apenas sorriu.

 

- Pareceu-me um bom rapaz.

 

- Bom?! - Jill fez a palavra parecer um insulto. Ele é... maravilhoso! Fantástico! Incrível!

 

- És tu quem está apaixonada pelo Scott, não eu. Não entendo porque é que foram tão irresponsáveis a ponto de não tomar as devidas precauções.

 

A face da irmã corou, a expressão dos seus olhos era mais de culpa que de desafio.

 

- Tu terias tido uma síncope se me apanhasses a tomar a pílula!

 

- Não era preciso eu saber. Em todo caso, era responsabilidade também de Scott prevenir-se. Ainda mais quando há outros riscos envolvidos.

 

Jill encarou-a, confusa.

 

- Se estás a falar do que estou a pensar, o Scott não faz parte dessa categoria - declarou, indignada.

 

- Ele não tem de fazer parte. Vês os anúncios na televisão, não vês?

 

- Falam de homens promíscuos. O Scott não é assim!

 

Claire rezava para que a irmã estivesse certa. Mas, nos dias de hoje, quem poderia garantir? Jill, com certeza, não fora a sua primeira experiência sexual. De acordo com Ross, ela nem era o seu primeiro amor. Mas não tinha intenção de lhe contar isso.

 

Claire esboçou um sorriso amarelo.

 

- Tenho a certeza que não, mas também não é um rapaz inocente.

 

- Não foi o Scott quem teve a iniciativa, fui eu Jill confessou, sem graça. - Fiz de tudo para que ele reparasse em mim na noite em que nos conhecemos.

 

- Como?

 

- Convidei-o para dançar.

 

Claire não teve outro remédio senão sorrir.

 

- Deves ter precisado de muita coragem, Jill. E o que é que ele disse?

 

- Que seria um prazer - a expressão de Jill suavizou-se com a lembrança. - O Scott é tão diferente do Rob, do Mark e de todos os outros... Eles teriam feito algum comentário estúpido se uma rapariga os convidasse para dançar.

 

Claire podia imaginar. Nenhum dos ex-namorados de Jill fora mais velho que ela e, com certeza, nem mais maduro. A boa aparência de Scott era apenas uma parte do que a atraíra. Ele tinha o mesmo ar de auto-confiança do irmão, embora lhe faltasse a vantagem do físico.

 

- Os teus amigos sabem que namoras com o Scott, Jill?

 

- Não, só a Lucy. Eu tinha que contar a alguém. Lucy era, desde a infância, a melhor amiga de Jill.

 

As duas confiavam tudo uma à outra. Claire tentava imaginar a capacidade daquela rapariga de guardar segredo sobre um assunto tão sério. Em breve, todos notariam a barriga proeminente de Jill, mas, até lá, eles já estariam casados.

 

Bem, a opinião local não era o mais importante. O que preocupava Claire era se Jill tinha a certeza do que iria fazer. Claire duvidava que ela tivesse pensado mais longe que o futuro imediato.

 

- Casarias com o Scott, caso não estivesses grávida?

 

A resposta foi precisa:

 

- Claro. Ele é tudo com o que sempre sonhei!

 

- Nunca imaginei que pensasses em casar com a tua idade. Quando eu tinha dezoito anos, isso nem me passava pela cabeça.

 

- Nunca pretendi que a minha carreira tivesse prioridade na minha vida. Tu é que sempre foste ambiciosa.

 

Claire teve vontade de rir. Deixara a ambição de lado há tanto tempo que mal se lembrava do seu sonho de se tornar uma estilista famosa. Mantinha a mesa de desenho no seu quarto e às vezes trabalhava numa ideia, mas, com o tempo livre limitado que tinha, a vocação passou a ser um hobby.

 

- Gostaria que me tivesses contado isso antes, Jill. Nunca que imaginei tivesses essa imagem de mim.

 

- Isso não importa agora, não é? Consegui o que queria, ou conseguirei em breve, e tu não precisarás de te preocupar mais comigo.

 

- Já decidiram onde irão morar?

 

- Ainda não - Jill não parecia estar preocupada. Acho que compraremos uma casa.

 

- O Ross ainda mora com os pais?

 

- Não, tem um apartamento na cidade.

 

Claire levantou-se e abriu as cortinas, para tentar acalmar-se olhando a noite lá fora.

 

- Vou fazer um pouco de chocolate quente - decidiu, incapaz de ficar parada - Queres também?

 

- Não, obrigada. Só quero ficar aqui, deitada no sofá, e pensar no Scott.

 

Com os cabelos despenteados, o corpo ainda imaturo nas apertadas calças de ganga, ela não parecia ter idade suficiente para enfrentar a maternidade. Naquele momento, Claire sentiu uma leve revolta contra o jovem causador de todos aqueles problemas.

 

Jill, ao contrário do habitual, levantou-se às oito horas, impaciente, à espera do prometido telefonema. Ao pequeno-almoço, comeu apenas uma torrada, sempre com os olhos fixos no antigo relógio da cozinha.

 

- O Scott já deve ter dado a notícia, Claire! Quero dizer, para quê esperar mais?

 

- Não acredito que os pais dele se levantem tão cedo, considerando o estado do pai. Dá-lhe tempo. Tenho a certeza de que não te decepcionará.

 

Insegura, cruzou os dedos ao dizer aquilo. Ross tivera toda a noite para convencer o irmão. Quem poderia saber que artifícios usaria para persuadi-lo? O dia estava lindo, o sol brilhava forte e a temperatura estava mais alta que o normal para aquela época do ano. Tinha tudo para ser uma manhã feliz, mas Claire não se sentia muito animada. O que quer que acontecesse, a vida de Jill seria muito diferente da que sonhara para ela. Com apenas dezoito anos, não tinha idade para criar e educar um bebé, quaisquer que fossem as circunstâncias.

 

- Vou cortar a relva - Claire negava-se a entregar-se ao desânimo. - Se quiseres, podes vir e tirar um pouco das ervas daninhas. Ouvirás o telefone se deixarmos a janela aberta.

 

Jill abanou a cabeça.

 

- Acho melhor ficar aqui.

 

Claire desistiu. Esperava que Scott ligasse logo.

 

Vestindo calças de ganga e uma camisola, foi para o jardim e começou a cortar a relva.

 

Da porta da casa vizinha, o senhor Johnson acenou a Claire, cumprimentando-a. Os Johnson ajudaram-nas muito desde o acidente dos pais. A sua filha, Susan, casara há um ano e esperava o primeiro filho para Outubro. Era assim que deveria ser, concluiu Claire: conforme as normas.

 

Mas não fora dessa forma com Jill. ”Então, pára de te lamentar e aceita o que está feito”, disse a si mesma, com firmeza. As pessoas poderiam falar o que quisessem, pensar o que bem entendessem. O que importava era que Jill estava feliz.

 

Com o cortador ligado, Claire não ouviu o som do telefone, mas, ao ver Jill correr em sua direcção, com o olhar radiante, deduziu que Scott ligara.

 

- Eles querem conhecer-me! - disse, sorridente. E a ti também, Claire. Eu disse ao Scott que iremos lá esta tarde.

 

Claire tentava não deixar que o receio de encarar os Laxton, juntos, a dominasse.

 

- Isso não significa que tenham concordado com a decisão que vocês tomaram.

 

- Scott disse que concordaram - Jill fez uma pausa, o rosto um tanto tenso. - Pelo menos não disse que discordaram. De qualquer modo, devem estar aliviados por não termos fugido e casado às escondidas.

 

Claire encarou-a com seriedade.

 

- Pensaram em fazer isso?

 

- Bem, teria sido mais fácil.

 

- Estou feliz por não terem agido assim.

 

Claire olhou para o canto de relva ainda por cortar, sem um pingo de vontade de terminar o serviço. Mas, se não o fizesse, quem o faria? Jill nunca mostrara interesse pelo jardim. Em todo o caso, se tudo desse certo, em breve ela não estaria por perto.

 

”Será estranho morar sozinha”, pensou Claire, deprimida. Jill não ajudava muito com os afazeres domésticos, mas, ao menos, era uma companhia durante as noites, alguém para quem cozinhar. ”A vida ficará muito vazia sem ela.”

 

Percebeu que estava a divagar outra vez. Não ficaria tranquila enquanto tudo não estivesse confirmado.

 

- É melhor começares a pensar no que vais vestir esta tarde, se quiseres causar uma boa impressão Claire forçou um sorriso. - Tens aquele vestido branco que ainda não usaste.

 

Jill fez uma careta, parecendo ainda mais jovem do que era.

 

- Não irei vestida como uma boneca só para agradar. Usarei algo confortável.

 

Jill só se sentia bem com calças de ganga e camisolas. Assim, não agradaria ao estilo dos Laxton. Por outro lado, qual seria o problema de se apresentar como todos os jovens da sua idade? Scott apaixonara-se por Jill como ela era e a opinião dele era a única que importava.

 

- Está bem, Jill. Veste o que quiseres. É melhor eu continuar o meu trabalho, caso contrário não terminarei até ao almoço. Só Deus sabe quando teremos outro dia sem chuva.

 

- Eu encarrego-me do almoço, se quiseres. Já tens muito o que fazer.

 

Considerando que só havia salmão em conserva e o resto da salada da noite anterior, aquilo não exigiria muito esforço, mas Claire aceitou a proposta.

 

- Seria uma grande ajuda.

 

Vendo a irmã entrar, feliz, em casa, Claire sentiu uma ponta de inveja do optimismo dela. Na cabeça de Jill, tudo tinha solução e o caso já estava resolvido. Gostaria de se sentir tão confiante quanto ela.

 

Após o almoço, a louça lavada e a cozinha limpa, Claire subiu as escadas para tomar um banho e arranjar-se. Escolheu um vestido às riscas, branco e azul-marinho, leve, de mangas curtas, com um cinto fino, combinando com as suas sandálias favoritas, de salto alto.

 

Os olhos verdes, reflectidos no espelho, estavam pouco confiantes. Não importava o quanto tentasse ser optimista, não havia garantias de que aquele casamento duraria. Scott aparentava ser uma boa pessoa, mas como saber como era no íntimo? Ele poderia arrepender-se de estar amarrado a uma mulher e um filho, enquanto o irmão, bastante mais velho, ainda era livre.

 

No entanto, havia pouco a fazer naquele momento, concluiu. O casamento é uma incógnita, independente de como as coisas começam.

 

A escolha de Jill por uma saia curta e casaco azul-claro, do mesmo tecido, foi surpreendentemente comportada. Com os longos e brilhantes cabelos a cair sobre os ombros, estava com uma aparência óptima, pensou Claire, enternecida.

 

A casa dos Laxton situava-se em Hope Valley, o que significava que teriam de atravessar a cidade para chegar até lá.

 

Como previsto para uma tarde de sábado, o tráfego estava péssimo. Impaciente, Jill gritava com os motoristas que impediam que o velho Fiat seguisse o seu rumo.

 

- Como podes ficar tão calma numa situação destas? - perguntou Jill.

 

”Pareço estar tranquila”, pensou Claire, angustiada. O encontro que teriam prometia ser tudo, menos amigável. Haveria pontos de vista diferentes de ambos os lados, e ela lutaria, com unhas e dentes, para proteger a irmã.

 

Se tivessem sorte, Ross estaria ausente. A última coisa que queria era outro confronto com ele.

 

Estavam a pouco mais de cinco quilómetros fora da cidade, quando o pneu da frente se furou. Claire sentiu o volante a fugir e levou o carro para a berma.

 

- Raios! Isto tinha de acontecer logo hoje?!

 

- Já são quase duas e meia, Claire. O que faremos agora?

 

Claire poupou-se de dizer o óbvio. Desligou o motor e saiu para tirar o pneu sobresselente do porta-bagagens.

 

No momento em que viu o pneu, sentiu um frio no estômago: estava sem ar. Desde que consertara o veículo, alguns meses atrás, não lhe ocorrera fazer uma revisão ao pneu.

 

- Qual é o problema? - perguntou Jill, saindo do carro. - Ah, não!

 

- Lamento dizer que sim. Esta é uma daquelas situações clássicas que só acontecem no cinema.

 

- O que faremos agora? Pensarão que não vamos.

 

- Duvido - Claire tentava pensar numa saída. - Se Scott telefonar para casa, saberá que já saímos. Imaginará que algo aconteceu, se não aparecermos dentro de uma hora e, decerto, virá ver o que aconteceu. Entretanto, teremos de esperar.

 

- Podemos pedir boleia. Com certeza alguém irá para aquele lado.

 

Claire abanou a cabeça.

 

- Pode ser perigoso.

 

- Não se for com uma família.

 

- Se for uma família, não terão lugar para nós. Não resistiu ao ver os olhos suplicantes da irmã.

 

- Bem, não há problema em tentar.

 

Claire foi para trás do Fiat, com um sorriso confiante, e estendeu a mão fechada com o dedo para cima. Dois motoristas buzinaram, mas não pararam. Outros ignoraram-na. Como tinham parado logo após uma curva, só eram avistadas quando já era tarde demais para pararem. Uma situação perigosa, na verdade. Um veículo que fizesse a curva mais rápido poderia atropelá-las antes de as ver.

 

Depois de quarenta e cinco minutos, Claire ia sugerir que empurrassem o automóvel mais para a frente, mas ficou paralisada ao ver um grande Mercedes prateado parar a alguns metros.

 

Ross esperou uma trégua no tráfego para sair e ir em direcção do Fiat.

 

Usando um casaco azul-marinho, calças azul-claro e camisa da mesma cor, parecia mais alto do que nunca. Examinou a situação com o olhar indiferente.

 

- A primeira coisa a fazer é tirar o carro da estrada para não provocar nenhum acidente. Afastem-se, enquanto eu empurro.

 

- Posso ajudar - ofereceu Jill. - Sou mais forte do que aparento.

 

Só uma pessoa com coração de pedra resistiria a um apelo daqueles olhos esverdeados, e o de Ross não parecia ter chegado a esse ponto. O seu sorriso foi relutante, mas sorriu, alterando as linhas do rosto.

- Obrigado, mas eu faço isso sozinho. Não gostaria que sujasses a tua bela roupa.

 

O Fiat fora lavado há pouco mais de uma semana, mas estava empoeirado, teve de admitir Claire. Ross teria sorte se saísse daquela situação sem sujar as calças. Ela soltou o travão de mão e posicionou o volante enquanto Ross empurrava. Podia vê-lo pelo espelho lateral do carro, os cabelos escuros, os ombros largos e poderosos.

 

Como Claire previra, havia pó nas calças dele quando acabou de empurrar. Se ele percebeu, disfarçou muito bem.

 

- Estás associada a algum serviço de reboque, Claire? Podes usar o meu telemóvel para chamá-los.

 

- Não estou, não.

 

Ross permaneceu impassível.

 

- Duvido que aches outra pessoa que te possa ajudar hoje. Terás de arriscar a deixar o automóvel aqui na estrada, esta noite.

 

- Precisarei dele para ir para a loja, amanhã...

 

- Terás de chamar um reboque para rebocá-lo sugeriu Jill, impaciente.

 

Custaria uma fortuna, Claire sabia, mas parecia ser a única alternativa. Tinha de ir para a loja de autocarro.

 

Ross limpou as mãos e apontou para o Mercedes.

 

- Vamos?

 

- Desculpa por te ter colocado nesta situação desagradável, Ross. Estamos a desviar-te do teu caminho?

 

- Não. Voltava para casa. Por sorte, resolvi vir por aqui - os olhos cinzentos tinham uma expressão trocista. - Salvar damas em situações perigosas é o meu forte.

 

- O verdadeiro cavaleiro das estradas... Só falta o enorme cavalo branco.

 

Ross encarou-a por um momento, reparando na provocante curva do seu queixo e nas maçãs do rosto coradas. Havia um brilho nos seus olhos que lhe despertava o bom-humor.

 

- Vou ter isso em atenção da próxima vez, por enquanto, terás de aceitar um carro prateado.

 

Jill já estava no Mercedes, a olhar, impaciente, para os dois.

 

- Já são quatro menos quinze!

 

- Como Jill tão oportunamente nos lembrou, as horas estão a passar. Vamos?

 

Claire virou-se sem mais uma palavra e foi até ao automóvel, com os nervos ainda excitados. Ross Laxton deixava-a perturbada.

 

Jill sentara-se no banco de trás, não deixando outra opção a Claire a não ser sentar-se ao lado dele, e Ross abriu a porta, convidando-a a entrar.

 

- A sua carruagem espera-a, Alteza. Não te esqueças de pôr o cinto de segurança.

 

Ao sentar-se no confortável carro, Claire tentou colocar o cinto, mas não conseguiu puxá-lo. Ross debruçou-se para ajudá-la. Ela sentiu o calor da respiração dele na face e o perfume da loção da barba. O braço de Ross, ao puxar o cinto para encaixá-lo, roçou-lhe o seio, o que a fez sentir um calafrio.

 

Ross ligou o motor com um discreto sorriso nos lábios e Claire teve a sensação de que ele sabia como a afectava, decerto, o mesmo efeito que causava em todas as mulheres que se aproximavam dele.

 

O interior do carro era aconchegante e espaçoso, permitindo distância entre os passageiros, mas ainda assim ela sentia-se muito próxima de Ross. Com a mão na alavanca das mudanças, muito próxima do joelho dela ele aguardava uma brecha para entrar na estrada. Claire virou-se para a direita, a pretexto de se acomodar melhor, afastando a mínima oportunidade de um contacto.

 

- Chegaremos muito atrasados - resmungou Jill. O Scott pensará que não iremos.

 

- Duvido - Ross acelerou, entrando na estrada. Ele confia em ti.

 

- Não mais do que eu nele - Jill calou-se por um momento, hesitando, antes de perguntar: - Estavas com o Scott quando contou aos vossos pais?

 

- Estava. O meu irmão precisava de apoio.

 

- Mas tu não o apoias, não é? - interrompeu Claire. - Deixaste isso bem claro na noite passada.

 

Ross olhou pelo espelho retrovisor antes de mudar de faixa. O caminho estreitava-se naquele ponto e oferecia uma vista panorâmica do campo, colorido pelo brilho do sol.

 

- Não vou negar que sou contra este casamento, mas não vou virar as costas ao meu irmão por isso.

 

- Como é que eles reagiram? - perguntou Jill, ansiosa.

 

- Como esperavas que reagissem? Não te preocupes. Vão tratar-vos com educação.

 

- Não há por que ser diferente, não é? - disse Claire. - O que está feito, está feito.

 

- É verdade - concordou Ross, com ironia. – Tudo o que nos resta é encontrar a melhor solução para o problema. Jill ficou em silêncio, mas Claire percebeu o seu ressentimento. Ross não tornava as coisas muito fáceis. Claire conteve a sua língua todo o trajecto, poupando-a para o encontro com os Laxton. Civilizados, com certeza, seriam. Receptivos? Só Deus sabia. Havia ainda a possibilidade de, sob a pressão da família, Scott ser persuadido a pensar melhor.

 

Grandiosa e coberta por lindas trepadeiras, a mansão era rodeada por um jardim muito bem cuidado. Ainda mais imponente do que imaginara, concluiu Claire, quando chegaram.

 

Parando diante da entrada principal, Ross saiu do Mercedes e deu a volta para abrir a porta do passageiro, encolhendo os ombros ao ver Claire sair sem a sua ajuda. Então, virou-se para auxiliar Jill, que aceitou a cortesia como se estivesse acostumada a tal tratamento.

 

Apesar de tudo, Claire teve de sorrir. Jill não teria dificuldades em se adaptar ao novo estilo de vida.

 

Scott saiu da casa com uma expressão preocupada.

 

- O que aconteceu?

 

- O pneu furou - respondeu Ross, sucinto. - Por sorte, eu ia a passar.

 

- O sobresselente estava sem ar também - esclareceu Claire, antes que perguntassem. - Esqueci-me de o mandar consertar.

 

Scott abriu um largo sorriso.

 

- Aconteceu-me o mesmo há uns meses, mas, no meu caso, eu tinha-me esquecido do sobresselente. Entrem.

 

Conduziu-as a um lindo hall, revestido a carvalho preto. Um arco do mesmo carvalho separava uma escada, enquanto outro dava acesso ao que parecia um pequeno hall. Um tapete em tom discreto cobria quase todo o piso de madeira.

 

Um enorme vaso, colocado entre os dois arcos, transmitia calor e brilho ao ambiente. Uma residência acolhedora, pensou Claire. Uma casa de família, com atmosfera muito agradável.

 

Ross abriu a porta da esquerda e colocou-se de lado para que as duas entrassem. Jill parou e esperou para dar a mão a Scott, como se aquilo lhe transmitisse coragem. Claire, então, entrou primeiro, na sala de estar, com uma antiga lareira repleta de flores.

 

Mesmo sabendo do derrame, foi um choque ver Richard Laxton sentado na cadeira de rodas. O rosto era pálido e esquálido, o lado esquerdo ainda bastante afectado. O olhar, no entanto, era vivaz e focou-as quando entraram, embora não tivesse emitido nenhuma saudação. Claire sentiu que as palavras lhe faltaram.

 

Com aparência muito elegante, vestindo um conjunto de saia e blusa creme, Madaleine Laxton levantou-se. Tinha expressão reservada, mas havia sinais de tensão nos delicados olhos azuis.

 

-Você é a Jill?

 

- Não, mamã, esta é a Jill - disse Scott. - Ela é Claire.

 

- Acho melhor sentarmo-nos e tomarmos um lanche antes de entrarmos no assunto - disse Madaleine, sem ao menos cumprimentar as convidadas. - Será servido em alguns minutos.

 

Mal pronunciou aquelas palavras e uma senhora de fato azul-escuro, trouxe uma bandeja com chá, bolo e bolachas.

 

- Há chá para seis pessoas, senhora Laxton - a criada olhou com curiosidade para as recém-chegadas. - O bolo é acabado de fazer.

 

- Obrigada. Claire sentou-se num dos dois sofás de dois lugares, perto da lareira, e Jill e Scott, juntos, no outro.

 

Claire teve de se controlar para não demonstrar nenhuma reacção quando Ross se sentou a seu lado.

 

Os dois filhos tinham herdado a cor de cabelo do pai, embora estivesse então mais acinzentado do que preto. A mãe tinha pele e cabelos claros, e ainda era uma bela mulher. Se estava certa sobre a idade de Ross, mais ou menos trinta e três anos, Madaleine deveria ter uns cinquenta e cinco, deduziu Claire, se bem que não aparentasse mais do que quarenta e cinco.

 

Richard Laxton conseguia segurar a chávena sozinho. No entanto, ainda não pronunciara uma só palavra. Claire imaginava se o derrame lhe tinha afectado a fala.

 

A situação piorava a cada instante, percebeu infeliz. Entendeu porque é que Ross estava tão preocupado com a reacção dos pais. Richard não tinha condições de saúde suficientes para passar por um problema tão grande quanto aquele.

 

- Scott contou-nos que perderam os vossos pais há alguns anos. Deve ter sido terrível.

 

- Foi difícil superar, senhora Laxton - confessou Claire, fazendo o possível para manter o tom calmo.

 

- Então superarás este acontecimento também – a simpatia era autêntica. Madaleine olhou para Jill, que até então permanecera calada. - Culpo o Scott por isto, não a ti, querida. És jovem demais para assumir sozinha o peso de tal erro.

 

- Estamos juntos nisto - declarou Jill, com lealdade.

 

- Apontar o culpado não alterará nada - disse Ross, seco. - A questão é: o que fazer agora?

 

- Isso já foi decidido - adiantou-se Scott, sério. -

 

Vamos casar.

 

- Já sabemos isso, filho. E não temos nada contra. O que precisamos discutir é onde e quando.

 

- Em St. James.

 

Ao ouvirem a voz trémula, todos olharam para o homem na cadeira de rodas. A esposa hesitou.

 

- Não seria melhor o cartório?

 

- Não - tremido ou não, o tom era determinado. Nenhum filho meu se casará no cartório!

 

- Eu não me importo de casar na igreja - disse Jill, quebrando o silêncio. - Embora não considere adequado usar vestido branco.

 

- Muitas usam - declarou o futuro marido e, dirigindo-se ao pai, acrescentou: - Mas será uma boa ideia, papá? O cartório seria mais discreto.

 

- De qualquer modo, neste Outono, é improvável que consigam um dia em St. James - lembrou Ross.

 

- Só há mais enchentes aos sábados - Richard esforçava-se para pronunciar cada palavra.

 

- Pode ser uma cerimónia discreta, mesmo na igreja - completou Claire, corando ao ver todos a olhar na sua direcção. - Quero dizer, não é necessário um grande coral e coisas assim, não é?

 

- Se estás preocupada com as despesas, fica sossegada - disse Ross.

 

Ela virou-se, furiosa, para encará-lo.

 

- Claro que preocupo, pois quero participar nas despesas.

 

- Tens condições de arcar com os gastos de um casamento? Mesmo o mais simples custará todo o teu stock de Verão e os negócios não estão muito bem este ano, é o que me parece.

 

Claire imaginou que Ross devia ter-se informado sobre a sua situação. Havia vários meios para ele fazer isso, mesmo durante o fin-de-semana.

 

O dinheiro guardado para pagar a universidade de Jill já não seria necessário agora. Então, seria suficiente para manter a loja naquela péssima época de vendas. Por outro lado, não podia deixar os Laxton arcar com tudo.

 

- As coisas irão melhorar, pois o tempo está a mudar - respondeu, com esperança. - Além do mais, temos outras economias.

 

Jill abriu a boca para dizer algo, mas foi silenciada pelo olhar que Claire lhe lançou. Ross fitou-a, pensativo, antes de voltar a atenção a Claire.

 

- Há situações nas quais o orgulho tem de ser esquecido.

 

Claire teve de conter o impulso de o atacar. Sentiu os músculos contorcerem-se, a pele arder, como se estivesse a ser picada por centenas de formigas. Reuniu todo o seu esforço para não demonstrar, na voz, o efeito que ele lhe causara.

 

- Não desta vez.

 

Dez minutos mais tarde, tudo estava resolvido. O casamento seria na igreja de St. James em data a ser definida, no máximo, dentro de um mês.

 

Jill estaria, conforme os seus cálculos, em torno da oitava semana de gravidez. Tinham combinado que Scott a levaria a Sheffield no dia seguinte, para consultar um ginecologista. Claire ainda tinha uma leve esperança de que tudo não passasse de um engano. Jovens na idade de Jill costumavam ter irregularidades hormonais.

 

Nesse caso, se Scott ainda quisesse casar com Jill, comprovaria a autenticidade dos seus sentimentos e tudo poderia ser planeado com calma. A irmã ficaria arrasada se Scott desistisse. O primeiro amor é sempre muito intenso.

 

”Mas o que sabia sobre aquilo?”, perguntou-se Claire, com tristeza. A sua experiência sentimental restringira-se a um ou dois homens que tinham passado pela sua vida, porém, nenhum deles despertara nela algo mais profundo. Andrew, um rapaz com quem saía, tinha viajado de férias para a Escócia e ficaria lá até à terça-feira seguinte. Quis levá-la com ele, mas Claire não poderia pagar a alguém para cuidar da loja durante a sua ausência, mesmo que tivesse uma pessoa de confiança para isso.

 

Em todo caso, embora Andrew fosse uma companhia agradável, os dois não tinham muito em comum. Ele adorava desportos de equipa e Claire considerava-os aborrecidos e cansativos. Já se decidira a terminar a relação assim que Andrew voltasse.

 

- Porquê a introspecção? - perguntou Ross, tirando-a dos seus devaneios, observando-a de perto, o olhar curioso.

 

- Há muito no que se pensar - Claire voltou a atenção para Madaleine. - E a recepção?

 

- Podemos fazê-la aqui em casa. Só convidaremos parentes e amigos íntimos - o sorriso que esboçou estava longe de ser espontâneo. - Temos o terraço, caso faça um dia bonito.

 

Tudo o que Claire queria fazer naquele momento era ir para casa. Jill, no entanto, parecia pronta para tudo, menos para partir. Ela e Scott conversavam baixinho, cabeças coladas, olhares fixos um no outro. Formavam um casal atraente, Claire tinha de admitir. Se as coisas tivessem sido diferentes...

 

- Não se comentou nada sobre onde vocês irão morar - lembrou Claire.

 

- Há muitos quartos aqui - adiantou-se a Madaleine. - O aposento ao lado do de Scott está a ser usado como enfermaria. Podemos reformá-lo e ficará perfeito para eles.

 

- Óptimo! Será muito bom, não é Jill?

 

- Sem dúvida, querido... - porém, Jill não mostrava estar certa do que dizia.

 

Claire entendia a insegurança da irmã. Os recém-casados só moram com os pais quando não têm dinheiro suficiente para sustentar a própria casa. Além de tudo, Richard não estava de boa saúde para ser perturbado pelo choro de um bebé. Mas não seria ela quem poria alguma objecção.

 

Ao fitar Ross, Claire teve a impressão de que ele sabia o que estava a pensar e que concordava com o seu ponto de vista. Mas também não interviria.

 

- Scott contou que tu te interessas por jardinagem

- disse Ross, de repente. - Gostarias de conhecer o nosso jardim?

 

Queria tirá-la da sala, receoso de que ela pudesse tornar-se inoportuna naquela situação tão delicada, Claire desconfiou. Relutou em aceitar, mas não conseguiu achar uma boa desculpa para recusar o convite.

 

- É muito... gentil da tua parte.

 

- Então, vamos! - Ross levantou-se.

 

Claire acompanhou-o, em silêncio. Ross fora obrigado a aceitar a situação, o que não significava que estivesse a gostar daquilo, muito menos dela e de Jill.

 

O sol estava encoberto, mas a temperatura era agradável, ainda mais após o inesperado frio dos últimos dias.

 

Abaixo do terraço, rodeado por balaústres, canteiros de flores alternavam com caminhos de pequenas pedras que se estendiam até um bosque com frondosas árvores.

 

Ross caminhava ao lado de Claire, em silêncio, com as mãos nos bolsos, fazendo-a sentir-se como uma intrusa.

 

- Deve ter sido maravilhoso crescer aqui - comentou ela, incapaz de pensar em algo mais criativo.

 

Ross concordou e acrescentou:

 

- Mas não estive sempre aqui.

 

- Mandaram-te para um colégio interno?

 

- Não aprovas que as crianças estudem em internatos?

 

- Não. Acho que os filhos devem crescer ao lado dos pais.

 

- Depende da criança. Eu gostei da experiência.

- Com certeza achaste-a ideal. Os olhos escuros fitaram-na por um minuto.

- Estás a insinuar que não tinha sensibilidade quando era pequeno?

 

O tom áspero na voz de Ross só serviu para aumentar a antipatia que Claire sentia por ele.

 

- Quando eras pequeno, Ross?! Hoje és tão sensível como um iceberg

 

Ele riu, abanando a cabeça, admirado.

 

- A tua língua é mais afiada do que eu imaginava!

- Ross encarou-a. - Quantos anos disseste que tens, Claire?

 

- Idade suficiente para saber o que digo.

 

- Então, vamos conversar como adultos.

 

Ross, num acto inesperado, puxou-a para junto de si. De maneira brutal, colou os lábios aos dela, inibindo qualquer protesto que Claire pudesse fazer. Chocada demais para tentar libertar-se, sentiu o conflito de emoções que a boca masculina lhe causava, sentindo-se muitíssimo perturbada. Quando ele finalmente a soltou, Claire estava corada, trémula e sem fala.

 

- Ofende-me de novo e devolverei na mesma moeda - afirmou Ross.

 

- Nada que tu fizeres me surpreenderá - a voz dela estava trémula, e o olhar, cintilando de ira. - Se queres saber, gosto tanto desta situação quanto tu. No entanto, reconheço o direito de escolha do teu irmão. Os teus pais parecem ter aceitado a decisão de Scott sem maiores dificuldades.

 

- Aparentemente, talvez. Estão muito perturbados desde há alguns meses. Só Deus sabe o que este casamento está a causar-lhes.

 

Claire mordeu o lábio.

 

- Desculpa, Ross, fui insensível.

 

- Ora! Parece que temos algo em comum! - Ross exalou um longo suspiro. - É melhor voltarmos para casa.

 

Claire seguiu-o com passos lentos. Ofendê-lo fora um erro em todos os aspectos, pensava, angustiada. Não só se comportara de maneira impulsiva e embaraçosa, mas dera-lhe a oportunidade de considerá-la infantil.

 

Contudo, nada mudaria com o que acontecera. Bem ou mal, Jill e Scott iriam casar. Com sorte, tudo terminaria bem. Mesmo os pares mais perfeitos passavam por dificuldades.

 

Richard estava a sair quando Claire e Ross entraram na sala. Ele precisava de descansar antes do jantar, explicara Madaleine.

 

- Não está a ser fácil para Richard. Sempre acreditámos que Ross casaria primeiro.

 

- Só farei isso quando estiver pronto, mamã - respondeu Ross, olhando-a com carinho.

 

Claire consultou o relógio, com discrição, assustando-se ao ver que já eram quase seis horas; Jill não parecia querer ir, mas não poderiam ficar lá o resto do dia.

 

- Acho que devemos partir - disse, tentando ser o mais simpática possível. - Parece que está tudo decidido.

 

- Vou voltar para a cidade. Posso levar-vos.

 

- Não é preciso, eu levo-as - Scott sorriu. - E daremos outra olhadela no pneu do carro.

 

- Ele não está em condições de ser usado - Claire meneou a cabeça.

 

- Pode ser um pequeno furo. Nesse caso, poderemos enchê-lo o suficiente para vocês chegarem a casa. Levarei a bomba electrónica. Será melhor se não deixarmos o carro na estrada a noite toda.

 

Claire concordou com a sugestão de Scott. Havia uma oportunidade dele estar certo, afinal.

 

- Obrigada, Scott.

 

- Voltas para o jantar, Scott? - perguntou Madaleine.

 

Claire notou a hesitação dele e apressou-se em convidá-lo:

 

- Será bem-vindo para comer connosco.

 

- Acho que deveria levar-vos a um restaurante propôs Scott. - Podemos ir os quatro, se não tiveres outro compromisso, Ross. Conseguiremos uma mesa no Padstock.

 

- Porque é que não vais tu e a Jill sozinhos? - sugeriu Claire, evitando olhar para Ross. - Tenho muito que fazer.

 

- Nada que não possa ficar para amanhã, tenho a certeza - foi impossível saber, pelo tom de voz, qual era a intenção de Ross. - Tu ofereceste-nos um óptimo jantar ontem, hoje é a nossa vez. Vou ligar para o Padstock e reservar uma mesa.

 

Claire controlou-se com muito esforço. A última coisa que queria era passar outra noite em companhia de Ross Laxton. Com certeza também era a última coisa que Ross desejava. Bastaria ele ter dito que já tinha um compromisso.

 

Jill parecia muito feliz, sem se preocupar com o que ainda estava por vir, vivendo apenas o presente. Claire tinha dúvidas se a irmã iria contrariar a ideia de Madaleine quanto a morarem lá. Deveria estar a pensar nas possíveis vantagens, como as refeições prontas, os empregados, tudo limpo, sem precisar mexer uma palha. Aquele acordo estava longe de ser o ideal, mas Jill teria de descobrir sozinha.

 

Ross voltou, confirmando as reservas para as oito horas, no hotel que tinha fama de possuir um dos restaurantes mais caros do país. Claire estivera lá uma vez com Andrew, que quase tivera um colapso ao receber a conta. Fora ideia dele jantarem naquele lugar, mas Andrew não resistiu quando Claire se ofereceu para pagar metade.

 

Os Laxton, sem dúvida, podiam arcar com qualquer despesa. O Padstock era mais perto dali do que de sua casa, o que significava uma viagem para se irem arranjar e outra para voltar. Mesmo se Scott conseguisse encher o pneu o suficiente para levar o Fiat, não se arriscaria a sair com ele até que todos os pneus estivessem em ordem.

 

Scott tinha um automóvel de modelo desportivo descapotável com bancos traseiros inadequados para levar um adulto, mesmo do tamanho de Claire. Ela fez o melhor que pôde para encaixar os joelhos no pequeno espaço e equilibrar-se quando Scott pôs o veículo em movimento. Sentia-se muito desconfortável, mas bem melhor do que se tivesse de entrar no carro de Ross.

 

Por sorte, o automóvel ainda estava no mesmo lugar onde o tinham deixado. Scott estacionou logo atrás e pegou na bomba.

 

- Vai demorar uns quinze minutos. Espero que não esvazie tão rapidamente.

 

Após terminar a tarefa, Scott insistiu em segui-las até à sua residência, por precaução. Jill preferiu ir com ele.

 

Pelo espelho retrovisor do Fiat, Claire via o casal a rir e a conversar. Scott era o tipo de motorista que desvia a atenção da estrada para olhar para a pessoa com quem conversa. Um péssimo hábito, mesmo à baixa velocidade a que iam. Se Claire travasse, por qualquer motivo, ele, com certeza, bateria na sua traseira.

 

Porém, chegaram sem nenhum incidente.

 

- O Ross vem buscar-vos às sete e trinta, pois eu não teria tempo de voltar para casa, arranjar-me e voltar para vos buscar - Scott ligou o carro e partiu, com um simpático aceno de mão.

 

- Ele não é fabuloso? - Jill suspirava ao vê-lo a afastar-se. - Vou ligar à Lucy e contar-lhe as novidades.

 

- Só temos uma hora para nos arranjar antes do Ross chegar - lembrou Claire. - Podes ligar à tua amiga amanhã.

 

Pela primeira vez, Jill concordou sem reclamar:

 

- Tens razão. Ainda nem decidi que roupa vou usar.

 

”Nem eu”, pensou Claire. Não conseguia animar-se para o jantar. Com certeza, Ross Laxton criaria problemas.

 

Apesar disso, deu consigo a olhar para o armário à procura de um conjunto adequado, encontrando um, que ela mesma desenhara. A saia ficava logo acima do joelho, e o casaco cobria parcialmente uma blusa do mesmo tecido, num tom mais claro. Completou o visual com um delicado colar de ouro acompanhado de um par de brincos.

 

Não ficou muito satisfeita com o resultado, mas recusou-se a mudar de roupa. Já fora forçada a aceitar o convite para o jantar. Não se iria preocupar com a vestimenta. Mesmo porque, Ross era o último homem que se impressionaria com ela, não importando o que vestisse.

 

Jill estava jovem e radiante com um vestido claro e simples, que a fazia mais alta. Em poucas semanas, a sua barriga já se notaria, pensou Claire. Era difícil imaginar a irmã a cuidar de um bebé.

 

O Mercedes chegou assim que o relógio marcou sete e meia.

 

Ross ficou ao lado do carro, à espera delas. Usava umas calças cinzentas e um casaco desportivo verde-escuro. Estava, como sempre, muito atraente.

 

- Mesmo na hora - comentou ele, abrindo as portas laterais para elas entrarem.

 

Daquela vez, Claire não deu oportunidade a Jill de se sentar no banco de trás, ocupando-o depressa.

 

- É a tua vez de acompanhar o Ross - disse, ao notar a hesitação da irmã.

 

Ross manteve-se impassível. Claire duvidava que ele se importasse com quem iria a seu lado. Estava ali apenas porque o irmão fizera um convite incisivo, assim como acontecera com ela.

 

Procurando quebrar o silêncio, Jill começou a conversar com Ross como se já o conhecesse há muitos anos. Ele respondia com poucas palavras, rindo de algumas das suas observações, mas Claire ainda sentia um certo desconforto na sua voz.

 

De onde estava sentada, podia ver os olhos dele quando os desviava para o espelho retrovisor e era quase impossível evitar observá-lo, de vez em quando.

 

Detestava-o, mas não podia negar o seu encanto. Os fios negros dos cabelos, caindo sobre a face, o peito musculoso e o perfume contagiante da loção da barba, combinados, criavam algo que mexia com as suas sensações. Química, nada mais, ainda que muito poderosa. Desejava que fosse possível encontrar uma fórmula neutralizadora.

 

Scott estava à espera deles no bar. Levantou-se ao vê-los aproximarem-se. Alto, magro e desajeitado com um casaco largo demais para seu corpo, o tipo de homem que Jill achava elegante.

 

Com os dois jovens entretidos um com o outro, Claire e Ross não tiveram escolha senão conversar.

 

O prato servido estava perfeito. Claire experimentou um pouco de vinho e recusou o café no final do jantar com a justificativa que lhe causava insónias.

 

Eles tinham escolhido uma mesa no terraço, para aproveitarem o calor da noite e a bela vista do céu nocturno. Com outra companhia, Claire teria desfrutado cada momento. Naquela situação, no entanto, mal podia esperar pelo final da noite.

 

- Vamos dar uma volta - anunciou Scott, tirando Claire dos seus pensamentos. - Não demoraremos.

 

- Cuidado com os lugares escuros - aconselhou o irmão. - Não queremos nenhum acidente.

 

Jill riu da observação.

 

- Não te preocupes, como bastantes cenouras abanou uma mão enquanto com a outra envolvia Scott.

 

Claire observou o casal descer a escada de pedra e desaparecer no jardim.

 

- Parabéns por te esforçares tanto, Claire.

 

- Não fui a única obrigada a estar aqui. Tu deverias ter recusado quando tiveste oportunidade.

 

- E perder a oportunidade de tentar melhorar a nossa relação?

 

Claire levantou a cabeça, os olhos a brilhar sob a luz das velas.

 

- Estás tão interessado em melhorar a nossa relação quanto uma aranha em ser amiga de uma mosca! Se soubesses de uma forma de impedir o casamento do Scott com a Jill, agarrarias a oportunidade com as duas mãos. Não penses que não sei isso!

 

- Tens razão, impediria. Nenhum dos dois tem responsabilidade para assumir tal compromisso.

 

- Casais mais jovens que eles conseguem. Ross fez um movimento impaciente.

 

- Não estou a falar só de idade. Hoje estão encantados um com o outro, mas quanto tempo isso irá durar?

 

Era a mesma pergunta que Claire fazia a si mesma, e não tinha ideia da resposta. No entanto, não estava preparada para dar a Ross a satisfação de a ouvir expressar a mesma dúvida.

 

- Desde que pessoas cínicas como tu não se intrometam para destruí-la, esta relação poderá ser eterna - respondeu. - Só porque nunca te sentiste desse modo...

 

Calou-se, corando ao vê-lo sorrir com sarcasmo.

 

- Parece que és vidente também, Claire...

 

- Retiro o que disse. Foi presunçoso da minha parte.

 

- Foi mesmo. Mas é verdade. Prefiro manter os pés firmes no chão.

 

- Que limitado!

 

Os lábios de Ross encurvaram-se, os olhos cinzentos adquiriram uma expressão bem-humorada.

 

- Metaforicamente falando, é isso. E a tua vida sentimental, como vai?

 

- Isso é problema meu! De qualquer modo, não estamos aqui para discutir sobre nenhum de nós.

 

- Mas como chegámos a um impasse sobre o casamento dos nossos irmãos, é melhor deixarmos esse assunto de lado. Se vamos ter de fazer parte da mesma família, devemos procurar ser cordiais.

 

Claire olhou-o com suspeita, incerta de que era aquilo o que Ross queria de verdade.

 

- Combinado? - perguntou ele, com olhar amigável.

 

- Tudo bem - Claire sentiu um certo alívio. Era melhor não tê-lo como inimigo, sobretudo pela ligação de Ross com o aluguer da sua loja. Ela teria sérios problemas se ele resolvesse interferir no seu negócio.

 

- Que mais fazes, além de trabalhar, Claire? Abrir a loja seis dias por semana não te deixa muito tempo livre, não é?

 

- Cinco e meio - corrigiu Claire. - Fecho à uma hora às quintas-feiras. Gosto de sair para caminhar quando posso. O meu pai levava-me sempre com ele a passear quando eu era pequena.

 

- Não levava a Jill?

 

- Ela preferia ficar com a minha mãe. Nunca gostou de andar quilómetros só pelo prazer de andar.

 

- Montanha acima e abaixo - Ross parecia estar relaxado pela primeira vez naquela noite. - Sou quase um andarilho, também.

 

- Tu? - Claire não conseguiu disfarçar a surpresa.

 

- Porquê a admiração?

 

- Não é o teu tipo.

 

- Queres dizer que pareço muito magro e fraco para fazer caminhadas ao ar livre?

 

Considerando a estrutura alta e forte, os ombros largos, o peito musculoso revelado pela abertura da camisa, Claire foi obrigada a sorrir.

 

- Estava a pensar mais no tipo de vida que alguém na tua posição deve levar. Dirigir uma companhia como a HR deve ocupar-te muitíssimo.

 

- Pode ser. Mas não é minha intenção dedicar toda a minha vida à empresa, como o meu pai fez. Ele poderia não estar sentado naquela cadeira de rodas se tivesse tido mais horas de descanso e lazer - o semblante de Ross tornou-se austero. - Precisou ter um derrame para ver isso.

 

- Pelo menos está vivo.!

 

- Deves sentir muita falta dos teus pais...

 

- Sinto. Aprendi a viver com isso, mas no primeiro ano foi quase insuportável. Para a Jill também.

 

- Com a diferença de que ela não precisou educar uma criança de catorze anos.

 

- De acordo com o que me disseste ontem, não fiz um bom trabalho.

 

Ross suspirou.

 

- Digamos que a Jill não é pior do que Scott. Tudo o que podemos esperar agora é que eles se transformem em adultos responsáveis.

 

- Não quero ser indelicada com a tua mãe, mas eles precisam de um lugar só para eles. O teu pai precisa de paz e tranquilidade.

 

Ross observou-a com ar pensativo antes de responder:

 

- A casa é suficientemente grande, mas falarei com o Scott.

 

O empregado trouxe a conta. Olhando ao redor, Claire percebeu que eram os últimos clientes no terraço, embora um conjunto ainda tocasse lá dentro. Não havia sinal de Jill nem Scott.

 

- O jardim é muito grande? - perguntou Claire, assim que o homem se retirou com o cartão de crédito que Ross lhe dera. - Eles não poderiam perder-se no escuro, pois não?

 

- Duvido que tenham ido longe. Casais jovens querem privacidade, só isso.

 

- Talvez devêssemos ir atrás deles. Quero dizer... parece que querem que nos vamos embora.

 

Ross encolheu os ombros, com indiferença.

 

- Sairemos quando estivermos prontos. Mas estás ansiosa para ir embora...

 

- Tenho que me levantar mais cedo que de costume para levar os pneus à oficina.

 

- O pneu deverá estar vazio de manhã.

 

- Posso tornar a enchê-lo.

 

- Melhor que isso - Ross fez uma ligeira pausa. Passarei para te buscar de manhã. Mais tarde, o funcionário da oficina poderá ir até tua casa.

 

- Não poderia causar-te tanto transtorno. Além do mais, vão cobrar-me uma fortuna para ir até lá.

 

- Tudo bem, levamos os pneus para consertar de manhã e iremos buscá-los ao fim da tarde.

 

- Não há necessidade de tudo isso, Ross. Posso apanhar um autocarro.

 

- E continuarás com o problema. Pelo que vi, não tens nem um sobresselente.

 

Claire calculou em silêncio quanto custariam cinco novos pneus e sentiu o coração disparar. Havia tantas outras contas a pagar nos próximos meses... Ross estava certo: em primeiro lugar, a segurança. Existia ainda o risco de apanhar algum guarda e ter que pagar uma multa.

 

- Por isso mesmo, tenho de ir com o automóvel, Ross. Estou muito grata pela tua oferta, mas cuidarei disso sozinha, a sério.

 

Ross suspirou.

 

- Como quiseres.

 

Era difícil dizer se ele ficara zangado ou não.] Claire suspeitava que o gesto fora mais por educação do que por interesse no seu bem-estar. Eles podiam já não ser inimigos, mas estavam longe de ser amigos.

 

Claire ficou aliviada ao ver Jill e Scott regressarem. Os olhos de Jill brilhavam e os cabelos estavam despenteados. Claire notou que o vestido dela estava amarrotado. Com certeza, Ross também notara e tirara a mesma conclusão. Não que fizesse alguma diferença, mas ali decerto não era o local mais adequado.

 

- Vou levar-vos a casa - disse Scott ao descer as escadas do hotel.

 

- Eu levo-as. O teu carro é pouco confortável para quem vai no banco de trás - comentou Ross. - E também vou na mesma direcção.

 

- Então leva a Claire - Scott nem lhes deu oportunidade de protestar, pegando Jill pelo braço e correndo para o estacionamento, ambos a rir como crianças.

 

- Parece que ficámos sozinhos de novo - observou Ross.

 

- Eu ficaria bem no banco de trás do carro do Scott

- Claire não sabia o que dizer. - Excepto pelo facto de não ser desejada.

 

Pensando melhor, disse Claire para si mesma, os dois jovens tinham planeado aquilo tudo. Chamaria a atenção de Jill assim que estivessem a sós.

 

No Mercedes, tinha dificuldade em acreditar que fazia pouco mais de vinte e quatro horas que Ross entrara na sua loja.

 

Claire olhou-o de relance, notando a tensão nos músculos que já se tornavam familiares. A atracção física que ele exercia era inegável.

 

- Estás muito pensativa, Claire. Não há como remediar a situação. Temos de rezar para que os dois saibam o que estão a fazer.

 

- Tenho certeza de que se sairão bem - Claire fez o possível para demonstrar optimismo. - Em especial se tiverem privacidade.

 

- Já disse que conversarei com o Scott. Não posso fazer mais nada.

 

- Eu sei. O Scott é que deveria procurar um lugar para eles, portanto, a decisão é dele. Eu só... - Claire interrompeu-se, receando já ter dito mais do que deveria.

 

Jill não agradeceria a sua intromissão se lhe trouxesse problemas a ela e Scott, que pareceu muito feliz com a oferta da mãe.

 

- O teu dia será muito ocupado amanhã? - perguntou ela, tentando mudar de assunto.

 

- Vou ter uma reunião enfadonha - foi a sucinta resposta. - Se for como as outras, discutiremos futuras decisões durante toda a manhã.

 

- Como director, não podes decidir sozinho?

 

- Existem alguns problemas cujas soluções não dependem apenas de mim.

 

- E o teu pai, não te poderia dar algumas sugestões?

 

- Não - o olhar acinzentado não demonstrava emoções. - O meu pai não está em condições de decidir mais nada.

 

- Ele vai recuperar?

 

- Da paralisia, sim. Mas tem também um problema cardíaco. O especialista deu-lhe mais um ano de vida, no máximo.

 

A cada momento, Claire compreendia melhor o cuidado de Ross em poupar Richard.

 

Era quase meia-noite quando chegaram a casa. Não havia sinal do carro de Scott e nenhuma luz acesa indicava a presença de Jill.

 

- Devem ter tido um acidente! - exclamou Claire, preocupada. - Eles vieram à nossa frente.

 

- Teríamos visto se algo tivesse ocorrido. Devem ter parado em algum lugar - Ross desligou o carro e completou: - Vou esperar contigo até eles chegarem.

 

Ainda preocupada, Claire ficou feliz com a companhia dele. Decerto não conseguiria dormir enquanto não os visse sãos e salvos.

 

Claire fez café e levou uma chávena a Ross na sala de estar. Sentado na poltrona que fora a favorita do seu pai, com as pernas esticadas, ele observava ao redor.

 

- Sem leite, sem açúcar, não é? - perguntou Claire, lembrando-se da noite anterior.

 

- Isso mesmo. Obrigado. Eles chegarão num minuto - afirmou, vendo a expressão preocupada de Claire. - Tenho umas coisinhas para dizer aos dois.

 

- Eu também - Claire oscilava entre preocupação e raiva. - Afinal, já ficaram juntos o suficiente esta noite!

 

- O Scott nunca sabe quando parar. E, pelos vistos, a tua irmã também não. Se este casamento durar até ao fim do ano será um milagre. São muito parecidos.

 

- Os opostos atraem-se, os semelhantes toleram-se, não é o que dizem?

 

- Não quando as semelhanças incluem total egoísmo. Há necessidade de dar e receber em qualquer relação.

 

- Tu podes julgar o teu irmão, mas mal conheces a Jill - protestou Claire. Ele ergueu os ombros.

 

- Não é difícil analisá-la. A Jill faz o que quer, quando quer, independentemente de quem possa magoar.

 

- Isso não é verdade!

 

- É, sim. E tu sabes isso. Ela não se importou nem um minuto contigo nesta história toda.

 

- Acho melhor ires-te embora, Ross.

 

- Estás a ser precipitada. Não estou a dizer que a Jill não tenha qualidades. Condeno-a como faço com o Scott. Todos nós temos defeitos.

 

- Surpreendes-me - Claire não escondeu o sarcasmo. - E qual é a mínima imperfeição que consegues atribuir a ti mesmo?

 

- A impaciência é uma delas. Se eu estivesse tão errado a respeito da Jill, ela estaria aqui agora, e não em algum lugar, fazendo sabes muito bem o quê com o meu irmão, enquanto a irmã está aqui, preocupada com o que lhes possa ter acontecido.

 

Claire respirou fundo e tentou controlar-se.

 

- Vai-te embora, Ross.

 

As feições másculas não se modificaram.

 

- Irei depois de dizer tudo o que quero aos dois, não antes.

 

- Não vais dizer nada à Jill. Esta é a nossa casa, e quero que saias. Agora!

 

O barulho da porta a abrir-se calou qualquer resposta que ele pudesse dar. Com os olhos a brilhar, Ross virou-se em direcção aos recém-chegados. Jill entrou, aparentando qualquer coisa, excepto remorsos.

 

- Pensei que já tivesses ido para casa - disse, olhando para Ross.

 

- Estávamos à tua espera. Onde está o Scott? Onde estavam?!

 

- O Scott voltou para casa e só paramos uns minutos para ver a lua - respondeu ela, com aspereza. Não temos de pedir permissão, temos?

 

- Não, não têm! - Claire levantou-se também, a face rubra. - Se tens algo mais a dizer, guarda-o para o teu irmão, Ross! Eu cuido das coisas aqui, obrigada!

 

- Tenho a certeza que sim. Com tanto êxito quanto tiveste nos últimos quatro anos. Deixo-te conversar com a tua irmã, Claire.

 

Jill encostou-se à parede para deixá-lo passar.

 

- Até logo, cunhado - disse ela, insolente, enquanto Ross saía, apressado, batendo com a porta.

 

- Pareceu-me frustrado - disse Jill, especulando. Ele tentou alguma coisa?

 

- Não, não tentou nada! - Claire estava muito zangada com a acusação de Ross para considerar o comentário de Jill. - Tu não tens um pingo de juízo, não é? Não te importas com o que possam pensar?!

 

- Nós só parámos para um beijo de boa-noite! Qual é o problema?

 

- Suponho que estavas só a beijar antes também, quando apareceste com a roupa toda amarrotada, no restaurante. O vestido estava uma miséria!

 

Jill corou ante o comentário.

 

- E daí? Um ou dois vestidos não me farão falta depois de casar com o Scott. Devo até comprar alguns na tua loja.

 

- Não trabalho com roupas para gestantes. É só disso o que vais precisar nos próximos meses.

 

Por um segundo, a face da jovem ficou branca, mas, mesmo assim, sorriu.

 

- Claro...

 

Estaria a gastar tempo e saliva se continuasse a conversar com Jill, concluiu Claire. A irmã era mestre em ficar surda quando lhe convinha.

 

- A que horas será o teu compromisso amanhã, Jill?

 

- Compromisso? Ah, queres dizer, com o médico? À tarde. O Scott vem buscar-me para almoçarmos juntos - caminhou em direcção à escada. - Vou deitar-me. Tu vens?

 

- Assim que arrumar a sala.

 

Claire levou os copos e a cafeteira do café de volta para a cozinha, e só então se lembrou do problema que teria de enfrentar, na manhã seguinte, com o carro. Teria de apanhar um autocarro e deixar o conserto do pneu para a terça-feira, decidiu.

 

Não seria uma boa ideia, mas, depois da noite que passara, seria melhor do que acordar mais cedo.

 

Até há dois dias atrás, Ross Laxton não era nada mais que um nome no papel, uma fotografia desconhecida no jornal. Desde que o conhecera, porém, a sua vida transformara-se por completo.

 

As últimas palavras dele ecoavam na sua mente. Era verdade que Jill ficava muito livre durante a tarde, até que Claire voltasse do trabalho. Tinha ainda o sábado todo para fazer o que bem quisesse, mas por necessidade, não por negligência de Claire. Claro que Ross entendia a sua situação. De qualquer modo, quem era ele para dizer que as coisas teriam sido diferentes caso ela tivesse sido mais dura com a irmã? Scott era o verdadeiro culpado, disse a si mesma. O que não lhe serviu de consolo.

 

A segunda-feira acabou por ser um dos dias mais movimentados e rentáveis que tivera em semanas. No fim do dia, Claire estava exausta, mas satisfeita. Se continuasse assim, logo pagaria todas as suas dívidas.

 

Jill não estava quando, por fim, conseguiu chegar a casa, após esperar pelo autocarro meia hora. Cansada demais para cozinhar, fez uma sanduíche com salada e foi saboreá-la no jardim, com um copo de sumo de laranja.

 

Mais uma noite sozinha, com apenas uma brisa a tocar ao de leve o seu rosto. A senhora Johnson veio distraí-la por alguns minutos, cheia de planos para quando a neta chegasse.

 

Claire sabia que, cedo ou tarde, ela acabaria por descobrir sobre Jill, portanto decidiu contar-lhe tudo. Os Johnson iriam ao casamento. Ao menos esperava que sim.

 

Ao saber da notícia, a senhora ficou calada por um instante, mas demonstrou simpatia e compreensão.

 

- Isso acontece, querida. Podia ter acontecido à Susan também. Os jovens não encaram as coisas como nós. Pelo menos, a Jill não precisará preocupar-se com os custos para cuidar do bebé. É tudo tão caro!

 

Claire podia imaginar. Jill tinha todas as razões, pensou com ironia, para não se preocupar com aquilo.

 

- Estaremos lá! - assegurou a senhora Johnson.

 

Era obrigação da família da noiva fazer os convites, o que significava ter de contactar Madaleine para fazer a lista de convidados. Só para familiares e amigos íntimos, dissera ela, o que não deveria somar muitas pessoas. Nada poderia ser feito antes da data do casamento estar marcada.

 

Jill só chegou depois das dez horas. Estava no cinema com Scott. Ele não entrou.

 

- Então, como foi? - perguntou Claire ao perceber que a irmã não se lembrara de lhe contar. - O que é o ginecologista disse?

 

Vendo as notícias na televisão, Jill fez um gesto vago ao responder:

 

- O de sempre. Está tudo bem.

 

- Ele confirmou a gravidez?

 

- Claro - Jill estava ainda concentrada na televisão. - Adoro este novo jornalista, tu não? É muito simpático!

 

Claire meneou a cabeça e desistiu. Se estava tudo bem, era o que importava. Jill teria mais interesse pelo bebé quando tivesse uma prova da sua existência. Naquele entretanto, tinha outras coisas com que se preocupar.

 

- A senhora Laxton marcou a data do casamento, Jill?

 

- Sim. Falaremos com o padre amanhã à noite. Esperando por respostas mais concretas, Claire desligou a televisão, fitando a irmã, que se virara para protestar.

 

- Fala comigo, Jill.

 

- Estou a falar contigo! O que mais queres que eu diga?68

 

- Dia e horário.

 

- Daqui a duas semanas, quinta-feira, às quinze.

 

Pelo menos seria no seu dia de folga, o que resolvia um dos seus problemas. Com a igreja e a festa organizadas por Madaleine, restava a Claire apenas decidir sobre os convites e como levar Jill à igreja, pois ela decerto não gostaria de chegar no Fiat.

 

No dia seguinte, ligaria a Madaleine para pedir a lista de convidados.

 

- E o teu vestido, Jill? Tens alguma ideia do que vais querer?

 

- Gostarias de desenhar-me um? Uma coisa diferente!

 

Desenhar e costurar, foi o que ela quis dizer. Claire tinha pouco tempo livre para fazer aquilo, mas, mesmo assim, gostaria de o fazer.

 

- Eu adoraria, querida.

 

- A única coisa que não quero é um véu - declarou Jill, com firmeza. Pegou no comando à distância e tornou a ligar a televisão, ajeitando-se no sofá para continuar a assistir ao noticiário.

 

- Ah, quase me esquecia de te contar, Claire. O Ross vai dar-nos uma viagem de lua-de-mel à Polinésia. Fantástico, não é?

 

”É só aparência”, pensou Claire com despeito. Ross Laxton não poderia ser visto como alguém que economiza dinheiro no presente de casamento do único irmão. O facto de Jill aceitar com tanto prazer o presente, depois de tudo o que ele dissera na noite anterior, não era surpresa para Claire.

 

- Óptimo - concordou, em tom sarcástico.

 

Com o clima bom e o grande movimento na loja, os dias passaram a voar. A folga de Claire era dedicada à confecção do vestido de noiva de Jill. Primeiro, redefinindo o desenho inicial e, depois, juntamente com a irmã, a escolher os tecidos que consideraram ideais para o modelo.

 

Era um trabalho delicado, com muita costura à mão. Cansativo também, mas Claire não pouparia esforços. Podia não ser o casamento do ano, mas seria um grande dia para Jill.

 

Claire ligou a Madaleine, na quinta-feira, para perguntar sobre a lista de convidados, mas a senhora também não sabia como lidar com o problema.

 

- Considerando o pouco tempo que temos e o reduzido número de convidados, acho melhor fazermos o convite informal aos nossos amigos, Claire. Se pudesses dizer-me quantas pessoas convidaste...

 

- Mais ou menos meia dúzia - ainda não tinha a certeza dos planos de Jill. Hesitou antes de entrar no próximo assunto: - Quanto às despesas, senhora Laxton, talvez conseguisse que me mandassem as contas directamente?

 

A resposta foi directa e tentadora:

 

- O meu marido quer cuidar de tudo sozinho.

 

- Agradeço a intenção, mas não é necessário.

 

Posso arcar com os gastos, apesar do que o Ross pensa.

 

- Richard faz questão, considerando que foi o comportamento de nosso filho mais novo que causou tudo isto. Ele ficará muito magoado se o contrariar.

 

- Então, tudo o que posso fazer é agradecer Claire resignou-se, respeitando o estado de saúde precário do pai de Scott.

 

- Óptimo! Acho que era isso o que tínhamos para conversar, a não ser que tenha algo mais para discutir.

 

Até então, Jill não tinha comentado sobre o local onde iriam morar após o casamento e, apesar da preocupação, Claire sabia que não era ela quem deveria tocar no assunto.

 

- Não, acho que era só isso.

 

- Então, vemo-nos daqui a duas semanas. Deveria estar contente, pensou Claire ao desligar o telefone. Afinal, apesar do grande movimento na loja nos últimos dias, não poderia arcar com todos os gastos. De qualquer modo, a quantia que guardara para pagar a faculdade de Jill e que usaria na festa seria transferida para uma conta em nome da irmã. Assim, Jill não ficaria totalmente dependente.

 

Scott estava em casa com Jill, e planeavam ir a um concerto mais tarde. Claire planeara apenas um rápido lanche, mas, como Scott ficou para jantar, teve que fazer algo mais para o seu futuro cunhado. Cozinhou um esparguete, abriu uma lata de molho e disfarçou-o com muito queijo.

 

Scott saboreou o prato como se fosse o mais requintado que já comera. Apesar das suas falhas, era impossível não gostar dele, reflectiu Claire.

 

- Jill disse-me que passarão a lua-de-mel na Polinésia, Scott. Será um óptimo começo para a vida de casados.

 

- Cortesia do meu querido irmão. Vou confessar uma coisa: quando o Ross faz algo, faz com estilo!

 

- Já viajaste muito?

 

- Bastante. Pretendo levar a Jill a lugares que ela nunca imaginou conhecer. Há muito que explorar neste mundo!

 

- Nos últimos anos, eu não tive oportunidade de viajar. Não posso fechar a loja por muitos dias.

 

- Não há ninguém que possa cuidar de tudo por ti?

 

- Não sem ser preciso pagar.

 

- E o Andrew? Não voltaria na terça-feira?

 

- Ele já voltou, Jill.

 

- Já o viste, então?

 

- Tivemos um encontro rápido.

 

Os olhos da irmã brilharam de curiosidade.

 

- Estás a dizer que o Andrew terminou tudo?

 

- Não te ocorreu que, talvez, eu tenha terminado tudo?

 

- Se terminaste, fizeste muito bem. Nunca achei que o Andrew fosse o teu tipo. Só sabe falar sobre etiquete.

 

Scott sorriu, puxando-a e abraçando-a.

 

Olhando para os dois, Claire enterneceu-se. Eles podiam ser imaturos em muitos aspectos, mas aproveitavam o que sentiam um pelo outro. Ela e Andrew não tinham partilhado aquilo.

 

A conversa na noite anterior com Andrew não fora fácil. Acabou a dizer que Claire não sabia reconhecer um homem de verdade. Ao ouvir sobre o casamento, Andrew supusera que Claire estaria interessada em Ross Laxton. ”Imaginem!”

 

Jill e Scott foram aconchegar-se no sofá. Pareciam ter esquecido os planos de ir ao concerto. Claire juntou a louça e estava a começar a lavá-la quando o telefone tocou. Atendeu na extensão da cozinha.

 

- O Scott está aí? - perguntou Ross, sem rodeios.! Claire ficou surpresa ao ouvir a sua voz grave. Demorou um pouco a conseguir responder:

 

- Está, sim. Vou chamá-lo.

 

- Não é preciso. Diz-lhe que quero que venha ao meu apartamento ainda esta noite - houve uma pausa, e ele completou com tom mais ameno: - Resolveste o problema do teu carro?

 

- Sim, obrigada. Tinhas razão quanto aos pneus. Tive de trocá-los.

 

- Deve ter custado uma fortuna.

 

- Um décimo do que os teus devem valer, imagino.

 

- A empresa paga os meus. Imagino que lançarás o prejuízo na conta da loja. Tens um contabilista?

 

- Não. Eu faço a minha própria contabilidade.

 

- Não é uma boa ideia. É possível que estejas a perder boas oportunidades de investimentos. Eu poderia pedir ao nosso funcionário para dar uma olhadela nos teus livros.

 

- Não tenho condições de pagar a um empregado. Ross ficou impaciente.

 

- Não estou a sugerir que pagues. Não podes aceitar um simples favor?

 

”Não, vindo de ti”, pensou ela.

 

- Obrigada, mas não, Ross. Sou capaz de gerir os meus negócios.

 

- És a mulher mais orgulhosa que já conheci!

 

- Não preciso depender de caridade. Mais alguma coisa?

 

- Nada que eu possa dizer pelo telefone. Só dá o recado ao Scott.

 

O telefone foi colocado no seu sítio com força, assustando-a.

 

Scott pareceu indiferente ao ouvir o recado.

 

- Não vou. Vai ser o mesmo discurso de sempre.

 

- Sobre o quê, querido? - perguntou Jill.

 

- Falta de interesse pelos negócios da empresa.

 

- E ele tem razão? - quis saber Claire.

 

A feição simpática de Scott adquiriu uma expressão condescendente.

 

- Existem coisas melhores para fazer do que ficar o dia todo fechado num escritório.

 

- Como sair comigo, por exemplo - sorriu Jill. Claire conteve-se. Scott não apreciaria uma crítica por parte dela, nem Jill, que não via razão alguma para alguém trabalhar sem necessidade. Desde que conhecera Scott, Jill perdera o senso de proporção.

 

Com os preparativos para o casamento quase terminados e cansada de ficar em ambientes fechados, Claire decidiu dedicar todo o domingo a si mesma.

 

O céu estava claro quando se levantou às sete horas, embora não fizesse tanto calor como nos últimos dias. ”Assim será melhor para fazer uma caminhada”, reflectiu ela, determinada a não se desencorajar.

 

Vestida com uma camisola de algodão e calças de ganga, desceu para juntar os seus acessórios. Já tinha as botas há três anos, mas ainda estavam em bom estado. A mochila fora do seu pai e duraria até ao fim do Verão, calculou, enquanto pegava na capa da chuva.

 

Apesar do céu estar a ficar nublado, o seu espírito ficava mais leve a cada quilómetro que percorria em direcção ao campo. Kinder Scout era uma área montanhosa. A escalada até ao topo exigia dedicação ao desporto. Há quase duas semanas que Claire não praticava, mas sentia-se disposta e capaz. Os pés e músculos doeriam um pouco no dia seguinte, nada além disso.

 

Deixou o carro no estacionamento, à entrada do parque. Ao contrário do habitual, não havia muitas pessoas por ali. Um pequeno grupo subia à sua frente, mas tomou a rota à esquerda, enquanto Claire seguiu em frente.

 

Sentada, algumas horas mais tarde, numa pedra quase no topo da enorme montanha, Claire tomava um café e apreciava a vista do vale lá em baixo. Era mais belo à luz do sol, mas as nuvens não conseguiam tirar a sua grandeza.

 

Ela amava aquela paisagem. A civilização, com todos os seus problemas, parecia estar a anos de distância. Além de um solitário atleta, que vinha na mesma rota que ela fizera, não havia mais ninguém à vista.

 

O homem, que subia, tinha a cabeça baixa, atento às pedras do caminho. Usando botas e capa de chuva, com uma mochila às costas, parecia um montanhista sério. Familiar também, percebeu Claire de repente, quando ele ergueu a cabeça. De todos os lugares que poderia ter escolhido para caminhar, porquê aquele, e justamente naquele dia?!

 

Claire quase deixou cair o termo do café, com a pressa de guardar tudo.

 

Escolheu um dos caminhos e iniciou a descida. Escolha errada, percebeu minutos mais tarde ao virar-see notar que Ross vinha pelo mesmo caminho, a passos largos, como se quisesse alcançá-la. Suspeita confirmada pelo movimento de braço que fez, pedindo que o esperasse.

 

Claire parou. Não conseguiria despistá-lo por muito mais tempo. Encontrou os olhos cinzentos com expressão neutra e preocupada.

 

- Estás a arriscar-te, vindo aqui sozinha, Claire.

 

- Tu estás sozinho - retrucou, áspera.

 

- O pior que posso sofrer é uma queda, mas a central sabe que estou aqui. Eles não me disseram que outra pessoa tinha tomado o mesmo trilho.

 

Claire reconhecia que Ross tinha razão. Ela nem pensara em informar que rota faria.

 

- Conheço Kinder Scout como a palma da mão não quis assumir o erro. - Venho aqui há anos, e nunca me perdi.

 

- Isso é só parte do risco, e tu sabes isso. Qualquer mulher a andar sozinha por aqui está sujeita a situações desagradáveis. Pensei que fosses mais responsável. Nunca me ocorreu que pudesses ser tão imprudente.

 

- Não preciso de um homem ao meu lado. Posso tomar conta de mim mesma, obrigada.

 

Ross passou o olhar pelo corpo de Claire. As botas não aumentavam a pequena estatura, deixando-a ainda abaixo dos ombros dele.

 

- Pelos vistos, pretendemos seguir o mesmo trilho. Poderíamos, ao menos, caminhar juntos.

 

- Este é um país livre - fez o que pôde para parecer indiferente. - Não posso impedir-te de caminhar por aqui.

 

Ross adiantou-se e segurou-a pelo braço, forçando-a a encará-lo.

 

- Escuta, Claire, na noite passada eu estava perturbado e talvez tenha dito coisas que não deveria. Costumo conseguir controlar-me, mas tu... Bem, faz o que quiseres, mas, gostando ou não, terás de me aturar até ao final do dia.

 

- Como já disse, este é um país livre. Se pudesses soltar-me, eu agradeceria.

 

- Não até admitires que estás a ser irresponsável! Mulheres sozinhas em áreas isoladas correm grandes riscos. Tu não serias a primeira a descobrir isso da pior forma possível.

 

Ele tinha razão. Já tinham acontecido terríveis acidentes naquela região, e poderia muito bem acontecer com Claire.

 

- Assim está melhor - disse Ross, ao notar que ela parara de resistir. - Agora, continuemos a andar. Ainda há um longo caminho pela frente.

 

- Vamos.

 

Claire soltou-a e recomeçaram a andar. Depois de alguns minutos em silêncio, ela fez um esforço supremo para iniciar um diálogo.

 

- Não te levei a sério quando disseste que gostavas de andar.

 

- Eu percebi. É para veres como a primeira impressão pode ser errada. Para falar a verdade, és a única mulher que conheço que se interessa por este tipo de exercício.

 

- As outras são sofisticadas demais? - sugeriu ela, com sarcasmo.

 

Ross sorriu.

 

- Não são do tipo que sai de casa sem maquilhagem, isso é verdade.

 

- Nunca uso muita maquilhagem.

 

- Com a pele que tens, não precisas. As ruivas são privilegiadas nesse aspecto.

 

Claire não se sentiu grata pelo elogio inesperado, pois detestava aquela sua característica.

 

- Eu não sou ruiva!

 

- Os teus cabelos são avermelhados, minha querida, o que combina com o teu temperamento, que é infernal! Fazes qualquer homem temer pela própria vida.

 

- Como Golias temia Davi! - comparou, trocista.

 

- Mas lembra-te do que aconteceu ao desgraçado. Tamanho não é tudo.

 

- O Scott apareceu no dia em que lhe pediste? indagou Claire, mudando de assunto.

 

- Não. Também não tive oportunidade de o procurar desde então. O meu irmão não aparece no escritório há dias.

 

- Eu sei. O jovem casal está preocupado apenas em desfrutar a felicidade que estão a viver.

 

- Então eu tinha razão - Ross estendeu o braço e segurou-a quando ela tropeçou numa pedra, quase caindo. - Cuidado!

 

- É o que ganho por não ver onde ponho os pés.

 

- Ficaste irritada de novo! - observou Ross, soltando-a. - Preferias que te deixasse cair no chão?

 

Claire sentiu o rosto corar.

 

- Não, claro que não. Fiquei irritada comigo mesma por ser tão distraída, só isso. Desculpa se fui indelicada.

 

- Tens complexo de altura, não tens, Claire? Não deverias. Tu és proporcional.

 

- Tanto quanto a Barbie! - desejava que ele não fosse tão perceptivo.

 

- E tão estúpida como ela se deixares que uns poucos centímetros afectem a tua vida.

 

Continuaram a conversar mais à vontade e bem-humorados, embora houvesse ainda um elemento estranho que, ao menos para Claire, deixava uma certa tensão no ar. Ela nunca conseguiria sentir-se à vontade com alguém que a fizesse sentir-se como Ross fazia. O que quer que pensasse dele, a atracção não diminuía.

 

Eles não estavam sozinhos no cenário. Viam pessoas a mover-se no horizonte. As nuvens estavam mais baixas e teriam de ficar com os olhos abertos, sabendo que o tempo mudava depressa lá em cima, onde estavam. Ross, no entanto, não aparentava preocupação.

 

Se fosse honesta, admitiria que a presença dele a deixava mais segura, pensou Claire, olhando de relance para a figura alta a seu lado. Algumas vezes, a auto-suficiência tinha de dar lugar ao bom senso.

 

Embora não fizesse vento bastante para carregar as gotículas de água como de costume, a cascata Downfall compunha uma cena magnífica.

 

Pararam para comer um lanche, sentados sobre uma pedra, admiravam a vista.

 

Ross tinha levado uma lata de cerveja, mas não hesitou em aceitar uma chávena do café quente que Claire trouxera.

 

- Estou a prometer a mim mesmo ir de novo ao monte Pennine Way - comentou ele. - Fiz isso há dez anos. Foi uma experiência maravilhosa.

 

- Sempre tive vontade de o fazer também. O meu pai foi lá duas vezes, mas na primeira eu era muito nova, e na última, estava a estudar para os exames finais.

 

- Talvez pudéssemos organizar uma expedição. Com certeza não foi uma sugestão séria, pensou

 

Claire. Soltou uma gargalhada.

 

- Precisaria de rodas para chegar lá a acima! De qualquer modo, é apenas um sonho. Eu nunca poderia fechar a loja por dez dias ou mais para ir escalar o Pennine Way.

 

- Tiraste férias alguma vez desde que os teus pais faleceram?

 

- Bem... não - ela relutou em assumir o facto, temendo que Ross pensasse que estava à procura de simpatia. - Esse é um dos problemas de ser a única proprietária.

 

- Então, porque não procuras um sócio? Isso traria capital e permitiria que te dedicasses mais a ti mesma.

 

- É fácil dizer. De qualquer modo, prefiro eu mesma cuidar de tudo.

 

- És uma jovem independente em todos os aspectos. Hoje podes achar ser esse o melhor meio, mas e no futuro? Não pretendes passar toda a vida sozinha, não é?

 

- Não pretendo casar só por casar, Ross.

 

- Então não tens ninguém especial por perto até ao momento?

 

A pergunta foi casual. Claire respondeu no mesmo tom:

 

- Ninguém que mereça mencionar. E tu? Ele riu.

 

- Não pretendo casar tão cedo.

 

- Deverias começar a pensar no assunto se quiseres fazer isso um dia. Já não és assim tão novo, sabias?

 

- Tens razão. Mas o relógio biológico de um homem não corre tão rápido como o de uma mulher. Charles Chaplin ainda tinha filhos pequenos aos setenta anos.

 

- Pretendes fazer o mesmo?

 

- Talvez não - Ross tomou o último gole do café e estendeu-lhe a chávena, os dedos tocaram de leve os dela. - Eléctrico, não é? - disse, ao vê-la afastar-se como se tivesse levado um choque. - A energia que duas pessoas podem gerar juntas poderia iluminar toda uma cidade.

 

- Só uma cidade?

 

- Podes brincar quanto quiseres, mas não deves negar isso. Produzimos faíscas quando nos tocamos.

 

A súbita mudança de assunto incomodou-a. Claire mal sabia como reagir.

 

- Duvido que eu seja o teu tipo.

 

- Como podes saber isso? - segurou-a pelo queixo, aproximando o rosto delicado do seu. Os olhos de Ross tinham um brilho diferente. - Não sei o que eu esperava encontrar na loja na semana passada, mas tu foste uma grande surpresa, podes ter a certeza.

 

- Difícil de acreditar, considerando o modo como me trataste. Eu nem sabia que a Jill saía com alguém em especial.

 

- Eu percebi. Mas esse é outro assunto - acariciou a pele de Claire com o polegar, arrepiando-a. - Tu és capaz de enlouquecer um homem. Num momento, fria e distante, no seguinte, quase em ponto de ebulição! Perdes sempre a cabeça com tanta facilidade ou é só comigo?

 

Claire ergueu a mão para afastar a dele.

 

- Solta-me, Ross.

 

- Porquê? Estás a tentar dizer-me que a atracção só existe do meu lado?

 

Claire queria dizer que sim, mas seria mentira. Ross já devia ter sentido muitas mulheres a tremer ao seu toque para ser enganado.

 

- Acho que este é um jogo comum para ti - disse ela, num impulso. - Mas não sou uma dessas raparigas que vão logo para a cama, às quais estás acostumado!

 

- Tenho certeza disso - o seu tom era suave. - Não estaria interessado, se te considerasse como tal.

 

- Mas não negas que tinhas isso em mente!

 

- Fazer amor contigo? - sorriu. - É uma aspiração natural. Mas este não seria um local apropriado para isso.

 

- O que significa que a tua técnica de sedução sofreria com a ausência de uma cama fofa?

 

Os lábios dele curvaram-se, os olhos brilhando, divertidos.

 

- Pelos vistos, tens uma óptima opinião a meu respeito, não é?

 

Ross, com certeza, nunca precisara implorar para possuir uma mulher. Ele acendera os seus sentidos com apenas um toque. Mais um passo e acabaria com todo auto-controlo que, a duras penas, Claire conseguira manter. A ideia de que algo pudesse acontecer entre ambos fez com que se afastasse.

 

Levantou-se e pegou na mochila, colocando-a às costas, sob o olhar de Ross. Ele podia estar atraído, mas, com certeza, não o suficiente para tentar mais avanços.

 

O vale abaixo ainda estava claro. Só quando olhou para trás, Claire percebeu como o clima piorara na última meia hora.

 

- É melhor começarmos a descer, Ross. As nuvens estão a ficar pesadas.

 

Ross levantou-se, alerta, a face tensa.

 

- A culpa é minha! - exclamou ele. - Esqueci-me da primeira regra.

 

- Nenhum de nós olhou para o lado que deveria Claire estava pronta para partir. Com a visibilidade de apenas alguns metros e piorando a cada minuto, seria impossível saber o caminho certo se o chão não estivesse marcado pelos muitos pés que passaram por ali nos últimos anos. Ainda assim, havia algumas partes onde o solo estava mal marcado e o caminho se tornava indistinguível. Mas ambos tinham uma bússola, e Ross consultava sempre a sua para se certificar de que ainda se encontravam na rota certa para o sul.

 

Foi um alívio chegar ao trilho de descida, mas o tempo só piorara. Começando leve, a chuva tornara-se pesada, cobrindo todo o vale.

 

A capa de chuva de Claire era velha e perdera a impermeabilidade. Em poucos minutos, ela sentiu a humidade a penetrar nas suas roupas. As calças já estavam ensopadas pela água.

 

Ross usava uma capa que o manteria seco até no pior dilúvio. Não se preocupara em colocar o capuz, e os cabelos ficaram encharcados.

 

Chegaram à vila, que estava deserta. Ross foi ao escritório de informações para relatar o seu retorno a salvo.

 

Quando chegaram ao estacionamento, Claire arrastava-se pesadamente.

 

Restavam poucos carros lá e havia um espaço vazio onde estacionara o Fiat. Claire parou para pensar por alguns segundos se o deixara noutro local. Então, concluiu:

 

Roubaram-me o carro!

 

- Há uma esquadra nesta estrada - disse Ross. Costuma estar vazia, mas pode ser que esteja lá alguém agora.

 

Atordoada, Claire acompanhou-o, ainda não acreditando no acontecido. O seguro cobriria a perda, mas como se moveria naquele período?

 

Ross teve de tomar uma decisão ao encontrar a esquadra fechada.

 

- Não adianta procurarmos por aqui. Tens que tirar essas roupas molhadas. Vamos comunicar o roubo pelo telefone do meu carro.

 

- A chave da minha casa estava no porta-luvas, Ross. E a Jill disse que só chegaria tarde. Terei de partir um vidro para poder entrar.

 

Foram até ao automóvel de Ross.

 

- Vamos por etapas, Claire. Tenho uma manta no porta-bagagens. Poderás tirar essa roupa e enrolar-te nela.

 

- Tu também estás molhado.

 

- Só a parte de baixo das calças. O resto está seco.

 

- Eu deveria ter arranjado a minha capa ou comprado uma nova. Não esperava uma tempestade como a de hoje.

 

- Típico Verão inglês - observou Ross. Abriu a porta de trás a Claire. - Entra e despe-te.

 

Ele ligou para a esquadra mais próxima.

 

- Qual é a tua matrícula, Claire?

 

Demorou um instante para que ela, em pânico, conseguisse lembrar-se.

 

Claire tirou as botas e, em seguida, as calças de ganga. Juntou tudo à capa no chão do carro e enrolou-se na manta seca.

 

- Isso mesmo, no estacionamento Edale - Ross confirmou à pessoa que o atendia. - Fiat vermelho. Obrigado - virou-se para Claire. - Vão iniciar a busca. Acreditam que será encontrado abandonado em algum lugar.

 

- É tudo o que farão?! - perguntou, indignada.

 

- Não podem fazer muito mais, acho. Queres ficar aí atrás ou passar para o banco da frente? - perguntou Ross, sem se virar para ela.

 

- Ficarei aqui.

 

- Está bem- ligou o motor e arranjou o espelho. Tens de colocar o cinto de segurança.

 

- Está bem.

 

A chuva diminuiu em poucos minutos e, quando saíram do vale, já tinha cessado.

 

Quando se aproximaram da cidade, o sol ainda brilhava. Olhando as ruas, Claire concluiu que não tinha chovido ali durante o dia.

 

- Este não é o melhor caminho - informou a Ross, quando ele saiu da avenida principal. - É mais rápido se atravessarmos o centro.

 

- Eu sei. Vamos para minha casa.

 

- Preciso de roupas secas!

 

- Posso dar-te algumas, além de um banho quente. Melhor do que partir o vidro, não concordas?

 

- Terei de fazer isso de qualquer maneira. Quando a Jill diz que chega tarde, é mesmo tarde.

 

- Daremos um jeito, se for necessário.

 

Ross virou para uma avenida larga e arborizada.

 

Claire preferia que ele a levasse directamente para casa, mas resolveu não insistir, pois poderia ofendê-lo.

 

O apartamento de Ross ocupava todo o último andar de um prédio e, para chegarem lá, tiveram de subir por uma escada particular. Ainda usando as suas meias e enrolada na manta, Claire acompanhou-o até uma elegante sala de visitas.

 

- A casa de banho é ali - indicou Ross. - Vou buscar uma camisa ou algo que possas usar enquanto a tua roupa seca. Há um secador na área de serviço.

 

Claire seguiu em direcção à casa de banho e abriu a torneira do duche convidativo. Sob a deliciosa e quente cascata, com o rosto levantado para sentir a água, ouviu a porta a abrir-se.

 

- Vou deixar isto aqui, Claire. Acho que cobrirá tudo o que é vital.

 

Claire sentiu-se exposta. Ficou paralisada até a porta se fechar.

 

Terminou o banho depressa, secando-se com uma das muitas toalhas disponíveis. A camisa que Ross lhe dera, toda bordada, fora, decerto, feita a mão.

 

Com os botões fechados e as mangas dobradas até aos cotovelos, lançou um olhar crítico ao espelho. A peça não revelava mais das suas pernas nuas do que uma mini-saia.

 

Com os pés descalços pisando a carpete macia, saiu da casa de banho à procura de Ross. Encontrou-o numa cozinha bem equipada, do outro lado da sala.

 

- Gostas de omelete? - perguntou ele ao vê-la.

 

- Não precisas cozinhar nada para mim.

 

- Estou a fazer para os dois. Com queijo ou simples?

 

- Com queijo. Mas podes deixar que eu preparo. Ele lançou-lhe um olhar irónico.

 

- Posso fazer isso, não te preocupes.

 

Os lábios de Ross curvaram-se ao observar Claire. Os cabelos secos apenas pela toalha e ajeitados com os dedos formavam uma nuvem cor de cobre ao redor da sua face, enfatizando o brilho verde dos olhos.

 

- Gostaria de ajudar, Ross. Deve haver algo que eu possa fazer.

 

Ele indicou o saca-rolhas no armário.

 

- Podes abrir uma garrafa, se quiseres. Acharás os vinhos na prateleira ali, ao lado.

 

- Algum em particular?

 

- Escolhe tu. São todos tintos. Se preferires vinho branco...

 

- Tinto está bem - pegou no que estava mais em cima, sem reconhecer a marca. - Este é bom?

 

- Sim. Por favor, serve-o. A omelete está quase pronta.

 

Havia copos de todos os tipos no armário. Claire serviu a bebida, deliciando-se com o seu aroma.

 

Sentada à frente de Ross, Claire não conseguia concentrar-se na saborosa refeição. Ele trocara as calças de ganga húmidas por umas de fato de treino verde. Os cabelos negros atraíam o seu olhar, todas as vezes em que levantava a cabeça.

 

O vinho era delicioso. Estava a beber muito rapidamente, Claire sabia, mas ajudava-a a descontrair-se.

 

- Vou ligar para casa - disse, ao terminar de comer. - A Jill pode ter decidido voltar mais cedo.

 

- Tens um telefone logo atrás de ti.

 

Ninguém atendeu. Claire colocou o auscultador no sítio. Se precisasse partir o vidro, seria melhor fazê-lo enquanto ainda estava claro.

 

- As minhas roupas já devem estar secas - afirmou, com certo desespero, ao notar como Ross a observava. - Ao menos ficarei vestida.

 

- Não as coloquei a secar ainda. Fui trocar de roupa e comecei a cozinhar. Acabei por me esquecer. Ainda estão na lavandaria.

 

- Eu mesma deveria ter cuidado disso - Claire levantou-se. - Já volto.

 

Ross serviu mais vinho para os dois, quando ela retornou.

 

- Vamos pegar nos nossos copos e beber à vontade. Poderá ser uma longa espera.

 

”Longa demais”, pensou Claire, mas não tinha alternativa.

 

A sala de estar era espaçosa, decorada com muito bom gosto e mobilada sem ostentação. Claire acomodou-se numa das confortáveis poltronas, pondo o copo numa mesinha a seu lado, enquanto Ross escolhia um CD. O silêncio foi quebrado por uma orquestra que ela reconheceu, mas não se lembrou do nome de imediato.

 

Ainda eram sete horas. Lá fora, o sol ainda brilhava.

 

- Há quanto tempo moras sozinho? - perguntou, enquanto ele se sentava no sofá mais próximo.

 

- Mudei-me quando completei vinte e cinco anos. No entanto, vim para este apartamento há pouco.

 

- Esta zona é muito calma.

 

- É uma das razões porque adoro este lugar - acomodou-se, encostando a cabeça e cruzando as pernas.

 

- O casal do andar de baixo é tranquilo, excepto nas raras ocasiões em que dão festas. Mas, como sou sempre convidado, não há problema.

 

Claire manteve o tom leve, tentando desviar os olhos do corpo atraente e másculo diante de si.

 

- Tu também fazes reuniões com os amigos?

 

- Ainda não organizei nenhuma, mas sempre há uma primeira vez - levantou a cabeça para encará-la, a expressão difícil de ser decifrada. - Tu virias?

 

- Sou muito caseira - mentiu. - De qualquer modo, garanto que não faria falta, deves ter muitos amigos.

 

- Eu relaciono-me com várias pessoas, mas não há amizade com todas. Não seria má ideia tu conheceres aqueles que irão ao casamento. Não há nada pior do que estar rodeada de completos estranhos.

 

- Pensei que seria apenas uma comemoração familiar.

 

- Será para os íntimos, nós dissemos. Neil e eu conhecemo-nos desde que éramos miúdos. Ele é como se fosse da família. Como Diane, a mulher dele. A mãe dela e a minha foram amigas de escola. A Diane é poucos anos mais velha que tu. Vais achá-la simpática e acessível - sorriu com o que lhe veio à cabeça.

 

- Desde que ela não diga nada que te irrite, claro.

 

- Fazes com que eu me sinta como uma verdadeira víbora!

 

- Exagerada...

 

- Não tenho a certeza se gosto dessa descrição. Talvez deva alterar toda a minha personalidade para te agradar.

 

- Não em minha opinião. Ao menos a vida não é monótona a teu lado.

 

O tom foi gentil, as palavras, difíceis de serem levadas a sério. Claire riu.

 

- Pedirei que usem isso no meu epitáfio.

 

Claire olhou-o de esguelha, estranhando o silêncio de Ross. A sua expressão parecia tensa. Ele levantou-se e Claire sentiu a garganta seca demais para protestar, prevendo o que estava por acontecer.

 

Ross ergueu-a do sofá com facilidade, sentando-se a seu lado e colocando-a no colo. Beijou-a com suavidade, sem deixar de fitá-la um segundo. Os movimentos sensuais dos lábios provocaram nela fortes arrepios. Os seus lábios eram uma fonte inesgotável de prazer.

 

Claire passou os dedos por entre os cabelos negros, puxando-o para mais perto, sem tentar enganar-se mais. Porquê resistir? Queria aquilo desde que o vira pela primeira vez!

 

O perfume da pele de Ross era por si só um estímulo. De olhos fechados, entregou-se às sensações inebriantes, tremendo ao sentir a língua dele a acariciar a parte interna da sua boca, descobrindo a intensidade de emoções que nunca sentira antes.

 

Quando Ross se afastou, sentiu-se abandonada.

 

- Assim é melhor - disse ele, suave. - A raiva nunca foi uma companhia adequada.

 

- Para quê? - perguntou Claire, sem se surpreender com o tom rouco da sua voz.

 

- Sabes do que estou a falar. Quero fazer amor contigo, Claire. Está nos teus olhos que também queres.

 

Ross levou a mão até ao queixo dela, fazendo-a tremer ao acariciar o lóbulo da sua orelha. Claire já tinha ouvido falar em zonas erógenas, mas nunca imaginara que uma carícia tão simples pudesse causar uma sensação tão deliciosa. Cada leve toque queimava-a como fogo.

 

- Não irei para a cama contigo, Ross.

 

- Mas queres tanto quanto eu. Não é?

 

Claire fechou os olhos, cerrando os dentes para conter o desejo.

 

- Não podemos ter tudo o que queremos.

 

- Podemos, se quisermos com todas as forças. Encarar Ross foi um erro. Sabia que o desejo que sentia estava estampado na sua fisionomia. Não havia como negar. Ela ainda tentou protestar quando ele a beijou de novo, mas ambos sabiam que não passava de um gesto reflexo. Não apenas sexo, foi o que pensou. Não da parte de Claire, pelo menos. Os sentimentos que Ross despertara nela eram muito mais profundos.

 

A primeira tentativa de tocar os seios nus de Claire foi surpreendente. Ela moveu-se para permitir livre acesso aos longos dedos de Ross.

 

- Lindos - murmurou ele. - Como maçãs maduras!

 

Ross baixou-se para acariciá-los com os lábios, endurecendo os mamilos ao tocá-los com a língua. Claire agarrou-o com uma sensação delirante, indescritível.

 

A camisa caiu ao chão, deixando à mostra todo o corpo de Claire.

 

- Eu estava certo. Tu és perfeita! - Ross desceu a mão pelo seu ventre, sorrindo ao sentir a tensão dos músculos abdominais.

 

Claire podia ver a volúpia a crescer no brilho dos seus olhos cinzentos. Duvidou que Ross estivesse a experimentar tal intensidade de sensações. Nada daquilo deveria ser novo para ele. Não importava, não havia agora pensamento que a fizesse recuar. Tinha ido longe demais para isso. Qualquer arrependimento que pudesse vir a ter mais tarde, não seria maior do que o prazer daquele instante.

 

O sangue latejou nas suas veias quando sentiu o toque de Ross a descer até achar à parte mais íntima do seu corpo. Claire nunca tinha concedido a outro homem a liberdade de a explorar daquele modo, de descobrir os seus segredos mais íntimos. Colou os lábios aos dele em resposta passional aos seus desejos. Quando Ross parou de a acariciar, ela sentiu-se renegada.

 

- Não pares, Ross! Não agora. Não quero que pares!

 

- Não tenho essa intenção.

 

Ele levantou-se, pegando-lhe ao colo sem muito esforço, beijando-a antes de se dirigir ao quarto. Claire percebeu e não se importou. Havia muito mais por vir e ela queria ir até ao fim.

 

Ross deitou Claire na cama. Observou-o tirar as roupas, com o coração disparado. Ross tinha o corpo modelado como o de um atleta: ombros largos, abdómen rígido, pernas longas e musculosas.

 

Ross pegou na mão de Claire e puxou-a com delicadeza, ao deitar-se na cama a seu lado.

 

- Isto é muito bom!

 

Envolvida, Claire permitiu que os seus instintos a dominassem, explorando-o do mesmo modo como ele fizera com ela, sentindo prazer a cada gemido dele. Nunca se imaginara tão desinibida, livre de restrições.92

 

O súbito barulho do telefone fez com que todos os seus músculos se contraíssem,

 

- Ignora, Claire. Vai parar.

 

- Não posso - a sua voz parecia vir de um lugar muito longe. - Pode ser algo importante.

 

Ross hesitou, mas acabou por se levantar para atender.

 

-Sim?

 

De onde estava, Claire podia ouvir a voz feminina do outro lado da linha e quase cada palavra.

 

Quem quer que fosse, Ross descartou-a sem cerimónia, mas, para Claire, tudo desabou. Levantou-se e colocou a camisa, toda trémula, incapaz de o encarar quando voltou para junto dela.

 

- Não foi uma boa ideia começarmos isto, Ross. Ross segurou-lhe a mão, impedindo-a de continuar.

 

- Foi uma excelente ideia. E ainda é.

 

- Não! Deixa-me!

 

- Não querias que te deixasse há alguns minutos atrás. Desejavas tanto quanto eu ir até ao fim.

 

- Isso foi antes. Agora já não importa. Tu já tens mulheres suficientes na cidade para querer adicionar meu nome à lista.

 

- Isso não é verdade, nem justo. Tu é que insististe para que atendesse o telefone. Se mudaste de ideia, tudo bem. Mas não tentes virar o jogo contra mim apenas por um telefonema em má hora.

 

Claire estava errada, e sabia isso. Ross era um homem livre. Por outro lado, agradecia àquela desconhecida que ligara. Impedira-a de fazer o maior disparate da sua vida.

 

- Vou para casa. Chamarei um táxi.

 

- Não vais, não. Dá-me alguns instantes e eu levo-te.

 

Claire não respondeu e saiu do quarto.

 

Só ao vestir as roupas secas, segura dentro da casa de banho, se deu conta do que quase fizera. Amar Ross teria sido maravilhoso, sem dúvida. Mas o que lhe proporcionaria? Tudo o que ele sentia por ela uma paixão casual que um homem sente por qualquer mulher que apareça.

 

Ross já estava vestido, à espera dela na sala, impassível.

 

- Vamos, Claire.

 

Desceram as escadas, em silêncio. Claire esperou que entrassem no carro para falar:

 

- Lamento se estás frustrado. Mas é para o nosso bem. Não tomo a pílula, e poderíamos ter terminado como a Jill e o Scott.

 

- Parece que tu e a tua irmã se assemelham muito em relação a precauções. Acho que tenho de agradecer por estar com a que tem escrúpulos

 

- Jill não é inescrupulosa! E, por falar em precaução, não te vi tomar nenhuma.

 

- Não me deste oportunidade.

 

- Suponho que tens um stock de preservativos na mesinha ao lado da cama!

 

- Estás certa. Só os tolos correm riscos.

 

- Apenas as tolas se envolvem com homens do teu tipo! Como a grande maioria, não suportas a ideia de ser rejeitado, não é?

 

Ross tinha a expressão rígida como uma pedra.

 

- Se não fosse aquele telefonema, não terias rejeitado nada.

 

Entraram na estrada principal, mas o movimento estava fraco. Ross parou na berma. Com as mãos apoiadas no volante, pensou por um instante antes de encará-la.

 

- Isso já foi longe demais, Claire. Concordo que foi um erro, mas ambos iríamos cometê-lo. Tu não és nenhuma criança. Sabias o que iria acontecer.

 

Com a expressão séria, ela respondeu:

 

- Nunca teria ficado se soubesse que tinhas tais planos. Acreditei que fosses um cavalheiro.

 

- Se o telefone não tivesse tocado, encontrarias outro motivo para desistir. Algumas mulheres sentem prazer em agir assim.

 

O tom cínico que ele usou deu um peso ainda maior àquelas palavras. Claire mal podia respirar.

 

- Não sou uma delas. O telefonema fez com que eu percebesse como estava a ser estúpida, só isso. É diferente para ti, que não precisas sentir nada além do desejo físico.

 

- Se isso fosse verdade, eu teria uma daquelas bonecas infláveis. Vamos aceitar que mudaste de ideia.

 

Não havia nada mais que pudesse dizer, concluiu Claire assim que Ross colocou o automóvel em movimento. Mesmo que houvesse, duvidava que ele estivesse preparado para ouvir. Era a pura verdade, ela mudara de ideia. Sem sentimentos mais profundos um pelo outro, teria sido apenas um acto instintivo. Claire esperara aquele momento por tantos anos! Porquê ceder agora por tão pouco?

 

Claire sentiu-se aliviada quando, ao virarem a esquina, viu o carro de Scott estacionado à porta. Um problema a menos.

 

Ross parou, sem desligar o motor.

 

- A polícia entrará em contacto se houver qualquer notícia. Não te esqueças de comunicar à tua seguradora antes de mais nada.

 

- Como disseste alguns minutos atrás, já não sou nenhuma criança - respondeu Claire, com aspereza.

- Posso cuidar dos meus negócios.

 

Ross encolheu os ombros.

 

- Óptimo.

 

Claire saiu do carro, mas virou-se, envergonhada. Agia como uma menina mimada.

 

- Lamento, Ross.

 

- Eu também. Tinhas razão. Aquilo nunca deveria ter acontecido. Adeus.

 

A porta da frente estava destrancada, mas não havia sinal de Jill e Scott. Então, Claire ouviu barulho no andar de cima e entendeu o que acontecia. Não que tivesse moral para censurá-los, pensou, angustiada. Eles, ao menos, partilhavam o mesmo sentimento.

 

Desceram as escadas alguns minutos mais tarde, parecendo tudo, menos envergonhados por terem sido apanhados em flagrante.

 

- Quando cheguei e não te encontrei, pensei que tivesses saído para uma noitada - disse Jill. - Não costumas voltar tão tarde da caminhada.

 

- Eu sei. Foi um dia muito agradável - parou por aí, sabendo que aquilo seria suficiente para satisfazer a falsa curiosidade da irmã. - Já jantaram?

 

Scott esboçou um largo sorriso.

 

- Só o alimento do amor! Mas estou faminto. E tu, querida?

 

- Eu também.

 

- Então, é melhor prepararem algo. O congelador está cheio de congelados. Vou-me deitar.

 

Claire deixou o casal atónito no meio da sala. Ia fazer-lhes bem desenvencilharem-se sozinhos, de vez em quando. Ross estava certo. Jill era tão dependente quanto Scott.

Com o sol ainda a brilhar e a aquecer a sua cama, dormir estava fora de questão. Claire tentou ler um livro, mas não conseguiu concentrar-se. Desistiu e ficou a olhar para o jardim pela janela. Na casa vizinha, faziam um churrasco e todos pareciam muito animados.

 

Vários moradores dos arredores estavam lá e, sem dúvida, ela e Jill teriam sido convidadas se estivessem em casa.

 

”No mês passado, a esta hora, a vida era tão calma...” Agora, Jill estava grávida, e ela, apaixonada por um homem que não seria seu. A vida andava de pernas para o ar.

 

A polícia telefonou antes de Claire sair de casa, dois dias depois, para avisar que o Fiat tinha sido encontrado97

 

abandonado no campo. O único dano fora a fechadura da porta, que fora estragada.

 

- Você teve sorte - comentou o sargento. - Foi alguém que só quis ir para casa sem apanhar chuva. Pode ir buscá-lo ou quer que chame um reboque?

 

- Irei buscá-lo agora. Obrigada.

 

- Não tem de quê.

 

Jill ainda dormia quando Claire saiu. Scott fora-se embora depois da meia-noite. Após o casamento, ela não teria mais influência sobre Jill, então era melhor parar de se preocupar.

 

Claire levou quase uma hora para ir buscar o carro, e ficou aliviada ao verificar que as chaves da sua residência ainda se encontravam no porta-luvas.

 

Já eram quase onze horas quando chegou à loja, depois de deixar o automóvel no mecânico para trocar a fechadura. Não quis nem imaginar quantos clientes perdera durante o tempo que estivera ausente.

 

Havia muitas cartas por baixo da porta. Olhou-as de relance e ficou sem alento ao ver um logotipo conhecido. Esperava a renovação do aluguer, mas só para dali a uma semana.

 

Leu o conteúdo duas vezes, incapaz de acreditar no que estava escrito. Um aumento de vinte por cento levá-la-ia à falência. Aquilo era coisa do Ross, claro, concluiu, furiosa. Fora a maneira que ele encontrara para fazê-la pagar por ter ferido o seu ego gigantesco. Bem, não cederia com facilidade.

 

Dirigiu-se ao escritório. Pegou no telefone e ligou para um dos números indicados na carta. A mulher que atendeu instruiu-a a comparecer na empresa e formalizar a reclamação, mas Claire não aceitou.

 

- Diga a Ross que é a irmã da cunhada dele, e que é melhor que fale comigo!

 

Houve uma pausa antes da recepcionista responder:

 

- Aguarde um momento, por favor.

 

Se não estivesse aquela música a tocar enquanto esperava, Claire teria explodido de raiva. O som da voz de Ross na linha enfureceu-a ainda mais.

 

- Estás a ser precipitada, não estás? - disse, frio. Ainda faltam dez dias para o casamento.

 

- Se dependesse de mim, ele nem aconteceria. Ainda assim, Jill será tua cunhada, e não eu, por sorte! Espero que estejas satisfeito!

 

- Do que é que estás a falar?

 

- Sabes muito bem! Um aumento de vinte por cento vai levar-me à falência. Não tenho dúvida de que fizeste questão de tratar do meu caso pessoalmente, para controlar os meus negócios.

 

- Podes parar por aí! Se te referes à renovação do aluguer, estás a falar com a pessoa errada.

 

- Não me venhas dizer que não tens nada com isso! Tu és vingativo e egoísta, Ross!

 

A ligação foi cortada, deixando-a imóvel. Por alguns segundos, Claire permaneceu com o auscultador no ouvido, até que uma gravação solicitou que o recolocasse no sítio.

 

Só então, o seu raciocínio começou a funcionar com certa racionalidade. O seu aluguer não devia ser o único a ser reajustado naquele mês.

 

Claire desabou na cadeira, sentindo-se uma tonta. Agira por impulso, como sempre. Não parara nem um segundo para pensar. Como pudera imaginar que Ross fosse tão baixo, mesmo tendo a oportunidade?

 

Não adiantava ficar ali sentada a recriminar-se, disse a si mesma. Tinha de abrir a loja. O aumento teria de ser pago de um jeito ou de outro, se quisesse continuar ali.

 

Um pouco mais tarde, depois de ter atendido uma cliente, Claire fazia uma chávena de café, quando Ross entrou e trancou a porta.

 

- Será que agora podemos conversar como adultos?

 

Usando um fato cinzento-escuro e uma camisa branca, estava um perfeito executivo. Claire não conseguiu achar as palavras.

 

- Vais fazer com que eu perca fregueses - disse ao ver uma mulher à frente da vitrina.

 

Ross não se importou.

 

- Ninguém entrará aqui até esclarecermos tudo. O aluguer...

 

- Eu sei - Claire esforçou-se para encará-lo. - Não foste tu. Desculpa por te agredir como o fiz. Não parei para pensar.

 

- Acreditaste que eu tentaria prejudicar-te? - o tom de voz era gélido. - Fica sabendo que não tenho o hábito de me vingar das mulheres que me rejeitam.

 

Virando-se de costas, Claire disse, com calma:

 

- Não imaginei que já te tivesses deparado com esse tipo de situação.

 

- Não nos vamos desviar do assunto, certo? Como dizia, a renovação dos contratos não faz parte das minhas atribuições, mas cuidarei do teu caso.

 

Não é necessário recompôs-se, fazendo o melhor para manter a dignidade. - Não quero tratamento especial.

 

Ross observou-a por um momento, passando os olhos pelo corpo esguio e curvilíneo.

 

- Disseste que o aumento te destruiria.

 

- Estava nervosa, sem condições de raciocínio. Posso arranjar-me.

 

- Como? - os olhos cinzentos registaram certa hesitação.

 

- Cabe a mim resolver isso.

 

- Por outras palavras, preferes passar necessidades a admitir que estás com problemas?

 

- O que esperavas? Não podes reduzir o meu aluguer sem fazer o mesmo a todos os outros. Não sem que façam comentários maldosos.

 

- Já devem estar a fazer. O casamento não é segredo para ninguém.

 

Claire sentiu a face corar. Tentou lembrar-se do que dissera.

 

- Sinto muito, Ross!

 

- Deve sentir, mesmo. Tudo bem, vou sair do teu caminho.

 

- Não! - a palavra escapou dos lábios de Claire, antes que o seu orgulho o conseguisse evitar. - Esquece apenas tudo isso, por favor.

 

Ross tornou a fitá-la.

 

- Queres que eu me vá embora? Claire abanou a cabeça, desolada.

 

- Sou uma idiota...

 

- Não és, não - as linhas do rosto de Ross suavizaram-se. - Explosiva, talvez, mas não tola. O que aconteceu no domingo foi culpa minha. Deveria ter pensado melhor.

 

- Eu também - Claire olhava-o com cautela, receosa de se expor. - Agi como uma adolescente.

 

Ross não conseguiu conter um sorriso.

 

- Não o tempo todo - olhando-a, a expressão de Ross mostrou certa compreensão. - Tu nunca tinhas feito aquilo antes, pois não?

 

Não adiantava negar o óbvio. Claire abanou a cabeça.

 

- Importas-te se eu perguntar porquê?

 

- Talvez por nunca ter encontrado alguém que me tivesse despertado um desejo tão intenso.

 

- E então, conheceste-me. Isso é muito bom para o meu ego.

 

Claire conseguiu, enfim, sorrir.

 

- Como se precisasses disso... De qualquer modo, não fomos muito longe.

 

- Culpa da companhia dos telefones. Será melhor se mantivermos uma relação amigável daqui para a frente.

 

- Concordo.

 

- Não há razão para desistirmos do jantar que combinámos com a Diane e o Neil antes do casamento, não é? Que tal sexta à noite, se eles concordarem?

 

Claire não se lembrava de nenhum compromisso, mas uma amizade seria melhor que nenhum contacto.

 

- Tudo bem. E... obrigada.

 

- Porquê?

 

- Por vires até aqui. Poderias ter-me ignorado.

 

- Não depois do modo como me agrediste ao telefone - Ross sorriu. - Manterei contacto.

 

Estava quase a sair da loja quando se virou de novo.

 

- Tiveste notícias do carro, Claire?

 

- Foi encontrado hoje. Só tinha a fechadura estragada, mas já está a ser arranjada.

 

- Que bom! Até logo.

 

A tarde demorou a passar e não foi muito proveitosa. Não seria fácil marcar uma reunião com o gerente do banco, mas valeria a pena tentar. Se ele recusasse, Claire teria de pensar noutra opção.

 

Para sua surpresa, ao chegar a casa encontrou Jill sozinha. De mau humor também. Quando Claire perguntou o que acontecera a Scott, respondeu em tom brusco:

 

- Decidimos ficar uma noite longe um do outro.

 

Não podemos?

 

- Vocês decidem, Jill. É bom dar uma folga, de vez em quando...

 

A bela face de sua irmã tornou-se irónica.

 

- Poupa-me a esses velhos clichés!

 

Se não soubesse da gravidez, Claire relacionaria aquele azedume à tensão pré-menstrual. Subiu para o quarto.

 

Jill tinha aqueles ataques há anos. Talvez a variação hormonal os provocasse no início da gravidez, cogitou. Vestiu umas calças de ganga e uma camisola e foi ver o vestido de noiva da irmã. Só faltava a costura final e queria que Jill o experimentasse, mas ela não demonstrou muito interesse.

 

- Está óptimo. As tuas costuras são sempre muito boas. Além do mais, dá azar vestir antes do dia.

 

- Só se o noivo vir - Claire esperou um pouco antes de completar: - Os primeiros três meses são os piores.

 

- Como é que sabes?

 

- É de conhecimento geral. Se te sentes mal, podemos ir ao médico.

 

- Não estou doente e não quero nada!

 

Claire desistiu. Só esperava que o humor dela melhorasse em breve.

 

Nem perguntara a Ross como Richard se sentia nos últimos dias. Não podia confiar no que Scott dizia. Duvidava que ele reparasse muito no estado de saúde do pai.

 

Nada fora mencionado, até então, sobre as alterações na acomodação de Jill e Scott após o casamento, embora Claire soubesse que Ross cumpriria a promessa de falar com o irmão. Talvez a irritação de Jill se devesse àquilo.

 

A quarta-feira amanheceu chuvosa e poucos clientes foram à loja. Não que um a mais ou a menos fizesse muita diferença no final do mês, concluiu Claire. Se tivesse um lugar maior e mais dinheiro para investir, poderia diversificar o material e atrair mais clientes.

 

O clima melhorou à hora do almoço, mas, mesmo assim, as pessoas pareciam não querer fazer compras.

 

Ao ouvir a porta a abrir, Claire deparou com Madaleine Laxton.

 

- Olá! Que surpresa vê-la aqui. A educada senhora sorriu.

 

- Achei que seria bom se conversássemos pessoalmente.

 

- Claro. Talvez queira ir para o escritório. Não é muito grande, mas é melhor do que ficarmos aqui.

 

- Na verdade, eu gostaria de dar uma olhadela no teu stock - Madaleine adiantou-se. - Uma amiga esteve aqui na semana passada e encontrou o que queria. Então, disse-me que tens peças excelentes.

 

- Tento vender roupas para todos os gostos. Seria a senhora Wendover, por acaso?

 

- Ela mesma. Anna Wendover. Conhece todas as suas clientes pelo nome?

 

Claire sorriu.

 

- Apenas as que vêm aqui com mais frequência, e não tenho tantas assim. Além do mais, a senhora Wendover pagou com cartão de crédito.

 

- Não imaginava que os aceitasses, considerando a percentagem que tens de pagar à companhia, Claire. Deve consumir boa parte do teu lucro.

 

- Não muito...

 

”Ross envolveu a mãe nisto”, suspeitou Claire.

 

- Tem bom gosto para roupas - elogiou Madaleine, observando os vestidos expostos. - Ross disse que estava a meio do curso de estilismo quando os seus pais faleceram.

 

Jill devia ter comentado aquilo com Scott que, decerto, passara a informação adiante, pois não se lembrava de ter comentado nada com Ross.

 

- É verdade, senhora Laxton. Madaleine lançou-lhe um rápido olhar.

 

- Nunca pensou em continuar os estudos?

 

- Não teria tempo.

 

- Mas desenhou e está a fazer o vestido de noiva da Jill, não está?

 

- Sim, mas é apenas um. Estou muito longe de fazer uma colecção para comercializar, se é isso o que está a sugerir.

 

Madaleine sorriu.

 

- Apenas uma ideia... - pegou num conjunto preto e dourado. - Posso experimentar?

 

- À vontade. O gabinete é ali.

 

A roupa assentou-lhe muito bem. Alta e esbelta, Madaleine vestia com classe aquele modelo.

 

- Gostei dele - declarou a senhora Laxton, demonstrando entusiasmo. - Não é uma cor que costume usar, mas sempre é bom mudar. Acho que o vestirei no casamento. Ao menos você não tem dificuldade em encontrar um traje.

 

Para ser sincera, Claire não tinha nem pensado no que usar. Nada de seu stock, com certeza. Não poderia pagar.

 

- Sinto-me muito mal em relação a tudo isto disse Claire num impulso. - Ainda mais tendo em conta a condição do seu marido.

 

- Na verdade, Richard está até melhor. A fala melhorou muito, o que torna tudo mais fácil. Estas coisas acontecem. Jill é uma garota adorável. Tenho a certeza de que ela e Scott serão muito felizes.

 

- Jill é muito dependente. Não faz nada sozinha. A culpa é minha, acho. Sempre a super-protegi.

 

- O que não me surpreende, considerando que, tão jovem, teve de tomar conta dela. Scott deixa muito a desejar em se tratando de responsabilidade e já tem idade suficiente para cuidar de si próprio. Fico agradecida por Ross se ter tornado no que é. Claro que eu ficaria feliz se se casasse. Acho que não fez isso até hoje por falta de oportunidade.

 

Aquilo parecia indicar que havia alguém próximo de Ross só à espera do momento certo, concluiu Claire, enquanto a sua cliente voltava ao gabinete.

 

”E daí? Não tinha nada com ele”. Afastar-se de Ross e nunca o encontrar seria uma óptima solução, mas seria quase impossível, mesmo se desmarcasse o jantar que já fora confirmado. Teria de enfrentar a situação.

 

Scott decidiu fazer a sua despedida de solteiro na sexta-feira à noite, uma decisão que Claire considerou sensata. Com a instabilidade no humor de Jill, era melhor para os dois ficarem separados.

 

Claire deixara para lhe falar do jantar com Ross e os seus amigos no último minuto, prevendo a reacção de Jill.

 

- Se alguém deve conhecer essas pessoas, esse alguém sou eu, não tu! Afinal, sou a figura central de tudo isto.

 

- Não seria um programa para uma pessoa da tua idade. Ias aborrecer-te.

 

- Também não são da tua faixa etária. O Ross é, pelo menos, dez anos mais velho que tu.

 

- Apenas dez anos - corrigiu Claire e desejou não o ter feito ao ver o olhar desconfiado de Jill.

 

- Estás atraída por ele, não estás? Pelo amor de Deus, Claire, ele não passa de um grande aproveitador!

 

- O Ross apenas sugeriu um jantar para eu não ficar totalmente perdida no dia do casamento. Um gesto gentil, nada mais que isso.

 

- Mas tu deseja-lo. Isso não te fará feliz. O Scott diz que Ross tem mulheres em todo o lado.

 

- Scott não é a pessoa mais indicada para falar de valores morais. Ao menos, o Ross nunca engravidou ninguém! - Claire parou de repente, ao ver os olhos esverdeados escurecerem. - Oh, desculpa Jill...

 

Por um momento, o rosto da jovem ficou sombrio, como se ela fosse despencar em lágrimas, mas logo se recompôs.

 

- Não me importo com o que dizes. Não me importo com a opinião de ninguém! Nós vamos casar e é isso o que importa! Apenas deixa-me em paz!

 

Claire ficou parada, sem saber o que fazer. Jill deitou-se no sofá.

 

Claire queria ir ter com a irmã e oferecer-lhe conforto, mas conhecia o temperamento dela e sabia como seria tratada. A melhor coisa a fazer era deixar Jill no seu canto e cuidar da própria vida.

 

Ainda tinha de tomar banho e vestir-se antes de Ross chegar, às oito horas.

 

Claire escolhera uma das suas criações: umas calças e um casaco verde num fino tecido italiano. Quando Ross chegou, olhou-a com aprovação.

 

- Estás deslumbrante! - declarou, a sorrir. Usando um fato azul-escuro, ele também estava muito bonito, mas Claire limitou-se a sorrir e agradecer o elogio.

 

Aparecendo por detrás da porta, vestindo ainda as calças de ganga e a camisola que usara o dia todo, Jill fez um comentário desagradável:

 

- Para quê tanta elegância?

 

- A educação fica bem em qualquer idade - respondeu Ross, educado. - Pensei que estivesses com o Scott esta noite.

 

- Pensaste mal - Jill vírou-se e voltou para a sala. Claire esperou até que estivessem dentro do carro para se desculpar pela atitude da irmã.

 

- Acho que a Jill está cansada.

 

- Eu diria que sofre os sintomas da separação depois de ter passado tanto tempo ao lado do Scott. De qualquer modo, não vamos passar a noite a falar dos dois.

 

- Preferiste não comparecer à festa de despedida de solteiro do teu irmão?

 

- A companhia daqueles desajustados que ele insiste em chamar de amigos não me agrada nem um pouco. De qualquer modo, sou muito mais velho que eles.

 

De acordo com Jill, era muito mais velho que ela também, pensou. Após conhecer Ross, na certa homens mais jovens não tornariam a atraí-la.

 

Encontraram os Slater à espera no restaurante perto de Bakewill. Tão alto quanto Ross, mas com cabelos loiros, Neil tinha o mais brilhante par de olhos azuis que Claire já vira. Diane era alta e loira também, o corpo esguio e muito bem-humorada.

 

Aos poucos, a noite passou e Claire considerou-a muito agradável. Ross podia ser tão simpático quanto qualquer pessoa quando estava alegre, descobriu ela.

 

- É bom ver o Ross descontraído - observou Diane quando os dois homens saíram da mesa por alguns minutos. - Ele tem tido responsabilidades extra desde que o pai adoeceu. Acho que tu estás a fazer-lhe bem.

 

- Não é o que estás a pensar. Estou aqui apenas porque o Ross achou que seria bom conhecer-vos antes do casamento.

 

- A sério? Eu teria jurado... - parou, encolhendo os ombros. - Vê como sou distraída. De qualquer modo, sinto-me feliz por seres tu quem ele trouxe. És tão diferente do que imaginei.

 

- Queres dizer que achaste que, assim como a Jill, eu estaria a entrar para a família?

 

Houve uma pausa e, então, risos.

 

- Quando o Ross nos ligou a marcar este jantar, deu a impressão de que vocês estavam... envolvidos de algum modo. Eu esperava ver uma femme fatale a entrar com ele pela porta.

 

- O tipo que costuma acompanhá-lo?

 

- Como a maioria dos homens, o Ross tem a tendência voltada para a melhor embalagem. Um velho ditado diz que beleza e inteligência não se encontram na mesma pessoa. Tu és bonita e inteligente, talvez a excepção à regra.

 

Claire sentia-se à vontade e um tanto embevecida com os elogios de Diane.

 

- A tua irmã é muito bonita - continuou Diane. Nós vimo-la com o Scott em Derby outro dia. Nenhum dos dois parece suficientemente maduro para casar, abandonar os estudos e muito menos ter um filho. Os anos que Scott passou na universidade não o ajudaram a desenvolver-se o bastante. Não deve ter sido fácil para ti perder os pais daquele modo. Duvido que conseguisse ter feito tanto quanto tu fizeste.

 

- Terias, se precisasses, Diane. A necessidade faz as pessoas operarem milagres!

 

Os homens voltavam, contornando as mesas, um tão moreno, outro tão loiro... ambos chamando atenção das mulheres.

 

Deixaram o restaurante às onze horas. A caminho do estacionamento, Diane disse:

 

- Estamos a organizar um churrasco para domingo. Vocês poderiam vir e aproveitar connosco. Não será nada muito grande, apenas alguns amigos.

 

- Planeámos caminhar - respondeu Ross antes que Claire pudesse dizer algo. - Ficámos ensopados no Kinder Scout na semana passada e esperamos ter mais sorte desta vez. Obrigado pelo convite.

 

- Tu gostas de fazer essas caminhadas longas também, Claire? - Neil deu a entender que andar por prazer estava fora do seu universo.

 

- Ignora-o - avisou Diane. - Adeus.

 

- Não precisavas de inventar uma desculpa, Ross. Se me tivesses dado a oportunidade, eu mesma teria feito isso.

 

- Devo ter sido um pouco precipitado. Pensei que devíamos ir a Bleaklow.

 

- Estás a falar a sério?

 

- Alguma razão para eu brincar? Descobrimos que temos o mesmo passatempo. Porque não o partilhamos? Assim, não caminharás sozinha.

 

Claire deveria contar-lhe sobre o grupo, mas não podia fazê-lo agora. Ross poderia pensar que ela troçara dele.

 

- Não tenho certeza se estarei livre no domingo.

 

- Porque não, Claire? Precisas de uma folga após trabalhar a semana inteira.

 

- Tenho de terminar o vestido da Jill - era uma mentira, mas foi a única coisa que lhe veio à mente.

 

Acreditando ou não, Ross aceitou a desculpa sem mais insistência.

 

- Talvez um outro dia...

 

Claire ficou deprimida por tomar aquela atitude, mas sabia que fizera a melhor coisa. Quanto mais o visse, pior seria. Amizade não seria suficiente para ela.

 

Voltaram para casa em silêncio. Estavam a chegar ao bairro de Claire quando Ross reduziu a velocidade e parou.

 

- Isto não vai dar certo, Claire. Passei toda a noite a observar-te, recordando como estavas, no domingo à noite, na minha cama, à minha espera. Passei os últimos três dias a tentar tirar-te da cabeça, sem conseguir. Se ainda te sentes como naquele instante antes daquela porcaria de telefonema, diz-mo agora e começaremos outra vez.

 

Ele não estava a dizer que a amava, alertou Claire a si mesma, esforçando-se para conter a resposta impulsiva. Dizia apenas que ainda a desejava.

 

Se ela fosse adiante e deixasse a relação desenvolver-se do modo como sabia que aconteceria, poderia estar a entregar-se a uma eventual decepção amorosa.

 

Por outro lado, os seus sentimentos seriam dificilmente controláveis se continuasse a tê-lo por perto. Se Claire continuasse a recusar as oportunidades que a vida lhe oferecia, acabaria uma velha solteira e rabugenta.

 

- Então? - perguntou Ross, encarando-a. - Ao menos diz alguma coisa!

 

Afastando as dúvidas, Claire aproximou-se, pousando os lábios sobre os dele. Os braços de Ross envolveram-na, trazendo-a para mais perto. Claire queria sentir Ross vibrar de desejo, como naquela noite, fazer amor com ele entregando-lhe todos os seus anseios. Os botões da camisa de Ross cederam com facilidade. Claire percorria com os dedos os pêlos do peito másculo, adorando a sensação que proporcionavam. Ross pegou-lhe na mão e levou-a aos lábios, beijando-a com suavidade.

 

- Tu és uma caixa de surpresas, Claire.

 

- Estou cansada de ser uma menina bem comportada.

 

- Meninas bem comportadas nunca têm um temperamento como o teu - ele sorriu. - Pequena e selvagem, mas imprevisível. Tenho o pressentimento de que não saberei lidar contigo.

 

Claire pressentia que seria o contrário. O seu entusiasmo era diferente de tudo o que já experimentara. Tinha a sensação de o conhecer há séculos quando se beijavam, sedenta pelo que perdera nos últimos anos. O amor era maravilhoso, excitante, tudo o que imaginara.

 

Pegou na mão de Ross e colocou-a sobre o seio, estremecendo quando ele o acariciou. A volúpia crescia, aquecendo todo o seu corpo.

 

Foi Ross quem interrompeu as carícias, olhando-a com expressão desconfiada.

 

- Suspeito que isto deve ter sido causado pelo vinho. Bebeste quatro copos.

 

A sério? Claire não se lembrava. Não que aquilo a preocupasse naquele momento. Nunca se sentira tão sensual, desejada, espontânea.

 

Ross beijou-a mais uma vez.

 

- Vou levar-te a casa para dormires. Teremos outros dias.

 

Claire não queria ir, mas ele não lhe deu opção.

 

Ross pôs o carro em movimento. Dali em diante, ela faria com que cada momento que passassem juntos fosse o melhor possível, sem se preocupar com o que pudesse acontecer.

 

A euforia passou um pouco quando chegaram à casa de Claire. Ela sentiu-se aliviada por Ross preferir não entrar.

 

- E amanhã, Claire? Posso ir buscar-te à loja?

 

”E levá-la para onde?”, pensou ela, sóbria o suficiente para voltar a ter dúvidas.

 

- Não sei se é uma boa ideia. O vestido...

 

- Terás todo o domingo para terminá-lo. O que foi?

 

Os olhos verdes demonstravam insegurança.

 

- A Jill disse que tu és um grande aproveitador.

 

- Ela não sabe da missa nem a metade - Ross sorria, mas estava determinado. - Vais decidir ou precisarei de fazer isso por ti?

 

- Como? - ela desafiou-o e soltou um grito involuntário quando Ross a levantou do chão para beijá-la.

 

O beijo foi longo e ardente. Claire deixou-se levar, sentindo cada toque dos seus corpos.

 

- Importas-te de ficar parada pelo menos dois minutos?! - disse, quando ela tentou desvencilhar-se. Estás a deixar-me louco!

 

- Às seis horas. Boa noite, doce príncipe. Claire entrou depressa e fechou a porta sem olhar para trás, mas ainda teve tempo de ouvir a gargalhada que ele soltou.

 

- Vais-me pagar por isto, Claire...

 

”Talvez mais do que imaginas, Ross”, reflectiu.

 

Ela ouviu o som do motor a afastar-se, preparando-se para mais uma noite sozinha.

 

Vinda da sala, Jill encarou-a com expressão pessimista.

 

- Espero que saibas que és apenas a última de uma longa lista.

 

O sábado foi um dos melhores dias que Claire tivera nos últimos meses. Os clientes pareciam não acabar. Se continuasse assim, até precisaria de uma ajudante. Talvez, se o banco aceitasse o seu pedido, pudesse contratar alguém para os sábados.

 

Às quinze para as seis, prevendo não haver mais freguesas, fechou a loja e trocou o seu conjunto cinzento por um vestido esmeralda que lhe moldava o corpo. O verde destacava a cor dos seus olhos e os cabelos, e ela gostava.

 

A mão tremia ao passar baton. Se alguém lhe tivesse dito, algumas semanas atrás, que estaria a sentir-se daquele modo, ela teria rido. Apaixonar-se por Ross era o último pensamento que passaria pela sua cabeça.

 

Às seis e meia, sem nenhum sinal dele, Claire começou a achar que algo acontecera e suspeitou que Ross pensara melhor sobre envolver-se com ela. Nesse caso, poderia ao menos ter avisado.

 

Às seis e quarenta, Claire perdeu as esperanças e foi para casa. Viera de autocarro, contando com o encontro. Apanhou um táxi, zangada.

 

Jill tinha saído. Onde quer que estivesse, Claire esperava que o seu humor tivesse melhorado. Desejava que o casamento chegasse logo.

 

Fez uma chávena de café, mas não quis comer nada. O coração disparou quando o telefone tocou, mas era apenas um dos seus amigos de caminhada que queria saber se ela iria no dia seguinte. Claire podia dizer que sim, mas preferiu ficar em casa, a cuidar do jardim.

 

- Tenho outras coisas a fazer. Talvez na semana que vem.

 

Subindo para o seu quarto, tirou o vestido e vestiu a camisa de dormir e o roupão. Pretendia ver um pouco de televisão e dormir assim que o sol se escondesse. ”Belo programa para um sábado à noite!”

 

A programação de Verão da televisão despertou-lhe pouco interesse. O único filme que ainda não tinha visto era tão monótono que acabou por adormecer no sofá. A campainha despertou-a dez minutos mais tarde. Jill tinha-se esquecido da chave de novo, pensou.

 

Esperando ver a irmã do outro lado da porta, ficou confusa ao deparar com Ross, em pé na soleira.

 

- Desculpa o atraso, Claire. Fiquei preso num engarrafamento durante duas horas. Um camião virou-se e bloqueou as três faixas. Tentei telefonar, mas não consegui.

 

Claire sentiu-se mais que aliviada ao descobrir que ele não se atrasara de propósito.

 

- Não deves ter comido nada... - Claire afastou-se para ele entrar.

 

- Desde o almoço - passou o olhar pelo corpo dela, a sorrir. - Parece que já não estavas à minha espera.

 

- Como poderia saber o que tinha acontecido?

 

- Imaginei que soubesses que eu não deixaria de cumprir um compromisso.

 

- Não te conheço o suficiente.

 

Os olhos cinzentos adquiriram uma cor profunda.

 

- Então precisamos remediar esse problema.

 

O beijo deixou-a sem fôlego. Teve de se esforçar para sorrir e dizer:

 

- Não foi exactamente isso o que eu quis dizer!

 

- É apenas o começo, Claire. Escolhe: vestir-te e sair para jantar ou providenciar algo aqui mesmo, se é que tu também ainda não jantaste.

 

Claire sabia o que preferia.

 

- Respondendo primeiro à última pergunta: não, ainda não jantei. Quanto à primeira, acho que já é um pouco tarde para procurarmos um restaurante. Tenho frango congelado e salada. Não é muito para se oferecer a um homem faminto, mas...

 

- Mas o bastante para manter corpo e alma unidos

 

- Ross completou, beijando-lhe a testa.

 

- Lamento não poder oferecer-te nenhum vinho decente.

 

- Não fará falta. O frango com salada será óptimo. Claire concordou. Ela não queria o álcool a alterar a sua capacidade de julgamento naquela noite. Seria muito fácil ceder ao desejo que Ross demonstrava sentir. Fácil e perigoso. Se fizessem amor, teria de ser mais do que atracção física por parte dos dois.

 

Jantaram na cozinha, indo depois tomar café na sala. Sentada ao lado de Ross no sofá, Claire lembrou-se da outra vez em que lhe fizera café. Naquela noite, os ânimos tinham estado alterados, as palavras duras. Mas, ainda assim, Claire sentira-se atraída por Ross.

 

- Ainda tens a mesma opinião sobre o casamento? - indagou ela, de súbito.

 

- Tenho dúvidas de como será depois, se é isso o que queres saber. Nenhum dos dois me dá razão para mudar de ideia.

 

Claire olhou-o com suspeita.

 

- Não odeias o Scott, pois não?

 

- Claro que não! Sinto por ele o mesmo que tu sentes pela Jill. Isso não significa que não possa criticá-lo quando acho que merece.

 

- Ele sempre foi um pouco... egocêntrico?

 

- Os filhos mais novos tendem a ser assim. O Scott nasceu quando a minha mãe já não tinha esperança de ter outra criança. Aos quarenta anos, ela teve uma gravidez de alto risco e Scott nasceu prematuro.

 

- Sentiste ciúmes de toda atenção que o teu irmão recebeu?

 

Os olhos cinzentos olharam-na, alegres.

 

- Aos doze anos eu não precisava nem queria muita atenção. Ir sozinho para a escola dava-me certa independência. É pena o Scott não ter tido as mesmas experiências que eu!

 

Claire não tinha a certeza daquilo, mas não estava disposta a discutir sobre isso. Olhou de relance para o espelho do outro lado da sala e espantou-se com o seu reflexo. Cabelos despenteados, a pele rosada por trás do decote em V do roupão. Estar vestida com roupas de dormir-devia ser considerado provocante, mas Ross não mostrava sinais de estar dominado pelo desejo.

 

Com as mãos acomodadas atrás da cabeça, pernas esticadas, ele parecia bastante à vontade. Usava calças bege e camisola de algodão branco, muito leve. Claire concluiu que ele não tivera a intenção de a levar a nenhum lugar sofisticado. Era bem possível que tivesse planeado que fossem para o seu apartamento, directamente da loja.

 

- Se não paras de me olhar assim, vou ter de esquecer as minhas melhores intenções, Claire.

 

- De que melhores intenções estás a falar?

 

- De não te apressar a fazer algo para que não estás preparada - virou-se para encará-la, a sorrir. - A paciência nunca foi uma das minhas virtudes, como já deves ter observado. Ver-te vestida com a minha camisa, naquela noite, foi mais do que podia suportar.

 

- Tu não me forçaste a nada. Chamaste-me de imprevisível ontem à noite, mas és ainda mais do que eu.

 

- Dizes isso porque me vês como um devasso - o sorriso cresceu nos seus lábios ao notar a expressão dela. - Homens que atingem a minha idade sem se casarem são considerados mulherengos.

 

- Só se derem algum motivo para isso. Tu tens uma certa reputação.

 

- Terás de acreditar no que digo.

 

A conversa estava a caminhar para um rumo incerto. Claire analisava-o com cautela, notando que a fisionomia dele se alterara ao dizer:

 

- Não vais parar de me olhar assim? Estou a esforçar-me demais para me controlar!

 

- Porquê? Se é isso que nós dois queremos... Ross não se moveu de imediato.

 

- O que eu quero é mudar a impressão que tu tens de mim. Tivemos um mau começo. Por culpa minha, admito. Encarei as coisas de modo errado. Sentir atracção instantânea por ti não ajudou muito, pois estava convencido de que talvez não fosses melhor do que a tua irmã. E não, já não vejo a Jill como uma jovem promíscua - completou Ross quando ela ia abrir a boca para protestar. - Talvez ela precise de apanhar um susto ou dois, mas não mais do que as meninas da sua idade. É uma pena que o Scott não seja uma boa influência.

 

- Casamento e filho devem mudá-los - sugeriu Claire, sem muita esperança. - Bem, está fora de nosso controlo.

 

- E não é um assunto que queira discutir esta noite.

 

Claire entregou-se, correspondendo ao beijo, sem reservas. Independente das intenções dele a longo prazo, ela faria com que cada momento fosse o melhor possível.

 

Com os lábios ainda pousados sobre os de Claire, Ross afastou o roupão, fazendo-o deslizar sobre os ombros dela, que gemia, dominada pelas fortes sensações que lhe percorriam o corpo. Os longos dedos de Ross acariciavam as suas costas, provocando-lhe arrepios de prazer.

 

- Frágil como um vaso de porcelana - murmurou ele, no seu ouvido. - Tens ideia de quão atraente isto te deixa?

 

- Sempre pensei que os homens preferissem mulheres altas.

 

Ele riu baixinho.

 

- Eu também, até te conhecer a ti.

 

- Não foi o que pareceu.

 

- No início, talvez não. Estava muito empenhado em disfarçar o impacto que me causaste. Encontrar-te sozinha no Kinder Scout tornou a envolver-me. Sei que não vais gostar de ouvir, mas alguém tão delicado como tu não deve andar sozinha lá por - fez uma pausa, olhando-a com seriedade. - Promete-me que não irás sozinha outra vez até lá.

 

Era o momento ideal para dizer a verdade, decidiu Claire, mas não queria falar sobre aquilo.

 

- Prometo, Ross.

 

- Respondeste rápido demais para me dar segurança, mas ficarei com a dúvida.

 

Ross tocou-lhe os cabelos cor de cobre e a delicada face até a linha do queixo. Claire sentiu os tremores reiniciarem quando ele soltou a alça da camisa de dormir, deixando um seio exposto. Parecia tão pequeno na palma da mão dele...

 

Claire quis tocá-lo com maior intimidade. Colocou a mão sob a camisola dele e brincou com o peito musculoso.

 

A pele de Ross estava quente e o coração acelerou-se ao toque de Claire. Ele emitiu um gemido rouco ao sentir as carícias a descer devagar pelo seu abdómen.

 

- Se fizeres isso, querida, não haverá como parar. Não será como da última vez. Na verdade, vou-me embora. Não devemos continuar esta noite. Não com a possibilidade dos nossos irmãos chegarem a qualquer momento - deu um beijo suave na testa de Claire e subiu a camisa de dormir para cobrir os seios dela. - É melhor e mais sensato.

 

Ela não queria que Ross se fosse embora, não podia suportar a ideia de ficar sozinha com todo aquele desejo a dominar o seu corpo.

 

- É pena não poderes ir comigo amanhã. O tempo está óptimo. Diane ligou esta manhã para nos convidar para um jantar na casa deles terça-feira. Tens algum compromisso?

 

Claire procurou dar um tom casual à resposta:

 

- Não...

 

- Óptimo - Ross levantou-a, abraçando-a. - Passo a buscar-te às seis e meia.

 

- Se me deres o endereço, podemos encontrar-nos lá. Assim não precisas de me trazer depois.

 

- De jeito nenhum. Embora não acredites nisso, sou um cavalheiro. Os meus pais me educaram bem, sabias? - sorriu, com ironia.

 

Claire acompanhou-o até à porta. Ross tornou a beijá-la antes de partir, deixando-a ansiosa por mais.

 

Jill ainda não tinha chegado, quando, às onze horas, Claire subiu para se deitar. Ao passar pelo quarto dela, percebeu que a cama não tinha sido feita. Claire entrou para esticar o lençol, pensando se Scott teria o mesmo hábito. Não que eles fossem precisar daquilo enquanto morassem na casa dos Laxton, com os empregados a tomar conta de tudo.

 

Ao passar pela cómoda, viu uma caixa de tampões aberta. Levou alguns segundos a aperceber-se que faltavam dois.

 

Era claro o facto de que, se tivesse havido algum dia uma gravidez, já não havia. Um engano, talvez? Excepto pelo facto de que o ginecologista nunca teria confirmado uma condição que não existia.

 

Jill estivera com péssimo humor naqueles últimos dias, mas um aborto involuntário decerto causaria muito mais incómodo do que ela tinha demonstrado.

 

A única explicação que restava, Claire não queria sequer pensar nela. Se fosse verdade, Scott estaria envolvido também, o que não facilitaria as coisas.

 

Ainda no quarto de Jill, Claire ouviu o barulho do carro a estacionar. Depois, passos e o barulho da chave na porta.

 

Olhou-se no espelho e viu a sua surpresa transformar-se em raiva. Estava na hora de apanhar os dois, com as evidências na mão. Não estava enganada. Jill nunca estivera grávida!

 

A sala encontrava-se às escuras, e a porta, entreaberta. Claire acendeu a luz, assustando o casal.

 

- Pensei que já estivesses a dormir - disse Jill, soando mais acusadora do que envergonhada.

 

Claire ignorou o comentário, concentrada na ira que crescia dentro do peito.

 

- Achei isto em cima da tua cómoda. Talvez vocês queiram contar-me a verdade.

 

Pela primeira vez, desde que o conhecera, Scott pareceu desconcertado. Jill corou.

 

- Não devias ter entrado no meu quarto, Claire. Pensei que tinha deixado a luz apagada.

 

- Entrei lá, e daí? - Claire fez uma pausa, abanando a cabeça, impaciente. - Isso é irrelevante. Os mentirosos devem ter mais cuidado para não deixar provas tão à vista. Tu nunca estiveste grávida, não é? Meteste toda a gente nesta mentira para nada!

 

- Para nada, não! - Scott sentara-se no sofá. As feições sérias faziam-no parecer mais velho. - Foi o melhor modo de convencermos todos de que nos amamos e queremos casar.

 

- Sabíamos que ninguém queria que isso acontecesse, Claire.

 

- Tu e o Ross, sozinhos, teriam feito tudo para nos impedir. Poderíamos ter fugido e casado. Como te sentirias se tivéssemos agido desse modo?

 

- Na certa, bem melhor do que me sinto agora! Ao menos, não teriam causado tanta tensão ao senhor Laxton. Quanto a impedirmos o casamento, como seria possível? Não importa o que pensemos a esse respeito. Vocês são maiores de idade.

 

- Não conheces o meu irmão, Claire. O Ross teria encontrado um modo de impedir. Ele já era autoritário antes de controlar a empresa. Agora, acha que pode mandar na minha vida também.

 

- Se tentar fazer com que adquiras um pouco de responsabilidade é querer mandar em ti, Scott, então, acho que o Ross tem toda a razão. Duvido que tenhas chegado perto da empresa desde que tudo isto começou.

 

- Tens razão. Mas o Ross deixa-me sempre de fora. Tenho tanto direito quanto o meu irmão de estar lá.

 

- Por ser do teu pai, queres dizer? Que tal interessares-te a sério pelos negócios, dedicares-te a fazer um bom trabalho, saber tomar decisões e tudo o mais que se espera de um bom director? Do modo como encaras as coisas, duvido que chegues lá.

 

Os olhos de Scott brilhavam, a face rígida.

 

- O que entendes disso, Claire? Tu e a tua ridícula lojinha. Pensas que tens o Ross a teu lado, mas não contes com isso, nem com nada que venha dele. O Ross irá desprezar-te, como fez com todas as outras, assim que conseguir o que quer.

 

- Scott, não! - pela primeira vez Jill pareceu perturbada. - Não é uma ridícula lojinha! A Claire trabalhou muito naquela loja para nos sustentar durante todos estes anos.

 

Qualquer dor que pudesse ser causada pelo comentário de Scott foi aliviada pela defesa da irmã.

 

- Isso não importa, Jill.

 

- Importa, sim - Scott voltou atrás, parecendo envergonhado. - Jill está certa, eu não devia ter dito isto, mas não és a única impulsiva, Claire. Oiço esse sermão do Ross há anos. Hoje, tenho de o ouvir de ti também. Não sabes como é viver com o Ross como exemplo para tudo na minha vida.

 

- Não, eu não sei, Scott. Em todo caso, não é esse o assunto principal.

 

Dois pares de olhos encaravam-na com expressões idênticas, mas foi Scott quem as traduziu em palavras:

 

O casamento vai realizar-se de qualquer modo. Se não quiseres aborrecer o meu pai ainda mais, deixa as coisas como estão.

 

Claire apoiou-se na parede. As pernas bambas pareciam não conseguir mantê-la em pé.

 

- A verdade terá de vir à tona em algum momento.

 

- Então já estaremos casados.

 

- A tua mãe está a preparar o enxoval do bebé lembrou-o, ainda com dificuldade em acreditar na frieza de Scott.

 

- Não será desperdiçado. Depois resolveremos isso.

 

- Por favor, Claire - Jill implorava. - Sei que fizemos a coisa errada, mas tens de admitir que farias o possível para impedir que nos casássemos.

 

- Teria usado todos os argumentos, mas, como já disse, não poderia impedir. Nem a tua família, Scott. O que me magoa é que não era necessário nada disso. Tudo o que deveriam ter feito era resistir às pressões.

 

Scott encolheu os ombros.

 

- Tarde demais, já está feito. A questão agora é: manterás segredo até lá?

 

- Não tenho outra escolha, não é? O teu pai parece ter aceitado a ideia. Descobrir que tudo não passou de uma farsa vai desequilibrá-lo.

 

- De qualquer modo, o papá está no fim da vida, de acordo com os especialistas - foi o comentário desastrado de Scott, que a enfureceu.

 

- Não sejas tão insensível!

 

- Não sou. Estou apenas a encarar os factos. Não significa que não sinta nada por ele.

 

Qualquer que fosse o sentimento que tinha por Richard, estava longe de ser o amor que deveria existir entre pai e filho. Será que o que Scott sentia por Jill também era tão inconsistente? Era algo preocupante...

 

- Seria bom se fosses para casa, Scott. Eu gostaria de falar com Jill a sós.

 

- Não vais fazê-la desistir, Claire.

 

- Não vou tentar.

 

- Vai Scott - pediu Jill. - Vemo-nos amanhã.

 

Ele hesitou por um momento antes de se levantar e beijar Jill, com um ar confiante que Claire teria achado divertido noutras circunstâncias. Eram apenas dois jovens a tentar traçar o próprio caminho, reflectiu ela. Era difícil acreditar que era apenas dois anos mais velha que Scott.

 

Encostou-se para ele passar, mas não se sentou, apesar de ainda estar com as pernas trémulas. Jill acompanhou-o até à porta e, ao voltar, encarou Claire.

 

- Não há nada mais que possamos discutir. Sinto muito por te ter mentido, mas, como o Scott disse, está feito. Espero que guardes segredo.

 

- Vocês colocaram-me numa situação muito difícil. Como achas que me vou sentir quando os axton mencionarem o bebé?

 

- Se não tivesses mexido nas minhas coisas, não passarias por isso. Apenas esquece que sabes - Jill hesitou um momento, esperando uma resposta, que não veio. - Vou para o meu quarto.

 

Sozinha, Claire reflectiu sobre a situação. O mais difícil seria manter Ross à margem do que estava a acontecer. Não haveria nada que ele pudesse fazer caso descobrisse a verdade, mas não seria ela quem contaria. A sua capacidade de mentir seria testada ao máximo.

 

Claire passou o domingo no jardim. Scott veio buscar Jill às onze horas. Não disseram onde iriam, e Claire não se preocupou em perguntar. Em poucos dias, Jill sairia de casa e Claire tinha que se habituar.

 

Talvez colocasse a casa à venda e comprasse um pequeno apartamento, próximo do centro. Jill receberia a metade do valor, claro. Era legalmente dona de metade da loja também, considerando que o dinheiro usado para começar o negócio viera da herança dos pais.

 

Claire duvidava que Jill reclamasse a sua parte, mas a possibilidade tinha de ser prevista. Scott poderia vir a ter problemas financeiros no futuro ou mesmo achar que o que tinha não era suficiente para manter o padrão a que estava habituado. Pensando bem, não tinha de se preocupar com aquilo agora. Claire possuía o suficiente para se manter.

 

No fim da tarde de terça-feira, Claire já não se preocupava com o casamento. O que tivesse de acontecer aconteceria de qualquer modo. A ela só lhe restava aguardar o desfecho.

 

Arranjou-se para a noite com muito cuidado, maquilhando-se com espero e vestindo meias finas e delicadas por baixo do vestido preto que trouxera da sua loja. O decote deixava os ombros à mostra, o corte modelava-lhe as ancas.

 

Olhando-se ao espelho, percebeu uma leve preocupação no seu semblante, o que a fez corar. A última coisa que queria pensar era na farsa de Jill e Scott. Por sorte, eles tinham saído.

 

A casa dos Slater ficava alguns quarteirões antes da dos Laxton e era igualmente imponente. Diane usava um vestido preto também, o que ressaltava a sua imagem voluptuosa.

 

- Que coincidência! Escolhemos a mesma cor ela cumprimentou Claire, com um sorriso. - Gostaria de poder usar modelos com esse decote. Evito tudo decotado.

 

Neil conduziu-a até à sala para apresentá-la aos outros quatro convidados, que já tinham chegado. Claire não sabia que haveria outras pessoas e não estava preparada para enfrentar perguntas curiosas sobre a sua relação com Ross.

 

- Estou surpresa ao ver como vocês os dois estão bem, considerando o modo como as coisas aconteceram - comentou uma das convidadas, o que Claire considerou uma falta de tacto e diplomacia.

 

- Não vamos falar dos nossos irmãos - interferiu Ross, gentil, aproximando-se. - Estás muito bonita, Pauline. Vermelho é mesmo a tua cor.

 

O elogio fez semicerrar os olhos, que há pouco expressavam hostilidade, mais brilhantes.

 

- Já me disseram isso antes.

 

Moreno e alto, mas sem o carisma de Ross, o marido de Pauline olhava-a calado, com resignação.

 

Claire sentou-se ao lado dele à mesa. O seu nome era Miles e trabalhava com computadores.

 

- Quem não tem um nos dias de hoje? Claire sorriu.

 

- Na verdade, não uso um computador há anos.

 

- Pois ele facilitaria muito o teu negócio. Sobretudo para fazer a contabilidade.

 

Claire abanou a cabeça.

 

- Posso lidar muito melhor com uma máquina de escrever, embora esteja ultrapassada.

 

Uma gargalhada chamou a sua atenção para o outro lado da mesa. Ross tinha Diane de um lado e Pauline do outro e parecia muito à vontade com ambas. Os três falavam de uma brincadeira e, o que quer que fosse, deixara Diane em iminente perigo de perder a compostura como anfitriã.

 

- Alguns homens têm o dom de atrair as mulheres comentou Miles. Espero que não sejas ciumenta.

 

- Nunca tive motivos para ser - afirmou Claire, calma.

 

- Bem, com a tua bela aparência, não acho que precises.

 

Um delicado elogio, ao menos, pensou ela com sarcasmo, forçando um sorriso de agradecimento. Recusava-se a sentir ciúmes, não importando quanta atenção Ross desse às outras mulheres. Afinal, ele era um homem livre.

 

A reunião continuou no terraço, para o café e o licor. O clima estava abafado e raios riscavam o céu escuro, de tempos em tempos. Diane acendeu velas aromáticas para espantar os insectos, o que deu ao ambiente um ar romântico.

 

- A luz das velas é muito mais agradável, não acham? Eu gostaria de ter vivido quando ainda não havia energia eléctrica - comentou Diane, com simpatia.

 

- O que seria feito de secador de cabelo, microondas, aparelhagem de alta-fidelidade e todo o resto a que estás habituada?

 

- Não se sente falta do que nunca se teve - foi a rápida resposta.

 

Claire juntou-se aos risos. Diane era, mesmo, uma pessoa agradável, muito mais do que Pauline, que continuava a olhá-la como que a dizer ”ele foi meu antes de ser teu”.

 

Ross estava sentado no braço da cadeira de Claire. Por impulso, Claire deixou a cabeça recuar um pouco, encostando-se ao pescoço nele. Com certa satisfação, notou que os lábios de Pauline se contorciam de inveja.

 

Claire percebeu que Ross se baixou para olhá-la, mas não estava pronta para sentir a mão dele descer sobre o seu ombro, num gesto de domínio que chamou a atenção de todos e acelerou as suas batidas cardíacas. Teve que reunir todas as forças para manter a compostura.

 

Os trovões aproximaram-se, precedidos por relâmpagos que clareavam tudo a cada-minuto.

 

- Quando chegar, será uma bela tempestade disse Neil ao sentir o vento forte e húmido. - O que acham de entrarmos, antes que a chuva nos alcance?

 

Alguns pingos já caíam e ninguém discordou da sugestão.

 

Passava da meia-noite quando a tempestade, finalmente, diminuiu. Miles foi o primeiro a levantar-se para partir, alegando um compromisso logo cedo.

 

- É melhor irmos também - avisou Ross. - É uma viagem longa até casa - levantou-se, oferecendo a mão a Claire, com um sorriso convidativo. - Pronta?

 

Por uma fracção de segundo, ela imaginou qual seria a reacção dele se dissesse não. Não que tivesse tal desejo. Com a loja a abrir às nove da manhã, já teria uma noite curta pela frente.

 

- Vejo-vos na quinta - disse Diane.

 

Foi um choque para Claire perceber que nem se tinha lembrado do assunto durante toda a noite.

 

Ela manteve-se quieta no carro, o suficiente para Ross notar que algo estava errado.

 

- Cansada? O que ele estava mesmo a perguntar era se queria ir directamente para casa, notou Claire. Sabia que não estava nos seus planos lutar contra algo que quisera o dia todo.

O que quer que o futuro lhe reservasse, teria aquela noite como uma doce lembrança.

 

- Não muito... - respondeu num delicado tom de promessa.

 

Ross não fez nenhum comentário, embora Claire soubesse que ele entendera a resposta. Olhou-o de soslaio, tentando imaginar o que pensava e sentia por ela.

 

- Tens a certeza, Claire?

 

- Absoluta - assegurou, decidida. - Quero-te, Ross.

 

Os lábios dele curvaram-se.

 

- Controla-te. Ainda temos um longo caminho pela frente.

 

Longo demais, pensou Claire, observando os faróis a iluminar a escura estrada à frente. Seriam mais vinte minutos, no mínimo, até chegarem ao apartamento. Estaria cansada no dia seguinte, mas não se preocupava. No momento, aquilo era mais importante para ela do que qualquer outra coisa.

 

Ross não acendeu a luz ao entrar. Tomou Claire nos seus braços e beijou-a até ela já não saber onde estava ou que dia era. Pegou-lhe pela mão e conduziu-a até ao quarto. Claire não sentiu vergonha ao ser despida.

 

Quando Ross terminou, ela mal podia conter o desejo, beijando-o e tocando o corpo viril com paixão.

 

Ross queria aproveitar cada momento, usando as mãos e os lábios para acariciar todo o corpo nu de Claire, excitando-a a um ponto que nunca imaginara chegar, murmurando palavras que faziam o sangue pulsar mais forte.

 

Claire entregou-se por completo ao êxtase. O que quer que tivesse imaginado, não passara perto da magnitude das sensações que a percorriam, o sentimento de posse, de ter encontrado aquele que fora feito para ela.

 

Ross ergueu a cabeça para fitá-la, com o olhar mais carinhoso que Claire já vira.

 

- Tu és uma revelação! A ideia de outro homem...

- ele parou abruptamente, abanando a cabeça. - Esquece.

 

Dominada pelas emoções, Claire foi o mais sincera possível:

 

- Não quero mais ninguém. Nunca!

 

- ”Nunca” é muito tempo. Só me conheces há algumas semanas. Além do mais, nem gostas assim tanto de mim.

 

- Não é verdade - Claire passou os dedos pelos lábios dele, tremendo com aquele simples contacto. Não toda, pelo menos. Só não gosto do modo como me fazes sentir quando falas mal da Jill.

 

Ross beijou-lhe os dedos delicados e sorriu.

 

- Seria um mentiroso se dissesse que mudei de ideia quanto à tua irmã. Estava errado em atirar toda a culpa sobre ti. Com certeza, não conseguirias administrar a loja sozinha e manter o controlo sobre uma adolescente. Deus sabe o que tenho feito para manter Scott na linha - acariciando os cabelos de Claire, continuou: - Estava a lutar contra os meus sentimentos.

 

Não esperava envolver-me com a irmã mais velha da namorada do meu irmão.

 

- Não deste a impressão de estar envolvido - murmurou Claire, deliciando-se com o odor do corpo de Ross.

 

Ele riu.

 

- Se há uma coisa que aprendi é não demonstrar os meus sentimentos. As mulheres aprendem cedo a tirar vantagens das fraquezas masculinas.

 

- Como aquela que te ligou, na outra noite?

 

- Aquele foi um telefonema casual, Claire. Não há outra mulher.

 

Aquela confissão tranquilizou-a. Claire deslizou os lábios pelos ombros poderosos, percorrendo o peito até aos rígidos músculos da barriga, aumentando o seu sentido de poder ao sentir a respiração dele acelerada.

 

- Podemos fazer de novo, Claire?

 

- Quantas vezes tu quiseres.

 

”Agora sou uma mulher experiente”, pensou, apoiando a cabeça na almofada. Sentia-se realizada.

 

Já eram quase duas horas quando Ross a levou para casa. Claire queria muito passar a noite toda nos braços de Ross. Se não fosse pela loja, poderia ter ficado. Pela primeira vez na sua vida, ressentia-se daquele compromisso.

 

- Jantarei com alguns clientes, amanhã - Ross disse, já à porta da casa de Claire. - Por isso, não devo ver-te até ao casamento. Vai ser uma grande correria para ti, não vai?

 

- Conseguirei organizar tudo. Estou tão feliz por o senhor Johnson ter concordado em entrar com a Jill na igreja. Não ficaria bem entrar comigo.

 

Ross acariciou-lhe o pescoço e deu-lhe um beijo de boas-noites, que não chegou nem perto de satisfazer a vontade que ainda havia dentro dela. Ele sorriu, doce.

 

- Dorme bem, Claire.

 

Do modo como Claire se sentia, seria um milagre se conseguisse descontrair-se.

 

O dia passou sem novidades. Ao chegar, Claire encontrou Jill com o jantar pronto. Foi uma surpresa agradável.

 

- Achei que seria bom passar a minha última noite de solteira em casa contigo. O Scott e eu estaremos juntos para sempre a partir de amanhã - Jill hesitou, antes de completar: - Obrigada por teres mantido segredo.

 

- Não teria sido bom para ninguém a esta altura. Logo depois de comermos, acho melhor irmos dormir. Tens de estar linda no grande dia.

 

Havia mais pessoas na igreja do que o esperado. Ao entrar, acompanhada da senhora Johnson, Claire sentiu todos os olhares dirigidos ao seu vestido azul-marinho e branco.

 

O sorriso de Ross ao vê-la deixou Claire confiante e à vontade. Ela sorriu em retribuição.

 

O súbito soar da marcha nupcial anunciou a entrada da noiva. Scott preparou-se para recebê-la, alto e imponente no seu traje a rigor.

 

Jill estava radiante. Ao aceitar o ramo de pequenas rosas das mãos da irmã, Claire sentiu as lágrimas molharem os seus olhos.

 

- Sê feliz, Jill.

 

A cerimónia foi rápida. Como não havia escada no altar, o senhor Laxton pôde entrar com a cadeira de rodas.

 

Ross aproximou-se de Claire depois dos noivos assinarem o livro de registo.

 

- Assunto encerrado - comentou ele. - Agora podemos cuidar das nossas vidas. Tens planos para hoje à noite?

 

-Não.

 

- Agora já tens.

 

Madaleine observava os dois, com expressão enigmática, Claire notou.

 

- Fez um excelente trabalho no vestido da Jill disse Madaleine.

 

Claire olhou para a irmã, tão alta e elegante ao lado do marido. Os seus cabelos foram presos para realçar a gola rendada do vestido. Uma das suas melhores criações, reconheceu Claire.

 

- Jill queria algo diferente.

 

- É diferente e maravilhoso. Deveria dedicar-se mais, pois possui um talento inato.

 

”Fácil de dizer”, pensou Claire, agradecendo, mas não tão fácil de realizar. Terminar o curso de estilismo seria um passo na direcção certa, mas só poderia fazê-lo se vendesse a loja, o que seria muito arriscado.

 

Os familiares e amigos íntimos tinham-se estendido a cinquenta convidados ou mais.

 

A sala de jantar dos Laxton fora decorada para o evento, com mesas e cadeiras espalhadas até ao terraço para quem preferisse ficar ao ar livre. Havia champanhe à vontade. Claire aceitou um copo de um homem que se apresentou como um dos primos dos Meerston.

 

- Do lado da mãe de Scott - completou ele. Como é que a tua irmã é assim tão mais alta do que tu?

 

Claire manteve o sorriso no rosto.

 

- A minha mãe era mais baixa que o meu pai. Ele soltou uma gargalhada.

 

- Que pergunta idiota eu fiz!

 

- Deselegante, com certeza - respondeu Ross, que se aproximara sem que os dois percebessem. Colocou o braço sobre os ombros de Claire, atraindo olhares curiosos dos demais. - Anda conhecer a minha avó, Claire.

 

Ela já tinha visto na igreja a senhora muito elegante, mas nunca imaginara que tivesse idade suficiente para ser mãe de Richard Laxton. Os olhos eram ainda vivos e espertos, a fala tão clara quanto a mente.

 

- A tua irmã e o meu neto deveriam estar envergonhados do que fizeram, mas não acredito que estejam. O que pensa desse bebé que eles terão?

 

Claire apertou os lábios, consciente de Ross a seu lado e odiando a situação em que Jill e Scott a tinham colocado.

 

- Não estou satisfeita. Não foi o que sonhei para a minha irmã. Porém, os meus sentimentos não fazem diferença.

 

- Acha que ela será uma boa mãe?

 

- Não o são todas as mulheres, quando chega o momento?

 

- Nem todas. Eu mesma não fui, mesmo tendo uma ama para fazer a parte mais difícil.

 

- Às vezes, a presença de uma empregada inibe o instinto maternal - sugeriu Claire, solidária.

 

- A Claire acredita na sinceridade também, avó lembrou Ross. - Vocês vão entender-se, tenho a certeza.

 

A avó olhou-o com seriedade.

 

- Vamos ver...

 

- Com licença, avó, vou dar um passeio com a Claire - Ross sorriu, pegou na mão de Claire e afastou-se com ela. - Acredito que tu já não tenhas avós.

 

- Não. Os pais do meu pai morreram antes de eu nascer. Os da minha mãe iam no carro com os meus pais.

 

Ross conduziu-a a outra pequena sala, vazia naquele instante, e aproximou-se.

 

- Passaste por maus momentos. É difícil acreditar que estejas inteira.

 

- Não me tomes por uma personagem de uma tragédia grega. Há coisas ainda piores na vida.

 

- Não consigo imaginar o quê - acariciou-lhe a face, olhando-a com ternura. - Tu precisas de uma vida estável. Se...

 

Alguém entrou na sala, desculpou-se e saiu, mas o momento de intimidade desvaneceu-se.

 

- Este não é o lugar nem o momento. Vamos misturar-nos com os convidados - sugeriu Ross, levando-a pelo braço.

 

Claire retornou à festa com sentimentos confusos.

 

O que quer que ele fosse dizer, não tinha relevância, pois era fruto da compaixão. Ela precisava que Ross a amasse tanto quanto o amava a ele.

 

Separaram-se após alguns minutos.

 

Admirável, como sempre, num conjunto amarelo, Diane chamou Claire para conversar.

 

- Como estão as coisas?

 

- Óptimas. Não podiam estar melhores. A senhora Laxton fez um excelente trabalho.

 

- Queres dizer, o serviço de casamentos fez - não havia malícia no comentário de Diane. - Ouvi pelo menos cinco pessoas que queriam saber quem costurou o vestido da Jill. Madaleine disse que também desenhaste o modelo. Gostaria muito se pudesses fazer algo para mim.

 

- É uma pena, mas não tenho tempo para isso. A loja é a minha prioridade.

 

- Então contrata alguém para trabalhar para ti e começa a dedicar-te a isso. É óbvio que nasceste para desenhar moda. Vais dar-te muito bem, Claire.

 

- Para tanto, eu teria de contar com um salário regular.

 

- Algumas recomendações podem resolver o problema. Conheço muitas mulheres que adorariam encomendar as tuas criações - Diane, com certeza, não estava acostumada a receber um não como resposta.

- Começando por mim, claro. Sempre tive dificuldade em encontrar roupas prontas que ficassem bem no meu corpo. Seios grandes podem ser admirados por alguns homens, mas são um desastre quando procuro roupas clássicas, acredita!

 

Claire sorriu, admirando o modo como Diane falava de si.

 

- Está bem, convenceste-me. Vou pensar em algo e depois conversamos. Mas só para ti.

 

- Como quiseres, Claire.

 

Os noivos não estavam à vista. Deviam ter ficado no terraço, concluiu Claire. Andando naquela direcção, viu Richard a um canto, na sua cadeira, sem ninguém a fazer-lhe companhia. Estava com a aparência bem melhor do que da última vez em que o vira. Talvez os médicos tivessem sido muito pessimistas nos prognósticos.

 

- Lamento muito por o senhor ter sido obrigado a passar por tudo isto, senhor Laxton.

 

- Agora é tarde demais, Claire.

 

Não era, mas não seria ela quem lhe diria. A decisão cabia a Scott e Jill.

 

Richard falava com clareza agora.

 

- Ao menos o dia está maravilhoso, e aqueles dois amam-se, tenho a certeza.

 

- Disso eu não tenho dúvida - o tom de Richard era divertido. - Apenas um pouco precipitados. Esperava mais responsabilidade de um filho meu, só isso. Ross não agiria do mesmo modo. Não é verdade?

 

- O que é que é verdade? - perguntou Ross, juntando-se a eles.

 

- Tu sempre serás mais cuidadoso que o teu irmão. Espero que sim, pai. De qualquer modo, o que trouxe o meu nome à vossa conversa?

 

- O senhor Laxton estava a dizer que te aprecia muito - disse Claire, recebendo um sorriso do homem na cadeira.

 

- Estou a sentir que estás mal intencionado, Ross

- observou Richard, a sorrir. - Já sei. Vieste buscá-la.

 

- Só se a Claire quiser ir.

 

- Não quero - declarou Claire, com sinceridade. Junta-te a nós, Ross.

 

Ross puxou uma cadeira e sentou-se, olhando para o pai com a sobrancelha arqueada.

 

- Rapariga insolente, não é?

 

- Cada centímetro - concordou ele. - Precisamos de a colocar no seu devido lugar.

 

- O problema é mantê-la lá.

 

- Não deve ser tão difícil, Ross. Tu és muito maior que ela.

 

- Isso é relativo, pai. Ainda não a viste com raiva.

 

- Vocês os dois erraram na profissão - interrompeu Claire o diálogo. - São óptimos actores!

 

Dois pares de olhos cinzentos, idênticos, fitaram-se. A mensagem foi clara. O movimento de cabeça feito por Richard parecia significar aprovação. Do quê? Claire podia apenas imaginar. Com Ross tão próximo era difícil para ela manter a compostura. Mal podia esperar pela noite, quando estariam a sós outra vez.

 

Madaleine Laxton aproximou-se. O sorriso que lançou a Claire foi amigável e acolhedor.

 

- Vocês três parecem muito confortáveis.

 

- Família unida, Madaleine - respondeu o marido.

- Devias chamar os dois membros que faltam, antes de partirem.

 

- Não irão tão cedo. O voo deles só sairá às oito e meia.

 

- O Scott está a beber champanhe como se fosse água - observou o pai. - Espero que ele não esteja a pensar em conduzir hoje.

 

- Um táxi virá buscá-los às seis, pai. Está tudo programado. Não te preocupes.

 

- Acho que vou procurar um lugar mais silencioso para descansar um pouco - disse Richard.

 

- E nós - Ross disse levantando-se e dirigindo-se a Claire - vamos falar com a tua irmã e o marido. Acho que não deves ter trocado mais de duas palavras com eles desde que viemos para cá.

 

- Lembra-lhes de que ainda têm que cortar o bolo.

 

- Está bem, mãe.

 

- Vejo-o mais tarde, senhor Laxton - Claire levantou-se e segurou a mão que Ross lhe estendeu.

 

Ross conduziu-a por entre os convidados. Claire notou os olhares lançados na sua direcção e os sorrisos cúmplices que lhe eram dirigidos.

 

Não era estranho que se surpreendessem, considerando o pouco tempo que se conheciam. Todos ali deviam saber as razões do casamento à pressa. O que ninguém esperava, no entanto, era ver Ross e ela tão íntimos também.

 

Eles encontraram Jill e Scott no terraço, com um pequeno grupo de amigos da mesma idade.

 

- Quem quer bolo? - perguntou Scott ao receber a mensagem da mãe. Com o braço ao redor da noiva, ergueu a taça de champanhe que segurava para o céu. -Anós dois!

 

- Queres dizer, três! - exclamou alguém.

 

O comentário foi recebido com uma gargalhada.

 

- Não contes muito com isso, por enquanto. Claire sentiu a mão de Ross apertar a sua e corou.

 

Procurando o olhar do irmão, Scott saudou-o com o champanhe.

 

- Tarde demais para me impedir, desta vez, meu amigo. Está feito.

 

Atónito, Ross virou-se e foi-se embora, puxando Claire, forçando-a a ir com ele. Não que ela fosse recusar, apesar de supor o que estava para vir. Em algum momento, teria de enfrentar a fúria de Ross. Ele levou-a para a mesma sala em que tinham estado há pouco. Daquela vez, ele fechou a porta para evitar intromissões, olhando-a com expressão grave e acusadora.

 

- Tu participaste disto tudo, também! Sempre soubeste, não é?

 

Se Ross tivesse, ao menos, dúvida, Claire teria dito a verdade, mas a acusação deixou-a insegura.

 

A raiva que a invadiu dominou todas as outras emoções.

-E daí?!

 

Ross olhou-a como se nunca a tivesse visto antes, os lábios trémulos de ódio.

 

- Permitiste que os dois fizessem o meu pai passar por isto, por nada, Claire! Eu podia matar-te por isso!

 

Ela engoliu em seco, arrependida por tê-lo instigado com aquela pergunta tola. Ross nunca acreditaria nela agora, mesmo se tentasse redimir-se.

 

- Talvez, se não tivesses interferido tanto na vida do Scott antes, ele não sentisse necessidade de ir tão longe - disse Claire, com crueldade. - O teu irmão sabia que terias feito o possível para impedir o casamento, como da outra vez. Não podes negar isso.

 

- Eu apenas não acredito que ele esteja pronto para uma relação séria. Ainda mais com alguém como a tua irmã.

 

- O Scott teve muita sorte em encontrá-la! A Jill tem muitas qualidades para ser julgada por um insolente como tu! - Claire interrompeu-se, o coração disparado ao perceber o que estava a acontecer. – Isso não nos vai levar a lugar algum, Ross, não é como tu estás a pensar. Eu não...

 

- Já admitiste. Não tentes desculpar-te agora. Estou a começar a entender como és diabólica. Quando percebeste que eu estava atraído, decidiste jogar com a família toda, não é? Tenho de te dar os parabéns. Estava convencido da tua sinceridade.

 

Chocada, Claire não tentou explicar-se. Se Ross a considerava tão mesquinha a ponto de articular um plano tão baixo, então, paciência.

 

Ao saírem da sala, depararam com Neil Slater. Claire forçou um sorriso.

 

- Olá, aos dois - Neil saudou-os, com olhar malicioso. - Procurando uns minutos a sós? Não digam que os atrapalhei.

 

- A Claire tem de ajudar a Jill a trocar de roupa. Vem tomar uma bebida comigo.

 

Neil olhou para os dois, curioso, certo de que havia algo no ar.

 

Claire não esperou para ouvir alguma pergunta, deixando-os com um breve aceno de mão. Haveria um momento, ela sabia, em que o entorpecimento que sentia começaria a dominá-la, mas agora ainda podia manter-se em pé. Ainda teria o resto do dia para enfrentar.

 

Os noivos cortaram o bolo na sala de jantar e um fotógrafo registou o evento. Claire chamou Jill assim que terminaram.

 

- É hora de trocar de roupa. O táxi chegará daqui a meia hora.

 

- Anda comigo, Claire. Será a última vez que ficaremos juntas sozinhas. O Scott trocará de roupa no hotel. Ele vai querer usar algo mais informal, que combine com o seu estilo, hoje à noite.

 

- Não será tarde para saírem quando chegarem à Polinésia?

 

- Nada começa antes das onze! Sabes disso. Claire não sabia. Não tinha a mínima ideia de como eram as noites na Polinésia. Nem a Jill, na verdade. A irmã começaria um outro tipo de vida dali em diante, mas Claire não tinha inveja. Sentia-se apenas triste. Os planos de ir para a universidade tinham sido banidos do futuro da irmã e Claire não podia deixar de se preocupar.

 

A roupa que Jill vestiu para a viagem era composta de um casaquinho alaranjado e uma saia curtíssima da mesma cor, comprados numa boutique local que vendia roupas de última moda.

 

A bagagem dos dois estava pronta no quarto que ocupariam quando voltassem: uma suite bem arejada e redecorada, com um espaço para um pequeno sofá, além da cama e um enorme armário.

 

- Lindo, não é? - Jill olhava com satisfação para o seu futuro lar. - Gostaste?

 

- Claro. Vocês não estão a pensar em ficar muito tempo aqui quando voltarem, não é?

 

- Apenas até encontrarmos um lugar - hesitou antes de comentar: - Acho que o Ross vai sentir-se obrigado a contar o nosso segredo aos pais. Na verdade, não será uma coisa ruim. De qualquer modo, eles teriam de saber quando voltássemos. O Scott não queria que fosse desse modo. Ele está um pouco embriagado.

 

”Um pouco?!” Claire não disse nada. Não havia motivo para discutir aquilo agora. O dano já fora feito.

 

- O Ross vai cuidar disso - assegurou Claire, escondendo o seu sofrimento. - Pronta? Está quase na hora.

 

- Sim! Esta será a fase mais fantástica de toda a minha vida!

 

Claire não duvidava. Apenas esperava que a lua-de-mel durasse mais do que apenas as duas semanas da viagem.

 

As horas passaram rapidamente após saírem do quarto. Depois, Claire viu o táxi desaparecer da frente da casa, coberto de esperanças e de felicidades. Encontrar Ross alguns passos atrás, quando se virou para entrar, fez o seu coração disparar com certa esperança, mas não havia nada na sua expressão que sugerisse uma mudança do seu ponto de vista. A frieza nas suas palavras confirmou a suspeita de Claire:

 

- O meu pai gostaria de falar contigo por um instante. Ele está no escritório.

 

Os olhos verdes arregalaram-se.

 

- Já lhe contaste?

 

- Era melhor acabar com esta mentira o mais rápido possível.

 

- Melhor para quem? Não seria bom deixá-lo alguns dias em paz?

 

Os outros convidados já tinham entrado, deixando os dois sozinhos.

 

- Acho que deverias guardar a tua opinião para ti, Claire. Vais falar com o meu pai ou os teus nervos não permitirão enfrentá-lo?

 

Os cabelos avermelhados pareciam pegar fogo à luz do sol. Com os olhos a arder, Claire desabafou:

 

- Pára de ser tão íntegro, pois és o principal culpado de tudo isto! Não passas de um tolo. Até pensaste que eu estava a arrastar-me aos teus pés! Tenho uma novidade: não quero saber de ti. De qualquer modo, vou falar com o senhor Laxton.

 

Ross olhou-a pensativo por um breve momento e então abanou a cabeça.

 

- Como eu disse, ele está no escritório.

 

O auto-controlo de Ross deixara-a envergonhada por não conseguir agir da mesma forma. Não queria lembrar-se do que acabara de dizer, apenas sentia a raiva do desabafo. De qualquer modo, nada do que dissesse conseguiria piorar as coisas ainda mais.

 

Richard Laxton estava sozinho no escritório, aguardando-a.

 

- Fecha a porta, Claire. Vamos ter um pouco de privacidade - indicou-lhe uma cadeira. - Senta-te. Precisamos de esclarecer algumas coisas.

 

Claire acomodou-se, aliviada ao constatar que o pai de Scott não parecia muito irritado.

 

- O Ross disse-me que, no final das contas, não serei avô. Não posso dizer que sinto muito por isso. Se a Madaleine vai sentir o mesmo, não estou certo. Ela está a fazer planos - Richard fez uma pausa, analisando Claire, com ar amigável. - Tu sabias de tudo desde o começo?

 

Claire abanou a cabeça.

 

- Só descobri alguns dias atrás. Não havia nada que pudesse fazer naquela altura.

 

- Nem no começo seria possível. O Scott sempre foi teimoso. Quase tanto quanto o irmão. Porque é que deixaste o Ross pensar que participaste da conspiração desde o começo?

 

- Fiquei nervosa quando ele me acusou. Não me deu oportunidade de explicar.

 

- É um obstinado. Tu também, pelos vistos. Vais dar-lhe uma nova oportunidade?

 

- Não adiantará de nada. Ele não acreditará em mim agora.

 

- Então deixarás as coisas como estão?

 

- Não tem importância.

 

- Considerando o modo como tu e o meu filho se olham, diria que tem, sim. Já conheci muitas amigas do Ross, porém nunca vi nos olhos dele o brilho que te dedica a ti. Acredito que tu sintas o mesmo.

 

-Bem...

 

- Percebo as coisas com facilidade. Pensei que, afinal, o Ross tinha encontrado a pessoa certa. Ainda acho. Se esperares até tudo se acalmar, poderão prosseguir com o que tinham começado.

 

- A única coisa de que me arrependo é de não ter vigiado melhor a minha irmã, senhor Laxton. Sinto muito por tudo o que eles causaram ao senhor. Era a última coisa de que precisava numa época destas.

 

- Se dizes isso por causa da minha condição, estou melhor do que podem imaginar - inclinou a cabeça ao ver a expressão dela alterar-se. - Sim, sei o prognóstico. Os médicos já erraram outras vezes. Com o Ross a tomar conta de tudo, devo viver muitos anos ainda. Não vais mudar de ideia e conversar com ele?

 

- Não ajudará em nada. O Ross não quer saber.

 

- Se eu pudesse sair desta cadeira, daria um par de açoites a cada um! A inflexibilidade não é virtude para ninguém. De qualquer forma, terás de ir com o Ross, pois vieste na limusina.

 

- Chamarei um táxi - Claire levantou-se. Num impulso, deu um beijo na face de Richard. - Obrigada, de qualquer modo, por conduzir as coisas tão bem. Nunca me perdoaria se o senhor tivesse sofrido algo por isso.

 

- O meu filho e a tua irmã teriam sido os culpados, não tu. Não deixes que o que aconteceu entre ti e o Ross te afaste daqui.

 

A possibilidade de encontrar Ross durante uma visita afastava qualquer oportunidade de aceitar o convite, mas não disse nada. Madaleine não seria tão simpática com ela depois de descobrir a farsa.

 

Os convidados já partiam quando Claire saiu do escritório. Os Johnson estavam à sua procura. Havia um táxi a caminho, e queriam saber se iria com eles.

 

Assentindo, Claire foi despedir-se de Madaleine. Agradeceu por tudo. Não havia sinal de Ross.

 

- Pensei que ficarias até a noite, Claire. Ross planeou ir com um pequeno grupo para o clube. Tenho a certeza de que estavas incluída.

 

- Acho melhor a senhora ouvir dele as razões pelas quais não ficarei. Não estou vestida de maneira adequada para ir até lá, de qualquer modo. Obrigada por tudo, mais uma vez. A senhora proporcionou-lhes uma festa maravilhosa. Sinto muito pelas más notícias.

 

- O táxi chegou - anunciou Barry Johnson, sorridente. - Estava tudo muito lindo, senhora Laxton.

 

- Fizemos o melhor possível - virou-se para Claire, com olhar suspeito. - Talvez nos encontremos no fim-de-semana.

 

Não havia mais nada que Claire pudesse dizer ou fazer, a não ser sorrir.

 

- Talvez...

 

Ross despedia-se de um casal à porta quando eles passaram. Claire esforçou-se para parecer natural quando Barry se despediu de Ross, dando-lhe os parabéns pela bela cerimónia, encontrando os olhos cinzentos tão frios quanto os dela.

 

Claire não olhou para trás ao entrar no carro e partir.

 

No dia seguinte, Claire foi conversar com o gerente do banco e ele negou-lhe o crédito. Por enquanto, teria de usar o dinheiro guardado para a faculdade de Jill a fim de arcar com o aumento do aluguer, concluiu ela, deprimida. Se colocasse a casa à venda já, poderia ter o dinheiro antes do fim do Verão. Aquilo dar-lhe-ia capital para refinanciar a loja e dar a Jill a parte que lhe cabia. Claire poderia alugar um apartamento pequeno onde morar sozinha.

 

Claire mostrou a casa a três pessoas no domingo, mas nenhuma pareceu muito interessada. Naquela ocasião, havia muitas residências à venda.

 

No sábado seguinte, sem nenhum contacto com os Laxton ou com Diane, Claire atingira um estágio em que nada mais parecia afectá-la.

 

Foi o telefonema de Jill na loja, a avisar que chegara, que tirou Claire da apatia. A irmã estava animada, ansiosa por mostrar as fotografias que tinham tirado durante a viagem. Ela e Scott iriam visitá-la à noite.

 

Um pouco antes das oito, Claire deduziu que já não viriam. O modo mais fácil de saber era ligar para a casa dos Laxton, mas não queria fazê-lo.

 

O som de um automóvel a aproximar-se deixou-a aliviada.

 

Devia ter imaginado que Jill se esqueceria da chave, pensou ao ouvir a campainha. O sorriso de boas-vindas congelou-se nos seus lábios ao ver Ross parado à porta.

 

Vestindo um fato escuro, ele parecia o sonho de toda a mulher, apesar da sua expressão.

 

- Lamento informar-te de que houve um acidente, Claire. Vim buscar-te para te levar ao hospital. O Scott ligou de lá. Ele não se feriu com gravidade, mas a Jill terá de ser operada. É tudo o que sei até ao momento.

 

Claire encarou-o, lívida. ”De novo não! Por favor, de novo não!”

 

- A Jill está viva - avisou Ross, gentil, percebendo o que se passava no seu íntimo. - Vem comigo. Estaremos lá em quinze minutos.

 

Claire obrigou-se a mover-se. Um resquício de racionalidade fê-la trancar a casa, mas não pegou em nenhum casaco para vestir sobre a fina camisa. O medo do que iria encontrar dominou toda a sua mente. Jill era a única pessoa que tinha. Se ela morresse...

 

Ross abriu a porta do carro para ela entrar e colocou o cinto ao perceber que os seus dedos eram incapazes de fazê-lo.

 

- Como aconteceu, Ross?

 

- Vinham para cá. É só o que sei.

 

- Foi culpa do teu irmão. O Scott conduz como um louco.

 

Ross manteve os olhos na estrada.

 

- Vamos deixar as acusações para depois de sabermos o que aconteceu.

 

Encontraram Scott na sala de espera do hospital, quinze minutos mais tarde. Claire esforçou-se para não o agredir. O choque do acidente deixara-o pálido, embora os únicos sinais de ferimentos fossem um colarinho no pescoço e o braço engessado.

 

- Ela já entrou há uma hora - disse ele, assustado.

- Foi tudo culpa minha. Eu vinha muito rápido. Nós saímos da estrada, o veículo capotou. A Jill pediu-me para ir mais devagar. Se ela morrer, mato-me! Não viverei sem ela.

 

Claire conteve o seu impulso e disse:

 

- A Jill não vai morrer. É forte, é jovem. Vai conseguir. Sei que vai!

 

- Vou procurar saber o que está a acontecer - Ross

 

levantou-se.

 

A porta abriu-se naquele instante e uma jovem enfermeira surgiu. Ela sorria, feliz por poder dar boas notícias.

 

- O quadro não é tão sério quanto pensávamos a princípio. Algumas costelas partidas, escoriações generalizadas, mas nada crítico. Devido à sua idade, muito em breve estará recuperada.

 

- Quando poderemos vê-la? - Claire não conseguia conter as lágrimas de alívio.

 

- A Jill estará em observação por mais algumas horas, então seria melhor que fossem para casa e voltassem amanhã cedo.

 

- Ficarei aqui de qualquer jeito - declarou Scott. Quero estar por perto quando a minha mulher acordar.

 

Claire começou a dizer que ficaria também, mas percebeu o olhar de Ross e cedeu. Culpado ou não, Scott era quem Jill gostaria de ter a seu lado ao acordar. Ao menos, já não tinha dúvida dos sentimentos dele pela irmã, pois parecia um homem que dava novo sentido à vida.

 

- Chamarei um táxi - decidiu Claire. - Assim poderás seguir o teu caminho, Ross.

 

- Ia apenas a um jantar de negócios. Eu levo-te a casa.

 

Claire observava os números no elevador, a garganta seca e dolorida.

 

- Não te preocupes, obrigada.

 

Ross manteve-se em silêncio. Esperou até estarem do lado de fora para segurar o braço dela e conduzi-la ao Mercedes. Claire acedeu sem protestar, fraca demais para fazer qualquer esforço. Jill ficaria bem, aquilo era o principal.

 

Ao estacionar diante da casa de Claire, Ross saiu com a clara intenção de entrar.

 

- Vou fazer-te um café, Claire. Senta-te no sofá.

 

Claire obedeceu, pois as pernas ainda estavam trémulas. Era pouco mais de dez e meia, notou, incrédula. Parecia que tinha passado uma noite inteira desde que encontrara Ross diante da sua porta.

 

Claire tentou não demonstrar nenhuma reacção ao toque dos dedos masculinos, quando aceitou a chávena das suas mãos. Nada mudara. Ele ainda a deixava tensa.

 

- Bebe - pediu Ross ao notar que ela apenas molhara os lábios. - Está quente e doce. É bom para reanimar.

 

- Sinto-me bem. Obrigada, mas não preciso disto. Agradeço também por me teres trazido a notícia. Saber por telefone teria sido muito pior.

 

- Era o mínimo que eu poderia ter feito. Acho que o Scott cresceu muito esta noite. Sinto que tenha acontecido deste modo.

 

- Os teus pais já sabem?

 

- Telefonei-lhes enquanto fazia o café. Estão aliviados por não ter sido nada sério.

 

- Como é que a tua mãe reagiu ao saber da falsa gravidez?

 

- Mal, a princípio, mas recuperou-se.

 

Um pesado silêncio permaneceu por alguns minutos. Claire, desejava que Ross partisse. Não queria ficar a sós com ele.

 

Quando Ross se moveu, foi com determinação. Tirou a chávena da mão dela e colocou-a sobre a mesa. Fez Claire levantar-se e, envolvendo-a nos braços, beijou-a com doçura. Claire correspondeu com ardor, não se preocupando com o porquê daquela iniciativa. Estar perto dele era o suficiente naquele momento.

 

- O meu pai disse-me que tu só soubeste que a Jill não estava grávida alguns dias antes do casamento, Claire. Se é verdade, porque é que deixaste que eu pensasse outra coisa?

 

- Porque estavas convencido. Eu não iria implorar inocência quando já tinhas concluído que eu mentira. Fiquei arrasada quando soube a verdade, mas não sabia o que fazer.

 

- Poderias ter-me contado.

 

- E o que farias? Terias tentado impedir o casamento?

 

- Seria um pouco tarde para isso.

 

- Então, não tinha por que contar, não é? Achei que deixar tudo como estava pouparia o teu pai.

 

Ross observava-a com atenção.

 

- E depois?

 

- Tudo teria de ser esclarecido mais cedo ou mais tarde. Só não esperava que o Scott o fizesse daquele modo.

 

Ross sorriu.

 

- Ele fez aquilo para se vingar de mim pelos tempos em que controlava as suas aventuras. Não que eu possa culpá-lo pela minha atitude. Tirei muitas conclusões precipitadas.

 

- Isso significa que não achas que eu tinha interesse ao me aproximar de ti?

 

- Isso significa que passei as últimas duas semanas num buraco cavado por mim mesmo.

 

- Como eu... Mais cedo ou mais tarde, terei de aprender a ser menos impulsiva.

 

- Não serias tu, se parasses para pensar antes de agir. Tenho que evitar de te provocar com tanta frequência.

 

Quando Ross a beijou de novo, Claire deu livre acesso às emoções que afloravam à sua pele.

 

Continuando a beijá-la, Ross levantou-a do chão e sentou-a no sofá, acomodando-a nos braços. Usou a mão livre para percorrer o pequeno corpo até encontrar os seios, por baixo da fina camisa que ela usava, tocando-os com volúpia.

 

- Chega de mal-entendidos, Claire. Eu amo-te. Mais do que achei que fosse possível amar uma mulher.

 

- Tens a certeza de que não me estás a confundir com outra pessoa?

 

Ross sorriu e abanou a cabeça.

 

- Não há confusão alguma. Passei anos à procura de alguém com quem eu desejasse passar o resto da minha vida. Estava quase a perder a esperança. Acho que tenho de agradecer ao Scott por ser como é. Se ele e a Jill não estivessem juntos, não nos teríamos conhecido.

 

Fez uma pausa e estudou-a, mudando de expressão.

 

- Tu não deves sentir o mesmo por mim ainda, mas...

 

Claire colocou as mãos sobre os lábios dele, impedindo-o de continuar. A face dela estava serena e radiante, os olhos, a cintilar de felicidade.

 

- Sinto tanto ou mais, Ross. Amo-te há anos! A feição tensa relaxou novamente.

 

- Tu não me conheces há anos, tolinha.

 

- Dias, semanas, o que importa? Eu apaixonei-me no momento em que te vi entrar na loja. Apesar de ter tentado odiar-te.

 

- Fui um tanto brutal - concordou Ross. - E não só daquela vez.

 

Ele beijou-a com um carinho que valia mais do que qualquer palavra.

 

- Quero cuidar de ti, Claire. De agora em diante, os teus problemas são os meus problemas. Amanhã vamos ver as tuas finanças.

 

- Não quero o teu dinheiro! Amo-te a ti, Ross, não o que possuis!

 

- Não esperas que eu deixe a minha mulher batalhar sozinha para sobreviver, não é? Em todo o caso, vender não é o que mais gostas de fazer. A Diane disse-me que já concordaste em desenhar alguns modelos para ela. Podes dedicar-te a isso e deixar a loja.

 

A sua mulher... Aquilo era maravilhoso, mas não estava pronta para deixar Ross interferir na sua vida.

 

- Não sou assim tão boa estilista.

 

- És, sim. De acordo com a Diane, não faltará procura. Ela estava em dúvida se devia falar contigo quando soube que nos tínhamos separado. Ficará aliviada ao saber que nos entendemos, não só pelo teu trabalho. Ela gosta muito de ti.

 

- Eu também gosto dela. De qualquer modo... Ross acariciou os cabelos ruivos.

 

- Podemos discutir isso mais tarde. Agora, há coisas mais importantes a fazer. Ficarei aqui esta noite. Se quiseres, posso dormir no quarto de hóspedes, mas não te deixarei sozinha nesta casa depois do choque que tiveste.

 

- Foi mais do que isso - Claire acariciava os traços marcantes do rosto de Ross, os olhos escurecidos pelo desejo crescente. - Esquece o quarto de hóspedes! Quero-te, Ross.

 

Ele sorriu, retribuindo a carícia.

 

- Como preferires, minha querida.

 

 

                                                                  Kay Thorpe

 

 

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