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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A MENTIRA MORA AO LADO / Blake Pierce
A MENTIRA MORA AO LADO / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Trabalhar como babá não era a vida que Kim Wielding havia sonhado para si mesma, mas era algo bem divertido. O que era um pouco surpreendente, considerando que, com vinte e poucos anos, ela havia corrido atrás da carreira de seus sonhos, em Washington, trabalhando em campanhas e escrevendo discursos para candidatos com poucas chances. E quase havia conseguido se dar bem.
Quase.
A vida prega peças engraçadas às vezes.
Agora, aos trinta e seis anos, aqueles sonhos de trabalhar na capital haviam ficado para trás. Ela havia os substituído por outro sonho: o de escrever uma incrível história americana nos horários livres de seu trabalho como babá. Ela havia, de certa forma, caído de paraquedas naquele emprego, depois de uma derrota horrível de um candidato promissor para quem havia trabalhado. Aquilo fora o necessário para que ela deixasse a ideia de lado por um tempo. E longe da política, uma nova oportunidade de emprego caíra em seu colo. Nunca havia pensado em cuidar de crianças, mas estava dando certo.
Kim refletia sobre seu primeiro emprego como babá enquanto estava sentada na cozinha, dentro da casa de Bill e Sandra Carver. Era difícil acreditar que mais de dez anos já haviam se passado. Essa década era período de tempo que, de alguma maneira, havia borrado as memórias de trabalhar na capital, escrevendo discursos de esperança com um leve toque de mentiras.
Seu notebook estava a sua frente. Ela havia chegado a marca de quarenta mil palavras em seu livro. Imaginou que estivesse mais ou menos na metade. Talvez, ela terminaria em mais ou menos seis meses. Tudo dependia da direção que as vidas dos três filhos dos Carver tomaria. O mais velho, Zack, estava na nona série naquele ano, encarando o futebol americano como um passatempo, mas levando a sério. O filho do meio, Declan, jogava futebol. E a mais nova, Madeline, praticava ginástica. Kim sabia que teria muito trabalho nos próximos meses.
Ela fechou seu notebook e olhou pela cozinha. Estava descongelando frango para a janta. A bancada já estava vazia, a louça estava limpa, e a quarta leva de roupas estava batendo na máquina de lavar. Até que as crianças chegassem, ela não teria mais o que fazer. E por isso estivera trabalhando em seu livro pelos últimos quarenta e cinco minutos.
Olhou para o relógio e viu que o dia havia passado muito rápido—algo que ela estava começando a entender que acontecia muito com as babás. Ela precisaria sair para pegar as crianças na escola em quinze minutos... e essa não era uma simples tarefa, já que os filhos dos Carver estavam crescendo em escadinha, com a mais nova no primário, o do meio no ginásio e o mais velho no ensino médio. Assim, ela levava pelo menos uma hora no trânsito para pegar todas as crianças e retornar para a casa delas. Mas a tarefa havia ficado mais fácil, agora que Kim recentemente descobrira quão úteis eram os áudio-books para matar tempo no carro.
Ela levantou-se e olhou o frango, quase descongelado na pia. Depois, colocou a roupa na secadora e pegou todos os temperos que precisaria para fazer a janta. Quando estava colocando a páprica na bancada, alguém bateu na porta da frente.
Aquilo era muito comum na casa dos Carver. Sandra Carver era viciada em comprar na Amazon e Bill Carver sempre tinha entregas da FedEx chegando em sua casa. Kim pegou sua bolsa, pensando em já sair para pegar as crianças depois de receber as encomendas.
Ela abriu a porta e olhou instantaneamente para o chão, procurando uma caixa da Amazon. Por isso seu cérebro levou um segundo para entender que havia a forma de uma pessoa à sua frente. Quando olhou para ver o rosto, seu olhar foi bloqueado por—algo.
Fosse o que fosse, a acertou na cabeça. Diretamente entre seus olhos, acima do nariz. O barulho do golpe entrou em sua cabeça, mas ela mal teve tempo para entender antes de sentir que estava caindo.
Quando caiu no chão de madeira dos Carver, a parte de trás de sua cabeça bateu com força no piso. Ela sentiu sangue saindo do nariz ao tentar rolar para trás.
A pessoa na entrada deu um passo à frente e fechou a porta. Kim tentou gritar, mas havia muito sangue em seu nariz, descendo pela garganta e pela boca. Ela tossiu, quase engasgada, e a pessoa deu mais um largo passo à frente.
Ela pegou o mesmo objeto novamente—um tubo. Kim refletiu vagamente enquanto a dor invadiu sua mente como um furação—e aquela foi a última cena que ela viu.
Antes do golpe final, sua mente chegou a um lugar estranho. Kim Wielding morreu pensando no que aconteceria com aquele frango, ainda descongelando na pia dos Carver.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

Por conta da maneira como sua vida começara—uma mãe morta, um pai preso e avós que sempre estiveram em volta dela—Chloe Fine geralmente preferia fazer as coisas por conta própria. As pessoas às vezes referiam-se a ela como alguém muito introvertida e, por ela, estava tudo bem. Era aquela personalidade que havia a levado a ter notas espetaculares na escola e a ajudado a ir muito bem nos estudos e treinamentos da academia do FBI.

Mas era também aquela personalidade que a fizera mudar-se para seu novo apartamento sem uma única pessoa para ajudá-la. Claro, ela poderia ter contratado uma empresa de frete, mas seus avós haviam a ensinado o valor do dinheiro. E já que tinha braços fortes, costas fortes e uma mente teimosa, ela havia escolhido se mudar por conta própria. Afinal de contas, tinha apenas dois móveis pesados. Todo o resto seria muito fácil de carregar.

Mas Chloe percebeu que esse não era o caso quando finalmente conseguiu arrastar sua cômoda escada acima—com a ajuda de um carrinho, várias catracas e degraus felizmente bem largos e que levavam a seu apartamento, no segundo andar. Sim, ela havia conseguido, mas tinha certeza de que havia machucado um ou dois pontos das costas no caminho.

Ela havia deixado a cômoda por último, sabendo que aquela seria a parte mais difícil da mudança. Intencionalmente, havia guardado as coisas em caixas leves, sabendo que faria o trabalho sozinha. Pensou que poderia ter ligado para Danielle pedindo ajuda, mas nunca fora do tipo que pedia favores familiares.

Chloe afastou algumas caixas de livros e cadernos e se jogou na poltrona que tinha desde o segundo ano da faculdade. Pensar em Danielle estando ali com ela para começar a organizar todas as coisas era algo atraente. As coisas não estavam tão tensas entre elas desde que Chloe havia descoberto a verdade sobre o que acontecera com os pais delas quando elas eram crianças, mas com certeza havia algo diferente. As duas sabiam muito bem do peso de seu pai em suas mentes—da verdade do que ele havia feito e dos segredos que estiveram guardados por muito tempo. Chloe sentia que as duas estavam lidando com aqueles segredos de suas próprias maneiras, e que elas sabiam que suas opiniões divergiam de um jeito quase psíquico, algo que acontecia apenas com irmãos muito próximos.

O que ela nunca ousara expressar a Danielle era o quanto ela sentira falta de seu pai. Danielle guardara muito rancor dele após sua prisão. Mas Chloe sentira a falta da figura de um pai em sua vida. Era ela quem sempre pensara que, talvez, os policiais estavam errados, e que era impossível que seu pai tivesse matado sua mãe.

E fora aquela esperança e crença que resultara na pequena aventura que elas haviam enfrentado juntas, culminando na prisão de Ruthanne Carwile e em um ponto de vista totalmente novo no caso Aiden Fine. O problema de aquilo tudo ser descoberto para Chloe, no entanto, é que ela havia começado a sentir a falta dele ainda mais. E ela sabia que Danielle poderia encarar aquilo como algo terrível, até mesmo masoquista.

Mesmo assim, apesar de tudo, ela queria ligar para Danielle para celebrar sua pequena vitória de se mudar para uma casa nova. Era um apartamento pequeno, de dois quartos, no bairro Mount Pleasant em Washington. Era pequeno e ela teria dificuldades de pagar, mas era exatamente o que estava procurando. Fazia quase dois meses desde a última vez em que elas haviam saído juntas—o que parecia estranho, dado tudo o que acontecera na última vez em que haviam compartilhado seu tempo. Elas haviam conversando por telefone algumas vezes e, mesmo sendo boas conversas, todas elas foram rasas. E Chloe não gostava de coisas rasas.

Foda-se, ela pensou, pegando seu telefone. O que poderia dar errado?

Ao procurar o número de Danielle, ela deu-se conta da realidade da situação. Claro, fazia apenas dois meses desde que tudo acontecera, mas elas eram pessoas diferentes agora. Danielle havia começado a ajeitar sua vida. Ela tinha um trabalho com chances de crescer muito—bartender e gerente assistente em um bar que estava crescendo muito em Reston, Virginia. Já Chloe ainda estava tentando descobrir como se transformar: de alguém que estivera recentemente noiva para alguém solteira, que aparentemente nem se lembrava como se fazia para conseguir alguém para um encontro.

Você não pode forçar algo assim, ela pensou. Especialmente com Danielle.

Com seu coração agitado, Chloe telefonou. Ela esperava que a ligação caísse na caixa de mensagens. Por isso, quando Danielle atendeu na segunda chamada, levou um momento para responder.

- Ei, Danielle.

- Chloe, como você está? – ela perguntou. Foi estranho ouvir a voz de Danielle com uma ponta de felicidade.

- Muito bem. Me mudei hoje. Pensei que seria legal celebrar com uma visita sua, uma garrafa de vinho e alguma comida nada saudável. Mas então lembrei do seu novo trabalho.

- É, estou trabalhando muito – Danielle disse, rindo.

- Você está gostando?

- Chloe, eu estou amando. Quer dizer, faz só três semanas, mas é como se eu tivesse nascido para esse trabalho. Eu sei que é só um emprego de bartender, mas...

- Bom, você é gerente assistente também, certo?

- Sim. Essa definição ainda me assusta.

- Fico feliz por você estar gostando.

- Bom, e você? Como é o apartamento? Como foi a mudança?

Chloe não queria que Danielle soubesse que ela havia feito a mudança sozinha, então deu uma resposta genérica—que também odiou.

Não foi tão ruim. Ainda tenho que tirar as coisas da caixas, mas estou feliz por estar aqui, sabe?

- Com certeza eu vou querer ir aí tomar o vinho e comer porcarias com você. Como vai o resto?

- Sinceramente?

- Danielle ficou em silêncio por um momento antes de responder.

- Hum... Sim.

- Estive pensando no pai. Estive pensando em ir até lá vê-lo.

- E por que diabos você faria isso?

- Eu queria ter uma boa resposta para te dar – Chloe disse. – Depois de tudo o que aconteceu, não sei, eu sinto que preciso. Quero dar um sentido a isso tudo.

- Meu Deus, Chloe. Deixe isso para lá. Seu novo trabalho não deveria ser sobre solucionar outros crimes? Cara... Pensei que era eu quem passava o tempo vivendo no passado.

- Por que isso te irrita tanto? – Chloe perguntou. – Digo, eu ir visitá-lo...

- Porque eu sinto que nós duas já demos muito das nossas vidas para ele. E eu sei que se você vê-lo, meu nome vai sair de uma das bocas de vocês e eu prefiro que isso não aconteça. Para mim, ele já era, Chloe. Eu queria que para você também.

Sim, eu queria a mesma coisa, Chloe pensou, mas segurou o comentário para si mesma.

- Chloe, eu te amo, mas se você está pensando em continuar nesse assunto eu vou ter que dizer tchau agora mesmo.

- Quando você vai trabalhar? – Chloe perguntou.

- Todas as noites essa semana, menos sábado.

- Quem sabe eu poderia ir ver você na sexta à tarde. Acho que você poderia me servir algum drink que você considere especial.

- É melhor você não querer voltar para casa dirigindo, então – Danielle disse.

- Anotado.

- E você? Quando começa no novo trabalho?

- Amanhã de manhã, na verdade.

- No meio da semana? – Danielle perguntou.

- Vai ser um tipo de orientação. Vários reuniões no dia.

- Estou animada por você – Danielle disse. – Eu sei o quanto você queria isso.

Era bom ouvir Danielle interessada em seu trabalho. Não só isso, mas também querendo demonstrar esse interesse.

Houve um silêncio profundo entre as duas, que felizmente terminou com Danielle dizendo algo que não era do tipo dela.

- Cuide-se, Chloe. Com o trabalho... com nosso pai... com tudo.

- Vou me cuidar – Chloe disse, percebendo que o comentário da irmã a surpreendera.

Danielle encerrou a ligação, e Chloe olhou em volta em seu apartamento. Era difícil ver o lugar inteiro por conta de todas as tralhas, mas ela já sentia aquele lugar como sendo sua casa.

Nada como uma conversa estranha com Danielle para fazer um lugar parecer sua casa, ela pensou.

Devagar, esticando as costas, Chloe saiu da poltrona e foi até a caixa mais próxima. Ela começou a tirar as coisas, pensando em como sua vida seria se ela não soubesse como reconciliar seus relacionamentos. Fosse com sua irmã, com seu pai ou com seu ex-noivo, ela não tinha o melhor histórico quando se tratava de manter as pessoas por perto.

Ao pensar em seu ex-noivo, Chloe deparou-se com vários fotos emolduradas no fundo da primeira caixa. Havia três fotos, dela e de Steven. Duas eram muito antigas, quando eles só queriam saber de namorar. Mas a terceira era uma foto de depois de que ele havia a pedido em casamento... depois de que ela havia dito sim quase chorando.

Ela juntou as fotos fora da caixa e colocou-as na bancada da cozinha. Olhou em volta e encontrou a lixeira no canto da sala, ao lado do colchão. Chloe pegou as fotos e jogou-as na lixeira. O som do vidro quebrando em pedaços foi um pouco agradável demais.

Fácil assim, ela pensou. Mal posso esperar para deixar isso para trás. Mas por que você não pode deixar essa história sem noção com seu pai para trás assim fácil também?

Ela não tinha resposta para aquela pergunta. E o que mais a assustou foi que ela sentia que a resposta poderia estar em uma conversa com ele.

Com esse pensamento, o apartamento pareceu mais vazio do que antes, e Chloe sentiu-se muito sozinha. Esse mero pensamento a fez ir até a geladeira e abrir a caixa de cerveja que havia comprado mais cedo. Ela abriu uma garrafa, um pouco assustada com quão bom havia sido o primeiro gole.

Fez o que pode para se ocupar naquela tarde e até à noite, não tirando as coisas da caixa, mas sim vagarosamente passando uma por uma e tentando decidir se precisava de cada item. O troféu que havia ganho no debate no ensino médio foi para a lixeira. O CD de Fiona Apple que escutara quando perdera sua virgindade no segundo ano do ensino médio, ela guardou.

Todas as fotos de seu pai foram para o lixo. Doeu um pouco no começo, mas na quarta garrafa de cerveja, a tarefa tornou-se mais fácil.

Passou por duas caixas... e teria visto pelo menos mais uma se não tivesse ido até a geladeira e descoberto que, de alguma maneira, havia tomado a caixa inteira de seis cervejas. Olhou para o relógio acima do forno e suspirou ao ver a hora.

Eram quinze para uma da manhã. Muito tarde para dar tempo de descansar bem antes do meu primeiro dia, pensou.

Mas o mais preocupante era o fato de que ela estava mais triste com a caixa de cerveja vazia do que uma possível manhã “grogue” em seu primeiro dia no FBI. Chloe caiu na cama após escovar seus dentes, e o quarto girou um pouco. Então, percebeu que havia passado a noite inteira tentando fazer a si mesma não dar a mínima para a tentativa de apagar as memórias de seu pai.


CAPÍTULO DOIS

 

Chloe não sabia ao certo o que esperar quando chegou à sede do FBI na manhã seguinte. Mas o que ela com certeza não esperava era ser recebida por um agente mais velho na entrada. Ela viu quando ele notou sua presença, e não teve certeza do que fazer quando percebeu que ele estava vindo diretamente em sua direção. Por um momento, ela pensou que fosse o Agente Greene, o homem que havia sido seu instrutor e parceiro em seu “quase caso”, que a levara a descobrir a verdade sobre seu pai.

Mas quando olhou melhor para o rosto do homem, viu que tratava-se de alguém bem diferente. Ele parecia durão e feito de pedra, e sua boca era desenhada em uma linha apertada em sua mandíbula.

- Chloe Fine? – O agente perguntou.

- Sim?

- O diretor Johnson gostaria de falar com você antes das orientações.

Aquilo a animou e a assustou. O diretor Johnson havia aberto exceções para ela quando ela fora parceira de Greene. Talvez ele estava mudando de ideia? As ações dela no última caso teriam trazido problemas para ele? Teria ela chegado tão longe apenas para ter seus sonhos destruídos no primeiro dia?

- Para que? – Chloe perguntou.

O agente encolheu os ombros, sem se importar com a pergunta.

- Por aqui, por favor – ele disse.

Ele a levou até os elevadores e, por um momento, Chloe sentiu-se como se estivesse voltando no tempo. Ela pode se ver entrando nos mesmos elevadores um pouco mais de dois meses antes, com o mesmo nó de preocupação no estômago, sabendo que iria encontrar o Diretor Johnson. E como da última vez, aquele nó de preocupação tomou conta de seu corpo inteiro quando o elevador começou a subir.

O agente com cara de durão a levou para fora do elevador quando ele parou no segundo andar. Eles passaram por vários escritórios e salas antes que o agente parasse na porta da sala de Johnson. A secretária na mesa assentiu educadamente, e disse:

- Você pode entrar. Ele está esperando por você.

O agente também assentiu para Chloe – não de um jeito tão educado – e fez um gesto em direção à porta do escritório. Estava claro que ele não iria entrar.

Fazendo o possível para manter-se calma, Chloe caminhou até a porta do diretor Johnson. Por que estou com tanto medo? Ela pensou. Na última vez que foi chamada na sala dele, ganhei responsabilidades e tarefas que a maioria dos agentes novos como eu não ganham. Aquilo era verdade, mas não serviu para acalmá-la.

O Diretor Johson estava sentado em sua mesa, lendo atentamente algo em seu notebook quando Chloe entrou. Quando ele olhou para cima, toda sua atenção estava nela. Ele até fechou a tela do notebook.

- Agente Fine – ele disse. – Obrigado por vir. Vamos levar só um segundo. Não quero que você perca nada das orientações—que, vou me adiantar e te dizer—também são muito rápidas e tranquilas.

Ouvir Agente Fine era algo que a animava muito, mas Chloe tentou não demonstrar. Ela sentou-se na cadeira em frente à mesa do diretor e sorriu o mais normalmente possível.

- Sem problemas - ela disse. – Eu... bem... tem algo errado?

- Não, não, nada disso – ele disse. – Eu queria lhe apresentar uma opção sobre suas responsabilidades. Eu sei que você está começando uma carreira na Equipe de Evidências. Isso é algo que você sempre buscou?

- Sim, senhor. Tenho uma visão muito boa para encontrar detalhes.

- Sim, eu soube disso. O Agente Greene falou muito bem de você. E mesmo com alguns tropeços nas coisas que aconteceram meses atrás, tenho que admitir—também fiquei muito impressionado. Você carrega uma confiança em si mesma e uma certeza inabalável que não é comum em novos agentes. E é por causa disso e do feedback do Agente Greene e de outros instrutores da academia que eu gostaria que você repensasse no departamento que você quer seguir.

- Você tem algum departamento particular em mente? – Chloe perguntou.

- Você conhece o PaCV?

- O Programa de Apreensão de Crimes Violentos? Sim, eu conheço um pouco.

- O título já diz tudo, mas acho que esse programa também se encaixa no seu talento para encontrar provas. Além disso, sendo muito sincero, a Equipe de Evidências tem um grupo grande de agentes primeiro-anistas desta vez. Melhor do que se perder no meio de tantos, eu acho que você se daria bem no PaCV. Isso te interessaria?

- Sendo sincera, eu não sei. Nunca pensei sobre isso.

Johnson balançou a cabeça, mas Chloe tinha certeza que ele já estava decidido.

- Se você quiser, eu gostaria que você ao menos tentasse. Se depois de alguns dias você achar que não se encaixa, eu pessoalmente vou colocá-la de volta, sem problemas, em sua vaga atual nas Evidências.

Chloe realmente não estava certa do que dizer ou fazer. O que ela sabia, no entanto, era que estava se sentindo orgulhosa por ver que o diretor queria muito tê-la em um departamento específico por conta de suas habilidades e de feedbacks positivos.

- Tudo bem, posso trabalhar lá – ela finalmente respondeu.

- Fantástico. Já temos um caso em que quero te colocar. Você começaria amanhã de manhã. A polícia de Maryland State está cuidando disso, mas ligaram hoje de manhã pedindo ajuda. Vou colocar você com outra agente que está sem parceiro. O parceiro dela não aguentou a pressão e pediu demissão ontem.

- Posso perguntar por quê?

- No Programa de Apreensão de Crimes Violentos, alguns crimes tendem a ser um pouco sinistros. Isso acontece com novos recrutados... eles passam pelo treinamento, vendo casos-exemplo e até cenários da vida real. Mas no fim, quando percebem que vão viver no meio disso... Alguns acham que já é demais para eles.

Chloe não disse nada. Ela tentou entender como alguém poderia tomar uma decisão assim, mas não conseguiu. Ela queria aquele trabalho desde sempre—desde que aprendera a diferença entre o certo e o errado.

- Vou precisar fazer algum treinamento adicional?

- Eu recomendaria mais treinamentos de arma de fogo – Johnson disse. – Vou deixar tudo preparado para você. Suas notas na Equipe de Evidências no que diz respeito a armas de fogo são muito boas, mas você vai querer ter mais habilidade nessa área quando entrar de vez no PaCV—se você decidir ficar.

- Entendo.

- Bom, se você não tiver mais perguntas, acho que você pode seguir para a orientação, lá embaixo. Temos três minutos até começar.

- Sem mais perguntas por enquanto. E obrigado pela oportunidade. E pela confiança.

- Claro. Vou tomar conta da papelada e alguém vai te ligar para falar sobre as assinaturas até o fim do dia. E, Agente Fine... estou com um bom pressentimento nisso. Acho que você vai ser um reforço e tanto para o PaCV.

Foi então, quando levantou-se e saiu da sala, que Chloe percebeu que nunca fora boa em escutar elogios. Talvez fosse porque ela nunca recebera muitos durante sua juventude. Naquele momento, ela simplesmente sorriu de um jeito estranho e saiu. O nó de nervosismo que estivera em seu estômago havia ido embora, sendo substituído por uma sensação de como se seus pés não tivessem tocando o chão no caminho até o elevador.


***


A orientação foi praticamente como ela esperava. Tratava-se de uma lista do que se poderia e não poderia fazer, sendo dita por vários agentes. Havia exemplos de casos que haviam dado errado, casos tão ruins que os agentes haviam se demitido ou até cometido suicídio. Os instrutores contaram histórias horríveis de crianças assassinadas e de estupradores em série que, até aquele dia, ainda não havia sido presos.

Enquanto as histórias eram contadas, Chloe pode escutar alguns murmúrios entre os novos agentes. Dois lugares à sua esquerda, ela ouviu uma mulher murmurando para o homem a seu lado.

- Aparentemente, meu parceiro ouviu essas histórias antes de nós. Talvez por isso ele pediu para ir embora – Ela disse que um jeito sacana, em um tom malvado que irritou Chloe instantaneamente.

Com a sorte que tenho, essa é a parceira-sem-um-parceiro que Johnson vai colocar comigo, Chloe pensou.

A orientação parou para o almoço. Nesse momento, os instrutores separaram os novos agentes em departamentos específicos. Quando Chloe escutou a Equipe de Evidências sendo chamada, sentiu uma pequena pontada de tristeza. Ela viu cerca de vinte recrutados juntarem-se no canto direito da sala. Saber que ela poderia estar entre eles até menos de três horas antes a fez sentir-se um pouco isolada, especialmente quando viu que alguns dos agentes pareciam já ter começado algumas amizades.

Quando os agentes do Programa de Apreensão de Crimes Violentos foram chamados, Chloe levantou-se. O grupo com o qual ela caminhou era menor do que a Equipe de Evidências. Incluindo a si mesma, ela contou nove pessoas. E uma delas era, de fato, a mulher que havia feito o comentário maldoso sobre a demissão do parceiro.

Chloe estava tão focada naquela mulher que não percebeu o homem que aproximou-se dela enquanto eles caminhavam.

- Eu não sei você - ele disse, - mas eu sinto como se precisasse esconder meu rosto. Fazer parte de um programa com a palavra “Violento” nele... me faz pensar que as pessoas estão me julgando.

- Acho que eu nunca pensei desse jeito – Chloe disse.

- Bom, você tem tendência a ser violenta?

Ele perguntou com um sorriso sacana, e foi esse sorriso que a fez perceber que o homem era extremamente bonito. Claro, o comentário sobre a tendência a violência estragou um pouco sua aparência.

- Não que eu saiba – ela respondeu de um jeito estranho, quando eles chegaram ao andar onde o grupo se reuniu.

- Ok – o instrutor, um senhor mais velho vestido de jeans e camiseta preta, disse. – Primeiro vamos almoçar, depois vamos nos encontrar na Sala de Conferências Três para analisar alguns detalhes e fazer uma sessão de perguntas e respostas. Mas antes de tudo... – Ele pausou e olhou um pedaço de papel, analisando-o com um de seus dedos. – Chloe Fine está aqui?

- Sou eu – Chloe disse, quase suando por ter sido escolhida em meio a um grupo de pessoas que não conhecia.

- Preciso falar com você por um momento, por favor.

Chloe caminhou até o instrutor e viu que o senhor também estava chamando outra agente à frente.

- Agente Fine, estou vendo aqui que você é um reforço para o PaCV, recomendada diretamente pelo Diretor Johnson.

- Está certo.

- Bom ter você. Agora, gostaria que você conhecesse sua parceira, a Agente Nikki Rhodes.

Ele apontou para a outra agente que vinha em sua direção. De fato, era a mulher maldosa de antes. Nikki Rhodes sorriu para Chloe de um jeito que deixava claro que ela sabia que era bonita. E até Chloe tinha que admitir. Alta, pele perfeitamente bronzeada, olhos azuis brilhantes, cabelo loiro impecável.

- Prazer em conhecê-la – Rhodes disse.

- Igualmente – Chloe respondeu.

- Agora, você duas, aproveitem o almoço – o instrutor disse. – Pelo que sei, vocês terão um caso amanhã cedo. Vocês duas estão no topo da lista desse grupo, então espero ouvir muitas coisas boas de vocês.

Rhodes sorriu e Chloe pode sentir a falsidade naquele sorriso. Ela odiava achar automaticamente que alguém não era uma pessoa autêntica, mas sua intuição sempre percebia coisas assim. O instrutor havia se virado para se juntar ao resto do grupo, deixando as duas mulheres sozinhas. Percebendo que os olhos do superior já não estava nelas, Rhodes virou-se e se afastou, sem dizer uma só palavra.

Chloe seguiu distante do restante do grupo por um momento, tentando focar na situação. Ela havia acordado naquela manhã animada para começar sua carreira como membro da Equipe de Evidências. No entanto, tudo o que ela havia planejado havia mudado. E agora ela estava ali, em um departamento com o qual não era muito familiar, com uma parceira que prometia ser um pé no saco.

- Ela não parece exatamente uma pessoa, parece? – Alguém disse por trás dela.

Chloe virou-se e viu o homem que havia caminhado com ela até aquele andar—o cara bonito que havia perguntado sobre as tendências violentas.

- Não, não parece.

- Imagine passar a maioria dos cursos da academia com ela – ele disse. – Foi horrível. Falando nisso... eu não lembro de você em nenhum curso ou módulo.

- É... eu sou meio que nova. Fui colocada no departamento hoje de manhã.

Uma expressão um tanto quanto em choque tomou conta do rosto dele.

- Ah, ok... Bem, bem-vinda ao PaCV. Eu sou Kyle Moulton e se sua nova parceira não quer almoçar com você, eu gostaria de tomar o lugar dela.

- Sem problemas – Chloe disse, finalmente indo junto com o grupo. – Isso combina com o meu dia, para ser sincera.

- Como assim?

- Porque nada está saindo como planejado.

Moulton apenas balançou a cabeça enquanto eles saíam do auditório. Mesmo que Moulton fosse um estranho (um estranho lindo, era verdade), ela bom tê-lo a seu lado enquanto eles caminhavam até o local do almoço, em outro ponto do prédio. Ela estava com medo de ter que encarar o futuro incerto completamente sozinha, e a companhia dele poderia fazê-la repensar nisso.

- Mas enfim, as pessoas ligam muito para os planos. – Moulton disse.

- Eu não acho. Planos significam estrutura. Significam previsibilidade.

- Eu não acho que previsibilidade está na descrição de trabalho nos nossos cargos – Moulton brincou.

Chloe sorriu e assentiu, mas nunca havia pensado daquela forma. Na verdade, aquilo a assustava um pouco. O que não fazia nenhum sentido. Sua vida nunca fora nada previsível, então por que sua carreira seria diferente?

Felizmente, ela havia aprendido a lidar com os golpes da vida. E se pessoas como Nikki Rhodes quisessem atrapalhá-la, sua nova parceira teria duas opções: adaptar-se a seu jeito ou sair de seu caminho.


CAPÍTULO TRÊS

 

Na manhã seguinte, Chloe percebeu de forma rude como sua carreira seria estruturada dali para frente. Seu telefone tocou às 5:45, por conta de uma ligação de um dos diretores assistentes do Diretor Johnson. Ela mal conseguiu dizer um simples “Alô” antes que o homem começasse a falar.

- Aqui é o Diretor Assistente Garcia. Agente Chloe falando?

- Sim. – Ela levantou-se na cama, com seu coração batendo forte e a adrenalina subindo, mandando embora o resto de sono.

- Você precisa encontrar a Agente Rhodes em Bethesda às sete. Vocês vão trabalhar juntas no que acreditamos ser um caso aberto de violência de gangues, provavelmente do MS-13. Qualquer pergunta deve ser feita diretamente a mim, nesse número. A Agente Rhodes vai receber as mesmas informações. Após essa chamada, o endereço será enviado ao seu telefone. Você tem alguma pergunta, Agente Fine?

- Não, senhor.

- Bom. Cuide-se e fique atenta por lá, Agente Fine.

E foi isso. Assim Chloe recebeu sua primeira missão. Ela sabia que não seria sempre assim no futuro. Eles já haviam recebido muitas orientações no dia anterior. Ainda assim, aquela era uma maneira muito efetiva de começar seu primeiro dia no trabalho.

Ela já havia separado suas roupas e tomado banho na noite anterior, fazendo o possível para não se atrasar para seja lá o que fosse fazer em seu primeiro dia. Vestiu-se, pegou um pão com queijo e uma garrafa de café, que havia programado para ser preparada às 5 da manhã. Enquanto fazia isso, a mensagem do Diretor Garcia chegou, informando o endereço em Bethesda. Quando Chloe entrou no carro, apenas quinze minutos haviam se passado desde a ligação.

Chloe já havia estado em Bethesda, Maryland, muitas vezes, e por isso sabia que o caminho era curto—levaria um pouco menos de meia hora, especialmente saindo tão cedo e fugindo o trânsito da manhã. Quando saiu das ruas centrais da capital e chegou a estradas mais largas, colocou o endereço no GPS e viu que estava a apenas vinte minutos de lá.

Deu-se conta de que queria ligar para Danielle. Sentiu-se dirigindo em direção a mais um dos momentos importantes e memoráveis de sua vida, e precisava compartilhar aquilo com alguém. Mas ela sabia que Danielle ainda estaria dormindo e que provavelmente sua irmã não entenderia toda sua animação. E Chloe não via problemas nisso. Elas tinham interesses e paixões diferentes, e nenhuma das duas era muito boa em fingir entusiasmo.

Chloe chegou ao endereço dois minutos antes do que o GPS havia previsto. Era uma construção de apenas um andar, do tipo que geralmente era visitada pela polícia com frequência no final de semana por denúncias de violência, drogas, abuso sexual e tudo o que se poderia imaginar.

Chloe esperava muito ter chegado antes Rhodes, mas decepcionou-se um pouco ao ver que a outra agente não só já estava lá, como já estava subindo os degraus em direção à cena do crime.

Irritada, Chloe estacionou na rua se apressou pela calçada. Chegou aos degraus quando Rhodes abriu a porta para entrar.

- Bom dia – Rhodes disse, claramente sem querer de fato desejar bom dia.

- Bom dia. Você... veio voando?

Rhodes apenas encolheu os ombros.

- Eu não levo muito tempo para me arrumar de manhã. Tudo bem, Agente Fine. Isso não é uma corrida.

Ao entrarem, elas viram um homem em pé no centro de uma pequena sala. Ele virou-se para elas e seus olhos pareceram se fixar na Agente Rhodes por um momento. Ela estava vestindo uma calça preta bem simples e um top branco conservador. Seu cabelo fora alisado, e ainda que ela tivesse dito que levava pouco tempo para se arrumar, era óbvio que ela havia se maquiado naquela manhã.

- Vocês são do FBI? – O homem perguntou.

- Sim – Chloe disse rapidamente, como se quisesse se certificar de que o homem sabia que haviam duas agentes ali, e não só a loira bonita.

- Agentes Rhodes e Fine – Rhodes disse. – E você é?

- Detetive Ralph Palace, Departamento de Homicídios de Maryland. Estou só fazendo algumas últimas anotações, já que pelo que sei o caso agora é de vocês.

- O que você pode nos dizer para nos ajudar a começar? – Chloe perguntou.

- É muito simples. Um assassinato com relação com gangues. MS-13 é uma gangue grande por aqui, e é com isso que estamos lidando. Os corpos de um marido, mulher e de um filho de 13 anos foram levados ontem à tarde, cerca de sete horas depois da ligação para a polícia. Temos relatos de tiros, e o lugar acabou assim. – Ele apontou com os braços em volta, indicando a bagunça no apartamento. – Uma rápida pesquisa da polícia revelou que o pai já teve laços com uma gangue rival, os Binzos.

- Se o MS-13 está envolvido, porque a agência de imigração ainda não está nessa? – Chloe perguntou.

- Porque ainda não temos provas – Palace disse. – Quando se trata de crimes de gangues com relação com imigrantes, temos que ter muita certeza. Do contrário, podemos esperar processos de tratamento injusto com grupos étnicos. – Ele balançou a cabeça e suspirou. – Então, se vocês conseguirem encontrar provas aqui de um jeito ou de outro, será ótimo.

Ele seguiu para a porta da frente, pegando um cartão de visitas da carteira. Não foi nenhuma surpresa ele ter entregue o cartão diretamente a Rhodes.

- Me ligue se você precisar de algo mais.

Rhodes nem se preocupou em responder ao guardar o cartão. Chloe imaginou que ela fosse o tipo de garota que já estava acostumada a ter caras olhando sempre para ela, desde o colégio ou a faculdade. Essa cena com o Detetive Palace havia sido, com certeza, apenas mais um desses momentos cansativos.

Chloe olhou em volta do lugar por um momento. A mesa de café na frente do sofá estava virada. Algo—um refrigerante escuro ao que parecia—havia sido derramado da mesa durante a briga. O líquido escuro estava misturado com o que claramente era sangue seco no tapete branco que cobria a sala inteira, até a cozinha anexa. Havia mais sangue espalhado pelas paredes. Havia também algumas manchas no chão de linóleo da cozinha.

- Como você quer dividir isso aqui? – Rhodes perguntou.

- Não sei. Se houve tiros, tem uma boa chance de alguma bala ter acertado a parede ou o chão. E pelo bagunça que temos aqui, não foi um simples tiro. Teve briga. E isso me diz que provavelmente vamos encontrar digitais em algum lugar também.

Rhodes assentiu.

- Também precisamos descobrir como o assassino entrou. Você olhou a porta da frente? Não tem sinais de entrada forçada. Isso significa que um dos membros da família deixou o cara entrar—talvez fosse alguém que eles conheciam bem e confiavam.

Chloe concordou com tudo e encontrou-se impressionada com Rhodes pelo fato dela já ter analisado a porta da frente antes mesmo de ter entrado na casa.

- Por que você não olha lá fora e procura sinais de entrada forçada? – Rhodes sugeriu. – Vou ver se há algum sinal de qualquer tipo de arma que tenha sido usada aqui... procurar algum fragmento de bala ou algo assim.

Chloe assentiu concordando, mas já estava sentindo que Rhodes estava fazendo o possível para se colocar como líder da investigação. No entanto, levou aquilo na boa. Baseado no que Palace havia lhes dito—e no fato do caso ter sido entregue a duas novas agentes com a supervisão de um diretor assistente—ela sabia que aquela era considerada uma tarefa pequena em um esquema bem maior. Então, se Rhodes já queria mostrar certa força, isso não era algo com o que se preocupar. Pelo menos não por enquanto.

Chloe saiu do apartamento, imaginando cenários em sua mente. Se o assassino fosse alguém que a família conhecia, por que a luta? Se o assassino havia usado uma arma, três tiros um atrás do outro não teriam dado muito tempo para qualquer tipo de reação ou luta. Mas a porta de fato não tinha sinais de ter sido aberta a força. Então, realmente, encontrar algum sinal de entrada forçada era mais provável do que imaginar que o assassino havia entrado livremente. Mas se não fora pela porta da frente, então por onde?

Ela caminhou vagarosamente em volta do prédio, percebendo que chamar aquilo de prédio era um exagero. A cada passo, percebia mais e mais que se tratava de uma casa urbana, talvez oferecida por algum plano do governo. A casa estava na ponta de um grupo de quatro construções idênticas, separadas por uma listra de grama morta entre cada uma.

O lado esquerdo não tinha nada. Havia apenas um pequeno tanque da gás e uma torneira com uma mangueira de água inutilmente enrolada no chão. Mas quando chegou aos fundos, ela viu várias oportunidades. Primeiro, havia três janelas. Uma dava para a cozinha, e as outras duas para os quartos. Havia também degraus de concreto que levavam à porta dos fundos. Chloe checou essa porta e encontrou-a destrancada. Ela levava a uma área muito pequena, que parecia servir como um lugar para deixar os sapatos e casacos. Alguns poucos pares de sapatos sujos estavam no chão e um casaco sujo e velho estava pendurado em um gancho na parede. Ela checou a porta e a maçaneta e, pelo que pode ver, não havia nenhum sinal de entrada forçada em um passado recente.

Então ela foi até cada janela, procurando por algo suspeito, e não se decepcionou. Na terceira janela, que dava ao que parecia ser o quarto principal, havia dois pedaços removidos do quadro. Eles haviam sido removidos com força, e pareciam estar lascados. Um estava na parte de baixo, onde estava o quadro, encostado. O outro ficava na parte de cima do quadro. O mesmo objeto usado para quebrar o quadro havia danificado também o vidro, ainda que não com força o suficiente para quebrá-lo.

Chloe não queria tocar em nada, com medo de danificar qualquer digital que pudesse ter sido deixada ali. Mas, na ponta dos pés, pode ver um pedaço particular de madeira, que teria permitido que alguém do lado de fora empurrasse a trava da janela.

Ela voltou para dentro da casa pela porta dos fundos e foi até o quarto principal. Não havia nenhum sinal claro de que alguém entrara pela janela. Mas ela sabia que uma varredura completa poderia contar uma história diferente.

- O que você está fazendo?

Chloe virou-se e viu Rhodes parada na porta do quarto. Ela tinha uma expressão cética no rosto, como se estivesse estudando Chloe.

- Alguém mexeu nessa janela pelo lado de fora – Chloe disse. – Precisamos encontrar digitais.

- Você tem luvas de evidências? – Rhodes perguntou.

- Não – Chloe disse. Ela achou aquilo irônico. Se tivesse começado o dia como membro da Equipe de Evidências, como planejara, ela teria as luvas consigo. Mas depois de Johnson ter mudado seu departamento, ela não havia pensado em trazer equipamentos básicos de evidência para o caso.

- Eu tenho no meu carro – Rhodes respondeu. Ela então jogou um molho de chaves para Chloe com um olhar irritado. – No porta-luvas. E por favor tranque quando sair.

Chloe murmurou um “obrigada” ao passar por Rhodes e deixar o quarto. Ela tentou imaginar porque Rhodes tinha luvas de evidências em seu carro. Pelo que Chloe sabia, cada agente ganharia seus próprios equipamentos e materiais do FBI em cada caso. Rhodes havia utilizado os fornecedores corretos? A entrada tardia no PaCV já estaria começando a lhe trazer problemas?

Chloe saiu e encontrou uma caixa de luvas de látex no porta-luvas de Rhodes. Havia também um kit de evidências, que ela também pegou. Era um pequeno kit de emergência, mas melhor do que nada. E ao mesmo tempo em que aquilo mostrava que Rhodes era preparada, também mostrava que ela não estava muito afim de ajudar Chloe. Por que manter em segredo que ela tinha luvas e um kit de evidências no carro?

Determinada a não se irritar com detalhes assim, Chloe colocou as luvas ao voltar para a casa. Ao passar novamente por Rhodes, entregou a ela o kit de evidências.

- Achei que isso pudesse nos ajudar também.

Chloe então seguiu para a janela dos fundos. Ela checou a área que fora mexida e descobriu que seu palpite estava certo. Alguém do lado de fora fizera força suficiente para abrir a janela.

- Agente Fine? – Rhodes disse.

- Sim?

- Eu sei que nós não nos conhecemos, então vou dizer isso do jeito mais educado possível: você pode por favor cuidar com o que você está fazendo?

Chloe virou-se para Rhodes e a olhou com olhos desafiadores.

- Desculpe?

- Olhe o tapete debaixo dos seu pés, pelo amor de Deus!

Chloe olhou para baixo e seu coração disparou. Havia uma pegada ali, algo parcial, mas claramente tratava-se da parte superior de uma pegada. Era feita do que parecia ser poeira e lama.

E ela havia pisado em cima.

Merda...

Ela recuou rapidamente. Rhodes veio até a janela, ajoelhando-se para analisar a pegada.

- Tomara que você não tenha tornado isso aqui inútil – Rhodes disse.

Chloe segurou a resposta que veio à ponta de sua língua. Afinal de contas, Rhodes estava certa. Ela havia deixado passar algo muito óbvio como um pegada. É porque eu estou me cobrando demais, ela pensou. Talvez o fato de Johnson ter me trocado de departamento está me afetando mais do que eu imaginei.

Mas ela sabia que aquela era uma desculpa idiota. Afinal de contas, até aquele momento, a cena do crime não havia sido nada mais do que coleta de evidências—que era o que ela queria fazer desde o começo.

Sentindo-se envergonhada e com raiva, Chloe saiu do quarto para respirar e refletir.

- Senhor – Rhodes disse ao olhar a pegada. – Fine... Por que você não tenta encontrar mais uma dessa que possamos utilizar? Tem buracos feitos por balas na cozinha que eu não consegui ver enquanto você estava lá fora. Vou resolver isso aqui... se for possível ainda.

Novamente, Chloe segurou seus comentários. Ela estava errada, e isso significava ter que aguentar o comportamento de Rhodes. Então, ficou quieta e voltou para a área central do apartamento, esperando encontrar algo que a fizesse se redimir.

Chloe foi até a cozinha e viu os buracos de balas que Rhodes havia mencionado. Ela viu as carcaças em cada buraco, com vários centímetros de profundidade. Tinha certeza que seria possível descobrir que tipo de arma havia sido usada baseando-se somente naquilo. Até onde Chloe sabia, os buracos de balas eram uma excelente pista, que lhes daria informações suficientes para seguir com o caso.

Mas talvez haja algo a mais, ela pensou.

Ela caminhou novamente até a entrada e parou na junção com a sala. Se o assassino de fato tivesse entrado pela janela do quarto principal, ali provavelmente seria onde os tiros haviam começado. A falta de sangue ou sinais de caos no quarto indicavam que nada violento havia acontecido lá.

Chloe olhou o sofá e viu um pouco de sangue no chão em frente a ele. Provavelmente o primeiro tiro, pensou. Ela observou o lugar e pode ver tudo em sua mente. O primeiro tiro havia matado alguém no sofá. Isso havia feito outra pessoa no sofá pular rapidamente, talvez derrubando a mesa de café. Talvez ela tentou reagir. Independentemente, o sangue e o refrigerante do outro lado da mesa de café virada indicavam que a pessoa não havia conseguido fugir.

Ainda assim, aquilo a fez pensar. Ela caminhou devagar até a sala, seguindo o caminho que imaginava que as balas tinha feito. A quantidade de sangue seco atrás do sofá a deu evidências suficientes de que a pessoa sentada ali havia morrido imediatamente. Ela não conseguiu encontrar buracos no sofá, o que significava que a bala deveria ter ficado alojada na cabeça da vítima.

Chloe viu facilmente dois buracos de balas na parede da cozinha, a cerca de 10 centímetros uma da outra. Ela pode vê-los do sofá. Mas se havia duas marcas de tiros ali, talvez houvesse mais em outro lugar. E se houvesse, ela poderia criar uma cadeia de eventos mais precisa.

Ela foi até a mesa de café e se abaixou. Se alguém houvesse batido ali antes de ser acertado por um tiro, o assassino teria que ter mirado para baixo. Ela procurou algum outro sinal de tiro e não viu nada. O assassino havia, aparentemente, acertado seu alvo.

No entanto, Chloe viu algo que não estava esperando. Havia uma pequena mesa encostada na parede à sua direita. Havia um vaso decorativo e uma foto emoldurada nela. Entre as pernas da mesa, havia uma cesta de vime velha, com correios e livros velhos. Entre a cesta e as pernas de trás havia um celular.

Ela pegou o celular e viu que era um iPhone. Apertou o botão para ligar e a tela se acendeu. A tela bloqueada mostrava uma foto do Pantera Negra. Ela apertou o botão principal, esperando que a tela da senha aparecesse. No entanto, para surpresa de Chloe, o celular abriu sem mais problemas.

Deve ser o celular do filho, ela pensou. E talvez os pais deixaram sem senha para ter acesso a ele sempre.

Ela levou alguns momentos para entender o que estava vendo. Viu o rosto de um jovem garoto, com algumas características de zumbi desenhadas nele. Olhou as bordas da tela e viu a indicação do aplicativo Snapchat. O que ela estava vendo era um vídeo (ou um “snap”) que não fora enviado.

- Puta merda – murmurou.

Então, percebeu como o telefone estava quente. Procurou o indicador de bateria no canto direito superior e viu que estava no vermelho.

Correu para a entrada, segurando o telefone.

- Rhodes, você encontrou algum carregador de telefone por aí? – Ela gritou.

Houve uma pausa antes da resposta de Rhodes.

- Sim, no criado mudo.

Mesmo antes de responder, Chloe já estava entrando no quarto novamente. Ela viu o carregador do qual Rhodes havia falado e foi até ele no mesmo momento.

- O que é isso? – Rhodes perguntou.

Chloe não pode deixar de pensar: Você não vai querer saber, vai, vadia? Mas ela manteve-se quieta ao conectar o celular no carregador.

- Acho que o filho estava no Snapchat quando o assassino entrou. E acho que ele estava mandando um snap para um amigo. Mas ele não conseguiu enviar a tempo.

Ela apertou o play no vídeo que estava na tela quando encontrara o telefone. Era um jovem, talvez de doze ou treze anos. Ele estava mostrando a língua, e seu rosto tinha uma animação de zumbi. Em dois segundos, ouviu-se o primeiro tiro. O telefone foi jogado e pode-se ouvir mais um tiro. O garoto pareceu cair no chão, assim como o telefone, e então a tela ficou preta—aparentemente parando embaixo da pequena mesa.

Aí o vídeo terminava. Tudo durava cerca de cinco segundos.

- Dê o play de novo – Rhodes disse.

Chloe colocou o vídeo novamente, dessa vez prestando mais atenção. Em cerca de um quarto de segundo, havia a forma de uma figura parada na entrada, vindo para a sala. Era rápido, mas havia. E por conta de o telefone ser de um modelo novo, mesmo em movimentos frenéticos, a imagem era muito clara. Chloe não conseguiu imaginar um rosto a olho nu, mas tinha certeza de que o FBI não teria problemas em fazer uma análise frame a frame daquela filmagem.

- Isso aqui é importante demais – Rhodes disse. – Onde você encontrou o telefone?

- Debaixo da mesa encostada na parede da sala.

Chloe podia ver que Rhodes estava animada com a descoberta, mas não queria dar muito crédito a ela. Ela apenas assentiu em aprovação e voltou a trabalhar, procurando digitais na janela.

As duas sentiram que, graças ao vídeo no Snapchat, seu trabalho estava prestes a terminar ali. Elas tinham a evidência perfeita e tudo o que fizessem depois seria mera metodologia ou rotina.

Chloe imaginou que poderia colaborar e não causar nenhuma outra tensão entre as duas. Ela pegou o telefone e voltou à sala. Caminhou pela cozinha e viu as marcas das balas na parede. Mas ela sabia que a chave para o caso estava no telefone que estava carregando, esperando para fazer o assassino daquela família pagar pelo que fez. E, em sua mente, ela não pode deixar de pensar que aquilo fora fácil demais. Ela tinha certeza que Rhodes pensava a mesma coisa e aquilo, de alguma forma, diminuiu sua animação.


CAPÍTULO QUATRO

 

Elas voltaram à sede do FBI duas horas depois, e Chloe sentia que já havia evidências mais do que suficientes para que houvesse um suspeito sob custódia até o fim do dia. O vídeo do Snapchat era o que de mais poderoso elas haviam encontrado, mas elas também acabaram encontrando duas digitais, a pegada no tapete do quarto e dois fios de cabelo grudados na janela do quarto.

Elas apresentaram suas descobertas ao Diretor Assistente Garcia, em uma pequena mesa de reuniões nos fundos do escritório dele. Quando Chloe mostrou a ele o que havia encontrado no telefone, viu que ele tentou esconder um pequeno sorriso de satisfação. Ele também parecia feliz em ver quão profissionalmente e dentro das normas Rhodes havia empacotado e catalogado cada uma das evidências encontradas.

Talvez ela também devesse mudar de departamento, Chloe pensou com um pouco de maldade.

- Trabalho incrível - Garcia disse, levantando-se da mesa e as cumprimentando como se fossem estudantes sendo premiadas. – Vocês trabalharam rápido, minuciosamente, e não vejo como não ser possível conseguirmos uma prisão concreta com isso tudo.

As duas agentes agradeceram. Chloe sentiu-se um pouco melhor ao ver que Rhodes não sabia como lidar com elogios, tanto quanto ela.

- Agora, Agente Fine, recebi uma ligação do Diretor Johnson antes de vocês entrarem. Ele quer encontrar com você em cerca de quinze minutos. Agente Rhodes, por que você não vai ao laboratório e vê o que acontece com todas as evidências que vocês trouxeram?

Rhodes assentiu, ainda como se fosse uma boa aluna. Enquanto isso, Chloe sentiu-se em pânico novamente. Quando ela visitara Johnson, no dia anterior, ele havia lhe dado uma notícia que mudara tudo. O que ele teria planejado agora?

Guardando suas perguntas para si, ela caminhou em direção ao escritório dele. Quando entrou na pequena área de recepção, viu que a porta estava fechada. A secretária do diretor apontou para uma das cadeiras encostadas na parede enquanto falava com alguém ao telefone. Chloe sentou-se e finalmente tirou um momento para refletir sobre o que aquele dia significava para ela e para sua carreira.

De um lado, ela havia descoberto uma evidência importante que provavelmente levaria à prisão de um membro de uma gangue que havia matado uma família inteira. Mas ao mesmo tempo, ela havia cometido um erro de principiante ao provavelmente ter estragado o que seria uma pegada. Imaginou que, no longo prazo, a pegada não interessaria, graças à prova do Snapchat. Ainda assim, estava muito envergonhada por ter tido a atenção chamada por Rhodes daquela maneira. Imaginou que, na melhor das hipóteses, as duas coisas ficariam “quites”: sua descoberta incrível balanceando com seu erro terrível.

Quando a porta do escritório de Johnson abriu, seus pensamentos foram interrompidos. Ela olhou para a porta e viu Johnson colocar a cabeça para fora. Ele a viu e sequer disse algo. Apenas a chamou para seu escritório. Era impossível saber se aquela era uma demonstração simples de pressa ou de raiva.

Chloe entrou no escritório e, quando o diretor fechou a porta, apontou para a cadeira no outro lado de sua mesa—um lugar que estava se tornando cada vez mais familiar para Chloe. Quando ele sentou, Chloe finalmente pode ler sua expressão. Ela tinha certeza de que ele estava irritado com algo.

- Você deve saber – ele disse, - que eu acabei de falar com a Agente Rhodes no telefone. Ela me contou que você basicamente destruiu uma pegada na cena do crime.

- É verdade.

Ele assentiu, desapontado.

- Estou decepcionado, porque por um lado, ela é tão nova quanto você. E o fato de ela ter me ligado basicamente para falar mal de você me deixa puto. Mas ao mesmo tempo, estou feliz por ela ter me contado. Porque mesmo esse sendo seu primeiro dia, é importante fica atento a esse tipo de coisas. Você sabe, é claro, que eu não chamo todos os agentes que cometem um erro no meu escritório para falar com eles sobre isso. Mas com você, achei que eu deveria te chamar, já que eu mudei seus planos no último minuto. Você acha que isso te tirou do lugar certo?

- Não. Eu simplesmente não vi. Eu estava muito focada em analisar a janela e não vi a pegada.

- É compreensível, mas um pouco tosco. Mas o Diretor Assistente Garcia me disse que você encontrou uma evidência que deve nos levar a uma prisão—um celular com uma aba do Snapchat aberta. Correto?

- Sim senhor. – E por razões que não entendia, Chloe queria completar: mas qualquer um poderia ter encontrado, sinceramente. Foi meio que sorte.

- Eu me considero um cara que perdoa muito – ele disse. – Mas saiba que mais erros como esse da pegada podem resultar em consequências sérias. Por enquanto, no entanto, quero você e a Agente Rhodes em outro caso. Você tem algum problema em trabalhar com ela?

A palavra sim veio até a ponta da língua, mas Chloe não queria parecer mesquinha.

- Não, eu posso lidar com isso.

- Eu olhei os relatórios dela. Os instrutores dela dizem que ela é muito esperta, mas tem uma tendência a tentar as coisas sozinha. Então, meu conselho é que você não deixe que ela tome o controle total do caso.

Sim, eu já percebi isso, Chloe pensou.

- E sendo honesto, eu já a avisei sobre isso - ele prosseguiu. – Eu também disse a ela que não gosto quando novos agentes tentam ferrar com outros. Então, espero que ela seja mais esperta no próximo caso. Eu e o Diretor Garcia vamos supervisionar isso daqui para frente, só para ter certeza de que tudo está nos conformes.

- Tudo bem, eu agradeço.

- Fora a pegada destruída, você fez um excelente trabalho hoje. Eu gostaria que você passasse o restante do dia escrevendo um relatório da cena do crime e de sua relação com a Agente Rhodes.

- Sim, senhor. Algo mais?

- Por enquanto é isso. Só... como eu disse... se você começar a sentir que essa mudança de última hora está atrapalhando seu trabalho, me diga.

Chloe assentiu e se levantou. Ao sair do escritório, sentiu como se tivesse desviado de uma bala—como uma criança quando é chamada na sala do diretor, mas é liberada apenas com um pequeno tapa no punho. Ainda assim, o fato de Johnson ter elogiado a maior parte de seu trabalho no dia a deixou mais à vontade.

Ela voltou à sua pequena estação de trabalho—um cubículo, mais especificamente—com sua mente disparada. Imaginou se já haveria existido algum novo agente que fora chamado duas vezes no escritório do Diretor em menos de quarenta e oito horas. Sentiu-se importante e, ao mesmo tempo, que estava sendo minuciosamente examinada a todo momento.

Enquanto esperava pelo elevador, viu outro agente vindo. Chloe quase não reconheceu seu rosto, do pequeno grupo de agentes que fora incluído no programa PaCV no dia anterior.

- Você é a Agente Fine, certo? – Ele disse, sorrindo.

- Sou – ela respondeu, sem saber para onde aquela conversa iria.

- Sou Michael Riggins. Soube sobre o caso que você e Rhodes receberam. Assassino de uma família relacionado a gangues. Rumores dizem que já tem uma prisão a caminho. Isso deve ser meio que um recorde, certo?

- Não faço ideia – ela disse, ainda que sentisse que tudo havia acontecido muito rápido.

- Ei, sabe, nem todos os agentes vão para campo já no primeiro dia atualmente – Riggins disse. – Alguns são mandados para pesquisas ou para mexer com a papelada. Estão falando que alguns de nós vão se reunir para tomar uma hoje. Você deveria vir. O lugar fica a duas quadras daqui, se chama Reed’s Bar. Poderíamos usar uma bela história de sucesso para renovar nossos espíritos. Mas acho melhor não convidar a Rhodes. Todo mundo... quer dizer, ninguém parece ligar muito para ela.

Chloe sabia que não deveria, mas não conseguiu deixar de sorrir ao ouvir aquele comentário.

- Pode ser que eu vá – ela disse. Foi a melhor resposta que ela poderia dar... muito melhor do que explicar que ela era introvertida e não era do tipo que ia a um bar com pessoas que não conhecia.

O elevador chegou e suas portas se abriram. Chloe entrou e Riggins acenou com um tchau. Era bizarro ver alguém invejando sua situação, especialmente depois da conversa com Johnson. Aquela sensação, de certa maneira, a fez querer ir ao bar, mesmo se fosse para tomar apenas um drink e ficar lá por meia hora. A outra alternativa era voltar para seu apartamento e continuar tirando as coisas das caixas. E aquilo era algo que, definitivamente, não a animava.

O elevador a levou para cima, até o terceiro andar, onde seu espaço ficava, ao lado de lugares idênticos de outros agentes. Ao caminhar pelo andar, passou por Rhodes na entrada. Pensou em dizer “olá” ou em agradecer ironicamente pela reunião com Johnson. Mas no fim, decidiu passar por cima disso. Era melhor não cair nos joguinhos de Rhodes.

Ainda assim, apenas passar por aquela mulher e trocar olhares sórdidos foi o suficiente para que Chloe tomasse uma decisão: sim, ela iria ao bar naquela noite. E a não ser que seu dia mudasse completamente, ela provavelmente tomaria mais do que apenas um drink.

Parece que isso está acontecendo tarde demais, ela disse a si mesma.

Aquele pensamento a perseguiu pelo restante do dia, mas assim como aconteceu com os recorrentes pensamentos sobre seu pai, ela conseguiu enviá-lo para os cantos mais profundos e escuros de sua mente.


CAPÍTULO CINCO

 

Quando chegou ao bar, às 6:45, Chloe percebeu que o local era quase como ela imaginara. Ela viu vários rostos familiares, mas nenhum que conhecia bem. Isso porque, de fato, ela não conhecia ninguém. Outra desvantagem de Johnson tê-la trocado de departamento na última hora era que pouquíssimas pessoas do PaCV haviam feito os mesmos cursos ou treinamentos que ela.

Os dois rostos que Chloe reconheceu eram de homens. Primeiro, Riggins. Ele estava sentado com outro agente, conversando animadamente sobre algo. E havia também Kyle Moulton, o agente boa pinta que havia se oferecido para almoçar com ela no primeiro estágio da orientação—o homem que havia perguntado sobre suas tendências violentas. Chloe ficou um pouco desanimada ao ver que ele estava conversando com outras duas mulheres. Mas não surpresa. Moulton era muito bonito. Ele parecia um pouco com Brad Pitt no passado.

Ela decidiu não interrompê-lo e foi sentar com Riggins. Por mais pretencioso que pudesse ser, Chloe gostava da ideia de sair com alguém que havia encarado seu trabalho daquele dia como algo a ser admirado.

- Tem alguém nesse banco? – Ela perguntou ao tomar um lugar ao lado dele.

- Não – Riggins disse. Ele parecia feliz de verdade em vê-la, e suas bochechas um pouco gordas sorriram. – Fico feliz por você ter vindo. Posso te pagar uma bebida?

- Claro. Pode ser uma cerveja, por enquanto.

Riggins chamou o bartender e pediu que ele trouxesse a primeira cerveja de Chloe. Riggins estava tomando Rum com Coca, e aproveitou para pedir a segunda dose.

- Como foi seu primeiro dia? – Chloe perguntou.

- Foi legal. Passei a maior parte do tempo pesquisando sobre um caso envolvendo um corredor interestadual de drogas. Parece chato, mas eu gostei muito na verdade. E você, como foi passar um dia inteiro com Rhodes a seu lado? – Riggins perguntou. – Claro, resolver o caso deve ter sido ótimo, mas ela tem fama de ser difícil se lidar.

- Foi tenso. Ela é uma ótima agente, mas...

- Diga – Riggins disse. – Eu não posso dizer que ela é uma vadia porque eu não gosto de chamar uma mulher de vadia na frente de outra mulher.

- Ela não é uma vadia – Chloe disse. – Ela só é muito direta e meticulosa.

A conversa se estendeu por mais alguns minutos e foi muito casual. Chloe olhou discretamente algumas vezes para o Agente Moulton. Uma das mulheres havia saído, deixando-o falando com apenas mais uma. Ele se inclinava para perto dela e sorria. Chloe tendia a ser um pouco ingênua quando se tratava de relacionamentos, mas ela estava certa de que Moulton estava afim daquela mulher.

Aquilo a decepcionou de uma maneira que ela não esperava. Fazia apenas dois meses desde que ela e Steven haviam terminado. Ela imaginou que estava interessada em Moulton apenas porque ele fora o primeiro a se importar em conversar com ela depois da mudança imposta por Johnson. Além disso, a ideia de voltar para seu novo apartamento completamente sozinha não era nada interessante. O fato dele ser muito bonito também contava.

É, foi um erro sair. Posso beber gastando muito menos em casa.

- Você está bem? – Riggins perguntou.

- Sim, eu acho. Só que foi um longo dia. E amanhã tem tudo para ser também.

- Você vai voltar a pé ou dirigindo?

- Dirigindo.

- Humm... Melhor não te oferecer outro drink então, né?

Chloe sorriu e respondeu:

- Muito responsável da sua parte.

Ela olhou novamente para Moulton e para a mulher com quem ele estava conversando. Os dois estavam se levantando. Quando saíram em direção à porta, Moulton colocou gentilmente sua mão na cintura da mulher.

- Posso perguntar como você entrou num caminho que te levou a uma carreira dessas? – Riggins perguntou.

Chloe sorriu de um jeito nervoso e terminou sua cerveja.

- Problemas na família – ela respondeu. – Obrigada por me convidar, Riggins. Mas preciso ir para casa.

Ele assentiu, como se entendesse. Chloe percebeu que ele olhou em volta e viu que seria a única pessoa restante no bar. Aquilo a faz pensar que talvez Riggins também tivesse seus próprios fantasmas para lutar contra.

- Cuide-se, agente Fine. Que amanhã seja tão bom quanto hoje.

Chloe saiu, já fazendo planos para o seu fim de noite. Ela ainda tinha algumas caixas para esvaziar, uma cama para montar, e uma muda de roupas e coisas da cozinha para organizar.

Não é a vida mais animadora que eu poderia imaginar, ela pensou, com ironia.

Ao ir em direção a seu carro, ainda estacionado no terreno da sede do FBI, seu telefone tocou. Quando viu o nome na tela, a raiva tomou conta de seu corpo, e Chloe quase ignorou totalmente a chamada.

Steven. Ela não tinha ideia do porquê ele estaria ligando. E exatamente por isso resolveu atender. Ela sabia que, se não atendesse, a dúvida a deixaria louca.

Ela atendeu a chamada, sem transparecer o quão nervosa estava se sentindo.

- Oi, Steven.

- Chloe. Ei!

Ela esperou, querendo que ele dissesse logo o que quer que fosse. Mas Steven nunca fora muito de ir direto ao ponto.

- Está tudo bem? – Ela perguntou.

- Sim, está sim. Desculpe... Eu nem pensei no que você poderia achar de eu te ligar...

Ele parou por aí, lembrando Chloe de um dos pequenos defeitos que ele nunca percebera que tinha.

- Do que você precisa, Steven?

- Eu quero te encontrar para conversar – ele disse. – Apenas algo para nos reconectarmos, sabermos um do outro, sabe?

- Acho que não. Não seria a melhor ideia.

- Não tenho segundas intenções – ele disse. – Prometo. Eu só... só acho que preciso pedir desculpas por algumas coisas. E eu preciso... bom, nós precisamos encerrar as coisas, sabe?

- Fale por você. Está tudo muito bem encerrado por mim. Não preciso de nada.

- Tudo bem. Então considere isso como um favor. Só preciso de meia hora. Tem alguns pesos que quero tirar das costas. E sendo sincero... só queria ver você mais uma vez.

- Steven... eu ando ocupada. Minha vida está uma loucura e...

Chloe parou, sem saber o que dizer a seguir. E, na verdade, ela não tinha um calendário tão cheio que a impedisse de vê-lo. Ela sabia que, para Steven, fazer aquela ligação era algo enorme. Ele estava tendo que ser humilde, o que não era algo que ele fazia muito bem.

- Chloe...

- Tudo bem. Meia hora. Mas eu não vou até você. Se você quiser me ver, vai ter que vir até Washington. As coisas estão uma loucura por aqui e eu não posso—

- Eu vou. Quando é um bom horário para você?

- Sábado. No almoço. Vou te mandar uma mensagem com o local.

- Parece ótimo. Obrigado mesmo, Chloe.

- Por nada. – Ela sentiu que precisava dizer algo mais, algo para aliviar a tensão. Mas, no fim, disse apenas: - Tchau, Steven.

Chloe encerrou a ligação e guardou o celular no bolso. Ela não pode deixar de pensar que havia aceitado o encontro apenas por estar se sentindo solitária. Pensou no Agente Moulton e imaginou onde ele e sua amiga estariam agora. Mais do que isso, pensou em porque estava pensando tanto naquilo.

Ela chegou ao carro e foi para casa, com as ruas da capital sendo tomadas pela escuridão da noite. Washington era uma cidade singular. Mesmo com o trânsito e a estranha mistura entre história e comércio, o lugar era lindo. Esse pensamento a levou a outro, mais melancólico, no caminho para o apartamento—um apartamento novo, vazio, em um lugar que ela achava ter sorte de ter encontrado, mas que agora parecia uma ilha isolada que ela precisava chamar de casa.


***

Quando seu telefone a acordou na manhã seguinte, Chloe teve seu sonho interrompido. Ela tentou lembrar e não deixá-lo ir embora, mas parou, decidindo que não valeria apena. Seus últimos sonhos vinham sendo todos sobre seu pai, sozinho na prisão.

Ela podia inclusive ouvir a voz dele cantarolando alguma música antiga de Johnny Cash, que ele sempre cantava no apartamento quando ela era criança. A Boy Named Sue, Chloe pensou. Ou talvez não. Todas as músicas pareciam ser a mesma.

Ainda assim, “A Boy Named Sue” estava em sua cabeça quando ela pegou o celular. Tirou-o do carregador e viu que o relógio marcava 6:05—vinte e cinco minutos antes do horário programado para o alarme.

- Agente Fine – ela atendeu.

- Agente Fine, aqui é o Diretor Assistente Garcia. Preciso de você no meu escritório agora. O quanto antes. Temos um caso e preciso de você e da Agente Rhodes aqui o mais rápido possível.

- Sim, senhor – ela disse, sentando-se. – Estarei aí já, já.

Nesse momento, ela não se importou em ter que passar mais um dia com Rhodes. Tudo o que ela sabia, até agora, é que já havia solucionado um caso, e que estava ansiosa para resolver o segundo.


CAPÍTULO SEIS

 

Chloe chegou ao escritório do Diretor Assistente Garcia três minutos depois. Ele estava sentado à frente da pequena mesa de reuniões no fundo da sala, olhando alguns papeis. Ela viu que ele já havia preparado e colocado duas xícaras de café, preto e forte, em cada lado da mesa.

- Bom dia, Agente Fine – ele disse ao entrar. – Você viu ou falou com a Agente Rhodes?

- Ela estava entrando quando eu peguei o elevador.

Garcia pareceu pensar naquilo por um momento, talvez confuso por não entender porque ela não havia esperado no elevador por Rhodes. Chloe, então, imaginou o quanto Johnson havia contado a ele sobre a pequena briga por poder que estava acontecendo na parceria entre as duas.

Tendo finalizado seu próprio café no carro, Chloe sentou-se em frente a uma das xícaras e tomou um gole. Ela preferia com leite e açúcar, mas não queria parecer chata. Quando deu o primeiro gole, Rhodes entrou na sala. A primeira coisa que ela fez foi lançar um olhar irritado para Chloe. Então, sentou-se em frente à outra xícara de café.

Garcia olhou para as duas, aparentemente percebendo a tensão, mas depois encolheu os ombros.

- Temos um assassinato em Landover, Maryland. É um caso que parecia bem normal no começo. A polícia de Maryland está cuidando dele, mas eles nos pediram ajuda. Também vale mencionar que Jacob Ketterman, do Departamento de Assuntos Públicos da Casa Branca, conhece a vítima. Ele já trabalhou com ela. Ele pediu que nós cuidássemos disso também, como um favor. E quando se trata da Casa Branca, temos que manter tudo em silêncio. Deve ser um caso simples. Um homicídio bem simples, pelo que parece. Essa é uma das razões pelas quais estamos colocando agentes novas nisso. Vai ser um bom teste e parece que não temos tanta urgência, mas é claro que seria ótimo resolver isso o quanto antes.

Ele então entregou duas cópias de seu relatório a elas. Os detalhes eram curtos e diretos. Enquanto Chloe lia, Garcia disse o que já sabia.

- A vítima tinha trinta e seis anos, Kim Wielding. Ela estava trabalhando como babá para a família Carver quando foi morta. Pelo que podemos ver, alguém entrou na casa e a matou. Ela foi golpeada na cabeça duas vezes com algo muito forte, e depois estrangulada. Havia dois ferimentos bem feios na cabeça. Ainda não foi determinado qual deles a matou. Precisamos que vocês duas descubram quem fez isso.

- O assassino foi até lá só para matar? – Chloe perguntou.

- Parece que sim. Nada foi roubado, ao que parece. A casa parece exatamente a mesma da última vez que os Carver a viram... com exceção de uma babá morta. O endereço está aí nos papeis – Garcia continuou. – Acabei de falar no telefone com o xerife de Landover. O casal Carver e os três filhos estão em um hotel desde que o crime aconteceu, dois dias atrás. Mas eles vão encontrar vocês na casa hoje pela manhã para responder quaisquer perguntas. E é isso, agentes. Saiam daqui para buscar mais uma vitória para nós. Vocês devem ir até o RH e pegar um carro para as duas. Vocês conhecem o procedimento?

Chloe não conhecia, mas assentiu mesmo assim. Ela imaginou que Rhodes já soubesse o que fazer. Depois do que acontecera no dia anterior, Chloe imaginava que Rhodes soubesse de todos os procedimentos do FBI.

Chloe e Rhodes levantaram-se da mesa. Chloe tomou um último gole de café antes de sair do escritório de Garcia. Elas caminharam pelo corredor até o elevador sem dizerem uma palavra.

Vai ser um dia longo se eu e ela não deixarmos essa rivalidade idiota para trás, Chloe pensou.

Ao apertar o botão no elevador, Chloe virou-se para Rhodes e fez o possível não só para quebrar o gelo, mas para eliminá-lo.

- Agente Rhodes, vamos tratar as coisas abertamente. Você tem algum problema comigo?

Rhodes deu um pequeno sorriso e levou um segundo para pensar na resposta.

- Não – ela finalmente disse. – Não tenho nenhum problema com você, Agente Fine. Mas estou um pouco hesitante em trabalhar com alguém que foi colocada no PaCV no último minuto. Isso me faz pensar se alguém está fazendo um favor para você—e favores são algo injusto com outros agentes que trabalharam muito para fazer parte desse programa.

- Isso não é da sua conta, mas eu fui chamada para entrar nesse programa. Eu estava totalmente feliz em continuar meu caminho na Equipe de Evidências.

Rhodes deu de ombros quando a porta do elevador se abriu.

- Não sei se a Equipe de Evidências teria ficado tão animada com você depois do que você fez ontem com aquela pegada.

Ao ouvir aquilo, Chloe ficou em silêncio. Ela poderia seguir com aquela pequena guerra de palavras com Rhodes, mas isso só pioraria a relação entre as duas. Se ela queria que aquilo acabasse, ela simplesmente teria que provar seu valor a Rhodes.

Além disso, ela tinha mesmo estragado a pegada no dia anterior. E a única forma de consertar isso era fazendo diferente nesse novo caso.


***


Quando Rhodes escolheu dirigir sem nenhum tipo de conversa sobre isso, Chloe deixou passar. Não valia a pena se irritar com aquilo. No caminho para Landover, Chloe começou a pensar se algo havia acontecido na trajetória de Rhodes para deixá-la daquele jeito—tão mandona e difícil de lidar. Ela teve muito tempo para refletir sobre isso durante o caminho de meia hora até Landover, já que Rhodes não estava fazendo nenhum esforço para conversar.

Elas chegaram à casa dos Carver às 8:05. Era uma casa linda, em um excelente bairro, onde todos os gramados eram perfeitamente cortados, mostrando todas as linhas das calçadas. Havia uma minivan nova estacionada em frente à garagem. Rhodes parou atrás dela e desligou o motor. Ela então olhou para Chloe e perguntou:

- Estamos bem?

- Acho que não, mas não importa. Vamos focar no caso.

- Isso que eu quis dizer – Rhodes respondeu ao abrir a porta e sair.

Chloe juntou-se a ela e, então, um homem e uma mulher saíram da minivan—os Carver, Chloe imaginou. Introduções rápidas revelaram que eles de fato eram os Carver, Bill e Sandra. Bill parecia do tipo que nunca dormia o suficiente. Sandra era linda, o tipo de mulher que nem precisava se arrumar muito. Mas ela também parecia cansada, especialmente quando olhou para a casa.

- Vocês estão ficando em um hotel, certo? – Chloe perguntou.

- Sim – Sandra disse. – Quando isso aconteceu, Bill estava viajando a negócios. A polícia ficava entrando e saindo da casa e tinha... bem, tinha muito sangue. Então eu peguei as crianças na escola, levei elas para jantar e depois fomos para um hotel. Eu contei a elas o que tinha acontecido, e não me pareceu certo voltar para cá naquela hora.

- Eu voltei para casa ontem pela manhã – Bill disse. – Por volta do meio-dia ontem, a polícia nos deu o ok para voltar para casa. Mas Sandra e as crianças ainda estão muito assustados.

- Pode ser melhor assim – Rhodes disse. – Gostaríamos de entrar, se for possível.

- Claro, o xerife nos disse que vocês viriam – Sandra disse. – Ele nos pediu para dizer a vocês que tem um arquivo com todas as informações no balcão da cozinha.

- Antes de entrarmos - Chloe disse, - acho que vocês poderia nos contar um pouco sobre Kim.

- Ela era tão querida – Sandra disse.

- E excelente com as crianças – Bill disse. Ao dizer isso, sua voz oscilou. Era como se só agora a ficha de tudo o que acontecera estivesse começando a cair.

- Vocês sabem se ela tinha muitos problemas com alguém? – Chloe perguntou.

- Não que a gente saiba – Sandra respondeu. – Nós estivemos nos perguntando isso pelos últimos dois dias... e não faz nenhum sentido.

- Algum relacionamento que deu errado? – Rhodes perguntou. – Talvez um ex-namorado estranho ou algo assim?

- Ela tinha um ex, sim – Bill disse. – Mas quase não falava dele.

- Mas ela chegou a falar dele em algum momento? – Chloe perguntou.

Algo que parecia ser uma ideia brilhou nos olhos de Sandra.

- Sabe, ela disse que foi algo do qual ela teve que escapar. E acho que não era brincadeira. Digo... ela nunca falava dele mesmo.

- Vocês sabem o nome? – Rhodes perguntou.

- Não – Sandra disse. Então, ela olhou para Bill esperando que ele respondesse, mas ele apenas balançou a cabeça.

- Kim chegou a dormir aqui? – Rhodes perguntou.

- Sim. Quando eu e Bill saíamos para nossas mini-férias, ela ficava. Temos um quarto de hóspedes que sempre brincávamos dizendo que era da Kim. Ela também ficava algumas vezes quando as crianças tinham muita tarefa da escola.

- Que quarto é esse? – Rhodes perguntou.

- No andar de cima, o primeiro na esquerda – Bill respondeu.

- Vocês se importariam em ficar aqui um tempo caso a gente precise falar com vocês depois de olharmos lá dentro? – Chloe perguntou.

- Nós não precisamos entrar, precisamos? – Sandra perguntou.

- Não – Rhodes disse. – Vocês podem ficar aqui fora.

Sandra pareceu ficar aliviada. Mas ela ainda olhava para a casa como se esperasse que um assassino saísse pela porta da frente a qualquer momento.

O casal Carver ficou na garagem enquanto Chloe e Rhodes seguiram em direção à entrada. O lugar era lindo, completo, com duas cadeiras de balanço. Chloe abriu a porta da frente e entrou.

A polícia local e do estado havia limpado tudo, de acordo com o relatório de Garcia. E pelo que Chloe pode ver, eles haviam feito um excelente trabalho. Claro, seria muito melhor entender a cena do crime se ainda houvesse evidências ali—incluindo sangue espalhado.

Quem quer que fosse que tivesse chamado o FBI para o caso aparentemente não fazia ideia de como peritos e equipes de evidências trabalhavam.

Chloe viu uma pasta no balcão da cozinha—o relatório do xerife, ela imaginou. Caminhou pela sala principal e pela sala de estar para chegar ao arquivo. Abriu, folheou o relatório básico e pulou para as fotos da cena do crime. Voltou para a porta da frente para mostrar a Rhodes e as duas estudaram as cinco fotos, comparando-as com o local, agora totalmente limpo.

Nas fotos, havia sangue no chão da sala de entrada, logo acima da moldura da porta. O corpo de Kim Wielding estava no chão, com seu pé esquerdo a menos de 15 centímetros da porta frontal. Na segunda foto, era muito evidente que ela havia sido golpeada no rosto com um instrumento brusco. Seu nariz estava quebrado e a parte baixa do rosto era apenas uma camada de sangue.

- Já podemos dizer que ela foi atender a porta – Rhodes disse.

- O que significa que ela conhecia a pessoa – Chloe disse. – Ou que ela estava esperando alguém.

Rhodes tirou as fotos da pasta, não necessariamente rasgando, mas sem muito cuidado.

- Isso me deixa puta.

- O quê? – Chloe perguntou.

- Esse caso. Um assassinato qualquer em um bairro médio. Com uma cena do crime limpa e nenhuma ajuda direta da polícia local, que diabos nós podemos fazer?

- Vamos deixar a cena para lá. Digo, nós temos as fotos. É suficiente. O que nós veríamos se o corpo e o sangue ainda estivessem aqui?

- Muito. Teríamos a chance de buscar nossas próprias evidências.

Chloe não continuou no assunto. Na verdade, aquela situação a irritava também. Mas não fazia sentido ficar reclamando.

- Vou até o quarto lá em cima – Chloe disse. Ela imaginou que, se não havia uma cena do crime para trazer respostas, elas precisam procurar em outro lugar. E se havia um ex-namorado na jogada, qualquer lugar em que a vítima passava algum tempo poderia ter alguma pista.

Ela subiu as escadas e Rhodes ficou no andar de baixo, estudando a sala. Chloe entrou no quarto que os Carver haviam mencionado e o encontrou muito arrumado. Havia uma pequena mesa encostada na parede. Um criado mudo ficava entre a porta e a cama queen-size, decorado com um abajur e um livro de bolso de Nicholas Sparks.

Ela olhou o guarda-roupas e encontrou apenas algumas mudas de roupas. Havia também uma pequena mochila, do tipo que se usa em torno do peito. Abriu-a e encontrou um batom, protetor labial, seis dólares e um cartão da biblioteca.

Chloe suspirou ao olhar pela última vez pelo quarto. Não havia nada importante ali. Qualquer coisa possivelmente útil já havia sido retirada pela polícia local. E seria preciso alguma papelada para solicitar qualquer evidência da polícia no futuro.

Ela voltou para o andar de baixo, onde Rhodes estava abaixada perto da porta, olhando de perto a área onde Kim fora assassinada. Ela olhou para Chloe, ainda irritada, e disse:

- Vamos visitar a Polícia do Estado. O relatório aqui diz que eles pegaram o notebook que estava na cozinha. Um Lenovo com uma tela de acesso bloqueado. Quero saber se eles encontraram algo nele.

- Temos que descobrir se a polícia localizou o carro dela, também. Se ela foi assassinada aqui, o carro deveria estar aqui. Então onde é que ele está?

- Eu procurei essa informação no relatório – Rhodes disse, apontando para o arquivo no balcão da cozinha. – Diz que o carro não estava aqui quando eles chegaram.

- Temos o número da placa?

- Sim, está tudo aqui.

Quando Chloe chegou ao fim da escada, Sandra Carver entrou apressada pela porta da frente. Ela segurava algo nas mãos, com os braços estendidos para entregar às agentes, em uma cena que lembrou Chloe de outra cena, do filme Rei Leão.

- Eu lembrei disso aqui – ela disse, animada e talvez um pouco envergonhada.

Era um iPad, mas Chloe não entendeu porque Sandra estava tão animada.

- É o iPad de Kim – Sandra explicou. – Madeline usava muito para esses jogos interativos da escola. Eu e Bill temos nosso próprio tablet, mas Madeline se achava especial porque Kim deixava que ela usasse o dela. Estava na nossa van nos últimos dias, no pequeno bolso atrás do banco do carona.

Chloe pegou o iPad e apertou o botão para ligar. Ela foi presenteada com uma tela bloqueada. Aparentemente, ela havia usado toda sua sorte para esse tipo de coisa no dia anterior, com o vídeo do Snapchat.

- Você disse que sua filha usava – Chloe disse. – Então ela deve saber a senha, certo?

- Sim! É cinco-três-zero-nove.

Chloe digitou o código e o iPad desbloqueou-se. Ela viu uma tela principal preenchida com rostos sorridentes de três crianças—os filhos dos Carver, imaginou.

Não havia muitos ícones na tela principal—apenas Spotify, Facebook, Instagram e os aplicativos da Apple, como Mensagens, Calendário e FaceTime. Ela ignorou as mídias sociais por enquanto e apertou o ícone das mensagens. Não havia muitas, e uma das conversas era entre Kim e Sandra Carver.

- Encontrou algo? – Bill perguntou.

- Ainda não sei – Chloe disse ao começar a abrir as conversas envolvendo qualquer nome masculino. Ela esperava encontrar conversas com o ex-namorado de Kim. Olhou cada mensagem e, em cerca de um minuto, imaginou que tivesse encontrado o que estava procurando.

- Acho que encontramos o ex – Chloe disse, mostrando o iPad a Rhodes.

Rhodes aproximou-se, com sua expressão deixando claro de que ela estava duvidando da descoberta de Chloe. Mas Chloe sabia que havia encontrado algo—potencialmente a primeira pista de verdade no assassinato de Kim Wielding.

A conversa que Chloe encontrara consistia em pequenas mensagens, enviadas ao longo de vários dias.

A conversa mais recente, de cinco dias antes, dizia muita coisa. E Chloe sabia que quando Rhodes chegasse ao fim, teria tanta certeza quanto ela. A conversa era entre Kim e um homem chamado Mike, e não era nada bonita.


Você está na creche de novo?

Não é creche. Eu sou babá. É meu trabalho.

Quer fazer um intervalo e vir me ver?

Você sabe que eu não vou fazer isso. Pare de perguntar. Pare de me encher o saco.

Não precisa ser assim. Não vou ficar esperando por você. Você sabe.

Que bom. Não espere.

Vá se foder.


Abaixo dessa conversa, havia algumas tentativas de Mike de começar outro papo. Mas Kim aparentemente nunca respondera. A próxima conversa de verdade entre eles fora um pouco mais de duas semanas antes. Novamente, fora Mike quem havia iniciado.


Por que você não liga mais?

Porque não tenho nada para te dizer.

Eu sei que você está triste. Me desculpe. Eu já pedi desculpas 100 vezes. Eu fui tolo e estava frustrado pelas coisas terem dado errado.

Tudo verdade. Especialmente a parte do tolo.

Me dê mais uma chance. Por favor.

Não. Você foi um erro. Eu queria nunca ter te conhecido.

Isso é foda pra cacete.

É sim. Mas a verdade dói. Por favor, pare de tentar falar comigo.

É isso o que você quer?

Não. Mas eu PRECISO disso. Por favor, pare. Me deixe sozinha.

Você sabe que vai sentir minha falta.


A conversa acabava ali, e não havia mais mensagens. Isso fez Chloe pensar que, em algum momento, Kim realmente havia conseguido se afastar de Mike. Talvez ela havia bloqueado ele ou simplesmente deletado todas as mensagens entre eles. Ela imaginou porque Kim não teria deletado a conversa, especialmente sabendo que uma das filhas dos Carver estava utilizando o tablete.

Talvez para ter uma prova se algo acontecesse, Chloe pensou.

Chloe sabia que, se fosse preciso, o FBI poderia conseguir um mandado para recuperar as mensagens deletadas, mas ela não acreditava que aquilo chegaria a esse ponto.

Ela clicou no nome de Mike, e o iPad mostrou as informações de contato dele no telefone de Kim. Ele estava listado como Mike Dillinger. Seu número de telefone estava ali. Mas mesmo sendo seu primeiro caso oficial, Chloe sabia que ligar para um homem como Mike Dillinger apenas daria a ele pistas de que ele estava encrencado, dando-o a chance de fugir.

- Vou pedir informações – Rhodes disse.

Claro que vai, Chloe pensou.

Enquanto Rhodes ligava para pedir informações sobre Mike Dillinger, Chloe olhou o restante das mensagens. Não havia mais nada alarmante, nada que indicasse que Kim Wielding tivesse inimigos de verdade. Pelo contrário, as mensagens mostravam que Kim era muito amada—pelos filhos dos Carver, por sua mãe e sua irmã.

Ela escutou quando Rhodes foi colocada em espera, dando-se conta de que, com o iPad em mãos, estava segurando as últimas lembranças de uma mulher morta. Novamente, no entanto, ela pensou no que poderia ser encontrado no notebook. Olhou o relatório da polícia local e encontrou o número do oficial no comando do caso. Fez a ligação, que foi atendida por uma recepcionista, e deixou uma mensagem pedindo para ser avisada quando um relatório final sobre o computador de Kim Wielding estivesse completo.

Chloe finalizou sua ligação apenas alguns momentos antes de que Rhodes terminasse a sua.

- Temos um endereço residencial e um do trabalho – Rhodes disse. – Também temos a confirmação de que Mike Dillinger tem histórico na polícia. Uma invasão quando ele tinha dezoito anos e esteve envolvido também numa briga de bar há alguns anos.

- Parece algo estranho para uma babá respeitada trabalhando nessa região – Chloe disse.

- Pensei o mesmo. Mas... bem, nem sempre nós escolhemos os homens certos, não é?

- Com certeza – ela respondeu, pensando em Steven. – Onde é o trabalho de Dillinger?

- Aqui em Landover, em algum lugar do centro.

E nada mais precisou ser dito. As duas deixaram a casa dos Carver, com Chloe carregando o iPad. Ela mostrou-o novamente aos Carver quando eles seguiram para o carro.

- Vamos precisar levar isso aqui. Obrigado novamente pela ajuda.

Os dois assentiram, mas não pareceram se importar.

- Nós podemos... – Bill Carver começou a dizer. Ele pensou novamente e, pelo que pareceu, precisou segurar suas emoções para terminar. – Podemos entrar na casa?

- Sim. Você pode voltar a morar na sua casa – Chloe disse. – Me parece que a polícia fez um bom trabalhando limpando tudo. E se vocês acharem que algo mais pode nos ajudar na investigação, por favor nos liguem.

Ela entregou um de seus cartões a Sandra Carver—seu primeiro cartão de visitas como agente. Em sua mente, anotou aquilo como mais uma conquista sem importância.

- Só mais uma coisa – Chloe disse. – Onde Kim morava quando não estava aqui?

- Ela tinha um apartamento na Lyndon Street – Bill disse. – Fica a menos de dez minutos daqui.

- Vocês têm a chave?

- Não – Sandra disse. – Mas ela nos disse onde é o esconderijo da chave. Fica embaixo de um vaso perto da porta. Tem uma fechadura eletrônica e a senha é dois-dois-cinco.

- Obrigada – Chloe disse, virando-se em direção ao carro.

O casal Carver seguiu devagar em direção à casa, enquanto Chloe e Rhodes seguiram para o carro. Com Rhodes entrando no banco do motorista, Chloe pode ver o olhar de medo e inquietude no rosto de Bill Carver e de sua esposa, ao entrarem novamente pela porta da frente.


CAPÍTULO SETE


O apartamento de Kim parecia uma casinha bonita espremida entre dois apartamentos idênticos. Ela morava em um pequeno condomínio que parecia muito com as outras centenas de condomínios entre Landover e a agitação de Washington.

Antes de entrar no apartamento, as agentes andaram pelo estacionamento procurando um carro com a placa fornecida pela polícia do Estado. Dez minutos depois e após duas voltas completas no estacionamento, não conseguiram encontrar nada.

Elas estacionaram e encontraram o apartamento de Kim. Chloe encontrou a chave exatamente onde Sandra Carver havia indicado, depois de cavar uma camada superficial do solo. Ela digitou a senha nas teclas prateadas na parte de baixo de um pequeno cofre e o abriu. Com a chave em mãos, abriu o apartamento de Kim e entrou.

No mesmo momento, sentiu-se invadindo. Aquela mulher havia sido morta covardemente e, agora, duas mulheres que ela nunca sonhara em conhecer estavam entrando em seu apartamento.

- Lugar bonito – Rhodes disse ao passar à frente de Chloe para tomar a liderança.

Era mesmo um lugar bonito. E só fazia Chloe se lembrar de que ela ainda precisava esvaziar todas as caixas em seu próprio apartamento. Talvez, um dia, sua casa também ficaria bonita assim. Havia duas estantes idênticas embutidas na sala, uma em cada lado da pequena TV de tela plana. A cozinha era anexa, mas separada por um móvel aparador. O local inteiro estava perfeitamente limpo e organizado. Não parecia sequer que alguém morava ali.

Elas analisaram o local com o nível de preocupação de um novato, certificando-se de checar cada canto, para não deixar passar nenhuma possível pista. Quando a sala e a cozinha já haviam sido devidamente analisadas, elas seguiram pelo resto do apartamento, que era apenas um quarto, um pequeno escritório e um banheiro.

Não encontraram nada no quarto. O cômodo, assim como o resto do apartamento, estava bem organizado e limpo. Aquilo tornava a busca muito fácil. Elas encontraram um MacBook, que não conseguiram acessar por estar bloqueado pelo Touch ID, mas foi só. Havia papeis na gaveta do criado mudo, mas que pareciam apenas listas antigas de coisas por fazer, frases motivacionais, além do que pareciam ser tentativas de criação de poesias.

O banheiro também não tinha nada interessante, com exceção de uma caixa de Oxicodona que fora prescrita cerca de um ano antes. O mesmo aconteceu no escritório. O local estava quase vazio, ocupado apenas por uma mesa com vários livros, e roupas que deveriam ter sido tiradas do closet.

Chloe e Rhodes falaram muito pouco enquanto olhavam o apartamento. Tudo parecia tenso entre elas, ainda que Chloe não tivesse certeza do porquê. Ela imaginou que a maioria dos agentes novos passava por algo assim com seus novos parceiros. E ela sabia que seria pior ainda entre duas mulheres muito competitivas.

Elas passaram quase quarenta e cinco minutos olhando o apartamento. Quando Chloe terminou de investigar o quarto, foi até a sala, onde Rhodes estava analisando os livros na estante.

- Alguma ideia? – Rhodes perguntou, sem olhar para Chloe.

- Acho que ela ficava mais na casa dos Carver do que aqui. Esse lugar está muito limpo e organizado.

- Com certeza – Rhodes disse. Ela apontou para um dos livros na estante, no lado direito da televisão. – Fundamentos da redação de um discurso – ela disse, dando uma risada.

- Faz pensar como a vida dela poderia ter sido se ela tivesse continuado em Washington e perseguido a carreira política – Chloe disse.

- Também me faz pensar o que mudou para fazê-la abandonar tudo – Rhodes disse, dando as costas para a estante. Ela pareceu estar de fato pensando naquilo antes de seguir para a porta. – Pronta para investigar Mike Dillinger? – Ela perguntou, mudando o assunto da conversa de uma maneira quase mecânica.

- Sim – Chloe disse.

Ela olhou uma última vez pelo apartamento, quase sem acreditar que elas não haviam encontrado nada. Ela sabia que se fosse preciso, elas confiscariam o notebook e alguém no FBI poderia hackeá-lo para analisar o material salvo nele. Mas, por enquanto, essa parecia uma medida extrema para um caso que, até então, estava tão entediante e sem novidades.


***


O local de trabalho de Mike Dillinger estava listado como sendo o Duke’s Service Center, no centro de Landover. No entanto, quando Chloe e Rhodes chegaram lá, era claro que o local estava fechado—não apenas fechado naquele dia, mas aparentemente fechado por não ter clientes. Havia uma placa velha na janela central da garagem, na frente do escritório, que dizia: ALUGA-SE OU VENDE-SE.

- Não me parece mesmo que esse é o tipo de bairro onde uma garagem assim daria certo – Rhodes disse.

Chloe balançou a cabeça, concordando. Ela já havia visto lugares piores, mas o bairro era do tipo onde velhos sentavam-se em suas sacadas sujas, fumando—o tipo de lugar onde jovens se juntavam nas esquinas durante a tarde e viaturas passavam rotineiramente à noite.

- Bom, ainda é cedo – Chloe disse. – Talvez podemos encontrá-lo em casa antes que ele saia.

Rhodes aparentemente teve a mesma ideia, porque ela não perdeu tempo ao sair da frente da garagem e seguir pelo bairro. Ainda não eram nem nove horas da manhã, então a maioria dos comércios estavam só começando a abrir suas portas. Chloe viu algumas pessoas reunidas em uma parada de ônibus e uma mulher empurrando um carrinho de compras com uma expressão de dor.

Como agente, ela sabia que chamar um lugar de “a parte ruim da cidade” era criar um estereótipo, mas era exatamente lá que elas estavam. E mesmo sabendo que pobreza não significava necessariamente algo ruim, as pichações das gangues em alguns prédios com certeza eram. Novamente, ela imaginou como uma mulher como Kim Wielding havia acabado se relacionando com um cara daquela parte da cidade.

Dez minutos depois, Rhodes parou o carro em uma rua de mão única, no fim da quadra. Ela apontou para um prédio no lado direito, e disse:

- É aqui. Apartamento vinte e oito.

Elas saíram do carro e entraram no prédio. O hall não era muito bem um hall, e sim um espaço vazio com apenas um banco encostado na parede. Havia um elevador na direita. No entanto, um cavalete no caminho e um bilhete escrito a mão deixavam claro que o equipamento não estava funcionando.

Elas seguiram então pelas escadas, tão sujas quanto o hall. Alguns degraus acima, havia algo pegajoso—café ou refrigerante que fora derramado já há algum tempo. Era fácil perceber que o prédio não estava nem perto do topo da lista de locais com melhor manutenção na cidade.

Quando chegaram ao segundo andar, o encontraram vazio. Uma única janela no fim do corredor trazia a luz do dia para dentro do prédio. A luz do sol iluminava o corredor muito melhor do que as lâmpadas no teto—a maioria delas estava queimada. O corredor começava com o apartamento 21. Do outro lado, estava o apartamento 22. Chloe e Rhodes caminharam em direção ao apartamento 28, tentando escutar os sons do prédio: uma televisão que passava um jornal da manhã, uma mulher tossindo, alguém batendo a porta.

Elas chegaram ao apartamento 28 e Rhodes não perdeu tempo para bater na porta. Ela bateu com firmeza, sem nenhuma preocupação em parecer passiva.

- Não entendo como uma mulher que parecia ser de alta classe como Kim Wielding acaba com alguém que mora aqui – Rhodes disse, repetindo os pensamentos que Chloe tivera mais cedo. – Me faz pensar se a história entre eles é maior do que a gente sabe.

- Ou que minha ideia de que ele é o ex que os Carver mencionaram está errada – Chloe admitiu.

Rhodes bateu novamente, um pouco mais forte dessa vez. Chloe estava certa de que Mike Dillinger não estava em casa. Seria ruim sair dali com as mãos abanando, mas não seria o fim do mundo. Elas tinham evidência de que ele estivera envolvido com Kim, e tinham inclusive um telefone para mapear.

- Duvido que esse cara tenha uma vida social – Rhodes disse, batendo na porta novamente. – Se ele não está em casa, onde ele vai estar?

Enquanto Rhodes batia na porta, Chole caminhou de volta pelo corredor. Um homem havia chegado ao fim da escada e parado no meio do caminho. Os olhos dele estavam vidrados nelas e a única parte de seu corpo que se movia era seu braço direito. Ele estava movendo o braço para dentro, como se pretendesse segurar seu estômago.

- Rhodes – Chloe murmurou. – Temos companhia.

Rhodes virou-se naquela direção. Quando ela olhou, a mão do homem estava agora tocando seu quadril, como se mexesse em sua cintura.

- Não se mexa – Chloe disse, colocando a mão em sua arma. – Somos agentes federais. Deixe suas mãos onde eu—

O homem puxou uma arma da cintura enquanto Chloe também pegou a sua. Ele não perdeu tempo, atirando duas vezes pelo corredor. Chloe ficou muito surpresa e não conseguiu atirar também. Ela também estava preocupada em se jogar no chão, certa de que havia ouvido um dos tiros passar ao lado de sua cabeça. Ela se encostou na parede, mirando com seu braço pelo corredor. Ela segurava uma Sig Sauer .09 milímetros, a única arma com a qual se sentia confortável.

- Rhodes, você...

Mas Rhodes, também no chão, não estava se movendo. Ela estava gemendo, no entanto, e uma poça de sangue estava começando a se formar perto de sua cintura.

- Merda – Chloe disse. Com sua arma ainda apontada pelo corredor, ela virou-se para Rhodes. Ela havia sido atingida no estômago, na parte inferior direita, e estava segurando sua arma com a mão direita, e apertando o ferimento com a esquerda.

- Rhodes, você consegue—

- Vá atrás dele – Rhodes interrompeu. A voz dela estava suave, e claramente ela estava com muita dor. – Vou ficar bem. Pegue meu telefone. Ligue para a emergência.

Chloe ainda estava em choque, mas conseguiu encontrar o telefone de Rhodes no bolso da parceira. Ela discou 911, mas Rhodes pegou o telefone de sua mão. – Vá! – Ela disse, ainda com dores.

- Sim! – Chloe disse, como uma confirmação para si mesma.

Ela tentou manter-se calma o quanto possível ao correr pelo corredor. Mas ao alcançar uma velocidade que surpreendeu a si mesma, vários xingamentos vieram à sua mente.

Segundo dia no trabalho e vou morrer. Agora, aqui, nessa merda de prédio...

Chloe chegou ao fim do corredor, onde a escada começava. Ela recuperou o ar e formou um plano em sua mente. Se ele estivesse lá, esperando por ela, ela teria que atirar. Mas se ele não estivesse, ela teria que persegui-lo. E quem poderia saber se ele teria saído pelo hall em direção à rua? Talvez ele havia subido pelas escadas, para o terceiro ou quarto andar, para despistá-la.

Ela concentrou-se e subiu pelas escadas. Seu dedo estava pressionado contra o gatilho, pronto para disparar uma, duas ou Deus sabe quantas vezes. Seus nervos estavam à flor da pele, seus músculos enrijecidos com a adrenalina.

Mas o homem não estava lá.

Por instinto, Chloe desceu as escadas. Faria mais sentido se ele tivesse saído pela rua, tendo assim vários métodos de escape. Ela desceu, sem ter certeza de que poderia atirar em alguém—ainda mais em seu segundo dia de trabalho.

Ela chegou ao final da escada e virou à direita, em direção ao hall.

Algo moveu-se em sua direita, algo grande e rápido. Chloe mal pode ver, mas levantou seus braços imediatamente em postura defensiva. E assim, ela conseguiu boquear uma coronhada de Glock que teria a derrubado no mesmo momento.

Ela cambaleou com o golpe, mas moveu rapidamente seu braço em direção ao homem, atacando-o. O movimento afastou a arma e forçou o homem a dar um passo para a esquerda, evitando que seu braço fosse arrancado. Quando ele se moveu, Chloe virou o braço dele com força e derrubou sua perna esquerda. Quando ele caiu, ela subiu nele, atingindo-o com seu antebraço no pescoço.

Ele tossiu e se engasgou, e Chloe tirou a arma dele. Ele tentou lutar, mas não conseguiu, por estar com falta de ar na garganta. Chloe acertou uma cotovelada nas costelas dele que facilitaram ainda mais as coisas. Então, segurou a mão direita dele e a puxou para trás. Fez o mesmo com a mão esquerda e algemou a primeira pessoa de sua carreira.

Cacete, eu fiz isso, ela pensou. Ela estava orgulhosa, mas também assustada. Era tudo verdade agora. Verdade—mais do que só um sonho.

E agora?

Ela realmente não sabia. Então, fez o que lhe pareceu mais sensato. Ela não poderia deixar Rhodes sangrando no andar de cima, mas também não poderia deixar aquele idiota sozinho, pois ele escaparia.

Ela levantou-se a alguns centímetros dele e apontou a Sig.

- De joelhos e depois em pé – disse.

- Vá se foder.

- Ei, otário. Se você fizer isso agora, eu vou poder subir e ajudar minha parceira. Se você não fizer isso e ela morrer, você vai ser o assassino convicto de uma agente federal. Então eu acho melhor você levantar, cacete. Agora!

Ele pensou por um momento, mas então ficou de joelhos com a ajuda de Chloe. Depois, levantou-se. Quando estava em pé, Chloe o empurrou para as escadas.

- Segundo andar – ela disse. – Tente qualquer estupidez e você vai ver o que acontece.

Ele caminhou mais rápido do que ela esperava. Chloe imaginou se ele havia finalmente percebido a gravidade do que estava acontecendo. Enquanto eles subiam as escadas, ela tentou imaginar aquele homem enviando mensagens para Kim Wielding.

- Seu nome é Mike Dillinger? – Ela perguntou.

Ele não respondeu. Apenas virou sua cabeça levemente na direção dela.

- Sugiro que você me responda. Ou as coisas só vão piorar para você.

- Sim. Sou Mike Dillinger.

- Quando você achou que seria uma boa ideia atirar em agentes federais, Senhor Dillinger?

Ele encolheu os ombros e olhou para o chão.

Quando eles chegaram ao fim da escada, Chloe o cutucou com sua arma para que ele seguisse em frente. Provavelmente aquela era uma ação irresponsável perante ao FBI, mas ela não ligava. Ela quase havia morrido, Rhodes poderia morrer, e aquele cara parecia não ligar para nada disso.

Rhodes havia conseguido se sentar, encostada na parede do apartamento 29. Ela ainda estava sangrando, e sua mão esquerda seguia manchada de sangue, cobrindo o ferimento. Seus olhos estavam pequenos e sua respiração enfraquecida.

Chloe cutucou Mike Dillinger com sua arma e o empurrou para baixo.

- De joelhos, na parede.

Ele se moveu devagar—tão devagar que, quando se ajoelhou, Chloe o cutucou novamente para que ele se encostasse na parede. Ela então ajoelhou-se ao lado de Rhodes e analisou a situação.

- Vamos ver – ela disse.

- Não – Rhodes disse. – Estou bem. A ambulância deve estar a caminho.

- Deve mesmo. Mas deixe eu ver.

Rhodes gemeu e cedeu. Quando moveu sua mão, um pouco de sangue jorrou de seu estômago e parou em seu colo, onde já havia uma quantidade preocupante. Chloe sabia que ela precisava pressionar o local, mas também sabia que talvez isso não fosse suficiente naquela situação.

Ela olhou em volta, em pânico, e teve uma ideia. Era um pouco maluca, mas ela não sabia mais o que fazer. Levantou-se e virou-se para Mike Dillinger.

- Levante seus braços.

Ele levantou, devagar, com seus punhos pressionados contra a parede, assim como sua testa. Quando seus braços estavam levantados, Chloe agarrou a bainha da camisa dele. Ela puxou pela cabeça dele e tirou a camiseta, rasgando-a para que a algema não fosse um problema.

- Que porra é essa? – Dillinger perguntou.

Chloe o ignorou, ainda rasgando a camiseta. Agora, ela tinha um bom pedaço de tecido de algodão durável em mãos. Ela dobrou o tecido três vezes e pressionou-o contra o ferimento de Rhodes. Rhodes gemeu de dor, mas então relaxou. Chloe olhou para o rosto dela e percebeu que sua parceira estava pálida, e seu olhos estavam fechando.

- Aguente firme, Rhodes – ela disse. – Você consegue?

- Mmm-hmmm...

Mas ao olhar para ela, Chloe não teve certeza. Mesmo agora, menos de dez segundos depois de fazer um pequeno torniquete, o tecido estava começando a mergulhar em sangue.

- Aguente – ela disse, apressada. – Vamos, Rhodes. Aguente firme...

Mas os olhos de Rhodes estavam fechando e sua respiração ficando cada vez mais fraca. Chloe focou naquele barulho, até que outro barulho quebrasse sua concentração. Era um barulho muito mais bem-vindo: o som da sirene da ambulância chegando.

E mesmo que aquele som a trouxesse um pouco de alívio, Chloe não tinha certeza de que a ajuda chegaria a tempo.


CAPÍTULO OITO

 

Tudo havia acontecido tão rápido que Chloe realmente tivera dificuldades para entender. Os paramédicos chegaram com pressa, reclamando do elevador quebrado. Quando eles levaram Rhodes pelo corredor e as escadas, seu pulso estava muito fraco. Vários policiais vieram atrás da ambulância, também em resposta à ligação de Chloe. Houve uma conversa entre Chloe e os policiais, que ela praticamente não assuntou. Tudo o que ela sabia é que, cinco minutos depois de que Rhodes fora levada pelo corredor, Mike Dillinger também havia sido retirado do prédio pela polícia de Maryland. Dois agentes estavam levando ele à estação policial mais próxima para interrogá-lo.

Enquanto isso, Rhodes estava sendo levada às pressas para o hospital. Quando Chloe saiu do prédio, ela tentou ler a expressão dos paramédicos, para tentar encontrar esperança ou preocupação. Viu um pouco dos dois, e não sentiu-se nenhum pouco melhor com isso.

Ela entrou em seu carro e ligou para o Agente Garcia antes de ligar o motor. Contou a ele o que acontecera, terminando dizendo a ele que estava indo até à polícia para interrogar Mike Dillinger. Garcia pareceu atordoado, mas disse a ela que também chegaria lá em menos de uma hora.

Chloe ligou o carro e saiu, sem saber muito bem o que estava fazendo até chegar ao primeiro sinal vermelho. À frente, ela pode ver as luzes das viaturas, levando Dillinger.

Como isso tudo aconteceu? Ela se perguntou. Foi tudo muito rápido. Não parece real... e eu não sei se vou conseguir interrogar um cara que me irritou tanto.

De repente, encontrou-se pensando no que as pessoas da Equipe de Evidências estariam fazendo naquele momento. Imaginou se algum deles havia sido atingido por um tiro naquela manhã, ou tivera o sangue de seu parceiro em suas mãos.

O semáforo ficou verde e Chloe seguiu, seguindo as viaturas em direção ao que ela sentia que seria seu primeiro teste de verdade como agente do PaCV.


***


Chloe olhou pelo vidro e viu Mike Dillinger. Ele estava sentado em uma cadeira de ferro atrás de uma mesa de metal comprida. Havia um policial do outro lado, preenchendo alguns papeis e fazendo uma série de perguntas a Dillinger. Ele já estava lá por mais de meia hora. Chloe estava até aliviada por todo o processo estar levando tanto tempo. Ela não via problemas em interrogar Dillinger, mas se sentiria muito melhor se alguém como o Diretor Assistente Garcia ou o Diretor Johnson estivessem ali.

Na verdade, ela se sentiria melhor até se Rhodes estivesse ali. Mas ela estava lutando por sua vida, provavelmente numa sala de operações naquele momento. Enquanto esperava sua hora de entrar na sala de interrogatórios, Chloe olhou para suas mãos. Ela já havia lavado três vezes, mas ainda podia sentir traços do sangue de Rhodes.

Sentada ali, com os braços cruzados e pensamentos por todos os lados, Chloe viu a porta abrir. Ficou surpresa ao não ver Garcia, mas sim o Diretor Johnson entrando na sala. Ele fechou a porta e tirou um segundo para analisar a postura de Chloe.

- Como você está? – Ele perguntou.

- Bem.

- Eu vi o relatório da polícia. Você pode me dar sua versão?

Ela concordou e passou os três minutos seguintes contando a Johnson sua versão dos acontecimentos. Fez o que pode para minimizar o fato de que sabia muito bem que se a pontaria de Dillinger fosse um pouco melhor, ela poderia muito bem estar morta naquele momento.

- Liguei para o hospital dois minutos antes de entrar aqui – Johnson disse. – Rhodes está em cirurgia agora e ainda é muito cedo para dizer se ela vai sobreviver ou não. A enfermeira com quem eu falei me disse que sua ideia de ter feito pressão no ferimento pode ter salvo a vida dela. Sem você lá, ela teria morrido na ambulância.

Chloe não sabia o que dizer. Ela esperou pacientemente enquanto Johnson olhou pelo vidro.

- A polícia investigou a casa de Dillinger. Temos agentes nossos lá também. O cara tem seus problemas, com certeza. Acho que descobrimos porque ele foi tão descarado a ponto de atirar em duas agentes do FBI. Tem arquivos criptografados no computador dele e em alguns pen drives—o tipo de criptografia que já vimos centenas de vezes. Nossos especialistas estão certos de que são coisas da dark web. Vídeos de estupro, pornôs, coisas assim. Ainda não temos certeza, mas provavelmente vai ser algo assim. – Johnson fez uma pausa e olhou para Chloe, quase como um pai preocupado. – Sabe, você não precisa interrogá-lo. Você já fez mais do que o suficiente hoje.

- Não, acho que estou bem.

- Você gostaria que eu entrasse com você?

Chloe pensou por um segundo e encolheu os ombros. O próximo comentário que saiu de sua boca pareceu ter escapado... não era o tipo de coisa para se dizer a um superior.

- Com todo respeito, senhor, você acompanha todos os novos agentes assim?

- Não. Só aqueles que eu convenci a trocar de departamento para que eles pudessem ter um tiro disparado em sua direção e também pudessem salvar a vida de outro agente. Mas acontece que você foi a primeira, no caso.

- Então sim, eu gostaria de ter você lá comigo.

- Então, o que estamos esperando? Vamos.

Johnson abriu a porta e eles seguiram pelo corredor. Ele bateu na porta da sala de interrogatórios, que foi aberta por um policial dez segundos depois. Johnson mostrou seu distintivo ao policial e entrou na sala.

- Você terminou? – Johnson perguntou.

- Quase.

- Deixe-nos a sós na sala por dez minutos. Depois, ele é todo seu de novo.

Claramente, o policial não gostou de ser expulso daquele jeito, mas cedeu. Ele olhou mais uma vez para Dillinger—ainda sem camisa depois da ação de primeiros socorros de Chloe—e saiu da sala, fechando a porta. Johnson cruzou os braços e se encostou na parede, olhando para Dillinger. Seu gesto causou duas coisas: intimidou Dillinger demais e mostrou a Chloe que era hora dela trabalhar.

Ela deu passos em direção à mesa, fazendo o possível para parecer que já havia feito aquilo centenas de vezes.

- Sou a Agente Chloe Fine – ela disse. – Você deve me reconhecer já que você atirou em mim—no mesmo momento em que feriu gravemente minha parceira. Senhor Dillinger, vou pular as sutilezas e perguntar diretamente porque você atiraria tão cegamente em alguém que simplesmente bateu em sua porta.

- Duas mulheres que pareciam não ser da área estavam no meu corredor, fodendo com minha porta – Dillinger disse com a voz trêmula. – Eu não acreditei quando você disse que vocês eram federais. – Dillinger parecia um pouco assustado, mas também havia algo de tédio em sua postura na cadeira e no jeito que ele falava. Ele sabia que estava encrencado, e aparentemente não via motivos para desafiar Chloe.

- Aparentemente não. Mas mesmo assim... você tem o hábito de atirar em pessoas que batem na sua porta?

- Eu não sou idiota – Dillinger disse. – Eu vi que você tinha uma arma. Pensei que você pudesse ter sido mandada por alguém atrás de mim.

- E quem poderia vir atrás de você? – Chloe perguntou.

- Algumas pessoas.

- Compreensível – Chloe disse. – Senhor Dillinger, temos agentes do FBI e policiais do Estado trabalhando para descriptografar alguns arquivos que eles encontraram no seu notebook e em vários pen drives. Pode levar um tempo, mas eles vão conseguir. Por que você não nos ajuda e me diz o que eles vão encontrar?

Dillinger cruzou os braços e colocou-os na mesa, talvez tentando parecer indiferente. Mas o nervosismo em seu rosto o entregou.

- Tudo bem – Chloe disse. – Por que você não me conta então como você conheceu Kim Wielding?

A menção ao nome pareceu sacudi-lo por alguns momentos. Mas então ele riu e disse:

- O que é que tem aquela vadia?

- Por que você não me diz? – Chloe perguntou. – Afinal de contas ela está morta. E eu estou começando a achar que você a matou.

A reação de Dillinger a confundiu. Ele olhou para ela como se ela tivesse puxado uma arma e atirado nele. Mas depois de um breve momento, ele balançou a cabeça e olhou para baixo, para seus braços ainda cruzados.

- Não vou dizer nada até falar com um advogado.

- Pelo menos me diga como ela te conhecia.

Ele sorriu e inclinou a cabeça na direção de Chloe.

- Por que? Eu e ela juntos não faz sentido para você? Ela é demais para mim? Eu entendo. Você não é a primeira a achar isso.

- Há quanto tempo você conhecia ela?

Dillinger olhou para Chloe como se ela fosse estúpida, como um adulto sendo confundido por uma criança.

– Não vou mais falar até conversar com um advogado.

Chloe então virou seu olhar para Johnson. Ele assentiu e eles seguiram para a porta. Quando ela se abriu, Chloe não perdeu tempo e saiu, sem nem escutar Dillinger rindo dela. Chloe e Johnson voltaram diretamente para a sala de observação, e Johnson fez um gesto para o policial que havia saído da sala de interrogações, como se dissesse: Vá em frente.

- Qual sua ideia inicial? – Johnson perguntou quando a porta já estava fechada.

Chloe levou alguns segundos para responder. Ela sentiu que estava sendo testada, que Johnson queria ouvir alguma resposta específica.

- Ele é culpado de algo, mas não vi o suficiente para já apontar o assassinato de Kim Wielding na direção dele.

- Vou conversar com os tiras do Estado para que eles tenham todas as informações necessárias do FBI. Fine... você fez um trabalho incrível hoje, e eu já estivesse na sua posição. Sofrer um tiro, ver a vida de um parceiro em risco. É difícil. Então quero que você tire o resto do dia. Não volte para o escritório. Vá para casa. Se você decidir que precisa conversar com alguém, eu vou encaminhar você para o psicólogo do FBI.

A preocupação dele era inesperada e marcante. E sabendo que não adiantaria discutir, Chloe apenas respondeu:

- Obrigado, senhor.

- Eu gostaria de um relatório na minha mesa em até dois dias sobre o que aconteceu.

- Sem problemas – Chloe disse, abrindo a porta e saindo.

Enquanto caminhava pelo corredor em direção à porta frontal, ela sentiu uma onda de emoção tomando conta de si. Ela já havia sentido aquilo duas vezes naquela manhã. Havia tentado lutar contra isso nas duas vezes, mas agora sua guarda estava baixa. Quando chegou ao carro, ela estava chorando tanto que precisou esperar alguns momentos para ligar o motor. Quando finalmente deu a partida, os restos do sangue de Rhodes em suas mãos a derrubaram novamente.

E como geralmente acontecia nos momentos de emoção, Chloe lembrou de seu pai. Mas dessa vez, a lembrança dele a fez parar de chorar.

Ela tinha o resto do dia à disposição. E sabia onde ele estava.

Pensou nas possibilidades por um momento e depois saiu do estacionamento com um plano aterrorizante na cabeça.


CAPÍTULO NOVE

 

Ao passar por seu apartamento, Chloe já sabia que não ficaria por lá. Quando a onda de emoção em seu coração a atingira no estacionamento da sede da polícia, ela tivera uma ideia. Assim como no oceano, onde conchas e outros detritos vêm até a costa, sua onda também trouxera outras coisas além de emoção.

Chloe sentira algo incerto sobre seu pai. E foi aquele sentimento que a fez passar direto pelo apartamento e subir a rampa da rodovia interestadual. O caminho seria de quase duas horas e meia até a Prisão de Somerset, na Pensilvânia, onde seu pai estivera preso pelos últimos vinte anos. Mas ela deu-se conta de que o caminho lhe daria muito tempo para pensar muito bem no que ela diria a seu pai, Aiden Fine.

Na metade do caminho, seu celular tocou. Mesmo sem ter o contato salvo, Chloe reconheceu o número do Diretor Garcia. Ela atendeu com o coração na garganta, com medo de que as notícias fossem sobre Rhodes e não fossem nada boas.

- Agente Fine falando.

- Aqui é o Diretor Assistente Garcia. Imaginei que você quisesse saber sobre Rhodes. A cirurgia não acabou, mas eles estabilizaram a situação dela. Se não houver nenhum problema novo no resto do procedimento, ela vai ficar bem. Os médicos estão dizendo que você salvou a vida dela fazendo aquela compressa. Ela teria ficado sem sangue se não fosse por você.

- Muito bom ouvir isso – Chloe disse. – Obrigada.

- O Diretor Johnson me disse que você vai tirar o resto do dia. Se eu puder me intrometer, sugiro que você fique relaxando em casa. Tire algum tempo para processar tudo o que aconteceu e nos diga se pudermos ajudar.

Chloe sorriu, olhando para a rodovia à sua frente.

- Sim – ela disse. – Acho que vou fazer isso.


***


Chloe esperava ter que mostrar sua identidade e seu distintivo para poder ver seu pai, mas surpreendeu-se ao passar por um processo simples de check-in—não como agente federal, mas como filha de Aiden Fine. Ela foi então levada a uma sala que parecia muito com qualquer sala de visitação que ela já havia visto no cinema. Havia uma fila comprida de cabines, todas juntas formando o que parecia ser uma grande mesa, dividida em pedaços. As cabines tinham os dois lados, frente e fundo, separados por um vidro blindado. Um lado era para os visitantes. O outro, dentro da prisão, dava aos prisioneiros a chance de ter visitas frente a frente.

Não havia outros visitantes quando Chloe sentou-se em uma das cabines. Sua imagem das cabines construída pelo cinema caiu por terra quando ela percebeu que não havia os tradicionais telefones para comunicação nos dois lados da cabine. Ao invés disso, cada lado tinha um pequeno microfone com um botão de enviar e receber—basicamente um rádio comunicador de alta tecnologia.

Chloe ficou ali, quieta, com apenas um guarda parado a muitos metros de distância, enquanto esperava que alguém trouxesse seu pai. Estranhamente, ela imaginou se o reconheceria. Afinal de contas, dezessete anos já haviam se passado desde a última vez em que ela o vira.

Cinco minutos passaram-se até que uma porta se abriu no outro lado do vidro. Um guarda entrou junto com seu pai. Aiden Fine parecia magro e tinha uma barba precisando de cuidados. Seus olhos pareciam quase selvagens quando ele sentou-se em frente a Chloe. Com o vidro entre eles, eles se olharam até que Aiden finalmente disse algo.

- Chloe – o nome dela saiu da boca dele como um soluço seco.

- Ei – foi tudo o que ela conseguiu responder. Após tomar coragem, ela continuou. – Estou surpresa por você ter me reconhecido.

- Você não mudou tanto.

- Você mudou – ela disse. – Eu tinha uma imagem sua na minha cabeça que não tinha certeza se era certa ou não.

Ele assentiu, como se entendesse perfeitamente.

- É bom te ver – ele disse, claramente segurando as lágrimas. – O que te fez decidir por vir me visitar?

Ela sabia que poderia tomar dois caminhos. Poderia fazer o papel da mulher madura, que havia passado a infância sem mãe e pai, e com uma memória terrível do dia em que seu pai fora preso. Ou poderia ser honesta consigo mesma. Poderia se comportar ao natural, usando as palavras que viessem à mente ao invés de filtrá-las.

Decidiu pelo segundo caminho.

Chloe levantou as mãos e mostrou a ele.

- Sou uma agente do FBI agora. Faço parte do programa PaCV. O sangue aqui nas minhas mãos é da minha parceira. Está impregnado, mas vai sair se eu lavar bem, eu acho.

- Chloe... Como você...?

Seu pai estava começando a perder a batalha contra suas emoções... o que fazia sentindo, porque parte da mente de Chloe parecia estar sentindo o mesmo. Ela havia pensado naquele momento por muito tempo, e agora que estava ali, percebera que não estava pronta. Não havia se preparado do jeito certo. Vir diretamente após sua primeira prisão e após ter visto sua parceira quase morrer com certeza não estava ajudando.

- Estou com muito orgulho de você – Aiden disse, entre lágrimas.

- Não interessa, pai. Eu sei que parece ruim, mas... eu não vim aqui para tomar coragem ou para ter momentos melosos entre nós. Eu não sei porque eu vim.

Sim, você sabe, ela pensou. Ver Rhodes daquele jeito... todo aquele sangue e a vida dela nas suas mãos por um momento... aquilo fez você pensar nele. Fez você pensar no dia que você viu sua mãe morta no chão e seu pai sendo levado algemado.

- Você sabe... Que não fui eu? Foi outra pessoa. Minha sentença foi reduzida e...

- Eu sei que não foi você que matou a mãe – ela disse. – Eu sei que foi Ruthanne Carwile. Eu descobri meses atrás. Mas... Isso não muda muito para mim. Você estava lá... Você... Você queria que acontecesse. Tanto que você ainda está preso por conspiração em um assassinato.

- Eu sei – ele disse. – E não... Eu não queria que acontecesse. Eu sinto muito, Chloe. Por favor, acredite em mim. Eu sou um homem mudado agora. Sou diferente e espero que você me perdoe. Espero sair daqui logo e nem sei como vai ser minha vida. Se você e Danielle pudessem me ajudar...

- Por que você não fala a verdade? – Chloe perguntou. – O nome de Ruthanne nunca saiu de sua boca durante o julgamento. Eu olhei as gravações de volta para ter certeza. Você não mencionou ela nenhuma vez.

- Eu estava... eu estava apaixonado.

- Mas não pela minha mãe.

- Nosso amor havia acabado muito tempo antes disso. Ela te diria o mesmo.

- Mas eu não posso perguntar porque ela está morta – Chloe respondeu rapidamente.

Aiden encolheu-se, como se alguém tivesse dado um soco nele.

- Mesmo com Ruthanne tendo sido presa pelo assassinato, você também é culpado – Chloe disse. – Não pelo sistema prisional. Isso já foi feito, eu acho. Mas falo de mim e de Danielle.

- Ruthanne contou tudo para você? – Ele perguntou.

- Ela me contou o suficiente.

- Duvido que ela tenha falado tudo. Se ela tivesse contado o lado dela todo, teria me livrado completamente.

Chloe suspirou e desviou o olhar, sem gostar de vê-lo chorando.

- Não vim aqui para falar sobre a mãe ou sobre Ruthanne.

- Então por que você veio?

- Porque eu estive muito próxima de alguém que quase morreu hoje. Eu a tive em minhas mãos enquanto ela sangrava. E desde sempre, sempre que eu penso em morte, eu penso em você.

Ele limpou as lágrimas dos cantos de seus olhos e fez o que pode para se recompor. Uma parte de Chloe sentiu-se miserável. Ela não pretendia ser tão maldosa com ele. Tudo aquilo havia sido natural.

- Eu pensei em você esses dias – ele disse, quase que aleatoriamente. – Alguém estava falando sobre parques de diversão e montanhas russas. Me fez lembrar de quando fomos a Virginia e levamos você e seu irmã no King’s Dominion. Lembra como você ficava brava porque era muito pequena para ir em todas as montanhas, e Danielle era cinco centímetros mais alta e podia ir?

Chloe sentiu um vazio no peito e lágrimas apareceram em seu rosto. Ela abaixou a cabeça, evitando que ele a visse chorar.

- Pare – ela disse. – Você não pode fazer isso.

- Chloe, eu só—

Antes de perceber o que estava fazendo, Chloe levantou-se.

- Tenho que ir – ela disse. – Isso foi um erro. Um erro enorme.

- Chloe, por favor, pense nisso. Eu não sei quando serei solto, mas vai ser logo. E eu quero ter uma vida com minhas filhas.

- Achei que os planos fossem você ficar com a Ruthanne – ela disse. – Desculpe se eu ter prendido ela fodeu todo seu plano.

- Desculpe, Chloe! Eu estava apaixonado e não estava pensando direito. Estava tudo errado! Não posso voltar atrás, eu estava muito apaixonado por ela. Desculpe!

Chloe parou ao ouvir as últimas palavras e virou-se para ele. Ela queria machucá-lo, e as próximas palavras a saírem de sua boca pareceram certas.

- Eu queria conseguir esquecer você como a Danielle. Queria poder te odiar, pai. Mas... eu não consigo, e não sei porque. Mesmo depois de descobrir que você não matou minha mãe... que foi aquela vadia da Ruthanne...

- Chloe...

- Tenho que cortar qualquer relação com você ou vou enlouquecer. E eu sei como fazer isso. Tenho que saber.

- Saber o que, Chloe?

- Você amou minha mãe? Você chegou a amá-la de verdade?

- Claro que sim. Sempre amei, eu acho. Eu queria poder explicar a você quão destruído eu fiquei nos meses—nos anos depois da morte dela.

- Não fale besteira, pai.

- Chloe, eu—

- O que foi, idiota?

Mas ele apenas balançou a cabeça. Quando Chloe viu uma lágrima da bochecha dele, virou-se e caminhou em direção à saída. Fez um gesto para o guarda e ele veio até ali para abrir a porta.

A caminhada da sala de visitas até o estacionamento foi mais longa e difícil do que aquela outra, da sala de interrogatórios com Mike Dillinger até seu carro. Saber que seu pai—o homem com quem ela sonhara e pensara na maior parte de sua vida—estava atrás dela a fez sentir-se como uma garotinha, correndo de um pai decepcionante. E, na verdade, era exatamente isso o que estava acontecendo.

Mas mesmo em meio a tudo isso, a parte lógica de sua mente estava pensando em algo que ele dissera—palavras que ela ouviu quando estava saindo. Eu estava apaixonado e não estava pensando direito. Estava tudo errado! Não posso voltar atrás, eu estava muito apaixonado por ela.

Aquilo a fez pensar no relacionamento aparentemente bizarro entre Kim Wielding e Mike Dillinger. Chloe imaginou se estaria deixando algo passar. Ela havia instantaneamente assumido que Dillinger a levaria a qualquer resposta misteriosa. Estivera tão fixada naquilo, que quase esquecera Kim. Talvez ela tivesse também segredos escondidos. Talvez Kim, como Ruthanne, estivesse vivendo com segredos que, perigosamente, estavam prestes a ser revelados.

Com essa ideia formada em sua mente, Chloe voltou pelo mesmo caminho que havia vindo, começando o caminho de volta de uma viagem de quase seis horas que resultara em uma visita de menos de quinze minutos.

Mas para Chloe, havia valido a pena.

Para ela, estava tudo bem se nunca mais voltasse a vê-lo.


CAPÍTULO DEZ

 

Chloe imaginou que fora a exaustão emocional que a permitira ter pegado no sono tão rapidamente à noite. Ela deitou às dez e meia e adormeceu quase que imediatamente. Quando acordou na manhã seguinte, ficou surpresa ao ver que eram 7:50. Ela olhou o telefone e viu que não haviam chamadas perdidas ou mensagens, mas que recebera vários e-mails. Um deles era do Diretor Assistente Garcia e fora enviado para ela e muitas outras pessoas—que ela percebeu, após ver seus endereços, que eram agentes do programa PaCV.

Ela leu o e-mail e sentou-se na cama, sentindo-se incrivelmente descansada.


Como muitos de vocês sabem, a Agente Rhodes sofreu um tiro durante o trabalho ontem. Após a cirurgia, os médicos dizem que o estado dela é estável. Às 11:30 da noite de hoje, os médicos indicaram que ela não corre riscos e que sua recuperação deve levar apenas algumas semanas.


O e-mail seguia com o endereço do hospital de Landover, assim como com o número do quarto de Rhodes. Chloe ficou feliz ao ver que seu nome não fora mencionado no e-mail. O simples fato de ouvir Garcia e Johnson lhe dizendo que ela fora essencial para salvar a vida de sua parceira já havia sido estranho.

Chloe arrumou-se para o trabalho normalmente, sorrindo ao lembrar do quanto se apressara no dia anterior em uma tentativa de “ganhar” de Rhodes. Ela chegou ao trabalho um pouco antes das nove. Recebeu alguns sorrisos e cumprimentos no caminho até seu cubículo, no terceiro andar. Pensou em visitar Garcia ou Johnson, mas decidiu não ir. Ela só queria sentar em sua mesa sem ninguém para pensar em tudo o que acontecera no dia anterior.

Acessou a rede do FBI e viu que o arquivo de Kim Wielding fora atualizado. Havia mais informações sobre Mike Dillinger e a cena do crime na casa dos Carver. Imprimiu todos os novos arquivos e juntou-os aos seus. Passou vários minutos em sua mesa, bebendo café e lendo sobre o caso.

Dillinger ainda não havia admitido ser o assassino de Kim Wielding. Na verdade, agora ele estava negando fortemente. Enquanto ele negava o crime ou qualquer envolvimento físico com Kim, os federais conseguiram descriptografar seus arquivos. Eram todos vídeos de sexo caseiros—que pareciam estupros—mas não havia nada intrinsicamente criminoso neles.

Uma investigação fora aberta sobre duas mulheres que apareciam nos vídeos, com suspeitas de que elas possivelmente seriam menores de dezoito anos.

Os agentes também haviam conseguido recuperar o histórico deletado do notebook, descobrindo que Dillinger passava muito tempo na dark web. Ele havia comprado DMT e heroína de um fornecedor nas últimas três semanas, mas foi a sequência do histórico—assim como seus extratos bancários—que o tornavam culpado, mesmo que ele fosse inocente no assassinato de Kim Wielding. Ele estava vendendo os vídeos que fazia em casa na dark web. Havia depósitos em sua conta de pequenos valores e, pelo que os agentes descobriram, até Kim Wielding aparecia em alguns dos vídeos mais recentes que ele vendera.

Sentindo o estômago virar ao ler as novidades, Chloe tentou focar nas informações sobre Kim Wielding. Ela não havia visto nada novo. Kim fora a uma faculdade excelente, tinha trabalhado em Washington para algumas organizações políticas, e depois se demitido sem uma razão aparente. De alguma maneira, ela havia se tornado babá.

Não parece certo, Chloe pensou. De uma carreira promissora na capital para se tornar babá... algo tem que ter acontecido.

Quando Chloe começou a considerar essa hipótese, alguém bateu na porta. Ela virou-se na cadeira e viu Garcia ali. Ele a olhou e percebeu os novos arquivos impressos na mesa.

- Eu não sabia se você viria hoje – ele disse.

- Estou bem. Encontrei trabalho aqui, estou lendo os arquivos sobre Wielding e Dillinger e isso pelo menos me mantém ocupada.

- Imagino que você tenha lido as boas notícias sobre Rhodes.

- Li sim.

- Você pode querer visitá-la. Johnson a visitou e disse que ela perguntou sobre você. Acho que ela gostaria de te ver.

- Creio que farei isso – ela disse. – Ei... Você sabe o que aconteceu com Kim Wielding? O que fez ela parar de ir atrás da carreira na capital e começar a trabalhar como babá?

- Não tenho certeza. Acho que ela só cansou. Política não é para todo mundo, sabe? Mas nós na verdade temos um agente designado a investigar isso. Talvez vocês dois possam trabalhar juntos nisso se você quiser. Então você não acha que Dillinger matou ela?

- Estou começando a achar que não. Todos os vídeos e interesses... apontam para sexo e nada mais. Gratificação. Exploração. A única razão que vejo para ele matar alguém com quem ele fez um desses vídeos é porque elas sabiam e poderiam estar pensando em entregá-lo.

Garcia concordou.

- Parece sensato. Talvez eu deva mesmo colocar você com esse outro agente. Você tem interesse?

- Claro.

- Seja sincera, Fine. Não exagere.

Ela pensou em seu encontro com seu pai no dia anterior e no sangue que finalmente havia saído de suas mãos ao voltar para casa, tarde da noite.

- Sim, eu quero. Pesquisar e investigar é fácil. Acho que consigo evitar mais tiros aqui no meu cubículo ou no subúrbio.

- Vou avisar o Diretor Johnson. Agora, você precisa de algo a mais de mim?

- Não, obrigado.

Garcia fez um gesto de “tchau” e deixou Chloe com os arquivos de Kim Wielding e Mike Dillinger. E mesmo que as informações fossem fáceis de compreender e pareciam até levar a um caminho sensato para explicar porque eles haviam brigado, ela seguia pensando em seu pai e no que ele dissera sobre Ruthanne Carwile: “Duvido que ela tenha falado tudo. Se ela tivesse contado o lado dela todo, teria me livrado completamente.”

Chloe começou a imaginar o que exatamente seria o “lado de Ruthanne”. E então, em sua mente, pensou se Danielle poderia saber de algo. Ela sempre fora uma excelente guardadora de segredos e parecia discordar ou ficar na defensiva sempre que seu pai era mencionado.

Sabendo que aquela ideia não a deixaria até o horário do almoço, Chloe tomou uma decisão que a fez sentir-se um pouco culpada. Ela telefonou para Garcia enquanto juntava os arquivos sobre Wielding.

- Talvez eu tenha exagerado um pouco – ela disse. – Você se importa se eu for para casa? Vou levar os arquivos sobre Wielding comigo para manter meu cérebro ativo.

- Tudo bem. Aproveite o final de semana. Nos vemos na segunda. Falei com Johnson sobre colocar você de volta no caso Wielding com esse outro agente. Tenho certeza que você vai poder começar na segunda.

- Obrigada novamente – ela disse, finalizando a chamando e levantando-se sem perder tempo. Ela juntou os arquivos e seguiu para o elevador, sentindo-se como um novato momentos antes de um grande teste.


***


Chloe estava sentada em uma das cadeiras na pequena mesa da cozinha, com os pés batendo em uma caixa de livros que ainda não fora esvaziada. Ela olhou para o número de Danielle por alguns segundos antes de telefonar. Mesmo depois do que elas haviam passado, descobrindo a maior parte da verdade sobre a morte de sua mãe, ainda era estranho falar com Danielle. E saber que a conversa dessa vez seria sobre seu pai... só tornava tudo ainda mais complicado.

Ela finalmente ligou, apertando o botão da chamada como se estivesse acionando uma bomba.

- Alô? – A voz de Danielle atendeu segundos depois.

- Ei, como você está?

- Bem. E você?

- Bem.

Senhor, que estranho, ela pensou.

- Bom – Danielle disse. – Agora deixe essa introdução totalmente banal para lá. O que aconteceu?

- Não vou poder seguir nossos planos para hoje.

- Tudo bem. Imaginei que você fosse cancelar. Você nunca foi do tipo que bebe até tarde da noite.

- Não é isso. As últimas vinte e quatro horas foram...

- Foram o que? – Havia preocupação na voz de Danielle e a gentileza trouxe lágrimas aos olhos de Chloe.

Chloe começou a falar e, pelos dez minutos seguintes, contou a Danielle sobre a busca por Mike Dillinger e os tiros. Ela não parou até chegar a parte em que saiu da delegacia de Landover e teve uma crise de choro no carro.

- Chloe... meu Deus. Sinto muito. Do que você precisa? Você quer que eu vá até aí e fique com você no final de semana?

- Não – Chloe disse, muito mexida pelo gesto da irmã. – Mas obrigada. Só que tem algo que eu preciso te dizer.

- Chloe... Você está bem? O que foi?

- Eu fui visitar o pai ontem.

O silêncio no outro lado da linha falou mais do que qualquer palavra que Danielle havia dito até então. Quando ela finalmente respondeu, suas palavras pareciam curtas e grossas.

- Por Deus, por que você fez isso?

- Sinceramente, não sei – Chloe respondeu. – A adrenalina e os sentimentos que eu estava tendo... Minha mente pensou nele. E eu queria falar com ele desde que nós descobrimos a verdade... sobre Ruthanne e a mãe...

- Chloe, isso te faz mal. Você sabia, certo? Se você deixar ele te assombrar, ele só vai te colocar para baixo.

- Ele diz que Ruthanne sabe detalhes sobre a história que provariam que ele não teve nada a ver com o assassinato. O suficiente para libertá-lo completamente... para acabar até com esse resto de sentença.

- Ah, é mentira. Ele é um merda, Chloe. Sempre foi. Como você não vê? É claro que ele vai dizer que tem detalhes que o libertariam. Ele quer ficar na sua cabeça. É o jeito dele de te controlar. Cara, não é você a agente do FBI aqui? Não é preciso ser um gênio para perceber o que ele está querendo fazer.

- Talvez. Mas... Meu Deus, Danielle... Por que você está tão irritada assim?

- Porque ele é um filho da puta ridículo que não merece nenhum pensamento ou nenhum minuto meu.

- Acho que nós deveríamos conversar – Chloe disse. – Sobre isso tudo.

- Eu quero muito te encontrar e conversar. Mas não sobre ele.

- Danielle...

- Caramba, Chloe. Você não vê que eu finalmente estou começando a arrumar minha vida? Por que você tem que puxar esse passado de volta?

- Porque eu tenho que passar por isso. Nós temos que passar por isso.

- Ei, eu já passei!

- Passou? Então porque você sempre fica tão nervosa e defensiva quando falamos dele?

Danielle suspirou profundamente pelo telefone.

- Chloe, vou desligar antes de dizer algo que não devo. Quando as coisas voltarem ao normal, eu gostaria muito de te ver. E minha oferta segue de pé... se você precisar de ajuda sobre o que aconteceu com você ontem, me ligue e eu vou fazer o possível para ir até aí te ver. Mas não posso continuar com isso agora.

Com essas palavras, Danielle encerrou a ligação. Chloe manteve-se sentada, olhando pelo apartamento. Caixas ainda precisavam ser esvaziadas, a TV ainda precisava ser instalada. O lugar estava caótico e bagunçado. Chloe não pode deixar de pensar que estava fazendo aquilo de propósito. Se ela não sentisse aquele lugar como sua casa, não poderia pensar nele como uma.

E naquele momento, ela estava muito distante se sentir em casa em qualquer lugar.


CAPÍTULO ONZE

 

Chloe havia esquecido de seu encontro com Steven até o momento em que seu telefone mostrou um lembrete no dia seguinte. O encontro seria em duas horas e a nota de Escolher um lugar em seu calendário a fez perceber que ela não havia enviado uma mensagem a Steven dizendo a ele onde encontrá-la. Precisando muito de um drink, ela escolheu um bar a cerca de dois quilômetros de sua casa, um lugar conhecido por seus hambúrgueres incríveis e seus drinks especiais do dia. Chloe o enviou uma mensagem com a localização e o horário—12:30—sentindo como se estivesse cutucando uma colmeia.

Ela arrumou-se com pressa, sem ligar nenhum pouco para sua aparência. Ao sair, pensou no que Danielle havia dito no dia anterior, sobre deixar o passado para trás. Era difícil fazer isso com seu pai, mas ela estava ansiosa pelo dia em que poderia deixar toda a história sem sentido com Steven apenas no passado.

Essa ideia pareceu ganhar força quando Chloe o viu sentado em uma das mesas no fundo do bar. Seu sorriso amarelo, seus ombros quadrados e seu rosto de bom menino—ela não conseguia entender como poderia ter um dia aceitado casar com ele.

E então, ela viu alguém ao lado dele. Uma parte de si queria gritar. A outra queria virar-se e ir embora.

Era a mãe dele.

Sally Brennan estava no outro lado da mesa, como uma estátua que alguém havia cansado de expor. Ela estava sentada com a postura correta e com o nariz em pé enquanto Chloe caminhava em direção a eles.

Chloe pegou uma das cadeiras e decidiu não ser nada falsa. Ela não fingiria educação. Já era algo ruim o suficiente o fato dela ter aceitado encontrar-se com ele, mas ele havia piorado tudo trazendo sua mãe.

- Eu não sabia que nós teríamos companhia – Chloe disse.

- É bom te ver também – Sally disse.

Chloe a ignorou completamente. E isso era o tipo de coisa que ela nunca tivera coragem de fazer quando ela e Steven eram noivos. Mas agora ela queria irritar a mulher.

- Obrigado por vir – Steven disse. – Podemos tentar ser normais, por favor?

- Sim. O que posso fazer por você, Steven? Por que você queria me encontrar?

- Para encerrar as coisas.

- Que tipo de encerramento? Já te devolvi o anel.

- Não... não estou falando disso. Não um encerramento no relacionamento. Digo encerramento para nós.

Não entendi.

- Talvez encerramento não seja a palavra certa. Eu acho que talvez nós tenhamos desistido muito rápido – ele disse. – Acho que com tempo e conversa, nós podemos ajeitar tudo.

Chloe precisou segurar uma risada. Depois, começou a imaginar se Steven e sua mãe sem noção estavam fazendo algum tipo de brincadeira estúpida com ela. Mas não... pelo que ela podia ver, Steven estava falando sério.

- Você chegou a pensar—vocês chegaram a pensar—que eu não quero ajeitar tudo? Vocês consideraram que talvez eu tenha ficado aliviada por tudo ter acabado?

- Você está falando sério? – Sally disse. – Steven foi a melhor coisa que aconteceu para você e sua família.

Chloe virou-se vagarosamente para Sally e sorriu educadamente.

- Desde o começo da semana, eu sou uma agente federal do governo dos Estados Unidos. Se não fosse por isso, eu daria um tapa na sua cara cheia de Botox agora mesmo. Por favor, cale a boca e deixe seu filho lidar com as conversas dele.

Os olhos de Sally se arregalaram e ela encostou-se na cadeira. Enquanto isso, Steven se encolheu.

- Não fale com a minha mãe assim.

- Bom, talvez você não deveria trazê-la em situações assim, Steven. Eu te conheço bem. Eu quase casei com você. Você é esperto o suficiente. Por que você trouxe ela? Ela está aqui para ser seus músculos?

- Chloe... o que aconteceu com você? – Ele perguntou como se estivesse realmente preocupado com ela.

Chloe pensou em entretê-lo com a história do que acontecera com ela e Rhodes. Mas sabia que seria inútil. Steven e sua mãe tentariam de alguma forma virar o jogo e dar a ela uma lição sobre como seu trabalho era muito perigoso e como ela precisava de Steven em sua vida para protegê-la.

- O que aconteceu comigo é que eu estou finalmente vivendo por mim mesma. Vivendo minha própria vida. E eu acho bem ofensivo e engraçado pra cacete você achar que eu iria chorar, concordar com tudo e voltar para você.

- Mas Chloe, você não pode—

- Tem algo a mais para dizer? – Ela interrompeu.

- Chloe...

- Sinto muito por você ter vindo até aqui – ela disse. Mas essa conversa não vai acontecer. – Então, ela virou-se para Sally e continuou. – Se vocês pegarem a estrada agora, podem chegar em casa antes de anoitecer. Segure ele firme e leia uma história para ele dormir.

Sally abriu a boca para dizer algo, mas não falou nenhuma palavra. Chloe virou-se e saiu, sentindo os olhares por trás de si. Ela esperava muito que Steven a chamasse de algum jeito exigente e muito masculino, mas ele não disse nada.

Já na rua, um sorriso apareceu em seu rosto. Ela não esperava se sentir tão bem por falar com Sally Brennan daquele jeito, mas o sentimento que tomou conta dela naquele momento foi quase como um bom orgasmo. Ela caminhou rapidamente até o fim da rua e entrou em outro bar. Era um bar esportivo, menor, que estava começando a encher por conta de um jogo de futebol americano universitário. Chloe desapareceu na multidão, entrando no bar e pedindo rum com Coca.

Ela ficou ali por um bom tempo, ignorando os jogos em várias telas ao seu redor. Fez o possível para tentar imaginar porque não havia conseguido deixar seu pai para trás, enquanto Danielle fizeram isso tão facilmente.

Por volta do terceiro drink, percebeu que não deveria ser tão difícil escapar do passado. E se ela havia conseguido encerrar as coisas com Steven e ainda aproveitar o encontro com ele e sua mãe, por que ela não conseguia deixar seu pai no passado?

Porque mesmo que agora você saiba que ele não matou ela—ainda que ele tenha participado, independente do que ele diga, ela pensou, ainda há perguntas sem resposta. E sua natureza não sabe lidar com perguntas sem resposta.

Chloe não sabia dizer se aquela era uma característica positiva ou negativa. Mas em meio a muito barulho e com seu quarto drink aparecendo como mágica a sua frente, ela decidiu que não valia a pena se preocupar. O passado era o passado... e se ela conseguisse manter os olhos no futuro, o passado ficaria enfim para trás.


CAPÍTULO DOZE

 

Chloe voltou ao trabalho na segunda-feira pela manhã com uma sensação estranha de culpa—sensação sentida por retornar ao trabalho após curar a ressaca durante todo o domingo. Ela sentou-se atrás de sua mesa, colocando os arquivos do caso Wielding ali. Estava preparando seu local de trabalho e prestes a olhar seu e-mail quando percebeu uma luz vermelha piscando no telefone fixo em sua mesa. Ela havia usado aquele telefone apenas uma vez, e apenas para aprender a utilizar o sistema de mensagem por voz. Não era segredo para ninguém que noventa e oito por cento de todas as ligações e mensagens do FBI já eram feitas por celular. Por isso, Chloe achou aquela luz vermelha piscando bem interessante.

Ela entrou no sistema, digitou sua senha e viu que, de fato, tinha uma mensagem. Ela sorriu e sentiu-se um pouco melhor quando reconheceu a voz.

- Ei, Fine, é a Rhodes. Vi que não tinha seu número de celular salvo. Acho que não sou a melhor parceira, ein? Nem pedi seu número. Enfim... é domingo, cerca de duas da tarde. É a primeira vez que estou consciente a ponto de pegar o telefone. Queria agradecer e... não sei. Não me parece o suficiente. Vamos dizer que quando eu sair daqui, eu vou levar você para jantar e beber e tudo o que você quiser. Espero que você goste da ideia.

Perto do fim, houve uma onda de emoção na voz de Rhodes. Chloe sentiu e ficou feliz ao ver que a mensagem terminava ali. Soltou o telefone e o guardou.

- Está tudo bem?

Ela virou-se e viu Garcia entrando em seu cubículo. Ele segurava uma xícara de café e parecia muito aceso para as oito da manhã de uma segunda-feira.

- Sim – ela disse. – Recebi uma mensagem da Rhodes. Parece que ela está bem.

- É o que eu soube, também – Garcia disse. – Então, Johnson quer você no escritório dele em quinze minutos. Ele vai te colocar com outro parceiro para vocês descobrirem quem matou Kim Wielding. Porque quanto mais a gente descobre sobre o Dillinger, menos parece que foi ele que fez isso.

- Eu sei. Os Carver já voltaram para a casa deles?

- Sim, mas eles estão sendo muito cooperativos para ajudar no caso. Cá entre nós, acho que isso vai acabar sendo algo mais simples do que estamos pensando. É o subúrbio. Famílias preocupadas com dinheiro e aparência. Eu te garanto, sexo, casos ou os dois são, de certo modo, o centro de tudo.

- Vou lembrar disso – Chloe disse.

- Quinze minutos – Garcia respondeu, apontando para ela. – Escritório do Johnson. Não esqueça.

Chloe passou os quinze minutos seguintes limpando sua caixa de e-mail e olhando mais uma vez os arquivos do caso Wielding, para tê-los frescos em sua mente ao falar com Johnson. Depois, ela caminhou até o escritório dele, imaginando se era normal uma agente tão nova ir tantas vezes ao escritório do diretor na primeira semana de trabalho.

Ela entrou na sala de espera a tempo de ver alguém entrando no escritório de Johnson. Ela olhou para a recepcionista, que fez um gesto para que ela entrasse e disse:

- Sim, tudo bem. Ele está te esperando.

Chloe caminhou atrás da outra pessoa. Ao fechar a porta, ela percebeu que conhecia a pessoa que havia entrado no escritório com ela. Era Kyle Moulton. Ele olhou-a rapidamente, surpreso, e pareceu dizer: Que engraçado te encontrar aqui.

Johnson assentiu para os dois e então pediu que eles se sentassem no lado oposto de sua mesa.

- Bom ver vocês dois – ele disse. Por favor, sentem-se.

Chloe fez o que ele pediu e, devagar, começou a juntar os fatos. Com sorte, Moulton seria seu novo parceiro—o agente que Garcia a dissera que a ajudaria no caso Wielding.

- Vou ser curto e direto – Johnson disse. – Agente Fine, esse é o Agente Kyle Moulton. Você dois chegaram a se conhecer na academia?

- Só recentemente – Moulton disse.

- Rapidamente, depois da orientação – Chloe disse.

- Bom, bom. Agente Fine, o Agente Moulton esteve trabalhando na investigação do assassinato de Kim Wielding. Baseado na sua familiaridade com o caso, eu gostaria que vocês trabalhassem juntos nisso. Como eu disse desde o início, quanto mais rápido resolvermos isso, melhor.

Ele disse aquilo com um ar de conspiração, como se soubesse muito bem que Chloe e Moulton sabiam que só havia interesse naquele assassinato porque alguém da alta classe de Washington estava de olho nele.

- É... só isso? – Moulton perguntou.

- Sim. Agente Moulton, siga como planejado originalmente. Temos alguma pista para hoje?

- Sim, senhor. Tenho uma possível pista no Iate Clube da cidade. Os Carver eram membros, o pai muito envolvido. Mas era Kim quem levava as crianças para os programas infantis. Os registros do telefone indicam que ela poderia ter um boa amiga que trabalhava lá.

Johnson assentiu em aprovação e então bateu uma palma de leve.

- Ok, ótimo. Nos tragam respostas e vamos resolver isso. Acho que vocês dois podem trabalhar bem juntos baseado no que eu vi até agora.

- Obrigado, senhor – Chloe disse ao se levantar.

Ela saiu pela porta e Moulton a seguiu. Eles passaram estranhamente pelo lobby e seguiram pelo corredor.

- Eu soube que você salvou sua parceira – Moulton disse. – Muito foda.

- Foi sorte – ela disse. – Eu estava muito nervosa. Só segui minha intuição.

- Seja o que for, me faz sentir mais seguro com você do meu lado. Por quanto tempo for.

Chloe lembrou-se da ponta de ciúmes que sentiu ao ver Moulton no bar noites antes, sentado com duas mulheres e saindo com uma delas. Ao lado dele, ela ainda o achava bonito e um pouco misterioso, mas estava confusa por seu desinteresse. Ele tinha um tipo de charme estúpido, mas uma postura que mostrava que ele poderia deixar a estupidez de lado e se tornar algo a mais.

- Então vamos para o iate clube? – Chloe perguntou quando eles chegaram ao elevador.

- Sim. Sendo sincero, não sei se vai ajudar muito. Mas não temos pista nenhuma nesse caso.

- Tem que haver algo – Chloe disse. – Algo na vida dela que a levou a um idiota como Mike Dillinger. Tem que haver uma história aí.

- Você soube das últimas sobre Dillinger?

- Não.

- Hoje de manhã ele foi formalmente preso por duas acusações de sexo com menor, bem como abuso sexual e por ter tirado lucros disso, além de atirar em um federal. Vai pegar cerca de vinte e cinco anos.

O elevador chegou e eles entraram.

- Que bom – Chloe disse, pensando que quase desejara que Dillinger tivesse matado Wielding. Não só porque significaria o fim do caso, mas porque aquele babaca merecia uma sentença perpétua.

- Então, primeiro dia como minha parceira e você vai para o iate clube – Moulton disse. – Sério, você poderia esperar algo melhor?

- Talvez ir para dentro de um iate?

- É, poderia ser melhor. Com uma ou duas margaritas. – Ele sorriu e completou. – É, eu acho que nós vamos trabalhar bem juntos.

Chloe não segurou seu sorriso. Se conseguisse lidar com seu interesse idiota, ela concordaria totalmente com ele.


CAPÍTULO TREZE

 

Eles chegaram ao Iate Clube Anglers Head meia hora depois. O local ficava de frente para o Parque East Potomac. Do estacionamento, eles podiam ver outro iate clube, ao lado do Rio Potomac, ao lado de casas que pareciam ser construídas do dia para a noite em bairros em expansão. Era uma manhã comum—vinte e dois graus e nublado—mas por conta da hora, o lugar estava quase vazio.

- Então, isso é o que eu sei sobre a ligação de Kim Wielding com esse lugar – ele disse. – É o único lugar público onde ela foi vista com os filhos dos Carver além do caminho entre a casa e a escola. Ela tem uma amiga que trabalha no restaurante e no bar aqui, uma senhora mais velha chamada Madeline Duplin. Sabemos disso porque elas conversaram no telefone três vezes e porque a senhora Duplin mandou um cartão de aniversário para Kim nos últimos dois anos.

- Você já falou com ela? Ela sabe que nós viríamos?

- Falei com ela ontem à noite por telefone. Pediu para que eu não fosse visita-la fora do horário do trabalho, porque o marido dela está doente. Mas ficou muito feliz em me receber hoje.

Impressionada com a habilidade de Moulton em se ater ao essencial dos fatos, Chloe o seguiu por um grande gramado à beira do Potomac. Havia um restaurante sobre a água, sustentado por enormes tábuas e suportes de aço.

Eles entraram no restaurante e encontraram duas mesas ocupadas.

- Hora do café da manhã – Moulton disse.

Parados na porta ao lado da placa Espere para ser atendido, eles viram uma mulher sair da área da cozinha. Ela os viu, sorriu e veio naquela direção.

- Agente Moulton, eu imagino, certo? – Ela perguntou.

- Eu mesmo – ele disse. – A roupa entrega, né? Senhora Duplin, essa é a minha parceira, Agente Fine. Ela também está trabalhando no caso da Kim.

- Prazer em conhecer vocês dois – ela disse. – Preparei um café para nós três, se vocês quiserem.

- Seria ótimo – Chloe disse.

Madeline Duplin os levou pelo pequeno restaurante, escolhendo uma mesa nos fundos. Como havia dito, ela trouxe café e três canecas, além de açúcar e uma jarra de leite.

Enquanto eles sentavam-se, Madeline serviu o café.

- Ainda estou em choque com a morte de Kim – ela disse. – E acho que devo começar dizendo que não conhecia ela tão bem. Mas ela era uma dessas pessoas que parecia... muito perfeita, sabe?

- Os registros do telefone dela mostram que vocês conversaram algumas vezes – Moulton disse. – Você pode nos dizer sobre o que vocês falavam?

- Claro, claro. Falei com ela duas vezes porque eu estava me mexendo nos bastidores, tentando colocá-la na lista de espera para o passeio de pesca que nós fazemos para as crianças algumas vezes por ano. Ela esqueceu de se inscrever e se sentiu muito mal. Falei com ela algumas vezes e disse que veria o que poderia fazer. A terceira vez foi porque ela estava ajudando a organizar um evento beneficente que fizemos aqui no ano passado.

- Mas você a conhecia bem o suficiente para mandar um cartão de aniversário duas vezes? – Chloe perguntou.

- Ah, eu tenho uma lista de quase cem pessoas para quem eu mando cartões de aniversário. A maioria são pais ou babás que trazem as crianças para os eventos infantis que o clube faz. Se você não se importar com a pergunta, como vocês sabem disso?

- Nós encontramos os cartões em uma pasta com algumas coisas de Kim na casa dos Carver. – Moulton disse.

- Falando nisso – Chloe disse, - você chegou a ver Kim com Bill e Sandra?

- Eu vi ela com Bill algumas vezes. Ele ajuda algumas fundações beneficentes também.

- E como você descreveria a relação deles?

Madeline franziu a testa e tomou um gole de café.

- Primeiro, acho que nada. Eu diria que é saudável um pai ser tão casual e amigável com a babá de suas crianças. Mas houve uma vez—no banquete de Natal do ano passado—que houve algo que me pareceu estranho.

- O que? – Moulton disse.

- Eu saí do salão principal e vi eles muito próximos em um canto, como se estivessem tentando se esconder de todo mundo um pouco. Eles não estavam fazendo nada, eu digo, mas estavam muito próximos. Também houve outras coisas que eu vi naquela noite: Bill colocando a mãos nas costas dela quando passava por ela, olhando para ela, enfim. Só detalhes.

- Você acha que mais alguém percebeu isso? – Chloe perguntou.

- Não faço ideia.

- Vamos direto ao ponto com isso – Moulton disse. – Você saiu daquele evento com pelo menos uma ponta de suspeita de que poderia estar havendo algo entre eles?

- Passou pela minha cabeça. Mas, de novo, acho que eu conhecia Kim bem o suficiente. Acho que ela não seria capaz de sair com um homem casado—especialmente o pai das crianças de quem ela cuidava.

- Alguma ideia de onde Sandra poderia estar quando você viu essas cenas? – Chloe perguntou.

- Provavelmente em algum lugar ajudando com as brincadeiras de Papai Noel.

Chloe e Moulton ficaram quietos por um momento, ambos tomando seus cafés. Chloe obviamente não podia ler a mente de Moulton, mas ela tinha certeza de que eles iriam falar com Bill Carver depois daquilo. Ela sabia que ele fora questionado pela polícia, principalmente porque havia uma mulher atraente em sua casa por muito tempo, e as notícias na imprensa haviam feito as pessoas imaginarem o pior. Mas, mais uma vez, ela lembrou-se do rápido momento em que havia visto Bill na casa dele, com Rhodes. Ele parecia estar em choque, com certeza. Mas será que havia também alguma emoção escondida, algo que o fizera sentir-se desconfortável?

Quanto mais pensava naquilo, mais Chloe começava a achar que sim.

- Tem algo a mais que você pode nos falar sobre Kim? – Moulton perguntou.

- Nada que eu já não tenha dito. Ela era mesmo uma jovem bacana. Acho que o fato dela ter deixado seu trabalho na política nessa cidade para cuidar de crianças diz muito sobre ela. Ela estava sempre sorrindo, querendo ajudar.

- Alguma vez ela falou algo sobre namorados? – Chloe perguntou.

- Não para mim. Mas, repito, nunca tivemos conversas muito profundas.

Chloe e Moulton se olharam, e Moulton assentiu. Ele tomou mais um gole de café e levantou-se devagar.

- Muito obrigado pelo café por seu tempo, senhora Duplin – ele disse.

- Claro, sem problemas. Espero ter ajudado.

- Toda informação ajuda – Moulton disse.

Chloe sorriu para Madeline e também tomou um último gole de seu café. Quando ela e Moulton saíram, as únicas duas mesas que estavam ocupadas minutos antes já estavam vazias. Eles não disseram nada até sair.

- Você acha que Bill Carver e Kim estavam dormindo juntos? – Moulton perguntou.

- Acho que é perigoso simplesmente achar que sim. Mas uma mulher envolvida em algo assim... não precisa de muito mais para acabar envolvida com alguém como Mike Dillinger.

- O casal Carver está em casa. Eles ainda não estão levando as crianças para a escola, querem que eles se adaptem bem. O funeral de Kim deveria ser essa tarde, mas a falta de evidências para achar o assassino fez com que o legista pedisse o adiamento.

- Parece uma hora ruim para falar com ele, então.

Moulton encolheu os ombros.

- Ou a hora perfeita. Correndo risco de ser descoberto como um babaca, ele pode estar vulnerável.

- Isso é mesmo um jeito babaca de pensar – ela disse. – Mas é verdade. Vamos lá.

- Que bom que você topou – ele disse, com um sorriso discreto.

E quando ele virou-se para entrar no carro, Chloe suspirou profundamente. Aquele sorriso e o jeito dele... Se ela não conseguisse dar um jeito naquilo logo, poderia arranjar problemas em breve.


***


Chloe não estava certa do que esperar quando eles chegaram à casa dos Carver, mas o que ela com certeza não esperava era ver o que viu quando Bill Carver abriu a porta. Ele parecia assombrado. Havia círculos escuros em volta de seus olhos e ele parecia não dormir há muito tempo. Ele olhava para Chloe e Moulton, indo e voltando, demorando para perceber que de fato conhecia aquelas duas pessoas.

- Agente Fine – ele disse, distante. – E... Milton, é isso?

- Moulton – o agente corrigiu. – Senhor Carver, você tem alguns minutos para falar conosco?

Ele balançou a cabeça e convidou-os para entrar. A casa estava quieta e sombria. Chloe pode escutar os passos de alguém no andar de cima enquanto Bill os levou até a sala.

- Todo mundo está em casa agora? – Moulton perguntou.

- Sim – Bill disse. – Sandra está lá em cima com as crianças. Elas nunca foram a um funeral antes e ela está tentando prepará-los. Eles escutaram eu e ela falando que será só daqui alguns dias e ficaram curiosos.

- Vai ser melhor assim – Chloe disse. – Senhor Carver, precisamos fazer perguntas muito sinceras ao senhor. Algumas podem te deixar muito furioso.

Os ombros dele caíram e ele olhou para os dois agentes novamente. Chloe pode ver em seus olhos: ele sabia o que estava por vir.

- Nós soubemos por meios legais – Moulton disse – que houve momentos no passado recente em que você e Kim foram vistos juntos, sozinhos. Mais precisamente no iate clube. Senhor Carver, eu preciso que o senhor seja direto comigo. Se houve pelo menos um momento de fraqueza, eu preciso saber se já houve algum relacionamento físico entre você e Kim Wielding.

O que veio a seguir foi algo tão anticlímax que, de cara, Chloe achou que Bill Carver havia escutado errado.

- Duas vezes. Cerca de três semanas uma da outra.

- Alguma dessas vezes foi no banquete de Natal no iate clube? – Chloe perguntou.

Bill assentiu, concordando.

- Sua esposa sabe?

Ele mexeu a boca, não parecendo triste, mas sim irritado.

- Acho que ela suspeita. Ela nunca perguntou e eu nunca falei. Acho que Kim também não. Mas desde que ela foi morta... Acho que ela começou a suspeitar ainda mais.

- Como era a relação entre vocês dois? – Moulton perguntou.

- Sempre fomos muito amigáveis. Ela trabalhava para nós há mais de um ano e meio, antes de tudo acontecer. Nós nos beijamos bêbados durante o feriado da Independência no ano passado, e nós dois nos sentimos mal por isso na semana seguinte. A primeira vez que nós dormimos juntos foi na noite do banquete que você mencionou. Foi rápido e espontâneo—nada planejado. Aconteceu no banheiro dos empregados do salão de dança do clube. A segunda vez foi em Fevereiro. Aqui em casa. Na cozinha.

- Você parece estar sofrendo muito para um simples relacionamento sexual – Chloe disse. – Você sentia mais alguma coisa por ela?

- Sim. Por um tempo, sim. Ela era uma pessoa muito boa, sabe. Tão boa que me fez desejar que nada daquilo tivesse acontecido—que nós nunca tivéssemos transado...

- No dia que ela foi morta, você estava viajando a trabalho, certo? – Chloe disse. Ela sabia que sim, mas queria se certificar de que ele não mudaria a história em nada.

- Sim. Em Chicago. Eu tinha mais dois dias de viagem, mas é claro que voltei mais cedo quando soube.

- E sobre um homem chamado Mike Dillinger? Te soa familiar esse nome? Talvez você tenha ouvido Kim falar dele?

- Não que eu lembre.

- Senhor Carver – Moulton disse, - você saberia dizer se Kim usava drogas?

A pergunta pareceu assustá-lo, quase o suficiente para fazê-lo parecer um pouco mais acordado.

- Acho que não. Se sim, ela escondia muito bem. Mas é claro que eu seria a última pessoa para quem ela contaria, já que eu a contratei para ser babá.

Moulton olhou para Chloe e levantou uma sobrancelha. Foi mais um sinal de que, se tivessem chance, eles trabalhariam muito bem juntos. Eles conseguiam se comunicar com esses gestos não-verbais. A levantada de sobrancelha parecia dizer: algo mais?

Ela respondeu o gesto dizendo:

- Bem, obrigado pelo seu tempo, senhor Carver. Você tem meu cartão, então peço que se você lembrar de algo a mais, por favor entre em contato comigo.

- Pode deixar.

- E por favor diga à sua esposa que nós gostaríamos de falar com ela nos próximos dias. Mas talvez depois do funeral.

Uma voz vindo da entrada da sala foi ouvida, congelando o coração de Chloe por um momento.

- Ah, não precisamos esperar – Sandra Carver disse. – Podemos conversar agora.

Houve um olhar de desgosto na cara dela, misturado com dor. Seus olhos estavam cheio de lágrimas e seus braços cruzados. Seus olhos pareciam estar quase pulando de seu rosto e entrando no coração de Bill.

Essa pobre mulher acabou de ouvir tudo, Chloe pensou.

- Sandra... – Bill disse.

Ela apenas balançou a cabeça.

- Podemos conversar na cozinha – Sandra disse, ainda olhando para Bill, mas falando com Chloe e Moulton.

E sem esperar para ver se algum dos agentes a seguiria, Sandra Carver virou as costas e caminhou em direção à cozinha. Enquanto Chloe e Moulton a seguiram, Chloe pode ouvir Bill Carver caindo em lágrimas.


CAPÍTULO QUATORZE

 

Sandra esperou um pouco antes de dizer qualquer coisa. Ela estava em pé no balcão da cozinha, olhando para os dois agentes com um olhar cansado e irritado.

- Não olhem para mim como se eu fosse uma coitada – Sandra disse. – Eu nunca tive certeza até agora. Mas ele está certo. Eu sempre suspeitei. O jeito que ele olhava para ela às vezes quando ele achava que eu não estava prestando atenção. Eu só nunca perguntei nada.

- Posso perguntar por que não? – Chloe perguntou.

Ela e Moulton estavam em pé na cozinha, enquanto Sandra sentou-se à mesa. Ela encolheu os ombros e começou a esfregar as mãos, nervosa.

- Porque eu acho que não me entreguei totalmente a esse casamento nos últimos anos. Ele é um cara bom—tirando a infidelidade—mas nós nos perdemos. Eu quase não lhe culpo por dormir com a Kim. Ela era gentil, linda, apaixonante. Eu sabia que se perguntasse a ele sobre isso, começaria uma briga. E uma briga poderia levar a um divórcio. E... não sei, é muita confusão. Não vale a pena.

- Você diria que a relação de vocês piorou depois que vocês contrataram Kim?

- Não, não mesmo. Nós só... não sei. Ele aos poucos se afundou no trabalho. Ele era um bom pai para as crianças e tudo, mas não estava aqui nem quando não estava viajando a trabalho. Eu perdi o respeito por ele depois de um tempo. E... Meu Deus, ele parou de funcionar até na cama. Foi diagnosticado com algum tipo de disfunção erétil dois anos atrás. Então, perdi meu desejo por ele junto com o respeito. Mas acho que a Kim resolveu isso, a questão da disfunção erétil, pelo menos.

- Você ouviu a conversa inteira? – Moulton perguntou.

- O suficiente.

- Você pode então nos responder as mesmas perguntas?

- Você diz sobre as drogas? Não acho que ela usava drogas. Digo, eu sei que todo mundo tem segredos, mas Kim usando drogas... não faz sentido para mim.

- E sobre Mike Dillinger?

- Não faço ideia. Nunca ouvi esse nome. Mas sabe, depois que a Agente Fine e a parceira dela estiveram aqui, eu comecei a pensar sobre onde poderia conseguir mais informações. Digo, não estou feliz em saber que ela fodeu com meu marido pelas minhas costas, mas mesmo assim não acho que ela merecia morrer.

- E você conseguiu pensar em algo a mais? – Chloe perguntou.

- Talvez. Tem outra mulher no bairro de trabalha meio período como babá. Ela é mais nova. Vinte e tanto anos, eu acho. Ela trabalha para a família Damiani. Um dos filhos dos Damiani é amigo do nosso filho do meio, Declan. Ela e Kim organizavam encontros das crianças às vezes. Especialmente no verão. Elas se falavam provavelmente duas vezes por semana. Kim falava muito dela.

- Qual o nome dessa mulher? – Chloe perguntou.

- Courtney Vedas. Estou certa de que ela está trabalhando para os Damiani hoje, na verdade. Imagino até que ela vá no funeral da Kim, mas não tenho certeza.

Chloe assentiu ao ouvir aquilo, mas em sua mente, havia outro assunto em pauta. Se ela suspeitava que Kim estava saindo com o marido dela, ela seria capaz de matar?

Era algo complexo, mas Chloe não estava disposta a abandonar a hipótese ainda. Ela fez uma nota mental para checar a situação de Sandra Carver novamente em um ou dois dias. Com isso, no entanto, encerrou a conversa.

- Senhora Carver, sinto muito por você ter descoberto sobre seu marido desse jeito – ela disse. – Por favor, nos diga se você pensar em algo a mais. Por enquanto, você pode nos dar o endereço dos Damiani?

Sem dizer nada, Sandra pegou um pequeno bloco de post-its de uma cesta bem organizada no canto do balcão da cozinha. Ela escreveu um endereço na primeira folha e entregou a Chloe.

Sandra levou-os até a porta, sem se preocupar em olhar para seu marido, ainda chorando, na sala. Quando Chloe saiu da casa, sentiu como se alguém tivesse tirado um peso enorme de suas costas. Ela não só estava feliz por estar longe do que com certeza seria uma conversa longa entre Bill e Sandra Carver, mas também teve outro pensamento.

O dia deles havia começado com uma simples pista no iate clube—uma pista que se tornara uma conversa promissora com Bill Carver. E mesmo que nenhuma das duas conversas tivesse levado a nada concreto além do caso entre Bill e Kim, elas haviam levado a uma terceira pista. Considerando que nem sequer era meio-dia, Chloe pode sentir que eles conseguiriam desvendar aquele caso rapidamente, bem como o Diretor Johnson estava esperando.


CAPÍTULO QUINZE

 

Quando Courtney Vedas abriu a porta na casa dos Damiani, ela estava carregando um bebê em um braço e uma cesta de roupas no outro. Ela olhou para Chloe e Moulton com um olhar confuso. Estava claro que ela não estava esperando companhia, mas a aparição de dois completos desconhecidos a desarmou. Ela era muito bonita, e estava mostrando levemente seu corpo graças à camiseta curta que estava usando.

- Posso ajudar? – Courtney perguntou.

- Somos os agentes Fine e Moulton – Chloe disse. – Acabamos de falar com o casal Carver, tentando encontrar respostas sobre a morte de Kim Wielding. Sandra Carver nos sugeriu conversar com você, já que vocês organizavam encontros entre as crianças daqui – ela disse, fazendo um gesto com a cabeça e sorrindo em direção ao bebê – e os filhos dela.

- Ah... claro, ham... entrem – Courtney disse. – Mas isso aqui está uma bagunça. É dia de lavar roupas.

- De quantas crianças você cuida? – Chloe perguntou.

- São três. Essa é Amelia – ela disse, beijando o bebê na testa. – Os outros estão lá em cima, jogando Fortnite.

Ela levou-os para uma sala de estar que claramente era o epicentro de um dia de lavação de roupas. Havia pilhas de roupas e toalhas no sofá e nas duas poltronas da sala.

- Bom, claramente você está bem ocupada – Moulton disse. – Então vamos ser rápidos. Nós sabemos que houve encontros para brincar entre as crianças e que por isso você e Kim interagiam. Como você descreveria essa relação?

- Amigável, eu acho. Kim nunca foi grossa nem nada, mas quando ela não queria conversar ou ser social, isso ficava claro no rosto dela, sabe?

- Quantas vezes vocês diria que vocês duas passaram um tempo significativo juntas? – Moulton perguntou.

Courtney pensou por um segundo enquanto colocou Amelia no berço encostado na parede. – Dez. Talvez doze.

- Ela alguma vez falou sobre namorados?

- Não que eu lembre. Nós conversamos uma vez sobre como é quase impossível encontrar um cara legal. Nós costumávamos chamar isso de conto de fadas.

- Você chegou a pensar alguma vez que talvez ela estivesse em um relacionamento tóxico? – Chloe perguntou. – Ou, que talvez, ela estivesse sendo abusada?

- Não. Se isso acontecia, ela nunca falou perto de mim.

- Você sabe se ela usava drogas? – Chloe perguntou.

- De novo... nunca soube de nada. O máximo que eu sei é que ela bebia vinho. Ela me contou uma história uma vez sobre ter fumado maconha no ensino médio pela primeira vez, mas foi só isso.

- Você sabe se ela tinha alguma amizade mais próxima com os outros vizinhos?

- Acho que não. Ela só estava por aqui quando cuidava dos filhos dos Carver. Muitas vezes, no caso.

- Bem, vamos dizer que Kim era do tipo que guardava segredos – Chloe disse. - Se você achasse que ela tivesse algum segredo na vida, há alguém no bairro ou alguns bons amigos dos Carver que poderiam fazer parte disso?

- Bem, tem o senhor Hall, a duas ruas daqui—ele é solteiro, tem cinquenta e poucos anos e não é segredo para ninguém que leva mulheres diferentes para casa todos os meses. Eu e Kim brincávamos sobre como ele era nojento e grosso sempre. Tem também um professor de futebol bonitão do time do filho do meio dos Carver, mas ele...

- O que tem ele? – Moulton perguntou.

- Desculpe. Pensamento aleatório – Courtney disse. – Sabe... Kim passava muito tempo na biblioteca. Ela levava as crianças para o clube de leitura. E um dos filhos dos Carver—não tenho certeza qual—estava em um grupo de Lego que fazia reuniões lá. Ela ia muito na biblioteca. Ela me contava sobre conversas que ela tinha com uma das bibliotecárias.

- Você sabe qual?

- Shelby algo... não tenho certeza do sobrenome. Eu acho que elas eram muito próximas. Acho que é com ela que vocês precisam falar. E pelo que eu sei, as mulheres da biblioteca são bem fofoqueiras, também.

- Isso ajuda multo – Chloe disse.

- Mais alguma coisa que você consegue pensar? – Moulton perguntou.

- Acho que não – Courtney disse. Ela começou a dobrar uma calça jeans e voltou a olhar para Amelia. – Mas eu tenho que dizer... esse bairro... essa comunidade. É igual a todas as outras. Casas bonitas, pessoas bem sucedidas. Parece tudo lindo por fora, mas tem... tem coisa ruim por dentro. Casos extraconjugais, abuso matrimonial, sonegação. Muita mentira, sabe?

Chloe assentiu e disse:

- Você acha que isso incluía Kim?

Courtney pareceu pensar muito por um momento. Chloe estava quase convencida de que ela não iria responder, mas ela acabou dizendo:

- Eu gostaria de pensar que não... mas quem vai saber?


***


A biblioteca em questão ficava a apenas quinze minutos da casa dos Carver. Era um prédio pequeno, mas bonito, com um quintal adornado com árvores, cadeiras e mesas de piquenique. Quando Chloe e Moulton saíram do carro e foram em direção à porta, havia um pequeno grupo de leitura de crianças sentados em um lençol, escutando enquanto uma mulher mais velha lia.

Eles entraram pela porta da frente e, por um momento, Chloe transportou-se de volta para seus anos de escola—especificamente para os verões, quando ela escolhia não passar tempo com a família e os amigos, preferindo ir para a biblioteca pública para se perder nas histórias de Sherlock Holmes. O cheiro dos livros e as impressoras trabalhando traziam aquelas memórias de volta.

Eles aproximaram-se da recepção, onde duas mulheres estavam paradas atrás de computadores. A mulher à direita olhou para eles e deu um sorriso cansado.

- Posso ajudar?

- Estamos querendo falar com uma bibliotecária chamada Shelby – Chloe disse. – Não temos certeza do sobrenome.

A mulher no outro computador faltou, com uma voz incerta.

- Sou Shelby Wickline. A única pessoa aqui com esse nome.

Chloe aproximou-se dela e manteve sua voz baixa.

- Somos os agentes Fine e Moulton do FBI – ela disse, calma. – Soubemos que você conversou com Kim Wielding algumas vezes durante o período dela como babá da família Carver.

- Está certo – ela disse, franzindo levemente o rosto. Chloe imaginou que a mulher tivesse quarenta e poucos anos, mas a franzida no rosto a fez parecer muito mais velha.

- Podemos falar com você em particular? – Moulton perguntou.

Shelby lançou um olhar perplexo à outra bibliotecária, que assentiu.

- Claro – Shelby disse. – Podemos conversar na sala de reuniões lá atrás.

Shelby saiu de trás da mesa e levou os agentes para os fundos da biblioteca, onde havia três portas na parede. Ela abriu a porta do meio, levando-os a uma pequena sala que tinha apenas uma mesa e várias cadeiras.

Quando Chloe fechou a porta, Shelby perguntou:

- Vocês já sabem quem fez isso?

- Não – Chloe disse. – Por isso estamos aqui. Esperamos que alguma das conversas que você teve com ela possa nos levar para mais perto de um suspeito.

- Ah – Shelby disse, claramente desnorteada. – Bom, ela não era do tipo que compartilhava muitas informações pessoais.

- Alguma vez ela mencionou um homem chamado Mike Dillinger?

Shelby pensou por um momento e então assentiu devagar.

- Acho que uma vez ela mencionou sim que estava saindo com um cara chamado Mike. Mas tenho certeza de que não era nada sério.

- Ela não deu nenhum detalhe dele? – Moulton perguntou.

- Não que eu lembre.

- Você sabe se ela teve outros relacionamentos românticos enquanto trabalhava para os Carver? – Chloe perguntou.

- Se teve, ela nunca falou nada.

- E sobre Bill Carver? Você chegou a suspeitar de algo entre eles?

- Pessoalmente, nunca suspeitei. Mas... bem, você sabe, esse tipo de vizinhança...

- Você pode falar mais sobre isso? – Chloe perguntou, pensando no mesmo momento sobre o comentário parecido que Courtney Vedas fizera minutos antes.

- Bem, os Carver moram nesse bairro bem sucedido. E as pessoas falam muitas fofocas por aí, não dá para acreditar em tudo.

- Você chegou a ouvir alguma fofoca sobre Kim? – Moulton perguntou.

- Não. O que é estranho. Ela era um pouco mais velha—trinta e tantos, eu acho—mas incrivelmente linda. E solteira. Isso a tornaria um alvo para muitos homens. Mas nunca ouvi nada dela.

- E sobre os Carver?

- Bom, o boato era que Bill Carver estava obviamente saindo com outras mulheres quando ele viajava a trabalho. Ele sempre foi conhecido por ser do tipo que flerta. Mas eu conheço os Carver. Não acho que Bill seja do tipo que trai sua mulher.

Parece que você não é muito boa em julgar caráteres, então, Chloe pensou.

- A biblioteca geralmente é um lugar onde as pessoas fofocam? – Moulton perguntou.

Shelby riu e assentiu.

- Com certeza. Tem um monte de mães que não trabalham e que trazem os filhos para todos os tipos de atividades. Junte isso a uma ou duas avós e você tem muita fofoca.

- Você consegue pensar em algo que possa ter ouvido no último ano que possa ter relação direta com os Carver ou Kim Wielding? – Chloe perguntou.

- Assim de supetão, não. Acho que se tinha mesmo algo de verdade nos boatos sobre os casos do Bill, tem chances de que Kim sabia disso.

Chloe entregou um de seus cartões de visita para Shelby.

- Nos próximos dias, se você lembrar de qualquer informação, por favor nos avise – ela disse.

- Pode deixar. – Ela guardou o cartão e pensou em algo por um momento. – Sabe, eu posso estar viajando, mas algo me pareceu errado com Kim na última vez que falei com ela.

- Há quanto tempo foi isso? – Moulton perguntou.

- Três semanas, por aí. Ela parecia estar triste. Até depressiva. E isso não era normal para ela. Ela geralmente era cheia de sorrisos e risadas. Eu lembro de achar que ela parecia triste com algo da última vez...

Talvez foi quando ela começou a perceber o erro que era se envolver com Mike Dillinger, Chloe pensou.

- Alguma ideia do que poderia estar incomodando ela? – Chloe perguntou.

- Não. E... bem, a culpa é minha, mas eu nunca me importei em perguntar.

Com isso, Shelby olhou para a mesa e uma lágrima caiu de seus olhos, provavelmente por pensar em coisas que ela deveria ter dito a Kim.

Uma onda de tristeza três semanas antes de ser assassinada, Chloe pensou. Ou algo tinha acontecido na vida pessoal dela, ou algo na vida estava começando a mudar. Será que ela estava criando sentimentos por Bill Carver que iam além de atração? Ou talvez ela estava arrependida de desistir da carreira em Washington para ter uma vida no subúrbio com crianças quem nem eram suas?

De repente, somente com a conversa sem grande ajuda com Shelby Wickline, havia novas perguntas sem resposta. E com o tempo passando, Chloe começou a sentir que, se não houvesse uma resposta logo, o caminho deles acabaria sem nenhuma resposta no final.


CAPÍTULO DEZESSEIS

 

O dia terminou sem pistas e esperança reais. Pensando em tudo, mais tarde, Chloe nem quis perder tempo quando ela e Moulton voltaram para Washington. Ela nem sequer pegou algo para jantar. Apenas entrou no carro e dirigiu a caminho de Reston, Virginia.

Obviamente ela não havia gostado do jeito que sua última conversa com Danielle havia terminado. E ela sabia que se ficasse em seu apartamento, sem pistas no caso Wielding e sem resolver sua situação com Danielle, pensaria demais em tudo aquilo. Sem saber deixar as coisas em espera, Chloe dirigiu um pouco hesitante. Além disso... ela queria que sua irmã a visse em sua nova posição, cheia de responsabilidades.

Quando estacionou em frente ao bar—um lugar chamado Vexes—Chloe percebeu que o local estava na moda. Mesmo antes de abrir a porta e entrar, ela viu que a luz era muito escura. Uma música eletrônica pop tocava em um volume baixo, numa mistura de melodia e batidas mais fortes.

Havia um grande lounge com poucas pessoas, conectado a um espaço de restaurante, mais tradicional. Um bar bem elaborado separava as duas áreas, com luzes de ambiente azuis. Havia apenas algumas pessoas no bar e ali, atrás do balcão, de costas para Chloe, estava Danielle. Ela estava consertando o bico de um barril de cerveja.

Chloe aproximou-se do bar e sentou-se como qualquer outro cliente faria. Quando Danielle terminou de consertar o bico, ela olhou para sua nova cliente. Ela sorriu enquanto caminhou em direção à irmã.

- Para você? – Ela perguntou.

- O que você faz de melhor – Chloe disse.

- Vou fazer um mojito.

- Vou querer um desses, então. E alguns minutos do seu tempo, se possível.

Danielle pegou um copo e algumas garrafas da estante no centro do bar.

- Tem uma mesa pequena nos fundos do lounge – ela disse. – Acho que está livre. Pegue para nós e eu vou até lá em cinco minutos.

Chloe fez o que sua irmã pediu, um pouco decepcionada com a falta de animação de Danielle ao vê-la. Claro, ela havia dado um sorriso sincero, mas só. Chloe achava que depois de elas terem trabalhado juntas para descobrir o que realmente havia acontecido com seus pais, as coisas finalmente poderiam ficar bem entre elas. Mas, agora, ela precisava encarar o fato de que aquilo poderia ter servido apenas como uma solução temporária—uma solução que já não estava servindo.

Ela encontrou a mesa nos fundos do lounge e se sentou. Olhou em volta do lugar e viu que a atmosfera obscura, a música peculiar e a aparência moderna combinavam com Danielle. Ela sabia porque estava ali e sabia onde a conversa entre elas iria chegar. O truque, é claro, era chegar no assunto sem que Danielle se irritasse antes.

Danielle apareceu no lounge escuro poucos minutos depois, com o mojito de Chloe em uma mão e uma cerveja na outra. Ela se sentou no outro lado da mesa, entregando o drink para a irmã.

- É bom te ver – Danielle disse. – Desculpe se eu fui grossa com você no telefone da última vez que nos falamos.

Chloe encolheu os ombros e tomou um gole de seu drink. Estava muito bom—o tipo de bebida alcoólica forte o suficiente para lhe fazer beber devagar, mas doce o suficiente para apreciar cada gole.

- Tudo bem – Chloe disse. – Lugar bacana. Como você está lidando com o papel de gerente assistente?

- Dá para o gasto. Enquanto eu fico no bar, não faço muitas tarefas chatas de gerente. O dono e gerente é um cara bem legal. Acho que ele está afim de mim, e isso é um ponto a meu favor.

- Ele não vai brigar com você por tomar um drink com sua irmã durante o horário de trabalho?

Danielle deu de ombro.

- Estou no intervalo. E ele não está aqui hoje. Mas eu devo te dizer que não posso conversar por muito tempo. Preciso voltar logo. A outra bartender que está aqui hoje é uma idiota. Mas nós ficamos com ela porque ela é muito gostosa e sabe como usar isso como ninguém. Faz os caras ficarem no bar a noite toda.

- Danielle... olhe só, eu odeio ter que fazer isso mas—

- Mas você vai fazer perguntas sobre o pai. E continuar falando dele. Certo? Eu sei que é por isso que você veio sem avisar.

- Não é tão simples assim – Chloe disse.

- Eu sei. Nunca é. Nunca foi. É que eu sempre achei que você fosse a mais forte de nós duas, sabe? Me deixa puta saber que ele ainda mexe com você assim.

- Eu também não gosto disso.

Danielle encolheu os ombros como se não estivesse nem aí e deu um longo gole em sua cerveja.

- Eu fico tentando puxar as memórias da minha cabeça – Chloe disse. – Mas mesmo que eu tente muito, eu não consigo lembrar de nenhuma vez em que o pai foi abusivo com a mãe. Você também?

Danielle olhou para Chloe como se ela fosse estúpida.

- Você está falando sério? Eu vi ele sendo grosso com ela pelo menos três vezes. Numa delas ele deu um soco com a mão direita no estômago dela.

Aquilo era novidade para Chloe. Parecia que ela tinha levado um soco no estômago. Ela nunca havia visto seu pai fazer nada daquele tipo. Sim, ela havia visto ele ficar furioso às vezes—especialmente com sua mãe—mas nunca vira nenhuma forma de abuso físico.

- Não me surpreende que ele nunca tenha feito uma coisa dessas na sua frente – Danielle disse. – Você sempre foi especial para ele por alguma razão. Ele gostava de você mais do que de mim... Não acho que isso seja um grande segredo. Talvez ele tenha cuidado para que você nunca visse. Porque ele fez isso várias vezes.

- Então por que você só está me contando agora? Por que não meses atrás, quando nós descobrimos a verdade?

- Porque você tem essa imagem falsa dele. Eu não vi razão para jogar mais merda no ventilador. Mas agora... Meu Deus, Chloe. Se isso é necessário para você esquecer dele, posso continuar falando se você quiser. Esse cara era um monstro até onde eu sei... mesmo se ele não matou nossa mãe.

Chloe então percebeu que talvez a raiva de Danielle a uma simples menção a seu pai poderia não ser simplesmente raiva, mas sim uma forma de tentar proteger sua irmã mais velha.

- É por isso que você ficou louca quando eu disse que iria vê-lo? – Chloe perguntou. – Porque você quer cortar todos os laços da sua vida com ele? Inclusive eu?

- Em partes. Isso e também porque eu odeio saber que você nunca viu o monstro que eu vi. Você sempre foi de perdoar mais. Eu me preocupo porque quanto mais você ficar perto dele, maior a chance de você ter o coração partido depois. E é por isso que me irrita saber que você não consegue tirar esse idiota da sua vida.

- Ele diz que há evidências que poderiam tirá-lo da cadeira mais cedo.

- Óbvio que ele diz isso! Isso e qualquer coisa para te manter por perto—para fazer parecer que ele é a vítima. Chloe... Espero que você não seja cega assim no trabalho. Se for, não acho que sua carreira terá muito futuro.

Chloe sentiu as duras palavras, mas sabia que Danielle estava certa.

- Danielle... ele...

- O que?

- Ele te machucou?

Danielle não disse nada. Ela apenas tomou mais um gole de sua cerveja e olhou para a irmã como se ela estivesse aprendendo a falar novamente.

- Isso importa? – Danielle perguntou, levantando-se. Então, ela fez algo que surpreendeu Chloe. Danielle abraçou e beijou a irmã no rosto. Foi o máximo de afeto que ela viu da irmã desde que elas haviam se reencontrado, cerca de um ano antes.

- Volte para casa com cuidado, mana – Danielle disse. – O drink é por minha conta.

E então ela voltou para o bar, terminando o breve encontro em poucos minutos. Chloe a viu ir, dando-se conta de que Danielle não havia respondido sua pergunta.

Ele te machucou?

Mas talvez, Chloe pensou, a falta de resposta fosse a resposta mais forte de todas.


CAPÍTULO DEZESSETE

 

Na manhã seguinte, Chloe estava ao volante de um carro do FBI, novamente indo em direção ao bairro de Bill e Sandra Carver. A maioria das pessoas estava saindo para o trabalho com cafés e lanches nas mãos enquanto iam em direção a seus carros. A manhã estava muito bonita, com uma camada fina de névoa cobrindo os gramados enquanto o dia ia esquentando.

- Lugares assim sempre me assustam – Moulton disse, de seu banco de carona.

- Por que? – Chloe perguntou.

- Acho que Courtney Vedas resumiu perfeitamente. Belas casas, belos quintais, mas pessoas cheias de segredos e ambições. É como tirar o papel de parede lindo de um quarto e encontrar mofo e baratas.

- Que animado – ela disse.

Ele sorriu discretamente.

- Eu cresci num lugar assim. Nunca gostei.

- Posso perceber.

Chloe não gostava de saber que qualquer conversa entre eles que não envolvia diretamente o trabalho parecia ser foçada. Aquilo a fazia sentir que ele podia perceber que ela estava afim dele—um sentimento que ela realmente queria poder ignorar. Com isso, sentia-se imatura e um pouco antiprofissional.

Ela ignorou a tensão e estacionou próximo à casa dos Carver. O plano da manhã era encontrar os vizinhos dos Carver. Parou o carro na frente de uma casa vizinha e viu um homem sentado na varanda. Parecia até que ele estava esperando pela visita. Quando Chloe e Moulton saíram do carro e caminharam pela calçada, ela notou o nome na caixa de correio: Schwartz.

Quando eles se aproximaram dos degraus da varanda, o homem levantou-se de sua cadeira de pedras e olhou para eles, preocupado.

- Posso ajudar? – Ele perguntou.

Moulton mostrou seu distintivo, tomando a iniciativa.

- Agentes Moulton e Fine, FBI – ele disse. – Estamos investigando a morte de Kim Wielding. Vendo que você mora ao lado da família para quem ela trabalhava como babá, pensamos que talvez você pudesse ter alguma informações que nos ajudem.

O homem estendeu a mão, apesar de parecer desconfortável. Moulton o cumprimentou, assim como Chloe.

- David Schwartz – ele disse. – Infelizmente, não sei se posso ser muito útil.

Ele sentou-se novamente. Havia uma pequena mesa ao lado da cadeira de pedra, com uma xícara de café, uma bíblia e um notebook.

- Bem, nós na verdade estamos buscando qualquer coisa que você possa saber sobre Kim e os Carver – Chloe disse. – Você conhecia Kim?

- Eu sei quem ela era. Nos cumprimentávamos de longe.

- Você tem esposa? – Moulton perguntou.

- Sim. Ela foi trabalhar dez minutos atrás. Mas ela também não é próxima deles. Nós conhecemos os Carver, claro, mas não somos amigos. Nós emprestamos coisas uns para os outros como a maioria dos vizinhos, mas nada mais do que isso.

- Posso saber sua opinião honesta sobre seus vizinhos? – Moulton perguntou.

- Eles são legais, eu acho. Mas sendo totalmente honesto, nunca acreditei completamente em um homem que passa muito tempo fora de casa por conta de trabalho. E pelo que eu sei, Bill sai bastante. E acho que é por isso que eles precisam da ajuda de uma babá.

- E sobre Kim? – Chloe perguntou. – Você diz que mal a conhece, mas já viu ela conversando com alguém da vizinhança?

- Sim, algumas vezes. Tem um casal gay que mora algumas ruas para lá. Ela conversava com eles quando eles se encontravam. Esse casal gay... eles são muito de se exercitar. Sempre estão correndo ou caminhando.

Sempre que ele dizia gay, a palavra parecia machucá-lo. Chloe olhou para a bíblia e imaginou uma relação entre as duas coisas.

- Você sabe o nome deles?

- Andrew e Collin Dorsett. Eles moram na terceira casa no fim da rua depois da Hyde Street. Tenho certeza de que eles trabalham de casa, então provavelmente vocês podem falar com eles hoje.

Chloe precisou segurar as palavras que vieram à sua mente. Então você é desses que fica de olho no casal gay.

- Você diria que os Carver parecem uma família feliz? – Chloe perguntou.

- De longe, com certeza. Eles tem filhos muito bonitos. Educados, também. Como qualquer outra família da vizinhança, eles parecem bem juntos. Como se tivessem o mundo em suas mãos. Mas novamente, eu não conheço bem eles. Eles podem ter coisas escondidas, você sabe. A maioria das pessoas tem.

Chloe e Moulton assentiram. Moulton então fez um gesto em direção ao café e a bíblia de Schwartz.

- Vamos deixar você a sós – ele disse. – Obrigado pelo seu tempo, Senhor Schwartz.

- Sem problemas – ele disse, ajeitando-se novamente na cadeira. – Deus abençoe.

Chloe e Moulton voltaram para o carro. Quando Chloe já estava novamente ao volante, ela olhou para o Senhor Schwartz, que já estava lendo sua bíblia.

- Parece que você não confia nele – Moulton disse.

- Ah, acho que ele está falando a verdade. Não duvido de nada que ele disse. Mas o jeito que ele força a palavra gay é estranho.

- Bom, você viu a bíblia, né?

- Vi. Mas eu estava tentando não relacionar uma coisa com a outra.

- Eu cresci na área rural da Carolina do Norte – Moulton disse. – Acredite... na maioria das vezes, as duas coisas andam sim lado a lado. Agora... vamos visitar os amigos gays do senhor Schwartz.

Eles sorriram um para o outro, com a tensão agora dissipada, e Chloe seguiu para o fim da rua em direção à Hyde Street.


***


Andrew e Collin Dorsett de fato trabalhavam de casa. Quando Chloe bateu na porta da casa deles, foi atendida em menos de dez segundos por um homem alto e bonito, que segurava um pequeno notebook na mão. Em algum lugar da casa, atrás dele, outro homem estava conversando com alguém, indicando que estava em uma ligação.

- Oi? – O homem com o notebook disse ao aparecer na porta.

- Você é Andrew ou Collin Dorsett? – Chloe perguntou.

- Sou Collin. Posso perguntar quem seriam vocês?

- Somos os Agentes Fine e Moulton do FBI – Chloe disse. – Estamos investigando a morte de Kim Wielding e estamos tentando conversar com qualquer pessoa que possa ter conversado com ela nas últimas semanas.

Collin franziu a testa e deu um passo atrás para deixá-los entrar.

- Senhor, foi terrível o que aconteceu com ela.

- Então você conhece bem ela? – Moulton perguntou.

- Com certeza, muito bem.

- Alguma vez ela falou sobre ex-namorados? – Chloe perguntou.

Collin levou-os até a cozinha. Ele largou seu notebook e serviu a si mesmo uma xícara de café feita em uma cafeteira que parecia muito cara.

- Não que eu lembre. Café?

Moulton recusou, mas Chloe aceitou uma xícara. Enquanto Collin preparava, Andrew entrou na cozinha. Ele era mais baixo que Collin, mas muito bonito também. Ele estava de camiseta e shorts e olhou curioso para os visitantes.

- Eles são agentes do FBI – Collin explicou ao entregar o café para Chloe. – Estão perguntando sobre Kim. Você não lembra dela ter falado sobre namorados, né?

- Acho que não. Ela conversava bastante, mas não lembro dela falando sobre homens.

- Você sabe como era o relacionamento dela com os Carver? – Chloe perguntou.

- Ela falava muito deles – Andrew disse.

- E amava aquelas crianças – Collin completou. – Ela protegia eles demais. Então acho que ela gostava muito de Bill e Sandra também.

- Algum de vocês percebeu que algo poderia estar acontecendo entre Kim e Bill?

- Engraçado você dizer isso – Andrew disse. – Eu disse isso em tom de brincadeira um dia... sobre como devia ser tentador para um homem casado ter alguém linda como Kim por perto. E ela ficou totalmente desconfortável.

- Alguma vez ela revelou algo pessoal para um de vocês? – Moulton perguntou.

- Não muito. Ela nos contou umas histórias antigas sobre o tempo dela em Washington. Sobre os sonhos que um dia ela teve de ser uma redatora de discursos ou algo assim.

- Ela chegou a dar nomes de pessoas com quem ela trabalhava? – Chloe perguntou.

- Se sim, eu não prestei atenção – Andrew disse.

- Nem eu.

Chloe já estava se frustrando com a falta de progresso nas conversas. Ela odiava fazer perguntas vagas e sem direção, mas estava ficando sem ideias.

- Nas últimas vezes que vocês falaram com ela, alguma coisa chamou a atenção de vocês?

- Acho que não – Andrew disse.

- Não sei especificamente do que você quer saber – Collin disse, - mas lembro dela dizendo que não estava se sentindo muito bem na última vez em que conversamos. Foi uma conversa só de passagem, como quase sempre.

- É verdade, eu lembro disso – Collin disse. – Ela disse que estava se sentindo cansada. Tinha marcado uma consulta no médico por causa disso.

- Ela estava certa de que estava com uma infecção urinária ou algo assim também – Andrew disse. – Disse que tinha acordado várias vezes na noite anterior para ir ao banheiro.

- Ela não deu detalhes sobre isso? – Moulton perguntou.

- Não. Acho que não é o tipo de coisas que se diz em uma conversa casual agradável.

- Deixe-me te perguntar algo – Chloe disse. – Vocês são um casal gay num bairro assim. Vocês já sentiram algum tipo de hostilidade de alguém?

Os dois homens se olharam e encolheram os ombros, em uma sincronia quase perfeita.

- Não diria que já enfrentamos nada hostil – Collin disse. – Mas nós percebemos alguns olhares de reprovação quando estamos na rua de mãos dadas.

- E um dia encontramos um flier no para-brisas do carro sobre como homossexualidade é um pecado – Andrew acrescentou. – Mas achamos engraçado, não ameaçador.

- E os Carver? Vocês conhecem bem eles? – Moulton perguntou.

- Não muito bem – Andrew disse. – Teve um dia em que nós estávamos passando pela casa deles e uma das crianças nos pediu para chutar a bola. Nós fizemos isso e Sandra saiu, nós falamos com ela—contamos que sim, nós éramos um casal gay e não só colegas. Ela levou na boa. É uma mulher muito legal, na verdade.

- Mais uma pergunta – Moulton perguntou. – E pode parecer um pouco obscena, mas só estamos tentando encontrar um foco. Se houvesse alguém na vizinhança com quem Kim pudesse estar envolvida—talvez um caso secreto ou só uma amizade que ela pudesse querer esconder—em quem vocês pensariam?

Collin sorriu ao pensar em algo.

- Provavelmente eu diria CJ Jackowski. Ele mora na Whitehurst Street. Um solteiro de trinta e poucos. Acho que ele já foi casado. Ele é médico em um posto da cidade. Mas também é voluntário como professor de futebol de duas ligas jovens. E não me importo de dizer na frente do meu marido amado que ele é muito gato. E ele sabe disso.

- Tudo bem – Andrew disse, cutucando Collin. – Eu pensaria em deixar de você por ele.

Chloe lembrou que Courtney Vedas havia mencionado um professor de futebol gato, mas não havia dado detalhes.

- Ele tem uma fama na vizinhança ou algo do tipo? – Moulton perguntou.

- Não. Mas quase todas as mulheres daqui—casadas ou não—não conseguem deixar de olhar quando ele passa. Kim falou uma ou duas vezes que ele era bonito com aquele jeito tímido dela.

- Um dos filhos dos Carver estava em um dos times dele, certo? – Chloe perguntou.

- Acho que sim – Collin disse.

- Obrigado, gente – ela disse, tomando um gole de seu café. – Pelas informações e pelo café.

- Nenhuma pista, né? – Andrew disse.

- Nada muito forte – Moulton disse. – Se vocês lembrarem de algo – ele disse, entregando um cartão, - por favor nos ligue.

- Com certeza – Andrew disse. – E espero que você encontre o idiota que fez isso. Kim era uma querida. Acho que ninguém aqui na vizinhança esperava isso.

- E sinceramente, eu tenho quase certeza de que ela não tinha nenhum tipo de relação com CJ Jackowski. Mas ele conhece todo mundo por aqui. Principalmente porque todo mundo quer conhecer ele. Provavelmente ele vai ser sua melhor fonte de informações.

- Obrigada – Chloe disse enquanto ela e Moulton foram em direção à porta. – Vocês não saberiam dizer se Jackowski está trabalhando hoje, certo?

- Ele está – Collin disse. – Ele fez sua corrida matinal hoje cedo. Passamos um pelo outro. E ele só corre nos dias em que trabalha.

- Que stalker – Andrew disse.

Collin apenas encolheu os ombros.

- Ele está na Clinic Express. Na Hightower Road.

- Viu só? – Andrew disse. – Stalker.

Os dois riram um para o outro enquanto Chloe e Moulton foram para o carro. E foi então, em meio a casas e casas com gramados verdes e varandas bonitas, que ela percebeu o tamanho daquele labirinto. Todas pareciam iguais, divididas por curvas, como se fossem construídas para confundir, para sempre fazer pensar se você estava no caminho certo.


***


Chloe estava sentada na sala de espera da Clinic Express, olhando para os cartazes que pediam para que os pacientes tomassem logo a vacina contra a gripe. Moulton estava a seu lado, parecendo um pouco desconfortável. A recepcionista havia os visto e dito que eles poderiam ver o Dr. Jackowski assim que ele estivesse livre. Isso fora cinco minutos antes e Moulton parecia incomodado desde então.

- Você não gosta de médicos? – Ela perguntou.

- Não ligo para médicos. Mas odeio estar em hospitais e consultórios quando não preciso. Médicos, tudo bem. Mas o problema são os germes.

- Você é do tipo que carrega três vidros de álcool-gel no porta-luvas, não é?

- Não. Só um.

- Você quer que eu veja se eles podem te dar uma máscara antes de nós falarmos com o Doutor Jackowski? – Chloe brincou. – Ou luvas de esterilização?

- Isso deveria ser uma piada? – Moulton perguntou, mas ele mesmo estava rindo.

Cerca de um minuto depois, a porta que levava à sala de exames abriu. Uma enfermeira colocou a cabeça pela porta e disse, com calma, sem chamar atenção:

- Agentes? – Depois, fez um gesto chamando-os.

Ela levou-os por um pequeno corredor onde havia três salas. Eles entraram na última, onde um homem estava juntando notas em um caderno. Chloe sabia que ele era o Doutor CJ Jackowski não só porque a enfermeira havia os levado até lá, mas porque Andrew e Collin estavam certos: o homem era muito bonito. O rosto dele era perfeitamente desenhado e seu cabelo muito bem cuidado. Seus olhos azuis brilhavam e seus lábios eram perfeitos.

Ele desviou o olhar do caderno e o deixou de lado. Não havia cadeiras na sala, então Chloe e Moulton precisaram ficar em pé. Jackowski também levantou-se, encostando-se em sua mesa.

- Preciso dizer – ele disse, - nunca recebi agentes do FBI aqui. Minha recepcionista disse que vocês têm algumas perguntas sobre um caso, certo?

- De certa forma – Moulton disse. – Estamos investigando o assassinato de Kim Wielding e esperávamos que você pudesse nos dizer algo sobre ela.

- Ela trabalhava para os Carver – Jackowski disse. – Uma mulher bacana, pelo que sei.

- Sim – Chloe disse.

- Eu não conhecia bem ela. Só falei com ela algumas vezes, e sempre de passagem. A conversa mais longa que tive com ela foi em uma festa no iate clube, e mesmo assim não foi nada longa.

- Você era o professor de futebol de um dos filhos dos Carver, certo? – Moulton perguntou.

- Sim. Declan. Ele joga muito bem, a propósito.

- Você chegou a falar com a Kim durante os treinos?

- Não. Ela sempre estava com pressa. Isso era meio triste, na verdade. Era sempre ela quem trazia ele para os treinos. Não sei porque o pai do Declan nunca veio a um treino sequer. Nem a um jogo. Eu vi Sandra—a mãe—em alguns jogos, mas nunca o pai. Mas Kim sempre estava lá com ele.

- Algumas pessoas nos disseram na sua vizinhança que você seria a pessoa certa para falar se quiséssemos saber de qualquer um por aqui – Chloe disse.

Jackowski suspirou e balançou a cabeça.

- Não sei bem certo como ganhei esse rótulo. Teve uma vez há um ano ou um pouco mais em que uma mulher da vizinhança apareceu bêbada na minha casa. Deu em cima de mim. Eu liguei para a polícia porque ela não saía da minha varanda. Ela é uma mãe solteira, então não havia um marido bravo nem nada, mas acho que ela criou essa história sobre mim quando a fofoca correu por aí. Mas eu nunca contei para ninguém. Quando eu soube que as pessoas acham que eu passo a vida tentando saber da vida dos outros, eu não tentei provar que eles estavam errados. Não faz sentido fazer mais drama, sabe? Especialmente em um bairro pequeno como o nosso.

- Nas poucas vezes em que você falou com Kim, ela disse algo que pudesse indicar que ela estivesse com problemas?

- Não, só falávamos coisas de passagem mesmo. Oi, como vai. Sobre o tempo, essas coisas. – A mente dele pareceu parar por um tempo, e ele acrescentou. – Mas teve uma vez...

- Que vez? – Moulton perguntou.

Jackowski tirou alguns segundos para refrescar a memória. Quando o fez, pareceu se assustar um pouco.

- Teve uma manhã em que eu saí para correr... provavelmente entre sete e sete e meia. Eu passei pela casa dos Carver e vi Kim sentada no carro dela, estacionado na frente da casa. Ela estava conversando muito alto com alguém no telefone. Sem gritar nem nada, mas ela estava claramente brava com algo. Eu não quis parecer metido, então só passei ao invés de cumprimentar ou parar para dizer oi como eu sempre fazia. Eu lembro porque era difícil ver Kim brava com qualquer coisa.

- Imagino que ela tinha uma boa reputação pela vizinhança – Chloe disse.

- Com certeza. Ela era muito boa para as crianças. E todo mundo parecia gostar dela. Por isso fiquei tão surpreso quando soube que ela tinha sido morta.

- E já que você não conhecia ela tão bem – Moulton disse – podemos dizer que você não tem nem ideia de quem pode ter matado ela?

- Desculpe, mas não.

- Ela chegou a visitar você aqui, como médico? – Chloe perguntou.

- Não. Posso olhar os registros para ver se ela já veio com outra pessoa. Mas acho que provavelmente ela ia a outro médico. A maioria dos pacientes que vem a um lugar pequeno como esse não tem plano de saúde.

- Bom, obrigado pelo seu tempo – Chloe disse.

- Claro. Me digam se tiver algo mais em que eu possa ajudar.

Quando eles saíram da sala, Chloe sentiu como se uma porta estivesse se fechando. Eles não tinham encontrado pistas sólidas, nada que pudesse levá-los pelo menos para mais perto de encontrar o assassino de Kim Wielding.

Não é o que eu esperava do meu primeiro caso, Chloe pensou. Tem que ter algo que não estamos vendo. Algo que estamos deixando passar.

Aquilo a fez pensar em seu pai e em como ela achara que o caso fora tão simples desde o começo, mas depois, anos depois, havia descoberto que seu pai não era culpado do assassinato—que havia outra mulher envolvida em toda a história. Fora como se uma nova parte da história tivesse sido escrito anos depois.

Então qual parte da história de Kim não está sendo contada?

Aquela era uma boa pergunta, e Chloe sabia que as respostas que eles queriam poderia ser encontradas nela. O problema, é claro, era saber onde procurar.


CAPÍTULO DEZOITO


Sem pistas claras e sem caminhos para seguir, Chloe e Moulton voltaram para a sede do FBI. Eles chegaram logo após o almoço e tomaram rumos diferentes—cada um para sua sala—mas Chloe percebeu que não queria trabalhar sozinha pelo resto do dia. Claro, talvez fosse por conta de sua queda por Moulton, mas ela achava que sua mente tendia a trabalhar melhor quando ela estava com ele. Além disso, as conversas—que, nesse caso, tinham um pouco de flerte—ajudavam a fazer fluir as ideias.

Mesmo assim, ela encontrou-se em sua mesa, mexendo em todos os arquivos que o FBI tinha sobe o caso de Kim Wielding, a maioria vindo diretamente da polícia de Maryland. Não havia nada novo, e todos os detalhes que ela já havia lido começaram a voltar à sua memória. Mesmo tentando olhar por outro lado, tentando encontrar novas possibilidades que os levariam a outras partes da vida Kim que não eram as mais óbvias, Chloe não encontrou nada.

Ela estava começando a imaginar que Kim Wielding não era tão perfeita como os papeis diziam. Que tipo de conexão ela tinha com Washington? Ao que parecia, ela fora importante o suficiente para alguém solicitar uma investigação de um assassinato assim, que não era o tipo de caso no qual o FBI geralmente perdia seu tempo.

Mas de alguma maneira ela terminou com um cara como Mike Dillinger, ela pensou. Ela não pode ser tão perfeita como parece.

Mas mesmo olhando a fundo os arquivos do caso e suas próprias anotações, Chloe parecia não conseguir nenhum avanço. Quando começou a se sentir inútil, ela se lembrou de algo que havia aprendido com um de seus instrutores na academia: Se você se sentir presa em um caso, comece a analisar outro—mesmo que seja um que já esteja resolvido. Vocês vão se surpreender ao verem como ocupar a mente com outra coisa funciona para ajudar no raciocínio lógico.

E então, de pronto, havia outro caso em sua mente.

Ela pegou os documentos recentes que havia solicitado em relação ao caso de seu pai. Mesmo que os arquivos originais sobre a morte de sua mãe e a prisão de seu pai ainda não estivessem digitalizados, Chloe teve fácil acesso a todas as anotações que havia juntado sobre o fato de Ruthanne Carwile ser mais culpada pela morte de sua mãe do que seu pai. Mas agora, mesmo com essas anotações trazendo informações claras, havia uma nova revelação que seu pai havia feito—de que havia evidências em algum lugar que poderiam provavelmente libertá-lo completamente. Alguma evidência que poderia tirá-lo da prisão depois de todos aqueles anos.

Olhando os arquivos do caso, Chloe de repente não conseguiu mais ficar sentada em seu cubículo. Ela foi até o elevador e seguiu para o subsolo, onde arquivos antigos até de 1937 estavam encaixotados em estantes velhas. Caminhando pelos corredores, ela sentiu algo confortante. Claro, ter tudo digitalizado era conveniente e infalível, mas havia algo de simplicidade e beleza em ter cópias de tantos arquivos e registros guardadas de uma forma tangível.

Ela sabia onde os arquivos originais da prisão de seu pai estavam porque havia estado ali meses antes, quando ela e Danielle haviam descoberto e revelado a verdade sobre Ruthanne Carwile. Ela encontrou a estante em três minutos e a abriu. O cheiro de papel velho era forte e familiar, como em uma biblioteca velha.

Chloe pegou a única pasta sobre a prisão de seu pai e o assassinato de sua mãe. Ela sabia que a única razão para que aquele arquivo estivesse com o FBI era por conta dos aspectos de risco para crianças que o caso trouxera. Mesmo que nenhum agente federal tivesse tocado no caso até uma semana depois do funeral de sua mãe, o mais simples envolvimento do FBI fora suficiente para que um arquivo fosse criado sobre o caso.

Ela pegou o arquivo e voltou, pelo elevador, para seu cubículo. O protocolo dizia que ela deveria registrar a retirada do arquivo, mas ela não viu necessidade. Olharia apenas por um tempo e devolveria. Além disso, não queria criar documentos que provassem que ela não havia deixado o caso para trás—a morte de sua mãe e a aparentemente errônea prisão de seu pai.

Não foi totalmente errônea, foi? Chloe pensou sozinha. Ele foi para a prisão por vontade própria para que Ruthanne não fosse condenada. Parece algo feito muito de propósito para mim.

Obviamente, não havia nada nos arquivos que a surpreendesse. Ela sabia tudo de cor, e o relatório dizia claramente que seu pai era culpado. O retrato do caso era aquele, pelo menos antes de Ruthanne Carwile ter aparecido nele.

Então havia uma versão da história aceita como verdade antes que eu e Danielle descobríssemos a verdade—sobre Ruthanne e o caso dela com meu pai. Isso mudou o rumo da história... uma história que parecia simples desde o início.

Então onde estaria a mudança de rumo na história de Kim Wielding? Precisava haver uma. A conexão com Mike Dillinger não fazia sentido. A não ser que Kim tivesse um lado obscuro, que não fosse imune aos pecados e segredos da vida no subúrbio, como qualquer um na vizinhança dos Carver.

Ela então lembrou-se de que Collin e Andrew haviam mencionado que Kim reclamara de uma possível infecção. Imaginou o trabalho que seria checar todos os médicos que Kim possivelmente poderia ter visitado em um raio de 30 quilômetros da casa dos Carver. Abriu seu e-mail e fez o pedido ao Diretor Assistente Garcia. Parecia uma jogada quase impossível, mas era melhor do que nada.

Ao voltar suas atenções para o caso de Kim, o dia passou devagar. Chloe recebeu a confirmação de Garcia de que ele havia mandado alguém investigar os médicos da região de Bethesda, Maryland, para descobrir se Kim havia feito consultas nas últimas seis semanas. Parecia um progresso muito pequeno, mas o suficiente para fazer com que ela sentisse que estava fazendo seu trabalho.

Ao ver o dia terminando, Chloe temeu ter que voltar para seu apartamento. Ela sabia que precisaria tirar o restante das coisas da caixas—para começar sua vida de verdade e de um jeito organizado. Mas sentir-se tão presa e sem pistas no caso Wielding tornava insuportável a ideia de ter que arrumar seu apartamento.

Chloe pensou em Rhodes, presa em uma cama de hospital e provavelmente louca por ter uma chance como a que ela estava tendo. Isso a fez sentir-se culpada, como se não estivesse apreciando ao máximo o fato de estar vivendo seu sonho. Infelizmente, seu sonho havia começado com um caso que parecia não ter absolutamente nenhuma pista.

Enquanto Chloe pensava em Rhodes, seu telefone tocou. Ela viu o nome de Moulton e atendeu rapidamente.

- Ei.

- Ei, você – Moulton disse. – Vi que você fez uma solicitação para saber se Kim andou fazendo alguma consulta.

- Sim. É um tiro no escuro, mas vale a pena tentar.

- Você acha que se era mesmo uma infecção urinária, pode ter sido causada através do sexo? Talvez com alguém além de Bill Carver?

- Estou começando a pensar exatamente isso, mesmo que infecções urinárias tenham várias causas – Chloe admitiu. – O fato dela estar envolvida com Mike Dillinger é totalmente intrigante. Me faz pensar que ela pode ter segredos que nós precisamos desvendar.

- Você quer ver se nós conseguimos começar a desvendar algo tomando um drink ou dois hoje à noite?

A ideia com certeza era tentadora, mas Chloe sabia que sair para beber com Moulton apenas atrapalharia sua mente.

- Obrigado pelo convite, mas vou ter que passar. Acho que ainda vou passar no hospital para ver Rhodes.

- Uma causa muito mais nobre do que beber pensando em um caso que está nos fodendo – Moulton brincou. – Diga a ela que mandei um oi.

- Pode deixar. Até amanhã.

Chloe pegou suas coisas, colocando os arquivos e o notebook na bolsa, e saiu. Ela já estava trabalhando lá há tempo suficiente para conhecer a maioria dos rostos, e por isso teve conversas rápidas com algumas das pessoas, enquanto outras também estavam no longo trajeto até o estacionamento. Ao pegar o elevador, sentiu que estava esquecendo de algo. Era uma pequena coceira no fundo de sua mente, do tipo que as pessoas geralmente sentem quando pensam que estão esquecendo algo ao sair de casa.

Foi tão leve que ela conseguiu ignorar completamente ao chegar no carro. Ela viu Moulton entrando em seu carro e não pode deixar de imaginar se ele havia decidido simplesmente ir para casa depois que ela negara o convite para beber. Aquele pensamento a fez sorrir: Chloe sentiu-se como uma garotinha apaixonada no colégio. E odiou saber disso.

Ela saiu do estacionamento e seguiu para o hospital. Seus pensamentos estavam tão focados em Moulton e na visita a Rhodes que a pequena coceira de esquecimento que sentira momentos antes acabara esquecida, saindo completamente de seu radar.


CAPÍTULO DEZENOVE

 

Quando Chloe entrou no quarto de hospital de Rhodes, sua antiga parceira parecia irritada. Ainda assim, quando viu Chloe, um pequeno sorriso apareceu em seu rosto. Ela usou o controle remoto para desligar a TV, que estava mostrando algum programa de entrevistas.

- Soube que Mike Dillinger foi indiciado por crimes sexuais – Rhodes disse, pulando os cumprimentos.

- Foi sim – Chloe disse. Ela sentou-se na cadeira das visitas encostada na parede, surpresa por quão natural estava sendo estar ao lado de Rhodes. – Ele não tem nada a ver com a morte de Kim Wielding, mas aparentemente tem uma lista de comportamentos proibidos que vai deixá-lo preso por muitos anos.

- Então podemos contar isso como uma vitória – Rhodes disse. – Não pegamos o assassino, mas prendemos um bandido, de qualquer jeito.

Chloe sorriu, dando-se conta de que ainda não tinha enxergado o caso por aquele ponto de vista.

- O que os médicos dizem de você?

- Se não houver nenhum imprevisto, eu devo poder sair daqui em dois dias. Estou tendo dores de cabeça, mas eles disseram que é comum por conta do tanto de sangue que eu perdi. – Ela olhou para suas mãos, colocou-as no colo e limpou sua garganta. – Mais uma vez, tenho que agradecer por você ter salvado minha vida.

- Você não precisa me agradecer. Eu agi em pura adrenalina. Eu lembro de ter usado a camiseta do Dillinger como torniquete, e não consigo nem pensar em como tive a ideia. Eu estava pensando sem pensar, se isso faz algum sentido.

- Faz todo sentido. E o caso? Alguma novidade?

- Nada. O que é ridículo, porque em uma vizinhança daquelas, uma mulher que se envolveu com alguém como Dillinger deveria ter muitos boatos rondando sobre ela, certo?

- Talvez ela só guardava seus segredos muito bem – Rhodes disse. – Algumas mulheres são muito boas nisso.

- E é muito mais fácil manter segredos quando você está morta – Chloe disse.

- Você já começou a olhar para o caso assumindo que Kim Wielding estava mesmo mantendo segredos?

- Não.

- Não quero te zoar, mas isso vem da Equipe de Evidências. Você está muito preocupada em procurar por evidências que provavelmente não existem. Em crimes violentos, você tem que imaginar o pior das pessoas—às vezes até das vítimas. Muito comumente, tem uma razão para crimes violentos, mesmo que as mais estranhas.

- Sim, mas quando a pior coisa na vida de uma mulher é um relacionamento com alguém como Mike Dillinger...

- Então parece que aí seria um ótimo lugar para começar.

- Nós começamos por aí – Chloe disse. – O álibi dele para o dia da morte dela é irrefutável.

- Mas talvez ele saiba alguns dos segredos dela.

Chloe já havia considerado aquilo antes, mas a ideia perdera força depois que Mike Dillinger fora preso por outros crimes após o interrogatório sobre Kim Wielding.

Ela passou os minutos seguintes contando tudo a Rhodes, até a parte em que Garcia submetera alguém para checar os consultórios da região sobre uma possível consulta de Kim Wielding relativa a uma infecção urinária.

- Você já teve infecção urinária? – Rhodes perguntou.

- Uma vez. Foi horrível.

- Você sabe como as mulheres geralmente pegam isso, certo?

- Sexo.

- Exatamente. Não sempre, mas quase. E na verdade, não é difícil imaginar que uma mulher como Kim Wielding, que dormia com seu chefe e com um idiota como Mike Dillinger, poderia ter outras aventuras sexuais, certo?

Parecia simples, uma conexão fácil de se fazer. Especialmente quando Chloe aplicou o filtro de Rhodes: assumir desde o começo que as pessoas não são boas. Assumir que todo mundo tem segredos. Mas mesmo se eles descobrissem em qual médico Kim havia tratado a infecção, que pistar isso traria? Provavelmente nenhuma.

- Deixe eu te dizer algo – Rhodes disse. – Se esse caso não estiver concluído quando eu sair daqui, você não vai saber do final por mim.

- Sim, tenho certeza - Chloe disse.

- Eles colocaram você com o Moulton, certo?

- Sim. Ele é muito esperto, mas ele é tão tranquilo que acho que isso impede que ele fique muito ligado aos casos.

- Ele também é bonito – Rhodes adicionou. – Rolando algo?

- Hum, não – Chloe disse, esperando que seu rosto não ficasse vermelho.

Rhodes a olhou com uma expressão de desconfiança.

- Então... uma possível infecção. É a única pista?

- Por enquanto, sim.

Mas a mente de Chloe estava começando a pensar no que Rhodes havia sugerido. E se os segredos obscuros de Kim fossem além de Mike Dillinger e Bill Carver? O que mais ela poderia estar escondendo?

E onde esses segredos poderiam estar escondidos?

Novamente, ela voltou a pensar em Mike Dillinger. No começo do caso, ele não parecia combinar em nada com a vida de Kim.

Mas agora, ele não parecia ser uma carta tão fora daquele baralho.

Chloe imaginou quem mais poderia saber sobre a relação de Kim com Dillinger. O assassino, talvez?

E, se sim, como ele teria feito para que Dillinger fosse apontado como suspeito do crime?

- Você acabou de ter uma ideia, não foi? – Rhodes perguntou, sorrindo.

- Sim. Uma boa ideia, eu acho.

- Quer compartilhar?

Chloe se levantou, pegando sua jaqueta.

- Acho que eu sei onde procurar pelo carro de Kim Wielding.


***


No caminho para o prédio de Mike Dillinger, Chloe ligou para Bill Carver. Quando ele atendeu e ela se identificou, ele não pareceu muito feliz.

- Posso ajudar? – Ele perguntou, parecendo irritado.

- Tenho uma suspeita de onde posso encontrar o carro de Kim. Você teria uma chave reserva?

- Não. Por que eu teria?

Ela decidiu não fazer o comentário devido, e limitou-se a perguntar:

- Sandra está em casa? Será que ela tem a chave?

- Não. Ela está com a irmã dela em Alexandria para esquecer um pouco de tudo.

Chloe encolheu os ombros enquanto dirigia. Na verdade, aquele não era um problema. Ela poderia pedir a polícia que arrombasse a porta se fosse preciso. Ela agradeceu Bill e seguiu para a casa de Dillinger.

Ela deu uma volta rápida pelo quarteirão do prédio, mas não encontrou uma placa que batesse com a do carro de Kim. Procurou em duas quadras ao lado e também não achou nada.

Na terceira rua após o apartamento de Dillinger, Chloe encontrou-o. O carro de Kim estava estacionado em um estacionamento público, à vista. Era o tipo de descoberta que a fazia sentir-se estúpida por não ter encontrado antes. Mas não era culpa só dela. Dois dias inteiros haviam se passado sem que ninguém tivesse encontrado o carro.

Sem vagas disponíveis no estacionamento, Chloe estacionou na rua e caminhou até o carro de Kim. Ela não se surpreendeu ao encontrar o carro trancado. Também percebeu que um dos pneus estava vazio e imaginou se essa era a razão pela qual ela não havia ido de carro até a casa dos Carver no dia do assassinato. Passou a meia hora seguinte fazendo uma das partes mais monótonas de seu trabalho. Ligou para a polícia local pedindo auxílio para abrir o carro. Enquanto esperava, ligou para Garcia para contar a ele sobre a descoberta. Também ligou para Moulton, que pareceu um pouco animado demais.

- Como ninguém viu isso? – Ele perguntou.

- Está literalmente à vista – ela disse. – Deixamos passar.

- O que você vê dentro?

- Parece tão limpo quanto o quarto na casa dos Carver e o apartamento dela. Sinceramente, não estou esperando encontrar muita coisa aqui.

- Então você não precisa que eu vá até aí?

- Acho que não. Te ligo se algo mudar.

Chloe encerrou a ligação e viu a viatura estacionando atrás de seu carro. Ela viu o policial abrindo o carro de Kim e sorrindo para ela. Era um sorriso que parecia dizer: viu como foi fácil?

Ela agradeceu e abriu a porta do motorista. O policial ficou ali, cumprindo protocolo, certificando-se de que tudo estava tranquilo.

No chão do banco do passageiro havia um casaco. Atrás, dois livros de bolso e uma caneta no banco. Sentindo que aquilo seria uma perda de tempo—para ela e para o policial ali parado—Chloe abriu o porta-luvas. Ela encontrou um carregador velho de iPhone, algumas moedas, várias coisas pequenas e inúteis como alguns clips, o documento do carro e um desenho do que parecia ser um cachorro, assinado por Madeline Carver.

Após encontrar tudo isso, Chloe viu algo nos fundos do porta-luvas. Encostado no canto, parcialmente escondido por um pacote de fast food, havia uma pequena sacola plástica que fora enrolada. Chloe a puxou e viu que o pacote estava dobrado várias vezes, preso por um elástico. Ela tirou o elástico, desdobrou a sacola e encontrou uma quantidade muito pequena de cocaína. Não era muito, talvez o suficiente para que Kim acordasse no fim do dia—ou no começo, se fosse o caso.

Ela não tinha plásticos de evidência (e pensou, sorrindo, que com certeza que Rhodes os teria), então colocou a sacola no bolso. Depois, procurou no resto do porta-luvas, mas não encontrou mais nada interessante.

Os últimos lugares analisados foram os pequenos compartimentos nas portas. A porta do motorista era a única que tinha algo. Não havia muito, apenas algumas coisas jogadas. Dois panos enrolados, um bloco de post-its e alguns pedaços de papel. Ela pegou os papeis do compartimento e os abriu.

O post-it dizia: Novo horário da reunião dos pais: Terças, 7:30.

Chloe colocou-o novamente no compartimento e olhou para os pedaços de papel. Um deles era tão inocente quanto o primeiro recado. Dizia: Passeio para Apple Orchard, pagar $7 até a próxima quarta.

Mas foi o último pedaço de papel que chamou a atenção de Chloe. Não era um rascunho, mas sim um recibo. Era da Walgreens, de nove dias antes. Três itens haviam sido comprados e pagos em dinheiro: uma barra doce da Almond Joy, uma caixa de cápsulas em gel de Benadryl e um teste de gravidez.

Chloe olhou para o recibo assustada por um momento, como se ele estivesse dando a ela uma resposta com a qual ela ainda não sabia o que fazer.

Não era uma infecção que estava fazendo ela ir tanto ao banheiro, Chloe pensou. Ela estava grávida. Ou pelo menos achava que estava. E com a ameaça de uma gravidez indesejada...

Bom, aquele seria um motivo para um pai que queria manter seu caso em segredo.

Chloe pegou o recibo e fechou a porta do carro.

- Tudo certo? – O policial disse.

- Sim, obrigada.

Mas ela não estava nem sequer escutando suas próprias palavras. Ela estava pensando em Bill Carver. E mesmo sendo um passo óbvio para dar, ela precisava lembrar do álibi dele. Havia provas sólidas de que ele não estava em Maryland quando Kim fora assassinada.

Então quem?

Chloe colocou o recibo da Walgreens em seu bolso e foi rapidamente para seu carro, pensando que se a sorte estivesse a seu lado, talvez houvesse um jeito de descobrir.


CAPÍTULO VINTE

 

Ela ligou para o Agente Moulton ao sair com o carro em direção ao escritório dos legistas. O fato deles terem segurado o corpo por conta da falta de pistas acabaria sendo extremamente útil. Claro, ela não tinha ideia de quanto tempo eles poderiam segurar o corpo. Com certeza, no máximo mais um dia ou dois.

Mas talvez esse fosse exatamente o tempo que ela precisava.

Moulton atendeu ao segundo toque.

- Encontrou algo interessante? – Ele perguntou.

- Sim. Você saiu para beber?

- Com certeza.

- Quantas você já tomou?

- Estou na segunda.

- Preciso que você pare e me encontre no escritório dos legistas.

- Você encontrou algo importante? – Ele perguntou.

- Não tenho certeza. – Ela contou a história a ele sobre o recibo e sobre a ligação dele com a conversa que Kim Wielding tivera com Collin e Andrew Dorsett.

- Me parece um bom caminho – Moulton disse. – Estarei lá em vinte minutos.

Chloe sentiu-se cada vez mais animada com o passar dos minutos seguintes. Ela sentiu que, finalmente, o caso estava indo para algum lugar, que finalmente poderia ter uma solução. Também ficou surpresa ao ver que algo tão básico quanto um recibo da Walgreens continha o necessário para trazer a esperança de volta ao caso.

Mas mesmo com essa revelação, aquilo a lembrava de que havia uma boa chance dela ter se atrasado no caso por assumir algumas coisas sobre a personalidade de Kim Wielding. Agora, percebendo que Kim poderia ter mais de um cadáver em seu guarda-roupas, Chloe sentiu-se começando de novo. Sentiu que se Kim estivesse de fato grávida quando fora morta, eles não poderiam assumir simplesmente que o assassino era algum homem bem sucedido (ainda que infiel) da vizinhança dos Carver. Eles precisavam pensar que ela era capaz de dormir com alguém como Mike Dillinger e também como Bill Carver.

Ela estava pensando em Mike Dillinger e em como uma aparentemente respeitável mulher como Kim Wielding poderia acabar se envolvendo com ele quando estacionou o carro na frente do escritório dos legistas. Ela viu que Moulton já havia chegado e estacionado seu carro três vagas à frente. Chloe juntou-se a ele e se surpreendeu ao ficar tão feliz em vê-lo. Ela tentou se convencer de que ele era apenas alguém presente em sua vida que a ajudaria a resolver o caso, mas sabia da verdade. Mesmo tentando, ela não podia ignorar o que estava sentindo de verdade por ele.

- Você acha que isso pode ser a solução? – Ele perguntou.

- Não sei – ela respondeu. Mas parecia ser algo. Algo como uma catapulta, na verdade, mas ela não queria admitir.

- Se for, vou te obrigar a sair comigo para tomar uma.

- Tudo bem. Está marcado.

O sorriso dele a atingiu de uma maneira que a deixou desconfortável. Foi quase suficiente para que ela esquecesse toda a animação pelo caso por conta de um outro sentimento que, possivelmente, traria problemas a ela logo, logo.


***


Como já eram mais de sete da noite, Chloe e Moulton levaram algum tempo para conseguir conversar com a patologista que fora responsável pela autópsia em Kim Wielding. Ela parecia cansada, além de um pouco tímida e irritada. Depois de Chloe ter explicado o motivo da visita, a patologista—Dra. Nancy Moreno, de acordo com a recepcionista que havia os recebido—suspirou profundamente e olhou para Chloe e Moulton como se eles fossem estúpidos. Ela estava a alguns metros deles, enquanto eles estavam sentados nas cadeiras da recepção. Apenas por sua postura, Chloe teve certeza de que Moreno não os convidaria para entra em sua sala.

- A autópsia foi bem direto ao ponto – Moreno disse. – Geralmente é assim quando a causa da morte é tão óbvia. Se um homem leva um tiro no rosto, nós não perdemos muito tempo, por exemplo, analisando a saúde do intestino dele no momento da morte.

- Sim, mas nós não estamos procurando algo a mais que pode ter levado à morte dela – Chloe disse. – Nós queremos saber se ela estava grávida no momento da morte. É possível saber disso nesse ponto?

- É.

- Isso não é algo que sempre é analisado em autópsias de mulheres em idade fértil? – Moulton perguntou.

- Não – Moreno disse. – A não ser que exista uma razão para tal—talvez se o sangramento mostrou algum sinal de sintomas de gravidez ou algo assim.

- Em quanto tempo você consegue checar isso para nós? – Chloe perguntou.

Mais uma vez, Moreno pareceu irritada.

- Você diz que isso pode solucionar um caso de homicídio?

- Pode nos levar a isso, sim – Chloe disse.

- Me dê duas horas. Mas saibam que se ela estava grávida, mas a concepção aconteceu há menos de três semanas, pode não ser possível perceber imediatamente.

- Se ela estava suspeitando o suficiente para comprar um teste de gravidez, acho que já eram mais de três semanas – Chloe disse.

Moreno apenas balançou a cabeça, sem convidá-los para entrar.

- Vou avisá-los assim que tiver os resultados.

E então, Moreno virou e voltou por onde tinha vindo, passando por uma porta nos fundos da recepção. Chloe e Moulton olharam-se quando as portas se fecharam.

- Você já tinha lidado com uma patologista antes? – Moulton perguntou.

- Não. Espero que não sejam todos que tenham essa disposição.

- Então... eu queria não ter começado a beber. Ter que esperar duas horas, me faz querer voltar lá e beber mais—pelo menos para passar o tempo.

- Talvez seja melhor nós trabalharmos em uma lista de potenciais pais – ela disse, com um sorriso provocador. – Minha aposta é em Bill Carver.

- Mike Dillinger não?

- Provavelmente não. Lembre-se, eu encontrei cocaína no carro dela. Não acho que ela misturaria negócios com prazer. Claro... quem vai saber? Eu cometi o erro de achar que ela era muito certinha para se misturar com pessoas como Dillinger.

- Bom, o bom é que se for Dillinger, ele está preso e teremos fácil acesso.

- E se ela estava grávida, isso não necessariamente vai querer dizer muita coisa – Chloe disse, ainda que esperasse o contrário. – Se ela vivia uma vida promíscua, como parece que era, tem muitos fatores que podem ser importantes...

O comentário pareceu fazer os dois pensarem profundamente. Chloe odiava ter que ficar ali sentada, esperando por Moreno voltar com os resultados, mas sabia que não havia mais o que fazer. Não até que eles tivessem uma resposta definitiva da legista.

Seu pensamentos foram vagarosamente do caso de Kim Wielding para os arquivos que ela havia retirado dos registros mais cedo, naquele dia. Ela tentou imaginar a garotinha ingênua que era quando aquele relatórios havia sido criados—quando seu pai fora sentenciado a muitos anos de prisão por algo que, no fim das contas, ele não havia feito. A prisão de seu pai fora o que a fizeram começar a sonhar em entrar para a polícia. Mas agora, aquele parecia um sonho distante, abandonado, cada vez mais longe.

“Duvido que ela tenha falado tudo. Se ela tivesse contado o lado dela todo, teria me livrado completamente.”

Aquele comentário sobre Ruthanne Carwile pairava sobre sua mente. Era uma das coisas que seu pai havia dito quando ela o visitara, dias antes. Aquilo a fazia pensar—assim como no caso de Kim Wielding—que outras partes da história de seu pai não haviam sido reveladas. Quais cadáveres não haviam sido retirados do guarda-roupas?

- Fine?

Ela voltou à realidade quando ouviu seu nome. Era Moulton, ainda sentado a seu lado.

- Sim? – Ela perguntou.

- Você pareceu tonta por um minuto. Você está bem?

- Sim. Minha mente estava viajando. Esse caso me faz pensar em outra coisa. Outro caso...

- Sobre o seu pai? – Ele perguntou.

Chloe não pode esconder seu olhar de surpresa. Moulton balançou a cabeça.

- Desculpe. Mas... bem, eu soube sobre como você ajudou a prender uma mulher meses atrás—uma mulher que fez parte do caso do seu pai.

- Você sabe sobre o caso do meu pai?

- Apenas o básico – ele disse, timidamente. – Só ouvi algumas coisas. Mais sobre como você continuou procurando e conseguiu provar que os crimes pelos quais seu pai foi condenado não foram cometidos sozinhos. Impressionante, se você quer saber minha opinião.

As palavras mas eu não quero estavam em sua boca, mas Chloe as segurou. Ele estava tentando elogiá-la. A última coisa que ele merecia era uma atitude assim só porque ela não conseguia deixar o passado e seu pai para trás.

- Foi preciso para que eu seguisse em frente, eu acho – ela disse, surpresa com sua própria sinceridade. – Mas eu ainda não consegui seguir totalmente.

- É... dramas familiares podem ser assim. Não tenho nada extremo assim, mas tenho minhas histórias também.

Antes que Chloe pudesse responder, as portas se abriram nos fundos da recepção. Certa de que não haviam se passado duas horas, Chloe olhou seu relógio. Fazia apenas uma hora e quinze minutos que eles haviam chegado e conversado com Moreno. Ou ela estava com pressa para entregar os resultados, ou eles estavam mais claros do que ela suspeitara.

- Vocês estavam certos – Moreno disse. – Ela estava grávida. Ao que parece, de oito a dez semanas.

- Você pode conseguir uma amostra de sangue do embrião para um teste de DNA? – Chloe perguntou.

- Já retirei uma amostra. Teremos o resultado em cerca de doze horas. Mas... Imagino que você saiba que um teste de DNA não serve muito a não ser que você tenha uma amostra do DNA do pai para comparar.

- Sim, eu sei – Chloe disse. Mesmo assim, ela tinha certeza de que qualquer recusa a fazer o teste—principalmente de Bill Carver—basicamente indicaria culpa. O mesmo servia para Mike Dillinger.

- Obrigado por nos entender e nos atender prontamente – Moulton disse.

Moreno assentiu e respondeu:

- Espero que isso ajude.

Chloe e Moulton saíram, agora para o estacionamento já escuro.

- Você acha que isso vai fazer alguma diferença? – Moulton perguntou.

- Acho. Se o pai sabia que ela estava grávida, e estava com muito medo disso... pode ser um motivo. Especialmente em uma vizinhança onde as pessoas fazem quase tudo para manter segredos.


CAPÍTULO VINTE E UM

 

O Diretor Johnson já havia ido para casa, então o Diretor Assistente Garcia atendeu à ligação de Chloe. Ele pareceu muito amigável ao atender, uma característica dele com a qual Chloe já estava se acostumando. No entanto, quando ela contou a ele sobre as descobertas das últimas horas, ele não pareceu ficar muito feliz.

- Fine... você não pode sair por aí pedindo testes de DNA sem a aprovação de alguém. No caso eu ou o Diretor Johnson. Mais do que isso... Meu Deus... Agente Fine, você pode vir no primeiro horário pela manhã? Vamos nos encontrar na sala do Diretor Johnson. Traga o Agente Moulton com você.

- Acho que eu não entendi – ela disse. Ela estava ao telefone, ainda no estacionamento dos legistas, com Moulton no banco do passageiro. – Se eu fiz algo que não poderia...

- Apenas esteja aqui amanhã cedo. Sala do Diretor Johnson. Às oito.

Garcia encerrou a chamada, deixando Chloe olhando para seu telefone. Ela olhou para Moulton com uma expressão de preocupação e descrença.

- O que você fez que não poderia? – Moulton perguntou.

- Nem sei direito. O teste de DNA, eu acho. Ou talvez vir até aqui sem pedir permissão?

- Não me parece certo.

- Bom, seja o que for, Garcia pediu que você também esteja lá às oito da manhã, comigo, na sala do Diretor Johnson.

- Me colocando na fria com você. Saquei. Caramba, Fine, vai ser meu fim.

Ele estava fazendo o possível para amenizar a situação, mas Chloe pedia ver os nervos em seu sorriso. E mesmo tendo sido uma brincadeira, Chloe imaginou o quanto aquilo poderia ser verdade.

Ela teria feito algo que pudesse arriscar não só sua carreira, mas também a do Agente Moulton?


***


Quando acordou às seis na manhã seguinte, Chloe olhou seu e-mail imediatamente. Com os olhos embaralhados, ela encontrou um e-mail do escritório legista, diretamente de Nancy Moreno. O e-mail era curto e direto ao ponto: Amostra de DNA retirada do embrião de Wielding. Resultados prontos para quando as amostras do pai estiverem disponíveis para comparação.

Dada a reação de Garcia no Telefone na noite anterior, Chloe não estava certa de que deveria se animar com a notícia—e nem de que deveria repassá-la.

Ela fez seu ritual da manhã, surpresa por estar tão calma. Deu-se conta de que a reunião poderia tomar dois caminhos: ela seria muito repreendida, ou demitida. Na verdade, ela não esperava ser demitida. Em sua mente, ela sabia que só estava trabalhando no PaCV porque o Diretor Johnson havia visto algo nela que o fizera mudar sua meta original na Equipe de Evidências. Ela percebeu que o pior que ele poderia fazer seria admitir seu erro e colocá-la novamente nas Evidências.

Claro, não era bom especular. Chloe estava começando a aprender isso com as mudanças em sua carreira. Então ela permaneceu o mais calma possível ao dirigir para o trabalho, imaginando como sua vida poderia estar diferente—e a de Moulton também—em pouco mais de uma hora.

Quando Chloe chegou ao escritório de Johnson, a porta estava aberta. Ela não sabia dizer porque, mas achava que aquele era um bom sinal. Aparentemente, ele não havia acordado com muita raiva. Quando Chloe entrou, viu Garcia e Johnson sentados em lados opostos da pequena mesa de reuniões nos fundos da sala. Havia alguns papeis em uma pasta em frente a Johnson.

- Obrigado por vir, Agente Fine – Johnson disse. Ela não pode perceber, pelo tom de voz, qual era o humor dele.

Assim que Chloe sentou, Moulton chegou à sala. Ele parecia um pouco tenso quando sentou-se ao lado dela.

- Vou ser o mais curto possível – Johnson disse. – Agente Fine, eu sei que você teve progressos no caso Kim Wielding ontem à noite, visitando os legistas. Por favor, você pode explicar a lógica por trás disso?

- Sim, senhor. Uma das poucas pistas que nós conseguimos foi que uma das testemunhas teve uma conversa com a Senhorita Wielding recentemente, e ela disse que estava indo ao banheiro com muita frequência. Isso nos levou a pensar que ela poderia ter uma infecção urinária. E já que essa doença geralmente é pega através do sexo, nós imaginamos que valeria a pena investigar sobre outros parceiros sexuais, além dos que nós já conhecemos—Bill Carver e Mike Dillinger. Então eu fiz uma solicitação ontem para encontrarmos quaisquer consultas que Kim Wielding pudesse ter feito nas semanas antes da morte dela, pensando que talvez ela pudesse ter mencionado esse parceiro sexual para o médico. Quando eu encontrei o carro de Kim Wielding, eu achei um recibo de uma farmácia, que mostrava que Kim havia comprado um teste de gravidez antes de morrer. Isso me levou à conclusão óbvia de que ela poderia muito bem estar grávida quando morreu. E se ela estivesse, isso poderia ser potencialmente um motivo, se o pai soubesse e quisesse manter o segredo.

Johnson e Garcia compartilharam um olhar que Chloe não soube decifrar. Depois de alguns segundos, Garcia falou.

- A patologista entrou em contato ontem à noite... Não para te dedurar, mas só para ficarmos sabendo. Fine... para qualquer coisa relacionada a exames em um corpo que já tenha sido levado aos legistas, você precisa da autorização do Diretor Johnson ou da minha. Você não pode sair por aí com qualquer pista que você ache que valha a pena. A Dra. Moreno deveria saber que não poderia ter feito o exame. Nós dissemos a ela quando ela ligou.

- Estou confuso – Moulton disse. – Se ela não sabia que precisava da sua autorização para isso, por que ela telefonou?

- Ela percebeu seu erro. E quando ela viu que Wielding estava mesmo grávida, ela admitiu que a raiva tomou conta dela, então foi em frente e fez todos os testes.

- Também há o fato de que mesmo sabendo que ela estava grávida – Johnson disse – não tem como saber quem era o pai. A não ser que algum suspeito faça um teste de sangue.

- Sim, senhor. Mas o que eu pensei é que qualquer homem que recuse-se a fazer o teste pode estar indicando culpa.

- É uma suposição bastante abrangente. – Johnson disse. – Me diga... agora que você sabe que ela estava grávida, qual é o seu próximo passo?

- Eu gostaria de falar com Sandra Carver – ela disse, no mesmo momento em que teve a ideia. – Não posso deixar de imaginar que ela pode ter algo para dizer sobre sua ex-babá agora, sabendo que seu marido dormia com ela às vezes. Faz sentido pensar que uma mulher que trabalhava de babá e dormia com o pai das crianças e com um cara do tipo de Mike Dillinger tinha outros segredos também.

- Me parece um bom jeito de começar – Garcia disse.

Johnson concordou e então olhou para Moulton.

- Agente Moulton, você concorda com esse caminho?

- Sim, senhor. Não tivemos muitas pistas até agora. Não podemos escolher muito.

Johnson concordou novamente.

- Agente Moulton, obrigado. Por favor, espere lá fora por um momento.

Parecendo confuso, Moulton levantou-se e saiu do escritório de Johnson. Ele fechou a porta ao sair. Foi o primeiro momento em que Chloe sentiu-se desconfortável ou assustada com a reunião.

- Agente Fine – Johnson disse, - parece que você não está cumprindo alguns protocolos.

- Desculpe pelo episódio do legista – ela disse. – Isso não vai—

- Isso já passou. Foi um passo que precisava ser dado e eu estou disposto a deixar isso para trás se você seguir o protocolo daqui para frente. Mas agora eu estou falando dos arquivos que você retirou e tratou como se fossem seus.

Chloe sentiu um calor vindo de dentro. Esqueci de devolver os arquivos, ela pensou, assustada. Por isso eu estava com aquela sensação de esquecimento ontem.

- Meu Deus – ela disse, sem precisar fingir o tom de dramaticidade em sua voz. – Eu esqueci. Eles estão aqui comigo, junto com meu computador. Eu não queria—

Johnson ignorou o comentário, inclinando-se para frente em sua cadeira.

- Agente Fine, é claro que você está autorizada a utilizar qualquer registro dos nossos arquivos, se for para um caso pertinente. Pelo que eu vi, os arquivos que você pegou ontem eram do caso do seu pai. Um caso que já está fechado há tempos, mesmo com as descobertas recentes que você e sua irmã tiveram.

Antes que Garcia também falasse, um único pensamento passou pela mente de Chloe.

Como eles descobriram? Eles não só sabem que eu esqueci de devolver os arquivos, como também sabem que eram os arquivos do meu pai.

Antes que ela tivesse tempo para especular, Garcia disse:

- Nós só queremos ter certeza de que está tudo bem com sua cabeça. Nós sabemos que o caso do seu pai lhe envolve muito—especialmente desde que você descobriu aquelas novas informações há alguns meses. Mas se isso for algo que lhe perturba muito, nós não podemos colocar você para trabalhar em casos novos na rua.

- Eu sei. E sinto muito. Mas cometi o erro de visitar ele dia desses e—

- Com todo respeito, eu não quero saber de nada disso – Johnson disse. – Eu só preciso ter certeza de que você não vai usar seu tempo como agente tentando caçar fantasmas do seu passado.

Chloe sentiu ao ouvir aquilo, mas sabia que era verdade. Sendo sincera consigo mesma, ela deu-se conta de que não tinha percebido o que estava fazendo.

- Uma última coisa – Johnson disse. – Vou te dar mais 48 horas para resolver o caso Kim Wielding. Se não houver suspeitos até lá, vamos retirar o FBI disso, mesmo com o favor que Jacob Ketterman pediu.

O olhar de insatisfação no rosto dele ao dizer aquilo fez Chloe sentir-se um pouco melhor. Ela assentiu e abriu a bolsa de seu notebook. Retirou o arquivo do caso de seu pai e colocou-o na mesa do Diretor Johnson.

- Eu sinto muito por isso – ela disse. – E sobre a solicitação para visitar o legista e pedir os testes... Não sei. Eu sinceramente nem pensei nisso.

- Talvez porque você estava muito preocupada com seu pai?

- Não – ela disse, talvez muito rapidamente. Garcia pareceu não gostar.

Johnson suspirou e levantou-se.

- Vou confiar em você dessa vez – ele disse. – Então não me decepcione. É isso, Agente Fine. Pode ir.

Chloe saiu rapidamente, sem querer dar a Garcia e Johnson mais tempo para que eles lembrassem de algo mais que ela estivesse fazendo errado. Ela fechou a porta e olhou para Moulton, que ainda estava sentado na cadeira na pequena sala de espera fora do escritório.

- Fomos demitidos? – Ele perguntou.

- Não. Mas temos dois dias para resolver o caso Wielding, ou eles vão tirar o FBI dessa.

- Acho que sua ideia de conversar com Sandra Carver é boa. Acho que ela pode achar muito cedo—sabe, depois de descobrir a traição do marido—mas não vejo outra possibilidade. Só tente não me colocar em mais roubadas.

- Não prometo nada – Chloe disse com um sorriso tímido.

A tentativa de brincadeira e o sorriso pareceram falsos. Porque agora, correndo contra o tempo, aquele caso parecia mais complicado e impossível do que nunca.


CAPÍTULO VINTE E DOIS

 

Chloe e Moulton seguiram para Alexandria, em direção ao endereço da irmã de Sandra Carver, informado por Bill. Ele não pareceu muito feliz com o fato de que os agentes visitariam sua mulher sem ele ao lado, mas Chloe não estava se importando com o que ele achava. Na verdade, ela já estava cansada das pessoas e de seus segredos.

Eles chegaram à casa da irmã às 9:10. Era uma casa bonita, que devia valer perto de um milhão de dólares, a julgar pelo bairro. No caminho até a entrada, Chloe não pode deixar de imaginar se aquela vizinhança também guardava segredos e escândalos, assim como o bairro dos Carver.

Ela bateu na porta e foi respondida com silêncio. Ela sabia que o trabalho de Sandra Carver como coordenadora de propostas para uma empresa de telecomunicação militar a permitia trabalhar de casa. As únicas vezes que ela precisava ir aos escritórios em Washington eram em reuniões em que a empresa apresentava potenciais compradores. Chloe também sabia que, de acordo com a programação de Sandra, ela não teria nenhuma reunião assim nas próximas duas semanas. Por isso, ela não teria outro lugar para estar. O que era bom, já que sua vida estava totalmente bagunçada.

Chloe quase bateu na porta novamente após vinte segundos de silêncio. Mas a porta finalmente foi aberta. Abriu-se apenas um pouco e apenas um olho cansado apareceu.

- Seus babacas, vocês ainda não fizeram o suficiente? – Sandra Carver perguntou por trás da porta quase fechada.

Chloe conseguiu deixar o comentário passar em branco. Ela decidiu não dizer nada sobre o fato de que nem ela nem Moulton tinham culpa da infidelidade do marido de Sandra.

- Perdão por incomodar novamente – Moulton disse, aparentemente percebendo a irritação de Chloe. – Mas temos novidades e, sendo totalmente sinceros, pensamos que você poderia ser a fonte mais honesta de informações.

Sandra pensou por um segundo antes de sair pela porta.

- Aqui não é minha casa, então não vou convidar vocês para entrar. De que novidades vocês estão falando?

- Descobrimos ontem pelos legistas que Kim estava grávida quando foi morta. De um pouco mais de dois meses.

- Não era do Bill – ela respondeu rapidamente. – E a propósito, ele está muito mal e me contou tudo o que aconteceu entre eles.

- E você acreditou nele, simples assim? – Moulton perguntou.

- Sim. Além disso, ele fez vasectomia três anos atrás.

- Isso com certeza faz sentido – Chloe disse, um pouco decepcionada com a facilidade com a qual uma possibilidade fora embora. – Mas quero que você, por favor, pense bem em qualquer outro homem que você ache que Kim possa ter se envolvido. Mesmo se for só uma ideia ou fofoca. Estamos descobrindo aos poucos que sua vizinhança não é das mais honestas.

- Eu estive pensando nisso mesmo – ela disse. – Ainda acho difícil acreditar em como ela parecia tão perfeitinha e inocente enquanto fodia com meu marido e se envolvia com gente do tipo de Dillinger. E eu não consegui pensar em cada. A única coisa que eu consegui pensar é no homem que a indicou para nós como babá.

- Eles tinham algo?

- Só profissionalmente, eu acho. Mas sempre que eu falava do nome dele perto de Kim, ela parecia ficar desconfortável. Eu sempre pensei que fosse porque ela não gostava de elogios e coisas assim. Mas agora... é, eu acho que posso começar a especular coisas sobre eles.

- Quem era esse homem e como ele acabou indicando ela para vocês?

- O nome dele é Gerald Denning. Ela trabalhava para ele como babá em Washington.

- Denning mora no seu bairro agora?

- Não. Ele mora em Vista Acres, cerca de quinze quilômetros mais perto da capital.

- Você sabe no que ele trabalha? – Moulton perguntou. – Esse nome me parece familiar.

- Não sei o que ele está fazendo agora, mas ele trabalhava no Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Ele foi demitido há dois anos.

- Você sabe por quê? – Chloe perguntou.

- Não. Mas sabe, mesmo se os dois não tinham nada, acho que ele seria alguém interessante para fazer perguntas. Pelo que eu sei, ele conhecia ela muito bem em Washington antes dela desistir da carreira dos sonhos.

- Obrigada, Senhora Carver.

- Por nada. – Ela caminhou de volta para a porta, indicando que a conversa havia acabado. – Vocês conversaram com meu marido? – Ela perguntou.

- Rapidamente, ontem – Chloe disse.

- Como eu disse... a vasectomia tira ele do baralho. Mesmo assim, eu consideraria um favor se vocês fossem até lá e perguntassem a ele sobre isso. Ele vai ficar morrendo de medo.

Nenhum dos dois disse nada sobre aquilo quando Sandra abriu a porta e voltou para a casa da irmã. Ela não voltou a olhar para eles e fechou a porta.

- Não vou mentir – Moulton disse no caminho para o carro. – Assustar Bill Carver com essa história parece divertido. Mas acho que uma simples ligação para Garcia vai nos dar as informações que precisamos sobre Gerald Denning.

- Eu pensei a mesma coisa. E se ele tiver informações sobre a mulher que Kim era no passado, talvez nós consigamos encontrar respostas antes do fim do nosso prazo.

- Você ainda acha que ela tinha um lado obscuro?

- Exemplo A: envolvimento com Mike Dillinger. Exemplo B: uma mulher com uma carreira promissora em Washington larga tudo para ser uma babá que ganha muito bem.

- Que bom que você disso isso. Andei pensando a mesma coisa, mas não é papel de um homem questionar as decisões profissionais de uma mulher. Decisões políticas, e tal...

- Vou ligar para o Garcia – Chloe disse.

- Vou escutar, e espero que você não se meta em mais problemas.

Ela franziu a testa de um jeito brincalhão e pegou seu telefone. Ao fazer a ligação, percebeu que Moulton estava claramente flertando com ela pela primeira vez. O momento era horrível, mas pareceu mostrar a tônica do dia: se houvesse progresso no caso, haveria também progresso em saber se, no futuro, valeria a pena investir em um relacionamento com Moulton.

Prioridades, Chloe disse a si mesma quando o telefone começou a tocar. Mas até que Garcia atendesse, ela e Moulton trocaram olhares, pensando em algo que, quem sabe, poderia acontecer em breve entre os dois.


***


Chloe pode sentir na voz de Garcia que ele não estava feliz em dar informações sobre um homem que já havia trabalhado para o governo federal. Mas a história de Gerald Denning era, aparentemente, bem conhecida no FBI, mas mantida em segredo—quase como uma piada interna.

Gerald Denning fora demitido de seu cargo no Departamento de Saúde e Serviços Humanos pouco mais de dois anos antes. Ele tinha cinquenta anos quando fora demitido, e servira o governo desde os vinte e nove. Até sua demissão, Denning criara uma reputação muito modesta, vivendo de um jeito respeitável sem precisar se tornar uma figura pública.

Em seus últimos cinco anos no Departamento de Saúde e Serviços Humanos, Gerald Denning havia servido como segundo responsável pelo Departamento de Reforma na Saúde. Isso acabara em um escândalo que ganhou algumas manchetes, mas não se tornou tão conhecido. Sua esposa começou a ter vários ataques de pânico—tão fortes que ela precisou ser internada. Logo depois disso, ela tentou se suicidar e passou algumas semanas em clínicas psiquiátricas. Durante esse tempo, Denning foi filmado por uma fonte anônima contratando uma prostituta, parando o carro com ela em um beco a três quadras de sua casa, e aparentemente recebendo sexo oral (esses detalhes estavam escondidos por uma filmagem granulada e pela porta do carro fechada).

As imagens tornaram-se públicas e, mesmo esse tendo sido o assunto de Washington por um ou dois dias, a mídia decidiu não ir a fundo em respeito à esposa doente. Denning, obviamente, foi demitido de seu cargo e desde então estava vivendo sem alardes com sua esposa em uma cidade de Maryland, não tão longe de Washington.

Chloe e Moulton receberam todas essas informações de Garcia pelo telefone. Era estranho, mas também revelador ao mesmo tempo.

- Posso perguntar de onde apareceu o nome de Denning?

- Parece que Kim Wielding trabalhou de babá para ele quando morava na capital. Alguma chance de descobrirmos quando ela foi contratada por ele?

- Vai ser mais fácil para você, eu acho. Gerald Denning não ficaria feliz em atender uma ligação do FBI. Mas escute... te peço para manter a discrição. E se ele dificultar muito as coisas para você, deixe para lá. Se for algo que precise de mandados para investigação, vamos precisar da ajuda de alguém mais alto nessa hierarquia.

- Alguma chance de Denning ser quem pediu a Jacob Ketterman para envolver o FBI na investigação da morte dela?

- Difícil. Denning fez de tudo para se manter bem longe de qualquer pessoa do governo federal. Por isso eu não gosto muito da ideia de ir atrás dele.

- Mas você nos permite? – Chloe perguntou.

Houve um momento de hesitação na ligação antes que Garcia dissesse:

- Vou enviar o endereço para você em até quinze minutos.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

 

Vista Acres parecia o tipo de bairro que geralmente ficava perto de hospitais, com casas caras ocupadas por médicos e cirurgiões. Chloe imaginou que havia várias vizinhanças como aquela no sul de Maryland e no norte de Virginia, com pessoas que já haviam trabalhado em Washington e viviam muito bem. As casas eram lindas, e a paisagem chegava a ser ridícula em alguns casos.

Vista Acres ficava a dez minutos de carro de Beltway e a cerca de quinze minutos da casa dos Carver. Era quase como uma vila escondida para pessoas que haviam se aventurado em carreiras em Washington, mas não foram capazes de continuar.

Chloe e Moulton estacionaram em frente à casa, na calçada, mesmo com a garagem tendo vaga para pelo menos oito carros. Moulton tomou a iniciativa, algo que Chloe entendeu como um gesto cavalheiro. Os dois sabiam que Gerald Denning poderia se irritar, e Moulton não queria deixar que Chloe passasse por uma situação assim.

Ele bateu na porta e os dois olharam em volta da varanda. Era decorada de um jeito estranho, que Chloe pensou ser uma mistura de grego tradicional e moderno. Ela imaginou que só a entrada da casa valia mais do que seis meses de aluguel de seu apartamento.

A porta foi aberta por um homem alto e magro. O cabelo dele era quase todo grisalho, mas bem cuidado. Se pintasse o cabelo, Gerald Denning poderia passar por um homem de trinta e tantos anos, ao invés de seus verdadeiros cinquenta e poucos.

- Posso ajudar? – Denning perguntou, claramente irritado. Chloe imaginou que aquele não era o tipo de bairro onde as pessoas recebiam visitas inesperadas comumente.

Moulton mostrou seu distintivo, e Chloe fez o mesmo.

- Agentes Moulton e Fine – Moulton disse. – Estamos aqui para—

- É, acho que não vai dar –Denning disse, fechando a porta.

Moulton deu um passo a frente, bloqueando a porta com seu pé. – Não estamos nem aí para os seus escândalos – ele disse. – Estamos trabalhando em um caso de assassinato e achamos que você pode nos ajudar a encontrar o assassino.

Um olhar confuso tomou conta do rosto de Denning—um olhar que rapidamente pareceu surpreso.

- Assassinato? Quem foi morto?

- Uma mulher que já trabalhou para você – Chloe disse. – Kim Wielding.

A confusão no olhar se transformou em choque. Denning deu um passo atrás e então olhou em volta, como se precisasse de uma cadeira para se jogar.

Ele não os convidou para entrar, mas Moulton aproveitou-se da situação e entrou, devagar. Chloe o seguiu, deixando a porta aberta para que Denning não se sentisse preso.

- Quando isso aconteceu? – Denning perguntou.

- Cinco dias atrás – Chloe disse. – Ela foi morta na casa dos Carver. Sandra Carver me disse que você a recomendou para o trabalho.

Denning já havia aceitado o fato de que os agentes estavam dentro de sua casa e ficariam por um tempo. Ele caminhou pelo hall de entrada vagarosamente com um olhar confuso, e então sentou-se em uma pequena poltrona de leitura.

- Sim, eu indiquei. Kim trabalhou de babá para mim e para minha esposa por quase dois anos quando nós ainda morávamos em Washington.

- Como era a relação de vocês? – Chloe perguntou, olhando-o cuidadosamente, procurando por qualquer sinal.

- Boa. Ela era ótima com as crianças e se tornou quase família para mim e para Cecily.

- Cecily é sua esposa?

- Sim.

- Ela também está aqui? – Moulton perguntou.

- Estou – uma voz disse atrás deles. Eles viraram-se e viram uma mulher entrando na sala. Ela parecia doente, mas ainda assim era muito bonita. – Gerald, quem são essas pessoas?

- Agentes do FBI – ele disse. – Eles... eles me deram uma notícia terrível. Kim Wielding foi assassinada alguns dias atrás.

Cecily Denning pareceu levar alguns momentos para processar a informação. De repente, um olhar assustado tomou conta de seu rosto e ela balançou a cabeça.

- Meu Deus. Vocês sabem quem fez isso?

- Não – Moulton disse. – Ainda não. Viemos aqui para—

- Agentes – Denning disse, levantando-se e pegando na mão de sua mulher. – Por favor, me deem um momento.

Sem esperar uma resposta, ele levou sua mulher para o corredor. Chloe pode escutar os passos vagarosamente até que Denning começou a falar com a esposa. Enquanto esperavam, Chloe e Moulton olharam pela sala. Uma estante de livros estava cheia de títulos, em sua maioria biografias e livros com leis federais. Todos os móveis pareciam muito chiques, como se um vento forte pudesse derrubar tudo.

Denning voltou para a sala três minutos depois. Ele parecia estressado e cansado ao sentar-se novamente.

- Perdão – ele disse. – Se vocês sabem das idiotices que eu fiz no passado, vocês também sabem sobre os problemas de Cecily e o tempo que ela passou internada. Quando nós recebemos notícias assim, temos que ter muito cuidado. O irmão dela morreu ano passado e eu juro que achei que ela iria tentar se matar de novo...

- Tudo bem – Chloe disse. – E também por conta da condição dela, vamos tentar fazer isso do jeito mais rápido possível.

- Ok... mas... você disse que ela foi morta na casa dos Carver?

- Sim. E já que estamos falando sobre isso, você se importaria em me dizer como você e Sandra Carver se conheceram?

- Ela veio ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos algumas vezes durante muitos meses quando trabalhava em um fundo de propostas. Eu trabalhei muito próximo dela por um tempo.

- E como você conheceu Kim Wielding? – Moulton perguntou.

- Foi provavelmente há uns dez ou doze anos. Ela estava tentando ajudar na campanha de um jovem que queria ser deputado. Deus perdoe minha memória ruim, mas eu não consigo me lembrar nem do nome desse homem.

- Você sabe porque ela parou de trabalhar em Washington? – Moulton perguntou.

- Acho que ela cansou do ambiente tóxico e cheio de traições pelas costas. Algumas pessoas... são muito legais para Washington. Acho que Kim Wielding era uma dessas.

- Você chegou a vê-la depois que ela parou de trabalhar para você?

- Sim, claro. Almoçamos juntos algumas vezes. Quando a Cecily ficou muito mal, Kim vinha até aqui para conversar com ela, sabe? Ela ajudou muito.

- Então vocês continuaram amigos por um tempo? – Moulton perguntou.

- Isso mesmo.

Chloe percebeu uma mudança na expressão, como se Denning pudesse estar ficando desconfortável com o rumo da conversa.

- Quando foi a última vez que você a viu, Senhor Denning? – Chloe perguntou.

- Ah, não sei. Talvez quatro meses atrás. Ela veio visitar. Ficou para o almoço, pelo que eu lembro.

Moulton inclinou-se para frente em sua cadeira e baixou o tom de voz.

- Perdão por perguntas, Senhor Denning. Mas você e Kim Wielding chegaram a se envolver romanticamente?

Denning sorriu levemente e seus olhos começaram a chorar de verdade.

- Cecily não sabe, mas nós saímos para jantar algumas vezes, e eu admito que quis que algo a mais tivesse acontecido. Mas era claro que não havia conexão nenhuma. Eu era treze anos mais velho que ela, e mesmo sabendo que às vezes ela brincava dizendo que gostava de caras mais velhos, acho que eu não era para ela.

- Então você não teve nenhum encontro sexual com ela? – Chloe perguntou.

- Não – Denning respondeu rapidamente. Foi quase como um latido de defesa de um cachorro.

- Você pode dizer isso com a certeza de quem teria como provar? – Moulton perguntou.

- O que você quer dizer com isso? – Denning perguntou.

- Kim Wielding estava grávida há um pouco mais de meses quando foi assassinada – Chloe disse. – Acreditamos que se descobrirmos quem é o pai, isso pode ser um caminho para encontrar a razão do crime.

- Você acha que alguém matou Kim Wielding porque ela estava grávida?

- Acho que se alguém quisesse guardar um segredo tanto assim, faria qualquer coisa – Chloe disse.

- Você estaria disposto a fazer um teste de DNA para assegurar que você e Kim Wielding não trocaram intimidades num passado recente?

Chloe pode praticamente ver a mente de Denning girando. Ela estava certa de que ele já havia mentido sobre algo e, agora, estava fazendo o possível para não cair em contradição.

- É claro que não. Essa acusação é totalmente ridícula.

- Uma última chance – Moulton disse. – Olhe só. Você não tem uma reputação muito boa em Washington. Se eu perguntar por aí, vou conseguir as informações que estou querendo. Então, sua última chance... fale a verdade, você e Kim Wielding fizeram sexo?

A expressão de Denning foi o suficiente. E quando ele falou, sua voz tremia de raiva. Ele chegou muito perto dos agentes, quase caindo da cadeira, para poder falar muito baixo, demonstrando raiva em cada palavra.

- Esse ano, há alguns meses, quando ela já estava trabalhando para os Carver por um ano ou mais, ela veio me visitar. Cecily estava em Baltimore, em uma consulta. Ela veio porque estava com medo de um cara com quem estava saindo, um merdinha que estava ameaçando ela. Não sei se vocês sabem disso... mas Kim usava drogas às vezes. Acho que ela parou com isso—era cocaína, eu acho—mas não conseguiu se afastar desse cara. Ela veio pedindo conselhos, ou qualquer ajuda para conseguir um mandado que deixasse ele longe. Ela estava muito emotiva e uma coisa levou à outra.

- Então você dormiu com ela? – Chloe perguntou.

- Sim.

- Só uma vez?

- Não. Nós acabamos nos vendo por vários meses. Mas nada sentimental. Só sexo. Acho que ela saía com outros caras, também. Mas enfim, naquele momento isso nem me importava. Acho que ela estava usando o sexo como um jeito de se afastar das drogas, não sei. – Uma lágrima caiu dos olhos de Denning e ele a enxugou tão rápido que, por um momento, Chloe achou que ele estava dando um tapa de frustração no próprio rosto.

- Senhor Denning? – Chloe perguntou, preocupada.

- Cecily não pode saber – ele disse. – Não faço ideia do que isso pode fazer com ela.

- Tem alguma chance de ela já saber? – Chloe perguntou. – E talvez não falar nada para não piorar as coisas? Talvez ela prefira ficar quieta ao invés de te confrontar.

- Não. Ela me diria.

- Quando foi a última vez que você dormiu com Kim Wielding? – Chloe perguntou.

- Não sei. Quatro meses? Talvez cinco?

As palavras Não acredito em você estavam na ponta da língua, mas Chloe não disse nada. Em sua mente, ela tinha uma ideia. E se ela pressionasse Denning demais, isso tornaria as coisas mais difíceis no futuro.

- Você consegue pensar em alguém mais com quem ela poderia estar dormindo? – Chloe perguntou.

- Não sei. Sempre suspeitei que talvez ela tivesse algo com Bill Carver, mas é claro que eu nunca perguntei.

- Você conhece alguém na vida dela que pode nos ajudar a encontrar o possível assassino? – Chloe perguntou. Mas, na verdade, ela só queria fazer Denning se sentir confortável, enquanto continuava bolando o plano em sua mente.

- Só o homem que ameaçava ela toda hora.

- Nós já investigamos a pessoa de quem você está falando – Chloe disse. – Ele tem álibis fortes. Mas nós vamos visitá-lo e interrogá-lo de novo em breve.

- Obrigado pelo seu tempo – Moulton disse. – E sentimos de verdade por ter que falar sobre isso com sua mulher em casa.

Denning assentiu ao levantar-se. Chloe sentiu-se um pouco mal ao vê-lo enxugar mais uma lágrima. Ele não disse mais nada no caminho até a porta. Quando saíram, Chloe olhou novamente para o grande hall de entrada, onde viu a pequena figura de Cecily Denning.

Uma mulher a beira de crises de nervos a qualquer momento e precisando de um tratamento por isso, Chloe pensou. É impossível que ela nem suspeite de algo entre o marido e uma mulher mais jovem e mais bonita que aparecia do nada.

Mesmo quando já estava entrando no carro e se preparando para contar seu plano a Moulton, Chloe pode sentir a presença de Cecily no hall de entrada. Era quase como se a mulher estivesse tentando segui-la—perturbando-a até que aquele caso fosse resolvido.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO

 

- Você lembra bem do seu exame físico antes de entrar na academia? – Chloe perguntou.

Ela havia dirigido apenas duas quadras e estacionado em frente a uma casa que estava à venda. Era um pouco mais bonita do que a de Denning e ela teve dificuldades até em imaginar quanto aquela casa valia. Chloe e Moulton estavam no carro, vendo vários nuvens acinzentadas no céu.

- Lembro bem sim – Moulton disse. – Fiz até meu primeiro exame de próstata.

- Muita informação. Mas enfim, eles fazem exames de sangue, certo?

- Sim. De você também, não?

- Sim. E faz sentido. Eles tem que checar muitas coisas. Acho que eles fizeram dois ou três testes diferentes com meu sangue.

- Acho que sim – Moulton disse. – Mas por que a pergunta?

- Porque eu estou certa de que qualquer pessoa com um cargo no governo federal tem que fazer algum tipo de teste também. Posso estar errada, mas acho que não.

Moulton sorriu e concordou.

- E você acha que isso significa que, em algum lugar de Washington, existe um relatório médico com informações de Gerald Denning.

- Sim. Na verdade eu não tenho certeza se eles ainda têm o arquivo sobre ele depois do que aconteceu, mas acho que vale a pena tentar.

- Concordo. E eu não vejo a hora de ver você ligando para o Garcia e pedindo essa informação.

- Você viu o rosto de Denning quando pressionou ele. Ele estava escondendo algo.

- Concordo também. Mas brincadeiras à parte... você quer que eu ligue?

- Não. Eu ligo.

- E sobre Bill Carver? Não devíamos verificar essa vasectomia dele? Acho que tem boas chances dele ser o pai também, se Sandra estiver mentindo sobre isso.

- Mesmo assim, isso não o tornaria capaz de estar em dois lugares ao mesmo tempo. Lembre que ele estava fora da cidade quando Kim foi morta. A vários estados de distância, na verdade.

- Você está certa. Então, se Garcia permitir isso e não descobrirmos nada... vamos voltar à estaca zero?

Ele estava certo, mas Chloe não deixou que aquilo a atingisse. Afinal, agora eles sabiam que Kim Wielding tinha um lado mais obscuro do que eles imaginavam. Ela estivera dormindo com pelo menos três homens diferentes nos últimos seis meses, provavelmente ao mesmo tempo.

Antes que Moulton pudesse dizer algo a mais, Chloe pegou seu telefone e ligou para Garcia. Ele atendeu na terceira chamada e parecia esperançoso. Chloe franziu a testa quando percebeu que provavelmente o deixaria irritado novamente. Ela o contou sobre a pista e sobre como ela acreditava que o resultado do DNA feito no embrião no corpo de Kim Wielding poderia bater com o DNA dos registros de Gerald Denning.

- Fine, você está brincando comigo, cacete? – Garcia perguntou.

- Não, senhor. Falando com ele nessa manhã, eu e o Agente Moulton acreditamos que vale a pena investigar. Ele admitiu ter feito sexo com Wielding, de acordo com ele, até quatro meses atrás.

- O Diretor Johnson vai ter que assinar isso. E Fine... se não der certo, pode ser o seu fim. É um campo perigoso. Ninguém gosta muito do Denning, mas isso pode ser visto como alguém tentando ressuscitar uma situação que já morreu.

- Entendo, senhor. Estou disposta a correr o risco.

- Faça como quiser. Vou repassar a solicitação ao Diretor Johnson. Mas não se surpreenda se ele te ligar já, já para te xingar.

Garcia encerrou a ligação, deixando Chloe em silêncio no outro lado da linha.

- O que ele disse? – Moulton perguntou.

- Ele achou a ideia incrível. Eu vou receber uma ligação do Diretor Johnson a qualquer momento para me elogiar pelo plano.

Moulton riu alto e Chloe ligou o carro para sair da frente da bonita casa. No fim da rua, ela olhou na direção da casa de Denning, mas virou na direção contrária, voltando para Washington. Ela esperou pelo telefone tocar, trazendo a voz irritada e mandona do Diretor Johnson.

Mas ele não tocou. E a cada segundo que passava, Chloe achava mais e mais que sua desconfiança poderia estar certa.


***


Chloe não recebeu a ligação de Johnson pelo resto do dia. De volta à sede, ela checou os arquivos para ter certeza de que um teste de DNA havia sido feito também em Mike Dillinger em sua prisão. Ficou feliz ao ver que sim. Apenas para ter certeza, ela enviou os resultados aos legistas para comparação com o DNA do bebê de Kim Wielding—com a permissão de Garcia primeiro, é claro.

Ela sabia muito bem que poderia levar até a manhã seguinte até que ela conseguisse os resultados da comparação do DNA de Denning com o do bebê de Wielding. Mesmo assim, cada minuto que se passava sem que ela recebesse a ligação de Johnson parecia uma pequena vitória.

Quando já não havia muito o que fazer às quatro da tarde, Chloe encerrou o dia e seguiu para casa. Dessa vez, ela pretendia ir direto para seu apartamento, sem desvios. Talvez esvaziar algumas caixas antes de dormir. Não tinha ideia do porquê, mas ter andado por tantos bairros mais ricos nos últimos dias havia a motivado a finalmente arrumar seu próprio lar. Mesmo sem ter ilusões de que poderia um dia morar em uma casa tão bonita quanto a dos Carver (e nem como a da irmã de Sandra ou de Gerald Denning), era bom saber que ela tinha um lugar só para ela—um lugar que, mesmo desorganizado, ela podia chamar de casa.

Chloe pensou em pegar comida japonesa no caminho para casa para jantar, mas quando pegou seu telefone para fazer o pedido, outro pensamento tomou conta de sua mente.

Era a voz de seu pai: Ruthanne te contou tudo?

E com aquele pensamento, tudo mudou. Seu coração bateu forte no peito e, mesmo tentando ignorar aquele sentimento, aquelas palavras não saíram de sua cabeça, nem a imagem de seu pai chorando antes que ela saísse da prisão.

Ela fez o primeiro retorno possível e, então, seguiu para o nordeste, pela rodovia que seguia para a Filadélfia.


CAPÍTULO VINTE E CINCO


O nível de facilidade foi até preocupante. Chloe dirigiu até a Filadélfia, ligando para a prisão de Riverside para solicitar uma visita a um dos presos. Após dar seu nome e o número de seu distintivo, soube que poderia encontrar o detento em até uma hora, mas precisaria ser antes que a prisão fechasse.

E assim, fácil, Chloe havia agendado um encontro com a mulher que matara sua mãe.

Ela chegou à prisão logo depois das seis. Passado o horário comercial, já não havia muita atividade do local. Ela pode fazer o protocolo de entrada e ser escoltada até a área dos visitantes em menos de dez minutos. Foi um processo muito parecido daquele pelo qual ela havia passado na visita a seu pai: uma escolta, um guarda na porta, e então o preso. Mas em Riverside, não havia divisões de vidro e fones velhos. Ela foi levada ao que parecia ter sido algum dia uma pequena sala de reuniões. Quando entrou na sala e o guarda fechou a porta, ela hesitou por um momento.

Ruthanne Carwile estava sentada ali, bem à sua frente. Ela estava em uma pequena mesa, com as mãos cruzadas e os olhos fitando Chloe.

O guarda disse, antes que a porta fechasse:

- Me chame se você precisar de algo.

Chloe apenas assentiu. Quando a porta estava completamente fechada, um inesperado sentimento de raiva tomou conta dela. Ela lembrou-se da última vez em que vira Ruthanne. Fora na sala de interrogatórios e seu primeiro parceiro—o Agente Greene—tivera que segurá-la para que ela não partisse para cima daquela mulher.

- Chloe – Ruthanne disse.

Sua voz arrepiou a espinha de Chloe. Devagar, ela caminhou até a mesa. Ao fazer isso, colocou levemente a mão no bolso de sua jaqueta e sentiu seu telefone, para ter certeza de que ele estava ali.

- Oi, Ruthanne.

Ruthanne olhou, desconfiada.

- Por que você está aqui? Achei que você quisesse ficar o mais longe possível de mim.

- Estou aqui porque percebi que mesmo tendo descoberto o que você fez, eu não sei da história inteira. Meu pai não vai me contar tudo porque ele tem medo de me decepcionar. Irônico, não é? Ele se preocupar com isso agora.

- Eu entendo. Ele sempre foi louco por vocês duas. Nós falávamos sobre fugir juntos—sobre ele deixar sua mãe e nós começarmos uma vida juntos em um lugar diferente. Mas ele nunca iria. Ele sempre se preocupava em deixar vocês duas. Eu posso dizer que ele amava vocês mais do que sua mãe.

Aquela não era uma surpresa, dada a forma com a qual ele tratava sua mãe. Ainda assim, Chloe precisou forçar a mandíbula e os punhos, fazendo o possível para não atravessar a mesa e partir para cima de Ruthanne.

- Você sabe que a sua confissão de assassinato encurtou a pena dele, certo?

- Sim, eu escutei isso no júri.

- Como é trocar de lugar com ele? Saber que você vai passar o resto da vida aqui enquanto ele vai ser solto?

- Ah, eu fiquei com muita raiva no começo. Pensei que era injusto. Mas seu pai fez muito por mim. Percebi que é hora de retribuir, mesmo que isso signifique que não vamos terminar juntos. Ele me amou muito e sacrificou o tempo e a vida dele para que eu não fosse presa.

- E mesmo assim você está aqui – Chloe disse, sem conseguir segurar o sorriso maldoso em seu rosto.

- Chloe, você veio até aqui só para jogar na minha cara que você descobriu a verdade e que agora eu estou presa?

- Não. Eu vim aqui porque eu quero saber a verdade que meu pai não vai me contar.

- Eu não sei se estou confortável com isso. Na última vez em que você me viu você quis me atacar.

- Foi algo estúpido. Eu sou uma agente federal. Se eu tocar um dedo em você, estou demitida. O que você tem a perder? Pelo que eu sei, você pegou mais de vinte anos, certo? Você contou toda a verdade para alguém do tribunal? Juízes, psiquiatras?

- Não. Porque não importaria. Estou aqui, provavelmente vou estar pelo resto da vida. Não faz sentido eu fazer tudo parecer pior do que já está.

- Eu preciso saber. Por mim mesma. Preciso saber o que aconteceu de verdade. Odeio jogar tão baixo, mas considerando que você matou minha mãe, acho que você me deve pelo menos isso.

Ruthanne pareceu pensar por um momento, olhando para suas mãos ainda cruzadas. Ela então começou a falar devagar. Durante toda sua fala, ela não olhou para Chloe nem sequer uma vez. Chloe não sabia se ela queria se concentrar ou se achava impossível olhar para a filha da mulher que ela havia matado.

- Naquela manhã... seu pai e eu tínhamos combinado um encontro no apartamento—na sua casa. Sua mãe estaria fora de casa quase o dia inteiro, trabalhando. Você ia assistir a um filme com uma amiga. Danielle também estava com uma amiga, mas não lembro o que ela estava fazendo. Eu deveria encontrar o seu pai lá à uma da tarde. Só que... eu estava cansada de esconder tudo. Nós fazíamos aquilo sempre e eu queria ele só para mim. Eu não queria mais dividir. Então eu fiz algo audacioso—eu liguei para sua mãe. Eu disse a ela que precisava conversar com ela, e pedi que ela me encontrasse na casa dela meio-dia e meia. Eu fingi estar chorando. Eu ia contar a ela sobre eu e seu pai. E se ela não acreditasse em mim, eu queria que ela estivesse lá quando ele aparecesse, me esperando na cama dele.

Ela fez uma pausa e, nesse momento, Chloe sentiu que estava ficando mais difícil respirar. Ela odiava aquele mulher com todas as suas forças, e escutar aquela história era quase uma tortura.

- Ela apareceu e eu contei a ela. Ela ficou irritada, é claro. Ela acreditou em mim, mas me disse que lutaria pelo casamento, que não ia simplesmente desistir. Eu achei aquilo meio patético. Que mulher que se dá ao respeito ficaria com um homem que está tão sexualmente envolvido com outra mulher—um homem que faz coisas com outra mulher que não faz com sua esposa...

- Meça suas palavras – Chloe disse, rangendo os dentes.

Ruthanne assentiu, ainda sem olhar para cima.

- Eu sabia que o único jeito de escapar daquilo era matando ela. E eu tinha pensado nisso antes, mas nunca tinha dito para o seu pai. Digo, eu mencionei uma vez ou outra, mas ele achou que eu estava brincando—só dizendo coisas para ele sentir que era muito importante para mim, e de fato ele era. Mas eu nunca tinha feito nada assim antes. Eu era incapaz de atirar em alguém. De dar uma facada em alguém. Pensei em veneno, talvez. Pensei nisso por um tempo. Mas naquele momento, quando nós estávamos discutindo, eu vi como ela estava perto das escadas. E eu pensei: Só um empurrão. Um empurrão forte e ela já era. Eu vi que tinha chance dela quebrar o pescoço e morrer. E mesmo que não morresse, provavelmente ela quebraria alguma coisa. E mesmo assim, tudo ficaria às claras, em aberto. Ela ainda estaria lá quando seu pai chegasse em casa e ele teria que escolher. Eu ganharia de qualquer jeito. Mas aí sua mãe me deu um tapa. Forte. Bem na cara. Quase me derrubou. E foi o que eu precisava. Eu dei um soco na cara dela. Acho que quebrei o nariz dela ou algo assim, e é daí que veio o sangue. Ela cambaleou e eu a empurrei. Ela caiu pelas escadas de costas e bateu a cabeça, rolando degrau a degrau. Escutei algo batendo. Também ouvi ela engasgada lá embaixo, com o nariz ensanguentado e a garganta cheia de sangue, eu acho.

Nessa hora, Chloe percebeu que Ruthanne estava aproveitando aquele momento. Ela estava fazendo o possível para mexer com Chloe. Querendo que a história a derrubasse. Chloe tremia, sem conseguir esconder sua emoção.

- Por que você está tremendo? – Ruthanne perguntou. Ela finalmente olhou para Chloe e, nesse momento, Chloe percebeu a maldade nos olhos daquela mulher. - Você queria escutar. Você queria a verdade.

- Então você está me dizendo que meu pai não fazia ideia de nada disso? – Ela perguntou.

- Isso mesmo. Ele estava esperando apenas chegar no apartamento e me encontrar na cama, esperando por ele. Como nós já tínhamos feito muitas vezes antes. Só que ele chegou em casa e encontrou uma esposa morta. Por um segundo, achei que ele ia me machucar. Ele ficou triste, Chloe. Ele chorou por ela. Mas no fim, ele me escolheu. Eu. Não sua mãe, nem você ou sua irmã. Eu.

Chloe balançou a cabeça. Ela sentiu que lágrimas estavam se formando em seus olhos e não queria que Ruthanne percebesse. Ela levantou-se e virou-se rapidamente para a porta.

- Guarda!

- Isso é tudo? – Ruthanne perguntou. – Sério mesmo? Você não quer ouvir mais nada? Talvez sobre o final de semana que ele passou comigo na casa favorita da sua mãe no lago Union?

Chloe percebeu que estava deixando Ruthanne com a sensação de que ela estava em vantagem. E mesmo que aquilo doesse, havia valido a pena.

O guarda abriu a porta e Chloe saiu rapidamente. Ruthanne ainda estava falando, mas sua voz já não podia ser ouvida quando a porta se fechou.

- Você está bem? – O guarda perguntou enquanto eles caminhavam pelo corredor.

- Sim – Chloe disse. Ela colocou a mão no bolso de sua jaqueta novamente, agora retirando seu telefone. Llhou a tela e sorriu em meio às lágrimas.

O gravador do celular estava ligado o tempo todo. Quando apertou PARAR no corredor, a contagem estava em 6:17.

Ela havia gravado cada palavra que Ruthanne dissera.

- Tem certeza que você está bem? – O guarda perguntou. – Você parece um pouco em choque.

- Estou – ela disse, colocando o telefone no bolso. – Mas valeu muito a pena.


***


Parada no estacionamento, Chloe pensou seriamente em ir para outra prisão—a de Somerset, o lugar que seu pai estava chamando de casa pelos últimos dezoito anos. De Riverside, seriam cerca de três horas dirigindo—talvez duas e meia se ela acelerasse durante todo o caminho—e ela chegaria lá por volta das nove. Ela buscou o número no Google pelo celular e estava prestes a ligar para iniciar um protocolo de visita. Mas antes disso, o telefone tocou em sua mão. Ela viu o nome de Garcia na tela, tirou um momento para se recompor, e atendeu.

- Agente Fine falando.

- Fine, é o Garcia. Olhe... os resultados chegaram, e você estava certa. Os exames do filho de Kim e de Gerald Denning bateram. Recebemos a ligação a cinco minutos.

- O que fazemos agora? Isso é o suficiente para prendê-lo?

- É complicado. Vai depender da reação dele. Escute... o passado dele torna isso tudo muito delicado. Quero que você e o Moulton segurem por um tempo. Vamos mandar dois homens na casa dele para explicar a situação. Já é tarde para fazer qualquer coisa agora sem criar uma cena, então vamos esperar até amanhã. Se o Denning for esperto, ele vai pelo menos aceitar o interrogatório. Quando ele chegar aqui, quero você e Moulton nisso. Eu não arriscaria colocar você na equipe que vai buscá-lo, mas esse caso é seu. A escolha é sua. E você merece ter a chance de interrogá-lo.

- Obrigado, senhor.

- Vou te ligar amanhã. Pode ser às oito, pode ser meio dia. Não sei dizer agora.

- Entendido.

- Ligue para o Moulton e explique para ele.

E assim, Garcia encerrou a ligação. Chloe levou um segundo para pensar em tudo o que acabara de ouvir nos últimos quinze minutos e então ligou para Moulton.

Enquanto o telefone tocava, ela ouviu a voz de Ruthanne Carwile em sua mente, despertando em si uma raiva repentina.

Ele estava esperando apenas chegar no apartamento e me encontrar na cama, esperando por ele. Como nós já tínhamos feito muitas vezes antes. Só que ele chegou em casa e encontrou uma esposa morta.

Ela não tinha certeza de que aquilo seria o suficiente para livrar seu pai, mas certamente seria um passo nessa direção.

A pergunta era se seu pai gostaria ou não de dar aquele passo.

Mas só havia um jeito de descobrir.

Ela saiu rapidamente do estacionamento de Riverside e ligou para a prisão de Somerset, para saber se seria possível encontrar seu pai mais uma vez.


CAPÍTULO VINTE E SEIS

 

Foi preciso convencer os agentes, mas Chloe conseguiu o direito de falar com seu pai. Ela precisou fazer uma série de ligações, que fizeram o caminho parecer ainda mais rápido. Ela percebeu que não estava tão nervosa dessa vez, e que estava quase que animada em falar com ele—não porque tinha muita vontade de vê-lo, mas porque sabia que agora tinha uma vantagem sobre ele. Que teria a oportunidade de flagrá-lo mentindo e provar que ele era tão monstruoso e terrível quando Danielle dizia.

Ao estacionar no local dos visitantes em Somerset, Chloe pode entender o ponto de vista de Danielle. Afinal de contas, mesmo para Chloe, a lembrança dele era de um ser demoníaco, movendo-se entre correntes dentro de sua mente, exigindo atenção. E se ela queria se livrar disso, sabia o que precisava fazer. Ela só não sabia por qual direção conduzir a conversa que estava prestes a começar. Não sabia, sequer, se seria capaz de conversar normalmente com ele, apesar de toda a força que estava sentindo antes de encontrá-lo.

Ao caminhar até a entrada de Somerset, Chloe decidiu que não diria a seu pai sobre a conversa que tivera com Ruthanne. Ela não iria contar a ele que tinha uma gravação que possivelmente o libertaria da noite para o dia.

Os minutos seguintes passaram como se ela estivesse em um sonho. Ela foi escoltada novamente até as partições de vidro com os fones de ouvido. Seu pai já estava sentado ali, sob o olhar de um guarda parado em pé, atrás dele.

Chloe sentou-se devagar, percebendo que estava começando a se sentir cansada—tanto física quanto emocionalmente.

Seu pai pegou seu fone e disse o nome dela.

- Chloe?

- Ei – ela respondeu, ainda sem saber o que dizer.

- Eu não esperava te ver de novo depois da última vez. Está tudo bem?

Chloe deixou escapar uma risada tensa.

- Não, não. Nunca está tudo bem quando se trata de você.

- Então por que você está aqui? O que posso fazer por você?

- Eu queria poder te esquecer – ela disse. – Eu queria poder te esquecer como a Danielle fez. Eu queria poder te odiar, pai.

- Chloe...

- Por favor, fique quieto. Eu te disse da última vez que eu precisava resolver tudo com você ou eu ficaria louca. Me conte a verdade.

- Sobre o que, Chloe?

- Você amava minha mãe? Você amou ela de verdade?

- Claro que sim.

- É mentira, pai.

- Chloe, eu—

- Apenas me diga – ela interrompeu. – Me diga a verdade para que eu possa esquecer de você.

- Dizer o que? Amor, eu não sei o que você quer ouvir.

- Se você nos amava, como você pode jogar sua vida com a gente fora? O que Ruthanne tinha de tão especial?

- Não sei – ele disse sem reservas. – Eu poderia ter te dado centenas de respostas nos anos após aquilo tudo. Mas agora... agora eu mal consigo lembrar. Eu amava ela também. Eu sei que você não quer ouvir isso, mas eu amava.

Ah, eu sei, ela pensou. Eu sei disso tudo.

E por um segundo, Chloe quase pegou seu telefone. Mas ela decidiu não pegá-lo, pelo menos naquele momento. Ele não merece ser solto, ela pensou. E eu não quero que ele pense que eu fui ver Ruthanne só porque ele sugeriu.

- Chloe, você não precisa fazer isso se não quiser.

- Fazer o que?

- Torturar a si mesma por causa de mim e dos meus erros.

- O mais triste é que você está errado. Eu tenho que fazer isso, ou você vai me assombrar para sempre. Eu preciso dessas respostas para deixar você para trás. E na verdade, você não vale... não vale todo esse estresse e sofrimento.

- Então o que você veio me dizer aqui?

- Que eu estou cheia de você, pai. Danielle fez a coisa certa. Quando nós descobrimos a verdade sobre Ruthanne, eu fiquei muito feliz. Achei que as coisas pudessem ficar bem entre nós quando você saísse. Mas quanto mais eu fico sabendo e quanto mais o tempo passa, eu sei que isso não vai acontecer.

Seu pai apenas abaixou a cabeça.

Chloe levantou-se, sem querer vê-lo chorar novamente. Aquilo a deixaria triste ou com raiva—e ela não queria descobrir qual dos dois.

- Tchau, pai – ela disse.

E da mesma maneira que havia entrado na sala como se estivesse em um sonho, ela saiu, com a mesma sensação.

Em seu caminho de volta para o carro, Chloe pegou seu telefone. Então, sentou-se atrás do volante por um momento, escutando a confissão gravada de Ruthanne. Quando a gravação terminou e ela colocou o telefone de volta em seu bolso, ele parecia uma bomba. E era ao mesmo tempo assustador e confortante saber que ela era a única pessoa que tinha o detonador.


CAPÍTULO VINTE E SETE

 

Chloe recebeu a ligação de Garcia às onze da manhã no dia seguinte. Quando ela e Moulton chegaram ao FBI logo após o meio-dia, uma das primeiras coisas que Chloe viu no caminho até a sala de interrogatório de Denning foi Cecily Denning. Ela estava segurando uma xícara de café, sentada em um banco no hall de entrada, perto do corredor que levava às salas de interrogatório. Ela estava tremendo, claramente perdida.

Era impossível tentar esconder tudo isso dela, Chloe pensou.

Chloe não foi capaz de apenas ignorar a pobre mulher. Parou ao lado dela, sem sentar, mas chegando perto.

- Senhora Denning, alguém já conversou com a senhora? Já te ofereceram alguma ajuda?

- Ah, sim – ela disse. – Alguém está a caminho, eu acho.

- Você está bem?

- Sim – ela disse. – Eu precisava... precisava disso, eu acho. Para me livrar dele. Eu só... meu Deus, eu não fazia ideia. Que desgraçado!

Ouvir aquelas últimas duas palavras fez Chloe pensar que Cecily ficaria de fato bem em alguns dias. Talvez ela estivesse esperando para que algo daquele tipo acontecesse para que pudesse finalmente se livrar do homem que já havia cometido tantos pecados contra ela.

Sem saber o que mais dizer, Chloe deu a mulher um gesto de compreensão e seguiu pelo corredor. Moulton caminhou ao lado dela e disse:

- Você acha que ela não tinha nenhuma ideia mesmo?

- Acho que com tudo que Denning fez essa pobre mulher passar, ela provavelmente estava desatenta—conscientemente ou não—de qualquer coisa que ele fizesse.

Eles chegaram a uma bifurcação no corredor e viraram à direita. Algumas portas à frente, Chloe viu Garcia e vários agentes juntos. Eles estavam em frente à uma porta que, Chloe viu ao se aproximar, dava para a sala de observação. Ela e Moulton entraram com Garcia e olharam pelo vidro. Gerald Denning estava sentado na sala, batendo os pés nervosamente na mesa. Ele não estava algemado, e segurava uma xícara de café em uma mão, enquanto olhava para uma pequena pilha de papeis que tinha na outra.

- Ele já disse alguma coisa sobre a suspeita? – Chloe disse.

- Ele não disse nada sobre nada – Garcia disse. – Os homens que foram buscá-lo disseram que precisavam da cooperação dele no caso. Quando contaram a ele, ele entrou na defensiva. Quando ele percebeu a ameaça de ter que deixar sua casa na linda vizinhança de algemas para que todos os vizinhos vissem, colaborou um pouco mais.

- Passei pela esposa dele no caminho – Chloe disse. – Imagino que ela saiba que ele estava dormindo com Kim Wielding?

- Ah, sim. Quando você entrar lá, veja a marca vermelha no lado esquerdo do rosto dele. Foi a esposa.

Chloe fez o que pode para esconder seu nervosismo. Ela não estava com medo do interrogatório em si, mas sim da sensação de que aquele momento poderia ser essencial para sua carreira. O homem que ela estava prestes a interrogar não era um suspeito comum. Sua história e seus escândalos tornavam a situação perigosa. Ela pode sentir os olhos de Garcia a fitando quando entrou na sala de interrogatório. Moulton a seguiu e Chloe ficou um pouco aliviada ao ver o claro desconforto em seu rosto.

Dentro da sala, Moulton encostou-se na parede com os braços cruzados. Ele parecia intimidante não por seu tamanho—afinal de contas, ele nem era tão grande—mas por sua expressão. Parecia frio e calculista. Chloe sabia que aquilo era só um teatro, mas Denning não.

Percebendo a postura de Moulton, Chloe também entendeu que aquele era um sinal de que ela seria responsável pela maioria—se não todas—das perguntas. Ela aproximou-se da mesa devagar e sentou-se na cadeira.

- Você mentiu para mim, senhor Denning. E nós temos um teste de DNA provando isso.

- Eu estava tentando proteger minha esposa. – Ele estava quase chorando e sua voz estava fraca.

- Para mim parece que você estava tentando proteger a si mesmo. Se você estivesse tentando proteger sua esposa, você não teria feito sexo com Kim Wielding.

- Não ouse me julgar.

- Não estou julgando. Estou falando em fatos. Mas você sabe... eu até te entendo. Eu sei porque você não contou nada quando nós estivemos lá. Você relevou um pouco, mas não sobre a gravidez. Eu entendo que você não queria que sua esposa soubesse dessa parte em específico.

- Então deixe eu adivinhar – Denning disse, com um tom ousado e triste ao mesmo tempo. – Você acha que ela me contou sobre a gravidez e eu não soube o que fazer. Então você acha que eu matei ela. É isso?

- Baseado em seu histórico de tentar guardar segredos, sim, eu acho isso. Eu e muitas outras pessoas. E é por isso que eu e você estamos nesse interrogatório agora.

- Eu não tinha ideia de que ela estava grávida, a propósito. A primeira vez que eu escutei algo sobre isso foi quando os agentes foram me buscar hoje de manhã.

- Espero que você me perdoe por não acreditar em você.

Ele encolheu os ombros e deu um tapa de frustração na mesa.

- Então por favor... me diga – Chloe disse. – De verdade. Quando foi a última vez que você dormiu com Kim Wielding?

- Um pouco mais de duas semanas atrás.

- E qual era a regularidade dos encontros de vocês?

- Não tínhamos uma programação. Ela me mandava mensagem e perguntava se eu tinha tempo.

- Era sempre ela que tomava a iniciativa?

- Não. Às vezes era eu.

- Você tem conversas no seu telefone que comprovam isso?

- Não no meu pessoal. Nós usávamos um desses telefones descartáveis baratos que você pode comprar em qualquer farmácia. Eu paguei por eles em dinheiro para que nada aparecesse no meu cartão ou na minha conta.

Chloe assentiu.

- Fazendo mesmo o melhor para proteger sua esposa.

Denning olhou para Chloe completamente irritado, mas ela também viu uma lágrima no canto do olho dele.

- Eu não sinto orgulho das coisas que eu fiz. Mas quando Cecily começou a ficar doente, ela nunca mais correspondeu às minhas necessidades. Nem de longe. Ela não tinha absolutamente nenhum desejo por mim e eu fiquei desesperado. Foi daí que veio o escândalo com a prostituta. E foi por isso que eu aproveitei a chance com Kim quando ela apareceu.

- Eu deveria ter pena de você por isso?

- Com todo respeito, agente, eu não estou nem aí para o que você sente sobre mim. Mas eu não matei Kim Wielding. E tenho mensagens no meu telefone descartável que vão comprovar isso.

- E onde está esse telefone?

- No meu carro, entre o banco e o console central. Está escondido em um lenço dobrado. O código para desbloquear é 1905.

- E o telefone de Kim? Você sabe onde ela deixava? Ela também escondia?

- Eu sinceramente não sei.

Chloe levantou-se de sua cadeira e olhou para Moulton. Ele assentiu e saiu da sala. Chloe virou-se para Denning e olhou com uma expressão superficial.

- Vamos checar seu telefone e ver o que podemos fazer para achar o de Kim. Mas por enquanto, tem mais alguma mentira que você tenha dito sobre a qual você queira se retratar?

Ele balançou a cabeça.

- Eu juro para você, eu não fazia ideia de que ela estava grávida. Ela nunca me disse.

Talvez fosse o olhar desesperado e suplicante, mas algo naquelas palavras quase fizeram com que Chloe acreditasse nele.

- Fique aí, senhor Denning.

Então, Chloe seguiu Moulton e saiu da sala. No corredor, a porta da sala de observação se abriu. Garcia saiu, assentindo.

- Você foi bem, Fine. Não achei que ele fosse dar tanta informação.

- Mas não é o suficiente - ela disse. – Se ele estiver certo sobre as mensagens...

- Bem, por que você não vai lá ver isso o quanto antes?

As palavras foram o que ela precisava. Chloe tinha dois dias para resolver o caso e ali estava ela, quase no fim do primeiro, finalmente sentindo que estava avançando.

Com Moulton a seu lado, ela correu até o elevador. E quando passou por Cecily Denning mais uma vez, ainda sentada sozinha no banco, seu olhar frágil fez apenas com que Chloe caminhasse mais rápido ainda.


CAPÍTULO VINTE E OITO

 

Gerald Denning não havia mentido sobre o local onde guardava seu celular descartável. Depois que Moulton usou uma chave eletrônica antiga para abrir a Mercedes na garagem de Denning, Chloe encontrou o telefone facilmente. Ela jogou o lenço para o lado e pegou o telefone, escondido entre o banco e o console central.

Ela digitou o código que Denning fornecera—1905—e a tela inicial se abriu. Chloe nunca havia utilizado um telefone daqueles antes, mas foi muito fácil aprender. Não havia contatos salvos no telefone. Quando foi até ao histórico de chamadas, havia apenas um número, com várias ligações feitas e recebidas.

Por ali, ela encontrou a única conversa por mensagens do telefone. Não se preocupou em ler o começo. Simplesmente rolou um pouco e leu o suficiente para confirmar que as mensagens eram esmo entre Kim Wielding e Gerald Denning. Já que não havia contatos salvos, ela levou alguns segundos para perceber quais eram as mensagens de Denning. Mas quando descobriu, as conversas fizeram muito mais sentido.

Uma de seis semanas antes, por exemplo, dizia:


Sozinha hoje. E você?

Onde?

Meu apartamento. Os Carver não vão precisar de mim por alguns dias.

Não sei. C está mal. Depressiva.

Ah. Talvez outra hora?

Talvez. Amanhã?

Claro. Você pode vir de manhã? E me acordar de algum jeito interessante?

Ahah sim. Pode deixar que vou pensar em algo.

Nos vemos.


Chloe sentiu uma ponta de raiva. Ela não pode deixar de pensar em Cecily—mencionada como “C” nas mensagens de Denning. Por qual tipo de problema mental aquela mulher estava passando enquanto seu marido trocava mensagens com uma mulher mais nova? Ela lembrou das desculpas esfarrapadas que Denning dera sobre não ter suas necessidades atendidas e sentiu mais raiva ainda.

- Você está bem? – Moulton perguntou. Ele estava lendo a conversa por trás dela e parecia tão irritado quanto Chloe.

- Estou me irritando um pouco – ela respondeu.

Chloe rolou a conversa para baixo, procurando por mensagens que poderiam de fato provar que Gerald não era culpado pelo assassinato da mulher com quem ele estava dormindo pelas costas da esposa.


C vai ao médico em Baltimore por dois dias semana que vem. Quer vir aqui?

Não podemos... não na sua cama. Eu ainda tenho ALGUM escrúpulo, sabe.

Tem?

Cale a boca!

Não precisa ser na cama. Tem o chuveiro, o quarto de hóspedes...

É verdade. A poltrona da sala sempre pareceu confortável.

Podemos tentar.

Quando eu posso ir?

Sexta à tarde. Te pego no seu apartamento.


- Meu Deus, esse cara é um babaca legítimo – Moulton disse.

Chloe assentiu, forçando-se a continuar lendo. A conversa ia longe. Ela viu mais algumas palavras provocativas e passou por elas o mais rápido possível. Finalmente, encontrou uma conversa que parecia ser o que eles estavam procurando. Era uma mensagem de Denning que não obtivera resposta. Em seguida, havia várias outras, uma série de mensagens sem resposta.


Tenho um tempo livre hoje. Você está em casa ou nos Carver?

Você está se fazendo de difícil?

Outra hora, então. Me avise.


Dois dias passaram e ele tentou novamente.


Você está brava com algo? Está tudo bem?

Os Carver descobriram sobre nós? Você ainda trabalha para eles?

Estou começando a me preocupar. Me responda, por favor. Ou ligue, ou venha até aqui. Saudades.

Ok. Isso significa que já era para nós, então?


- Essa última é de um dia depois do assassinato – Moulton disse, indicando para a data acima da mensagem. – Duvido que ele mandaria uma mensagem tentando sair com ela se soubesse que ela estava morta.

- A não ser que ele estivesse querendo fazer parecer isso – Chloe disse.

Ela pegou o telefone e pôs no bolso. Então, fechou a porta do carro e saiu da garagem de Denning, sob o sol da tarde.

- Precisamos encontrar o telefone de Kim – Moulton disse.

- Sim. E acho que provavelmente está no apartamento dela. Se estivesse na casa dos Carver, acho que pelo menos uma dessas últimas mensagens teria sido respondida.

- Você e Rhodes já não investigaram o apartamento dela?

- Sim. Mas foi antes de nós sabermos como a vida dela era conturbada. Se ela tinha coisas desse tipo para esconder, ela pode ter escondido muito bem o celular.

Eles caminharam rapidamente de volta para o carro, e Moulton sentou ao volante. Quando ele deu a partida e seguiu na direção do apartamento de Kim Wielding, Chloe não resistiu: ela olhou novamente as conversas entre Kim e Denning. A conversa era horrível em algumas partes, quase pornográfica. Ela imaginou como uma mulher que parecia querida e bem sucedida como babá podia se transformar tão facilmente em alguém que mandava aquelas mensagens.

Aquilo era triste e, para ela, um pouco assustador. Mas se ela havia aprendido algo no último ano—principalmente com Ruthanne Carwile e seu pai—era que quando as pessoas achavam que tinham que guardar um segredo, elas fariam praticamente tudo para protegê-lo.


***


Eram 2:15 quando eles chegaram ao apartamento de Kim. Chloe pegou a caixa escondida no vaso de flores decorativo. Ela digitou a senha que os Carver haviam lhe passado alguns dias antes, abriu a caixa e pegou a chave. Quando abriu a porta dessa vez, Chloe não teve a sensação de estar invadindo que sentira na primeira visita ao apartamento. Dessa vez, ela sentiu-se como se estivesse entrando em uma sepultura—um lugar que revelaria segredos sobre a vida escondida de uma mulher após sua morte.

Aquele sentimento pareceu um presságio quando Moulton acendeu as luzes. Agora que ela sabia do tipo de coisas de Kim Wielding era capaz, Chloe sentiu-se quase presa na casa. Ela sabia que, se eles não encontrassem nada, o caso estaria praticamente perdido.

Felizmente, eles tinham uma maneira muita fácil de começar a procurar. Ela pegou o celular descartável de Denning do bolso e ligou para o único número que havia mandado mensagens para ele. Quatro segundos passaram até que o som de um telefone tocando pode ser ouvido em algum lugar do apartamento. Do pequeno hall de entrada, o barulho parecia estar vindo de algum lugar diretamente à frente deles.

Eles entraram na sala e, por um momento, Chloe pensou que o barulho estivesse vindo da televisão. Mas ao aproximar-se da TV e da estante de livros, ela percebeu que o barulho—agora já na quarta chamada—estava vindo de algum lugar à direita da televisão. Moulton o enxergou primeiro. Ele já estava caminhando em direção à estante. Quando ele começou a tirar os livros da estante, Chloe teve um déjà vu, e lembrou-se da Agente Rhodes apontando para o livro sobre redação de discursos.

- Bingo! – Ele disse, colocando a mão nos fundos da estante, onde o telefone estava escondido atrás de vários livros. Ao segurá-lo, Moulton acrescentou. – Queria saber porque ela escondia se só ela morava aqui.

- Talvez os filhos dos Carver viessem aqui às vezes. Lembre que ela deixou eles usarem o iPad dela. Ou talvez Denning a deixou paranoica. Alguém que fez tanta merda como ele no passado deveria fazer de tudo para esconder um caso fora do casamento.

Moulton sentou-se no sofá e procurou as mensagens. Diferente de Denning, Kim havia salvo um contato em seu telefone, ainda que com o nome Jerry—que era, claramente—um apelido para Gerald. Mesmo assim, seria suficiente para confundir algum intrometido que encontrasse o telefone.

Havia duas conversas separadas no telefone de Kim. Moulton abriu instantaneamente uma delas, com “Jerry”. Imediatamente, eles viram as mesmas conversas que haviam lido no telefone de Denning. Até o fim, quando ele perguntava se ela estava bem ou se os Carver haviam descoberto algo, tudo era exatamente igual.

- O que tem na outra conversa? – Chloe perguntou.

Moulton abriu a segunda conversa. O contato não estava salvo e não havia muitas mensagens. Havia duas mensagens separadas, enviadas uma depois da outra, oito dias antes. Kim, sabiamente, não havia respondido nenhuma. As mensagens diziam:


Se você contar para QUALQUER UM, eu vou te matar. ESPECIALMENTE Gerald.

Você é muito fácil, não é mesmo? Ligou para ele abriu as pernas, vadia. Você devia ter vergonha de si mesma. Você devia se matar e poupar seu filho bastardo de ter que viver essa vida com uma mãe como você.


- Bom, com certeza não é Gerald Denning – Moulton disse.

- Mas com certeza é um motivo. Acho que se nós descobrirmos de quem é esse número, vamos encontrar o assassino... ou, pelo menos, alguém que pode nos levar ao assassino.

- Mas a minha pergunta é - Moulton disse, - será que Denning sabe dessas mensagens?

Era uma boa pergunta—que ajudou Chloe a sentir que o caso estava chegando ao fim.

Ela sorriu para ele e respondeu:

- Vamos perguntar para ele.


CAPÍTULO VINTE E NOVE


Quando eles chegaram de volta ao FBI, Chloe encontrou Gerald Denning acabado. Claramente, ele passara muito tempo chorando, e sua cabeça estava apoiada na mesa, com seus olhos quase completamente fechados. Chloe e Moulton o viram através do vidro, enquanto Garcia contou-os tudo o que havia acontecido enquanto eles estavam fora.

- A esposa pediu para falar com ele. Ela pediu divórcio. As coisas esquentaram. Ele implorou para ela não desistir dele, mas ela saiu. Disse que ia para casa fazer as malas.

- Alguém acompanhou ela? – Chloe perguntou. – Essa pobre mulher já passou por muita coisa. E está nos registros que ela já tentou se matar por ataques de pânico e por causa do marido que tem. Ou pelos dois.

- Não. Mas ela ligou para a mãe dela – Garcia disse. – Eu vi ela fazer isso. Escutei a conversa. Ela vai ter ajuda.

- E os filhos? – Chloe perguntou.

- Ela não deu detalhes. A mãe dela não deu muita bola, eu acho. Pelo que eu entendi, eles têm dois filhos, os dois grandes. Um mora em algum lugar no Oeste. O outro, não sei onde mora. Mas pelo que entendi eles sumiram da família quando aconteceu o escândalo anos atrás.

- Pobre mulher – Moulton disse, olhando estranhamente para Denning no outro lado do vidro.

- O que vocês dois descobriram?

Chloe entregou a ele os dois telefones.

- Ele estava certo – ela disse. – De acordo com as mensagens que encontramos, ou ele não fazia ideia que ela tinha sido morta ou ele inventou as últimas mensagens depois do crime. Mas encontramos duas mensagens no telefone de Kim Wielding que indicam que alguém sabia sobre a gravidez.

- E era alguém que queria proteger o Denning – Moulton disse.

- Outra mulher? – Garcia perguntou.

- Não tenho ideia – Chloe disse. – Quanto tempo vamos levar para rastrear o número?

- Se as mensagens garantirem um mandado, não vamos levar nem cinco minutos.

Moulton abriu as duas mensagens ameaçadoras e mostrou-as a Garcia.

- Eu diria que elas garantem.

- Cacete – Garcia disse. – Deixe-me fazer uma ligação. Vou conseguir o mais rápido possível.

- Enquanto isso, podemos voltar lá e falar com ele? – Chloe disse.

- Se você achar necessário.

Chloe pensou naquilo por um momento antes de assentir e voltar para o corredor. Moulton a seguiu e a parou antes que ela entrasse na sala de interrogatório.

- Você está bem? – Ele perguntou.

- Sim. Por que?

- Acho que podemos deixar ele sozinho até descobrirmos de quem são as outras mensagens. A não ser que seja só uma questão de esfregar no nariz dele. E mesmo que eu concorde com isso, lembre que Garcia está vendo tudo.

Uma parte de Chloe sabia que ele estava certo. Mas outra grande parte dela sabia que Moulton não era assombrado pelos erros de um pai que arruinara vidas com atos egoístas. Ela imaginou que poderia explicar, mas ele não iria entender. E, na verdade, ela não sabia se gostaria de falar sobre aquilo tão cedo com seu parceiro.

- Vai ficar tudo bem – Ela disse, tentando amenizar a situação.

Chloe entrou na sala, sentindo-se um pouco feliz por ver como Denning estava mal. Ela foi diretamente até a mesa e Moulton fechou a porta. Denning a olhou com esperança em seus olhos vermelhos.

- Vocês encontraram o telefone? – Ele perguntou.

- Encontramos.

- Graças a Deus. Posso ir para casa, então? Cecily colocou na cabeça que quer me deixar.

- Com certeza você sabe que qualquer assassino que pensasse pelo menos um passo à frente continuaria mandando mensagens depois do crime. Só para confundir a polícia.

- Meu Deus – Denning quase gritou. – Não... eu não sou assim. Eu não fiz isso!

- Senhor Denning, você estava dormindo com mais alguém?

- Não, eu—

- Talvez alguém que conhecia Kim Wielding. Mais do que isso... alguém que pudesse saber que ela estava grávida?

- Não. Só Kim. Eu juro pela minha vida.

- Olhe, você já mentiu para mim uma vez, então não sei se eu posso acreditar.

- Caramba! Você achou o telefone! Você sabe que não fui eu! Que tipo de prazer você tem em fazer isso?

- O telefone não prova nada – ela disse.

Chloe de fato não sabia como responder àquela pergunta. E naquele momento, ela sabia porque estava fazendo aquilo—porque queria tanto que o assassino fosse Denning. O que ela não podia descontar em seu pai, ela estava tentando descontar em Gerald Denning. Em sua mente, ela podia ouvir o aviso de Moulton: ...Lembre que Garcia está vendo tudo.

Chloe precisou desviar o olhar de Denning. Ela se sentiu mal. Também sentiu-se explorando a fraqueza do homem—e estava fazendo isso para tentar sentir-se melhor, já que não conseguia escapar de seus próprios demônios.

Ela virou-se e voltou para a porta. Olhou rapidamente para Moulton e abriu. Ele parecia triste e um pouco desconfortável, como se não soubesse o que fazer.

Chloe saiu da sala de interrogatórios e parou no corredor por alguns segundos, até que Moulton chegasse atrás dela. Antes de ouvir a voz dele, no entanto, ela pensou em algo. Algo que ela havia visto naquela dia, mas passara em branco, havia voltado como um vento forte, tentando empurrá-la em alguma direção. Mas antes que ela pudesse pensar melhor naquilo, Moulton chegou. Ele colocou uma mão no ombro dela e falou, com calma. E como se já não estivesse lidando mal o suficiente com a situação, Chloe sentiu uma vontade repentina de beijá-lo naquele momento.

- O que aconteceu, Fine?

Me chamou pelo sobrenome. Nossa.

A explicação veio à ponta de sia língua—tudo sobre seu pai e os pecados e desejos dele que haviam terminado na morte de sua mãe e a afetado severamente. Ela pensou até em falar sobre Danielle e sua relação estranha com a irmã.

Mas antes de dizer qualquer coisa, outra voz os interrompeu. Era Garcia, vindo apressado em direção aos dois, diretamente da sala de observação.

- Não conseguimos rastrear o número daquelas mensagens – ele disse. – Aparentemente também era um celular descartável. Aposto que Denning fez isso para tentar nos despistar.

Chloe lembrou mais uma vez da imagem que vira mais cedo... a imagem que a fizeram sentir-se assombrada de um jeito estranho. E mesmo antes de Garcia contar a eles o que havia descoberto, Chloe já sabia.

Ela viu a figura frágil parada ao longe, com os ombros encolhidos no fim do corredor. Uma figura que parecia um fantasma. Como alguém que havia esquecido de como a vida deveria ser.

Tenho que falar com Cecily Denning, ela pensou. Acho que ela sabe mais do que está dizendo. Se Denning fez mesmo isso, ela precisa saber. Mas se ela está tão acostumada com o marido a decepcionando... ela provavelmente sabe que quaisquer outros erros dele poderiam arruiná-lo—arruinar os dois.

Além disso, aquela pobre mulher pode precisar de alguém para conversar agora.

- Eu quero conversar com Cecily – Chloe disse. – Agora que já não há mais segredos, acho que ela pode querer falar mais.

Chloe sabia muito bem o que queria quando saiu pelo corredor. Ela podia sentir cada segundo escapando, e sabia que ficaria muito decepcionada se seu tempo acabasse antes que ela solucionasse aquele maldito caso.


CAPÍTULO TRINTA


Eram quase 6:30 quando Chloe e Moulton chegaram à casa dos Denning novamente. Quando eles saíram do carro, Chloe sentiu seus nervos à flor da pele. Ela iria questionar aquela pobre mulher sobre seu marido infiel novamente—sobre como ele fora infiel a ela de tantas maneiras diferentes.

Ela bateu na porta da frente e, em poucos segundos, pode ouvir passadas pesadas em direção à porta, que abriu-se. Devagar, Cecily Denning a olhou com olhos que claramente não haviam descansado naquela noite.

- Eu sei que vocês estão tentando ajudar – ela disse pela porta, - mas estou cansada de ver vocês dois.

- Eu entendo – Chloe disse. – Mas temos mais algumas perguntas. E então talvez nós possamos finalizar esse caso e deixar você e seu marido sozinhos.

Cecily suspirou e abriu um pouco mais a porta.

– Ok, pode entrar. Mas não se refira a ele como meu marido novamente. Se você fizer isso, eu posso surtar.

Chloe se arrependeu das palavras escolhidas. Querendo terminar a visita o mais rápido possível, ela começou a fazer perguntas assim que Cecily fechou a porta.

- Estou guardando as coisas do quarto – Cecily disse. – Seja rápida, porque eu quero sair daqui o mais rápido possível.

- Nosso diretor disse que você ligou para sua mãe para ficar com você – Moulton disse. – É isso mesmo?

- Sim. Mas ela é inútil. Estou indo para a casa dela. Ela mora em Washington. Todo mundo mora em Washington hoje em dia, né?

- E seus filhos não podem ajudar? – Chloe perguntou.

- Não. São inúteis como a minha mãe.

- Senhora De—Desculpe... Posso te chamar só de Cecily? – Chloe perguntou.

- Sim, por favor.

- Você sabia que seu marido estava envolvido em uma relação com Kim Wielding?

- Claro que sim – ela disse, quase gritando. – Eu fingia que não para não ter que lidar com isso, mas sim, eu sabia. E eu não chamaria de relacionamento. Era só sexo.

- Há quanto tempo você sabia?

- Há alguns meses – ela disse. Ela não olhava para eles enquanto falava. Eles estavam no quarto, um cômodo enorme com um closet quase do tamanho da sala do apartamento de Kim. Cecily foi até o closet, pegou algumas camisetas e as trouxe para o quarto, onde sua mala estava em cima da cama, cheia de coisas.

- E você sabia que ela estava gr—

- Grávida? – Ela interrompeu, rindo. Chloe sentiu um arrepio na espinha ao imaginar quão perto Cecily Denning estaria de mais um ataque de pânico—ou de algo muito pior.

- Sim, grávida.

- Sim – Cecily disse. Havia um brilho estranho nos olhos dela, como se ela estivesse gostando daquela enorme brincadeira. – Eu sabia porque a vadia vinha aqui a cada duas semanas falar com Gerald. Felizmente, um dia ele não estava. Estava na porra de Washington, para variar. Tentando recuperar um trabalho lá. Ela veio falar com ele e quanto eu disse que ele não estava, ela pediu para entrar e falar comigo. Ela me contou tudo... tudo sobre o caso. – Ela disse a palavra “caso” como se fosse a palavra final de uma piada ruim.

- Ela contou para você... do nada? – Moulton perguntou.

- Sim. Disse que se sentia culpada. Que as coisas saíram de controle. E então me contou que estava grávida. Chorou o tempo todo. Lágrimas de verdade, nada falso. Quase senti pena daquela vadia.

- E você já sabia do caso deles antes disso?

- Sim. Por alguns meses.

Cecily entrou novamente no closet, dessa vez voltando com dois pares de sapatos. Ela colocou um na mala e deixou o outro—um belo sapato de salto alto—ao lado.

- Você contou para ela que já sabia? – Chloe perguntou.

- Não. Olhe... eu não sou idiota. Já faz um tempo que eu não faço sexo com Gerald. Eu amava ele e tudo, mas quando eu tive meu... meu episódio há alguns anos, eu perdi todo e qualquer interesse sexual. Gerald tinha que se aliviar e algum jeito. E mesmo que doesse... eu entendia.

- Você sabe como eles se comunicavam? – Moulton perguntou.

- Esses celulares baratos de farmácia – ela disse. – Eu sabia, eu encontrei o do Gerald há alguns meses. Eu costumava ler as mensagens. Era engraçado. Doía, mas era engraçado... eu tentava imaginar Gerald tentando falar com uma mulher daquele tipo.

Chloe pode sentir o desespero de Cecily e, para sua tristeza, percebeu também que algo muito estranho estava prestes a acontecer com a mulher naquele momento. Chloe não achava que seria um ataque de pânico, mas com certeza algo aconteceria com ela.

Chloe então refletiu sobre os últimos momentos. Um vagaroso nó de preocupação começou a tomar conta de seu estômago.

Eu sabia porque a vadia vinha aqui...

Quase senti pena daquela vadia.

- Cecily, você chegou a usar um daqueles telefones?

- Ah, sim. Muito recentemente.

Naquele momento, Cecily estava falando como se estivesse simplesmente passando tempo com uma velha amiga. Moulton olhou para Chloe com uma expressão estranha, e ela balançou a cabeça levemente.

Meu Deus, ela pensou.

Devagar e propositalmente, Chloe começou a se reposicionar. Ela queria ter certeza de que sua arma estava perto de suas mãos.

- Você tinha o número de Kim? – Chloe perguntou.

- Não. Mas eu peguei no celular do Gerald. – Sua expressão era dura, porém preocupada. Parecia que ela havia percebido que dissera algo que não deveria.

- E você chegou a enviar algo para ela? – Moulton perguntou, tendo a mesma sensação de Chloe.

Cecily finalmente olhou para eles. Havia um pequeno sorriso no rosto dela, algo quase maníaco.

- Sim! Eu peguei aquele celular descartável e mandei uma mensagem para ela, um dia depois dela ter vindo aqui para contar ao Gerald que estava grávida. Talvez eu tenha sido durona demais. Era só para assustar, sabe? Mas que escolha eu tinha?

- Então você a convenceu a não contar a ele sobre o bebê? – Chloe perguntou.

- Isso. Quando ela estava aqui, eu implorei para ela não contar ao Gerald e ela concordou, pelo menos no primeiro momento. Nós concordamos que ele não conseguiria reconstruir a vida se as pessoas descobrissem isso. Mas a conversa não acabou bem. Ela ainda estava indecisa. Disse que ia pensar. Vadia idiota...

Chloe viu algo nos olhos de Cecily que a alarmaram, mas também a deixaram mais tranquila nos momentos seguintes. Ela viu algo nos olhos de Cecily Denning que só pode descrever como perturbação. Talvez os ataques de pânico e os outros problemas haviam causado algum tipo de instabilidade mental nela. E se esse fosse o caso, Chloe sentiu que estava vendo essa instabilidade tomando contra dos controles lógicos e racionais de Cecily.

- Você chegou a ver Kim depois de tudo isso? – Chloe perguntou.

Cecily sentou-se vagarosamente na cama, balançando a cabeça. Chloe imaginou que aquele era o momento. Que Cecily choraria. Ela sentiu-se mal por ser a responsável por causar seja o que fosse acontecer.

- Eu ia até a casa dos Carver quase todo dia depois daquilo – ela disse. – Se o carro de Kim estava lá, eu ficava rodeando por algumas quadras, só pensando.

- Pensando em que? – Moulton perguntou. Chloe percebeu que, devagar, ele havia começando a diminuir sua distância em relação a Cecily.

- Em como minha vida seria afetada se Gerald descobrisse a gravidez de Kim. Se a mídia descobrisse. Todo mundo acha que eu sou louca, sabe. Algo desse tipo não acabaria só com Gerald, mas também contribuiria para essa versão que as pessoas têm de mim.

- Senhora Denning – Chloe disse. – Você entrou em contato com Kim depois da discussão aqui na sua casa?

Cecily sorriu. Era como se ela soubesse que eles já sabiam de tudo e estava apenas se divertindo um pouco agora.

- Sim. Como eu disse, mandei mensagem pelo telefone secreto. Ela e Gerald tinham esses celulares descartáveis que usavam para se comunicar. Eles achavam que estavam sendo espertos...

- Nós vimos as mensagens – Chloe disse, percebendo que Cecily estava sendo repetitiva. Ela já havia dito que tinha comprado o telefone e enviado as mensagens. Chloe tentou imaginar o que, exatamente, estava passando na cabeça daquela mulher.

- Senhora Denning, tem algumas coisas que você disse naquelas mensagens que não são nada legais.

- Eu sei. Eu queria assustar ela. Queria que ela pensasse bem nisso.

- Mas no fim, você fez isso com as próprias mãos, não fez? – Moulton perguntou. Ele havia dado alguns passos para perto de Cecily sem ser percebido. Chloe ficou impressionada com a habilidade dele, mas também um pouco nervosa com a maneira com que ele havia feito aquela pergunta.

- Com minhas próprias mãos – Cecily disse, rindo, ao colocar o sapato de salto alto na mala.

Em um segundo, ela já não estava colocando um dos sapatos na mala. Ao invés disso, ele estava movendo-se como um arco, sendo segurado com força pela mão direita dela. Quando Moulton percebeu—e viu aquela cena ridícula—já era tarde. Ele soltou um grito de surpresa e deu um passo rápido para trás.

A ponta do salto acertou-o abaixo da têmpora. O sangue escorreu na hora, e o golpe fez com que Moulton caísse de joelhos.

Chloe correu para frente, com uma das mãos em sua arma, na cintura, ainda sem empunhá-la. Afinal de contas, se ela não conseguisse derrubar uma mulher frágil como Cecily Denning, ela não merecia ser uma agente do FBI.

Enquanto Chloe pensava na melhor posição para segurar Cecily, a mulher voltou a mexer em sua mala. Quando sua mão pegou algo, Chloe colocou seu braço direito sob o esquerdo de Cecily. Quando puxou a mulher em sua direção, Chloe pôs seu braço esquerdo em volta da barriga de Cecily. A intenção de Chloe era derrubá-la em um só movimento, possivelmente na cama. Jogar a mulher no chão naquela posição provavelmente deslocaria o ombro de Cecily ou quebraria sua mandíbula.

Mas Chloe não pode fazer nada. Aparentemente, a mão de Cecily havia alcançado exatamente o que ela queria dentro da mala. De onde estava, Chloe não pode ver que tipo de arma Cecily tirou da mala. Ela só viu a arma na mão de Cecily, rapidamente sendo disparada em direção a seu rosto.

Chloe abaixou-se, perdendo o controle, e viu a bala passando perto. Se tivesse sido um segundo mais lenta, o tiro teria a acertado diretamente na testa.

Ela ainda estava segurando – com menos força – o braço esquerdo de Cecily. Puxou com força, fazendo a mulher inclinar-se para baixo. Chloe então golpeou com o ombro a parte de trás dos joelhos de Cecily. A mulher caiu para frente, com um grito. A arma disparou novamente, dessa vez apontada para o alto e para a direita. Vidros se quebraram e Cecily caiu na beirada da cama.

Chloe tentou segurar Cecily com mais força, enquanto a mulher tentava encontrar o melhor ângulo para mais um tiro. Mas antes que ela pudesse levantar a arma, Moulton estava ali. Ele a atingiu com seu ombro, com força, diretamente no peito dela. Quando eles caíram no chão, ele deslizou pelo piso e conseguiu segurar a cabeça de Cecily em seu braço esquerdo, enquanto torcia o braço dela com o direito.

Cecily gritou e largou a arma quando Moulton a levou para o chão. Chloe rapidamente chutou a arma para longe, pegou as algemas de sua cintura e as colocou na mulher, como se já tivesse feito aquilo centenas de vezes. Quando ouviu o clique das algemas, sentiu uma adrenalina enorme. Tonteou por um momento enquanto tudo acontecia a seu redor. Ela olhou para Moulton enquanto ele se levantava, deixando Cecily no chão. Ela já não estava tentando se soltar, escapar e nem se levantar. Ela havia aceitado a derrota e estava ali, deitada, olhando para Chloe.

- Eu tive que fazer isso – ela disse, soluçando. – Se ela contasse a alguém, tudo estaria acabado. Para mim, para o Gerald... para nossa vida juntos. Eu não podia...

E então Cecily Denning se entregou. Era como se algo dentro dela tivesse se quebrado enquanto ela procurava uma justificativa para ter matado Kim Wielding.

A adrenalina rapidamente baixou quando Chloe ouviu os soluços de choro da mulher. Talvez ela estivesse dando-se conta, pela primeira vez, do que havia feito—não apenas assassinado uma mulher grávida, mas também atirado em uma agente do FBI.

Chloe olhou por trás dela e viu onde a bala havia acertado a parede—a mesma bala que, por muito pouco, não havia entrado por seu crânio e atingido seu cérebro. Mas o choro de Cecily Denning a chamou atenção e ela sentiu que precisava olhar para a mulher... não por respeito, mas porque mesmo que ela fosse uma assassina, Chloe não podia negar que ela já havia enfrentado muito coisa.

- Você está bem? – Moulton perguntou tranquilamente, com sua voz competindo com os soluços de Cecily.

Chloe apenas balançou a cabeça, principalmente porque não estava se sentindo segura para falar.

Na verdade, ela estava tremendo tanto que chegou a pensar se não era ela mesma quem estava tendo um ataque de pânico.


CAPÍTULO TRINTA E UM


Chloe estava conversando com o departamento médico do FBI enquanto Cecily Denning contava a outros agentes cada detalhe do assassinato de Kim Wielding. O psicólogo estava perguntando sobre como ela reagira ao tiro que quase tirara sua vida. Depois, ela foi perguntada se havia se sentido preparada para a missão, já que uma mulher tão frágil e instável quase havia a derrubado.

Depois de ser liberada para voltar a trabalhar no fechamento do caso, ela saiu do consultório e foi instruída a enviar o Agente Moulton na sequência. Chloe encontrou-o sentado em uma pequena sala de reuniões, perto da sala de interrogatórios onde Cecily Denning estava sentada—a mesma sala na qual seu marido estivera sentado duas horas antes. Garcia e um dos agentes que haviam buscado Gerald Denning estavam sentados com ele, ambos tomando café.

- Você é o próximo – Chloe disse a Moulton. – Esteja preparado para se sentir totalmente inferior.

- Já estou me sentindo assim – Moulton disse ao se levantar.

Quando ele saiu, Chloe sentou-se e olhou para Garcia. O café cheirava bem e, mesmo sendo quase oito da noite, ela desejou uma xícara forte.

- Cecily Denning passou quinze minutos nos contando como ela matou Kim Wielding – Garcia disse. – Ela esperou por uma hora do dia em que sabia que os filhos dos Carver estariam na escola. Caminhou até a entrada, tocou a campainha, e acertou Kim com um tubo de chumbo que tinha encontrado na garagem umas semanas antes. Ela disse que pensou na arma—a mesma arma que estava escondida na mala—mas não sabia se iria conseguir. Disse que o tubo parecia mais natural, como se fosse mais fácil lidar com ele.

- Ela falou com Gerald? – Chloe perguntou.

- Não, não. Vamos manter os dois bem afastados por quanto tempo for possível.

Chloe assentiu, decidindo enfim tomar uma xícara de café.

- Onde está o café? – ela perguntou.

- Na salinha no fim do corredor – Garcia disse. – Mas escute, Agente Fine... quero que você saiba que fez um ótimo trabalho. Moulton nos contou sobre a cena, detalhe por detalhe, e mesmo se tratando de Cecily Denning, você agiu como uma estrela. Falei com o Diretor Johnson rapidamente depois da confissão dela e ele está muito feliz. Foi fantástico, Fine.

- Obrigada. – Ela saiu em direção à porta, mas parou quando pensou em algo. – Quando eu estava falando com ela, na casa dela, teve um momento em que parecia que ela não estava mais ali. Ela parecia perturbada. Dava para ver nos olhos dela. Ela não estava fingindo, era de verdade.

- Sim – Garcia disse, suspirando. – Eu percebi algo assim também quando estávamos falando com ela.

- A defesa dela provavelmente vai ser baseada em algum problema mental ou algo assim, não vai?

- É o que todo mundo acha – Garcia disse. – Mas com certeza você não tem que se preocupar com isso. Você fez seu trabalho do jeito certo.

Chloe saiu da sala franzindo a testa e caminhou pelo corredor para buscar sua xícara de café. Ela olhou rapidamente para a porta da sala de interrogatórios ao passar por ela.

Ao chegar à sala do café, surpreendeu-se ao encontrar Moulton. Ele estava servindo sua própria xícara de café forte. Ele sorriu ao vê-la e disse:

- É nisso que dá ter que ir ao psicólogo uma hora dessas.

- Sim, preciso de uma dessas para processar tudo. Divirta-se lá.

- Ah, claro. – Ele passou por ela e saiu da sala, mas parou e virou-se novamente para Chloe. – Fine... eu queria te perguntar uam coisa.

- O que é?

- Podemos fazer algo fora daqui? Fora do trabalho, eu digo. Uma janta, talvez?

Seu primeiro instinto foi dizer sim, mas algo a segurou.

- Não sei – ela disse. – Posso pensar?

Sorrindo, Moulton balançou a cabeça e saiu. Era como se ele estivesse esperando exatamente aquela resposta. E, na verdade, Chloe não tinha ideia do porquê não havia simplesmente dito sim. Talvez fosse o momento terrível que ele escolhera para perguntar. Ela sorriu ao vê-lo sair.

Chloe deixou escapar uma risada de incredulidade ao pegar o pote de café. Enquanto preparava sua xícara, tentou ignorar a tremura em suas mãos e o barulho do tiro disparado por Cecily em seus ouvidos, mas ambos eram muito fortes para serem ignorados.

A tremura e o barulho eram tão fortes quanto o pensamento de que, finalmente, aquele caso estava solucionado.

Chloe pensou no que tinha em seu celular—a voz de Ruthanne confessando tudo.

Ela tinha evidências suficientes para livrar seu pai...para fazer com que ele fosse libertado em menos de um mês, contando a papelada e a burocracia. Mas ainda havia algo que ela precisava fazer. E era algo que a assustava muito.

Depois de tomar um gole do café, ela pegou seu celular e enviou uma mensagem para Danielle: Precisamos conversar.


***


Chloe chegou em casa às dez naquela noite, depois de preencher todos os papeis necessários. Ela havia visto Moulton mais uma vez depois do encontro com o psicólogo, mas eles não voltaram a conversar. Felizmente, era o convite para sair de Moulton que estava em sua mente quando ela se deitou, e não toda a luta com Cecily.

Ela não dormiu bem (talvez por ter tomado muita cafeína tarde ou talvez porque sua mente simplesmente se recusara a apagar completamente). Então, quando seu telefone tocou de manhã cedo, Chloe ficou um pouco irritada.

Ela olhou para o telefone, imaginando que seria Garcia, a dizendo que havia mais alguma coisa que eles haviam esquecido para fechar o caso. Mas o nome na tela era outro, um nome que ela não estava esperando.

Danielle.

Ao olhar para o horário com a visão ainda borrada, Chloe viu que eram 6:15 da manhã. Ela sentou-se na cama e atendeu, imaginando que uma ligação de Danielle àquela hora poderia trazer más notícias.

- Alô? – Ela disse.

- Você disse que precisamos conversar? – Danielle perguntou.

- Sim. Olhe... eu tive que fazer isso, Danielle. Eu tive que falar com ela. Pelo menos para ver...

- O que? Você está dizendo que visitou Ruthanne?

- Sim.

- Você é ridícula, Chloe.

Chloe deixou o comentário sem resposta por um momento. Ela precisava ter em mente que, até onde elas sabiam, seu pai havia tentado trabalhar com Ruthanne Carwile para livrá-la de um crime menos de seis meses antes.

- Eu precisava saber, Danielle.

- E tem algo novo na história? Ele estava falando a verdade?

- Sim. Ela me contou tudo. E ela não sabia, mas eu estava gravando tudo no meu telefone. Provavelmente é o suficiente para libertar ele. Talvez até limpar o nome dele.

- Parabéns – Danielle disse, num tom sarcástico. – O que você vai fazer com isso?

- Não sei – Chloe respondeu. – É muita... muita responsabilidade. Muito controle. Acho que tenho que entregar para a polícia.

- Não ouse. Esse babaca merece estar onde ele está. Ele é tão idiota e culpado quanto Ruthanne Carwile, mesmo não tendo matado nossa mãe.

- Talvez. Mas... Danielle... ele é nosso pai.

- Chloe... Vou te dizer o que eu disse no bar novamente. Se você continuar com isso, não falo mais com você. E estou falando sério.

- Por favor, não seja assim.

- Desculpe. Você ter ido lá conversar com a mulher que matou nossa mãe já é ruim o suficiente. Se você usar isso para libertar o pai—fazendo seu papel de marionetezinha dele...

Chloe não se importou em reclamar da definição.

- Danielle...

- Faça o que você quiser – Danielle disse. – Mas preciso ir. Talvez a gente converse em breve.

E então, Danielle desligou. Chloe olhou para o telefone como se ele fosse uma cobra que havia a picado e então jogou-o pelo quarto. Ela sentou-se na cama e ali permaneceu por vários minutos, olhando para o telefone e, ainda que doesse só de pensar, começando a se ressentir pelo ódio intenso da irmã pelo seu pai.

Dois minutos depois, ela caminhou até o telefone e o juntou do chão. Fez uma ligação e esperou até que a pessoa do outro lado da linha atendesse.

- Bom dia, Diretor Johnson – ela disse, sentindo o peso de cada palavra de saía de sua boca. – Tenho uma pergunta sobre o que eu poderia fazer para adicionar novas evidências no antigo caso de assassinato do meu pai.

 

 

                                                                  Blake Pierce

 

 

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