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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A QUEDA DE GONDOLIN / J. R. R. Tolkien
A QUEDA DE GONDOLIN / J. R. R. Tolkien

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

O texto abaixo foi traduzido da série HoME (history of middle earth), publicada e editada por Cristopher Tolkien, filho do professor Tolkien. Os contos desta série são, na verdade, um grande apanhado de textos e histórias que Tolkien desenvolveu ao longo dos anos, mas que nunca teve oportunidade (ou mesmo vontade) de publicar. Algumas destas informações são arcaicas, e podem entrar em conflito com as histórias publicadas em suas edições oficiais.

Saibam, então, que Tuor era um homem que vivia em dias muito antigos nas terras que ficam ao norte, chamadas Dor Lómin, ou a Terra das Sombras, e a qual os Noldor dentre os Eldar melhor conhecem. O povo de onde vinha Tuor vagava pelas florestas e campos e não fazia canções sobre o mar, nem o conhecia; mas Tuor não morava entre eles. Ele vivia sozinho próximo ao lago que era chamado Mithrim, ora caçando em seus bosques, ora fazendo música ao lado de suas costas com sua harpa rústica feita de madeira e tendões de ursos. Muitos, ouvindo do poder das canções de Tuor, vinham para escutar sua harpa, mas Tuor deixou seu canto e foi-se para lugares solitários. Ali ele aprendeu muitas coisas estranhas e adquiriu conhecimento sobre os Noldor errantes, que ensinaram-lhe muito da sua linguagem e tradições; mas ele não estava destinado a morar para sempre naqueles bosques.

 

 

 

 

Conta-se que a magia e o destino conduziram-no certo dia a uma abertura cavernosa na qual um rio escondido fluía a partir do Mithrim. E Tuor entrou naquela caverna buscando aprender seu segredo, mas as águas do Mithrim conduziram-no adiante para dentro do coração da rocha e ele não pôde mais voltar para a luz. E isto, conta-se, era a vontade de Ulmo, o Senhor das Águas, pela sugestão de quem os Noldor haviam feito aquele caminho oculto. Então vieram os Noldor a Tuor e guiaram-no ao longo de passagens escuras entre as montanhas até que ele chegasse à luz mais uma vez, e visse que o rio fluía velozmente em um desfiladeiro de grande profundidade com lados impossíveis de serem escalados. Agora Tuor não desejava mais retornar e seguiu adiante, e o rio o conduzia em direção ao oeste.

O sol subia por detrás de suas costas e punha-se diante de sua face, e onde a água fazia espuma entre as muitas pedras ou caía em quedas d'água havia às vezes arco-íris tecidos através do desfiladeiro, mas ao anoitecer suas paredes lisas brilhavam ao pôr-do-sol, e por estas razões Tuor o chamou de Fenda Dourada ou Ravina do Teto Colorido, que é na língua dos Elfos Glorfalc ou Cris Ilbranteloth. Tuor viajou ali durante três dias, bebendo das águas do rio secreto e alimentando-se com seus peixes; e estes eram de ouro e prata, e de muitas formas maravilhosas. Finalmente o desfiladeiro alargou-se, e conforme este ficava mais aberto, seus lados ficavam mais baixos e mais acidentados, e o leito do rio ficava entulhado com pedras contra as quais as águas espumavam e borbotavam. Por longos períodos Tuor sentava-se e contemplava a água espirrando e escutava sua voz, e então erguia-se e saltava para a frente de pedra em pedra cantando enquanto prosseguia; ou, conforme as estrelas saíam na faixa estreita de céu acima da ravina, ele levantava ecos para responder à vibração feroz de sua harpa.

Um dia, após uma grande jornada de progresso exaustivo, Tuor ouviu um grito ao anoitecer, e não pôde decidir de que criatura vinha. Ora dizia: - É uma criatura mágica -, ora: - é apenas algum pequeno animal que geme entre as pedras - e ora lhe parecia que um pássaro desconhecido falara com uma voz nova e estranhamente triste aos seus ouvidos. Tuor não havia ouvido a voz de qualquer pássaro em toda sua perambulação ao longo da Fenda Dourada, e ficou feliz pelo som, embora este fosse lamuriento. No dia seguinte, em uma dada hora na manhã, ouviu o mesmo grito sobre sua cabeça, e olhando para cima viu três grandes pássaros brancos batendo suas asas vigorosamente ravina acima e proferindo gritos como aqueles que ouvira entre o crepúsculo. Aquelas eram as grandes gaivotas, os pássaros de Ossë.

Naquela parte do leito do rio havia ilhotas rochosas entre a corrente, e rochas caídas cobertas de areia branca ao pé da parede lateral da ravina, de tal forma que era difícil caminhar por ali; procurando por alguns instantes, Tuor finalmente encontrou um lugar por onde, com algum trabalho, ele podia escalar a parede da ravina. Então um vento fresco soprou contra o seu rosto, e ele disse: - Isto é bom como um gole de vinho! - mas ele não sabia que estava perto dos confins do Grande Mar.

Conforme Tuor prosseguia acima das águas, as paredes do desfiladeiro aproximavam-se novamente e elevavam-se a uma altura maior, de forma que ele caminhava agora sobre o topo elevado de um precipício; e ele chegou a um estreitamento cheio de ruídos na ravina. Então Tuor olhando para baixo viu a maior das maravilhas, pois parecia que uma enchente de água furiosa subia o caminho estreito e fluía de volta contra a corrente do rio até a sua fonte, mas aquela água que descera do Mithrim distante ainda avançava, e uma parede de água levantou-se até perto do topo do precipício, coroada com espuma e deformada pelos ventos. Então as águas do Mithrim foram subvertidas e a inundação que se aproximava varreu o canal acima com um rugido e submergiu as ilhotas rochosas e varreu a areia branca, de forma que Tuor fugiu e ficou temeroso, pois não conhecia os movimentos do mar; mas os Ainur haviam posto em seu coração o desejo de escalar o canal naquele momento, do contrário teria sido afogado na maré que se aproximava; e aquela maré estava forte por causa de um vento do oeste. Então Tuor encontrou-se em uma terra rústica e despida de árvores, varrida por um vento vindo do pôr-do-sol, e todos os arbustos e moitas inclinavam-se para o alvorecer por causa daquele vento. E durante algum tempo vagou ali, até que chegasse aos negros precipícios junto ao mar e visse o oceano e suas ondas pela primeira vez, e àquela hora o sol mergulhava além da borda do mundo, e ele ficou ereto no topo do precipício com os braços abertos, e seu coração foi preenchido com um desejo de fato grande. Alguns dizem que ele foi o primeiro dos Homens a chegar ao Mar e conhecer o desejo que este traz; mas não sei se o dizem acertadamente.

Naquelas regiões ele montou sua habitação, morando em um esconderijo abrigado por grandes rochas negras, cujo chão era de areia branca, salvo onde a maré alta o cobria parcialmente com água azul; nem a espuma chegava lá salvo em ocasiões da tempestade mais forte. Lá por muito tempo permaneceu sozinho e vagou na beira da praia ou caminhou sobre as rochas à maré baixa, maravilhando-se com os lagos e as grandes algas, as cavernas gotejantes e a estranha ave do mar que viu e veio a conhecer; mas a subida e a vazante das águas e a voz das ondas sempre foram para ele a maior das maravilhas e sempre lhe pareciam uma coisa nova e inimaginável.

Ora, nas águas quietas do Mithrim, sobre a qual a voz do pato selvagem ou do lagópode chegavam longe, ele viajara em um barco pequeno com a proa esculpida como o pescoço de um cisne, e este ele perdera no dia da descoberta do rio oculto. No mar não se aventurara ainda, embora seu coração estivesse sempre incitando-o com um desejo ardente por suas águas, e em noites tranqüilas quando o sol sumia além da extremidade do mar esse desejo crescia de forma voraz. Madeira ele possuía que chegava até ele descendo o rio oculto; uma boa madeira era esta, pois os Noldor a cortavam nas florestas de Dor-Lómin e mandavam-na para ele flutuando. Mas não construíra nada ainda salvo uma habitação em um lugar abrigado em seu esconderijo, cujos contos entre os Eldar desde então chamam Falasquil. Este, por trabalho lento, Tuor adornou com belas esculturas dos animais, árvores, flores e pássaros que conhecera perto das águas do Mithrim, e sempre entre estas estava o Cisne, o principal, pois Tuor amava este emblema, que tornou-se um símbolo para si mesmo, sua família e seu povo mais tarde. Lá passou um período muito longo até que a solidão do mar vazio entrasse em seu coração, e mesmo Tuor, o solitário, ansiou pela voz dos Homens. Com isto os Ainur tinham algo a haver; pois Ulmo amava Tuor.

Uma manhã enquanto olhava ao longo da costa (e eram então os últimos dias do verão) Tuor viu três cisnes voando alto e vigorosamente da direção norte. Estes pássaros não haviam estado antes nestas regiões, e tomou-os por um aviso, e disse: - Por muito tempo meu coração tem sido instigado em uma viagem para longe daqui; e veja! Agora afinal seguirei estes cisnes. – Os cisnes entraram na água do abrigo de Tuor, e lá, levantaram-se novamente e voaram lentamente para o sul ao longo da costa, e Tuor portando sua harpa e lança os seguiu.

Naquele dia Tuor deixou para trás uma viagem longa; e antes do anoitecer ele chegou a uma região onde árvores outra vez apareciam, e a maneira daquela terra pela qual agora viajava diferia grandemente daquelas praias próximas a Falasquil. Lá Tuor vira precipícios poderosos cheios de cavernas e grande cavidades, e enseadas profundas e naturalmente fortificadas, mas dos topos dos rochedos estendia-se uma terra escarpada, áspera, aplainada e deserta, para onde uma orla azul distante ao leste falava de colinas longínquas. Agora, porém, ele via uma praia longa e inclinada e trechos arenosos, enquanto as colinas distantes marchavam sempre mais próximas à margem do mar, e as suas encostas eram cobertas com pinho ou abeto e sobre os pés dessas encostas cresciam vidoeiros e carvalhos antigos. Dos pés das colinas, correntes de águas frescas lançavam-se ao longo de fendas estreitas, e assim encontravam as praias e as ondas salgadas. Por sobre algumas daquelas fendas Tuor não podia saltar, e freqüentemente era difícil avançar por tais caminhos, mas ainda assim ele prosseguia, pois os cisnes viajavam sempre adiante dele, ora girando de repente, ora apressando-se adiante, mas nunca vindo para a terra, e o movimento das suas asas de batida vigorosa o encorajava. É dito que desta maneira Tuor prosseguiu por um grande número de dias, e que o inverno marchou do norte apenas um pouco mais veloz, ainda que Tuor fosse incansável.

Não obstante Tuor chegou sem ferida de animal ou clima em um tempo de primeira primavera à foz de um rio. Aqui a terra era menos setentrional e mais agradável do que aquela próxima à saída da Fenda Dourada, e além disso por uma curva da costa o mar estava agora bastante mais ao sul do que ao oeste, tanto quanto podia marcar pelo sol e pelas estrelas; mas ele mantivera seu lado direito sempre para o mar.

Este rio fluía descendo um canal agradável e em seus bancos estavam terras férteis: gramado e prado úmido de um lado e encostas cobertas de árvores crescidas do outro; suas águas encontravam o mar preguiçosamente e não lutavam como as águas do Mithrim no norte. Longas línguas de terra permaneciam espalhadas em seu curso cobertas com juncos e moitas fechadas, até que mais adiante em direção ao mar emergiam trechos arenosos; e estes eram lugares amados por tal multidão de pássaros como Tuor não encontrara ainda em nenhum lugar. O pio, lamento e assobio deles enchia o ar; e aqui entre asas brancas Tuor perdeu de vista os três cisnes, e não os viu novamente.

Então Tuor ficou por uma estação cansado do mar, pois a luta da viagem fora dolorida. Nem foi isto sem o planejamento de Ulmo, e naquela mesma noite os Noldor vieram a ele. Guiado pelas lanternas azuis dos Noldor Tuor encontrou um caminho ao lado da borda do rio, e progrediu tão firmemente para o interior que, quando o amanhecer encheu o céu à sua direita, veja! O mar e sua voz estavam distantes atrás dele, e o vento vinha diante de si de forma que nem sequer o seu odor estava no ar. Assim em breve chegou àquela região que fora chamada Arlisgion, o lugar dos juncos, e esta é uma das terras que estão ao sul de Dor-Lómin e separadas de lá pelas Montanhas de Ferro, cujas pontas correm mesmo para o mar. Dessas montanhas vinha este rio, e de uma grande clareza e frio maravilhoso eram suas águas mesmo neste lugar.

Agora este é um dos rios mais famosos das histórias dos Eldar, e em todas as línguas é chamado Sirion. Aqui Tuor descansou por algum tempo até que impelido pelo desejo levantou-se mais uma vez para viajar mais e mais adiante pelas marchas de muitos dias ao longo das bordas do rio. A primavera plena ainda não trouxera o verão quando Tuor chegou a uma região ainda mais graciosa. Aqui a canção de pequenos pássaros era como uma música de encanto, pois não existem pássaros que cantam como as canções dos pássaros da Terra dos Salgueiros; e a esta região de maravilha ele tinha chegado agora. Aqui o rio virava em curvas largas com bancos baixos por uma grande planície da mais verde e doce relva; salgueiros de idade incontável estavam próximos as suas bordas, e seu seio largo estava alastrado com folhas de nenúfar, cujas flores não haviam desabrochado ainda na precocidade do ano, mas embaixo dos salgueiros as espadas verdes dos lírios estavam desembainhadas, os caniços se levantavam, os juncos pareciam ordenados e preparados para o combate. Residia naqueles lugares brumosos um espírito de murmúrios que sussurrava para Tuor, de modo que ao cair do sol ele não desejava partir; e na manhã, pela glória dos incontáveis botões-de-ouro, ele tinha ainda menos desejo de ir-se dali, e demorava-se.

Aqui viu ele as primeiras borboletas, e a visão alegrou-o; e é dito que todas as borboletas e suas famílias nasceram no vale da Terra dos Salgueiros. Então chegou o verão e o tempo das mariposas e noites tépidas, e Tuor se surpreendeu ante a multidão de moscas e besouros, e o seu zunido e o ruído musical das abelhas, e a todas estas coisas ele deu nomes por conta própria, e teceu estes nomes em canções novas em sua velha harpa; e estas canções eram mais suaves do que o seu canto de antigamente.

Então Ulmo temeu que Tuor morasse para sempre ali e as grandes coisas do seu desígnio não chegassem a se cumprir. Por isso, temeu confiar a orientação de Tuor apenas aos Noldor por mais tempo, que serviam-no em segredo, e que por medo de Melkor oscilavam muito. Nem eram fortes contra a magia daquele lugar de salgueiros, pois muito grande era o encanto do lugar. Não é verdade que, mesmo depois dos dias de Tuor, Noldorin e seus Eldar foram até lá buscando por Dor Lómin e o rio oculto e as cavernas da prisão dos Noldor? E ainda assim, perto do fim da sua demanda, eles poderiam abandoná-la? De fato, dormindo e dançando, e fazendo bela música dos sons do rio e do murmúrio da relva, e trançando tecidos ricos de fios de teia de aranha e penas de insetos alados, eles foram varridos pelos orcs despachados por Melkor das Colinas de Ferro, e poucos dos Noldor escaparam. Mas estas coisas ainda não haviam acontecido.

Então Ulmo saltou sobre sua carruagem diante da entrada do seu palácio sob as águas tranqüilas do Mar Exterior; e sua carruagem era puxado por narvais e leões marinhos e era em sua forma igual a uma baleia; e entre o soar de grandes trompas partiu velozmente de Ulmonan. Tão grande era a sua velocidade que em dias, e não em anos sem conta como poder-se-ia pensar, alcançou a foz do rio. Seu carro não podia viajar sem dano na água do rio e em meio aos seus bancos; então Ulmo, amando todos os rios e este mais do que a maioria, foi-se dali a pé, vestido até a cintura em armadura como as escamas de peixes azuis e prateados; mas seus cabelos eram prata azulada e sua barba, que lhe ia até os pés, era do mesmo tom, e ele não portava nem elmo nem coroa. Abaixo da armadura desciam as beiras de seu manto de verdes tremeluzentes, e de que substância era este tecido não se sabe, mas qualquer um que olhasse nas profundezas de suas cores sutis parecia ver os movimentos lânguidos das águas profundas cortadas pelas luzes furtivas de peixes fosforescentes que vivem no abismo. Ele estava cingido com uma corda de pérolas grandes, e calçado com grandes sapatos de pedra.

Para lá levou também seu grande instrumento de música; e este era de um desenho estranho, pois era feito de conchas longas retorcidas e perfuradas com buracos. Soprando nelas e tocando com os seus dedos longos, fazia melodias profundas de uma magia maior do que qualquer outro entre os músicos alguma vez já conseguiu em harpa ou alaúde, em lira ou flauta ou instrumentos de arco. Vindo então ao longo do rio, sentou-se entre os juncos ao crepúsculo e tocou em seu objeto de conchas; e ele estava próximo daqueles lugares onde Tuor permanecia. E Tuor escutou e ficou emudecido. Lá ficou ele entre a relva que lhe chegava aos joelhos, e não escutou mais o zumbido de insetos, nem o murmúrio da beira do rio, e o odor das flores não entrou mais em suas narinas; mas ouviu o som das ondas e o lamento dos pássaros do mar, e sua alma lançou-se para lugares rochosos e plataformas que cheiram a peixe, para o espirrar de água do cormorão mergulhador e para aqueles lugares onde o mar escava precipícios negros e exclama em alto volume.

Então Ulmo levantou-se e falou-lhe, e por temor chegou perto da morte, pois a profundidade da voz de Ulmo é das mais intensas, tanto quanto os seus olhos, que são os mais profundos dentre todas as coisas. E Ulmo disse: - Ó Tuor do coração solitário, não desejo que vivas para sempre em belos lugares de pássaros e flores; nem conduzir-te-ia eu por esta terra agradável; mas assim deve ser. Mas parte agora em tua jornada destinada e não demora, pois longe daqui fica teu destino. Agora deves tu buscar através das terras pela cidade do povo chamado Gondolindrim ou os habitantes na pedra, e os Noldor escoltar-te-ão para lá em segredo por temor dos espiões de Melkor. Palavras eu porei em tua boca lá, e lá permanecerás tu por algum tempo. Ainda assim, talvez tua vida se volte novamente para as águas poderosas; e seguramente um filho virá de ti, e nenhum homem saberá mais do que ele acerca das maiores profundezas, sejam elas do mar ou do firmamento dos céus. - Então contou Ulmo a Tuor um pouco do seu desígnio e desejo, mas disso Tuor entendeu pouco naquele momento, e temeu sobremaneira.

Então Ulmo foi envolto em uma névoa como se fosse marinha naqueles lugares interiores, e Tuor, com aquela música em seus ouvidos, de bom grado voltaria às regiões do Grande Mar; contudo lembrando-se de suas ordens, voltou-se e embrenhou-se no interior ao longo do rio, e assim viajou até que o dia surgisse. Todavia aquele que ouviu as trompas de Ulmo ouve o seu chamado até a morte, e isso Tuor acabou descobrindo.

Quando o dia veio ele estava cansado e dormiu até perto do entardecer, e os Noldor vieram até ele e o guiaram. Assim viajou muitos dias ao crepúsculo e na escuridão, e dormia de dia, e por causa disto veio a acontecer depois que não se lembrava muito bem dos caminhos que atravessara naqueles tempos. Agora Tuor e os seus guias prosseguiam incansáveis, e a terra se tornou uma terra de colinas encrespadas em torno de cujos pés quais o rio voltava, e lá havia muitos vales de afabilidade extrema; mas aqui os Noldor tornaram-se inquietos. - Estes - disseram - são os confins das regiões que Melkor infestou com os seus Orcs, o povo do ódio. Distante ao norte e, contudo, não afastadas o suficiente (quisera que estivessem há dez mil léguas), ficam as Montanhas de Ferro onde assenta-se o poder e o terror de Melkor, de quem somos escravos. De fato esta condução de ti nós fazemos em segredo, e se ele conhecesse todos os nossos propósitos o tormento dos Balrogs cairia sobre nós.

Caindo então em tal medo os Noldor logo o deixaram, e Tuor viajou sozinho entre as colinas, e isto mostrou-se mau depois, pois "Melkor tem muitos olhos", dizem, e enquanto Tuor viajava com os Noldor eles o conduziam por caminhos ao crepúsculo e por muitos túneis secretos através das colinas. Mas agora estava perdido, e escalava freqüentemente os topos dos outeiros e colinas esquadrinhando as terras em volta. Contudo não podia ver sinais de qualquer habitação, e de fato a cidade dos Gondolindrim não era encontrada com facilidade, pois nem mesmo Melkor e seus espiões haviam-na descoberto ainda. Conta-se de qualquer modo que neste tempo os espiões tiveram notícias de que o pé estranho do Homem tinha pisado aquelas terras, e que por isso Melkor duplicou suas artes e vigilância.

Quando os Noldor por medo abandonaram Tuor, um certo Voronwë seguiu-o para longe apesar de seu medo, depois que a repreensão não adiantou para encorajar os outros. Agora Tuor caíra em uma grande exaustão e estava sentado ao lado do fluxo corrente, e o desejo do mar estava em seu coração, e estava disposto uma vez mais a seguir este rio de volta para as águas largas e as ondas ruidosas. Mas este Voronwë, o fiel, chegou até ele novamente, e erguendo-se junto ao seu ouvido disse: - Oh Tuor, não pense senão que tu contemplarás novamente um dia o teu desejo; levanta agora, e vê, eu não te deixarei. Eu não sou dos que conhecem os caminhos entre os Noldor, sendo um artesão e fabricante de coisas feitas à mão de madeira e de metal, e não me uni ao grupo de escolta até que fosse tarde. Todavia há muito ouvi sussurros e declarações ditas em segredo entre o cansaço da escravidão, a respeito de uma cidade onde os Noldor poderiam libertar-se caso pudessem encontrar o caminho oculto para lá; e nós podemos sem dúvida encontrar a estrada para a Cidade de Pedra, onde está a liberdade dos Gondolindrim.

Saibam então que os Gondolindrim eram aquela família dos Noldor que sozinha escapara do poder de Melkor quando na Batalha das Lágrimas Incontáveis ele matara e escravizara seu povo e tecera feitiços sobre este e fizera com que morasse nos Infernos de Ferro, partindo dali apenas segundo a sua vontade e ordem. Por um longo tempo Tuor e Voronwë buscaram pela cidade daquele povo, até que depois de muitos dias descobriram um vale profundo entre as colinas. Aqui seguia o rio sobre um leito muito rochoso com muita velocidade e barulho, e era encoberto com um crescimento pesado de carvalhos; mas as paredes do vale eram verticais, pois estavam próximas a algumas montanhas que Voronwë não conhecia. Lá na parede verde aquele Noldo localizou uma abertura como uma grande porta com lados inclinados, e esta era coberta com arbustos espessos e uma vegetação rasteira longa e intrincada; todavia a visão penetrante de Voronwë não podia ser enganada. No entanto conta-se que tal magia seus construtores haviam fixado sobre esta (com a ajuda de Ulmo, cujo poder corria até mesmo naquele rio, mesmo que o medo de Melkor seguisse em seus bancos) que ninguém exceto os do sangue dos Noldor poderia enxergá-la assim por casualidade; nem Tuor jamais a teria encontrado exceto pela fidelidade daquele Noldo, Voronwë. Agora os Gondolindrim haviam feito sua morada secreta deste modo por medo de Melkor; contudo mesmo assim não poucos dos mais bravos Noldor escapavam descendo o rio Sirion a partir daquelas montanhas, e se muitos pereciam desse modo pelo mal de Melkor, muitos encontrando esta passagem mágica chegavam afinal à Cidade de Pedra e aumentavam em número seu povo.

Tuor e Voronwë regozijaram-se muito ao encontrar este portão, contudo entrando acharam lá um caminho escuro, de avanço difícil, e cheio de curvas; e por um longo tempo avançaram hesitando dentro de seus túneis. Estava cheio de ecos temerosos, e lá um incontável ruído de passos vinha atrás deles, de forma que Voronwë ficou amedrontado, e disse: - São os orcs de Melkor, os Orcs das colinas. - Então correram, caindo por cima das pedras na escuridão, até que perceberam que era apenas a ilusão do lugar. Assim chegaram, depois do que pareceu um tempo imensurável de apalpadelas temerosas, a um lugar onde uma luz distante brilhava, e dirigindo-se para este brilho chegaram a um portão como aquele pelo qual haviam entrado, mas de modo algum coberto por vegetação. Então passaram para a luz e durante algum tempo não puderam ver nada, mas imediatamente um grande gongo soou e houve um estrondo de armadura, e veja, estavam rodeados por guerreiros vestidos em aço.

Então olharam para cima e puderam ver, e observe! Estavam ao pé de colinas íngremes, e estas colinas faziam um grande círculo no qual ficava uma planície ampla, e firme naquele lugar, não exatamente no centro mas mais próximo àquele lugar onde estavam parados, estava uma grande colina com um topo nivelado, e naquele ápice erguia-se uma cidade na nova luz da manhã. Então Voronwë falou para a Guarda dos Gondolindrim, e a sua fala estes compreenderam, pois esta era a doce língua dos Noldor. Então Tuor falou também e questionou onde estariam e quem poderia ser aquele povo em armas que postava-se em torno, pois estava um tanto espantado e muito admirado da boa qualidade de suas armas. Então foi-lhe dito por um daquela companhia: - Nós somos os guardiões da saída do Caminho da Fuga. Alegrem-vos que tenham-no encontrado, pois contemplam diante de vós a Cidade dos Sete Nomes onde tudo aquele que guerreia com Melkor pode encontrar esperança. - Então disse Tuor: - Quais são esses nomes?

- E o líder da Guarda respondeu: - É dito e cantado: Gondobar eu sou chamada e Gondothlimbar, Cidade de Pedra e Cidade dos Moradores em Pedra; Gondolin a Pedra da Canção e Gwarestrin eu sou denominada, a Torre da Guarda; Gar Thurion ou o Lugar Secreto, pois estou escondida dos olhos de Melkor; mas aqueles que mais me amam me chamam Loth, pois como uma flor sou eu, Lothengriol, a flor que viceja na planície. Contudo - disse ele - em nossa fala diária nós dizemos e a chamamos Gondolin. Então disse Voronwë: - Leve-nos para lá, pois lá entraríamos de bom grado - e Tuor disse que o coração dele desejava muito trilhar os caminhos daquela bela cidade. Então disse o líder da Guarda que eles mesmos deviam permanecer ali, pois ainda havia muito de sua lua de vigia para passar, mas que Voronwë e Tuor poderiam entrar em Gondolin; e além disso que não precisariam de nenhum guia até lá, pois: - Vejam, ela ergue-se bela de se ver e muito clara, e suas torres alcançam os céus sobre a Colina da Guarda no meio da planície. - Então Tuor e seu companheiro seguiram sobre a planície que era de uma suavidade maravilhosa, interrompida aqui e acolá apenas por pedras arredondadas e lisas que jaziam entre o gramado, ou por lagos em leitos rochosos. Muitos caminhos bem cuidados havia através daquela planície, e chegaram depois da marcha da luz de um dia ao sopé da Colina da Guarda (que é na língua dos Noldor Amon Gwareth). Então começaram a ascender as escadas sinuosas que subiam até o portão da cidade; nem podia qualquer um alcançar aquela cidade salvo a pé e vigiado a partir das muralhas. Quando o portão ocidental refletia dourado a última luz do sol eles chegaram ao amplo topo da escada, e muitos olhos contemplavam-nos das ameias e das torres.

Mas Tuor olhou para os muros de pedra, as torres elevadas, os pináculos reluzentes da cidade, e viu as escadarias de pedra e mármore, margeadas por corrimões delgados e refrescadas pelo salto de cachoeiras finas como fios buscando a planície a partir das fontes de Amon Gwareth, e prosseguiu como que em algum sonho dos Deuses, pois não julgava que tais coisas fossem vistas pelos homens nas visões de seu sono, tão grande era a sua admiração perante a glória de Gondolin.

Assim chegaram até os portões, Tuor em maravilha e Voronwë em grande alegria de que ousando muito houvesse trazido Tuor até ali segundo a vontade de Ulmo e se livrado do jugo de Melkor para sempre. Embora não o odiasse de nenhum modo menos, já não temia aquele Mal com o terror que aprisiona (e de fato o feitiço que Melkor mantinha sobre os Noldor trazia um medo sem fim, de modo que aquele sempre lhes parecia próximo mesmo quando estavam distantes dos Infernos de Ferro; e os seus corações estremeciam e não fugiam nem mesmo quando podiam; e nisto Melkor confiava freqüentemente).

Agora as pessoas correm para fora dos portões de Gondolin e uma multidão rodeia estes dois em maravilha, jubilando-se que ainda outro dos Noldor tivesse fugido de Melkor, e maravilhando-se com a estatura e os membros magros de Tuor, sua lança pesada e guarnecida com ponta de espinha de peixe e sua grande harpa. Rústico era o seu aspecto, e seus cabelos despenteados, e vestia peles de ursos. Está escrito que naqueles dias os pais dos pais dos Homens eram de menor estatura do que os Homens são agora, e os filhos da terra dos Elfos de maior porte, contudo Tuor era o mais alto de todos os que estavam lá. Realmente os Gondolindrim não eram curvados como alguns de sua família infeliz se tornaram, labutando sem descanso a cavar e martelar para Melkor, mas pequenos eram eles e esbeltos e muito ágeis. Eram de pés rápidos e sobremaneira belos; doces e tristes eram os seus lábios, e os seus olhos sempre tinham uma alegria que podia facilmente converter-se em lágrimas; pois naqueles tempos os Noldor eram exilados no coração, assombrados com um desejo que não esmorecia pelo seu antigo lar. Mas o destino e a ânsia incontrolável por conhecimento conduzira-nos a lugares distantes, e agora estavam todos cercados por Melkor e deviam fazer suas habitações tão belas quanto podiam através do trabalho e do amor.

Como aconteceu que entre Homens os Noldor tenham sido confundidos com os Orcs que são os demônios de Melkor eu não sei, a menos que alguns dos Noldor tenham sido deformados para o mal de Melkor e tenham se misturado entre estes Orcs, pois toda aquela raça havia sido criada por Melkor dos calores subterrâneos e do lodo. Seus corações eram de granito e os seus corpos deformados; faces asquerosas que não sorriam, risos como o estrondo de metais; nada os alegrava mais do que auxiliar nos mais vis propósitos de Melkor. O maior ódio existia entre eles e os Noldor, que os denominavam Glamhoth, ou o povo do ódio terrível.

Veja, agora os guardiões armados do portão conduziam de volta o povo aglomerado em torno dos viajantes, e um entre eles falou, dizendo: - Esta é uma cidade de guarda e proteção, Gondolin sobre Amon Gwareth, onde todos os que são de coração verdadeiro podem ser livres, mas onde ninguém está livre para entrar sem ser conhecido. Digam então seus nomes. - Mas Voronwë nomeou-se Bronweg dos Noldor, ali chegado "pela vontade de Ulmo como guia deste filho dos Homens". E Tuor disse: - Eu sou Tuor filho de Peleg filho de Indor, da casa do Cisne dos filhos dos Homens no Norte, que vivem distantes daqui, e aqui venho pela vontade de Ulmo dos Oceanos Exteriores.

- Então todos que escutaram ficaram silenciosos, e a voz profunda e ressonante de Tuor os mantinha admirados, porque suas próprias vozes eram belas como o respingo das fontes. Então alguém disse entre eles: - Conduzam-no até o rei.

Então a multidão retornou para dentro das muralhas levando os viajantes com eles, e Tuor viu que os portões eram feitos de ferro, de grande altura e força. Agora as ruas de Gondolin eram extensas e pavimentadas com pedras e mármore, e havia belas casas e vielas entre jardins de flores que enfeitavam cada local para onde se voltasse o olhar. Existiam torres, muitas delas de grande esbelteza e beleza, construídas de mármore branco e entalhadas maravilhosamente, que se erguiam para o céu. Havia praças iluminadas com fontes e pássaros que cantavam entre os galhos de árvores envelhecidas, mas de todos estes belos locais o maior era aquele onde ficava o palácio do rei, e a torre deste era a mais elevada na cidade, e as fontes que brincavam diante de suas portas lançavam a água vinte e sete braças no ar até que ela caía em uma chuva cantante de cristal: nesta, a luz do sol cintilava esplendidamente, e o brilho refletido da lua conseguia ser ainda mais encantador. Os pássaros que viviam lá eram da brancura da neve e suas vozes mais doces do que uma canção de ninar.

 

Em cada lado das portas do palácio estavam duas árvores: uma carregava flores de ouro e a outra de prata; nem elas alguma vez murchavam, pois eram ramos de tempos antigos, das gloriosas árvores de Valinor que iluminaram aqueles lugares antes que Melkor e Ungoliant as secassem. Aquelas árvores os Gondolindrim chamavam de Glingol e Bansil.

 

Então Tuor foi levado a presença de Turgon, Rei de Gondolin, que estava vestido de branco usando um cinto de ouro e uma grinalda de pedras vermelhas em sua cabeça. Turgon ficou de pé diante de suas altas portas e, do topo de seus degraus brancos falou: – Bem vindo, oh Homem da Terra das Sombras. Veja! Tua vinda foi estabelecida em nossos livros de sabedoria, e escreveu-se lá que viriam a se passar muitas coisas grandiosas nos lares dos Gondolindrim quando para cá viesses.

 

Então Tuor sentiu que era hora de falar, e Ulmo colocou poder em seu coração e majestade em sua voz: – Observe, oh pai da Cidade de Pedra, eu fui mandado por aquele que faz música nas profundezas do Abismo e que conhece a mente dos Elfos e Homens, para dizer-te que os dias da libertação se aproximam. Chegaram aos ouvidos de Ulmo sussurros de sua morada e sua colina de vigilância contra o mal de Melkor. Ele está satisfeito com sua obra, mas seu coração está enfurecido e os corações dos Valar estão furiosos vendo o sofrimento do cativeiro dos Noldor e dos homens; pois Melkor os cercou na Terra das Sombras, além de colinas de ferro. Por isso fui trazido por um caminho secreto, para dizer que deves chamar suas hostes e preparar-te para a batalha, pois o tempo é vindo.

 

Então falou Turgon: – Isso eu não farei, embora estas sejam as palavras de Ulmo e de todos os Valar. Não levarei meu povo contra o terror dos orcs, nem arriscarei minha cidade contra o fogo de Melkor.

 

Então disse Tuor: – Não, se tu não ousas agora grandemente, então os orcs habitarão no exterior para sempre, possuirão no fim a maior parte das terras de Arda e não cessarão de importunar Elfos e Homens, mesmo que por outros meios os Valar planejem adiante libertar os Noldor; mas se tu confiares agora nos Valar, embora terrível seja o encontro, então os orcs deverão sucumbir e o poder de Melkor será diminuído para uma pequena fração do que é hoje.

 

Porém Turgon disse que era rei de Gondolin e nenhuma vontade deveria forçá-lo contra o seu conselho para por em perigo o caro trabalho de longas eras idas; mas Tuor disse, porque assim ele havia sido mandado por Ulmo, que temera a relutância de Turgon: – Então fui mandado para dizer que homens dos Gondolindrim sejam mandados rapidamente e secretamente descer o rio Sirion até o mar, e lá construam barcos e busquem voltar a Valinor. Veja! Os trajetos a essa estão nebulosos e a estrada desvaneceu-se do mundo, contudo ainda residem lá os Elfos, e os Valar ainda sentam-se em Valinor, embora sua alegria esteja minorada pelo sofrimento causado por Melkor e eles escondam sua terra e teçam sobre ela uma magia inacessível para que nenhum mal chegue às suas praias. Todavia, se ainda puderem seus mensageiros chegar lá, eles irão incendiar os corações dos poderes para que se levantem em ira, castiguem Melkor e destruam os Infernos de Ferro sob as Montanhas da Escuridão.

 

Turgon então disse: – A cada ano, na despedida do inverno, mensageiros partem rapidamente e em segredo descendo o Sirion até à costa do Grande Mar; lá constroem barcos aos quais atrelam cisnes e gaivotas, ou as asas fortes do vento, e estes procuram além da lua e do sol chegar a Valinor; mas os trajetos a essa estão bloqueados e as estradas desvaneceram-se do mundo, e os que sentam em Valinor preocupam-se pouco com o terror de Melkor ou os sofrimentos do mundo, mas escondem sua terra e tecem sobre ela uma magia inacessível; nenhuma notícia do mal alguma vez chega a seus ouvidos. Não, muitos do meu povo têm por anos incontáveis partido para as águas largas e nunca retornar. Eles pereceram nos lugares profundos ou vagueiam agora perdidos nas sombras que não possuem caminhos; e na vinda do próximo ano nenhum mais deve viajar para o mar, porém antes confiaremos a nós mesmos e à nossa cidade a precaução contra Melkor; e nisso os Valar foram de parca ajuda.

 

Então o coração de Tuor ficou pesado, e Voronwë lamentou a recusa de seu conselho. Tuor sentou-se perto da grande fonte do rei e seu esguicho recordou-lhe a música das ondas; sua alma estava perturbada pelas trompas de Ulmo, e pelo som delas ele retornaria descendo as águas do Sirion até o mar. Mas Turgon, que reconheceu em Tuor, mortal como era, alguém merecedor do favor dos Valar, distinguindo seu olhar resoluto e o poder de sua voz, enviou a ele uma oferta para que ficasse residindo em Gondolin em seu favor, e habitasse mesmo dentro dos salões reais se assim o desejasse.

 

Então Tuor decidiu ficar, pois estava cansado e aquele lugar era belo; e daí veio a permanência de Tuor em Gondolin. De todas as ações dele entre os Gondolindrim os contos não falam, mas é dito que muitas vezes teria ele ido e vindo secretamente daquele lugar, ficando cansado dos ajuntamentos do povo, e pensando na floresta vazia e nos prados solitários ou ouvindo longínqua a música do mar de Ulmo, não houvesse seu coração sido preenchido com amor por uma mulher dos Gondolindrim, e ela era a filha do rei.

 

Ora, Tuor aprendeu muitas coisas naquele reino, sendo às vezes ensinado por Voronwë, a quem amava e que o amava em retorno; ou mais, foi instruído pelos homens mais hábeis da cidade e pelos sábios do rei. Por conseguinte transformou-se em um homem muito mais poderoso do que antes e a sabedoria estava em seus conselhos; e muitas coisas tornaram-se claras para ele que não eram evidentes antes, e muitas coisas tornaram-se para ele conhecidas que são ainda ignoradas pelos Homens mortais.

 

Lá ouviu a respeito da fundação de Gondolin e de como o trabalho sem pausa através de eras e anos não bastara para sua construção e seu embelezamento, pois ainda trabalhava o povo de Turgon, e Gondolin a cada dia era mais enriquecida. Tuor ouviu sobre aquele túnel oculto que o povo chamava de Caminho de Fuga, e de como os conselhos haviam divergido a respeito, até que a piedade pelos fugitivos Noldor havia finalmente prevalecido. Ouviu também da guarda sem cessar que era mantida em armas em certos lugares baixos nas Montanhas Circundantes, e como os sentinelas ficavam sempre vigilantes nos picos mais elevados daquela área ao lado de faróis construídos prontos para o fogo; porque nunca aquele povo cessou de esperar um ataque dos orcs à sua cidade.

 

Agora, entretanto, a guarda das colinas era mantida mais pelo costume do que por necessidade, pois os Gondolindrim tinham outrora com inimaginável trabalho nivelado, limpado e cavado toda a planície próxima a Amon Gwareth, de modo que qualquer elfo, animal ou víbora que pudessem se aproximar eram espiados de muitas léguas de distância, pois entre os Gondolindrim estavam muitos cujos olhos eram mais aguçados do que os das águias de Manwë Súlimo; e por esta razão chamam esse vale Tumladen, ou o Vale da Suavidade. Agora este grande trabalho estava terminado e o povo ocupava-se mais com a extração dos metais e o forjamento de toda espécie de espadas, machados, lanças e bastões, e a moldagem de cotas de malha, armaduras de escamas, armaduras para as pernas, armaduras de placas para proteger o antebraço, elmos e escudos. Foi dito a Tuor que, se o povo de Gondolin atirasse com arcos sem parar dia ou noite, nem assim poderiam despender todas as flechas armazenadas em muitos anos de labuta, e que a cada ano seu medo dos orcs ficava menor devido a essas providências.

 

Tuor lá aprendeu da construção com pedra, de alvenaria e da lavragem de rocha e mármore; dos ofícios de tecelagem e fiação, bordadura e pintura, e habilidade em metais. Músicas as mais delicadas ouviu; e nestas eram aqueles que residiam na parte sul da cidade os mais hábeis, pois lá brincava uma profusão de fontes e nascentes murmurantes. Muitas destas sutilezas Tuor dominou e aprendeu a entretecer com suas canções para a maravilha e alegria dos corações dos ouvintes. Histórias estranhas do Sol e da Lua e das Estrelas, da maneira da Terra e seus elementos e das profundezas do céu foram-lhe contadas; e dos Elfos aprendeu suas falas e velhas línguas e modos de escrita, e ouviu contar de Ilúvatar, o Senhor para Sempre, que habita além do mundo, da grande música dos Ainur aos pés de Ilúvatar nas mais absolutas profundezas do tempo de onde veio a criação do mundo e da maneira deste, e de tudo nele e de seu governo.

 

Devido a seu talento e grande maestria sobre toda a sabedoria e arte, e por sua grande coragem de coração e corpo, Tuor tornou um conforto sua presença para o rei sem filhos homens; e ele era muito amado pelo povo de Gondolin. Em um tempo o rei fez com que seus artífices mais astutos talhassem uma armadura de placas para Tuor como um grande presente, feita do aço dos Noldor e recoberta de prata; mas seu elmo era adornado com um emblema de metais e jóias como duas asas de cisne, uma em cada lado, e uma asa de cisne fora lavrada em seu escudo; mas ele carregava um machado em vez de uma espada, e a este na fala dos Gondolindrim chamou Dramborleg, pois seu golpe aturdia e sua borda talhava a mais espessa armadura.

 

Uma casa foi construída para ele sobre as muralhas do sul, pois amava os ares livres e não gostava da proximidade de outras moradias. Lá, para seu prazer, freqüentemente ficava parado nas ameias ao alvorecer, e o povo regozijava-se a ver a nova luz refletindo nas asas de seu elmo; e muitos murmuravam que de bom grado apoiá-lo-iam na batalha com os orcs, vendo que o diálogo daqueles dois, Tuor e Turgon, diante do palácio, era conhecidos por muitos; mas esta questão não foi adiante por reverência a Turgon e porque o pensamento das palavras de Ulmo no coração de Tuor parecia ter-se tornado remoto e obscurecido.

 

Vieram os dias em que Tuor habitara entre os Gondolindrim por muitos anos. Por muito tempo tinha conhecido e guardado um amor pela filha do rei, e agora estava o seu coração preenchido daquele amor. Grande amor também tinha Idril por Tuor, e os cordões dos destinos de ambos foram entretecidos naquele dia em que primeiramente ela olhou por cima dele de uma janela elevada, enquanto este estava de pé, um suplicante extenuado diante do palácio do rei. Pouco motivo tinha Turgon para opor-se ao amor deles, pois via em Tuor um parente que traria conforto e grande esperança. Assim pela primeira vez foi unido um filho dos Homens com uma filha dos Elfos; e Tuor não foi o último. Menos glória muitos tiveram do que eles, e o pesar daqueles no fim foi grande. Contudo grande foi a alegria daqueles dias quando Idril e Tuor casaram-se diante do povo em Gar Ainion, o Lugar dos Deuses, próximo aos salões do rei. Um dia de alegria foi esse casamento para a cidade de Gondolin, e da maior felicidade para Tuor e Idril. Depois disso ambos residiram em alegria naquela casa acima das muralhas que olhava para o sul sobre Tumladen, e isto foi bom para os corações de todos na cidade, salvo Maeglin. Ora, aquele Noldo era vindo de uma casa antiga, embora agora seus números fossem menores do que os de outras, mas ele mesmo era sobrinho do rei por sua mãe, Aredhel, a irmã do rei; mas a história dela e de Ëol não se pode contar aqui.

 

O símbolo de Maeglin era uma Toupeira Negra; ele era grande entre os mineiros e um chefe dos escavadores atrás de minério; e muitos destes pertenciam à sua casa. Era menos belo do que a maioria deste povo, moreno e de humor muito instável, de modo que alcançasse pouco amor entre os que com ele viviam. Havia sussurros de que corria sangue orc em suas veias, mas não sei como isto poderia ser verdadeiro. Propusera-se ao rei freqüentemente para a mão de Idril, todavia Turgon considerando-a muito avessa dissera não, pois lhe parecia que os pedidos de Maeglin eram causados tanto pelo desejo de estar em poder elevado ao lado do trono real quanto pelo amor daquela donzela tão formosa. Ela era bela e corajosa; e as pessoas a chamavam Idril dos Pés de Prata, pois ela permanecia sempre descalça e com a cabeça descoberta, filha do rei como era, exceto em pompas dos Ainur; e Maeglin corroeu-se de raiva vendo Tuor suplantá-lo.

 

Nestes dias veio a cumprir-se o tempo do desejo dos Valar e da esperança dos Eldalië, pois em grande amor Idril deu à luz um filho de Tuor, e ele foi chamado Eärendil. Agora para isso há muitas interpretações entre Elfos e Homens, mas segundo parece, este era um nome tirado de alguma língua secreta entre os Gondolindrim, e essa pereceu com eles nas moradias da Terra.

 

Este bebê era da maior beleza; sua pele de um branco radiante e seus olhos de um azul superando o do céu nas terras meridionais, mais azuis do que as safiras do traje de Manwë; e a inveja de Maeglin foi profunda em seu nascimento, mas a alegria de Turgon e todo o povo foi muito grande de fato.

 

Observe agora; muitos anos se passaram desde que Tuor estivera perdido entre os sopés das colinas e abandonado por aqueles Noldor; contudo muitos anos também haviam passado desde que aos ouvidos de Melkor chegaram pela primeira vez aquelas notícias estranhas (vagas elas eram e várias na forma) de um Homem vagando entre os vales das águas do Sirion. Agora Melkor não estava muito receoso da raça dos Homens naqueles dias de seu grande poder, e por esta razão Ulmo trabalhou por meio de um desta família para melhor iludir Melkor, vendo que nenhum Valar e poucos dos Eldar ou dos Noldor podiam movimentar-se desapercebidos de sua vigilância. Todavia apesar de tudo um pressentimento atingiu aquele mau coração conforme as informações lhe chegavam, e ele reuniu um exército poderoso de espiões: filhos dos Orcs estavam lá com olhos amarelos e verdes como gatos, que poderiam perfurar todas as trevas e ver através de névoa ou bruma ou noite; serpentes que poderiam ir a todos os lugares e procurar todas as fendas, dos poços mais profundos aos picos mais elevados, escutar cada sussurro que corresse na grama ou ecoasse nos montes; lobos e cães vorazes e grandes doninhas cheias da sede de sangue, cujas narinas poderiam captar aromas de luas antigas através da água corrente, ou cujos olhos encontram, entre os pedregulhos, pegadas com uma vida inteira de idade; corujas vinham, e falcões, cujo olhar aguçado podia enxergar no dia ou na noite o esvoaçar de pássaros pequenos em todas as florestas do mundo, e o movimento de cada camundongo ou ratazana ou rato que rasteje ou habite por toda a Terra. Todos estes ele chamou a seu Salão de Ferro, e eles vieram em multidões. Dali enviou-os sobre a Terra para buscar este Homem que escapara da Terra das Sombras, mas ainda mais cuidadosamente para procurar a habitação dos Noldor que haviam escapado de seu cativeiro; pois estes seu coração queimava por destruir ou escravizar.

 

Enquanto Tuor residia em felicidade em Gondolin e seu conhecimento e poder cresciam, estas criaturas incansáveis procuraram entre as pedras e rochas, caçaram nas florestas e nas urzes, espiaram os ares e os lugares elevados, trilharam todos os caminhos próximos dos vales e planícies. Desta caçada trouxeram uma riqueza de informações a Melkor; e certamente, entre muitas coisas escondidas que trouxeram a luz descobriram aquele Caminho da Fuga no qual Tuor e Voronwë haviam outrora entrado. Mas nem isso teriam descoberto sem constranger com ameaças de tortura alguns Noldor dentre os de vontade menos firme a participar naquele grande saque; pois devido à magia daquele lugar povo nenhum de Melkor sem a ajuda dos Noldor podia chegar. No entanto, agora eles tinham caminhado longe dentro daquele túnel e ali haviam capturado muitos Noldor que fugiam do cativeiro. Tinham escalado também as Montanhas Circundantes em determinados lugares e olhado para a beleza da cidade de Gondolin e a força de Amon Gwareth à distância; mas não podiam avançar até a planície pela vigilância de seus guardiões e a dificuldade daquelas montanhas. De fato os Gondolindrim eram grandes arqueiros, e os arcos que faziam eram uma maravilha de poder. Esses arqueiros podiam disparar uma flecha para o céu sete vezes tão distante quanto pode o melhor arqueiro entre os Homens atirar a um alvo em cima da terra; e não teriam admitido que nenhum falcão voasse sobre sua planície ou serpente rastejasse sobre esta; pois não gostavam de criaturas sanguinárias, produtos de Melkor.

 

Naqueles dias Eärendil tinha um ano de vida quando estas más notícias chegaram, de como os espiões de Melkor circundavam o vale de Tumladen. Então o coração de Turgon ficou entristecido, recordando as palavras de Tuor em anos passados diante das portas do palácio; e mandou que a vigília e a guarda fosse fortalecida três vezes em todos os pontos, e que instrumentos de guerra fossem projetados por seus artífices e postos sobre o monte. Fogos venenosos e líquidos quentes, flechas e grandes rochas, estavam preparados para disparar sobre qualquer um que atacasse aqueles muros brilhantes; e então deu-se por satisfeito, tanto quanto podia ser; mas o coração de Tuor estava mais pesado do que o do rei, porque agora as palavras de Ulmo vinham sempre à sua mente, e seu significado e gravidade agora compreendia mais profundamente do que em tempos antigos; nem ele encontrava qualquer conforto em Idril, porque o coração dela trazia presságios ainda mais negros do que o seu próprio.

 

Sabe-se que Idril tinha um grande poder de penetrar com seu pensamento a escuridão dos corações dos Elfos e Homens e as trevas do futuro ali, mais do que é o poder comum das famílias dos Eldalië; conseqüentemente ela falou um dia a Tuor: – Saiba, meu marido, que meu coração está apreensivo pela dúvida com relação a Maeglin, e temo que este trará mal sobre nosso belo reino, embora de nenhuma maneira eu possa ver como ou quando. Todavia temo que tudo que ele saiba de nossas ações e preparações se torne de alguma maneira conhecido ao Inimigo, de modo que este planeje meios novos de nos derrotar contra os quais não pensamos em nenhuma defesa. Veja! Sonhei uma noite que Maeglin construía uma fornalha, e vindo a nós inesperadamente arremessava nessa Eärendil, nosso bebê, e depois empurrava dentro dela a ti e a mim; mas a isto, por tristeza pela morte de nossa bela criança, eu não resistiria.

 

E Tuor respondeu: – Há uma razão para o teu medo, pois nem está meu coração tranqüilo para com Maeglin; contudo ele é sobrinho do rei e teu próprio primo; nem existe acusação contra ele, e não vejo nada a fazer além de conformar-se e vigiar.

 

Mas Idril disse: – Este é meu conselho: reúnas tu em segredo profundo aqueles escavadores e mineiros que por julgamento cuidadoso sejam considerados por ter menos amor a Maeglin em razão do orgulho e arrogância de suas transações entre eles. Destes deves tu escolher homens de confiança para manter guarda sobre Maeglin quando ele for para os montes exteriores; todavia eu aconselho-te a empregar a maior parte daqueles em cuja discrição tu possas confiar em uma escavação escondida, e para projetar com sua ajuda, cauteloso e lento que seja esse trabalho, um caminho secreto da tua casa aqui, sob as rochas deste monte até o vale abaixo. Este caminho não deve conduzir para o Caminho da Fuga, pois o meu coração me diz para não confiar nele; mas sim para a passagem longínqua, a Fenda das Águias nas montanhas meridionais; e quanto mais longe esta escavação alcançar para lá abaixo da planície mais a estimarei. Contudo deixe todo este trabalho ser mantido secreto exceto para alguns poucos.

 

Não há escavadores da terra ou da rocha como os Noldor (e isto Melkor sabe), mas naqueles lugares a terra é de uma grande dureza; e Tuor disse: – As rochas do monte de Amon Gwareth são como ferro, e somente com muito trabalho podem ser rachadas; todavia se isto for feito em segredo então grande tempo e paciência devem ser adicionados; mas a pedra do solo do Vale de Tumladen é como o aço forjado, nem pode ele ser cortado sem o conhecimento dos Gondolindrim salvo em luas e anos.

 

Idril disse então: – Verdade isto pode ser, mas tal é meu conselho, e ainda há tempo disponível. – Então Tuor disse que não podia ver todo o propósito disto, mas acrescentou: – É melhor qualquer plano do que uma falta de conselho, e farei mesmo como tu dizes.

 

Aconteceu assim que não muito tempo depois Maeglin foi para as colinas para conseguir minério, e perdido nas montanhas sozinho foi tomado por alguns dos Orcs que perambulavam por lá; e lhe fariam mal e terrível dano, reconhecendo-o como um dos Gondolindrim. Isto foi, entretanto, desconhecido dos sentinelas de Tuor. Mas o mal veio no coração de Maeglin e este disse a seus captores: – Saibam que eu sou Maeglin, filho de Ëol, que teve por esposa Aredhel irmã de Turgon rei dos Gondolindrim. – Mas disseram os orcs: – O que é isso para nós? – E Maeglin respondeu: – Muito é isto para vocês; pois se me matarem, seja isto de forma rápida ou lenta, vocês perderão grandes informações da cidade de Gondolin que seu mestre regozijar-se-ia ao ouvir. – Então os Orcs pararam suas mãos, e disseram que dar-lhe-iam a vida se as questões que lhes esclarecesse parecessem merecer isso; e Maeglin contou-lhes de toda a forma daquela planície e cidade, de suas muralhas e sua altura, da espessura e do valor de seus portões; da hoste de homens em armas que agora obedeciam Turgon, do incontável mealheiro de armas reunido para seu equipamento, dos instrumentos de guerra e dos fogos.

 

Então os Orcs ficaram enfurecidos, e tendo ouvido estes assuntos estavam ainda dispostos a matarem-no lá como a alguém que ampliou imprudentemente o poder de seu povo miserável ao escárnio do grande poder e potência de Melkor; mas Maeglin pegou-se em uma última esperança e disse: – Não penseis vós que preferiríeis agradar o seu mestre se trouxésseis aos seus pés um cativo tão nobre, de modo que ele poderia ouvir minhas informações por si mesmo e julgar sua verdade?

 

Agora isto pareceu bom aos Orcs, e retornaram das montanhas perto de Gondolin para as Montanhas de Ferro e aos salões escuros de Melkor; para lá arrastaram Maeglin, e agora estava este em um horror dolorido. Mas quando se ajoelhou diante do trono negro de Melkor em terror e repugnância das formas em cerca dele, dos lobos que se sentavam debaixo daquela cadeira e das cobras que se entrelaçavam em volta das suas pernas, Melkor mandou-o falar. Então lhe contou aquelas informações, e Melkor escutando falou-lhe de modo tão justo que a insolência de seu coração em grande medida retornou.

 

O fim disto foi que Melkor, ajudado pela astúcia de Maeglin, criou um plano para a destruição de Gondolin. Para isto a recompensa de Maeglin devia ser tornar-se um alto capitão entre os Orcs (contudo Melkor não tencionava em seu coração cumprir tal promessa) mas Tuor e Eärendil Melkor deveria queimar, e Idril ser dada aos braços de Maeglin (e tais promessas aquele ser maligno estava disposto a cumprir). Todavia, como aviso caso se mostrasse novamente desleal, Melkor ameaçou Maeglin com o tormento dos Balrogs. Estes eram demônios com chicotes de chama e garras de aço com que Melkor atormentava aqueles dos Noldor que ousassem oporem-se-lhe em qualquer coisa; e os Eldar chamavam-nos Valaraukar. Mas o conselho que Maeglin deu a Melkor foi que nem toda a hoste dos Orcs nem os Balrogs em sua ferocidade podiam, por ataque ou cerco, esperar derrubar os muros e portões de Gondolin; todo esse exército iria, no máximo, tomar as planícies exteriores. Conseqüentemente aconselhou a Melkor a planejar de suas feitiçarias um socorro para seus guerreiros em sua diligência. Da grandeza de sua riqueza de metais e de seus poderes de fogo disse-lhe que fizesse bestas como serpentes e dragões de poder irresistível, que deveriam rastejar sobre as Montanhas Circundantes e cobrir aquela planície e sua bela cidade de chamas e morte.

 

Então Maeglin foi ordenado a ir pra casa a fim de que não suspeitassem por sua ausência; mas Melkor teceu sobre ele um encanto de terror sem fundo, e este não teve depois disso nem alegria nem sossego em seu coração. Apesar de tudo vestiu uma bela máscara de boa amizade e alegria, de modo que os homens dissessem: – Maeglin está suavizado – e foi considerado em menos desfavor; contudo Idril temeu-o mais. Agora Maeglin dizia: – Eu trabalhei muito e penso em descansar, e juntar-me à dança, à canção e aos divertimentos do povo – e não foi mais extrair pedra ou minério nas colinas: todavia na verdade buscou nisto afogar seu medo e inquietude. Um pavor possuía-o de que Melkor estivesse sempre perto, e isto vinha do encanto; e nunca ousou vagar outra vez entre as minas com receio de que encontrasse outra vez com os Orcs e fosse mandado uma vez mais para os terrores dos salões da escuridão.

 

Os anos passam e, instigado por Idril, Tuor manteve-se sempre em sua escavação secreta; mas observando que a vigia dos espiões de Melkor diminuíra, Turgon vivia mais na tranqüilidade e em menor medo. Não obstante, estes anos foram ocupados por Melkor na máxima excitação de trabalho, e todo o povo escravizado dos Noldor teve que escavar incessantemente por metais enquanto Melkor sentava e projetava fogos e evocava chamas e fumaças dos mais profundos lugares da terra; nem permitia ele que os Noldor se apartassem sequer um passo de seus lugares de cativeiro e trabalho. Então Melkor reuniu todos os seus mais astutos ferreiros e feiticeiros, e de ferro e chama construíram uma hoste de monstros como somente naquele tempo foram vistos e não o serão novamente até o Grande Fim.

 

Alguns eram todos de ferro, tão astuciosamente ligado que podiam mover-se como rios lentos de metal ou serpearem-se ao redor e por cima de todos os obstáculos diante deles, e estes foram preenchidos em suas profundezas com os mais severos dentre os orcs, munidos de cimitarras e lanças; a outros monstros de bronze e cobre foram dados corações e espíritos de fogo flamejante; eles destruíam tudo o que estivesse diante deles com o terror de seu urro ou pisavam o que quer que escapasse ao ardor de seu hálito; todavia outros eram criaturas de pura chama que retorciam-se como cordas de metal fundido, que traziam a ruína a qualquer material de que se aproximassem, e ferro e pedra derretiam-se diante deles e tornavam-se como água, e em cima deles cavalgavam Balrogs às centenas; e estes eram os mais horrendos de todos aqueles monstros que Melkor enviou contra Gondolin.

 

Quando o sétimo verão passara desde a traição de Maeglin, e Eärendil era ainda de muito tenra idade embora uma criança valorosa, Melkor retirou todos os seus espiões, porque cada trajeto e canto das montanhas era-lhe conhecido agora; todavia os Gondolindrim pensaram, em sua falta de cautela, que Melkor não mais buscaria por eles, percebendo seu poder e a força impregnável de sua morada.

 

Mas Idril caiu em um humor sombrio e a luz de sua face estava obscurecida, e muitos se surpreenderam com isso; contudo, Turgon reduziu a sentinela e a guarda a seus números antigos, e ainda para um tanto a menos; e quando o outono veio e a colheita de frutos terminou, o povo voltou-se com corações contentes para as festas do inverno. Mas Tuor ficou de pé sobre as muralhas e olhou por sobre as Montanhas Circundantes.

Agora observe, Idril estava ao do lado dele, e o vento estava em seu cabelo, e Tuor pensou que ela era extraordinariamente bela, e inclinou-se para beijá-la; mas seu rosto estava triste, e ela disse: – Agora vêm os dias quando tu deves fazer a escolha – e Tuor não soube do que ela falava. Então Idril, levando-o para dentro de seus salões, disse-lhe como seu coração a fazia temer a respeito de Eärendil seu filho, pressentindo que algum grande mal estava próximo e que Melkor estaria no fundo dele.

 

Então Tuor tentou confortá-la, mas não conseguiu, e ela questionou-o a respeito da escavação secreta, e ele disse como esta agora estendia-se por uma légua sob a planície, e isso foi a única coisa que abrandou o medo em seu coração. Mas ela ainda aconselhou que a escavação fosse avançada, e que doravante dever-se-ia acelerar; a determinação passara a ser mais valiosa que o segredo: – Porque agora o tempo está muito próximo. – E um outro conselho ela lhe deu, e este ele tomou também, de que certos homens, dos mais bravos e verdadeiros entre os senhores e guerreiros dos Gondolindrim, fossem escolhidos com cuidado e informados daquele caminho secreto e de sua saída. Destes ela aconselhou-o a fazer uma Guarda destemida e dar-lhes o seu emblema, de forma que eles se tornassem o seu povo, e para agir assim sob o pretexto do direito e da dignidade de um grande senhor, parente do rei. – Além disso – ela disse – conseguirei a permissão de meu pai para tais ações. – Ela segredou também ao povo que se a cidade chegasse à sua última resistência ou Turgon fosse morto, que se reunissem em volta de Tuor e Eärendil, e a isto eles disseram sim entre gracejos, dizendo porém que Gondolin resistiria por tanto tempo quanto Taniquetil ou as montanhas de Valinor.

 

Porém, para Turgon ela não falou abertamente, nem permitiu que Tuor o fizesse, como ele desejava, a despeito do amor deles e reverência pelo rei (pois ele era grande, nobre e glorioso) vendo que este acreditava em Maeglin e mantinha com obstinação cega sua crença no poder impregnável da cidade e em que Melkor não mais empenhava-se contra esta, não percebendo nenhuma esperança nisso. Ora, em tudo isto Turgon era sempre fortalecido pelas afirmações argutas de Maeglin. A astúcia daquele Noldo era muito grande, pois trabalhava nas sombras, de modo que o povo dizia: – Ele faz bem em usar o símbolo de uma toupeira negra. – E por razão das palavras vagas de certos homens do grupo de Tuor a quem este falara com descuido, ele coletou algum conhecimento do trabalho secreto e estendeu contra este um plano de sua própria autoria.

 

Então o inverno se intensificou, e ficou muito frio por aquelas regiões, de modo que a geada cobria a planície de Tumladen e o gelo repousava em seus lagos; não obstante, as fontes brincavam sempre em Amon Gwareth, as duas árvores floresciam e o povo festejou alegre até o dia do terror que estava escondido no coração de Melkor. Aquele inverno amargo passou, e as neves ficaram mais profundas do que nunca antes nas Montanhas Circundantes; todavia neste tempo uma primavera de glória surpreendente derreteu a margem daquelas capas brancas e o vale tragou as águas e se abriu em flores. Então veio e passou com festas o festival de Nos-na-Lothion ou o Nascimento das Flores, e os corações dos Gondolindrim foram elevados pela boa promessa do ano; e agora finalmente a grande festa de Tarnin Austa, As Portas do Verão, chegara.

 

Pois saiba que era costume dos Noldor começar uma cerimônia solene à meia-noite continuando-a até que o alvorecer de Tarnin Austa rompesse, e nenhuma voz era proferida na cidade da meia-noite até o romper do dia, mas na madrugada este povo saudava com canções antigas o nascer do sol. Por anos incontáveis a chegada do verão fora assim comemorada, com música de coros situados acima de sua muralha oriental; chega a noite de vigília e a cidade está cheia de lâmpadas prateadas, enquanto nos arvoredos em cima das árvores luzes de pedras preciosas coloridas balançam, músicas suaves prosseguem ao longo das ruas sem nenhum sinal de vozes até o amanhecer.

 

O sol desceu além das colinas e o povo arrumou-se para o festival, muito alegre e ansioso, olhando em expectativa para o Leste. Olhe! Mesmo quando estava tudo escuro, uma nova luz repentinamente apareceu e houve uma incandescência avermelhada, mas essa luz estava além dos cumes na direção norte, os homens maravilharam-se e houve uma aglomeração nos muros e ameias. Então a admiração transformou-se em dúvida conforme aquela luz cresceu e se tornou ainda mais vermelha, e então em medo quando os Noldor viram que a neve nas montanhas tingia-se como se estivesse manchada de sangue. E foi assim que as serpentes de fogo de Melkor chegaram a Gondolin.

 

Então chegaram sobre a planície cavaleiros que traziam notícias apressadas daqueles que mantinham guarda nos picos; e contaram das hostes ardentes e das formas como dragões, e disseram: – Melkor está sobre nós. – Grande foi o medo e angústia dentro daquela bela cidade, e as ruas e caminhos estavam cheios com o pranto de mulheres e os gemidos de crianças, e as praças com a reunião de tropas de soldados e o ressoar de armas. Lá estavam os estandartes resplandecentes de todas as casas dos Gondolindrim.

 

Poderosa era a presença dos homens da casa do rei, e suas cores eram branco, dourado e vermelho, e seus emblemas a lua, o sol e o coração escarlate. No centro destes estava Tuor acima de todos os líderes, e sua armadura de prata brilhava, e em torno dele havia uma multidão dos mais destemidos dentre o povo. Veja! Todos os guerreiros de Tuor usavam asas como que de cisnes ou gaivotas em seus elmos, e o emblema da Asa Branca estava em seus escudos. Mas o povo de Maeglin estava reunido no mesmo lugar, e seus adornos eram negros, e não portavam nenhum símbolo ou emblema, porém seus capacetes redondos de aço eram cobertos com pele de toupeira e lutavam com machados de duas cabeças semelhantes a picaretas. Lá Maeglin, príncipe de Gondobar, reuniu em torno de si muitos guerreiros de semblante escuro e olhar ameaçador, e um brilho vermelho resplandecia em suas faces e refletia sobre as superfícies polidas de seus trajes. Todas as colinas para o norte estavam inflamadas, e era como se rios de fogo corressem descendo as encostas que conduziam à planície de Tumladen. O povo já podia sentir o calor das chamas.

 

Muitas outras casas estavam lá, as casas da Andorinha e do Arco Celestial, e deste povo vinha o maior número e os melhores dentre os arqueiros, e foram arrumados nos lugares largos dos muros. Ora, o povo da Andorinha portava um leque de plumas em seus elmos e estava adornado em branco e azul escuro e em púrpura e preto, e exibia uma ponta de flecha em seus escudos. O senhor desta casa era Duilin, mais rápido de todos os homens para correr e saltar, e o mais certeiro dos arqueiros em sua ou em qualquer outra casa. Mas os guerreiros do Arco Celestial, sendo um povo de riqueza incontável, estavam adornados em uma glória de cores e suas armas eram adornadas com pedras preciosas que resplandeciam na luz que cobria o céu.

 

Cada escudo daquele batalhão era de azul celeste, e o centro destes escudos era como uma jóia formada de sete gemas, rubis, ametistas, safiras, esmeraldas, crisóprasos, topázios e âmbar, mas uma opala de grande tamanho estava fixada em seus elmos. Egalmoth era seu líder, que vestia um manto azul com estrelas bordadas em cristal, e sua espada era curvada; ninguém mais entre os Noldor portava espadas curvas. Contudo ele confiava mais em seu arco, e com ele disparava mais longe do que qualquer um dentre aquele exército.

 

Lá também estavam a casa do Pilar e da Torre da Neve, e ambas estas famílias eram dirigidas por Pengolod, o mais alto dos Noldor. Havia também a casa da Árvore, e esta era uma grande casa e sua vestimenta era verde. Eles lutavam com fundas e clavas cravadas com ferro, e seu senhor, Galdor, era considerado o mais destemido de todos os Gondolindrim salvo apenas Turgon. A casa da Flor Dourada trazia um sol com raios em seus escudos, e seu líder, Glorfindel, usava um manto bordado com fios de ouro e decorado com celidônias como um campo na primavera; suas armas também eram adornadas com ouro.

 

Chegando da parte sul da cidade veio o povo da Fonte, e Ecthelion era o seu senhor, e prata e diamantes eram o seu deleite; e espadas muito longas e pálidas eles empunhavam indo para a batalha à música de flautas. Atrás deles veio a hoste da Harpa, e esta era um batalhão de bravos guerreiros; mas o líder deles, Salgant, era um covarde que procedia servilmente para com Maeglin. Eles eram adornados com borlas de prata e de ouro, e uma harpa de prata brilhava no seu brasão em um campo negro; mas Salgant trazia uma harpa de ouro, e apenas ele cavalgava para a batalha dentre todos os filhos dos Gondolindrim. Era pesado e atarracado.

 

Agora o último dos batalhões foi provido pelo povo do Martelo da Ira, e destes vinham muitos dos melhores ferreiros e artífices de Gondolin. Toda aquela casa reverenciava Aulë, o Ferreiro, mais do que qualquer outro dos Valar. Eles lutavam com maças grandes como martelos e seus escudos eram pesados, pois seus braços eram muito fortes. Em dias antigos tinham sido recrutados pelos Noldor que escapavam das minas de Melkor, e o ódio dessa casa pelos trabalhos do inimigo e suas criaturas era excessivamente grande. Seu líder era Rog, o mais forte dos Noldor de Gondolin, segundo em valor seguindo-se a Galdor da casa da Árvore. O símbolo desse povo era a Bigorna Ferida, e um martelo que golpeava centelhas em volta de si estava colocado em seus escudos; ouro vermelho e ferro negro eram seu encanto. Muito numeroso era aquele batalhão, nem havia qualquer um entre eles cujo coração fosse fraco. A casa do Martelo da Ira ganhou as maiores glórias dentre todas aquelas belas hostes na luta contra a destruição; contudo foram infortunados e nenhum deles escapou, mas caíram fielmente ao redor de seu líder, Rog, e desapareceram da Terra; e com eles muita habilidade de forja se perdeu para sempre.

 

Esta era a maneira e a ordem das onze casas dos Gondolindrim com os seus símbolos e emblemas, e a guarda Tuor, a casa da Asa, era considerada a décima-segunda. A face daquele líder estava sombria e ele não esperava viver muito. Nas muralhas de sua casa sobre os muros Idril veste-se em uma cota de malha e busca Eärendil. A criança estava em lágrimas pelas luzes estranhas e vermelhas que brincavam de um lado a outro das paredes da câmara onde dormia; as histórias que sua ama, Meleth, lhe contara sobre Melkor vinham a ele e o assustavam. Mas sua mãe vestiu-lhe uma cota de malha que mandara fazer em segredo, e naquele momento Eärendil ficou mesmo alegre e extremamente orgulhoso, e exclamou de prazer. Todavia Idril lamentou, pois muito ela apreciara em seu coração sua bela cidade e sua casa agradável, e o amor de Tuor e dela que habitara ali; mas agora via sua destruição próxima e temia que seu plano falhasse contra o poder opressivo do terror das serpentes.

 

Eram ainda quatro horas antes da meia-noite, e o céu estava vermelho a norte, leste e oeste; as serpentes de ferro haviam alcançado o nível de Tumladen, e esses vermes faiscantes estavam entre os mais baixos declives das colinas, de forma que os guardas foram pegos e postos em tormento maligno pelos Balrogs que estavam em toda parte, exceto na extremidade sul do vale, onde estava Cristhorn, a Fenda das Águias.

 

Então Turgon chamou um conselho, e para lá foram Tuor e Maeglin como príncipes reais; e Duilin veio com Egalmoth e Pengolod o alto, e Rog foi para lá a passos largos com Galdor da Árvore e Glorfindel e Ecthelion da voz de música. Para lá também foi Salgant, trêmulo devido às notícias, e outros nobres de menos sangue porém melhor coração.

 

Então Tuor falou, e este foi seu conselho: que um ataque repentino e poderoso fosse feito em seguida, antes que a luz e o calor aumentassem na planície; e muitos o apoiaram, estando apenas em desacordo sobre se a investida deveria ser feita pela hoste inteira com as donzelas e crianças em meio aos homens, ou por diversos bandos buscando em muitas direções; e a esta última Tuor inclinou-se.

 

Mas Maeglin e Salgant propuseram outro conselho, de que a cidade fosse defendida e que se buscasse guardar os tesouros que estavam dentro desta. Por malícia Maeglin falou assim, temendo que algum dos Noldor escapasse à destruição que trouxera sobre Gondolin, pois ele temia que sua traição fosse conhecida e de alguma maneira, algum dia, a vingança o encontrasse. Mas Salgant falou tanto ecoando Maeglin quanto estando tristemente amedrontado de sair da cidade, pois ele estava disposto antes a batalhar de dentro de uma fortaleza inconquistável do que se arriscar a golpes no campo.

 

Então o senhor da casa da Toupeira tocou na única fraqueza de Turgon, dizendo: –Veja! Ó Rei, a cidade de Gondolin contém uma riqueza de jóias, metais e matérias-primas e de coisas forjadas pelas mãos dos Noldor de extrema beleza, e todos estes teus senhores, mais valentes do que sábios, me parece, abandonariam tudo isso ao Inimigo. Até mesmo se a vitória fosse vossa na planície, tua cidade seria pilhada e os Balrogs partiriam dela com um saque imensurável. – E Turgon suspirou, pois Maeglin conhecia seu grande amor pela riqueza e encanto daquela cidade sobre o Amon Gwareth.

 

Mais uma vez falou Maeglin, pondo fogo em sua voz: ­– Veja! Tens tu para nada labutado por anos incontáveis na construção de paredes de espessura inconquistável e na fabricação de portões cuja força não pode ser subvertida; é o poder do monte Amon Gwareth tão baixo quanto o vale profundo, ou o mealheiro de armas que repousam ali e suas flechas inumeráveis de tão pequeno valor, que na hora de perigo porias tu todo o teu trabalho de lado e irias desnudo, em campo aberto, contra inimigos de aço e fogo, cujo tropel estremece a terra e faz as Montanhas Circundantes ressoarem com o clamor de seus passos?

 

E Salgant tremeu ao pensar nisto e falou ruidosamente, dizendo: – Maeglin fala bem, Ó Rei, ouça-o tu. – Então o rei tomou o conselho daqueles dois, embora todos os outros senhores aconselhassem o contrário, e ainda mais ainda por esta razão. Então, ao seu comando, todo aquele povo preparou-se para defender Gondolin contra o ataque que viria da planície. Mas Tuor lamentou, deixou o salão do rei, e reunindo os homens da Asa atravessou as ruas buscando sua casa; e por aquela hora a luz estava grande e lúrida e havia calor sufocante, fumaça negra e odores fortes surgiam sobre todos os caminhos da cidade.

 

E agora vinham os Monstros de Ferro através do vale e as torres brancas de Gondolin avermelharam-se diante deles; até os mais destemidos ficaram amedrontados vendo aqueles dragões de fogo e aquelas serpentes de bronze e ferro que chegavam; e dispararam flechas sobre eles sem sucesso. Então houve um grito de esperança, pois veja, as cobras de fogo não podiam escalar o monte por sua declividade e por sua superfície lisa como vidro, e devido às águas que caíam por seus lados e apagava-lhes o fogo. Contudo elas postaram-se ao pé do monte e um vasto vapor surgiu onde os rios de Amon Gwareth e as chamas das serpentes se encontravam. O calor era tal que as mulheres desmaiavam e os homens transpiravam à exaustão sob suas armaduras, e todas as fontes da cidade, salvo somente a fonte do rei, tornaram-se quentes e borbulhantes.

 

Mas agora Gothmog, senhor dos Balrogs, capitão das hostes de Melkor, tomou conselho e reuniu todas as criaturas de ferro que poderiam empilhar-se ao redor e acima de todos os obstáculos. Estas ele ordenou que se amontoassem diante do portão do norte; e observe, seus grandes pináculos alcançaram o limiar dos portões e apoiaram-se sobre as torres e bastiões em torno deles, e devido ao peso de seus corpos aqueles portões caíram, e grande foi o barulho de sua queda: contudo a maior parte das muralhas ao redor ainda ficou firme. As máquinas e as catapultas do rei despejaram dardos, pedras e metal fundido naquelas bestas cruéis, e seus ventres ocos ecoavam sob o impacto, todavia isto não resultou em nada, pois eles não poderiam ser destruídos, e torrentes de fogo rolavam deles. Então as criaturas que estavam no topo abriram-se pelo meio, e uma hoste inumerável de Orcs, demônios de ódio, verteu de lá para dentro da brecha; e quem contará do vislumbre das suas cimitarras ou do reluzir das lanças de lâmina larga com as quais apunhalavam?

 

Então Rog gritou em uma voz poderosa, e todos os guerreiros do Martelo da Ira e da casa Árvore, com Galdor, o valoroso, arremessaram-se ao inimigo. Lá os golpes dos seus grandes martelos e a pancada das suas clavas ressoaram até às Montanhas Circundantes e os Orcs caíram como folhas; e aqueles da Andorinha e do Arco Celestial arremessaram flechas como as chuvas escuras de outono sobre os orcs, e ambos, Orcs e Gondolindrim, sucumbiram sob aquelas setas devido à fumaça e à confusão. Grande foi aquela primeira batalha, mas, mesmo com todo o seu valor, os Gondolindrim foram lentamente empurrados para trás pelo número crescente de inimigos, até que os orcs tomassem parte do norte da cidade.

 

Neste momento Tuor está na liderança do povo da Asa lutando no tumulto das ruas, e agora ele alcança sua casa e descobre que Maeglin chegara lá antes dele. Confiando na batalha agora começada em torno do portão setentrional e no alvoroço na cidade, Maeglin acreditava que essa seria uma boa hora para a consumação de seus desígnios. Sabendo muito da escavação secreta de Tuor (contudo somente no último momento ele adquirira este conhecimento e não pôde descobrir tudo), não disse nada ao rei ou a qualquer outro, pois ele julgava que aquele túnel iria no fim para o Caminho da Fuga, este sendo o mais próximo à cidade, e ele teve o pensamento de usá-lo para o seu bem, e para o mal dos Noldor.

 

Maeglin despachou mensageiros com grande cautela a Melkor para estabelecer uma guarda na outra saída daquele Caminho quando o ataque fosse feito; mas ele mesmo agora considerava tomar Eärendil e lançá-lo no fogo ao pé das muralhas, e tomar Idril e obrigá-la a guiá-lo à passagem secreta pela qual iria fugir daquele terror de fogo e matança, e arrastá-la consigo para as terras de Melkor. Ora, Maeglin estava receoso de que mesmo o símbolo secreto que Melkor lhe dera como proteção falharia naquele terrível saque, e pretendia ajudar aquele Ainu no cumprimento de suas promessas de que lhe daria segurança. Sem dúvida tinha a morte de Tuor como certa naquele grande incêndio, pois a Salgant ele confiara a tarefa de tardá-lo nos salões do rei e incitá-lo dali diretamente para a mais mortal das lutas. Mas veja! Salgant sucumbira a um terror mortal e cavalgara para sua casa, onde desabara trêmulo em seu leito; e Tuor fora para sua própria casa com o povo da Asa.

 

Tuor fizera isso (embora sua coragem se agitasse ao ruído das batalhas) para despedir-se de Idril e Eärendil, e expedi-los com um guarda-costas pelo caminho secreto antes que ele mesmo retornasse ao tropel da batalha para morrer, se tivesse que ser assim. Mas ele encontrou uma barreira do povo da Toupeira próxima à sua porta, formada pelos indivíduos mais sinistros e de menor boa-vontade que Maeglin pudera encontrar na cidade. Ainda assim aqueles eram Noldor livres e não sob o encanto de Melkor como o seu mestre, e embora por lealdade a Maeglin eles tenham ajudado Idril, em nada além participaram do que este pretendia, a despeito de todas as suas maldições.

 

Maeglin tinha Idril presa pelos cabelos e buscava arrastá-la para as ameias por crueldade, para que ela pudesse ver a queda de Eärendil às chamas; mas foi atrapalhado pela criança. E Idril lutou, sozinha como estava, como uma tigresa em toda a sua beleza esbelta. Maeglin se demorou entre juramentos e maldições enquanto o povo da Asa se aproximava; e veja! Tuor os avista e dá um grito tão poderoso que mesmo os Orcs à distância ouvem-no e tremem ao som deste. Como o estrondo da tempestade a guarda da Asa avança contra os homens da Toupeira. Quando Maeglin viu isto tentou apunhalar Eärendil com uma faca curta que levava à cintura, mas a criança mordeu sua mão esquerda até os dentes lhe afundarem na carne; Maeglin cambaleou atingindo-o debilmente, e a pequena cota de malha desviou a lâmina. Nesse entretempo Tuor chegou junto a ele, e sua ira era terrível de se ver.

 

Tuor agarrou Maeglin pela mão que segurava a faca e quebrou-lhe o braço com um puxão; então, tomando-o pela cintura, pulou com ele sobre as muralhas e o lançou dali. Grande foi a queda de Maeglin, e seu corpo golpeou Amon Gwareth três vezes antes de cair em meio às chamas; deste dia em diante esse nome tornou-se um sinônimo de vergonha entre o povo dos Eldar.

 

Então os guerreiros da Toupeira, sendo mais numerosos que aqueles poucos da Asa e leais a seu senhor, vieram a Tuor, e houve grandes golpes, mas nenhum elfo poderia pôr-se de pé diante da ira de Tuor; foram atingidos duramente e impelidos a fugir para quaisquer buracos escuros que pudessem encontrar, ou atirados de cima da muralha. Tuor percebeu então que deveriam retornar rapidamente para a batalha do Portão, pois o alarido desta tornara-se muito forte; contudo com Idril ficou Voronwë a contragosto, e mais alguns outros, para guardá-la até que ele retornasse ou pudesse mandar notícias da cidade.

 

A batalha naquele portão corria muito mal, de fato, e Duilin da Andorinha enquanto atirava das muralhas fora atingido duramente por um raio chamejante dos Balrogs que agrupavam-se em torno da base de Amon Gwareth; e ele caiu das ameias e pereceu entre as chamas. Então os Balrogs continuaram a atirar dardos de fogo e flechas flamejantes como pequenas cobras no céu, e estas caíram nos telhados e jardins de Gondolin até que todas as árvores ardessem, e as flores e a grama fossem completamente queimadas, e a brancura daquelas paredes e colunas fosse enegrecida e marcada. Todavia, muito pior foi que uma companhia daqueles demônios escalou as costas das serpentes de ferro, e dali atacavam incessantemente com arcos e fundas até que um incêndio começou a queimar na cidade à retaguarda do exército principal dos defensores.

 

Rog disse então em uma grande voz: – Quem agora temerá os Balrogs por todo seu horror? Vejo diante de mim os amaldiçoados que por eras atormentaram os filhos dos Noldor, e que agora ateiam fogo à bela Gondolin. Venham vós do Martelo da Ira! Nós os golpearemos por sua crueldade. – Logo após, Rog ergueu sua maça, e seu cabo era longo; e avançou abrindo uma trilha diante de si pela ira de seu ataque, chegando mesmo até o portão caído. Mas todo o povo do Martelo da Ira foi atrás como uma cunha, e faíscas saíam de seus olhos pela fúria que sentiam. Um grande feito foi aquele ataque, como ainda cantam os Noldor, e muitos dos Orcs foram acossados de volta para dentro dos fogos abaixo; mas os homens de Rog lançaram-se até mesmo sobre as costas das serpentes e aproximaram-se dos Balrogs, e golpearam-nos dolorosamente, pois mesmo que tivessem chicotes de chamas e garras de aço, e fossem temíveis em estatura foram reduzidos a nada. Os do Martelo tomaram seus chicotes e serviram-se deles contra os Balrogs, de modo que estes lhes ferissem assim como antes haviam ferido os Noldor. O número destes monstros que pereceu foi uma maravilha; diante disso, o medo tomou conta das hostes de Melkor, pois antes daquele dia nunca nenhum dos Balrogs fora morto pelas mãos de Elfos ou Homens.

 

Então Gothmog, Senhor dos Balrogs, juntou todos os demônios que estavam em torno da cidade e os ordenou da seguinte maneira: um grande número destas criaturas atacou o povo do Martelo da Ira e fugiu diante deles, mas a maior companhia, movendo-se em direção ao seu flanco, chegou à sua retaguarda, por cima das costas dos dragões e mais próximo aos portões, de forma que Rog não pudesse voltar a não ser com grande matança entre seu povo. Porém Rog, vendo que o cerco se fechava não tentou recuar como era esperado, mas com toda sua hoste caiu sobre o inimigo que estava diante dele; e estes fugiram agora realmente apavorados com a fúria do Martelo da Ira. Foram perseguidos até a planície, e seus gritos rasgavam o vale de Tumladen. O povo de Rog ia de um lado a outro, golpeando e derrubando os bandos atordoados de Melkor até que foram finalmente cercados por novas legiões de orcs e Balrogs, e um dragão de fogo arremessou-se sobre eles. Lá todos pereceram ao lado de Rog, golpeando até às últimas forças, até que o ferro e a chama os sobrepujassem, e ainda canta-se que cada homem do Martelo da Ira levou as vidas de sete inimigos para pagar a sua própria. Então o medo caiu mais pesadamente ainda sobre os Gondolindrim à morte de Rog e à perda de seu batalhão, e retiraram-se mais ainda para dentro da cidade. Lá em uma alameda pereceu Pengolod, de costas voltadas para a muralha externa, e em volta de si caíram muitos dos homens do Pilar e da Torre de Neve.

 

Agora os orcs controlavam o portão e uma grande parte das muralhas ao lado do mesmo, de onde numerosos homens da Andorinha e do Arco Celestial foram empurrados para a morte; mas dentro da cidade tinham conquistado um grande espaço, chegando bastante próximo do centro, até mesmo no Lugar da Fonte, contíguo à Praça do Palácio. Contudo próximo àqueles caminhos e ao redor do portão seus mortos estavam uns sobre os outros em montes incontáveis, e eles pararam e tomaram conselho, vendo que pelo valor dos Gondolindrim haviam perdido muitos mais do que esperavam e muito mais do que os defensores. Também estavam apreensivos pela matança feita por Rog entre os Balrogs, pois era principalmente a força destes demônios que dava confiança aos orcs.

 

Fizeram então um plano para manter o que haviam ganho. Aguardaram enquanto as serpentes de bronze com grandes pés escalavam lentamente por cima das serpentes de ferro, e alcançando os muros abriram uma brecha através da qual os Balrogs poderiam entrar montados nos dragões de chama: porém sabiam que isto devia ser feito com rapidez, pois os calores daqueles dragões não duravam para sempre, e somente podiam ser restaurados nos poços de fogo que Melkor fizera na solidez de sua própria terra.

 

Porém, mesmo enquanto seus mensageiros foram despachados às pressas, eles ouviram uma música doce que era tocada entre a hoste dos Gondolindrim, e temeram o que aquilo poderia significar; e veja! Lá vem Ecthelion e o povo da Fonte, que Turgon mantivera em reserva, pois este assistia à maior parte daquele tumulto das alturas de sua torre. Agora este povo marchava ao toque de suas flautas, e o cristal e prata de suas roupas eram adoráveis de se ver entre a luz vermelha dos fogos e o negrume das ruínas.

 

De súbito a música cessou, e Ecthelion da bela voz gritou para sacarem as espadas. Antes que os orcs pudessem prevenir-se do ataque o reluzir daquelas lâminas estava entre eles. Diz-se que o povo de Ecthelion matou lá mais orcs do que os que sucumbiram alguma vez em todas as batalhas dos Eldalië com aquela raça, e que o seu nome ainda inspira terror entre este povo vil, servindo de grito de guerra para os Eldar.

 

Afinal Tuor e os homens da Asa foram para a luta e alinharam-se ao lado de Ecthelion, e os dois capitães infligiram poderosos golpes e repeliram cada um muitos inimigos; o ataque combinado foi tão poderoso e inesperado que os orcs recuaram quase até o portão. Mas lá ouviu-se um trepidar e um tropel, pois os dragões lutavam poderosamente para subir o improvisado caminho até Amon Gwareth e derrubar as muralhas da cidade; e já existia uma fenda nas muralhas externas e um confuso monte de ruínas onde antes estavam as torres da guarda. Alguns grupos sobreviventes da Andorinha e do Arco Celestial estavam lá, e ainda lutavam amargamente entre a destruição e disputavam os muros a leste e a oeste com o inimigo; porém no momento em que Tuor se aproximava atacando os orcs, uma das serpentes de bronze levantou-se contra o muro ocidental, e uma grande parte deste treme e cai, e atrás vem uma criatura de fogo com Balrogs sobre si. Chamas jorram das mandíbulas daquele verme e o povo sucumbe diante dele. As asas do elmo de Tuor ficam enegrecidas, mas este permanece de pé e reúne em volta de si sua guarda e todos os do Arco e da Andorinha que pode encontrar, enquanto que à sua direita Ecthelion reúne os homens da Fonte da parte sul da cidade.

 

Agora os Orcs outra vez tomam ânimo com a vinda dos dragões e se misturam com os Balrogs que se lançam sobre a brecha, e eles atacam os Gondolindrim gravemente. Lá Tuor matou Othrod, um senhor dos orcs, partindo seu elmo, e Balcmeg ele cortou em pedaços, e golpeou Lug com o seu machado de modo que as pernas deste fossem cortadas abaixo dos joelhos; mas Ecthelion sustentou, sozinho, uma luta com dois capitães orcs, e em um golpe tão rápido como um raio prateado rachou a cabeça de Orcobal, o principal deles, até os dentes; e devido à grande valentia desses dois senhores a hoste avançou mesmo até os Balrogs.

 

A luta com os Balrogs foi terrível, mas os orcs estavam amedrontados e fugiram sem lutar, os próprios Balrogs estavam experimentando o medo pela primeira vez.

 

Desses demônios de poder Ecthelion matou três, pois o brilho da sua espada partiu seu ferro e feriu seu fogo, e se retorceram moribundos; contudo, o machado que Tuor brandia de um lado a outro, Dramborleg, causava ainda mais terror, pois este cortava o ar zunindo com um ímpeto que lembrava as asas das águias, e carregava a morte quando caía. Cinco Balrogs sucumbiram perante ele.

 

Mas poucos não podem lutar sempre contra muitos, e o braço esquerdo de Ecthelion foi atingido por um chicote de chamas dos Balrogs, e seu escudo caiu por terra no momento em que aquele dragão de fogo se aproximava por entre as ruínas das muralhas. Ecthelion teve que se apoiar em Tuor, e Tuor não podia deixá-lo, mesmo que os pés da besta estivessem diante deles, de modo que corriam perigo de serem pisoteados. Mas Tuor feriu um pé da criatura de forma que suas chamas esguicharam adiante. Aquela serpente ferida gritou, chicoteando com sua cauda; e muitos de ambos os lados, orcs e Noldor, tiveram sua morte naquele lugar. Agora Tuor reuniu suas forças e ergueu Ecthelion, e juntando todos os que restavam de suas Casas escapou do dragão; todavia, medonha foi a matança que a besta operou, e os Gondolindrim foram dolorosamente abalados.

 

Assim foi que Tuor, filho de Huor, cedeu diante do inimigo, lutando enquanto recuava, e trazendo da batalha Ecthelion da Fonte. Mas os dragões mantinham agora metade da cidade e o toda a parte norte desta. De lá bandos de saqueadores passeavam livremente de rua em rua, e fizeram muita pilhagem matando a esmo homens, mulheres e crianças. Se a ocasião permitisse alguns eram amarrados, conduzidos de volta e arremessados nas câmaras de ferro entre os dragões, de modo que pudessem ser levados para serem escravos de Melkor.

 

Naquele momento, Tuor alcançou a Praça da Fonte por um caminho lateral, entrando pelo norte, e encontraram lá Galdor negando a entrada ocidental pelo Arco de Inwë a uma horda de orcs, mas em volta de si restavam apenas alguns daqueles homens da Casa da Árvore. Lá Galdor tornou-se a salvação de Tuor, pois este havia ficado para trás tropeçando sob o peso de Ecthelion num corpo caído na escuridão. Ali os orcs teriam matado a ambos se não fosse o ataque súbito daquele herói e os golpes de sua clava.

 

Havia guerreiros dispersos da guarda da Asa e das casas da Árvore, da Fonte, da Andorinha e do Arco unidos em um bom batalhão, e pelo conselho de Tuor saíram da Praça da Fonte, vendo que a Praça do Rei que ficava ao lado era a mais defensável. Aquele lugar tinha previamente contido muitas árvores bonitas, carvalhos e álamos, ao redor de uma grande fonte de profundidade vasta e bastante água pura; mas naquele momento estava cheio de desordem e maculado pela presença do povo horrendo de Melkor. Assim, tomou posição a última companhia dos defensores na Praça do Palácio de Turgon. Entre eles estavam muitos feridos e fracos, e Tuor estava exaurido pelo trabalho da noite e pelo peso de Ecthelion, que estava em uma debilidade mortal. Mesmo enquanto conduzia aquele batalhão pela Estrada dos Arcos vindos de noroeste (e os mesmos despenderam muito esforço para evitar que qualquer inimigo se posicionasse em sua retaguarda) um barulho surgiu ao leste da praça, e veja! Glorfindel chegava com os últimos dos homens da Flor Dourada.

 

Ora, estes haviam sustentado um terrível conflito no Grande Mercado para o leste da cidade, onde uma força de orcs conduzida por Balrogs viera sobre eles inesperadamente conforme marchavam por um caminho indireto para a luta próxima ao portão. Isto fizeram para surpreender o inimigo em seu flanco esquerdo, mas foram eles mesmos emboscados; lá lutaram amargamente por horas até que um Dragão de Fogo recém chegado através da brecha os subjugara. Glorfindel conseguiu retirar-se muito duramente e com poucos homens; mas aquele lugar com suas provisões e mercadorias de bom artesanato era agora um mar de chamas.

 

A história conta que Turgon enviara os homens da Harpa em seu auxílio por causa dos pedidos urgentes de Glorfindel, mas Salgant ocultou deles sua real missão, dizendo que deviam guarnecer a praça do Mercado Menor onde ele habitava, e os homens da Harpa remoeram-se à ordem. Finalmente, abandonaram Salgant e chegaram perante os salões do rei; e isso foi mesmo oportuno, pois uma horda de inimigos estava nos calcanhares de Glorfindel. Sobre estes os homens da Harpa, sem serem comandados, caíram com grande ânsia e redimiram a covardia do seu senhor, expulsando o inimigo de volta para o mercado, e estando sem líder foram mesmo além colericamente, de modo que muitos deles foram apanhados nas chamas ou arruinados perante o hálito da serpente que ali festejava.

 

Tuor bebeu da grande fonte e sentiu-se aliviado, e soltando o elmo de Ecthelion deu-lhe de beber, espirrando água em sua face de modo que seu desmaio o deixasse. Aqueles senhores, Tuor e Glorfindel, limparam a praça, retiram todos os homens que podiam das entradas e as bloquearam com barreiras, todas menos as que davam para o sul.

 

Justamente daquela região vinha agora Egalmoth. Ele fora responsável pelas máquinas de guerra das muralhas; mas desde então, julgando que a situação estava mais para a luta corpo a corpo nas ruas do que para se atirar das ameias, reuniu alguns da Casa do Arco e da Andorinha em volta de si e jogou fora o seu arco. Então eles foram pelos arredores da cidade distribuindo bons golpes sempre que se encontravam com bandos do inimigo. Assim ele salvou muitos bandos de cativos e reuniu não poucos homens perdidos e perseguidos, e chegou à Praça do Rei após muita luta; e os homens estavam satisfeitos ao cumprimentá-lo pois receavam-no morto. Agora todas as mulheres e crianças que tinham se reunido lá ou sido levadas por Egalmoth foram alojadas nos salões do rei, e os postos das casas preparados para o ataque final. Naquela hoste de sobreviventes estavam remanescentes, ainda que poucos, de todas as casas salvo apenas do Martelo da Ira; a Casa do Rei ainda estava intocada. Agora, a Casa do Rei não ter sofrido nenhuma baixa não era motivo de vergonha, pois sua parte na batalha era manter-se forte e descansada até o último momento e defender o Rei.

 

Mas agora as criaturas de Melkor haviam juntado suas forças, e sete dragões de fogo surgiram cercados por orcs e montados por Balrogs; a horda de inimigos vinha de todos os caminhos do norte, leste, e oeste, buscando a Praça do Rei. Então houve uma luta sangrenta nas barreiras, e Egalmoth e Tuor iam de um lugar a outro da defesa, mas Ecthelion permaneceu próximo à fonte; e aquela resistência é lembrada como a mais obstinada e valorosa de todas as canções e contos. Não obstante, finalmente um dragão derruba a barreira ao norte, onde ficava em outros tempos a saída da Alameda das Rosas, em outros tempos um belo lugar de se ver ou para se passear, mas agora transformada em uma senda de escuridão cheia de gritos.

 

Tuor pôs-se no caminho daquela besta, mas foi separado de Egalmoth, e ambos obrigaram o Dragão a recuar para o centro da praça, próximo à fonte. Lá Tuor ficou exausto devido ao calor sufocante e foi derrubado por um grande demônio, o próprio Gothmog, senhor dos Balrogs e filho de Melkor. Mas veja! Ecthelion, cuja face era da palidez de aço cinzento e cujo braço do escudo pendia flácido a seu lado, avançou a passos largos por cima de Tuor assim que este caiu; e aquele Noldo atacou o demônio, ainda assim não deu-lhe a morte, sendo atingido no braço da espada de tal modo que sua arma caiu-lhe da mão. Então lançou-se Ecthelion, Senhor das Fontes, mais belo dos Noldor, em cheio contra Gothmog, mesmo quando este levantava de novo o chicote, e atacou-o com a ponta do seu elmo, cruzando as pernas em torno das coxas do inimigo. O Balrog gritou e caiu adiante; mas caíram ambos no tanque da fonte do Rei, que era muito profunda. Lá encontrou aquela criatura sua ruína; e Ecthelion afundou, estando carregado de aço, em direção às profundezas. Assim pereceu o Senhor das Fontes, após uma batalha flamejante em águas frias.

 

Tuor levantou-se quando o ataque de Ecthelion deu-lhe espaço, e vendo aquele grande feito muito lamentou a morte de Ecthelion, mas estando envolvido pela batalha, apenas com dificuldade escapou dali para junto do povo que se reunia em torno do palácio. Lá, vendo a hesitação do inimigo pelo medo devido à morte de Gothmog, seu general, a Casa do Rei atacou, com o próprio Turgon descendo em esplendor e atacando com eles de modo que quase limparam a Praça do Rei. Duas vintenas de Balrogs foram mortos no ataque, e isso não é pouca coisa. Mas o maior dos feitos da Casa do Rei ainda estava por vir, pois os Noldor cercaram um dos Dragões de Fogo e o pressionaram até que ele caísse dentro da Fonte do Rei, onde pereceu. Este foi o fim daquelas belas águas; seus espelhos d’água transformaram-se em vapor e sua fonte secou, e não se lançava mais em direção ao céu, mas em vez disso uma vasta coluna de vapor ergueu-se e a nuvem desta flutuou sobre todo o vale de Tumladen.

 

Então o medo caiu sobre todos pela destruição da fonte, a praça foi preenchida com névoas de calor fervente e brumas opacas, e o povo da casa real foi morto naquele lugar pelo calor, pelo inimigo e pelas serpentes, e até mesmo pelos próprios companheiros. Mas um grupo deles salvou o rei, e houve uma rápida reunião ao pé de Glingol e Bansil.

 

Então disse o rei: – Grande é a queda de Gondolin. – E os homens estremeceram, pois estas eram as palavras de Amnon, o profeta de antigamente. Mas Tuor, falando de modo inflamado por piedade e amor ao rei, gritou: – Gondolin ainda resiste, e Ulmo não permitirá seu perecer! – E naquele momento estavam como em seu primeiro encontro, Tuor ao pé das árvores e Turgon nos degraus, como quando havia sido o embaixador de Ulmo. Mas Turgon disse: – Mal eu trouxe sobre a Flor da planície a despeito dos conselhos de Ulmo, e agora ele a abandona para definhar no fogo. Veja! A esperança não está mais em meu coração por minha cidade, mas os filhos dos Noldor não serão derrotados para sempre.

 

Então os Gondolindrim bateram suas espadas e escudos numa saudação de guerreiros, pois muitos permaneciam ali perto, mas Turgon disse: – Não lutem contra a destruição, Oh meus filhos! Buscai quem de vós puder a segurança da retirada, se ainda houver tempo, e deixem Tuor ter sua lealdade. – Mas Tuor disse: – Tu és rei – e Turgon respondeu: – Contudo, nenhum golpe desfiro mais – e lançou sua coroa às raízes de Glingol. Então Galdor que estava lá a apanhou, porém Turgon não a aceitou de volta, e com a cabeça descoberta subiu ao pináculo mais alto da torre branca que ficava próxima a seu palácio. Lá gritou em uma voz como uma trombeta soprada entre as montanhas, e todos aqueles que estavam reunidos abaixo das Árvores e os inimigos nas névoas da praça o escutaram: – Grande é a vitória dos Noldor! – E as lendas dizem que naquele momento era meia-noite, e orcs gritaram em derrisão.

 

Então os homens falaram em um ataque repentino, e eram de duas opiniões. Muitos consideraram que era impossível passarem pelos inimigos, nem poderiam mesmo que escapassem dali atravessar a planície ou as colinas, e que era melhor então morrer perto do rei. Mas Tuor não podia pensar bem da morte de tantas mulheres e crianças, fosse pelas mãos do seu próprio povo em último recurso, ou pelas armas do inimigo, e falou da escavação e do caminho secreto. Por essa razão aconselhou a que implorassem a Turgon que mudasse de opinião, e vindo entre eles conduzisse aqueles remanescentes em direção ao sul para os muros e a entrada daquela passagem; mas ele mesmo queimava com desejo de ir para lá e saber como Idril e Eärendil poderiam estar, ou conseguir enviar-lhes notícias daquele lugar e mandá-los partir rapidamente, pois Gondolin estava tomada. Agora o plano de Tuor realmente parecia aos outros senhores algo desesperado, dada a estreiteza do túnel e a grandeza da companhia que devia atravessá-lo; todavia, iriam de bom grado aceitar este conselho dadas as circunstâncias. Mas Turgon não escutou, e ordenou que partissem antes que fosse tarde demais, e: – Deixem Tuor – disse – ser seu guia e seu comandante. Pois eu, Turgon, não deixarei minha cidade, e queimarei com ela. – Então despacharam às pressas mensageiros outra vez para a torre, dizendo: – Majestade, quem são os Gondolindrim se pereceres? Conduza-nos! – Mas ele disse: – Observem! Eu permaneço aqui. – E ainda acrescentou: – Se eu sou rei, obedeçam minhas ordens e não ousem mais discutir os meus comandos. – Depois disso não enviaram mais nenhum mensageiro e prepararam-se para a tentativa desesperada de abandonar a cidade. Mas o povo da casa real que ainda vivia não moveu um pé, antes reuniu-se densamente próximo a base da torre do rei: – Aqui – disseram – nós ficaremos se Turgon não for adiante. – E de maneira alguma esses leais súditos puderam ser persuadidos.

 

Agora Tuor estava extremamente dividido entre a sua reverência para com o rei e o amor por Idril e seu filho, com que o seu coração estava doente; contudo, as serpentes já seguiam pela praça pisando sobre os mortos e agonizantes, e o inimigo preparava-se entre a neblina para o ataque derradeiro; a escolha devia ser feita. Então devido ao lamento das mulheres nos corredores do palácio e ao amor e à piedade de Tuor por aquele triste remanescente dos povos de Gondolin, reuniu toda aquela companhia infeliz, donzelas, crianças e mães, e colocou-as ordenadas no centro, tão bem quanto pôde, com seus homens ao redor protegendo-as.

 

Colocou-as bem entre os homens, nos flancos e na parte traseira, porque pretendia recuar para o sul lutando o melhor que pudesse com a retaguarda conforme avançassem; e assim, se fosse possível, descer a Estrada das Pompas para o Lugar dos Deuses antes que qualquer grande força fosse enviada para cercá-lo. De lá era seu pensamento ir pelo Caminho das Águas Correntes depois das Fontes do Sul até os muros e à sua casa; mas a passagem do túnel secreto ele duvidava muito de que fosse possível. Com isso, espionando os movimentos de Tuor, o inimigo vindo do leste e do norte fez um grande assalto em seu flanco esquerdo e na retaguarda mesmo enquanto ele começava a retirada; mas sua direita estava coberta pelo salão do rei e a vanguarda da companhia já se aproximava da Estrada das Pompas.

 

Então alguns dos maiores Dragões surgiram brilhantes na névoa, e por isso Tuor ordenou que a companhia se apressasse, lutando à sua esquerda a esmo; mas Glorfindel defendeu a retaguarda com valentia e muitos mais da Flor Dourada caíram lá. Assim foi que atravessaram a Estrada das Pompas e alcançaram Gar Ainion, o Lugar dos Deuses; e este era muito aberto e sua parte central era o lugar mais alto de toda a cidade. Ali, Tuor esperava por uma amarga resistência, pois não tinha esperança de conseguir mais avançar adiante; mas observe, o inimigo parece diminuir de velocidade e cessar de segui-los, e isto os intriga. Agora vem Tuor à sua liderança ao Lugar do Casamento, e veja! lá está Idril diante dele com seu cabelo solto como no dia de seu matrimônio; e grande é seu espanto. Ao lado dela estava Voronwë e nenhum outro, mas Idril não via nem mesmo Tuor, pois o olhar dela estava fixo na Praça do Rei, que agora estava um pouco abaixo deles. Então a hoste inteira parou e olhou para trás onde os olhos dela fitavam, e seus corações ficaram inertes; pois agora viam porque o inimigo não mais os pressionava e o motivo de sua salvação.

 

Veja! Um dragão estava enrolado sobre nos degraus do palácio, maculando sua brancura; mas aglomerados de Orcs saqueavam e arrastavam para fora as mulheres e crianças deixadas para trás ou feriam guerreiros solitários. Glingol foi calcinada até o tronco e Bansil completamente enegrecida. A torre do rei foi totalmente cercada. No topo, todos podiam enxergar a forma do rei, mas perto da base uma serpente jorrando chama chicoteava e golpeava com a sua cauda, e Balrogs estavam à sua volta. A casa do rei estava em grande angústia e gritos terríveis subiam até os sentinelas. Assim foi que o saque dos salões de Turgon e aquela última resistência da casa real sustivera a atenção do inimigo, de forma que Tuor conseguira escapar de lá com a sua companhia; que agora estava mergulhada em lágrimas no Lugar dos Deuses.

 

Idril então disse: – Pesar eu sinto por meu pai que aguarda a desgraça, mesmo em seu pináculo mais alto; mas sete vezes maior é o meu pesar pelo senhor que tombou diante de Melkor e não mais caminhará resoluto para sua casa! – Pois ela estava desesperada com a agonia daquela noite.

 

Então gritou Tuor: – Veja, Idril! Sou eu, e ainda vivo! Vou buscar teu pai, mesmo que seja nos Infernos de Melkor! – E com isso Tuor desceria a colina, sozinho, enlouquecido pela aflição de sua esposa; mas ela, vindo a si em uma tempestade de pranto, agarrou seus joelhos, dizendo: – Meu senhor! Meu senhor! – e o retardou. Contudo mesmo enquanto falavam, um grande alarido e um grito ergueu-se daquele lugar de angústia. Veja! A Torre do Rei lançou-se em uma chama, e em uma punhalada de fogo desabou, pois os dragões haviam esmagado sua base e todos os que estavam lá. Grande foi o clangor daquela terrível queda; e nisso passou Turgon, Rei dos Gondolindrim, e naquele momento a vitória era de Melkor.

 

Então disse Idril pesadamente: – Triste é a cegueira do sábio – mas Tuor disse: – Triste também é a teimosia daqueles que amamos; todavia foi uma falta valorosa – então se inclinando ele a ergueu e a beijou, pois ela era mais para ele do que todos os Gondolindrim; mas ela lamentou amargamente por seu pai. Então Tuor se voltou aos capitães, dizendo: – Vejam, temos que nos retirar daqui com toda a velocidade para que não sejamos cercados. – E em seguida eles seguiram adiante tão rapidamente quanto puderam, e chegaram longe antes que os orcs se cansassem de pilhar o palácio e regozijarem-se à queda da torre de Turgon.

 

Agora a hoste de Tuor está na parte sul da cidade, encontrando pela frente apenas bandos dispersos de saqueadores que fogem diante deles; contudo, encontram também fogo e destruição em todos lugares pela desumanidade daquele inimigo. Mulheres eles encontram, algumas com bebês e algumas carregadas com posses, mas Tuor não as deixava carregar coisa alguma salvo um pouco de comida.

 

Chegando afinal a uma maior tranqüilidade, Tuor pediu notícias a Voronwë, pois Idril não falava e estava bem próxima de um desmaio; e Voronwë lhe falou de como ela e ele tinham esperado perante as portas da casa enquanto o ruído daquelas batalhas crescia e estremecia seus corações; e Idril lamentou pela falta de notícias de Tuor. Finalmente ela expedira a maior parte de sua guarda ao longo do caminho secreto com Eärendil, constrangendo-os a partir com palavras imperiosas, todavia a aflição dela foi grande àquela separação. Ela mesma esperaria, dizia, e não buscaria viver depois de seu senhor; e então saiu ao redor reunindo mulheres e andarilhos e enviando-os pelo túnel abaixo e derrubando saqueadores com seu pequeno bando; ninguém pôde dissuadi-la de portar uma espada.

 

Eles acabaram por fim encontrando um bando de orcs numeroso demais, e Voronwë (apenas pela graça dos deuses) conseguira arrastá-la dali para um local mais seguro, pois todos os seus companheiros pereceram. O inimigo queimou a casa de Tuor, sem contudo encontrar o caminho secreto. – Com isso – disse Voronwë – vossa senhora ficou desesperada de fadiga e aflição, e entrou na cidade de modo selvagem, com que eu muito me afligi; nem pude eu convencê-la a fugir do incêndio.

 

No momento em que assim conversavam, chegaram às muralhas meridionais e perto da casa de Tuor, e veja! Esta havia sido completamente queimada e seus destroços eram apenas fumaça; com isso Tuor ficou amargamente enfurecido. Mas houve então um barulho que pressagiava a aproximação de orcs, e Tuor despachou sua companhia tão rapidamente quanto pôde pelo caminho secreto abaixo. Agora há grande tristeza naquela escadaria enquanto os exilados dão adeus a Gondolin; contudo não têm eles muita esperança de vida ulterior além das colinas, pois como alguém escaparia da mão de Melkor?

 

Satisfeito ficou Tuor quando todos passam pela entrada, e seu temor foi mitigado. De fato, somente pela sorte dos Valar todo aquele povo consegue entrar pela passagem sem ser percebido pelos orcs. Alguns agora atiram de lado as armas e trabalham com picaretas bloqueando a entrada da passagem e indo atrás da hoste conforme podem. Mas, quando aquele povo tinha descido a escada até o nível do vale, o calor cresceu a um tormento, devido aos dragões que estavam à volta da cidade; e os vermes de Melkor estavam realmente próximos, pois a escavação ali não era muito profunda. Pedras soltavam-se pelos tremores do piso acima, e caindo, esmagavam muitos; e havia fumaça no ar de forma que suas tochas e lanternas apagaram-se. Aqui eles caíam por cima dos corpos de alguns que tinham partido antes e perecido; e Tuor temia por Eärendil. Apressaram-se então, em grande escuridão e angústia. Já por aproximadamente duas horas estavam naquele túnel, no seio da terra; e este, perto do seu final, não havia sido de todo terminado, estando suas paredes ainda ásperas e seu teto baixo.

 

Então afinal chegaram à boca do túnel, diminuídos em número em cerca de um décimo dos que haviam entrado. Este desembocava astutamente em uma bacia larga onde outrora existira água, mas que agora estava cheia de arbustos espessos. Ali estava reunido um ajuntamento numeroso do povo que Idril e Voronwë tinham enviado pelo caminho adiante deles, e estes estavam lamentando suavemente em cansaço e sofrimento; no entanto Eärendil não estava lá. Com isso ficaram Tuor e Idril em angústia de coração. Lamentação havia lá também entre todos aqueles outros, pois no meio da planície em torno deles assomava a colina de Amon Gwareth coroada com chamas, onde estivera de pé a cidade cintilante de sua habitação. Dragões de fogo estavam em torno desta e monstros de ferro entravam e saiam pelos seus portões, e grande foi o saque dos Balrogs e orcs. Mas até mesmo esta desgraça tinha um pouco de conforto na visão dos líderes, pois significava que a planície estava quase vazia do povo de Melkor, salvo perto da cidade, pois para lá tinham ido todas as suas criaturas malignas para festejar sua destruição.

 

– Agora então – disse Galdor – devemos ir tão longe daqui em direção às Montanhas Circundantes quanto for possível antes do alvorecer, e isso não nos dá muito tempo, pois o verão está próximo. – Naquele lugar ergueu-se uma dissensão, pois muitos disseram que era loucura irem para o Cristhorn como Tuor pretendia. – O sol – disseram – estará no alto muito antes que alcancemos os contrafortes, e seremos mortos na planície por aqueles dragões e demônios. Vamos para Bad Uthwen, o Caminho da Fuga, pois este fica a apenas metade da distância, nossos cansados e feridos talvez consigam alcançá-lo, se não puderem ir mais longe.

 

Todavia Idril falou contra isto, e persuadiu os senhores que não confiassem na magia daquele caminho que outrora o protegera da descoberta: – Pois que magia permanece se Gondolin sucumbir? – Não obstante um grande grupo de homens e mulheres separou-se de Tuor e foram para Bad Uthwen, e de lá para dentro das mandíbulas de um monstro que havia sido posto por Melkor a esperar lá, a conselho de Maeglin, para que ninguém escapasse por ali. Mas os outros seguiram para Cristhorn, conduzidos por um certo Legolas Greenleaf, da casa da Árvore, que conhecia aquela planície de dia ou na escuridão e enxergava à noite. Muito velozmente caminharam através do vale, apesar de todo seu cansaço, e só pararam depois de uma grande marcha. Então a terra se viu iluminada por um amanhecer cinzento e triste que não mais iluminava a beleza de Gondolin; mas a planície estava cheia de névoas, e isso era uma maravilha, pois nenhuma névoa ou bruma alguma vez chegara lá antes; isso certamente devia-se ao fim que tivera a fonte do rei. Novamente eles se ergueram e cobertos pelos vapores prosseguiram por muito tempo depois de passado o alvorecer em segurança, até que já estivessem longe demais para qualquer um vislumbrá-los da colina ou das muralhas arruinadas naqueles ares nublados.

 

Agora as Montanhas, ou melhor, suas colinas mais baixas estavam a sete léguas menos uma milha de Gondolin, e Cristhorn, a Fenda das Águias, estava a duas léguas de subida a partir do início das Montanhas, pois ficava a uma grande altura; portanto eles ainda tinham duas léguas e parte de uma terceira para atravessar entre montes e contrafortes, e estavam muito cansados. Ora, o sol erguia-se bem acima de uma brecha entre as colinas orientais, e ele estava iluminado com um vermelho vivo como sangue; as névoas próximas a eles subiam, mas as ruínas de Gondolin estavam totalmente envoltas como que em uma nuvem. Então, conforme a neblina subia, eles viram um grupo de homens que fugia a pé, e eram perseguidos por uma estranha cavalaria, pois orcs, ao que parecia, montavam grandes lobos e brandiam lanças. Então disse Tuor: – Vejam! Lá está Eärendil, meu filho. Observem, sua face brilha como uma estrela na devastação, e meus homens da Asa estão a sua volta, e estão em grandes dificuldades. – Em seguida ele escolheu cinqüenta dos homens que estavam menos exaustos, e deixando a companhia principal, foi através da planície com aquela tropa tão rapidamente quanto permitiam suas forças. Chegando agora ao alcance da voz Tuor gritou aos homens em volta de Eärendil para pararem e não fugir, pois os montadores de lobos estavam dispersando-os e matando-os um por um. A criança estava nos ombros de Hendor, um membro da tropa pessoal da casa de Idril, e parecia que este ia restar sozinho com a sua carga. Então eles pararam e todos ficaram de costas uns para os outros com Hendor e Eärendil no centro do grupo. Mas Tuor logo se aproximou com sua tropa, embora estivessem todos ofegantes.

 

Dos montadores de lobos havia cerca de uma vintena, e dos homens que estavam em volta de Eärendil havia apenas seis vivos. Então Tuor abriu seus homens na formação de uma única fileira em lua crescente, esperando assim envolver os cavaleiros, para que nenhum escapasse levando notícias ao inimigo e trouxesse a ruína sobre os exilados. Nisto obteve sucesso, de forma que apenas dois escaparam, feridos e sem as suas bestas, portanto somente muito tarde suas informações chegaram à Melkor.

 

Feliz ficou Eärendil ao cumprimentar Tuor, e Tuor muito satisfeito por sua criança; mas disse Eärendil: – Estou sedento, pai, porque corri longe; Hendor não precisou me carregar. – A isto seu pai não disse nada, não tendo nenhuma água, e pensando na necessidade de toda aquela companhia que ele guiava; mas Eärendil disse novamente: – Foi bom ver Maeglin morrer daquela forma, pois este queria colocar os braços em volta de minha mãe e eu não gostava dele; mas eu não queria viajar em nenhum túnel mesmo seguido por todos os montadores de lobos de Melkor. – Então Tuor sorriu e o colocou sobre seus ombros. Pouco depois disso a companhia principal surgiu, e Tuor deu Eärendil a sua mãe, que estava em grande alegria; mas Eärendil não queria ser carregado em seus braços, pois disse: – Mãe Idril, tu estás exausta e guerreiros em cota de malha não cavalgam entre os Gondolindrim, salvo o velho Salgant! – E sua mãe riu em meio à tristeza; mas Eärendil disse: –Onde está Salgant? – Pois Salgant lhe contara muitas lendas curiosas ou brincara com ele às vezes, e Eärendil divertia-se muito com o velho Noldo naqueles dias, quando este vinha com freqüência à casa de Tuor, amando o bom vinho e a bela refeição que lá recebia. Mas ninguém pôde dizer onde estava Salgant. Talvez ele tenha sido morto pelo fogo em sua cama; mas alguns achavam que teria sido levado cativo para os salões de Melkor e transformado em seu bufão, um destino ruim para um nobre da boa raça dos Noldor. Então Eärendil ficou triste, e caminhou ao lado de sua mãe em silêncio.

 

Agora eles se aproximavam dos contrafortes e era plena manhã, mas ainda cinzenta, e lá junto ao início da estrada superior a hoste de Tuor estirou-se e descansou em um pequeno vale orlado com árvores e com aveleiras, e muitos dormiram apesar do perigo, pois estavam totalmente exaustos. Todavia Tuor estabeleceu uma vigilância rígida, e não dormiu. Ali fizeram uma pequena e escassa refeição; e Eärendil saciou a sua sede e brincou ao lado de um pequeno riacho.

 

Então disse ele à sua mãe: – Mãe Idril, eu queria que nós tivéssemos o bom Ecthelion da Fonte aqui para tocar para mim sua flauta ou fazer-me apitos de salgueiro! Por acaso ele seguiu à frente? – Porém Idril disse não, e contou o que ouvira falar de seu fim. Então Eärendil disse que não se preocupava em nunca mais ver as ruas de Gondolin, e chorou amargamente. Mas Tuor disse a Eärendil que ele não mais as veria: – Pois Gondolin não existe mais.

 

Depois disso, perto da hora do sol pôr-se atrás das colinas, Tuor ordenou que a companhia se erguesse, e estes avançaram através de caminhos ásperos. Logo a grama desapareceu e deu caminho a pedras musgosas, as árvores ficaram para trás e até mesmo os pinheiros e abetos ficaram esparsos. Por volta da hora do por do sol o caminho se curvava atrás das colinas de forma que não poderiam mais olhar para Gondolin. Toda aquela companhia então se voltou, e veja! A planície está limpa e sorrindo na última luz como antigamente; mas ao longe, enquanto olhavam, uma grande chama ergueu-se contra o norte escurecido: a queda da última torre de Gondolin, aquela mesma que permanecera firme junto ao portão meridional, e cuja sombra caía freqüentemente sobre as paredes da casa de Tuor. Então o sol mergulhou, e não mais viram Gondolin.

 

Agora a passagem de Cristhorn, a Fenda das Águias, é de avanço perigoso, e aquela hoste não se aventuraria nela pela escuridão, sem lanternas e sem tochas, muito cansados e sobrecarregados com mulheres, crianças, doentes e feridos, não fosse pelo grande medo dos espiões de Melkor, pois era uma grande companhia e não podia viajar em grande segredo. A escuridão veio rapidamente enquanto se aproximavam daquele lugar alto, e tiveram que se estirar em uma fila longa e dispersa. Galdor e um bando de homens armados com lanças ia na frente, e Legolas estava com eles, cujos olhos eram como olhos de gato na escuridão, e podiam enxergar ainda mais longe. Depois deles seguiam as menos cansadas das mulheres apoiando os doentes e os feridos que poderiam ir a pé. Idril estava com estes, e Eärendil suportava bem o perigoso caminho, mas Tuor estava no meio, atrás deles, com todos os seus homens da Asa, e carregavam consigo alguns que estavam gravemente feridos, e Egalmoth estava com ele, tendo sido ferido na fuga da praça. Atrás novamente vinham muitas mulheres com bebês, meninas e homens mancando, todavia o progresso era lento o bastante para eles. Por último vinha o maior bando de guerreiros aptos a combater, e com eles estava Glorfindel dos cabelos dourados.

 

Assim chegaram a Cristhorn, que é um mau lugar por razão de sua altura, pois esta é tão grande que nem a primavera nem o verão jamais chegam até lá, e é muito frio. De fato, enquanto o vale dança ao sol, lá a neve reside o ano todo naqueles lugares desertos, e quando chegaram lá o vento uivava vindo do norte por trás deles, ferindo-os dolorosamente. A neve caía e rodopiava em redemoinhos e entrava em seus olhos, e isto não era bom, pois lá o caminho era estreito, e do lado ocidental, à sua direita, uma parede vertical erguia-se por 140 metros a partir do caminho antes de terminar acima deles em pináculos denteados onde existiam muitos ninhos. Lá habitava Thorondor, Senhor do povo das Águias, a quem os Eldar chamam Sorontur.

 

Do outro lado existe uma queda menos inclinada mas ainda terrivelmente íngreme, com longos dentes de rocha apontando para o alto, de modo que pode-se descer, ou cair, mas por nenhum meio subir. E daquela profundeza não há nenhuma fuga em qualquer extremo mais do que pelos lados, e o Thorn Sir corre em seu fundo. Este cai naquele lugar vindo do sul por cima de um grande precipício, mas com pouca água, pois é um riacho estreito naquelas alturas, e ele surge mais ao norte depois de fluir por uma milha rochosa sobre a superfície e descer por uma passagem estreita que entra na montanha, pela qual mesmo um peixe teria dificuldade em forçar passagem.

 

Galdor e seus homens chegavam agora ao extremo de onde o Thorn Sir cai no abismo, e os outros desgarraram-se, apesar de todos os esforços de Tuor, através da maior parte da milha de caminho perigoso entre o precipício e a parede rochosa, de forma que o povo de Glorfindel mal havia chegado ao seu começo, quando houve um grito na noite que ecoou naquela região severa. Observe, os homens de Galdor foram atacados repentinamente no escuro por formas saltando de trás das pedras onde tinham permanecido escondidos até mesmo do olhar de Legolas. Tuor imaginou que eles tinham encontrado uma das companhias móveis de Melkor, e temeu não mais do que uma luta rápida no escuro. Mesmo assim, ele rapidamente trouxe as mulheres e doentes para o centro da longa fila e juntou seus homens aos de Galdor, e houve grande tumulto naquele perigoso caminho. Mas agora rochas caíam de cima e as coisas pareceram ruins, porque elas provocaram grande dano; mas a situação pareceu a Tuor ainda pior quando um ruído de armas veio da retaguarda, e chegaram notícias a ele por um homem da Andorinha de que Glorfindel estava sendo acossado por orcs e em desvantagem, e que um Balrog estava com eles.

 

Tuor ficou receoso de uma armadilha, e foi mesmo isso o que ocorreu; pois observadores haviam sido colocados por Melkor nas Montanhas Circundantes. Contudo tantos orcs haviam sido atraídos pelo valor dos Gondolindrim para o assalto antes que a cidade caísse, que os espiões estavam esparsamente colocados, sobretudo aqui no sul. Apesar disso um destes espiara a companhia enquanto eles iniciavam a subida a partir do vale das aveleiras, e juntaram-se contra eles tantos bandos de Orcs quanto foi possível, planejando cair sobre os exilados pela frente e por trás, mesmo sobre o perigoso caminho do Cristhorn.

 

Ora Galdor e Glorfindel mantinham suas posições a despeito da surpresa do assalto, e muitos dos Orcs foram lançados para dentro do abismo; mas era provável que a queda das rochas terminasse com todo o seu valor, e que a fuga de Gondolin se transformasse em ruína. A lua naquela hora ergueu-se acima da passagem e a escuridão se levantou um tanto, por sua luz pálida filtrada em lugares escuros; contudo esta não iluminava o trajeto pela altura das paredes. Levantou-se então Thorondor, Rei das Águias, que não amava Melkor, porque Melkor capturara muitos de sua família e acorrentara-os contra rochas afiadas para arrancar deles as palavras mágicas por meio das quais ele acreditava que poderia aprender a voar (pois sonhava em contender mesmo contra Manwë no ar); e quando estes não falaram nada, Melkor cortou fora suas asas e procurou formar destas um par poderoso para seu uso; mas isso de nada lhe serviu.

 

Agora, quando o clamor vindo da passagem ergueu-se até seu grande ninho, Thorondor disse: – Por que estas coisas imundas, estes orcs das colinas, subiram próximos a meu trono; e por que os filhos dos Noldor gritam em lugares baixos por temor dos filhos de Melkor, o amaldiçoado? Levante-se, Oh Thornhoth, cujos bicos são de aço e cujas garras são espadas!

 

Então houve uma corrida como um grande vento em lugares rochosos, e o povo das Águias caiu sobre os orcs que haviam escalado acima da trilha, e laceraram suas faces e suas mãos arremessando-nos às rochas do distante Thorn Sir abaixo. Então ficaram os Gondolindrim felizes, e fizeram da Águia em dias posteriores um sinal de sua família em símbolo de sua alegria, e Idril o utilizava sobre si, mas Eärendil amava mais a Asa de Cisne de seu pai. Ora, desobstruídos, os homens de Galdor acossaram para trás aqueles que os bloqueavam, pois não eram muitos e o ataque dos Thornhoth os deixara muito amedrontados; e a companhia seguiu adiante outra vez, embora Glorfindel tivesse muita luta na parte traseira. Metade da companhia atravessara já o caminho perigoso e as quedas do Thorn Sir, quando o Balrog que estava com os inimigos na retaguarda lançou-se com grande salto sobre algumas rochas elevadas que ficavam no lado esquerdo da trilha, na borda do precipício, e dali pulou em fúria atrás dos homens de Glorfindel e entre as mulheres e os doentes adiante deste, golpeando com seu chicote de chama. Então Glorfindel saltou para a frente sobre ele; sua armadura dourada resplandeceu estranhamente ao luar. Ele golpeou o demônio, fazendo-o saltar outra vez em cima de um grande pedregulho; e Glorfindel pulou atrás. Houve um combate mortal naquela rocha alta, acima do povo; e este, detido adiante e pressionado por trás, ficou tão perto que todos podiam assistir a luta de Glorfindel. Contudo ela acabou antes que os homens pudessem saltar a seu lado.

 

A fúria de Glorfindel impeliu aquele Balrog de um ponto a outro, e sua cota de malha o defendia do chicote e da garra. Glorfindel infligiu-lhe um golpe pesado em seu capacete de ferro, e cortou-lhe fora o braço do chicote na altura do cotovelo. Então saltou o Balrog no tormento de sua dor e medo diretamente sobre Glorfindel, que aproveitando as defesas abertas de seu oponente apunhalou-o com o movimento de uma serpente. Mas Glorfindel encontrou apenas o ombro do Balrog, e foi agarrado, e ambos cambalearam para uma longa queda sobre o topo do rochedo íngreme. Então a mão esquerda de Glorfindel buscou um punhal, e este ele empurrou para cima de modo a perfurar o ventre do Balrog perto da sua própria face (pois aquele demônio tinha o dobro de sua estatura); este gritou e caiu da pedra de costas, e ao cair segurou as mechas de cabelos amarelos de Glorfindel que escapavam de seu elmo, caindo ambos no abismo.

 

Isso foi muito doloroso, pois Glorfindel era extremamente querido. E veja! O golpe da queda de seus corpos ecoou por entre as colinas e o abismo de Thorn Sir ressoou. Então ao grito de morte do Balrog os orcs da frente e de trás hesitaram e foram mortos ou fugiram para longe, e o próprio Thorondor, um pássaro poderoso, desceu para o abismo e trouxe para cima o corpo de Glorfindel; mas o Balrog ficou onde havia caído, e a água de Thorn Sir correu negra por muitos dias em Tumladen.

 

Ainda nos dias de hoje os Eldar dizem quando vêem o bem lutando em grande desigualdade de poder contra uma fúria maligna: – Ai! Isto é Glorfindel e o Balrog – e seus corações ainda dóem pela sua morte. Devido ao amor dos exilados por Glorfindel, e apesar da pressa e do medo de que ali chegassem novos inimigos, Tuor deixou erguerem um grande monumento de pedras sobre Glorfindel, além daquele caminho perigoso junto ao precipício do riacho da Águia, e Thorondor nunca permitiu qualquer dano ao monumento. Todavia, flores amarelas chegaram até ali e ainda agora crescem em torno do monumento naquele lugar pouco hospitaleiro. Mas o povo da Flor Dourada chorou durante a sua construção e não pôde secar suas lágrimas.

 

Agora, quem contará das andanças de Tuor e os exilados de Gondolin na vastidão que jaz além das montanhas ao sul do vale de Tumladen? Miséria era a sua possessão, e morte, frio e fome, e vigílias incessantes. Que os exilados de Gondolin conseguissem passar por aquelas regiões infestadas pelo mal de Melkor vinha em parte da matança e do dano feito ao poder deste naquele assalto, e da velocidade e cautela com que Tuor os liderava; pois Melkor com certeza sabia daquela fuga, e isto o deixava furioso. Ulmo ouvira notícias nos oceanos distantes dos atos que foram feitos, mas ainda não podia ajudá-los, pois estavam longe de águas e rios; e na verdade, sofriam extremamente de sede e não conheciam aqueles caminhos.

 

Mas depois de mais de um ano de vagar, no qual muitas vezes viajaram longo tempo envolvidos na magia daquelas vastidões somente para chegar novamente até seus próprios rastos, mais uma vez o verão chegou, e perto de seu auge chegaram afinal até um córrego, e seguindo-o chegaram a terras melhores e foram um pouco confortados. Aqui Voronwë os guiava, pois captara um sussurro de Ulmo naquele riacho em uma das últimas noites de verão, pois ele sempre obtia muita sabedoria do som das águas. Voronwë os conduziu até que alcançaram o Sirion, que aquele córrego alimentava, e então ambos, Tuor e Voronwë, viram que não estavam distante da antiga saída exterior do Caminho da Fuga, e que estavam mais uma vez naquele profundo vale de carvalhos. Aqui estavam todos os arbustos pisoteados, as árvores queimadas, e as paredes do vale marcadas com chamas. E muito lamentaram, pois julgaram saber agora o destino daqueles que haviam se separado deles na saída do túnel.

 

Agora viajavam descendo aquele rio, mas estavam novamente em temor de Melkor, e combateram lutas com seus bandos de orcs e estavam sempre em perigo devido aos montadores de lobos, mas os seus dragões de fogo não os buscavam, tanto devido à grande exaustão de seus fogos na tomada de Gondolin quanto ao poder crescente de Ulmo conforme o rio crescia. Assim chegaram depois de muitos dias, pois caminhavam lentamente e conseguiam seu alimento com muita dificuldade, àquelas grandes matas e pântanos acima da Terra dos Salgueiros, e Voronwë não conhecia aquelas regiões. Aqui segue o Sirion por um caminho longo debaixo da terra, mergulhando na grande caverna dos Ventos Tumultuosos, mas correndo livre novamente sobre os Lagos do Crepúsculo, o mesmo lugar onde Tulkas lutou com Melkor mais tarde. Tuor viajara através destas regiões pela noite e no crepúsculo depois que Ulmo viera até ele entre os juncos, e não se lembrava das trilhas. Em alguns lugares aquela terra é cheia de armadilhas e muito pantanosa; e aqui a hoste demorou-se longo tempo, sendo atormentados por moscas desagradáveis, pois era outono ainda, e sezões e febres caminhavam entre eles, e amaldiçoaram Melkor.

 

Todavia chegaram afinal aos grandes lagos e às extremidades daquela suave Terra dos Salgueiros; e o próprio sopro dos ventos lhes trouxe descanso e paz, e pelo conforto daquele lugar a aflição foi suavizada daqueles que lamentavam os mortos na grande queda. Lá, mulheres e donzelas tornaram-se novamente belas, seus doentes foram curados e velhas feridas cessaram de doer. Ainda assim, temendo com razão que seu povo ainda vivesse em cativeiro amargo nos Salões de Ferro, eles não cantavam nem sorriam.

 

Aqui permaneceram muito tempo, e Eärendil já era um menino crescido antes que a voz das trompas de Ulmo atraísse o coração de Tuor e seu desejo pelo mar retornasse com uma ânsia mais profunda após anos sendo reprimida. Toda aquela hoste levantou-se a seu comando, e desceram o Sirion em direção ao mar.

 

O povo que entrara na Fenda das Águias e vira a queda de Glorfindel era próximo de oito centenas, um grupo grande; contudo eram apenas um triste remanescente de tão bela e populosa cidade. Mas os que se levantaram das relvas da terra dos Salgueiros nos anos seguintes e partiram para o mar, quando a primavera postou celidônias nos prados e eles fizeram um triste festival em memória de Glorfindel, estes contavam apenas três centenas e uma vintena de homens e meninos, e duas centenas e três vintenas de mulheres e meninas. Agora, O número de mulheres era pequeno por terem sido escondidas ou alojadas por seus parentes em lugares secretos na cidade. Lá foram queimadas ou mortas ou levadas e escravizadas, e os grupos de resgate muito raramente as encontravam; e é o maior sofrimento pensar nisto, pois as donzelas e mulheres dos Gondolindrim eram tão belas quanto o sol, tão adoráveis quanto a lua e mais radiantes que as estrelas. A glória habitava naquela cidade, Gondolin dos Sete Nomes, e sua ruína foi a mais terrível de todas e o maior dos saques de cidades sobre a terra. Nem Bablon, nem Ninwi, nem as torres de Trui, nem todas as muitas tomadas de Rûm que é a maior entre os Homens, viram tal terror como aquele caiu sobre Amon Gwareth entre a parentela dos Noldor, e este é considerado o pior trabalho em que Melkor no mundo.

 

Não obstante, os exilados de Gondolin habitavam agora à foz do Sirion próximo às ondas do Grande Mar. Lá assumiram o nome de Lothlim, o Povo da Flor, pois Gondolindrim é um nome doloroso demais para seus corações. E belo mesmo entre aquele povo, Eärendil cresce na casa de seu pai, e a grande história de Tuor chega ao seu fim.

 

Então disse Littleheart, filho de Bronweg: – Eu lamento por Gondolin.

 

E ninguém no Salão das Achas falou ou se moveu por um longo tempo.

 

 

                                                                  J. R. R. Tolkien

 

 

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