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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ABATIDO / Blake Pierce
ABATIDO / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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O Coronel Dutch Adams olhou para o seu relógio ao passar por Fort Nash Mowat e viu que eram 05:00 em ponto. Era uma manhã vigorosa e sombria de abril no Sul da Califórnia e tudo estava no seu devido lugar.
Ouviu uma voz de mulher dizer de forma acentuada...
“O comandante da guarnição está presente!”
Virou-se a tempo de ver um pelotão de treino atento ao comando da sargento de instrução. O Coronel Adams parou para responder à sua saudação e continuou o seu caminho. Caminhou um pouco mais rapidamente do que antes, esperando não chamar a atenção de outros sargentos de instrução. Não queria interromper mais pelotões de treino ao reunirem-se nas suas áreas de formação.
Após tantos anos, ainda não se habituara a ouvir vozes de mulher em situações de comando. Até o próprio avistamento de pelotões mistos por vezes o assustava um pouco. O Exército tinha mudado muito desde os seus tempos enquanto recruta e ele não gostava de muitas dessas mudanças.
Ao prosseguir o seu caminho, ou viu as vozes de outros sargentos de instrução, tanto homens como mulheres, apelando à formação dos pelotões.
Já não é como antigamente, Pensou.
Nunca se esqueceria dos abusos sofridos às mãos do seu próprio sargento de instrução há tantos anos – as invetivas selvagens contra a família e antepassados, os insultos e as obscenidades.
Sorriu um pouco. Aquele filho da mãe do Sargento Driscoll!
Driscoll morrera há muitos anos, relembrou o Coronel Adams – não em combate como teria preferido, mas de um ataque cardíaco como consequência da hipertensão. Naquele tempo, a tensão arterial alta era um risco profissional dos sargentos de instrução.
O Coronel Adams nunca se esqueceria de Driscoll e no que lhe dizia respeito, era assim que devia ser. Um sargento de instrução devia deixar uma marca inapagável na mente de um soldado para o resto da sua vida. O Sargento Driscoll tivera em definitivo esse tipo de impacto duradouro no Coronel Adams. Será que os formadores sob o seu comando ali em Fort Nash Mowat deixariam esse tipo de impressão nos seus recrutas?
O Coronel Adams duvidava.
Demasiado politicamente correctos, Pensou.
A maciez até já fazia parte do manual de treino do Exército...
“O stress criado por abuso físico ou verbal não é produtivo e é proibido.”
Zombou ao pensar naquelas palavras.
“Mas que grande porcaria,” Murmurou.
Mas o Exército direcionava-se nesse sentido desde a década de 90. Ele sabia que já devia estar habituado, mas a verdade é que nunca estaria.
De qualquer das formas, não teria de lidar com aquilo por muito mais tempo. Estava a um ano da reforma e a sua ambição final era tornar-se Brigadeiro-General antes dessa altura.
De repente, Adams foi distraído dos seus pensamentos por um avistamento surpreendente.
Os recrutas do Pelotão #6 estavam à deriva na sua área de formação, alguns a fazer ginástica, outros apenas a conversarem de forma descontraída entre si.
O Coronel Adams deteve-se e gritou.
“Soldados! Onde raios está o vosso sargento?”
Atrapalhados, os recrutas colocaram-se em sentido e saudaram o Coronel.
“À vontade,” Disse Adams. “Alguém vai responder à minha pergunta?”
Uma recruta falou.
“Não sabemos onde se encontra o Sargento Worthing, senhor.”
Adams mal conseguia acreditar no que ouvia.
“O que quer dizer com não sabem?” Perguntou.
“Ele não apareceu na formação, senhor.”
Adams mostrou-se exasperado.
Não parecia coisa atribuível ao Sargento Clifford Worthing. Na verdade, Worthing era um dos sargentos de instrução mais úteis a Adams. Era um apologista da velha escola. Várias vezes ia ao gabinete de Adams queixar-se de como certas regras o frustravam.
Ainda assim, Adams sabia que Worthing contornava as regras o máximo que podia. Às vezes os recrutas queixavam-se do seu rigor e abusos verbais mas essas queixas agradavam a Adams.
Mas onde estava Worthing?
Adams passou pelos recrutas dirigindo-se à caserna onde passou pelas filas de camas até chegar ao gabinete de Worthing.
Bateu à porta asperamente.
“Worthing, está aí?”
Ninguém respondeu.
“Worthing, sou o seu Comandante e se está aí, espero bem que me responda.”
Mais uma vez não sobreveio qualquer resposta.
Adams virou a maçaneta e abriu a porta.
O gabinete está imaculadamente organizado – e ninguém se encontrava no seu interior.
Onde se meteu ele? Perguntou-se Adams.
Será que Worthing tinha aparecido na base naquela manhã?
Então Adams reparou no sinal de PROIBIDO FUMAR na parede do gabinete.
Lembrou-se que o Sargento Worthing era fumador.
Será que o instrutor tinha feito uma pausa para fumar?
“Não, não pode ser,” Pensou Adams em voz alta.
Não fazia sentido.
Ainda assim, Adams saiu do gabinete e dirigiu-se para a porta traseira da caserna.
Abriu a porta e fixou a luz ténue da manhã.
Não teve que olhar durante muito tempo ou com muita atenção.
O Sargento Worthing estava agachado de costas contra a parede da caserna com um cigarro apagado a pender-lhe da boca.
“Worthing, mas que raio...?” Disse Adams.
Depois recuou perante o que viu.
Ao nível dos olhos de Adams estava uma grande mancha húmida e negra na parede.
Daquela mancha, um rasto contínuo desembocava no local onde Worthing estava agachado.
Depois Adams viu o buraco negro no meio da testa de Worthing.
Era uma ferida de bala.
A ferida de entrada era pequena, mas a ferida de saída tinha-lhe arrancado grande parte do crânio. O homem tinha sido morto enquanto fumava um cigarro. O tiro fora tãio limpo que o sargento de instrução morrera instantaneamente. Até o cigarro permanecera intocado na sua boca.
“Jesus Cristo,” Murmurou Adams. “Não outra vez.”
Olhou à sua volta. Um grande campo vazio estendia-se atrás da caserna. O tiro tinha sido disparado a grande distância. Tal significava que tinha sido disparado por um atirador habilidoso.
Adams abanou a cabeça, descrente.
A sua vida, sabia-o bem, ia complicar-se.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

Riley Paige estava a olhar por uma das janelas da sua casa. Estava um lindo dia de primavera, um dia ideal com pássaros a cantar e flores a florir. O ar exalava um odor fresco. Mas mesmo assim, a escuridão espreitava.

Riley tinha a estranha sensação de que toda aquela beleza era de alguma forma terrivelmente frágil.

Por isso mantinha as mãos quietas como se estivesse numa loja repleta de porcelanas delicadas e bastasse um simples movimento para partir algo encantador e caro. Ou talvez fosse porque aquela tarde perfeita lhe parecesse uma ilusão que desapareceria mal lhe tocasse apenas para revelar...

O quê? Interrogou-se Riley.

A escuridão de um mundo cheio de dor e terror e mal?

Ou a escuridão que se insinuava dentro da sua própria mente – a escuridão de demasiados pensamentos e segredos feios?

Uma voz de menina interrompeu as divagações de Riley.

“Em que é que estás a pensar, m~es?”

Riley virou-se. Percebeu que se esquecera momentaneamente das outras pessoas que se encontravam com ela na sala.

A rapariga que falara fora Jilly, a menina magra de treze anos que Riley estava a tentar adotar.

“Em nada,” Respondeu Riley.

Blaine Hildreth, o seu antigo vizinho, sorriu-lhe.

“Pareces estar longe daqui,” Disse ele.

Blaine acabara de chegar a casa de Riley com a sua filha Crystal.

Riley disse, “Acho que estava apenas a pensar onde está a April.”

Era algo que a preocupava realmente. A filha de quinze anos de Riley ainda não tinha chegado da escola. A April não sabia que tinham combinado ir jantar ao restaurante de Blaine?

Crystal e Jilly riram uma para a outra maliciosamente.

“Oh, ela está quase a chegar,” Disse Jilly.

“Aposto que a qualquer momento,” Acrescentou Crystal.

Riley perguntou-se o que é que as miúdas sabiam que ela desconhecia. Ela esperava que April não estivesse metida em nenhum problema. April passara por uma fase rebelde e tinha suportado traumas graves há alguns meses atrás. Mas parecia estar tão melhor agora.

Então Riley olhou para os outros e apercebeu-se de uma coisa.

“Blaine, Crystal – não vos perguntei se queriam beber alguma coisa. Tenho ginger ale. E bourbon se preferires Blaine.”

“Um ginger ale, obrigado,” Disse Blaine.

“Para mim também, se faz favor,” Disse Crystal.

Jilly levantou-se da cadeira.

“Oh, não, não precisas,” Disse Riley. “Eu vou buscar.”

Riley dirigiu-se à cozinha, bastante agradada por ter algo do género para fazer. Servir bebidas seria habitalmente o trabalho de Gabriela, a empregada de Riley. Mas Gabriela estava de folga e a visitar amigos. Gabriela mimava Riley e era bom, para variar, ir arranjar bebidas. Também mantinha a mente de Riley focada no agradável presente.

Serviu ginger ale a Crystal e Blaine, e também para ela e Jilly.

Ao levar o tabuleiro com as bebidas de vlta à sala de estar, Riley ouviu a porta da frente abrir-se. Depois ouviu a voz de April a falar com alguém que trouxera com ela.

Riley estava a distribuir as bebidas quando April entrou, seguida de um rapaz da sua idade. Parecia surpreendida em ver Blaine e Crystal.

“Oh!” Disse April. “Não estava à espera...”

Depois April corou de vergonha.

“Oh meu Deus, esqueci-me completamente! Íamos sair esta noite! Peço tanta desculpa!”

Jilly e Crystal estavam a rir-se. Agora Riley compreendia a razão por que estavam tão divertidas. Já sabiam que April tinha um novo namorado e que possivelmente se teria esquecido do jantar porque estava com ele.

Lembro-me como isso era, Pensou Riley, recordando saudosamente as suas próprias paixões de adolescente.

Agradada por April o ter trazido para o apresentar, Riley olhou para ele rapidamente. E de imediato gostou do que viu. Tal como April, era alto, desengonçado e de aspeto estranho. Era ruivo, tinha sardas, olhos azuis brilhantes e um sorrido amigável e pateta.

April disse, “Mãe, este é o Liam Schweppe. Liam, esta é a minha mãe.”

Liam estendeu a mão a Riley.

“Muito prazer em conhecê-la senhora Paige,” Disse ele.

A sua voz era típica de um rapaz adolescente, o que fez com que Riley sorrisse.

“Podes tratar-me por Riley,” Disse ela.

“April disse, “Mãe, o Liam é...”

April parou, aparentemente não preparada para dizer “o meu novo namorado.”

Em vez disso, disse, “Ele é capitão da equipa de xadrez da escola.”

Riley estava cada mais divertida.

“Então estás a ensinar a April a jogar xadrez, presumo,” Disse ela.

“Estou a tentar,” Disse Liam.

Riley não conseguiu evitar rir-se. Ela era uma boa jogadora de xadrez e há anos que tentava que April se interessasse pelo jogo, mas April sempre se mostrara desinteressada e considerava o xadrez coisa de tótós – uma “coisa de mãe” que nunca a poderia interessar.

A sua atitude parecia ter mudado agora que um rapaz giro estava envolvido.

Riley convidou Liam a sentar-se.

Disse-lhe, “Oferecia-te alguma coisa para beber mas estamos prestes a sair para jantar.”

“O jantar de que a April se esqueceu,” Disse Liam de sorriso aberto.

“É isso mesmo,” Disse Riley. “Porque é que não vens connosco?”

April corou ainda mais.

“Oh, mãe....” Começou.

“Oh, mãe, o quê?” Perguntou Riley.

“Tenho a certeza de que o Liam terá outros planos,” Disse April.

Riley riu. Ela estava novamente a entrar em território de “mãe tótó” outra vez. Parecia que April estava preparada para lhe apresentar Liam, mas um jantar de família já era levar as coisas longe demais.

“O que te parece, Liam?” Perguntou Riley.

“Parece-me ótimo, obrigado,” Disse Liam. “Onde é que vamos?”

“Ao Blaine’s Grill,” Disse Riley.

Os olhos de Liam reluziram de entusiasmo.

“Oh, uau! Já ouvi falar muito bem desse lugar!”

Agora chegara a vez de Blaine Hildreth sorrir.

“Obrigado,” Disse a Liam. “Eu sou o Blaine. O dono do restaurante.”

Liam riu-se.

“Que fixe!” Disse ele.

“Venham daí, vamos embora,” Disse Riley.


*

 

Um pouco mais tarde, Riley já desfrutava de um delicioso jantar com April, Jilly, Blaine, Crysral e Liam. Estavam todos no pátio do Blaine’s Grill a aproveitar o magnífico tempo e a fantástica comida.

Riley estava a falar sobre xadrez com Liam, discutindo táticas de planeamento. Estava impressionada com os conhecimentos que ele tinha do jogo. Interrogou-se como se sairia num jogo contra ele. E apercebeu-se de que provavelmente perderia. Ela era uma boa jogadora, mas ele já era o capitão da equipa de xadrez da escola e ainda era segundanista. Para além disso, tinha tido poucas oportunidades de jogar ultimamente.

Ele deve ser muito bom, Pensou Riley.

Este pensamento agradou-lhe. Riley sabia que April era mais inteligente do que se apercebia e era bom ter um namorado que a desafiasse.

Enquanto ela e Liam conversavam, Riley começou a interrogar-se até onde as coisas entre ele e April chegariam. Faltavam apenas dois meses para o fim do ano letivo. Será que se separariam e perderiam o interesse um no outro? Riley esperava que não.

“O que é que vais fazer este verão, Liam?” Perguntou Riley.

“Vou para o campo de xadrez,” Disse Liam. “Na verdade, vou ser treinador júnior. Tenho tentado convencer a April a vir também.”

Riley olhou para April.

“Porque é que não vais April?” Perguntou.

April corou novamente.

“Não sei,” Disse ela. “Estava mais a pensar em ir para o campo de futebol. É capaz de ser mais a minha linha. Provavelmente o campo de xadrez é demasiado para mim.”

“Oh, não, não será!” Disse Liam. “Haverá jogadores de todos os níveis – incluindo alguns que só agora estão a aprender o jogo como tu. E é aqui mesmo em Fredericksburg por isso, nem tinhas que sair de casa.”

“Vou pensar nisso,” Disse April. “Neste momento só me quero concentrar nas minhas notas.”

Riley ficou feliz por Liam não estar a distrair April da escola. Ainda assim, Riley gostava que ela fosse para o campo de xadrez. Mas sabia que não devia insistir porque isso a converteria numa “mãe tótó”. O melhor era deixar Liam convencê-la.

De qualquer das formas, Riley estava contente por ver April tão feliz. Às vezes April parecia tão adulta com o seu cabelo negro e olhos de avelã como Riley. Riley lembrava-se que escolhera o nome de April por causa do seu mês preferido. E era o seu mês favorito por dias como aquele.

Blaine olhou para Riley.

Ele disse, “Então, conta-nos sobre o prémio que vais receber amanhã, Riley.”

Agora era Riley que corava um pouco.

“Não é nada de especial,” Disse ela.

Jilly protestou.

“Mas é especial!” Disse Jilly. “Chama-se Prémio de Perseverança e ela vai recebê-lo por causa daquele caso antigo que resolveu. O chefe do FBI vai-lhe entregar.”

Os olhos de Blaine dilataram-se.

“Queres dizer o próprio Diretor Milner?” Perguntou.

Agora Riley estava a sentir-se estranha.

Riu-se nervosamente.

“Não é tão impressionante como parece,” Disse ela. “A viagem até Quantico não é muito longa. Ele trabalha em DC, sabem.”

Blaine ficou impressionado.

Jilly disse, “Blaine, eu e a April vamos vê-la a recebê-lo. Tu e a Crystal também deviam vir.”

Blaine e Crystal disseram que gostariam muito de ir.

“Ok então,” Disse Riley, ainda a sentir-se envergonhada. “Espero que não se aborreçam. De qualquer das formas, não é o acontecimento principal de amanhã. A Jilly é a estrela ba peça da escola amanhã à noite. Isso é muito mais impressionante.”

Agora era Jilly que enrubescia.

“Eu não sou a estrela, mãe,” Disse.

Riley riu-se da súbita timidez de Jilly.

“Bem, vais representar um dos papéis principais. És Perséfone numa peça chamada Demeter e Perséfone. Porque é que não nos contas a história?”

Jilly começou a contar a história do mito Grego – primeiro timidamente, depois mais entusiástica à medida que avançava. Riley sentiu-se embevecida. Uma das suas meninas estava a aprender a jogar xadrez; e a outra estava entusiasmada com mitologia Grega.

As coisas parecem estar a melhorar, Pensou.

Os seus esforços ao nível do casamento e da família eram atribulados. Recentemente errara ao tentar reintroduzir o seu ex-marido na sua vida e na vida das miúdas. Ryan provara, para variar, ser incapaz de se comprometer.

Mas agora?

Riley olhou para Blaine e percebeu que ele já estava a olhar para ela. Ele sorria e ela devolveu-lhe o sorriso. Havia definitivamente uma faísca entre eles. Até tinham dançado e beijado num encontro no mês anterior – o seu único encontro a dois até à data. Mas Riley encolhia-se por dentro ao lembrar-se na forma estranha como o encontro tinha terminado – com ela a correr para trabalhar num caso.

Blaine parecia ter-lhe perdoado.

Mas qual o destino do que se passava entre eles?

Mais uma vez, Riley foi assolada por uma escuridão que espreitava dentro de si.

Mais cedo ou mais tarde, esta feliz ilusão de família e amizade poderia dar lugar à realidade do mal – a crime e crueldade e monstros humanos.

E ela tinha um pressentimento que tal não demoraria muito a suceder.


CAPÍTULO DOIS


Sentada na fila da frente do auditório em Quantico, Riley sentia-se muito pouco à vontade. Enfrentara inúmeros assassinos cruéis sem nunca perder a sua compostura, mas naquele momento, sentia-se à beira do pânico absoluto.

O Diretor do FBI Gavin Milner encontrava-se num palanque perante o grande auditório. Ele falava da longa carreira de Riley – sobretudo do caso pelo qual era homenageada, o caso antigo do denominado “Assassino da Caixa de Fósforos”.

Riley estava impressionada pela distinta voz de barítono do diretor. Falara poucas vezes com o Diretor Milner, mas gostava dele. Era um homem pequeno e bem vestido com um bigode impecável. Riley imaginava-o mais como o reitor de uma escola de belas-artes do que como o responsável pela principal organização policial de elite do país.

Riley não estava a ouvir as palavras que ele proferia muito bem. Estava demasiado nervosa e inibida. Mas agora que parecia aproximar-se do fim do discurso, Riley ouviu-o com mais atenção.

Milner disse, “Todos conhecemos a coragem, inteligência e elegância sobre pressão da Agente Especial Riley Paige. Foi homenageada por todas essas qualidades no passado, mas hoje estamos aqui para a homenagear por algo diferente – a sua tenacidade indómita, a sua determinação em não deixar a justiça em mãos alheias. Graças aos seus esforços, um assassino que matou três vítimas há vinte e cinco anos foi finalmente apanhado. Todos lhe devemos estar gratos pelo seu serviço – e pelo seu exemplo.”

Ele sorriu, olhando diretamente para Riley. Pegou na caixa com o prémio.

É a minha deixa, Pensou Riley.

As suas pernas estavam trémulas quando se levantou e se começou a encaminhar para o palco.

Postou-se ao lado do palanque e Milner pendurou-lhe a Medalha de Perseverança ao pescoço.

Era incrivelmente pesada.

Estranho, Pensou Riley. As outras não eram assim.

Ela já recebera três outros prémios ao longo dos anos – o Escudo de Bravura e Medalhas de Valor e Realização Meritória.

Mas esta parecia mais pesada – e diferente.

Quase parecia errado.

Riley não sabia porquê.

O Diretor do FBI Gavin Milner deu uma palmada no ombro de Riley e deu uma risada.

Disse a Riley num quase sussurro...

“Algo para acrescentar à sua coleção, eh?”

Riley riu-se nervosamente e apertou a mão ao diretor.

As pessoas que se encontravam no auditório aplaudiram.

Rindo e sussurrando novamente, o Diretor Milner disse, “Chegou o momento de enfrentar o seu público.”

Riley virou-se e sentiu-se avassalada pelo que viu.

Estavam mais pessoas no auditório do que pensara. E cada rosto era familiar – um amigo, um membro da família, um colega ou alguém que ajudara ou salvara em trabalho.

Estavam todos a aplaudir de pé, sorrindo.

Riley ficou comovida.

Todos acreditam tanto em mim.

Sentiu-se grata e humilde – mas também sentiu um espasmo de culpa.

O que pensariam estas pessoas de si se tivessem conhecimento dos seus segredos mais sombrios?

Eles nada sabiam da sua atual relação com um assassino selvagem mas brilhante que fugira de Sing Sing. Certamente que não suspeitavam que ele a ajudara a resolver vários casos. E nem desconfiavam como a vida de Riley estava tão interligada à de Shane Hatcher.

Riley quase estremeceu perante este pensamento.

Não admirava que aquela medalha lhe parecesse mais pesada que as outras.

Não, eu não mereço isto, Pensou Riley.

Mas o que é que ia fazer – virar costas e devolvê-la ao Diretor Milner?

Em vez disso, conseguiu sorrir e articular algumas palavras de agradecimento. Depois retirou-se do palco.


*


Alguns momentos mais tarde, Riley já se encontrava numa grande sala com bebidas repleta de pessoas. Parecia que a maioria das pessoas que se encontravam no auditório, também ali estavam. Ela era o centro de um rodopio de atividadejá que toda a gente, à vez, a queria cumprimentar. Riley estava grata pela presença estabilizadora do Diretor Milner mesmo a seu lado.

Na primeira vaga de cumprimentos vinham os colegas – agentes de campo, especialistas, administradores e pessoal do escritório.

A maioria estava visivelmente feliz por ela. Por exemplo, Sam Flores, o responsável pela equipa de análise técnica de Quantico, lançou-lhe um sorriso sincero e ergueu os polegares na sua direção.

Mas Riley também tinha a sua conta de inimigos e também eles ali estavam. A mais nova era Emily Creighton, uma agente inexperiente que gostava de se considerar a rival de Riley. Riley chamara-lhe a atenção para um erro de novata há alguns meses atrás e Creighton ficara ressentida desde então.

Quando chegou a vez de Creighton dar os parabéns a Riley, a agente mais nova forçou um sorriso de dentes cerrados, apertou-lhe a mão, murmurou “Parabéns” e afastou-se.

Aproximaram-se mais alguns colegas antes de chegar a vez do Agentes Especial Responsável Carl Walder. Infantil tanto no aspeto como no comportamento, Walder era para Riley o burocrata por excelência. Estavam sempre de candeias às avessas. Na verdade, ele já a suspendera e até já a despedira algumas vezes.

Mas naquele momento, Riley estava divertida com a sua expressão de boa vontade servil em relação a ela. Com o Diretor Milner mesmo ao lado de Riley, Walder não se atrevia a mostrar nada que não fosse respeito fingido.

A sua mão estava fria e húmida ao apertar a dela, e Riley reparou em gotas de suor na sua testa.

“Uma homenagem bem merecida, Agente Paige,” Disse ele com uma voz trémula. “Sentimo-nos honrados por tê-la connosco.”

Depois Walder apertou a mão ao Diretor do FBI.

“Que honra juntar-se a nós, Diretor Milner,” Disse Walder.

“O prazer é todo meu,” Disse o Diretor.

Riley observou o rosto do Diretor. Teria ela notado num ligeiro sorriso afetado ao dirigir-se a Walder? Não tinha a certeza. Mas Riley sabia que Walder não era benquisto no Bureau, nem pelos seus subordinados, nem pelos seus superiores.

Depois do último dos seus colegas de Quantico a cumprimentar, a nova vaga de cumprimentos despoletaria emoções poderosas em Riley. Eram pessoas que conhecera quando trabalhava – familiares de vítimas ou pessoas que evitara se tornassem vítimas. Riley não esperava vê-las ali, sobretudo não esperava ver tantas.

O primeiro era um homem idoso e frágil que Riley salvara de uma envenenadora louca em janeiro. Pegou na mão de Riley com as suas e em lágrimas disse, “Obrigado, obrigado, obrigado,” Vezes sem conta.

Riley não conseguiu evitar chorar.

Depois vieram Lester e Eunice Pennington e a sua filha adolescente, Tiffany. Em fevereiro, a irmã mais velha de Tiffany, Lois, fora assassinada por um louco. Riley não via os Pennington desde que resolvera o caso e mal conseguia acreditar que estavam ali. Recordava-os como estando perturbados, mas agora sorriam por entre as lágrimas, felizes por Riley e gratos por, através dela, se ter feito justiça.

Ao trocar emocionados apertos de mão com eles, interrogou-se qual seria a sua capacidade de resistência antes de desatar a fugir da sala em lágrimas.

Por fim veio Paula Steen, a mãe idosa de uma rapariga assassinada há vinte e cinco anos no caso pelo qual Riley estava a ser homenageada naquele dia.

E naquele momento, Riley sentiu-se verdadeiramente esmagada.

Ela e Paula tinham estado em contacto durante muitos anos, falando ao telefone a cada aniversário da morte da filha.

A presença de Paula ali apanhou Riley completamente desprevenida.

Apertou as mãos de Paula tentando não se ir abaixo de forma incontrolável.

“Paula, obrigada por vir,” Conseguiu articular por entre as lágrimas. “Espero que possamos continuar em contacto.”

O sorriso de Paula era radiante e não chorava.

“Oh, eu continuo a ligar uma vez por ano, eu prometo,” Disse Paula. “Pelo menos enquanto estiver neste mundo. Agora que apanhou o assassino da Tilda, sinto-me preparada para seguir em frente – juntar-me a ela e ao meu marido. Estão à minha espera há muito tempo. Muito obrigada.”

Riley sentiu uma dor súbita dentro de si.

Paula estava a agradecer-lhe pela paz que agora sentia – agradecia-lhe por lhe permitir morrer por fim.

Era demasiado para Riley processar.

Não conseguia falar.

Em vez disso, beijou Paula na bochecha desajeitadamente e a mulher mais velha afastou-se.

Agora as pessoas começavam a dispersar e a sala estava menos povoada.

Mas quem mais lhe interessava ainda lá estava. Blaine, Crystal, Jilly, April e Gabriela estavam próximos sempre a observá-la. Riley sentiu-se especialmente bem com o olhar de orgulho que Gabriela mostrava.

Também viu que as miúdas sorriam, enquanto a expressão de Blaine era de admiração assombrada. Riley esperava que toda aquela cerimónia não o tivesse intimidado ou assustado.

Agora vinham na sua direção três pessoas cujos rostos ficou especialmente feliz por ver. Um era o seu parceiro de longa data, Bill Jeffreys. Ao lado dele estava Lucy Vargas, uma jovem agente promissora que via em Riley uma mentora. E ao lado dela estava Jake Crivaro.

Riley ficou surpreendida por ver Jake. Ele fora seu parceiro há muitos anos e já se aposentara. Ajudara-a no caso do assassino da caixa de fósforos, um caso que o assombrara durante anos.

“Jake!” Disse Riley. “O que é que estás aqui a fazer?”

O homem baixo soltou um riso áspero.

“Ei, que raio de boas-vindas são essas?”

Riley riu-se e abraçou-o.

“Sabes a que me referia.” Disse ela.

Depois de tudo terminado, Jake fora para o seu apartamento na Flórida. Mas Riley estava feliz por ele estar de volta, mesmo que muito mais cedo do que ela esperara.

“Não perderia isto por nada no mundo,” Disse Jake.

Riley sentiu invadir-se novamente por uma onda de culpa ao abraçar Bill.

“Bill, Jake – isto não é justo.”

“O que é que não é justo?” Perguntou Bill.

“Eu receber este prémio. Vocês os dois trabalharam tanto quanto eu.”

Chegara a vez de Lucy abraçar Riley.

“É claro que é justo,” Disse Lucy. “O Diretor Milner mencionou-os. Também lhes deu mérito.”

Bill anuiu e disse, “E nos nunca teríamos feito nada se não fosse a tua teimosia em reabrir o caso.”

Riley sorriu. É claro que era verdade. Ela reabrira o caso quando mais ninguém pensaria que fosse possível resolvê-lo.

De repente, Riley sentiu uma nova onda de confusãosobre o que tinha acontecido.

Olhou à sua volta e disse a Bill, Jake e Lucy, “Todas estas pessoas – como é que elas sabiam disto?”

Lucy disse, “Bem, passou nas notícias, é claro.”

Isso era verdade mas não explicava tudo. O seu prémio tinha sido anunciado em notícias curtas em quem ninguém repararia a não ser que já soubessem.

Então Riley reparou num sorriso dissimulado no rosto de Bill.

Ele entrou em contacto com as pessoas! Apercebeu-se Riley.

Pode não ter contactado todas as pessoas que faziam parte do seu passado, mas colocara a engrenagem a funcionar.

Riley ficou alarmada pelas emoções contraditórias que sentia.

É claro que estava grata a Bill por garantir que aquele dia era um dia extraordinário.

Mas para sua surpresa, também estava zangada.

Sem se aperceber, Bill montara uma emboscada emocional a Riley.

Pior do que tudo, fizera-a chorar.

Mas Riley lembrou-se de que ele o fizera por amizade e respeito.

Ela disse-lhe, “Eu e tu vamos conversar sobre isto mais tarde.”

Bill sorriu e assentiu.

“É claro que vamos,” Disse ele.

Riley virou-se então para a sua família e amigos, mas foi impedida pelo seu chefe, o Chefe de Equipa Brent Meredith.

Ele disse, “Paige, Jeffreys, Vargas – preciso que venham ao meu gabinete agora mesmo.”

Sem dizer mais uma palavra, Meredith saiu da sala.

Riley esmoreceu ao dirigir-se a Blaine, Gabriela e às miúdas para lhes dizer que teriam que esperar mais um pouco por ela.

Ela lembrou-se daquela sensação insinuante de escuridão que sentira ao jantar no dia anterior.

Está aqui, Pensou.

Um novo mal estava prestes a entrar na sua vida.


CAPÍTULO TRÊS


Enquanto Riley seguia Bill e Lucy pelo corredor em direção ao gabinete do Cefe Meredith, ela tentava perceber porque é que se sentia tão inquieta.Não compreendia o que a incomodava tanto.

Percebeu que se tratava em parte de uma sensação à qual estava há muito habituada – aquela apreensão familiar que tinha sempre que ia receber novas ordens.

Mas algo mais estava misturado com esse sentimento. Nâo era medo ou um presságio. Já tivera demasiados trabalhos ao longo da sua carreira para se preocupar com o futuro.

Era algo que ela mal reconhecia.

É alívio? Interrogou-se Riley.

Sim, talvez fosse isso.

A cerimónia e a receção haviam sido tão bizarras e surreais, trazendo à tona pensamentos contraditórios e ondas de emoções.

Ir a caminho do gabinete de Meredith era familiar, confortável... e parecia uma espécie de fuga.

Mas suma fuga de quê?

Sem dúvida para um bem conhecido mundo de crueldade e mal.

Riley sentiu um arrepio percorrê-la.

O que dizia sobre ela o facto de se sentir mais confortável com a crueldade e o mal do que com a celebração e o louvor?

Ela não queria debater-se com essa questão e tentou libertar-se do sentimento de ansiedade que dela se apoderava enquanto caminhava. Mas não conseguia parar de o fazer.

Parecia que se sentia cada vez menos confortável na sua própria pele ultimamente.

Quando Riley, Bill e Lucy chegaram ao amplo gabinete de Meredith, o chefe estava sentado atrás da secretária.

Alguém já lá se encontrava – uma jovem mulher Afro-Americana com cabelo curto e olhos grandes e intensos. Ela levantou-se ao ver Riley e os seus companheiros.

Meredith disse, “Agentes Paige, Jeffreys e Vargas, gostaría de vos apresentar a Agente Especial Jennifer Roston.”

Riley olhou para a mulher com quem falara logo após ter resolvido o caso do assassino da caixa de fósforos. Jennifer Roston não era alta, mas parecia atlética e absolutamente competente. A expressão do seu rosto era de uma mulher segura das próprias capacidades.

Roston apertou a mão a todos eles.

“Tenho ouvido coisas boas a seu respeito,” Disse-lhe Lucy.

“Apagou alguns registos na Academia,” Disse Bill.

Riley também tinha ouvido falar muito bem da Agente Roston. Ela já tinha uma reputação fantástica e recebera algumas excelentes recomendações.

“Estou muito honrada por vos conhecer a todos,” Disse Roston com um sorriso sincero. Depois, olhando diretamente para Riley acrescentou, “Especialmente a si, Agente Paige. É ótimo conhecê-la pessoalmente.”

Riley sentiu-se lisonjeada. Também sentiu uma ligeira e incomodativa preocupação.

Enquanto se sentavam, Riley questionou-se do motivo da presença de Roston ali. Iria Meredith colocá-la num caso com Riley e os outros dois colegas?

O pensamento incomodou Riley. Ela, Bill e Lucy tinham construído um excelente relacionamento, uma perfeita releção de trabalho. Iria uma nova adição à sua pequena equipa perturbar isso, pelo menos temporariamente?

Meredith respondeu às suas dúvidas. “Queria que conhecessem a Agente Roston porque ela está a trabalhar no caso Shane Hatcher. O filho da mãe já está a monte há demasiado tempo. A sede decidiu torná-lo numa prioridade. Chegou o momento de o apanhar e precisamos de uma nova visão a ocupar-se desse caso em específico.”

Riley contorceu-se um pouco por dentro.

Ela já sabia que Roston estava a trabalhar no caso Hatcher. Na verdade, era o que tinham discutido ao telefone. Roston tinha solicitado acesso aos ficheiros do computador de Quantico sobre Shane Hatcher e Riley havia-lhe concedido acesso.

Mas o que é que se estava a passar agora?

Com certeza que Meredith não os tinha reunido a todos para trabalharem no caso Hatcher. Ela não sabia ao certo o que Meredith sabia sobre as suas relações a Hatcher. Ela seria presa se o seu chefe soubesse que deixara um assassino fugir porque ele a tinha ajudado.

Ela sabia que Hatcher estaria provavelmente escondido na montanhas na cabana que Riley herdara do pai – permanecendo lá com o pleno conhecimento e aprovação de Riley.

Como é que ela podia sequer fingir que estava a tentar apanhá-lo?

Bill perguntou a Roston, “Como é que está a correr até agora?”

Roston sorriu.

“Oh, estou ainda a começar – neste momento só estou a fazer pesquisa.”

Depois, olhando novamente para Riley, Roston disse, “Agradeço-lhe o acesso que me deu a todos aqueles ficheiros.”

“Ainda bem que ajudei,” Disse Riley.

Roston olhou para Riley com a expressão a tornar-se vagamente curiosa.

“Oh, foi de grande ajuda,” Disse ela. “Juntou muita informação. Ainda assim – pensei que pudesse haver mais sobre a situação financeira de Hatcher.”

Riley suprimiu um estremecimento ao lembrar-se do que fizera depois de desligar aquela chamada.

Antes de dar acesso a Roston aos ficheiros de Hatcher, apagara um com o nome de “PENSAMENTOS” – um ficheiro que não só continha os pensamentos pessoais e observações a respeito de Hatcher, como também informação financeira que poderia ajudar na sua captura. Ou pelo menos tornar possível cortar-lhe os recursos.

Que coisa louca fui fazer, Pensou Riley.

Mas estava feito e não podia ser desfeito mesmo que ela o quisesse.

Riley agora sentia-se desconfortável sob o olhar inquisitivo de Roston.

“Ele é uma personagem esquiva,” Disse Riley a Roston.

“Sim, parece que sim,” Disse Roston.

Os olhos de Roston fixaram-se nos de Riley.

O desconforto de Riley aumentou.

Ela já saberá alguma coisa? Questionou-se Riley.

Então Meredith disse, “É tudo por agora Agente Roston. Tenho outro assunto para discutir com os Agentes Paige, Jeffreys e Vargas.”

Roston levantou-se e retirou-se educadamente.

Mal Roston saiu, Meredith disse, “Parece que temos um novo caso de assassino em sério no Sul da Califórnia. Alguém assassinou três sargentos de instrução em Fort Nash Mowat. Foram mortos com tiros de longa distância por um atirador habilidoso. A vítima mais recente foi morta esta manhã.”

Riley ficou intrigada, mas também um pouco surpreendida.

“Este caso não será mais da competência do Comando de Investigação Criminal do Exército?” Perguntou, referindo o outro nome da Divisão de Investigação Criminal do Exército. Ela sabia que o ICE tipicamente investigava delitos graves cometidos no âmbito do Exército dos EUA.

Meredith anuiu.

“O ICE já está a trabalhar no caso,” Disse ele. “Há um gabinete do ICE em Fort Mowat por isso já estão em cima do assunto. Mas como sabe, o General Boyle, está à frente do ICE. Ele ligou-me há pouco para pedir que o FBI entre em ação. Parece ser um caso especialmente desagradável, com todo o tipo de repercussões negativas. Vai haver muita pressão política. Quanto mais depresssa for resolvido, melhor para todos.”

Rileypensou se seria boa ideia. Nunca soubera que o FBI e o ICE tivessem trabalhado juntos num caso. Preocupava-a que acabassem por pisar os calcanhares uns aos outros, fazendo mais mal que bem.

Mas não levantou qualquer objeção. Não dependia dela.

“Então quando é que partimos?” Perguntou Bill.

“O mais rapidamente possível,” Disse Meredith. “Têm as vossas malas prontas aqui?”

“Não,” Disse Riley. “Não estava à espera de algo assim já.”

“Então faça as malas logo que possível.”

Riley sentiu-se subitamente alarmada.

A peça da Jilly é esta noite! Pensou.

Se Riley partisse agora, não a veria.

“Chefe Meredith...” Principiou.

“Sim, Agente Paige?”

Riley parou. No final de contas, o FBI acabara de lhe conceder um prémio e um aumento. Como é que poderia safar-se desta situação?

Ordens são ordens, Disse a si própria firmemente.

Não havia nada que pudesse fazer.

“Nada,” Disse ela.

“Então ok,” Disse Meredith, levantando-se. “Vão andando. E resolvam isto rapidamente. Temos outros casos à espera.”


CAPÍTULO QUATRO


O Coronel Dutch Adams estava de pé a olhar pela janela do seu gabinete. Tinha uma boa vista de Fort Nash Mowat dali. Até conseguia ver o campo onde o Sargento Worthing tinha sido morto naquela mesma manhã.

“Raios partam isto,” Murmurou para si próprio.

Há menos de duas semanas, o Sargento Rolsky tinha sido morto exatamente da mesma forma.

Há uma semana fora o Sargento Fraser.

E agora o Worthing.

Três bons sargentos de instrução.

Que desperdício, Pensou.

E até àquele momento, os agentes do Comando de Investigação Criminal ainda não tinham conseguido resolver o caso.

Adams ali ficou a interrogar-se...

Como é que eu acabei a comandar este lugar?

Tinha tido uma boa carreira. Ostentava as suas medalhas com orgulho – a Legião de Mérito, três Estrelas de Bronze, Medalhas de Serviços Meritórios, Um Louvor de Unidade de Mérito e mais umas quantas outras.

Olhou para a sua vida ao olhar para aquela janela.

Quais eram as suas melhores memórias?

Com certeza que o seu serviço de guerra no Iraque, tanto na Operação Tempestade do Deserto como na Operação Liberdade Duradoura.

Quais eram as suas piores memórias?

Possivelmente a acumulação de títulos académicos para obter uma comissão.

Ou talvez estar em frente a uma turma a dar aulas.

Mas até essas não eram tão más como comandar aquele lugar.

Estar atrás de uma secretária, elaborar relatórios e presidir a reuniões – tudo isso era o pior no que lhe dizia respeito.

Ainda assim, pelo menos passara bons tempos.

Contudo, o sucesso da sua carreira tivera um custo pessoal – três divórcios e sete filhos crescidos que mal lhe falavam. Nem tinha a certeza de quantos netos tinha.

Era assim que era.

O Exército sempre fora a sua verdadeira família.

Mas agora, depois de todos aqueles anos, ele sentia-se distante até o Exército.

Então como é que a sua despedida do serviço militar seria – uma aposentação feliz ou mais um divórcio?

Suspirou amargamente.

Se alcançasse a sua ambição final, retirar-se-ia como Brigadeiro-General. Ainda assim, estaria completamente sozinho quando se aposentasse. Mas talvez pouco importasse.

Talvez pudesse desaparecer tranquilamente – “desvanecer-se” como um dos proverbiais “velhos soldados” de Douglas MacArthur.

Ou como um animal selvagem, Pensou.

Fora caçador toda a sua vida, mas não se lembrava de alguma vez ter encontrado a carcassa de um urso ou de um veado ou de qualquer outro animal selvagem que tivesse morrido de causas naturais. Outros caçadores lhe tinham dito o mesmo.

Ssempre tinha sido um mistério! Onde é que essas criaturas selvagens morriam e apodreciam?

Gostava de saber para que também ele para lá se encaminhasse quando chegasse a sua hora.

Entretanto, apetecia-lhe um cigarro. Era inacreditável não poder fumar no seu próprio gabinete.

E nesse momento o seu telefone tocou. Era a sua secretária.

A mulher disse, “Coronel, tenho o responsável pela investigação criminal em linha, quer falar consigo.”

O Coronel Adams ficou surpreendido.

Ele sabia que se tratava de Brigadeiro-General Malcolm Boyle. Adams não se lembrava de falar com ele.

“De que é que se trata?” Perguntou Adams.

“Dos crimes, creio,” Disse a secretária.

Adams mostrou-se desagradado.

É claro, Pensou.

O responsável da investigação criminal no Exército em Washington era responsável por todas as investigações de cariz criminal no Exército. Sem dúvida que soubera que a investigação ali seguia a ritmo lento.

“OK, eu falo com ele,” Disse Adams.

Atendeu a chamada.

De imediato lhe desagradou o tom de voz do homem. Era demasiado suave para o seu gosto, não tinha suficiente atitude para um oficial de alta patente. Apesar disso, a sua patente era muito mais elevada do que a de Adams. Tinha que pelo menos fingir respeito.

Boyle disse, “Coronel Adams, só lhe queria dar conhecimento de uma situação. Três agentes do FBI de Quantico chegarão em breve para ajudar com a investigação dos crimes.”

Adams sentiu uma súbita irritação. Na sua opinião, já havia demsiados agentes a trabalhar naquilo. Mas conseguiu manter a sua voz calma.

“Senhor, não percebo porquê. Temos o nosso próprio gabinete do Comando de Investigação Criminal aqui em Fort Mowat. Eles estão a trabalhar no caso.”

Agora a voz de Boyle soou um pouco mais dura.

“Adams, teve três homicídios em menos de três semanas. A mim parece-me que precisam de ajuda.”

A frustração de Adams crescia a cada minuto que passava. Mas ele sabia que não podia demonstrá-la.

Disse, “Com todo o respeito senhor, não sei porque é que me ligou a comunicar essa notícia. A Coronel Dana Larson é o comandante do ICE aqui em Fort Mowat. Porque é que não lhe ligou primeiro?”

A resposta de Boyle apanhou Adams de surpresa.

“A Coronel Larson entrou em contacto comigo. Ela pediu-me para ligar para a UAC para ajudar.”

Adams estava perplexo.

Aquela puta, Pensou.

A Coronel Dana Larson parecia fazer tudo o que estava ao seu alcance para o aborrecer à mínima oportunidade.

E porque é que estava uma mulher à frente do ICE?

Adams fez o que podia para engolir a sua repugnância.

“Compreendo, senhor,” Disse ele.

Depois terminaram a chamada.

O Coronel Adams estava furioso. Bateu com o punho na secretária. Ele não tinha uma palavra a dizer sobre o que se passava naquele lugar?

Ainda assim, ordens eram ordens e ele tinha que obedecer.

Mas não tinha que gostar – e não tinha que facilitar a vida a ninguém.

Não queria saber que pessoas fossem mortas.

As coisas iam ficar muito feias.


CAPÍTULO CINCO


Ao levar Jilly, April e Gabriela para casa, Riley não foi capaz de lhes dizer que se ia embora dali a pouco. Ia perder o primeiro grande evento de Jilly, um papel de protagonista numa peça. Será que as miúdas perceberiam que ela se limitava a seguir ordens?

Mesmo depois de chegarem a casa, Riley não lhes conseguiu dizer.

A vergonha dominava-a.

Naquele dia ganhara uma medalha de perseverança e no passado fora reconhecida por valor e coragem. E claro, as suas filhas estavam na plateia a vê-la receber a medalha.

Mas ela não se sentia uma heroína.

As miúdas dirigiram-se ao exterior para se entreterem no quintal e Riley foi para o seu quarto e começou a fazer as malas. Era uma rotina familiar. O truque era preparar uma mala pequena com items suficientes para durar alguns dias ou um mês.

Enquanto dispunha as coisas em cima da cama, ouviu a voz de Gabriela.

“Señora Riley – o que é que está a fazer?”

Riley virou-se e viu Gabriela na soleira da porta. A empregada segurava um monte de roupa lavada que iria colocar no armário do corredor.

Riley gaguejou, “Gabriela, eu... Eu tenho que ir.”

Gabriela ficou espantada.

“Ir? Para onde?”

“Tenho um novo caso. Na Califórnia.”

“Não pode ir amanhã?” Perguntou Gabriela.

Riley engoliu em seco.

“Gabriela, o avião do FBI está neste momento a minha espera. Tenho que ir.”

Gabriela abanou a cabeça.

Disse, “É bom combater o mal, Señora Riley. Mas às vezes penso que perde a noção do que é importante.”

Gabriela desapareceu em direção ao corredor.

Riley suspirou. Desde quando é que Riley pagava a Gabriela para ser a sua consciência?

Mas não se podia queixar. Gabriela era demasiado boa no que fazia.

Riley ficou a olhar para a sua mala ainda incompleta.

Abanou a cabeça e murmurou para si própria...

“Não posso fazer isto à Jilly. Não posso.”

Durante toda a sua vida sacrificara os filhos em detrimento do trabalho. Sempre. Nunca colocara os filhos à frente.

E isso, apercebeu-se, era o que estava errado na sua vida. Isso era parte da sua escuridão.

Ela era suficientemente corajosa para enfrentar um assassino em série. Mas era suficientemente corajosa para fazer dos filhos a sua prioridade?

Naquele momento, Bill e Lucy estavam a preparar-se para ir para a Califórnia.

Esperavam encontrá-la na pista de Quantico.

Riley suspirou.

Só havia uma maneira de resolver aquele problema – se o conseguisse resolver.

Tinha que tentar.

Pegou no telemóvel e ligou para o número privado de Meredith.

Perante o som da sua voz áspera, Riley disse, “Senhor, é a Agente Paige.”

“O que é que se passa?” Perguntou Meredith.

Havia uma nota de preocupação na sua voz. Riley percebeu porquê. Nunca usara aquele número a não ser em circunstâncias extremas.

Riley ganhou coragem e foi direta ao assunto.

“Senhor, gostaria de adiar a minha viagem para a Califórnia. Só por esta noite. Os Agentes Jeffreys e Vargas podem ir antes de mim.”

Após uma pausa, Meredith perguntou, “Qual é a emergência?”

Riley engoliu em seco. Meredith não ia tornar aquilo fácil.

Mas ela estava determinada a não mentir.

Numa voz trémula, gaguejou, “A minha filha mais nova, Jilly – entra na peça da escola esta noite. Ela vai representar o papel principal.”

O silêncio que se seguiu era ensurdecedor.

Será que ele me desligou a chamada? Interrogou-se Riley.

Mas pouco depois Meredith disse, “Pode repetir, por favor? Não estou certo se percebi bem.”

Riley conteve um suspiro. Ela tinha a certeza de que ela a tinha ouvido perfeitamente bem.

“Senhor, esta peça é importante para ela,” Disse Riley, ficando cada vez mais nervosa. “A Jilly... Bem, sabe que estou a tentar adotá-la. Ela teve uma vida difícil e tem os sentimentos à flor da pele e...”

A voz de Riley desvaneceu-se.

“E o quê?” Perguntou Meredith.

Riley engoliu em seco.

“Eu não a posso desiludir. Não desta vez. Não hoje.”

Outro silêncio sombrio se seguiu.

Riley começava a sentir-se mais determinada.

“Senhor, não fará qualquer diferença para este caso,” Disse ela. “Os Agentes Jeffreys e Vargas vão antes de mim e sabe como são capazes. Podem colocar-me ao corrente de tudo quando lá chegar.”

“E quando é que seria?” Perguntou Meredith.

“Amanhã de manhã. Cedo. Vou para o aeroporto assim que a peça terminar. Apanho o primeiro voo que conseguir.”

Após nova pausa, Riley acrescentou, “Eu pago a minha viagem.”

Ouviu Meredith a emitir sons.

“Certamente que pagará, Agente Paige,” Disse ele.

Riley mal conseguia acreditar.

Ele está a autorizar-me!

De repente apercebeu-se que mal respirara durante a conversa.

Teve que fazer um enorme esforço para não demonstrar de forma efusiva a sua gratidão.

Ela sabia que Meredith não gostaria disso. E a última coisa que queria era que ele mudasse de ideias.

Então limitou-se a dizer, “Obrigada.”

Ouviu outro grunhido.

Depois Meredith disse, “Diga à sua filha para partir uma perna.”

E terminou a chamada.

Riley suspirou de alívio, depois olhou para cima e viu Gabriela na soleira da porta outra vez, a sorrir.

Estivera obviamente a ouvir a chamada.

“Penso que está a crescer, Señora Riley,” Disse Gabriela.


*


Sentada na plateia com April e Gabriela, Riley estava a gostar muito da peça da escola. Já se esquecera de como eventos daqueles podiam ser encantadores.

Os miúdos do secundário estavam todos enfarpelados com fatos improvisados. Tinham pintado um cenário para dar vida à história de Deméter e Perséfone – campos cheios de flores, um vulcão na Sicília, as cavernas húmidas do submundo e outros locais míticos.

E a atuação de Jilly estava simplesmente fantástica!

Ela interpretava Perséfone, a jovem filha da deusa das colheitas. Riley deu por si a lembrar-se da história à medida que ia sendo contada.

Perséfone estava a colher flores quando Hades, o deus do submundo, passou na sua carruagem e a levou para o submundo para ser a sua rainha. Quando Deméter se apercebeu do que sucedera à filha, gemeu de dor.

Riley sentiu arrepiar-se pela forma como a rapariga que interpretava Deméter expressava a sua dor.

Naquele momento, a história começou a afetar Riley de uma forma que não esperava.

A história de Perséfone parecia-se estranhamente com a própria história de Jilly. No final de contas, era a história de uma rapariga que perdera parte da juventude devido à intrusão de forças mais poderosas do que ela.

Riley sentiu-se a quebrar.

Ela conhecia muito bem o resto da história. Perséfone ganharia de novo a liberdade, mas apenas durante metade de cada ano. Sempre que Perséfone se ia embora, Deméter espalhava o frio e a morte na terra. Quando ela regressava, Deméter dava nova vida à terra e a primavera regressava.

E fora dessa forma que as estações se haviam criado.

Riley apertou a mão de April e sussurrou, “Agora vem a parte triste.”

Riley ficou surpreendida por ouvir April a rir.

“Não tão triste,” Sussurrou April. “A Jilly disse-me que tinham alterado um pouco a história. Vê.”

Riley ficou atenta ao que ali vinha.

Perséfone deu uma pancada na cabeça de Hades com uma urna Grega – na verdade uma almofada disfarçada. Depois saiu do submundo e voltou para junto da sua mãe jubilante.

O rapaz que fazia o papel de Hades trouxe o inverno ao mundo. Ele e Deméter lutaram alternando as estações entre inverno e primavera, indefinidamente.

Riley estava encantada.

Quando a peça terminou, Riley dirigiu-se aos bastidores para dar os parabéns a Jilly. A caminho, encontrou a professora responsável pela peça.

“Adorei o que fez com a historia!” Disse Riley à professora. “Foi tão refrescante ver Perséfone transformar-se de vítima indefesa em heroína independente.”

A professora sorriu.

“Não me agradeça a mim,” Disse ela. “A ideia foi da Jilly.”

Riley foi ter com Jilly e deu-lhe um grande abraço.

“Estou tão orgulhosa!” Disse Riley.

“Obrigada mãe,” Disse Jilly, sorrindo alegremente.

Mãe.

A palavra ecoou em Riley. O significado era mais profundo do que poderia dizer.


*


Mais tarde nessa noite quando estavam todas em casa, Riley finalmente teve que dizer às miúdas que se ia embora. Espreitou pela porta do quarto de Jilly.

Jilly já dormia, exausta da noite bem-sucedida. Riley adorava o aspeto de contentamento que o seu rosto mostrava.

Depois Riley foi ao quarto de April e olhou para ela. April estava sentada na cama a ler um livro.

April olhou para cima e viu a mãe.

“Então mãe,” Disse ela. “O que é que se passa?”

Riley entrou silenciosamente no quarto.

Ela disse, “Isto vai parecer estranho mas... Tenho que me ir embora agora mesmo. Foi-me dado um caso na Califórnia.”

April sorriu.

Ela disse, “Eu e a Jilly adivinhámos que a tua reunião em Quantico era sobre qualquer coisa do género. E depois vimos a mala na tua cama. Até pensámos que te ias embora antes da peça. Geralmente não fazes as malas a não ser que estejas prestes a ir.”

Ela olhou para Riley com um sorriso amplo.

“Mas depois ficaste,” Acrescentou. “Eu sei que adiaste a viagem pela peça. Sabes o quanto isso significa para nós?”

Riley sentiu-se comovida. Encostou-se para a frente e as duas abraçaram-se.

“Então, não faz mal se eu for?” Perguntou Riley.

“Claro que não. A Jilly disse-me que esperava que apanhasses uns maus da fita. Ela tem muito orgulho no que fazes, mãe. E eu também.”

Riley ficou emocionada. Ambas as filhas estavam a crescer tão depressa. E estavam a tornar-se umas jovens extraordinárias.

Riley beijou APril na testa.

“Amo-te querida,” Disse ela.

“Eu também te amo,” Disse April.

“O que é que estás a fazer a pé?” Disse Riley a April. “Desliga a luz e vai dormir. Amanhã é dia de escola.”

April deu uma risadinha e desligou a luz. Riley foi para o seu quarto para pegar na mala.

Já passava da meia-noite e tinha que ir até DC para apanhar um voo comercial a tempo.

Ia ser uma longa noite.


CAPÍTULO SEIS


O lobo estava deitado sobre a barriga no duro solo do deserto.

Era assim que o homem se via a si próprio – um animal a perseguir a sua próxima vítima.

Tinha uma excelente vista de Fort Nash Mowat do seu posto bem situado e o ar noturno era agradável e fresco. Espreitou a vítima daquela noite através da espingarda com visão noturna.

Pensou nas suas vítimas odiadas.

Há três semanas tinha sido Rolsky.

Depois fora Fraser.

E por fim Worthing.

Abatera-os com grande destreza, com tiros na cabeça tão limpos que nem se haviam apercebido do que lhes sucedera.

Naquela noite seria a vez de Barton.

O lobo observou Barton a andar num caminho sem iluminação. Apesar da imagem noturna ser granulosa e monótona, o alvo estava suficientemente visível para poder alcançar o seu objetivo.

Mas ainda não atingiria a presa daquela noite – ainda não.

Ele não estava muito longe. Alguém próximo poderia descobrir a sua localização, apesar de ter colocado um silenciador à sua M110. Ele não iria cometer o erro de amador de subestimar os soldados daquela base.

Seguindo Barton através da mira, o lobo apreciou a sensação de ter a M110 nas mãos. Por aqueles dias o Exército estava a começar a utilizar a Heckler & Kock G28 como espingarda de sniper padrão. Apesar do lobo saber que a G28 era mais leve e mais compacta, ainda assim preferia a M110. Era mais certeira, apesar de ser mais longa e mais difícil de esconder.

Tinha vinte balas, mas apenas tencionava utilizar uma quando chegasse o momento de disparar.

Ia eliminar Barton com um tiro ou com nenhum.

O homem conseguia sentir a energia da matilha, como se o estivessem a observar, como se o estivessem a apoiar.

Viu Barton a chegar finalmente ao seu destino – um dos courts de ténis ao ar livre da base. Vários outros jogadores o cumprimentaram quando ele entrou no court e começou a retirar do saco o seu equipamento.

Agora que Barton estava numa área bem iluminada, o lobo já não tinha necessidade de utilizar a mira noturna. Retirou-a para utilizar a mira diurna. Depois apontou diretamente à cabeça de Barton. A imagem já não era granulosa, mas sim nítida e colorida.

Barton encontrava-se a noventa metros de distância naquele momento.

Àquela distância, o lobo podia depender da precisão da espingarda até uma polegada.

Dependia dele manter-se dentro dessa polegada.

E ele sabia que o faria.

Basta apenas apertar ligeiramente o gatilho, Pensou.

Era tudo aquilo de que necessitava naquele momento.

O lobo deliciou-se naquele momento misterioso e suspenso no tempo.

Havia algo quase religioso nesses segundos que antecediam o apertar do gatilho, quando ele aguardava pelo disparo, quando aguardava decidir-se a pressionar o gatilho com o dedo. Nesses momentos, A vida e a morte pareciam estranhamente distantes da sua vontade. O movimento irrevogável sucederia na completude de um instante.

A decisão seria sua – e no entanto, seria tudo menos sua.

Então, a decisão era de quem?

Ele imaginava que havia um animal, um verdadeiro lobo, a insinuar-se dentro de si, uma criatura sem remorsos que assumia o real comando sob aquele momento e movimento fatal.

Aquele animal era tanto seu amigo como seu inimigo. E ele adorava-o com um amor estranho que apenas podia sentir por um inimigo mortal. Aquele animal interior era o que despoletava o melhor de si.

O lobo ficou deitado à espera que o animal atacasse.

Mas o animal não o fez.

O lobo não pressionou o gatilho.

Interrogou-se porquê.

Algo parece errado, Pensou.

Rapidamente lhe ocorreu o que seria.

A vista do alvo do court de ténis luminoso através da mira regular era simplesmente demasiado clara.

Não lhe custaria nada.

Não haveria qualquer desafio.

Não seria digno de um verdadeiro lobo.

E também era demasiado cedo em relação à última morte. Os outros tinham sido espaçados para despoletar alguma ansiedade e incerteza entre os homens que abominava. Matar Barton agora iria interromper o impacto ritmado psicológico do seu trabalho.

Sorriu perante a sua tomada de consciência. Levantou-se com a arma e começou a caminhar de onde viera.

Sentiu que deixar a sua presa por agora era a atitude certa.

Ninguém sabia quando é que ele voltaria a atacar.

Nem ele próprio.


CAPÍTULO SETE


Ainda estava escuro quando o avião de Riley levantou voo. Mas mesmo com a mudança de hora, ela sabia que seria de dia em San Diego quando lá chegasse. Estaria a voar durante mais de cinco horas e já se sentia cansada. Amanhã de manhã tinha que estar completamente operacional quando se juntasse a Bill e Lucy para a investigação. Haveria muito trabalho a fazer e ela precisava de estar pronta para o concretizar.

O melhor é dormir um pouco, Pensou Riley. A mulher sentada a seu lado já parecia estar a dormitar.

Riley recostou a cadeira para trás e fechou os olhos. Mas em vez de adormecer, deu por si a lembrar-se na peça de Jilly.

Sorriu ao recordar-se de como a Perséfone de Jilly tinha batido na cabeça de Hades e fugido do submundo para viver a vida segundo as suas regras.

Emocionou-se ao lembrar-se da primeira vez que encontrara Jilly. Era de noite numa paragem de camiões em Phoenix. Jilly fugira da miserável vida que tinha em casa com um pai agressivo e subiu para a cabine de um camião estacionado. Iria vender o seu corpo ao condutor quando ele regressasse.

Riley estremeceu.

O que seria de Jilly se ela não tivesse aparecido naquela noite?

Amigos e colegas muitas vezes diziam a Riley o bem que fizera em trazer Jilly para sua casa.

Então porque é que ela não se sentia melhor a esse respeito? Em vez disso, sentia pontadas de desespero.

No final de contas, havia incontáveis Jillys por esse mundo fora e muito poucas eram salvas de vidas terríveis.

Riley não as podia ajudar a todas, nem podia livrar o mundo de todos os seus terríveis assassinos.

É tudo tão fútil, Pensou. Tudo o que faço.

Abriu os olhos e olhou pela janela. O avião deixara as luzes de DC para trás e lá fora só se via uma escuridão impenetrável.

Ao espreitar para a noite sombria, pensou na sua reunião daquele dia com Bill, Lucy e Meredith, e quão pouco sabia sobre o caso em que iam trabalhar. Meredith dissera que as três vítimas haviam morrido com disparos de longa distância realizados por um atirador habilidoso.

O que é que isso lhe dizia sobre o assassino?

Que matar era um desporto para ele?

Ou que estava nalguma missão sinistra?

Uma coisa parecia certa – o assassino sabia o que estava a fazer e era bom a fazê-lo.

O caso ia sem dúvida ser um desafio.

Entretanto, Riley começou a sentir as pálpebras pesadas.

Talvez consiga dormir, Pensou. Mais uma vez encostou a cabeça para trás e fechou os olhos.


*


Riley olhava para o que pareciam ser milhares de Rileys, todas em pé em ângulos estranhos viradas umas para as outras, tornando-se mais pequenas e finalmente desaparecendo na distância.

Virou-se ligeiramente e também todas as outras Rileys.

Levantou o braço e as outras também o fizeram.

Depois a sua mão tocou numa superfície de vidro.

Estou cercada de espelhos, Apercebeu-se Riley.

Mas como chegara ali? E como sairia?

Ouviu uma voz chamar...

“Riley!”

Era uma voz de mulher, algo familiar para ela.

“Estou aqui!” Gritou Riley. “Onde estás?”

“Também estou aqui.”

De repente, Riley viu-a.

Estava bem à sua frente, no meio da multidão de reflexos.

Era uma mulher jovem e atraente que usava um vestido fora de moda há várias décadas.

Riley soube de imediato de quem se tratava.

“Mãe!” Disse ela num sussurro espantado.

Ficou surpreendida por ouvir que a sua própria voz agora era a de uma menina.

“O que é que estás aqui a fazer?” Perguntou Riley.

“Vim só dizer adeus,” Disse a mãe com um sorriso.

Riley lutou para compreender o que se estava a passar.

Depois lembrou-se...

A mãe tinha sido morta à frente de Riley na loja de doces quando Riley tinha seis anos.

Mas ali estava a mãe, com o mesmo aspeto que tinha quando Riley a viu pela última vez.

“Onde é que vais mãe?” Perguntou Riley. “Porque é que tens que ir?”

A mãe sorriu e tocou no vidro que estava entre elas.

“Estou em paz agora, graças a ti. Posso prosseguir.”

Aos poucos Riley começou a compreender.

Há pouco tempo Riley encontrara o assassino da mãe.

Tornara-se num velho sem-abrigo a viver debaixo de uma ponte.

Riley deixara-o lá, percebendo que a sua vida fora castigo suficiente para o crime que cometera.

Riley tocou no vidro que a separava da mão da mãe.

“Mas não podes ir mãe,” Disse ela. “Eu sou só uma menina pequenina.”

“Oh não, não és,” Disse a mãe com o rosto radiante. “Olha só para ti.”

Riley olhou para o seu reflexo no espelho ao lado da mãe.

Era verdade.

Riley agora era uma adulta.

Parecia estranho perceber que ela era muito mais velha do que a mãe quando morrera.

Mas Riley também parecia cansada e triste em comparação com a sua mãe mais jovem.

Ela nunca envelhecerá, Pensou Riley.

Tal não se aplicava a Riley.

E ela sabia que o seu mundo estava repleto de julgamentos e desafios ainda para serem vividos.

Alguma vez teria paz para o resto da sua vida?

Deu por si a invejar a alegria pacífica, eterna e intemporal da mãe.

Depois a mãe virou-se e afastou-se, desparecendo nos reflexos infinitos de Riley.

De repente ouviu-se um som terrível e todos os espelhos se estilhaçaram.

Riley estava numa escuridão quase total e com vidros partidos até aos tornozelos.

Ergueu com cuidado os pés, depois tentou sair do meio daqueles destroços.

“Cuidado onde pões os pés,” Disse outra voz familiar.

Riley virou-se e viu um velho enrugado com um rosto duro.

“Pai!” Disse ela.

O pai riu perante a sua surpresa.

“Esperavas que estivesse morto, não é?” Disse ele. “Lamento desapontar-te.”

Riley abriu a boca para o contradizer.

Mas então percebeu que ele tinha razão. Ela não sofrera com a sua morte em outubro.

E era certo que não o queria de volta à sua vida.

No final de contas, raramente dissera uma palavra gentil em toda a sua vida.

“Onde tens estado?” Perguntou Riley.

“Onde sempre estive,” Disse o pai.

A cena começou a mudar de uma vastidão de vidro partido para o exterior da cabana do pai na floresta.

Ela agora estava na porta de entrada.

“Podes precisar da minha ajuda neste caso,” Disse ele. “Parece que o teu assassino é um soldado. Eu si muito sobre soldados. E sei muito sobre matar.”

Era verdade. O pai tinha sido capitão no Vietname. Ela não fazia ideia de quantos homens matara em serviço.

Mas a última coisa que queria era a sua ajuda.

“Chegou o momento de ires,” Disse Riley.

O sorriso do pai transformou-se numa careta.

“Oh não,” Disse ele. “Ainda agora me estou a instalar.”

O seu rosto e corpo mudaram de forma. Numa questão de segundos, era mais jovem, mais forte, de pele escura, mais ameaçador do que anteriormente.

Agora era Shane Hatcher.

A transformação aterrorizou Riley.

O pai sempre tinha sido uma presença cruel na sua vida.

Mas começava a temer Hatcher ainda mais.

Muito mais do que o pai, Hatcher tinha alguma espécie de poder manipulativo sobre ela.

Podia obrigá-la a fazer coisas que nunca imaginara fazer.

“Vá-se embora,” Disse Riley.

“Oh não,” Disse Hatcher. “Nós temos um acordo.”

Riley estremeceu.

Temos um acordo, disso não há dúvida, Pensou.

Hatcher tinha-a ajudado a descobrir o assassino da mãe. Em troca, ela permitira que ele vivesse na velha cabana do pai.

Para além disso, ela sabia que estava em dívida para com ele. Ajudara-a a resolver casos – mas fizera muito mais.

Até salvara a vida da filha e do ex-marido.

Riley abriu a boca para falar, para protestar.

Mas não saíram palavras.

Em vez disso, foi Hatcher quem falou.

“Estamos unidos pelo cérebro, Riley Paige.”


Riley foi acordada por um abanão.

O avião tinha aterrado no Aeroporto Internacional de San Diego.

O sol erguia-se para lá da pista de aterragem.

O piloto falou pelo intercomunicador anunciando a chegada e pedindo desculpas pela aterragem turbulenta.

Os outros passageiros estavam a reunir os seus pertences e preparavam-se para sair.

Quando Riley se levantou e pegou na sua mala, recordou-se do perturbador sonho que tivera.

Riley não era supersticiosa – mas ainda assim não conseguia deixar de pensar...

Seriam o sonho e a aterragem atribulada o presságio de algo?

 

 

 


CAPITULO OITO


A manhã estava luminosa quando Riley entrou no seu carro alugado e saiu do aeroporto. O tempo estava fantástico com uma temperatura a rondar uns confortáveis 20°C. Apercebeu-se de que a maioria das pessoas pensaria de imediato em apreciar a praia ou a piscina.

Mas Riley sentia uma apreensão a insinuar-se.

Pensou melancolicamente se alguma vez conseguiria ir à Califórnia só para desfrutar do tempo – ou ir para outro lugar qualquer para relaxar.

Parecia que o mal esperava por ela para onde quer que fosse.

A história da minha vida, Pensou.

Ela sabia que devia a si própria e à sua família quebrar aquele padrão – descansar e levar as miúdas a algum lado para se divertirem.

Mas quando é que isso ia acontecer?

Soltou um suspiro triste e cansado.

Talvez nunca, Pensou.

Não dormira muito no avião e sentia o jet lag das três horas de diferença entre San Diego e a Virginia.

Ainda assim, estava ansiosa para começar o novo caso.

Ao dirigir-se a norte na autoestrada de San Diego, passou por edifícios modernos embelezados com palmeiras. Passado pouco tempo estava fora da cidade, mas o trânsito na autoestrada de faixas múltiplas não diminuiu. A rápida procissão de veículos rápidos dirigia-se ao sol da manhã agora acentuado pela paisagem íngreme.

Não obstante o cenário, o Sul da Califórnia pareceu-lhe menos pacato do que esperava. Tal como ela, todos os que se encontravam no interior dos carros estava com pressa para ir a algum lugar importante.

Virou numa saída que indicava “Fort Nash Mowat”. Alguns minutos depois, parou à portas da base, mostrou o distintivo e foi-lhe dada permissão para entrar.

Riley já tinha enviado uma mensagem a Bill e Lucy para lhes dar conhecimento de que ia a caminho, por isso estavam à espera do carro. Bill apresentou a mulher sem uniforme que estava na sua companhia como sendo a Coronel Dana Larson, a comandante do gabinete ICE de Fort Mowat.

Riley ficou de imediato impressionada por Larson. Era uma mulher forte e robusta com intensos olhos negros. O seu aperto de mão deu logo a Riley uma sensação de confiança e profissionalismo.

“Prazer em conhecê-la, Agente Paige,” Disse a Coronel Larson numa voz cristalina e vigorosa. “A sua reputação precede-a.”

Os olhos de Riley dilataram-se.

“Estou surpreendida,” Disse ela.

Larson riu-se um pouco.

“Não esteja,” Disse ela. “Também faço parte das forças de segurança e estou a par das ações da UAC. Sentimo-nos honrados por estar aqui em Fort Mowat.”

Riley sentiu-se corar um pouco ao agradecer à Coronel Larson.

Larson chamou um soldado que estava próximo que energicamente se aproximou e lhe fez continência.

Ele disse, “Cabo Salerno, quero que leve o carro da Agente Paige de regresso ao aeroporto. Ela não vai precisar dele aqui.”

“Sim senhora,” Disse o cabo, “De imediato.” Entrou no carro de Riley e conduziu para fora da base.

Riley, Bill e Lucy entraram no outro carro.

Enquanto a Coronel Larson conduzia, Riley perguntou, “O que é que perdi até agora?”

“Não muito,” Disse Bill. “A Coronel Larson recebeu-nos aqui a noite passada e mostrou-nos o nosso alojamento.”

“Ainda não conhecemos o Comandante da base,” Acrescentou Lucy.

A Coronel Larson disse-lhes, “Estamos a caminho de conhecer o Coronel Dutch Adams agora mesmo.”

Depois com uma risada, acrescentou, “Não esperem uma receção calorosa. Agentes Paige e Vargas, refiro-me especialmente a vocês.”

Riley não estava muito certa a que é que Larson se referia. Ficaria o Coronel Adams contrariado pelo facto da UAC ter enviado duas mulheres? Riley nem conseguia imaginar porquê. Para onde quer que Riley olhasse, via homens e mulheres de uniforme juntos. E com a Coronel Larson na base, com certeza que Adams estaria habituado a lidar com uma mulher figura de autoridade.

A Coronel Larson estacionou em frente a um edifício administrativo moderno e conduziu os agentes ao seu interior. Ao aproximarem-se, três jovens endireitaram-se e fizeram continência à Coronel Larson. Riley viu que os seus casacos da ICE eram iguais aos utilizados pelos agentes de campo do FBI.

A Coronel Larson apresentou os três homens como sendo o Sargento Matthews e os membros da sua equipa, os Agentes Especiais Goodwin e Shores. Depois todos entraram na sala de reuniões onde já eram aguardados pelo próprio Coronel Dutch Adams.

Matthews e os seus agentes saudaram Adams, mas a Coronel Larson não o fez. Riley apercebeu-se que se tratava porque o seu posto era idêntico. Rapidamente percebeu que a tensão entre os dois coronéis era palpável, quase dolorosa.

E como previsto, Adams parecia claramente desagradado por ver Riley e Lucy.

Agora Riley começava a perceber a situação.

O Coronel Dutch Adams era um oficial de carreira da velha escola que não estava habituado a ver homens e mulheres a servirem lado a lado. E a julgar pela sua idade, Riley tinha a certeza de que nunca se habituaria. O mais certo era aposentar-se com os seus preconceitos intactos.

Ela tinha a certeza de que Adams se devia ressentir especialmente da presença da Coronel Larson na sua base – uma mulher oficial sobre quem não tinha qualquer autoridade.

Quando o grupo se sentou, Riley sentiu um arrepio assustador de familiaridade ao estudar o rosto de Adams. Era largo e longo, esculpido severamente como os rostos de muitos outros oficiais militares que conhecera ao longo da sua vida – incluindo o seu pai.

Na verdade, Riley considerou a parecença do Coronel Adams com o seu pai bastante perturbadora.

Ele falou para Riley e colegas num tom excessivamente oficial.

“Bem-vindos a Fort Nash Mowat. Esta base opera desde 1942. Tem uma extensão de setenta e cinco mil hectares, tem mil e quinhentos edifícios e mais de quinhentos quilómetros de estradas. Encontrarão aqui todos os dias seis mil pessoas. Tenho orgulho em dizer que é a melhor base de treinos do Exército do país.”

Chegado àquele ponto, o Coronel Adams parecia estar a tentar suprimir uma careta. E não estava a conseguir.

Acrescentou, “E por essa razão, peço para que não haja incómodos enquanto aqui estiverem. Este lugar funciona como uma máquina bem afinada. Quem vem de fora tem uma infeliz tendência para não atrapalhar. Se o fizerem, prometo-vos que vão ter problemas. Faço-me entender?”

O Coronel Adams olhava diretamente para Riley, obviamente a tentar intimidá-la.

Ela ouviu Bill e Lucy dizer, “Sim senhor.”

Mas ela não disse nada.

Ele não é o meu Comandante, Pensou.

Ela limitou-se a olhá-lo nos olhos e a anuir.

Depois ele ficou o olhar nas outras pessoas que se encontravam na sala. Falou novamente com uma raiva fria a sobressair da sua voz.

“Três bons homens estão mortos. A situação em Fort Mowat é inaceitável. Concertem-na. Imediatamente. Quanto mais cedo melhor.”

Parou de falar por um momento. Depois disse, “O funeral do Sargento Clifford Worthing é às onze horas. Espero que estejam todos presentes.”

Sem dizer mais uma palavra, levantou-se da cadeira. Os agentes do ICE levantaram-se e saudaram-no, e o Coronel Adams saiu da sala.

Riley estava perplexa. Não estavam ali todos para discutir o caso e decidir o que fazer de seguida?

Obviamente notando a surpresa de Riley, a Coronel Larson sorriu-lhe.

“Geralmente não é tão falador,” Disse ela. “Talvez goste de si.”

Toda a gente riu com o seu sarcasmo.

Riley sabia que um pouco de humor era uma coisa boa naquele momento.

As coisas iam tornar-se bastante soturnos não tardava nada.


CAPÍTULO NOVE


Continuaram a rir e Larson olhava para Riley, Bill e Lucy. A sua expressão era penetrante e poderosa, como se os estivesse de alguma forma a avaliar. Riley pensou se a Comandante do ICE estava prestes a fazer algum anúncio grave.

Mas em vez disso, Larson perguntou, “Alguém já tomou o pequeno-almoço?”

Todos disseram que não.

“Bem, essa situação é inaceitável,” Disse Larson com uma risada. “Vamos concertá-la antes que caiam para o lado. Venham comigo e eu mostro-vos alguma da hospitalidade de Fort Mowat.”

Larson deixou a sua equipa e guiou os três agentes do FBI até ao clube de oficiais. Riley pode ver de imediato que a Coronel não estava a brincar quando falara em hospitalidade. As instalações eram como um restaurante sofisticado e Larson não os deixava pagar as suas refeições.

Tomando um pequeno-almoço delicioso, discutiram o caso. Riley apercebeu-se de que precisara definitivamente de café. A refeição também era bem-vinda.

A Coronel Larson deu-lhes a sua perspetiva do caso. “O traço mais saliente destes crimes é o método de matar e o posto das vítimas. Rolsky, Fraser e Worthing eram todos sargentos de treino. Todos foram abatidos a uma longa distância com uma espingarda poderosa. E as vítimas foram todas mortas à noite.”

Bill perguntou, “Que mais tinham em comum?”

“Não muito. Dois eram brancos e um era negro, por isso não é uma questão racial. Estavam em unidades distintas por isso não tinham recrutas em comum.”

Riley acrescentou, “Possivelmente já pegou nos ficheiros de soldados que tiveram reprimendas por questões disciplinares ou psicológicas. Deserções? Dispensas desonrosas?”

“Sim,” Respondeu Larson. “É uma lista muito longa e passámo-la a pente fino. Mas envio-lha e depois diz-me o que pensa.”

“Gostava de falar com os homens de cada unidade.”

Larson anuiu. “Claro. Pode abordar alguns deles após o funeral e tratarei de organizar as reuniões adicionais de que precisar.”

Riley reparou que Lucy tirava notas. Ela assentiu para que a jovem agente fizesse as suas próprias perguntas.

Lucy perguntou, “De que calibre eram as balas?”

“Calibre NATO,” Disse a Coronel Larson. “7.62 Milímetros.”

Lucy olhou para a Coronel Larson com interesse. Disse, “Parece que a arma pode ser uma espingarda de sniper M110. Ou talvez uma Heckler & Koch G28.”

A Coronel Larson sorriu, obviamente impressionada pelos conhecimentos de Lucy.

“Devido à distância, pensamos que seja uma M110,” Disse Larson. “As balas pareciam provenientes da mesma arma.”

Riley ficou agradada por ver que Lucy estava tão por dentro do assunto. Riley gostava de pensar em Lucy como sua protegida e ela sabia que Lucy a encarava como sua mentora.

Ela está a aprender rapidamente, Pensou Riley com orgulho.

Riley olhou para Bill. Percebia pela sua expressão que também ele estava agradado com Lucy.

Riley tinha as suas perguntas, mas decidiu não interromper.

Lucy disse a Larson, “Presumo que estejam a pensar em alguém com treino militar. Um soldado da base?”

“Possivelmente,” Disse Larson. “Ou um ex-soldado. Alguém com um treino excelente. Não um atirador médio.”

Lucy tamborilou o lápis na mesa.

Sugeriu, “Alguém que tenha problemas com figuras de autoridade? Especialmente sargentos de treino?”

Larson coçou o queixo pensativamente.

“Tenho considerado essa hipótese,” Disse ela.

Lucy disse, “Tenho a certeza de que também estão a considerar o terrorismo Islâmico.”

Larson assentiu.

“Nos dias que correm, essa tem que ser a nossa teoria pré-definida.”

“Um lobo solitário?” Perguntou Lucy.

“Talvez,” Disse Larson. “Mas pode estar a agir em nome de algum grupo – quer seja uma pequena célula próxima daqui ou algo internacional como o ISIS ou a Al-Qaeda.”

Lucy pensou por um momento.

“Quantos recrutas Muçulmanos têm atualmente em Fort Mowat?” Perguntou Lucy.

“Neste momento, trezentos e quarenta e três. É obviamente uma percentagem mínima dos nossos recrutas. Mas temos que ter cuidado na caracterização. De uma forma geral, os nossos recrutas Muçulmanos são excecionalmente dedicados. Nunca tivemos problemas de extremismo – se é do que se trata.”

Larson olhou para Riley e Bill, e sorriu.

“Mas vocês os dois estão muito calados. Como gostariam de proceder?”

Riley olhou para Bill. Como habitualmente, ela percebeu que ele estava a pensar no mesmo que ela.

“Vamos ver as cenas dos crimes,” Disse Bill.


*


Alguns minutos mais tarde, a Coronel Larson conduzia Riley, Bill e Lucy por Fort Mowat.

“Qual dos lugares querem ver primeiro?” Perguntou Larson.

“Vamos vê-los pela ordem em que aconteceram,” Disse Riley.

Enquanto Larson conduzia, Riley reparou nos soldados a treinar, a passar campos de obstáculos e a praticar a pontaria com várias armas. Dava para perceber que era um trabalho rigoroso e exigente.

Riley perguntou a Larson, “Em que ponto do treino estão estes recrutas?”

“Na segunda fase – a Fase Branca,” Disse Larson. “Temos três fases – vermelha, branca e azul. As primeiras duas, a vermelha e a branca, duram três semanas cada, e estes recrutas estão na sua quinta semana em termos globais. As últimas quatro semanas serão a Fase Azul. E aí serão duríssimo. É quando os recrutas descobrem se têm o que é necessário para fazerem parte do Exército.”

Riley sentiu uma nota de orgulho na voz de Larson – o mesmo orgulho que ouvira na voz do pai quando falava do seu tempo enquanto militar.

Ela ama o que faz, Pensou Riley.

Também não tinha qualquer dúvida de que a Coronel Larson era excelente no que fazia.

Larson estacionou junto a um caminho que dava para o campo. Saíram do carro e Larson conduziu-os a um local no caminho. Ficava numa área aberta, sem árvores que pudessem bloquear a visão.

“O Sargento Rolsky foi morto aqui,” Disse Larson. “Ninguém viu ou ouviu o que quer que fosse. Não conseguimos saber pela ferida ou pela posição do corpo de onde veio o tiro – exceto de que deve ter sido disparado de uma distância considerável.”

Riley olhou à sua volta, estudando a cena.

“A que horas foi morto Rolsky?” Perguntou.

“Por volta das 22:00,” Disse Larson.

Riley imaginou como seria aquele local àquela hora da noite. Havia um par de candeeiros a poucos metros do local. Ainda assim, a luz ali devia ser bastante difusa. O atirador devia ter utilizado uma mira noturna.

Virou-se lentamente, tentando adivinhar de onde viera o tiro.

Havia edifícios a sul e a norte. Não era provável que um atirador tivesse a oportunidade de disparar de qualquer daqueles lugares.

A oeste, conseguia ver o Oceano Pacífico, desmaiado numa distância turva.

A leste havia colinas.

Riley apontou para as colinas e disse, “Calculo que o atirador se posicionou algures ali em cima.”

“É uma boa hipótese,” Disse Larson, apontando para outro local no chão. “Encontrámos a bala aqui o que indica que o tiro deve ter vindo algures daquelas colinas. A julgar pela ferida, o tiro foi disparado a cerca de noventa metros de distância. Passámos a área a pente fino mas o assassino não deixou qualquer prova.”

Riley pensou durante um momento.

Depois perguntou a Larson, “É permitido caçar nos terrenos de Fort Mowat?”

“Na época da caça com licença própria,” Respondeu Larson. “Neste momento estamos na época do peru selvagem. Atirar em corvos durante o dia também é permitido.”

É claro, Riley sabia que estas mortes eram tudo menos acidentes de caça. Enquanto filha de um homem que tinha sido Marine e caçador, ela sabia que ninguém usaria uma espingarda de sniper para matar corvos e perus. Uma shotgun era a arma mais provável de caça em Fort Mowat naquela altura do ano.

Pediu a Larson para os levar ao próximo local. A Coronel conduziu-os até umas colinas baixas à beira de um trilho de caminhada. Quando saíram novamente do carro, Larson apontou para o local num trilho que terminava no alto.

“O Sargento Fraser foi morto aqui,” Disse ela. “Estava a fazer uma caminhada. O tiro parece ter vindo da mesma distância que no crime anterior. Mais uma vez, ninguém ouviu ou viu o que aconteceu. Mas pensamos que tenha sido morto cerca das 23:00.”

Apontando para outro local, Larson acrescentou, “Encontrámos a bala aqui.”

Riley olhou para a direção oposta, para onde o atirador estaria colocado. Viu mais colinas - e inúmeros locais onde um atirador se poderia ter escondido. Ela tinha a certeza de que Larson e a sua equipa tinham vistoriado a área de forma rigorosa.

Por fim, foram até à área onde se encontravam os alojamentos dos recrutas. Larson levou-os até atrás de uma das casernas. A primeira coisa que Riley viu foi uma enorme mancha na parede junto à porta das traseiras.

Larson disse, “Foi aqui que o Sargento Worthing foi morto. Parece ter vindo até aqui para fumar um cigarro antes da formação matinal do seu pelotão. O tiro foi tão certeiro que o cigarro nunca caiu dos seus lábios.”

Riley interessou-se. Esta cena era diferente das outras – e muito mais informativa. Ela examinou a mancha e o que se espalhara abaixo dela.

Riley disse, “Parece que estava encostado à parede quando a bala o atingiu. Devem ter conseguido ter uma ideia muito mais exata da trajetória da bala do que no caso dos outros.”

“Muito melhor,” Concordou Larson. “Mas não o local exato.”

Larson apontou para o campo atrás da caserna onde as colinas se começavam a elevar.

“O atirador deve-se ter posicionado algures entre aqueles dois carvalhos,” Disse ela. “Mas depois limpou bem o local. Não conseguimos encontrar vestígios dele em qualquer local.”

Riley viu que a distância entre as árvores pequenas era de cerca de seis metros. Larson e a sua equipa haviam feito um bom trabalho em estreitar tanto a área.

“Como estava o tempo?” Perguntou Riley.

“Muito limpo,” Disse Larson. “A lua estava em quarto crescente até quase de manhã.”

Riley sentiu uma pontada. Era uma sensação familiar que tinha quando ocorria uma ligação com uma cena de crime.

“Gostaria de sair e ver por mim própria,” Disse ela.

“Claro,” Disse Larson. “Eu levo-a até lá.”

Riley não sabia como lhe dizer que queria ir sozinha.

Felizmente, Bill falou por ela.

“Vamos deixar a Agente Paige ir sozinha. É a sua maneira de trabalhar.”

Larson anuiu.

Riley caminhou pelo campo. A cada passo, aquela sensação crescia.

Por fim, estava entre as duas árvores. Percebeu porque é que a equipa de LArson não dera com o lugar exato. O chão era muito irregular com muitos arbustos pequenos. Só naquela área, havia pelo menos meia dúzia de excelentes locais para alguém se deitar e disparar um tiro certeiro em direção à caserna.

Riley começou a caminhar entre as árvores. Ela sabia que não estava à procura de nada que o atirador pudesse ter ali deixado – nem sequer pegadas. Uma coisa dessas não teria escapado a Larson e à sua equipa.

Respirou profundamente e imaginou-se ali nas primeiras horas da manhã. As estrelas começavam a desaparecer e a lua ainda lançava sombras por toda a parte.

A sensação crescia a cada segundo que passava – a sensação da presença do assassino.

Riley respirou profundamente outra vez e preparou-se para entrar na mente do assassino.


CAPÍTULO DEZ


Riley começou a imaginar o assassino. O que é que ele tinha sentido e observado quando ali chegou para encontrar o lugar perfeito de onde disparar? Ela queria tornar-se no assassino, aproximar-se o máximo possível para o poder compreender. E ela conseguia fazer isso. Era o seu dom.

Em primeiro lugar, ela sabia, ele tinha que encontrar aquele lugar.

Ela procurou, tal como ele devia ter procurado.

Ao movimentar-se, sentiu uma pulsão misteriosa, quase magnética.

Foi atraída até um arbusto. De um dos lados havia um espaço entre os ramos e o solo. Havia um lugar ligeiramente oco no chão naquele mesmo local.

Riley debruçou-se e olhou atentamente para o chão.

O solo naquele lugar oco estava limpo e macio.

Demasiado limpo, Pensou Riley. Demasiado macio.

O resto do solo naquela área era mais duro, mais irregular.

Riley sorriu.

O assassino dera-se de tal forma ao trabalho de fazer desaparecer a sua presença que traíra a sua exata posição.

Imaginando a cena ao luar, Riley olhou para a encosta e para o campo na direção das traseiras da caserna.

Ela imaginou o que o assassino viu a partir dali – a figura distante do Sargento Worthing a sair da porta traseira.

Riley sentiu um sorriso formar-se no rosto do assassino.

Conseguia ouvi-lo pensar...

“Mesmo na hora exata!”

E tal como o assassino esperara, o sargento acendeu um cigarro e encostou-se à parede.

Era o momento de agir – e tinha que ser rápido.

O céu começava a clarear onde o sol nasceria em breve.

Tal como o assassino devia ter feito, Riley estendeu-se de barriga para baixo no local oco no chão. Sim, era o local perfeito para empunhar uma arma potente.

Mas qual era sensação da arma nas mãos do assassino?

Riley nunca tinha manuseado uma espingarda de sniper M110. Mas há alguns anos atrás tinha treinado um pouco com o predecessor dessa arma, a M24. Carregada e preparada, a M24 pesava cerca de sete Kg e Riley lera que a M110 era ligeiramente mais leve.

Mas a mira noturna acrescentava peso, tornando-a mais pesada.

Riley imaginou a vista através da mira noturna. A imagem do Sargento Worthing era sarapintada e granulosa.

Isso não era um problema para fazer pontaria. Para um atirador habilidoso, o tiro seria fácil. Ainda assim, Riley pressentiu que o assassino estava ligeiramente insatisfeito.

O que é que o incomodava?

Em que é que estava a pensar?

Então o seu pensamento tornou-se claro...

“Quem me dera poder ver o rosto dele.”

Riley compreendeu.

Esta morte era profundamente pessoal – um ato de ódio ou pelo menos de desprezo.

Mas não ia vacilar graças à sua insatisfação. Podia fazê-lo sem problemas sem ver a expressão no rosto da presa.

Ela sentiu a resistência do gatilho ao pressioná-lo, depois o recuo da espingarda quando a bala era disparada.

O barulho do tiro não era muito alto. O silenciador abafava o som.

Ainda assim, será que o assassino estava preocupado que alguém o ouvisse?

Por um momento, Riley teve a certeza. Ele tinha morto outros dois homens praticamente da mesma distância e ninguém parecia ter ouvido os disparos. Ou se os ouviram, ninguém os considerara nada de extraordinário.

Mas o que é que o assassino fez agora que disparou o tiro?

Continuou a olhar pela mira, Percebeu Riley.

Seguiu o corpo na sua trajetória contra a parede até se agachar de forma estranha.

E mais uma vez o assassino pensou...

“Quem me dera poder ver o rosto dele.”

Como o assassino devia ter feito, Riley levantou-se. Ela imaginou o assassino a pegar num arbusto para alisar o solo e depois indo embora da forma como chegara.

Riley suspirou com satisfação. A sua tentativa de se ligar à mente do assassino revelara mais do que ela estava à espera.

Ou pelo menos ela tinha um palpite de que sim.

Riley lembrava-se de algo que a Coronel Larson tinha dito sobre se as mortes eram atos de terrorismo Islâmico...

“Nos dias que correm, essa tem que ser uma teoria pré-definida.”

O instinto de Riley dizia-lhe que essa teoria estava provavelmente errada. Mas ainda não estava pronta para o dizer aos colegas. Nas atuais circunstâncias, ela sabia que Larson estava certa em inclinar-se para a possibilidade de terrorismo. Era uma forma certa de proceder. Entretanto, era melhor Riley manter o seu palpite para si – pelo menos até o poder justificar com provas.

Riley olhou para o relógio. Apercebeu-se que ela e os outros tinham que ir a um funeral.


CAPÍTULO ONZE


Enquanto Riley assistia a seis homens de uniforme a carregar o caixão do Sargento Worthing para o local do enterro, admirou a cadência solene e a precisão das suas ações.

Também ficou impressionada com um contraste assustador entre esta cerimónia e a sua morte. O homicídio do Sargento Worthing tinha sido abrupto e brutal.

O seu funeral estava imbuído de elegância.

O cemitério militar estava situado num local encantador, no topo de uma colina numa parte remota de Fort Nash Mowat. Riley conseguia ver o Oceano Pacífico à distância.

Riley, Lucy e Bill estavam num dos lados da cerimónia. Conseguiu ver a viúva e família do Sargento Worthing sentados em cadeiras desdobráveis ao lado do túmulo. Conseguia observar os cinquenta jovens de uniforme no pelotão de treino de Worthing mantendo-se em sentido.

Também detetou civis de uma espécie pouco bem-vinda perto – um pequeno grupo de jornalistas e fotógrafos reunidos atrás de uma barreira.

Não conseguiu conter um esgar de desânimo.

Após três crimes, já não havia forma de manter a imprensa longe de Fort Mowat. A publicidade iria certamente acrescentar pressão para resolver o caso. Riley apenas esperava que os jornalistas não fossem demasiado incómodos.

Mas isso já deve ser espera muito, Pensou.

Quando o caixão estava sobre o túmulo, o capelão começou a falar.

“Recomendamos a Deus nosso Senhor o nosso irmão, Sargento Clifford Jay Worthing, e entregamos o seu corpo ao solo, terra à terra, cinzas a cinzas, pó a pó...”

Riley estava surpreendida por se sentir emocionada com as palavras do capelão.

O que é que neste funeral estava a mexer com ela?

Depois percebeu...

Pai.

Como capitão Marine, o pai era elegível para um funeral com honras como aquele.

Teria tido um funeral como aquele? Riley não sabia. Não só se tinha recusado a ir ao funeral, como não participara no seu planeamento. Deixara tudo isso para a sua irmã distante, Wendy.

Nunca chorara a morte do pai. Ainda assim, sentia-se triste perante a possibilidade de não ter sido enterrado com todas as honras militares. Mas quem iria ao funeral para além de Wendy? O pai de Riley morrera sem deixar verdadeiros amigos tanto quanto sabia. E Riley e Wendy eram a sua única família.

Riley lembrou-se de algo que um dos antigos companheiros do pai lhe dissera recentemente.

“Riley, o seu pai era um homem bom. Mas também era um homem duro. Não o conseguia evitar, o Vietname transformou-o.”

Vieram lágrimas aos olhos de Riley.

Ele fora um péssimo pai. Mas fora um bom soldado. Dera tudo o que tinha aos Marines – incluindo a sua humanidade, a sua capacidade de amar.

Quando a guarda de honra levantou a bandeira e a manteve tensa por cima do caixão, Riley pensou...

Ele merecia isto.

Riley pensou que se devia ter assegurado que o pai recebia honras completas no seu funeral, mesmo que ninguém lá estivesse para o testemunhar exceto a Wendy.

Foi despertada dos seus pensamentos com o disparo de armas. Um esquadrão de sete disparou três vezes para o ar. Depois o silêncio foi novamente interrompido pelo som doloroso de um corneteiro a tocar.

A guarda de honra dobrou cerimoniosamente a bandeira e um oficial entregou-a à viúva do Sargento Worthing. O oficial sussurrou-lhe algo – sem dúvida algumas palavras de apoio ou conforto.

Depois o oficial saudou a família em câmara lenta e o serviço fúnebre terminou.


*


Antes que o pelotão do Sargento Worthing saísse do cemitério, a Coronel Dana Larson reniu-os. Apresentou-os a Riley, Bill e Lucy e disse-lhes que estavam ali para investigar os três recentes homicídios.

Riley olhou para os seus rostos, procurando algum sinal visível de emoção. Não detetou nada – dor certamente que não.

Calculou que muitos dos recrutas odiavam o Sargento Worthing e não tinham pena que tivesse morrido.

Riley avançou e falou aos recrutas ali reunidos.

“Eu e os meus colegas lamentamos a vossa perda. Não queremos incomodar-vos agora, logo após a cerimónia. Mas se algum de vocês tiver alguma informação que nos possa ajudar, esperamos que venham falar connosco.”

Depois o pelotão foi autorizado a dispersar. Riley, Bill e Lucy separaram-se e andaram entre eles, esperando que alguém se aproximasse. Pouco tempo demorou até que dois recrutas, um homem e uma mulher, abordaram Riley. Apresentaram-se como Soldados Elena Ludekens e Maxwell Wilber.

Pareciam pouco à vontade e relutantes. Riley pensou compreender porquê. Dar informações sobre um outro recruta não era coisa fácil.

Riley disse, “Tenho a sensação de que Worthing não era o sargento de treino mais popular de Fort Mowat.”

Os dois recrutas anuíram e sussurraram em concordância.

Riley prosseguiu, “Mas nós estamos à procura de alguém cuja animosidade fosse fora do normal. Se conhecem alguém assim, por favor, digam-me.”

Ludekens e Wilber olharam um para o outro.

A mulher disse, “O sargento implicava especialmente com um de nós.”

“Chama-se Stanley Pope,” Disse o homem.

“Falem-me dele,” Disse Riley.

O homem disse, “Não se cala e tem uma má atitude. O sargento punia-o por isso.”

Riley ficou interessada.

“Punia-o?” Perguntou ela. “Expliquem-me.”

A mulher disse, “Quase todos nós no pelotão somos S1 – Soldado E-1.”

Ela apontou para um Velcro em branco no seu ombro.

O homem disse, “Quando passamos pelo treino básico, ganhamos as nossas ‘asas de mosquito’ – chevrons – para mostrar que nos tornámos soldados de segunda classe. Mas o Pope já tinha as suas asas de mosquito antes de vir para Fort Mowat.”

“Como?” Perguntou Riley.

O homem encolheu os ombros.

“Pode vir como soldado de segunda classe se tiver uma licenciatura. Ou se tiver um distintivo de águia de escuteiro. Foi assim que o Pope conseguiu as asas.”

“Mas ele respondia ao sargento com muita frequência,” disse a mulher. “Então o sargento puniu-o, tirou-lhe o Chevron, despromoveu-o para S1 – ficou igual a todos nós. Ele não encarou isso muito bem.”

A curiosidade de Riley aguçava-se a cada minuto que passava.

“Onde é que o posso encontrar?” Perguntou.

O soldado Wilber apontou para o túmulo.

“Ele está ali,” Disse ele.

Um jovem encontrava-se sozinho ao lado do túmulo, olhando para o caixão com os braços nas ancas.

Riley agradeceu aos Soldados Ludekens e Wilber. Riley viu que Bill e Lucy estavam a falar com outros recrutas.

Riley caminhou na direção do soldado que se encontrava sozinho ao lado do túmulo. Era um jovem magro com uma expressão intensa e inquietante no rosto.

Em que é que estará a pensar? Interrogou-se Riley.

Planeava descobrir.


CAPÍTULO DOZE


Quando Riley se aproximou do Soldado Pope, decidiu não o deixar perceber que sabia algo a seu respeito – certamente não que fora despromovido pelo Sargento Worthing. Pensava que podia ser melhor ver o que o jovem soldado estaria disposto a revelar.

Colocou-se a seu lado, mas não pareceu notar a sua presença. A sua expressão amarga permaneceu inalterada e os seus olhos mantiveram-se fixos no túmulo.

Por fim, ela perguntou, “Está a custar-lhe aceitar a morte do sargento?”

Ele virou a cabeça e olhou para ela, e então a sua expressão alterou-se por um momento. Encarava-a com óbvio repúdio, mas não respondeu à sua pergunta. Depois virou-se e olhou novamente para o túmulo, da mesma forma inquietante.

“Nem toda gente gostava dele,” Disse Riley. “Você gostava?”

O Soldado Pope continuou sem proferir uma palavra.

Riley disse, “Provavelmente é algo difícil falar sobre isso. Mas penso que talvez compreenda. Eu perdi o meu pai recentemente – e ele era Marine, um capitão que serviu no Vietname. Também não gostavam dele.”

Depois acrescentou uma mentira...

“Ainda assim, tenho saudades dele.”

Pope não desviou os olhos do túmulo.

“Não sabe nada sobre isso,” Disse Pope. “Como poderia? Não é uma de nós.”

O seu ressentimento face a Riley irradiava de forma quase palpável.

“Posso surpreende-lo,” Disse Riley. “Sei uma ou duas coisas sobre companheirismo. Há um laço profundo entre os agentes do FBI. E perdi colegas em trabalho. Sei que é difícil.”

Ele não respondeu.

“Venha daí,” Disse Riley. “Vamos caminhar um pouco.”

Riley virou-se e afastou-se. A princípio Pope não se mexeu. Riley pensou que não iria com ela. Mas então ela ouviu os seus passos atrás de si e depois caminhava a seu lado. Não parava de olhar para o chão enquanto caminhava.

“Conte-me coisas sobre o sargento,” Disse ela.

“O que é que há para contar?” Disse Pope. “Ele era duro.”

“Alguma vez teve algum problema com ele?”

“Toda a gente tinha problemas com ele. Era o trabalho dele.”

Riley reparou na tentativa de evasão. Fosse qual fosse a amargura que sentisse em relação ao Sargento Worthing, não queria falar com ela sobre isso. Ela teria que o persuadir a fazê-lo.

Caminharam por um caminho pavimentado nas franjas do cemitério. Enquanto caminhavam, Riley contemplou o Oceano Pacífico. Não estava longe. Conseguia ouvir o seu rumorejar.

Bancos ocasionais indicavam que o caminho tinha sido concebido como lugar de repouso para contemplar a vista. Mas agora não lhe parecia muito repousante.

E ela pressentia que também não era repousante para o Soldado Pope.

Naquele momento, ela calculou que o truque estava em fazê-lo falar,

Riley perguntou, “Então em que ponto está no seu treino básico? Está na Fase Branca, certo?”

“Sim,” Disse ele.

“Quanto tempo lhe resta? Incluindo a Fase Azul?”

“Cinco semanas e três dias,” Disse Pope. “Mais nove dias de branca, vinte e oito de azul.”

Riley considerou a sua precisão reveladora. Lembrava-se do que o Soldado Wilber dissera a respeito de Pope.

“Não se cala e tem uma má atitude.”

Riley não tinha dúvidas de que era verdade. Mas também pressentia que servir no Exército era importante para ele – talvez fosse a coisa mais importante a que podia aspirar. Para o obrigar a abrir-se, Riley precisava de ir ao encontro do seu orgulho.

“Aposto que está ansioso por conseguir as suas asas de mosquito,” Disse ela. “Qual vai ser a sensação de ter esses chevrons nos ombros?”

Pope não respondeu. Ela olhou para ele e viu uma careta aguda a atravessar-lhe os lábios.

É claro que ela sabia que Pope tivera esses chevrons até o Sargento Worthing lhos tirar. Os recrutas com quem tinha falado tinham-lho dito. Mas Pope não tinha forma de o saber e isso dava-lhe uma vantagem sobre ele.

Ela disse, “É uma pena que o Sargento Worthing não esteja cá para ver esses chevrons. Ele ficaria orgulhoso.”

Agora Riley viu que os seus punhos estavam cerrados e o seu maxilar estava tenso.

Ela continuou a caminhar. O caminho levava-os para um terreno mais alto, mas o som das ondas ouvia-se com mais nitidez. Mais alguns passos e ela podia ver de que de um lado do caminho estava um desfiladeiro que dava diretamente para a água. Uma balaustrada fora ali colocada para manter os visitantes longe da beira.

“Alguma vez matou alguém?” Perguntou Pope.

Riley ficou surpreendida.

Porque é que ele está a perguntar isto?

Mas não fazia sentido mentir.

“Sim. E você?”

Ela sabia que estava a fazer uma pergunta perigosa. Como recruta de treino básico, não podia ter matado ninguém.

Mas talvez tenha, Pensou Riley.

Em vez de responder à sua pergunta, ele questionou, “Quantas pessoas já matou?”

“Não quero falar sobre isso,” Disse Riley.

Sentiu um desconforto insidioso.

Não era em que gostasse de pensar, muito menos falar. Se alguma vez parasse para pensar nisso, lembrar-se-ia do número exato de pessoas que matara em serviço. Mas tentava manter-se afastada do lado negro da psique.

O que a incomodava naquele momento era que o estava a deixar afetá-la. Ela queria que ele se abrisse, mas era ele que estava a comandar.

E ele era surpreendentemente bom a fazê-lo.

Ela precisava de inverter a situação.

E disse, “Fale-me mais no Sargento Worthing.”

“O que é que quer saber?” Perguntou ele.

“Bem, não vi nenhum dos seus recrutas a chorar por ela.”

“O que a faz pensar que me sinto de forma diferente?”

“Ficou para trás na cerimónia. Ficou a contemplar o seu túmulo.”

Ele soltou um grunhido de irritação.

Depois disse, “Calculo que uma agente da UAC como você tenha presenciado muito perigo na vida, não é?”

Mais uma vez, Riley sentiu-se apanhada de surpresa. Ela pressentia que ele tinha qualquer intenção. Ela não respondeu.

Pope disse, “Então, aposto que é bastante destemida, huh?”

Riley sentia-se cada vez mais desconfortável, mas continuou calada.

Pope deu uma risada.

“Bela vista do oceano daqui, não é?” Disse ele.

“Muito bela,” Disse Riley.

“Sei onde é mais bonita,” Disse Pope. “Quer que lhe mostre?”

Riley não respondeu.

“Venha daí,” Disse Pope. “Deixe-me mostrar-lhe.”

Contornou a balaustrada, caminhando entre ela e o desfiladeiro que dava para o oceano. Pisou um pedaço cheio de ervas do terreno e depois uma ampla saliência que pairava sobre a água.

Riley seguiu-o.

Ficaram lado a lado à beira do precipício. Ela conseguia ouvir as ondas a bater nas rochas lá em baixo. Olhou para baixo enjoada. Eram pelo menos dezoito metros até lá abaixo.

“Que vista, huh?” Disse Pope.

Riley continuou sem se pronunciar. Ela percebeu que estava realmente com medo. Não tinha particular receio de alturas, mas num lugar daqueles, ela sabia que era uma reação perfeitamente natural.

E ainda assim ele estava mais perto da borda do que ela – e ela pressentia que ele não tinha medo nenhum.

É isso que ele quer, Pensou ela.

Ele queria que ela tivesse medo de algo que não o assustasse.

Riley respirou fundo para acalmar os nervos. Movimentando-se cuidadosamente, ela recuou da borda de volta à balaustrada.

O homem moveu-se a seu lado.

Depois sentiu a sua mão no ombro.


CAPÍTULO TREZE


Riley não esperou para descobrir a intenção do soldado. Inclinou-se e empurrou com a cabeça o abdómen do Soldado Pope. Ele caiu no chão e ela colocou o pé no seu peito.

Estava prestes a sacar a arma quando ele lhe agarrou na perna e a atirou para o lado. Quando ele recuperou o equilíbrio, ele já estava de pé e lutavam violentamente.

Enquanto cambaleavam para trás e para a frente no espaço entre a balaustrada e a falésia, Riley percebeu que não sabia onde estava a borda. Se caíssem juntos, podia significar a morte de ambos-

Ele é forte, Percebeu ela.

Na verdade, ele era muito mais forte do que parecia – rijo e musculado. E também era um lutador habilidoso. Tinha muito potencial.

Ela empurrou-o com força. Desta vez, fora ele que se desequilibrara.

E agora Riley podia ver que ele estava mesmo à beira do precipício. Ela agarrou-lhe na mão mesmo a tempo de impedir que ele caísse. Depois rodou-o para uma posição de segurança, atirando-o contra a balaustrada a seu lado.

Riley estremeceu de alívio. A última coisa que queria naquele momento era que ele morresse. Só lhe queria ensinar a comportar-se.

Desorientado, Pope caiu de joelhos. Antes que se pudesse voltar a levantar, Riley tirou as algemas e puxou um dos braços para trás das costas. Ele lutou para fugir, mas ela apertou a algema no pulso e colocou o joelho contra as suas costas de forma a ficar com a cara no chão. Antes que se conseguisse mexer outra vez, já ela tinha algemado o outro braço.

Pope virou a cabeça.

“Nada mal – para uma garina,” Disse.

Ela rebentou, “Não me agradeças por ter salvo a tua vida de merda.”

Ela agarrou no clarinho e arrastou-o pelo chão entre a falésia e a balaustrada.

Ele lutou para se conseguir erguer, mas cada vez que se punha de joelhos ela batia-lhe no rosto.

Por fim, Pope acalmou.

Riley apercebeu-se de que estavam ambos ofegantes. Largou-o e olhou para o oceano. Ainda era uma vista adorável.

Alguns momentos depois, Pope perguntou se forças, “Vai prender-me?”

Riley não respondeu.

“Destruiria a minha carreira,” Disse ele.

“Está mesmo preocupado com a sua carreira no exército?” Perguntou-lhe.

Seguiu-se um breve silêncio. Depois ele disse, “Mais do que tudo.”

“Então tentar matar-me foi uma má ideia.”

“Eu não estava, de verdade que não estava.”

Riley começava a compreender que esta era uma situação familiar. Ele era apenas um macho, um misógino idiota que odiava a ideia de uma mulher com um distintivo e uma arma.

Ele não tinha intenção de a matar. Só lhe queria pregar um bom susto e ensinar-lhe uma lição.

Aquilo não tinha resultado muito bem para ele.

Ela baixou-se e retirou as algemas. Depois recuou enquanto Pope se erguia com dificuldade.

“Quase nos matou aos dois,” Disse Riley. “É um idiota. E não vai viver muito tempo se continuar com proezas destas. Deus o ajude se entrar em combate.”

Desta vez Pope não respondeu. Sacudiu o uniforme mecanicamente, tentando limpar a sujidade.

Riley disse, “Fale-me no Sargento Worthing.”

“O que é que quer saber?” Perguntou Pope.

“Quão zangado estava com ele?”

Pope ficou surpreendido.

“O que é isto?” Disse ele. “Pensa que o matei?”

“Matou?”

Agora Pope parecia ofendido – e até magoado.

“Ele era um homem bom,” Disse ele. “Não o mataria por nada neste mundo.”

Riley começava a sentir-se confusa.

“Ele despromoveu-o,” Disse ela. “Tirou-lhe as asas de mosquito.”

Pope encolheu os ombros e sorriu.

“Ouviu falar nisso, foi?” Disse ele. “Devia calcular que era por isso que estava a ser tão metediça. Sim, ele puniu-me. E deixe-me dizer-lhe que eu estava a merecer. Quando cheguei a Fort Mowat, pensava que era uma espécie de rebelde. Sabe o que é que ele me disse quando me puniu? ‘Eu fui um revelde quando tinha a tua idade. Tu nem sequer és uma borbulha no cu de um rebelde.”

Ele riu. Havia uma nota de admiração na sua voz.

“E ele tinha razão,” Disse ele. “Fico contente por ele me ter endireitado.”

O instinto de Riley dizia-lhe que a sua admiração era perfeitamente genuína.

Pope não tinha morto o Sargento Worthing. Na verdade, talvez fosse o único recruta do pelotão de Worthing que realmente lhe sentisse a falta.

Pope disse, “Então o que é que vai fazer? Vai prender-me?” Estava a recuperar um pouco da sua presença de espírito. “Eu não a ataquei. Eu não queria ataca-la. Na verdade, tenho a certeza que foi você que me atacou.”

Riley sabia que a sua ação era perfeitamente justificada. Também sabia que ele nunca quisera matá-la.

Não existem leis contra ser-se um idiota chapado, Pensou ela.

Para além disso, prendê-lo só a distraíra do caso em questão.

Quando ela não respondeu, ele perguntou de forma implorativa, “Posso ir, por favor?”

“Pode ir,” Disse Riley.

Ele começou a afastar-se. Depois virou-se novamente para Riley.

Disse, “Espero que apanhe o filho da que matou o sargento. E quando o fizer, espero que me dê cinco minutos a sós com ele. Contudo, tenho que admitir – o filho da mãe é um excelente atirador. Espero conseguir disparar assim um dia.”

Olhou para Riley durante um momento. Depois disse, “O Sargento Worthing era mais do que um soldado. Muito mais. Ele fazia parte da matilha.”

A frase intrigou Riley.

“O que é que isso quer dizer – fazer parte da matilha?” Prguntou ela.

“Não compreenderia,” Disse Pope. Nunca compreenderia. Nem consegue imaginar. Muitos de nós também não conseguem.”

“Ponha-me à prova,” Disse ela.

Então ele olhou-a diretamente nos olhos e disse, “É muito ingénua, não é? Não significa nada.”

Virou-se outra vez e afastou-se a rir.

Riley ficou ali a pensar, remoendo o que ele dissera vezes e vezes sem conta.

“Ele fazia parte da matilha.”

Significava alguma coisa. O Pope sabia de alguma coisa.

Decidiu ficar de olho nele.


CAPÍTULO CATORZE


O choque de Riley perante o que tinha acontecido na falésia não foi imediato. Por fim, um profundo estremecimento abalou-a no pior momento possível.

Estava a contemplar a ampla praia para o oceano, uma cena pincelada a vermelho e dourado sob a luz feroz do sol da tarde. Era uma vista incrível de uma das pequenas casas que base oferecia a alguns dos seus visitantes temporários. Interrogou-se se o Coronel Adams lhes dera aquela casa para os manter felizes ou distraídos.

Ouviu Bill a perguntar, “Estás bem?”

Era óbvio que ele tinha reparado no seu espasmo de medo.

Estavam ambos no pátio a beber margaritas que Lucy preparara. A agente mais jovem encarregara-se de abastecer a cozinha. Naquele momento, Lucy estava na cozinha a preparar um jantar especial.

Riley bebericou a bebida novamente a bebida frutada. Apesar de raramente beber tequila, apreciava o seu efeito relaxante. Já contara aos seus companheiros o encontro que tivera, mas parecia que estava a descrever algo que acontecera com outra pessoa. Só agora o terror se apoderava dela.

“Sim, estou bem,” Disse Riley a Bill. “Mas foi por pouco.”

Bill abanou a cabeça.

“Não sei Riley,” Disse ele. “Não sei se deves reportar o que aconteceu à Coronel Larson. Ou pelo menos à PM.”

Durante um momento, Riley também pensou em fazê-lo. Mas depois pensou ser melhor manter as coisas assim.

“O Soldado Pope não é o nosso assassino, Bill,” Disse ela. “E não estava a tentar matar-me.”

“Mas disseste que achas que ele sabe alguma coisa,” Disse Bill.

“Talvez – só talvez,” Disse Riley. “ Mas penso que ele não sabe nada acerca dos crimes. Penso que pode saber algo que não percebe estar relacionado. Ele pode revelar mais se não o pressionarmos.”

Enquanto ela e Bill assistiam sossegadamente ao por do sol, Riley percebeu que aprendera uma lição naquele dia. Enfrentara dezenas de psicopatas verdadeiramente perigosos, muitos dos quais inclinados a matá-la de forma cruel e sádica. Mas raramente sentia o tipo de medo que a atingira hoje.

E porquê? Interrogava-se Riley.

É claro que a sua vida estivera em perigo naquela falésia. E a de Pope também.

Se um ou os dois tivessem caído daquela falésia, teria sido um acidente – um acidente estúpido e sem sentido.

Mas Riley estaria morta como se tivesse morrido às mãos de algum monstro.

Ele é só um miúdo, Pensou Riley. Um miúdo muito estúpido.

E de certa forma, isso tornava-o mais perigoso do que um psicopata experiente que tinha a noção do que fazia.

Numa base de treino como aquela, haveria provavelmente centenas de miúdos estúpidos como aquele – determinados a provar que são homens antes de realmente o serem. Precisavam da disciplina do exército para efetuar essa transição.

Ela e os seus colegas precisavam de ter cuidado naquele lugar.

Riley ficou surpreendida com um som vindo de trás dela. Tanto ela como Bill se viraram para olhar. Lucy estava ali parada com lágrimas nos olhos.

“Lucy!” Disse Riley. “O que é que se passa?”

Lucy rapidamente limpou os olhos e sorriu.

“Nada,” Disse. “Venham. O jantar está pronto.”

Riley e Bill pegaram nas suas margaritas e juntaram-se a Lucy na mesa onde estavam uns deliciosos tacos. Os três agentes falaram ociosamente durante algum tempo sobre o seu dia. Para além da aventura de Riley com o Soldado Pope, fora um dia sem muito a registar. Tinham entrevistado individualmente mais alguns recrutas e não tinham descoberto nada. Também tinham já agendado o trabalho para o dia seguinte cm mais entrevistas aos soldados dos outros dois pelotões que tinham perdido os seus sargentos.

Lucy parecia bem enquanto comiam e conversavam, mas Riley estava curiosa com a reação anterior ao oceano. Ela percebeu que havia muita coisa que ela e Bill não sabiam acerca da sua colega mais jovem.

Riley só sabia o melhor a seu respeito. Sabia que Lucy tinha conseguido muito antes de chegar a Quantico. Riley tinha conhecimento das espantosas notas de liceu e faculdade de Lucy, e sabia que Lucy tinha ultrapassado todos os desafios da Academia do FBI. E Riley tinha tido oportunidade de constatar em primeira mão os avanços de Lucy como agente de campo.

Agora notava que Lucy lançara outro relance melancólico ao oceano enquanto comia.

Riley perguntou, “Passa-se alguma coisa, Lucy?”

Lucy soltou uma gargalhada nervosa.

“Oh, não é nada,” Disse ela. “É só que às vezes fico emocionado ao ver o Pacífico. Não o via há muito tempo.”

Lucy continuou a comer como se não houvesse nada a dizer. Mas Riley continuou a olhar para ela com expectativa e pressentiu que Bill fazia o mesmo.

Por fim, Lucy começou a explicar.

“Os meus pais não tinham documentos quando vieram do México. Viajaram por toda a Califórnia nas colheitas e a fazer outros trabalhos rurais. Era trabalho muito árduo e tornou-se ainda mais árduo quando começaram a ter filhos. E viviam com um medo constante de serem deportados.”

Lucy fez uma pausa, olhando para a mesa.

Depois disse, “Em 1986 o Presidente Reagan assinou a Lei de Controlo e Reforma da Imigração. Concedia amnistia a cerca de três milhões de Mexicanos sem documentos – incluindo os meus pais. Aquilo deu à nossa família a nossa primeira segurança de verdade. Instalámo-nos em Sacramento e os meus pais foram trabalhar para uma empresa de tratamento de relvados. Acabaram por conseguir comprar a empresa.”

Lucy olhou novamente para o oceano.

“Era trabalho árduo. Nunca tínhamos férias em família. Mas a Mamá e o Papá abdicaram de tudo para que eu e os meus irmãos tivéssemos as oportunidades que eles não tinham tido. O meu Carlos vai tomar conta do negócio da família. O Victor está quase a tornar-se advogado.”

Ainda a olhar na direção do oceano, Lucy suspirou.

“Havia sempre tanto trabalho para fazer. Apesar de vivermos em Sacramento, nunca vi o oceano, não durante toda a minha infância. Sabia que existia a apenas alguns quilómetros de distância. Mas nunca lá fui. Quando fui aceite na faculdade, sabia que a minha vida estava a mudar. Finalmente fui ver o oceano. Foi...”

A voz de Lucy apagou-se. Limpou uma lágrima.

“Era tão belo. Ainda é. Sempre que o vejo, lembra-me da sorte que tenho e do orgulho que tenho em viver neste país e fazer o trabalho que faço. E penso em todos os sacrifícios que os meus pais fizeram para que eu pudesse ter esta vida.”

Riley emocionou-se.

Bill perguntou a Lucy, “Os teus pais ainda estão vivos?”

Lucy anuiu.

“Devem estar muito orgulhosos de ti,” Disse Riley.

Lucy assentiu novamente. Também ela parecia demasiado comovida para falar.

Riley olhou para Lucy num silêncio de admiração.

Lembrou-se como era ser tão jovem e cheia de esperanças.

Que grande vida ela tem à sua frente, Pensou Riley.

Terminaram a refeição a falar de pequenas coisas sem importância.


*


Depois do jantar, Riley foi dar uma volta sozinha pela praia. Apesar do sol já ter desaparecido, a noite ainda não se tinha instalado completamente.

Recebeu uma chamada de April.

“Ei, mãe,” Disse April. “Já resolveste o caso?”

Riley suspirou.

“Quem me dera,” Disse ela.

“A Jilly vai ficar desiludida. Ela estava certa que já o tinhas resolvido.”

Riley riu.

“Diz à Jilly para ter paciência,” Disse ela. “E tu, que fazes?”

“Acabei de chegar de um encontro com o Liam,” Disse April.

Uh-oh, Pensou Riley. É uma boa ou má notícia?

“Fomos a uma feira de línguas estrangeiras,” Disse April. “Todas as escolas secundárias locais estavam envolvidas e o Liam queria ir. Andámos de banca em banca a tentar dizer todo o tipo de coisas em várias línguas.”

Riley conteve uma risada. Não há muito tempo, April consideraria a ideia de uma feira de línguas estrangeiras muito pouco fixe.

Só precisou de um namorado para mudar de ideias.

“Parece ter sido divertido,” Disse Riley.

“Sim, foi. Foi mesmo. É só que...”

A voz de April desvaneceu-se.

“O quê?” Perguntou Riley.

“Bem, o Liam tem esta coisa por línguas. Ele já é fluente em Espanhol e sabe um pouco de Francês e Alemão. Também já explorou o Russo. Tem tendência para aprender línguas e parecia sempre um falante nativo em todas as línguas que experimentámos. Quanto a mim – bem, ainda estou a aperfeiçoar o Espanhol. Não tem sido fácil.”

Riley sorriu.

Primeiro o xadrez, agora as línguas!

Gostava cada vez mais do Liam. Mas ao mesmo tempo estava preocupada que a April se sentisse um pouco intimidada. Riley ficava feliz pelo facto de o Liam a desafiar, mas não queria que April começasse a pensar que era inferior ao namorado.

“Há alguma coisa a que o Liam não seja bom?” Perguntou Riley.

April deu uma risada.

“Ele é bastante desajeitado,” Disse ela. “Não é nem por sombras tão atlético como eu.”

Riley disse, “Bem, porque é que não lhe ensinas a jogar ténis? Isso poderá igualar as coisas entre vocês.”

April riu-se novamente.

“Ei, isso é uma ótima ideia! Obrigada mãe. Vou fazer isso mesmo.”

Depois April acrescentou, “Oh, quase me esquecia. A Crystal ligou para me dizer que o Blaine manda cumprimentos. Quer saber quando voltas. Eu e a Crystal temos a certeza que quer estar contigo.”

Riley sorriu. Era motivador ouvir aquilo.

“Diz à Crystal para dizer ao Blaine que lhe digo assim que souber,” Disse ela.

Riley e April terminaram a chamada.

Riley apercebeu-se que tinha caminhado bastante. Aproximava-se de umas rochas situados debaixo da falésia de onde quase tinha caído naquele dia.

Estremeceu ao lembrar-se.

E agora? Interrogou-se.

O telefone entretanto tocou, como se em resposta à sua interrogação. Riley viu que a irmã Wendy pedia um chat de vídeo. Riley ficou surpreendida. Depois de uma vida inteira de distância, Riley e a irmã apenas tinham falado algumas vezes depois da morte do pai e nunca se tinham encontrado pessoalmente. Mas já tinham falado em encontrar-se. Só não tinha ainda acontecido porque Wendy vivia em Des Moines.

Riley aceitou a chamada e o rosto de Wendy surgiu no telemóvel. Riley lembrou-se de imediato do sonho com a mãe. Enquanto Riley se parecia com o pai, Wendy era assustadoramente parecida com a mãe –ou pelo menos como a mãe se pareceria se tivesse vivido até àquela idade.

“Que surpresa,” Disse Riley.

Wendy encolheu os ombros e sorriu.

“Eu própria estou um pouco surpreendida,” Disse Wendy. “Como é que estás?”

Riley sentiu-se desconfortável. Algo parecia errado. Gostava que Wendy fosse direta ao assunto.

“Estou bem,” Disse Riley. “Estou na Califórnia a trabalhar num caso.”

“E as tuas filhas?”

“Também estão bem. E tu e o teu marido?”

“O Loren e eu estamos bem, obrigada.”

Wendy parecia estar a hesitar.

Depois disse, “Riley, preciso de falar contigo acerca da casa.”

O coração de Riley quase saltou do peito. Ela oferecera a cabana a Wendy pouco depois do pai morrer – e antes de Shane Hatcher lá se instalar.

Wendy não quisera a propriedade. Teria mudado de ideias?

Wendy disse, “Estou sempre a receber chamadas da agente imobiliária, Shirley Redding. Ela tem-me dito coisas estranhas a teu respeito.”

Riley suspirou ao lembrar-se da última conversa telefónica com Shirley. O corretor recebera uma oferta muito elevada pela cabana do pai – uma oferta que Riley sabia ter sido Shane Hatcher a fazer para a testar. Riley dissera a Shirley que afinal não queria vender a cabana e deu-lhe instruções para a retirar do mercado.

É claro que Riley não fora capaz de dar uma boa razão a Shirley. E Shirley não tinha encarado aquilo da melhor forma.

“O que é que a Shirley anda a dizer?” Perguntou Riley.

“Bem, ela diz que continua a receber excelentes ofertas e que não estás a ser razoável em retirá-la do mercado. Quer que te convença. Eu disse-lhe que não tinha nada a ver com isso e que respeito a tua decisão.”

Riley ficou exasperada mas conteve-se.

“Peço desculpa Wendy,” Disse ela. “Limita-te a ignorá-la.”

“Quem me dera, mas ela não para de me ligar e deixar mensagens. Diz que está a pensar em levar até lá potenciais compradores para a verem.”

E aí os alarmes soaram para Riley.

“Eu trato do assunto, Wendy,” Disse ela. “Obrigada por me dizeres.”

Riley terminou a chamada. Depois ligou a Shirley, mas do ourro lado ouviu-se um atendedor.

Depois do beep, Riley disse, “Shirley, aqui fala Riley Paige. Acabei de receber uma chamada da Wendy. Quero que pare de a incomodar. Na verdade, está despedida.”

Quando Riley terminou a chamada, percebeu que estava a tremer. E sabia que não era só de raiva por Shirley.

Era a ideia de alguém levar potenciais compradores à cabana que a alarmara.

Se encontrassem Hatcher por lá, o que poderia acontecer?

É claro que Hatcher podia evitar visitantes surpresa se quisesse.

Riley nem tentou imaginar o que poderia acontecer se Shane Hatcher não quisesse.


CAPÍTULO QUINZE


Bem cedo na manhã seguinte, Riley estava em frente a cinquenta soldados sentados na sala de reuniões. Ao olhar para a sua audiência, pressentiu variadas emoções ali.

A mais forte de todas era o medo.

Aqueles eram os recrutas do pelotão do Sargento Richard Fraser e estavam ali reunidos para Riley falar com eles sobre o seu homicídio. Naquele momento, Bill e Lucy estavam noutra sala a falar com os membros do pelotão do Sargento Rolsky.

A atmosfera ali era bem diferente da que pairava no funeral do dia anterior. Riley pressentira pouca emoção entre a maioria dos recrutas do Sargento Worthing – nem sequer dor.

Agora compreendia porquê.

Os recrutas de Worthing ainda não tinham tido tempo para processar o sucedido.

Estes homens e mulheres já tinham tido esse tempo.

Tiveram tempo para ter medo, Pensou Riley.

Mas também pressentiu algo mais que não pressentira no sai anterior.

Era dor real. E era partilhada por quase todos os presentes.

Riley aclarou a garganta e falou.

“Antes de mais, compreendo como isto é duro para todos vós. Podem ter a certeza que os meus colegas e os agentes do ICE desta base estamos a fazer tudo ao nosso alcance para impedir que algo semelhante volte a acontecer.”

Ao observar os rostos jovens à sua frente, apercebeu-se de que não tinham ficado tranquilizados com as suas palavras.

Riley prosseguiu, “Peço a vossa ajuda. Alguém se importava de me dizer como é que o vosso pelotão como um todo encarava o Sargento Fraser?”

Mãos levantaram-se um pouco por todo o lado.

Riley pediu para um recruta Afro-Americano falar.

Ele disse, “O Sargento Fraser era um homem bom. Confiava em nós. Preocupava-se connosco. Era duro, mas isso era a sua função.”

Havia uma nota de orgulho na voz do jovem. Talvez tivesse tido um prazer especial em ser treinado por um sargento de instrução Afro-Americano.

Depois acrescentou, “Penso que ninguém aqui pensa de forma diferente.”

Ao sentar-se, houve acenos e murmúrios que indicavam uma concordância quase unânime. Mais uma vez, o contraste em relação ao dia anterior era gritante.

Outro soldado falou, “Já não há muitos Americanos como o Sargento Fraser.”

Os murmúrios de unanimidade revelaram-se mais fortes desta feita.

“Lamento a vossa perda,” Disse Riley. “Eu sei que é doloroso e sei que já devem ter pensado nisto, mas quero que percam algum tempo a pensar em quem poderia querer ver o Sargento Fraser morto. Não apenas ele, também os Sargentos Rolsky e Worthing. Precisamos de descobrir a ligação entre os três crimes. Se vos ocorrer alguma coisa, entrem por favor em contacto comigo ou com algum dos meus colegas, incluindo a Coronel Larson e os seus agentes do ICE.”

Olhou novamente para os soldados, não notando qualquer alteração nos seus rostos, não pressentindo qualquer mudança nos seus sentimentos.

Por fim disse, “É tudo por agora.”

Enquanto os recrutas dispersavam, o atual sargento de treino tentou aproximar-se de Riley. Ela já sabia que ele se chamava Chad Shoemaker.

Shoemaker disse, “Agente Paige, acabei de receber uma chamada do Comandante. Ele quer vê-la de imediato.”

Riley conteve um suspiro. Ela, Bill e Lucy deviam encontrar-se com a Coronel Larson. Aquele não era o momento ideal para serem incomodados pelo Coronel Adams.

Ao sair da sala de reuniões e dirigir-se para o exterior, o sargento manteve-se sempre a seu lado.

Por fim, numa voz nervosa, ele disse, “Agente Paige...”

Riley parou e olhou para ele.

O sargento afastou o olhar e disse, “Não é nada. Peço-lhe desculpa

, minha senhora.”

Mas Riley sabia que não era nada. Acabara de assumir a posição de um sargento de treino assassinado. Não podia evitar preocupar-se que poderia ser o próximo. Mas era demasiado orgulhoso para o dizer abertamente.

Estavam no exterior e era quase impossível não pensar que alguém os poderia estar a vigiar naquele momento. Com o tipo de arma que o assassino usava, poucos lugares na base podiam ser considerados seguros.

Mas até ao momento, ninguém tinha sido morto na área central da base. A título provisório, os treinos não decorriam nas franjas da base e os soldados não deviam frequentar áreas periféricas.

Para além disso, até ao momento o atirador utilizara a escuridão para perseguir e matar as suas vítimas. Estavam em plena luz do dia e isso podia oferecer alguma proteção.

Ainda assim, Riley não podia dizer nada muito tranquilizador. Não podia garantir que o MO deste assassino se mantivesse igual.

Disse a Shoemaker, “Sargento, eu e os meus colegas estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para que nada de semelhante volte a suceder.”

Shoemeker anuiu, depois virou-se para se juntar ao seu pelotão.

Riley continuou o seu caminho até ao edifício da administração.

Ao aproximar-se do edifício, ficou estarrecida com o que viu.

Os jornalistas que haviam sido mantidos à distância no dia anterior, estavam agora à vontade na entrada.

Talvez consiga passar por uma civil normal, Pensou.

Mas ao aproximar-se, a massa de jornalistas veio ter com ela com câmaras, microfones e blocos de notas.

“É a Agente Especial Riley Paige?” Perguntaram vários, quase em uníssono.

Riley nada disse. Os jornalistas tinham feito o seu trabalho de casa e sabiam que a UAC havia sido chamada. Até sabiam que Riley fazia parte da equipa – e ela tinha reputação de sucesso.

“Sim,” Disse Riley, passando por eles. “Mas não tenho comentários a fazer nesta altura.”

Corpos comprimiam-se à sua volta e as perguntas sucediam-se. Riley não parava de dizer “sem comentários, sem comentários,” ao passar por eles. Finalmente, conseguiu chegar à porta. Os jornalistas sabiam que não seriam autorizados a segui-la e ela respirou de alívio ao fechar a porta deixando-os para trás.

Ela mostrou as suas credenciais ao guarda que a deixou prosseguir até ao edifício. Direcionou-a para o elevador que a levaria ao último andar.

Riley aproveitou a breve viagem solitária para organizar os pensamentos. Quando saiu e se aproximou do gabinete do Coronel Adams, viu que Bill e Lucy já lá estavam à espera.

Ela disse, “Presumo que tiveram que passar por aquela multidão para chegarem aqui.”

Bill disse, “Receio que se vá tornar pior antes que melhores.”

Lucy disse, “Estávamos só à espera que chegasses. O que é que achas que o Coronel quer?”

“Quem quer apostar que não é um abraço?” Respondeu Bill.

Todos riram.

Riley estava ansiosa para lhes perguntar como tinha corrido o seu encontro com o outro pelotão, mas não havia tempo agora.

Os três agentes entraram num gabinete exterior e anunciaram-se à secretária. A mulher anuiu vigorosamente, entrando de seguida no gabinete do Coronel. Saiu quase logo de imediato.

“O Coronel vai recebê-los agora,” Disse ela.

Riley esperava que este encontro fosse rápido para ainda se poderem encontrar com a Coronel Larson como combinado.


CAPÍTULO DEZASSETE


A secretária encaminhou os agentes para o gabinete e fechou a porta.

O gabinete do Coronel Adams não era o que Riley esperava. Ela lembrava-se de visitar o gabinete do pai uma ou duas vezes quando era pequena. O seu local de trabalho era pequeno e espartano com algumas peças de mobiliário velho e uma secretária desordenada. O pai queria que assim fosse. No que lhe dizia respeito, ele era um simples soldado.

Comparando, este era amplo e opulento. A sua localização no canto mais alto do edifício fornecia-lhe a fantástica vista da base e do oceano. Prateleiras altas estavam repletas com histórias militares com encadernações de cabedal que pareciam antigas e valiosas. A grande secretária estava organizada, tinha um candeeiro, um mata-borrão, fotos de família e um conjunto de caneta numa elegante base de mármore.

O Coronel estava de pé atrás da secretária. Estava vestido de uniforme tal como no dia anterior. A sua aparência contrastava com o fato camuflado de combate que a maior parte das pessoas usava na base.

Apesar de não estar em sentido, o corpo do Coronel parecia rígido.

“Sentem-se,” Disse ele, como se estivesse a comandar um grupo de soldados.

Riley e os seus colegas sentaram-se em cadeiras e Adams sentou-se na grande cadeira atrás da sua secretária.

Adams olhou com ar reprovador para Riley e Lucy, fixando depois o olhar em Bill.

“Agente Jeffreys, informe-me sobre o trabalho que realizaram até ao momento.”

Riley controlou o seu divertimento por ele dirigir a pergunta ao homem entre os três agentes.

Bill disse, “Falámos com os soldados do pelotão de Worthing ontem. Há pouco, a Agente Paige encontrou-se com o pelotão do Sargento Fraser, e eu e a Agente Vargas estivemos com os recrutas do Sargento Rolsky.”

Enquanto Bill prosseguia, Riley observou o gabinete à sua volta. Dizia muito da personalidade de Adams – que era egoísta e gostava de se exibir.

Retratos e certificados estavam pendurados nas paredes no que pareciam molduras caras. Ela também reparou numa velha impressão de uma cena de batalha em que surgia um exército a cavalo com as espadas em riste.

Numa mesa estava uma imagem que vira em fotografias – uma escultura em metal de um cowboy num cavalo. Interrogou-se se seria um original Frederic Remington.

Aparentemente, Adams reparou no seu interesse. Interrompeu Bill para lhe dizer, “É verdadeiro. Um dos moldes originais que Remington fez. O meu pai comprou-mo quando saí de West Point com honras.”

Riley olhou para ele.

“O seu pai era um homem do Exército?” Perguntou ela.

Adams anuiu orgulhosamente. “E o meu avô e bisavô.”

Riley sentiu que começava a compreender Adams melhor.

Mesmo assim, gostava cada vez menos dele.

Ela perguntou, “Que posto alcançou o seu pai?”

O rosto de Adams contraiu-se.

“Capitão,” Disse ele.

Riley assentiu.

“O meu pai era capitão,” Disse ela. “Nos Marines.”

Mas pode ver que o Coronel não apreciara a comparação. Ele pensava claramente que o pai devia ter atingido um posto mais alto.

Estava desiludido com o pai, Pensou. Agora estava num posto superior e estava determinado a fazer muito melhor. Talvez Adams chegasse a Brigadeiro General se tivesse um registo suficientemente bom. E claro, a situação atual não era positiva para o registo do coronel.

Riley estava à beira de lhe perguntar quando se reformava. Mas apercebeu-se que isso não seria benéfico. Já era óbvio que Adams não gostava dela e não valia a pena piorar as coisas.

Agora que Bill terminara de lhe relatar as suas atividades, Adams estava visivelmente zangado.

“Que raio é que pensam estar a fazer?” Perguntou ele. “Andam por aí a importunar bons recrutas quando isto é um caso óbvio de terrorismo Islâmico. Já deviam ter chegado a essa conclusão.”

Riley escondeu a sua raiva ao ouvir o coronel a dizer aos agentes como fazer o seu trabalho.

Ela perguntou, “Se é terrorismo, porque é que ninguém reivindicou os crimes? Geralmente em casos de radicais Islâmicos, algum grupo está ansioso por fazê-lo – o ISIS ou a Al-Qaeda, digamos. Ninguém o fez até ao momento.”

Os olhos de Adams penetraram-na e os lábios do coronel contorceram-se formando uma careta.

Ele disse, “Propõe que nos sentemos sossegados até que mais soldados sejam mortos?”

Riley reagiu e disse, “Tem trezentos e quarenta e três Muçulmanos nesta base. A Coronel Larson e a sua equipa estão a fazer o seu melhor para os monitorizar. Quer que analisemos pessoalmente cada um deles?”

“Porque não?” Disse Adams.

A mente de Riley assustou-se perante aquela ideia. A logística seria impressionante – já para não falar nas implicações desastrosas em termos de RP. Não demoraria muito até os jornalistas que estavam lá fora se aperceberem do que estavam a fazer. Depois seria o inferno.

Ainda assim, ela sabia que Adams tinha alguma razão. Apesar do seu instinto lhe indicar o contrário, Riley sabia que o terrorismo Islâmico era a teoria mais óbvia em que triam que trabalhar naquele momento.

Riley conseguia ver a fúria a consumir o coronel.

“Isto tudo é um desastre de RP,” Disse ele. “Já não consigo controlar os jornalistas. Vocês os três chegaram apenas ontem e já tornaram tudo pior.”

Riley estava perplexa com a acusação.

Bill disse o que pensava.

“Com o devido respeito Coronel, de que é que está a falar? Pensa que somos responsáveis pela presença de todos aqueles malditos jornalistas? Estamos apenas aqui a fazer o nosso trabalho. E no que me diz respeito, está a desperdiçar o nosso tempo.”

Riley acrescentou, “E o nosso tempo é tão precioso como o seu. Na verdade, se espera acabar com esta vaga de crimes, o nosso tempo é mais valioso.”

Adams levantou-se da secretária com o rosto enrubescido.

“Vocês não sabem nada sobre a instituição militar. Não estão a conseguir nada aqui.”

Riley levantou-se e encarou o coronel. “Estamos demasiado bem treinados para perder o nosso tempo a entrevistar centenas de suspeitos sem qualquer indicação real de que alguém entre eles é culpado.”

Agora o coronel gritava. “Um fanático Muçulmano está a matar sargentos na minha base e vocês são demasiado politicamente corretos para o localizar e apanhar.”

Bill também já estava de pé e falava num tom igualmente zangado. “Nós seguimos pistas reais, não preconceitos.”

“Ele tem razão,” Acrescentou Riley. “Está demasiado isolado aqui em cima no seu gabinete catita para saber o que se passa na sua base.”

“É a minha base, não se esqueçam disso. Não têm qualquer autoridade aqui. Devia mandar-vos embora da minha base agora mesmo.”

Por aquela altura, Lucy também já estava de pé. A mais baixa de todos, ela avançou e falou com firmeza. “Coronel Adams, compreendemos o quento quer ver este assassino apanhado. Nós estamos bem treinados para o conseguir. Não encontrará melhores capacidades de investigação em mais ninguém. Dê-nos por favor a oportunidade de fazer o nosso trabalho.”

Seguiu-se um silêncio. Durante um momento que parecia não terminar, o coronel encarou a diminuta agente Latina do FBI. Por fim, engoliu em seco e resmungou, “Espero que façam isso mesmo.”

Riley assentiu e afastou-se da secretária do coronel.

Ele disse num tom mais ligeiro mas ainda de comando, “Agora saiam daqui. Os três.”

Enquanto se encaminhavam para a porta, Riley virou-se e disse tão educadamente quanto lhe foi possível, “Só mais uma coisa senhor. A frase ‘fazer parte da matilha’ diz-lhe alguma coisa?”

Adams piscou os olhos.

“Nada em especial,” Disse ele. “Devia significar alguma coisa?”

Riley estudou a sua expressão. Parecia não estar a mentir.

“Foi só uma coisa que ouvi,” Disse Riley. “Não deve ter nenhum significado.”

Virou-se e saiu do gabinete com os outros dois agentes atrás dela.

Ao caminharem na direção do elevador, Riley sentiu-se acalmar. Focou os seus pensamentos na frase que o Soldado Pope usara. Mencionara-a no dia anterior a Bill e Lucy.

Enquanto esperavam pelo elevador, ela perguntou aos companheiros, “Perguntaram aos soldados com quem falaram sobre ‘fazer parte da matilha’?”

“Eu perguntei,” Disse Lucy. “Ninguém sabia nada.”

“Eu também,” Disse Bill a Riley. “Tens a certeza que tem algum significado?”

Riley não respondeu. A verdade era que não tinha a certeza. Não tinha nenhuma razão específica para continuar a pensar naquilo.

Mas algo na voz e na expressão do Soldado Pope quando o disse tinha-a impressionado.

Quando entraram no elevador, o telefone de Riley tocou.

Estremeceu quando viu que a chamada era de Shane Hatcher.


CAPÍTULO DEZASSETE


Riley afogou o pânico. Ela não queria falar com Hatcher enquanto estivesse no elevador com Bill e Lucy. Por fim, o som parou e a entrou a sua mensagem de voz. Riley esperava que Hatcher deixasse uma mensagem ou desistisse. Mas após um breve silêncio, o aborrecido toque voltou a soar.

Interrogou-se porque é que Hatcher estaria tão ansioso por falar com ela.

O que aconteceria se ela simplesmente desligasse o telemóvel?

Não queria descobrir.

“Não atendes?” Perguntou Bill quando a porta do elevador se abriu no piso térreo.

“É melhor,” Disse Riley, afastando-se de Bill e Lucy para ter mais privacidade.

Quando atendeu a chamada, Hatcher parecia mais zangado do ela alguma vez o ouvira.

“Quebrou o nosso acordo,” Disse ele.

Riley sentiu uma onda de pânico invadi-la.

“O que é que quer dizer?” Perguntou.

“Não finja que não sabe. A sua agente imobiliária esteve aqui agora mesmo, a mostrar a cabana a um casal. Isto agora é a minha casa. Concordou com isso. Prometeu não a vender.”

Riley começava a compreender. Shirley Redding desobedecera-lhe mais uma vez.

Hatcher continuou, “Consegui esconder-me. Penso que não se aperceberam que vive aqui alguém. Mas espero que se assegure que não volta cá mais ninguém. Não me escondo novamente na floresta. Sou uma pessoa da cidade.”

“Hatcher, ouça-me,” Disse Riley. “Eu despedi-a. Ontem.”

“Não me minta,” Disse Hatcher.

“Não estou a mentir! Juro-lhe...”

Mas Hatcher terminou a chamada. O telemóvel tremia nas mãos de Riley.

O que é que se passa com aquela mulher? Questionou-se Riley.

Rapidamente digitou uma mensagem a Shirley.


Despedia-a ontem. Estava a falar a sério.


Riley fez uma pausa. Que mais podia dizer? Não podia dizer a verdade a Shirley.

Escreveu...


Sei que levou pessoas à cabana do meu pai. Não me pergunte como sei. Não o volte a fazer. Repito. Está despedida.


Enviou a mensagem, depois ouviu Bill a perguntar-lhe, “Algum problema em casa?”

Viu que Bill e Lucy pareciam um pouco preocupados.

“Nada,” Disse ela com um sorriso forçado. “Só um drama de adolescente.”

Odiou-se imediatamente por mentir. Já dissera demasiadas mentiras para encobrir Hatcher. Mas duvidava que esta fosse a última.

De qualquer das formas, disse a si própria resolutamente, que tinha que esquecer Hatcher por agora. Ela, Bill e Lucy já estavam atrasados para a reunião com a Coronel Larson.

Apressaram-se para o edifício mais pequeno do ICE, ignorando vários jornalistas que ainda lhes faziam perguntas. O guarda na entrada viu as suas credenciais e deixou-os entrar, mantendo os jornalistas no exterior. Direcionou-os ao gabinete da Coronel Larson. A secretária de Larson acompanhou-os.

Riley ficou imediatamente impressionada com o contraste entre aquele gabinete e as acomodações mais régias do Coronel Adams. O gabinete de Larson era comparativamente mais pequeno e pragmático, sem decoração cara ou fina.

Naquele momento também estava muito concorrido.

A Coronel Dana Larson estava sentada na sua secretária, ladeada pela seua equipa ICE, o Sargento Matthews e os Agentes Goodwin e Shores. Estavam a explorar material espalhado pela secretária.

“Pedimos desculpa pelo atraso,” Disse Riley quando ela e os colegas se sentaram de frente para Larson.

Larson disse, “Não me diga – foram retidos pelo Coronel Adams.”

“Como é que adivinhou?” Perguntou Riley, rindo.

Mas Larson não parecia divertida. Naquele momento, parecia estar compenetrada na tarefa que tinha em mãos.

“O que é que descobriram?” Perguntou a Riley e aos colegas.

Riley disse, “Esta manhã reunimo-nos com os recrutas dos pelotões dos Sargentos Rolsky e Fraser.”

“Pensam que algum deles poderá ser um suspeito viável?” Perguntou Larson.

Riley disse, “E difícil aferir em apenas um encontro. Nenhum dos recrutas de Fraser se destacou como especialmente hostil. Na verdade, gostavam dele de forma bastante unânime.”

Lucy disse, “Eu e o Agente Jeffreys falámos com os recrutas de Rolsky. A nossa impressão foi de que não era particularmente popular. Um disse-me que Rolsky era um ‘Arab’. Não percebi. Quero dizer, Rolsky era branco e Católico, não era?”

“ARAB é um acrónimo militar,” Explicou Larson. “Significa ‘Arrogant Regular Army Bastard’”.

Riley ficou impressionada com aquela frase.

Lucy prosseguiu, “Ainda assim, Rolsky era respeitado. Não pressentimos que qualquer recruta daquele pelotão o quisesse ver morto.”

Larson bateu com o lápis na mesa impacientemente.

“Onde é que isto nos deixa?” Perguntou.

O Sargento Matthews falou.

“Penso que não temos nada que contrarie a nossa teoria original – que foram atos de radicalismo Islâmico. Na verdade, penso que podemos ter a certeza. Ainda não sabemos se foi um homem isolado ou uma pequena célula.”

Larson anuiu, concordando.

“Já estamos a investigar Muçulmanos da base,” Disse ela. “Iremos vigiar de forma reforçada ambos os recrutas Muçulmanos e os civis Muçulmanos da base.”

Os Agentes Goodwin e Shores concordaram.

Mas uma nova ideia começou a formar-se na mente de Riley.

Riley disse, “Não tenho a certeza se essa é a abordagem certa.”

Larson pareceu surpreendida.

“Porque não?” Perguntou.

Riley pensou por um momento.

Depois disse, “Ainda agora a Agente Vargas disse que um dos soldados de Rolsky o chamava ‘Regular Army’. Um recuta do pelotão de Fraser disse, ‘Já não há Americanos como Fraser’. Os outros recrutas de Fraser pareciam concordar com ele de forma unânime. E ontem falei com um recruta que Worthing tinha despromovido. O recruta estava grato. Admirava Worthing ainda mais por impor disciplina.”

Riley fez nova pausa, tentando organizar os pensamentos.

Depois disse, “Os três sargentos mortos eram homens muito diferentes e inspiravam sentimentos muito diferentes entre os seus recrutas. Mas tinham uma coisa em comum. Eram tradicionalistas da velha escola – homens que se poderiam sentir deslocados na atual realidade do Exército.”

Larson franziu o sobrolho.

“Então o que é que está a dizer? Que o assassino tem um fraco por soldados da velha escola?”

Riley engoliu em seco. Ela sabia que estava prestes a dizer algo que poderia não fazer sentido para Larson.

“Não,” Disse ela. “Quando muito, penso que é possível que o assassino ainda seja mais tradicionalista que as suas vítimas.”

Um rumor de surpresa perpassou entre os agentes do ICE.

O Agente Matthews falou novamente.

“Com todo o respeito Agente Paige, isso não faz sentido.”

Riley compreendeu que ele e os seus colegas pensassem dessa forma. Os seus palpites muitas vezes não faziam sentido até se transformarem na realidade. Naquele momento, ela não conseguia explicar os seus sentimentos de forma racional. Mas tinha que tentar.

“É difícil de explicar,” Disse Riley. “Mas tenho uma forte sensação no local onde o assassino de Worthing o matou.”

As sobrancelhas de Larson ergueram-se.

“Uma sensação?” Perguntou.

Riley hesitou. Bill e Lucy estavam habituados aos métodos pouco ortodoxos de Riley. Mas era sempre difícil explicar o que sentia a pessoas que nunca tinham trabalhado com ela.

Ficou aliviada quando Bill falou.

“A Agente Paige tem fortes intuições fora do normal, Coronel. Na UAC ela é conhecida por conseguir entrar na mente dos assassinos. Quando visita uma cena de crime, consegue ter uma noção da situação como aconteceu ontem.”

Riley esperava que a explicação de Bill tivesse ajudado.

Ela disse, “Eu tenho a sensação que o atirador é um soldado. Pode sentir-se mais deslocado aqui em Fort Mowat do que os sargentos. Pode sentir-se como um total anacronismo.”

O Agente Matthews parecia genuinamente intrigado.

Ele disse, “Mas porque é que um soldado da velha escola decidiria matar outros como ele?”

Riley sabia que era uma boa pergunta. E no momento, ela não tinha uma resposta para ela.

Larson abanou a cabeça.

“Não sei o que pensar disto,” Disse ela. “Agente Paige, como disse ontem, a sua reputação precede-a. Admirei as suas conquistas. Mas os seus métodos – bem, são demasiado subjetivos para o meu gosto.”

Bill falou novamente.

“Coronel, trabalho com a Agente Paige há muitos anos e os seus palpites muito raramente estão errados.”

Larson bateu com o lápis na secretária novamente.

“Raramente não é o mesmo que nunca, Agente Jeffreys. E ‘palpites’ não são o mesmo que factos. Do pouco que sabemos até agora, tenho a certeza que a Agente Paige está enganada desta vez. Estamos a lidar com extremismo Islâmico. Ponto.”

Aquelas palavras atingiram Riley com força. Gostara de Larson quando a conhecera. Pensava que poderiam trabalhar bem juntas. Mas Larson estava claramente ofendida pelas estranhas capacidades de Riley. Até parecia que a Coronel se estava a tornar num novo adversário.

Tenho que chegue destes em Quantico, Pensou.

Bill ainda parecia determinado a defender Riley.

Disse, “Com o devido respeito Coronel, trouxe agentes da UAC para trabalharem como profilers. E é exatamente isso que a Agente Paige está a fazer. Ignorar as suas perspetivas não é a melhor atitude a tomar.”

Larson agora parecia zangada.

Ela disse, “Esta ainda é a minha base, Agente Jeffreys. E se ‘traçar perfis’ é agir de acordo com sensações subjetivas, então receio não me ser de grande utilidade. Agora se não se importa, gostaria que os três se retirassem. Deixem-me a trabalhar com os meus agentes.”

Riley, Lucy e Bill olharam uns para os outros, perplexos.

Depois levantaram-se e deixaram o gabinete da Coronel Larson sem dizer mais uma palavra.

Ao saírem do edifício, Bill disse, “Será que o imaginei ou acabámos de ser despedidos?”

“Não o imaginaste,” Disse Riley.

“Então o que é que fazemos agora?” Perguntou Lucy. “Voltamos para Quantico?”

Riley escarneceu da ideia.

“Nem pensar,” Disse ela. Há demasiado em jogo aqui e nós ainda agora começámos.”


CAPÍTULO DEZOITO


Riley e os colegas foram diretamente do edifício do ICE para o carro que a base lhes tinha designado. Ao regressarem à casa de praia, Riley pressentiu que Bill e Lucy estavam desencorajados.

Ela não se sentia desencorajada.

Sentia-se energizada.

Sentiu-se mais determinada do que nunca para resolver o caso. Na verdade, começava a sentir-se totalmente competitiva a esse respeito.

A Coronel Larson apelidara as capacidades de Riley de “sensações subjetivas”. É claro que Riley já tinha lidado com aquele tipo de crítica anteriormente. Mas era uma agente bem-sucedida há demasiado tempo para saber que o seu talento em traçar perfis era real.

Quando chegaram à casa, sentaram-se na mesa da cozinha. Riley imaginou como deveriam parecer. Ali estavam eles, um homem e uma mulher de meia-idade cujas vidas pessoais haviam sido bastante prejudicadas durante os anos ao serviço do FBI. E uma jovem Latina que apenas participara em alguns casos.

Mas Riley sabia que ela e Bill estavam entre os mais bem-sucedidos agentes do FBI. Haviam provado as suas capacidades de investigação e em traçar perfis vezes sem conta. E aquela jovem Latina estava entre as melhores que Riley já vira a sair da Academia.

“Fazem um par desiludido,” Disse Riley

“Não sei o que é que podemos fazer,” Disse Lucy.

“Nem eu,” Disse Bill. “Estamos sem os recursos da base do ICE. Não temos acesso aos seus dados ou recursos. Ou pessoal.”

Riley sorriu.

“Talvez não,” Disse ela. “Mas os recursos da UAC batem os recursos do ICE aos pontos.”

Os olhos dos colegas iluminaram-se de interesse e surpresa.

“Mas acabámos de ser despedidos,” Disse Lucy.

“Sim,” Disse Bill. “E pela oficial que solicitou a nossa ajuda.”

Riley riu maliciosamente.

“Ela não disse exatamente isso, não com tantas palavras,” Disse Riley. “Ela pediu para sairmos da sala. Não estou certa se precisamos de interpretar isso como ser ‘despedido’. Na verdade, neste momento estou inclinada a pensar de forma diferente. Ela só queria uma oportunidade para conferenciar a sós com os seus agentes. Se ele reportar algo diferente a Meredith – bem, talvez tenhamos compreendido mal.”

Bill soltou um riso desconfortável.

“Vais meter-nos em sarilhos, não vais?” Disse ele.

Riley olhou para eles.

“Ouçam, eu sei que vocês os dois não estão habituados a fazer coisas não autorizadas. Mas eu estou.”

Bill suspirou.

“Sim, e estás habituada a ser suspensa e despedida.”

Riley disse, “Se vocês não estiverem à vontade com isto, eu compreendo. Vou sozinha.”

“Hu-uh,” Disse Lucy, abanando a cabeça. “Nós somos melhores do que isso.”

“Conta connosco,” Disse Bill.

“Então OK,” Disse Riley. “Como é que fazemos?”

Todos pensaram em silêncio durante um momento.

Por fim, Bill disse, “Temos que os apanhar. Eles já tiveram tempo para remexer os registos de todo o pessoal de Fort Mowat – militares e civis.”

Riley tinha que admitir que o desafio era enorme.

Ela disse, “Numa base como estadeve haver mais pessoal civil do que militar. A Larson tem civis a trabalhar no ICE. E há advogados civis, empreiteiros e engenheiros em qualquer grande base militar.”

Bill abanou a cabeça.

Disse, “E muitas das pessoas que trabalham na informática e tecnologia são civis. E algum do pessoal médico e assistentes sociais. É uma longa lista. Todos tem passes e foram sujeitos a verificações de passado e vários níveis de apuramentos de segurança.”

Riley disse, “Mas não se esqueçam – nós temos acesso às fontes da UAC, incluindo um departamento técnico excelente.”

“Parece que devemos ligar ao Sam Flores,” Disse Bill.

Riley anuiu. Este parecia em definitivo um trabalho para o responsável pela equipa de análise técnica de Quantico.

Antes de Riley falar, Lucy soltou um guincho de satisfação.

“Oooh! Posso ligar-lhe!”

Riley ficou surpreendida pela súbita atitude de Lucy.

“Não vejo porque não,” Disse ela.

Lucy abriu o portátil e fez a ligação a Flores. Parecia feliz por ver o rosto de marrão com óculos. Flores tinha um raro sorriso amplo.

“Olá Sammy,” Disse Lucy.

“Ei Lucita,” Disse Flores.

Alcunhas? Pensou Riley.

“O que é que se passa na Califórnia?” Perguntou Sam.

“Bem, só o habitual. Estamos a tentar apanhar um assassino em série.”

“Não me digas,” Disse Sam em tom jocoso. “São aqueles três sargentos em Fort Mowat, não é?”

“Sim,” Disse Lucy.

“Estou impressionado.”

“Oh, então, é só o nosso trabalho,” Disse Lucy no mesmo tom de brincadeira.

Riley nunca pensou que os dois fossem idiotas. Estava surpreendida com aquele flerte óbvio.

Lucy disse a Sam, “Precisamos de fazer uma pesquisa exaustiva de todo o pessoal que veio e se foi embora de Fort Mowat nos últimos tempos, tanto civis como militares.”

“Que tipo de parâmetros é que querem?” Perguntou Sam.

Lucy olhou para Riley com expectativa.

Riley pensou durante alguns segundos. Depois disse, “Vamos começar por procurar civis que trabalharam na base e que já estiveram no Exército.”

“Mais alguma coisa?”

Riley fez uma pausa para pensar.

Disse, “Vê se consegues estreitar a busca para pessoas que aprenderam tiro especializado.”

“Muito bem,” Disse Sam, começando a digitar palavras no teclado.

“Quanto tempo achas que vai levar, Sammy?” Perguntou Lucy.

Sam riu-se.

“Conta o tempo, Lucita.”

Enquanto os dedos de Flores atacavam o computador, Riley afastou Bill da mesa.

Perguntou-lhe num sussurro, “A Lucy e o Sam estão juntos?”

Bill riu-se silenciosamente e sussurrou-lhe, “Não sabias? Pensava que toda a gente já sabia. Não sei se é sério, mas definitivamente é algo.”

Bill regressou à mesa.

Riley estava perplexa. Como lhe podia ter escapado algo do género quando se passara bem debaixo do seu nariz?

Grande detetive que sou, Pensou.

Enquanto Riley esperava pelos resultados de Flores, uma preocupação diferente passou pela sua cabeça. Hatcher não dissera nada.

Ele dissera...

“É bom que se assegure que não parece cá mais ninguém.”

Também enviara outra mensagem a Shirley mas a mulher era errática e imprevisível.

Riley pegou no telemóvel e enviou uma mensagem para o número a partir do qual Hatcher tinha ligado.


Juro-lhe, despedi aquela mulher.


Suspirou. Que mais podia fazer ou dizer naquele momento?

Ouviu a voz de Flores do computador.

“Tenho a informação. Quanto tempo demorei Lucita?”

Lucy riu-se.

“Trinta e cinco segundos Sammy,” Disse ela.

“Mentirosa. Aposto que nem me estavas a cronometrar.”

Lucy deu uma risadinha.

“Desculpa. Não consegui desviar o olhar do teu rosto adorável.”

Riley juntou-se a Bill na mesa. Olhavam para o monitor por cima dos ombros de Lucy.

“O que é que tens Flores?” Perguntou Riley.

Os olhos de Flores percorreram a informação que encontrara.

Disse, “Cerca de 1/8 dos civis que agora trabaklham na base já serviu no Exército. Desses, apenas doze parecem ter alcançado habilidades de tiro excecionais.”

Riley ouviu com interesse o que Flores transmitiu. Ele estava mesmo a estreitar a coisa.

Ela perguntou, “Algum desses doze se destaca de alguma forma?”

Flores percorreu com atenção os registos.

Disse, “Estão a considerar extremismo Islâmico, certo?”

Riley ficou alarmada. Apesar dos dois coronéis insistirem nessa teoria, o seu instinto dizia-lhe algo diferente. Mas é claro que não podia dizer que era uma hipótese descartada.

“Sim,” Disse ela.

“Bem, tenho aqui alguém que realmente se destaca. Chama-se Omar Shaheed e os pais emigraram do Iémen. Ele trabalha numa equipa de construção em alguns projetos de edifícios na base.”

Riley coçou o queixo.

Perguntou, “O que me podes dizer sobre o seu registo?”

Flores disse, “Ele serviu durante três anos mas nunca combateu. Teve alguns problemas psicológicos. Mas foi excecional em várias áreas, incluindo a pontaria. Saiu com honras e não teve qualquer problema em obter acesso civil.”

Riley pensou durante alguns segundos.

“Os três homicídios ocorreram à noite. Sabes as horas exatas?” Perguntou a Flores.

“Sim,” Respondeu Flores.

Depois Riley disse, “Shaheed tinha que dar entrada e saída da base. Deve haver registos disso. Vê se esteve lá nessas alturas.”

Todos esperaram enquanto os dedos de Flores dançavam no teclado outra vez.

“Raios partam,” Disse ele. “Ele tem trabalhado em muitos turnos noturnos – incluindo nas horas em que os sargentos foram mortos.”

“Tens a morada dele?” Perguntou Riley.

“Sim,” Disse Flores. “Ele vive numa pequena cidade chamada Cordele. É perto de Fort Mowat.”

Riley sentiu o entusiasmo crescente de Bill.

“Ele está na base neste momento?” Perguntou Bill.

Flores digitou um pouco e depois informou, “Não, neste momento não. Volta ao trabalho esta noite.”

“Dá-nos a morada,” Disse Riley. “Vamos para lá de imediato.”

Enquanto Riley e os colegas se preparavam para sair, ela sentiu invadir-se por algum alarme.

Estariam Adams e Larson certos quanto ao facto de se tratar de um caso de terrorismo Islâmico?

O palpite de Riley estaria errado?

Estava a perder habilidades?

Tinha a certeza de uma coisa – que a Coronel Larson e a sua equipa iriam em breve estreitar a sua busca e dariam com o mesmo homem, se é que ainda não o tinham feito.

Ela estava determinada a falar com Omar Shaheed antes de ser detetado pelo ICE.


CAPÍTULO DEZANOVE


Durante a viagem até à cidade onde vivia Omar Shaheed, Lucy não conseguia parar de pensar em Sam Flores. Sempre considerara divertido falar com o responsável da tecnologia de Quantico e aproveitava todas as oportunidades para o fazer.

Mas tinha que regressar à realidade.

Temos um assassino para apanhar.

E parecia provável que o apanhassem muito em breve. Podiam voltar para Quantico e ele devia virar a sua atenção para Sam. Há algum tempo que era óbvio para ela que ambos estavam interessados um no outro.

Mas ainda não se tinham encontrado.

Sam parecia demasiado tímido para a convidar por isso teria que ser ela a convidá-lo.

Quando Lucy reparara na faísca entre eles, verificou as regras do FBI sobre confraternização. Não encontrou regras que impedissem que saíssem juntos.

Ficara surpreendida – e aliviada.

Lucy estudou o rosto da Agente Paige enquanto o Agente Jeffreys conduzia. Lucy não sabia no que é que ela estava a pensar. A Agente Paige ficara obviamente surpreendida com a forma como ela e Sam falavam um com o outro. Aparentemente, ainda não tinha descoberto que havia algo entre eles. Questionou-se sobre o que ela sentiria da ideia.

Desaprovaria?

Só de pensar nisso, Lucy desanimou. A Agente Paige era a sua heroína e a ultima coisa que queria era desiludi-la.

Mas talvez a Agente Paige não a julgasse de forma demasiado severa. NO final de contas, Lucy tinha reparado numa certa tensão sexual entre a Agente Paige e o Agente Jeffreys de vez em quando. Imaginou se alguma vez tinham feito algo a esse respeito? Saberiam de forma consciente que ela existia?

Bem, não era assunto que lhe dissesse respeito e certamente que não tocaria no assunto.

Só esperava que a Agente Paige não encarasse o seu possível romance com um colega como um problema.

Bem, não posso deixar que seja um problema, Pensou Lucy. A partir de agora, isto não vai ser um problema para mim.

Decidiu esquecer Sam enquanto estivessem a trabalhar neste caso.

Quando regressasse a Quantico, agiria.

Neste momento, Lucy estava um pouco preocupada com a Agente Paige. Parecia ter sido apanhada de surpresa com a notícia de que o suspeito era Muçulmano. Não era algo propriamente surpreendente.

Lucy sabia que era um erro honesto – se é que era um erro. Não lhe parecia que as habilidades da Agente Paige estivessem a enfraquecer.

Lucy queria dizer à Agente Paige para não levar aquilo demasiado a peito, mas é claro que provavelmente a faria sentir-se pior.

Quando chegaram a Cordele, Lucy constatou que era uma pequena cidade do Sul da Califórnia. Não havia relva nos quintais, mas havia uma grande variedade de plantas decorativas à volta das casas e palmeiras aqui e ali.

Passaram por um bairro sofisticado e finalmente chegaram a uma rua de casas mais pequenas, dispostas muito juntas. Bill estacionou em frente da morada que Sam lhes dera.

Era uma pequena casa com uma garagem de um dos lados. Uma carrinha pichup estava lá estacionada com o capô levantado. Um homem estava debruçado sobre o motor.

Quando Lucy e os seus companheiros se aproximaram ele virou-se para eles. Tinha pele escura e cabelo encaracolado.

“Posso ajudá-los?” Perguntou.

Lucy não notou qualquer sotaque na sua voz.

Lucy e os companheiros mostraram os distintivos e apresentaram-se.

“É Omar Shaheed?” Perguntou Bill.

“Sim,” Disse o homem. “Passa-se alguma coisa?”

Pareceu a Lucy notar algum nervosismo na sua voz. Mas isso não queria dizer nada. Qualquer pessoa ficaria nervosa por ser abordada por três agentes do FBI.

“Gostaríamos de falar consigo durante alguns minutos,” Disse Riley. “Podemos entrar?”

Os olhos negros de Shaheed desviaram-se nervosamente.

“De que é que se trata?” Perguntou.

Bill perguntou, “Tem conhecimento de três homicídios recentes ocorridos em Fort Mowat?”

Shaheed assentiu.

“Sim. Uma coisa terrível.”

Riley perguntou, “Pode dizer-nos onde se encontrava quando o Sargento Clifford Worthing foi morto?”

Shaheed apoiava-se num pé e no outro desconfortavelmente. Lucy ficou mais desconfiada. Ela tinha a certeza que os colegas sentiam o mesmo.

“Não tenho a certeza,” Disse ele. “Quando é que foi?”

Bill disse-lhe a hora e data em que tinha ocorrido o crime.

O homem sorriu ligeiramente. Lucy não sabia como interpretar aquele sorriso.

“Estava na base,” Disse Shaheed. “Tenho trabalhado na construção de dois novos edifícios lá. Temos trabalhado fora de horas.”

“Qual a natureza do seu trabalho lá?” Perguntou Riley.

“Conduzo uma carrinha,” Disse Shaheed. “Transporto materiais de um local para outro.”

Lucy reparou que os seus olhos se dirigiam para uma cabina de ferramentas situada na parede da garagem.

Riley disse, “Gostaríamos de entrar e conversar consigo.”

Num movimento rápido, Shaheed alcançou a cabina. Antes que qualquer dos agentes conseguisse sacar as suas armas, ele já tinha uma pistola semiautomática na mão. Lucy reconheceu-a como sendo uma Beretta 92.

Lucy viu que Riley tinha a sua arma quase sacada, mas voltou a colocá-la no coldre.

Shaheed apontava a arma na direção dos agentes.

“Mãos no ar,” Disse ele. A sua voz tinha um tom de desespero.

“Não quer fazer isto,” Disse Riley.

“Eu disse para colocarem as mãos no ar.”

Lucy sabia que nem ela, nem os colegas conseguiriam agarrar naquela arma sem que um deles fosse alvejado. Quando todos levantaram as mãos, ela viu que Riley e Bill se tinham afastado para o lado, afastando-se um do outro.

“Agora deitem-se no chão,” Disse ele.

Riley e Bill ficaram ali a olhar para o homem. Era óbvio que não tinham qualquer intenção de obedecer. Não se iam colocar numa situação de tanta desvantagem. Encarando Shaheed, mais cedo ou mais tarde um dele podia agir.

Lucy também permaneceu de pé. Sabia que era um risco. É claro que Riley e Bill também o sabiam. Observou-os com atenção. Quando um deles se mexese ela seguiria a tática.

“Eu disse para se deitarem,” Gritou Shaheed.

Os agentes continuaram imóveis. Lucy sentiu a tensão no ar. Agora conseguia ver a hesitação no rosto do homem. Ele tinha percebido que se alvejasse um destes agentes, seria imediatamente abatido pelos outros.

Sem dizer uma palavra, saiu pelas traseiras da garagem. Quando Lucy e os parceiros sacaram as armas e o seguiram, ele desapareceu num portão numa vedação alta.

Quando os três agentes passaram pelo portão, deram por si num beco vazio.

“Para que lado foi ele?” Perguntou Lucy.

“Temos que nos separar,” Disse Riley.

“Não pode ter ido muito longe,” Disse Bill.

Lucy correu para a esquerda e Riley na direção contrária. Bill começou a examinar um potencial esconderijo por perto.

Lucy correu o mais rapidamente que conseguia, olhando em todas as direções enquanto corria. A maioria das vedações do beco eram altas, mas algumas eram suficientemente baixas para se conseguir espreitar. Numa dessas, ela viu movimento entre duas casas.

Era Shaheed.

Devia ter entrado por um quintal porque agora corria no passeio em frente às casas.

Sem parar para pensar, Lucy saltou a vedação e irrompeu entre as duas casas. Quando chegou ao passeio, Shaheed estava a uma curta distância. Ainda segurava na arma com a mão direita.

Ela sacou a arma.

“Pare!” Gritou.

Shaheed parou.

“Largue a arma!” Gritou.

Shaheed limitou-se a ficar ali de costas voltadas para ela.

“Eu disse para largar a arma.”

Em vez disso, Shaheed virou-se lentamente para ela, ainda segurando na Beretta.

Lucy engoliu em seco. Ela compreendia a escolha que tinha que fazer. Aprendera com o treino que recebera que chegara o momento de usar força letal.

Mas não conseguia pressionar o gatilho. Nunca tinha morto ninguém. Sempre soubera que aquele dia chegaria. Mas não fazia ideia de que bloquearia daquela forma.

O tempo pareceu parar e Lucy sentiu-se congelada.

Vou mesmo deixá-lo matar-me? Interrogou-se.

De repente, ouviu uma voz a gritar.

“Largue a arma!”

Era a voz de Bill. Depois surgiu de entre duas casas com a arma em riste.

Riley apareceu atrás de Lucy. Também tinha a arma em punho.

Lucy apercebeu-se de que ambos tinham ouvido o seu grito. E tinham vindo para ajudar.

“Largue a arma!” Gritou Riley. “Agora.”

Desta vez Shaheed baixou a arma e colocou-a no passeio.

Bill gritou, “Mãos atrás das costas! Agora!”

Shaheed obedeceu.

Bill algemou-o e leu-lhe os direitos.

“Bom trabalho,” Disse Riley a Lucy. “Se não estivesses alerta e não tivesses chegado aqui tão depressa, ele teria fugido.”

A mão de Lucy tremeu quando guardou a arma.

“Eu devia tê-lo morto,” Disse ela.

“Sim, devias,” Disse Riley. “Devias ter-te defendido. Teria sido um procedimento correcto.”

“Se não tivessem chegado...”

“Tiveste sorte. Mas todos temos sorte em levá-lo com vida. E tu apanhaste-o. Eu e o Bill metemo-lo no carro. Vai ver a casa.”

Enquanto Riley e Bill colocavam Shaheed no carro, Lucy dirigiu-se à pequena casa de Shaheed. A porta de entrada estava destrancada e ela entrou.

A pequena sala de estar era simples com decoração abstrata Islâmica aqui e ali nas paredes. Prosseguiu até ao único quarto da casa. Era ainda mais simples do que a sala de estar, sem qualquer decoração – só uma cama, uma cómoda e um tapete de orações no chão.

Mas quando Lucy se debruçou para espreitar debaixo da cama, viu que ali se encontravam inúmeras armas. Pareciam armas do tipo militar, incluindo espingardas de atirador e caixas de munições. Dirigiu-se à cómoda e abriu uma gaveta. Também ela estava repleta de armas. Depois foi ao armário e abriu-o.

Também estava carregado com dinamite e com o que pareciam ser os ingredientes para fazer explosivos.

Lucy estremeceu ao tentar abarcar aquilo.

Aquilo pareciam os preparativos para algo grande. Que tipo de ataque estaria a planear Shaheed?

E quem mais estava envolvido?

Porque de certeza que ele não tinha montado aquele arsenal sozinho e apenas para seu uso pessoal.

Lucy queria sentir-se aliviada por terem prevenido o que quer que estivesse prestes a acontecer. Mas de alguma forma, não sentiu qualquer alívio.

Tinha um palpite que o seu trabalho não estava próximo do fim.


CAPÍTULO VINTE


Riley ficou com Bill olhando para o vidro da sala de interrogatórios do ICE. Dentro da pequena sala bem iluminada, Lucy interrogava Omar Shaheed. O prisioneiro estava algemado a uma mesa e Lucy estava sentada de frente para ele. Riley conseguia ver a jovem agente a sondar o rosto do prisioneiro, atenta a qualquer reação às suas palavras.

“Ela está a fazer um bom trabalho,” Disse Bill.

“Está mesmo,” Disse Riley. “Sempre foi o forte dela.”

Riley estava contente por ter conseguido que fosse Lucy a primeira a interrogar Shaheed. Ainda não lhe tinha sacado qualquer informação, mas ainda agora estava a começar.

Na verdade, as técnicas de interrogatório de Lucy eram excecionais. Sozinha, conseguia alternar a típica situação do “polícia mau” e do “polícia bom” – à vez insultando ou sendo empática.

Riley observou que até o “polícia mau” de Lucy tinha uma doçura desarmante.

Lucy disse a Shaheed, “Eu podia tê-lo morto, sabia?”

Shaheed sorriu amargamente.

“Devia tê-lo feito,” Disse Shaheed a Lucy.

Lucy sorriu-lhe.

“Mas isso não seria grande martírio, pois não – não matar ninguém e só você morrer? Você quer levar quantos infiéis conseguir. E ser morto por uma mulher... Bem, Alá não ficaria muito agradado com isso, pois não? Aposto que não teria todas aquelas virgens à sua espera no paraíso.”

O homem cuspiu-lhe e disse algo feio em Árabe.

Ainda assim, Lucy manteve a calma e o sorriso, e continuou a fazer perguntas.

Riley estava orgulhosa da sua protegida. Ela era sempre boa a trabalhar com pessoas. Mas Riley também estava um pouco preocupada com Lucy. Ela vira a instabilidade da jovem agente depois de capturarem Shaheed.

Riley disse a Bill, “Ela está a levar a sério o que aconteceu.”

Bill disse, “Queres dizer não o ter morto quando deveria?”

Riley anuiu.

Bill disse, “Bem, talvez seja bom que assim seja. Foi um erro. Precisa de aprender com ele.”

“Tens razão,” Concordou Riley. “Desde que não seja demasiado dura consigo mesma.”

Bill disse, “Muitos novos agentes têm o mesmo problema numa fase inicial.”

Depois de uma pausa acrescentou, “Eu também congelei na minha primeira vez.”

Riley olhou para ele surpreendida.

“Não sabia,” Disse ela.

“Bem, não é algo de que tenha muito orgulho. Se o meu parceiro não fosse rápido, não estaria vivo hoje. Mas aprendi a minha lição.”

Seguiu-se outro silêncio.

Depois Bill disse, “Não é fácil matar alguém.”

Riley sentiu um arrepio dentro de si. É claro que era verdade – a maior parte das vezes e para a maior parte dos agentes.

Era geralmente verdade até para Riley.

Mas às vezes fora tudo demasiado fácil.

Ela lembrava-se de ter sentido prazer com a morte de um terrível assassino.

Na verdade, sempre que se lembrava disso, sentia a sua mão a esmagar a cabeça dele com uma pedra. Sentia-se a gostar do que estava a fazer.

É claro que fora pessoal. O homem era um psicopata sádico que mantivera tanto Riley como April prisioneiras e as torturara.

Riley não conseguia evitar pensar – alguma vez Lucy sentiria aquele tipo de prazer?

Para o bem de Lucy, Riley esperava que não. Algo assim muda-nos. Ela ainda não sabia quanto a tinha mudado. E não tinha a certeza se queria saber.

Lembrava-se de o Soldado Pope lhe perguntar no dia anterior no topo da falésia.

“Quantas pessoas é que já matou?”

Riley estremeceu.

Não comeces a contar, Disse a si própria. Nem penses nisso.

Enquanto viam e ouviam, Lucy mudou para uma outra linha de interrogatório. Agora estava virada para a empatia.

“Ouça, eu sei que sou apenas uma infiel, mas sei um pouco como se sente.”

Shaheed pareceu algo desarmado.

“Não pode saber,” Disse ele.

“É uma sociedade podre, não é?” Disse Lucy. “O Ocidente, quero dizer. Pelo menos de muitas formas. Tão materialista. Tão injusta. Afastada do espiritual. E tão intolerante em relação aos outros. Sabe que sou Mexicana-Americana. Vi muito preconceito. A minha família passou muito mal.”

Riley viu o rosto de Shaheed suavizar.

A Lucy está a chegar a ele, Pensou.

A jovem agente perguntou numa voz suave, “O que aconteceu com aqueles sargentos em particular? Rolsky, Fraser e Worthing? Tenho a certeza de que está a planear algo muito mais magnífico do que apenas umas mortes isoladas. Porque é que começou com eles?”

Shaheed olhava agora diretamente para Lucy.

“Eu não os matei,” Disse ele. “Juro-lhe que não os matei.”

Riley sentiu um repelão com o seu tom de voz.

Lucy perguntou, “Então quem os matou?”

Shaheed sorriu. “Não sei. Fosse quem fosse, não está ligado a mim. Não sei nada sobre isso.”

Parecia estar a dizer a verdade.

Riley percebeu pela expressão de Lucy que ela sentira o mesmo.

Lucy perguntou, “Mas estava a planear matar alguém. Vai negar que essa era a sua missão?”

“Não,” Disse Shaheed. “Eu não nego a minha missão. Mas não eles. Eu nem sequer os conheço. Não tinha nada contra eles. Esses homens apenas seriam mortos por mim se se encontrassem no sítio errado à hora errada.”

Lucy fez uma pausa. Parecia estar a estudar o rosto de Shaheed.

Depois ela disse, “Sabemos que tem cúmplices. Não podia ter reunido aquele arsenal sozinho. Não podia usar todo aquele poder de fogo sozinho. Vai ter que nos dizer quem são. Quanto mais cedo o fizer, melhor.”

Riley afastou-se da janela e disse suavemente a Bill, “Há aqui qualquer coisa de errado. Ele não parece o nosso atirador. Parece-te a ti?”

“Não,” Murmurou Bill. “Penso que planeava um ataque e aconteceu tropeçarmos nele antes que o conseguisse concretizar. Azar o dele.”

“E sorte do nosso lado. Mas não encontrámos o homem que procuramos. Então, o que é que fazemos de seguida?” Questionou-se Riley em voz alta.

Foram interrompidos pelo Sargento Matthews, o responsável pela equipa de investigação do ICE. Dirigiu-se a Riley e Bill e anunciou, “A Coronel Larson quer falar convosco no seu gabinete.”

Riley ficou apreensiva.

Tinha a sensação de que não estava preparada para aquela reunião.


CAPÍTULO VINTE E UM


Quando Riley e Bill seguiram o Sargento até ao gabinete da Coronel, Larson estava sentada atrás da sua secretária. Estava visivelmente desconfortável ao gesticular para se sentarem.

Riley e Bill sentaram-se e esperaram que ela lhes dissesse o que se passava. O medo de Riley crescia.

“Merecem parabéns,” Começou Larson. Depois franziu o sobrolho ligeiramente e acrescentou, “Não posso dizer que goste muito dos seus métodos, Agente Paige – ou da forma como me ultrapassou. Mas obteve resultados. Apanhou o seu homem.”

Larson tamborilou os dedos na secretária por um momento.

“Não vou anunciar que o caso está encerrado,” Disse ela. “Nem vamos dar conhecimento à imprensa de que fizemos uma detenção.”

“Claro,” Respondeu Riley. “Não queremos colocar em alerta outros membros da célula ou simpatizantes. Espera apanhá-los antes de sair nas notícias.”

Larson assentiu. “Não lhe quero dizer que bem a avisei,” Prosseguiu. “Mas estava errada quanto ao assassino. Este homem é definitivamente um extremista Islâmico.”

Riley teve que morder a língua. Não queria entrar numa discussão – pelo menos não para já. Mas ela tinha a certeza de que algum tipo de desacordo estava para vir.

Larson mudou ligeiramente de assunto. “Como é que a Agente Vargas se está a sair no interrogatório?”

“Muito bem,” Disse Riley. “Está a tornar-se numa das melhores que já vi.”

“Pensa que Shaheed lhe vai revelar quem são os cúmplices?”

“Tenho a certeza que sim,” Disse Riley. “Ele não me parece muito enérgico. Talvez as pessoas com quem trabalhe sejam mais fortes. Mas ele é um elo fraco e vai quebrar. Deverá ter acesso a toda a célula em pouco tempo. Mantenham apenas a Agente Vargas a interrogá-lo.”

Larson olhou para Riley por um instante.

Depois disse, “Isso não será necessário. O vosso trabalho aqui está terminado. E desta vez é a sério. Espero que voltem para Quantico logo que possível.”

Riley ficou alarmada.

Disse, “Com todo o respeito Coronel, não sei se isso será sensato.”

“Porque não? Nós temos os nossos agentes capazes de interrogar e prosseguir com esse trabalho.”

Riley hesitou.

“Tenho a certeza que sim,” Disse ela. “Mas seria um erro irmos embora porque Shaheed não é o assassino que procuramos.”

Os olhos de Larson arregalaram-se. Riley percebeu que a coronel estava a lutar para conter a sua impaciência.

“Isso não faz sentido Agente Paige. Ele transformou a sua casa num armazém de munições. Estava obviamente a planear um ataque muito maior e mais violento.”

“Certo,” Disse Riley. “Ele está a planeá-lo. E é certo que tem cúmplices para realizar o que pretende. Mas ele não matou as nossas três vítimas. Tenho a certeza disso.”

Larson limitou-se a olhar para ela com descrença.

Riley continuou, “Ele é um fanático e ácheio de ideias radicais e ódio e raiva. Ele é um assassino – ou pelo menos espera vir a ser. Mas não é o nosso assassino. Não é um caçador em busca de uma presa específica. É um perfil completamente diferente.”

Larson abanou a cabeça.

“Isto é uma data de blá blá psicológico,” Disse ela.

Riley sentiu-se obstruída. Não conseguia pensar em nenhuma forma de convencer Larson.

Então Bill disse, “Coronel, tenho a sensação de que a Agente Paige tem razão. Se nos der mais tempo na base...”

“Não,” Disse Larson, interrompendo. “O caso está encerrado.”

Riley tentava pensar no que dizer.

Ela perguntou, “Verificou o álibi de Shaheed? Ele diz ter trabalhado nos locais de construção na altura dos crimes.”

“Estamos a fazê-lo agora,” Disse Larson. “Mas o seu álibi não é hermético. O seu trabalho era conduzir uma carrinha entre dois edifícios para entregar materiais. Duvido que alguém consiga reportar o seu paradeiro preciso nas horas em que ocorreram as mortes.”

Riley pensou mais um pouco.

Disse, “E a balística? Alguma das balas coincide com as armas em sua posse?”

“Ele tinha três espingardas M110 no seu arsenal.”

“Isso não responde à minha pergunta,” Disse Riley.

“Faremos uma verificação a seu tempo,” Disse Larson.

A seu tempo? Pensou Riley.

Ela tentou engolir a sua frustração.

A voz de Larson começava a tremer de raiva.

“Agente Paige, começo a sentir que há algo de pessoal nisto tudo. Tem alguma coisa contra mim?”

Riley ficou chocada.

“Pessoal? Não. Apenas estou a tentar fazer o meu trabalho.”

Larson levantou-se da cadeira.

“Bem, fez o seu trabalho. E cumprimentei-a por isso. E agora, se não se importam, é melhor prepararem-se para partir. Foram uma grande ajuda e estamos gratos. Mas a partir de agora o meu pessoal toma conta do caso. Diga à Agente Vargas que pode deixar o resto do interrogatório por nossa conta.”

Riley olhou para Bill. A sua expressão dizia-lhe que não havia mais nada a dizer. Ela sabia que ele tinha razão.

Abandonaram o gabinete da Coronel Larson e dirigiram-se à sala de interrogatórios para ir buscar Lucy.


*


Uma hora mais tarde, Riley e os seus colegas já estavam de regresso à casa de praia a arrumar as coisas para se irem embora. Lucy estava pronta no pátio a contemplar pela última vez o oceano. Bill levava as suas coisas para o carro.

Quando Riley terminou de arrumar as suas coisas, recebeu uma chamada de Brent Meredith.

“A Coronel Larson disse-me que terminaram por aí, “ Disse Meredith. “Parabéns. Mas deu-me a sensação que ficou feliz por vos ver partir. Tiveram algum problema com ela?!

Riley suspirou.

“Agente Meredith, penso que a Coronel Larson está a cometer um erro tremendo. O meu instinto diz-me que Omar Shaheed não é o nosso assassino. Ele é um aspirante a terrorista e tem cúmplices com toda a certeza. Mas não é um atirador.”

Seguiu-se um silêncio.

Riley prosseguiu, “Eu sei que a Coronel Larson está sob muita pressão. A base está repleta de jornalistas e a publicidade é má. Ela quer poder dizer-lhes que o caso está encerrado, mas tenho sérias dúvidas.”

Outro silêncio se seguiu.

Por fim Meredith disse, “Agente Paige, sabe que tenho todo o respeito pelos seus instintos. Se dependesse de mim, poderia dizer-lhe para ficar. Mas não depende de mim. A Coronel Larson pediu ajuda à UAC e estão aó só porque ela o solicitou. Ela tem a palavra final.”

Riley conteve um suspiro.

“Compreendo senhor,” Disse ela.

“Quero vê-la e à sua equipa no meu gabinete amanhã de manhã,” Disse Meredith.

“Lá estaremos senhor,” Disse Riley.

Terminou a chamada e soltou um suspiro de resignação. Ela regressaria a Quantico como ordenado. Mas ainda não acreditava que o caso tivesse terminado. Riley acreditava que o homem desconhecido ainda estava à solta, um atirador habilidoso que voltaria em breve a matar outro soldado.


CAPÍTULO VINTE E DOIS


Na manhã seguinte Riley levantou-se cedo para ir à reunião em Quantico. Era sábado e as miúdas ainda dormiam, mas ambas tinha ficado felizes com o seu regresso a casa na noite anterior. Na verdade, tudo parecia tão pacífico em casa depois das discussões com as autoridades em Fort Mowat.

Quando chegou à UAC, a única preocupação que aborrecia Riley era a certeza de que o atirador voltasse a atacar na Califórnia. Mas ao encaminhar-se para o gabinete de Meredith, encontrou Jennifer Roston no corredor.

A jovem agente disse, “Agente Paige, posso falar consigo?”

“Tenho uma reunião com o Chefe Meredith,” Disse Riley, olhando para o relógio.

“Eu compreendo. Isto só demora um minuto.”

“OK,” Disse Riley.

Enquanto as duas mulheres caminhavam juntas pelo corredor, Riley voltou a reparar que apesar da jovem agente não ser grande, a sua postura indicava competência. Naquele momento a sua expressão era extremamente inquisitiva.

Roston disse, “Sabe que estou a trabalhar a tempo inteiro no caso de Shane Hatcher.”

Riley assentiu desconfortavelmente. Tinha uma sensação estranha sobre o que Roston lhe ia perguntar,

Roston disse, “ Deu-me acesso a todos os ficheiros de computador relacionados com Hatcher e agradeço-lhe imenso.”

Fez uma breve pausa e depois acrescentou, “Mas parece faltar um ficheiro. Estava listado no sumário mas não o consegui encontrar em lado nenhum. Tinha o título de “PENSAMENTOS”.

Riley tentou ocultar o seu alarme.

Já devia estar à espera disto, Pensou.

Uma jovem agente brilhante como Roston repararia com toda a certeza que um ficheiro tinha sido apagado.

“Oh, esse,” Disse Riley. “Eram apenas umas notas que apontei enquanto trabalhava.”

Roston olhou para Riley com curiosidade.

“Mas porque é que o eliminou?” Perguntou.

Riley tentou encontrar uma explicação.

“Porque eram coisas redundantes,” Disse ela. “Toda a informação nele estava duplicada nos outros ficheiros que tem. E eram apontamentos que só eu compreenderia.”

Roston parecia cética.

“Tem um backup dele?” Perguntou Roston.

“Não,” Disse Riley. Mas a verdade é que mantivera uma cópia desse ficheiro numa pen em casa.

Riley sabia que um técnico poderia recuperar o ficheiro eliminado se não tivesse sido substituído. Não queria levantar suspeitas que pudessem levar Roston a esse ponto.

“OK,” Disse Roston. “Só gostava que houvesse mais informação, sobretudo sobre as ligações financeiras de Hatcher. Surpreende-me que ele consiga andar à solta. Deve ter recursos consideráveis e cúmplices dedicados. Mas hei-de descobrir o que quero mais tarde ou mais cedo.”

Riley não conseguiu deixar de estremecer perante aquelas palavras – “cúmplices dedicados”.

Fora nisso que ela se tornara – numa cúmplice dedicada de Hatcher?

Esperava que Roston não tivesse reparado na sua reação.

Roston sorriu e disse, “De qualquer das formas, não a demoro mais. Já agora, grande trabalho no caso de Fort Mowat. Parabéns.”

“Obrigada,” Disse Riley. Não se sentia digna de ser congratulada. Mas também não queria discutir as suas reservas em relação ai caso com Roston naquele momento.

Riley acrescentou, “E diga-me se a puder ajudar em mais alguma coisa.”

“Assim farei,” Disse Roston.

Roston prosseguiu o seu caminho e Riley dirigiu-se ao gabinete de Meredith.

Quando lá chegou, Bill e Lucy já lá estavam. Sentou-se com eles em frente à secretária de Meredith. Pressentiu que Meredith estava à espera que ela chegasse para iniciarem a reunião. Ficou aliviada por ver que todos estavam descontraídos. Já houvera tensão suficiente naquela manhã no que lhe dizia respeito.

Meredith sentou-se silenciosamente olhando para os seus rostos durante alguns instantes.

Por fim disse a Bill e a Lucy, “Sei que a Agente Paige tem reservas quanto à conclusão do caso em Fort Mowat. O que é que vocês pensam sobre o assunto?”~Bill e Lucy olharam um para o outro.

Depois Lucy disse, “Eu interroguei Shaheed durante algum tempo. Não há dúvidas de que é um aspirante a terrorista – cheio de ressentimentos, raiva e uma ideologia violenta. Mas...”

Lucy deteve-se.

“Mas o quê?” Perguntou Meredith.

“Mas penso que não é o nosso atirador.”

Meredith juntou os dedos e pensou durante alguns momentos.

“E quanto a si Agente Jeffreys?” Perguntou.

Bill abanou a cabeça.

“Também penso que não é o nosso assassino. Shaheed estava definitivamente a planear um grande ataque e temos a certeza que tem cúmplices. O nosso assassino é um solitário. Ele escolhe as suas vítimas à vez. E tem razões pessoais para o fazer.”

Meredith debruçou-se para eles.

Disse, “Falei com a Coronel Larson há pouco. Ela disse que durante a noite Shaheed cedeu no interrogatório. Deu os nomes dos cúmplices. O ICE capturou-os a noite passada. Pode demorar algum tempo até Larson e a sua equipa saberem ao certo o ataque que planeavam. Mas fosse o que fosse, não vai acontecer. Graças a vocês os três muitas vidas foram salvas.”

Riley falou de imediato.

“Na verdade, a Agente Vargas merece muito crédito. Se não fosse a sua velocidade e habilidade, o Shaheed teria fugido. Podiamos estar ainda a tentar localizá-lo.”

Bill acrescentou, “E o resto da célula teria certamente escapado.”

Meredith assentiu.

“Bom trabalho Vargas,” Disse ele.

A Agente Vargas reproduziu um tímido “obrigada”. Riley tinha a certeza de que Lucy ainda estava zangada consigo própria por não ter disparado quando apanhou Shaheed. Fora ua lição importante para Lucy e sobretudo uma lição que poderia salvar a sua vida noutras circunstâncias.

Meredith dirigiu-se a Riley.

“Não preciso de lhe dizer que a Coronel Larson se queixou da sua atitude.”

Riley engoliu em seco. Mas não havia nada de anormal em Meredith receber queixas contra ela.

“Não estou surpreendida senhor,” Disse ela.

“Quais são as suas impressões da coronel?”

Riley pensou por um momento.

“Diferenças à parte, respeito-a bastante. O trabalho dela em Fort Mowat é excelente. Gostava que nos pudéssemos ter entendido melhor.”

“Eu também,” Disse Meredith. “Mas o nosso trabalho não é agradar a todos.”

Olhou para os três agentes e acrescentou, “Preocupa-me que nenhum de vocês acredite que apanhámos o nosso atirador. E espero que a Coronel Larson não se arrependa de não vos ouvir. Mas dependia dela retirar-vos do caso e não estou em posição de a contradizer.”

Seguiu-se outro silêncio.

Então Meredith disse, “Fizeram um bom trabalho. Não têm casos pendentes de momento. Tirem algum tempo para descontrair. É uma ordem.”

Riley e os colegas levantaram-se e daíram do gabinete.

Sam Flores estava a porta do gabinete de Meredith, obviamente à espera de Lucy.

Flores disse, “Que tal um café, Lucita?”

Lucy sorriu-lhe.

“Adorava, Sammy.”

Enquanto os viu afastar-se juntos, apercebeu-se de que estava a sorrir. Olhou para Bill.

“Juventude,” Disse ele com um sorriso. “Vêmo-nos daqui a uns dias.”

Riley anuiu e dirigiram-se para os seus respetivos carros.

Enquanto conduzia a caminho de casa, Riley lembrou-se do que Meredith dissera.

“Tirem algum tempo para descontrair. É uma ordem.”

E ela estava determinada a fazer isso mesmo. Adoraria passar algum tempo com as miúdas.

Mas uma imagem preocupante continuava a formar-se na sua mente. Era a imagem de um assassino sem rosto montando com carinho uma espingarda M110.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


Quando Riley chegou a casa, já quase tinha esquecido as suas preocupações. Estava convencida que April e Jilly a distrairiam das suas preocupações. Mas quando chegou a casa, Gabriela disse-lhe que Jilly estava no treino de voleibol e April estava com Liam. Depois Gabriela foi para o seu apartamento, cantando alegremente.

Riley sentou-se na sala e olhou à sua volta. Era um típico sábado – um bonito dia de primavera – e parecia que todos que faziam parte da sua vida tinham algo a fazer exceto ela.

E agora não conseguia evitar pensar acerca no que dissera à Agente Roston acerca do ficheiro em falta...

“Eram coisas redundantes”.

Nâo se sentia bem em mentir a Roston daquela forma. Mas os acordos de Riley com Hatcher exigiam que mentisse – muitas vezes a pessoas que tinham todas as razões para confiar nela.

E agora Riley pensava...

Será que a Roston acreditou em mim?

Riley lembrava-se do olhar intenso da jovem agente.

Apesar de Roston ser nova na UAC, já tinha reputação de ser implacável e determinada. Normalmente, Riley admiraria essas qualidades numa promissora jovem agente.

Mas agora, apenas tinha motivos para se preocupar. E para se sentir envergonhada.

Como permitira que Hatcher assumisse tanto poder sobre ela?

E o que é que ia fazer a esse respeito?

Estremeceu ao lembrar-se da fúria de Hatcher a última que haviam falado...

“Espero bem que se assegure que mais ninguém aparece por cá.”

Quanto mais Riley pensava no assunto, mais bizarra toda a situação lhe parecia. Tinha um recluso foragido a viver na cabana herdada do pai e ele fora ameaçado por uma agente imobiliária excessivamente entusiasmada em vendê-la. Bem, acabara por despedir Shirley Redding e isso devia ser suficiente. Mas porque é que a agente imobiliária continuara a mostrar a cabana a potenciais compradores mesmo depois de Riley lhe dizer para a retirar do mercado?

O que é que se passava com aquela mulher?

Apercebeu-se que não muito acerca de Shirley. Riley tinha-a contratado para vender a cabana do pai em grande parte por uma questão de conveniência. O gabinete de Shirley não era longe da cabana e parecera a escolha acertada na altura. Quando falaram ao telefone, Shirleymostrara conhecimento das propriedades naquela área. Na verdade, Shirley parecia exatamente o tipo de agente imobiliária de que Riley precisava.

Mas a verdade é que Riley não fizera qualquer pesquisa sobre Shirley antes de a contratar. Agora a sua curiosidade dizia-lhe para o fazer.

Subiu até ao seu quarto e fez uma busca na internet com o nome Shirley Redding.

Ficou alarmada com o que viu.

Era uma longa lista de queixas sobre Shirley de compradores desiludidos a vendedores.

Muitos diziam que ela era demasiado agressiva e não sabia quando desistir.

Outros sugeriam que era emocionalmente instável.

Riley ficou apreensiva.

Eu devia ter investigado, Pensou. Não a devia ter contratado.

Até ao momento, Riley esperara que a sua mensagem brusca a dizer a Shirley que estava despedida fosse suficiente para a dissuadir.

Mas agora Riley já não tinha tanta certeza.

Riley ligou para o número da agente imobiliária. Mais uma vez ouviu o atendedor de chamadas, mas desta vez uma mensagem informava-a que Shirley Redding estava de férias e não estaria disponível durante duas semanas.

Riley suspirou de alívio. Pelo menos a agente imobiliária estaria fora de cena durante algum tempo.

De repente imaginou-se a conduzir até à cabana para dizer a Hatcher que o acordo entre ambos ficava sem efeito e que ele teria que sair da cabana.

Ou talvez simplesmente o prendesse.

Riley suspirou ao considerar quão irrealistas eram os seus pensamentos.

Não conseguiria sacudir Hatcher tão facilmente e muito menos prendê-lo. O seu próprio destino estava interligado ao dele.

Levantou-se da sua secretária e caminhou pelo quarto, tentando afastar as preocupações. Mas rapidamente outros pensamentos surgiram. O caso de Fort Mowat ainda a aborrecia. O seu instinto dizia-lhe que ainda havia um atirador à solta na base e que ele atacaria novamente.

Mas mesmo que estivesse certa, o que é que podia fazer?

Absolutamente nada.

Então porque é que continuava obcecada com aquilo?

Isto é ridículo, Pensou Riley.

Ela estava entre casos e devia divertir-se. Era tempo de voltar à vida normal, fosse lá o que isso significasse.

Era tempo de sair de casa.

Ocorreu-lhe que era tempo de almoçar e que estava a ficar com fome. Pareceu-lhe, por isso, um bom momento para passar no Blaine’s Grill.

Lembrava-se de April lhe dizer ao telefone na noite anterior que Blaine perguntara quando é que ela regressava de Fort Mowat. Riley prometera dizer algo quando voltasse. Mas com todas as incidências do caso, nem lhe passara pela cabeça informar Blaine que já estava de volta.

Tinha a certeza que Blaine estaria hoje no restaurante. Porque não aparecer e surpreendê-lo? Riley saiu de casa e foi direta de carro ao Blaine’s Grill.

O restaurante estava cheio quando ela chegou. Uma fila de pessoas aguardava para se sentar. Riley percebeu que não devia estar surpreendida com aquele movimento a um sábado.

Não é o melhor timing, Pensou.

Decidiu que regressaria quando houvesse menos movimento. Virara-se para se ir embora quando uma voz a chamou.

Era Wesley, um jovem que trabalhava no restaurante.

“É bom vê-la Riley,” Disse ele, caminhando na sua direção com um sorriso. “Quer uma mesa?”

Riley olhou à sua volta e disse, “Bem, parecem estar com imenso movimento.”

Wesley piscou-lhe o olho e falou baixo para os outros clientes não ouvirem.

“Não se preocupe. Acabámos de desocupar uma mesa. Posso sentá-la já.”

Quando Wesley passou com Riley pela fila, disse de forma audível. “Ainda bem que fez uma reserva.”

Ao sentá-la numa agradável mesa, acrescentou, “Tem reserva permanente aqui.”

“O Blaine está cá?” Perguntou Riley ao sentar-se.

Wesley olhou à sua volta.

“Ele está por aqui. Vou encontra-lo e dizer-lhe que está cá.”

Riley começou a ler o menu. Quando decidiu pedir uma sala à chefe, olhou para o empregado e viu Blaine do outro lado da sala. Vinha do pátio com uma mulher atraente que lhe segurava no braço.

Riley não a reconheceu mas sentiu uma instantânea pontada de ciúme.

Blaine e a mulher caminharam para o bar e pediram bebidas, parecendo muito confortáveis juntos. Wesley aproximou-se de Blaine e falou com ele. Blaine olhou à sua volta e viu Riley. Durante um segundo, parecia que ia ter com ela. Depois a mulher puxou-lhe o braço e sussurrou-lhe qualquer coisa ao ouvido.

Enquanto Blaine e a mulher conversavam, Riley desejou não ter ido ao restaurante. Ela pensara que chegar sem se fazer anunciar poderia ser divertido, mas agora tornara-se apenas em algo embaraçoso.

Por fim Blaine deixou a sua companheira e dirigiu-se à mesa de Riley.

Ao aproximar-se, o desconforto de Riley deu lugar à fúria.

Vai ser tal e qual o Ryan, Pensou.

Levantou-se da mesa e saiu apressadamente do restaurante, não olhando para trás para ver se Blaine estava alarmado ou aliviado ou aborrecido.

Quando chegou ao carro no parque de estacionamento, Blaine apanhou-a.

“Riley, o que é que se passa?” Perguntou Blaine.

“Nada,” Disse Riley rigidamente. “Só me parecias bastante... Ocupado.”

Blaine pareceu confuso durante um momento. Depois disse, “Espera um minuto. É por causa da Laura?”

“É esse o nome dela?” Perguntou Riley. Agora que olhava para ele, pareceu-lhe que também ele parecia embaraçado.

Blaine riu-se.

“Então Riley. Não me digas que estás com ciúmes. A Laura e eu somos amigos desde a faculdade. Ela vive em New Jersey por isso não nos vemos com muita frequência. Passou hoje pela cidade.”

“Então o melhor é passares tempo com ela,” Disse Riley.

A expressão de incredulidade de Blaine lembrou-lhe Ryan. Era assim que ele ficava quando arranjava desculpas. Aquele aspeto surpreendido e inocente que dizia, “Como é que podes ter pensado...”

“Eu não te estava a ignorar,” Disse Blaine. “Eu nem sabia que estavas na cidade até o Wesley me dizer que cá estavas.”

“A mim parecia-me que tinhas outras coisas em mente.”

“Bem, estou a ignorar-te agora?”

Riley ficou com mão na maçaneta do carro, não encarando Blaine. Não sabia o que dizer. Estaria a exagerar? Estava cansada e andava muito preocupada. Talvez não estivesse a pensar com clareza.

Blaine disse, “Ouve, isto com a Laura – não é um encontro romântico, são só dois amigos a encontrar-se.”

Então, depois de uma pausa, ele acrescentou, “Mas e se fosse um encontro? Riley, eu não sei em que ponto estão as coisas entre nós. Quero dizer, raramente estás disponível e vais-te embora durante alguns dias e não sei notícias tuas...”

Riley ripostou, “Podias ter ligado ou enviado uma mensagem, sabes.”

Sentiu o rosto a arder. Quem lhe dera não ter dito aquilo.

Meu Deus, estou a agir como uma adolescente, Pensou.

Blaine suspirou profundamente e olhou para o chão.

Disse, “Além disso, não tenho o direito de me encontrar com alguém? Nunca discutimos a questão da exclusividade.”

Riley olhou para ele com dureza. Aquelas palavras doeram a sério.

Ryan tinha dito exatamente a mesma coisa antes de se ir embora da última vez.

“Não sabia que precisávamos de discutir isso,” Disse Riley calmamente. “Eu pensei...”

Não prosseguiu. O que ela queria dizer era que pensava que havia algo especial que não precisava de ser verbalizado entre eles. Ela pressentira que uma forte atração os tinha aproximado e que um romance estava claramente a florescer entre eles. Tudo o que tinha acontecido entre eles era importante para ela.

Mas talvez estivesse enganada. Se ele não sentia as coisas dessa forma, então estava de certeza enganada.

De qualquer das formas, naquele momento estava a ser casual acerca do assunto.

Riley ainda segurava na maçaneta do carro.

Blaine disse, “Olha, talvez tenha chegado o momento de resolvermos isto tudo. Entra. Vamos sentar-nos e conversar.”

Riley sentiu-se indecisa. Mas antes de conseguir decidir, o telefone vibrou. Era uma mensagem de April.


Preciso da tua ajuda. Agora mesmo. Tem a ver com o Liam.


O coração de Riley saltou. Ela sabia que April não lhe enviaria uma mensagem daquelas a não ser que estivesse em apuros.

Abriu a porta do carro e entrou.

“Tenho que ir,” Disse a Blaine.

“Espera um minuto. Não vamos conversar?”

“Agora não,” Disse ela, fechando a porta.

Ao dar à ignição, Blaine pareceu chocado e intrigado. Depois virou-se e afastou-se. Mas Riley não se podia preocupar com ele agora. Ligou para April.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Quando April atendeu o telefone, Riley ouviu pânico da voz da filha.

“Mãe, estou em casa do Liam. Tens que cá vir imediatamente.”

“O que é que se passa?” Perguntou Riley.

“Vem já, por favor.”

Agora Riley ouvia ruídos de fundo, incluindo gritos. O que quer que se passasse, Riley sabia que tinha que lá chegar rapidamente.

“Chamo a polícia?” Perguntou Riley.

“Não, não faças isso por favor. Vem só para cá.”

“Qual é a morada do Liam?” April disse-lhe, mas antes de Riley poder fazer mais perguntas, April terminou a chamada abruptamente.

Riley saiu do parque de estacionamento. Felizmente, a morada não era muito distante. Enquanto conduzia, sentiu a preocupação a crescer – e também a fúria.

Gostara tanto do Liam quando o conhecera. Parecia um bom miúdo e uma boa influência para April. Mas agora parecia ser outra má escolha de April.

Riley lembrava-se demasiado bem do último namorado de April, Joel Lambert. Quando April desapareceu, Riley encontrou-a e descobriu que estava numa casa ocupada por viciados em heroína. Joel tinha injetado April com heroína e estava prestes a vendê-la para sexo quando Riley chegou.

Riley estremeceu perante a memória de April deitada indefesa num colchão, murmurando “não, não, não” enquanto Joel lhe tentava tirar a roupa.

Riley também se lembrava da sua fúria incontrolada ao esmagar a mão de Joel com um taco de beisebol e depois pisando-lha até ele gritar por misericórdia...

A memória aterrorizava-a. April levara semanas a reabilitar-se do trauma daquela horrível experiência.

E agora acontecia outra vez?

E se fosse...

Da última vez, Riley contivera-se ao máximo para não matar Joel Lambert.

Não sabia se se conseguiria controlar novamente perante esse tipo de situação.

Quando estacionou o carro em frente à casa de Liam, viu que era uma casa bonita mas algo degradada situada num agradável bairro de classe média. Riley Ficou aliviada ao ver April na porta de entrada. A rapariga parecia estar bem fisicamente mas a sua expressão era de alarme.

Riley saiu do carro e correu na sua direção.

April gritou, “Mãe! Graças a Deus! Chegaste mesmo a tempo!”

Riley passou por April e entrou na casa.

Mesmo à sua frente, ficou chocada por ver Liam no chão dobrado sobre si próprio. Tinha uma nódoa negra no rosto.

Ao pé dele estava um homem alto e musculado. Os seus punhos estavam apertados de cada lado do corpo. O seu rosto estava vermelho e denotava raiva, e Riley conseguia cheirar o odor do álcool de onde se encontrava.

Agora Riley percebia. April não estava em perigo. Era Liam quem estava em perigo.

O homem olhou para Riley.

“Quem raio é você?” Grunhiu.

“Sou a mãe da April,” Disse Riley.

O homem então reparou em April que se encontrava na porta de entrada.

“Tu – ainda aqui!” Gritou ele. “Disse-te para saíres daqui, sua cabra! Isto não te diz respeito!”

Riley virou-se para April.

“Ele tocou-te?” Perguntou Riley.

A tremer, abanou a cabeça indicando que não.

“Só me tentou expulsar,” Disse ela. “Mas bateu no Liam duas vezes e deu-lhe pontapés. Eu disse-lhe que chamava ajuda.”

Agora o homem rosnava para Riley.

“Leve a sua filha e saia daqui.”

Dirigiu-se a Riley, agarrou-a pelo braço e tentou empurrá-la na direção da porta. Riley sacudiu-lhe a mão com facilidade. Enfurecido, o pai de Liam levantou a mão aberta para atingir Riley no rosto. Riley agarrou-lhe no pulso, impedindo o golpe.

O homem ficou surpreendido com a força de Riley.

Ainda a segurar no seu pulso com a mão esquerda, Riley atingiu-o no maxilar fazendo-o recuar. Largou-lhe o pulso e viu-o cair no chão.

Os nós dos dedos de Riley doíam do golpe desferido. A dor enfureceu-a.

Lembrou-se da forma como tinha pulverizado aquele psicopata que as tinha aprisionado. Aquele homem tinha-as torturado e Riley acabara com ele de vez.

Sentiu novamente a sensação de esmagar a cabeça dele com uma pedra. Desejava ter uma pedra naquele momento.

Mas os seus punhos serviam.

Riley foi completamente dominada pela raiva. Saltou para cima do homem, ajoelhou-se na sua barriga e bateu-lhe no rosto.

Ouviu April gritar...

“Mãe! Pára! Já chega!”

Ao ouvir a voz da filha, a raiva de Riley abrandou.

O homem olhava para ela horrorizado. Sangue escorria-lhe do rosto.

Riley sabia que se não tivesse parado, poderia tê-lo morto.

Riley saiu de cima dele, sentindo-se chocada com os seus atos. O homem levantou-se de forma hesitante. A contorcer-se de dores, saiu de casa pela porta da frente.

Riley foi até à porta e viu-o a afastar-se no passeio.

Depois virou-se e viu April a ajudar Liam a levantar-se do chão e a sentar-se numa cadeira.

“Não ligaram o 112?” Perguntou Riley a April.

“Não,” Disse April. “O Liam não quis. Só liguei para ti.”

“Está tudo bem agora,” Disse Liam, esfregando o rosto ferido.

“Não está nada bem!” Disse Riley.

Riley sentia agora um tipo de fúria diferente – estava furiosa com Liam e April por não terem chamado a polícia.

“Lamento terem visto o pai assim,” Disse Liam, agora a chorar. “Não bebia assim há muito tempo. Ficou mal depois da minha mãe se ir embora, mas depois endireitou-se e não bebeu durante anos. Agora começou outra vez. Mas ele vai deixar. Tenho a certeza.”

Riley ajoelhou-se em frente a Liam.

“Liam, ouve-me. Tens que fazer alguma coisa. Tens que ligar para os Serviços de Proteção de Menores. O teu pai é perigoso.”

Ainda a chorar, Liam abanou a cabeça.

“Não, não é. Ele vai voltar para casa daqui a pouco e dormir. Falo com ele quando acordar. Ele vai ouvir-me. Tenho a certeza que não vai voltar a fazer o que fez.”

Riley ficou preocupada. A negação de Liam era demasiado típica das vítimas de abusos. E ela sabia por experiência própria como era duro convencê-lo a encarar os factos.

Ele não merece isto, Pensou.

Riley mal o conhecia, mas já gostava dele. A dada altura pensara como gostaria de ter tido um filho, um irmão para April. As coisas não aconteceram. Mas Liam parecia ser o tipo de miúdo que ela gostaria de criar.

O azar determinara que Liam não tivesse tido sorte com os pais. Riley não sabia porque é que a mãe de Liam tinha deixado o pai. Podia ter uma boa razão. Mas a sua partida trouxera ao de cima o pior do pai. E agora a situação de Liam era desesperada.

April agarrou-se ao braço de Riley. Riley ouviu o que April lhe queria dizer.

“Vamos levar o Liam para casa,” Sussurrou April por entre lágrimas. “Ele não está seguro aqui.”

Por um segundo, Riley estava pronta a concordar. Mas sabia que não era uma decisão a tomar num impulso.

Virou-se para Liam e disse, “Vou ligar para os Serviços de Proteção de Menores.”

“Não!” Disse Liam. “Por favor, não o faça! Tem que me dar a mim e ao meu pai uma oportunidade.”

Riley ajoelhou-se novamente ao lado de Liam.

“Então tens que ser tu Liam. Tens que ser tu.”

Liam abanou a cabeça.

“Pensa nisso,” Disse Riley. “Pensa nisso por favor.”

Liam anuiu.

“Ficamos aqui até que o teu pai regresse,” Disse Riley.

“Não,” Disse Liam. “Obrigado mas não. Eu... O pai e eu resolvemos as coisas.”

Riley sentiu invadir-se por uima tristeza avassaladora. Não havia mesmo nada que pudesse fazer. Levantou-se e levou April para fora da casa. Entraram no carro e Riley começou a conduzir rumo a casa.

“Temos que fazer alguma coisa,” Disse April, ainda banhada em lágrimas.

Riley sentia o mesmo. Mas quais eram as suas opções? Riley pensou durante alguns instantes.

Por fim disse, “Vou ligar para o Serviço de Proteção de Menores quando chegarmos a casa.”

“Mãe, não!” Disse April.

“Porque não?”

“Porque o Liam disse-nos para não o fazermos! Ele nunca me perdoaria – a nós – se o fizéssemos. Sentir-se-ia traído.”

Riley não disse nada. Não sabia o que dizer. Lembrava-se do apelo de Liam, “Tem que me dar a mim e ao meu pai uma oportunidade”.

Então April disse, “Vamos voltar e trazer o Liam. Vamos levá-lo para casa. Ele pode viver connosco durante uns tempos.”

Riley conseguiu pensar mais claramente naquela opção do que anteriormente. Seria possível? Ajudaria? Conteve um suspiro ao antever um mundo de problemas perante ela.

Estava agora a conseguir a adaptação de Jilly e a estabilizar a sua nova vida. Tinha os recursos – financeiros e emocionais – de tomar conta de outro adolescente, um cuja vida estava repleta de problemas?

E como reagiria o pai de Liam?

Para além disso, April tinha uma relação com este rapaz. Não podia ser boa ideia tê-los debaixo do mesmo teto.

“Não podemos,” Disse Riley.

“Porque não?” Perguntou April.

“Por inúmeras razões,” Disse Riley. “E se parares e pensares nisso, verás que tenho razão.”

Um silêncio tenso instalou-se entre as duas.

Então Riley disse, “Se queres mesmo ajudar o Liam, tens que o convencer a ligar para os Serviços de Proteção de Menores.”

Outro silêncio se seguiu.

Então April falou num zangado e duro.

“Tu não queres saber,” Disse ela.

Aquelas palavras exasperaram Riley.

“Como é que me podes dizer isso?” Disse Riley.

“Não queres.”

Riley sentiu-se à beira de chorar.

“April, faço o melhor que posso,” Disse ela com um tom de voz comovido. “Eu não posso concertar tudo no mundo. Ninguém pode.”

April cruzou os braços e não respondeu. Manteve um silêncio soturno durante o resto da viagem. Quando chegaram a casa, April foi para o seu quarto e bateu a porta com força. Riley olhou à sua volta e não viu mais ninguém. Calculou que Gabriela estivesse no seu apartamento e que Jilly ainda não tivesse regressado do treino de voleibol.

Riley sentou-se na sala de estar sentindo-se muito só.

Ainda naquela manhã ansiara pelos dias de folga, sobretudo para passar tempo com as miúdas.

Mas até ao momento, não estava a correr muito bem.

E agora? Pensou.

Teve a certeza de que April não falaria com ela o resto do dia. Amanhã talvez Riley conseguisse fazer as pazes com ela. Seria domingo por isso talvez pudessem fazer alguma coisa juntas em família – April, Jilly e também Gabriela.

Amanhã será melhor, Prometeu Riley a si própria.


*


Na manhã seguinte Riley levantou-se e preparou café. As miúdas ainda estavam na cama e a casa estava sossegada e pacífica. Riley sentou-se a beber o seu café, considerando o que fazer com a família naquele dia.

A April poderia telefonar a Liam para saber se tudo estava bem. E depois ela e as miúdas podiam ir a algum lado.

É claro que automaticamente pensou em ir almoçar ao Blaine’s Grill.

Mas depois lembrou-se da tensão entre ela e Blaine no dia anterior. Não parecia uma boa ideia aparecer no restaurante até ela e Blaine resolverem as coisas.

Se conseguirmos resolver as coisas, Pensou Riley. Não conseguiu evitar sentir-se pessimista.

Antes de considerar outras opções, o telefone tocou e ela atendeu.

“Agente Paige, aqui é Jennifer Roston.”

Riley ficou surpreendida e inquieta.

“Em que posso ajudá-la?” Perguntou Riley.

Roston disse, “Preciso de falar consigo. Agora mesmo. Surgiu algo novo em relação a Shane Hatcher.”

O coração de Riley bateu descompassadamente.

“O que é que aconteceu?” Perguntou.

“Não podemos falar ao telefone,” Disse Roston. “Preciso de a ver pessoalmente. Posso ir a sua casa.”

Riley engoliu em seco. A última coisa que queria era falar sobre Hatcher em casa com as miúdas por perto. E já as ouvia a acordarem lá em cima.

“Não, eu vou a Quantico,” Disse Riley.

“OK,” Disse Roston. “Peço desculpa por incomodá-la. Sei que estava de folga. Mas é importante. Estou na sala de reuniões.”

“Estou aí em meia hora,” Disse Riley.

Terminaram a chamada quando Gabriela subia para preparar o pequeno-almoço.

Riley disse, “Gabriela, Tenho que sair. Diga às miúdas que volto daqui a pouco.”

Gabriela anuiu e Riley saiu de casa.

O que é que se passa? Interrogou-se ao ligar a ignição.

Fosse o que fosse, duvidava que fosse coisa boa.


CAPÍTULO VINTE E CINCO


Quando Riley chegou ao edifício da UAC, a sua inquietação aumentou. O lugar parecia sinistramente vazio. O FBI não fechava aos fins-de-semana mas havia menos pessoas do que habitualmente. Riley tinha a certeza de que Meredith não estava ali hoje e claro que Bill também não.

Encontrou a Agente Especial Jennifer Roston já à sua espera na sala de reuniões. A sala parecia invulgarmente ampla e hostil, apenas com as duas sentadas numa enorme mesa com inúmeras cadeiras vazias.

Riley questionou-se porque é que Roston pedira para se encontrarem ali. Apenas os agentes seniores tinham gabinetes privados, por isso Roston apenas tinha uma secretária numa área com vários outros agentes. Mas porque é que não se podiam ter encontrado no gabinete de Riley?

Riley pensou – será que Roston queria que ela se sentisse desconfortável?

Por alguns momentos, a jovem agente Afro-Americana limitou-se a olhar para Riley.

Por fim, Riley perguntou, “Porque é que estava tão ansiosa por ver-me?”

Roston não respondeu à pergunta de Riley. Em vez disso, tirou um bloco de notas e um lápis.

Disse, “Preciso de saber tudo o que sabe sobre Shane Hatcher.”

Riley tentou não mostrar o seu alarme crescente.

“Tem todos os ficheiros,” Disse Riley. “Eu não tenho nada de novo.”

“Preciso que me conte toda a história da vossa relação.”

Riley ficou intrigada.

“Com certeza que já tem conhecimento disso,” Disse ela. “Está tudo nos ficheiros.”

“Preciso de o ouvir diretamente de si.”

Riley estudou o rosto de Roston durante alguns instantes. Não conseguia ler a sua expressão. Ocorreu-lhe que Roston teria as características de uma boa interrogadora. Na verdade, este encontro parecia cada vez mais um interrogatório.

Riley falou devagar e cuidadosamente.

“Como deverá saber, visitei pela primeira vez Shane Hatcher em Sin Sing em Agosto do ano passado quando estava a trabalhar num caso em Nova Iorque. Encontrei-me com ele por recomendação de Mike Nevins, um psicólogo forense que trabalha de tempos a tempos para o FBI. Hatcher é um criminologista autodidata brilhante cujos artigos foram publicados em publicações profissionais. As suas perspetivas ajudaram-me a resolver o caso. Voltei a Sing Sing para o consultar em mais dois casos.”

O bloco de notas de Roston estava em cima da mesa mas ela não tirava notas.

Perguntou, “Porque é que foi sempre a Sing Sing vê-lo?”

“Ele não falava comigo pelo telefone. Tinha que me encontrar com ele pessoalmente.”

“Porquê?”

Riley hesitou. Como podia explicar um enigma vivo como Shane Hatcher?

“Ele é um homem estranho e vive de acordo com regras estranhas,” Disse ela. “Mas tal como disse, é brilhante e as suas perspetivas foram sempre de grande ajuda.”

“Então ele estava no comando da situação quando se encontravam?”

Riley observou Roston.

“Não estou certa do que quer dizer com ‘controlar’” Disse Riley. “Ele estava preso na altura. As visitas eram sempre muito produtivas.”

Roston começou a escrever no bloco de notas.

Disse, “Depois em dezembro ele fugiu e matou um homem em Syracuse, Nova Iorque. Um velho conhecido, creio.”

“Um velho inimigo,” Disse Riley, corrigindo-a. “De há muitos anos quando Hatcher ainda era um jovem membro de gang.”

As suas palavras soavam-lhe estranhas aos seus ouvidos. Ela não queria justificar o facto de Hatcher matar alguém. Mas devia ter soado dessa forma a Roston e o rosto de Roston demonstrou-o.

Perguntou, “Desde que ele fugiu, quando é que esteve em contacto com ele?”

Riley sabia que estavam a mover-se em território perigoso. Tinha que ter cuidado com todas as suas respostas.

“Ele apareceu na Virginia em Janeiro,” Disse Riley. “Já sabe isso, porque está nos ficheiros. Também deve saber que salvou a minha filha e o meu ex-marido de um assassino cruel.”

Riley não se atreveu a contar a história, mas estremeceu ao lembrar-se. Hatcher tinha não só salvo a vida de April e Ryan como tinha entregue o assassino a Riley atado, um teste para ver se ela o mataria por pura vingança.

Riley conseguia sentir novamente o sabor amargo da fúria na boca, conseguia lembrar-se de como lhe apetecera arrancar o coração do assassino e mostrar-lho. Ainda assim, resistira aos seus impulsos assassinos.

Essa também fora a primeira vez que deixara Hatcher escapar de forma deliberada.

“Um ‘assassino cruel’” Disse Roston, repetindo as palavras de Riley. “Mais cruel do que o próprio Hatcher?”

Riley ficou momentaneamente sem reação.

O que é que ela poderia dizer?

Pensou e disse, “Sei muito bem quão cruel Hatcher pode ser. Eu encontrei o corpo mutilado do seu velho inimigo pendurado em correntes. Mas ele é um homem complexo – não como o o psicopata obcecado que ameaçou a minha família. Sempre foi complexo. Falei com a polícia que o prendeu há muitos anos atrás. Após a sua fuga, pensou-se que poderia ir atrás dela. Ela disse que ele não iria e tinha razão. Ele não tentou matá-la porque ela impedira que outro polícia o matasse.”

Riley hesitou e depois acrescentou, “Ele tem um código rígido.”

Roston levantou as sobrancelhas.

“Um código? Pode explicar-me isso?”

Riley não respondeu. Por onde podia começar?

Então Roston perguntou, “Sente que deve alguma coisa a Hatcher?”

Um arrepio percorreu a espinha de Riley. As suas obrigações para com Hatcher desconcertavam-na até a ela.

Quando Riley não respondeu, Roston começou a pressionar.

“Está em dívida para com Shane Hatcher por ter salvo a sua família?”

“Estou grata,” Gaguejou Riley. “Mas sou uma agente da lei. Não hesitaria em prendê-lo se tivesse a oportunidade.”

Riley estava cada vez mais alarmada. Conseguiria Roston perceber que se tratava de uma mentira?

Podia ter prendido Hatcher várias vezes quando a confrontara pessoalmente.

Ou pelo menos podia ter tentado.

Mas não tentara.

Roston disse, “Ouvi dizer que tem uma alcunha – ‘Shane the Chain’”.

Riley anuiu com desconforto.

“Sim,” Disse ela. “Era a alcunha que tinha nos seus tempos de membro de gang.”

Riley não referiu como adquirira a alcunha – porque ele tinha a reputação de pulverizar as vítimas com correntes pesadas. Com certeza que Roston já sabia isso.

Agora Riley reparou que Roston olhava para a pulseira dourada no seu pulso. Hatcher dera-lha.

Devia-a ter tirado, Pensou Riley.

Um código gravado num dos elos era um meio de entrar em contacto com ele. Ele usava uma igual para simbolizar o seu laço. Pela primeira vez ocorreu algo a Riley – se Roston alguma vez conseguisse capturar Hatcher, ele estaria provavelmente a usar a sua pulseira.

Parecia estranho a Riley nunca ter pensado nisso antes.

Será que nunca pensara seriamente na possibilidade de Hatcher ser capturado?

Ainda assim, Riley resistiu à vontade de tirar o braço da mesa para esconder a pulseira. Isso só atraíria mais atenção.

“Então viu-o na Virginia,” Disse Roston. “Quando é que o voltou a ver pessoalmente?”

Riley estava num estado de quase pânico. Algumas das suas interações com Hatcher estavam nos registos que Roston lera. Outras eram apenas do conhecimento de Riley.

Como é que manteria as histórias sem desvios?

Depois lembrou-se.

Comunicara com Hatcher várias vezes por telefone e chat de vídeo. Mas só se encontrara pessoalmente com ele duas outras vezes. Uma vez em Seattle quando a ajudara no caso de envenenamento e outra quando aparecera na cabana do pai. Nenhum desses encontros estavam incluídos nos registos. Não os podia mencionar.

“Nunca mais o vi pessoalmente depois disso,” Disse Riley.

Riley apercebeu-se que o seu alarme estava a transformar-se em fúria. Porque é que ela estava a deixar que Roston a tratasse assim?

A jovem agente tinha uma agenda e Riley ainda não sabia em que consistia.

Riley disse, “Não compreendo o que é que se passa aqui, agente Roston. Talvez deva ir direta ao assunto.”

Roston sorriu de forma artificial.

“Relaxe, Agente Paige. Está a ser muito útil e eu agradeço. É apenas um caso complicado e preciso de todos os detalhes. Só tenho mais algumas perguntas a fazer-lhe.”

Roston continuou a escrever no bloco de notas.

Disse, “Sei que uma agente imobiliária, Shirly Redding, está a lidar com a venda da sua propriedade – a cabana herdada do seu pai.”

Riley sentiu apoderar-se dela uma nova vaga de preocupação.

Onde é que Roston queria chegar?

Saberia que Hatcher estava a viver na cabana?

Riley disse, “Eu pedi a Shirley para a vender numa fase inicial, mas mudei de ideias.”

“A Shirley Redding esteve na cabana alguma vez?”

Mais uma vez Riley sabia que tinha que escolher as palavras cuidadosamente.

“É claro que viu a propriedade e fez uma estimativa do seu valor de mercado. Penso que também a mostrou a potenciais compradores.”

“Quando?”

“Não tenho a certeza. Estive na Califórnia nos últimos tempos.”

Roston bateu com o lápis no bloco de notas.

Depois disse, “Sei que lhe reportou pelo menos uma oferta. Porque é que a recusou?”

“Acabei de lhe dizer,” Disse Riley. “Mudei de ideias. Pedi-lhe para não a mostrar a mais ninguém.”

Roston mostrou novamente aquele sorriso artificial.

“É estranho. Verifiquei ainda esta manhã. Ainda está nas listas ativas.”

Riley conseguiu não demonstrar a sua estupefação.

“Não deveria estar,” Disse ela. “Tenho que falar com ela sobre isso.”

Seguiu-se um breve silêncio.

“Quando é que viu Shirley Redding pela última vez?” Perguntou Roston.

“Na verdade nunca estive pessoalmente com ela,” Disse Riley. “Só comunicámos por telefone e mensagens. Mas porque é que me pergunta isto? O que é que tem a ver com o caso Hatcher?”

O sorriso de Roston desapareceu.

“É isso que estou a tentar perceber,” Disse ela. “Shirley Redding foi encontrada morta esta manhã.”


CAPÍTULO VINTE E SEIS


O choque das palavras proferidas pela Agente Roston atingiram Riley em força. Ela não podia acreditar no que ouvira.

“O que é que acabou de dizer?” Perguntou.

Roston olhou diretamente para os olhos de Riley.

“Disse que Shirley Redding foi encontrada morta esta manhã,” Disse Roston.

Riley ficou perplexa durante alguns momentos. A agente imobiliária? Morta?

Por fim Roston perguntou, “Não quer saber onde é que aconteceu?”

Riley tentou manter-se calma.

Disse, “Pelo que me diz, presumno que tenha sido na minha propriedade.”

“Sim, foi.”

Riley tentava perceber o que acontecera. Mas o seu instinto dizia-lhe que a morte de Shirley Redding tinha que ser obra de Shane Hatcher. A agente imobiliária devia ter aparecido novamente na cabana. Talvez o tenha apanhado de surpresa. Ou talvez ele se tenha recusado a esconder-se de novo como ameaçara.

Mas não se atreveu a dizer isso.

“Porque é que eu não fui informada quando ela foi encontrada?” Perguntou Riley.

“Por isso lhe liguei esta manhã,” Disse Roston. “Por isso está aqui.”

A fúria de Riley começou a crescer novamente. Roston tinha-a manipulado durante toda a conversa.

Riley disse, “Porquê... Porque é que não me informou de imediato?”

“Tinha que descobrir o máximo que conseguisse,” Disse Roston com um tom de voz regular.

“Porquê?” Perguntou Riley. “Sou suspeita de homicídio?”

Roston não respondeu.

Não, Pensou Riley. Não é de mim que ela suspeita.

Riley sabia que Jennifer Roston também suspeitava de Shane Hatcher. Mas não o iria ainda dizer. Riley nunca dissera a ninguém que Hatcher estava naquela cabana. Mas Roston retirara pedaços de informação suficientes para tirar as suas conclusões das subtis evasões de Riley. E agora Roston estava perigosamente perto de chegar a uma conclusão definitiva.

“Como é que aconteceu?” Perguntou Riley.

Roston debruçou-se sobre a mesa na direção de Riley.

Disse, “Shirley Redding tinha uma marcação com um potencial comprador na cabana esta manhã. Quando o comprador lá chegou viu o carro mas não encontrou Redding. Caminhou um pouco pela propriedade e descobriu o corpo numa vala rochosa não muito longe da casa. Chamou o xerife local que nos ligou a nós.”

Seguiu-se um silêncio entre Riley e a jovem agente.

Depois Roston disse, “Tenho que considerar a hipótese de homicídio. Preciso que me diga tudo o que puder para eu juntar as peças todas.”

Riley sentia-se prestes a explodir graças a todas as emoções que sentia – ansiedade, medo e vergonha.

A emoção mais forte era a fúria.

“Não tenho nada para lhe dizer,” Disse Riley com dentes cerrados.

“Tem a certeza?” Perguntou Roston.

Riley levantou-se.

“Não jogue jogos comigo Agente Roston,” Disse Riley. “Daqui em diante, espero que seja direta e aberta comigo. Sem manipulação, sem enganos, sem tentar brincar com a minha mente. Tem alguma pergunta para me fazer? Alguma pergunta específica? Se sim, faça-a.”

Roston ficou a olhar para Riley durante alguns instantes.

Então disse, “Quem assassinou Shirley Redding?”

Riley conteve um impulso em dizer a verdade.

“Não sei,” Disse ela. “Nem sei se ela foi assassinada. Nem você. Tem mais perguntas?”

Roston limitou-se a olhar para ela sem dizer nada.

“Muito bem então,” Disse Riley.

Riley virou-se e saiu da sala. Abandonou o edifício, lutando para controlar os nervos. Sabia onde tinha que ir de seguida.


*


Era uma viagem de três horas e meia de Quantico até à cabana que Riley tinha herdado do pai. A viagem pelas Montanhas Apalache dava-lhe tempo para estar sozinhar, acalmar e pensar em tudo de forma racional.

Mas uma pergunta assomava sempre...

O que é que Roston realmente sabia?

Saberia que Shane Hatcher estava a viver na cabana?

Riley não sabia como isso seria possível.

Contudo, parecia que os instintos da jovem agente lhe diziam que a morte de Shirley Redding não fora um acidente. E se fosse homicídio, tinha que estar um assassino na cabana. As suspeitas de Roston levavam-na a pensar que podia ser Hatcher.

Excelente instinto, Pensou Riley desanimada. Vai ser uma agente de primeira classe da UAC.

Riley continuava a esperar que a jovem agente estivesse enganada – que a morte de Shirley tivesse sido um acidente, puro e simples. E por muito zangada que Riley estivesse com as manipulações de Roston, não a podia censurar. Ela agia como Riley agiria nas mesmas circunstâncias.

Riley suspirou. Desejava poder simplesmente admirar Roston pelo seu trabalho.

Também desejava não ter saído da reunião tão apressadamente. Muitas coisas agora a intrigavam e pensava que também devia ter feito perguntas.

Lembrava-se de algo que Roston dissera...

“Tenho que considerar a possibilidade de homicídio.”

Riley pensou – haveria alguma razão palpável para considerar essa possibilidade? E era apenas Roston a pensar dessa forma?

E a polícia local? O xerife chamara o FBI para dar conhecimento da morte de Shirley. Porque considerara aquilo um assunto destinado ao FBI?

Mesmo que o xerife pensasse que a morte era um homicídio, não era estranho que tivesse chamado o FBI de imediato?

Não lhe parecia um procedimento normal.

E se uma investigação em larga escala se iniciasse, onde conduziria?

Calma, Disse Riley a si própria. Não deixes que a tua imaginação leve a melhor.

De qualquer das formas, Riley tinha a certeza de que Roston não tinha qualquer prova sobre a relação real existente entre ela e Hatcher.

E Riley sabia que tinha que manter as coisas assim.

Riley passou pela pequena cidade de Milladore, subindo depois para as montanhas circundantes. Alguns quilómetros depois, virou para uma estrada de terra. No fim da estrada estava a cabana do pai – uma pequena estrutura de madeira que estava normalmente fora das vistas do mundo exterior.

Mas Riley reparou de imediato que o mundo ali entrara hoje. Três carros da polícia estavam estacionados na pequena área aberta em frente da cabana. Riley tinha uma certeza – a polícia não tinha descoberto Shane Hatcher ali. Já se tinha ido embora há muito, escondendo-se sabe Deus onde.

Quando Riley estacionou, um grande carro de médico-legista arrancou do local. Riley calculou que o corpo de Shirley Redding seguia no seu interior. Um polícia local cumprimentou Riley quando ela saiu do carro.

Ela mostrou o seu distintivo e apresentou-se.

O polícia pareceu um pouco surpreendido por uma agente do FBI ter aparecido.

“Mostre-me onde aconteceu,” Pediu-lhe Riley.

O polícia levou Riley a um caminho que se afastava da casa. Ao caminharem, Riley estudou o terreno atentamente. Viu um conjunto de pegadas de sapatos de mulher na terra fofa. É claro que Riley não estava à espera de encontrar as pegadas de Hatcher. Ele era demasiado habilidoso e astuto para deixar vestígios.

No fim do caminho estava uma vala acentuada onde vários polícias trabalhavam. O polícia que estava com Riley apresentou-a ao xerife cujo nome era Ben Garland. Era um homem de meia-idade com excesso de peso que mascava tabaco.

Apertou a mão a Riley.

“Ainda bem que pode vir,” Disse ele. “As circunstâncias é que não são as melhores.”

“Porque é que entraram em contacto com o FBI?” Perguntou Riley.

O xerife Garland encolheu os ombros.

“Bem, eu conhecia o seu pai. Pelo menos um pouco. Ele costumava frequentar o VFW em Milladore, antes de ser banido do local por criar problemas. Sou um veterano da Tempestade no Deserto e tomámos algumas bebidas juntos.”

Garland mascou o tabaco como se ruminasse uma memória.

“O seu pai não era um grande falador,” Disse ele. “Mas mencionou-a ocasionalmente, disse que tinha uma carreira decente no FBI.”

Aquelas palavras chamaram a atenção de Riley – “uma carreira decente”.

O pai de Riley nunca lhe tinha dito que tinha orgulho dela, muito menos que a amava. Conseguia imaginá-lo no VFW a falar na “carreira decente” de Riley. Nunca a devia ter gabado para além disso.

“De qualquer das formas,” Continuou Garland, “Sabia que este lugar lhe pertencia e calculou que o devia ter herdado. Não sabia como contactá-la diretamente por isso liguei para o FBI.”

A situação estava a tornar-se clara para Riley. O xerife não ligara porque considerara o caso adequado para uma investigação do FBI. Fora apenas para entrar em contacto com Riley – e Jennifer Roston tinha intercetado a comunicação e tinha-a confrontado com a situação.

Mas Riley ainda não sabia se Garland acreditava que Shirley Redding era vitima de um homicídio.

“O que me pode dizer sobre o que aconteceu?” Perguntou Riley.

“Bem, o que lhe disseram até agora?” Perguntou Garland.

“Sei que Shirley Redding veio até cá para mostrar a cabana a um potencial comprador. Depois dele chegar, encontrou o corpo da agente imobiliária na vala.”

Garland anuiu. Depois levou Riley até à borda da vala. Era uma queda de seis metros até um ribeiro que passava mais em baixo. Dois polícias ainda examinavam as grandes pedras ao longo da margem. Riley sabia que por vezes corria ali mais água depois da neve derreter. Mas naquele momento o ribeiro estava calmo.

Garland conduziu Riley por um caminho instável na direção do ribeiro.

Disse, “A mim parece-me que ela veio por aqui para chegar à água. Há agriões a crescerem aqui, devia estar à procura disso. Mas não estava habituada a este tipo de território e não estava a usar os sapatos adequados por isso caiu de cabeça.”

“Qual foi a causa da morte?” Perguntou Riley.

“Bem, o pescoço partiu,” Disse Garland. “Algumas contusões da queda. É tudo o que sabemos neste momento. O médico-legista ainda tem que fazer a autópsia. Mas calculo que tenha morrido instantaneamente.”

Agora Riley percebia que o xerife não acreditava em crime. Mas não se sentiu aliviada.

No fundo da vala, imaginou com clareza o corpo de Shirley Redding ali deitado, os olhos mortos possivelmente abertos olhando o céu.

Riley sentiu uma pontada de culpa.

Desde que falara com a Agente Roston que a sua mente estava ocupada com preocupações acerca de si própria e se as ligações com Hatcher iriam ser descobertas.

Agora, pela primeira vez, foi confrontada com a realidade de alguém ter morrido de uma morte violenta ali.

Shirley Redding fora sem dúvida um incómodo – intrometida, errática e instável.

Mas não merecia morrer assim.

E Riley sentia-se um pouco responsável.


CAPÍTULO VINTE E SETE


Riley ficou a olhar para o local onde o corpo de Shirley Redding tinha sido encontrado. Conseguiu suprimir um estremecimento.

Depois disse ao xerife Harland, “Obrigado por me contactar. Teria que ouvir as notícias de uma morte na minha propriedade para tomar conhecimento.”

“De nada,” Respondeu o xerife colocando a mão na ponta do chapéu.

Riley saiu da vala e dirigiu-se à cabana do pai. Da última vez que ali estivera, a área estava coberta com uma camada de neve. Agora a floresta circundante explodia com vida primaveril. Ainda assim, Riley podia ver que pouco tinha mudado. A mesma pilha de lenha estava empilhada junto ao toco de uma árvore.

Caminhou até à cabana e descobriu que a porta de entrada estava destrancada. Não a surpreendeu. Riley calculou que Shirley a tivesse aberto para mostrar a cabana aos clientes.

Quando Riley lá entrou foi arrebatada por um assustador momento de déjà vu.

Tudo parecia exatamente como da última vez que ali estivera – a mesma cadeira de vime, as mesmas medalhas penduradas na parede, o mesmo banco de madeira que o pai usava para se sentar enquanto esfolava esquilos.

Riley podia jurar que nada tinha sido retirado do seu lugar.

Hatcher tinha conseguido ali viver sem mudar nada, sem deixar o menor vestígio da sua presença.

Riley estremeceu perante a memória da última vez que ali estivera, pouco depois da morte do pai.

Encontrara Hatcher no exterior da cabana – um convidado nada bem-vindo. Entrara e sentara-se ali naquele banco de madeira.

Mas agora era como se Hatcher nunca ali tivesse estado. Era como se nada daquilo alguma vez tivesse acontecido.

Durante alguns momentos, tentou convencer-se...

Talvez não tenha acontecido. Não o pior, pelo menos.

No final de contas, como podia ela ter a certeza de que Shirley Redding fora assassinada?

Não era possível que o cenário descrito pelo xerife Garland estivesse inteiramente correto – que a mulher tivesse tropeçado e caído na vala na tentativa de colher agriões?

Riley suspirou.

Sim, era possível. Mas os seus instintos diziam-lhe que Hatcher tinha assassinado Shirley.

E os seus instintos raramente se enganavam.

Riley dirigiu-se ao exterior, entrou no carro e iniciou a viagem de regresso a casa.


*


Riley chegou a casa a tempo de saborear um delicioso jantar preparado por Gabriela. Mas havia desconforto à mesa. Jilly estava perfeitamente bem e conversava sobre o treino de voleibol do dia anterior. Gabriela perguntou a Jilly perguntas sobre o jogo e sobre o seu trabalho de casa.

Mas April estava soturna e silenciosa. Mal olhou para Riley.

April estava obviamente ainda zangada devido aos acontecimentos do dia anterior. Apesar de Riley ter salvo o namorado de April, recusara deixá-lo vir e ficar com elas.

Riley suspirou. Parecia que nunca conseguia fazer o suficiente, nem fazer nada de forma acertada. Abordou o assunto de forma cautelosa.

“Falaste com o Liam?” Perguntou.

“Sim,” Disse April, remexendo a comida com o garfo.

“Ele está bem?” Perguntou Riley.

“Sim.”

Seguiu-se um silêncio desagradável. Jilly e Gabriela pareciam preocupadas.

Riley perguntou, “O Liam contactou alguém como os Serviços de Proteção de Menores?”

“Não,” Disse April.

“Porque não?”

April soltou um urro de irritação.

“Porque ele diz que agora está tudo bem. O pai pediu desculpa. Diz que nunca mais volta a beber.”

Riley não sabia o que dizer. É claro que sabia que aquele era um padrão comum das famílias violentas. Não se podia confiar que o pai de Liam cumprisse a sua palavra. Mas agora não era o momento de Riley mudar de ideias. Deixar Liam ficar ali seria complicado e até poderia envolver questões legais.

Após outro silêncio, April disse, “Não me apetece comer mais. Posso dair da mesa?”

“Podes,” Disse Riley.

April foi para o seu quarto.

Riley, Jilly e Gabriela comeram em silêncio durante alguns instantes.

Por fim, Jilly disse, “Tens razão mãe. A April contou-me o que aconteceu ontem e tomaste a decisão certa quanto ao Liam. Não serveria de nada ele ficar aqui. Só tornaria tudo pior. Ele tem que lidar com os seus problemas. A April não compreende. Mas eu percebo.”

Riley sentiu um nó na garganta.

“Obrigada por dizeres isso Jilly,” Disse ela.

Jilly encolheu os ombros.

“Tomaste a decisão certa,” Repetiu. “Fizeste a coisa certa.”

Então Gabriela disse a Jilly, “Talvez devesses falar com a April sobre isso. Talvez a consigas fazer entender.”

Jill anuiu.

“Vou falar com ela depois do jantar,” Disse ela.

O resto da refeição foi passada em silêncio. Riley sentia-se grata pela compreensão de Jilly e pelo bom senso de Gabriela. Ainda assim, não conseguia evitar sentir-se infeliz. Não conseguia afastar a sensação de responsabilidade pela terrível morte de Shirley Redding. E agora sentia-se inútil na sua própria família.

Jilly e Gabriela lidam com as coisas melhor do que eu, Pensou.

De que valia sequer vir para casa?


*


Mais tarde nessa noite, quando as miúdas já se tinham deitado e Gabriela já se tinha recolhido ao seu apartamento, Riley abriu o armário da cozinha onde guardava a garrafa de bourbon. Serviu-se e levou o copo para a sala de estar.

Sentou-se no sofá e bebeu um longo gole de bourbon. A sensação quente ao engolir era reconfortante. Racionalmente, ela sabia que beber não seria boa ideia. Mas sentia começar a instalar-se um desespero familiar. Como o poderia combater?

A sua mente estava repleta de pensamentos horríveis.

Conseguia ver a vala com agriões verdes no ribeiro. Na sua mente, sangue vermelho manchava o verde. Depois viu o corpo de Shirley Redding, os seus olhos mortos abertos e seguindo Riley.

Riley pensava que podia ter procedido de forma diferente.

Se tivesse sabido que Shirley era uma pessoa errática, nunca a teria contratado.

E Shirley ainda estaria viva.

Também se recordou da conversa que tivera naquela manhã com Jennifer Roston.

Fora mais um interrogatório, Pensou Riley, tomando outro gole de whiskey.

Roston tratara-a como uma vulgar criminosa.

E Riley não conseguia evitar pensar se ela não seria isso mesmo – uma vulgar criminosa.

Se assim fosse, talvez fosse altura de admitir a verdade e enfrentar as consequências.

Atrever-se-ia a revelar a sua relação com Hatcher – a Roston ou talvez a Meredith?

Isso significaria certamente o fim da sua carreira – no mínimo.

E Riley não seria a única pessoa a sofrer as consequências. Tinha duas filhas que dependiam dela. Não as podia prejudicar por sua causa.

Terminou o copo de bourbon. Ao servir-se de mais, reparou na pulseira de ouro no seu pulso.

Porque é que ainda a usava?

Porque é que não era capaz de a tirar?

Tateando a pulseira, reparou novamente no elo especial que continha uma minúscula inscrição...

“face8ecaf”

Há muito que decifrara o significado da inscrição. Significava “cara a cara” e sugeria um espelho. Pois isso era o que Hatcher se considerava ser – uma espécie de espelho no qual Riley perscrutava as partes mais obscuras do seu próprio coração.

Mas a inscrição também era algo mais. Era uma morada de vídeo que por vezes usava para entrar em contacto com Hatcher.

Deveria ligar-lhe agora? Deveria confrontá-lo de uma vez por todas?

Ela não conseguia imaginar o que dizer para se libertar das suas garras.

Mas sentia que tinha que tentar.

Abriu o portátil e o programa de chat de vídeo. Depois digitou aqueles caracteres...

“face8ecaf”

Deixou a chamada tocar durante um minuto.

Ninguém atendeu.

Riley não sabia se se devia sentir esmagada ou aliviada.

A verdade era que ela não sentia nada. O bourbon começava a fazer efeito. E claro que isso era precisamente aquilo que ela queria.

Serviu outro copo e bebeu-o rapidamente.

Também se sentia cansada e o sofá era muito confortável.

Deitou-se e começou a dormitar. Mas à medida que a consciência se desvanecia, um pensamento apoderou-se dela...

Passa-se alguma coisa. Neste momento. Algo mau.

Caiu num sono inquieto, agitado.


CAPÍTULO VINTE E OITO


Pouco antes de amanhecer, o lobo levava a sua arma para um ponto mais elevado das colinas do que era habitual. Quando ouviu o helicóptero a rondar, escondeu-se num ressalto. Ficou muito sossegado por baixo dele. Apesar o perigo iminente, a sua respiração mantinha-se calma. E o pulso também não revelava sinais de agitação.

Era um verdadeiro lobo no final de contas, controlando totalmente as suas reações físicas.

O helicóptero ligou uma luz de busca para patrulhar a área.

A luz não preocupava especialmente o lobo. Mas ele sabia que também podiam utilizar imagens térmicas para localizar qualquer corpo quente, sobretudo se estivesse em movimento. A tecnologia de busca através do calor era ideal para a noite quando o terreno estava suficientemente fresco para descobrir o calor de um ser vivo. Talvez tivessem detetado o seu calor corporal e estivessem agora a verificar o que ali estava.

Mas desde que ficasse debaixo daquele ressalto, tinha a certeza de que seria completamente invisível para qualquer dispositivo. A formação rochosa acima dele era suficientemente espessa para camuflar o seu calor corporal.

Estava contente por ser um helicóptero. Ele sabia que os agentes do ICE também usavam drones e esses podiam ser mais difíceis de evitar. Podiam caçar a baixa altitude e podiam detetá-lo debaixo do ressalto já que irradiava mais calor do que as rochas naquela altura do dia.

Mas até os drones nunca o tinham detetado. À noite apenas ia para colinas que tinha percorrido durante o dia. Conhecia cada canto e potencial esconderijo de cor. Podia abrigar-se em porto seguro a qualquer momento.

Agora que pensava nisso, não vira drones naquele dia. Na verdade, a busca parecia ser menos intensa. Ouvira um rumor de que alguém havia sido preso, mas não sabia se pensavam ter apanhado o atirador ou não.

É claro que não.

Dali a pouco a luz de busca desligou-se e o helicóptero desapareceu.

O lobo sorriu. Fora apenas uma verificação de rotina da área. Se os pilotos tivessem detetado calor, pensariam que era um coiote ou um coelho.

Ainda assim, o lobo não deixou o seu esconderijo de imediato. O helicóptero poderia regressar. Mas em vez disso, o som desvanecia-se gradualmente.

Saiu debaixo da formação rochosa e trepou mais para cima da colina. Quanto mais alto subia, mais volátil era o terreno. Quanto mais se aproximava do topo, menos eram os lugares onde se poderia esconder.

Por fim alcançou o promontório que desejava.

Por um momento, apreciou a vista. Este lugar era distante de onde tinha morto os outros. Olhara para Fort Nash Mowat deste local em particular durante o dia, mas a base parecia especialmente impressionante durante a noite. E conseguia ver tudo o que precisava de ver na perfeição.

Deitou-se no terreno duro e ligou a mira de visão noturna da sua espingarda. Depois perscrutou o campo aberto, procurando o caminho por onde esperava ver aparecer o Soldado Kyle Barton.

Encontrou o caminho facilmente.

O caminho não estava iluminado e a vista através da mira era granulosa, mas era assim que ele queria. Há algumas noites, o lobo dentro dele não quisera premir o gatilho quando Barton estava no court de ténis. As luzes eram demasiado brilhantes, o tiro demasiado fácil.

Mas esta noite o desafio seria o ideal.

Daí a pouco viu o Soldado Barton a correr à distância no trilho – ainda emasiado distante para atirar, mas aproximando-se a cada segundo.

O lobo sentiu a sua fúria emergir ao avistar o jovem – a mesma fúria que sentira em relação aos Sargentos Rolsky, Fraser e Worthing.

O lobo não podia permitir que nenhum deles vivesse.

Mas o lobo sabia que a sua fúria era um adversário. O seu pulso acelerou ligeiramente e a respiração ficou ligeiramente irregular.

Respirou fundo, relaxando todo o seu corpo, avaliando a sua própria prontidão.

Matara os outros com tiros certeiros na cabeça.

Conseguiria fazer o mesmo esta noite?

Não se fazia sentir vento, mas o tiro ia ser mais distante que os outros e ele sentiu-se menos estável. Não estava confiante para um tiro na cabeça e sabia que não devia arriscar.

Esta noite faria pontaria para o centro do peito.

Morrerá de qualquer das formas, Pensou o lobo com satisfação enquanto seguia Barton pela sua mira noturna.


*


O Soldado Kyle Barton abrandou de uma corrida vigorosa para uma caminhada mais calma. Os seus pulmões ardiam do esforço, o coração batia e ele sentia-se revigorado. Sentiu a frescura do ar da madrugada enquanto limpava o suor.

Gostava de correr em campo aberto na base das colinas enquanto grande parte da base ainda dormia. Acordava-o e preparava-o para o dia melhor do que um café. Estaria acordado, flexível e pronto para mais um dia.

A sua corrida também lhe dava a oportunidade de pensar no seu futuro.

Terminara o treino básico e já não restavam muitos dias para acabar o Treino Individual Avançado. Muito em breve concluiria o treino de combate e seria um verdadeiro soldado de infantaria.

Mas e depois? Interrogava-se.

Essa questão era um assunto que causava alguma fricção entre ele e a mulher Ellen.

Desde que Kyle começara o treino básico há vários meses atrás que Ellen e a sua filha pequena, Sian, viviam com a mãe de Ellen na cidade próxima de Alton. Viverem separados prejudicara a sua relação com Ellen. E também a determinação que mostrara face à sua nova carreira.

E agora, assim que terminasse o TIA seria transferido – mas ainda não sabia para onde. Essa informação só saberia depois da conclusão do curso.

Ellen não ressentia-se de ter um futuro tão incerto.

E a verdade era que Kyle se ressentia com Ellen por não o compreender melhor.

Será que ela não podia apreciar o seu profundo compromisso com o Exército – um compromisso que se estava a tornar numa paixão?

Não, claro que não, pensou com um suspiro.

Era um bem conhecido dilema entre colegas recrutas que tinham mulheres e filhos.

Ellen queria uma casa cheia de crianças. Ela queria que crescessem numa comunidade segura e ter amigos que vivessem por perto.

Ellen não fazia ideia do que era a vida de Kyle ou como é que ele se sentia. Até ele so agora começava a perceber o que mais valorizava – e que era estar entre homens que respeitava.

Infelizmente, o ar fresco e o exercício não lhe haviam trazido soluções para esses problemas.

Outros do pelotão de Kyle tinham-no avisado em andar por ali de noite. No final de contas, haviam ocorrido três homicídios. Mas ele tinha a certeza de que não corria perigo. As outras mortes tinham ocorrido em lugares mais distantes da base. E quem quer que tivesse morto esses homens, parecia ter algum problema com sargentos. O atirador nunca atacaria um soldado como Kyle.

Mas as mortes tinham-no abalado profundamente. Conhecera-os. Eram bons homens.

Kyle estava prestes a iniciar a corrida novamente quando uma força misteriosa o empurrou para trás, quase derrubando-o.

Depois sentiu um terrível ardor no centro do peito.

O mundo começou a andar à roda.

Fui alvejado, Pensou.

À medida que a sua consciência se desvanecia, não conseguia deixar de admirar a pontaria.

O tiro devia vir de muito longe – demasiado longe sequer para o ouvir.

Que tipo de homem tinha aquele tipo de habilidade?

Com a sua última gota de consciência soube a resposta...

... Mas veio tarde para o salvar.

Caiu morto no chão.


CAPÍTULO VINTE E NOVE


Riley viu-se numa extensão vasta e mal iluminada. De todos os lados, o espaço desvanecia-se em escuridão.

Onde estou eu? Interrogava-se. Que lugar é este?

Olhou para baixo e viu que estava num chão gasto feito de amplas placas de carvalho.

Ela conhecia aquele chão de algum lado.

Depois apercebeu-se – era o chão da cabana do pai.

Mas porque é que a cabana era tão grande?

Olhou novamente à sua volta e algo familiar chamou a sua atenção. Agora um homem enrugado estava sentado num banco afastado dela, esfolando um esquilo morto que estava prestes a atirar para uma pilha de carcaças de esquilos nus.

Vira o pai a fazer aquilo muitas vezes.

“Pai?” Perguntou Riley.

O homem virou-se para a encarar.

Mas não era o pai.

Em vez disso, viu Shane Hatcher.

Ele sorriu-lhe maliciosamente e disse...

“Estamos unidos pela cabeça, Riley Paige.”

Riley estremeceu ao ouvir aquelas palavras familiares.

Hatcher dissera-lhe aquilo no passado. E ela odiava ouvi-lo.

Agora o espaço à sua volta mudara.

“Olhe atrás de si,” Disse Hatcher, esfolando outro esquilo.

Riley virou-se e ficou surpresa com o que viu.

Era um jovem pendurado por uma corda de um ramo de árvore.

Também esta era uma visão familiar.

Este jovem era um assassino. Riley perseguira-o. Mas quando por fim o encurralou, não o prendeu. Ficou próxima e assustiu com sinistra curiosidade ao seu enforcamento.

Tal como agora assistia à sua morte outra vez.

Ouviu Hatcher perguntar, “Vai ajudá-lo?”

Riley sentiu-se paralisada.

Não desejava ajudar o jovem.

Estava demasiado fascinada pela forma como a vida se escapava daquele corpo.

O espaço à sua volta era agora mais pequeno e escuro. As paredes da cabana fechavam-se à sua volta.

Não consegui ver Hatcher mas ouvia o seu riso.

“Bem me parecia,” Disse ele. “Está a tornar-se.”

Riley estremeceu novamente.

Ela sabia exatamente a que Hatcher se referia.

Ele perguntara-lhe no passado uma pergunta...

“Já é ou está a tornar-se?”

E agora, mais uma vez, ele respondeu a essa pergunta...

“Está a tornar-se no que sempre foi. Chame-lhe monstro ou o que quiser. E não faltará muito para ser essa pessoa.”

Riley desejava que não fosse verdade.

Ela queria afastar-se do monstro em que se estava a tornar.

Mas quando tentou afastar-se do corpo do jovem, viu o corpo de Shirley Redding no chão.

Então aquela imagem desapareceu e ficaram apenas as paredes da cabana a estreitar-se ainda mais e o espaço a tornar-se claustrofobicamente pequeno.

Não havia por onde fugir.

Dali a nada ela seria reduzida ao que era no fundo – e desesperadamente ligada a Shane Hatcher para sempre.

Como se conseguisse ouvir os seus pensamentos, Hatcher riu-se e disse outra vez...

“Estamos unidos pela cabeça, Riley Paige.”


Riley acordou ao som do telemóvel a tocar.

Agradeceu por estar fora daquele sonho, por ouvir algo que não a voz de Hatcher.

Tentou alcançar o telemóvel mas a sua mão apenas tateou a mesa. Viu um copo vazio e uma quase vazia garrafa de bourbon.

Riley tentou pensar. Estava ensonada.

Apercebeu-se que dormira a noite toda no sofá. Não gostava de pensar nas vezes que já o fizera. Sempre tinham sido alturas de desespero.

O telemóvel parou de tocar quando Riley o alcançou.

Depois começou a tocar novamente e Riley atendeu a chamada.

Era Brent Meredith.

“A sua folga terminou Agente Paige,” Disse o chefe de equipa com a sua habitual franqueza.

Riley conteve a sua exasperação.

“O que é que se passa? Perguntou Riley.

“Ocorreu outra morte em Fort Mowat.”

“Como as outras?”

“Sim, um atirador. Vou preparar o avião para si e para a sua equipa. Venha para cá o mais rapidamente possível. Pelo menos desta vez vai ter unma cena de crime ainda fresca.”

Riley tentou organizar os pensamentos.

Disse, “Diga a Larson e ao pessoal do ICE para não moverem nada – nem o corpo. E diga-lhes para não andarem pela área.”

“Vou fazer isso,” Disse Meredith.

Terminaram a chamada e Riley levantou-se com alguma dificuldade.

A cabeça estava a explodir e as imagens do sonho ainda a assombravam.

Mas agora não era o momento de deixar abater. Tinha um caso para resolver. E talvez fosse exatamente isso de que precisava para fugir aos seus demónios.


*


A viagem de regresso a Fort Mowat foi tuirva para Riley.Ela, Bill e Lucy embarcaram no avião apressadamente, correndo pela pista com as suas malas. Estavam todos um pouco derorientados pela mudança de planos da manhã.

Larson não enviara informação sobre o crime por isso não havia muito a discutir. O voo pareceu interminável e Riley lutou para manter os pensamentos sobre a morte de Shirley Redding e o seu sinistro laço com Shane Hatcher à margem.

Ficou aliviada quando o veículo do ICE os foi buscar ao aeroporto e os levou para Fort Mowat, exatamente ao local onde o soldado fora morto. Era um amplo campo aberto de frente para uma área rochosa alta.

A Coronel Dana Larson e a sua equipa estavam à espera debaixo de um abrigo de lona que havia sido colocado por cima do corpo. O tecido branco flutuava na brisa e mantinha o corpo escondido. O jovem soldado morto estava deitado de lado no chão, vestido com equipamento de corrida. Os olhos abertos demonstravam uma expressão de surpresa.

Larson cumprimentou Riley e os colegas.

“Ainda bem que vieram,” Disse ela. Hesitou um pouco e depois acrescentou, “Precisamos da vossa ajuda.

Riley não estava surpreendida por Larson não parecer muito satisfeita em admiti-lo. No final de contas, tinham-se despedido de forma brusca.

Ela disse, “A vítima desta vez foi o Soldado Kyle Barton. Foi morto enquanto corria. O corpo só foi encontrado ao amanhecer.”

Riley ficou um pouco surpreendida.

“Não foi um sargento desta vez?” Perguntou.

“Não, mas também não é um novo recruta,” Disse Larson. “O Soldado Barton estava a poucos dias de completar o Treino Individual Avançado.”

Larson abanou a cabeça amargamente.

“Tinha muito potencial,” Disse ela. “Que raio de desperdício.”

Lucy disse, “Pelo menos podemos descartar que o assassino tenha algum problema com figuras que representem a autoridade.”

Riley baixou-se para examinar o corpo. Viu que a ferida da bala atingira o centro do peito do soldado.

“Os outros foram mortos com tiros na cabeça,” Disse Riley.

“Pensa que a diferença é significativa?” Perguntou Larson.

Riley não respondeu. Não tinha a certeza. Mas o seu instinto dizia-lhe que o atirador era a mesma pessoa que matara os outros.

Riley olhou para Larson e perguntou, “Omar Shaheed ainda está preso?”

Larson estremeceu ligeiramente ao ouvir o nome de Shaheed.

“Sim,” Disse ela. “Mas outra pessoa da célula pode ter feito isto.”

Larson olhava-a diretamente nos olhos e Riley preparou-se para alguma fricção. Parecia que Larson ainda não estava pronta para desistir da teoria de extremismo Islâmico.

“Tem alguma razão para pensar que isso seja verdade?” Perguntou Riley, encarando-a com firmeza.

“Ainda não,” Disse Larson. “Shaheed revelou vários membros da célula e trouxemos quatro. Mas pode haver outros de que não nos tenha falado. Ou talvez nem saiba da sua existência. E isto pode ser a sua vingança pela captura de Shaheed.”

Riley parecia duvidar.

“Um único tiro desta forma? Isto parece o tipo de vingança pela qual um fanático religioso optaria?”

“Temos que considerar todas as possibilidades,” Disse Larson.

Riley olhou para Larson em silêncio durante um momento. Ela pressentiu que a coronel não acreditava inteiramente na sua própria sugestão. Mas estava aparentemente relutante em admiti-lo, talvez por ressentimento para com Riley ou talvez porque não tinha qualquer outra teoria.

Tenho que a fazer largar esta teoria, Pensou Riley.

Até o fazer, Larson não ajudaria em nada a investigação.

Ela perguntou, “De onde veio o tiro?”

Larson apontou para terreno mais elavado.

“Algures ali em cima daquelas colinas,” Disse ela. Não conseguimos obter uma trajetória específica. Não havia ferimento de saída e como pode ver, Barton contorceu-se ao cair. Enviámos alguns PMs para fazer uma busca na área mas sem uma posição mais precisa não encontraram nada.”

Riley olhou para as colinas próximas.

“Que tipo de vigilância aérea têm à noite?” Perguntou.

“Alguns drones – apesar de ser difícil cobrirem toda a base. Fort Mowat tem setenta e cinco mil hectares, e a maioria é área selvagem. Também enviamos helicópteros com visão noturna e equipamento de deteção de calor.”

“Esses meios captaram alguma coisa a noite passada?” Perguntou Riley.

Larson abanou a cabeça.

“Nada do atirador,” Disse ela. “Só alguns animais – coiotes e coelhos, provavelmente.”

Riley pensou durante um momento.

“Tem registos dessas posições?” Perguntou.

Larson virou-se para o Sargento Matthews, o chefe da equipa de busca.

“Essa informação está disponível?” Perguntou-lhe Larson.

“Penso que sim,” Disse o sargento. “Deixe-me verificar.”

Procurou no tablet e finalmente mostrou um mapa da base com várias posições onde pequenos sinais de calor haviam sido detetados. Riley comparou o mapa com o terreno circundante. Podia ver que um dos locais era próximo de onde pensava que pudesse ter vindo o tiro.

Tinha um forte palpite de que algo poderia ser descoberto ali.

Podia até ser o suficiente para fazer com que Larson desistisse da teoria do fanático Islâmico.

“Venham daí,” Disse Riley. “Vamos ver.”

Ela esperava que o que estava prestes a fazer conquistasse a confiança de Larson.


CAPÍTULO TRINTA


As expetativas de Riley aumentaram ao seguir o Sargento Matthews a caminho daa colinas mais próximas do local onde o Soldado Barton tinha morrido. Bill, Lucy e a Coronel Larson seguiam próximos. Matthews usava o seu GPS para encontrar a posição exata do sinal de calor detetado.

O grupo subiu pelo terreno duro. Aquelas colinas eram mais altas e íngremes do que o local a partir do qual o Sargento Worthing fora morto e não havia trilho a indicar o caminho.

Ao aproximarem-se do promontório, Matthews parou. Verificou o tablet e depois apontou para o chão.

“A deteção é deste local,” Disse ele. “Quem fazia a vigilância disse que foi apenas um pequeno sinal sonoro, obviamente um animal que fugiu mal foi detetado.”

Riley observou a área. Era um local inócuo com apenas alguns pequenos arbustos aqui e ali. Não oferecia uma vista clara do local onde o Soldado Barton fora morto.

Durante um momento, Riley pensou que os seus instintos a estivessem a enganar desta vez.

Talvez a deteção de calor fosse apenas de algum animal.

Se assim fosse, havia inúmeros outros locais naquelas colinas onde o atirador se poderia ter posicionado.

Mas como escapara à deteção de calor de um helicóptero com imagem termal?

Riley apercebeu-se de que se encontrava numa situação estranha. Trouxera a Coronel Larson até ali na expetativa de que pudesse mudar de ideias sobre a teoria da célula Islâmica.

E se Riley não tivesse nada para lhe mostrar?

Seria um infeliz revés para ela – e para a investigação.

Tinha que entrar novamente na mente do assassino. Mas poderia fazer isso com a Coronel Larson presente? E com Matthews a observá-la expetante?

Respirou lentamente e virou-se.

Depois algo chamou-lhe a atenção. Era um ressalto rochoso.

De repente, a experiência do assassino tornou-se clara para Riley.

Conseguia sentir os seus pensamentos e movimentos.

Só precisava de caminhar e falar com os outros sobre aquilo.

Dirigiu-se ao local que Matthews tinha localizado.

Depois disse ao grupo, “Foi assim que aconteceu. O nosso atirador move-se por aqui a caminho do topo da colina onde planeia atirar. Depois o helicóptero aparece com a sua luz de busca a iluminar a área. Mas o atirador não fica especialmente assustado. Ele conhece esta área como a palma da sua mão.”

Riley foi até ao ressalto rochoso e encostou a palma à rocha.

“Este abrigo rochoso, por exemplo,” Disse ela. “Ele já sabe que cá está, podia encontrá-lo com os olhos fechados se tivesse que o fazer. Sempre o tivera em mente como um possível esconderijo. Na verdade, estas colinas estão repletas de locais de abrigo que ele preparou para se esconder a qualquer momento – dezenas deles, provavelmente. Conhece-os todos.”

Repetindo os movimentos do atirador, Riley trepou para debaixo do esconderijo e estendeu-se de barriga para baixo.

Então algo chamou a sua atenção.

O solo rochoso estava um pouco remexido. A marca podia ter sido feita por um sapato ou bota. O assassino não tinha deixado uma pegada completa. Ele nunca se decuidaria. Mesmo assim, deixara uma marca que não parecia natural, um sinal que indicava que ele tinha estado ali.

“Vejam aqui,” Disse Riley a Larson, apontando para o local.

Larson baixou-se para ver a marca no chão. Um segundo depois, olhou para Riley com uma expressão assustada. Depois ouviu e assistiu com arrebatada atenção a continuação do relato de Riley.

Riley ainda estava debaixo do abrigo, imitando o atirador.

“Ele fica aqui enquanto o helicóptero circula. Sabe que estão à sua procura. Calcula que detetaram o seu sinal de calor, mas apenas um sinal fugaz. Também sabe que ali está em segurança – pelo menos de momento. A rocha acima dele é tão fria como o chão, camuflando o seu calor corporal das imagens termais.”

Riley não disse nada durante alguns instantes, imaginando como é que o assassino se sentira ao esperar.

Depois saiu do abrigo. Viu que tanto Bill como Lucy estavam a sorrir. Tanto Larson como Matthews estavam agora muito atentos.

“Por fim o helicóptero vai-se embora. E o atirador dirige-se ao seu destino – o único local próximo onde tem uma boa vista da rota de corrida de Barton.”

Seguida pelos outros Riley trepou a curta distância que a separava do topo da colina. Depois deitou-se no chão como se estivesse a segurar numa arma.

Disse, “Ele vê Barton através da mira noturna. Vê perfeitamente, mas está mais longe do que o habitual. Mesmo com a M110, não será um tiro fácil. Ele não é imprudente e não é estúpido. Ele sabe que tem que alterar ligeiramente o seu MO. Desta vez atirará ao peito, não à cabeça.”

Riley imitou a ação de premir o gatilho.

“E é exatamente isso que faz.”

Riley levantou-se e limpou as mãos. O seu relato dos movimentos do assassino terminara.

Bill e Lucy mal disfarçavam as suas expressões de triunfo.

Bill perguntou à Coronel Larson, “O que a Agente Paige acabou de dizer faz sentido para si?”

Larson anuiu.

Então Bill perguntou, “Que tipo de perfil lhe dá do atirador?”

Larson hesitou por um momento.

Depois disse, “Ele é disciplinado. É extremamente bem treinado, A sua vida foi dedicada a tornar-se no soldado perfeito.”

Hesitou outra vez, depois acrescentou, “Não é um ideólogo, não é um fanático religioso. Não faz parte da célula de Shaheed. Os seus motivos são mais pessoais. Estamos a lidar com um lobo solitário.”

Riley suspirou de alívio por Larson finalmente reconhecer a verdade dos factos. Ela sabia que a coronel era uma excelente investigadora e seria uma pena se deixasse que o seu ressentimento por Riley toldasse o seu julgamento. Era menos um problema para Riley.

Mas ao descerem a colina, Riley pensou na descrição de Larson do assassino como um “lobo solitário”.

Aquilo lembrava a Riley o que o Soldado Pope lhe dissera do Sargento Worthing durante o seu confronto na falésia...

“Ele fazia parte da matilha.”

Sentiu um estranho arrepio ao recordar-se disso.

Mais uma vez o seu instinto lhe dizia que essas palavras eram muito importantes.


*


Dali a pouco Riley e os seus companheiros estavam de regresso ao local onde ainda repousava o corpo de Barton. Os agentes do ICE ainda lá estavam. E também estava outro homem usando as insígnias de sargento. Olhava para o corpo com uma expressão de descrença horrorizada. Larson apresentou-o a Riley e aos colegas.

“Este é Lanford Williams, o sargento de instrução do grupo de treino individual avançado do Soldado Barton.”

Os olhos de Williams focaram os agentes da UAC e depois repousaram novamente no corpo.

Williams tinha a boca aberta mas por um instante não conseguiu falar.

Depois disse, “Não conseigo acreditar que isto aconteceu. Eu pensei... Eu receara...”

Não prosseguiu. Mas Riley conseguiu ler o seu silêncio e a sua expressão.

Williams receara porque pensara que a sua própria vida estava em perigo.

As outras vítimas haviam sido sargentos, não soldados. Fizera tudo para se manter em segurança, sobretudo ficando dentro de portas à noite. A última coisa que imaginaria era que um dos seus recrutas fosse morto.

E Riley tinha a certeza que lutava com a terrível culpa do sobrevivente.

Riley tocou-o no ombro e disse calmamente, “Não poderia saber que ele era um alvo, Sargento Williams. Ninguém poderia saber.”

Williams estremeceu em silêncio.

Riley perguntou numa voz tranquila, “Faz ideia de quem possa ter feito isto?”

Williams abanou a cabeça.

Bill perguntou, “O Soldado Barton tinha inimigos?”

“Não,” Disse Williams. “Era apreciado. Era um bom homem.”

Riley pensou durante um momento e depois perguntou, “A frase ‘fazer parte da matilha’ diz-lhe alguma coisa?”

A testa de Williams enrugou-se enquanto pensava.

“Dizer alguma coisa? Como?Q”

“Não tenho a certeza,” Disse Riley. “Mas se se lembrar de alguma coisa, informe-nos.”

Williams sacudiu-se como se tentando afastar um pesadelo. Mas é claro que não era um pesadelo e sim a realidade.

Disse, “O meu grupo TIA está muito abalado. Alguém pode falar com eles?”

A Coronel Larson assentiu e disse, “Vamos fazer isso agora mesmo.”

Depois Larson virou-se para Riley e perguntou, “O médico-legista já pode levar o corpo?”

Riley pensou durante um momento. O dia começava a aquecer e a sombra do toldo não era suficiente para preservar o corpo. Agora que Riley e os seus colegas da UAC o haviam visto, o corpo já podia ser removido.

“Sim, pode levar,” Disse Riley. “Mas devem enviar agentes do ICE para aquela colina. Devem vasculhar cada pedaço de terreno debaixo do abrigo e no topo da colina.”

Larson enviou o Sargento Matthews e a sua equipa para o local. Depois Larson, o sargento de treino, Riley e os seus companheiros dirigiram-se à caserna a que pertencia o Soldado Barton.

A caminho, passaram por uma vedação com uma multidão de jornalistas. Riley sabia que os seus movimentos na base tinham sido restringidos e não tinham autorização para se aproximar das cenas de crime. Mas agora estavam sempre ali e Riley sabia que não se iriam embora.

Assim que os jornalistas avistaram o grupo, foram contra a vedação gritando perguntas.

Larson disse, “Vamos simplesmente passar por eles.”

Riley conteve um suspiro. Ela sabia que precisavam de controlar a história o máximo que pudessem. De outra forma, rumores loucos correriam desenfreadamente.

“Não, o melhor é enfrentá-los,” Disse ela.


CAPÍTULO TRINTA E UM


Riley receava as perguntas que teriam de enfrentar da parte dos jornalistas. O Sargento Williams parecia especialmente nervoso. Tendo em consideração que aquele bando estava atrás de uma vedação, não haveria contacto físico com a multidão de jornalistas como tinha ocorrido há uns dias atrás.

“Têm alguma pista?”

“Este é o quarto homicídio este mês – ou já houve outros de que não tenhamos conhecimento?”

“O assassino pertence à base?”

“Quem mais teria acesso?”

“E o motivo?”

A Coronel Larson calou as vozes.

“Só respondemos a três perguntas – uma de cada vez.”

Riley ficou aliviada por Larson parecer pronta a responder a perguntas. A coronel certamente tinha acesso a mais informação do que os agentes do FBI.

Larson apontou na direção de um jornalista que perguntou, “Já pensaram em evacuar a base?”

“É claro que não,” Disse Larson. “Os crimes acontecem numa base militar como numa cidade civil. Não se evacuaria uma cidade mas recomendam-se precauções. É isso que estamos a fazer.”

Larson apontou para outro jornalista que perguntou, “Restringiram o acesso à base?”

Larson respondeu, “Temos acesso restrito a alguns civis, sim. Mas algum tréfego é inevitável. E tenhamos presente que estas mortes podem querer distrair-nos de outro ataque iminente. Se mudarmos demasiado a nossa rotina, podemos cair numa armadilha.”

Riley estava impressionada com as respostas de Larson. A coronel era excelente no seu trabalho.

“Mais uma pergunta,” Disse Larson.

Outro jornalista disse, “Soubémos que têm um homem preso – um extremista Islâmico chamado Omar Shaheed.”

Larson parecia agora um pouco alarmada.

“Onde obteve essa informação?” Perguntou.

“Nega-o?” Perguntou o jornalista.

Larson hesitou. Riley sabia que ela estava a tentar decidir se respondia simplesmente, “Sem comentários”. Riley esperava que ela não o fizesse. Qualquer ambiguidade sobre o assunto poderia libertar uma onda de falsidades e insinuações.

Para alívio de Riley, Larson disse, “Não o negamos. Neste momento temos detidos vários suspeitos que pertencem a uma célula Islâmica terrorista. A célula parecia estar a planear algum tipo de grande ataque. Ainda estamos a tentar determinar a natureza desse ataque, onde e quando ocorreria. Mas estamos confiantes de que foi abortado.”

O jornalista pressionou mais um pouco.

“A célula é responsável por estas mortes?”

Larson hesitou. Depois olhou para Riley, dando-lhe a palavra.

Riley disse, “Não cremos que esta célula esteja relacionada com estes crimes. Temos a certeza de que procuramos um assassino solitário e excelente atirador. Quanto aos seus motivos, ainda não sabemos.”

Alguns jornalistas pareciam incrédulos.

Um gritou, “Então estava a ser planeado um ataque terrorista de forma independente destes crimes ao mesmo tempo? Não é uma coincidência?”

Riley assentiu.

“É exatamente isso – uma coincidência. Quando se está na nossa área de trabalho há tanto tempo, sabemos que as coincidências por vezes acontecem. Na verdade, mais cedo ou mais tarde são sempre inevitáveis.”

O grupo irrompeu com outro bombardeamento de perguntas. A Coronel Larson calou-os novamente.

“É tudo o que temos a dizer por agora. Mantê-los-emos informados de quaisquer desenvolvimentos que se venham a verificar.”

O burburinho continuava enquanto Riley, Bill e Lucy seguiam a Coronel Larson para longe dos jornalistas. A coronel parecia algo abalada.

“Como é que sabiam de Shaheed e da sua célula?” Disse Larson. “Tentámos manter isso em segredo.”

Riley percebeu que Larson raramente se expunha a este tipo de circo dos meios de comunicação social.

“Não devia estar surpreendida,” Disse Riley. “As fugas são impossíveis de prevenir e os jornalistas estão sempre ansiosos por ter acesso a elas. O truque é lidar com o que os jornalistas sabem e não sabem, e responder à perguntas de forma honesta mas discreta.”

Larson não respondeu. Riley pressentiu que ela precisava de uma palavra de encorajamento.

“Lidou muito bem com a situação,” Disse Riley.

“Obrigada,” Disse Larson, parecendo algo aliviada.

Enquanto o Sargento Williams os guiava pela caserna, Riley pode ver que a atmosfera da base mudara desde a última vez que lá estivera. Mais guardas e PMs estavam colocados aqui e ali, e o som de helicópteros a patrulhar as colinas era agora constante. Riley também deu pela presença de dois drones, sem súvida com câmaras que lhes permitiam monitorizar toda a atividade em terra.

De forma nada surpreendente, o efeito no pessoal era palpável. Havia muita tensão. Lançavam olhares suspeitos uns aos outros. Ninguém caminhava devagar ou com naturalidade. Toda a gente se movia rapidamente, ansiosos por estarem fora do alcance das colinas.

Quando Riley e os outros passaram, dois homens empurraram-se. Uma luta estava prestes a rebentar quando dois PMs intervieram para a impedir.

Riley disse a Larson, “Parece que as mortes estão a pesar na moral da base.”

Larson respondeu, “Sim, e a segurança reforçada não está a ajudar. E o Coronel Adams tem sido mais rígido do que o habitual. Pessoalmente, julgo que não está a ajudar. Até pode estar a piorar as coisas.”

Quando se aproximaram da caserna, Riley não ficou satisfeita por ver o Coronel Adams em pessoa à porta da mesma. Ruídos advinham do interior da caserna.

O Sargento Williams parou e saudou. A Coronel Larson foi ter diretamente ter com o comandante da guarnição.

“Posso perguntar o que se passa aqui Coronel?” Perguntou.

“Só uma busca de armas de rotina,” Disse o Coronel Adams. “Tenho PMs a percorrer as casernas.”

Larson pareceu surpreendida e desanimada.

“Uma busca de armas não me parece algo rotineiro,” Disse ela. “E duvido que algum recruta esteja a esconder uma espingarda M110 no seu cacifo. Tem a certeza de que esta busca serve algum objetivo útil?”

O Coronel Adams pareceu não gostar da observação.

“Esta é a minha base, Coronel. Eu julgo isso. Presumo que aqui esteja para responder às perguntas dos recrutas.”

“Sim,” Disse Larson. “Só espero que não estejam demasiado abalados para ajudar.”

O Coronel Adams soltou um riso soturno.

“Uma busca destas endurece-os,” Disse ele. “Devíamos fazer isto mais vezes.”

Larson não respondeu. Parecia estar a tentar controlar a sua raiva.

Os PMs que procuravam armas saíram da caserna. O seu líder informou Adams que não tinham encontrado nada de suspeito. Adams e os PMs dirigiram-se à caserna seguinte.

“Reúna os seus recrutas,” Disse Larson ao Sargento Williams.

O sargento de treino entrou na caserna e ordenou ao seu grupo TIA para se juntar na área de formação. Os cinquenta e tal homens e mulheres pareciam trémulos e tensos. Williams apresentou-os a Larson e aos agentes da UAC, depois ficaram à vontade para que as conversas decorressem de forma menos formal.

A Coronel Larson disse, “Antes de mais, quero dar-vos as condolências pela perda do vosso camarada. Este é um momento difícil para todos. Estou certa que têm muitas perguntas, podem fazê-las agora.”

Um jovem levantou a mão e perguntou, “Porque é que ocorreu uma busca agora mesmo? Algum de nós está sob suspeita?”

Riley pode ver um flash de irritação na expressão de Larson. Riley percebia porquê. Não lhe agradava ter que explicar as ações arbitrárias do comandante da guarnição. Mas Riley também sabia que Larson era demasiado profissional para prejudicar Adams com críticas.

“A busca foi rotina, asseguro-vos,” Disse Larson sucintamente. “A partir de agora, a nossa busca por suspeitos pode levar-nos a qualquer lado. Agradecemos a vossa paciência e compreensão.”

Uma jovem levantou a mão.

Disse, “Vários de nós têm pensado em montar uma equipa de busca. Seria uma boa ideia?”

Larson abanou a cabeça.

“Não me parece,” Disse. “Apenas acrescentaria confusão a uma situação já turva. Por favor, deixem as buscas a cargo dos PMs, agentes do ICE e pessoal da UAC. Nós sabemos o que estamos a fazer.”

Depois um jovem recuta perguntou, “Não seria uma boa altura para todos termos acesso a armas de defesa pessoal?”

Larson olhou para Riley, remetendo a resposta para ela.

Riley sabia que os recrutas de Fort Mowat não estavam autorizados a ter armas. Percebia porque é que alguns destes jovens agora as quereriam. Também sabia que não era boa ideia.

Riley disse, “Querem poder defender-se. Percebo isso. Mas as armas pessoais apenas vos dariam um falso sentido de segurança. O nosso atirador é um sniper solitário que dispara de grandes distâncias. A vossa melhor precuação neste momento é prestar atenção à vossa localização imediata. Tentem não permanecer em áreas expostas às colinas que circundam esta base.”

Outro recruta perguntou, “Isso inclui o período diurno?”

Riley assentiu.

“Sim. Até ao momento o atirador apenas atacou à noite. Mas parece ser facilmente adaptável podendo alterar o seu MO. Não podemos descartar a possibilidade de um ataque à luz do dia. Todo o cuidado é pouco.”

Larson acrescentou, “Acima de tudo, não queremos uma atmosfera de vigilante nesta base. Sabemos que têm medo e estão desconfiados. Tentem não transformar esses sentimentos em paranoia e não tentem fazer justiça pelas próprias mãos. A situação já é suficientemente perigosa, não tornem pior. Reportem qualquer coisa suspeita diretamente a mim.”

Depois de mais algumas perguntas dos recrutas, Riley disse, “Precisamos de qualquer informação que nos possam dar. Até detalhes que possam parecer insignificantes. Venham ter connosco de imediato se algo vos parecer errado. Precisamos de estabelecer a ligação entre o Soldado Barton e as outras três vítimas. E se o Soldado Barton tinham inimigos ou questões pessoais.”

Riley sabia que os recrutas não desatariam a colocar as mãos no ar com teorias válidas. Com alguma sorte, talvez alguns soldados a abordassem em privado.

Mas ela precisava de lhes fazer a mesma pergunta que fizera ao Sargento Williams há pouco.

“A frase ‘fazer parte da matilha’ diz-vos alguma coisa?”

Os recrutas olharam uns para os outros, alguns abanando as cabeças. Riley perscrutou os seus rostos o melhor que pode. Será que detetou um flash de reconhecimento entre eles? Não conseguia ter a certeza. Havia demasiada tensão no ar.

Riley virou-se para a Coronel Larson e disse, “Não tenho mais perguntas a fazer de momento.”

Larson disse ao Sargento Williams que a reunião terminara e ele libertou o grupo. Alguns dos recrutas foram para a caserna enquanto outros ficaram pela área de formação. Riley e os colegas esperaram alguns momentos para ver se algum dos soldados queria falar com eles em privado. Um quis.

Disse, “Temos um Muçulmano no nosso grupo. Chama-se Abdul Sadiq. Não o deveriam interrogar? Quero dizer, não há a possibilidade de isto estar relacionado com terrorismo Islâmico?”

Riley e os colegas olharam uns para os outos.

Já o devíamos ter previsto, Pensou Riley.

No final de contas, havia 343 recrutas Muçulmanos na base. As suspeitas contra eles deviam crescer.

Riley sabia que tinham que contrariar estas suspeitas.

“Há muito que ainda não sabemos,” Disse ao recruta. “Mas temos quase a certeza absoluta que o assassino não tem qualquer ligação ao extremismo Islâmico. Ele age sozinho e ainda não conhecemos os seus motivos. Espalhe a palavra.”

O soldado retirou-se e Riley falou com Larson.

“Seria possível afixarmos um boletim a avisar o pessoal para não considerar os Muçulmanos suspeitos? As coisas podem ficar feias se não tivermos cuidado.”

“Vou tratar disso,” Disse Larson.

Naquele momento, o telemóvel de Larson tocou e ela atendeu a chamada. Entretanto, outro jovem soldado aproximou-se do grupo.

Ele disse, “Isto pode não querer dizer nada mas o Kyle disse-me que estava a ter problemas em casa. Não falava muito sobre isso, por isso não sei muitos detalhes.”

Riley duvidava que fosse significativo. Para começar, os problemas pessoais de Kyle Barton não o ligavam aos três sargentos mortos. Ainda assim, não podia descurar qualquer feedback.

“Obrigada pela informação,” Disse Riley ao recruta. “Informe por favor a Coronel Larson se se lembrar de mais alguma coisa. Como eu disse, qualquer detalhe pode ser importante.”

Quando o soldado se retirou, Larson terminou a chamada.

Disse a Riley e aos outros, “Acabei de saber que a viúva e filha de Barton estão na base. Temos que ir falar com elas.”

Riley ficou desanimada ao passar pelo edifício da administração.

Falar com famílias enlutadas era a parte mais dolorosa do seu trabalho. Temia mais isso do que enfrentar assassinos psicopatas.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


Quando Riley chegou ao edifício da asminstração com Bill, Lucy e a Coronel Larson, o seu desconforto aumentou. Não sabia o que dizer à viúva do Soldado Kyle Barton. Que palavras se devia dirigir a uma jovem mãe cujo marido fora morto tão abruptamente? A sua morte parecia inútil e, ainda assim, não tinha sido um acidente. Fora homicídio.

Um membro feminino do pessoal civil levou-os rapidamente para uma sala de visitas onde a família estava à espera. A mulher apresentou-os e saiu rapidamente da sala.

O nome da viúva era Ellen e a filha chamava-se Sian.

Riley calculou que a pequena Sian tivesse catorze meses. A bebé sardenta e de cabelo dourado parecia ter começado a andar há pouco e divertia-se a fazê-lo. Ria-se com prazer ao andar às voltas pela sala perseguindo uma bola de plástico brilhante com sinos no seu interior.

Riley conteve um estremecimento ao ouvir o riso e os sinos. Tal brilho inocente parecia deslocado num momento tão perturbador.

Mas claro, o que é que a pequena Sian sabia acerca da morte?

Riley pressentiu que a mãe de Sian, Ellen, também estava a lutar com esta dissonância emocional. Ellen tinha as sardas e o cabelo dourado da filha, mas os olhos estavam vermelhos de chorar e denotavam choque.

Todos os olhares se fixaram em Sian durante alguns momentos. Ninguém parecia saber o que dizer. Então Lucy pegou na mão da menina e disse, “Vamos brincar para outra sala. Só nós as duas.”

A menina riu. Lucy pegou na bola e levou a menina para fora da sala.

Ellen suspirou de exaustão quando Sian saiu.

Riley ficou aliviada quando a Coronel Larson começou a falar.

“Lamentamos a sua perda Sra. Barton.”

Como sempre, as palavras pareciam a Riley chocantemente insuficientes – e tão discordantes como havia sido o riso da menina.

Mas que mais se pode dizer? Pensou. Riley diria exatamente a mesma coisa.

Ellen Barton anuiu como se mal tivesse dado conta de que algo fora dito.

Depois Bill começou a falar,” Sra. Barton, temos que lhe fazer algumas perguntas. Vamos tentar ser breves.”

A mulher assentiu novamente. “Está bem,” Sussurrou. Riley ficou contente por Bill tomar as rédeas da situação.

Bill perguntou, “O seu marido tinha inimigos de que tivesse conhecimento?”

Riley ficou chocada quando viu um sorriso involuntário a atravessar o rosto de Ellen.

“Inimigos?” Disse ela. “Como podia saber? Nem sei quem eram os amigos dele.”

Riley e Bill olharam um para o outro.

“Pode explicar o que quer dizer?” Perguntou Bill a Ellen.

Ellen suspirou novamente.

“Desde que o Kyle iniciou o treino básico que o sentir distante de mim. O tempo que passámos afastados foi duro. Mas mesmo o tempo que passávamos juntos – bem, parecia que não estava presente. O Exército tinha cada vez mais importância para ele – tinha até mais importância do que...

Deteve-se mas Riley sabia onde os pensamentos a levavam.

O Exército tornara-se mais importante para Kyle Barton do que a mulher e a filha.

Riley compreendia e reconhecia essa situação demasiado bem. No final de contas, não era território completamente estranho para ela. A dedicação do seu próprio pai à carreira militar arruinara as suas relações pessoais – incluindo com Riley.

E é claro que as relações de Riley também se tinham ressentido devido à sua devoção à UAC. Ryan não tinha sido um marido perfeito, mas Riley sabia que estivera amiúde ausente da relação física e emocionalmente. E ainda se preocupava como o seu trabalho afetava a sua capacidade de desempenhar o papel de mãe. Muitas vezes tinha que perguntar a si própria se era tão devotada a Jilly e April como era ao seu trabalho.

Esperava ser, mas a pergunta acorria-lhe sempre à mente.

Ela sabia que as relações de Bill também se haviam ressentido da mesma forma. Lembrava-se de algo que ele lhe tinha dito quando o casamento com Maggie começava a desmoronar-se...

“Ela pensa que estou a ter um caso com o meu trabalho.”

Riley sentiu uma pontada de tristeza.

A infidelidade assume muitas formas, Pensou.

E agora parecia que Ellen Barton tinha perdido o marido algum tempo antes da sua morte.

Enquanto Riley pensava desta forma, Bill continuava a fazer perguntas a Ellen. Estava a ser diplomático e Ellen Barton parecia disposta a ajudar, mas a mulher não sabia o suficiente para oferecer perspetivas reais. Por fim, Bill olhou para Riley, perguntando-lhe silenciosamente se queria perguntar mais alguma coisa.

Riley abanou a cabeça e disse, “Não a incomodamos mais Sra. Barton. Mais uma vez, as nossas condolências pela sua perda.”

A Coronel Larson entregou à mulher um cartão e disse, “Entre por favor em contacto connosco se se lembrar de alguma coisa – mesmo algo que não lhe pareça importante. Muito obrigada por falar connosco.”

Riley, Bill e a Coronel Larson saíram da sala. No corredor, encontraram Lucy e a pequena Sian a jogar à bola. Lucy levou a menina para junto da mãe e depois os agentes dirigiram-se ao edifício do ICE.

Em vez de considerar as atividades do resto do dia, Riley deu por si a pensar em algo que Ellen dissera.

“Nem sei quem eram os amigos dele.”

Era um sentimento triste, mas agora Riley questionava-se...

Será mais do que só isso?

Todos com quem haviam falado na base pareciam ter grande consideração por Barton. Mas teria escondido algo de que apenas poucos tinham conhecimento? A falta de diálogo de Kyle Barton com a mulher esconderiam algum enigma mais obscuro – algo relacionado com o seu próprio homicídio?

Riley ainda não sabia.

Mas tinha a certeza de que algo para além de questões familiares não encaixava na vida de Barton – e fosse o que fosse, estava ligado à sua morte.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS


Quando a noite caiu, Riley, Bill e Lucy sentaram-se no pátio da casa onde estavam novamente instalados, olhando para o oceano.

Tinha sido um dia frustrante. Depois de se encontrarem com Ellen Barton tinham falado com pessoas que haviam conhecido o Soldado Barton. Nada descobriram.

Também tinham localizado e falado com pessoal da base que tinha estado de serviço na noite em que Barton fora morto. Mas essas pessoas tinham álibis perfeitos.

Naquele momento, Riley e os colegas estavam a desfrutar de uma pizza que tinham encomendado. Lucy ofereceu uma cerveja a Riley e por um momento Riley hesitou. Queria muito uma bebida mas não queria que acontecesse o que sucedera na noite anterior. Mas no final de contas, os três agentes apenas tinham um pacote com seis por isso percebeu que não tinha que se preocupar com exageros.

Enquanto comiam e bebiam, Lucy perguntou, “Temos a certeza que o atirador não vai continuar a matar? Os assassinos em série às vezes limitam-se a parar.”

Nem Riley, nem Bill lhe reponderam de imediato.

Riley considerou aquele pensamento estranhamente inquietante. A última coisa que ela e os colegas queriam era mais mortes. Mas se o assassino simplesmente desistisse e desaparecesse, o caso podia nunca ser resolvido.

Ainda no mês anterior, Riley resolvera um caso por resolver há vinte e cinco anos. E é claro que alguns casos nunca eram resolvidos.

Abominava pensar que isso podia acontecer com este.

Por fim Bill disse, “O meu instinto diz-me que ele ainda não terminou.”

“Concordo,” Disse Riley. “A questão não é tanto saber se vai voltar a matar, mas quando. E temos que o impedir antes que aconteça.”

“Podemos dispor de algum tempo,” Acrescentou Bill. “Ele tem matado com intervalos irregulares e pode ser que esses intervalos fiquem mais curtos e não mais longos. Mas não tenho a certeza. Não temos muito a que nos agarrar.”

Riley concordou em silêncio. A seguramça na base tinha sido reforçada com maior vigilância de helicópteros e drones. Também havia ordem de recolher obrigatório para impedir que o pessoal circule durante a noite. Mas Riley sabia que este assassino tinha inúmeros recursos – uma espécie de escuteiro assassino, sempre preparado para qualquer eventualidade. Realmente incomodava Riley que ela e os seus colegas fizessem tão pouco progressos.

Quando acabaram de comer, Lucy levantou-se da mesa.

“Acho que vou dar uma volta pela praia,” Disse ela.

Riley sorriu e disse, “Não vais conseguir ver grande coisa com esta escuridão.”

“A água nunca é completamente escura,” Disse Lucy.

A jovem agente saiu do pátio em direção à praia.

Riley sentiu-se comovida ao lembrar-se da história que Lucy lhes tinha contado – como ela e a família tinham vivido em Sacramento, mas tinham trabalhado tanto que Lucy nunca tivera oportunidade de ver o oceano até ir para a faculdade.

Riley lembrava-se o que Lucy tinha dito sobre o oceano...

“Sempre que o vejo, lembro-me da sorte que tenho e do orgulho que tenho em viver neste país e em fazer o trabalho que faço.”

Riley sentiu os olhos humedecerem.

Como se estivesse a ler os seus pensamentos Bill disse, “Aquela miúda vai fazer grandes coisas no FBI. Tenho orgulho em trabalhar com ela e sei que ainda agora está a começar.”

“Eu também,” Disse Riley.

Ela e Bill calaram-se. Riley percebeu que não contactara ninguém em Fredericksburg o dia todo. Era tarde para chamadas, mas não para mensagens. Escreveu mensagens afetuosas a Blaine, Gabriela e às miúdas. Disse a April e Jilly quanto as amava e que estava ansiosa por regressar a casa.

Depois sentou-se, ficou o oceano e ouviu as suas ondas regulares.

Mas logo a ansiedade começou a povoar o seu cérebro. O pensamento da morte sem sentido de Shirley Redding ainda a assombrava. Pensou nos últimos meses e nas decisões que poderia ter tomado de forma diferente.

Como é que deixei que tudo isto acontecesse? Não parava de se perguntar.

No meio dos seus pensamentos, foi assustada pelo som da voz de Bill.

“Como é que tens passado?”

Riley olhou surpreendida para ele. Parecia uma pergunta estranha vinda do nada.

“Estou bem,” Disse ela.

Bill abanou a cabeça.

“Não estás bem,” Disse ele. “Percebi logo no avião hoje de manhã que algo não estava bem.”

Riley encolheu-se só de pensar no aspto que teria.

“Tive uma noite complicada, é tudo,” Disse ela.

Riley sabia que Bill não aceitaria aquela resposta. Ele conhecia-a demasiado bem. Mas não disse nada durante alguns momentos. O único som que sobrevinha era o ruído do oceano a beijar a praia.

Por fim Bill disse, “Ouvi falar na morte da mulher na propriedade do teu pai.”

Riley estremeceu ligeiramente. É claro que não a surpreendia que Bill soubesse da morte de Shirley Redding. Já se devia saber disso por toda a UAC.

Depois Bill perguntou, “Ela era tua agente imobiliária, não era?”

“Sim,” Respondeu Riley.

“Deve ter sido difícil lidar com isso.”

Riley hesitou. O que se atrevia a contar sobre tudo aquilo a Bill?

Depois disse, “Fui até lá ontem para ver o que tinha acontecido.”

Hesitou outra vez.

“A polícia disse que foi um acidente,” Disse por fim.

Assim que as palavras saíram, Riley soube que Bill não acreditaria nela.

Não sabia exatamente porquê.

Haveria rumores que Jennifer Roston investigava as ligações de Riley com Shane Hatcher?

Ou Bill conseguia simplesmente lê-la como ninguém?

Mais uma vez, o espaço foi preenchido unicamento pelo som das ondas.

Por fim Bill disse, “Riley, podes falar comigo sobre tudo. Espero que saibas isso.”

Riley virou a cabeça e encontrou os olhos de Bill. Soube pela sua expressão que ele já tinha adivinhado parte do que a incomodava.

Provavelmente até sabe que está relacionado com Hatcher, Pensou.

Ele era o seu melhor amigo e vira-a passar por tempos conturbados. Também a cobrira quando fizera coisas terríveis. Ele sabia perfeitamente bem que ela deixara aquele jovem assassino enforcar-se deliberadamente. Ele virara costas quando ela esmagara a mão do jovem que drogara April e tentara vender o seu corpo.

Permanecera leal e discreto em todas essas situações.

Se havia alguém no mundo com quem podia falar sobre o que se passava com Shane, certamente era ele.

Mas como lhe poderia contar sem o envolver na sua teia de vergonha e engano?

Com a voz um pouco embargada disse, “Bill, não posso. Não posso mesmo.”

Bill anuiu e não disse nada.

Alguns momentos depois Lucy voltou do seu passeio e foi para a cama. Bill também decidiu que chegava por aquela noite.

Sozinha no pátio, Riley decidiu dar um passeio.

Enquanto passeava pela ampla praia, reparou que Lucy tinha razão – a água não era escura. O luar brilhava por entre as nuvens, refletindo-se nas ondas. Era muito calmante e pacífico.

Ao caminhar junto à água, Riley viu outra figura mais à frente na praia – a silhueta de um homem. A princípio Riley não ficou assustada. Não a surpreendia que outra pessoa quisesse desfrutar de uma noite como aquela.

Mas quando a figura se encontrava a poucos metros, uma voz dirigiu-se a ela.

“Agente Paige?”

Riley sentiu apoderar-se dela uma vaga de adrenalina. Usava a sua arma suplente e a mão pousou nela.

“Quem está aí?” Perguntou.

A figura levantou as mãos.

“Não dispare. Estou desarmado. Vim para ajudar.”

Agora Riley reconhecia a voz.

Era Stanley Pope, o soldado que a provocara na falésia.

O que é que ele quererá? Interrogou-se Riley.


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


Riley ligou a lanterna do telemóvel para ver com mais nitidez a figura que a abordava na praia.

Era mesmo o Soldado Pope. Ainda tinha as mãos no ar.

O que fazia ele ali?

Que tipo de “ajuda” tinha o soldado para lhe oferecer?

Vingança é o mais certo, Pensou Riley.

Ainda devia estar a ressentir-se da humilhação que sofrera às suas mãos na falésia há alguns dias atrás. Ela sabia que ele era arrogante e rebelde e que não gostara de ser derrubado por uma “garina”.

Talvez devesse ter esperado pelo acerto de contas há mais tempo.

Riley decidiu manter a distância dele desta vez.

“Estou desarmado,” Disse Pope outra vez.

Riley olhou-o de alto a baixo. Parecia estar a dizer a verdade. Mas ela também sabia que ele era duro e ágil fisicamente.

Ele começou lentamente a caminhar na sua direção. Movia-se suavemente, mesmo na areia.

“Mantenha a sua distância,” Disse Riley com a mão ainda próxima da arma.

“Não lhe quero fazer mal,” Disse Pope ao aproximar-se com as mãos ainda erguidas. “Ouça, ensinou-me uma boa lição no outro dia. Respeito isso. Respeito-a.”

Riley pensou se deveria acreditar nele.

Depois lembrou-se de algo que ele dissera sobre Worthing, o sargento morto que fora o seu instrutor de treino e lhe retirara as asas de mosquito...

“Estou bem contente por ele me ter endireitado.”

Agora Riley questionava-se se ele pensava da mesma forma em relação a ela.

Era bem possível.

“Quero mesmo ajudar,” Disse Pope. “Estes homicídios têm que parar.”

A voz e expressão de Pope pareciam sinceros.

Ela decidiu arriscar aproximando-se dele – mas manteve-se alerta e pronta para qualquer coisa que pudesse acontecer.

Dali a nada estavam frente a frente no feixe da lanterna de Riley.

“O que é que me quer dizer?” Perguntou Riley.

Pope virou a cabeça para trás e para a frente como se para se assegurar que estavam realmente sozinhos.

Riley perguntou, “Sabe quem é o atirador?”

“Não,” Disse Pope.

“Então como é que me pode ajudar?”

Pope olhou Riley nos olhos.

Disse, “Penso saber como é que as quatro vítimas estão ligadas.”

Riley ficou atenta. Até ao momento, não se conseguira estabelecer quaisquer relações entre os homens mortos. Talvez isso estivesse prestes a mudar.

“Qual é a ligação?” Perguntou Riley.

Pope parecia estar a reunir coragem para falar.

“É a praxe,” Disse finalmente.

Os alarmes de Riley soaram. Uma iniciação era é claro a primeira e mais óbvia teoria; e contudo, fora excluída.

“O que quer dizer?” Perguntou.

“Ocorreram alguns incidentes de praxe em Fort Mowat. Alguns ultrapassaram os limites.”

Depois Pope calou-se. Tivesse o que tivesse para dizer, Riley pressentiu que estava relutante em verbalizá-lo.

Talvez até receoso, Pensou.

Tinha que fazer as perguntas certas para o fazer falar.

“Fale-me acerca da praxe,” Disse ela. “É pouco habitual?”

“Nem por isso,” Disse Pope. “Acontece em todas as bases militares. Não era suposto acontecer em Fort Mowat mas acontece.”

Agora olhava para os pés.

“Ouça, penso que isto é um erro,” Disse ele. “Eu não devia estar a falar consigo.”

Começou a virar-se.

“Não vá,” Disse Riley. “Fale comigo.”

Ele virou-se novamente para ela e anuiu nervosamente.

“Como é que tem conhecimento disso?” Perguntou Riley.

“Eu fui praxado. À grande. Aguentei. Tal como aguentei quando me deu aquela lição no funeral do Sargento Worthing.”

Seguiu-se um silêncio. Riley sabia que tinha que o fazer continuar a falar.

Ela perguntou, “Há recrutas que não aguentam?”

“Poucos. Tivemos desistências no meu pelotão. Houve um suicídio noutra unidade.”

Encolheu os ombros desconfortavelmente.

Disse, “Como disse, às vezes as coisas descontrolam-se. Agressão é uma coisa – bater, ser maltratado. Esse tipo de coisa fortalece-nos, prepara-nos para o combate. Mas alguns destes sargentos de instrução estiveram em combate demasiadas vezes. Alguns até sfrem de SPT. Ficam meio loucos, fazem coisas loucas. A pele de um recruta ficou tão desfigurada pela lixívia que teve que levar enxertos.”

Riley ficou chocada.

“Ninguém me falou nisso,” Disse ela.

“Foi há poucos anos,” Disse Pope. “Ouvi a história de uns tipos que estavam cá na altura. Aquele sargento de instrução foi a tribubal marcial. Toda a gente pensou que a praxe violenta tivesse terminado, mas ainda acontece.”

Apesar de Riley ter ficado chocada com aquelas informações, pressentiu que Pope ainda estava a ser evasivo.

“Disse que sabia qual a ligação entre as quatro vítimas,” Disse ela. “Qual é?”

Pope desviou o olhar e não disse nada.

“Eram praxadores?” Perguntou.

Pope anuiu. “Eram os mais duros dos praxadores,” Disse ele.

Riley tentou perceber aquilo que ouvia.

“Não percebo,” Disse ela. “Kyle Barton era Soldado, não um sargento de instrução. Porque é que praxaria alguém? E como?”

Agora Pope parecia tanto assustado como defensivo.

“Ouça, ele fazia parte daqeuilo, é tudo o que lhe posso dizer. E...”

Deteve-se.

Riley perguntou, “Alguém se está a vingar dos praxadores?”

“Penso que sim,” Disse Pope com voz trémula.

“Porque é que tem medo?” Perguntou Riley.

Pope parecia lutar consigo próprio, tentando decidir o que dizer.

Por fim disse, “Ouça, é tudo o que lhe posso dizer. Tenho que regressar à caserna.”

Virou-se e começou a afastar-se.

“Volte e fale comigo,” Disse Riley, caminhando rapidamente para o conseguir acompanhar. “Se tem medo, podemos protegê-lo.”

Pope abanou a cabeça e continuou a andar.

“É tudo o que tenho a dizer. Por favor – não diga a ninguém que falei consigo. Ninguém pode saber. Estas pessoas...”

Sem avisar, desatou a correr pela praia fora.

Riley começou a correr atrás dele, mas não valia a pena e parou.

Ela sabia que Pope lhe tinha dito tudo o que estava disposto a dizer – provavelmente mais do que intencionara.

Ainda assim, tinha a cabeça cheia de perguntas ao voltar para a casa.

Porque é que Stanley Pope tem tanto medo? Questionou-se.

Precisava de descobrir rapidamente – antes que mais alguém morresse.


CAPÍTULO TRINTA E CINCO


Quando Riley acordou Bill e Lucy na manhã seguinte para lhes contar acerca do estranho e perturbador encontro com o Soldado Pope, os colegas ouviram-na fascinados.

Quando terminou o relato, Bill disse, “Temos que fazer mais perguntas a este Pope.”

Riley abanou a cabeça.

“Não quero fazer isso,” Disse ela. “Não agora.”

Bill parecia incrédulo.

“Porque não?” Perguntou. “Pope é uma pessoa de interesse. E não me parece que te tenha dito tudo o que sabe.”

Riley sabia que Bill tinha razão. Ela não queria ignorar as suas preocupações, mas ela tinha outras.

Depois disse, “Para já, penso que ele está genuinamente amedrontado – e provavelmente com bons motivos. Abordá-lo novamente faria dele um alvo.”

“Um alvo para quem?” Perguntou Bill. “Pelo que sabemos, é dele que estamos à procura.”

“Tenho a certeza que não,” Disse Riley.

Bill agora parecia incrédulo.

“Como é que sabes? Riley, o tipo atacou-te.”

“Ele não me atacou. Tentou apenas assustar-me. Aparentemente aprendeu a lição. Estava na verdade a tentar encontrar uma forma de ajudar.”

Bill demonstrou a sua exasperação.

“Não sei Riley.”

Quanto mais Riley pensava naquilo, mais certeza tinha de que estava certa.

Disse, “Primeiro quero falar com o grupo TIA de Barton outra vez. Pelo menos por agora, não contamos a Larson nem a mais ninguém o encontro de ontem à noite.”

Observou o rosto de Bill enquanto digeria as suas palavras e aceitava de forma algo relutante a sua decisão. Por fim, abanou a cabeça afirmativamente.

Riley suspirou de alívio. Ela não queria discutir com o parceiro por causa daquilo. Mais uma vez, estava-lhe grata por acreditar nos seus instintos quando ela não os conseguia explicar.

Olhou para Lucy que estivera calada até ao momento.

Lucy disse suavemente, “Então o que é que fazemos agora?”

Riley disse, “ Voltamos ao grupo de Barton. Temos que fazer mais perguntas,” Disse ela.

“Podíamos fazer as perguntas no funeral de Barton?” Perguntou Lucy.

Bill disse, “Não. Disseram-me que a viúva não quer uma cerimónia militar, por isso vai ser um funeral privado para a família e alguns amigos. Poucos companheiros de armas lá estarão. O melhor é focarmo-nos na base.”

Riley tamborilou os dedos por um momento.

Disse, “Bem, temos que falar com esse grupo agora. Alguém nesse grupo não nos está a contar o que devia. Tenho a certeza.”


*


Riley ligou à Coronel Larson de imediato para preparar um encontro. Cerca de meia hora mais tarde, ela, Bill e Lucy juntaram-se a Larson e ao chefe da sua equipa, o Sargento Matthews na messe. O grupo TIA estava reunido numa mesa lá. O Sargento Williams explicou que Riley e os colegas tinham que lhes colocar mais algumas questões.

Riley reparou que os seus rostos jovens pareciam mais preocupados do que no dia anterior. Também pareciam mais temerosos. Não ficou surpreendida. Agora que tinham tido vinte e quatro horas para processar o que acontecera ao seu camarada, o choque inicial deu lugar a um mundo de sentimentos perturbadores – incluindo paranoia, eventualmente dirigida aos companheiros.

Riley, Bill, Lucy e a Coronel Larson estavam à frente do grupo. O Sargento Matthews posicionou-se perto.

Riley decidiu ir direta ao assunto.

“Quero perguntar-vos acerca de praxes,” Disse ela.

Um estremecimento palpável atravessou o grupo. Riley pressentiu surpresa, confusão e alarme.

Um jovem disse, “Não entendo. As vítimas foram mortas, não praxadas.”

“Ou foram praxados?” Perguntou uma jovem recruta.

“Estão a esconder-nos alguma coisa?” Perguntou outro jovem recruta.

Seguiu-se um breve burburinho até o Sargento Williams acalmar o grupo. O sargento de instrução parecia também ter ficado abalado com o que Riley dissera. Isso era bom no que dizia respeito a Riley.A última coisa que queria era que os recrutas se sentissem confortáveis. O que ela queria era obter informação útil agora que tinham sido apanhados desprevenidos.

Riley continuou, “Sei que as praxes continuam. Não é invulgar. Mas preciso de ouvir as vossas experiências pessoais. Aconteceu com vocês?”

Os recrutas olharam uns para os outros ansiosamente.

Riley sabia perfeitamente bem que fizera uma pergunta difícil.

O Sargento Williams falou.

“Com o devido respeito, Agente Paige, o Exército agora tem regras contra esse tipo de prática. Está explícito no manual de treino. ‘O stress criado por abuso físico ou verbal não é produtivo e é proibido’.”

Riley olhou para ele com dureza e disse, “Está a dizer-me que nunca sucederam praxes em Fort Mowat?”

O Sargento Williams não respondeu. A sua expressão era cada vez mais soturna.

Riley perguntou, “Praxa os seus recrutas, Sargento Williams?”

Ele olhou para ela, parecendo agora insultado, mas mesmo assim mantendo o silêncio.

Um jovem disse, “O Sargento Williams nunca faria isso, minha senhora. Ele segue as regras. Trata-nos com respeito.”

Ocorreu um murmúrio geral de concordância. Riley acreditou neles. Mas pressentiu que estava a ir na direção certa.

Uma jovem que já tinha falado disse, “Repare, às vezes outros sargentos de instrução fazem-nos passar mal. O meu sargento de pelotão no treino de combate básico obrigava-nos a fazer exercício extra. Aguentamos isso. Quem não conseguir lidar com isso não deve estar cá.”

Alguns recrutas demonstraram concordar.

Riley prosseguiu.

“Não estou a falar de uns exercícios extra. Estou a falar de ir longe demais. E preciso que me falem disso aqui e agora.”

Um silêncio desconfortável instalou-se no grupo.

Então um jovem falou com relutância, quase num sussurro.

“Aconteceu algo na minha unidade.”

Alguns camaradas tentaram calá-lo.

A Coronel Larson disse, “Fale Soladdo. A Agente Paige quer saber. Não haverá repercussões. Garanto-lhe.”

Agora ouvia-se um ruído de incredulidade vindo do grupo. Riley percebeu porquê. Como podia a Coronel Larson garantir que não haveria repercussões por dizer a verdade sobre uma coisa daquelas? A verdade era que Riley sabia que lhes estava a pedir para se colocarem em risco de retaliação por parte dos pares. Riley não gostava que assim tivesse que ser mas sentia que não tinha escolha. Vidas podiam depender do que soubesse naquele dia.

Disse ao soldado que falara, “Diga. Conte-me.”

O jovem estremeceu.

“O meu sargento de instrução de combate básico reuniu a nossa unidade e disparou um tiro para o ar. Depois acenou-nos a arma e disse que ia acertar num de nós com o próximo tiro. Pressionou novamente o gatilho mas não havia mais balas. Assustou-nos de morte.”

O soldado ao lado dele parecia furioso.

“Mantém a boca calada Musser. Isso não diz respeito a ninguém.”

“Mas aconteceu mesmo?” Perguntou Riley ao soldado zangado.

“Sim, aconteceu,” E continuou. “Também estava naquela unidade. E que mais? Assustou-nos e nós precisávamos disso. Era só um pedaço do que sentiríamos em combate. Estou bem contente que o sargento o fez. Ele esteve em combate, sabe para onde vamos. Temos que nos tornar assassinos de sangue frio. Mimar-nos agora só vai fazer com que mais tarde sejamos mortos.”

Uma mulher disse, “Só dizes merda, Parks. Não somos apenas treinados para matar. Temos unidades de ciência, inteligência, engenharia, direito. Eu vou ser mecânica.”

Outro soldado ripostou, “Bem, que bom para ti. Alguns de nós vão entrar em combate real. Precisamos de estar prontos. No que me diz respeito, é uma pena que a praxe seja contra as regras. Não se faz parte a sério de uma unidade até se ser testado mental e fisicamente.”

Agora inúmeras vozes se misturavam, algumas concordando, outras discordando.

Reparou Num jovem que ainda não tinha dito nada. Riley reparou que o seu sobrenome era Shealy. Parecia especialmente ansioso, sentado rigidamente com as mãos juntas. Ela pressentiu que dali por minutos ele diria alguma coisa.

Perguntou, “E rumores que possam ter ouvido? Coisas difíceis de acreditar?”

Seguiu-se um silêncio. O ar estava carregado de tensão.

Por fim, um soldado de aspeto tímido falou.

“Ouvi histórias. Acerca de um lugar chamado o ‘Covil’. E coisas a que chamam ‘raptos’”.

A tensão no grupo subitamente parecia prestes a explodir. Riley temeu que se pudesse iniciar uma rixa.

Outro soldado apontou para o soldado que acabara de falar.

“Isso é só um mito Daniels, “ Gritou. “Guarda-o para ti.”

Alguns concordaram. Outros pareciam nunca ter ouvido falar em tal coisa. Vários pareciam agora preocupados.

Riley reparou que a Coronel Larson parecia estar chocada.

Riley percebeu que Larson acabara de ouvir qualquer coisa que tinha um qualquer significado para ela.

Riley sabia que estava prestes a descobrir algo crucial para resolver o caso.

Também sabia que a coisa ia ficar feia.


CAPÍTULO TRINTA E SEIS


Riley ficou muito quieta quando a Coronel Dana Larson avançou para fazer as suas perguntas ao grupo. Parecia verdadeiramente agitada e a sua voz tremia quando lhes ordenou, “Falem-me desses ‘raptos’. Não quero saber se acreditam que são verdadeiros ou não. Se sabem alguma coisa, falem. Se alguém se retrair, prometo que haverá consequências.”

O soldado chamado Daniels falou outra vez timidamente.

“Ouço dizer que alguns soldados são apanhados nos terrenos da base à noite. Não por extraterrestres, mas por tipos estranhos – soldados, suponho. Os soldados são sujeitos a todo o tipo de coisas horríveis. Quando já estão suficientemente quebrados, são libertados. Nunca compreendem o que aconteceu.”

A Coronel Larson olhava com dureza para Daniels.

“Disse que ouviu falar disso,” Disse ela. “De quem?”

Daniels baixou a cabeça, tentando não olhar para ninguém. Mas Riley podia ver que rosto estava ansioso por evitar. Era o do jovem calado em que ela repara anteriormente – o Soldado Shealy.

Riley falou-lhe.

“Soldado, penso que se sabe de alguma coisa é melhor dizer-nos.”

O Soldado Shealy ficou calado durante um momento. Depois murmurou qualquer coisa inaudível.

Riley disse, “Não o consegui ouvir, Soldado.”

Shealy falou um pouco mais alto.

“Eu disse que me aconteceu a mim. Fui raptado. Contei ao Daniels.”

A Coronel Larson cruzou os braços. A sua expressão parecia cada vez mais perturbada.

“Conte-nos, Shealy,” Disse ela. “Conte-nos agora. Conte-nos tudo.”

O Soldado Shealy estremeceu.

“Foi uma loucura,” Disse ele. “Foi horrível. Foi a pior coisa que já me aconteceu.”

Calou-se por alguns instantes como se a reunir coragem para prosseguir.

“Eu estava a dar uma volta uma noite quando um grupo de homens saiu de uns arbustos, colocou um capuz na minha cabeça e amarrou-me as mãos atrás das costas. Não conseguia ver nada. Levaram-me para algum lugar que eu não fazia ideia onde seria mas....”

Deteve-se. A Coronel Larson dirigiu-se a ele como se fosse abaná-lo.

“Leve o tempo que precisar, Soldado,” Disse Riley.

“Acabámos dentro de um edifício. Primeiro levaram-me para um compartimento e amarraram-me a uma cadeira e mantiveram a minha cabeça coberta para não ver nada. Os homens à minha volta batiam-me e gritavam-me insultos. Fizeram-me beber vinagre e comer qualquer coisa dura e sem sabor – cartão, penso. Obrigaram-me a engolir. Não parava de vomitar, mas eles obrigavam-me a comer e a beber mais. E depois...”

Gotas de suor preenchiam a testa de Shealy.

“Colocaram-me um capuz diferente. Este tinha buracos, mas estava sempre a escorregar por isso continuou a ser difícil ver. Depois levaram-me para uma sala grande com varanda. Disseram-me que era o ‘Covil’. Deviam lá estar uns cem homens com máscaras esquisitas – palhaços, animais, monstros, esse tipo de coisa. Um grupo na varanda parecia supervisionar tudo e também usavam máscaras. E havia mais cinco pessoas como eu na área aberta. Todos tínhamos esses capuzes com buracos. Não sabia quem eram. As nossas mãos estavam amarradas e soltaram-nas e...”

O Soldado Shealy pareceu sufocar um grito de horror.

“Obrigaram-nos a lutar. Obrigaram-nos a bater uns nos outros com toda a força que tínhamos. Se tentássemos escapar, eles batiam-nos. Não tínhamos escolha. Batemos uns nos outros como loucos. E...”

Deteve-se novamente. Riley pressentiu que ele lutava para encontrar as palavras para descrever o que se tinha passado de seguida.

Por fim disse, “Eu entrei na luta. A violência era de loucos e eu bati cada vez com mais força e não queria parar. Parecia que devíamos lutar até apenas restar um de nós de pé. E eu queria ser esse que ficasse em pé. Queria ser... Parte do que se estava a passar ali.”

“O que é que aconteceu depois?” Perguntou Riley.

“Deram-me um murro de lado na cabeça e caí inconsciente. Quando acordei estava deitado num monte em frente à minha caserna e as luzes há muito que se tinham desligado. Fui para a caserna e desmaiei. Estava...”

O rosto de Shealy contorceu-se de horror e fúria.

“Sei que parece uma loucura, mas fiquei tão desiludido, tão envergonhado.”

Riley tinha montes de perguntas a fazer. Mas antes que pudesse falar, uma jovem falou bruscamente. O seu sobrenome era Nelson.

“És um idiota Shealy. És um verdadeiro idiota.”

Shealy olhou para Nelson como se ela lhe tivesse batido.

Nelson continuou, “Também me aconteceu a mim. Mas eu recusei fazer o que me madavam. Não lutei com os outros. Deixei que me batessem. Quando pararam levaram-me de regresso à caserna encapuçada.”

Ela tremia de fúria agora.

“Nunca uma coisa me enfureceu tanto,” Disse ela. “Ainda estou zangada. Se descobrisse um desses homens que me fizeram isso, juro por Deus que o matava. Nem pestanejava.”

Shealy e Nelson olharam um para o outro – Shealy com horror, Nelson com raiva.

Riley estava confusa.

Ela sabia que acabara de descobrir algo de vital importância.

Mas o que significava?

A Coronel Larson perguntou, “Algum de vocês faz ideia de quem foram os raptores – qualquer ideia?”

Nelson abanou a cabeça. Mas Shealy olhou para a Coronel Larson e assentiu.

“Algumas das vozes eram familiares,” Disse ele. “E tenho a certeza que reconheci uma das vozes.”

“Quem era?” Perguntou Larson.

Shealy engoliu em seco, “Era o Soldado Barton. Ele era um dos que me gritaram e também estava incluído na multidão que nos ordenou que lutássemos. Só tive a certeza no dia seguinte. O Barton e eu éramos amigos antes disso. Mas nunca mais me voltou a tratar da mesma forma. Agia como se eu estivesse abaixo dele. Sempre matinha a distância de mim – até morrer.”

Riley sentiu que as peças do puzzle se juntavam.

Parecia haver uma poderosa sociedade secreta em Fort Mowat. E os seus membros levavam a cabo iniciações brutais que poucos soldados ultrapassavam. Os que sobreviviam tornavam-se membros orgulhosos da sombria elite.

Essas iniciações ocorriam num lugar a que davam o nome de “Covil”.

Aquele nome incomodava Riley.

O Covil...

Depois lembrou-se do que o Soldado Pope dissera sobre o Sargento Worthing...

“Ele fazia parte da matilha”.

A Coronel Larson falou para o grupo.

“Não temos mais perguntas por agora.”

Riley estava alarmada. Porque é que Larson tinha decidido terminar o encontro de forma abrupta? Riley tinha mais perguntas a fazer.

Depois Larson acrescentou, “Soldados Shealy e Nelson, quero que reportem o que vos aconteceu ao Sargento Matthews. Se algum dos outros souber de algo, faça o mesmo. Nem pensem em esconder o que sabem. Nós vamos até ao fundo da questão.”

Depois virando a cabeça para o chefe da sua equipa disse, “Faça esses relatórios Matthews. Que não lhe escape nenhum pormenor.”

Parecendo um pouco intimidado, o Sargento Matthews disse, “Sim minha sengora.”

Sem dizer mais nenhuma palavra, a Coronel Larson saiu da messe.

Riley, Bill e Lucy correram atrás dela.

Riley perguntou, “Coronel, importa-se de me dizer o que foi aquilo?”

A Coronel Larson respondeu sem fôlego, “Eu sei quem é o assassino. Venham comigo.”


CAPÍTULO TRINTA E SETE


A Coronel Larson não disse mais nada durante a caminhada até ao edifício do ICE. Riley questionava-se o que é que iria acontecer e viu que Bill e Lucy também trocavam olhares intrigados.

Apenas uma coisa parecia certa a Riley – haveria uma nova revelação no caso.

Quando chegaram ao gabinete da Coronel, Larson não falou de imediato. Sentou-se ao computador e começou a a fazer uma busca frenética nos registos.

Enquanto digitava, disse finalmente, “Já ouvi falar desta coisa de ‘rapto’ antes. Simplesmente não acreditei.”

“O que é que quer dizer? Perguntou Riley. “Raptos reais?”

Larson continuou a escrever enquanto falava.

“Há alguns meses, tivemos que dispensar um recruta com problemas psíquicos. Chamava-se Brandon Graham.”

“Uma dispensa desonrosa?” Perguntou Bill.

“Não,” Disse Larson. “Alguém condenado nesse tipo de caso seria preso. O que aconteceu com Graham chama-se ‘separação’ e é uma espécie de dispensa médica.”

A curiosidade de Riley crescia.

“Que tipo de problemas médicos é que ele tinha?” Perguntou.

“Chama-se distúrbio de personalidade,” Disse Larson. “Ele tinha pesadelos, perdeia peso porque não comia, não se conseguia concentrar em nada. O sargento de instrução de Graham recomendou-o para um exame médico porque o seu comportamento interferia com a capacidade de continuar o treino básico. O psicólogo que o examinou concluiu que tinha um transtorno delirante, possivelmente esquizofrenia.”

“Transtorno delirante?” Perguntou Lucy. “Como?”

“Não parava de dizer que tinha sido ‘raptado’” Disse Larson.

Riley compreendeu. Tudo se começava a tornar mais claro.

Larson virou o seu computador para que Riley e os colegas pudessem ver os registos que entretanto encontrara.

“Podem ver aaqui o relatório do psicólogo, incluindo transcrições das sessões,” Disse ela.

Riley e os colegas olharam para a transcrição. Uma troca de palavras entre Graham e o psicólogo chamou-lhes a atenção.


Dr. Sears: Quem o raptou Brandon? O que é que lhe fizeram?

Soldado Graham: Não lhe digo mais nada.

Dr. Sears: Porque não?

Soldado Graham: Porque não é da sua conta.

Dr. Sears: Se quiser continuar no Exército tem que me dizer.

Soldado Graham: Nem pensar. A vingança é minha. Eu trato disto sozinho. Que se dane o Exército. Expulsem-me a ver se me ralo. Não me vai impedir de fazer o que tenho que fazer.


Ao ler a transcrição, Riley lembrou-se o que a Soldado dissera na reunião na messe.

“Se eu descobrisse os homens que me fizeram aquilo, juro por Deus que os matava. Nem sequer pestanejava.”

Agora parecia que o Soldado Graham estivera tão zangado como aquela mulher – e muito menos estável.

E era mais provável procurar vingar-se.

Riley também se lembrava de algo que o Soldado Pope lhe dissera na praia na noite anterior sobre os quatro soldados mortos.

“Eram os mais duros dos praxadores.”

Enquanto Riley organizava toda esta informação na sua cabeça, a Coronel Larson acrescentou, “É claro que o psicólogo pensou que Graham era apenas um paranoico que estava a ter alucinações. Parecia estar a falar de um rapto alienígena. Toda a gente o pensava, incluindo eu. Mas quando aqueles recrutas começaram a falar de raptos, tudo fez sentido para mim. O que acontecera a Graham era real.”

Lucy perguntou, “Isso significa que ele afinal não tinha um distúrbio de personalidade?”

“Oh, tenho a certeza que tinha,” Respondeu Larson. “Afinal, nem toda a gente exposta a praxes reage da mesma forma. Na verdade, o psiquiatra concluiu que o distúrbio de personalidade deveria estar presente antes de se alistar. Mas agora compreendo porque é que os seus problemas se agravaram.”

Bill coçou o queixo pensativamente.

Perguntou, “Graham tinha habilidades militares particulares quando estava em treino?”

Larson escreveu um pouco mais.

Depois disse, “Sim. Era um atirador promissor.”

Riley manifestou a sua estufeção.

De repente, todo o caso fazia sentido.

Ela disse, “Temos que encontrar este homem. Onde é que ele está agora?”

Larson continuou a escrever.

“Ele é originalmente da Carolina do Sul. Mas não voltou para lá depois da separação. Parece viver em Limington, uma cidade balnear não muito longe daqui. Tenho a morada dele.”

Lucy perguntou, “Podemos descobrir o que faz na vida?”

Larson disse, “Tenho o número de Segurança Social por isso devemos conseguir descobrir.”

Larson digitou mais um pouco.

“Faz entregas para a Oriana’s Pizza. Conheço o lugar. Não faz parte das grandes redes de pizzas, é apenas um lugar popular em Limington. O pessoal da base encomenda pizzas lá constantemente. Quem faz entregas entra e sai de Fort Mowat por isso ele tinha acesso grande parte do tempo.”

“Vamos apanhá-lo,” Disse Riley.


*


Uns minutos mais tarde, Riley, Bill e Lucy estavam a caminho de Limington. Num carro logo atrás seguiam os agentes do ICE – o Sargento Matthews e a sua equipa de dois homens, os Agentes Goodwin e Shores.

Riley não estava particularmente satisfeita por ter os agentes do ICE a reboque. Estavam de uniforme, algo que iria atrair atenção. Pela experiência de Riley, os uniformes tendiam a gerar alarme o que tornava as detenções mais difíceis. Mas a Coronel Larson insistira e Riley sentiu que não devia dizer que não. No final de contas, Larson fornecera a perspetiva que provavelmente conduziria à prisão.

Limington era uma cidade costeira brilhante, aburguesada e turística. A sua rua principal estava alinhada com palmeiras e lojas de aspeto caro, cafés e lojas de recordações. Não parecia um local que pudesse albergar um assassino em série, mas Riley sabia que o aspeto podia ser enganador.

Os dois veículos estacionaram à frente do Oriana’s Pizza. Riley e os colegas saíram do seu carro e Riley foi ter com os três agentes do ICE.

“Gostava que por agora ficassem no carro,” Disse-lhes.

“Porquê, minha senhora?” Perguntou o Sargento Matthews.

Ela tinha a certeza que Matthews não questionaria uma ordem da Coronel Larson. E não lhe apetecia explicar o incómodo que ele e a sua equipa causariam só por entrarem no restaurante.

“Façam apenas o que vos peço,” Disse Riley.

Matthews e os seus agentes entraram no carro, e Riley e os colegas da UAC entraram no restaurante. A gerência tentara que se parecesse com uma trattoria Italiana antiquada, mas tudo parecia demasiado novo para ser convincentemente pitoresco.

Riley e os companheiros foram cumprimentados por uma mulher sólida de meia-idade que lembrou um pouco Gabriela a Riley.

“Desejam uma mesa?” Perguntou a mulher com um óbvio sotaque Italiano.

“Temos que falar com gerente,” Disse Riley.

A mulher sorriu abertamente.

“Sou eu. Oriana Bellone.”

Riley pensou se o sotaque seria verdadeiro ou apenas uma afetação do velho mundo. Ela e os colegas mostraram os distintivos e apresentaram-se. O sorriso de Oriana transformou-se numa expressão de preocupação.

Riley disse, “Estamos à procura de um funcionário seu – Brandon Graham.”

“O Brandon está metido em algum sarilho?” Perguntou Oriana.

Riley julgou ouvir o sotaque falhar ligeiramente, mas não tinha a certeza.

“Só precisamos de falar com ele,” Disse Riley.

Oriana abanou a cabeça.

“O Brandon não está cá,” Disse ela. “Ele trabalha sobretudo à noite.”

“A fazer entregas?” Perguntou Riley.

“Exato. A maioria dos condutores não gosta de trabalhar à noite mas o Brandon gosta. É um ex-militar, talvez seja por isso que se sente mais seguro do que os outros.”

Bill perguntou, “Ele anda com uma arma?”

“Não sei se tem licença de porte de arma. Não são fáceis de conseguir na Califórnia.”

Riley sabia que na Califórnia a lei das armas não deteria alguém que quisesse possuir uma arma. Os membros de gangs e traficantes de droga não tinham problemas em arranjá-las.

“Ele conduz o seu próprio carro?” Perguntou Riley.

Oriana anuiu.

“É um velho carro usado que comprou barato. Um Toyota azul.”

“Faz ideia de onde possa estar neste momento?” Perguntou Bill.

A mulher encolheu os ombros.

“Talvez em casa. Eu dou-lhes a morada.”

Oriana foi ao seu gabinete e voltou rapidamente com a morada de Brandon Graham escrita num pedaço de papel.

Disse, “Ele vive no Hotel Limington, um quarteirão abaixo da rua à direita.”

Riley e os colegas agradeceram-lhe e saíram do restaurante. No exterior, Riley reparou que os agentes do ICE ainda se encontravam no carro – provavelmente sentindo-se impacientes.

“Devemos trazê-los?” Perguntou Lucy.

Riley pensou durante um momento. Parecia provável que fossem deter um suspeito perigoso. Apesar de demasiado visíveis, os agentes de uniforme também poderiam ser úteis. Pediu ao Sargento Matthews e à sua equipa para os acompanhar.

Quando o grupo se aproximou do Limington, Riley reparou que se destacava das lojas e restaurantes – e não no melhor sentido. Tratava-se de um edifício de três andares que estava ali antes de Limington se tornar numa cidade turística.

Na verdade, Riley calculou que fosse mais um alojamento barato do que um hotel. Também calculou que não duraria muito mais tempo naquele local aburguesado. Acabaria provavelmente demolido.

O edifício parecia ainda mais maltrapilho no interior com tapetes esfarrapados e papel de parede de gosto duvidoso. Não havia ninguém na receção empoeirada e o lugar estava mortalmente silencioso. Riley considerava quase impossível alguém ainda viver ali.

Encontraram o quarto de Brandon Graham no terceiro andar.

Riley bateu à porta com firmeza mas ninguém respondeu.

“Talvez esteja a dormir,” Disse Lucy.

Parecia possível a Riley. Alguém que trabalhava sobretudo à noite possivelmente dormiria mais durante o dia.

Bateu outra vez e disse, “Brando Graham, somos do FBI e do ICE. Precisamos de falar consigo.”

Mais uma vez ninguém respondeu.

Riley disse ao Sargento Matthews para ir procurar o gerente. Aguardou impacientemente até Matthews regressar com um velho decrépito que Riley calculava que gerisse o lugar desde os seus tempos áureos.

Trazia um conjunto de chaves e parecia não ter pressa em abrir o quarto de Graham.

Riley e os outros entraram no quaro minúsculo. Tinha uma pequena casa de banho, um pequeno frigorífico e um fogão. O lugar estava sujo, abafado e cheirava a mofo. Riley olhou à sua volta e viu que Graham parecia quase não ter pertences – não tinha TV ou rádio, bugigangas, fotografias ou decoração.

Depois Riley ouviu Lucy dizer, “Agentes Paige e Jeffreys, é melhor verem isto,”

Riley virou-se e viu que Lucy segurava num pedaço de papel cautelosamente por um dos cantos. Com cuidado para não interferir com possíveis impressões digitais, Lucy colocou o papel em cima da cama.

“Estava debaixo da almofada,” Disse Lucy.

Riley e Bill leram-no.

Riley estremeceu com o que viu.

Era uma lista escrita à mão de cerca de vinte nomes. Quatro das pessoas da lista eram as vítimas de homicídio – Rolsky, Fraser, Worthing e Barton.

Esses quatro nomes estavam riscados.


CAPÍTULO TRINTA E OITO


Riley ficou estupefacta ao olhar para a lista. Parecia não haver dúvidas – Brandon Graham era o assassino.

Mas onde estava ele?

Ao olhar para os nomes Lucy comentou, “Conhecemos aqueles que estão riscados. Mas e os outros?”

Riley ficou surpreendida ao reconhecer outro nome.

“Temos aqui o Stanley Pope,” Disse ele.

Lucu disse, “É o que te atacou na falésia – e que te abordou na praia.”

“É,” Disse Riley. “Esta deve ser uma lista de praxadores – soldados que Brandon Graham devia abater. Seriam membros daquela sociedade de que os recrutas falam.”

“E Pope é um deles?” Perguntou Lucy.

“Ele não me falou nisso,” Disse Riley. “Mas eu sabia que ele não me estava a contar tudo.”

“Pelo que sabemos,” Acrescentou Lucy. “Pode muito bem ser o próximo alvo de Graham.”

“Não se o pudermos evitar,” Disse Bill. Temos que impedi-lo de matar mais alguém.”

O Sargento Matthews estendeu a mão.

“Deixe-me ver a lista,” Disse a Lucy.

Lucy entregou-lha e ele ficou a olhar para ela. Entretanto, os seus agentes do ICE revistavam o apartamento à procura de mais provas. Riley tinha a certeza de que não encontrariam nada – não neste lugar minúsculo. Se Graham tivesse um arsenal de armas, não era ali que as guardava.

Uma voz no corredor fez-se ouvir.

“Que raio se passa aqui?”

O grupo virou-se e viu um homem com a barba por fazer de camisola interior a esfregar os olhos. O homem fixou a sua atenção nos agentes do ICE.

“Ei, o Graham está metido em algum sarilho?” Perguntou.

Lucy avançou e mostrou o seu distintivo. Riley e Bill também mostraram os seus.

“Conhece Brandon Graham?” Perguntou Lucy.

“Nem por isso, mas vivo no quarto ao lado. É um tipo esquisito – barulhento como o raio para alguém que vive sozinho. A gritar e a pontapear coisas constantemente – parece que nunca dorme, seja dia ou noite. Pensava que vocês fossem ele a fazer das dele outra vez.”

Riley avançou em direção ao vizinho.

“Faz ideia onde ele possa estar?”

O vizinho coçou a cabeça.

“Talvez no cais de pesca. Ele não fala muito. Só passamos um pelo outro no corredor. Mas sempre que diz alguma coisa, é sobre o cais. E vejo-o por lá sempre que vou pescar.”

Os agentes obtiveram a localização do cais e dirigiram-se aos carros. Riley estava excitada com a sorte que tinham tido. Talvez pudessem terminar esta vaga de crimes agora mesmo.

Mas teve o cuidado de não demonstrar demasiada confiança. Antes de mais nada, tinham que encontrar Brandon Graham e detê-lo.

E isso pode não ser muito fácil, Pensou para si.

O homem já se tinha esquivado anteriormente.


*


Durante a curta viagem até ao cais, Bill observou Riley com atenção. Estava preocupado com ela desde que tinham falado na morte da agente imobiliária na cabana da montanha. Na verdade, não tinham falado muito. Ela tinha resumido as coisas dizendo, “Tive uma noite complicada, é tudo.”

Bill tinha a certeza de que ela bebera na noite anterior. Ele sabia que ela o fazia quando estava profundamente perturbada.

Riley tinha a reputação de fazer coisas não autorizadas, de quebrar as regras e até de desobedecer a ordens. Ele já o aceitara há muito.

Mas nos últimos meses, não tinham tido descanso de casos complicados. Os seus casos recentes tinham sido especialmente difíceis para Riley com a sua família a ser ameaçada várias vezes. Ele vira como cada ataque a afetara.

Bill lembrava-se demasiado bem da brutalidade vingativa contra o rapaz que drogara e tentara vender o corpo da filha. Bill também vira como deixara um assassino em série enforcar-se.

Bill não confrontara Riley com esses episódios e era óbvio que não considerara reportar o seu comportamento. Era parceiro e amigo de Riley há demasiados anos para fazer isso.

Mas agora, parecia-lhe que o trabalho a estava a esgotar.

Também tinha a certeza de algo de terrível se passava naquele momento na sua vida pessoal.

E tinha um palpite de que estava relacionado com Shane Hatcher. Mas ela não se abria.

Bill queria desesperadamente ajudá-la. Mas estaria ela demasiado envolvida para ele a conseguir ajudar – envolvida em algo obscuro e mau?

Os pensamentos de Bill foram interrompidos quando o carro parou perto do cais. Tratava-se de uma estrutura de madeira comprida e velha. A maré estava demasiado baixa naquele momento e as estacas elevavam o cais.

Os agentes do ICE também pararam o carro. Com amobos os carros estacionados, todos os agentes saíram e observaram a cena. Bill respirou o ar salgado. Estava um tranquilo dia de primavera na praia – com muita gente por perto. As pessoas andavam pelo cais e na areia, incluindo muitas crianças pequenas.

Bill não gostava de ter tanta gente à volta quando estavam prestes a deter um criminoso perigoso.

Perguntou aos companheiros, “Que raio fazem aqui todas estas pessoas a meio da semana? Estes miúdos não deviam estar na escola?”

“Estamos na Califórnia,” Disse Lucy. “As praias estão sempre cheias.”

Bill reparou que Riley estava a analisar a situação. Ela disse, “Peguem nos vossos telemóveis. Vou enviar-vos a foto do Exército de Brandon Graham. Separamo-nos e procuramos pelo cais. Se alguém o vir, anvia mensagem aos outros.”

Disse aos três agentes do ICE de uniforme e acrescentou, “Tentem ser o mais discretos possível. Fiquem aqui na base do cais. Vejam os vossos telemóveis também – mas se receberem uma mensagem não venham ter connosco. A vossa principal missão será evacuar os civis do cais. E façam o que fizerem, não provoquem pânico.”

Os três agentes do FBI começaram a caminhar pela longa estrutura de madeira. Para além de inúmeros turistas, muitas pessoas estavam por ali com canas de pesca. Apesar do número de pessoas, Bill não pensava que não teriam dificuldades em detetar Brandon Graham. Olhando para a imagem do jovem reparou que tinha um rosto muito particular. O que cada um faria quando ou se o encontrasse era outra questão.

Bill movimentou-se por entre a multidão à frente de Riley e Lucy. O cais tinha cerca de sessenta metros de comprimento e tinham que perscrutar o rosto de cada homem que lá se encontrasse. Em poucos minutos alcançara o fim sem detetar ninguém que correspondesse à foto e estava prestes a desistir de encontrar Brandon ali. Depois reparou em alguém sentado mesmo no fundo da estrutura, virado para o oceano.

Quando Bill se aproximou, não precisou de ver a cara completa do homem para o reconhecer. Mas parecia consideravelmente maior e mais forte do que aparentava na foto a que tinham tido acesso.

Enviou uma mensagem aos outros.


Ele está no fundo do cais.


Então Bill limitou-se a observá-lo durante alguns instantes.

Olhava para as ondas, mas não parecia descontraído. As suas mãos contorciam-se. Também era esquisito que num agradável dia de primavera como aquele ele usasse um casaco volumoso.

Ele tem uma arma, Apercebeu-se Bill.

Bill sabia que ele e os seus colegas precisavam de lidar com este homem com extremo cuidado. Olhou para trás e viu Riley a apressar-se na sua direção enquanto Lucy abordava silenciosamente pessoas no cais, mostrando o distintivo e pedindo-lhes para se retirarem.

Fez sinal a Riley para abrandar e manter a distância.

Depois Bill sacou a sua arma e dirigiu-se ao local onde estava o jovem que ainda contemplava a água, alheio a qualquer atividade que decorresse à sua volta.

Bill perguntou, “É Brandon Graham?”

Ainda a olhar para baixo, Graham anuiu.

“É um polícia, não é?” Perguntou Graham.

“FBI,” Disse Bill.

Graham libertou o que parecia um som de desespero.

“Interrogava-me quando é que me apanhariam,” Disse ele.

Depois Graham mexeu no interior do casaco.

“Não o faça,” Disse Bill, recuando e levantando a sua Glock.

Mas num instante, Graham virou-se com uma pistola semiautomática na mão. Ainda estava sentado e a arma estava apontada a Bill.

“Porque não?” Perguntou Graham com uma voz suave e sem expressão. “O que é que tenho a perder?”

Os olhos de Bill fixaram os de Graham. As armas apontadas um ao outro.


CAPÍTULO TRINTA E NOVE


Bill manteve a sua arma firme fixando os olhos inquietos de Graham. Calculou o que se passaria de seguida. A situação parecia desesperada, mas ele sabia que não devia entrar em pânico.

Tinha os pés bem assentes no cais de madeira. Graham ainda estava sentado com as pernas a balançar sobre a água, o corpo torcido para apontar a arma a Bill.

Graham encontrava-se numa posição bem mais complicada. A sua pontaria não podia ser precisa.

Seria fácil abatê-lo.

Demasiado fácil, Pensou Bill.

Bill conseguia ouvir os gritos de pânico e os passos apressados das outras pessoas no cais. Vários pescadores limitaram-se a largar as suas canas e a ir-se embora.

Na sua visão periférica, Bill via Riley e Lucy com as armas en riste e apontadas a Graham. Olhou rapidamente para Riley e abanou ligeiramente a cabeça. Não queria que elas disparassem. Ele queria ver se conseguia capturar Graham com vida.

Sabia que podia não ser fácil.

Bill precisava de o por a falar.

“Conte-me tudo,” Disse Bill.

“O que é que quer saber?” Perguntou Graham.

Os olhos de Graham brilhavam agora como se não entendesse exatamente o que se passava. Bill lembrou-se de Larson ter falado da sua avaliação psicológica – que era possivelmente esquizofrénico. Bill calculou que não seria difícil mantê-lo distraído.

“Quero saber como chegou a este ponto,” Disse Bill. “Foi dispensado do Exército. O que é que ainda está a fazer na Califórnia? Porque é que não foi para casa para a Carolina do Sul?”

“Não o podia pagar,” Disse Graham. “Expulsaram-me e eu tinha que arranjar um trabalho rapidamente. Gastei tudo o que tinha para comprar um carro usado.”

“Fale-me da lista,” Disse Bill.

Uma ponta de surpresa perpassou pelo rosto de Graham. O seu corpo balançou ligeiramente e o cano da arma moveu-se.

“Que lista?” Perguntou.

“Sabe de que lista estou a falar.”

Graham sorriu ligeiramente. O cano da arma dsceu mais um pouco. Bill percebeu que o braço do homem estava a ficar cansado.

“Então fizeram buscas no meu apartamento, huh? Bem, tenho a certeza que já sabem o significado da lista. Sabem quem são os nomes riscados. Os filhos da mãe mortos.”

Bill sentiu-se ligeiramente chocado.

Era praticamente uma confissão.

Apanhámos mesmo o nosso homem, Pensou.

Estava contente que Riley e Lucy estivessem em posição de ouvir.

“O que é que lhe fizeram?” Perguntou Bill. “Fale-me no rapto.”

A expressão de Graham endureceu. Levantou a arma para apontar novamente diretamente a Bill.

“Era uma expécie de teste.”

Ficou parado e por um momento Bill pensou que dispararia. Mas depois baixou arma novamente. A arma ainda estava apontada a Bill, mas não da forma mais adequada.

Graham continuou a falar. “Nunca me disseram o que era. Mas quando me arrastaram para aquilo, estava determinado a conseguir safar-me. Queria fazer parte do que se estava a passar, ser um deles. Pensei que conseguia lidar com aquilo. Primeiro bateram-me e insultaram-me, e obrigaram-me a comer cartão e a beber vinagre. Não tive problemas com isso. Percebi que estavam impressioando.”

Os olhos de Graham moviam-se em todas as direções à medida que se lembrava.

“Depois puseram-me numa sala cheia de homens e obrigaram-nos a lutar. E eu queria ser o último a ficar de pé. Pensei que ganhasse, pensei que lhes tinha levado a melhor e que teriam que me aceitar e que seria um deles. Mas...”

A sua voz deteve-se. O rosto parecia magoado.

“Mas o quê?” Perguntou Bill.

“Afastaram-me e levaram-me para as colinas de Fort Mowat. Penduraram-me pelos pés numa falésia – chamam-lhe Larry’s Leap. E eu...”

Conteve um soluço. Não conseguia continuar.

Mas Bill compreendia sem que ele falasse. Pendurado naquela falésia, Graham tinha finalmente cedido de puro terror. Talvez tenha chorado como um bebé. Talvez até tenha urinado. A sua humilhação tinha sido total e horrível.

“Como é que obteve a lista?” Perguntou Bill.

“Por mim,” Disse Graham. Parecia estar a pensar, a lembrar-se. “Sou pianista. Sou cantor. Tenho uma audição perfeita. Lembro-me de cada som que ouço. Aqueles homens tinham máscaras nos rostos, mas consegui ouvir as suas vozes. Não me esqueci de uma única voz. Nos dias que se seguiram, ouvi atentamente tudo à minha volta – a caminhar, na messe, em todo o lado. Percebi quem eram eles, pelo menos alguns deles. Apontei os seus nomes.”

Bill tentou perceber o que estava a ouvir.

Se este homem era realmente esquizofrénico, quão precisa era a lista?

Mas alguns dos nomes estavam certos. Os nomes dos soldados que tinham sido mortos. Pope tinha-os identificado a Riley como os piores praxadores.

Bill pressentia que a atenção de Graham estava a divagar e que a sua determinação estava a fraquejar. A arma mexia-se para cima e para baixo.

Ele disse, “Baixe essa arma Brandon. Venha comigo. Vamos resolver isto tudo.”

Graham piscou os olhos algumas vezes, parecendo confuso. Durante um momento, Bill teve a certeza que ele ia aceitar.

Mas de repente, ainda a segurar a arma, Graham deixou-se cair na água.

“Filho da mãe!” Gritou Bill, tirando os sapatos.

Riley e Lucy corriam agora na sua direção.

“O que pensas que estás a fazer?” Perguntou Riley.

“Vou atrás dele,” Disse Bill.

Riley e Lucy começaram também a tirar os sapatos. Bill não queria que todos se atirassem à água.

“Nem pensem niss,” Disse. “Encontrem-se comigo na margem e ajudem-se a puxá-lo.”

Bill atirou-se de pés para a água. A queda pareceu mais longa do que esperava e a água estava surpreendentemente fria.

Voltou à superfície, cuspiu água salgada e recuperou o fôlego.

Chapinhando freneticamente, lutando com o peso das suas roupas, olhou à sua volta procurando Graham.

Veio uma onda e um pedaço do casaco de Graham veio à superfície. Bill teve a certeza de que tentava manter-se debaixo de água. Parecia querer afogar-se de propósito.

Bill estava a ficar furioso. Não ia permitir que isso acontecesse.

Tentou alcançar Graham debaixo de água puxando-lhe a roupa. Graham tentava afastá-lo. Outra onda levantou-os a amboa na água. Bill conseguiu segurar no colarinho do casaco e segurou-lhe na cabeça acima da superfície.

Então Bill bateu-lhe com quanta força tinha.

Atordoado com o golpe, Graham começou a afundar. Bill agarrou-o pelo cabelo, levantou o homem e virou-se. Começou a nadar com ele.

Nadando com dificuldade, Bill arrastou o homem até ao cais. Cada onda ameaçava devorá-los a ambos.

Por fim chegaram a águas rasas e Bill conseguiu levantar-se, tentando recuperar o fôlego. Mas as ondas embatiam contra ele agora e a correnteza era forte.

Graham agora estava queixoso.

“Deixe-me ir, deixe-me ir.”

Para seu grande alívio, Bill viu Lucy e Riley a aproximarem-se dele.

E Riley tinha as algemas prontas.

“Nós agora tratamos disto,” Disse ela a Bill.

Bill entregou o seu fardo a Riley e Lucy.

“Onde é que estão os agentes do ICE?” Perguntou Bill.

Lucy disse, “Na doca a evacuar as pessoas.”

Bill demonstrou a sua desaprovação.

“Raios, não vale a pena fazerem isso agora,” Disse ele. “Vou dizer-lhes para pararem.”

Bill dirigiu-se à margem. Mais exausto do que se apercebera estar, caiu de joelhos tentando sempre recuperar o fôlego.

Com uma profunda sensação de satisfação, ouviu Riley a dar-lhe conhecimento dos seus direitos.


CAPÍTULO QUARENTA


Quando a equipa ICE desceu do cais, os agentes da UAC entregaram-lhes o algemado e encharcado Brandon Graham. Riley viu o Sargento Matthews e a sua quipá a arrastarem o detido pela praia na direção do carro.

Graham gritava loucamente, “Deixem-me ir! Há mais homens nessa lista São patifes, não soldados! Não os vão deter, por isso eu tenho que o fazer!”

Riley viu e ouviu com curiosidade. O suspeito confessava os crimes para quem o quisesse ouvir.

Não havia dúvida de que tinham apanhado o assassino.

Mas ela reconheceu uma dúvida aborrecida que não conseguia descrever.

Terminámos o caso, Tentou convencer-se a si própria. Mas ainda não me consigo convencer disso.

Depois ouviu Bill a rir.

“Olhem para nós,” Disse o parceiro. “Belos agentes do FBI.”

Riley olhou para os outros dois e desatou a rir.

Estavam todos encharcados, com cabelos desgrenhados e roupas molhadas de água salgada. Pareciam mais sobreviventes de um naufrágio do que profilers da UAC.

“Vamos embora e mudar de roupa antes que assustemos alguém,” Riu Lucy.

Mas enquanto Riley e os seus companheiros atravessavam o areal em direção ao carro, aquela estranha dúvida instalou-se na sua mente.


*


Enquanto os agentes do ICE levaram o homem para o edifício do ICE, Riley e os colegas da UAC foram para a sua casa onde tomaram banho e vestiram roupa seca. Quando finalmente chegaram ao edifício do ICE, Larson estava lá para os saudar.

“Parabéns!” Disse ela. “Excelente trabalho!”

“O Graham já confessou?” Perguntou Riley.

Larson riu-se.

“Vezes sem conta. Apanhámo-lo. Ainda está a ser interrogado. Venham, vamos ver como está a correr.”

Larson conduziu Riley e os colegas até à sala de interrogatório onde ficaram numa sala exterior a olhar para um vidro transparente. O Sargento Matthews estava a conduzir o interrogatório. Graham estava embrulhado num cobertor, ainda molhado e a tremer.

Graham não parecia a Riley mais coerente do que na praia.

“Têm que me deixar sair daqui,” Dizia. “A responsabilidade é minha. É a minha vingança. Não têm o direito de ma roubar.”

Parecia impossível a Riley que este homem tivesse feito uma confissão lúcida. Também não lhe parecia que mantê-lo molhado fosse uma boa tática. O homem parecia não fazer ideia onde se encontrava.

Enquanto Riley pensava, o Sargento Matthews olhava friamente para Graham e fazia perguntas.

“Diga-nos onde escondeu a arma,” Dizia Matthews.

Os olhos de Graham reviravam-se. “Deixem-me ir. Sou um bom nadador.” Tentou debater-se mas os pulsos estava algemados à mesa. “Não têm o direito,” Dizia. “É a minha vingança. Minha, não vossa.”

A Coronel Larson não parecia partilhar da inquietação de Riley.

Disse, “Pode demorar um bocado, mas vai acalmar. Vai dizer-nos onde está a arma. Vai contar-nos tudo – como ia e vinha da base, como perseguia as vítimas, tudo. Vai ser uma história e tanto.”

A Coronel Larson olhou para Riley e os seus colegas, sorriu e abanou a cabeça de forma admirativa.

“Tenho que admitir, substimei-vos. Não voltarei a cometer o mesmo erro.”

Larson virou-se e foi para o seu gabinete.

Enquanto Riley via e ouvia o interrogatório, começou a compreender o que é que a incomodava. Nos dois locais de tiro, obtivera uma impressão distinta do assassino – uma impressão de uma mente calma, calculista, implacável.

Poderia este ser esse homem?

Tentou convencer-se que era possível. Sabia que até os assassinos aparentemente mais fortes quebravam.

Nessa altura, Bill deu um toque nas costas de Riley e Lucy.

Disse, “Que me dizem se saíssemos deste lugar? Eu estou pronto para dar isto por termiando. Vamos para a casa, arrumamos as malas e voamos para Quantico.”

Riley não fez comentários. Seguiu os colegas ao saírem do edifício. Quando entraram no carro, disse, “Eu conduzo.”

A caminho da casa na praia, Bill entrou em contacto com o piloto da UAC e disse-lhe para preparar o avião.

Mas quando Riley estacionou na casa, não lhe apeteceu fazer as malas. Ficou no lugar do condutor com o motor ainda ligado, tentando discernir algo na sua mente.

“Vocês vão entrando,” Disse a Bill e Lucy. “Tenho mais uma coisa a fazer.”

Bill pareceu intrigado.

“Riley, que raio se passa?” Perguntou.

“Nada, a sério,” Disse Riley, tentando parecer mais despreocupada do que se sentia. “Só uma ponta solta.”

Bill perguntou, “Queres que vá contigo?”

Ela abanou a cabeça. “Nâo é importante,” Disse ela.

“Bem, então sê rápida,” Disse ele. “O nosso avião parte daqui a uma hora.”

Bill e Lucy saíram do carro e entraram na casa. Riley virou o carro e conduziu até à parte principal da base, ainda sem saber o que queria fazer ou onde queria ir.

Regressou ao momento em que estava na ponta do cais. Bill e Graham estavam a apontar as armas um ao outro.

Recordou algo que Graham dissera...

“Penduraram-me pelos pés numa falésia – chamam-lhe Larry’s Leap.”

O terror daquela experiência fora demasiado para Graham.

Nunca conseguira recompor-se depois disso e tivera que ser “separado”, como o Exército lhe chamava.

Riley estacionou o carro, baixou o vidro e perguntou a soldado que passava.

“Pode dizer-me como chego a um lugar chamado Larry’s Leap?”

O soldado indicou o caminho.

“Vire na próxima à esquerda e siga aquela estrada até às colinas. Vê logo. Acredite em mim.”

Riley seguiu as indicações do soldado. E daí a pouco avistou uma falésia. Riley percorreu a estrada estreita até ao topo da falésia.

Estacionou o carro, saiu e caminhou até à borda.

O lugar oferecia uma vista espantosa de todo o campo.

Também era estonteantemente alta – tão alta como a falésia sobre o oceano onde se encontrara com o Soldado Pope.

Riley sentiu a vertigem.

Imaginou o lugar à noite com o campo iluminado lá em baixo.

Depois tentou imaginar como seria estar pendurado pelos tornozelos naquele precipício.

Estremeceu. Era um pensamento assustador. Não parecia estranho Brandon Graham ter quebrado sob aquelas circunstâncias.

E no entanto...

Pensou nos dois lugares onde tinha estado e onde tinha obtido uma sensação poderosa do atirador – a calma com que apontara a sua M110 ao Sargento Worthing, a astúcia e habilidade com que se escondera do helicóptero mesmo antes de matar o Soldado Barton.

Se tivesse sido sujeiro àquele teste de coragem, ter-se-ia deixado intimidar?

Riley tentou imaginar como seria para o homem que avaliara.

Era de noite e tinha sido raptado.

Jà tinha sido sujeito a espancamentos, forçado a comer cartão e a beber vinagre e tinha sido o último homem a ficar em pé numa luta entre vítimas da praxe.

E agora ali estava ele, suspenso pelos tornozelos, olhando para Fort Mowat.

Mas ele não estava assustado. Estava aborrecido e ofendido. Na verdade, estava lixado.

Estes tipos tinham uma grande lata em sujeitá-lo a um teste destes.

Ou qualquer outra pessoa.

Mesmo assim, disse aos seus carrascos...

“Obrigado, rapazes! Grande vista!”

A sua voz estava plena de riso e graça.

No final de contas, ele sabia perfeitamente bem que este era o teste final.

Ia ser aceite como um da elite agora – pronto a “fazer parte da matilha”.

Juntar-se-ia à matilha.

Mas também a reinventaria. Este comportamento, o que lhe fora feito e a outros, era inaceitável. Havia um cancro nesta grande organização – uma cultura de praxe vulgar, sem sentido e indisciplinada.

Competia-lhe a ele cortar o mal pela raiz.

Agora, tinha uma missão. Livrar-se-ia destes homens que eram os piores praxadores.

A honra assim o exigia.

O dever assim o exigia.

Só se os piores praxadores desaparecessem é que a organização poderia ser verdadeiramente de elite.

Riley abriu os olhos, perplexa.

Estremeceu com o entendimento daquela mente.

Estivemos sempre errados, Compreendeu. Não foi um ato de vingança de um homem que fora praxado.

Foi um ato de superioridade moral. Um homem que não podia tolerar ações desonrosas. Um homem que vivia para o Exército. Que queria que fosse perfeito. Que exigia que fosse perfeito.

E quando testemunhava a praxe de outros, era uma nódoa na sua honra pessoal.

Temos o homem errado, Percebeu.

Mais ninguém iria gostar da ideia, mas ela sabia que estava certa.

Apressou-se para o carro e começou a conduzir.


CAPÍTULO QUARENTA E UM


Ao descer Riley teve a sensação de certeza que lhe faltara quando haviam detido Brandon Graham. Com essa sensação veio alívio por finalmente saber o que a incomodava.

Ligou à Coronel Larson. A princípio, a voz da chefe do ICE fora agradável.

“Agente Paige, que surpresa. Onde está? No avião de regresso a Quantico?”

“Não exatamente,” Disse Riley.

“Então onde é que está?”

Riley engoliu em seco antes de prosseguir.

“Coronel Larson, não há forma fácil de lhe dizer isto. Brandon Graham não é o nosso atirador.”

Seguiu-se um silêncio.

“De que é que está a falar Agente Paige?” Perguntou por fim Larson.

Riley hesitou.

Como é que ia explicar a sua compreensão de tudo a Larson?

“Ouça, simplesmente sei que não é, OK? Vai ter que confiar no meu instinto.”

Larson afora parecia zangada.

“Agente Paige, isto é ridículo. O Graham confessou. E mesmo que não tivesse, temos bastantes provas circunstanciais. Ele tinha uma lista dos alvos – e riscou os que já tinham sido mortos. O que é que ele estaria a fazer com uma lista daquelas?”

Era uma boa pergunta e Riley sabia-o. Mas não tinha tempo de o discutir agora com Larson.

“Coronel Larson, vou buscar a minha equipa e encontramo-nos no edifício do ICE para reagrupar.”

Larson parecia incrédula.

“Para reagrupar? Nem pensar, Agente Paige, Isto acabou. Vá para casa, descanse. Parece precisar. Não vou ter esta investigação estragada por dúvidas irracionais. Você e os seus agentes devem afastar-se de agora em diante. Está claro?”

Durante um momento, Riley não respondeu. Lembrava-se do que Larson dissera há pouco...

“Tenho que admitir, substimei-vos. Não voltarei a cometer esse erro.”

Era óbvio que Larson não estava a cumprir a sua promessa.

“Coronel Larson, estou a falar a sério,” Disse Riley.

“Também eu. Espero que vocês os três apanhem o avião de regresso a Quantico. Vai desafiar-me?”

Riley engoliu em seco outra vez.

“Receio bem que sim Coronel,” Disse ela.

A voz de Larson era fria agora, “Então vai arrepender-se.”

A coronel do ICE desligou a chamada sem dizer mais uma palavra.

Alguns minutos depois Riley chegou à casa, estacionou e entrou. Encontrou Bill a caminhar de um lado para o outro falando ao telemóvel enquanto Lucy apresentava uma expressão alarmada.

Bill dizia ao telefone, “Não compreendo. Acredite em mim, ainda não tinha ouvido falar nisso.”

Depois Bill viu Riley.

“Ela acabou de chegar. Vou falar com ela. Vamos esclarecer as coisas.”

Bill terminou a chamada e olhou para Riley.

“Riley, não te importas de explicar que raio se passa?”

“Quem era ao telefone?” Perguntou Riley.

O rosto de Bill enrubesceu de exasperação.

“Era o Agente Especial Responsável Cartl Walder. O nosso chefe, lembras-te? Acabou de receber uma chamada da Coronel Larson.”

“Foi rápido,” Murmurou Riley.

Bill prosseguiu, “A Coronel Larson disse-lhe que tu disseste que tínhamos apanhado o tipo errado.”

“E apanhámos o tipo errado,” Disse Riley.

Tanto Bill como Lucy olharam para Riley com descrença durante um momento.

Riley disse, “Ouçam, fui até Larry’s Leap – o local onde o Brandon Graham quebrou. E o meu instinto não me enganou. Quantas vezes me enganei a respeito de uma coisa destas?”

Nem Bill bem Lucy falaram durante um momento.

Por fim Lucy disse, “E a confissão de Graham?”

Bill acrescentou, “E o que fazia com aquela lista?”

Riley tinha que parar para pensar. A Coronel Larson fizera a mesma pergunta. Mas agora que tinha a oportunidade de analisar todos os elementos na sua mente, sentiu que tudo começava a fazer sentido.

“Graham queria ser o assassino,” Disse ela. “Ele tinha rancor contra aqueles homens. Ele tinha vergonha por não ter superado o teste. E o facto de que alguém tinha a coragem de o fazer, deixava-o ainda pior. Estava desesperado por reclamar aquelas mortes.”

Lucy perguntou, “Então estás a dizer que ele está a fingir ser o assassino?”

Riley deteve-se e pensou por um momento. O homem na sala de interrogatório parecia sincero.”

“Não, é mais do que fingimento,” Disse Riley. “Lembrem-se, o mais certo é ser esquizofrénico. Conseguiu convencer-se até a si próprio. Neste omento, ele pode realmente acreditar que é o assassino.” Sorriu sombriamente ao imaginar a sala de interrogatório na sua mente. “Este homem vai manter quem o interroga aos círculos por muito tempo.”

Riley viu que as expressões de Bill e Lucy começavam a mudar. Começava a fazê-los compreender.

Disse, “Bill, acreditas realmente que ele era capaz de te matar para que os teus parceiros o matassem?”

Bill abanou a cabeça lentamente. “Não o pensei na altura. Se acreditasse que ia disparar teria disparado primeiro.”

Riley disse, “Pensem naquele homem miserável. Acreditam realmente que Brandon Graham seria capaz de perseguir uma presa sem ser visto? Ou levar a cabo um homicídio a sangue frio?”

Bill e Riley olharam um para o outro.

Lucy disse, “Não. Ele pode matar alguém por impulso. Mas não é o tipo de assassino que procuramos.”

Bill disse apenas, “Não.”

Riley suspirou de alívio.

“OK então,” Disse ela. “Temos que voltar ao trabalho – sem a ajuda do ICE. Não sabemos quão fiel era aquela lista mas é provável que alguns daqueles nomes sejam praxadores reais. O que significa que são alvos. Temos que parar isto antes que mais alguém morra.”

“É mais fácil dizer do que fazer,” Disse Bill. “Já não temos essa lista. Entregámo-la aos agentes do ICE quando a encontrámos no quarto de Graham.”

Lucy aclarou a garganta.

“Uh, isso não é necessariamente um problema,” Disse ela.

Com um sorriso tímido, ergueu o telemóvel e mostrou a Riley a a Bill uma foto da lista. Todos os nomes estavam perfeitamente visíveis.

“Tirei esta foto mal a vi,” Disse Lucy.

Riley riu.

“Bom trabalho Agente Vargas,” Disse ela. “Agora temos que encontrar estes homens o mais rapidamente possível.”

“Não deve ser difícil,” Disse Lucy.

Abriu o portátil e começou a escrever.

“Os registos dos recrutas de Fort Mowat estão disponíveis neste site. Consigo encontrar os pelotões e grupos a que pertence cada um destes homens.”

Riley ficou a ver Lucy a buscar a informação online.

Está cada vez melhor a fazer o seu trabalho, Pensou Riley.

Lucy virou o ecrã do portátil para que Riley e Bill pudessem ver.

Disse, “Já os tenho. Os nomes pertencem a seis unidades no total.”

Riley olhou para os nomes atentamente.

“OK,” Disse Riley. “Precisamos de nos dividir, visitar todas estas unidades e falar com todos estes soldados. Talvez consigamos encontrar alguma coisa. Pelo menos podemos avisá-los. Mas lembrem-se – não estamos apenas a avisar potenciais vítimas. Também estamos a tentar localizar um potencial assassino. Pode muito bem ser um da matilha. Qualquer pessoa com quem falemos pode ser o verdadeiro atirador. E sabemos como pode ser implacável. Tenham cuidado.”

Bill abanou a cabeça.

“A Coronel Larson nunca vai permitir isto,” Disse ele.

“Eu trato disso,” Disse Riley.

“Como?” Perguntou Bill.

Riley não respondeu. Estava prestes a fazer algo impróprio e o melhor era que Bill e Lucy não tivessem conhecimento do que era.

Pegou no telemóvel e digitou uma mensagem à Coronel Larson:


Peço desculpa. É claro que apanharam o homem certo. Eu e a minha equipa vamos partir para Quantico de imediato. Foi um prazer trabalhar consigo.


Riley olhou para cima e viu Bill a observá-la. Era óbvio que ele sabia o que ela tinha acabado de fazer. Mas sabia que não devia fazer perguntas.

Então Bill disse, “Vou ligar ao piloto e dizer-lhe para cancelar o voo.”

“Ótimo,” Disse Riley. “Mas fá-lo enquanto formos a caminho. Não temos tempo a perder.”

Todos se apressaram para o carro.

Se fizessem tudo bem, poderiam impedir que ocorresse outro crime.


CAPÍTULO QUARENTA E DOIS


Alguns minutos mais tarde, Riley estacionou o carro perto das casernas e ela, Bill e Lucy separaram-se para verificar os nomes individuais da lista de Graham.

A ansiedade de Riley crescia.

Temos que agir rapidamente, Pensou.

A Coronel Larson poderia descobrir que os agentes do FBI ainda estavam na base a fazer perguntas. E seria o inferno quando isso acontecesse.

Riley procurava dois soldados – Damien Temple e Otto Corbin. Foi à sua caserna e perguntou por eles ao seu sargento de instrução. O sargento direcionou Riley para uma carreira de tiro a curta distância.

Quando Riley chegou ao local, encontrou dois jovens a disparar contra alvos em movimento. Era tiro muito avançado e eles acertavam nos alvos de forma consistente.

“São os Soldados Temple e Corbon?” Perguntou ao aproximar-se deles.

“Sim, quem quer saber?” Perguntou um deles.

Riley mostrou o distintivo e apresentou-se.

Nenhum deles se mostrou particularmente impressionado.

“Posso experimentar?” Perguntou-lhes.

O Soldado Temple encolheu os ombros na direção do Sldado Corbin. Corbin assentiu.

“Sim, faça favor,” Disse Temple. Com um sorriso arrogante, entregou-lhe a shotgun de canos duplos. “Está carregada e pronta.”

Riley pegou na arma, ergueu-a e disse, “Larguem!”

Dois alvos voaram em direções opostas um contra o outro no ar. Riley disparou atingindo um dos alvos e depois disparou outra vez atingindo o outro alvo sem qualquer dificuldade.

Ambos os homens pareciam impressionadosquando Riley entregou a arma a Temple.

“Em que podemos ajudá-la?” Perguntou Temple.

Riley sabia que estava em território desconhecido. Nem sabia se Brandon Graham sabia o que estava a fazer quando colocara aqueles dois homens na sua lista. No final de contas, Graham tinha tendências psicóticas. Podia apenas ter imaginado que reconhecia as vozes durante a praxe. Seriam estes homens membros da sociedade secreta?

E como iria Riley convencê-los a falarem com ela?

Teria que fazer bluff para saber a verdade.

Podia dizer algumas coisas verdadeiras, mas tinha que agir como se soubesse mais do que na verdade sabia.

“Estou aqui para vos falar acerca da matilha,” Disse ela.

Temple e Corbin olharam um para o outro.

“Não sabemos de que é que está a falar,” Disse Corbin.

“Oh, tenho a certeza que sabem,” Disse Riley.

E isso era verdade. As suas expressões imediatamente revelara a Riley que conheciam muito bem a matilha.

Temple disse, “Se soubermos, porque é que devemos falar consigo sobre isso?”

“Porque um de vocês pode acabar morto se não falarem,” Disse Riley.

Os dois homens olharam para ela, surpreendidos.

Riley disse, “Tenho a certeza de que têm conhecimento dos recentes crimes ocorridos nesta base.”

Corbin encolheu os ombros inquieto e disse, “Sim, mas não prenderam há pouco alguém?”

“Não é o assassino,” Disse Riley.

Corbin e Temple mostraram sinais de nervosismo.

Estão a ficar nervosos, Pensou Riley. Isso é bom.

Riley disse, “Não vamos jogar jogos. Vocês fazem parte da matilha. E o atirador está a matar membros da matilha. Vocês estão na lista de alvos.”

Viu-os trocarem olhares céticos e acrescentou, “Existe uma lista. Eu via-a. É por isso que estou aqui. Mais cedo ou mais tarde o assassino vai chegar a vocês.”

Riley sabia que estava a jogar uma espécie de jogo de póquer verbal e tinha que continuar a fazer bluff de forma estratégica. Para os fazer falar na matilha, ela tinha que agir como se fosse uma perita. Isso requeria alguma especulação e trabalho de adivinhação.

Disse, Ouçam, a matilha não é um segredo. Talvez não se apercebam mas são um tanto famosos. O ICE sabe que existem há muito tempo. Tal como toda a cadeia de comando aqui em Mowat, até ao Coronel Adams. Não falam nisso por respeito pelo que vocês representam. Não é que seja uma coisa ilegal. É claro que os raptos são um pouco exagerados, mas não se consegue fazer uma omeleta sem partir alguns ovos, certo?”

Os homens olhavam para Riley fascinados.

“Eu venho de uma família de militares,” Disse Riley, “e respeito o que vocês fazem. O Exército já não é o que era, pois não? O treino já não é o que era. A guerra é mais perigosa do que nunca mas como nos podemos preparar nos dias que correm? Só se fala em sensibilidade e correção política e socialização, todo esse tipo de merda delicada.”

“Tem razão,” Resmungou Corbin.

“A matilha do lobo existe para corrigir isso,” Disse Temple.

Riley sabia que a sua tática estava a resultar. Só precisava de se manter no mesmo trilho.

Disse, “É claro que não é qualquer pessoa que pode ser um verdadeiro lobo.”

“Nem pensar,” Disse Corbin, abanando a cabeça. “Mas procuramos homens com potencial, quer saibam que o têm ou não.”

Temple acrescentou, “E tendo sobrevivido à praxe – se sobreviverem – estão prontos e ansiosos para se juntar à matilha, a elite das elites.”

Agora Corbin parecia ter ficado inquieto.

Disse a Temple, “Não devíamos estar a falar sobre isto. Mesmo que ela já tenha conhecimento. Fizemos um juramento. Nunca se fala na matilha do lobo.”

“Eu respeito isso,” Disse Riley. “Não vos estou a pedir que revelem segredos. Só preciso que me digam alguma coisa que me ajude a descobrir o assassino. No final de contas, ele está a abater membros da matilha.”

Corbin perguntou inquisitavamente, “Mas porquê? Porque é que somos alvos?”

“Está relacionado com as praxes,” Disse ela. “Alguém pensa que foram longe demais.”

“Alguém que tenhamos praxado?” Perguntou Temple.

“Exato,” Disse Riley. “Mas não alguém que quebrou. Ele pensa que a praxe não é digna de uma sociedade militar de elite. Está a abater os piores praxadores porque o ofendem.”

Corbin e Temple olharam um para o outro.

Ambos estremeceram.

Estes são dois dos piores, Pensou Riley.

Temple disse, “Então o assassino é um lobo? Um membro da matilha?”

“É a minha teoria,” Disse Riley. “Ouçam, não lhes estou a pedir para revelar segredos. Mas ocorre-lhes algum lobo que possa estar de alguma forma insatisfeito? Que pareça hostil em relação a homens como vocês?”

Riley percebeu que Corbin e Temple estavam a pensar seriamente.

Por fim, ambos abanaram a cabeça.

“Não me ocorre ninguém,” Disse Corbin.

“Somos um grupo unido,” Disse Temple. “Custa a acreditar que tenhamos um traidor entre nós. Nem imagino quem possa ser.”

Riley pressentiu que não lhe escondiam nada.

“Ele não se consideraria um traidor,” Corrigiu Riley. “Ele consideraria que vocês são todos traidores. Na verdade, ele considerar-se-ia o melhor de todos.”

Ficaram em silêncio, claramente desconfortáveis.

Riley disse, “O assassino usa uma espingarda de atirador M110.”

Os olhos dos soldados arregalaram-se.

“Uau, isso é que é poder de fogo,” Disse Temple.

Riley perguntou, “Conhecem algum lobo que tenha acesso a esse tipo de arma?”

Os soldados abanaram a cabeça.

Riley disse, “Bem, Um dos lobos tem. E seja ele quem for, deve esconde-la algures. Fazem ideia de onde poderá ser?”

Corbin e Temple pensaram durante alguns instantes.

Depois Corbin apontou para um ponto distante.

“Provavelmente o velho edifício de reuniões,” Disse ele. “Há muito espaço para esconder coisas por lá.”

Riley quase começou a fazer perguntas sobre o edifício.

Seria o “Covil” de que as vítimas de praxe haviam falado?

Depois lembrou-se – estava a praticar bluff, a agir como se soubesse o que havia para saber sobre a matilha.

Não mostres a tua mão, Lembrou a si própria.

“Obrigada, rapazes,” Disse ela. “Vou ver isso.”

Afastou-se da carreira de tiro, olhando na direção para onde Corbin tinha apontado. Do que as vítimas de praxe lhe tinham dito, ela sabia que tinha que ser um edifício grande, provavelmente um edifício abandonado.

Não deve ser difícil de encontrar, Pensou.


*


O corpo do Soldado Stanley Pope formigava. A Agente Especial Riley Paige vinha na sua direção e ele não queria ser visto. Andava a seguir a Agente Paige desde que ela saíra do carro na caserna, questionando o que é que ela e os seus colegas da UAC andariam a tramar.

Ouvira que alguém tinha sido preso pelos crimes. Então porque é que os agentes do FBI ainda andavam a vasculhar?

Pope estava dentro de um pequeno edifício que tinha algumas mesas e cadeiras, água e uma casa de banho para quem fizesse uma pausa na carreira de tiro. Não se podia aproximar dos atiradores sem ser detetado, mas estava demasiado longe para ouvir o que diziam.

O que é que aqueles patetas lhe disseram? Interrogou-se.

Na noite anterior encontrara-a na praia, tivera cuidado com o que dissera.

Nunca esqueceu o seu juramento.

Não falara da matilha do lobo.

Mas Pope sabia por experiência própria que Paige era tão esperta como dura.

Podia ter enganado Corbin e Temple para lhe contarem mais do que deviam.

Isso podia ser mau – muito mau.

Mas agora a Agente Paige deixara os homens na carreira de tiro e caminhava rapidamente na sua direção. Viu que pegou no telemóvel.

Pope desviou-se da janela do edifício, não sabendo ao certo o que dizer se ela entrasse e o visse ali. Mas a Agente Paige continuou a andar enquanto falava ao telemóvel, nem sequer levantando a cabeça.

“Como estão as coisas contigo Bill?” Perguntou.

Parou, ouviu por um momento, depois continuou a conversa. Pope estava à janela a ouvir.

“Que pena,” Disse ela. “Mas talvez eu tenha tido sorte. Consegues tirar uns minutos para verificares uma coisa comigo? Descobri onde é o Covil. Fica num velho edifício agora abandonado.”

Depois de nova pausa ela disse, “Ótimo. Fica no canto sudeste de Fort Mowat por isso fica mais perto de onde tu estás. Encontramo-nos lá.”

Terminaram a chamada e Riley seguiu o seu caminho.

Pope ficou arrepiado.

Ela sabe do Covil! Pensou. E agora até sabe onde fica!

Que aconteceria se ela e o parceiro lá fossem? Quem podiam lá encontrar agora?

Nem podia imaginar, mas não seria bom.

Felizmente, conhecia um atalho e podia lá chegar antes deles.

Pope saiu do edifício e desatou a correr.


CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS


Lucy Vargas hesitou à porta do enorme edifício abandonado. Haviam-lhe dito que ali poderia encontrar um dos soldados da sua lista – o Soldado Titus Mulligan. O seu sargento de instrução dissera que Mulligan se dera como voluntário para limpar este velho edifício.

O edifício de tijolo de três andares emergia na área como um fantasma gigante. Parecia não ser usado há muito tempo. Lucy interrogava-se porque é que não tinha sido deitado abaixo.

Depis lembrou-se de algo que o Soldado Shealy tinha dito sobre a sua praxe brutal...

“Fomos parar a um edifício.”

Questionou-se – seria este?

Não havia forma de saber. O seu trabalho era encontrar o Soldado Mulligan e avisá-lo que poderia ser um alvo do assassino.

Ou, como a Agente Paige havia prevenido, podia ser ele o assassino.

Lucy colocou a mão sobre a arma. Se fosse o caso, desta vez não hesitaria em atirar.


*


O lobo subiu as escadas até à varanda olhando para a área de reunião. Estava escuro no edifício abandonado, entando apenas pouca luz pela porta e janelas altas que tinham sido pintadas.

Como um lobo, ele farejou o ar húmido. Mesmo agora quando não estava ali ninguém, ele quase podia cheirar o odor a velas de uma cerimónia recente.

Ele gostava de estar no Covil e assumira a função de o manter tão limpo quanto um edifício condenado poderia estar. No final de contas, este porto secreto da matilha do lobo não estaria ali para sempre. Lobos ricos e influentes continuavam a fazer tudo ao seu alcance para impedir que fosse derrubado. Mas mais tarde ou mais cedo, este nobre e velho edifício estava condenado a perecer.

No final de contas, esse era o triste destimo de todas as coisas boas e nobres. Nada bom durava mais do que devia.

Entretanto, enquanto o edifício estivesse em pé, o lobo assumira a tarefa pessoal de manter a sua dignidade intacta.

Mas o edifício físico não era a única coisa que necessitava de uma limpeza. A matilha do lobo precisava de alguns retoques. Alguns membros não estavam à altura dos verdadeiros padrões militares.

Essas malditas praxes, Pensou.

Aquele comportamento estúpido e grosseiro não tinha lugar entre a elite. As praxes eram a única fonte e corrupção na sociedade secreta.

Custava-lhe acreditar que os outros lobos não vissem isso. Na varanda, ele lembrou-se o que o tinha impelido a agir – a praxe do Soldado Brandon Graham. Logo em baixo do local onde estava, Graham tinha sido sujeito a um teste ultrajante.

Lembrava-se de admirar o espírito de luta de Graham. A sua admiração crescera quando Graham foi o último a permenecer de pé. Devia ter sido o fim. Na verdade, um homem como Graham devia ter sido admitido na matilha do lobo sem qualquer iniciação. Qualquer pessoa podia ver que Graham encarnava o seu espírito. Só o seu registo de treino era suficiente para o provar.

Depois tudo terminou com aquele estúpido ritual em Larry’s Leap, uma situação absurda que nada provara sobre Graham como homem ou soldado.

Quando Graham finalmente cedeu, o lobo percebeu que a matilha do lobo necessitava de purificação. Dependia dele – e só dele – abater os piores praxadores, vingar o Soldado Graham pela injustiça contra ele cometida.

Ali na varanda, o lobo sentiu fúria e raiva contra a estupidez e a corrupção.

As suas memórias foram interrompidas pelo som da abertura da porta de entrada.

Ninguém ali deveria estar àquela hora do dia.

Uma linha do seu juramento perpassou-lhe pela mente...


Vou proteger a matilha do lobo de estranhos por todos os meios necessários.


Quando ouviu uma voz, retirou-se da varanda e foi buscar a sua arma.


*


Quando Lucy entrou pela porta de entrada disse, “Sou a Agente Especial Lucy Vargas do FBI. Estou à procura do Soldado Titus Mulligan. Está aqui?”

A sua ecoou pelo edifício escuro.

Ninguém respondeu.

Ela permaneceu na entrada, pensando se talvez o sargento de instrução se tivesse enganado.

Depois ouviu o som de algo a mover-se no interior do edifício.

Avançou, seguindo o som e viu-se numa enorme sala sombria com uma varanda.

“Titus Mulligan?” Gritou Lucy outra vez.

“Quem quer saber?” Respondeu uma voz masculina. A voz parecia vir da varanda.

“Sou a Agente Especial Lucy Vargas do FBI,” Repetiu. “Se é Titus Mulligan, pode estar em perigo. Quero falar consigo.”

“Que tipo de perigo?”

Agora Lucy podia ver uma sombra a mover-se entre as cadeiras da varanda.

A sua mão pousou sobre arma de forma reflexa.

Mas rapidamente deixou a mão relaxar. No final de contas, não tinha nenhuma razão para pensar que estava em perigo. Estava ali para avisar alguém que ele estava em perigo.

Falou-lhe, “Tenho a certeza de que tem conhecimento dos crimes ocorridos na base recentemente.”

“Sim,” Respondeu o homem.

“Temos razões para acreditar que você poderá ser um alvo.”

Ele não respondeu.

Depois Lucy acrescentou cautelosamente, “Isto é, se for Titus Mulligan.”

A figura riu um pouco. Parecia um riso amigável.

Lucy disse, “Venha até aqui para conversarmos.”

“Não me parece,” Disse a figura.

Ele avançou e um raio de luz de uma janela não pintada incidiu nele.

Lucy pensou de imediato que havia algo de errado com o seu rosto.

Depois percebeu – Não era o rosto.

Era uma máscara.

A máscara de um lobo.

À luz do dia também podia ver um brilho de metal – o cano de uma espingarda apontada a ela.

Lucy sacou a arma.

Depois ouviu um som atrás de si.

Percebeu que mais alguém entrava na sala.

E veio um flash da varanda, um barulho violento, um empurrão e uma dor aguda.

Lucy caiu para trás.

Demorou um momento a perceber que uma bala lhe tinha atravessado o corpo.


*


Bill acabara de chegar ao edifício abandonado quando viu uma figura esgueirar-se pela porta.

Depois ouviu um tiro vindo do interior do edifício.

Bill entrou no edifício. Deu com uma sala enorme e viu um homem a movimentar-se na direção de uma mulher que estava deitada no chão.

A mulher era Lucy – e sangrava do peito.

Intintivamente, Bill ergueu a arma e disparou contra o homem que girou e caiu no chão.

Só nessa altura viu que as mãos do homem estavam vazias.

Não segurava qualquer arma.

Mas Lucy erguera-se sobre um cotovelo. Ergueu a Glock e disparou seis tiros na direção da varanda.

Bill olhou a tempo de ver outro homem a cair.


*


Riley estava no exterior do edifício quando ouviu uma série de tiros.

Tentou não entrar em pânico quando entrou.

O que é que se passa?

Viu-se numa sala ampla, mal iluminada e com uma varanda.

Lucy estava deitada no chão, sangrando do peito. Bill segurava-a nos braços.

A expressão de Bill era estática e estava obviamente em estado de choque.

A alguns metros de distância, um homem gemia de dor. E mais distante, encontrava-se outro homem, a sangrar de vários ferimentos de bala. Aquele usava uma máscara de lobo e tinha uma espingarda M110 a seu lado.

A sua mente registara que alguém abatera o assassino e que duas pessoas estavam feridas. Bill tentava estancar a hemorragia de Lucy. Riley focou a sua atenção no homem que gemia.

Viu que era o Soldado Stanley Pope e que tinha sido atingido num ombro.

“O que aconteceu?” Perguntou-lhe Riley.

O seu rosto contorceu-se de dor e apontou para Lucy.

“Tentava ajudar,” Disse. “Mas então...”

Tinha demasiadas dores para terminar o seu pensamento.

O soldado estava ferido mas viveria.

“Vai ficar bem,” Disse Riley. “Aguente-se.”

Riley virou-se para Bill e Lucy.

Bill olhava para a mulher que tinha nos braços com uma expressão de horror estupidificado.

Eu... Eu disparei contra o homem errado,” Gaguejou Bill. “E a Lucy...”

Riley abanou Bill pelos ombros.

“Controla-te. Chama uma ambulância. Agora!”

Bill deitou Lucy no chão e pegou no seu telemóvel.

Riley levantou a cabeça de Lucy com um braço. Desesperou ao ver a quantidade de sangue que se espalhava pelo chão. Pressionou a ferida mas sabia que era tarde demais.

Lucy abriu os olhos. “Agente Paige...”

“Estou aqui,” Disse Riley.

Lucy tinha um sorriso fraco e agonizante no rosto.

“Consegui desta vez, não consegui? Não congelei... Como da última vez. Não fiz asneira. Matei o sacana.”

Riley ajoelhou-se a seu lado.

“Estiveste bem Lucy,” Disse ela. “Estás melhor a cada dia que passa.”

“Então tem orgulho em mim?” Perguntou Lucy.

Riley sentiu um nó de emoção na garganta.

“Oh, tanto, tanto orgulho. Abateste o atirador. Tens uma grande carreira à tua frente. Agora fica connosco Lucy. Fica connosco.”

Mas os olhos de Lucy fecharam-se e pareceu ficar inconsciente.

Riley sentiu lágrimas a correrem-lhe pelo rosto. Sentiu uma terrível agonia a formar-se dentro de si. Depois ouviu sirenes a aproximarem-se. Bill chamara-os mas Riley sabia que era tarde demais para Lucy.

Riley deitou cuidadosamente a cabeça da agente morta no chão.

Levantando-se e olhando para a cena caótica à sua volta, compreendeu pelo menos parte do que tinha acontecido. Bill vira Lucy no chão e disparara contra o homem que lhe parecera o seu atacante. No caos, tinha atingido Pope. Mas Lucy tinha abatido o atirador.

Depois ouviu outro som e procurou-o. O atirador mascarado ainda não estava morto. Riley limpou as lágrimas e dirigiu-se ao homem caído.

Tentava alcançar a sua arma. Quando já quase a tinha alcançado, Riley pontapeou-a para longe dele.

Pegou na sua própria arma. Olhos selvagens perscrutavam pelos buracos da máscara de lobo.

Numa voz esganiçada ele disse, “Eu vou proteger a matilha do lobo... De estranhos... Por quaisquer meios necessários.”

“Já não vai,” Rosnou Riley.

Apontou à testa do homem. Sangue gotejou debaixo da máscara.

“Isto foi pela Lucy,” Disse Riley ao homem morto.

A placa no uniforme dizia-lhe que o nome do assassino era Mulligan.~

Riley tirou a máscara e viu o seu rosto.

Não o reconheceu.

Mas tinha um rosto tão comum que duvidava reconhecê-lo mesmo que o tivesse visto antes.

Tinha o aspeto louro e de olhos azuis de um escuteiro.


CAPÍTULO QUARENTA E QUATRO


Riley tentou conter as lágrimas ao ouvir o Diretor do FBI Gavin Milner falar aos que ali estavam reunidos por Lucy Vargas. Chorara muito nos últimos dias e a dor que sentia no peito não passava. Esperava que aquele serviço fúnebre apaziguasse alguma daquela dor.

Como sempre, o homem bem vestido falou com uma voz suave e distinta.

“O que é que torna a bravura de jovens agentes como Lucy Vargas tão notável? Penso que é o facto de o perigo não ser segredo para eles. Eles passam incontáveis horas na academia a aprender quão perigoso será o seu trabalho. E depois aceitam o trabalho na mesma. Fazem o juramentoe cumprem os seus deveres a todo o custo – às vezes o custo é demasiado elevado.”

Riley mal acreditava que ouvira aquele mesmo homem a falar naquele mesmo auditório de Quantico há menos de duas semanas. Na altura falara de Riley...

“Todos temos uma dívida de gratidão para com o seu serviço – e para com o seu exemplo.”

Riley não se sentia grande exemplo naquele momento.

Certamente que não se sentia comparável a Lucy. Na curta carreira de Lucy, ela tinha atuado melhor que muitos agentes durante uma vida inteira. Há apenas alguns dias atrás, Riley e Bill tinham ido ao funeral de Lucy em Sacramento. Fora um dia de grande dor – e ao mesmo tempo uma celebração de uma vida corajosa e bem-sucedida. A dimensão do funeral surpreendera Riley. Muita da conversa tinha decorrido em Espanhol e Riley estava feliz por o seu Espanhol ser suficientemente bom para poder participar pelo menos um pouco.

Esta multidão em Quantico era menor e os procedimentos mais formais. Mas os pais e irmãos de Lucy também estavam nesta cerimónia. Riley e Bill tinham insistido com Meredith para que o FBI pagasse a sua vinda.

Fez bem a Riley ver o orgulho nos rostos dos irmãos de Lucy. Até os pais de Lucy pareciam orgulhosos apesar da dor. Sentiu que poderiam encontrar alguma paz depois da sua terrível perda.

Riley sentu-se profundamente infeliz ao ver a expressão despedaçada no rosto de Sam Flores. Era de partir o coração pensar no que poderia ter acontecido entre Sam e Lucy.

Agora nunca aconteceria.

Riley estava sentada ao lado de Bill. Colocou um braço à volta do dele e sentiu-o a tremer. Ela sabia que ele estava a ter dificuldade em lidar com o que tinha acontecido. Culpava-se pela morte de Lucy – por lá chegar um segundo depois do tiro fatal ser disparado e por ter atingido por engano um homem que a tentava ajudar. Pelo menos parecia que Stanley Pope iria recuperar totalmente do seu ferimento.

Ninguém culpava Bill pelo engano – muito menos Riley.

Mas ela sabia que demoraria muito tempo a Bill a sarar. Ele vira o futuro em Lucy.

E agora fora-lhe arrancado.


CAPÍTULO QUARENTA E CINCO


Quando Riley chegou a casa do serviço, esperava ter uma tarde tranquila. Mas para sua surpresa Liam estava em sua casa com April e Jilly. Pareciam sorumbáticos.

“O que é que se passa aqui?” Perguntou Riley.

April disse, “O pai do Liam expulsou-o de casa. Não tem para onde ir.”

April e Jilly olharam para Riley com expressões de apelo silencioso.

Riley sabia o que as filhas lhe pediam com esse olhar. Queriam saber se Liam podia ficar lá em casa durante uns tempos.

Riley resistiu ao impulso de dizer que não de imediato. Sentou-se com as filhas e com o rapaz de aspeto miserável.

“Vamos falar sobre isto,” Disse ela. “É tudo muito complicado.”

“Gostas do Liam, não gostas?” Perguntou-lhe Jilly.

Riley anuiu. Não conhecia Liam há muito tempo mas gostava muito dele. Tinha uma boa influência sobre April. As suas notas mais recentes haviam mais altas do que nunca. Liam até tinha despertado o interesse de April no xadrez a ponto de poder ir para o campo de xadrez. Também era bom a línguas. Era um rapaz com muitos dons.

Mas tivera azar na vida com um pai violento e uma mãe que tinha desaparecido há muito.

Ele merece uma oportunidade na vida, Pensou Riley.

Mas estava ela em posição de lhe dar essa oportunidade?

Tinha muito com que lidar na vida que tinha – uma vida profissional que lhe consumia tempo e trazia perigo para sua casa, e uma família que crescera mais rapidamente do que alguma vez imaginara.

Riley não sabia o que dizer. Nãon sabia o que podia fazer.

Gabriela entrou na sala com uma bandeja com bebidas frescas e snacks, depois sentou-se com eles. Riley percebia que Gabriela já sabia da conversa.

Agora Jilly começava a ficar emotiva.

“Ouve, faças o que fizeres, não o entregues ao sistema de adoções. Sei o que isso é. É simplesmente horrível.”

Riley sentiu um nó de emoção na garganta. Jilly passara pelo seu próprio inferno.

Riley nunca desejaria algo semelhante a outro jovem.

“Eu sei Jilly,” Disse Riley. “Mas...”

“Mas o quê?” Perguntou April.

Riley não sabia o que queria dizer.

April disse, “O Liam não tem amigos que o possam acolher. Somos a sua única hipótese.”

Riley lembrou-se de como se sentira quando encontrara Jilly pela primeira vez. Ela estava pronta a vender o próprio corpo só para sobreviver. Riley não conseguira virar costas a Jilly. Como poderia agora fazê-lo com um miúdo que precisava de ajuda? Como o podia deixar sem escolhas sobre a sua vida e futuro?

Não era a natureza de Riley.

Riley olhou para Gabriela e perguntou, “O que lhe parece?”

Gabriela sorriu de forma calorosa.

“Penso que sabe o que eu penso, Señora Riley.”

Riley devolveu-lhe o sorriso. No que lhe dizia respeito, a aprovação de Gabriela encerrava o assunto.

Disse a Gabriela, “Vai ser mais um para tomar conta quando estou fora.”

Gabriela riu-se.

“Tive seis irmãos e irmãs mais novos. E uma data de primos. Isto não é nada.”

Depois Gabriela debruçou-se para a frente e falou firmemente aos adolescentes.

“Mas tem que haver regras. As raparigas ficam nos seus quartos. Aqui será o espaço do Liam com o sofá para dormir. Terá espaço suficiente. Vou esvaziar alguns armários para ele. Pode usar a casa de banho do primeiro andar.”

Liam ficou boquiaberto.

“Isto está mesmo a acontecer?” Perguntou ele.

Riley soltou um riso de boas-vindas.

“Está mesmo Liam,” Disse Riley.

Gabriela apontou para Liam e April.

“Outra coisa. Aqui nesta casa, vocês os dois são irmão e irmã. Hermanos solamente. ¿Comprenden?”

April e Liam sorriram e anuíram.

“Sí, compreendemos,” Disse April.

“Perfectamente,” Acrescentou Liam.

Enquanto Gabriela continuou a discutir as regras e arranjos, Riley sentiu um calor que não sentia há muito tempo.

Penso que isto vai resultar, Pensou.


*


Mais tarde nessa noite, Blaine Hildreth apareceu com a filha sem se fazer anunciar. Crystal trazia um bouquet de lindas flores.

Na entrada Blaine disse, “A Crystal contou-me aquilo por que passaste. Soube pela April. Lamento muito o que aconteceu à tua amiga.”

Fez um sinal a Crystal que entregou as flores a Riley.

“Obrigada,” Disse Riley, genuinamente comovida. “Entrem por um pouco.”

Crystal foi logo para a sala para se juntar a April, Jilly e Liam.

“Queres uma bebida?” Pergguntou Riley a Blaine.

“Sim, obrigado,” Disse Blaine.

Riley foi para a cozinha e serviu duas bebidas. Sentaram-se juntos na sala de estar.

Blaine disse, “A Crystal também me contou que tens um novo membro na família.”

Riley sorriu e abanou a cabeça.

“Sim, não me consigo conter. Espero que todos consigamos lidar com isto.”

Blaine deu uma palmadinha na mão de Riley.

“Tu consegues. És uma pessoa maravilhosa e generosa.”

Riley sentiu emocionar-se. Mas estava determinada a não chorar. Já tinha chorado tanto nos últimos tempos e agradecia a vinda de sentimentos mais alegres.

“Obrigada, Blaine,” Disse ela.

Sentaram-se juntos em silêncio durante alguns momentos.

Depois Blaine disse, “Ouve, acerca da última vez que nos vimos – peço desculpa.”

“Eu também peço desculpa,” Disse Riley de forma sincera.

“Não há nada entre mim e a Laura. Estava apenas de visita e somos apenas amigos. Mas sei o que pareceu e...”

Abanou a cabeça envergonhado.

“Acho que estava a tentar provocar-te ciúmes,” Disse ele.

“Funcionou,” Disse Riley com um sorriso fraco.

Blaine encolheu os ombros e parecia estar a tentar encontrar as palavras certas para dizer.

“Ouve, eu não quero saber de outras. E tu?”

“Na verdade, nem me passou pela cabeça sair com outra pessoa,” Disse Riley.

Blaine pegou na mão de Riley.

“Está então combinado? Só eu e tu?”

Riley apertou-lhe a mão.

“Gostaria muito,” Disse ela.

Ficaram juntos de mãos dadas, olhando um para o outro num silêncio confortável.

Afinal este foi um bom dia, Pensou Riley.


CAPÍTULO QUARENTA E SEIS


Na manhã seguinte cedo, Riley acordou com uma chamada de Brent Meredith.

“Agente Paige, onde está neste momento?” Perguntou o chefe de equipa.

Riley sentou-se e esfregou os olhos, tentando entender a pergunta.

“Estou na cama,” Disse ela. “Acabei de acordar.”

“Em casa?” Perguntou Meredith.

“Sim.”

“Faça o que fizer, não vá à velha cabana do seu pai.”

Riley levantou-se da cama, de repente mais acordada.

“O que é que se passa?” Perguntou.

“Localizámos lá o Shane Hatcher.”

O coração de Riley quase lhe saltava pela boca.

“Como?” Perguntou.

“Depois da morte da mulher lá, pedimos ao xerife de Milladores para manter o lugar debaixo de olho – para estar atento ao aparecimento de Hatcher sobretudo. O xerife Garland andava pela propriedade a pé há pouco quando viu a porta da cabana aberta. Viu um homem Afro-Americano no seu interior.”

“Hatcher?” Perguntou.

“Pela descrição de Garland, não temos dúvidas.”

Riley começou a andar de um lado para o outro no quarto.

“Hatcher viu o xerife?” Perguntou.

“Ele pensa que não,” Disse Meredith.

Riley pensou se isso seria verdade. Poderia alguém aproximar-se tanto de Shane Hatcher sem que ele o visse?

Meredith continuou, “Enviei uma equipa SWAT para lá. E Rangers também. Estamos apenas à espera de colocar um helicóptero no local para ajudar a localizá-lo se fugir. Vamos cercá-lo completamente. Não há escapatória possível. Não desta vez. A equipa ou o prende ou o mata. Mas ordenei que tivessem extremo cuidado. Ambos sabemos como aquele homem pode ser perigoso.”

Riley não conseguiu falar durante um momento.

“Agente Paige? Ainda está aí?”

Riley disse, “Obrigada por me informar. Diga-me o que acontece.”

Riley terminou a chamada e continuou a caminhar.

Imaginou a propriedade. Os trinta hectares eram sobretudo floresta e a cabana era o único edifício. A propriedade unia-se ao parque nacional, por isso alguém conhecedor da floresta encontraria muitos lugares para se esconder.


Mas e Hatcher?

Riley lembrava-se de algo que ele dissera da última vez que haviam falado ao telefone...

“Não me volto a esconder na floresta. Sou uma pessoa da cidade.”

Até Shane Hatcher estaria vulnerável naquela floresta – pelo menos se a equipa o apanhasse de surpresa.

Mas podia ter uma hipótese se alguém o avisasse.

Riley pensou se lhe devia isso. No final de contas, ela agora sabia que ele iria ser morto ou capturado. Não o avisar significaria ser cúmplice na morte ou captura do homem que salvara a sua família mais do que uma vez.

Que o tinha conduzido ao assassino da mãe.

Andou pelo quarto, dividida. Não podia deixar que isso acontecesse. Se claudicasse, tudo bem. Mas não podia deixar que acontecesse com o seu consentimento.

Tenho que o contactar, Pensou.

Tinha duas formas de entrar em contacto com ele – através da morada de vídeo ou por mensagem.

Sentou-se na sua secretária, ligou o computador e abriu o programa de chat de vídeo.

Apesar de ali sentada, com as mãos a tremer, não fez nada.

Por alguma razão, não conseguiu digitar a morada.

Deu por si a pensar na mulher que tinha sido morta por Hatcher.

Shirley Redding não era culpada de nada exceto ser errática e pateta. Não merecia morrer.

E quanto mais tempo poderia aquela situação com Shane durar? Quão mais de poderia envolver na sua liberdade? Parecia que a Agente Roston estava a ponto de a acercar. Significaria o fim da sua carreira, da sua reputação e até o cumprimento de uma pena de prisão.

Quando acabaria esta espiral com Hatcher?

Talvez não mereça a minha ajuda, Pensou Riley. Já não.

Lembrou-se do que Hatcher lhe dissera...

“Estamos unidos pela cabeça, Riley Paige.”

Subitamente Riley foi acometida por uma incontrolável raiva.

É tempo de isso acabar, Pensou.

Olhou para o ecrã em branco mais do que devia.

Depois, finalmente, desligou o computador.

Sem pensar mais, retirou a pulseira dourada do seu pulso.

Usava-a há meses, mas estava farta. Atirou-a para o cesto do lixo.

Dentro de minutos, apanhá-lo-iam ou matá-lo-iam. Ele podia implicá-la. Ela podia ir para a prisão.

Mas pelo menos o seu drama com ele terminava.

Finalmente, chegara ao fim.

A tremer, Riley levou o telemóvel para a cozinha. Gabriela ainda não se tinha levantado, por isso preparou café e pequeno-almoço. Sentou-se, sentindo-se estranha, sabendo que o seu futuro estava por um fio.

Dali a nada, recebeu outra chamada de Brent Meredith.

A sua voz era de pesada desilusão.

“Ele fugiu. Foi-se antes de chegarmos. Os rangers do parque encontraram sinais de uso recente de uma mota num trilho do parque nacional. Aparentemente Hatcher tinha uma mota lá escondida. Por isso está a monte e é perigoso. É melhor ter cuidado Agente Paige.”

Riley agradeceu-lhe outra vez e terminou a chamada.

Quase instantaneamente, o seu telemóvel vibrou.

Era uma mensagem de Hatcher:


Sabia. Tinha a hipótese de me avisar. E ainda assim não disse nada.


Riley estremeceu com terror. Deveria responder? Antes que se decidisse, ele enviou-lhe outra mensagem:

Era um teste de lealdade. E falhou. Estamos conversados.

Riley ficou a olhar para a mensagem. Depois seguiram-se onze palavras arrepiantes.

Vai viver para se arrepender. A sua família já não sei.

Riley digitou desesperadamente:

Temos que falar.

Mas quando tentou enviar a mensagem, não a conseguiu enviar.

Hatcher tinha eliminado as comunicações entre eles de uma vez por todas.

Riley tremia e sentia faltar-lhe o fôlego.

Tinha um novo inimigo – um inimigo mais perigoso do que todos os criminosos que jamais enfrentara.

O que é que isso significava para Riley?

O que significava para a sua família?

Não fazia ideia do que esperar de seguida.

Mas fosse o que fosse, ela sabia que não seria bom.

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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