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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ALVOS A ABATER / Blake Pierce
ALVOS A ABATER / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Riley estava sentada na sua cama a olhar para um livro de psicologia. Não se conseguia concentrar com todo aquele barulho no quarto. Aquela música estridente estava novamente a tocar – “Don’t Let This Moment End” de Gloria Estefan.
Quantas vezes ouvira aquela canção estúpida só naquele tarde? Parecia ressoar em todos os quartos do dormitório por aqueles dias.
Riley gritou acima da música para a sua companheira de quarto...
“Trudy, por favor acaba com este momento! Ou pelo menos com esta canção. Ou então dá-me um tiro.”
Trudy riu-se. Ela e a Rhea estavam sentadas na cama de Trudy no outro lado do quarto. Tinham acabado de arranjar as unhas uma da outra e agora agitavam as mãos no ar para secarem.
Trudy disse, “Claro que não o farei.”
“Estamos a torturar-te,” Acrescentou Rhea. “Nâo terás paz até saíres connosco.”
Riley disse, “É quinta-feira.”
“E então?” Perguntou Trudy.
“Então. Tenho uma aula amanhã de manhã cedo.”
Rhea disse, “Desde quando é que precisas de dormir?”
“A Rhea tem razão,” Acrescentou Trudy. “”Nunca conheci tamanha notívaga na minha vida.”
Trudy era a melhor amiga de Riley, uma rapariga loura com um sorriso generoso e pateta que encantava a maioria das pessoas que conhecia, sobretudo os rapazes. Rhea era uma rapariga morena – mais bonita do que Trudy e de natureza mais reservada, apesar de tentar acompanhar ao máximo o gregarismo de Trudy.
Riley soltou um grunhido de desepero. Levantou-se da cama, caminhou em direção ao leitor de CDs de Trudy, desligou a música e depois regressou à sua cama e embrenhou-se novamente no livro de psicologia.
E claro, sem mais delongas, Trudy levantou-se e voltou a ligar a música – não tão alta como anteriormente, mas ainda assim demasiado alta para Riley se conseguir concentrar na leitura.

 

 

 


 

 

 


Riley fechou o livro.

“Vais fazer com que eu recorra à violência,” Disse ela.

Rhea riu-se e disse, “Bem, pelo menos mexias-te. Se continuares assim sentada, ainda ficas para sempre nessa posição.”

Trudy acrescentou, “E não venhas com histórias de que tens que estudar. Também estou nessa aula de psicologia, lembras-te? Sei que estás a adiantar a leitura desse livro estúpido – se calhar estás a adiantar semanas de leitura.”

Rhea gracejou horrorizada, “A adiantar leitura? Isso não é, tipo, ilegal? É que se não é, devia ser.”

Trudy deu uma cotovelada em Rhea e disse, “A Riley gosta de impressionar o Professor Hayman. Tem um fraquinho por ele.”

Riley passou-se, “Não tenho nada um fraquinho por ele!”

Trudy disse, “Desculpa, enganei-me. Porque é que terias um fraquinho por ele?”

Riley não conseguiu evitar pensar...

Talvez porque seja jovem e giro e inteligente?

Talvez porque quase todas as raparigas da aula têm um fraquinho por ele?

... mas guardou os seus pensamentos para si.

Rhea estendeu a mão e olhou para as unhas.

Disse a Riley, “Há quanto tempo é que não entras em ação? Quero dizer em termos de sexo.”

Trudy abanou a cabeça na direção de Rhea.

“Não perguntes,” Disse ela. “A Riley assumiu um voto de castidade.”

Riley revirou os olhos e disse a si mesma...

Nem te dês ao trabalho de responder àquilo.

Então Trudy disse a Rhea, “A Riley nem toma a pílula.”

Riley ficou chocada com indiscrição de Trudy.

“Trudy!” Disse ela.

Trudy encolheu os ombros e disse, “Não me fizeste exatamente prometer segredo.”

Rhea estava espantada. Desta vez, o seu horror parecia genuíno.

“Riley. Diz-me que é mentira. Por favor, diz-me que ela está a mentir.”

Riley não respondeu.

Se elas ao menos soubessem, Pensou.

Não gostava muito de pensar nos rebeldes anos de adolescente e muito menos falar neles. Tivera sorte em não engravidar ou apanhar alguma doença horrível. Na faculdade, passara a dosear melhor várias coisas – incluindo o sexo, apesar de andar sempre com uma caixa de preservativos na mala só para prevenir.

Trudy voltou a levantar o som da música.

Riley suspirou e disse, “Ok, eu desisto. Onde querem ir?”

“Ao Centaur’s Den,” Disse Rhea. “Precisamos de beber.”

“Onde mais?” Acrescentou Trudy.

Riley saiu da cama de um salto.

“Estou convenientemente vestida?” Perguntou.

“Estás a brincar?” Disse Trudy.

Rhea disse, “A Den’s é informal, mas não tanto.”

Trudy foi até ao armário e remexeu a roupa de Riley.

Disse, “Tenho que fazer de tua mãe ou quê? Aqui tens o que deves usar.”

Trudy pegou num top às riscas e num par de calças de ganga, e entregou-os a Riley. Depois ela e Rhea foram até ao corredor para convidar algumas raparigas do andar delas a irem com elas.

Riley mudou de roupa, depois ficou a olhar para si própria no espelho do armário. Tinha que admitir que Trudy tinha escolhido a roupa ideal para ela. O top realçava o seu corpo elegante e atlético. Com o seu cabelo negro e longo, e olhos cor de avelã, podia muito bem passar por uma rapariga da faculdade à procura de festa.

Ainda assim, sentia-se estranhamente mascarada e não como Riley.

Mas as suas amigas tinham razão, ela passava demasiado tempo a estudar.

Era certo que ela exagerava.

Tanto trabalho e nenhuma diversão...

Pegou num casaco de ganga e sussurrou ao espelho...

“Anda lá Riley. Vai e vive um pouco.”


*


Quando ela e as suas amigas abriram a porta da Centaur’s Den, Riley foi quase vencida pelo cheiro familiar mas sufocante do fumo de tabaco e pelo igualmente sufocante barulho da música heavy metal.

Hesitou. Talvez aquela saída tivesse sido um erro. Os acordes opressivos dos Metallica eram uma melhoria musical em relação à monotonia de Gloria Estefan?

Mas Rhea e Trudy estavam atrás dela e empurraram-na para dentro. Três outras raparigas do dormitório seguiram-nas e foram diretamente para o bar.

Perscrutando o ar repleto de fumo, Riley viu alguns rostos familiares. Ficou surpreendida por ver ali tantos numa noite a meio da semana.

A maior parte do espaço era uma pista de dança onde luzes se moviam sobre os miúdos que se contorciam alegremente ao som do refrão “Whiskey in the Jar”.

Trudy agarrou nas mãos de Riley e Rhea.

“Venham, vamos dançar as três!”

Era uma tática familiar – as raparigas dançavam juntas até despertarem a atenção dos rapazes. Não demoraria muito até estarem a dançar com rapazes e não entre elas – e a beber como doidas.

Mas Riley não estava com disposição para aquilo – ou para o barulho, já agora.

A sorrir, abanou a cabeça e afastou a mão de Trudy.

Trudy pareceu magoada por um momento, mas estava demasiado ruidoso no local para discutir. Então Trudy deitou a língua de fora e puxou Rhea para a pista de dança.

Claro, muito madura, Pensou Riley.

Irrompeu pela multidão até ao bar e pediu um copo de vinho tinto. Depois desceu as escadas onde as mesas preenchiam a cave. Encontrou uma mesa vazia onde se sentou.

Riley gostava mais de estar ali do que lá em cima. É verdade que o fumo do tabaco era ainda mais denso, a ponto de fazer arder os olhos. Mas havia menos confusão, apesar de um som de música abafada vindo de cima ainda vibrar no chão.

Riley beberricou o vinho lentamente, lembrando-se da sua adolescência. Ela conseguia sempre arranjar o que quisesse beber a partir dos conhecimentos adultos que tinha na pequena cidade de Larned. Naquela altura, a sua bebida de eleição era o whiskey.

Pobres tio Deke e tia Ruth, Pensou. Devido à sua fúria e aborrecimento, dera-lhes algumas chatices.

Talvez os possa compensar um dia.

Os seus pensamentos foram interrompidos por uma voz masculina.

“Olá.”

Riley olhou para cima e viu um tipo grande, musculado, razoavelmente bem parecido a segurar numa caneca de cerveja e a olhar para ela com um sorriso confiante e devasso.

Riley devolveu-lhe o olhar com uma expressão que perguntava silenciosamente...

“Conheço-te de algum lado?”

Claro, Riley sabia exatamente de quem se tratava.

Era Harry Rampling, o quarterback da equipa de futebol da universidade.

Riley já o vira a fazer aquela mesma abordagem com muitas outras raparigas – apresentando-se sem se apresentar porque assumia que já era mais do que conhecido de todas as mulheres do campus.

Riley sabia que aquela tática geralmente resultava. Lanton tinha uma péssima equipa de futebol e não era provável que Harry Rampling viesse a ter uma carreira no futebol profissional, mas era um herói ali em Lanton e estava sempre rodeado por raparigas.

Ela limitou-se a olhar para ele com uma expressão trocista, como se não fizesse a mínima ideia de quem ele era.

O seu sorriso desvaneceu-se um pouco. Não era fácil perceber à fraca luz, mas Riley suspeitou que ele tivesse corado.

Então afastou-se, aparentemente envergonhado mas incapaz de se rebaixar à indignidade de se apresentar de facto.

Riley bebeu um pouco de vinho, desfrutando da sua pequena vitória e de um pouco de solidão.

Mas então ouviu outra voz masculina.

“Como é que fizeste isso?”

Outro tipo estava ao lado da sua mesa a segurar numa cerveja. Estava bem vestido, era elegante, um pouco mais velho do que ela e pareceu-lhe imediatamente mais atraente do que Harry Rampling.

“Como é que eu fiz o quê?” Perguntou Riley.

O homem encolheu os ombros.

“Repelir o Harry Rampling daquela forma. Livraste-te dele sem dizer uma palavra, nem sequer um ‘põe-te a milhas’. Não sabia que isso era possível.”

Riley sentiu-se estranhamente desarmada por aquele tipo.

Ela disse, “Borrifei-me com repelente para atletas antes de vir para cá.”

Mal disse as palavras, pensou...

Meu Deus, estou a ser espirituosa com ele.

Que raio pensava que estava a fazer?

Ele sorriu, saboreando a sua piada.

Sentou-se sem ser convidado no banco em frente a Riley e disse, “Chamo-me Ryan Paige e não me conheces de Adam. Não te censuro se esqueceres o meu nome em cinco minutos ou menos. Desde já te garanto que sou fácil de esquecer.”

Riley ficou alarmada com a sua audacidade.

Não te apresentes, Disse a si própria.

Mas acabou por dizer...

“Sou Riley Sweeney. Estou a estudar psicologia.”

Naquele momento sentiu-se a enrubescer.

Não havia dúvidas de que aquele homem era tranquilo. E a sua técnica de engate era tão casual que nem parecia uma técnica.

Esquecível, hah, Pensou Riley.

Ela já tinha a certeza de que não ia esquecer Ryan Paige facilmente.

Tem cuidado com ele, Disse a si própria.

Então Riley disse, “Hum... estudas aqui em Lanton?”

Ele anuiu e disse, “Direito. Também termino este ano.”

Disse-o como se não houvesse razão para ficar impressionada.

E é claro que ela ficou impressionada.

Ficaram a conversar durante algum tempo – Riley perdeu a noção do tempo.

Quando ele lhe perguntou o que é que ela planeava fazer depois de se formar, Riley teve que admitir que não tinha a certeza.

“Vou procurar um emprego qualquer,” Disse-lhe. “Se quero trabalhar no meu ramo terei que fazer uma especialização.”

Ele assentiu e disse, “Eu tenho abordado várias firmas de advogados. Algumas parecem prometedoras, mas tenho que tomar o próximo passo com cuidado.”

Ao conversarem, Riley apercebeu-se de que sempre que os seus olhos se encontravam e os seus olhares se fixavam por um momento, ela sentia um formigueiro no corpo.

Também lhe estaria a acontecer a ele aquilo? Ela reparou que ele desviou o olhar repentinamente algumas vezes.

Então, durante uma pausa na conversa, Ryan terminou a sua cerveja e disse, “Ouve, desculpa se tenho de ir, mas tenho uma aula de manhã e ainda tenho que estudar.”

Riley ficou estupefacta.

Ele não ia atirar-se a ela?

Não, Pensou. Tem demasiada classe para fazer isso.

Não que ela não lhe interessasse – ela tinha a certeza que sim.

Mas ele sabia que não se aproximar tão rapidamente.

Impressionante, Pensou ela.

Ela respondeu, “Sim, eu também.”

Ele sorriu de forma sincera.

“Foi um prazer conhecer-te, Riley Sweeney.”

Riley devolveu-lhe o sorriso.

“Foi um prazer conhecer-te, Ryan Paige.”

Ryan riu-se e disse, “Ah, lembraste-te.”

Sem dizer mais uma palavra, levantou-se e foi-se embora.

Riley ficou confusa com o que tinha acabado de acontecer. Não tinham trocado números de telefone, ela não tinha referido o dormitório em que estava e não sabia onde é que ele vivia. E ele nem a tinha convidado para saírem no futuro.

Não era porque ele não esperasse que fosse um encontro a sério, ela tinha a certeza.

Não, ele era simplesmente confiante. Ele tinha a certeza de que os seus caminhos se voltariam a cruzar em breve e esperava que a química assumisse o seu papel.

E Riley acreditava que ele estava certo.

Nesse preciso momento, ouviu a voz de Trudy chamar.

“Ei, Riley! Quem era aquele tipo giro?”

Riley virou-se e viu Trudy a descer as escadas, carregando um jarro de cerveja numa mão e uma caneca na outra. Três outras raparigas do seu dormitório vinham logo atrás dela. Todas pareciam bastante bêbedas.

Riley não respondeu à pergunta de Trudy. Apenas esperava que Ryan já não as pudesse ouvir.

Ao aproximarem-se da mesa, Riley perguntou...

“Onde está a Rhea?”

Trudy olhou à sua volta.

“Não sei,” Disse numa voz arrastada. “Onde está a Rhea?”

Uma das outras raparigas disse, “A Rhea voltou para o dormitório.”

“O quê!” Disse Trudy. “Ela foi-se embora e não me disse nada?”

“Ela disse-te,” Informou outra rapariga.

Quando todas elas estavam prestes a sentarem-se na mesa, Riley levantou-se.

“Devemos ir embora,” Disse ela.

Protestando, as raparigas sentaram-se, rindo e obviamente preparando-se para uma longa noite.

Riley desistiu. Subiu as escadas e saiu do estabelecimento. Lá fora, respirou fundo. Era março e esfriava bastante à noite ali no Vale Shenandoah na Virginia, mas o frio era bem-vindo depois do ambiente tóxico do bar.

A caminhada até ao dormitório era curta e com boa iluminação. Sentia que a noite tinha corrido bem. Apenas tomara um copo de vinho, o suficiente para a relaxar e também encontrara aquele tipo...

Ryan Paige.

Sorriu.

Não, não se esquecera do seu nome.


*


Riley dormia um sono profundo e sem sonhos quando algo a acordou.

O quê? Pensou.

A princípio, pensou que talvez alguém a tivesse abanado pelos ombros.

Mas não, não era isso.

Ao olhar para a escuridão do seu quarto, ouviu o som novamente.

Um grito.

Uma voz repleta de terror.

Riley sabia que algo horrível tinha acontecido.


CAPÍTULO DOIS


Riley levantou-se antes de estar completamente acordada.

Aquele som tinha sido horrível.

O que seria?

Quando ligou a luz da mesa de acbeceira, uma voz familiar resmungou do outro lado do quarto, “Riley – o que é que se passa?”

Trudy estava deitada na sua cama vestida, protegendo os olhos da luz. Era óbvio que ali tinha caído bastante tocada pelo álcool.

Riley nem dera pela chegada da sua companheira de quarto.

Mas agora estava acordada.

Assim como todas as outras raparigas do dormitório. Ouviu vozes assustadas vindas dos quartos contíguos.

Riley calçou os chinelos, vestiu o robe e abriu a porta do quarto. Saiu para o corredor.

Outras portas se abriam. As raparigas espreitavam, perguntando o que é que se passava.

E Riley pode finalmente ver uma coisa que não estava bem. A meio do corredor, uma rapariga estava de joelhos a chorar.

Riley foi ao seu encontro.

Heather Glover, Apercebeu-se.

Heather estivera com elas no Centaur’s Den. Ainda lá estava com Trudy e as outras quando Riley se foi embora.

Agora Riley sabia – fora Heather que ouvira gritar.

Também se lembrou...

A Heather é a companheira de quarto da Rhea!

Riley aproximou-se da rapariga que chorava e ajoelhou-se a seu lado.

“O que é que se passa?” Perguntou. “Heather... o que é que aconteceu?”

Chorando e soluçando, Heather apontou para a porta aberta a seu lado.

Conseguiu dizer...

“É a Rhea. Ela...”

De repente, Heather vomitou.

Afastando-se da golfada de vómito, Riley levantou-se e espreitou pela porta do quarto. Pela luz que vinha do corredor, apercebeu-se de algo espalhado no chão – um líquido escuro. A princípio pensou tratar-se de refrigerante espalhado.

Então estremeceu ao perceber...

Sangue.

Já vira sangue daquela forma. Era inconfundível.

Entrou no quarto e de imediato viu que Rhea estava estendida na sua cama, completamente vestida e com os olhos abertos.

“Rhea?” Disse Riley.

Observou mais de perto. Então emudeceu.

A garganta de Rhea estava cortada de orelha a orelha.

Rhea estava morta – Riley não tinha a mínima dúvida.

Não era a primeira mulher assassinada que via na vida.

Então Riley ouviu outro grito. Por um momento pensou se o grito poderia vir de si.

Mas não – vinha de trás dela.

Riley virou-se e à porta encontrava-e Gina Formaro. Também ela estivera no Centaur’s Den nessa noite. Agora os seus olhos estavam esbugalhados e tremia, pálida com o choque.

Riley apercebeu-se que estava extremamente calma, nada assustada. Também tinha consciência que era provavelmente a única aluna do piso que não estava em pânico.

Cabia-lhe a ela certificar-se de que as coisas não se tornavam piores.

Riley pegou tranquilamente no braço de Gina e levou-a para o corredor. Heather ainda estava no local onde tinha vomitado a chorar. E outras alunas começavam a querer aproximar-se do quarto.

Riley fechou a porta do quarto e colocou-se à sua frente.

“Afastem-se!” Gritou à medida que as raparigas se aproximavam. “Não se aproximem!”

Riley ficou surpreendida com a força e autoridade que transpareceram na sua voz.

As raparigas obedeceram, formando um semicírculo à volta do quarto.

Riley gritou novamente, “Alguém ligue o 112!”

“Porquê?” Perguntou uma das raparigas.

Ainda ajoelhada no chão com uma poça de vómito à sua frente, Heather Glover conseguiu dizer...

“É a Rhea. Foi assassinada.”

De repente, uma mistura de vozes explodiu no corredor – algumas gritavam, algumas choravam. Algumas das raparigas investiram novamente na direção do quarto.

“Afastem-se!” Disse Riley outra vez, ainda a bloquear a entrada. “Liguem para o 112!”

Uma das raparigas que tinha um pequeno telemóvel fez a chamada.

Riley interrogou-se...

O que é que faço agora?

Só tinha a certeza de uma coisa – não podia deixar nenhuma das raparigas entrar no quarto. Já havia pânico suficiente. Seria pior se mais pessoas vissem o que se encontrava naquele quarto.

Também tinha a certeza de que ninguém devia andar numa...

Numa quê?

Numa cena de crime, Percebeu. Aquele quarto era uma cena de crime.

Riley lembrou-se – tinha a certeza que devia ter sido em filmes ou programas de televisão – que a polícia quereria que a cena do crime estivesse o mais imaculada possível.

Restava-lhe esperar – e manter toda a gente à distância.

E até àquele momento, estava a conseguir. O semicírculo de alunas começou a dispersar e as raparigas afastaram-se em grupos mais pequenos, indo para os quartos ou formando pequenos grupos no corredor para partilhar o seu horror. Havia quem chorasse e quem gemesse. Quem tinha telemóveis, ligava aos pais ou amigos para contar as suas versões do sucedido.

Riley pensou que talvez não fosse boa ideia, mas não tinha forma de as impedir. Pelo menos mantinham-se afastadas da porta que ela guardava.

E agora começava a sentir o horror.

Imagens da sua infância, inundaram o seu cérebro...


A Riley e a mamã estavam numa loja de doces – e a mamã estava a mimar Riley!

Estava a comprar-lhe muitos doces.

Estavam ambas a rir-se e felizes até...

Um homem dirigiu-se a elas. Tinha um rosto estranho, plano e sem expressão, algo parecido com um pesadelo de Riley. Riley demorou alguns segundos a perceber que ele usava uma meia de nylon na cabeça – do tipo que a mamã usava nas pernas.

E segurava numa arma.

Começou a gritar à mamã...

“A sua mala! Dê-me a sua mala!”

A sua voz parecia tão assustada como Riley.

Riley olhou para a mãe, à espera que fizesse o que o homem lhe mandava.

Mas a mãe ficara pálida e não parava de tremer. Parecia não compreender o que se passava.

“Dê-me a sua mala!” Gritou o homem novamente.

A mamã limitou-se a ficar ali agarrada à mala.

Riley queria dizer à mãe...

“Faz o que o homem te pede mamã. Dá-lhe a tua mala.”

Mas por alguma razão, as palavras não lhe saíram da boca.

A mãe cambaleou ligeiramente, como se quisesse fugir mas não conseguisse mexer as pernas.

Então viu-se um flash e ouviu-se um ruído terrível...

... e a mamã caiu no chão ao seu lado.

O seu peito estava tingido de vermelho e a cor ensopou a sua blusa e espalhava-se numa poça no chão...


Riley regressou ao presente graças ao som de sirenes a aproximarem-se. A polícia estava a chegar.

Sentiu-se aliviada por as autoridades irem assumir o controlo da situação...

Viu que os rapazes que viviam no segundo andar estavam a descer e a perguntar às raparigas o que é que se estava a passar. Também estavam vestidos de várias formas – camisas e calças de ganga, pijamas e robes.

Harry Rampling, o jogador de futebol que tinha abordado Riley no bar, foi até onde ela se encontrava. Passou pelas raparigas e ficou a olhar para ela por um momento.

“O que é que pensas que estás a fazer?” Perguntou ele.

Riley não disse nada. Sentiu que não valia a pena tentar explicar – não com a polícia prestes a aparecer a qualquer minuto.

Harry sorriu e deu um passo ameaçador na direção de Riley. Era óbvio que já lhe haviam dito que estava uma rapariga morta dentro do quarto.

“Sai do caminho,” Disse ele. “Quero ver.”

Riley manteve-se ainda mais firme em frente à porta.

“Não podes entrar,” Disse ela.

Harry disse, “Porque não, menininha?”

Riley lançou-lhe um olhar de desprezo, mas questionava-se...

Que raio estou eu a fazer?

Será que ela acreditava realmente que conseguiria manter fora daquele quarto um atleta decidido a entrar?

Estranhamente, teve a sensação que conseguiria.

Não havia dúvida que daria luta se necessário fosse.

Felizmente, ouviu passos no corredor e depois a voz de um homem a dizer...

“Acabem com isso. Deixem-nos passar.”

O ajuntamento de alunos dispersou-se.

Alguém disse, “Ali,” e três polícias caminharam na direção de Riley.

Ela reconheceu-os. Eram rostos familiares em Lanton. Dois deles eram homens, os agentes Steele e White. A outra era uma mulher, a agente Frisbie. Dois polícias do campus também apareceram.

Steele tinha excesso de peso e o seu rosto avermelhado fazia Riley suspeitar de que bebia demais. White era um homem alto que caminhava com uma postura relaxada e cuja boca parecia estar sempre aberta. Não parecia especialmente inteligente aos olhos de Riley. A agente Frisbie era uma mulher alta e robusta que sempre parecera a Riley amigável.

“Recebemos uma chamada,” Disse o agente Steele. Perguntou a Riley, “Que raio é que se passa aqui?”

Riley afastou-se da porta e apontou para ela.

“É a Rhea Thorson,” Disse Riley. “Ela está... “

Riley não conseguiu terminar a frase. Ainda tentava capacitar-se de que Rhea estava morta.

Limitou-se a afastar-se.

O agente Steele abriu a porta e entrou no quarto.

Então surgiu uma exclamação...

“Oh meu Deus!”

Os agentes Frisbie e White entraram de imediato.

Então Steele reapareceu e disse a quem ali se encontrava, “Preciso de saber o que aconteceu. Imediatamente.”

Ouviu-se um murmúrio geral de confusão e alarme.

Então Steele disparou várias perguntas, “O que sabem sobre isto? Esta rapariga esteve no quarto toda a noite? Quem mais estava aqui?”

Seguiu-se mais confusão com algumas raparigas a dizer que Rhea não tinha saído do dormitório, outras a dizer que ela fora à biblioteca, outras a afirmarem que saíra com alguém e mais algumas que atestavam que ela saíra para tomar uns copos. Ninguém vira mais ninguém ali. Não até ouvirem Heather a gritar.

Riley respirou fundo, preparando-se para calar as outras e contar o que sabia. Mas antes que pudesse falar, Harry Rampling apontou para Riley e disse...

“Esta rapariga tem agido de forma estranha. Estava aí plantada quando aqui cheguei. Como se tivesse acabado de sair do quarto.”

Steele dirigiu-se a Riley e disse...

“É verdade? Tens que te explicar. Começa a falar.”

Parecia estar a tentar alcançar as algemas. Pela primeira vez, Riley começou a sentir um pânico ligeiro.

Este homem vai prender-me? Interrogou-se.

Não fazia ideia do que poderia acontecer se tal sucedesse.

Mas a mulher polícia disse bruscamente ao agente Steele, “Deixa-a em paz, Nat. Não vês o que é que ela estava a fazer? Estava a guardar o quarto, a certificar-se de que ninguém entrava. Temos que lhe agradecer pelo facto de a cena do crime não estar contaminada.”

O agente Steele recuou, parecendo ressentido.

A mulher disse a quem estava presente, “Quero que todos fiquem onde estão. Ninguém se mexe, ouviram? E evitem falar.”

O grupo assentiu.

Então a mulher pegou em Riley pelo braço e afastou-a dos outros.

“Vem comigo,” Sussurrou bruscamente a Riley. “Nós as duas vamos ter uma conversinha.”

Riley engoliu em seco ansiosamente enquanto a agente Frisbie a levava dali.

Estou metida em sarilhos? Questionou-se.


CAPÍTULO TRÊS


A agente Frisbie segurou firmemente no braço de Riley enquanto percorriam o corredor. Passaram por umas portas duplas e acabaram por se entar na base das escadas. Por fim a mulher largou-a.

Riley esfregou o braço onde lhe doía um pouco.

A agente Frisbie disse, “Desculpa se fui um bocado bruta. Temos alguma pressa. Antes de mais nada, como é que te chamas?”

“Riley Sweeney.”

“Já te vi na cidade. Em que ano estás?”

“No último.”

A expressão dura da mulher suavizou-se um pouco.

“Bem, antes de mais nada, quero pedir-te desculpa pela forma como o agente Steele falou contigo. Pobre homem, ele não consegue evitar. É que ele é um... que palavra é que a minha filha usaria? Ah, sim. Um parvalhão.”

Riley estava demasiado assustada para rir. De qualquer das formas, a agente Frisbie não estava a sorrir.

Ela disse, “Orgulho-me do meu instinto certeiro – bem melhor do que o dos rapazes com quem trabalho. E neste momento, o meu instinto diz-me que tu és a única pessoa por aqui que me poderá dizer aquilo que eu quero saber.”

Riley sentiu inundar-se de outra onda de pânico quando a mulher de rosto fechado pegou num bloco de notas para começar a escrever.

Ela disse, “Agente Frisbie, eu não faço ideia... “

A mulher interrompeu-a.

“Podes estar surpreendida. Diz-me – como é que foi a tua noite?”

Riley ficou intrigada.

Como é que foi a minha noite?

O que é que isso tinha a ver com o que quer que fosse?

“Do princípio,” Disse Frisbie.

Riley respondeu lentamente, “Bem, estava no meu quarto a tentar estudar porque tenho uma aula amanhã de manhã, mas a minha companheira de quarto, a Trudy, e a minha amiga Rhea... “

De repente Riley calou-se.

A minha amiga Rhea.

Lembrou-se de estar sentada na sua cama enquanto Trudy e Rhea arranjavam as unhas e ouviam a Gloria Estefan demasiado alto, tentando convencer Riley a sair com elas. Rhea estava tão animada – a rir e maliciosa.

Nunca mais.

Nunca mais ouviria o riso de Rhea ou veria o seu sorriso.

Pela primeira vez desde que aquilo tinha acontecido, Riley sentiu-se à beira das lágrimas. Vergou-se contra a parede.

Agora não, Disse a si mesma com firmeza.

Endireitou-se, respirou fundo e continuou.

“A Trudy e a Rhea convenceram-me a ir ao Centaur’s Den.”

A agente Frisbie disse a Riley, “Que horas eram?”

“Cerca das nove e meia, penso.”

“E só saíram vocês as três?”

“Não,” Disse Riley. “A Trudy e a Rhea reuniram outras raparigas para irem. Éramos seis ao todo.”

A agente Frisbie apontava rapidamente o que Riley lhe relatava.

“Diz-me os nomes delas,” Pediu-lhe.

Riley não teve que parar para pensar.

“Erámos eu – e a Trudy Lanier e a Rhea, é claro. E a Cassie DeBord, a Gina Formaro e a companheira de quarto da Rhea, a Heather Glover.”

Durante um momento ninguém disse nada.

Deve haver mais alguma coisa, Pensou. Com certeza que ela se conseguia lembrar de algo mais para dizer à polícia. Mas o seu cérebro parecia preso àquele grupo imediato – e à imagem da amiga morta naquele quarto.

Riley estava prestes a explicar que não passara muito tempo com as outras raparigas no Centaur’s Den. Mas antes de poder dizer fosse o que fosse, a agente Frisbie guardou o bloco de lápis abruptamente no bolso.

“Muito bem,” Disse ela num tom muito formal. “É exatamente aquilo que eu precisava de saber. Vem.”

Enquanto a agente Frisbie a encaminhava de volta ao corredor, Riley interrogou-se...

“Muito bem?”

O que é que eu fiz de especial?

A situação no corredor permanecia igual com uma pequena multidão de alunos espantados e aterrorizados por ali. Mas tinham chegado mais duas pessoas.

Uma era o Reitor Angus Trusler, um homem minucioso e facilmente agitável que se misturou com os alunos no sentido de saber o que se estava a passar, apesar de eles terem ordens para não falar.

A outra pessoa era um homem mais velho alto e de aspeto vigoroso que usava uniforme. Riley reconheceu-o de imediato. Era o chefe da polícia de Lanton, Allan Hintz. Riley reparou que a agente Frisbie não pareceu surpreendida em vê-lo ali – mas também não parecia estar agradada.

Com as mãos nas ancas, ele disse a Frisbie, “Não se importa de nos dizer porque é que nos está a fazer esperar, Frisbie?”

A agente Frisbie lançou-lhe um olhar de mal disfarçado desdém. Era óbvio para Riley que a sua relação de trabalho era tensa.

“Fico feliz por ver que alguém o tirou da cama, senhor,” Ripostou a agente Frisbie.

O chefe Hintz emudeceu.

Tentando parecer tão autoritário como o chefe da polícia, o Reitor Trusler avançou e falou com Hintz de forma brusca.

“Allan, não gosto da forma como você e o seu pessoal estão a lidar com isto. Estes pobres miúdos já estão suficientemente aterrorizados. O que é que se passa – dizer-lhes para não se mexerem e não falarem, sem qualquer explicação? Alguns deles apenas querem regressar aos quartos e dormir. Alguns querem deixar Lanton e ir para junto das famílias durante algum tempo – e quem os pode censurar? Alguns até se perguntam se precisam de contratar advogados. É altura de lhes dizerem o que querem deles. Com certeza que nenhum dos nossos alunos é suspeito.”

Enquanto o reitor prosseguia o seu discurso inflamado, Riley questionava-se como é que ele tinha tanta certeza de que o assassino não estava ali mesmo no corredor. Custava-lhe acreditar que alguma das raparigas pudesse cometer um crime tão horrendo. Mas e os rapazes? E aquele Harry Rampling? Nem ele, nem qualquer dos outros rapazes parecia ter acabado de cortar a garganta a uma rapariga. Mas talvez depois de um duche e uma rápida muda de roupa... ?

Calma, Disse Riley a si própria. Não te deixes levar pela tua imaginação.

Mas se não era um aluno, então quem poderia ter estado no quarto de Rhea?

Riley lutou novamente para se lembrar se tinha visto mais alguém com Rhea no Centaur’s Den. A Rhea tinha dançado com alguém? Tinha tomado um copo com alguém? Mas Riley não se recordava de nada.

De qualquer das formas, aquelas perguntas pareciam não ter grande importância. O chefe Hintz não ouvia nada do que o Reitor Trusler estava a dizer. A agente Frisbie estava a falar com ele e a mostrar-lhe as notas que tirara na conversa que tivera com Riley.

Quando terminou, Hintz disse ao grupo, “Ok, ouçam todos. Quero que cinco de vocês venham até à sala comum.”

Referiu os nomes que Riley tinha dado à agente Frisbie, incluindo o dela.

Depois ele disse, “Os outros podem ir para os quartos. Rapazes, isso significa voltarem para o vosso piso. Toda a gente fique nos quartos durante a noite. Não saiam do edifício até vos ser dada autoriazação. E não pensem em deixar o campus nos próximos tempos. O mais certo é termos perguntas a colocar a muitos de vocês.”

Virou-se para o reitor e disse, “Certifique-se que todos os alunos do edifício recebem a mesma mensagem.”

O reitor estava desolado, mas conseguiu assentir. No corredor ouviam-se sussurros de insatisfação à medida que as raparigas dispersavam obedientemente em direção aos seus quartos e os rapazes voltavam para o seu piso.

O chefe Hintz e os agentes Frisbie e White conduziram Riley e as suas quatro amigas pelo corredor. Pelo caminho, Riley não conseguiu evitar olhar para o quarto de Rhea. Viu o agente Steele a vasculhar o seu interior. Não conseguiu ver a cama onde encontrara Rhea, mas tinha a certeza de que o seu corpo ainda ali estava.

De alguma forma, não parecia certo.

Quanto tempo demorarão até a removerem dali? Interrogou-se. Esperava que ao menos tivessem coberto o corpo, escondendo a horrível garganta esfacelada e os olhos abertos. Mas supôs que os investigadores teriam coisas mais importantes a fazer. E talvez estivessem todos habituados a ver coisas semelhantes.

Ela tinha a certeza de que nunca esqueceria a visão de Rhea morta e daquela poça de sangue no chão.

Riley e as outras dirigiram-se para a agradavelmente mobilidada sala comum e sentaram-se em várias cadeiras e sofás.

O chefe Hintz disse, “Eu e a agente Frisbie vamos falar com cada uma de vocês individualmente. Enquanto o fazemos, não quero que as outras falem umas com as outras. Nem uma palavra. Perceberam?”

Sem sequer olharem umas para as outras, as raparigas anuíram nervosamente.

“E por agora, não usem os telefones,” Acrescentou Hintz.

Todas assentiram novamente e ali ficaram a olhar para as mãos, para o chão ou para o espaço.

Hintz e Frisbie conduziram Heather até à cozinha adjacente enquanto o agente White vigiava relaxadamente Riley, Trudy, Cassie e Gina.

Alguns momentos depois, Trudy quebrou o silêncio. “Riley, mas que raio... ?”

White interrompeu, “Fica calada. Ordens do chefe.”

Seguiu-se o silêncio novamente, mas Riley percebeu que Trudy, Cassie e Gina estavam a olhar para ela. Riley virou o rosto.

Elas pensam que eu tenho culpa por estarem aqui, Apercebeu-se.

Então pensou – talvez seja verdade, talvez ela não tivesse dado os seus nomes. Mas o que é que ele podia ter feito? Mentir a uma agente da polícia? Ainda assim, Riley não suportava a desconfiança com que as amigas a encaravam. E não podia censurá-las por isso.

Afinal de contas, em que tipo de sarilhos é que estamos metidas? Pensou. Só por sairmos juntas?

Riley estava especialmente preocupada com Heather que ainda estava na cozinha a responder a perguntas. A pobre rapariga era particularmente próxima da companheira de quarto, Rhea. É claro que aquilo era um pesadelo para toda a gente, mas Riley nem conseguia imaginar quão duro estaria a ser para Heather.

Dali a nada, ouviram a voz do reitor a gaguejar desconfortavelmente no sistema sonoro do dormitório.

“Daqui fala o Reitor Trusler. Eu... eu tenho a certeza de que todos vocês já sabem que aconteceu algo terrível no piso das raparigas. Têm ordens do chefe da polícia Hintz para ficarem nos vossos quartos esta noite e não saírem do dormitório. Um agente da polícia ou um responsável do campus pode ir ao vosso quarto para falar com vocês. Respondam a todas as perguntas colocadas. Por agora, não planeiem sair do campus amanhã. Receberão mais informações em breve.”

Riley lembrou-se de algo que o chefe dissera...

“O mais certo é termos perguntas a colocar a muitos de vocês.”

Riley e as outras quatro raparigas eram as primeiras.

Começava a fazer sentido para ela. No final de contas, tinham estado com Rhea pouco antes da sua morte. Mas o que é que Hintz pensaria que elas sabiam?

O que é que ele pensa que eu possa saber? Interrogou-se.

Riley não fazia ideia.

Por fim, Heather saiu da cozinha acompanhada pela agente Frisbie. Heather parecia pálida e doente, como se estivesse prestes a vomitar novamente. Riley questionou-se – onde é que Heather ia passar a noite? Não podia voltar para o quarto que partilhara com Rhea.

Como se tivesse ouvido os pensamentos de Riley, a agente Frisbie disse, “A Heather vai passar o resto da noite no quarto do AR.”

Heather saiu abalada da sala comum. Riley ficou feliz por ver que a assistente residente fora ter com ela à entrada.

A agente Frisbie chamou Gina para entrar na cozinha onde Hintz estava à espera. Gina levantou-se e seguiu a mulher, deixando Riley, Trudy e Cassie envoltas num silêncio desconfortável. Parecia a Riley que o tempo tinha abrandado enquanto esperavam.

Por fim, Gina regressou. Sem dizer uma palavra às outras, atravessou a sala comum e saiu. Então a agente Frisbie chamou Cassie que foi até à cozinha.

Agora só restavam Riley e Trudy. Enquanto esperavam, Trudy não parava de lançar olhares zangados e de reprovação a Riley que gostava de poder explicar o que dissera na breve conversa que tivera com a agente Frisbie. Ela limitara-se a responder a uma pergunta simples. Não acusara ninguém de nada.

Mas o agente White ainda estava atento a elas e Riley não pode dizer nada.

Por fim, Cassie saiu da cozinha e voltou para o seu quarto, e Trudy foi a próxima a ser chamada.

Agora Riley estava sozinha com o agente White, sentindo-se isolada e com medo.

Sem nada com que se distrair, continuava a lembrar-se do corpo de Rhea, dos seus olhos abertos e da poça de sangue. Agora aquelas imagens estavam misturadas com memórias da sua própria mãe morta – há tanto tempo, mas ainda assim tão vívido na sua mente.

Como é que algo assim poderia estar a acontecer ali naquele momento no dormitório de uma faculdade?

Isto não pode estar a acontecer, Pensou.

Com certeza que não estava ali sentada a preparar-se para responder a perguntas cujas respostas não sabia.

Com certeza que uma das suas melhores amigas não tinha acabado de ser selvaticamente assassinada.

Já quase se convencera da irrealidade do momento quando a agente Frisbie saiu com Trudy da cozinha. Com uma expressão soturna, Trudy saiu da sala comum sem sequer olhar para Riley.

A agente Frisbie fez um gesto com a cabeça e Riley levantou-se e seguiu-a até à cozinha.

Isto não pode estar a acontecer, Continuava a dizer a si própria.


CAPÍTULO QUATRO


Riley sentou-se à mesa na cozinha, de frente para o chefe Hintz. Durante um momento, o chefe limitou-se a olhá-la, segurando no lápis sobre um bloco de notas. Riley interrogou-se se era suposto dizer alguma coisa.

Olhou para cima e viu que a agente Frisbie se tinha encostado a uma bancada. A mulher ostentava uma expressão amarga no rosto, como se não estivesse muito satisfeita com as entrevistas. Riley questionou-se se Frisbie estaria aborrecida com as respostas das raparigas ou com a forma como o chefe fazia as perguntas.

Por fim, o chefe disse, “Antes de mais nada, alguma vez a vítima lhe deu a entender que temia pela vida?”

Riley ficou impressionada com a palavra...

Vítima.

Porque é que ele não se limitava a tratá-la por Rhea?

Mas ela tinha que responder àquela pergunta.

Tentou recordar-se de conversas recentes, mas apenas se lembrou de conversas sem grande importância como aquela que tinham tido sobre a toma da pílula.

“Não,” Respondeu Riley.

“Alguém lhe desejava mal? Alguém se aborreceu com ela recentemente?”

A simples ideia parecia estranha a Riley. A Rhea era – tinha sido – tão agradável e amigável que Riley não conseguia imaginar que alguém pudesse ficar zangado com ela por mais de alguns minutos.

Mas pensou...

Será que me escapou alguma coisa?

E será que as outras raparigas tinham contado algo a Hintz que Riley desconhecia?

“Não,” Disse Riley. “Que eu saiba, ela dava-se bem com toda a gente.”

Hintz fez uma pequena pausa.

Então disse, “Diz-nos o que é que aconteceu quando tu e as tuas amigas chegaram ao Centaur’s Den.”

Riley foi inundada por uma imensidão de sensações – Rhea e Trudy a empurrarem-na para dentro do recinto onde pairava um nevoeiro denso de fumo de tabaco e a música ensurdecedora...

Teria que falar nesses pormenores?

Não, com certeza que Hintz apenas queria saber os factos simples.

Ela disse, “A Cassie, a Heather e a Gina foram diretamente para o bar. A Trudy queria que eu dançasse com ela e com a Rhea.”

Hintz revia as notas que tirara durante as entrevistas às outras raparigas que lhe tinham contado o que sabiam das ações de Riley, incluindo o facto de que Riley as deixara para ir para a parte inferior do estabelecimento.

“Mas não dançou com elas,” Disse ele.

“Não,” Afirmou Riley.

“Porque não?”

Riley ficou assustada. Porque é que a sua relutância em dançar era importante?

Então reparou que a agente Frisbie lhe lançava um olhar de apoio e abanava a cabeça. Parecia óbvio agora que a mulher considerava Hintz um parvalhão, mas nada podia fazer contra isso.

Riley disse lenta e cuidadosamente, “Eu simplesmente... bem, não estava com grande espírito de festa. Tentara estudar, mas a Rhea e a Trudy praticamente arrastaram-me para lá. Por isso comprei um copo de vinho e fui para o piso inferior.”

“Sozinha?” Perguntou Hintz.

“Sim, sozinha. Sentei-me numa mesa sozinha.”

Hintz percorreu as suas notas.

“Então não falou com mais ninguém enquanto esteve no Centaur’s Den?”

Riley pensou durante um momento e depois disse, “Bem, o Harry Rampling veio à minha mesa...”

Hintz sorriu ligeiramente ao ouvir o nome de Harry. Riley percebeu que, tal como a maioria da comunidade, o chefe tinha o quarterback em alta consideração.

Ele perguntou, “Ele sentou-se contigo?”

“Não,” Disse Riley. “Eu sacudi-o.”

Hintz mostrou-se incrédulo, aparentemente aborrecido com o facto de qualquer rapariga ter o fraco julgamento de rejeitar um verdadeitro herói como Harry Rampling. Riley começava a sentir-se um pouco exasperada. O que é que Hintz tinha a ver com as suas preferências? Em que é que isso estava relacionado com o que tinha acontecido a Rhea?

Hintz perguntou, “Falaste com mais alguém?”

Riley engoliu em seco.

Sim, ela tinha falado com outra pessoa.

Mas iria ela dar chatices àquele rapaz ao mencioná-lo?

Ela disse, “Hmm... um aluno de direito veio até à minha mesa. Sentou-se comigo e falámos durante um bocado.”

“E depois?” Perguntou Hintz.

Riley encolheu os ombros.

“Ele disse que tinha que estudar e foi-se embora.”

Hintz apontava algumas notas.

“Como é que ele se chamava?” Perguntou.

Riley disse, “Ouça, não sei porque é que ele é importante. Era apenas mais um rapaz no Centaur’s Den. Não há qualquer motivo para pensar... “

“Responde à minha pergunta.”

Riley engoliu em seco e disse, “Ryan Paige.”

“Já o tinhas encontrado?”

“Não.”

“Sabes onde é que ele vive?”

“Não.”

Riley ficou momentaneamente contente por Ryan se ter mantido tão misterioso, não lhe dando nem a morada, nem o número de telefone. Não sabia porque é que devia responder a perguntas sobre ele e não o queria meter em sarilhos. Quase parecia estúpido Hintz estar a pressioná-la sobre aquilo. E Riley percebeu pela forma como a agente Frisbie revirou os olhos que ela era da mesma opinião.

Hintz bateu com a borracha do lápis na mesa e perguntou, “Viste a Rhea Thorson com alguém em particular no Centaur’s Den? Quero dizer, para além das amigas com quem foi?”

Riley começava a sentir-se mais frustrada do que nervosa.

Será que Hintz não percebia nada do que ela acabara de dizer?

“Não,” Disse ela. “Como eu disse, fiquei sozinha. Depois disso não voltei a ver a Rhea.”

Hintz continuou a bater com a borracha e a olhar para as suas notas.

Perguntou, “O nome Rory Burdon diz-te alguma coisa?”

Riley pensou rapidamente.

Rory...

Sim, o primeiro nome era de alguma forma familiar.

Ela disse, “A Rhea parecia estar interessada nele. Via-a dançar com ele algumas vezes no Centaur’s Den.”

“Mas não esta noite?”

Riley conteve um suspiro. Ela queria dizer...

Quantas vezes é que tenho que lhe dizer que não voltei a ver a Rhea?

Mas em vez disso, disse simplesmente, “Não.”

Calculou que o Rory lá devia ter estado também e que as outras raparigas tinham dito a Hintz que tinham visto a Rhea com ele.

“O que é que sabes sobre ele?” Perguntou Hintz.

Riley fez uma pausa. O pouco que sabia parecia demasiado trivial para referir. Rory era um rapaz esquisito, alto, magro, com óculos de lentes grossas e todas as raparigas, exceto Riley, gozavam com a Rhea por estar interessada nele.

Ela disse, “Não muito, exceto que vive algures fora do campus.”

Apercebeu-se de que Hintz olhava novamente para ela, como se estivesse à espera que ela dissesse algo mais.

Será que o Hintz o considera um suspeito? Interrogou-se.

Riley tinha a certeza de que o chefe estava enganado se suspeitava de Rory. O rapaz era tímido e carinhoso, nada agressivo.

Riley ia dizê-lo a Hintz, mas o chefe da polícia olhou para os papéis à sua frente e continuou a fazer perguntas.

“Quando é que te foste embora do Centaur’s Den?” Perguntou.

Riley tentou calcular a hora – tinha sido bastante tarde.

Então Hintz disse, “Viste alguma das tuas amigas antes de te ires embora?”

Riley lembrava-se das raparigas a descerem as escadas e de como Trudy segurava o jarro de cerveja quando perguntou...

“Ei Riley! Quem era aquele tipo giro?”

Riley disse, “A Trudy, a Heather, a Gina e a Cassie desceram ao piso inferior. Disseram que a Rhea já se tinha ido embora. E foi nessa altura que eu me fui embora.”

Enquanto Hintz tirava notas, a cabeça de Riley começou a encher-se de perguntas, Ela lembrava-se de perguntar onde é que estava a Rhea e de a Trudy dizer...

“Não sei. Onde está a Rhea?”

... e de depois a Heather ter dito...

“A Rhea voltou para o dormitório.”

Riley interrogou-se – o que é que Heather ou qualquer uma das outras raparigas sabia sobre a partida de Rhea?

Saberiam se se tinha ido embora do Centaur’s Den sozinha ou acompanhada?

E o que é que tinham dito a Hintz sobre isso?

Riley queria perguntar, mas sabia que não podia.

“Saíste do bar sozinha?” Perguntou Hintz.

“Sim,” Respondeu Riley.

“E caminhaste sozinha para o dormitório?”

“Sim.”

O rosto de Hintz ensombreceu ao olhar para ela.

“Achas que foi sensato? A escola oferece serviço de acompanhamento para atravessar o campus à noite. Porque é que não o solicitaste?”

Riley engoliu em seco. Aquela parecia-lhe a primeira pergunta decente que Hintz colocara até ao momento.

Ela disse, “Sempre me senti segura a passar pelo campus à noite. Mas agora... “

A sua voz desvaneceu-se.

Agora as coisas são diferentes, Pensou.

Hintz mostrou-se novamente desagradado.

“Bem, espero que no futuro penses melhor. Sobretudo quando bebes muito.”

Os olhos de Riley abriram-se muito.

“Eu apenas bebi um copo de vinho,” Disse ela.

Hintz olhou para ela. Ela percebeu pela sua expressão que ele pensava que ela estava a mentir. As outras raparigas devem ter admitido que beberam muito e ele partiu do princípio de que também Riley o fizera.

Ela ficou magoada com a sua atitude, mas rapidamente pensou que o que quer que Hintz pensasse a seu respeito não era importante naquele momento. Seria estúpido e mesquinho ficar aborrecida com aquilo.

Hintz continuava a tirar apontamentos e disse, “É tudo – por agora. Deves obedecer às mesmas regras que todos no dormitório. Fica no teu quarto esta noite. Não saias do campus até aviso em contrário. Podemos ter que fazer mais perguntas em breve.”

Riley estava estranhamente assustada.

É tudo? Perguntou-se.

A entrevista terminou mesmo?

Porque ela ainda tinha perguntas a fazer, mesmo que Hintz não tivesse.

Uma pergunta em particular assombrava-a desde que descobrira o corpo de Rhea. Ela lembrava-se de entrar no quarto mal iluminado de Rhea e de ver a sua garganta esfacelada e olhos abertos -–mas não parara para observar o corpo com atenção.

Numa voz hesitante, disse a Hintz...

“pode dizer-me... sabe... “

De repente percebeu quão difícil seria fazer aquela pergunta.

Prosseguiu, “Antes de morrer... antes de ser morta... a Rhea foi...?”

Não conseguia proferir a palavra.

Violada.

E pela expressão vazia de Hintz, Riley percebeu que ele não fazia ideia do que ela estava a tentar perguntar.

Felizmente, a agente Frisbie percebeu.

Disse, “Não posso dizer com certeza – o médico-legista ainda está a caminho. Mas não me parece que tenha sido violada. Pareceu-me que as roupas não lhe foram tiradas durante o ataque.”

Respirando mais facilmente, Riley agradeceu em silêncio a Frisbie.

A mulher assentiu ligeiramente e Riley saiu da cozinha.

Quando Riley saía da sala comum, deu por si a pensar novamente no que as outras raparigas tinham dito a Hintz – por exemplo, se Rhea tinha saído do bar sozinha ou não. Saberiam alguma coisa sobre o que acontecera a Rhea que Riley desconhecesse? Afinal de cotas, tinham estado com ela até ela decidir ir embora.

Quando Riley percorria o corredor, viu que dois polícias do campus estavam à porta do quarto de Rhea, já barrado com fita de cena de crime. Estremeceu ao pensar que o corpo de Rhea ainda ali estava, esperando pela chegada do médico-legista. Era difícil para Riley imaginar alguém a dormir novamente naquele quarto – mas é claro que não ficaria vazio para sempre.

Riley abriu a porta do seu quarto que estava escuro. Viu Trudy a virar-se na cama de frente para a parede.

Ainda está acordada, Pensou Riley.

Talvez agora pudessem falar e Riley conseguisse obter algumas respostas às suas perguntas.

Riley fechou a porta, sentou-se na sua cama e disse, “Trudy, estava a pensar se podíamos conversar sobre as nossas entrevistas.”

Ainda virada para a parede, Trudy respondeu...

“Não devemos falar sobre isso.”

Riley ficou alarmada com o tom duro e gélido da voz de Trudy.

“Trudy, não me parece que seja verdade. O Hintz não me disse nada disso.”

“Dorme,” Disse Trudy.

As palavras de Trudy atingiram Riley dolorosamente. E de repente, pela primeira vez, Riley sentiu os olhos a encherem-se de lágrimas.

Já era suficientemente mau que Rhea tivesse sido brutalmente assassinada.

Agora a sua melhor amiga estava zangada com ela.

Riley tapou-se. As lágrimas corriam-lhe no rosto quando se lembrou de algo...

A sua vida mudara para sempre.

Só ainda não sabia como.


CAPÍTULO CINCO


Na manhã seguinte, Riley compareceu no auditório da universidade juntamente com outros alunos de aspeto sombrio. Apesar da disposição geral no campus ser péssima, Riley interrogou-se se toda a gente ali se sentia tão mal como ela. Pareceu-lhe que alguns estavam mais aborrecidos do que tristes. Outros pareciam nervosos, como se temessem cada movimento à sua volta.

Como é que se supera uma coisa destas? Interrogou-se.

Mas é claro que nem toda a gente era próxima de Rhea. Nem toda a gente a conhecia. Ficariam certamente horrorizados com a ideia de um homicídio ocorrido no campus, mas para muitos não seria um acontecimento com uma carga pessoal.

Mas era pessoal para Riley. Ela não conseguia libertar-se do horror que sentira ao ver...

Nem lhe ocorriam palavras para descrever o que vira. Ainda não conseguia pensar na amiga como um cadáver, apesar do que vira a noite passada.

A reunião daquele dia parecia completamente desligada do que acontecera. Também se estava a arrastar há imenso tempo, fazendo-a sentir-se ainda pior.

O chefe Hintz acabara de dar uma palestra severa sobre segurança no campus, prometendo que o assassino seria apanhado muito em breve, e agora o Reitor Trusler prosseguia falando de como as coisas regressariam à normalidade ali na Universidade Lanton.

Boa sorte, Pensou Riley.

Trusler disse que naquele dia não haveriam aulas, mas que retomariam a atividade normal na segunda-feira. Disse que compreendia se alguns alunos não se sentissem preparados para voltar às aulas de imediato e também se alguns deles quisessem ir para casa para estar com as famílias durante alguns dias, e os orientadores escolares estavam prontos a ajudar toda a gente a lidar com aquele horrível trauma, e... e... e...

Riley conteve um bocejo enquanto o reitor continuava a falar e a não dizer nada de útil, pelo menos para ela. Mal dormira a noite passada. Estava a entrar no sono quando a equipa do médico-legista chegou. Então ela foi para a porta observar num horror silencioso a equipa a levar uma forma coberta por um lençol numa maca.

Com certeza, Pensou, que não pode ser alguém que estava a rir e a dançar há apenas algumas horas atrás. Não pode ser a Rhea.

Depois daquilo, Riley não dormira. Não conseguia evitar invejar Trudy que parecia ter dormido a noite toda – provavelmente, calculou Riley, devido ao álcool que consumira durante a noite.

Naquela manhã, a assistente residente anunciara pelo intercomunicador aquela reunião. A Trudy ainda estava na cama quando Riley saiu do quarto. Quando Riley chegou à reunião, não vira Trudy no auditório.

Riley olhou à sua volta, mas não a viu. Talvez ainda estivesse na cama.

Não está a perder grande coisa, Pensou Riley.

Também não viu a companheira de quarto de Rhea, Heather, em lado nenhum. Mas Gina e Cassie estavam sentadas umas filas à sua frente. Tinham passado por Riley a caminho da reunião – aparentemente ainda zangadas com ela por ter dado os seus nomes à polícia.

Na noite anterior, Riley percebera porque é que elas se sentiam assim, mas agora já parecia criancice. Era também bastante poderoso. Perguntava-se se seria possível salvar aquelas amizades.

Naquele momento, aquela “normalidade” de o reitor falava parecia durar uma eternidade.

Por fim, a reunião terminou. Enquanto os alunos saíam do edifício, já os jornalistas esperavam no exterior. De imediato abordaram Gina e Cassie, fazendo-lhes todo o tipo de perguntas. Riley calculou que tivessem descoberto quem estava com Rhea na noite en que fora assassinada.

Se fosse esse o caso, também deveriam saber que Riley estivera com ela. Mas até àquele momento, não tinham dado por ela. Talvez fosse uma sorte que a Gina e a Cassie tivessem repelido Riley naquela manhã. De outra forma, ela estaria ali com elas a tentar responder a perguntas impossíveis.

Riley apressou o passo para evitar os jornalistas, seguindo o seu caminho entre os outros alunos. Ao caminhar, conseguia ouvir os jornalistas a interpelarem Gina e Cassie vezes sem conta com a mesma pergunta...

“Como é que se sentem?”

Riley sentiu invadir-se pela fúria.

Mas que raio de pergunta era aquela? Questionou-se.

O que é que esperavam que Gina e Cassie respondessem?

Riley não fazia ideia do que ela própria diria – exceto talvez para que a deixassem em paz.

Ainda estava repleta de sentimentos confusos e terríveis – choque, descrença, horror e muito mais. O pior sentimento de todos era uma espécie de alívio culpado por não ter tido o mesmo destino de Rhea.

Como é que ela ou as amigas podiam verbalizar isso?

E com que direito é que lhes perguntavam isso?

Riley foi até ao bar na asociação de estudantes. Ainda não tinha tomado o pequeno-almoço e estava a ficar com fome. No buffet escolheu bacon e ovos, e serviu-se de sumo de laranja e café. Então olhou à sua volta para encontrar um lugar para se sentar.

Ao fazê-lo viu Trudy que estava sentada sozinha numa mesa, afastada dos outros a comer o seu pequeno-almoço.

Riley engoliu em seco.

Atrever-se-ia a juntar-se a Trudy à mesa?

Será que a Trudy lhe falaria?

Não tinham trocado uma única palavra desde a noite passada quando Trudy dissera a Riley para dormir.

Riley reuniu a sua coragem e dirigiu-se à mesa onde se encontrava Trudy. Sem dizer nada, colocou o seu tabuleiro na mesa e sentou-se ao lado da companheira de quarto.

Durante alguns instantes, Trudy manteve a cabeça baixa, como se não notasse a presença de Riley.

Por fim, Sem olhar para Riley, Trudy disse, “Decidi não ir à reunião. Como é que correu?”

“Foi uma treta,” Disse Riley. “Eu também não devia ter ido.”

Pensou durante um momento, depois acrescentou, “A Heather também não estava lá.”

“Não,” Disse Trudy. “Ouvi dizer que os pais dela vieram buscá-la esta manhã. Acho que ninguém sabe quando é que ela volta – ou se volta.”

Trudy finalmente olhou para Riley e disse, “Ouviste o que se passou com o Rory Burdon?”

Riley lembrava-se de Hintz perguntar por Rory na noite anterior.

“Não,” Disse ela.

“Os polícias bateram à porta do apartamento dele a noite passada. O Rory não fazia ideia do que se passava. Nem sabia o que acontecera a Rhea. Estava apavorado por ser preso e nem saber porquê. Os polícias fizeram-lhe perguntas até chegarem à conclusão de que ele não era quem procuravam e então foram-se embora.”

Trudy encolheu ligeiramente os ombros e acrescentou, “Pobre rapaz. Não devia ter falado no nome dele àquele estúpido chefe da polícia. Mas ele não parava de fazer perguntas. Não sabia que mais dizer.”

Seguiu-se um silêncio. Riley deu por si a pensar em Ryan Paige e em como mencionara o seu nome a Hintz. Será que a polícia também tinha ido bater à porta de Ryan a noite passada? Era provável, mas Riley esperava que não.

De qualquer das formas, sentiu-se aliviada por Trudy estar finalmente a falar com ela. Talvez agora Riley se pudesse explicar.

Disse, “Trudy, quando a polícia cá chegou, aquela polícia perguntou-me o que é que eu sabia e eu não podia mentir. Tive que dizer que tinhas saído a noite passada com a Rhea. Também tive que lhe falar na Cassie, na Gina e na Heather.”

Trudy assentiu, “Eu percebo Riley. Não precisas de explicar. Eu compreendo. E peço desculpa... peço desculpa por te ter tratado como... “

De repente Trudy começou a chorar, as lágrimas a caírem-lhe do rosto.

Disse, “Riley, a culpa foi minha? Quero dizer, em relação ao que aconteceu à Rhea?”

Riley mal conseguia acreditar no que estava a ouvir.

“De que é que estás a falar, Trudy? É claro que não. Como é que podia ser culpa tua?”

“Bem, estava tão estúpida e bêbeda a noite passada, e não estava atenta ao que se passava, nem me lembro da Rhea sair do Centaur’s Den. As outras raparigas disseram que ela saiu sozinha. Talvez se eu... “

A voz de trudy apagou-se, mas Riley sabia o que ficara por dizer...

“... talvez se eu tivesse acompanhado a Rhea ao dormitório.”

Mas também Riley sentia essa culpa a inundá-la.

No final de contas, bem podia fazer a mesma pergunta a si própria.

Se não tivesse saído sozinha do Centaur’s Den e se estivesse por perto quando a Rhea se preparava para ir embora, e se a tivesse acompanhado...

Aquela palavra, se...

Riley nunca pensara que uma palavra pudesse ser tão terrível.

Trudy continuou a chorar e Riley não sabia o que fazer para que ela se sentisse melhor.

Perguntou-se porque é que também ela não estava a chorar.

É claro que já chorara na cama a noite passada, mas não chorara o suficiente – não perante uma coisa tão terrível. Com toda a certeza, ainda voltaria a chorar.

Ali ficou a debicar o pequeno-almoço enquanto Trudy limpava os olhos, assoava o nariz e se acalmava.

Trudy disse, “Riley, aquilo em que eu não consigo parar de pensar é porquê? Quero dizer, porquê a Rhea? Foi pessoal? Alguém a odiava o suficiente para a matar? Não vejo como é que isso é possível. Ninguém odiava a Rhea. Porque é que alguém odiaria a Rhea?”

Riley não respondeu, mas fazia as mesmas perguntas a si própria. Também se interrogava se os polícias já tinham respostas.

Trudy prosseguiu, “E será que conhecemos quem a matou? Será que a próxima é uma de nós? Riley, tenho medo.”

Mais uma vez, Riley não respondeu.

Mas ela tinha a certeza de que Rhea conhecia o seu assassino. Não sabia por que tinha essa certeza – ela não era polícia, nem sabia o que quer que fosse sobre criminosos. Mas algo lhe dizia que Rhea conhecia e confiava no seu carrasco – até ser demasiado tarde para se salvar.

Trudu olhou para Riley fixamente e disse, “Tu não pareces estar assustada.”

Riley foi apanhada de surpresa pelo comentário.

Pela primeira vez, ocorreu-lhe...

Não, eu não tenho medo.

Andava a sentir outras emoções fortes – culpa, dor, choque – e sim, horror. Mas o seu horror era de alguma forma diferente do medo pela sua própria vida. O horror que ela sentia estava relacionado com Rhea, era um horror ligado à tragédia de que fora vítima.

Mas Riley não tinha medo.

Interrogou-se – seria devido ao que acontecera à mãe há tantos anos, o som daquele tiro, a visão de todo aquele sangue, a incompreensível perda com que ainda hoje lutava?

Será que o mais terrível trauma que já sofrera a tinha fortalecido quando comparada às outras pessoas?

Por algum motivo, ela esperava que não. Não parecia certo ser assim tão forte, forte de uma forma diferente da das outras pessoas.

Não parecia muito...

Riley demorou alguns segundos a pensar na palavra adequada.

Humano.

Ela estremeceu ligeiramente, depois disse a Trudy, “Vou voltar para o dormitório. Preciso de dormir. Queres vir comigo?”

Trudy abanou a cabeça.

“Quero ficar aqui por um bocado,” Disse ela.

Riley levantou-se e deu um abraço rápido a Trudy. Então esvaziou o tabuleiro do pequeno-almoço e saiu da associação de estudantes. O caminho até ao dormitório era curto e ela estava aliviada por não ver jornalistas à vista. Quando chegou à porta de entrada do dormitório, parou por um momento. Ocorrera-lhe porque é que Trudy não quisera ir com ela. Não estava preparada para enfrentar o dormitório outra vez.

Em frente à porta, também Riley se sentiu estranha. É claro que passara ali a noite. Vivia ali.

Mas tendo passado algum tempo no exterior onde fora declarado o regresso à normalidade, fê-la questionar-se se estaria preparada para regressar ao edifício onde Rhea fora assassinada.

Respirou fundo e entrou.

A princípio pensou que estava bem. Mas à medida que continuou a caminhar pelo corredor, uma sensação de estranheza aprofundou-se. Riley tinha a sensação de estar a caminhar e a mover-se debaixo de água. Dirigiu-se logo para o seu quarto e estava prestes a abrir a porta quando se sentiu atraída pelo quarto mais ao fundo do corredor, o quarto que Rhea e Heather tinham partilhado.

Foi até lá e viu que a porta estava fechada e selada com fita da polícia.

Riley ficou ali a sentir uma súbita e horrível curiosidade.

Qual o aspeto do quarto agora?

Teria o quarto sido limpo desde a última vez que o vira?

Ou o sangue da Rhea ainda lá estava?

Riley foi tomada de uma terrível tentação – ignorar a fita, abrir aquela porta e entrar naquele quarto.

Mas ela sabia bem que não podia ceder a essa tentação. E é claro que a porta estava trancada.

Mas ainda assim...

Porque é que sinto isto?

Ficou ali tentando entender aquela necessidade misteriosa. Começou a perceber – estava relacionada com o próprio assassino.

Não conseguia evitar pensar...

Se eu abrir aquela porta, conseguirei entrar na sua mente.

É claro que não fazia sentido.

E era uma ideia aterradora – entrar numa mente maligna.

Porquê? Continuava a questionar-se.

Porque é que ela queria entender o assassino?

Porque é que ela sentia uma curiosidade tão pouco natural?

Pela primeira vez desde que aquilo acontecera, Riley sentiu medo...

... não por ela, mas medo dela própria.


CAPÍTULO SEIS


Na segunda-feira de manhã seguinte, Riley sentia-se profundamnete desconfortável ao sentar-se para assistir à aula de psicologia.

Era, no final de contas, a primeira aula a que assistia depois da morte de Rhea quatro dias antes.

Também era a aula para a qual tentara estudar antes de ela e as amigas terem ido ao Centaur’s Den.

Havia pouca gente na aula – muitos alunos em Lanton ainda não se sentiam preparados para regressar aos estudos. Trudy também lá estava, mas Riley sabia que a sua companheira de quarto também se sentia desconfortável com aquela pressa para regressar à “normalidade”. Os outros alunos estavam todos invulgarmente silenciosos nos seus lugares.

Ao ver o Professor Brant Hayman a entrar na sala, Riley ficou mais tranquila. Era jovem e muito bem-parecido. Ela lembrava-se da Trudy dizer a Rhea...

“A Riley gosta de impressionar o Professor Hayman. Tem um fraquinho por ele.”

Riley encolheu-se perante aquela memória.

Obviamente que não queria pensar que tinha um “fraquinho” por ele.

A questão é que ela estudara com ele quando era caloira. Ele ainda não era Professor, apenas um assistente. Já naquela altura ele lhe parecera um professor fantástico – informativo, entusiástico e às vezes divertido.

Naquele dia, a expressão do Dr. Hayman era séria ao pousar a mala na secretária e olhar para os alunos. Riley apercebeu-se que ele ia direto ao assunto.

Disse, “Reparem, há um elefante nesta sala. Todos sabemos o que é. Temos que limpar o ar. Temos que discutir isto abertamente.”

Riley susteve a respiração. Ela tinha a certeza que não ia gostar do que se ia passar de seguida.

Então Hayman disse...

“Alguém aqui conhecia a Rhea Thorson? Não como conhecida, não como alguém com quem se cruzavam de vez em quando no campus. Refiro-me a conhecer muito bem. A ser amigo.”

Riley levantou a mão timidamente e Trudy também. Mais ninguém na sala o fez.

Então Hayman perguntou, “O que é que vocês as duas têm sentido desde que ela foi assassinada?”

Riley encolheu-se um pouco.

Era, afinal de contas, a mesma pergunta que ouvira os jornalistas perguntarem a Cassie e Gina na sexta-feira. Riley conseguira evitar aqueles jornalistas, mas teria que responder àquela pergunta agora?

Recordou-se que aquilo era uma aula de psicologia. Estavam ali para abordar aquele tipo de questões.

E ainda assim Riley interrogou-se...

Por onde é que devo começar?

Ficou aliviada quando Trudy começou a falar.

“Culpada. Podia ter impedido aquilo de acontecer. Eu estava com ela no Centaur’s Den antes daquilo acontecer. Nem reparei que ela se tinha ido embora. Se ao menos a tivesse acompanhado... “

A voz de Trudy apagou-se. Riley ganhou coragem para falar.

“Eu sinto o mesmo,” Disse ela. “Afastei-me quando chegámos ao Den e não dei muita atenção à Rhea. Talvez se eu tivesse... “

Riley fez uma pausa, depois acrescentou, “Por isso também me sinto culpada. E mais. Egoísta, acho. Porque quis estar sozinha.”

O Dr. Hayman assentiu. Com um sorriso disse, “Então nenhuma de vocês acompanhou Rhea de volta ao dormitório.”

Depois de uma pausa, acrescentou, “Um pecado de omissão.”

A frase alarmou um pouco Riley.

Parecia estranhamente inadequado em relação ao que Riley e Trudy não tinham conseguido fazer. Parecia demsiado benigno, não suficientemente grave, não uma questão de vida ou de morte.

Mas é claro que era verdade.

Hayman olhou para o resto dos alunos.

“E vocês? Alguma vez fizeram – ou falharam – o mesmo tipo de coisa numa situação semelhante? Alguma vez deixaram uma amiga ir a algum lado à noite sozinha quando a deviam ter acompanhado? Ou talvez apenas tenham negligenciado fazer algo importante para a segurança de alguém? Não ter retirado as chaves do carro a alguém que tenha bebido demais? Ignorado uma situação que pudesse ter resultado num ferimento ou mesmo morte?”

Um rumor confuso percorreu a plateia de alunos.

Riley percebeu que era uma pergunta muito difícil.

No final de contas, se a Rhea não tivesse sido assassinada, bem Riley, nem Trudy teriam perdido um momento a pensar no seu “pecado de omissão”.

Teriam esquecido tudo.

Não era surpreendente que alguns dos alunos não se recordassem de situações semelhantes. E a verdade era que a própria Riley não se lembrava ao certo. Houvera outros momentos em que negligenciara a segurança de outra pessoa?

Poderia ser responsável pelas mortes de outros – nem que fosse por pura sorte?

Alguns instantes depois, várias mãos se levantaram relutantemente.

Então Hayman disse, “E os outros? Quantos de vocês não têm a certeza?”

Quase todos os outros alunos levantaram as mãos.

Hayman assentiu e disse, “Ok. Muitos de vocês podem ter cometido o mesmo erro a dada altura. Então quantas pessoas aqui se sentem culpadas pela forma como agiram ou pelo que deviam ter feito e não fizeram?”

Outro rumor confuso se apoderou da sala.

“O quê?” Perguntou Hayman. “Nenhum de vocês? Porque não?”

Uma rapariga levantou a mão e gaguejou, “Bem... foi diferente porque... suponho que porque... ninguém morreu, acho.”

Ouviu-se um múrmurio geral de concordância.

Riley reparou que outro homem entrara na sala. Era o Dr. Dexter Zimmerman, o responsável pelo Departamento de Psicologia. Zimmerman parecia ter estado do outro lado da porta a ouvir a discussão.

Riley tivera uma aula com ele no semestre anterior – Psicologia Social. Era um homem mais velho, de aspeto bondoso. Riley sabia que o Dr. Hayman o considerava o seu mentor – na verdade, era uma espécie de ídolo. Muitos alunos também o viam dessa forma.

Os sentimentos de Riley em relação ao Professor Zimmerman eram mais confusos. Ele fora um professor inspirador, mas não interagira com ele como os outros. Não sabia bem porquê.

Hayman explicou à turma, “Pedi ao Dr. Zimmermen para vir até cá e participar na discussão de hoje. Penso que nos ajudará. Ele ém a pessoa mais pespicaz que conheci em toda a minha vida.”

Zimmerman corou e riu-se.

Hayman perguntou-lhe, “Então o que pensa do que acabou de ouvir os meus alunos dizerem?”

Zimmerman inclinou a cabeça e pensou por um momento.

Então disse, “Bem, pelo menos alguns dos seus alunos parecem pensar que existe alguma espécie de diferença moral aqui. Se não ajudarmos alguém e essa pessoa se magoar ou morrer, é errado – mas não há problema se não houver consequências negativas. Mas eu não vejo qualquer distinção. Os comportamentos são idênticos. As consequências diferentes não alteram o facto de estarem certos ou errados.”

Um múrmurio percorreu a sala quando o significado do discurso de Zimmerman começou a ser assimilado.

Hayman perguntou a Zimmerman, “Isso significa que todos aqui deviam arcar com a culpa juntamente com a Riley e a Trudy?”

Zimmerman encolheu os ombros.

“Talvez seja o contrário. Sentir-se culpado faz bem a alguém? Vai trazer a jovem de volta? Talvez devamos ter sensações mais apropriadas neste momento.”

Zimmerman colocou-se em frente à secretária e olhou diretamente para os alunos.

“Digam-me, vocês que não eram muito próximos da Rhea. O que sentem em relação a estas duas amigas dela neste momento – Riley e Trudy?”

A turma ficou em silêncio por alguns instantes.

Então Riley ficou abismada por ouvir algumas pessoas a chorarem na sala.

Uma rapariga disse numa voz abafada, “Oh, sinto-me tão mal por elas.”

Outra disse, “Riley e Trudy, gostava que não se sentissem culpadas. Não deviam. O que aconteceu à Rhea já foi suficientemente mau. Nem consigo imaginar a dor que estão a sentir neste momento.”

Outros alunos concordaram.

Zimmerman sorriu para a turma.

Disse, “Calculo que a maioria de vocês sabem que a minha especialidade é patologia criminal. O trabalho da minha vida é tentar compreender a mente do criminoso. E nestes últimos três dias, tenho vindo a tentar perceber este crime. Até agora asó tenho a certeza de uma coisa. Foi pessoal. O assassino conhecia a Rhea e queria-a morta.”

Mais uma vez, Riley tentou compreender o incompreensível...

Alguém odiava a Rhea o suficiente para a matar?

Então Zimmerman acrescentou, “Por muito horrível que pareça, posso garantir-vos uma coisa. Ele não voltará a matar. A Rhea era o seu alvo, mais ninguém. E tenho a certeza de que a polícia o apanhará em breve.”

Apoiou-se na borda da secretária e disse, “Posso dizer-vos outra coisa – esteja o assassino onde estiver agora, ele não está a sentir o que todos vocês parecem estar a sentir. Ele é incapaz de sentir compaixão pelo sofrimento de outra pessoa – muito menos a verdadeira empatia que sinto nesta sala.”

Escreveu as palavras “compaixão” e “empatia” no quadro.

Perguntou, “Alguém me pode recordar a diferença entre estas duas spalavras?”

Riley ficou um pouco surpreendida por Trudy levantar a mão.

Trudy disse, “Compaixão é quando nos importamos com o que outra pessoa sente. Empatia é quando partilhamos os sentimentos de outra pessoa.”

Zimmerman anuiu e anotou as definições de Trudy.

“Exatamente,” Disse ele. “Então sugiro que todos nós coloquemos de parte os nossos sentimentos de culpa. Foquemo-nos na nossa capacidade de empatia. Separa-nos dos monstros mais terríveis do mundo. É preciosa – ainda mais num momento como este.”

Hayman parecia estar agradado com as observações de Zimmerman.

Disse, “Se todos estiverem de acordo, penso que devíamos terminar a aula por hoje. Foi muito intenso – mas espero que tenha sido útil. Lembrem-se, estão todos a processar sentimentos muito poderosos neste momento – mesmo aqueles de vocês que não eram próximos da Rhea. Não esperem que a dor, o choque e o horror desapareçam nos próximos tempos. Deixem as coisas seguirem o seu curso natural. São parte do processo de cura. E não hesitem em pedir ajuda aos terapeutas da escola. Ou aos colegas. Ou a mim e ao Dr. Zimmerman.”

À medida que os alunos se levantavam para ir embora, Zimmerman disse...

“Antes de saírem, dêem um abraço à Riley e à Trudy. Acho que precisam.”

Pela primeira vez no decurso da aula, Riley sentiu-se aborrecida.

O que é que o faz pensar que preciso de um abraço?

A verdade era que um abraço era a última coisa que queria naquele momento.

De repente, lembrou-se – fora aquilo que a incomodara no Dr. Zimmerman quando tivera aulas com ele. Ele era demasiado fofo para o seu gosto e era muito sensível em relação a imensas coisas e gostava de dizer aos alunos para se abraçarem.

Aquilo parecia um pouco estranho para um psicólogo especializado em patologia criminal.

Também parecia estranho para um homem tamanha empatia.

Afinal de contas, como é que ele sabia se ela e Trudy queriam ou não ser abraçadas? Nem se dera ao trabalho de perguntar.

Quão empático é isso?

Riley não conseguia evitar pensar que o homem era no fundo um falso.

Contudo, ali ficou estoicamente enquanto todos os colegas lhe davam um abraço cheio de compaixão. Alguns estavam a chorar. E Riley reparou que Trudy não se importava de ser alvo daquela atenção. Trudy sorria enquanto chorava a cada abraço.

Talvez seja eu, Pensou Riley.

Estaria algo de errado com ela?

Talvez ela não tivesse os mesmos sentimentos das outras pessoas.

Em breve acabaram-se os abraços e a maioria dos alunos saíra da sala, incluindo Trudy e o Dr. Zimmerman.

Riley estava contente por estar a sós com o Dr. Hayman. Dirigiu-se a ele e disse, “Obrigada pela discussão sobre culpa e responsabilidade. Precisava mesmo de ouvir isso.”

Ele sorriu-lhe e disse, “Ainda bem que pude ajudar. Sei que isto deve ser muito difícil para ti.”

Riley baixou a cabeça por um momento, ganhando coragem para dizer algo que queria dizer.

Por fim disse, “Dr. Hayman, talvez não se lembre, mas frequentei o seu curso de Introdução à Psicologia quando era caloira.”

“Eu lembro-me,” Disse ele.

Riley pôs o seu nervosismo de parte e disse, “Bem, sempre lhe quis dizer... que me inspirou a seguir pesicologia.”

Hayman pareceu um pouco alarmado.

“Uau,” Disse ele. “É ótimo sabê-lo. Obrigado.”

Ficaram a olhar um para o outro durante um momento. Riley esperava não estar a fazer figura de parva.

Por fim, Hayman disse, “Ouve, tenho-te observado nas aulas – os trabalhos que fazes, as perguntas que colocas, as ideias que partilhas com todos. Tens uma boa cabeça. E tenho a sensação... de que te questionas sobre o que aconteceu à tua amiga de uma forma em que os outros nem pensam – talvez nem queiram pensar.”

Riley engoliu em seco. É claro que ele tinha razão – quase estranhamente.

Isto sim é empatia, Pensou.

Lembrou-se da noite do homicídio quando ficara à porta do quarto de Rhea a desejar entrar, sentindo que poderia saber algo importante se pudesse transpor aquela porta naquele momento.

Mas o momento passara. Quando Riley conseguira finalmente entrar, o quarto estava limpo, com o aspeto de que nada ali tinha acontecido.

Disse lentamente...

“Quero realmente compreender... porquê. Quero realmente saber... “

A sua voz desvaneceu-se. Será que se atreveria dizer a Hayman – ou a qualquer outra pessoa – a verdade?

Que queria compreender a mente do homem que assassinara a sua amiga?

Que quase queria sentir empatia por ele?

Ficou aliviada quando Hayman assentiu, parecendo compreender.

“Sei como te sentes,” Disse ele. “Eu sentia o mesmo.”

Abriu uma gaveta na secretária, tirou de lá um livro e mostrou-lho.

“Podes levar isto,” Disse ele. “É um ótimo ponto de partida.”

O título do livro era Mentes Obscuras: A Personalidade Homicida Revelada.

Riley ficou alarmada por ver que o autor o Dr. Dexter Zimmerman.

Hayman disse, “O homem é um génio. Nem imaginas as perspetivas que ele revela neste livro. Tens mesmo que o ler. Pode mudar a tua vida. Não há dúvida de que mudou a minha.”

Riley sentiu-se avassalada pelo gesto de Hayman.

“Obrigada,” Disse.

“De nada,” Disse Hayman com um sorriso.

Riley saiu da sala e acelerou o passo ao sair do edifício em direção à biblioteca, ansiosa por se sentar com o livro à sua frente.

Ao mesmo tempo, sentiu alguma apreensão.

“Pode mudar a tua vida,” Dissera Hayman.

Mudaria para melhor ou para pior?


CAPÍTULO SETE


Na biblioteca da universidade, Riley sentou-se numa secretária que se encontrava num pequeno compartimento. Poucou o livro na mesa e ficou a olhar para o título – Mentes Obscuras: A Personalidade Homicida Revelada, por Dr. Dexter Zimmerman.

Não sabia bem porquê, mas ficou contente por ter começado a ler o livro ali e não no seu quarto. Talvez porque não quisesse ser interrompida ou que lhe perguntassem o que estava a ler e porquê.

Ou talvez fosse algo mais.

Tocou na capa e sentiu um estranho formigueiro...

Medo?

Não, não podia ser isso.

Porque teria medo de um livro?

Ainda assim, sentiu-se apreensiva, como se estivesse prestes a fazer algo proibido.

Abriu o livro e os seus olhos pousaram na primeira frase...


Muito antes de cometer um crime, um assassino tem o potencial de cometer esse crime.


Ao ler as explicações do autor para aquela declaração, sentiu-se a entrar num mundo obscuro e terrível – um mundo desconhecido, mas que parecia misteriosamente destinada a explorar e a tentar compreender.

Ao virar as páginas, foi sendo apresentada a assassino atrás de assassino.

Conheceu Ted Kaczynski, que tinha a alcunha de “Unabomber”, que usou explosivos para matar três pessoas tendo ferido mais vinte e três.

E depois havia John Wayne Gacy que gostava de se vestir de palhaço e entreter crianças em festas e eventos de caridade. Era apreciado e respeitado na sua comunidade, mesmo enquanto violava e assassinava trinta e três meninos e jovens, tendo escondido muitos dos corpos na sua casa.

Riley estava especialmente fascinada com Ted Bundy que confessou trinta homicídios – apesar de poderem ter ocorrido muitos mais. Bem-parecido e carismático, abordava as suas vítimas em lugares públicos e ganhava a sua confiança facilmente. Descrevia-se a si próprio como “o filho da puta mais frio que jamais conhecerão”. Mas as mulheres que matou só terão reconhecido a sua crueldade quando já era tarde demais.

O livro estava repleto de informações sobre esse tipo de assassinos. Bundy e Gacy tinham sido extraordinariamente inteligentes, e Kaczynski tinha sido uma criança prodígio. Tanto Bundy como Gacy tinham sido criados por homens cruéis e violentos e haviam sofrido abusos sexuais quando eram crianças.

Mas Riley questionou-se – O que os tinha transformado em assassinos? Muitas pessoas tinham traumas de infância e não se tornavam assassinos.

Percorreu o texto do Dr. Zimmerman à procura de respostas.

De acordo com a sua avaliação, os homicidas conseguiam distinguir o certo do errado, e tinham consciência das possíveis consequências dos seus atos. Mas tinham a capacidade de bloquear essa consciência para cometerem os seus crimes.

Zimmermen também escreveu o que dissera na aula – que os assassinos não conseguiam criar empatia. Mas eram impostores por excelência que conseguiam fingir empatia e outros sentimentos comuns, tornando-os difíceis de detetar – e eram muitas muitas vezes atenciosos e encantadores.

No entanto, por vezes havia sinais de aviso visíveis. Por exemplo, um psicopata era uma pessoa que adorava poder e controlo. Ele esperava atingir objetivos grandiosos e irrealistas sem muito esforço, como se o sucesso apenas dependesse de si. Utilizaria quaisquer meios para alcançar esses fins – não havia limites para as suas ações. Geralmente culpava outras pessoas pelas suas falhas e mentia com facilidade e frequentemente...

Riley ficou surpreendida com a riqueza de informações e pespetivas veiculados por Zimmerman.

Mas ao ler, não parava de pensar na primeira frase do livro...


Muito antes de cometer um crime, um assassino tem o potencial de cometer esse crime.


Apesar de os assassinos serem diferentes, Zimmerman parecia dizer que havia um certo tipo de pessoa que estava destinado a matar.

Riley pensou – porque é que essas pessoas não eram sinalizadas e paradas antes de começarem?

Riley estava ansiosa para continuar a ler e descobrir se Zimmerman tinha respostas para aquela pergunta. Mas olhou para o seu relógio e percebeu que já tinha passado muito tempo desde que caíra no feitiço do livro. Agora tinha que ir embora ou chegaria atrasada à próxima aula.

Saiu da biblioteca e atravessou o campus, com o livro do Dr. Zimmerman debaixo do braço. A meio do trajeto, não resistiu a pegar no livro, abri-lo e ler partes do texto enquanto caminhava.

Então ouviu uma voz a dizer...

“Ei, atenção!”

Riley parou e levantou os olhos do seu livro.

Ryan Paige estava no passeio à sua frente a sorrir-lhe.

Parecia muito divertido com a distração de Riley.

Disse, “Uau, isso deve ser um livro e tanto. Quase me albarroaste. Posso ver?”

Envergonhada, Riley entregou-lhe o livro.

“Estou impressionado,” Disse Ryan, folheando algumas páginas. “O Dexter Zimmerman é um génio. Direito criminal não é a minha apetência, mas tive algumas aulas com ele e fiquei impressionado. Li alguns livros dele, mas este não. É tão bom como parece?”

Riley limitou-se a assentir.

O sorriso de Ryan apagou-se.

Disse, “Que coisa terrível, o que aconteceu àquela rapariga na quinta-feira à noite. Por acaso conhecias ela?”

Riley anuiu e disse, “A Rhea e eu estávamos no mesmo dormitório – Gettier Hall.”

Ryan parecia chocado.

“Uau, lamento. Deve ter sido horrível para ti.”

Durante um momento, Riley lembrou-se do grito que a acordara naquela noite horrível, da visão de Heather no chão do corredor, do sangue no chão do quarto, dos olhos abertos e garganta cortada de Rhea...

Ela estremeceu e pensou...

Ele nem faz ideia.

Ryan abanou a cabeça e disse, “O campus está todo em polvorosa – está desde que aquilo aconteceu. Os polícias até foram a minha casa naquela noite, acordaram-me, fizeram-me todo o tipo de perguntas. Dá para acreditar?”

Riley emudeceu.

É claro que ela acreditava. Afinal de contas, fora ela que dera o nome de Ryan à polícia.

Deveria admiti-lo? Deveria pedir desculpa?

Enquanto tentava decidir, Ryan encolheu os ombros e disse, “Bem, acho que devem ter falado com muita gente. Ouvi dizer que ela esteve no Centaur’s Den naquela noite e é claro que eu também estive. Estavam a fazer o seu trabalho. Eu compreendo. E espero que apanhem o filho da mãe que a matou. De qualquer das formas, o que me aconteceu não foi nada de especial em comparação com o que deve ter sido para ti. Como disse, lamento mesmo muito.”

“Obrigada,” Disse Riley, olhando para o relógio.

Detestava ser indelicada. Na verdade, estava à espera de encontrá-lo novamente. Mas naquele momento ia chegar atrasada à aula – e para além disso, não estava com disposição para desfrutar nem da companhia de Ryan.

Ryan entregou-lhe o livro como se tivesse compreendido. Depois rasgou um pedaço de papel de um bloco de notas e anotou qualquer coisa.

Um pouco timidamente, disse, “Olha, espero que não pareça mal, mas... pensei em dar-te o meu número de telefone. Talvez queiras conversar um dia destes. Ou não. É como quiseres.”

Entregou-lhe o pedaço de papel e acrescentou, “Também escrevi o meu nome, caso te tenhas esquecido.”

“Ryan Paige,” Disse Riley. “Não me esqueci.”

Também lhe deu o seu número. Ficou preocupada por parecer brusco da parte dela dizer-lhe o número em vez de o anotar. A verdade era que estava contente por poder vê-lo outra vez. Apenas estava a ter alguma dificuldade em ser muito amigável com quem quer que fosse naquele momento.

“Obrigada,” Disse ela, colocando o papel no bolso. “Vêmo-nos mais tarde.”

Riley passou por Ryan e dirigiu-se à sua aula.

Ainda ouviu Ryan dizer atrás de si, “Espero que sim.”


*


Entretanto o resto do dia na escola passou e Riley foi lendo excertos do livro de Zimmerman sempre que tina oportunidade. Não conseguiu deixar de pensar todo o o dia – se o assassino de Rhea seria como Ted Bundy, um homem encantador que conseguira ganhar a confiança de Rhea?

Lembrou-se do que o Dr. Zimmerman dissera na aula daquela manhã...

“O assassino conhecia a Rhea e queria-a morta.”

E ao contrário de Bundy, o assassino de Rhea não mataria mais. Não procuraria outras vítimas.

Pelo menos de acordo com a oponião do Dr. Zimmerman.

Ele parecia tão certo, Pensou Riley.

Riley interrogou-se como é que ele podia ter tanta certeza.

Mais tarde nessa noite, Riley e Trudy estavam no quarto a estudar juntas. Aos poucos, Riley começou a sentir-se agitada e impaciente. Não bem porquê.

Por fim, levantou-se, vestiu um casaco e dirigiu-se à porta.

Trudy olhou para ela e perguntou, “Onde é que vais?”

“Não sei,” Disse Riley. “Só vou sair um bocadinho.”

“Sozinha?” Perguntou Trudy.

“Sim.”

Trudy fechou o livro e olhou ansiosamente para Riley.

“Tens a certeza de que é uma boa ideia?” Perguntou. “Talvez eu deva ir contigo. Ou talvez devas chamar o serviço de acompanhamento do campus.”

Riley sentiu uma surpreendente explosão de impaciência.

“Trudy, isso é ridículo,” Disse ela. “Eu só quero caminhar um pouco. Não podemos viver assim – sempre com medo de que algo horrível vá acontecer. A vida tem que continuar.”

Riley ficou assustada com a dureza das suas próprias palavras. E pode ver pela expressão de Trudy que ela ficara magoada.

Tentando falar com mais calma, Riley disse, “De qualquer das formas, não é muito tarde. E não me demoro. Fico bem. Prometo.”

Trudy não respondeu. Abriu o seu livro silenciosamente e começou a ler outra vez.

Riley suspirou e saiu para o corredor. Ficou ali por alguns momentos a pensar...

Onde é que quero ir?

O que é que quero fazer?

Lentamente, teve a vaga noção...

Quero voltar atrás no tempo.

Ela queria saber como é que a morte de Rhea tinha acontecido.


CAPÍTULO OITO


Com perguntas incessantes sobre a morte de Rhea a acorrerem-lhe à mente, Riley ficou quieta e percorreu o corredor do dormitório com o olhar.

Foi aqui que começou, Pensou.

Deu por si a imaginar o lugar na quinta-feira à noite no momento depois de ter concordado com relutância ir ao Centaur’s Den com as amigas.

Acabara de vestir o seu casaco de ganga por cima de um top e saíra para o corredor. A Trudy e a Rhea estavam a chamar as outras raparigas para a saída noturna – Cassie, Gina e Heather.

Riley lembrava-se do alvoroço de excitação imatura que vibrava no ar – a promessa de álcool, dança e talvez rapazes.

Também se lembrava de como se sentira desligada de tudo aquilo.

Refez os passos do grupo pelo corredor e continuou no exterior.

Já escurecera – não tanto como naquela noite, mas as luzes nos caminhos estavam ligadas por isso era fácil para Riley visualizar como é que as coisas pareciam na altura.

Ao seguir pelo caminho que tinham percorrido, Riley lembrou-se de ir atrás das outras, tentada a voltar para o quarto e retomar o estudo. Cassie, Gina e Heather tinham-se juntado, conversando e rindo. Rhea e Trudy caminhavam lado a lado, dando pancadinhas no braço uma da outra por causa de uma piada que Riley não conseguira ouvir.

Riley continuou a visualizar tudo o que acontecera ao seguir a sua rota pelo campus e pelas ruas circundantes. Não tardou a chegar à entrada do Centaur’s Den, tal como naquela noite. Lembrou-se de ser empurrada para dentro do bar empestado de fumo e barulho.

Ao entrar agora, reparou que o lugar estava com menos gente do que naquela noite. Também estava menos ruidoso. Ouvia-se a música “Uninvited” de Alanis Morissette e Riley conseguia ouvir as bolas de bilhar a chocarem umas nas outras ali ao lado. E não havia raios de luz ou brilhos na pista de dança vazia.

Mas Riley conseguia lembrar-se vividamente do alvoroço e caos daquela noite – de como “Whiskey in the Jar” tinha tocado tão alto que tudo vibrava e de como Heather, Cassie e Gina tinha ido diretamente para o bar e de como Trudy agarrara em Riley e Rhea pelas mãos e gritara por cima da música...

“Venham, vamos dançar, nós as três!”

Ao olhar para a agora vazia pista de dança, Riley lembrou-se de abanar a cabeça e de largar a mão, e de como Trudy parecera magoada e lhe deitara a língua de fora indo dançar com Rhea.

Aquela fora a última vez que Riley vira Rhea – pelo menos viva?

Lembrava-se de ir para o piso inferior sozinha. Voltara a ver as amigas quando tinham ido ao seu encontro trôpegas da bebida e com Trudy a segurar num jarro de cerveja.

Riley perguntara a Trudy...

“Onde está a Rhea?”

Trudy não sabia, mas uma das outras raparigas – Heather, pensava Riley – dissera que a Rhea já tinha regressado ao dormitório.

Riley engoliu em seco ao perceber – sim, a última vez que vira Rhea viva fora ali naquela pista de dança.

Sentiu uma carga renovada de culpa e o peso daquela palavra se...

Se ao menos eu tivesse ficado e dançado com elas...

Mas recordou-se do que o Dr. Zimmerman dissera acerca da culpa – que não traria a Rhea de volta...

“Concentrem-se antes na vossa capacidade de empatia.”

Riley interrogou-se – era o que estava a tentar fazer naquele momento, ao reviver o que ela e as amigas tinham feito naquela noite?

Estava a tentar criar empatia?

Se sim, com quem?

Não fazia ideia.

Só sabia que a sua curiosidade crescia a cada momento.

Ela simplesmente queria saber – sem fazer ideia do que esperaria descobrir.

Riley afastou-se da pista de dança e reparou em dois tipos a jogarem bilhar. Um deles era Harry Rampling, o jogador de futebol que a abordara no piso inferior naquela noite.

Riley observou Harry a falhar uma jogada. Riley pensou que fora uma jogada estúpida. Ela era uma boa jogadora de bilhar.

Então Harry avistou-a e sorriu.

Aproximou-se do opositor que se preparava para jogar e sussurrou-lhe qualquer coisa ao ouvido enquanto olhava para Riley. Então os dois riram maliciosamente, o que fez Riley ter a certeza de que Harry dissera algo grosseiro e insultuoso a seu respeito.

Foi inundada por uma fúria incontrolável. Queria ir até lá e exigir saber o que Harry dissera sobre ela e depois insistir num pedido de desculpas.

Mas não se queria distrair da tarefa que tinha em mãos.

Em vez disso, ficou-o durante um momento, questionando-se se a polícia o tinha interrogado naquela noite. Afinal de contas, ela mencionara o seu nome ao chefe Hintz, tal como mencionara o de Ryan.

Mas lembrou-se da sua reação ao referir o nome de Harry e da sua desaprovação quando Riley dissera que o enxotara. É claro que o chefe tinha o herói do futebol em elevada estima para sequer suspeitar dele. Riley interrogou-se se ele estaria enganado.

Deveria abordar Harry e fazer-lhe algumas perguntas?

De que serviria? Pensou.

Afinal de contas, ela não era polícia. Não sabia como o fazer.

Para além disso, o facto de ele lhe desagradar imenso, não era motivo para dele suspeitar. No que dizia respeito ao homicídio, ele não era diferente de Ryan Paige – apenas outro tipo que acontecera estar no Centaur’s Den naquela noite.

Olhou em redor por um momento. Mais alguém ali estivera naquela noite, ou no clube ou à espera lá fora. Não parava de pensar de que se devia lembrar de mais rostos vistos naquela noite. Mas é claro que a polícia interrogara toda a gente que lá estivera e não havia suspeitos.

Riley foi até ao bar. Sentado num banco a beber uma cerveja sozinho estava um rapaz alto e magro com óculos grossos. Riley reconheceu-o de imediato. Era Rory Burdon que fora surpreendido pela visita da polícia naquela noite. Naquele momento, parecia estar perdido nos seus pensamentos.

Riley dirigiu-se ao banco a seu lado e perguntou, “Posso sentar-me aqui?”

Rory saiu do seu devaneio e olhou surpreendido para Riley.

Então encolheu os ombros e disse, “Claro.”

Riley sentou-se e pediu uma cerveja.

Rory perguntou-lhe, “Eras uma das amigas da Rhea, não eras? Vi-te com ela algumas vezes.”

Riley anuiu.

Rory ficou a olhar para a cerveja durante um momento.

Então disse, “Ainda não acredito no que aconteceu. Não fui às aulas hoje e acho que amanhã também não vou. Não consigo mentalizar-me. Tinha estado a dançar com ela um pouco antes de se ir embora.”

Então ele abanou a cabeça e disse, “Quem faria uma coisa daquelas a uma rapariga impecável como a Rhea?”

Riley não sabia o que dizer. Não era uma pergunta para a qual tivesse resposta. A única pessoa que saberia responder era o próprio assassino.

Rory bebeu um gole da cerveja e disse, “A polícia foi ao meu apartamento naquela noite. Foi assim que soube. Foi horrível. Não ser interrogado. Os polícias estavam a fazer o seu trabalho. Foi uma forma horrível de saber o que tinha acontecido.”

Ele olhou para Riley com uma expressão curiosa.

“Como é que descobriste?” Perguntou ele.

Riley estremeceu.

“Eu descobri o corpo dela,” Disse ela.

Os olhos de Rory dilataram-se.

“Oh, lamento muito,” Disse ele. “Foi uma estupidez perguntar.”

“Não faz mal,” Disse Riley. “Não podias saber.”

Riley bebericou a sua cerveja. Ficaram calados durante alguns instantes.

Então Rory disse lenta e cautelosamente...

“Não sei se te devia dizer isto. A verdade é que não contei a mais ninguém... “

Depois calou-se novamente.

Riley sentiu um formigueiro de expetativa. Será que lhe iria dizer algo sobre o que tinha acontecido a Rhea?

Então ele disse, “Eu estava apaixonado pela Rhea. O que lhe aconteceu afetou-me profundamente.”

Riley ficou alarmada. Ela lembrava-se de como as amigas da Rhea gozavam com ela por causa daquele “fraquinho” pelo Rory.

Deveria ela dizer a Rory que Rhea sentia o mesmo por ele?

Rory prosseguiu,”Ela era muito simpática comigo. Até dançava comigo de vez em quando – como naquela noite. Tenho a certeza que era apenas para ser amigável e eu sabia que não a devia convidar a sair ou algo do género. O que se passa é que... “

Fez nova pausa.

Então disse, “Lembro-me quando ela se foi embora naquela noite. Eu estava por perto quando ela disse às amigas que ia para o quarto. Fiquei um bocado preocupado. Pensei que ela não deveria ir sozinha. Mas... “

O seu rosto contorceu-se com emoção.

“Eu pensei em ir ter com ela e perguntar-lhe se queria que a acompanhasse até ao dormitório. Mas tive... demasiado medo, acreditas? Pensei que se me oferecesse a acompanhá-la, ela interpretasse aquilo da forma errada. Talvez não gostasse e pensasse que eu estava a assediá-la ou algo assim.”

Agora parecia estar a conter as lágrimas.

“Se eu tivesse ido com ela, talvez aquilo não tivesse acontecido,” Disse ele. “Mas fui demasiado cobarde.”

Riley tremeu um pouco. Sentiu uma dor a trespassá-la perante aquela horrível palavra, “cobarde”.

Isto é empatia, Pensou.

E não era um sentimento agradável, experimentar a dor emocional de outra pessoa.

Mas estava satisfeita com uma coisa. Fizera bem em não lhe dizer que o que sentia por Rhea era correspondido. Nessa altura, saberia que Rhea o deixaria acompanhá-la se ele simplesmente tivesse perguntado.

Isso fá-lo-ia sentir-se muito pior.

Mas tinha que dizer uma coisa. Não o podia deixar sentir-se daquela forma.

Disse, “Não foste cobarde. Muitas pessoas se sentem assim – pessoas que a conheciam, por exemplo, eu. Eu estava lá naquela noite e nem sequer... “

A sua voz apagou-se.

Então disse, “Penso que todos temos que compreender – a culpa não foi nossa. Não fomos responsáveis pelo que aconteceu. Houve um assassino e essa pessoa tem que ser apanhada e pagar pelo que fez. É errado – muito, muito errado culparmo-nos.”

Rory pareceu descontrair um pouco.

Riley apercebeu-se que deveria ter dito a coisa certa. Quase acrescentou...

“A vida continua.”

... Mas conseguiu evitar dizê-lo a tempo.

No final de contas, aquele velho cliché não era verdadeiro.

Os acontecimentos da semana que passara provavam-no.

Rory disse, “Quem me dera tê-la conhecido melhor.”

Riley pensou com tristeza...

Pois, eu também.

Deu uma palmadinha no ombro de Rory e disse, “Toma conta de ti, ok?”

Rory anuiu e bebericou novamente a cervejq. Sem terminar a sua, Riley levantou-se e foi-se embora. Ao passar pela mesa de bilhar, ficou contente por ver Harry Rampling e o seu amigo demasiado ocupados com o jogo para repararem nela.

Quando Riley saiu do Centaur’s, a súbita explosão do frio ar noturno recordou-lhe o momento em que saíra de lá na quinta-feira. Parou e ficou ali, não longe da porta, incerta do que faria de seguida.

Aos poucos, um sentimento de desconforto apoderou-se dela...

Ele esteve aqui, Pensou.

O assassino ficou onde eu estou neste momento à espera.

Ela não sabia porquê, mas tinha a certeza absoluta.

Na verdade, ela sentia exatamente o que ele sentira enquanto esperara – a sua intensa consciência, a respiração e pulsação acelerados, a sua ansiosa antecipação.

Riley estremeceu ao perceber...

Estou a criar empatia com ele.

Era uma ideia verdadeiramente assustadora – tão assustadora como a visão do corpo de Rhea.

Interrogou-se – atrever-se-ia a render-se àquele sentimento?

Atrever-se-ia a entrar na obscuridade da sua mente?

Se puder, tenho que fazer isto, Disse a si mesma firmemente. Tenho que descobrir o que é que aconteceu à Rhea.


CAPÍTULO NOVE


Riley parou a meio de um pensamento.

O que queres dizer? Perguntou a si própria. O que pensas que estás a fazer?

E ainda assim não conseguia tirar a ideia da cabeça – que podeia estar a conseguir captar um vislumbre das verdadeiras sensações do assassino.

Recuou da entrada e encostou-se à parede exterior do edifício, respirando fundo e tentando obrigar-se a pensar racionalmente.

Com certeza, Disse a si própria, que não acreditas que possas descobrir o que aconteceu à Rhea através de...

... do quê?

Mas enquanto discutia consigo própria, ela sabia que estava a sentir algo real. Ela estava a obter uma perspetiva do que tinha acontecido ali.

E ela tinha que descobrir aquilo que pudesse.

Tal como tinha a certeza que ele teria agido, recuou até estar escondida nas sombras junto à porta do Centaur’s Den.

Imaginou a porta a abrir-se e Rhea a sair sozinha.

Ele vê-a, Pensou. Mas ela não o vê.

Interrogou-se por um momento – estaria especificamente à espera de Rhea?

Lembrou-se novamente do que o Dr. Zimmerman dissera...

“O assassino conhecia a Rhea e queria-a morta.”

Mas agora Riley percebia que a sua mente racional também estava comprometida com esta nova sensação e sentia algumas dúvidas relativamente à explicação do professor. Por exemplo, como é que o assassino tinha a certeza que Rhea optaria por ir para o campus sozinha naquela noite e não rodeada de amigos? Poderia estar ali à espera de qualquer rapariga que imprudentemente decidisse sair do Centaur’s Den sozinha?

Poderia Zimmerman estar enganado?

Riley não sabia. Ela apenas sabia que precisava de usar os seus instintos em conjunto com a lógica.

Agora parecia-lhe fácil imaginar Rhea a seguir o seu caminho despreocupadamente. Lembrava-se das botas que Rhea usava naquela noite e agora quase conseguia ouvi-las e conseguia visualizar o contorno distinto da sua figura debaixo das luzes.

Durante alguns momentos, ficou onde o assassino devia ter ficado, esperando que Rhea se distanciasse. Depois começou a caminhar na mesma direção. Riley usava ténis por isso os seus passos eram silenciosos. Ela calculou que o assassino devia calçar sapatos com uma sola macia. Ele queria ser o mais silencioso possível.

Riley continuou a caminhar a alguma distância de onde Rhea estaria até chegar ao campus com os seus caminhos sinuosos iluminados. Começou a aproximar-se mais, tal como o assassino devia ter feito.

Ao aproximar-se, percebeu que até os seus ténis teriam sido audiveis para Rhea – e também os passos do assassino.

Será que Rhea olhou para trás para ver quem a seguia?

Talvez.

Ou talvez se tenha limitado a acelerar a passada.

Riley começou a caminhar mais rapidamente para a acompanhar.

Ela deve ter ficado com medo, Pensou.

E por fim, Rhea deve ter-se atrevido a olhar para trás.

Riley conseguia visualizar o seu rosto, conseguia ver a sua expressão com clareza.

Conseguia ver um meio sorriso de alívio no seu rosto.

Ela conhecia-o, Percebeu Riley.

Mas quão bem o conhecia?

Talvez apenas o suficiente para ficar aliviada, calculou Riley.

Mais descansada, Rhea provavelmente abrandou a marcha.

Riley conseguia sentir a satisfação crescente do assassino e a sua expetativa ansiosa.

Tudo estava a decorrer exatamente como ele esperava.

E Riley ouviu-o a dizer a Rhea num tom de voz amigável...

“Ei, é tarde. Queres que te acompanhe?”

Riley imaginou Rhea quase a parar e a responder com um riso timido...

“Sim, talvez seja uma boa ideia.”

Riley conseguia sentir a exultação do assassino ao aproximar-se de Rhea.

Também o sentia a pensar...

Esta serve.

Serve perfeitamente.

De repente, Riley estacou, desligada da estranha sensação de ligação com o assassino.

Ela estava estupefacta com as impressões que tinham inundado a sua mente, dando à sua imaginação e lógica um poder que nunca antes sentira.

Mas agora as sensações tinham desaparecido.

Por muito que tentasse, não conseguia imaginar o que sucedera depois de ele se juntar à sua vítima confiante.

Mas talvez não fosse mau, afinal de contas.

Será que ela queria visualizar o homicídio tão vividamente como visualizara os acontecimentos que tinham desembocado nele?

Ela tentou afastar o sentimento de mal palpável que se permitira experimentar, mas o horror não desaparecia.

Questionou-se...

Em que é que estava a pensar?

Lembrou-se do que o Dr. Zimmerman dissera sobre a empatia.

“Separa-nos dos monstros mais terríveis.”

Mas o que acontecia às pessoas que começavam a criar empatia com monstros? Poderiam elas próprias transformarem-se em monstros?

A ideia arrepiou-a.

Lembrou-se de outra coisa que o Dr. Zimmerman dissera.

“Isto foi pessoal. O assassinio conhecia a Rhea e queria-a morta.”

Com certeza que sabia do que estava a falar – muito melhor do que Riley jamais poderia.

E no entanto, no fundo, ela tinha a certeza de que ele estava enganado.

O assassino conhecia Rhea, mas mal – talvez só soubesse o seu nome.

E ela só o conhecia o suficiente para não ficar assustada com a sua presença, para confiar nele para a acompanhar até ao dormitório.

Ele não tinha nada pessoal contra ela. Simplesmente acontecera ser ela a rapariga que saiu do Centaur’s Den sozinha enquanto ele estava à espera.

Riley também tinha a certeza de que o assassino não pararia por ali. Se não fosse apanhado, mataria outra vez.

Era apenas uma questão de tempo.

Riley interrogou-se – se Zimmerman estivesse enganado, então e a polícia?

Será que eles compreendiam o tipo de monstro com que estavam a lidar?

Tentou convencer-se que não lhe dizia respeito...

Quem pensas que és, uma polícia?

De qualquer das formas, o que é que ela podia fazer?

Sem parar para pensar, desatou a correr. Correu até ao campus e os restantes quatro quarteirões até à esquadra de polícia de Lanton. Parou no exterior do edifício para recuperar o fôlego e depois entrou.

Uma mulher de uniforme estava sentada na receção.

Perguntou a Riley, “Posso ajudar-te?”

O coração de Riley ainda batia descompassadamente, da excitação e da corrida.

Disse, “Preciso de falar com alguém sobre – sobre a rapariga que foi assassinada na quinta-feira à noite.”

A mulher olhou para ela.

“Tens novas informações?” Perguntou.

Riley abriu a boca para falar, mas não sabia o que dizer.

Se tinha novas informações?

Não, tudo o que tinha era um palpite vago mas avassalador.

Sentiu uma mão no seu ombro e ouviu a voz de um homem atrás de si.

“Eu conheço-te. O que fazes aqui?”

Riley virou-se e viu o rosto grande e vermelho do agente Steele, o polícia que aparecera quando ela estava a bloquear a entrada do quarto de Rhea. Riley lembrou-se que ele não ficara muito agradado em vê-la naquela altura.

“Tens que explicar umas coisas,” Dissera ele. “Começa a falar.”

Não devia estar mais contente por vê-la naquele momento.

Ela gaguejou, “Eu só... eu quero saber como está a correr a investigação.”

O rosto de Steele enrugou-se de irritação.

“Não sei o que é que tens a ver com isso,” Disse ele.

Riley sentiu a fúria a apoderar-se de si.

“A Rhea era minha amiga,” Disse ela. “Penso que tenho o direito de me interessar. E ninguém sabe nada.”

Steele abanou a cabeça como se estivesse prestes a dizer não.

Mas antes de o fazer, a mulher atrás da secretária disse, “Diz-lhe Nat. Diz à pobre miúda o que puderes. Mal não faz.”

Steele soltou um grunhido de irritação.

Então disse, “Temos andado a passar Lanton a pente fino à procura de pistas. Temos interrogado pessoas. Neste momento temos a certeza de uma coisa. Quem quer que a tenha morto estava de passagem pela cidade. Ele já não está em Lanton.”

Riley ficou surpreendida.

“Quer dizer – a Rhea não o conhecia?”

“Não, o mais certo era ser um total desconhecido.”

Riley mal conseguia acreditar no que ouvia. Aquilo contradizia completamente o que os seus instintos lhe haviam revelado há pouco.

Até contradizia o que o Dr. Zimmerman dissera na aula.

Riley não sabia o que dizer naquele momento.

O agente Steele disse, “Estamos a investigar homicídios semelhantes pelo país. Talvez o assassino já tenha feito o mesmo noutro local. Se for esse o caso, talvez consigamos envolver o FBI, mas... “

Encolheu os ombros sem terminar a frase. Riley sabia o que ele omitia.

“Não temos grande fé nisso.”

Também tinha a certeza que a polícia local não estava a fazer um grande esforço nesse sentido.

Era tudo o que podia fazer para não dizer o que sabia – ou pensava saber. Mas Steele já não gostava dela. Não ajudaria fazê-lo pensar que ela estava louca.

Mas não podia ir embora sem se tentar fazer ouvir. Lembrava-se da polícia que estivera na cena do crime – a agente Frisbie.

Quando estivera sozinha com Riley, ela dissera...

“Algo me diz neste momento que tu és a única pessoa por aqui que me pode dizer aquilo que preciso de saber.”

Por qualquer motivo, Frisbie acreditara em Riley mesmo quando Steele não acreditara.

Ela também acreditava em sensações e palpites.

Talvez ela ouvisse Riley.

Disse, “A agente Frisbie está cá? Queria falar com ela.”

Steele olhou com desconfiança para Riley.

“Tens alguma informação?” Perguntou.

Riley queria dizer...

Sim e você está a fazer uma abordagem disto completamente errada.

Mas não podia. Não tinha nada a dizer que pudesse chamar a atenção àquele homem de mente fechada.

Steele disse, “Se tens informações, podes dizer-me. Porque senão estás a fazer o departamento perder tempo.”

Virou-se e foi-se embora.

Riley olhou para a mulher sentada na secretária.

“Por favor,” Disse ela, “pode dizer-me onde posso encontrar a agente Frisbie?”

A mulher pareceu relutante.

“Lamento,” Disse a mulher. “Se tens uma pista, diz. Se não tens, é melhor ires embora.”

Riley abandonou o edifício, sentindo-se desencorajada.

Afinal, o que é que se estava a passar?

O Dr. Zimmerman tinha tanta certeza de que a morte de Rhea fora pessoal – e também um ato isolado.

A polícia parecia pensar de forma completamente diferente - que o assassino era alguém que passara pela cidade e matara uma rapariga de forma aleatória, e que poderia cometer mais crimes noutro local.

Como podiam ter teorias tão contraditórias?

E porque é que Riley tinha tanta certeza de que ambas as teorias estavam erradas?

Percorreu lentamente o caminho de regresso ao campus.

A certa altura, deu por si a pensar...

Andará por aí esta noite?

Estacou e virou-se lentamente, a olhar e ouvir. Mesmo com a iluminação, não conseguia observar os caminhos sinuosos a grande distância.

Ainda assim, sentiu um palpável presença obscura no ar.

Ele está aqui, Pensou. Ele está a observar-me.

Ela tinha a certeza.

Ficou surpreendida por não ficar assustada. Ela queria confrontar o assassino cara a cara – mesmo que isso significasse lutar pela vida.

Seria melhor do que permanecer na incerteza que sentia naquele momento.

Estava tentada a gritar...

“Aparece! Mostra-te!”

Mas impediu-se de o fazer.

De que serviria? Quem poderia esperar que aparecesse senão os polícias do campus que ficariam aborrecidos por ela dar um falso alarme?

Tão certo como sentia a presença do assassino, era certa a sua convicção de que ele não apareceria perante a sua intimação.

Se ele realmente estava a mirá-la, ou pretendia matá-la naquele momento ou deixá-la ir.

Não sabia qual das duas hipóteses seria mais plausível.

Ficou ali à espera em silêncio durante um bom bocado. Depois lembrou-se que imaginara Rhea a acelerar o passo quando o ouviu a aproximar-se.

Então percebeu...

Estou a fazer isto mal.

Ele não quer atacar uma pessoa que não tenha medo. Ele quer que a sua presa esteja indefesa.

Ao mostrar coragem, não servia como isco.

Na verdade, sentiu a sua horrível presença a afastar-se e a afundar-se nas trevas da noite.

Ela continuou o seu caminho para o dormitório, ainda a pensar nas sensações que experimentara.

Nunca sentira nada semelhante.

Ou já?

Quando era criança, depois da morte da mãe, não tinha ela revivido aquele acontecimento horrível do seu ponto de vista?

Não tinha também confiado nas centelhas de uma perspetiva semelhante para se manter à margem do pai quando o seu temperamento era perigoso?

Então Riley colocou a si mesma a pergunta mais importante.

Poderia ela usar a sensibilidade desenvolvida na sua terrível infância para descobrir o que acontecera a Rhea?

Sabia que tinha que tentar.

Riley murmurou para o assassino invisível e desconhecido, onde quer que estivesse...

“Não vais fugir. Vou certificar-me de que isso não acontece.”


CAPÍTULO DEZ


O dormitório estava assustadoramente silencioso quando Riley atravessou o corredor a caminho do quarto. Era tarde, mas mesmo àquela hora da noite, havia sempre alguém a ouvir música, não raras vezes alto. Mas já ninguém parecia estar com disposição para aquilo.

Agora a vida aqui é diferente, Pensou Riley.

Interrogou-se se as coisas alguma vez voltariam a ser o que eram antes da morte de Rhea.

Abriu a porta com cuidado, esperando não acordar Trudy. Mas assim que Riley entrou no quarto escuro, ouviu a voz de Trudy.

“Riley!”

Riley sentiu-se assustada. Trudy parecia desesperada. Riley ligou a luz e viu Trudy sentada na cama.

“Trudy!” Disse Riley. “O que é que se passa?”

“O que é que se passa?” Perguntou por sua vez Trudy. “Não dormi nada, estava preocupada contigo. Fazes ideia quanto tempo estiveste fora? Não sabia o que fazer. Pensei em chamar a polícia.”

Riley sentou-se na cama ao lado da companheira de quarto.

“Desculpa se te preocupei,” Disse ela. “Estou bem.”

Trudy abanou a cabeça.

“Não, não estás bem. Algo está errado. Estás a agir de forma estranha. A ficar na rua até tão tarde quando anda um assassino à solta. Eu sei, eu sei – o Zimmerman diz que o que aconteceu à Rhea foi pessoal e que mais ninguém vai morrer. Mas não consigo evitar sentir medo. Onde é que estiveste? O que é que estiveste a fazer?”

Riley conteve um suspiro.

Se lhe contasse tudo o que tinha feito, Trudy pensaria que ela era realmente louca. Ainda assim, a sua companheira de quarto merecia uma explicação.

“Passei no Centaur’s Den,” Disse Riley. “Bebi uma cerveja. E encontrei o Rory Burdon e falei com ele um bocadinho. Está a ser difícil para ele.”

Riley fez uma pausa e depois acrescentou, “Sabias que o Rory estava apaixonado pela Rhea?”

Os olhos de Trudy dilataram-se.

“Não!” Disse ela. “Pobre rapaz. Disseste-lhe o que a Rhea sentia por ele?”

Riley abanou a cabeça.

“Não, ele já estava tão mal. Sente-se muito culpado. Pensa que a deveria ter acompanhado até ao dormitório naquela noite.”

´Trudy baixou a cabeça. De repente, Riley percebeu que tinha dito a coisa errada.

No final de contas, ela sabia que Trudy sentia o mesmo – talvez até se sentisse pior. Estava demasiado bêbeda para ter reparado que Rhea se tinha ido embora.

Riley calculou que o melhor era mudar de assunto.

“Também fui à esquadra,” Disse ela.

“porquê?” Perguntou Trudy.

Riley hesitou, depois disse, “Não sei, eu... acho que só queria saber se estavam a avançar... tu sabes.”

Trudy permaneceu em silêncio. Parecia ansiosa para ouvir o que Riley diria a seguir.

Riley disse, “Parecem pensar que foi alguém que a Rhea não conhecia – alguém que estava de passagem pela cidade. Pensam que já se foi embora. Tambem pensam que poderá ter feito o mesmo noutros lugares. Disseram que talvez o FBI pudesse ajudar.”

Trudy parecia intrigada.

“Mas o Dr. Zimmerman disse... “

“Sim, eu sei,” Disse Riley. “Mas a polícia vê as coisas de forma diferente. De qualquer das formas, ninguém parece acreditar que qualquer uma de nós esteja em perigo.”

Trudy contemplou o vazio.

“Quem me dera acreditar nisso,” Disse ela.

Quem me dera acreditar nisso também, Pensou Riley, lembrando-se da sensação que tivera de proximidade do assassino – a observá-la.

De repente, Trudy assustou Riley abraçando-a com força.

Começou a chorar e a dizer, “Oh Riley, não me voltes a assustar, está bem? Eu sei que não demos estar mais com medo, mas não consigo evitar. És a minha melhor amiga e a ideia de te perder depois do que aconteceu à Rhea... “

Trudy estava demasiado abalada para falar mais. Chorou nos braços de Riley.

Riley não sabia o que fazer ou dizer. Será que poderia realmente prometer não voltar a fazer o mesmo?

Porque não? Pensou.

Parecia algo razoável.

Mas nada do que Riley experimentara há pouco parecia razoável. Ela passara por um momento de terrível conexão com o assassino. Seria capaz de resistir à tentação de sentir essa conexão novamente? Seria aquela realmente a última vez que ela sairia sozinha à noite tentando encontrá-lo, tentando compreendê-lo?

Desentrelaçou-se gentilmente dos braços de Rhea.

“Desculpa se te assustei,” Disse ela. “Vou tentar não voltar a fazê-lo. De qualquer das formas, é tarde e tens que dormir. Eu também. Vou tomar um banho.”

Rhea anuiu, parecendo mais calma.

Riley pegou no pijama e no robe, desligou a luz e saiu do quarto.

Ao dirigir-se para a casa de banho, sentiu-se inundada por uma onda de exaustão. Fora um dia longo, estranho, perturbador. Ela precisava mesmo de descansar antes das aulas do dia seguinte.

Mas duvidava de que dormisse bem nessa noite.


*


Ouviu-se um tiro.

A pequena Riley estava novamente na loja de doces e conseguia cheirar o o odor da polvora.

Um homem mau acabara de matar a mamã.

Deixou cair os doces e gritou...

“Mamã!”

Mas quando olhou para a figura que se encontrava no chão, não era a mãe que lá estava.

Era outra mulher, mais nova do que a mamã e escorria sangue da sua garganta. Estava morta e os seus olhos fixavam a pequena Riley.

E por qualquer motivo, como se a conhecesse de algum tempo ou lugar, a pequena Riley sabia o seu nome.

“Rhea,” Disse ela.

Tentou combater o terror que sentia, virou-se e olhou para o homem com a meia na cabeça.

Da sua pistola ainda saia fumo.

“Quem és tu?” Exigiu ela saber, tentando não parecer a menina que na verdade era. “Mostra-me a tua cara.”

O homem olhou para ela durante breves instantes.

Então, lentamente tirou a meia da cabeça e...

Não era um homem.

Era outra mulher.

E a pequena Riley sabia quem era aquela mulher.

Era a própria Riley – já adulta!


Riley acordou do seu pesadelo com o som do telefone do quarto a tocar.

Abriu os olhos e viu a luz da manhã a entrar pela janela. Trudy dormia na sua cama. Riley pensou em deixar o telefone tocar até ir para o atendedor de chamadas, mas o ruído e o som da mensagem iriam acordar Trudy.

Riley saiu da cama e atendeu o telefone.

Uma voz de homem áspera falou.

“Ei miúda.”

Riley reconheceu a voz de imediato – e não ficou muito contente por ouvi-la.

Era o pai.

Mas porque é que le estava a ligar? Ele nem sequer tinha um telefone.

Devia estar a ligar de uma cabine telefónica na cidade.

Mas porquê? Interrogou-se.

“Olá paizinho,” Disse ela.

Seguiu-se um silêncio.

Durante alguns segundos Riley pensou...

Será que temos mais alguma coisa a dizer um ao outro?

A sua relação era tensa há muitos anos.

De vez em quando, ambos tentavam uma aproximação e Riley até o visitava na sua cabana nas Montanhas Apalaches uma vez por ano. Raramente discutiam, mas quando o faziam era com violência. Por muito que ambos tentassem, nunca se sentiam confortáveis na presença um do outro.

“Como é que estás?” Perguntou Riley.

Ouviu um grunhido longo e familiar.

“Bem, sabes como é. Não é época dos veados, por isso estou a pescar. Sobretudo trutas. A pescaria não tem corrido mal.”

A referência à pesca recordou-lhe os tempos em que ia pescar com o pai e caçar caça miúda – esquilos, corvos e marmotas. Riley não gostava de caçar veados, por isso nunca o acompanhara. O terreno em torno da sua cabana era lindo, mesmo que ela se sentisse desconfortável na sua companhia. Ele comprara a cabana logo depois de se aposentar como capitão da Marinha.

Era um local solitário, sobretudo no inverno. Mas o pai gostava do local mesmo assim. Sempre fora um homem duro que não se relacionava muito com os outros e depois da morte da mãe de Riley, tornara-se num homem amargurado.

Seguiu-se outro silêncio. Riley sabia que era a sua deixa para dizer algo a seu respeito.

Mas deveria dizer-lhe o que acontecera nos últimos dias?

Como é que ele reagiria?

Ela disse, “Paizinho, houve um crime aqui. Aqui mesmo no meu dormitório, no meu piso. Uma rapariga que eu conhecia muito bem. Cortaram-lhe a garganta. Ninguém sabe quem o fez.”

O silêncio adensou-se. Riley questionou-se se ele iria dizer alguma coisa.

“Bem,” Disse ele por fim, “sabes como tomar conta de ti.”

Riley sentiu-se picada. Demorou um pouco a perceber porquê. Ela estudara sobre aquilo a psicologia – um problema denominado “duplo vínculo” quando alguém fornecia mensagens contraditórias a outra pessoa.

E neste caso, o pai estava a transmitir-lhe, definitivamente, mensagens contraditórias.

Por um lado, dava-lhe a entender que não era digna da sua preocupação. Por outro lado, dizia-lhe que era dura como ele e talvez até a admirasse um pouco.

Riley não conseguia harmonizar aquelas duas mensagens. Pelo menos os seus estudos ajudavam-na a compreender porque é que aquilo era tão perturbador.

Então o pai perguntou, “O que é que estás a tirar?”

Riley conteve a sua irritação. Ela sabia o que aí vinha. Já tinham falado sobre aquilo.

“Psicologia,” Disse ela.

“Isso não serve para nada,” Disse ele. “Devias pensar em mudar de curso.”

Riley sentiu uma necessidade extrema em explicar-lhe porque é que estava errado. Mas um velho e familiar instinto impediu-a de o fazer.

Se lhe dissesse a verdade – que gostava de estudar psicologia e, além disso, estava no segundo semestre do último ano e era tarde demais para mudar – ele perderia as estribeiras e a chamada terminaria da pior forma.

“Vou pensar nisso paizinho,” Mentiu, esperando que assim o assunto ficasse por ali.

Mas pressentiu que a conversa já estava a tomar um rumo desagradável.

Ele disse, “É altura de chegares a alguma conclusão. Não estás fadada a ter uma vida normal. Não vale a pena tentares adaptar-te, tentar viver ou trabalhar como os outros. Não te está no sangue. Não é a tua natureza.”

Agora Riley sentia-se à beira de perder a paciência.

Já ouvira aquele discurso inúmeras vezes – e era sempre o duplo vinculo.

Estaria o pai a dizer-lhe que ela era de alguma forma excecional e destinada a grandes coisas na vida?

Ou estaria simplesmente a dizer-lhe que ela era uma espécie de aberração?

Ela não sabia. E tinha a certeza de que ele também não sabia.

De qualquer das formas, chegara a altura de terminar aquela conversa.

“Foi simpático da tua parte ligares, paizinho,” Disse ela. “Tenho que me preparar para as aulas.”

Outro silêncio se seguiu.

Riley pressentiu, como muitas vezes pressentia, que o pai estava a tentar encontrar as palavras para dizer algo que queria desesperadamente dizer mas não conseguia.

“Ok,” Disse ele por fim. “Escreve-me de vez em quando.”

A chamada terminou. Riley ficou ali sentada sentindo-se triste e vazia – e também preocupada.

Aquelas palavras não lhe saíam da cabeça...

“Não estás fadada a ter uma vida normal.”

O pai dissera-lhe aquilo muitas vezes e ela geralmente conseguia ignorá-lo.

Mas agora, depois do que acontecera na noite anterior, não conseguia evitar pensar se...

Terá ele razão?

Depois de uma infância e adolescência complicadas, ela muitas vezes desejara a normalidade que via à sua volta – um marido, filhos, uma carreira estável, um futuro confortável.

Mas agora não conseguia evitar sentir que as coisas tinham mudado, literalmente do dia para a noite.

O que é que significava ela considerar tão simples, tão irresístivel criar empatia com um assassino, ver o mundo através dos seus olhos, ainda que de forma breve?

Riley tentou sacudir a sua preocupação.

Estava na hora de se preparar para o dia.


CAPÍTULO ONZE


Quando Riley se sentou na sua secretária para tentar ler um texto para a aula do Professor Hayman, a sua mente começou a divagar na direção de um outro livro, aquele que estava na gaveta da sua secretária – Mentes Obscuras: A Personalidade Homicida Revelada, de Dexter Zimmerman.

Ela sabia que já o devia ter devolvido ao Professor Hayman. Emprestara-lho há duas semanas e ela já o lera três vezes. Ele não o pedira de volta – na verdade, nem sequer lhe falara nele. Talvez se tivesse esquecido que lhe tinha emprestado.

Ainda assim, parecia errado ter na sua posse algo que não era seu.

Não planeio lê-lo outra vez, Pensou.

Mas o feitiço do livro continuava a atraí-la aos seus mundos estranhos e proibidos descritos em pormenor.

Porque é que eu me sentiria atraida por personalidades homicidas? Questionou-se.

Porque é que é interessante aprender coisas sobre seres humanos horríveis? Porque é que eu quero saber o que os tornou no que são?

Ela apercebeu-se que estava ainda mais interessada na forma como eram apanhados e na razão pela qual demorava tanto tempo alguns serem apanhados.

Pelo menos esse tem que ser um interesse saudável, Disse a si própria.

Ainda assim, ela tinha a certeza que nenhuma das suas amigas partilhava aquela sua fascinação.

Na verdade, a sua companheira de quarto, Trudy, era o motivo pelo qual o livro estava na gaveta. Quando Riley o arrumara na prateleira, Trudy estremecera visivelmente cada vez que reparava nele.

Era óbvio que o livro de Zimmerman deixava Trudy desconfortável, por isso Riley escondera-o.

Mas porque é que o mantinha consigo?

Os pensamentos de Riley foram interrompidos pelo toque do telefone e ela interrogou-se quem seria. Raramente recebia chamadas. Esperava que não fosse o pai outra vez – falar com ele com um espaçamento de meses era mais do que suficiente.

Não parava de se lembrar do que ele dissera da última vez que tinham falado...

“Não estás fadada a ter uma vida normal.”

Dispensava ouvir aquele tipo de coisa naquele momento, sobretudo com as perguntas sobre o livro a fervilharem-lhe na cabeça.

Decidiu deixar o telefone tocar. Ouviu-se a mensagem do atendedor com a voz de Trudy a explicar que ela e Riley não podiam atender e a solicitar que fosse deixada mensagem para que pudessem devolver a chamada.

Ao som do beep, seguiu-se um silêncio. Riley calculou que fosse alguém a decidir se deixaria mensagem ou não.

Então uma voz masculina falou.

“Uh... Queria falar com a Riley Sweeney. Rley, é provável que nem te lembres do meu nome mas... “

Riley sorriu.

É claro que se lembrava do nome dele.

Era Ryan Paige.

Ela pegou no telefone e disse, “Ei,”

“Um, daqui fala Ryan. Ryan Paige. Conhecemo-nos há umas semanas.”

Riley tentou mostrar-se um pouco surpreendida.

“Ah, sim. Eu lembro-me. O que é que se passa?”

“Bem, estava a pensar no que fazer durante o fim de semana e pensei que talvez nos pudéssemos encontrar. Talvez para jantar e ir ao cinema. Ouvi dizer que The Matrix é bom. Já o viste?”

“Não,” Disse Riley.

E não disse mais nada. Sentiu-se um pouco culpada por perceber que estava a apreciar o seu embaraço, mas esperou que ele continuasse.

Por fim, ele disse, “O que é que te parece?”

“Parece-me bem,” Disse ela.

Seguiu-se outra pausa. Então, antes que pudesse pensar, Riley disse...

“O que é que fazes hoje à noite? Quero dizer, talvez possamos tomar uma bebida ou algo assim.”

Sentiu-se corar de vergonha.

O que é que ela acabara de fazer?

Mas não havia volta a dar. Estava contente por Ryan não poder ver o seu rosto.

“Gostaria muito,” Disse ele. “Que te parece o Pub Pooh-Bah’s?”

Riley ficou um pouco alarmada. O Pooh-Bah’s era um bar sofisticado que ela e as amigas nunca pensavam frequentar. Mas se era isso o que Ryan queria...

“Claro,” Disse ela.

“Ok,” Disse ele. “Quando queres que te vá buscar?”

Ele tem carro! Pensou Riley.

Tentando permanecer calma, disse, “Que tal às oito e meia? Por essa altura já acabei de estudar.”

“Para mim está otimo. Ligo-te quando chegar.”

Ligas-me? Questinou-se Riley.

Então compreendeu...

Ele também tem um telemóvel.

Por fim Ryan disse, “Então vemo-nos mais logo.”

“Sim, vemo-nos mais logo.”

Ela desligou, ainda a sentir-se algo envergonhada.

“O que é que fazes hoje à noite?” Perguntara ela.

O que pensava ela que estava a fazer? Desde quando é que ela agia assim?

Mas rapidamente racionalizou...

Talvez tenha sido uma coisa inteligente a fazer.

Afinal de contas, aquela noite não era nada de especial – apenas uma oportunidade de descobrir se ela e Ryan eram compatíveis, menos as formalidades de um filme e jantar. Seria mais fácil ir embora mais cedo se quisesse. E então Riley podia decidir se gostava suficientemente dele para partir para algo mais sério.

Mas então ficou preocupada...

E se eu gosto dele e ele não gosta de mim?

Era ou encontrar-se com ele naquela noite ou passar o resto da semana em suspenso sobre como as coisas correriam num encontro a sério.

De qualquer das formas, ainda tinha que estudar um pouco antes de Ryan ir buscá-la. Abriu o livro no local onde ficara antes da chamada.

Mas agora estava a ter dificuldade em concentrar-se – não devido à apreensão face ao seu quase-encontro. Estava preocupada com outra pessoa.

Trudy.

A Trudy tinha ido à biblioteca depois do jantar, o que não era nada de especial. Mas ultimamente até isso era especial. A companheira de quarto de Riley perdera toda a sua jovialidade desde que Rhea morrera.

Agarrara-se a uma rotina rígida e restritiva. Ia às aulas, almoçava, jantava na associação de estudantes, mas não ia a mais lado nenhum. Passava o resto do tempo fechada no quarto, às vezes a estudar, às vezes apenas sentada silenciosamente, olhando para o vazio ou para as próprias mãos. Raramente punha a tocar a música que tanto aborrecia Riley.

Riley sabia que ela própria estava diferente. Mas estava a esforçar-se para regressar ao normal. Ainda não o conseguira em pleno, mas pelo menos não estava a interromper em absoluto a sua vida graças ao que sucedera a Rhea.

Riley ficara feliz quando Trudy anunciara que ia um pouco para a biblioteca. Até o demonstrara a Trudy, mas não fizera disso um grande caso – Trudy andava muito sensível.

Mas agora não conseguia evitar pensar como estava a correr a pequena saída de Trudy.

Estaria a sentir-se sobrecarregada e desencorajada?

Riley tentou lembrar-se que não era responsável pelo bem-estar emocional de Trudy. Ela sabia que Trudy andava a ser acompanhada pelos terapeutas do campus e competia-lhes a eles ajudarem-na a ultrapassar aquilo. Mas até ao momento, não parecia estar a resultar – segundo a perspetiva de Riley.

Riley olhou para o relogio e viu que o tempo estava a passar rápido. Ela precisava de acabar de estudar rapidamente e vestir-se para sair com o Ryan.

Uma espécie de encontro, Pensou ao virar as páginas do seu livro. Será que isto quer dizer que as coisas estão realmente a voltar ao normal?

Dar por terminado o último ano já seria suficientemente stressante.

Com certeza que não ocorreriam mais coisas horríveis.

Mas no que dizia respeito às coisas voltarem ao normal, Riley não conseguia deixar de pensar...

Será que ainda existe aquilo que designamos por “normal”?


CAPÍTULO DOZE


Já anoitecia quando Trudy se preparava para ir para o dormitório. Não conseguira estudar nada, mas o objetivo também não fora esse.

Estava orgulhosa de si própria pelo que conseguira. Durante algum tempo observara numa prateleira uma seleção de livros recém-adquiridos. Depois sentara-se e lera algumas notas da sua aula.

E agora até se sentia divertida com o seu orgulho por ter conseguido realizar aquelas pequenas tarefas. Ela sabia que sentir-se divertida era um bom sinal.

Naquele momento, Trudy um pouco melhor consigo própria.

Aquela simples saída fora ideia do terapeuta. Uma ida à biblioteca seria uma forma de Trudy testar-se, tentar ultrapassar os seus medos.

“Passos de bebé,” Dizia o terapeuta de Trudy.

Mas naquele momento, aquilo não parecia um passo de bebé.

Parece mais um “salto gigantesco”, Pensou.

Ainda assim, Trudy tentou convencer-se que era necessário. Não parava de se recordar do que Riley dissera pouco depois da morte de Rhea...

“Não podemos viver assim – sempre com medo que algo horrível aconteça.”

É claro que era verdade. Trudy sabia que precisava de se libertar do medo crónico que parecia ter-se apoderado da sua vida.

Então dera alguns passos de bebé e dera aquele primeiro salto gigante.

Ainda assim, apercebeu-se que estava a caminhar nos caminhos iluminados do campus com rapidez, num passo muito mais acelerado do que o normal. Mesmo o facto de haver outros alunos por perto não era tranquilizador como ela pensara que seria. Cada sombra entre edifícios ou lugar obscuro atrás de arbustos parecia ameaçador.

Disse a si própria que com certeza nenhum monstro estaria à espreita, não enquanto o campus tivesse alguma atividade.

Trudy percebeu que estava a perder o pouco de autosatisfação que sentira na biblioteca. Mas de alguma forma não se conseguia sentir melhor.

E se todos os alunos desaparecessem? E se todos de repente desaparecessem e a deixassem sozinha num labirinto de caminhos, um alvo perfeito para um assassino?

Ela sabia que estava a ser irracional, mas já não controlava a sua mente.

A meio caminho do dormitório, o coração de Trudy disparava e ela estava quase a hiperventilar. Agora interrogava-se – de que lhe valera tentar testar-se daquela forma?

Pensara que o seu terapeuta fora sensato em recomendar que saísse. Ela estava orgulhosa do seu esforço. Mas tudo o que estava a conseguir era assustar-se.

Mais vale desistir, Pensou, Tenho é que ficar resguardada.

É claro que esconder-se num quarto não era lá grande vida. Mas lembrou-se que faltavam apenas dois meses para o fim do ano. Se aguentasse ate lá, passasse nos exames e terminasse o curso, podia regressar a casa e lá ficar até considerar que era seguro sair.

Quando Trudy chegou à entrada do dormitório, transpôs a porta e ficou encostada à porta sem fôlego.

Por fim, sentia que conseguia novamente respirar.

Ao caminhar para o quarto que partilhava com Riley, olhou para o fundo do corredor na direção do local onde o corpo de Rhea fora encontrado. Ela andava a evitar andar por aquela parte do corredor. Temia a simples ideia de passar ao lado do quarto.

Mas lembrou-se do lema do seu terapeuta...

“Passos de bebé.”

Talvez ela pudesse dar alguns passos de bebé ali dentro. Talvez aquele fosse um medo que ela conseguisse domar naquele momento. Não havia mais alunos no corredor naquele momento.

Trudy passou pelo seu quarto e continuou até ao fundo do corredor que parecia cada vez mais longo à medida que caminhava, e o quarto que a assustava parecia distanciar-se cada vez mais. Em vez de acelerar o passo como fizera no regresso da biblioteca, Trudy deu por si a mover-se muito lentamente.

Quase se questionou...

Talvez nunca lá chegue.

Mas por fim deu por si em frente à porta que estava fechada há duas semanas. Parecia estranhamente grande e inquietante, como se fosse um enorme túmulo. Sentiu-se diminuida e assombrada por aquela porta.

Ela sabia que ninguém vivia ali agora. Heather não regressara à escola. Enviara um e-mail às amigas, incluindo Trudy, dizendo que se ia ausentar da escola durante um ano e se calhar se candidataria a outra no outono.E é claro, mais ninguém se queria mudar para ali – pelo menos não para já.

Trudy interrogou-se – quanto tempo levaria até alguém viver ali outra vez?

Talvez no próximo ano?

Ou no outro?

Trudy não conseguia imaginar que fosse em breve. Com certeza que ninguém ali se instalaria até todos os alunos que ocupavam atualmente aquele piso se terem ido embora, levando com eles a terrível memória daquela noite.

Achou estranho pensar – o assassinato de Rhea não seria mais do que parte da história do dormitório, uma história que os alunos contariam por divertimento, para se assustarem uns aos outros.

Trudy começou a pensar...

Será que a porta está trancada?

Com certeza que estava tendo em consideração que o quarto estava desocupado.

Ela podia descobrir se estava trancado naquele momento, apenas tentando girar a maçaneta.

Mas nesse preciso momento, um ruído assustou-a.

Virou-se e viu que era Riley a sair do quarto.

“Ei Riley,” Chamou-a.

Riley virou-se e pareceu surpreendida por ver Trudy.

“Olá Trudy,” Disse ela.

Trudy e Riley caminharam na direção uma da outra.

“Já voltaste da biblioteca,” Disse Riley. “Como é que... ?”

A voz de Riley apagou-se. Trudy adivinhou de imediato o que ela queria perguntar. Fora bastante óbvio que a sua saida estava relacionada com o enfrentar dos seus medos.

Trudy conseguiu sorrir ligeiramente.

“Correu bem,” Disse ela.

Pelo menos não fui assassinada, Pensou.

Seguiu-se um silêncio estranho.

Trudy reparou que Riley estava toda arranjada, usando uma saia comprida e estreita, uma blusa em V e botas que davam um toque casual agradável ao look. Ela queria perguntar a Riley onde é que ela ia. Mas Riley andava muito defensiva ultimamente sempre que Trudy fazia perguntas sobre as suas idas e vindas.

Por fim, Riley disse de forma hesitante, “Uh, vou sair por uim bocado. Acho que não me demoro. Ligo-te se chegar tarde. Espero que... não haja problema.”

Trudy estremeceu ligeiramente ao lembrar-se da cena que fizera quando Riley chegara na segunda-feira depois do crime. Ela sabia que Riley andava a sair menos por atenção a ela.

“Claro que não há problema,” Disse Trudy. Forçando um riso, acrescentou, “Eu sou o quê? Tua mãe?”

Riley riu-se com inquietação.

“Ok,” Disse ela. “Vemo-nos mais tarde.”

Riley virou-se e prosseguiu o seu caminho para o exterior do edifício. Trudy foi para o seu quarto, trancou a porta e sentou-se na cama.

Dali a momentos, começou a sentir-se um pouco mais segura e a respirar mais tranquilamente.

Mas pensou...

O que é que isso diz sobre mim?

Uma coisa era certa: não sentia que tivesse apaziguado quaisquer medos.

Durante breves isntantes na biblioteca, pensara que que tivesse. Agora pensava se alguma vez os conseguiria domar.

Ia ficar ali trancada no quarto?

Talvez – só talvez – ela pudesse ganhar coragem para ir até à sala comum estudar e comer qualquer coisa.

Uma verdadeira aventura, Pensou ironicamente. Talvez mais daqui a pouco.

Questionou-se novamente onde iria Riley. Riley parecia diferente por aqueles dias. Parecia muito distraída e o seu humor estava estranho.

Mas, disse a si mesma, o seu próprio humor também não estava propriamente normal.

Foi aquele livro, Pensou Trudy.

Riley passou demasiado tempo a ler aquele livro – aquele que ela sabia que Riley guardava na gaveta da secretária, aquele sobre assassinos.

O que é que se passa com ela? Pensou.

Trudy lembrou-se de algo que dissera a Riley durante a sua explosão emocional da noite em que Riley saíra sozinha...

“És a minha melhor amiga. E a ideia de te perder depois do que aconteceu à Rhea...”

Trudy sentiu um nó na garganta.

Era isso o que estava a acontecer?

De certa forma, estaria ela a perder Riley como perdera Rhea?


CAPÍTULO TREZE


Quando Riley saiu do dormitório, o único carro que viu no exterior era um Ford Mustang. Hesitou por um momento. Parecia-lhe um carro demasiado caro para um aluno, mesmo para um aluno de direito.

Naquele momento, Ryan Paige saiu do Mustang e acenou a Riley. Ele contornou o carro e abriu-lhe a porta, mostrando ser mais educado do que a maior parte dos rapazes que conhecia. Ela começava a sentir que aquela noite poderia ser mais invulgar do que ela esperava.

Quando Riley entou no Mustang, teve consciência que Ryan olhava para ela com uma expressão de agrado. É claro que ela também olhou para ele. A verdade era que ela achou que ele estava um pouco demasiado bem vestido para um quase-encontro improvisado. Ryan envergava um colete escuro por cima de uma camisa azul cara de colarinho desapertado.

Riley interrogou-se – será que ele é demasiado formal e antiquado para o seu gosto?

Quando Ryan entrou no carro e começou a conduzir, perguntou, “Como é que estás?”

Riley pressentiu que a pergunta era uma formalidade de educação. No final de contas, Ryan sabia que ela fora amiga de Rhea e que fora ela a encontrar o corpo.

“Acho que bem,” Disse ela. “Têm sido uns dias estranhos.”

“Têm mesmo,” Disse Ryan. “Toda a escola parece um lugar diferente. Toda a gente está tão rígida e nervosa, e há tantos rumores a circularem. E há muitas suspeitas. Ouvi falar de rapazes serem ostracizados por serem estranhos e excêntricos, tratados como se fossem assassinos. Não é saudável.”

Riley não respondeu, mas não discordava. Lembrava-se que a polícia tinha interrogado o pobre Rory Burdon. Interrogava-se se também ele estaria a ser tratado daquela forma devido à visita da polícia. Esperava que não.

Ryan olhou para ela com preocupação e ela percebeu que estava ali sentada sem dizer nada.

“Oh, desculpa,” Disse ele. “Talvez não devesse estar a falar de... “

“Não faz mal,” Disse Riley.

Mas não falava sobre o assunto.

A viagem até ao Pub Pooh-Bah’s era curta. Quando chegaram à entrada, é claro que Ryan abriu a porta a Riley. Ela nunca ali estivera, mas era tão sofisticado e chique como esperava – bem diferente da informalidade familiar do Centaur’s Den.

O espaço estava amplamente iluminado, revelando requinte em toda a parte. Em vez do ruído de música rock, ouvia-se jazz. Ryan conduziu Riley até uma mesa.

Dali a breves instantes, uma mulher jovem vestindo uma camisa branca e uma gravata preta anotou os seus pedidos.

“Olá Nyssa,” Disse Ryan com um sorriso.

“Olá Ryan,” Disse a empregada, devolvendo o sorriso.

Riley perguntou-se – seria Ryan um cliente frequente?

Afinal de contas, quão rico era ele?

A mulher anotou os seus pedidos de vinho tinto. Após alguma timidez inicial, começaram a conversar um pouco – mas não sobre o crime. No que dizia respeito a Riley, isso era um alívio.

Dali a nada, Riley começou a sentir-se muito confortável com aquele encontro. Apesar do cenário, Ryan parecia-lhe cada vez mais um rapaz normal. E como quase todos os rapazes que Riley conhecera, ele gostava de falar sobre si próprio. Conseguiu falar nas suas notas que eram excelentes e mencionar que tinha o seu próprio apartamento. Em breve revelava a Riley o seu futuro promissor que poderia incluir aspirações políticas.

Riley não levou a última parte do seu discurso muito a sério. A maior parte dos alunos de direito que conhecera, estavam certos que um dia seriam presidentes. Ainda assim, Ryan pareceu-lhe genuinamente trabalhador e consciencioso. Ela não tinha dúvidas de que ele teria sucesso na vida.

Um pouco depois, as suas tiradas autobiográficas abrandaram e ele começou a parecer um pouco envergonhado.

Riley estava divertida.

Ela reconhecia aquele momento de um encontro. O momento em que um rapaz se apercebe que passara o tempo todo a falar dele próprio e de que chegara o momento de demonstrar algum interesse na rapariga.

“Então,” Disse ele. “Psicologia.”

Riley sorriu à forma como ele conseguira abreviar a pergunta. Que seria qualquer coisa como...

“Que raio pensas que vais fazer com um curso de psicologia?”

Pelo menos lembrava-se qual era a sua área de estudo.

Riley encolheu os ombros.

“Acho que me interesso pela natureza humana,” Disse ela.

Ryan inclinou a cabeça com interesse.

Disse, “Talvez o lado negro da natureza humana, a julgar pelos teus hábitos de leitura. Aquele livro do Zimmerman que estavas a ler parecia bastante soturno.”

Riley não sabia o que dizer. Ela própria estava intrigada com as voltas obscuras que os seus pensamentos estavam a tomar ultimamente.

Ryan recostou-se e olhou para Riley como se a estivesse a estudar.

Ele disse, “Calculo que tenhas tido experiências perturbadoras na tua vida – coisas de que não falas muito. Estou certo?”

Riley estremeceu.

Pensando no assassinato da sua mãe e na sua infância e adolescência complicadas, Ryan não estava enganado.

“Talvez,” Disse ela.

A expressão de Ryan mudou. Riley pressentiu que ele percebera que tocara num ponto sensível, algo que ela preferia manter omisso e agora procurava uma forma de mudar de assunto.

Então Ryan disse, “Bem, então conta-me coisas que aprendeste sobre a natureza humana até agora.”

Ele riu nervosamente e acrescentou, “Que tal eu, por exemplo? Estou aqui sentado a falar sobre mim como um cretino egocêntrico – que espero não ser, já agora. Mas com certeza que que já conseguiste apanhar algumas coisas a meu respeito e de que eu não falei.”

Riley sentiu um formigueiro de curiosidade. Tinha que admitir que era uma pergunta interessante.

O que poderia ela dizer acerca de Ryan Paige que ele ainda não lhe tivesse dito?

Ficou ali a observá-lo com atenção.

“Vestes-te bem,” Disse ela, olhando novamente para a camisa azul cara e colete. “Mas não demasiado bem. Não és um fedelho mimado. Se fosses de uma família rica, já te terias gabado disso.”

Ele sorriu um pouco. Riley pressentiu que estava certa até ao momento.

Prosseguiu, “Calculo que venhas de uma família de classe média. O teu pai é talvez – o quê? Um construtor?”

Agora a expressão de Ryan demonstrava surpresa.

Ele disse, “Na verdade, um canalizador.”

Agora fora a vez de Riley ficar surpreendida. Não falhara por muito.

“E a tua mãe?” Perguntou Riley.

“Diz-me tu,” Disse Ryan.

Riley pensou durante um momento.

Então disse, “Bem, não é uma mãe a tempo inteiro. A tua família precisa do rendimento extra. Algum tipo de emprego não especializado... “

Ryan anuiu e disse, “Ela trabalha como escriturária numa loja de cartões de felicitações. Trabalha lá desde que eu fui para o infantário.”

Riley estava a começar a gostar daquele pequeno exercício.

Também estava a gostar do que estava a descobrir sobre Ryan.

“Vives bastante bem para um aluno de faculdade,” Disse ela. “Temos o carro, por exemplo – um belo Ford Mustang. Mas... “

Ela fez uma pausa ao lembrar-se da sensação do carro.

Então disse, “Compraste-o usado. Ou fizeste uma boa troca por ele – talvez um carro que os teus pais te compraram como presente por concluires o secundário ou algo do género.”

Os olhos de Ryan dilataram-se.

Ela continuou, “Trabalhas arduamente e não apenas nos estudos. Tenho quase a certeza que trabalhaste à noite nos teus primeiros anos e talvez ainda trabalhes no verão... “

Riley fez nova pausa, tentando imaginar que tipo de emprego é que Ryan teria tido.

De repente lembrou-se das palavras familiares que trocara com a jovem que os servira.

E agora percebera...

Não, não era porque ele era um cliente regular.

Ela disse, “Trabalhaste aqui no Pooh-Bah’s-como empregado, aposto.”

Riley percebeu pela expressão assustada de Ryan que ela tinha razão.

Sentia-se cheia de energia agora que os palpites lhe surgiam.

“És filho único,” Disse ela. “E esse é um dos motivos por que te esforças tanto. Queres que os teus pais sintam orgulho em ti, porque és tudo o que eles têm. Estás ávido de sucesso. E pensas que a melhor forma de seres bem-sucedido é agir como se fosses bem-sucedido.”

Ryan estava estupefacto.

“Que tal me estou a sair até agora?” Perguntou Riley.

Ryan limitou-se a assentir com um sorriso surpreendido e inquieto.

“Queres ouvir mais?” Perguntou ela.

“Um... Penso que não,” Disse ele.

As suas palavras apanharam-na de surpresa. Ele não parecia muio agradado com aquilo que ela discernia.

Talvez tenha ido longe demais, Pensou.

Então Ryan disse, “Esquece a psicologia. Devias ser polícia.”

Agora Riley sentiu-se picada.

Havia algo na sua voz que lhe dizia que ele não o dissera no bom sentido.

Ele estava a dizer que ela não era aquilo que ele esperava – e que também não era o tipo de rapariga em que ele se pudesse interessar.

Afinal, ela pensou...

Que tipo de futuro advogado gostaria de nadar com uma futura polícia?

Não que Riley quisesse ser polícia – de maneira nenhuma.

Pensou em dizê-lo, mas rapidamente voltou atrás.

Já disse demais, Calculou.

Riley e Ryan acabaram as bebidas em completo silêncio. Nenhum deles mencionou a possibilidade de um encontro no fim de semana com jantar e filme. A verdade era que Riley não queria saber. Ryan era obviamente um rapaz inseguro e apesar dela se sentir imensamente atraída por ele, pensou que não lhe convnha.

Quando Ryan a levou de regresso ao dormitório, Riley lembrou-se do fluxo de perspetivas que lhe haviam ocorrido.

De onde veio tudo aquilo? Interrogou-se.

Ela sempre soubera que era uma boa observadora, mas aquele tipo de comportamento era novo para ela – sobretudo a parte em que dizia a alguém o que descobrira dela.

Quando Ryan parou o carro, desapertou o cinto de segurança como se pretendesse acompanhá-la até ao dormitório – só para sua segurança, tinha a certeza. Um beijo de boa noite estava fora de questão.

“Tudo bem, não há problema,” Disse ela, saindo do carro sozinha.

Entrou no dormitório e olhou pela porta de vidro a tempo de ver Ryan a ir embora no seu Ford Mustang.

De repente sentiu-se imensamente triste.

A vida tinha mudado tanto desde que Rhea morrera.

Riley sabia que ela tinha mudado – e ainda estava a mudar de uma forma que não conseguia prever.

O que é que tudo aquilo significava para o seu futuro?

Suspirou e enquanto caminhava na direção do seu quarto, so teve a certeza de uma coisa...

Fosse como fosse o futuro, Ryan Paige não faria parte dele.


CAPÍTULO CATORZE


Quando Riley abriu a porta do quarto, uma pequena luz piscava na escuridão. O atendedor de chamadas indicava uma nova mensagem.

Quem será? Perguntou-se.

Por um breve momento imaginou que seria Ryan a ligar-lhe do carro...

“Ei Riley, esquecemo-nos de falar no nosso encontro para o fim de semana... “

É claro que ela sabia que não era ele. De certeza que não queria repetir o encontro estranho que tinham tido naquela noite. Não, não eram um para o outro. Ela nem sequer se sentiu triste com isso.

Entrou silenciosamente no quarto, pensando que Trudy já estaria a dormir.

Mas Trudy não estava na sua cama.

Riley sentiu uma pontada de alarme. Ir à biblioteca fora algo importante para Trudy. Com certeza que não tinha saído naquela noite.

Estará bem?

Riley ligou a luz e viu uma nota na mesa ao lado do atendedor de chamadas. Pegou nela e leu-a.


Fui só até à sala comum para estudar um bocadinho.


Havia um pequeno coração desenhado abaixo da mensagem.

Riley ficou mais sossegada. Trudy estava apenas na grande sala de estar do dormitório ao fundo do corredor.

Mas a luz do atendedor ainda estava a piscar.

Quem ligara, afinal? Seria alguém com quem quisesse falar?

Sem dúvida que não queria falar com o pai novamente nos próximos tempos.

Por fim, lembrou-se que estava a ser pateta e ouviu a mensagem. Ouviu uma voz feminina...


“Olá malta... aqui fala a Kyra. Pensei em... “


Quando a voz se apagou durante o que pareceu um momento indeciso, Riley percebeu...

Kyra. A irmã mais velha da Rhea.

A voz prosseguiu...


“Peço desculpa por vos incomodar, eu só... Liguem-me, ok?”


Deixou o seu número de telefone e a mensagem terminou com um beep.

Riley lembrava-se muito bem de Kyra. Ela formara-se em Lanton há três anos e viera visitar a irmã mais nova algumas vezes. Quando ia, também convivia com Riley e Trudy.

Era uma mulher robusta e amável com um sentido de humor contagioso – mais parecida com a Trudy do que com a sua bastante reservada irmao mais nova.

Ou pelo menos parecida com a Trudy que ela conhecera, Pensou Riley.

Mas a sua voz soava perturbada e preocupada – o que não era de surpreender.

Tendo em consideração que a chamada tinha sido feita há apenas vinte minutos, Riley calculou que não era tarde para a devolver.

Ligou para o número deixado e Kyra atendeu.

“Ei Kyra,” Disse ela. “Aqui fala a Riley.”

“Olá Riley,” Disse Kyra. “Obrigada por ligares tão rapidamente.”

Seguiu-se um silêncio. Apesar de Riley ter enviado um cartão à família de Rhea, apercebeu-se que não entrara pessoalmente em contacto com Kyra.

Riley gaguejou, “Eu... eu lamento tanto o que aconteceu.”

“Sim,” Disse Kyra. “Como é que estás a lidar com a situação?”

Riley ficou assustada com aquela pergunta vinda da própria irmã de Rhea.

“Não te preocupes comigo,” Disse Riley. “Como estás tu e os teus pais?”

Ouviu um longo suspiro do outro lado da linha.

“Tem sido muito, muito duro. Vim para casa mal soube e a mãe e o pai estão a passar um mau bocado. Não parece real. Nem consigo... “

Calou-se novamente.

Então disse, “Tivemos um funeral e enterro bastante privados. Toda a cidade estava demasiado chocada para se fazer mais do que isso. Mas vamos ter um pequeno serviço em memória cá em casa este domingo. Vai ser muito estranho para mim – vão aparecer pessoas da família e amigos da cidade, muita gente com quem não falo há vários anos. Sinto que já nem os conheço e eles não me conhecem a mim. Sinto-me muito mais próxima de ti e da Trudy. Na verdade, acho que a Rhea também se sentia assim.”

Riley engoliu em seco. Ela sabia o que aí vinha.

Kyra disse, “Oh Riley – gostava que vocês as duas pudessem estar presentes. Ajudavam-me imenso.”

Riley não falou por um momento.

Por fim disse, “Kyra, eu e a Trudy não temos carro, mas... há um serviço de autocarro daqui a Herborn, é aí?”

“É isso mesmo. Há um autocarro de manhã de Lanton para cá. Posso ir buscar-vos à estação.”

Ela sabia que não ia ser fácil passar a tarde entre amigos e parentes de Rhea.

Mas também sabia que não podia recusar.

Seria errado.

“Claro, eu vou,” Disse ela. “Vou perguntar à Trudy se ela também vem. Obrigada por nos convidares.”

“Obrigada eu,” Disse Kyra, parecendo aliviada.

Mal Riley desligou, desejou ter feito algumas perguntas a Kyra. Por exemplo, se a polícia mantinha a família de Rhea informada sobre o progresso da investigação? É que Riley não sabia de nada.

Talvez tivesse tempo para falar com Kyra sobre aquilo no domingo.

De qualquer das formas, Riley tinha que falar com Trudy. Foi até à sala comum onde Trudy estava aninhada num sofá a ler um livro. Outras raparigas estavam reunidas em frente à televisão, assistindo a um qualquer programa. Não prestaram atenção a Riley e Trudy.

Riley sentou-se ao lado da sua companheira de quarto.

“Trudy, acabei de receber uma chamada da Kyra.”

Trudy fechou o livro e os seus olhos abriram-se muito.

“Oh!” Disse ela. “Como é que ela está?”

“Ela... bem, já sabes,” Disse Riley com um encolher de ombros. Não fazia ideia de como responder àquela pergunta.

Então Riley disse, “A sua família em Herborn vai fazer um serviço em memória no domingo. Fomos convidadas.”

Trudy ficou de boca aberta e empalideceu.

“Oh, Riley,” Disse ela quase sussurrando. “Vais?”

“Tenho que ir Trudy. E tu também. A Kyra parecia precisar mesmo de nós por la.”

Trudy ficou a olhar para o vazio durante um momento.

Então disse, “Riley, não posso. Lamento mas simplesmente... não posso.”

Riley ficou chocada.

“Porque não?” Perguntou.

Trudy gaguejou, “É so porque... Ainda estou... Riley, sabes perfeitamente bem que estou a ter dificuldades em lidar com tudo isto. Não conseguiria ir. De cerreza que me ia abaixo e seria tudo pior para toda a gente.”

Riley começava a sentir-se um pouco zangada, mas tentou não o demonstrar.

“Trudy, eu penso que... bem, talvez te fizesse bem. O que achas que o teu terapeuta diria? Talvez seja aquilo de que precisas. Pode dar-te algum... “

“Ânimo,” Disse Trudy, terminando o pensamento de Riley. “Sim, eu sei. E podes ter razão mas... “

A sua voz apagou-se.

Por fim, disse com a voz a tremer, “Não posso. Não posso mesmo.”

Riley ficou ali durante um momento a tentar pensar numa forma de a convencer a ir com ela. Mas não lhe ocorria nada para dizer. Ela tinha a certeza de que Trudy não ia mudar de ideias – nem mesmo com os próximos dias para pensar melhor.

Tentando manter uma nota de amargura no seu tom de voz, Riley disse, “Vou ligar à Kyra e dizer-lhe... “

“Não,” Disse Trudy. “Eu entro em contacto com ela. Tenho a certeza que tenho o seu endereço de e-mail.”

Riley conteve um suspiro. Não havia mesmo mais nada a dizer. Deixou Trudy sozinha na sala comum sem proferir mais nenhuma palavra.

De regresso ao quarto, Riley hesitou e parou. Ficou estacada em frente a uma porta fechada. Fazia aquilo há duas semanas. Nem conseguia explicar a si própria porquê.

Talvez esperasse obter algum tipo de informação, nem que fosse um instinto acerca do que acontecera dentro daquele quarto naquela terrível noite.

Mas até ao momento, não conseguira grandes resultados, exceto a sensação triste da ausência de Rhea.

E é claro, ela tinha a certeza que a porta devia estar trancada e não poderia entrar mesmo que quisesse.

Como se para provar isso a si própria, segurou na maçaneta.

Para espanto de Riley, a maçaneta rodou facilmente e a porta abriu-se.

Alguém esqueceu-se de a fechar, Apercebeu-se.

Quereria ela realmente entrar?

Sim, queria.

Riley entrou no quarto com cuidado e ligou a luz. Fechou a porta atrás de si.

O quarto parecia ainda mais estranho do que ela esperava – completamente despido de tudo o que pertencera a Rhea e a Heather. Uma das camas tinha sido removida e o colchão da outra parecia

 


Nu e duro. E o sangue tinha sido limpo do chão tão minuciosamente que Riley ainda sentia o cheiro dos produtos de limpeza usados.

E no entanto...

Foi acometida por uma sensação estranha, não muito diferente daquela que tivera quando seguira os passos do assassino pelos caminhos do campus.

Riley estremeceu.

Quereria ela invocar novamente a presença do assassino?

Por outro lado, como poderia não o fazer?

Fosse o que fosse, talvez descobrisse algo importante, talvez até conseguisse revelar a identidade do assassino.

Disse a si própria que estava a deixar-se levar pela imaginação.

Mas Riley percebeu que no fundo estava a aceitar aquela experiência estranha como algo real.

Fechou os olhos e imaginou o quarto como era quando Rhea e Heather ali viviam – alegremente desarrumado, com camas por fazer e pertences espalhados por todo o lado e posters nas paredes.

Então o verdadeiro horror entrou em cena...

Estava à beira do corpo de Rhea, ainda vivo, com sangue a jorrar pela ferida na garganta. Riley sentiu os dedos do assassino a segurarem o cabo da faca ao olhar para a lâmina brilhante manchada de sangue.

Sentiu um sorriso de satisfação a formar-se no seu rosto.

O assassino estava ansioso por fazer o mesmo novamente – e no entanto lembrava a si próprio...

“Não tenho pressa.”

Os olhos de Riley abriram-se e o feitiço quebrou-se. Tremia.

Apesar do episódio ter sido breve, fora muito mais intenso do que experimentara nos caminhos do campus.

Deveria tentar atingir aquele estado novamente, ver se conseguia descobrir mais coisas sobre o assassino?

Fechou os olhos e respirou lentamente...

... mas nada aconteceu.

Ainda assim, não se sentiu desencorajada.

Em vez disso, sentiu algo que não sentia desde que Rhea fora assassinada.

De uma forma ainda incompreensível, ela estava a tentar apanhar o assassino.

Desde que conseguisse captar o mundo através dos seus olhos, nem que fosse de forma breve ou ocasional, ela tinha mais poder sobre ele do que ele jamais conseguiria entender.

Ela sussurrou para a presença invisível...

“Estou-te a ver.”

Então desligou a luz, saiu do quarto, fechou a porta e foi para o seu quarto.

Percebeu que algo de novo lhe estava a acontecer.

E era algo que podia mudar tudo.


CAPÍTULO QUINZE


Riley sentiu-se muito pouco à vontade no serviço fúnebre. Mais do que isso – sentiu-se completamente estranha, como se fosse uma visitante de um outro planeta.

A família de Rhea Thorson vivia numa atraente casa toda em tons de creme e bege, e tão bem cuidada que parecia mais recente do que na verdade devia ser. A sala de estar estava repleta de amigos e família, pessoas que se conheciam entre si e gostavam umas das outras.

Riley mexeu-se desconfortavelmente na cadeira e pensou...

Como será a sensação de pertença que estas pessoas sentem?

Ela nunca experimentara nada do género nos vários lugares a que chamara casa ao longo dos anos.

A irmã mais velha de Rhea, Kyra, fora ter com Riley à estação de camionagem de Herborn naquela manhã e levara-a até ali para assistir ao serviço. Riley tinham sido apresentada aos pais de Rhea, irmãos e muitos parentes apressadamente, depois sentou-se numa das cadeiras desdobráveis alinhadas na sala.

Para alívio de Riley, o pregador idoso terminou o seu discurso rapidamente. Ainda assim, ficou intrigada com algumas das coisas que ele dissera – sobre como Rhea estava livre dos males deste mundo e como toda a gente que a amava se podia confortar com o facto de ela agora viver num estado de eterna felicidade.

A verdade era que Riley nunca soubera se Rhea era religiosa ou não.

Ficaria Rhea feliz por ouvir o pregador dizer aquelas coisas?

Riley não sabia.

Mais uma vez se apercebeu com tristeza que não conhecera Rhea tão bem quanto deveria.

Os amigos e familiares partilhavam agora memórias da Rhea. A maioria eram memórias felizes da escola, de brincadeiras, de piqueniques e de férias em família. Algumas das histórias mais divertidas levaram o grupo a rir-se de forma melancólica.

Ainda assim, um choro abafado irrompia de vez em quando. Ninguém podia esquecer a sua dor, nem o terrível mal que recaíra sobre a sua comunidade, mesmo que ninguém falasse nisso.

Antes de partir naquela manhã, Riley dedicou-se a escolher o que usaria para a ocasião. Será que estariam todos vestidos de preto? O mais próximo que tinha dessa cor era um vestido azul escuro que esperava fosse suficientemente solene.

Mas afinal Riley apresentara-se vestida de forma mais formal do que a maioria das pessoas que lá se encontravam. De uma forma geral, estavam vestidas de forma casual, como se aquela fosse uma reunião normal – como se a própria Rhea pudesse entrar por ali adentro a qualquer momento.

Riley calculou que o anterior serviço fúnebre e enterro que Kyra mencionara deviam ter sido definitivamente mais sombrios. Aquele grupo parecia determinado a convencer-se do velho provérbio...

“A vida continua.”

Se ao menos isso fosse verdade, Pensou Riley com tristeza.

Ainda assim, a presença de pessoas atenciosas afetava-a profundamente. Deu por si a pensar no número escasso de pessoas a quem se sentia profundamente ligada.

Haveria alguém assim na sua vida? Se houvesse, teriam que ser colegas da faculdade como Trudy, Heather, Gina e...

Rhea.

Estremeceu quando lhe ocorreu o nome.

Era assustador pensar quão frágeis eram as suas conexões humanas.

E eram tão poucas.

Pensou na sua irmão mais velha, Wendy, que fugira de casa quando era adolescente. Isso acontecera há anos e Riley raramente a vira depois disso. Não falaram durante muito tempo e Riley nem sabia onde é que Wendy vivia.

Depois havia o tio Deke e a tia Ruth. Ela vivera com eles na pequena cidade de Larned durante grande parte da sua infância e toda a sua adolescência. Devia-lhes a pouca estabilidade que tivera na vida. Sentia-se mal por lhes ter causado tantos problemas durante a adolescência. Mereciam mais.

Perguntou-se – alguma vez conseguiria compensá-los?

Não sabia como. Quando o tio Deke se aposentou, ele e a tia Ruth mudaram-se para a Flórida e Riley deixou de ter grande contacto com eles.

E depois havia o pai de Riley.

Por muito problemática que a sua relação fosse, não conseguia convencer-se de que o odiava. E suspeitava que do seu jeito frio e implacável, ele ainda a amava profundamente.

E naquele momento compreendeu...

A ninguém é prometido um amanhã.

O seu pai não viveria para sempre. Quando morresse, como é que Riley se sentiria acerca de tudo o que não fora resolvido nem dito?

Seria possível fazerem as pazes?

Riley deu por si a pensar...

Talvez seja a altura de tentar.

Mas por onde começar?

À medida que pensava naquelas perguntas, Riley reparou que apenas uma pessoa ali parecia tão deslocada como ela e essa pessoa era Kyra. Para começar, Kyra parecia mais sofisticada do que os outros com o seu vestido rosa, brincos elegantes e cabelo frisado.

Kyra não parava de olhar para Riley, como se procurasse apoio emocional.

Riley lembrava-se do que Kyra dissera ao telefone sobre a família e amigos ali em Herborn...

“Sinto que já não os conheço e eles não me conhecem.”

Riley sabia que Kyra se tornara assistente de bordo pouco depois de se formar em Lanton. Quando Kyra visitava Rhea no campus e passava tempo com Riley e Trudy, contava-lhes histórias sobre as suas viagens a todas as partes do mundo.

Sempre parecera a Riley uma vida excitante. Agora Riley percebia que a vida de Kyra a fizera sentir uma estranha naquela pequena cidade onde todos se conheciam e poucos pessoas viajavam para muito longe ou por muito tempo.

Riley reparou que a família mais próxima de Rhea – o pai, mãe, irmãos e irmãs, incluindo Kyra – não aproveitaram a oportunidade para contar as suas próprias histórias. Riley não ficou surpreendida. A sua dor ainda era muito recente e profunda para partilhar as suas memórias de tempos felizes com Rhea. Mas pelo menos o pai e mãe de Rhea pareciam agradados por ouvir o que os outros diziam.

Quando se parou de contar histórias, todos se levantaram e começaram a juntar-se e encaminhar-se na direção de uma mesa com pratos que os convidados tinham preparado.

Riley desejou encolher-se e desaparecer.

Aquele era o momento que ela mais temia – ter que se apresentar a pessoas que não conhecia e ter que lhes transmitir palavras de conforto.

Mas de repente sentiu a mão de alguém a pousar-lhe no ombro.

Virou-se e viu Kyra que lhe sussurrou...

“Vamos embora daqui. Por favor.”

Assustada, Riley seguiu Kyra pela casa e até ao carro que estava estacionado junto a vários outros veículos em torno da casa. Ambas entraram no carro de Kyra e saíram dali.

Riley quase perguntou...

“Para onde vamos?”

Mas viu as lágrimas a escorrerem no rosto de Kyra.

“Oh meu Deus,” Disse Kyra. “Não conseguia respirar ali. Foi demais para mim. Obrigada por... obrigada por vires. Precisa mesmo de ti aqui Riley.”

Riley ficou comovida.

Disse, “Ainda bem que vim.”

E pela primeira vez, sentiu-se realmente bem por ter ido. Ocorreu-lhe que tinha pena por Trudy não estar presente.

Esperava que Trudy tivesse feito o prometido enviando um e-mail a explicar porque não estaria ali. Até ao momento, Kyra nada mencionara sobre Trudy. Riley calculou que era melhor não dizer nada a não ser que Kyra tocasse no assunto.

Em breve Kyra entrou na zona do pequeno cemitério da cidade onde estacionou o carro.

Quando Riley e Kyra saíram do carro e começaram a caminhar entre as lápides, Riley reparou pela primeira vez que estava um agradável dia de abril. Soprava uma brisa fresca e as árvores eram verdes e os pássaros cantavam. A primavera já tinha chegado.

Dali a nada Riley e Kyra estavam em frente a uma lápide que parecia tão nova que mal parecia real. Nela estava gravado...


Rhea Thorson

Amada filha e irmã


Riley sentiu novamente a tristeza a tomar conta de si pelo facto de a palavra “amiga” não estar lá. Abaixo daquelas palavras estavam as datas da chocante curta vida de Rhea.

Riley ficou alarmada quando Kyra colocou a mão no seu ombro e o apertou com força.

Kyra disse, “Não fazes ideia do quanto a Rhea gostava de ti.”

Riley engoliu em seco. Não esperava ouvir aquelas palavras.

Kyra prosseguiu, “Falava-me em ti sempre que podia. Dizia que eras especial e inteligente e forte, e achava que ias fazer coisas sensacionais na vida. Não sabia o quê, mas estava ansiosa por saber. Eras a melhor amiga dela Riley.”

Riley ficou estupefacta.

A sua melhor amiga?

Riley não fazia ideia de que Rhea pensava daquela forma.

A verdade era que Riley nunca se sentira tão próxima de Rhea como de, por exemplo, Trudy.

E sempre pensara que Rhea se sentia mais próxima de Trudy e Heather do que dela.

Agora Riley percebeu porque é que Kyra não parecia muito preocupada com o facto de Trudy não ter ido. Apesar de ter convidado ambas, aparentemente era muito mais importante Riley estar ali.

Kyra acrescentou, “Ela disse que podia contar contigo para tudo.”

Riley de repente sentiu que tinha levado um murro no estômago.

A Rhea sentia mesmo isso em relação a mim? Interrogou-se.

Riley nunca o soubera.

Se tivesse sabido, estaria mais atenta a ela naquela noite no Centaur’s Den?

Rhea não pudera contar com ela naquela altura – nem quando mais importava.

Agora Riley teve que conter as lágrimas.

Lembrava-se de algumas perguntas que não fizera quando Kyra ligara a convidá-la. Aquele era o momento para as coocar.

Disse, “Kyra, o que é que a polícia te tem dito? Com certeza que te têm contactado. Estão perto de apanhar o homem que... ?”

Kyra abanou a cabeça e disse, “Ligo-lhes praticamente todos os dias e dizem-me sempre a mesma coisa. O assassino era alguém que estava de passagem. Pensam que já não esteja por cá. Pode estar em qualquer parte. Talvez tenha cometido crimes semelhantes em outros lugares e se for esse o caso, o FBI pode ajudar. Mas até agora, parece que a polícia local não tem nada.”

Riley recordou-se da teoria contraditória do Dr. Zimmermen de que Rhea conhecia o seu assassino e do seu palpite pessoal de que ele ainda observava as raparigas no campus, esperando para matar novamente.

Deveria falar disso a Kyra?

Então Kyra disse...

“A verdade é que tenho a sensação de que a polícia não se está a esforçar o suficiente.”

Riley lembrou-se de sentir o mesmo quando fora à esquadra para tentar obter algumas respostas.

Pensou – será que a polícia está sequer a esforçar-se?

Kyra acrescentou, “Não paro de ligar ao Reitor Trusler também e ele é um inútil – parece uma máquina de vending de condolências automáticas que não para de dizer o quanto lamenta a perda da familia e como o caso está fora da sua alçada, assegurando que a polícia o resolverá.”

Riley não sabia o que dizer. Ela e Kyra ficaram a olhar em silêncio a lápide durante um momento interminável.

Então Riley apercebeu-se de que Kyra estava a fixá-la. Riley devolveu-lhe o olhar.

Kyra disse, “Riley... “

Kyra não terminou a frase, mas Riley pressentiu o que ela queria dizer...

“Riley, faz alguma coisa por favor. Faz o que tem que ser feito.”

Riley sentiu um nó de emoção na garganta. Ela sabia que não podia recusar o pedido silencioso de Kyra.

Então assentiu lentamente.

Kyra sorriu, parecendo aliviada.

Então disse, “Vem, é melhor levar-te à estação a tempo de apanhares o autocarro.”

Ao afastarem-se do tumulo, Riley não parava de pensar no que Kyra acabara de dizer sobre Rhea...

“Ela disse que podia contar contigo para tudo.”

Parecia uma voz vinda do além a pedir que Riley fizesse justiça.

Como é que posso fazer justiça? Perguntou-se.


CAPÍTULO DEZASSEIS


Nas aulas do dia seguinte, Riley teve dificuldades em concentrar-se. Não parava de se lembrar do olhar implorativo de Kyra no dia anterior – um olhar que parecia dizer...

“Faz alguma coisa por favor.”

O que é que ela podia fazer?

Mas se a polícia não estava a agir, será que em última análise dependeria de Riley descobrir o assassino de Rhea?

A ideia era demasiado impressionante para sequer considerá-la.

E no entanto, Riley não conseguia parar de pensar nela.

Andou todo o dia com o livro do Dr. Zimmerman, lendo-o sempre que tinha a oportunidade. Já não tinha a certeza do número de vezes que lera Mentes Obscuras. Já tinha preenchido praticamente um caderno com notas dele retiradas.

Mas sabia que já o devia ter devolvido ao Professor Hayman e poderia muito bem tratar disso naquela tarde.

Depois da última aula, Riley foi ao gabinete do Professor Hayman no edifício de Psicologia, mas ficou desiludida por ver que ele já se tinha ido embora.

Ao virar-se para se ir embora, ouviu uma voz próxima.

“Posso ajudar-te?”

Virou-se e viu o Dr. Zimmerman à porta do gabinete principal do Departamento de Psicologia. O professor mais velho apresentava-se como habitualmente cordial, agradável e amarrotado.

Riley sentiu uma súbita timidez ao perceber que estava a segurar o livro de Zimmerman nas mãos.

Gaguejou, “Uh... o Professor Hayman emprestou-me o seu livro e vinha devolvê-lo mas... “

O Dr. Zimmerman piscou o olho e disse, “Calculo que tenha sido uma leitura bastante pesada. Não me surpreende que não tenhas aguentado.”

Riley abanou a cabeça enfaticamente.

“Oh, não, Dr. Zimmerman. É fascinante. Li-o várias vezes.”

O sorriso do Dr. Zimmerman alargou-se numa expressão de surpresa.

“Bem, estou lisonjeado. Não é todos os dias que um aluno lê um livro meu sem ser por obrigação! Talvez queiras entrar e conversar um pouco sobre ele?”

Podes crer que sim, Pensou Riley. Foi atrás dele até ao gabinete, um espaço amplo e confortável repleto de livros e papéis.

O professor sentou-se na cadeira atrás da secretária e indicou-lhe uma cadeira para se sentar.

Riley sentou-se e colocou o livro na secretária à sua frente, questionando-se do que poderia dizer ao autor de obra tão fascinante. Mas dali a poucos segundos já lhe estava a colocar todo o tipo de perguntas acerca dos criminosos sobre os quais tinha escrito, sobretudo as forças psicológicas que os tinham levado a matar – às vezes em diversas ocasiões. Riley estava fascinada com as suas perspetivas e respostas.

Era óbvio que Zimmerman estava agradado com a sua curiosidade e provavelmente também com a evidência de que tinha realmente lido o livro. Dali a pouco começou a falar dos casos sobre os quais não escrevera – os chamados “casos não resolvidos”, aqueles que nunca tinham encontrado uma solução.

Estes incluíam o homícidio e “mutilação sexual” de Peggy Hettrick no Colorado em 1987. Recentemente, mais de uma década mais tarde, um homem fora preso por esse crime e parecia provável que fosse condenado. Mas o Dr. Zimmerman disse a Riley que duvidava que a polícia tivesse apanhado o homem certo mesmo passado todo aquele tempo.

Também lhe falou no homícidio e abuso sexual de Susan Poupart ocorrido em 1990. O corpo daquela mãe Nativa Americana fora encontrado seis meses depois do seu desaparecimento. Dois suspeitos nunca tinham sido condenados.

Quando o Dr. Zimmerman referiu que Poupart tinha desaparecido depois de sair de uma festa, Riley não conseguiu deixar de estremecer. Lembrava-lhe em demasia o assassinato de Rhea após ter abandonado o Centaur’s Den naquela noite horrível.

O Dr. Zimmerman pareceu reparar na sua reação.

Disse num tom de voz preocupado, “Lembro-me agora – eras amiga próxima da Rhea Thorson, não eras?”

Riley anuiu.

O Dr. Zimmerman calou-se, aparentemente à espera que Riley falasse.

Ela hesitou e depois disse, “Dr. Zimmerman, pensa que o que aconteceu a Rhea... ?”

Não conseguiu terminar a pergunta.

O Dr. Zimmerman disse, “Tens receio que o seu assassino nunca seja apanhado – que o seu assassino escape e seja mais um que nunca se descubra.”

Riley assentiu.

A expressão do Dr. Zimmerman denotava preocupação.

“Não sei bem o que te dizer,” Disse ele. “Os casos de que falámos envolviam um elemento de agressão sexual. O caso de Rhea não. Também é típico dos casos não resolvidos o corpo da vítima não ser logo encontrado. Também não foi o caso da Rhea.”

A estremecer, Riley disse, “Eu fui a segunda pessoa a ver o corpo dela.”

“Lamento muito,” Disse o Dr. Zimmerman.

Seguiu-se um silêncio.

Por fim, o Dr. Zimmerman falou lenta e cautelosamente.

“Menina Sweeney, podemos manter confidencial a conversa que estamos a ter?”

Riley sentiu um formigueiro estranho.

O que é que ele está prestes a dizer-me? Interrogou-se.

“Claro,” Disse ela.

Zimmerman ficou a olhar pela janela durante alguns instantes.

Depois disse, “Eu sei o que disse na aula do Professor Hayman naquele dia – que a Rhea certamente conhecia o assassino e que ele seria em breve apanhado. Mas agora... começo a ter dúvidas. Se eu estivesse certo, não sei porque é que ele continuaria a monte, mesmo tendo passado pouco tempo. E é claro que a pilícia... “

A sua voz desvaneceu-se, mas Riley sabia o que ele ia dizer.

Ela falou. “A polícia pensa que foi alguém de passagem – um completo estranho. Eles pensam que ele terá cometido crimes semelhantes em outros locais.”

Zimmerman lançou-lhe um olhar curioso.

“Falaste com a polícia?” Perguntou. “Isso é interessante.”

Encolheu ligeiramente os ombros e acrescentou, “Bem, mesmo que a polícia tivesse razão e eu não, algum progresso já devia ter ocorrido. E não é o caso.”

Riley pensou durante um momento.

Deveria contar a Zimmerman os seus próprios pensamentos e palpites?

Será que ele a ouviria ou simplesmente pensaria que estava louca?

Por fim ela disse, “Dr. Zimmerman, penso que a Rhea conhecia o assassino – não muito bem, mas suficientemente bem para não se assustar com a sua presença. Penso que ele ainda se encontra em Lanton. E penso que ele vai matar novamente.”

O Dr. Zimmerman debruçou-se na sua direção com uma expressão de grande atenção.

“Deveras?” Disse ele. “O que faz com que pense isso?”

Riley engoliu em seco. Então começou a relatar de forma lenta e cuidadosa as suas duas experiências de conexão com a mente do assassino – quando seguira a rota de Rhea pelo campus naquela noite e quando estivera no quarto de Rhea a imaginar como é que ele se sentira a observar o corpo ensaguentado da sua vítima.

Os seus olhos abriram-se muito com interesse ao ouvi-la.

Quando ela terminou, disse, “Tenho receio que pense que perdi o juízo.”

O Dr. Zimmerman abanou a cabeça lentamente.

“De forma alguma,” Disse ele. “Pareceram-me experiências muito poderosas. E... hesito em dizê-lo... mas podem ser muito perspicazes. Lembro-me de ti da aula de Psicologia Social – tens uma excelente mente lógica. Agora suspeito que tenhas também uma intuição excecional.”

Riley sentiu invadir-se por uma onda de alívio por poder finalmente falar com alguém sobre aquilo – alguém que parecia realmente compreender.

Ela disse, “Dr. Zimmerman, tenho medo – quero dizer, de mim própria. Falou na importância da empatia na aula do Dr. Hayman naquele dia. O que é que significa o facto de eu criar empatia com um assassino?”

“Pode querer dizer que tens um talento singular,” Disse o Dr. Zimmerman. “Pode não ser um talento que quisesses ter, mas pode ser muito valioso. Os profilers criminais de excelência tendem a ter esse mesmo tipo de perceção que descreveste. Alguma vez pensaste em seguir uma carreira nas forças de segurança?”

Riley não conseguiu evitar encolher-se ao pensar no que Ryan lhe dissera...

“Devias ser polícia.”

Ela não gostara da ideia na altura e mesmo agora não sabia o que pensar sobre aquilo.

“Não,” Disse Riley.

Zimmerman disse, “Bem, talvez devesses. No que diz respeito à empatia – há muitos tipos de empatia e nem todos são bonitos. Na minha opinião, trata-se de um mito pensar que todos os assassinos não são ampáticos. Tem que se ter uma conciência muito forte do sofrimento de outra pessoa se se vai apreciá-lo. Ao contrário da sabedoria convencional, penso que muitos assassinos têm plena consciência da humanidade das vítimas. Isso é que os torna verdadeiramente.... “ Parecia procurar a palavra certa, então disse simplesmente, “maus.”

Riley conteve um estremecimento em reação às suas palavras.

Depois ele acrescentou, “Como já disse, espero que possamos manter esta conversa privada. Sabes, inclino-me agora a concordar contigo quando dizes que o assassino ainda está entre nós e pretende matar novamente. Mas até agora aquilo que temos é apenas um palpite e não temos provas que apoiem essa teoria. Não podemos provocar o pânico revelando as nossas suspeitas.”

“Mas então o que é que podemos fazer?” Perguntou Riley.

“Vamo-nos manter em contacto,” Disse Zimmerman. “Se tiveres novas perspetivas dizes-me e eu farei o mesmo. Estou em constante contacto com a polícia. Posso transmitir-lhes pensamentos e ideias que tenhamos.”

Ao levantar-se da sua cadeira, Riley estava aborrecida com uma preocupação menos séria.

Lembrou-se como o Dr. Zimmerman podia ser sensível e em como dissera a todos os alunos da aula do Professor Hayman para a abraçar a ela e Trudy.

“Não me vai abraçar, pois não?” Perguntou Riley.

Ele sorriu.

“Não te preocupes,” Disse ele. “Só faço com que os alunos abracem outros alunos.”

Então acrescentou com uma risada, “Sou um pouco sádico.”

Riley também se riu. Deu por si a gostar cada vez mais do Dr. Zimmerman.

Ele estendeu a mão e disse, “Deixa o livro comigo. Eu entrego-o ao Professor Hayman.”

Riley entregou-lhe o livro e saiu do gabinete.

Ao ir-se embora, sentiu-se confusa.

Lembrava-se de Kyra lhe dizer algo sobre a Rhea...

“... ela achava que ias fazer coisas fantásticas na vida.”

Resolver crimes seria certamente fantástico, mas a ideia perturbava-a. Não parecia uma vida muito desejável.

Ainda assim, talvez conseguisse ajudar a resolver pelo menos um crime – o assassinato da amiga Rhea.

Riley estava mesmo feliz por ter tido a oportunidade de conversar com o Dr. Zimmerman.

Sentiu-se aliviada por ter do seu lado um aliado de tanto valor.


CAPÍTULO DEZASSETE


Trudy estava a sentir-se orgulhosa de si mesma ao caminhar da biblioteca para o dormitório. Eram nove horas da noite e tinham-se passado seis semanas desde aquela noite horrível que transformara o seu último semestre num pesadelo. Durante muitos dias, fora impossível ela fazer aquele percurso sozinha. Mesmo agora, apesar de se avistarem outros alunos, ainda era assustador estar no exterior depois de anoitecer.

Várias semanas se tinham passado desde que o seu terapeuta sugerira pela primeira vez que ela fizesse aquilo para domar os seus medos. Desde então, ela esforçara-se por fazer aquela caminhada noturna muitas vezes e sentia-se sempre aterrorizada. Interrogava-se se o seu medo alguma vez desapareceria.

Então percebeu que naquela noite parecia diferente. Naquele momento, não se sentia assustada.

Será que finalmente consegui? Perguntou-se.

Sorriu e acenou alegremente aos outros alunos que também circulavam nos caminhos iluminados do campus. Alguns deles olharam para ela de forma estranha, mas ela pouco se importava.

Estou de volta, Pensou. Voltei a ser quem era.

Mas à medida que avançava começou a ver cada vez menos pessoas, até que por fim reparou que não havia ninguém à vista. Ela sabia que não tinham desaparecido como por magia. Simplesmente naquele momento, não havia ninguém por perto.

Perfeitamente natural, Disse Trudy a si mesma.

Então algo estranho começou a acontecer.

De repente, não conseguia andar. Estacou, incapaz de se mover.

O que é que se está a passar comigo? Interrogou-se.

Para além disso, sentiu os músculos a enfraquecerem e as pernas a perderem força.

Receou cair ali mesmo no chão.

Lembrava-lhe um desses pesadelos em que o perigo se aproxima mas ela não se conseguia mexer ou gritar e...

É isso! Pensou. Estou a sonhar! Só tenho que acordar e...

Mas não acordou.

Não era um sonho.

E ali estava ela sozinha e a tremer como um pequeno animal que se rendia ao predador.

Ao aperceber-se como estava vulnerável, o medo instalou-se.

Se o assassino estivesse algures na escuridão circundante, será que ela se limitaria a ficar ali para ele a matar?

Não posso ficar aqui. Não posso cair.

Trudy concentrou-se, focando-se no seu pé esquerdo. Por fim, conseguiu dar um passo. Depois forçou o pé direito a mexer-se. Deu outro passo, depois outro, depois outro...

E depois estava a correr.

Correu durante todo o caminho até ao dormitório, foi logo para o quarto e fechou a porta atrás de si.

Sem fôlego, caiu na cama.

O que é que aconteceu? Perguntou-se. O que é que acabou de me acontecer?

Então lembrou-se de algo que o Professor Hayman tinha dito na aula de psicologia no início do semestre. Ele estava interessado nas respostas dos humanos a coisas horríveis – não em relação a si próprios mas em relação aos outros. Discutira as formas como a ansiedade extrema podia ser convertida em síntomas físicos tais como perda de memória, movimentos anormais, ataques, ou...

Fraqueza ou paralisia, Lembrou-se.

O Professor Hayman designara aquilo de “desordem de conversão”.

Não havia dúvida – acabara de sofrer um episódio de desordem de conversão.

Não domara os seus medos. Os seus medos tinham simplesmente assumido uma forma nova e até mais debilitante.

Trudy sentia um terrível desespero e futilidade que deu lugar a um crescente sentimento de vergonha. Nenhuma das suas outras amigas parecera ficar tão profundamente traumatizada. Sim, ainda admitiam ter medo. Mesmo assim, conseguiam de alguma forma lidar com aquilo.

Para a maioria das pessoas no campus, a vida decorria como sempre – para todos exceto para Trudy.

Colocou os joelhos debaixo do queixo e começou a chorar incontrolavelmente. Perguntou a si própria em voz alta com uma voz sufocada...

“Como é que vou ultrapassar isto?”

Mas parecia uma pergunta estúpida, porque a resposta era óbvia.

Ela tinha que se afastar da Universidade de Lanton.

Aquele lugar estaria sempre insuportavelmente assombrado para ela.

Calculou que a companheira de quarto de Rhea, Heather, pensara da forma correta. Heather deixara a escola antes de entrar noutra universidade no ano letivo seguinte.

Trudy interrogou-se – porque é que ela não fizera o mesmo?

Porque é que ela não aceitara o simples facto de que nunca domaria os seus medos – não enquanto permanecesse ali?

Percebeu que uma das razões porque não o tinha feito eram os pais. Tinham sido compreensivos quando lhes ligara, mas ela sabia que ficariam furiosos se não terminasse o ano como era suposto.

Mas ela não queria continuar naquele lugar. Nunca fora grande aluna – não como Riley – e as suas notas tinham baixado desde a morte de Rhea. Ela sabia que não tinha notas para conseguir a transferência para uma boa universidade, por isso teria que suportar outro verão ali e talvez outro semestre.

Trudy tinha a certeza que não conseguiria aguentar.

O seu choro diminuiu ao lembrar-se...

Só mais um mês.

Era o que faltava para o fim do semestre do último ano.

Depois os exames finais e o fim do curso.

Agora começava a sentir uma onda de renovada determinação. Ela tinha que terminar o curso, custasse o que custasse.

Pegou num dos seus livros.

Tinha que estudar.


*


Riley olhou para o relógio. Passara várias horas a estudar na sala comum, mas quando viu as horas decidiu...

Hora de festa.

De acordo com o que os amigos lhe diziam, as coisas deviam estar a aquecer no Centaur’s Den por aquela altura. Tinha que se despachar.

Não que lhe apetecesse. Não estava dentro do espírito há várias semanas. Ainda assim, sentia que precisava de seguir aquilo que todos diziam constantemente e em que pareciam acreditar...

A vida continua.

Fechou o livro e caminhou ao longo do corredor em direção ao seu quarto. Ao passar pela porta fechada do quarto ainda vazio, lembrou-se das palavras do Dr. Zimmerman quando tinham conversado sobre o homícidio de Rhea.

“Se tiveres novas perspetivas diz-me e eu faço o mesmo.”

Riley tentara muitas vezes regressar à mente do assassino mas não conseguira.

Passara a ter o hábito de passar no gabinete do Dr. Zimmerman de vez em quando para falar com ele. Continuaram a discutir a mente assassina e Riley lera os outros livros que ele recomendara sobre o assunto. Mas nem ela nem o professor tinham ideias para partilhar.

Isso desanimava-a. Sentia uma dor constante dentro de si – o desejo de descobrir o assassino de Rhea.

Mas no final de contas...

Eu não sou polícia.

E ao contrário da sugestão do Dr. Zimmerman, Riley sentia cada vez mais certeza de que nunca seria.

Quando entrou no quarto, viu que Trudy estava aninhada na cama a ler um livro. Trudy tinha-lhe dito onde planeava ir depois do jantar.

“Como correu na biblioteca?” Perguntou Riley.

“Bem,” Respondeu Trudy sem olhar para Riley.

Riley percebeu pelo seu tom de voz aborrecido...

Não tinha corrido bem.

Mas também as pequenas incursões noturnas de Trudy fora do dormitório nunca corriam bem.

Já não era a primeira vez que Riley detetara na sua voz um rasto de impaciência.

“Trudy, vou sair por um bocado,” Disse ela.

“Ok. Diverte-te.”

“Também devias vir.”

Trudy libertou um longo e cansado suspiro.

“Oh Riley, já falámos sobre isto... “

Riley colocou as mãos nos seus lábios. Decidira...

Não vou aturar mais isto.

“Não há mais nada a dizer,” Disse Riley. “Tu vens comigo.”

Trudy virou a página do seu livro, tentando fingir que Riley não estava ali.

Riley disse, “Isto não é bom para ti, Trudy. Estás a tornar-te completamente agorafóbica.”

“Sim,” Disse Trudy sem tirar os olhos do livro. “Com uns pozinhos de desordem de conversão à mistura.”

Desordem de conversão? Pensou Riley.

Lembrava-se do Pfrofessor Hayman ter falado sobre aquilo nas aulas, mas não se lembrava ao certo do que se tratava.

Em vez de perguntar algo mais à companheira de quarto, Riley disse, “Há uma festa no Centaur’s Den hoje à noite.”

“Quando é que não há?” Disse Trudy.

“Sim, mas esta é especial,” Disse Riley.

Trudy continuou a olhar para o livro até Riley acrescentar, “Os Bricks and Crystal tocam esta noite.” Riley sabia que os Bricks and Crystal era uma das bandas locais favoritas de Trudy.

Trudy olhou para ela.

“Bricks and Crystal?” Perguntou Trudy. “Pensava que tinham acabado.”

“Aparentemente ainda não. Dizem que esta noite vão fazer uma coisa diferente – uma espécie de performance ‘O-Grunge-Morreu’. Porque o grunge morreu mesmo, sabes. De qualquer das formas, ninguém sabe o que esperar dali. Pode ser muito intenso e esquisito e hilariante.”

Riley apercebeu-se de um flash de interesse nos olhos de Trudy. Riley não conseguiu evitar sorrir.

O animal de festa ainda está ali algures, Pensou.

Riley sentou-se a seu lado e deu-lhe uma palmadinha na mão.

Disse, “E é claro que haverá rapazes. E muitas bebidas.”

Trudy finalmente sorriu um pouco.

“Anda, vamos,” Disse Riley.

O sorriso de Trudy desvaneceu-se ligeiramente.

Disse, “Promete-me que ficas por perto. Não me percas de vista. E faças o que fizeres, não te vás embora sem mim.”

“Prometo,” Disse Riley. “Mas temos que ir já.”

Trudy hesitou, depois sorriu novamente. Fechou o livro e levantou-se.

“Tenho que pentear o cabelo,” Disse.

Riley esperou pacientemente por Trudy. Sentia-se satisfeita consigo própria quando saíram para o exterior.

Era uma caminhada agradável, mas quando estavam quase a chegar ao destino, Riley teve uma sensação familiar – a sensação de que estavam a ser vigiadas.


CAPÍTULO DEZOITO


Riley tentou afastar aquele sentimento perturbador enquanto ela e Trudy atravessavam o campus. Mas a sensação de que estava a ser observada não desaparecia. O assassino parecia uma presença invisível mas palpável. Riley esperava que aquela saída não fosse uma má ideia. No final de contas, ela e o Dr. Zimmerman tinham concordado que o assassino ainda andava por ali.

Mas agora dava por si a pensar...

Já se passaram seis semanas...

Talvez tenha mesmo parado de matar.

Parecia lógico. Será que um assassino que iria atacar novamente, esperaria tanto tempo? Gravou a nota mental para mais tarde falar sobre esta possibilidadé ao Dr. Zimmerman.

Mas mesmo que não ocorressem mais mortes, Riley estava longe de estar satisfeita.

O monstro que matara Rhea tinha que ser apanhado e julgado.

Quem faria isso? Tanto quanto sabia, a polícia nem estava a trabalhar no caso.

Será que apanhar o assassino dependeria de Riley? Seria ela a única a compreender a forma como ele pensava?

A ideia era demasiado avassaladora.

Murmurou para aquela presença invisível...

“Também te estou a ver.”

Ouviu Trudy dizer, “Huh?”

Durante um momento, Riley esquecera que a sua companheira de quarto estava a caminhar mesmo a seu lado.

Quando olhou para aquele lado, percebeu que Trudy caminhava com renovada energia.

“Nada,” Disse Riley. “Só estou a falar sozinha.”

Trudy riu-se e aquele riso fez com que Riley também ri-se.

“Sabes,” Disse Trudy, “andas muito fechada ultimamente. Talvez precises de uma saída destas mais do que eu.”

Riley riu-se novamente. Sabia bem rir por nada.

“Talvez precise,” Disse ela.

Trudy estava cada vez mais animada e alegre, cantando e gracejando. Riley estava aliviada por a sua companheira de quarto estar pelo menos a tentar entrar no espírito da festa.

Ao aproximarem-se da entrada do centaur’s Den, Riley sentiu o stress a regressar. A última vez que ali estivera fora na segunda-feira a seguir à morte de Rhea – a noite em que conversara com o inconsolável Rory Burdon acerca da sua culpa por não acompanhar Rhea ao dormitório.

Estranho, Pensou.

Parecia que andava a evitar aquele lugar sem pensar nisso.

Estaria pronta a voltar àquele local?

A seu lado, Trudy estacara e olhava para a porta.

Não me surpreende que seja duro para ela, Pensou Riley. Tinha a certeza de que Trudy ainda não voltara ao Centaur’s desde a noite do crime.

Mas agora não havia volta a dar.

Riley agarrou em Trudy pela mão e disse, “Vem daí, de que é que está à espera?”

Abriu a porta e empurrou Trudy lá para dentro.

O cheiro a fumo de cigarro atingiu Riley em cheio juntamente com o ruído da música. Os Bricks and Crystal estavam a tocar “Smells Like Teen Spirit” dos Nirvana e uma pequena multidão de alunos da universidade dançava na pista de dança.

Riley sentiu formar-se um sorriso no seu rosto.

Já não sentia qualquer problema em estar ali. Era bom estar de volta. Tudo parecia normal novamente.

Gritou a Trudy.

“Cerveja! Temos que ir buscar cerveja!”

Riley arrastou Trudy até ao bar. Enquanto Trudy pedia uma caneca de cerveja, Riley olhava à sua volta à procura de um lugar para se sentar. Era óbvio que tinham chegado um pouco tarde para as festividades e não havia muito espaço livre. Mas então Riley reparou que a porta que conduzia ao pátio estava aberta. Parecia ainda haver lugar ali.

Riley pegou no jarro de cerveja e Trudy pegou em dois copos. Então Riley acompanhou a amiga até ao pátio.

O sorriso de Riley alargou-se. Ali estava-se muito melhor do que lá dentro. Ainda se sentia o cheiro a fumo de tabaco, mas estava mais diluído no fresco ar noturno. O pátio estava alegremente iluminado com lanternas penduradas. A música da banda ouvia-se em altifalantes exteriores – não tão ruidosa como no interior, mas ainda assim suficientemente alto para ser apreciada, e também havia ali pessoas a danlar.

Riley ouviu uma voz familiar a chamá-la.

“Ei Riley! Trudy! Aqui!”

Gina e Cassie acenavam freneticamente, já sentadas numa mesa.

Riley e Trudy passaram por entre quem dançava e viram que as amigas tinham guardado duas cadeiras na mesa.

“Excelente previsão,” Disse Riley enquanto ela e Trudy se sentavam.

Gina e Cassie estavam a meio de um jarro de cerveja e a julgar pela expressão apatetada de Cassie, Riley teve a certeza de que não era o primeiro que tomavam naquela noite.

Gina disse, “É ótimo ver-vos aqui!”

“Já lá vai algum tempo,” Acrescentou Cassie.

“Sim, acho que sim,” Disse Riley.

Apercebeu-se de que Gina e Cassie não tinham andado a evitar o Centaur’s Den. Deu por si a pensar que talvez houvesse alguma verdade naquele velho ditado...

A vida continua.

Talvez já fosse altura de regressar à normalidade.

A banda acabou de tocar “Smells Like Teen Spirit” e começou a tocar uma das suas canções originais. Riley já os ouvira tocá-la – uma música anárquica com uma letra nihilista, tocada num estilo meio humorado, meio auto-satírico.

A perfeita música de festa, Pensou Riley.

Com um olhar sério, Cassie colocou o seu copo vazio na mesa e serviu-se de outra cerveja.

Disse, “Malta, odeio ter que vos chamar à realidade, mas chegou o momento de alguma seriedade. Não podemos fingir que está tudo normal. Esta é uma noite muito solene.”

Riley ficou assustada.

Talvez as suas amigas não estivessem com grande espírito de festa afinal.

Talvez também elas ainda estivessem a enfrentar o medo e o desgosto.

Então Cassie disse, “Os Bricks and Crystal disseram que iam desistir de tocar grunge esta noite.”

Gina disse, “Não sei – talvez esteja a fazer bluff.”

Cassie abanou a cabeça.

“Não me parece,” Disse ela. “Vocês sabem que o grunge morreu mesmo – ou pelo menos está a dar as últimas. E a banda está a tocar com mais ansiedade que o habitual esta noite. Acho que estão mesmo a falar a sério. E sabem o que é que isso significa... “

De repente, Cassie inclinou a cabeça para trás e riu-se.

“Temos que dançar como se não houvesse amanhã!” Disse ela.

Então Cassie agarrou na mão de Trudy e arrastou-a para a pista de dança, deixando Riley e Gina sozinhas na mesa. Numa questão de segundos, Riley viu que Trudy se estava a divertir ao som da música.

É por isso que cá viemos, Pensou Riley.

Antes de se decidir a juntar-se a elas, Gina perguntou a Riley, “Como é que te estás a aguentar?”

Riley viu real preocupaçao na expressão de Gina.

“Não tenho bem a certeza,” Disse Riley.

“Eu também não,” Disse Gina, servindo-se de outra cerveja. “Não paro de pensar que talvez a cerveja, o grunge e a dança me façam esquecer... “

A sua voz apagou-se.

Riley recordou-se daquela noite terrível quando encontrara o corpo de Rhea no quarto do dormitório, depois virara-se e vira Gina à porta com os olhos esbugalhados, pálida do choque e a tremer dos pés à cabeça.

Não a surpreendia que Gina ainda estivesse a passar um mau bocado.

Riley e Gina ficaram a ver as amigas a dançar durante um bocado.

Então Gina disse, “Sei que a Cassie parece que se esqueceu de tudo. Mas não é verdade. Sei que não, mesmo que não fale no assunto... “

Gina descreveu como ela e Cassie continuavam a sair à noite, tentando esquecer o desgosto e o medo com festas. A verdade era que a sua atitude parecia corajosa a Riley – mais corajosa talvez do que estar obcecada com um crime como ela. Era uma pena que não estivesse a resultar, pelo menos para a Gina.

Gina continuou a contar a Riley como estava sempre à espera de ver Rhea e como as suas notas tinham descido, não tendo a certeza se era por causa das festas ou falta de concentração. Gina disse que o seu terapeuta do campus também parecia não saber. Na verdade, não sentia que o terapeuta estivesse a fazer grande diferença.

Riley estava contente por estar a ouvir Gina e era óbvio que Gina estava contente por ter alguém que a ouvisse.

Por fim, Gina sorriu e disse, “Uau, olha para mim a falar! Como se eu fosse a única pessoa no campus que estivesse a passar por um mau bocado. E tu? Tens recebido ajuda? O que é que estás a fazer para lidar com a situação?”

Riley engoliu em seco.

Por muito confortável que se sentisse a partilhar aquele momento com Gina, será que lhe queria dizer tudo o que se estava a passar?

Como é que Gina reagiria se Riley lhe dissesse que andara a ler obsessivamente sobre assassinos e que tinha estranhas sensações de conexão com o assassino de Rhea?

Em vez disso, Riley sorriu e disse, “Vem, vamos dançar.”

Gina também sorriu e ambas se levantaram e se juntaram à multidão de corpos em movimento. Riley viu Cassie entre os outros, dançando com tanto afinco que o seu longo cabelo parecia ter vida própria.

Mas onde estava Trudy?

Foi ter com Cassie e agarrou-a pelo braço.

“Onde está a Trudy?” Perguntou.

Cassie parou de dançar e olhou na direção da mesa.

“Não sei,” Disse Cassie. “Pensava que tivesse ido ter com vocês à mesa.”

Riley sentiu invadir-se por uma onda de pânico.

Lembrava-se do que Trudy dissera antes de saírem do quarto...

“Promete que ficas perto de mim. Não me percas de vista.”

Riley estremeceu.

Quebrara a sua promessa.

E agora não sabia onde estava Trudy.


CAPÍTULO DEZANOVE


Riley tentou conter o seu crescente pânico.

Não via sinal de Trudy entre os que dançavam no pátio.

Ela não iria a lado nenhum sem me dizer, Pensou Riley. Ela nunca se iria embora sem mim.

Mas onde estava ela?

Enquanto Riley perscrutava a multidão, Cassie agarrou na mão de Gina e ambas começaram a dançar. Não pareciam estar assustadas com a ausência de Trudy. Riley tentou dizer a si própria que também não devia estar assustada.

Mas ela sabia que o seu pânico não desapareceria até localizar a companheira de quarto. Ela tinha que ter a certeza de que Trudy estava sã e salva.

Riley andou entre quem dançava para ver se a via. Sentiu alguém a segurar-lhe na mão, mas quando se virou viu que era um rapaz de uma das suas aulas.

“Anda,” Disse ele.

Riley repeliu a sua mão e disse, “Desculpa, só estou à procura da... “

Ele afastou-se antes dela terminar a frase. Ao sair da pista de dança, viu-o a dançar com Cassie e Gina. Era óbvio que estavam todos a passar um bom bocado. Era exatamente aquele tipo de festa que ela prometera a Trudy para aquela noite, por isso não compreendia porque é que ela tinha desaparecido sem dizer nada.

A sua companheira de quarto não estava definitivamente entre quem dançava ou nas mesas exteriores, por isso Riley entrou no bar. Apercebeu-se de que no interior a multidão era muito maior do que no pátio. Não conseguia ver por cima das cabeças das pessoas que a rodeavam. A música também estava muito mais ruidosa ali, por isso ninguém ouvia Riley gemer desesperadamente.

Se Trudy ali estivesse, conseguiria Riley descobri-la no meio daquela multidão?

Ao aventurar-se na pista de dança, Riley foi fustigada por quem dançava freneticamente. Não via Trudy em lado nenhum, mas não podia ter a certeza absoluta de que ali não estava no meio daquele ajuntamento.

Foi até ao bar onde o empregado enfrentava um enxame de pessoas a fazerem os seus pedidos. Riley sabia que seria impossível penetrar aquela barreira.

Tentou acalmar-se...

Se a Trudy estiver ali a pedir uma bebida, há-de aparecer não tarda nada.

Mas Riley não se conseguia convencer a descontrair e esperar até que Trudy reaparecesse.

Foi até à casa de banho das mulheres, apinhada de alunas à espera da sua vez.

Completamente consciente da figura que estava a fazer, gritou, “Trudy! Trudy! Estás aqui?”

As outras raparigas olharam para Riley como se ela tivesse endoidecido.

Talvez tenha endoidecido, Pensou.

Mas Riley não estava preocupada com o que pensavam dela naquele momento.

Gritou, “Alguém connhece a Trudy Lanier? Alguém a viu? Alguém sabe onde é que ela está?”

Muitas cabeças abanaram em sinal negativo.

O único lugar onde Trudy poderia estar era lá em baixo. Riley apressou-se nessa direção e desceu as escadas rapidamente. Quando chegou ao fundo parou de repente, sem saber se devia estar aliviada ou aborrecida com que viu.

A sua companheira de quarto estava bem e aparentemente perfeitamente feliz.

Trudy estava sentada numa mesa – a mesma que Riley ocupara na noite do assassinato de Rhea. E à sua frente estava Harry Rampling, o quarterback famoso da Universidade de Lanton.

Riley libertou toda a tensão a que estivera sujeita.

Ao acalmar-se e dirigir-se à mesa, viu que Harry não parava de falar enquanto Trudy olhava para ele com o queixo encostado às mãos.

Riley deu um toque no ombro de Trudy para lhe chamar a atenção. Harry parou de falar e Trudy olhou para ela com aparente surpresa.

“Ei Riley,” Disse Trudy. “Por onde tens andado?”

Riley disse, “Devia perguntar-te o mesmo.”

Trudy encolheu os ombros, sorriu e disse, “Estive aqui. Ei, já conheces o Harry Rampling? Harry, esta é a minha companheira de quarto, Riley Sweeney.”

Harry não parecia nada agradado por ver Riley.

“Penso que não nos conhecemos,” Mentiu ele.

“Oh, penso que já,” Disse Riley com desdém.

Trudy mexia-se nervosamente. Riley compreendeu a linguagem corporal da sua companheira. Trudy estava a tentar dizer a Riley que não estava convidada a sentar-se naquela mesa.

Harry encolheu os ombros e começou a falar novamente, aparentemente onde interrompera a conversa – contando a Trudy uma história de um jogo de futebol particularmente impressionante. Trudy estava~obviamente caidinha por ele.

Está quase a babar-se, Pensou Riley com repugnância.

Interrompendo Harry outra vez, Riley disse a Trudy, “Acho que está na hora de voltarmos ao dormitório.”

Trudy lançou-lhe um olhar de irritação infantil, como uma menina a quem dizem que já é hora de dormir.

“Ah, vá lá Riley,” Disse ela. “A noite ainda é uma criança. Não estragues a festa.”

Riley lembrou-se de como fora difícil arrancar Trudy do quarto para ali estarem. Agora parecia que precisaria de se esforçar muito mais para a tirar dali. Valeria o trabalho?

“Vou ficar por mais um bocado,” Disse Trudy. “Podes voltar para o dormitório se quiseres. Mas tem cuidado, não voltes sozinha. Com certeza que a Cassie ou a Gina podem acompanhar-te.”

Então acrescentou com um piscar de olho, “Eu fico bem. Não te preocupes comigo.”

Trudy voltou a olhar para Harry e Harry começou novamente a falar.

Riley abanou a cabeça e subiu as escadas.

Bem, pelo menos não preciso de me preocupar mais com a Trudy, Pensou com uma mistura de aborrecimento e alívio.

Por muito que Riley deplorasse Harry Rampling, tinha certeza de que não era um assassino. Tambem tinha a certeza de que Trudy estaria segura enquanto estivesse com um rapaz grande como Harry. E parecia que Trudy ia mesmo ficar com ele.

Talvez até durante a noite, Pensou Riley.

Riley subiu as escadas e foi até ao pátio. Cassie ainda estava a dançar alegremente e Gina parecia ter-se juntado ao rapaz que estava com elas. Riley sentiu-se ligeiramente abandonada – um sentimento infantil, percebeu. Era realmente bom que todas as suas amigas se estivessem a divertir.

Deu com mesa onde tinham estado sentadas. Por milagre ninguém tinha tirado o jarro e os copos, e ninguém tinha ocupado a mesa. Riley sentou-se sozinha e serviu-se de cerveja.

Deu um longo gole, depois fechou os olhos e inspirou o ar noturno, sentindo-se muito melhor.

Ficou ali sentada por um bocado, batendo o pé ao ritmo da canção que os Bricks and Crystal tocavam.

Ainda tinha os olhos fechados quando ouviu uma voz familiar ao lado da mesa.

“Hmm, olá. Chamo-me Ryan Paige. Quem és tu?”

Os olhos de Riley abriram-se. Ele estava ali a segurar num copo de cerveja quase vazio e parecendo muito tímido e hesitante.

Ela sorriu.

“Penso que já nos conhecemos,” Disse ela.

Ryan encolheu os ombros e disse, “Sim, mas acontece que te vi aqui sozinha e pensei que talvez pudéssemos começar do zero. Receio que não tenha lidado muito bem com as coisas da última vez que estivémos juntos.”

Riley disse, “Oh, não sei porque pensas isso.”

É claro que ela sabia exatamente porque é que ele pensava assim. Ryan tinha ficado algo intimidado com a sua capacidade de o “ler”. Mas Riley não o podia censurar. Talvez ela não devesse ter-se intrometido tanto.

Talvez começar do zero não seja má ideia, Pensou.

Ela disse, “De qualquer das formas, chamo-me Riley Sweeney – caso te tenhas esquecido.”

Ele sorriu e disse, “Prazer em te conhecer novamente, Riley Sweeney.”

“Porque não te sentas?” Perguntou Riley.

“Obrigado,” Disse Ryan.

Ele sentou-se à sua frente e serviu-se de mais cerveja.

Nessa altura, a canção terminou e ouviram o vocalista dos Bricks and Crystal a falar ao microfone...

“Ok malta. Os rumores são verdade. Os Bricks and Crystal acabaram. Morreram.”

A multidão começou a protestar – mas não a sério. Toda a gente sabia o que Riley sabia – que os rapazes estavam a pregar algum tipo de partida.

O cantor impôs-se sobre os protestos, “O grunge morreu – e nós fizemos as canções que o mataram!”

Mais protestos. Ryan riu-se e Riley também.

O cantor continuou a gritar...

“Não, não, não peçam, nem implorem. Por favor, só se estão a envergonhar. Não nos podem parar. Vamos fazer algumas mudanças – incluindo no nome. Já não somos os Bricks and Crystal... “

O guitarrista lançou um acorde quando o vocalista gritou, “Agora o nosso nome é Hog Wild, os anarquistas do country e do western!”

A banda imeditamente começou a tocar o “Ring of Fire” de Johnny Cash – parecendo os mesmos de sempre. A multidão enlouqueceu com gritos e aplausos, e quem dançava no pátio começou aos encontrões em estilo moche.

Riley e Ryan riam-se muito naquele momento.

Ryan disse-lhe, “Quanto mais as coisas mudan...”

Riley terminou o seu pensamento...

“... mais ficam na mesma!”

Riley e Ryan brindaram e acrescentaram, “O grunge morreu!”

“Viva o grunge!” Disse Ryan.

O seu riso esmoreceu e Riley e Ryan ficaram ali sentados a apreciar a música durante algum tempo.

Então Ryan disse, “Já deves ter notado que eu próprio fiz algumas mudanças. Queres comentar?”

Riley abanou a cabeça com um sorriso.

“Oh, não,” Disse ela. “Não vamos por aí novamente.”

“Vá lá, desta vez eu aguento. A sério.”

Sentindo-se um pouco apreensiva, Riley observou-o.

“Hmm,” Disse ela. “Já não tens colete, nem camisa cara e já não tens o cabelo tão perfeitamente penteado. Em vez disso, calças de ganga e uma camisa normal de algodão, um look mais casual – mas ainda assim bem vestido, de maneira nenhuma desalinhado.”

E bonito também, Pensou para si.

Ryan anuiu e disse, “O que é que isso te diz sobre mim?”

As mudanças diziam muito a Riley, mas ela não o queria verbalizar.

“Porque é que não me dizes tu?” Perguntou ela.

Ryan respirou fundo.

Disse, “Pensei muito em algumas das coisas que disseste da última vez. Sobretudo – como é que disseste? – como eu calculo que a melhor forma de me tornar bem-sucedido é parecendo bem-sucedido.”

Riley disse, “Não o quis dizer de forma negativa. Até é uma coisa boa.”

Ryan inclinou a cabeça.

Disse, “Sim, mas eu não percebia que estava a ser tão óbvio a esse respeito. Calculei que tivesse chegado o momento de ser menos... bem, transparaente, acho.”

Então ele riu-se e acrescentou, “Por exemplo, podia ser mais misterioso.”

Riley riu-se também e disse, “Bem, deixas-me intrigada.”

Então, com uma expressão de preocupação fingida, acrescentou, “Espero que não tenhas vendido aquele teu carro catita.”

Ryan riu-se e disse, “Oh, não. Ainda sou do tipo que gosta de Ford Mustangs.”

Riley tinha que admitir que Ryan lhe agradava. Era lisonjeador que ele tivesse feito mudanças pessoais por causa dela.

Riley percebeu que sorria com prazer.

Nada tenho de misterioso neste momento, Pensou, demasiado divertida para se sentir envergonhada.

O sorriso de Ryan desvaneceu-se,

Perguntou, “Como tens estado?”

Riley sentiu uma preocupação sincera naquelas palavras. É claro que ele estava a perguntar como é que ela se estava a aguentar desde a morte de Rhea.

Riley não respondeu de imediato.

Estava finalmente a sentir-se muito confortável com ele – mais do que conbfortável, na verdade. Era quase como se se conhecessem há muito tempo.

Ela sentia que podia falar com ele sobre qualquer coisa.

Isso incluía a sua obsessão em relação ao assassino de Rhea e os seus estudos recentes sobre a mente criminosa?

Talvez, Pensou.

Por outro lado, aquele tipo de conversa podia assustá-lo outra vez e ela não queria que isso acontecesse.

Antes de se decidir, a banda começou a tocar outra música – a antiga balada de amor de Patsy Cline, “Crazy”. Riley sentiu-se amolecer, surpreendida como a banda se tinha transformado de repente – já não eram os anarquistas de há pouco.

Queixando-se, a maioria de quem dançava no pátio começou a voltar para as mesas. Parecia que não sabiam o que fazer consigo agora.

Mas Riley sabia o que queria fazer.

Como se lesse os seus pensamentos, Ryan perguntou, “Concede-me esta dança?”

Riley sorriu e assentiu. Ryan levantou-se, pegou-lhe na mão e levou-a para a área de dança já despovoada. Ryan colocou o braço à volta da sua cintura e encostou-a a si.

Antes que ela desse por isso, estavam a dançar em perfeita harmonia com a música.

Riley sentia-se tão quente que pensou que se poderia dissolver no ar.

O seu corpo parecia encaixar perfeitamente no de Ryan como se ambos se estivessem a tornar numa parte daquela canção.

Riley queria mais dquilo – muito mais.

Todo o seu corpo sorria quando ela pensosu...

Não me parece que regresse ao dormitório hoje.


CAPÍTULO VINTE


Na manhã seguinte, o cheiro de bacon e café fresco acordaram Riley.

Ela abriu os olhos e olhou à sua volta.

Não estava no seu quarto. Estava deitada na cama do apartamento de Ryan.

Sorriu ao lembrar-se de como chegara ali...

Tudo começou com a dança.

... e depois tudo continuou a partir dali.

Ouviu a voz de Ryan dizer, “Acho que me disseste que eras vegan. Espero ter ouvido bem.”

Riley virou-se na cama e viu Ryan ao pé de um fogão. O seu apartamento era um quarto grande com mobília em algumas áreas.

“Ouviste bem,” Disse Riley.

Então Riley reparou que Ryan pousara um roupão de banho na almofada ao lado dela – o seu roupão de banho é claro, demasiado grande para ela, mas ela sabia que seria mais confortável precisamente por causa disso.

Que atencioso, Pensou.

Na verdade, a sua atençao havia sido uma das maiores revelações da noite anterior. Riley lembrou-se... dos seus corpos nus juntos, fazendo amor lenta e langorosamente. Ryan fora apaixonado e atencioso, concentrando-se no prazer de Riley assim como no seu.

Fora sem dúvida diferente das suas anteriores experiências sexuais. Mas também tinham sido atos superficiais de rebelião adolescente e aquele tipo de prazer nunca tinha sido o objetivo. Ela lembrava-se do que costumava dizer a quem criticava o seu comportamento imprudente...

“É só sexo.”

Agora sorria ao pensar...

Não fazia ideia do que estava a perder.

Ryan assobiava enquanto fritava ovos. Riley reconheceu a melodia . era “Crazy, a música que tinham dançado na noite anterior no Centaur’s Den. Ryan assobiava com estilo e graça, e Riley gostou de ouvir a música outra vez.

Olhou em seu redor para o apartamento, lembrando-se que não prestara muita atenção quando ali tinham chegado. Ela e Ryan tinham-se enrolado logo que tinham transposto a porta, despindo-se rapidamente e caindo na cama.

Agora o apartamento parecia agradável com luz solar a entrar pelas janelas grandes do velho edifício. Riley tinha a certeza de que Ryan tinha comprado a mobília em lojas de segunda mão, mas que também tinha perdido muito tempo em selecioná-la.

O resultado era um look agradavelmente boémio – o que parecia ainda mais encantador porque Ryan não parecia a Riley o tipo de rapaz boémio. Com toda a certeza que optara por aquele estilo por questões financeiras.

Com exceção das suas roupas que estavam espalhadas no chão à volta da cama, o apartamento estava arrumado e limpo. Ryan não era uma pessoa desleixada – consideravelmente mais exigente do que a própria Riley.

A não ser que...

Bem, Ryan podia ter arrumado tudo na esperança de levar Riley ao seu apartamento naquela noite.

Ou talvez outra mulher, Pensou.

Se fosse esse o caso, Riley não se importava. Não se sentia minimamente possessiva em relação a ele – ou pelo menos não pensava que se sentisse.

Calculo que ambos tivémos sorte.

Ryan estava a preparar a mesa, por isso Riley vestiu o robe, saiu da cama e sentou-se para tomar o pequeno-almoço. Para além dos ovos estrelados, bacon, torradas e café, também havia uma caixa com donuts frescos. Como Ryan estava de calças de ganga e t-shirt, Riley percebeu que ele devia ter saído para comprar os donuts e que ela nem acordara durante a sua ausência.

Quando Riley bebeu um gole de café, lembrou-se do que Trudy lhe dissera antes de saírem...

“Faças o que fizeres, não te vás embora sem mim.”

Riley sentiu um formigueiro de alarme.

Ela fizera uma promessa a Trudy e não a cumprira.

Mas lembrou-se de como as coisas se tinham desenvolvido. A receosa Trudy tinha desaparecido assim que tinham chegado ao Centaur’s Den. A Trudy dos velhos tempos tinha regressado e acabara sentada numa mesa com o quarterback do campus. A última coisa que Trudy queria era que Riley a acompanhasse ao dormitório.

Trudy até dissera...

“Fico bem. Não te preocupes comigo.”

Ainda assim, será que Trudy estaria preocupada com Riley naquele momento?

Riley não fora à procura da companheira de quarto para a informar de que possivelmente passaria a noite fora.

Perguntou a Ryan, “Peço desculpa, mas... tenho que fazer uma chamada. Importas-te que use o teu telefone?”

“Claro que não,” Disse Ryan, apontando para o telefone que se encontrava numa parede próxima.

Riley ligou para o dormitório. Ouviu a mensagem de Trudy e quando ouviu o beep disse, “Ei Trudy, se estás aí, atende.”

Ninguém respondeu. Riley olhou para o relógio e viu que ainda era muito cedo. Também era sábado e Trudy podia ainda estar a dormir.

Ou...

Riley sorriu ao lembrar-se dos olhares amorosos com que Trudy olhava para Harry Rampling.

Talvez também tenha tido sorte, Pensou.

Por muito que Riley não gostasse do quarterback, ela sabia que a maioria das outras raparigas não partilhavam a sua antipatia por ele. Para muitas, era mesmo um herói. Como podia censurar Trudy por ser como essas outras raparigas?

Disse ao telefone, “Bem, caso não tenhas reparado, não fui para o dormitório a noite passada. E, uh, estou bem.”

Quase acrescentou, “Acho que vamos ter que comparar notas.”

Mas lembrou-se de que Ryan estava perto e não era conveniente dizê-lo.

Por isso limitou-se a dizer, “Vemo-nos em breve. Adeus.”

Desligou o telefone e voltou para a mesa. Deu a Ryan um beijo rápido na testa e sentou-se para comer.

Ryan ficou a olhar para ela.

Então, um pouco timidamente, disse, “Foste fantástica a noite passada.”

Riley sorriu.

Não disse de imediato que sentia o mesmo, mas...

Diz Riley, Pensou.

Afinal, ele podia sentir-se inseguro.

“Tu também foste fantástico,” Disse ela.

Começou a comer e acrescentou, “E o pequeno-almoço... uau, está ótimo.”

Não falaram enquanto devoravam a comida. Mas Riley sentiu que aquele silência era normal, nada confrangedor. Era natural que se sentissem um pouco tímidos em relação à noite anterior. A timidez passaria com toda a certeza.

E ela estava certa. Antes que desse por isso, a conversa já fluía facilmente entre eles. Ryan abriu-se sobre os seus antecedentes de classe média, do seu trabalho árduo e ambições, e Riley deu por si a admirá-lo cada vez mais.

Riley contou-lhe toda a história da sua vida, saltando as partes desagradáveis. Mencionou que a mãe morrera quando ela era pequena, mas não que fora assassinada à sua frente. Riley agradeceu o facto de ele não lhe pedir detalhes. Ele parecia ter consciência que era um assunto pesado para ela.

Surpreendeu-se ao falar-lhe nos seus anos de adolescente rebelde. Ambos se riram das suas historias. Não ocorrera a Ryley que essas histórias eram realmente divertidas, mas eram – pelo menos em retrospetiva, agora que essa parte turbulenta da sua vida já terminara.

Sabia bem poder finalmente rir sobre tudo aquilo.

Um assunto que nenhum deles abordou foi a morte de Rhea e Riley ficou aliviada. Tudo era tão agradável naquela manhã que ela pensava que seria uma pena estragar o momento falando da sua obsessão no crime e no monstro que o cometera.

Riley rapidamente percebeu que ela e Ryan não iam passar o dia todo juntos. Não havia problema. Pareceria de alguma forma forçado e ela sentia-se bem por cada um seguir o seu caminho. Vestiu-se e Ryan levou-a ao dormitório. Quando ele parou o carro, olharam um para o outro durante um momento e Riley deu por si a pensar...

Será que vamos fazer planos para uma “próxima vez”?

Ela presentiu que Ryan pensava o mesmo.

Mas não queria pressioná-lo e percebeu que ele pensava da mesma forma.

Nenhum de nós quer parecer dependente, Pensou.

E isso pareceu-lhe uma coisa boa. Era um bom prenúncio para os momentos que pudessem vir a partilhar no futuro.

Encostou-se a Ryan e deu-lhe um beijo demorado, depois saiu do carro e dirigiu-se ao dormitório. Ao caminhar pelo corredor para o seu quarto, mais uma vez se interrogou acerca de Trudy...

Será que veio para casa a noite passada?

Se fosse esse o caso, Trudy ia querer saber tudo sobre a noite de Riley.

E Riley subitamente sentiu-se estranhamente tímida quanto à possibilidade de ter que contar pormenores a Trudy. O que ela e Ryan tinham partilhado parecera tão simples, carinhoso e agradável...

Porquê estragar a memória falando sobre ela? Pensou.

Riley pegou na chave ao aproximar-se da porta, mas então reparou...

A porta já estava entreaberta. A Trudy devia estar no quarto afinal.

Riley hesitou. O seu coração batia com força e era-lhe difícil respirar.

Interrogou-se de onde viria aquela sensação de alarme.

Isto não faz sentido, Disse a si própria.

Ainda assim, Riley ficou parada durante mais alguns instantes.

“Trudy?” Chamou da porta.

Ninguém respondeu.

Riley abriu a porta.

Quando viu sangue no chão, o seu mundo pareceu colapsar.


CAPÍTULO VINTE E UM


Riley sentou-se muito sossegada. Fixava uma porta aberta, vendo pessoas de uniforme a ir e vir com eficiência.

Devem estar a fazer muito barulho, Pensou.

Mas ela não o conseguia ouvir. O seu cérebro devia estar a bloquear o ruído.

Tal como outras coisas, Pensou vagamente.

Com muito esforço, apercebeu-se que estava sentada na beira da sua própria cama. Aquelas pessoas que via entravam e saíam apressadamente do seu quarto.

Não se atrevia a mexer a cabeça ou os olhos com medo do que podia ver.

Sentiu-se vazia – como se estivesse fora do seu corpo.

Onde estou? Interrogou-se.

Se não aqui no seu corpo, no seu quarto, então onde?

Era o sentimento mais estranho que Riley se lembrava de jamais ter experimentado.

Ou não?

Pensou que se sentira exatamente assim num outro momento da sua vida há muito, muito tempo.

Mas não se lembrava que momento fora esse. A verdade é que estava a ter dificuldades em lembrar-se do que quer que fosse.

Não parava de repetir o seu próprio nome...

Riley. O meu nome é Riley.

O entorpecimento que se apoderara do seu corpo começou a diminuir um pouco e ela sentiu uma dor intensa no peito e na cabeça.

Não estou a respirar, Apercebeu-se.

Então sentiu os lábios a formarem as palavras...

“Ainda bem.”

Ela não queria respirar.

Outra pessoa já não respirava e Riley não conseguira reanimá-la, então pensou que também não devia respirar.

Não tinha nada que respirar. Na verdade, queria parar tudo o resto – sobretudo o tempo.

Queria congelar o tempo, fazer com que tudo parasse e depois talvez conseguisse encontrar uma forma de recuar no tempo para...

Quando?

Antes de ter acontecido – fosse o que fosse.

Mas o precioso entorpecimento que a escudava da realidade estava a desaparecer e o seu peito doía cada vez mais, e os pulmões estavam em brasa.

Por fim, o seu corpo traiu-a e ela começou a respirar.

Sentiu-se avassalada com o horror e a culpa.

Falhei, Pensou. Respirei.

Estava ofegante e sentiu-se a regressar involuntariamente ao seu corpo.

Ouviu alguem a dizer, “Onde é que estás ferida?”

Quem disse isso? Perguntou-se.

Então percebeu – alguém mexia no seu corpo em lugares diferentes.

Era um homem vestido com um uniforme branco ajoelhado a seu lado.

“Onde estás ferida?” Repetiu.

Ferida? Pensou.

Ela não estava ferida – ou pelo menos não julgava estar.

Apertou os pinhos ao tentar perceber, reparando rapidamente que as suas mãos estavam pegajosas. Levantou as mãos e olhou para elas.

Estavam cobertas de sangue.

Mas como?

Porquê?

Agora já ouvia todo o barulho no quarto. Deviam estar ali muitas pessoas com ela.

Começou a virar a cabeça para olhar, mas o homem que estava perto de si agarrou-lhe no queixo e disse-lhe, “Não. Não faças isso.”

Então o homem segurou-lhe nas pálpebras e iluminou-lhe as pupilas.

“Consegues dizer-me o teu nome?” Perguntou.

Naquele momento parecia uma sorte ela já se ter dado ao trabalho de se lembrar.

“Riley Sweeney,” Disse ela.

Então o homem fez outras perguntas – sobre em que dia estavam, a cidade em que se encontravam, quem era o Presidente dos Estados Unidos...

Custou um pouco, mas Riley conseguiu responder às perguntas.

Depois o homem ergueu-se e disse aos presentes, “Não me parece que esta esteja ferida. Mas está em estado de choque.”

Riley ficou horrorizada por sentir um espasmo de riso a aflorar.

Porquê?

Havia algo de engraçado no que se estava a passar naquele momento?

Não, mas sentiu algum tipo de ironia grotesca nas palavras que o homem acabara de proferir...

“Não me parece que esta esteja ferida.”

Conseguiu conter o riso. Por muito confusa que estivesse, sabia que não devia rir.

Olhou outra vez para as suas mãos e interrogou-se...

Se eu não estou ferida, donde veio este sangue?

Então as memórias começaram a regressar.

Lembrava-se de alguém a gritar – muito alto e durante muito tempo.

Era eu, Pensou. Eu gritei.

Todo o dormitório deve ter ouvido o grito.

Ainda a gritar, ajoelhara-se junto ao corpo ensaguentado no chão.

Corpo de quem? Interrogou-se. O corpo da mamã?

E então o horror inundou-a como um tsunami.

Era o corpo de Trudy.

Ela encontrara o corpo de Trudy.

E Trudy não estava a sangrar do peito como a mãe, mas de uma enorme ferida na garganta.

O grito de Riley diminuira de intensidade e ela tentara decidir o que fazer.

Tentar estancar a hemorragia?

Não, apesar de haver sangue por toda a parte, parecia que Trudy já não sangrava.

O que significava que Trudy devia estar morta.

Mas Riley não conseguia acreditar naquilo.

Gritara a Trudy e abanara-a. Tentou reanimá-la, pressionando o seu peito, mas teve que parar quando o sangue começou a escorrer novamente da ferida. Poderia ter feito algo mais?

Devia ter podido, Pensou. Falhei.

Mas todas aquelas pessoas também não tinham conseguido reanimar Trudy.

E como é que ali tinham chegado?

Ela ligara para o 112?

Não, tinha a certeza que não. Outra pessoa o tinha feito – alguém que a ouvira a gritar.

Mais uma vez, quse virou a sua cabeça para ver o corpo de Trudy. Mas conseguiu impedir-se. A memória do que vira já era demasiado horrível.

Naquele momento reparou que luzes piscavam no quarto. Não sabia o que seria.

Ouviu alguém a dizer-lhe, “Levante-se, por favor.”

Ela obedeceu entorpecidamente e um polícia com uma máquina fotográfica movimentou-se em seu redor tirando fotografias. O flash da máquina feria-lhe os olhos.

Mas porque é que o polícia tirava fotografias dela?

Olhou para as suas roupas, encharcadas de sangue.

“Isto é errado,” Murmurou. “Eu não devia estar a respirar.”

Soltou um choro convulsivo e ininterrupto, incontrolável.

Sentiu uma mão reconfortante no ombro. Uma mulher olhava para ela solidária. Riley reconheceu-a de imediato. Era a agente Frisbie, a polícia com quem falara na noite do assassinato de Rhea.

“Vem,” Disse Frisbie, pegando na mão de Riley. “Vamos tirar-te daqui.”


CAPÍTULO VINTE E DOIS


Enquanto a agente Frisbie ajudava Riley a levantar-se da cama, Riley ouviu-a a dizer algo a um dos polícias que se encontrava no corredor. Era algum tipo de ordem simples, mas naquele momento parecia uma algaraviada a Riley.

Riley percebeu a resposta cortante de uma mulher. “Achas que é boa ideia? Quero dizer, ela não é... ?”

“Não discutas comigo,” Respondeu Frisbie. “Sê rápida.”

A agente Frisbie acompanhou Riley para fora do quarto. O corredor parecia dolorosamente iluminado e Riley teve que piscar os olhos. Não sentia as pernas, mas sabia que deviam estar no lugar, carregando-a obedientemeente. Ainda assim, não podia confiar nelas e estava satisfeita por alguém estar por perto.

A agente Frisbie conduziu Riley à casa de banho e disse, “Tira essas roupas e dá-mas, querida. Vamos limpar-te.”

Obedecendo de forma mecânica, Riley tirou a roupa. Entregou cada peça à agente Frisbie.

Frisbie dobrou as roupas cuidadosamente e colocou tudo num saco de plástico.

Uma vez nua, Riley sentiu-se estranhamente insegura do que fazer de seguida. A agente Frisbie encaminhou Riley para tomar um duche, ligando a água e ajudando Riley a entrar na cabine. Frisbie fechou a porta da mesma.

Quando a água começou a lavá-la, Riley percebeu que estava a chorar – que estava a chorar desde que deixara o quarto, mas não tinha consciência. Aquele banho reconfortante acalmou-a e acabou por parar de chorar.

Sabia bem ter gotas de água quente pelo corpo.

Mas aquilo também a fazia sentir-se culpada novamente. Que direito tinha ela em se sentir bem? Ela nem devia estar a respirar.

A cabine de duche tinha sabão e um frasco de champô, por isso Riley começou a lavar-se. O sangue parecia dissolver-se nas suas mãos antes de reaparecer no chão de azulejo e desaparecer no ralo.

A mente de Riley começou a despertar.

Quase perdi a noção, Apercebeu-se.

Interrogou-se – porque é que isso aconteceu?

Há várias semanas atrás, quando fora a segunda pessoa a ver o corpo de Rhea, ela conseguira manter-se sob controlo. Até tivera a presença de espírito de impedir que os outros alunos entrassem no quarto e contaminassem a cena do crime.

Desta vez, fora-se completamente abaixo.

É claro que fora... fora mais próxima da Trudy.

Mas porque é que se sentira tão culpada desta vez?

Então lembrou-se outra vez do que Trudy lhe dissera antes de irem para o Centaur’s Den...

“Faças o que fizeres, não te vás embora sem mim.”

... ao que Riley respondeu...

“Prometo.”

Riley estremeceu, apesar do calor da água.

Agora compreendia a diferença – ela não tinha prometido nada a Rhea. Mas quebrara uma promessa feita a Trudy. Devia ter cumprido a sua promessa a todo o custo, por muito que Trudy protestasse, mesmo que tivesse que a arrastar para longe do quarterback.

Em vez disso...

Uma evidência doentia começou a apoderar-se dela.

Possivelmente, no preciso momento em que Trudy estava a ser assassinada...

Eu estava a ter sexo com o Ryan.

O pensamento fê-la estremecer.

Mas este horror era devastador. Ela sabia que ia carregar aquela terrível culpa por muito, muito tempo. Talvez para o resto da vida.

Quando Riley finalmente desligou a água e saiu da cabine de duche, a agente Frisbie já não estava lá.

No seu lugar viu uma polícia mais baixa, uma jovem com um rosto contraído e pouco solidário. Usava uma placa de identificação que dizia B. Danforth e segurava numa toalha e numa pequena pilha de roupa.

A mulher entregou a toalha e disse num tom de voz desagradável, “Seque-se e vista-se. Trouxe esta roupa do seu quarto.”

Riley lembrava-se de que no seu quarto a agente Frisbie dera uma ordem a alguém que respondera...

“Será uma boa ideia?”

Agora Riley compreendia.

A agente Frisbie ordenara a esta mulher – agente Danforth – que pegasse numa toalha e roupas no armário de Riley. Aparentemente, Danforth não ficara muito agradada com a ideia e a julgar pela sua expressão, continuava a não lhe agradar.

Riley secou o corpo e depois o cabelo. Não queria pedir a Danforth para ir buscar o secador ao seu quarto. Então vestiu a roupa que Danfoth trouxera – cuecas, calças de ganga, uma camisa e ténis.

Danforth conduziu Riley de volta ao corredor. Riley viu que os polícias ainda estavam reunidos à volta da porta do seu quarto, incluindo a agente Frisbie. Outro era o agente Steele, o pesado e antipático polícia que a recebera na esquadra.

Mas Riley não via alunos em parte alguma.

Onde estavam todos?

Então lembrou-se que na noite do assassinato de Rhea lhes tinham ordenado ficar nos quartos. Deviam estar todos nos seus quartos naquele momento, a perguntar-se o que se estaria a passar no exterior. Riley quase invejava a sua reclusão temporária.

Ela não tivera a possibilidade de se esconder já que Danforth a levou para junto dos polícias.

Ao aproximarem-se, o agente Steele olhou para Riley de forma suspeitosa. Frisbie levantou a cabeça das notas que estava a tirar.

Danfoth disse a Frisbie, “O que é que queres que faça com ela agora?”

“Leva-a para a sala comum,” Disse ela. “Faz com que fique confortável.”

Confortável? Pensou Riley.

Não havia grande hipótese de isso acontecer.

Danforth levou Riley para a sala comum. Riley sentou-se num sofá e Danforth sentou-se numa cadeira à sua frente.

A polícia não disse nada. Limitou-se a ficar ali sentada a olhar silenciosa e soturnamente para Riley.

O que é que se passa? Perguntou-se Riley.

Será que Danforth suspeitava que ela fosse responsável pela morte de Trudy? Será que todos os polícias suspeitavam dela – exceto talvez a agente Frisbie?

Se fosse o caso, porquê?

Então Riley lembrou-se...

Eu estava coberta de sangue.

Tiveram que me afastar do corpo de Trudy.

Porque não suspeitariam de mim?

Riley interrogou-se se iriam prendê-la.

Sentiu-se murchar sob o olhar acusador de Danforth. Deveria tentar explicar-lhe o que tinha acontecido?

Se estou detida, talvez deva ficar calada, Pensou.

Então ouviu vozes a discutir no exterior da sala comum – as vozes dos agentes Frisbie e Steele.

Ouviu Frisbie dizer, “Temos que a levar a um hospital.”

Ouviu Steele responder, “Porquê? Ela não está ferida.”

“Ainda está em estado de choque,” Disse Frisbie.

“Só lhe quero fazer algumas perguntas,” Disse Steele.

Riley ouviu Frisbie a soltar um grunhido de desaprovação e a afastar-se.

Steele foi até à sala comum. Assentiu à agente Danforth, uma ordem silenciosa para se ir embora. Danforth levantou-se e saiu da sala, enquanto o homem pesado e de rosto avermelhado se sentava no seu lugar.

Olhou para Riley durante alguns instantes.

Então disse, “És uma jovem muito curiosa, não és?”

Riley não sabia o que dizer – ou sequer o que é que aquilo significava.

Com “curiosa” quereria ele referir-se ao querer saber alguma coisa ou ao facto de ser uma pessoa fora do normal?

Talvez ambos, Pensou.

Steele disse, “Lembro-me de te ver à porta do quarto da primeira vítima quando aparecemos naquela noite. Depois alguns dias mais tarde foste à esquadra fazer perguntas. ‘Como está a correr a investigação?’ querias saber. E agora temos uma segunda vítima – que por acaso é a tua companheira de quarto.”

Calou-se, deixando Riley a pensar...

Ele está a fazer uma pergunta?

Se está, ela não fazia ideia do que lhe responder.

Por fim, Steele acrescentou, “Talvez tenhas algo que me queiras dizer.”

Agora Riley estava estupefacta. Então ouviu uma voz de homem mais profunda vinda da porta da sala comum.

“Oh, por amor de Deus, Steele. O que é que pensas que estás a fazer?”

A cabeça de Riley virou-se para ver quem falara. Ficou aliviada por ver que era o Dr. Zimmerman acompanhado pela agente Frisbie.

Zimmerman cruzou os braços e olhou para Steele que parecia tudo menos agradado por vê-lo.

Steele grunhiu, “Isto é um assunto de polícia, Zimmerman – não teu.”

Era claro que os dois homens se conheciam e não gostavam um do outro.

“Vais prender esta aluna?” Perguntou Zimmerman. “Se assim for, o melhor é ler-lhe os direitos.”

Steele encarou-o com desconfiança.

Zimmerman falou com voz firme, “Deixa esta rapariga em paz. Ela não é uma suspeita.”

“Como é que sabes?” Disse Steele.

“Porque dá-se o caso de saber umas coisinhas sobre assassinos,” Respondeu Zimmerman. “E conheço esta rapariga. É sensível e inteligente, e não matou ninguém, e não merece ser molestada.”

A agente Frisbie inclinou a cabeça a Steele indicando o corredor.

“Vem Nat,” Disse ela. “Deixa esta pobre miúda em paz. Temos trabalho a sério para fazer.”

Durante um momento, o agente Steele pareceu que iria ripostar. Mas então, de forma relutante, levantou-se e seguiu Frisbie para fora da sala.

O Dr. Zimmerman sentou-se no sofá ao lado de Riley e segurou nas suas mãos.”

“Oh, minha queria, sei que isto é horrível para ti,” Disse ele. “Vim mal soube o que acontecera. É verdade? Desta vez foi a tua companheira de quarto?”

Riley anuiu.

“Lamento muito,” Disse o Dr. Zimmerman.

Depois da frieza soturna dos agentes Danforth e Steele, Riley encontrou na presença bondosa do professor uma mudança significativa que quase a chocou.

Como deveria lidar com aquilo?

Como poderia não se deixar levar emocionalmente?

Como se respondendo à sua pergunta não verbalizada, o Dr. Zimmerman disse, “Podes falar comigo. Está tudo bem.”

As lágrimas começaram a correr pelo rosto de Riley.

Ela disse, “Não fiz nada, Dr. Zimmerman. Não matei a Trudy.”

“Eu sei que não,” Disse o Dr. Zimmerman.

“Mas... “

Não conseguia dizer o resto.

O Dr. Zimmerman verbalizou o seu pensamento.

“Pensas que a culpa foi tua. Pensas que és responsável.”

Riley assentiu e sufocou o choro.

O Dr. Zimmerman apertou-lhe as mãos.

“Diz-me a verdade,” Disse ele. “Havia alguma parte de ti que queria que isto acontecesse? Tiveste esse desejo, por mínimo que fosse, mesmo que por um momento fugaz?”

“Não,” Disse Riley.

“É claro que não,” Disse o Dr. Zimmerman. “Outra pessoa fez isto, não tu. Não és responsável. A culpa não foi tua.”

O Dr. Zimmerman ergueo o queixo de Riley e olhou-lhe nos olhos.

“A culpa não foi tua,” Disse outra vez. “Sou capaz de dizer isto como um disco riscado. Até podes ficar farta de me ouvir a dizê-lo. Mas é a verdade e tens que acreditar. A culpa não é tua.”

Riley queria acreditar nele, mas deu por si a lembrar-se da conversa que tivera no seu gabinete há algumas semanas quando ele dissera...

“Não devemos provocar o pânico espalhando as nossas suspeitas.”

Ela disse, “Estávamos enganados Dr. Zimmerman? Deveríamos ter dito a todos aquilo em que estávamos a pensar? Quero dizer, sobre o assassino. Que era possível que ele matasse novamente.”

Ela reparou num flash de incerteza nos olhos do Dr. Zimmerman.

Ele respirou fundo e disse, “Éramos apenas duas pessoas que tinham um palpite. Temos que lidar com o aqui e agora.”

Riley calou-se por uns instantes, depois disse, “Eles suspeitam de mim? Quero dizer, a polícia?”

Zimmerman pensou durante um momento e depois disse, “Viste uma faca no quarto? O assassino deixou a arma do crime?”

Riley tentou pensar – será que vira a arma do crime?

Será que teria reparado nela mesmo que lá estivesse?

“Penso que não,” Disse ela. “Não tenho a certeza.”

Zimmerman coçou o queixo e disse, “Temos que ver. Mas se for possível, quero que te afastes daqui. Ainda estás em choque. Queres que te leve ao hospital?”

Riley estremeceu ao imaginar passar a noite num ambiente tão impessoal e frio.

“Não,” Disse ela.

Zimmerman pensou novamente e disse, “Posso ter-te em minha casa esta noite. Tenho um quarto de hóspedes.”

Durante alguns segundos Riley não conseguiu tomar uma decisão.

Então disse, “Isso seria bom.”

Zimmerman ajudou-a a levantar-se do sofá.

“Vem,” Disse ele. “Vamos falar com eles, ver se te podes ir embora.”

Quando o Dr. Zimmerman lhe pegou no braço e a acompanhou para fora da sala comum, Riley sentiu-se mais forte do que quando tinha entrado. A presença de Zimmerman tinha sido mais do que útil. Na verdade, não sabia como teria conseguido lidar com a situação se ele não tivesse aparecido.

Uma vez no corredor, Riley pode ver que tinham chegado outras pessoas entretanto.

Uma delas caminha na sua direção e do Dr. Zimmerman – um homem baixo e vigoroso que aparentava estar na casa dos cinquenta anosz.

Quando o homem se aproximou, dirigiu-lhe a palavra, “Chama-se Riley Sweeney?”

Riley anuiu.

O homem mostrou um distintivo com a sua identificação.

Disse, “Sou o Agente Especial Jake Crivaro do FBI.”

Riley estacou alarmada.

Vou mesmo ser presa, Pensou.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


Riley quase esperava que o agente do FBI sacasse de um par de algemas e a prendesse ali mesmo. Então o Dr. Zimmerman falou.

“Agente Crivaro, estou muito preocupado com esta jovem. Ela passou por um trauma terrível. Passou por muito hoje e o melhor é responder a quaisquer perguntas amanhã. Gostava de a poder tirar daqui.”

Crivaro olhou para o Dr. Zimmerman.

“Gostava, huh?” Perguntou. “E quem é o senhor?”

“Sou o Dr. Dexter Zimmerman.”

Os olhos de Crivaro abriram-se muito.

“Cum caraças,” Disse ele. “O Dexter Zimmerman, o patologista criminal? Sim, agora me lembro que ensina aqui em Lanton.”

Zimmerman anuiu e disse, “Sou o diretor do Departamento de Psicologia.”

Crivaro apertou-lhe a mão vigorosamente.

“Eh pá!” Disse Crivaro. “Devo ter lido tudo o que escreveu, Dr. Zimmerman. Sou um grande admirador. Mas também quem não é seu admirador no FBI?”

Zimmerman disse, “Quem me dera que nos tivéssemos conhecido noutras circunstâncias. Presumo que agora o caso esteja nas mãos do FBI. Como é que chegaram aqui tão rapidamente?”

“Eu e a minha equipa viemos de Quantico de helicóptero,” Disse Crivaro. “Aterrámos no campo de futebol.”

Crivaro olhou novamente para Riley, depois para Zimmerman.

Disse a Zimmerman, “Ouça, não se importa de ficar comigo durante um bocado? Posso precisar de ajuda.”

“Com certeza,” Disse Zimmerman.

“Onde é que nós os três podemos falar?” Perguntou Crivaro.

“Na área comum,” Disse Zimmerman. “Venha comigo.”

Riley caminhou entre os dois homens em direção à sala comum, ainda incerta quanto ao que se estava a passar. Será que a sua prisão estava apenas a ser adiada?

Sentiu-se profundamente aliviada pelo facto de o Dr. Zimmerman não ir embora, pelo menos durante algum tempo.

Dali a nada, os três estavam sentados numa mesa na cozinha adjacente à sala comum. Crivaro pegou num lápis e bloco, e preparou-se para começar a tirar notas.

Disse, “Menina Sweeney, sei que era a companheira de quarto da vítima.”

Riley sentiu um calafrio ao ouvir a palavra “vítima”.

“Sim,” Conseguiu dizer. “A Trudy... era... a mina melhor amiga.”

“E descobriu o corpo, certo?”

Riley sentiu novo calafrio perante a palavra “corpo”.

Na verdade, gemeu ligeiramente.

Porque é que ele não a pode chamar de Trudy? Pensou.

“Correto,” Disse ela num sussurro.

Crivaro tirou os olhos do seu bloco de notas. A sua expressão suavizou-se, assim como a sua voz.

“Eu sei que é difícil, menina Sweeney, mas preciso de algumas respostas. Quando e como é que descobriu Trudy depois de ela ser assassinada?”

Riley ficou alarmada com a súbita mudança no seu tom.

Mais do que isso...

Ele tratou-a por Trudy.

Será que Crivaro se tinha apercebido do seu desconforto perante as palavras “vítima” e “corpo”, e estava a tentar ter mais tacto?

De repente, Riley pressentiu que aquele homem podia ser muito mais sensível do que deixava transparecer – e provavelmente muito mais complicado.

Em resposta à sua pergunta, Riley disse, “Encontrei-a quando regressava ao meu quarto esta manhã.”

“A que horas?”

Riley disse-lhe as horas.

Crivaro fixou-a e disse, “Então esteve fora a noite toda?”

Riley anuiu.

Crivaro disse, “Onde e com quem?”

Riley engoliu em seco. Iria envolver Ryan outra vez?

Também se sentiu estranhamente envergonhada com o que Crivaro pensaria dela por passar a noite no apartamento de um rapaz.

Parecia algo estranhamente inapropriado com que se preocupar.

Porque é que me devo importar com o que ele pensa?

Quem é ele? O meu pai?

Disse, “A noite passada fui para casa de Ryan Paige, um estudante de direito.”

Crivaro folheou no seu bloco de notas.

“Ryan Paige,” Disse ele. “Sim, vejo que o nome dele já surgiu anteriormente – a propósito da morte de Rhea Thorson. Quando é que viu Trudy Lanier viva pela última vez?”

Riley respirou fundo e explicou como persuadira Trudy a ir ao Centaur’s Den e como a vira pela última vez sentada numa mesa com Harry Rampling. Quando mencionou o nome de Harry, Crivaro folheou novamente as suas notas.

O nome de Harry já surgiu? Interrogou-se.

Fazia sentido. Riley não fora com certeza a única pessoa a reparar que Trudy e Harry tinham estado juntos.

Será que isso significava que Harry agora era um suspeito?

Riley lembrou-se...

Eu ainda nem sei se sou uma suspeita.

Quando Riley parou de falar, Crivaro fez uma pausa e ficou a olhar para ela, batendo com a borracha do lápis na mesa.

Em que é que ele está a pensar? Perguntou-se.

Então o Dr. Zimmerman disse a Riley, “Riley, penso que devias contar as tuas experiências ao agente Crivaro.”

“Experiências?” Perguntou Riley.

“Tu sabes. Aqueles... momentos de que me falaste quando... “

Não terminou a frase, mas Riley percebeu a que se referia.

Tinha em mente as duas experiências em que entrara na cabeça do assassino.

Riley ficou chocada com a sugestão. O Dr. Zimmerman era a única pessoa no mundo a quem confiara aqueles momentos. Pensaria ele realmente que ela os devia contar a um estranho?

Olhou para o Dr. Zimmerman e disse baixinho...

“Tem a certeza?”

O Dr. Zimmerman assentiu com um sorriso cordial e empático, depois disse a Crivaro, “Penso que vai querer ouvir o que ela tem para lhe dizer.”

O agente Crivaro olhava agora para Riley com intensa curiosidade.

De forma cautelosa, Riley começou a contar-lhe tudo – primeiro, como pressentira os pensamentos do assassino ao percorrer o caminho que ele tomara ao seguir Rhea, depois como fizera o mesmo no quarto de Rhea, imaginando como é que ele se sentira ao olhar para o cadáver.

Quando terminou, Crivaro observava-a com intenso interesse e espanto.

Então ele e o Dr. Zimmerman trocaram um olhar significativo.

Era óbvio que pensavam na mesma coisa.

Mas em que é que estavam a pensar? Perguntou-se Riley.

Lembrou-se de algo que o Dr. Zimmerman lhe dissera da primeira vez que tinham falado. Ele dissera que ela poderia ter um “talento singular” e...

“Pode não ser um talento que tenhas escolhido, mas pode ser de grande valor.”

Estaria o agente Crivaro a pensar o mesmo – que Riley podia ter as características de uma boa profiler criminal?

A ideia assustou Riley quase tanto como o pensamento de ser presa.

Por fim, o agente Crivaro disse, “Menina Sweeney, não a quero pressionar... “

Fez uma pausa e Riley sentiu-se arrepiada.

Então Crivaro acrescentou, “Mas gostaria que tentasse entrar nesse estado de espírito novamente.”

“Oh, não,” Disse Riley com a voz a tremer.

Não conseguia imaginar fazer tal tentativa . não enquanto estivesse tão afetada emocionalmente com a morte da Trudy.

Mas a expressão de Crivaro era urgente. Riley pressentiu que ele não ia aceitar um não como resposta.

Por fim, Crivaro disse, “Penso que devia. Duas raparigas foram assassinadas – e uma delas era a sua melhor amiga. Não tenho a certeza mas... penso que nos conseguiria ajudar a apanhar o assassino.”

Riley sentiu um nó de pânico a formar-se na sua garganta. Como poderia negar?

Assentiu.

“Venha comigo,” Disse Crivaro.

Sem dizer mais uma palavra, os dois homens levantaram-se. Riley seguiu o Dr. Zimmerman e o agente Crivaro para fora da sala comum até ao corredor.

Os polícias locais e agentes do FBI iam e vinham ou conversavam.

Crivaro disse a todos, “Quero a cena do crime sem ninguém. Não apenas o quarto, todo o corredor. Vão todos lá para fora e deixem-me a mim e a esta rapariga trabalhar.”

Os agentes do FBI começaram a sair imediatamente, mas os polícias locais ficaram a olhar para ele com surpresa. O agente Steele não parecia ir a lado nenhum.

“Ouviram-me?” Gritou Crivaro. “Mexam-se!”

Alarmados, Steele e os outros seguiram os agentes do FBI para fora do edifício.

O DR. Zimmerman colocou uma mão no ombro de Riley.

“Eu também vou,” Disse ele. “Não te preocupes, estou lá fora.”

Riley queria implorar-lhe...

“Por favor! Não vá!”

Mas o Dr. Zimmerman saiu, deixando Riley e o agente Crivaro sozinhos no corredor.

Riley sentiu arrepios percorrerem-lhe o corpo.

O que iria seguir-se agora?


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Durante alguns momentos, o agente Jake Crivaro fixou a jovem assustada penando...

Estarei a cometer um grande erro?

Talvez estivesse enganado a seu respeito. Talvez ela não tivesse a rara intuição que apenas alguns profilers possuíam – incluindo ele. Mas a própria intuição de Jake lhe dizia o contrário. As suas descrições das suas experiências tinham-lhe parecido extraordinariamente reais.

Para além disso, era óbvio que Dexter Zimmerman sentia que ela possuía esse talento e ele era um génio no que tocava a coisas do género. Ele escrevera sobre esta capacidade de certos indivíduos entrarem na mente de um criminoso.

Mais importante que tudo, as suas perspetivas poderiam conduzi-los a apanhar o assassino mais rapidamente. Jake sabia que a polícia local já tinha um homem sob custódia e talvez a rapariga o ajudasse a compreender se tinham apanhado o homem certo.

Mas Jake não estava a pensar apenas naquele caso.

Ele tinha mesmo que descobrir se a sua capacidade era real – caso se confirmasse, o que ela era capaz de fazer com ela.

Olhou à sua volta, a pensar por onde começar.

Perto da entrada do dormitório, Pensou.

Afinal de contas, o assassino devia ter entrado por ali – quer fosse na companhia da vítima ou não, Jake ainda não sabia.

“Venha comigo.” Disse a Riley.

Percorreram o corredor até à porta de entrada do dormitório. Através da sua janela, Jake conseguia ver a polícia local e agentes do FBI parados, sem nada para fazer no momento.

Voltarão ao trabalho em breve, Pensou.

Quando ele e Riley Sweeney estavam na entrada, Jake disse, “Quero que feche os olhos.”

A rapariga obedeceu.

Jake disse numa voz calma, segura e baixa, “Agora respire um pouco calmamente. Preste atenção às suas sensações físicas – como o ar circula à sua volta, o chão debaixo dos seus pés, o odor deste lugar – coisas em que geralmente não repararia.”

Riley Sweeney anuiu e respirou. Jake podia ver que ela estava a entrar no estado de espírito que ele pretendia.

Disse, “Agora quero que pense na sua experiência de atravessar o campus naquela noite, imaginando como é que o assassino seguia Rhea Thorson. Tente recordar-se – como foi estar dentro da sua mente, mesmo que por apenas um momento? Que tipo de pensamentos partilharam? Tente ser ele novamente.”

A rapariga respirou fundo, depois estremeceu ligeiramente.

Está a resultar, Pensou Jake.

Ele disse, “Agora regresse à noite passada. Acabou de entrar. Como é que passou pela porta?”

Riley não disse nada durante um longo momento. Parecia estar a ter dificuldade em responder à pergunta. Então o seu rosto endureceu.

“A Trudy... deixou-o... deixou-me entrar,” Disse ela.

Jake ficou alarmado ao ouvir a mudança para a primeira pessoa.

Não estava à espera daquilo. Estaria aquele exercício prestes a ir longe demais?

Afinal, ela era apenas uma universitária, não uma profiler experiente.

Deixa-a seguir o seu instinto, Disse Crivaro a si próprio. Ele impediria-a de continuar se o exercício se descontrolasse.

“Porque é que ela o deixou entrar?” Perguntou Jake.

Riley encolheu os ombros.

“Porque eu lhe pedi,” Disse ela.

Depois de outra hesitação, ela acrescentou, “Ela sabia quem eu era.”

Então a vítima conhecia o assassino, Pensou Jake. Mas num cenário daqueles, tal era bastante provável. Será que aquela rapariga estava apenas a adivinhar ou estava mesmo a sentir algo vindo do assassino?

“Quão bem é que ela o conhecia?” Perguntou ele.

O sobrolho de Riley franziu, como se estivesse a fazer um esforço mental.

“Não tenho a certeza,” Disse ela. “Pensou... não, não tenho a certeza.”

“Respire fundo,” Disse Jake. “Diga o que lhe vier à cabeça.”

A rapariga prosseguiu, “Não amigos íntimos, não me parece. Suficientemente bem para não ter medo.”

“E como é que se sentiu?” Perguntou Jake.

Um sorriso sinistro formou-se no rosto da rapariga.

Jake ficou alarmado. Nunca vira uma novata entrar tão rápida e profundamente no exercício.

Então advertiu-se a si mesmo. Ou isso ou ela já sabe mais sobre este assassino do que deveria.

“Faz-me sentir bem,” Disse Riley. “Tudo está a correr exatamente como eu queria.”

Jake colocou uma mão no seu braço.

“Mantenha os olhos fechados,” Disse ele. “Eu ajudo-a a encontrar o caminho. Vá para onde os seus instintos a levam.”

Jake manteve a mão no braço de Riley Sweeney quando ela começou a caminhar pelo corredor com os olhos ainda fechados. Quando se encontravam à porta do quarto da rapariga, ele parou-a, incerto do que tentar de seguida.

A porta estava aberta e Jake não queria que ela abrisse os olhos e visse o aspeto do quarto naquele momento. O corpo já tinha sido removido, mas ainda havia sangue por todo o lado e um esboço em giz mostrava a posição do cadáver no chão.

Mas Riley começou a falar novamente e parecia estar ainda mais profundamente imersa naquele estado de espírito.

“Ela destranca a porta do quarto e convida-me a entrar. Fico encantado. Nem tenho que pedir. Ela entra e eu sigo-a... “

Jake e a rapariga entraram no quarto. Mas agora ela parecia um pouco insegura.

Riley disse, “Penso,,, “

Hesitou. Jake perguntou-se se talvez ela fosse despertar da experiência.

Então ela disse, “O telefone tocou.”

Riley começou a ficar agitada com as mãos a tremer. Jake estava prestes a terminar o exercício quendo ela disse, “Aquele foi o seu momento.”

Jake reparou na transição para a terceira pessoa. Percebeu que fosse qual fosse a experiência, estava a tornar-se demasiado violenta para ela.

É tempo de parar, Pensou.

Ainda a segurar o seu braço, Jake disse, “Mantenha os olhos fechados. Venha comigo.”

Mas antes que ele a pudesse conduzir em segurança para fora do quarto, o telefone tocou.

Os olhos da rapariga abriram. A sua cabeça girou abarcando a soturna cena e libertou um grito horrorizado.

Demasiado tarde, Apercebeu-se Jake.

Rapidamente a tirou do quarto para o corredor. A rapariga encostou-se contra uma parede e começou a chorar.

Jake tentou confortá-la.

“Está tudo bem,” Disse ele. “Está tudo bem.”

Da porta aberta do quarto, ouviu a mensagem de voz – a voz da sua companheira de quarto, não a sua. Depois do beep, ouviu-se uma voz de homem.

“Ei Riley – estás aí? É o Ryan. Acabei de saber o que se passou. Nem acredito. Estás aí? Estás bem? Estás segura?”

Espantada, confusa e ainda a chorar, a rapariga abanou afirmativamente a cabeça como se para indicar que sim ao rapaz.

Depois de uma pausa, a voz prosseguiu.

“Ouve. Liga-me quando puderes. Se eu puder fazer alguma coisa... qualquer coisa... “

A voz apagou-se e o rapaz desligou.

Riley ainda estava a respirar com dificuldade, mas começava a parar de chorar.

Jake deu-lhe uma palmadinha no ombro.

“Estiveste bem,” Disse ele. “Estiveste muito bem.”

E era sincero ao dizê-lo. Já não pensava que ela pudesse estar a fingir, simplesmente a reportar algo que já sabia.

Então Jake ouviu alguém a abrir a porta do dormitório e o som de passos a aproximarem-se. Virou-se e viu um membro da sua equipa.

Jake disse-lhe, “Walton, o que é que eu disse?”

O Agente Especial Walton disse, “Peço desculpa, mas achei melhor vir dizer-lhe. Recebemos uma chamada da esquadra. Parece que o suspeito que detiveram está pronto para falar.”

“Já solicitou um advogado?” Perguntou Jake.

“Ainda não,” Disse Walton. “Está muito seguro de si próprio e não parece estar muito interessado em solicitar um.”

Jake olhou para os olhos de Riley Sweeney e disse, “Ouve. Penso que também nos poderás ajudar lá. Podes vir connosco até à esquadra?”

Riley anuiu e seguiu-o pelo corredor.

Ao saírem do edifício, Jake lembrou-se da forma profunda como Riley entrara na mente do assassino.

Ela é boa nisto, Pensou.

Mas será que era proveitoso despertar esta capacidade nela?

Jake estremeceu ao pensar como a sua mente ficara inundada pelos horrores que vira durante a sua carreira – interna e fisicamente.

Ele não fazia ideia do tipo de futuro que Riley Sweeney tinha pela frente, mas tinha a certeza de uma coisa...

Não terá uma vida normal.


CAPÍTULO VINTE E CINCO


Riley estava sentada na cama segurando um corpo de bourbon com as duas mãos quando Ryan entrou no apartamento. Por um momento sentiu-se confusa. Porque é que eele tinha voltado tão cedo?

Então apercebeu-se que era mais tarde do que pensava. As aulas da manhã de Ryan já tinham terminado.

Riley sabia que tinha um aspeto horrível. Ainda nem se vestira. Estava com o pijama que a sua AR lhe trouxera juntamente com outras coisas essenciais, roupa e material de estudo.

Já estava no apartamento de Ryan há quatro dias e noites, e ela sabia que não andava a ser grande companhia. Não queria conversar sobre nada. Ela e Ryan tinham tido relações algumas vezes, e Ryan fora sensível e atencioso como da primeira vez, mas Riley não apreciara muito esses momentos.

Sentia-se demasiado entorpecida para apreciar o que quer que fosse.

Não era justo para Ryan. Gostava cada vez mais dele mas era-lhe difícil expressar sentimentos.

Ryan ficou particularmente preocupado ao ver o copo na mão de Riley. Mas ela tomou outro gole mesmo assim.

“Ainda nem é hora de almoço,” Disse Ryan.

Riley olhou para o relógio na parede.

“Não faz mal – é uma hora,” Disse ela.

“Mas almoçaste? Mal tocaste no pequeno-almoço hoje de manhã. Não devias estar a beber, Riley.”

Riley suspirou. É claro que ele tinha razão e ela não tina o direito de discutir. Pousou o copo.

Ryan sentou-se na cama a seu lado.

Perguntou, “Há quanto tempo não sais do apartamento?”

“Não sei,” Disse ela.

A verdade era que ela tinha a certeza de que não saía desde que chegara na sexta-feira. Ela sabia que não tinha saído do edifício.

Ryan disse, “Não foste às aulas ontem. Não vais a nenhuma hoje?”

“Não sei,” Disse Riley. “Não. Não me parece.”

Seguiu-se um silêncio.

Então Riley segurou na mão de Ryan. Disse “Isso não é um problema. Não te preocupes. As minhas notas são boas. Faltar a algumas aulas não vai fazer diferença.”

Ryan apertou-lhe a mão e disse, “Sim Riley, mas quando... ?”

Ele não terminou a pergunta.

Riley sentiu-se um pouco ressentida.

Disse, “Quando é que vou voltar ao que era, queres dizer?”

“Não te ia perguntar isso,” Disse Ryan.

“Bem, porque não?” Disse Riley. “É uma boa pergunta, não é? E não sei a resposta. Quanto tempo devemos demorar a recuperar do choque de encontrar o cadáver da melhor amiga?”

Naquele preciso momento, Riley mal acreditara no que acabara de dizer.

“Desculpa Ryan. Eu não devia ter dito... “

Riley interrompeu-a, “Não faz mal. Não faz mal desabafar. Na verdade, gostava que desabafasses muito mais.”

Fez uma pausa e depois acrescentou, “Sabes que podes desabafar comigo sempre. Não me importo nada. Acho que... “

Parou novamente.

“Acho que já gosto muito de ti.”

Riley ficou alarmada.

Sentimos o mesmo um pelo outro? Perguntou-se.

Então Ryan disse, “Mas tens que compreender que não podes ultrapassar isto sem algum tipo de ajuda profissional. Se não os terapeutas do campus... bem, alguém.”

Parou de falar por um momento. Quando ela não disse nada, ele acrescentou num tom ligeiramente amargo...

“Mesmo que quisesses falar comigo, o que me parece não quereres.”

Ryan levantou-se e disse, “Vou preparar-te qualquer coisa para comeres e não descando enquanto não comeres.”

Pegou no bourbon e disse, “Vou deitar isto fora.”

Riley quase protestou, mas rapidamente disse a si própria...

Contestar vai-me fazer parecer uma alcoólica.

Esperava não se estar a tornar nisso. Mas a verdade era que bebera quase todo o bourbon de Ryan desde que ali chegara.

Riley viu-o a despejar o bourbon no lavatório. Depois começou a preparar sanduíches.

Riley não saiu da cama. Estava a pensar no que ele acabara de dizer...

Ele pensa que eu preciso de ajuda profissional.

É claro que aquilo devia parecer perfeitamente óbvio – pelo menos para ele.

Ela compreendia porque é que ele sentia que ela estava a excluí-lo. Não lhe contara muitas coisas. Contara-lhe um pouco sobre a descoberta dos corpos de Rhea e Trudy. Mas nada sobre as horas que se seguiram à descoberta de Trudy. Nada sobre o que fizera na esquadra.

Ele sabia que a mãe tinha morrido, mas não que tivesse sido assassinada – muito menos de que Riley assistira a tudo quando era apenas uma menina. E com certeza não sabia que as imagens do corpo ensaguentado da mãe lhe surgiam agora com o corpo de Rhea e de Trudy.

Por aqueles dias, parecia que a sua imaginação se afogava em sangue.

Quanto a procurar ajuda profissional, não se conseguia imaginar a fazer tais confidências a um qualquer psiquiatra. Talvez pudesse falar com o Dr. Zimmerman sobre aquilo. Ou com o agente Crivaro. Ou até com o Professor Hayman que Riley tanto admirava e que a inspirara a seguir psicologia. Com certeza que eles compreenderiam. E no entanto, para falar com eles...

Conteve um suspiro e pensou...

Tenho que sair da cama. E do apartamento.

E naquele momento, isso não parecia fácil.


Lembrou-se que o agente Crivaro estava apenas à distância de um toque de pager. Entrara em contacto com ele dessa forma algumas vezes. Da primeira vez fora para lhe dar o número de telefone de Ryan. A segunda vez fora no dia anterior.

Ele dissera-lhe que a polícia local ia libertar o Harry Rampling. Os dois rapazes que Harry tinha nomeado como álibi tinham fornecido relatos contraditórios sobre as suas ações naquela noite, mas Crivaro calculou que fosse só porque estavam bêbedos. De qualquer das formas, a polícia não tinha qualquer prova viável para manter Harry preso.

Ainda assim, a polícia local ainda tinha a certeza de que Harry era o assassino e mantinham-no debaixo de olho. Riley estava preocupada com isso. Tanto quanto sabia, ela e o agente Crivaro eram as únicas pessoas que acreditavam que o verdadeiro assassino ainda estava a monte. A equipa de Quantico teria que se ir embora se o chefe Hintz decidisse que já não eram necessários.

O que aconteceria se Crivaro e a sua equipa se fossem embora?

Morreriam mais pessoas?

Ryan voltou à cama com duas sanduíches e duas chávenas de café. Sentou novamente ao lado de Riley. De repente, ela sentiu-se esmagada pela bondade e paciência que ele demonstrava.

E o que recebia em troca? Ela não trazia nada à sua vida a não ser a sua própria tristeza.

Ele merece melhor, Pensou.

Hesitou por um momento, depois disse, “Ryan, preciso de falar contigo sobre algumas coisas. Quero dizer... há algumas coisas que deves saber... sobre mim.”

Ryan pousou a sanduíche.

“Podes contar-me tudo,” Disse ele.

Tudo? Pensou Riley. Acho que vamos descobrir se isso é verdade.

Começou pelo princípio – o assassinato brutal da mãe na loja de doces há tantos anos. Ficou surpreendida com a forma calma como foi capaz de falar no acontecimento que mais assombrava a sua vida.

Ryan ouvia com uma expressão aturdida.

“Lamento,” Disse ele. “Não fazia ideia.”

Riley suspirou profundamente.

“Mas há mais,” Disse ela.

Tentou descrever aquela noite estranha depois da morte de Rhea – a noite em que pela primeira vez entrara na mente do assassino e seguira as suas passadas, sentindo o que era perseguir uma presa pelo campus. Contou-lhe no episódio seguinte no quarto de Rhea, imaginando como é que o assassino se sentira a observar o corpo morto e ensaguentado de Rhea.

Ryan nada disse enquanto ela explicava como o agente Crivaro a guiara na sua experiência mais assustadora até ao momento – a entrada na psique do assassino no momento em que ela o deixou entrar no quarto.

Mas quando ela chegou à parte em que se encontrava na esquadra a ouvir o interrogatório e tendo a certeza de Harry Rampling não era o assassino, ele interviu.

“Riley, para. Isto é uma loucura. Estás a ouvir-te? Tens mesmo que falar com alguém sobre isto.”

A sua voz tremia agora.

“Estás-me a dizer que esse agente do FBI – Crivaro – andou a jogar jogos mentais contigo? Porquê? Só por divertimento?”

Ryan parecia muito zangado. Riley queria fazê-lo compreender.

“Não,” Disse ela. “Ele queria a minha ajuda. Ele pensa que eu tenho um talento especial. O Dr. Zimmerman também pensa assim.”

“Um talento para quê?” Perguntou Ryan. “Para criares empatia com assassinos?”

Riley quase respondeu...

“Exatamente.”

... mas pensou melhor.

Ryan levantou-se da cama e começou a andar de um lado para o outro.

“Riley, estás cega ou fazes-te? O que o Crivaro te fez é errado. Explorou-te, aproveitou-se da tua vulnerabilidade. Duvido até que fosse uma coisa legal. Tens que fazer queixa dele.”

Agora Riley estava verdadeiramente chocada.

Fui explorada? Interrogou-se. A possibilidade nem lhe ocorrera.

Na verdade, voltaria a fazê-lo se o agente Crivaro lhe pedisse.

Ela sentia que faria qualquer coisa para apanhar o homem que matara Rhea e Trudy.

Até estava disposta em ser o assassino, pelo menos durante alguns momentos.

O que é que isso diz a meu respeito? Pensou.

Por fim perguntou, “Ryan, o que é que estamos aqui a fazer?”

Não ficou surpreendida quando ele não respondeu. Era uma pergunta de grande magnitude, uma que nunca tinham discutido durante os dias que tinham passado juntos.

Então ela disse, “Ryan, eu gosto muito, muito de ti.”

Ryan colocou o braço à sua volta e abraçou-a.

“E eu também gosto muito, muito de ti,” Disse ele.

Riley libertou-se suavemente do seu abraço.

“Não sei porque é que gostas de mim,” Disse ela. “Não estou no meu melhor. Na verdade, estou um caco. E tu estás a ser tão simpático comigo... “

As suas palavras desvaneceram-se.

“O que é que estás a tentar dizer?” Perguntou Ryan.

Riley não tinha a certeza. Mas sabia que era algo importante. E precisava de ser dito. Lutou para encontrar as palavras certas.

“És um rapaz inteligente Ryan e vais ter um futuro brilhante. Mas diz-me a verdade. Neste momento estás preocupado, não estás? Estás a pensar como vais manter as notas comigo a distrair-te, a teres que tomar conta de mim e tudo isso. Sentes que estás preso a mim. Podias... eu podia... estragar tudo – todo o teu futuro.”

Ryan abanou a cabeça.

“Riley, isso não é... “

Riley interrompeu-o, “É verdade e ambos o sabemos.”

Ficaram calados por uns instantes. Riley conseguia ver pela sua expressão que tocara num ponto fulcral.

Por fim, Ryan disse hesitantemente, “Talvez... fosse melhor... se mantivéssemos isto... como temporário.”

Riley não conseguiu evitar sentir-se picada.

O que é que eu esperava que ele dissesse? Interrogou-se.

Tentando afastar a amargura da voz, Riley disse, “Estou a pensar... talvez devesse sair daqui agora.”

Outro momento de silêncio se seguiu.

Ele não discorda, Percebeu Riley.

Na verdade, ela pressentia que ele estava a desprender-se dela deliberdamente naquele momento.

Era uma capacidade emocional que nunca notara nele antes. Estranhamente, não conseguiu evitar admirá-lo por isso. Calculou que o ajudaria a ser um bom advogado no futuro.

Por fim, Ryan disse, “Ouve, talvez possamos tentar novamente no futuro quando te libertares de tudo isto... “

Quando a voz de Ryan se apagou, Riley deu por si a lembrar-se novamente do que o pai lhe dissera ao telefone...

“Não estás fadada a ter uma vida normal. Não está na tua natureza.”

Agora, aquelas palavras atingiram-na como um raio.

Ele tem toda a razão.

O paizinho tem toda a razão.

Disse a Ryan, “Sim, talvez um dia mais tarde.”

Então levantou-se da cama.

Disse, “Tenho que me vestir. Tenho que me ir embora agora.”

Ryan ficou surpreendido.

“Para onde é que vais?” Perguntou.

Riley não respondeu. A verdade era que ainda não sabia muito bem.

Disse, “Mas antes de ir tenho que usar o teu telefone.”

Ligou para uma empresa de táxis e pediu que um táxi a fosse buscar a casa de Ryan dali a dez minutos.

Quando desligou, Ryan andava de um lado para o outro.

“Riley, não precisas ir de táxi. Posso levar-te onde quiseres.”

Riley ignorou-o, pegou em roupa e foi para a casa de banho. Em apenas alguns minutos estava vestida e pronta. Pegou nas suas coisas.

Ryan parecia estar aborrecido.

“Riley, fala comigo por favor. O que é que se passa? Onde vais?”

Riley dirigiu-se a ele e deu-lhe um beijo.

“Não te preocupes comigo,” Disse ela. “Ficamos em contacto.”

Sem dizer mais uma palavra, saiu do apartamento e do edifício. O táxi já estava à sua espera.

Quando entrou, o taxista perguntou, “Para onde?”

Riley hesitou por um momento. Sentia-se estranhamente tonta e assustada, como se estivesse prestes a a cair num precipício.

Disse, “Preciso de ir até à mais próxima empresa de aluguer de carros.”

“Ok,” Disse o taxista.

Ligou o taxímetro e começou a conduzir.

Riley pensou se teria perdido a cabeça.

Talvez tenha, Pensou.

Ou talvez seja algo muito pior do que isso.

A verdade era que não sabia e sentia que não percebia nada – nem a ela própria.

E por muito que o pensamento a horroriza-se, só pensava numa pessoa no mundo que quisesse ver.

Tinha que ir visitar o pai – imediatamente.


CAPÍTULO VINTE E OITO


Depois do táxi a deixar, Riley rapidamente alugou um carro barato. Era uma pequena carrinha batida, mas pelo menos Riley podia pagar o aluguer.

Apenas alguns minutos depois de estar na estrada, o motor começou a falhar ligeiramente. Era quase como se o carro estivesse relutante e apreensivo – tal como Riley se sentia.

As visitas de Riley à cabana do pai raramente acabavam da melhor forma. O pai não era uma presença acolhedora ou carinhosa na sua vida – ou na vida de qualquer outra pessoa.

Então porque é que vou ter com ele? Perguntava a si própria. Então riu-se, percebendo que fazia a mesma pergunta cada vez que subia aquela montanha.

Talvez porque ele era o único parente vivo que tinha por perto. Ela nem sabia onde estava naquele momento a sua irmã mais velha e não havia mais ninguém.

Ainda não tinha a certeza se o motivo era suficiente. Depois de um bocado a conduzir para oeste, Riley saiu da autoestrada e seguiu pelas estradas secundárias rodeadas pelas Montanhas Apalache. O dia estava agradável e quente, por isso desceu o vidro e respirou o ar puro e refrescante da primavera. Sempre apreciara as paisagens da quintas, dos desfiladeiros rochosos e regatos.

Passou por uma pequena cidade chamada Milladore antes da última subida íngreme em direção à cabana do pai.

Nessa altura o carro engasgou-se algumas vezes. Riley deu uma pancada no painel e disse, “Aguenta-te amiguinho. Temos que ir até ao fim. A parte mais difícil é lá chegar. No regresso é sempre a descer. Aí vai ser fácil.”

Ou não? Interrogou-se. Talvez para o carro.

Mas talvez não para ela. Ela esperava não sair da cabana a sentir-se amarga, zangada e perdida, como sucedera tantas outras vezes no passado.

A última curva desembocava numa estrada de terra batida que terminava na propriedade do pai. Começou a avistar a pequena cabana situada numa clareira rodeada e uma floresta densa.

Riley não fazia ideia há quanto tempo lá estava a cabana. O pai tinha-a comprado quando se aposentara dos Marines. Fizera reparações. Limpara-a e consertara o telhado. Ali não havia eletricidade, mas ela sabia que ele gostava daquilo assim. Ele podia ter providenciado linhas elétricas e e de telefone, mas não se dera ao trabalho.

Ao aproximar-se, viu que o pai estava ao lado de um grande toco de árvore. Tinha uma pilha de pequenos troncos que cortava em pedaços mais pequenos no toco. Mal parou enquanto Riley estacionava o carro – mal olhou na sua direção.

Até parece que cá venho todos os dias, Pensou Riley.

Não parou de trabalhar quando ela saiu do carro e se encaminhou na sua direção.

Ele era um homem fisicamente robusta com quase sessenta anos que mantivera o penteado militar e a influência militar. Riley sempre pressentira muita raiva e independência feroz na sua postura física.

“Olá paizinho,” Disse Riley.

Ele olhou para ela, fez um gesto de cumprimento com a cabeça e cortou outro tronco.

Riley conteve um suspiro. Era uma tarefa familiar, tentar atrair a atenção do pai, fazê-lo dar pela sua presença.

Riley reparou que um novo veículo estava estacionado num dos lados da cabana.

“Vejo que tens um carro novo,” Disse ela.

“Sim, detestei gastar o dinheiro,” Disse ele, finalmente parando por um momento e limpando a testa. “Mas o outro avariou.”

Então soltou um riso duro e rouco.

“Não sei porquê,” Disse ele. “Nunca o conduzi para mais nenhum lugar a não ser para a igreja.”

Riley ficou surpreendida por sorrir com a piada, O pai era tudo menos homem para ir à igreja. Mas precisava de um veículo resistente para andar por aquelas montanhas, sobretudo no inverno.

Continuou o seu trabalho. Riley cruzou os braços e observou-o durante um momento.

Disse, “Precisas de cortar lenha nesta altura do ano?”

“Sim, se quiser sobreviver no inverno. Preciso de muita lenha para isso. Tenho que começar a cortar logo que possível. E a madeira precisa de tempo para amadurecer.”

Riley caminhou na sua direção e ergueu a mão.

“Porque é que não descansas por um minuto?” Sugeriu ela.

O pai entregou-lhe o machado de boa vontade. Riley colocou um tronco no toco, ergueu o machado e cortou o pedaço de madeira impecavelmente. Ficou espantada por ver como soubera bem aquela explosão de esforço. O pai tinha-lhe ensinado a cortar lenha logo que crescera o suficiente para segurar num machado. Agora percebia que sentira a falta daquele tipo de esforço físico irracional.

O pai colocou as mãos nos lábios e observou o seu trabalho. Até sorriu ligeiramente.

Disse, “Não é dia de aulas? Ou desististe da escola?”

“Não, ainda estou naquela maldita universidade, a tentar obter aquela licenciatura inútil que tu achas que não me serve de nada. Senti vontade de vir até aqui e ver-te.”

“Isso é muito generoso da tua parte,” Disse ele.

Riley ficou alarmada com um toque de suavidade que pressentira na sua voz.

Quase parece sincero, Pensou.

Riley cortou mais alguns troncos e depois o pai disse, “Ouvi dizer que houve outro crime.”

Riley colocou o machado no toco e virou-se para ele.

“Como é que soubeste?” Perguntou-lhe. “Pensava que não ouvias notícias.”

Ele encolheu os ombros como se tentasse parecer despreocupado.

“E não ouço. Mas vou a Milladore de vez em quando, pego num jornal, vejo um bocadinho de televisão no bar dos VFW. E calhou ouvir essa notícia.”

Aquelas palavras chamaram a atenção de Riley...

“E calhou ouvir a notícia.”

Ela pressentia que aquilo não acontecera por acaso.

Desde a última vez que falara com ele e lhe contara do assassinato de Rhea, ele devia estar a passar mais tempo em Milladore para saber notícias de Lanton.

Está preocupado comigo, Apercebeu-se.

Durante um momento, ficaram a olhar um para o outro.

Ele perguntou, “Outra amiga tua?”

Riley anuiu, determinada a não mostrar qualquer emoção.

“A minha companheira de quarto, Trudy.”

“Raios,” Disse o pai.

“Eu encontrei o corpo. E fui a segunda pessoa a ver o corpo da outra rapariga. Ambas morreram com a garganta cortada.”

“Raios,” Repetiu.

Então o pai virou a cabeça para os bosques e não disse nada.

Bem, calculo que não haja mais nada a dizer, Pensou desiludida.

Já devia estar à espera que ele não expressasse qualquer preocupação com a sua segurança.

Pegou no machado para cortar lenha outra vez. De repente, sentiu o braço do pai à volta do seu pescoço. Antes de se aperceber, estava de costas no chão. O pai tinha um joelho no seu peito e tinha uma faca de caça encostada à sua garganta. A ponta da lâmina era afiada e sentia-a na pele.

Riley gritou horrorizada.

Perguntou-se...

Será que ele perdeu o juízo?

Vai-me matar?


CAPÍTULO VINTE E NOVE


Derrubada pelo pai, Riley sentiu-se como um pequeno animal encurralado olhando para os olhos do poderodo predador. Durante um momento, nenhum dos dois se mexeu. Ele segurou a ponta da faca imóvel contra a sua garganta.

Os pensamentos de Riley surgiam em catadupa.

Donde viera aquela faca?

Depois lembrou-se – o pai trazia sempre consigo uma faca de caça presa ao tornozelo. Ele fora tão rápido a pegar nela que Riley nem tinha reparado.

Mas porque é que ele atacou?

Ela não fazia ideia. Mas se planeava matá-la, ela não tinha forma de o impedir.

Fixaram o olhar um no outro. Ela não viu sede de sangue nos seus olhos. A sua expressão era soturna, mas não assassina – astuta, não enlouquecida.

Tão rapidamente quanto tinha atacado, assim afastou a faca, retirou o joelho do seu peito e levantou-se.

Disse, “Estás morta, miúda. Ou devias estar. Diria que merecias estar.”

Abalada, Riley levantou-se do chão.

“Que raio foi aquilo?” Perguntou.

“Diz-me tu,” Respondeu o pai. “Primeiro, uma boa amiga tua foi morta. Depois foi a vez da tua companheira de quarto. O que é que se passa contigo? Não te ocorreu que podes ser a próxima?”

Riley ficou surpreendida.

Não, realmente não me ocorreu, Apercebeu-se.

Estava tão devastada com ambas as mortes – sobretudo com a de Trudy – e tão obcecada com o que poderia saber sobre a mente do assassino que nem pensara na sua segurança.

O pai abanou a cabeça desaprovadoramente.

“Se isso é o melhor que consegues fazer, não tens hipótese,” Disse ele.”

O pai atirou-lhe a faca. Riley ficou um bocado surpreendida – e aliviada – por a ter apanhado pelo cabo. Então o pai agitou os braços.

“Anda,” Disse ele. “Ataca-me.”

Motivada pelo recente fluxo de adrenalina e fúria crescente, Riley ergueu a faca e investiu contra ele. Não se importava se o ferisse.

Mas a sua ação foi rapidamente aniquilada e deu por si no chão outra vez.

“Que raio de maneira de lutar é essa?” Perguntou ela enquanto o pai a ajudava a levantar-se.

“Chama-se Krav Maga,” Disse o pai. “É um sistema de luta Israelita.”

Com movimentos selvagens e agressivos explicou, “É originária dos anos antes da Segunda Guerra Mundial. Os Judeus da Europa de Leste usavam-na para se defenderem contra atacantes fascistas. Combina elementos de várias disciplinas, incluindo o Aikido, o Judo e o Karaté. Mas acima de tudo, é simples luta de rua. Vale tudo – tudo o que funcione. Por isso gosto deste tipo de luta.”

Riley ficou a observar os seus gestos espantada.

Ocorreu-lhe que afinal fora boa ideia fazer aquela visita.

Lembrou-se novamente do que o pai lhe dissera ao telefone...

“Não estás fadada a ter uma vida normal. Não está na tua natureza.”

Apesar das suas dúvidas iniciais em lá ir, aquela viagem começava a fazer sentido. Havia coisas que o pai lhe podia ensinar – e talvez não apenas sobre luta.

Talvez a pudesse ajudar a compreender-se a si mesma.

Naquele momento, ele estava à espera de ver como é que ela respondia.

Riley disse, “Mostra-me o que é que eu devia ter feito quando me atacaste.”

O pai mostrou-lhe uma série de movimentos violentos – tudo demonstrado com lentidão e cuidado para não causar ferimentos. Aos poucos, ela começou a apanhar o jeito de certas manobras.

Seguindo as suas instruções, ela movimentava-se em câmara lenta quando ele lhe colocou um braço à volta do pescoço e lhe encostava a faca com o outro. Ela fez um gesto com o braço como se fosse atacar a zona da virilha e quase simultaneamente agarrou-o pelo cabelo com a outra mão, empurrando-o para trás, depois por fim atingiu-o no rosto, obrigando-o a soltá-la e a recuar quando a faca saltou da sua mão.

“Nada mau,” Disse ele. “Agora com movimentos mais rápidos.”

Continuaram com a mesma sequência várias vezes, de cada vez com maior rapidez. Riley estava quase assustada com a rapidez com que aquilo lhe começou a parecer natural.

Então o pai mostrou-lhe como lidar com uma série de possíveis ataques – empurrando, investindo e agarrando por trás e pela frente. Ao trabalharem cada situação, ele explicou as ideias base do Krav Maga.

“O mais importante é a agressão pura,” Disse ele. “Na maioria das lutas, tu defendes e atacas de forma separada. No Krav Maga fazes as duas coisas em simultâneo e movimentas-te com rapidez. Não dás tempo ao teu adversário para respirar. E não paras até ele estar debilitado – ou morto. Se alguém te quiser matar, mata-o primeiro e arruma a coisa assim. Não é um jogo.”

Riley estava tanto fascinada, quanto assustada com a ferocidade do Krav Maga. Afinal de contas, era baseado em luta de rua. Ela aprendeu que a ideia era atacar as partes mais sensíveis do corpo do adversário – olhos, pescoço, virilha, plexo solar e assim por diante, causando grandes danos físicos o mais rapidamente possível. Também se devia agarrar em objetos para usar em combate – pedras, garrafas, paus ou qualquer outra coisa que estivesse ao alcance.

Depois de ensinar a Riley uma manobra particularmnete implacável, de repente o pai virou-se e afastou-se.

“Acho que chegou o momento de voltares para a escola,” Disse ele. “E é tempo de eu voltar ao trabalho.”

Virou-se e regressou ao toco onde tinha estado a cortar lenha.

Riley sentiu-se desconcertada.

“É isso?” Disse ela. “É tudo o que me vais ensinar?”

O paizinho pegou no machado, olhou para ela e encolheu os ombros.

“Porque é que achas que estou aqui?” Perguntou ele.

Isso é uma boa pergunta, Pensou Riley.

Enquanto preparava um tronco para cortar, o pai disse, “Se queres aprender a lutar, tens que ter aulas. Não podes aprender tudo numa tarde.”

Ao brandir o machado, acrescentou, “Como podes ver, estou ocupado a preparar-me para sobreviver ao inverno.”

Riley estava prestes a protestar, mas rapidamente percebeu que não valia a penas.

O pai estava a cortar lenha a um ritmo imparável.

É como se eu já não estivesse aqui, Pensou.

Ela disse, “Bem, adeus paizinho.”

Depois acrescentou com algum sarcasmo, “Foi bom estar contigo.”

Ele não respondeu, continuando a cortar lenha.

Quando já estava no carro a conduzir, sentiu vontade de chorar.

Não chores, raios, Disse a si própria.

Afinal de contas, o que é que ela esperava que acontecesse? Pensava que um pouco de treino de combate fosse alterar a sua relação como por magia?

Pelo menos o carro parecia estar a reagir melhor à descida da montanha. Quando olhou novamente para aquela paisagem, perguntou a si própria...

Valeu a pena?

Fiz bem em vir?

Aoa pensar bem, percebeu que a resposta era afirmativa.

Aprendera algumas táticas d edefesa úteis, mas aprendera também outra coisa – algo mais difícil de compreender.

Então lembrou-se de algo que o pai dissera há pouco...

“Se alguém te quiser matar, mata-o primeiro e arruma a coisa assim.”

A pura agressividade do Krav Maga já tinha entrado no seu sistema.

“Não é um jogo.”

E compreender aquele facto fê-la sentir-se de alguma forma mais próxima do que nunca do assassino.


*


Riley desanimou no caminho de regresso.

Agora ela tinha problemas reais com que lidar.

Saíra do apartamento de Ryan à pressa, para que as coisas não piorassem entre eles. Depois concentrara-se em ir ter com o pai e em tudo o que lá acontecera. Durante aquele tempo, não pensara onde iria viver agora.

Só tinha a certeza de uma coisa. Nunca mais conseguiria dormir no quarto que partilhara com Trudy. Talvez se ligasse ao AR conseguisse outro quarto com outra companheira de quarto. Mas a simples ideia de voltar a entrar naquele edifício deixava-a enjoada.

Mais cedo ou mais tarde não teria escolha. A maior parte da sua roupa e pertences ainda estavam naquele quarto, e ela tinha que os recuperar de alguma forma. Entretanto, os poucos objetos que trouxera do apartamento de Ryan – objetos de higiene, livros e mudas de roupa – estavam ali no carro com ela.

Sou uma espécie de nómada, Pensou ao conduzir rumo a Lanton.

Mas onde iria ficar? Não podia dormir no carro que alugara apenas para aquele dia.

Quando parou no estacionamento da empresa de aluguer de carros, lembrou-se de algo. Há alguns dias ligara a Gina da casa de Ryan. Gina dissera que ela e a sua companheira de quarto Cassie já não aguentavam ficar no dormitório, e tinham encontrado outro lugar onde ficar. Dera o novo número de telefone a Riley.

Será que teriam lugar para Riley onde se encontravam agora?

Entregou as chaves e deram-lhe o depósito que fizera. Então pegou na sua bagagem e dirigiu-se a uma cabine telefónica. Ligou para o número que Gina lhe dera.

Uma voz feminina desconhecida atendeu.

“Estou?”

Riley gaguejou, “Um... posso falar com a Gina Formaro?”

“Posso saber quem liga?”

A voz não parecia nada amigável.

“Riley Sweeney,” Disse ela.

“Vou ver.”

Riley ouviu o ruído do telefone a ser pousado. Depois ouviu vozes e um bater de porta. Por fim, ouviu a voz de Gina.

“Ei Riley! O que se passa? Como vão as coisas com o teu namorado?”

Riley engoliu em seco.

“Um, as coisas não correram assim tão bem com o Ryan e eu... “

Hesitou, sentindo-se envergonhada.

Depois disse, “Gina, não posso voltar para o dormitório.”

Gina soltou um suspiro de compreensão.

“Compreendo-te,” Disse ela. “Eu e a Cassie sentimos o mesmo.”

Riley disse, “Estava a pensar... como é o lugar onde vivem agora?”

Gina disse, “Lembras-te da Stephanie White e da Aurora Young? Viviam no nosso piso até ao ano passado.”

Riley lembrava.-se de Stephanie e Aurora. Elas odiavam a vida no dormitório e tinham decidido encontrar um lugar barato fora do campus.

Gina continuou, “Bem, eu e a Cassie mudámo-nos para casa delas. O espaço é pequeno e às vezes chocamos. Mas parece que tudo vai correr bem com as quatro para pagar a renda.”

Riley conteve um suspiro de desânimo.

Quatro raparigas já vivem lá, Pensou.

Nem fazia sentido perguntar se se podia juntar a elas.

Mas então Gina disse, “Espera só um minuto, vou falar com a Steph. Ela é a mão galinha daqui.” E acrescentou num sussurro, “É um bocado tirana, se queres que te diga a verdade.”

Mais uma vez Riley ouviu o ruído do pousar do telefone, depois Gina a falar com alguém que parecia a rapariga que atendera o telefone.

Por fim, Gina voltou.

“A Steph diz que podes vir. Temos um pequeno quarto no sotão que ninguém está a usar. Depois falamos sobre a tua parte da renda quando chegares.”

De repente, Riley ficou aliviada.

“Oh, obrigada,” Disse ela. “Isso seria ótimo.”

“Onde estás? Eu vou buscar-te.”

Riley quase se esquecera que Gina tinha um carro. Talvez a sua sorte começasse a mudar para melhor. Disse a Gina onde estava e terminaram a chamada.

Rodeada de malas, Riley encostou-se à parede do edifício da empresa de aluguer de carros. De repente foi inundada por uma onda de impotência e futilidade ao pensar...

Devo parecer uma sem-abrigo.

E de certa forma, não conseguia evitar pensar que de certa forma era isso que ela era...

Apenas uma sem-abrigo à espera que as pessoas sejam generosas comigo.

Conteve o choro e as lágrimas.

Não seria bom estar a chorar quando Gina chegasse.

Parecia difícil lembrar-se como se sentira há pouco, a treinar agressivamente com o pai, sentindo-se verdadeiramente poderosa.

Mas agora já não se sentia assim. Sentia que uma brisa a levantaria como uma poeira.

Lembrou-se...

Ele ainda anda à solta.

E sentiu instintivamente que estava destinada a confrontá-lo algum dia.

E quando esse dia chegasse...

Tenho que ser forte, Pensou.


CAPÍTULO TRINTA


Apesar de Riley saber que o ataque físico estava iminente, sentia-se calma.

Até a sua respiração estava sob controlo.

Quando o maior assaltante arremeteu e lhe agarrou no pulso, o tempo pareceu abrandar.

Isto é que é lutar? Pensou.

Parecia mais sonhar.

Torceu a mão do homem até ele soltar o seu pulso. Então agarrou-lhe na mão com a sua mão direita e moveu subtilmente as ancas, as mãos e os pés em simultâneo. Ergueu a mão direita sobre a cabeça do homem.

Todo o seu corpo foi para a frente como se alguém lhe agarrasse pela cintura. Caiu de joelhos e ela segurou no seu braço atrás das costas deixando-o indefeso.

Tanto Riley como o atacante ficaram parados naquela posição durante um instante.

Então ela largou-o, ele ergueu-se e sorriu para ela.

Era a primeira vez que Riley ia à aula de Aikido no ginásio do campus. Quando ali chegara, ficara surpreendida por ver que o instrutor era o seu professor de psicologia, Brant Hayman.

O Professor Hayman disse à turma, “Ouçam todos – troquem ukes e toris.”

Riley aprendera o suficiente sobre terminologia Aikido para saber que ele dizia a todos os parceiros presentes para trocarem de papel. O uke era o atacante e o tori era quem defendia.

Agora era a vez de Riley ser uke.

Ela e o parceiro tinham passado tanto tempo a aprender a atacar e cair como tinham passado a aprender a manobra defensiva.

Ao comando do Professor Hayman, ela agarrou no pulso do parceiro e ele virou a mão como ela tinha feito há momentos. Todo o seu corpo cooperou com o dele quando ele ergueu a mão sobre a sua cabeça e ela caiu de joelhos.

Pararam novamente. Desta vez o seu parceiro segurava-lhe no braço atrás das costas.

“Muito bem,” Disse o Professor Hayman à turma. “Agora vamos respirar um pouco mais.”

Riley e o parceiro, e as outras dez pessoas que ali se encontravam formaram filas. O Professor Hayman começou por conduzi-los num exercício de leves movimentos de braços acompanhados de respiração profunda. Hayman já tinha explicado que aquele exercício tinha por objetivo aumentar o ch’i – um conceito Asiático relacionado com energia e fluxo.

Enquanto Riley respirava e se movimentava, deu por si a pensar...

Será que acredito mesmo nestas coisas?

Durante toda a aula, Hayman usara palavras que lhe pareciam não estar ligadas à luta – harmonia, criatividade, espírito e até paz.

Pareceu-lhe estranho.

A breve aula de Krav Maga que tivera com o pai mostrara-lhe pura agressão – atacar com rapidez e brutalmente. Não havia nada de brutal no que estava a fazer naquele momento.

Ainda assim, tinha que admitir, tudo o que estava a fazer sabia-lhe muito bem. Fazia-a sentir-se tanto relaxada como energizada.

Enquanto a turma prosseguia, o Professor Hayman guiou-os a praticar outras manobras espaçadas com os exercícios respiratórios. Por fim, a turma terminou como começara – com uma reverência formal de grupo.

Enquanto os outros alunos saíam do ginásio, Riley foi falar com o Professor Hayman.

Ele sorriu e disse, “Olá Riley. O que pensas do Aikido?”

“Ainda não tenho bem a certeza,” Admitiu.

O sobrolho de Hayman franziu inquisitivamente.

“O que é que te perturba no Aikido?” Perguntou.

Riley pensou durante um momento, depois disse, “Bem, não querendo parecer rude, mas... isto ser-me-á útil se for realmente atacada?”

Hayman sorriu novamente.

“Isso é uma boa pergunta,” Disse ele.

“Então?”

Hayman desviou o olhar sonhadoramente.

“Diz-me Riley,” Disse ele. “Se fosses atacada – digamos, num beco escuro – não seria bom virar a agressão do atacante contra ele? Terminar o confronto sem lutar?”

Riley não conseguiu evitar sorrir.

Disse, “Penso que o espancava até o transformar numa polpa sanguinolenta.”

Ficou aliviada quando Hayman riu.

“Bem, isso também resolveria as coisas,” Disse ele.

O seu riso esmoreceu quando acrescentou, “O caminho que escolhes depende unicamente de ti. A questão é que o Aikido é tanto uma filosofia como um sistema de autodefesa. Até o podes encarar como uma forma de vida – uma vida na qual a violência e a agressão se evaporam nas tuas próprias mãos, a cada fôlego.”

Riley não sabia como responder àquilo.

Por fim, o Professor Hayman acrescentou, “Experimenta algumas aulas. Vê se te inspira. Quer o faça, quer não, fico muito contente por te ter na minha aula. É sempre um prazer ser teu professor Riley.”

Riley sentiu-se a corar ligeiramente. Lembrou-se de algo que Trudy a dada altura dissera sobre ela...

“A Riley gosta de impressionar o professor Hayman. Ela tem um fraquinho por ele.”

Ali na presença do bem-parecido professorm Riley pensou...

Será que tenho mesmo um fraquinho por ele?

Se fosse esse o caso, pensou que o melhor seria guardar isso para si. O Professor Hayman não parecia o tipo de professor que se envolvesse com uma aluna. E se fosse esse tipo de professor, Riley sabia que devia ficar longe dele.

Despediu-se e saiu do ginásio.

Encontrou alguém à espera dela no corredor – o rapaz que fora seu parceiro durante a aula.

Ele sorriu-lhe timidamente e disse, “Acho que não fomos apresentados. Chamo-me Leon Heffernan.”

“Eu chamo-me Riley Sweeney,” Disse ela, apertando-lhe a mão. “Estudas aqui em Lanton?”

“Sim, filosofia. E tu?”

“Psicologia.”

Leon mexeu-se nervosamente e depois disse, “Ouve, espero que não te importes que pergunte... mas gostavas de ir a algum lado tomar um café?”

Riley apercebeu-se de que gostaria muito, mas infelizmente Gina ia buscá-la. Tinham recados das companheiras de casa para cumprir.

“Desculpa, não posso,” Disse ela.

Mas então ocorreu-lhe algo.

Disse, “As minhas companheiras de casa e eu estamos a planear fazer uma festa hoje à noite. Está toda a gente convidada. Gostarias de vir? Quero dizer, se não tiveres mais nada para fazer?”

Leon piscou os olhos.

“Obrigado, parece ótimo,” Disse ele.

Riley deu-lhe a morada num pedaço de papel. Então ouviu um carro a buzinar no exterior do edifício.

“É a minha boleia, tenho que ir,” Disse ela. “Vemo-nos logo à noite.”

Riley saiu porta fora e entrou no carro de Gina.

Gina resmungou, “Pensava que nunca mais saías lá de dentro.”

“Desculpa, fui como que impedida,” Disse Riley.

Acrescentou para si...

Por dois homens bonitos sendo que tenho um encontro com um deles.

Era quase suficiente para esquecer como as coisas tinham terminado com o Ryan.

“É melhor irmos embora,” Disse Gina. “Temos muita coisa para comprar para a festa e não muito tempo.”

Assim que Gina começou a conduzir, Riley sentiu um arrepio estranho.

Era um sentimento palpável da presença do assassino, como se ele a estivesse a observar naquele momento.

Ficou assustada. Nunca mais sentira nada semelhante. Fizera de tudo para esquecer os crimes. Nem sequer falara com o agente Crivaro nos últimos dias. Da última vez que tinham falado, ele garantira-lhe que ele e a sua equipa iam ficar em Lanton durante mais algum tempo.

Riley ficara contente.

Também estava contente por estar a aprender coisas sobre autodefesa.

No fundo, ela tinha a certeza que ia precisar daquilo – talvez muito em breve.


CAPÍTULO TRINTA E UM


Riley sentiu-se presa e isolada.

A casa que partilhava com quatro outras raparigas estava sempre cheia.

Mas não como naquela noite, Pensou Riley.

Olhou à sua volta para toda aquela gente e perguntou-se...

Já me estou a divertir?

Não lhe parecia.

Uma grande festa antes da semana dos exames finais parecera uma boa ideia. Riley estava preparada para os exames. Estudar à última da hora não era o seu estilo. E uma festa devia ser uma boa forma de os alunos de Lanton libertarem alguma ansiedade que ainda pairava sobre o campus depois dos dois crimes ocorridos.

Parecia estar a resultar para toda a gente exceto para Riley.

A música era ensurdecedora.

A cerveja corria livremente dos dois barris que ela e Gina tinham trazido juntamente com as outras coisas para a festa, e pairava um intenso odor a erva no ar. Havia muita gente a dançar, a conversar, a curtir, e as quatro companheiras de casa de Riley andavam entre os convidados.

Por contraste, Riley estava sozinha num canto a beber cerveja de um copo de plástico. Não se sentia mais descontraída apesar de estar a consumir bastante cerveja. A erva não lhe agradava, mas pensou experimentar se não se soltasse um pouco em breve.

Entretanto, não estava muito entusiasmada com aquela festa – e vários dias depois de se instalar naquela casa, também não estava muito satisfeita com a situação.

Ela, Gina e Cassie davam-se bem, tal como no dormitório. Mas para Riley, Aurora era uma pateta superficial que falava interminavelmete sobre coisas que a aborreciam e Stephanie era o que Gina dissera sobre ela ao telefone...

“É uma tirana se queres saber a verdade.”

Stephanie era obcecada com regras e organização, e colocava listas de tarefas e obrigações por toda a parte. Naquele momento, andava a dizer aos convidados o que fazer...

Como se estivesse a realizar um filme ou algo do género.

Riley lembrou-se que aquilo era uma solução temporária. Os exames começavam na próxima semana e o fim das aulas estava próximo.

Naquele momento, não conseguia evitar perguntar-se – será que tudo seria melhor se o Ryan Paige entrasse por aquela porta? Não falava com ele desde que saíra do apartamento e acusara a perda mais do que esperava.

Ela sabia que as aulas na faculdade de direito terminariam antes das suas. Talvez já nem estivesse na escola. Talvez já tivesse terminado e ido embora.

Vê-lo-ia novamente?

A ideia entristeceu-a.

Então, de repente, uma canção familiar começou a tocar.

Era “Whiskey in the Jar” dos Metallica – a música que ouvira no Centaur’s Den na noite da morte de Rhea.

Riley estremeceu, tentando combater as memórias horríveis que emergiam.

Deveria ir à aparelhagem e mudar a música?

Não, todos os outros pareciam estar a apreciá-la, por isso não seria correto fazÊ-lo.

Talvez deva sair daqui, Pensou Riley com um suspiro.

Estava a tentar decidir para onde ir quando a porta de entrada abriu e alguém que ela reconheceu entrou.

Sorriu. Era Leon Heffernan, o rapaz que fora seu parceiro na aula de Aikido.

Riley quase se esquecera que o convidara, mas ali estava ele – e naquele momento, ele parecia tão deslocado como Riley.

Riley dirigiu-se a ele.

Quando já estava perto, disse, “Ei, Leon! Fico feliz por teres conseguido vir!”

Ele sorriu, parecendo aliviado por ver um rosto familiar.

“Eu também,” Disse ele.

“Vem, vamos buscar cerveja,” Disse Riley.

Pegou-lhe na mão e foi até aos barris onde lhe serviu um copo de cerveja e voltou a encher o seu. Então foram para o canto onde Riley estivera.

Riley ergueu o copo e disse, “Um brinde aos exames finais.”

Ele brindou e disse, “Sim, aos exames finais.”

Ambos beberam.

Então Leon olhou à sua volta e disse, “Grande festa, huh?”

Riley sorriu da observação.

“Podes dizer isso,” Respondeu sem grande entusiasmo.

Seguiu-se um momento de silêncio. A estranheza entre eles não surpreendeu Riley – Ela e Leon mal se conheciam. Ainda assim, um deles tinha que dizer alguma coisa.

O que é que ele disse que estudava?

Então lembrou-se.

Disse, “Então. Filosofia.”

Leon anuiu e disse, “Sim.”

“Parece uma cena profunda,” Comentou Riley.

Os olhos de Leon pareceram iluminar-se um pouco.

“Não tanto,” Disse ele. “E na verdade, há muitas coisas em comum entre a filisofia e o teu curso – psicologia, não é?”

“Sim.”

Leon disse, “Quero dizer, pensa nas cores. O que são elas na verdade?”

Riley sentiu uma sensação estranha de déjà vu.

Já tive esta conversa? Perguntou-se.

“Desisto,” Disse ela. “O que são as cores?”

Leon encolheu os ombros e disse, “Bem, cientificamente não existem. Apenas existem variáveis longitudes de onda de luz. E no entanto... nós temos a experiência da cor constantemente. Vermelho, verde, azul – todas as cores do arco-íris parecem-nos bastante reais. Mas como é que experimentamos algo que não existe no mundo real? E o que são realmente as cores?”

Riley lembrou-se...

A Trudy costumava falar naquele mesmo assunto por vezes quando já tinha bebido algumas bebidas. Sentia-se fascinada pela natureza da cor e como as pessoas a experimentavam.

Leon bebeu outro gole de cerveja e acrescentou, “Então parece-me que toda a questão da cor está relacionada tanto com a psicologia como com a filosofia.”

Riley pensou em como ela e as amigas costumavam brincar com Trudy quando ela começava a falar daquela maneira.

Agora deseja que não o tivessem feito.

Na verdade, de repente pareceu-lhe um assunto muito interessante e desejava que Trudy ali estivesse para se juntar à conversa.

Pensar em Trudy entristeceu-a.

Leon disse, “Não te parece que é difícil conversar com tanto barulho?”

Riley concordou.

Leon acrescentou, “Porque é que não vamos para um lugar mais sossegado?”

Riley estudou o seu rosto durante um instante.

Será uma deixa para se atirar a mim? Interrogou-se.

Se assim fosse, era uma coisa boa ou má?

Olhou para Leon e reparou novamente na sua beleza – alto e musculado com um rosto bonito. Mas não parecia minimamente vaidoso.

E inteligente também, Pensou.

Talvez o que ela precisasse naquela noite fosse alguma emoção.

Sorriu-lhe e disse, “Vem, vamos para o meu quarto. Estamos mais sossegados lá.”

Levou Leon pela mão para o segundo andar e depois subiram um lanço de escadas mais estreito até ao sótão. Subitamente sentiu-se um pouco envergonhada com a modéstia do seu quarto. O teto era inclinado, por isso não havia muito espaço para um rapaz alto como Leo andar por ali. Mesmo com a janela aberta, era abafado.

Quase não tinha mobília – só duas cadeiras, uma mesa e um futon desdobrável.

Pelo menos o ruído não era tão intenso ali.

Riley disse, “Peço desculpa por ser tão... “

Antes de completar a frase, Leon agarrou-a, encostou-a a si e beijou-a.

Rileu ficou assustada – mas não desagradada.

Sentiu um calor dentro de si – sentimentos que reprimia ultimamente devido à ansiedade e ao medo.

Lembrou-se...

Tu não o conheces.

Mas de alguma forma não queria saber. Era quase como ser uma adolescente rebelde outra vez.

E ela gostava dessa sensação.

Continuaram a beijar-se e Leon começou a encaminhar Riley para o futon.

Ela começou a ficar inquieta.

As coisas estão a avançar muito rapidamente, Pensou.

Preocupações vagas começaram a ocupar a sua mente.

Riley tentou organizar os pensamentos...

Um rapaz bonito...

... conversa interessante...

Tão bonito e interessante que ela se sentira bem em convidá-lo para ir até ao seu quarto.

Então foi com choque que se lembrou de imaginar como é que o assassino tinha entrado no quarto de Trudy – conversa encantadora e fascinante.

É ele! Pensou com horror.

Tentou afastar-se dele, mas ele segurou-a com força.

E ele era muito mais forte do que ela.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


Riley lutou para se libertar, mas Leon era maior e mais forte do que ela. Ela sentiu os botões a desapertarem-se quando ele lhe arrancou a blusa. Depois estava a tentar arrancar-lhe o sutiã.

“Para!” Gritou Riley sem fôlego. “Para!”

Mas em vez de parar, abraçou Riley de forma a imobilizá-la. Quanto mais ela lutava, com mais força a segurava.

Tentou beijá-la novamente, mas ela desviou a cabeça.

Riley gritou o mais alto que conseguiu...

“Alguém me ajude!”

Mas a música da festa lá em baixo vibrava pela casa toda. Ela sabia que lá em baixo ninguém a ouvia.

Lembrou-se de algumas manobras que aprendera na aula daquele dia. Mas ainda não tinha aprendido a colocar essas manobras em prática.

O que se estava passar ali era feio e perigoso.

E estava prestes a piorar.

Ela sentia Leon a tentar levantá-la. Se ele conseguisse atirá-la para o futon, ficaria completamente indefesa.

Uma voz áspera surgiu-lhe na cabeça...

“A pura agressão é o fundamental.”

O pai dissera-lhe para combater a agressão com agressão – com Krav Maga. Ela tinha que ser mais agressiva do que o atacante.

Agora lembrava-se claramente do que ele lhe ensinara.

Primeiro, tornar-me mais pesada...

Descaiu os joelhos, usando o seu peso para os empurrar para baixo. Aquilo provocou uma ligeira separação entre os dois corpos, mas os seus braços ainda estavam bem presos.

Ela formou punhos com ambas as mãos e chocou-os contra a sua virilha.

Leon soltou um urro de dor.

Mas Riley sabia que ainda não tinha terminado. Ele ainda a segurava, ainda determinado a derrubá-la. E ela sabia que magoá-lo tornava-o mais perigoso.

Deu-lhe com o joelho direito duas vezes na virilha, depois bateu a parte lateral do pé no peito do pé.

Aquilo fê-lo vacilar e quase cair.

Ouviu novamente a voz do pai dizer...

“É luta de rua.”

Vamos a isso, Disse a si própria.

Mordeu o pescoço do atacante violentamente.

Leon gritou de dor e recuou.

Tocou no pescoço e percebeu que tinha sangue.

“Mordeste-me, sua cabra!” Grunhiu.

Ao preparar-se para investir novamente, Riley tateou o objeto físico mais próximo – um candeeiro em cima da cómoda. Quando Leon investiu, ela deu-lhe com o candeeiro no rosto. O plástico barato caiu e a lâmpada estilhaçou-se no seu rosto.

Agora o rosto sangrava.

Com um grito de fúria, Riley foi contra ele e deu-lhe um pontapé no queixo com toda a força. Ele caiu de joelhos e ela pontapeou-o no peito. Ele caiu para trás de costas.

Agora Riley sentia literalmente o sabor do sangue de Leon na boca por tê-lo mordido.

Sabia bem.

Lembrou-se de algo mais que o pai dissera...

“Se alguém te quiser matar, tens que o matar primeiro e acabar com aquilo.”

“Não é um jogo.”

Sentiu formar-se no seu rosto um sorriso cruel.

Matá-lo parecia-lhe boa ideia.

Ajoelhou-se em cima dele e colocou-lhe um joelho no peito. Então ergueu o punho, planeando usá-lo para lhe esmagar a garganta. Sufocaria até à morte numa agonia terrível.

Mas uma voz familiar impediu-a de prosseguir.

Riley olhou para cima e viu que Gina estava no topo das escadas do sótão com várias outras pessoas atrás de si.

Riley tirou o joelho de cima do joelho de Leon e levantou-se. Ele ficou no chão.

Gina e os outros ficaram a olhar para ela e para a sua blusa rasgada.

“Ele atacou-me,” Disse. “Chamem a polícia.”

Gina desceu as escadas. Três rapazes agarraram em Leon.

Leon olhou para os rapazes como se apelando por benevolência.

“Esta gaja maluca tentou matar-me!” Disse ele.

Os rapazes só se riram.

“Parece que tiveste sorte,” Disse um deles.

O rosto ensanguentado de Leon ardeu de fúria e por um momento parecia que se ergueria novamente e retomaria a luta. Mas então o seu rosto suavizou-se ao pensar que seria melhor não o fazer. Não havia forma de vencer os três rapazes que o seguravam.

Riley ficou com os braços cruzados, não tentando esconder um sorriso de profunda satisfação.

Mas então reparou em algo brilhante a espreitar do bolso das suas calças. Riley avançou na sua direção e tentou alcançar o objeto.

Leon gritou numa voz estridente, “Não me toques, cabra!”

“Relaxa,” Disse Riley numa voz de gozo. “Isto não te vai doer nada.”

Puxou o objeto brilhante do bolso.

Ficou estupefacta com o que viu.

Uma navalha grande de ponta e mola.

As suas mãos começaram a tremer tanto que quase a deixou cair.

É isto, Pensou.

Esta é a faca que ele usou para matar a Rhea e a Trudy.

E se eu não o tivesse impedido...

Colocou a faca no seu próprio bolso, estremecendo só de pensar que poderia ter sido a sua próxima vítima. Os rapazes ainda seguravam Leon no chão, por isso ela recuou e sentou-se no futon. Conseguia ouvir os outros alunos a sussurrarem uns com os outros, mas nem tentou entender o que estavam a dizer.

Riley ficou aliviada quando ouviu o som de sirenes. Todos no quarto estavam agora em silêncio, à espera que a polícia chegasse.

E dali a nada ouviu-se o ruído de pés a subirem as escadas e vários polícias a entrarem no quarto. Riley não ficou contente por ver o agente Steele que exigiu saber o que se estava a passar. Ficou feliz por ver que atrás dele vinha a agente Frisbie. Depois apareceu o agente White e o pequeno quarto ficou completamente apinhado de gente.

Riley demorou alguns momentos a reparar que o agente Crivaro estava à entrada do quarto. Ela queria-lhe explicar tudo, mas as palavras não saíam.

Riley apercebeu-se de que estava estupefacta. Ela simplesmente não sabia o que dizer. Felizmente, Gina explicou que algumas das pessoas que se encontravam na festa tinham ouvido alguém a lutar no sótão. Tinham subido até lá acima e viram que Riley já tinha subjugado o homem que alegava a ter atacado.

Então Steele rosnou, “Quero todos fora daqui.”

Os alunos desceram as escadas obedientemente. Enquanto o agente White algemava Leon, o agente Steele lia-lhe os direitos. Leon não parava de protestar dizendo que não tinha feito nada de mal, que Riley o tinha atacado do nada.

Até Steele não acreditava naquela versão. Ele e White levaram Leon.

Riley respirou de alívio. As únicas pessoas que ainda se encontravam no quarto eram a agente Frisbie e o agente Crivaro. Frisbie sentou-se a seu lado, pegando num lápis e num bloco de notas. Crivaro sentou-se numa cadeira.

“Agora conta-me o que aconteceu,” Disse Frisbie a Riley numa voz suave.

Riley acalmou-se e contou tudo a Frisbie, começando com a chegada de Leon à festa e terminando quando os convidados entraram no quarto e deram com ela de joelho em cima do peito de leon.

Ao contar a sua história, começou a ficar preocupada...

Não seria esta uma situação clássica de “ele disse, ela disse”?

Leon estaria certamente a contar uma versão diferente da história aos polícias que o tinham prendido.

Em quem acreditariam – em Riley ou em Leon?

Quando terminou o seu relato, Riley disse a Frisbie...

“Tem que acreditar em mim. Estou a dizer a verdade.”

Frisbie riu-se ao colocar o bloco de notas e o lápis no bolso.

“Oh, penso que não há dúvidas quanto a isso,” Disse ela. “A alternativa é acreditar que tu atraíste um tipo inovente até ao teu quarto com o único propósito de lhe dar uma sova. Será isso credível?”

Riley também se riu.

“Não muito,” Concordou.

Então Riley lembrou-se da faca de Leon.

Tirou-a do seu bolso e disse, “Agente Frisbie, encontrei isto no bolso de Leon.”

Frisbie pegou na faca, abriu-a e olhou para a lâmina com vivo interesse.

O agente Crivaro levantou-se e disse à agente Frisbie, “Gostava de ver essa faca.”

A agente Frisbie entregou-lha e ele afastou-se para a estudar mais atentamente.

Riley disse à agente Frisbie, “Ele é o assassino, não é? O Leon matou a Rhea e a Trudy."

Frisbie inclinou a cabeça e disse, “Não parece algo descabido.”

Deu uma palmadinha no ombro de Riley e disse, “Estiveste bem minha jovem. Estiveste muito bem. Podemos ter mais perguntas para te fazer mais tarde, mas não te preocupes.”

Então Frisbie levantou-se do futon e tirou uma máquina fotográfica da sua mala.

Disse, “Tens a blusa rasgada e estás ferida. Preciso de fotografias disso.”

Riley levantou-se e deixou a agente Frisbie tirar as fotos.

Quando terminou, Crivaro disse, “Agente Frisbie, queria falar com ela a sós se não se importar.”

A agente Frisbie lançou-se um olhar inquisidor, mas depois anuiu e deixou o sótão. Crivaro andava de um lado para o outro em frente a Riley, examinando a faca.

O seu silêncio preocupava Riley. Ela queria que ele dissesse alguma coisa.

Por fim, ela perguntou, “Acabou, não acabou? Apanhámos o assassino. Ele não vai voltar a matar.”

Crivaro abanou a cabeça lentamente.

Disse, “Riley... “

“O quê?”

“Não foi ele. Aquele miúdo nunca matou ninguém na vida.”

Riley ficou espantada.

“Como é que sabe?” Perguntou.

Crivaro encolheu os ombros.

“Já conheci muitos assassinos. Sei distinguir. Em priemiro lugar, é óbvio que te tentou violar. E nos outros crimes não havia qualquer componente sexual. E... “

Tocou na lâmina da faca.

“Esta faca nunca foi usada como arma de crime. É demasiado pequena para isso. As feridas das vítimas foram feitas por uma arma maior e mais afiada.”

Riley sentiu-se zangada.

Disse, “Está a tentar dizer-me que foi apenas uma coincidência aquele tipo que me atacou ter consigo uma faca?”

“É isso mesmo que lhe estou a dizer,” Disse Crivaro.

Riley começou a tremer.

“Não acredito em coincidências,” Disse ela.

“Bem, é melhor começar a acreditar,” Disse ele, parecendo também um pouco zangado. “No meu trabalho, as coincidências são um facto da vida. Tal como uma coisa denominada ‘tendência de confirmação’. É quando interpretamos tudo o que vemos como prova daquilo em que queremos acreditar.”

Agora Riley estava chocada.

Ele está a ser condescendente comigo? Pensou.

“É ele,” Disse ela. “O Leon é o assassino.”

Crivaro suspirou.

“Tem que tomar uma decisão, Riley. Leon é sem dúvida um predador sexual e atacará mais mulheres se não for parado agora. Está disposta a apresentar uma queixa de tentativa de violação contra ele? Apanhará cinco anos a perpétua. E raios se não merece.”

“Foi tentativa de homicídio,” Disse Riley. “Tenho a certeza.”

Crivaro dobrou a faca e disse, “Sim e a polícia local vai pensar o mesmo. Vão sem dúvida acusá-lo de homicídio. Mas estarão enganados. E você também.”

Riley sentiu-se enrubescer de raiva. Estava demasiado zangada para falar.

Por fim, Crivaro disse, “Agora vou até à esquadra. Decida o que decidir, vou encostar aquele sacana à parede. Deu um bom relato à agente Frisbie do que ele lhe tentou fazer. Dar-lhe-ei conta de que este incidente será usado contra ele se tentar algo semelhante novamente.”

Parou de falar por um momento, depois disse, “Pense bem Riley. Durma sobre o assunto.”

Então desceu as escadas, deixando Riley sozinha.

Riley mal conseguia acreditar no que tinha acabado de acontecer.

“Durma sobre o assunto,” Disse-me ele.

É preciso ter lata.

Ela deitou-se no futon, com dores e exausta, a pensar o que fazer de seguida.

Precisava de ir até abaixo para ver como estavam as coisas. Os convidados da festa já deviam ter ido embora, mas ela precisava de saber o que as companheiras de casa estavam a fazer. Depois precisava de um duche e de uma boa noite de sono.

Se isso for possível, Pensou.

Naquele momento, tudo lhe parecia errado na sua vida.

Apenas uma coisa podia endireitar as coisas.

Tenho que provar que tenho razão, Pensou.

Tenho que provar que o Leon é o assassino.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS


Riley reconheceu o som familiar dos Bricks and Crystal a tocar a sua versão grunge de “Ring of Fire”.

Era noite. O ar exalava odores de cerveja e fumo de cigarro.

Demorou alguns instantes a perceber que estava sentada sozinha numa mesa no pátio do Centaur’s Den. Estava a observar uma multidão de jovens a dançar ao som da música na área de dança.

Mas quem dançava não estava a sorrir ou feliz.

Todos pareciam assustados.

Os seus movimentos pareciam convulsivos e involuntários como se não quisessem estar a dançar.

Perguntou-se que terrível força interior os movia.

Então a música começou a entranhar-se-lhe. Sentiu a necessidade de dançar, uma vontade poderosa de se juntar aos outros.

Não vás, Disse a si própria. É perigoso. Não vás para ali.

Respirou lentamente, profundamente, tentando afastar aquela terrível vontade...

Liga-te àquela energia ch’i, Disse para si.

Ela sabia que podia precisar dela.

Enquanto olhava, viu algo escuro a espalhar-se no chão, debaixo dos pés dos dançarinos crescentemente desesperados.

Era sangue!

Poças de sangue espalhavam-se no chão onde as pessoas dançavam.

Ela sabia que tinha que sair dali agora. Ela tina que descobrir de onde vina o sangue.

Riley levantou-se e caminhou na direção de quem dançava. Sentiu os seus sapatos a colarem-se ao sangue. Continuou a respirar suavemente, resistindo à necessidade de começar a dançar.

Aagora estava entre quem danaçava, estudando atentamente os seus rostos.

Percebeu que já os vira anteriormente. Não sabia os seus nomes, mas os seus rotos estavam gravados no seu cérebro.

Então deu com uma figura deitada no chão.

Era uma rapariga. Sangue negro e reluzente saía de uma enorme ferida na sua garganta.

Riley emudeceu.

Então viu que uma das raparigas que dançava agarrou-se ao pescoço enquanto o sangue jorrava e caiu no chão.

O mesmo aconteceu a outra rapariga... depois a outra... depois a outra...

Enquanto o resto dos dançarinos continuava a dançar ao som da música, o chão estava pejado de mais raparigas com as gargantas cortadas e a quantidade de sangue era cada vez maior.

Alguém estava a matá-las.

Onde estava ele?

Como é que ela o podia parar?

Riley percorreu os rostos de todos os rapazes. Se o pudesse ver, reconhecê-lo-ia...


Os olhos de Riley abriram-se. A luz diurna entrava pela janela do sótão.

Já era manhã e ela dormira no seu futon aberto.

Sentou-se lentamente, alarmada com as dores que sentia. Olhou à sua volta e viu que o quarto estava desarrumado. Pedaços do candeeiro partido ainda estavam no chão.

As memórias da sua luta desesperada contra o agressor mais forte regressaram.

Sorriu ligeiramente ao lembrar-se...

Venci-o. Derrubei-o.

Mas muito do que tinha acontecido na noite anterior era vago.

A cabeça e estômago doíam-lhe – e não apenas da luta. Lembrava-se de que na noite anterior se limitara a beber algumas cervejas. Podia estar de ressaca.

Tenho que me levantar, Pensou. Preciso de café.

Vestiu-se, arranjou-se na casa de banho do segundo andar e desceu até à cozinha.

Gina já lá estava no fogão.

Quando Gina viu Riley, foi ter com ela e abraçou-a. Riley queixou-se de dores.

“Oh, desculpa,” Disse Gina, Largando Riley. “Deves estar muito dorida. Estou a preparar ovos mexidos. Queres?”

“Sim, obrigada,” Disse Riley.

Riley pegou sumo de laranja no frigorífico e café. Depois sentou-se na mesa da cozinha.

“Como é que dormiste?” Perguntou Gina.

“Como uma pedra,” Disse Riley.

“Ainda bem,” Disse Gina. “Eu tive muitos pesadelos.”

Riley estremeceu ao lembrar-se do seu sonho, mas decidiu não o contar.

Gina colocou os pratos na mesa e sentou-se. Riley percebeu que ainda não tinha visto as outras três companheiras de casa.

“Onde estão todas?” Perguntou Riley, começando a comer.

“Já saíram, foram tomar o pequeno-almoço a outro lado. Estavam muito abaladas, queriam sair de casa.”

Riley comeu em silêncio durante alguns instantes. Perguntou-se se as outras queriam evitar cruzar-se com ela. Talvez não estivessem satisfeitas por ela ter convidado um assassino para a sua festa e ter provocado uma invasão de polícias.

“Tens a certeza de que estás bem?” Perguntou Gina. Depois acrescentou com um riso nervoso, “Quero dizer, não faz mal que não estejas. Perfeitamente compreensível. Talvez me deva calar.”

Riley abanou a cabeça e disse, “Ainda estou a tentar perceber tudo o que aconteceu ontem à noite.”

Gina tocou Riley no ombro.

“O que aconteceu foi... tu és uma heroína, Riley! Derrubaste aquele tipo sozinha! Foste fantástica. Como conseguiste?”

Riley sentiu-se encolher. Naquele momento parecia uma boa pergunta...

Como é que o consegui?

Gina continuou, “De qualquer das formas, fizeste uma coisa muito boa. Os polícias agora têm aquele tipo. Nunca mais vai matar ninguém.”

Riley lembrou-se do que o agente Crivaro dissera...

“Não foi ele. Aquele miúdo nunca matou ninguém na vida.”

Lembrou-se de como ficara zangada com aquelas palavras. E agora começava a sentir-se novamente furiosa.

Crivaro tinha que estar enganado. Como é que Leon não era o assassino?

Ele até tinha uma faca! Pensou Riley.

A polícia local parecia estar segura da sua culpa como ela. Perturbava-a muito que Crivaro não pensasse da mesma forma. E se ele convencesse a polícia local de que Leon afinal não era o assassino?

E se o soltassem?

De alguma forma, ela sentia-se responsável por evitar que isso acontecesse.

Riley continuou a comer, não prestando atenção ao que Gina dizia. Quando terminou, agradeceu a Gina pelo pequeno-almoço e saiu de casa.

Mas interrogou-se, onde queria ir e o que é que queria fazer?

A única certeza que tinha era que deixara algo por acabar – algo de que tinha que tratar.

Se Leon fosse o assassino – e Riley tinha a certeza de que era – competia-lhe a ela provar isso de uma vez por todas. Se não o fizesse, outras pessoas morreriam.

Mas não fazia ideia do que fazer.

Durante algum tempo, Riley vagueou sem rumo pelas ruas ladeadas de árvores perto do campus. Então ficou alarmada por perceber que os seus passos incoerentes a tinham conduzido ao Centaur’s Den. Parou e olhou à sua volta, sem a certeza se ali tinha ido de propósito ou por mero acidente.

Ficou surpreendida por ver a porta da frente aberta. Tinha a certeza que o Centaur’s Den não abria tão cedo ao domingo.

Mas aquela porta parecia convidá-la a entrar.

Estremeceu. O seu pesadelo da noite anterior ocorria ali. Será que queria entrar ali hoje?

Sem responder à sua própria pergunta, Riley dirigiu-se à porta aberta e espreitou lá para dentro.

Um homem de macacão limpava o chão. Ela calculou que ele tivesse deixado a porta averta para arejar o lugar enquanto era limpo.

Sentiu um estranho formigueiro de curiosidade. Entrou lá dentro e dirigiu-se ao homem...

“Peço desculpa... “

O homem olhou para ela.

Riley pensou rapidamente, tentando decidir o que dizer.

“Um, penso que perdi uma peça de bijuteria aqui a noite pasasa. Posso entrar e procurar?”

“Que tipo de bijuteria?” Perguntou o homem.

“Um brinco bonito. A minha tia ofereceu-mo. Não gostava nada de o perder.”

O homem abanou a cabeça.

Disse, “Tenho limpado e não encontrei nada do género.”

Tentando parecer mais insistente, Riley disse, “É muito pequeno, pode ter-lhe escapado. Posso tê-lo deixado cair no pátio. Pode ter caído num dos vasos. Deixe-me espreitar, por favor.”

O homem encolheu os ombros.

“Faça como quiser, pode ir,” Disse ele, continuando a limpar.

Riley agradeceu-lhe e dirigiu-se ao pátio. Quando chegou à pista de dança no exterior, ficou a pensar...

O que é que estou a tentar fazer?

De que é que estou à procura?

Então percebeu – precisava de recriar o que acontecera a Trudy naquela noite horrível.

Lembrava-se de chegar ali com Trudy, do alarme mais tarde por não a ver, seguido do pânico crescente até finalmente a encontrar numa mesa com o Harry Rampling.

Também se lembrava do que Harry dissera sobre o que acontecera depois – como começara a acompanhar Trudy de regresso ao dormitório até se ter distraído com alguns amigos e de ter perdido Trudy de vista.

É claro que ele estava a dizer a verdade. Mas agora Riley interrogava-se...

O Leon também aqui esteve a noite passada?

Teria vigiado Trudy, perseguido-a à espera de uma oportunidade para a apanhar sozinha?

As memórias do pesadelo que tivera começavam a regressar. Nesse sonho, conseguira visualizar perfeitamente os rostos de quem dançava.

Conseguiria fazer isso agora?

De pé no meio do pátio, fechou os olhos e pensou no momento terrível em que se dera conta de que Trudy tinha desaparecido. Riley andara entre quem dançava à sua procura.

Ficou alarmada com a vividez com que visualizava a cena. Tal como no seu sonho, via os rostos claramente – os rostos de quem vira na pista de dança naquela noite.

Mas tudo se movimentava muito rapidamente.

Abrandou as suas impressões, tentando lembrar-se, tentando ver os rostos outra vez, um de cada vez até que...

Não, Percebeu. Ele não estava aqui a dançar.

Mas na periferia da sua visão mental, algo numa mesa próxima chamou a sua atenção.

Na sua mente, virou-se e lá estava Leon, sentado a conversar com uma rapariga.

Riley abriu os olhos e viu mesa, agora vazia e banhada de sol.

Foi real? Perguntou-se.

Ou apenas imaginou que vira Leon ali?

Fechou novamente os olhos. E lá estava ele, inteiramente concentrado na jovem atraente sentada à sua frente.

Agora Riley tinha a certeza. Ela vira Leon nesses momentos de pânico em que procurara Trudy.

Mas agora Riley sabia – Leon não andava a perseguir Trudy.

Nem dera pela presença dela. Toda a sua atenção estava concentrada na rapariga com quem estava.

Riley estremeceu ao lembrar-se do que o agente Crivaro dissera...

“Aquele miúdo nunca matou ninguém na vida.”

E agora Riley sabia...

Crivaro tinha razão e eu não.

Devia ter acreditado nele.

De repente, a sua cabeça começou a girar e sentiu-se tonta e mal-disposta.

Sem parar para pensar, foi para a casa de banho e fechou a porta atrás de si.

Então vomitou.

O que é que se passa comigo? Perguntou-se.

O que é que está a acontecer?


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


Quando parou de vomitar, Riley encostou-se ao lavatório.

O que é que se passa comigo? Perguntou-se novamente. Raramente ficava doente. Porque é que aquilo estava a acontecer naquele momento?

É claro que acabara de sofrer um choque terrível ao perceber que estava enganada quanto a Leon.

Sentiu um profundo desânimo ao perceber que os crimes estavam longe de estar resolvidos e horror ao pensar que o assassino ainda estava à solta.

E é claro que ainda estava a sofrer o efeito da ressaca...

Os seus pensamentos foram interrompidos pelo som de alguém a bater à porta da casa de banho.

Ouviu a voz do homem que limpava...

“Ei menina... está tudo bem aí dentro?”

Riley suspirou e tossiu.

“Estou bem,” Disse ela com voz rouca.

Foi até ao lavatório, lavou o rosto e tentou compor-se. Depois saiu da casa de banho.

“Encontrou aquilo que procurava” Perguntou o homem.

“Não, mas obrigada por me deixar ver,” Disse Riley.

Sem proferir mais uma palavra, encaminhou-se para o exterior. Ao caminhar pela rua, o seu estômago acalmou-se um pouco, mas o seu cérebro ainda estava a mil.

Estava errada, Repetiu para si mesma.

O assassino ainda está à solta.

E a polícia não sabia isso. Mas o agente Crivaro sabia e ela também agora. Riley sentiu-se deseperada para fazer algo que corrigisse o seu erro – e fazê-lo agora.

Mas o que poderia fazer? Como podia descobrir alguma coisa que o agente do FBI não soubesse já?

Não tinha ideias sobre o assassino. Tinha que começar a pensar novamente, procurar por novas perspetivas, começar do zero.

Caminhou mais rapidamente quando lhe ocorreu onde poderia encontrar as perspetivas que procurava. Com um novo propósito, dirigiu-se à biblioteca do campus que acabara de abrir. Uma vez lá dentro, dirigiu-se de imediato à longa mesa repleta de computadores. Ao sentar-se em frente a um e começar a sua busca, ouviu uma voz sussurrada do outro lado da mesa...

“Riley Sweeney!”

Olhou e viu o Professor Hayman que a espreitava do seu terminal.

Ele sorriu-lhe e sussurrou, “É bom ver-te a estudar nesta linda manhã de domingo!”

Mas a sua expressão de alegria mudou para outra de preocupação.

“Riley – estás bem? O que é que aconteceu?”

Durante um momento, Riley não soube a que é que ele se referia.

Mas então lembrou-se das nódoas negras que tinha no rosto.

Riley sorriu-lhe ligeiramente e disse, “Estou bem Professor Hayman.”

Depois baixou a cabeça para se concentrar no seu ecrã de computador.

Por muito que gostasse do seu professor de psicologia, naquele momento não queria falar com ele nem com mais ninguém.

Digitou o livro que queria e ficou aliviada por ver que estava disponível.

Depois levantou-se, subiu as escadas até à estante de localização e pegou no livro – Mentes Obscuras: A Personalidade Homicida Revelada por Dr. Dexter Zimmerman. Já a folhear as páginas, sentou-se na mesa de estudo mais próxima.

É claro que ela lera e relera o livro muitas vezes antes de devolver a cópia do Professor Hayman. Mas era tão rico em ideias e perspetivas que parecia encontrar novas revelações nas suas páginas cada vez que o abria.

E era isso que ela precisava naquele momento...

Uma revelação fresca sobre a mente do assassino.

Deu por si a ir para o último capítulo do livro onde o Dr. Zimmerman tinha resumido as suas descobertas e fornecido mais perspetivas. Um parágrafo em particular chamou a sua atenção...


Neste livro explorei a personalidade homicida com alguma profundidade. Infelizmente, há muitos aspetos do homicídio em série que permanecem por pesquisar, incluindo alguns que não estão diretamente relacionados com a mente do criminoso. Que tipo de trauma mental experimenta uma comunidade onde sucedem homicídios em série? Será que um grupo vitimizado, grande ou pequeno, sara as feridas psíquicas coletivas de forma rápida, lenta ou nunca as cura?


Riley quase virou para outra página, pensando que aquela passagem não estava relacionada com o dilema atual. Mas teve um pressentimento de que encontrara aquilo que procurava.

Continuou a ler...


Era algo que gostaria de estudar. E no entanto, confesso que não sei como abordar o tema. Os problemas éticos são suficientes para deicar a mente académica perplexa. Como é que alguém tranforma uma comunidade em particular – um bairro, pequena cidade ou campus de universidade – num cenário laboratorial para tal pesquisa? Não se pode simplesmente soltar um assassino em série entre um grupo de pessoas só para descobrir como é que esse grupo reagirá. E no entanto deve haver uma forma de examinar esta questão importante...


Zimmerman então levantava outras questões que ele considerava merecerem pesquisa mais detalhada. Mas Riley ignorou-as e leu a mesma passagem várias vezes. Um horror corrosivo começou a insinuar-se dentro de si ao sentir-se à beira de pensar o impensável.

Não, Disse a si própria, tentando afastar esses pensamentos da sua mente.

Tenho que estar enganada.

Não é possível.

Mas agora ela recordava-se da impressão que o Dr. Zimmerman lhe causara antes de o conhecer melhor – como o considerara desagradavelmente sensível, tão obcecado com abraços e sentimentos bons.

Mudara de opinião depois da sua primeira conversa – aprendera a gostar, respeitar e admirar aquele homem. Ele até parecia compreendê-la e gostar dela de uma forma que apenas encontrara eco no agente Crivaro.

Acima de tudo, Riley passara a confiar nele.

Sentia que podia falar com ele sobre tudo.

Quantos alunos sentiam o mesmo?

Quantos alunos se sentiriam seguros se encontrassem aquele cavalheiro gentil e sorridente nos caminhos do campus à noite?

Se o conhecessem um pouco, não ficariam encantados por poder conversar com aquele homem interessante?

E não o convidariam a entrar nos seus quartos só para poder continuar a conversar com ele?

No final de contas, como suspeitariam de qualquer perigo?

Riley estremeceu ao reler a frase...


Como é que alguém tranforma uma comunidade em particular – um bairro, pequena cidade ou campus de universidade – num cenário laboratorial para tal pesquisa?


Riley abanou a cabeça, tentando afastar aquela ideia.

Não, Pensou. É demasiado descabido.

Com certeza que ninguém seria suficientemente doentio para matar pessoas para realizar um estudo académico, muito menos um homem sensível como o Dr. Zimmerman.

E no entanto...

Não estava ali no livro, impresso preto no branco?

Seria possível que ele tivessse transformado a Universidade de Lanton no laboratório perfeito?

Riley agora tremia bastante. Até a espaçosa biblioteca se tornou subitamente claustrofóbica – e ao mesmo tempo um espaço de solidão.

Tenho que falar com alguém, Pensou. Alguém que me possa dizer que estou errada.

Porque eu tenho que estar errada.

Mas com quem poderia falar sobre aquela ideia insamente distorcida?

Então ocorreu-lhe – às vezes o Professor Hayman trabalhava aos domingos. Tinha o número do seu gabinete na mala. Foi para a cabine telefónica da biblioteca e ligou-lhe.

Ficou aliviada por perceber que o Professor Hayman atendera.

Quando lhe disse quem era, ele disse, “Ei Riley. Estou surpreendido por ligares hoje. O que posso fazer por ti?”

Riley engoliu em seco.

Poderia mesmo falar sobre aquilo ao telefone?

Gaguejou, “Professor Hayman, se... se está no seu gabinete, posso... ?”

A voz do Professor Hayman agora denotava preocupação.

“Vir falar comigo? Claro. Onde estás neste momento?”

“Na biblioteca.”

“Então vem ter comigo.”

Ao desligar o telefone, Riley apercebeu-se de que não se sentia aliviada por ter alguém com quem falar sobre aquele terrível palpite.

O que pensaria Hayman dela por sequer imaginar tal possibilidade?

Riley devolveu o livro do Dr. Zimmerman. Saiu da biblioteca em direção ao edifício de psicologia. Antes de chegar ao seu destino, ficou surpreendida por ver que o Professor Hayman vinha ao seu encontro.

“Riley, parecias sperturbada,” Disse ele ao aproximarem-se. Olhou para ela atentamente e acrescentou, “O que é que se passa? O que é que te aconteceu? Foste atacada?”

Riley de repente apercebeu-se que devia estar com um aspeto horrível. Para além das nódoas negras, tinha a certeza de que devia estar tão pálida como um lençol graças ao choque.

Tentou explicar à medida que caminhavam juntos...

“Um tipo atacou-me a noite passada numa festa. Na verdade, tentou violar-me. Não se preocupe, eu dei cabo dele.”

Riu nervosamente e acrescentou, “Acredite em mim, ele está muito pior do que eu. A polícia prendeu-o.”

Hayman disse, “A polícia pensa... quero dizer... “

Riley compreendeu o que ele queria perguntar.

Respondeu cuidadosamente, “A polícia tem a certeza que ele é o tipo que matou aquelas raparigas.”

Hayman respirou de alívio.

“Então acabou, graças a Deus. Nunca mais vai voltar a matar. E tu apanhaste-o! Já te apercebeste como isso é espantoso, Riley? És uma heroína!”

Riley ficou emocionada ao ouvir aquelas palavras...

“Uma heroína.”

Fora o que Gina lhe dissera naquela manhã.

Não ficara desagrada de o ouvir naquela altura.

Mas agora não se sentia uma heroína.

Na verdade, sentia que era tudo menos uma heroína.

A simples palavra fazia-a sentir-se culpada.

Estive errada – tão errada – sobre tudo.

Para sua surpresa, lágrimas começaram a correr-lhe pelo rosto.

Hayman disse, “Riley, estás a chorar.”

Riley anuiu e chorou ainda mais.

Hayman pegou-a pelo braço suavemente e disse, “Vem, vamo-nos sentar e conversar.”

Riley interrogou-se novamente...

Será que posso falar com ele sobre isto?

Então pensou que talvez o Professor Hayman a ajudasse, explicasse como ela estava errada sobre o Dr. Zimmerman. Com certeza que se poderia enganar mais uma vez.

Isso seria maravilhoso, Pensou.

Quando chegaram ao edifício de psicologia, o Professor Hayman abriu a porta de entrada. Quando entraram, fechou a porta novamente. Conduziu-a ao seu gabinete e disse-lhe para se sentar.

Então ele sentou-se à secretária na sua cadeira giratória, recostando-se com um olhar de empatia e compaixão.

Falou com cautela...

“Riley, sabes que não sou psicólogo clínico. Espero que não seja um erro – quero dizer, falares comigo. Apenas quero ajudar. Se quiseres, posso recomendar-te um terapeuta profissional... “

Riley abanou a cabeça, o choro a diminuir.

“Não faz mal,” Disse ela. “Talvez possa compreender. É que... “

De repente a sua mente bloqueou.

Como é que ela conseguiria explicar aquilo em que estava a pensar?

Começou por falar muito lentamente...

“Professor Hayman... pode dizer-me... o que pensa do Dr. Zimmerman?”

Hayman pareceu surpreendido com a pergunta.

Mas então a sua expressão transformou-se numa de absoluta reverência.

“Ele é magnífico,” Disse ele. “É o meu mentor, a minha inspiração. Sinto que lhe devo... bem, simplesmente tudo. Tem sido como um pai para mim.”

Riley desanimou ao lembrar-se de algo que Hayman dissera sobre Zimmerman nas aulas...

“Ele é a pessoa mais perspicaz que eu conheci em toda a minha vida.”

Ele vai pensar que eu estou louca, Pensou Riley.

Mas com quem mais poderia falar sobre aquilo?

Abriu o livro do Dr. Zimmerman e encontrou a passagem que a perturbara. Com as mãos a tremer, passou o livro aberto ao Professor Hayman.

Disse, “Não se importa de ler o terceiro parágrafo e... dizer-me o que pensa?”

Hayman colocou uns óculos de leitura e leu em silêncio até chegar a uma frase que leu em voz alta...

“’ ... cenário laboratorial para tal pesquisa.’”

A sua expressão mudou ao continuar a ler. Agora parecia triste e perturbado.

Será que compreende? Perguntou-se Riley.

Hayman fechou o livro lentamente e tirou lentamente os óculos de leitura, olhando para o vazio durante alguns instantes.

Então olhou para Riley e disse, “Riley... pensas realmemte que... ?”

O coração de Riley batia descompassadamente.

Ele compreende! Pensou.

Ela disse, “Eu sei que parece uma loucura... “

O Professor Hayman abanou lentamente a cabeça.

“Não, receio que não pareça uma loucura. Muitas vezes me perguntei... muitas vezes pensei... ocorreu-me... “

Levantou-se da cadeira, voltou a colocar os óculos, pegou no livro pesado e abriu-o novamente.

Começou a andar de um lado para o outro lendo excertos do livro, “’Os problemas éticos...’ ‘como é que se transforma uma comunidade em particular,,, ‘ ‘não se pode libertar um assassino em série...’”

Ainda a olhar para o livro, começou a andar à volta da secretária.

“Essa é a questão, não é? Porque é que não se pode soltar um assassino em série num campus universitário – a não ser para aprofundar o conhecimento científico? Se as perspetivas tiverem valor suficiente? Não o Dr. Zimmerman, é claro... não aquele homem bondoso e inocente... “

Ao aproximar-se dela, Riley começou a sentir um estranho desconforto.

Hayman prosseguiu, “Mas outra pessoa, alguém fascinado pelas suas ideias, podia muito bem encarregar-se... “

Sem aviso, Hayman fechou o livro e atirou-o contra a cabeça de Riley. Ela caiu da cadeira e bateu com a cabeça no chão.

Ficou num estado de semi-consciência.

Tentou concentrar-se no que se estava a passar, mas não conseguia pensar.

O Professor Hayman ajoelhou-se a seu lado e olhou-a nos olhos com uma expressão malévola.

Disse, “Teria que ser alguém com uma vontade férrea.”


CAPÍTULO TRINTA E CINCO


Riley estava estendida no chão, incapaz de se mexer.

Pensamentos e memórias acorriam-lhe à cabeça.

Ouviu Trudy a dizer a Rhea...

“A Riley gosta de impressionar o Professor Hayman. Ela tem um fraquinho por ele.”

... e ouviu-se a protestar que não tinha um fraquinho por ele.

E lembrou-se de pensar ao mesmo tempo...

Ele é bonito e inteligente.

Várias raparigas da turma têm um fraquinho por ele.

Fragmentos da verdade começavam a formar-se na sua mente.

Lembrou-se de imaginar o assassinato de Trudy do ponto de vista do assassino – como ela parecia estar encantada na sua companhia, ansiosa por continuar a conversa.

Com certeza que Trudy não vira nada de errado em estar sozinha com o encantador, bonito e inteligente jovem professor.

“Que aluna não se sentiria assim?” Perguntou-se Riley.

“Rhea com certeza que pensara da mesma forma.”

E agora...

Nem eu, Apercebeu-se.

Agora ouvia o Professor Hayman a falar e percebeu que desta vez a voz era real, estava mesmo ali ao pé dela. Estava algures acima dela.

Riley tentou mexer-se, mas Hayman colocou um pé no meio das suas costas, tornando-a indefesa enquanto continuava a falar calmamente...

“Tem corrido bem – a experiência. Tenho apontado tudo, todas as minhas observações, o trauma coletivo do campus – sobretudo entre as amigas mais próximas da vítima. Tenho material para um capítulo inteiro só sobre ti. Será um belo estudo, um belo livro. O Dr. Zimmerman vai ficar tão orgulhoso.”

Hayman calou-se por um momento e depois acrescentou...

“Calculo que te devas estar a perguntar – porque é que interessa tanto impressiona-lo? Bem, não compreenderias. Talvez tenhas sido criada numa família acolhedora de classe média. Não fazes ideia do que é não ter mãe – apenas um pai cujas expetativas eram impossíveis de preencher.”

Riley apercebeu-se da ironia...

Por acaso até sei.

Sei exatamente o que isso é.

Então Hayman disse, “É claro que o Dr. Zimmerman nunca pode saber o que fiz para concretizar este estudo. Um dias as mortes pararão e ninguém saberá porquê. Ninguém precisa de saber a verdade – exceto tu, é claro.”

Enquanto Riley o ouvia, foi recuperando...

Encontra a energia ch’i, Não parava de dizer a si própria.

... até ter reunido forças suficientes para mexer o corpo, desequilibrando ligeiramente Hayman de forma a sair de debaixo do seu pé. Começou a levantar-se e ele agarrou-a pelo braço. Lembrou-se de um movimento de Aikido...

... viragem da mão num semicírculo gracioso...

... mas ao tentar executar o movimento, o braço de Hayman permaneceu imóvel.

Riu-se para ela e disse, “Não tentes esse movimento comigo – fui eu que te ensinei.”

Então lembrou-se do que o pai lhe tinha ensinado...

... ataca as partes mais sensíveis do corpo...

O pescoço de Hayman estava exposto e vulnerável.

Riley ergueu a mão livre, formou um punho e bateu – mas o golpe fopi fraco. Hayman apanhou-lhe o punho com a sua mão livre e segurou-o.

Agora ria entredentes.

“Uma lutadora de rua, eh? Eu também sei fazer isso.”

Libertou-lhe as mãos, mas antes que ela conseguisse fazer outro movimento, ele deu-lhe um murro na testa e Riley bateu novamente com a cabeça no chão.

O mundo girava novamente à sua volta e Riley sentiu-se demasiado fraca para fazer outra tentativa de ripostar.

Lembrou-se de algo que o pai dissera na cabana quando a apanhara de surpresa e a derrubara da primeira vez...

“Estás morta miúda. Ou pelo menos devias estar. Eu diria que mereces estar.”

Não valia a pena.

Ela não se conseguia salvar.

Nem conseguia manter os olhos abertos.

Fica acordada, raios, Disse a si própria. Não desistas!

Tentou abrir os olhos e tudo pareceu desfocado por um momento. Mas quando começou a recuperar a visão, viu que Hayman estava ajoelhado sobre ela a segurar numa faca grande reluzente junto à sua garganta.

Ele disse, “Mas tu és um problema para mim, não és Riley? Chegaste muito perto da verdade e isso traçou o teu destino. Mas não te posso fazer a ti o que fiz às outras. As circunstâncias são diferentes – nada planeadas. O teu corpo não pode ser encontrado aqui. E de qualquer das formas, não quero o meu gabinete ensopado com o teu sangue. Nunca conseguiria limpá-lo. E sou um tanto obcecado com limpezas.”

Inclinou a cabeça a pensar.

“Ainda assim, tenho a certeza que posso usar-te. Para além dos assassinatos rotineiros – as duas alunas até ao momento e as outras que se seguirão – como é que a minha comunidade experimental reagirá ao misterioso desaparecimento de outra aluna? Sobretudo uma demasiado curiosa para o seu próprio bem – uma espécie de Nancy Drew? Irá desanimar os outros? Gostaria de pensar que sim.”

Para surpresa de Riley, Hayman ergueu a faca até à sua própria garganta.

Enlouqueceu? Perguntou-se. Vai-se matar?

Mas em vez disso, passou a lâmina por baixo do colarinho e cortou a gravata.

A única coisa em que Riley pensava era no quão afiada a lâmina devia ser.

Ele riu-se soturnamente e disse, “Uma gravata cara – mas faço qualquer sacríficio pela causa da ciência.”

Segurou uma peça longa da gravata cortada nas mãos.

Agora Riley compreendia.

Ele não usaria a lâmina nela. Ele iria estrangulá-la e livrar-se do seu corpo de forma a nunca ser encontrado.

Antes dela reunir força para resistir, ele virou-a, enrolou a gravata à volta do seu pescoço e apertou com força.

Riley não conseguia respirar e sentiu-se a abandonar o seu corpo.

O mundo tornou-se em algo distante.

Pensou que a voz familiar que ouvia agora era outra alucinação.

“Larga-a! E levanta-te!”

... então tudo ficou negro e ela ficou inconsciente.


*


Quando Riley voltou a abrir os olhos, parecia estar rodeada de um nevoeiro espesso.

Ouviu o som ruidoso da sua própria respiração.

“Ela está a recuperar os sentidos,” Disse uma voz de homem.

“Tira a máscara de oxigénio,” Disse outra.

Riley sentiu a libertação de algum tipo de pressão física em torno da sua boca e nariz.

Conseguia ver e deu por si a olhar para o rosto de três homens.

Dois estavam vestidos com uniformes brancos.

O terceiro era o agente Crivaro.

Então ela reparou no som de uma sirene e do ruído do motor do veículo.

Estou numa ambulância, Apercebeu-se.

Crivaro sorriu, afagou-lhe carinhosamente o cabelo e disse, “Vais ficar bem Riley. Mas assustaste-nos durante um bocado.”

Riley conseguiu dizer uma palavra...

“Como?”

A sua garganta doeu muito ao proferir a palavra. Na verdade, era doloroso respirar.

Crivaro abanou a cabeça e disse, “Não, não tente falar agora. Guarde a sua energia.”

Riley ficou furiosa.

Raios se não posso falar, Pensou. Quero algumas respostas!

Conseguiu dizer...

“Como é que... me encontraram... a tempo?”

Crivaro disse, “Andei a seguir-la toda a manhã.”

Riley começou, “Eu não... “

“Sim, eu sei – não me viu. Consigo passar bastante despercebido quando quero. Tinha o pressentimento de que andava atrás de alguma coisa – não sabia o quê, mas sabia que a poderia meter em sarilhos. Então seguiu Hayman até ao edifício e fiquei preocupado e pedi reforços. Entrei no edifício e ouvi sons de luta. Foi assim que chegámos até si. E mesmo a tempo.”

Riley não se lembrava de nada.

Perguntou, “E o Professor Hayman?”

“Não se preocupe, já está preso. E o seu gabinete está repleto de provas incriminatórias – pilhas de notas descrevendo os crimes e até a arma do crime. Não tem hipótese.”

Os pensamentos de Riley ainda eram vagos e incertos.

Deu por si a pensar nos seus erros – primeiro ao pensar que o assassino era o Leon e depois.. “

Disse a Crivaro,”Eu pensei... que o assassino... fosse o Dr. Zimmerman.”

Crivaro riu-se.

“Todos cometemos erros,” Disse ele.

Riley tentou sacudir a cabeça, mas estava apoiada.

“Mas agente Crivaro... eu estava errada... em tudo.”

Crivaro riu.

Então disse, “Riley, lê os meus lábios... “

Ele disse lentamente,” Você... conduziu-me... diretamente... ao... assassino.”

Afagou-lhe novamente o cabelo e acrescentou, “As suas conclusões não foram perfeitas, mas os seus instintos foram excecionais. Compreende como isso é extraordinário para alguém sem treino nas forças de segurança? Mais tarde vais ter que me dizer como é que conseguiste.”

Agora Riley lembrava-se de encontrar aquelas palavras no livro do Dr. Zimmerman...


Não se pode soltar um assassino em série no meio de um grupo de pessoas só para descobrir como reagirão.


Encarara isso como uma pista...

... e estava certa!

Era como o agente Crivaro acabara de dizer – conclusões com falhas, mas instintos perfeitos.

Agora Crivaro olhava para ela com admiração.

Disse, “É um diamante em bruto, Riley Sweeney. Nunca conheci ninguém como você. Daria uma excelente agente do FBI. Não sei que planos de carreira tem, mas.... “

Um dos paramédicos interrompeu e disse, “É melhor ela agora sossegar.”

O sorriso de Crivaro alargou e disse a Riley, “Bem, são ordens do médico. E é ele que dá ordens – pelo menos por agora.”

Crivaro calou-se e pareceu embrenhar-se em pensamentos profundos.

Riley desejava saber em que pensava.

Tinha a sensação que aquilo em que ele pensava iria ter um grande impacto no seu futuro.

Então a sua mente divagou e deu por si a pensar sobre algo estranhamente trivial e irrelevante nas presentes circunstâncias...

Porque é que me senti tão mal no Centaur’s Den?


CAPÍTULO TRINTA E SEIS


Riley sentou-se na cadeira desdobrável flaqueada por outros alunos. Todos usavam as suas vestes de graduação. Ainda usava um colar cervical o que a fazia sentir-se particularmente rígida e estranha. Mas conseguira terminar a faculdade e naquele momento, tal parecia-lhe um acontecimento milagroso.

Apesar de estar contente por ali estar, Riley não se conseguia concentrar no que a pessoa que discursava dizia. Tratava-se de um empresário respeitado e proeminente, e parecia uma pena ela estar a perder os seus sagazes conselhos.

Ouviu o suficiente para saber que dizia aos licenciados que os esperava um futuro maravilhoso e que estavam preparados para enfrentar o mundo.

Preparados, ha! Pensou Riley.

Ela estava tudo menos preparada para o futuro.

A sua média não era certamente um problema.

Apesar dos acontecimentos recentes, saíra-se bem nos exames finais – pelo menos nos académicos.

Os seus resultados noutro tipo de teste eram uma história bem diferente.

Comprara um kit de gravidez numa farmácia e não acreditara no resultado.

Então comprara outro... depois outro...

Os resultados não destoavam.

Tal como temera quando não lhe viera a menstruação, estava grávida.

Ela e Ryan não tinham tido os cuidados necessários na sua primeira noite juntos.

Então o que iria fazer da sua vida agora?

Não estava em contacto com Ryan desde a amarga separação, por isso era óbvio que ele não sabia de nada.

Devia tentar entrar em contacto com ele?

Deveria dizer-lhe?

Mais uma vez lembrou-se de algo que pai lhe dissera...

“Estás morta miúda. Ou pelo menos devias estar. Eu diria que mereces estar.”

Aquelas palavras pareciam agora demasiado verdadeiras – figurativamente falando, pelo menos.

É claro que o pai não viera à cerimónia e Riley não se importava dadas as circunstâncias. Não se falavam desde que ela ajudara a apanhar Brant Hayman que seria julgado por homicídio em breve e enfrentava a pena de morte.

Será que o paizinho sabe o que aconteceu?

Ela tinha a certeza que sim. Durante a sua última visita à cabana, ele pareceu estar a par das notícias vindas de Lanton.

Perguntou-se como se sentira face ao que ela tinha feito?

Estaria orgulhoso dela, talvez aliviado por ela ter sobrevivido ou não tinha ficado minimamente impressionado?

Provavelmente não se conhece a si próprio, Pensou Riley.

E honestamente, não tinha a certeza se se importava muito.

Naquele momento, aquilo parecia-lhe algo saudável.

Lembrou-se do que o Professor Hayman lhe dissera...

“Não fazes ideia do que é não ter mãe – só um pai cujas expetativas era impossível preencher.”

É claro que ela sabia exatamente o que era aquilo.

Mas não a transformara numa assassina.

Interrogou-se...

O que fez a diferença?

Riley não era um exemplo acabado de saúde mental, mas...

Porque é que Hayman se tornou tão horrivelmente distorcido?

Conteve um suspiro e pensou...

Talvez um dia compreenda.

A cerimónia foi demasiado lenta para o gosto de Riley. Quando o seu nome foi chamado, levantou-se automaticamente e caminhou até ao palco para receber o seu diploma. Então juntou-se aos outros enquanto a banda da universidade tocava “Pomp and Circumstance”.

No fim do desfile, amigos e parentes esperavam ansiosamente pelos novos licenciados, e houve muitos abraços e beijos e parabéns. Apesar de não esperar que ali estivesse alguém para se juntar a ela, Riley sentiu uma pontada de tristeza ao atravessar a multidão.

Mas então viu um rosto familiar a olhar para ela.

Era o Dr. Zimmerman, amarrotado e agradável como sempre.

Riley ficou encantada – e aliviada.

Ouvira que o Dr. Zimmerman parara de dar aulas e que até deixara de ir ao campus depois de saber o que o seu protegido Brant Hayman tinha feito. Dizia-se que se sentia pessoalmente responsável por incutir tal ideia na mente doentia de Hayman.

Mas ali estava ele – olhando para Riley como se fosse um membro da família.

Então viu outro rosto familiar.

O agente Crivaro estava sentado ao lado do professor.

Agora Riley estava completamente surpreendida. Da última vez que soubera, Crivaro e a sua equipa tinham regressado a Quantico porque o seu trabalho em Lanton tinha terminado. E agora ali estava ele na companhia do Dr. Zimmerman.

O que se passará? Perguntou-se.

Foi ter com o Dr. Zimmerman que lhe apertou a mão calorosamente.

Disse, “Riley, deixaste-me orgulhoso – muito orgulhoso.”

Então a sua expressão entristeceu e acrescentou, “Só lamento que... “

A sua voz apagou-se. Riley pegou-lhe na mão.

Disse, “A culpa não foi sua, Dr. Zimmerman. Nada foi culpa sua.”

Zimmerman sorriu um sorriso agridoce.

“É o que toda a gente me diz,” Disse ele. “Talvez um dia acredite nisso.”

Então, sem aviso, deu um grande abraço a Riley.

Riley riu-se enquanto ele a apertava.

“Cuidado,” Disse ela. “Ainda tenho o pescoço bastante dorido.”

Zimmerman soltou-a e disse, “Oops. Desculpa.”

“Não faz mal,” Disse Riley. “Mas pensava que não abraçava alunos.”

“Já não és uma aluna,” Disse Zimmerman.

Então, com um riso maroto acrescentou, “Para além disso, sou um pouco sádico!”

Ambos riram.

Então virando-se para Crivaro, Zimmerman disse-lhe, “Mas é melhor sair do teu caminho. Este cavalheiro precisa de falar sobre uns planos contigo.”

Planos? Perguntou-se Riley.

Sobre o que é que os dois homens tinham conversado?

Zimmerman afastou-se e Crivaro aproximou-se de Riley.

Apertou-lhe a mão e disse, “Antes de mais, parabéns. Pela graduação, quero dizer.”

Riley agradeceu-lhe apesar de pressentir que ele tinha outras coisas em mente.

Então Crivaro entregou-lhe um envelope.

“Isto é para si,” Disse ele.

“O que é?” Perguntou Riley ao aceitá-lo.

“Papéis para se candidatar ao FBI. É uma grande oportunidade Riley e destina-se apenas a alguns recém-licenciados. Serão dez semanas durante este verão. Serás paga para aprender.”

Riley estava confusa. “Quer que me candidate a isto?” Perguntou ela. “Pensa que serei aceite?”

“Já deixei uma forte recomendação para ti. Serás aceite.”

Riley ficou boquiaberta.

Aceite?

Nem sabia o que aquilo significava.

Disse, “Mas onde seria?”

“Há vários locais,” Responeu Jake. “Penso que o melhor para si seria o quartel general em Washington, D. C..”

Ela disse, “Mas se eu não quiser... “

Crivaro interrompeu-a, “Pense bem Riley. Pense muito bem. E não pense que vou aceitar um não como resposta. O FBI precisa de gente jovem como você – sobretudo mulheres. Daria uma excelente agente do UAC.”

“UAC?” Perguntou Riley.

Não se lembrava de alguma vez ter ouvido falar daquilo.

“Unidade de Análise Comportamental. É uma parte do FBI que utiliza as ciências comportamentais para auxiliar nas investigações. A sua licenciatura em psicologia dá-lhe um grande avanço. E acredite em mim, será perfeita."

Riley perguntou, “É para onde trabalha – para a UAC?”

“De momento,” Disse Crivaro. “Estou quase a aposentar-me, mas poderei ficar durante mais algum tempo para ajudar alguém como você a começar. E gostava que começasse já.”

Dez semanas durante este verão, Disse Riley de si para si.

Pensou em perguntar...

“E se estiver grávida?”

Mas calculou que não fosse um problema – pelo menos durante os primeiros meses.

A verdadeira questão era...

Será que é isto o que realmente quero?

Crivaro disse, “Pense nisso. E diga que aceita.”

Depois ele acrescentou com uma risada, “Caso contrário, terei que me encostar a si. E quando me encosto, não é bonito de se ver, acredite em mim.”

Sem dizer mais uma palavra, virou-se e afastou-se.

Riley ficou ali durante um momento espantada.

O que é que acabara de acontecer? Perguntou-se.

Acabei de ser recrutada para uma coisa chamada UAC?

Tenho escolha?

Naquele momento, viu outra pessoa que lhe acenava da multidão. Uma figura alta familiar. Ficou feliz quando percebeu quem era.

“Ryan!” Gritou. “O que é que estás a fazer aqui?”

“Ouvi falar do que aconteceu,” Disse ele. “Pelo menos parte. Não sabia que tinhas sido ferida,” Acrescentou, olhando para o colar cervical.

“Estou bem,” Disse ela. “Tiro isto em breve.”

Seguiu-se um silêncio estranho. Ele enfiou as mãos nos bolsos e mexeu os pés.

Riley sentiu vontade de o abraçar, mas não sabia como é que ele reagiria.

Ryan falou rapidamente, “Eu não conseguia deixar as coisas como... bem, como as deixámos. Não te consigo esquecer Riley. E ouve, consegui um emprego numa boa firma de advogados em D.C. Eu sei que parece uma loucura, mas quero que venhas comigo. Quero viver contigo. Ou até talvez... “

A sua voz desvaneceu-se.

Ele está a pensar em casamento? Pensou Riley.

A sua vida tinha-se subitamente complicado. Mas percebeu que podia entrar no programa do FBI e ainda assim viver com Ryan. E ganharia dinheiro também. Ent~ºao talvez pudessem começar uma família juntos – se Ryan quisesse.

O pensamento de formar uma família lembrou-lhe...

O Ryan ainda não sabe.

Com cautela Riley disse, “Ryan, tenho uma coisa importante para te contar.”

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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