Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AQUELE COM O DIA DOS NAMORADOS / Denise Flaibam
AQUELE COM O DIA DOS NAMORADOS / Denise Flaibam

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Este conto se passa após os acontecimentos do livro Lílian e Gregório e a Segunda Chance. Todos os personagens ganharam vida lá.
É uma história para comemorar o Dia dos Namorados e para resgatar um pouquinho do amor e da diversão que a narrativa da Lílian trouxe para essa série; espero que vocês se apaixonem e deem boas risadas com essa desventura da garota de ouro dos Garcia!

 


 


O colchão range quando me jogo sobre ele. Gregório, até então concentrado, ergue o olhar por cima do livro que está lendo. Não quero parecer suspeita, mas também não sei disfarçar. Preciso que saia logo da casa e aqui está ele, todo atento à sua leitura. Adoro quando faz isso porque consigo admirar seus traços e seus olhos e tudo que faz dele tão bonito, mas agora, exatamente nesse instante, preciso que ele deixe de lado esse lado nerd fofo e vá fazer suas coisas na cidade.

– Pois não? – Gregório arqueia uma sobrancelha.

– Você não tem um compromisso? – Retruco com a mesma careta. Eu e minha discrição.

– Falta uns quinze minutos pra eu começar a me arrumar. – Gregório crispa um sorrisinho e volta a ler.

– Só estou lembrando porque a Dalila pediu pra você chegar mais cedo – jogo a culpa nela sem me sentir culpada de volta. Até porque é verdade. O pessoal do asilo organizou uma festa do Dia dos Namorados, com a Samira responsável por gerenciar tudo, e a Dalila quer ter certeza de que o seu cantor favorito vai estar lá para os ensaios finais e, posteriormente, a apresentação. Ela quer escolher o que o Gregório vai usar, inclusive.

Ter a Sam no comando da organização gerou uma mobilização em toda Rouxinol. Quase todo mundo da universidade vai aparecer por lá, além do pessoal da cidade. Convidei o meu pessoal, também, mas Lagoa Feliz tem sua própria festa em comemoração a esse dia romântico – assim como comemora qualquer outra data com todo tipo de evento.

Mando uma mensagem para a Samira. O plano A não está funcionando, então o plano B vai ter que funcionar. Pedi, desesperadamente, que ela ligasse para o Gregório caso eu não o convencesse a ir embora daqui logo; Sam sabe como ser persuasiva.

Mordo o lábio enquanto espero o socorro. Observo as caixas que formam uma pilha no canto do quarto dele; coisas da Mila. Ela vai se mudar pra um apartamento com a namorada, o que significa que o Gregório vai morar aqui sozinho. Toda a coisa da mudança tem sido uma bagunça e vem deixando os dois malucos porque a Mila não faz ideia de onde saiu tantos pertences. Ela não se lembrava de ter acumulado tudo isso – a Patrícia diz que é bem do feitio dela. Que se a Mila participasse do Acumuladores, ganharia. Mesmo não sendo uma competição.

Tiro um instante para olhar para o garoto ao meu lado. Gregório está com as pernas estiradas sobre o colchão, as costas contra a parede. A calça de moletom é escura e a camiseta velha tem a gola esfarrapada, o que me dá visão do colar de contas e do cordão com o meu segredo. Sorrio, subindo os olhos por seu queixo com a barba por fazer, o nariz levemente franzido em concentração, os olhos verdejantes correndo pelas páginas do livro. O cabelo está bagunçado – não tão comprido quanto na época em que o conheci, mas também não tão curto como quando nos reencontramos. O corte, como qualquer outro, fica incrível nele. Tem um cacho que insiste em cair sobre sua testa, e mesmo o Gregório arrumando o cabelo e mexendo nos fios o tempo todo, essa mecha volta para o lugar. É outro detalhe que eu gosto de memorizar, como todas as pequenas coisas que fazem dele parte do meu coração.

Sinto vontade de me esticar sobre a cama e me arrumar em seu colo. Gregório não se importaria. Quase consigo ver a cena: ele ergueria o livro para me deixar passar e esperaria enquanto encontro uma posição confortável. Beijaria o topo da minha cabeça quando conseguisse; agora que passo mais tempo aqui no sobrado do que no apartamento, aprendi a encontrar ainda mais conforto no meu garoto de olhos verdejantes. Próxima dele, assim, já é agradável. Mas poder tocá-lo e abraçá-lo e apreciar sua respiração sob meu corpo é ainda mais.

Agradeço aos céus quando o celular dele começa a vibrar. Mais um segundo e eu teria furado com o meu próprio plano.

Quando Gregório atende, seu olhar recai sobre mim. Ele assente e concorda com o que quer que a Samira esteja dizendo e solta um risinho divertido ao fim. Desliga e fecha o livro; ah, claro, com a Sam mandando, ele obedece.

– Quem era? – Para quem estuda Artes Cênicas, eu sou uma péssima atriz.

– A comandante suprema.

– Ah. E o que ela queria?

– A minha presença no asilo. Agora mesmo. – Gregório falseia o tom autoritário da Sam. Ele se espreguiça e a barra da camiseta acompanha o movimento, me dando visão do abdômen bem desenhado e da pele pálida e fazendo minha imaginação voar solta com o que poderíamos fazer em um intervalo curto de tempo antes que ele seja realmente obrigado a ir embora.

Quando ergo o olhar, Gregório está me encarando. Minhas bochechas esquentam porque sei que ele está pensando o mesmo que eu; conheço essa expressão.

– Você tem hora. – Apoio o pé em seu peito quando ele se inclina na minha direção.

– Dá pra usar aqueles quinze minutinhos de vantagem. – Sorri malicioso e eu o amo tanto por isso.

– Nem pensar. – me esquivo e rolo no colchão para ficar de pé. Gregório suspira, mas se dá por vencido. – A gente pode aproveitar depois.

– Como se a Dalila fosse dar chance de um escape – ele brinca, parando à minha frente. Enlaço sua cintura com meus braços, erguendo o rosto para o seu.

– Não custa tentar.

Gregório se abaixa e me beija. Quando entreabro os lábios, no entanto, ele se afasta com um sorriso; quase como se fizesse de propósito. Não posso culpá-lo por isso, mas vai valer a pena quando descobrir a minha surpresa.


?


– Você é o gênio aqui – apoio as mãos na cintura. – Achei que soubesse por onde começar.

– Eu estudo Física, não Arquitetura. – Apolo replica ao imitar minha pose. – Quero dizer... Por que é tão complexo montar uma casinha de cachorro? E por que, em nome de Deus, você já não comprou essas montadas?

– Porque as prontas eram feias e tinham umas pinturas horríveis. A Velma e seus filhotes merecem o melhor. – ouço um latido simpático e espio a porta da cozinha para encontrá-la deitada ali, quase como se assistir nós dois fosse uma atividade muito divertida. Deve ser, na verdade, porque não temos ideia do que fazer.

– Você queria impressionar o Gregório, isso sim.

– Não queria não. – minha voz fica mais fina por causa da indignação. E da mentira.

Apolo se senta para avaliar as instruções de montagem. As casinhas são do mesmo modelo, mas a ideia é montar e pintar até a noite, quando nós vamos para a festa; aí, quando o Gregório chegar, vai ter a surpresa. Porque, de verdade, não consegui pensar em mais nada para dar de presente além de um presente para os seus cachorros de estimação. Gregório os ama mais do que seu violão – e isso é muita coisa – e achei legal arriscar. É nosso primeiro Dia dos Namorados oficial. Queria fazer algo diferente e inusitado que conquistaria o sorriso mais adorável do meu garoto.

Considerando a bagunça que o sobrado se transformou com toda a história da mudança, acho que ele vai gostar de ver o quintal ganhando cor e um espaço mais “decorado” para os outros moradores do lugar.

– Tá, vamos precisar de pregos e martelo – Apolo começa, e mostro a caixa de ferramentas que trouxe do apartamento da Sam. – E muito cuidado pra não pregar nenhuma placa no lugar errado. A estrutura é bem simples, mas mesmo assim é bom prevenir e ter certeza de que está tudo bem encaixado.

Abraço seus ombros quando me ajoelho ao seu lado.

– Você é o melhor.

– Eu sei – ele brinca.

Começo a separar as estruturas das casinhas de acordo com as instruções, enquanto Apolo risca e cria todo um esquema próprio para garantir que a montagem dê certo.

– Lílian – paro, com medo de ter colocado alguma placa na pilha errada. – Posso te perguntar uma coisa?

– Vai na fé.

– Você acha que a Sam é mais o tipo de buquê de flores ou bombom?

Dessa vez eu paro de verdade. Congelo no ar. Viro uma estátua humana.

– Como é?

Noto as pontas das orelhas dele ficando vermelhas.

– É só uma ideia que eu tive e parece idiota agora que estou falando.

– Nenhuma ideia é idiota. Especialmente as suas.

Ele sorri e fica ainda mais acanhado.

– Olavo. – chamo seu nome verdadeiro porque essa é uma situação curiosa e pede por uma abordagem mais séria. – Você... Tá afim da Sam?

Ele brinca com as bordas dos pregos, rolando eles sobre uma das placas de madeira.

– É difícil de explicar.

– Ouve o que você tá falando. E olha pra quem você tá falando! – exalto bem humorada. – A pessoa com a vida amorosa mais complexa dos últimos tempos.

Apolo cai na gargalhada, mas não nega. Convenhamos, eu vivi um pequeno roteiro de novela mexicana nos últimos meses.

– Eu gosto dela. – Apolo começa. – Sempre suspeitei que ela gostasse de mim, aliás, mas não sabia como reagir. É difícil de explicar porque o que eu sinto não é convencional, sabe? E quando eu nomeio, parece ainda mais diferente.

– O diferente é sempre bom.

Seu sorriso é gentil.

– Nas últimas férias, quando a Sam foi passar aquela semana em casa? Eu meio que percebi que tinha alguma coisa esquisita em mim. Um sentimento diferente. Eu olhava pra ela e era essa pessoa tão importante e cheia de vida e de energia e de repente ela era tão importante aqui – ele toca o peito. – Eu não sei quando percebi que gostava da Sam, mas foi quase um estalo. Como torcicolo.

– Você acabou de comparar seus sentimentos com torcicolo?

– Eu disse que é difícil de explicar.

– Tá, mas... E aí? Você quer explorar isso? Quer conversar com ela?

– Eu quero sair com ela, conversar e explicar. Mas não quero... Eu não quero o que ela quer, sabe? – franzo as sobrancelhas. – Não quero o tipo de relacionamento que você e o Gregório têm, com os toques e os beijos e toda a safadeza oculta que vocês fazem quando a gente não está por perto.

Faço uma careta constrangida.

– Eu quero os abraços e quero segurar a mão dela. Quero tudo que a gente tem agora, mas... Quero dizer que estou me apaixonando. E que eu adoraria sair com a Sam e deixar esse sentimento crescer, mas não quero o que ela talvez espere quando for sair comigo. Entende?

– Você quer entregar seu coração e está com medo que ela não aceite o relacionamento do jeito que é mais confortável pra você? – ele assente. – Olavo... É a Sam. Que vai me matar por dizer isso, mas ela é louca por você. E não acho que a verdade sobre quem você é, como se sente confortável com outra pessoa, vai afastá-la.

Ele abaixa a cabeça ao assentir, perdido em seus devaneios. Fico em silêncio para que mesure isso; Deus sabe como devaneios são bons para extravasar o emocional. Quando um longo minuto se passa, no entanto, apoio a mão em seu ombro e sorrio quando Apolo me encara.

– E acho que deveria comprar uns bombons. Ela adora Sonho de Valsa.

Ele fica vermelho e é uma gracinha.

– Obrigada, Lílian.

– Pelo quê?

– Por... Ouvir.

Tiro um instante para observá-lo. Esse meu amigo genial, adorável e atencioso. Um garoto gentil que merece o mundo e tudo de bom que existe nele.

– Sempre que precisar, Apolo.

Nós nos dividimos para a montagem da primeira casinha; Velma ainda está na porta da cozinha, atenta às movimentações.

É meio-dia, o que significa que ainda temos a tarde inteira para essa tarefa gigantesca. Prometi pagar uma pizza e o melhor milk-shake da cidade para o Apolo em retribuição.

Fico confiante conforme as horas passam. A casinha vai tomando forma e em meio a comentários e histórias aleatórias, eu e meu melhor amigo nos distraímos do trabalho. Quando chegamos na montagem da terceira casinha, estou animada como se fizesse isso todos os dias. As coisas estão dando certo e a ansiedade para ver a reação do Gregório só me deixa mais elétrica.

Mas, claro, como tudo que envolve Lílian e qualquer atividade física, as coisas dão errado fenomenalmente. E eu vou parar no hospital.


?


Movo o pé só para uma agulhada me fazer resmungar. Ele está enfaixado, mas, por baixo das ataduras e da tala, deve estar vermelho e roxo e inchado e horrível. A história foi a seguinte: eu me distrai e um pedaço da estrutura do telhado da casinha caiu com tudo em cima do meu dedo. A sorte foi que não pegou em todos, ou eu iria embora do hospital de muleta.

De novo.

Não me admiraria se o pessoal do pronto-socorro me conhecesse; deve ter alguma liga secreta entre os hospitais do Brasil e todo mundo comenta sobre a lenda de Lílian Garcia. Pelo menos ninguém de Rouxinol me reconheceu – esse é meu primeiro acidente na cidade, se me recordo bem. O incidente com os arranjos de flores da tia Rosa rolou lá em Lagoa Feliz.

Apolo foi embora lá pelas seis – são oito e meia agora. Eu tive que mandar ele embora, na verdade, porque ficou se culpando por ter me deixado carregar a placa de madeira, dizendo que tinha arruinado minha participação na festa, etc. Eu só falei pra ele calar a boca e ir logo comprar as coisas para a Sam. Eu pretendia escapulir da festa com o Gregório, de qualquer maneira. Acabei escapulindo dela sem meu acompanhante. Problemáticas da vida.

Suspiro e me ajeito no sofá. Talvez a muleta faça falta; ficar saltitando de um lado para o outro no sobrado, com cuidado para não esbarrar nas caixas que assomam em vários cantos dos cômodos, não é exatamente uma atividade confortável. Os analgésicos não são tão fortes quanto deveriam e o efeito já está passando. Falta uma hora pra poder tomar de novo. O fato de não haver televisão aqui significa que o tempo se arrasta muito quando estou sozinha.

Ouço quando a Velma e seus filhotes se levantam para passear, mas eles têm preferido ficar deitados por perto. Quase como se sentissem que eu preciso de proteção. Não dá pra não me sentir grata por isso.

Recebo uma mensagem no celular e espio a fotografia da Mônica; a mensagem de áudio tem quase dois minutos. Tem ruídos de conversas altas de fundo e uma música sertaneja ao longe. Ela deve estar na festa da cidade.

– Eu acabei de ver sua foto no pronto socorro e passei por um instante de completo pânico e desespero até lembrar que nada de muito grave teria acontecido, porque ninguém que sofra um acidente grave tira uma fotografia na sala de espera do hospital. NUNCA MAIS ME MATA DO CORAÇÃO ASSIM! Tá tudo bem?

– Um osso trincado, nada demais. – Respondo com uma gravação.

– Só mais um dia na vida da Lílian. – Ela responde em seguida. Consigo ouvir seu sorriso.

– Como estão as coisas por aí?

Ela demora um minuto para me responder. Quando o faz, recebo uma fotografia da praça de Lagoa Feliz. Tem bandeiras em formato de coração penduradas entre as árvores, muitos cartazes com mensagens de amor decorando o coreto – onde uma banda deve estar tocando aquela música que ouvi ao fundo. Avisto uma barraca de algodão doce e o que parece uma de maçã do amor; meu estômago ronca de inveja.

Outra foto carrega em seguida. Dessa vez, é uma selfie. Mônica está mais próxima da câmera, sorridente com suas sardas e maquiagem discreta, os cabelos ruivos presos em duas tranças laterais. Com o queixo apoiado em seu ombro, Enzo fechou os olhos e abriu um sorrisão quase cômico de tão encenado; é adorável. Rodolfo e Juca estão mais ao fundo e parecem ter sido pegos de surpresa. Ruth pulou bem na hora da foto, usando os ombros dos dois como apoio.

– Eu estou com saudade e inveja de todos vocês – respondo. – Divirtam-se por mim.

– Vou guardar um algodão doce pra você. Venha buscar antes que o Enzo devore tudo! – Ouço um Ei indignado antes que a mensagem acabe.

Saltito até a cozinha porque de repente pipoca pareceu uma boa ideia; pipoca de micro-ondas, pra garantir que eu não vá botar fogo em nada.

Enquanto ela estoura, espio meu celular. Samira garantiu que o Gregório vai ser dispensado do show lá pelas nove e meia – ela vai tentar garantir alguns minutinhos de vantagem. Fico ansiosa pelo Apolo, pensando em como ele vai abordar a Sam pra falar sobre seus sentimentos. Ansiosa para perguntar se ele já chegou, se já se encontraram. Ansiosa, principalmente, para que dê tudo certo, independente do rumo que a situação siga.

Espio o quintal e as casinhas montadas. Três e meia, contando com a que ficou sem telhado. Os potes de tinta estão parados ali, iluminados pelas luzes da varanda. Olho para Velma, sentada ao meu lado, desejando a pipoca com cheiro de manteiga, e ergo os ombros.

Ninguém nunca se acidentou sentada no chão pintando uma casinha de cachorro, certo?

Deixo o pote de pipoca num banquinho alto e encho os potes de ração dos cachorros, para impedir que eles me sigam – e ataquem a pipoca. Velma é a única que me acompanha e deita ao meu lado, assistindo enquanto luto para abrir a lata de tinta.

Começo com a casinha dela; verde, um pouco mais claro que os olhos do Gregório. Eu sou criativa e clichê assim.

Fico feliz por estar usando um pijama velho porque respingo tinta na calça e na camiseta e reviro os olhos para mim mesma ao passar a mão pela bochecha e sentir o rastro de tinta que ficou ali.

Tudo sob controle, como sempre.

– Acha que ele vai gostar da surpresa, Velma? – estou pintando a parte da frente agora; falta ela e o telhado e aí posso dizer que uma das minhas missões foi bem sucedida. Com alguns acidentes de percurso, mas no fim deu tudo certo.

Ela late com animação, mas não é para mim.

É para o garoto parado na porta da varanda.

Gregório está de terno. Isso nem deveria ser permitido. Acho que nunca o vi vestido assim, tão formal, e tiro um instante para perder o fôlego por causa disso. Com as mãos nos bolsos da calça, a gravata desfeita e os primeiros botões da camisa abertos, ele está tão lindo que dói.

– Oi, Lírio – Gregório sorri.

Faço acrobacias para ficar de pé num pé só, usando o banquinho onde está a pipoca como apoio. Gregório desce até o quintal, o olhar curioso sobre meu projeto.

– Surpresa! – ergo as mãos numa pose animada e me arrependo em seguida. Equilíbrio não combina com analgésicos e o fato de eu ter respirado tinta durante um tempão. Por sorte, Gregório está ali para me segurar. Ele ergue as sobrancelhas em resposta. – Você não parece surpreso. O Apolo já contou?

– Um pouco. Ele não contou exatamente o que era a surpresa, só que eu devia me preparar para ela – seu olhar desce até meu pé enfaixado.

– Isso não estava nos planos.

Gregório cai na risada.

– Eu imaginei.

– O que acha? – gesticulo para as casinhas. – Ainda falta montar algumas, mas a ideia é essa. Eu pensei muito no que te dar por causa da data e, sinceramente, me recusei a seguir os clichês.

Gregório me observa enquanto falo; seu olhar é tudo de animado e amoroso e um calor delicioso se espalha por meu corpo por causa disso.

– Achei que presentear a Velma e os filhotes seria uma maneira de te deixar feliz. Dá pra arrumar o quintal quando a mudança acabar, quem sabe plantar umas árvores e pedir pra minha tia sobre algumas flores e... – hesito. – Eu... Acertei? Você não disse nada. Reage!

Gregório me beija. Seus lábios são quentes e gentis e parece fazer mil anos desde que nos beijamos, porque me agarro a esse momento como se pudesse escapar para longe de mim. Meus dedos apertam seus ombros, sobre o tecido quente do terno que está usando, e escorregam em direção à sua nuca; quando arranho seu couro cabeludo, Gregório entreabre os lábios. Eu desvaneço.

O que era um beijo doce se torna aquela combustão que só esse garoto consegue causar. Suas mãos escorregam por minha cintura e o toque gelado causa calafrios quando ergue a barra da minha camiseta. Gregório mantém meus pés longe do chão com esse abraço, e é forte e cuidadoso como todas as suas carícias.

Não sei quem se afasta primeiro, mas leva tempo. Sinto a respiração quente e ofegante dele contra minha pele e a sensação descarrega arrepios por meu corpo todo.

– Eu acertei tanto assim? – Sussurro contra seus lábios, sentindo quando o sorriso se forma ali.

– É incrível, Lírio. – ele passa o polegar sobre minha bochecha, sobre a mancha de tinta que secou ali. – E inesperado, definitivamente. Como as melhores coisas sempre são.

É a minha vez de sorrir.

Naquele instante de silêncio, Gregório apoia a testa contra a minha.

– Também tenho uma coisa pra você – sinto suas sobrancelhas se franzirem. Me afasto o suficiente para contemplá-lo. Não é uma expressão séria ou dolorosa, só ansiosa.

– E o que é?

– Vem comigo.

Dou alguns pulinhos pelo quintal. Gregório ri suavemente para minha ínfima tentativa de caminhada e, num susto, me ergue em seus braços. Solto um gritinho pelo gesto, mas não dá pra negar que é confortável e quentinho e faz o frio na minha barriga se intensificar. Abraço seus ombros e beijo seu pescoço, sorrindo ao ver sua pele se arrepiar.

– Como foi a festa? – Pergunto para conter minha curiosidade.

– Samira considerou um “estrondoso sucesso”. – suspiro em alívio, mas também com um pouquinho de arrependimento. Se fosse mais cuidadosa, poderia ter aproveitado um pouco do evento. – Dalila sentiu sua falta.

– O Apolo se desculpou por mim? Eu realmente queria ir, mas me proibiram.

– Deve ter explicado. Os dois ficaram conversando depois que ele me expulsou de lá.

– Ei, verdade. Você chegou mais cedo! Como que a Sam e a Dalila permitiram isso?

Ele para em frente ao sofá e me coloca sobre o assento; tira o terno e joga sobre uma cadeira onde duas caixas menores estão empilhadas.

– Eu fiz... como você diz?

– Carinha de filhote caído da mudança?

Gregório abaixa o rosto para rir.

– Isso.

– Sempre funciona. – ajeito a perna do dedo machucado sobre uma almofada e então me ajeito para encará-lo atentamente. – Eu estou ainda mais curiosa do que estava há cinco minutos.

Gregório tira a gravata e joga junto com o paletó. Franzo as sobrancelhas; os trejeitos dele estão mais nervosos do que esperava.

- Vai fazer um strip-tease pra mim, é?

Dessa vez, ele cai na gargalhada. A tiradinha parece funcionar para dissipar essa aura esquisita, porque Gregório senta no sofá, cruzando uma das pernas sob o corpo para virar na minha direção.

– Faz um tempo que eu tô pensando no seu presente. Pensei em algum box de DVDs de terror ou algum livro sobre os seus monstros favoritos ou até uma fantasia de Jason. – Sorrio sem querer, apoiando o braço no encosto do sofá e o rosto nele; é minha pose contemplativa.

– É difícil achar fantasia do Jason nessa época do ano, o Carnaval passou faz um tempo. – Gregório responde com outro sorriso. Nervoso, de novo. Suas bochechas estão um pouco coradas, as mãos trêmulas.

– Lílian.

– Hm?

– Eu amo você.

Me arrasto no sofá para ficar mais próxima. Mais um pouquinho e consigo apoiar o joelho sobre o seu, encarando seus olhos verdejantes bem de pertinho.

– Eu também te amo.

Gregório respira fundo e para. Eu nunca o vi tão sem graça e desnorteado quanto nesse momento. Geralmente sou eu quem fica sem palavras na presença dele.

– Quer me dar o presente através de um segredo? – sugiro. Seu olhar fica mais suave, quase grato. – Só que eu não tenho nada pra...

Ele tira uma chave do bolso da calça. Meio enferrujada e velha, gira ela entre os dedos e deixa a atenção ali enquanto fala:

– Conversei com a Mila a respeito disso. E pedi a opinião da Sam. As duas disseram um sonoro e certeiro “vai fundo”, então... Eu estou tentando. – franzo as sobrancelhas; alguma resposta começa a se formar no fundo da minha mente, mas estou distraída com as palavras dele. – A Mila vai se mudar na semana que vem. O sobrado vai ficar pra mim, e eu queria muito... Quer dizer, se você quiser, claro. Você está bem confortável lá com a Samira e eu nunca pediria nada se soubesse que...

– Gregório. – corto ele só porque entendo essa coisa de perder os contextos e os fins de frase com o nervosismo, como ele está fazendo agora.

– Quer se mudar pra cá? Comigo?

Ele estende a chave; um novo segredo, como os muitos que sussurramos um para o outro com o passar dos meses. Uma nova história que ele quer dividir comigo. Um passo grandioso que me deixa sem palavras, num primeiro momento, com os olhos arregalados e o queixo caído. Gregório não me pressiona. Ele assiste enquanto as emoções passam por meu rosto, um pouco apreensivo a princípio, então cheio de compreensão e carinho e com um sorriso doce.

– Lírio, se for demais, você sabe que...

Eu o beijo. Subitamente, como ele fez ao ver as casinhas no quintal. Acabo me atrapalhando com o espaço e enrosco nossas pernas e Gregório cai para trás contra o braço do sofá. Ouço um baque suave da sua cabeça contra a estrutura – esse sofá já teve dias melhores – e nós dois começamos a gargalhar, interrompendo o beijo.

– Desculpe – peço, me afastando para que ele se ajeite. Gregório não me deixa ir muito longe; com cuidado para que eu arrume minha perna, ele me puxa para seu colo, apoiando as mãos em meu quadril. – Eu quero.

– Hm?

– Eu quero me mudar para cá – Sussurro. Um calafrio se espalha em meu corpo. Aquele frio na barriga que acompanha situações novas, decisões arriscadas e deliciosas.

Gregório está sorrindo quando o devaneio some; pego a chave dos seus dedos e aperto entre os meus. Um objeto tão simples que significa tanto.

– Eu vou me mudar para cá. – Testo as palavras. A sensação é confortável, emocionante. Tal como os toques e os beijos e a presença do meu garoto.

Gregório se senta e me ajeita em seu colo, com uma perna de cada lado do seu corpo. Apoio as mãos atrás de seu pescoço, contemplando os olhos verdejantes e o sorriso caloroso e a certeza de que esse momento, essa decisão imensurável, é inesquecível como todos os outros.

– Vamos ser colegas de quarto. – Ergo uma sobrancelha na melhor tentativa de malícia que consigo falsear. Gregório aperta os lábios em minha bochecha quando ri.

– Eu deveria te apresentar meu quarto, então?

– Ah, eu gostaria de um tour por ele. Ouvi dizer que a cama é muito confortável. – O riso continua e eu poderia ficar aqui, neste sofá, abraçada ao Gregório e à sua gargalhada apaixonante, para sempre. Mas ele tem outros planos, graças a Deus, porque fica de pé e me iça para o seu colo de novo.

– Lírio?

– Hm? – Ergo o rosto para encará-lo. As feições belas, os lábios tentadores, as íris com todos os tons de verde possível.

– Bem-vinda.

 

 

                                                                  Denise Flaibam

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

 

 

      

 

 

O melhor da literatura para todos os gostos e idades