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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


CATAMOUNT NA HERDADE DOS ALOÉS / Albert Bonneau
CATAMOUNT NA HERDADE DOS ALOÉS / Albert Bonneau

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

O Rio Grande do Norte corria preguiçosamente ao luar e as suas margens planas e arenosas pareciam desertas. No céu, sem nuvens, as estrelas brilhavam; aqui e ali uma ligeira névoa elevava-se do rio. Parecia que a região estava completamente abandonada e, no entanto, de um lado e outro da fronteira vigiava-se. Os rangers estavam de sentinela, na margem americana; na margem mexicana e com intervalos mais largos, patrulhavam os rurales.
O martelar dos cascos de um cavalo perturbou, enfim, o silêncio e, contornando uma ligeira elevação situada perto do rio, apareceu a silhueta de um cavaleiro envolvido numa ampla capa e montando um cavalo negro. O sombrero que o desconhecido tinha também era negro, bem como era negro o seu fato. Além disso, pormenor que não teria deixado de surpreender ou de inquietar qualquer pessoa que tivesse encontrado o solitário viajante, uma máscara negra escondia-lhe o rosto.
O homem, que com mão firme conduzia a montada, abrandou pouco a pouco a sua marcha e, tendo descoberto um grupo de rochedos, parou o animal e apeou-se rapidamente.
- Sou o primeiro, murmurou, dando um rápido olhar em volta... Ainda não chegaram... No entanto estamos na hora!
O cavaleiro sacudiu a camada de poeira que lhe cobria as vestes e as botas e fêz uma festa na pelagem, úmida de suor, do seu cavalo negro. Depois, sob a capa, a sua mão apertou a coronha de um Colt que saía do coldre. Parecia visivelmente inquieto.

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Passaram-se alguns minutos durante os quais o indivíduo se pôs a andar para trás e para diante. Várias vezes parou a olhar de novo para as redondezas. O silêncio mantinha-se..
- Oxalá não se tenham deixado enganar! rugiu entre dentes...
De repente, o desconhecido deixou de reflectir e curvou-se ligeiramente, pondo-se atentamente à escuta. Sob a máscara, os olhos faiscaram..
- Ei-los! murmurou... Já não era sem tempo!... Mal o homem tinha pronunciado estas palavras, várias silhuetas apareceram à esquerda. Aproximava-se um pequeno grupo de cavaleiros, todos vestidos de preto e com máscara, como o indivíduo que chegara primeiro.
Em pouco tempo os recém-chegados alcançaram o lugar onde esperava o solitário. O cavaleiro que vinha à cabeça disse então, estendendo a mão:
- Buena noche, chefe!
- Buena noche, Diego!... Já estava com receio que os rangers vos tivessem surpreendido!
- Não há perigo, chefe! Soubemos tomar todas as precauções e foi por isso que chegamos um pouco
atrasados.
Os outros seis cavaleiros tinham parado as montadas alguns passos atrás de Diego, que rapidamente apeou, dirigindo-se ao seu interlocutor. Os dois homens deram um
rápido aperto de mão e depois, indicando os rochedos próximos e as suas sombras propícias, o chefe disse:
- Creio que estaremos ali optimamente para decidir.
Houve um murmúrio de aprovação; os seis cavaleiros apearam-se tranquilamente e sem dizer palavra dirigiram-se ao local que o chefe misterioso lhes acabava de indicar.
Os oito homens avançavam sem barulho, parecendo fantasmas, e os olhares que deitavam para as proximidades mostravam que receavam a todo o momento ser surpreendidos.
Mas nada se mexia na vizinhança e em breve pararam, com os cavalos, na escuridão propícia.
Em breves instantes, um dos cavaleiros reuniu os oito cavalos num sítio pouco afastado e durante esse tempo os companheiros começaram a instalar-se, pondo se de
cócoras e em semi-círculo em volta do chefe. O desconhecido, encostado a um rochedo, cruzou os braços e, antes de falar, esperou que cada qual estivesse no seu lugar.
A atitude respeitadora e o silêncio dos seis cavaleiros demonstrava que temiam ao máximo o chefe e foi ainda no mais profundo silêncio que este começou a falar:
- Reúni-vos aqui para vos confiar uma missão particularmente delicada e que exige de vocês uma vigilância e uma perícia fora do vulgar.
Houve um pequeno silêncio, durante o qual o chefe observou os seus acólitos, com os quais bem sabia que podia contar em todas as ocasiões.
- Fale, chefe, disse Diego, estamos prontos a executar cegamente as suas ordens!
- Bem sei; não duvido um instante só da vossa obediência, mas as missões de que até aqui vos tenho encarregado são uma brincadeira em comparação com aquela que deveis
cumprir!... Trata-se de fazer desaparecer Catamount!...
Estas palavras produziram no grupo certa emoção e ouviram-se uns murmúrios. Embaraçados, os homens do grupo olharam-se mutuamente. Por fim, Diego decidiu-se a objectar:
- Esse Catamount é o diabo! O chefe bem sabe que êle tem uma estrela boa a protegê-lo, Várias vezes já tentamos livrar-nos dele e tem sempre escapado com uma habilidade,
que é prodigiosa ...
- Bem sei, mas se não conseguiram o pretendido, foi por falta de coesão do grupo.
- O chefe tem razão, disse um dos desconhecidos. Bem podíamos embuscar-nos e metermos uma
bala na cabeça desse maldito ranger, livrando-nos dele de uma vez para sempre!
- Carai! berrou o chefe... Vejo que não me compreenderam. Não se trata de matar Catamount, mas de o apanhar vivo. E absolutamente indispensável para bom êxito do
plano que arquitectei.
Estas declarações provocaram um verdadeiro espanto no auditório e novas objecções se fizeram ouvir:
- Agarrar vivo Catamount, isso é impossível!..,
- Esse ranger do diabo é manhoso como uma raposa!...
- Quando se agarra uma serpente, esborracha-se-lhe a cabeça. Uma bala.. ,
- Lembre-se, chefe, que foi êle que impediu a razia no rebanho do ranch 28...
- E foi por causa desse maldito que os nossos bons amigos Ned Sunter e António Marcade foram enforcados!..
- Só por si vale mais que todos os rangers de El Paso, comandados pelo major Morley. Quando morrer, cada um de nós oferecerá uma vela a Nossa Senhora de Guadalupe!
- Pouco importa, interrompeu o chefe, e já esperava essas objecções. No entanto, repito que, mais do que nunca, convém apanhar vivo esse gringo maldito e, durante
algum tempo, pô-lo em estado de não fazer mal.
- Para sempre, chefe! protestou Diego.
- Não tenho por costume, amigo, ouvir discutir as minhas ordens!
Estas palavras foram pronunciadas por tal forma, que os sete homens compreenderam que qualquer discussão seria inútil. Aliás, o chefe acrescentou:
- Não julguem que arquitectei o meu plano sem pensar em lhes facilitar a tarefa. Podem armar-lhe uma embuscada sem correr o menor risco..
- Catamount é desconfiado e adivinhará logo que o queremos atrair a uma armadilha.
- Madre de Dios! praguejou o chefe; tenho uma isca para o atrair.
- Uma isca?
- De momento não posso dizer mais nada.
- Mas, objectou Diego, não espera que possamos capturar o ranger se nada soubermos dos vossos
projectos...
- Receberão as minhas instruções quando tiverem de novo atravessado o Rio Grande. Conhecem Rincon Sutte?
- É claro, retorquiu Diego; fica a cerca de trinta milhas do Presídio do Norte, mesmo na margem do Rio Grande.
- É aí mesmo. Se os rangers do major Morley fizerem um reconhecimento, vocês conhecem bem o terreno e podem fugir-lhes.
- E se conseguirmos o nosso fim, que lucro tiraremos? preguntou o homem mascarado, que se achava acocorado junto de Diego.
- Tem razão, disse outro; mais uma vez estamos dispostos a arriscar a pele, mas só se der a mecha para o sebo.
- Já alguma vez, que tenha recorrido aos vossos serviços, ficaram a perder? O que preparo pode oferecer-nos a melhor ocasião de toda a nossa vida. Catamount apanhado
e posto como reféns, podemos rir-nos dos esforços dos rangers durante alguns dias e aproveitar da sua perturbação. Enquanto o major Morley e os seus acólitos se
esforçam por encontrar o cavaleiro desaparecido, agiremos nós. As operações que preparamos terão sucesso e o gado atravessará o Rio Grande em Águas Calientes. Se
tudo se passar bem, cada um de vocês recebe cinco mil dólares!
- Cinco mil dólares!...
A promessa arrancou numerosas exclamações. Na verdade, era a primeira vez que o chefe prometia tão grande soma.
- Os cinco mil dólares serão entregues a cada um quando me levarem o gringo, de saúde, ao sítio que sabem. Não lhe toquem nem com um cabelo!
- Esteja sossegado, chefe. Mas bem entendido que esse gringo maldito irá só...
- Ninguém o acompanhará. Aliás, vocês bem sabem que Catamount trabalha só e que raramente anda escoltado.
- Se não o deixarmos sacar do Colt... resmungou um dos homens. O Catamount é o melhor atirador da região vizinha da fronteira!
- Vem cá, Diego. Quero fazer-te umas recomendações essenciais.
O interpelado obedeceu e, sem dúvida, as palavras
que lhe segredou o chefe foram do maior interesse, pois os seus olhos brilharam como brasas.
- Carai! O Chefe é um ás! Compreendido. Faremos isso mesmo.
Os seis cavaleiros que acompanhavam Diego estavam profundamente intrigados e bem desejavam saber o que o chefe tinha dito ao companheiro, mas não ouviram nem uma
palavra.
- Não esperemos mais, disse o chefe. A cavalo! Num instante, os oito homens levantaram-se.
Enquanto o desconhecido foi buscar o seu cavalo preto e se preparava para montar, Diego e os seus acólitos dirigiram-se às montadas e sem palavra montaram também.
O chefe esperou que os subordinados se afastassem ...
O pequeno grupo, precedido por Diego, afastava-se a galope em direcção do Rio Grande. Durante um minuto o chefe olhou-o e depois a sua vista inspeccionou com inquietação
a vizinhança. Temia sempre a presença dos rurales, mas as margens estavam desertas e apenas, ao luar, se destacavam as silhuetas dos sete cavaleiros, que se afastavam
a todo o galope.
- E agora podemos afastar-nos, amigo.
Certo de que os seus homens já não podiam ser surpreendidos, o desconhecido meteu esporas ao cavalo e, voltando as costas ao rio, a galope largo contornou as colinas
vizinhas e em pouco tempo sumiu-se nas trevas.
Diego continuava a avançar ao longo da margem; conhecia admiravelmente aquelas regiões e sabia que a menos de três milhas havia um vau, que lhe permitia atravessar
o Rio Grande nessa época do ano, em que a seca era grande. Mas ao cabo de um momento parou o cavalo com mão segura.
- Amigos, é inútil conservar por mais tempo as máscaras, disse êle.
Cada um apeou-se e tirou a máscara, escondendo-a apressadamente nos alforges da sela. As caras rudes dos cavaleiros apareceram então ao luar. Todas elas queimadas
do sol, três delas tinham os traços característicos dos mestiços. Aqueles homens eram verdadeiros arsenais ambulantes e, sem dúvida alguma, constituíam os tipos
mais temíveis de desesperados, esses bandidos que sem piedade saqueiam as herdades e as explorações vizinhas da fronteira.
A paragem foi de pouca demora, pois o último cavaleiro em fila, levantando-se bruscamente nos estribos, gritou, apontando umas silhuetas que apareciam na margem oposta:
- Atenção!... Os rangers!
Estas palavras causaram no pequeno grupo grande perturbação. Se há pouco esses homens estavam convencidos de levar a bom termo a missão que o seu chefe misterioso
lhes confiara, agora sentiam-se invadidos de um terror instintivo, ao ouvirem anunciar que os famosos cavaleiros, que faziam guarda vigilante na fronteira que separa
os Estados-Unidos
do México, patrulhavam perto do local em que se preparavam para atravessar o Rio Grande.
- Para trás!
Diego indicou aos seus companheiros uma porção de algodoeiros perto do rio e os cavaleiros rapidamente se esconderam entre eles. Bem sabiam que os rangers não tentariam
atacá-los ou atirar-lhes enquanto estivessem em território mexicano, no entanto essa intervenção intempestiva pareceu-lhes de mau agouro para a empresa que se propunham
levar a cabo.
Os rangers tinham notado a fuga precipitada dos cavaleiros e três dentre eles aproximaram-se do Rio e chegaram, mesmo, a meter os cavalos à água, mas os fugitivos
já tinham alcançado a sombra propícia e esperavam, escondendo-se o melhor possível para não despertar a desconfiança dos detestados gringos.
Durante bastante tempo, do seu esconderijo Diego e os seus homens seguiram as evoluções dos cavaleiros e esperaram ainda bastante, antes que os seus intrépidos adversários
desaparecessem. Receavam sempre novas complicações.
Por fim, cerca das três horas da madrugada, Diego e os seus companheiros decidiram aventurar-se de novo em direcção ao Rio Grande e fizeram-no com extrema prudência.
Diego, que partira sozinho, em reconhecimento esclarecedor, descobriu que os rangers se tinham estabelecido perto do vau que tencionavam passar e, por isso, não
teve outro remédio senão encaminhar-se
ao vau mais próximo, que ficava a umas vinte milhas, a fim de passar a fronteira e preparar, na margem do Texas, a temerária e difícil embuscada que devia fazer
cair em poder dos desesperados o mais célebre ranger do Texas.
II
O desaparecimento de Gladys Sterr
- É inacreditável! Sempre gostava de saber o que fazem os seus rangers?!
Eric Sterr, o célebre ganadero de San Carlos, sublinhou estas palavras com um violento soco em cima da mesa atulhada de papéis e relatórios. Imóvel na sua frente,
sentado à secretária, o major Morley, chefe dos rangers do Texas, esperara, com os polegares metidos nas cavas do colete. Não se teria podido surpreender nesse momento,
na fisionomia rude e impenetrável do ousado cavaleiro, a impressão que nele provocavam as palavras que lhe acabava de dirigir o seu interlocutor, um homem pequeno,
gordo e reboludo, cuja face se congestionava visivelmente.
- Por Deus, tenha calma, sr. Sterr! Não é praguejando ou perdendo o domínio sobre si próprio que consegue qualquer resultado. Pregunta o que fazem os meus rangers,
sr. Sterr? Cumprem galhardamente o seu dever. Garantindo-vos que vossa filha vos será entregue, não disse palavras no ar...
- Mas Gladys já desapareceu há dois dias e os seus homens não descobriram a menor pista, ou o mais pequeno indício!
- O que não significa que a sua filha esteja perdida, sr. Sterr. Tenho a certeza de que a encontraremos.
- E enquanto se espera, está ela em poder de um misterioso raptor! Quando pensamos na terrível sorte que esse miserável lhe pode ter reservado, eu e minha mulher
não podemos parar. Julgamos ser vítimas de um pavoroso pesadelo!
- Perdão, sr. Sterr, mas o senhor passa por ser um dos homens de maior sangue frio da região.
- Quando se trata de business posso, na verdade, encaixar os socos mais fortes, mas agora é a existência e a honra da nossa filha única que está em jogo!
E esboçando um gesto de desespero, o criador de gado continuou:
- Quando penso que aquela imprudente foi sozinha para o Rio Grande! E, no entanto, minha mulher bem a preveniu! Já há algum tempo que os nossos compunchers tinham
notado vultos suspeitos, rondando nos limites do rancho. Mas Gladys é de uma temeridade e imprudência!...
- Pelo que nos toca, não poupamos esforço algum para encontrar a desaparecida. Devo mesmo dizer que o melhor dos meus auxiliares, o famoso Catamount, está actualmente
a procurá-la.
- By Jove? Catamount?! Aquele a quem chamam "o homem dos olhos claros?
- Ele mesmo em carne e osso.
Eric Sterr conhecia de longa data a reputação do ranger e, por isso, estas palavras pareceram sossegá-lo. O major prosseguiu então com a sua voz sempre afectada:
- Catamount partiu ontem. Dei-lhe todas as indicações susceptíveis de o levar a uma boa pista. De resto, já vai saber: ei-lo que chega...
O major Morley levantou-se e, dirigindo-se à janela que ficava próxima, apontou ao seu visitante um cavaleiro que acabava de entrar no pátio, montando um magnífico
alazão e seguido de outro cavalo.
Mal Eric Sterr viu o cavalo sem cavaleiro, que o ranger trazia à arreata exclamou:
- Mas é o "Benny"! O cavalo de minha filha!
- Como vê, sr. Sterr, Catamount não vem com as mãos a abanar.
- Mas preferia que me trouxesse a pequena.
- é claro, mas quando êle está em causa não há que desesperar, garanto-vos!
Enquanto os dois homens continuavam a discutir, o ranger parou diante da porta do posto de Alamito onde, por vezes, o major estabelecia quartel general. Montava
o "Mesquita", o seu fiel alazão, e a camada espessa de poeira que cobria a pelagem úmida do animal indicava que acabavam de fazer grande caminhada. Os safões de
couro ou chaparejos, que Catamount punha sempre para cavalgar nas regiões fronteiriças, estavam rasgados em vários sítios pelos bicos dos cactus e dos espinhos.
- Olá, Catamount. O que há de novo ?
Alguns rangers, que esperaram sentados num banco, começaram a interrogar o recém-chegado, mas o homem de olhos claros afastou-os com um gesto. Não tinha por costume
tagarelar com os camaradas antes de dar ao comandante conta da sua missão. Apeando-se com desembaraço, entregou as duas montadas a um vizinho; depois, sem ter quási
tempo de respirar, seguiu pelo corredor e foi bater à porta do escritório do major.
- Entre depressa! Estamos à sua espera. Catamount não esperou que lhe repetissem a
ordem. Sem dar tempo ao major de pronunciar uma só palavra, o criador de gado dirigiu-se a Catamount e agarrando-lhe por um braço disse:
- Suplico-vos, fale-me da minha filha... Onde está ela? Viu-a?
- Refere-se certamente a miss Gladys Sterr, disse o homem dos olhos claros, a quem o seu chefe fizera sinal que podia responder ao seu visitante. Com muita pena
minha não vos trago seja quem for. Apenas encontrei aquele cavalo, que pastara à beira do Rio Grande, próximo de Twin Creck. Descobri também na erva este derringer,
que certamente reconhecerá ...
Dizendo isto, o ranger tirou da algibeira um gracioso derringer, de coronha com incrustações feitas com pregos de oiro, que estendeu ao ganadero. Eric Sterr pegou
na arma com mão trémula.
- É o revólver que Gladys trazia sempre consigo
disse com uma voz embargada pela comoção. Reconheço-o perfeitamente...
- Duas balas que estavam no tambor foram disparadas, explicou o ranger, o que claramente indica que miss Gladys Sterr foi atacada e se defendeu antes de ser raptada.
E enquanto os seus dois vizinhos o escutavam com profundo interêsse, Catamount apressou-se a dar conta da sua missão:
- Os traços ainda frescos que pude descobrir em Twin Creck, sobre a erva queimada do vale, demonstraram-me amplamente que miss Gladys Sterr foi vítima de uma cilada.
Enquanto cavalgava ao longo do rio, um homem que se escondera atrás de uma moita agarrou-a por meio de um laço. Com efeito, pude descobrir o sinal de um corpo que
caíra pesadamente no chão. Miss Gladys Sterr não perdeu os sentidos e tentou levantar-se, defender-se, e foi nesse momento que conseguiu deitar a mão ao revólver
e fazer fogo duas vezes contra os seus adversários.
- Os seus adversários ? Objectou Eric Sterr. Mas só me falou de um homem com laço..
- Naturalmente, mas outros esperavam embuscados de cada lado do caminho que sua filha seguia. Aproveitaram-se da circunstância de estar por terra a debater-se, ainda
sob a comoção da surpresa, para a atacarem e a rodearem por todos os lados. Foi nesse momento que ela fez fogo e o seu gesto não foi em vão, pois notei algumas manchas
de sangue na erva. Um dos bandidos, pelo menos, foi atingido.
- Mas quantos eram?
- Pelo menos meia dúzia. Tinham deixado os cavalos a pouca distância, mas certamente nem tudo correu à medida dos seus desejos e tiveram de fugir mais rapidamente
do que tinham pensado, pois abandonaram o cavalo da sua vítima, o que permitiu descobrir logo o local onde teve lugar a selvática agressão.
O criador de gado olhou com espanto para o major:
- Quando penso que ela foi para os lados de Twin Creek e que os meus compunchers a procuravam numa direcção oposta...
- Não fizeram mais do que obedecer às suas ordens, mister Sterr, ripostou o major. Não disse também o senhor que sua filha tinha seguido em direcção a Necklace Wood?
- E certo tê-lo dito, pois ela própria o dissera antes de se afastar.
- E uma atitude que pode parecer bastante estranha, sr. Sterr. Porque motivo quis a sua filha induzi-lo em erro?
O criador de gado teve um gesto de desfalecimento e sentou-se na cadeira que estava colocada em frente da secretária do major:
- Sabe-se lá ao certo o que pensar de uma rapariga de hoje! murmurou com um profundo suspiro.
- No entanto, não vejo a razão por que miss Sterr vos enganou. Teve certamente motivos sérios para proceder assim.
- É bastante provável, mas creio que o fez obedecendo ao seu habitual espírito de contradição. Que feitio infernal! Bastava que os meus homens declarassem que era
arriscado ir a certas regiões vizinhas do Rio Grande, para imediatamente correr para lá! O perigo atrai sempre aquela audaciosa, tal como a luz atrai a borboleta!
O granadero puxou do lenço e enxugou o suor que lhe escorria pela cara. Imóvel, Catamount esperava. Não obstante a difícil cavalgada que fizera, o ranger parecia
estar numa óptima disposição. A sua máscara rude exprimia ao mesmo tempo coragem e franqueza e a sua completa calma contrastava com a agitação de que estava possuído
o pai da desaparecida.
- Mas enfim, disse Eric Sterr, porque não seguiu a pista até mais longe?
- Não a segui, sr. Sterr, pela simples razão de que os raptores levaram a sua filha para território mexicano. Rápidas investigações permitiram-me situar precisamente
o sítio onde atravessaram o Rio Grande. Uma vez que já não estavam em território do Texas, não podia aventurar-me em território estrangeiro,
- No entanto fê-lo várias vezes...
- É certo, mas para tanto tinha obtido prévia autorização do meu chefe. E por vezes tinha, também, obtido o consentimento das autoridades mexicanas e dos rurales,
com os quais muitas vezes colaborei. No caso que actualmente me diz respeito, não podia agir por iniciativa própria.
- E entretanto minha filha debate-se em poder de um bando de criminosos! Quem sabe se não a assassinaram já?!...
Catamount abanou a cabeça.
- Sossegue sr, Sterr, a sua filha vive certamente, E evidente que se os miseráveis que a raptaram a quisessem matar, a teriam mais facilmente liquidado quando ela
se defendia e procurava libertar-se do laço.
O semblante do criador de gado desanuviou-se um pouco com esta declaração.
- Catamount tem razão, disse o major Morley. Se esses malandros se apoderaram de miss Gladys, foi unicamente porque desejavam conservá-la como refém. Sabem que o
senhor possui suficientes meios de fortuna. E cedo ou tarde receberá um aviso, dizendo que pode encontrar a desaparecida mediante o pagamento da quantia fixada pelos
raptores..
A ser assim, objectou o ganadero, porque não recebi ainda nada?
- Porque esses gentlemen esperam ainda. O acontecimento é recente demais e arriscar-se-iam, manifestando a sua existência, a chamar sobre eles a atenção de quem
querem despistar.
- E então, com esse pretexto, vai aconselhar-me a cruzar os braços ?...
- Não se trata de cruzar os braços, retorquiu Catamount. Tenho por costume, quando me encarrego de um assunto, levar a tarefa a bom fim por mais complicada que seja.
Vou fazer tudo o que estiver nas minhas posses para encontrar sua filha!
O homem dos olhos claros pronunciara estas palavras com uma tal segurança, que o outro se sentiu profundamente chocado. Aliás, o major apressou-se a acrescentar:
- Se Catamount fala assim, é que tem razões sérias para crer que triunfará.
- Tem confiança em mim, sr. Sterr?
O ranger voltou-se para o pai da desaparecida e fitou-o demoradamente. Os olhares dos dois homens cruzaram-se. Então, Eric Sterr compreendeu que tinha na sua frente
um rapaz de têmpera pouco vulgar. Levantou-se e com um tremor na voz declarou:
- Tenho confiança em si!
O ganadero estendeu a mão, que o ranger apertou vigorosamente.
- Oiça bem, sr. Sterr: hei-de trazer-lhe a sua filha, ou perderei a vida! Nem que tivesse de ir até ao fim do México, havia de lha trazer sã e salva!..
- Suponho que porá os outros rangers à disposição deste corajoso cavaleiro, disse Eric Sterr, voltando-se para o major Morley.
- É inútil, sr. Sterr; Catamount não costuma estorvar-se com numerosos colaboradores. Geralmente trabalha só.
- E o único meio para obter resultados importantes e decisivos. Mas antes de partir é absolutamente necessário arranjar licença do meu chefe.
- Bem sabe que a tem, declarou o major. Se quiser telefono aos rurales do Presídio del Norte.
Não preciso para nada da ajuda dos rurales...
- No entanto, acrescentou o criador de gado, precisa levar certos papéis que o autorizem a agir em território mexicano e a exercer aí as suas funções, tal como se
estivesse no Texas.
-- Essa autorização é inútil, sr. Sterr, respondeu Catamount. Os rurales são extremamente ciosos das suas prerogativas. Aliás, é preciso agir com rapidez e encontrar
miss Sterr no mais curto espaço de tempo...
- Mas pode suceder ter de combater os rurales...
- Estou habituado a livrar-me tanto das manobras dos rurales, como das dos desesperados. Se o major me der carta branca, prefiro agir assim.
- Não tem que ter receios quanto a Catamount, disse o chefe dos rangers. Não é a primeira vez que ele trabalha dessa forma para esclarecer um caso urgente.
- All right! Nessas condições não lhe posso servir para nada?
- Absolutamente para nada. Exijo apenas da vossa parte paciência e resignação completas. E possível que passem vários dias sem que saiba nada, não esqueça que Catamount
está alerta e irá até ao fim para encontrar a sua filha e castigar os raptores.
O sangue frio com que o ranger pronunciou estas palavras impressionava cada vez mais favoravelmente o ganadero. Sentia dissiparem-se as apreensões que o obsecavam
quando entrara no escritório do major.
- E parte imediatamente? preguntou ainda.
- É apenas o tempo de renovar as minhas provisões e cartuchos, de beber alguma coisa e monto a cavalo.
- O "Mesquita" deve estar arrazado, objectou o major, vá buscar outro cavalo.
- É inútil. Posto que não tenha a resistência do meu velho e querido "King", o "Mesquita" é um excelente cavalo. Não posso dispensá-lo para levar a bom termo a minha
missão.
- Nessas condições não insisto, respondeu o major, sorrindo.
E enquanto o seu auxiliar lhe dava um rápido shake hand, o major disse, virando-se para o criador de gado:
- Um conselho, sr. Sterr: não se enerve. Conheço bem Catamount, desde que entrou para os rangers, e posso afirmar que nunca foi mal sucedido.
- Se Catamount conseguir trazer-me Gladys, pode contar com uma recompensa real.
O major Morley sorriu e encolheu os ombros:
- Esquecime de acrescentar: tem um absoluto desinteresse. Não vos pedirá nem um centavo e até se melindraria se lhe fizessem qualquer oferta!
- No entanto, insistiu Eric Sterr, não é por espírito de filantropia que arrisca a vida!...
- Catamount teve um passado bastante escuro, retorquiu o major. Durante anos da sua mocidade foi um outlaw cuja captura, cuja própria vida, estava a prémio. Regenerou-se
e hoje vive para perseguir
os criminosos. E isso o que o torna tão diferente dos meus outros auxiliares.
Enquanto os dois homens se separavam, Catamount dirigiu-se ao bar que servia de cantina dos rangers. Matou a sede, completou as suas provisões e recebeu alguns cunhetes
com cartuchos.
Os rangers, que em grande número estavam no bar, assediaram então com preguntas o homem dos olhos claros. Catamount apenas lhes respondeu com um sorriso evasivo
e breves palavras e eles não insistiram, pois sabiam que o seu colega era discreto.
- Good bye! disse o ranger quando estava prestes a partir.
- Good bye! e fazemos votos para que voltes com a rica herdeira...
Apertando rapidamente a mão aos companheiros, o homem dos olhos claros desceu ao pátio e dirigiu-se para o seu cavalo. O "Mesquita" manifestava certo nervosismo,
pois estava rodeado de um enxame de moscas e moscardos, que o espicassavam sem piedade.
Catamount estendeu a mão para afagar o cavalo, mas imediatamente largou uma praga. É que acabava de reparar num pequeno quadrado de papel que estava pregado num
dos alforges. Deitou-lhe a mão e leu então estas palavras, escritas a lápis e à pressa:
" Toma cuidado, Catamount. Se tens amor à vida não tentes encontrar Gladys Sterr...
II
O Rapto de Catamount
O ranger não perdeu tempo a ler duas vezes a desconcertante mensagem e disse, voltando-se para os camaradas que o olhavam com espanto:
- Trata-se de uma brincadeira? Se assim é, tenho a dizer-lhes que é de muito mau gosto!
Os homens que estavam de volta protestaram, pois indignava-os que Catamount os julgasse capazes de se rirem dele.
- Têm a certeza que nenhum de vocês veio aqui pregar esta mensagem?
- Conheces bem a nossa letra, retorquiu aquele que estava mais perto.
- Mas então, disse o homem dos olhos claros, é que alguém conseguiu esgueirar-se até ao sítio onde o "Mesquita" estava preso...
- Não vimos ninguém, responderam em coro os outros rangers.
- By Jove! Mas eu não estou doido!...
- Estávamos no bar, disse Nat Corney, um dos
subalternos do major, e a pessoa que pregou esse aviso aproveitou-se da circunstância do pátio estar deserto.
Catamount mirou cuidadosamente em redor, mas nada viu de suspeito. Aliás, havia tantas pegadas no chão poeirento, que o mais perito não poderia descobrir qualquer
pista segura.
O major Morley e Eric Sterr apareceram no limiar da porta do posto; o ranger mostrou-lhes o estranho papel e, abrindo caminho entre os homens, disse:
-- Afastem-se, por favor. O signatário destas linhas não deve estar longe e ainda tenho algumas probabilidades de o encontrar.
E montando com desenvoltura, desapareceu entre nuvens de poeira.
O ranger atravessou rapidamente as ruas de Alamito e, quando já estava na planície onde pastavam várias manadas, descobriu, a cerca de meia milha, um ponto negro.
- Um cavaleiro! murmurou êle, pondo a mão na testa para proteger os olhos dos intensos raios de sol.
O que intrigava Catamount não era a presença do cavaleiro, mas sim a sua atitude precipitada, dando maior velocidade ao cavalo quanto mais dele se aproximava. Catamount
não hesitou então e, metendo esporas ao animal, dirigiu-se a toda a brida para o Sul.
- Go ahead, "Mesquita"! Havemos de o apanhar!
Começou então a caça ao homem e, posto que Catamount avançasse rapidamente, o fugitivo mantinha sempre a mesma distância.
Em menos de meia hora os dois homens abandonaram a zona cultivada do distrito de Alamito e a corrida era agora por uma vasta planície inculta,, onde havia umas fracas
manchas de cactus e algodoeiros. O ranger não conseguia cortar o caminho ao fugitivo, obrigando-o a deter-se nos arames farpados que dividiam o terreno e que estavam
já perto do Rio Grande.
Mas Catamount não desistia, pois tinha a certeza que o seu adversário não era senão o portador, talvez mesmo o signatário, do aviso ameaçador. Se conseguisse reduzir
a distância ainda de uma centena de passos, puxaria do Colt e, abatendo-lhe o cavalo,, pô-lo-ia à sua mercê.
Os dois cavaleiros corriam agora por terreno rochoso; blocos de diferentes tamanhos elevavam-se de cada lado da pista que seguiam. Era uma região que Catamount conhecia
admiravelmente e onde sabia que já se tinham feito inúmeras embuscadas, mas tanta pressa tinha de apanhar o fugitivo, que essa ideia não o estorvou e pouco a pouco
a distância entre os dois homens foi diminuindo.
A breve trecho Catamount sacou do seu Colt e com voz forte, que dominava o barulho da galopada,, gritou:
- Em nome da lei! Pare ou atiro!
O fugitivo não se mostrou decidido a acatar a
ordem e já Catamount estava perto dele quando o fugitivo, pondo-se a bater desesperadamente os braços, se destribou e caiu pesadamente no solo atapetado de erva.
Alguns segundos depois Catamount chegou ao local. Sem abandonar o Colt saltou a terra e ajoelhou-se ao pé do indivíduo que caíra e que se mantinha inerte. A queda
parecia ter sido fatal: o homem não se mexia; tinha a cara coberta de suor e poeira e os olhos fechados.
Catamount,. que por precaução conservava sempre o revólver apontado para o desconhecido, baixou-se mais e procurou levantar um pouco o corpo do homem. Era um mexicano
ainda bastante novo. Os traços fisionómicos denunciavam a sua origem indiana.
- Olá, amigo! Porque abalaste assim ?
O ranger agarrou o homem pela gola e sacudiu-o com vigor. Não estava morto; o pulso batia e a respiração parecia regular.
- Ao cair bateu com a cabeça e perdeu os sentidos, pensou Catamount.
O homem dos olhos claros sentia que as primitivas suspeitas se dissipavam e como trazia consigo o frasco do whisky dispunha-se a dar uns goles ao cavaleiro desmaiado
quando este, antes mesmo que o ranger pudesse reagir, lhe atirou à cara uma porção de pimenta. A dor foi tão grande que o desgraçado cambaleou, cego de todo! Então
o mexicano, cuja queda e desmaio não tinham passado de ardis, levantou-se e afastou o Colt que contra êle se virava.
- Aproximem-se, amigos. O gringo pertence-nos !
Catamount, que sofria horrivelmente, ouviu estalar os troncos dos arbustos e rastejar de um e outro lado da pista. Seis homens, que estavam embuçados por detrás
dos rochedos, surgiram e correram em auxílio do mexicano. O ranger, passado o primeiro momento de surpresa, defendeu-se obstinadamente e, dominando a dor que lhe
causava a pimenta, lutava vigorosamente com o miserável. Meio estrangulado pela mão forte que lhe apertava o pescoço, o fugitivo agonizava, mas os seus cúmplices
saltaram sobre o homem dos olhos claros e começou uma luta terrível. Atingido em cheio na barriga com um pontapé de Catamount, um dos agressores foi a terra e não
tentou mais tomar parte na luta. Um outro rolou com um formidável swing aplicado em plena cara, mas os cinco restantes desembaraçavam-se bem e um deles conseguiu
lançar mão do Colt que o ranger ainda empunhava. Então, de posse da arma, apontou-a, ao peito do ranger e gritou:
- Rende-te, gringo, ou faço fogo!
- Atira! É-me indiferente! Não passam de uns cobàrdões, que só pelas costas atacam os adversários !...
Grandes lágrimas caíam pela cara de Catamount e só a custo o desgraçado conseguiu distinguir as silhuetas dos seus vencedores, que o rodeavam por todos os lados.
Sentiu que lhe tiravam o cinturão e as armas e depois um véu negro desceu sobre os seus olhos; um dos agressores aplicou-lhe uma venda,
enquanto o outro, pelas alturas do coração, continuava a apoiar o cano do revólver.
Qualquer resistência era impossível. Exasperado por ter caído assim tão facilmente na armadilha de uns adversários desconhecidos, Catamount resignou-se. De momento,
tinha perdido a partida!
O ranger já se tinha debatido em situações tão críticas como essa e tinha levado a melhor; filosoficamente decidiu, pois, esperar.
-Desta vez o gringo já não nos escapa!
Estas palavras foram ditas em espanhol e o ranger compreendeu que todos os seus adversários deviam ser bandidos mexicanos, vindos do outro lado da fronteira. Mas
ficou muito surpreendido quando ouviu um outro dos inimigos dizer na mesma língua:
- E não o maltratem, hein! O chefe bem recomendou que o queria são e salvo!
Sob o véu que o cegava, os olhos de Catamount brilharam. Esta simples conversa indicava-lhe que a embuscada de que fôra vítima tinha sido preparada, organizada,
e que o aviso pregado nos alforges e a correria do misterioso cavaleiro não eram senão ardis destinados a induzi-lo em erro e a pô-lo mais facilmente à mercê dos
desconhecidos.
- Lacem o alazão, para transportarmos nele o gringo.
Esta ordem encheu de alegria o homem dos olhos claros. Não o separavam do seu fiel "Mesquita " e isto reconfortou-o.
Uma vez capturada a montada do ranger, mãos vigorosas colocaram-no na sela e o bom do animal estremeceu ao contacto familiar das pernas do seu dono. Os mexicanos
montaram e um deles preguntou:
- E agora, para onde vamos?
- Onde sabes e há que atravessar depressa
o Rio Grande.
- E não seria mais prudente esperar pela noite ?
- Também acho, mas entretanto vamos esconder-nos nos rochedos de. Yellow Butte.. Aí poderemos esperar tranquilamente que seja escuro.
O pequeno grupo pôs-se em marcha; os mexicanos rodeavam de perto Catamount, que cavalgava de mãos atadas atrás das costas e a cara sempre tapada pelo lenço preto.
O ranger, que sofria atrozmente, não deixava de raciocinar um segundo. O que tinha ouvido bastava-lhe para saber onde os seus raptores o levavam: para território
mexicano, do outro lado do rio. mas não compreendia as razões do estranho rapto de que fora vítima. No entanto, tinha a convicção de ter seguido a pista devida e
de que o aviso que lhe tinham pregado nos alforges demonstrava que os seus raptores não eram estranhos também ao rapto de Gladys Sterr. Quem sabe? Assaltando de
forma tão inopinada o ranger, aqueles miseráveis iam talvez fornecer, dentro em breve, o meio de descobrir a desaparecida e deitar por terra tenebrosos projectos.
IV
Em pleno mistério
Durante mais de meia hora os mexicanos continuaram a avançar, mas Catamount deu conta que caminhavam com as máximas precauções. Às vezes, um cavaleiro destacava-se
do grupo e afastava-se a galope. Minutos depois regressava e dava conta da sua exploração.
A certa altura, o avanço dos cavalos tornou-se mais difícil, os ouvidos de Catamount, treinados na identificação do mínimo barulho, notaram que os cascos dos cavalos
batiam em solo rochoso. Aproximavam se de Yellow Butte. O ramger conhecia maravilhosamente a topografia desta região. Sabia que a menos de duas milhas de Yellow
Butte havia um vau. Sem dúvida, era nesse local que os seus raptores se dispunham a atravessar o curso de água e a levarem-no para território mexicano.
Ouviu-se uma breve ordem. Os cavaleiros pararam. O ranger ouviu-os apear e a atmosfera em redor parecia menos tenebrosa. Tinham chegado a
uma região sombria, ao abrigo dos rochedos. Punhos vigorosos fizeram-no descer da sela e depois sentiu que o estendiam com precauções sobre a relva.
- Tens sede, amigo ?
O homem dos olhos claros fêz um sinal afirmativo. Sentiu então que lhe levantavam uma ponta da mordaça e os seus lábios colaram-se ao gargalo de uma botija cheia
de aguardente. Bebeu alguns goles e aquele líquido cordeal reconfortou-o.
Catamount, por mais desconcertante que a situação parecesse, não queria deixar de conservar todas as suas forças para fazer face, se fosse necessário, a qualquer
eventualidade e disse com ar bastante folgazão:
- É excelente a aguardente, amigo, mas não poderiam vocês tirar-me este lenço? É que faz um calor que derrete... Aliás, as vossas precauções parecem-me completamente
inúteis; há muito que conheço Yellow Bute e que venho acampar à sombra destes rochedos.
- Tenho muita pena mas não pode ser. Recebemos ordens terminantes a esse respeito. Enquanto não chegarmos ao fim da viagem não poderás ver.
- E posso saber o que querem de mim? Calculo que o vosso chefe, que tão amável se mostra comigo, não irá contratar-me como cowpuncher ou envolver-me num roubo de
gado...
- Ignoramos quais sejam as intenções do chefe, cortou com brutalidade o mexicano. Levamos-te à sua presença e depois fará de ti o que entender.
- Com mil diabos! Tem assim tanto interesse em me conhecer?
- Perdes o teu tempo se queres tirar nabos da púcara. Deves estar cansado e aproveita este alto para descansares um pouco.
Pelo tom no qual o mexicano pronunciou estas palavras, o ranger compreendeu que era inútil insistir. Deixou, pois, de falar e -estendeu-se tão confortavelmente quanto
lho permitiam as cordas que o atavam. Perto dele, os mexicanos instalaram-se e começaram a jogar o monte. Por vezes Catamount ouvia-os praguejar e invectivarem-se
e foi assim que soube que o chefe do pequeno grupo se chamava Diego, e outros tinham os nomes de Lopez, Mendez e Paquito.
Passaram três horas e cada vez mais o ranger se convencia de que esta aventura o levaria até aos raptores da rapariga.
Catamount pensou, no entanto, que os bandidos deviam ser habilíssimos e, dispor de poderosos meios. Bastava que tivessem espiões em Álamito para saberem rapidamente
que tinha sido encarregado de desfiar a meada. E este chefe desconhecido devia certamente ser um bandido de envergadura!
A atmosfera tornou-se mais fresca e Catamount compreendeu que a noite se aproximava. Os mexicanos, que tinham posto um deles de sentinela num dos rochedos vizinhos,
a fim de estarem prevenidos contra qualquer eventualidade, continuavam a jogar o monte e a voz de Diego, dominando a dos outros, restabelecia a ordem quando se insultavam.
Finalmente, os bandidos levantaram-se e o prisioneiro ouviu que se dirigiam para êle. Um deles certificou-se de que não tentara desembaraçar-se das cordas.
- Adiante, amigos.
Em menos de três minutos cada um pôs-se a cavalo, incluindo Catamount. Os mexicanos tomaram a precaução de se afastar contornando os enormes blocos que se erguiam
até ao Rio Grande. Cada um lançou mão da carabina, olhando para todos os lados, cheios de desconfiança. Os desperados não viram no entanto viva alma, nem traços
recentes de passagem. As circunstâncias favoreciam-nos, decididamente. E continuaram caminhando até ao rio.
Diego foi o primeiro a iniciar a travessia e a meter-se na água seguido pelos companheiros. Cinco minutos depois todos estavam na outra margem.
- Não hâ rurales - declarou Diego. .
Dito isto, a cavalgada pareceu um passeio e o pequeno grupo penetrou afoitamente em território mexicano.
Catamount, que continuava absolutamente impossibilitado de ver fosse o que fosse, calculou ter percorrido uma dúzia de milhas desde o Rio Grande, quando o andamento
das cavalgaduras se reduziu notavelmente e Diego gritou:
- Perez! Onde estás?
Ninguém respondeu e o desperado, metendo um dedo na boca, atirou um assobio. A certa distância respondeu um sinal idêntico. Catamount, cujo cavalo
parara como os demais, notou que alguém avançava através dos ramos. E uma silhueta surgiu em breve.
- Que diabo estás tu a fazer ? preguntou Diego.
- Estava a fumar ao pé do aloés, respondeu o interpelado, que parecia um tanto ofegante. Não os esperava tão cedo. .
- Julgávamos que o prisioneiro fosse mais bravo?...
- Não é possível, objectou Perez. Não pode ser o gringo!
- Pois é êle e ponho, se fôr preciso, as mãos no fogo. Aliás, quem uma vez viu Catamount não esquece a sua cara.
O ranger sorria ligeiramente sob o lenço que lhe tapava a cara. Nas palavras do mexicano traduzia-se admiração e receio, que o lisonjeavam.
Não viste os rurales por estas paragens ? preguntou Diego.
- Nem sombra.
- Bem. Agora já sabes o que há a fazer.
- Claro; conduzir o gringo até. .
- Silêncio, imbecil! Bem vês que se os olhos estão tapados, pode no entanto ouvir e não deve saber...
- Tens razão; esquecia-me...
- Vamos. A pé! Mendez e Lopez encarregar-se-ão deste tipo e Perez conduzir-nos-á. .
Os mexicanos obedeceram sem qualquer objecção. Catamount sentiu-se de novo tirado da sela e seguro por mãos sólidas. Depois, um dos homens agarrou o
pelos sovacos, outro pelas pernas e levaram-no conforme as ordens recebidas.
Esta operação não foi feita sem dificuldade, pois a vereda através da qual teve lugar, era bordejada de maciços espinhosos, que feriam a carne de Catamount. Passado
algum tempo, o prisioneiro percebeu que Perez metia uma chave numa fechadura e ouviu o ranger da porta que se abria.
- Entrem, ordenou Perez.
Mendez e Lopez, que tinham parado durante alguns instantes, obedeceram e, transportando o seu fardo humano, entraram no edifício. Um forte cheiro a frito surpreendeu
desde logo Catamount, que logo compreendeu que há pouco se tinha cozinhado nesse local. Mas os três mexicanos deixaram em breve o primeiro compartimento, para descerem
uma escada bastante íngreme. Sacudido constantemente, o ranger percebeu que o levavam para uma espécie de cave.
Catamount contou vinte-e-quatro degraus e ouviu depois outra chave a dar a volta na fechadura. Abriu-se uma porta. Perez, que precedia os outros homens, introduziu-os
numa cave, mal iluminada por uma fresta guarnecida de fortes varões de ferro. Deitaram -o ranger numa espécie de tenda de campanha, depois do que Lopez lhe tirou
a venda que o cegava.
- E agora, sr. gringo, será bem tratado e Perez vai-lhe trazer bebida e comida.
- Porque não me levam à presença do vosso chefe? preguntou o prisioneiro.
- Hás-de o ver quando chegar a altura. Por enquanto ficas aqui e já sabes que qualquer tentativa de evasão será implacàvelmente punida.
Catamount não insistiu. Os guardas verificaram mais uma vez as cordas que o atavam e saíram.
Passado algum tempo, o ranger começou a passear de trás para diante como um leão na jaula. Mas depois de um quarto de hora de passeio, a razão dominou a impaciência.
Sentia-se cansado e mais valia descansar o resto da noite, a fim de poder agir em tempo oportuno. Quem sabia se no dia seguinte não teria ocasião de se libertar
e pregar uma boa partida aos seus guardas?
Deitou-se e depois de várias voltas foi vencido pelo sono. Mas um ruído estranho em breve o fêz acordar. Levantou-se bruscamente, maldizendo as cordas que lhe paralisavam
os movimentos e logo descobriu que o barulho, que o acordara em sobressalto, vinha de fora. Eram vozes desconhecidas e, segundos depois, ouviram-se três detonações,
seguidas de mais outras.
O ranger aproximou-se da fresta e encostou-se à parede, escutando com atenção. Era fora de dúvidas que se travava um combate perto da prisão.
Subitamente, uma ideia assaltou o espírito do recluso, a de que os rurales tinham descoberto a pista dos bandidos e estavam a atacá-los. Sucediam-se ordens, proferidas
por um desconhecido, de
Mistura com tiros:
- Fogo! Matem esses marotos!
O ranger já não podia duvidar; aproximavam-se os seus libertadores. Então, erguendo-se nos bicos dos pés e levantando a cabeça em direcção à fresta, pôs-se a gritar
com quanta força tinha:
- Socorro! Socorro !
Mais duas vezes o prisioneiro gritou que o socorressem e passados alguns momentos ouviu que alguém se aproximava da fresta.
- Socorro!
Duas mãos possantes agarraram os varões de ferro, mas estes não cederam e a voz que há pouco tinha dado as ordens de fogo! preguntou então para baixo:
- Quem está aí? Quem chama?
V
Um libertador imprevisto
Catamount via distintamente o homem que lhe dirigia a palavra. Tinha uma cara tisnada pelo sol e emoldurada em curta barba, parecendo ricamente vestido. Fui aqui
fechado por aqueles bandidos!
- Que miseráveis! Cobardes! Mas onde está que não o vejo ?
- Na cave. Está só ?
- - Estou com cinco dos meus peonès. Mas o nosso pequeno grupo conseguiu pôr em fuga a canalha que aqui estava embuscada para nos roubar. Fugiram pelo chaparral.
Tão cedo não devem voltar e já aí vou com os meus homens.
- A porta da prisão está fechada a sete chaves.
- Não faz mal; trazemos boas machadas que nos Permitirão ir ter consigo em breve.
O desconhecido e os seus peones não se fizeram esperar e, pouco tempo depois, a porta do cárcere foi metida dentro. A primeira pessoa a aparecer foi o desconhecido
que tinha falado através da fresta.
- Obrigado! exclamou o ranger. Já pensava que esta prisão se prolongaria indefinidamente.
- Pepe, dá cá a tua faca, depressa!
Sem responder às palavras de agradecimento que o recluso lhe dirigia, o libertador virou-se para o peone que estava atrás dele e, pegando na arma que êle lhe estendia,
apressou-se a cortar as cordas que imobilizavam os pulsos de Catamount.
O prisioneiro estendeu com visível satisfação os braços dormentes e disse, dando um passo para o seu salvador:
- Acaba de me prestar um grande serviço! A quem devo o favor de me ter livrado de tão embaraçosa situação?
- Sou o fazendeiro Garcia Guerrero.
- O que tem a Herdade dos Aloés, no Estado de Grhihuahua"?
- Isso mesmo. Vejo com prazer que já conhece o meu nome.
- Sou do Texas, replicou Catamount, e percorro frequentemente as regiões vizinhas da fronteira. Aliás, quem não conhece o grande fazendeiro e a sua actividade nas
feiras de Santo António e de Abilene. Muito prazer em o conhecer, sr. Guerrero. Foi o meu salvador.
- Por Deus; não tive grande mérito. E quem é o senhor?
- Chamo-me Catamount.
- Como?! E o célebre ranger, cujas façanhas todos conhecem ?!
As palavras de Catamount parecia terem provocado no seu interlocutor um espanto indescritível; não cessava de mirar o ranger enquanto os seus peones, que pareciam
igualmente espantados, também o miravam com insistência e curiosidade.
- Foi Deus que o enviou, sr. Catamount, e vai dar-me a honra de aceitar a minha modesta hospitalidade na Herdade dos Aloés.
O ranger hesitou alguns segundos antes de responder ao convite. Pensava em Gladys Sterr, ainda em poder dos seus misteriosos raptores.
- Agradeço-lhe infinitamente. Aceito!
- A Mercedes é que vai ficar contente! exclamou Garcia Guerrero.
- Mercedes ?
- A minha filha única. Quantas vezes falamos àcêrca das suas façanhas! Mas é tempo de deixar esta espelunca, vai acompanhar-nos.
- Aqueles bandidos levaram-me o cavalo...
- Não faz mal. Porei à sua disposição o cavalo de um dos meus peones, que irá à garupa noutro.
Dando depois familiarmente o braço ao homem dos olhos claros, o fazendeiro encaminhou-o para a escada, todos saíram e, escolhidos os cavalos, montaram e puseram-se
a caminho.
Enquanto cavalgavam, o ranger disse para Garcia Guerrero:
- Foi pena não ferir um desses malandros. Poderia assim interrogá-lo e saber por que me atacaram e prenderam no outro lado do Rio Grande.
- Caramba! Esses miseráveis atacaram-no em território do Texas? É inacreditável! Conte-me a sua história.
Catamount não era pródigo em palavras, mas não hesitou em contar ao seu companheiro em que circunstâncias fora atacado quando se dirigia para o Rio Grande. Mas é
claro que não explicou qual era a missão de que estava encarregado e, por felicidade, o mexicano não lhe fêz preguntas embaraçosas.
- Que esse canalha tenha pretendido liquidá-lo,. sr. Catamount, não me parece estranho. Mas que o tenham levado prisioneiro para esta margem do Rio Grande é que
não compreendo! Que raptavam mulheres, sabia eu pelo sucedido à filha do Eric Sterr, com quem tanta vez negociei nos mercados do Texas...
O olhar do fazendeiro não se despregou do rosto de Catamount enquanto fêz esta alusão, mas o ranger ficou impassível e decidiu não fazer a mínima referência a Gladys
Sterr.
- Houve um pormenor que me feriu especialmente, atalhou o ranger. Aqueles desperados, cujo chefe se chama Diego, fizeram alusão a um certo chefe que, parece, desejava
conhecer-me e tinha dado ordens para que me tratassem com todo o cuidado.
- Dios mio! Mas a cave em que ô fecharam está longe de ser um palácio ou, mesmo, um quarto confortável!
- Desde novo que estou habituado aos piores incómodos e a dormir no chão. O que eu queria saber era a identidade desse chefe...
- O pormenor que me referiu, disse o fazendeiro com um gesto vago, surpreende-me e intriga-me ao mesmo tempo. Por mais que pense não sei quem possa ser tal chefe.
- Não tem aparecido desperados a roubar o gado nas redondezas da sua herdade?
- Os meus vaqueros estão bem armados e são corajosos. Aqueles que há anos se aventuraram até à herdade foram abatidos sem dó nem piedade.
- No entanto, há-de concordar que o facto de um chefe assaltar um ranger em território americano e ordenar rigorosamente que o transportem para Chihuahua, só para
o conhecer, é bastante anormal.
- Estou de acordo consigo nesse ponto, mas não vale a pena preocupar-se mais com tal gente. Caiu o pano sobre essa tragicomédia.
- Peço desculpa, mas não concordo, replicouCatamount. Caiu o pano, mas apenas depois do prólogo. O primeiro acto não tardará e faço votos para que, quando o pano
baixar pela última vez, seja o representante da lei o último a rir.
- Também eu faço votos para que assim seja, respondeu o mexicano.
Os dois homens, sempre precedidos dos peones, abandonaram a zona do chaparral e entraram nos terrenos e propriedades cultivadas e Catamount voltou a encontrar esses
vastos domínios dos ganaderos absolutamente semelhantes aos que conhecia do Texas.
A certa altura o hacendero parou bruscamente o cavalo e apontando para a esquerda preguntou:
- Não nota nada ali, sr. Catamount?
O ranger pôs a mão na testa, para se defender da luz, e logo viu uma barreira no meio da estrada e, perto dela, três enormes aloés, que se erguiam
para o céu.
- É a entrada da minha herdade, declarou Garcia Guerrero. Os três aloés é que lhe dão o nome que eu e minha filha lhe pusemos.
Os peones afastaram-se em direcção à barreira, seguidos pelo ranger e pelo seu libertador. Num rápido golpe de vista, Catamount verificou que as pastagens da herdade
de Garcia Guerrero estavam cuidadosamente irrigadas, a erva tinha uma côr verde viçosa e regos de água percorriam o terreno, onde se agrupavam manadas de bela aparência.
Um dos peones apeou-se para abrir a cancela e com os outros esperou que o hacendero entrasse primeiro. Depois prosseguiram o caminho durante três milhas, ao fim
das quais começaram aparecendo uma mata de pinheiros e as casas da herdade.
- Estamos a chegar, sr. Catamount, e calculo que lhe há-de saber bem descansar um pouco.
Catamount foi forçado a confessar que o encantava a ideia de dormir um pouco e sossegar o seu espírito atribulado. E já tinham entrado na mata quando, em sentido
contrário, viu aproximar-se, a galope largo, um cavaleiro montado num cavalo preto. Quando chegou a uns cinquenta metros do
grupo, Catamount não pôde reprimir uma exclamação.
- By Jove! Mas não me engano, é uma mulher!
- É minha filha, respondeu Garcia Guerrero ...
VI
Mercedes Guerrero
Em breves momentos a cavaleira chegou ao pé do fazendeiro e com mão segura parou o cavalo, que se empinou e relinchou de cólera.
- Já começava a estar inquieta, meu pai... Dizendo estas palavras, a rapariga olhou de soslaio
para o ranger e Catamount notou então a grande beleza da recém-chegada. Mercedes Guerrero tinha uns vinte anos. O cabelo preto, magnífico e cuidadosamente encaracolado,
dàva extraordinário realce à sua face morena, onde brilhavam dois olhos esplêndidos.
- Deves estar a preguntar aos teus botões com quem venho, disse o hacendero.
Mercedes inclinou-se um pouco para melhor examinar o cavaleiro que caminhava ao lado do pai e preguntou:
- Onde encontraste este cavaleiro ? Não é mexicano e deve ter vindo do lado de lá da fronteira.
- A minha filha é uma hábil fisionomista, disse Guerrero para o ranger, mas estou certo que está bem longe de suspeitar a sua verdadeira identidade. Este senhor
não é nem mais nem menos do que o célebre Catamount, de quem tantas vezes temos falado.
- Virgem Santa! Não é possível! - A rapariga sorriu, persuadida de que o pai estava a brincar com ela, mas o homem dos olhos claros apressou-se a dizer com grande fleugma:
- E como seu pai diz, senorita; sou na verdade Catamount, o ranger.
Desta vez Mercedes não esperou por mais para se vir colocar entre o hacendero e o seu companheiro e, enquanto prosseguiam no caminho, assediou Catamount com preguntas,
sem nunca deixar de olhar para esse aventureiro, cuja nomeada desde há muito se espalhara para além das fronteiras,
- E porque motivo vem o sr. Catamount à herdade? preguntou ela.
- Pela simples razão de ter sido raptado como qualquer rapariga bonita.
- Não é possível!...
- Pois é como o sr. Guerrero lhe está dizendo, senorita.
- Há-de me contar essa história; deve ser interessantíssima.
- Pela minha parte, retorquiu o ranger, não vejo o que possa ter de interessante ser assaltado pelas costas e feito prisioneiro por bandidos..
Andaram mais uma centena de metros e, a certa altura, Mercedes Guerrero disse:
- Aqui tem a Herdade dos Aloés.
O ranger fez um sinal de admiração e respondeu :
- Conheço muitos barões e ricos criadores de gado, no Texas, que invejariam uma maravilha destas. E um felizardo, sr. Guerrero!
- Feliz ? Nem sempre nos podemos fiar nas aparências.
Catamount surpreendeu então um olhar furtivo que o fazendeiro dirigiu à filha. Esta pôs-se a rir e declarou:
- Pela parte que me toca, sinto-me aqui como no paraíso. E a minha alegria é hoje ainda maior, por ter a grande felicidade de receber um dos meus heróis favoritos.
- Um herói bem modesto, acrescentou o ranger. Outros mereciam mais esses elogios.
O trio chegou diante da varanda e entrada principal da casa. Mercedes saltou rapidamente do cavalo e foi estender a mão ao ranger. Catamount, que era de seu natural
tímido em presença das mulheres, esboçou um gesto comprometido, mas Garcia Guerrero, que confiara os cavalos a um peon, tirou-o de embaraços, indicando o patamar
da escada ao seu hóspede:
- Entre, sr. Catamount, e faça de conta que
está na sua casa.
O ranger inclinou-se, subiu alguns degraus e
entrou a porta da casa. Mercedes ordenou então a duas criadas que tinham acorrido:
- Este senhor é nosso hóspede. Conduzam-no ao quarto chinês.
O ranger ia para dizer qualquer coisa mas, estendendo a mão, Mercedes indicou-lhe uma escada que ficava à direita. Catamount, resignado, decidiu-se então a seguir
uma das camaristas, mexicana alegre e fina.
Subiu a escada e penetrou num quarto maravilhosamente decorado ao modo chinês.
- Quando forem horas de jantar, a Carmencita vem prevenir o senhor, disse a criada, retirando-se.
Catamount fechou a porta do quarto e durante alguns minutos pôs-se a contemplar o sumptuoso aposento. Depois, vencido pela fadiga e pelas emoções, deitou-se e dormiu
profundamente, até que vieram bater à porta.
- What is it? preguntou êle com voz ensonada.
- Os senhores estão à espera lá em baixo para jantar.
- Está bem, desço já. O ranger procedeu rapidamente às suas abluções
- na casa de banho vizinha, vestiu-se e desceu a escada em cujo patamar Mercedes o esperava.
- Espero, sr. Catamount, que tenha descansado um pouco, disse ela.
- Descansei lindamente, sehorita.
- Então, vamos para a casa de jantar. Voul a frente para ensinar o caminho.
Entraram na casa de jantar, onde havia uma grande mesa, em redor da qual estavam muitas pessoas. E que Garcia Guerrero, conforme o costume das grandes propriedades
mexicanas, tomava as suas refeições em companhia do seu pessoal. Toda a gente da herdade, desde o mais humilde peon até aos vaqueros e ao maioral, sentava-se à mesa
com o senhor. As mulheres, que geralmente comiam à parte, ocupavam-se das cozinhas e em servir.
Logo que Catamount deu alguns passos na casa de jantar, o fazendeiro bateu as palmas e toda a gente que estava em redor da mesa se levantou como um só homem. Garcia
Guerrero indicou ao ranger que se instalasse entre êle e a filha e disse, apresentando-o à assistência:
- É uma grande honra para mim, amigos, dar as boas-vindas a um homem como este, cujo nome é tão conhecido dos dois lados da fronteira. Apresento-vos o sr. Catamount.
Estas palavras foram recebidas com vibrantes e calorosas ovações. O ranger inclinou-se levemente e agradeceu com a mão. Todos se sentaram e Garcia Guerrero, batendo
novamente as palmas, fêz sinal para começarem a servir.
A refeição, sem ser pantagruélica, era abundante e variada. Os pratos, preparados com azeite e fortemente apimentados, segundo o costume mexicano, incitavam a beber
o vinho que o hacendero mandava vir da Baixa Califórnia. Os molhos tinham igualmente pimenta de mais, mas Catamount comeu com
excelente apetite. E durante todo o jantar Mercedes Guerrero não deixou de lhe fazer preguntas e de o obrigar a contar certas aventuras
O ranger esforçava-se por satisfazer a curiosidade da rapariga e falou do "King", aquele seu maravilhoso cavalo, tão tragicamente desaparecido durante a luta que
em tempos idos tivera com o Imperador do rodeo e o seu bando sinistro, bem como falou de aventuras recentes que lhe sucederam durante a cheia do Mississipi. A rapariga
escutava maravilhada e a sua expressão demonstrava bem quanto apreciava a companhia do homem dos olhos claros.
O hacendero, pela sua parte, mostrava-se o mais amável possível e não teria tratado melhor o governador da província, se fosse êle o hóspede. O maioral Fabiano não
deixava de observar Catamount e os outros membros do pessoal, que falavam pouco, também, e não deixavam de observar com interesse o hóspede imprevisto do patrão.
Quando acabou o jantar e depois de um saboroso café, Garcia Guerrero e a filha levaram o ranger para o pátio.
- Tem um ar sonhador, sr. Catamount, disse Mercedes, aproximando-se do homem dos olhos claros, que se tinha acercado de um tanque de mármore, onde havia um repuxo.
Teria a atmosfera...
- Engana-se, senorita, não foi a "atmosfera". E que a vossa amabilidade e todo este paraíso não me fazem esquecer o cumprimento do dever.
- E qual é o seu dever? preguntou o hacendero, convidando o ranger a sentar-se a seu lado.
Catamount tirou um charuto da caixa que Mercedes lhe apresentou e respondeu após um momento:
- Conhece bem o que me sucedeu e as circunstâncias em que nos encontramos. Em breve darei a minha resposta, mas para tanto necessito de alguns esclarecimentos.
- Não sei, sr. Catamount, em que é que lhe posso ser útil, pois não tenho por costume lidar com os desperados.
- Mas ainda não ouviu falar de um grupo que se refugiou nestas regiões ?...
- Eu já lhe disse que esta região é calma. Talvez alguns dos meus vizinhos tenham tido razões de queixa, mas os meus vaqueros podem testemunhar nunca terem sido
vítimas de qualquer agressão.
O ranger não insistiu, mas lembrou-se, no entanto, de certos relatórios de que o major Morley lhe tinha dado conhecimento, em tempos, em El Passo e Alamito.
- É lamentável que os três rurales que me vigiavam naquela venta abandonada tenham conseguido escapar-se...
- Se tivesse sabido o que lhe sucedera, não teria deixado de agarrar esses homens, mas não media, nesse momento, a gravidade da situação. No entanto, parece-me que
se procurarmos um pouco encontraremos a pista dos bandidos. Todos desta casa estão à sua disposição.
- Agradeço-lhes infinitamente, disse o ranger, não se trata, de momento, de pôr toda essa gente em campo e um simples esclarecimento ser-me-ia mais útil. Aliás,
a maior parte das vezes tenho por costume agir só.
- Esse sistema é imprudente e bem o viu ainda há pouco, interrompeu Mercedes.
- O que não impede, objectou o homem dos olhos claros, que os meus sucessos sejam mais numerosos que os desaires.
- Quere então fazer um inquérito nesta região? preguntou o hacendero.
- Um inquérito é exagerado, retorquiu o ranger; é bom não esquecer que não posso invadir o campo de acção da polícia mexicana. De resto, encontro-me aqui em condições
tais, que não tenho qualquer documento que me autorize a permanecer neste território.
- Deve considerar-se aqui como em sua casa, disse Garcia Guerrero. Conheço o Governador e o Alcaide do Presídio del Norte e, se não tem os seus papéis em ordem,
farei tudo quanto puder para lhe arranjar as necessárias autorizações de permanência.
- O meu pai, interrompeu Mercedes, tem grande influência quer no Presídio, quer em Cuchillo Parado, quer em Cayamo. Pode, pois, estar sossegado. A obtenção dos papéis
necessários será uma simples formalidade.
O ranger pensou que, permanecendo na herdade e aceitando o amável convite de Garcia Guerrero, prosseguiria
no caminho traçado e cumpriria a missão que o chefe lhe dera, pois ligava o que se tinha passado ao misterioso aviso recebido e no qual se falava de Gladys Sterr.
- Agradeço-lhe infinitamente, sr. Guerrero. Ficarei.
- Caramba !... Até que enfim! exclamou o mexicano. Pode servir-se da minha influência para levar a bom termo as suas investigações e não hesite em falar-me com toda
a franqueza, se se sentir embaraçado.
Mercedes apoiava calorosamente o pai, mas, de repente, todos se levantaram, pois ouviu-se um barulho vindo do pátio e, a seguir, algumas pancadas violentas no largo
portão da entrada.
VII
A Prisão
Garcia Guerrero e a filha trocaram um rápido olhar. Catamount continuava preguiçosamente sentado, saboreando o seu charuto.
- A estas horas quem poderá vir incomodar-nos? resmungou o hacendero. Ouviu-se um barulho de vozes, que provinha de uma discussão à entrada. O hacendero dispunha-se
a ir ver do que se tratava quando o maioral Fabiano apareceu e lhe disse:
- Sr. Garcia, é o capitão Idurbal.
- O comandante dos rurales da região? preguntou a rapariga.
- Sim. Quere falar imediatamente ao sr. Garcia Guerrero e vem acompanhado por alguns dos seus homens.
- Está muito bem; faz entrar o capitão e os rurales para o pátio. Já vou saber qual o motivo da sua intempestiva visita.
E enquanto Fabiano se afastava, o hacendero, virando-se para Catamount, disse:
- Desculpe-me; não sei do que se trata.
- Está em sua casa! replicou simplesmente o ranger.
O homem dos olhos claros franziu a testa, pois a visita dos rurales a uma hora daquelas pareceu-lhe de mau agoiro, principalmente depois do seu hospedeiro lhe ter
assegurado que a região estava tranquila. O nome do capitão Idurbal não lhe era desconhecido. As relações entre os rurales e os rangers não eram, por via de regra,
boas, pois que, posto que os mexicanos cumprissem com o seu dever, estavam longe de obter resultados tão importantes como os obtidos pelo célebre corpo dos rangers.
A aversão inevitável da gente de Chihuahua para com os gringos contrastava bastante com a cordialidade que o hacendero e Mercedes haviam mostrado para com o seu
hóspede e tornava por vezes impossível o contacto entre eles. A maior parte das vezes, em vez de juntarem os seus esforços para a prisão e aniquilamento dos criminosos,
as polícias do Texas e de Chihuahua preferiam agir com inteira independência e quem beneficiava deste desastroso estado de coisas eram os outlaws e os desperados.
- Peço desculpa de o incomodar, sr. Guerrero, declarou o capitão cumprimentando o hacendero, mas os deveres do meu cargo obrigam-me a procurá-lo a esta hora da noite.
Indurbal era de estatura média, tinha um pequeno bigode e a farda de kaki dos rurales ficava-lhe bem, parecendo muito ufano dos seus três galões dourados.
No primeiro relance, Catamount, que continuava plàcidamente a fumar o seu charuto, verificou que estava na presença de um presunçoso mata-moiros e não pôde deixar
de sorrir quando viu o oficial beijar com galantaria a mão de Mercedes.
- Estou encarregado, disse Idurbal, de prender o gringo que se refugiou em sua casa. Trata-se de um dos mais perigosos bandidos...
O ranger teve uma ligeira contracção, deixou de fumar,,mas não se levantou.
- Não percebo o que acaba de me dizer, respondeu Garcia Guerrero, e deixe-me que lhe diga que não tenho por costume manter relações com salteadores e dar-lhes guarida
na Herdade dos Aloés.
Como o capitão Idurbal se tivesse virado para Catamount e o mirasse com ar desconfiado e quási hostil, o hacendero acrescentou:
- Este cavalheiro é o célebre Catamount, o ranger que faz coisas tão extraordinárias do lado de lá da fronteira.
Esta indicação não pareceu ter impressionado muito o mexicano, que se dirigiu ao ranger e disse de mãos postas nas ancas:
- Carai!.. Essa é boa! Quer então dizer que, abusando da boa-fé do sr. Guerrero e de sua filha, se fêz passar pelo célebre ranger Catamount!...
- Sou na verdade Catamount, replicou o homem dos olhos claros, levantando-se tranquilamente.
- Pois tal presença em território de Chihuahua é para espantar, disse o capitão com voz mordaz. Habitualmente, quando um ranger tem de se deslocar em virtude de
uma missão especial que o obriga a atravessar a fronteira, o seu chefe tem o cuidado de avisar as autoridades mexicanas e nenhuma autorização de permanência lhe
é dada se não obtém antes o visto. Tem por acaso tal visto? Seria muito estranho, pois sei bem que de há meses a esta parte não foi concedido a qualquer ranger.
- Não tenho visto, respondeu o homem dos olhos claros.
- Carail... Confessa, portanto, ter atravessado clandestinamente...
Mercedes Guerrero interveio então para explicar que Catamount se encontrava na herdade em circunstâncias totalmente independentes da sua vontade, mas o capitão interrompeu-a
e acrescentou:
- Uma vez que é Catamount, deve ter os seus papéis de identidade.
- Tinha-os, respondeu tranquilamente o homem dos olhos claros, mas os bandidos que me atacaram tiraram-me tudo quanto trazia.
- E acreditam que um homem como Catamount, que todos dizem ser mais perigoso que um demónio e que tem a reputação do melhor atirador da fronteira, permitiria fosse
a quem fosse que se apoderasse dos seus documentos de identidade?...
- Mas é que o sr. Catamount foi traiçoeiramente atacado pelas costas, ripostou Mercedes.
- Pelo amor de Deus, senorita, era favor calar-se. Aliás tem a certeza que este gringo é realmente Catamount? Já alguma vez falou ao célebre ranger?...
- Não, respondeu a rapariga, a quem a objecção do interlocutor pareceu ter perturbado bastante.
- Então, como assegurar que está na presença do verdadeiro Catamount?
O argumento era de valor e o ranger não tinha com ele qualquer papel que o pudesse refutar. O hacendero, que tão providencialmente o socorrera e que não pedira qualquer
prova das suas declarações, mostrava-se também impressionado com as palavras do capitão Idurbal.
- Por muito estranho que lhe pareça, sou Catamount e não um bandido, insistiu o ranger.
- Se mo provar, acredito.
- Não lhe posso dar, de momento, as provas necessárias, mas pode telefonar ao meu chefe, o major Morley, que está actualmente em Alamito e que lhe dará a meu respeito
todas as indicações necessárias.
O capitão retorquiu ironicamente:
-Isso é bom para ganhar tempo, amigo, mas eu não sou uma criança. Está preso e queira seguir-me; qualquer resistência será inútil, pois trouxe comigo uns dez homens.
- By Jove! Trouxe uma escolta como se eu fôsse o presidente da República! gracejou o ranger.
- Dê-me as suas armas.
- Estou, desarmado, capitão, e se a minha consciência não estivesse absolutamente tranquila, certamente que não o teria deixado aproximar-se com tanta facilidade.
O hacendero quis ainda intervir. As palavras do capitão Idurbal faziam-lhe impressão, mas também o impressionava a atitude calma do homem dos olhos claros.
- Trata-se de um mal entendido e estou certo que em breve tudo se esclarecerá, capitão.
- Abusou-se da sua boa-fé, sr. Guerrero - disse o mexicano. Pela parte que me toca, tenho sérias razões para crer que nos encontramos em face de um perigoso impostor,
que sem mais delongas devo conduzir a Cuchillo Parado!
- Sendo assim, acompanho-o, declarou o hacendero. Conheço o alcaide e demonstrar-lhe-ei que se trata dum lamentável engano. Se for preciso, irei falar ao governador
do Presídio del norte, de quem sou amigo do tempo da escola.
- Aconselho-o, sr. Guerrero, a usar de toda a reserva, para não se sujeitar a qualquer situação desagradável, retorquiu o capitão, que virando-se para o ranger acrescentou
com voz teatral: Em nome da lei, está preso!
- Como quiser, mas suponho, capitão, que a sua intransigência lhe causará amargas decepções.
Catamount não procurou resistir. Dois rurales, que o capitão chamara, revistaram-no cuidadosamente, nada tendo encontrado, e puseram-lhe as algemas.
- Tenha a certeza, sr. Catamount, que o acompanho de todo o coração.
Mercedes apertou calorosamente a mão do ranger e acrescentou:
- É para mim ponto assente que se trata de um engano. Mas o meu pai tem grande influência junto das autoridades e não ponho em dúvida que o porá na rua e há-de regressar
consigo à herdade.
- Basta de conversa! Tenho pressa.
O capitão deu ordem aos seus homens para escoltarem o prisioneiro e a escolta saiu, provocando sensação entre o pessoal da herdade.
Ao fim de uma hora, chegaram a Cuchillo Parado e fizeram alto diante do quartel dos rurales. Enquanto estes se ocupavam dos cavalos, o capitão Idurbal introduziu
o prisioneiro e o hacendero na habitação principal, ordenando que fossem acordar imediatamente o sr. Alcaide. Seguidamente, levou os dois homens para o seu escritório,
onde reinava uma desordem indiscritível.
Sentando-se a uma secretária e depois de ter procurado nas gavetas, Idurbal pegou numa carta e entregou ao pai de Mercedes.
- Aqui tem a razão porque fomos à Herdade dos Aloés com um mandado de captura. Peço-lhe que leia.
O hacendero apressou-se a ler a missiva, que era escrita à máquina e dizia o seguinte:
"O capitão Idurbal fica prevenido que um bandido perigoso, que se faz passar pelo ranger Catamount,
está actualmente na herdade dos Aloés. Seria prudente deitar-lhe imediatamente a mão."
- É curioso, disse Garcia Guerrero, este papel não está assinado.
- Se não visse inconveniente, disse então Catamount, também desejava ver do que se trata, pois suponho que esse papel tenha ligação com a minha estada aqui.
Idurbal ia a opor-se a que o hacendero transmitisse a carta, mas este protestou:
- A mais elementar justiça ordena que este homem saiba precisamente quais são as razões da sua prisão.
E entregou a carta ao prisioneiro, que a leu e examinou atentamente.
- Que diz a isto? preguntou o capitão com ar superior.
- Digo apenas que uma carta anónima não devia ser suficiente para justificar as medidas que contra mim foram tomadas. O meu chefe, major Morley, antes de proceder
a uma captura teria exigido testemunhos comprovativos. O simples facto do autor da denúncia ter conservado o anonimato é bastante significativo.
E antes mesmo que o capitão dos rurales tivesse tido tempo para lhe responder, o homem dos olhos claros preguntou?
- A que hora exacta recebeu esta carta ?
- Suponho, disse o mexicano, que não é você quem tem de me fazer preguntas.
- Mas, interrompeu Garcia Guerrero, parece-me justo que o meu hóspede conheça exactamente quem o acusa. Há-de convir que o facto da carta não estar assinada é motivo
de fortes suspeitas.
- No entanto, quem a escreveu estava bem informado, pois demos com o lobo no covil.
- Tanto quanto as minhas recordações são exactas, disse Catamount, esta carta chegou às mãos do capitão no momento em que procurei refúgio na Herdade dos Aloés.
Seria interessante saber porque meio chegou ao posto de Cuchillo Parado.
- Foi um cavaleiro que a entregou ao sargento da guarda, respondeu o capitão.
- E quem era esse cavaleiro?
VIII
Encarcerado
Catamount parecia decidido a esclarecer completamente este tenebroso assunto e, cada vez mais, tinha a convicção que contra êle se tinha urdido uma trama com o fim
de o desacreditar ou de o pôr definitivamente fora de combate. A sua voz tornara-se tão imperativa e a sua atitude tão convincente, que o capitão se impressionou
e balbuciou:
- Como quere você que eu saiba? Esse homem entregou a carta ao sargento e partiu imediatamente.
- Mas ninguém procurou saber quem era e donde vinha?
- Quando me entregaram a carta o portador já estava longe.
- Quere dizer que acredita no primeiro indivíduo que aqui chega e imediatamente se retira, sem sequer indicar a sua identidade. Acusa-me dos piores crimes e deixa
em completa liberdade a pessoa que podia levantar uma ponta do véu. Não vê que está sendo instrumento de um miserável, que procura confundir
as situações para conseguir qualquer coisa de que ambos seremos vítimas?
O capitão Idurbal ficou impressionado com estas declarações do ranger, apoiadas, aliás, pelo hacendero, mas ao fim de algum tempo de hesitação levantou-se e respondeu:
- Mas quem teria podido escrever ou ditar esta carta ?
- É difícil dar a chave do mistério, disse o ranger; no entanto tenho razões para crer que se trata de uma partida feita pelo chefe., .
- Qual chefe? inquiriu o capitão, intrigado.
- Quero referir-me ao homem ao qual os que me assaltaram também se referiram, quando me deitaram a mão do outro lado do rio Grande e me trouxeram para território
mexicano.
- Carai! Estou vendo que entramos no domínio da fantasia! exclamou o capitão ironicamente.
Bateram à porta e Idurbal deu ordem para entrar. Apareceu então um homem baixo e calvo, que caminhava apoiado a uma bengala de castão de prata. Era Alvaredo Saltraz,
alcaide de Cuchillo Parado.
- O que se passa para me acordarem a uma hora destas?
- As circunstâncias assim o exigiram, alcaide, declarou Idurbal, cumprimentando respeitosamente Alvaredo Saltraz. Não quis decidir qualquer coisa em tais circunstâncias
sem o ter consultado.
- E espero, acrescentou Garcia Guerrero, que essa decisão seja ditada pela mais elementar equidade.
- Ah! É você Guerrero! exclamou Alvaredo Saltraz. O que foi que se passou na sua herdade? Foi vítima de qualquer agressão?
O hacendero apressou-se a explicar o que se passara. Alvaredo Saltraz fazia, de vez em quando, sinais de aprovação, mas seguidamente punha-se a olhar com insistência,
não isenta de desconfiança, para Catamount.
Quando o pai de Mercedes terminou, o alcaide virou-se para o prisioneiro e disse:
- E então o célebre Catamount ?
- Já o declarei ao capitão. E às acusações fantasistas que me fazem oponho o mais formal desmentido.
O hacendero apoiou as declarações do seu hóspede, mas o alcaide não parecia disposto a escutá-lo, pois as circunstâncias nas quais aquele havia descoberto o ranger
pareciam-lhe das mais suspeitas. E como Garcia Guerrero parecesse impacientar-se com o seu cepticismo, Alvaredo Saltraz declarou-lhe:
- Conhece-me, Guerrero, e somos amigos de velha data. Desejaria ser-lhe agradável, mas há-de concordar que nos encontramos em face de um caso bastante estranho.
Ainda que se admita que este homem se chama Catamount, há-de convir que não possui papéis em ordem. Um telefonema para o Presídio del Norte poderá esclarecer-nos
neste ponto, pois ficaremos sabendo se foi concedida qualquer autorização de permanência a Catamount.
- É escusado telefonar, retorquiu o ranger. Não
podia ter pedido um passaporte, visto que me encontro em território mexicano em condições totalmente independentes da minha vontade. Aliás, já disse que todos os
meus documentos me foram roubados pelos desconhecidos que me assaltaram.
- Admite, pois, interrogou o alcaide, não ter a sua documentação em ordem?
-Fico de fiador por este homem, declarou o haaciendero. Permita, pois, que êle volte para minha casa, onde ficará à sua diposição pelo tempo que fôr necessário.
Alvaredo Saltraz abanou a cabeça e disse:
- Tenho por si muita simpatia e sabe bem o desejo que teria de lhe ser agradável, mas bem vê que é difícil, mesmo impossível, aceder ao seu pedido, pelo menos de
momento. Vamos pôr-nos em contacto com as autoridades do Texas e, desde que se esclareça o assunto, este homem será posto em liberdade.
- O quê, protestou o pai de Mercedes, vai metê-lo na prisão?
- Infelizmente não tenho outro caminho. Lamento não lhe ser agradável, mas as funções do meu cargo opõem se a uma indulgência que poderia ser culposa.
Garcia Guerrero ficou desapontado com esta declaração de Alvaredo Saltraz.
- Bem, vou imediatamente ao Presídio del Norte e tenho a certeza que o Governador me ouvirá com maior atenção.
- Faço votos, disse o alcaide, para que seja lá mais feliz, mas receio que nada consiga. Pelo que lhe diz respeito, capitão, queira preencher as formalidades necessárias
e, logo de manhã, telefonar para El Passo.
O hacendero não se demorou mais e deu um rápido aperto de mão a Catamount:
- Tenha paciência, sr. Catamount, dentro em breve voltaremos a encontrar-nos e pode ter a certeza que um amigo sincero se ocupa do seu caso.
O desejo que o pai de Mercedes mostrava de livrar o ranger de todos os seus aborrecimentos-contrastava com a severidade implacável demonstrada pelos mexicanos. O
alcaide, depois da partida do hacendero, não se demorou no gabinete do capitão e esse ordenou a dois dos seus homens que conduzissem o prisioneiro a Cuchillo Parado,
onde devia ficar encarcerado até que o seu caso se esclarecesse completamente.
Quando Catamount, fortemente escoltado, saiu do aposento, o capitão esfregou as mãos de contente, pois estava encantado com a desgraça sucedida ao ranger. E certo
que estava também convencido que se tratava na verdade de Catamount. mas tendo-se deparado a ocasião de pôr em maus lençóis um dos seus émulos mais temidos, não
a deixava escapar e decidira pôr em jogo toda a engrenagem subtil de formalidades e papelada, para aborrecer os rangers do Texas, privados assim do seu melhor auxiliar.
A decisão tomada pelo alcaide e pelo oficial não
tinham feito perder a serenidade de Catamount, que sem resistência acompanhou os dois rurales que o conduziram à prisão.
Uma vez encarcerado, o ranger começou pensando na forma de fugir quanto antes e, posto que a empresa parecesse audaciosa, não hesitou perante as dificuldades, pois
jurara fazer inteira luz sobre o assunto e vingar-se do seu adversário.
Evitando fazer o menor barulho, o ranger, cujos olhos estavam familiarizados com a escuridão, aproximou-se da janela e, pondo-se em bicos de pés, conseguiu atingir
a parte inferior, mas o gradeamento mostrou-lhe ser impossível qualquer fuga por esse lado. Compreendendo que todos os seus esforços eram vãos, o ranger sentou-se
à beira da tarimba, onde ficou por alguns minutos a reflectir profundamente na sua situação.
Enquanto isto se passava, o carcereiro Calvo Kegino, tinha se dirigido ao reduto que lhe servia de quarto e que estava situado no extremo do corredor. Tinha pouco
que fazer, pois Catamount era o único preso a vigiar e se é certo que não esquecia as recomendações do capitão Idurbal, certo era também que a calma do ranger o
tinha deixado tranquilo. Eram raros os presos que não protestavam e que pareciam aceitar o seu destino com tal resignação, pelo que, sem a mínima desconfiança, foi
para o seu quarto, deitou-se e dormiu durante uma hora, finda a qual iniciou a costumada ronda através do corredor, iluminado apenas por três fracas lâmpadas
eléctricas distanciadas umas das outras uns vinte passos.
Ia o carcereiro no princípio do corredor quando começou a ouvir uma série de gemidos e lamentações. Calvo Regino era excessivamente supersticioso; persignou-se mas
rapidamente reconheceu que os gemidos não eram de qualquer espírito mau ou espectro, mas vinham da cela onde fechara o ranger.
O mexicano ganhou coragem e, dirigindo-se à porta da cela, levantou o postigo e preguntou:
- O que tem?
Novo gemido foi a única resposta que obteve.. Por isso insistiu:
- Diga o que tem. Está doente?
- Sofro horrorosamente. Fui envenenado.
O carcereiro esforçou-se por ver o que se passava na cela e reparou então que o ranger, estendido na cama, se contorcia com dores.
- Não posso mais... Levem-me para a enfermaria. Estou a morrer!
Calvo Regino olhava para todos os lados e preguntava a êle próprio se deveria ir prevenir o enfermeiro da prisão, que dormia no rés-do-chão. Mas os gemidos e lamentações
do preso eram tão seguidos e horríveis, que pensou que, se o fizesse, entretanto Catamount poderia expirar.
Rapidamente Calvo Regino deu volta à chave, abriu a porta e dirigindo-se à tarimba inclinou-se sobre o prisioneiro, que se torcia em convulsões atrozes.
- Onde lhe dói?
- Aqui, na barriga. E horrível!
- Espere um momento; vou levá-lo à enfermaria.
O carcereiro inclinou-se mais, mas em breve tombou, soltando um gemido abafado. O ranger, que se levantara, com a rapidez do relâmpago assentara-lhe na cara um soco
formidável que o atirou por terra pesadamente.
Catamount não perdeu tempo e apanhando o molho das chaves que Calvo Regino deixara cair, dirigiu-se para a porta, fechou-a e correu através do corredor.
IX
Uma evasão movimentada
Catamount orientou-se com facilidade e em pouco atingiu a porta que dava para o corredor central da prisão. Mas, mal a tinha atingido e se dispunha a fugir, do outro
lado do edifício ouviram-se gritos lancinantes:
- Maldição! resmungou o ranger... O carcereiro recuperou os sentidos?
O ranger não se enganava. Por muito violento, o soco que dera em Calvo Regino não o deixara totalmente inconsciente.
Num salto, o fugitivo acabou de percorrer o corredor e chegou a uma escada bastante larga, mas logo que desceu alguns degraus ouviram-se vozes. Alarmados pelos gritos
do carcereiro, os rurales lançaram-se em sua perseguição.
Catamount, descobriu um vão no qual se refugiou, encostado à parede e protegido pela mais completa escuridão, punhos cerrados, disposto a dar combate se fosse descoberto.
Não houve porém luta, pois
quatro mexicanos que passaram perto dele, através do corredor, não o viram.
O fugitivo desceu as escadas e estava prestes a atingir o vestíbulo de entrada quando surgiu um homem, que gritou:
- Socorro! Alerta! Está aqui!
Um dos rurales acabara de descobrir o ranger que se dirigia para a saída mas este, não hesitando, saltou-lhe em cima. O mexicano levou a mão ao revólver e antes
de ter podido fazer uso dele o ranger aplicou-lhe um soco formidável, que o fêz rolar por terra. O rurale tentou levantar-se, mas Catamount deitou mão à arma que
havia caído por terra e apontando-a disse:
- Para trás ou atiro!
O rurale praguejou e pouco disposto a expor-se ao fogo do adversário recuou, deixando um espaço por onde Catamount conseguiu passar, dirigindo-se então à porta da
entrada. Estava apenas a dois passos dessa porta quando se ouviram várias detonações. O rurale, recomposto, tinha lançado mão de outro revólver e fazia fogo em direcção
ao ranger.
Catamount deixou-se cair bruscamente e as balas do mexicano assobiaram em volta dele sem o atingir. O fugitivo esperou então alguns minutos e quando se apercebeu
de que o adversário tinha descarregado o tambor, voltou-se e puxando do seu Colt abateu-o.
A prisão estava agora toda em alarme e a campainha tocava constantemente. Sem perder um instante o sangue frio, o ranger alcançou a porta e
levantando a pesada tranca abriu-a. Mais tiros se ouviram, mas as balas apenas atingiram as ombreiras e almofadas.
Catamount correu então pela rua vagamente iluminada por raros candeeiros e, aproveitando-se da circunstância das vizinhanças estarem ainda desertas, fugiu através
de uma rua adjacente. E era tempo, pois as janelas alumiavam-se umas após outras ao longo da fachada da prisão e os rumores tornavam-se cada vez mais numerosos e
ameaçadores.
Catamount não conhecia Cuchillo Parado, pelo que se afastava ao acaso pelas vielas que lhe pareciam mais sombrias, evitando por todas as formas chamar a atenção.
Passaram dez minutos e o barulho que se ouvia por toda a parte dava a entender que o perigo ainda era grande. Os rurales faziam buscas por toda a parte.
Felizmente, o ranger não era homem que se preocupasse com pouco e o êxito que tivera ao fugir da prisão dava-lhe coragem e estímulo para sair de Cuchillo Parado.
Continuando a caminhar, Catamount atingiu as proximidades da Plaza Maior e viu então que se tinham mobilizado forças numerosas para o capturar. Vários cavaleiros
contornavam a praça, esforçando-se por encontrar o fugitivo, e a certa altura, perto dele, ouviu uma voz que não lhe era desconhecida e que gritava:
- Agarrem-no custe o que custar.
- By Jove! É o meu velho amigo capitão Idurbal, disse Catamount.
O ranger tinha razão. Tendo sido prevenido da evasão audaciosa do ranger, Idurbal acorrera à prisão e organizara a caçada.
- Espera um pouco, my boy, já te vou tirar o entusiasmo.
Com satisfação, o ranger viu que o capitão, em vez de acompanhar os seus homens, ia de um grupo para o outro, esporeando nervosamente o seu cavalo branco. Catamount
imediatamente concebeu o audacioso projecto de atacar o chefe dos rurales e quando este se aproximou do local onde se encontrava oculto pela escuridão, saltou sobre
êle e, destribando-o, atirou-o por terra.
Começou então uma luta feroz, mas em breve Catamount estendeu o seu adversário com um swing bem aplicado, levando-o em seguida sem sentidos para um local completamente
às escuras que estava perto. Nuns momentos o ranger despojou a vítima do seu dólman agaloado, do cinturão e do sabre e, pondo na cabeça o sombrero de aba larga que
rolara pela calçada, abandonou o corpo inanimado do oficial e saltou para o cavalo branco que tinha ido parar a uns metros de distância.
O animal pareceu estranhar e quis defender-se, mas Catamount era bom cavaleiro e em pouco tempo domou o corcel e a todo o galope atravessou um grupo de adversários
aos quais, fazendo-se passar por Idurbal, ordenou que se afastassem.
Os rurales, julgando tratar-se do chefe, deixaram-no passar e dirigiram-se para onde o homem dos olhos claros apontara e este, em menos de cinco minutos, atravessou
a Calle Maior e dirigindo-se à Porta Leste foi ter a um posto dos mesmos rurales, do comando de um alferes.
Na cara de Catamount houve uma ligeira contracção, pois o obstáculo parecia na verdade importante e os mexicanos poderiam descobrir o subterfúgio. No entanto, prosseguiu
no seu caminho e no momento em que um sargento e dois homens avançavam para êle, estendeu a mão direita e gritou:
- Para trás! Deixem-me passar!
O sombrero de aba larga protegia suficientemente a cara de Catamount e, por outro lado, o cavalo branco era bem conhecido dos rurales, pelo que estes, julgando tratar-se
do seu chefe, recuaram. Esperavam que o capitão lhes falasse e lhes transmitisse as suas ordens, mas o rurale não lhes deu qualquer explicação e, acicatando as ilhargas
do cavalo, saiu como um furacão a porta de Cuchillo Parado.
Sem sequer se virar, o ranger percorreu mais de uma milha e por fim, tendo-se certificado que não era seguido, diminuiu um pouco o andamento da montada.
Catamount pensava que os rurales de Cuchillo Parado em breve descobririam o corpo inanimado do seu chefe e que este havia de fazer tudo quanto em suas forças coubesse
para tirar uma desforra retumbante.
Mas agora, que tinha um cavalo, armas e provisões (pois os alforges do capitão estavam bem providos), sentia-se capaz de fazer face a todos os rurales e desperados.
Estava próxima a madrugada quando o ranger descobriu um pequeno maciço de algodoeiros e como o cavalo desse mostras de fadiga, escolheu esse local para descansar
um pouco antes de prosseguir.
Estendendo-se ao comprido, pôs-se a pensar se devia atravessar para a outra margem do Rio Grande, pois o major certamente já estava inquieto com ausência tão prolongada
e, o pobre do sr. Sterr, certamente também de cabeça perdida.
- Não importa! Ficarei aqui custe o que custar, decidiu o ranger, e farei as minhas investigações na vizinhança da herdade dos Aloés.
A luz da madrugada tornava a claridade cada vez maior e dentro em breve as últimas estrelas se apagariam.
A herdade ficava apenas distante umas trinta milhas do local onde Catamount procurara refúgio. O ranger decidira ir espiar as suas imediações quando o relinchar
do cavalo de novo o sobressaltou. Pôs-se à escuta e ouviu ao longe o barulho de uma galopada. Era o capitão Idurbal à testa de um grupo de cavaleiros.
Com mil precauções, o ranger escondeu-se o melhor que pôde entre os algodoeiros e respirou profundamente quando via que os seus perseguidores, não tendo conseguido
descobrir qualquer pista
no solo rochoso, se afastavam a caminho da herdade dos Aloés.
- Ainda não é desta vez que o imbecil do Idurbal me deita a mão! exclamou o ranger. E montou de novo o cavalo branco.
X
Recomeçam as investigações
O cavalo branco seguia com bom andamento, mas o ranger não podia reprimir uma certa melancolia. É que pensava no seu fiel "Mesquita" e preguntava a si mesmo onde
se poderia encontrar esse nobre animal, caído nas mãos dos desperados. Cada vez mais, eram problemáticas as esperanças de o encontrar e assaltava-o uma sensação
de mal estar ao pensar que o poderia perder, como outrora havia perdido o "King".
Catamount não desanimava, porém, e aumentava nele o desejo de prosseguir na aventura.
Ao chegar perto dos limites da herdade dos Aloés, diminuiu o andamento. Tendo descoberto um maciço rochoso, apeou-se, levou o cavalo para perto de uma fonte e pegou
no maço que estava pendurado na sela. E deixando a montada, o ranger começou a escalar uma das colinas que o impediam de ver o enorme território pertencente a Garcia
Guerrero. Ao chegar ao alto, notou que um grupo de cavaleiros
voltava da hacienda. Eram o capitão Idurbal e os seus rurales e não pôde deixar de se rir ao pensar na raiva do infortunado mexicano por lhe ter escapado.
Enquanto os cavaleiros não se afastaram definitivamente em direcção a Cuchillo Parado, Catamount conservou-se no seu observatório e depois disso pôs-se a descer
a colina e dirigiu-se para a Herdade dos Aloés.
O homem dos olhos claros avançava com as maiores precauções, pois não queria que o seu regresso àquelas paragens fosse conhecido de qualquer dos homens de Garcia
Guerrero. A convicção, recentemente adquirida, de que o chefe misterioso tinha cúmplices entre os vaqueros ou peones, incitava o ranger a observar a maior circunspecção.
A manha dos seus adversários tinha de contrapor igual manha e não desistiu de obter em breve a solução do desconcertante problema.
Catamount desceu a escarpa e depois de uma corrida prolongada chegou perto da extrema. Ao seu lado estendia-se o chaparral e o maio, oferecendo numerosos esconderijos.
O uniforme do capitão Idurbal er" menos prático do que o fato que o ranger geralmente usava e, além disso, os reflexos do sol nos botões do dólman podiam chamar
a atenção daqueles de quem se pretendia ocultar.
Catamount avançou rastejando, não ligando importância aos espinhos que se agarravam às suas
vestes, quando a certa altura reparou num cavaleiro que, vindo da hacienda, se aproximava.
- É Garcia Guerrero!
O ranger julgou a princípio tratar-se de uma confusão, visto o hacendero lhe ter dito que ia ao Presídio del Norte interceder a seu favor junto do Governador. Mas
rapidamente viu que não se tratava de uma confusão e que era de facto Garcia Guerrero.
Tal encontro causou-lhe admiração e quási esteve a ponto de sair do seu esconderijo e falar ao hacendero, para lhe dizer que já saíra da prisão. No entanto, uma
força instintiva reteve-o e julgou que seria preferível, para êxito da sua difícil missão, que ninguém suspeitasse da sua presença naquele local.
O pai de Mercedes passou a alguns passos do local onde o homem dos olhos claros estava deitado, sem dar conta da sua presença, e Catamount pôde então ver o ar de
preocupação do hacendero. Sobrolhos franzidos, parecia absorto em profundas reflexões.
Depois de ter passado Garcia Guerrero, o ranger levantou-se e avançou pelo caminho que o hacendero trouxera. Não havia ninguém nas vizinhanças; Catamount saltou
a vedação e, afastando o arame farpado, introduziu-se nas pastagens.
Seguindo através das valas de irrigação, que eram numerosas e comunicantes umas com as outras, Catamount conseguiu furtar-se às vistas de alguns cavaleiros que passavam
por aqui e acolá. A progressão
não era fácil e, coberto de lama, teve de parar várias vezes. Ao fim de cerca de meia milha, conseguiu atingir as ruínas de uma casa que só tinha em pé umas velhas
paredes de adoubo. Do outro lado ouviu vozes.
O -ranger aproximou-se ainda mais e pôs-se à escuta. Uma das vozes era sua conhecida:
- Diego! Não há dúvida, é Diego!
Na verdade não havia dúvida possível: tratava-se do chefe do grupo que o atacara perto do Rio Grande.
O ranger não teve tempo para investigar qual a razão porque se encontrava na Herdade dos Aloés a estranha personagem que o capturara.
- O quê, o gringo conseguiu fugir?! Esse homem é o diabo!
- O chefe recomendou a maior atenção. Esse tipo ainda pode aparecer de um momento para o outro.
Do local onde estava, o ranger tentou descobrir a cara de Diego mas não o conseguiu, pois os interstícios que havia entre as pedras da parede não lhe permitiram
ver aqueles homens que, muito longe de suspeitarem da sua presença, continuavam discutindo :
- O chefe está furioso, dizia Diego. Esperava ver-se livre, pelo menos durante alguns dias, do gringo e tem novamente de contar com êle.
- Tanto mais, disse o outro, que é depois de amanhã à noite que se reúne em águas Calientes. Se êle se lembrasse de intervir..
- Fala mais baixo, Pedro! Podem ouvir-nos.
- Quem queres tu que nos oiça ? Os vaqueros estão entretidos com o gado.
- E a senorita, que é feito dela?
- Essa está bem guardada. A torre é um refúgio precioso e ninguém será capaz de a descobrir no meio da mata. A proximidade da Herdade...
- Seria perigoso deixá-la fugir. Vale cem mil dólares. É o preço que o chefe quere pedir ao pai.
O interesse de Catamount aumentava cada vez mais com essas estranhas palavras. O ranger não podia duvidar um só instante: aqueles homens referiam-se à pessoa em
cuja pista se lançara com tanto ardor.
O primeiro pensamento que assaltou o espírito do ranger foi o de intervir. Era-lhe fácil, na verdade, surgir por detrás do seu esconderijo e surpreender os dois
homens que não lhe podiam opor senão uma resistência medíocre. Mas o que acabara de ouvir despertara intensamente a sua curiosidade e indicava-lhe que se encontrava
no local onde o misterioso chefe devia ter instalado o seu covil.
Assaltaram-lhe o espírito algumas dúvidas referentes ao hacendero e sua filha, Mercedes, pois a presença de Diego, do seu chefe e, sem dúvida, de uma parte da quadrilha,
podia tornar-se prejudicial ao proprietário da Herdade dos Aloés.
- Tu que fazes, Diego? preguntou Pedro.
- O meu posto é junto ao chefe, depois de amanhã ao cair da noite, na encruzilhada de Aguas Calientes. Todos lá estarão.
Águas Calientes! Estas duas palavras fizeram estremecer Catamount. O ranger conhecia bem essa fonte de água quente, perto do Rio Grande e situada na margem mexicana,
junto à qual muitas vezes os desperados e ladrões de gado tinham feito passar para território mexicano os longhornes que roubavam. Por isso julgou a princípio que
se tratasse de uma operação deste género.
- Depois de amanhã, ao cair da noite... A fonte das Águas Calientes... repetiu mentalmente como se quisesse gravar essas palavras na memória.
- E por enquanto, Diego, o que devo fazer?
- Apenas esperar e ter olho aberto. O chefe verá qual o caminho que seguiu esse gringo danado.
- O capitão Idurbal e os rurales estiveram na Herdade há pouco.
- Mas foram-se embora de mãos a abanar e furiosos. No final de contas foi bem feita a lição que o gringo lhes deu. É o mais arrogante e imbecil dos rurales, mas
julga ter sempre nas mãos os adversários mais perigosos.
- Basta de conversa; os vaqueros podem desconfiar..
Os dois homens separaram-se ràpidamente. Diego dirigiu-se a uns algodoeiros vizinhos, atrás dos quais deixara a montada, e pouco tempo depois Catamount, que se conservara
imóvel como uma estátua, ouviu o barulho do cavalo que se afastava veloz. Decidiu-se então a sair do seu esconderijo e a seguir de longe Pedro.
O companheiro de Diego afastava-se agora a pé, em sentido inverso ao do seu interlocutor de há pouco. Catamount contornou as ruínas da casa e dispôs-se, de revólver
em punho, a seguir o mexicano.
No entanto, depois de ter percorrido alguns passos, o ranger teve de parar, pois aventurava-se em terreno descoberto e arriscava-se a ser surpreendido. Vendo Pedro
dirigir-se para o pinhal, e lembrando-se do que acabara de ouvir, meteu-se pela mata, servindo-se dos canais de irrigação. Por vezes teve de parar, para se ocultar
dos vaqueros que vigiavam o gado, e quando atingiu a orla do pinhal, Pedro já há mais de um quarto de hora que nele havia penetrado.
O ranger estava num estado lastimoso; o brilhante uniforme que tirara a Idurbal colava-se-lhe ao corpo, todo encharcado, e os cabelos enlameados caíam-lhe para a
testa. Pouco se importava porém e, esquecendo o risco que corria, pensou em Gladys Sterr e que ela devia estar ali perto, naquela torre a que os mexicanos haviam
feito alusão e cuja existência ainda há pouco ignorava totalmente.
Tendo parado um pouco para repousar, Catamount pensou que, posto que se encontrasse ainda em pleno mistério, devia estar na boa pista e não tardaria a resolver esse
problema dos mais difíceis. Havia, porém, um pormenor que o intrigava: era que toda essa organização criminosa se tivesse ido instalar em terreno pertencente a Garcia
Guerrero. E uma vêz mais preguntou a êle mesmo como é que o
hacendero e sua filha não desconfiavam do perigo que estava suspenso constantemente sobre as suas cabeças.
O ranger abandonou porém as suas locubrações, pois era preciso não perder de vista Pedro e descobrir o local exacto em que estava a prisioneira. Pôs-se de novo a
avançar entre as árvores, progredindo com o maior cuidado e de modo a evitar qualquer barulho.
Subitamente, o ranger escondeu-se atrás de uma árvore, pois ouviam-se passos cada vez mais perto,. acompanhados do estalar dos troncos. Quem quer que fôsse caminhava
para o local onde se encontrava e, a breve trecho, viu que a pessoa em causa era a filha do hacendero.
- Mercedes Guerrero! murmurou o ranger.
Não obstante o desejo que teve de falar à rapariga, Catamount não se mexeu e deixou-a passar. Depois, e sempre com mil precações, recomeçou a sua progressão através
do pinhal, parando frequentes vezes para ver se não era seguido. A mata estava deserta. Andou mais uns trinta metros e descobriu Pedro, que seguia pela mesma vereda
pela qual minutos antes passara Mercedes Guerrero.
XI
Uma pedra que cai
O mexicano aproximava-se de vagar, olhando em redor. No entanto, não descobriu Catamount, que se escondera atrás de um tronco. O ranger deixou-o passar e depois
prosseguiu o seu caminho, de revólver em punho e disposto a qualquer eventualidade.
Durante vinte minutos, Catamount continuou avançando sem encontrar viva alma e intrigado já por não descobrir aquela torre de que ouvira falar, mas a certa altura
parou e lobrigou entre as árvores uma espécie de bloco, todo coberto com um verdadeiro tapete de verdura.
Era um edifício em ruínas; uma torre que devia datar da conquista espanhola, abandonada e oculta por uma vegetação inextrincável. Hera e toda a espécie de trepadeiras
constituíam em seu redor uma barreira quási impenetrável, mas o olhar apurado de Catamount descobriu entre a vegetação traços de passagem recente. Alguém se tinha
aproximado
várias vezes das ruínas e tentado alcançar uma abertura, que mal se descobria no meio da verdura.
O ranger parou, admirado. Parecia-lhe impossível que um local daqueles pudesse servir de refúgio fosse a quem fosse, mas depois de ter avançado mais alguns passos
surpreendeu um vulto imóvel; alguém que estava de sentinela.
A presença desse indivíduo desconcertou o ranger, que esperava aproximar-se da torre e fazer uma exploração minuciosa. Agora, para levar a termo o seu plano, via-se
obrigado a contornar as ruínas e tomar os maiores cuidados, para evitar o mínimo barulho.
O mexicano, que o ranger descobrira, não se apercebeu da sua presença e êle pôde afastar-se, rastejando, e contornar a torre a uns trinta passos de distância. Foram
necessários dez minutos para fazer essa deslocação e teve um suspiro de alívio quando atingiu um local situado no extremo oposto àquele em que estava a sentinela.
Posto que não tivesse visto mais ninguém, nem um segundo deixou de usar da máxima prudência, pois podia haver uma outra sentinela daquele lado. A calma mais absoluta
tranquilizou-o porém.
Avançando sem barulho através da vegetação, o ranger aproximou-se da muralha e pôs-se a pensar como poderia penetrar no interior da torre, quando, de súbito, sentiu
cair a seus pés uma pedra.
Durante alguns segundos Catamount, dedo no gatilho, ficou na defensiva, prestes a combater quem
lhe atirara aquele projéctil, mas rapidamente viu que a pedra caira de cima. Levantando a cabeça, fixou então o olhar numa abertura que mal se distinguia sob a hera.
Não havia dúvida: a pedra fôra atirada dessa abertura e a surpresa do ranger aumentou quando viu uma mão que através dela se agitava.
Catamount não hesitou então e tendo-se certificado que nada tinha a temer de momento da sentinela, meteu o revólver no coldre e agarrando-se à hera e outras trepadeiras
começou a perigosa ascenção.
Ao fim de três minutos, aproveitando os interstícios de pedra, conseguiu atingir o peitoril de uma janela que tinha sólidas grades. Fora daí que tinham atirado a
pedra e aí que vira a misteriosa mão. O ranger fez uma elevação habilidosa e mal se sentou no rebordo da abertura ouviu uma voz que lhe suplicou:
- ror amor de Deus, salve-me.
Catamount viu então aparecer entre as grades a cara de uma rapariga loira, de uns vinte anos, cuja expressão traduzia grande inquietação.
- É miss Gladys Sterr ? preguntou êle.
Estas palavras pareceram provocar certo espanto na reclusa, que se agarrava fortemente aos varões de ferro da janela.
- Conhece-me ? ! exclamou ela.
- Não só a conheço, miss Sterr, como sou Catamount, o ranger enviado pelo meu chefe e por seu pai para a descobrir e socorrer.
- Viu meu pai? Ali! porque não segui eu os seus prudentes conselhos?!. ..
- Mas quem foram os homens que a raptaram?
- Não os conheço. Sei apenas que obedecem às ordens de um chefe misterioso.
- E viu esse chefe?
- Uma única vez veio ver-me a esta prisão, mas tinha uma máscara.
- E os outros?
- Os outros também. Não consegui descobrir o que pretendiam de mim. Fugiram sempre às preguntas que lhes fiz a tal respeito.
- Foi maltratada por esses bandidos?
- Para falar com franqueza, o aposento podia ser mais confortável, mas esta gente não me tratou mal e devo até confessar que tem tido umas certas deferências.
- E logo que foi raptada meteram-na aqui nesta torre?
- Sim. Sei apenas que atravessei o Rio Grande, mas a venda que me puseram nos olhos impediu-me de ver precisamente o local para onde me levavam. Quando me tiraram
a venda já estava aqui.
- E não pretendeu fugir?
- É completamente impossível. Há uma sentinela constantemente lá em baixo e até admira que não o tenha descoberto.
Catamount ficou durante alguns instantes sem dizer palavra. Tinha tido um prazer enorme em encontrar Gladys Sterr mas isso não o fazia esquecer
as dificuldades da situação. Por três vezes tentou afastar os varões, mas eles estavam fortemente soldados e resistiram a todos os seus esforços.
- Tome cuidado, não consegue abrir o gradeamento e o guarda pode ver. Desça e esconda-se quanto antes no pinhal.
O ranger concordou com este prudente conselho, debruçou-se para ver que nada de suspeito se passava em baixo e voltando-se uma última vez para a cativa disse:
- Paciência, miss Sterr. Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para a libertar o mais rapidamente possível.
Catamount ia de novo agarrar-se à hera e dispunha-se a abandonar o peitoril da janela quando, subitamente, Gladys Sterr se meteu para dentro. Os gonzos da porta
da cela fizeram-se ouvir e o homem que há pouco fazia sentinela na base da torre entrou e preguntou:
- O que está a fazer à janela e a quem fala?
Gladys Sterr recobrou quási instantaneamente a calma e compreendeu que era uma partida séria a que jogava nesse instante. A mínima imprudência podia comprometer
irremediavelmente o corajoso aliado, que tinha chegado até junto dela.
O guarda, depois de entrar, fechara bruscamente a porta, de carabina em punho dirigiu-se à janela e deitou um rápido olhar para fora.
A prisioneira receou então que Catamount fosse surpreendido, mas êle, que adivinhara o perigo ao
ouvir a voz do mexicano, executara um hábil movimento de pêndulo e tinha conseguido coser-se à muralha, um pouco mais à direita e meio metido entre a verdura. O
mexicano, a quem os varões impediam de deitar a cabeça de fora, nada viu pois de suspeito.
- Calculo que não é proibido tomar um pouco de ar e olhar para fora ?... disse Gladys Sterr.
- Não. Mas do que se trata é que a ouvi falar. -Estava a trautear uma canção, creio que também não é proibido.
Gladys Sterr decidira ocupar por algum tempo a atenção do mexicano, o que permitiria ao seu interlocutor de há pouco descer da torre e fugir.
- Tenho fome porque não me traz o almoço?
- Caramba!... Ainda há pouco lhe trouxe um prato.
- Pois sim, mas comi tudo e quero outro.
- Só tenho frijoles e conservas.
- Isso basta, mas deve lembrar-se que o chefe disse que me servissem o que pedisse.
- Perfeitamente. Já vou buscar.
Enquanto a prisioneira ocupava o melhor posssível a atenção do seu carcereiro, Catamount tinha acabado de descer e, mal pusera os pés em terra, correra através da
mata. Uma ideia lhe não saía do pensamento:
- Depois de amanhã estão em Aguas Calientes... Também lá estarei, mas antes torna-se necessário esclarecer alguns pontos que me parecem obscuros.
Catamount pensou que, continuando a sua presença totalmente ignorada na hacienda, ser-lhe-ia fácil fazer novas descobertas, pelo que decidiu nada dizer ao hacendero
e a sua filha, que certamente se perderam em conjecturas a seu respeito.
- Procurando um pouco e sempre de ouvido à escuta, disse o ranger para consigo próprio, conseguirei certamente outras informações, que me permitirão agir com maior
audácia e segurança.
O ranger tinha adquirido a convicção de que estava no meio dos mesmos bandidos que o tinham atacado ultimamente. Uma particularidade o intrigava, porém: era o cuidado
do chefe em preservá-lo e preservar Gladys Sterr. Tal cuidado, as ordens para se evitarem quaisquer brutalidades, estava pouco de acordo com a mentalidade habitual
dos desperados e bandidos da fronteira. Até à data, os malfeitores com quem se encontrara tinham-se conduzido como adversários ferozes.
- Sempre quero ver se aquele Diego pertence ou não ao pessoal da Herdade dos Aloés, disse o ranger. Não o vi lá, mas o facto de o ter encontrado neste território
e de Gladys estar prisioneira numas ruínas pertencentes a Garcia Guerrero parece-me suspeito. Creio que o que tenho a fazer é prevenir a senorita Mercedes, que talvez
me possa ajudar a resolver este complicado problema.
Monologando assim, o ranger continuou a dirigir-se para a casa da herdade e já estava próximo dela quando viu à porta o hacendero e sua filha.
Não desejando tornar-se notado, o homem dos olhos claros escondeu-se atrás de um maciço de lilases. Era a hora em que o pessoal vinha para o almoço e Catamount decidiu-se
a aproveitar a circunstância de estarem todos em casa parapoder fazer à vontade algumas investigações.
XII
Encontra-se o "Mesquita"
O calor tornara-se insuportável, mas Catamount, não obstante, continuava a espiar as imediações do grande pátio, onde havia um elevado número de cavalos.
A coudelaria de Garcia Guerrero era justamente afamada em todo o estado de Chihuahua. O hacendero não se contentava em criar gado e interessava-se imenso por tudo
quanto respeitasse a cavalos e muitas vezes os seus criados iam até ao sul, em direcção às serras e estreitas barrancas, para caçar os broncos que ainda existiam
em grande número naquelas regiões.
O ranger não viu vivalma nas imediações do parque onde reuniam os cavalos. Continuou, pois, caminhando ao lado da vedação, examinando os animais como entendido.
Mas a certa altura, ao fixar um alazão, que estava um pouco separado dos seus companheiros, teve um sobressalto e exclamou:
- É o "Mesquita" ?!
O homem dos olhos claros não se enganava, era de facto o "Mesquita" aquele cavalo e seria capaz; de o reconhecer entre mil. Para tirar todas as dúvidas, assobiou-lhe
como outrora costumava fazer e o belo animal, dando sinais de grande satisfação, aproximou-se do dono.
- Como diabo estás tu aqui na coudelaria de Garcia Guerrero ?... preguntou, intrigado, o ranger.
A última vez que vira o seu cavalo fôra, lembrava-se perfeitamente, perto do local onde o hacendero o restituíra à liberdade. Diego e os seus acólitos tinham levado
o alazão e agora encontrava-o na propriedade do hacendero! O caso parecia na verdade inexplicável.
O ranger admitiu várias hipóteses e, entre elas,, a do "Mesquita" ter conseguido fugir aos bandidos e se ter refugiado na Herdade dos Aloés. Uma vez. aqui, qualquer
vaquero o tinha capturado a laço e trazido para o pátio. Mas logo a seguir afastou esta hipótese. A descoberta que acabava de fazer, aliada à da desaparecida e à
de Diego, autorizavam as mais fundadas suspeitas. Porque motivo descobrira tudo isso na Herdade dos Aloés? Eram o hacendero e sua filha vítimas dos desperados e
qualquer perigo eminente os ameaçava ?
Catamount deliberara recuperar o seu cavalo,, mas dominou o seu desejo, pois pensou que o seu desaparecimento podia contrariar os seus projectos e despertar a desconfiança
dos miseráveis que agiam na região.
Encarou então dois planos: ou voltar imediatamente para a outra margem do Rio Grande, para se dirigir com reforços a Águas Calientes e aí capturar a quadrilha e
desmascarar o misterioso chefe, ou tomar contacto quanto antes com o hacendero e sua filha.
Decidiu-se pela segunda hipótese, posto que lhe custasse abandonar por mais tempo Gladys Sterr à sua triste sorte.
Ao passo que Catamount se afastava ao longo do corral, o "Mesquita" ia-o seguindo do outro lado e o ranger viu-se e desejou-se para acalmar o pobre animal. Depois
dirigiu-se em passo rápido para a entrada do pátio, onde se ouviam as vozes dos convivas reunidos na grande sala. Abrindo a porta da casa de jantar, o ranger entrou
nesse aposento e exclamou:
- Buenos dias, amigos ! O espanto foi geral.
- Caramba! Mas é o sr. Catamount!... Garcia Guerrero foi o primeiro a levantar-se e a dirigir-se ao ranger, cujas mãos estreitou calorosamente.
- Há-de desculpar o meu trajo, disse Catamount, mas tive certas dificuldades e desenvencilhei-me como pude.
O uniforme que o ranger surripiara ao capitão Idur-bal estava em farrapos e coberto de terra e poeira.
Mercedes correu também a cumprimentar Catamount.
- Louvado seja Deus por o tornarmos a ver! Estávamos já ansiosos!
- Vou mandar pôr à sua disposição um fato capaz, disse o hacendero e depois vem comer connosco qualquer coisa. Estou certo que terá para contar histórias prodigiosas.
Fiz tudo quanto podia para o fazer libertar, mas os rurales não quiseram saber de nada e o governador, esse é teimoso como um burro.
Depois de uma rápida toilette o ranger voltou à sala de jantar, onde era o assunto de todas as conversas e numerosos eram os peones e vaqueros que mostravam o seu
espanto por ninguém ter notado a presença de Catamount na herdade.
- Decididamente, o senhor é um homem inacreditável ! exclamou Garcia Guerrero, convidando o ranger a sentar-se entre êle e a filha. Precisamente no momento em que
começávamos a recear que tivesse desaparecido para sempre, aparece como por encanto! E como conseguiu fugir aos rurales?
- Fui mais esperto do que eles, eis tudo.
- Não sei que partida pregou ao capitão Idurbal, disse Mercedes, mas será prudente não o encontrar, pois não fala de outra coisa senão de o condenar ao garrote.
- Espero não ter, tão cedo, que encontrar tão valoroso personagem, respondeu Catamount, enchendo o prato de feijões com tomate.
O ranger devorou os feijões e bebeu com delícia o vinho levemente adocicado que a sua amável vizinha lhe ia servindo.
- Madre de Dios! Que prazer tenho em o ver de novo entre nós! declarou o hacendero. Se pudesse, teria revolvido o céu e a terra para o livrar daquela situação. No
Presídio del Norte estive com o Governador, mas não me deu ouvidos por uma questão de amor próprio.
- Ah! Esteve no Presídio dei Norte?...
- Eu tinha-lhe prometido..
- Muito obrigado. Estou-lhe muito grato.
- Não esqueço que é meu hóspede e que o devo considerar como um dos melhores amigos. Nem todos os dias se encontram pessoas da sua têmpera!
Calorosas aprovações sublinharam estas declarações de Garcia Guerrero e Mercedes foi a primeira a apoiar seu pai e a testemunhar a sua profunda admiração pelo ranger,
tantas vezes vitorioso em luta contra os bandidos da pior espécie.
Catamount, apesar de tudo, guardava certa reserva. A caiorosa simpatia que encontrava não o fazia esquecer os incidentes que se haviam sucedido após ter voltado
ao território da Herdade dos Aloés: a presença de Gladys Sterr na torre e a do "Mesquita" na coudelaria de Garcia Guerrero, depois de ter caído nas mãos dos desperados.
O ranger tinha uma vontade louca de pedir ao dono da casa certos esclarecimentos sobre esses dois assuntos. Como era evidente, podia, entrando a fundo na questão,
fazer libertar em pouco tempo a prisioneira e recuperar o seu fiel cavalo, mas preferiu manter ainda reserva. Desejava conhecer exactamente
o papel que desempenhava em tudo aquilo o hacendero e, em vez de se mostrar informado, fingiu-se ignorante. Aliás, a insistência com que o hacendero lhe garantia
que fora ao Presídio del Norte irritava-o, pois tinha-o visto regressar da herdade a uma hora em que ainda não podia estar de volta do Presídio del Norte, se lá
tivesse ido. Impunha-se, pois, esperar com calma os acontecimentos que certamente em breve se dariam.
O ranger não era um desses impulsivos que tantas vezes se encontram no Far-West. Tinha o costume de arquitectar maduramente os seus planos e de nada fazer que pudesse
comprometer os seus resultados. A paciência e sangue frio de que era dotado, haviam feito dele um dos mais preciosos auxiliares do célebre corpo do Texas. Bom psicólogo,
atirador exímio e maravilhoso domador de cavalos, sabia manter sempre a calma, ainda nas situações mais desconcertantes.
- Deve estar extenuado, disse Mercedes quando acabou a refeição.
O homem dos olhos claros concordou que, de facto, estava a cair com sono. E dez minutos mais tarde subia ao quarto que lhe tinham preparado no primeiro andar, despiu-se
e deitou-se, radiante por ir encontrar finalmente um pouco de repouso após tantas peripécias.
No entanto, a calma que reinava na hacienda não fazia esquecer a Catamount as mais elementares precauções. Como sempre, colocou ao alcance da mão, sobre a mesinha
de cabeceira, o revólver e assegurou-se
de que a porta e a janela estavam bem fechadas. A noite estava óptima, mas o ranger queria evitar qualquer visita importuna. E mal os vaqueros tinham chegado ao
seu dormitório, já Catamount dormia a sono solto.
Nessa noite ninguém incomodou o ranger, que acordou com o cantar dos galos.
Levantou-se, meteu-se num banho que o retemperou e depois de se ter vestido desceu a escada, para ir tomar o pequeno almoço.
- Espero, sr. Catamount, que não tenha sonhado com o capitão Idurbal; disse, gracejando, a filha de Garcia Guerrero.
- Não o julgo perigoso.
- No entanto, é bom ter cuidado. Conheci alguns cordeiros que se transformaram em lobos. Mas deixemos este assunto. Depois do almoço tenciono dar uma volta pela
hacienda e se me quiser acompanhar terei muito gosto em lhe mostrar a propriedade.
O ranger hesitou antes de responder. Desejava continuar as suas investigações, mas após um momento de reflexão disse com os seus botões que esse passeio podia ser
de incontestável utilidade. Na verdade, veria se Mercedes o conduzia para as proximidades da torre ou do local onde parecia que os desperados tinham estabelecido
o seu campo de manobras. Além disso, podia fazer à sua companheira um certo número de preguntas, que talvez lhe permitissem dar mais alguns passos na descoberta
da verdade.
- Não vem connosco, sr. Guerrero? preguntou o ranger virando-se para o hacendero.
- Tenho muita pena, sr. Catamount, mas uns negócios urgentes obrigam-me a ir a Coyame. Trata-se de uma venda de várias centenas de cabeças de gado, que possivelmente
me obrigará a estar ausente por umas quarenta-e-oito horas. Mas isso não impede que se considere como se estivesse em sua casa.
- Substituirei o melhor que puder meu pai,, acrescentou Mercedes com o melhor dos seus sorrisos.
- Agradeço muito a vossa oferta, mas tenho receio de abusar..
- Não pense nisso. E escusado será dizer que o pessoal fica à sua inteira disposição, caso dêle precise.
O hacendero não se demorou mais tempo. Deu um vigoroso aperto de mão a Catamount. Despediu-se da filha e afastou-se montando um cavalo preto. Logo que desapareceu,
Mercedes preguntou:
- Está pronto sr. Catamount?
- A la disposicion de usted, senorita.,
- Emílio! Vá arrear um cavalo para o sr. Catamount. Para mim arranje o "Alegre
O peon, ao qual a rapariga se dirigia, apressou-se a cumprir as suas ordens e enquanto se encaminhou para a cavalariça o ranger pôs-se a passear com Mercedes. Vestida
com o fato de montar, a filha do hacendero fazia molinetes com o chicote e batia com êle nas botas altas, num gesto que lhe era familiar.
- Que pena tenho do "Mesquita", suspirou o homem dos olhos claros.
- Mesquita? Quem é o Mesquita?
- Não se trata de uma pessoa, mas do meu cavalo, um belo alazão que me foi roubado por aqueles marotos que me assaltaram na outra margem do Rio Grande. Nunca mais
o tornei a ver e não sei o que esses canalhas fizeram dêle.
Enquanto pronunciava estas palavras, Catamount olhava com insistência para a sua interlocutora, mas não notou o mínimo estremecimento.
- É realmente lamentável, mas estão a arranjar-lhe um dos melhores cavalos da herdade.
- Pois sim, mas não substituirá o "Mesquita".
O ranger não procurou insinuar à filha de Guerrero que, dirigindo-se ao curral, se encontraria imediatamente o alazão cujo desaparecimento lamentava. Mais do que
nunca, desejava manter a maior reserva e quando Emílio trouxe os dois cavalos, ajudou Mercedes a montar o cavalo branco, saltou para cima do outro e ambos saíram
em direcção à extrema do lado Oeste...
- A sua propriedade é muito importante.
- É a mais importante da região.
- Razão de sobra para admirar que não tenha despertado a cubiça dos desperados. Para os ladrões de gado esta fazenda é um maná.
- É verdade, mas tomamos um certo número de precauções, que fizeram perder a coragem aos mais audaciosos. Aliás, meu pai já lhe contou...
- Pois tem sorte! Pela parte que me toca ainda estou para saber onde se meteram os meus raptores. Aquele jogo das escondidas com o capitão Idurbal impediu-me de
encontrar esses malandros. Mas não perdem pela demora...
E apontando para o pinhal, que ficava a pouca distância, o ranger aventurou:
- Não crê que os bandidos se possam ter refugiado entre aquelas árvores ?
- E impossível! Todos os dias o mayordomo Fabiano e outros homens que com êle trabalham passam por ali e não teriam deixado de assinalar a presença de indivíduos
suspeitos.
A rapariga falava com segurança e Catamount, que não deixava de a olhar com insistência, nada notou que alterasse a sua completa serenidade. Ao aproximarem-se de
um parque onde estavam vários cavalos, Mercedes preguntou:
- Ainda não viu os nossos broncos ?
- Não; ainda não tinha vindo para estes lados.
- Então vou mostrar-lhe uma coisa que estou certa que nunca viu. E tenho a certeza também que não terá maior sucesso que os nossos vaqueros.
XIII
"Furacão"
O ranger ficou um tanto intrigado com as palavras que a sua companheira acabava de lhe dirigir, tanto mais dado um certo ar de ironia com que haviam sido pronunciadas.
-E posso saber o que fizeram os seus vaqueros ?
- Como são prudentes, não são capazes de montar o "Furacão".
- " Furacão " !
-Foi assim que baptizamos o cavalo selvagem
que os meus criados apanharam há três meses no Sul e que ainda ninguém conseguiu dominar.
Os olhos de Catamount brilharam, pois descobrira um desafio nas palavras que acabava de ouvir.
- Pois terei muito prazer em conhecer o seu "Furacão", por muito estranho que isso lhe possa parecer. Os cavalos nunca me assustaram e em tempos idos, quando domava
o meu "King"...
- O "Furacão" não é um cavalo vulgar, mas um verdadeiro demónio. Já quatro homens, que eram
dos nossos melhores cavaleiros, tentaram domá-lo e todos ficaram estropiados.
Continuaram andando e quando chegaram junto da vedação, Mercedes indicou a Catamount o célebre bronco.
- Lamento não ter tempo, disse o ranger, pois provar-lhe-ia que não sou um tender foot. A caça aos criminosos não me fez esquecer a equitação de outros-tempos...
- Não quere certamente fazer-me acreditar que seria capaz de dominar o "Furacão".
- E se lhe provasse o contrário?..
- E se eu lhe pegasse na palavra ?... acrescentou Mercedes.
O desafio era demasiado evidente. Catamount não-hesitou um segundo mais, apeou-se de um salto, tirou a sela e a cabeçada ao cavalo de que se apeara e entrou na cerca
onde estavam os broncos. Chegado a meio, pôs no chão os arreios e. avançando para o célebre cavalo começou fazendo girar o laço e, com mão certeira, lançou-o ao
pescoço do animal.
A luta foi grande, mas os punhos de ferro do ranger não cediam, e pouco a pouco, puchando a corda como em luta de tracção, foi-se aproximando do cavalo selvagem.
Mercedes Guerrero estava abismada com o que presenciava, e a todo o momento esperava ver o seu companheiro derrubado com um coice ou com algum esticão- mais forte.
E o seu espanto cresceu desmedidamente quando, junto a um canto do recinto, Catamount,
largando a corda do laço, saltou para cima do cavalo. A luta foi então enorme. Aos coices sucediam-se as cangochas, as upas e os movimentos mais desconcertantes.
O animal tão depressa se empinava e parecia tombar sobre as costas, como, de cabeça em baixo, e aos saltos para os lados, corria desesperadamente. O espectáculo
único e inconcebível durou cerca de vinte minutos, ao fim dos quais o bronco, alagado de suor, tremendo como varas verdes e com os flancos retalhados à esporada,
sentindo-se impotente acabou por parar, completamente dominado. Catamount apeou-se então, fêz-lhe uma festa no pescoço e desatou-lhe o laço que ao princípio lhe
atirara... O animal já nada fazia para se defender ou fugir.
- É fantástico, sr. Catamount! Nunca pensei que pudesse montar assim!
- Como vê, senorita, o seu " Furacão " nem para todos é.. furacão.
Catamount, extenuado, apoiou-se à vedação e Mercedes propôs então que regressassem à herdade, onde para o reconfortar lhe daria uns goles de aguardente.
- De acordo! Uma pinga de aguardente não calha mal agora.
Montaram de novo a cavalo e a passo iniciaram o regresso a casa.
Estou certa que se o major Morley o tivesse visto fazer o que fêz o felicitaria calorosamente.
- Mais me felicitaria se eu lhe levasse Miss Gladys Sterr.
Mercedes teve um estremecimento, ouvindo pronunciar aquele nome.
- Fala da americana que foi raptada? Eu conhecia-a, pois meu pai teve vários negócios com o Sr. Eric Sterr.
- Tenho a impressão de que devem ter trazido essa desgraçada para estas regiões.
- Não o creio. Conforme meu pai lhe disse, nada de suspeito se tem notado por aqui.
Estavam já perto do rancho quando subitamente Mercedes Guerrero, apontando para êle, exclamou:
- Atenção! Vêm ali uns cavaleiros ao nosso encontro.
Catamount virou a cabeça e viu que se tratava do capitão Idurbal e dos seus rurales. Então, estacando o cavalo, voltou-se para a filha do hacendero e disse:
- Desculpe-me, mas não faço o mínimo empenho em me encontrar com aquela gente. Tenho de a deixar e quando o perigo estiver passado cá lhe mando o seu cavalo.
Antes que a rapariga pudesse dizer uma palavra Catamount meteu esporas ao cavalo e abalou a todo o galope em direcção ao sul.
Durante alguns instantes Mercedes Guerrero ficou perplexa, pois não esperava tão precipitado desaparecimento do seu companheiro. Depois, exasperada com as novas
complicações, decidiu-se a continuar o caminho para a hacienda.
Os rurales, que se tinham apercebido da partida
precipitada do ranger, aproximaram-se a galope e Idurbal, que cavalgava à cabeça do grupo, gesticulava desesperadamente. Quando o grupo chegou perto de Mercedes,
parou e o capitão preguntou:
- Perdão, senorita, aquele cavaleiro que vinha consigo não era o gringo que nos escapou?
A rapariga fêz um sinal afirmativo com a cabeça e Idurbal, voltando-se para os homens que se agrupavam em seu redor, disse então:
- Vêem como tinha razão! O aviso que recebi esta manhã logo me fêz ver que não era em vão que vinha à hacienda. Mas desta vez não nos foge. As extremas da propriedade
estão guardadas por numerosos contingentes. Em frente!
E de novo à cabeça do grupo de cavaleiros, o capitão Idurbal meteu a toda a brida em direcção ao local onde Catamount tinha desaparecido.
Enquanto a sua companheira se dirigia a casa, Catamount continuou afastando-se e já levava boa dianteira aos seus perseguidores. A certa altura, esporeando o cavalo
mais fortemente, tirou os estribos, abriu as pernas e, agarrando-se a um ramo de pinheiro, suspendeu-se nele, deixando a montada seguir sozinha em louca correria.
Pouco tempo depois apareceram os rurales. Levados pela falsa pista da montada do ranger passaram junto dele sem o ver, mas em pouco tempo tendo encontrado o cavalo
que montava, pararam perplexos, sem conseguir explicar o súbito desaparecimento do cavaleiro.
Idurbal deu ordem aos seus homens para seguirem até descobrirem a pista do ranger, mas não foi possível encontrar qualquer pegada e estavam êles nestas operações
quando apareceram vários homens.
Se Catamount estivesse naquele local não teria tido dificuldade em reconhecer entre os recém-chegados o famoso Diego. O bandido, sobressaltado com a presença dos
rurales e não querendo que estes se aproximassem da torre onde Gladys Sterr estava encerrada, tinha decidido audaciosamente ir ao encontro do capitão, com três dos
seus homens, para o afastar daquele local perigoso.
- Procura o gringo, capitão ?
- Viu-o ? Para onde foi ?
- Sim, disse Diego que pretendia evitar certas investigações desagradáveis; fugiu por ali, entre os pinheiros. E com o dedo apontou para o sitio de onde o capitão
tinha vindo.
- Por ali é impossível! Venho de lá e procuramos por todos os cantos..
- E que procuraram mal. Olhe lá vai êle, ali. E dizendo isto, o bandido puxando do revolver fêz fogo em direcção ao sítio imaginário onde dizia ter visto o ranger.
Várias outras detonações se seguiram e os rurales lançaram-se em correria louca para o sítio indicado, desprezando o mato e silvas, que lhes rasgavam os fatos. Mas,
como é evidente, por mais que procurassem nada encontraram.
Enquanto se desenrolava esta inútil caçada, Catamount continuava tranquilamente empoleirado na árvore.
Ao fim de meia hora, o ranger começou a estar farto de imobilidade e expectativa. Como não pudesse descer, decidiu-se a empregar uma táctica que já várias vezes
pusera em acção nos tempos distantes em que lutava contra os índios. Como os rurales inspeccionavam cuidadosamente o solo, ia tentar deslocar-se de árvore em árvore,
de ramo em ramo, fugindo assim da zona perigosa.
Catamount tirou de novo o laço que trazia sempre à cintura, atirou-o à árvore mais próxima e, uma vez estabelecida a ligação, num impecável movimento de pêndulo
atingiu essa árvore.
Durante quási meia hora, com extraordinária agilidade, continuou essa ginástica perigosa, até que decidiu pôr fim ao exercício já quando entre o arvoredo se apercebiam
as ruínas da torre.
- All right, murmurou satisfeito. Enquanto aquela gente anda à minha procura, parece-me que será bom pensar um pouco em Gladys Sterr. A pobrezita já deve estar impaciente.
Desceu do último pinheiro que lhe servira de poleiro, enrolou o laço e puxando do revólver dirigiu-se de rastos até à prisão onde estava a americana.
Cada vez mais longe, ouvia-se o barulho dos rurales, que procuravam em vão o homem dos olhos claros.
XIY
A libertação de Gladys
O ranger atingiu as ruínas da torre sem ruído, caminhando com os maiores cuidados, pois sabia que estava ali alguém de sentinela. De facto, em pouco tempo viu essa
sentinela, que não era outro senão-Perez, aquele bandido que Diego tinha deixado a vigiá-lo quando o fechara na venta abandonada do chaparral.
A decisão de Catamount foi rápida. Continuou avançando com prudência e, chegando a dois passos do bandido, deu-lhe com o revólver tamanha pancada na nuca, que êle
caiu pesadamente sem sentidos.
O ranger verificou que Perez tinha ficado fora de combate por bastante tempo e então, pegando-lhe por debaixo dos braços, escondeu o corpo numa moita próxima. Feito
isto, e depois de se ter assegurado-que ninguém o espiava, entrou na torre, por uma abertura escondida entre as trepadeiras.
Ao fim de uma escada meia em ruínas, chegou junto de uma porta de pesadas ferragens, sòlidamente
fechada, e depois de ter batido duas vezes preguntou:
- Miss Sterr, está aí ?
- Qem me chama?
- É Catamount que a vem libertar.
- Catamount?! Bendito seja Deus!
O ranger tirou a tranca e metendo o ombro à porta abriu-a com relativa facilidade.
- Depressa, miss Sterr, não temos um minuto a perder, siga-me...
- E para onde me leva? preguntou intrigada a rapariga.
- Para a liberdade.
Saíram do aposento, desceram a escada e depois de Catamount se ter assegurado de que não havia ninguém naquelas vizinhanças, deixaram as ruínas.
Durante dez minutos afastaram-se da torre, seguindo a direcção oposta àquela que Catamount há pouco tinha seguido e onde os rurales do capitão Idurbal continuavam
febrilmente a fazer buscas improdutivas. Uma vez tranquilizado pelo sossego completo que reinava em redor, Catamount parou e disse à sua protegida.
- Agora, miss Sterr, é a altura de dar o passo decisivo.
- Não compreendo. Não vamos para a outra margem do Rio Grande?
- É preciso que siga sozinha até ao Texas, o que requere bastante coragem.
- Coragem tenho eu, mas sem um cavalo como posso chegar até ao Rio Grande?
- Eu lhe arranjarei um cavalo em que possa fazer esse percurso, mas é preciso acautelar-se e inutilizar tôdâs as tentativas que aqueles bandidos possam pôr em prática
contra si. Além disso, é preciso que lá chegue antes do cair da noite.
- Porquê?
- Já ouviu falar de um sítio chamado Águas Calientes ?
- Sim, é uma fonte de água sulforosa que fica cerca do Rio Grande e perto da qual já tenho passado várias vezes.
- Pois bem, tenho razões para pensar que antes do cair da noite de amanhã os seus raptores, sob as ordens do misterioso chefe que planeou o seu rapto e a agressão
de que fui vítima, se reúnem nesse local perto do Cactus Grande. Não sei quais sejam as suas intenções, pois só isso consegui descobrir, graças a um acaso providencial.
Torna-se necessário, para a descoberta da verdade, que fique ainda algum tempo em território mexicano e, por isso, é preciso prevenir os rangera em Alamito, de modo
que lhes seja possível deitar mão à quadrilha. Conto, pois, consigo para falar ao meu chefe, o major Morley, que tomará as providências necessárias. Temos ainda
cinco horas antes do pôr do sol. Parece-lhe bastante para a viagem ?
- Se tiver um bom cavalo farei tudo quanto seja possível.
- Terá o cavalo que deseja e que será um dos melhores da fronteira. - Então pode contar comigo.
Pelo ar decidido com que lhe falou Gladys Sterr, Catamount compreendeu que estava resolvida a enfrentar os maiores obstáculos. Explicou-lhe então qual a situação
exacta e levou-a para fora da mata.
O plano de Catamount estava traçado: ir quanto antes até à cavalariça onde encontrara o " Mesquita" e apossar-se dele, uma vez que não estava guardado à vista.
As valas de irrigação que atravessavam a propriedade iam, mais uma vez, permitir que o ranger se deslocasse sem deixar rasto. Aventurou-se pois com a sua companheira,
mas por mais de uma vez tiveram que se deitar de bruços, para não serem surpreendidos pelos vaqueros. Finalmente, o ranger chegou perto do corral onde tinha encontrado
o seu alazão. Num rápido golpe de vista assegurou-se de que ninguém andava pelas vizinhanças, saiu do fosso e aproximou-se da vedação.
Uns cinquenta cavalos estavam ali reunidos e, entre eles, o seu. Então Catamount não hesitou e, metendo os dedos à bôca, assobiou como costumava fazer.
O "Mesquita" reconheceu imediatamente o sinal do seu dono, levantou a cabeça e dirigiu-se para o local onde o ranger estava.
- Olá, bom amigo!
Catamount acariciou o animal, levou-o até uma das portas da vedação, abriu-a e apontando para uma porção de algodoeiros, disse para a sua companheira:
- Vamos até ali onde estamos mais escondidos. Se tudo continuar tranquilo, poderá tomar imediatamente o caminho do Texas.
O "Mesquita" não estava arreado, mas Gladys Sterr, excelente cavaleira, não se preocupou com o facto.
- Antes de nos separarmos, miss Sterr, vou fazer um pequeno reconhecimento e ver se o caminho está livre.
Deixando a rapariga ao pé do cavalo, o ranger afastou-se rastejando. Durante dez minutos foi assim andando, examinando atentamente as vizinhanças e já pensava que
Gladys Sterr podia atingir o chaparral sem novidade de maior, quando subitamente estacou, por se ouvir, cada vez mais próximo, o barulho de uma galopada.
Aproximavam-se três cavaleiros vindo do pinhal e um deles era Diego.
O homem dos olhos claros admirou-se com o facto desse maroto tomar tão poucas precauções para se dissimular e andar assim tão perto da herdade. Na verdade, Diego
arriscava-se dessa forma a ser descoberto, bem como os seus dois companheiros, pelos vaqueros de Garcia Guerrero. Parecia, porém, que tal idéia não os preocupava.
- Onde diabo é que ela se teria metido ?
- E quem a teria ajudado a safar-se ?
- Ora!... quem havia de ser senão esse maldito gringo!...
O ranger ouvia distintamente, do local onde estava escondido, a conversa dos três cavaleiros que se tinham aproximado e por ela pôde verificar o espanto que causara
a evasão da prisioneira.
- O Perez continua sem sentidos e a pequena com certeza que está longe já.
- Se acaso arranjou um cavalo...
- E preciso procurá-la...
- Mas o pior é que o chefe já partiu e nos espera ao cair da noite em Águas Calientes.
- O encontro sempre é à mesma hora?
- E. Os outros estão prontos na outra margem do Rio Grande. Não temos tempo a perder.
- Carai! Mas não viu êle que o ranger, uma vez que fugiu, pode intervir?...
- Está descansado; o imbecil do Idurbal com os seus rurales há-de-lhe dar água pela barba.
- Tenho as minhas dúvidas. O capitão é um adversário que não mete medo. Enfim, seja como for, lá iremos às Aguas Calientes e é bom não esquecer que para não sermos
reconhecidos vamos de capa preta, sombrero e mascarilha.
Os três cavaleiros afastaram-se e Catamount não pôde ouvir mais nada. Dirigiu-se então para Gladys Sterr e disse-lhe:
- Acabo de ter a confirmação da reunião que os bandidos preparam. É pois absolutamente necessário
que passe o Rio Grande e chegue a Alamito ao cair da noite.
- Hei-de lá chegar custe o que custar, respondeu a rapariga.
- Muito gostaria de a acompanhar, miss Sterr, mas tenho de vigiar aqueles vassales. Pode estar tranquila e diga ao major Morley que também irei à reunião de Águas
Calientes. E agora não perca tempo. Siga ao longo do arame farpado umas três milhas; encontra depois a extrema da herdade; meta pelo chaparral. Seguindo sempre para
o Sul, encontrará com facilidade o Rio Grande.
A rapariga não hesitou mais; montou a cavalo e partiu.
- Deus a proteja! murmurou o ranger. Catamount ficou a ver Gladys Sterr afastar-se,.
mas em certa altura, quando se dispunha já a ir-se embora, sentiu qualquer coisa encostada a meio das espáduas e logo uma voz que lhe dizia:
- Mãos no ar! Ao mínimo movimento que faças,, estoiro-te...
XV
Novas atribulações do capitão Idurbal
O ranger acatou a ordem e reconheceu imediatamente quem a dava: o capitão Idurbal. Mas como tinha o chefe dos rurales conseguido encontrar a sua pista? Catamount
não procurou decifrar o enigma e esperou que aparecessem outros rurales, mas não ouviu mais ninguém. O capitão parecia estar só e o homem dos olhos claros decidiu
então usar da sua habitual manha.
- All right! Rendo-me. O capitão Idurbal é o mais forte.
- Eu bem lhe disse que a última cartada seria minha.
O oficial puxou do apito de prata que trazia pendurado ao pescoço. Tendo apanhado e domado o seu adversário, apressava-se a transmitir aos seus subordinados o sinal
convencionado.
Catamount soube aproveitar maravilhosamente esses segundos de desatenção do seu efémero vencedor. No momento em que o mexicano se punha a
chamar os seus auxiliares, sentiu que a pressão do revólver era menos forte e então fêz uma rápida furta e, com a mão direita, agarrou o pulso do capitão e, torcendo-o,
obrigou-o a deixar a arma que caiu no chão.
Começou então uma luta enorme. O homem dos olhos claros tinha a vantagem da surpresa com que agira sobre o antagonista e, sem lhe dar tempo a que se servisse do
apito, deu-lhe um murro formidável, que fêz saltar o sangue das narinas do capitão. Este ainda tentou agir e levantar-se, mas um segundo swing, tão forte como o
primeiro, reduziu-o à mais completa imobilidade.
Durante alguns instantes, o ranger olhou pára o corpo inerte do mexicano estendido a seus pés. Na verdade, Idurbal era um adversário bem fraco. Mas Catamount não
perdeu tempo, pois sabia que os rurales andavam perto e, de um momento para o outro, podiam intervir e complicar gravemente a situação. Apressou-se a tirar o laço
que trazia sempre pendurado à cintura e ligou solidamente Idurbal; depois, tirando o lenço vermelho que o capitão tinha ao pescoço, fêz com êle uma espécie de tampão
e meteu-o na boca do mexicano. Seguidamente pegou no corpo do capitão e foi escondê-lo atrás de uma porção de cactos.
Catamount tentou depois apanhar o cavalo do seu pobre antagonista, mas viu com tristeza que êle tinha vindo a pé. Resignou-se, pois, a retirar e a esconder-se na
parte sul da Herdade dos Aloés.
Faltavam ainda algumas horas para o crepúsculo, mas o ranger já estava inquieto, pensando na maneira como havia de atingir o Rio Grande. A presença dos rurales impedia-o
de alcançar a herdade. Garcia Guerrero estava ausente; podia, era certo, contar com Mercedes, mas tudo levava a crer que o capitão Idurbal tivesse tomado as necessárias
precauções, para evitar que o ranger atingisse a casa. Além disso, Catamount não esquecia que as extremas da propriedade de Garcia Guerrero deviam continuar vigiadas.
Mas todos esses obstáculos não eram suficientes para imobilizar Catamount, que queria atingir o Rio Grande, custasse o que custasse. A operação que se preparava
para além da fronteira, na região de Aguas Calientes, parecia-lhe de capital importância. Além disso, pensava em Gladys Sterr. Conseguiria ela chegar sem estorvo
até ao rio? Posto que tivesse tido a prova da sua audácia e sangue frio, parecia-lhe problemático o êxito da sua empresa.
Catamount continuou a afastar-se, servindo-se, como já o fizera, das valas de irrigação e frequentes vezes teve de esconder-se o melhor possível, pois era a hora
em que os vaqueros entravam com o gado. O homem dos olhos claros receava tanto ser surpreendido pelos auxiliares de Garcia Guerrero, cuja indiscrição ou cumplicidade
com os rurales era de temer, como pelos outros adversários.
Finalmente, ao cair da noite, o ranger atingiu os limites sul da Herdade dos Aloés. Até ali nada notara de anormal e conseguira furtar-se aos olhares indiscretos,
mas à medida que se aproximava do chaparral o perigo aumentava e era preciso ser ainda mais cuidadoso, não fôsse esbarrar com qualquer patrulha de rurales, posta
alerta pelo desaparecimento do chefe.
O desaparecimento de Idurbal parecia ter provocado certa perturbação entre os seus auxiliares, pois Catamount não viu ninguém de sentinela ou a patrulhar pelo lado
sul, pelo que atravessou rapidamente o arame farpado da vedação. O caminho agora era particularmente perigoso mas o ranger não se preocupou.
Como todos os cowpunchers e cavaleiros do Far-West, Catamount era pessoa que andava pouco; lamentava a falta de um cavalo e olhava com frequência para o céu encarniçado
onde já brilhavam as primeiras estrelas.
- É impossível estar a horas em Aguas Calientes, murmurou o ranger.
Depois de dez minutos de marcha difícil, durante os quais os espinhos e o mato lhe feriram as mãos e lhe rasgaram o fato, o ranger parou. A pouca distância viu que
se aproximava um cavaleiro, que se dirigia a passo para o Rio Grande.
Catamount escondeu-se imediatamente atrás de uns aloés e o homem, que não o viu, continuou a sua marcha.
- By Jove! O homem vem de máscara!...
Catamount lembrou-se então do que ouvira. Os cavaleiros da quadrilha deviam dirigir-se a Águas Calientes de sombrero negro, capa e mascarilha. Ora, aquele personagem
era assim que vinha.
O ranger decidiu-se então a agir, pois entrevia um meio de alcançar o vau e chegar ao local da reunião ao mesmo tempo que o misterioso chefe e os seus quadrilheiros.
O cavaleiro aproximava-se e o cavalo que montava era com dificuldade que atravessava os espinhos e o mato, por vezes muito denso, do chaparral. A atenção com que
aquele olhava para o caminho facilitava a tentativa do seu adversário.
O homem ia passar muito perto do local onde estava Catamount e este, surgindo por trás dos aloés, saltou sobre êle, obrigando-o a destribar-se e ambos caíram no
chão, onde se desenrolou uma luta feroz. Em breves momentos, o punho terrível de Catamount reduziu o seu adversário à mais completa imobilidade, sem sequer lhe dar
tempo a que chamasse por socorro.
Durante a luta, a mascarilha que o cavaleiro trazia tinha caído e Catamount pôde identificar o adversário que tão rapidamente pusera fora de combate:
- O mayordomo da Herdade!
Não havia dúvidas, era Fabiano, o homem que Catamount vira na Herdade dos Aloés e no qual Garcia Guerrero e sua filha pareciam depositar a máxima confiança.
O ranger não perdeu tempo com reflexos. Os recentes acontecimentos, a insistência com que Diego e os seus bandidos agiam em pleno território da herdade, não obstante
a presença dos rurales, demonstravam a Catamount que aqueles marotos deviam ter muitas relações entre o pessoal de Garcia Guerrero.
Era preciso agir. Correndo para o cavalo, que parara a alguns passos do local da luta, o ranger viu que trazia um laço afivelado na sela. Tirou-o e ligou o maioral
tão fortemente como ligara o capitão, metendo-lhe igualmente o lenço pela boca dentro, o que o impossibilitava de chamar por socorro quando recuperasse os sentidos.
Depois de ter escondido o prisioneiro atrás de uns cactos, Catamount pôs a capa, o sombrero e a mascarilha que êle trazia e saltou para o cavalo.
- Go ahead! A caminho para o Rio Grande. Agora, que arranjara montada, o ranger estava
convencido do êxito da sua empresa, mas uma ruga de inquietação aparecia-lhe na testa sempre que pensava em Gladys Sterr. Teria ela conseguido chegar ao Rio? Chegaria
ela até Alamito, onde o major Morley devia de esperar, com inquietação, o regresso do seu auxiliar?
- Suceda o que suceder! Adiante!
A noite caíra por completo quando descobriu a fita prateada do Rio Grande e o olhar de Catamount, habituado há muito à escuridão, em breve lobrigou umas sombras que se moviam.
O falso bandido parou o cavalo e preguntou aos seus botões se estava na presença dos rurales se dos desperados. Tranquilizou-se, porém, quando ouviu uma voz que
lhe dizia:
- Podes avançar amigo. Tudo corre bem. Enquanto o imbecil do Idurbal está lá para a hacienda podemos passar o vau de Águas Calientes.
O ranger respondeu com um simples grunhido de aprovação.
Os cavaleiros que esperavam na margem mexicana juntaram-se e, sem qualquer hesitação, Catamount juntou-se-lhes também. A breve trecho, porém, teve um estremecimento
ao reconhecer a voz de Diego.
- O chefe ainda não chegou, disse o bandido, mas não importa. Não devemos esperá-lo. Há muito que deve estar na outra margem, no Cacto Grande com os outros.
O bandido foi o primeiro a meter-se ao rio e todos o seguiram em fila indiana. Catamount era o último e viu então que todos aqueles homens, preparando-se para qualquer
ataque eventual, empunhavam as suas carabinas. Fêz pois o mesmo e puxou da arma que Fabiano levava.
Diego foi o primeiro a atingir a margem e enquanto os seus acólitos esperavam, foi fazer um rápido reconhecimento.
Passaram dez minutos no meio de um silêncio impressionante. O pensamento de cada um dos cavaleiros negros era o mesmo: seriam surpreendidos pelos rangèrs ou tudo correria sem novidade?
O regresso de Diego dissipou os últimos receios.
- Tudo vai bem, disse o bandido. Não há ninguém por estes sítios. O chefe pode regressar sem recear qualquer intervenção e razão teve em afastar por algum tempo
O gringo.
- E preciso cuidado, disse um dos homens. É bom não esquecer que o gringo conseguiu escapar-se para o campo e não sabemos para onde foi a filha de Sterr.
- O chefe ficará furioso quando souber que o Perez a deixou fugir.
Diego deitou água na, fervura da discussão, dizendo:
- Do mal o menos. É certo que o chefe não poderá arranjar o resgate que pensava obter com Grladys, mas admitindo que o gringo tenha conseguido levá-la para o Texas,
tanto bastará para que esteja afastado durante o tempo preciso. O que se projecta é de muito maior importância do que o rapto da rapariga.
Um murmúrio de aprovação acolheu estas palavras. Catamount, cada vez mais intrigado, preguntava a si próprio qual seria a operação de tamanha importância que os
desperados projectavam. E quem seria o misterioso chefe?
Momentos depois, mais alguns cavaleiros atravessaram o Rio Grande e, sem santo nem senha, vieram silenciosamente juntar-se ao grupo. Passaram mais alguns minutos até que uma voz exclamou:
- Atenção! Aí vêm... Houve um sobressalto em todo o grupo, ao ouvirem-se essas palavras de Diego. Catamount, intrigado, levantou-se nos estribos e viu duas silhuetas
a uns trinta passos de distância. Ao luar, os homens que se aproximavam pareciam dois fantasmas. Vinham também de negro e mascarilha e a pelagem suada dos cavalos
indicava que tinham feito longa caminhada.
Quando os recém-vindos chegaram ao pé do grupo, um deles levantou lentamente o braço direito.
- E o chefe! murmurou uma voz ao pé de Catamount.
Instintivamente, o ranger levou a mão à coronha do revólver. Pela primeira vez ia, enfim, encontrar-se na presença do misterioso desconhecido, que dirigia toda aquela
tenebrosa organização e que por êle tinha tão grande interesse.
Foi, porém, sem sucesso que Catamount procurou descobrir a fisionomia do desconhecido e identificá-lo. A mascarilha, a capa e o sombrero tornavam-no igual aos companheiros.
O chefe aproximou-se rapidamente seguido do seu companheiro, que parecia mais magro e de menor estatura. Deu uma rápida vista de olhos aos homens, e preguntou:
- Estão prontos?
Todos responderam afirmativamente. Catamount imitou o exemplo dos vizinhos e soltou um simples grunhido afirmativo, não obstante sentir-se possuído da maior alegria.
É que o véu do misterioso dissipara-se inesperadamente : reconhecera a voz do chefe!
XVI
Inquietação em Alamito
- E o seu Catamount?
- Continuo sem notícias. Eric Sterr parou o seu Ford a três passos do
cavalo do major Morley.
- E tantas esperanças tinha o senhor!... disse tristemente o ganadero, que se conservava ao volante do carro.
- Não desanime, Mr. Sterr, protestou o major Morley. Por muito estranho que lhe pareça, conservo sempre a maior confiança em Catamount. Quantas vezes já, não pensei
que estava morto e depois o vi chegar vitorioso, após ter cumprido as mais perigosas missões?! Por muito paradoxal que possa parecer, estou convencido que o facto
de nada sabermos de Catamount é um excelente sintoma. Isso prova que conseguiu atravessar a fronteira mexicana e que faz as suas investigações do outro lado do Rio
Grande.
- Não pode calcular a angústia em que vivo, retorquiu Eric Sterr. Desde que Gladys desapareceu, parece que não existo. Dava toda a minha fortuna para encontrar a
minha querida filha.
- Tenha a certeza de que a há-de encontrar.
- O facto dos seus raptores não terem até agora exigido o seu resgate, pode deixar supor que Gladys morreu, ou mesmo que-
- Não pense nisso, disse o chefe dos rangers. Se os bandidos não deram sinal de vida é que não sentem ainda o terreno suficientemente sólido. Miss Gladys Sterr vale
milhares de dólares e eles bem o sabem. Espere ainda mais vinte-e-quatro horas, sr. Sterr, pois estou certo que Catamount não nos deixará tanto tempo sem notícias.
- E se o mataram ?...
- Catamount não é pessoa para vender barato a pele. Não é com facilidade que as balas dos outlaws ou dos desperados o atingem.
- E de momento, o que faz o sr. Major?
- Mandei alguns cavaleiros patrulhar a margem do Rio Grande. Talvez me tragam quaisquer esclarecimentos. Em todo o caso não seria mau o senhor vir à tarde a Alamito.
Se Hver qualquer novidade...
- Está bem; irei ter consigo e oxalá tenha razão. Eu, confesso, cada vez estou mais scéptico!
Os dois homens separaram-se. Era dia de feira em Alamito e o major Morley tinha dificuldade em abrir caminho através da multidão
que se comprimia na avenida principal. Várias vezes o chefe dos rangers foi obrigado a responder às preguntas que lhe faziam. Muitos procuravam-no àcêrca dos roubos
de gado e, quando conseguiu chegar ao posto principal, logo viu o sherif de Alamito, Richard Crosby, que gesticulava no limiar da porta.
- Olá, sherif, que demónio de mosca é essa? preguntou o major apeando-se e entregando o seu cavalo a um ranger que se aproximara ao vê-lo.
- E de perder a cabeça! resmungou o representante da autoridade. Esta gente, que é para si, fala toda ao mesmo tempo e cada um quere que me ocupe do seu caso.
Dizendo isto, Richard Crosby indicava uns quinze homens vestidos de cowpunchers e que discutiam acaloradamente na grande sala de espera, contigua ao gabinete do
chefe dos rangers.
Tão grande afluência surpreendeu o major.
- Parece-me, sherif, que se esquece que os meus homens apenas estão encarregados de vigiar as fronteiras e de dar caça aos outlaw e desperados.
- Estes homens foram vítimas dos ladrões de gado, explicou Richard Crosby, seguindo o major que entrava no seu gabinete.
O sherif não teve tempo de explicar ao seu companheiro do que se tratava ao certo, pois como um só homem os cowpunchers levantaram-se e rodearam o major. Como todos
falavam ao mesmo tempo,
o chefe dos rangers estendeu os braços e gritou, afastando-os:
- Shut up! Só admito que fale um por cada vez.
E apontando para um homemzinho magro e seco que estava à sua frente, o major preguntou:
- Nós, o que temos?
- A noite passada roubaram-me duzentos Herefords no Triângulo X!
- E cento e vinte no Triângulo P!
- As "Três Estrelas" foram também pilhadas! O major Morley, encolerizado, ordenou de novo
silêncio.
- Pouco barulho! Nada tenho a ver com as vossas lamentações. Tenho aqui um sherif e a sua obrigação é ocupar-se desse assunto de roubo de gado.
- Richard Crosby é um incapaz. Não temos confiança nele.
- Somente os rangers nos podem auxiliar...
- Viemos procurá-lo, major, porque estamos certos que conseguiria descobrir o gado que nos roubaram.
- Pois sim, mas se continuarem nessa barulheira, recuso-me a tratar do vosso caso.
Estas palavras do major estabeleceram a calma e como Richard Crosby lhe tivesse feito sinal de que desejava falar, convidou-o a fazê-lo.
O sherif relatou então ao chefe dos rangers os roubos misteriosos que tinham cometido na última noite
e de que tinha sido vítima a maior parte dos ranchmen situados a norte do Rio Grande. Tais ataques não eram raros e os sherifs e os seus posses muitas vezes tinham
tido necessidade de dar combate aos ladrões de gado, fossem eles mexicanos ou gringos. No entanto, desta vez o caso excedia em limites tudo quanto se podia suspeitar,
tendo-se sucedido os roubos com desconcertante rapidez. Vários cowpun-chers, encarregados de vigiar os animais, tinham sido encontrados mortos e outros haviam desaparecido.
- Toda essa pilhagem foi feita durante a noite, acrescentou Richard Crosby. Parece que os rascais decidiram agir num largo campo de operações, para nos paralisar
melhor.
Bert Suny, criador de gado no distrito, subiu a uma cadeira e disse, encorajado pelos vizinhos:
- Estamos fartos de estar à mercê de bandidos e desperados de toda a espécie! Durante meses não houve qualquer ataque e sabíamos que podíamos contar com os representantes
da lei. Mas agora, concordemos que o sherif não se mostrou à altura das circunstâncias. Foi avisado esta manhã e, até agora, nem êle nem os seus deputies conseguiram
descobrir fosse o que fosse.
- Os ladrões fugiram para a região rochosa do Cacto Grande. Compreendem, pois, que descobrir qualquer pista seria difícil e desafio a que o faça o mais hábil.
- Pois sim, sherif, mas enquanto está com esses
discursos a canalha trabalha contra nós. O que vale é que para o próximo mês há eleições e pode ir-se-preparando para deixar o lugar.
- Compreendem que não posso estar na peugada de várias quadrilhas ao mesmo tempo, objectou o infeliz sherif, desconcertado pelos ataques incessantes de que era alvo.
Cada um destes homens quere que me ocupe do seu caso e depois acusa-me de falta de competência.
- Ricard Crosby não tem tantas culpas como dizem, declarou o chefe dos rangers, voltando-se para os que protestavam. E impossível uma pessoa tratar de tantos casos
ao mesmo tempo e são vocês os primeiros a distraí-lo. Pelo que me disseram, concluo ter sido a mesma quadrilha que cometeu todos esses roubos. Precisamos agir convenientemente
e para isso exijo a maior disciplina. Escolher-se-á um chefe...
- O major é o melhor chefe que podemos encontrar. Dê as suas ordens e será obedecido.
Bert Sunny falara em nome dos seus colegas e o chefe dos rangers foi alvo de uma calorosa ovação. O major, já farto de conversas, foi para o seu gabinete e reuniu
os cattlemen vítima de roubos na noite anterior. Estendendo sobre a secretária uma carta detalhada da região de Alamito, o major Morley, junto do qual se debruçava
o sherif, verificou que todos os ataques dos rustlers tinham tido lugar nos limites dos ranchos mais perto da zona montanhosa do Cacto Grande.
- Se não atravessaram o Rio Grande com o produto do roubo, disse o major Morley, é que se refugiaram entre estes rochedos onde é fácil esconder o gado.
- Mas, a ser assim, podíamos tentar cercá-los.
- Era preciso dispor de um exército, explicou o chefe dos rangers. Pense nas dificuldades de toda a espécie que teríamos pela frente. Só se fôssemos uns trezentos
teríamos qualquer possibilidade de êxito.
- Antes da noite poderíamos reunir esse número de homens, convocando todos os grupos de cowpunchers. São rapazes valentões e acredite que estarão dispostos a vingar
os camaradas cobardemente assassinados.
- All right! Vou enviar alguns dos meus rangers para a região do Cacto Grande. E conto consigo ao cair da noite. Aqui, neste sítio...
O plano do major Morley teve a aprovação unânime e os cattlemen não perderam mais tempo a discutir. Foram buscar os seus cavalos e afastaram-se a galope largo em
direcção dos respectivos ranchs.
O major Morley e o sherif ficaram sós.
- Muito obrigado, major! Por um pouco não me acusavam também de ter roubado o gado...
- Não é má gente. O que eles têm é a boca ao pé do coração. Com um pouco de método podemos obter alguns resultados, mas não escondo que a tarefa é difícil. Se os
bandidos se refugiaram na região do Cacto Grande devem ocupar posições quási inexpugnáveis.
- Mas saberemos desalojá-los, garantiu o sherif.
- Pois sim, mas a luta será dura e eu gosto de resolver os assuntos com o mínimo de estragos possível.
- Mas se não se pode agir de outra maneira...
- Das outras vezes tenho tido um auxiliar precioso, que só por si vale os trezentos homens que vamos reunir..
- Compreendo! Fala de Catamount. Mas o que tem, que o perturbou assim tão subitamente?
- By Jove! Agora compreendo! Sou o maior dos imbecis!
- Eu é que não compreendo nada.
- Pois é fácil. Foi essa gente que raptou a filha de Eric Sterr. Agora compreendo porque se mantinham numa espectativa prudente. Raptaram-na para despistar a nossa
atenção e, segundo todas as probabilidades, para nos privar de Catamount! Há-de concordar que a coincidência desse golpe audacioso se dar quando o meu melhor auxiliar
está ausente autoriza a todas as suspeitas...
- Quere então insinuar que os raptores de miss Gladys Sterr são os mesmos que esta noite..
- É o que penso, disse o major e é por isso que a situação se me afigura mais grave do que a antevia ainda há pouco. Quem comanda essa quadrilha é esperto, sabe
o que faz e deve ter numerosos entendimentos de um lado e do outro da fronteira.
O sherif não se demorou mais tempo junto do
major, pois urgia reunir o seu fosse e o maior número possível de cavaleiros.
- Espero-o ao cair da noite, disse o chefe dos rangers.
Richard Crosby partiu e, uma vez só, o major Morley embrenhou-se no estudo da carta.
XVII
A mensageira de Catamount
Gladys Sterr seguia a uma velocidade vertiginosa. Depois de se ter separado de Catamount, a rapariga procurara fugir aos olhares dos vaqueros e depois metera-se
pelo chaparral.
Ao fim de certo tempo, entre as colinas que se destacavam no horizonte, viu o Rio Grande.
- Coragem, "Mesquita", estamos a chegar!
A fugitiva bateu com os calcanhares nos flancos do animal, que aumentou ainda mais a velocidade. O sol descia pouco a pouco no horizonte Gladys dizia para consigo,
com certa ansiedade, que o sucesso do trabalho de Catamount só nela residia agora. Se qualquer acidente se desse, se houvesse um atraso, seriam inúteis todos os
trunfos de que o ranger dispunha e que de modo tão providencial conseguira obter.
Como se sabe, Gladys Sterr era uma rapariga voluntariosa a quem o perigo não assustava. Maxilas contraídas e olhar fixo no rio, cada vez mais próximo,
continuou a avançar a toda a brida, "Mesquita " ultrapassou as últimas moitas que bordejavam o rio e atingiu os bancos de areia, onde havia enúmeros traços de aves
aquáticas.
O alazão parou perto do Rio Grande. Durante alguns instantes Gladys observou a água que corria entre as margens prateadas e franziu ligeiramente a testa. Com o desejo
de chegar o mais depressa possível ao Rio Grande, não pensou que se arriscava a ir dar a um sítio que dificilmente se pudesse passar a vau. As ondas passavam em
turbilhão e o cavalo empinava-se diante do redemoinho.
- É impossível recuar, pensou intrépida cavaleira. Seria necessário percorrer pelo menos mais três milhas para encontrar um vau.
Novamente os calcanhares da rapariga bateram nos flancos do alazão. Durante alguns segundos o "Mesquita" hesitou e depois, sob nova exortação da cavaleira, meteu-se
à água.
Gladys e o cavalo lançaram-se então numa luta épica contra o turbilhão das águas, que a todo o instante ameaçava arrastá-los.
Apenas o "Mesquita" tinha avançado alguns passos, um violento golpe da onda atirou a rapariga abaixo do cavalo. Gladys julgou-se perdida, mas por felicidade, num
esforço supremo, conseguiu agarrar-se à crina do animal, que se debatia à sua esquerda.
Por seu lado o "Mesquita" lutava e depois de alguns minutos críticos conseguiu retomar pé. Gladys, nadadora exímia, conseguiu igualmente atingir terra
firme e, extenuada pelo esforço que acabava de fazer, estendeu-se na areia, onde se deixou ficar alguns momentos. Depois dirigiu-se ao cavalo, afagou-o e montou
novamente o nobre animal, que nela via uma amiga.
Uma vez de novo a cavalo, a rapariga orientou-se. Alamito ficava-lhe agora em frente e não tinha mais a fazer do que abandonar o mais depressa possível a região
rochosa onde viera ter. O horizonte avermelhava-se e era tempo de partir para atingir o seu destino antes da noite.
De novo, numa correria enorme, o cavalo avançou. Gladys sentia-se completamente arrazada, mas aguentou-se e já se aproximava dos prados e dos ranchs que ficam vizinhos
ao Rio Grande quando, repentinamente, surgiram dois homens no caminho que devia seguir.
- Faça alto!
Com dificuldade Gladys conseguiu fazer parar o cavalo e então um dos homens preguntou:
- Quem é e donde vem?
- E o senhor quem é, retorquiu a rapariga com ar decidido.
- Somos rangers de Alamito.
- Rangers de Alamito? Então conhecem o major Morley ?
- Essa é boa! Quem melhor do que nós o há-de conhecer!...
- Fui enviada por Catamount, retorquiu a rapariga desejosa de não perder nem mais um instante.
- Por Catamount?!
O primeiro cavaleiro pareceu um tanto espantado com esta declaração, mas o seu companheiro exclamou:
- É verdade. Reconheço o "Mesquita". Não há dois cavalos iguais em Alamito.
O ranger que interpelara Gladys identificou por seu turno o alazão, mas a fugitiva não lhe deu tempo que a interrogasse.
- Conduzam-me quanto antes perante o vosso chefe. É urgente.
- O major prepara-se para sair ao começo da noite.
- Mais uma razão! É necessário, custe o que custar, que eu o veja antes.
Os dois cavaleiros não insistiram mais, enquadraram a rapariga e os três partiram a toda a velocidade a caminho de Alamito. Durante todo o trajecto Gladys não deu
palavra.
O sol acabava de desaparecer no horizonte quando Gladys e os dois cavaleiros alcançaram Alamito e a fugitiva reparou que havia uma actividade anormal na povoação.
A rua principal chegavam grupos de cavaleiros cada vez mais numerosos.
Os dois rangers não perderam tempo a falar com os cowpunchers e os homens do posse reunidos pelo sherif de Alamito, e rapidamente dirigiram-se ao posto onde estava
o major Morley.
Gladys Sterr apeou-se imediatamente; entrou pela porta dentro, afastando os circunstantes, e ia entrar
no gabinete do major quando, de repente, um homem surgiu na sua frente.
- Gladys! Deus seja louvado!
Era Eric Sterr, que, conforme o combinado com o major, tinha vindo ao posto ao cair da noite. Caíram nos braços um do outro mas a rapariga, afastando o pai, preguntou
com voz suplicante:
- Pai, onde está o major Morley? por amor de Deus, onde está êle?
- Estou aqui, mis Sterr, e infinitamente satisfeito por a ver sã e salva. Explique-me agora como conseguiu aqui chegar.
- Mais tarde contarei tudo. De momento é preciso irmos ao encontro de Catamount o mais rapidamente possível.
- Catamount? mas encontrou Catamount?!
- Foi êle quem me libertou e quem me mandou aqui para lhe dizer que estivesse ao cair da noite em Aguas Calientes, Vâ depressa! O tempo passa!...
O major Morley não era daquelas pessoas que perdessem tempo com conversas. Em rápidos instantes e levando atrás de si Gladys, meteu-se pelo corredor e mal atingiu
o limiar da porta -citou:
- Olá! Tudo a cavalo!
Rangers, deputies e voluntários esperavam ansiosamente esta ordem, que foi imediatamente executada. O major montou também e Gladys saltou de novo para o "Mesquita",
que um ranger tinha rapidamente aparelhado.
A rapariga galopava entre o major Morley e o sherif e, à medida que se iam afastando para o Sul, foi explicando aos dois homens a reunião que o chefe misterioso
marcara aos seus homens. Um pouco mais atrás e ainda sob a influência da inesperada aparição da filha, seguia Eric Sterr, num cavalo que um dos seus cowpimchers
lhe cedera.
- Ou eu me engano muito, ou esta reunião nocturna tem qualquer relação com os roubos de que os cattlemen da região fronteiriça foram vítimas.
- Se duma cajadada pudermos matar dois coelhos.. aventurou o sherif.
- É, porém, necessário agir com prudência, aconselhou Gladys.
A recomendação era supérflua. O major arquitectava rapidamente o seu plano e se as elevações de terreno na região do Cacto Grande favoreciam os bandidos, por outro
lado permitiam que os seus adversários se organizassem e fizessem um envolvimento que lhes permitia apanhá-los antes de terem tempo de atingir o Rio Grande.
- Preferia ter Catamount a meu lado nesta emergência, disse o major, virando-se para a rapariga.
- E êle preferiu ficar do outro lado do rio, respondeu Gladys.
Os cavaleiros, em número superior a trezentos, aproximavam-se do Rio Grande e, quando já estavam a umas três milhas, o major mandou fazer alto. Todos pararam e esperaram
ordens.
- Vão executar um movimento envolvente, disse o chefe dos rangers, de maneira a dominarem todas as alturas; seguidamente, progridem em direcção ao rio. O sherif
será o vosso comandante. Eu e os meus dez rangers vamos ver o que passa do lado de Aguas Calientes. Se as coisas se complicarem e precisar de auxilio, daremos vários
tiros para o ar e correrão imediatamente.
Richard Crosby aquiesceu e com a maior parte dos cavaleiros começou a executar a manobra indicada. Gladys Sterr e seu pai tinham ficado ao pé do chefe dos rangers.
Silenciosos e imóveis na sela, viram afastar-se e perder-se na noite os companheiros, dispostos a dar aos bandidos um combate decisivo.
- Go ahead! Não demoraremos!
O pequeno grupo dos rangers pôs-se a caminho, evitando fazer o mínimo barulho. Os cavaleiros tinham enrolado trapos nos cascos dos cavalos, progredindo a passo e
em perfeita ordem. Ao longe, entre as colinas, avistava-se o Rio Grande.
Ao fim de cinco minutos, o major Morley fêz sinal aos seus homens para pararem e acompanhado apenas de Gladys meteu-se a pé pela vertente da colina, atingindo em
pouco tempo a crista.
Sob um céu claro estendia-se a paisagem impressionante do vale do Rio Grande e um silêncio absoluto reinava por toda a parte.
- Meu Deus! Teríamos chegado tarde? segredou Gladys.
- Espero que não, miss. Olhe para ali, não vê nada?
O major Morley estendeu o braço e indicou o rio, que brilhava ao luar. Gladys viu então várias sombras que se desenhavam na superfície das águas.
- São cavaleiros! disse Gladys.
- Estão a atravessar o vau em fila indiana. Estendidos de barriga para baixo na erva, o
major Morley e Gladys ficaram algum tempo sem dizer palavra. Os cavaleiros que tinham descoberto haviam alcançado a margem americana e reagrupavam-se. E viram ainda
que outros cavaleiros, que pareciam sair de uma barranca vizinha, apareciam e se juntavam também ao grupo misterioso.
O major Morley não só descobrira os misteriosos cavaleiros, como se apercebera que, perto do local onde se encontrava, havia gado. Retirou-se com a sua companheira
e, ao chegarem ao sopé da colina, Eric Sterr preguntou-lhe o que se passava.
- Dentro em pouco o saberá. De momento o que se torna necessário é agir e saber ao certo quem são aqueles cavaleiros que acabam de atravessar o Rio Grande.
Em poucas palavras o chefe dos rangers explicou aos seus homens qual o seu plano actual. O pequeno grupo devia contornar a colina e, agindo com o maior cuidado,
colocar-se perto do vau que os cavaleiros tinham atravessado, de modo a cortar-lhes a retirada.
O chefe dos rangers era um hábil estratega e
conhecia lindamente a região. Uma vez chegado à outra vertente da colina, a cerca de trinta passos do Rio Grande, mandou apear os seus homens. Um ranger ficou a
tomar conta dos cavalos e os restantes, precedidos do major Morley, de Gladys e de seu pai, seguiram em fila indiana, de carabina empunhada, pela encosta abaixo.
Como já não vissem ninguém para além do vau que os cavaleiros tinham atravessado, avançaram por lanços e ocuparam a passagem.
Enquanto o grupo dos rangers executava esta operação, os cavaleiros não se aperceberam da sua presença. Tinham-se reunido em volta do chefe misterioso, que fora
o último a aparecer e que lhes dava ordens. Do local onde se encontravam, Gladys e os seus companheiros não ouviam o que diziam, mas nenhum deles duvidava de que
se preparavam para atravessar em breve o Rio Grande.
A certa altura ouviu-se barulho e sentiu-se o cheiro característico das manadas de gado.
- Atenção! murmurou o major. Trazem o gado. Que toda a gente esteja pronta à primeira voz.
A ordem era escusada, pois todos esperavam, agachados, reprimindo a respiração - de dedo no gatilho, prontos a intervir imediatamente.
Ao modo que o tempo passava, o major mais se admirava de não ver Catamount. Sem dúvida o ranger devia estar por aquelas paragens e sabia que o seu chefe, avisado
a tempo, compareceria também com os seus companheiros. Apesar de tudo, não
dava, porém, sinais de vida, o que era bastante inquietador.
Os projectos dos cavaleiros desconhecidos eram agora evidentes. Das ravinas vizinhas, das barrancas da acidentada região do Cacto Grande, chegavam rebanhos e manadas
de gado, conduzidos por novos cavaleiros. As precauções que os condutores de gado tomavam, indicavam que não desejavam ser surpreendidos e esperavam levar a bom
termo a sua empresa.
- By Jove! murmurou o chefe dos rangers, desta vez creio que agarramos os famosos ladrões de gado.
A reunião fazia-se entre as colinas e o vale do Rio Grande e via-se, ao luar, a massa confusa dos longhorns. A certa altura Gladys agarrou o braço do major Morley
e segredou-lhe:
- Atenção! Vem aí alguém.
O chefe dos rangers puxou imediatamente do seu Colt. A sua companheira não se havia enganado; um homem caminhava entre os rochedos e aproximava-se do grupo.
A primeira ideia do major Morley foi a de que se tratava de qualquer sentinela que ali tivesse sido colocada pelos bandidos, pelo que fêz sinal a Gladys e aos seus
companheiros para que esperassem e, de revólver em punho, dirigiu-se, rastejando, ao indivíduo.
O desconhecido parecia não se aperceber da presença do chefe dos rangers. Acabava de contornar um rochedo e dispunha-se a seguir em direcção ao Rio Grande quando,
de repente, o major lhe apareceu
e, encostando-lhe o cano da arma à cabeça, murmurou:
- Ao mais pequeno movimento faço fogo!
O desconhecido que trajava de preto e tinha uma mascarilha, não fêz o mais pequeno movimento e limitou-se a dizer calmamente:
- Meu major! Sou Catamount e foi a providência que proporcionou este encontro!...
XVIII
Mãos ao ar e máscaras abaixo
Rapidamente o chefe dos rangers retirou a arma que encostara à cabeça do seu antagonista e Catamount por seu turno retirou a máscara que lhe cobria a face.
- By Jove! Por pouco o chefe não dava cabo
de mim! E Miss Grladys ?
O major contou que a rapariga conseguira chegar a tempo a Alamito, estava bem e lhe transmitira o recado.
- Bem e agora, chefe, não temos tempo a perder. Vim até aqui para ver se o vau estava bem guardado.
- Esses bandidos não passarão, garanto!
- Conte com luta rija, meu major; dentro em pouco hão-de se dirigir para o Rio Grande.
- Pois serão recebidos com todas as honras. Quem é o chefe da quadrilha que parece tão grande e tão bem organizada?
- Dentro em pouco lhe direi. Se me permitir um conselho, é preciso pôr-se a postos.
- Fica connosco?
- É impossível. Tenho muitas contas a ajustar com aqueles cavalheiros.
Catamount voltou a pôr a mascarilha e montou a cavalo. Estava satisfeito; o cerco apertava-se e a operação que tanto desejava ia findar.
Terminava a reunião do gado e a afluência era tamanha, que ninguém se apercebeu do momentâneo desaparecimento de Catamount, que de novo se juntara aos bandidos.
Quando tudo já estava preparado para se atravessar o Rio Grande com os longhorns, um cavaleiro destacou-se subitamente dos demais componentes da quadrilha e lançando-se
ao galope em direcção ao chefe e ao seu franzino companheiro, exclamou:
- As colinas que nos rodeiam estão ocupadas por forças numerosas e todo o grupo está cercado. O vau foi tomado. Inútil qualquer tentativa de fuga!
- Mas quem é você que parece assim dar-me ordens ?
- Quem sou? Um velho conhecimento...
Dizendo estas palavras, Catamount arrancou a máscara e de vários lados se ouviu:
- Carai! É o gringo! Hão-de pagá-las!...
O desconhecido ia a puxar do revólver, mas uma voz gritou-lhe:
- Alto! Fazes mais um movimento e os meus homens fuzilam-te.
O major Morley decidira intervir e por todos os lados apareceram, brilhando ao luar, as carabinas dos rangers.
- Todos, mãos no ar e as máscaras abaixo! ordenou Catamount.
Alguns dos bandidos tentaram fugir, mas as balas certeiras dos homens do major Morley estenderam-nos.
- Mãos no ar e máscaras abaixo! gritou novamente o homem dos olhos claros, que se aproximara mais do chefe da quadrilha e do seu inseparável companheiro,
Ouviu-se nova detonação. Uma bala assobiou aos ouvidos de Catamount. Fora o franzino companheiro do chefe quem atirara, mas logo a mão forte de Catamount lhe agarrou
o pulso, torcendo-o com violência, e fêz com que a arma caísse na relva, enquanto uma voz feminina gemia.
- Basta, Senorita! O papel que está desempenhando é indigno! Sempre esperei que fosse estranha às poucas vergonhas de seu pai, o respeitável Garcia Guerrero. E dizendo
isto, o ranger arrancou a máscara ao hacendero e a sua filha, no meio do espanto geral.
Alguns homens pretenderam fugir, mas de novo os rangers abriram fogo e os bandidos, vendo-se cercados por todos os lados, não tiveram outro remédio senão render-se.
Dois ou três, que tinham conseguido esgueirar-se através das barrancas, foram abatidos pelos deputies e voluntários.
Aprisionada a quadrilha e revistados todos os
seus componentes os rangers juntaram de novo o gado e começaram a dividi-lo segundo o ferro ou marca que tinha, para saberem a quem pertenciam os animais.
Eric Sterr estava radiante, pois a angústia que há dias o torturava, havia desaparecido ao ver de novo a filha.
- As minhas felicitações, miss Sterr. E a heroína desta noite!
Catamount apertou a mão de Gladys e como Eric Sterr se desfizesse em agradecimentos, o ranger objectou-lhe:
- Sua filha nada tem que me agradecer, mas sim sou eu quem lhe agradece tudo quanto fêz e que me permitiu desmascarar estes patifes.
O major Morley avançou para o ranger e deu-lhe um forte aperto de mão.
- Catamount, já começava a estar inquieto, disse o chefe dos rangers.
- Como sabe, meu major, tenho a pele um bocado dura. Queriam enrolar-me e chegaram a deitar-me a mão, mas acabei por os vencer.
- E como conseguiu encontrar a minha filha? preguntou o criador de gado.
- Só a Providência o pode dizer, pois a ela devo ter encontrado miss Sterr no pinhal. Mas esperem um pouco e já saberão tudo. Quando o gado tiver sido retirado,
procede-se ao interrogatório dos prisioneiros e compreenderão como o caso era fácil. Agora, vamos lá conversar com estes " amigos " !
Catamount, que entretanto havia montado o seu fiel "Mesquita", dirigiu-se ao grupo dos prisioneiros e disse:
- Venha cá, sr. Garcia. E a menina também. Não quero deixá-los, sem lhes agradecer a amável hospitalidade que me deram na Herdade dos Aloés...
Pai e filha não se mexeram, mas a um sinal de Catamount um dos rangers conduziu-os até junto do homem dos olhos claros.
- Isto é uma infâmia! Praguejou o hacendero. Hei-de queixar-me ao meu governo!
- Acho que faz bem, retorquiu ironicamente Catamount. O seu governo talvez nos agradeça tê-lo livrado de um bandido de envergadura, que sob a máscara da honestidade
dirigia uma das piores quadrilhas que tenho encontrado no meu caminho.
- Ainda se há-de arrepender do que está a dizer, vociferou Mercedes. Não conhece a força do meu pai!...
- Nem a força de seu pai, apanhado com a boca na botija, nem os seus lindos olhos livrarão ambos do merecido castigo. Esteja descansada!
A rapariga rangeu os dentes com raiva e compreendeu que era inútil insistir. Imóveis, Eric Sterr, sua filha, o major Morley, o sherif Crosby e os seus deputies aguardavam.
O inesperado desenlace do drama tinha-os deixado estupefactos, pois de há muito conheciam a reputação de Garcia Guerrero e jamais suspeitariam do hacendero e de
sua filha, se não tivessem visto o que viram.
- E agora, que já está mais calmo, vai-nos explicar, sr. Garcia Guerrero, como é que organizou-tão habilmente esse negócio de roubo de gado.
- Vá para o diabo! Não tenho nada a dizer! Mercedes negava-se igualmente a falar e então
Catamount, voltando-se para o seu chefe, disse:
- Não faz mal. Uma vez que pai e filha preferem calar-se, vou eu explicar o que se passou e que levou o "respeitável" hacendero a agir!...
XIX
A chave do inigma
O homem dos olhos claros começou então o seu relato, virando-se para o hacendero.
- É hábil, muito hábil mesmo, sr. Guerrero, mas esqueceu uns certos pormenores que me permitiram desmascará-lo e ver claro em tudo isto. Ora vamos lá à história:
Depois de me ter recebido tão amavelmente na sua herdade, três pequeninos detalhes fizeram com que suspeitasse da sua sinceridade. O primeiro foi a sua presença
na herdade, quando pensava que estaria intercedendo a meu favor no Presídio del Norte, conforme me prometera tão categoricamente quando fui preso. O segundo foi
a presença do meu cavalo na sua cavalariça. Há-de concordar que era estranho que um animal, roubado pelo Diego e pelos da sua quadrilha, estivesse entre os animais
da sua caudelaria. Finalmente, há-de concordar, também, que o facto de Miss Gladys Sterr estar prisioneira numa torre situada perto da sua casa e pertencente à sua
propriedade, autorizava
todas as suspeitas. Era inacreditável que não estivesse ao corrente do que se passava, pelo que concluí, após aquelas descobertas, que Diego e os seus acólitos deviam
agir segundo as suas indicações e sob as suas ordens.
O hacendero não ousou negar e a sua expressão traduzia bem toda a raiva de que estava possuido, por se ver assim desmascarado. Catamount contou então, com pormenores,
os principais episódios que se tinham desenrolado e as razões porque o tinham assaltado nas margens do Rio Grande.
Chefe de uma perigosa quadrilha à qual pertenciam os seus peones e vaqueros, Garcia Guerrero, ao passo que mantinha crescentes relações com os criadores de Chihahua
e do Texas, organizava audaciosos golpes de mão contra os ranchs vizinhos, e os da fronteira. Foi assim, pouco a pouco, que os seus cúmplices conseguiram juntar
nas bandas da região do Cacto Grande várias centenas de cabeças de gado, nas condições que são conhecidas. Esses criminosos golpes de mão, que tinham feito várias
vítimas entre os cowpunchere que guardavam o gado, eram igualmente realizados com a cumplicidade de bandidos que o manhoso mexicano introduzira entre o pessoal dos
ranchs que mais tarde pilharia. Assim, no momento oportuno, as operações eram levadas a termo com tão desconcertante rapidez, que as primeiras investigações dos
sherifs e dos cattlemen não davam qualquer resultado.
A situação era tanto mais complicada quanto era
certo estar o major Morley privado dos serviços do seu melhor ranger: Catamount.
Garcia Guerrero há muito que sabia ser Catamount um adversário perigoso, e por isso decidira inutilizá-lo por algum tempo. O rapto de Gladys Sterr fôra levado a
efeito com o único fim de fazer cair numa armadilha o homem dos olhos claros. A rapariga devia servir como isca e sabe-se como Catamount, encarregado pelo seu chefe
de levar a bom termo as investigações, caiu na embuscada.
Um pormenor podia, porém, dar que pensar: porque motivo Garcia Guerrero não suprimira pura e simplesmente o ranger? Era fora de dúvida que vários dos seus homens
tinham aconselhado que fosse executado, único meio de se verem livres para sempre do célebre ranger. Mas quer por que preferisse fazer cair em descrédito o homem
dos olhos claros, quer porque uma força misteriosa o impedisse de matar um homem pelo qual, apesar de tudo, tinha no íntimo uma certa admiração, o hacendero poupara
o ranger, limitando-se a retê-lo o maior tempo possível do outro lado da fronteira.
Fôra Garcia Guerrero quem secretamente prevenira o capitão Idurbal e os seus rurales, anunciando-lhes que um ranger indocumentando estava nos territórios submetidos
à sua guarda. O hacendero, depois de ter feito prender Catamount, fingira libertá-lo, quando êle de mãos atadas estava encarcerado na venta abandonada. O mexicano
pensava assim ter feito do gringo um amigo fiel e reconhecido, que
nunca suspeitaria ser êle o chefe da terrível organização.
- Recusou interceder a meu favor, continuou Catamount, fixando o seu olhar penetrante no do hacendero, porque esperava que as autoridades mexicanas se encarregariam
de me ter sob as suas mãos durante bastante tempo, o que lhe permitiria fazer seguir o gado para lugar seguro. Quando voltei à herdade representou bem o papel e
a sua atitude não traía a decepção que lhe ia na alma. Então, pela segunda vez e para me colocar numa situação embaraçosa, voltou a prevenir ó capitão Idurbal. Sua
filha também fêz o possível para que eu ficasse de perna estendida durante algumas semanas, mas o expediente do "Furacão", o tal cavalo selvagem, não deu resultado.,
A filha de Garcia Guerrero franziu a testa e os punhos cerraram-se-lhe nervosamente, mas Catamount continuou com a maior calma o seu relato.
- A Herdade dos Aloés era um ninho de rustlers e de desperados. Algumas palavras que ouvi, depois de ter escapado, a certos cavalheiros, provaram-me que o sr. Gruerrero
devia ser o chefe da misteriosa quadrilha. Jurei então desmascará-lo e fui ajudado por aquela vossa prisioneira, que tive a sorte de libertar... Tendo ouvido da
boca de Diego o local e a hora aproximada da reunião de Aguas Calientes, compareci. O encontro, de consequências um tanto brutais, para o maioral Fabiano, que também
se dirigia à reunião, foi nova prova da culpabilidade do
hacendero. Garcia Guerrero tinha-me dito que se ausentaria por causa de um negócio importante e esse negócio coincidia com a reunião de Águas Calientes... Não hesitei
mais então, mas o êxito dependia do valor de miss Gladys e da velocidade do "Mesquita". Eles é que foram os vencedores.
Garcia Guerrero não disse uma só palavra enquanto o ranger fêz este relato. Catamount adivinhara, mas esperando o hacendero afastá-lo e pô-lo fora de combate durante
algumas semanas, o que fizera fora dar entrada na sua casa ao mais temível dos seus adversários.
Eric Sterr, que acompanhara o relato com o maior interesse, preguntou:
- Mas há uma coisa que me intriga, sr. Catamount. Sendo Garcia Guerrero tão rico, porque razão corria todos esses riscos?
- Sr. Sterr, o hacendero parecia viver na opulência, mas isso era apenas fachada. De momento, é difícil responder à pregunta, mas a investigação esclarecerá tudo.
Sabe-se, no entanto, que êle tinha o vício do jogo e perdera somas muitíssimo importantes ao poker e ao monte.
- E porquê a intervenção da senhorita?
- Mercedes Guerrero tornou-se cúmplice de seu pai por amor da aventura. Ajudava-o tanto quanto podia e, confesso, se os seus escrúpulos não lhe pesam, houve-se sempre
com valentia e decisão.
Os ranger" e os seus prisioneiros não se demoraram
mais tempo na região do Cacto Grande. Por ordem do major foram estes emquadrados e todos se puseram em marcha, tendo chegado a Alamito às três horas da madrugada.
Gladys Sterr estava de tal forma esgotada, que não seguiu para o ranch do pai e ficou estendida numa cama de campanha, no posto dos rangers.
Catamount, em completo acordo com o chefe, trabalhou activamente nas investigações àcêrca das quais as autoridades mexicanas foram avisadas. Três dias depois, Garcia
Guerrero enforcava-se na prisão e a filha, que conseguira dissimular num brinco uma porção de certo veneno fulminante, fêz igualmente justiça por suas mãos.
Caía o pano sobre o drama e as autoridades de-Chihuahua não tiveram outro caminho senão renderem-se à evidência dos factos e reconhecer a verdade. Numa deligência
efectuada na Herdade dos Aloés,, veio a descobrir-se que grande número de cavalos e bois, que estavam ainda nos domínios de Garcia Guerrero, tinham sido roubados.
O processo de Diego e dos numerosos comparsas de Garcia Guerrero atraiu a Alamito imensa gente. A sentença proferida foi implacável: nove dos bandidos foram condenados
à pena de morte; três a prisão perpétua e outros a penas mais leves.
Gladys Sterr e seu pai tinham intervindo no processo como testemunhas, mas Catamount não apareceu. O ranger, satisfeito por mais uma vez ter cumprido o seu dever,
cavalgava através dos imensos
territórios da fronteira, montando o seu fiel "Mesquita". Trabalho não lhe faltava...
Certo dia, em que passava por El Paso, onde o major Morley tinha de novo estabelecido o seu quartel general, o ranger ficou muito surpreendido por lá encontrar uma
carta que lhe era dirigida. Catamount, solitário e de feitio bisonho, não fazia a mais pequena ideia de quem lhe pudesse escrever.
Abriu a carta e viu que era de Gladys Sterr, que lhe pedia para ser testemunha do seu próximo casamento com o filho de um rico cattlemen de San Carlos.
Catamount, que tinha horror das festas de sociedade, quis esquivar-se ao convite, mas o major Morley, ao qual mostrara a carta, fêz-lhe ver que a sua recusa pareceria
mal.
O ranger obteve oito dias de licença e assistiu ao casamento de Gladys. Quando ia regressar a Alamito, Eric Sterr chamou-o de parte e disse-lhe:
- Catamount, tenho um favor a pedir-lhe.
-E eu tenho o maior prazer em lhe ser agradável.
- Oiça: não gostaria de poder abandonar a vida incerta que leva? O meu ranch é grande e comprei, há pouco, ainda mais terrenos. Gladys vai deixar-me, para ir viver
para San Carlos. Se nós nos associássemos? Consigo a meu lado estou certo de que tudo iria bem. As suas condições serão as minhas.
- Não tenho condições a impor, sr. Sterr, e para mim só há uma profissão, a mais bela de todas: ser ranger.
- Mas suponho que não estará decidido a ser eternamente um D. Quixote da planície...
- Quero morrer no meu posto. Agradeço muito o seu oferecimento, mas não posso aceitar. Há-de encontrar o colaborador de que precisa. Eu parto, pois o dever assim
o exige.
O ganadero viu que não conseguiria demover Catamount.
- Tenho muita pena, pode crer, e visto que persiste na sua atitude, só me resta desejar-lhe boa sorte.
Os dois homens apertaram as mãos e dois minutos mais tarde, cavalgando o "Mesquita", Catamount afastava-se a galope, ao encontro de novas aventuras, que lhe fizessem esquecer as horas vividas na Herdade dos Aloés. A vida era bela...

 

 

                                                                                                    Albert Bonneau

 

 

 

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