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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


COBIÇADAS / Blake Pierce
COBIÇADAS / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Tiffany já estava vestida quando a mãe a chamou para descer.
“Tiffany! Estás pronta para irmos à igreja?”
“Quase, Mãe,” Respondeu Tiffany. “Só mais uns minutos.”
“Bem, despacha-te. Temos que sair daqui a 5 minutos.”
“OK.”
A verdade era que Tiffany já se tinha acabado de vestir há vários minutos, logo depois de comer um delicioso pequeno-almoço de waffles com a Mãe e o Pai na cozinha. Ainda não estava era pronta para sair dali. Estava a divertir-se a ver uma série de vídeos de animais no telemóvel.
Até ao momento tinha visto um pequinês a andar de skate, um bulldog a trepar umas escadas, um gato a tentar tocar guitarra, um cão grande a perseguir a cauda quando alguém cantava "Pop Goes the Weasel” e uma montanha de coelhinhos.
Naquele momento, estava a ver um vídeo realmente engraçado. Um esquilo tentava entrar num alimentador de pássaros à prova de esquilos. Não importava a forma como abordava o alimentador, girava sempre e fazia-o voar. Mas o esquilo era determinado e não desistia.
O vídeo fê-la rir-se até a mãe chamá-la novamente.
“Tiffany! A tua irmã vem connosco?”
“Não me parece mãe.”
“Bem, vai perguntar-lhe se não te importares.”
Tiffany suspirou. O que lhe apetecia era responder qualquer coisa como...
“Vai perguntar-lhe tu.”
Mas em vez disso respondeu apenas, “OK.”
A irmã de dezanove anos de Tiffany, Lois, não descera para tomar o pequeno-almoço. Tiffany tinha a certeza que ela não tinha qualquer intenção de ir à igreja. Dissera-lho no dia anterior.
Lois andava cada vez menos com a família desde que entrara para a universidade no Outono. Vinha a casa na maior parte dos fins-de-semana e nas festas e pausas, mas ora se mantinha afastada ou saía com amigos, e dormia quase sempre até tarde.
Tiffany não a podia censurar.
A vida com a família Pennington era mais do que suficiente para aborrecer de morte uma adolescente. E a ida à igreja aborrecia Tiffany acima de tudo.
Com um suspiro, parou o vídeo e saiu para o corredor. O quarto de Lois era por cima do dela – um quarto luxuoso que ocupava grande parte do sotão. Até tinha a sua própria casa de banho privativa e um armário gigantesco. Tiffany ainda estava presa ao pequeno quarto do segundo andar onde se encontrava desde sempre.
Não era justo. Esperava herdar o quarto da irmã quando ela fosse para a faculdade. Porque é que a Lois precisava de todo aquele espaço agora que apenas aparecia aos fins-de-semana? Será que não poderiam finalmente trocar de quartos?
Ela queixava-se disso frequentemente, mas ninguém parecia ouvi-la.
Colocou-se ao fundo das escadas que conduziam ao sotão e chamou.
“Ei, Lois! Vens connosco?”
Não obteve resposta. Revirou os olhos. Aquilo acontecia com frequência quando tinha que chamar Lois para alguma coisa.
Subiu as escadas e bateu à porta do quarto da irmã.
“Ei, Lois,” Chamou novamente. “Vamos à igreja. Vens?”
Mais uma vez, não obteve resposta.
Tiffany mexeu os pés impacientemente, depois bateu outra vez.
“Estás acordada?” Perguntou.
Nenhuma resposta sobreveio.
Tiffany começava a perder a paciência. A Lois podia estar a dormir profundamente ou a ouvir música com os fones. Contudo, o mais provável seria estar simplesmente a ignorá-la.
“OK,” Gritou. “Vou dizer à mãe que não vens.”
Quando Tiffany se preparava para descer as escadas, começou a sentir-se preocupada. A Lois parecia andar um pouco m baixo nas suas últimas visitas – não propriamente deprimida, mas não tão alegre como habitualmente. Dissera a Tiffany que a faculdade era mais difícil do que esperava e que a pressão começava a atingi-la.
No fundo das escadas, o pai olhava impacientemente para o seu relógio. Parecia pronto envolto no seu sobretudo quente, com um boné de pele, um cachecol e luvas. A mãe também já vestia o seu casaco.
“Então a Lois vem?” Perguntou o pai.
“Ela disse que não,” Disse Tiffany. O pai podia zangar-se se Tiffany dissesse que a Lois nem respondera à sua batida na porta.
“Bem, não estou surpreendida,” Disse a mãe, colocando as luvas. “Ouvi-a chegar no carro ontem à noite. Nem sei bem que horas eram.”
Tiffany sentiu inveja mais uma vez perante a menção do carro da irmã. A Lois tinha tanta liberdade agora que estava na faculdade! O melhor de tudo era que ninguém se importava muito com a hora a que chegava a noite. Ela nem a tinha ouvido chegar na noite passada.
Devia estar a dormir profundamente, Pensou.
Quando Tiffany começou a vestir o seu casaco, o pai resmungou, “Vocês estão a demorar uma eternidade. Vamos chegar atrasados à missa.”
“Temos muito tempo para lá chegar,” Disse a mãe tranquilamente.
“Vou saindo para por o carro a trabalhar,” Disse o pai.
Abriu a porta do condutor e entrou. Tiffany e a mãe aprontaram-se rapidamente e seguiram-no.
O ar frio atingiu Tiffany em cheio. Ainda havia neve de vários dias no chão. Só desejava ainda se encontrar na sua cama quente. Era um péssimo dia para ir onde quer que fosse.
De repente, ouviu a mãe.
“Lester, o que é?” Perguntou a mãe ao pai.
Tiffany viu o pai em pé em frente da porta aberta da garagem. Ele olhava para a garagem com os olhos e a boca muito abertos. Parecia estupefacto e horrorizado.
“O que é que se passa?” Perguntou novamente a mãe.
O pai virou-se para ela. Parecia ter dificuldade em dizer o que quer que fosse.
Por fim, disse, “Liga para o 112.”
“Porquê?” Perguntou a mãe.
O pai não explicou. Foi para a garagem. A mãe olhou para a frente e quando alcançou a porta aberta, soltou um grito que paralisou Tiffany de medo.
A mãe dirigiu-se rapidamente para o interior da garagem.
Por um momento interminável, Tiffany ficou imóvel.
“O que é que se passa?” Perguntou Tiffany.
Ouviu a voz soluçante da mãe vinda da garagem, “Vai para dentro Tiffany.”
“Porquê?” Perguntou.
A mãe veio a correr da garagem. Agarrou no braço de Tiffany e tentou levá-la para a casa.
“Não olhes,” Disse ela. “Vai para dentro.”
Tiffany libertou-se da mãe e dirigiu-se à garagem.
Levou um momento a abarcar tudo. Os três carros estavam ali estacionados. Num canto à esquerda, o pai debatia-se desajeitamente com uma escada.
Algo estava pendurado ali por uma corda atada a uma trave do teto.
Era uma pessoa.
Era a sua irmã.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

Riley Paige acabara de se sentar para jantar quando a filha lhe disse algo que a surpreendeu.

“Não somos a família perfeita?”

Riley olhou para April cujo rosto se enrubesceu de vergonha.

“Uau, acabei de dizer isto em voz alta?” Disse April encabulada. “Não foi foleiro?”

Riley riu-se e olhou a mesa em seu redor. O seu ex-marido, Ryan, estava sentado no extremo oposto da mesa. À sua esquerda estava a sua filha de quinze anos, April, e ao lado dela, Gabriela, a empregada. À sua direita estava Jilly de treze anos, uma novata na família.

April e Jilly tinham feito hamburgueres para o jantar de domingo, dando um descanso da cozinha a Gabriela.

Ryan trincou o seu hamburguer e disse, “Bem, nós somos uma família, não somos? Quero dizer, olhem bem para nós.”

Riley não disse nada.

Uma família, Pensou. É isso o que realmente somos?

A ideia apanhou-a um pouco de surpresa. No final de contas, ela e Ryan estavam separados há quase dois anos e estavam divorciados há seis meses. Apesar de estarem novamente a passar tempo juntos, Riley andava a evitar pensar muito aponde aquilo os levaria. Pusera de lado anos de sofrimento e traição para desfrutar de um presente pacífico.

Depois havia April, cuja adolescência fora tudo menos fácil. Será que o seu sentimento de unidade duraria?

Riley sentiu-se ainda mais incerta quanto a Jilly. Encontrara Jilly numa paragem de camionagem em Phoenix a tentar vender o corpo a camionistas. Riley salvara Jilly de uma vida terrível e de um pai violento, e agora esperava poder adotá-la. Mas Jilly ainda era uma rapariga problemática e as coisas com ela eram muito incertas.

A única pessoa naquela mesa em relação à qual Riley não tinha dúvidas era Gabriela. A robusta mulher Guatemalteca trabalhava com a família desde o período anterior ao divórcio. Gabriela sempre fora responsável e carinhosa.

“O que lhe parece, Gabriela?” Perguntou Riley.

Gabriela sorriu.

“Uma família pode ser escolhida, não apenas herdada,” Disse ela. “O sangue não é tudo. O amor é o que importa.”

De repente, Riley sentiu um conforto interior. Podia sempre contar com Gabriela para dizer o que devia ser dito. Olhou para as pessoas que a rodeavam com um novo sentido de satisfação.

Depois de estar de licença da UAC durante um mês, gostava dos momentos que passava em casa.

E desfruto da minha família, Pensou.

Então April disse algo que a surpreendeu.

“Pai, quando é que te mudas para cá?”

Ryan pareceu assustado. Riley pensou, como pensava com frequência, se o seu recentemente descoberto novo compromisso era demasiado bom para durar.

“Isso é um assunto demasiado sério para debater agora,” Disse Ryan.

“Porquê?” Perguntou April ao pai. “Mais vale viveres aqui. Quero dizer, tu e a mãe estão a dormir juntos outra vez e estás cá quase todos os dias.”

Riley sentiu o seu rosto enrubescer. Chocada, Gabriela deu a April uma valente cotovelada.

“¡Chica! ¡Silencio!” Disse.

Jill olhou à volta com um sorriso.

“Ei, isso é uma ótima ideia,” Disse ela. “Assim tinha a certeza de ter boas notas.”

Era verdade – Ryan estava a ajudar Jilly na matéria da nova escola, sobretudo com estudos sociais. Na verdade, vinha sendo um grande apoio em todas elas nos últimos meses.

Os olhos de Riley encontraram os de Ryan. Viu que também ele corava.

Quanto a ela, não sabia o que dizer. Tinha que admitir que a ideia lhe agradava. Habituara-se à ideia de Ryan passar a maior parte das noites aali. Tudo tinha encaixado tão facilmente – talvez demasiado facilmente. Talvez o seu conforto viesse do facto de não ter que tomar decisões sobre o assunto.

Lembrava-se do que April tinha dito ainda à pouco.

“A família perfeita.”

Realmente assim parecia naquele momento. Mas Riley não conseguia evitar sentir-se desconfortável. Seria toda aquela perfeição apenas uma ilusão? Tal como ler um bom livro ou assistir a um filme agradável?

Riley estava demasiado consciente que o mundo lá fora estava repleto de monstros. Ela devotara a sua vida profissional a combatê-los. Mas no último mês, quase conseguira fingir que eles não existiam.

Lentamente, um sorriso atravessou o rosto de Ryan.

“Ei, porque é que não nos mudamos todos para a minha casa?” Perguntou ele. “Hà muito espaço para todos.”

Riley conteve um esgar de alarme.

A última coisa que ela queria era mudar-se para a grande casa suburbana que partilhara com Ryan durante anos. Estava demasiado repleta de memórias desagradáveis.

“Eu não posso abdicar desta casa,” Disse ela. “Sinto-me tão bem aqui.”

April olhou para o pai ansiosamente.

“É contigo pai,” Disse ela. “Mudas-te para cá ou não?”

Riley observou o rosto de Ryan. Percebeu que lutava para tomar uma decisão. Compreendia pelo menos uma das razões. Ele pertencia a uma firma de advogados de DC, mas a maior parte das vezes trabalhava em casa e ali não havia espaço para ele fazer isso.

Por fim, Ryan disse, “Tinha que manter a casa. Podia ser o meu escritório local.”

April quase saltava de excitação.

“Então estás a dizer que sim?” Perguntou.

Ryan sorriu em silêncio durante um momento.

“Sim, acho que sim,” Disse por fim.

April libertou um guincho de prazer. Jilly bateu palmas e riu-se.

“Ótimo!” Disse Jilly. “Passa-me o ketchup se faz favor... Pai.”

Ryan, April, Gabriela e Jilly começaram a conversar animadamente enquanto continuavam a comer.

Riley disse a si própria para desfrutar daquele momento feliz enquanto podia. Mais tarde ou mais cedo, ela seria chamada a combater outro monstro. O mero pensamento arrepiou-a. Já estaria algo de maligno à espreita, à sua espera?


*


No dia seguinte, o horário na escola de April era mais reduzido devido a reuniões de professores e Riley tinha cedido aos pedidos da filha para a deixar fazer gazeta o dia todo. Tinham decidido ir fazer compras enquanto a Jilly ainda estava na escola.

As filas de lojas no centro comercial pareciam infinitas a Riley e muitas lojas pareciam-se muito umas com as outras. Manequins magricelas com roupas estilosas posavam de forma impossível em cada janela. As figuras por que passavam naquele momento não tinham cabeça, o que acrescentava a Riley a impressão de que eram todas permutáveis. Mas April não parava de lhe dizer o que cada loja continha e que estilos adorava usar. Aparentemente, April via variedade onde Riley via uniformidade.

Coisas de adolescente, Pensou Riley.

Pelo menos, o centro comercial não estava a abarrotar de gente.

April apontou na direção de um sinal fora de uma loja chamada Towne Shoppe.

“Ah, olha!” Disse ela. “’LUXO ACESSÍVEL’! Vamos entrar para dar uma espreitadela!”

No interior da loja, April agarrou-se a calças de ganga e casacos, retirando coisas para experimentar.

“Acho que também preciso de umas calças de ganga novas,” Disse Riley.

April revirou os olhos.

“Oh mãe, não calças de ganga de mãe, por favor!”

“Bem, não posso usar aquilo que tu usas. Tenho que me movimentar sem me preocupar se a minha roupa vai rebentar ou voar. Só coisas práticas para mim, obrigado.”

April riu-se. “Um par de calças largas, queres dizer! Boa sorte para encontrares algo do género aqui.”

Riley olhou para as calças de ganga disponíveis. Eram todas extremamente apertadas, de cintura baixa e rasgadas artificialmente.

Riley suspirou. Conhecia outras lojas no centro comercial onde podia comprar algo mais dentro do seu estilo. Mas iria ter que aguentar todo o tipo de provocação de April.

“Procuro as minhas noutra ocasião,” Disse Riley.

April agarrou num conjunto de calças de ganga e foi para o vestiário. Quando saiu, usava o tipo de calças de ganga que Riley detestava – apertadas, rasgada em alguns pontos e com o umbigo bem à vista.

Riley abanou a cabeça.

“Não queres experimentar as calças de mãe,” Disse ela. “São bem mais confortáveis. Mas por outro lado, estar confortável não é bem o teu objetivo, pois não?”

“Não,” Disse April., virando-se e olhando para as calças ao espelho. “Vou levar estas. Vou experimentar as outras.”

April voltou para o vestiário várias vezes. Regressava sempre com calças de ganga que Riley odiava mas que nunca a proibiria de comprar. Não valia a pena uma disputa por esse motivo e sabia que perderia de uma forma ou de outra.

Quando April posava ao espelho, Riley percebeu que a filha estava quase tão alta como ela e que a T-shirt que usava revelava uma figura bem desenvolvida. Com o seu cabelo negro e olhos de avelã, a parecença de April a Riley era esmagadora. É claro que o cabelo de April não tinha os fios brancos que surgiam na cabeleira de Riley. Mas mesmo assim...

Está a tornar-se numa mulher, Pensou Riley.

Não conseguiu evitar sentir-se desconfortável com a ideia.

Estaria a April a crescer demasiado rapidamente?

Não havia dúvidas de que passara por muito no último ano. Fora raptada duas vezes. Numa dessas vezes, fora mantida na escuridão por um sádico com um maçarico. Também tivera que combater contra um assassino na sua própria casa. Pior que tudo, um namorado violento drogara-a e tentara vendê-la para sexo.

Riley sabia que era demais para uma rapariga de quinze anos. Ela sentia-se culpada que o seu próprio trabalho tivesse colocado April e outras pessoas que amava em perigo de morte.

E agora aqui estava April, parecendo espantosamente madura apesar dos seus esforços para parecer e agir como uma adolescente normal. April parecia já ter ultrapassado o pior do SPT. Mas que tipo de medos e ansiedades ainda a perturbavam? Alguma vez as ultrapassaria?

Riley pagou pelas roupas novas de April e caminhou na direção da varanda do centro comercial. A confiança no caminhar de April fez Riley sentir-se menos preocupada. Afinal de contas, as coisas estavam a melhorar. Ela sabia que naquele preciso momento Ryan estava a levar algumas das suas coisas para a sua casa. E tanto April como Jilly estavam bem na escola.

Riley estava prestes a sugerir que fossem comer alguma coisa quando o telemóvel de April tocou. April afastou-se abruptamente para atender a chamada, Riley sentiu-se desolada. Por vezes aquele telemóvel parecia uma coisa viva que exigia toda a atençao de April.

“Ei, tudo bem?” Perguntou April a quem lhe ligara.

De repente, os joelhos de April cederam e ela sentou-se. O rosto empalideceu e a sua expressão feliz transformou-se numa de dor. Lágrimas correram pelo seu rosto. Alarmada, Riley foi ao seu encontro e sentou-se a seu lado.

“Oh meu Deus!” Exclamou April. “Como... Porquê... Não entendo....”

Riley sentia-se alarmada.

O que é que tinha acontecido?

Alguém estava magoado ou em perigo?

Era a Jilly, o Ryan, a Gabriela?

Não, alguém teria ligado a Riley com tais notícias e não a April.

“Lamento tanto, tanto,” Dizia April ininterruptamente.

Por fim, terminou a chamada.

“Quem era?” Perguntou Riley ansiosamente.

“Era a Tiffany,” Disse April numa voz atordoada.

Riley reconheceu o nome. Tiffany Pennington era a melhor amiga de April por aqueles dias. Riley encontrara-a algumas vezes.

“O que é que se passa?” Perguntou Riley.

April olhou para Riley com uma expressão de dor e horror.

“A irmã da Tiffany está morta,” Disse April.

Parecia que April não conseguia acreditar nas suas próprias palavras.

Depois numa voz abafada acrescentou, “Dizem que se suicidou.”


CAPÍTULO DOIS


Naquela noite ao jantar, April tentou transmitir à família o pouco que sabia sobre a morte de Lois. Mas as suas próprias palavras lhe soavam estranhas, como se outra pessoa estivesse a falar.

Não parece real, Não parava de pensar.

April tinha-se encontrado com Lois várias vezes quando visitava Tiffany. Lembrava-se da última vez com nitidez. Lois estava sorridente e feliz, cheia de histórias sobre a nova escola. Era simplesmente impossível de acreditar que estava morta.

A morte não era propriamente uma coisa nova para April. Ela sabia que a mãe enfrentara a morte e que tivera que matar ao trabalhar em casos do FBI. Mas matara gente má, gente que tinha que ser parada. April até ajudara a mãe a lutar e matar um assassino sádico após a manter prisioneira. Ela também sabia que o avô tinha morrido há quatro meses, mas não o via há muito tempo e nunca tinham sido muito próximos.

Mas esta morte era mais real para ela e não fazia sentido nenhum. De alguma forma, nem parecia possível.

Ao falar, April reparou que a sua família também parecia confusa e angustiada. A mãe aproximou-se e pegou-lhe na mão. Gabriela benzeu-se e murmurou uma reza em Espanhol. Jilly nem se conseguia expressar.

April tentou lembrar-se de tudo o que Tiffany lhe contara quando tinham falado novamente nessa tarde. Explicara-lhe que na manhã do dia anterior ela, a mãe e o pai tinham descoberto o corpo de Lois pendurado na garagem. A polícia pensou tratar-se de suicídio. Na verdade, toda a gente agia como se tivesse sido um ato suicida. Como se fosse um dado consumado.

Toda a gente menos Tiffany que não parava de dizer que não acreditava.

O pai de April estremeceu quando ela acabou de contar tudo aquilo de que se lembrava.

“Eu conheço os Pennington,” Disse ele. “O Lester é um gestor financeiro de uma empresa de construção. Não exatamente ricos, mas muito bem na vida. Sempre pareceram uma família estável e feliz. Porque é que a Lois faria uma coisa daquelas?”

April andava a colocar essa pergunta a si própria todo o dia.

“A Tiffany diz que ninguém sabe,” Disse April. “A Lois estava no seu primeiro ano na Universidade Byars. Andava um bocado stressada, mas mesmo assim...”

Ryan abanou a cabeça.

“Bem, talvez isso explique tudo,” Disse ele. “Byars é uma escola dura. Ainda mais dura do que Georgetown. E muito cara. Surpreende-me que a família pudesse pagá-la.”

April suspirou profundamente e não disse nada. Pensava que Lois tinha bolsa de estudo, mas não o verbalizou. Não lhe apetecia falar sobre isso. Também não lhe apetia comer. Gabriela tinha preparado uma das suas especialidades, uma sopa de frutos do mar chamada tapado que April normalmente adorava. Mas até ao momento, não tinha provado uma colher.

Todos se calaram durante alguns momentos.

Depois Jilly disse, “Ela não se matou.”

Alarmada, April olhou fixamente para Jilly. E todos os outros também. A adolescente mais nova cruzou os braços e parecia muito séria.

“O quê?” Perguntou April.

“A Lois não se matou,” Disse Jilly.

“Como é que sabes?” Perguntou April.

“Eu conhecia-a, lembras-te? Eu saberia. Ela não era o tipo de rapariga que fizesse uma coisa dessas. Ela não queria morrer.”

Jilly parou de falar durante um momento.

Depois disse, “Sei como é querer morrer. Ela não queria. Eu saberia.”

O coração de April saltou-lhe à garganta.

Ela sabia que Jilly tinha passado pelo seu inferno. Jilly contara-lhe sobre o pai violento que a fechara fora de casa numa noite de muito frio. Jilly tinha dormido num cano e depois fora para a paragem de camionagem onde tentara tornar-se prostituta. Foi nessa altura que a mãe a encontrara.

Se havia alguém que sabia o que era querer morrer, esse alguém era Jilly.

April sentiu invadir-se por uma onda de dor e horror. Estaria a Jilly errada? Será que Lois se sentira tão miserável?

“Desculpem-me,” Disse April. “Acho que não consigo comer agora.”

April levantou-se da mesa e foi para o seu quarto. Fechou a porta, atirou-se à cama e chorou.

Não sabia quanto tempo tinha passado, mas algum tempo depois, ouviu uma pancada na porta.

“April, posso entrar?” Perguntou a mãe.

“Sim,” Disse April numa voz abafada.

April sentou-se e Riley entrou no quarto trazendo uma sanduíche de queijo num prato. Riley sorriu.

“A Gabriela pensou que isto podia ser melhor para o teu estômago do que o tapado.” Disse Riley. “Ela está preocupada que fiques doente se não comeres. Eu também estou preocupada.”

April sorriu por entre as lágrimas. A preocupação da Gabriela e da mãe era comovedoras.

“Obrigada,” Disse.

Limpou as lágrimas e deu uma dentada na sanduíche. Riley sentou-se na cama a seu lado e pegou-lhe na mão.

“Queres falar?” Perguntou Riley.

April conteve um soluço. Por alguma razão, recordava-se agora que a sua melhor amiga, Crystal, se mudara recentemente. O pai dela, Blaine, tinha sido espancado ali mesmo naquela casa. Apesar dele e da mãe terem estado interessados um no outro, ele ficara tão abalado que decidira mudar-se.

“Tenho uma sensação estranha,” Disse April. “Como se isto fosse de alguma forma culpa minha. Coisas terríveis não param de nos acontecer, e quase parece ser contagioso. Eu sei que não faz sentido mas...”

“Eu percebo como te sentes,” Disse Riley.

April ficou surpreendida. “Percebes?”

A expressão de Riley entristeceu.

“Eu também sinto isso muitas vezes,” Disse ela. “O meu trabalho é perigoso. E coloca todos os que amo em perigo. Faz-me sentir culpada. Muito.”

“Mas a culpa não é tua,” Disse April.

“Então porque é que tu pensas que a culpa é tua?”

April não sabia o que dizer.

“Que mais te incomoda?” Perguntou Riley.

April pensou por um momento.

“Mãe, a Jilly tem razão. Eu não acredito que a Lois se tenha matado. E a Tiffany também não. Eu conhecia a Lois. Ela era feliz, uma das pessoas mais equilibradas que eu já conheci. E a Tiffany via nela um exemplo. Ela era a heroína da Tiffany. Não faz sentido.”

April via pela expressão da mãe que não acreditava nela.

Ela pensa que estou a ser histérica, Pensou April.

“April, a polícia deve pensar que foi suicídio, e a mãe e o pai...”

“Bem, estão enganados,” Disse April, surpresa com a aspereza da sua própria voz. “Mãe, tens que investigar. Sabes mais sobre estas coisas do que qualquer um deles. Até mais do que a polícia.”

Riley abanou a cabeça com tristeza.

“April, eu não posso fazer isso. Não posso começar a investigar algo que já está estabelecido. Pensa no que a família sentiria a esse respeito.”

Era tudo o que April podia fazer para evitar chorar outra vez.

“Mãe, imploro-te. Se a Tiffany nunca descobrir a verdade, a vida dela vai colapsar. Nunca vai ultrapassar isto. Por favor faz alguma coisa, por favor.”

Era um grande favor que pedia e April sabia-o. Riley não respondeu durante alguns instantes. Levantou-se e dirigiu-se à janela do quarto olhando para o exterior. Parecia estar embrenhada nos seus pensamentos.

Ainda a olhar para o exterior, Riley finalmente disse, “Eu vou falar com os pais da Tiffany amanhã. Isto é, se eles quiserem falar comigo. É tudo o que posso fazer.”

“Posso ir contigo?” Perguntou April.

“Tens escola amanhã,” Disse Riley.

“Então vamos depois da escola.”

Riley ficou novamente em silêncio e depois disse, “OK.”

April levantou-se da cama e abraçou-a com força. Queria dizer obrigado, mas sentia-se demasiado esmagada pela gratidão para conseguir verbalizar o que quer que fosse.

Se há alguém que pode descobrir o que se passa de errado, é a mãe, Pensou April.


CAPÍTULO TRÊS


Na tarde seguinte, Riley foi com April a casa dos Pennington. Apesar das suas dúvidas de que Lois Pennington tivesse sido assassinada, Riley tinha a certeza de que aquilo era o melhor que tinha a fazer.

Devo-o à April, Pensou enquanto conduzia.

No final de contas, ela sabia o que era ter a certeza a respeito de alguma coisa e ninguém acreditar nela.

E a April parecia ter a certeza de que algo estava muito errado.

Quanto a Riley, os seus instintos não apontavam num nem noutro sentido. Mas ao penetrarem numa zona de classe alta de Fredericksburg, lembrou-se que os monstros muitas vezes se insinuam atrás das fachadas mais pacíficas. Muitas das magníficas casas por que passavam, escondiam com toda a certeza segredos sombros. Riley já vira demasiado mal na sua vida para não ter essa certeza.

E quer a morte de Lois tivesse sido suicídio ou assassinato, não havia dúvidas de que um monstro tinha invadido a aparentemente feliz casa dos Pennington.

Riley estacionou o carro na rua em frente à casa. Era uma casa grande de três andares e preenchendo um lote consideravelmente amplo. Riley lembrava-se do que Ryan dissera sobre os Pennington.

“Não exatamente ricos, mas bem na vida.”

A casa confirmava as palavras de Ryan. Era uma casa atrativa situada num simpático bairro. A única coisa que parecia fora do vulgar nela era a fita da polícia nas portas da garagem onde a família encontrara a filha enforcada,

O ar gelado mordia aperamente quando Riley e April saíram do carro e caminharam na direção da casa. Vários carros estavam estacionados à entrada.

Tocaram à campainha e Tiffany recebeu-as. April atirou-se aos braços de Tiffany e ambas as raparigas começaram a chorar.

“Oh, Tiffany, lamento tanto,” Disse April.

”Obrigada, obrigada por virem,” Disse Tiffany.

A emoção partilhada deixou um nó na garganta de Riley. As duas raparigas pareciam tão jovens naquele momento, pouco mais do que crianças. Parecia terrivelmente injusto que tivessem que passar por tal situação. Ainda assim, sentiu uma estranha ponta de orgulho na sentida bondade de April. April crescia para ser atenciosa e solidária.

Devo estar a fazer alguma bem feita enquanto mãe, Pensou Riley.

Tiffany era um pouco mais baixa do que April. O cabelo era louro e a pele pálida e sardenta, o que tornava a vermelhidão à volta dos olhos de chorar mais pronunciada.

Tiffany levou Riley e April para a sala de estar. Os pais de Tiffany estavam sentados num sofá, ligeiramente separados um do outro. A sua linguagem corporal revelava alguma coisa? Riley não estava certa. Ela sabia que os casais lidavam com a dor de muitas formas diferentes.

Havia várias outras pessoas por ali, a falar umas com as outras em sussurros silenciosos. Riley pressupôs que fossem amigos e família que tivessem vindo ajudar como pudessem.

Ouviu vozes baixas e o ruído de utensílios na cozinha onde as pessoas pareciam estar a preparar comida. Através de um arco que dava para a sala de refeições, viu dois casais a arranjar fotos e recordações na mesa. Também havia várias fotos de Lois e da família em diversas idades dispostas na sala de estar.

Riley estremeceu perante o mero pensamento de que aquela rapariga estivera viva há apenas dois dias. Como é que ela se sentiria se tivesse perdido April de forma tão súbita? Era uma possibilidade assustadora e já houvera momentos em que essa possibilidade não fora uma hipótese remota.

Quem iria a sua casa ajudar e confortar?

Quereria que alguém a ajudasse e confortasse?

Abandonou estes pensamentos assim que Tiffany a apresentou aos pais, Lester e Eunice.

“Não se levantem, por favor,” Disse Riley quando o casal se começou a erguer para a cumprimentar.

Riley e April sentaram-se junto do casal. Eunice tinha a compleição sardenta e cabelo claro da filha. A compleição de Lester era mais escura e o seu rosto era longo e magro.

“Lamento muito a vossa perda,” Principiou Riley.

O casal agradeceu-lhe. Lester conseguiu forçar um pequeno sorriso.

“Nunca nos encontrámos, mas conheço o Ryan superficialmente,” Disse ele. “Como é que ele tem passado?”

Tiffany levantou-se da sua cadeira e deu um toque no braço do pai. Disse em voz baixa, “Pai, eles estão divorciados.”

O rosto de Lester corou ligeiramente.

“Oh, peço desculpa,” Disse ele.

Riley sentiu-se enrubescer.

“Não faz mal,” Disse ela. “Como as pessoas dizem hoje em dia – ‘é complicado’”.

Lester anuiu, ainda sorrindo fracamente.

Ninguém disse nada durante alguns instantes enquanto um ruído ligeiro de atividade permanecia à sua volta.

Então Tiffany disse, “Mãe, pai – a mãe da April é agente do FBI.”

Lester e Eunice ficaram atrapalhados por um momento sem saber o que dizer. Outra vez envergonhada, Riley também não sabia o que dizer. Ela sabia que April tinha ligado a Tiffany no dia anterior para lhe dizer que iriam aparecer. Parecia que Tiffany não tinha dito aos pais qual era a profissão de Riley.

Tiffany olhou para os pais e depois disse, “Pensei que talvez ela pudesse ajudar-nos a descobrir... o que realmente aconteceu.”

Lester tossicou e Eunice suspirou amargamente.

“Tiffany, já falámos sobre isto,” Disse Eunice. “Nós sabemos o que aconteceu. A polícia tem a certeza. Não temos nenhuma razão para crer no contrário.”

Lester levantou-se desequilibradamente.

“Eu não consigo lidar com isto,” Disse ele. “Eu simplesmente... não consigo.”

Virou-se e dirigiu-se à sala de refeições. Riley percebeu que os dois casais que lá se encontravam se apressaram a confortá-lo.

“Tiffany, devias ter vergonha,” Disse Eunice.

Os olhos da rapariga brilhavam com lágrimas.

“Mas eu só quero saber a verdade mãe. A Lois não se matou. Ela não podia ter feito isso. Eu sei.”

Eunice olhou para Riley.

“Peço desculpa por ter sido arrastada para esta situação,” Disse ela. “À Tiffany está a ter problemas em aceitar a verdade.”

“Tu e o pai é que não conseguem lidar com a verdade,” Disse Tiffany.

“Cala-te,” Ripostou a mãe.

Eunice deu um lenço a filha.

“Tiffany, há coisas que não sabias a respeito da Lois,” Disse ela lenta e cautelosamente. “Ela era mais infeliz do que alguma vez te deu a entender. Ela adorava a faculdade, mas não era fácil para ela. Manter as notas altas para ter direito à bolsa de estudo implicava muita pressão e também lhe era difícil estar longe de casa. Tinha começado a tomar antidepressivos e estava a ser acompanhada em Byars. O teu pai e eu pensámos que ela estivesse melhor, mas enganámo-nos.”

Tiffany tentava controlar os soluços, mas ainda parecia estar muito zangada.

“Aquela escola é um lugar horrível,” Disse ela. “Eu nunca iria para lá.”

“Não é horrível,” Disse Eunice. “É uma escola muito boa. É exigente, é tudo.”

“Aposto que as outras raparigas que lá andam não pensam que a escola seja assim tão boa,” Disse Tiffany.

April ouvia a amiga com grande preocupação.

“Que outras raparigas?” Perguntou.

“A Deanna e a Cory,” Disse Tiffany. “Elas também morreram.”

Eunice abanou a cabeça com tristeza e disse a Riley, “Duas outras raparigas cometeram suicídio em Bryars no último semestre. Foi um ano terrível lá.”

Tiffany olhou para a mãe.

“Não foram suicídios,” Disse ela. “A Lois não pensava que tivessem sido. Ela pensava que havia algo de errado com aquele lugar. Ela não sabia o que era mas disse-me que era algo muito mau.”

“Tiffany, foram suicídios,” Disse Eunice, agastada. “Todos o dizem. Essas coisas acontecem.”

Tiffany levantou-se a tremer e raiva e frustração.

“A morte da Lois não se limitou a acontecer,” Disse ela.

Eunice disse, “Quando fores mais velha, vais entender que a vida pode ser mais dura do que gostaríamos. Agora, senta-te se fizeres favor.”

Tiffany sentou-se num silêncio soturno. Eunice fixou o olhar no vazio. Riley sentiu-se tremendamente desconfortável.

“Não viémos até cá para a perturbar,” Disse Riley a Eunice. “Peço desculpa pela intrusão. Talvez seja melhor irmos embora.”

Eunice anuiu em silêncio. Riley e April saíram da casa dos Pennington.

“Devíamos ter ficado,” Disse April soturnamente assim que chegaram ao exterior. “Devíamos ter feito mais perguntas.”

“Não, só as estávamos a aborrecer,” Disse Riley. “Foi um erro terrível.”

De repente, April afastou-se dela.

“Onde vais?” Perguntou Riley, alarmada.

April dirigiu-se à porta lateral da garagem. Havia uma fita de polícia sobre o caixilho da porta.

“April, fica longe daí!” Disse Riley.

April ignorou tanto a fita como o aviso da mãe e girou a maçaneta da porta. A porta estava destrancada e abriu-se. April passou debaixo da fita e entrou na garagem. Riley foi atrás dela com a intenção de a repreender. Mas em vez disso, a sua própria curiosidade levou a melhor e começou a observar a garagem.

Não havia carros lá dentro o que tornava o espaço geralmente ocupado por três carros estranhamente cavernoso. Uma luz difusa entrava por várias janelas.

April apontou para um canto.

“A Tiffany disse-me que a Lois foi encontrada ali,” Disse April.

O local estava assinalado com fita adesiva no chão.

Debaixo do teto eram visíveis amplas vigas e um escadote encostado à parede.

“Vamos embora,” Disse Riley. “Não devíamos estar aqui.”

Conduziu a filha para o exterior e fechou a porta. Enquanto ela e April se encaminhavam para o carro, Riley visualizou a cena. Era fácil imaginar como é que a rapariga subira o escadote e se enforcara.

Ou algo diferente acontecera? Perguntou-se.

Não tinha nenhuma razão para pensar o contrário.

Mesmo assim, começava a sentir-se invadir pela dúvida.


*


Pouco depois em casa, Riley ligou para a médica legista distrital, Danica Selves. Eram amigas há anos e quando Riley a questionou sobre o caso de Lois Pennington, Danica ficou surpreendida.

“Porque é que estás tão curiosa?” Perguntou Danica. “O FBI está interessado no caso?”

“Não, é uma coisa pessoal.”

“Pessoal?”

Riley hesitou, depois disse, “A minha filha é amiga da irmã da Lois e também a conhecia. Tanto ela como a irmã da Lois não conseguem acreditar que ela tenha cometido suicídio.”

“Já percebi,” Disse Danica. “Bem, a polícia não encontrou sinais de luta e eu fiz os testes e a autópsia. De acordo com as análises de sangue, ela tomou uma dose pesada de alprazolam algum tempo antes de morrer. Creio que ela apenas queria estar o mais inconsciente possível. Quando ela se enforcou, provavelmente nem queria saber o que estava a fazer. Teria sido bem mais fácil fazê-lo dessa forma.”

“Então é realmente um caso sem história,” Disse Riley.

“É o que me parece,” Disse Danica.

Riley agraeceu-lhe e terminou a chamada. Naquele momento, April desceu as escadas com uma calculadora e um pedaço de papel.

“Mãe, acho que já sei!” Disse ela excitadamente. “A única hipótese é ter sido homicídio!”

April sentou-se ao lado de Riley e mostrou-lhe alguns números que escrevera.

“Fiz alguma pesquisa online,” Disse ela. “Descobri que em cada cem mil estudantes de faculdade, cerca de 7.5 cometem suicídio. Ou seja, corresponde a 0,075%. Mas apenas existem setecentos alunos em Byars e três supostamente mataram-se nos últimos meses. Isso corresponde a 0,43%, ou seja, cinquenta e sete vezes superior à média! É simplesmente impossível!”

Riley ficou impressionada com a forma como April estava a pensar no assunto. Parecia-lhe algo de grande maturidade.

“April, tenho a certeza que os teus cálculos estão corretos, mas..”

“Mas o quê?”

Riley abanou a cabeça. “Não prova nada.”

Os olhos de April dilataram-se incrédulos.

“O que é que queres dizer com não prova nada?”

“Em estatística, a isso chamam-se aberrações. São exceções à regra, vão contra as estatísticas. É como no último caso em que trabalhei – o envenenador, lembras-te? A maioria dos assassinos em série são homens, mas aquela era uma mulher. E a maioria dos assassinos gostam de ver as vítimas morrer, mas ela nem queria saber. É o mesmo neste caso. Não é de espantar que haja faculdades onde mais alunos se suicidem do que a média.”

April fixou-a e não disse nada.

“April, acabei de falar com a médica-legista que fez a autópsia. Ela tem a certeza de que a morte da Lois foi provocada por suicídio. E ela sabe o que faz. É uma perita. Temos que confiar no seu julgamento.”

O rosto de April estava tenso de raiva.

“Não sei porque é que não podes confiar no meu julgamento só desta vez.”

Depois afastou-se e subiu as escadas.

Pelo menos ela tem a certeza que sabe o que aconteceu, Pensou.

Isso era mais do que Riley podia dizer de si própria.

O seu instinto ainda não lhe dizia nada.


CAPÍTULO QUATRO


Tudo acontecia novamente.

O monstro chamado Peterson tinha April presa algures.

Riley lutava e procurava na escuridão. Cada passo parecia lento e pesado, mas ela sabia que tinha que se despachar.

Com a sua shotgun pendurada no ombro, Riley tropeçou no escuro numa encosta lamacenta em direção ao rio. De repente, viu-os. Peterson estava de pé com a água pelos tornozelos. A pouca distância dele, April estava meia submersa na água, com as mãos e pés atados.

Riley pegou na shotgun, mas Peterson ergueu a pistola e apontou-a diretamente a April.

“Nem penses,” Gritou Peterson. “Um movimento e acabou.”

Riley estava paralisada pelo horror. Se ela sequer levantasse a shotgun, Peterson mataria April antes que ela conseguisse disparar.

Colocou a shotgun no chão.

O terror no rosto da filha iria assombrá-la para sempre...


Riley parou de correr e debruçou-se, arfando.

Era manhã cedo e ela tinha ido correr. Mas a horrível memória tinha-a perturbado de forma indizível.

Alguma vez esqueceria aquele momento horrível?

Alguma vez deixaria de se sentir culpada por colocar April sob tal perigo?

Não, Pensou. E é como deve ser. Nunca me devo esquecer.

Inspirou e expirou o ar frio até se sentir mais calma. Depois começou a caminhar ao longo de um trilho familiar. A luz pálida da manhã passava tenuemente nas árvores.

Este trilho do parque da cidade era próximo de casa e de fácil acesso. Riley corria ali com frequência de manhã. O esforço era geralmente benéfico para afastar fantasmas e demónios de casos antigos da sua mente. Mas hoje estava a ter o efeito contrário.

Tudo o que sucedera no dia anterior – a visita aos Pennington, a ida à garagem e a revolta de April em relação a Riley – tinha trazido uma enxurrada de memórias negativas.

E tudo por minha causa, Pensou Riley, acelerando o passo.

Mas depois lembrou-se do que tinha acontecido de seguida naquele rio.


A arma de Peterson encravara e Riley espetara uma faca nas suas costelas, obrigando-o a cair na água fria. Ferido, Peterson ainda conseguiu subjugar Riley.

Depois viu April, de pulsos e pés ainda amarrados, a erguer a shotgun que Riley deixara cair. Ouvira-a estalar na cabeça de Peterson.

Mas o monstro virou-se e insurgiu-se contra April. Atirou o seu rosto para a água.

A sua filha ia afogar-se.

Riley encontrou uma pedra afiada.

Atirou-se a Peterson, esmagando a pedra na sua cabeça.

Ele caiu e ela saltou para cima dele.

Riley esmagou a pedra no rosto de Peterson vezes sem conta.

O rio escureceu com o sangue.


Estimulada pela memória, Riley correu mais rapidamente.

Tinha orgulho na filha. April demonstrara coragem e desenvoltura naquele dia terrível. E também tinha sido corajosa noutras situações perigosas.

Mas agora April estava zangada com Riley.

E Riley não conseguia evitar pensar se April não teria razão.


*


Riley sentiu-se duplamente deslocada no funeral de Lois Pennington realizado naquela tarde.

Por um lado, não era habitual ir à igreja. O pai fora um ex-Marine duro que nunca acreditara em nada ou ninguém a não ser nele próprio. Ela vivera com uma tia e tio durante um período da sua infância e adolescência, e eles tentaram encaminhá-la para a igreja, mas Riley era demasiado rebelde.

Quanto a funerais, Riley simplesmente os detestava. Vira demasiado da realidade brutal da morte durante suas duas décadas enquanto agente, por isso, para ela, os funerais eram falsos. Faziam a morte parecer tão limpa e pacífica.

É tudo enganador, não conseguia parar de pensar. A moça tinha morrido de forma violenta, por suas próprias mãos ou pelas mãos de outra pessoa.

Mas April insistira em ir e Riley não a podia deixar enfrentar aquilo sozinha. O que parecia irónico porque, naquele momento, quem se sentia só era Riley. Estava sentada junto ao corredor na última fila do santuário cheio de gente. April estava mais à frente, sentada na fila logo atrás da família, bem próxima de Tiffany. Mas Riley estava contente por April estar perto da amiga e não se importava de estar sozinha.

Raios de sol ofuscavam as janelas manchadas e o caixão à frente estava coberto de flores e várias coroas de flores. A missa fora digna e o coro cantara bem.

O pregador agora divagava sobre fé e salvação, garantindo a todos que Lois agora se encontrava em um lugar melhor. Riley não estava atenta às suas palavras. Ela olhava à sua volta para descobrir sinais indicadores do motivo por que Lois Pennington tinha morrido.

No dia anterior, tinha notado como os pais de Lois se sentavam ligeiramente afastados no sofá, sem se tocarem. Não sabia muito bem como interpretar sua linguagem corporal. Mas agora Lester Pennington tinha o braço à volta do ombro de Eunice num caloroso gesto de conforto. Os dois pareciam dois pais perfeitamente normais a sofrerem um imenso desgosto.

Se havia algo de errado com os Pennington enquanto família, Riley não conseguia captar.

E estranhamente, isso fazia com que Riley se sentisse desconfortável.

Ela se considerava uma observadora atenta da natureza humana. Se Lois tivesse realmente se suicidado, sua vida familiar devia ser turbulenta. Mas nada parecia estar errado com eles – nada mais se notava para além da dor normal.

O pregador conseguiu terminar o seu sermão sem referir uma única vez a provável causa da morte de Lois.

Depois vieram uma série de testemunhos curtos e chorosos de amigos e familiares. Falaram de dor e de tempos mais felizes, por vezes relatando momentos de humor que provocaram risos tristes na congregação.

Mas nada sobre suicídio, continuou a pensar Riley.

Algo lhe parecia desconexo.

Será que alguém próximo de Lois não gostaria de confessar algo negativo ocorrido nos seus últimos dias – uma luta contra a depressão, uma batalha contra demónos interiores, algum grito de ajuda não ouvido? Será que ninguém se atreveria a sugerir que a sua morte trágica devia ser vista como um exemplo para outros procurarem ajuda e apoio em vez de tirarem sua própria vida?

Mas ninguém disse nada do género.

Ninguém queria falar sobre isso.

Pareciam estar envergonhados ou desconcertados, ou ambos.

Talvez ainda nem acreditassem completamente no que tinha acontecido.

Os testemunhos terminaram e chegou o momento de se mostrar o corpo. Riley ficou sentada. Tinha a certeza de que o agente funerário tinha feito um excelente trabalho. O que quer que restasse da pobre Lois, não se pareceria em nada com o aspeto que apresentara quando fora encontrada enforcada na garagem. Riley sabia por experiência própria como era a aparência de um corpo estrangulado.

Por fim, o pregador deu a bênção final e o caixão foi levado. A família saiu junta e todos se podiam ir embora.

Quando Riley saiu, viu Tiffany e April se abraçando em lágrimas. Depois Tiffany viu Riley e foi ter com ela.

“Não há nada que possa fazer?” Perguntou a rapariga numa voz sufocada.

Abalada, Riley conseguiu dizer-lhe, “Não, lamento.”

Antes que Tiffany continuasse, o pai a chamou. A família de Tiffany estava a entrar em uma limusina negra. Tiffany juntou-se a eles e o veículo se afastou.

Riley se virou para April que se recusava a olhar para ela.

“Eu apanho o autocarro para casa,” Disse April.

April se afastou e Riley não a tentou impedir. Se sentindo terrivelmente, dirigiu-se ao carro estacionado no parque de estacionamento da igreja.


*


O jantar nessa noite não foi tão alegre como há dois dias atrás. April ainda não falava com Riley e, na verdade, com praticamente mais ninguém. A sua tristeza era contagiante. Ryan e Gabriela também estavam sombrios.

A meio da refeição, Jilly falou.

“Fiz uma amiga na escola hoje. Chama-se Jane. É adotada como eu.”

A expressão de April se suavizou.

“Ei, isso é fantástico Jilly,” Disse April.

“Pois é. Temos muitas coisas em comum. Muito para falar.”

Também Riley se sentiu mais leve. Era bom que Jilly começasse a fazer amigos. E Riley sabia que April andava preocupada com Jilly.

As duas moças falaram um pouco sobre Jane. Depois todos se calaram mais uma vez, tão sombrios como anteriormente.

Riley sabia que Jilly queria quebrar aquele ambiente negativo, alegrar April. Mas a moça mais nova agora parecia preocupada. Riley pensou que estivesse preocupada com toda aquela tensão que se instalara na sua nova família. Era óbvio que Jilly receava perder o que conquistara há tão pouco tempo.

Espero que não esteja certa, Pensou Riley.

Depois do jantar, as moças foram para seus quartos e Gabriela arrumou a cozinha. Ryan serviu um copo de bourbon a Riley e outro para si, e se sentaram juntos na sala.

Nenhum deles falou durante algum tempo.

“Vou lá acima falar com April,” Disse finalmente Ryan.

“Porquê?” Perguntou Riley.

“Está a ser grosseira. E não te está a respeitar. Não devemos deixar passar essa situação.”

Riley suspirou.

“Ela não está a ser grosseira,” Disse ela.

“Bem, então o que lhe chamaria?”

Riley pensou por um momento.

“Ela simplesmente se preocupa,” Disse. “Está preocupada com a amiga Tiffany e se sente impotente. Tem medo que algo de terrível tenha acontecido a Lois. Temos que estar satisfeitos por ela se preocupar com os outros. É um sinal de crescimento.”

Ambos se calaram novamente.

“O que pensa que realmente aconteceu?” Perguntou Ryan. “Pensa que Lois se suicidou ou foi assassinada?”

Riley abanou a cabeça, pesarosa.

“Quem me dera saber,” Disse. “Aprendi a confiar no meu instinto, mas meu instinto não me diz nada. Só sinto um enorme vazio.”

Ryan lhe tocou na mão.

“O que quer que tenha acontecido, não é sua responsabilidade,” Disse ele.

“Tem razão,” Disse Riley.

Ryan bocejou.

“Estou cansado,” Disse. “Vou-me deitar cedo.”

“Eu fico por aqui mais um pouco,” Disse Riley. “Ainda não tenho sono.”

Ryan subiu as escadas e Riley se serviu de outra bebida. A casa estava silenciosa e Riley se sentiu só e estranhamente indefesa – tal como tinha a certeza que April se estava a sentir. Mas depois de outra bebida, começou a relaxar e rapidamente se sentiu sonolenta. Tirou os sapatos e se deitou no sofá.

Um pouco mais tarde acordou e viu que alguém a tinha tapado com um cobertor. Ryan devia ter descido para ver se estava confortável.

Riley sorriu, se sentindo agora menos só. Depois adormeceu novamente.


*


Riley teve um flash de déjà vu quando April se dirigiu à garagem dos Pennington.

Como fizera no dia anterior, Riley dissera.

“April, sai daí!”

Dessa vez, April puxou a fita da polícia antes de abrir a porta.

Depois April desapareceu no interior da garagem.

Riley foi atrás dela e entrou.

O interior da garagem era muito maior e mais escuro do que lhe parecera no dia anterior, parecendo agora um enorme armazém abandonado.

Riley não viu April em lado nenhum.

“April, onde está?” Chamou.

A voz de April ecoou no ar.

“Estou aqui mãe.”

Riley não sabia de onde vinha a sua voz.

Virou-se lentamente, espreitando a escuridão que parecia não ter fim.

Por fim, uma luz se ligou.

Riley ficou paralisada de horror.

Enforcada numa trave estava uma rapariga apenas alguns anos mais velha do que April.

Estava morta, mas os seus olhos estavam abertos e o seu olhar estava fixo em Riley.

E espalhados à volta da moça, em mesas e no chão, estavam centenas de fotografias emolduradas mostrando a moça e sua família em diferentes momentos de sua vida.

“April!” Gritou Riley.

Não obteve resposta.


Riley acordou e se sentou direita no sofá, quase hiperventilando com o terror do pesadelo.

Era tudo o que podia fazer para se impedir de gritar...

“April!”

Mas ela sabia que April estava lá em cima a dormir.

Toda a família estava a dormir – exceto ela.

Porque tive esse sonho? Interrogou-se.

Demorou apenas um instante para saber a resposta.

Percebeu que finalmente o seu instinto tinha entrado em ação.

Ela sabia que April tinha razão – havia algo de muito estranho com a morte de Lois.

E era ela que tinha de agir.


CAPÍTULO CINCO


Riley sentiu um arrepio ao sair do carro na Universidade Byars. E não era apenas porque estava frio. Da escola emanava uma estranha vibração.

Estremeceu profundamente ao olhar em seu redor.

Os alunos andavam pelo campus juntos como que para combater o frio, se apressando para os seus destinos e mal falando uns com os outros. Nenhum deles parecia feliz por ali estar.

Não admira que este lugar faça com que os alunos se queiram matar, Pensou Riley.

O lugar parecia pertencer a um tempo passado. Riley quase se sentiu recuar no tempo. Os velhos edifícios de tijolo tinham sido mantidos num estado impecável. Tal como as colunas brancas, relíquias de tempos em que as colunas eram necessárias a esse tipo de cenário.

O campus era impressionantemente amplo, tendo em consideração que fora construído na capital da nação. É claro que DC tinha crescido à sua volta durante os quase duzentos anos de sua existência. A escola pequena e exclusiva tinha tido sucesso, produzindo alunos bem-sucedidos que depois ocupariam posições de poder nas finanças e na política. Os alunos iam para escolas como aquela para manter elos de ligações que durariam uma vida inteira.

É claro que era demasiado cara para a família de Riley – mesmo com o apoio da bolsa que ocasionalmente se dava a alunos de excelência de famílias com menos posses. Não que ela alguma vez quisesse ver ali April. Ou Jilly.

Riley se encaminhou para o edifício da administração e descobriu o gabinete do reitor onde foi cumprimentada por uma secretária de aspeto rígido.

Riley mostrou o distintivo à mulher.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI. Liguei.”

A mulher assentiu.

“O Reitor Autrey está esperando por si,” Disse ela.

A mulher conduziu Riley até um gabinete grande e sombrio, forrado de madeira escura.

Um homem idoso mas elegante se levantou de sua secretária para a cumprimentar. Era alto, tinha cabelo grisalho e usava um fato caro com laço.

“Agente Paige, presumo,” Disse ele com um sorriso arrepiante. “Sou o Reitor Willis Autrey. Se sente, por favor.”

Riley sentou-se em frente à sua secretária. Autrey se sentou e girou a cadeira.

“Não estou certo da natureza de sua visita,” Disse ele. “Algo relacionado com o infeliz falecimento de Lois Pennington, não é verdade?”

“Quer dizer, o seu suicidio,” Disse Riley.

Autrey anuiu.

“Não me parece que seja um caso para o FBI,” Disse ele. “Liguei aos pais da moça, lhes transmiti as mais sinceras condolências da escola. Eles estavam devastados, claro. Foi uma grande infelicidade. Mas não pareciam ter preocupações específicas.”

Riley percebeu que tinha que escolher as palavras com muito cuidado. Não estava ali a tratar um caso para o qual tivesse sido designada – na realidade, os seus superiores em Quantico não aprovariam aquela visita de maneira nenhuma. Mas talvez conseguisse evitar que Autrey o soubesse.

“Outro membro da família se mostrou preocupado,” Disse ela.

Calculou que não houvesse necessidade de lhe dizer que falava da irmã adolescente de Lois.

“Que infelicidade,” Disse ele.

Ele parece gostar de usar essa palavra – infelicidade, Pensou Riley.

“O que é que me pode dizer sobre Lois Pennington?” Perguntou Riley.

Autrey começava agora a parecer aborrecido como se estivesse pensando em outras coisas.

“Bem, nada que sua família já não lhe tenha transmitido, tenho a certeza,” Disse ele. “Não a conhecia pessoalmente, mas...”

Se virou para o computador e digitou qualquer coisa.

“Parecia ser uma aluna perfeitamente normal do primeiro ano,” Disse ele, olhando para a tela. “Notas razoavelmente boas. Sem relatórios de nada desfavorável. Embora veja aqui que teve apoio para a depressão.”

“Mas não foi o único caso de suicídio na sua escola esse ano,” Disse Riley.

A expressão de Autrey ensombreceu um pouco. Não disse nada.

Antes de sair de casa, Riley fizera alguma pesquisa sobre os dois suicídios de que Tiffany falara.

“Deanna Webber e Cory Linz ambas se terão alegadamente suicidado no último semestre,” Disse Riley. “A morte de Cory aconteceu aqui mesmo no campus.”

“Alegadamente?” Perguntou Autrey. “Parece-me uma palavra infeliz. Não ouvi nada que indicasse tal evidência.”

Virou o rosto ligeiramente para longe de Riley, como se fingindo que ela não se encontrava ali.

“Senhora Paige...” Começou Autrey.

“Agente Paige,” Corrigiu Riley.

“Agente Paige... Tenho a certeza que uma profissional como você está consciente de que a taxa de suicídio entre alunos universitários aumentou nas últimas décadas. É a terceira causa de morte entre pessoas do grupo etário em questão. Existem mais de mil suicídios em universidades todos os anos.”

Parou, como se para deixar os factos serem absorvidos.

“E claro,” Disse, “algumas escolas experimentam esse tipo de fenómenos num dado ano. Byars é uma escola exigente. É uma infelicidade, mas quase inevitável que tenhamos a nossa parcela de suicídios.”

Riley reprimiu um sorriso.

Os números que April tinha pesquisado há alguns dias iam ser muito úteis.

April gostaria, Pensou.

Riley disse, “a média nacional de suicídios em universidades é de cerca de 7.5 por cada cem mil alunos. Mas apenas este ano, três das suas alunas de um total de setecentos se mataram. Isso é um número cinquenta e sete vezes superior à média nacional.”

Autrey ergueu as sobrancelhas.

“Bem, como presumo que saiba, existem sempre...”

“Exceções,” Disse Riley, suprimindo novamente o sorriso. “Sim, sei tudo sobre exceções. Ainda assim, a taxa de suicídio na sua escola parece-me excecionalmente... infeliz.”

Autrey desviou o olhar em silêncio.

“Reitor Autrey, tenho a impressão de que não está muito satisfeito por ter uma agente do FBI aqui a fazer perguntas,” Disse Riley.

“Na verdade não estou,” Disse ele. “Devia sentir o contrário? Isto é uma perda do seu e do meu tempo, e também do dinheiro dos contribuintes. E a sua presença aqui pode dar a impressão de que algo está errado. Garanto-lhe que não há nada de errado em Byars.”

Debruçou-se sobre a mesa na direção de Riley.

“Agente Paige, a que ramo do FBI pertence exatamente?”

“À Unidade de Análise Comportamental.”

“Ah. Aqui próximo em Quantico. Bem, não vai deixar querer de terpresente que muitos dos nossos alunos são provenientes de famílias políticas. Alguns dos pais têm considerável influência no governo – FBI incluído, calculo. Tenho a certeza que eles não gostariam de ter conhecimento de algo do género.”

“Algo do género?” Perguntou Riley.

Autrey girou na sua cadeira.

“Pessoas dessa estirpe poderão ser propensas a efetuar uma reclamação junto dos seus superiores,” Disse ele com um olhar pleno de significado.

Riley sentiu algum desconforto.

Ela partiu do princípio que ele adivinhara que ela não se encontrava ali oficialmente.

“O melhor é mesmo não criar perturbação onde ela não existe,” Continuou Autrey. “Apenas faço esta observação para seu benefício. Detestaria que tivesse problemas com os seus superiores hierárquicos.”

Riley quase riu a bandeiras despregadas.

Ter problemas com os seus superiores hierárquicos era quase uma rotina para ela.

Assim como ser suspensa ou despedida e depois novamente recolocada.

Era algo que não assustava Riley nem um pouco.

“Estou a ver,” Disse ela. “Tudo para não manchar a reputação da sua escola.”

“Fico contente por concordarmos,” Disse Autrey.

Levantou-se, obviamente à espera que Riley se fosse embora.

Mas Riley ainda não estava pronta para se ir embora – ainda não.

“Obrigada pelo tempo despendido,” Disse ela. “Ir-me-ei embora assim que me fornecer o contacto das famílias das raparigas que cometeram suicídio.”

Autrey ficou a fitá-la. E Riley fitou-o sem se mexer na cadeira.

Autrey olhou para o seu relógio. “Tenho outra reunião. Tenho que ir.”

Riley sorriu.

“Também estou com alguma pressa,” Disse ela, olhando para o seu relógio. “Por isso, quanto mais cedo me fornecer essa informação, mais cedo nos poderemos despachar. Eu aguardo.”

Autrey franziu o sobrolho, depois sentou-se novamente em frente ao computador. Digitou qualquer coisa e depois a impressora começou a funcionar. Entregou uma folha com a informação solicitada a Riley.

“Lamento mas terei que efetuar uma reclamação junto dos seus superiores,” Disse ele.

Riley permaneceu imóvel. A sua curiosidade crescia.

“Reitor Autrey, acabou de mencionar que Byars já teve a sua quota-parte de suicídios. Estamos a falar de quantos?”

Autrey não respondeu. O seu rosto corou de raiva mas manteve a coz firme e controlada.

“O seu superior na UAC terá notícias minhas,” Disse ele.

“Claro,” Disse Riley com educação calculada. “Obrigada pelo seu tempo.”

Riley saiu do gabinete e do edifício da administração. Desta vez, o ar frio foi revigorante.

A ambiguidade de Autrey convenceu Riley de que esbarrara com um ninho de problemas.

E Riley prosperava perante os problemas.


CAPITULO SEIS


Assim que Riley entrou no carro, começou a vasculhar as informações que o Reitor Autrey lhe tinha fornecido. Pormenores sobres a morte de Deanna Webber começavam a regressar à sua memória.

Claro, Lembrava-se das histórias recolhidas no telemóvel. A filha da congressista.

A congressista Hazel Webber era uma política em ascensão, casada com um proeminente advogado do Maryland. A morte da sua filha tinha estado nos jornais no último outono. Riley não prestara muita atenção à história na altura. Mais parecia bisbilhotice indecente do que verdadeiras notícias – o tipo de coisa que Riley considerava dizer apenas respeito ao foro familiar.

Agora pensava de forma diferente.

Encontrou o número de telefone do gabinete de Washington da congressista Hazel Webber. Quando ligou, uma rececionista com um tom eficiente atendeu.

“Sou a Agente Especial Riley Paige da Unidade de Análise Comportamental do FBI,” Disse Riley. “Gostaria de marcar uma reunião com a congressista Webber.”

“Posso perguntar qual o assunto?”

“Preciso de falar com ela sobre a morte da filha.”

Silêncio ocupou a linha.

Riley disse, “Lamento incomodar a congressista e a sua família por causa dessa terrível tragédia, mas é necessário compreender algumas coisas.”

Mais silêncio.

“Lamento,” Disse a rececionista lentamente. “Mas a congressista Webber não se encontra em Washington neste momento. Terá que aguardar que ela regresse do Maryland.”

“E quando é que regressará?” Perguntou Riley.

“Não sei. Terá que ligar novamente.”

A rececionista terminou a chamada sem dizer mais uma palavra.

Ela está no Maryland, Pensou Riley.

Fez uma pesquisa rápida e descobriu que Hazel Webber vivia na zona rural de Maryland. Não parecia um lugar difícil de encontrar.

Mas antes que Riley arrancasse, o telemóvel tocou.

“Fala Hazel Webber,” Disse uma voz do outro lado da linha.

Riley ficou surpreendida. A rececionista deve ter entrado de imediato em contacto com a congressista depois de desligar a chamada. Não esperava ter notícias da própria Webber tão rapidamente.

“Em que posso ajudá-la?” Perguntou Webber.

Riley explicou novamente que queria falar sobre algumas pontas soltas relativamente à morte da filha.

“Será que podia ser um pouco mais específica?” Perguntou Webber.

“Preferia sê-lo pessoalmente,” Disse Riley.

Webber não falou durante alguns momentos.

“Lamento mas é impossível,” Disse Webber. “E agradecia que nem você nem os seus superiores voltassem a incomodar a minha família. Estamos agora a começar a encarar a tragédia de forma mais serena. Tenho a certeza que compreende.”

Riley ficou impressionada com o tom frio da mulher. Não detetou o mínimo traço de dor.

“Congressista Webber, se me puder dispensar apenas um pouco do seu tempo...”

“Eu disse não.”

Webber terminou a chamada.

Riley ficou perplexa. Não fazia ideia de como interpretar a estranha e concisa conversa.

Só sabia que tinha tocado num ponto sensível.

E precisava ir para o Maryland imediatamente.


*


Fora uma agradável viagem de duas horas. Riley seguiu uma rota que incluía a Ponte de Chesapeake Bay, pagando a portagem para apreciar a travessia pela água.

Rapidamente se encontrou na zona rural do Maryland onde belas vedações de madeira circundavam pastos e vias bordejadas de árvores conduziam a casas elegantes e celeiros afastados da estrada.

Parou junto ao portão da propriedade dos Webber. Um guarda de uniforme saiu de uma cabina e abordou-a.

Riley mostrou-lhe o distintivo e apresentou-se.

“Estou aqui para falar com a congressista Webber,” Disse ela.

O guarda afastou-se e falou para um microfone. Depois dirigiu-se novamente a Riley.

“A congressista diz que deve ter havido um equívoco,” Disse ele. “Ela não está à sua espera.”

Riley sorriu tão amplamente quanto possível.

“Oh, está muito ocupada de momento? Não há problema, a minha agenda não é apertada. Espero aqui mesmo até ela ter tempo.”

O guarda olhou-a com desconfiança, tentando parecer intimidante.

“Peço desculpa mas vai ter que se retirar, minha senhora,” Disse ele.

Riley encolheu os ombros e agiu como se não o compreendesse.

“Oh, a sério, não faz mal. Não me incomoda minimamente. Posso esperar aqui mesmo.”

O guarda afastou-se e falou novamente para o microfone. Depois de fitar Riley silenciosamente durante um instante, voltou para a sua cabina e abriu o portão. Riley atravessou-o.

Conduziu por um pasto amplo e coberto de neve onde alguns cavalos trotavam livremente. Era uma cena pacífica.

Quando chegou à casa, era ainda maior do que esperava – uma mansão contemporânea. Observou outros edifícios bem conservados.

Um homem Asiático foi ter com ela à porta sem proferir uma palavra. Era praticamente tão grande como um lutador de sumo o que tornava o seu fato de mordomo formal parecer grotescamente inapropriado. Conduziu Riley por um corredor com um chão de madeira vermelha-acastanhada de aspeto dispendioso.

Por fim, foi cumprimentada por uma mulher pequena e de aspeto sombrio que sem dizer uma palavra a conduziu para um gabinete assustadoramente limpo.

“Espere aqui,” Disse a mulher.

Ela saiu, fechando a porta atrás de si.

Riley sentou-se numa cadeira junto à secretária. Passaram-se vários minutos. Riley sentia-se tentada a espreitar materiais que se encontravam na secretária ou mesmo no computador. Mas ela sabia que cada um dos seus movimentos estava a ser gravado por câmaras de segurança.

Finalmente, a congressista Hazel Webber entrou no gabinete.

Era uma mulher alta – magra mas imponente. Não parecia suficientemente velha para estar no Congresso há tanto tempo quanto Riley pensara – Nem parecia suficientemente velha para ter uma filha com idade para ir para a faculdade. Uma certa rigidez à volta dos olhos podia ser normal ou induzida pelo Botox ou ambos.

Riley lembrava-se de a ver na televisão. Quando geralmente conhecia alguém que vira na televisão, ficava surpreendida pelo aspeto diferente que apresentavam na vida real. Estranhamente, Hazel Webber parecia exatamente a pessoa que vira na TV. Era como se ela fosse verdadeiramente bidimensional – um ser-humano anormalmente superficial de todos os ângulos.

O que vestia também intrigava Riley. Porque é que usava um casaco por cima da camisola leve? A casa era com certeza suficientemente quente.

Deve ser parte do seu estilo, Imaginou Riley.

O casaco dava-lhe um aspeto mais formal do que se se apresentasse apenas de calças e camisola. Talvez também representasse uma espécie de armadura, uma proteção contra qualquer contacto genuinamente humano.

Riley levantou-se para se apresentar, mas Webber falou primeiro.

“Agente Riley Paige, UAC,” Disse ela. “Já sei.”

Sem proferir mais nenhuma palavra, sentou-se à secretária.

“O que é que me quer dizer?” Disse Webber.

Riley sentiu-se alarmada. É claro que não tinha nada para lhe dizer. A sua visita era um bluff e de repente pareceu-lhe que Webber não era o tipo de mulher que fosse fácil de enganar. Riley já estava demasiado submersa para se safar.

“Na verdade estou aqui para lhe fazer perguntas,” Disse Riley. “O seu marido está em casa?”

“Sim,” Disse a mulher.

“Seria possível falar com ambos?”

“Ele sabe que está cá.”

O facto de não responder desarmou Riley, mas teve o cuidado de não o demonstrar. A mulher ficou os seus olhos frios e azuis nos de Riley. Riley não pestanejou. Limitou-se a devolver-lhe o olhar, esperando por uma subtil batalha de vontades.

Riley disse, “A Unidade de Análise Comportamental está a investigar o número pouco normal de aparentes suicídios em Byars.”

“Aparentes suicídios?” Disse Webber, arqueando uma única sobrancelha. “Não descreveria o suicídio de Deanna como ‘aparente’. Pareceu-nos bastante real a mim e ao meu marido.”

Riley juraria que a temperatura na sala descera alguns graus. Webber não demonstrava a mais pequena emoção ao referir o suicídio da filha.

Tem água gelada a correr-lhe nas veias, Pensou Riley.

“Gostava que me contasse o que sucedeu,” Pediu Riley.

“Porquê? Com certeza que leu o relatório.”

É claro que Riley não o tinha feito. Mas tinha que continuar o bluff.

“Ajudaria se pudesse ouvir pelas suas próprias palavras,” Disse ela.

Webber calou-se por um momento. O seu olhar era inabalável. Mas também era o de Riley.

“Deanna ficou ferida num acidente de equitação no último verão,” Disse Webber. “A anca ficou fraturada. Parecia que teria que ser substituída. Não poderia cavalgar mais em competições. Ela estava inconsolável.”

Webber parou de falar por um instante.

“Ela tomava oxycodone para as dores. Tomou demasiados – deliberadamente. Foi intencional e nada mais há a dizer sobre o assunto.”

Riley pressentiu que algo não fora dito.

“Onde é que aconteceu?” Perguntou.

“No seu quarto,” Disse Webber. “Ela estava confortável na sua cama. O médico-legista disse que morreu de paragem respiratória. Parecia que estava a dormir quando a criada a encontrou.”

E então – Webber pestanejou.

Pestanejou literalmente.

Tinha fraquejado na sua batalha de vontades.

Está a mentir! Apercebeu-se Riley.

O coração de Riley acelerou.

Agora tinha que a pressionar, sondar com as perguntas corretas.

Mas antes que Riley pensasse sequer no que perguntar, a porta do gabinete abriu-se. A mulher que encaminhara Riley para ali entrou.

“Senhora congressista, preciso de falar consigo, por favor,” Disse ela.

Webber pareceu aliviada ao levantar-se da secretária e seguir a sua assistente para fora do gabinete.

Riley respirou profundamente algumas vezes.

Gostava de não ter sido interrompida.

Tinha a certeza que estava prestes a desmascarar a fachada enganadora de Hazel Webber.

Mas a sua oportunidade perdera-se.

Quando Webber regressasse, Riley retomaria o fio da conversa.

Um minuto depois, Webber voltou. Parecia ter recuperado a sua autoconfiança.

Ficou junto à porta aberta e disse, “Agente Paige – se é que realmente é a Agente Paige – lamento mas tenho que lhe pedir que se retire.”

Riley engoliu em seco.

“Não compreendo.”

“A minha assistente acabou de ligar para a UAC. Não têm qualquer investigação em andamento sobre os suicídios em Byars. Agora, quem quer que seja...”

Riley mostrou o seu distintivo.

“Eu sou a Agente Especial Riley Paige,” Disse com determinação. “E vou fazer todos os possíveis para que essa investigação se inicie o mais rapidamente possível.”

Passou por Hazel Webber e saiu do gabinete.

Quando se encaminhava para fora da casa, sabia que tinha feito uma inimiga – e perigosa.

Era um tipo de perigo diferente daquele que ela habitualmente tinha que enfrentar.

Hazel Webber não era uma psicopata cujas armas de eleição fossem correntes, facas, armas ou maçaricos.

Ela era uma mulher sem consciência e as suas armas eram o dinheiro e o poder.

Riley preferia o tipo de adversário que pudesse esmurrar ou dar um tiro. Ainda assim, estava pronta e disposta a lidar com Webber e com as ameaças que pudesse implicar.

Ela mentiu-me acerca da filha, Continuava a pensar Riley.

E agora Riley estava determinada a descobrir a verdade.

A casa agora parecia vazia. Riley ficou surpreendida por sair sem se cruzar com uma única alma. Tinha a sensação que podia roubar o lugar e não ser apanhada.

Dirigiu-se ao exterior e partiu no seu carro.

Ao aproximar-se do portão da mansão, viu que estava fechado. No seu interior estavam o guarda que lhe dera passagem e o enorme mordomo. Ambos tinham os braços cruzados e estavam obviamente à sua espera.


CAPÍTULO SETE


Os dois homens pareciam ameaçadores. Também pareciam um pouco ridículos – o mais pequeno dos dois usando o seu uniforme de guarda, o seu parceiro muito maior usando um fato formal de mordomo.

Como dois palhaços de circo, Pensou.

Mas ela sabia que eles não pretendiam ser engraçados.

Riley parou o carro mesmo em frente deles. Baixou o vidro, olhou para o exterior e chamou-os.

“Passa-se alguma coisa, meus senhores?”

O guarda aproximou-se postando-se diretamente à frente do seu carro.

O mordomo colossal encostou-se ao vidro do passageiro.

Falou num tom de voz retumbante.

“A congressista Webber gostava de esclarecer um mal-entendido.”

“E de que mal-entendido se trata?”

“Ela quer que compreenda que os curiosos não são bem-vindos aqui.”

Agora Riley percebeu.

Webber e a sua assistente chegaram à conclusão que Riley era uma impostora, que não era uma agente do FBI. Talvez suspeitassem que fosse uma jornalista a preparar-se para escrever algo que colocasse em cheque a congressista.

Não havia dúvidas de que aqueles dois tipos estavam habituados a lidar com jornalistas curiosos.

Riley mostrou novamente o seu distintivo.

“Julgo que ocorreu realmente um mal-entendido,” Disse ela. “Eu sou mesmo uma agente especial do FBI.”

O homem grande riu. Era óbvio que pensava que o distintivo fosse falso.

“Saia do carro, por favor,” Disse ele.

“Prefiro não o fazer, obrigada,” Disse Riley. “Abram o portão se não se importarem.”

Riley deixara a sua porta destrancada. O homem grande abriu-a.

“Saia do carro, por favor,” Repetiu ele.

Isto não vai acabar bem, Pensou.

Riley saiu do carro e fechou a porta. Os dois homens movimentaram-se para ficar lado a lado a uma curta distância dela.

Riley interrogou-se qual deles agiria primeiro.

Então o homem enorme dirigiu-se a ela.

Riley deu alguns passos na sua direção.

Quando a alcançou, ela agarrou-a pelo colarinho e na manga do braço esquerdo e puxou-o até o desequilibrar. Depois baixou-se. Mal sentiu o peso massivo do homem quando o seu corpo voou por cima das suas costas. Foi contra a porta do carro e aterrou de cabeça no chão.

O carro é que ficou maltratado, Pensou Riley consternada.

O outro homem já se dirigia a ela e ela voltou-se para ele.

Deu um pontapé na virilha. Ele curvou-se com um uivo estarrecedor e Riley percebeu que a altercação tinha terminado por ali.

Tirou a pistola do homem do coldre.

Depois inspecionou o resultado das suas ações.

O homem mais volumoso ainda estava deitado ao lado do carro, olhando para ela com uma expressão de horror. A porta do carro estava amolgada mas não tanto como Riley temera. O guarda de uniforme estava com mãos e joelhos no chão a tentar recuperar o fôlego.

Ela segurou na pistola em direção ao guarda.

“Parece que perdeu isto,” Disse ela numa voz agradável.

As mãos do homem tremiam, mas tentou pegar na arma.

Riley afastou-a dele.

“Huh-uh.” Disse ela. “Não antes de abrir o portão.”

Pegou no homem pela mão e ajudou-o a levantar-se. Ele rastejou até à cabina e carregou no botão que abria o portão de ferro. Riley caminhou na direção do carro.

“Com licença,” Disse ao homem enorme.

Ainda parecendo bastante assustado, o homem rastejou de lado como um caranguejo gigante, saindo do caminho de Riley. Ela entrou no carro e atravessou o portão. Atirou a pistola para o chão ao afastar-se

Agora já não devem pensar que sou uma jornalista, Pensou.

Também tinha a certeza de que dariam conhecimento disso à congressista bem rapidamente.


*


Algumas horas mais tarde, Riley estacionou o carro no parque de estacionamento do edifício da UAC. Ficou ali sentada durante alguns momentos. Não estivera ali uma única vez desde que entrara de licença há um mês. Não esperava regressar tão cedo. Parecia estranho.

Desligou o carro, tirou as chaves, saiu do carro e dirigiu-se ao edifício. Ao encaminhar-se para o seu gabinete, amigos e colegas dirigiram-lhe a palavra em tom de boas-vindas, surpresa ou contenção.

Parou no gabinete do seu parceiro habitual, Bill Jeffreys, mas ele não estava lá. Devia estar fora num caso a trabalhar com outra pessoa.

Sentiu alguma tristeza – até inveja.

Bill era o seu melhor amigo.

Ainda assim, pensou que era melhor assim. Bill não sabia que ela e Ryan estavam juntos outra vez e ele não aprovaria. Ele tinha-lhe segurado na mão demasiadas vezes durante a dolorosa separação e divórcio. Custava-lhe crer que Ryan tivesse mudado.

Quando ela abriu a porta do seu gabinete, teve que olhar duas vezes para confirmar que se encontrava no lugar certo. Tudo parecia demasiado limpo e bem organizado. Teriam dado o seu gabinete a outro agente? Estaria ali a trabalhar outra pessoa?

Riley abriu uma gaveta e encontrou ficheiros familiares, apesar de agora estarem em melhor ordem.

Quem teria arrumado tudo?

De certeza que não fora Bill.

Talvez Lucy Vargas, Pensou.

Lucy era uma jovem agente com quem ela e Bill trabalharam e de quem gostavam. Se Lucy fosse a culpada por detrás de toda aquela limpeza, pelo menos tê-lo-ia feito para ajudar.

Riley sentou-se à secretária durante alguns minutos.

Foi invadida por imagens e memórias – o caixão da rapariga, os pais devastados e o terrível sonho de Riley da rapariga enforcada rodeada de recordações. Também se lembrava de como o Reitor Autrey fora evasivo em relação às suas perguntas e como Hazel Webber tinha mentido descaradamente.

Lembrou-se do que dissera a Hazel Webber. Prometera iniciar uma investigação oficial. E já era tempo de cumprir essa promessa.

Ligou ao chefe, Brent Meredith.

Quando o chefe da equipa atendeu, ela disse, “É Riley Paige, senhor. Será que posso...”

Ela estava prestes a pedir alguns minutos do seu tempo quando a sua voz ribombou.

“Agente Paige, venha ao meu gabinete imediatamente.”

Riley estremeceu.

Meredith estava bastante zangado com ela a respeito de alguma coisa.


CAPÍTULO OITO


Quando Riley se dirigiu ao gabinete de Brent Meredith, encontrou-o à secretária à sua espera.

“Feche a porta,” Disse ele. “Sente-se.”

Riley fez o que lhe mandaram.

Ainda em pé, Meredith não falou durante alguns instantes. Limitou-se a fitar Riley. Era um homem grande com características angulares e era intimidante mesmo quando estava de bom humor.

Ele não estava de bom humor naquele momento.

“Quer dizer-me alguma coisa, Agente Paige?” Perguntou.

Riley engoliu em seco. Partiu do princípio que algumas das suas atividades naquele dia já lhe tivessem sido relatadas.

“Talvez seja melhor começar primeiro,” Disse Riley docilmente.

Ele aproximou-se dela.

Acabei de receber duas queixas lá de cima sobre si,” Disse ele.

Riley desanimou. Por “lá de cima” ela sabia o que Meredith queria dizer. As queixas tinham vindo do Agente Especial Responsável Carl Walder – um pequeno homem desprezível que já tinha suspendido Riley mais do que uma vez por insubordinação.

Meredith continuou, “O Walder disse-me que recebeu uma chamada de um reitor de uma faculdade.”

“Sim, Byars. Mas se me der um momento para eu me explicar...”

Meredith interrompeu-a outra vez.

“O reitor disse que entrou no seu gabinete e fez algumas alegações despropositadas.”

“Não foi bem isso que aconteceu,” Alegou Riley.

Mas Meredith continuou o seu discurso.

“O Walder também recebeu uma chamada da congressista Hazel Webber. Ela disse que entrou em sua casa e a assediou. Até lhe mentiu sobre um caso que não existe. E depois agrediu dois membros do seu pessoal. Ameaçou-os com uma arma.”

Riley negou a acusação.

“Não foi exatamente isso o que aconteceu.”

“Então o que é que aconteceu?”

“Era a própria arma do guarda,” Disse ela.

Mal proferiu as palavras, Riley percebeu que...

Não lhe tinham saído da melhor maneira.

“Estava a tentar devolvê-la!” Disse ela.

Mas soube de imediato...

Aquilo não ajudava.

Seguiu-se um prolongado silêncio.

Meredith suspirou profundamente. Por fim, disse, “Espero bem que tenha uma boa desculpa para as suas ações, Agente Paige.”

Riley respirou fundo.

“Senhor, ocorreram três mortes suspeitas em Byars no decorrer deste ano escolar. Trataram-se alegadamente de suicídios, mas eu não acredito que tenham sido.”

“É a primeira vez que ouço falar nisso,” Disse Meredith.

“Eu compreendo. E vim aqui precisamente para lhe falar sobre isso.”

Meredith permaneceu em pé, aguardando por mais explicações.

“Uma amiga da minha filha tinha uma irmã no Byars – Lois Pennington, uma caloira. A sua família encontrou-a enforcada na garagem no domingo. A irmã não acredita que tenha sido suicídio. Falei com os pais e...”

Meredith gritou suficientemente alto para ser ouvido no corredor.

“Falou com os pais?”

“Sim, senhor,” Disse Riley.

Meredith demorou um momento para se controlar.

“Será que preciso de lhe lembrar que isto não é um caso da UAC?”

“Não, senhor,” Disse Riley.

“Na verdade, tanto quanto sei, isto nem sequer é um caso.”

Riley não sabia o que dizer.

“Então o que é que os pais lhe disseram?” Perguntou Meredith. “Acreditavam que foi suicídio?”

“Sim,” Disse Riley em voz baixa.

Agora era Meredith que parecia não saber o que dizer. Abanou a cabeça desalentado.

“Senhor, eu sei o que isto parece,” Disse Riley. “Mas o reitor de Byars estava a esconder alguma coisa. E Hazel Webber mentiu-me sobre a morte da filha.”

“Como é que sabe?”

“Sei!”

Riley olhou para Meredith de forma implorativa.

“Senhor, após todos estes anos, já deverá saber que o meu instinto não me engana. Quando ele me alerta, não me engana. Tem que confiar em mim. Há qualquer coisa de errado com a morte destas raparigas.”

“Riley, sabe que não é assim que as coisas funcionam.”

Riley ficou alarmada. Raramente Meredith a tratava pelo seu primeiro nome – só quando estava genuinamente preocupado com ela. Sabia que ele a valorizava e respeitava, e ela sentia o mesmo a seu respeito.

Ele encostou-se contra a secretária e encolheu os ombros insatisfeito.

“Talvez tenha razão e talvez não,” Disse com um suspiro. “De qualquer das formas, não posso fazer disto um caso da UAC só por causa do seu instinto. Tinha que ter muitas mais bases a que me agarrar.”

Meredith agora olhava para ela com uma expressão preocupada.

“Agente Paige, passou por muito nos últimos tempos. Esteve envolvida em alguns casos perigosos e o seu parceiro quase morreu envenenado no último. E tem um novo membro na família com que se preocupar e...”

“E o quê?” Perguntou Riley.

Meredith fez uma pausa e depois disse, “Dei-lhe licença há um mês atras. Pareceu pensar ser uma boa ideia. Da última vez que falámos até me pediu mais tempo. Penso que é o melhor. Tire todo o tempo que precisar. Precisa de descansar mais.”

Riley sentiu-se desencorajada e derrotada mas sabia que não valia a pena discutir. A verdade era que Meredith tinha razão. Não havia forma de tornar aquilo num caso com base no que ela lhe contara. Sobretudo tendo por perto um sacana burocrático como o Walder.

“Sinto muito, senhor,” Disse ela. “Vou para casa agora.”

Riley sentiu-se terrivelmente só ao sair do gabinete de Meredith e sair do edifício. Mas não estava pronta para desistir das suas suspeitas. O seu instinto era demasiado forte para isso. Ela sabia que tinha que fazer alguma coisa.

Uma coisa de cada vez, Pensou.

Tinha que obter mais informações. Tinha que provar que algo estava errado.

Mas como o iria fazer sozinha?


*


Riley chegou a casa cerca de meia hora antes do jantar. Foi até à cozinha e encontrou Gabriela a preparar outra das suas deliciosas especialidades da Guatemala, gallo em perro, um guisado picante.

“As meninas estão em casa?” Perguntou Riley.

“Sí. Estão no quarto de April a fazerem os trabalhos de casa juntas.”

Riley sentiu-se um pouco aliviada. Finalmente em casa, algo parecia estar a correr bem.

“E o Ryan?” Perguntou Riley.

“Ligou. Vai chegar tarde.”

Riley sentiu-se desconfortável. Recordou-a dos tempos maus com Ryan. Mas disse a si própria que não se devia preocupar. O trabalho de Ryan era exigente. E para além disso, o trabalho de Riley mantinha-a fora de casa muito mais tempo do que aquele que desejaria.

Foi lá para cima e sentou-se ao computador. Fez uma pesquisa sobre a morte de Deanna Webber, mas não encontrou nada de que não tivesse já conhecimento. Depois procurou informações sobre Cory Linz, a outra rapariga que tinha morrido. Mais uma vez, encontrou pouca informação.

Fez uma busca em obituários recentes que mencionavam o Byars e rapidamente encontrou seis. Um tinha morrido num hospital após uma longa batalha contra o cancro. Dos outros, reconheceu fotos de três pessoas jovens. Eram Deanna Webber, Lois Pennington e Cory Linz. Mas não reconheceu um jovem e uma jovem dos outros dois obituários. Chamavam-se Kirk Farrell e Constance Yoh, ambos segundanistas.

É claro que nenhum dos obituários dizia que o falecido tinha cometido suicídio. A maior parte deles eram bastante vagos acerca das reais causas de morte.

Riley recostou-se na cadeira e suspirou.

Precisava de ajuda. Mas a quem recorrer? Ainda não tinha acesso aos técnicos de Quantico.

Estremeceu ante uma possibilidade.

Não, não Shane Hatcher, Pensou.

O génio do crime que tinha fugido de Sing Sing tinha-a ajudado em mais do que um caso. O seu fracasso – ou seria a sua relutância? – em recapturá-lo tinha deixado considerável eco na UAC.

Ela sabia perfeitamente bem como entrar em contacto com ele.

Na verdade, podia fazê-lo agora usando o computador.

Não, Pensou Riley com outro estremecimento. Nem pensar.

Mas a quem mais poderia recorrer?

Agora lembrava-se de algo que Hatcher lhe tinha dito quando se encontrara numa situaçao semelhante.

“Penso que sabe com quem deve falar no FBI quando é persona non grata. É alguém que não quer saber das regras para nada.”

Riley ficou subitamente entusiasmada.

Sabia exatamente quem a podia ajudar.


CAPÍTULO NOVE


Riley pegou no telefone e ligou.

A voz do outro lado da linha disse, “Fala Roff.”

O cromo tecnológico socialmente inadaptado era um analista técnico no Gabinete do FBI de Seattle. Van Roff tinha-a ajudado no seu último caso e, como qualquer cromo profissional, ela sabia que ela espreitava sempre uma oportunidade para quebrar as regras.

Riley falou excitadamente.

“Van, preciso da tua ajuda e receio que não seja uma coisa inteiramente legal.”

Antes de Riley começar a explicar, Roff interrompeu-a muito ruidosamente.

“Ei Rufus, velho amigo! Como estão as coisas em Cancún? Ouve, espero que estejas bem, que te protejas dessas doenças tropicais, se é que me entendes. Andas a usar preservativo, certo?”

Perplexa, Riley gaguejou, “Uh, o quê?”

Roff disse, “Ouve Rufus, tenho a certeza que tens histórias bem picantes para contar e mal posso esperar por ouvi-las. Hoje em dia comigo é só sexo indireto. Mas não é um bom momento para falarmos. Ligo-te mais tarde.”

E desligou.

Riley ficou a olhar para o telefone. Demorou alguns instantes a perceber o que tinha acabado de acontecer.

Claro. Não estava sozinho.

Os poderosos do FBI de Seattle mantinham Roff debaixo de olho. Talvez até estivessem a ouvir as suas conversas ao telefone ou a monitorizar o seu computador.

Ela tinha a certeza que era um jogo que o cromo tecnológico gostava de jogar. Ele ficaria feliz com o desafio de se desviar da supervisão e dedicar-se ao que lhe interessasse mais.

De qualquer das formas, Riley tinha a certeza de que ele entraria em contacto assim que pudesse. Ela esperava que não demorasse muito.


*


Um pouco mais tarde, Riley juntou-se a Gabriela, April e Jilly para jantar.

“Como é que está a correr o caso?” Perguntou April ansiosamente quando Riley se sentou à mesa.

“Bem, não é bem um ‘caso’” Disse Riley.

“Mas estás a dar uma vista de olhos, certo? Estás a tentar descobrir o que aconteceu àquelas raparigas?”

Riley hesitou. O que deveria dizer a April das suas atividades daquele dia?

“Estou a trabalhar nisso,” Disse ela. “Mas ainda não estou preparada para falar sobre isso.”

O sorriso de April fez com que Riley se sentisse melhor. Pelo menos a sua filha já não estava zangada com ela. Riley só esperava que April não acabasse desiludida. Apesar de Riley ter a certeza de que havia algo a ser investigado, estava longe de ter feito algum progresso. Precisaria de saber muito mais para poder abrir um caso oficialmente. E suspeitava que ia ter que trazer à baila assuntos que algumas famílias preferiam manter na obscuridade.

April e Jilly conversavam alegremente sobre várias coisas ao jantar. A dada altura, April pegou no telemóvel e fez perguntas a Jilly para um teste que ia ter. April começou a fazer-lhe perguntas.

“Meninas, não durante o jantar, por favor,” Disse Riley.

Riley ficou um pouco surpreendida ao ouvir Gabriela a discordar dela.

“Não, não faz mal. As meninas estudarem é bom, à mesa ou em qualquer outro lugar.”

Riley sorriu. Sim, suponha que era bom. Percebeu que Gabriela estava muito consciente dos opostos que Jilly tinha que enfrentar entre uma vida desesperada e uma vida feliz. E Gabriela também sabia que tipo de diferença uma boa educação faria.

Por isso disse, “OK, estudem à vontade. Onde quiserem, quando quiserem.”

Riley estava feliz pelo facto das raparigas se estarem a dar tão bem. E Jilly estava a ficar entusiasmada com a escola.

O telefone de casa tocou durante o jantar. Riley levantou-se e atendeu. Era Ryan.

“Olá,” Disse ela. “Vens a caminho? Posso guardar-te o jantar.”

“Receio que vá chegar muito tarde hoje à noite,” Disse ele. Tenho muito trabalho para fazer. Espero que não haja problema.”

Riley reprimiu um suspiro.

“Não há problema,” Disse ela.

Terminou a chamada e voltou à cozinha.

“Era o pai?” Perguntou April. “Quando é que ele chega?”

“Diz que vem tarde,” Disse Riley, sentando-se.

O sorriso de April desvaneceu-se subitamente.

Riley ficou triste por ver a súbita alteração de humor de April. Ela sabia que Ryan estava frequentemente cheio de trabalho. Como ela, ele por vezes tinha que estar ausente.

Mas tanto ela como April tinham demasiadas memórias de Ryan simplesmente perder o interesse na sua própria família. As coisas estavam a correr tão bem ultimamente e Ryan parecia ter mudado. Riley ainda esperava que daquela vez as coisas fossem diferentes.


*


Mais tarde nessa noite, Riley recebeu um SMS de Van Roff. Dava-lhe o seu endereço de vídeo e dizia que estava disponível para falar. Riley ligou-lhe. Ficou feliz por ver o homem tosco e pesado a surgir no monitor.

“Ei Rufus!” Disse Roff. “Que tal Cancún? Tens montes de preservativos à mão?”

“Muito engraçadinho,” Disse Riley.

“Então o que é que estás a tramar que os poderes oficiais não aprovam?”

“Estou a investigar umas mortes suspeitas numa escola perto daqui. A Universidade Byars.”

Presumo que não seja uma investigação oficial já que não estás a utilizar os serviços da UAC.”

“A versão oficial em três das mortes é que foi suicídio. Se for verdade, é cinquenta e sete vezes mais do que a média.”

Roff coçou o queixo.

“Uma exceção talvez?” Perguntou ele.

“Tenho um palpite de que não é disso que se trata.”

Roff anuiu.

“Bem, as exceções são exceções, os palpites são palpites. Aprendi a confiar mais no instinto do que nas estatísticas na maior parte das vezes.”

Riley percebeu que Roff já estava a escrever.

“Universidade Byars, não é? Aí em DC?”

“Sim. Falei com o Reitor Willis Autrey sobre as mortes mas ele não foi muito conclusivo. Também falei com a congressista Hazel Webber, a mãe de uma das vítimas. Ela escondia alguma coisa. E mandou dois capangas darem-me uma lição.”

Roff continuava a escrever.

 

“E como é que isso correu?”

“Não muito bem – para eles.”

Roff riu enquanto trabalhava.

“Quem me dera ter visto!”

Parou de escrever e disse,” Ok, estou a ver os óbitos de que falas.”

Riley disse, “Pennington, Webber e Linz são alegados suicídios. Não sei nada do Kirk Farrell e da Constance Yoh, ambos segundanistas.”

Roff escreveu durante mais alguns minutos e depois parou. Parecia surpreendido.

“Caraças!” Disse ele.

“O que foi?”

Roff abanou a cabeça, descrente.

“Então aquele reitor disse-te que só houve três suicídios este ano em Byars?”

“Ele na verdade não me disse nada.”

“Bem, o melhor é reveres os teus números. É qualquer coisa como noventa e seis vezes mais do que a média nacional.”

Roff explicou, “Ocorreram cinco supostos suicídios até agora durante este ano letivo, não três. Kirk Farrell ter-se-á morto com um tiro em casa em Atlanta. Constance Yoh enforcou-se em sua casa próxima de DC.”

Riley ficou boquiaberta. “Cinco, não três,” Disse ela.

“Bem, os suicídios podem ser contagiosos. Sobretudo entre gente jovem a viver sob o mesmo ambiente.”

“Eu sei,” Disse Riley. “Mas não me parece que seja isto.”

“Então tens um problema muito grave em mãos.”

“Van, envia-me o que tiveres. E podes fornecer-me contactos das famílias dos alunos de que ainda não tinha conhecimento?”

“Claro. Envio-tos por e-mail num instante.”

Riley agradeceu a Roff pela sua ajuda e terminaram a chamada. Riley sentou-se durante alguns instantes a tentar processar as novas informações que tinha em seu poder. Será que agora teria informação suficiente para convencer Meredith que este era um caso para o FBI?

Suspirou. Provavelmente não. Pelo menos não agora que Walder se queixava sobre as suas atividades. Tinha que obter mais provas. E tinha que lidar com as coisas de forma delicada.

De qualquer das formas, já era tarde e não havia mais nada que pudesse fazer naquele momento.


*


Riley não dormiu bem naquela noite. Ryan não viera para casa. Enviara-lhe uma mensagem dizendo que passaria a noite na sua casa e iria de manhã para o escritório em DC.

Na manhã seguinte depois das miúdas irem para a escola, ela sentou-se com as informações que tinha sobre a morte dos alunos e pensou no que fazer de seguida.

Deveria tentar entrar em contacto com as outras famílias?

Riley estremeceu perante a ideia. As suas visitas tanto aos Pennington como aos Webber tinham sido desastrosas. Não tinha nenhuma razão para crer que com os outros fosse diferente.

Mas que mais poderia fazer?

Ganhou coragem, pegou no telefone e ligou o número da família de Cory Linz.

O homem que atendeu a chamada apresentou-se como sendo Conrad Linz.

Riley disse, “Sr. Linz, fala Agente Riley Paige do FBI e...”

Conrad Linz interrompeu-a antes que ela conseguisse terminar a frase.

“O FBI! Tem a ver com a morte da nossa filha?”

“Sim, tem. Sabe...”

“Só um momento, deixe-me passar à minha mulher.”

Riley ouviu-o chamar, “Olivia, é o FBI!”

Passado um momento, a mulher já estava em linha.

“Oh, por favor, diga-nos que está a investigar o que aconteceu à pobre Cory!”

O marido acrescentou, “Nem a polícia, nem a escola nos ajudaram.”

Riley engoliu em seco. O que lhes deveria dizer?

“É um pouco difícil discutir este assunto ao telefone,” Disse Riley. “Talvez pudesse passar por vossa casa. Pode ser ainda hoje de manhã?”

Conrad disse, “Estava a preparar-me para ir para o trabalho, mas fico em casa para me encontrar consigo.”

“Eu também cá estarei,” Disse Olivia.

“Ótimo. Vejo que vivem em Mirabel. Eu estou em Fredericksburg por isso estou aí em menos de nada.”

O casal agradeceu-lhe freneticamente. Pareciam estar a chorar.

Quando Riley terminou a chamada, ela própria estava praticamente a chorar.

Começou a preparar-se para ir ao seu encontro. Encontrar-se com estas pessoas podia ser a oportunidade por que aguardava.

Mas o que é que lhes diria? Iria mentir novamente, fingir que estava a trabalhar para o FBI? Ou dir-lhes-ia a verdade – que estava a investigar por conta própria e contra ordens estritas?


CAPÍTULO DEZ


O trânsito interestadual a caminho de Mirabel era intenso, mas movia-se rapidamente. Riley ainda estava indecisa ao conduzir.

O que devo dizer aos Linz? Não parava de se interrogar.

Uma coisa era enganar os seus superiores – à vezes evitava a completa verdade com Brent Meredith. Os seus chefes e colegas sabiam que ela por vezes procedia de forma fora do normal e seguia as suas próprias regras. E ela sabia e aceitava que podia haver consequências profissionais da sua voluntariedade – reprimendas e até suspensão. Tudo fazia parte da forma como ela trabalhava. E os seus métodos rebeldes tinham compensado com uma elevada taxa de sucesso.

Mas poderia mentir a um casal de luto?

Essa era uma linha que ela não se lembrava de ultrapassar.

E contudo, quanto mais pensava naquilo, mais sentia que não tinha outra escolha. Se ela admitisse que seria desonesta, os Linz ficariam perplexos, talvez horrorizados.

Se ela conseguisse obter informação suficiente deles, talvez conseguisse finalmente convencer Meredith a abrir um caso.

Riley esperava que os fins acabassem por justificar os meios.

Quando Riley chegou a Mirabel, viu que se tratava de uma comunidade de casas novas com relvados cuidados e jardins. Mesmo com alguma neve aqui e ali, a zona parecia estranhamente irreal. Como muitas das outras casas, a casa dos Linz apresentava um estilo colonial em tijolo com um alpendre amplo e acolhedor.

Não sabia que ainda os construíam assim, Pensou Riley.

Olivia Linz recebeu Riley à porta. Era uma mulher alta, imaculadamente vestida e com cabelo curto impecavelmente arranjado. Tinha uma compleição corada e de aspeto saudável, e Riley ficou surpreendida ao ver um sorriso no seu rosto.

“Oh, entre, entre!” Disse ela antes que Riley tivesse a oportunidade de se apresentar e mostrar o distintivo.

“Conduziu Riley a uma sala de estar de teto alto com a lareira acesa. O marido de Olivia, Conrad, também alto e bem vestido com uma expressão radiante, levantou-se e apertou a mão de Riley. Tal como a mulher, sorria agradavelmente.

“Sente-se, por favor!” Disse ele.

“Quer beber alguma coisa?” Perguntou Olivia. “Tenho chá pronto – limão, roseira brava e hortelã.”

Riley foi apanhada de surpresa. Os Linz estavam a tratá-la como se fosse uma visita social. Não estava habituada a este tipo de hospitalidade vinda de famílias enlutadas. Mas por qualquer razão, não conseguiu recusar a oferta.

“Sim, agradeço o chá, obrigada,” Disse ela.

Olivia foi para a cozinha. Riley viu dois pianos no canto mais afastado da sala. Conrad reparou no interesse de Riley.

“Olivia é professora de piano,” Explicou de forma casual. “Faz os seus próprios recitais de vez em quando e é muito boa. Quem me dera ter algum talento musical. Nâo era um mau saxofonista quando era criança, mas nunca avancei muito. Não sou nada artístico – não como a Olivia. Então tornei-me contabilista. Os números são aborrecidos, mas receio que também eu seja.”

Soltou um riso auto depreciativo.

Riley estava cada vez mais intrigada.

Conversa de ocasião? Interrogou-se. Quando estou aqui para falar como é que a filha morreu?

Riley quase pensou se se teria equivocado com a morada. Talvez tudo não passasse de um bizarro e constrangedor mal-entendido.

Apesar de tudo, Riley tentou sorrir.

Olivia regressou com uma bandeja de prata contendo um bule e três chávenas de chá. Sentou-se, pousando o tabuleiro onde todos o pudessem alcançar. Riley serviu-se de chá. Estava delicioso, mas na verdade teria preferido algo com cafeína.

“Mas diga-nos,” Afirmou Olivia ansiosamente. “Como é que o FBI se interessou pelo que aconteceu à pobre Cory?”

“Sim, estamos surpreendidos,” Disse o marido. “A polícia estava tão decidida. E ficámos com a impressão que o FBI apenas aceita casos quando a polícia local lhes solicita ajuda.”

Ambos pareciam otimistas e excitados.

Toda a situação pareceu a Riley surreal. Lembrava-se de como o casal parecera desesperado ao telefone. Onde estava esse sentimento agora?

“Sim, geralmente isso é verdade,” Começou Riley. “Mas esta situação é...”

A sua voz apagou-se.

Os olhos iluminados e alerta – os de Olivia azuis, os de Conrad verdes – apanharam-na completamente desprevenida.

De repente, Riley percebeu algo.

Por muito estranhas que lhe parecessem as reações emocionais dos Linz...

Eram completamente sinceras. Completamente honestas.

Não lhes podia mentir.

“Sr. e Sra. Linz...”

“Conrad, por favor,” Disse o marido.

“E Olivia,” Acrescentou a mulher.

Riley calou-se por alguns instantes, pesando a melhor maneira de lhes dizer a verdade. Tirou o distintivo e mostrou-o.

“É melhor eu explicar algo,” Disse ela. “Antes de mais nada, por favor acreditem que sou mesmo uma agente do FBI da UAC em Quantico. Mas a verdade é que a morte da vossa filha não é um caso oficial da UAC. Pelo menos, não para já. E eu... não estou estou aqui em termos oficiais. Na verdade...”

Riley engoliu em seco. Por alguma razão, sentiu-se compelida a ser completamente honesta.

“Não é suposto eu estar a investigar a morte da vossa filha.”

Olivia e Conrad inclinaram as cabeças com curiosidade. Mas nenhum deles parecia estar minimamente alarmado ou aborrecido.

“Não estou certa se compreendi,” Disse Olivia.

“Nem eu,” Disse o marido.

Riley pensou cuidadosamente no que dizer a seguir.

“Bem, poderão dizer que estou aqui a título estritamente pessoal. Descobri através da minha filha que uma rapariga – não a vossa filha – se tinha enforcado no último fim-de-semana. Também era aluna em Byars. Investiguei e descobri que um total de cinco alunos de Byars – incluindo a vossa filha – tinha supostamente cometido suicídio durante este ano letivo.”

Olivia e Conrad olhou um para o outro espantados.

“Isso não parece ser uma coincidência,” Disse Olivia.

“Eu também não penso que seja,” Disse Riley. “Mas não posso provar nada – ainda não.”

“O que podemos fazer para ajudar?” Perguntou Conrad.

Riley começava a descontrair um pouco. Era bom saber que os Linz estavam do seu lado.

“Bem, até ao momento não tive acesso a registos oficiais das mortes. Não tenho conhecimento de muitos pormenores. Por exemplo, o que me podem contar sobre a morte da vossa filha?”

Uma nuvem de tristeza perpassou os rostos do casal – o primeiro sinal de dor que Riley lhes notara até ao momento.

“Não fez nenhum sentido,” Disse Olivia. “Recebemos uma chamada da escola. Era o reitor – Willis Autrey. Disse-nos que a Cory se tinha enforcado no balneário do ginásio.”

O interesse de Riley aumentou.

Outro enforcamento – Tal como Lois Pennington e Constance Yoh!

Olivia continuou, “O Reitor Autrey parecia pensar que ela tivesse sido molestada e que tivesse sido demais para ela. Mas isso não é...”

Sufocou um soluço e não conseguiu terminar a frase. O marido entregou-lhe um lenço.

Ele disse, “A Cory tinha-nos dito que não se enquadrava muito bem na escola. Ela era diferente e as pessoas podem ser más. Mas isso foi assim toda a sua vida e ela nunca deixara isso incomodá-la. Ela era única. Ficava triste de vez em quando – quem não fica? Mas nunca sofrera de depressão. Estava sempre feliz.”

Olivia recuperara alguma compostura.

“O reitor também nos disse que ela estava a tomar uma dose elevada de uma espécie de analgésico,” Disse ela.

“Alprazolam?” Perguntou Riley, lembrando-se do que a médica-legista lhe contara sobre a morte de Lois Pennington.

“Sim,” Disse Olivia. “Mas isso é impossível. Ela nunca tomou medicamentos. Nem uma aspirina.”

Conrad apertou na mão da mulher e disse, “Sabe, ela era uma Cientista. Nòs somos todos Cientistas nesta família.”

Riley estava intrigada.

Uma cientista?

Mas não acabara de saber que Conrad era contabilista e Olivia professora de piano?

Mas depois de refletir um pouco compreendeu.

“São Cientistas Cristãos,” Disse ela.

“Exato,” Disse Olivia.

De repente, o comportamento do casal pareceu menos estranho aos olhos de Riley.

Riley não conhecera muitos Cientistas Cristãos praticantes, mas sabia que eram pessoas extremamente positivas e otimistas. No final de contas, eles acreditavam que o mundo material era uma ilusão e que a própria morte não era real.

O luto não era o seu estilo.

Mas ainda assim, estas pessoas estavam a sofrer.

Sentiam que uma tremenda injustiça tinha sido perpetrada contra a sua filha.

Riley não conseguia evitar estar do lado deles. Ainda assim, tinha que ter em consideração a possibilidade de o casal ter feito uma avaliação errada de Cory.

“Olivia, Conrad, perdoem-me por sugerir isto, mas... bem, estou a criar duas miúdas adolescentes e por vezes não é fácil lidar com elas. Têm a certeza absoluta que a vossa filha não se afastou das vossas crenças? Quero dizer, o alprazolam é por vezes utilizado como droga de lazer. E às vezes os miúdos rebelam-se.”

Olivia abanou a cabeça lentamente.

“Oh, não,” Disse ela, sem um rasto defensivo na voz. “Isso é realmente impossível.”

“Deixe-me mostrar-lhe uma coisa,” Disse o marido.

Conrad conduziu Riley a uma parede preenchida com fotos de Cory ao longo da sua vida, parecendo tão alegre como os pais em todas elas. Rodeando cada foto estavam cartas emolduradas que Cory tinha escrito aos pais – desde os primeiros esboços quando estava a aprender a ler até à bela caligrafia que apresentava antes de morrer.

Riley estava maravilhada.

Será que as crianças ainda fazem isto – escrevem cartas à mão aos pais ou a qualquer outra pessoa?

Quantas cartas tinha April escrito a Riley?

Nenhuma. E a verdade era que Riley nem o esperava – não nesta era da informação onde as comunicações eram feitas usando telefones e computadores.

Mas Riley estava igualmente espantada pelo facto dos pais de Cory terem emoldurado tantas cartas com tantas fotos, formando uma espécie de santuário em homenagem à filha.

Alguma vez Riley tinha conhecido uma família tão unida?

Duvidava.

Conrad direcionou Riley silenciosamente para fotos e cartas recentes, todas desde que Cory estava na faculdade. Cory enviara selfies dela por todo o campus, sempre a sorrir e alegre. Riley passou os olhos em algumas delas. Todas eram sobre as aulas e notas e tudo o mais na sua vida. Cory referia aqui e ali que não se enquadrava particularmente, mas parecia encarar isso com otimismo.

Pareceu-lhe incrível como é que uma rapariga tão alegre não se conseguia enquadrar. Provavelmente era a história da sua vida. Mas de alguma forma, Cory nunca deixara que isso a afetasse. Ela era emocionalmente segura, tão segura quanto uma pessoa jovem pode ser.

Era como Conrad tinha referido há pouco.

“Ela era única.”

Riley voltou a sentar-se na companhia de Conrad e Olivia.

Olivia disse, “Disse-nos que cinco alunos terão cometido suicídio. Falou com as outras famílias?”

Riley hesitou. O que deveria dizer aos Linz sobre o que sabia até ao momento?

Quando olhou para os seus rostos abertos e amigáveis, decidiu que lhe devia dizer tudo o que pudesse.

“Bem, como disse, soube disto pela minha filha. A irmã da amiga foi encontrada enforcada na garagem da família. Falei com os pais da rapariga, mas eles acreditaram completamente na história do suicídio. A amiga da minha filha é que não acreditou. E a minha filha também não. Foi aí que eu comecei a investigar.”

Riley pensou por um momento, depois perguntou. “Por acaso ouviram falar da morte de Deanna Webber no outono passado? A filha da congressista Webber?”

“Oh, sim,” Disse Olivia. “Aconteceu pouco antes... antes do que sucedeu à Cory. A Cory escreveu-nos sobre isso. Ela conhecia Deanna. Estava muito perturbada.”

“Eu falei com a congressista sobre isso,” Disse Riley, escolhendo as palavras cuidadosamente. “Ela tentou convencer-me que a morte de Deanna tinha sido suicídio. Ela disse que Deanna tomou uma overdose deliberadamente e que morreu na sua cama,”

Olivia e Conrad olharam um para o outro.

Olivia disse, “Nã tenho a certeza se devemos dizer isto mas....”

“Por favor, digam-me o que puderem,” Disse Riley.

Olivia hesitou.

“Não me parece que a congressista lhe tenha dito a verdade.”


CAPITULO ONZE


Riley estava sem fôlego ao estudar os rostos dos Linz. Por essa altura, Ela sabia que Olivia e Conrad eram completamente sinceros. Não tivera essa sensação com Hazel Webber. Já tinha a certeza de que a congressista estava a esconder alguma coisa.

“Isto é muito importante,” Disse a Conrad e Olivia. “Por favor contem-me aquilo que sabem.”

Depois de alguns instantes, Conrad disse, “ Talvez fosse melhor se lhe mostrássemos,” Disse Conrad.

Conrad entregou uma carta a Riley. Era outras das cartas escritas à mão por Cory. Numa primeira abordagem, Riley viu que não era o tipo de carta que os pais quisessem emoldurar e colocar na parede.


Queridos Mãe e Pai.

Aconteceu uma coisa horrível. Deanna Webber, a filha da congressista, matou-se ontem. Ou pelo menos é o que nos dizem. Não sei se é verdade. Conhecia-a um pouco e falei com ela algumas vezes. Não me parecia uma rapariga muito feliz. Ainda assim, parecia ter muitos sonhos. Cavalgava em competições equestres e estava entusiasmada com uma que ia decorrer este verão...


Riley parou ali. Lembrou-se do que Hazel Webber lhe tinha dito. Que a anca de Deanna tinha sido severamente fraturada e teria muito provavelmente que ser substituída.

“Os seus dias de cavalgar em competições tinham chegado ao fim,” Dissera. “Ficou inconsolável.”

Mentira-lhe a esse respeito?

Riley continuou a ler.


Algo mais me parece estranho. Dois empregados da família vieram buscar os seus pertences – um homem e uma mulher. Eu fui até ao quarto de Deanna onde a mulher estava a empacotar as suas coisas. Disse-lhe que lamentava muito o que tinha acontecido a Deanna e perguntei-lhe o que tinha sucedido. Ela disse-me que ela se drogara e se enforcara nos estábulos da família.

Carreguei uma caixa até à carrinha onde o homem estava a organizar as coisas. Disse-lhe que estava triste e chocada, que nunca pensara que Deanna pudesse fazer algo como enforcar-se.

Então ele ficou furioso. Perguntou-me quem me tinha dito isso e eu respondi-lhe que tinha sido a mulher que estava lá dentro. Ele disse que Deanna não se tinha enforcado, que tinha tomado uma overdose e morrido durante o sono, e que era melhor eu não comentar aquilo com ninguém ou...

Mãe, pai, aquilo parecia quase uma ameaça!

Depois o homem dirigiu-se ao quarto de Deanna e ouvi-o a gritar com a mulher – qualquer coisa como ela não devia ter dito aquilo e que devia aprender a manter o bico calado.

Fiquei um bocado assustada e fui-me embora. Mas não consigo evitar sentir que se passa algo de errado...


Riley viu que o resto da carta era conversa de rotina sobre aulas e atividades.

“Quando é que a Cory escreveu esta carta?” Perguntou Riley.

“Apenas algumas semanas antes de... lhe acontecer o que lhe aconteceu,” Disse Olivia.

O coração de Riley batia de entusiasmo.

“Alguma vez vos mencionou o nome da mulher que lhe dissera que Deanna se enforcara?”

“Não,” Respondeu Olivia. “Pensou que ela não sabia o nome da mulher.”

“Falou no aspeto da mulher?”

“Não, não me recorda da Cory ter dito mais alguma coisa sobre ela.”

“Detesto ter que perguntar isto,” Disse Riley ao casal. “Mas posso levar esta carta comigo? Pode ajudar a convencer os meus superiores a abrir o caso.”

“Claro,” Disse Olivia.

“Fazemos o que for necessário para ajudar,” Disse Conrad.

Riley agradeceu-lhes e foi-se embora. Quando entrou no carro, teve a certeza de que os supostos suicídios eram na verdade crimes. Mas também sabia que precisaria de ainda mais informação para convencer Meredith e Walder. Ela sabia quem a poderia ajudar. Fez uma chamada rápida para marcar um encontro.


*


Uma hora mais tarde, Riley chegou a Manassas e estacionou ao carro no parque de estacionamento do Laboratório Norte do Departamento de Ciência Forense da Virginia. Foi diretamente ao gabinete da amiga Danica Selves, a médica-legista distrital a quem ligara na terça-feira. A mulher robusta e de cabelo curto levantou-se da secretária para a cumprimentar.

“Olá Riley. O que é que se passa? Pareceu importante, quando ligaste.”

Riley e Danica sentaram-se.

“Danica, há alguns dias liguei-te para te questionar sobre a morte de Lois Pennington,” Começou Riley.

Danica assentiu.

“Estavas na dúvida se teria sido suicídio e eu disse-te que tinha a certeza que era.”

“E agora eu tenho a certeza que não foi suicídio,” Disse Riley.

Danica pareceu surpreendida.

“Riley, eu própria fiz a autópsia. Não vejo como me possa ter enganado.”

Riley ficou calada durante uns instantes.

“Danica, estou a investigar uma série de supostos suicídios de alunos da Universidade Byars e...”

Danica interrompeu-a.

“A investigar? Riley, estás a contrariá-los novamente?”

Riley sorriu. Danica conhecia-a demasiado bem.

“Digamos apenas que o meu trabalho não é oficial – até agora. É por isso que quero falar contigo. Preciso de algo mais tangível para convencer o Meredith e o Walder.”

Danica começava a parecer intrigada.

“Diz-me lá o que tens,” Disse ela.

“Cinco alunos de Byars cometeram suicídio apenas neste ano letivo. Lois Pennington foi uma delas. E também Deanna Webber.”

Os olhos de Danica brilharam com interesse.

“A filha de congressista do Maryland?” Perguntou. “Li que cometeu suicídio, mas não sabia que também frequentava Byars.”

“Fiz uma visitinha à congressista...”

Danica soltou uma risada. “E imagino que tenha ficado encantada por te ver.”

“Não exatamente, mas consegui falar com ela. E ela disse-me, de forma muito direta, que a filha tinha tomado uma overdose de oxycodone de forma deliberada e morrera enquanto dormia. Disse-me que Deanna andava deprimida ultimamente porque fraturara a anca num acidente de equitação e já não podia competir.”

Riley tirou da mala a carta que obtivera dos Linz.

Disse, “Mas acabei de falar com os pais de outra vítima de suicídio – chamava-se Cory Linz. Umas semanas antes de morrer, enviou esta carta aos pais.”

Riley entregou a carta a Danica. Os seus olhos dilataram-se ao lê-la.

“Isto realmente parece suspeito,” Disse Danica. “E seria uma taxa muito elevada de suicídios. Será que tirei as conclusões erradas acerca da morte de Lois Pennington?”

Riley pensou no que perguntar de seguida.

Depois disse, “Uma das outras cinco vítimas morreu perto de DC. Chamava-se Constance Yoh – outro enforcamento e outra aluna de Byars. Mas é tudo o que sei a respeito dela até ao momento. O que me podes dizer sobre ela?”

Danica começou a vasculhar no computador.

“Julgo que não trabalhei nesse caso...”

Quando os registos surgiram, os olhos de Danica arregalaram-se.

“Meu Deus,” Disse ela. “ Constance Yoh também tomou uma dose elevada de alprazolam.”

Danica abanou a cabeça.

“Isto é muito estranho,” Disse ela. “O que é que sabes do que aconteceu à rapariga Webber?”

“Muito pouco, exceto que talvez a mãe me tenha mentido.”

Danica pensou durante um momento e depois disse, “Conheço o médico-legista chefe em Baltimore – Colin Metcalf. Vamos ligar-lhe.”

Pouco depois, Riley e Danica já estavam a falar com o Dr. Metcalf em alta voz.

“O que nos podes dizer sobre a morte de Deanna Webber?” Perguntou Danica.

Seguiu-se um momento de silêncio.

“O que é que queres saber?” Perguntou Metcalf desconfortável.

Riley e Danica olharam uma para a outra prudentemente.

“Bem, parece haver algumas inconsistências na história da família,” Disse Danica.

Outro silêncio se seguiu. Depois Metcalf começou a falar lenta e cautelosamente.

“Eu próprio fiz a autópsia. O corpo fora encontrado enforcado no estábulo da família. Mas...”

“Mas o quê?” Perguntou Riley.

“Recebi uma chamada do advogado da família. Disse-me para manter em privado o facto de que se tinha enforcado, para não dizer nada aos meios de comunicação social a esse respeito.”

Riley debruçou-se sobre o telefone.

“Pareceu-lhe uma ameaça?” Perguntou.

“Não tenho a certeza. Mas aquela família tem muito poder e mentiria se dissesse que não fiquei um pouco assustado. De qualquer das formas, até agora não tive motivo para proceder de outra forma. Não disse nada a nenhum jornalista a esse respeito. Mas é algo que me incomoda desde então. E está no relatório oficial, se alguém o quiser ver.”

Riley pensou durante um momento.

Depois perguntou, “A sua autópsia revelou quaisquer ferimentos graves – ossos fraturados, por exemplo?”

“Deixe-me ver,” Disse Metcalf.

Riley conseguia ouvi-lo a martelar as teclas do computador enquanto procurava a informação.

“Sim, parece que tinha tido uma fratura. Aliás era uma fratura na parte superior da coxa, não na articulação da anca. Parecia ter sucedido há dois ou três anos. Mas era uma fratura limpa e parecia ter sarado completamente. O mais certo era não incomodá-la.”

Mais uma vez Riley se lembrou das palavras de Hazel Webber...

“A sua anca estava gravemente fraturada. Parecia que o mais certo era ter que ser substituída.”

Outra mentira!

Será que a congressista tinha dito alguma verdade a Riley?

“Que mais querem saber?” Perguntou Metcalf.

Riley tentou lembrar-se de partes da sua conversa com Webber e recordou-se de algo mais que ela dissera.

“Ela tomava oxycodone para as dores.”

Que dores?

Riley perguntou, “Sei que usava um medicamento. O que era?”

Mais uma vez Riley ouviu o martelar das teclas.

“Alprazolam.,” Disse Metcalf. “Não o suficiente para ser uma dose fatal, mas o suficiente para a deixar inconsciente.”

Riley olhou para Danica e perguntou, “O alprazolam é utilizado como analgésico?”

Danica franziu um pouco o sobrolho.

“Não,” Disse ela. “É apenas um sedativo utilizado para o pânico e a ansiedade. Não teria qualquer efeito como analgésico.”

Riley estava a ficar entusiasmada. Com certeza que agora tinha todas as provas necessárias para persuadir Meredith. Walder poderia ser mais difícil de convencer, mas ela estava determinada a tentar.

Riley perguntou, “Dr. Metcalf, pode encaminhar-me o seu relatório da autópsia?”

“Claro,” Disse ele.

Riley deu-lhe os seus contactos e terminaram a chamada.

Depois Riley perguntou, “Danica, podes dar-me uma cópia dos teus relatórios sobre Lois Pennington e Constance Yoh?”

Danica não respondeu durante um momento. Parecia inquieta.

“Riley, posso fazer isso, mas...”

“Mas o quê?”

Danica abanou a cabeça preocupadamente.

“Não dissemos nada ao Colin sobre isto não ser caso oficial do FBI...”

A sua voz apagou-se por um momento. Depois acrescentou, “Agora estás a pedir-me informações num caso que nem está aberto. Eu conheço o Carl Walder. O mais certo é ter um ataque se souber de tudo isto. E a congressista Webber é uma mulher poderosa – talvez até perigosa.”

Riley desanimou um pouco. Já era suficientemente mau que causasse problemas a si própria. Seria justo colocar Danica também em xeque? Não conseguia pensar numa alternativa.

“Danica, peço desculpa, mas preciso mesmo do teu relatório. É a única forma de fazer as coisas avançarem. E tenho a certeza que acreditas em mim. Ocorreram cinco supostos suicídios numa escola e pelo menos quatros das vítimas têm o mesmo medicamento no sistema. Houve outro suicídio de um aluno de Byars que teria ocorrido com uma arma e é algo que também tenho que investigar. De qualquer das formas, esta vaga de mortes não pode ter como causa do suicídio. Preciso mesmo da tua ajuda.”

Riley e Danica olharam uma para a outra durante alguns segundos.

Riley disse, “Olha, eu prometo tratar do Walder. Digo-lhe que te enganei, que te disse que estava aqui a título oficial.”

Danica suspirou e abanou a cabeça.

“Não, não mintas por minha causa. Já estás em sarilhos suficientes.” Depois acrescentou com um riso tranquilo, “Para variar.”

Riley também se riu. Danica começou a escrever no computador.

“De qualquer das formas, convenceste-me,” Disse ela. “E estou disposta a ajudar-te como puder. Envio-te o relatório por e-mail de imediato.”

Riley tartamudeou os seus mais sinceros agradecimentos e foi-se embora.


*


Quando Riley chegou a casa nessa tarde, as miúdas ainda não tinham chegado da escola e Ryan ainda estava no trabalho. Gabriela estava a fazer limpezas.

Riley verificou as mensagens que tinha no telefone de casa. Tinha duas e uma delas era de Ryan.

“Olá amor,” Dizia ele. “Desculpa mas estou outra vez cheio de trabalho. Não sei quando ou se vou conseguir ir para casa esta noite. Espero que compreendas.”

Riley suspirou. Tinha receio de compreender demasiado bem. Era um padrão demasiado familiar. Riley começava a interrogar-se se cometera um terrível erro ao deixa-lo entrar novamente na sua vida. Estava particularmente preocupada com April que estava tão feliz desde que ele regressara para junto delas. E Jilly precisava mesmo de um pai naquele momento.

Mas Riley tentou não tirar conclusões precipitadas.

Talvez Ryan estivesse apenas ocupado e não a perder o interesse na família mais uma vez.

A mensagem seguinte alarmou-a.

“Daqui fala o Agente Especial Responsável Carl Walder. Agente Paige, tem que prestar alguns esclarecimentos. Ligue-me assim que chegar.”

Parecia furioso. Riley fazia uma ideia porquê. Ligou o seu número. A sua voz quase tremia com a fúria.

“Agente Paige, acabei de receber uma chamada do médico-legista de Maryland. Disse que queria discutir comigo um caso em que está a trabalhar com Danica Selves. Um caso que tenho a certeza não existir.”

Riley engoliu em seco. Ela sabia que devia pedir desculpa. Mas por qualquer razão, as palavras não lhe saíam.

“Mentiu-lhe,” Disse Walder.

“Não foi bem mentir,” Disse Riley.

“Bem, não lhe contou toda a verdade. E aposto que também não foi completamente sincera com Danica Selves.”

Riley sentiu-se aliviada. Desde que ela não o negasse, Danica estava a salvo.

“Eu posso explicar,” Disse Riley.

“Não estou interessado em explicações,” Disse Walder. “Depois daquela proeza que fez com a congressista Webber, esperava que parasse. Mas não consegue desistir. Foi demasiado longe desta vez. Quero-a no meu gabinete amanhã de manhã.”

Desligou.

Riley ficou a fitar o telefone por um momento.

O que é que o Walder ia fazer? – suspendê-la ou despedi-la.

Estranhamente, Riley não estava preocupada.

Na verdade, deu por si a desejar que a manhã do dia seguinte chegasse.

Se o Walder quer um confronto, então é um confronto que terá.


CAPÍTULO DOZE


Às nove horas da manhã seguinte, Riley estava pronta para o confronto. Estava preparada e ansiosa quando bateu à porta do gabinete.

“Entre,” Disse rigidamente o Agente Especial Responsável Carl Walder.

Com uma expressão descomprometida no rosto, Riley entrou.

O espaçoso gabinete de Walder era bem mais impressionante do que o homem. Walder tinha um rosto ameninado com sardas, cabelo encaracolado acobreado e uma voz petulante que guinchava. Mas a sua autoridade na UAC era bem real e Riley sabia que não se devia meter com ele.

“Sente-se, vamos falar,” Disse ele num tom duro.

Mas Riley não se sentou.

“Senhor, se não se importa, penso que vamos precisar de mais espaço para isto.”

Walder inclinou a cabeça para trás, surpreendido.

“Mais espaço?”

“Por favor junte-se a mim na sala de reuniões.”

Sem dizer mais uma palavra, Riley virou-se e saiu do gabinete. Caminhou pelo corredor, não de forma apressada mas propositada.

Walder seguiu-a rapidamente. Quando chegaram àm sala de reuniões Riley parou e segurou-lhe a porta.

Quando Walder entrou, os seus olhos arregalaram-se chocados.

Riley tentou a muito custo suprimir um sorriso.

Walder tinha entrado na emboscada que ela lhe preparara.

Cinco outras pessoas já se encontravam na sala, prontas para a ação. Uma delas era Brent Meredith.

“Ainda bem que se junta a nós, Agente Walder,” Disse Meredith asperamente. “Sente-se.”

Descrente, Walder sentou-se.

Riley pressentiu que Meredith estava a apreciar estar por cima do chefe, pelo menos por um momento.

O velho parceiro de Riley, Bill Jeffreys também lá estava. Ele e Riley já trabalhavam juntos há duas décadas e Riley estava contente por ele ali estar. Sorria abertamente para Riley, nem tentando esconder o seu prazer em assistir ao desconforto de Walder.

Também presentes estavam os agentes Lucy Vargas e Craig Huang. Riley tinha muita consideração pelo trabalho de Lucy. Huang não tinha começado da melhor forma, mas agora começava a ganhar a confiança de Riley.

Sam Flores, um técnico de laboratório magro com grandes óculos de aros pretos, ultimava a apresentação multimédia que Riley preparara em casa na noite anterior. Naquele momento, cinco rostos estavam dispostos nos grandes monitores.

“Que raio se passa?” Perguntou Walder, lutando para recuperar o chão.

“Só alguma informação que me parece possa interessar a todos,” Disse Riley.

Apontou para o rosto mais à esquerda.

“Esta é Deanna Webber, a filha de Hazel Webber, a congressista do Maryland. A sete de Outubro do ano passado, o seu corpo foi encontrado enforcado nos estábulos da família. A versão oficial é de que a sua morte foi suicídio. Foi encontrado no seu sistema uma dose muito alta de um medicamento ansiolítico chamado alprazolam.”

Riley olhou na direção de Walder.

“Mas quando falei com a sua mãe, ela disse-me que Deanna tinha morrido na cama durante o sono de uma overdose de oxycodone.”

O rosto de Walder corava de raiva.

“Isto é inadmissível!” Disse ele. “Hazel ligou e queixou-se do seu comportamento. Conheço os Webber há anos. Andei no preparatório com o marido de Hazel, Heath. São boas pessoas. Não são mentirosos.”

Meredith olhou para Walder.

Num tom de voz sensível e calmo disse, “Então como é que explica esta discrepância? Está a sugerir que o médico-legista do Maryland está a mentir? Penso que temos que ouvir a Agente Paige.”

Walder libertou um ruído mínimo.

Riley apontou para a próxima imagem.

“Esta é Cory Linz. Foi encontrada morta, enforcada no balneário do ginásio de Byars a 21 de Outubro, apenas duas semanas após a morte de Deanna Webber. Também ela tinha uma elevada quantidade de Alprazolam no sistema. Falei com os pais que não acreditam na tese do suicídio. A rapariga era uma Cientista Cristã devota e nunca tomou qualquer tipo de medicação. Tal ideia nem lhe devia passar pela cabeça.”

Riley fez sinal a Flores para passar outra imagem – a carta que Cory escrevera aos pais com passagens cruciais sublinhadas.

“E como podem constatar, Cory soube da verdade de como Deanna realmente tinha morrido. Uma empregada dos Webber descaiu-se e não manteve a história oficial de que Deanna tinha morrido durante o sono. E parece que foi bem repreendida por esse motivo.”

Depois do grupo ter tido tempo suficiente para ler a carta, Flores mostrou novamente as fotos.

Riley apontou para a foto da jovem mulher Asiática.

“Agora, esta é Constance Yoh. Foi encontrada enforcada em casa em DC a 20 de Novembro do ano passado. Também um suposto suicídio. Também com alprazolam no seu sistema.”

Depois apontou para a foto de um jovem sorridente.

“Este é Kirk Farrell, encontrado morto com um tiro na sua casa em Atlanta a 20 de Novembro. Também um suposto suicídio.”

Por fim, apontou para a última foto.

“E esta é Lois Pennington, encontrada enforcada na garagem da família no último domingo. Outro suposto suicídio.”

Riley olhou para todos os rostos do grupo.

“Ah e não referi que todos estes alunos frequentavam a Universidade Byars, uma escola com apenas cerca de setecentos alunos. Sam, podes mostrar-nos as estatísticas, por favor?”

Sam Flores, mostrou uma folha com estatísticas preparadas por Riley.

Riley disse, “Parece que a taxa de suicídios de Byars é noventa e seis vezes superior à média nacional. Penso que chegou o momento de parar de os designar de suicídios. Algo mortífero se passa em Byars. Precisamos de investigar.”

Walder revirou os olhos.

“Isto é ridículo. Eu falei com o reitor de Byars, Willis Autrey. Ele garantiu-me que não havia nada de anormal a ocorrer na sua escola. Na verdade, penso que lhe devemos ligar agora mesmo. Ele pode esclarecer as coisas e nós podemos deixar de perder tempo com isto.”

Riley anuiu. “Muito bem,” Disse ela.

“Flores, ponha Autrey em linha,” Continuou Walder. “Coloque a chamada em alta voz.”

Sam Flores ligou. A secretária de Autrey atendeu e rapidamente passou a chamada a Autrey.

“Fala Willis Autrey.”

Walder sorriu com confiança.

“Reitor Autrey, fala o Agente Especial Responsável Carl Walder, UAC. Falámos ao telefone ontem.”

Autrey riu-se.

“Ah, sim. Acerca da senhora que aqui apareceu sem autorização. Uma grande infelicidade. Espero que lhe tenham esclarecido as coisas.”

Então com um riso áspero acrescentou, “Uma surra não seria mal feito, devo dizer.”

Walder olhou para Riley e corou.

“Bem, na verdade, ainda estou a tentar ver como lidar com ela,” Disse ela. “Sabe, é que ela ainda pensa...”

Autrey interrompeu.

“Pensei ter deixado bem claro quendo falámos – três suicídios num único ano escolar é invulgar, mas não estatisticamente improvável.”

O rosto de Walder empalideceu. Não sabia o que dizer.

Riley aclarou a garganta.

“Reitor Autrey, daqui fala a senhora que devia levar uma surra. Três suicídios é o que se chama de exceção. Mas como sabe perfeitamente bem, ocorreram mais dois suicídios nos últimos meses. Que interessante ter ocultado a menção a esses. Cindo suicídios num único ano, quatro por enforcamento, realmente ultrapassa a noção de ‘exceção’.”

Seguiu-se um silêncio, depois um gaguejar.

“Perdoe-me,” Disse Autrey. “Tenho uma reunião muito urgente.”

Autrey terminou a chamada.

Walder ficou boquiaberto.

Por momento, não conseguiu falar.

Finalmente tartamudeou, “Isto é uma loucura. Acusam alguém de assassinato, mas quem? Quem são os suspeitos? O reitor de Byars? O pessoal? A família Webber? Nada disto tem qualquer lógica.”

Ninguém no grupo respondeu. Limitaram-se a esperar que o chefe dissesse mais alguma coisa.

Walder atirou os braços ao ar e disse, “Estou farto disto. Tenho outros assuntos importantes a tratar. Meredith, faça o que achar melhor. Faça o que fizer, não lixe tudo. E mantenha a Agente Paige sob rédea curta.”

Levantou-se e saiu da sala.

Após alguns instantes, Meredith olhou à sua volta para todos.

“Bem,” Disse ele secamente, “parece que podemos começar a trabalhar.”

Todos se riram. O coração de Riley acalmou. Era bom saber que tinha gente boa finalmente do seu lado.


CAPÍTULO TREZE


Todos na sala respiravam mais facilmente agora que Walder se tinha ido embora. Mas Riley não conseguia descontrair. Havia trabalho urgente a fazer.

“Este é o seu caso, Agente Paige,” Disse Meredith. “Agora é todo seu. Então, por onde começamos?”

Riley olhou à sua volta para os cinco rostos que a perscrutavam.

“Estou aberta a ideias,” Disse ela. “Alguma coisa que queiram acrescentar?”

Os olhos negros e profundos de Lucy Vargas quase cintilavam de excitação.

“Sou a favor de seguirmos as mentiras,” Disse ela. “Acabámos de ouvir Willis Autrey a tentar fugir à verdade. E a congressista Webber mentiu à Agente Paige. A pergunta é, porquê? O que é que querem esconder?”

As sobrancelhas de Craig Huang franziram enquanto pensava.

“Autrey não me parece ser um assassino,” Disse ele. “Só um estarola administrativo a zelar pela reputação da sua escola.”

“Ou encobrindo alguém,” Disse Lucy. “Comoalvez as famílias tivessem conhecimento de algo perigoso, algo que os Webber não querem que se saiba. Algo suficientemente perigoso para se matar. Então contrataram alguém – um profissional inteligente que fizesse as mortes parecerem suicídios.”

Craig Huang abanou a cabeça.

“Não sei, Lucy,” Disse ele. “Estás a sugerir que Hazel Webber mandou matar a própria filha?”

“É possível. Já viste essa mulher na televisão? É fria até mais não!”

Riley olhou para Bill. Conseguia perceber pelo seu sorriso de que também ele estava a apreciar o entusiasmo dos jovens agentes. Mas a equipa precisava mais do que entusiasmo para iniciar a investigação. Chegara a altura de Riley encarreirar as coisas.

Disse, “Na sua carta, Cory Linz disse que a empregada da família Webber lhe dissera a verdade sobre o que tinha acontecido a Deanna. Ela estava na faculdade a limpar o quarto da rapariga. Flores, temos que localizar essa mulher.”

“Vou já tratar disso,” Disse Flores.

Riley olhou para as fotos ainda presentes no monitor.

“Ainda temos duas famílias com quem falar,” Disse ela. “Constance Yoh vivia aqui em DC. Kirk Farrell vivia em Atlanta.”

Riley pensou durante um momento.

“Huang, Vargas, vocês visitam a família Yoh.”

“Nós visitamos a outra.”

Virando-se para Meredith, Riley perguntou, “O avião está disponível?”

“Se quiserem é só dizer,” Disse Meredith.

“Ótimo,” Disse Riley. “O Agente Jeffreys e eu iremos até Atlanta assim que estiver pronto.”

Riley sentiu uma onda de gratidão face aos colegas que a apoiavam. Era demais para ela conseguir descrever em palavras.

“É tudo por agora,” Disse ela. “Vamos ao trabalho.”


*


Pouco depois, Riley Já estava sentada no avião do FBI a olhar pela janela com Quantico a afastar-se do seu campo de visão. Precisava de se concentrar no caso, mas outros pensamentos não paravam de se intrometer na sua mente.

Ouviu Bill dizer a seu lado, “Estás a tentar entender-te com o Ryan, não estás?”

Riley olhou para ele. O olhar de Bill era de preocupação.

“O que te faz pensar isso?” Perguntou Riley.

Bill sorriu tristemente.

“Estás muito silenciosa acerca de qualquer coisa,” Disse ele. “É o elefante no avião, por assim dizer. Foi um palpite.”

Riley sorriu perante aquela imagem bizarra.

Um elefante num avião.

Sim, aquela imagem parecia enquadrar-se. Os instintos de detetive de Bill eram quase tão bons como os de Riley. Não quisera falar-lhe sobre isso, mas é claro que ele não a ia largar.

Era um amigo demasiado bom para o fazer.

“Talvez esteja,” Disse ela.

“Talvez? Isso não parece muito definido.”

Riley suspirou.

“É bastante definido. Ele mudou-se lá para casa.”

Bill pareceu surpreendido.

“Uau, isso é um grande passo. Como é que está a correr até agora?”

Riley não respondeu, A verdade era que ela não sabia. Antes de entrar no avião, ligara para casa para se assegurar que estava tudo bem. Gabriela tinha garantido a Riley que Riley chegaria a casa em breve e que as meninas seriam bem tratadas. Riley não tinha nenhuma razão para pensar de outra forma.

Ainda assim, as coisas pareciam estar algo inseguras naquele momento.

“Riley, eu preocupo-me,” Disse Bill.

“Eu sei, Bill. E tens todo o direito. Ajudaste-me mais do que ninguém a ultrapassar aquele maldito divórcio. E imagino que terias que passar pelo mesmo outra vez se as coisas voltassem a correr mal.”

“Não é isso que me preocupa.”

“Eu sei.”

Ambos se calaram durante alguns instantes. O único ruído era o som vago dos motores do avião. Bill apertou a mão de Riley.

“Estou sempre aqui se precisares,” Disse ele.

Depois soltou a sua mão de repente. Riley percebeu porquê. Já haviam sentido uma atração mútua que nunca desaparecera por completo, por muito que a tentassem negar. Riley encolhia-se só de pensar num telefonema que fizera a Bill numa ocasião tentando convencê-lo, numa altura em que ainda vivia com a família, a ter um caso.

Surpreendia-a que a relação entre ambos tivesse sobrevivido a momentos como esse – tanto pessoal como profissionalmente.

Depois ocorreu-lhe que estava a ser egoísta. Ela sabia que Bill tinha os seus próprios problemas. Ainda estava à espera de resolver o seu próprio divórcio. Estivera desligada dele durante demasiado tempo.

“E tu, como é que estás?” Perguntou ela.

Bill olhou em frente com uma expressão magoada.

“É duro,” Disse ele.

Riley compreendeu-o. Não o queria forçar a falar se ele não quisesse. Mas estava pronta para ouvir.

Por fim Bill disse, “Não é que eu tenha saudades da Maggie. E tenho a certeza de que ela também não tem saudades minhas. As coisas entre nós já tinham acabado há muito. É só porque...”

Parou por um momento, avassalado pela emoção.

“Ela está a deixar-te ver os meninos?” Perguntou Riley.

Se Riley bem se lembrava, os filhos de Bill tinham nove e onze anos.

“Sim, está a facilitar nesse aspeto,” Disse Bill. “Mas quando me visitam no meu apartamento mesquinho não é a mesma coisa. Nem levá-los a air – cinema, museus, o que quer que seja. Tudo parece forçado, pouco natural. Já não sinto que estou a ser um pai. E é tudo tão temporário. Não faço ideia do que vai acontecer de seguida. Não sei... o que fazer.”

Bill baixou a cabeça. Parecia estar à beira de chorar.

Riley sentiu a necessidade de colocar os braços à sua volta.

Mas se o fizesse, quais seriam as consequências?

Em vez disso, disse simplesmente, “Lamento.”

Bill anuiu e recuperou a sua compostura.

“De qualquer das formas, temos um caso para resolver,” Disse ele. “Vamos a isso.”

Riley e Bill pegaram nos blocos de notas para apontarem ideias enquanto conversavam.

“Tens alguma teoria?” Perguntou Bill. “Os miúdos parecem acreditar tratar-se algum tipo de teoria da conspiração.”

Riley sorriu. Por “miúdos” Bill referia-se a Lucy Vargas e Craig Huang. Também ela sentia um afeto parental pelos agentes mais jovens. Eles estavam a safar-se bem, em grande parte devido à orientação de Riley e Bill.

“Bem, isso seria uma mudança interessante,” Disse ela. “Não lidamos com conspirações há algum tempo. Mas...”

Calou-se.

“Mas o quê?” Perguntou Bill.

“Parece-me que uma conspiração seria mais minuciosa. Por exemplo, tanto quanto sabemos, nenhuma das vítimas deixou um bilhete de suicídio. Penso que um conspirador deixaria bilhetes falsos. Penso que é possível estarmos a navegar em águas mais familiares. Rico ou pobre, poderoso ou não, podemos estar a lidar com um psicopata. Então o que é que conseguimos até agora para montar um perfil?”

Bill coçou o queixo pensativamente.

Disse, “A maioria dos assassinos em série são homens. Aquela envenenadora que apanhámos no nosso último caso era uma exceção. E a maioria dos assassinos em série têm uma componente sexual. Temos cinco vítimas – mas apenas quatro são mulheres.”

Riley de imediato compreendeu onde Bill queria chegar.

“Talvez isso signifique que o assassino é bissexual,” Disse ela.

Bill assentiu.

“Isso ou está confuso quanto à sua sexualidade,” Disse ele.

Riley pensou durante alguns instantes.

Depois disse, “Ou podemos estar a lidar com outra exceção – uma mulher. Pensa nisso. As vítimas parecem ser de constituição fraca. A maior parte, senão todas, foram sedadas antes de serem mortas. Isso pode indicar que o assassino não é suficientemente forte para suportar as vítimas.”

Bill acrescentou, “Estando as vítimas sedadas, ela podia levá-las para uma escada.”

Riley lembrou-se da garagem dos Pennington – a única cena de crime que conseguira examinar até ao momento.

“Parece-me que Lois Pennington estava enforcada numa trave do teto. Poderia haver traves semelhantes no estábulo dos Webber e talvez no balneário de Byars. Um assassino sem muita força – homem ou mulher – podia puxar as vítimas com uma corda.”

Bill anotava cada pensamento.

“Precisamos de mais informações acerca das cenas dos crimes.”

Riley concordou. “Vou enviar uma nota ao Flores para obter os relatórios completos da polícia.”

Bill parou de escrever e calou-se.

“Há uma coisa que realmente me preocupa,” Disse ele.

“O quê?”

“Os únicos crimes de que temos conhecimento são os destes alunos do Byars. Como é que podemos saber se não ocorreram mais – noutras faculdades ou noutro lado qualquer?”

“É verdade que não temos um padrão consistente em termos de tempo,” Disse ela. “Isso pode apenas significar que o assassino é errático. Ou que é impelido por circunstâncias específicas.”

“Mas também pode significar que ainda não temos conhecimento de todas as mortes,” Acrescentou Bill.

Riley ficou confusa.

Como é que iriam determinar quantos suicídios que tinham ocorrido recentemente na zona de DC eram na verdade homicídios? Havia centenas todos os anos.

“Comecemos pelo início,” Disse Riley finalmente. “Vamos falar com os pais de Kirk.”

“O que é que sabemos sobre a família de Kirk Farrell?” Perguntou Bill.

Riley percorreu a informação que Flores lhe tinha dado e ela e Bill passarm o resto da viagem debruçados sobre ela.


*


Quando aterraram em Atlanta e saíram do avião, Riley percebeu que estava demasiado agasalhada para o tempo que ali se fazia sentir. Estava agradável e quente lá fora, e o casaco de Riley era demasiado grosso e pesado. Ela geralmente verificava o tempo antes de viajar, mas esta viagem apanhara-a desprevenida.

Ela e Bill foram saudados na pista pelos Agentes Joanne Honig e Nick Ritter do Gabinete de Atlanta do FBI. Os dois agentes acompanharam Riley e Bill ao carro que poderiam utilizar durante a visita.

Riley perguntou, enquanto caminhavam, “Quando é que podemos falar com a família Farrell?”

“Podem ir lá agora mesmo,” Disse Ritter.

“Liguei há pouco,” Acrescentou Honig. “O pai do rapaz espera-vos o mais rapidamente possível.”

Riley e Bill olharam surpreendidos um para o outro. Não estavam à espera de ser tão simples marcar uma visita.

“Como lhe pareceu quando falou com ele?” Perguntou Riley a Honig.

“Ele pareceu encantado,” Disse Honig. “Disse que estava ansioso por – como é que ele o disse? – ter uma ‘pequena conversa agradável’ com vocês os dois.”

Riley foi apanhada de surpresa.

Uma pequena conversa agradável?

Qual o significado daquilo?


CAPÍTULO CATORZE


Riley sabia que iriam falar com uma família rica, mas mesmo assim o aspeto da mansão dos Farrell deslumbrou-a. Bill, que conduzia o carro emprestado pelo FBI, seguiu as coordenadas de GPS até um subúrbio rico a norte de Atlanta.

Riley perguntou-lhe, “Tens a certeza que este é o lugar certo? Não parace u lar.”

“Aparentemente é isto,” Respondeu Bill.

Era u edifício palaciano esplendoroso situado num terreno espaçoso. Parecia servir como uma espécie de museu Europeu.

Da informação que Flores lhe tinha fornecido, Riley sabia que o patriarca da família, Andrew Farrell, era o fundador da Farrell Fund Management. Riley não compreendia em pleno a natureza do negócio, só sabia que estava relacionado com finanças, possivelmente fundos especulativos.

Bill estacionou o carro junto à mansão e saíram para o exterior. Mal se aproximaram da entrada principal, um mordomo alto e impecável cumprimentou-os.

“Agentes Paige e Jefffeys, creio,” Disse ele num tom obsequioso. “O Sr. Farrell está ansioso por conhecê-los. Venham comigo.”

O mordomo conduziu-os por entre portas decorativas e linhas de colunas até um interior vasto que fazia a mansão dos Webber parecer um modesto bungalow. Chegaram a um compartimento enorme com chão de mármore e um ampla escadaria com corrimões curvados luxuosos. Duas pessoas estavam ao fundo da escadaria.

Uma era uma mulher muito jovem elegantemente vestida. Tinha o rosto e o corpo de uma modelo, apesar de ser demasiado magra para gozar de boa saúde. Riley tinha a certeza que era anorética. Também tinha a certeza que era demasiado jovem para ser a mãe da vítima. Olhava para Riley e Bill com olhos vagos.

A outra pessoa era um homem alto com feições aristocráticas e regulares e tinha estilo. Riley poderia considerá-lo bem-parecido, não fosse o facto de haver algo de reptilíneo nos seus olhos e no seu sorriso fino e distorcido.

Os seus braços estavam cruzados e não se moveu quando Riley e Bill se encaminharam na sua direção.

O mordomo anunciou os convidados, curvou-se e desapareceu na casa.

Andrew Farrell não disse nada durante alguns segundos, apenas sorria. Olhou para Riley e Bill com intensidade.

Não faz nada por acaso, Pensou Riley.

Riley tinha a sensação de que Farrell queria que ela e Bill tivessem algum tempo para apreciar a sua considerável presença. De facto, Riley observou-o com fascínio. Estava mais interessada na linguagem corporal do homem e da mulher – ela agarrando-se ao corrimão como suporte, ele com os pés afastados numa pose forçada.

Era óbvio para Riley que a mulher devia ser mulher de Farrell. Mas a relação era claramente de dominância versus servilidade. Riley pressentiu que a mulher raramente fazia alguma coisa a não ser sob pedido de Farrell.

Farrell falou num tom negro e sedoso de barítono.

“Já estava a ver quanto tempo demoraria a lei a chegar,” Disse ele. “Afinal, já se passaram três meses. E mandaram os melhores! O FBI! Estou lisonjeado.”

Olhou para a mulher e fez um gesto com a cabeça – um comando silencioso para se retirar.

Durante um momento, a mulher olhou Riley nos olhos.

Riley sentiu um arrepio frio.

Ela já vira aquele olhar.

Mas quando e onde?

E então lembrou-se.

Fora quando trabalhava num caso que envolvia o homicídio de prostitutas. Vira aquele olhar nos olhos de uma jovem prostituta chamada Chrissy. Era um olhar de puro terror em relação ao proxeneta/marido que estava na altura sentado a seu lado.

Era um grito de ajuda silencioso.

Riley conseguiu suprimir um estremecimento.

Esta mulher não era uma prostituta – não no senso comum.

Mas o seu terror era idêntico ao de Chrissy.

E o abuso de que estaria a ser vítima era tão real como o da outra mulher.

A mulher baixou a cabeça e esgueirou-se para o corredor sem dirigir uma palavra a Riley e Bill.

“A minha mulher, Morgan,” Disse Farrell quando ela já se havia retirado. “Uma modelo famosa quando me casei com ela – talvez a tenham visto em capas de revistas. Casei-me com ela no ano passado – antes do que aconteceu. Ela foi madrasta de Kirk menos de um mês. E sim, ela é muito jovem.”

Depois acrescentou com uma risada, “Uma madrasta nunca deve ser mais velha do que o filho mais velho de um homem. Certifiquei-me de que isso sucedia com todas as minhas mulheres.”

Depois fez um gesto na direção da escadaria.

Riley e Bill trocaram olhares espantados e seguiram-no.

Ele acompanhou-os até uma sala enorme com paredes apaineladas e candelabros. Havia uma secretária numa das extremidades. Riley percebeu que este espaço enorme era o gabinete de Farrell.

Um gabinete com candelabros, Pensou.

Nunca imaginaria tal coisa. O efeito era inacreditavelmente berrante e desagradável.

Havia apenas duas cadeiras na sala – uma poltrona de cabedal atrás da secretária e uma cadeira de aspeto antiquado em frente da secretária.

Indicando a cadeira antiga, disse a Riley, “Sente-se, por favor.”

Riley sentou-se inquieta, deixando Bill em pé.

Começava a compreender pelo menos parte do jogo do homem. Ele queria que os seus convidados do FBI se sentissem estranhos e desconfortáveis o máximo possível. Provavelmente não tinha nenhuma razão racional para o fazer – fazia-o apenas por mero desporto.

E estava a ser bem-sucedido.

Farrell sentou-se atrás da secretária, juntou os dedos e reclinou-se para trás e para a frente, olhando de Riley para Bill e de Bill para Riley.

A secretária estava coberta com dezenas de fotos emolduradas. Muitas mostravam o próprio Farrell a posar com pessoas poderosas, famosas e ricas, incluindo presidentes dos EUA. À esquerda encontravam-se cinco retratos. Por um momento, Riley pensou que fossem todos da mesma mulher, mas depois percebeu que eram diferentes, apesar de partilharem o mesmo glamour básico, único de modelo.

Também partilhavam as mesmas expressões vazias e desprovidas de alegria – tal como Morgan.

As suas mulheres, Percebeu Riley com um arrepio.

Tinha-as ali todas.

Parecendo notar a reação de Riley, Farrell deu uma risada.

“Algumas pessoas chamam-me ‘Barba Azul’”, Disse ele. “Sabe, a história do nobre que matava as mulheres e mantinha os seus corpos num quarto secreto. Bem, o divórcio é mais o meu estilo. E mantenho retratos e não corpos.”

Apontou para o último retrato à direita – um rosto especialmente melancólico.

“É claro que por vezes a morte intervém. Devem saber que a Mimi – a mãe de Kirk – cometeu suicídio no ano passado. Uma overdose de barbitúricos.”

Apesar de Riley não o dizer, ela e Bill haviam lido sobre o suicídio da mulher na informação que Flores lhes enviara.

Farrell pegou no retrato e olhou para o rosto com um escárnio saudoso.

“Não me apercebi de nada,” Disse ele. “Nada o fiz para o provocar, garanto-vos. Ela simplesmente não era uma pessoa séria. É estranho como as pessoas que se matam são sempre as triviais e parvas. Falo por experiência própria.”

Depois apontou para três retratos à direita, todos de rapazes jovens que partilhavam uma parecença desagradável com Farrell.

“E estes são os meus filhos, todos de diferentes mulheres. Hugh, o mais velho, é presidente da nossa empresa. Sheldon, é vice-presidente de comissão. O mais novo é o Wayne.

“Onde está Kirk?” Perguntou Riley.

A expressão de Farrell apagou-se.

“Penso que nunca pertenceu bem a este lugar,” Disse ele.

Não desviou o olhar de Riley durante um momento.

Depois disse a Riley e Bill, “Suponho que devia pedir aos meus advogados para estarem presentes. Mas não estou com disposição.”

Após uma pausa, acrescento, “Agora digam-me a exata natureza da vossa vinda cá. Penso ter uma ideia, mas façam-me a vontade.”

Bill disse, “A UAC está a investigar cinco alegados suicídios – o do seu filho incluído.”

Riley acrescentou, “Eram todos alunos de Byars – e todos morreram neste ano letivo.”

Pela primeira vez, Farrell pareceu genuinamente surpreendido.

“Cinco suicídios?” Perguntou.

“Alegados suicídios,” Disse Riley.

Farrell atirou a cabeça para trás e riu-se.

“Oh, por esta não esperava!” Disse ele. “Bem, tenho a certeza de que não têm provas – de quatro deles, pelo menos. Dêem-me as datas e tenho a certeza que que lhes posso dar alibis.”

Riley não fazia ideia do que pensar. Ela e Bill não consideravam Farrell um suspeito até ao momento. Agora parecia estar a oferecer-se como tal.

Depois disse, “Mas a morte de Kirk – bem, essa é outra história.”

Riley tentou compreender onde aquela conversa os levaria.

“O relatório oficial diz que deu um tiro a si próprio,” Disse Riley.

“E foi o que aconteceu,” Disse Farrell.

“Aqui mesmo em vossa casa,” Acrescentou Riley.

“De facto.”

Riley sentiu uma estranha ponta de antecipação.

“Em que parte da casa exatamente?” Perguntou ela.

O sorriso reptilíneo de Farrell alargou-se.

“Bem, aí mesmo onde está sentada Agente Paige. E eu estava sentado exatamente onde me encontro agora. Imagine tal coisa!”

Riley estremeceu.

Ele encenara aquela cena de forma tão perfeita - colocando-a no exato local onde ela se sentiria mais desconfortável.

E claro, era por ela ser mulher.

Era a sua forma de assegurar a sua dominância sobre ela.

E naquele momento, ele conseguira-o.

Riley não conseguiu evitar olhar para o chão. Um tapete persa de aspeto muito valioso estava debaixo da cadeira sobre o elaborado chão de parquet. Claro que Riley não viu uma pinga de sangue. Mas não tinha dúvidas de que Farrell tinha dito a verdade. Os miolos de Kirk tinha estado espalhados noutro tapete igualmente valioso. Farrell deitara-o fora como se deita fora um tapete barato e colocara este no seu lugar.

“Pobre Kirk,” Disse Farrell com um tom de tristeza fingida. “Nunca percebeu o que significava pertencer à dinastia Farrell. Enviei-o para as mesmas escolas dos meus outros filhos – incluindo Byars. Mas a sua educação parecia não atingir um nível satisfatório. Não sei bem porquê.”

Farrell rodou na poltrona e olhou para o teto.

“E encarou mal a morte da mãe. Culpou-me por isso, não sei porquê. Não gostou que eu casasse tão pouco tempo depois, como se lhe dissesse respeito. E não se aplicava na escola. Disse que queria ser músico, tinha um grupo estúpido com quem tocava. É claro que não levava isso a sério. Nunca teve aulas. Ele não levava nada a sério – tal como a mãe.”

Farrell olhou Riley novamente nos olhos.

“Um dia chegou cá com uma arma. Disse-me que queria deixar a escola, dedicar-se a tempo inteiro à música e se eu não lhe desse a minha bênção, tirava a própria vida.”

Farrell fez uma pausa.

“Disse-lhe para avançar,” Disse ele.

Nova pausa.

“E ele deu um tiro na cabeça.”

Sorriu silenciosamente durante um momento.

“E foi isso. A minha total confissão. Não, não disparei, o que talvez fosse o que esperassem ouvir. Mas despoletei algo no seu cérebro. Ele não o teria feito se eu não o tivesse dito. É claro que as pessoas que me rodeiam raramente fazem algo sem que eu lhes diga para fazer.”

Deu uma risada.

“Vão ler-me os direitos agora? Provavelmente não. Nem para um grau menor de homicídio me podem prender. A lei é tão estranha quanto isso – vazante como uma peneira. Qual é a diferença legal entre homicídio e suicídio? Algo relacionado com morrer porque queremos, suponho – por vontade própria. Uma coisa estranha, o livre arbítrio. Muitas pessoas o têm. Muitas pessoas não. O meu filho não tinha.”

Ficou ali sentado silenciosamente, à espera de alguma reação.

Riley sentiu-se indisposta.

Não tinha a mínima dúvida de que cada palavra de Farrell era verdade.

Ironicamente, também sabia algo mais.

O suicídio de Kirk Farrell estava completamente desligado das outras mortes de Byars.

E o seu pai nada tinha a ver com essas mortes.

Tirou algum conforto por saber que estava prestes a magoar aquele homem – não profundamente ou de forma duradoura, mas da única forma que podia ser ferido.

Ia magoar o seu ego.

Levantou-se da cadeira.

“Obrigada, Sr. Farrell,” Disse ela. “Já não precisamos de si. Nâo desperdiçarei mais do seu tempo connosco.”

Bill acrescentou, “Nós saímos sozinhos.”

Riley manteve o olhar de Farrell durante um momento, apreciando a sua expressão surpreendida. No final de contas, aquele pequeno espetáculo que dera só servira para mostrar o seu poder. Ele esperara alguma resistência dos agentes – e montes de frustração. Mas agora Riley estava a afastá-lo como se os seus poderes não significassem nada.

E ficou ali sentado sem dizer uma palavra.

Riley e Bill saíram do gabinete e desceram as escadas. A caminho da sala enorme, Riley viu a jovem mulher do homem a olhar para ela mais uma vez com uma expressão implorativa.

Um sentimento de impotência apoderou-se dela.

O seu trabalho era apanhar monstros e assassinos, e ela e Bill faziam o melhor que podiam.

Mas muitos monstros e assassinos eram imunes a eles – talvez a maioria e talvez os piores.

Sem se desviar muito, Riley foi ao encontro da mulher. Pegou num dos seus cartões do FBI.

Entregou o cartão a Morgan Farrell.

A jovem mulher olhou para ver se o marido não estava a observá-la. Então, pegou apressadamente no cartão e colocou-o dentro do sutiã.

Riley prosseguiu o seu caminho. Não havia nada que ela ou Bill pudessem fazer – naquele momento. Mas se Morgan Farrell alguma vez lhe ligasse, algo poderiam fazer.

Ela e Bill entraram no carro e Bill começou a conduzir.

“Que desperdício de tempo,” Disse Bill.

Era verdade, claro. Mas Riley não viu necessidade de o reforçar.

“Então o que fazemos agora?” Perguntou Bill.

“Voltamos para Quantico agora mesmo,” Disse Riley. “Ainda temos trabalho a fazer. Existem algumas coisas neste mundo que nós podemos mudar.”


CAPÍTULO QUINZE


Riley estava mergulhada na escuridão total. Não fazia ideia onde se encontrava, mas conseguia ouvir uma voz a chamar.

“Mãe! Mãe!”

A voz de April!

Mas onde está ela? Perguntou-se Riley.

E onde estou eu?

Ocorreu-lhe que estaria novamnete na garagem dos Pennington.

Estava ainda mais escuro do que anteriormente e o espaço era amplo sem paredes à vista.

Então surgiu uma luz vinda de cima. Ela olhou para cima e viu cristais brilhantes arranjados em aglomerados elaborados. Era um dos grotescos candelabros de Andrew Farrell.

Um candelabro numa garagem! Pensou Riley.

Era vulgar e estranho. E a luz não penetrava muito a escuridão

Mas iluminava um círculo de portas fechadas à sua vilta.

Ouviu novamente a voz de April.

“Mãe!”

Riley tentou responder, mas não lhe saía nenhum som da garganta.

De onde vinha a voz de April?

Certamente de detrás de uma das portas. Pensou saber qual.

Encaminhou-se para a frente e abriu a porta.

E vez de April, uma rapariga estranha estava enforcada pendendo de uma corda. Dezenas de fotografias de família estavam espalhadas a seus pés.

Riley recuou com horror.

Depois ouviu novamente a voz de April.

“Mãe!”

A voz parecia vir do local oposto em que se encontrava o círculo de portas.

Riley virou-se e encaminhou-se para essa porta, abrindo-a.

Mais uma vez, uma rapariga enforcada com fotos debaixo dos seus pés pendurados.

Depois surgiu a voz de April atrás de outra porta.

“Mãe!”

Riley sentiu algo a prendê-la pelo ombro...


“Mãe!”

Os olhos de Riley abriram-se, depois encararam a luz. Demorou alguns segundos a perceber que estava deitada na sua cama em casa. April estava a seu lado, abanando-a para acordar.

Riley olhou desfocadamente para a filha.

“Que horas são?” Perguntou.

“Dez horas. Dormiste até tarde... e profundamente.”

Riley percebeu que era domingo. Não era esperada na UAC naquela manhã.

April acrescentou, “Estavas a gemer. Era um pesadelo?”

Riley não respondeu. Olhando à sua volta, viu que a cama estava bastante amarrotada.

Começava agora a lembrar-se.

Chegara a casa de Atlanta na noite passada. Ryan estivera ali, a dormir na cama, mas acordara mal ela entrara na cama.

E então...

Riley sorriu perante a memória. Talvez as coisas afinal resultassem com o Ryan.

“Mãe, tens que te levantar,” Disse April. “Aconteceu uma coisa.”

Riley sentou-se direita na cama preocupada.

“Estás bem? E o pai? Jilly? Gabriela?”

“Não é nada de grave,” Disse April. “O pai e a Jillly estão lá em baixo a tomar o pequeno-almoço. Mas isto é importante. A Tiffany acabou de chegar.”

Riley esfregou os olhos, tentando lembrar-se.

Ah, sim. Tiffany. A amiga de April – e a irmã da rapariga morta, Lois Pennington.

April disse, “A Tiffany não quis ir à igreja com os pais. Faz hoje uma semana que... encontraram a Lois. Ela preferiu ficar aqui. Então deixaram-na cá.”

Riley ficou surpreendida. Quando visitara os Pennington, não pareciam satisfeitos com ela. Por outro lado, conheciam Ryan e certamente nada tinham contra April.

April continuou, “De qualquer das formas, eu e a Tiffany pensámos numa coisa. Precisas mesmo de ouvir isto. Vem lá abaixo. Preparo-te um café.”

“Viu vestir-me,” Disse Riley.

April saiu do quarto e Riley ouviu os seus passos a descer as escadas.

Riley foi para a casa de banho, borrifou o rosto com água e penteou o cabelo. Vestiu umas calças de ganga e uma camisola, e olhou-se ao espelho.

Virou-se e sorriu. Gostava do que via.

As calças de ganga de mãe ficam-me bem, Pensou. Confortáveis e práticas.

É claro que depois da noite passada, pensava que se sentiria sexy usando qualquer coisa.

Quando Riley acabou de se vestir, April entrou no seu quarto e entregou-lhe uma chávena quente de café. Riley bebeu alguns goles e depois desceu.

Tiffany estava sentada no sofá da sala de estar. Riley percebeu que a rapariga parecia cansada, mas não tão perturbada como da última vez que a vira.

Ryan saiu da cozinha e chamou Riley.

“Queres tomar o pequeno-almoço? A Gabriela fez plátano frito com ovos. Delicioso!”

Olhou maliciosamente para Riley e piscou-lhe o olho.

Riley sorriu, lembrando-se da noite passada.

Depois corou.

Esperava que ninguém na casa os tivesse ouvido a fazer amor.

April disse, “Já vamos, pai. A Tiffany também.”

“OK;” Disse Ryan, desaparecendo de regresso à cozinha.

Riley e April sentaram-se junto de Tiffany.

April disse a Riley, “Acabei de dizer à Tiffany que o FBI abriu um caso por causa da morte da irmã e das outras raparigas.”

“Obrigada,” Disse Tiffany fracamente. “Os meus pais ainda acreditam que foi...”

Não conseguiu terminar a frase. Depois disse, “Então posso falar consigo acerca disto? Não há problema?”

“Claro,” Disse Riley.

Tiffany parecia aliviada e ansiosa.

“Bem, lembrei-me de uma coisa esta manhã,” Disse ela. “A Lois tinha uma amiga na escola que vivia no mesmo dormitório. Chama-se Piper Dust. Eu estive com ela uma ou duas vezes em Byars. É muito simpática. Ligou-me para um chat de vídeo na última terça-feira para me transmitir as condolências. Agradeci-lhe mas fiz-lhe algumas perguntas.”

“Que tipo de perguntas?” Perguntou Riley.

Tiffany encolheu ligeiramente os ombros.

“Eu só queria saber como é que a Lois estava antes daquilo acontecer. Quero dizer, estava realmente deprimida? Parecia estar com tendências suicidas?”

“O que é que a Piper disse?” Perguntou April.

“Ela disse que a Lois parecia bem. A situação fora um choque para ela. Não a compreendia. Mas também disse que...”

Tiffany parou de falar durante alguns instantes, depois disse, “Ela disse que a Lois lhe tinha falado num tipo estranho com quem tinha falado. Não disse mais nada sobre ele, mas parece estranho tê-lo mencionado.”

Tiffany olhou para Riley.

“Pensa que isso poderá ter algum significado?” Perguntou.

“Pode ter,” Disse Riley. “Tens o seu contacto para chats de vídeo?”

“Claro,” Disse Tiffany.

April subiu as escadas para ir buscar o portátil. Depois, Riley, April e Tiffany reuniram-se à sua volta e fizeram a chamada.

Piper Dust era uma rapariga de aspeto normal com cabelo escuro e encaracolado. Atrás dela, Riley conseguiu ver um quarto de dormitório desarrumado, muito parecido ao dela na faculdade. Não lhe pareceu com idade suficiente para ser caloira da faculdade, mas a verdade é que Riley tinha cada vez mais vezes essa sensação em relação às pessoas jovens. À medida que envelhecia, os miúdos pareciam mais novos.

A rapariga sorriu quando viu o rosto de Tiffany entre Riley e April.

“Ei Tiff! Tenho pensado em ti. Como te estás a aguentar?”

“Acho que bem,” Disse Tiffany. “Ouve, esta é a minha amiga April. E esta senhora é a mãe de April, Riley Paige. Ela é agente do FBI e está a investigar alguns dos suicídios que ocorreram em Byars – incluindo o da Lois.”

Os olhos da rapariga dilataram-se.

“O FBI? C’um caraças!” Depois colocou a mão na boca e disse, “Peço desculpa pela linguagem.”

“Não há problema, a mãe é fixe,” Disse April.

Piper piscou os olhos tentando compreender o que elas estavam a dizer.

“Mas porque é que o FBI investigaria suicídios? Eu si que é estranho terem havido tantos mas...”

Depois empalideceu.

“Oh meu Deus! Pensam que não foram suicídios! Pensam que essas raparigas foram...”

Parou de falar.

“Ainda não sabemos o que pensar,” Disse Riley. “Mas a Tiffany disse-me que poderia saber algo importante. Antes da Lois morrer, ela falou num tipo estranho?”

Piper pensou durante alguns segundos.

“Bem, sim. Mas não falou muito nele.”

“Tinha medo dele?” Perguntou Riley.

“Não, não me parece. Ela disse que ele era um aluno. Disse que não sabia se devia gostar dele ou se ter pena dele. Mas disse que era simpático e gostava de falar com ele. Tenho a sensação que ele era daquele tipo de aluno pouco integrado e talvez a Lois se sentisse estranha em conhecê-lo. Como se estivesse um bocado envergonhada.”

Tiffany olhou para Riley e disse, “A Lois costumava ter queda para tipos meio estranhos. Eram sempre rapazes fora do normal. Às vezes as pessoas gozavam com ela por causa disso. Ela costumava falar-me desses tipos quando ainda estava no secundário e a viver em casa. Como se me estivesse a perguntar se não havia problema em andar com eles. Às vezes andava, às vezes não. Quando eu os conhecia, achava que eram OK.”

Riley tirava notas rápidas.

Perguntou a Piper, “Ela disse mais alguma coisa sobre ele? O nome? Em que ano estava? Qualquer coisa sobre o aspeto?”

“Nada,” Disse Piper.

Riley percebeu que a rapariga já lhes tinha contado tudo o que sabia.

“Obrigada por falares comigo, Piper,” Disse Riley. “Tenho que te pedir para manteres esta nossa conversa entre nós. Não digas a ninguém.”

A rapariga pareceu alarmada.

“Está a brincar? Com um assassino à solta no campus? Não deviamos todos ter cuidado com este tipo? Estamos seguros?”

Riley compreendeu o alarmismo da rapariga, mas a última coisa de que orecisavam naquele momento era de um surto de pânico incontrolado no campus de Byars.

Riley disse, “Farei com que a UAC liberte um sinal de aviso o mais rapidamente possível. Mas por agora, por favor, não digas nada. Dá-me a oportunidade de o fazer de forma oficial.”

Piper abanou a cabeça.

“Uau. Ok, acho. Mas vou ter medo de sair do meu quarto.”

E com razão, Pensou Riley.

Mas não o disse em voz alta.

Riley agradeceu novamente a Piper e depois terminou a chamada. Tiffany e April foram para a cozinha para tomarem o pequeno-almoço, mas Riley não se juntou a eles.

Aquele campus é perigoso, Pensou.

E ela tinha que garantir que os alunos eram avisados a esse respeito.


CAPÍTULO DEZASSEIS


Durante alguns instantes, Riley não conseguia pensar como lidar com aquilo. Tinha que avisar os alunos de Byars o mais rapidamente possível, mas de uma forma que não causasse o pânico. Depois percebeu onde poderia obter ajuda.

Lucy Vargas planeava trabalhar naquele dia e Riley já lhe queria ligar para obter uma atualização da visita do dia anterior. Pegou no telefone e ligou para Lucy.

“Ei Riley. Ainda bem que ligaste,” Disse Lucy. “Fui a casa dos Yoh ontem e falei com os pais de Constance.”

Riley ouviu com atenção o que Lucy tinha para lhe contar. Sabia pouco sobre a morte de Constance Yoh, a não ser que tinha sido encontrada enforcada em casa e tomara uma dose elevada de alprazolam.

“O que é que os pais te disseram?” Perguntou Riley.

“Disseram que estavam preocupados com as notas de Constance. Não tinham sido perfeitas, disseram eles. Disseram que Constance também estava preocupada. Consegues imaginar? Os teus esperarem que fizesses tudo de forma perfeita? A pressão devia ser horrível.”

As palavras de Lucy fizeram Riley pensar – será que Constance Yoh teria afinal cometido suicídio? E se tivesse, estaria Riley errada quanto a todos os outros alunos? Até agora não tinha conseguido provar que as mortes tinham sido homicídios. Talvez estivesse errada. Talvez tivesse iniciado esta investigação por nada.

Se fosse esse o caso, a última coisa que queria era causar pânico em Byars.

“Que mais te disseram os pais?” Perguntou Riley.

“Bem, foi algo estranho,” Disse Lucy. “Eles têm a certeza que Constance não cometeu suicídio. Mas não porque pensassem que ela não cometeria suicídio. Eles simplesmente sabiam que ela não o faria daquela forma. Ela deixaria um bilhete de certeza, disseram, e não deixou. Para além disso, parece que subiu uma escada para se enforcar, mas eles dizem que isso era impossível. Tinha demasiado medo de alturas – qualquer tipo de altura. Nunca conseguira subir uma escada na vida.”

“Nem se estivesse sob o efeito de alprazolam?” Perguntou Riley.

“Bem, isso é outra coisa. Ela andava a tomar medicação anti-ansiedade mas era lorazepam, não alprazolam. Não havia hipótese de ter tomado uma overdose de alprazolam.”

Então era mesmo homicídio, Pensou Riley.

Mas não se sentiu aliviada por ter razão.

“Lucy, preciso que faças uma coisa,” Disse Riley. “Os alunos de Byars precisam de ser alertados para a possibilidade de existir um assassino. Mas não podemos causar pânico. Podes fazer isso por mim?”

“Claro,” Disse Lucy. “O que te parece que devemos dizer?”

Riley pensou durante um momento. Deveriam dizer que o assassino podia ser um aluno do sexo masculino que não se integrava?

Não, ainda não tinha informação suficiente para ser tão específica.

“Os miúdos só precisam de estar atentos a qualquer interação fora do normal com outras pessoas no campus – sejam estranhos ou pessoas que conhecem mas que ajam de forma estranha. E devem dar conhecimento se algo estranho suceder. Devem sobretudo evitar situações em que alguém os possa drogar.”

“Mais alguma coisa?”

Riley fez outra pausa. Sim, havia algo que Lucy precisava de saber.

“Para colocar este aviso, vais ter que lidar com o Reitor Willis Autrey. Ele é um idiota. É bem capaz de te dar trabalho.”

“Estou certa que consigo lidar com ele,” Disse Lucy.

Riley tinha a certeza de que Lucy tinha razão. A jovem agente lidava melhor com as pessoas do que Riley. E esta seria uma boa experiência de aprendizagem para ela. Lidar com extravagâncias de pessoas no poder era uma parte importante do trabalho.

Riley agradeceu a Lucy e terminou a chamada.

O que faço de seguida? Perguntou-se Riley.

Apercebeu-se que ainda estava sonolenta. Precisava de terminar o café e tomar o pequeno-almoço. Foi para a cozinha e juntou-se à família.


*


Depois do pequeno-almoço, Riley foi para o seu escritório. Devia fazer outra visita a Byars no dia seguinte e teria que se encontrar com o Reitor Autrey. Talvez depois de falar com Lucy, Autrey ficasse mais inclinado a colaborar.

Mas Riley duvidava.

Se ele ceder em alguma coisa, o mais certo é tornar-se mais teimoso do que nunca, Pensou.

O que poderia fazer para mudar isso?

Lucy faria o seu trabalho de imediato. Riley também conhecia alguém que a poderia ajudar.

Foi para o computador e ligou ao psiquiatra forense Mike Nevins para um chat de vídeo.

“Riley!” Disse Mike quando apareceu no ecrã. “Que surpresa! Mas não me parece que seja uma chamada social.”

Riley ficou divertida por ver que o homem meticuloso parecia tão bem vestido como sempre, mesmo numa manhã em casa. Sabia bem vê-lo. Ele tinha feito muita consultadoria em casos com ela, e tinha-a aconselhado no seu próprio caso de SPT.

“Mike, já ouviste falar no caso de Byars? Os supostos suicídios?”

“Sim, ouvi dizer que conseguiste fazer daquilo um caso com a tua insistência habitual. Pobre Walder! Deves enlouquecê-lo.”

Riley deu uma risada.

“Eu tento,” Disse ela. “DE qualquer das formas, estou a lidar com um caso sério em Byars – um homem que é paranoico e anal e patologicamente pouco cooperante.”

“Ah” Um administrador universitário!”

Riley sorriu.

“É isso mesmo. Willis Autrey é o reitor da faculdade. Está a dificultar-nos bastante a vida. Nem foi preciso connosco acerca do número de suicídios ocorridos durante o ano letivo.”

Mike afagou o queixo pensativamente.

“Bem, ele tem a sua própria agenda. A reputação é tudo para uma escola prestigiada como aquela. Não parece bem ter um assassino maníaco a matar miúdos no campus. Tenta ver as coisas sob o seu ponto de vista. E claro, ele é demasiado curto de vistas para perceber que mais homicídios não beneficiam a escola. Mas comecemos pelo princípio. Os alunos foram avisados do perigo?”

“Coloquei a Lucy Vargas a trabalhar nisso,” Disse Riley. “Com sorte, consegue que saia um aviso hoje. É claro que o Autrey não vai gostar e é bem capaz de estar mau humor quando formos falar com ele amanhã.”

“Siiiim, parece-me bem que sim,” Disse Mike.

Calou-se durante um momento para pensar.

“Pensas que o assassino é um aluno?” Perguntou.

“Ainda não sei. Mas parece provável. Todas as vítimas de que temos conhecimento eram alunos.”

“Se for esse o caso, o assassino pode ter o recorde de Byars para problemas mentais. Tens que saber essa informação do Autrey. É claro que é mais fácil dizer do que fazer.”

Pensou outra vez.

“Eu podia escrever uma carta. Podias levá-la amanhã. Posso dizer que estou a trabalhar como consultor neste caso e que requesito uma intimação para verificar os registos da escola para problemas psiquiátricos.”

“Podes fazer isso?” Perguntou Riley. “Pedir uma intimação, quero dizer, baseado no pouco que sabemos até ao momento?”

Mike deu uma risada.

“Não sei,” Disse ele. “Mas duvido que também ele saiba.”

Riley também se riu.

Mike acrescentou, “A julgar pelo meu conhecimento clínico de administradores anais e paranoicos, ele não querer que as coisas vão tão longe. Tenho um palpite de que vai ser bem mais cooperante contido. Quem devo contactar na UAC para oferecer os meus serviços, tornando o meu envolvimento oficial? Talvez o Walder?”

Riley estremeceu um pouco.

“Não, não ele. Ele não quer ter nada a ver com este caso. Neste momento, quem está à frente do caso é o Meredith.”

“Ah. Meredith. Excelente. Vou escrever uma carta imediatamente e enviar-te um e-mail em formato PDF.”

“Muito obrigada Mike. Eu sabia que podia contar contigo.”

Mike sentou-se olhando para Riley durante alguns segundos.

“Já lá vai muito tempo, Riley,” Disse ele. “Como tens passado?”

Riley sabia que a preocupação de Mike era tanto pessoal como profissional.

“Estou melhor,” Disse ela. “O SPT está a amainar.”

“Ainda tens pesadelos?”

Riley hesitou.

“Às vezes,” Disse ela, subestimando a verdade. Na verdade, andava a ter bastantes pesadelos. “Tendem a ser sobre sentir-me indefesa quando pessoas que amo estão em perigo. Sobretudo a April.”

“Isso é compreensível, tendo em consideração tudo porque vocês passaram. Talvez devas passar por cá para falarmos sobre isso.”

“Vou pensar,” Disse ela. “Obrigada pela tua preocupação.”

Agradeceu a Mike pela sua ajuda e terminou a chamada.

Riley sentou-se à secretária silenciosamente durante alguns minutos. Começou a ocorrer-lhe que havia muita coisa na sua vida de que Mike Nevins ainda não tinha conhecimento – a adoção de Jilly, a tentativa de retomar a relação com Ryan.

Mas a verdade era que ela não queria aconselhamento sobre nada disso. Seria bom ver Mike, mas não se se armasse em analítico. Talvez conseguisse ajudar. Mas naquele momento, Riley estava a dar um passo de cada vez, a viver um dia de cada vez. Falar com Mike apenas complicaria tudo.

Alguém bateu à porta e April entrou.

“A Tiffany acabou de se ir embora com os pais,” Disse April. “Estás a trabalhar no caso agora?”

“Por acaso estou,” Disse Riley. “Acabei de falar com alguém que vai ajudar. Amanhã volto a Byars. Vou ligar ao Bill – ele está a trabalhar no caso e tenho a certeza que irá comigo. Talvez consigamos descobrir mais coisas desta vez.”

April sorriu alegremente.

“Isso é tão bom mãe!”Nem imaginas o que significa para a Tiffany. E para mim também.”

Depois o sorriso de April desvaneceu.

“Desculpa se me zanguei contigo sobre isto,” Disse ela.

“Não faz mal,” Disse ela. “Tinhas razão. Às vezes é bom acender uma fogueira debaixo de mim.”

April riu-se.

“Bem, contigo e com o Bill no caso, o assassino não tem hipótese.”

Riley desanimou um pouco.

Lembrava-se de alguns casos que não conseguira resolver, casos sem solução. Todos os agentes do FBI já tinham enfrentado esse tipo de caso.

April não sabia nada disso.

E ela não era capaz de lhe dizer.

Em vez disso, deu a April um abraço forte.

“Para que foi isso?” Riu April, esmagada contra a mãe.

Para dar sorte, Pensou Riley.

Mas não o disse em voz alta.

Ela sabia que ia precisar de muita sorte para resolver este caso antes que mais alguém morresse.


CAPÍTULO DEZASSETE


Murray agarrou na corda que tinha à volta do pescoço. O laço apertava-se e a sua consciência escapava. Ele estava a sufocar. Por muito que tentasse, não conseguia alargar o laço com os dedos.

Não posso deixar que isto aconteça, Pensou.

Mas estava tonto da falta de circulação de sangue no cérebro e também da droga.

Tinha apenas alguns segundos até desmaiar de vez.

Lutou para pensar com clareza.

Ele sabia que a escada estava próxima. Tinha de alguma forma de chegar a um dos degraus para dar folga à corda.

Balançou na direção da escada mas o seu peso afastou-o ela e a corda apertou-se mais com o movimento.

Da segunda vez, conseguiu prender um pé à escada e o outro pé manteve a posição.

A escada agitou-se loucamente com o seu corpo em movimento, as suas pernas a dançar no chão de cimento da garagem.

Não a podia deixar cair!

Se tal acontecesse, tudo terminaria. Não teria a mínima hipótese.

Mas para seu próprio espanto, conseguiu estabilizar a escada, depois colocar ambos os pés num dos degraus.

A corda afroucou um pouco. Mas a pressão à volta do seu pescoço continuava. O laço continuava tão apertado como anteriormente. Ele continuou a puxar o laço com os dedos mas o nó parecia estar preso.

Agora conseguia respirar um pouco, mas a ausência de circulação de sangue fazia com que se sentisse cada vez mais tonto.

Ainda não estava a salvo.

Longe disso.

Daquela forma, ainda desmaiaria.

Se isso acontecesse, caíria da escada para a morte certa.

Prateleiras cheias de instrumentos de jardinagem estavam próximas. Olhou para os lados. Sim, ali estavam as tesouras de jardinagem na prateleira mais próxima.

Conseguiria chegar àquelas tesouras?

Os seus braços esticaram-se em direção às tesouras, mas estavam fora do seu alcance.

Com os pés ainda na escada, debruçou-se sobre a prateleira. O movimento de balanço quase o fez cair, mas agora estava suficientemente próximo para alcançar as tesouras.

As suas mãos e braços estavam dormentes. Ainda assim, conseguiu apanhar as tesouras e segurou-as à sua frente.

Sabia o que tinha a fazer de seguida.

Tinha que cortar a corda acima da sua cabeça.

Devia ser fácil e simples. A corda não era muito grossa e a tesoura era afiada. Uma tesourada devia bastar.

Mas a sua consciência declinava e mal conseguia sentir aquilo em que agarrava.

Ainda assim, conseguiu abrir a tesoura e erguê-la acima da sua cabeça.

Com muito esforço, fechou a tesoura, mas parecia não tocar na corda.

Agora em pânico, cortou selvaticamente vezes sem conta.

Depois sobreveio um momento de total escuridão.

Parecia estar a afundar-se no espaço.

Quando deu por ela, estava no chão frio da garagem com o corpo dorido da queda. Por um momento não soube onde estava. Depois percebeu que conseguira cortar a corda e que caíra. O laço estava muito apertado e ainda não o conseguia soltar com os dedos

A tesoura caíra mesmo a seu lado.

Apanhou-a, abriu-a ligeiramnete e encostou a lâmina afiada debaixo do laço.

Desta vez cortou à primeira.

A corda caiu do seu pescoço.

Rastejou no chão de mãos e joelhos, tossindo e vomitando.

Estava fora de perigo?

Quase, percebeu, mas não completamente.

A droga ainda estava no seu sistema e ainda se encontrava sob o seu efeito.

Se não fizesse alguma coisa rapidamente, desmaiaria e possivelmente ficaria em coma ou até morresse.

Tinha que sair da garagem e obter ajuda de alguém.

Uma das portas que dava para a rua não estava completamente fechada. Estava ligeiramente levantada. Devia conseguir passar debaixo dela.

Estava tão tonto que mal conseguia distinguir o que estava em cima do que estava em baixo, mas reuniu todas as suas forças e rastejou em direção à abertura. Depois rebolou debaixo da porta.

Estava fora da garagem.

O seu corpo sentiu o choque da alegria.

Tentou gritar.

“Alguém ajude!”

Mas apenas conseguia emitir um som áspero.

Sentiu perder o que restava da sua lucidez.

Tenho que continuar a rastejar, pensou vagamente. Continuar a rastejar até encontrar alguém.

Ele rastejou e rastejou. Depois ouviu o som do motor de um carro a aproximar-se e foi iluminado pela luz. Mal tinha consciência do que estava a acontecer. Um carro aproximava-se – e ele estava no meio da estrada!

Virou a cabeça e viu um par de faróis. A buzina de um carro fez-se ouvir na noite, seguida do guincho de pneus a derrapar.

Depois perdeu completamente a consciência.


CAPÍTULO DEZOITO


Na manhã seguinte, Riley e Bill chegaram a Byars na hora de abertura dos serviços administrativos. Quando Bill entrou no campus, Riley viu que os alunos por quem passavam estavam encolhidos de frio, com pressa e evitando olhar para os olhos uns dos outros.

“Uau, estes miúdos parecem assustados,” Comentou Bill. “O aviso da Lucy deve mesmo ter tido impacto.”

Riley disse, “Na verdade, estão a ter o mesmo comportamento que tinham da última vez que cá estive.”

Bill abanou a cabeça.

“Este sítio dá-me arrepios,” Disse ele.

Riley sentia exatamente o mesmo. Ela tinha a certeza de que Byars era um lugar miserável para se frequentar, mesmo que não houvesse um assassino no campus.

Bill estacionou o carro e depois ele e Riley dirigiram-se ao gabinete do reitor onde encontrariam uma atmosfera tão fria como o tempo lá fora.

A secretária saudou-os friamente. É claro que reconheceu Riley de imediato.

“O Reitor Autrey hoje não se encontra no campus,” Disse a mulher. “Não pode ser contactado. Está numa conferência de grande importância.”

Riley tinha a certeza que a mulher estava a mentir e que seguia as ordens do reitor. Uma troca de olhares com Bill deu-lhe a certeza de que ele pensava da mesma forma.

“Não há problema,” Disse Riley, tirando a carta de Mike Nevins da mala. “Tenho a certeza de que pode tratar disto por nós.”

Entregou a carta à secretária. O rosto da mulher empalideceu ao lê-la.

Riley reprimiu um sorriso. Ela sabia que o seu amigo psiquiatra era bem conhecido e respeitado na capital da nação.

A carta declarava a preocupação de Mike Nevins de que um assassino mentalmente perturbado estivesse à solta em Byars. Também dizia que Mike requeria uma intimação para ter acesso aos registos da escola que tinha a certeza lhe seria concedida.

Estava, é claro, escrita no estilo inimitável de Mike Nevins – formal e quase dolorosamente bem-educado.

E Riley sabia que seria mais eficaz graças à sua cortesia.

Era como Mike lhe tinha dito uma vez...

“A cortesia é mais assustadora.”

Às vezes Riley desejava conseguir cultivar alguma da cortesia assustadora de Mike, mas simplesmente não era o seu estilo.

A mulher levantou-se e dirigiu-se ao gabinete interior. Riley e Bill conseguiam ouvir alguns resmungos barulhentos do local onde se encontravam. Passado pouco tempo, o reitor alto e grisalho saiu com a carta na mão. Parecia tudo menos agradado e a sua formalidade habitual mostrava-se afetada.

“Não desiste mesmo, pois não?” Perguntou Autrey.

Riley conteve um sorriso. Ela queria dizer, Na verdade, não.

Em vez disso, apresentou Bill a Autrey.

Depois disse, “Lamento incomodá-lo. Ficámos com a impressão de que não se encontrava no campus.”

“E não estou,” Declarou Autrey confusamente. “Quero dizer, estou de saída – para um lugar importante. Manhã de segunda-feira e já estragou a minha agenda.”

Olhando para a secretária desalinhada, Bill disse, “Oh. Lamentamos o mal-entendido.”

Autrey disse, “Bem, se vieram cá para ver se cumpro aquele aviso idiota, não se preocupem. Todo o campus foi alertado acerca desse assassino imaginário. Para além de causar muita preocupação desnecessária, provou ser uma grande desculpa para faltar às aulas. Os alunos estão a afastar-se em peso.”

Olhou para a carta com os seus estreitos óculos de leitura, murmurando.

“Um disparate... Um disparate palpável... Uma grande agitação por nada...”

Olhou para Riley e Bill.

“Garanto-vos que ninguém matou ninguém em Byars. Nunca.”

“Então quer que obtenhamos uma intimação?” Perguntou Bill.

Autrey grunhiu e atirou a carta para a secretária.

“Menina Engstrand, dê-lhes o que pretendem,” Disse ele. “Desculpe incomodá-la. Eu tenho que ir.”

Pegou no casaco e saiu do gabinete.

A secretária sentou-se entre Riley e Bill.

“O que é que querem que faça?” Perguntou.

Bill começou a explicar.

“Precisamos de informação sobre alunos, pessoal, professores – qualquer pessoa que possa ter graves problemas psicológicos...”

Enquanto Bill continuava, o telefone de Riley tocou. A chamada era de Meredith.

“Agente Paige, onde está neste momento?” Perguntou.

Riley engoliu em seco. Teria que explicar o esquema que ela e Mike Nevis tinham preparado para obter os registos? Duvidava que ele aprovasse.

“Estou em Byars com o Agente Jeffreys,” Disse Riley.

“Preciso que vocês os dois vão imediatamente para o Brandenburg Memorial Hospital.”

Riley ficou surpresa por ele não ficar minimamente curioso acerca do que ela e Bill estavam a fazer.

“Fica aqui em DC, não é?” Perguntou ela.

“Sim. Parece que alguém sobreviveu a um ataque do nosso assassino. Ele está neste momento nas urgências.”

“Ele?” Pensou Riley.

Depois de descobrir que Kirk Farrell tinha mesmo cometido suicídio, tinha partido do princípio de que o assassino apenas atacasse mulheres.

“Chama-se Murray Rossum e é caloiro em Byars. Foi encontrado na estrada fora da sua casa na noite passada, praticamente inconsciente. De acordo com a polícia, foi drogado e içado para enforcamento na garagem da família. É um milagre que se tenha safado com vida.”

“Consegue falar?”

“Creio que está consciente. Não sei se está a falar ou não.”

Riley sentiu uma ponta de excitação. Isto podia ser uma oportunidade inesperada.

“Vamos já para lá,” Disse Riley.

Ela e Meredith terminaram a chamada. Bill acabara de explicar à secretária o que pretendiam. Ela já estava a ver informação no computador.

“Isto vai demorar algum tempo,” Grunhiu a mulher.

“Precisamos disto o mais rapidamente possível,” Disse Bill.

Riley falou com Bill à parte.

“Temos que ir para o Brandenburg Memorial Hospital,” Disse ela. “Alguém parece ter sobrevivido a um ataque – um rapaz desta vez.”

Bill pareceu surpreendido.

“Parece que a minha teoria de que ele pode ser bissexual pode ter pernas para andar,” Disse ele.

“Pode ser,” Disse Riley. “Vamos.”


*


Enquanto Bill conduzia, Riley trocou mensagens com Flores que lhe deu toda a informação que conseguiu reunir acerca de Murray Rossum. Era um rapaz muito rico, o filho de um magnata do imobiliário internacional, Henry Rossum. O pai tinha casas em todo o mundo mas aparentemente Murray vivia em Georgetown. Murray era o único fillho de Henry Rossum que se tinha divorciado da mãe do rapaz há muito com um acordo substancial e ela tinha-se retirado de cena convenientemente.

Bill estacionou o carro e quando saíram tornou-se visível que o Brandenburg Memorial Hospital era uma torre de vidro cintilante de design moderno, obviamente um hospital caro e de prestígio.

Entrarame mostraram os distintivos à rececionista que os direcionou para o piso onde se encontrava Murray Rossum. Ao aproximarem-se do quarto, foram abordados por um médico alto e de aspeto distinto.

“Esperem lá,” Disse a Riley e Bill. “O meu paciente não vai ter visitas.”

Mais uma vez, Riley e Bill mostraram os distintivos.

“Cremos que foi vítima de um ataque homicida,” Disse Bill. “Temos razões para crer que se enquadra numa série de homicídios a alunos da universidade Byars.”

“Murray Rossum consegue falar?” Perguntou Riley.

O médico franziu o sobrolho com preocupação.

“Ele não está sempre consciente,” Disse ele. “Esperamos uma recuperação total dos ferimentos físicos e da dose de alprazolam que o atacante lhe deu. Mas o trauma emocional é outra questão. Isso pode levar anos.”

“Compreendemos a sua preocupação,” Disse Bill. “Mas isto é uma questão de vida ou de morte. O assassino pode atacar novamente e muito em breve.”

O médico pensou durante alguns segundos.

“Vou permiti-lo,” Disse ele. “Mas quero estar presente. E eu decido quando for necessário abreviar a visita.”

“Tudo bem,” Disse Riley.

Quando todos entraram no quarto, o paciente parecia estar a dormir. Mas ao ouvir passos, abriu os olhos e olhou para eles.

Era um jovem de cabelo louro com um rosto quase feminino. O pescoço estava ligado e estava a soro.

O médico disse, “Murray, tem visitas do FBI. Estão aqui para saber o que se passou consigo.”

Os olhos grandes de Murray dilataram-se.

“O FBI!” Disse numa voz áspera. “Oh, graças a Deus!”


CAPÍTULO DEZANOVE


Murray Rossum parecia à beira de chorar.

Riley percebeu que a expressão de angústia do rapaz era de puro alívio por ser capaz de contar a sua história. Parecia especialmente comovido por ser capaz de falar com agentes do FBI. Mas parecia não conseguir chorar.

Está demasiado exausto, Pensou Riley. Ela conhecia bem a sensação. Chorar virá depois.

Compreendeu-o ao lembrar-se da sua própria luta contra o SPT. Esperava que tivesse a força emocional para ultrapassar o trauma. Mas como o médico tinha dito, isso podia demorar anos.

Notou que ele era muito pequeno – e naquele momento, extremamente frágil.

Enquanto o médico estava num dos lados, Riley e Bill sentaram-se ao lado da cama em confortáveis poltronas. O quarto era confortável e espaçoso. Se não fosse pela cama ajustável, o apoio do soro e outras necessidades médicas, poderia ser confundido com um quarto de hotel caro. Murray estava obviamente a ter os melhores cuidados médicos possíveis e todo o conforto.

Pelo menos tem sorte nesse sentido, Pensou Riley.

“Estamos aqui para saber o que aconteceu,” Disse Riley.

“De que é que se lembra?” Perguntou Bill.

Murray parecia lutar com os seus pensamentos.

“Às vezes sinto que me lembro de tudo, mas depois fica tudo desfocado,” Disse ele.

“Tente levar-nos ao ponto onde tudo começou,” Disse Bill.

“Demore o tempo que for preciso,” Acrescentou Riley.

Apesar de Riley saber que tempo era o que menos tinham. Um assassino ainda andava à solta, mas ela percebeu que não podia apressar aquela conversa.

Os olhos de Murray não paravam, não conseguindo manter o foco.

“Houve uma festa a noite passada em Pi Delta Beta, a minha fraternidade,” Disse Murray.

Calou-se. Riley interrogou-se se ele seria capaz de montar uma narrativa. Ela e Bill tinham que o ir acompanhando.

“Era apenas para pessoas da fraternidade?” Perguntou Riley.

“Não, as nossas festas estão sempre abertas a toda a gente. Faz com que não sejam tão chatas, dizem os rapazes. E temos mais raparigas assim.”

Pareceu perder o fio de pensamento.

“O seu atacante estava na festa?” Perguntou Bill.

Murray anuiu dolorosamente.

“Sim. Estava sozinho a um canto com uma cerveja. Fui ter com ele e cumprimentei-o. Ele disse que se chamava...”

Tentou lembrar-se.

“Dane, acho. Algo assim estranho. Mas agora não sei se era o seu verdadeiro nome. Talvez o tenha inventado.”

Riley pressentiu que ele precisava de encorajamento.

“Está a portar-se muito bem. Consegue lembrar-se do aspeto dele?”

Murray fechou os olhos, concentrando-se.

“Uau, é difícil. Não o consigo imaginar. Eu devia lembrar-me.”

Riley compreendia. As pessoas muitas vezes reprimiam as memórias do aspeto de um atacante, pelo menos numa fase inicial. Mas se ela o incentivasse aos poucos, talvez se lembrasse de mais coisas.

“Falaram sobre quê?” Perguntou Bill.

“Bem, ele ofereceu-me uma cerveja, já estava aberta e eu peguei nela. Ele admitiu que se sentia deslocado. Ele disse...”

Depois algo mudou na expressão de Murray.

“Oh, agora lembro-me de uma coisa sobre o seu aspeto. Ele estava demasiado bem vestido para a festa, usava casaco e gravata. Foi assim que soube que não era rico. Tentava muito enquadrar-se, mas não sabia como o conseguir. E eu... bem, não sei, seu só...”

Murray parecia estranhamente envergonhado.

“Acho que dei a entender que era alguém importante. Meu Deus, eu odeio quando as pessoas agem como se fossem o máximo so porque são ricas. Sobretudo perto de pessoas que não têm muito dinheiro. Mas acho que todos fazemos isso. Quando vamos para uma escola como Byars, onde quase toda a gente é rica, não temos muita oportunidade de nos gabarmos. Sobretudo numa fraternidade como Pi.”

Libertou um som áspero.

“Eu sei que isto parece estranho, mas ser rico às vezes é uma chatice.”

Riley reparou que Bill recuou perante aquela observação. Devia ter-lhe soado tremendamente indulgente. Mas Riley podia compreender minimamente o que Murray pretendia transmitir. Por ser a mulher de um advogado, ela sabia que a vida com algum dinheiro podia ser uma vida vazia. Não era possível comprar verdadeiros amigos. Talvez isso fosse um verdadeiro problema para Murray.

Mas mais uma vez, a mente de Murray parecia estar a divagar. Riley tinha que o manter focado no assunto.

“O que aconteceu de seguida?” Perguntou Riley.

“Bem, parece que o impressionei bastante com as minhas merdas e ele fez-me montes de perguntas de como vivia e de como era a minha casa. Ele disse qualquer coisa como, ‘Uau, parece que vives numa mansão.’ Eu disse que não, que era apenas uma casa grande e descrevia-a. Ele disse que nunca tinha entrado num lugar assim.”

Murray calou-se por instantes.

Riley disse, “Tente descontrair. Deixe que os detalhes surjam naturalmente.”

“Tente lembrar-se do que aconteceu momento a momento,” Acrescentou Bill. “Tente não descurar nada.”

Murray anuiu novamente desconfortável.

“Foi quando decidi levá-lo a minha casa,” Olhou para eles um pouco ansiosamente, como se para ter a certeza de que o que estava a dizer era correto.

“Continue,” Disse Riley.

“Quero dizer, a festa estava uma seca. Ele disse que dava para os dois lados. Eu pensei, porque não. Não sou gay, mas também não sou tacanho. Por isso pensei, que se lixe, até pode passar lá a noite se quiser.”

“Então sugeriu-lhe ir para casa consigo?” Perguntou Riley.

“Eu sabia que quando fosse para casa naquela noite, ninguém estaria lá, só os empregados que já estariam a dormir. E disse, ‘Deixa-me terminar a minha cerveja e levo-te até lá.’”

Murray piscou os olhos e franziu o sobrolho.

“Mas ele parecia estar com pressa. Disse qualquer coisa como, ‘Porquê esperar? Podemos beber pelo caminho.’”

Pareceu outra vez um pouco envergonhado.

“Ouçam, eu sei que é ilegal conduzir e beber e geralmente não o faço, mas não queria parecer chato. Então disse OK e fomos para o meu carro. É um grande Lincoln e ele pareceu muito impressionado. Ele disse que conduzia numa velha pickup.”

Riley apanhou aquele detalhe mentalmente. Até ao momento, era a informação mais sólida que Murray tinha fornecido. Talvez lhe conseguisse retirar mais informações.

“Consegue lembrar-se de algo mais sobre o seu aspeto?” Perguntou.

Outra memória lhe sobreveio.

“Sim, talvez. Ele era grande. Não digo gordo, mas grande, atlético, tipo jogador de futebol.”

“E de altura?” Perguntou Bill. “1,80 ou assim?”

“Não, não era tão alto, talvez 1,70 ou um 1,75. Mas ele era... grande.”

Riley estava ligeiramente surpreendida. Ela tinha quase a certeza que o assassino era mais pequeno. As raparigas que tinham sido mortas eram de constituição fraca e o próprio Murray parecia pouco mais forte do que elas. Mais uma vez se perguntava se o seu instinto começava a fraquejar.

“Lembra-se de alguma coisa a respeito da sua voz?” Perguntou Riley.

Murray olhou diretamente para ela.

“Sim, era... bem, tipo aguda, estranha para um rapaz daquele tamanho. E tinha sotaque, como se não fosse daqui. Talvez do norte. Talvez Nova Iorque ou Boston, algum lugar assim.”

“Disse alguma coisa sobre onde vivia ou o que fazia?” Perguntou Bill.

Murray olhou para Riley e Bill.

“Algures aqui em DC, penso que foi o que disse. Não me lembro se disse alguma coisa sobre o trabalho, exceto... Ah, sim. Ele disse qualquer coisa sobre usar uma carrinha para o trabalho. Talvez tenha dito algo mais. Não me lembro.”

Bill estava prestes a colocar oura pergunta, mas Riley silenciou-o com um gesto. Se pressionassem demasiado, poderia não terminar a história.

Murray continuou, “Quando comecei a conduzir, sentia-me estranho, como se estivesse drogado. Ainda não tinha bebido muito, mas interroguei-me se ele tinha colocado alguma coisa na bebida. E depois fiquei com medo. Questionei-me porque é que me quereria drogar. Depois ocorreu-me... talvez fosse para sexo.”

Riley conseguia ver o alarme nos olhos de Murray.

“Comecei a sentir-me descontrolado. Quero dizer, ouvimos falar em violações, mas os rapazes nunca pensam que lhes acontece a eles. E ali estava eu, no carro com este tipo muito maior e mais forte do que eu. Nunca imaginara...”

A sua voz apagou-se e estremeceu. Riley estava preocupada. Poderia não se lembrar à medida que as memórias se tornavam mais assustadoras?

“Tente descontrair,” Disse Riley novamente. “Com calma.”

Murray engoliu em seco.

“Bem, fingi terminar a minha cerveja, depois coloquei-a no suporte. Ainda lá deve estar.”

Riley esperava que sim. Podia ser uma prova crucial.

“Continue,” Incentivou-o.

Murray torceu-se desconfortavelmente.

“Quando chegamos à minha casa e entrámos na garagem, já estava num estado de semi-consciência. Mal compreendia o que se estava a passar. Não sei se me consigo lembrar...”

“Tente por favor,” Disse Bill.

O rosto de Murray contraiu-se ao tentar focar a sua memória.

“Assim que desliguei o carro, fiquei completamente sem reação. Ainda estava consciente, mas era como se não tivesse controlo sobre o meu corpo. Dane tirou-me o cinto e arrastou-me para fora do carro como se fosse um trapo. Penso que devo ter tentado perguntar-lhe o que é que estava a fazer, mas não tenho a certeza se as palavras saíram.”

Riley tentou visualizar as suas palavras.

Preciso de ver aquela garagem, Pensou.

Murray continuou, “Deixou-me no chão. Depois pegou numa escada de alumínio que temos na garagem. Colocou qualquer coisa na minha cabeça e à volta do meu pescoço. Demorei alguns segundos a perceber que era um laço. Mas nem conseguia lutar por aquela altura. Puxou-me pela corda pela escada acima, depois balançou a outra ponta da corda sobre uma viga. Atou a corda e retirou a escada.”

A memória era terrível para Murray.

“Quando ele se foi embora, eu consegui colocar os pés na escada. Depois cortei a corda com algo...”

Olhou a volta como se a tentar ver o que tinha utilizado. “Será que foi uma tesoura de jardinagem?”

Riley enquanto o rapaz juntava novamente as memórias.

“Sim,” Disse ela. “Devia ser uma tesoura de jardinagem. Depois devo ter desmaiado porque acordei no chão da garagem.”

Parecia confuso, como se tivesse perdido mais uma vez o fio da história.

“Como é que saiu da garagem?” Perguntou Bill.

“Penso que havia uma abertura. Sim, é isso. A porta não estava completamente fechada. Consegui rastejar para fora para a estrada. Depois faróis de um carro...”

Parou novamente, respirando a custo. Depois prosseguiu, “Faróis de um carro vinham na minha direção e eu ouvi uma buzina e epensei que ia ser atropelado.”

Parou de falar durante algum tempo.

“É isso. É tudo de que me lembro. Quando dei por ela estava... aqui.”

Por fim, chorou e soltou um soluço. O médico aproximou-se da cama.

“Penso que chega,” Disse a Riley e Bill. “Agora têm que ir embora.”

Não era preciso dizer duas vezes. Riley sabia que o médico tinha razão. Ela e Bill saíram do quarto de hospital.

Ao saírem do hospital, Riley percebeu que estava a tremer.

Era de empatia com o horror por que tinha passado o jovem.

Também era por medo que mais alguém tivesse menos sorte.

Não temos tempo a perder, Pensou.


CAPÍTULO VINTE


Riley estava ansiosa para inspecionar a garagem onde Murray quase tinha morrido. Talvez na cena do crime ela conseguisse entrar na mente do assassino. Isso geralmente resultava com ela e eles precisavam de algum tipo de visão se quisessem parar este assassino antes que voltasse a atacar. Por isso, era para lá que ela Bill se dirigiam.

Enquanto Bill conduzia, Riley percebeu que precisava da contribuição psicológica de Mike Nevins. Ligou-lhe e falou-lhe da conversa tida com Murray.

“Vocês fizeram um bom trabalho,” Disse Mike.

“Talvez,” Disse Riley. “Mas tenho a sensação de que ele está a reprimir muita coisa.”

“Podes contar com isso.”

Mike calou-se por um momento.

Depois disse, “Fazemos assim - vou até ao hospital e falo pessoalmente com ele. Levo um artista para fazer um esboço do assassino.”

“Achas mesmo que consegues uma descrição do suspeito?” Perguntou Riley.

“Vou tentar.”

“Ótimo. Diz-me como corre.”

Riley sentiu-se aliviada quando terminou a chamada. Ela sabia que um psicólogo capaz como Mike podia obter mais informações do jovem do que ela e Bill haviam conseguido.

Entretanto, havia muito mais em que pensar.

“Onde pensas que estamos no caso?” Perguntou Riley a Bill.

Bill abanou a cabeça.

“Não seu, Riley. Tudo o que temos até ao momento é um tipo grande com uma voa aguda e um sotaque que conduz uma pickup. Parece ter um trabalho em que precisa da carrinha. E não e aluno de Byars.”

“O mais certo é viver em DC,” Disse Riley.

“Pois, mas onde é que isso nos leva? Parece que o Murray nunca viu a pickup, por isso não sabemos o modelo ou ano ou o que quer que seja a esse respeito. Quantas pickups existem numa cidade com mais de meio milhão de habitantes?”

Riley não respondeu. Mas não podia deixar de concordar com Bill. Nâo tinham muito em que se basear até ao momento. Ela esperava que Mike fosse bem-sucedido com o esboço.

Ao chegarem a casa de Murray Rossum, Riley ficou espantada por não ser maior. Murray tinha falado em usar isso para impressionar o suspeito, mas não pareceu a Riley particularmente impressionante. Era uma casa muito maior do que a dela, mas não deixava de ser uma casa. Não se parecia nada com uma mansão.

Tinham-lhes dito que a entrada para a garagem estava numa rua atrás da casa, então foram para as traseiras. Pelo que Riley pode ver das traseiras da casa, percebeu que era muito maior do que parecia vista de frente. Mas ainda não conseguia ter uma verdadeira ideia da sua real escala.

Bill estacionou o carro junto à entrada onde foram cumprimentados por Trey Beeler, chefe da unidade forense da UAC. Riley e Bill tinham trabalhado em muitos casos com ele ao longo dos anos. Trey e a sua equipa de três estavam a terminar o seu trabalho na cena do crime.

Trey caminhou na sua direção a sorrir.

“Homicídio, eh?” Disse ele. “Parece mais suicídio.”

Riley tinha a certeza de que Trey tinha sabido de todos os problemas que este caso envolvia. E agora metia-se com ela.

“A mim parece-me homic~´idio,” Disse ela. “E ainda nem vi a cena do crime.”

Trey riu-se sombriamente.

“Bem, tu lá sabes. És tu que tens o lendário instinto. Deve ser por isso que ganhas à grande”

Continuava a picar Riley. Ela não sabia qual era o salário de Trey mas duvidava que ganhasse mais do que ele. Com todos os seus diplomas médicos, ele estava bem acima dela na cadeia alimentar da UAC. Mas não ia esgrimir argumentos com ele naquele momento. Não estava com disposição.

“O que tens até agora?” Perguntou-lhe Riley.

“Estamos mesmo a terminar,” Disse Trey. “Vem daí, vou mostrar-te.”

Conduziu Riley e Bill na direção de uma porta de garagem aberta. Riley viu que outra das portas grandes estava ligeiramente erguida – tal como Murray dissera.

Foi por aqui que saiu, Lembrou-se.

Riley observou o caminho da porta `estrada onde Murray tinha rastejado em direção à segurança.

Deve ter sido um esforço desesperado, Percebeu. Seria um percurso longo para um rapaz ferido e drogado.

Depois ela e Bill seguiram Trey para a garagem.

Era assustadoramente grande. Lembrava Riley dos pesadelos que tivera nos quais a garagem dos pennington era impossivelmente vasta. Três carros estavam ali estacionados – um BMW, um Mercedes e um Lincoln. Ao lado do Lincoln ainda havia espaço para outro carro.

Uma escada de alumínio estava junto à parede que estava alinhada com prateleiras repletas de ferramentas de jardinagem. Um pedaço de corda ainda estava atado a uma trave acima deles. No chão encontrava-se um pedaço de corda com um laço cortado. Um par de tesouras de jardinagem também estavam ali.

Visto que Trey e a sua equipa não tinham desfeito a cena, Riley tinha a certeza de que tudo estava como estivera quando Murray fugira. A porta do passageiro do Lincoln estava aberta. Riley espreitou lá para dentro.

“O que é que descobriram aqui?” Perguntou Riley a Trey.

“Montes de impressões digitais e fibras e ADN. Vai ser muito difícil analisar tudo. Sabe-se lá quantas pessoas é que entraram e saíram deste carro.”

Riley viu uma lata de cerveja aberta no suporte do condutor.

Lembrava-se do que Murray tinha dito.

Fingi terminar a minha cerveja, depois coloquei-a no suporte.

Riley levantou a lata de cerveja. Parecia ainda ter três quartos.

Disse a Trey, “Não se esqueçam de analisar o conteúdo desta lata.”

“Planeávamos fazer isso,” Disse Trey. “O que é que esperas encontrar?” Perguntou ele.

“Alprazolam – uma grande quantidade.”

Riley respirou lentamente. Agora chegara o momento de recriar mentalmente o que tinha acontecido naquele local – se possível, do ponto de vista do assassino.

Entrou no carro e sentou-se no lado do passageiro.

Recuou ao momento em que Murray tinha entrado na garagem. Devia ter conduzido de forma errática, até perigosa quando ali chegaram. O assassino devia ter receado que tivessem um acidente. Pode ter suspirado de alívio quando Murray desligou a ignição.

Depois Murray ficou sem reação e era a altura do assassino atuar.

Riley imaginou o assassino a soltar o cinto e a afastar Murray do volante...

“Como se eu fosse um trapo,” Lembrava-se Riley de Murray ter dito.

O assassino era grande e forte, e Murray era um rapaz pequeno. O assassino levantou Murray sem qualquer esforço. Entretanto, a boca de Murray movia-se e ele gemia, mas não conseguia lutar ou prostestar.

Riley saiu do carro, retomando os movimentos do assassino.

Primeiro o assassino baixou o corpo mole de Murray ao chão da garagem. Depois precisava de uma escada.

Riley olhou à sua volta.

Ali, Pensou, reparando num espaço na parede junto às prateleiras.

Riley caminhou para o local onde a escada estaria encostada e continuou a pensar nos movimentos do assassino.

Ele pegou na escada e preparou-a – não onde estava agora, mas uns metros mais afastada.

Mas de onde veio a corda? Interrogou-se Riley.

Talvez a tenha encontrado na garagem, mas Riley duvidava. Era mais provável que a tivesse consigo. Devia tê-la guardada numa bolsa. O laço já devia estar atado.

Riley imaginou o assassino a colocar a corda à volta do pescoço de Murray e a puxar o laço com força. Ergueu Murray pela escada e atou a ponta da corda na trave. Por fim, Desceu da escada e retirou-a debaixo de Murray.

Riley recuou e tentou abarcar a cena.

Como é que o assassino se sentiu quando viu Murray a dar pontapés, os dedos a tentarem tirar a corda do pescoço?

Júbilo?

Euforia?

Ou uma satisfação mais tranquila?

Mais uma vez, o instinto de Riley parecia não estar a corresponder. Não conseguia obter uma sensação forte a respeito da cena.

A única emoção que conseguiu registar foi o terror drogado do próprio Murray.

Ela reparou que Bill a observava com grande interesse, sem dúvida à espera que as suas habituais perceções emergissem.

Mas Riley não sentia nada.

O assassino ainda era um vácuo, uma ausência.

Não sentiu absolutamente nada a seu respeito.

Caminhou na direção da porta ligeiramente erguida e rastejou debaixo dela para a luz do dia.

Fora ali que Murray rastejara para o exterior. E fora por ali que o assassino saíra.

Olhou lentamente à sua volta.

Como é que o assassino saiu daqui?

E para onde foi?

Não fazia ideia.

Deve ter saído para algum sítio, Pensou.

Mas não o sentia. Não tinha qualquer sensação a seu respeito.

Seria este monstro tão poderoso que conseguia bloquear as habituais capacidades?

O pensamento arrepiou-a.

Bill e Trey saíram da garagem ao seu encontro.

“Alguma coisa?” Perguntou Bill.

Riley suspirou, profundamente desiludida consigo própria.

“Vem,” Disse a Bill. “Vamos voltar à UAC.”


CAPÍTULO VINTE E UM


Quando Riley e Bill regressaram a UAC foram saudados na entrada por um invulgarmente entusiástico Brent Meredith.

“Temos o relatório preliminar forense do Trey Beeler,” Disse ele. “Nada de útil surgiu na garagem até agora. Ele confirmou que a cerveja estava cheia de alprazolam tal como esperava. As impressões digitais não coincidem com ninguém na nossa base de dados. Ainda estão a trabalhar nas amostras de ADN.”

“Então nada com que trabalhar?” Perguntou Bill.

“Não, mas acabei de receber uma chamada do Mike Nevins,” Disse Meredith. “Ele quer falar com a equipa. Penso que terá alguma coisa para nós.”

Foi rápido, Pensou Riley.

Ela esperava que a conversa de Mike com Murray Rossum lhes permitisse obter dados novos.

Riley e Bill seguiram Meredith à sala de reuniões onde Craig Huang e Lucy Vargas já se encontravam. Meredith ligou a Mike Nevins e colocou-o em alta voz.

“Obtive alguma coisa,” Disse Mike à equipa. “O Murray conseguiu lembrar-se de mais pormenores acerca do aspeto do assassino. O artista conseguiu fazer um bom esboço. Envio-vos por e-mail de imediato.”

Pouco depois, as cinco pessoas que se encontravam na dala de reuniões já observava o desenho nos seus telemóveis.

“Excelente,” Disse Meredith a Mike. “É um ótimo retrato.”

Riley concordava. Era invulgarmente vivído para o desenho de um suspeito. Dane – se fosse esse o seu nome verdadeiro – tinha um rosto largo e forte. O cabelo era espesso e desgrenhado, e sobrancelhas pesadas debruçavam-se sobre um par de olhos hostis. O nariz parecia grosso e redondo. Mas Riley considerou que o traço mais impressionante era a boca. Os lábios finos eram ligeiramente torcidos, mostrando uma expressão de gozo permanente.

Parecia que as capacidades de Mike tinham realmente ativado a memória de Murray. Perguntou-se se o psiquiatra teria usado hipnose.

Ao mesmo tempo, algo começava a incomodá-la.

Seria a imagem demasiado boa, demasiado vívida?

Ela sabia que por vezes as vítimas de traumas podiam confabular, aparentemente recordar coisas que não tinham acontecido.

Riley tentou afastar essas dúvidas. Afinal de contas, Mike era fantástico no que fazia.

“Lembrou-se de mais alguma coisa?” Perguntou Bill a Mike.

“Sim. O atacante mencionou a Murray que estava a sair com alguém.”

“Um homem?” Perguntou Riley, recordando a natureza do encontro de Murray com o assassino.

“Não, uma rapariga. Uma aluna de Byars. O seu nome é Patience. Murray pensa que ele não mencionou o último nome.”

Patience! Pensou Riley

Que pais davam um nome daqueles a uma filha? Aquele nome não tinha passado de moda como Gilbert ou Sullivan?

Ainda assim, era uma dica de valor. Poderia até ser a chave para resolver o caso.

“Já agora,” Acrescentou Mike, “Murray vai sair do hospital amanhã. Vai para casa.”

Riley ficou surpreendida. O rapaz parecera tão fraco e frágil na sua cama de hospital.

“Não é um pouco cedo?” Perguntou Riley.

Mike não disse nada durante alguns segundos.

“Também assim pensei de início,” Disse Mike. “Mas ele quer mesmo ir para casa. Está em contacto com o pai que está na Alemanha neste momento. O pai entrou em contacto com o hospital e ordenou que o deixassem sair. A verdade é que penso que não faz mal. Vão contratar uma enfermeira para ficar com ele em casa. O rapaz vai ter todos os cuidados de que precisa. Não está muito mal fisicamente e provavelmente vai reagir melhor em termos emocionais estando em casa.”

Riley percebeu que Mike teria razão. E depois de ver a casa, Riley tinha a certeza de que a segurança era excelente. A família iria certamente reforçá-la quando o Murray chegasse a casa. Estaria muito mais seguro lá do que no hospital.

“Obrigado pelo excelente trabalho, Mike,” Disse Meredith.

“Fico feliz por poder ajudar,” Disse Mike. “Digam-me como vão correndo as coisas e se posso ajudar de mais alguma forma.”

Terminaram a chamada.

Meredith começou a dar ordens.

“Agente Huang, vá à fraternidade Pi Delta Beta. Fale com os rapazes lá, veja se alguém se lembra deste tipo com quem o Murray saiu. Descubra se alguém o conhece.”

“Vou já para lá,” Disse Huang.

Levantou-se e abandonou a sala.

“Paige e Jeffreys, vão já para Byars. Não deverão ter dificuldades em encontrar uma rapariga que se chame Patience.”

Lucy falou timidamente.

“Posso ir com os Agentes Paige e Jeffreys?” Perguntou.

Meredith sorriu. E Riley também. Porque Lucy era novata na UAC, Riley sabia que estava ansiosa por deixar a sua marca como agente. E Riley e Bill gostavam de trabalhar com ela.

“Absolutamente,” Disse Meredith. “Vocês os três, vão já.”

Quando os três agentes se levantaram para partir, Meredith acrescentou rigidamente, “E voltem com resultados!”


*


Um pouco mais tarde, Riley, Bill e Lucy chegaram ao campus de Byars que parecia tão frio e pouco hospitaleiro como sempre. Dirigiram-se ao gabinete do reitor onde a secretária os cumprimentou com os seus modos habitualmente frios.

Pegou numa pasta da sua secretária.

“Aqui está toda a informação que consegui reunir,” Disse ela. “Todos os registos que temos de todos os alunos, pessoal e professores que podem ter problemas mentais.”

Depois acrescentou com um olhar arrogante. “É uma pasta bem pequena. Não temos muitos desses problemas aqui em Byars.”

Entregou a pasta a Bill e sentou-se de braços cruzados. Era um gesto silencioso que convidava Bill, Riley e Lucy a irem-se embora.

Em vez disso, os três agentes não arredaram pé e olharam para ela – a sua forma silenciosa de lhe dizerem que tinham que falar com o reitor outra vez.

A secretária soltou um suspiro irritado. Depois levantou-se e abriu a porta do gabinete do reitor anunciando as visitas.

O reitor saiu, parecendo tão infeliz como habitualmente por vê-los.

“Já de volta!” Resmungou. “Com que tipo de disparate é que me vão incomodar agora?”

Riley disse, “Senhor, lamentamos informá-lo de que outro dos seus alunos foi atacado. Chama-se Murray Rossum.”

Os olhos de Autrey dilataram-se alarmados. Riley percebeu que ele de imediato reconheceu o nome. Sem dúvida que considerava os Rossum importantes e influentes – não o tipo de família com que quisesse ter problemas.

“Meu Deus!” Disse ele. “Em que estado está o rapaz?”

“Sobreviveu à justa,” Disse Bill. “Foi capaz de dar uma boa descrição do atacante.”

Riley mostrou-lhe uma impressão do esboço.

“Alguma vez viu este jovem?” Perguntou ela. “Pode apresentar-se como Dane.”

Autrey mal olhou para o esboço e disse, “Nunca o vi na minha vida. É tudo o que deseja saber?”

“E necessário espalhar esta foto pelo campus,” Disse ela.

Autrey revirou os olhos, exasperado.

“Ouça,” Disse ele. “Acabei de colocar um aviso que deixou o campus num estado de quase pânico e agora...”

Riley interrompeu.

“Tem que fazer isto. É uma questão de vida ou de morte.”

Autrey pegou no esboço e olhou para ele mais atentamente com os seus óculos de leitura.

“Chama-se Dane? Definitivamente que não é um dos nossos alunos.”

“Não pensamos que seja,” Disse Bill.

Autrey franziu as sobrancelhas.

“Bem, vamos por um ponto final nisto, isso garanto-lhe. Vou assegurar-me que a segurança do campus esteja atenta a ele. Tem uma grande lata, vir aqui importunar os meus alunos.”

“Importunar?” Pensou Riley.

Era óbvio que o reitor ainda não conseguia soletrar a palavra homicídio.

Autrey entregou o esboço à secretária.

“Menina Engstrand, faça cópias disto e assegure-se de que é colocado em todos os locais apropriados.”

Depois virou-se para Riley, Bill e Lucy.

“Agora se me derem licença, estão novamente a interromper a minha agenda muito preenchida.”

Lucy interrompeu-o antes que regressasse ao gabinete.

“Precisamos de outra coisa, De acordo com Murray, o atacante disse que namorava com uma aluna de Byars. O seu primeiro nome é Patience. Não sabemos o seu último nome.”

Autrey ergueu as sobrancelhas.

“Patience. Sim, o nome não me é estranho. Menina Engstrand, não se importa de verificar?”

A secretária escreveu no computador.

“Chama-se Patience Romero,” Disse ela. “Uma rapariga Mexicana da Cidade do Méxido. Aqui está a sua foto.”

Bill, Riley e Lucy rodearam o monitor do computador.

A rapariga era bonita – de pele clara e loira.

Riley ficou levemente surpreendida. Patience não lhe parecia Mexicana, mas de imediato se sentiu envergonhada consigo própria pelo estereótipo que pressupôs. A simples ideia de que havia um aspeto Mexicano estandardizado – porque pensaria numa coisa dessas?

Mas quando olhou para Lucy, não conseguiu deixar de reparar na pele mais escura da agente Mexicana-Americana e cabelo espesso e negro. Riley também observou uma expressão estranha no rosto de Lucy quando viu a foto de Patience.

Será que a Lucy conhece esta rapariga? Pensou Riley.

Se conhecia, não o disse.

“Precisamos de falar com esta rapariga,” Disse Bill. “Como podemos entrar em contacto com ela?”

A secretária acedeu ao horário escolar da rapariga.

Disse, “A sua aula de psicologia termina daqui a alguns minutos. Se se despacharem até Howard Hall, conseguirão apanhá-la a tempo de sair do edifício.”

A secretária orientou-os e Riley, Bill e Lucy foram diretamente para o edifício antigo.

Um grupo de alunos estava a sair. Mais uma vez, Riley reparou na estranha falta de camaradagem entre os alunos – nada de alegria, nada de conversa fiada. Cada um parecia isolado e determinado a ir para a próxima aula o mais rapidamente possível.

Com a sua beleza pálida, foi fácil localizar Patience Romero. OS três agentes abordaram-na, mostrando os distintivos.

Bill disse, “Sou o Agente Especial Bill Jeffreys do FBI. Estas são as Agentes Paige e Vargas. Podemos ir a algum lado para falarmos?”

A rapariga não respondeu de imediato. Riley viu que ela olhava para Lucy que também a fitava.

Por fim, a rapariga disse, “Podemos falar na união de estudantes. Venham comigo.”

Ao caminharem em direção à união, Riley continuou a sentir uma tensão palpável entre Lucy e a jovem aluna.

O que é que se passa aqui? Interrogou-se Riley.


CAPÍTULO VINTE E DOIS


Lucy Vargas quase desejava não os ter acompanhado naquele dia. Sentiu-se muito desconfortável ao caminhar na direção na união de estudantes com os Agentes Paige e Jeffreys e Patience Romero.

De qualquer das formas, Lucy sabia que tinha que lidar com aquilo de forma profissional.

Se não consigo lidar com isto, como posso fazer o meu trabalho? Perguntou a si própria.

Os três agentes seguiram a rapariga até ao edifício antigo. Sentaram-se em cadeiras à volta de uma mesa na área comum. Agora Patience sorria aos Agentes Paige e Jeffreys e evitava cuidadosamente o contacto visual com Lucy.

“Não é uma escola magnífica?” Disse Patience. “É uma das melhores, abem. Não é fácil ser aceite aqui. E é muito caro. Mas a minha família pode pagar. O meu pai é um homem muito importante na Embaixada...”

A rapariga continuou a falar quase sem sotaque hispânico, não dando a ninguém a oportunidade de falar. Ao falar, ajeitava ocasionalmente o seu cabelo loiro com os dedos de uma mão. A outra mão repousava na mesa, mostrando um impressionante anel de diamantes.

Lucy percebeu a perplexidade nos rostos dos colegas. No final de contas, Patience Romero estava tão ocupada a gabar-se sobre o passado da família que nem lhe conseguiam fazer uma pergunta.

Mas Lucy compreendia a situação perfeitamente.

Era uma coisa cultural, uma coisa de classe.

Tendo nascido e sido criada nos EUA, Lucy raramente tivera que lidar com aquele tipo de situação.

Mas a mãe de Lucy, nascida no México, tinha-lhe falado sobre isso.

Chamava-se malinchismo – uma identificação obsessiva com as culturas Norte Americana ou Europeia. Mesmo o nome não hispânico da rapariga, Patience, refletia a sua atitude. Ela tinha obviamente orgulho do seu cabelo loiro e compleição pálida, sinais de ancestralidade puramente Europeia.

E num rosto mais escuro como o de Lucy, uma rapariga daquelas via tudo o que desdenhava. Lucy compreendia que era uma india para Patience – alguém com raízes indígenas. No que dizia respeito a uma güera orgulhosa como Patience, Lucy estava numa posição servil.

Ela não gostava que Lucy tivesse um distintivo e autoridade.

Por isso estava determinada a ignorar a presença de Lucy ao máximo.

Ainda assim, tudo o que dizia na realidade se dirigia a Lucy. Patience demonstrava a sua superioridade cultural.

Finalmente, Riley conseguiu interromper o fluxo interminável de palavras da rapariga.

“Patience, estou certa de que ouviu falar que alguns alunos de Byars foram mortos. Estamos aqui para lhe colocar algumas perguntas.”

Agora a rapariga parecia positivamente aborrecida.

“Bem, claro que não sei nada a esse respeito,” Disse ela num tom altivo.

Lucy viu Riley e Bill a olharem um para o outro. Ela gostava de lhes poder explicar o que é que se passava. Ela sabia que Patience não queria discutir algo sério como um homicídio na sua escola superior à frente de uma india.

Talvez devesse levantar-me e ir-me embora, Pensou. Poderão obter mais informações se eu não estiver aqui.

Mas não, ela não podia fazer isso. Seria uma completa falta de profissionalismo. Tinha que dar o seu melhor para participar. Mas como?

Bill perguntou, “Conhece um aluno chamado Murray Rossum?”

A rapariga revirou os olhos.

“Não me parece. Deveria conhecê-lo?”

Lucy fez um esforço por falar.

“Foi atacado em casa ontem à noite. Quase morreu.”

Os olhos azuis de Patience faiscaram na direção de Lucy com indignação.

“E porque saberia eu alguma coisa a esse respeito?” Disse rispidamente a Lucy. “Não sei porque é que me fazem essas perguntas.”

Agora Lucy começava a sentir-se zangada.

Será que ela não compreendia que aquele não era o momento mais indicado para ser snob?

“Murray mencionou o seu nome,” Disse Lucy.

Riley pegou no esboço que tinha no telemóvel e mostrou-o a Patience.

“O atacante de Murray tinha mais ou menos este aspeto,” Disse Riley. “Poderá chamar-se Dane. Não é aluno aqui e conduz uma pickup. Ele disse a Murray que namorava consigo.”

Patience soltou um pequeno riso sarcástico.

“A sério? Não é aluno e conduz uma carrinha, e...”

Apontou para o esboço.

“E tem esse aspeto? Não me parece. E não estou certa de que é que me acusam?”

Bill parecia completamente desconcertado.

“Não a estamos a acusar de nada,” Disse ele.

“Só queremos saber se conhece este homem,” Disse Riley. “Tem a certeza?”

Patience afastou o esboço com um gesto da mão.

“Tenho a certeza absoluta. E se não se importam, tenho que me ir embora. Tenho outra aula já de seguida. As minhas são excelentes e...”

Depois, olhando novamente para Lucy, acrescentou, “E a minha família espera muito de mim.”

Patience levantou-se com a intenção de se ir embora.

Lucy começava a sentir uma nova emoção que a surpreendeu.

Era pânico.

Esta rapariga podia estar em perigo e ignorava-o apenas por ressentimento.

Antes de Patience partir, Lucy disse, “Patience, isto é sério. Um assassino está a perseguir os alunos deste campus. Se alguém parecido com o tipo neste esboço se aproximar de si, tem que pedir ajuda de imediato. E não ande sozinha no campus.”

A rapariga pegou nos seus livros.

“Eu sei como me manter segura,” Disse ela a Lucy. “Sei tomar conta de mim, obrigada.”

Depois saiu da cafetaria.

Bill e Riley olhou um para o outro estupefactos.

“O que é que foi aquilo?” Perguntou Bill.

Lucy suspirou amargamente.

“Eu explico-vos a caminho de Quantico,” Disse ela.

Lucy e os Agentes Paige e Jeffreys levantaram-se e caminharam na direção do carro. Lucy estava cada vez mais preocupada.

Se acontecesse alguma coisa a Patience Romero, como evitaria sentir-se culpada?


*


Riley sentia-se desiludida quando chegou a casa nessa tarde. April já tinha chegado a casa e cumprimentou-a na sala de estar.

“A Jilly está em casa?” Perguntou Riley.

“Está lá em cima a fazer os trabalhos de casa. Ela agora está mesmo a gostar das aulas.”

Riley soltou um suspiro de alívio. Pelo menos as coisas pareciam estar a correr bem em casa.

“Com vai o caso?” Perguntou April.

“Não sei bem, April,” Disse Riley.

“Bem, estás a ter imensa ajuda, não é é? Quero dizer, até tens a Lucy a trabalhar contigo.”

Riley não respondeu. Ela sabia que a April gostava de Lucy. Mas Lucy tinha tido um problema nessa tarde na conversa que tinham entabulado com Patience Romero. Lucy tinha explicado a Riley e Bill que era uma coisa Mexicana relacionada com classe.

Como é que ela lhe chamara.

Ah, sim, Lembrou-se. Malinchismo.

Parecia basear-se numa antiga lenda Mexicana acerca de um Espanhol e uma rapariga nativa.

Riley sabia que o problema daquela manhão não era culpa de Lucy. Mas Lucy culpava-se. Riley receava que Lucy tivesse dificuldades em reentrar no jogo.

“Pareces tão preocupada,” Disse April. “Posso ajudar em alguma coisa?”

Riley ficou comovida com a preocupação da filha.

“Na verdade, talvez haja,” Disse Riley. “Vamos conversar com a Tiffany.”

Riley e a filha foram para o escritório de Riley, e ligaram a Tiffany para um chat de vídeo.

“A mãe está a trabalhar arduamente no caso,” Disse April a Tiffany.

“Estou tão contente,” Disse Tiffany.

“Ela tem algumas perguntas para ti,” Disse April.

Riley mostrou a Tiffany o esboço.

Riley disse, “Sei que não passas propriamente muito tempo no campus de Byars, mas preciso de saber se este rosto te parece familiar.”

Tiffany olhou para a imagem.

“É este o homem que matou a minha irmã?” Perguntou.

“Pensamos que pode ser,” Disse Riley.

Tiffany estremeceu.

“Penso que nunca o vi. Penso que me lembraria desse rosto.”

“Tens a certeza?” Perguntou April.

Riley acrescentou, “Parece chamar-se Dane.”

Tiffany piscou os olhos e olhou com mais atenção.

“Também não me lembro do nome,” Disse Tiffany. “Mas até pode ser i rapaz estranho de que a Lois me falou. É aluno?”

“Não nos parece,” Disse Riley.

“Então não me parece que fosse ele.”

Riley pensou durante alguns instantes sobre que mais perguntar.

“A tua irmã alguma vez falou num rapaz chamado Murray Rossum?” Perguntou.

“Não me parece. Porquê?”

“É um nome que surgiu,” Disse Riley. Só perguntava para garantir que não deixava pontas soltas.

Seguiu-se um silêncio.

Riley não se lembrava de mais perguntas a colocar a Tiffany.

“Obrigada por agira,” Disse Riley. “Ajudaste imenso.”

O rosto de Tiffany entristeceu.

“Eu não ajudei nada,” Disse ela. “Tenho-me sentido tão impotente e mal.”

Antes de Riley responder, April falou.

“Não fiques assim Tiffany. Estás a ouvir-me? Nada disto é culpa tua. Eu sei o que é querermos culpar-nos de coisas que não conseguimos evitar. Mas não podes fazer isso. Continua a dizer a ti própria que a culpa não é tua.”

Riley sorriu. April estava a dizer a Tiffany exatamente o que ela precisava de ouvir. Era esse o motivo pelo qual ela tinha incluído April na conversa.

Tiffany assentiu e disse, “OK.”

“É verdade,” Disse April. “Não te esqueças.”

Terminaram o chat de vídeo e Riley colocou um braço por cima do ombro de April.

“Lidaste com a situação muito bem,” Disse Riley.

“Não fiz nada de especial,” Disse April a corar.

“Fizeste sim. Tu sabes que fizeste.”

April riu-se um pouco. “Pois, acho que talvez tenha feito. Bem, vou até lá abaixo para ajudar a Gabriela a preparar o jantar. Tenho a certeza que tens trabalho para fazer.”

April abraçou a mãe e saiu do quarto.

Riley sentou-se à secretária durante alguns instantes, tentando organizar os pensamentos. Depois pegou no telefone e ligou a Craig Huang.

“Como é que correram as coisas hoje na fraternidade?” Perguntou ela.

“Não demos com nada,” Disse Huang. “Mostrámos o esboço a todos os rapazes, dissemos-lhes o que tinha acontecido a Murray. Ninguém reconheceu o tipo do esboço. Ninguém se lembrava do tipo com quem o Murray tinha saído.”

Riley ficou surpreendida.

“Como é que é possível?” Perguntou Riley.

Huang soou defensivo.

“Não me culpe, sou apenas o mensageiro. Dizem que muitas pessoas entram e saem nas suas festas. Fosse quem fosse, não se destacou.”

Riley duvidava de que Huang tivesse feito as perguntas certas. Talvez não estivesse a evoluir tão bem como ela pensava. Mas não valia a pena bater na mesma tecla. Agradeceu-lhe e terminou a chamada.

Depois começou a rever informação no computador – relatórios das mortes, histórias de jornais e fotos das vítimas.

Parecia muita informação.

Por isso, porque é que ela sentia que ela e a equipa não estavam a progredir?

Isto não vai ser fácil, Pensou Riley.


*


Riley estava a dormir quando sentiu uma mão no seu ombro.

“Mãe! Mãe! Acorda!”

Riley abriu os olhos e viu a luz da manhã a entrar pela janela do seu quarto.

Era manhã cedo e ela dormira a noite toda. Pelo menos não tinha tido pesadelos pelo meio. Não que se lembrasse.

“O que foi?” Perguntou Riley. “O que se passa?”

“A Tiffany acabou de ligar. Lembras-te daquele rapariga com quem falámos em Byars, a Piper Dust?”

Riley tentou organizar os pensamentos.

“A amiga da Lois,” Disse ela, lembrando-se do chat de vídeo com a rapariga chamada Piper.

O rosto de April estava aceso de entusiasmo.

“Isso,” Disse ela. “Bem, a Piper ligou à Tiffany esta manhã. Ela diz que o namorado pensa que viu o tipo do esboço. Boas notícias, não achas?”

Riley sentou-se na cama.

“Podem ser,” Disse ela.

“Então o que é que vais fazer?” Perguntou April.

“Vou ligar ao Bill e à Lucy. Precisamos de ir a Byars falar com esse rapaz.”

April saltitava.

“Também posso ir?” Perguntou.

“Nem pensar,” Disse Riley.

April ficou desiludida.

“Oh, mãe.”

“Tens escola hoje. Agora vai para baixo e toma o pequeno-almoço. E por favor assegura-te que a Jilly vai para a escola sem problemas.”

April saiu do quarto a resmungar. Riley sabia que Gabriela trataria de alimentar e mandar as duas miúdas para a escola, mas queria encorajar April a assumir essa responsabilidade. Ela tinha orgulho na forma como a filha estava a crescer.

Riley remexeu à sua volta, vestindo-se.

Pode ser isto, Pensou. Pode ser isto que precisamos para avançar.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


Riley enviou uma mensagem rápida a Bill e Lucy.

Podemos ter uma boa pista em Byars. Apanho-vos.

Depois partiu para os ir buscar. Ambos tinham casa na cidade de Quantico próximo da base da UAC.

Bill já estava entrada quando ela lá chegou.

“O que é que descobriste?” Perguntou-lhe quando entrou no carro.

“Alguém pensa que reconheceu o tipo do esboço. E a pickup. Vamos buscar a Lucy e tratar do assunto.”

O apartamento de Lucy era apenas a alguns quarteirões de distância. A agente mais jovem saiu do edifício mal eles encostaram, mas não disse uma palavra quando entrou para o banco de trás. Riley percebeu que estava soturna.

“Para começar,” Disse-lhe Riley. “Sei que estás infeliz com o que aconteceu ontem. Mas acredita quando te digo que não será a tua última entrevista que corre mal. Desta vez não foi culpa tua. Da próxima vez, o mais certo é meteres mesmo a pata na poça. Todos passámos por isso, por isso habitua-te. É altura de animares.”

Riley podia ver pelo espelho retrovisor que Lucy sorria.

“OK, chefe,” Disse ela. “Entendido.”

Bill deu uma risada.

“Bem, estou contente por termos esclarecido isto,” Disse ele. “Agora, com quem é que vamos ter?”

“A irmã da Lois Pennington recebeu uma chamada esta manhã de Piper Dust, amiga de Lois. Falámos com a Piper anteriormente e ela não nos soube dizer nada de últil, exceto que Lois lhe falara num tipo estranho. Mas parece que o namorado de Piper pode saber de alguma coisa. Vamos falar com ele.”

“Então os miúdos no campus estão finalmente a lembrar-se de alguma coisa,” Disse Lucy.

“Já não era sem tempo,” Acrescentou Bill.

Riley disse, “Bem, penso que começamos a ter uma ideia da distância de atuação do assassino. Não só todas as vítimas eram alunos de Byars, como todos viviam perto de DC.”

Pelo menos as vítimas de que temos conhecimento, pensou Riley.

Mas não o disse em voz alta.

Bill disse, “Agora que atacou uma vítima do sexo masculino, penso que podemos ter a certeza de que é bissexual.”

“Não necessariamente,” Disse Lucy. “Pelo menos, não bi.”

Riley ficou surpreendida e pressentiu que Bill também.

“O que é que queres dizer?” Perguntou Riley.

Lucy pensou por um momento.

“Penso que talvez seja um homossexual não assumido,” Disse ela. “Pensem nisso. Ele ataca raparigas – tenta provar a si próprio que é hétero. Mas não consegue manter o cenário. Finalmente ataca um rapaz. Quando o faz, não termina o trabalho. Nem sequer fica presente para garantir que a vítima morre. Mas todas as raparigas acabam mortas. Para mim isso sugere uma misoginia arraigada, juntamente com sentimentos eróticos reprimidos em relação aos homens.”

Riley olhou para Bill e Bill para Riley. Sorriram um para o outro.

Está mesmo de regresso ao jogo, Pensou Riley.

Era um excelente esforço de traçar um perfil tendo em consideração os poucos dados que tinham em sua posse até ao momento. E Riley não conseguia lembrar-se de uma teoria melhor.

Apesar de tudo, algo continuava a incomodá-la – um sentimento disforme de que algo estava fora do lugar.

Parecia que estava a formar teorias do ar, baseando-as em assunções e informação pouco fiáveis.

Os seus instintos não lhe diziam muito por aqueles dias. Mas bem lá no fundo, sentia que não devia tirar conclusões precipitadas.

Riley suspeitava que devia dar a devida atenção a esse sentimento.


*


Quando Riley, Bill e Lucy chegaram ao campus, dirigiram-se de imediato à união de estudantes onde tinham combinado encontrar-se com Piper e o namorado. Piper levantou-se de uma mesa e convidou-os a sentarem-se. Riley apresentou a rapariga a Bill e Lucy.

“Mas onde está o seu amigo?” Perguntou Riley a Piper.

Piper olhou à sua volta, parecendo surpreendida por o namorado não estar ali.

“Onde está ele?” Murmurou ela.

Depois os seus olhos fixaram-se num jovem do outro lado da sala. Olhava ociosamente para uma máquina de vending. Piper revirou os olhos e foi ao seu encontro. Riley não conseguia ouvir o que diziam, mas percebeu que Piper tentava convencê-lo a regressar à mesa.

Parecia que o miúod não estava propriamente ansioso por cooperar.

Mas porquê? Interrogou-se Riley.

Entretanto, Piper e o rapaz voltaram à mesa e sentaram-se.

“Este é o Kenneth – Kenneth Mohl,” Disse Piper. “O meu namorado.”

Kenneth fez um gesto com a cabeça mas evitou contacto visual.

DE imediato pareceram a Riley um casal estranho. Piper era robusta e extrovertida. Kenneth era magro, estranho e retraído, talvez dolorosamente tímido.

O que é que estes dois faziam juntos?

Mas então Riley lembrou-se de algumas das suas relações da faculdade. Não conseguia olhar para trás sem pensar...

Em que é que eu estava a pensar?

Provavelmente, a Piper olharia para trás e pensaria da mesma forma.

Piper deu uma palmadinha a Kenneth no ombro.

“O Kenneth viu o tipo do esboço, não foi Kenneth?”

Kenneth encolheu os ombros.

“Não sei. Talvez. Eu vi alguém.”

“Conte-nos por favor o que puder,” Disse Riley.

Kenneth ficou curvado sobre si próprio durante alguns instantes.

Depois disse, “OK, é assim. Ontem à tarde, o pessoal da faculdade distribuiu cópias do esboço por todo o campus. Não me dei ao trabalho de ver logo. Estava a caminhar por Howard Hall quando vi este tipo junto a u painel informativo. Olhava para a imagem. Parecia realmente muito interessado nela. Depois viu-me a ir na sua direção e afastou-se.”

Kenneth fez uma pausa.

“Diz-lhes o que aconteceu depois,” Incentivou-o Piper.

“Bem, eu olhei para a imagem e percebi que o tipo era muito parecido com aquele do esboço. Apressei-me para fora do edifício para ver se o conseguia ver melhor. Vi-o a ir-se embora na direção do parque de estacionamento. Entrou numa carrinha pickup e foi-se embora.”

Riley ficou extática com esta informação.

Uma carrinha pickup!

De acordo com Murray, o tipo que se chamava Dane disse que conduzia uma carrinha pickup. Mas tanto quanto Riley sabia, essa informação não fora partilhada com o público.

Riley pressentiu que Bill e Lucy também estavam entusiasmados.

“Consegue descrever a pickup?” Perguntou Bill.

“Sim,” Disse Kenneth. “Era uma Ford com mau aspeto. Era bastante velha – talvez dos anos 90.”

Riley ficou surpreendida com o nível de detalhe. Kenneth parecia ser uma testemunha muito melhor do que inicialmente esperara.

“Consegue lembrar-se de mais alguma coisa?” Perguntou Lucy.

O rapaz engoliu em seco.

“Não exatamente, mas...”

Mostrou um pedaço de papel. Com dedos trementes, entregou-o a Riley.

“Apontei isto,” Disse ele.

Riley pegou na nota. Quase perdeu o fôlego com a surpresa. Era um número de matrícula.

“Isto é uma grande ajuda,” Disse ela a Kenneth.

Os olhos de Kenneth dançavam entre os três agentes.

“Pensa que sim?” Disse ela. “Quero dizer, nunca fiz nada...”

Não conseguiu terminar o seu pensamento. Mas finalmente, Riley pensou que compreendia o que o incomodava. Kenneth não era apenas tímido mas muito sensível – e também esperto. Ele sabia que o que estava a fazer era algo sério e com consequências. Não estava habituado a fazer a diferença, sobretudo quando se tratava de algo tão terrível como um homicídio. Sentia-se desconfortável.

Pela experiência de Riley, as melhores testemunhas eram por vezes como ele – inseguras e profundamente preocupadas com as consequências dos seus atos.

“Fez a coisa certa,” Disse Riley.

Riley, Bill e Lucy agradeceram a Piper e Kenneth que se dirigiram às suas aulas. Riley ligou a Sam Flores e deu-lhe o número de matrícula. Disse-lhe que o veículo era provavelmente uma pickup Ford dos anos 90.

“Quanto tempo vai demorar a descobrir em que nome está registada?” Perguntou Riley.

Flores respondeu à maneira típica dos cromos.

“Dá-me exatamente quarenta e nove segundos,” Disse ele.

Riley sorriu a Lucy e Bill.

“Está a procurar,” Disse-lhes.

Mal passara meio minuto, Flores já tinha regressado ao telefone.

“A carrinha está registada em nome de Pike Tozer. Vive em DC na 1020 Beal View Drive. É eletricista mas parece não trabalhar para uma empresa. Talvez trabalhe por conta própria.”

Riley terminou a chamada e disse a Lucy e Bill o que Flores lhe tinha transmitido.

“De que é que estamos è espera?” Perguntou Lucy. “Vamos a casa dele.”

Mas Riley sabia que podia ser uma viagem desperdiçada. Poderiam não apanhar Pike Tozer em casa.

“Tenho uma ideia melhor,” Disse Riley.

Os três agentes dirigiram-se ao gabinete do reitor onde a secretária os saudou com a frieza habitual.

“O Reitor Autrey não está no gabinete,” Disse ela.

A porta do gabinete do reitor estava aberta e Riley podia ver que ninguém se encontrava lá dentro.

Desta vez está a dizer a verdade, Admitiu Riley.

“Tudo bem,” Disse Riley. “Tenho a certeza que nos pode ajudar. A universidade Byars contrata trabalhadores independentes para pequenas reparações? Por exemplo, para trabalhos de eletricidade?”

A mulher franziu o sobrolho. A ideia de ser útil de alguma forma parecia-lhe positivamente repugnante. Riley partiu do princípio de que o reitor lhe deixara indicações para dar o mínimo de informações ao FBI.

Ainda assim, respondeu, “Sim, o nosso sistema elétrico é muito antigo. Um dia teremos que o substituir completamente, mas ainda não temos os fundos para o fazer. Contratamos eletricistas freelance para resolverem esses problemas.”

“Alguma vez contrataram um eletricista chamado Pike Tozer?” Perguntou Riley.

A mulher continuou a franzir a sobrancelha silenciosamente.

Riley disse numa voz encantadora,” Menina Engstrand, espero que isto não tenha que se tornar difícil.”

A mulher emitiu um grunhido baixo. Era óbvio que entendia o significado do que Riley acabara de dizer – que a ameaça de uma intimação continuava a pairar. Pegou no telefone e fez uma chamada. Riley tinha a certeza de que ligava para o departamento de manutenção.

Perguntou, “Costumamos contratar um eletricista chamado Pike Tozer?”

Ouviu o que lhe diziam e depois terminou a chamada sem dizer palavra.

Olhou em silêncio para os agentes.

Depois disse, “O Sr. Tozer está a trabalhar no campus neste preciso momento. Podem encontra-lo na cave de Olmsted Hall.”

“Terá a gentileza de nos informar onde poemos encontrar Olmsted Hall?” Perguntou Riley.

A mulher resmungou novamente e entregou a Riley um panfleto com um mapa do campus.

Um momento mais tarde, Riley, Bill e Lucy já atravessavam o campus.

Lucy praticamente explodia de excitação.

“É isto,” Disse ela. “Sinto-o nas entranhas.”

Riley estava contente por Lucy ter animado.

Também Riley se sentia com esperanças.

Caminharam pelo campus até Olmsted Hall, um edifício majestoso de tijolo com uma torre de relógio. Num pequeno parque de estacionamento junto ao edifício Riley viu alguns carros e entre eles, a velha pickup Ford.

As coisas estão a encaminhar-se da melhor maneira, Pensou Riley.

Riley, Lucy e Bill entraram no edifício. Viram um homem de aspeto muito profissional a cruzar a entrada.

“Peço desculpa,” Dirigiu-se-lhe Riley. “Pode dizer-nos como chegamos à cave?”

O homem pareceu intrigado.

Mas quando Riley lhe mostrou o distintivo, ele apontou para o local.

“Vire à esquerda no fim deste corredor. A porta da cave está no fundo desse corredor.”

Quando chegaram à porta, os três agentes olharam uns para os outros. Riley sabia no que todos estavam a pensar.

Isto vai ser fácil ou difícil?

Riley abriu a porta. Um lance de escadas conduzia a uma cave húmida e escura.

“FBI,” Disse Riley. “Estamos à procura de Pike Tozer.”

Ninguém respondeu.

Mas o instinto de Riley tinha entrado em ação.

Ela pressentia que ele estava ali em baixo.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


O coração de Lucy batia aceleradamente quando ela e os Agentes Paige e Jeffreys se encontravam no topo das escadas da cave.

É agora, Pensou ela.

O suspeito estava lá em baixo.

E talvez, apenas talvez, fosse a sua oportunidade de compensar a forma como tinha lidado com a entrevista a Patience no dia anterior.

Riley falou novamente, “Pike Tozer está aqui? Alguém está aqui?”

Mais uma vez não obteve resposta. O único som que ouviam era o ruido da fornalha do edifício.

Em silêncio, Lucy indicou aos outros que ela devia ir primeiro. Começou a sacar a arma. Riley tocou-lhe na mão para a parar.

Ela sabe alguma coisa que eu não saiba? Interrogou-se Lucy.

Depois a própria Riley começou a descer as escadas e o Agente Jeffreys seguiu próximo atrás dela.

Mantendo a mão junto à arma, Lucy seguiu-os. A grande fornalha dominava grande parte da cave. Observando cautelosamente, contornaram-na.

Encontraram-no no extremo oposto da cave.

Tinha uma caixa de ferramentas aberta e estava a mexer num fio com uma ferramenta.

Também usava um par de fones.

Lucy reprimiu um suspiro envergonhado.

Era por isso que não respondera.

Não conseguia ouvir Riley.

Riley evitara uma cena ridícula ao não entrar ali com a arma em riste.

Riley não parava de a surpreender. De alguma forma, quando ainda se encontravam no topo das escadas, Riley soubera que ele não representava perigo imediato. Lucy esperava ter os mesmos instintos um dia. Podia demorar anos, mas estava determinada a desenvolver essas capacidades.

Até ao momento, o homem não tinha sequer reparado que tinha companhia.

Riley proferiu o seu nome em voz mais alta.

Desta vez ele saltou alarmado. Retirou os fones.

Os três agentes mostraram os seus distintivos e Riley disse-lhe quem eram.

“De que é que se trata?” Perguntou o homem numa voz profunda e grave.

Riley mostrou-lhe o panfleto com o esboço.

“Estamos à procura deste homem,” Disse ela.

Os olhos de Lucy dançavam entre o homem e o panfleto.

Sem dúvida que pareciam muito parecidos – o mesmo cabelo desgrenhado, o rosto largo, os olhos escuros. Para Lucy a boca era um pouco diferente do esboço – de alguma forma, menos desdenhosa. O nariz também era diferente mas tinha a certeza de que eram pequenos pormenores.

Este é o nosso homem, Pensou.

O homem olhou para o retrato, os olhos demonstrando incerteza.

“Sim, vi o panfleto em Howard Hall. Penso não o ter visto. Ligo ao FBI se o vir.”

E voltou ao trabalho – ou talvez só fingisse fazê-lo, pensou Lucy.

O Agente Jeffreys disse, “Gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas.”

O homem abanou a cabeça enquanto mexia nosfios.

“Ouçam, estou muito ocupado,” Disse ele. “Podemos falar mais tarde?”

Lucy disse, “Seria melhor se nos pudesse acompanhar.”

O homem olhou para os três agentes.

Parecia estar surpreendido.

Mas estaria de facto?

Lucy duvidava.

Parece mais estar assustado, Pensou.

“Alto lá,” Disse ele. “Sou um suspeito?”

Olhou com mais atenção para o panfleto.

“Pensam mesmo que sou parecido com este tipo? É que a mim não me parece.”

Lucy tinha a certeza que estava a mentir. Como é que ele ou outra pessoa qualquer podiam olhar para aquele esboço e não ver a semelhança?

Riley perguntou, “Pode indicar-nos onde estava segunda-feira logo de manhã?”

O Agente Jeffreys acrescentou, “E nas primeiras horas da manhã do domingo da outra semana?”

O homem manteve-se em silêncio durante alguns instantes. Depois encolheu os ombros.

“A dormir em casa, acho.” Disse ele.

“Consegue prova-lo?” Perguntou o Agente Jeffreys.

O homem forçou um sorriso.

“Provar o quê? Que estava a dormir?”

O sorriso desapareceu.

“Parece que o melhor é arranjar um advogado,” Disse ele.

Lucy avançou.

“Talvez seja melhor,” Disse ela.

Estava prestes a dizer-lhe que estava detido quando Riley a prendeu pela manga. Virou-se e olhou para Riley que abanou ligeiramente a cabeça.

Lucy mal conseguia acreditar.

Iam deixar este tipo safar-se?

Riley disse, “Lamentamos tê-lo incomodado Sr. Tozer. Por favor informe-nos se vir a pessoa do retrato.”

Lucy seguiu os Agentes Paige e Jeffreys escadas acima e para o exterior do edifício.

Enquanto caminhavam em direção ao carro, Lucy protestou, “Porque é que não o levamos?”

“Porque não é o nosso homem,” Disse o Agente Jeffreys.

Lucy estava cada vez mais perplexa.

“Tem que ser,” Disse Lucy, tentando manter-se a par deles. “E a pickup?”

“Coincidência,” Disse o Agente Jeffreys.

Agora Lucy começava a ficar zangada.

“Não acredito em coincidências!” Disse ela.

Arrependeu-se do que dissera assim que as palavras saíram.

Os Agentes Paige e Jeffreys pararam de caminhar e olharam para ela.

“É melhor começares a acreditar em coincidências,” Disse Riley. “Porque elas acontecem de vez em quando. E vão fazer parte do teu trabalho.”

Lucy ripostou, “Mas ele era tão parecido com o esboço.”

“Não o nariz,” Disse Riley. “É muito mais fino.”

“Mas isso é apenas um detalhe,” Disse Lucy.

“Não um detalhe pequeno,” Disse o Agente Jeffreys. O artista desenhou um nariz quase bulboso. O Murray deve ter sido muito específico. Não é prov+avel que se tivesse enganado a esse respeito.”

Lucy não sabia o que dizer, mas a verdade começava a instalar-se. Ela tinha interpretado mal toda a situação.

Riley sorriu um pouco.

“E o sotaque do tipo?” Perguntou. “De onde dirias que é?”

“Do sul,” Disse Lucy. “Do sul profundo, diria. Alabama ou Mississippi ou outro lugar assim.”

Riley disse, “Quando falámos com o Murray ele tinha a certeza que o atacante era do norte – Boston ou Nova Iorque. E a descrição da voz dele?”

Lucy lembrava-se da impressão que tivera quando o homem começara a falar.

“Profunda e áspera.”

Riley disse, “Murray disse que a voz era aguda e estranha para um homem do seu tamanho.”

Bill deu uma risada quando se aproximavam do carro.

Disse, “E claro que podia ter inteligentemente disfarçado tanto o sotaque como a voz – ou quando estava a falar com Murray ou connosco. O que lhe parece essa teoria, Agente Vargas?”

Tudo começava a tornar-se claro para ela.

“Não é provável,” Disse ela. “Se disfarçasse a voz, também se daria ao trabalho de parecer diferente.”

“Agora estás a ver as coisas como são,” Disse Riley.

Lucy sentiu-se corar de vergonha.

“Agente Paige, Agente Jeffreys, eu...”

Riley interrompeu-a com uma risada.

“Não peças desculpa. Não estás a cometer erros. Estás a aprender. Talvez te conte todas as idiotices que fiz quando era novata.”

Bill também se riu.

“Tenho a certeza de que nunca te vou contar as parvoíces que fiz. Raios, ainda as cometo.”

Lucy também se riu, sentindo-se mais encorajada.

Nesse preciso momento, o telefone de Riley tocou.

Riley olhou para ele e disse, “É uma SMS de Murray Rossum. Quer que vá a casa dele.”

“Porquê?” Perguntou Lucy.

“Não sei,” Respondeu Riley. “Mas disse para ir apenas eu. Que tal vocês ficarem mais algum tempo por aqui?”

Lucy olhou para Bill. Ele anuiu e disse, “Claro.”

“Podemos continuar a mostrar o retrato,” Disse Lucy.

Riley entrou no carro e foi-se embora.


CAPÍTULO VINTE E CINCO


O SMS que Riley recebera de Murray Rossum era muito curta.


Venha ter comigo por favor.


Riley esperava que talvez o rapaz se tivesse lembrado de algum detalhe importante. E foi ao seu encontro.

Quando saiu do carro, Riley sentiu-se outra vez estranhamente desiludida com aquele lugar. Era grande mas muito simples. Não era o tipo de casa que esperaria de uma família envolvida em negócios imobiliários internacionais. Do exterior, não se comparava com a propriedade da congressista Hazel Webber no Maryland ou com a mansão de Andrew Farrell na Georgia.

Foi saudada à entrada por uma mulher alta e musculada. O terno formal da mulher era do tipo smoking, mas usava uma blusa vermelha com o colarinho desabotoado e sem gravata.

“Sou Maude Huntsinger, o mordomo dos Rossum,” Disse formalmente. “Posso perguntar qual a natureza da sua visita?”

Um mordomo mulher? Pensou Riley.

Depois sentiu-se ligeiramente chocada com o seu próprio preconceito. A pressuposição de que os mordomos tinham que ser homens, colara-se algures à sua mente. É claro que não tinha nenhuma razão para pensar dessa forma.

Riley mostrou o distintivo e apresentou-se.

“Estou aqui para falar com Murray Rossum,” Disse Riley. “Creio que está à minha espera.”

A mulher pareceu genuinamente surpreendida.

“Não tinha conhecimento,” Disse ela.

Riley mostrou-lhe a mensagem que tinha recebido.

“Aguarde um momento por favor,” Disse a mulher.

Desapareceu no interior da casa. Riley esperou na entrada. Começava a sentir-se impaciente quando a mulher finalmente voltou.

Disse, “Agente Paige, pode entrar.”

Riley seguiu a mulher. Ficou de imediato espantada com o que a rodeava. A modesta fachada da casa escondia um interior vasto e contemporâneo. Todas as paredes e chãos eram brancos, exceto o mármore preto da lareira. Um único e gigantesco quadro abstrato surgia no corredor – o trabalho de algum artista famoso de que nunca tinha ouvido falar, pensou Riley.

Dois homens robustos em fatos pretos falavam para microfones de pulso enquanto observavam Riley com atenção. Tinham armas sob os seus casacos. Riley partiu do princípio de que faziam parte da segurança extra que tinha sido contratada para proteger Murray. Mais pareciam agentes dos Serviços Secretos do que seguranças convencionais. Eram certamente caros e Riley esperava que valessem o dinheiro.

Perguntou à mulher, “Porque é que Murray me quer ver?”

“É difícil dizer,” Respondeu a mulher.

Após uma pausa, acrescentou num tom mais suave, “Temos estado preocupados com o jovem patrão Rossum. Ele não quer ver ninguém – até o pessoal de casa. Fecha-se no quarto ou vagueia pela casa sozinho. Vemo-lo pouco. Não tem estado em si.”

Riley seguiu a mulher por uma escadaria de degraus de madeira polida. A única forma de apoio era através da parede. Riley interrogou-se se alguém já teria caído daquelas escadas. Parecia-lhe uma estranha escolha de design.

Uma enfermeira vestida de branco encontrava-se no corredor do segundo andar. Parecia deslocada, como se não tivesse nada para fazer.

A mulher abriu a porta do quarto de Murray e anunciou a visita. Pediu a Riley para entrar e saiu, fechando a porta atrás de si.

Murray estava deitado numa cama imensa no meio de um vasto e despido quarto. Tinha puxado os cobertores até ao queixo.

“Obrigado por vir,” Disse ele calmamente.

Não sugeriu a Riley que se sentasse. Na verdade, não havia uma cadeira à vista. Riley sentiu-se desconfortável.

“Porque é que me quis ver sozinha?” Perguntou Riley.

“Não tenho a certeza,” Disse Murray.

Pensou por um momento.

“Tenho morrido de medo desde que... aconteceu. Por alguma razão, não confio em ninguém – nem nas pessoas que estão aqui para me proteger e tratar de mim. Nem nas pessoas que conheci a vida toda.”

Ele hesitou, depois acrescentou, “Eu sei que isto é estranho, mas você é a única pessoa que conheci em quem sinto que posso confiar. Não sei porquê.”

Riley não disse nada, mas julgava compreender porquê. A confiança era muitas vezes uma casualidade do trauma que Murray sofrera. Riley sabia disso por lidar com pessoas que tinham sofrido de SPT e da sua própria experiência.

Parecia-lhe estranhamente comovente que Murray apenas confiasse nela.

Também sabia que era completamente inútil.

“O que me pode dizer?” Perguntou Murray num tom desesperadamente tranquilo. “Diga-me por favor que estão a fazer progressos. Diga-me que estão prestes a apanhar o tipo que fez isto.”

Riley desanimou um pouco. Agora compreendia porque é que Murray lhe tinha enviado a mensagem. Era apenas porque queria ser pessoalmente acalmado por ela. Ela não lhe podia mentir, dizer que estavam à beira de fechar o caso a qualquer momento.

“Murray, estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance,” Disse Riley. “De qualquer das formas, está extremamente seguro aqui. Ninguém lhe pode fazer mal.”

Murray começou a chorar.

“Porque é que eu não consigo acreditar nisso?” Perguntou numa voz abafada.

“Acredite ou não, sei como se está a sentir,” Disse Riley. “Mas tem que confiar nas pessoas que estão a tentar ajudá-lo. Tem seguranças armados a olhar por si dia e noite. Maude é obviamente muito dedicada. E vi uma enfermeira ali fora que...”

Murray interrompeu-a impiedosamente.

“Não gosto dela. Há qualquer coisa de errado com ela. Vou despedi-la. Quero-a fora daqui hoje.”

A paranoia do rapaz começava a chocar Riley.

“Não sei se isso será sensato,” Disse Riley.

Murray não respondeu durante alguns instantes. Uma lágrima rolou-lhe no rosto.

“Não paro de ter flashbacks,” Disse ele. “O laço a sufocar-me, a tentativa de me soltar, rastejar. O medo continua a vir em ondas. Sinto que está a piorar, não a melhorar.”

“Vai melhorar,” Disse Riley.

Murray agora tremia.

“Sim, o Dr. Nevins e outros médicos disseram que sim. Mas também disseram – posso lembrar-me de coisas. Coisas más.”

Riley estudou o rosto de Murray com atenção.

“Está – a lembrar-se de coisas?” Perguntou Riley. “Coisas de que não se lembrou anteriormente?”

“Às vezes. Quese sempre. Vem em flashes. Mas não sei. O Dr. Nevins avisou-me que me poderia lembrar de coisas que não aconteceram.”

“Chama-se ‘confabulação’” Disse Riley.

“Sim, foi isso que ele disse. Mas há uma coisa...”

Engoliu em seco.

“Acho – quando ainda estávamos na fraternidade na festa – que ele não queria vir logo para a minha casa. Queria ir para outro lugar.”

Riley sentiu uma ponta de expetativa.

“Onde?”

“Não me consigo lembrar. Penso que talvez quisesse ir a outra festa e eu não queria ir por alguma razão, e por isso decidimos vir para aqui.”

Riley aproximou-se da cama e olhou atentamente para Murray. Sabia que não devia forçar nada. Se o colocasse sob stress, a sua mente encerraria aquela memória para sempre.

“Tente descontrair,” Disse ela. “Feche os olhos e respire profundamente. Veja se se recorda.”

Murray fechou os olhos por um momento. Depois abriram-se.

“Não consigo fechar os olhos,” Disse ele. “É quando começo a ter flashbacks.”

Riley reprimiu um suspiro. Ela não tinha os conhecimentos necessários para lidar com uma situação como aquela.

Disse, “Talvez se lembre numa altura em que não esteja a tentar lembrar-se. Se tal acontecer, ligue-me, OK?”

Os olhos de Murray abriram-se muito, alarmados.

“Não se vai embora, pois não?” Perguntou ele.

Riley sentia-se cada vez mais desconfortável.

“Tenho que ir, Murray. Tenho que descobrir a pessoa que lhe fez isto. E quando descobrir... tudo vai melhorar. Eu prometo.”

Riley percebeu pela sua expressão que ele não acreditava nela.

“Eu não posso ficar aqui,” Disse ela. “Fazemos assim. Deixo aqui um agente do FBI para ajudar na segurança.”

Murray virou-se e puxou os cobertores à sua volta.

“Vá,” Disse numa voz abafada.

Riley desejava que ele compreendesse.

“Murray...”

“Vá.”

Riley hesitou por um momento e depois saiu do quarto. Tanto a mulher mordomo como a enfermeira estavam no exterior do quarto.

A expressão de Maude era agora mais calma e plena de preocupação.

“Como é que ele está?” Perguntou ela.

Riley não sabia o que dizer. Ela abanou a cabeça em silêncio. Olhou para a enfermeira, recordando o que Murray dissera a seu respeito.

“Não gosto dela. Há qualquer coisa de errado com ela.”

Mas Riley não viu nada de sinistro na enfermeira. Apenas parecia uma profissional que queria fazer o seu trabalho. Mas em vez disso, tinham sido escorraçada para aquele corredor. E em breve já nem ali estaria.

Havia apenas mais uma coisa que Riley queria fazer antes de se juntar novamente a Bill e a Lucy no campus.

Virou-se para a mulher mordomo e disse, “Pode mostrar-me a casa?”

“Certamente,” Disse a mulher.

Um por um, a mulher mostrou a Riley os espaçosos quartos superiores, incluindo duas casas de banho que eram maiores do que o quarto de Riley. Riley detetou um penetrante sentimento de solidão.

Tanto espaço e apenas o Murray aqui, Pensou.

Não admirava que quisesse ali um total estranho. Certamente que não era só por causa do sexo. Murray devia estar desesperado por companheirismo – qualquer tipo de contacto humano.

Lembrava-se de Mike Nevins lhe dizer que o pai de Murray estava na Alemanha naquele momento. Com que frequência viajava o homem? Riley também sabia que os Rossum tinham casas por todo o mundo. O pai passaria ali algum tempo?

E a mãe de Murray? Riley não sabia nada sobre ela, exceto que tinha pouco ou nenhum contacto com o filho.

Riley estava cada vez mais preocupada com Murray. Era-lhe difícil acreditar que ir do hospital para casa tivesse sido uma boa ideia.

Riley seguiu Maude para baixo olhando em redor. Mais uma vez, ficou impressionada com a nudez elegante e branca do lugar. Não parecia que ali vivesse alguém – como se tivesse sido montado para uma sessão de fotografias e nada mais,

Por fim, Riley e a mulher foram para as traseiras da casa. Através de grandes portas de vidro, Riley viu um pátio coberto de vidro com uma piscina comprida. O pátio era murado e parecia suficientemente segura contra intrusos. Só devido à cortesia, confiança e debilidade de Murray é que o atacante conseguira ali entrar.

Quando voltaram ao interior da casa, mais uma vez Rilery viu seguranças de aspeto eficiente a movimentarem-se.

Riley perguntou a Maude, “Para além destes seguranças, como é a segurança aqui?”

A mulher mordomo apontou para câmaras acima delas.

“Estão por todo o lado. E não consegue ver, mas há uma parede com arame farpado à volta da casa. Isto é praticamente uma fortaleza.

Riley agradeceu-lhe pela ajuda.

Acrescentou, “Disse ao Murray que colocaria aqui um agente do FBI. O Agente Especial Craig Huang virá ter convosco.”

A mulher sorriu rigidamente e anuiu.

Riley virou-se e foi-se embora. Aquela visita tinha-a deixado desconfortável. Não era certo deixar Murray naquele isolamento, mas nada podia fazer para o evitar.


*


Nessa noite após o jantar, Riley foi para o seu quarto e sentou-se em frente ao computador, revendo tudo o que sabia sobre o caso. A sua mente continuava em branco.

Levantou-se e caminhou para a frente e para trás, esbarrando sempre no nada.

Preciso de mais espaço para pensar, Pensou.

Saiu do quarto e desceu as escadas. Conseguia ouvir a televisão na sala da família nas traseiras da casa. Partiu do princípio que tanto Jilly como April lá estariam e possivelmente Ryan. Gabriela já se teria ido deitar.

Murmurou alto.

“Porque é que não consigo? Porque é que não chego lá?”

Normalmente, nesta fase de um caso, Riley já tivera uma sensação forte do assassino – um momento de perspetiva em que ela tinha acesso aos seus pensamentos e obsessões. Esses momentos eram sempre assustadores. Mas ela precisava deles, dependia deles. Sem eles, não ia a lado nenhum.

Ainda a caminhar, tentou colocar-se na mente do assassino.

“Quem és tu?” Perguntou a si mesma em voz alta. “Onde estás?”

Não era capaz de colocar em voz alta a pergunta mais importante:

Quando é que vais matar outra vez?

As únicas imagens que lhe surgiam na mente eram as das vítimas.

Conseguia ver com nitidez todas as raparigas – Deanna Webber, Cory Linz, Constance Yoh, Lois Pennington. Conseguia imaginar o seu horror quando o assassino lhes colocou o laço à volta do pescoço.

E depois havia Murray...

Ela conseguia sentir aquilo que ele sentia, tal sentira quando estivera na garagem dos Rossum. Também conseguia experienciar cada momento de terror e confusão de Murray – a chocante realidade de que podia morrer, os seus esforços frenéticos para se libertar do laço e finalmente, a sua fuga pela estrada.

Só não conseguia captar os sentimentos do assassino.

Só o terror da vítima.

“Porquê?” Murmurou em voz alta, “Porquê? Porquê?”

O som da voz de Ryan estilhaçou os seus pensamentos.

“Riley, o que é que estás a fazer?”

Riley virou-se e viu que Ryan tinha entrado na sala de estar.

Ela suspirou em agonia.

“Ryan, estou bloqueada. Não vou a lado nenhum com este caso.”

Ryan aproximou-se dela e pegou-lhe na mão.

“Tens que te afastar,” Disse ele. “Tens que descontrair. Vem para a sala da família. As miúdas e eu estamos a ver um filme divertido.”

Riley libertou-se da sua mão.

“Não posso Ryan. Tenho que encontrar este assassino.”

Retomou o seu ritual, consciente de que Ryan ainda ali se encontrava em silêncio.

Ela tinha que se concentrar.

Depois ouviu a porta da frente abrir-se. Viu que Ryan tinha vestido o casaco.

“Onde é que vais?” Perguntou Riley.

“Para a minha casa. Não vale a pena ficar aqui. Mesmo quando estás em casa, na verdade estás noutro lado qualquer. Tal como era antigamente.”

Riley olhou para ele. Ryan tinha estado fora noites inteiras ultimamente. Como é que a podia acusar de não estar ali?

“E as miúdas?” Perguntou Riley.

Ryan ia sair porta fora.

“Vai passar algum tempo com elas,” Disse ele com um voz zangada. “Têm saudades tuas – ainda mais do que eu.”

Ryan fechou a porta atrás dele e foi-se embora.

Riley estava estupefacta.

O Ryan tinha razão? Estaria ela a afastar todos os que gostavam dela? Se fosse esse o caso, o que poderia fazer a esse respeito?

Nada, Pensou. É o meu trabalho.

Ficou ali na sala de estar sozinha, a sentir-se indefesa. Estaria a deixar o seu trabalho arruinar a sua vida pessoal? Já enfrentara muitas vezes problemas em equilibrar responsabilidades.

Caminhou da sala de refeições até à ombreira da porta da sala de família. As miúdas estavam a ver TV e a rirem-se. April viu-a.

“Ei, mãe.” Disse ela. “Vem ver isto connosco.”

Riley queria sentar-se junto delas. Adoraria rir de alguma coisa.

O que é que se passa comigo? Interrogou-se.

De certeza que padecia de uma condição grave.

Fosse o que fosse que estivesse errado, não podia deixar que a derrubasse a ela e às suas relações.

Estava determinada a melhorar. Depois deste caso terminar, passaria mais tempo com as miúdas. Talvez até se reconciliasse com Ryan.

Mas naquele momento, tinha que regressar ao trabalho.

Quanto tempo me resta até ele matar outra vez?


CAPÍTULO VINTE E SEIS


Quando decidiu dar uma caminhada matinal, Patience pensou no encontro de segunda-feira com os três agentes do FBI. Que idiotice parecia agora! O tempo não estava tão agradável há muito tempo e ela não deixaria que o seu aviso a impedisse de fazer aquilo de que gostava.

Sorriu e pensou, Ninguém é assassinado num dia como este.

Respirou fundo, deixando entrar o ar fresco da manhã. Era verdade que estava um pouco frio – mais frio do que no México. Mas não estava tanto frio como ultimamente. Amanhã, o mais certo era estar novamente mais frio.

Por isso depois da sua aula de literatura da manhã, equipou-se e saiu para um passeio. Saiu do campus rumo ao seu café preferido. Quando lá chegou e espreitou pela porta da frente, viu uma longa fila de clientes. Sabia que haveria menos gente dentro em pouco. Voltaria um pouco mais tarde.

Entretanto, passeou num parque próximo. Estava agradada por não ver ninguém. Chegara na melhor altura. Os trabalhadores locais passariam mais tarde para almoçar debaixo das árvores, tirando partido da mudança de tempo.

Foi diretamente para o seu lugar preferido no parque – um arco de metal branco com bancos adornados. Limpou o lugar de um dos bancos com um toalhete e sentou-se, alisando o seu casaco.

Ao olhar à sua volta, lembrava-se do aspeto do local quando vira para Byars em Agosto passado. Vinhas floridas decoravam os arcos. Recordava-lhe um abrigo na casa de campo da família à saída da Cidade do México. Esse estava sempre coberto de flores, enquanto hoje este estava entrelaçado por umas vinhas secas.

Gostava que o pai a tivesse mandado para uma escola onde o tempo fosse mais quente. Algum lugar com uma praia seria ainda mais simpático. Mas a vontade do pai fora enviá-la para Byars. Dissera-lhe que ali conheceria o tipo certo de pessoas. Seria bom para o seu futuro.

Na verdade, ela tinha conhecido alguns alunos de boas famílias. Também tinha tido muitos encontros com pessoas mais pobres. Por exemplo, na segunda-feira apareceram aqueles agentes do FBI.

Com que direito lhe haviam colocado aquelas perguntas?

Sobretudo a malcriada rapariga Mexicana – Agente Vargas, era esse o seu nome.

A rapaiga tinha obviamente pensado que era superior por ser uma agente do FBI. E os agentes mais velhos, o homem e a mulher, não tinham feito qualquer esforço para a colocar no seu lugar.

Mas possivelmente nunca tinham ouvido falar do velho ditado Mexicano:

“No tiene la culpa el indio sino el que lo hace compadre.” Não é culpa do índio, mas de quem o torna compadre.

Aquela rapariga – Agente Vargas – simplesmente não sabia como se comportar.

Patience fechou os olhos e tentou imaginar que estava em casa. Mas as imagens não vinham, não naquele ambiente frio.

Depois ouviu uma voz.

“Trouxe o teu favorito.”

Ela sorriu. Soube logo quem era. Abriu os olhos e viu-o à sua frente – aquele rapaz com quem falara anteriormente. Segurava duas chávenas fumegantes trazidas do café.

“Mapache!” Disse ela.

Fora um nome que inventara para ele. Ainda não fazia ideia do seu nome verdadeiro. Aquilo parecia estranho, sobretudo porque a convidara para sair da última vez que se tinham visto. Ela tinha educadamente recusado. Ele era um rapaz estranho, no final de contas, não bem o seu tipo. E se não fosse proveniente de uma família decente?

Ele pareceu magoado quando ela recusou. Patience estava feliz por ver que ele ainda queria ser seu amigo.

Entregou-lhe um dos copos. Nem precisava de lhe dizer o que tinha comprado. Ela sabia que era um chocolate quente delicioso com uma pitada de canela. Ela deu uma palmadinha no banco ao lado do dela e ele sentou-se.

“Vais dizer-me o teu nome hoje?” Perguntou ela.

“Acho que gosto que me chames Mapache,” Disse ele.

Patience riu um pouco. Mal sabia ele que mapache significava guaxinim. Patience deu-lhe esse nome porque os seus grandes olhos negros lhe lembravam um guaxinim. Não era muito lisonjeador. Ela esperava que ele nunca descobrisse o que significava.

“Então no que estás a pensar?” Perguntou o rapaz.

A sua voz fazia-a sentir-se mais quente. Não eram muitas as pessoas que se interessassem pelo que ela pensava ou sentia por aqueles dias. E o chocolate quente era delicioso.

“Jà ouviste falar de uns supostos homicídios?” Perguntou ela.

“Homicídios? Ouvi falar de alguns suicídios.”

“Sim, suicídios – provavelmente é isso mesmo que são. Muito pânico por nada. Algumas pessoas não conseguem aguentar a pressão. O meu pai ficaria furioso se eu alguma vez tentasse cometer suicídio.”

O rapaz pareceu surpreendido.

“Furioso?” Perguntou. “Não ficaria triste?”

A pergunta apanhou Patience de surpresa. Não sabia o que dizer. A tristeza não abundava na sua família. Tal como a felicidade. O pai não era exatamente um homem caloroso. Ficaria triste se ela morresse?

Não, provavelmente ficaria apenas ofendido, Pensou ela.

O pai zangava-se muito facilmente e ela fazia o possível para evitar zangá-lo. Era duro mantê-lo feliz. Ele esperava muito dela.

“Bem, há uma grande confusão no campus por estes dias,” Disse ela. “Toda a gente tem medo de tudo. É a primeira vez que ouves falar nisto?”

“Sim.”

“Uau, não tens andado muito atento,” Disse ela.

“Estive fora alguns dias.”

Patience pensou se ele seria ou não um aluno. Já lhe tinha perguntado e ele apenas sorrira. Parecia gostar de ser uma espécie de homem mistério. A verdade era que ela também achava divertido.

“O FBI até veio falar comigo,” Disse ela. “Foram muito malcriados. Jà viste o panfleto no campus com o rosto do homem que julgam ser o assassino?”

O rapaz abanou a cabeça.

Ela bebeu mais um pouco do chocolate quente e disse, “Bem, dizem que é um homem grande e eu penso que é muito feio, pelo menos do retrato. Mas os agentes tinham uma ideia esquisita de que eu namorava com ele! E conduz uma pickup! Já viste isto?”

Moveu a cabeça com indignação.

“Liguei ao meu pai e disse-lhe...”

Calou-se. Já tinha dito a este rapaz como o pai era importante? Bem, não fazia mal repeti-lo.

O pai é um alto funcionário da embaixada Mexicana. Tem muita influência. E ficou simplesmente furioso por me incomodarem daquela forma. Entrou em contacto com o Reitor Autrey que me chamou ao seu gabinete e me pediu desculpa. Disse que nunca mais aconteceria.”

Deu outro gole no chocolate quente.

“De que é que sentes mais saudades no México?” Perguntou o rapaz.

Patience pensou durante um momento.

“Penso que da Rosa, a minha niñera – significa ama. Tomou conta de mim desde que me lembro.”

Olhou para o seu chocolate quente. Lembrava-lhe quando Rosa lhe servia um delicioso atole quente quando ela estava em baixo. Aquele mundo parecia muito distante.

Patience disse, “Realmente, a Rosa foi mais minha mãe do que a minha mãe...”

Agora sentia que estava a divagar, não prestando atenção ao que dizia. Pouco depois, reparou que se sentia estranhamente aérea. Não sabia porquê. Mas não era uma sensação má.

Continuou a falar do que choque que era viver nos Estados Unidos, como o México era maravilhoso, como era bonita a casa de campo da sua família e quantas saudades tinha de Rosa e do seu delicioso atole.

Sabia bem falar nessas coisas.

Também parecia algo estranho. Geralmente não falava assim.

Pouco depois, a vertigem começou a incomodá-la.

O copo escorregou-lhe da mão, espalhando as últimas gotas de chocolate.

“Não me estou a sentir bem,” Disse ela. “Podes ajudar-me a voltar para a escola?”

“Claro,” Disse o rapaz. “Espera um segundo.”

Ele levantou-se e começou a mexer em alguma coisa. Agora a sua visão estava desfocada e ela não conseguia ver o que era.

Ele pegou-lhe na mão e ajudou-a a çevantar-se. As suas pernas não estavam firmes e quase caiu, mas ele apanhou-a.

Algo não está bem, Pensou ela.

O mundo rodava e ela mal distinguia o que a rodeava.

O rapaz estava a colocar qualquer coisa à volta do seu pescoço – algo que era áspero na sua pele. Fosse o que fosse, suportava-a agora, mantinha-a direita. A sua visão melhorou um pouco e apercebeu-se...

Estou em cima do banco.

Depois sentiu um puxão e o seu corpo caiu do banco, e a coisa apertou-se dolorosamente à volta do seu pescoço e ela estava suspensa no ar.

Tentou perguntar...

“Porquê?”

Mas estava a sufocar e não conseguia respirar.

E depois...

... onde estava ela.

Estava no México, sentada sobre o arco do abrigo rodeada de belas flores e Rosa acabara de lhe trazer um doce e quente atole para a fazer sentir-se melhor e...

O mundo escureceu.


CAPÍTULO VINTE E SETE


Riley estava na biblioteca de Byars quando o telefone vibrou. Era uma mensagem de Meredith a dizer-lhe para lhe ligar imediatamente.

Riley desanimou. Vinham aí más notícias. Sentia-o.

Naquele momento estava a entrevistar a bibliotecária chefe de Byars, perguntando-lhe se vira algo ou alguém suspeito – sobretudo alguém que se parecesse com o esboço do panfleto. Lucy e Bill estavam noutro local do campus a fazer entrevistas semelhantes com pessoal da faculdade – secretárias, porteiros, auxiliares e qualquer outra pessoa que pudesse ter reparado em algo fora do normal. Tinham todos regressado ao campus naquela manhã determinados a descobrir alguma pista antes que outro aluno fosse assassinado.

Riley afastou-se da bibliotecária e ligou a Meredith.

Ele disse, “Agente Paige, ocorreu outro crime.”

Riley não conseguiu evitar pensar que haviam falhado e assim o assassino tinha voltado a atacar.

“Onde?” Perguntou. “Quando?”

“O corpo foi encontrado agora mesmo no Parque Witmer. Fica a uma curta distância do campus.”

“Outro enforcamento?” Perguntou Riley.

“Sim. Outra aluna de Byars. Chama-se Patience Romero.”

Riley reagiu de imediato ao nome.

A rapariga com quem falámos na segunda-feira!

“Vamos já para lá,” Disse Riley a Meredith. “Quem está na cena?”

“Alguém chamado cento e doze,” Respondeu ele. “Têm a área isolada.”

Terminaram a chamada e Riley enviou mensagens a Bill e Lucy para se encontrarem com ela no parque. Depois atravessou o campus. No limite do campus encontrou-se com os outros dois agentes.

“O que é que se passa?” Perguntou Bill. Lucy também ouvia ansiosamente.

Riley lembrou-se da angústia de Lucy depois da conversa de segunda-feira com Patience Romero. Se a jovem agente ainda se sentisse mal sobre o sucedido, a morte de Patience ia ser dura para ela.

Mas não havia forma de dar a notícia de formasuave.

“Temos uma nova vítima,” Disse Riley. “É Patience Romero.”

“Merda,” Disse Bill.

Lucy não se conteve.

“Não!” Exclamou.

Riley limitou-se a anuir. Ela queria dizer a Lucy para não se deixar afetar, mas sabia que não valia a pena.

Foram todos para o parque. Quando lá chegaram, veículos oficiais já se encontravam estacionados na rua. Riley sabia que os jornalistas também chegariam em breve.

Ela, Bill e Lucy seguiram um caminho onde a polícia estava isolar a cena do crime. Ela e os seus colegas passaram debaixo da fita.

O corpo da rapariga ainda estava no lugar. Era ma visão grotesca – uma rapariga loira bonita com roupas bonitas enforcada debaixo de um arco. A sua roupa bonita estava amarrotada e o cabelo movia-se com a brisa.

Aquela vida privilegiada tinha sido brutalmente abreviada.

Também o cenário era bizarro. Esta zona tinha sido concebida como um lugar agradável para estar – um arco decorativo com bancos, ali colocado para conforto, para dar um toque de classe. Quem quer que tivesse concebido aquele toque de design nunca poderia imaginar aquela cena.

A equipa forense da polícia já lá estava, vasculhando a cena para obter pistas. Ao lado do corpo, examinando detalhadamente estava alguém que Riley conhecia – o médico-legista chefe Ashley Hill. Tinham trabalhado juntos no passado.

Riley caminhou na direção de Ashley.

“O que me podes dizer?” Perguntou.

A voz de Ashley soou amarga.

“Parece que está morta há mais de uma hora. Parece suicídio. Mas é claro que é suposto parecer um suicídio. Não é disso que se trata.”

Não que precisassem de lhe dizer, mas Riley percebeu de imediato que Ashley tinha razão. A corda estava no centro do arco. Quem quer que a tivesse colocado ali, tinha que ser mais alto ou mais ágil do que esta rapariga de roupas bonitas.

Riley lembrava-se da sua preocupação da noite anterior. Agora os seus piores receios se concretizavam. Ela e a sua equipa tinham sido lentos e o assassino acelerara o passo.

Riley virou-se para o chefe da equipa forense.

“Quem a encontrou?” Perguntou.

“Aquele homem ali,” Disse, apontando para um jovem de olhar fixo para lá da fita da polícia. Riley foi ao seu encontro.

“Conte-me o que aconteceu,” Pediu ela.

Ele apontou para uma mulher a seu lado.

“A Pearl e eu trabalhamos num banco aqui perto. Estava um dia bonito por isso decidimos vir almoçar aqui ao parque. Quando cá chegámos, vimos...”

Ficou sem palavras e apontou para o corpo.

A mulher disse, “O Leroy chamou de imediato o 112.”

“Fizeram o correto,” Disse Riley. “Não se esqueçam de dar os vossos contactos à polícia.”

Riley juntou-se novamente a Bill e Lucy que estavam a ver o corpo ser descido. Riley ouviu o som de sirenes que se aproximavam.

Bill disse, “O que eu não entendo é o motivo. Porquê alunos privilegiados, todos da mesma escola? Isto é uma coisa de classe? É porque os miúdos são ricos e o assassino tem inveja?”

Riley pensou durante um momento.

“Não me parece,” Disse ela. “Penso que é alguém que conhece estas vítimas ou que é atraído a elas por alguma razão. Cada vítima é pessoal.”

Se ao menos eu soubesse porquê, Pensou Riley.

Lucy ainda estava visivelmente perturbada, mas Riley pressentiu que ela ia ultrapassar aquilo.

“É como se ele fosse invisível,” Disse Lucy. “Temos um esboço dele por todo o lado, mas ninguém o vê. Ele veio aqui e fez isto mas ninguém o viu.”

Riley pensou naquilo em silêncio. Começava a parecer-lhe que algo no esboço devia estar muito errado. Suspeitara disso mal o vira. Parecia demasiado detalhado e vívido.

Devia ter dado ouvidos aos meus instintos, Pensou.

No final de contas, passara tempo suficiente com Murray para reconhecer os sintomas da falsa memória e confabulação. Não por culpa sua, mas a descrição que dera do atacante podia ser bastante inexata. Agora tinham que tentar partir da estaca zero no que respeitava à sua aparência.

Trey Beeler, chefe da unidade forense da UAC chegara entretanto com a sua equipa. Riley vira-o pela última vez na garagem dos Rossum depois da tentativa de assassinato de Murray. As sirenes que ouvira deviam ser do veículo da equipa a caminho.

“Raios,” Disse Trey a Riley. “Esperava não ter que voltar a ver isto.”

Riley reparou que um dos polícias estava a apanhar um copo de papel debaixo do arco.

“Posso ver isso?” Perguntou.

O polícia entregou-lhe e ela viu que o copo ainda tinha algumas gotas não derramadas. Levou-o a Trey que imediatamente compreendeu.

“Vamos examiná-lo,” Disse ele. “Aposto o que quiseres em como tem alprazolam.”~Riley ouviu o som de uma voz exaltada atrás da fita da polícia. Virou-se e viu o Reitor Autrey a falar ante um homem alto e zangado. Riley não conseguia ouvir o que estava a ser dito, mas detetou um sotaque hispânico.

Quando se dirigiu a eles, reparou que o homem era parecido com Patience. O seu cabelo e compleição eram um pouco mais escuros, mas tinha as mesmas feições aristocráticas.

O pai, Percebeu Riley.

Passou debaixo da fita e aproximou-se.

O pai de Patience estava lívido e aos gritos.

“Incompetente! Falei consigo ao telefone! Avisei-o!”

Autrey murmurava “Lamento muito” vezes e vezes sem conta.

Riley abordou-o, “Señor Romero, posso falar consigo?”

Mostrou o distintivo.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI e...”

O homem deu um passo ameaçador na sua direção. Riley conseguia perceber que ele estava entristecido e zangado – uma estranha e alarmante mistura de emoções.

“Você!” Gritou-lhe. “Sabia que havia um assassino mas não fez nada!”

“Compreendo que esteja perturbado. Só preciso de perguntar...”

“Não!” Disse Romero, interrompendo-a novamente. Apontou para Autrey e gritou, “Vocês do FBI são tão incompetentes como este cabrón. Nada tenho para lhe dizer. Vou contratar o meu próprio investigador – e vão ter notícias do meu advogado.”

Saiu de rompante antes que Riley tivesse tempo de responder. Autrey foi deixado pendurado, perplexo e pálido.

Desencorajada, Riley juntou-se novamente a Lucy e Bill.

“Não me parece que vá cooperar muito.,” Disse Lucy.

“Não o posso censurar,” Disse Riley com um suspiro. “Para além disso, duvido que saiba algo que nos possa ajudar. Vamos, vamos voltar para Quantico. O Meredith há de querer um relatório.”

Quando Riley, Bill e Lucy deixaram o parque e se encaminharam para o carro, os jornalistas apareceram. Riley não respondeu a nenhuma das suas perguntas, Ainda assim, conseguiu ouvi-los dizer a mesma palavra vezes sem conta.

“Porquê... porquê... porquê...”

Essa era a pergunta que não parava de pairar na cabeça de Riley.

Porquê?


CAPÍTULO VINTE E OITO


O dia de Riley não melhorou quando chegou a casa naquele dia. Jantou Aprol, Jilly e Gabriela, mas o Ryan não apareceu. Não fora a casa desde que saíra zangado na noite anterior.

Ele tinha-se mudado para fazer parte da família há menos de duas semanas, mas já se estava a afastar. April e Jilly não disseram nada ao jantar, mas Riley percebeu que estavam tristes e desiludidas. Tinham aprendido a gostar de ter Ryan por perto – e era uma grande ajuda, sobretudo para Jilly.

Depois do jantar, Riley foi para o quarto e ligou a Ryan.

“Quando é que voltas?” Perguntou Riley. “Ainda estás zangado comigo?”

Ouviu um longo suspiro.

“Não é uma questão de estar zangado contigo. Nunca aí estás, é tudo. É como era dantes.”

Aquelas palavras feriram Riley.

“É como era dantes.”

Ele referia-se obviamente ao momento em que o seu casamento estava a desmoronar-se.

Estaria a acontecer outra vez?

“Penso que estás a ser injusto comigo,” Disse Riley.

“Estou?”

Um silêncio instalou-se entre os dois.

Ryan disse, “Ouve, só preciso de algum tempo e espaço.”

Riley sentiu-se ainda mais ferida. Era exatamente aquilo o que ele costumava dizer quando se estava a afastar dela e de April.”

“As miúdas têm saudades tuas,” Disse ela.

Ele não respondeu.

Riley disse, “Podes ao menos falar com elas? Contar-lhes o que se passa?”

“És tu que precisas falar com elas Riley.”

Riley sentiu um espasmo de raiva. Ele estava novamente a fazer o mesmo – a despejar a responsabilidade de tudo que não estava bem nela.

Memórias surgiram-lhe de como as coisas tinham ficado feias entre eles. Uma possibilidade especialmente horrível ocorreu-lhe. Quando eram casados, ele tinha casos com outras mulheres.

“Conheceste outra pessoa?” Perguntou ela.

A voz de Ryan soou defensiva.

“Que importância é que isso tem?”

“Podes só responder sim ou não.”

“”Não. E de qualquer das formas, é um despropósito. Eu preciso de espaço – E quer saibas quer não, tu também precisas.”

Ryan despediu-se e desligou.

Riley ficou ali sentada, perplexa. Percebeu que estava a tremer.

Mas a tremer porquê?

De raiva? Amargura? Medo? Dor?

Fosse o que fosse, ela sabia que estava a direcionar esse sentimento contra si própria. Ela desejava poder culpar Ryan por aquilo que estava a acontecer.

Porque não? Não era tudo culpa dele?

Mas de alguma forma, não conseguia evitar sentir-se mal com toda a situação.

“Talvez ele tenha razão,” Sussurrou em voz alta.

De qualquer das formas, o que é que deveria fazer agora? Ryan tinha dito que ela devia falar com as miúdas. Quem mais as podia ajudar a compreender o que se estava a passar?

Mas não o conseguia fazer.

E claro, as miúdas deviam ter sentido a sua ausência.

Ela estava a afastá-las.

Ela afastava todas as pessoas de quem gostava.

Pensou no seu outrora vizinho Blaine – um homem encantador e bem-parecido com quem quase tivera uma relação. Mas o pobre do Blaine tinha sido espancado por um assassino que Riley perseguia. Ficara tão assustado que se mudara.

Também a April tinha experimentado horrores por que nenhuma adolescente devia passar.

E também Ryan – atado e mantido refém por um maníaco que se queria vingar de Riley.

Minha culpa, Pensou tristemente. Ou culpa do meu trabalho.

Mas qual era realmente a diferença? Não eram ela e o seu trabalho a mesma coisa? Desde que isso fosse verdade, como poderia esperar ter uma relação a sério com alguém?

E agora até errava no seu trabalho.

Sem o seu trabalho, o que é que lhe restava?

Nada, Pensou.

Pior de tudo, outras vidas estavam em perigo. Ela não fazia ideia de quem seria atacado de seguida pelo assassino, mas sabia que aconteceria em breve. Até receou pela vida de Murray, tão isolado naquela casa tão ampla. É claro que a segurança lá era excelente e não se lembrava de nenhum motivo racional para que ele se encontrasse em perigo. Ainda assim, ela pressentiu algum tipo de problema desesperado a pairar sobre ele.

Precisava de uma bebida. Foi lá para baixo onde se encontrou sozinha. Gabriela já tinha ido para os seus aposentos e as miúdas estavam nos seus quartos a fazer os trabalhos de casa.

Tudo estava como devia estar.

Tudo exceto Riley.

Foi ao armário da cozinha e tirou um copo e uma garrafa de bourbon.

Despejou uma boa quantidade e voltou a colocar a garrafa no armário. Virou-se para sair da cozinha, mas foi atingida por outro impulso. Tirou outra vez a garrafa e levou-a consigo para cima com o copo já servido.

Sentou-se outra vez no seu quarto.

Sentiu-se a entrar num lugar recôndito da sua mente. Um lugar onde os seus demónios interiores viviam – demónios de raiva, violência e crueldade.

Só havia uma outra pessoa no mundo que compreendia aquele lugar tão bem como ela.

Engoliu o bourbon de um gole.

Foi ao seu armário e tirou uma caixa de uma prateleira. Dentro da caixa encontrou um objeto demasiado familiar – uma pulseira de ouro.

Sentou-se na secretária e tocou na pulseira.

“Shane the Chain,” Murmurou. O seu apelido significava a sua preferência por matar com correntes.

Shane Hatcher tinha uma corrente igual que usava como prova da sua obscura amizade.

Riley nunca usara a sua.

A sua escuridão interior parecia aprofundar-se.

Porque não? Pensou amargamente.

Despejou mais bourbon no copo e engoliu-o de um trago, reunindo coragem.

Depois soltou o fecho e colocou a corrente no seu pulso pela primeira vez. Era estranho e sentiu o peso, parecia emitir uma descarga elétrica. Cintilava e virou-a para a luz da sua lâmpada de secretária. Gostava de a ter posta.

Mais uma vez, uma pequena inscrição num dos elos chamou-lhe a atenção.

“face8ecaf”

Há muito que descobrira o enigma da inscrição. Significava “frente a frente” e sugeria um espelho. Hatcher, no final de contas, era uma espécie de espelho – um espelho no qual Riley podia ver tudo acerca de si própria que realmente a assustava.

As letras também eram uma morada.

Ela virou-se para o computador, abriu o programa de chat de vídeo e digitou os caracteres.

Esperava que o rosto de Hatcher aparecesse, esperava ouvir a sua voz sinistra.

Em vez disso, não obteve resposta.

Tentou novamente.

Nada.

Tem que haver alguma forma de entrar e contacto com ele, Pensou.

Serviu-se de outra bebida, dizendo a si própria para beber mais lentamente. Tinha que se manter coerente, pelo menos durante mais algum tempo.

Fez uma busca na internet com o nome de Hatcher. Os resultados eram perfeitamente previsíveis – sobretudo novas histórias acerca da sua fuga de Sing Sing e como ainda andava a monte e fazia parte da parte dos mais procurados na lista do FBI. Não descobriu absolutamente nada que a pudesse ajudar a entrar em contacto.

Depois ocorreu-lhe uma ideia.

Havia uma pessoa que a poderia ajudar.

Digitou a morada de vídeo de Van Roff. Alguns segundos mais tarde, estava frente a frente com o espetacular técnico.

“Rufus!” Disse ele, Referindo-se à sua anterior piada. “Como estão as coisas em Cancún?”

Riley não se riu.

“Preciso de ajuda, Van,” Disse ela. “E isto é uma coisa que tem que ser mantida entre nós.”

Os olhos de Van Roff dilataram-se com interesse.

“Diz,” Disse ele.

“Alguma vez ouviste falar de Shane Hatcher?”

Van Roff ficou boquiaberto.

“Quem raio não ouviu falar nele?”

“Estou a tentar entrar em contacto com ele.”

O rosto de Van empalideceu.

“Agente Paige, não sei bem se isto é correto.”

“É importante.”

“Tenho a certeza de que deve ser, mas...”

“Mas o quê?”

Van parecia agora genuinamente preocupado.

“Agente Paige, quer saibas quer não, a tua amizade ou afinidade ou o raio que tenhas com Shane the Chain é uma espécie de lenda no FBI. Toda a gente diz que é perigoso. Eles pensam que é uma loucura misturares-te com ele. Toda a gente tem medo dele – quero dizer, muito medo mesmo. Daquilo que sei dele, eu tenho medo dele.”

Riley ficou surpreendida. Van não era do tipo de ficar reticente ou ser escrupuloso. Ele geralmente fazia questão de quebrar as regras.

“Van, eu só o quero encontrar. Não te estou a pedir para lidar com ele pessoalmente.”

Van abanou a cabeça.

“Eu percebo. Não é essa a questão. Agente Paige, eu gosto de ti. Gosto de trabalhar contigo. Raios, admiro-te. Mas quando se brinca com Hatcher, está a brincar-se com o fogo. Pela tua saúde, não posso ajudar-te.”

Riley mal conseguia acreditar no que ouvia.

Van, escolheste um raio dum momento para te armares em anjinho, Pensou ela.

Mas não o disse em voz alta.

“Van, gostava que tu...”

“Não. É tudo o que tenho a dizer, apenas não. Isto é demasiado louco até para mim. Agora vou desligar. Vou esquecer que alguma vez tivemos esta conversa. Se alguém me perguntar, nego que alguma vez tenha acontecido. O melhor é que faças o mesmo.”

Van Roff desligou.

Riley ficou a fitar o ecrã do computador, sentindo-se desesperadamente sozinha.

Engoliu outra bebida, depois despejou mais bourbon no copo.


*


Riley estava outra vez mergulhada na escuridão – a profunda escuridão de uma ampla garagem. Ouviu os seus próprios passos ecoarem na escuridão.

Sabia o que esperar de seguida – ou pensava que sabia.

Estava prestes a ver uma das vítimas pendurada numa poça de luz, rodeada de fotografias de família emolduradas.

Em vez disso, surgiu uma cabana rústica no meio da escuridão.

Reconheceu o lugar de imediato.

Era a cabana do seu pai nas Montanhas Apalache.

A porta da frente abriu-se lentamente.

Um velho de aspeto amargurado saiu da porta, envergando um uniforme de coronel da Marinha.

Era o pai de Riley. Ela ficou surpreendida por vê-lo de uniforme. Não se tinha retirado há tantos anos?

Depois percebeu...

... o pai tinha morrido em Outubro último.

Ele afastava-se da casa, dirigindo-se à escuridão, não olhando para Riley.

“Pai,” Chamou Riley.

Ele parou de andar mas mesmo assim não olhou para ela.

“Pensei que estavas morto,” Disse Riley.

“E estou,” Disse o pai. “É por isso que me vou embora.”

Apontou para a cabana.

“Agora é a tua casa,” Disse ele. “Deixei-a para ti. Acho bem que comeces a tomar conta dela.”

Riley lembrava-se – o pai tinha-lhe deixado a cabano em testamento. Não sabia porquê. Não tinha mais do que recordações amargas daquele lugar. Nem lá tinha voltado depois dele morrer. Não sabia porque é que não a tinha deixado para a sua irmã mais velha.

“Devias tê-la deixado à Wendy,” Disse Riley.

“Que te importa ela?” Disse o pai.

Riley não sabia o que dizer. A verdade era que não via Wendy há muitos anos. Falou uma vez com Wendy ao telefone depois do pai ter morrido. Não fora agradável.

“A Wendy estava contigo quando morreste,” Disse Riley. “Costumavas bater-lhe, mas ainda assim ela tomou conta de ti no fim. Foi bondosa para ti. Eu nunca fui. Ela merecia algo de ti. Devia ter-lhe deixado a cabana.”

O pai riu-se.

“Pois, bem, a vida é mesmo injusta, não é?”

Apontou para a cabana.

“De qualquer das formas, já não é minha, é tua. Se não fores lá e não endireitares as coisas, estarás perdida. Ninguém no mundo te pode ajudar.”

E acrescentou, “Não que eu me importe.”

Virou-lhe costas e caminhou para a escuridão circundante.

Riley continuou virada para a cabana.

Tenho que lá ir, Disse a si própria.

Mas sentiu-se paralisada.

Não se conseguia mexer.

E estava assustada – mais assustada do que nunca.


Riley acordou com um som de uma batida na porta. A luz da manhã já entrava pelas janelas. Percebeu que adormecera à secretária e lá passara a noite.

Conseguiu articular, “Entre.”

April espreitou.

“A Jilly e eu já tomámos o pequeno-almoço. Vamos para a escola.”

“OK,” Disse Riley.

April não se foi embora. Olhou para Riley com preocupação. Riley tinha a certeza que ela reparara na garrafa de bourbon quase vazia mesmo a seu lado.

“Estás bem?” Perguntou April.

Riley conseguiu corrir fracamente.

“Estou ótima,” Disse ela. “Vão lá para a escola.”

April saiu, fechando a porta atrás de si.

A cabeça de Riley latejava. Precisava de se lavar, depois descer e tomar café. Mas antes de se poder levantar da cadeira, o telefone tocou. Era Bill.

Disse, “Só quero ver o que é que vamos fazer hoje.”

Riley não respondeu.

Bill disse, “Não consigo evitar pensar que o assassino está mesmo debaixo dos nossos narizes, à vista de todos. Talvez tu, a Lucy e eu devamos falar novamente com o eletricista – Pike Tozer. Podemos ter-nos enganado a respeito dele. Posso saber se está a trabalhar hoje no campus. Se não estiver, podemos ver onde é que ele está e...”

Riley interrompeu.

“Hoje não contem comigo.”

“O quê?”

Riley lutou para encontrar as palavras certas.

Mas não havia palavras certas.

“Não posso Bill. Não hoje.”

“O que é que se passa?”

Riley tentou evitar chorar.

“Vão tu e a Lucy. Não ajudaria nada hoje. Ficam melhor sem mim.”

Seguiu-se um silêncio.

Depois Bill perguntou, “Andaste a beber?”

Riley não conseguiu responder.

“Raios,” Disse Bill. Agora parecia zangado. “OK, tira o dia de hoje, recompõe-te. Diz-me quando estás pronta a regressar ao trabalho.”

Bill desligou.

Riley ficou ali sentada, ainda determinada a não chorar, tentando decidir o que fazer.

Depois lembrou-se do sonho de que acabara de acordar e de algo que o pai dissera.

“Se não fores lá e não endireitares as coisas, estarás perdida. Ninguém no mundo te pode ajudar.”

Também se lembrou do seu terror quando se encontrava em frente à cabana.

Tenho que o enfrentar, Pensou.

Riley levantou-se da secretária e foi para a casa de banho.


CAPÍTULO VINTE E NOVE


Os efeitos da ressaca de Riley amainaram ao conduzir pelo Vale Shenandoah. Mas o medo permanecia intacto.

Como sempre, ficou impressionada com a zona rural da Virginia. Sempre gostara desta região com aquele tempo – a escassa camada de neve, a rigidez das árvores sem folhas, o monocromatismo plúmbeo.

Ainda assim, não o conseguia apreciar verdadeiramente.

Fora sempre como nas raras visitas que fizera ao pai quando ainda estava vivo – uma sensação de que as coisas não iam correr bem entre eles.

E claro que a sensação batia sempre certo.

Mas porquê agora? Interrogou-se.

O pai já lá não estava – não estava ali para lutar ou argumentar ou envolver-se no seu próprio talento único para a crueldade.

Por isso, porque é que ela estava tão apreensiva?

Então compreendeu – ela temia a sua mera ausência.

De forma irracional, ela temia que a sua crueldade incorpórea ainda pudesse ter vida própria, ainda assombrasse o local.

Ao sair da autoestrada e começar a subir as Montanhas Apalache, havia mais neve remanescente no chão do que lá em baixo. Também viu algum gelo nos riachos por onde passou, mas as estradas secundárias estavam limpas.

Passou por uma última pequena cidade, depois seguiu por uma estrada de terra que abria caminho por entre árvores nuas e rochedos ocasionais. Esta era a única parte da viagem onde a neve não tinha sido limpa. Mas mesmo assim não tornava a condução muito difícil.

A estrada terminava numa cabana – a estrutura de madeira que vira no sonho da última noite. Ao parar, ficou surpreendida ao ver o velho veículo utilitário do pai ainda lá, coberto com uma camada de neve. Ainda havia madeira empilhada à frente da cabana – madeira que ele tinha cortado para aquecer e cozinhar durante o inverno. Nunca tivera a oportunidade de a usar.

Espreitavam na neve mais ervas do que o normal. Riley sabia que as ervas tomariam conta do lugar na primavera. Precisava de fazer alguma coisa antes.

Ao sair do carro, quae esperava que o pai aparecesse atrás das colinas atrás da cabana. Podia trazer uns esquilos caçados de fresco que colocaria num cesto que ainda se encontrava ao lado da porta de entrada.

Mas é claro que ele não estava ali.

Riley olhou à sua volta. A cabana estava no meio de uma floresta densa. Ela sabia que a escritura da casa incluía uns trinta hectares até propriedade de Floresta Nacional. Ela não fazia ideia se a terra tinha algum valor, não pensara nisso.

Porque é que a deixou para mim? Perguntou-se novamente. Porque não para a Wendy?

Pobre Wendy. Riley não conseguia evitar sentir pena dela. Quando a Wendy era jovem, o pai batia-lhe sempre que estava aborrecido até que finalmente fugira. E mesmo assim no fim, Wendy estava ao lado do seu leito de morte e preparara o funeral.

Voltara para junto dele como um cão leal.

Riley, por contraste, nem fora ao seu funeral.

Caminhou na direção da porta da cabana e descobriu que estava fechada. Isso não seria habitual quando o pai ainda era vivo. Neste lugar longe de tudo, não tinha que se preocupar com intrusos.

Felizmente tinha a chave. O advogado que tratara do testamento tinha-a enviado depois de ela assinar e devolver a papelada necessária.

Girou a chave, mas hesitou antes de abrir a porta.

Lembrou-se do espasmo de medo que sentira no sonho da noite anterior perante a perspetiva de entrar lá dentro.

Sentiu novamente um pouco desse medo.

Mas reuniu coragem, abriu a porta e entrou.

Estava escuro lá dentro. A única luz vinha das pequenas vidraças. Ficou impressionada com o cheiro familiar e agradável do apainelamento de pinho. O lugar parecia um pouco mais decadente agora, mas não via grandes alterações. O que faltava era a imensa vitalidade que transparecia da presença do pai.

Mas essa vitalidade já não era a mesma na sua última visita.

Olhou para o banco onde ele estava sentado da última vez que ali estivera. O rosto pálido apesar do calor vindo do fogão que ardia, esfolava um equilo morto. Várias carcaças de esquilos estavam empilhadas a seu lado.

Soubera de imediato que estava mortalmente doente. Tossira durante toda a visita, às vezes de forma incontrolável. Mas não falava nisso. A visita fora sombria o suficiente sem esse tema de conversa. Até haviam chegado a vias de facto. No seu estado de fraqueza, ela derrotara-o facilmente.

Ela lembrava-se do que lhe dissera depois disso – as últimas palavras que lhe dirigiu.

“Eu não te odeio, paizinho.”

As palavras nada tinham de conciliatório. Eram duras e cruéis. Ela soubera-o mal as proferira. Esmagaram-no com a sensação do seu próprio falhanço.

Apesar de bater em Wendy, poupara o pior para Riley. Em vez de lhe bater, rebaixara-a, humilhara-a e insultara-a de todas as formas possíveis. Esperava torna-la tão insensível como ele – e invulnerável a qualquer tipo de sofrimento.

É claro que falhara.

Agora ela falava em voz alta.

“Eu não te odeio, paizinho.”

Na sua mente, conseguia ver o seu rosto devastado quando ela dissera aquelas palavras.

Foi bem feito, Pensou.

Mas também teve um sentimento de culpa.

Afastou o sentimento e lembrou-se que estava ali por uma razão específica.

Estava ali “para endireitar as coisas” – como o pai tinha dito no sonho da noite passada.

Ainda não sabia o que era preciso endireitar e como.

Havia uma secretária junto a uma parede. Riley nunca tinha espreitado lá para dentro. Abriu a secretária e a primeira coisa que lhe chamou a atenção surpreendeu-a.

Era um retrato emoldurado dela e Wendy e da mãe. Riley parecia ter cerca de quatro anos e Wendy já era adolescente. Ambas as meninas e a mãe pareciam felizes.

Quando é que alguma vez fomos felizes? Pensou Riley.

Não se lembrava.

Em vez disso, recordações dolorosas vieram à tona.

Lembrava-se do seu desespero quando Wendy fugiu. Riley só tinha cinco anos e Wendy tinha quinze. Não via a sua irmã desde essa altura. Quantos anos teria Wendy agora?

Ah, sim, Pensou. Cinquenta.

Qual era o seu aspeto agora?

Como fora a sua vida?

Riley não fazia ideia.

Pior era a memória da morte da mãe que sucedeu um ano depois de Wendy ter fugido.

De repente parecia que tudo tinha acontecido ontem.

A mãe tinha-a levado a uma loja de doces. Andava a mimá-la comprando-lhe todos os doces que quisesse.

Mas foi então que um homem com uma arma e uma meia de nylon na cabeça exigira o dinheiro da mãe.

Ela ficara demasiado assustada para lho dar, demasiado assustada para se mexer.

O homem matou a mãe que morreu aos pés de Riley.

A memória fê-la estremecer.

O pai nunca perdoara Riley – como se uma menina de seis anos pudesse ter salvo a vida da mãe.

E de alguma forma, bem no fundo, Riley sempre aceitara a culpa.

Riley vistoriou a secretária. As gavetas e compartimentos estavam atulhados de recibos e listas e outras coisas que tal. Mas de um dos compartimentos retirou um pedaço de papel dobrado. Parecia que ali estava para ser encontrado.

Riley pegou nele e desdobrou-o.

O que viu deixou-a sem fôlego.

Era uma carta não enviada dirigida a ela.

Começava...


Querida Riley


O resto da carta consistia de começos de frases rasurados.


Nunca foste

Sempre soube que tu nunca

Desde pequena que não conseguias

Fiquei sempre desiludido por

Não sei porque é que alguma vez esperei que tu


Havia pelo menos mais vinte começos rasurados. Mas no fim, a assinatura de uma palavra não estava rasurada.


Pai


Riley compreendia perfeitamente.

O pai escrevera exatamente a carta que pretendia escrever.

E deixara-a ali para Riley a encontrar.

Um soluço explodiu da garganta de Riley. Lágrimas caíram no papel, esborratando a tinta.

Era isto – o que viera ali encontrar.

Numa carta que não dizia nada, o pai tinha conseguido dizer tudo o que havia para dizer acerca da sua relação – não só o seu ódio mútuo, mas a misteriosa afinidade que partilhavam.

Não, não era amor.

Não havia uma palavra para descrever o seu laço obscuro e poderoso.

Por isso apenas podia ser comunicado em palavras rasuradas.

Riley recompôs-se, dobrou a carta e colocou-a no bolso.

Olhou à volta da cabana.

“Adeus, paizinho,” Disse ela.

Ela sabia que estava também a dizer adeus à cabana. Não tinha necessidade de ali voltar. Daria o lugar a Wendy se ela o aceitasse. Caso contrário, Riley vendê-lo-ia e poria o dinheiro no banco. Seria uma boa forma de iniciar um fundo para a faculdade das miúdas.

Caminhou em direção à porta e abriu-a.

Quase colapsou de choque com o que viu.

Lá fora, olhando para ela com um sorriso sinistro, estava Shane Hatcher.


CAPÍTULO TRINTA


Shane Hatcher tinha um aspeto perturbador com o seu sorriso nubloso, a sua constituição robusta e traços sombrios. Mas aparecer ali de repente era ainda mais surpreendente para Riley do que as suas outras aparições não anunciadas.

“Riley Paige,” Disse Hatcher. “É um prazer encontrá-la aqui.”

Como habitualmente, zombava dela, fingindo surpresa.

Como é que ele chegou aqui? Interrogou-se Riley.

Depois reparou num carro estacionado a curta distância mais abaixo na estrada. Percebeu que ele a tinha seguido até ali, provavelmente desde casa. Impressionada com a carta do pai, não se tinha apercebido da aproximação do carro.

“Já lá vai muito tempo,” Disse Hatcher.

“Não o suficiente,” Disse Riley com voz tensa.

Na verdade, decorrera apenas um mês desde que se tinham encontrado frente a frente.

Hatcher inclinou a cabeça numa expressão de autocomiseração de gozo.

“Oh, Riley, isso não é uma coisa muito bonita de se dizer. A mim pareceu-me muito tempo. Senti-me negligenciado.”

Depois acrescentou com uma risada sarcástica, “Sabe, eu tenho sentimentos.”

“O que é que está aqui a fazer?” Perguntou Riley.

Hatcher encolheu os ombros.

“Fiquei com a impressão que queria falar.”

Agora Riley compreendia. Hatcher vira a sua tentativa em tentar entrar em contacto com ela, mas decidira ignorar a chamada. Preferira encontrar-se com ela nos seus próprios termos sinistros – frente a frente. E agora ali estava ela, sozinha nas montanhas com o homem mais perigoso que já conhecera.

Mas ela sabia que o perigo que ele constituía para ela não era físico.

Tal como a crueldade do seu pai, ia muito para além disso.

Hatcher enterrou as mãos nos bolsos, fazendo uma pose casual ao observar o que o rodeava.

“Belo lugar,” Disse ele. “É a primeira vez que aqui venho.”

O seu sorriso abriu-se mais.

“Adoraria ter conhecido o seu pai. Tenho a certeza de que tínhamos muitas coisas em comum.”

Riley sentiu um arrepio nas entranhas. Alguma vez tinha falado a Hatcher do pai? Não lhe parecia. Mas sabia que Hatcher tinha pesquisado a sua vida obsessivamente.

Hatcher acrescentou, “Não me atrevi a aparecer aqui quando ele ainda era vivo. Ele saberia logo quem eu era – tenho a certeza de que lhe terá falado de mim. Ele não teria chamado a polícia, mesmo que tivesse telefone, que penso não ter tido. Não, ele limitar-se-ia a dar-me um tiro como a um esquilo. Não o podia censurar.”

Por um momento fugaz, Riley pensou – como é que Hatcher sabia que o pai caçava esquilos?

Mas é claro que era apenas senso comum. No final de contas, o pai era um caçador de subsistência. E nunca havia falta de caça para matar e comer.

“Quer mostrar-me o lugar?” Perguntou. “Deve ter muito significado para si. Muita história.”

“Nunca vivi aqui,” Disse Riley.

“Não, passou os seus primeiros anos em Slippery Rock. É uma cidade simpática, passei lá alguns dias. Mas depois a sua família mudou-se para Lanton onde acabou por ir para a faculdade. Também lá estive. Não tão simpático como Slippery Rock, maior, menos pessoal. Não foi feliz por lá, pois não?”

Agora Riley sentia-se indisposta. Era estranho ele saber que ela não se sentira bem com a mudança para Lanton. Ela era apenas uma rapariguinha nessa altura.

Ele conheci-a demasiado bem para seu gosto.

Hatcher prosseguiu, “De qualquer das formas, as suas raízes estão realmente aqui. Aqui com o seu pai – ou antes, o seu fantasma. Ele fez de si o que é, no final de contas. Sempre ex-Marine, um homem forte e zangado que lhe dizia que não valia nada vezes sem conta – e que no entanto lhe ensinou o seu verdadeiro valor. Até se parece com ele.”

Riley quase desabafou...

“Como é que sabe?”

Mas é claro que não tivera qualquer dificuldade em encontrar uma fotografia do pai. “Não me vai convidar a entrar?” Perguntou Hatcher.

Sem esperar pela resposta, passou por Riley e entrou na casa. Riley seguiu-o. Ele sentou-se no banco onde o pai costumava esfolar os esquilos. Olhou à volta com uma expressão de verdadeiro interesse.

“Então esta é a sua herança,” Disse ele. “É proprietária. O que é que vai fazer com este lugar?”

“Estou a pensar em dá-lo à minha irmã,” Disse Riley.

“Ah, sim, Wendy. Já lhe perguntou se ela o quer?”

“Ainda não.”

Hatcher sorriu.

“Ela não o vai querer.”

Riley sentiu uma tensão no maxilar. Percebeu que ele tinha razão. Wendy não ia querer nada daquilo. Para se livrar dele, teria que o vender. A intuição de Hatcher era verdadeiramente espantosa.

“Vamos ao que interessa?” Disse Riley.

“Claro. Mas sabe que vou querer um favor em troca.”

Riley estremeceu ligeiramente.

“O que é que quer desta vez?”

“Oh, depois vemos isso.”

Era uma história recorrente entre eles. Hatcher queria sempre algo em troca das suas perceções. Riley sempre lhe tinha concedido esses favores, mas o preço podia ser alto.

Raramente Hatcher queria menos do que um pedaço da sua alma.

“Sente-se,” Disse Hatcher. “Vamos conversar.”

Riley sentou-se numa cadeira de vime de frente para ele.

“Então,” Disse Hatcher, “está à procura de um assassino que enforca as vítimas. Mas droga-as primeiro. Com alprazolam.”

Não há dúvida de que fez o trabalho de casa, Pensou Riley.

Ela tinha a certeza de os meios de comunicação social não tinham mencionado a droga alprazolam. Tivesse obtido a informação como tivesse, os recursos de pesquisa de Hatcher pareciam ser tão bons como os dela. Ela sabia que ele tinha uma fortuna e uma rede crescente de colegas criminosos. Entre eles estava certamente um hacker – algum cromo brilhante com menos escrúpulos que o Van Roff. Hatcher poderia aceder a quaisquer registos oficiais que quisesse – a polícia, o FBI, a universidade Byars. E não precisava de se preocupar com a constituição ou quaisquer outras questões legais.

Hatcher cruzou os braços e continuou a falar.

“Vamos ver – com quem entrou em contacto até agora? É claro que temos as famílias das vítimas – os pais de Lois Pennington, a congressista Webber, os Linz. Depois ocorreu aquela viagem desnecessária à Georgia – eu podia ter-lhe dito que Kirk Farrell matou-se mesmo. E o pai não é um filho da mãe?”

Riley não respondeu.

“E é claro, encontraram-se com outras pessoas pelo caminho – mordomos e seguranças e enfermeiras. Temos o Reitor Autrey – um filho da mãe untuoso, não é? – e a sua secretária. Foi pena a Patience Romero. Ouvi dizer que o pai não está a encarar a morte dela da melhor forma. Tão triste.”

A paciência de Riley estava no limite. E também os nervos. Mas Hatcher não queria saber.

“E aquele Pike Tozer?” Perguntou ele. “Pensa que o pode ter descartado demasiado cedo?”

Riley continuou calada. Não lhe ia dizer que Bill e Lucy planeavam falar com Tozer outra vez naquele dia.

Hatcher fez uma pausa e depois falou mais pensativamente.

“Diga-me, Riley. Não adora Oscar Wilde? Fantástico, não é? ‘Consigo resistir a tudo exceto à tentação’. Eu pessoalmente penso que não lhe dão o devido valor. Ele não era só gracejos e facécias. Poucas pessoas apreciam o poder filosófico das suas melhores obras – De Profundis, por exemplo. Ele escreveu-a na prisão, sabe. Talvez seja por esse motivo que sinto tanta afinidade com ele.”

Riley não estava surpreendida pelos conhecimentos literários de Hatcher. Ela sabia que ele se tinha educado convenientemente aquando atrás das grades. Mas não fazia ideia onde queria chegar com aquela conversa sobre Oscar Wilde.

Hatcher inclinou a cabeça para trás, como se tentasse lembrar-se de algo.

“E tinha uma capacidade penetrante de compreender a natureza humana. ‘É absurdo dividir as pessoas entre boas e más. As pessoas ou são encantadoras ou tediosas’. Tão verdadeiro, tão verdadeiro. Alguma vez lhe disse que a considero encantadora, Riley? E por acaso, também eu sou. Não temos um vestígio de tédio em nós, nenhum de nós.”

Debruçou-se na direção de Riley.

“Oscar também disse algo sobre os fracos – as pessoas que são fracas. Foi realmente brilhante e terrivelmente verdadeiro e honesto. Estranho que não e consiga lembrar. Sabe como é o dito?”

“Não,” Disse Riley.

Hatcher cruzou o olhar com ela.

“Gostava de saber – de todas as pessoas com quem já falou até agora, alguma lhe pareceu especialmente fraca?”

Quando Riley não respondeu, Hatcher deu ma palmada nos joelhos e levantou-se.

“Bem. Foi ótimo falar consigo, por a conversa em dia. Temos que repetir um destes dias.”

Riley também se levantou.

“Não me disse nada,” Disse ela.

Hatcher riu-se.

“Ah, mas disse. Só está a compreender lentamente. Vai entender não tarda nada. Mas será a tempo? Alguém morrerá antes de compreender? Isso não é problema meu. De qualquer das formas, tenho que retomar o trabalho e você também, imagino.”

Ele encolheu os ombros.

“Ou talvez gostasse de passar algum tempo aqui, trazer memórias à tona. Diga-me, o seu pai alguma vez lhe cantou?”

A fúria de Riley estava a aumentar. Nunca ouvira o pai a cantar na vida. Mas o que é que Hatcher tinha a ver com isso?

Então Hatcher cantou numa voz notavelmente bela.


És o fim do arco-íris,

O meu pote de ouro...


“Pare,” Disse Riley.

Mas Hatcher continuou a cantar.


És a menina do papá

Para ter e segurar...


Abruptamente, parou de cantar e sorriu sombriamente. Olhava para o seu pulso.

“A usar o meu presente,” Disse ele.

Riley percebeu que ele se referia à pulseira de ouro.

Ela lembrou-se do que dissera a Hatcher da última vez que se tinham encontrado:

“Nunca a vou usar.”

Mas pusera-a pela primeira vez na noite passada.

E por alguma razão, não a tirara.

Hatcher declarou, “Isto lembra-me o favor que pretendo. Este é fácil. Continue a usá-la.”

Virou-se e silenciosamente saiu da cabana. Muito abalada, Riley recostou-se na cadeira de vime. Dali a momentos, ouviu o carro de Hatcher partir.

Riley olhou para a pulseira no seu pulso.

Queria desesperadamente tirá-la para desafiar Hatcher.

Mas por alguma razão, não conseguia.

Pensou se alguma vez conseguiria.

Mas não podia perder tempo a pensar naquilo agora.

Tinha um caso para resolver.


CAPÍTULO TRINTA E UM


Quando Riley saiu da cabana e conduziu a estrada deserta até à autoestrada, teve que decidir para onde ir de seguida. Não para casa. Ela queria voltar ao caso mas não sabia como.

Bill e Lucy estavam no campus de Byars, a verificar novamente cada pista. Considerava que não acrescentaria nada aos seus esforços. Podia ir para Quantico e pedir a Flores para pesquisar mais informações sobre os alunos de Byras. Ou tentar localizar a mulher que dissera a Cory Linz que a miúda Webber se tinha enforcado. Essa mulher parecia ter desaparecido sem deixar rasto. Riley só esperava que lhe tivessem pago uma boa maquia e estivesse a gozar uma vida de conforto algures.

Ela sabia que Flores não tinha conseguido nada em ambos os casos, e não tinha nada de novo em que ele pudesse trabalhar.

Precisava de pensar, talvez finalmente compreender este assassino. Encostou no parque de estacionamento em frente a um pequeno café e ficou sentada no carro durante uns instantes. Fechou os olhos e tentou alcançar a mente do assassino.

Tudo o que sentiu foi medo. Tudo o que viu foram os rostos assustados das raparigas que tinham morrido e do rapaz que tinha escapado. Finalmente abanou a cabeça e desistiu.

Riley suspirou profundamente e foi para dentro do café. Sentou-se e pediu um café e um bolo. Quando o que pediu foi trazido, bebeu o café e pensou no que sabia.

Hatcher devia ter-lhe dito algo de útil. Mas o quê?

“Só está a compreender lentamente,” Dissera Hatcher.

Riley suspirou. Era típico de Hatcher, brincar com ela daquela forma. Ela não tinha tempo para compreende lentamente – não quando um assassino estava à solta a preparar-se para atacar novamente. Ela tinha que atingir onde é que ele queria chegar rapidamente.

Reproduziu na cabeça a conversa que tinham tido.

“Não adora Oscar Wilde?” Dissera ele.

Depois citou algumas frases – algo sobre resistir à tentação, algo sobre as pessoas serem encantadoras ou aborrecidas. Nada escapava à mente de aço de Hatcher. Riley tinha a certeza que ele se lembrava de tudo perfeitamente.

Algo sobre “os fracos”.

“Era realmente brilhante e terrivelmente verdadeiro e honesto.”

Pegou no telemóvel e fez uma busca por “Oscar Wilde”, “citações” e “fracos”.

Em poucos segundos descobriu...

“A pior forma de tirania que o mundo já conheceu é a tirania dos fracos sobre os fortes. É a única tirania que dura.”

Riley sentiu um arrepio de entendimento.

A citação relacionava-se com Hatcher – e com ela também.

A fraqueza e o mal estavam fortemente ligados na sua mente. Os assassinos que ela apanhara eram tipicamente fracos no fundo. Tal como eram os políticos e chefes que tantas vezes se intrometiam da pior forma no seu trabalho. O mentecapto burocrata da UAC Carl Walder ocorreu-lhe.

Mas Hatcher também se referia a algo muito específico.

O assassino que ela procurava estava especialmente marcado pela fraqueza.

Mas quem poderia ser?

Até agora, o único suspeito viável que tinham era aquele eletricista, Pike Tozer.

Pareceu-lhe um homem fraco?

Não fisicamente – até parecia muito forte.

Mas Riley percebeu que não tinha conseguido interpretar a sua personalidade. Também se lembrava de que Bill e Lucy pretendiam entrevista-lo novamente. Talvez descobrissem algo importante.

Riley ligou a Bill.

“Estou de volta ao caso,” Disse ela. “Peço desculpa pela minha atitude hoje de manhã.”

“Não faz mal,” Disse Bill.

“Tu e a Lucy voltaram a falar com Pike Tozer?”

A voz de Bill parecia denotar desânimo.

“Sim, conseguimos localizá-lo. Deu-nos um álibi forte para ontem de manhã. Estava no campus a trabalhar e tem testemunhas que o viram. Definitivamente, ele não matou Patience Romero.”

Riley bebericou o seu café.

“Alguma coisa não bate verto, Bill,” Disse ela.

“Conta-me. Aquele esboço deve estar a léguas da realidade. Ninguém reconhece aquele rosto.”

Riley pensou por um momento.

Fechou os olhos.

Aquelas palavras continuavam a ecoar na sua mente.

“A tirania dos fracos... a única tirania que dura.”

Tinha encontrado alguém nos últimos dias que fosse claramente fraco?

Então algo lhe ocorreu.

Quem é que eu conheci que não é fraco?

As pessoas fracas rodeavam-na – incluindo quem não era suspeito.

Uma ideia começou a tomar forma dentro de si.

Abriu os olhos.

Disse a Bill, “Tu e a Lucy continuem no campus de Byars. Tenho que ir a outro lado. Encontramo-nos mais tarde.”

“Quando?”

“Talvez daqui a três horas.”

Bill pareceu surpreendido.

“Três horas?”

Riley sentiu-se envergonhada. É claro que Bill não fazia ideia do lugar em que ela estava agora.

“Estou fora da cidade,” Disse ela. “Explico-te mais tarde.”

Terminaram a chamada. Riley pagou a conta, saiu do café e começou a conduzir.


*


A intuição de Riley estava no auge quando estacionou no parque da Franklin Pierce High School. Ela ainda não sabia exatamente aonde o seu instinto a levava, mas tinha uma ideia muito clara de como lá chegar.

Riley entrou e foi cumprimentada por uma rececionista de aspeto assustado.

“Posso ajudá-la?” Perguntou a mulher.

Riley mostrou o distintivo e apresentou-se.

“Preciso de saber onde posso encontrar Tiffany Pennington,” Disse Riley. “Tenho que falar com ela.”

A mulher mexeu no computador.

“Está na aula de ginástica. Posso chamá-la para vir ter consigo.”

“Eu sei onde fica o ginásio,” Disse Riley, passando por ela em direção ao corredor.

Riley entrou pelas portas do ginásio. As raparigas jogavam voleibol – Tiffany e April entre elas.

April olhou assustada para a mãe.

“Mãe! O que é que estás aqui a fazer?”

Riley mostrou o seu distintivo à professora de ginástica.

“Preciso de falar com a Tiffany,” Disse ela. “No corredor. Agora mesmo.”

A surpreendida professora de ginástica anuiu e mandou Tiffany acompanhar Riley. April seguiu-as.

“Mãe, o que é que se passa? Perdeste o juízo?”

Riley não respondeu. Agarrou Tiffany pelos ombros.

“Tiffany, tens que te estar a esquecer de alguma coisa. Há qualquer coisa que não me contaste.”

Tiffany parecia alarmada.

“O que quer dizer?”

Riley respirou fundo para se acalmar.

“Piper, a amiga de Lois falou num tipo estranho. Lois disse a Piper que não sabia se gostar dele ou se ter pena dele.”

Tiffany assentiu.

“Tiffany, a tua irmã deve ter-te dito alguma coisa sobre ele. Pensa!”

Os olhos de Tiffany abriram-se muito.

“Penso que me lembro de uma coisa. Oh meu Deus!”

Riley conteve a respiração ao aguardar pelas próximas palavras.

“Sim, Lois mencionou um tipo na sua aula de poesia. Ela disse que era um rapaz simético, mas pequeno e magro, e os olhos eram um bocadinho assustadores. Tinha olhos muito grandes, disse ela.”

Tiffany começou a chorar.

“Lamento não me ter lembrado mais cedo. Como é que me podia ter esquecido? Estava tão stressada.”

“Não faz mal,” Disse. “Disseste-me exatamente aquilo que eu precisava de saber.”

Riley deixou Tiffany e a filha no corredor e regressou ao carro. Sentou-se ao volante e ligou para o gabinete do Reitor Autrey em Byars. Apanhou a secretária do reitor ao telefone.

“Menina Engstrand, Lois Pennington frequentava as aulas de poesia quando morreu. Preciso que me diga quem eram os alunos dessa aula.”

Alguns momentos mais tarde, a agitada secretária lia nomes a Riley.

A princípio não reconheceu nenhum deles, mas então veio o décimo nome e Riley soube de imediato.

Era Murray Rossum.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


Quando Riley estacionou o carro em frente à casa de Murray Rossum, Bill e Lucy já estavam no seu carro à espera. Todos se apressaram para a entrada onde foram cumprimentados pela mordomo Maude Huntsinger. Quando disseram que queriam ver Murray, a mulher recusou firmemente.

“O jovem patrão deu-me instruções precisas,” Disse ela. “Quer estar sozinho. Ninguém o deve incomodar o resto do dia.”

Riley e Bill trocaram olhares ansiosos.

Bill disse, “Minha senhora, isto é de extrema importância.”

“Eu compreendo, mas o patrão foi muito claro.”

De repente, para sua própria surpresa, Riley disse, “Penso que há algo de muito errado nesta casa.”

Os olhos da mulher dilataram-se.

Depois disse a Riley, “Só você.”

Riley abanou a cabeça. “Não, eu preciso dos meus colegas.”

O rosto da mulher suavizou-se. Riley conseguiu perceber que se preocupava com Murray. Riley tinha que usar aquele sentimento genuíno para entrar na casa sem perder tempo para obter um mandado.

“Temos que o ver agora mesmo,” Disse Riley. “Os três.”

Então a mordomo anuiu e disse, “Venham comigo.”

Riley, Bill e Lucy seguiram-na pela casa onde dois seguranças ainda estavam de serviço. Continuaram escadas acima. Não havia nenhuma enfermeira à porta do quarto de Murray desta vez.

Maude bateu à porta do quarto.

“Senhor, está aqui novamente a Agente Paige.”

E acrescentou cautelosamente, “E mais dois agentes. Precisam mesmo de falar consigo.”

Nenhuma resposta.

A mordomo bateu com mais força.

“Senhor, lamento incomodá-lo mas isto é importante.”

Riley conseguiu perceber um traço de pânico no rosto da mulher.

Riley sussurrou-lhe, “Temos que entrar.”

A mulher hesitou. Riley partiu do princípio que nunca tinha entrado num quarto naquela casa sem autorização. Mas devido à preocupação, estava a reconsiderar os seus modos habituais.

Maude Huntsinger abriu a porta, Riley entrou lá dentro, seguida dos outros.

A cama estava desfeita, mas Murray não estava lá.

O amplo e cavernoso quarto estava completamente vazio. Não havia mobília onde se pudesse esconder. Maude espreitou debaixo da cama.

“Isto é impossível,” Disse a mulher incrédula.

Riley e os colegas percorreram o quarto. Riley reparou que a porta para a casa de banho estava aberta. Olhou lá para dentro e não viu ninguém.

“Não compreendo,” Disse Maude. “Deve estar algures na casa.”

A mordomo pegou no seu walkie-talkie e entrou em contacto com o pessoal que estava espalhado pela casa. Também contactou o Agente Huang que Riley sabia estar na casa a monitorizar os ecrãs de segurança.

“Ninguém o viu,” Disse a mulher com a voz a tremer de alarme.

Riley olhou à sua volta. Os seus olhos repousaram num painel que parecia diferente do resto da parede. Tinha um pequeno buraco.

“O que é isto?” Perguntou Riley.

“A porta para o seu armário,” Disse a mordomo. “A sua sala de vestir. Está sempre trancada. Ninguém do pessoal tem uma chave. Não entro lá dentro há anos.”

Riley olhou à sua volta mais um pouco. Os seus olhos pararam na cama.

Lembrava-se quão patético e amarrotado parecera quando o vira da última vez.

“Não consigo fechar os olhos,” Dissera ele. “É quando os flashbacks pioram.”

Riley estremeceu ao lembrar-se da citação:

“A pior forma de tirania que o mundo já conheceu é a tirania dos fracos sobre os fortes.”

Alguma vez na sua vida conhecera uma pessoa tão palpavelmente fraca como MUrray Rossum?

Riley bateu na parede e chamou Murray.

Sem resposta.

Riley olhou para Maude Huntsinger.

“Não temos tempo de obter um mandado,” Disse ela. “Temos que saber se o Murray está lá dentro.”

A mulher estava confusa.

“Mas sem a autorização do patrão... ou do pai...”

Riley interrompeu.

“Não tenho tempo para discutir.”

A mulher anuiu.

“Eu compreendo,” Disse ela. “Façam o que tiverem que fazer.”

Bill lançou-se contra a parede sem surtir efeito. O painel moveu-se mas não se abriu.

Riley sacou a arma, apontada à fechadura e disparou num ângulo que impediria de atingir alguém que se encontrasse lá dentro. Então a porta abriu-se sem esforço.

O compartimento estava escuro mas alguma da luz do quarto entrava lá dentro. A primeira coisa que impressionou Riley foi o tamanho do compartimento.

Isto é um armário? Pensou.

Conseguiu de imediato perceber que era maior que o seu próprio quarto.

Encontrou um interruptor e ligou a luz.

Murray não estava ali.

Riley entrou. Lucy e Bill seguiram próximos dela.

Ambos os lados do compartimento estavam alinhados com roupas e sapatos caros. No extremo oposto estava um grande espelho. No meio do compartimento estava uma secretária repleta de papéis.

A próxima coisa a chamar a atenção de Riley foi um quadro pendurado num dos lados. Ficou horrorizada ao aperceber-se do que lá estava preso.

Fotografias de raparigas cuidadosamente arranjadas debaixo de tiras de papel com os seus nomes...

DEANNA ... CORY ... CONSTANCE ... LOIS ... PATIENCE ...

Eram fotos das raparigas que tinha sido assassinadas.

Ele devia ter tirado as fotos com o telemóvel sem o conhecimento das raparigas, imprimindo-as depois. Riley reconheceu todos os nomes – exceto um. No canto superor direito estava o nome RACHEL. Não havia qualquer fotografia abaixo dele.

“É ele,” Disse Lucy. “O Murray é o assassino.”

Então sobreveio um grito rouco de horror de Maude Huntsinger.

“Meu Deus! Não! É impossível!”

Mas Riley sabia que era verdade.

Riley ouviu a voz de Bill atrás ela dizer, “Riley, é melhor veres isto.”

Virou-se e viu-o debruçado sobre a mesa a ler os pedaços de papel. Riley juntou-se a ele e viu que eram cartas não enviadas que começavam com os nomes das vítimas.

Querida Deanna ... Querida Cory ... Querida Constance ...

Pegou na carta que começava “Querida Patience”. Dizia...


Não compreendo. Gostas mas não gostas de mim. Dizes que sou simpático mas não queres sair comigo. Isto acontece-me repetidamente. As raparigas não querem um rapaz que seja “simpático”. Mas desta vez dói mais do que das outras vezes. Porque és especial para mim, Patience. E pensas que não sei o significado da palavra “mapache”? ...


O resto da carta era uma trapalhada com passagens ilegíveis e outras rasuradas.

Lembrava a Riley a carta do pai – com uma diferença fundamental.

Ao não dizer precisamente nada, o pai dizia exatamente o que queria dizer. Assinara a sua não-carta “Pai”. Mas esta carta não estava assinada. Estava irremediavelmente incompleta. Murray não fazia ideia em como expressar o que queria dizer. No fundo, a única forma que tinha de comunicar os seus sentimentos era através do crime.

Riley pegou na carta que Murray tinha começado a escrever a uma rapariga chamada Rachel. Era muito parecida, repleta de autocomiseração e perplexidade do porquê a rapariga gostar e não gostar dele. Uma frase rasurada chamou-lhe a atenção...


Eu sei que não sou um rapaz grande e forte, mas...


Riley parou de ler ali.

Murmurou em voz alta, “A tirania dos fracos sobre os fortes.”

O véu levantou-se.

Agora compreendia o que os seus instintos lhe tentaram sempre dizer.

Cada vez que tentara entrar na cabeça do assassino, encontrara-se na cabeça de Murray. Ela pressentira algum tipo de perigo em torno de Murray. Pensava que era por se tratar de uma vítima. Porque ainda podia estar em perigo.

Mas não era Murray que estava em perigo.

O perigo vinha de Murray.

E agora, finalmente, ela podia penetrar na mente de Murray e sentir o que ele tinha sentido, pensar o que tinha pensado.

Na cama... deitado ali... os olhos a implorarem ... parecendo tão patético...

Ele estava a gabar-se!

E tinha-a enganado completamente, tal como tinha enganado as suas vítimas.

Tinha levado o seu engano ao extremo – até fingindo a sua própria tentativa de homicídio.

Murray Rossum era a sua fraqueza.

A sua fraqueza era a sua obsessão – e o seu poder.

Murray matou por fraqueza.

A sua fraqueza de caráter possibilitou-lhe matar. A sua fraqueza física obrigou-o a drogar as vítimas.

Shane Hatcher tinha-o compreendido. Ele sabia que a verdade estava mesmo debaixo do nariz de Riley. Então o que impedira Riley de perceber a mensagem?

Foi a minha pena, Percebeu Riley.

Ela deixara a compaixão nublar-lhe os instintos.

Pela sua fraqueza, Murray tiranizara o julgamento de Riley.

Riley olhou outra vez para o quadro.

Porque é que não havia fotografias de Rachel debaixo do seu nome? De certeza que a perseguira tirando-lhe fotos – fotos que deviam estar no seu telemóvel. Porque não as imprimira e as colocara ali?

Riley percebeu com um arrepio...

Porque ainda não a matou.

Riley virou-se para Lucy ainda em estado de choque.

“Agente Vargas, ligue para Byars agora mesmo. Fale com o Reitor Autrey. A escola deve ter alguma aplicação de alerta. Que seja divulgado um aviso e uma foto de Murray para todos os telemóveis do campus. Diga-lhe para contactar e avisar pessoalmente uma aluna de Byars de nome Rachel. Diga-lhe que uma dessas raparigas corre perigo imediato. O Autrey poderá resistir, mas não aceite um não como resposta!”

Lucy anuiu, pegou no telemóvel e começou logo a trabalhar.

Riley virou-se para Maude que chorava incontrolavelmente.

“Onde está ele?” Exigiu Riley saber. “Onde está ele agora?”

”Não sei!” Exclamou a mulher. “Não faço ideia!”

“Está na casa?” Perguntou Bill.

“Já disse que não sei!”

Riley ligou a Craig Huang que estava na cave a monitorizar câmaras de segurança.

“Agente Huang, sabe se Murray está em casa?”

“Huh?” Perguntou Huang.

Riley compreendeu a sua confusão. Ele pensava que o seu trabalho era impedir intrusos de entrar e não manter Murray debaixo de olho.

“Preciso saber se ele saiu de casa,” Disse Riley.

“Não. Não pode. Tenho vigiado estas entradas como um falcão. E as janelas também.”

“Tem gravações?”

“Sim, mas...”

“Veja-as. Agora. Vamos descer agora mesmo.”

Riley desligou.

“Leve-nos ao Agente Huang,” Disse Riley à mordomo.

A mulher conduziu-os por uma escadaria traseira que levava à cave. A cave era um labirinto com compartimentos para ferramentas e armazenamento de objetos, e também aposentos de empregados e áreas de repouso para os empregados que não viviam na casa.

Riley pediu a Maude para abrir a porta de um dos armazéns. Riley pode ver que não tinha janelas. Partiu do princípio de que não haveria janelas em mais nenhum local na cave. O local estava construído como um bunker.

“O Murray vem cá abaixo?” Perguntou Riley a Maude.

“Não. A cave é apenas para os empregados. Ia sentir-se deslocado aqui e os empregados não gostariam.”

Não é bem assim se tiver um cúmplice, Pensou Riley.

Talvez alguém o estivesse a esconder.

Teria que prender todo o pessoal?

E se ele não estivesse na casa?

Se fosse esse o caso, estavam a desperdiçar tempo valioso.

Foram para a sala de segurança onde o Agente Huang estava a olhar para vários monitores de computador.

“Acabei de rever as gravações,” Disse Huang. “Tenho a certeza de que não saiu da casa.”

Permaneceram todos calados por um momento.

Depois Lucy disse, “É o que temos dito desde sempre do assassino. Ninguém repara nele no campus. As pessoas nem o vêm na sua própria casa. É como se fosse o Homem Invisível ou qualquer coisa do género.”

Algo começou a ocorrer a Maude.

“Sim – ele pode ser assim,” Disse ela.

“O que quer dizer?” Perguntou Riley.

“Isto pode parecer uma loucura mas... às vezes ele simplesmente desaparece. Está em casa, mas ninguém sabe dele por longos períodos de tempo. Notei algumas vezes....”

Calou-se.

“Vejo-o a sair do quarto. Depois não o vejo durante muito tempo. É como se desaparecesse no ar. Depois reaparece, aparentemente vindo de lado nenhum.”

Lucy caminhava e olhava à sua volta.

“Isso lembra-me de uma coisa,” Disse ela. “Há alguns anos, fiz uma viagem com a minha família à nossa cidade no México. É uma cidade antiga, datando à época colonial. Na Guerra Mexicana da Independência, as pessoas da cidade cavavam túneis de fuga entre as casas. As entradas estavam bem camufladas.”

É isso! Pensou Riley.

“Onde é que o vê antes de desaparecer?” Perguntou Riley à mordomo.

“Eu mostro-lhe,” Disse a mordomo.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS


Ao seguirem a mulher, Riley sentia que Lucy podia estar muito próxima da verdade. Murray devia ter saído da casa através de alguma saída secreta. A casa era suficientemente antiga para ter sido construída com essa particularidade.

Estava contente por Lucy. Afinal de contas, a jovem agente tivera alguns contratempos ultimamente. Riley decidira deixá-la tomar liderar naquele momento.

O grupo chegou ao fundo das escadas traseiras que conduziam à cave.

A mordomo apontou para cima das escadas.

“Só aconteceu algumas vezes e nem tenho bem a certeza. Quando estou no segundo andar a fazer alguma coisa, vejo-o a sair deste compartimento e a descer esta escada. Penso que vai para a cozinha ou talvez para a piscina. Mas depois disso não o volto a ver. Não sei para onde vai.”

Parecendo ansiosa e alerta, Lucy subiu as escadas lentamente, batendo na parede à medida que subia. Os outros seguiram-na.

No primeiro patamar, Riley conseguiu ouvir o som oco quando Lucy bateu no painel.

“Aqui está!” Disse Lucy, batendo novamente.

O som era definitivamente diferente da parede ao lado.

“Mas como se abre?” Perguntou Bill.

“Lucy pressionou firmemente e de forma igual com ambas as mãos. Custou um pouco, mas quando encostou o corpo, o painel afastou-se alguns centímetros. Depois Lucy conseguiu abri-lo completamente. Mesmo à sua frente, abaixo de um pequeno lanço de escadas, estava um túnel de cimento.

Riley perguntou a Maude, “Tinha conhecimento disto?”

A mulher abanou a cabeça, surpreendida.

“Deve aqui estar há muitos anos, desde que a casa foi construída,” Disse ela. “Quem construiu a casa foi o bisavô de Murray. Ninguém alguma vez me falou nisto.”

Lucy ligou um interruptor. Era uma lâmpada pendurada do teto do túnel por uma corda. Riley percebeu que o túnel apresentava uma curva a curta distância mais à frente.

Aonde vai dar? Interrogou-se Riley.

E para que fora construído?

Riley, Bill e Lucy sacaram as armas.

“Eu quero ir,” Disse a mordomo. “Quero ver onde vai dar.”

Riley hesitou mas ela sabia que poderiam precisar dos conhecimentos da história da família da mulher.

“Venha,” Disse Riley. “Mas fique atrás de nós.”

Todos entraram no túnel. Quando alcançaram a curva, Riley viu que o túnel se estendia por mais alguns metros, iluminado aqui e ali por lâmpadas penduradas, Não havia sinal de Murray ou de mais alguém mais à frente.

Depois de outra curva, Riley e os seus companheiros deram com uma porta.

“Tem uma chave?” Perguntou Riley a Maude.

“Vou ver,” Disse a mulher.

Pegou num anel de chaves e experimentou uma a uma. Nenhuma funcionava.

Bill começou a apontar a arma à fechadura, mas Riley impediu-o. Não queria fazer mais barulho do que o necessário.

Pegou na sua mala onde estava um kit de abertura de fechaduras. Inseriu a chave na fechadura, depois tateou e torceu até a fechadura rodar. Quando virou a maçaneta, a porta abriu de par em par.

Riley e os seus companheiros deram por si noutra cave.

“Sabe onde estamos?” Perguntiu Riley a Maude.

“Não tenho a certeza.”

Moveram-se silenciosamente nas escadas da cave. A porta abria-se para um rés-do-chão de uma casa estreita – obviamente mais pequena do que a casa de Murray, mas igualmente rica.

A mordomo ficou boquiaberta.

“Bem, esta casa pertence ao patrão Rossum mais velho – o pai de Murray! Ele utiliza esta casa por vezes para instalar visitas importantes, amigos especiais. Não fazia ideia de que as duas casas estavam ligadas. Nem se encontram na mesma rua.”

Com as armas ainda em riste, Bill e Lucy subiram. Riley fez uma verificação rápida da cozinha e casa de banho adjacente à sala de estar. Ninguém estava ali.

“Ninguém,” Disse Bill quando ele e Lucy desceram as escadas. “Bela casa,” Acrescentou.

Para Riley era fácil de adivinhar para que fora construído o túnel. Os patriarcas da família – talvez durante três gerações – tinham-no usado como rota para encontros de cariz sexual. Permitia-lhes air de casa sem ninguém notar, sobretudo as mulheres. O túnel tornava possível encontrar uma mulher de forma discreta na casa onde agora se encontravam.

Uma amante, talvez?

Talvez, pensou Riley, mas os encontros deviam ser bem mais casuais – prostitutas, call girls e mulheres de outros homens.

Sem dúvida que o segredo tinha passado de cada pai a cada filho até chegar a Murray.

E agora Murray colocava a casa e o túnel ao serviço de algo que os seus antepassados não antecipariam.

Saía discretamente da sua casa para matar.

Riley estremeceu. Ele tinha que ser encontrado.

“Preciso do telemóvel de Murray,” Disse a Maude que lho disse de imediato.

Riley pegou no seu telemóvel e ligou a Sam Flores.

“Sam, preciso que faças uma busca de GPS neste momento. Estamos à procura de Murray Rossum.”

Sam pareceu surpreendido.

“O miúdo que quase morreu?”

“Ele é o nosso assassino Sam. E está atrás de alguém neste momento.”

Riley deu a Sam o número e esperou durante alguns instantes.

“Raios,” Disse Sam. “Ele é um sacana esperto. Desativou o sistema de GPS. Não faço ideia onde esteja.”

Riley desligou. Depois ligou ao Reitor Autrey e colocou-o em alta voz. Autrey parecia preocupado e muito mais cooperante do que anteriormente. Riley calculou que a horrível realidade da situação se tivesse finalmente apoderado dele.

“Enviou um aviso a todos os alunos chamados Rachel?” Perguntou Riley.

“Tentei. Temos sete Rachels. Conseguimos avisar todas exceto três.”

Riley sentiu uma torrente de adrenalina a tomar conta de si.~

“Dê-nos os seus nomes completos e informação de contacto,” Disse a Autrey. “Temos que as encontrar – e rapidamente.”


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


Bill atravessou a porta de entrada do edifício e subiu as escadas rapidamente. Ele, Riley e Lucy separaram-se. Uma rapariga chamada Rachel estava em grande perigo, mas três alunas de Byars não tinham respondido ao aviso do campus. O GPS tinha-as localizado a todas próximo do campus de Byars.

A que ele procurava estava definitivamente aqui – ou pelo menos tinha localizado o seu telemóvel aqui. O seu telemóvel indicava que estava lá em cima.

Mas seria a Rachel certa?

Se fosse esse o caso, estaria em perigo imediato?

Era uma situação desesperada. A rapariga já podia ter sido assassinada. Ou podia estar a segundos de o ser.

Ao subir as escadas, Bill ouviu música vinda de cima. Parecia vir do terceiro andar.

Uma festa? Pensou Bill.

Parecia provável, tendo em consideração que o edifício estava repleto de alunos.

Naquele momento, o ruído era vantajoso para Bill. Ninguém o conseguia ouvir aproximar-se. Quando chegou ao terceiro e último andar, seguiu o sinal de GPS até ao apartamento D.

A música lá dentro era quase ensurdecedora.

Bill hesitou em frente à porta.

O que deveria fazer a seguir?

Devido à urgência da situação, não houvera tempo de obter mandados. Bill e as colegas nem sabiam que instalações deviam procurar.

Devia bater à porta e apresentar-se?

Não, Pensou. Uma rapariga pode estar a ser morta lá dentro.

Se apanhasse a rapariga errada, teria que lidar com as consequências legais mais tarde.

Sacou a arma. Duvidava que o assassino estivesse armado, mas uma arma podia ser necessária para impedir um crime em progresso.

Virou a maçaneta. A porta estava aberta e empurrou-a.

Quase sufocou com o cheiro de marijuana e os olhos arderam da cortina de fumo. Quando os seus olhos se ajustaram, viu sete jovens atordoados, todos parecendo estar pedrados.

Alguns estavam sentados no chão, outros em sofás.

Levantarm as mãos, surpreendidos. Alguns levantaram-se.

Com um grunhido de deesânimo, Bill colocou a arma no coldre.

“Desliguem a música!” Gritou.

Um rapaz desligou e ficou a olhar para Bill.

Um dos outros rapazes murmurou, “Oh, raios, isto não é nada fixe.”

“Nem me digas,” Disse outro. “Estamos completamente lixados.”

Bill mostrou o distintivo do FBI e apresentou-se.

“Procuro uma rapariga chamada Rachel Reeves.”

Uma rapariga ruiva de sardas levantou o braço.

“Não me prenda por favor. Os meus pais passam-se.”

Bill olhou diretamente para Rachel.

“Recebeste o aviso? A administração tentou contactar todos os alunos com o nome de Rachel.”

“Sim, recebi-o,” Disse Rachel. “Estou segura aqui, obrigada.”

“Porque é que não respondeu?” Perguntou Bill.

Rachel encolheu os ombros.

“Não sei. Nem conheço esse Murray não-sei-das-quantas. Qual é o problema?”

“Oh, eu conheço-o,” Disse outro. “Um verdadeiro idiota.”

“Eu também,” Disse ainda outro. “Quem havia de pensar que era um assassino?”

Bill estava a ferver de fúria e frustração. Apetecia-lhe abanar Rachel Reeves.

“Trouxe-me até aqui numa caça ao gambozino,” Disse ele. “Posso detê-la por obstrução – e outras coisas. Entretanto, outra rapariga que se chama Rachel está em perigo neste preciso momento. E em vez de a manter viva, estou aui num quarto com uma cambada de miúdos pedrados.”

Os miúdos pareciam sentir-se culpados – não que contribuísse para alguma coisa.

“Esqueçam,” Grunhiu Bill. “Desfrutem da vossa festa maldita.”

Saiu do apartamento e desceu as escadas. Ouviu a porta do apartamento fechar e a música a tocar outra vez.

Bill esperava que tanto Riley como Lucy tivessem melhor sorte.

É melhor ver com elas, Pensou, pegando outra vez no telemóvel.


CAPÍTULO TRINTA E CINCO


Murray achou que Rachel parecia aborrecida. Ele sabia que ela não apreciava muito a sua companhia apesar de fazer o máximo para não o demonstrar.

“Onde vamos?” Perguntou a Murray enquanto caminhavam.

“A um sítio simpático,” Disse Murray. “Vais ver.”

Estava frio lá fora. Murray viu Rachel a beber o seu chocolate quente, depois bebeu do seu. A droga parecia ainda não ter produzido efeito.

Estava a ficar sem tempo e sabia-o. Vira o aviso no seu telemóvel havia pouco tempo. Mas tinha a certeza de que Rachel não o tinha visto – ainda não. Tinha-se encontrado com ela logo depois das aulas e sabia que ela desligava sempre o telemóvel nas aulas.

E sabia que não o ia ver agora. Tinha-o retirado facilmente do seu bolso e atirado para fora do seu alcance. Até agora, ela não tinha dado pela sua falta. Com sorte, não repararia até ser demasiado tarde.

Ele esperava poder concretizar mais uma retribuição antes de ser apanhado.

O cerco está a apertar-se, Pensou.

Achou a metáfora divertida.

Ele sabia o que era ter um verdadeiro laço à volta do pescoço. A sua falsa tentativa de suicídio tinha sido um excelente ardil. Tinha sido especialmente eficaz com aquela mulher, a Agente Paige. Como fora fácil ganhar a sua compaixão e confiança!

Mas tudo isso estava a chegar ao fim.

Entretanto, Tinha que manter a conversa.

“Alguma vez te falei das minhas viagens às ilhas Gregas?” Perguntou.

“Não,” Disse a rapariga. “Conta-me.”

Começou a falar-lhe das praias de nudismo no Egeu – uma história divertida, pensou ele. Mas conseguia perceber que ela não estava minimamente interessada.

Estava a ser diplomática.

Rachel era assim – sempre diplomática.

Ele odiava a sua diplomacia.

Ele queria ser amado, querido, desejado.

Mas isso nunca tinha acontecido.

Ele era simpático, todas lhe diziam.

Aquela palavra “simpático” era sempre o beijo da morte.

É claro que o beijo da morte era apenas figurativo para Murray.

Era mais literalmente o beijo da morte para as raparigas.

Continuou a falar, mantendo-se atento à rapariga. Ela ainda não mostrava os efeitos da droga. Ele esperava que tal não acontecesse até chegarem ao seu destino. Seria mau se ela claudicasse enquanto caminhavam. Ele estava preparado para o que vinha a seguir e o laço estava atado e pronto na sua mochila.

Ainda assim, parecia meio louco assumir aquele enorme risco com o FBI já no seu encalço.

Que raio pensava ele que estava a fazer?

Bem, ele não estava a pensar, é óbvio.

Ele seguia impulsos, como sempre fazia.

Como poderia ser de outra forma?

De qualquer das formas, tivera sorte até agora – sorte com Deanna, Cory, Constance, Lois e Patience.

E tinha a sensação de que a sorte se manteria.

Só tinha que matar mais esta e fugir.

Tinha um bilhete de avião de ida para a Venezuela que partia dali a hora e meia.

Se se conseguisse retirar da cena do crime e apanhar aquele avião, nunca mais regressaria.

O que faria então, não sabia. Mas tinha todos os recursos que precisava para viver bem fosse para onde fosse.

Oh que chatice, Disse a si próprio. Todas as coisas boas têm que ter um fim.

Sorriu ao pensar...

A vida da Rachel, por exemplo.


CAPÍTULO TRINTA E SEIS


Riley apressou-se quando se aproximou de um pequeno edifício de tijolo com persianas a flanquear as janelas.

Teria localizado a Rachel certa?

As letras no toldo diziam ROSEDALE BOUTIQUE INN. Não ficava longe do campus e parecia-se muito com as lojas e casas da zona.

O sinal de GPS vinha dali. Bill tinha acabado de ligar para dizer a Riley que a sua Rachel não era a certa. Também dissera que falara com Lucy que anda estava a seguir o seu sinal.

Parece que há uma hipótese de cinquenta cinquenta, Calculou Riley.

Entrou na pequena entrada onde um porteiro idoso se encontrava atrás da secretária. Riley mostrou o distintivo e apresentou-se. Ele olhou para o distintivo com os seus óculos grossos, como se não soubesse muito bem o que pensar.

Depois Riley mostrou-lhe uma foto de Murray Rossum.

“Este jovem fez o check-in aqui?” Perguntou ela.

“Não sei,” Disse o homem, apontando para os seus olhos. “Não tenho muito jeito com rostos. Degeneração macular.”

“Ele chama-se Murray Rossum.”

O porteiro olhou atentamente para o registo com uma lupa.

“Ninguém com esse nome,” Disse ele.

“Pode não ter usado o seu nome verdadeiro,” Disse Riley. “Penso que pode ter trazido uma jovem com ele – uma aluna de Byars chamada Rachel Hawk.”

O lábio do homem fez um trejeito de desdém.

“E se a tiver trazido aqui?” Disse ele. “Minha senhora, estamos no século XXI.”

“Ouça, Murray Rossum é um assassino em série,” Disse Riley. “Se ele a trouxe para aqui, o mais certo é que a vá matar. Se ainda não o fez.”

As grossas sobrancelhas do porteiro ergueram-se.

“Um jovem trouxe uma rapariga para aqui há pouco,” Disse ele. “Deu entrada esta manhã com o nome de Toby Seton.”

O homem pegou no telefone.

“Vou ligar para o quarto,” Disse ele.

“Não,” Disse Riley. “Não o podemos colocar de sobreaviso. Tem que me deixar entrar no quarto agora mesmo.”

O homem hesitou.

“Tem um mandado?”

Riley suprimiu um grunhido de frustração. Não tinham tido tempo para formalidades legais.

“Alguma vez encontrou um corpo enforcado num dos seus quartos? Porque é isso que poderá acontecer a não ser que o impeçamos.”

O homem empalideceu. Pegou num conjunto de chaves e em silêncio conduziu Riley pelas escadas acima. Girou a chave na porta do quarto e abriu-a.

Riley ouviu um guincho assustado de uma rapariga e um rapaz a gritar, “Merda!”

Dois jovens nus estavam debaixo de um lençol. O rapaz não era Murray Rossum. O quarto era pequeno mas confortável.

“Que raio querem?” Perguntou a rapariga.

Riley mostrou o distintivo e apresentou-se.

A rapariga parecia realmente alarmada.

“Imploro-lhe que não diga nada aos meus pais. Passavam-se. O Toby veio de Nova Iorque para me ver e ...”

Riley não estava interessada na história.

“É Rachel Hawk?” Perguntou.

“Sim, e então?”

“Não viu o telemóvel?”

A rapariga abanou a cabeça.

“Não ultimamente. Porquê?”

“Byars tem um excelente sistema de aviso,” Disse Riley. “Devia começar a utilizá-lo.”

A rapariga estava a pegar no telemóvel quando Riley saiu do quarto e fechou a porta atrás de si. Ouviu um gritinho de alarme quando a rapariga percebeu de que se tratava. É claro que agora não lhe servia de nada.

Riley agradeceu ao desnorteado porteiro pela sua ajuda e saiu do edifício.

Onde é que isto nos deixa? Perguntou Riley a si própria ao afastar-se.

Ela e Bill tinham eliminado duas Rachels. O que significava que Lucy devia estar a caminho do verdadeiro alvo – e rumo a sarilhos.

Riley pegou no telemóvel para avisar Lucy.


*


Rachel sentia-se desconfortável – e estranhamente atordoada.

“Onde vamos?” Perguntou outra vez a Murray.

“Vais ver,” Disse ele outra vez.

Murray continuou a contar-lhe coisas acerca das suas viagens pelo mundo. Naquele momento falava-lhe de Paris.

Estava a levá-la para uma zona mais afastada. O caminho estava bordejado de arbustos que provavelmente floririam na primavera e por cima das suas cabeças surgiam ramos de árvores nuas.

Rachel nunca estivera ali e não gostava especialmente do local. O caminho era estreito e a zona estava envolta em vinhas. E estava demasiado frio para aquele passeio. Engoliu o resto do chocolate quente que Murray lhe tinha comprado, mas não ajudava.

Também se sentia desconfortável na companhia de Murray. Para começar, achava as suas histórias chatas e aborrecidas.

Então porque é que não lhe dizia?

A resposta era simples. Não queria magoar os seus sentimentos. A verdade era que sentia alguma pena dele. Ela sabia que ele vinha de uma família rica- muito mais rica do que a dela. E era um rapaz muito simpático, o que era bastante raro em Byars. Ainda assim, não era popular e parecia não ter uma namorada.

Ela de certeza que não queria ser sua namorada.

Mas também não queria ser cruel.

Os amigos sempre lhe diziam que era demasiado diplomática.

“És uma fraca, Rachel,” Diziam.

E os amigos tinham razão. Era uma falha de caráter que a deixava vulnerável a pessoas estranhas.

Ela sentia-se especialmente estranho quando estava com Murray. Uma vez até tinha aparecido em casa dela em Bethesda num fim-de-semana. Disse que a queria levar ao cinema. Ela dissera que tinha planos com a família para aquele dia. Era uma mentira e imediatamente se sentira culpada por isso. E Murray parecera terrivelmente magoado.

Ela não queria fazê-lo sentir-se assim novamente.

Não devia parar com isto?

Com certeza que já era tempo de parar de ser fraca e mostrar alguma dureza.

Era tempo de lhe dizer que queria voltar para o centro do campus.

Se ferisse os seus sentimentos, não havia nada a fazer.

Mas mal abriu a boca para dizer alguma coisa, foi apoderada de uma súbita vertigem. Os joelhos fraquejaram e ela quase caiu. O copo vazio caiu da sua mão.

Murray apanhou-a pelo braço.

“Estás bem?” Perguntou ele.

“Não tenho a certeza,” Disse ela.

Ele conduziu-a para um tronco caído debaixo de uns ramos pendentes.

“Senta-te aqui,” Disse ele.

Ela sentou-se. O mundo girava à sua volta.

O que é que se passa? Interrogou-se.

Os seus pensamentos eram nebulosos e não conseguia raciocinar.

Mas tinha uma vaga sensação de que estava em perigo.

Tinha que obter ajuda.

Meteu a mão no bolso para pegar no telemóvel.

Não estava lá.

Tinha-o deixado no quarto?

Não, tinha-o na aula, tinha a certeza. Desligou-o antes da aula começar.

Murray estava de pé a remexer na sua mochila.

O que é que ele está a fazer?

Enquanto lutava para pensar, uma terrível memória se formou na sua mente.

Vários alunos de Byars tinham sido assassinados recentemente – drogados e enforcados.

Um esboço do assassino tinha sido colocado em todo o lado.

Ela lembrava-se da descrição e do esboço – um homem grande com cabelo espesso e desgrenhado.

Murray não se parecia com esse retrato.

Ele não podia ser o assassino.

Mas era. Ela sabia-o agora.

Ela tentou levantar-se do tronco mas uma tontura dominou-a e ela caiu de lado.

Sabia que devia ter medo. Mas estava demasiado desorientada. E isso era mau. O medo ajudá-la-ia. Dar-lhe-ia energia para conseguir fugir.

Agora Murray colocava algo no seu pescoço.

Tenho que ter medo, Pensou.

Se não tivesse, sabia que ia morrer.


CAPÍTULO TRINTA E SETE


Os nervos de Lucy estavam no auge enquanto caminhava, seguindo o sinal de GPS até ao telemóvel de Rachel Mackey.

Acabara de falar com Riley que lhe dissera que ela e Bill tinham eliminado as outras Rachels.

Lucy agora sabia que estava no encalço do verdadeiro alvo do assassino.

Riley e Bill iam a caminho para se juntarem a ela. Mas pelos dados do GPS, Rachel não estava longe. Lucy duvidava que chegassem antes que ela encontrasse a rapariga – e também o assassino.

Vai ser comigo, Pensou. Ela esperava estar à altura do que a aguardava.

Mas agora, olhando para as instruções do GPS no telemóvel, algo parecia estar errado.

Parece que a Rachel está aqui, Pensou.

Lucy parou e olhou à sua volta.

Não viu ninguém.

Então uma cintilação de plástico chamou a sua atenção no chão debaixo de um arbusto. Apanhou-o. Era um telemóvel, aquele de que estava à procura.

O telemóvel de Rachel! O assassino deve tê-lo tirado dela e atirado para longe.

Lucy sentiu-se abalada por uma onda de desespero.

Quanto tempo tinha passado desde que Murray e a sua vítima ali estavam?

A que distância estaria?

Começou a correr por entre os arbustos ornamentados até se deparar com uma encruzilhada.

Os seus olhos olhavam freneticamente para cada um dos caminhos.

Murray deve ter seguido por um deles, mas qual?

Havia pegadas em todos eles, algumas frescas, outras menos.

Quais eram as frescas?

O coração de Lucy batia descompassadamente. Não conseguia decidir. Estaria demasiado agitada para pensar com clareza?

É evidente que Riley não teria aquele problema!

Lucy respirou profundamente, ajoelhou-se e olhou para os caminhos com mais atenção.

Não conseguia ver a diferença.

Decidiu seguir o caminho do meio e esperar o melhor.

Apressou-se até lhe parecer ouvir um ruído à sua direita.

Virou-se e pensou ter visto qualquer coisa a movimentar-se a alguma distância entre os arbustos e ramos.

“Murray Rossum!” Gritou.

Agora tinha a certeza que detetara outro movimento.

Deveria voltar atrás e seguir o caminho à direita?

Não, não havia tempo para isso.

Lucy esgueirou-se por entre ramos e chegou a uma clareira.

E lá estava a rapariga.

Estava suspensa pelo pescoço por uma corda atada a um ramo de árvore. Os pés estavam a poucos metros do chão. Parecia que tinha sido empurrada de um tronco caído.

O seu rosto apresentava um tom pouco natural de azul, como se tivesse sido pintado.

Lucy não viu sinal de movimento.

Está morta? Interrogou-se Lucy.

Lembrou-se que as outras vítimas tinham sido drogadas. Só porque a rapariga não lutava não queria dizer que não estivesse viva.

E nessa altura viu uma sombra a afastar-se.

“Murray!” Gritou.

Ele não parou e Lucy não tinha tempo de o perseguir. Ela correu na direção da figura enforcada e colocou os braços à volta das ancas da rapariga, levantando-a um pouco para dar folga à corda.

E nessa altura o corpo da rapariga mexeu-se e ela tossiu.

Rachel ainda estava viva!

Mas como iria Lucy descê-la?

Para desatar a corda, tinha que soltar o corpo. Se o fizesse, Rachel seria estrangulada – provavelmente de forma fatal.

Quase inconsciente, Rachel soltou um gemido.

“Fica comigo!” Disse Lucy asperamente.

Mas conseguia ver que a rapariga estava novamente a entrar num estado de inconsciência.

Lucy abanou o corpo, mas Rachel não respondeu.

Está a morrer! Pensou Lucy.

Mantendo um braço à volta das ancas da rapariga, Lucy soltou o outro e tentou soltar o laço.

Ainda estava apertado à volta do seu pescoço. A respiração de Rachel era intermitente. A circulação sanguínea ainda não circulava. Lucy sentiu-se desesperadamente desajeitada, prendendo o corpo com uma mão e tentando alargar o nó com a outra.

Por um momento, Lucy pensou estar a conseguir alargar o nó.

Depois, para seu horror, percebeu que em vez disso o apertara.

Rachel já não respirava.

Lucy não se atrevia a continuar a tentar alarga-lo. Só tornara tudo pior.

Não podia salvar Rachel sozinha.

Depois, pareceu-lhe ouvir vozes e passos.

“Estou aqui!” Gritou. “Tenho-a aqui! Ajudem-me! Ela não se vai safar!”

Depois não ouviu mais nada.

Será que os seus ouvidos lhe tinham pregado uma partida?

Depois os Agentes Paige e Jeffreys surgiram na clareira.

“Ela está viva” Gritou Lucy. “Preciso de ajuda!”

Bill ajudou Lucy a suportar o peso do corpo da rapariga. Levantaram-na um pouco mais alto.

Riley saltou para o tronco e alargou o laço, retirando-o depois do pescoço da rapariga.

Lucy e Bill baixaram a o corpo da rapariga cuidadosamente e esticaram-na no chão.

“Onde está Murray Rossum?” Perguntou Riley.

Lucy apontou.

“Foi naquela direção,” Disse ela. “Vão atrás dele, Eu tomo conta da Rachel.”

Os Agentes Paige e Jeffreys foram pelo caminho indicado enquanto Lucy ligava o 112.


CAPÍTULO TRINTA E OITO


Murray trepou para uma árvore. Segurava no laço extra que trazia sempre consigo. Pensava que o poderia ter que utilizar em si próprio um dia.

Agora tinha acabado e Murray sabia-o.

O caminho terminava ali e não sabia por onde fugir.

Vira a jovem agente. Só não o seguira para salvar a rapariga.

Murray sorriu ligeiramente.

Fora demasiado tarde.

Executara mais um ato de retribuição.

Era o suficiente para o satisfazer de uma vez por todas.

Fora um bom jogo, uma bela caça e ela apreciara-a.

Apreciara especialmente a compaixão que tivera daquela mulher – Agente Paige.

Quão fácil tinha sido convencê-la que ele era uma vítima!

É claro que isso era realmente aquilo que ele era – uma vítima.

Se as pessoas gostassem dele ou tentassem compreendê-lo, ninguém teria que ter morrido.

As raparigas eram responsáveis pelas suas mortes.

E agora ele iria terminar tudo segundo os seus termos e os de mais ninguém.

Atou a corda a um ramo. Colocou o laço à volta do seu pescoço. Apertou o laço. Agora só tinha que dar um passo rumo ao espaço. A queda não seria provavelmente suficiente para lhe partir o pescoço. Mas seria estrangulado.

Sentiu-se hesitar.

Mas porquê?

Ele sabia perfeitamente bem que tinha que terminar daquela forma.

Não tinha razão para ter medo.

E no entanto...

... tinha medo.

Lembrou-se da noite na garagem em que fingira a sua própria tentativa de suicídio. Sentiu-se a reviver o terror instintivo, a luta para se salvar.

Ele temia que sucedesse novamente.

Parecia estranho ter medo de algo que se queria.

Mas não o conseguia evitar.

Deu um passo em frente. A queda foi ligeira e a corda esticou dolorosamente.

Não conseguia respirar e imediatamente sentiu a perda de fluxo sanguíneo na cabeça.

As suas mãos agarraram-se à corda e os pés pontapeavam o vazio.

Então viu aquela mulher... Agente Paige.

Seria uma alucinação?

Não sabia.


CAPÍTULO TRINTA E NOVE


Ao correrem para encontrar Murray Rossum, Riley e Bill separaram-se na encruzilhada do caminho. Quando Riley encontrou o caminho para a clareira viu MUrray.

Estava a uma curta distância à frente, pendurado de uma corda atada a um ramo de árvore.

Dava pontapés selvagens e segurava na corda com as mãos.

O seu primeiro impulso foi ir ao seu encontro e ajudá-lo como tinham feito com Rachel.

Não devia ser difícil. Apenas precisava de subir ao ramo onde ele estava pendurado, erguê-lo cuidadosamente e soltá-lo do laço.

Deu alguns passos em frente e dirigiu-se a ele.

Ao fazê-lo, viu a pulseira que Shane Hatcher lhe tinha dado.

Ainda lhe parecia pesada e pouco familiar no pulso. Não conseguira desafiar o seu desejo de que a continuasse a usar.

Parou e viu Murray Rossum contorcer-se. Os olhos reviravam-se e olhava diretamente para ela.

Era um olhar desesperado, implorativo.

Mas o que queria ele dela? Libertá-lo ou deixá-lo morrer?

O que perpassava na sua mente doentia?

Ele queria morrer. Se não quisesse ão tinha feito aquilo a si próprio.

E no entanto, o seu corpo ainda lutava pela vida.

Riley lembrou-se se algo da Bíblia:

“O espírito está pronto, mas a carne é fraca.”

Agora parecia-lhe compreender.

De todos os assassinos que Riley perseguira, Murray seria o mais fraco.

Mas agora lutava a sua última batalha contra a sua própria fraqueza.

E também ela lutava a sua batalha: a sua própria batalha contra a fraqueza. A fraqueza de salvar a vida deste rapaz.

Ou de obter vingança.

Vingança por todas as raparigas que ele cruelmente matara.

Vingança por um sistema judicial que o declararia com toda a certeza louco.

Vingança pela riqueza que lhe compraria os melhores advogados do mundo e o libertaria em poucos anos, senão meses.

Ela ali ficou e viu e lutou a sua própria batalha.

Pouco a pouco, os movimentos de Murray tornaram-se mais lentos e o seu corpo acalmou e os seus olhos fecharam-se.

O seu rosto assumiu um tom azul estranho.

Por dim, já não se mexia.

E ela também não.

Um longo e lento silêncio apoderou-se dela.

Ao assistir aquela cena em silêncio, Riley lembrou-se da pergunta que Shane Hatcher às vezes lhe dirigia...

“Já é ou está a tornar-se?”

Ele tinha respondido à pergunta numa ocasião.

“Está a tornar-se. Está a tornar-se no que sempre foi. Chame-lhe um monstro ou o que quiser. E não falta muito para ser essa pessoa.”

Ela ainda não sabia bem o que Hatcher queria dizer com aquilo.

Mas estremeceu ao pensar que ele lhe dissera a verdade.

Naquele momento, Bill apareceu na clareira.

Riley percebeu que ele desistira de procurar noutra direação e regressara para a encontrar.

“Meu Deus,” Murmurou quando viu o corpo.

Já não havia dúvidas de que Murray Rossum estava morto.

Bill olhou Riley diretamente nos olhos.

Ela sabia que ele perguntava silenciosamente:

“Deixaste isto acontecer?”

Ao olhar para ele em silêncio, Riley disse-lhe a verdade.

Bill fez um aceno de cabeça ligeiro.

Dizia-lhe que compreendia.

E que ele podia ter feito o mesmo.

“Vamos baixá-lo,” Disse Bill.


CAPÍTULO QUARENTA


Na manhã seguinte, Riley estava no seu gabinete na UAC. Meredith tinha agendado uma reunião para rever o caso e Riley queria fazer algumas chamadas.

Primeiro ligou à amiga Danica Selves, a médica-legista distrital. Agradeceu a Danica pela sua valiosa ajuda em oficializar o caso.

Depois ligou a Mike Nevins.

Ele pareceu entusiasmado por ter notícias suas.

“Ouvi as notícias! Parece que mereces parabéns!”

“Tenho que te agradecer,” Disse Riley. “Sem a tua carta a Autrey nunca teria conseguido iniciar o caso. Ainda bem que intervieste e ajudaste.”

Mike parecia um pouco envergonhado.

“Sim, bem... não sei se terei feito o meu melhor trabalho desta vez. Nem acredito que entrevistei aquele miúdo e não percebi que estava a falar com o assassino.”

“Ele também me enganou,” Disse Riley. “Era um homem fraco e fez o que as pessoas fracas fazem melhor. Manipulou-nos, brincou com a nossa compaixão.”

“Bem, era bom a fazê-lo,” Disse Mike. “A compaixão é uma coisa complicada, não é? No nosso ramo, quero dizer. Muita enevoa o teu julgamento. Pouca e tornas-te num monstro.”

Riley estremeceu com as palavras de Mike.

Estavam demasiado perto da verdade.

As palavras de Shane Hatcher ecoavam novamente na sua mente.

“Está a tornar-se no que sempre foi.”

Riley agradeceu a Mike mais uma vez e terminou a chamada.

Havia mais uma chamada que queria fazer. Lembrou-se que ainda era muito cedo em Seattle, mas Van Roff não tinha horários normais e duvidava que estivesse a dormir. E se estivesse a dormir, não se importaria que ela o acordasse.

Ligou o número. Tal como Mike Nevins, também Van Roff já tinha ouvido as notícias.

“Não o teria conseguido sem a tua ajuda, Van,” Disse ela.

“Não tens nada que agradecer. Estou sempre ansioso por quebrar regras.”

Isso lembrou a Riley da sua última chamada, quando Van se recusara a ajudá-la a encontrar Shane Hatcher. Ela sentiu que precisava de lhe pedir desculpa por coloca-lo naquela situação.

“Van, sobre aquela outra coisa que te pedi para fazeres...”

“Que coisa? Não faço ideia do que estás a falar.”

Riley sorriu. Era a forma de Van lhe dizer que não tinha que se preocupar com aquilo.

Riley ainda estava ao telefone com Van quando Bill espreitou da porta do gabinete de Riley.

Disse, “O Walder quer todos na sala de reuniões agora.”

Bill desapareceu.

“Oh, merda,” Disse Riley a Van.

“O que é que se passa?”

“É o chefe supremo. Em todo o caso, desobedeci às ordens dele mais do que o habitual. Agora estou em sarilhos.”

“Vais ultrapassar isso,” Disse Van Roff. “Nós desordeiros arranjamos sempre forma de o conseguir.”

Riley agradeceu-lhe e foi para a sala de reuniões.

Toda a equipa lá estava – Bill, Lucy, Craig Huang, Sam Flores, Brent Meredith e o próprio Walder. Para surpresa de Riley, o rosto sardento de Walder estava a transbordar de alegria.

“Excelente trabalho, Paige,” Disse ele. “E a todos os outros também.”

“Obrigada,” Disse Riley, cautelosamente.

Depois, quase rindo da sua própria ironia, acrescentou, “Vindo de si, tem mesmo muito significado.”

Walder continuou a reunião durante mais algum tempo, elogiando todos os presentes, Riley considerou o seu desempenho magnífico. Parecia ter esquecido a fúria por causa de tudo o que Riley fizera para que o caso se iniciasse.

A sua capacidade de negação era de facto admirável.

Mas é claro, a negação fazia parte forma fraca como um homem como Walder exercia a sua autoridade.

“O único tirano que dura,” Lembrou Riley a si própria.

Quando se foi embora, Meredith fez um resumo da situação à equipa. Murray Rossum estava morto – um suicídio real a seguir a quatro homicídios e uma tentativa, todas encenadas para parecerem suicídios. Rachel Mackey estava no hospital, muito magoada mas fora de perigo – pelo menos fisicamente. Riley sabia que ia levar muito tempo a ultrapassar o trauma emocional.

Se alguma vez conseguir, Pensou.

Quando a reunião terminou, Bill perguntou a brincar, “Acham que devíamos conversar com Willis Autrey, só para lhe garantir que está tudo bem?”

Meredith riu com gosto.

“Não me parece,” Disse ele. “Julgo que não quer ouvir falar de nós nunca mais.”


*


Nessa tarde, Riley chegou a casa logo depois das miúdas voltarem da escola. Não as via desde antes de apanharem Murray Rossum. Riley só tinha voltado a casa quando as miúdas já estavam a dormir e saíra antes de acordarem de manhã. Tiffany estava lá com April e Jilly. Todas foram ter com ela mal entrou em casa.

“Encontraram-no?” Perguntou April.

“Era o rapaz da aula de poesia?” Quis saber Tiffany.

“Prenderam-no?” Perguntou Jilly.

“Encontrámo-lo,” Disse-lhes Riley. “Acabou.”

Tirou o casaco e sentou-se no sofá. As miúdas rodearam-na.

“Está morto,” Disse Riley. “Nunca mais vai magoar ninguém.”

Jilly perguntou, “Deste-lhe um tiro ou quê?”

Riley abanou a cabeça.

“Ele suicidou-se. Enforcou-se. Ele sabia que estava tudo terminado.”

Os olhos de Tiffany dilataram-se. Depois desatou a chorar.

“Oh, obrigada, obrigada!” Disse Tiffany a Riley. “Obrigada por acreditar em mim.”

April abraçou Tiffany, confortando-a.

Riley sentiu de forma especial as palavras de Tiffany. A verdade era que ela não tinha acreditado logo em Tiffany – ou na sua própria filha.

Da próxima vez, serei mais atenta, Pensou.

“Então, conta-nos tudo!” Disse Jilly, balançando de entusiasmo. “Como é que apanharam o tipo?”

Riley suspirou.

“Peço desculpa, mas estou cansada,” Disse ela. “Conto-vos noutra altura, em breve.”

April disse, “os pais da Tiffany deixam-na passar cá a noite. Pode ser, mãe?”

Riley sorriu.

“Claro que pode ser,” Disse ela.

Então Tiffany reparou na pulseira no pulso de Riley.

“É bonita,” Disse ela. “Onde é que a arranjou?”

Riley sentiu vontade de a esconder debaixo da manga, mas já era tarde demais para o fazer.

“Foi um presente,” Disse Riley.

“De um admirador?” Perguntou April maliciosamente.

Riley estremeceu. Em vez de responder à pergunta, disse, “Vão mas é divertir-se.”

A conversar e a rir, as raparigas foram para a sala de família. As suas vozes alegres encheram o coração de Riley. Fosse qual fosse a sua situação com Ryan, as suas meninas estavam bem. April ajudava Jilly a ajustar-se à sua nova vida e ambas ajudavam Tiffany a ultrapassar o trauma da morte da irmã.

Riley estava orgulhosa delas.

Ouviu Gabriela na cozinha a cantar uma canção Guatemalteca enquanto preparava o jantar. Sabia bem estar em casa.

Então Riley reparou que havia uma mensagem no atendedor de chamadas.

Era de Ryan.

“Olá pessoal. Desculpem estar mais afastado ultimamente mas estou com muito trabalho aqui em DC. Volto assim que puder. Beijos a todas.”

A mensagem terminou com um beep.

Riley suspirou. Estava a tentar aceitar que Ryan se tinha ido embora, de vez desta feita. Mas agora o que iria acontecer?

Era imensamente confuso.


*


Riley subiu ao quarto. Havia mais uma chamada que ela queria fazer. Era para a irmã, Wendy. Chegara o momento de resolver alguns assuntos.

Riley conseguiu pressentir a surpresa de Wendy quando lhe disse quem era.

“Riley!” Disse ela. “O que se passa? Está tudo bem?”

Riley estava prestes a explicar tudo – como se sentia com o facto de o pai ter cometido o erro de lhe deixar a cabana a ela e como a cabana seria dela se a quisesse.

Mas de repente pareceu errado tentar resolver tudo pelo telefone.

É tempo de curar as feridas, Pensou Riley.

Disse simplesmente, “Vamos encontrar-nos e conversar.”

Wendy pareceu surpreendida mas agradada. Fizeram planos para se encontrarem num fim-de-semana em breve.

Quando a chamada terminou, o telemóvel de Riley vibrou.

Era um SMS anónimo que dizia...


Às vezes os fortes ganham.


Riley estremeceu.

Soube imediatamente de quem era a mensagem.

Era de Shane Hatcher, a sua forma de a congratular.

Nunca antes recebera um SMS dele.

Deveria responder?

Decidiu que não devia – e de qualquer das formas tinha outra forma de entrar em contacto com ele.

Mas isso era bom ou mau?

Riley não sabia.

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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