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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


DESAFIO O AMANHECER / Lara Adrian
DESAFIO O AMANHECER / Lara Adrian

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Um guerreiro imortal deve decidir entre lealdade à sua gente ou o desejo por uma bela Companheira de raça determinada a trazer um poderoso inimigo à justiça a qualquer custo.
A Caminhante do Dia Brynne Kirkland sobreviveu a uma criação infernal como o produto de laboratório de um louco. Resistente, impulsionada e dedicada a seu trabalho na Agência de Lei, Brynne nunca se atreveu a arriscar abrir seu coração ara ninguém — muito menos para um belo imortal de um mundo à beira da guerra contra o mundo dela.
O guerreiro Atlante Zael deixou a intriga do seu reino muito tempo atrás, junto com as batalhas que ele lutou como um dos da legião da rainha. Como um solitário de espírito livre caminhando à margem dos dois mundos — o de seu povo secreto e poderoso, e o do mundo exterior pertencente à humanidade e à Raça — nunca foi sua intenção voltar ao combate e derramamento de sangue. Nem tinha imaginado que ele pudesse algum dia ser tentado a entrar em qualquer coisa mais forte que desejo... até que ele conhece Brynne.
Empurrados juntos como aliados da Ordem na luta contra um inimigo diabólico, Zael e Brynne embarcam numa missão que acabará por forçá-los a decidir entre o dever de seu povo e uma paixão que desafia todos os limites.

 


 


CAPÍTULO 1

Londres, Inglaterra

Brynne Kirkland jogou a cabeça para trás e bebeu a dose de uísque premium em um gole de queimar a garganta. Sendo Raça, álcool não era a sua escolha típica. Este bar barulhento e a pista de dança com uma iluminação estroboscópica em Cheapside também não era o local costumeiro que frequentava depois do trabalho. Nas raras ocasiões em que socializava, as tavernas tranquilas e clubes sociais do outro lado do Tâmisa faziam mais a sua linha.

Por outro lado, era precisamente por isso que estava aqui.

Ela precisava descontrair, liberar um pouco de estresse.

Ser um pouco louca uma vez na vida.

Ah, pro inferno com a pretensão de decoro. Depois do dia horrível que ela teve, o que realmente precisava era se embebedar e transar.

Preferivelmente nessa ordem.

Ela também precisava se alimentar. Embora saciar essa outra seca autoinfligida fosse um problema com o qual dificilmente estava preparada para lidar em um bom dia, quem dirá agora.

Colocando o copo na superfície espelhada do bar, ela lambeu os lábios e soltou um pesado suspiro. O bartender já estava na sua frente com uma garrafa de Glenmorangie assim que ela levantou o dedo para chamá-lo.

Ruivo, ombros largos, com um par de covinhas fofas pondo um parênteses em seu sorriso amigável, o humano de vinte e poucos anos não era nem de longe feio. E considerando seu corpo firme e musculoso, obviamente adquirido com anos de academia, ele parecia razoavelmente capaz de suportar a maratona cardiovascular que era levar uma fêmea da Raça pra cama.

O que era mais do que podia dizer da maior parte dos outros humanos no local aquela noite. Ela já tinha avaliado e descartado mentalmente uma dúzia de candidatos por uma variedade de razões, uma delas sendo o medo de que o sexo com a sua espécie seria capaz de matar um mero mortal de pura exaustão. Ela já tinha um humano morto em sua ficha esta semana; realmente não precisava acrescentar mais um.

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O bartender analisou sua conservadora camisa de seda branca de botões de cima até embaixo e a calça azul escuro enquanto colocava sua dose. Ela tinha vindo direto do trabalho, sem se importar em soltar o cabelo do seu coque firme na nuca.

— Dia difícil no trabalho, amor? — O bartender perguntou acima do batimento da música club.

Brynne arqueou uma sobrancelha ante sua observação involuntária.

— Não faz ideia.

Ela passou a última década construindo sua carreira como investigadora na filial londrina da JUSTIS — a organização Raça/humana de oficiais da lei mais conhecida formalmente como Joint Urban Security Taskforce Initiative Squad. Ela se esforçava, devotada à vida ao trabalho. Inferno, o trabalho era sua vida.

Ou melhor, foi até algumas horas atrás.

Tudo pelo qual trabalhou tinha se acabado em chamas — e o pior era que não tinha a quem culpar além de si mesma.

Duas noites atrás, ela tinha auxiliado secretamente uma missão encoberta com Lucan Thorne e a Ordem, deliberadamente ocultando informações sobre a missão de seus colegas e superiores na JUSTIS, bem ciente que ao fazê-lo estava arriscando sua carreira. Felizmente a missão da Ordem foi bem sucedida. Eles atacaram e deram o maior golpe contra o grupo terrorista Opus Nostrum, eliminando um elemento chave em Dublin e desmascarando outro em Londres. A cooperação de Brynne foi providencial para que isso ocorresse.

Infelizmente, JUSTIS não via dessa maneira.

Seus superiores não gostaram de ter a Ordem exterminando o macho da Raça na Irlanda. Fineas Riordan era um criminoso conhecido e uma figura do submundo, mas o conselheiro humano que se matou em Londres para evitar cair nas mãos da Ordem foi um escândalo com o qual a JUSTIS não poderia arcar.

Não importava se Neville Fielding era corrupto e secretamente estava com a Opus Nostrum. Não importava se os dois homens, junto com a quadrilha mortal a qual pertenciam, tinham declarado guerra ao resto do mundo civilizado.

E não importava que Brynne tivesse feito o que acreditava ser o certo — o resultado sendo dois problemas a menos para o mundo ter com o que se preocupar mais tarde.

Nada disso importava, por que ao auxiliar a Ordem em sua operação clandestina, ela havia desafiado intencionalmente a chefia da JUSTIS. Tinha quebrado a confiança da organização.

Pela primeira vez na vida, tinha seguido o coração ao invés da cabeça.

Infelizmente, o preço foi sua carreira.

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Se isso não pedisse algumas doses de puro malte e uma rara ficada bem quente com alguém que nunca mais veria, ela não sabia o que pediria.

Prendendo os dedos em volta do pequeno copo que o bartender havia enchido generosamente até a borda, Brynne virou a dose. Ela sentia o seu olhar interessado nela, sentiu a onda do seu interesse sexual espessar o ar enquanto ele a observava engolir a bebida ardente e passar as costas da mão nos lábios abertos.

— Mais um, por favor.

O seu sorriso em resposta foi lento, graciosamente torto. Emoldurado por aquelas lindas covinhas gêmeas.

— Cuidado, amor. Se for muito rápido esta noite não me deixará outra opção a não ser te carregar pra casa.

Ele falava sério? Ela o encarou, percebendo que ele nem fazia ideia do que ela era. Pra qualquer um que a olhasse agora, não era identificável como Raça. Ao olhar, era meramente uma morena alta, de corpo atlético e de olhos verdes.

Suas presas só apareciam quando era emocionalmente provocada de alguma maneira, seja por fome, raiva ou desejo. Era aí que as suas outras características Raça também se manifestavam, do âmbar ardente da íris e o estreitamento vertical de sua pupila, ao despertar dos seus dermaglifos — marcas na pele que mudavam de cor que cada membro da Raça tinha nos corpos em vários graus.

No momento, não sentia nada além do torpor agradável do álcool caindo em sua corrente sanguínea. Bem, isso e o ferrão inútil de raiva autodirecionada. O que queria era sentir menos o ferrão e mais do torpor, muito obrigada.

— Eu gostaria de outra dose, por favor.

— Jamie — disse o bartender, ainda segurando a garrafa. — E você?

Brynne sorriu.

— Sedenta.

Ele riu ao se inclinar e derramar mais bebida em seu copo.

— Tudo bem, mas não diga que não avisei. Não que eu me importe de carregar uma moça bonita como você para casa. Na verdade, eu consideraria uma obrigação, como cavalheiro.

Paquerando. Deus, ele estava paquerando com ela. Ou tentando, de qualquer modo.

Ela não tinha habilidade nessa área, nunca tinha imaginado que teria alguma utilidade até este momento. Ela lambeu os lábios, pensando em uma resposta à altura ou, melhor ainda, algo que mostrasse a ele que estava pronta, disposta e capaz de realizar o que ele tivesse em mente.

Só que ela não conseguia.

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Ela não estava — interessada nele, quer dizer.

E isso era uma pena, por que nenhum dos outros homens de olho nela no clube tinha atiçado mais do que níveis de tédio nela.

Ineptamente, ela agradeceu Jamie pela dose e então soltou um suspiro de alívio quando ele foi chamado até a outra extremidade do bar para atender outros clientes. O lugar estava lotado, praticamente cotovelo com cotovelo com pessoas lutando para conseguir lugares no bar ou nas vinte e tantas mesas na área às costas de Brynne. Na pista de dança, corpos sacudiam, rodavam e remexiam no batimento contínuo da música.

Com o bartender ocupado com outros fregueses distribuindo doses, Brynne bebericou a dose e tentou se convencer de que estava ali pra se divertir. Pode ser que não tivesse muita experiência com paquera ou sedução — e ok, talvez dizer isso fosse um exagero — mas ela podia fazer isso. Ela queria.

Deus sabia, ela precisava de algum tipo de escape naquela noite ou acabaria enlouquecendo.

Ainda bebericando a bebida, girou no banco para ver a multidão. Não muito tempo depois, uma garçonete levando um martini em uma taça enorme se aproximou dela do outro lado do clube. O coquetel azul vibrante brilhava como neon e tinha uma espécie de bengala de açúcar dentro.

Brynne enrugou a testa quando a funcionária parou bem na sua frente.

— Isto é do cavalheiro do outro lado.

A garçonete gesticulou para um grupo de jovens — alguns deles com glifos visíveis nos braços. Os jovens da Raça eram civis dos Darkhavens da área, sem dúvida à espreita de anfitriãs de sangue humano antes que o toque de recolher da alimentação noturna entrasse em vigor.

Embora a maior parte do pequeno bando estivesse conversando com mulheres, um deles olhava diretamente para Brynne. Cabelo escuro, sério, o macho da Raça acenou quando a garçonete começou a entregar o coquetel cheio de fru-fru para ela.

Brynne negou com a cabeça.

— Por favor, agradeça ao cavalheiro, mas não, obrigada. Prefiro uísque e prefiro beber sozinha.

A garçonete deu de ombros.

— Tudo bem.

Brilhante, Kirkland. Essa é sua segunda falha na tentativa de arrumar alguém.

Não era surpresa que fosse péssima no sexo.

Ficando cada vez mais frustrada consigo mesma, ela se virou no banco e virou a dose

— sua quarta esta noite, mas quem estava contando? — e colocou o copo na mesa do bar.

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É isso. Nada de adiar mais.

Ela tinha vindo aqui para se automedicar e esquecer a bagunça vazia que estava fazendo de sua vida, e isso significava que não sairia sozinha deste clube.

Hora de colocar suas desculpas e consciência na calcinha.

Enquanto o Glenmorangie incendiava uma trilha garganta abaixo, Brynne fez uma promessa para si mesma.

Aliviaria seu incômodo com o primeiro homem viável que a abordasse.

Não demorou muito. Pouco depois de fazer aquele voto ridículo, uma onda de calor se moveu ao seu lado no bar. Seus terminais nervosos reconheceram a presença como uma onda de eletricidade, arrepiando os pelos dos seus braços e da nuca, endurecendo seus mamilos em uma resposta imediata.

— Esse lugar está ocupado?

A voz baixa e irritantemente confiante era familiar para ela.

Como era o par de olhos de um azul celeste de outro mundo que prendeu o seu olhar e não o soltou quando ela virou a cabeça para ver o homem que acabava de chegar.

Não, não um homem.

Um homem imortal.

Atlante.

Cabelo dourado. Lindo. Incomparavelmente arrogante.

Facilmente a última pessoa que ela gostaria de ver, principalmente hoje.

Ele sorriu para ela, aquela boca larga e sensual dele enviando uma dose de ultraje — e de algo bem mais problemático — pelas suas veias.

— Olá, Brynne.

— Zael — ela quase rosnou. — O que diabos está fazendo aqui?

 


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CAPÍTULO 2

 


Ekizael andava por esta terra há milhares de anos, cada um deles vividos com a ciência plena do que o seu rosto que não mostrava a idade, corpo esculpido, bem definido e beijado pelo sol faziam com a sensibilidade do sexo frágil. Sua aparência impecável Atlântida e sensualidade sobrenatural sempre fizeram parte do seu charme.

Ou assim ele pensava.

Até conhecer Brynne Kirkland.

Como há vários dias atrás em D.C., na primeira vez que colocaram os olhos um no outro, a bela, mas lamentavelmente tensa fêmea da Raça parecia completamente não impressionada.

Ela o olhou com raiva quando ele deslizou no banco ao seu lado. Um assento que ele garantiu que estaria desocupado quando mentalmente mandou seu prévio ocupante embora um minuto atrás.

— O que está bebendo, linda?

Ela não respondeu, e ele soube que o nome carinhoso casual a irritava tanto quanto sua presença. Seus olhos verdes cor de floresta se estreitaram incisivamente quando ele pegou o seu copo vazio. Ele cheirou a fragrância defumada com um toque de turfa do uísque de primeira que ela vinha virando como se fossem doses de tequila barata.

— Sabe, o verdadeiro prazer de um puro malte está em suas nuances. Como em muitas outras buscas prazerosas, se for com pressa, perde a melhor parte — ele sorriu. —

Ninguém nunca te disse isso?

Franzindo a testa, ela tirou o copo dele e o colocou na bancada espelhada à sua frente.

— Prefiro fazer o que tenho vontade.

Zael deu risada.

— Sim, estou notando. É por isso que está sentada aqui, completamente sozinha esta noite, vertendo doses e deixando todos os homens com sangue nas veias do local malucos?

Ele saberia; era um deles. Foi preciso cada grama de seu controle para se impedir de vir até aqui e declarar sua pretensão até agora. Não que ele tivesse algum direito de declarar algo no que dizia respeito a ela. Brynne podia ter escolhido qualquer homem, embora se ela entendia isso ou não, ele não tinha certeza. Ela garantiu que ele soubesse em D.C. que nunca estaria à altura.

E maldição se isso não deixou Zael ainda mais determinado a descobrir o motivo.

Ela soltou um ruído indignado ao girar no banco para encará-lo.

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— Não estou completamente sozinha. Eu estava tentando me divertir. Isto é, até você aparecer. Há quanto tempo está aqui?

— O bastante para ver que você ficou por um triz de tomar duas péssimas decisões.

Ela zombou.

— Me espionando, você quer dizer?

Zael sorriu.

— O quanto isso é diferente de quando você saiu escondida pelo terraço no centro de operações da Ordem para se espreitar no mato e me olhar enquanto eu fazia o meu treino do nascer do sol?


Ela o olhou de um jeito ultrajado.

— Eu não saí escondida, e com certeza não espreitei.

— Mas admite que estava dando uma conferida no meu material?

— Só nos seus sonhos de ilusão, Atlante.

Seu tom era defensivo, embora ele não soubesse se por costume ou pelo efeito do álcool que ela devia estar sentindo. Ela cruzou os braços, atraindo sua atenção para os mamilos endurecidos sob o tecido de cetim da sua camisa de botões empertigada. Sua cara de raiva e linguagem corporal fechada podia lhe dizer que não estava interessada, mas o belo rubor em suas bochechas — e o sangue que ele podia ouvir correndo pelas suas veias —

diziam algo muito diferente.

Bem como as faíscas âmbar que ardiam em sua tempestuosa íris.

A prática agente da lei podia querer fingir que a atração entre eles não existia, do mesmo jeito que fingiu quando se encontraram pela primeira vez na semana passada, mas ele não foi enganado antes nem agora. Brynne querendo admitir ou não, a verdade estava bem na sua frente.

Ela limpou a garganta e levantou o queixo.

— Não respondeu a minha pergunta, Zael. O que diabos está fazendo em Londres?

Aliás, o que diabos faz neste clube?

— Procurando você.

Bem, isso certamente prendeu sua atenção. Ela ficou calada, os lábios abertos. A ruga que parecia permanente em sua testa agora desapareceu, mesmo que só por um instante.

— Me procurando — ela parecia surpresa, as palavras cautelosas. — Pra quê?

Ele sabia que podia bancar o conquistador com ela agora, usar seu charme e o modo como ela lhe respondia, mesmo que levemente embriagada, em sua absoluta vantagem. Tinha que admitir, era tentador.

Apesar do fato dela ainda estar vestida para um dia de trabalho, dos saltos moderados ao cuidadoso coque que encurralava suas ondas fartas cor da pelagem da zibelina, Brynne 9


obviamente veio hoje a este mercado de carne iluminado por luzes estroboscópicas em Cheapside por uma razão.

E por que a ideia o incomodava tanto, ele não queria nem pensar.

Pessoalmente, estava disposto a aceitar o desafio, mas seduzir a Caminhante do Dia de pavio curto não era o motivo de se encontrar em Londres. Tudo bem, não o único motivo.

Ele na verdade veio por preocupação.

Manteve a voz baixa, mesmo que o barulho do clube garantisse que ninguém escutasse.

— Fiquei sabendo do que aconteceu ontem à noite aqui em Londres, Brynne.

— Boas notícias viajam rápido mesmo — ela disse de um modo seco. Ela lhe deu o seu olhar desconfiado. — Não sabia que a Ordem tinha autorizado a você esse tipo de informação, Atlante.

— Qual a vantagem de uma aliança se ela é enfraquecida por segredos? — Com o aceno de cabeça desgostoso de Brynne, Zael disse: — Não imagino que seus colegas da JUSTIS gostaram de descobrir que você trabalhou em segredo com a Ordem.

Ela grunhiu.

— Suas habilidades de intuição me surpreendem.

Quando ela ergueu o copo vazio em um pedido para o bartender voltar a enchê-lo, Zael gentilmente segurou seu punho e abaixou a mão dela. Ela parecia chocada demais para protestar pelo contato físico, mesmo quando ele cobriu seus dedos com os próprios em cima da bancada. Levou um momento para que ela tirasse a mão.

— Sei o que está sacrificando se aliando com a Ordem nisto. Também sei que tem que estar dividida entre o pessoal ao qual pertence e o que está fazendo a coisa certa.

Ele vinha batendo nessa mesma tecla desde que Lucan Thorne o tinha intimado para Washington, D.C., na semana passada com um pedido de unir forças. Na verdade, foi algo mais que um pedido. Uma necessidade. Inferno, não menos que um apelo — sem dúvida, a primeira vez para um homem como Lucan.

Zael prendeu o olhar cético de Brynne.

— Só queria garantir que você estava bem.

— Bem, estou ótima — ela rompeu o contato com uma leve zombaria. — Se veio aqui pra sentar na primeira fileira e ver a minha carreira implodir, chegou tarde demais.

— O que quer dizer?

— Fui dispensada esta tarde — palavras baixas e pesadas com restrição. Com todo controle e confiança daquela fêmea, estava mais do que claro que a perda do emprego a tinha ferido profundamente.

— Merda. Não é de admirar você estar sentada aqui tentando se afogar em uísque e outras péssimas escolhas.

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Seu olhar de lado foi tão seco quanto sua voz.

— Deixe-me adivinhar. Está disposto a ser uma delas?

Zael ergueu uma sobrancelha para ela.

— Está pedindo?

— Nunca — ela deu um olhar ferino que deveria tê-lo atrofiado, mas que ao invés disso mandou uma chama de calor bem à sua virilha. — Não há uísque no mundo para isso.

— Madame, assim você me machuca.

— Ah, agora isso sim é uma boa ideia — ela disse, os lábios se curvando em um sorriso.

Zael riu, nem um pouco dissuadido. Ele levantou do banco.

— Vamos, Brynne.

Ela ficou onde estava, franzindo o cenho para a mão que ele oferecia.

— Vamos para onde?

Ele pegou sua mão e ficou surpreso por ela sair do banco sem lutar. Um ponto para o Glenmorangie.

Segurando a oportunidade e a ela com o punho firme, levou Brynne para longe do bar e através do clube lotado.

— Está perdendo seu tempo comigo — ela disse enquanto andavam por entre os grupos de clientes humanos e Raça. — Não prefere ir atrás de uma mulher que possa apreciar esses seus ditos charmes?

— Não especialmente. Prefiro um desafio — ele parou com ela à beira da pista de dança lotada. Música vibrava as paredes e o piso, latejando com uma batida enérgica que ele sentiu ressonar em seu peito. Luzes a laser de múltiplos tons giravam em todas as direções, as cores vibrantes iluminando a expressão desconfiada de Brynne.

— O que está fazendo?

Ele gesticulou para a pista.

— Te ajudando a se divertir. É o que disse que estava tentando fazer antes de eu aparecer, certo?

Ela juntou os lábios no começo de um protesto.

— Não estou interessada em dançar, Zael.

— Então está interessada em quê?

Ela ficou calada, o olhar prendendo o dele enquanto mais corpos passavam por eles seguindo para a pista. O baixo pesado martelava em volta deles, pontuando as marteladas da pulsação de Zael enquanto esperava que Brynne o rechaçasse, que negasse a atração que ele sentia estalando como um raio entre eles.

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Droga, ela era linda.

Suas bochechas ficaram rosadas. Enquanto ele assistia, o rubor se espalhou pela sua bela garganta e pela maciez pálida do seu peito. As brasas em sua íris de Raça brilharam com mais fogo — quietas, mas em chamas. E mesmo que ela tivesse cuidado ao falar com ele, mais de uma vez ele tinha visto as pontas delicadas de suas presas brilharem por trás da suculenta linha rosada da sua boca.

Finalmente, ela deu um suspiro resignado.

— Certo, tudo bem. Se você insiste, então vamos acabar logo com isso.

Zael deu uma risada.

— Esta é a primeira vez que uma mulher me diz isso.

Brynne apertou os lábios.

— Fico feliz em saber que me destaco no meio da multidão.

Oh, sim. O eufemismo do século.

— Isso você faz, Senhorita Kirkland. Isso você faz.

Ele a trouxe até o centro da pista onde encontrou um pequeno espaço para eles entre os casais, grupos e pessoas sozinhas que enchiam o clube. Ela ficou lá na sua frente, sem se mexer. A normalmente fria e confiante fêmea da Raça de repente parecia tão perdida e incerta quanto uma criança.

— Qual é o problema?

— Você deveria saber que eu não... — Suas palavras calaram e ela lentamente sacudiu a cabeça. Então se inclinou mais perto para falar acima do ruído. — Normalmente eu não faço... isso. — A confissão subiu morna pela sua pele, o fôlego com o toque da doçura do uísque que ela tinha bebido. — Não sou muito boa nisso, Zael. Não na frente de uma audiência. E nunca com um parceiro.

Porra. Ela estava falando em dançar? Por um segundo ele não teve certeza. Sua mente tinha queimado um circuito enquanto ela explicava, e agora todo o seu sangue corria para baixo num instante.

Ele engoliu saliva com a garganta seca se perguntando se ela tinha alguma ideia do que suas palavras sussurradas fizeram. Ele teve que se forçar a permanecer quieto, no controle, quando ela vacilou um pouco nos calcanhares, uma mão vindo descansar em seu ombro para se equilibrar.

O corpo dela roçou no seu, inflamando-o tão poderosamente como se ele fosse um adolescente, não um guerreiro imortal de longa vida cujo apetite por beleza e prazer era praticamente uma lenda entre os de sua espécie.

— Você fazer qualquer coisa que seja sozinha é uma pena por uma centena de razões distintas — ele murmurou, a voz rouca de desejo que não conseguia esconder.

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Para choque dele, ela não resistiu quando a tomou nos braços para dançar. Não enrijeceu nem o empurrou quando começou a se mover com ela no seu próprio ritmo, ignorando a batida frenética da música e as acotoveladas e empurrões dos outros corpos em movimento em volta deles.

Para seu completo assombro, ela também o segurou. Ela balançava com ele, os seios roçando em seu peito, as coxas se entrelaçando de leve entre as dele. A cabeça dela veio descansar no seu peito. Ela estava tão morna em seus braços. Mais macia do que imaginava.

Cada respiração que dava enchia seus sentidos com o aroma único de Brynne — baunilha, chuva e uma doçura elusiva que parecia contrastar com a fachada durona que ela parecia tão determinada a apresentar para o resto do mundo.

Ou talvez só para ele.

Zael não sabia. No momento, não se importava.

O tempo passou devagar. A música explodindo pelo sistema de som era alta e contínua, mas a cacofonia da música e das centenas de outras pessoas em volta deles ficou em segundo plano enquanto Zael tinha Brynne nos braços.

Ele não tinha vindo a Londres esperando por isso.

Mas por outro lado, Brynne Kirkland não era nada senão inesperada.

Imprevisível. Inesquecível.

E agora ele tinha que adicionar outro superlativo à lista crescente no que dizia respeito a ela.

Irresistível.

Ele queria beijá-la. Queria sentir o corpo colado ao seu sem a barreira das roupas. Ele a desejava tanto que gemeu ante a força de sua necessidade.

Ela tinha que saber como o afetava. Inferno, tinha que sentir.

E ela soube. Ele a viu ficar ciente quando seus olhos se arregalaram ao levantar a cabeça de seu peito. Uma pequena ruga se formou entre suas sobrancelhas.

Mas ao invés de empurrá-lo ou correr até a porta mais próxima, a bela e embriagada Brynne fez algo do qual ele não estava esperando.

Levantando os braços para prender os dedos em sua nuca, ela o puxou para um beijo de língua chocante e aterrador.

 

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CAPÍTULO 3

 


Ela não sabia o que deu nela.

Com a boca colada na de Zael em um beijo que parecia abalar os dois, Brynne queria culpar o seu imprudente — sem mencionar humilhante — impulso no uísque.

Isso era por causa do uísque.

Tinha que ser.

De que outra forma poderia explicar o fato daquele encontro não desejado com o Atlante ter sido a melhor coisa que lhe aconteceu o dia inteiro?

Que outra desculpa poderia encontrar para o fato de atualmente estar envolvida pelos braços de um homem que não tinha feito nada além de perturbá-la e irritá-la desde o momento em que se conheceram, e gostar disso?

Que Deus a ajudasse, mais do que gostar.

Gemendo, ela enfiou os dedos mais fundo em seu cabelo cheio e dourado ao puxá-lo mais perto e mergulhar a boca mais dentro de sua boca. Suas presas surgiram, alongando enquanto seu desejo se intensificava. Por trás de suas pálpebras fechadas sua visão ardia vermelho-sangue, e por baixo de sua blusa de seda e calça sob medida, sua pele vibrava com o despertar dos seus dermaglifos.

Estava dominada pelo desejo, sem dúvida por fazer tanto tempo desde que havia cedido às exigências de seu corpo — carnais ou não. Claro que esse tinha que ser o motivo.

Cada célula em seu corpo se acendeu com uma repentina e espantosa corrente de eletricidade ao acariciar a língua de Zael. Seus sentidos esquentaram, suas veias, a cada passar dos lábios dele sobre os seus.

Não era como se nunca tivesse beijado um homem antes. Já beijou — embora, admitindo, muito raramente. Para seu desgosto, beijar Zael fez as lembranças desses outros encontros se dissolverem no esquecimento.

E apesar do fato de uma audiência e outros frequentadores do clube cercarem a ela e Zael de todos os lados, Brynne não conseguia se fartar dele.

Quantas doses ela tinha bebido?

Não conseguia lembrar, nem se importava. Com a boca de Zael se movendo tão ardente sobre a sua, a única coisa a que poderia responder agora era ao seu desejo.

Não era isso que ela queria? Distração de seus problemas. De seus fracassos.

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E sim, também da sua solidão. Zael tinha razão quanto àquilo. Ela queria um escape do vazio de sua vida.

Só por um tempinho.

Por uma noite.

Com alguém que não iria julgá-la, ou que estivesse inclinado a continuar com ela tempo bastante para ver o quanto realmente era problemática. Com a sua criação desastrosa, ela não tinha experiência com laços emocionais, com exceção da meia-irmã que só tinha conhecido há uns anos.

E como se ter passado os primeiros vinte e tantos anos de sua vida simplesmente tentando sobreviver já não fosse ruim, ela também tinha o bônus de uma falha no metabolismo celular que lentamente a dilacerava. Não era programada para relacionamentos.

Compromissos românticos a longo prazo não estavam em seu DNA — literalmente.

O que meio que tornava um galinha como Zael o perfeito escape sexual que procurava esta noite.

Inferno, já estava quase fazendo aquilo com ele.

Suas veias pareciam rios de fogo sob sua pele. O zumbido baixo de sua necessidade aumentava rapidamente em suas têmporas, crescendo com cada batida forte de seu coração.

Ofegando ao tirar a boca da dele, Brynne levantou os olhos para os olhos semicerrados e com o azul escurecido dele.

— Vamos sair daqui. Meu apartamento é bem do outro lado do rio — ela lambeu os lábios, nada fácil quando suas presas estavam completamente alongadas e enchendo sua boca. — Eu quero ir. Agora. Com você.

A intenção é que fosse uma ordem, o que devia ser bem claro para ele. Mas ele ficou imóvel. Seu belo rosto estava tenso de desejo, a boca molhada e frouxa por causa do beijo.

Cada centímetro firme e dourado dele irradiava interesse sexual. Mais óbvio na rígida ereção que pressionava seu quadril.

Ainda assim, ele mexeu a cabeça devagar em uma negativa.

— O que está tentando fazer aqui, Brynne? Você bebeu demais. Duvido que sequer saiba o que está dizendo.

Ela levantou a mão, agarrando a frente da camisa dele com força.

— Estou dizendo que quero fazer sexo com você, Zael. Sem compromisso, sem precisar me ligar de manhã. Nunca mais precisaremos nos ver outra vez. Na verdade, prefiro assim.

Ela realmente esperava que ele agarrasse a oferta. No mínimo, esperava que tivesse que aturar o sorriso cheio de si do Atlante quando ele atirasse uma de suas respostas incisivas 15


e arrogantes antes de arrastá-la do clube como o homem das cavernas que tinha certeza que era.

Ao invés disso, ele manteve seu olhar levemente instável. A mandíbula quadrada permaneceu firme, inflexível.

Quando ele falou, a voz estava baixa e completamente séria.

— Eu deveria levá-la pra cama, ao menos por me parecer uma mulher que nunca foi comida propriamente na vida. Mas não levarei. Não desse jeito.

Ele tirou os dedos dela da sua camisa e deu um passo atrás.

Santo Deus, ele estava... ofendido?

Brynne fechou a cara, balançando um pouco. Seu corpo vibrava com necessidade reprimida.

— Não é você que vem me cantando a toda prova toda vez que te vejo? Achei que me queria. Com certeza foi isso que senti agora mesmo.

Seu grunhido de resposta foi cáustico, afiado.

— Posso ter qualquer mulher sob os termos que acabou de descrever. E as tenho.

— Então, qual é o problema?

Ele não respondeu, só começou a caminhar para longe dela. Brynne foi atrás dele, correndo para acompanhá-lo enquanto ele repartia a multidão. Ela não o alcançou até eles passarem do bar e se dirigirem à saída.

— Zael, espere. Por favor.

Ele parou bem no vestíbulo do clube.

— Eu não deveria ter vindo — ele a fitou como se fosse dizer mais alguma coisa, mas mudou de ideia. Sacudiu a cabeça. — Quer ir ara casa, eu te levo para casa. Até a coloco na cama, Brynne. Mas não vou te comer. Não desse jeito. Não importa o quanto eu queira.

Sua resposta sem tom a pegou tão de surpresa que ele poderia muito bem ter lhe dado um tapa.

Ela engoliu a humilhação, mas essa se instalou atrás de sua garganta, amarga como ácido.

— Vamos — ele disse rigidamente. — Vou chamar um táxi.

Ao saírem do prédio, um pedido de desculpa de Brynne estava bem na ponta da língua.

Todo o álcool em sua corrente sanguínea pareceu se dissolver sob o peso da sua vergonha, deixando-a se sentindo fria e tola.

E mais sozinha do que nunca.

— Zael, eu...

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Ela não sabia o que dizer para consertar as coisas. Não tinha nem certeza se sabia como.

Mas então algo claro à distância chamou sua atenção — algo perturbador, deixando a linha do horizonte do outro lado do Tamisa iluminada.

Um incêndio.

Não, era mais que um incêndio. Era uma bola massiva de chamas e uma fumaça grossa cinza. Do lado de fora do clube, uma multidão se juntava para olhar o espetáculo.

Enquanto assistiam em um horror calado, um ruído baixo veio pela água... seguido pela colisão e estrondo inacreditável de metal, vidro e cimento.

— Oh, meu Deus — murmurou Brynne. Ela olhou para Zael, sentindo todo o sangue sair de seu rosto. — Aquela é a quadra do governo na Vauxhall Cross. Esse prédio que acabou de desabar? Zael... era o centro de operações da JUSTIS.

 


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CAPÍTULO 4

 


Centro de Operações da Ordem

Washington, D.C.


Lucan Thorne era um guerreiro há tempo demais e já tinha visto muito para que alguma coisa o pegasse de surpresa. Ainda assim, ele estava em pé diante de uma parede de monitores na sala do centro de comando do centro de operações, assistindo com a maioria dos seus tenentes e respectivas companheiras enquanto o coração do distrito do governo de Londres queimava, ele não podia negar a sensação fria de descrença que o dominava.

O prédio branco que era um ícone e que já abrigou o famoso MI6 britânico e, nos últimos vinte anos, o centro de operações global da JUSTIS... destruído.

Nada além de destroços. A fortaleza altamente segura, moderna e impenetrável, e todos que estavam nela esta noite, consumidos pela gigante fumaça de cinza escura e fogo intenso que iluminava o horizonte londrino como um vulcão.

— Opus Nostrum não esperou para alegar responsabilidade — Gideon disse com raiva ao lado de Lucan. — Está em todo lugar na Internet.

O especialista em tecnologia da Ordem tinha um tablet na mão, escaneando sites do submundo onde desajustados sociais gostavam de se gabar e envaidecer uns aos outros.

Gideon era tão guerreiro quanto seus camaradas, mas ele também possuía habilidades que passariam qualquer hacker gênio pra trás.

Lucan soltou um palavrão.

— Devíamos ter previsto.

— Ninguém previu — disse Gideon. — Não houve conversa, nada postado. Nenhuma ameaça. Nada a não ser silêncio até a ocorrência desse ataque.

— Mesmo assim, devíamos saber que eles não nos deixariam eliminar dois dos seus sem algum tipo de reposta.

Sterling Chase, líder do centro de comando de Boston, balançou a cabeça ao considerar.

— Este tipo de ataque leva tempo. Requer planejamento e coordenação. Você não simplesmente aparece em uma instalação altamente segura do governo com explosivos suficientes para demolir o local.

Dante, outro dos membros de muitos anos, grunhiu em concordância.

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— Não sem que explodam o seu traseiro assim que cruzar o limite da propriedade.

— Não houve relatos de atividade incomum próximo à área — acrescentou Tegan.

O macho enorme era da primeira geração da Raça, como Lucan — ambos poderosos Gen Um, ambos membros centenários fundadores da Ordem. Eles foram de amigos a inimigos e de volta a amigos no longo tempo em que se conheciam. Agora que os dois estavam com duas extraordinárias mulheres que lhes deram bravos filhos que partilhavam do comprometimento que os pais tinham pela Ordem, Lucan e Tegan se tornaram tão próximos quanto parentes.

— Ninguém pôde prever — disse Tegan — muito menos teve tempo de impedir.

Por mais que Lucan quisesse acreditar que era verdade, o líder nele não sentia o peso da culpa em seus ombros diminuir.

— É isso que diremos ao público quando perguntarem como foi permitido que algo assim acontecesse? Que fomos todos pegos de surpresa e agora estamos com os paus nas mãos?

— JUSTIS nunca quis nossa ajuda, Pai. — O filho de Lucan, Darion, olhava pra ele do outro lado da sala. O macho da Raça adulto estava ao lado de outros filhos crescidos dos demais guerreiros que se reuniram na sala assim que as primeiras notícias chegaram de Londres.

Enquanto ele falava, várias cabeças dos jovens recrutas assentiam.

— Pergunte a qualquer um na JUSTIS ou no Conselho Global das Nações — Dare prosseguiu. — Eles não confiam em nós e não aprovam os nossos métodos. Desde o começo.

— Nem a velha guarda da conhecidamente ineficaz Agência da Raça — Rio assinalou.

— Mas sobrevivemos a ela também.

A declaração do guerreiro espanhol extraiu comentários de concordância de seus companheiros Brock e Kade. Até Hunter, o formidável ex-assassino, verbalizou sua concordância.

Lucan voltou a olhar a destruição que ainda enchia os monitores.

— Não dou a mínima para a aprovação da JUSTIS, da CGN ou de qualquer outra organização que joga limpo até que surge uma ameaça real e explode a merda toda. Eu me importo com a paz. Eu me importo em proteger as vidas dos inocentes que não podem se proteger sozinhos.

— Todos nos importamos, Lucan — sua Companheira de Raça, Gabrielle, veio para perto e se aninhou nele, a voz calma e racional, mesmo em face do terror do tipo que lidavam hoje. Essa constância era uma das coisas que ele sempre tinha admirado nela.

Mas ela o agarrava com força ao falar. Lucan não tinha certeza se ela pretendia que o contato físico fosse um suporte para ele ou para si mesma.

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Gabrielle olhou para Mathias Rowan que comandava o centro de comando da Ordem em Londres.

— Sabemos quantas pessoas estavam no prédio esta noite?

Mathias podia estar em casa na Inglaterra esta noite, mas recentemente esteve nos Estados Unidos com sua Companheira de Raça grávida há pouco tempo, Nova, para visitar seu amigo Sterling Chase em Boston.

Mathias deu uma sacudida vaga da cabeça, o braço em volta dos ombros de Nova enquanto o casal assistia o horror se desenrolar nos monitores.

— Eles ainda trabalham em um número apurado. Pela hora do ataque, havia poucos humanos membros da JUSTIS no local — seu olhar estava tão contido quanto sua voz. —

Meus homens estão ali enquanto falamos. Thane, o capitão da equipe, diz que não há sobreviventes. Pelo modo como parece, ele acha que devemos esperar que as baixas da Raça sejam mais de dois dígitos, talvez uma centena.

Uma onda de ultraje passou pelos guerreiros reunidos. A reação das mulheres foi mais quieta, algumas Companheiras de Raça fungando ao tentar controlar as lágrimas. A mais afetada de todas era a companheira de Chase, Tavia.

Sua meia-irmã, Brynne Kirkland, trabalhava em Londres como investigadora da JUSTIS.

Tavia estava tentando desesperadamente falar com ela desde que as primeiras notícias do ataque surgiram.

— Ainda nenhuma notícia? — Gabrielle perguntou a outra mulher.

— Nada ainda — a preocupação de Tavia deixava sua boca uma linha reta. — Brynne me enviou um e-mail antes de ir ao centro de operações da JUSTIS esta manhã. Disse que esperava responder interrogatórios ao menos o dia inteiro sobre a morte de Fielding. Disse que me ligaria assim que saísse. Eu já liguei várias vezes e mandei e-mails, mas... — Ela respirou com dificuldade. — O apartamento de Brynne fica no mesmo bairro. Se ela não estava no edifício da JUSTIS esta noite, então provavelmente estava em casa quando...

Ela parou de falar novamente, sua voz apertada. Chase a puxou para si e deu um beijo no topo de sua cabeça. Ele não ofereceu palavras nem falsa esperança, só abraçou sua companheira quando seu olhar sinistro encontrou o de Lucan.

— Precisamos parar a Opus antes que eles fiquem ainda mais ousados — disse o comandante de Boston.

Lucan assentiu.

— Sim, precisamos. E é o que faremos.

Ele estava bem ciente que esse ataque não seria o último. Nem seria o pior ainda por vir, baseado nas suas interações com a quadrilha cujo objetivo principal parecia caos global e terror. O tipo de fagulha que nunca falhava em incendiar uma guerra.

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E cada homem e mulher na sala com Lucan também sabia que Opus Nostrum era só um de seus inimigos.

A outra força que tinha se declarado inimiga da Ordem era ainda pior pelo fato de ser invisível — desconhecida até o momento, exceto por seu nome.

Selene.

A rainha exilada da raça escondida de imortais cuja lenda e mito chamavam de Atlantes.

Se a informação que a Ordem obteve fosse de confiança, Selene preparava um ataque.

De acordo com o que sabiam, ela vinha tramando, esperando para agir. O que eles não sabiam era como nem quando. Talvez se soubessem, saberiam como impedi-la. Falhando nisso, Lucan e seus guerreiros não teriam escolha a não ser destruí-la.

Antes que ela tivesse a chance de destruí-los.

E para realizar isso, a Ordem estava preparada para utilizar toda vantagem que tinham sobre os Atlantes e sua rainha louca.

Enquanto Lucan contemplava o trabalho árduo que aguardava por ele e seus guerreiros, sua unidade de comunicação vibrou com uma chamada em sua linha pessoal criptografada.

Podia contar em uma mão o número de pessoas que tinham acesso direto a ele — a maior parte delas estava reunida com ele na sala do centro de comando agora.

Exceto por uma adição recente.

Ele colocou o telefone no ouvido e escutou a voz grossa de um indivíduo que ele só chegou a conhecer há alguns dias. Um homem que a Ordem tinha pouca escolha a não ser confiar como um aliado muito oportuno.

— Lucan, é Zael — sirenes berravam ao fundo, pontuadas pelos abalos baixos e distantes de explosões secundárias. — Estou em Londres com Brynne. Precisamos de ajuda.

 

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CAPÍTULO 5

 


Brynne queria fingir que a humilhação de ter se oferecido para Zael — e de ser rejeitada

— não tivesse realmente acontecido. Queria fingir que muitas coisas não tinham acontecido esta noite, a primeira da lista sendo o ataque odioso aos seus colegas da JUSTIS.

Mas era impossível ignorar algo que tinha acontecido nas últimas horas quando estava sentada com Zael na cabine luxuosa de um jatinho particular da Ordem em direção a Washington, D.C.

Opus Nostrum tinha destruído todo o centro de operações de Londres com um único golpe.

Sem sobreviventes. Quase cem oficiais e funcionários da JUSTIS incinerados na explosão, todas menos uma dúzia ou mais de vítimas da Raça. Homens e mulheres com quem Brynne trabalhou na maior parte de sua carreira na organização. Pessoas de quem gostava, simplesmente mortas em um instante.

Os escombros da explosão estavam queimando quando o jato decolou de fora da cidade. Provavelmente levaria dias antes que a pira de perímetro de duas quadras finalmente esfriasse.

Sua cidade nunca mais seria a mesma.

No mundo inteiro, nada mais seria o mesmo agora.

Opus tinha deixado isso claro hoje.

Brynne mexeu o gelo em seu copo e então bebeu um farto gole do líquido frio. Água desta vez, mesmo que seu pesar e fúria pedissem por algo mais forte. Testemunhar o inferno que devorou o seu local de trabalho de tantos anos — ex-local de trabalho, ela se lembrou com raiva — foi o suficiente para deixá-la imediatamente sóbria. Do jeito que se sentia depois desta noite, pode ser que nunca mais bebesse outra gota.

Zael a olhava do seu assento do lado oposto da cabine. Ele ficou atipicamente reservado desde que embarcaram no jato. Ainda agora, ele se mantinha calado e distante, permitindo-lhe o mais que necessário espaço para processar e refletir.

Ela colocou o copo vazio no console a seu lado.

— Continuo me imaginando caminhando por aquela rede de corredores — murmurou baixinho. — Fico vendo seus rostos, os outros oficiais e investigadores com quem trabalhei todos os dias naquele edifício. Não posso evitar recitar seus nomes na minha cabeça, fazendo uma contagem de corpos mental.

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Zael assentiu gravemente, mas não falou nada. Ele levantou e caminhou devagar para tomar o assento de couro em frente ao seu. Seu cabelo loiro com fios cobre tinha ficado desgrenhado da corrida que fizeram por Londres para ver a destruição em primeira mão.

Ele tirou as ondas grossas da testa e se inclinou para frente, descansando os cotovelos nos joelhos ao lhe dar tempo para dizer tudo o que queria dizer. Os olhos de um azul oceano prendiam os seus, solenes em seu rosto esculpido e bronzeado de sol.

E enquanto ela tinha certeza que deveria estar fedendo a fumaça e a morte, o cheiro dele era limpo e fresco, tão revigorante quanto a brisa do mar. Sua presença a acalmava.

Neste momento, com tudo que conhecia agora detonado em pedacinhos a milhares de quilômetros atrás deles, ele a acalmava.

Mais do que ela se dignaria a admitir.

— Eu ficava até tarde no HQ na maioria das noites — ela disse. — Às vezes, se eu terminasse um caso mais cedo que o esperado, começava logo outro. Às vezes eu trabalhava a noite inteira.

Sendo uma Caminhante do Dia, uma coisa muito rara entre sua espécie, ela não tinha que trabalhar à noite como seus colegas da Raça. Porém, mais vezes do que não, era o que ela escolhia. Por que não trabalharia? Não era como se tivesse alguém a esperando em casa.

E ela amava seu trabalho. Ele era a única constante em sua vida, seu propósito. A única coisa que podia chamar de sua.

Até hoje.

— JUSTIS era tudo o que eu tinha, Zael.

Ela praticamente se encolheu quando a confissão deixou seus lábios. Mas estava cansada e vazia demais para se conter. E o peso do terror e da violência dos cem mortos e da organização a qual dedicou a vida era quase demais para suportar.

Olhando para longe dele, fitou a janela retangular ao seu lado. Na distância, o sol estava começando a aparecer no horizonte distante. Ela o olhou como se o visse pela primeira vez, ciente demais da sorte que tinha de estar vida e testemunhar aquilo. A compreensão a rasgava, colocando um ardor ácido em sua garganta.

— Se eu não tivesse sido dispensada hoje, estaria lá com o resto deles no HQ.

— E se sente culpada por que não estava.

Ela virou o olhar de volta para ele, espantada que ele entendesse.

— Muitas daquelas pessoas deixaram filhos e companheiros. Eles tinham vidas esperando por eles.

— Está dizendo que não tem?

Oh, Deus. Ela foi longe demais por um caminho que não tinha intenção de partilhar com ele.

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Sobretudo com ele.

— JUSTIS era importante pra você, eu entendo. Mas não é tudo o que tem.

Primeiramente, você tem uma irmã bem preocupada vindo nos encontrar quando aterrissarmos em D.C.

Brynne não podia negar a pontada tenra em seu peito com a menção de Tavia. Elas só conseguiram trocar algumas palavras quando Zael havia ligado para a Ordem para informar sua localização.

Tavia estava fora de si de preocupação — uma noção com a qual Brynne ainda se ajustava. Embora sua conexão com Tavia fosse forte, ela e a outra Caminhante do Dia da Raça nem sabiam uma da outra até já serem adultas.

— Tavia e eu somos meias-irmãs — disse Brynne, meio que desdenhosamente, esperando fechar a porta dessa linha de conversa antes que permitisse que o Atlante rastejasse mais para dentro de sua mente.

— Tinham a mesma mãe ou o mesmo pai?

Brynne o encarou. Ele não sabia a história dela e de Tavia?

O laboratório do louco. O programa de procriação que gerou anomalias genéticas como Caminhantes do Dia e fêmeas da Raça que antes nunca foram sido vistas no mundo. As experiências e os abusos brutais. A teia de traição de décadas que foi usada para manter a prole do programa sob controle até que eles pudessem ser utilizados como armas de guerra.

Se Zael não sabia desses fatos lamentáveis a respeito dela, não seria Brynne que lhe contaria.

Assombrada pelas lembranças que manteve trancadas a vida inteira, ela sacudiu a cabeça.

— Estou cansada. Não quero mais falar.

Mas havia outro fato lamentável que ela preferia que nunca viesse à tona. Um que precisava ser discutido, não importava o quanto temesse.

— Falando em Tavia e no resto da Ordem, gostaria que você desse sua palavra em não mencionar o que aconteceu entre nós hoje.

Zael se recostou, o olhar fixo nela debaixo da curva das sobrancelhas.

— Está falando da dança?

Ela olhou com raiva.

— Estou falando de tudo. Gostaria que prometesse que vai manter nossa indiscrição pra si mesmo.

— Nossa indiscrição — um divertimento sombrio iluminou os olhos dele. — Se me lembro corretamente, não fui eu que meti a língua na garganta de alguém em uma pista de 24


dança lotada e depois por embriaguez sugeriu que deveríamos arrancar nossas roupas e ficarmos na horizontal o mais rápido possível.

Se ela pudesse escorregar para dentro do assento de couro, ela teria feito isso de bom grado. Graças a Deus ela não foi pra cama com ele. Já era insuportável pensar que podia ter ido.

Bochechas ardendo de ultraje, ela levantou o queixo.

— Como você apontou tão precisamente, bebi muito uísque e isso afetou a minha cabeça. Eu não era eu mesma. Não tinha ideia do que falava e com toda certeza não era essa minha verdadeira intenção.

Zael sorriu.

— Não me entenda mal. Gostei de quem você era naquela pista, Brynne. Espero que eu veja aquela mulher outra vez, mas preferivelmente quando ela estiver sóbria.

Ela zombou.

— Nada daquilo teria acontecido se eu estivesse sóbria. Nem acontecerá de novo.

— Tem certeza disso?

— Completamente.

Embora não fosse apenas o uísque falando com Zael lá no bar. Ou o beijo. Ou... o resto.

Ela quis pensar assim na hora. Desesperadamente queria acreditar no mesmo agora.

Queria se assegurar de que o que aconteceu com ele tinha sido um erro impulsivo. Um que não seria repetido.

Mas sabia que não seria o caso. A única pessoa que não podia enganar era a si mesma.

E possivelmente Zael.

Dava pra ver pelo jeito que ele olhou para ela quando o jato começou a descida no espaço aéreo de D.C. Ele prendia seu olhar incerto com uma intensidade resoluta e confiança arrogante, como se recordasse cada segundo do encontro da mesma forma que ela. Como se também ainda sentisse o grave tamborilar do desejo nas veias.

Brynne queria negar o que via nele, o que sentia.

Mas a verdade chiava no ar em volta deles, e naqueles olhos azuis brilhantes e insondáveis que lhe diziam em termos irrefutáveis que o que aconteceu entre eles naquela pista de dança em Cheapside era apenas um início, não um fim.

 

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CAPÍTULO 6

 


Brynne ainda não estava falando com ele mesmo depois de chegarem ao centro de operações da Ordem naquela manhã. Assim que pousaram no aeroporto e foram recebidos por Tavia e por seu parrudo filho guerreiro, Aric — ambos Caminhantes do Dia — Brynne foi levada para dentro do SUV preto de uso militar entre abraços apertados e conversas ansiosas com sua irmã.

Quanto a Zael, foi na frente com Aric, consciente demais do desgosto de Brynne por ele e da tensão que só parecia expandir a cada minuto que ela se esforçava para agir como se ele não existisse.

Quando foram levados a uma sala de reuniões privativa onde Lucan Thorne e o resto dos veteranos do comando da Ordem já estavam reunidos, ela com teimosia continuou com a distância, sentando-se o mais longe dele possível. Zael pode ter ficado tentado a continuar alfinetando-a só pelo prazer que lhe dava, mas a gravidade da situação que todos enfrentavam agora exigia toda sua atenção.

Transmissões ao vivo de Londres enchiam os monitores que preenchiam a parede de trás. Em outra parede, mais três guerreiros da Raça participavam da reunião por telas — um de Berlim, outro de Roma e outro de Montreal. Zael tinha sido brevemente apresentado para dois deles desta mesma maneira na sua primeira vez na sede da Ordem alguns dias atrás.

Ele acenou para Andreas Reichen e Lazaro Archer, os comandantes europeus, depois para Nikolai, o formidável macho da Raça nascido na Sibéria responsável pelas operações no Canadá.

O humor na sala estava pesado de gravidade enquanto os membros reunidos revisavam a carnificina da noite anterior e discutiam sua próxima ação tática contra a Opus Nostrum.

— Diga a todos as suas equipes para aumentar as rondas imediatamente — Lucan rugiu da cabeceira da enorme mesa de reuniões. — Quero cada recruta usando equipamentos de combate esta noite. Precisamos de uma presença óbvia da Ordem em cada cidade mais importante a começar pelo anoitecer.

Zael não deixou de notar a pausa nas conversas quando ele entrou. Ele ainda era um estranho no ninho. O estranho que eles não tinham escolha a não ser confiar.

Como foi que ele — um ex-guerreiro da legião Atlante da rainha — recentemente se encontrava na posição de conselheiro e aliado de assassinos bebedores de sangue gerados pelos maiores inimigos do seu povo, ele não fazia ideia.

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Só que o grupo de machos da Raça na sala com ele não era de assassinos. Não animais brutais como os antigos pais de sua raça tinham sido.

Não assassinos covardes como os membros sorrateiros e anônimos da Opus Nostrum.

Os homens da Ordem eram guerreiros, como Zael uma vez foi — antes de desertar do reinado vingativo de Selene para traçar um caminho diferente, bem longe da corte Atlântida.

Há poucos dias, a Ordem quis que ele retornasse a campo — desta vez lutando do lado deles. Contra a sua gente se chegasse a este ponto. Ele tinha ido embora achando que tinham lhe pedido muito. Ainda não tinha decidido se estava pronto para se opor à sua rainha, mas não podia negar que hoje a Opus Nostrum fez nele mais um inimigo.

— É um alívio ver que os dois estão a salvo — disse Lucan, estendendo a mão para Zael em um cumprimento. Ele assentiu para Brynne, que vigilantemente mantinha posição próxima a Tavia do outro lado da sala enorme. — Ainda estamos coletando informação dos nossos meios secretos e das equipes no local, mas até agora parece que a JUSTIS foi o único alvo. Eles queriam mandar uma mensagem.

— E foi o que fizeram — concordou Zael. — Mas criminosos assim prosperam quando enviam mensagens ousadas. É assim que constroem seus impérios. É assim que garantem a lealdade dos seus membros fiéis.

Na tela de Montreal, Nikolai murmurou um palavrão.

— Sem falar a garantia de haver caos e medo suficientes para que um público aterrorizado esteja disposto a fazer qualquer coisa para impedir outro ataque.

Sterling Chase bateu com o punho na mesa de reunião.

— Não enquanto estamos aqui. Maldição, essa merda com a Opus já foi longe demais.

Assassinatos múltiplos. A tentativa de detonar a cúpula de paz da CGN algumas semanas atrás. Produção e distribuição de tecnologia UV que assassina Raças e narcóticos que transformam qualquer Raça cumpridor da lei em um monstro sedento de sangue. A lista de atos criminosos é do tamanho da porra do meu braço. — A fúria do comandante de Boston só diminuiu quando ele olhou para Tavia. — E depois, umas duas noites atrás, os bastardos levaram a nossa filha.

— Nós recuperamos Carys — falou Tavia, prendendo seu olhar atormentado. — Ela e Rune estão a salvo e festejando seu laço sanguíneo. Graças a todos nesta sala.

Especialmente a Brynne.

Brynne levantou a cabeça de súbito com a menção de seu nome.

— Eu?

Tavia sorriu.

— Se não fosse seu raciocínio rápido, podíamos não ter percebido que Cary tinha sido levada da festa de Neville Fielding. A Ordem poderia ter chegado tarde demais para ajudar Rune e ela a escaparem de Riordan e de seus homens.

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Brynne parecia desconfortável com o elogio. Seus olhos se moveram pela sala —

contudo, Zael notou, ainda cuidadosamente o evitavam — antes dela olhar para o chão.

— Eu só estava fazendo o meu trabalho.

— E você é muito boa nele — disse Lucan. — Seus instintos sobre Fielding ser corrupto foram precisos. Sem a sua desconfiança e cooperação em nos colocar dentro daquela festa para recolher informação, estaríamos muito mais atrás da Opus do que estamos agora.

Chase limpou a garganta.

— Sinto muito que a cooperação tenha sido um problema para os seus colegas na JUSTIS. Tavia mencionou mais cedo que você foi dispensada.

Brynne deu de ombros.

— Acho que nada disso importa mais, certo? — Seu tom era direto, mas Zael ouviu a nota de arrependimento em sua voz firme. — Eu faria tudo de novo, sem hesitar. Mesmo sabendo o que me custaria. Como todos vocês, também quero deter a Opus Nostrum. Quero isso agora mais do que nunca. Custe o que custar.

Em volta da sala da central de comando, cabeças assentiam.

Brynne olhou para Gideon.

— Sinto por não ter conseguido fornecer o HD do computador de Fielding nem seus arquivos pra você. Assim que seu corpo foi descoberto junto com o veneno que ele ingeriu, JUSTIS apareceu para limpar a casa e selar o local para investigação.

— Tudo bem — Gideon sacudiu a cabeça. — Ao menos temos os arquivos de Riordan.

Bem, nós teremos. Eventualmente.

— Ainda sem sorte em decodificar a criptografia? — A pergunta de Lucan parecia incrédula. — Você está nisso há mais de 48 horas. Odeio dizer, mas esse deve ser um novo recorde seu. E não é algo que eu queira ouvir agora.

— A criptografia é... complicada. Na verdade é mais do que impressionante.

— Também não é algo que eu queira ouvir — murmurou Lucan de um modo sombrio.

— Acredite, fiquei tão perplexo quanto todos por não conseguir quebrá-la ainda —

Gideon passou a mão pelos cabelos loiros espetados. — Eu invadi o disco rígido de Riordan e as senhas, isso foi moleza. Mas além de ficar sabendo que ele tem um péssimo gosto musical e um fraco para pornô de animais de fazenda que me deixou com vontade de limpar as córneas com uma lâmina de barbear, o HD de Riordan foi um fiasco.

Lucan franziu a testa.

— Temos quase certeza que os membros da Opus entram em contato eletronicamente.

Está dizendo que não há traço de programas de comunicação nem de arquivos com os logs das conversas no computador?

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— Eles são cuidadosos demais para isso. O processo de deletar diretórios e arquivos foi programado para rodar todas as noites como um relógio. Fui capaz de interrompê-lo antes que fosse ativado uma última vez. Nos arquivos deletados de Riordan, encontrei o fragmento de uma ID de uma rede pessoal protegida. — Gideon soltou um suspiro forte. — E foi aí que os meus problemas começaram. Tem um cadeado na rede, um programa muito sofisticado que age como uma armadilha explosiva na coisa toda. Quase caí nela hoje antes de perceber com o que me deparei. Quem quer que tenha programado isso sabe o que faz. Estamos falando de mais que habilidades profissionais.

— Você vai conseguir decifrar?

Zael não conhecia Lucan há muito tempo, mas duvidava que qualquer homem ou mulher na sala agora já tinha ouvido a nota de dúvida que rastejou na voz grave do líder da Ordem.

Gideon ficou calado por um bom tempo, e aquele silêncio dizia muito.

— Vou decifrar. Não vou descansar até conseguir.

Lucan assentiu de um modo amedrontador.

— Boa resposta.

Então ele voltou o olhar sério para Zael.

— Não acho que preciso te dizer que tudo que ouvir nesta sala hoje é para ser guardado no mais estrito segredo.

Zael inclinou a cabeça.

— Claro. Tem a minha palavra.

Agora que Lucan e os outros guerreiros o olhavam, Zael sentiu o peso de sua curiosidade — até suspeita — vir descansar em cima dele.

— Nunca mencionou o que fazia em Londres ontem à noite, Zael. Estava lá a negócios?

— Lucan o estudou, os perspicazes olhos cinza avaliando.

— Não — admitiu Zael. — Não fui lá a negócios.

— Prazer, então? — O líder da Ordem perguntou casualmente, mas não havia dúvida de que era um teste de confiança. Lucan podia não saber com certeza o que levou Zael até a cidade onde a Opus Nostrum tinha acabado de fazer o pior, mas saberia muito bem se Zael tentasse enganá-lo.

E se isso acontecesse, qualquer aliança que eles forjaram estaria enfraquecida praticamente antes de começar.

— Não fui a Londres a negócios nem a prazer. Fui até lá para ver Brynne.

Do outro lado da sala, a tensa antecipação dela era uma palpável corrente de ar. Zael olhou na direção dela agora, e ao invés de ver seus olhos se desviarem ou o evitarem, ela o olhava em resignação. Em uma angústia e um desprezo não verbalizados.

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Mas Zael não mentiria para seus novos amigos. Ele precisava da confiança deles da mesma forma que precisavam da sua.

— Quando eu e Brynne nos conhecemos semana passada, achei que poderia ter existido algum interesse mútuo. Depois de ficar sabendo o que aconteceu com Riordan e com o membro do conselho que se matou no meio de uma festa em que Brynne estava, decidi procurá-la e garantir que estava tudo bem. Ver se estava certo em seu interesse por mim.

Ele não precisava olhar para ela agora para saber que silenciosamente desejava que um sumidouro se abrisse para engoli-lo. Tavia, Chase e vários outros membros da Ordem trocaram expressões de surpresa antes que aqueles olhares intrigados fossem de Brynne a ele.

— Eu estava enganado — disse ele.

Mesmo se parte sua soubesse que não era verdade, ele lhe daria essa única cortesia em frente à sua irmã e amigos. Permitiria que Brynne o chamasse de idiota por atormentá-la quando eles estiverem a sós, mas qualquer coisa que acontecesse entre eles continuaria particular se dependesse dele.

Ainda assim, só de pensar nos lábios de Brynne nos seus foi o suficiente para reacender seu desejo. Mesmo aqui, em uma sala cheia de guerreiros da Raça letais que provavelmente iriam querer enforcar qualquer Atlante que se dignasse a colocar as mãos em uma de suas mulheres.

Zael teve vontade de fazer muito mais que isso com Brynne na noite passada, mas tinha falado sério em não deixar que ela culpasse o álcool — ou ele — depois. Agora tudo que ele tinha a mostrar pela sua duvidosa exibição de honra era arrependimento e um péssimo caso de dor nas bolas.

— Quando percebi que passei da linha com Brynne e estava me oferecendo para levá-

la pra casa, abriram-se os portões do inferno na cidade.

— Bem, graças a Deus que estavam juntos — intrometeu-se Tavia. — Fico feliz que minha irmã não estava sozinha ao presenciar esse tipo de horror. Não posso suportar pensar o que poderia ter acontecido se você estivesse próxima da explosão, Brynne.

— Tive sorte de não estar — apesar do seu pequeno olhar de reconhecimento por Zael não tê-la traído no momento, Brynne ainda parecia menos que entusiasmada de ser associada a ele. — Agora só estou ansiosa para esquecer a noite de ontem assim que voltar pra casa em Londres.

— Voltar para casa? — Tavia a olhou com desconforto. — Espero que não esteja falando sério.

Zael conteve sua risada. O que ela queria dizer era que não via a hora de colocar vários quilômetros entre os dois. Se estava ansiosa para ir a algum lugar, era para longe dele, mais do que de volta a uma cidade devastada onde ela tinha admitido que nada a esperava.

30


Depois da noite de ontem, ainda menos.

Ele agora se perguntava, como tinha feito no avião, o que exatamente Brynne não quis revelar sobre seu passado. Ele tinha ficado surpreso ao ver o assombro em seus olhos. Ficou furioso ao perceber que as sombras que escureciam seu belo rosto falavam de feridas sobre as quais ela não conseguia falar.

E ficou impressionado ao sentir uma onda de proteção por ela que não tinha direito de sentir.

Nem por ela.

Nem por ninguém.

Se as coisas ficavam complicadas em nível emocional, ele não era do tipo que ficava.

Mais de uma pessoa em sua vida poderia atestar isso.

— Eu me sentiria melhor se você ficasse perto de nós por um tempo — Tavia estava dizendo agora. Ela tomou a mão de Brynne na sua. — Ainda estou me acostumando à ideia de ter uma irmã na minha vida. Acha mesmo que vou ficar bem em deixar que volte sozinha para uma situação perigosa?

Os lábios de Brynne se abriram com o início de um argumento, mas Lucan falou primeiro.

— Tenho que concordar com Tavia nisso. Temos que assumir que a Opus sabe que você está cooperando com a Ordem agora, o que significa que a probabilidade de que acabe com um alvo nas costas se voltar a Londres é um risco alto demais a se correr.

— Eu sou uma oficial da lei de carreira, Lucan. Sou uma investigadora condecorada que também foi treinada em combate e em negociações de crises.

— Ótimo. Então se não quer aceitar a decisão de um oficial de hierarquia superior, deveria reconhecer que discutir com um será inútil.

Ela escolheu aquele momento para olhar na direção de Zael, e ele soube que ele não foi rápido o bastante para esconder seu aceno de concordância. Não que ele quisesse vê-la infeliz, mas também não queria vê-la perto das ruínas em chamas da JUSTIS ou da porra dos sádicos que executaram o ataque.

Ela estaria mais segura com a Ordem, quer quisesse acreditar nisso ou não.

— Eles estão certos — disse Zael. — Você pode não ter estado no edifício quando ele explodiu ontem, mas isso não quer dizer que a Opus sabia que não estava.

Ela cruzou os braços, claramente ultrajada por sua interferência.

— Tudo aponta para um ataque muito bem planejado. Levou tempo para a Opus executá-lo. Muito mais do que a semana e alguns dias que venho trabalhando com a Ordem.

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— Sim — ele concordou. — Mas o que diz que você não tinha um alvo nas costas há muito tempo antes? Se não simplesmente por fazer parte da JUSTIS, então por ser parente de um dos comandantes chave da Ordem?

— Jesus Cristo — isso veio de Sterling Chase. O olhar grave do comandante de Boston foi de Tavia à sua irmã. — Achávamos que a conexão entres vocês ainda era confidencial, mas e se alguém na Opus sabe?

Um pouco do ultraje de Brynne drenou de seu rosto quando considerou a possibilidade.

— Está segura agora — Zael disse a ela. — Isso é o que importa.

Ela piscou e desviou os olhos dele, recusando-se a erguê-los novamente.

Já que sua presença não estava ajudando, ele decidiu tornar as coisas mais fáceis para ela — e paras as pessoas que tentavam convencê-la.

— Tenho certeza que há muitas coisas que a Ordem precisa discutir — disse já dando um passo em direção à porta. — Se não necessitam mais de mim por ora, acho que é o momento de ir embora.

Lucan limpou a garganta.

— Não tão rápido, Zael. Sim, há coisas que precisam ser discutidas, incluindo assuntos recentes que dizem respeito ao seu povo e a rainha deles.

 

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CAPÍTULO 7

 


Depois que a Ordem levou Zael para uma reunião a portas fechadas na sala de reunião, Tavia levou Brynne para conhecer a Companheira de Raça de Lucan na seção residencial da vasta propriedade em D.C.

— Estamos com uma casa anormalmente cheia no momento — Gabrielle Thorne disse enquanto a régia Companheira de Raça de cabelos castanho-avermelhados guiava Tavia e Brynne por um elegante corredor no terceiro andar do gigante centro de operações da Ordem.

— Esta ala não é muito usada ultimamente. Todo o terceiro andar foi reservado para dignitários estrangeiros em visita na época em que a casa velha era usada como embaixada.

Velha casa? O lugar era um palácio. Brynne tinha visto residências da realeza na Inglaterra menos impressionantes. Um trabalho de entalhamento complexo de madeira revestia as paredes da passagem e grossos tapetes persas de cores ricas cobriam o lustroso chão de madeira escura. Seguindo suas duas companheiras pelo meio do longo corredor, Brynne não pôde evitar admirar os vários bustos esculpidos e esculturas neoclássicas que ficavam em pedestais polidos pelo caminho, ou as antigas fotografias de pontos conhecidos e maravilhas naturais que competiam com pinturas de artistas notórios nas paredes forradas de seda.

Sua caminhada terminou em frente às portas abertas de uma suntuosa biblioteca que tinha um cheiro maravilhoso de livros com capa de couro envelhecido e madeira antiga encerada com cera de limão. Em outra época, sob diferentes circunstâncias, podia ver a si mesma se perdendo entre todos aqueles livros por dias sem fim.

— Sinto que tenham se dado ao trabalho de me encontrar um lugar. Imagino que as duas têm coisas mais importantes a fazer, especialmente esta semana.

Gabrielle deu um sorriso sincero e acolhedor para ela.

— Não é problema algum. Mesmo que não fosse irmã de Tavia, depois de tudo que fez por nós naquela noite, já faz parte da família da Ordem, Brynne.

Tavia assentiu.

— Sei que ia preferir ficar em casa, mas espero que se sinta confortável aqui por ora.

Quando falou, Gabrielle se virou para abrir uma porta bem em frente à biblioteca. O

quarto era grande, mas aconchegante, com uma pequena área de estar de um lado e uma cama de colunas do outro. As cortinas na janela alta estavam abertas para deixar que a luz da manhã entrasse e para deixar a vista da bem cuidada propriedade visível. Em uma escrivaninha próxima à porta aberta, um vaso de flores recém-colhidas perfumavam o ar.

— O quarto é lindo — disse Brynne ao entrar. — Obrigada as duas.

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— Sinta-se em casa — Gabrielle disse. — Isso vale para toda a propriedade. E é bem-vinda para permanecer o tempo que quiser.

— Ou o tempo que minha irmã e a Ordem insistirem?

Tavia deu um leve suspiro.

— Não é para ser um castigo, você sabe. Só estamos preocupados com seu bem-estar.

Brynne sabia que não. Ela balançou a mão, desconsiderando.

— Tudo bem. Eu entendo. Até concordo que Londres pode não ser a melhor escolha para mim no momento. Acho que pode dizer que sou um pouco cabeça dura, principalmente quando me dizem o que devo ou não fazer.

Tavia e Gabrielle trocaram um olhar divertido.

— Acho que definitivamente encontrou a sua tribo — disse Gabrielle, dando risada.

— E quanto a Zael? — A pergunta saiu de sua boca antes que conseguisse pensar em contê-la.

— O que tem ele? — perguntou Tavia. Uma faísca de curiosidade iluminou seu olhar. —

E por que eu tenho a impressão de que há mais entre vocês dois do que estão dispostos a admitir?

— Não há nada entre nós.

Talvez sua negação fosse imediata demais, muito insistente. Certamente não pareceu convencer sua esperta meia-irmã se a expressão de Tavia fosse uma indicação.

Brynne deu de ombros.

— Você mesma ouviu. Zael apareceu em Londres ontem com a ideia equivocada de que eu cairia aos seus pés do jeito que todas as outras mulheres provavelmente caem.

Não, não tinha caído aos pés dele. Ela o atacou como uma mulher faminta de sexo. O

que, tecnicamente falando, ela era. Estava com fome de muitas coisas, mas tinha sido uma idiota em deixar que Zael vislumbrasse uma parte dessa sua fraqueza. Agora, ele provavelmente nunca mais a deixaria em paz.

O que ele faria se soubesse algo da sua outra vergonha secreta? A perigosa que se escondia em seu DNA misturado em laboratório. A que vinha escondendo desde que se libertou da coleira da sua criação. Nem mesmo Tavia a olharia da mesma forma se soubesse.

Ninguém olharia, e com razão.

Brynne tirou os pensamentos do seu início monstruoso e voltou à fonte da sua irritação mais recente.

— No que diz respeito ao Atlante, não tenho interesse em um relacionamento romântico nem em qualquer outro.

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— Hum-hum — respondeu Tavia. — E é por isso que está tentando tanto ignorá-lo desde que chegou?

Deus, tinha dado pra notar?

Ainda dava?

Tentou evitar olhar para Zael hoje por que toda vez que seu olhar caía nele só conseguia pensar na sensação dos lábios dele. E quando se lembrava do quanto sua boca era quente e controladora — como seus corpos se colaram gostoso, juntinhos e se movendo sensualmente na pista de dança — tudo o que queria era sentir aquilo tudo de novo.

Por que não fez o mais sensato ontem e deixou que aquele bartender bonitinho, claramente disponível e inofensivo a levasse pra casa? Por que não conseguiu dizer sim para qualquer um dos outros homens — humanos ou Raça — que ou a circularam no bar ou propuseram diretamente?

Sabia a resposta e infelizmente tudo voltava a Zael. Não queria nenhum daqueles homens. Teria jurado que também não queria Zael, mas seu corpo parecia ter outras ideias.

Sem dúvida, beijá-lo foi um erro colossal.

Um que não podia consertar e que, infelizmente, nunca esqueceria.

Ia ser bem mais difícil tirá-lo da cabeça enquanto ele estivesse debaixo do mesmo teto que ela. Até pior, no caso dele ficar mais envolvido com a Ordem por qualquer período de tempo.

— Alguma de vocês acha que ele é uma sábia escolha de aliado?

— Você não? — perguntou Tavia. — Se tem motivo para pensar assim, Brynne, precisamos saber.

Ela queria desacreditar Zael de cara, mas a verdade era que, apesar de ser uma pedra no sapato desde o segundo que colocou olhos nele, ele parecia realmente bem informado e engajado nos problemas que a Ordem estava enfrentando. Podia ser um filho da mãe sem charme, mas parecia ser confiável.

Até no que lhe dizia respeito, já que não a fez passar um papelão na frente de todo mundo. Incrivelmente, depois de fazê-la pensar que seria presa fácil para a sua zombaria, ele tinha guardado o seu segredo.

E talvez também não fosse completamente sem charme.

Mesmo assim...

— Ele é Atlante — murmurou, como se isso fosse o bastante para duvidar dele. Na sua cabeça, era ao menos uma indagação válida. — O que realmente sabemos sobre ele?

Gabrielle olhou para Tavia, indecisão em seus suaves olhos castanhos.

— Sabemos o bastante para assumir que a aliança de Zael com a Ordem vale qualquer risco.

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— Por causa de algo a ver com a rainha dos Atlantes? — Quando as duas mulheres a olharam com expressões de questionamento, ela acrescentou: — Percebo que não fui formalmente incluída na conversa, mas o comentário de Lucan a Zael lá embaixo não pareceu exatamente reconfortante.

Isso era um eufemismo. Os instintos de Brynne tinham ficado em alerta máximo ante a fatídica menção da raça imortal e de sua aparente soberana.

— Sim, por causa dela — disse Tavia depois de Gabrielle assentir com a cabeça. —

Ficamos sabendo que temos uma inimiga em Selene há algumas semanas, quando a reunião do Conselho Global das Nações para a elaboração do acordo de paz foi comprometida pela Opus Nostrum...

— Atacada — corrigiu Gabrielle. — Eles teriam assassinado todos os dignitários Raça do lugar se a sua arma ultravioleta tivesse sido ativada antes que a Ordem fosse capaz de impedir.

— Eu me lembro — disse Brynne. — Havia centenas de diplomatas e líderes mundiais naquela reunião.

As notícias da tentativa de ataque deram manchetes desesperadas pelo mundo todo.

Quanto às ações heróicas da Ordem, foi bem pouco para conquistar uma população de humanos que na maior parte desprezava a Raça como um todo, ou os Darkhavens, que consideravam os guerreiros uma força volátil entre a sua espécie com uma excessiva compreensão legal. Até a JUSTIS era culpada de enxergar a Ordem com mais suspeita do que com o devido respeito.

— Mas o que o ataque da Opus na reunião da CGN tem a ver com os Atlantes e sua rainha?

— O membro da Opus que arquitetou a coisa toda era Atlante — explicou Gabrielle.

— Reginald Crowe? — perguntou Brynne. Ela tinha ficado chocada o bastante ao saber que um dos magnatas mais poderosos e ricos do mundo dos negócios fazia parte de um grupo terrorista. Mas isso? — Está dizendo que Crowe era do povo de Zael?

— Ninguém sabia — disse Tavia. — Pouco antes de ser morto, ele se gabou para alguns dos guerreiros sobre como a Opus era apenas um brinquedo comparado ao que sua rainha planejava. Ele disse que deveríamos esperar por uma guerra diferente de tudo que já vimos.

— Meu Deus — Brynne engoliu saliva contra o nó frio de terror em sua garganta. —

Como se lidar com a Opus já não fosse ruim, agora também há isso?

Gabrielle assentiu.

— Contudo, podemos ter algumas vantagens a nosso favor. Estamos procurando formas de ficarmos à frente de Selene. Zael pode ser capaz de nos ajudar.

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— Ele pode ser o único — acrescentou Tavia. — Mas estamos colocando-o em uma situação bem difícil.

— Sim, mas ele tem razões pessoais para se aliar a Ordem agora — disse Gabrielle. —

Jordana é uma delas.

Tavia tinha falado a Brynne da jovem mulher durante sua visita à irmã em Boston.

Jordana trabalhava com Carys Chase em um museu de arte e foi recentemente acasalada com um dos guerreiros veteranos de Sterling Chase.

— O que Zael tem a ver com ela?

Ao invés de Tavia ou Gabrielle responderem a pergunta, foi Carys quem respondeu.

Estavam em pé no vão da porta com outra jovem.

— O que Zael tem a ver com quem?

— Jordana — disse Tavia, embora em resposta a sua filha ou em saudação a etérea loira esbelta que vinha com a esquentada Carys, Brynne não tinha como saber.

Sem parar para cumprimentos, Carys se aproximou de Brynne e a puxou para um abraço forte.

— Estou tão aliviada por você estar bem — ela disse se afastando depois de muito tempo. — Quando ouvi o que aconteceu em Londres ontem, fiquei com tanto medo que pudesse ter se ferido... ou coisa pior.

Brynne sorriu para a jovem Caminhante do Dia, igualmente feliz em vê-la.

— Estou bem. E felizmente, você também.

As duas tinham um laço especial mesmo antes da missão que executaram juntas na festa da casa de Fielding. Brynne tinha ficado fora de si com medo e horror quando descobriu que Carys foi sequestrada bem debaixo do seu nariz por um dos membros mais sádicos da Opus.

— Eu não estaria aqui se não fosse por você — disse Carys. — A Ordem chegou bem no último momento, tudo graças a você.

— Não é exatamente assim que eu explicaria — contrariou Brynne. — E pelo que sua mãe me disse, você soube lidar com as coisas de maneira impressionante e sozinha. Talvez aquela conversa que tivemos sobre você se juntar a Ordem não seja assim tão louca, não é?

Carys sorriu, seu orgulho brilhando em seu olhar azul afiado.

— Por mais que eu ame trabalhar com Jordana aqui no museu, realmente venho considerando uma mudança de carreira.

Jordana fez um som de zombaria, estilhaçando a ilusão de uma deusa de outro mundo.

— Não vai considerar se depender de Rune.

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— Estamos negociando — Carys disse com uma mexida de sobrancelhas. — Ele sabia no que estava se metendo quando se uniu com sangue a mim.

Sua amiga riu e sacudiu a cabeça.

— Olá — ela disse a Brynne. — É um prazer te conhecer. Sou Jordana.

— Estávamos falando de você — disse Tavia com gentileza. — Estávamos para explicar a Brynne que Zael conhecia o seu pai.

— Oh — o rosto dela se iluminou, mas havia um traço de tristeza em seus olhos. —

Eles eram melhores amigos. Serviram juntos como soldados.

— Na legião de Selene — acrescentou Tavia. — Ambos escaparam do reino anos atrás.

Brynne não podia fingir que as notícias não a chocaram.

— Ele era um soldado?

— Um dos melhores — disse Jordana. — Depois que meu pai foi morto recentemente em Boston, Zael me manteve a salvo dos guardas da rainha que vieram me encontrar e levar de volta a ela. Ele me protegeu com sua vida.

Zael, o galinha cheio de conversa, não era só um guerreiro notório dos Atlantes, mas um salvador da filha do seu falecido companheiro de armas? Não era fácil apaziguar as duas concepções opostas dele, mas a mente de Brynne lutava para processar algo que Jordana também tinha falado.

— Sinto muito pelo seu pai, Jordana. Mas... não sei se entendi. Por que os guardas da rainha viriam atrás de você?

Carys passou os braços em volta da amiga.

— Porque Jordana é a neta dela. A única herdeira.

— Oh, meu Deus — o queixo de Brynne caiu. — Herdeira da rainha Atlântida. Como da linhagem real?

Tavia confirmou com a cabeça.

— Estamos mantendo a identidade de Jordana em segredo para sua própria segurança.

— Minha mãe era a filha única de Selene — explicou Jordana. — Ela e meu pai se apaixonaram, mesmo sendo proibido. Meu pai violou a lei quando ele a tornou sua companheira.

— Não há lei forte o suficiente para proibir o amor — disse Gabrielle.

— Não, não há — Jordana sorriu com tristeza e sacudiu a cabeça. — Depois que nasci, houve problemas... consequências a se pagar. Selene separou meus pais. Minha mãe ficou deprimida e então eventualmente tirou a própria vida. E então meu pai me roubou. Ele me escondeu com pessoas que confiava fora do reino, e depois saiu da minha vida para me 38


proteger e para me dar liberdades que eu nunca teria dentro do reino. Minha avó colocou um bom preço em sua cabeça. Seus guardas levaram vinte e cinco anos para encontrá-lo, mas eles conseguiram.

Brynne não sabia o que dizer. Dividida entre espanto e aversão pelo o que tinha acabado de ouvir, ela ficou muda, sentindo a dor pela qual Jordana — e seus condenados pais

— tinham passado.

— E você diz que Zael ajudou?

Jordana assentiu.

— Quando os guardas de Selena vieram a Boston e mataram meu pai, Zael me levou para um lugar seguro. Ele até lutou com seus antigos companheiros para me proteger. Sem ele, eu não estaria aqui hoje.

A ternura de Jordana por Zael era óbvia. Dado ao que ele aparentemente tinha feito pelo bem da jovem, sua afeição era compreensível. Mas Jordana parecia estar descrevendo um homem diferente daquele que Zael apresentava ao mundo.

A Brynne também.

Este Zael era um homem corajoso. Um homem nobre, do tipo que arriscaria tudo para proteger a filha de um amigo morto de uma inimiga com um poder frio e de longo alcance.

Jordana tinha descrito um herói — não a primeira palavra que vinha à mente de Brynne quando pensava nele.

Não sabia o que fazer com essa nova informação.

Também não sabia o que fazer com o abrandar da ideia que fazia do homem que desesperadamente desejava desprezar.

— Nossas vidas seriam mais vazias se você não fizesse parte delas — disse Tavia ao apertar a mão de Jordana com ternura.

— É verdade — concordou Carys. — E também não teríamos o cristal Atlante que seu pai escondeu de Selene todos esses anos.

A referência estranha tirou Brynne das suas reflexões indesejáveis sobre Zael e aquele beijo inquietante que deram.

— O que quer dizer com um cristal? Do que está falando, Carys?

— Ah, isso é outra história — disse Tavia. — Explicaremos tudo a você, Brynne, mas vamos fazer isso tomando café da manhã. Você teve uma noite muito longa e tenho certeza que deve estar faminta.

 

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CAPÍTULO 8

 


— Já pensou um pouco mais no que te pedi na última vez em que esteve aqui?

Se ele tinha pensado? Zael grunhiu ante a pergunta de Lucan.

— Você me pediu que considerasse trair meu povo, Comandante Thorne. Eu te garanto que tem sido a primeira coisa na minha cabeça desde então.

Os dois tinham deixado a sala de reunião para conversarem a sós e por que Lucan tinha algo a mostrar a Zael, ele assim disse. Eles caminhavam pelo labirinto de corredores que serpenteava passando por salas de reuniões menores, instalações de treinamento e o covil high tech de computadores e equipamentos de comunicação de Gideon, onde o excêntrico macho da Raça já estava totalmente concentrado em seu trabalho em uma meia dúzia de monitores touch screen repletos de sequências de códigos.

— Não te pedi que traísse ninguém, Zael. O que pedi foi a sua confiança. Sua confidência enquanto a Ordem tenta descobrir tudo o que pode sobre sua rainha e suas intenções.

— Selene não é minha rainha há bastante tempo.

— Você a serviu por séculos como membro de sua legião — Lucan o lembrou.

— Sim. E há mais de cem anos, deixei o reino como um fugitivo. Enquanto eu viver, para Selene sou meramente mais um desertor com um preço por sua cabeça. — Igual ao seu companheiro Cassianus e o pequeno número de outros Atlantes que escaparam pra começar de novo em outro lugar, sem medo de uma líder volátil.

— Mas sua lealdade ainda está intacta? — Havia peso na pergunta de Lucan e em sua implicação.

Zael respondeu com honestidade.

— Não sirvo Selene, mas não posso condená-la completamente. Ela já foi boa, mas é uma mulher vingativa, poderosa. Seu coração congelou quanto Atlântida foi destruída pelos seus ancestrais Antigos.

— É tempo demais para guardar rancor.

— Ela é imortal, Lucan. Seu coração pode nunca derreter. Ficou ainda mais gelado depois que sua única filha morreu e sua única herdeira foi roubada.

— Junto com o cristal que Cass tomou ao mesmo tempo — acrescentou Lucan.

— Sim, junto com o cristal — que agora estava nas mãos da Ordem. Não que Zael tivesse visto realmente o tesouro para atestar o fato.

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Tão crucial quanto a nova aliança deles era, Lucan Thorne tinha se mostrado relutante em permitir que Zael se aproximasse do cristal que Jordana tinha recebido do pai e confiado à Ordem. E por isso Zael tinha que respeitar o homem da Raça.

O cristal era um de cinco que o reino uma vez possuiu. Eles eram uma fonte de imenso poder e utilidades versáteis. Coloque-o nas mãos erradas — as mãos de um Atlante cujos motivos eram menos honrados que os de Zael, por exemplo — e o resultado poderia ser catastrófico.

Lucan parou no corredor e o encarou.

— Quando nos encontramos aqui alguns dias atrás, perguntei se a Ordem poderia contar com você como aliado.

Zael assentiu.

— E eu te disse que enquanto eu tivesse confiança de que desejamos alcançar a mesma coisa, paz duradoura para todos, você sempre teria minha confiança e discrição.

— Realmente — depois de um momento, Lucan indicou para que ele caminhasse à sua frente.

Zael reconheceu instantaneamente a enorme câmara para a qual o levaram. Ele a ocupou em sua primeira visita ao centro de operações da Ordem há poucos dias e jamais esqueceria a imensa sala do arquivo. Nem a extraordinária mulher responsável por ela.

— Oi, Zael.

— Jenna, olá — sorriu quando a esbelta morena de cabelo curto colocou um caderno onde registrava algo de lado e se aproximou para cumprimentá-lo.

— Já teve a oportunidade de ver Dylan desde que chegou? — perguntou Jenna. — Ela já veio aqui algumas vezes esperando encontrá-lo.

— Ainda não a vi, não — respondeu Zael, sentindo uma pontada de arrependimento —

e afeição — à menção da outra Companheira de Raça. — Garanto que a verei.

Lucan limpou a garganta.

— Todos temos bastante tempo para encontros, mas no momento queria que Zael entendesse como as coisas estão progredindo com as suas visões, Jenna.

Mesmo sabendo da história e da surpreendente causa dos dermaglifos da Raça que cobriam toda a pele humana de Jenna, era difícil não olhar. Mas sua aparência exterior não era nem metade interessante quanto a outra coisa que tornava Jenna única.

Depois de sobreviver a um terrível ataque do último Antigo vivo — os pais bárbaros da Raça — Jenna agora tinha recebido o dom ou a maldição, alguns diriam, das lembranças sonhadas do seu agressor. Os cadernos que ela preenchia pelas últimas duas décadas eram uma crônica desconcertante da história da Raça, vista pelos olhos do predador agora morto.

Ela olhou para Lucan.

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— Contou a ele que estou vendo mais detalhes do ataque a Atlântida?

— Estávamos chegando no assunto — disse Lucan. — Decidi que é hora de mostrar a ele.

Zael estava prestes a pedir uma explicação, mas desde que tinha entrado naquela sala suas têmporas tinham começado a se encher de um zumbido persistente e que distraía. Seu peito e membros pareciam esquentar cada vez mais... como se uma fornalha tivesse sido ligada dentro dele.

— O cristal — ele olhou de maneira incrédula para Lucan. — Está aqui nesta sala.

Ele não estava pedindo confirmação. Não precisava perguntar. Cada célula de seu corpo respondia à proximidade da fonte sobrenatural de poder pertencente a seu povo.

Lucan assentiu para Jenna.

— Mostre a ele.

Ela andou até um enorme cofre aberto do outro lado da câmara. Retirando um objeto de dentro do robusto cofre forte, ela retornou carregando-o nas mãos. Era uma caixa pequena e comum de metal com o fecho rompido.

Zael não tinha que olhar dentro do recipiente de titânio para saber que continha o prateado cristal do tamanho de um ovo. Se a caixa estivesse selada, as propriedades do metal teriam impedido que qualquer um de sua gente sentisse o poder do cristal, mesmo a curta distância. De acordo com o que Jordana tinha dito, foi assim que Cass manteve aquele cristal em particular oculto no mundo humano por tanto tempo.

Mas com a fonte de poder exposta a ele agora, Zael sentia seu calor e vibração como se fizesse parte dele. Em várias maneiras, o cristal era parte dele. Ele e todo o seu povo compartilhavam uma conexão única com todos os cinco cristais que inicialmente pertenciam a Atlântida.

Jenna pausou em frente a Zael e Lucan, segurando a caixa cuidadosamente nas palmas.

— Na primeira vez que toquei nessa coisa, realmente me surpreendi.

Lucan resmungou.

— Isso foi um eufemismo. Os glifos dela enlouqueceram em um caos de cores e o cristal brilhou tão forte quanto o sol no meio de suas mãos.

Zael escutou, admirado dela ter ousado tocar o cristal sem saber o que poderia lhe fazer. Mas pelo que tinha visto de todas as mulheres que faziam parte da Ordem ou da extensão de sua família, Jenna tinha uma coragem rara.

— As visões que tive depois de tocar o cristal foram as mais fortes — explicou Jenna. —

Desde então, andei trabalhando mais com ele me condicionando a aguentar mais tempo cada 42


vez por que ele parece tornar as lembranças mais fortes, mais vívidas em minha mente. Agora eu quase coletei uma descrição completa do dia em que Atlântida foi destruída.

Zael não conseguia esconder o seu assombro.

— Extraordinário trabalho. Sei que não pode ser fácil ver as coisas que vê quando enxerga através dos olhos do Antigo. A Ordem tem muita sorte em ter você.

Ela riu.

— Faça-me um favor e diga isso ao meu compnaheiro. Brock pensa que perdi a cabeça por estar fazendo isso.

— Porque ele a ama — disse Lucan com bom senso. — Ele não gosta de vê-la sofrer, mesmo que seja somente por visões odiosas como as que vem narrando. Se você fosse Gabrielle, eu iria preferir transformar esse pedaço de pedra Atlântida em pó do que deixar que se aproximasse dela.

Zael entendia o sentimento, mas o que Lucan sugeriu era impossível.

— Os cristais não podem ser destruídos. Não por quaisquer meios que você ou eu possamos ter.

Ele baixou os olhos para a caixa de titânio nas mãos de Jenna, admirado por estar vendo um dos cinco cristais de tão perto. Ele o atraía como um farol, como a fonte viva de poder que realmente era.

Por baixo de sua superfície brilhante e prateada, facetas de luz brilhavam lá no fundo do centro do cristal. O zumbido do poder cósmico alcançava dentro dele, despertando suas células como faria com qualquer um de sua espécie.

Ele ouviu o rosnado suspeito de Lucan ao seu lado quando a energia interna do cristal respondeu à proximidade de Zael e começou a pulsar. E dentro do corpo de Zael, ele sentiu o calor do poder do cristal aumentar também.

— O cristal — sussurrou Jenna, os olhos se arregalando. — Tem alguma coisa acontecendo com ele.

— Que porra é essa, Zael?

— Entenderá melhor se eu mostrar.

A expressão de resposta no rosto do enorme Raça era tudo menos certa.

— Confiança — disse Zael. — Eu tenho a sua?

Quando Lucan assentiu de forma hesitante, Zael colocou a mão dentro da caixa e pegou o cristal nas palmas.

— Em proximidade do cristal, a força vital de um Atlante aumenta exponencialmente.

Bem como nosso poder.

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Para demonstrar, Zael virou na direção do vasto cofre do outro lado da sala.

Levantando um dedo, fez com que o bloco volumoso de metal deslizasse pelo chão como se não fosse nada. Ele o parou uma fração de segundo antes que colidisse com a parede oposta.

Jenna ofegou.

— O cofre pesa mais que uma tonelada.

— Com este cristal — disse Zael — se eu quisesse, neste momento poderia derrubar as paredes desta câmara com um movimento de mão.

O olhar de Lucan estava estável e firme de compreensão.

Zael o olhou formalmente.

— Agora imagine um exército Atlante inteiro de posse de um cristal. Eles seriam imbatíveis.

— Por que Selene ainda não liberou este poder sobre nós? — Questionou o líder da Ordem. — Por que não revidar os Antigos imediatamente depois de destruírem Atlântida e obrigá-la a se exilar?

— Porque para usar o cristal para a guerra, ela precisaria removê-lo do seu outro propósito.

— Que seria?

— Proteção — disse Zael. — Os cristais têm muitos usos. Quando havia cinco deles no reino, eles forneciam energia para todas as nossas necessidades. Se necessário, os cristais também poderiam ser utilizados para alimentar armamentos de defesa, embora isso nunca fosse que nosso povo esperava que ocorresse. E, como acabaram de testemunhar, também podem elevar o poder de um indivíduo Atlante.

— Você diz que Selene os usa para proteção — estimulou Lucan.

— Sim. Foram eles que mantiveram Atlântida a salvo por milhares de anos depois que meu povo chegou lá. Os cristais abrigavam Atlântida sob um escudo impenetrável que ocultava a ilha do mundo exterior. O escudo mantinha o reino seguro de qualquer visitante curioso ou ataque.

Jenna arqueou as sobrancelhas.

— Está falando de um campo de força de verdade ao redor de Atlântida?

— Para simplificar seu conceito, sim.

— E então Atlântida perdeu dois dos seus cristais — ela respondeu. — Isso enfraqueceu o campo.

Zael assentiu.

— Selene foi traída pelo seu consorte, um humano. Ele roubou dois dos cristais e os entregou aos seus ancestrais — disse, olhando para Lucan. — Para uma população do 44


tamanho da de Atlântida na época, os três cristais remanescentes não foram suficientes para manter o escudo em seu lugar.

Lucan estudou o cristal que ainda brilhava e pulsava nas mãos de Zael.

— Foi assim que os Antigos conseguiram executar o ataque.

— E depois os usaram para abastecer suas bombas — acrescentou Jenna. — Eu vi isso nas memórias do Antigo. Eles criaram um raio de luz que acendeu a explosão no oceano da costa de Atlântida. Então o tsunami veio e destruiu tudo em seu caminho.

Zael não sabia dos detalhes do ataque dos Antigos ao reino, mas tinha adivinhado algo parecido com o que Jenna descreveu.

O olhar de Lucan voltou para se encontrar com o de Zael.

— E você tem certeza que Selene não arriscará enfraquecer seu escudo agora para usar seu cristal contra alguém?

— Ela seria tola em tentar. E Selene não é tola.

— Espero realmente que esteja certo.

Bem como Zael, embora ele tenha guardado seu pensamento.

Porque se a necessidade de vingança de Selene eventualmente dominasse sua lógica e razão, todos neste planeta estariam condenados.

 

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CAPÍTULO 9

 


Brynne retornou à sua suíte próxima à biblioteca com sua mente rodando por tudo que ficou sabendo durante o café da manhã com Tavia e as outras mulheres.

A investigadora nela tinha ficado fascinada com os fatos da origem incrível de Jordana.

Ela tinha ouvido extasiada em frente a um prato de crepes e frutas frescas enquanto a beldade loiríssima tinha descrito os eventos acerca dos esforços de seu pai para salvar sua filha bebê.

Sem mencionar o poderoso cristal que ele tinha roubado do reino de Atlântida.

Cassianus tinha chegado a extremos para impedir que seus dois tesouros caíssem nas mãos de Selene de novo.

E então havia Zael. Pelo modo que Jordana contou a história, ele também esteve pronto para sacrificar qualquer coisa por sua segurança.

Tão intrigada profissionalmente quanto Brynne tinha ficado com os detalhes a respeito dos Atlantes, de sua perigosa rainha, e dos poderosos cristais no centro de tanto derramamento de sangue e conflito, a mulher em Brynne estava igualmente fascinada com o profundo paradoxo que era Zael.

Ela não podia evitar pensar que talvez o tinha julgado precipitadamente e de forma dura demais.

Esse há muito tempo era um dos seus vários defeitos no que concernia lidar com qualquer pessoa — e não algo que ela achava fácil de mudar. Afinal, tinha descoberto faz bastante tempo que na vida era bem mais fácil se viver em preto e branco. As coisas ou eram certas ou erradas, boas ou más.

As pessoas ao seu redor ou estavam ao seu lado ou contra ela.

Amigo ou inimigo.

Com Zael, seus velhos métodos não pareciam funcionar. Tudo sobre o homem abalava a fundação que tinha construído pra si mesma. Ele também parecia entender isso. Ainda pior, parecia gostar de tirá-la dos eixos, fazendo-a se questionar. Fazendo-a se contorcer.

Deus sabia que isso ele fazia muito bem.

Ela pensava que o tinha decifrado, mas ele continuava provando que estava errada.

Agora que era forçada a olhar para ele sob a luz lisonjeira da afeição e dos elogios de Jordana, Brynne não sabia o que pensar sobre Zael.

Indo para a varanda do seu quarto de hóspedes, esperava encontrar alguns momentos a sós para descansar e tomar um banho. Precisava de um e de uma troca de roupas, que foram generosamente fornecidas por Gabrielle. Uma blusa leve e calça de linho passada com 46


primor aos pés da cama. Brynne passou os dedos pelo tecido, tocada pela prontidão de todos na Ordem em recebê-la.

Isso não significava que queria ficar.

Não significava que poderia. Não por muito tempo.

Não sem deixar que todos vissem o que havia de errado com ela.

Não sem ganhar o medo de todos — e com razão.

Por que mais cedo ou mais tarde, precisaria se alimentar. Não de um café da manhã chique ou de outra comida humana que tinha a sorte de apreciar, apesar da sua genética da Raça. Muito mais cedo que tarde teria que se alimentar de sangue.

Um ato que era tão normal quanto respirar para qualquer membro da Raça era um tormento pra ela. Era uma maldição beber ou não beber, Brynne tinha se acostumado a aguentar o máximo possível, ao menos para adiar a dor... o horror.

A vergonha.

Só esperava que conseguisse aguentar até poder voltar a Londres e continuar com sua vida. Ou melhor, com o que restava dela.

Zael a tinha acusado de ser sozinha e ele tinha razão.

Ele tinha razão sobre muitas coisas no que dizia respeito a ela, e a aterrorizava que ele pudesse enxergá-la tão facilmente quando ela tinha se esforçado a vida inteira para se proteger.

Com as ideias apagadas pela realidade de sua existência, Brynne foi levada para dentro da suíte. A luz do sol passando através das cortinas abertas a atraiu, e cruzando o tapete persa macio foi até a janela onde a propriedade lá fora se estendia em uma explosão de verde vivo e de flores de cores fortes.

Ela tinha se esquecido de como os jardins dali eram. Arbustos cheios de flores e um conjunto de árvores podadas de modo elegante cumprimentavam um labirinto intricado de cerca viva bem cuidada que fluíam de um canto da propriedade a outro. Na parte de trás da mansão, um pátio/terraço enorme dava para caminhos de ladrilhos que levavam de um canto tranquilo a outro da propriedade.

E foi lá que ela o viu.

Zael, de pé no centro do jardim com a cabeça para trás, braços musculosos abertos sob os raios da manhã. Foi quase exatamente assim que o tinha visto na outra manhã aqui no centro de operações da Ordem. No dia em que se conheceram pela primeira vez.

Como da outra vez, Brynne ficou congelada, totalmente paralisada ante a visão dele.

De peito nu, sua pele macia e cabelo dourado com um toque de cobre banhado pela luz do sol, Zael parecia tanto absorver quanto refletir os raios de sol ao ficar ali, concentrado em 47


seu ritual particular. Luz irradiava do incrível contorno do seu corpo, juntando-se com uma intensidade forte nas palmas abertas das mãos viradas para cima.

Ele era de outro mundo... poderoso.

Sexy a ponto de fazer parar o coração.

Ela tentou não ficar olhando, mas era inútil. Contra sua vontade, sentiu aqueles braços fortes em volta dela do jeito que ficaram na pista de dança. Quentes, um abrigo, inesperadamente ternos.

Ainda conseguia sentir o gosto do beijo dele. Prendendo o lábio entre os dentes e as pontas de suas presas emergentes, gemeu com a lembrança da boca dele na sua.

Ela o desejava.

E, talvez, reconheceu de má vontade, estava errada a respeito dele. Depois de ouvir o que tinha feito pelo amigo Cass e por Jordana, Brynne lutava para se prender à sua opinião inicial de Zael.

Na verdade, lutava para não fazer muito mais coisas além de olhar para ele da janela e tentava resistir à vontade de sair para o jardim e se juntar a ele. Se não por outro motivo do que tentar destravar seus chifres e ver se eles poderiam passar a algo diferente de adversários.

Não que eles tinham se sentido algo próximo a adversários naquela pista de dança em Londres.

E não que a batida baixa do seu pulso tivesse algo a ver com fazer as pazes com ele e seguir em frente como se o beijo deles — e a sua vergonhosa proposta — não tivesse acontecido.

Brynne mordeu o lábio em silenciosa indecisão ao observá-lo baixar lentamente os braços. Estava prestes a tomar coragem e correr lá para baixo quando Zael abaixou a cabeça, virando-se para encarar alguém que se aproximava nos jardins.

A respiração de Brynne ficou presa em seus pulmões. A mulher era linda. Ondas de um vermelho fogo balançavam quando ela andava, seu sorriso luminoso mirado totalmente em Zael. Ela levantou a mão para cumprimentá-lo.

Ele a conhecia. Seu sorriso em resposta demonstrava reconhecimento, afeição. O jeito que abriu os braços para ela e a abraçou parecia dizer que Zael sentia algo mais do que uma simples afeição por aquela mulher.

Brynne reflexivamente se afastou da janela, sentindo-se desconfortável e intrusiva.

Sentindo-se magoada.

Ela viu de dentro das sombras de seu quarto quando Zael e a mulher finalmente se soltaram do seu abraço sem pressa alguma e depois começaram uma caminhada vagarosa juntos nos jardins.

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Aparentemente, o Atlante não tinha carência de admiradoras aduladoras dentro da Ordem.

Certamente não precisava de Brynne alimentando seu ego inflado mais do que já tinha.

Com um rolar de olhos pouco impressionado, virou as costas para a janela. Embora tivesse voltado ao quarto para relaxar, sabia que se ficasse ali dentro agora só se sentiria tentada a voltar à janela eventualmente para olhar mais um pouco Zael e sua companheira impressionada.

Ao invés disso, Brynne se demorou tomando um banho e depois vestiu suas roupas limpas. Não podia negar que ainda estava amargurada com a sua reação a Zael e a mulher, mas a espuma e água morna tinham lavado a maior parte da sua indignação.

Esperava que a vasta coleção de livros na biblioteca à frente fosse suficiente para manter sua mente distraída de mais pensamentos sobre Zael pelo resto do dia. Com o cabelo molhado caindo pelas suas costas em ondas soltas, saiu de sua suíte e foi até a sala adjacente.

Com sorte Zael não só já teria terminado de conversar com a sua bela amiga, como também já teria ido embora da sede da Ordem muito antes de Brynne ter que sair do seu santuário confortável no terceiro andar.

Resolvida a ficar onde estava até Tavia ou outra pessoa aparecer para buscá-la, Brynne examinou as estantes detalhadamente. Tudo, de romances contemporâneos e clássicos à história e biografias, livros em outras línguas e poesia enchiam as belas prateleiras de madeira antiga. Ela inspecionou vários títulos diferentes, passando as páginas com preocupado desinteresse.

Perguntando-se quem seria a companheira de Zael e tentando não imaginar quantas outras belas mulheres o Atlante provavelmente tinha comendo na mão.

Sem mencionar outras partes da sua anatomia.

Uma risada de mulher soou em algum lugar perto do fim do corredor. O som morno e feliz fez Brynne levantar a cabeça do décimo ou vigésimo livro que tinha tirado da prateleira e devolvido.

Ela não reconheceu a voz agradável da mulher.

Mas reconheceu a de Zael.

— Gostei do nosso passeio, Dylan. Espero que possamos encontrar tempo para conversar um pouco mais enquanto eu estiver aqui.

Uma emoção afiada e amarga esfaqueou Brynne com a sinceridade que ela ouviu no tom dele.

— Nunca sonhei que teríamos essa oportunidade de nos reencontrar e passar um tempo juntos assim — disse a mulher. — Não posso dizer o quanto isso significa pra mim, Zael.

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— Pra mim também.

Argh, por favor. O ciúme involuntário de Brynne se transformou em alarme um instante depois quando percebeu que o par vinha em sua direção pelo corredor.

Tarde demais para dar uma escapada agora, estava presa onde se encontrava. Ou de frente com a opção ainda menos atraente de tentar atravessar a passagem na frente deles e voltar à sua suíte. Já estavam perto demais para isso, a meros passos da porta aberta da biblioteca.

Ao invés disso, Brynne pegou o livro mais próximo da prateleira e então correu para sentar em uma poltrona alta, aconchegando-se nela como se estivesse lá há horas.

Quase não conseguiu quando viu Zael e a beldade ruiva pararem bem em frente à biblioteca. Ele ao menos tinha vestido a camisa desde que Brynne o viu pela última vez, mas o linho de um branco transparente estava desabotoado pela metade do seu peito bronzeado, as mangas enroladas mostravam seus braços igualmente bronzeados e a tira de couro que circulava seu pulso.

— Aqui está o seu quarto de hóspede — sua acompanhante anunciou quando abriu a porta do outro lado do corredor. — Se precisar de alguma coisa, sabe onde me encontrar.


Com o sorriso e o assentimento de cabeça educado dele, ela ficou nas pontas dos pés e beijou sua bochecha. Ela se virou e começou a andar novamente com os olhos azuis vivos de Zael cheios de carinho nela.

Brynne desviou os olhos, enraizando seu foco no livro que tinha aberto na frente do rosto. Por mais que esperasse — rezasse fervorosamente — que ele não a notasse ali, sabia que não poderia ter tamanha sorte.

— Brynne — ele disse, surpresa em sua voz grossa. — Não sabia que estava aqui.

Obviamente. Ela levantou os olhos do livro como se também não tivesse ciência dele.

— Hum? Desculpe, estava lendo e não prestei atenção. O que disse?

Ele sorriu sabendo que ela mentia. Maldito.

— Eu disse que não sabia que Dylan e eu tínhamos plateia.

Dylan e ele. Ele disse com uma familiaridade que feriu mais do que queria reconhecer.

— Não teve plateia alguma — para demonstrar, ela levantou o livro. — Eu vim para cá para relaxar e ler por um tempo. Se não tivesse me interrompido, poderia nem notar que estava por aqui.

Zael entrou na biblioteca sem ser convidado.

— Um assunto muito cativante, sim?

Ela começou a responder, mas o aroma cítrico e oceânico dele atingiu seus sentidos como uma droga e não conseguiu encontrar a voz. A pele dele irradiava calor que fazia suas bochechas corarem, e sua própria pele parecia muito quente e esticada em seu corpo.

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Ele se inclinou por cima do braço da sua cadeira até o rosto estar quase no mesmo nível do dela. Sua sobrancelha arqueada e sorriso lento mexiam com o seu coração, fizeram sua respiração secar em seus pulmões.

— Bilionários rabujentos e quartos vermelhos de dor? — Zael deu risada. — Eu não teria adivinhado essa sua tara particular, mas tenho que admitir que estou intrigado.

Brynne olhou para capa e sentiu o rosto incendiar. Colocou o livro em uma mesa lateral perto da cadeira e cruzou os braços com força.

— Imagino que tudo o que basta para te intrigar é um pulso vivo e uma vagina.

Ele a encarava sem vergonha alguma.

— Definitivamente é um bom começo.

— Você é inacreditável — bufando de raiva, ela se levantou e caminhou para longe dele.

— Ei. Espere — disse. Ele não a deixou ir muito longe antes de repente vê-lo bem na sua frente, bloqueando seu caminho. Ele franziu a testa. — Era uma piada, Brynne. Não me diga que ainda está irritada comigo por causa da outra noite?

— Não estou irritada. Simplesmente não estou interessada.

— Não? Então por que está agindo como uma enciumada aman... — Ele se afastou, uma expressão de confusão no rosto. — O que acha que viu entre Dylan e eu agora?

— Nada — ela negou e então duplicou a mentira. — Não me importaria nem um pouco com o que acontece com você ou com qualquer uma das mulheres com quem anda. Vim aqui para ler e relaxar. Sozinha. Então, se me der licença, vou achar outro lugar pra fazer isso.

Ela o rodeou, enojada consigo mesma pela raiva amarga que enchia suas veias. Ela deveria ficar feliz por ele estar dirigindo sua atenção para outra mulher. Certamente não tinha coisas bem maiores com as quais se importar em sua vida do que este homem e as coisas que ele...

— Dylan é minha filha.

Os pés de Brynne pararam a dois passos de sua fuga. Devagar, virou para encará-lo outra vez.

— Sua filha?

Isso explicava a intimidade, a afeição que viu nos dois. Isso explicava o carinho óbvio de Zael com a mulher.

Brynne não tinha experiência com laços filiais, nem suas habilidades os reconheciam.

Nunca teve nada perto disso na vida. Seus próprios pais eram prisioneiros de laboratório relutantes forçados a copularem como parte de um doentio experimento. Ela nunca os tinha visto e os dois estavam mortos há muito tempo.

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De acordo com a pesquisa de Brynne, a Companheira de Raça que a gerou nunca tinha escapado do laboratório. E apesar do Antigo que fecundou a ela, Tavia e todo o resto das suas dúzias de meias irmãs eventualmente ter conseguido fugir do seu cativeiro há duas décadas atrás, foi apenas para gerar caos e deixar um rastro de sangue por quilômetros antes de ser morto em um confronto com a Ordem.

Brynne era pouco mais que um coquetel genético de monstro e inocente — uma mistura defeituosa.

— Descobri sobre Dylan quando vim me encontrar com Lucan pela primeira vez —

explicou Zael, sua voz profunda franca e sincera. — Ela acasalou com um dos guerreiros, Rio.

Por mais de vinte anos ela fez parte da família da Ordem, mas até a semana passada eu nem sabia que ela existia.

Como ela se sentia estúpida agora, insignificante, por assumir o pior sobre ele. Mais uma vez. Mas por que não assumiria? Zael parecia ter grande prazer em provocá-la e depois se gabar diante de sua reação.

Mas ele não a estava alfinetando agora. Quando falou seu tom foi solene, guarnecido com algo que inequivocamente parecia arrependimento.

— Conheci a mãe de Dylan há muitos anos na Grécia. Estava de passagem e ela de férias, vinda dos Estados Unidos. Ela também era casada. Não era feliz, mas isso não desculpa a maneira como a assediei. Tivemos um breve affair, depois nos separamos. Eu...

nunca mais a vi.

Um affair com a esposa de alguém não era algo de que ele se orgulhava — isso era certo. Mas Zael não estava lhe contando tudo. O treinamento investigativo de Brynne identificou o desvio da verdade completa. Ela também pensou ter detectado uma nota de vergonha por trás daqueles olhos azuis insondáveis — vergonha que ia além do que ele sentia por seduzir uma mulher casada.

Mas não importava o que ele escondia. Brynne também não tinha revelado a ele todas as vergonhas de sua vida. Não começaria agora.

Lembrando-se de todas as razões de nunca poder baixar a guarda com ninguém, ela se endureceu contra a brandura de seus sentimentos por ele.

— Parabéns por encontrar sua filha. Tenho certeza que deve ser difícil ficar de olho em todos os frutos dos seus casos.

Ele a fitou, claramente chocado. Não podia culpá-lo. Foi um golpe baixo, mas estava desesperada.

Ela se virou para ir até a porta, mas desta vez Zael a agarrou pelo pulso e a puxou de volta para si. Sua força foi um choque. Como também a fúria e a confusão que viu ardendo em seu olhar estreito.

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— O que está fazendo, Brynne? — A voz baixa se tornou um rosnado feroz. — Por que se esforça tanto para afastar as pessoas?

Ela fechou a cara, sentindo o sangue começar a correr. Não sabia se era medo ou fúria fazendo suas veias incendiar. Tudo o que sabia era que estava caminhando em solo perigoso com ele no momento. Caminhava praticamente desde o primeiro instante em que se conheceram.

— Me solte.

Ele não soltou. Lentamente, ele negou com a cabeça.

— Me diga por que luta tanto pra ficar sozinha. Do que tem tanto medo?

— N-nada.

— Nem mesmo de mim?

Ultraje explodiu dentro dela, mas foi pouca coisa comparado ao fogo que lambia suas veias. Ela engoliu saliva.

— Zael, por favor...

Ela odiava que sua negação soasse tão pequena e engasgada. A mão firme em seu braço e o olhar diziam que ele não estava mesmo acreditando.

Pânico bateu dentro de suas costelas como um pássaro preso. Sabia que poderia se soltar dele se tentasse. Também não era uma mera mortal. Tinha que ser igual a ele em termos de força sobrenatural apesar da maior altura e quantidade de músculos dele. E

enquanto realmente não achasse que ele se recusaria a soltá-la, não conseguia reunir a determinação para testá-lo.

— Quando foi a última vez que deixou um homem te abraçar? — ele questionou com suavidade. — Há quanto tempo não deixa um homem fazer amor com você?

— Nada disso é da sua conta.

— Errado — a boca dele se curvou, mas aquele sorriso não era nada amigável. Era masculino e carnal, e enviou um calor líquido por todas as fibras de seu ser. — Você tornou da minha conta ontem à noite, Brynne. Me beijou como se precisasse mais do meu beijo do que de respirar.

Ela zombou.

— Eu estava bêbada, lembra?

— Não está agora e acho que quer o mesmo tanto quanto ontem. Você me deseja.

Deseja isso, mas é muito cabeça dura ou está muito assustada para admitir.

— Você é louco.

— Sou?

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Soltando seu pulso para capturar seu rosto gentilmente nas mãos, ele se aproximou mais dela. Seus corpos roçaram. O dele firme e exigente. O dela suave e complacente, derretendo sob o calor dele.

Brynne abriu os lábios para dizer algo — ela não sabia o que exatamente — nem teve a chance.

— Oh — uma voz de mulher falou atrás deles no vão da porta. — Oh, merda! Sinto muito.

Carys se virou, dando-lhes as costas como se tivesse acabado de pegá-los nus.

Brynne fez uma careta. Se ela tivesse chegado alguns segundos depois, quem sabe o que Carys poderia ter visto. Quem sabe até onde Brynne poderia ter chegado a ficar tentada a deixar Zael fazer o que quisesse.

Saindo abruptamente dos braços dele, alisou a frente da blusa se sentindo totalmente desconfortável.

— Tudo bem, Carys. Estávamos só... conversando.

Tentou ignorar o rosnado desaprovador de Zael quando caminhou até a porta aberta e trouxe Carys para dentro.

— Por favor, me perdoem por interromper desse modo — a jovem Raça disse. Seu desconforto ia além da humilhação. Havia algo perturbador na linha de sua boca. E seu rosto parecia mais pálido que o normal, chocado. — Minha mãe me mandou atrás de vocês dois.

Houve outro ataque.

O estômago de Brynne apertou.

— Em Londres?

— Não. Bem aqui em D.C — Carys engoliu saliva com dificuldade. — O prédio do Conselho Global de Nações foi atacado em plena luz do dia.

— Não foi outra explosão — disse Zael. — Teríamos ouvido. Próximo assim do centro do governo, teríamos sentido.

— Não, nada do tipo — Carys sacudiu a cabeça seriamente. — Assassinos abriram fogo dentro do edifício alguns minutos atrás. Todos os membros do alto escalão presentes lá hoje foram mortos.

 


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CAPÍTULO 10

 


Embora tivesse havido pouco questionamento sobre quem foi o responsável pela carnificina que ocorreu no escritório do Conselho Global das Nações, ainda foi um choque ver a reivindicação insolente pela autoria da Opus Nostrum espalhada pela internet e pelas mídias sociais poucos momentos depois do ataque acontecer. Não satisfeitos de simplesmente darem uma declaração após o fato, as alegações ostensivas da Opus foram acompanhadas de imagens ao vivo de bodycams feitas pelos criminosos enquanto as mortes ocorriam.

Lucan já tinha visto as imagens uma vez, mas isso não fazia seu sangue ferver menos ao assistir novamente com a Ordem e todos presentes no complexo em D.C.

Atuando em conjunto, três homens fazendo-se passar por seguranças do CGN tinham deixado seus postos abruptamente e detonado toda uma ala do escritório repleta de membros de alto escalão do conselho e diplomatas antes de se matarem. Cada segundo terrível tinha sido capturado em vídeo e transmitido pela internet.

As vítimas do ataque eram todas humanas, representantes de todo o mundo. Muitos dos homens e mulheres eram colegas que Lucan conhecia pessoalmente em seu papel como detentor de uma cadeira no CGN.

Todos executados a sangue frio pelas mãos da Opus e dos seus seguidores.

— Primeiro a JUSTIS, agora o CGN — disse Gabrielle baixinho ao lado de Lucan. Havia medo em sua voz e no laço de sangue que o conectava a ela. — A Ordem será a próxima na lista da Opus?

Lucan acariciou gentilmente o rosto preocupado dela.

— Não se engane, esses dois ataques foram golpes contra a Ordem — ele encontrou os olhares sérios dos seus companheiros guerreiros. — Opus não nos atacou diretamente e não querem fazê-lo. Tentaram isso no conselho de paz do CGN e falharam, o que lhes custou seu líder quando matamos Reginald Crowe.

Sterling Chase assentiu.

— Toda vez que bateram de frente conosco, nós o frustramos, enfraquecemos sua base.

— A Opus não precisa se arriscar a nos enfrentar em um conflito real — disse Lucan. —

O que eles querem é caos. Querem medo e desconfiança entre Raça e homens.

— Com que finalidade?

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Lucan se virou para ver Brynne de pé atrás dele ao lado de Zael. As bochechas da ex-investigadora da JUSTIS estavam coradas, embora não estivesse certo se em reação ao ataque sangrento que passava nos monitores ou por alguma outra causa.

— Vimos que a Opus possui tanto membros Raça quanto humanos — ela disse. —

Como podem fazer isso? Por que se unirem ao propósito de matar pessoas inocentes de ambas as raças?

— Para lucrar com o conflito — murmurou Zael. — Sempre há fortunas a serem feitas na guerra, independente de que lado você esteja. Infelizmente, a paz é um negócio bem menos lucrativo.

O Atlante estava certo. E a não ser que a Ordem encontrasse um modo de colocar uma tampa no pânico antes que isso saísse ainda mais de controle, a Opus poderia muito bem ter êxito.

Lucan soltou palavrões enquanto mais vídeos de civis gritando e funcionários apavorados dentro do prédio do CGN enchiam os monitores. Os agressores estavam mortos, mas o pânico ainda estava em ponto de ebulição.

— Estou indo para o centro do governo — disse ele dando as costas às imagens de carnificina e terror.

Gabrielle segurou ansiosamente sua mão.

— Está no meio do dia.

Ele não gostava exatamente da ideia de executar uma tarefa à luz do dia também, já que sem o equipamento apropriado, sua pele de Gen Um da Raça com aversão solar começaria a fritar em menos de dez minutos. Mas isso precisava ser feito.

Opus atacou numa hora do dia que praticamente garantia pouco a nenhum risco de interferência da Ordem. Como o oficial de maior escalão no CGN e líder da Ordem, Lucan jamais ficaria sentado esperando que o sol se pusesse antes de confrontar a carnificina e tomar o controle da situação.

— Vou preparar as vestes UV para nós dois — disse Dante, hesitação zero.

Chase e Tegan falaram em seguida, e logo toda a companhia de guerreiros — novos e antigos — se voluntariou para a patrulha. Dava a Lucan um grande orgulho ver a profundidade do comprometimento e da coragem nos rostos que olhavam pra ele buscando liderança.

Só esperava não decepcionar nenhum deles.

Lucan assentiu para sua equipe.

— Dante e Chase, preparem as vestimentas. Tegan e eu pegaremos as armas e abasteceremos o veículo. Brock e Kade, vocês também vão se vestir — ele olhou para os outros guerreiros. — Preciso que o resto de vocês fique aqui. Hunter, você está no comando.

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Mesmo que não esperemos um ataque direto da Opus, isso não significa que eu queira arriscar deixar nossa base com poucos homens.

O estoico guerreiro uma vez foi um assassino frio. Se Lucan confiava em alguém para se colocar entre o perigo e as pessoas que amava, não poderia encontrar um guardião melhor que Hunter.

— E quanto à pista que descobri na Irlanda? — perguntou Gideon.

Lucan passou uma mão pela cabeça.

— Merda. Não quero que ela esfrie, mas temos vários fogos pra apagar por aqui.

— Que pista? — perguntou Brynne.

Gideon explicou.

— Pouco antes da situação de hoje, consegui quebrar a primeira camada de criptografia da rede protegida da Opus. Segui instintivamente para dentro de uma toca de coelho e encontrei um nome, um com o qual ainda não nos deparamos.

— Fala de um membro da Opus?

— Possivelmente. Também é possível que seja a mulher que Crowe andou visitando frequentemente nos últimos anos.

Aric Chase soltou uma gargalhada.

— Quer dizer, sua renomada amante? Se esta mulher tiver menos de trinta, for descerebrada e cheia de silicone, as possibilidades de que Crowe a estivesse comendo são bem elevadas.

— Não temos uma descrição física — disse Gideon — também não temos histórico de trabalho, impostos, nada. Tudo o que temos é um nome registrado em um endereço IP, que depois pesquisei mais um pouco invadindo várias camadas dos registros das companhias ligadas ao provedor. Uma peneirada maior nas bases de dados em arquivos de log e consegui a pista de uma localização em Finglas, condado de Dublin.

Rafe, o filho de Dante e Tess, sorriu.

— Qualquer um com péssimo gosto pra passar tempo com aquele Atlante desprezível é suspeito pra mim. — Rafe olhou para Zael. — Sem querer ofender.

Zael arqueou uma sobrancelha.

— Você tem razão. Crowe era desprezível. Qual o nome dessa mulher?

— Iona Lynch — respondeu Gideon. — Alguma conexão que você saiba com a sua gente?

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— Nenhuma que eu tenha ciência. Crowe pode ter sido Atlante, mas saiu do reino há muito tempo. O que ele fez e com quem se associou desde então é desconhecido.

— Também nunca ouvi o nome — disse Brynne. — Se eu conseguisse acesso aos meus antigos registros da JUSTIS, eu poderia conseguir...

— Já fiz isso — o sorriso de Gideon era um pouco tímido, mas na maior parte convencido. — Tenho as mãos embaixo da saia da JUSTIS há um bom tempo. Qualquer coisa em sua base de dados global ou nos servidores protegidos também é nossa. Eles não têm nada sobre essa mulher. Ninguém tem.

— A não ser nós — disse Rafe. O guerreiro tinha a aparência da mãe loira, mas a tenacidade sombria do pai. — Se esta mulher tem algo a ver com Crowe, ela pode ser a única pessoa que temos que pode nos ajudar a desmascarar outros membros da Opus.

Dante concordou com o filho.

— E se Iona Lynch faz parte da Opus, então precisamos pôr as mãos nela pra ontem.

Com certeza não vamos querer outra situação como a que aconteceu com aquele advogado irlandês, Hayden Ivers.

Os homens estavam certos. E Lucan ainda estava remoendo a Ordem quase ter pegado Ivers. Eles já tinham um time na casa do homem cercando o bastardo quando Ivers tomou um veneno e incendiou a casa para evitar a captura.

Mathias Rowan olhou na direção de Lucan.

— Devo pôr meu time londrino nisso?

— Não. Você já está com poucos homens, entre o pânico efeito colateral do ataque à JUSTIS e agora com o do CGN. Preciso de você e sua equipe garantindo a segurança dos membros do conselho que estão por lá, Mathias.

O comandante de Londres assentiu.

— Nova e eu estaremos prontos para retornar a qualquer momento.

— Em uma hora o jato estará disponível para vocês — disse Lucan. Ele olhou para os rostos preocupados do resto da Ordem. — Precisamos ser vigilantes em outras cidades também. Os comandantes devem voltar às nossas bases o mais breve possível e se preparar para o pior.

— Pior do que o que aconteceu nesses dois dias? — perguntou Aric Chase.

— Tudo sempre pode piorar, filho — a resposta macabra de Sterling Chase ecoava o que Lucan e os outros guerreiros com certeza estavam pensando.

Aric era novo no negócio da guerra, e embora fosse fatalmente tão habilidoso quanto qualquer outro membro da Ordem, mal havia sido testado. Não poderia se esperar que ele 58


entendesse o que Lucan e os outros guerreiros aprenderam durante séculos de derramamento de sangue e morte.

Eles tinham participado de muitas batalhas com muitos inimigos para cometerem o erro de acreditar que qualquer crise não poderia ficar pior.

Tudo sempre poderia e geralmente piorava mais do que se esperava.

A única coisa que se podia fazer era rezar para que você derrotasse o monstro antes que ele o derrotasse.

— Rafe e Aric — disse Lucan, seus pensamentos retornando ao outro problema que eles não podiam se dar o luxo de ignorar. — Precisamos de uma equipe invisível pra localizar essa mulher Lynch na Irlanda e prendê-la para interrogatório. Vocês dois podem se preparar para partirem junto com Mathias e Nova hoje à noite?

Os dois guerreiros trocaram olhares ávidos.

— Mas é claro — disse Rafe. — Vamos pegar a vadia.


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CAPÍTULO 11

 

 


Depois que os guerreiros saíram para cumprir as ordens de Lucan, Zael se encontrou puxado para uma conversa com Dylan e Jenna. Por mais que quisesse dar às duas toda sua atenção, havia outra mulher que atualmente o distraía.

Não ajudava que ela não estivesse presente.

Brynne tinha saído assim que a reunião acabou. Saiu tão abruptamente como se seu cabelo estivesse pegando fogo, pra ser mais preciso. Sem explicação. Nem sequer um olhar em sua direção antes de sair da sala e não retornar.

Tinha algo errado?

Onde inferno estava ela?

Finalmente não conseguiu mais ficar sem respostas. Com desculpas vagamente murmuradas, saiu da sala e seguiu pelo corredor em um passo determinado. Talvez ela estivesse com Tavia e as outras mulheres. Por outro lado, a teimosa investigadora Brynne poderia muito bem estar no centro de tecnologia com Gideon, persuadindo-o a informá-la de toda a inteligência que ele já possuía sobre a Opus.

— Se está procurando por Brynne, ela não está aqui — Carys saiu de outra sala mais à frente do corredor, acompanhada por um macho da Raça de cabelo escuro e aparência dura.

O imenso vampiro segurava a mão dela possessivamente e ainda assim com ternura, não deixando dúvidas de que era Rune, o lutador pesadelo que ela recentemente tomou como companheiro.

— Viu em que direção ela foi? — Zael nem tentou se desviar da verdade. Não adiantaria muito com Carys de qualquer maneira, considerando o que ela flagrou há pouco tempo.

Mais precisamente, o que ela quase tinha flagrado.

Ela apontou para o elevador que ia para as áreas residenciais de cima.

— Obrigado, Carys.

— Boa sorte — ela disse às suas costas com uma risadinha enquanto ele praticamente correu naquela direção.

Zael não se incomodou em esperar pelo elevador. Usando o pequeno pedaço de cristal na tira em seu pulso, fechou os olhos e imaginou o corredor do terceiro andar. Luz brilhou por trás de suas pálpebras fechadas.

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Quando as abriu um segundo depois, estava de pé em frente à suíte de Brynne. Ele bateu na porta e esperou.

E esperou um pouquinho mais...

— Brynne? — bateu mais forte agora, sua audição sobrenatural captando sons de movimentos quietos lá dentro. Ele tentou a maçaneta e praguejou quando viu que estava trancada. — Brynne, está tudo bem? Abra.

— Vá embora, Zael.

Sua preocupação com o bem estar dela amansou um pouco quando registrou a nota de irritação em sua voz.

— Abra a porta e me diga isso. Fale comigo.

— Não quero falar com você. Estou indo embora. Vou voltar para Londres.

Até parece. Zael girou levemente a maçaneta e a tranca se abriu.

Brynne ofegou quando levantou os olhos no meio de sua caminhada pelo quarto e o viu entrar sem ser convidado. Sua expressão de ultraje se transformou em fúria quando ele fechou a porta atrás de si.

— Como se atreve! Como você...

Ele ergueu o pulso, o que tinha o bracelete Atlante.

— Sua espécie não é a única com habilidades especiais.

— O que quer, Zael? — Ela enrugou a testa, cruzando os braços como uma militar. — E

que porra acha que está fazendo invadindo a minha privacidade desse jeito?

No momento, a única coisa que ele fazia era olhar para ela de queixo caído e instantaneamente excitado. Ela estava na sua frente meio vestida só com aquela camisa branca de botões que tinha usado naquela noite em Londres. Suas pernas compridas estavam nuas, expondo os delicados redemoinhos e floreios dos seus dermaglifos de Raça que desciam pelas suas pernas esbeltas. Os caules sedosos daqueles lindos, femininos glifos pareciam não ter começo nem fim.

Debaixo da blusa solta, captou um vislumbre tentador de uma calcinha preta e mais daquela pele cremosa. Deus, ela era linda. Exótica e forte e perfeitamente mulher.

Também estava visivelmente irada. Com ele?

— O que está havendo aqui, Brynne?

Ela ficou onde estava olhando para ele com raiva.

— Não é óbvio? Estou me vestindo.

Em sua opinião, parecia que ela estava se despindo. E havia certas partes de sua anatomia que aprovavam a ideia com muito entusiasmo.

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— Você disse que iria embora.

— Sim. Tenho que voltar para Londres. Lá é o meu lugar — ela se virou e começou a abotoar o resto dos botões da camisa enquanto andava até a cama. A calça azul marinho que ela tinha usado na outra noite estava dobrada ali. Seus sapatos e bolsa também estavam por perto. — Pretendo estar naquele avião com Mathias Rowan e os outros hoje.

Zael enrugou a testa com a declaração.

— Não acha que devíamos conversar?

— Sobre o que?

Ela falava sério? Ele nem sabia por onde começar.

— Sobre esse novo ataque da Opus. Sobre onde eu e você entramos na equação com a Ordem. Com toda certeza precisamos conversar sobre o que está acontecendo entre nós.

— Nada está acontecendo entre nós, Zael — palavras ásperas, entregues com uma chama âmbar em seus olhos verdes escuros quando o olhou com dureza por cima do ombro.

— Quanto ao resto, você ouviu Lucan e os outros guerreiros ainda agora. Viu o que está havendo ao nosso redor. O mundo inteiro está indo pro inferno neste momento.

— Sim — ele concordou. — E vai para lá independentemente do que aconteceu entre você e eu.

Ela ridicularizou.

— Diz qualquer coisa para conseguir o que quer, não é? É assim que todos os homens da sua espécie funcionam? Acho que isso explica toda a prole sem pai que você e o resto dos seus irmãos Atlantes deixam ao redor do mundo.

A mandíbula de Zael endureceu com a alfinetada. Não era completamente sem mérito, mas ele também a via pelo que era. Um golpe de defesa com a intenção de afastá-lo.

Ela virou as costas a ele outra vez como se tivesse encerrado a conversa e terminado com ele. Talvez aquele gelo tivesse sido suficiente para afastar todos os outros homens que tentaram se aproximar de Brynne, mas ele não.

Ele viu o desejo em seus olhos quando eles quase se beijaram hoje. Tinha sentido ela amolecer em seus braços naquele momento, não apenas resignada à vontade que ambos sentiam, mas consumida por ela com a mesma intensidade dele.

Ela estremeceu quando ele veio por trás e colocou as mãos em seus ombros. Enrijeceu sob seu toque, mas ele podia sentir a batida forte em sua pulsação, e o ritmo repentino e veloz de sua respiração.

— Se está tão determinada a fugir, ao menos seja sincera. Está fugindo de mim.

— Tenho certeza que é o que você gostaria de pensar.

— Não, Brynne. Não quero que você fuja de mim — ele soltou um palavrão baixinho e a virou para encará-lo. Sua boca estava fechada em uma linha firme, mas os olhos brilhantes 62


suavizaram quando ele a tocou. — Eu deveria ficar feliz por você querer fugir de mim, disso.

Deveria querer tanto quanto você parece decidida a ir embora.

Para seu assombro, ela tremeu quando os segundos passaram entre os dois. A ousada, desafiadora e cabeça dura Brynne o olhava com um medo silencioso. Ela lambeu os lábios e ele avistou as pontas brancas afiadas de suas presas.

— Eu te disse mais cedo que não queria ter nada a ver com você, Zael — desespero vazava de sua voz. — Por que não consegue aceitar isso? Por que não consegue me deixar em paz?

— Por que toda vez que te olho vejo o mesmo desejo que me queima por dentro em seus olhos.

Ele levantou a mão para acariciar a maciez de sua bochecha. O rosto dela rosa quando ele passou o polegar por seus lábios abertos fazia com que parecesse tão frágil, quase inocente. A cor se espalhou para baixo, junto à delicada coluna de sua garganta, depois pelo decote aberto no colarinho e no belo contorno de seus seios.

Sim, Brynne Kirkland era casca grossa e teimosa. Sim, ela era uma criatura letal e poderosa, nascida de uma raça que a sua há muito tempo desprezava e temia. Mas por baixo da sua pele coberta de dermaglifos, ela era uma mulher. Uma mulher que ansiava pelo toque de um homem.

Pelo toque dele.

— Desejar você é a última coisa que eu deveria fazer, Brynne. Mas não vou ficar aqui e mentir pra você fingindo que não há nada entre nós — ele pegou seu rosto entre as palmas. —

Não vou ficar aqui e deixar que minta sobre isso também.

— Zael — ela gemeu no instante em que suas bocas se encontraram. As mãos dela tocaram seus ombros, mas não foi para empurrá-lo. Quando ele aprofundou o beijo, os dedos de Brynne apertaram sua camisa folgada de linho. Ela se agarrou a ele, o corpo dizendo-lhe tudo que as palavras não conseguiam.

Ele rosnou baixo e de uma maneira possessiva em sua boca quando empurrou a língua na dela. Sua respiração era quente e pesada. As pontas de suas presas arranhavam os lábios dele enquanto a reivindicava faminto, exigindo que se entregasse. E ela se entregou.

Puta merda, como se entregou.

Aquele beijo que lhes foi negado há pouco tempo só fez o calor aumentar ainda mais agora.

Com as bocas unidas em uma necessidade inegável, Zael passou as mãos pelos braços dela e então traçou com os dedos a lateral de seu corpo. Ela estremeceu quando ele deslizou a palma debaixo de sua blusa na pele macia e nua do seu torso.

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As linhas intricadas dos glifos dela latejavam sob as pontas dos seus dedos, quentes e pulsantes. Vivas e de outro mundo. Seus desenhos criavam um mapa tentador e táctil pela sua barriga e costelas — um que ele ansiava seguir com a língua.

Queria desnudar e devorar cada pedacinho doce do seu corpo.

Mas primeiro queria ouvi-la dizer as palavras.

— Agora me diga que não há algo acontecendo entre nós — ele disse com voz rouca contra seus lábios inchados pelo beijo.

Ao falar, Zael a rodeou com o braço para soltar rapidamente o sutiã. A peça de renda com bojo caiu, expondo seus seios nus em suas mãos. Ela suspirou profundamente quando ele a acariciou. Gemeu agudamente quando ele rolou os bicos rijos entre os dedos.

— Diga que não vem desejando isso tanto quanto eu, Brynne.

O ofego prazeroso dela saiu de sua garganta sem resistência, mas não era bom o suficiente.

Empurrando a camisa e o sutiã do caminho, baixou a cabeça e puxou um daqueles mamilos rosados na boca. Cada chupada de língua e lábios fazia as cores dos dermaglifos dela intensificarem, seus desenhos se mexendo e transformando em resposta ao seu desejo cada vez mais elevado. Brynne arqueou as costas enquanto ele a chupava e lambia. Com a coluna curvada, ela meteu os dedos em seu cabelo, as pernas tremendo sem suportar o próprio peso.

O cheiro de excitação encheu suas narinas. Picante e doce. Etérea e ousada. Como terra e céu combinados.

Maldição, ela era adorável. Altamente sexy. Embora tenha ido pra cama com várias mulheres no decorrer de sua vida, nunca esteve com uma que era Raça. Nunca imaginou que pudesse desejar mulher alguma do modo que desejava Brynne.

A parte cínica dele tentou dispensar esta necessidade que sentia por Brynne como nada além de novidade sexual, só sua libido desejando uma nova diversão. Mas se esse fosse o caso, jamais a teria rechaçado em Londres. Recusá-la tinha sido uma das coisas mais difíceis que já fez. E não estava prestes a deixar que ela agisse como se ele estivesse sozinho naquele tormento.

— Diga que me quer, Brynne. Diga o que me falou naquela noite na pista de dança.

Agora, quando não há uísque para te esconder. Nada além de você e eu, e a verdade entre nós.

Ele passou a mão por todo seu corpo até a abertura no meio de suas coxas. O pedaço minúsculo de renda negra que cobria seu sexo estava ensopado e muito quente contra os dedos de Zael, e ele grunhiu com a necessidade de tocá-la, de prová-la... de deixar uma marca em todos os seus sentidos.

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Ele cobriu seu monte com a mão, um dedo deslizando debaixo da calcinha até o calor sedoso de duas dobras nuas. Seu sexo estava melado e intumescido, os sucos cobrindo seus dedos quando ele acariciou as dobras inchadas e o broto enrijecido de seu clitóris.

— Me diga agora — disse — quando não pode voltar atrás depois nem me dizer que sou louco por achar que você também sente essa necessidade.

Ela choramingou, um tremor a acometendo enquanto ele acariciava sua carne acetinada molhada. Ele provocou a entrada apertada de seu sexo parando pouco antes de penetrar, apesar de suas coxas apertarem sua mão com força em uma exigência muda.

Ele queria ouvi-la admitir a verdade em voz alta de uma vez por todas.

— Diga, Brynne. Diga que não vem desejando me sentir dentro de você desde o momento que nos vimos ali do lado de fora, naquele terraço semana passada.

Ela fez um som angustiado e ele levantou os olhos para encontrar os seus ardendo com um âmbar feroz, suas pupilas da Raça estreitas. Suas presas brilhavam debaixo da linha carnuda do seu lábio superior.

Ela era linda em circunstâncias normais, mas assim era extraordinária e primitiva, tão intensamente sexy que desafiava qualquer descrição.

Olhando-o nos olhos, Brynne lambeu os lábios e a verdade escapou dela em uma única palavra.

— Sim.

 

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CAPÍTULO 12

 


Tudo que ele tinha dito era verdade.

Ela estava tentando fugir. Dele, do que a fazia sentir.

Do que a fazia querer.

Depois de testemunhar o último ataque da Opus Nostrum, uma onda de pânico a tinha dominado. Ela não tinha conseguido sair daquela sala de reunião rápido o bastante. O mundo estava em chamas sob o cerco de tantos novos ataques terroristas. Ela tinha assistido a filmagem e se sentiu inundada de vergonha que seu maior problema pessoal fosse uma atração não desejada por um homem que não poderia querer e que provavelmente só partiria seu coração.

Correu porque tinha percebido que precisava colocar suas prioridades em ordem —

algo que parecia incapaz de fazer sempre que Zael estava por perto.

Não era porque sentia que não havia nada entre eles.

Era porque, cedo ou tarde, sabia que seria incapaz de negá-lo.

E agora que sua confissão tinha deixado seus lábios, não havia como voltar atrás.

Ela o desejava.

Ela o desejou na outra noite também.

— Não foi o uísque — murmurou agora, cativada com o olhar faminto dele ao segurá-la perto, os dedos acariciando seu sexo em um movimento delicioso. Sua respiração estava rápida de desejo, cada extremidade nervosa em seu corpo se acendia de desejo por aquele homem. Ela sacudiu a cabeça, fazendo com que suas ondas cor de zibelina corressem por seus ombros. — Quando eu disse que queria ficar com você ontem em Londres... que queria que me levasse para casa e para a cama... Zael, não foi por que eu bebi. Era a verdade.

Sua resposta baixa era menos uma palavra que um rosnado masculino de satisfação.

De triunfo.

Tomando sua boca em mais um beijo ardente, ele começou a abrir os botões de sua camisa. Quando tirou os lábios dos seus, sua respiração estava difícil, seus olhos azuis escuros de desejo.

— Tem alguma ideia do quanto foi difícil dizer não ontem? — Ele sorriu, mas era um sorriso faminto. — Eu queria arrancar esses botões com os dentes naquela pista de dança.

Com isso, ele tirou a sua blusa, depois deslizou o sutiã por seus braços. Brynne viu o olhar dele absorver seus glifos. Sendo uma coisa ainda mais pura que o Gen Um, as marcas 66


em sua pele arqueavam e se enroscavam por todo seu torso e membros. Floreios menores dançavam nas laterais abaixo de seus seios e em volta de seus mamilos eretos.

Normalmente, os glifos eram só um tom mais escuro que a sua própria pele, mas com a intensidade de seu desejo por Zael agora, estavam nadando em várias tonalidades de índigo escuro, vinho e dourado queimado. Ele traçou alguns deles com os dedos, depois abaixou a cabeça para seguir a linha espiralada de um com a língua.

Ela sibilou com a sensação. A trilha morna e molhada parecia fogo em sua pele. Seu toque também a inflamava. Acariciando seus seios, ele ergueu a boca outra vez até a sua e capturou seu lábio inferior entre os dentes. Brynne gemeu, prazer a invadindo quando sentiu a língua dele acariciar as pontas letais de suas presas.

Era uma coisa bem ousada de se fazer — não só por ela ser Raça, mas por que ele não tinha ideia do quão aguda sua fome realmente era.

Ela não se alimentava há uma semana. Isso era como patinar em gelo fino no seu cotidiano, mas agora, com a necessidade sexual também a dominando, estava andando em um campo minado.

Zael não era Raça, mas também não era humano. Nathan e Jordana já tinham provado que um laço de sangue entre um Raça e um Atlante era possível. A última coisa que Brynne queria era se acorrentar a alguém em um laço que jamais poderia ser rompido — e quando esse alguém era Zael, pior ainda.

Especialmente por que ele vê-la se alimentar exibiria o segredo terrível que ela guardava.

Ela se afastou com um rosnado, tirando a boca da dele.

Zael deve ter visto a tristeza em seus olhos. Ele viu seu tormento, mas deve ter confundido com dúvida. Dúvida pelo que queria. Dúvida pelo que sentia por ele.

Franzindo a testa, ele sacudiu a cabeça com força e deu um passo atrás.

— Se vai dizer não, Brynne, diga agora. — Sua voz rouca disse, tão crua e no limite quanto ela se sentia. — Por que se me deixar ir mais além...

Ela não queria lhe dar a chance de terminar. Antes dele poder pensar por mais um segundo que ela queria outra coisa que não fosse o prazer que lhe dava, Brynne fechou a pequena distância entre eles. Zael a segurou nos braços e suas bocas colidiram em um beijo que apagou todas as palavras, dúvidas e fingimentos.

Ela o queria com tanta intensidade que mal conseguia suportar. E precisava dele dentro de si.

Seus dedos entraram nos cabelos sedosos dele, ela andou para trás em direção à cama e o derrubou em cima do colchão com ela. Não era uma sedutora — longe disso — mas com Zael se sentia poderosa, sexy... mais desejada do que nunca.

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Desejada por um imortal cuja raça havia desprezado os ancestrais da sua por milhares de anos.

Ela e Zael não poderiam ser mais diferentes. Ele era fruto da luz e ela procriada por uma terrível escuridão. Mas nada disso importava quando Zael acariciava seus seios nus e a beijava como se não conseguisse se satisfazer.

Seu desejo por ela não ardia em sua íris como o dela fazia. Sua pele macia e bronzeada não fervia com dermaglifos coloridos que traíam a profundidade de sua necessidade por ela. Quando a boca dele lambia e chupava a sua, ela não sentia a abrasão afiada de presas.

Mas Zael era formidável em seu desejo. Seu corpo grande e musculoso a pressionava no colchão. Os dedos deslizaram dentro de sua calcinha como se ele já fosse o dono de cada centímetro seu. As carícias eram possessivas, impiedosas. O gemido grosso vibrou em sua boca quando ele penetrou sua fenda lubrificada para girar o polegar em um clitóris dolorido num ritmo provocador que a deixou maluca.

Brynne arqueou a coluna e esfregou sem vergonha, sem defesa, contra o prazer perverso do toque dele em sua carne sensível. Não conseguiu conter o grito estrangulado quando o tesão começou a se intensificar em seu âmago.

— Você gosta disso — disse Zael. Não era uma pergunta, mas uma declaração feita com confiança. — Diga que não quer que eu pare, Brynne.

— Não pare. — As palavras vazaram dela em uma respiração entrecortada entre beijos.

Fazia muito tempo que não sentia o toque de um homem. E nunca com o mesmo tesão com o qual sentia o toque daquele homem. — Por favor, Zael... Não pare.

Ele falou um palavrão entre os dentes contra sua boca e tirou sua calcinha de um puxão. O ar frio passou pors suas dobras molhadas, só para ser substituído pela boca de Zael um momento depois quando ele deslizou para baixo e enterrou o rosto entre suas coxas abertas.

Ela não tinha mais palavras agora. Só ofegos sem fôlego e sons crus e carnais que deveriam envergonhá-la, mas que só amplificavam a intensidade de seu desejo.

Não havia mais provocação no toque dele, nem no beijo.

Com longas carícias da língua e dedos habilidosos, ele não pediu que se entregasse —

exigiu. Que Deus a ajudasse, mas tinha que admitir aqui e agora que essa parte devassa sua sempre existiu.

Contorcendo-se e levantando o quadril da cama, ela apertou a colcha quando Zael chupou seu clitóris. Prazer inundou todas as células de seu corpo deixando seus sentidos loucos, em um frisson cada vez maior. Ela estremeceu quando a primeira onda de orgasmo irrompeu dentro dela.

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Brilhante e irregular, seu clímax a rasgou ao meio como um raio. Ela não conseguiu parar, não conseguiu conter o grito forte com o nome de Zael quando arqueou no colchão com a intensidade de seu orgasmo.

Suas mãos o procuraram cegamente, segurando seu cabelo quando ele se recusou a lhe mostrar qualquer piedade. Sua boca e língua se moviam por sua carne estremecida com implacável propósito, enquanto os dedos invadiam o interior necessitado de seu corpo.

— Você é linda — murmurou ele levantando os olhos, e a pegou observando-o entra as pernas abertas. — Nunca vi nada tão lindo quanto você, Brynne.

Seu elogio a aqueceu por dentro, mesmo que ela não acreditasse.

Ssabia como sua aparência estaria. Seus olhos queimando como carvões em brasa, pupilas tão finas quanto as de um gato. Seus glifos estavam vívidos de cor agora, pulsando como rios de tinta mutável e de outro mundo por sua pele. E a cada sopro de ar que saía desesperado, sabia que não havia como esconder as pontas brancas de suas presas.

Totalmente estendidas agora, elas enchiam sua boca, as pontas afiadas se afundando em sua língua.

— Linda — ele disse outra vez. como se soubesse que ela duvidava.

E talvez para provar — pra ela ou pra si mesmo, ela não sabia — Zael se levantou das pernas abertas dela e lentamente tirou a roupa.

Ela o tinha visto seminu mais de uma vez, o suficiente para se preparar para o esplendor nu dos seus ombros largos e os músculos esculpidos de seu peitoral e abdômen.

Mas ele ainda tirou seu fôlego quando se levantou ao seu lado na cama, a pele dourada parecendo tão macia e suave quanto veludo por cima dos músculos firmes e sem gordura de seu corpo.

Seu pau era grande e ereto, uma lança grossa de carne dura. A visão dele completamente excitado fez seu sangue pulsar forte nas veias. Fez sua boca se encher de água na vontade de prová-lo.

Para ela, Zael sempre parecia algo levemente mais que humano. Mera genética mortal não poderia produzir suas feições divinamente esculpidas e os olhos azuis da cor do céu, nem a juba dourada com fios acobreados que coroava seu belíssimo rosto. Homens humanos poderiam passar as vidas inteiras na academia e nunca sairiam com aqueles músculos impecáveis que envolviam cada centímetro do físico poderoso de Zael.

— Você que é o lindo — ela não conseguia esconder sua admiração. — Parece um anjo caído. Foi o que pensei quando o vi naquela primeira manhã.

— Verdade? — Ele sorriu ao se mover para a cama com ela. — Prometo que não há nada de angélico nas coisas que pensei sobre você na época. Nem agora.

A risada baixa de Brynne se dissolveu em um suspiro quando ele se colocou por cima dela, esfregando a cabeça do pau pesado na pele sensível de sua coxa.

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— Hmm — ele grunhiu. — Sem dúvida, nem agora.

Ela mordeu o lábio, cada terminação nervosa formigando quando Zael acariciou seu clitóris com os dedos. Ainda estava elétrica de desejo por ele, mesmo que seu orgasmo tivesse lhe dado algum alívio. Seu corpo ondulou debaixo do toque dele doendo por mais.

— Me diga o que quer, Brynne — seu sussurro rouco quase a desfez. Sim, ele era dourado e lindo, mas também era forte e controlador, formidavelmente macho. Ele cutucou a entrada lubrificada de seu corpo, a ereção parecendo imensa e quente como aço forjado. —

Quer isso?

— Quero você — ela arqueou o quadril em convite... em entrega.

Zael a tomou em uma investida lenta e de roubar o fôlego que parecia não acabar nunca.

Ele era grande e grosso, estirando-a ao se colocar até a base dentro dela. Brynne passou as pernas em volta dele, angulando o corpo para acomodar mais dele quando começou a balançar entrando e saindo.

Cada carícia mais funda, cada investida trazia mais ferocidade, até o tesão e o ritmo de seus corpos não estarem mais sob o controle dos dois.

Brynne gritou quando ele a levou até o limite — não apenas de seu corpo, mas ao limite de sua sanidade. Êxtase e tesão se emaranharam em uma espiral que rodava cada vez mais apertada, mais quente... além de tudo que ela conhecia.

Ela gozou de modo violento, marcando as costas de Zael com as unhas quando um prazer incandescente detonou dentro dela. E ele continuou a meter, implacável em seu ritmo enquanto perseguia seu próprio alívio.

Brynne aguentou, as pernas ainda presas nele, as mãos agarrando seus ombros quando outro orgasmo forte começou a se formar nos tremores adicionais do que ainda a possuía. Por trás de suas pálpebras fechadas, sua cabeça trovejava com o pulsar do sangue correndo pelas suas veias.

As batidas enchiam seus ouvidos, sua mente — todos os seus sentidos.

Ela a chamava... e quando abriu os olhos enquanto Zael arremetia mais forte, mais fundo dentro de seu corpo, percebeu que não era a sua pulsação batendo como um martelo em seu sangue.

Era ele.

A meros centímetros de sua boca, a linha grossa de sua carótida latejava.

Sua boca se encheu d'água, saliva surgindo quando suas presas saíram ainda mais de suas gengivas. A fome apertou com um punho firme enquanto ela assistia Zael se movimentando sobre si. Tão forte. Tão vivo.

Uma tentação tão perigosa.

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Ela não conseguia tirar os olhos da garganta dele.

Nem da pulsação de seu sangue, correndo tão tentadoramente perto de suas presas.

O som a subjugou, exigiu todo seu controle...

A fome a rasgava e se amaldiçoou por ter negado ao seu corpo o alimento que ele exigia por tanto tempo. Lambeu os lábios, tentando não imaginar como seria enfiar as presas naquela veia potente e tomar o quanto quisesse.

— Zael — murmurou, embora não tivesse certeza se em um aviso ou em um pedido de desculpas.

Mas um segundo depois, ele a livrou de decidir. Seu corpo enorme ficou tenso quando se enfiou uma última vez, e então em um grito lento, ele se curvou para trás quando seu orgasmo o atacou.

Seguramente fora de alcance, ao menos por enquanto.

E se deliciou com a sensação dele perdido em seu desejo por ela, havia uma parte dela que sabia que não importava o quanto fosse bom entre eles, aquilo não duraria.

Não poderia.

Nem poderia desejar que durasse — não mais do que este momento, se fosse sincera consigo mesma. Não se algum dia fosse corajosa o bastante para ser sincera com Zael.

Forçando os olhos para longe dele, Brynne fitou a janela do outro lado do quarto onde ainda demoraria horas até o anoitecer. A escuridão dentro dela estava bem mais próxima e a chamava.

Logo teria que responder ao chamado de sua fome e encarar o monstro que a rasgava, querendo sair.

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CAPÍTULO 13

 


O cheiro de sangue derramado era opressivo.

Os sentidos Gen Um elevados de Lucan capturaram o cheiro de cobre de células vermelhas humanas assim que ele e sua equipe de guerreiros saíram do SUV à prova de luz ultravioleta na entrada frontal do prédio do CGN.

Agora, quase uma hora depois, com a última ambulância tendo levado os feridos e mortos, Lucan estava no meio de um escritório ensopado de sangue em um estado de fúria mal contida. Do lado de fora do edifício sirenes soavam. Dentro, só havia silêncio.

E morte.

Quinze pessoas mortas em um jato infernal de balas, mais do dobro desse número de feridos pelos três guardas que juraram protegê-los.

— Sabe, eu poderia ser capaz de entender isso melhor se esses três imbecis fossem novos recrutas — disse Chase, as presas estendidas no meio de tanto sangue.

Lucan grunhiu.

— Eles não eram novos. Todos faziam parte da segurança há anos com autorização em todos os níveis. Dois deles eram homens de família, por Deus.

Quando Dante levantou os olhos, suas presas também estavam expostas.

— O que significa que ninguém é confiável. Não quando não temos ideia do alcance da Opus.

— Nem de quem está liderando — acrescentou Tegan com gravidade.

Lucan assentiu, muito ciente de que tudo que seus companheiros diziam era verdade.

— Opus tem suas peças posicionadas há muito tempo esperando pela chance de se movimentar. Agora estão começando a jogar conosco, como se fôssemos uns peões filhos da puta. Estão nos posicionando para algo bem grande. Sinto isso em meus ossos.

E ele podia ver pelas expressões sóbrias de seus companheiros que eles também temiam o que poderia vir em seguida.

Passos pesados no corredor atraíram a atenção da equipe. Brock entrou com seu capacete anti-UV amarrado em seu cinto de armas. Ele e Kade ficaram responsáveis de vigiar o acesso ao prédio depois que os mortos e feridos foram retirados.

A boca do enorme guerreiro negro estava apertada numa linha fina quando fez uma pausa na porta aberta.

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— Temos companhia lá fora. Uma frota inteira da imprensa com câmeras e vans com satélites.

Lucan soltou um palavrão.

— Já não temos filmagem suficiente dessa carnificina circulando? Mantenha os abutres longe do prédio. Ninguém entra.

— Sim, esse não é o problema — disse Brock. — As câmeras e os repórteres não são os únicos que apareceram. O braço da JUSTIS em D.C. também está lá fora. Parece que estão se preparando para dar uma coletiva.

O ultraje de Lucan aumentou.

— Uma ova que darão.

Saindo com os outros guerreiros, ele foi até o lobby de vidro da entrada do CGN em um passo furioso. Bem como Brock descreveu, a cena nos degraus do lado de fora era um pandemônio. Um enxame de vans com equipes de TV e sites de Internet alinhavam a rua em ambas direções. Um mar crescente de humanos se juntava nos largos degraus de mármore, a maioria com microfones e tablets nas mãos. Para todo lugar que Lucan olhava, lentes de câmera e telas de vidro estavam voltadas para a entrada do edifício como milhares de olhos arregalados.

E o ponto central da atenção era uma pequena companhia de oficiais da JUSTIS e funcionários de relações públicas, todos se posicionando bem ao lado de fora das portas de vidro do CGN.

— Jesus Cristo — murmurou baixo Lucan.

A imprensa começou a gritar perguntas assim que o oficial no comando da JUSTIS se colocou na frente da multidão. Um clamor de vozes competindo entre si passou pelo vidro até o outro lado, onde Lucan e seus homens estavam.

— Os três atiradores foram identificados?

— Há quanto tempo vocês suspeitam que os assassinos vinham planejando o ataque de hoje?

— Havia algo no passado deles que pode ter alertado sobre uma ligação deles com a Opus Nostrum?

— Depois do bombardeio em Londres e agora este ataque, é razoável dizer que a Opus Nostrum está visando o governo e a manutenção da ordem pública?

— Senhoras e senhores, um momento, por favor. — À frente da multidão, o oficial humano da JUSTIS levantou as mãos em um gesto que pedia calma.

Não funcionou. As perguntas continuavam vindo, vozes se elevando em exigência.

— O quanto sabemos sobre os agressores?

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— Como podemos ter certeza que nenhum outro funcionário do CGN tem laços com a Opus?

— Alguém pode assegurar ao público que eles estão seguros?

Lucan apertou os dentes. As pessoas tinham direito de estar ansiosas. Inferno, elas tinham o direito de estar aterrorizadas. E também tinham o direito de saber a verdade.

Quando o oficial da JUSTIS retirou uma declaração já pronta do bolso do paletó de seu terno, Lucan saiu do edifício. Ele viu os rostos surpresos, ouviu os arquejos de choque quando caminhou na luz da tarde com a cabeça e o rosto deliberadamente descobertos, seu capacete UV metido debaixo do braço.

Seu nome viajou a multidão de repórteres em um zumbido de reconhecimento e surpresa, alguns o articulando com completo desdém. Ele não se importava se gostavam ou não dele, ou da mensagem que veio transmitir. Nunca se interessou em fazer o papel de diplomata e não era sua intenção começar agora.

Suas presas ainda não tinham retraído. Olhou para a multidão boquiaberta com a visão tingida de âmbar e soube que suas íris ainda estavam estreitas em reação ao tempo prolongado que ele e sua equipe tinham passado próximo ao sangue das vítimas.

Ele agora tinha a aparência inegável de um Raça e queria que todos os humanos reunidos — e todas as câmeras voltadas para ele — vissem este fato enquanto se dirigia a eles.

— Todos vocês têm perguntas que precisam de respostas. Têm medos, todos justificáveis, e querem que alguém os tranquilize. Estão procurando garantias de que o que ocorreu aqui hoje e em Londres há duas noites não é um presságio de coisas piores por vir.

Murmúrios de concordância soaram pela multidão. Lucan olhou para os rostos incertos e lentamente sacudiu a cabeça.

— Ninguém pode fazer essas promessas a vocês. Nem eu, nem a Ordem. Nem os líderes de estado aliados representados pelo Conselho Global das Nações. E com toda certeza, nem um bando de engomadinhos da JUSTIS lendo afirmações previamente preparadas com o carimbo e a aprovação de alguma firma inútil de relações públicas.

O grupo engravatado cujos holofotes ele tinha acabado de roubar, começou a resmungar às suas costas. Lucan os ignorou, assim como ignorou a picada leve em sua pele exposta enquanto continuava sob os raios duros do sol, passando sua mensagem à imprensa e ao público que veria a cobertura do dia.

— Esses ataques recentes e o frustrado pela Ordem na reunião do acordo de paz há poucas semanas têm um único propósito. Instigar medo e desconfiança. Tudo que a Opus deseja é nos ver em guerra.

Um dos oficiais da JUSTIS ridicularizou.

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— Nossos problemas com a Opus não começaram a escalar até a Ordem se envolver.

Talvez esses ataques sejam uma retaliação contra vocês, não contra nós.

Lucan se virou para encarar o humano.

— Sim, não tenho dúvida que os ataques tiveram a intenção de punir a mim e aos meus guerreiros também. Iria preferir que a Ordem ficasse sentada sem fazer nada, então? Deixar a Opus despedaçar o nosso mundo ou ver todos nós fazendo o trabalho por eles?

O jovem ao menos teve o bom senso de se encolher um pouco sob a explosão contundente da raiva de Lucan e do seu olhar âmbar mortal. O resto dos guerreiros saiu do prédio para se juntar a Lucan, solidariedade em suas presenças e em seus rostos expostos ao encontrarem a multidão apreensiva e os representantes eriçados da JUSTIS.

— Opus nos quer em guerra uns com os outros — Lucan alertou a todos. — Já seguimos esse caminho uma vez em nossa história recente. Levou vinte anos para sairmos daqueles dias sinistros. Não podemos deixar que nos empurrem de volta.

— Não, não podemos — respondeu o engravatado no comando da brigada de Relações Públicas. — É por isso que a JUSTIS substituirá todo seu pessoal da segurança em instalações públicas e privadas com nossos próprios oficiais, vigorando imediatamente.

Lucan soltou um palavrão ao se aproximar do homem.

— Não se minha opinião contar alguma coisa.

— Creio que vá querer substituí-los com guerreiros da Ordem?

— Sabe, essa é uma ótima ideia.

O oficial praticamente engasgou.

— Tente e terá uma batalha em suas mãos, Thorne.

Lucan expôs os dentes para o imbecil, exibindo mais do que uma pequena presa.

— Não tenho nada além de batalhas em minhas mãos, então entre na fila. Esta coletiva acabou.

Um olhar para os seus companheiros colocou o grupo de imensos guerreiros da Raça em movimento atrás dele.

Colocando os capacetes nas cabeças, Lucan e seus homens desceram a escadaria no meio do corpo da imprensa. Em massa, os repórteres corriam atrás deles, gritando mais perguntas e deixando um grupo perplexo de oficiais de relações públicas da JUSTIS em pé fora do edifício, esquecidos e ignorados.


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CAPÍTULO 14

 


Zael tinha imaginado que o sexo com Brynne seria incrível, mas caramba... Ele não estava preparado. Depois de um orgasmo enlouquecedor que praticamente o revirou de cabeça pra baixo, seu apetite só tinha se intensificado ao invés de diminuído.

Abraçando-a em frente ao seu corpo rijo e pronto, ele balançou o quadril na curva firme de sua bunda e gemeu quando seu pau saltou com interesse. Não havia como confundir o corpo esbelto e poderoso de Brynne com o de uma humana. Havia uma força perigosamente contida nele que também não dava espaço para que uma Atlante competisse.

Brynne era totalmente única.

E há pouco tempo, quando estava gritando seu nome no meio de seu orgasmo abalador, ela tinha pertencido somente a ele.

Zael não queria considerar o quanto essa ideia o agradava. No momento, tudo o que queria era entrar nela de novo.

— Você é tão gostosa que eu quero que fique assim a noite inteira — murmurou, mordiscando a curva tenra de seu pescoço e ombro.

Em vez de afundar em seu abraço do jeito que ele esperava, Brynne ficou tensa de um jeito palpável. Ela saiu de seus braços. Deslizando até a beirada da cama, jogou as pernas longas pra fora do colchão e sentou.

Zael franziu a testa.

— Onde está indo?

— Preciso de um banho.

Sem olhar para ele, ela falou para o espaço vazio do outro lado do quarto, sua linguagem corporal tão distante quanto sua voz. Quando se levantou da cama, Zael a seguiu.

Antes que ela pudesse fazer uma fuga rápida para o banheiro adjacente, ele segurou sua mão.

— O que foi?

Com pouca escolha, ela se virou devagar para encará-lo. Era chocante ver os estalos de fogo ainda brilhando em seus olhos. Suas presas também chamavam atenção, maiores do que ele já havia visto. As pontas brancas afiadas brilhavam como um diamante na linha tensa de sua boca.

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Havia uma tristeza estranha e não falada em sua expressão no instante em que seus olhares se encontraram, mas ela a escondeu dele com uma piscada lenta e um olhar para baixo.

— Preciso me limpar e me vestir. Tenho certeza que perdi o voo de Mathias de volta a Londres, mas ainda pretendo ir para casa.

— Voltar para Londres? — Zael recebeu sua resposta como o tapa na cara que ela pretendia que fosse. Quando pareceu determinada a evitar olhá-lo, ele levantou seu queixo com as pontas dos dedos. — O que diabos acabou de acontecer entre nós naquela cama ali?

Ela levantou os olhos para encontrar os dele, suas sobrancelhas escuras mais juntas.

— O que aconteceu foi um erro, Zael. Não espero que você entenda.

— Então tente.

Ela o fitou por um longo momento. Em seus olhos atormentados, ele viu umas mil emoções distintas, mas a única coisa que ela parecia disposta a lhe ceder no momento era indiferença.

— Não estou dizendo que o sexo não foi ótimo. Foi. Mas foi apenas isso, certo?

Ele não respondeu. Se era realmente isso que ela pensava, de jeito nenhum admitiria sentir algo mais.

E Brynne não tinha terminado.

— Vou ser a primeira a dizer que não fui feita para relacionamentos. Nunca. E acho que nós dois sabemos que você também não.

— É verdade — ele respondeu com a voz estreita, embora ouvi-la dizer daquele jeito, como uma acusação, uma condenação, deu-lhe mais vergonha do que já foi capaz de sentir de si mesmo.

Ela saiu do seu alcance, cruzando os braços como um escudo.

— O sexo foi... mais do que ótimo, Zael. Mas agora que concretizamos, espero que possamos agir como adultos sobre a coisa toda. Espero que possamos ser amigos e que possamos seguir nosso caminho.

Maldição. Ele era frio assim com as mulheres que tinha seduzido ao passar dos anos?

Não. Sabia que não deveria se dar tanto crédito.

Ele nunca explicava nada. Seu modo operante era desaparecer quando as coisas ficavam muito reais.

— Podemos fazer isso, Zael? Vai tentar entender como me sinto e não vai tornar as coisas ainda mais desconfortáveis do que já são?

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— Desconfortáveis — ele murmurou, e então deu uma risada sem humor. — Essa não é a palavra que eu usaria, Brynne. As palavras que eu usaria para o que está me dizendo agora são conversa fiada.

Sua expressão disse tudo. Ele tinha atingido o alvo, mas a linha rebelde de seus lábios não mostrou sinal de suavizar.

— Achei que tinha feito um trabalho decente em mostrar que não precisa fugir de mim

— disse a ela, mais gentilmente do que se sentia capaz com toda a descrença e ultraje que corriam por ele. — Achei que tinha deixado claro que não vou te machucar.

Sua risada leve tinha um traço de amargura.

— Não estou com medo que me machuque, Zael. Não pode tentar respeitar meus sentimentos e se afastar de mim?

— É realmente o que quer?

— Sim — ela engoliu saliva com dificuldade, e ele pôde ver como ela lutava para manter os olhos nos dele enquanto trabalhava a mentira na língua. — Você e eu, tudo que aconteceu entre nós, Zael, foi um erro. Não vamos errar mais.

Ele escutou em um silêncio total, pesando suas palavras e o que os fantasmas em seu rosto lhe diziam, e o que seu corpo comunicou ao dele quando fizeram amor.

— Tudo bem, Brynne — ele assentiu devagar, e então andou para recolher as roupas.

Colocou a calça, depois a túnica de linho. — Você está certa, eu de fato tenho que respeitar seus sentimentos. Mesmo que não acredite no que diz.

 

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CAPÍTULO 15

 


— Ruiva, loira ou morena?

Rafe olhou para Aric, que dirigia o SUV a serviço da Ordem que Mathias Rowan tinha arrumado para que eles pegassem em Dublin depois que chegassem de Londres.

Pela maior parte do caminho até Finglas na tarefa determinada pela Ordem, eles falaram sobre amenidades, algo que os dois amigos faziam com muita facilidade sempre que ficavam juntos.

Agora que se aproximavam do endereço do apartamento de Iona Lynch, que Gideon tinha fornecido, Aric tinha começado a matar o tempo especulando sobre os mais variados atributos das mulheres. Ele já tinha dado seus palpites não solicitados sobre uma lista de outros tópicos no que dizia respeito a provável amante de Crowe, então em comparação, a cor do cabelo era uma questão tão inofensiva quanto se poderia esperar.

— Tenho que dizer loira — disse Rafe. — Crowe definitivamente tem um tipo, ao menos quando você olha para suas ex-mulheres.

— Não posso discutir com isso — respondeu Aric. — Por outro lado, há algo a favor da variedade, certo? A senhorita Iona Lynch de Finglas, County Dublin, pode ser uma ruivinha atrevida. Ou talvez uma morena de parar o trânsito com uma bundinha linda e umas pernas intermináveis.

Rindo, Rafe sacudiu a cabeça.

— Está descrevendo o gosto de Crowe para mulheres ou o seu?

— Aplico poucas condições ao meu gosto por mulheres — o sorriso de Aric era sem vergonha. — Por que colocar limites em algo que se gosta?

— Falando como um verdadeiro galinha.

Aric deu de ombros, tranquilo.

— Deveria tentar uma vez.

— Está falando da vez que me convenceu a segurar vela pra você com aquelas strippers gêmeas em Southie? Passei metade da noite com a língua da amiga bêbada delas dentro do ouvido.

— Você diz como se fosse algo ruim.

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— Ela estava cheia de álcool e narcóticos — Rafe o lembrou. — Enquanto você saiu para se divertir com as gêmeas, fiquei no banheiro com a Speedball1 Sally, tentando fazer com que ficasse sóbria e curando o seu já antigo vício em drogas.

Como todos os Raça, Rafe tinha nascido com uma habilidade única herdada de sua mãe Companheira de Raça. No seu caso, ele tinha herdado o toque de cura de Tess. Ele podia curar ferimentos, reparar doenças celulares ou fraqueza, e em um caso recente — depois que um antigo guerreiro, Kellan Archer, ter sido mortalmente ferido por uma bala — Rafe e Tess juntos conseguiram reverter a morte.

— Está vendo? Esse é o seu problema, cara. Esse seu dom é uma maldição. Em todo lugar que vamos você tem muitas mulheres interessadas, inferno, até mais do que eu, e isso é muita coisa.

— Com ciúme? — brincou Rafe.

— Claro. As mulheres praticamente jogam a calcinha aos seus pés, e mesmo assim você tem toda essa política de pode-ver-mas-não-toque. — Aric bufou. — Juro que você acha que tem que salvar todo mundo. Desça dessa cruz de vez em quando e se divirta um pouco.

Rafe não podia negar que havia um pouco de verdade na acusação do seu melhor amigo. Tudo bem, muita verdade. Talvez se tivesse sido dotado com a habilidade de modificar as sombras de Aric, ou o talento do capitão de sua equipe Nathan para a sonocinese, as coisas seriam diferentes.

Mas Rafe sentia uma obrigação com a habilidade que lhe foi dada.

Não era como se nunca transasse. Era homem e também tinha o sangue de um guerreiro em suas veias Raça. Ele tinha toda a companhia feminina que queria; só preferia ser seletivo — com as suas parceiras de cama e Hosts de sangue, ambas ele escolhia exclusivamente da população humana.

Seu olhar para Aric era inalterado.

— Quer ficar me dando lição por um tempinho ou está pronto pra começar a trabalhar?

Ele virou em uma pista tranquila que levava para fora do centro da cidade de Finglas.

Fileiras de pequenos e quase idênticos dúplex e casas com varandas alinhavam um lado do asfalto cheio de protuberâncias. Do outro lado da pista residencial, um local com grama excessivamente alta que poderia se passar por um parque em certa época, abrangia várias quadras.

— Esta é a rua que Gideon nos deu?

Rafe assentiu.

— É sim.

Aric ergueu as sobrancelhas.


1 Mistura de drogas pesadas como cocaína e heroína, mas pode envolver outras drogas.

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— Não é exatamente o tipo de endereço granfino que eu esperaria de uma das mulheres de Crowe. Se ela estava dormindo com ele, deveria ter exigido um aumento.

— Talvez seja modesto por um motivo. Se não fosse por Gideon, nós provavelmente nunca teríamos pensado em procurar em um bairro comum como esse, nem por Crowe nem por qualquer pessoa associada a ele.

— Escondido embaixo dos nossos narizes — disse Aric. — Crowe não seria o primeiro Atlante a fazer essa proeza.

Rafe assentiu, checando os números das casas enquanto o SUV passava por uma casa minúscula após outra na rua residencial estreita.

— Acho que ela não está mais escondida. Chegamos.

Aric olhou pela janela do passageiro o prédio pequeno e arrumadinho que ficava no final escuro de um bloco curto de concreto rachado.

— Parece que não tem gente em casa.

Rafe olhou de perto e negou com a cabeça.

— Ela está em casa. Há uma luz nos fundos, primeiro andar. Vem. Vamos dar um oi para a senhorita Lynch.

Apagando o farol e desligando o carro, Rafe saiu do veículo. Assim que suas botas tocaram no pavimento, seus sentidos enrijeceram em alerta.

— Jesus Cristo.

Aric o olhou tenso para ele.

— Também sente o cheiro?

Rafe assentiu, as presas espetando suas gengivas.

Sangue.

Sangue humano. A porra de um rio dele, baseado pelo modo que o fedor atingia seu nariz.

Eles correram até a casa a passos silenciosos, Rafe indicando que Aric rodeasse o local pelos fundos enquanto ele ia pela frente. Aric desapareceu em um segundo, sumindo nas sombras.

Rafe tocou a maçaneta da porta da frente e a encontrou destrancada. Sem sinais de entrada forçada, mas não havia dúvida que algo ruim tinha acontecido ali dentro. Ele entrou, quase subjugado pelo soco olfativo que o atingiu quando entrou na casa de Iona Lynch.

O local estava silencioso. Tão insondável quanto uma tumba.

— Olá? — ele chamou na escuridão, sem ficar surpreso por não receber resposta.

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Ele andou pelo pequeno vestíbulo e passou por uma sala de estar impecavelmente mobiliada. Apesar do fedor de sangue enchendo seu nariz e fazendo suas íris arderem com um calor ambarino, não viu evidência de luta até entrar na minúscula cozinha aos fundos da casa.

Lá, o impacto do que tinha se passado ali — muito recentemente, pelo que parecia — o abalou até os ossos. Ele parou abruptamente, as botas em cima de uma poça de sangue fresco.

Aric tinha acabado de entrar na cozinha pela porta de trás e seu palavrão baixo ecoou os pensamentos de Rafe.

— Puta merda.

Uma jovem loira estava deitada toda machucada e mortalmente imóvel no centro do chão de cerâmica da cozinha, um corte letal em sua garganta. Não havia dúvida de que estava morta. Ela foi cortada de uma maneira tão selvagem que o ferimento quase a tinha decapitado.

— Jesus Cristo — murmurou Aric desajeitadamente. — Acho que não éramos os únicos procurando por Iona Lynch.

Rafe cerrou os dentes e as presas em um palavrão ao caminhar pelo lago escorregadio de sangue para alcançar a mulher. Ele estava acabando com uma cena de crime, mas se houvesse qualquer chance de conseguir revivê-la, ele tinha que tentar. Não só por que era a coisa certa a fazer, mas por que Iona Lynch era a melhor pista que a Ordem tinha sobre Crowe e os associados à Opus. Não podiam se dar o luxo de perdê-la.

Ajoelhando na bagunça, ele a rolou com cuidado de costas e tocou o terrível ferimento em sua garganta. Ela não tinha pulso, não respirava. Sua pele estava fria e como cera sob as pontas de seus dedos. Não havia nada que ele pudesse usar, nada no qual sua habilidade pudesse se segurar e conseguir uma cura.

— Merda — ele levantou os olhos para Aric e sacudiu a cabeça. — Não posso ajudá-la.

Ela já se foi há vários minutos, no mínimo. Maldição, é tarde demais, porra.

Quando falou, ele ouviu um leve movimento vindo de algum lugar ali perto. Era abafado, mas Rafe e Aric congelaram ao reconhecerem que havia mais alguém na casa com eles.

Silenciosamente, furtivamente, Rafe colocou o corpo sem vida de Iona no chão e se levantou.

O leve ruído veio outra vez, e ele o seguiu até a porta fechada de um banheiro ao lado da cozinha. Então ouviu um gemido baixo e doloroso.

Ele abriu a porta e encontrou outra jovem deitada em posição fetal no canto do local minúsculo. Delicada como um anjo, a loira levemente ruiva estava vestida com uma calça de yoga e uma regata rosa colada com uma manga arrancada devido a um óbvio confronto.

Quase que inconsciente, seu corpo acordava lentamente da contusão ensanguentada ao lado da cabeça.

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Uma mancha de sangue na porcelana branca da pia indicava que alguém havia esmagado a cabeça da mulher ali com força suficiente para deixá-la desacordada.

Rafe entrou e as pálpebras da mulher se levantaram. Olhos cor de mel arregalaram assim que o viu. Então sua boca se abriu em um grito aterrorizado.

— Tudo bem — ele garantiu, movendo-se com cuidado quando ela ficou completamente alerta e se arrastou para o mais longe dele possível.

— Não me toque! — Pânico e confusão enchiam seu belo rosto. — Fique longe de nós!

Iona, corra!

Ela se contraiu mais no canto do banheiro, os olhos tão loucos e aterrorizados quanto os de um animal. Quando ela se moveu, Rafe avistou uma pequena marca de nascença debaixo do rasgão na lateral de sua regata.

Uma Companheira de Raça.

Rafe se abaixou para ficar no mesmo nível dela, falando com gentileza.

— Não vamos machucar você. Qual é o seu nome?

Ela enrugou a testa, ainda desconfiada, o peito ainda pesado com a respiração nervosa.

Ela piscou lentamente, olhando para o chão.

— Siobhan. — Um nome delicado, dito em um sussurro partido que quase pareceu que ela tinha dito a palavra chiffon. Ela ergueu os olhos para ele e tentou de novo. — Eu sou Siobhan O'Shea.

Ele assentiu com seriedade.

— Meu nome é Rafe. E este é meu amigo, Aric — ele disse, gesticulando para a porta onde estava o seu camarada. — Como conhece Iona Lynch, Siobhan?

— Nós dividimos o apartamento. Onde ela está? O que aqueles homens queriam com ela? — A Companheira de Raça engoliu saliva forçosamente, a mão tocando o machucado na cabeça. Ela fez careta com o contato leve. — Iona está... ela está bem?

Rafe não respondeu. Esta jovem veria a resposta apavorante muito em breve. Com Iona assassinada, a prioridade da missão de Rafe tinha acabado de mudar de localizar uma pista em potencial da Opus para proteger uma testemunha chave que também era uma Companheira de Raça que agora corria perigo.

Ele olhou para Aric.

— Não deveríamos ficar aqui por muito tempo e nem Siobhan. Ligue para o centro de operações, informe-os sobre o que encontramos. Diga a eles que temos uma Companheira de Raça ferida em nossas mãos que necessita de um esconderijo seguro.


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CAPÍTULO 16

 


Brynne não partiu para Londres. De qualquer forma, tinha sido apenas uma desculpa.

Uma desculpa esfarrapada que Zael tinha visto de cara — como tinha visto o resto de suas tentativas de feri-lo e afastá-lo.

Depois do seu doloroso fim ao tempo incrível que passou nua com ele na cama, tinha tomado um banho escaldante de quase meia hora antes de se isolar em seu quarto de hóspede pela maior parte da tarde, sentindo-se covarde e pequena.

A urgência de correr de volta a Londres — a qualquer lugar — era forte. Ela se sentia fraca de fome e dolorida devido ao aumento das emoções. Nenhuma dessas coisas a deixava adequada para ficar perto de outras pessoas, muito menos daquelas que significavam algo para ela.

Não se ela se importava com a segurança deles.

Não se não quisesse ver o horror e o medo nos olhos de todos de quem gostava.

Incluindo Zael.

Deus, talvez ele mais do que todos.

Seu banho de punição e as horas de solidão após pouco fizeram para aliviar a fome de seu corpo que piorava e lhe roia até os ossos. Também não tinha diminuído o nojo que sentia de si mesma depois da maneira injusta que tratou o único homem que só tinha lhe mostrado bondade e compreensão desde que o conheceu.

Zael tinha o direito de estar com raiva dela depois das coisas cortantes que disse.

Inferno, ele tinha o direito de desprezá-la agora. Embora se ele desprezasse, não poderia ultrapassar a intensidade do desprezo que tinha por si mesma.

Esse sentimento só piorou quando finalmente abandonou a segurança de seu exílio autoimposto em sua suíte e se aventurou pelas outras áreas.

Zael estava na enorme cozinha com Dylan e Rio, o guerreiro Raça cheio de cicatrizes que era seu companheiro. A conversa fácil deles vinha pelo corredor quando Brynne desceu a escada dos fundos até o andar de baixo. Maldição. Agora não havia como fugir do inevitável.

Para chegar a qualquer lugar na enorme propriedade de onde ela estava, primeiro teria que passar pela cozinha.

Contra sua vontade, seu olhar procurou Zael. Lá estava ele, sentado em um dos bancos da gigante ilha no centro, ouvindo Dylan com atenção enquanto o regalava com a história de 84


como ela e Rio se conheceram. O olhar de Zael estava cheio de carinho por sua filha, seu sorriso tão genuíno e afetuoso que fez o peito de Brynne apertar.

Apesar do seu máximo esforço, só olhar para ele fazia sua respiração ficar presa e seu pulso correr mais rápido.

Foi preciso um esforço concentrado para simplesmente passar pela enorme entrada da cozinha sem parar para se desculpar com ele nem pedir perdão. Nem teve a coragem de olhar para ele e ver que também a tinha visto.

Ela tinha que continuar forte no que dizia respeito a ele. Zael tinha provocado rachaduras no verniz de seu autocontrole desde o primeiro momento que ele voltou aqueles olhos de um azul que não era desse mundo para ela. Se o deslize de hoje em sua determinação fosse uma indicação, distância era a única maneira de evitar outro erro como o que ela fez ao ir para a cama com ele.

Se não tivesse cuidado, poderia não ser apenas a sua determinação que ruiria perto de Zael, mas seu coração também.

Dizendo a si mesma que era um alívio ele não tê-la chamado quando passou às pressas, Brynne se dirigiu ao saguão. Precisava de ar fresco e espaço pra pensar. Ainda mais insistente que isso, precisava se alimentar.

Sua fome era a única coisa que podia controlar na vida, mas até isso estava perigosamente próximo de se perder. Ela a tinha contido por tempo demais e agora sentia a força das suas garras afiadas, uma fera tentando arrancar a coleira.

Se precisava de um lembrete de por que relacionamentos eram impossíveis para ela, esse com certeza era um.

Ela estava a meio caminho da sala de espera e se dirigia à porta da frente quando a voz de Tavia soou atrás dela.

— Brynne. Achei você.

Não tendo escolha, virou para encarar a irmã.

As sobrancelhas bem marcadas dela se juntavam por cima dos seus olhos verdes claros e perspicazes.

— Conseguiu descansar agora à tarde?

— Hmm, descansar? — Brynne também se sentiu franzir a testa, e ao mesmo tempo uma onda de calor que ameaçava tomar todo seu rosto. Oh, Deus. Ela ficaria morta de vergonha se a sua indiscrição com Zael agora fosse de conhecimento público da Ordem.

— Eu fui te procurar depois da reunião de hoje — falou Tavia. — Carys me disse que tinha ido para o quarto. Ela achou que você pudesse precisar dormir um pouco sem ser incomodada depois de tudo que passou nos últimos dias.

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— Oh — Brynne assentiu, enchendo-se de alívio. — Sim, consegui. Descansar.

Obrigada.

Tavia inclinou a cabeça.

— Está tudo bem? Você não parece muito descansada. Na verdade, parece bem inquieta.

— Pareço?

— Sim. Parece — ela a encarou por um bom tempo e bem de perto. — Brynne, quando foi a última vez que se alimentou?

Merda.

— Oh, não sei — ela se esquivou, forçando um nível de indiferença na voz. — Já faz um tempo, creio. Na verdade, estava a caminho de cuidar disso agora.

— Sozinha? — Tavia colocou as mãos no quadril. — As coisas estão voláteis demais lá fora, mesmo à luz do dia. O sol está quase se pondo, Brynne. Ao menos espere até poder levar um dos guerreiros com você.

— Uma escolta da Ordem para segurar minha mão enquanto me alimento? — Brynne esperava que o seu pavor não ficasse evidente em sua expressão. — Por favor, diga que está brincando.

Alimentar-se tinha se transformado em algo perfeitamente civilizado — e cuidadosamente regulamentado — desde que os Raça tinham se revelado aos seus vizinhos humanos há vinte anos. Onde era aceitável tomar de uma veia humana para algumas células vermelhas fresquinhas contanto que o Host não fosse ferido, agora o assunto da alimentação tinha se tornado uma transação política, embora paga, entre partes que expressavam seu consentimento.

Isso não queria dizer que todos os membros da Raça aderiram à lei. Alguns preferiam os velhos métodos só por diversão.

Outros, como Brynne, tinham motivos próprios para evitar os ambientes cuidadosamente monitorados dos salões e clubes de Hosts de sangue que serviam os Raça em seus apetites mais variados. O principal entre esses motivos para ela sendo o fato dos salões proibirem apagar as memórias seguindo a alimentação. A lei foi criada para proteger Hosts humanos de serem usados sem consentimento — algo que Brynne nunca fez, não importa o nível da sua fome.

Não, apesar de preferir obter seus Hosts de ambientes menos rigorosos, os humanos que pagava para nutri-la saíam da transação sem lembrar-se de nada como cortesia.

E, se ela fosse sincera, também se tratava de um ato de autopreservação.

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Brynne não podia usar um Host em um local tão vigiado quanto um salão. Certamente não poderia fazer isso com um guerreiro da Ordem ao seu lado.

— Mesmo que eu achasse que precisaria de alguma escolta, Tavia, duvido que pudéssemos encontrar um salão respeitável que me deixasse entrar na companhia de uma.

Sua irmã não vacilou.

— Pode ir ao de Georgetown que Carys costumava visitar quando ela vinha a D.C.

antes de sua união de sangue com Rune. É o melhor da cidade, e não só permitem que entre com uma escolta da Ordem, como o filho de Lucan e Gabrielle, Darion, tem uma suíte VIP lá que tenho certeza que você vai poder usar.

As esperanças de Brynne afundaram em face desta oferta prestativa e insistente.

— Acho que não vai me deixar recusar, não é?

O sorriso satisfeito de Tavia foi resposta suficiente. Ela passou o braço no de Brynne, levando-a para longe da porta de entrada enquanto a fome de Brynne afundava as garras no tecido aos frangalhos de sua alma.


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CAPÍTULO 17

 


Zael soube o instante em que Brynne tinha descido a escada do lado de fora da cozinha da mansão.

Estava desfrutando de uma conversa com Dylan e Rio, feliz por poder conhecê-los um pouco. Mas no momento em que a presença de Brynne foi sentida no ar, sua atenção se voltou à janela e a única coisa em que conseguia se concentrar era nela.

Esperou que ela aparecesse no corredor do outro lado da cozinha, mesmo enquanto assentia e sorria nos momentos certos conforme Dylan falava.

Se Brynne tivesse olhado em sua direção ao menos por um segundo, nada o teria impedido de ir até ela. Ele a teria levado para um canto sem se importar com quem os visse, e teria exigido que ela fosse sincera com ele, em vez de se esconder atrás da fachada fria e intocável que parecia se erguer muito rapidamente sempre que qualquer pessoa se aproximava demais dela. Especialmente ele.

Não que tivesse direito de apontar o dedo quando o assunto era sinceridade e honra.

Ela tinha razão sobre ele não ser do tipo que ficava com alguém por mais tempo. Não podia argumentar quanto a isso, principalmente quando Dylan era uma prova viva da fraqueza mais vergonhosa de sua vida.

Se qualquer uma das duas soubesse a verdade sobre sua covardia no que dizia respeito à mãe de Dylan, elas poderiam lhe dar as costas. E com razão.

Mas Brynne não parecia precisar de qualquer convencimento para ignorá-lo. Ela tinha passado pela entrada da cozinha sem piscar nem alterar o passo. Ele nem sabia se ela tinha ciência de que ele estava lá.

Algo lhe dizia que sim, e o fato dela ter passado sem nem olhar brevemente ardeu mais do que queria admitir.

Desde então, ela tinha desaparecido com Tavia em algum lugar da mansão. Zael não podia negar que apesar de concordar em lhe dar espaço, havia uma parte sua que se recusava a aceitar uma mentira.

Ela o queria tanto quanto ele.

E sim, o sexo foi incrível. Inferno, tanto que era a favor de que fizessem de novo o mais rápido possível, sem tentar fingir que era algum tipo de erro do qual deveriam se arrepender.

Mas ainda mais que isso, algo estava acontecendo entre eles que ia além da atração. Ia além do fato de que viviam em dois mundos diferentes, eram de duas raças que eram inimigas há muito antes de nascerem. Essa ligação que ele e Brynne tinham não devia fazer sentido, e com toda certeza não era algo que ele planejou sentir, mas era real.

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Era genuína e poderosa, e não passava, não importava o quanto ela tentasse convencer os dois de que a mesma não existia.

Isso por si só deveria ser o suficiente para fazê-lo sair correndo. Sexo excelente era uma coisa. Ele nunca foi do tipo que fugia do prazer físico. Mas aquilo era algo mais. E por alguma razão idiota, em vez de aceitar a rejeição de Brynne como o presente que devia ser, sentia-se compelido a descobrir os verdadeiros motivos para ela estar tão determinada a se livrar dele.

E quanto mais esperava para conseguir essas respostas, mais o tratamento silencioso que ela lhe dispensava o enlouquecia.

Dando desculpas a Dylan e a Rio, saiu da cozinha e foi até o centro de comando da Ordem, na direção que ela tinha ido com Tavia há pouco tempo.

Gideon praticamente trombou com ele, saindo de uma sala com a cabeça baixa e tocando loucamente em uma tela de tablet.

— Ai, merda. Foi mal, cara — o guerreiro levantou os olhos distraidamente. Sua coroa espetada de cabelo loiro estava bagunçada, e intriga iluminava os olhos por trás das lentes de seus óculos de lentes azul claro. — Estou trabalhando em um novo protocolo para ver se consigo encontrar outro modo de quebrar a criptografia do servidor da Opus. Não tenho tempo a perder, principalmente agora que a nossa melhor pista ligada a Crowe acabou dando em um beco sem saída.

Zael parou.

— Como assim?

— A mulher na Irlanda — disse Gideon. Ele enfiou o tablet debaixo do braço, a expressão ficando severa. — Rafe e Aric ligaram tem alguns minutos. A amante de Crowe foi assassinada em sua casa pouco antes da nossa equipe chegar para jogar uma rede nela.

Opus aparentemente sabia que estávamos atrás dela. Parece que eles quiseram mandar uma mensagem com o tipo de morte dela.

Zael não queria perguntar no que constituía essa mensagem, mas tendo visto a violência que os seguidores da Opus eram capazes de cometer, podia muito bem imaginar.

— Então, como conseguimos confirmar que essa mulher, Iona Lynch, era de fato amante de Crowe?

— Temos uma testemunha que está corroborando o nosso palpite, a colega de apartamento de Lynch. Seu nome é Siobhan O’Shea. Ela estava na casa no momento do ataque no começo da noite. Pra piorar tudo, essa amiga é uma Companheira de Raça.

— Jesus. Ela foi ferida?

— Foi golpeada na cabeça bem forte pelos dois homens que mataram sua amiga, mas ela obviamente não era a preocupação deles. Ela disse que Lynch conhecia os homens. Ela os deixou entrar e as coisas ficaram feias bem rápido. Quando a colega tentou intervir, eles a empurraram para o banheiro e a apagaram enquanto terminavam o que foram fazer.

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Zael soltou um palavrão.

— Ela tem sorte que não a mataram também.

— Extremamente sortuda — concordou Gideon.

— Isso não quer dizer que essa mulher esteja fora de perigo — considerou Zael. —

Pelo que ouvi e vi das táticas da Opus, eles não têm um histórico muito grande em dar ponto sem nó.

Gideon assentiu fechando a cara.

— Ela ficaria sob a proteção da Ordem mesmo que não fosse uma Companheira de Raça, mas o fato de ser torna sua segurança uma prioridade. Sem falar que precisamos que ela nos diga tudo o que puder sobre Crowe e Iona Lynch, e sobre os homens que a mataram.

O tablet de Gideon tocou e ele olhou para a tela.

— Droga. Lá se vai minha brilhante ideia. Quem quer que tenha travado a rede da Opus é um filho da puta muito astuto. Parece que tenho mais dever de casa pra fazer — ele apontou com o polegar na direção do corredor. — Se veio ver Lucan, é para lá que estou indo agora.

Zael foi evasivo.

— Ah, na verdade estava querendo falar com Brynne. Ela passou por aqui com Tavia tem uns minutos.

— Sim, passou — embora já estivesse mexendo no tablet, as sobrancelhas de Gideon se arquearam com um interesse óbvio acima da armação dos óculos. — Mas já é tarde. Brynne já foi.

— Já foi? — a notícia acertou Zael como um golpe. — Não está falando que voltou para Londres?

— Não. Foi se alimentar em Georgetown. Tavia mandou um dos guerreiros com ela de escolta.

Zael não ficou feliz em ouvir que ela tinha deixado a segurança do centro de comando, muito menos de ter feito isso na companhia de outro homem. Se ela precisava de alguém para protegê-la, então merda, podia ter pedido a ele.

Claro, ela provavelmente iria preferir engolir a própria língua a pedir alguma coisa a ele.

Percebeu que deveria estar com uma expressão de desagrado no rosto por que Gideon ficou quieto por um momento, inclinando a cabeça para olhá-lo. E então deu uma risada.

— Caramba, macacos me mordam — ele estendeu o braço e pegou no ombro de Zael.

— Não se preocupe, Atlante. Acontece com os melhores de nós.

— O que acontece?

O guerreiro sorriu.

— Você vai descobrir.

Com isso, ele voltou a mexer no tablet, deixando Zael olhando para ele enquanto seguia pelo corredor, mais uma vez completamente absorvido em seu trabalho.

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CAPÍTULO 18

 

 

— Você não tem mesmo que me esperar terminar aqui — disse Brynne ao enorme guerreiro Gen Um que foi encarregado de ser seu motorista particular e guarda-costas da noite.

— Já acho ridículo Tavia ter insistido para eu sair acompanhada como uma criança que precisa de supervisão.

Pra piorar as coisas, sua irmã tinha designado o guerreiro companheiro de Jordana, Nathan, para o trabalho. Se Brynne tivesse alimentado a mínima esperança de escapar da coleira hoje pra se alimentar do jeito que precisava, tinha pouquíssima chance de sumir das vistas atentas do guerreiro.

— Pode demorar — ela falou. — Terei que me registrar e assinar o contrato antes que eles me deixem entrar.

Nathan estava sentado atrás do volante do SUV quando estacionou no meio-fio, a expressão indecifrável.

— Demore o tempo que precisar.

Ele não falava muito, Brynne já tinha percebido, mas ela também não estava muito a fim de conversar. Estava ocupada demais calculando possíveis desculpas pelo motivo de não ir ao salão de sangue Host, e tentando estimar quanto tempo mais conseguiria protelar o pior de sua fome se não a aliviasse um pouco hoje.

Pela ardência ácida de suas veias e o latejar crescente de sua pulsação, já estava perigosamente perto de seu limite.

— Você sabe que eu também sou um filho dos laboratórios, Brynne.

Ela o olhou, surpresa com a confissão.

— Sim. Tavia mencionou isso uma vez. Você fez parte do programa Hunter.

— Assassinos — ele confirmou fechando a cara.

Brynne conhecia o básico. O mesmo louco da Raça que brincou com DNA para criar Tavia, ela e segundo boatos, uma dúzia ou mais de mulheres da Raça como elas, também tinha criado uma raça de garotos Gen Um do Antigo que ele mantinha preso no laboratório e uma jaula cheia de Companheiras de Raça tiradas de suas famílias e usadas como um bem para os seus experimentos e perversões.

Hunters como Nathan foram criados por tratadores, como Brynne e suas meio-irmãs.

Mas enquanto Brynne e as outras mulheres da Raça eram acorrentadas por mentiras, abuso e terapias químicas que reduziam os efeitos de sua genética, os Hunters eram mantidos obedientes pelo uso de táticas ainda mais cruéis.

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Nathan finalmente olhou para ela, e havia um vazio em seus olhos que a tocou. Não por sentir pena dele, mas por que admirava como sua vida parecia normal agora com Jordana.

Com a Ordem. Com sua mãe, Corinne, e Hunter, o Gen Um seu companheiro que também foi um produto da insanidade de Drago.

— Ninguém que sobreviveu àqueles malditos laboratórios saiu ileso — disse Nathan.

Brynne assentiu.

— Eu sei.

— É, eu sei que sabe. Mas agora você parece precisar que alguém te diga isso em voz alta.

Ela o fitou na pouca luz do painel. Embora ele não tivesse ideia da profundidade de seus ferimentos ou do horror de sua realidade, mesmo anos e milhas distantes da tortura dos laboratórios, sua compaixão a comoveu.

Ela engoliu saliva com a garganta seca.

— Obrigada, Nathan.

Ele acenou com a cabeça.

— Vá fazer o que tem que fazer e cuidar das suas necessidades. Eu espero aqui.

Certa que tinha ouvido errado, ou ao menos não entendido direito, Brynne prendeu a respiração.

Ele sabia que ela tinha pavor de ter que entrar naquele salão?

Puta merda. Ele estava dando permissão para que fosse se alimentar em seus termos?

— Nathan, eu...

Ela não teve chance de dizer mais nada.

Sem aviso, algo grande caiu do teto de um prédio próximo e esmagou um carro estacionado a um quarteirão adiante. Metal amassou. Vidros explodiram. Luzes de alarmes e sirenes cortaram a escuridão.

Pessoas começaram a gritar, apontando para o telhado de um edifício-garagem próximo.

— Mas que porra? — Nathan desligou o carro. — Fique no veículo!

Ele saltou e desapareceu na noite antes que Brynne percebesse que se movia.

Ela ofegou quando espiou pelo pára-brisa.

Outro corpo se arremessou na rua, caindo como um boneco empalhado em queda livre do terraço panorâmico do estacionamento. Só que não eram bonecos. Eram seres humanos —

brutalizados, violados, as roupas rasgadas e cheias de sangue.

Violentados.

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Brynne se encheu de náusea quando percebeu o que estava vendo.

— Oh, meu Deus.

Outra coisa descia até a rua. Um jovem da Raça, o queixo e toda a frente do corpo pintados do vermelho de seu crime. O jovem caiu de cócoras perto de sua presa e uivou como o animal que tinha se tornado, as presas enormes, o rosto feroz com sede de sangue.

Puta merda.

O macho era Renegado.

E não estava sozinho. Outro desceu do teto de uma van estacionada, trazendo mais evidência da carnificina.

Brynne instintivamente buscou sua arma da JUSTIS, mas seus dedos encontraram o vazio. Droga. Ela tinha perdido sua arma no mesmo dia que perdeu o emprego com a agência.

Pânico se espalhou pela rua tão rapidamente quanto um raio.

Os humanos que tinham parado para olhar em perplexa confusão, agora corriam às cegas para longe da cena. Um após outro, eles passaram por Brynne e o SUV, gritando ao procurarem abrigo.

Era exatamente o que o par de predadores queria.

Eles saltaram no ar, passando por cima do veículo de Brynne e vários outros com fluidez. Os humanos que fugiam não tinham a menor chance.

Mas isso não significava que Brynne não tentaria salvar ao menos alguns deles.

Ela também era Raça — algo ainda mais mortal que isso, graças ao coquetel genético que a tinha gerado. Quer armada ou só com as mãos, ela era um pesadelo que nenhum daqueles dois filhos da puta estaria esperando.

Pulando para fora do SUV, agarrou o primeiro Renegado pela camisa em uma fração de segundo. Ela o derrubou no asfalto. Com seu joelho plantado firmemente no centro da coluna dele, o macho com sede de sangue ficou selvagem, rosnando e lutando em um esforço de tirá-

la de cima. Brynne agarrou o crânio do vampiro e o torceu com força, quebrando ossos e tendões.

Ela soltou o Renegado morto, os olhos já perfurando a noite para localizar seu próximo alvo.

Lá estava ele. Enquanto ela tinha feito uma pausa para lidar com o seu companheiro, o outro Renegado teve tempo suficiente para pegar um dos humanos mais próximos. Agarrando um humano alto e magro debaixo do braço, o vampiro desviou para um beco lateral para desfrutar dos seus espólios.

— Merda.

Brynne dobrava a esquina em um segundo, mas já estava atrasada.

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O Renegado tinha o humano no pavimento, as presas afundadas na frente da garganta do homem, bebendo avidamente enquanto sua vítima tinha convulsões e cuspia sangue.

A visão fez a bile subir à garganta de Brynne.

— Solte-o.

Sua voz era um rosnado abafado, nada como o que já tinha ouvido. Era sua própria fome que a atormentava, fazendo sua boca parecer um deserto e sua visão queimar com uma luz âmbar. Retorcida pela sua fúria, ela agora era algo mais que terrível.

O Renegado grunhiu, virando a cabeça para olhar a fonte da intrusão.

E apesar da mente não funcionar, os sentidos dominados pela sede se sangue que o tornavam Renegado, ele aparentemente ainda tinha um quê de sanidade — o bastante para fazer seus olhos brilhantes arregalarem um pouco em seu crânio quando ele registrou o que enfrentava.

Mas a loucura nele vencia qualquer outra coisa.

Ainda agachado, o Renegado largou o humano agonizando e se virou descalço, pronto para enfrentar Brynne para defender sua presa.

Brynne se preparou para o ataque que ela sabia que viria. Em um rugido, o vampiro feroz voou em cima dela.

Em vez de permitir que seu peso maior e fúria enlouquecida a lançassem para trás, ela o segurou e girou, usando o ímpeto para virá-los em pleno ar. Então ela empurrou com força, batendo as costas do Renegado na parede de concreto.

A parede tremeu, o cimento velho esfarelando com o impacto. O Renegado ficou tonto com a batida, mas não tinha apagado. Ele a atacou outra vez, outro salto violento que atirou os dois pelo beco estreito até a parede do outro lado.

Ela grunhiu com a dor penetrante quando suas costas colidiram com os tijolos. O

Renegado a soltou, deixando-a escorregar até o chão. Ele se balançou nos calcanhares como se preparando para desferir o golpe mortal. Como se tivesse vencido.

O sorriso de Brynne não era seu. Pertencia à fera dentro dela. A fera cujo poder crescia agora, mais letal que qualquer coisa que aquele viciado em sangue desprezível jamais conheceria.

Ela levantou como uma aparição diante do Renegado. Ele não teve chance de reagir, nem chance de impedir a violência que explodia pra fora dela.

Ela o golpeou, rápida como um raio. Seus dedos rasgaram roupas, carne e ossos. O

Renegado urrou quando ela abriu seu peito com golpes, a agonia dele apenas alimentando sua força.

Com a cavidade torácica rasgada, o Renegado berrou e convulsionou em pé. Mas isso não era o suficiente para o monstro enraivecido dentro dela.

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Agarrando o cabelo do vampiro, ela rugiu com a fúria da luta ao arremeter a cabeça do vampiro nos tijolos. O crânio afundou com um barulho repugnante.

Ela o arremeteu várias e várias vezes, perdida em uma violência extraordinária que fervia pelas suas veias como veneno. Ela não sabia o que finalmente clareou sua cabeça para que percebesse que seu oponente estava morto.

Mas não, isso não era verdade.

Ela sabia sim.

O cheio de sangue fresco fez com que erguesse a cabeça da carnificina nojenta que tinha feito.

No chão próximo, o humano estremecia em uma poça de sangue crescente. Ele estava morrendo. Há segundos da cova, indubitavelmente.

Mas seu sangue ainda estava vivo.

E a chamava.

Chamava a besta que vinha rondando a jaula há tempo demais — desde a última vez que finalmente se libertou e se alimentou. Agora estava faminta. Tão severamente que mal conseguia suportar a agonia.

Brynne foi até o homem. Seus olhos arregalados e vidrados provavelmente não registravam o rosto que não era humano que o olhava.

Mas Brynne viu sua aparência.

Na iluminação precária da rua, viu seu rosto refletido na superfície lustrosa do sangue do homem.

Deixou-a com vontade de chorar, aquele reflexo de quem — e do que — realmente era.

Em vez disso, ela se ajoelhou ao lado do Host agonizante... e se alimentou.


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CAPÍTULO 19

 

 

Zael pressentiu a repentina mudança na energia do centro de operações da Ordem antes mesmo de escutar a batida forte das botas no chão de mármore e o som metálico das armas. Seguindo o ruído pela artéria central do centro, encontrou todos os guerreiros vestidos e preparados para patrulha.

Ou melhor, para a batalha.

— O que está acontecendo?

Lucan lhe deu um olhar decidido.

— Renegados. Temos mais de uma dúzia deles soltos no momento.

Zael conhecia o termo derrogatório para um membro da Raça viciado em sangue. Na verdade, provavelmente não havia alguém vivo nos últimos vinte anos — mortal ou imortal —

que não tivesse ao menos ouvido da violência e da carnificina que Renegados provocaram na população humana. Mas fazia muito tempo desde a época que eles representavam qualquer tipo de ameaça, graças, em sua maior parte, ao trabalho da Ordem.

Dificilmente parecia uma coincidência esse tipo de desastre surgir logo em seguida, depois de dois outros ataques chocantes contra a confiança e a segurança pública.

— Acha que a Opus está por trás disso?

— Eles ainda não confirmaram, mas não acho que haja dúvida. Isso tem Opus escrito em caixa alta — Lucan praticamente cuspiu as palavras.

— Recentemente houve ataques isolados de Renegados em outras localidades —

acrescentou Tegan. — Aparentemente, a Opus colocou as mãos em uma substância química que torna qualquer um que usá-la um assassino sedento de sangue.

— Porra, esse déjà vu outra vez — Sterling Chase rosnou ao prender seu arsenal de armas em volta do quadril.

— Sim, é — concordou Dante. — Pegamos um monte de merda e queimamos o resto quando matamos Riordan, mas já havia muita coisa acontecendo.

— E agora é aqui em D.C. — disse Lucan, seu tom sombrio. Ele indicou que os guerreiros começassem a andar. — Nathan já eliminou três Renegados, mas eles estão deixando uma trilha de sangue por Georgetown enquanto falamos.

O estômago de Zael afundou.

— Ai, porra — o alarme que ele tinha sentido ao entrar na sala de armas há um tempinho atrás agora se transformou em um pavor glacial. — Brynne está em Georgetown.

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Lucan assentiu para os comandantes e os outros guerreiros começaram a correr pelo corredor em fileira.

— Ela está com Nathan. Ele a deixou no veículo enquanto foi fazer a verificação. Se ela ficar lá, deve ficar bem até chegarmos.

— Onde? — apesar das garantias, o pulso de Zael bateu a mil e não lhe deu trégua. —

Me diga exatamente onde ela está.

Darion Thorne foi o primeiro a falar.

— Nathan a levava até um salão de Hosts. Fica na Wisconsin Avenue, próximo à M

street.

Zael conhecia a área. Não bem, mas o suficiente para o que precisava no momento.

Com a Ordem e tudo mais excluídos de seus pensamentos, ele pensou na imagem da interseção. Então olhou para o emblema Atlante que balançava na pulseira de couro em seu pulso.

O pedaço de cristal acinzentado respondeu ao seu pedido psíquico com uma explosão de luz.

Ela aumentou, envolvendo-o em seu poder — e então Zael não imaginava mais a interseção de Georgetown, ele estava lá em carne e osso.

A rua estava fantasmagórica em sua quietude, só o grito agudo de um alarme de carro perfurando a noite. Zael começou a andar. Mais à sua frente, um corpo brutalizado estava no chão coberto de sangue perto do capô amassado de um carro. Sangue manchava o asfalto, que também estava cheio de itens que as pessoas aterrorizadas tinham perdido em sua pressa de evacuar a área.

Ele viu o SUV preto e lustroso da Ordem parado no meio-fio, exatamente como Lucan tinha dito que estaria. Mas os pulmões de Zael travaram quando percebeu que o veículo estava vazio, a porta do passageiro entreaberta.

Ele rodou no meio da rua, o olhar buscando qualquer sinal de vida.

— Brynne!

Nenhuma resposta. Só a lengalenga irritante do alarme. Ele o silenciou com um comando mental.

— Brynne! Cadê você?

Seus pés começaram a se mover por vontade própria. Não foi difícil ver em que direção as pessoas foram. Objetos pessoais, sangue e até um corpo destroçado de outra vítima estava pelo caminho.

E então — um sinal amargo, mas esperançoso.

Um Raça, com a cabeça entortada de modo grotesco, como se por uma força violenta e monstruosa.

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Uma das mortes de Nathan, talvez. Zael não se importou muito como o vampiro encontrou seu fim. Menos um Renegado era menos uma ameaça a Brynne.

Ele gritou seu nome outra vez, mas ainda sem resposta.

Correndo agora, percorreu mais uma quadra e então parou ao se aproximar de um beco. A visão — e o cheiro — o fizeram vacilar. Ele não era Raça, mas até ele cambaleou com o fedor de cobre do sangue empoçado no pavimento de dentro do beco.

Ele se aproximou da sujeira, os olhos presos ao par de corpos jogados no chão.

Alívio o invadiu quando viu que nenhum dos mortos era Brynne. Um era um Raça, o corpo mutilado de uma forma que nem dava para descrever. O outro era um humano de constituição leve, cuja palidez de sua pele a fazia brilhar branca como leite na leve luz da lua.

O horror do que claramente havia ocorrido no beco o deixou nauseado. Embora a morte do Renegado tivesse sido brutal, o humano também havia sofrido horrivelmente. A frente de sua garganta estava aberta, sem dúvida pelo Renegado. Outro ferimento de mordida em seu pulso — esse menos violento, e certamente não a causa de sua morte, mas não havia dúvida sobre a aniquilação que ele sofreu.

Zael fitou as duas perfurações e algo perturbador incomodou os seus sentidos.

Ele quis chamar Brynne outra vez, mas o silêncio no beco prendeu sua língua.

Ele não estava só.

Deu um passo para frente e o formigamento em suas veias se tornou um latejar.

— Brynne? — chamou o nome mais uma vez em pouco mais que um sussurro ao levantar a cabeça e olhar para cima, seguindo a parede de tijolos vermelhos que subia pelos dois lados da passagem estreita.

E lá estava ela.

Encolhida no canto de uma escada de incêndio bamba de ferro preto, quatro andares acima.

— Ai, porra... Brynne.

O cristal em seu pulso o colocou lá com ela em um segundo. Ela estremeceu sob o flash de pura energia branca, encolhendo-se para o mais longe dele possível. Seu cabelo escuro era um emaranhado caótico que mal cobria seu rosto, muitas das madeixas ensopadas e duras com sangue seco.

— Está tudo bem — ele disse. — Está segura agora.

O som que ela fez quando ele deu um passo e estendeu a mão para tocá-la fez os cabelos de sua nuca arrepiarem.

O rosnado que saiu dela era angustiado, dolorido... estranho.

— Brynne, olhe pra mim. É Zael. Não vim machucar você.

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— Vá. Embora.

Se não a estivesse vendo com os próprios olhos, nunca teria acreditado que a voz retorcida e grave pertencia a ela. Ela manteve a cabeça baixa, os braços em volta dos joelhos.

Seus pés estavam descalços, a pele de cima coberta com dermaglifos. Cores escuras apareciam e pulsavam em tons furiosos e mutáveis também nas costas das mãos.

Ele olhou mais de perto, o olhar se prendendo a algo peculiar em seus dedos.

Suas unhas... elas estavam negras.

Não, unhas não, ele percebeu agora.


Garras.

Afiadas como navalhas, as unhas brilhavam tão negras como obsidiana.

— Brynne — murmurou. — Deixa eu te ver. Deixa eu te ajudar.

— Você não pode — sua resposta foi uma chicotada raivosa. Ela mexeu a cabeça brevemente, dando um gemido. — Vá embora, Zael. Por favor.

— Não. Não dessa vez. Está me afastando quando é óbvio que está com problemas e precisa de ajuda...

— Eu falei para ir embora!

Finalmente ela levantou a cabeça. Mas não era Brynne que o olhava com ódio. Zael ficou boquiaberto ao ver a luz âmbar derretida que saía de seus olhos. Pupilas finas presas nele com ira — com uma intenção espantosamente letal. Glifos surgiam por todo seu rosto agora, chamando atenção para os ângulos mais acentuados das maçãs do rosto e testa, e o comprimento enorme das presas.

Não era Raça, por que nem mesmo os mais antigos Gen Um se transformavam assim nas dores de sua fome.


Brynne era outra coisa. Outro ser.

Algo que Zael e seu povo não viam de perto há milhares de anos.

O rosto belo e atormentado que o fitava agora em uma fúria perigosa era o rosto de um Antigo.


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CAPÍTULO 20

 

 

Os Renegados corriam por Georgetown como um bando de cachorros selvagens.

Com os rostos vermelhos de sangue humano, olhos brilhando como brasas amarelas nos rostos ferozes, mais dois machos uivando cercaram a rua vazia onde Lucan estava, ao lado do corpo de outro que ele tinha acabado de deter há um segundo com uma bala de titânio na cabeça.

Como humanos que usam drogas pesadas que aumentam a adrenalina, Renegados não paravam com facilidade. Era preciso força bruta ou um monte de bala — às vezes a combinação dos dois. Titânio ajudava. O metal era um veneno altamente corrosivo para o organismo doente de um Renegado, como evidenciado pela sujeira fritando próxima às botas de Lucan. O Renegado morto não passaria de cinzas em alguns minutos.

Lucan se virou para dar o mesmo fim no par de recém-chegados que agora se aproximavam dele no meio do pretensioso centro comercial de Georgetown. Ele eliminou o primeiro com um único tiro de titânio entre os olhos — antes de perceber que era a última bala.

Ai, porra.

O segundo Renegado rugiu quando seu companheiro caiu e se transformou em uma poça de carne e osso derretida. Ele correu para Lucan, cabeça abaixada e dentes estalando.

Lucan pegou sua pistola reserva e atirou múltiplas vezes, mas o chumbo só fez irritar o Renegado. O vampiro saltou em Lucan, não lhe deixando escolha a não ser encarar a ameaça de frente.

Eles colidiram e rolaram pelo pavimento.

Lucan se virou para retirar a faca de titânio da bainha em seu cinto quando as presas do Renegado se aproximaram de seu rosto e garganta com uma velocidade descomunal.

Finalmente ele conseguiu soltar a faca.

Com o Renegado lutando para ganhar vantagem, ele se deixou aberto para um ataque.

Foi um erro fatal. Lucan enfiou a faca na lateral do corpo do vampiro. O berro resultante foi ensurdecedor, puramente animal. Com o Renegado convulsionando devido ao ferimento, Lucan empurrou o corpo para longe de si e se levantou.

Não foi até se levantar que ouviu a respiração de outro Renegado às suas costas.

Ele virou para encará-lo, vendo o Renegado se preparando para se lançar sobre ele.

Mas em vez de saltar, o vampiro parou abruptamente, e então caiu no chão como peso morto.

Dante estava a alguns metros, uma das suas adagas curvadas de titânio plantada solidamente na coluna do Renegado.

Lucan acenou com a cabeça.

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— Obrigado.

O guerreiro arqueou uma sobrancelha escura.

— Como os velhos tempos, hein? — Ele se aproximou e recolheu a arma, limpando-a na jaqueta do Renegado em processo de desintegração. — Se essa merda continuar assim, Nikolai pode ter que vir nos trazer mais balas de titânio do seu centro de comando em Montreal.

Lucan grunhiu ao se lembrar do guerreiro nascido na Sibéria e com uma queda por armamentos e explosivos.

— Antes as coisas eram diferentes. É muito mais fácil abafar ataques isolados de um ou dois inimigos por vez. A Opus é global. E eles estão garantindo para que sejamos pressionados por todos os lados.

Como se a presença de Renegado em uma cidade metropolitana importante nos Estados Unidos já não fosse problemático, antes da Ordem sair do centro de comando esta noite eles receberam mais notícias ruins. Gideon ficou sabendo que todos os três comandantes europeus também relataram um aumento na atividade dos Renegados em suas respectivas regiões.

— Os ataques continuam — observou Dante, com uma expressão de desgosto. —

Odeio ter que adivinhar o que a Opus pensa em fazer enquanto nos mantém ocupados brincando de Whack-a-Mole2 com Renegados e com ataques isolados a organizações governamentais.

Lucan também não queria adivinhar, mas eles precisavam fazer isso se queriam ficar a frente o suficiente para acabar com a irmandade.

— A não ser que Gideon quebre aquela criptografia da rede de comunicação deles, não vamos ter muitas cartas no jogo.

— Temos a Companheira de Raça em custódia com Rafe e Aric — assinalou Dante. —

Se ela puder identificar os homens que mataram Iona Lynch, podemos começar daí e seguir a trilha até a Opus.

Ele tinha razão. Mas as recordações de pânico de uma testemunha ocular abalada e ferida dificilmente seria a chance que Lucan gostaria de ter. Ainda assim, Siobhan O’Shea era uma pista melhor que nenhuma. E era por isso que ele tinha instruído Rafe e Aric a deixá-la bem perto por enquanto.

E apesar de Lucan esperar que as coisas não fossem piorar a ponto de exigir isso, a Ordem também tinha uma na manga para usar contra a Opus, caso preciso.

O cristal Atlante.

Depois de testemunhar seu poder com Zael e Jenna no outro dia, Lucan não podia negar que quase só pensava nisso. Se dois cristais foram usados pelos Antigos para destruir o 2 Jogo de tentar parar algo que aparece repetidamente de maneira aleatória.

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reino inteiro de Atlântida, então nada — e ninguém — seria capaz de impedir a Ordem se eles tivessem outro em seu poder.

Zael tinha revelado quando eles se encontraram pela primeira vez, que um grupo de Atlantes que fugiram do reino e formaram sua própria colônia levaram um cristal com eles. A Ordem tinha a aliança de Zael, mas Lucan temia que pudesse chegar um dia — e em breve —

que eles também precisariam de sua ajuda para construir uma arma capaz de terminar qualquer guerra antes que ela tivesse a chance de começar.

Enquanto o pensamento agitava sua mente, Chase emergiu das sombras de uma rua lateral e veio na direção deles.

— Algum sinal de Brynne? — perguntou Lucan.

Chase negou com a cabeça.

— Achei o SUV onde Nathan disse que estaria, mas está vazio. Parece que ela saiu por vontade própria e fugiu a pé. Não há sinal dela em lugar algum pelo que eu vi.

Dante deu de ombros, sorrindo.

— Do jeito que Zael sumiu em um puf da sede quando se falou dela, tenho o pressentimento que quando o encontrarmos, também localizaremos Brynne. Falando nisso, onde é que coloco o nome para conseguir um daqueles braceletes legais de teletransporte Atlantes?

Chase gargalhou, mas Lucan não conseguiu achar graça.

— Zael e Brynne escolheram um péssimo momento para o que quer que esteja acontecendo entre eles. Não podemos nos dar ao luxo de distrações assim no centro de comando quando merda é atirada pra todo lado.

Dante arqueou uma sobrancelha.

— Vamos falar dos velhos tempos. Eu me lembro de você dizendo isso para vários de nós. Sem dúvida disse a mesma coisa a si mesmo quando Gabrielle apareceu.

É, ele disse. Era um argumento que não podia vencer agora, mas não queria dizer que tivesse que gostar daquilo.

— Fiquem de olho nos dois — instruiu os dois guerreiros. Ao falar, sua unidade de comunicação tocou em seu ouvido com uma chamada de Tegan, que comandava outra das equipes de patrulha que tinham se espalhado para cobrir mais chão. — Qual é a situação?

— Seis Renegados tostados entre o parque e a universidade — disse Tegan. — Está tudo limpo por aqui. Rio e Kade estão com Nathan perto do centro do governo e avistaram outra gangue de Renegados por lá.

Lucan soltou um palavrão. Desse jeito, a noite seria longa.

— Estou com Chase e Dante. Estamos indo pra lá.

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CAPÍTULO 21

 

 

Se ela precisava de confirmação sobre o quanto estava repugnante neste momento —

um monstro — ela a teve.

Zael ficou totalmente imóvel no instante em que seus olhos contemplaram sua transformação. Ele disse um palavrão em voz baixa, algo em uma língua que ela não entendeu.

— Brynne — ele murmurou. — Meu Deus...

Seu coração torceu com o tom estupefato da voz dele. Ela sabia o que ele via. Sabia o que era — o resultado imperfeito e desequilibrado de um experimento de DNA que nunca deveria ter acontecido.

Uma anomalia.

Um erro.

Uma abominação.

Ela saiu lentamente de sua posição no canto da velha saída de incêndio. Zael a observava, sua posição cautelosa, bem como sua expressão confusa. A predadora nela se encheu de satisfação ao ver um ser poderoso como Zael vigilante. Esta era uma parte sua que a preocupava também, por que quando o monstro a dominava, nem mesmo ela conseguia domá-lo.

— Fique longe, Zael. Estou avisando.

— Me conte o que aconteceu. Tudo bem, Brynne. Eu só quero entender.

Ela zombou, certa que a suavidade que ouviu no tom dele era baseada em pena ou repulsa. A sua parte não humana preferia sua cautela do que a tentativa compassiva de deixá-

la tranquila.

Ela deu um passo de lado, seguindo a grade da saída de incêndio.

— Você está machucada? — perguntou ele com gentileza. — Me diga o que há de errado para que eu possa tentar ajudar.

Ela não conseguiu conter o gemido infeliz que soltou ante a sinceridade de seu pedido.

Ele não podia ajudá-la e ela não podia ficar perto dele. Não quando estava assim.


E nunca mais, agora que ele sabia o segredo sujo que não podia mais esconder.

— Brynne, por favor. — Suas sobrancelhas juntaram acima dos olhos carinhosos e determinados. — Está ferida? Aqueles filhos da puta sedentos de sangue... Eles de alguma forma fizeram isso a você?

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Uma risada explodiu dela, cáustica, áspera como cascalho em sua garganta.

— Aqueles Renegados não poderiam me machucar nem se tentassem. Não vê isso?

Ela não queria desprezar toda aquela preocupação dele, mas a predadora nela sempre era mais forte com o efeito da sede de sangue ou da fúria de uma luta. Agora, Brynne estava cheia dos dois. Abastecida pela fome e pela adrenalina, era uma criatura mortífera.

Por mais que a mulher dentro dela desejasse o conforto de Zael — sua compaixão — a parte dela que agora era quase puro Antigo só via mais um obstáculo pela frente. Um inimigo que reconhecia em um nível primitivo e instintivo.

Um que precisava ser destruído.

— Vá, Zael — seu olhar banhou o rosto lindo dele com uma luz âmbar. A preocupação que viu em sua expressão, no jeito que olhava sem piscar para os seus olhos transformados, rasgou seu coração de um modo que nada fez antes. Ela rosnou se forçando a tirar os olhos dele. — Eu disse para me deixar sozinha, porra.

— Desculpe, querida. Isso não vai acontecer — ele deu um passo até ela na plataforma de ferro estreita. — Acha que vou embora e te deixar sozinha assim? Vamos, Brynne. Deixa eu te ajudar.

Ele tentou tocá-la. Brynne desviou, pulando da escada em um salto fluído.

Ela caiu agachada na rua, preparada pra sair em disparada.

Mas Zael estava lá um segundo depois. Ela mal registrou seu movimento, mesmo assim lá estava ele bloqueando seu caminho no beco. Sua cara fechada franzia as sobrancelhas.

— Não faça isso, droga. Não me afaste, Brynne.

Seu tom gentil fez a fera nela se irritar.

— Saia de perto de mim, Atlante.

Ele fez que não, obstinado. Imóvel. Tão perigosamente tolo.

— É por isso que vem me afastando? Por que tem medo que eu a veja assim? — Ele praguejou, a carranca aumentando. — Não precisa ter medo de mim, Brynne.

— Medo de você? — A predadora quase cuspiu as palavras. — Nunca.

Seu veneno não pareceu abalá-lo. Zael manteve o olhar, até deu outro passo até ela.

— Você não está sozinha. Não vê isso?

— Você está errado. Eu sou sozinha. É você que não vê isso — ar quente soprou de sua boca, trêmulo e irregular. — Fui sozinha a vida toda. Este foi o único modo que eu sobrevivi.

Ele sacudiu a cabeça suavemente.

— Não tem que ser assim. Não mais.

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Ela o olhou com desconfiança quando ele se aproximou mais. Seus sentidos cheios dele, do cheiro deliciosamente morno de sua pele ao calor que irradiava de seu corpo musculoso. Sua cabeça se encheu reconhecendo-o como um homem, como o único homem que ela desejou mais do que qualquer outro.

— Me conte tudo, Brynne. Pode confiar em mim.

Ela balançou a cabeça em uma resposta automática, dividida entre querer acreditar nele e querendo que fosse para o mais longe possível. A visão se prendeu em sua garganta quando ele se aproximou mais. A batida de sua pulsação ecoava em seu crânio, têmporas, medula. Ela a fitou, fascinada pelos batimentos cardíacos fortes, como ficou quando eles ficaram juntos, nus na cama.

Que Deus a ajudasse, mas a fome que sentia dele parecia não ser do monstro e sim da necessidade de sentir Zael dentro de si, confortando-a com seu corpo e sangue.

Com um grunhido, ela o evitou. Ou melhor, tentou. Zael a impediu, o corpo plantado na sua frente, fisicamente bloqueando sua saída.

— Maldição, Zael. Saia da minha frente e me deixe passar.

Ele ignorou todos os seus avisos. Ignorou a rouquidão de sua voz, que deveria lhe dizer o quanto ela estava próxima de seu limite.

E era tarde demais agora, era demais para suportar.

Fúria cresceu dentro dela, soltando-se de sua corrente. Ela o empurrou, mas ele também era forte. E era rápido. Ele agarrou suas mãos e a imobilizou.

Ela rugiu, sem mais controlar seus sentidos nem reações.

A besta a possuía agora.

O poder monstruoso que ela não podia conter explodiu e ela só sabia que era letal desse jeito. Não conseguia se controlar — nem mesmo com Zael. Ela soltou um rugido, fúria angustiada e desvairada fazendo-a atacar.

Ela se libertou das mãos dele e se atirou para cima dele como um diabo.

Zael ergueu as mãos como se para impedi-la. Elas estavam brilhantes, os dedos delineados por pura luz branca. No centro das palmas, o símbolo de uma lágrima e de uma lua crescente se iluminava com uma energia tão pura que a cegava.

Não conseguiu lutar. Não conseguiu lutar contra ele.

O poder de Zael era forte demais.

Ele a tocou, e luz imediatamente engoliu sua visão. A luz dele. Derramou-se dentro dela, apagando seus sentidos ao penetrar sua mente e membros, bem como cada célula de seu corpo.


~ ~ ~

105

 

Zael se ajoelhou no pavimento, segurando Brynne nos braços. Ela estava inconsciente, imóvel, exceto pelo peito que subia e descia com a respiração.

Odiava ter usado seu poder nela — por inúmeras razões — mas ela não tinha lhe dado muita escolha.

Brynne já era formidável como Raça. O que viu nela neste instante era algo bem mais letal.

Antigo.

Ou algo bem próximo disso.

Não sabia como era possível, mas a prova estava bem diante de seus olhos.

Se as relações entre os Raça e seu povo eram frágeis, não era nada comparado ao ódio visceral que cada Atlante sentia por seus inimigos que tinham dado origem aos Raça na Terra. Esse ódio era especialmente forte em Zael e em seus antigos companheiros da legião real de Selene, que estiveram na linha de frente em todas as guerras com os Antigos.

Apesar do que ele via em Brynne agora, não era ódio que sentia por ela.

Inferno. Longe disso.

Olhando para ela, assistiu enquanto seus dermaglifos que tinham ficado tão vivos e pronunciados em seu rosto, pescoço e membros agora começarem a clarear. Os glifos nas costas das mãos tinham desaparecido, junto com as garras negras que brotaram dos dedos em sua transformação. Ela descansava agora, forçada a uma pesada calma.

A luz tinha feito isso com ela, exatamente como ele esperava.

Não sabia do que ela precisava, mas uma coisa era mais do que certa — não tinha intenção de sair de seu lado. Nem deixaria que suportasse seu tormento sozinha.

Precisava tirá-la da cidade. Precisava ver que estava segura.

Os dois precisavam ir a um local seguro antes que a imprudência de usar seu poder trouxesse ainda mais problemas.

Embora ele pudesse teletransportar usando o amuleto de cristal em seu pulso, não poderia levá-la com ele desse modo. Só Atlantes podiam se conectar com a energia e usá-la para ir de um local a outro.

Pegando-a nos braços, levantou-se e a levou do beco. A cidade estava silenciosa, sem sinal dos guerreiros naquele espaço vazio e escuro de asfalto.

Zael sentiu uma pontada de culpa ao se esconder com Brynne no beco quando Chase passou mais cedo procurando por eles. A Ordem era sua aliada, mas se os guerreiros tinham o direito de saber do segredo que Brynne guardava, seria nos termos dela e de mais ninguém.

Na rua principal, o SUV da Ordem ainda permanecia vazio. Zael levou Brynne ao veículo e cuidadosamente a colocou no banco do passageiro. Não conseguiu se conter em 106


acariciar sua bochecha. Ela se moveu levemente, mas as pálpebras continuaram fechadas.

Seu rosto estava relaxado e tranquilo no sono, tão doce e inocente quanto uma gatinha.

Zael olhou para a beldade de cabelo escuro que tinha entrado em sua vida tão inesperadamente e a virado de cabeça pra baixo. Não podia negar o sentimento de possessividade — de proteger ferozmente — que o percorria enquanto a olhava.

Brynne Kirkland não era uma gatinha indefesa precisando ser salva. Ela seria a primeira a dizer isso, muito provavelmente mostrando as presas e garras no instante que acordasse do cochilo em que a colocou.

E pelo que viu aqui hoje, ele faria bem em manter certa distância.

Droga, se ele fosse inteligente, deixaria Brynne e seus problemas para que a Ordem resolvesse e desapareceria de volta à colônia e ao seu povo, onde era seu lugar.

Só que não conseguia ficar longe dessa mulher. Não desde aquela primeira manhã no pátio da Ordem. E com certeza não depois de ver a angústia em seus olhos quando se deparou com ele, parecendo algo vindo de um pesadelo.

Ela poderia lutar o quanto quisesse. Poderia odiá-lo por se recusar a fazer o que ela implorava e deixá-la em paz.

Não mudaria o que sentia ao olhar para ela agora.

Ela era sua.

Zael fechou a porta do passageiro e depois subiu no assento do motorista do SUV.

Assim que ligou a ignição, o comunicador do painel se iluminou com o rosto de Gideon no monitor.

— Zael — disse o guerreiro, surpresa em sua expressão. — Jesus, por onde andou, cara? Eu mandei duas equipes pela cidade atrás de você. Algum sinal de Brynne?

Ele assentiu.

— Ela está aqui comigo.

— Fico feliz. Está ferida?

— Não — Zael olhou para ela descansando no banco ao lado dele. Não havia sinal de perturbação em suas feições. Nada do Antigo que espreitava sob sua pele. — Ela está bem —

disse Zael. — Estou levando ela agora.


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CAPÍTULO 22

 

 

Brynne acordou assustada do pesadelo mais perturbador que já sofreu há um bom tempo. Sua respiração acelerou, saindo áspera por entre seus lábios. Sua cabeça latejava. Pior de tudo, sua garganta estava ardendo e amargando com o gosto de sangue.

Ela gemeu, os olhos se abrindo um pouco na calma semiescuridão. Colchão macio debaixo dela. Teto alto emoldurado por uma copa elegante acima.

Graças a Deus.

Ela estava dormindo em sua suíte no centro da Ordem, não jogada em um beco escuro de Georgetown com um Renegado morto aos seus pés e as presas afundadas no pulso de um humano quase morto.

Nem estava na frente de Zael, ensopada de sangue e fervendo de ódio, exposta a ele como o monstro que realmente era.

Por favor... isso não.

E ainda assim, as imagens lhe vieram vividamente demais para se tratarem de um sonho. Nem mesmo um dos terrores noturnos que a assombravam tão frequentemente desde sua época nos laboratórios de Drago conseguiram se comparar ao tormento sensorial que a abalava agora.

Ela virou a cabeça no travesseiro e sentiu vontade de vomitar ao sentir o odor forte e metálico de sangue seco em seu cabelo. As pontas das longas madeixas estavam duras e emaranhadas, fedendo a morte.

O sangue era real, não imaginário.

Não era um sonho.

— Não! — Ela pulou no colchão de calcinha e sutiã, tocando no cabelo com horror e repulsa. — Oh, não... Não!

Mãos mornas descansaram em seus ombros. Calma permeou seu pânico, e percebeu que era o toque de Zael nela agora, sua voz grossa ao seu ouvido quando ele veio sentar ao seu lado na cama.

— Shh, tudo bem. Você está segura, Brynne.

— Não — ela tremia, seu coração martelando sua caixa torácica. — Não está bem.

Libertando-se dele, foi até a beirada do colchão. Seu estômago revirava de nojo pelo que tinha feito.

Pelo que Zael deve ter visto.

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Ela se sentia nua, exposta. Enojada consigo mesma por incontáveis motivos, incluindo o fato de olhá-la com uma empatia e uma compreensão que ela não merecia.

— Minhas roupas...

— Elas não serviam mais — ele disse. — Eu as tirei para que você ficasse mais confortável.

Franzindo as sobrancelhas, ela olhou para a porta fechada que a trancava dentro do quarto com ele. Não lembrava de ter voltado. Não lembrava nada depois da explosão ofuscante de luz que havia enchido sua cabeça.

— Como eu...?

— Eu a trouxe de Georgetown — ele respondeu ao se levantar ao seu lado. — Quanto ao resto, disse a Tavia e a todos os outros que a encontrei inconsciente no beco. Disse a eles que acho que você devia ter desmaiado depois de lutar com um Renegado.

— Desmaiado — ela debochou baixinho, apontando para as mãos dele. — Eu vi suas palmas brilharem. Você as usou em mim. Me apagou.

Ele a fitou, uma faísca de remorso nos olhos. Ainda havia um instinto de combate dentro dela que era atiçado ao pensar que foi subjugada por alguém — mesmo que seu comportamento pedisse. Mas era difícil se agarrar à sua raiva contra Zael, sabendo que lhe deu pouca escolha a não ser se defender.

Ele poderia ter feito o que quisesse com ela naquele beco depois de subjugá-la com a sua luz, até mesmo matá-la. Em vez disso, trouxe-a de volta à proteção do centro de comando.

Ele sentou ao seu lado enquanto dormia. Agora estava ali oferecendo conforto quando ela não o culparia se não quisesse mais nem chegar perto dela.

Em vez de lhe dar as costas por medo ou aversão, ele tinha tomado conta dela.

Protegido. E ainda protegia.

— Mentiu para a minha irmã e para a Ordem por mim.

Ele veio em sua direção.

— Achei que iria querer contar a eles. Quando estiver pronta.

— Não. Eu nunca vou contar. Eles nunca mais vão me olhar do mesmo jeito.

A ideia de permitir que mais alguém soubesse o que realmente era lhe deu um calafrio.

Ela tinha protegido esse segredo por toda a vida, mantendo-se isolada, devotando-se ao trabalho por que era a única coisa na qual podia se agarrar. A única coisa que possuía.

Mas agora havia Zael.

Odiava que ele a tivesse visto daquela maneira no beco.

Por mais que a tratasse bem agora, ela não podia se iludir em achar que ele chegaria a se esquecer do que ela era. Pela própria segurança dele e por sua paz, esperava que ele finalmente se afastasse de vez.

109


Ainda assim ele só se aproximava.

Quando ela tirou mais mechas sujas de sangue do rosto, ele segurou sua mão gentilmente. Sacudiu a cabeça ao entrelaçar os dedos nos seus.

— Venha comigo, Brynne.

Ele a guiou até o banheiro, deixando-a apenas o tempo necessário para ligar a enorme ducha.

— Vamos limpar você — disse colocando as mãos em suas costas para abrir seu sutiã.

Ela queria protestar sobre seu tratamento cuidadoso, mas sua necessidade de conforto superou todas as suas velhas defesas. Ela estava infeliz e aflita, e tão cansada. Cansada de se esconder. Cansada da solidão.

Seu sutiã caiu. Zael pegou em sua calcinha e a deslizou pelo seu quadril, coxas, e depois se abaixou para ajudá-la a sair da peça. Aquilo não era sexual, e ainda assim não pôde evitar responder a cada toque leve dos seus dedos e ao seu cheiro tentador por ele estar tão perto a ponto dela sentir o calor de sua pele.

Seus dermaglifos começaram a escurecer com cor conforme seu desejo despertava.

Ela nunca teve vergonha da sua parte Raça. Mas ela também era Antigo, e por causa disso, levantou as mãos para se cobrir quando suas marcas se destacaram, brilhando cores pela sua pele.

— Não — ele murmurou. — Você não vai mais se esconder de mim. Não depois de hoje.

Ela engoliu em seco quando ele afastou suas mãos.

— Zael...

Sem dizer uma palavra, ele a guiou até o box aberto do chuveiro. Ela entrou, grata pelo jato quente. Às suas costas, ela ouviu Zael se mexer, também tirando as roupas. Ele entrou no chuveiro atrás dela, sua presença gerando outro tipo de calor.

Ela suspirou de prazer quando ele silenciosamente recolheu seu cabelo, e então a virou para encará-lo debaixo d’água. Uma corrente vermelha descia em espiral em volta dos pés deles enquanto o sangue escorria pelo ralo. Sem falar, Zael pegou um frasco de xampu e colocou um pouco na mão. Ele lavou o resto da imundície de seu cabelo, os dedos penteando os nós, e então guiou sua testa até o ombro dele enquanto massageava a espuma em seu couro cabeludo e aliviava os nós de tensão de sua nuca.

Ninguém — não em toda sua vida — nunca tinha cuidado dela desse jeito.

Que Zael fizesse isso agora, depois de tudo que viu nela hoje, simplesmente a deixava sem reação.

Como se entendesse a profundidade de sua fatiga e gratidão, ele levantou seu queixo e acariciou sua bochecha com ternura.

— Coloque a cabeça para trás, amor.

110


O tratamento carinhoso fez aquele ponto frágil em seu peito apertar ainda mais. Ela fez como o instruído, colocando a cabeça para trás para que o jato enxaguasse o xampu. Era impossível não notar como seus seios nus se esfregaram nos músculos do peito dele. Seus mamilos endureceram quando ele correu os dedos pelo seu cabelo molhado, enxaguando a espuma com uma mão e segurando-a na lombar com outra.

Quando seu cabelo estava limpo, ele ensaboou seu corpo com o mesmo cuidado, demorando-se, massageando cada centímetro com dedos fortes e mãos meticulosas. Brynne sentiu vontade de chorar pelo presente que ele lhe dava. Não só o conforto físico do seu toque e atenção, mas o presente muito maior de sua confiança.

Sua confiança inquestionável.

Ela fechou os olhos com a abençoada sensação das mãos dele se movendo pelo seu corpo, afastando sua fadiga com carícias.

— Eu tinha vinte anos quando percebi o que era.

Sua voz soava rouca, as palavras abafadas pelo barulho do jato. Quando ela abriu os olhos, achou os olhos azuis de Zael presos nela. Ele tinha colocado o sabonete de volta na saboneteira e agora a água morna escorria pelos seus braços e torso.

— Nunca conheci os meus pais — ela riu perante o termo, franzindo a testa ao recordar as circunstâncias de seu nascimento. — Um experimento de laboratório tem pais?

Zael ficou imóvel, estudando-a. Esperando que ela encontrasse as palavras.

— Eu fui uma de muitas... crias que saíram de um laboratório comandado por um louco chamado Dragos. Ele estava tentando criar um exército, um que tivesse especificações exatas para atender às suas necessidades — ela sacudiu a cabeça. — Ele tinha o último Antigo vivo sob seu controle lá. E tinha Companheiras de Raça. Dúzias delas, todas enjauladas como animais do programa de procriação.

O palavrão expelido por Zael foi baixo e totalmente profano.

— Conheço o bastante do nome Dragos para ficar feliz que o desgraçado tenha morrido há vinte anos. Mas eu não sabia disso, Brynne.

Ela conseguiu dar de ombros, mesmo que seus sentidos sofressem pela lembrança de tudo que Dragos tinha feito.

— O laboratório dele operou durante décadas antes da Ordem matá-lo. Ele usou o Antigo e as Companheiras de Raça para produzir grandes quantidades de assassinos chamados Hunters. E por causa desse programa ter tanto sucesso, Dragos começou outro.

Mas em vez de procriar pelos meios convencionais, ele decidiu começar a brincar com DNA.

Zael não falou nada, e por um longo momento o único som era o chiado do chuveiro.

— Ele reparou e refinou, e eventualmente produziu a primeira Raça mulher. Muitas das cobaias não sobreviveram. Mas algumas — como Tavia, eu e um pequeno número de outras

— conseguiram chegar à idade adulta.

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Zael franziu o cenho.

— Então está dizendo que Tavia... que além de ser uma Caminhante do Dia, ela é...

como você?

— Mais monstro que Raça? Não — Brynne riu sem humor algum, tendo escutado a esperança em sua voz cautelosa. — Ela não sabe nada sobre o que sou. Até onde sei, sou a única cujo DNA deu defeito. Antigo demais na minha placa de Petri e pouca humanidade. Eu nunca deveria ter saído do laboratório com vida. Eu fui um erro. Dragos deveria ter me matado.

Ele parecia gostar de tentar, assim que percebeu o que havia criado. Mas não é fácil matar um monstro, mesmo quando é só uma criança. A dor passa. Os ferimentos cicatrizam. Ele fez um jogo disso, tentando testar os meus limites, vendo o que eu podia suportar enquanto ele me mantinha drogada e contida. As coisas que ele fez comigo... — Ela abandonou aquela linha de pensamento, sem disposição para revisitar o pior de seu cativeiro e abuso no laboratório. —

Quando fiquei velha e forte demais para os seus jogos, ele me colocou em confinamento e me deixou lá.

O rosnado de Zael parecia mais que ameaçador, mas seu toque em seu rosto extremamente leve.

— Por quanto tempo?

Ela deu de ombros.

— Anos. Eu não soube até depois que a Ordem o matou e os servos dele que vigiavam o laboratório também morrerem.

— Servos que ele criou — adivinhou Zael. — E que morreram quando seu criador pereceu.

— Sim. Muitos dos prisioneiros de Dragos escaparam nesse dia. Eu saí da minha cela e fugi. Continuei correndo sem rumo. Eventualmente, acabei em Londres. Lá eu comecei uma nova vida.

— E quanto a Tavia? Ela dividia o cativeiro com você?

Brynne negou.

— Ela me disse que foi enviada para viver com um servo tratador quando ainda era criança. Também mentiram para ela, não falaram o que era. Dragos garantiu que seu metabolismo Raça fosse reprimido com medicamentos e o seu tratador a fez acreditar que ela precisava deles por que era doente.

— Ela sabe o que aconteceu com você no laboratório?

— Não — Deus, só a ideia a fazia se encolher de humilhação. — Eu deixei que pensasse que participei do mesmo programa que ela. Pareceu mais fácil assim. Mais fácil para que eu continuasse a viver a mentira que escolhi, não a que Dragos me forçou.

Zael a estudou seriamente.

— Mais cedo ou mais tarde, não acha que terá que contar a verdade?

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— E vê-la morrer de medo por si mesma e por todos com quem se importa? — Brynne não conseguiu conter o som de angústia estrangulada que borbulhou em sua garganta. — Ela me odiaria por ter mentido esse tempo todo, Zael. Mas não antes que eu visse sua pena pelo que Dragos me fez. Ele teria me feito um favor se tivesse arrancado logo a minha cabeça e finalmente me matado.

— Não diga isso — Zael sussurrou com vigor. — Nem pense nisso.

— É verdade. Você mesmo viu hoje. Eu sou um monstro, Zael — ela se surpreendeu por conseguir falar isso tão bem. Palavras que nunca disse antes. Pra ninguém. Nunca. —

Toda vez que me alimento, perco uma parte do que sou. E se eu não me alimentar, se adiar por não poder suportar o que me torno, então quando finalmente me sacio, tudo é muito pior.

Se eu me sentir ameaçada ou se estiver dominada pela raiva, é a mesma coisa. Não posso controlar.

— E se tivesse um companheiro? Um Raça.

Ela levantou a cabeça, surpresa. Ouvi-lo sugerir isso a alfinetava, mesmo que fosse uma pergunta sensata.

— Nunca — respondeu, chocada com a ideia. — Como posso esperar que alguém divida a vida comigo quando não tenho certeza se não vou acabar machucando essa pessoa?

Ou coisa pior?

Ele passou os dedos pelo seu braço, os olhos procurando pelos seus.

— Um laço de sangue com um Raça não a ajudaria a suportar? Não sou especialista nisso, mas eu entendo que o laço fortalece os dois indivíduos ligados.

— E se no meu caso não fortalecer? O laço de sangue não tornou os Antigos menos monstruosos. Não evitou que os piores deles assassinassem seus companheiros — ela sacudiu a cabeça com veemência. — Eu tentei te dizer, Zael. Eu sou sozinha por um motivo.

Por escolha.

Ele tocou sua bochecha.

— Você não me machucou hoje.

Ela o olhou com ironia.

— Só por que me deu uma dose de tratamento de choque Atlante antes de eu ter a chance.

Ele não sorriu com a sua tentativa de frivolidade.

— Eu não deveria ter feito aquilo. Usar meu poder assim foi um risco que eu nunca deveria ter corrido — ele a olhou, a expressão séria. — E se eu te machuquei, Brynne...

— Não machucou — ela tocou a bochecha dele. — Não me machucou. Você me ajudou.

O cenho franzido dele aliviou apenas um pouco.

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— Isso era tudo o que eu queria. Dava pra ver que estava sofrendo e eu tinha que ajudar — ele passou o braço por ela para fechar a água. — Não ia te deixar.

Ela fitou os seus olhos azuis brilhantes, golpeada pelas palavras e pela sua paciência com ela. Como ele conseguia irritá-la com sua ousadia autoritária e recusa em deixá-la em paz, e ao mesmo tempo derreter seu coração?

Agora que o ruído do chuveiro foi silenciado, estava mais que ciente das batidas rápidas e pesadas de sua pulsação. Estando tão próxima de Zael, também ouviu o coração dele bater.

Não conseguiu resistir e colocou a mão na pele bronzeada e musculosa de seu peito.

Ele a tocou também, roçando as pontas dos dedos em um mamilo, depois no outro, a carícia leve, sem exigir nada. Uma leva de excitação surgiu, e ele respondeu com um rosnado baixo e aprovador.

Seu pau estava ereto desde que ele entrou no chuveiro com ela, mas agora ficou ainda mais duro no espaço estreito entre seus corpos nus.

— Tenho medo, Zael. — Aquela aparentemente era uma noite para confissões, por que essas também eram palavras que ela nunca disse a ninguém na vida. — Você me assusta.

Assusta desde o primeiro dia que eu te vi.

Ele levantou seu queixo, olhando em seus olhos ao baixar a boca para a dela. O beijo queimou seus sentidos, apesar da gentileza. Ele respondeu a todos os seus medos, mais do que palavras poderiam.

Nunca teve alguém que cuidasse dela do jeito que ele cuidou hoje. Não sabia que poderia apreciar o toque de outra pessoa desse modo, nem que precisasse do conforto alheio tão profundamente.

Não, não de alguém.

Só daquele homem.

Só de Zael.

E sim, isso lhe dava medo.

A profundidade do que estava começando a sentir por ele a aterrorizava.

Ele tocou no seu rosto com a mão enorme e ela se voltou para o seu toque, pressionando os lábios nos centro da sua palma, no ponto que ele tinha brilhado mais cedo.

Sua língua saiu para sentir o gosto e ele grunhiu baixo e de modo primitivo.

Foi o único aviso que lhe deu antes de pegá-la nos braços.

Com o cabelo pingando e os corpos ainda molhados do banho, ele entrou no quarto com ela.


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CAPÍTULO 23

 

 

Brynne era leve em seus braços, o rosto aninhado em seu peito quando Zael a carregou até o quarto. Ele a apertava, esperando que não sentisse a fúria que corria por ele depois de ouvir o que ela tinha sofrido nas mãos do homem que a criou.

Ele fervia pelas outras coisas que ela não disse.

Um abuso tão hediondo que ela não conseguia expressar em palavras. Mas ficou evidente pelo tormento em seu rosto. O que fizeram com ela fisicamente não deixou evidências em seu corpo. Seu metabolismo avançado teria cuidado disso. Eram as outras cicatrizes que levava dentro que obviamente a feriram muito mais.

Zael queria rugir sua raiva pelo que ela sofreu.

Nunca mais. Não enquanto vivesse para impedir que ela voltasse a saber o que era sofrer dor ou crueldade.

Ela nunca teria que ficar sozinha, trancafiada em uma prisão que ela mesma fez, por medo do que era.

Era uma promessa ridícula para fazer a si mesmo — e ainda mais quando sabia que suas ações no beco podem ter colocado tudo a perder. Usando seu poder à vista de todos como fez era equivalente a anunciar sua localização para cada Atlante ao redor do globo. Seu povo estava todo conectado pela luz de dentro deles. Isso era a força deles como povo, mas para fugitivos como Zael, também era uma fraqueza que poderia ter chamado seus inimigos.

Mas a necessidade de ajudar Brynne tinha sobrepujado todo risco que ele corria.

Eles tinham saído da cidade apesar do seu descuido e ela estava segura.

Enquanto respirasse, ela sempre estaria. Ele jurou com cada fibra de seu ser ao levá-la até a beira da cama e cuidadosamente colocá-la ali.

Pensou que ela se deitaria, em vez disso ficou de joelhos na sua frente quando ele se levantou. Incapaz de não tocá-la, beijá-la, segurou sua nuca debaixo das madeixas do seu cabelo molhado e beijou sua boca.

O gosto dela ainda estava mais doce hoje, a vulnerabilidade dela se misturando a força sexual que o tinha atraído desde o início.

Que ela tivesse confiado nele com o seu passado o mortificava. Tornava a conexão que ele sentia se aprofundar, apesar dos velhos hábitos que não muito tempo atrás o teria pressionado a ir embora enquanto podia.

Tarde demais para isso e ele sabia. O negócio com essa mulher era profundo. E a coisa desconcertante era que não conseguia pensar em um lugar melhor para estar.

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Quando levantou a cabeça, ela o olhava procurando algo em sua expressão. Embora o fogo ardesse na sua íris verde escura, ele viu hesitação ali.

— Você ainda me quer? — Sua voz estava tão baixa e incerta que o machucou ouvir.

— Depois de tudo que viu hoje? Depois de tudo que eu contei?

Ele levantou as sobrancelhas e sorriu.

— Não é óbvio?

Mal conseguia esconder o quanto a queria. Sua excitação ficou evidente desde o momento em que entrou no chuveiro com ela. Foi preciso todo seu autocontrole para só confortar e ouvir o que ela dizia ao ensaboar todo aquele corpo lindo e tê-lo nos braços. Mas ela tinha necessitado a sua compreensão naqueles momentos mais do que qualquer outra coisa que tinha para dar.

Agora, seu olhar ardente e os glifos despertos diziam algo diferente.

— Sim, eu quero você, Brynne — ele a beijou outra vez, acariciando seus seios nus. —

Nada do que disse hoje diminuiu isso.

Ela engoliu saliva.

— Mas você viu...

— Sim, eu vi. Mas quando olho pra você agora, vejo uma mulher que passou pelo inferno e saiu inteira. O que eu vejo quando olho pra você é uma mulher que desejo mais do que qualquer outra. — Ele acariciou sua bochecha, roçando o polegar nos lábios abertos, notando o branco de suas presas. — Vejo você, Brynne. E, claro que sim, eu te desejo.

Seu nome saiu como um suspiro pelos lábios dela quando ele segurou seu lindo rosto.

Ele a puxou para poder tomar sua boca mais completamente. Suas línguas se enroscaram, as respirações misturadas e quentes. Ela passou as mãos pelo seu corpo, traçando as gotas de água que ainda ficaram do banho. Correu as unhas pela sua pele, deixando seu pau já ereto parecendo aço.

Com as bocas ainda juntas em um beijo fervoroso, ele desceu a mão para acariciá-la, faminto por sentir sua pele nua nas mãos. Seus mamilos estavam rijos e quentes quando ele os girou entre os dedos. A barriga era firme e macia como veludo debaixo de suas palmas quando ele desceu mais, abrindo suas pernas quando alcançou a sedosidade de seu sexo.

Ela gemeu quando ele adentrou a cavidade úmida de seu corpo. Ondulou o corpo suavemente enquanto a acariciava, seus dedos deslizando entre as dobras acetinadas. O

clitóris estava cheio e inchado, uma tentação que não pôde resistir. Ela se retorceu quando ele a provocou e acariciou, a coluna arqueando quando a penetrou com um dedo, depois outro.

— Zael — ela sussurrou sem fôlego em sua boca enquanto ele ia e vinha, o polegar trabalhando no clitóris em um ritmo incansável. — Oh, Deus.

Ele não parou até que gozasse. E quando ela estremeceu com o orgasmo, ele engoliu seu grito agudo com um beijo possessivo de reivindicação.

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Queria estar dentro dela. Seu pau estava mais do que ávido, estufado e gotejando de desejo por ela.

Mas Brynne tinha outros planos.

Ainda ofegante do orgasmo, ela segurou seu membro pesado. Os dedos deslizaram pra cima e pra baixo nele, por cima da coroa larga que estava lubrificada de fluído. Ele chiou com o prazer de seu toque, com o poder de suas carícias firmes.

Ela se aproximou mais, colocando um mamilo dele na boca enquanto continuava com o tormento das mãos. Depois se abaixou mais, a língua rosa lambendo gotinhas de água em seu abdômen e quadril antes da boca se fechar em volta da cabeça do seu pau.

Os lábios dela o seguraram enquanto a língua passeava pela parte de baixo do membro.

— Porra, que gostoso — ele grunhiu, agarrando o cabelo dela como uma corda por que precisava de algo para mantê-lo firme enquanto ela lambia e chupava cada centímetro.

Ele gemeu forte quando ela passou os dentes de leve pela sua carne — não por susto, mas pelo desejo intenso da sua mordida. Em qualquer lugar. Em todo lugar. Só não queria que ela parasse.

Quando ela levantou os olhos, esses brilhavam com faíscas de um âmbar ardente. Ela era linda, mesmo desse jeito. Inferno, principalmente assim.

Feroz.

Carnal.

Sua.

Ele manteve seu olhar transformado, precisando que ela visse que ainda estava com ela. Pronto para toma-la até onde ela quisesse.

Ficou surpreso por sentir essa entrega tão forte.

Pelo vislumbre de entendimento nos olhos dela, viu que ela também ficou.

Mas embora ele não tivesse dúvidas, ela se afastou, desviando os olhos. Ele se recusava a deixá-la se esquivar. E precisava entrar nela.

Segurando seus ombros, ele a deitou na cama e a seguiu, abrindo suas pernas a se posicionando entre elas. Ela fechou os olhos quando se colocou por cima de seu corpo.

— Não, Brynne — acariciou sua bochecha. — Olhe pra mim, amor. Olhe pra mim agora.

Ela abriu os olhos, o brilho de seus olhos alterados irradiando um calor alienígena.

E desejo.

Aquelas brasas âmbares brilharam mais forte quando a penetrou lenta e completamente. Ele se recusou a deixar que desviasse os olhos, prendendo seu olhar ao 117


entrar e sair dela, apoiando o peso com um braço e a acariciando seus dermaglifos de desenhos elegantes e cores mutantes com a mão livre.

Deus, ele foi mesmo idiota a ponto de sugerir que ela tomasse outro homem como companheiro? A ideia dela se unindo a outra pessoa, por sangue ou afeto, o feria como dardos.

— Você é minha — rosnou ao investir dentro dela. — Olhe pra mim e entenda que é verdade, Brynne.

Um som de derrota passou pelos lábios dela. Mas ela manteve os olhos nos dele com uma ferocidade que o abalou. Ela sabia. Mesmo que não estivesse preparada para admitir com palavras, ela sabia em seu coração.

Pertencia a ele.

Zael não sabia para onde iriam.

Mais cedo naquela noite, seus mundos nunca pareceram mais distantes. Agora, com os olhos fixos enquanto tropeçavam em um gozo arrebatador, suas vidas nunca tinham parecido mais impossivelmente entrelaçadas.

 

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CAPÍTULO 24

 

 

Demorou várias horas para limpar a cidade e eliminar todos os Renegados. Com o amanhecer próximo, Lucan e as equipes de patrulha retornaram ao centro de comando. Ele mal teve a oportunidade de limpar suas armas e lavar a sujeira do combate quando Gideon o chamou cheio de empolgação até o laboratório tecnológico do centro.

Lucan entrou na sala cheia de equipamentos de informática. Monitores preenchiam quase todos os centímetros das paredes, todos cheios de códigos e imagens.

— Espero que tenha boas notícias.

— Acho que podemos estar a poucos minutos de algo — disse Gideon, dando-lhe um olhar distraído por cima do ombro ao continuar digitando em um teclado com uma mão, enquanto mexia em dados em um tablet com a outra.

Darion também estava na sala, sentando em frente a um dos monitores maiores.

— Ele quebrou uma segunda camada de criptografia. A máquina está rodando uma série de programas de decodificação e procurando vulnerabilidades na segurança da rede.

Dare deve ter vindo para o laboratório direto do seu banho pós patrulha. Seu cabelo castanho escuro ainda estava molhado enquanto ele estudava o trabalho de Gideon com entusiasmo.

O filho de Lucan sempre possuiu uma mente curiosa em conjunto com habilidades táticas refinadas e uma coragem destemida em campo. Gabrielle gostava de dizer que o filho deles era um líder nato, como o pai. Por mais que Lucan estivesse inclinado a concordar — e por mais que o comandante nele valorizasse Dario como guerreiro e companheiro de armas —

ele preferia muito mais ver o filho perseguindo inimigos no campo virtual, como estava fazendo agora com Gideon.

— Quantas camadas de criptografia existem? — perguntou Lucan, olhando para Gideon.

— Eu detectei cinco, mas posso estar errado.

— Errado pra menos?

O olhar duvidoso de Gideon não era promissor.

— Eu falei, cara, quem está trabalhando nas comunicações da Opus sabe o que está fazendo. E até mais. É uma parede de tijolos depois de um beco sem saída e depois de uma armadilha. Mas estamos chegando lá. Eu só preciso de mais um pouco de sorte com a sequência chave da decodificação, então terei...

Enquanto Gideon falava, o monitor na sua frente ficou escuro.

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E depois outro.

— Que porra é essa? — Gideon se levantou de um pulo e correu para um computador diferente.

Uma por uma, todas as telas pararam de funcionar.

— Não é a energia — disse Darion, gesticulando para as luzes que ainda estavam ligadas.

— Todo o centro de comando opera com geradores subterrâneos — murmurou Gideou distraidamente. — Podemos ficar um ano inteiro sem energia. — Ele tentou outra estação sem sucesso, xingando duramente.

Lucan fechou a cara.

— Então, que diabos está acontecendo?

— Eu não sei. Porra — Gideon passou as duas mãos pelo cabelo loiro espetado, desarrumando-o. — Não era para isto estar acontecendo. É completamente impossível, e ainda assim é como se algo tivesse interrompido a nossa...

Suas palavras se perderam quando todos os computadores voltaram a ligar.

Não eram os programas de dados de Gideon enchendo as telas.

E sim o rosto de uma mulher.

Uma mulher incrivelmente bonita com cabelo comprido platinado e olhos da cor do gelo Ártico. Aqueles olhos gelados adornavam um rosto em formato de coração com maçãs do rosto bem altas e uma pele leitosa e pálida que brilhava com a luminescência de uma pérola. Sua beleza era ameaçadora demais para ser chamada de angelical. Muito conservada e sem ser deste mundo para ganhar qualquer tipo de descrição.

Não havia necessidade de apresentações.

Esta mulher não poderia ser outra que a rainha Atlante.

— Puta merda — sussurrou Gideon.

A resposta de Darion foi um chiado baixo.

— Selene.

Os dois Raças se posicionaram para flanquear Lucan em frente ao maior dos monitores.

O olhar de Selene passou deliberadamente por cada um deles antes de se fixar em Lucan.

— Lucan Thorne — ela disse, a voz clara e sem pressa. A voz de um ser acostumado a reinar sobre todos. A voz de uma deusa expressando desagrado. — Esta conversa está bem atrasada.

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— Sem mencionar inesperada — ele quase não piscou ao falar. — Claro, do jeito que as coisas estão ultimamente, eu não deveria me surpreender que tenha escolhido aparecer agora.

Ela arqueou as sobrancelhas, como se os problemas deles a divertissem.

— Não me diga que a poderosa Ordem está empurrando seus limites por uma gangue de oportunistas violentos?

— Devemos agradecer você por isso?

— A mim?

Ele grunhiu com a sua evasão.

— Alguém está comandando a Opus Nostrum. É você?

Ela sorriu agora, um sorriso frio e cheio de desdém.

— Não seja absurdo. Opus não é nada para mim. Os seus esforços triviais são nada comparados ao que sou capaz de fazer sozinha.

Darion exalou com força.

— Foi isso que Reginald Crowe disse de você. Pouco depois de tentar detonar uma bomba UV no meio de uma conferência de paz da Raça. Ele perdeu a cabeça por isso.

Selene estreitou os olhos para Dare.

— Quando a hora de dizimar sua espécie chegar, Darion Thorne, não precisarei de alguém como Reginald Crowe para fazê-lo. Nem da Opus Nostrum.

O sangue de Lucan esquentou ao ouvir a rainha Atlante falar o nome do seu filho. Como líder da Ordem, ouvi-la confirmar o que Crowe tinha declarado — que Selene planejava uma guerra contra os Raça — só colocou mais lenha na fogueira de sua fúria.

— O que quer, Selene?

— Pra começar o traidor, Ekizael. Ele é um dos meus súditos e o verei ser julgado por sua deserção.

Lucan manteve a expressão neutra.

— Por que espera que eu possa ajudar com isso?

— Não cometa o erro de achar que sou uma tola — ela respondeu, seu sorriso frio. —

Zael está na sua cidade. A não ser que tenha deduzido erroneamente, ele se aliou a você contra mim.

— Se for o caso, você certamente deu muito motivo — Lucan devolveu. — Mandou que o seu companheiro de armas, Cass, fosse morto na rua como um animal pelos seus guardas.

Depois enviou mais guardas atrás de Zael quando ele tentou proteger a filha de Cass de ser capturada por você.

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A ira de Selene brilhou pelas suas feições etéreas.

— Jordana é filha da minha filha. Meu último parente vivo. Mas tenho certeza que a Ordem também já sabe disso.

— Sim. Ouvimos falar muito de você, Selene. Não foi uma imagem muito lisonjeira.

Ela ergueu o queixo imperativamente.

— Não sabe nada sobre meu povo. Diga-me, Lucan Thorne, o que realmente sabe de nós?

Reflexões de toda a violência e derramamento de sangue que seus ancestrais provocaram neste planeta encheram sua mente. Eles foram um terror pior que já houve antes ou desde então. E embora os Antigos tivessem sido impiedosos em suas interações com a raça humana, e até entre seus próprios descendentes entre os Raça, nada poderia se comparar a dizimação que levaram a Atlântida.

— Eu sei que os pais da minha raça os atacaram sem provocação — falou Lucan com sobriedade. — Sei que eles mataram milhares de pessoas inocentes da sua população e os forçaram ao exílio.

— Eles nos aniquilaram — ela o corrigiu com intensidade. — Mas isso foi na época. Só serviu para que nos fortalecêssemos. Me fortaleceu.

Embora sua fúria obviamente ainda fervesse, seu tom estava delicado demais para ser raiva simplesmente. Lucan não tinha esquecido que Selene foi traída por alguém que um dia amou, e que a traição era a centelha que acendeu sua destruição. Ela ainda estava remoendo feridas antigas. Feridas que tinham supurado, tornando-a perigosa, uma víbora acuada e enrolada, pronta pra atacar.

— Seu próprio povo pareceu achar que o ataque de tantos séculos atrás a deixou instável — assinalou Lucan. — Há muitos que acham que isso a deixou perigosa, inapta para reinar.

Ela deu uma risada cáustica.

— Zael disse isso? Ou foi Cassianus? Tenha cuidado no que acredita quando ouve homens de honra duvidável.

Lucan sabia o suficiente sobre a honra dos dois Atlantes para confiar no que tinham lhe dito. Se Selene uma vez foi uma rainha boa e justa como Lucan entendia ser verdade, aquela soberana benevolente não se assimilava em nada com a Valquíria rejeitada na sua frente agora.

— Cass acreditava nisso a ponto de tirar Jordana de você — ele a lembrou. — E não foi tudo o que ele tirou quando fugiu do seu reino.

A decisão de jogar com a sua carta mais forte agor, produziu o efeito que ele esperava.

Selene ficou visivelmente abalada com a notícia. Seus olhos se abriram em surpresa, em acusação.

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— Você tem o cristal. Cass lhe entregou?

— Importa como o obtivemos?

Ela sorriu, mas era tenso.

— Você não tem ideia do que fazer com esse tipo de poder. Está além da sua capacidade limitada e da sua rudimentar e terrena tecnologia.

Lucan deu de ombros.

— Sabemos que dois cristais podem ser usados como arma, como os Antigos usaram contra Atlântida. Sabemos que você só possui um. O que atualmente protege você e seu reino.

— Como deve se achar inteligente— ela respondeu, ácido em seu tom gélido.

Dario zombou.

— Chame do que quiser. Só saiba que você nunca vai ter outro cristal. Esse tipo de poder jamais vai lhe ser confiado.

— Suponho que acredite que a Ordem pode me impedir? — ela reagiu, concentrando todo seu ultraje mais uma vez em Dare. — Os Raça são pouco mais que mortais, no que me diz respeito. Você é praticamente um humano e me ofende tanto quanto.

Dare sorriu, atrevido demais para o seu próprio bem.

— Está esquecendo, Selene? Também temos sangue Atlante.

— Apenas o sangue mais vil dos maiores infiéis de nosso povo — ela atirou de volta. —

Eu poderia apagar todos vocês da face da Terra. Não pense que não estou tentada a fazer isso agora.

— Mas você não pode — disse Dare, falando apesar do rosnado baixo de alerta de Lucan para que ele lidasse com cuidado com aquela nova oponente volátil. — O maior tolo é aquele que crê que ele, ou ela, não possui fraquezas.

O olhar de ódio de Selene deveria ter secado Darion, mas ele mal piscou. Lucan concordava com tudo que seu filho falou, mas não havia dúvida que o jovem guerreiro fazia uma inimizade pessoal muito perigosa aqui hoje.

Os olhos da rainha Atlante ardiam enquanto ela olhava para Darion.

— Deseja me testar? Faça por sua conta e risco. Eu te aviso que não vai querer ficar contra mim.

Lucan se aproximou do monitor.

— Não há um homem ou mulher entre a Ordem que irá se curvar diante de você. Isso eu te prometo.

Ela sorriu como se ele tivesse acabado de convidá-la para um chá.

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— Minha intenção não é fazer a ordem se curvar, Lucan. Meu objetivo é destruir vocês.

E essa é a minha promessa.

O monitor abruptamente ficou preto.

Selene se foi.

Como se não tivessem sido interrompidas, todas as máquinas de Gideon voltaram a ligar, programas rodando dados como antes, telas se enchendo de códigos e imagens.

Gideon correu a mão pelo couro cabeludo.

— Puta. Merda.

Lucan soltou um palavrão, a pulsação martelando em suas têmporas e por trás de seu esterno.

— Como é que ela fez isso? — exigiu Darion. — O que inferno aconteceu para que ela escolhesse nos confrontar agora?

— É minha culpa — a voz grossa de Zael estava pesarosa, vindo de onde ele estava, na porta aberta do laboratório. — Eu abri a porta. Eu a trouxe até vocês esta noite.

 

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CAPÍTULO 25

 


Zeal não poderia ter ficado mais estupefato do que quando se aproximou do laboratório de tecnologia do centro de comando da Ordem a tempo de ver Selene ameaçar a Ordem antes de desaparecer dos monitores.

Embora tenha sido difícil deixar Brynne dormindo nua e tranquila no seu quarto de hóspedes, ele estava interessado em seu encontrar com os guerreiros e discutir o resultado da patrulhas da noite.

Agora, ao entrar no laboratório, os três guerreiros ali o olhavam com expectativa.

— Como assim, sua culpa, Zael? — A testa de Lucan tinha um vinco profundo, seu tom cauteloso. — Como abriu a porta para Selene? Que porra está acontecendo aqui?

— Esta noite em Georgetown — ele explicou, sóbrio de remorso. — Depois que saí para procurar Brynne, eu a encontrei em um beco. Ela se envolveu em uma... briga com um Renegado — ele manteve sua revelação propositalmente vaga, ainda atento à confiança que Brynne tinha depositado nele. — Usei os meus poderes, a luz em minhas palmas, para acalmá-

la, ajudá-la. A luz de um Atlante é uma coisa poderosa. Nenhum de nós pode descarregá-la sem que o resto dos nossos sinta as ondas de energia. Eu sinto muito. Eu sabia do risco e tomei a decisão mesmo assim.

Gideon o estudou.

— Está dizendo que Selene triangulou a sua localização com base nisso?

Zael assentiu.

— Ela sabe que estou aqui.

— Não brinca, ela sabe que você está aqui — interferiu Darion. — Ela acabou de exigir que o entregássemos para que fosse julgado como traidor.

Porra. Ele tinha uma recompensa pela sua cabeça há tempo demais para registrar qualquer tipo de surpresa com essa notícia, mas sua intenção jamais foi meter a Ordem em seus problemas.

Zael praguejou em voz baixa.

— Agora que sabe que estou em D.C., não achem que ela hesitará em mandar guardas me buscarem. Eles podem estar a caminho neste exato momento.

— Então eles vieram comprar briga — disse Lucan. — De jeito nenhum vamos entregar você a Selene. Como comandante da Ordem, minha primeira prioridade é a proteção desta localidade e de todos dentro dela. Isso agora inclui você, Zael.

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A convicção na declaração de Lucan o comoveu, mas Zael sacudiu a cabeça.

— Eu aprecio o gesto, mas jamais pediria por ele.

— Não pediu. Estou oferecendo — falou Lucan. — Você é um amigo da Ordem. Nós protegemos os nossos.

Zael sorriu. Ele tinha o seu próprio código de guerreiro, mesmo que sua espada e escudo já tivessem sangrado em nome de Selene. Ele inclinou a cabeça para Lucan.

— Por sentir o mesmo pela Ordem, não posso ficar. Será melhor para todos aqui, mais seguro para todos, se eu for.

Todos os três guerreiros na sua frente pareciam prontos para discutir, mas em vez de suas respostas, foi a voz de Brynne que ele ouviu atrás de si.

— Ir para onde?

Ele se virou para olhar para ela. Ela estava ali, com a aparência sonolenta e adorável usando a sua camisa de botões pra fora da calça que abraçava suas pernas compridas. Seu cabelo escuro era uma massa ondulada que fez sua pulsação acelerar com a vontade de tê-la debaixo do seu corpo outra vez.

Zael não conseguiu calar seu prazer ao vê-la, e nem se importou que a onda de afeição que sentia fosse visto em seu olhar por todos no lugar.

— Para a colônia — ele murmurou sua resposta, arrependimento em cada sílaba. — Eu deveria ir assim que possível.

A expressão em seu lindo rosto era uma de confusão. E tinha mais do que um traço de mágoa.

— Está partindo.

Havia acusação nas palavras. Uma expressão de resignação invadindo seus olhos verdes escuros.

— Selene sabe que Zael está aqui — Lucan a informou.

— Como? — O olhar perturbado de Brynne não deixou Zael. — O que está havendo?

— Quando usei minha luz naquele beco, ela transmitiu minha localização para o reino

— ele estendeu as mãos, palmas abertas para ela. A luz agora estava ausente, mas ela ainda o olhava com uma infelicidade crescente.

— Oh, meu Deus. Ela achou você por minha causa?

Ele negou firmemente com a cabeça.

— Minhas ações, Brynne. Minha decisão.

— Ela sabe que Zael está em D.C. e sabe que ele é aliado da Ordem — acrescentou Lucan. — Ela acabou de invadir nossos sistemas de computadores para nos informar que espera que o entreguemos a ela.

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Brynne mal respirou.

— Ela vai te matar.

— Muito certamente — concordou Zael. Mas por outro lado, esse foi o risco que ele corria desde o momento que cruzou a barreira que protegia o reino do mundo externo.

Foi mais fácil aceitar o fato no passado, mais fácil desconsiderá-lo. A ideia da morte tomou um novo sentido quando seu coração ainda batia com a lembrança de Brynne nua em seus braços.

Ele queria puxá-la para um abraço e garantir que se eles se separassem agora, não seria para sempre. Mas não tinha certeza se poderia lhe fazer essa promessa. Não em voz alta. Selene marcando uma linha na areia com a Ordem tinha mudado tudo.

Até a ameaça de guerra com ela ser neutralizada, enquanto estivesse ao alcance de Selene, Zael era um perigo para qualquer um próximo a ele. O rancor de Selene não conhecia limites. Nem sua ira.

— Selene pode fazer todas as exigências que sentir vontade — disse Lucan. — Ela vai descobrir que a única coisa que vai conseguir nos acuando em um canto é uma guerra.

Darion fez um som de sarcasmo.

— É melhor que ela se prepare para se decepcionar. O que eu mais gostaria era lhe entregar a derrota pessoalmente.

Zael quis alertar o Raça tenaz que Selene não era uma oponente que cairia facilmente.

Antes que ele ficasse ávido demais para iniciar uma batalha contra ela, Darion Thorne faria bem em lembrar que foi preciso a combinação de esforços de vários Antigos para derrotar Selene da primeira vez, e só por que tiveram o auxílio de sabotagem, traição e tecnologia roubada de outro mundo.

Mas essa era uma conversa para outra hora.

No momento, toda a atenção de Zael estava enraizada em Brynne. Ele a observou absorver todas aquelas notícias desagradáveis em silêncio.

— Não posso ficar agora — disse a ela com gentileza. — Já fiquei por tempo demais.

Ela não respondeu. O carinho que eles dividiram há pouco tempo ainda estava ali em seus olhos quando ela o olhou, mas Zael também viu o início de uma desconfiança. Seus cílios escuros tapavam seu olhar, como se ela já estivesse começando a se afastar emocionalmente.

— Eu tenho que ir, Brynne.

— Sim. Claro, você tem — ela assentiu energicamente, recusando-se a encontrar seus olhos. — Eu entendo.

Não, ele não achava que ela entendia. Ele a conhecia bem demais agora para não enxergar o seu afastamento emocional. Estava familiar demais com as suas tentativas de 127


afastar tudo, ou qualquer pessoa que possa ter a capacidade de magoá-la. Ele agora sentia essa resistência.

Mais do que tudo, queria percorrer a distância entre eles e lhe oferecer uma explicação devida — no mínimo, fazê-la entender que sua ida não diminuía nada que eles compartilharam.

Não diminuía o que sentia por ela. Na verdade, só deixava claro para ele o quanto ela significava.

No corredor do lado de fora do laboratório se ouvia uma comoção de pessoas se aproximando. Em segundos, a sala ficou cheia com uma cacofonia de vozes quando a maioria dos guerreiros e muitas das mulheres da Ordem lotaram a sala para ouvir o que tinha acontecido.

Depois de Lucan relatar sua conversa com Selene, o líder da Ordem se voltou para Zael.

— Agora mais do que nunca precisamos dar os passos que garantam que Selene não acumule ainda mais poder do que já possui.

Zael assentiu.

— Concordamos completamente quanto a isso.

— E a colônia? — perguntou Lucan.

— O que tem?

— Eles também possuem um dos cristais. Eu precisarei que prometam que nos emprestarão o cristal se chegar a hora em que Selene transformar esta coisa em uma guerra.

Zael sacudiu a cabeça devagar.

— Isso não vai acontecer, Lucan. Como eu disse, o cristal da colônia é a proteção deles contra o mundo externo, do mesmo modo que o que resta em posse de Selene protege o reino Atlante. Sem ele no lugar, a colônia, como Selene, fica vulnerável a invasões e ataques. Eles nunca cederão. Por sua própria segurança, não podem.

— Então precisarei que concordem que também jamais o cederão a Selene.

— Isso eu posso te garantir — falou Zael.

Lucan não pareceu convencido.

— Espero que entenda quando digo que preciso de mais do que isso para ficar confortável que a colônia pode ser confiável. Eu preciso que eles me dêem a palavra deles, Zael, e não só a sua.

— A colônia deseja paz tanto quanto qualquer um. Eu tenho que acreditar que os anciões podem ser persuadidos a firmar um compromisso com você de que o cristal jamais será entregue a Selene.

— Excelente — anunciou Lucan. — Espero que tenha razão. Nós podemos providenciar para que possa ir para a colônia assim que estiver pronto.

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— Nós? — Zael quase se engasgou com a sugestão, mas era óbvio pela expressão determinada do guerreiro que ele tinha toda a intenção de fazer a viagem com ele. — É, isso não é... Lucan, isso não será possível.

Uma sobrancelha arqueou em desafio.

— Não foi um pedido, Zael.

— Percebo. Contudo, a colônia não permite estranhos. Nunca permitiram. Com toda certeza não um membro da Ordem, e muito menos o seu formidável líder Gen Um — Zael limpou a garganta. — Temo que sua reputação o precede, Lucan.

— Eles terão que abrir uma exceção.

— Não abrirão. E seu eu tentar levar você — ou qualquer guerreiro Raça — para além do véu, as sentinelas não terão opção a não ser nos matar.

Lucan grunhiu.

— Vão morrer tentando.

— Com todo respeito, meu amigo, você só está provando que eles têm razão — Zael manteve o olhar firme, sabendo que se a situação fosse reversa, ele estaria pressionando a Ordem com a mesma insistência. — A colônia sobreviveu esse tempo todo por que está escondida, protegida pelo cristal. Sou o único que eles permitem ir e vir, e isso por conta de um acordo especial com os anciões do conselho. Eu não quebrarei essa confiança trazendo um guerreiro até a porta deles — Zael sacudiu a cabeça. — Temo que não posso atender esse seu pedido, Lucan, mas farei o melhor que puder ao apresentar o caso da Ordem aos anciões.

— E se você não conseguir convencer a colônia a se aliar à Ordem? Embora seja verdade que a diplomacia nunca foi o meu ponto forte, eu me sentiria extremamente mais confortável enviando alguém para apelar por nós junto com você. Alguém que possa falar pela Ordem e também representar os Raça.

— Talvez eu devesse ir com Zael — sugeriu Jordana de onde estava com seu companheiro, Nathan. — Sou parte do mundo Atlante e da Ordem agora. Deixe-me falar pelos dois.

— Não sem mim ao seu lado — disse Nathan, o tom ameaçador e protetor. — De jeito nenhum eu te deixo chegar perto daquele lugar ou de qualquer fortaleza Atlante a não ser que também esteja lá. Há poucas semanas Selene fez de tudo para tirá-la de mim. Nunca mais.

— Nathan tem razão — concordou Zael. — E como Atlante, não a permitiriam deixar a colônia se você passar pelo véu, Jordana. Eles a manteriam lá para sua proteção e para a deles.

— Então, e quanto a Brynne? — a pergunta de Tavia atraiu a atenção de todos, embora ninguém parecesse menos entusiasmado do que a própria Brynne.

Com os olhos arregalados de surpresa, ela olhou dos rostos intrigados da Ordem e de suas companheiras para Zael. Ele conseguia ler a relutância em seu olhar.

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Ela franziu a testa para a irmã.

— Tavia, eu... não acho que seja uma boa ideia. Não imagino que Zael também pense que seja.

Não, ele pensava que não por uma série de motivos. O menor deles não era por pensar como Nathan com relação a Jordana, mas também queria manter Brynne o mais distante possível da linha de frente da batalha vindoura contra Selene. Ela ficaria mais segura aqui na Ordem. Mesmo se deixá-la para trás fosse a última coisa que ele queria.

Mas Tavia não deu a ele nem a Brynne uma chance de argumentar.

— Por que não você, Brynne? Levar um guerreiro da Ordem está fora de questão, mas por que não uma diplomata que também pode demonstrar à colônia que os Raça podem ser confiáveis para uma aliança, se e quando a época chegar? Especialmente uma que Zael garantiria pessoalmente?

Por mais que quisesse rejeitar a ideia imediatamente, ele tinha que admitir que possuía muito mérito. Ele poderia dizer o que quisesse para tentar convencer sua gente a olhar para os Raça como algo que não fosse um inimigo, mas nada seria tão persuasivo quanto conhecer um deles e ver que tinham desejos e objetivos similares pelo mundo que habitavam.

Zael considerou por mais tempo do que deveria. Era uma péssima ideia, e ele sabia.

Mas por mais relutante que estivesse em arrastar Brynne para o meio daquilo com ele, a opção ainda menos palatável seria ir embora sem ela.

— Está certo — ele cedeu, pegando o olhar reticente de Brynne. — Mas não temos muito tempo. Se você concordar, então podemos — e devemos — partir imediatamente.

 

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CAPÍTULO 26

 

 

Desde o momento que Tavia sugeriu, Brynne teve suas dúvidas sobre atuar como contato da Ordem com a colônia Atlante.

Essas dúvidas não a tinham deixado, mesmo depois que ela e Zael deixaram D.C. no jato da Ordem em direção a Atenas, Grécia, onde um carro particular os pegou e levou até um pequeno porto no Mediterrâneo e a um iate à vela totalmente equipado que esperava pela chegada deles na doca.

Zael não disse a ninguém a localização precisa da colônia. Este era um segredo que ele pretendia guardar, até mesmo dela. E já que ele não conseguia se teletransportar com um não-Atlante o acompanhando, eles tinham que viajar usando meios mais mundanos.

Embora mundano dificilmente fosse o que ela descreveria as enormes velas brancas e a água sem fim e impossivelmente azul que os cercava de todos os lados do barco que cortava as ondas com Zael no leme.

Pelo que pareceu horas sem fim, eles tinham velejado direto por mar aberto. Pela estimação de Brynne, na velocidade que iam, deveriam conseguir avistar a costa do continente africano a qualquer minuto.

Deveriam... mas não avistaram.

Ela se aventurou para fora da sombra do bimini3 onde sentava perto de Zael e foi olhar o horizonte à frente deles.

Nenhuma terra à vista.

Nada a não ser água turquesa até onde podia ver. E um banco de nuvens brancas preso ao horizonte. Um que eles pareciam ter perseguido por boa parte do dia.

Não encontrando pontos de referência para estimar seu progresso, ela voltou para debaixo do toldo, contente pelo abrigo dos raios do sol. Mesmo que fosse uma Caminhante do Dia, a ideia de se demorar sob a luz solar por um longo período ia de encontro à sua natureza.

Ela olhou para Zael, que parecia atraente até demais atrás do leme da embarcação em sua túnica branca e calça de linho. Quando eles tinham chegado ao veleiro, Brynne encontrou uma roupa similar do seu tamanho passada e esperando por ela. Brincou preguiçosamente com o cordão que amarrava a frente do seu top.

— Estamos chegando perto... de algum lugar?


3 Estrutura que protege do sol em embarcações.

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A sombra de um sorriso puxou a boca sensual de Zael.

— Estamos.

— Não precisa de um mapa nem nada para se manter no curso?

— Não existe mapa que nos leve aonde precisamos ir — ele a olhou com ironia, olhos azuis do mesmo tom brilhante que o oceano que agora brilhavam com humor. — Você terá que confiar em mim para que não nos percamos.

Ela encontrou seu olhar com as sobrancelhas arqueadas.

— Me parece que você está tentando me perder desde o momento que nos conhecemos. Fiquei surpresa que não tenha me vendado assim que aterrissamos em Atenas.

Ele grunhiu, o olhar esquentando.

— Uma opção interessante. Queria ter pensado nisso.

Ela deu risada, mesmo quando suas veias latejaram em resposta à sua sugestão sensual. Era bom ver um pouco da tensão diminuir. Desde que partiram para iniciar esta jornada, ele ficou atipicamente calado — mais contemplativo do que já o viu. Sem dúvida seus pensamentos estavam longe, suas preocupações mais pesadas do que ela era capaz de compreender.

Combinado ao fato de uma companhia não desejável ter-lhe sido imposta, o que poderia significar que nenhum dos dois seria bem recebido em seu misterioso destino.

— Eu não deveria estar aqui, Zael.

Ela viu a sua reação quando Tavia sugeriu a ideia. Ele não tinha gostado mais que Brynne. Se não fosse pela pressão de sua aliança com Lucan e a Ordem, não tinha dúvida que Zael teria voltado sozinho para o seu povo. Possivelmente ficaria lá para sempre.

Em vez disso, ele corria um risco enorme com o vínculo que tinha com a sua espécie ao levar um membro de sua raça inimiga. Especialmente depois de ter testemunhado pessoalmente seu pior lado monstruoso.

— Pra começo de conversa, é culpa minha que isso esteja acontecendo — ela acrescentou. — Se não tivesse usado seu poder para me ajudar, Selene nunca teria descoberto onde estava.

Ele franziu as sobrancelhas.

— Nada disso é culpa sua. Eu sabia o que estava fazendo. Faria outra vez se significasse a diferença entre a minha segurança ou a sua. Quando a Selene, ela colocou um alvo nas minhas costas há muito tempo. Se eu deixar o medo ou esse fato ditar como escolho viver, poderia muito bem me entregar e deixar que ela me mate.

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Brynne não pôde evitar admirar sua coragem. Ela gostava de pensar que também era corajosa — uma sobrevivente — mas seus medos tinham colorido cada aspecto de sua vida.

Medo a manteve isolada e fechada das pessoas ao seu redor. Medo a manteve sozinha...

solitária.

Até Zael.

— Obrigada — ela murmurou, seu peito inchado de emoção ao olhar para ele, este homem que a tinha tirado das sombras de sua existência e lhe mostrado a luz.

A sua luz.

Ela engoliu a afeição que dava um nó em sua garganta ao manter o olhar firme dele.

— Obrigada por me ajudar, Zael. E não falo só de ontem naquele beco.

A boca dele se curvou quando a tocou e a trouxe para o abrigo de seu braço forte. Ele beijou sua cabeça, a pulsação explodindo em seu ouvido quando se encostou nele.

Ele a abraçou por um bom tempo, um braço no leme do veleiro e outro confortavelmente em volta de seus ombros. Brynne não conseguiu negar sua alegria, os momentos perfeitos de felicidade, enquanto estavam juntos no leme e o barco balançava sobre as ondas, ainda perseguindo aquela massa branca espumosa de nuvens perto do horizonte.

Mas com todo seu carinho com ela, havia uma tensão subcorrente em seus músculos.

Algo o perturbava. Ela sentiu mesmo antes que ele falasse.

— Quando chegarmos à colônia, Brynne, será melhor ninguém saber que estamos envolvidos — quando ela se afastou para olhar pra ele, encontrou sua expressão séria em alerta. — Eles não entenderão.

— O que quer dizer é que eles não aprovariam.

Ele reconheceu com um leve assentimento.

— Levá-la como emissária da Ordem já é pedir muito deles, para início de conversa. Se eles acharem que meus sentimentos por você são a minha motivação, podem ficar menos propensos a nos dar ouvidos.

— Claro — ela respondeu, assentindo como se não sentisse uma pontada por dentro.

Talvez ela precisasse do lembrete que ele só a levava até sua gente em missão oficial, e nada mais. Melhor que entendesse isso agora, antes que seu coração migrasse ainda mais para qualquer fantasia do que seria ter esse homem ao seu lado para sempre, não só por algumas horas prazerosas.

Ela e Zael vinham de mundos diferentes; sabia disso. A ameaça feita pessoalmente por Selene tinha deixado isso mais do que claro.

133


Mas ouvi-lo lembrá-la que ela não pertencia ao seu povo — que não deveria esperar que a aceitassem, e principalmente se ela chegasse ali nos braços de um dos seus — fez todo o contentamento que ela sentiu há alguns minutos secar e se espalhar na brisa morna que soprava da água.

Ela usou a desculpa de uma onda para sair do seu abraço.

— Faz quanto tempo que esteve na colônia?

Ele encolheu os ombros de modo vago.

— Um punhado de anos. Mas o tempo é medido de maneira diferente pelo meu povo.

Anos passam como dias depois que se vive muitos séculos. Ou até mais.

— E quanto a você?

— Minha idade? Eu estava presente quando Atlântida caiu — um pouco de seu humor negro retornou à sua voz. — Basta dizer que parei de contar os séculos faz um bom tempo.

— Tão velho — ela disse, devolvendo seu sorriso. — Não parece ter mais de mil.

Ele lhe deu um sorriso sensual que esquentou suas veias.

— Não me provoque ou posso mudar o curso para fazê-la engolir essas palavras.

Ela quase implorou para ele cumprir a ameaça. Mas ao falarem, notou como o sol que os tinha seguido durante toda a viagem à vela tinha começado a se perder no meio da cortina de névoa grossa pela qual passavam agora.

Não, não era exatamente uma neblina, percebeu Brynne.

Era um banco de nuvens que tinham parecido flutuar continuamente um pouquinho além da proa do barco. Eles finalmente o alcançaram. Navegaram direto para o centro dele, para ser mais exato.

E agora que ela prestava atenção, viu que as ondas tinham começado a ficarem suaves debaixo deles. Em vez de cortar a água, o barco tinha desacelerado para uma quase parada.

Zael soltou o leme e saiu da cabine. Brynne o seguiu com cautela, encantada pela quietude do mar que batia gentilmente contra o casco. A nuvem que os envolveu era fria em seu rosto, ao caminhar com cuidado até a proa onde Zael agora estava.

— O que está acontecendo?

Ele não respondeu. Ele a olhou, sem mais traço de leveza nem de flerte nos olhos.

Apenas um frio propósito.

Erguendo a mão — a que tinha o amuleto prateado Atlante no pulso — Zael fechou os olhos e ficou totalmente imóvel por um momento. Quando fez isso, o pequeno cristal na tira de couro começou a brilhar.

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A neblina no ar começou a se dissipar na cara de Brynne.

Quando clareou, ela se viu olhando para uma ilha paradisíaca reluzente e coroada pelo sol.

Um pedaço imaculado de praia de areia perolada enlaçava o perímetro da ilha, que resplandecia com montes de um verde luxuriante salpicados por flores, vinhas e pomares de frutas cítricas. Fileiras escalonadas de chalés de estuque branco com tetos de tijolos terracota avistavam a água enquanto eles seguiam o declive da ilha, e flanqueavam as passagens estreitas de trilhas sinuosas e ruas de paralelepípedos.

Era de perder o fôlego.

Mágico.

O lugar mais bonito que ela já viu.

Quando desviou os olhos para Zael, ela o viu estudando sua admiração despudorada.

— Bem-vinda à colônia, Brynne.

 

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CAPÍTULO 27

 

 

— Zael — murmurou Brynne com cautela, indicando o morro mais alto com a cabeça.

— Lá em cima.

— Sim. Estou vendo eles.

Ele tinha avistado os quatro sentinelas Atlantes no instante em que o veleiro deixou a neblina. Sentiu a energia deles mesmo antes que ele e Brynne se aproximassem do véu da colônia — como seus companheiros Atlantes seguramente sentiram a sua. Os três homens e uma mulher estavam no promontório da encosta do morro observando a água, vendo o veleiro adentrar em seu protegido domínio.

Ao seu lado, Brynne ofegou.

— Zael, as palmas deles.

Luz brilhava das mãos dos vigias, o poder combinado parando o barco na água. Por conhecê-lo — três dos sentinelas tendo servido na legião de Selene antes de saírem do reino

— sua embarcação foi meramente interrompida na água, não imediatamente rechaçada... ou pior.

— Está tudo bem — disse a Brynne. — Não desejam nos ferir. Não a não ser que decidam que apresentamos alguma ameaça.

Ele levantou a mão para eles, sua própria palma brilhando vagamente em saudação.

Dentro do véu de proteção fornecido pelo cristal da colônia, Atlantes podiam usar suas luzes livremente sem a ameaça de se traírem para alguém de fora.

Enquanto ele erguia a mão para os guardas, o mar começou a ferver e borbulhar entre o barco e a praia. Brynne agarrou a amurada, uma expressão de assombro no rosto quando uma plataforma de pedra lisa se ergueu da superfície da água para encontrá-los, formando uma doca temporária que levava até a margem.

— Isso é incrível — ela ofegou, os olhos cheios de espanto.

Zael diminuiu sua luz e gesticulou para que o seguisse.

— Aqui estamos. Deixa que eu falo quando chegarmos à margem.

Ela assentiu e veio atrás dele quando desembarcaram e se dirigiram pela pedra molhada que dava na praia. Os quatro sentinelas se materializaram na areia, formando uma barreira física ao fim do caminho.

— Eles não tem armas — observou Brynne em voz baixa. — Isso deve ser um bom sinal, certo?

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Zael não respondeu. Manteve os olhos fixos à frente, sabendo muito bem que seus camaradas não precisariam de armas para incapacitar ele e Brynne se sentissem que representavam uma ameaça.

Olhares frios saudaram Zael quando ele chegou até a praia com Brynne ao seu lado.

Um dos antigos soldados da legião o olhava boquiaberto em ultraje.

— Que porra é essa?

— Elyon — Zael reconheceu o sentinela com um aceno. — Estou aqui para ver os anciões do conselho.

— Trazendo uma intrusa com você? — O guarda zombou. Ele ergueu as sobrancelhas, o olhar azul incrédulo debaixo da coroa de seus cachos dourados. — Perdeu a cabeça, Zael?

O outro de seus antigos camaradas, um homem animalesco de cara áspera e cabelo escuro chamado Vaenor, fitava Brynne.

— O que significa isso, Zael? Esta humana entende que pode ter selado sua morte ao trazê-la do outro lado do véu?

Zeal não corrigiu o erro, nem Brynne. Ela ficou calada, sem vacilar sob o olhar de ódio que costumava fazer experientes soldados Atlantes tremer, e nem com a amedrontadora ameaça.

O peito de Zael se encheu de orgulho, junto com uma corrente vibrante de vontade de proteger que o deixou preparado para acabar com aqueles quatro guardas se qualquer um deles ousasse algo desagradável contra ela. Por todas as inúmeras razões pelas quais deveria relutar em trazer Brynne à colônia, esta era a que agora lhe pesava mais.

Ele destruiria qualquer um que quisesse fazer mal a ela, mesmo sua própria gente.

Mesmo se significasse perder seu lugar no único lar que ainda tinha.

Após um longo momento, a cara feia de Vaener deslizou para Zael.

— Eu sabia que mais cedo ou mais tarde você abusaria do acolhimento que tem aqui.

Essa jogada é corajosa, até mesmo pra você, capitão.

O homem acentuou o título de Zael, a desaprovação mais que evidente em seu tom.

Indara, a única mulher do grupo, assentiu quando Vaenor falou.

— Ele está certo, Zael. Os anciões não terão escolha a não ser bani-lo.

— Se não nos ordenarem arrancar suas cabeças primeiro — acrescentou Rasaphael, o quarto membro da unidade de vigilância.

Uma voz grossa e estrondosa soou acima das outras.

— Essa decisão será dos anciões e de mais ninguém.

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Zael conhecia o Atlante que se materializou na praia atrás dos sentinelas. Nethilos, um dos seis indivíduos que englobavam o conselho dos anciões, agora vinha confrontar Zael.

O cabelo castanho na altura dos ombros do homem alto estava escovado para trás do seu rosto moreno, fazendo seus olhos dourados parecerem ainda mais impressionantes que o normal. Suas sobrancelhas estavam franzidas enquanto olhava de Brynne para Zael.

— Nós nos conhecemos há tempo demais para joguinhos, então assumirei que esta violação da lei da colônia é por uma boa razão.

— É sim — disse Zael, inclinando a cabeça em deferência ao ancião que também era um amigo muito respeitado. — Estou aqui para tratar de um assunto que diz respeito a todos dentro e fora do véu.

Nethilos o considerou em um silêncio demorado e medido.

— Vem até aqui com um coração puro e boas intenções?

Era um voto que pediam de Zael toda vez que ele retornava à colônia. E um que agora fazia voluntariamente.

— Sim, meu amigo.

— E você? — Nethilos exigiu uma resposta de Brynne.

Ela olhou ansiosa para Zael e então respondeu quando ele assentiu sutilmente.

— Sim. Você tem a minha palavra.

— Então isso basta para mim — anunciou Nethilos. — Se bastará para o resto do conselho é outra questão.

O ancião olhou para Zael com a cara fechada, um comando silencioso para segui-lo quando ele dispensou os guardas e começou a voltar da praia. Zael e Brynne o seguiram na direção da rua calçada do outro lado da areia.

Nethilos caminhou em silêncio por um bom tempo, guiando-os por um dos caminhos tortuosos da ilha que eventualmente os levaria ao coração da colônia.

Ele olhou de lado para Zael.

— Apesar das... circunstâncias incomuns, Diandra ficará feliz ao saber que está aqui.

Bem como Neriah. As duas falaram de você durante semanas depois de sua última visita.

Embora Brynne não tenha dito nada, Zael sentiu seu desconforto ante a menção das duas mulheres da colônia.

— Tenho tanta sorte — ele disse ao ancião — que não vejo a hora de voltar a apreciar a comida deliciosa da sua companheira e a música cheia de vida de sua filha.

Nethilos resmungou, e enquanto Zael tomou o cuidado de não olhar para Brynne quando explicou indiretamente quem eram as duas mulheres, ele seria um tolo em pensar que aquela troca não verbal passaria despercebida pelo seu sábio velho amigo.

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Eles se conheciam há séculos, embora Nethilos tivesse sido um professor durante sua permanência no reino e Zael um soldado. Sucedendo a ruína de Atlântida e as deserções que se seguiram, Nethilos tinha ajudado a estabelecer a colônia. Ele foi o primeiro ancião a concordar em dar asilo a Zael e aos outros guerreiros da legião que tinham escapado do governo de Selene. Com o passar dos séculos, sua amizade e confiança mútua tinham permanecido fortes.

Mas Nethilos era apenas um dos seis anciões do conselho. Havia outros cinco que eles precisariam convencer, e mais de um deles teria muita satisfação em deter o destino de Zael nas mãos.

Sem mencionar o de Brynne.

Enquanto os três continuaram sua caminhada pela rua calçada, algumas cabeças curiosas apareceram nas janelas e portas dos chalés para espiarem os recém-chegados. Zael conhecia quase todo mundo na população de algumas centenas de exilados. Ele sempre despertou um pouco a curiosidade nas raras vezes que retornou à ilha, mas não era ele quem atraía a maior parte da atenção agora.

— Nunca tivemos um humano na ilha — declarou Nethilos discretamente, olhando para Brynne. — Por outro lado, não imagino que é o que temos aqui agora.

Zael soltou um palavrão ao parar para encarar o ancião.

— Brynne é Raça.

As sobrancelhas de Nethilos se ergueram acima dos olhos arregalados.

— Caminhante do Dia?

Ela assentiu.

— Incrível. E totalmente imprudente de sua parte, Zael.

— Trouxe Brynne por pura necessidade — ele se apressou em explicar. — Ela está aqui como emissária de sua gente. E da Ordem.

— A Ordem? — A expressão de Nethilos foi de surpresa a suspeita. — Isso não é uma violação da lei da colônia, Zael. O que fez é algo bem mais perigoso.

— Sim — ele concordou. — E eu nunca teria arriscado se não fosse por uma boa causa. Precisamos discutir uma aliança entre a Ordem e a colônia. Os anciões precisam entender a posição da Ordem e os objetivos que ela compartilha com a colônia.

— Objetivos compartilhados? O que podemos ter em comum com Lucan Thorne e seus guerreiros?

— Selene — declarou Zael com gravidade. — Ela ameaça entrar em guerra com o mundo externo, e especificamente com a Ordem.

— E por que isso nos interessa?

Brynne tomou a palavra.

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— Porque para ela começar uma guerra com os Raça, para ela ter certeza de que vai vencer, precisa ter um segundo cristal.

— A Ordem possui um — Zael confessou ao seu amigo. — Cassianus o escondeu onde apenas Jordana encontraria.

Nethilos passou a mão pela mandíbula firme.

— Os rumores eram verdadeiros. O bastardo roubou mesmo um.

Zael assentiu.

— Ótimo para todos nós ou Selene já teria tudo o que precisa para se tornar imbatível.

— E o outro cristal está aqui na colônia — acrescentou Brynne.

— Eu sei que não preciso convencê-lo de que nenhum dos nossos cristais pode ir parar nas mãos de Selene — falou Zael.

— A colônia jamais entregará o cristal. Seria o início do nosso fim se perdêssemos a única coisa que nos manteve seguros por todo esse tempo.

Zael concordava completamente.

— Não ache que Selene não pensa nisso todos os dias desde que você, eu e os demais escapamos do reino. Ela está ficando inquieta... impulsiva. Eu vi por mim mesmo, Nethilos.

A expressão mal humorada de seu amigo se acentuou.

— O que quer dizer com viu?

— Antes de Brynne e eu partirmos para cá, Selene tinha interceptado as comunicações no comando central da Ordem para fazer pessoalmente uma ameaça a eles e a mim — Zael prendeu o olhar do ancião. — Perder Jordana para a Ordem pode ter sido a última gota. Você e eu conhecemos a profundidade de sua fúria, e de sua vingança. Ela vem lambendo as feridas há muito tempo, mas agora temo que esteja pronta para lutar.

Nethilos o olhou, absorvendo o peso do que ouvia.

— Então venham os dois. Vou convocar os anciões à câmara do conselho imediatamente.

 

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CAPÍTULO 28

 

 

Se o ancião Atlante Nethilos tinha parecido menos que disposto a cogitar a noção de trabalhar com a Ordem, não foi nada comparado à resistência que Brynne e Zael receberam dos outros cinco membros do conselho. O fato de Brynne ser Raça não ajudou.

Depois que a apreensão inicial por ter alguém da raça de seus inimigos à sua frente passou um pouco, as três mulheres e dois homens que se sentavam junto ao amigo de Zael em uma plataforma na frente da imensa câmara ouviram em silêncio Brynne e Zael exporem o pedido de aliança para proteger os dois cristais e de garantir que nenhuma das fontes de poder voltasse a ser posse de Selene.

Eles tinham perguntas, é claro. E reservas bem compreensíveis. Brynne e Zael responderam da melhor maneira possível, trabalhando juntos para aliviar preocupações e persuadir o conselho a ficar do lado da Ordem.

Ficar com Zael como sua parceira diplomática pareceu estranhamente natural num ambiente normalmente tão artificial. Mais de uma vez eles terminavam as frases um do outro ou ofereciam respostas a uma pergunta ao mesmo tempo. Eles eram um time nato, e foi preciso todo seu foco para não sorrir para ele, nem ficar mais que feliz quando ele atacava as perguntas dos anciões com uma confiança diplomática que não tinha percebido que ele possuía. Zael era um emaranhado de contradições, cada uma mais fascinante — e atraente —

que a outra.

— Posso garantir ao conselho que a Ordem atuará como sua amiga de todas as formas

— ele disse aos anciões. — Passei um tempo entre os guerreiros, e pessoalmente como Lucan Thorne. Eles nem sempre são suaves em seus métodos, mas são justos.

Nethilos juntou os dedos e se inclinou para frente no assento.

— E pode garantir a este conselho que sob nenhuma circunstância estamos trocando um líder volátil por outro?

— Estou preparado para jurar pela minha vida — respondeu Zael.

— Eu também — acrescentou Brynne, sentindo os dedos de Zael roçar sutilmente os seus quando os anciões se olharam e murmuraram entre si.

Embora o treinamento de Brynne em diplomacia e negociações na JUSTIS tenha servido muito bem na conversa de hoje com o conselho, nunca teria imaginado que acabaria usando essas habilidades aqui, ao lado de Zael sob o escrutínio de cinco membros do alto 141


escalão do seu povo. E por mais que ela tentasse ser profissional, era quase impossível não fitar a beleza de juventude eterna e de outra dimensão dos anciões reunidos.

Nethilos era o mais alto e o mais distinto com sua pele de um moreno rico, e olhos castanho dourados inteligentes e contemplativos. Os dois outros homens, Haroth e Baramel, também eram figuras imponentes na plataforma.

Harot, um belo homem negro com pele marrom escura e olhos de um verde sálvia, parecia tanto guerreiro quanto diplomata com o seu corpo musculoso e cabelo de ébano bem raspado nas laterais e com um curto moicano.

Os olhos de duas cores de Baramael eram o que o diferenciavam — um puro azul, o outro tão dourado quanto uma moeda. Debaixo de sua coroa negra de cabelo sedoso e espetado, seu olhar fixo era perturbador, totalmente indecifrável.

Quanto às mulheres, as três também eram mais do que belas. Também foram as mais resistentes do conselho, disparando uma pergunta atrás da outra. Os olhos prateados da de cabelo loiro, Nathiri, eram tão gentis quanto seu interrogatório era sagaz. Felizmente, ela tinha parecido satisfeita com as respostas que recebeu, bem como a de voz mansa Anaphiel, uma mulher com a pele cremosa da cor de café com leite e um coque de tranças negras delicadas, como uma coroa em sua cabeça.

Os olhos insondáveis da cor de safira de Anaphiel tinham sido um conforto durante a maior parte da reunião — como eram agora, quando a última dos líderes do conselho, Tamisia, prendia Brynne com um olhar desafiador de sua cadeira na plataforma.

— Você diz que a Ordem só nos pedirá para que consideremos dividir nosso cristal com eles quando as circunstâncias forem as piores possíveis.

A belíssima Atlante tinha o cabelo comprido e platinado com uma mecha dourada do lado esquerdo. Seu olhar azul da cor do céu tinha ido de Brynne a Zael durante toda a reunião, sua forma magra na beirada da cadeira como uma víbora pronta para atacar.

Brynne não deixou de notar a postura estranhamente combativa, mas também não se deixou intimidar. Nem pareceria intimidada.

— Isso mesmo — ela respondeu com solenidade. — A Ordem está totalmente ciente que a colônia depende do cristal para várias coisas, incluindo proteção. Eles nunca pedirão isso a não ser que sintam que o cristal corre perigo, ou se considerarem necessário combinar o poder dos dois para prevenir uma guerra, ou no pior caso, impedir.

— Hmm — a boca de Tamisia se apertou. — E se concordarmos com esta aliança, e então um dia nos encontrarmos pedindo a Ordem que nos ceda o cristal deles por essas mesmas razões, como ela responderá?

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— A Ordem está preparada para que nunca se chegue a este ponto — Brynne garantiu confiante neste fato. — A Ordem garantirá proteção à colônia de todos os inimigos e dará assistência em qualquer coisa que a colônia venha a necessitar para manter a sua autonomia.

— Qualquer coisa menos o cristal — o sorriso de Tamisia era presunçoso. Ela desviou o olhar para Zael. — Isto não é uma aliança. É uma proposta unilateral de uma raça que tem a intenção de nos eliminar deste planeta desde o momento que chegamos nele.

— Não confunda os Raça com os seus ancestrais Antigos — Zael interrompeu com firmeza. — Os Raça dividem este planeta conosco há mais de mil anos. Eles nunca foram uma ameaça a nós nem aos humanos com os quais vivem todo esse tempo.

Ela resmungou, claramente não convencida.

— Diga isso ao grande número de humanos que foi massacrado em uma única noite vinte anos atrás.

Brynne sacudiu a cabeça, cheia de ultraje.

— Aquele foi um ataque instigado por um animal chamado Dragos. Ele soltou centenas de Renegados viciados em sangue para se vingar da Ordem e gerar um pânico a nível mundial. Ninguém entre os Raça quis que aquilo acontecesse, muito menos Lucan e os guerreiros.

Tamisia a ignorou, sem nunca tirar os olhos de Zael.

— Por que realmente trouxe esta mulher aqui?

Sua expressão em resposta foi a mais sombria que Brynne já viu nele.

— Porque confio nela. E confio na Ordem, como todos vocês deveriam.

A anciã ergueu o queixo, o olhar gélido tão indiferente quanto o tom.

— O que pede é demais, Ekizael.

— Droga, Sia — a exclamação de Zael a fez arquear as sobrancelhas. — É uma questão de paz. Do futuro desta colônia.

— É? — ela devolveu levianamente. — Estou me questionando.

O peito de Brynne apertou com a intimidade inesperada que passava entre Zael e a mulher. A expressão fechada de Tamisia só demonstrava animosidade nos longos segundos em que ela manteve o olhar de Zael. E ao seu lado, Brynne sentiu uma raiva irradiar do corpo tenso dele.

— Isto basta por ora — anunciou Nethilos. — Temos informações suficientes para considerar e tomar nossa decisão. Nós nos reuniremos outra vez amanhã, à aurora.

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Ele levantou e quatro dos anciões também. Tamisia foi a última, rebelde ao se levantar fluidamente de seu assento e então deslizar pela plataforma com os passos harmoniosos de suas pernas longas.

— Vamos — falou Zael, colocando a mão na lombar de Brynne para guiá-la para fora da câmara.

Todo o ar saiu de seus pulmões em um suspiro de alívio assim que eles saíram para o pátio.

— O que foi aquilo?

Zael sacudiu a cabeça.

— Nada importante. Tamisia mudará de ideia, tenho certeza. Nethilos está do nosso lado. Como Anaphiel, e possivelmente Baramel.

— Como pode dizer isso? — Ela não conseguiu esconder sua surpresa, lembrando do olhar bicolor indecifrável do Atlante de cabelo escuro.

— Não viu o seu sorriso?

Ela riu.

— Com certeza não.

Zael obviamente estava tentando melhorar o clima, acalmá-la. Na maior parte, estava funcionando. Embora não fizesse ideia de como eles conseguiriam aguentar o resto do dia e a noite sem saber a decisão dos anciões.

— Zael!

Uma voz feminina leve chamou do outro lado do pátio ensolarado.

Brynne virou a cabeça na direção do grito animado e dos risinhos que vinham, e avistou uma bela jovem correndo na direção deles. Ou melhor, na direção de Zael.

Rápida e alegre, a Atlante sorriu de orelha à orelha para ele com uma felicidade desinibida, os cachos em espirais do seu cabelo cobre queimado dançando ao redor de seus ombros enquanto corria para cumprimentá-lo.

— Fiquei tão feliz em ouvir que você voltou à ilha! — ela disse, jogando os braços em volta dele.

Talvez Brynne não devesse ficar chocada ao saber que o homem charmoso e dourado que evidentemente não tinha poucas mulheres do lado de fora da colônia também teria seu time de admiradoras dentro dela.

Isso não queria dizer que ela gostava.

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Como se ele tivesse acabado de lembrar que Brynne estava ali, Zael saiu do abraço da moça.

— Neriah, essa é Brynne Kirkland.

Lembrando-se do nome agora, ela sorriu para a filha de Nethilos.

— É um prazer, Neriah.

De perto assim, percebeu que a garota era pouco mais que uma adolescente. Os olhos de um castanho dourado similar aos do pai estudavam Brynne com um interesse ávido.

— Brynne é minha... colega do mundo exterior — disse Zael.

Ele olhou para Brynne ao falar, o olhar lembrando-a do acordo que fizeram em manter uma fachada platônica em frente à sua gente. Depois do modo desconfortável que a reunião com os anciões havia terminado — com Tamisia em particular — Brynne não podia culpá-lo por querer manter um ar de profissionalismo enquanto estivesse ali.

— Você é uma Caminhante do Dia?

Brynne sorriu para a menina.

— Sou sim.

— E bebe mesmo sangue?

Zael limpou a garganta.

— Neriah.

— Desculpa — ela fez uma careta e deu de ombros em desculpa. — Talvez possamos conversar mais depois?

— Eu gostaria — respondeu Brynne.

Ao falarem, notou que a cabeça de Zael estava voltada para a porta da câmara do conselho, onde Tamisia agora estava. Seus braços estavam cruzados acima do peito, a expressão fria de quem examina algo.

Se antes ela teve alguma dúvida quando a Atlante tinha atirado farpas em Brynne e fazendo o melhor para minar a discussão de uma aliança, agora não havia como negar. O

problema de Tamisia com ela era ciúme.

Ciúmes de uma amante.

— Eu volto logo — murmurou Zael. — Brynne, você vai ficar bem?

— Claro — sua resposta foi bem mais confiante do que o que realmente sentia. —

Ficarei bem. Vá fazer o que tem que fazer.

— Eu vou levar Brynne ao chalé dos hóspedes — Neriah anunciou de modo prestativo.

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Ele assentiu.

— Eu vou vê-la assim que puder.

Brynne ficou ali, recusando-se a olhá-lo retornar para se encontrar com Tamisia. Ela não queria ver a reação convencida da outra, sem falar no que Zael poderia dizer para alisar as suas penas eriçadas.

Infelizmente, nem mesmo seu orgulho foi forte o bastante para negar o seu coração tolo.

Ela virou a cabeça para olhar para Zael, mas ele e Tamisia não estavam mais lá.

 

CAPÍTULO 29

 


Zael odiava abandonar Brynne tão abruptamente, mas dava para dizer pela cara de Tamisia que a mulher tinha algo em mente. Algo mais que apenas o ciúme em ebulição que ela não fez esforço algum em esconder ao observá-lo junto com Brynne no pátio.

E embora Brynne tenha lhe dado permissão para ir sem nem olhar para trás quando se aproximou da outra mulher, ele não acreditou nem por um instante que ela não estava desconfiada do seu relacionamento com a Atlante.

E com boa razão.

O olhar gélido de Tamisia esquentou consideravelmente quando ele se aproximou.

— Não era minha intenção te atrair para longe da sua companhia.

— Claro que foi — Zael desviou de sua tentativa de beijar sua bochecha em cumprimento, ganhando uma testa franzida. — O que quer, Sia?

Ela ergueu um ombro delgado, embora sua expressão não fosse nada indiferente.

— Faz tanto tempo que o vi pela última vez. Espero que tenhamos a chance de conversar por um tempo... em particular.

Sempre confiante, ela se virou e começou a andar na direção dos corredores da câmara do conselho. Zael apertou a mandíbula com vários tons de desconforto, mas a seguiu. Ela o levou até uma biblioteca vazia e fechou a porta. Ele ficou a poucos passos da entrada enquanto ela sentava elegantemente em um sofá coberto de seda debaixo de uma janela de vitral luminosa.

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— Ela é bonita — observou Tamisia com preguiça. — Quer dizer, para uma de sua raça.

Zael grunhiu, sem vontade alguma de começar esse tipo de jogo com ela.

— Duvido que tenha me trazido aqui para discutir os atributos de outras mulheres, Sia.

Eu me recordo que esse sempre foi seu tópico menos favorito. O que tem em mente?

— Quer dizer, além de você? — Cílios enormes emolduravam o olhar propositalmente recatado que ela fixou nele. — Senti sua falta, Zael. Cada vez que deixa a ilha parece que demora mais pra voltar.

Ela falou naquela voz ardente que usava para ter algum poder para controlá-lo. Não mais. E ouvi-la usar a mesma estratégia com ele agora, só o deixou desconfiado de seus motivos. Tamisia era uma mulher astuta que ia atrás do que queria. Então, o que queria dele agora?

Ele se apoiou na parede da biblioteca, estudando a bela anciã loira que estava acostumada demais a ter qualquer homem comendo na palma de sua delicada mão.

— De qualquer forma, duvido que tenha esperado aqui sofrendo por mim, Tamisia. Só ficamos juntos algumas vezes. Você dificilmente é do tipo de se consumir.

Seu biquinho se desfez em um sorriso dissimulado.

— Você me conhece bem demais, Ekizael. Não, não andei sofrendo pelos cantos.

Ultimamente é Elyon quem tem garantido que isso não ocorra.

— Elyon? — Zael se surpreendeu com a menção do seu ex-camarada da legião que servia como sentinela da colônia. — Bom, que estranha combinação. A rebelde do conselho de anciões e o mais idealista da velha guarda de Selene.

— Isso não é nada — Tamisia falou com um gesto de mão. — É um namorico. Um que não tenho intenção de continuar.

Zael riu.

— O pobre Elyon sabe disso?

Ela o olhou com arrogância.

— Você de todas as pessoas não tem espaço para me julgar. Nunca fica com alguém.

Não, não ficava. Até recentemente, nunca tinha pensado muito em seu modo de vida nômade. Nem nas mulheres que vinham e deixavam sua cama, e que mal deixavam um gosto de arrependimento quando as perdia.

E então ele conheceu Brynne.

Era impossível pensar em voltar aos seus velhos costumes — as viagens sem fim e o resto — agora que ela tinha entrado em seu mundo.

147


Mas ainda era pior que isso.

Agora que Brynne Kirkland estava em sua vida, Zael não conseguia imaginar como seria um dia sem ela.

Sem falar de suas noites.

— Quando espera retornar ao exterior? — perguntou Tamisia, interrompendo seus pensamentos.

Zael deu de ombros.

— Assim que o conselho tomar sua decisão ou pouco depois. Por quê?

Embora ela sacudisse a cabeça como se não pretendesse nada, havia uma nota de hesitação em seu olhar. Um apelo — um que ela não sabia ao certo expressar em palavras.

— O que foi?

Ela engoliu em seco.

— Você acha... acha que pode ser possível que eu vá com você?

Bem, ele com certeza não esperava por isso. Ficou surpreso e não conseguiu esconder.

Tamisia era um membro muito respeitado do alto escalão da colônia. Uma anciã responsável por ajudar a formular as leis e a direção da comunidade inteira. Nunca teria sonhado que ela estaria disposta a desistir de tudo isso.

— Ir comigo?

— Não como sua mulher, se é a sua preocupação — ela acrescentou rapidamente. —

Embora se quiser tentar, pode conseguir me convencer a mudar de ideia quanto a isso.

— Não quero — ele disse gentilmente. — E o que me pede ... Deve saber que se for embora, não há como voltar atrás.

Uma sombra estranha passou pelo rosto dela, mas apareceu e sumiu em um instante.

— Sei o que vai significar se eu for. Será para sempre.

Zael era o único na colônia que tinha acesso para ir e vir quando quisesse, e só por que Nethilos confiava nele como se fosse de seu sangue. Tamisia estava pedindo que ele jogasse isso fora. Incrivelmente, ela também parecia disposta a jogar fora tudo que tinha construído para si na colônia.

— Por que iria querer ir embora? A colônia é o que você é. Nunca pareceu inquieta aqui em todo esse tempo que a conheço.

— Eu tenho minhas razões para querer sair, para querer uma vida nova. Como estou certa que tem as suas.

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— Mencionou isso aos anciões?

— Não. Eles não entenderiam — ela deu um sorriso triste. — Esperava que você entendesse.

Ele passou a mão pelo cabelo.

— Não posso tirá-la daqui, sabe disso, certo? Não sem que o conselho saiba primeiro.

Não sem a permissão dele. Se eu fizer isso, nós dois seremos banidos.

Era difícil ignorar a vozinha em sua consciência que se perguntava se ser barrado pelo seu povo não seria a pior coisa que poderia lhe acontecer.

Afinal, uma vida sem Brynne poderia esperá-lo lá fora. Ele não sabia que tipo de vida seria, mas parte dele esperava vivê-la — desejava-a com um desespero que o abalava.

Mas a ideia de virar as costas para sempre à sua parte Atlante não era uma coisa que podia considerar com superficialidade.

— Não posso levá-la comigo, Sia. Não sem a benção da colônia — praguejou baixinho, considerando tudo que estava em jogo no momento. — E com toda certeza não farei isso enquanto estou aqui tentando ganhar a confiança do conselho para formar uma aliança com a Ordem.

— Desculpe — ela disparou, agora parecendo tensa e desconfortável. — Me perdoe.

Você está certo. E eu não deveria ter lhe pedido isso, Zael. Por favor, não conte a ninguém que pedi.

Ela levantou do sofá. Antes de poder dizer algo mais, ela desapareceu do ambiente em um flash brilhante de luz Atlante.

— Merda — Zael ficou parado por um momento, processando tudo que ela tinha dito.

Fazia muito pouco sentido. Sem mencionar o fato dele nunca ter visto a forte mulher tão instável. Ele não sabia seus reais motivos para querer ir embora da colônia, nem esperava que Tamisia lhe contasse.

Principalmente agora.

Só podia esperar que sua recusa em ajudá-la não prejudicasse tudo que estava em jogo naquela aliança.

 

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CAPÍTULO 30

 

 

Brynne estava de pé na beira da água em um pedaço isolado de praia, observando as ondas de um azul cristalino tocarem seus pés descalços. Neriah tinha lhe mostrado o chalezinho branco de estuque que seria a sua acomodação enquanto ela e Zael estivessem na ilha. De acordo com ela, Zael tinha seu próprio chalé mais distante em uma das encostas dos morros, a casa que ele mantinha para as raras visitas que fazia à colônia.

Foi para lá que ele tinha ido agora? Ela se recusava a pensar que ele poderia ter ido com a bela Tamisia, mesmo que a pontada de abandono ainda queimasse em seu peito.

Aquela sua parte magoada queria rejeitar a ideia dela ter qualquer direito sobre ele.

Zael tinha vivido uma vida muito longa antes de entrar de modo tão arrogante na dela. Não podia esperar que ele fingisse o contrário ou que as pessoas que ele conheceu ao longo do caminho não significassem algo.

Elas significavam sim. Ela viu hoje. Por alguma razão, tinha se iludido pensando que Zael era tão solitário e isolado quanto ela — que de algum modo eles tinham isso em comum.

Hoje viu que apesar de ser errante, ele possuía um lar.

Aqui, com a colônia.

Ela nunca teria algo assim. Não sabia como ser parte de uma comunidade, de uma cultura, de uma família. Nunca realmente se ajustou — em nenhum lugar. Nunca sentiu que pertencia nem a um lugar nem a ninguém.

A não ser quando estava nos braços de Zael.

— Esta vista nunca foi tão linda.

O som de sua voz grossa a assustou. Ela virou para vê-lo caminhando pela areia, sua túnica branca voando na brisa, os olhos tão vivos e brilhantes como a água que admirava há um segundo.

— Confio que Neriah a assistiu com tudo o que precisa.

Tudo que eu preciso menos você, ela pensou, o pulso acelerando ao vê-lo.

Ela assentiu.

— Vou ficar bem. Não precisava ter vindo ver como estou.

Ele franziu a testa ao se aproximar.

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— Sinto muito por ter te deixado daquele modo. Fiquei preocupado que Tamisia pudesse usar seu ciúme contra a aliança se eu a ignorasse.

— Claro, eu entendo. Temos que fazer o que for melhor para a aliança. Afinal de contas, esse é o único motivo para ter me trazido aqui.

— É realmente isso o que acredita? — Ele tocou seu ombro com as costas dos dedos.

Ela deliberadamente deu um passo ao lado, evitando seu toque.

— Cuidado. E se alguém vê? Lembre-se do nosso acordo.

Ele olhou para as palmeiras e arbustos floridos que coroavam o chalé dos três lados.

— Está tudo bem. Não tem ninguém aqui para nos ver.

O que aparentemente era a única razão para ele se sentir confortável para aparecer por lá.

— Você e Sia tiveram uma boa conversa? — O seu despeito era petulante e infantil, mas não conseguiu conter a mágoa.

O cenho franzido de Zael deu vez à surpresa, depois a um sorriso irritante.

— Está com ciúme.

Ela teve que morder a língua para evitar confirmar ou negar.

— Acha que eu a quero? — Zael se aproximou mais. — Acha que eu iria querê-la quando tenho você?

A luz do sol formava uma auréola em torno dele, fazendo o cobre de suas ondas douradas brilhar. Seu belo rosto sempre lhe tirava o fôlego, mas especialmente agora, com seus lábios esculpidos curvados em um sorriso sensual e aqueles olhos azul oceano escurecendo ao penetrarem os seus.

Ele irradiava um calor magnético que se introduzia direto em seu âmago, fazendo sua pulsação martelar e seu sexo contrair de desejo. Ele tinha um cheiro maravilhoso também, tão exótico e luxuriante quanto a ilha que os cercava. O cheiro cítrico e limpo dele era tão inebriante quanto a brisa que rolava da arrebentação às suas costas.

— Minha bela e teimosa Brynne — ele falou, tocando seu rosto. — Sinceramente acredita que exista outra mulher com quem eu queira ficar mais do que você, aqui na ilha ou em qualquer lugar?

Ela tentou se segurar à raiva, mas era difícil com Zael preenchendo sua visão, dominando seus sentidos. Ele deslizou a mão para sua nuca, morna e forte de encontro à sua pele.

— Já que não parece saber disso, deixe-me dizer. Não existe.

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— Algum dia existiu? — ela sussurrou, precisando saber. — Quero dizer, com Tamisia.

— Não. Não com ela. Ficamos juntos poucas vezes, mas nunca foi algo que duraria.

Ele sacudiu a cabeça, mas havia uma sombra em seu olhar. Uma cintilação de vergonha que ela lutou para entender.

— Não com Tamisia — adivinhou Brynne. — Mas já existiu alguém. Da colônia?

— Não. Ela era humana.

Brynne engoliu com dificuldade a inesperada confissão. Por outro lado, não era tão inesperada assim.

— A mãe de Dylan?

— Eu deveria ter falado dela antes — murmurou ele. — Você merecia saber o que aconteceu. O motivo de eu ter uma filha que não sabia que existia até poucas semanas atrás.

Ela lembrou os poucos detalhes que ele tinha dado sobre a mulher.

— Você me disse que a conheceu quando ela estava de férias na Grécia.

Ele assentiu.

— Mykonos.

— Também me contou que era casada. Uma união infeliz, de acordo com você.

— Sim, era.

Brynne tentou adivinhar o motivo de sua culpa.

— Ela voltou para o marido?

— Voltou.

O tom forçado dele transmitia mais emoções do que se tivesse gritado as palavras. Ele tinha amado aquela mulher, e em seguida a perdido.

— Sinto muito.

Ele exalou com força.

— Não sinta por mim. Eu não mereço. Fui eu que a pressionei para que voltasse para ele. Por causa da minha covardia.

Brynne tocou sua mandíbula rígida. Embora doesse ver que ele tinha amado muito aquela mulher, doía-lhe muito mais ver o tormento em seus olhos.

Ela tinha lhe dado inúmeras oportunidades de explicar o que aconteceu, especialmente naquelas vezes onde tinha sugerido que ele era um libertino irresponsável com uma possível leva de filhas sem pai pelo mundo.

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E ainda assim, ele preferiu que ela acreditasse nisso em vez de contar a verdade sobre a mulher que teve um filho seu.

Brynne o puxou para que sentasse na areia com ela. Ficaram sentados por um bom tempo, só olhando paras as ondas em silêncio.

— Qual era o nome dela? — ela perguntou com gentileza, dando-lhe uma direção para recomeçar a falar.

— Sharon — ele fitou a água. — Ela era doce, a mulher de coração mais aberto que já conheci. Assim que nossos caminhos se cruzaram naquela praia em Mykonos, eu a persegui sem cansar. Finalmente ela cedeu. Não foi até dormirmos juntos, quando eu tive a chance de colocar as mãos em sua pele mortal, que percebi que ela estava muito doente.

Brynne o olhou, confusa.

— Qual era o problema?

— Câncer. Estava por todo lugar, pequeno o bastante para escapar de qualquer detecção por vários anos, e ainda assim já terminal. Não havia dúvida.

— Você conseguiu sentir tudo isso com as mãos?

Ele assentiu com sobriedade.

— E não contou a ela? — O coração de Brynne subiu à sua boca. — Oh, Zael...

— Não contei porque não havia jeito. O câncer a mataria mesmo que fosse tratado. Não haveria um milagre.

— Mas você escondeu a verdade dela.

— Sim. Por que não queria ver seu espírito derrotado. Não queria ser a pessoa que faria isso. — Ele colocou a cabeça para trás, calado por um bom tempo. Quando olhou para Brynne, ela viu a profundidade do ódio que sentia de si mesmo. — Eu não queria ficar com ela sabendo que escondia um segredo. Então fui embora. Não falei a ela que iria. Não falei coisa alguma. Eu só... fui embora.

Brynne não falou nada. Sabia que ele não queria empatia, mas de toda forma era o que ela sentia. Tinha passado muitos anos desde que ele conheceu a mãe de Dylan, mas ainda carregava a dor. E a culpa.

— Quer saber o que é irônico?

Ela assentiu de maneira vacilante, ainda tentando processar tudo que tinha ouvido até agora.

— No fim, não foi o câncer que matou Sharon. Dylan me contou há poucos dias — ele voltou uma expressão derrotada para Brynne. — Foi Drago que a matou.

— Como?

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— Sharon estava morrendo da doença, mas durante essa mesma época, Dylan e seu companheiro guerreiro, Rio, tinham acabado de se conhecer. A história é longa, mas Sharon se envolveu em um dos esquemas de Dragos, e quando ele tentou usá-la para se aproximar e ferir Dylan, Sharon se sacrificou para salvar a filha. Minha filha.

— Oh, meu Deus — Brynne soprou o ar dos pulmões, o coração se partindo por Zael e Dylan. E pela mulher especial que significou tanto para os dois. — Eu sinto tanto.

— Agora você sabe — ele disse, sua voz grossa solene e, ainda assim, sobrecarregada. — Eu não sou um bom homem, Brynne. Buscava o meu prazer onde queria, pensando muito pouco nas consequências. Algo que nunca levei a sério a responsabilidade.

Nunca fui constante ou confiável. Nunca me comprometi com algo exceto eu mesmo. Precisa saber disso. Precisava saber há muito tempo.

— Não, Zael. Você está errado. — Ela passou os dedos pelos seus cabelos quando ele fitou o horizonte, os olhos ternos no rosto bonito e atormentado do homem que ela de algum modo passou a querer tanto. — Não é isso que vejo em você, muito pelo contrário. Não é o que vi hoje aqui na colônia. Não é o que vi quando você estava com a Ordem. — Ela colocou os dedos debaixo do seu queixo para levantar seus olhos. — Não é o que vejo quando você está comigo.

Ele segurou o seu rosto, acariciando seus lábios com o polegar.

— Depois de Sharon, nunca me permiti sentir tanto por uma pessoa. Não me deixei sentir amor por que não queria sentir dor nem sofrer com a perda. Mas com você... Tudo mudou quando te vi, Brynne.

Ela queria acreditar nele, mas havia uma parte dela que ainda tinha medo. Ainda certa que chegaria o dia em que ele rejeitaria o que realmente era por dentro — ou em que se arrependeria por não tê-la rejeitado.

— Eu passei a vida toda sozinha, Zael. É assim que me sinto segura — virou o rosto ainda envolvido pelas mãos dele. — Mas você tinha razão quando disse que eu era solitária.

Nunca percebi o quanto a minha vida era vazia. Não percebi que poderia ser diferente do que era. Mas agora...

— Agora, o quê?

Ela respirou fundo, precisando dizer as palavras antes que se permitisse se apaixonar ainda mais.

— Tenho medo que vou acordar um dia e toda a minha vida volte a ser vazia. Tenho medo do que sou, do que Dragos me fez, e tenho medo do que ainda posso me tornar.

— Nada disso me assusta — o toque de Zael foi suave quando traçou o desenho de um glifo que começava a despertar em seu peito. Quando ele olhou nos seus olhos, seu olhar 154


estava resoluto. — Vamos passar por tudo juntos. Minha luz a ajudou a passar pelo pior uma vez; ela pode ajudar de novo.

Ela riu com tristeza.

— Por quanto tempo, Zael?

— Pelo tempo que você me queira.

— E se for para sempre?

A pergunta saiu de seus lábios antes que pudesse evitar.

Ele não falou por um momento e ela fechou os olhos, rezando que a praia se abrisse e a engolisse.

Mas aí os lábios de Zael roçaram nos seus. Ela se derreteu em cima dele com um gemido, as presas coçando suas gengivas. Ele provocou o canto de sua boca com a língua, e depois entrou quando ela suspirou.

Ele se moveu para cima dela, pressionando-a na areia enquanto seu beijo esfomeado devorava todas as suas dúvidas e medos.

 

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CAPÍTULO 31

 


Ele não queria largá-la.

O corpo dela macio debaixo do seu na areia era tão gostoso, ela o abraçando enquanto suas bocas se uniam em um emaranhado desesperado de lábios e línguas e ofegos quentes.

Embora esta parte da praia fosse isolada, beijá-la dessa forma rapidamente fugiria do controle.

Inferno, quem ele estava enganando?

O que ele tinha com Brynne já estava fora de seu controle desde o começo. Ele estava falando sério quando disse que não importava se ela fosse Raça ou algo mais sombrio. Ele a desejava, gostava dela. Sentia mais por ela do que já sentiu por qualquer outra pessoa em sua vida.

Puta merda.

Quando finalmente se deu conta, afastou-se com um rosnado baixo e ficou olhando para o rosto transformado e lindo dela.

Estava apaixonado por ela.

Não negaria mais. Ao menos não para si mesmo. Não poderia. Não com o modo como seu peito batia simplesmente por estar perto dela, por tocá-la. Por saber que era sua.

Depois da forma como o olhou aqui hoje — depois de todas as coisas carinhosas que tinha lhe dito — havia uma parte sua que acreditava que ela também poderia lhe amar.

Para sempre, ela disse.

Seu coração tinha respondido sem hesitação.

Sim. Para sempre.

Mas as palavras ficaram presas em sua garganta. Elas ainda estavam lá agora, junto com todas as promessas que não podia fazer a ela até que tivesse certeza que o alvo que Selene colocou em suas costas algum dia não pararia nas de Brynne também.

E a ideia de que sua gente e a dela um dia pudessem entrar em guerra se dependesse de Selene?

Essa era uma possibilidade que se recusava a considerar, principalmente quando Brynne estava abraçada tão deliciosamente a seu corpo, com as mãos enfiadas em seus cabelos para puxá-lo para outro beijo ardente.

Ele deu o que ela exigia, depois se afastou com um rosnado faminto.

— Me dê sua mão, amor. Vou te levar pra cama.

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Com os olhos brilhando com uma luz âmbar, ela sorriu e colocou os dedos em sua palma. Zael a levantou da areia, incapaz de resistir ao dar outro beijo quando ela encostou no seu membro rígido. Ela encontrou sua ereção com a mão, mas foi só um toque de provocação antes dela sair do seu abraço e começar a correr de volta ao chalé.

Zael a encontrou lá dentro, teletransportando-se em um flash de luz em menos de um segundo.

Ela gritou quando ele a pegou, prendendo-a nos braços.

— Trapaceiro!

— Nunca — ele jurou de modo solene, então baixou a cabeça para beijá-la outra vez.

Não precisou sentir as presas dela roçando pela língua nem o calor de suas íris âmbar irradiar por trás de suas pálpebras para saber que ela o desejava dentro de si tanto quanto ele precisava estar lá. O cheiro doce da excitação dela acelerou sua pulsação de um jeito que fez seu pau se erguer com força própria batendo no quadril dela.

Ela arqueou o corpo quando ele lambeu atrás de sua orelha e desceu pela curva do pescoço com o ombro. Ele mordiscou sua pele sensível, incitado pelos seus gritinhos de prazer enquanto saboreava com a língua o jeito quente com o qual ela respondia.

Eles se despiram rapidamente, o desejo urgente demais para ter paciência.

Zael a levou para a cama, a boca ainda varrendo a pele macia e nua e os lábios carnudos. Ela estava ofegante e toda mole em seus braços, as curvas esmagadas pelos músculos duros de seu corpo quando a guiou para cima do colchão e a deitou debaixo dele.

Ela abriu as pernas para recebê-lo, o sexo brilhando de lubrificação e pronto para ele, tão rosa, lindo e perfeito. Ele afundou entre suas pernas com um gemido baixo, querendo saborear cada sensação mesmo sabendo que estava perdido demais para se preocupar com gentilezas.

Seu pau se aninhou na fenda quente e molhadinha do corpo dela. Seu grunhido saiu entrecortado, um palavrão em reverência, ao empurrar o pau e sentir a carne dela se estirar para acomodar seu tamanho. Brynne suspirou quando ele entrou mais, até a base. Ela arqueou a coluna para encontrar sua investida, um gritinho de prazer soprando em sua orelha quando ele abaixou a cabeça e começou um ritmo firme.

Seu êxtase, enquanto entrava e saía, era uma droga para ele. Ele viu quando se espalhou pelas feições dela, que agora estavam completa e gloriosamente Raça. Luz âmbar engolia todo o verde de suas íris quando ela o olhou, as pupilas verticais e estreitas no meio de todo aquele fogo. Com cada gemido abençoado, com cada suspiro mais alto, as pontas de suas presas apareciam mais, afiadas como um diamante e mortais, altamente eróticas.

Segurando-se no cotovelo enquanto ondulava o quadril no dela, ele acariciou o seu rosto transformado. Só o seu toque era gentil, sua necessidade urgente demais ao ver suas 157


bochechas corarem cada vez com mais cor e sua boca se abrir com um suspiro de alívio imediato.

— Oh — ela gemeu forte, agarrando-o quando um tremor a abalou. — Zael... Oh, Deus... não posso segurar.

— Isso é bom — ele murmurou, quase que além da capacidade de emitir palavras quando o sexo dela começou a apertar e se contrair em volta de seu pau. — Ai, assim. É isso, amor. Se solte. Nunca se contenha comigo.

Ele baixou a cabeça e a beijou, chupando seu lábio inferior carnudo entre os dentes por um momento antes de enterrar o rosto na curva macia do encontro entre ombro e pescoço.

Abrigando-a entre os braços, ele arremeteu mais forte, mais rápido, dando-lhe o que precisava para chegar ao limite. As pernas compridas o envolviam, os tornozelos cruzados apertavam sua bunda como um torno, mantendo-o colado a ela, o corpo ardente exigindo o que ele tinha pra dar.

E ele queria lhe dar tudo.

Não só agora, nesse sentido, mas em todos os outros.

Queria ouvi-la dizer que jamais teria isso de outro homem. Que era sua, da mesma forma que ele sabia com uma certeza de abalar qualquer alma que pertencia somente a ela.

Para sempre.

A ideia se tornou um juramento quando o olhar afogueado se prendeu ao seu e ela se rendeu à tremenda força do clímax. O grito que saiu dela foi rouco e selvagem. Unhas afiadas rasgaram suas costas, de um jeito que o fez rugir de satisfação quando ela se desfez embaixo dele em uma onda atrás da outra de um orgasmo poderoso.

Seu próprio orgasmo já vinha forte também. Mas antes de se entregar, quis testemunhar Brynne gozando de novo.

Inferno, nunca se cansaria de apreciar aquela linda visão.

Nem que eles ficassem juntos para sempre.

Ele agarrou suas mãos e começou a colocá-las acima de sua cabeça para que pudesse levá-la a outro clímax, mas ela obviamente tinha outros planos.

Em um rosnado sexy e animalesco, ela o colocou de costas na cama. Suas ondas cor de zibelina rodearam seus ombros quando o montou, os corpos ainda ligados intimamente. Seu pau aprovou entusiasticamente a mudança de posição, bem como ele.

Brynne sentou em cima dele, o corpo todo exibido enquanto rebolava e ondulava o quadril, seu centro molhado esfregando nele quando ela conseguiu que ele entrasse ainda mais a cada deslize que dava. Os espirais e arcos de seus dermaglifos estavam repletos de cores, dançando pela sua pele macia como uma obra de arte viva. Ele tocou os desenhos rendados que enfeitavam seus seios e barriga, os dedos e olhos venerando cada centímetro extraordinário dela.

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— Tão linda — murmurou, deslizando as mãos para o seu quadril quando ela estabeleceu seu próprio ritmo. — Acho que nunca vou te deixar sair desta cama.

A resposta dela foi um gemido baixo e cheio de prazer. Um tremor sensual percorreu seu corpo. A respiração ficou agitada, um ofego sexy que fez seu tesão se aglomerar na base de sua coluna. Porra. Ele estava tentando controlar seu orgasmo, mas ela não facilitava.

Arqueando enquanto subia e descia pistoneando em seu membro, seus seios sobressaíam, mamilos tão escuros e cheios quanto pequenas bagas de fruto. Ele os tocou, rolando os biquinhos duros nas palmas e dedos, deleitando-se com os gemidinhos que ela deu quando o clímax começou a dominá-la.

— Zael... — Seu nome foi mais que um ofego quando ela se curvou e se perdeu em seu alívio.

Ela fechou os olhos, jogando a cabeça para trás com outro grito estremecido. Seu sexo o apertou como uma luva escorregadia aveludada. Cada tremor que a sacudia levava as vibrações para o seu pau.

Continuou se movendo debaixo dela, tomando o controle do ritmo para prolongar o prazer dela. Bem como o seu.

Urrou com satisfação quando ela gozou de novo. Mas a explosão repentina de calor líquido em seu pau foi mais do que deu pra aguentar. Rosnando com a necessidade feroz que o tomava agora, ele investiu nela uma última vez e seu orgasmo escorreu para fora dele como uma onda escaldante.

Ela desmoronou em cima dele, um peso morno e prazeroso em seu peito enquanto seu corpo vivenciava os tremores secundários ao orgasmo. Ainda estava duro dentro dela, mesmo depois da incrível explosão de gozo.

Ela acariciou seu peito nu com os dedos, traçando os contornos de seus músculos. Ele prendeu o ar quando a sentiu colar os lábios mornos e molhados na base de sua garganta. Seu pau se mexeu em reflexo, junto com cada extremidade nervosa de seu corpo.

Ele queria sentir mais que seu beijo na garganta.

Puta merda, queria com uma certeza que não conseguia negar.

Brynne agora estava completamente imóvel.

Sabia que ela deve ter sentido a mudança em seu corpo. Inferno, ela tinha que ser capaz de ouvir o latejar repentino de sua pulsação, martelando de expectativa — de desejo pelo o que somente ela poderia lhe dar.

Ela se afastou, silenciosa. Mal respirando.

Seu olhar quente cheio de afeição quando o fitou. Mas ele também viu uma angústia lá.

E quando ela tirou os olhos do seu rosto e os colocou na coluna de sua garganta exposta, viu uma ânsia nela que abalou até o seu âmago.

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Ela também queria.

Ela o queria da mesma maneira irrevogável que ele a queria.


Como companheiro.

Unidos pelo sangue.

Quando ela teria se retraído ainda mais, Zael negou devagar com a cabeça. Ele tocou sua nuca com a mão. A pulsação dela estava a mil, latejando tanto quanto a sua.

— Não fuja de mim agora, Brynne. Venha aqui, que este é o seu lugar.

Ela não resistiu quando ele a puxou e engoliu seu gemido quebrado com um beijo. Ela meteu os dedos em seu cabelo, apertando-o quando suas bocas se colaram em uma união cheia de fome e tesão.

A leve abrasão das presas dela em sua língua enviou uma corrente de desejo ardente por todas as fibras de seu ser. Ele a puxou mais, enfiando a língua ainda mais quando seu pau começou a arremeter dentro de seu sexo.

Ela se moveu com ele em um ritmo progressivamente urgente, até seus corpos se perderem no frenesi do desejo que tinham um pelo outro.

E na necessidade maior que se recusava a ser negada.

Brynne interrompeu o beijo sem fôlego, com os olhos reluzindo mais do que estrelas.

Atrás de seus lábios entreabertos suas presas brilhavam.

Ele passou as mãos pelo rosto belo e transformado.

— Você é minha, Brynne. Meu sangue já sabe disso. Bem como meu coração.

Ele a puxou para baixo e, desta vez, quando o beijo acabou, ao invés de se afastar, Brynne baixou a cabeça para a sua garganta. Com a língua. ela varreu sua carótida como uma seda.

Zael urrou em resposta, o pulso martelando em permissão e em exigência.

Ela respondeu com um lindo gemido que vibrou até a sua medula.

E então, ela fechou a boca sobre sua veia e afundou as presas na sua carne.

 


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CAPÍTULO 32

 


Brynne gemeu com o primeiro gosto do sangue de Zael na boca.

Mercúrio e exótico, não era nada parecido com as células vermelhas de um cobre pungente dos humanos dos quais se alimentou por toda a vida. Por outro lado, deveria saber que o sangue de Zael seria uma força poderosa e intoxicante. Como o próprio homem, o sangue dele dominou seus sentidos, possuindo-a desde a primeira prova.

Cada gole que ela dava de sua veia entrava pelo seu organismo como um fogo líquido, despertando todos os seus nervos, fibras e células. Ela não se cansava. Beber dele era como estar morrendo de sede há séculos e provar da vida pela primeira vez.

Era isso o que tinha feito com ela — despertado, devolvido a vida. Arrastado-a das sombras para uma luz brilhante e irresistível.

Ele tinha feito tudo isso desde o momento em que se conheceram.

Agora isso.

Seu sangue viveria dentro dela para sempre. Aquele laço não era possível de se romper. Ele a invadiu tão profundamente que ela teve vontade de chorar, tamanho o poder. Em qualquer lugar que fossem agora, juntos ou separados, ela sempre o sentiria. Saberia de sua alegria, tristeza e cada dor.

Mas em um canto preocupado de sua consciência, também sabia que se chegasse o dia em que ele a visse em seu pior e se arrependesse deste momento — de tê-la levado à sua vida, ela também sentiria o mesmo.

No momento, tudo o que sentia era amor.

Com o coração transbordando, lambeu as picadas que suas presas tinham feito, fechando o ferimento. Os braços de Zael estavam quentes e fortes ao seu redor quando ela levantou a cabeça para olhá-lo. Ele a fitou de um modo sóbrio e sem piscar. Seus olhos azuis nunca pareceram mais escuros ou mais solenes.

Por um momento — um breve e terrível momento — ela se preocupou que encontraria dúvida em seu belo rosto. Ou pior, o início da repulsa que temia um dia aparecer.

Mas o laço lhe disse algo muito diferente. Bem como Zael quando a apertou mais nos braços e a colocou debaixo de si na cama.

A boca dele veio na sua em um beijo tão primitivo e cru, que quase a desfez de imediato. Ele estava selvagem de paixão, e ela sentia cada centímetro dela no laço que agora a conectava a ele.

— Oh Deus, Zael — sua voz saiu um pouco mais que um suspiro entrecortado.

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Foi tudo que conseguiu dizer. Ela não tinha fôlego nem voz quando ele abriu suas pernas, e começou uma exploração febril de seu corpo com os lábios e a língua impiedosa.

Seu prazer explodiu agora que estava combinado ao dele. A conexão sanguínea multiplicou seu êxtase, e o poder de seu desejo somado ao dele era quase demais para suportar. Ela arqueou do colchão quando ele fechou a boca em seu clitóris. Quente, molhada e incansável, sua língua lambia e chupava, provocando o brotinho inchado. Quando ele deslizou o dedo na sua fenda e começou a meter no mesmo ritmo do tormento da boca, ela rodopiou em direção a um prazer que não conseguiu conter.

Seu orgasmo a atingiu como uma onda. Levou-a longe e a deixou despedaçada, totalmente à mercê dele.

E ele não foi misericordioso.

Ela ainda estava vagando, todas as extremidades nervosas eletrizadas e vibrando de êxtase, quando ele pairou sobre seu corpo e depois entrou nela dando um rosnado baixo de posse. Ele entrou todo, indo mais fundo do que ela achava possível. Ela jogou a cabeça para trás num ofego, apertando os lençóis quando ele girou o quadril rápido, com força e tomando posse.

— Olha para mim, amor — o seu comando rouco fez com que voltasse a olhá-lo. — Me veja te possuir. Saiba que é minha. Me diga o que sente.

— Sim, eu sou sua. Eu sinto, Zael — ela o encarou, inundada de prazer e emoção. E de muito amor. Ele a enchia como uma luz crescente e poderosa. A luz dele, agora dentro dela. —

Oh, Deus, Zael. Eu sinto... tudo.

— Me mostra — o olhar dele a queimava com intensidade quando ele metia ainda com mais força. — Me deixa sentir também, Brynne. Me deixa provar isso, agora.

Ela franziu a testa, sem ter certeza se entendeu. Com medo de esperar o impossível.

Mas a verdade estava ali nos olhos dele. Estava na conexão emocional que agora tinha com ele — a que ele estava pedindo a ela que completasse. Ele queria. Ele queria o seu vínculo.

Ele iria querer ter esse laço quando ela estivesse em seu pior?

A pergunta a arranhou por dentro friamente. Sim, ele a tinha visto no pior de sua sede de sangue. Sabia no que ela se transformava.

Mas sentir em seu próprio sangue? Saber da selvageria que a enchia quando era menos Raça e mais monstro?

Uni-lo a ela significaria uni-lo a tudo o que era, incluindo sua parte que era Antigo.

Como ele poderia voltar a olhá-la com desejo — ou com qualquer tipo de afeição — se ela permitisse que ele tomasse essa sua parte dentro da alma?

O medo de que ele fosse se arrepender fez suas veias gelarem.

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Só a ideia de que um dia ele pudesse chegar a olhá-la com repulsa ou ódio era demais para aguentar. Principalmente agora, quando ele a abraçava com tanto carinho, fazendo-a desejar coisas que nunca poderia ter.

— Zael, não — saindo do seu abraço, ela se afastou dele e foi até a beirada da cama.

— Qual é o problema?

A preocupação em sua voz grave a fez se encolher de tristeza. Quando ele descansou a mão em seu ombro, ela se acovardou. Levantou-se abruptamente e foi para longe dele.

— Desculpa — ela sussurrou. — Não posso fazer isso. Nem você deveria. Por favor...

Melhor ir embora.

— Embora? — Tanta confusão em apenas uma palavra.

Ele levantou da cama e caminhou até ela. Seu rosto estava cheio de atordoamento e de afeição. Ver a sua preocupação com ela agora só reforçou o temor de que se deixasse que as coisas avançassem mais com ele, aquele amor se transformaria em nojo.

— Não posso fazer isso, Zael. Beber seu sangue foi um erro.

— Com toda certeza não pareceu um erro para mim — ele devolveu, raiva ultrapassando sua descrença. — Pareceu certo. E eu sei que você também sentiu isso.

Ela sacudiu a cabeça.

— Não posso, Zael. Não aqui. Não agora. Não devíamos nem arriscar ficarmos juntos até depois da aliança estar decidida. Você mesmo disse isso.

— Foda-se a aliança — a resposta saiu em uma explosão dele, a voz cortante e áspera.

— Isso é sobre você e eu, Brynne. Nada mais me importa.

— Nem mesmo a colônia?

Ela sabia que importava. E se ele tentasse negar, saberia que ela tinha como dizer caso fosse mentira. Ela só estava há poucas horas naquela ilha e conseguia ver claramente que mesmo com todo seu comportamento errante, este lugar e seu povo era a única coisa parecida com um lar que ele possuía. Seus retornos pouco frequentes e estadias breves não tinham diminuído o fato de que na maior parte de sua vida mortal, o povo aqui foi o mais próximo de uma família que ele já conheceu.

Ele jamais daria as costas a eles, e o lugar dela não era ali.

Não importava no que daria a aliança, foi confiado a eles fazer com que ela ocorresse.

— Eu não deveria ter bebido seu sangue, Zael. Foi egoísta. A coisa mais egoísta que eu já fiz. Não posso deixar você tornar isso pior se acorrentando a mim também.

— Está de brincadeira?

Sua raiva e confusão agora endureceram em dor. Ela a sentiu vibrar nas veias quando ele chegou mais perto dela. Ela recuou para as sombras do pequeno quarto.

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— Zael, por favor... quero que vá embora.

— Brynne — ele a tocou.

— Vá! — Foi a fera que vivia dentro dela que gritou a ordem para ele.

Ela sentiu as unhas se endurecerem em garras negras quando sua infelicidade virou uma fúria desesperada. Sua pele coçava com a erupção de seus dermaglifos alienígenas, os desenhos emaranhados vindo à superfície para cobrir a maior parte de seu corpo.

Zael ficou imóvel, seu belo rosto indecifrável. Mas ela podia sentir sua reação no sangue. Não era medo nem raiva. Era pena.

Ela se preparou para suportar a mágoa.

— Por favor. Vá de uma vez.

Ela se virou quando ele lentamente recolheu as roupas e as vestiu, sabendo que se o visse começar a ir embora, poderia cair na tentação de chamá-lo de volta.

Ele não a fez sofrer a espera por muito tempo.

O quarto se iluminou com uma explosão de luz repentina.

E então ele se foi.


164


CAPÍTULO 33

 


Brynne não dormiu nem um pouco naquela noite.

Sua própria miséria teria sido bastante para mantê-la acordada até a suave luz do amanhecer começar a preencher o pequeno chalé, mas também sentia a inquietação de Zael através do seu vínculo com ele.

Estava tão infeliz quando ela. Mas também estava com raiva. Estava confuso e magoado.

Por causa dela.

Porque foi fraca demais para admitir o que queria — ele, como seu companheiro eterno

— e assustada demais para acreditar que ele poderia superar a abominação que era.

Ele foi irrefutavelmente lembrado disso nos minutos antes de deixá-la.

Uma ira autodirecionada fez o monstro sair em todo seu amedrontador e letal pior. Ele o tinha visto e sentido pena dela. Ela sentiu sua pena. O aguilhão ainda queimava como ácido em sua garganta... e em seu coração.

Talvez ele finalmente entendesse como qualquer tipo de futuro entre os dois era impossível. Talvez vê-la daquele jeito mais uma vez era o que precisava para admitir que ela estivesse certa. Eles eram de mundos diferentes, e embora ela nunca tivesse muito para chamar de seu, e ainda menos para o qual retornar a essa altura, ele tinha tudo esperando por ele aqui na colônia.

A última coisa que queria fazer era pôr isso em risco acorrentando-o a ela com um elo de sangue.

Mesmo se afastá-lo a estivesse matando por dentro.

Não podia negar que uma parte vergonhosa sua tinha esperado que ele pudesse voltar ao chalé e exigir outra chance de convencê-la.

Nem podia fingir que não ficou decepcionada quando bateram à sua porta naquela manhã e ela encontrou Neriah lá, em vez de Zael.

— Oi, Brynne — a garota sorriu com alegria. — O conselho vai se reunir em breve. Zael já está a caminho. Ele me pediu para vir te buscar, se você já estiver pronta.

— Oh — ele já estava lá. Já se ajustando à distância que ela tinha insistido existir.

Mudou a expressão para uma de puro profissionalismo, mesmo que uma dor a rasgasse por dentro. — Claro, estou pronta. Vamos.

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Ela mal registrou a conversa animada de Neriah enquanto caminhavam pela rua calçada até o prédio da câmara do conselho. Seus passos pareciam pesados, seu coração batendo rapidamente em antecipação de ver Zael outra vez depois da forma terrível em que tinha acabado as coisas com ele.

Ele esperava sozinho lá dentro, encarando a plataforma vazia. Sua postura estava rígida e sombria, sua forma alta e musculosa vestida por uma túnica branca nova de linho e calça, sua cabeleira lustrosa de fios dourados ainda úmida de um banho recente e cacheando nas pontas.

Cada célula no corpo de Brynne se acendeu ao vê-lo, seus sentidos evidentemente não sabiam da estupidez que ela fez em afastá-lo. Ele não era seu agora — depois de ontem, talvez nunca mais seria — mas seu corpo não parecia reconhecer isso.

Nem seu sangue.

Suas veias latejaram quando o observou ficar completamente imóvel quando percebeu que ela estava presente. Ela também sentiu no aumento de seus batimentos cardíacos, quando ele se virou devagar para olhar para ela, quando Neriah foi se sentar perto dos fundos da câmara e Brynne se aproximou dele na plataforma.

— O conselho está atrasado — ele a informou, o tom nivelado, mesmo que seu olhar estivesse pesado com todas as palavras que não diria. — Me informaram que eles devem chegar logo.

— Acha que tem algo errado?

Ele deu de ombros.

— Provavelmente foi preciso mais tempo para que todos os anciões chegassem a um acordo.

Enquanto esperaram alguns minutos em um silêncio desconfortável, não pôde evitar se lembrar do olhar duro de Tamisia no pátio e o ceticismo que ela tinha expressado diante da possibilidade de aliança.

Essa preocupação só se aprofundou quando o conselho de anciões surgiu de uma sala adjacente e começou a encher a câmara para ocupar seus lugares. Nenhum dos seis revelava algo em suas expressões, mas Tamisia nem mesmo olhava para Zael ou Brynne.

Nethilos deu início à reunião.

— Eu me desculpo pelo atraso — anunciou ele. — O conselho vem discutindo sua proposta pelas últimas horas. Tenho certeza que percebem que há muito em jogo nesta decisão.

Zael assentiu com sobriedade.

— Percebo sim, meu amigo. Tanto eu quanto Brynne.

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Nethilos juntou as sobrancelhas.

— Este conselho estava preparado para lhe dar nossa concordância hoje. Contudo, recebemos uma nova informação há poucos intantes. Uma informação perturbadora que não podemos ignorar.

Brynne sentiu o sangue de Zael correr um pouco mais frio pelas suas veias. O dela fez o mesmo, as veias se congelando em pavor quando olhou para Tamisia e a viu olhar para o próprio colo enquanto Nethilos falava.

— Você mentiu para mim, Zael. Mentiu para este conselho quando negligenciou em contar que você e esta Raça são amantes.

Oh, Deus. Brynne fechou os olhos brevemente, o coração afundando.

— Temos uma testemunha que relatou tê-los visto juntos no chalé — Nethilos prosseguiu. — Esta testemunha a viu beber de seu sangue, Zael.

Brynne sentiu vontade de vomitar. Culpa e alarme a inundaram, junto com a pontada de choque de Zael. Ela sentiu as garras afiadas do medo dele... e a mordida de sua fúria crescente.

— Foi você, Sia? — Ele questionou com um ultraje estrondoso. — Maldição, você fez isso?

Ela levantou os olhos agora, seu belo rosto enérgico ao sacudir a cabeça.

— Não. Eu juro.

Nethilos se levantou da cadeira.

— Não haverá aliança. Não pode haver, não sob os termos que propôs, Zael. Não enquanto sua lealdade parece ter sido desviada para a Raça e a Ordem.

— O que está dizendo?

Outro dos anciões, Baramel, o homem com os olhos de duas cores, fixou um olhar de reprovação em Zael.

— A colônia precisa de garantia de que você atuará por nós, considerando o nosso melhor interesse, caso a Ordem algum dia venha a nos pedir ajuda para confrontar Selene.

— E principalmente se eles vierem pelo nosso cristal — acrescentou Anaphiel. Ela tinha parecido a mais receptiva a uma aliança durante a primeira reunião, mas agora a mulher negra Atlante de voz mansa olhava para Brynne e Zael com uma desconfiança óbvia.

— Você diz garantia,— murmurou Zael. — O que isso quer dizer?

Nethilos olhou para seus colegas antes de falar.

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— O conselho decidiu que a única maneira de entrarmos nesta aliança com a Ordem é com uma condição. Que você concorde em permanecer na colônia.

— Por quanto tempo?

A pergunta de Zael ficou suspensa na repentina quietude da câmara. Ele olhou para Brynne, ela nunca se sentiu tão angustiada ou sozinha. Ela o tinha afastado ontem, mas não tinha realmente sentido que o havia perdido para sempre até este momento.

Ele também sabia.

Seu sangue batia com a compreensão do que lhe pediam para fazer.

— Quer dizer indefinidamente — ele respondeu desajeitadamente. — Permanecer aqui na colônia pelo resto de minha vida.

Nethilos inclinou a cabeça em um assentimento sério.

— Esta é a decisão deste conselho, Zael. Não haverá aliança sem que se comprometa com os nossos termos.


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CAPÍTULO 34

 

 

Quando ele chegou na câmara do conselho naquela manhã, Zael estava preparado para abandonar tudo. Sua gente e o único local que considerava seu lar.

Depois de Brynne mandá-lo embora do chalé ontem — e embora de sua vida, ele temia

— foi forçado a examinar sua existência longa e sem propósito. Para ser mais exato, isso o forçou a considerar um futuro interminável sem ela.

O que ele concluiu foi que uma vida sem ela não era uma vida que ele queria viver.

E se com isso tivesse que segui-la até os confins da terra para convencê-la disso, era o que pretendia fazer.

Mas estava errado quando disse que a aliança entre os Raça e a colônia não lhe importava. Importava sim. Porque sem a possibilidade de paz — sem a garantia que Selene não seria capaz de ter a guerra que parecia tão determinada a iniciar — Zael sabia que ninguém que lhe importasse estaria a salvo.

Não ele. Nem as pessoas da colônia. Nem os Raça ou a Ordem ou qualquer um que tivesse o azar de estar no caminho da vingança da rainha Atlante.

E, o mais importante de tudo, Brynne não estaria segura.

Enquanto ele andava de um lado para o outro da casa que mantinha na ilha, entendeu que acima de tudo, a aliança precisava acontecer. Não importava o preço.

Mas com toda certeza não havia antecipado isso.

— Pode dar sua resposta ao conselho assim que estiver pronto, Zael.

Com a proclamação de Nethilos, o resto dos anciões se levantaram e então o seguiram para fora da câmara.

Brynne continuou imóvel quando eles saíram. Completamente calada. Ele nem tinha certeza se ela respirava.

— Você está bem? — ele perguntou, sua preocupação focada inteiramente nela apesar das ramificações infinitas do que tinha acabado de acontecer. — Brynne, fale comigo...

— Isso é culpa minha. — Suas palavras não tinham tom, mas o choro que ela prendeu estava cheio de emoção. — Zael, eu sinto muito. Eu disse que o que fizemos ontem foi um erro. E agora arruinei tudo.

— Não. Não foi você. Não pense assim. Estávamos juntos naquela cama.

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Ele queria estender a mão e acariciar os lábios estremecidos dela com o polegar. Seus dedos coçavam para enxugar uma lágrima solitária que escorreu pelo seu rosto lindo e repleto de culpa. Mas não sabia se ela iria querer o seu conforto agora.

E até que ele encontrasse uma maneira de consertar tudo o que deu errado, não tinha garantias nem promessas para lhe dar.

Quanto ao conselho, não precisava atrasar nem mais um segundo.

Ele tinha a sua resposta.

Ele só tinha que convencê-los a aceitá-la.

— Fique aqui — disse a Brynne. — Preciso encontrar Nethilos e falar com ele a sós.

Quando ela assentiu, Zael saiu da câmara. Ele correu até o escritório pessoal de seu amigo no prédio do conselho, mas o ancião não estava lá.

Quando Zael saiu do escritório, Tamisia quase colidiu com ele na passagem.

Ele mal conseguiu conter a sua ira.

— Saia da minha frente, Sia. Se sabe o que é bom pra você, vá para o mais longe de mim que puder.

— Zael, eu sinto muito — seu rosto desmoronou no que pareceu ser uma excelente imitação de remorso. — Eu não sabia.

Ele parou, suspeito demais para ignorá-la, não importava o quanto vibrasse com a necessidade de explodir. De se enfurecer. De castigar.

Mas não podia culpar ninguém pelo que sentia por Brynne.

Ele não condenaria o conselho pela decisão que tomou em desaprovar o que sentia por ela — mesmo que essa decisão tivesse o poder de destruir sua vida.

— O que você não sabia, Sia?

Ela sacudiu a cabeça, tristeza nos olhos.

— Elyon. Ele me procurou ontem à noite, ultrajado por ter espiado você e Brynne no chalé.

Raiva ferveu dentro de Zael.

— Ele estava lá? O filho da puta estava lá na praia? — Um palavrão explodiu de sua língua. — Está me dizendo que Elyon estava espreitando pelas janelas enquanto Brynne e eu fazíamos amor?

E enquanto ela tomava seu sangue.

Os momentos mais íntimos que eles já dividiram juntos, e Elyon havia invadido a santidade deles como um ladrão filho da puta. Ele tinha barateado uma experiência pessoal e sagrada e a utilizado como uma arma.

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— Ele é louco, Zael — Tamisia estremeceu ao dizer isso. — Ele anda falando de voltarmos ao reino juntos, mas eu nunca quis isso. Ele não desiste. É por isso que eu te pedi que me ajudasse a partir.

Zael praguejou.

— Deveria ter me dito o motivo, Sia. Deveria ter contado a alguém, droga.

— Eu sei — seu arrependimento era óbvio. Bem como seu medo. — Ele ficou furioso quando o viu chegar aqui com a conversa de uma aliança com a Ordem. Acho que fará de tudo para impedir que isso aconteça.

A mente de Zael borbulhava. Ele pensou no guarda que uma vez esteve entre os soldados mais leais de Selene. Elyon era um Atlante patriota antes da queda do reino. Sua lealdade tinha permanecido secretamente intacta por todo esse tempo?

Ou pior, poderia essa lealdade agora colocá-lo contra a colônia como um todo?

Pelo o que Tamisia dizia, a resposta parecia óbvia.

Um mau presságio gélido caiu sobre Zael quando ele considerou a traição de Elyon. Se o sentinela estava disposto a fazer qualquer coisa para impedir a aliança, então ele não estaria disposto a ficar inerte e deixar o conselho demovê-lo ao dar a Zael uma chance de reparar o seu erro.

— Onde está Nethilos?

Tamisia sacudiu a cabeça.

— Eu não sei. Não o vejo desde que o conselho se reuniu.

— Maldição — Zael voltou a andar. — Se o vir, diga que ele pode estar correndo perigo.

Diga que preciso falar com ele imediatamente.

Ela assentiu.

— Direi.

Enquanto andava pelo prédio do conselho, Zael desacelerou as ideias, concentrando seu foco na energia que vivia em cada Atlante. Ele buscou pelo seu amigo usando a mente e os sentidos.

Não conseguiu localizá-lo.

Puta merda.

Se seu velho amigo estivesse correndo algum perigo, o que dizer do cristal?

A colônia mantinha sua fonte de energia no último andar do prédio em que estava agora. Zael se teletransportou para lá desaparecendo em uma explosão de luz, depois se materializando na câmara que guardava o cristal Atlante da colônia.

171


Chegou bem a tempo de encontrar Nethilos deitado em uma poça de sangue no chão.

Sua cabeça estava separada do corpo, descansando ao lado de uma lâmina Atlante manchada de sangue. Do tipo que Zael e seus demais camaradas da legião costumavam usar.

Ah, porra. Ele se horrorizou com a visão apavorante de seu amigo tão pacífico. A selvageria da morte de Nethilos abalou Zael, mas ele abafou seu horror e dor para não perder o foco na fúria letal que fervia dentro dele.

Porque ali estava Elyon, de pé em frente ao cristal. O bastardo havia removido o vidro de proteção e estava prestes a levantar o objeto prateado do tamanho de um ovo de seu pedestal quando a voz retumbante de Zael o assustou.

— Seu covarde do caralho. Saia de perto do cristal.

Elyon se virou ante a intrusão inesperada. Seu olhar foi até a lâmina que ele tão negligentemente deixou no chão depois de cometer seu crime.

A lâmina afiada que Zael agora tinha na mão pronta para o ataque.

Ele avançou em Elyon de um modo prudente, forçando-o a abandonar sua posição próxima ao cristal para evitar a espada que se movia com a velocidade de um raio na mão de Zael.

Elyon deu uma risada.

— Já faz muito tempo desde que empunhou uma arma de Atlântida, capitão.

— Não tanto tempo assim — devolveu Zael, demonstrando com um golpe que cortou o ombro do outro homem. — Há quanto tempo planeja levar o cristal de volta para Selene?

As sobrancelhas loiras de Elyon se ergueram.

— Você sabia?

— Não até falar com Tamisia um momento atrás.

— Tamisia — Elyon falou o nome com desprezo. — Venho tentando convencê-la a voltar comigo, voltar para o reino. Ela não quer. Bonita aquela é, mas não tem juízo.

— Teve juízo suficiente para te entregar.

Ele zombou.

— Eu a teria feito mudar de ideia. Poderia persuadi-la. Mas aí você apareceu de volta à ilha depois de anos fora. Falando em desafiar Selene. Falando em uma aliança com a Ordem, por Deus. Não posso deixar que isso aconteça, Zael.

— Já está acontecendo — Zael garantiu. — Não descansarei até que aconteça.

Elyon sacudiu a cabeça.

— Nunca deveríamos ter saído do reino. Viver escondido nesta pedra flutuante, todos nós isolados do resto do mundo e proibidos de ir e vir — ele riu pesado. — Bem, todos menos você, Zael. E agora aqui está você, nos pedindo para colocar nosso destino nas mãos dos 172


Raça? Nunca. Deveríamos voltar para Selene antes de confiar em qualquer Raça. Estamos melhor com o mal que conhecemos.

O homem estava ficando agitado e isso queria dizer que logo ficaria imprevisível. Zael fez com que ele se afastasse mais do pedestal que segurava o cristal, mantendo-o distraído com pequenos cortes de espada. Finalmente ele empurrou Elyon até o centro da câmara, ficando entre seu oponente e o cristal.

Mas Elyon não tinha terminado de censurá-lo. Ele olhou brevemente para Nethilos no chão.

— Eu tentei convencê-lo, mas ele se recusou a ouvir. Por que ouviria? Eu sou apenas um soldado, só sirvo para vigiar os portões, não para respirar o refinado ar da câmara do conselho. Mais uma vez, diferente de você — agora ele sorria, o olhar ávido demais para estar completamente são. — O que o torna tão especial assim? Nada. Tamisia não é melhor que Nethilos. Com ela, eu só prestava para foder, mas não para ser ouvido. Nem para ser obedecido. Bem, isso acabou.

Luz explodiu das mãos de Elyon. Mesmo que Zael tenha se preparado para o impacto, a explosão repentina de energia colidiu com ele como um trem de carga. O outro guerreiro sempre foi forte, mas essa força imensa era algo diferente.

Inferno.

O cristal, percebeu Zael.

Elyon não teve chance de removê-lo antes de Zael interromper, mas ficou perto o bastante para tocá-lo.

E a energia que havia extraído com aquele breve contato agora lhe dava a força de dez guerreiros Atlantes.

A força da luz de Elyon arremessou Zael pela câmara. Ele perdeu a espada quando colidiu com a parede de pedra da câmara, os ossos se quebrando com o impacto. Uma dor lancinante explodiu dentro dele.

A risada de Elyon era de pura loucura quando ele levantou as mãos à sua frente e se preparou para lançar outra rajada de luz em Zael.


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CAPÍTULO 35

 


Ele estava em agonia.

Brynne sentiu a explosão repentina e insuportável de dor de Zael através do elo como se seus próprios ossos quebrassem, seu próprio crânio tinindo de um ataque inesperado e selvagem.

— Oh, não — uma descarga de pânico, de terror em sua essência, atingiu-a. — Zael.

Seu elo com ele lhe contou onde ele estava.

Ela seguiu o farol daquela conexão, movendo-se pelo prédio do conselho e subindo a escada na maior velocidade que sua genética Raça lhe permitia.

— Zael!

Ela sentiu cheio de sangue mesmo antes de chegar ao último andar da estrutura.

Muito sangue.

A porta barrada da câmara não era páreo para sua força alienígena. Ela voou quando a chutou.

Raios de uma luz incandescente colidiam entre Zael e o seu agressor, o guarda loiro que ela reconheceu de sua chegada à ilha. O rosto de Elyon estava retorcido em uma máscara de ira enquanto ele lutava com Zael. Os olhos do guarda estavam loucos, a expressão homicida.

Zael urrou quando a avistou.

— Brynne, saia daqui!

Naquela fração de segundo de distração, Elyon lançou outra explosão de energia em Zael do centro de suas palmas brilhantes. A luz arqueou como um raio, atingindo Zael bem no peito. Ele voou para trás em um grito de agonia, contido pela força do ataque de Elyon.

Brynne gritou — não só pelo vínculo que tinha com Zael, mas pela fúria que sentia de seu agressor. Seu berro saiu de algum lugar de dentro dela, virando um som alienígena quando sua transformação se deu.

Com a visão cheia de ira âmbar, ela saltou em Elyon. Ela o derrubou, suas garras negras afundando na carne e nos ossos quando se colocou por cima do adversário muito maior.

Ela era um animal em sua violência, mas a força do Atlante era imensa.

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Uma luz poderosa explodiu em seu peito e crânio.

Elyon a atirou de cima dele e se levantou. Ele a olhou com ódio enquanto ela tentava sair de seu torpor de dor, os ferimentos já começando a se curar.

— Sua puta da Raça estúpida — falou fervendo de raiva. — Agora também vai morrer.

Ele levantou a mão, uma bola de fogo de energia espiralando no centro. Justo quando a teria liberado, Zael se levantou em um joelho do outro lado da sala. Ele tinha algo na mão fechada. A outra estava engolfada em luz — luz esta que agora explodia em Elyon.

Em vez de ir atrás de Brynne, o guarda atirou todo o seu poder em Zael para se defender. As luzes colidiram, a força delas iluminando a câmara com o calor e a luminosidade de dez sóis.

Brynne viu sua oportunidade. Uma espada enorme de aço ensanguentada estava próxima. Ela se atirou para ela e então girou.

A espada encontrou a base do crânio de Elyon. A cabeça do Atlante saiu voando.

Mais energia saiu dele agora, uma erupção pelas mãos e pelo pescoço decepado. O

corpo se retorceu no chão, a vida imortal de Elyon — e sua luz destrutiva — extintos para sempre.

— Brynne — Zael estava ao seu lado em um segundo.

Ela ainda conseguia sentir a sua dor física — ossos quebrados e órgãos cortados pela luz que lentamente se curavam, graças à sua genética Atlante. Também podia sentir o seu alívio quando ele passou a mão em volta de sua nuca e a puxou para si para colocar os lábios nos dela em um beijo voraz.

Parte dela quis resistir à sua proximidade — nem que fosse por não ter certeza de poder confiar em si mesma plenamente transformada. Embora não sentisse sua sanidade desaparecer como fazia nas outras vezes em que sucumbiu à sede de sangue ou de fúria, reconhecia a fera dentro de si.

Seu sangue pulsava feroz nas têmporas, a visão repleta de âmbar e ainda vibrando com o poder de sua ira. Agora ela era um Antigo. Ainda em ebulição e sobrenatural.

Hedionda.

Mesmo assim Zael a olhava com pura afeição. Com amor.

Ela não sentiu gosto de medo em seu beijo — não pelo o que ela era, pelo menos. Só o medo da possibilidade de perderem um ao outro naquele dia.

E o alívio na alma por terem saído intactos da luta.

Juntos.

— Oh, Zael — ela ofegou nos lábios dele. — Tive tanto medo.

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— Eu sei, amor — ele a beijou várias vezes, como se não pudesse parar. — Está tudo bem agora. Acabou.

O alívio de Brynne era tanto que não percebeu que eles não estavam mais sozinhos na câmara.

Não até sentir a pulsação de Zael acelerar em renovado alarme.

Eles interromperam o beijo, ambos olhando na direção da porta aberta e destruída da sala onde vários anciões Atlantes e mais uma dúzia de habitantes da colônia agora se encontravam.

À frente do grupo estavam os guardas colegas de Elyon. Não mais desarmados como estiveram quando Brynne e Zael chegaram à ilha, cada um segurando uma espada comprida como a cheia de sangue que Brynne ainda tinha na mão.

Todos ali olhavam para Brynne e Zael em acusação.

Em uma condenação silenciosa e horrorizada.


~ ~ ~

 

— Solte o cristal, Zael — os olhos bicolores de Baramel estavam estreitos nele em um brilho letal quando ele cuspiu a ordem entredentes. — Diga à sua mulher que solte a espada.

— Isto não é o que parece.

Ele sabia como isso parecia — o mais respeitado dos anciões e um dos guardas confiáveis da colônia, ambos decapitados e deitados em poças crescentes de sangue. Ele ali de pé, segurando o cristal em uma mão enquanto a outra abraçava Brynne, cujos dedos estavam em volta do punho de uma espada Atlântida cheia de sangue.

— Você o ouviu, Zael — a ameaça veio de Vaenor, o guarda que tinha servido com Zael e Elyon na legião. O soldado de cabelo escuro deu um passo agressivo, a espada a postos. — Solte o cristal.

— Não até que todos vocês me ouçam.

Zael soltou Brynne só para que ela pudesse se reposicionar atrás dele, caso alguém chegasse a conclusões precipitadas ainda piores sobre o que viam no momento.

Porque por mais que suas expressões estivessem abaladas ao registrarem a carnificina aos seus pés, isso não se comparava ao choque que ele viu escrito em todos os rostos Atlantes enquanto eles tentavam olhar para Brynne.

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Ela estava completamente transformada, como esteve na noite em que a encontrou naquele beco em Georgetown.

Suas presas estavam enormes, os olhos esferas ardentes de um âmbar derretido. Cada centímetro de sua pele branca agora estava coberto em um emaranhado de dermaglifos. Até seu rosto levava as marcas de pele de Antigo, todas fervilhando com cores escuras. Zael não precisava olhar para a mão dela, que segurava a espada Atlante para saber que as pontas de seus dedos estavam coroadas por garras negras afiadas.

Ela era singularmente Brynne.

Formidável.

Gloriosa.

Ele nunca se sentiu tão orgulhoso de estar ao seu lado.

E nem mais apaixonado.

— Puta merda — alguém da plateia perplexa sussurrou.

— Ela é algo mais que Raça — outra voz murmurou. — Olhem para ela.

— Sim — disse Zael. — Olhem para ela. Agradeçam a ela, porque Brynne acabou de ajudar a salvar esta colônia. Se não fosse por ela, Elyon já estaria na frente de Selene lhe entregando este cristal.

Baramel o olhou com desconfiança.

— Do que está falando?

— Elyon matou Nethilos. Eu os encontrei aqui, mas era tarde demais para salvá-lo —

seu olhar vagou para a carnificina aos seus pés. Sentiu gosto de bile ao ver o corpo brutalizado de seu amigo. Só sentiu nojo quando olhou para o guarda que o havia traído. Traído a todos na colônia. — Elyon estava planejando abandonar a colônia e retornar ao reino com o cristal. A perspectiva de uma aliança com a Ordem teria arruinado todos os seus planos.

Vaenor grunhiu.

— Uma explicação conveniente quando Zael está segurando o cristal e as únicas testemunhas estão mortas no chão.

Resmungos de concordância — de suspeita e dúvida quanto a Zael e Brynne —

passaram pela multidão.

— É tudo verdade — Tamisia passou do amontoado de gente. — Tudo que Zael acabou de dizer é verdade.

Os outros anciões à frente a olhavam boquiabertos e descrentes.

— O que significa isso? — Questionou Baramel.

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Tamisia tornou a contar o que dissera a Zael sobre Elyon — como ele estava obcecado há algum tempo em fugir e como tentou coagi-la a partir com ele. Explicou como tinha ficado desconfiada dele, mas que não percebeu que ele chegaria a matar, nem havia sonhado que ele tentaria roubar o cristal da colônia para vantagem própria.

Os outros anciões e o resto da multidão a olhavam estupefatos. Logo a animosidade e desconfiança que tinham se concentrado em Zael e Brynne começaram a ser direcionadas a Tamisia.

Os olhos de duas cores de Baramel brilharam em censura.

— Sabia da deslealdade de Elyon à colônia e ainda assim nunca contou a alguém?

— Eu tinha medo dele — ela murmurou em voz baixa.

— Seu medo custou a vida de Nethilos — Haroth, o outro ancião a lembrou com aspereza. O Atlante negro passou a mão pelo moicano curto. — Isto não pode ficar assim, Tamisia.

— Eu sei — ela assentiu, lágrimas deslizando pelas bochechas. — Eu sinto muito mesmo.

Barame assentiu gravemente para os guardas, e eles lentamente começaram a guiar os espectadores para fora da câmara. Quando só restavam os anciões, ele se aproximou de Tamisia.

— Suas ações mataram um bom homem, um amigo de todos nós. Essa é uma perda que não podemos reparar. Contudo, se não fosse por Zael e Brynne impedirem Elyon, seu silêncio poderia ter arriscado toda esta colônia um dia. Você não nos dá escolha a não ser bani-la, Sia.

Ela soltou um soluço.

— Nethilos também era meu amigo. Não espero que algum de vocês me perdoe. Sei que nunca me perdoarei.

— Pelo menos ainda temos o cristal — uma das anciãs assinalou com gentileza. — Ao menos Elyon foi frustrado em sua traição.

Zael assentiu, concordando em uma contemplação sóbria.

— E ainda têm a aliança. Se a colônia a quiser.

De dentro do rosto de pele escura de Haroth, seus olhos verdes claros foram de Brynne a Zael.

— Nada disso muda a condição que o conselho impôs para a aliança com a Ordem. O

que Brynne fez aqui hoje é admirável, todos devemos a ela, mas não muda o fato dela ser Raça.

178


Baramel assentiu.

— Na verdade, testemunhar a devoção que sentem um pelo outro só fortalece a preocupação do conselho que a menos que a colônia tenha um advogado permanente nessa aliança, há a probabilidade de que possa sempre pender para o lado da Ordem.

Zael inclinou a cabeça em compreensão, mesmo que não fosse a resposta que gostaria de ouvir. Ele não tinha esperado que o conselho mudasse sua decisão.

Inferno, se ele fosse um dos anciões eleitos responsáveis pela segurança e governo da colônia, ele teria feito a mesma exigência.

— Vamos — falou Baramel solenemente. — Podemos conversar mais depois. Por ora, precisamos cuidar do nosso amigo falecido e este conselho precisa oferecer conforto à sua viúva e filha.


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CAPÍTULO 36

 

 

Eles enterraram Nethilos ao pôr do sol, no monte mais alto da ilha.

Brynne tinha ficado ao lado de Zael e oferecido suas condolências à Diandra e Neriah, ambas deprimidas pela perda do homem bom e gentil que era tão amado por toda a colônia, mas especialmente por sua família.

Brynne também tinha sentido o pesar de Zael, mas ele permaneceu estoico e firme durante todas as despedidas dolorosas, e os momentos finais em que os restos de seu amigo foram depositados na única cova que já houve no refúgio de imortais que era a ilha.

Quando a multidão se dissolveu, e a maior parte dos colonos começou a retornar às suas casas, os quatro anciões vieram até onde Zael e Brynne estavam no monte próximo a um bosque de limoeiros cheirosos. O braço de Zael que estava em volta de seus ombros, trouxe-a para mais perto quando os dois homens e mulheres se aproximaram.

Baramel inclinou a cabeça em um cumprimento.

— Fez bem em falar no enterro, Zael. Nethilos teria se emocionado com os seus elogios. Ficou claro que sua mulher e filha se confortaram muito com as suas lembranças dele.

Zael assentiu seriamente.

— Ele era um bom homem. Um dos melhores que já conheci.

— De fato. Ele também era um membro valoroso do nosso conselho. Não será fácil encontrar alguém que fique em seu lugar na plataforma ao nosso lado.

— Não, não imagino que será — falou Zael. — E quanto a Tamisia?

Baramel e os outros trocaram olhares.

— Ela será banida da colônia assim que amanhecer.

— Infelizmente — acrescentou Haroth — ela nos deixou pouca escolha.

Brynne não conseguia negar a pontada de tristeza que sentiu pela Atlante. Tamisia tinha sido negligente ao perseguir o melhor para a colônia, principalmente em seu papel como anciã, mas seu remorso foi dolorosamente evidente. Ela teria que viver com a culpa pelo seu papel involuntário na morte de Nethilos pelo resto de sua vida imortal, punição que provavelmente pesava mais do que qualquer outra coisa.

— Se ela puder se redimir de algum modo, deixarão que volte algum dia?

Todos os anciões olharam para Brynne, mas foi Nathiri, a mulher de cabelos claros e olhos prateados, que falou primeiro.

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— Redenção pode ser uma estrada muito longa e árdua. Caberá a Tamisia encontrar o seu caminho de volta, se isso é o que realmente deseja.

O olhar perturbador verde azulado de Baramel se voltou para Zael.

— Já pensou mais sobre o que fará?

— Sim — respondeu Zael, o tom sério.

Brynne o olhou com uma interrogação. Eles só falaram brevemente sobre a condição que o conselho havia imposto à aliança, nenhum dos dois parecia pronto para discutir a possibilidade de um futuro separados quando tinham chegado tão perto de se perderem para sempre hoje mais cedo.

Ele a olhou e a afeição que ela viu ali ajudou a aliviar um pouco de sua ansiedade.

Um pouco, mas não tudo.

Podia sentir a profundidade de seu sentimento por ela, mas não conseguia ler sua mente.

Ela apertou os lábios, com medo de fazer a pergunta.

— O que você vai fazer, Zael?

— O conselho determinou que a aliança depende da minha permanência aqui na colônia — ele respondeu solenemente. — Então, é isso que estou preparado para fazer.

Brynne não conseguiu respirar por um momento. Ela não sabia o que esperar. Afinal, o conselho o tinha colocado em uma posição impossível. Mas ouvir que ele ficaria para trás na colônia com a sua gente abriu um lugar vazio em seu peito que já doía pela perda.

Zael voltou a olhar para os anciões.

— Não vou deixar que a aliança desmorone agora. Não depois do meu amigo ter perdido a vida por causa dela. E não depois da duplicidade que há muito supurava em Elyon só deixar claro que a colônia precisa ficar alerta, dentro e fora do véu que nos protege.

Ele estava certo e Brynne sabia. Ela conseguia sentir o seu comprometimento com o seu povo e sua segurança.

E com aquele local mágico.

Baramel o estudou com os olhos apertados.

— Então, aceita inteiramente os nossos termos?

— Sim. Eu farei da colônia meu lar permanente, exatamente como insistiram. Mas tenho uma condição.

Ao falar, ele voltou a olhá-la nos olhos. Ela viu a expressão carinhosa naquelas profundezas de um azul celeste. Sentiu a sua afeição se expandir... Seu amor.

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— Me digam — ele perguntou aos anciões, embora seus olhos jamais deixassem os de Brynne. — A colônia já negou abrigo a um casal?

Por um bom momento, houve apenas silêncio. Mas então Baramel sacudiu a cabeça devagar.

— Não, nunca.

O sorriso de Zael puxou o canto de sua boca sensual e astuta.

— Então posso esperar que não comecem a negar agora?

Felicidade e esperança subiu pela garganta de Brynne quando os quatro anciões começaram a conversar baixinho entre si. Mas também havia um traço de dúvida. Nada disso mudava o fato dela ser uma forasteira naquele lugar. Mais que uma forasteira, ela era feita do pior inimigo que essa gente já conheceu.

E mesmo assim Zael estava sugerindo tomá-la como companheira.

Ele na realidade estava pressionando os quatro anciões a aceitarem-na como uma deles, e permitir que Zael e ela vivessem juntos aqui, na colônia.

— Zael... Não podemos. Eu preciso mesmo dizer todos os motivos disso ser impossí...

Ele a calou com um beijo.

— Você me ama, Brynne?

— Deus, sim. Mais que tudo.

— E eu te amo — ele falou com intensidade. — Amo tudo em você, Brynne. Cada célula. E não estou disposto a viver nem um dia, nesta ilha ou em qualquer outro lugar, se não for com você ao meu lado.

O seu juramento rompeu algo dentro do peito dela. Era seu coração, percebeu. Ele velejou para o céu quando ele a puxou para um beijo de língua, sem se importar com os vários pares de olhos Atlantes que os observavam.

Finalmente alguém limpou a garganta.

Ele e Brynne se viraram para encarar os olhares sérios dos anciões.

Baramel falou pelo grupo.

— Este é um pedido incomum, Ekizael. Contudo, esta é uma época bem incomum —

acima do olho azul do homem, sua sobrancelha negra arqueou. — E você se apaixonou pela mulher mais incomum.

Zael sorriu, puxando-a mais perto.

— Sim, é verdade.

Um sorriso também puxou os cantos da boca de Baramel.

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— Estamos em dívida pelo que fez hoje, Brynne. Não apenas nós quatro, mas toda a colônia. Então, o conselho concorda que seria um privilégio para nós a termos como parte desta comunidade.

— Obrigada — ela murmurou, emocionada pela aceitação deles. Nunca sonhou que encontraria isso aqui.

Nunca sonhou que encontraria o tipo de amor e paixão e felicidade que Zael havia trazido para a sua vida.

Ele enlaçou os dedos nos seus para fazê-la olhar para ele.

— Você ainda não me deu uma resposta, Brynne. Pode me amar o suficiente para ficar? — Ele buscava uma resposta em seus olhos, sério, solene. — Pode me amar o bastante para ser minha companheira e passar a vida aqui ao meu lado?

— Se eu posso te amar o bastante? — Ela estava repleta de alegria. Toda a emoção que sentia crescendo dentro de si — tanto sua quanto de Zael — era demais para conter. Ela se derramou nas lágrimas que escorriam pelas suas bochechas. — Zael, eu te amo o bastante para umas mil vidas. Você é o meu lar e o meu coração. O meu tudo.

— Para sempre — ele murmurou, a voz grossa rouca de sentimento.

Quando ele colou a boca na sua, ela passou os braços em volta dele e se entregou completamente ao momento, ao homem que era tudo o que precisava.

Toda incerteza e medo que tinham vivido nela por tanto tempo evaporaram com o calor e a força do beijo de Zael. De seu amor.

Em seus braços, ela não tinha dúvidas.

Ela pertencia a ele — corpo, sangue, coração e alma.

Irreversivelmente.

Eternamente.

Ele interrompeu o beijo com um grunhido sensual. Girando a cabeça na direção dos anciões como se só se lembrasse deles agora, ele sorriu.

— Se o conselho me dá licença, gostaria de levar a minha bela companheira para casa.

Ele mal lhes deu oportunidade de concordar.

Brynne riu quando ele a colocou nos braços. Ele roçou sua orelha com os lábios ao abaixar a voz para um sussurro que era só para ela.

— Eu quero te mostrar a minha casa, amor. A nossa casa. E a nossa cama.


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CAPÍTULO 37

 

 

Ele nunca levou uma mulher à sua casa na ilha.

Quando carregou Brynne para o chalé de estuque branco no mesmo monte onde Nethilos foi enterrado, Zael nunca teve uma sensação maior — finalmente — de que havia chegado a seu lar.

Com Brynne como sua companheira, ele sempre estaria em casa.

— É lindo — ela disse quando ele entrou com ela na residência arejada com seu enorme terraço-jardim com uma vista para águas de um azul turquesa sem fim. Ela suspirou sem conter sua admiração, os olhos verdes escuros brilhando em assombro. — Você não vai me dar um tour?

— Oh, sim — ele disse, a voz rouca de desejo. — Vamos começar o tour no quarto.

— Essa também seria a minha primeira escolha. — Ela sorriu, lambendo os lábios de um jeito que fez o seu sangue arder e correr todo para o pau. — Depois do quarto, vai me levar aonde?

Ele sorriu, pensando em todas as possibilidades eróticas.

— A todo lugar e de todas as maneiras — ele prometeu com um beijo, já duro e pronto para tê-la debaixo dele.

Uma suave brisa noturna veio das ondas lá embaixo e passou pelos arbustos floridos do lado de fora da parede de vidro aberta do quarto. O ar estava cheio com a fragrância de sal, cítrico e doce das rosas, embora não pudesse se comparar ao cheiro da excitação de Brynne quando a deitou no algodão branco dos lençóis da cama e começou a despi-la.

Ele explorou sua pele com a boca e as mãos ao deixá-la nua perante seus olhos famintos. Não achava que seu desejo pudesse ficar ainda mais intenso, mas ao vê-la se transformar sob seus dedos e língua, ele soube que nunca veria algo mais sensual do que Brynne quando ficava totalmente Raça. Quando ela se contorcia e gemia por ele, o corpo entregue completamente ao seu.

Unicamente sua.

— Você é minha agora — ele disse, tirando a roupa e então beijando seu corpo nu. —

Para sempre, Brynne.

— Sim — seu ofego se prolongou em um suspiro lento de prazer quando ele se afundou em seu calor. — Oh, Deus, Zael. Eu te sinto em meu sangue. Sinto a sua luz em mim... em minhas veias, todo lugar. É tão poderosa.

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Ouvir isso o fez sorrir com um instinto de posse puramente masculino. Saber que uma parte dele agora vivia dentro dela fez o seu desejo crescer e se aprofundar, junto com a sua devoção.

— Senti o seu sangue e a sua luz quando lutei com Elyon também — ela tocou o seu rosto com as mãos ternas. — Isso me firmou, Zael. Me manteve sã, mesmo no meu pior. Eu senti seu sangue e luz em mim, e não fiquei com medo. De nada. Nem de mim mesma. Você me deu isso, Zael. Você e o seu sangue. E seu amor.

A ideia de poder lhe dar conforto ou apoio o deixou tocado, honrado de uma forma que suas palavras jamais seriam capazes de expressar. O amor de Brynne por ele era uma honra, e não via a hora de passar a vida provando a ela que poderia merecê-la.

— Enquanto eu respirar — ele prometeu com vigor — você nunca mais conhecerá o medo ou a escuridão. Somente amor, Brynne. O nosso amor.

— Sim — ela respondeu, arqueando o corpo para encontrar sua investida forte. —

Zael, sim...

Eles se moveram juntos em uma fricção perfeita, pele com pele, se tocando, beijando, acariciando. Zael não conseguia tirar os olhos da emoção que via no olhar ardente dela. O

amor que viu neles o abalou. Nunca tinha ficado tão emocionado.

Ele queria sentir aquele amor dentro de si.

Através do sangue e do elo.

Ele queria tanto que a vontade se transformou em um tamborilar em suas veias.

Em seu coração.

Diminuindo o ritmo, ele tocou o seu belo rosto. Passou o polegar em seus lábios entreabertos, os olhos fixos nas pontas branquinhas e lindas de suas presas.

— Quero sentir o seu sangue dentro de mim, amor.

O ofego suave que ela deu pareceu incerto, como se ainda não acreditasse realmente que ele falava a sério. Antes dela ter a chance de verbalizar qualquer dúvida, ele ergueu seu queixo e manteve seu olhar.

— Eu nunca tive tanta certeza de algo na vida — ele a beijou, sem pressa e de um jeito significativo, deixando a língua traçar as pontas afiadas das presas. — Deixa eu te provar, Brynne.

Quando ela hesitou, ele pegou sua mão e trouxe seu pulso à boca.

— Você me deu seu amor — disse, ainda impressionado com o fato. — Agora, me dê um vínculo.

Brynne engoliu em seco, nunca tirando os olhos dos seus. Ela gentilmente mordeu o pulso, depois retraiu as presas da carne macia e voltou o pulso na direção dele.

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Ele fechou a boca em volta das punções cheias de sangue, fechando o ferimento com os lábios.

O primeiro gole golpeou seus sentidos com força e poder. Ele não esperava sentir a necessidade que sentiu, uma sede ainda maior por ela.

Grunhiu de prazer — de espanto — com o gosto erótico e com a força incrível de seu sangue. Ele o sentiu cair como uma onda de calor e de energia, ainda mais revigorante que a luz Atlante que já vivia dentro de si.

Sua ereção virou granito com cada gole. O desejo acendeu uma necessidade que o chocou. Uma que exigia ser atendida.

Ele gemeu, o quadril flexionando por vontade própria, o pau penetrando mais, com mais urgência dentro dela. Ele agora não conseguia controlar sua luxúria. Como seu amor, seu desejo era intenso demais.

Ele o dominava, como esta mulher fazia.

Ela gentilmente puxou o pulso de sua boca e fechou os ferimentos com uma passada de língua rosa e molhada. Seu rosto estava resplandecente de desejo e emoção, e o rubor do orgasmo que se aproximava.

— Minha — rosnou Zael.

O sorriso que lhe deu em resposta o desfez.

— Me, — disse ela, puxando-o para um beijo cheio de paixão.

Ele não achava que sua conexão com ela pudesse ficar mais forte, mas então começou a sentir o prazer se amontoar, duplicar. O amor que sentia estava crescendo também, intensificando-se em algo tão profundo que ele lutava para conter tudo dentro de si.

Era Brynne.

Ele agora podia senti-la, em seu coração, em seu sangue.

— Sim — ela sussurrou, assentindo. — Sempre, Zael.

Ela o enlaçou com braços e pernas, deixando-o bem próximo enquanto seus corpos caíam em um ritmo urgente e em perfeita sincronia. Eles gozaram juntos, o grito dela se unindo ao seu rosnado rouco. Seu orgasmo já teria sido muito explosivo sozinho, mas emparelhado com o prazer dela foi um abalo, a explosão mais intensa de sensação que ele já conheceu.

E não foi o suficiente para saciá-lo.

Zael a rolou de lado para começar outra sessão de sexo.

Era ótimo que eles tivessem uma eternidade para ficarem juntos, por que o amor e a sede que ele sentia por esta mulher — sua companheira de sangue — não conhecia fim.

 

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CAPÍTULO 38

 

 

Ao amanhecer do dia seguinte, Brynne e Zael encontraram ao acordar os quatro anciões da colônia à porta do chalé. Eles tinham chegado para fazer um pedido especial — e com um presente para o recente casal.

Eles os levaram até a praia, até onde o barco à vela no qual ela e Zael chegaram estava ancorado e aguardando no fim da doca de rocha da ilha.

— Você concordou em viver na colônia — anunciou Baramel. — Contudo, nós decidimos corrigir os termos do nosso acordo.

— Como assim? — perguntou Zael, parecendo tão surpreso quanto Brynne.

— Nós quatro nos reunimos outra vez ontem à noite para discutirmos a aliança proposta com a Ordem. Esta manhã nos encontramos com o resto da colônia e explicamos tudo o que aconteceu nos últimos dias, incluindo o papel que você e Brynne desempenharam em proteger nosso cristal — Baramel colocou a mão no ombro de Zael. — A colônia concordou de modo unânime que você e Brynne devem ter a liberdade de ficar aqui conosco e de retornar ao exterior se assim escolherem.

Brynne engoliu em seco, olhando para Zael com choque e confusão. Ela sentiu a mesma reação nele, através de seu vínculo.

— Ir e vir quando quisermos? — perguntou Zael com cautela. — Isto é... bem inesperado.

— Considere isso nosso presente — falou Anaphiel, sorrindo com vontade para os dois.

Haroth assentiu.

— Nossa confiança. Vocês dois a mereceram.

— Vocês têm a confiança de toda a colônia — acrescentou Nethiri, os olhos prateados da anciã brilhando de bondade.

— A liberdade não vem inteiramente sem alguma responsabilidade — disse Baramel, seu olhar bicolor indo de Brynne a Zael. — Para ser específico, o conselho gostaria que vocês dois fossem emissários da colônia em nossa aliança com a Ordem.

Brynne mal conseguiu conter o ofego. Por mais que estivesse preparada para ficar com Zael na ilha pelo resto da vida, havia uma parte dentro de si que queria voltar a ver sua irmã, nem que fosse para se despedir. Mas o que os anciões ofereciam era algo muito melhor. Uma chance de manter Tavia e o resto da Ordem em sua vida como parceiros da aliança.

— Sim, claro — aceitou Zael, puxando Brynne para debaixo do braço.

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— Seria uma honra para nós — ela disse aos anciões. — Obrigada por este presente muito bem-vindo.

— É merecido — falou Baramel. Ele sorriu, e foi uma revelação ver o rosto tão sério do Atlante suavizar.

— Você também mencionou um pedido especial — Zael comentou com o guerreiro de cabelo escuro.

— Sim. Há a questão de Tamisia.

Brynne esperava que o conselho tivesse abrandado acerca da colega agora mal vista.

— Também reconsideraram seu posicionamento com relação a ela?

— Não — respondeu Baramel com seriedade. — Não podemos fazer isso. Seu banimento ainda está em vigor. Porém, como ela nunca saiu da colônia para saber para onde se teletransportar, precisará de ajuda.

Ele indicou o veleiro à espera.

— Claro — disse Zael, compreendendo. — Brynne e eu podemos levá-la até o continente.

Baramel assentiu.

— Ela ficará contente em saber disso. Nós lhe diremos que se prepare para a viagem assim que você e Brynne estiverem prontos para partir.

— Quanto ao banimento dela — falou Zael, — se ajustar à vida lá fora pode não ser fácil para ela. O conselho nos permitirá garantir que Tamisia tenha um lugar para ficar assim que ela estiver fora da colônia? Alguém que a ajude, se ela precisar de assistência?

Todos eles concordaram, e não muito tempo depois, Brynne e Zael se encontravam no veleiro com Tamisia a caminho de Atenas.

A Atlante loira ficou na cabine interna durante a maior parte da viagem. Mas ao anoitecer, quando a costa rochosa do continente se aproximou, Tamisia saiu para se juntar a eles no deque.

Seu belo rosto ainda estava infeliz de arrependimento.

— Não precisavam fazer isso por mim. Nenhum de vocês.

— Foi vontade nossa — Brynne lhe garantiu, não sentindo mais animosidade pela mulher, apenas empatia. — Lazaro Archer vai garantir que você tenha um lugar seguro para ficar em Roma até que se acostume. Não queríamos que ficasse completamente sozinha.

Zael cuidou disso tudo depois de se conectar telepaticamente com Jordana e explicar a situação. Como o centro de comando da Ordem em Roma era o mais próximo, Lazaro e sua Companheira de Raça, Melena, agora aguardavam para se encontrarem pessoalmente com o barco em Atenas quando eles chegassem ao porto.

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Na costa, o Raça Gen Um de cabelo escuro saiu de uma enorme SUV com uma ruiva curvilínea com quem compartilhava seu vínculo. Havia outro Raça com eles. Gigante, intimidador, não havia dúvida que o homem de cara feia, cabeça raspada e braços cobertos por glifos era um guerreiro.

Lazaro e Melena se apresentaram, ambos satisfeitos de ouvir que a aliança com a colônia tinha sido aceita. Se Jordana tinha lhes falado das circunstâncias da expulsão de Tamisia da colônia, nenhum deu qualquer indicação que a deixasse desconfortável.

Infelizmente, não se podia dizer o mesmo do brutamontes que estava atrás deles. Hostil nem começava a descrever sua expressão ameaçadora. Mas Lazaro e a sua Companheira de Raça pareciam confiar implicitamente no homem.

— Trygg a levará até o carro, Tamisia — Lazaro a informou. — Melena e eu iremos logo em seguida.

— Obrigada — ela disse, e então se virou para Zael e Brynne, remorso brilhando em seus olhos azuis celestes. — Não sei como lhes retribuir.

Zael tocou seu ombro e balançou a cabeça devagar.

— Não há necessidade. Cuide-se, e talvez um dia nós três voltemos a nos encontrar.

— Eu gostaria muito — ela sorriu para Brynne. — Desejo toda felicidade aos dois.

Brynne apertou sua mão com carinho.

— O mesmo para você, Sia.

Ela foi embora, parecendo mais que ansiosa ao seguir o guerreiro enorme até o veículo.

Lazaro correu uma mão pelo cabelo cor de ébano.

— Espero que sua amiga não se assuste fácil. Eu teria trazido outro de meus homens, mas perdi um da minha equipe devido a obrigações familiares e a uma nova Companheira de Raça, e outro está se preparando para uma missão secreta. Trygg não é muito sociável.

Zael sorriu.

— Não se preocupe com Sia. Ela nunca conheceu um homem imune ao seu charme.

— Ela nunca conheceu Trygg — disse Melena, sorrindo com ironia. Ela olhou para Brynne. — Parabéns a você e Zael pela união. Me desculpe, estou tentando não olhar muito, mas é difícil. Não é todo dia que Lazaro e eu temos a oportunidade de conhecer uma Caminhante do Dia e um Atlante.

Os lábios do comandante romano se curvaram.

— Sem mencionar a raridade que é conhecer os emissários diplomáticos da colônia Atlântida.

— Obrigada pelas felicitações — respondeu Brynne. — Quanto ao papel diplomático, imagino que Zael e eu veremos vocês dois muito mais vezes.

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— E a Ordem em geral — adicionou Zael. — Esta aliança é uma parceria entre os nossos povos, mas espero que vocês e o resto dos guerreiros entendam que acima de qualquer acordo, vocês têm a minha amizade. E o meu serviço, caso precisem, seja na guerra contra Selene ou em qualquer outra ameaça que precisemos enfrentar.

— Isso será muito apreciado — respondeu Lazaro. — Infelizmente, parece que a Opus Nostrum não está pensando em nos dar descanso. Será um dia e tanto quando finalmente conseguirmos eliminar aqueles bastardos.

— Vamos esperar que seja em breve — disse Brynne. — Se houver algo que eu e Zael possamos fazer para que isso aconteça, a Ordem só precisa falar.

— Vocês nos honram muito bem — respondeu Zael com uma reverência formal de cabeça.

A frase era tradição dentro da Ordem, um dos maiores elogios concedidos entre a irmandade. Ele pronunciá-lo agora para Brynne e para o Atlante era um elogio que os dois aspiravam merecer daquele dia em diante.

O comandante romano gesticulou para o veículo.

— E têm a nossa palavra de que garantiremos que sua amiga tenha o que precisar enquanto estiver conosco.

— Agradeço aos dois — disse Zael quando os dois homens apertaram as mãos.

Melena puxou Brynne para um abraço breve.

— Gostei tanto de te conhecer.

— O prazer foi meu — ela respondeu, sorrindo ao se afastar da companheira de Lazaro. — Posso te pedir um favor pessoal?

— Claro, qualquer coisa.

— Quando falar com a Ordem outra vez, por favor, diga a minha irmã que estou bem e que espero vê-la em breve.

— Mas não muito em breve — interferiu Zael, um sorriso puxando os cantos da boca. —

Brynne e eu temos um vínculo de sangue a celebrar. Planejo tê-la só para mim pelo máximo de tempo possível.

Eles se despediram, observando o SUV sumir noite adentro.

Os olhos de Zael brilharam quando ele tomou a mão de Brynne e a levou de volta ao veleiro. Ela não podia esperar para voltar à ilha. De volta aos braços do seu Atlante e de volta à sua cama.

À cama deles.

Ao lar que eles fariam juntos.

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E, se merecessem tamanha benção, o lar onde um dia começariam sua própria família.

O desejo criou uma raiz tão forte que a deixou sem ar.

Por que percebeu que não era um desejo apenas seu.

Ela também sentiu a mesma esperança brilhando no coração de Zael.

Estava em seu sangue, no vínculo que agora ligava seus corações e seus futuros.

Ele a trouxe para um abraço, a boca caindo na sua em um beijo tão apaixonado e cheio de emoção que chacoalhou seu âmago.

— Sim, eu também quero — ele murmurou contra seus lábios. — Quero tudo com você, Brynne. Para sempre.

E quando a colocou no convés com ele para ficar deitada sob um manto de estrelas, ela soube nas profundezas de sua alma que já aninhava o futuro nos braços.

Pela primeira vez em sua vida — e dali a todo o sempre — ela estava exatamente onde deveria estar.

 

 

                                                   Lara Adrian         

 

 

 

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