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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ESPLENDOR DA HONRA / Julie Garwood
ESPLENDOR DA HONRA / Julie Garwood

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

INGLATERRA, 1099
Pretendiam matá-lo.
O guerreiro estava de pé no centro do despovoado pátio com as mãos para trás amarradas por uma corda a um poste. Sua expressão era desprovida de emoções enquanto ele fitava adiante, aparentemente ignorando o inimigo.
O prisioneiro não oferecera nenhuma resistência e se permitira ser desnudado até a cintura sem sequer cerrar o punho ou pronunciar qualquer palavra de protesto. Seu belo manto invernal com forro de pele, a pesada cota de malha, a camisa de algodão, as meias e as botas de couro foram retirados e deixados no piso gélido diante dele. A intenção do inimigo era clara. O guerreiro morreria, mas sem nenhum ferimento adicional no corpo marcado por sinais de batalhas anteriores. Enquanto uma plateia ávida assistia, o prisioneiro observava suas roupas à medida que congelava lentamente até a morte.
Doze homens o cercavam. Com punhais sacados para lhes dar coragem, circundavam-no e escarneciam, gritando insultos e obscenidades enquanto batiam os pés calçados por botas no chão, numa tentativa de se esquivarem da temperatura glacial. Ainda assim, todos se mantinham a uma distância segura, receosos que o dócil prisioneiro mudasse de ideia e resolvesse se soltar e atacar. Não duvidavam que ele fosse capaz de tal façanha – tinham ouvido histórias sobre sua força hercúlea. E, caso se soltasse das cordas, os homens seriam forçados a usar seus punhais contra ele, mas não antes que ele enviasse três, talvez quatro deles, ao encontro de suas próprias mortes.
O líder dos doze não acreditava em sua boa sorte. Capturaram o Lobo e, em breve, testemunhariam sua morte.
Que erro o prisioneiro cometera... Sim, Duncan, o poderoso Barão das terras de Wexton de fato cavalgara até a fortaleza de seu inimigo absolutamente sozinho – e sem nenhuma arma para se defender. Insensatamente acreditara que Louddon, um barão de equivalente título, honraria a trégua temporária.
Devia acreditar em sua própria reputação, pensou o líder. Devia de fato acreditar-se tão invencível quanto as grandes histórias de batalhas exageravam. Por certo esse era o motivo pelo qual ele parecia tão despreocupado diante de sua situação tão adversa.

 


 


Uma sensação de desassossego instalou-se na mente do líder enquanto continuava a fitar o prisioneiro. Despiram-no de seu respeito, arrancando o timbre azul e branco que proclamava seu título e importância, certificando-se de que nada de civilizado restasse no nobre. O Barão Louddon desejava que seu prisioneiro morresse sem dignidade e sem honra. Todavia, o orgulhoso guerreiro praticamente nu de pé diante deles não se rebaixava aos desejos de Louddon. Não agia como um homem prestes a morrer. Não, o prisioneiro não implorava por sua vida, não suplicava por uma morte rápida. Tampouco aparentava ser um homem à beira da morte. A pele não estava pálida nem arrepiada de frio, mas, pelo contrário, bronzeada e rija. Maldição, ele sequer tremia. Sim, despiram o nobre, contudo, debaixo de todas aquelas camadas de refinamento havia um líder militar, tão primitivo e tão destemido quanto os boatos alegavam. Diante dos olhos deles, o Lobo se revelara.

O escárnio acabara. Apenas o som do vento uivando podia ser ouvido agora. O líder voltou a atenção para seus homens, agrupados a pouca distância dali. Todos encaravam o chão. Não poderia culpá-los por aquela demonstração de covardia, pois ele também tinha dificuldades para encarar os olhos do guerreiro.

O Barão de Wexton era pelo menos uma cabeça mais alto que o maior de todos os soldados que o vigiavam. Também era bem simétrico, ombros fortes e coxas musculosas, as pernas longas e poderosas afastadas numa postura que sugeria ser capaz de matar a todos, caso assim o decidisse.

A escuridão caía e, com ela, uma cortina leve de flocos de gelo. Os soldados começaram a reclamar do clima com mais fervor.

– Não precisamos congelar até a morte junto a ele – um deles murmurou.

– Ele vai levar horas até morrer – outro reclamou. – Já faz uma hora que o Barão Louddon foi embora. Ele não vai saber se ficamos aqui fora ou não.

A concordância dos demais com acenos e grunhidos convenceu o líder. O frio também já o incomodava e sua inquietude aumentava, pois tinha certeza de que o Barão de Wexton não era diferente de nenhum outro homem; tinha certeza de que ele teria sucumbido e bradado seu tormento àquela altura. A arrogância do homem o enfurecia. Por Deus, ele mostrava tédio diante deles. O líder se viu forçado a admitir que subestimara seu oponente. Não era uma admissão fácil e isso o enfurecia. Seus próprios pés, mesmo protegidos do clima impiedoso por botas grossas, doíam de frio. O Barão Duncan, entretanto, permanecia descalço, imóvel, sequer passava o peso do corpo de um lado para o outro desde que fora amarrado. Talvez, no fim das contas, existisse um quê de verdade nas histórias.

O líder blasfemou contra sua natureza supersticiosa e deu a ordem para que se retirassem para o interior da fortaleza. Quando o último de seus homens se foi, o vassalo de Louddon verificou as cordas e se postou diretamente diante do prisioneiro.

– Dizem que você é esperto como um lobo, mas é apenas um homem e logo morrerá como um. Louddon não quer ferimentos novos em você. Pela manhã, arrastaremos seu corpo para quilômetros daqui. Ninguém conseguirá provar que Louddon esteve por trás desse feito. – O líder pronunciou as palavras com escárnio, furioso com o fato de seu prisioneiro sequer se dar ao trabalho de encará-lo. Em seguida, acrescentou: – Se dependesse de mim, eu arrancaria seu coração e acabaria de uma vez por todas com isso. – Juntou cuspe na boca para jogar na cara do guerreiro, na esperança de que esse novo insulto arrancasse alguma reação.

E, então, o prisioneiro lentamente abaixou seu olhar. Os olhos se fixaram nos de seu inimigo. O que o líder viu ali fez com que ele engolisse sonoramente. Fez o sinal da cruz, num esforço insignificante de repelir a promessa sombria que leu nos olhos cinzentos do guerreiro, murmurando para si mesmo que só estava cumprindo as ordens de seu suserano. Em seguida, disparou para a segurança do interior do castelo.

Das sombras junto ao muro, Madelyne observava. Aguardou vários minutos mais até ter certeza de que nenhum dos soldados de seu irmão voltaria. Durante esse tempo, rezou e juntou coragem para executar seu plano.

Arriscou tudo. Em seu coração, sabia que não havia alternativa. Ela era a única pessoa que poderia salvá-lo agora. Aceitou essa responsabilidade e suas consequências, sabendo muito bem que, caso seu feito fosse descoberto, isso certamente significaria sua própria morte.

Suas mãos tremiam, mas suas passadas eram rápidas. Quanto antes fizesse aquilo, melhor seria para tranquilizar sua consciência. Haveria tempo mais que suficiente para se preocupar com suas ações tão logo o prisioneiro tolo fosse libertado.

Uma capa comprida cobria-lhe da cabeça aos pés e o barão não a percebeu até ela parar bem diante de seus olhos. Uma forte rajada de vento arrancou o capuz da cabeça de Madelyne e uma cabeleira castanho-avermelhada desceu pelos ombros ao longo do corpo delicado. Ela afastou uma mecha do rosto e levantou o olhar para o prisioneiro.

Por um instante, ele acreditou que sua mente estivesse lhe pregando uma peça. Chegou mesmo a sacudir a cabeça em negação. Mas então a voz dela o alcançou e Duncan entendeu que o que via não era fruto da sua imaginação.

– Vou soltá-lo num instante. Por favor, não faça nenhum barulho até estarmos longe daqui.

Ele não conseguia acreditar no que ouvia. A voz de sua salvadora soava tão límpida quanto uma harpa afinadíssima e era tão convidativa quanto um dia quente de verão. Duncan fechou os olhos, resistindo ao impulso de soltar uma gargalhada ante tal guinada nos eventos, pensando em emitir seu grito de guerra agora e acabar logo com o logro, mas em seguida resolveu não fazê-lo. Sua curiosidade era grande demais. Decidiu esperar um pouco mais até que sua salvadora revelasse suas verdadeiras intenções.

Permaneceu inescrutável. Manteve o silêncio enquanto a observava retirar uma pequena adaga de dentro da capa. Ela estava perto o bastante para ser capturada por suas pernas livres e, caso suas palavras se mostrassem mentirosas, ou ela movesse a adaga rumo ao seu coração, ele seria forçado a esmagá-la.

Lady Madelyne não fazia ideia do perigo que corria. Concentrada apenas em libertá-lo, aproximou-se e começou a cortar a corda grossa. Duncan notou que as mãos dela tremiam, mas ele não conseguia discernir se por causa do frio ou do medo.

Uma fragrância de rosas o alcançou. Quando ele inalou aquele perfume leve, concluiu que a temperatura baixíssima devia ter afetado seu juízo. Uma rosa em pleno inverno, um anjo dentro do purgatório que era aquela fortaleza... Nada daquilo fazia sentido para ele; no entanto, ela tinha aroma de flores da primavera e parecia uma visão celestial.

Sacudiu a cabeça de novo. A parte lógica de sua mente sabia exatamente quem ela era. A descrição que lhe deram era acurada em cada detalhe, mas enganadora ao mesmo tempo. Disseram-lhe que a irmã de Louddon tinha estatura mediana, cabelos castanhos e olhos azuis. Agradável aos olhos, lembrava-se de ter sido informado. Ah, ali estava a falsidade, percebeu. A irmã do demônio não era nem agradável, nem bonita. Era magnífica.

A corda finalmente cedeu e suas mãos foram libertadas. Mas ele permaneceu onde estava, a expressão firme. A donzela se colocou diante dele novamente e o presenteou com um sorriso discreto antes de se virar e se abaixar para apanhar seus poucos pertences.

O medo tornou a simples tarefa algo complicado. Ela cambaleou ao se erguer de novo, endireitou-se e depois se virou para ele.

– Por favor, siga-me – instruiu-o.

Ele não se moveu, mas continuou observando e aguardando.

Madelyne franziu a testa ante sua hesitação e imaginou que o frio certamente havia afetado sua capacidade de pensar. Agarrou as roupas junto ao peito com uma mão, deixando as botas penduradas nas pontas dos dedos, e depois passou o outro braço pela cintura dele.

– Apoie-se em mim – ela sussurrou. – Vou ajudá-lo, prometo. Mas, por favor, temos que nos apressar.

O olhar dela se direcionou para as portas do castelo e o medo soou em sua voz.

Ele reagiu ao desespero dela. Quis lhe dizer que não precisavam se esconder, pois naquele exato momento seus homens escalavam os muros. Mudou de ideia, porém. Quanto menos ela soubesse, maior seria sua vantagem quando a hora chegasse.

Ela mal chegava à altura de seu ombro e, no entanto, tentava, destemida, aguentar parte do peso dele ao pegar o braço e passar sobre seus ombros.

– Vamos até a antessala dos aposentos do padre, atrás da capela – ela lhe disse num sussurro baixo. – Jamais pensarão em procurá-lo lá.

O guerreiro mal prestava atenção ao que ela lhe dizia. Seu olhar estava direcionado para o alto do muro norte. A meia-lua conferia à neve suave um brilho sinistro e delineava seus soldados que subiam até o topo. Não se ouvia som algum enquanto os homens se avolumavam ao longo da aleia de madeira que circundava o topo do muro.

O guerreiro assentiu, satisfeito. Os soldados de Louddon eram tão tolos quanto o senhor deles. A severidade do clima fizera os sentinelas entrarem, deixando o muro desprotegido e vulnerável. O inimigo provara sua fraqueza. E eles morreriam por causa disso.

Abandonou mais de seu peso sobre a mulher para retardar o progresso deles. Enquanto isso, flexionava os dedos repetidas vezes para se livrar do formigamento nas extremidades. Mal sentia os pés, o que era um mau sinal, mas aceitou o fato de que nada poderia ser feito a respeito.

Ouviu um breve silvo e rapidamente ergueu a mão no ar, dando um sinal para que aguardassem. Abaixou o olhar para a mulher para ver se ela percebera seu gesto, a outra mão pronta para cobrir-lhe a boca caso ela desse o mínimo indício de saber o que estava acontecendo. Mas ela estava ocupada tentando sustentar seu peso e parecia alheia ao fato de que seu lar estava sendo invadido.

Chegaram a uma porta estreita. Acreditando que o prisioneiro estivesse num estado perigosamente enfraquecido, Madelyne tentou apoiá-lo contra a parede de pedras com uma mão enquanto se esforçava para destravar a porta.

O barão, compreendendo a intenção dela, deixou-se recostar na parede e a observou equilibrar suas roupas e brigar com a corrente gelada.

Assim que ela abriu a porta, segurou-o pela mão e o conduziu na escuridão. Uma rajada de ar frio passou ao redor deles enquanto abriam caminho até uma segunda porta no fim de um corredor comprido e úmido. Madelyne rapidamente abriu-a e o chamou para dentro.

A sala em que entraram não tinha janelas, mas diversas velas acesas lançavam um brilho caloroso no santuário. O ar estava parado. Poeira cobria o piso de madeira e teias de aranha desciam e pendiam das vigas do teto baixo. Havia inúmeros mantos coloridos pendurados em ganchos usados por padres em visita e um catre de palha fora colocado no centro de uma pequena área com duas cobertas grossas ao lado.

Madelyne trancou a porta e suspirou de alívio. Estavam a salvo por um tempo. Gesticulou para que ele se sentasse no catre.

– Quando vi o que estavam fazendo com você, preparei esta sala – explicou ao lhe entregar suas roupas. – Meu nome é Madelyne e eu... – começou a explicar seu parentesco com o irmão, Louddon, mas depois mudou de ideia. – E eu vou ficar com você até o amanhecer para lhe mostrar a saída por uma passagem secreta. Nem mesmo Louddon sabe da existência dela.

O barão se sentou e dobrou as pernas. Vestiu a camisa enquanto a ouvia. Pensou que o ato de caridade dela certamente complicava sua vida e se viu pensando como ela reagiria quando percebesse sua verdadeira intenção e, em seguida, entendesse que seu plano de ação não poderia ser alterado.

Assim que a malha voltara a proteger o peito largo, Madelyne cobriu-lhe os ombros com uma das mantas e depois se ajoelhou, ficando de frente para ele. Apoiou-se sobre os calcanhares, gesticulando para que ele estendesse as pernas. Quando ele atendeu ao pedido, ela avaliou seus pés, franzindo o cenho de preocupação. Ele fez o gesto de pegar as botas, mas Madelyne o deteve.

– Primeiro precisamos aquecer seus pés – explicou.

Inspirou fundo enquanto pensava no modo mais rápido de reavivar os membros gelados. A cabeça dela estava inclinada, protegendo o rosto do olhar atento do guerreiro.

Ela apanhou a segunda coberta, começou a enrolá-la nos pés, mas depois sacudiu a cabeça, mudando de ideia. Sem dar nenhuma explicação, jogou a coberta sobre as pernas dele, retirou a capa e depois, lentamente, subiu o manto cor de creme acima dos joelhos. A corda trançada que usava como cinto decorativo e uma bainha para sua adaga se prenderam na túnica verde-escura e ela as retirou, lançando-as ao lado do guerreiro.

Ele estava curioso com o estranho comportamento de Madelyne e esperou uma explicação acerca de suas ações. Mas a dama não disse nada. Inspirou fundo novamente, segurou os pés dele e, ágil, antes de pensar duas vezes, enfiou-os debaixo das suas roupas, apoiando-os no calor de seu abdômen.

Ela emitiu um arquejo quando a pele gelada dele tocou sua pele quente, e depois ajeitou o vestido e passou os braços pelo lado de fora, abraçando-o contra seu corpo. Os ombros começaram a tremer e o guerreiro sentiu como se ela estivesse puxando o frio de seu corpo para o dela.

Aquele era o ato mais altruísta que ele testemunhara na vida.

A sensação de tato rapidamente voltava aos seus pés. Ele sentiu como se mil adagas estivessem sendo cravadas nas solas, queimando com uma intensidade que ele tinha dificuldade de ignorar. Tentou mudar de posição, mas ela não permitiu, apertando-o com uma força surpreendente.

– Se sente dor, é um bom sinal – disse-lhe, a voz mal passando de um sussurro rouco. – Logo isso vai passar. Você tem sorte de estar sentindo qualquer coisa.

A censura no tom de voz dela surpreendeu Duncan, que ergueu uma sobrancelha em reação. Madelyne levantou o olhar bem nessa hora, vendo sua expressão. Apressou-se em explicar:

– Não estaria nesta posição se não tivesse agido com tanto descuido. Só espero que tenha aprendido bem a lição de hoje. Não vou poder salvá-lo uma segunda vez.

Madelyne suavizou seu tom. Até tentou sorrir, mas foi um esforço débil, na melhor das hipóteses.

– Sei que acreditou que Louddon responderia com honradez. Mas esse foi seu erro. Louddon não sabe o que é honra. Lembre-se disso no futuro e poderá viver mais um ano.

Abaixou o olhar e pensou no preço que pagaria por libertar o inimigo do irmão. Louddon não demoraria a entender que ela estivera por trás da fuga. Madelyne lançou uma prece de agradecimento por Louddon ter deixado a fortaleza, pois a partida dele lhe daria tempo a mais para dar seguimento ao próprio plano de fuga.

Primeiro, o barão teria que receber cuidados. Assim que partisse em segurança, ela poderia se preocupar com as repercussões de seu ato imprudente. Estava determinada a não pensar nisso agora.

– O que está feito, está feito – sussurrou, deixando toda a sua agonia e desespero ecoarem em sua voz.

O barão não respondeu às observações dela, e ela não deu maiores explicações. O silêncio se estendeu entre eles como um abismo crescente. Madelyne desejou que ele lhe dissesse alguma coisa, qualquer coisa, para aplacar aquele desconforto. Estava envergonhada por ter os pés dele aninhados tão intimamente e percebeu que, caso ele mexesse os dedos, acabaria tocando-a logo abaixo dos seios. Tal pensamento a fez corar. Ousou uma espiada rápida para ver como ele reagia ao seu estranho método de tratamento.

Ele aguardava que ela o fitasse e, rápida e facilmente, capturou-lhe o olhar. Pensou que seus olhos eram tão azuis quanto o céu no mais límpido dos dias e ponderou que ela não se parecia nada com o irmão. Acautelou-se pensando que as aparências não diziam nada, mesmo enquanto se sentia atraído pelo olhar encantador e inocente. Lembrou-se que ela era a irmã do inimigo, nada mais, nada menos do que isso. Bela ou não, ela era seu títere, a armadilha para apanhar o demônio.

Madelyne fitou-o nos olhos e pensou que eram tão cinzentos e frios como uma de suas adagas. O rosto parecia entalhado em pedra, pois não havia nenhum sinal de emoção à vista, absolutamente nenhum sentimento.

Seus cabelos eram castanho-escuros, um pouco compridos e levemente cacheados, mas isso não suavizava suas feições. A boca parecia dura, e o queixo, firme demais; ela notou que não havia rugas nos cantos dos olhos. Ele não parecia ser o tipo de homem que ria – que sorria sequer. Nada disso, ela compreendeu com um tremor de apreensão. Ele parecia tão duro e impassível quanto sua posição determinava. Era acima de tudo um guerreiro, um barão, e ela deduziu que o riso não tinha lugar em sua vida.

Subitamente percebeu que não fazia a mínima ideia do que se passava na mente dele. Não saber o que ele pensava a preocupou. Tossiu para encobrir seu embaraço e pensou em recomeçar a conversa. Talvez parecesse menos intimidante se conversasse com ela.

– Pensou em enfrentar Louddon sozinho? – perguntou. Esperou muito tempo pela resposta dele, e ante o silêncio continuado, suspirou em sinal de frustração. O guerreiro estava se mostrando tão obstinado quanto era tolo, disse a si mesma. Acabara de salvar-lhe a vida e ele não dissera uma palavra sequer de gratidão. Seus modos estavam se mostrando tão ríspidos quanto sua aparência e reputação.

Ele a assustava. Assim que admitiu o fato para si mesma, ficou irritada. Admoestou-se com essa sua reação, pensando que agora agia de modo tão tolo quanto ele. O homem não dissera nenhuma palavra e, no entanto, ela tremia como uma criança.

Era por causa do tamanho dele, concluiu. Sim, pensou isso assentindo. No confinamento daquela pequena sala, ele parecia subjugá-la.

– Não pense em voltar a procurar Louddon. Esse seria mais um erro. E, da próxima vez, ele com certeza o matará.

O guerreiro não respondeu. Mas se moveu, lentamente deslizando os pés do calor que ela lhe oferecia. Demorou-se o quanto quis, resvalando ao longo da pele sensível do alto das coxas numa provocação deliberada.

Madelyne permaneceu ajoelhada diante dele, o olhar abaixado enquanto ele vestia as meias e calçava as botas.

Quando por fim concluiu sua tarefa, lentamente ergueu a corda descartada por ela e segurou-a diante dela.

Madelyne instintivamente estendeu as mãos para aceitar seu cinto. Sorriu, pensando que o gesto dele fosse uma espécie de oferta de paz e esperou que finalmente ele pronunciasse sua gratidão.

O guerreiro agiu com a velocidade da luz. Agarrou-lhe a mão esquerda e prendeu a corda ao redor dela. Antes que a mulher sequer pensasse em se afastar, ele fez um laço ao redor do outro pulso e prendeu suas mãos unidas.

Estarrecida, Madelyne encarou as mãos e depois o fitou, sua confusão era evidente.

A expressão no rosto dele lançou uma descarga gélida de medo em sua coluna. Sacudiu a cabeça, negando o que estava acontecendo.

E, então, o guerreiro falou:

– Não vim atrás de Louddon, Madelyne. Vim atrás de você.


CAPÍTULO DOIS


“Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor.”
Romanos 12:19

 

– Você enlouqueceu? – Madelyne sussurrou. A voz dela soou com descrença.

O barão não respondeu, mas sua carranca revelou que ele não gostara da pergunta. Ergueu Madelyne e depois a segurou pelos ombros para estabilizá-la. Ela teria voltado a cair de joelhos sem sua ajuda. Estranho, mas o toque dele era gentil para um homem daquele tamanho, Madelyne pensou, e essa reflexão a confundiu ainda mais.

O embuste dele estava além de sua compreensão. Ele era o prisioneiro e ela, sua salvadora. Certamente ele o percebia, não? Afinal, ela arriscara tudo por ele. Santo Deus, tocara-lhe os pés, aquecera-os; sim, dera-lhe tudo o que ousara.

Ele se elevava acima dela, aquele nobre transformado em bárbaro, e trazia uma expressão selvagem que combinava perfeitamente com suas proporções gigantescas. Ela sentia o poder irradiando dele, tão intenso e pungente quanto o toque de um atiçador de brasas, e por mais que se esforçasse para não se retrair do olhar glacial dos olhos cinzentos e gélidos, sabia que tremia o suficiente para que ele notasse.

Ele interpretou mal a reação de Madelyne e apanhou-lhe a capa. Quando apoiou a vestimenta ao redor dos ombros dela, a mão resvalou na elevação do seio. Ela acreditou que o toque tivesse sido acidental, mas, ainda assim, instintivamente retrocedeu um passo, fechando a capa na frente. A carranca do barão se aprofundou. Segurou-lhe as mãos, virou-se e rumou pelo corredor escuro, puxando-a atrás de si.

Ela teve que correr para acompanhá-lo, senão ele acabaria por arrastá-la.

– Por que quer confrontar os homens de Louddon quando isso não é necessário?

Não houve resposta por parte do barão, porém Madelyne não se intimidou.

– Por favor, barão, não faça isso. Escute o que eu digo. O frio deve ter afetado sua mente. Eles vão matá-lo.

Madelyne deu um puxão, com firmeza, usando todas as suas forças, mas ele não desacelerou.

Como, em nome de Deus, ela o salvaria assim?

Chegaram à porta pesada que dava para o pátio. O barão a empurrou com tanta força que as dobradiças se soltaram. A porta ficou pensa contra a parede de pedras. Madelyne foi empurrada através da abertura, levada contra o vento gélido que estapeou seu rosto e zombou de sua crença fervorosa de que o homem que desamarrara há menos de uma hora era louco. Não, ele não era nada louco.

A prova disso a cercava. Mais de cem soldados estavam perfilados no pátio interno e outros galgando o muro de pedras, tão velozes quanto o vento crescente e tão silenciosos quanto ladrões. Todos eles vestiam as cores branca e azul do Barão de Wexton.

Madelyne se viu tão desarmada ante tal visão que nem percebeu que seu captor parou para olhar enquanto seus homens se avolumavam diante dele. Ela se chocou em suas costas e instintivamente estendeu a mão para se segurar na malha e se equilibrar. Foi só então que percebeu que ele havia soltado suas mãos.

Ele não deu indícios de que ela estava ali, pairando às suas costas, agarrando sua roupa como se, de repente, elas fossem seu salva-vidas. Madelyne percebeu que poderia parecer que estava se escondendo, ou pior, acovardando-se, e de pronto deu um passo para o lado para que todos a vissem. O topo de sua cabeça batia nos ombros do barão. Permaneceu ereta com os ombros aprumados, tentando se equiparar à postura desafiadora do nobre, rezando o tempo inteiro para que seu terror não fosse perceptível.

Mas, Deus, como sentia medo. Na verdade, não temia muito a morte; o que a aterrorizava era o ato imediatamente anterior. Sim, era como ela agiria antes disso que lhe causava náuseas. Seria algo rápido ou demorado? Perderia seu controle tão cuidadosamente treinado no último instante e agiria como covarde? Isso a desconcertava tanto que ela quase deixou escapar ali mesmo que desejava ser a primeira a sentir a foice da morte. Mas suplicar por uma morte rápida também a tornaria uma covarde, não? E, nesse caso, a previsão de seu irmão se tornaria verdadeira.

O Barão de Wexton não fazia a mínima ideia dos pensamentos que percorriam a mente de sua prisioneira. Abaixou o olhar para ela, percebeu sua expressão tranquila e ficou moderadamente surpreso. Ela parecia muito calma, quase serena, mas ele sabia que a situação logo mudaria. Madelyne estava prestes a testemunhar a vingança dele, que começaria pela destruição completa de seu lar. Sem dúvida, ela estaria chorando e implorando clemência antes que o feito chegasse ao fim.

Um dos soldados se apressou até o barão. Ficou evidente para Madelyne que ele devia ser parente de seu captor, pois tinha cabelos castanhos e escuros idênticos, e a mesma estrutura física musculosa, apesar de não ser tão alto. O soldado ignorou Madelyne, dirigindo-se ao seu líder:

– Duncan? Vai dar o sinal ou ficaremos aqui a noite toda?

Seu nome era Duncan. Estranho, mas ouvir o nome dele ajudou a aplacar o medo que sentia. Duncan... Sim, o nome parecia deixá-lo um pouco mais humano em sua mente.

– E então, irmão? – o soldado exigiu, revelando o grau de parentesco e a razão pela qual o barão permitia uma atitude tão insolente por parte de um vassalo.

O soldado, certamente um irmão mais jovem, a julgar pela aparência e pela ausência de cicatrizes de batalhas, voltou-se em seguida para examinar Madelyne. Os olhos castanhos espelhavam seu desdém por ela. Ele parecia capaz de bater nela. Oras, o soldado enfurecido até recuou um passo, como se desejasse colocar mais distância entre ele e a leprosa que subitamente ela se tornara.

– Louddon não está aqui, Gilard – Duncan disse ao irmão.

O comentário do barão foi dito com tanta brandura que Madelyne subitamente se viu cheia de esperanças renovadas.

– Então irá para casa, milorde? – ela perguntou, virando-se para fitá-lo.

Duncan não lhe respondeu. Ela teria repetido a pergunta se o vassalo não a tivesse interrompido praguejando uma série de comentários rudes. O olhar estava fixo em Madelyne enquanto ele cuspia sua frustração. Apesar de Madelyne não compreender a maioria das observações sórdidas, ela sabia que eram depravações só pelo olhar assustador de Gilard.

Duncan estava prestes a ordenar que o irmão cessasse seu discurso infantil quando sentiu Madelyne segurando sua mão. Ficou tão perplexo com o toque que, por um momento, não sabia como reagir.

Madelyne se segurou a ele, que percebeu-a tremendo; contudo, quando se virou para olhá-la, ela parecia absolutamente controlada. Ela encarava Gilard. Duncan sacudiu a cabeça. Sabia que o irmão não fazia ideia de quão aterrorizante parecia para Madelyne. De fato, Duncan duvidava que Gilard desse importância à impressão causada por ele, caso soubesse.

A raiva de Gilard subitamente irritou Duncan. Madelyne era sua prisioneira, não sua inimiga, e o quanto antes Gilard entendesse como ela devia ser tratada, melhor seria.

– Basta! – exigiu. – Louddon foi embora. Suas pragas não o trarão de volta.

Duncan subitamente puxou a mão para longe de Madelyne. Passou o braço pelos ombros dela, quase a derrubando em razão de sua pressa, e depois a puxou para o seu lado. Gilard ficou tão surpreso com a evidente demonstração de proteção que só conseguiu ficar encarando o irmão de boca aberta.

– Louddon deve ter pegado a estrada para o sul, Gilard, caso contrário você o teria visto – comentou Duncan.

Madelyne não conseguiu se conter e interveio:

– E agora vocês vão para casa? – perguntou, tentando não parecer tão ansiosa. – Vocês podem desafiar Louddon algum outro dia – sugeriu, tentando aplacar um pouco o desapontamento deles.

Ambos os irmãos se viraram para olhá-la. Nenhum respondeu, mas a expressão de seus rostos sugeria uma dúvida quanto à sanidade dela.

O medo de Madelyne voltou a se intensificar. O olhar gélido do barão quase fez com que seus joelhos se dobrassem. Rapidamente abaixou o olhar até estar fitando o peito dele, envergonhada até o fundo da alma por estar se mostrando tão fraca de caráter.

– Não sou louca – murmurou. – Vocês ainda podem ir embora sem serem flagrados.

Duncan ignorou seu comentário. Segurou-a pelas mãos amarradas e arrastou-a até o mesmo poste do qual ela o libertara. Quando Duncan por fim a soltou, Madelyne se recostou na madeira tosca, esperando para ver o que ele faria em seguida.

O barão a encarou longamente e ela entendeu que aquilo era um comando não verbalizado para que ela ficasse parada. Em seguida, virou-se até que seus ombros bloqueassem os soldados de seu campo de visão. As coxas musculosas estavam afastadas e as mãos grandes fechadas em punhos no alto do quadril. Era uma posição de batalha evidentemente desafiadora.

– Ninguém tocará nela. Ela é minha. – A voz poderosa de Duncan retumbou, alcançando seus homens com a mesma força que os flocos gelados que caíam dos céus.

Madelyne se virou para ver as portas do castelo de Louddon. Com certeza a voz de Duncan chegara ao seu interior, alertando os soldados adormecidos. No entanto, quando os homens de Louddon não invadiram o pátio rapidamente, Madelyne concluiu que o vento forte deve ter varrido a voz do barão para longe.

Duncan começou a se afastar. Ela estendeu a mão e segurou a parte de trás da cota de malha. Os elos circulares de aço cortaram seus dedos. Madelyne fez uma careta de dor, mas não soube se sua reação foi causada pelos elos abrasivos ou pelo olhar furioso do barão quando este se virou para ela. Ele estava tão próximo que seu peito tocava no dela. Madelyne se viu forçada a inclinar a cabeça para trás a fim de ver seu rosto.

– Você não entende, barão – Madelyne argumentou de pronto. – Se ao menos desse ouvidos à razão, entenderia o quanto o seu plano é tolo.

– O quanto o meu plano é tolo? – Duncan repetiu, pasmo a ponto de não berrar ante declaração tão impetuosa. Não entendia por que queria saber sobre o que ela falava, mas queria. Infernos, ela acabara de insultá-lo. Ele teria matado um homem por muito menos. Contudo, a expressão inocente no rosto dela e a sinceridade em sua voz indicavam que ela sequer estava ciente de sua transgressão.

Madelyne pensou que Duncan parecia querer estrangulá-la. Lutou contra o desejo de fechar os olhos ante expressão tão intimidadora.

– Se veio atrás de mim, então perdeu seu tempo.

– Acredita que seu valor não seja suficiente para eu conseguir a atenção de seu irmão? – Duncan perguntou.

– É evidente. Aos olhos de meu irmão, não tenho valor algum. Esse é um fato do qual estou muito ciente – acrescentou com tanta franqueza que Duncan percebeu que ela acreditava no que acabara de dizer. – E você certamente morrerá esta noite. Sim, estão em número menor, pelo menos quatro contra um, pelas minhas contas. Há um segundo alojamento com mais de cem soldados abaixo de nós na muralha externa. Eles ouvirão a batalha. O que acha disso? – perguntou, ciente de agora estar retorcendo as mãos, mas incapaz de se conter.

Duncan continuou parado ali, fitando-a com uma expressão intrigada. Madelyne rezou para que o que acabara de lhe contar a respeito de um segundo alojamento de soldados o forçasse a enxergar a insensatez de seu plano.

Suas orações foram vãs. Quando o barão finalmente reagiu, não foi nada do que Madelyne antecipou. Ele simplesmente deu de ombros.

O gesto a enfureceu. O guerreiro tolo evidentemente estava inclinado a morrer.

– Foi inútil acreditar que se afastaria, pouco importando as possibilidades, não foi? – Madelyne perguntou.

– Foi – Duncan replicou. Um brilho cálido surgiu em seus olhos, surpreendendo Madelyne. E que sumiu antes que ela conseguisse sequer reagir. O barão zombava dela?

Não tinha coragem para perguntar isso. Duncan continuou olhando-a por um longo momento. Depois, sacudiu a cabeça, virou-se e começou a andar na direção do lar de Louddon. Obviamente decidira que já perdera tempo demais com ela.

Não havia o mínimo indício de suas intenções agora. Oras, ele bem que poderia estar fazendo uma visita social, a julgar pela expressão indulgente e pelo andar lento e tranquilo.

Madelyne sabia que não era nada disso. Subitamente, viu-se tão aterrorizada que pensou que passaria mal. Sentia a bile subindo, queimando uma trilha pela garganta. Madelyne inspirou fundo algumas vezes enquanto se esforçava freneticamente para desatar os nós que prendiam suas mãos. O pânico tornou a tarefa impossível, pois ela acabara de perceber que havia criados dormindo lá dentro. Duvidou que os soldados de Duncan se preocupassem em matar apenas aqueles armados contra eles. Louddon certamente não teria feito tal distinção.

Ela sabia que logo morreria. Esse fato não poderia ser desfeito: ela era irmã de Louddon. Mas caso pudesse salvar vidas inocentes antes da própria morte, esse ato de bondade não daria algum propósito à sua existência? Ah, Santo Deus, salvar a vida de uma pessoa não tornaria sua vida importante... para alguém?

Madelyne continuou se esforçando para desamarrar a corda enquanto observava o barão. Quando ele alcançou os degraus e se virou de frente para seus homens, seu verdadeiro propósito estava claro. Sim, sua expressão revelava fúria.

Duncan lentamente ergueu a espada no ar. E, então, sua voz reverberou com força brutal, como que para garantir que ela penetraria as paredes de pedra que o rodeavam. Suas palavras objetivas foram inconfundíveis:

– Sem piedade!

 

Os gritos da batalha torturaram Madelyne. Sua mente visualizava o que não conseguia ver, prendendo-a dentro de um purgatório de pensamentos obscenos. Nunca testemunhara de fato uma batalha antes, apenas ouvira narrativas exageradas de destreza e da bravura dos soldados vitoriosos que se vangloriavam. Mas nenhuma dessas histórias incluía as descrições dos homicídios, e quando os soldados em combate jorraram para fora do pátio, o purgatório mental de Madelyne se transformou num inferno real, com o sangue das vítimas transformado no fogo de vingança do seu captor.

Apesar de os números favorecerem os homens de Louddon, Madelyne logo percebeu eles que estavam despreparados para lutar contra os soldados bem treinados de Duncan. Viu quando um dos soldados do irmão levantou a espada contra o barão e perdeu a vida por causa disso, testemunhou quando outro guerreiro ávido atirou sua lança à frente e, em seguida, viu estupefata quando tanto a lança quanto o braço foram separados do restante do corpo. Um grito ensurdecedor de agonia seguiu-se ao ataque quando o soldado caiu à frente no chão, agora banhado pelo próprio sangue.

O estômago de Madelyne se contorceu ante tantas atrocidades; ela fechou os olhos para bloquear o terror, mas as imagens continuaram a atormentá-la.

Um garoto que Madelyne imaginou ser o escudeiro de Duncan correu até parar junto dela. Tinha cabelos loiros claros e estatura mediana e tantos músculos que poderia passar por obeso. Ele sacou uma adaga e a sustentou diante de si.

Mal prestou atenção a ela, mantendo o olhar direcionado em Duncan, mas Madelyne acreditou que ele tivesse se posicionado de modo a protegê-la. Vira Duncan gesticular para o rapaz pouco antes.

Madelyne tentou desesperadamente se concentrar no rosto do escudeiro. Nervoso, ele mordia o lábio inferior. Ela não sabia bem se o gesto era causado por medo ou por excitação. E, de repente, ele saltou para a frente, deixando-a desprotegida de novo.

Ela se voltou para Duncan, notando que ele deixara o escudo cair, e viu o escudeiro correndo para recuperá-lo para o seu senhor. Na pressa, ele deixou cair a própria adaga.

Madelyne correu e apanhou a adaga, e depois se apressou para junto do poste novamente, para o caso de Duncan procurá-la. Ajoelhou-se e começou a cortar as cordas que prendiam suas mãos. O cheiro acre de fumaça a alcançou. Levantou o olhar bem a tempo de ver uma chama surgir na porta do castelo. Servos agora se misturavam aos homens que combatiam, tentando chegar à liberdade ao dispararem para os portões frontais. O fogo os perseguia, chamuscando o ar.

Simon, primogênito do capataz de Saxon e agora já idoso, abriu caminho até Madelyne. Lágrimas marcavam o rosto enrugado, os ombros largos pendiam para baixo em desespero.

– Pensei que a tivessem matado, milady – ele sussurrou ao ajudá-la a se levantar.

O servo pegou a adaga de suas mãos e rapidamente cortou as amarras. Assim que foi solta, ela o segurou pelos ombros.

– Salve-se, Simon. Esta batalha não é sua. Rápido, saia daqui agora. A sua família precisa de você.

– Mas milady...

– Vá, antes que seja tarde – Madelyne implorou.

A voz dela estava carregada de medo. Simon era um homem temente a Deus que lhe mostrara bondade no passado. Ele não tinha saída, assim como os demais servos, tanto pela posição social quanto por herança, preso às terras de Louddon, e essa já era uma sentença severa demais para qualquer homem suportar. Deus não seria tão cruel a ponto de exigir também sua vida.

– Venha comigo, Lady Madelyne – Simon suplicou. – Vou escondê-la.

Madelyne balançou a cabeça, negando-se a ir.

– Suas chances serão melhores sem mim, Simon. O barão irá atrás de mim. Por favor, não discuta – apressou-se a acrescentar quando viu que ele protestaria novamente. – Vá! – Gritou a ordem e a enfatizou ao dar um empurrão nos ombros de Simon.

– Que o Senhor a proteja – Simon sussurrou. Entregou-lhe a adaga e se virou para seguir para os portões. O idoso só se afastara poucos metros de sua senhora quando foi derrubado no chão pelo irmão de Duncan. Gilard, em sua pressa para atacar outro dos soldados de Louddon, acidentalmente se chocara com o criado. Simon voltou a se ajoelhar quando Gilard subitamente se virou, como se tivesse percebido que havia outro inimigo ao seu alcance.

A intenção de Gilard ficou óbvia para Madelyne. Ela gritou um alerta e correu para se postar diante de Simon, usando o corpo como escudo para proteger o servo da lâmina de Gilard.

– Saia da frente – Gilard comandou com a espada erguida.

– Não – Madelyne replicou berrando. – Terá que me matar para chegar até ele.

Gilard de imediato levantou ainda mais a espada, sugerindo que faria exatamente isso. O rosto estampava sua fúria. Ela acreditou que Gilard era mais do que capaz de matá-la sem sentir uma gota sequer de remorso.

Duncan viu o que estava acontecendo e correu na direção de Madelyne. O temperamento violento de Gilard era conhecido, todavia Duncan não se preocupava com a possibilidade de o irmão ferir Madelyne. Gilard morreria antes de desobedecer a um comando seu. Irmão ou não, Duncan era o Barão de Wexton e Gilard era seu vassalo. Gilard honraria tal compromisso. E Duncan fora bem específico: Madelyne era sua. Ninguém tocaria nela. Ninguém.

Os outros criados, quase trinta no total, também testemunharam o que estava acontecendo. Aqueles próximos o suficiente para se libertarem se aproximaram para formar um grupo protetor atrás de Simon.

Madelyne enfrentou o olhar furioso de Gilard com uma tranquilidade que contradizia a destruição que acontecia em seu âmago.

Duncan se aproximou do irmão bem a tempo de observar o gesto bizarro dela. Sua prisioneira lentamente levantou a mão até os cabelos e afastou um amontoado de cachos grossos para longe da lateral do pescoço. Numa voz que soou bastante calma, sugeriu que Gilard cravasse a espada ali e, caso não se importasse, que fosse rápido.

Gilard ficou atônito ante a reação de Madelyne. Vagarosamente abaixou a espada até que a ponta ensanguentada ficasse voltada para o chão.

A expressão de Madelyne não se alterou. Ela voltou sua atenção para Duncan.

– O seu ódio em relação a Louddon se estende aos seus criados? Você mata homens e mulheres inocentes só porque eles estão obrigados por lei a servirem a meu irmão?

Antes que Duncan pudesse responder, Madelyne lhe deu as costas. Segurou as mãos de Simon e o ajudou a se levantar.

– Ouvi dizer que o Barão de Wexton é um homem honrado, Simon. Fique ao meu lado. Vamos enfrentá-lo juntos, meu bom amigo.

Voltando-se para Duncan, acrescentou:

– Nós veremos se este senhor é realmente honrado ou se não é tão diferente de Louddon, afinal de contas.

Madelyne subitamente percebeu que segurava a adaga com a outra mão. Escondeu a prova atrás das costas até sentir um rasgo no forro da capa e enfiou a lâmina ali dentro, rezando para que a costura fosse forte o bastante para segurá-la. Para encobrir sua ação, exclamou:

– Cada uma destas boas pessoas tentou me proteger do meu irmão, e eu morrerei antes de deixar que toque nelas. A escolha é sua.

A voz de Duncan estava carregada de desdém ao responder ao desafio dela:

– Ao contrário do seu irmão, eu não persigo os fracos. Vá, velho, saia deste lugar. Pode levar os outros consigo.

Os criados obedeceram de pronto. Madelyne observou-os correrem até os portões. A demonstração de compaixão dele a surpreendeu.

– E agora, barão, só tenho mais um pedido. Por favor, mate-me agora. Sei que sou covarde por pedir isso, mas a espera é insuportável. Faça o que tem que fazer.

Ela acreditava que a intenção dele era matá-la. Duncan se viu perplexo, uma vez mais, ante aquele comentário. Concluiu que Lady Madelyne era a mulher mais intrigante que já conhecera.

– Não vou matá-la, Madelyne – anunciou antes de se virar.

Uma onda de alívio assolou Madelyne. Acreditou que Duncan estivesse dizendo a verdade. Ele pareceu surpreso quando lhe pedira para acabar logo com aquilo... Sim, ele lhe dizia a verdade agora.

Madelyne se sentiu vitoriosa pela primeira vez. Salvara a vida de Duncan e viveria para contar essa história.

A batalha terminou. Os cavalos foram tirados dos estábulos e dispararam pelos portões logo atrás dos criados antes que novas chamas devorassem a madeira frágil.

Madelyne não conseguia sentir o mínimo remorso ante a destruição do lar do irmão. Aquilo nunca lhe pertencera. Não havia lembranças felizes ali.

Não, não havia remorso algum. A vingança de Duncan era um castigo adequado aos pecados de seu irmão. A justiça estava sendo feita naquela noite escura por um bárbaro em trajes de cavaleiro, um radical que, segundo o modo de pensar de Madelyne, ousava ignorar a influente amizade de Louddon com o Rei da Inglaterra.

O que Louddon fizera para o Barão de Wexton para merecer tal retaliação? E que preço Duncan teria que pagar por sua ação impulsiva? Quando soubesse do acontecido, Guilherme II exigiria a vida de Duncan? O rei estaria inclinado a agradar Louddon caso ele pedisse. Diziam que a influência de Louddon sobre o rei era extraordinária; Madelyne ouvira dizer que eram amigos especiais. E somente na semana anterior entendera o que as obscenidades sussurradas realmente significavam. Marta, a esposa faladeira do cavalariço, mostrara-se deliciada ao revelar a baixeza do relacionamento dos dois numa noite depois de ter se permitido consumir canecas demais de cerveja.

Madelyne não acreditara nela. Corara e rejeitara tudo aquilo, dizendo a Marta que Louddon permanecia solteiro porque a senhora para quem dera seu coração morrera. Marta caçoara da sua inocência. No fim, forçara sua senhora a admitir tal possibilidade.

Até aquela noite, Madelyne não percebera que alguns homens podiam se relacionar intimamente com outros homens e a ideia de que um fosse seu irmão e o outro fosse o Rei da Inglaterra tornava tudo aquilo ainda mais repulsivo. Seu desgosto se tornou físico. Madelyne lembrava-se de ter vomitado o jantar, o que divertiu imensamente Marta.

– Queimem a capela! – a ordem de Duncan se propagou pelo pátio, atraindo os pensamentos de Madelyne para o presente. De imediato, ela suspendeu as saias e correu na direção da igreja, na esperança de ter tempo para recuperar seus poucos pertences antes que a ordem fosse executada. Ninguém parecia estar prestando atenção nela.

Duncan a interceptou no momento em que ela alcançava a entrada lateral. Ele chocou as mãos contra a parede, bloqueando-a de ambos os lados. Madelyne emitiu um arquejo de surpresa e se virou para ficar de frente para ele.

– Não existe um lugar em que possa se esconder de mim, Madelyne.

A voz dele era suave. Deus, ele até parecia entediado.

– Não me escondo de ninguém – Madelyne respondeu, tentando afastar a raiva da voz.

– Então deseja queimar com sua capela? – Duncan perguntou. – Ou talvez queira usar a passagem secreta sobre a qual me falou?

– Nenhuma das duas coisas – Madelyne respondeu. – Tudo o que possuo está dentro da igreja. Eu estava indo buscar. Disse que não iria me matar, então pensei em buscar meus pertences para a minha própria jornada.

Quando Duncan não disse nada sobre sua explicação, Madelyne tentou novamente. No entanto, era difícil formar um pensamento coerente enquanto Duncan a fitava com tanta intensidade.

– Não vou lhe pedir uma montaria, apenas minhas roupas que estão atrás do altar.

– Não pedirá? – ele sussurrou a pergunta. Madelyne não sabia como reagir àquilo, ou ao sorriso que ele lhe lançava. – Espera verdadeiramente que eu acredite que estava vivendo na igreja?

Madelyne desejou ter coragem suficiente para lhe dizer que pouco se importava com o que ele acreditava. Deus, como era covarde. Contudo, anos de sofridas lições controlando seus verdadeiros sentimentos lhe caíram bem agora. Lançou-lhe uma expressão tranquila, forçando a raiva a ficar dentro de si. Deus, ela conseguiu até mesmo dar de ombros.

Duncan percebeu a centelha de raiva reluzir naqueles olhos azuis. Uma tremenda zombaria em sua serena expressão e tão fugidia que ele se convenceu que não a teria notado caso não a estivesse observando tão intensamente. Ela se controlava com muita habilidade para uma mera mulher.

– Responda, Madelyne. Quer que eu acredite que estava morando na igreja?

– Eu não estava morando ali – Madelyne respondeu quando não suportou mais o olhar intenso dele. – Apenas escondi minhas coisas para poder fugir pela manhã.

Duncan franziu o cenho ante tal declaração. Ela o considerava obtuso o suficiente para acreditar numa história tão tola? Nenhuma mulher abandonaria o conforto do lar para uma jornada naqueles meses inclementes. E onde ela lhe diria que iria?

Decidiu, então, provar que a versão dela era falsa, só para ver a reação dela quando a mentira fosse revelada.

– Pode ir buscar suas coisas.

Madelyne não estava disposta a discutir com sua boa sorte. Acreditava que, ao lhe dar sua permissão, Duncan também concordava com seus planos de sair da fortaleza.

– E então eu poderei deixar esta fortaleza? – disparou antes que conseguisse se conter. Mas, Deus, como sua voz tremia.

– Sim, Madelyne, você poderá deixar esta fortaleza – Duncan concordou.

Ele chegou a lançar um sorriso. Madelyne se preocupou com a mudança de atitude dele. Encarou-o, tentando ler sua mente. Uma tentativa fútil, logo percebeu. Duncan escondia muito bem seus sentimentos, bem demais, de modo a impedir que ela concluísse se ele dizia ou não a verdade.

Madelyne passou por baixo do braço dele e correu pelo corredor, voltando à igreja. Duncan estava logo atrás dela.

O saco de juta estava exatamente onde o escondera no dia anterior. Madelyne suspendeu o fardo nos braços e depois se virou para Duncan. Estava prestes a agradecer, contudo hesitou ao ver a surpresa estampada no rosto dele de novo.

– Não acreditou em mim? – perguntou. Sua voz parecia tão incrédula quanto a expressão dele.

Duncan lhe respondeu com uma carranca. Virou-se e saiu da igreja. Madelyne o seguiu. Suas mãos tremiam agora, quase com violência. Madelyne concluiu que o horror da batalha testemunhada estava sendo assimilado. Vira tanto sangue, tantos mortos. Seu estômago e sua mente se rebelavam e só lhe restava rezar para manter a compostura até que Duncan e seus soldados partissem.

No instante em que saiu da igreja, tochas foram lançadas em seu interior. As chamas eram como ursos famintos e devoraram a construção com uma intensidade selvagem.

Madelyne observou o incêndio por um tempo, até perceber que se agarrava à mão de Duncan. Imediatamente o soltou.

Virou-se e viu que os cavalos dos soldados foram conduzidos para o pátio do castelo. A maioria dos soldados de Duncan já havia montado e apenas aguardava ordens. No centro do pátio estava a mais magnífica das feras, um imenso garanhão branco, quase duas mãos mais alto que qualquer outro dos cavalos. O escudeiro loiro estava bem diante do animal, tentando sem muito sucesso manter as rédeas em suas mãos. O animal irritadiço sem dúvida pertencia a Duncan, uma besta adequada à estatura e à posição do barão.

Duncan indicou que ela fosse em direção ao garanhão. Madelyne franziu o cenho ante a ordem dele, ainda assim instintivamente caminhando rumo ao grande cavalo. Quanto mais próxima chegava, mais assustada ficava. No recesso de sua mente confusa, um pensamento sombrio se cristalizou.

Bom Deus, não seria deixada para trás.

Madelyne inspirou fundo, tentando se acalmar. Disse a si mesma que estava confusa demais para pensar com clareza. Era evidente que o barão não a levaria consigo. Afinal, ela não era significante o bastante para que ele se desse a esse trabalho.

Resolveu que precisava ouvir a negação dele.

– Não acredita que vai me levar consigo, acredita? – disse num rompante. Sua voz soou forçada; sabia que não conseguira esconder o medo.

Duncan caminhou para junto dela. Agarrou o saco de juta e o lançou para o escudeiro. Ela teve sua resposta então. Madelyne o encarou, observou-o montar com fluidez e depois estender a mão em sua direção.

Madelyne começou a recuar. Que Deus a ajudasse, iria desafiá-lo. Sabia que, se tentasse alçar-se até o topo daquele demônio em forma de cavalo, talvez desmaiasse, ou pior, talvez até gritasse. O que seria, aliás, terrível. Na verdade, acreditava que preferia a morte à humilhação.

Tinha mais medo do garanhão do que do barão. Madelyne, infelizmente, tinha essa falha em sua educação, e não possuía o mínimo de habilidades para cavalgar. Lembranças dos dias de sua primeira infância, quando Louddon usara de força em suas poucas lições de equitação como uma arma para impor submissão, ainda a visitavam ocasionalmente. Como mulher adulta, percebia que seus medos eram irracionais; mesmo assim, a criança assustada dentro dela ainda se rebelava com medo ilógico e obstinado.

Recuou mais um passo. Depois, lentamente, balançou a cabeça, negando o auxílio de Duncan. Sua decisão fora tomada: ela o forçaria a matá-la caso essa fosse sua inclinação, mas não montaria naquele garanhão.

Sem pensar no que fazia, Madelyne se virou e começou a se afastar. Tremia tanto que tropeçou diversas vezes. O pânico crescia dentro dela até quase cegá-la, mesmo assim manteve o olhar fixo no chão e seguiu em frente, um passo determinado após o outro.

Parou quando se deparou com o corpo mutilado de um dos soldados de Louddon. O rosto do homem estava terrivelmente desfigurado. E aquela cena acabou sendo a gota d’água para Madelyne. Ficou ali parada, no meio daquela carnificina, encarando o soldado morto, até ouvir um grito torturado ecoando ao longe. O som era arrasador. Madelyne cobriu os ouvidos e tentou bloquear o barulho, mas o gesto de nada adiantou. O som horrível prosseguiu.

Duncan incitou o cavalo a se mover adiante no instante em que Madelyne começou a gritar. Chegou ao lado dela, inclinou-se e a levantou sem esforço algum até seus braços.

Ela parou de gritar diante de seu toque. Duncan ajeitou seu manto pesado e cobriu sua prisioneira por completo. O rosto dela se apoiou nos aneizinhos de aço da cota de malha, contudo ele dedicou tempo e atenção ao ajustar parte da capa dela a fim de que a lateral do rosto estivesse protegida pelo forro de pele de carneiro.

Não questionou sua necessidade de agir de maneira gentil com ela. A cena em que Madelyne se ajoelhava diante dele, colocando seus pés quase congelados dentro de suas roupas para aquecê-los surgiu em sua mente. Fora um ato de bondade. Não poderia fazer menos do que isso com ela. Afinal, era o único responsável por provocar tanto sofrimento em Madelyne.

Duncan emitiu um longo suspiro. Nada poderia ser desfeito. Inferno, tudo começara como um plano muito simples. Bastava uma mulher para complicá-lo.

Muitas coisas tinham que ser reavaliadas. Apesar de saber que Madelyne não tinha ciência disso, certamente ela complicara a situação. Disse a si mesmo que teria que resolver aquilo. O plano mudara agora, quer ele gostasse disso ou não, pois sabia, com uma certeza que tanto o surpreendia quanto o irritava, que nunca deixaria Madelyne ir embora.

Duncan segurou sua prisioneira com mais força e finalmente deu o sinal para os homens cavalgarem. Permaneceu atrás para formar a fila do longo cortejo. Quando o último dos soldados saiu, e somente Gilard e o jovem escudeiro o ladeavam, Duncan encarou por alguns minutos aquela destruição toda.

Madelyne inclinou a cabeça para trás a fim de enxergar seu rosto. Ele deve ter sentido seu olhar, pois lentamente abaixou a cabeça até que seus olhos se encontrassem.

– Olho por olho, Madelyne.

Ela esperou que ele dissesse algo mais, explicasse o que seu irmão fizera para provocar tamanha retaliação, mas Duncan apenas continuou a encará-la, como se desejasse seu entendimento. Não daria nenhuma explicação para sua crueldade. Madelyne entendia isso agora. O vitorioso não tinha que se explicar.

Madelyne se virou para olhar as ruínas. Lembrou-se das histórias contadas pelo seu tio, Padre Berton, sobre as Guerras Púnicas dos tempos antigos. Havia muitas histórias, a maioria delas censuradas pela Santa Igreja, mas o Padre Berton as contava para Madelyne mesmo assim, educando-a de modo inaceitável, castigável pela disciplina severa caso os líderes eclesiásticos desconfiassem do que o religioso fazia.

A carnificina que ela testemunhara agora a lembrava da história de Cartago. Durante a terceira e última guerra entre as duas potências, o vitorioso destruíra completamente a cidade assim que Cartago caíra. O que não fora destruído em incêndios fora enterrado sob o terreno fértil. Nenhuma pedra foi deixada no lugar. Como medida final, os campos foram cobertos com sal para que nada mais vicejasse ali.

A história se repetia naquela noite: Louddon e tudo o que lhe pertencia estava sendo profanado.

– Delenda est Carthago – Madelyne sussurrou para si própria, repetindo o juramento feito há tanto tempo por Catão, um ancião dos tempos antigos.

Duncan se surpreendeu com a observação de Madelyne. Perguntou-se como ela sabia daquilo.

– Sim, Madelyne. Como Cartago, o seu irmão deve ser destruído.

– E eu pertenço a Loud... a Cartago também? – ela perguntou, recusando-se a pronunciar o nome do irmão.

– Não, Madelyne, você não pertence a Cartago.

Madelyne assentiu e depois fechou os olhos. Deixou-se apoiar no peito de Duncan.

Duncan usou a mão para suspender o queixo dela, forçando-a a fitá-lo novamente.

– Você não pertence a Louddon, Madelyne. De hoje em diante você pertence a mim. Entendeu?

Madelyne assentiu.

Duncan a soltou quando viu o quanto a deixava assustada. Observou-a por um momento mais e lentamente, sim, com suavidade, puxou a capa para cobrir e proteger o rosto dela.

De seu esconderijo aquecido ao seu encontro, Madelyne sussurrou:

– Acho que eu preferiria não pertencer a homem nenhum.

Duncan a ouviu. Um sorriso lento se formou em seu rosto. O que Lady Madelyne desejava não era importante para ele. Sim, ela lhe pertencia agora, quisesse ou não.

Lady Madelyne selara o próprio destino.

Ela havia aquecido seus pés.


CAPÍTULO TRÊS


“É pior cometer alguma injustiça do que ser vítima de injustiça.”
Platão, Górgias1

 

Viajaram para o norte, cavalgando rápido e sem descanso durante o resto da noite e em boa parte do dia seguinte. Fizeram apenas duas pausas para dar aos cavalos um respiro do ritmo intenso estabelecido pelo barão. Madelyne recebeu alguns momentos de privacidade, mas suas pernas mal sustentavam seu peso, tornando a tarefa de cuidar de suas necessidades básicas uma provação excruciante. E antes que ela tivesse a chance de esticar os músculos doloridos, era suspendida sobre o garanhão de Duncan novamente.

Sentiam-se seguros por viajarem em grande número, por isso Duncan resolveu que seguiriam pela estrada principal. Na melhor das avaliações, aquilo não passava de um caminho mal cuidado, com arbustos grandes demais e galhos desprovidos de folhas que transformavam a estrada num desafio contínuo mesmo para os cavaleiros mais bem preparados. Os escudos dos homens ficavam suspensos na maior parte do tempo. Madelyne, entretanto, estava bem protegida, abraçada em segurança sob o manto e a armadura de Duncan.

Os soldados estavam bem servidos por seus equipamentos pesados, exceto aqueles que usavam elmos cônicos abertos na face e trafegavam com as mãos livres, e a floresta surtia poucos efeitos neles a não ser o de desacelerar um pouco seu avanço.

O trajeto tortuoso não cessou por quase dois dias. Quando Duncan anunciou que passariam a noite num vale escondido que avistara, Madelyne estava absolutamente convencida de que ele não era humano. Ouvira os homens referirem-se ao líder como um lobo e compreendia a comparação odiosa bem o bastante: Duncan trazia o esboço da besta terrível em seu timbre azul e branco. Ela fantasiava agora que a mãe de seu captor devia ter sido um demônio dos infernos e seu pai um lobo grande e feio, e esse era o único motivo de ele conseguir sustentar aquele ritmo sobre-humano e exaustivo.

Quando pararam para o descanso noturno, Madelyne estava morrendo de fome. Sentou-se numa rocha e observou os soldados cuidando de suas montarias. Uma primeira preocupação muito nobre, Madelyne concluiu, sabendo que sem seu cavalo, um cavaleiro seria completamente ineficiente. Sim, os cavalos vinham em primeiro lugar.

Pequenas fogueiras foram acesas, com oito a dez homens rodeando cada uma delas, e quando todas estavam acesas, existiam pelo menos trinta chamas separadas, todas delineando os ombros cansados dos homens prontos para o repouso. Por último veio a comida, uma refeição parca que consistia em queijo e pão duro. Cornos foram preenchidos com cerveja um tanto salgada e passados de mão em mão. No entanto, Madelyne notou que os soldados se serviam de apenas pequenas porções. Concluiu que a precaução se sobrepunha ao desejo de se saciarem, pois precisavam manter o juízo durante a noite, já que estavam acampados numa posição vulnerável.

Existia o perigo sempre presente dos grupos de homens nômades, desajustados vagantes que se transformaram em abutres à espera de alguém mais fraco em quem se lançar. E havia também os animais selvagens que perambulam na selva basicamente com a mesma intenção.

O escudeiro de Duncan recebeu ordens de atender às necessidades de Madelyne. Seu nome era Ansel, e Madelyne entendeu pela carranca em seu rosto que ele não gostara nem um pouco de ter recebido tal tarefa.

Madelyne se consolou sabendo que cada quilômetro que eles avançaram rumo ao norte, mais a aproximavam de seu destino secreto. Antes que o Barão de Wexton interferisse em seus planos, Madelyne estivera orquestrando a própria fuga. Viajaria para a Escócia, onde sua prima Edwythe morava. Percebia agora que fora ingênua em pensar que seria capaz de executar essa façanha. Sim, percebia a insensatez agora, até admitia que não teria durado mais do que um dia por conta própria, cavalgando a única égua do estábulo de Louddon que não a derrubava. A égua, cuja coluna era um tanto encurvada e já era um tanto velha, não teria forças para uma jornada como aquela. Sem um cavalo forte e roupas adequadas, a fuga teria sido uma forma de suicídio. E o mapa desenhado às pressas da memória falha de Simon a teria feito andar em círculos.

Por mais que admitisse ser um sonho tolo, resolveu que teria que se apegar a ele. Aferrou-se, portanto, à centelha de esperança simplesmente porque era tudo o que tinha. Duncan sem dúvida vivia próximo à fronteira com a Escócia. A que distância estaria da casa da prima? Talvez pudesse até ir andando.

Os obstáculos a subjugariam caso ela lhes desse esse poder. Madelyne deixou a razão de lado e, em vez disso, concentrou-se na lista do que precisaria. Um cavalo apropriado vinha em primeiro lugar, provisões em segundo, e a bênção de Deus em terceiro. Madelyne concluiu que tinha a ordem de importância errada, e colocou Deus em primeiro lugar e o cavalo em último, quando notou Duncan se movendo no centro do acampamento. Deus, não seria ele o maior obstáculo de todos? Sim, Duncan, metade homem, metade lobo, seria o maior obstáculo a transpor.

Duncan não lhe dissera uma palavra desde que partiram da fortaleza de Louddon. Madelyne preocupou-se demasiadamente quanto à declaração dele de que agora ela lhe pertencia. Exatamente o que isso deveria significar? Desejou ter a coragem de exigir uma explicação. Todavia, o barão estava muito impassível, muito reservado agora, e assustador demais para ser abordado.

Deus, como estava exausta. Não poderia se preocupar com ele agora. Quando tivesse descansado, encontraria uma maneira de fugir. Esse era o dever de um prisioneiro, não?

Sabia que estava despreparada de muitas maneiras. Que bem fazia saber ler e escrever? Ninguém jamais saberia dessa sua estranha habilidade, visto ser altamente inaceitável para uma mulher tal tipo de educação. Afinal, a maioria da nobreza não sabia sequer assinar seus nomes. Dependia dos homens sagrados para executar tais tarefas inexpressivas.

Madelyne decerto não culpava o tio pela sua falta de treino. O querido padre obtivera imensa satisfação ensinando-a todas aquelas histórias antigas. Sua predileta era a história de Odisseu. O guerreiro mitológico se tornara o companheiro de Madelyne quando ela ainda era uma menina, assustada o tempo inteiro. Fingira que ele estava sentado ao seu lado durante as longas noites escuras. E era ele quem a ajudava a aplacar seu medo de que Louddon viesse buscá-la para levá-la de volta para casa.

Louddon! Apenas o nome sombrio fazia com que seu estômago se contraísse. Sim, ele era o verdadeiro motivo por Madelyne não possuir as habilidades necessárias para sobreviver. Sequer conseguia montar, pelo amor de Deus! A culpa era dele. Seu irmão a levara para cavalgar algumas vezes quando ela tinha seis anos, e Madelyne ainda se lembrava dessas saídas com a mesma nitidez como se tivessem acontecido no dia anterior. Agira como tola, ou pelo menos assim alegara Louddon, sacudindo na sela como um fardo de feno amarrado ao lugar.

E quando percebeu o quanto ela ficava assustada, ele a amarrara na sela e batera no lombo do cavalo para que ele galopasse ao longo do campo.

O seu medo excitava o irmão. Foi só quando Madelyne finalmente aprendeu a esconder o medo que Louddon pôs um fim ao joguinho sádico.

Pelo tempo que se lembrava, Madelyne sabia que o pai e o irmão a detestavam, e tentou fazer com que a amassem, nem que apenas um pouco, de todos os modos que sabia. Quando completou oito anos, foi enviada ao Padre Berton, o irmão mais novo de sua mãe, para uma breve visita que se transformou em longos anos de paz. O Padre Berton era seu único parente vivo do lado materno da família. O padre fez o melhor que pôde em sua educação e constantemente lhe dizia, até ela quase acreditar, que eram o pai e o irmão que tinham problemas, e não ela.

Ah, seu tio era um bom homem, amável, cujos modos gentis se refletiam no caráter de Madelyne. Ele lhe ensinou muitas coisas, nenhuma delas tangível, e a amava, tanto quanto qualquer pai de verdade poderia amar uma filha. Explicou-lhe que Louddon desprezava todas as mulheres, mas, em seu coração, Madelyne não acreditou nele. Seu irmão gostava das irmãs mais velhas. Tanto Clarissa quanto Sara foram enviadas a outras mansões a fim de receberem educação adequada, e cada uma delas tinha um dote impressionante para levar em seus casamentos, apesar de apenas Clarissa ter se casado.

O Padre Berton também contou a Madelyne que o pai dela a desprezava porque ela se parecia muito com a mãe, uma mulher gentil com que se casara e contra a qual se revoltara logo após os votos de casamento terem sido ditos. O padre não conhecia os motivos por trás da mudança de atitude do pai dela, mas ainda assim punha a culpa na alma dele.

Madelyne mal se lembrava dos primeiros anos, apesar de uma sensação acolhedora sempre preenchê-la quando ela pensava na mãe. Louddon nem sempre estivera por perto para atormentá-la, e ela fora bem protegida pelo amor da mãe.

Somente Louddon teria as respostas para suas perguntas. Talvez ele lhe explicasse tudo um dia e, então, ela entenderia. E com a compreensão vinha a cura, não é mesmo?

Madelyne concluiu que deveria deixar tais pensamentos de lado. Saiu de cima da rocha e deu a volta no acampamento, mantendo-se afastada dos homens.

Quando se virou e se enfiou na floresta mais densa, ninguém a seguiu, e ela foi capaz de atender às exigências de seu corpo. Madelyne estava voltando quando avistou um pequeno riacho. A superfície estava congelada, mas Madelyne usou um galho para partir o gelo. A água estava gelada o bastante para fazer com que as pontas dos seus dedos formigassem, mas o sabor do líquido transparente era maravilhoso.

Madelyne sentiu alguém parado atrás dela. Virou-se tão rapidamente que quase se desequilibrou. Era Duncan quem pairava acima dela.

– Venha, Madelyne. Está na hora de descansar.

Ele não lhe deu tempo para responder ao seu comando, em vez disso, estendeu a mão e a ergueu. A mão grande e calejada envolveu suas duas. Embora a pegada fosse firme, o toque era gentil, e ele não a soltou até chegarem à abertura de sua tenda, um aparato estranho consistindo em peles de animais selvagens lançados sobre o arco formado por galhos grossos e firmes. As peles bloqueariam o vento cortante. Outra pele cinzenta fora colocada no chão do lado interno da tenda, evidentemente recebendo a função de servir de catre. O brilho da fogueira mais próxima lançava sombras sobre as peles, fazendo com que a tenda parecesse quente e acolhedora.

Duncan indicou a Madelyne que entrasse. Ela obedeceu de pronto. No entanto, não parecia conseguir se acomodar. As peles de animal absorveram boa parte da umidade do chão, e Madelyne sentia como se estivesse envolvida por um bloco de gelo.

Duncan permaneceu ali, os braços cruzados diante do massivo peito, observando-a enquanto ela tentava ficar à vontade. Madelyne manteve a expressão reservada. Jurou que morreria antes de lhe estender uma palavra de reclamação.

De repente, Duncan voltou a colocá-la de pé, quase derrubando a tenda na pressa. Tirou a capa de cima dos ombros dela, apoiou-se em um joelho, e estendeu a vestimenta sobre as peles.

Madelyne não compreendeu sua intenção. Pensara que a tenda fosse para ela, mas Duncan se acomodou em seu interior, esticando-se por completo e ocupando a maior parte do espaço. Madelyne começou a se virar, enfurecida por ele ter clamado sua capa para o conforto próprio. Por que ele simplesmente não a deixara na fortaleza de Louddon se sua intenção era a de que morresse congelada, em vez de arrastá-la pela metade do mundo?

Ela nem teve tempo de arquejar. Duncan a agarrou com a velocidade da luz. Madelyne caiu sobre ele e emitiu um gemido de protesto. Mal inspirara ar fresco e um novo ultraje tomou conta de seu peito quando Duncan rolou de lado, levando-a consigo. Ele lançou seu manto sobre os dois, prendendo-a em seu abraço. Ficou com o rosto pressionado à base do pescoço dele, o topo da cabeça preso logo abaixo do queixo.

Madelyne imediatamente tentou se soltar, aterrorizada com tal posição íntima. Usou toda a energia que possuía, mas a pegada de Duncan era forte demais para ser afastada.

– Não consigo respirar – murmurou ao encontro do pescoço dele.

– Sim, consegue – Duncan replicou.

Ela pensou ter ouvido divertimento na voz dele. Isso a enfureceu quase tanto quanto o comportamento dominador dele. Como ele ousava decidir se ela conseguia ou não respirar?

Madelyne estava perturbada demais para ficar assustada. De súbito percebeu que tinha as mãos livres. Com isso bateu nos ombros dele até sentir as palmas formigarem. Duncan retirara a cota de malha ao entrar na tenda. Apenas uma camisa de algodão cobria o peito imenso agora. O material fino se esticava sobre os ombros largos, delineando os músculos. Madelyne sentia a força irradiando através do material leve. Deus, não havia um grama de gordura para poder beliscá-lo. A pele dele era tão inflexível quanto sua natureza obstinada.

No entanto, havia uma diferença distinta. O peito de Duncan estava cálido ao encontro de seu rosto, quase quente, e terrivelmente convidativo para que se aninhasse. Seu cheiro também era gostoso, como de couro e algo másculo, e Madelyne não conseguiu refrear uma reação. Estava exausta. Sim, esse era o motivo pelo qual a proximidade dele surtia esse efeito tão inquietante. Oras, seu coração estava disparado.

A respiração dele aquecia a lateral de seu pescoço, confortando-a. Como podia ser isso? Estava tão confusa; nada mais fazia sentido. Madelyne sacudiu a cabeça, determinada a se libertar da sensação de sonolência que invadia suas boas intenções e, em seguida, agarrou a camisa dele e começou a puxá-la.

Duncan deve ter se enfadado com sua luta. Ouviu-o suspirar apenas segundos antes de prender-lhe as mãos e enfiá-las debaixo de sua camisa, estendendo-lhe as palmas no seu peito. Os pelos espessos que cobriam a pele aquecida provocaram um formigamento nas pontas dos seus dedos.

Como podia estar se sentindo tão aquecida quando estava tão frio do lado de fora? A proximidade dele era erótica, uma atração sensual em todos os sentidos, inundando-a com sentimentos que ela nem sabia que possuía. Sim, era erótico, o que certamente o tornara pecaminoso e obsceno também, porque a pelve dele estava esmagada contra a junção de suas pernas. Conseguia sentir a firmeza dele ali, aninhada tão intimamente nela. A sua veste se mostrava uma proteção inadequada contra a masculinidade dele e sua inexperiência não lhe dava proteção alguma contra as sensações estranhas e desnorteantes que ele provocava. Por que não se sentia nauseada com o toque dele? De fato, Madelyne não se sentia nada nauseada, apenas esbaforida.

Um pensamento horrível entrou em sua mente, e ela arquejou alto. Não era assim que um homem segurava uma mulher quando copulava com ela? Madelyne se afligiu com esse pensamento por um longo momento, mas depois descartou o medo. Lembrou-se de que a mulher tinha que estar deitada de costas, e por mais que não estivesse certa da maneira exata que isso deveria acontecer, não acreditava estar correndo risco sério. Ouvira sem querer Marta conversando com as outras criadas e se lembrou de que a mulher rude sempre começava suas narrativas lascivas com a observação de que estava deitada de costas. Sim, Madelyne se lembrou com um alívio profundo que Marta fora bem específica: “Deitada de costas, lá estava eu”, era assim que ela sempre começava. Madelyne se arrependia agora de não ouvir o restante das histórias ousadas da mulher.

Deus, sua educação era falha nessa área também. Ficou brava, então, visto que uma dama decente não teria que se preocupar com isso de todo modo.

Tudo era culpa de Duncan, claro. Ele a segurava tão intimamente só para zombar dela? Madelyne estava próxima o bastante para sentir as coxas potentes dele tentando amassar as suas. Ele poderia esmagá-la se assim o decidisse. Madelyne estremeceu ante essa imagem e, de pronto, parou de se debater. Não desejava provocar o bárbaro. Pelo menos, suas mãos protegiam-lhe os seios. Sua gratidão por isso, no entanto, durou pouco tempo, pois, assim que pensou em ser grata quanto a isso, Duncan mudou de posição, e lá ficaram seus seios pressionados contra ele também. Os mamilos enrijeceram, envergonhando-a ainda mais.

Duncan subitamente se mexeu de novo.

– Mas que diabos... – Ele rugiu uma pergunta inconclusa contra o ouvido de Madelyne. Ela não sabia o que causara o rompante, mas sim que ficaria surda pelo resto da vida.

Quando Duncan deu um salto, murmurando uma maldição que ela não compreendeu, Madelyne se afastou. Observou Duncan pelo canto do olho. Seu captor se ergueu sobre um cotovelo e tateava algo debaixo do corpo.

Madelyne se lembrou da adaga do escudeiro que escondera no forro da capa bem quando Duncan levantou a arma.

Ela não pôde deixar de franzir a testa.

Ele não pôde deixar de sorrir.

Madelyne ficou tão surpresa com o sorriso espontâneo dele que quase o retribuiu. Mas acabou percebendo que o sorriso não alcançava os olhos dele. Resolveu que seria melhor não sorrir no fim das contas.

– Para uma criatura tímida, você se mostrou bem lépida, Madelyne.

A voz dele soou muito tranquila. Ele acabara de elogiá-la ou zombava dela? Madelyne não conseguia decidir. Mas resolveu não contar que havia se esquecido da adaga. Ele certamente a consideraria tola caso admitisse a verdade.

– Foi você quem me capturou – ela o lembrou. – Se me mostrei lépida, foi só porque sou compelida pela honra a escapar. É o dever de qualquer prisioneiro.

Duncan franziu o cenho.

– Minha honestidade o ofende, senhor? – Madelyne perguntou. – Então, talvez seja melhor eu não lhe dirigir mais a palavra. Eu gostaria de dormir agora – acrescentou. – E vou tentar me esquecer de que está aqui.

Para provar que falava a sério, Madelyne fechou os olhos.

– Venha cá, Madelyne.

O comando dado com suavidade lançou um tremor ao longo da espinha dela, e um nó se formou na boca do estômago. Ele estava fazendo aquilo de novo, concluiu, assustando-a até não poder mais. E ela estava ficando cansada disso. Acreditava que já não havia muito mais estoque de medo dentro de si. Abriu os olhos para fitá-lo, e quando viu que a adaga estava apontada na sua direção, percebeu que ainda tinha muito medo estocado no fim das contas.

Que covarde que sou, pensou ela ao se aproximar de Duncan. Ficou deitada de lado, de frente para ele, a apenas alguns centímetros de distância.

– Pronto, isso o agrada? – perguntou.

Deduziu que não o agradava nem um pouco quando, subitamente, se viu deitada de costas, com Duncan pairando acima dela. Oras, ele estava tão próximo que ela conseguia de fato enxergar as centelhas prateadas nos olhos cinzentos dele.

Os olhos supostamente ecoavam os pensamentos da mente, Madelyne ouvira dizer, todavia não conseguia definir no que Duncan pensava. Isso a preocupou.

Duncan a observava. Estava tanto entretido quanto irritado pela confusão de emoções que ela, sem querer, demonstrava. Sabia que ela o temia. Mesmo assim não chorava, nem suplicava. E, Deus, ela era linda. Havia um salpico de sardas no nariz. Duncan considerou esse defeito muito atraente. A boca dela também o era. Ele ficou imaginando qual seria o sabor dela e sentiu-se excitar só com tal pensamento.

– Vai me encarar a noite inteira? – Madelyne perguntou.

– Talvez sim – Duncan respondeu. – Se eu o quiser – acrescentou, sorrindo quando ela mostrou sua carranca.

– Então terei que ficar de olhos abertos a noite toda – Madelyne replicou.

– E isso por que, Madelyne? – A voz dele soou suave e rouca.

– Se pensa que pode se aproveitar de mim enquanto durmo, está equivocado, barão.

Ela parecia tão indignada.

– E como poderei me aproveitar de você, Madelyne?

Ele lhe sorria agora, um sorriso genuíno, refletido nas profundezas de seus olhos.

Madelyne desejou ter ficado calada. Deus, estava colocando ideias obscenas na cabeça dele.

– Prefiro não discutir o assunto – gaguejou. – Sim, esqueça que mencionei o assunto, se puder.

– Mas não posso – Duncan argumentou. – Acredita que satisfarei minha luxúria esta noite, tomando-a enquanto dorme?

Duncan abaixou a cabeça até estar a apenas um respiro do rosto de Madelyne. Apreciou ver que ela corava, até grunhiu uma aprovação.

Madelyne estava tão imóvel quanto uma corsa, presa em suas preocupações.

– Você não tocaria em mim – ela disse num rompante. – Certamente está cansado demais para pensar em... e estamos acampando esta noite a céu aberto... Não, não tocaria em mim – concluiu.

– Talvez.

E o que ele pretendia dizer com isso? Viu o brilho misterioso nos olhos dele. Ele devia estar se deleitando com o evidente desconforto dela.

Resolveu que não se deixaria ser aproveitada sem uma boa briga. Com tal pensamento em mente, socou-o, direcionando o punho logo abaixo do olho direito. Seu alvo foi certeiro, mas ela considerou que acabou sentindo mais dor do que ele. Foi ela quem gritou de dor. Duncan sequer piscou os olhos. Deus, provavelmente fraturara a mão à toa.

– Você é feito de pedra – Madelyne murmurou.

– Por que fez isso? – Duncan perguntou, curioso.

– Para que soubesse que lutarei até a morte se tentar algo comigo – Madelyne balbuciou. Pensou que seu discurso era valente, mas sua força foi arruinada pela voz trêmula. Suspirou, desencorajada.

Duncan voltou a sorrir.

– Até a morte, Madelyne?

Considerando a expressão horrível no rosto dele, Madelyne concluiu que ele achava a ideia agradável.

– Está se precipitando em suas conclusões – Duncan comentou. – Isso é um defeito.

– Você ameaçou – Madelyne argumentou. – Isso é um defeito ainda maior.

– Não, não – ele negou. – Você sugeriu.

– Sou irmã de seu inimigo – Madelyne o lembrou, grata pela carranca que seu lembrete provocou. – Não pode mudar esse fato – acrescentou como garantia.

A tensão em seus ombros a abandonou imediatamente. Deveria ter pensado nisso antes.

– Mas com os olhos fechados, não saberei se é ou não a irmã de Louddon – Duncan argumentou. – Há boatos de que tenha morado com um padre depravado e que era a putinha dele. Entretanto, no escuro, isso não me incomodaria. Todas as mulheres são iguais deitadas.

Ela desejou poder socá-lo de novo. Madelyne ficou tão ultrajada com essas fofocas maldosas que seus olhos se encheram de lágrimas. Desejou gritar para ele, dizer que Padre Berton agia dignamente perante seu Deus e sua igreja, e que, por acaso, também era seu tio. O padre era o único que se importava com ela. O único que a amava. Como Duncan ousava macular a reputação dele?

– Quem lhe contou essas histórias? – Madelyne perguntou, a voz mal passava de um sussurro.

Duncan notou que suas palavras a feriram. Soube, então, que todas essas histórias eram exatamente o que suspeitara. Falsas. Madelyne não conseguia disfarçar a mágoa. Além disso, já reconhecera a inocência dela.

Madelyne se viu abalada pelas palavras maliciosas dele.

– Acredita que vou tentar convencê-lo de que os boatos que ouviu a meu respeito não são verdadeiros? – perguntou. – Bem, pense de novo, barão. Acredite no que quiser. Se me considera uma rameira, então eu sou uma putinha.

O rompante dela foi veemente, a primeira demonstração de raiva que Duncan testemunhava desde que a prendera. Viu-se hipnotizado por aqueles incríveis olhos azuis, reluzindo de indignação. Sim, ela era inocente, sem dúvida.

Resolveu por um fim na discussão a fim de que Madelyne fosse poupada de maiores dissabores.

– Durma – ordenou.

– Como posso dormir com o medo de que possa se aproveitar de mim durante a noite? – inquiriu.

– Acredita mesmo que seria capaz de dormir enquanto isso acontece? – Duncan perguntou. Sua voz soou incrédula. Deus, ela o insultara, contudo ele percebeu que ela era ingênua demais para perceber isso. Duncan balançou a cabeça. – Se eu resolver me aproveitar de você, como você chama, prometo acordá-la primeiro. Agora feche os olhos e durma.

Puxou Madelyne para seus braços, forçando-a a voltar a seu peito. O braço a circundava intimamente, repousando sobre o monte formado pelos seios. Em seguida, cobriu-os com o manto, determinado a tirá-la da mente.

Algo mais fácil de dizer do que fazer. O perfume de rosas se prendia a ela, e Madelyne era tão suave ao seu encontro. A proximidade dela quase o intoxicava. Duncan soube que demoraria a dormir.

– Como você chamaria isso? – A pergunta de Madelyne chegou até ele por baixo do manto. A voz soou abafada, mas ele compreendeu cada palavra. Duncan teve que repensar a conversa deles antes de entender o que ela lhe perguntava.

– Tirar proveito? – ele perguntou, elucidando a pergunta dela.

Sentiu o aceno de concordância dela.

– Estupro – Duncan murmurou a palavra horrenda contra o topo da cabeça dela.

Madelyne levantou a cabeça, atingindo o queixo dele na pressa. A paciência de Duncan estava chegando ao fim. Concluiu que nunca deveria ter falado com ela.

– Nunca me forcei em mulher nenhuma, Madelyne. A sua virtude está bem resguardada. Agora, durma.

– Nunca? – Madelyne sussurrou a pergunta.

– Nunca! – Duncan gritou sua resposta.

Madelyne acreditou nele. Estranho, mas sentia-se segura agora e sabia que ele não lhe faria mal enquanto dormisse. A proximidade dele estava voltando a confortá-la.

Logo se viu sonolenta pelo calor dele. Aninhou-se, ouviu-o gemer quando mexeu as nádegas contra ele para ficar mais confortável, e se perguntou o que o estaria incomodando agora. Quando ele lhe segurou o quadril, mantendo-o imóvel, ela deduziu que sua movimentação o estava mantendo acordado.

Seus sapatos tinham caído e, lentamente, ela enfiou os pés entre as panturrilhas de Duncan para receber um pouco do calor dele. Tomou cuidado para não se mexer demais, temendo irritá-lo novamente.

O hálito quente aquecia a lateral de seu pescoço. Madelyne fechou os olhos e suspirou. Sabia que devia resistir à tentação, mas o calor dele a atraía, a embalava. Lembrou-se de uma das suas histórias prediletas sobre Odisseu e suas aventuras com as sereias. Sim, o calor de Duncan a atraía assim como a canção que aquelas criaturas míticas cantavam para atrair Odisseu e seus soldados para a destruição certeira. Odisseu logrou as sereias enfiando cera nos ouvidos dos homens a fim de bloquear a canção irresistível.

Madelyne desejou ser esperta e engenhosa como o guerreiro épico.

O vento soprava e gemia uma melodia melancólica ao redor dela, mas Madelyne se sentia protegida, segura nos braços de seu captor. Fechou os olhos e aceitou a verdade então. O canto da sereia a capturara.

Despertou uma vez durante a noite. Suas costas estavam aquecidas, mas o peito e os braços estavam gelados. Muito lentamente, a fim de não perturbar Duncan, virou-se nos braços dele. Apoiou a bochecha no ombro e escorregou as mãos para dentro de sua camisa.

Não estava completamente desperta e, quando Duncan começou a esfregar o queixo em sua testa, Madelyne suspirou de contentamento e se aninhou mais perto. A barba por fazer coçou em seu nariz. Madelyne inclinou a cabeça para trás e abriu os olhos devagar.

Duncan a observava. A expressão dele era franca, cálida e gentil. A boca, porém, parecia firme; ela imaginou como seria se ele a beijasse.

Nenhum deles disse nada, mas quando Madelyne se moveu na direção de Duncan, ele a encontrou na metade do caminho.

O sabor de Madelyne era tão bom quanto ele sabia que seria. Deus, ela era suave, convidativa. Não estava completamente desperta e, portanto, não se opôs, apesar de a boca não estar aberta o bastante para a penetração. Duncan resolveu o problema rapidamente, forçando o queixo para baixo com o polegar, e, então, enfiou a língua antes que Madelyne pudesse prever sua intenção.

Ele captou seu arquejo e lhe deu seu gemido.

Quando Madelyne timidamente usou a língua para afagar a dele, Duncan a rolou de costas, acomodando-se entre suas pernas. As mãos amparavam as laterais do rosto, mantendo-a parada para o seu ataque carinhoso.

As mãos de Madelyne estavam presas debaixo da camisa de Duncan. Os dedos começaram a acariciar-lhe o peito, levando sua pele a um nível febril.

Duncan queria aprender todos os seus segredos, satisfazer-se, ali, naquele instante, e tudo porque Madelyne reagia tão maravilhosamente.

O beijo se tornou tão ávido, tão devorador que Duncan sabia que corria perigo de se descontrolar. A boca se abria sobre Madelyne uma vez após a outra, a língua penetrava, afagava, acariciava, tomava. Deus, não conseguia se fartar dela.

Foi o beijo mais incrível que já vivenciara, e ele não teria parado caso ela não tivesse começado a tremer. Um gemido suave surgiu no fundo da garganta dela. O som sensual quase o fez colocar de lado todo o seu juízo.

Madelyne estava embriagada demais para reagir quando Duncan abruptamente se afastou dela. Deitou-se de costas, os olhos fechados, o único indício que dava do beijo deles sendo a sua respiração sôfrega, desigual.

Madelyne não sabia o que fazer. Deus, estava tão envergonhada. O que dera nela? Agira de forma tão... libertina, tão... vil. E sabia pela carranca de Duncan que não o agradara.

Sentiu vontade de chorar.

– Duncan? – Pensou que sua voz soou como se já estivesse chorando.

Ele não respondeu, mas seu suspiro indicou que a ouvira chamando-o pelo nome.

– Sinto muito.

Ele ficou tão surpreso com o pedido de desculpas, que se virou de lado para olhar para ela. A dor na virilha estava forte, e ele não conseguia evitar a carranca que mostrava.

– Sente muito pelo quê? – exigiu saber, irritado por sua voz soar tão áspera.

Sabia que a assustara de novo, porque Madelyne imediatamente se virara de costas para ele. Ela tremia o bastante para que Duncan também notasse isso. Estava prestes a tocar nela para atraí-la de volta aos seus braços quando ela, por fim, respondeu:

– Por tirar proveito de você.

Ele não acreditava no que acabara de ouvir. Era o pedido de desculpas mais descabido que já recebera.

Um sorriso lento se sobrepôs à carranca de Duncan. Deus, ele sentia vontade de gargalhar naquele momento, e teria cedido ao impulso se Madelyne não parecesse tão desgraçadamente sincera. Seu desejo de proteger os sentimentos dela conteve seu sorriso, contudo. Duncan não entendia o motivo de querer protegê-la, mas lá estava aquilo, incomodando-o.

Emitiu um gemido longo e arrastado. Madelyne o ouviu e imediatamente chegou à conclusão de que ele estava absolutamente desgostoso com ela.

– Prometo, Duncan, isso não voltará a acontecer.

Duncan passou o braço ao redor da cintura de Madelyne e a puxou para si.

– E eu juro que acontecerá, Madelyne.

Na cabeça dela, aquilo soou como uma promessa.

PLATÃO. Górgias. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Créditos de disponibilização on-line: Grupo de Discussão Acrópolis (Filosofia) por meio do link: <http://bocc.ubi.pt/~fidalgo/retorica/platao-gorgias.pdf>. Acesso: 22 mar. 2017.


CAPÍTULO QUATRO


Infeliz é o homem que conheceu a honra e a descartou.

 

O Barão Louddon estava a apenas meio dia de distância a cavalo de onde Duncan e seus soldados acamparam. A sorte estava do lado de Louddon, pois ele fora capaz de cavalgar durante as horas noturnas sob a luz de uma lua cheia e brilhante. Seus soldados se equivaliam aos de Duncan em número e em lealdade, e nenhum deles reclamou quanto à repentina mudança de planos.

Um criado tresloucado os perseguira para lhes dar as notícias quanto ao malfeito de Duncan. Todos retornaram, então, para a fortaleza e testemunharam a mensagem deixada pelo Barão de Wexton. Sim, todos eles viram os corpos mutilados dos soldados deixados para proteger os domínios de Louddon. Os homens se uniram, ultrajados e vingativos, e cada um deles jurou que mataria Duncan.

O fato de todos terem se juntado a Louddon e agido traiçoeiramente em relação ao Barão de Wexton foi ignorado agora e eles se concentraram, em vez disso, em vingar seu líder.

Louddon rapidamente decidira perseguir Duncan. Tinha dois motivos para isso. O principal era saber que seu próprio plano para destruir o Barão de Wexton por meio desonroso seria revelado, tornando-o um covarde a ser ridicularizado na corte. Duncan alertaria Guilherme II, e o rei, apesar de favorecer Louddon, todavia seria forçado a declarar um duelo até a morte entre os dois adversários para colocar um ponto final no que ele provavelmente consideraria uma insignificante diferença de opiniões. O rei, chamado de Rufus, o Rubro, por causa de seu rosto e disposição inflamáveis, certamente ficaria irritado com a disputa. Louddon também sabia que, caso tivesse que enfrentar Duncan sozinho no campo de batalha, seria o perdedor. O Barão de Wexton era um guerreiro invencível que demonstrara suas habilidades incontáveis vezes. Sim, Duncan o mataria caso tivesse a oportunidade.

Louddon era um homem habilidoso, embora em áreas que pouco o ajudariam contra alguém como Duncan. Louddon representava um poder a ser temido na corte. Agia como uma espécie de secretário, apesar de não saber nem ler nem escrever e deixar essas tarefas mundanas para os dois padres residentes. Quando o rei estava na corte, a principal tarefa de Louddon era separar os que tinham negócios sérios a tratar com o rei daqueles que não tinham. Essa era uma posição de poder. Louddon era um excelente manipulador. Instilava medo nos homens com títulos de nobreza menores que pagavam de boa vontade pela oportunidade de falar com seu rei. Ele abria os caminhos para esses homens ávidos, enchendo os próprios bolsos com o ouro deles.

Agora, se essa sua tentativa de matar Duncan viesse a público, ele poderia perder tudo.

O irmão de Madelyne era considerado um homem belo. Com cabelos loiros e sem nem um traço de cachos para macular seu brilho, olhos castanhos com toques dourados, também era alto, apesar de magro como um caniço, e de lábios perfeitamente esculpidos. E quando ele sorria, as damas da corte só faltavam desmaiar. As irmãs de Louddon, Clarissa e Sara, partilhavam da mesma coloração de olhos e cabelos. Eram quase tão belas quanto ele, e também tão admiradas.

Louddon era conhecido como o solteiro mais cobiçado e poderia escolher a mulher que quisesse na Inglaterra. No entanto, não queria qualquer mulher: ele queria Madelyne. Sua meia-irmã era o segundo motivo pelo qual Louddon ia atrás de Duncan. Madelyne retornara ao seu lar há apenas dois meses, e depois de tê-la esquecido por boa parte dos anos de seu amadurecimento, ficara surpreso ao ver as admiráveis alterações em sua aparência.

Madelyne fora uma criança feia. Os olhos azuis grandes demais praticamente engoliam o rosto. O lábio inferior fora inchado demais, sua expressão, em boa parte do tempo, parecia estar sempre fazendo birra. E ela fora magra a ponto de parecer doente. Sim, Madelyne fora uma criança muito desajeitada, com pernas compridas e ossudas que a faziam tropeçar toda vez que tentava fazer uma reverência.

Louddon certamente julgou mal seu potencial. Na infância não havia indícios em sua aparência de que um dia ela se pareceria tanto com a mãe. Madelyne se transformara de um fiasco em uma beldade, tão adorável, de fato, que se sobrepunha às irmãs.

Quem haveria de acreditar que um milagre assim pudesse acontecer? A tímida lagarta se transformara numa adorável borboleta. Os amigos de Louddon também ficaram sem fala assim que a viram. Morcar, o confidente mais próximo de Louddon, implorara pela mão de Madelyne, juntando quilos de ouro ao seu pedido.

Mas Louddon não sabia se deixaria Madelyne ir para outro homem. Ela era tão parecida com a mãe. Assim que a viu, reagira fisicamente. Era a primeira reação desse tipo a uma mulher em muitos anos, que Louddon quase se descontrolou. Apenas a mãe de Madelyne fora capaz de afetá-lo dessa maneira. Ah, Rachel, o amor do seu coração. Ela o arruinara para outras mulheres. Não poderia ter Rachel agora; o temperamento dele a roubara de si próprio. Louddon acreditara que sua obsessão cessaria com a morte dela. Uma esperança tola, ele agora admitia. Não, a obsessão persistia com Madelyne. Sua meia-irmã poderia muito bem ser sua segunda chance de provar sua masculinidade.

Louddon era um homem atormentado. Não conseguia se decidir entre a ganância e a luxúria. Queria Madelyne para seu usufruto próprio, mas também desejava o ouro que ela poderia lhe trazer. Talvez, pensou, se fosse astuto o bastante, poderia ter ambos.

 

Madelyne despertou na posição mais embaraçosa possível. Estava sobre Duncan. A lateral de seu rosto se apoiava na superfície dura e lisa do estômago dele, as pernas estavam enroscadas nas dele e as mãos estavam enfiadas entre as coxas dele.

Por ainda estar sonolenta, Madelyne não percebeu de imediato exatamente onde suas mãos repousavam. Duncan estava tão quente, mas também... tão rijo. Oh, Deus, suas mãos estavam na parte mais íntima dele.

Os olhos de Madelyne se escancararam. Ficou tensa ao encontro de seu captor, sem ousar sequer respirar. Rezou fervorosamente para que ele estivesse dormindo enquanto afastava as mãos do calor dele.

– Então, finalmente está acordada.

Duncan soube que a assustou quando ela deu um salto contra ele. As mãos o atingiram exatamente na junção entre as pernas. Duncan gemeu em reação. Infernos, ela o transformaria num eunuco se lhe desse meia oportunidade que fosse.

Madelyne rolou de lado, ousando espiar Duncan rapidamente. Pensou que provavelmente deveria se desculpar por acidentalmente bater nele ali, mas então ele saberia que ela estava ciente do lugar em que suas mãos estiveram, não?

Ah, céus, sentia-se corar. E Duncan estava franzindo a testa novamente esta manhã. Ele não parecia disposto a ouvir qualquer de suas desculpas, de todo modo, por isso deixou suas preocupações de lado.

Ele parecia feroz. Sim, a barba castanha recém-crescida de fato o tornava mais lobo do que homem, e ele a observava com uma curiosidade enervante. As mãos dele continuavam espalmando suas costas. Ela se lembrou, então, como ele a aquecera ao longo da noite. Poderia muito bem ter-lhe feito mal. Madelyne percebeu que estava tentando encorajar seu medo dele, contudo era honesta o bastante para admitir que a verdade era bem o oposto. Ah, sim, Duncan a assustava, mas não do mesmo modo que Louddon.

Hoje era a primeira vez em semanas, desde que retornara ao lar do irmão, que de fato não despertara com um nó de medo na boca do estômago. Sabia o motivo para isso: era porque Louddon não estava ali.

Duncan não era nada parecido com Louddon. Não, um homem que desejava infligir crueldade certamente não teria partilhado seu calor enquanto dormiam. E ele também mantivera sua palavra. Não tirara proveito... Oh, Deus, ela o beijara. De súbito lembrou-se de cada parte com uma nitidez que fez sua pulsação acelerar.

Graças ao Senhor que aprendera a esconder seus sentimentos. Madelyne tinha certeza de que sua expressão não denunciava seus terríveis pensamentos. Isso era uma bênção, não era? Sim, pensou com um suspiro, era. Duncan não teria como saber no que estava pensando.

Duncan observava Madelyne, secretamente contente pelo modo como ela lhe revelava emoção atrás de emoção. Seus olhos a denunciavam; nos últimos minutos, ele vira medo, vergonha e acreditou também ter visto alívio.

Era um homem condicionado a descobrir as fraquezas dos outros. Como guerreiro, saber o que passava pela mente do oponente acelerava suas próprias reações. Ele também descobrira como saber o que o inimigo mais valorizava. Só para poder tirar em seguida. Esse era um modo de lutar contra os homens, embora se estendesse também para seus relacionamentos pessoais. Não era possível separar os dois. E por mais que Madelyne não estivesse ciente disso, ela já lhe dera pistas importantes quanto ao seu caráter. Era uma mulher que valorizava o controle. Manter suas emoções escondidas parecia uma tarefa importante. Madelyne já demonstrara que nem todas as mulheres eram regidas pelas emoções. Somente uma vez durante a destruição de seu lar ela demostrou uma reação, justamente quando gritou de angústia ao ver o corpo mutilado de um dos vassalos de Louddon. Entretanto, Duncan duvidava que Madelyne sequer tivesse percebido seu descontrole.

Sim, o barão vinha aprendendo os segredos de Madelyne e o que aprendera até o momento o deixara perplexo. A bem da verdade, ela também o agradava.

Duncan se afastou de Madelyne, ou o impulso de tê-la novamente nos braços e beijá-la se tornaria forte demais para ser ignorado. Subitamente, sentiu vontade de voltar logo para casa. Não se sentiria em paz até que Madelyne estivesse protegida atrás dos muros de sua fortaleza.

Levantou-se, esticou os músculos e depois se afastou de Madelyne, praticamente dispensando-a de seus pensamentos. O sol se erguia por trás das nuvens leitosas no céu, nuvens que certamente bloqueariam o calor que poderia derreter a geada que cobria o solo. Havia muito ainda a ser feito antes que houvesse luz suficiente para a jornada deles. Apesar de o novo dia já estar bastante frio, o vento era suave o bastante para agradar a Duncan.

Madelyne sabia que logo eles sairiam. Calçou os sapatos, bateu a terra do vestido e envolveu os ombros com a capa. Sabia que devia estar horrível e, portanto, precisava fazer algo a respeito.

Foi à procura de Ansel. O escudeiro estava preparando o garanhão de Duncan. Madelyne perguntou-lhe onde estava seu saco de juta, apesar de permanecer a uma distância segura da grande fera e ter que praticamente gritar. Depois, agradeceu ao rapaz quando ele lhe lançou o embrulho.

Ela só iria lavar o rosto para despertar completamente, mas a água límpida era tentadora demais. Madelyne usou o sabonete perfumado que levara consigo em seu saco e tomou um banho rápido para, em seguida, trocar de vestido.

Deus, como estava frio. Ela tremia quando terminou de se vestir. Usava um manto amarelo até os tornozelos e uma túnica dourada que alcançava os joelhos. Uma faixa de bordado em ponto cruz azul royal circundava as longas mangas da túnica.

Madelyne rearrumou a sacola e se ajoelhou junto ao riacho para começar a desembaraçar os cabelos. Agora que estava descansada e sua mente não estava consumida pelo medo, tinha tempo mais que suficiente para pensar em sua situação. A questão principal era descobrir por que Duncan a levara consigo. Ele lhe dissera que ela lhe pertencia. Madelyne não compreendia o que ele queria dizer com essa observação, mas era tímida demais para pedir que ele se explicasse.

Gilard apareceu para buscar Madelyne. Ela ouviu a aproximação dele e se virou a tempo de vê-lo aproximando-se.

– Está na hora de irmos – Gilard berrou. A força da voz dele quase a derrubou na água. Gilard rapidamente estendeu a mão e a levantou, salvando-a sem querer de uma vergonha.

– Ainda tenho que trançar os cabelos, Gilard. Então estarei pronta. E não precisa gritar comigo – acrescentou, deliberadamente mantendo a voz suave. – Minha audição é muito boa.

– Os cabelos? Ainda tem que... – Gilard estava atônito demais para prosseguir. Lançou um olhar para Madelyne que sugeria que ela perdera a cabeça. – Você é nossa prisioneira, pelo amor de Deus – por fim, ele conseguiu balbuciar.

– Já havia percebido isso – Madelyne respondeu. Parecia tão serena quanto uma brisa matinal. – Mas isso significa que posso ou não terminar de pentear meus cabelos antes de partirmos?

– Está tentando me provocar? – Gilard gritou. – Lady Madelyne, na melhor das hipóteses, sua situação é bem precária. É tão tola para perceber isso?

Madelyne meneou a cabeça.

– Por que tem tanta raiva de mim? Você grita as palavras. Isso é um costume seu ou é porque sou irmã de Louddon?

Gilard não respondeu de imediato. O rosto dele, porém, enrubesceu. Madelyne sabia que o estava enfurecendo. Lamentava isso, ainda assim resolveu continuar a atormentá-lo do mesmo modo. Gilard evidentemente não controlava seu temperamento e se ela o instigasse o suficiente, talvez ele lhe contasse o que aconteceria com ela. Gilard era muito mais fácil de compreender do que o irmão. E tão mais fácil de manipular, caso ela fosse inteligente o bastante.

– Por que fui trazida como prisioneira? – disparou a perguntar. A franqueza da questão a fez se retrair. No fim, acabara não se mostrando muito inteligente e, portanto, ficou muito surpresa quando Gilard lhe respondeu.

– O seu irmão estabeleceu os termos desta guerra, Madelyne. Você sabe muito bem disso.

– Não sei de nada – Madelyne protestou. – Explique para mim, se não se importar. Eu gostaria de entender.

– Por que se faz de inocente comigo? – Gilard exigiu saber. – Todos na Inglaterra sabem o que aconteceu no último ano.

– Não todos, Gilard – Madelyne replicou. – Só retornei ao lar de meu irmão há dois meses. Vivi numa área muito isolada por muitos anos.

– Ah, é verdade – Gilard escarneceu. – Viveu com aquele seu padre depravado, entendo.

Madelyne sentia sua compostura se desfazendo. Sentia vontade de gritar com aquele vassalo arrogante. Todos na Inglaterra acreditavam naquele boato horroroso?

– Muito bem – Gilard anunciou, parecendo ignorar a fúria de Madelyne. – Vou lhe contar todas as verdades, e então não poderá fingir mais. Os soldados de Louddon atacaram duas propriedades pertencentes a vassalos de Duncan. Em cada ataque mataram desnecessariamente mulheres e crianças inocentes. Os vassalos tampouco receberam qualquer tipo de alerta; o seu irmão fingiu amizade até que seus homens estivessem dentro das fortalezas.

– Por quê? Por que Louddon faria tal coisa? O que esperava ganhar com isso?

Tentou não mostrar o quanto estava aterrorizada com as palavras de Gilard. Sabia, porém, que o irmão era capaz de tal traição, embora não conseguisse compreender os motivos.

– Por certo Louddon sabia que Duncan, como suserano, retaliaria.

– Sim, essa era sua esperança, Madelyne. Ele vem tentando matar Duncan – acrescentou com uma risada obscena. – Seu irmão é ganancioso por poder. Só existe um homem que ele teme em toda a Inglaterra. Duncan. Eles se equivalem em poder. Louddon é conhecido por ter as atenções do rei, é verdade, mas os soldados de Duncan são os mais preparados entre todos. O rei valoriza a lealdade de meu irmão assim como valoriza a amizade de Louddon.

– O rei permitiu tal traição? – Madelyne perguntou.

– Guilherme se recusa a agir sem provas – Gilard respondeu. A voz demonstrou seu desgosto. – Não defende nem Louddon, nem Duncan. Eu lhe prometo, Lady Madelyne, quando nosso rei retornar da Normandia, não poderá mais evitar o problema.

– Quer dizer que Duncan não conseguiu agir em favor de seus vassalos? – Madelyne perguntou. – Esse é o motivo de ter destruído o lar de meu irmão?

– É muito ingênua se acredita que Duncan não retaliou. Ele expulsou os bastardos das propriedades dos vassalos imediatamente.

– Do mesmo modo, Gilard? – Madelyne sussurrou a pergunta. – Duncan também matou inocentes junto aos culpados?

– Não – Gilard respondeu. – Mulheres e crianças foram poupadas. Nós, Wexton, não somos açougueiros, Madelyne, a despeito do que seu irmão tenha lhe dito. E tampouco nossos homens se escondem em pele de cordeiro antes de atacarem.

– Louddon não me contou nada – Madelyne protestou de novo. – Você se esquece de que sou apenas uma irmã. – Seus ombros penderam. Deus, havia tanto em que pensar, tanto a entender. – O que acontecerá se o rei tomar o partido de Louddon? O que acontecerá com seu irmão?

Gilard ouviu o medo na voz dela. Oras, ela agia como se se preocupasse com Duncan. Isso não fazia o menor sentido considerando sua situação de prisioneira. Lady Madelyne o teria confundido não fosse ele esperto como era.

– Duncan é um homem de pouca paciência, e quando seu irmão ousou tocar em um Wexton, ele selou seu destino. Meu irmão não esperará que o rei retorne à Inglaterra para que ele possa ordenar um duelo até a morte com o bastardo do seu irmão. Não, Duncan irá matá-lo, com ou sem a bênção do rei.

– O que quis dizer com Louddon ter tocado em um Wexton? – Madelyne perguntou. – Havia algum outro irmão Wexton e Louddon o matou? – ela deduziu.

– Ah, então você finge não saber nada sobre Adela também, é esse o seu jogo? – Gilard exigiu saber.

Um nó de medo se formou no estômago de Madelyne quando interceptou o olhar assustador de Gilard.

– Por favor – sussurrou, a cabeça pensa diante do ódio dele. – Preciso saber de tudo. Quem é Adela?

– Nossa irmã.

A cabeça de Madelyne se levantou.

– Vocês lutariam por causa de uma irmã? – perguntou.

Ela parecia muito surpresa. Gilard não sabia o que fazer com tal reação.

– Nossa irmã foi para a corte e, enquanto estava lá, Louddon a interceptou sozinha. Ele a violentou, Madelyne, e a surrou tão brutalmente que foi um milagre ela ter sobrevivido. Seu corpo se curou, mas a mente dela se partiu.

A compostura de Madelyne se acabou. Ela se virou de costas a fim de que Gilard não visse as lágrimas que desciam pelas suas faces.

– Lamento muito, Gilard – sussurrou.

– E acredita no que acabei de lhe contar? – Gilard exigiu saber com voz dura. Queria ter certeza de que Madelyne não teria como negar mais a verdade.

– Numa parte da história, sim – Madelyne respondeu. – Louddon é capaz de bater em uma mulher até a morte. Não sei, porém, se ele violentaria uma mulher, mas se você diz que é verdade, eu acredito em você. Meu irmão é um homem mau. Não vou defendê-lo, se é o que espera.

– Então no que não acredita? – Gilard perguntou, voltando a gritar.

– Você me fez pensar que valoriza sua irmã – Madelyne confessou. – Essa é a minha confusão.

– O que em nome de Deus está falando?

– Está com raiva de mim porque Louddon desonrou o nome Wexton ou porque ama de verdade sua irmã?

Gilard ficou enfurecido com pergunta tão obscena. Segurou Madelyne e a virou para encará-la. As mãos dele a seguravam dolorosamente pelos ombros.

– Claro que amo minha irmã – berrou. – Olho por olho, Madelyne. Tiramos do seu irmão aquilo que ele mais valoriza. Você! Ele virá atrás de você e, quando fizer isso, morrerá.

– Então sou responsável pelos pecados de meu irmão?

– Você é um joguete para atrair o demônio – Gilard respondeu.

– Há uma falha nesse plano – Madelyne sussurrou. A voz dela parecia carregada de vergonha. – Louddon não virá atrás de mim. Sou insignificante para ele.

– Louddon não é um tolo – Gilard disse, furioso porque percebeu que Madelyne falava a sério.

Nem Madelyne nem Gilard ouviram Duncan se aproximar.

– Tire as mãos de cima dela, Gilard. Agora!

Gilard reagiu imediatamente e até mesmo deu um passo para trás, distanciando-se da prisioneira.

Duncan começou a andar na direção do irmão, pretendendo descobrir por que Madelyne estava chorando. Deixou que Gilard visse o quanto estava furioso.

Madelyne se colocou entre os irmãos, ficando de frente para Duncan.

– Ele não quis me ferir – disse. – Seu irmão estava apenas explicando como serei usada. É só.

Duncan via o sofrimento nos olhos de Madelyne. Contudo, antes que conseguisse interrogá-la, apanhou o saco de juta com seus pertences e acrescentou:

– Está na hora de irmos.

Ela tentou passar por Gilard para voltar para o acampamento. Duncan viu quando o irmão se apressou a sair do caminho dela.

O irmão mais novo parecia preocupado.

– Ela quer que eu acredite que não tem culpa – ele murmurou.

– Madelyne lhe disse isso? – Duncan perguntou.

– Não, não disse – Gilard admitiu com um dar de ombros. – Ela não se defendeu, Duncan, mas agiu de maneira tão inocente. Mas que diabos, não estou entendendo nada. Ela pareceu surpresa por nos importarmos com nossa irmã. Acredito que tenha sido uma reação genuína também. Oras, ela chegou a me perguntar se valorizamos Adela.

– E quando lhe respondeu? – Duncan perguntou.

– Pareceu ainda mais perplexa. Não a compreendo – Gilard murmurou. – Quanto antes este plano se concretizar, melhor. Lady Madelyne não é nada do que pensei que fosse.

– Ela é uma contradição – Duncan reconheceu. – A verdade é que não reconhece o próprio valor. – Suspirou ante sua observação e depois disse: – Venha, está ficando tarde. Chegaremos em casa ao anoitecer se nos apressarmos.

Gilard respondeu ao comando com um aceno e se pôs ao lado do irmão.

A caminho do acampamento, Madelyne decidiu que não iria a parte alguma. Ficou no meio da clareira, com a capa envolvendo-lhe os ombros. Ansel pegara a sacola de suas mãos e ela não quis discutir com o escudeiro. Não se importava se sua bagagem ficasse com Duncan. A bem da verdade, ela não achava que se importava com qualquer coisa mais agora. Só queria que a deixassem em paz.

Duncan foi em direção ao escudeiro, querendo terminar de vestir sua indumentária de guerra. Gesticulou para que Madelyne montasse em seu garanhão, depois prosseguiu. Subitamente parou e lentamente se virou para olhar para Madelyne, desacreditando, contudo, no que pensava ter visto.

Ela lhe disse não de novo. Duncan ficou tão pasmo pela demonstração de desafio dela que não reagiu de imediato. Madelyne sacudiu a cabeça uma terceira vez e, então, abruptamente se virou e começou a andar na direção da floresta.

– Madelyne!

O urro de Duncan a deteve. Instintivamente ela se virou para ele, rezando por dentro para ter a coragem de desafiá-lo de novo.

– Monte no cavalo. Agora.

Encararam-se por um longo e silencioso momento. Madelyne percebeu, então, que todos pararam suas tarefas e estavam observando. Duncan não recuaria diante de seus homens. O modo como ele a encarava lhe dizia isso.

Madelyne apanhou as saias e se apressou até diante de Duncan. Os homens podiam estar observando, mas se ela mantivesse o tom de voz baixo, não conseguiriam ouvir o que diria ao líder deles.

– Não vou com você, Duncan. E se você não fosse tão teimoso, perceberia que Louddon não virá atrás de mim. Está desperdiçando seu tempo. Deixe-me aqui.

– Para sobreviver na floresta? – Duncan perguntou numa voz tão sussurrada quanto a dela fora. – Você não duraria uma hora.

– Já sobrevivi em situações piores, milorde – Madelyne respondeu, aprumando os ombros. – Minha decisão foi tomada, barão. Não vou com você.

– Madelyne, se um homem tivesse me negado uma ordem como você acabou de fazer, ele não teria vivido para se vangloriar de seu feito. E quando eu dou um comando, espero que ele seja obedecido. Não ouse sacudir sua cabeça para mim de novo, ou vou atirá-la no chão com um tapa.

Foi um blefe repugnante da parte de Duncan, e ele o lamentou assim que as palavras saíram da sua boca. Segurava o braço dela e sabia que inadvertidamente a machucava quando ela fez uma careta de dor. Soltou-a de imediato, já antecipando que ela dispararia a correr o mais rápido que pudesse para cumprir sua ordem.

Madelyne não se moveu. Fitou-o com aquela compostura de volta em sua expressão e com calma disse:

– Estou acostumada a ser atirada no chão, por isso, esforce-se para fazer o seu pior. E quando eu voltar a ficar de pé, pode voltar a me bater se esse for o seu desejo.

As palavras dela o perturbaram. Soube que ela dizia a verdade. Franziu a testa, enfurecido por alguém ter ousado maltratá-la e soube, em seu coração, que Louddon era o responsável por tal castigo.

– Por que o seu irmão...

– Isso não importa – Madelyne interrompeu antes que Duncan pudesse terminar a pergunta. Lamentava ter dito qualquer coisa. Não desejava a empatia nem a piedade de ninguém. Só o que queria era que a deixassem em paz.

Duncan suspirou.

– Suba em meu cavalo, Madelyne.

O rompante de coragem temporário a desertou quando ela viu um músculo na lateral da face de Duncan se flexionar. O movimento acentuou o maxilar tenso.

Duncan emitiu um grunhido baixo e lento na garganta para dar vazão à sua frustração. Virou-a até que ela estivesse de frente para a área onde seu cavalo estava amarrado e lhe deu um leve empurrão.

– Você me deu mais um motivo para eu matar Louddon – sussurrou.

Madelyne começou a se virar para pedir a Duncan que explicasse sua observação, mas a expressão em seus olhos sugeria que sua paciência tinha acabado. Aceitou o fato de ter perdido aquela discussão. Duncan parecia determinado a levá-la consigo, pouco importando o que ela dissesse ou fizesse.

Emitiu um longo e lastimável suspiro e começou a andar em direção ao cavalo de Duncan. A maioria dos soldados ainda não retomara suas tarefas. Todos observavam Madelyne, que tentava aparentar serenidade. Por dentro, seu coração batia acelerado o bastante a ponto de quase explodir. Apesar de o medo ante o temperamento de Duncan pesar em sua paz de espírito, existia uma preocupação maior e mais imediata que a incomodava agora. A fera de Duncan. Uma coisa era ser agarrada e lançada sobre o alto do monstro feio, e outra bem diferente era montar sem ajuda.

– Que covarde que sou – Madelyne murmurou para si. Imitou o Padre Berton agora, pois ele tinha o hábito de falar consigo próprio e se lembrou também de que ninguém era mais interessado no que ele tinha a dizer do que ele mesmo. Madelyne chegou a sorrir diante daquela lembrança querida. – Ah, padre, se pudesse me ver agora, quanta vergonha teria. Tenho que montar num cavalo e certamente me desgraçarei.

A ironia de sua preocupação finalmente penetrou seu medo.

– Por que estou preocupada em me desgraçar quando o cavalo de Duncan me pisoteará até me matar? O que me importa se me considerarem uma covarde? Já estarei morta.

Esse modo de pensar diminuiu um pouco seu medo. Madelyne começava a se acalmar um pouco, até notar que o garanhão parecia observá-la. O animal também não gostava do que via, Madelyne concluiu, quando ele começou a coicear a terra com as patas da frente. Chegou a bufar para ela. Aquele cavalo idiota assumira todas as odiosas características de seu dono, Madelyne concluiu.

Juntou coragem e se aproximou do flanco do cavalo. Ele não gostou muito disso e tentou empurrá-la para longe com o lombo. Madelyne levantou a mão para segurar a sela, mas o cavalo relinchou de tal forma que ela deu um salto para trás.

Madelyne levou as mãos ao quadril em exasperação.

– Você é maior do que eu, mas certamente não é mais inteligente. – Ficou satisfeita em ver que o cavalo de fato olhou para ela. Sabia que não era possível que ele estivesse entendendo o que ela dizia, mas ter sua atenção fez com que se sentisse melhor mesmo assim.

Sorriu para a fera enquanto seguia timidamente para a frente.

Assim que se viu diante do animal, segurou as rédeas, forçando a cabeça dele para baixo. E, então, começou a sussurrar para ele, com a voz baixa, tranquilizadora, enquanto cuidadosamente explicava seus medos.

– Nunca aprendi a cavalgar e é por isso que tenho tanto medo de você. Você é tão forte que poderia me pisotear. Nunca vi seu dono o chamar por um nome, mas se você fosse meu, eu o chamaria de Sileno. Esse é o nome de um dos meus deuses prediletos das histórias antigas. Sileno era um dos espíritos poderosos da natureza, selvagem e destemido, assim como você. Sim, Sileno é um nome adequado para você.

Quando terminou o monólogo, Madelyne soltou as rédeas.

– Recebi ordens de seu dono para montar em seu lombo, Sileno. Por favor, fique parado, pois ainda tenho muito medo de você.

Duncan terminara de se vestir. Estava do lado oposto da clareira agora, observando cada vez mais atônito enquanto Madelyne conversava com seu cavalo. Não ouvia o que estava sendo dito. Deus, ela tentava subir na sela pelo lado errado. Começou a gritar um aviso, certo de que seu cavalo empinaria, mas as palavras ficaram presas na garganta quando a viu sentada no alto do imenso animal. Era tudo incoerente e certamente estranho. Só podia suspirar ante aquilo. Agora entendia porque Madelyne se agarrava a ele quando cavalgavam juntos. Ela temia o cavalo. Perguntou-se se esse medo ridículo se resumia apenas ao seu garanhão ou se estendia a outros cavalos também.

O garanhão caprichoso não moveu um músculo sequer para interromper a subida desajeitada de Madelyne. E maldita fosse ela, pois se inclinou e disse algo ao animal assim que se acomodou.

– Você viu o que acabei de ver? – Gilard perguntou atrás das costas de Duncan.

Duncan assentiu, mas não se virou. Continuou a fitar Madelyne, com um sorriso repuxando um canto da boca.

– Quem você acha que a ensinou a cavalgar? – Gilard perguntou, sacudindo a cabeça em sinal de divertimento. – Ela não parece possuir a mínima habilidade.

– Ninguém a ensinou – Duncan comentou. – Isso é evidente, Gilard. Estranho, mas meu cavalo não parece se importar com essa falha na educação de Madelyne. – Balançou a cabeça e começou a andar até a dama em questão.

O jovem escudeiro, Ansel, aproximou-se de Madelyne na direção contrária. Tinha um riso de zombaria no rosto sarapintado e começou a passar um sermão em Madelyne sobre suas habilidades inferiores.

– Deveria montar pela esquerda – disse com grande autoridade. Segurou a mão de Madelyne, como se fosse puxá-la para o chão para que pudesse montar novamente, da maneira correta. O garanhão começou a se emproar bem quando Duncan se aproximava. A mão de Ansel se afastou, assim como o restante do corpo dele.

– Nunca mais toque nela. – O urro de Duncan seguiu Ansel até o chão. O escudeiro rapidamente se pôs de pé, aparentemente imperturbável com a queda, e assentiu em concordância.

O pobre rapaz parecia tão aterrorizado por ter desagradado seu senhor que Madelyne interveio a seu favor.

– O seu escudeiro foi solícito o bastante para me instruir – declarou. – Ele queria me ajudar a desmontar, pois eu, tola, em minha pressa me esqueci de montar pelo lado correto.

Ansel lançou um olhar agradecido a Madelyne antes de se virar e se curvar para seu senhor. Duncan assentiu, aparentemente satisfeito com a explicação.

Quando Madelyne percebeu que Duncan estava para montar em Sileno, fechou os olhos com força, certa de que seria derrubada no chão.

Duncan viu Madelyne fechar os olhos antes de desviar o rosto para longe dele. Sacudiu a cabeça perguntando-se qual, em nome de Deus, seria o problema com ela agora. Em seguida, subiu na sela e a puxou para seu colo num movimento rápido.

Madelyne se viu envolvida em seu manto grosso e se acomodou junto ao peito dele antes que pudesse se preocupar com o feito.

– Você não é melhor do que Louddon – Madelyne resmungou para si mesma. – Acha que não percebi que não parou nem para enterrar seus mortos antes de sairmos da fortaleza de meu irmão? Ah, notei, sim. Você é tão implacável quanto ele. Mata sem demonstrar nenhum sinal de arrependimento.

Duncan precisou de toda a sua disciplina para não agarrar sua prisioneira e sacudi-la até que tivesse algum juízo.

– Madelyne, não enterramos nossos mortos porque nenhum dos meus homens morreu.

Madelyne ficou tão surpresa com sua resposta que ousou olhar para ele. O topo da cabeça dela se chocou com a dele, mas ela não se deteve para se desculpar.

– Havia corpos espalhados em todo o chão, Duncan.

– Dos soldados de Louddon, Madelyne, não dos meus – Duncan respondeu.

– Quer que eu acredite que seus soldados são tão superiores a ponto de...

– O que eu quero é que pare de me provocar, Madelyne – Duncan respondeu.

Ela entendeu o que ele queria dizer quando voltou a cobrir a cabeça dela com seu manto.

Ele era um homem terrível, Madelyne concluiu. E evidentemente não tinha coração. Sim, ele não conseguiria matar tão facilmente se fosse dotado de emoções humanas.

Na realidade, ela não conseguia se imaginar tirando a vida de uma pessoa. Ter vivido uma vida tão resguardada somente com Padre Berton e seus dois companheiros havia feito dela uma pessoa despreparada para lidar com tipos como Louddon e Duncan.

Aprendera que a humildade era uma meta apreciada. Forçava submissão diante do irmão. Internamente, ardia de furor. Rezava para não ter a alma sombria como a de Louddon. Partilhavam o mesmo pai. Mas Madelyne queria acreditar que recebera apenas a bondade do lado materno da família e nenhum dos traços malévolos do pai. Estaria se enganando com tal esperança?

Logo estava exausta demais para se preocupar. Aquele dia estava se mostrando mais difícil de suportar. Seus nervos estavam tão tensos que pareciam querer se partir a qualquer momento. Ouvira um dos soldados mencionar que estavam próximos de casa e, talvez por acreditar que o fim estava à vista, cada hora parecia demorar mais a passar.

O terreno acidentado e montanhoso retardou o progresso deles, pois Duncan não podia manter seu ritmo habitual. Muitas vezes, Madelyne teve certeza de que o grande garanhão iria tropeçar e boa parte do longo e tortuoso dia ela passou com os olhos fechados e com os braços de Duncan ao seu redor. Sim, preocupou-se à exaustão, convencida de que estavam prestes a serem lançados em uma das profundas e denteadas fendas das quais Sileno parecia gostar de se aproximar ao máximo.

Um dos soldados anunciou a notícia de que finalmente haviam chegado às terras dos Wexton. Vivas ressonantes ecoaram pelas montanhas. Madelyne suspirou de alívio. Largou-se contra o peito de Duncan e sentiu a tensão se atenuar em seus ombros. Estava cansada demais para se preocupar com o que aconteceria quando chegassem à casa de Duncan. Só o fato de poder enfim desmontar de Sileno já lhe parecia uma bênção suficiente.

O dia se tornara bastante frio. Madelyne ficava cada vez mais impaciente desde que os minutos após entrarem nas terras Wexton se transformaram em horas e ainda não havia nenhum sinal da fortaleza de Duncan.

A luz do dia definhava quando Duncan anunciou uma pausa. Foi Gilard quem o incomodou para que parassem. Madelyne compreendeu pela troca áspera de palavras que a parada não agradava Duncan. Notou também que Gilard não parecia nem um pouco ofendido com os comentários do irmão.

– Por acaso é mais fraco que nossa prisioneira? – Duncan perguntou a Gilard quando esse insistiu em descansarem por alguns minutos.

– Perdi toda a sensação das pernas – Gilard replicou com um dar de ombros.

– Lady Madelyne não reclamou – Duncan comentou depois de erguer a mão para sinalizar aos homens.

– Sua prisioneira está assustada demais para dizer qualquer coisa – Gilard zombou. – Ela se esconde em seu manto e chora contra seu peito.

– Acredito que não – Duncan replicou. Afastou o manto para que Gilard visse o rosto de Madelyne. – Vê alguma lágrima, Gilard? – perguntou, com divertimento na voz.

Gilard sacudiu a cabeça. Duncan tentava fazer com que se sentisse inferior à bela mulher que segurava nos braços. Ele não ficou nem um pouco incomodado com a manobra e chegou até a rir. O desejo de esticar as pernas e sorver um gole de cerveja era sua única preocupação no momento. Isso e o fato de que sua bexiga parecia prestes a estourar.

– Sua prisioneira é simplória demais para saber o que é o medo – Gilard observou com um sorriso.

Duncan não se divertiu com o comentário. Dispensou Gilard com uma carranca fechada o bastante para fazer o irmão se afastar apressado, depois desmontou lentamente.

Observou Gilard até que ele desaparecesse na floresta, depois se voltou para Madelyne. Ela estendeu os braços para ser assistida, apoiando as mãos nas curvas dos ombros largos. Até tentou sorrir.

Duncan não retribuiu o sorriso. Contudo, demorou uma eternidade para depositá-la no chão. As mãos se espalmaram na cintura quando a infinitamente atraiu para si, mas assim que estavam no nível dos olhos, e a apenas centímetros de distância, ele parou.

Madelyne esticou as pernas com um gemido de dor que não conseguiu conter. Cada músculo de suas costas gritava em agonia.

Ele teve a audácia de sorrir ante o desconforto dela.

Madelyne decidiu naquela hora mesmo que Duncan arrancava o pior dela. Como mais poderia explicar sua súbita e sobrepujante necessidade de gritar com ele? Sim, ele incitava o lado negro de seu caráter a vir à tona. Afinal, ela nunca, jamais gritava com ninguém. Era uma mulher afável, dotada de um temperamento doce e equilibrado. Padre Berton dizia-lhe isso com bastante frequência.

E agora esse guerreiro tentava arrancar sua gentileza.

Bem, não permitiria que isso acontecesse. Duncan não faria com que perdesse a calma agora, pouco importava que risse de suas dores.

Fitou-o nos olhos, determinada a não recuar desta vez. Ele a encarava intensamente, como se acreditasse poder encontrar a solução de algum enigma não resolvido que o incomodava.

O olhar dele logo se abaixou, até fitar sua boca, e ela se viu pensando nisso até perceber que também fitava a dele.

Corou, apesar de não entender por quê.

– Gilard está errado. Não sou simplória.

O sorriso dele, maldita era sua alma sombria, alargou-se.

– Pode me soltar agora. – Lançou-lhe o que esperou que fosse um olhar altivo.

– Cairá de cara no chão se eu o fizer – Duncan anunciou.

– E isso lhe daria prazer? – ela perguntou, tentando ao máximo manter a voz suave como a dele ao tecer o comentário infame.

Duncan deu de ombros e a soltou.

Ah, o homem horrendo estivera certo. Sabia exatamente o que aconteceria. Madelyne teria caído de bunda caso não tivesse agarrado Duncan pelo braço. As pernas pareciam não se lembrar de qual era sua tarefa.

– Não estou acostumada a cavalgar por tantas horas.

Ele não acreditava que ela estivesse acostumada a cavalgar e ponto. Deus, ela o confundia. Era, sem dúvidas, a mulher mais desconcertante que já conhecera: graciosa ao andar, mas também muito atrapalhada. Batera a cabeça tantas vezes em seu queixo que ele acreditava que o cocuruto dela devia estar machucado.

Madelyne não fazia a mínima ideia do que ele estava pensando. Mas ele sorria para ela, e isso era uma preocupação. Finalmente, conseguiu soltá-lo. Deu-lhe as costas e lentamente avançou pela floresta para encontrar um pouco de privacidade. Sabia que se movimentava como uma anciã e rezou para que Duncan não a estivesse observando.

Quando retornou da densa área arborizada, circundou os homens, determinada a se livrar das dores e das câimbras das pernas antes de ser forçada a montar em Sileno novamente. Parou ao alcançar o canto extremo da área triangular e deslizou o olhar pelo vale que acabaram de subir.

Duncan não parecia muito apressado para partirem novamente. Isso não fazia muito sentido para Madelyne, pois se lembrava do quanto ele se irritara quando Gilard exigira que parassem. Agora ele agia como se tivessem todo o tempo do mundo. Madelyne balançou a cabeça. Duncan de Wexton era o homem mais desconcertante que ela já conhecera.

Resolveu ficar grata pela pausa, entretanto. Precisava de mais uns minutos sozinha para limpar a mente das preocupações, alguns preciosos minutos de solitária paz para controlar as emoções.

O dia estava quase chegando ao fim, pois o sol se punha agora. Gloriosos fachos alaranjados e vermelhos marcavam o céu, formando um arco descendente e dando a impressão de que tocavam o chão em algum ponto longínquo. Havia demasiada beleza na aridez do inverno vindouro; cada estação possuía seus valores especiais. Madelyne procurou ignorar os barulhos atrás dela e se concentrar na beleza logo abaixo. Mas sua atenção foi raptada por um brilho que subitamente surgiu entre as árvores.

A centelha de luz desapareceu um segundo depois. Curiosa, ela se moveu para a direita, até vislumbrar a luz novamente. Estranho, mas o brilho parecia vir de outra direção mais abaixo do vale agora.

As luzes subitamente se multiplicaram até parecerem uma centena de velas acesas no mesmo instante, uma centena de pontículos cintilantes, tremeluzentes.

A distância era grande, mas o sol agia como um espelho, aproximando cada vez mais os brilhos. Como fogo, ela pensou... Ou metal.

Entendeu então. Somente homens de armadura poderiam explicar tais reflexos.

E havia centenas deles.


CAPÍTULO CINCO


“Os ímpios fogem sem que haja ninguém a persegui-los; mas os justos são ousados como um leão.”
Provérbios 28:1

 

Bom Deus, eles seriam atacados. Madelyne estava atônita demais para se mover. Começou a tremer de medo. Perder o controle tão rapidamente a enfurecia. Aprumou os ombros, determinada a pensar de forma lógica. Inspirou profundamente para se acalmar. Pronto, disse a si mesma, agora posso decidir o que fazer.

Ah, como desejava ter coragem. As mãos começaram a ter câimbras quando percebeu que agarrava as dobras da capa com muita força, os dedos doloridos com a pressão.

Sacudiu a cabeça, suplicando pela ajuda divina a fim de chegar a uma decisão.

Por certo não era seu dever como prisioneira alertar Duncan sobre a ameaça iminente. Poderia ficar calada e, assim que a batalha começasse, fugir.

Essa possibilidade logo foi descartada quando percebeu que haveria mais mortes. Se contasse a Duncan, talvez eles se apressassem a sair do local. Sim, poderiam se distanciar se partissem de imediato e, assim, evitar a batalha. Salvar vidas não era mais importante do que seus próprios planos de fuga?

Resolveu interceder. Apanhou a bainha do vestido e correu à procura de seu captor. Pensou que era irônico que fosse ela a dar o aviso sobre o ataque iminente.

Duncan estava num círculo formado pelos soldados com Gilard à sua direita. Madelyne deu a volta nos homens e parou ao se postar logo atrás de Duncan.

– Barão, preciso lhe falar – Madelyne o interrompeu. A voz se partiu de tensão e era bem baixa. Por certo foi esse o motivo de ele ignorar seu pedido. Ele não a ouvira. – Preciso falar com você. – Madelyne repetiu o pedido com uma voz bem mais alta. Até ousara cutucá-lo no ombro uma vez.

Duncan continuou a ignorá-la.

Madelyne voltou a cutucá-lo, desta vez com mais força.

Duncan aumentou a voz ao continuar a falar com seus homens sobre algum assunto que Madelyne sabia ser irrelevante em comparação com o que ela tentava lhe contar.

Deus, como ele era teimoso. Madelyne retorceu as mãos, ficando mais preocupada a cada segundo que passava, tomada de preocupação enquanto os soldados que subiam as colinas chegariam até eles a qualquer instante agora.

A frustração da espera para que ele reconhecesse sua presença se tornou grande demais para ser suportada. A raiva assumiu o comando. Usando todas as forças que possuía, chutou-o com vontade. Seu alvo foi a parte posterior do joelho direito e sua mira foi impecável.

Madelyne percebeu a tolice de seu ato impensado quando uma dor excruciante subiu por sua perna. Os dedos dos pés seguramente se fraturaram com o impacto e seu único consolo foi que a dor autoinfligida de fato conseguiu a atenção dele. Bem rapidamente. Duncan se virou com a velocidade de um lobo prestes a dar o bote.

Parecia mais atônito que furioso. As mãos estavam apoiadas no quadril, cerradas, ela não deixou de notar. Madelyne tinha uma careta de dor por conta dos dedos e agora descobria que era igualmente doloroso olhar diretamente para o rosto dele. Em vez disso, virou-se para Gilard, e isso de fato atenuou seu desconforto, pois o irmão mais novo tinha uma expressão muito ridícula no rosto.

– Gostaria de trocar uma palavra em particular – Madelyne declarou quando, por fim, conseguiu voltar a olhar para Duncan.

Duncan ficou curioso com a preocupação na voz dela. Assentiu, segurou-a pelo braço e puxou-a até o outro lado do acampamento.

Madelyne tropeçou duas vezes.

Ele suspirou uma vez, longa e demoradamente, e ela sabia que era por sua causa.

Madelyne não se importava se ele tentava fazer com que se sentisse tão insignificante quanto uma farpa sob sua pele. Por certo não pensaria que sua interrupção seria um incômodo quando se explicasse. Oras, ele poderia até ficar grato, embora, em seu coração, ela duvidasse que ele fosse capaz de tal reação.

Mais importante que isso, outras mortes seriam evitadas. Esse pensamento lhe deu a coragem de fitá-lo nos olhos.

– Há homens vindo pelo vale – disse.

Ela esperou uma reação imediata à sua afirmação. Todavia, Duncan apenas a encarou. Não demonstrou reação alguma.

Ela se forçou a repetir as palavras:

– Soldados estão subindo a montanha. Vi o sol refletindo nos escudos. Acha que pode fazer alguma coisa a esse respeito?

Levaria uma eternidade até que alguma ação fosse tomada? Madelyne pensou nessa possibilidade enquanto esperava que Duncan dissesse alguma coisa.

Ele a encarava do modo mais perturbador, o rosto firme e angular evidentemente revelando sua confusão. Ela pensou ter visto cinismo também naqueles olhos frios e cinzentos. Concluiu, então, que ele tentava decidir se ela dizia mesmo a verdade.

– Nunca disse uma mentira sequer em minha vida, barão. Se me acompanhar, eu lhe mostrarei que estou dizendo a verdade.

Duncan observou aquela adorável mulher parada com tanto orgulho diante dele. Os olhos azuis o fitavam inundados de confiança. Mechas de cabelos castanho-arruivados cruzavam seu rosto. Havia uma mancha de terra na lateral do nariz, captando sua atenção.

– Por que está me alertando sobre isso? – Duncan perguntou.

– Por quê? Para que possamos sair daqui – Madelyne respondeu, franzindo o cenho ante aquela pergunta bizarra. – Não quero saber de mais mortes.

Duncan assentiu, satisfeito com a resposta. Gesticulou para Gilard. O irmão mais novo estivera parado nas imediações, tentando ouvir o que era dito.

– Lady Madelyne acabou de perceber que estamos sendo seguidos – Duncan anunciou.

Gilard mostrou sua surpresa. Não percebera que estavam sendo seguidos. Virou-se para olhar para Madelyne.

– Estamos sendo seguidos? Há quanto tempo sabe disso, Duncan?

– Desde o meio do dia – Duncan respondeu dando de ombros.

– Seriam proscritos? – Gilard inquiriu. Sua voz estava mais neutra agora, numa tentativa de imitar a atitude tranquila do irmão. Por dentro, Gilard estava irritado pelo silêncio de Duncan durante toda a tarde. E também estava confuso, imaginando o motivo de Madelyne ter lhes dado o alerta.

– Não são exilados, Gilard.

Um momento longo de silêncio se estendeu entre os irmãos antes que um olhar de compreensão se fizesse no rosto de Gilard.

– O rato persegue o lobo? – perguntou.

– Com a graça de Deus, ele estará liderando seus homens desta vez – Duncan respondeu.

Gilard sorriu e Duncan assentiu.

– Pensei em encontrá-lo mais perto de casa, em Creek Crossing, mas a montanha abaixo nos deu o mesmo tipo de vantagem. Diga aos homens que se preparem.

Gilard se virou e se apressou até a clareira, gritando aos homens que montassem.

Madelyne estava assustada demais para falar. Seu plano de dar o alerta a fim de que a batalha fosse evitada evaporou quando a gargalhada de Gilard a alcançou. Não entendera o que a troca de palavras entre os irmãos significara. Falaram em charadas, mencionando ratos e lobos, sem fazer sentido algum.

– Então eu tinha razão – Madelyne disse num rompante. – Você não é diferente de Louddon, é?

Duncan ignorou o comentário raivoso.

– Monte em meu cavalo, Madelyne. Vamos nos encontrar com seu irmão lá.

Madelyne estava furiosa demais para discutir. Disse a si mesma que deveria ter percebido que Duncan não daria às costas a uma briga. Não aprendera a lição quando tentara persuadi-lo a deixar as terras de Louddon?

Antes de perceber o que fizera, encontrou-se montada no lombo de Sileno. Sua raiva a fizera esquecer o seu medo. Não se lembrava de que lado montara no cavalo.

Duncan se aproximou, agarrou as rédeas e começou a conduzir o animal através da clareira.

Madelyne se segurava à sela como se sua vida dependesse daquilo, os ombros pensos a fim de conseguir executar a tarefa. Os arreios estavam distantes demais dos seus pés para poder alcançá-los, e sua traseira era açoitada a cada passo que o animal dava. Sabia que parecia deploravelmente destreinada e ficou grata por Duncan não estar olhando para ela.

– Como chama este cavalo? – perguntou.

– Cavalo – Duncan respondeu por sobre o ombro. – O animal é um cavalo e é assim que o chamo.

– Bem como eu suspeitava. Você é frio e insensível, sequer se deu ao trabalho de dar um nome ao seu leal garanhão. Pois eu lhe dei um nome. Sileno. O que acha? – perguntou.

Duncan se recusava a responder. Deveria estar irritado por Madelyne ter a audácia de nomear seu garanhão, mas seus pensamentos já estavam centrados na batalha à frente deles. Não se permitiria ser incomodando com conversas tão insignificantes.

Madelyne sorriu para si mesma, satisfeita por tê-lo importunado. Em seguida, Ansel apareceu ao lado dela com outro cavalo, um animal cinza que parecia muito mais dócil do que Sileno. Duncan se virou, lançou as rédeas para Madelyne, depois montou no lombo do cinzento.

O sorriso se congelou no rosto de Madelyne. Ela pegou as rédeas, aterrorizada quando percebeu que ele esperava que ela conduzisse o animal. O garanhão deve ter captado sua preocupação, pois de pronto começou a sapatear de lado. Os cascos pesados socaram o chão com força suficiente para sacolejar o corpo de Madelyne, que lamentava agora ter mentido tão bem quanto a ter aquela habilidade.

Gilard apareceu do outro lado de Madelyne, montando um garanhão castanho. Forçou sua montaria a se aproximar do garanhão, bloqueando eficazmente a passada lateral nervosa do animal.

– Ainda estão a alguma distância daqui – Gilard observou para Duncan acima da cabeça de Madelyne. – Esperamos por eles aqui, irmão?

– Não – Duncan respondeu. – Vamos encontrá-los na metade do caminho.

Os soldados se perfilaram atrás do trio, produzindo um som terrível. Madelyne concluiu que Duncan esperava até o som diminuir antes de dar o seu sinal.

– Ficarei aqui até que retorne – Madelyne disse a Duncan. Sua voz parecia desesperada. Duncan a encarou, sacudiu a cabeça e se virou para abaixar o olhar para o vale.

– Vou ficar aqui – Madelyne anunciou.

– Não vai, não. – Ele sequer se dignou a olhar para ela quando negou, rude como de habitual.

– Você poderia me amarrar a uma árvore – Madelyne sugeriu.

– Ah, Lady Madelyne, não vai querer negar a Louddon a visão de seu adorável rosto, vai? – Gilard fez a pergunta com um sorriso. – Prometo que será a última coisa que ele verá antes de morrer – acrescentou.

– Vocês dois apreciarão esta batalha, não? – Madelyne perguntou. Estava tão amedrontada, que sua voz tremia.

– Eu certamente vou – Gilard respondeu com um dar de ombros.

– Acredito que seja tão louco quanto seu irmão, Gilard.

– Sabe que temos bons motivos para querer seu irmão morto – Gilard anunciou. O sorriso lentamente abandonou seu rosto. – Assim como, por certo, você nos quer mortos. – Caçoava dela com sua declaração, com escárnio deliberado na voz.

Madelyne se virou para Duncan para ver como ele reagia à observação do irmão, mas o barão não parecia prestar atenção à conversa. Virou-se novamente para Gilard, então.

– Entendo por que quer matar Louddon. Não quero que você e seu irmão morram neste confronto, Gilard – acrescentou. – Por que acredita que eu queira?

Gilard franziu o cenho, confuso.

– Que tipo de tolo me considera, Lady Madelyne? Está tentando me dizer que não está do lado de Louddon? Ele é seu irmão.

– Não tomo partido – Madelyne argumentou. – Não quero que ninguém morra.

– Ah, entendo seu plano agora – Gilard replicou, quase berrando com ela. – Vai esperar para ver quem é o vencedor e depois tomará uma decisão. Muito astuto de sua parte.

– Acredite no que quiser – Madelyne respondeu. – Você é como seu irmão – acrescentou, balançando a cabeça.

Quando Gilard sorriu pra ela, percebeu que ele estava satisfeito com o comentário.

– Isso não é um elogio, Gilard. Muito pelo contrário. Está se revelando tão teimoso e implacável quanto Duncan. Imagino que aprecie matar tanto quanto ele – finalizou.

Madelyne estava horrorizada internamente pelo modo como tentava incitar Gilard a perder o controle, mas que Deus a ajudasse, ela não parecia poder se conter.

– Consegue honestamente me olhar nos olhos e dizer que não me odeia? – Gilard perguntou. Estava tão bravo que uma veia saltava na lateral do pescoço. Madelyne acreditou que ele desejava bater nela.

– Não o odeio – Madelyne declarou. – Bem que eu gostaria, admito, mas não, Gilard, não o odeio.

– E por que não? – Gilard perguntou.

– Porque você ama a sua irmã.

Gilard estava prestes a dizer a Madelyne que a considerava a mulher mais tola que já conhecera quando Duncan interceptou sua atenção. O irmão mais jovem dispensou Madelyne imediatamente e se virou para empunhar a espada.

Duncan finalmente deu o sinal. Madelyne ficou abruptamente tão aterrorizada que sequer se lembrou de suas orações.

Aquela seria uma luta até a morte? Madelyne conhecia o bastante o caráter forte de Duncan para saber que ele não se importaria com as probabilidades.

Ela tentou, mas não conseguiu contar o número de soldados que subia a montanha. Eles cobriam o terreno como gafanhotos, no entanto.

Os homens de Duncan seriam minoria novamente?

Pensou que seria um massacre, e tudo porque Duncan lutaria com honra, ao passo que Louddon não. Uma conclusão muito simples, mas que passava despercebida a alguém como o barão. Ele evidentemente se esquecera de que Louddon o levara a acreditar que honraria a trégua temporária. Foi assim que Duncan fora capturado, com um embuste.

Madelyne conhecia Louddon melhor do que Duncan o conhecia. Seu irmão lutaria como um animal se farejasse a vitória a seu lado.

Ela disse a si mesma que não se importava com quem saísse vitorioso. Se todos se matassem, que assim fosse. A vontade deles prevaleceria, não a dela.

– Não vou me importar – sussurrou repetidamente até aquilo se tornar um cântico desesperado.

Todavia, independentemente de quantas vezes repetisse aquelas palavras, de forma alguma conseguia torná-las verdadeiras.


CAPÍTULO SEIS


“Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus; pois está escrito: Ele apanha os s ábios na sua própria astúcia.”
1 Coríntios 3:19

 

O Barão de Wexton evidentemente não se importava em manter o elemento surpresa ao seu lado. Seu grito de guerra ecoou pelos campos, por pouco não derrubando as folhas secas dos galhos. Uma trombeta soou, mandando uma mensagem adicional para os soldados que avançavam. E se isso ainda não bastasse, os trovões dos cascos dos cavalos descendo os declives por certo alertaram Louddon e os seus homens quanto à ameaça que se aproximava.

Madelyne se viu presa entre Duncan e o irmão conforme desciam. Soldados também os cercavam com os escudos erguidos. Embora Madelyne não tivesse tal proteção, tanto Duncan quanto Gilard bloqueavam os galhos que a teriam derrubado da sela usando seus escudos em forma de pipa como barreiras contras os galhos retorcidos que atrapalhavam o caminho.

Quando os soldados chegaram a um pequeno espinhaço acima do local escolhido por Duncan para o confronto, Duncan puxou as rédeas do garanhão e gritou um comando para o animal. O garanhão parou imediatamente. Duncan usou a mão livre para segurar o maxilar de Madelyne, usando um pouco de força para que ela o encarasse.

Os cinzentos desafiaram os azuis.

– Não ouse sair deste lugar.

Ele começou a soltá-la, mas Madelyne deteve sua mão.

– Se você morrer, não vou chorar por você – sussurrou.

Ele sorriu genuinamente para ela.

– Sim, você choraria – respondeu com a voz tanto arrogante quanto gentil.

Madelyne não teve tempo para responder. Duncan impulsionou o garanhão a se mover e correu na direção da batalha que se desenrolava abaixo. Subitamente, Madelyne ficou sozinha no alto do cume enquanto os últimos soldados de Duncan passavam por ela em um ritmo alucinante.

O barulho era ensurdecedor. Metal se chocando com metal, tinindo numa intensidade de perfurar os tímpanos. Gritos de tormento se misturavam aos de vitória. Madelyne não estava próxima o bastante para enxergar os rostos individualmente, mas manteve a atenção nas costas de Duncan. O cinzento que ele montava era facilmente visível. Viu-o empunhar a espada com precisão, acreditou que ele recebesse a bênção dos deuses quando o inimigo o cercou e ele os derrubou um a um com golpes fatais de sua lâmina.

Ela fechou os olhos por apenas um instante e, quando voltou a olhar para a cena, o cinzento desaparecera. Freneticamente perscrutou a área, procurando por Duncan, e também por Gilard, mas não conseguiu encontrar nenhum dos irmãos. A batalha vinha em sua direção.

Não procurou pelo irmão nem uma vez, sabendo muito bem que ele não estaria no meio da batalha. Louddon, ao contrário de Duncan, seria o último a erguer a espada. Havia muito risco envolvido nisso, afinal. Não, ele valorizava demais sua vida, ao passo que Duncan não parecia valorizar em nada a sua. Louddon deixava que os homens que lhe juraram lealdade lutassem. E, caso a batalha se voltasse contra ele, ele seria o primeiro a recuar.

– Esta luta não é minha – Madelyne gritou a plenos pulmões.

Puxou as rédeas, determinada a sair dali o mais rápido possível. Não assistiria nem um minuto a mais. Sim, deixaria todos para trás.

– Venha, Sileno, vamos – disse, incitando o animal como vira Duncan fazer. O garanhão não se moveu. Puxou as rédeas com firmeza, determinada a fazer com que o animal a obedecesse. Os soldados subiam a cimeira rapidamente e a pressa logo passou a ser imperativa.

Duncan estava exasperado, pois não havia encontrado nem um traço de Louddon. A vitória sobre o inimigo seria vã se o líder deles resolvesse escapar novamente. Olhou rapidamente na direção de Madelyne e ficou chocado ao ver que a batalha a circundava. Percebeu, então, que estivera tão consumido em encontrar Louddon que não prestara a devida atenção à segurança de Madelyne. Admitiu seu erro e amaldiçoou-se por não ter se precavido e deixado alguns homens para protegê-la.

Largou o escudo no chão e deu um assobio que rezava para que alcançasse o garanhão. Seu coração estava na garganta enquanto corria em direção ao cume. Era uma reação lógica, disse a si mesmo, essa necessidade ferrenha de proteger Madelyne, já que ela era sua prisioneira e que era, portanto, sua responsabilidade mantê-la a salvo. Sim, esse era o motivo pelo qual ele corria agora, rugindo seu ultraje com tanta força quanto qualquer grito de guerra.

O garanhão atendeu ao sinal assobiado, avançando. O animal teria permitido que Madelyne o controlasse agora, mas ela perdera as rédeas quando ele se moveu.

Sileno saltou dois soldados que acabavam de subir a colina, atingindo ambos com as patas traseiras. Os gritos dos soldados os seguiram morro abaixo.

Madelyne logo se viu no calor da batalha, com homens montados e outros tantos lotando o chão ao redor, todos lutando por suas vidas. O garanhão de Duncan foi bloqueado pelos soldados e ela se agarrou ao pescoço do animal, rezando para que tudo aquilo acabasse logo.

Subitamente avistou Gilard abrindo caminho até ela. Estava a pé, empunhando uma espada ensanguentada em uma mão e um escudo marcado em outra. Defendia-se de ataques pela esquerda enquanto cravava a espada nos corpos dos inimigos com a direita.

Um dos soldados de Louddon avançou em Madelyne, a espada erguida para ela. Seu olhar era desvairado, como se tivesse passado do ponto de saber o que estava fazendo.

Sua intenção era matá-la, Madelyne percebeu. Ela gritou o nome de Duncan, embora soubesse que sua segurança dependia exclusivamente de sua destreza. Não havia escapatória a não ser pelo chão duro e Madelyne rapidamente se lançou pela lateral do cavalo. No entanto, não foi rápida o bastante. A lâmina encontrou seu alvo, cortando uma trilha ao longo da coxa esquerda de Madelyne. Ela gritou em agonia, mas o som morreu em sua garganta quando ela se chocou com o chão e o ar foi expelido para fora dela.

Sua capa a seguiu até o chão, aterrissando numa espécie de poça em volta de seus ombros. Atordoada, quase em choque, Madelyne se concentrou em aprumar a vestimenta, num processo lento e árduo, quase obsessivo. A dor na coxa era tão intensa que a princípio ela acreditou que morreria. Em seguida, um torpor abençoado se apossou de sua coxa e de sua mente, renovando-lhe as forças. Ficou de pé, sentindo-se tonta e confusa, e agarrou a capa junto ao peito enquanto observava os homens lutando ao seu redor.

O garanhão de Duncan cutucou Madelyne no ombro com o focinho, um gesto que quase a derrubou de novo. Mas ela recuperou o equilíbrio, encostou-se no flanco do animal e encontrou consolo no fato de o cavalo não ter debandado quando ela estava caída. O animal também agia como uma barreira, protegendo-a de um ataque.

Lágrimas escorriam por sua face, numa reação involuntária ao cheiro da morte que permeava o ar. Gilard gritou algo para ela, mas Madelyne não conseguia entender o que ele dizia. Só conseguia assistir enquanto ele avançava em sua direção. Ele gritou uma vez mais, com a voz mais forte, mas o comando se misturou aos choques de metal contra metal e se tornou confuso demais para ser compreendido.

Sua mente se rebelou contra a carnificina. Ela começou a andar na direção de Gilard, acreditando que era isso o que ele queria dela. Tropeçou duas vezes em pernas e braços de guerreiros abatidos largados como lixo sobre o chão, mas tentou se concentrar em chegar até Gilard, o único homem que ela reconhecia naquela floresta tomada pela destruição. Em sua mente, a esperança de que ele a levaria até Duncan. E então ela estaria segura novamente.

Estava a poucos metros de distância quando Gilard foi desafiado por trás. Ele se virou para enfrentar o oponente, deixando as costas desprotegidas. Madelyne viu outro dos homens de Louddon se aproveitar da oportunidade e suspender a espada negra no ar enquanto corria na direção do alvo vulnerável.

Ela tentou gritar um alerta, mas sua voz falhou e tudo o que escapou foi um gemido fraco.

Bom Deus, ela era a única que estava perto o suficiente para ajudá-lo, a única que poderia fazer alguma diferença. Madelyne não hesitou. Apanhou uma das armas largadas dos dedos enrijecidos de um cadáver sem rosto. Era um bastão pesado e incômodo, grosso, com pontas de ferro e todo sujo de sangue seco.

Agarrou a arma com as duas mãos, lutando contra seu peso. Segurando-a pela ponta, meio arrastando, meio carregando, apressou-se para se posicionar atrás de Gilard, suas costas quase tocando as dele. E então aguardou que o inimigo desferisse o primeiro golpe.

O soldado não se intimidou, já que Madelyne representava uma defesa fraca contra sua armadura e força. O brilho de um sorriso retorceu o rosto do guerreiro. Berrando um grito de desafio, ele correu adiante empunhando sua espada longa, cortando o ar com intenção letal.

Madelyne esperou até o último segundo possível e, então, girou o bastão num arco largo. O terror lhe emprestou forças. Sua intenção era apenas deter o ataque, mas as pontas de ferro projetadas do bulbo circular da arma partiram os anéis de metal da cota de malha do soldado e se enterraram na pele debaixo dela.

Gilard terminou seu combate frontal e rapidamente foi em socorro de Madelyne, quase a derrubando. Virou-se a tempo de ver o homicídio, e assistiu, assim como Madelyne, quando o soldado inimigo caiu no chão com um grito que ficou preso na garganta e os espinhos cravados no abdômen. Gilard ficou tão atônito com o que acabara de testemunhar que emudeceu momentaneamente.

Madelyne emitiu um gemido de angústia. Dobrou os braços sobre a cintura e agachou, como se tivesse sido ela quem recebera o golpe. Gilard procurou ajudá-la, tocando em seu ombro com gentileza.

Madelyne estava tão consumida com o horror do que acabara de fazer que sequer estava ciente da presença de Gilard. A batalha deixara de existir para ela.

Duncan também testemunhara o homicídio. Num movimento fluido, montou em seu garanhão e incitou o animal na direção de Gilard. O irmão saltou para longe do caminho bem quando Duncan se abaixou e agarrou Madelyne. Suspendeu-a com um braço forte e praticamente a despejou na sela diante dele. Deus se mostrou misericordioso, pois foi o lado direito que sofreu o impacto e a perna machucada mal se mexeu.

A batalha estava quase no fim e os soldados de Duncan perseguiam os homens de Louddon que recuavam vale abaixo.

– Acabe com isso – Duncan gritou para Gilard. Puxou as rédeas, direcionando a montaria colina acima uma vez mais. O animal correu para longe do campo de batalha, sua linhagem e força evidentes agora que ele galopava com velocidade impressionando no terreno traiçoeiro.

Duncan descartara o manto e o escudo durante a luta. Agora usava as mãos para proteger o rosto de Madelyne dos galhos que surgiam pelo caminho.

Ela não queria o cuidado dele. Empurrou-o, tentando fazer com que ele a soltasse, preferindo o chão duro ao toque odioso dele.

Por causa dele ela matara um homem.

Duncan não tentou acalmá-la. A segurança dela era sua principal preocupação agora. Não diminuiu o ritmo até estarem bem distantes da ameaça. Finalmente, deteve o cavalo quando, floresta adentro, protegidos por árvores densas e numerosas, alcançaram um lugar finalmente um pouco mais tranquilo.

Estava furioso consigo por colocar Madelyne em tal perigo. Voltou sua atenção para ela agora. Quando viu as lágrimas escorrendo pelo rosto, emitiu um gemido de frustração.

E procurou tranquilizá-la.

– Pode parar de chorar, Madelyne. Seu irmão não está entre os mortos. Poupe suas lágrimas.

Ela nem percebera que estava chorando. Quando as palavras dele foram registradas, ficou tão enfurecida por ele ter interpretado mal sua angústia que sequer conseguiu formular uma resposta. Aquele homem era desprezível.

Enxugou as lágrimas do rosto, inspirou fundo, reuniu ar fresco e renovou sua fúria.

– Eu não sabia o que era ódio verdadeiro até este dia, barão. Mas o senhor deu novo significado à palavra maligna. Com Deus como minha testemunha, eu o odiarei até o dia de minha morte. – E continuou: – Tudo bem se isso for assim, visto que também estou fadada ao fogo do inferno por sua causa. – A voz dela era tão baixa que Duncan se viu forçado a se inclinar até sua testa tocar na de Madelyne só para conseguir ouvir suas palavras.

O que ela dizia não fazia sentido algum.

– Não ouviu o que eu disse? – ele exigiu, apesar de manter a voz tão suave quanto a dela estivera. Sentiu a tensão nos ombros dela, entendeu que ela estava perto de perder o controle e procurou acalmá-la. Quis ser gentil com ela, uma reação extraordinária segundo seu modo de pensar, mas ele desculpou sua conduta dizendo que isso se devia somente por se sentir responsável por ela. – Acabei de lhe explicar que seu irmão está a salvo, Madelyne. Por enquanto – acrescentou, resolvendo lhe dar sua honestidade assim como o conforto.

– É você quem não está me ouvindo – Madelyne replicou. Lágrimas voltaram a cair, interrompendo seu discurso. Ela parou para enxugá-las. – Por sua causa tirei a vida de um homem. É um pecado grave e você é tão culpado quanto eu. Se não tivesse me arrastado consigo, eu não teria matado ninguém.

– Está perturbada porque matou um homem? – Duncan perguntou, sem conseguir esconder a surpresa da voz. Duncan teve que se lembrar de que Madelyne era apenas uma mulher, e as coisas mais estranhas pareciam aborrecer o sexo frágil. Também pesou tudo o que fizera Madelyne passar nos últimos dois dias. – Eu matei muitos – disse ele, pensando que isso aplacaria a consciência dela.

Seu plano falhou.

– Não me importa que tenha matado legiões de soldados – Madelyne anunciou. – Você não tem alma, portanto não importa quantas vidas tira.

Duncan não tinha uma resposta pronta para essa declaração e percebeu que era inútil discutir com ela. Madelyne estava perturbada demais para pensar com a razão e, por certo, devia estar exausta. Oras, estava tão perturbada que sequer conseguia levantar a voz para ele.

Duncan a amparou nos braços, segurando-a com firmeza até que ela parasse de se debater. Com um suspiro cansado, murmurou, mais para si mesmo do que para ela:

– O que vou fazer com você?

Madelyne o ouviu, e sua resposta foi ligeira:

– Pouco me importo com o que vai fazer comigo. – Inclinou a cabeça para trás para olhar para ele. Madelyne notou, então, um corte denteado logo abaixo do olho esquerdo de Duncan. Usou o punho do vestido para limpar o rastro do sangue, mas contradisse seu gesto gentil com palavras iradas: – Pode me deixar aqui ou pode me matar – informou-o, enquanto limpava a beirada do corte. – Nada do que fizer terá importância para mim. Não deveria ter me trazido, Duncan.

– Seu irmão veio atrás de você – Duncan observou.

– Não, não veio – Madelyne o contradisse. – Ele veio atrás de você por ter destruído o lar dele. Ele não se importa comigo. Se ao menos abrisse sua cabeça, eu poderia convencê-lo da verdade. Mas você é teimoso demais para dar ouvidos a alguém. Percebo que é inútil falar com você. Sim, inútil! Juro que nunca mais vou voltar a falar com você.

Essa declamação acabou com o que restava de suas forças. Madelyne limpou o ferimento dele o melhor que pôde e depois se largou contra o peito dele, dispensando-o.

Lady Madelyne era um paradoxo. Duncan estava quase perdido com o modo suave com que ela o tocara na face ao tentar cuidar de seu ferimento. Não achava que ela sequer estivesse ciente do que estivera fazendo. Subitamente lembrou-se de como ela enfrentara Gilard quando ainda estavam na fortaleza de Louddon. Sim, fora uma contradição mesmo naquele momento. Madelyne lançara um olhar sereno para Gilard enquanto ele berrava sua frustração. E, no entanto, durante todo o tempo se agarrara à mão de Duncan.

Agora ela brigava com ele ao mesmo tempo em que cuidava dele. Duncan suspirou de novo. Apoiou o queixo no topo da cabeça de Madelyne e se perguntou como, em nome de Deus, uma mulher tão gentil podia ser parente do demônio.

A dormência estava sumindo. Agora que a descarga de raiva a abandonara, sua coxa começava a latejar dolorosamente. A capa escondia o estrago das vistas de Duncan. Ela acreditava que ele não estava ciente de seu ferimento e encontrou uma satisfação perversa nesse fato. Era uma reação ilógica, mas Madelyne parecia incapaz de raciocinar direito. Subitamente sentiu tanto cansaço, tanta fome e tanta dor que já não conseguia mais pensar.

Os soldados se juntaram ao líder e, dentro de minutos, estavam todos seguindo para a fortaleza dos Wexton. Uma hora mais tarde era apenas a corajosa determinação que impedia Madelyne de reclamar.

A mão de Duncan acidentalmente resvalara na coxa ferida. A capa e o vestido ofereciam pouca proteção para a agonia ardente. Madelyne refreou um grito. Afastou a mão dele com um tapa, mas o fogo do toque dele pairou, inflamando o ferimento a um nível excruciante.

Madelyne começou a sentir náusea.

– Temos que parar por um instante – disse a Duncan. Queria gritar com ele, chorar também, mas jurara que ele não destruiria o que restava de sua gentil predisposição.

Madelyne sabia que ele tinha ouvido, seu aceno indicava isso. E, no entanto, seguiram cavalgando. Alguns poucos minutos mais tarde, ela chegou à conclusão que ele ignorara o seu pedido.

Mas que animal mais desumano ele era! Apesar de isso pouco a confortar, ela listou mentalmente todos os nomes vis que desejava despejar sobre ele. Agrupou todas as maldições e palavrões de que conseguia se lembrar, apesar de seu vocabulário de palavras grosseiras ser limitado. Isso a satisfez até perceber que provavelmente estava se rebaixando ao nível de Duncan. Maldição, ela era uma mulher amável.

Seu estômago não se acalmava. Madelyne lembrou-se do juramento de nunca mais falar com ele, mas foi forçada pelas circunstâncias a repetir seu pedido:

– Se não parar, vou vomitar em cima de você.

Sua ameaça conseguiu uma reação imediata. Duncan levantou a mão, dando a ordem para que parassem. Desmontou e levou Madelyne ao chão antes que ela pudesse se preparar para tanto.

– Por que paramos? – A pergunta veio de Gilard, que também desmontara e se apressava para junto do irmão. – Estamos quase em casa.

– Lady Madelyne – Duncan respondeu, sem dar maiores informações a Gilard.

Madelyne já iniciara a tortuosa caminhada em direção à privacidade que as árvores ofereciam, mas parou ao ouvir a pergunta de Gilard.

– Pode ficar aí, esperando por mim, Gilard.

Pareceu uma ordem. Gilard ergueu uma sobrancelha, virando-se para o irmão. Duncan franzia o cenho, observando Madelyne, e Gilard concluiu que o irmão estava irritado pelo modo como Madelyne acabara de lhe falar.

– Ela passou por maus bocados – Gilard se apressou em desculpá-la, com receio de que Duncan resolvesse retaliar.

Duncan meneou a cabeça. Continuou observando Madelyne até ela desaparecer na floresta.

– Tem alguma coisa errada – murmurou, com uma carranca no rosto ao tentar descobrir o que o incomodava.

Gilard suspirou.

– Talvez ela esteja se sentindo mal?

– Sim, e ela ameaçou... – Duncan não terminou o comentário, mas começou a andar atrás dela.

Gilard tentou contê-lo com a mão.

– Dê-lhe um pouco de privacidade, Duncan. Ela voltará – disse. – Ela não tem onde se esconder – ponderou.

Duncan se soltou da mão do irmão. Vira a expressão de dor nos olhos de Madelyne, notara também a extrema rigidez nos passos dela. Duncan instintivamente soube que o estômago nauseado não era a causa. Ela não teria favorecido seu lado direito se esse fosse o caso. E se estivesse prestes a vomitar, ela teria corrido, e não se afastado dos soldados caminhando. Não, havia algo errado e Duncan pretendia descobrir o que era.

Encontrou-a apoiada no tronco de um carvalho retorcido, com a cabeça pensa. Duncan parou, sem querer invadir a privacidade dela. Madelyne estava chorando. Observou-a levantar lentamente a capa e deixá-la cair no chão. E, então, compreendeu o verdadeiro motivo por trás de toda aquela aflição. O lado esquerdo do vestido dela estava rasgado até a bainha e ensopado de sangue.

Duncan não percebeu que gritara até Madelyne emitir um protesto assustado. Ela não tinha forças para se afastar dele, tampouco o apartou quando ele forçou suas mãos para longe da coxa e se ajoelhou diante dela.

Quando Duncan viu o estrago, encheu-se de tamanho ódio que suas mãos tremiam ao afastar o tecido. O sangue ressecado fez com que essa fosse uma tarefa demorada. As mãos de Duncan eram grandes e atrapalhadas e ele tentou ser o mais gentil possível.

O ferimento era profundo, quase tão comprido quanto seu braço, e estava sujo de terra. Teria que ser limpo e suturado.

– Ah, Madelyne – sussurrou Duncan com a voz áspera. – Quem fez isto com você?

Sua voz soou como uma cálida carícia, sua empatia, evidente. Madelyne sabia que começaria a chorar de novo se ele demonstrasse qualquer traço de gentileza. Sim, seu controle se quebraria então, assim como o galho frágil ao qual se agarrava agora.

Mas ela não permitiria tal coisa.

– Não quero sua empatia, Duncan. – Endireitou os ombros e tentou lançar um olhar de dispensa. – Tire suas mãos de minha perna. Isso não é decente.

Duncan ficou tão surpreso com a demonstração de autoridade que quase sorriu. Levantou o olhar e viu fogo nos olhos dela. Ele sabia o que ela tentava fazer. O orgulho se tornara sua defesa. Já notara o quanto Madelyne valorizava o controle.

Voltando a observar o ferimento, percebeu que pouco podia ser feito ali. Então resolveu que Madelyne poderia levar a melhor naquela altercação. Forçou uma voz áspera quando se levantou e lhe respondeu.

– Não terá empatia de minha parte, Madelyne. Sou um lobo. Não tenho emoções humanas.

Madelyne não replicou, mas seus olhos se arregalaram ante o comentário. Duncan sorriu e se ajoelhou de novo.

– Deixe-me em paz.

– Não – Duncan respondeu com a voz branda agora. Empunhou a adaga e começou a cortar uma tira do vestido.

– Está estragando o meu vestido – Madelyne resmungou.

– Pelo amor de Deus, Madelyne, ele já está estragado – Duncan replicou.

Com o máximo de cuidado que pôde, enrolou o material na coxa. Estava amarrando um nó quando ela o empurrou pelo ombro.

– Está me machucando. – Ela se odiava por admitir isso. Maldição, iria chorar.

– Não estou.

Madelyne arquejou, esquecendo-se do choro. Estava encolerizada com o comentário dele. Como ousava contradizê-la! Era ela quem sofria.

– Sua pele precisará de linha e agulha – Duncan observou.

Madelyne bateu no ombro dele quando ele ousou dar de ombros após seu anúncio.

– Ninguém vai enfiar uma agulha em mim.

– Você é uma mulher muito obstinada, Madelyne – Duncan disse ao se inclinar para apanhar a capa dela. Passou-a ao redor dos ombros dela e a ergueu nos braços, tomando cuidado com o machucado.

Madelyne instintivamente passou os braços ao redor do pescoço dele. Considerou arranhar-lhe os olhos pelo modo terrível com que a estava tratando.

– Você é o obstinado, Duncan. Sou uma donzela honrada e de temperamento recatado que você tentaria destruir se eu lhe desse uma oportunidade. E juro por Deus, esta é a última vez que falarei com você.

– Ah, e você é tão honrada que nunca quebra uma promessa. Não é verdade, Lady Madelyne? – ele perguntou enquanto a carregava de volta aos homens que aguardavam.

– Sim – Madelyne respondeu de pronto. Fechou os olhos e se apoiou no peito dele. – Você tem o cérebro de um lobo, sabia disso? E os lobos têm cérebros bem pequenos.

Madelyne estava cansada demais para ver como ele reagia a seus insultos. Indignava-se com a maneira com que ele a tratava, depois percebeu que deveria estar agradecida pela atitude insensível dele. Oras, ele a deixara brava o bastante para se esquecer da dor. E tão importante quanto isso, sua falta de compaixão a ajudara a superar o impulso de se descontrolar e chorar em sua frente. Chorar como uma criança teria sido indigno e tanto sua dignidade quanto seu orgulho eram mantos valorizados que ela sempre vestia. Teria sido humilhante perder qualquer um deles. Madelyne se permitiu um leve sorriso, certa de que Duncan não o veria. Ele era um homem tolo, pois acabara de lhe preservar o orgulho e sequer sabia disso.

Duncan suspirou. Madelyne acabara de quebrar sua promessa ao falar com ele. Não sentia a necessidade de enfatizar isso para ela, mas isso o fez sorrir do mesmo modo.

Queria todos os detalhes de Madelyne, saber como fora ferida e por qual mão. Em seu coração não acreditava que um dos seus a tivesse machucado; contudo, os homens de Louddon também tentariam protegê-la, não?

Duncan resolveu esperar para obter essas respostas. Primeiro precisava controlar sua ira. E Madelyne precisava de cuidados e de descanso agora.

Era difícil provocá-la. Duncan não era um homem acostumado a disfarçar a raiva. Quando o desafiavam, ele atacava. Porém, entendia o quanto Madelyne estava perto de se descontrolar. Contar o que lhe acontecera a afligiria agora.

Quando se colocaram a caminho novamente, Madelyne encontrou uma fuga para a dor, aninhada contra o peito de Duncan, com o rosto apoiado debaixo do seu queixo.

Madelyne estava se sentindo segura de novo. Sua reação a Duncan a confundia. Em seu coração admitia que ele não se parecia em nada com Louddon, ainda que preferisse a morte antes de admitir isso. Ainda era sua prisioneira, afinal, um joguete a ser usado contra o irmão. No entanto, não o odiava de verdade. Duncan simplesmente estava retaliando Louddon e ela fora apanhada no meio da situação.

– Vou fugir, sabe.

Não percebera que tinha falado em voz alta até Duncan lhe responder:

– Não, você não fugirá.

– Finalmente chegamos em casa – Gilard anunciou. Seu olhar estava direcionado para Madelyne. Boa parte do rosto dela estava escondido, mas o que ele via era uma expressão tranquila. Pensou que ela podia estar dormindo e ficou grato por isso. De fato, Gilard não sabia como agir com Lady Madelyne agora. Encontrava-se numa posição muito estranha. Tratara-a com desprezo. E como ela lhe pagara? Oras, ela salvara sua vida. Não entendia o motivo de ela ter ido em seu auxílio e desejava perguntar. Mas não perguntou, pois tinha a sensação de que não gostaria de sua resposta.

Quando Gilard viu os muros assomando-se até os céus à frente deles, incitou a montaria a ultrapassar Duncan de modo a ser o primeiro a entrar no pátio. Por ritual e tradição, Duncan escolhera ser o último dos homens a entrar na segurança fornecida pelas grossas paredes de pedra. Os soldados apreciavam essa tradição, pois lembrava a cada um deles que seu suserano colocava a vida deles acima da sua. Apesar de cada um dos homens ter jurado fidelidade ao Barão de Wexton, eles também sabiam que dependiam dele para sua proteção.

Era uma aliança tranquila. O orgulho era a raiz. Sim, cada homem também podia se vangloriar de ser um dos soldados de elite de Duncan.

Os homens de Duncan eram os soldados mais bem treinados da Inglaterra. Duncan media o sucesso impondo provas que homens normais considerariam impossíveis de passar. Seus homens eram considerados os poucos escolhidos, apesar de chegarem a quase seiscentos no total quando uma contagem acurada foi feita na época em que todos foram chamados a participar do período obrigatório de quarenta dias. Seu poderio era reverenciado, sussurrado em meio aos homens de menor poder, e seus feitos de força extraordinária eram recontados sem a necessidade do exagero para reavivar a narrativa. A verdade já era interessante o bastante.

Os soldados refletiam os valores do líder, um senhor que empunhava sua espada com muito mais habilidade do que todos os seus desafiantes. Duncan de Wexton era um homem a ser temido. Seus inimigos desistiram de tentar descobrir seu ponto fraco. O guerreiro não demonstrava nenhuma vulnerabilidade. Não parecia interessado em ofertas mundanas. Não, Duncan nunca tomara a riqueza por segunda amante como outros em sua posição o fizeram. O barão não apresentava nenhum calcanhar de Aquiles para o mundo externo. Era um homem de aço, ou infelizmente era assim que o viam aqueles que desejavam lhe fazer mal. Era um homem sem consciência, um guerreiro sem coração.

Madelyne pouco conhecia a reputação de Duncan. Sentia-se protegida em seus braços e observava os soldados passarem em fila. Estava curiosa em saber por que Duncan esperava.

Virou sua atenção para a fortaleza em sua frente. A estrutura imensa estava fincada no alto de um monte austero e não havia nem mesmo o auxílio de uma árvore para atenuar sua severidade. Um muro de pedras cinzentas circundava a fortaleza e devia ter pelo menos uns duzentos metros de largura. Madelyne nunca vira nada tão monstruoso. O muro era alto o bastante para alcançar a lua, ou assim parecia a Madelyne. Ela enxergava uma porção da torre circular que se projetava do interior, tão alta que o topo estava escondido por nuvens pesadas.

A estrada até a ponte levadiça se curvava como a barriga de uma serpente pela subida rochosa. Duncan incitou sua montaria à frente quando o último dos homens passou pelas tábuas de madeira que atravessavam o fosso. O garanhão estava ansioso em chegar ao seu destino, sapateando nervosamente de lado de um modo que provocou novas dores na coxa de Madelyne. Ela fez uma careta de dor, sem perceber que agarrava o braço de Duncan.

Ele sabia que ela estava sofrendo. Olhou para Madelyne, percebeu sua exaustão e franziu o cenho.

– Logo vai poder descansar, Madelyne. Aguente só mais um pouco – Duncan sussurrou com uma voz carregada de preocupação.

Madelyne assentiu e fechou os olhos.

Quando chegaram ao pátio, Duncan desmontou rapidamente e suspendeu Madelyne nos braços. Segurou-a firme contra o peito, depois se virou e começou a andar até sua casa.

Soldados ladeavam o caminho. Gilard estava com dois homens na frente das portas do castelo. Madelyne abriu os olhos e fitou Gilard. Pensou que ele parecia perplexo, mas não entendia o motivo.

Foi só quando se aproximaram que Madelyne notou que ele não olhava para ela. Oras, sua atenção estava fixa em suas pernas. Madelyne abaixou o olhar, viu que a capa já não escondia mais seu ferimento. O vestido esfarrapado se arrastava atrás dela como um estandarte rasgado. Somente sangue a cobria, escorrendo ao longo do comprimento da perna.

Gilard se apressou a abrir as portas, uma entrada dupla que apequenava os homens. Uma rajada de ar quente recebeu Madelyne quando chegaram ao centro de um pequeno corredor.

A área ao redor dela evidentemente era o alojamento dos soldados. A entrada era estreita, o piso de madeira, e os aposentos dos homens ficavam à direita. Uma escada circular tomava conta de toda a parede esquerda, com seus degraus curvos que conduziriam até a casa acima. Existia algo de muito perturbador na estrutura, mas Madelyne não conseguia descobrir o que a incomodava até Duncan tê-la carregado até a metade do caminho.

– Os degraus estão do lado errado – Madelyne disse de repente.

– Não, Madelyne. Estão do lado certo – Duncan rebateu.

Ela pensou que ele parecia entretido.

– Este não é o lado certo – ela o contradisse. – A escada é sempre construída do lado direito da parede. Todos sabem disso – acrescentou com grande autoridade.

Por algum motivo, Madelyne ficou enfurecida por Duncan não admitir um erro evidente em seu lar.

– É construída do lado direito a menos que seja deliberadamente construída do esquerdo – Duncan respondeu. Cada palavra era pronunciada com precisão. Ora, ele agia como se estivesse ensinando uma criança tola.

Por que Madelyne considerava essa discussão tão importante estava além da sua compreensão. No entanto, jurou dar a última palavra no assunto:

– Então foi uma decisão ignorante – disse-lhe. Madelyne o encarou fixamente e lamentou que ele não estivesse olhando para baixo para perceber isso. – Você é um homem teimoso.

– Você é uma mulher teimosa – Duncan rebateu. Sorriu, satisfeito com sua observação.

Gilard ia atrás do irmão. Achou a conversa deles um tanto ridícula. No entanto, estava preocupado demais para sorrir ante a troca infantil de palavras.

Gilard sabia que Edmond estaria à espera deles. Sim, o irmão do meio certamente estaria no grande salão. Adela talvez estivesse junto. Gilard percebeu que estava preocupado com Madelyne agora. Não queria que ela tivesse mais confrontos desagradáveis. E desejou ter tempo para explicar a natureza afável de Madelyne para Edmond.

A preocupação de Gilard foi temporariamente deixada de lado quando Duncan chegou ao segundo andar e não se virou para o salão. Foi em direção contrária, subindo mais uma escada circular, e entrou na boca da torre. Ali os degraus eram mais estreitos e o avanço mais lento por conta das curvas fechadas.

O quarto no alto da torre estava congelando. Havia uma lareira no meio da parede circular. Uma imensa janela também fora acrescentada, bem ao lado da lareira. A janela estava escancarada, e as venezianas de madeira se chocavam contra as paredes de pedra.

Havia uma cama encostada na parede oposta. Duncan tentou ser gentil ao depositar Madelyne sobre a colcha. Gilard os seguiu e Duncan distribuiu ordens ao irmão enquanto ajeitava lenha na lareira.

– Mande Gerty subir com um prato de comida para Madelyne, e diga a Edmond que traga os medicamentos. Ele terá que usar a agulha nela.

– Ele se oporá a isso – Gilard comentou.

– Diga-lhe que o faça mesmo assim.

– Quem é Edmond?

A pergunta suave foi feita por Madelyne. Tanto Duncan quanto Gilard se viraram para olhar para ela. Ela se esforçava para se levantar, estranhando a impossibilidade de tal tarefa. Seus dentes começaram a tiritar de frio por conta do esforço e, por fim, ela se deixou cair novamente na cama.

– Edmond é nosso irmão do meio – Gilard explicou.

– Quantos Wexton existem? – Madelyne perguntou, franzindo o cenho.

– Cinco no total – Gilard respondeu. – Catherine é a irmã mais velha, depois Duncan, em seguida Edmond, depois Adela e por último eu – acrescentou com um sorriso. – Edmond cuidará do seu ferimento, Madelyne. Ele conhece os caminhos da cura, e antes que se dê conta, estará novinha em folha.

– Por quê?

Gilard franziu o cenho.

– Por que o quê?

– Por que quer que eu fique nova em folha? – Madelyne perguntou, evidentemente intrigada.

Gilard não sabia o que responder. Virou-se para olhar para Duncan que acendera a lareira e agora fechava as janelas. Sem se virar, Duncan ordenou:

– Gilard, faça o que ordenei.

Sua voz não aceitava objeções. Gilard era esperto o suficiente para obedecer. Chegou à porta antes que a voz de Madelyne o alcançasse.

– Não traga seu irmão. Posso cuidar de meu ferimento sozinha.

– Agora, Gilard.

A porta se fechou.

Duncan, então, se virou para Madelyne.

– Pelo tempo em que permanecer aqui, não contradirá nenhuma ordem minha. Está entendido?

Ele avançava lentamente na direção da cama, com passos calculados.

– Como posso entender alguma coisa, meu senhor? – Madelyne sussurrou. – Não passo de um fantoche, não é mesmo?

Antes que ele pudesse assustá-la, Madelyne fechou os olhos. Cruzou os braços sobre o peito, num gesto com a intenção de afastar o frio do cômodo.

– Deixe-me morrer em paz – sussurrou um tanto dramaticamente. Deus, como desejava ter a força e a coragem para gritar com ele. Estava se sentindo tão infeliz agora. Também haveria mais dor se o irmão de Duncan tocasse nela. – Não tenho energia para os cuidados de seu irmão.

– Sim, você tem, Madelyne.

A voz dele soou tão suave, mas Madelyne estava brava demais para atentar.

– Por que tem que contradizer tudo o que eu lhe digo? Isso é um terrível defeito – Madelyne murmurou.

Uma batida soou à porta. Duncan chamou do lado oposto do quarto. Apoiou-se na cornija da lareira com o olhar direcionado a Madelyne que, curiosa demais, abriu os olhos.

A porta se abriu com um rangido e uma mulher mais velha entrou. Trazia uma travessa numa mão e um jarro na outra. Havia duas peles de animal enroladas debaixo do braço. A criada era uma mulher rechonchuda com preocupados olhos castanhos. Lançou um olhar apressado para Madelyne e se virou desajeitada para fazer uma reverência ao seu senhor.

Madelyne concluiu que a criada temia Duncan. Observou a pobre mulher, sentindo grande compaixão por ela enquanto ela tentava equilibrar os itens nas mãos e dobrar os joelhos.

Duncan não estava facilitando nada para a mulher. Acenou de leve com a cabeça e indicou que fosse para junto de Madelyne. Sem nem uma palavra de encorajamento ou de gentileza.

A criada se mostrou rápida com os pés, pois assim que Duncan indicou suas ordens, ela só faltou correr até a cama, tropeçando duas vezes antes de chegar lá.

Apoiou a travessa de comida perto de Madelyne e lhe ofereceu o jarro.

– Como você se chama? – Madelyne perguntou à mulher. Manteve a voz baixa para que Duncan não a ouvisse.

– Gerty – a mulher respondeu.

A mulher se lembrou das cobertas que segurava sob o braço e rapidamente passou a travessa para a cômoda de madeira ao lado da cama. Cobriu Madelyne com as cobertas.

Madelyne sorriu em agradecimento e isso encorajou Gerty a ajeitar as laterais das peles de animais debaixo das pernas de Madelyne.

– Estou vendo o quanto treme – sussurrou.

Gerty não sabia do ferimento de Madelyne. Quando ela empurrou a coberta contra a coxa machucada, Madelyne fechou os olhos com força contra a dor excruciante, mas nada disse.

Duncan viu o que acontecera, pensou em berrar uma censura à criada, mas o mal já estava feito. Gerty entregava comida a Madelyne agora.

– Obrigada por sua gentileza, Gerty.

A aprovação de Madelyne surpreendia Duncan. Olhou para sua prisioneira, absorveu sua expressão de tranquilidade, e se pegou balançando a cabeça. Em vez de censurar a criada, Lady Madelyne a elogiara.

A porta subitamente se escancarou. Madelyne se virou, com os olhos arregalados de medo. A porta ricocheteou duas vezes na parede antes de parar. Um gigante estava na soleira, com as mãos apoiadas no quadril e uma carranca no rosto. Madelyne concluiu com um suspiro que aquele então era Edmond.

Gerty passou rapidamente pelo homem grande e se apressou a sair pela porta bem quando Edmond avançava para dentro do quarto. Um rastro de criados o acompanhou, trazendo bacias de água e uma variedade de bandejas com jarros em formatos estranhos sobre elas. Os criados colocaram suas bandejas no chão junto à cama e depois se viraram, inclinaram-se diante de Duncan e saíram. Agiram como coelhos assustados. E por que não o fariam?, Madelyne perguntou a si mesma. Afinal, havia dois lobos no quarto com ela, e isso não bastaria para assustar alguém?

Edmond ainda não havia dito nenhuma palavra ao irmão. Duncan não queria um confronto diante de Madelyne. Sabia que ele estaria irado, e isso assustaria Madelyne. Contudo, tampouco estava disposto a se curvar.

– Não vai cumprimentar seu irmão, Edmond? – Duncan perguntou.

O ardil funcionou. Edmond pareceu surpreso com a pergunta. O rosto perdera parte da raiva.

– Por que não fui informado sobre seu plano de trazer a irmã de Louddon para cá? Acabei de saber que Gilard sabia de tudo desde o início.

– Imagino que tenha se pavoneado sobre isso também – Duncan disse, meneando a cabeça.

– Foi o que fez.

– Gilard está exagerando, Edmond. Ele não sabia das minhas intenções.

– E seus motivos para manter segredo, Duncan? – Edmond perguntou.

– Você teria discutido – Duncan observou. Sorriu ante tal admissão, como se ele fosse tirar prazer da discussão.

Madelyne notou a mudança de atitude em Duncan. Estava muito surpresa. Oras, ele ficava muito belo quando sorria. Sim, pensou ela, ele parecia humano. E isso, admoestou-se, era só o que se permitiria pensar sobre a aparência dele.

– Você já deu as costas a uma discussão antes? – Edmond gritou para o irmão.

As paredes por certo sacudiram com o barulho. Madelyne ficou imaginando se tanto Edmond quanto Gilard sofriam de algum problema de audição.

Edmond não era tão alto quanto Duncan, não quando estavam tão perto um do outro. Entretanto, ele se assemelhava mais a Duncan do que Gilard. Tinha a aparência igualmente malvada quando franzia o cenho. As expressões faciais eram quase idênticas, inclusive as carrancas. Contudo, os cabelos de Edmond não eram negros, mas castanhos como os campos recém-arados, fartos e grossos. E quando ele se voltou para olhar para ela, Madelyne pensou ter visto um resvalo de luz naqueles olhos castanhos escuros.

– Se pensa em gritar comigo, Edmond, vou avisando que não estou disposta a ouvir – Madelyne comunicou.

Edmond não respondeu. Cruzou os braços diante do peito e a encarou, longa e fixamente, até Duncan lhe ordenar que verificasse o ferimento.

Quando o irmão do meio se aproximou da cama, Madelyne começou a se assustar novamente.

– Eu preferiria que me deixassem em paz – disse, tentando não deixar a voz tremer.

– Suas preferências não me importam – Edmond observou. Sua voz agora era tão suave quanto a dela fora.

Ela admitiu a derrota quando Edmond pediu que lhe mostrasse de qual perna deveria cuidar. Ele era grande o bastante para forçá-la, e Madelyne precisava de suas forças para o que viria depois.

A expressão de Edmond não se alterou quando ela levantou a coberta. Madelyne tomou cuidado para esconder o restante do corpo das vistas dele. Afinal, era uma dama recatada e era melhor que Edmond entendesse isso desde o início.

Duncan andou até a lateral da cama. Franziu o cenho quando Edmond tocou na perna de Madelyne e ela fechou a cara de dor.

– É melhor segurá-la, Duncan – Edmond observou. Sua voz era suave agora, visto que sua concentração estava toda voltada para a tarefa diante de si.

– Não! Duncan?

Ela não conseguiu impedir o olhar frenético.

– Não haverá necessidade – Duncan instruiu o irmão. Olhou para Madelyne e acrescentou: – Eu a segurarei se for necessário.

Os ombros de Madelyne relaxaram contra a cama de novo. Assentiu e uma expressão de tranquilidade se formou em seu rosto.

Duncan tinha certeza de que teria de segurá-la, caso contrário Edmond não conseguiria completar a tarefa de limpar o ferimento e de suturar a pele. Haveria dor, intensa, mas necessária, e não seria desgraça nenhuma para uma mulher gritar durante a provação.

Edmond organizou os suprimentos de que necessitava e finalmente ficou pronto para começar. Olhou para o irmão, recebeu sua autorização e se virou para olhar para Madelyne. O que viu o surpreendeu e o mobilizou. Havia confiança naqueles olhos azuis magníficos e nenhum traço de medo. Edmond admitiu que ela era uma beldade, exatamente como Gilard havia dito.

– Pode começar, Edmond – Madelyne sussurrou então, interrompendo os pensamentos de Edmond.

Edmond notou Madelyne acenar com um gesto régio, indicando que estava esperando. Quase sorriu diante da demonstração de autoridade. Sua voz rouca o surpreendeu também.

– Não seria mais fácil se usasse uma lâmina quente para fechar a ferida?

Antes que Edmond pudesse responder, Madelyne se apressou a completar:

– Não tenho a intenção de lhe dizer como proceder. Por favor, não se ofenda, mas me parece bárbaro usar linha e agulha.

– Bárbaro?

Edmond aparentava ter dificuldades de acompanhar a conversa.

Madelyne suspirou. Resolveu que estava cansada demais para tentar fazê-lo entender.

– Tem minha permissão para começar, Edmond – repetiu. – Estou pronta.

– Eu tenho? – Edmond perguntou, olhando para Duncan para apreender sua reação.

Duncan estava preocupado demais para sorrir por conta as palavras de Madelyne. Parecia sério.

– Você é bem mandona – Edmond disse a Madelyne. O comentário foi suavizado pelo seu sorriso.

– Comece logo – Duncan murmurou. – A espera só piora as coisas.

Edmond assentiu. Fechou a mente para tudo que não fosse seu trabalho. Preparando-se para os gritos que sabia que começariam assim que tocasse nela, começou a limpeza.

Ela não emitiu som algum. Em algum momento durante o processo, Duncan se sentou na cama. Madelyne de pronto voltou o rosto para ele. Agia como se quisesse se apertar debaixo dele. As unhas se enterraram na coxa dele, mas ele não achava que ela estivesse ciente do que fazia.

Madelyne achava que não conseguiria suportar a dor por muito tempo mais. Estava grata por Duncan estar ali, apesar de não compreender por que se sentia assim. Não parecia capaz de pensar em muita coisa, apenas aceitar que Duncan se tornara a âncora na qual se segurava. Sem ele, seu controle entraria em colapso.

Bem quando teve certeza que começaria a gritar, sentiu a agulha perfurar-lhe a pele. Um doce esquecimento tomou conta dela, e ela não sentiu mais nada.

Duncan soube o segundo em que Madelyne desmaiou. Lentamente afastou a mão de sua coxa e, com suavidade, virou o rosto dela para que ficasse completamente visível para ele. Lágrimas molhavam suas faces e ele lentamente as enxugou.

– Acho que eu teria preferido que ela gritasse – Edmond murmurou enquanto trabalhava na pele cortada com sua agulha e linha.

– Não teria tornado seu trabalho mais fácil – Duncan respondeu. Ficou de pé quando Edmond terminou e observou o irmão enfaixar a coxa de Madelyne com uma tira grossa de algodão.

– Inferno, Duncan, ela provavelmente terá febre e acabará morrendo – Edmond previu com a expressão fechada.

Seu comentário enfureceu Duncan.

– Não! Não vou permitir isso, Edmond.

Edmond ficou chocado com a veemência da declaração de Duncan.

– Você se importaria com isso, irmão?

– Sim, eu me importaria – Duncan admitiu.

Edmond não sabia o que dizer. Ficou com a boca aberta e observou o irmão sair do quarto.

Com um suspiro cansado, Edmond o seguiu.

Duncan já havia saído do castelo e estava abrindo caminho até o lago localizado atrás da cabana do açougueiro. A severidade do clima era bem vinda, pois afastava sua mente das questões que o incomodavam.

O ritualístico mergulho noturno era outra exigência que Duncan fazia de sua mente e do seu corpo. Sim, era um desafio com o propósito de endurecê-lo contra o desconforto. Não ansiava por esse ritual, mas também não o evitava. E nunca se esquivava, fosse verão ou inverno.

Duncan se despiu e mergulhou na água gelada, esperando que o frio bastasse para tirar Madelyne de seus pensamentos por apenas alguns minutos.

Pouco tempo depois, jantou. Edmond e Gilard lhe fizeram companhia, um acontecimento extraordinário visto que Duncan costumava comer sozinho. Os dois irmãos mais novos falaram sobre muitas coisas, mas nenhum deles ousou questioná-lo a respeito de Lady Madelyne. O silêncio de Duncan e sua carranca perpétua durante toda a refeição não permitiam que o assunto fosse discutido.

Duncan não se lembrava do que havia comido. Determinara que deveria descansar, mas quando finalmente foi para a cama, a imagem de Madelyne persistia em incomodá-lo. Disse a si mesmo que se acostumara a tê-la por perto, e por certo esse era o motivo pelo qual não conseguia dormir. Uma hora se passou, depois outra, e ainda assim Duncan só se virava de um lado para o outro na cama.

No meio da noite, desistiu de lutar. Soltou algumas maldições durante todo o trajeto até o alto da torre, dizendo a si mesmo que só queria ver como Madelyne estava, ter certeza de que ela não estava morrendo.

Parou na soleira por um bom tempo, até ouvir Madelyne gritar em seu sono. O som o atraiu para dentro. Fechou a porta, juntou mais lenha à lareira e depois se aproximou de Madelyne.

Ela dormia apoiada em seu lado são com o vestido todo enrolado ao redor das coxas. Duncan tentou, mas não conseguiu arrumar a roupa a seu contento. Frustrado, usou a adaga para rasgar o material. Não parou até ter removido a túnica e o manto, dizendo a si mesmo que assim ela ficaria mais confortável.

Ela vestia apenas uma camisola agora. O decote cavado mostrava o volume elevado dos seios. Havia uma fita larga de um bordado delicado ao redor do decote; fios vermelhos, amarelos e verdes foram meticulosamente trabalhados num bordado de flores primaveris. Era um trabalho muito feminino e agradava a Duncan, porque ele sabia que ela passara demoradas horas empenhada naquela tarefa.

Madelyne era tão extraordinária e delicada quanto as flores de sua roupa. Que criatura meiga era. Sua pele imaculada, agora iluminada pelos tons dourados da luz tremeluzente do fogo da lareira.

Deus, era adorável.

– Inferno – Duncan murmurou consigo. Madelyne era uma cena mais que adorável sem o vestido para obstruir sua vista.

Quando ela começou a estremecer, Duncan foi para a cama ao lado dela. A tensão abandonou com lentidão seus ombros. Sim, estava acostumado a tê-la por perto, e certamente era por isso que sentia tamanho contentamento.

Puxou a coberta sobre os dois. Estava prestes a passar o braço sobre a cintura dela para aproximá-la, mas Madelyne foi mais rápida. Aninhou-se a ele até as nádegas se acomodarem mais intimamente contra suas coxas.

Ele sorriu. Lady Madelyne evidentemente também se acostumara a tê-lo por perto, e o sorriso arrogante de Duncan era só porque sabia que ela não tinha consciência disso... ainda.


CAPÍTULO SETE


“A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.”
Provérbios 15:1

 

Madelyne dormiu por quase vinte e quatro horas. Quando, por fim, abriu os olhos, o quarto estava iluminado pelas sombras vespertinas de apenas alguns fachos de luz solar que atravessavam as venezianas de madeira. Tudo parecia nebuloso e ela se sentia tão desorientada que não conseguia se lembrar de onde estava.

Tentou se erguer na cama, fez uma careta por conta da dor causada pelo movimento, e se lembrou de tudo então.

Deus, sentia-se péssima. Todos os músculos de seu corpo doíam. Parecia que alguém devia ter lhe dado uma surra de vara nas costas, ou encostado um ferro quente na lateral de sua perna. Seu estômago roncava, mas ela não queria comer nada. Não, estava apenas terrivelmente sedenta e ardente. Só o que desejava era arrancar as roupas e ficar nua diante da janela aberta.

Essa ideia lhe pareceu perfeitamente maravilhosa. Tentou sair da cama para abrir as venezianas, mas estava fraca demais até para afastar as cobertas. Ela ficou tentando até perceber que não estava vestindo as próprias roupas. Alguém as tirara, e embora o fato ofendesse sua modéstia, isso não chegava a ser tão alarmante quanto saber que não lembrava absolutamente nada do feito.

Madelyne agora vestia uma camisa branca de algodão de alguma espécie, por certo uma vestimenta indecente, pois mal lhe chegava aos joelhos. As mangas, contudo, eram compridas demais. Oras, era uma camisa masculina e, devido às suas proporções gigantescas ao redor dos ombros, evidentemente pertencia a Duncan. Era ela mesma; Duncan estava usando uma camisa idêntica quando dormira ao seu lado na tenda na noite anterior... ou teria sido duas noites antes? Madelyne estava sonolenta demais para se lembrar. Resolveu fechar os olhos por mais um minuto para pensar a respeito.

Teve o mais pacífico dos sonhos. Tinha então onze anos e morava com o tio, Padre Berton, e Padre Robert e Padre Samuel vieram à mansão Grinsteade para visitar seu tio e para prestar seus respeitos ao velho Morton, senhor da mansão Grinsteade. Tirando os camponeses que trabalhavam na pequena propriedade do Barão Morton, Madelyne era a única jovem na residência. Estava cercada por homens bons e gentis, e velhos o bastante para serem seus avôs. Tanto Padre Robert quanto Padre Samuel vinham do monastério abarrotado de Claremont e Lorde Morton lhes oferecera residência permanente. O ancião passara a gostar muito dos amigos de Padre Berton. Ambos eram excelentes jogadores de xadrez e gostavam de ouvir o barão recontar suas histórias favoritas do passado.

Madelyne estava cercada de anciões amorosos que acreditavam que ela era uma criança bem dotada. Alternavam-se a lhe ensinar a ler e escrever, e o sonho de Madelyne se focou numa das tardes tranquilas. Estava sentada à mesa, lendo para os “tios” os escritos que transcrevera. Um fogo ardia na lareira e havia uma atmosfera tranquila e acolhedora na sala. Estava recontando uma história extraordinária, com as aventuras de um dos seus heróis prediletos, Odisseu. O poderoso guerreiro fazia-lhe companhia durante o sonho, parado junto ao seu ombro, sorrindo-lhe enquanto ela narrava os acontecimentos maravilhosos da longa jornada dele.

Na vez seguinte em que despertou, certamente apenas poucos minutos após ter resolvido descansar um pouco mais, Madelyne de pronto percebeu que alguém de fato cobrira seus olhos.

– Como ousam me tratar assim? – murmurou seu ultraje em voz alta, para ninguém em particular.

A venda também estava úmida. Madelyne arrancou a amarra odiosa com uma imprecação típica de um camponês indecente. Estranho, mas acreditou ter ouvido alguém rir com isso. Tentou se concentrar no som, quando sua mente foi desviada novamente. Maldição! Outra venda lhe foi aplicada na testa novamente! Isso não fazia sentido algum. Não acabara de removê-la? Balançou a cabeça, confusa com tudo aquilo.

Alguém lhe falou, mas ela não entendia o que essa pessoa dizia. Se ele parasse de sussurrar e adulterar cada palavra, seria muito mais fácil para ela. Pensou que quem falava com ela estava sendo terrivelmente rude e apenas vociferou essa sua opinião.

De repente se lembrou de quanto se sentia quente, quando outra coberta pesou em seus ombros. Sabia que teria que abrir outra janela para respirar um pouco de ar fresco. Era a única coisa que a salvaria de todo aquele calor. Oras, se achasse isso mesmo possível, pensaria estar no purgatório. Mas era uma boa moça, portanto isso não poderia ser verdade. Não, ela iria para o paraíso, maldita ela se não fosse.

Por que não conseguia manter os olhos abertos? Sentiu alguém puxando-a pelos ombros e depois uma golada de água fresca tocou em seus lábios ressequidos. Tentou sorver um bom gole, mas a água subitamente desapareceu depois de ela ter saboreado apenas uma porção pequena e insignificante. Alguém estava disposto a lhe pregar uma peça maldosa, concluiu, franzindo o cenho o mais ferozmente que conseguia naquelas circunstâncias.

De repente, tudo ficou claro como água. Oras, estava no Hades, e não no purgatório, e tudo por causa dos monstros e demônios que tentaram ludibriar Odisseu. Agora também tentavam enganá-la. Muito bem, disse a si mesma, não toleraria nada daquilo.

A ideia desses demônios não incomodava Madelyne em nada. Muito pelo contrário. Ficou absolutamente furiosa. Seus tios lhe mentiram. As histórias de Odisseu não eram falsas nem lendas passadas de geração em geração. Os monstros existiam de fato. Sentia-os rodeando-a, só à espera que ela abrisse os olhos.

E onde estaria Odisseu?, exigia saber. Como ele ousava deixá-la sozinha para enfrentar esses demônios? Ele não entendia o que deveria fazer? Ninguém lhe contara sobre seus próprios triunfos?

Madelyne sentiu alguém tocando-a na coxa, interrompendo seus pensamentos descontentes. Derrubou a nova venda dos olhos ardentes e se virou bem a tempo de ver quem se ajoelhava ao lado de sua cama. Gritou então, numa reação instintiva ao horrível gigante de um olho só que olhava para ela com uma careta de seu rosto distorcido, e depois se lembrou de que estava com raiva e não com medo. Era um dos ciclopes, isso mesmo, podia bem ser o líder, Polifemo, o mais desprezível de todos eles, prestes a pegá-la, caso o permitisse.

Madelyne cerrou o punho e atacou o gigante com um soco poderoso. Mirou no nariz, errando por poucos centímetros, mas foi satisfatório o suficiente. O gesto a exauriu, e ela se largou no colchão, subitamente tão fraca quanto um filhotinho de gato. No entanto, trazia um sorriso de satisfação no rosto, pois ouvira Polifemo emitir um grito de pesar.

Madelyne desviou a cara para longe do ciclope, determinada a ignorar o monstro que cutucava sua coxa. Olhou para a lareira. E foi então que o viu. Oras, ele estava bem diante do fogo, com a luz reluzindo ao redor do corpo magnífico. Ele era muito maior do que o imaginara, e muito mais atraente. Mas, claro, ele não era mortal, tentou se lembrar. Deduziu que isso devia explicar suas proporções gigantescas e a luz mítica que o cercava.

– E onde foi que andou se metendo? – exigiu saber com um grito proposital para atrair a atenção dele.

Madelyne não tinha certeza se guerreiros mitológicos podiam conversar com meros mortais, e rapidamente concluiu que não podiam, ou não desejavam, porque ele simplesmente permaneceu onde estava, olhando para ela, sem oferecer nenhuma palavra como resposta à sua exigência.

Pensou em tentar novamente, apesar de considerar a tarefa exasperadora. Havia um ciclope bem ao lado dela, pelo amor de Deus, e mesmo que o guerreiro não pudesse falar com ela, ele deveria estar vendo que havia trabalho a ser feito.

– Pegue-o, Odisseu – Madelyne exigiu, apontando para o monstro ajoelhado ao seu lado.

Maldito ele se não parecia somente confuso, parado ali. Mesmo com seu tamanho e força, não parecia muito inteligente.

– Será que tenho que lutar minhas batalhas sempre sozinha? – exigiu saber, erguendo a voz até que os músculos do pescoço doessem pelo esforço. Lágrimas de frustração anuviaram sua visão, mas ela não teve como evitar. Odisseu estava tentando desaparecer na luz. Como era rude, pensou ela.

Não poderia permitir que desaparecesse. Pouco inteligente ou não, ele era tudo de que dispunha. Madelyne tentou apaziguá-lo:

– Prometo perdoá-lo pelas vezes em que permitiu que Louddon me ferisse, mas não o perdoarei se me deixar sozinha agora.

Odisseu não pareceu extremamente preocupado em conquistar seu perdão. Ela mal o enxergava agora, sabia que logo desapareceria, e percebeu que teria que intensificar as ameaças se desejava conseguir qualquer ajuda da parte dele.

– Se me deixar, Odisseu, eu mandarei alguém atrás de você para que aprenda bons modos. Isso mesmo – acrescentou, elevando a ameaça. – Mandarei o mais temido dos guerreiros. Saia e veja o que lhe acontecerá! Se não se livrar dele – declarou, parando na ameaça para apontar com dramaticidade para o ciclope por um longo instante –, enviarei Duncan atrás de você!

Madelyne ficou tão satisfeita consigo que fechou os olhos com um suspiro. Por certo instilara o medo de Zeus na mais magnífica das criaturas, o poderoso Odisseu, ao fingir enviar Duncan atrás dele. Emitiu uma resfolegada pouco elegante por conta de sua astúcia.

Lançou uma espiada rápida com um olho só para ver se sua ameaça fora compreendida, e sorriu vitoriosa. Odisseu parecia preocupado. Mas isso, Madelyne subitamente decidiu, não bastava. Se iria lutar contra o ciclope, precisava ficar muito bravo.

– Duncan na verdade é um lobo e ele vai dilacerá-lo se eu pedir que o faça – gabou-se. – Ele fará tudo o que eu pedir – acrescentou. – Simples assim. – Madelyne tentou estalar os dedos, mas não conseguiu fazer isso.

Fechou os olhos de novo, sentindo como se tivesse vencido uma importante batalha. E tudo com palavras gentis, lembrou-se. Não usara força alguma.

– Sou uma donzela inteligente – exclamou. – Ah, se não sou.

 

Durante três longos dias e noites, Madelyne lutou contra os monstros mitológicos que apareceram e tentaram levá-la ao Hades. Odisseu esteve sempre ali, ao seu lado, ajudando-a a se defender dos ataques quando ela o exigia.

Por vezes, o gigante teimoso conversava com ela. Gostava de interrogá-la quanto ao seu passado, e quando ela entendia o que ele perguntava, Madelyne de pronto lhe respondia. Odisseu parecia especificamente interessado num período determinado de sua infância. Ele queria que ela lhe contasse como fora para ela depois do falecimento da mãe, quando Louddon assumira o posto de guardião.

Ela odiava responder a essas perguntas. Só queria falar de sua vida com Padre Berton. No entanto, não queria que Odisseu ficasse bravo e saísse de perto dela. Por esse motivo, suportava o gentil interrogatório.

– Não quero falar sobre ele.

Duncan foi despertado de pronto pela veemente declaração de Madelyne. Não sabia sobre o que ela falava, mas rapidamente foi para a cama dela. Sentou-se perto e tomou Madelyne nos braços.

– Sossegue, agora – sussurrou. – Volte a dormir, Madelyne.

– Quando ele me obrigou a voltar da casa do Padre Berton, ele foi tão horrível. Entrava sorrateiro no meu quarto todas as noites. Ficava lá, ao pé da cama. Eu o sentia me espionando. Pensei que se abrisse os olhos... Senti muito medo.

– Não pense em Louddon agora – Duncan disse. Estendeu-se na cama assim que ela começou a chorar e a atraiu para os braços.

Apesar de atentar para esconder sua reação, por dentro ele tremia de ódio. Sabia que Madelyne não sabia o que estava lhe contando, mas compreendia muito bem o sentido.

Tranquilizada pelo seu toque, Madelyne adormeceu de novo. No entanto, não descansou por muito tempo, e despertou encontrando Odisseu ainda ali, sempre em vigília. Ela não sentia medo quando ele estava ao seu lado. Odisseu era o guerreiro mais maravilhoso. Era forte, arrogante, apesar de não condená-lo por esse defeito, e tinha um enorme coração.

Também era cheio de truques. Seu passatempo predileto era mudar de aparência. Acontecia tão rápido que Madelyne nem mesmo tinha tempo de arquejar de surpresa. Num minuto ele fingia ser Duncan, no seguinte ele voltava a ser Odisseu. E uma vez, nas horas escuras da noite, ele chegou a se transformar em Aquiles, o que a divertiu. Lá estava ele sentado, na cadeira de espaldar de madeira dura que era pequena demais para seu tamanho e constituição, apenas fitando-a de um modo muito peculiar.

Aquiles não estava usando suas botas. Isso a preocupou, ela de pronto o precaveu para que protegesse os calcanhares a fim de que não fossem feridos. Aquiles pareceu confuso com a sua sugestão, o que a forçou a lembrá-lo que a mãe dele o mergulhara de cabeça nas águas mágicas do rio Estige, tornando-o invencível, a não ser pela pequena porção de pele na parte posterior dos calcanhares, onde ela o segurava para que não fosse levado pelas águas turbulentas.

– A água não tocou seus calcanhares, e é aí que você é mais vulnerável – ela o instruiu. – Entende o que quero dizer?

Ela concluiu que ele não entendia nada. A expressão confusa dele lhe revelou isso. Talvez a mãe dele não tivesse tido tempo para lhe contar a história. Madelyne suspirou e lhe lançou um olhar triste e pesaroso. Sabia o que aconteceria a Aquiles, no entanto, não tinha coragem de avisá-lo sobre as flechas. Deduziu que ele logo saberia.

Madelyne começou a chorar por conta do futuro de Aquiles, quando ele subitamente se levantou e se aproximou dela. Mas não era mais Aquiles. Não, era Duncan que a tomava nos braços e a tranquilizava. Estranho, mas o toque dele muito se assemelhava ao de Odisseu.

Madelyne insistiu com Duncan para que ele se deitasse ao seu lado, depois, de imediato, colocou-se sobre ele. Apoiou a cabeça no peito dele para poder fitá-lo nos olhos.

– Meus cabelos são como uma cortina – disse –, escondendo o seu rosto de todos a não ser de mim. O que acha disso, Duncan?

– Quer dizer que sou Duncan de novo? – ele respondeu. – Você não sabe o que está dizendo, Madelyne. Está ardendo de febre. É isso o que eu acho – acrescentou.

– Vai chamar um padre? – Madelyne respondeu. A pergunta a entristeceu e seus olhos se encheram de lágrimas.

– Você gostaria disso? – Duncan perguntou.

– Não – Madelyne gritou na cara dele. – Se um padre for chamado, saberei que estou morrendo. Ainda não estou pronta para morrer, Duncan. Há muito a fazer ainda.

– E o que você gostaria de fazer? – Duncan perguntou, sorrindo ante a expressão feroz dela.

Madelyne subitamente se abaixou e esfregou o nariz no queixo dele.

– Acho que eu gostaria de beijá-lo, Duncan. Isso o aborreceria?

– Madelyne, você precisa descansar – Duncan disse. Ele tentou rolá-la de lado, mas ela se mostrou mais forte que uma trepadeira. Duncan não a forçou, preocupado por talvez acabar machucando-a. Verdade fosse dita, ele gostava dela bem onde ela estava.

– Se me beijar uma vez só, eu descansarei – ela prometeu. Não lhe deu tempo para responder, apenas segurou-lhe o rosto com as mãos e pressionou o rosto contra o dele.

Deus, e ela o beijou. A boca estava quente, aberta, absolutamente excitante. Foi um beijo tão passional e ávido que Duncan não teve como não reagir. Os braços lentamente a envolveram pela cintura. Quando sentiu a pele quente, percebeu que a saia subira. As mãos afagaram as nádegas suaves e não demorou para que ele se visse envolvido em sua própria febre.

Madelyne estava selvagem e absolutamente indisciplinada quando o beijou. A boca se abriu sobre a dele, a língua penetrou e afagou até ela ficar sem ar.

– Quando beijo sua boca não sinto vontade de parar. Isso é um pecado, não é? – perguntou a Duncan.

Ele percebeu que ela não parecia sinceramente arrependida com a admissão, e deduziu que a febre acabara com suas inibições.

– Eu o tenho deitado de costas, Duncan. Posso me aproveitar de você se eu quiser.

Duncan suspirou de exasperação. O suspiro se transformou num gemido, contudo, quando Madelyne apanhou uma das mãos dele e a espalmou em seu seio.

– Não, Madelyne – Duncan murmurou, apesar de não afastar a mão. Deus, ela estava tão quente. O mamilo enrijeceu quando o polegar instintivamente o esfregou. Gemeu de novo. – Esta não é a hora para o amor. Você não sabe o que está fazendo, sabe? – ele perguntou então. Deus, sua voz saiu áspera como o vento rugindo do lado de fora.

Madelyne de pronto começou a chorar.

– Duncan? Diga que sou importante para você. Mesmo se for mentira, me diga isso mesmo assim.

– Sim, Madelyne, você é importante para mim – Duncan respondeu. Passou os braços pela cintura dela e rolou-a para o seu lado. – Essa é a verdade.

Sabia que deveria colocar um pouco de distância entre eles, senão perderia aquela batalha para a doce tortura. No entanto, não conseguiu impedir mais um beijo.

O gesto pareceu acalmá-la. Antes que Duncan conseguisse inspirar tremulamente mais uma vez, Madelyne já adormecera.

A febre controlava a mente de Madelyne e a vida de Duncan. Não ousava deixá-la sozinha com Gilard e Edmond. Quando a paixão natural perseverava, ele não queria que nenhum dos irmãos fosse o depositário dos beijos dela. Ninguém, a não ser ele, ofereceria conforto a Madelyne nessas horas desinibidas.

Os demônios finalmente deixaram Madelyne naquela noite. Na manhã do quarto dia, ela despertou se sentindo tão retorcida quanto os panos úmidos largados no chão. Duncan estava sentado na cadeira ao lado da lareira. Parecia exausto. Madelyne ficou se perguntando se ele não adoecera. Estava prestes a fazer essa pergunta quando ele notou que o observava. Saltou de pé com a velocidade de um lobo e foi ficar ao lado da cama. Estranho, mas ela achou que ele parecia aliviado.

– Você teve febre – Duncan anunciou. Sua voz estava rouca.

– É por isso que minha garganta dói – Madelyne disse. Deus, ela mal reconhecia sua voz. Estava rouca, parecia inflamada.

Madelyne olhou ao redor do quarto e percebeu toda a bagunça. Confusa, balançou a cabeça. Será que uma batalha acontecera ali enquanto ela dormia?

Quando se virou para Duncan para perguntar sobre o caos, percebeu a expressão divertida dele.

– A sua garganta a está incomodando? – ele perguntou.

– Você acha engraçado que minha garganta esteja doendo? – Madelyne perguntou, incomodada com a reação pouco gentil dele.

Duncan meneou a cabeça, negando sua acusação. Madelyne não ficou nem um pouco convencida. Ele ainda sorria.

Céus, como ele estava bonito naquela manhã. Estava vestido todo de preto, com certeza uma cor austera, no entanto, quando ele sorria, aqueles olhos cinzentos não pareciam nem frios nem intimidadores. Ele a fazia se lembrar de alguém, mas ela não conseguia saber quem poderia ser. Madelyne tinha certeza de que se lembraria de ter conhecido qualquer um que remotamente se parecesse com o Barão de Wexton. Ainda assim, havia uma lembrança elusiva sobre alguém...

Duncan interrompeu sua concentração.

– Agora que está acordada, mandarei vir uma criada para cuidar de você. Não sairá deste quarto até estar curada, Madelyne.

– Estive muito doente? – Madelyne perguntou.

– Sim, esteve muito doente – Duncan admitiu. Virou-se e caminhou até a porta.

Madelyne pensou que ele estava com bastante pressa de se afastar dela. Tirou uma mecha de cabelos dos olhos e encarou as costas de Duncan.

– Deus, devo estar parecendo um trapo – murmurou para si mesma.

– Sim, está mesmo – Duncan respondeu.

Ela ouvia o riso na voz dele. Franziu o cenho ante a falta de educação dele e depois o chamou:

– Duncan? Por quanto tempo tive febre?

– Por três dias, Madelyne.

Ele se virou para ver a reação dela. Madelyne parecia atônita.

– Você não se lembra de nada disso, lembra? – ele perguntou.

Madelyne meneou a cabeça, totalmente desconcertada porque Duncan sorria novamente. Era um homem estranho, achando graça das coisas mais estranhas.

– Duncan?

– Sim?

Ela percebeu a expressão exasperada na voz dele e se irritou.

– Ficou aqui esses três dias? No quarto, comigo?

Ele começou a fechar a porta atrás de si. Madelyne achou que ele não fosse responder à sua pergunta até a voz dele ressoar, forte e insistente.

– Não.

A porta bateu atrás dele.

Madelyne não achava que ele estivesse dizendo a verdade. Não se lembrava do que havia acontecido, mas sabia que Duncan não saíra de perto dela.

Por que negara?

– Que homem contraditório que você é... – Madelyne sussurrou.

Havia um sorriso em sua voz.


CAPÍTULO OITO


“Examinai tudo. Retende o bem.”
I Tessalonicenses 5:21

 

Madelyne estava sentada com as pernas para fora da cama e tentava mentalizar forças para elas. Uma batida tímida soou à porta poucos minutos após Duncan ter saído. Madelyne deu permissão e uma criada entrou no quarto. A mulher era magra como uma folha de pergaminho, parecia cansada e tinha os ombros pensos e linhas de preocupação marcando a testa. Quando a criada se aproximou da cama, seus passos se tornaram mais pesados.

A criada parecia pronta para fugir e subitamente Madelyne percebeu que ela podia estar com medo. A mulher ficava lançando olhares furtivos para a porta.

Madelyne sorriu, tentando atenuar o desconforto da criada, apesar de estar curiosa quanto ao comportamento encabulado.

A mulher trazia algo às costas. Lentamente levou à frente a sacola de Madelyne e disse de repente:

– Trouxe sua bagagem, milady.

– Muita gentileza sua – Madelyne respondeu.

Compreendeu que o elogio agradara à mulher. Já não parecia tão preocupada agora, apenas um tanto confusa.

– Não sei por que tem tanto medo de mim – Madelyne disse, resolvendo enfrentar o problema. – Não vou machucá-la, isso posso lhe prometer. O que os irmãos Wexton lhe disseram que a deixou tão assustada assim?

A franqueza de Madelyne reduziu a tensão na postura da mulher.

– Não me disseram nada, milady, mas não sou surda. Ouvi os gritos daqui de cima lá na despensa no fim do corredor de baixo, e era a senhora quem gritava.

– Eu estava gritando? – Madelyne se viu horrorizada com tal sugestão. Por certo a mulher devia estar equivocada.

– Sim – respondeu a criada, assentindo com vigor. – Eu sabia que a senhora estava com febre, e não tinha como não saber o que fazia. Gerty vai trazer comida daqui a pouco. Vim aqui para ajudar a senhora a trocar de roupa, se quiser.

– Estou com fome – Madelyne comentou. Flexionou as pernas, testando suas forças. – Estou fraca como uma criancinha. Como você se chama?

– Meu nome é Maude, como o da rainha – ela anunciou. – A que morreu, claro, já que o Rei Guilherme ainda não casou.

Madelyne sorriu.

– Maude, acha que posso tomar banho? Estou me sentindo tão grudenta.

– Um banho, milady? – Maude parecia aterrorizada com a ideia. – Em pleno inverno?

– Estou acostumada a tomar banho todos os dias, Maude, e parece que se passou uma eternidade desde a última vez em que...

– Todos os dias? Mas por quê?

– Gosto de me sentir limpa – Madelyne respondeu. Deu uma bela olhada na criada e concluiu que a mulher poderia se beneficiar de um banho também, mas não teceu comentários a fim de não ofendê-la. – Acredita que o seu senhor me permitiria essa vaidade?

Maude deu de ombros.

– A senhora vai ter tudo o que quiser, desde que fique no quarto. O barão não quer que adoeça por se esforçar demais. Acho que consigo arranjar uma tina e pedir para o meu homem trazê-la até aqui em cima.

– Você tem família, Maude?

– Tenho. Um bom homem e um menino de quase cinco anos. O menino é danado.

Maude ajudou Madelyne a se levantar e caminhar até a cadeira perto da lareira.

– Meu menino se chama Guilherme – continuou. – Batizei assim por causa do nosso rei falecido, não por causa do que está no trono agora.

A porta se abriu durante o discurso de Maude. Outra criada se apressou a entrar, carregando uma bandeja de comida. Maude disse:

– Gerty, não precisa ficar nervosa. Ela não é louca como a gente pensou que fosse.

Gerty sorriu. Era uma mulher rotunda com tez clara e olhos castanhos.

– Sou a cozinheira daqui – informou a Madelyne. – Ouvi dizer que a senhora era bonita. Mas magra, magra demais. Coma cada porçãozinha de comida, ou vai sair voando com o primeiro vento forte que encontrar.

– Ela quer tomar banho, Gerty – Maude anunciou.

Gerty levantou uma sobrancelha.

– Acho que ela pode tomar, então. Não vai poder culpar a gente se se resfriar.

As duas mulheres continuaram conversando enquanto limpavam o quarto de Madelyne. Evidentemente eram amigas, e Madelyne apreciou ouvir as fofocas delas.

Ajudaram-na no banho também. Quando a tina foi removida, Madelyne estava exausta. Lavara os cabelos, mas eles estavam demorando uma eternidade para secar. Madelyne se sentou na pele macia diante da lareira. Levantou os fios compridos perto do fogo para que se secassem mais rápido, até os braços começarem a doer. Com um bocejo alto, nada feminino, Madelyne se estendeu sobre a pele, pensando em descansar por um ou dois minutos. Vestia apenas a camisa feminina, mas não queria se vestir completamente até os cabelos se secarem.

Duncan encontrou Madelyne profundamente adormecida. Ela formava uma visão encantadora, dormindo de lado diante do fogo. As pernas douradas estavam dobradas junto ao abdômen e os cabelos gloriosos cobriam boa parte do rosto.

Não pôde conter um sorriso. Deus, ela o fez se lembrar de um gatinho, todo enroladinho confortavelmente. Sim, ela era encantadora e provavelmente congelaria até a morte caso ele não fizesse nada.

Madelyne sequer abriu os olhos quando Duncan a pegou e a carregou até a cama. Sorriu com o modo como ela se aninhou em seu peito. Ela também suspirou, como se estivesse contente e, maldição, ela cheirava a rosas novamente.

Duncan a colocou na cama e a cobriu. Tentou se manter distante, mas não resistiu e passou a mão pelo rosto suave.

Madelyne ficava tão vulnerável quando dormia. Por certo era por isso que ele não queria ir embora. A necessidade de protegê-la era esmagadora. Ela era tão inocente e confiante. Em seu coração, ele sabia que jamais permitiria que ela voltasse para o irmão. Ela era um anjo e ele não permitiria que ela ficasse perto de um demônio como Louddon, nunca mais.

As regras todas mudaram para Duncan. Com um gemido de frustração, foi até a porta. Infernos, pensou, ele já não sabia no que pensar.

Culpa de Madelyne, apesar de ela certamente não estar ciente desse fato. Ela o distraía, e quando estava próximo dela, não conseguia pensar em nada.

Duncan resolveu que se distanciaria de Madelyne até resolver o que o incomodava. No entanto, assim que resolveu evitar Madelyne, seu humor ficou negro. Murmurou uma imprecação, virou-se e fechou silenciosamente a porta atrás de si.

 

Madelyne ainda estava fraca o bastante para o isolamento forçado não a incomodar. Entretanto, após outros dois dias, com somente Gerty e Maude fazendo visitas ocasionais, ela sentia os efeitos da sua prisão. Caminhou pelo quarto até decorar cada centímetro quadrado dele. Em seguida, começou a incomodar as criadas quando insistiu em executar tarefas que elas consideravam trabalho servil. Esfregou o piso e as paredes. O exercício físico não ajudou muito. Sentia-se como um animal enjaulado. E esperou, hora após hora, que Duncan a procurasse.

Madelyne ficava dizendo a si mesma que deveria se sentir grata por Duncan ter praticamente se esquecido dela. Bom Deus, já não estava acostumada a ser esquecida?

Quando outros dois dias se passaram, Madelyne estava bem perto de se jogar pela janela só para diversificar sua rotina. Estava entediada a ponto de querer berrar.

Ficou parada junto à janela e admirou o pôr do sol, pensando em Duncan.

Achou que podia tê-lo chamado com a mente, pois assim que pensou o quanto desejava vê-lo, ele apareceu repentinamente. A porta se abriu, batendo na parede e anunciando sua chegada, e lá ficou ele, parecendo impetuoso e poderoso, e, no conjunto, bonito demais para sua paz de espírito. Ela podia jurar perante Deus que conseguiria admirá-lo pelo resto da noite.

– Edmond vai retirar os pontos agora – Duncan lhe disse.

Duncan entrou no quarto e foi parar diante da lareira. Cruzou os braços diante do peito, dando a Madelyne a impressão de que estava entediado com aquela missão.

Ela ficou magoada com os modos distantes dele, porém pôs na cabeça que ele jamais saberia disso. Lançou-lhe o que esperava ser uma expressão muito tranquila.

Deus, ela era uma vista e tanto. Madelyne usava um vestido creme com uma sobretúnica azul. Uma corda trançada envolvia a cintura fina, acentuando as curvas femininas.

Os cabelos não estavam afastados do rosto, mas repousavam sobre a elevação dos seios. Um volume espesso e encaracolado de cabelos, dignos de uma rainha, num castanho escuro, Duncan ponderou, ainda que também entremeado com fios ruivos. Lembrava-se da sensação ao toque deles, tão suaves e sedosos.

Franziu o cenho, irritado por ela ainda o distrair. Tampouco conseguia parar de fitá-la, admitindo que sentira falta de tê-la ao seu lado. Um pensamento tolo, e um que ele jamais reconheceria abertamente, mas que, de qualquer forma, ainda o incomodava de maneira renovada.

Subitamente percebeu, sorrindo, que ela vestia as suas cores. Duvidou que ela estivesse ciente disso, e caso ela não estivesse tão malditamente beijável, até poderia mencionar o fato para ver qual seria sua reação.

Madelyne não conseguiu olhar para Duncan demoradamente. Temia que ele enxergasse o quanto sentira saudades dele. E, nesse caso, ele se gabaria disso, ela concluiu.

– Eu gostaria de saber o que vai fazer comigo, Duncan – ela disse. Voltou o olhar para o chão, não ousando ver como ele recebia sua pergunta a fim de não perder o fio dos pensamentos.

Sim, sua habilidade de concentração estava sempre em risco toda vez que estava perto de Duncan. Não compreendia sua reação, mas aceitava-a mesmo assim. O barão era capaz de preocupá-la sem pronunciar nenhuma palavra. Ele perturbava sua paz de espírito, a confundia também. Quando ele estava perto, ela queria que ele fosse embora. No entanto, quando ele estava longe, sentia sua falta.

Madelyne lhe deu as costas e voltou a olhar pela janela.

– Pretende me manter trancafiada neste quarto pelo resto de minha vida?

Duncan sorriu com a preocupação que ouviu na voz dela.

– Madelyne, a porta não estava trancada – ele disse.

– Está zombando de mim? – Madelyne perguntou. Virou-se e lançou-lhe o olhar mais incrédulo. – Está pretendendo me dizer que não estive trancada nesta torre a semana inteira? – Deus, sentiu vontade de gritar. – Eu poderia ter fugido?

– Não, não poderia ter fugido, mas poderia ter saído do quarto – Duncan explicou.

– Não acredito em você – Madelyne anunciou. Cruzou os braços diante do corpo, imitando a postura dele. – Você mentiria apenas para me fazer de tola. Você tem uma vantagem injusta, Duncan, porque eu nunca, jamais minto. Portanto, este é um jogo desigual – concluiu.

Edmond apareceu na porta aberta. O irmão do meio trazia sua costumeira carranca. No entanto, também parecia precavido, e encarou Madelyne por um bom tempo antes de entrar.

– Desta vez, você vai segurá-la – disse a Duncan.

Madelyne lançou um olhar preocupado e o viu sorrir.

– Madelyne está sem febre agora, Edmond, e está tão dócil quanto uma gatinha – observou. Virou-se para ela e instruiu que fosse para a cama para que Edmond pudesse remover o curativo.

Madelyne assentiu. Sabia o que precisava ser feito, mas a timidez superou o bom senso.

– Se os dois saírem, poderei ter um momento de privacidade para me preparar.

– Preparar para o quê? – Duncan perguntou.

– Sou uma dama recatada – Madelyne insistiu. – Não posso permitir que qualquer um de vocês veja além do meu ferimento. É para isso que preciso me preparar.

Ela corava o bastante para Duncan perceber que ela falava a sério. Edmond começou a tossir, mas o suspiro de Duncan foi mais alto.

– Esta não é hora para o seu recato, Madelyne. Além disso, já vi... as suas pernas.

Madelyne aprumou os ombros, lançou um olhar furioso e depois se apressou para a cama. Apanhou uma das peles de animal caídas no chão e, quando se acomodou na cabeceira da cama, cobriu-se com a pele e foi subindo o vestido pelas coxas.

Empurrando a bandagem para o lado, começou a lenta tarefa de desenrolar o material.

Edmond se ajoelhou ao lado dela quando a bandagem foi removida. Madelyne, nessa hora, notou uma sombra escura debaixo do olho dele. Ficou imaginando como conseguira aquele hematoma e logo concluiu precipitadamente que um dos irmãos devia ser o responsável. Que pessoas odiosas, pensou consigo, mesmo enquanto percebia como Edmond era cauteloso ao remover os pontos grudentos de sua pele.

– Oras, não passa de um pequeno repuxão, Edmond – Madelyne disse com um alívio.

Duncan se movera para perto da cama. Parecia prestes a atacar caso ela se mexesse.

E era algo muito estranho ter os dois homens olhando para a sua coxa. Em pouco tempo, voltou a ficar envergonhada. Pensando em desviar a atenção de Duncan, disse a primeira coisa que lhe veio à mente:

– Por que há fechaduras dos dois lados da porta?

– O que disse? – Ele pareceu perplexo.

– A ripa de madeira que desliza até a presilha para travar a porta – Madelyne se apressou em explicar. – Você colocou presilhas dos dois lados. Por que isso, fico imaginando? – ela perguntou, fingindo grande interesse num assunto tão ridículo.

Sua estratégia, no entanto, funcionou. Duncan se virou, encarou a porta, e depois voltou a olhar para ela. Fitava-a no rosto agora, ignorando, por enquanto, a coxa exposta.

– E então? – ela o desafiou. – Esteve tão confuso quando construiu a porta que não conseguiu se resolver de que lado colocar a trava?

– Madelyne, o motivo é o mesmo pelo qual as escadas foram construídas do lado esquerdo – Duncan gracejou. Havia, definitivamente, uma centelha de luz nos olhos dele. Madelyne ficou feliz em ver a mudança na aparência dele. Ele não era tão temível quando sorria.

– E que motivo é esse? – Madelyne perguntou, sorrindo apesar de não querer.

– Porque é assim que eu prefiro.

– Um motivo insignificante – Madelyne anunciou.

Continuou sorrindo até perceber que segurava a mão dele. Rapidamente soltou-a e se virou para olhar para Edmond.

O irmão do meio estava olhando para Duncan. Levantou-se e disse:

– Está curada.

Madelyne abaixou o olhar para a feia linha entalhada que marcava sua coxa e fez uma careta diante da horrível cicatriz. Contudo, rapidamente recuperou o controle, envergonhada pela sua reação superficial. Afinal, não era uma mulher vaidosa.

– Obrigada, Edmond – disse ao puxar a coberta sobre a perna.

Duncan não vira o resultado do trabalho de Edmond. Inclinou-se para a frente para afastar a pele de animal. Madelyne afastou a mão dele e pressionou a ponta da coberta contra a cama.

– Ele disse que está curada, Duncan.

Ele evidentemente queria ver com os próprios olhos. Madelyne emitiu um gritinho assustado quando Duncan arrancou a coberta. Ela tentou abaixar o vestido, mas Duncan segurou-lhe as mãos e lenta e deliberadamente, suspendeu o manto até que toda a coxa estivesse exposta.

– Não há nenhuma infecção – Edmond observou para Duncan, observando a cena do lado oposto da cama.

– Sim, está curada – Duncan anunciou com um aceno.

Quando soltou as mãos de Madelyne, ela alisou a roupa e perguntou:

– Não acreditou no próprio irmão? – Ela soou intimidada.

Duncan e Edmond trocaram um olhar que Madelyne não conseguiu interpretar.

– Claro que não – ela acrescentou, deixando exposto o seu desgosto. – É isso o que eu esperaria dos irmãos Wexton.

Duncan mostrou sua exasperação virando-se e partindo em direção à porta. Seu suspiro audível o acompanhou. Edmond continuou ali, franzindo o cenho para Madelyne por um ou dois minutos, e depois seguiu o irmão.

Madelyne repetiu seu agradecimento.

– Sei que recebeu ordens para cuidar de meu ferimento, Edmond, mas sou grata do mesmo modo.

Ela tinha certeza de que o homem mal humorado dispensaria seu agradecimento e se preparou para seus insultos. Não importaria o que de mau ele lhe dissesse, ela humildemente ofereceria a outra face.

Edmond não se deu ao trabalho de dizer nada. Madelyne ficou desapontada. Como poderia mostrar aos Wexton o quanto era uma donzela recatada se não lhe davam essa chance?

– O jantar será servido em uma hora, Madelyne. Pode se juntar a nós no salão quando Gilard vier buscá-la.

Duncan saiu pela porta após fazer seu anúncio. Edmond, contudo, parou e lentamente se virou para olhar de novo para Madelyne. Ele parecia estar pensando em alguma coisa.

– Quem é Polifemo?

Os olhos de Madelyne se arregalaram. Que pergunta estranha...

– Oras, é um gigante, o líder dos ciclopes na Odisseia de Homero – ela respondeu. – Polifemo era um gigante terrivelmente deformado com um único olho imenso no meio da testa. Ele comeu os soldados de Odisseu no jantar – acrescentou com um dar de ombros delicado.

Edmond não gostou da sua resposta.

– Pelo amor de Deus... – murmurou.

– Você não deveria pronunciar o nome de Deus em vão – Madelyne lhe disse. – E por que me perguntou quem era Polifemo?

Madelyne deduziu, pelo som dos passos que diminuía, que Edmond não lhe responderia.

No entanto, nem a grosseria do irmão do meio diminuiu o prazer de Madelyne. Ela saltou para fora da cama e deu uma risada. Deus, finalmente sairia daquele quarto. Não acreditava nem por um segundo que a porta estivera destrancada a semana toda. Duncan lhe dissera isso só para desconcertá-la. Pensou que ele a faria se considerar estúpida caso o permitisse.

Madelyne procurou em sua sacola. Desejou ter um vestido bonito para usar, mas logo percebeu a tolice de seu desejo. Era uma prisioneira, pelo amor de Deus, não uma convidada.

Precisou de cinco minutos para se preparar. Caminhou pelo quarto por um tempo e depois se aproximou da porta para ver se estava trancada. Com o primeiro puxão, a porta se abriu, quase derrubando Madelyne.

Duncan evidentemente deixara a porta aberta só para enganá-la. Quis acreditar nessa história – até se lembrar de que ele saíra antes de Edmond.

Sons fluíam pela escadaria, atraindo-a até o patamar entre dois lances. Ela se inclinou sobre a balaustrada, esforçou-se para ouvir a conversa, mas estava muito longe para ela conseguir entender qualquer coisa. Desistiu finalmente e voltou para o quarto. Avistou uma tábua longa de madeira apoiada na parede e, num impulso, arrastou-a para dentro do quarto. Escondeu a tábua debaixo da cama, sorrindo para si mesma por conta do gesto audacioso.

– Talvez eu me sinta inclinada a trancá-lo para fora do quarto, Duncan, em vez de deixar que me tranque dentro.

Como se pudesse permitir muita coisa, ponderou. Deus, estivera confinada naquele quarto por um período longo demais, e por certo devia ser por isso que se divertia tanto com seus pensamentos.

Gilard demorou uma eternidade para buscá-la. Madelyne já concluíra que Duncan lhe mentira. Que estava sendo simplesmente cruel.

Quando ouviu sons de passos, sorriu aliviada e correu para ficar perto da janela. Alisando o vestido, forçou uma expressão tranquila.

Gilard não estava carrancudo, o que certamente foi uma surpresa. Estava belo aquela noite, usando uma cor verde floresta. Aquele tom de verde o deixava bonito.

Houve gentileza em sua voz quando ele falou:

– Lady Madelyne, gostaria de lhe falar antes de descermos – anunciou a guisa de cumprimento.

Gilard lhe lançou um olhar preocupado, cruzou as mãos atrás das costas e foi andando até ficar na frente dela.

– Adela provavelmente se juntará à família. Ela sabe que você está aqui e ela...

– Está infeliz?

– Sim, só que está mais que apenas infeliz. Ela não disse nada, mas o olhar dela me deixa pouco à vontade.

– Por que está me contando isso? – Madelyne perguntou.

– Oras, estou lhe contando porque sinto que lhe devo uma explicação para que esteja preparada.

– Por que está preocupado? Evidentemente mudou de opinião a meu respeito. É porque o ajudei na batalha contra meu irmão?

– Bem, claro que sim – Gilard gaguejou.

– É um motivo lamentável – Madelyne lhe disse.

– Lamenta ter salvado minha vida? – Gilard perguntou.

– Entendeu mal, Gilard. Lamento ter sido forçada a tirar a vida de um homem para ajudá-lo – explicou-se. – Mas não lamento ter sido capaz de ajudá-lo.

– Lady Madelyne, está se contradizendo – Gilard lhe disse. Ele franzia o cenho e parecia confuso.

Não conseguia entender. Era parecido demais com o irmão. Sim, assim como Duncan, Gilard estava acostumado a matar, imaginou ela, e jamais compreenderia a vergonha que sentia pelo seu comportamento. Deus, ele provavelmente interpretava sua ajuda como algo heroico.

– Acredito que teria preferido se tivesse descoberto algo de bom em mim e que esse fosse o motivo por ter mudado de opinião.

– Não compreendo – Gilard observou, dando de ombros.

– Sei disso. – As palavras foram ditas com tanta tristeza que Gilard sentiu vontade de confortá-la.

– Você é uma mulher extraordinária.

– Tento não ser. Mas é difícil, quando se leva em consideração meu passado.

– Estou elogiando-a quando digo que a considero extraordinária – Gilard replicou, sorrindo ante a preocupação que ouviu na voz dela. Ficou se perguntando se ela considerava extraordinário alguma espécie de defeito.

Meneou a cabeça e depois se virou para conduzir o caminho pelas escadas, explicando que, caso ela escorregasse, que o segurasse pelos ombros para se apoiar. Os degraus estavam úmidos e escorregadios em certos pontos.

Gilard sustentou um monólogo, mas Madelyne estava nervosa demais para prestar atenção. Estava um nó de nervos por dentro com a possibilidade de encontrar Adela.

Quando chegaram à entrada do salão, Gilard se moveu para o lado. Ofereceu-lhe o braço. Madelyne recusou o gesto galante, preocupada que a mudança de opinião de Gilard não fosse bem recebida pelos irmãos.

Meneando a cabeça de leve, Madelyne cruzou as mãos diante do corpo e voltou suas atenções para o salão. Deus, ele tinha proporções gigantescas, com uma lareira de pedras tomando conta de uma boa parte da parede à sua frente. À direita da lareira, ainda que a certa distância, havia uma mesa enorme, comprida o bastante para receber umas vinte pessoas. A mesa estava colocada sobre uma plataforma de madeira. Banquinhos arranhados perfilavam os dois lados, alguns retos, outros caídos.

Um cheiro bastante peculiar atingiu Madelyne, e ela enrugou o nariz em reação. Deu uma boa olhada ao redor e logo encontrou a causa. O junco que cobria o chão estava embolorado com a idade. Oras, estava todo deteriorado. Um fogo ardia na lareira, aumentando o fedor, e se isso não bastasse para revirar seu estômago, mais ou menos uma dúzia de cachorros acrescentava seu odor de sujeira enquanto dormiam uns contra os outros num amontoado contente no centro do salão.

Madelyne ficou horrorizada com a bagunça, mas se mostrou determinada a manter esses pensamentos apenas para si própria. Se os Wexton desejavam viver como animais, que assim fosse. Ela, por certo, não se importaria com isso.

Quando Gilard a cutucou, Madelyne começou a andar na direção da plataforma. Edmond já estava sentado à mesa, com as costas para a parede atrás dele. O irmão do meio a observava. Parecia que meditava sobre algo. Tentou olhar através dela, bem como ela fingia agir despreocupadamente.

Assim que ela e Gilard se acomodaram à mesa, soldados de diversas patentes entraram e encheram a sala. Acomodaram-se nos banquinhos que restavam, a não ser pelo que encabeçava a mesa, ao lado de Madelyne. Ela deduziu que a cadeira vazia pertencia a Duncan, visto que ele era o chefe do clã Wexton.

Madelyne estava prestes a perguntar a Gilard quando Duncan se juntaria a eles quando ouviu a voz de Edmond exclamar:

– Gerty!

O grito abafou a pergunta de Madelyne e foi imediatamente respondido por uma réplica alta, vindo da despensa à direita:

– Já ouvimos.

Gerty apareceu em seguida, equilibrando uma pilha de pratos vazios numa bandeja e uma travessa grande de carne na outra. Duas outras moças vinham atrás de Gerty, trazendo outras travessas, todas repletas de alimentos. Uma terceira criada apareceu, encerrando a procissão, com pães de casca dura nas mãos e enfiados debaixo dos braços.

O que aconteceu em seguida foi tão repugnante que Madelyne ficou sem fala. Gerty bateu os pratos no meio da mesa, e gesticulou para que as outras criadas fizessem o mesmo. Travessas voaram como discos lançados num campo de batalha, aterrissando e derrubando seu conteúdo em toda a volta dela, seguidos por jarros cheios de cerveja. Os homens, liderados por Edmond, imediatamente começaram a comer.

Isso evidentemente foi algum tipo de sinal para os cães que dormiam, pois logo acordaram e correram para assumir seus postos ao longo dos dois lados da mesa comprida. Madelyne não entendeu o porquê de tão estranho comportamento até o primeiro osso sair voando por cima do ombro de um dos soldados. O osso descartado foi imediatamente apanhado por um dos cachorros maiores, um Levrier com quase o dobro do tamanho dos galgos ao lado dele. Grunhidos febris se seguiram, até que outro pedaço de lixo fosse lançado pelo ombro, e depois outro e mais um, até que todos os cachorros estivessem comendo vorazmente, bem como os homens que cercavam.

Madelyne encarou os homens. Não conseguiria esconder a repulsa e nem tentou. No entanto, perdeu o apetite.

Nenhuma palavra decente foi trocada em toda a refeição; apenas grunhidos obscenos dos homens que aproveitavam a comida podiam ser ouvidos acima dos estalos que os cães produziam às suas costas.

A princípio pensou que devia ser alguma brincadeira para nauseá-la, mas quando simplesmente aquilo prosseguiu, até que todos os homens tivessem enchido a barriga e arrotado sua satisfação, foi forçada a reavaliar seu modo de pensar.

– Não vai comer nada, Madelyne? Não está com fome? – Gilard perguntou com a boca cheia de comida. Finalmente notara que Madelyne não tocara na carne que aterrissara entre os dois.

– Perdi a fome – Madelyne sussurrou.

Madelyne observou quando Gilard sorveu uma grande golada de cerveja, depois enxugou a boca com a manga da túnica. Ela fechou os olhos.

– Me conte uma coisa, Gilard – finalmente conseguiu dizer – Por que os homens não esperaram por Duncan? Imagino que ele fosse exigir isso.

– Ah, Duncan nunca come conosco – Gilard respondeu. Partiu um pedaço de pão da longa bengala e ofereceu a Madelyne. Ela recusou com a cabeça.

– Duncan nunca faz as refeições com vocês?

– Não desde que nosso pai morreu e Mary adoeceu – Gilard respondeu.

– Quem é Mary?

– Era – Gilard a corrigiu. – Ela já morreu. – Ele arrotou antes de continuar. – Era a governanta. Já passava da época de morrer – prosseguiu, um tanto sem tato para o gosto de Madelyne. – Pensei que ela fosse enterrar todos nós. Adela não quis saber de substituí-la, disse que isso feriria os sentimentos dela. Mais para o fim, os olhos de Mary ficaram tão cegos que ela já não encontrava o caminho para a mesa na metade das vezes.

Gilard deu outra mordida na carne e casualmente jogou o osso por cima do ombro. Madelyne se viu forçada a se esquivar do lixo. Um jorro renovado de raiva a assolou.

– De todo modo – Gilard continuou – Duncan é o senhor do castelo. Ele se mantém afastado da família o quanto for possível. Acho que ele prefere comer sozinho.

– Não duvido disso – Madelyne murmurou.

E pensar que ela estivera ansiosa em sair do quarto.

– Os homens de Duncan sempre comem com tanto... entusiasmo? – perguntou.

Gilard pareceu confuso com a pergunta. Deu de ombros e disse:

– Depois de um dia cheio de trabalho, parece que sim.

Quando Madelyne pensou que não poderia mais assistir aos homens por muito mais tempo, a provação chegou abruptamente ao fim. Um a um os soldados se levantaram, arrotaram e saíram. Caso não tivesse sido tão repugnante, ela teria achado graça no ritual.

Os cães também se recolheram, preguiçosamente voltando a formar uma nova pirâmide na frente da lareira. Madelyne achou que os animais foram muito mais educados que seus senhores. Nenhum deles arrotou ao se despedir.

– Você não comeu nada – Gilard disse. – Não gostou da refeição? – perguntou. Sua voz saiu baixa. Madelyne acreditou que ele fez assim para que Edmond não ouvisse.

– Isso foi uma refeição? – Madelyne perguntou, sem conseguir disfarçar a raiva da voz.

– Do que chamaria? – Edmond interveio com uma carranca do tamanho do salão.

– Eu chamaria de pastagem.

– Não entendo o que quer dizer – Edmond disse.

– Então eu explicarei de bom grado – Madelyne respondeu. – Já vi animais agirem com melhores modos. – Assentiu, enfatizando seu comentário. – Homens de linhagem fazem suas refeições, Edmond. O que acabei de testemunhar não foi uma refeição partilhada. Não, foi uma pastagem de um bando de animais vestidos como homens. Fui clara o suficiente para você?

O rosto de Edmond ficou rubro durante o discurso dela. Ele parecia querer saltar por sobre a mesa para estrangulá-la. Madelyne estava brava demais para se importar com isso. Fez bem em liberar um pouco da sua raiva.

– Acredito que deixou bem clara a sua opinião. Não concorda comigo, Edmond?

Ah, Deus, era Duncan quem falava, e sua voz veio bem de trás das suas costas. Ela não ousava se virar, senão perderia a coragem recém-encontrada.

Ele parecia terrivelmente próximo. Ela se inclinou apenas um pouco para trás e sentiu as coxas dele tocarem seus ombros. Madelyne não deveria tê-lo tocado, lembrando-se muito bem da força daquelas coxas.

Resolveu derrubá-lo da plataforma. Levantou-se e se virou ao mesmo tempo, e se viu colada no Barão de Wexton. Ele não recuara um centímetro sequer, e foi Madelyne quem se viu forçada a dar a volta nele. Suspendeu a saia e deu um passo para o lado na plataforma, virou-se novamente, com a absoluta intenção de dizer a Duncan exatamente o que achava daquele jantar de bárbaros. Mas cometeu o erro de olhar para ele, encarar os olhos cinzentos, e sentiu a coragem escapando para fora dela.

Aquele poder mítico que ele parecia ter sobre sua mente era uma infelicidade. Ele a estava usando agora, disse a si mesma, roubando-lhe seus pensamentos. Que Deus a ajudasse, mas ela já não se lembrava do que queria dizer a ele.

Sem nem uma palavra de despedida, Madelyne lentamente se virou e começou a se afastar. Considerou que era uma vitória suficiente, porque o que queria mesmo era sair correndo.

Madelyne chegou à metade do caminho até a entrada do salão antes que Duncan ordenasse que parasse.

– Madelyne, não lhe dei permissão para sair. – Cada palavra foi nitidamente pronunciada.

As costas dela se aprumaram. Madelyne se virou, lançou um sorriso falso e deu sua resposta no mesmo tom exagerado.

– Não pedi nenhuma.

Ela viu a expressão de perplexidade dele antes de voltar a lhe dar as costas. Madelyne começou a andar, murmurando consigo mesma que não passava de um maldito fantoche, afinal, e que fantoches não tinham que obedecer aos seus captores. Sim, as injustiças provocadas nela eram tão descabidas. Ela era uma boa dama de estirpe.

Por estar ocupada murmurando consigo própria, não ouviu Duncan se mover. Ele se mexeu como um lobo, ela pensou um tanto freneticamente ao sentir as mãos grandes pousando sobre seus ombros.

Madelyne cedeu. Duncan a sentiu tremer. E percebeu só então que ela não estava prestando a mínima atenção a ele. Não, Madelyne encarava a entrada do salão. Ela encarava Adela.


CAPÍTULO NOVE


“O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem.”
Romanos 12:9

 

Madelyne estava horrorizada com o que via bem diante de si. Reconheceu Adela de pronto, pois a mulher era incrivelmente parecida com seu irmão, Gilard. Tinha cabelos e olhos castanhos. Mas não era nada alta como Gilard, e estava magra demais, com uma aparência relaxada que indicava a Madelyne que ela não vinha se sentindo bem.

Trajava um vestido que em alguma época deve ter sido de algum tom pastel. Estava tão coberto de sujeira agora que a verdadeira cor não era reconhecível. Os cabelos, longos e pegajosos, pareciam tão sujos quanto as roupas. Madelyne pensou que poderia muito bem haver mais do que sujeira vivendo naquela bagunça toda.

Mas não sentiu repulsa pela aparência de Adela assim que o choque inicial passou. Enxergava a expressão atormentada nos olhos da pobre moça. Havia sofrimento ali, e tanto desespero. Madelyne sentiu vontade de chorar. Bom Deus, seu irmão fora o causador daquilo. Madelyne sabia que Louddon passaria a eternidade no inferno.

Duncan passou o braço em volta dos ombros de Madelyne e a puxou com força para o seu lado. Ela não compreendeu seus motivos, no entanto parou de tremer nos braços dele.

– Eu a matarei, Duncan – Adela berrou sua ameaça.

Edmond subitamente apareceu na cena. Madelyne observou-o se apressar para levar a irmã pelo braço.

Adela lentamente acompanhou o irmão até a mesa. Edmond falava com ela, porém sua voz estava baixa demais para Madelyne ouvir o que ele estava dizendo. Entretanto, ele parecia ser capaz de aplacar a irmã. As passadas dela perderam a rigidez e ela assentiu diversas vezes em resposta às palavras do irmão.

Quando foi acomodada ao lado de Edmond, Adela subitamente gritou sua ameaça novamente:

– É meu direito matá-la, Duncan.

Havia tanto ódio nos olhos dela. Madelyne teria recuado um passo caso Duncan não a estivesse segurando com tanta firmeza.

Ela não sabia como reagir à ameaça. Madelyne finalmente assentiu, indicando a Adela que compreendia o que ela prometia, e depois ponderou que isso poderia parecer que estavam de acordo.

– Você pode tentar, Adela – respondeu.

Sua resposta incitou Adela a um ataque de ira. A irmã de Duncan se levantou tão rapidamente que o banquinho caiu para trás da plataforma e se chocou contra o chão.

– Quando você der as costas, eu...

– Basta. – A voz de Duncan ecoou pelas paredes. O comando angariou uma reação imediata por parte de Adela. Ela pareceu murchar diante dos olhos de Madelyne.

Edmond evidentemente desgostou do modo com que Duncan gritara com a irmã deles. Lançou uma carranca ao irmão antes de apanhar o banquinho de Adela a ajudá-la a se sentar.

Duncan murmurou uma imprecação. Soltou os ombros de Madelyne, mas a manteve aprisionada ao segurá-la pela mão. Em seguida, saiu do salão, puxando-a atrás de si. Madelyne se apressou para acompanhá-lo.

Duncan não diminuiu o ritmo até chegarem ao patamar estreito do lado de fora do quarto dela na torre.

– Como pôde deixar que ela ficasse daquele jeito? – Madelyne inquiriu.

– O seu irmão é o responsável – Duncan respondeu.

Ela sabia que começaria a chorar. Aprumou os ombros.

– Estou muito cansada, Duncan. Eu gostaria de me deitar agora.

Lentamente andou até o quarto, rezando para que ele não a seguisse. Quando ouviu o som das botas batendo nos degraus, compreendeu que ele partira.

Madelyne se virou e fechou a porta, e quase chegou à cama antes de começar a chorar.

Duncan imediatamente voltou ao salão. Pretendia comandar uma cooperação com os irmãos em seu plano em relação a Madelyne.

Ainda sentados à mesa, Edmond e Gilard partilhavam um jarro de cerveja. Adela, ainda bem, já não estava mais no salão.

Quando Duncan se sentou, Gilard lhe passou o jarro enquanto Edmond o desafiava:

– Nós, os Wexton, agora teremos que proteger a irmã de Louddon de uma de nós?

– Madelyne não fez nada a Adela – Gilard a defendeu. – Ela não se parece em nada com o irmão e você sabe muito bem disso, Edmond. Nós a tratamos vergonhosamente e ela não proferiu nem uma palavra sequer de protesto.

– Não banque o defensor de Madelyne para mim – Edmond replicou. – Ela é corajosa – admitiu com um dar de ombros. – Você já recontou a história de como ela salvou seu traseiro durante a batalha, Gilard. Deus, você a contou tantas vezes que já a sei de cor – acrescentou, olhando para Duncan agora. – No entanto, a questão não é o caráter de Madelyne. A presença dela incomoda Adela.

– Sim – Duncan concordou. – E isso me agrada.

– O que disse? – Edmond reagiu.

– Edmond, antes que perca a compostura, responda-me uma coisa. Quando foi a última vez que Adela falou com você?

– Em Londres, logo depois que a encontrei – Edmond respondeu. Sua voz parecia irritada, mas Duncan não se ofendeu com isso.

– Gilard? Quando sua irmã falou com você pela última vez?

– No mesmo momento em que falou com Edmond – Gilard respondeu, franzindo a testa. – Ela me contou o que aconteceu e foi só. Você sabe que ela não disse nem uma palavra mais desde aquela noite.

– Até esta noite – Duncan os lembrou. – Adela falou com Madelyne.

– E você considera isso um bom sinal? – Edmond perguntou com voz incrédula. – Sim, Adela finalmente fala, mas apenas sobre homicídio, irmão. Bom Deus, nossa doce irmã jura matar Madelyne. Não vejo isso como uma recuperação.

– Adela está voltando para nós – Duncan explanou. – Há raiva agora, tanta que consome a mente dela, mas acredito que, com a ajuda de Madelyne, Adela começará a se recuperar.

Edmond sacudiu a cabeça.

– Quando nossa irmã Catherine veio nos visitar Adela nem olhava para ela. Por que crê que Madelyne conseguirá ajudar quando nem mesmo a irmã conseguiu?

Duncan se sentiu pressionado a colocar seus sentimentos em sua explicação. Não estava acostumado a discutir nada de importante com seus irmãos mais jovens. Não, seu costume era distribuir comandos, esperando que cada um obedecesse. Governava aquela casa como governava seus homens, de modo bem parecido com que seu pai o fizera. A única exceção a essa lei sagrada era quando treinava seus homens. Nesse caso, Duncan se tornava um membro participante assim como instrutor, exigindo de seus soldados apenas os feitos por ele próprio conquistados.

No entanto, aquela não era uma circunstância normal. Seus irmãos mereciam saber o que ele pensava em fazer. Adela também era irmã deles. Sim, eles também tinham o direito de dar voz às suas opiniões.

– Em minha opinião, devemos chamar Catherine de novo – Edmond interveio, com uma linha de teimosia definindo o maxilar.

– Não é necessário – Duncan declarou. – Madelyne ajudará Adela. Só precisamos direcioná-la – acrescentou com o indício de um sorriso. – Madelyne é a única que entenderá o que se passa na mente de Adela. No fim, nossa irmã se voltará para ela.

– Sim, Duncan, Adela se voltará para a sua Madelyne, com certeza, mas com uma adaga na mão e um homicídio em mente. Teremos de tomar precauções.

– Não quero colocar Madelyne em perigo – Gilard observou. – Acho que deveríamos tê-la deixado para trás. Louddon a teria encontrado em pouco tempo. E ela não é a Madelyne de Duncan, Edmond. Somos todos igualmente responsáveis por ela.

– Madelyne é minha, Gilard – Duncan anunciou. Sua voz foi suave, mas o desafio estava ali, na linha formada pelos ombros e no modo como ele encarava o irmão.

Gilard relutantemente assentiu em concordância. Edmond observou a troca entre os irmãos. Não ficou nem um pouco satisfeito com o tom de posse na voz de Duncan.

Edmond concordava completamente com Gilard, o que era raro, visto que Gilard e Edmond normalmente tinham pontos de vista opostos em todos os assuntos importantes.

– Talvez Madelyne devesse ter sido deixada para trás – disse, pensando na possibilidade de devolvê-la assim que possível.

O punho de Duncan se chocou na mesa com força suficiente para derrubar a cerveja. O jarro teria caído da mesa caso Gilard não tivesse reagido tão prontamente.

– Madelyne não vai a parte alguma. Não vou voltar a perguntar, Edmond. Você me apoia nesta decisão?

Um longo momento de silêncio se estendeu entre os irmãos.

– Então, é assim que estão as coisas – Edmond disse por fim.

Duncan assentiu. Gilard observou a troca de palavras e olhares, perplexo. Evidentemente, deixara algo passar, mas não entendia o quê.

– Sim, é assim que estão as coisas – Duncan confirmou. – Pensa em me desafiar nisso?

Edmond suspirou. Sacudiu a cabeça.

– Não. Eu o apoio, Duncan, apesar de alertá-lo dos problemas que esta decisão trará.

– Isso não mudará minha opinião, Edmond.

Duncan não parecia disposto a explicar sua conversa. Gilard resolveu esperar até estar a sós com Edmond, para depois descobrir o que estava acontecendo. Além disso, outro comentário o incomodava, exigindo uma resposta rápida:

– Duncan? O que quis dizer sobre Madelyne só precisar ser direcionada a ajudar Adela?

Duncan finalmente se virou para olhar para Gilard. Estava satisfeito com o apoio de Edmond, e seu humor, com isso, melhorara.

– Madelyne teve experiências que a ajudarão com nossa irmã. A minha sugestão é colocar as duas juntas o mais frequentemente possível. Edmond, será tarefa sua acompanhar nossa irmã para o jantar todas as noites. Gilard, você trará Madelyne. Ela não o teme.

– Ela tem medo de mim? – Edmond pareceu incrédulo.

Duncan ignorou a pergunta, apesar de lançar um olhar irritado para Edmond, indicando que não gostava de ser interrompido.

– Não importa se Adela ou Madelyne se recusarem. Arrastem-nas se for preciso, mas vocês comerão juntos.

– Adela destruirá nossa afável Madelyne – Gilard comentou. – Oras, a doce Madelyne nunca conseguirá se opor...

– A doce Madelyne tem o temperamento tão forte quanto uma ventania invernal, Gilard. – A voz de Duncan soou exasperada. – Só temos que direcioná-la para libertá-lo um pouco.

– O que está dizendo? – Faltou pouco para Gilard gritar, evidentemente atônito. – Madelyne é uma donzela recatada e ingênua. Por que...

A carranca costumeira de Edmond o desertou. Ele, de fato, começou a rir.

– Ela tem um belo gancho de esquerda também, Gilard. E sabemos muito bem que donzela afável ela é. Ela gritou isso com força suficiente para que toda a Inglaterra ouvisse.

– A febre governava a mente dela naquele momento. Eu lhe disse que deveríamos ter lhe cortado os cabelos para que os demônios saíssem, Duncan. Madelyne não estava em si, é isso o que acho. Oras, ela nem mesmo sabe que foi ela quem socou o olho de Edmond.

Duncan meneou a cabeça.

– Não precisa defender Madelyne para mim – disse.

– Bem, o que vai fazer com Madelyne? – Gilard não conseguiu impedir o tom de exigência da voz.

– Ela terá um porto seguro aqui, Gilard. – Levantou-se e estava prestes a sair do salão quando o comentário de Edmond o alcançou.

– Não será seguro até Adela recobrar o juízo. Madelyne será colocada a uma provação.

– Será uma provação para todos nós – Duncan disse em voz alta. – Mas com a graça de Deus, isso logo passará.

Duncan dispensou os irmãos e se dirigiu ao lago para nadar.

Seus pensamentos insistiam em voltar para Madelyne. A verdade era inescapável. Com uma guinada irônica do destino, Madelyne permanecera intocada pela natureza sombria de Louddon. Era uma mulher a ser levada a sério. Ela escondia seu verdadeiro caráter de si mesma, Duncan pensou com um sorriso. No entanto, tivera vislumbres preciosos da verdadeira Lady Madelyne. Fora preciso uma febre alta para trazer à tona o espírito passional dela, contudo. Sim, ela era sensual, com uma sede de viver que o agradava consideravelmente.

Talvez, Duncan pensou, Adela também ajudasse Madelyne. Sua irmã poderia, inadvertidamente, ajudar Madelyne a se livrar de algumas das suas camadas de proteção.

A água congelante finalmente incomodou Duncan o bastante para que deixasse de lado todos os pensamentos. Terminaria de nadar e iria até Madelyne. Esse único objetivo o ajudou a terminar seu ritual rapidamente.

Madelyne acabara de abrir as venezianas da janela quando vislumbrou Duncan caminhando até o lago. Estava de costas para ela, e ela o observou remover cada peça de vestuário e mergulhar na água.

Não sentiu vergonha em observá-lo sem as roupas. Sim, a nudez dele não a embaraçava nem um pouco. Estava atordoada demais pelo que o homem tolo fazia para enrubescer com sua nudez. Além disso, ele estava de costas, poupando-a de um verdadeiro embaraço.

Não conseguia acreditar que de fato ele mergulharia na água, mas foi o que ele fez, sem nem um momento de hesitação.

A lua cheia lhe dava luz suficiente para acompanhá-lo pelo lago e na volta também. Madelyne não o perdeu de vista, mas a modéstia a fez fechar os olhos quando ele subiu à margem. Aguardou pelo que considerou um tempo suficientemente adequado e depois olhou novamente.

Duncan estava à margem da água, a parte de baixo do corpo coberta. Ele parecia um anjo vingador de Zeus, pois era dotado de um corpo mais que magnífico.

Não se dera ao trabalho de vestir novamente a túnica, apenas a lançou descuidadamente sobre o ombro. Não sentia frio? Madelyne já tremia por conta da brisa que entrava pela janela. Todavia, Duncan agia como se fosse um quente dia de primavera. Oras, ele caminhava de volta ao seu lar com passadas lentas e tranquilas.

O coração de Madelyne acelerou quando Duncan se aproximou. Ele por certo era bem proporcionado. O homem era alto em comprimento, estreito na cintura, extremamente largo nos ombros. A extensão dos braços estava evidenciada pela luz. Madelyne enxergava os músculos se retesando no peito. Força irradiava dele, mesmo de longe, atraindo-a e preocupando-a ao mesmo tempo.

Duncan subitamente parou e levantou o olhar, flagrando Madelyne observando-o. Ela instintivamente levantou a mão num aceno, depois titubeou em sua tentativa. Madelyne não enxergava a expressão no rosto dele, mas imaginou sua carranca. Deus bem sabia que aquela era a expressão costumeira dele.

Madelyne se afastou e retornou para a cama, esquecendo-se em sua pressa de fechar a janela.

Ainda estava brava. Toda vez que a imagem de Adela surgia em sua mente, ela queria berrar. Em vez disso, chorara, por quase uma hora, até as bochechas estarem vermelhas e os olhos, inchados.

Adela foi o motivo inicial da sua fúria. A pobre moça passara por uma tremenda provação.

Madelyne entendia o que era estar à mercê de outrem. Conhecia a raiva interior de Adela e se apiedava da pobre moça.

No entanto, também estava enfurecida com os irmãos Wexton. Eles pioraram a situação ao tratarem Adela como a tratavam.

Madelyne tomou a decisão de aceitar a responsabilidade por Adela agora. Não achava que quisesse ajudar a irmã de Duncan por ter sido Louddon a fazer-lhe mal. Apesar de ser irmã de Louddon, não se sentiria culpada por esse relacionamento. Ajudaria Adela porque a irmã estava tão vulnerável e perdida.

Seria gentil com a moça, generosa também, e, com certeza, com o tempo Adela aceitaria seu conforto.

Que Deus a ajudasse, Madelyne começou a chorar novamente. Sentia-se encurralada. Estava tão próxima da fronteira e do lar de sua prima Edwythe, mas agora teria que esperar para empreender sua fuga. Adela precisava de amor e de orientação, e seus irmãos bárbaros não pareciam saber como dar nenhum dos dois. Sim, ela seria necessária ali, concluiu Madelyne, até a irmã de Duncan renovar suas forças.

O ar no quarto ficou completamente gelado. Madelyne se aninhou nas cobertas, tremendo, até se lembrar de que as venezianas estavam abertas. Levantou-se da cama, envolta numa pele e se apressou até a janela.

Começara a chover; era um clima adequado ao seu humor, Madelyne concluiu. Baixou o olhar para o lago só para ter certeza de que Duncan não estava lá, depois relanceou para o topo de uma colina baixa visível além da ameia.

Foi então que Madelyne viu o animal. Ficou tão surpresa com a vista que se ergueu nas pontas dos pés e se inclinou sobre a janela, temendo que, se desviasse o olhar por um segundo, a imensa fera desapareceria.

O animal parecia estar olhando para ela. Madelyne entendeu, então, que devia estar com a mente atrapalhada, assim como Adela. Bom Deus, a fera se parecia com um lobo. E Deus, como era magnífico!

Madelyne meneou a cabeça, contudo continuou a observar, hipnotizada com a vista. Quando o lobo arqueou o pescoço, ela pensou que ele poderia estar uivando. O som, contudo, não a alcançou, provavelmente tendo sido tragado pelo vento e pela chuva que batia nas pedras.

Ela não soube quanto tempo ficou junto à janela, observando o animal. Fechou os olhos, deliberadamente, mas quando voltou a abri-los, o lobo ainda estava lá.

– É apenas um cão – murmurou para si mesma. Sim, um cão e não um lobo. – Um cão bem grande – acrescentou.

Se Madelyne tivesse uma natureza supersticiosa, teria chegado à conclusão de que o lobo era um presságio.

Madelyne fechou as venezianas e voltou para a cama.

Sua mente estava repleta de imagens da fera selvagem, e levou bastante tempo para que o sono a dominasse. Seu último pensamento foi um teimoso. Não vira, no fim das contas, um lobo.

Em algum momento na noite gelada, Madelyne tremeu de frio o bastante para despertar. Sentiu Duncan passar o braço ao seu redor e atraí-la para o seu calor.

Sorriu ante o sonho extravagante e voltou a dormir.


CAPÍTULO DEZ


“Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama”
Gênesis 6:4

 

Caso Madelyne chegasse à madura idade avançada dos trinta anos, jurou que nunca se esqueceria da semana que seguiu à sua decisão de ajudar Adela.

Foi uma semana como nenhuma outra, com exceção à invasão do Duque Guilherme talvez, mas, pensando bem, como não nascera para testemunhar esse evento, deduziu que ele não contava. Faltou pouco para que a semana destruísse sua natureza afável e sua sanidade. Contudo Madelyne não sabia qual delas desejava mais, portanto ficou determinada a preservar ambas.

Oras, o esforço bastaria para que um santo cerrasse os dentes. Evidente que a família Wexton era o motivo de tudo aquilo.

Madelyne recebeu a liberdade para perambular pelo terreno do castelo, com apenas um soldado acompanhando-a como uma nuvem escura. Recebeu permissão de Duncan de utilizar os restos de comida para alimentar os animais. E visto que o soldado também ouvira a tal permissão, chegou a discutir com os homens encarregados pela ponte levadiça em seu favor. Madelyne caminhou até o alto da colina do lado externo dos muros, com os braços tomados por uma sacola de juta contendo carne, frango e grãos. Ela não sabia o que um cão silvestre comeria, por isso levou consigo uma seleção que certamente o apeteceria.

Sua sombra, um belo soldado de nome Anthony, reclamou durante o caminho. Sugerira que cavalgassem, mas Madelyne se opôs ao plano, forçando o soldado a caminhar ao seu lado. Ela lhe disse que a caminhada lhes faria bem, quando, na realidade, desejava esconder sua imperícia em cavalgar.

Quando Madelyne retornou de sua tarefa, Duncan estava à sua espera. Não parecia nada satisfeito.

– Você não tinha permissão para ir além dos muros – disse com bastante ênfase.

Anthony foi em defesa dela.

– Você lhe deu permissão para alimentar os animais – ele lembrou seu senhor.

– Sim, dei – Madelyne concordou, e com um sorriso tão doce e uma voz tão suave, que ela tinha certeza que ele a consideraria muito serena.

Duncan assentiu.

Mas sua expressão era enregelante.

Madelyne acreditou que ele desejava estar livre dela. Nem chegou a berrar com ela. Na verdade, raramente levantava a voz. Não precisava fazer isso. O tamanho de Duncan angariava atenção imediata e sua expressão, quando ele se mostrava desgostoso como agora, parecia tão eficaz quanto qualquer berro.

Madelyne não sentia mais medo dele. Infelizmente, tinha que se lembrar desse fato diversas vezes ao dia. E ainda não tinha coragem suficiente para lhe perguntar o que significava quando ele lhe dissera que ela lhe pertencia. Ela continuava postergando o confronto, na verdade temendo qual seria a resposta dele.

Ademais, disse a si mesma, haveria tempo suficiente, depois que Adela estivesse se sentindo bem, para descobrir qual seria seu destino. Por enquanto, ela atacaria as batalhas que se apresentassem diante dela.

– Só caminhei até o alto da colina – Madelyne finalmente respondeu. – Temia que eu continuasse andando até chegar a Londres?

– Qual o propósito dessa caminhada? – Duncan perguntou, ignorando o comentário dela sobre uma fuga. Considerou ridículo sequer responder a isso.

– Alimentar meu lobo.

A reação dele foi bastante satisfatória. Para variar, ele não conseguiu conter sua expressão. Olhava para ela completamente atônito. Madelyne sorriu.

– Pode rir o quanto quiser, mas eu vi um cachorro bem grande ou um lobo selvagem, e senti que era minha obrigação alimentá-lo, até que o tempo melhore e ele consiga voltar a caçar. Claro, isso significa alimentá-lo por um inverno inteiro, mas assim que chegar a primavera, com a primeira brisa cálida, tenho certeza de que meu lobo conseguirá cuidar de si próprio.

Duncan deu as costas a Madelyne e começou a se afastar.

Madelyne sentiu vontade de gargalhar. Ele não lhe negara as caminhadas do lado externo da muralha, e essa era uma vitória boa o bastante da qual se gabar.

Na verdade, Madelyne não acreditava que o cão selvagem estivesse ainda nas cercanias. Olhava pela janela todas as noites desde que avistara o animal pela primeira vez, mas ele nunca estava lá. O cachorro se fora e, às vezes, tarde da noite, enquanto estava aninhada em suas cobertas, perguntava-se se de fato vira o animal ou se ele não passava de fruto de sua imaginação superativa.

No entanto, jamais admitiria isso para Duncan e sentia um prazer perverso toda vez que cruzava a ponte levadiça. A comida que deixara no dia anterior sempre sumia, indicando que havia animais se alimentando durante a noite. Ficava feliz porque a comida não era desperdiçada. E ficava ainda mais feliz por provocar Duncan.

Sim, ela o fazia apenas para irritá-lo. E, a julgar pelo modo como Duncan a evitava, ela achava que estava sendo bem sucedida.

Seus dias teriam sido agradáveis se Madelyne não se preocupasse com as horas do jantar. Isso colocava um peso em seus ombros e uma pressão em sua natureza afável.

Permanecia do lado externo o máximo que conseguia, ignorando o vento e a chuva. Gerty lhe dera roupas que pertenceram à irmã mais velha de Duncan, Catherine. As vestimentas eram largas demais, porém Madelyne usou linha e agulha nelas e o resultado ficou mais que adequado para as suas necessidades. Não se importava se estava ou não na moda. As roupas estavam gastas, mas limpas e suaves em contato com a pele. E, o mais importante, mantinham-na aquecida.

Todas as tardes, ia ao estábulo com cubos de açúcar para dar ao garanhão de Duncan, a beldade alva que batizara de Sileno. Ela e o cavalo formaram uma espécie de vínculo. O garanhão fazia uma algazarra terrível, fingindo tentar derrubar a baia de madeira sempre que percebia a aproximação de Madelyne. Entretanto, assim que ela lhe falava, Sileno se assentava. Madelyne compreendia a necessidade do animal de se mostrar e sempre elogiava seu espírito depois de lhe dar seu petisco.

Sileno, com todo o seu tamanho, estava se afeiçoando. Ele cutucava sua mão com o focinho até ela o acariciar, e quando ela parava e deixava a mão na grade, um truque para conquistar sua atenção, Sileno de pronto a cutucava novamente para que a mão voltasse à sua cabeça.

O tratador dos cavalos não gostava das visitas de Madelyne e declarava sua opinião em alto e bom som para que Madelyne o ouvisse. Também pensava que ela viciava o cavalo de Duncan e chegou a ameaçar contar ao senhor do castelo o que ela vinha aprontando. Mas isso não passou de fanfarrice. Sim, o tratador estava maravilhado com o dom de Madelyne com o cavalo. Ele ainda ficava um pouco tenso ao selar o garanhão de Duncan, mas aquela mocinha não parecia nada temerosa.

Na terceira tarde, o tratador conversou com Madelyne, e ao fim de uma semana, já eram amigos.

Seu nome era James, Madelyne ficou sabendo, e era casado com Maude. O filho deles, Guilherme, ainda andava apegado às saias da mãe, mas James aguardava pacientemente a hora em que o menino estaria crescido o bastante para se tornar seu aprendiz. A criança seguiria a tradição, James explicara com ar de importância.

– Sileno a deixaria montar nele sem sela nenhuma – James anunciou depois de propiciar um tour dos seus domínios a Madelyne.

Madelyne sorriu. James aceitara o nome que ela dera ao garanhão de Duncan.

– Nunca montei sem sela – disse. – A verdade, James, é que não cavalguei quase nada.

– Talvez, quando a chuva diminuir um pouco, possa aprender do jeito certo – sugeriu James com um sorriso amável.

Madelyne assentiu.

– Mas, se nunca aprendeu, como é que ia de um lugar a outro, fico imaginando? – James ponderou.

– Eu andava – Madelyne explicou. Gargalhou com a surpresa dele. – Não estou confessando um pecado.

– Tenho uma égua mansa na qual pode começar a treinar – ele sugeriu.

– Não, acho melhor não – Madelyne respondeu. – Sileno pode não gostar disso. Acredito que vá ficar com os sentimentos feridos, e não podemos permitir isso, podemos?

– Não podemos? – James pareceu confuso.

– Vou me sair bem o bastante com Sileno.

– Mas é o garanhão do senhor que pretende cavalgar, milady? – James gaguejou. Parecia que estava sendo estrangulado.

– Sei a quem ele pertence – Madelyne replicou. – Não se preocupe com o tamanho do animal – ela disse, tentando aplacar a incredulidade do rosto dele. – Já montei em Sileno antes.

– Mas tem a permissão do senhor?

– Vou consegui-la, James.

Madelyne sorriu novamente, e todos os pensamentos lógicos fugiram da mente do tratador de cavalos. Sim, ele disse a si mesmo, por conta dos belos olhos azuis e do modo como ela lhe sorriu, James subitamente se viu em completa concordância.

Quando Madelyne saiu do estábulo, o guarda caminhou ao seu lado. Ele era o constante lembrete para ela e todos os outros que ela não era uma hóspede convidada ali. A atitude de Anthony em relação a ela se suavizara bastante, contudo. Ele não estava mais irritado com a sua tarefa.

Pelo modo como era cumprimentado pelos outros soldados, Madelyne supôs que era um homem bem quisto. Tinha um sorriso atraente, quase juvenil, que se chocava bastante com o tamanho e a idade dele. Ela não conseguia entender por que ele recebera ordens de vigiá-la, pensando que alguém de menor patente, como Ansel, o escudeiro, teria sido mais adequado para a pacata tarefa.

A curiosidade dela aumentou, até que finalmente resolveu inquiri-lo.

– Você fez algo para desagradar o seu senhor?

Anthony não pareceu entender a pergunta.

– Quando os soldados retornam do trabalho, vejo o modo invejoso com que os observa, Anthony. Gostaria de estar treinando com eles em vez de ficar andando para cima e para baixo comigo.

– Isso não é um problema – Anthony protestou.

– Mesmo assim, não entendo por que recebeu esta tarefa a menos que tenha desagradado Duncan de algum modo.

– Tenho um ferimento que ainda precisa ser curado por completo – Anthony explicou. Sua voz soou hesitante e Madelyne notou que um rubor subiu-lhe pelo pescoço.

Ela achou estranho que ele estivesse envergonhado. Tentando apenas tranquilizá-lo, disse:

– Eu também sofri um ferimento, e bem feio, isso eu posso afirmar. – Quase pareceu ostentação, mas seu objetivo era fazer Anthony perceber que não tinha do que se envergonhar. – Ele quase acabou comigo, Anthony, mas Edmond cuidou de mim. Tenho uma cicatriz horrenda agora, pela extensão da minha coxa.

Anthony continuou parecendo pouco à vontade com o assunto.

– Os soldados não acham que é nobre quando são feridos em batalha? – Madelyne perguntou.

– Acham – Anthony respondeu. Cruzou as mãos atrás das costas e aumentou o passo.

Subitamente Madelyne compreendeu que Anthony podia estar embaraçado a respeito do local do ferimento. As pernas e os braços pareciam bem o bastante, e isso só deixava o peito e...

– Não voltaremos a falar sobre isso – Madelyne disse de pronto. Sentiu o rosto quente. Quando Anthony logo desacelerou o passo, Madelyne soube que tinha razão. O ferimento era num lugar inapropriado.

Apesar de nunca questionar Anthony a respeito, Madelyne achava curioso que os soldados treinassem tanto tempo todos os dias. Imaginou que defender o suserano deles devia ser um trabalho difícil, levando-se em consideração que o líder deles tinha tantos inimigos. Tampouco achava que estava se precipitando em conclusões. Duncan não era um homem fácil de se gostar e certamente não era dado ao tato e à diplomacia. Oras, ele provavelmente devia ter mais inimigos que amigos na corte de Guilherme II.

Ela, infelizmente, tinha tempo mais que suficiente para pensar em Duncan. Não estava acostumada a tanto tempo não estruturado à disposição. Quando não estava do lado externo andando com Anthony, deixava Gerty e Maude malucas com sugestões para tornar o lar de Duncan um lugar mais aprazível.

Maude não era tão reservada quanto Gerty. Sempre estava disposta a deixar de lado suas atribuições para ficar com Madelyne. O pequeno Willie, o filho de Maude de quatro anos, mostrou ser tão conversador quanto a mãe assim que Madelyne o convenceu a deixar o polegar fora da boca.

No entanto, quando a luz do dia começava a esmaecer, o estômago de Madelyne começava a se contrair e a cabeça, a latejar. Não era de se admirar, disse para si mesma, quando ponderava que as noites passadas junto à família Wexton eram provações de resistência a que Odisseu teria dado as costas.

Madelyne, porém, não tinha permissão para dar as costas. Só faltara se ajoelhar implorando para fazer as refeições no quarto também, mas Duncan não o permitiu. Não, ele exigia a presença dela à refeição da família e depois tinha a audácia de se retirar da provação odiosa a que a forçava. O barão sempre comia sozinho, e fazia uma breve aparição só depois que a mesa era limpa de todos os restos que os homens não tinham lançado ao chão.

Adela era a responsável pela conversa estimulante. Enquanto os homens de Duncan jogavam ossos por cima dos ombros, a irmã de Duncan lançava uma obscenidade após a outra sobre Madelyne.

Madelyne não achava que conseguiria suportar o tormento por muito mais tempo. Seu sorriso era ressequido como pergaminho.

Na sétima noite, Madelyne perdeu a compostura, e com tamanha violência que aqueles que a testemunharam ficaram atônitos demais para interferir.

Duncan acabara de lhe dar permissão para que deixasse o salão. Madelyne se levantou, pediu licença, e começou a andar para a porta.

Sua cabeça latejava e ela só pensava em se afastar de Adela. Não estava disposta a mais uma rodada de berros. A irmã caçula de Duncan foi andando na direção dela.

Madelyne olhou com atenção na direção de Adela e viu o pequeno Willie espiando na porta que dava para a cozinha. O menino deu um sorriso para Madelyne e de pronto ela parou para conversar com ele.

A criança reagiu ao sorriso de Madelyne. Saiu correndo na frente de Adela bem quando a irmã levantava a mão num dos seus gestos grandiosos que sempre fazia quando estava prestes a insultar Madelyne de novo. O dorso da mão de Adela bateu no rosto de Willie e o pequeno caiu no chão.

Willie começou a chorar, Gilard gritou e Madelyne emitiu um grito de perfurar os tímpanos. O som de ira que ela produziu atordoou a todos no salão, Adela inclusive, que chegou a recuar um passo, o primeiro recuo demonstrado diante de Madelyne.

Gilard começou a se levantar, mas Duncan segurou o braço dele. O caçula estava para reclamar da pegada, mas o olhar do irmão o deteve.

Madelyne se apressou para junto do menino, acalmou-o com palavras suaves e um beijo carinhoso no alto da cabeça antes de instruí-lo a procurar a mãe. Maude, ao ouvir o choro do filho, aparecera na porta, com Gerty ao seu lado.

Madelyne se virou para confrontar Adela então. Ela poderia ser capaz de controlar sua raiva se a irmã de Duncan tivesse demonstrado um pouco de remorso. Adela, contudo, não pareceu lamentar nem um pouco a sua conduta. E quando murmurou que o menino não passava de uma inconveniência, Madelyne deixou o controle de lado.

Adela chamou Willie de pirralho um segundo antes de Madelyne descer a mão bem onde Adela mais merecia, na boca. Adela ficou tão chocada com o ataque que se desequilibrou e caiu de joelhos. Sem nem perceber, isso deu uma vantagem a Madelyne.

Antes que Adela conseguisse se levantar, Madelyne a segurou pelos cabelos e os girou na parte posterior da cabeça, deixando a irmã vulnerável e incapaz de atacar. Ela forçou a cabeça de Adela para trás.

– Esta é a última vez que diz uma palavra vil, Adela. Entendeu o que eu disse?

Todos no salão encaravam as duas mulheres. Edmond foi o primeiro a sair do seu estupor.

– Solte-a, Madelyne – exclamou.

Sem desviar a atenção de Adela, Madelyne replicou para Edmond:

– Fique fora disto, Edmond. Você me acusa de ser a responsável pelo que aconteceu a sua irmã e eu resolvi que já passa da hora de consertar o estrago. Começando por agora.

Duncan não disse nada.

– Eu não a considero responsável – Edmond exclamou. – Solte-a. A mente dela está...

– A mente dela precisa de uma bela faxina, Edmond.

Madelyne viu que Maude e Gerty observavam na porta. Mantendo a pegada firme em Adela, lhes disse:

– Acredito que precisaremos de duas tinas para nos livrarmos da sujeira desta pobre criatura. Providencie isso, Gerty. Maude, encontre roupas limpas para sua senhora.

– Vai tomar seu banho agora, milady? – Gerty perguntou.

– Adela vai tomar banho – Madelyne anunciou. Virou-se para encarar Adela e disse: – E sabão na boca para cada vez que disser uma palavra pouco feminina para mim.

Madelyne soltou os cabelos de Adela e depois a ajudou a se levantar. A irmã de Duncan tentou se afastar, mas Madelyne não permitiu. Sua raiva lhe conferiu uma força digna de Hércules.

– Você é mais alta do que eu, mas sou mais forte, e mais malvada neste minuto do que você jamais poderá imaginar, Adela. Se eu tiver que chutá-la até a torre, estou mais do que disposta a executar essa tarefa. – Puxou o braço de Adela, arrastando-a até a entrada, resmungando alto o bastante para que os três irmãos ouvissem: – E estou feliz ante a perspectiva de chutá-la, fique sabendo.

Adela se debulhou em lágrimas, mas Madelyne foi implacável. A irmã não receberia mais empatia de sua parte. Edmond e Gilard já deram a Adela demais disso. Sem perceberem, os irmãos fizeram mais mal à irmã com sua piedade e compaixão. Agora, era preciso uma mão firme. E a de Madelyne era firme o bastante. Estranho, mas sua cabeça não doía mais.

– Chore o quanto quiser, Adela. Isso não ajudará sua causa. Ousou chamar o pequeno Willie de pirralho, quando o adjetivo pertence a você. Sim, você é quem é a pirralha. Mas isso vai mudar agora. Isso eu prometo.

Madelyne continuou falando durante todo o caminho até seu quarto. E não teve que chutar Adela nem uma vez.

Quando as tinas foram enchidas com água quente, o desejo de lutar desertara Adela. Gerty e Maude ficaram para ajudar a tirar as roupas dela.

– Queime isto – Madelyne ordenou depois de entregar as roupas nojentas para Gerty.

Quando Adela foi empurrada para a primeira banheira, Madelyne pensou que ela tentava imitar a esposa de Ló. A irmã de Duncan ficou sentada como uma estátua de pedra, fitando ao longe. Seu olhar, no entanto, revelava outra história. Sim, era evidente que Adela fumegava de raiva.

– Por que a necessidade de duas tinas? – Maude perguntou. Retorcia as mãos de nervosismo. Adela subitamente mudou de tática e acabara de agarrar os cabelos de Madelyne. Parecia que ela estava disposta a arrancar os cachos do escalpo.

Em retaliação, a dama que Maude começara a ver como sendo uma mulher doce e gentil empurrou Adela para baixo da água. Estaria pensando em afogar a irmã do barão?

– Não acho que Lady Adela consiga respirar embaixo da água – comentou Maude.

– Não, mas também não consegue cuspir em mim – Madelyne replicou, enunciando cada palavra com rispidez.

– Bem, eu nunca... – Gerty arquejou o protesto antes de se virar. Maude viu a amiga disparar para a porta.

Maude sabia que Gerty queria sempre ser aquela que dava as notícias antes que qualquer um tivesse a oportunidade. O Barão de Wexton deveria querer saber o que estava acontecendo ali.

Maude bem que queria poder ir atrás dela. Lady Madelyne a estava assustando agora; ela nunca vira um temperamento tão feroz. Ainda assim, ela defendera Willie e, por esse motivo, Maude ficaria e ajudaria enquanto Lady Madelyne precisasse.

– Precisamos de duas tinas porque Lady Adela está tão porca que precisará de dois banhos.

Maude tinha dificuldades para ouvir o que Lady Madelyne lhe dizia. Adela começara a chutar e arranhar. Deus, havia água em toda parte, mais especificamente em Lady Madelyne.

– Passe-me o sabão, por favor – Madelyne pediu.

A hora seguinte foi uma provação digna de ser recontada até a primavera seguinte. Gerty ficava apontando a cabeça para verificar o progresso. Então ela seguia para o andar de baixo para relatar para Edmond e Gilard.

Quando a comoção acabou, Gerty ficou um pouco desapontada. Lady Adela estava sentada pacificamente diante da lareira enquanto Lady Madelyne penteava seus cabelos. A peleja abandonara a irmã do barão, e a excitação acabara.

Maude e Gerty saíram da torre depois que as tinas foram esvaziadas e levadas embora.

Nem Adela nem Madelyne disseram uma palavra civilizada uma à outra. Maude subitamente reapareceu na porta e disse apressada:

– Ainda tenho que agradecer por ter ajudado meu filho.

Madelyne estava prestes a responder para Maude quando a criada continuou:

– Veja bem, não culpo Lady Adela. Ela não tem como evitar seu estado. Mas a senhora saiu do seu caminho para confortar Willie e, por isso, sou muito agradecida.

– Não tive a intenção de bater nele.

A admissão veio de Adela. Era a primeira sentença decente que ela dizia. Maude e Madelyne partilharam um sorriso.

Assim que a porta se fechou atrás de Maude, Madelyne puxou uma cadeira e se sentou de frente para Adela.

Adela se recusou a olhar para Madelyne. As mãos ficaram cruzadas sobre o colo e ela as fitava intensamente.

Madelyne teve bastante tempo para estudar a irmã de Duncan. Adela, na verdade, era muito bonita. Tinha grandes olhos castanhos, cabelos castanhos dourados, uma surpresa, visto que assim que a sujeira fora removida, as mechas douradas eram bem perceptíveis.

Ela não se parecia muito com Duncan, no entanto partilhava com ele um veio de teimosia. Madelyne se forçou a ser paciente.

Pelo menos uma hora se passou antes que Adela finalmente erguesse o olhar para Madelyne.

– O que quer de mim?

– Quero que me conte o que aconteceu.

O rosto de Adela de pronto ficou rubro.

– Quer todos os detalhes, Madelyne? Isso lhe dará prazer? – Adela começou a retorcer o punho da camisola recém-passada que vestia.

– Não, isso não me dará prazer – Madelyne respondeu. Sua voz pareceu triste. – Mas você precisa contar. Há um veneno dentro de você, Adela, e você precisa se livrar dele. Irá se sentir melhor depois, eu juro. E não terá mais que sustentar aquele espetáculo de infantilidade diante dos seus irmãos.

Os olhos de Adela se arregalaram.

– Mas como você... – Subitamente, ela percebeu que estava se denunciando.

Madelyne sorriu.

– É evidente até para os mais simplórios que você não me odeia. Cruzamos nossos caminhos todos os dias e você nunca gritou para mim. Não, Adela, você foi muito calculada em seu ódio.

– Eu odeio mesmo você.

– Não, não odeia – Madelyne anunciou. – Não tem por que me odiar. Não fiz nada para magoá-la. Nós duas somos inocentes e fomos apanhadas nesta guerra entre nossos irmãos. Sim, ambas somos inocentes.

– Eu não sou mais inocente – Adela respondeu. – E Duncan foi para a sua cama todas as noites, por isso duvido que você tampouco o seja.

Madelyne ficou surpresa com as palavras de Adela. Por que ela acreditava que Duncan passara as noites com ela? Claro que ela estava equivocada, mas Madelyne se forçou a se concentrar no problema de Adela nessa hora. Poderia alegar sua inocência mais tarde.

– Eu mataria o seu irmão se tivesse essa chance – Adela anunciou. – Por que você simplesmente não me deixa em paz? Quero morrer em paz.

– Não repita palavras tão pecaminosas – Madelyne replicou. – Adela, como posso ajudá-la se você...

– Por quê? Por que quer me ajudar? Você é irmã de Louddon.

– Não devo lealdade alguma a meu irmão. Ele destruiu isso há muito tempo. Quando conheceu Louddon? – perguntou isso com casualidade, como se o fato não tivesse importância alguma.

– Em Londres – Adela respondeu. – E isso é só o que vou lhe contar.

– Nós vamos conversar sobre o assunto, pouco importa o quão doloroso seja. Só temos uma à outra, Adela. Eu guardarei seu segredo.

– Segredo? Não existe segredo algum, Madelyne. Todos sabem o que aconteceu comigo.

– Ouvirei a verdade vinda de você – Madelyne sentenciou. – Se tivermos que ficar sentadas aqui olhando uma para a outra a noite inteira, estou mais do que disposta.

Adela olhou para Madelyne por um bom tempo, evidentemente tentando se decidir. Sentia-se pronta a explodir em milhares de fragmentos. Deus, estava tão cansada do logro, e tão, tão sozinha.

– E contará cada palavra a Louddon quando voltar para ele? – perguntou, apesar de a voz não passar de um sussurro rouco agora.

– Nunca voltarei para Louddon – Madelyne disse. Sua voz soou com raiva. – Tenho um plano de ir morar com minha prima. Ainda não sei como, mas irei até a Escócia nem que seja a pé.

– Acredito em você, não contará nada a Louddon. Mas e quanto a Duncan? Contará para ele?

– Não contarei a ninguém a menos que me dê permissão – Madelyne respondeu.

– Conheci seu irmão enquanto estive na corte – Adela sussurrou. – Ele é um belo homem – acrescentou. – Disse que me amava, prometeu casamento.

Adela começou a chorar, e diversos minutos se passaram antes que conseguisse recobrar o controle.

– Eu já estava comprometida com o Barão Gerald. O acordo foi feito quando eu tinha dez anos. Eu estava feliz até conhecer Louddon. Não via Gerald desde que era uma garotinha. Juro por Deus, não sei nem se o reconheceria se o visse agora. Duncan me deu permissão para ir à corte com Gilard e Edmond. Gerald deveria estar lá, e uma vez que os votos do casamento seriam feitos no próximo verão, meus irmãos acreditaram que seria uma boa ideia eu conhecer o meu futuro marido. Duncan acreditava que Louddon estivesse na Normandia com o rei, entende. De outro modo, não teria permitido que eu chegasse perto da corte.

Adela inspirou fundo e continuou:

– Gerald não estava lá. Mas teve bons motivos – acrescentou. – O lar de um dos seus vassalos fora atacado e ele teve que retaliar. Mesmo assim, fiquei brava e desapontada.

Deu de ombros nesse ponto. Madelyne esticou o braço e segurou-lhe as mãos.

– Eu também teria ficado desapontada – concedeu.

– Tudo foi tão rápido, Madelyne. Estávamos em Londres há duas semanas. Eu sabia o quanto Duncan desgostava de Louddon, mas não sabia por quê. Mantivemos nossos encontros em segredo. Ele sempre foi muito gentil e cheio de consideração comigo. Gostei da atenção. Os encontros também eram facilmente arranjados, porque Duncan não estava lá.

– Louddon teria encontrado um modo – Madelyne disse. – Acredito que ele a tenha usado para atingir seu irmão. Você é muito bonita, mas não creio que Louddon a amasse. Ele não é capaz de amar ninguém além de si mesmo. Sei disso agora.

– Louddon não tocou em mim.

A declaração despencou entre elas. Madelyne ficou pasma. Forçou-se a manter a expressão controlada e depois disse:

– Prossiga, por favor.

– Concordamos em nos encontrar num quarto que Louddon encontrara desocupado no dia anterior. Ele ficava bem afastado dos quartos dos outros hóspedes, bem isolado. Eu sabia o que estava fazendo, Madelyne. Concordei com o encontro. Pensei que amava seu irmão. Eu sabia que estava errada, mas não conseguia impedir o que sentia. Deus, ele era tão lindo. Bom Deus, Duncan me matará se souber a verdade.

– Não se atormente, Adela. Ele não saberá de nada a menos que conte para ele.

– Louddon foi se encontrar comigo – Adela disse. – Mas não estava sozinho. Um amigo estava com ele e foi ele quem... me violentou.

Todo o treino em se controlar salvou Madelyne naquele momento. Não demonstrou nenhum sinal exterior com a admissão chocante de Adela.

A irmã de Duncan observou Madelyne. Esperou para ver a repulsa dela.

– Isso não faz de você...

– Termine – Madelyne sussurrou.

Toda a história sórdida foi despejada, aos tropeços a princípio, e depois com velocidade crescente, e quando Adela terminou, Madelyne lhe deu alguns minutos para se acalmar.

– Quem era esse homem com Louddon? Diga-me o seu nome.

– Morcar.

– Conheço o bastardo – Madelyne replicou, sem conseguir esconder a ira da voz. Adela parecia assustada com o rompante. Madelyne tentou deixar a raiva de lado. – Por que não contou tudo isso a Duncan? Não a parte sobre ter escolhido se encontrar com Louddon, claro, mas sobre o envolvimento de Morcar?

– Não consegui – Adela respondeu. – Estava tão envergonhada. E fui tão surrada que pensei que iria morrer. Louddon foi tão responsável quanto Morcar... Oh, não sei, mas assim que disse o nome de Louddon para Gilard e Edmond, eles não quiseram ouvir mais nada.

Adela começou a chorar, mas Madelyne rapidamente a conteve.

– Muito bem, então – disse com pragmatismo. – Agora você vai me ouvir. O seu único pecado foi ter se apaixonado pelo homem errado. Eu gostaria de poder contar sobre Morcar para Duncan, mas essa é uma decisão que você tem que tomar, não eu. Pelo tempo que me obrigar, juro que manterei o seu segredo.

– Confio em você – Adela respondeu. – Fiquei observando-a a semana inteira. Você não é nada parecida com seu irmão. Por Deus, nem fisicamente vocês se parecem...

– Graças a Deus por isso – Madelyne murmurou com tanto prazer na voz que Adela sorriu. – Mais uma pergunta, Adela, se não se incomodar – Madelyne disse. – Por que tem agido como louca? Foi por causa dos seus irmãos?

Adela assentiu.

– Por quê? – Madelyne perguntou, confusa.

– Quando cheguei em casa, percebi que não iria morrer. E comecei a me preocupar que talvez estivesse carregando o filho de Morcar. Duncan me forçaria a casar e...

– Como pode acreditar que Duncan a forçaria a se casar com Louddon? – Madelyne a interrompeu.

– Não, não – Adela disse. – Mas ele encontraria alguém. Sua única preocupação seria a de me ajudar.

– E você está esperando um filho? – Madelyne perguntou. Mas sentiu o estômago se contrair ante essa possibilidade.

– Não sei. Não tive meu fluxo mensal, mas não me sinto diferente e meus fluxos nunca foram muito constantes. – Adela corou após fazer essa confissão.

– Talvez seja cedo ainda para termos certeza – Madelyne aconselhou. – Mas se estiver, como espera esconder isso de Duncan? Ele pode ser obstinado, Adela, mas certamente não é cego.

– Pensei em ficar no quarto até ser tarde demais, acho. Parece tolice agora. Não andei pensando muito claramente. Só sei que me matarei antes de ser forçada a me casar com alguém.

– E quanto ao Barão Gerald? – Madelyne perguntou.

– O acordo está rompido agora – Adela disse. – Não sou mais uma virgem.

Madelyne suspirou.

– O barão anunciou isso?

– Não, mas Duncan diz que agora ele não tem mais que honrar o acordo – Adela disse.

Madelyne assentiu.

– A sua principal preocupação é que Duncan a force a se casar?

– Sim.

– Então vamos enfrentar primeiro essa preocupação. Pensaremos num plano para que se livre dessa apreensão.

– Pensaremos?

Madelyne ouviu a ansiedade na voz de Adela, viu uma centelha de esperança nos olhos dela também. Isso só fez com que ela ficasse ainda mais determinada. Sem conseguir ficar parada nem um momento mais, Madelyne ficou de pé e começou a andar em círculos ao redor das poltronas.

– Não acredito nem por um minuto que seu irmão seja tão cruel a ponto de exigir que você se case com qualquer um. – Ergueu a mão quando Adela pareceu prestes a interrompê-la, depois prosseguiu: – Contudo, o que eu acredito não importa. E se eu conseguisse arrancar uma promessa de Duncan de que você poderá viver aqui pelo tempo que desejar, não importando as circunstâncias? Isso diminuiria seu medo, Adela?

– Você teria que contar a ele que eu posso estar grávida?

Madelyne não respondeu de pronto. Continuou a andar em círculos, perguntando-se como, em nome de Deus, conseguiria que Duncan lhe prometesse qualquer coisa.

– Claro que não – Madelyne respondeu. Parou quando ficou bem na frente de Adela e sorriu para a moça. – Primeiro consigo a promessa dele. Ele descobrirá o resto em pouco tempo, não?

Adela sorriu.

– Você é esperta, Madelyne. Agora estou entendendo seu plano. Depois que Duncan concordar, não poderá recuar em sua promessa. Mas ele ficará furioso com você por ludibriá-lo – ela acrescentou com o sorriso diminuindo por conta da preocupação.

– Ele sempre fica furioso comigo – Madelyne respondeu dando de ombros. – Não tenho medo de seu irmão, Adela. Ele ruge como o vento, mas tem um interior suave. Tenho certeza disso – Madelyne disse, rezando para ter razão. – Muito bem, agora me prometa que não se preocupará com a possibilidade de estar grávida. Você passou por um mal bocado e esse pode ser o motivo pelo qual saltou seu fluxo mensal – aconselhou. – Sabe, sei disso porque Frieda, a esposa do lenhador, ficou terrivelmente abalada quando o filho dela caiu no poço e demorou para ser resgatado. O menino não se machucou, e graças a Deus por isso, mas ouvi Frieda contar a outra criada uns dois meses mais tarde que não estava tendo seu fluxo. A outra criada lhe explicou que isso era uma situação muito normal considerando-se o susto que ela levara. Não me lembro do nome da sábia mulher agora, ou eu lhe contaria, mas, no fim, ela estava certa quanto ao assunto. Sim, Frieda voltou a ter seus fluxos normalmente no mês seguinte.

Adela assentiu.

– E se você estiver mesmo grávida – Madelyne prosseguiu, – enfrentaremos isso, não é mesmo? Você não odiará seu filho, odiará, Adela? – Madelyne não conseguia esconder a preocupação da voz. – O bebê será tão inocente quanto você.

– Ele terá a alma negra como o pai – Adela comentou. – Eles partilhariam o mesmo sangue.

– Bem, se é assim que as coisas funcionam, eu estou tão fadada ao inferno quanto Louddon, não?

– Não, você não é como seu irmão – Adela protestou.

– E seu filho também não será como Morcar. Você cuidará disso – Madelyne afirmou.

– Como?

– Amando-o e ajudando-o a fazer as escolhas certas quando for crescido o bastante para entender as coisas.

Madelyne suspirou e sacudiu a cabeça.

– De todo modo, talvez você não esteja grávida, portanto, deixemos esse assunto de lado por enquanto. Vejo o quanto você está cansada. Visto que seu quarto precisa ser limpo antes que possa dormir lá, ficará com minha cama esta noite. Encontrarei outra.

Adela seguiu Madelyne até a cama e observou quando sua nova amiga puxou as cobertas.

– Quando pedirá a Duncan que faça a promessa?

Madelyne esperou até que Adela subisse na cama antes de responder.

– Falarei com ele amanhã. Isso é muito importante para você, entendo isso. Não vou me esquecer.

– Nunca mais vou querer que outro homem toque em mim – Adela disse.

A voz dela saiu tão dura que Madelyne começou a se preocupar que ela voltasse a se entristecer.

– Quietinha, agora – Madelyne disse suavemente ao acomodar as cobertas sobre Adela. – Descanse. Tudo vai ficar bem.

Adela sorriu por causa da maneira como Madelyne a mimava.

– Madelyne? Sinto muito pelo modo como a tratei. Se achar que pode adiantar, pedirei a Edmond que converse com Duncan a respeito de levá-la para a Escócia.

Madelyne notou que Adela pensou em falar com Edmond e não diretamente com Duncan. O comentário reforçou sua crença de que Adela temia o irmão mais velho.

Adela suspirou e depois disse:

– Mas não quero que vá a parte alguma ainda. Estive tão sozinha. É egoísmo meu admitir isso?

– Está sendo sincera – Madelyne replicou. – Uma característica que eu muito admiro – acrescentou. – Oras, nunca disse uma mentira em toda a minha vida – gabou-se.

– Nunca?

Madelyne percebeu a risadinha de Adela e sorriu.

– Não que eu me lembre – disse. – E prometo ficar aqui pelo tempo que precisar de mim. Não desejo viajar neste tempo inclemente.

– Você também foi desonrada, Madelyne. Todos pensarão...

– É uma tolice o que está dizendo – Madelyne disse. – Nenhuma de nós é responsável pelo que aconteceu. Ambas temos honra em nossos corações. É isso o que importa para mim.

– Você tem atitudes muito extraordinárias – Adela comentou. – Eu haveria de pensar que deveria odiar a todos nós, Wexton.

– Bem, é um fato que seus irmãos não são homens fáceis de gostar – Madelyne admitiu. – Mas não os odeio. Sabe que me sinto segura aqui? Incrível, não acha? Ser uma prisioneira e sentir-se segura ao mesmo tempo. Veja, essa é uma verdade a ser contemplada.

Madelyne franziu o cenho, com a mente tomada pela incrível admissão.

– Muito bem – disse para si mesma. – Vou ter que pensar um pouco mais sobre isso.

Deu um tapinha no braço de Adela e se virou para seguir até a porta.

– Não fará nenhuma tolice a respeito de Morcar, fará, Madelyne?

– Ora, por que me pergunta tal coisa? – Madelyne perguntou.

– Por causa de sua expressão quando eu lhe contei o nome dele – Adela respondeu. – Não fará nada, fará?

Adela pareceu temerosa uma vez mais.

– Você tem uma imaginação fértil – Madelyne lhe disse. – Temos isso em comum – acrescentou, habilmente evitando o assunto de Morcar.

Sua artimanha funcionou, pois Adela já estava sorrindo.

– Acredito que esta noite não terei pesadelos. Estou cansada demais. É melhor ir logo para a cama, Madelyne. Precisará estar descansada para a sua conversa com Duncan.

– Acredita que ele me sugará as forças? – Madelyne perguntou.

– Não – Adela respondeu. – Você conseguirá que Duncan lhe prometa o que quiser.

Deus, a irmã tinha tanta confiança nela. Madelyne sentiu um peso nos ombros.

– Vejo o modo como Duncan olha para você. E você salvou a vida de Gilard. Ouvi-o contando a história a Edmond. Lembre Duncan disso e ele não será capaz de lhe negar nada.

– Vá dormir, Adela.

Madelyne estava prestes a fechar a porta quando as palavras seguintes de Adela a detiveram.

– Duncan nunca olha para Lady Eleanor do modo como olha para você.

Madelyne não resistiu.

– Quem é Lady Eleanor? – perguntou, tentando não parecer muito interessada. Virou-se para olhar para Adela e, pelo modo como a irmã sorria, pensou que não conseguira disfarçar.

– A mulher com quem Duncan pensa em se casar.

Madelyne não demonstrou nenhuma reação exterior. Assentiu, indicando que ouvira Adela.

– Então, lamento muito por ela. Terá as mãos ocupadas vivendo com seu irmão. Não se ofenda, Adela, mas acredito que seu irmão seja arrogante demais para o próprio bem.

– Eu disse que ele estava pensando em se casar com ela, Madelyne. Mas ele não se casará.

Madelyne não respondeu. Fechou a porta atrás de si e atravessou o patamar antes de irromper em lágrimas.


CAPÍTULO ONZE


“Melhor é aquele treinado com a disciplina mais severa.”
Rei Arquidamo II de Esparta

 

Madelyne não queria que ninguém a visse chorando. Quando deixou Adela, não tinha um destino claro em mente, queria apenas encontrar um lugar tranquilo onde pudesse analisar suas emoções.

O salão foi sua primeira escolha, mas, quando se aproximou da entrada, ouviu Gilard conversando com alguém. Prosseguiu, desceu o lance seguinte de escadas, apanhou sua capa no gancho ao lado do alojamento dos soldados e se esforçou para abrir as pesadas portas apenas o bastante para passar por elas.

O ar estava frio o bastante para fazer um urso tremer. Ela fechou a capa ao redor dos ombros e se apressou. A lua propiciava luz suficiente para sua caminhada e quando ela circundou o chalé do açougueiro, recostou-se na parede de pedras da fortaleza e começou a chorar como uma criancinha. Chorou alto, indisciplinadamente e ficou infeliz também, pois não se sentiu nada melhor depois. A cabeça doía, as bochechas estavam rubras e não conseguia parar de soluçar.

A raiva não foi embora.

Assim que Adela começou a contar sua história, não deixou nada de fora. Madelyne não revelou nenhuma reação externa ao seu horror, mas seu coração chegou perto a estourar de dor. Morcar! O bastardo era tão culpado quanto Louddon e, no entanto, ninguém saberia do seu envolvimento.

– O que está fazendo aqui fora?

Madelyne arquejou. Duncan a assustara imensamente, aparecendo do nada bem ao seu lado.

Tentou dar-lhe as costas, mas Duncan não permitiu. Segurou-a pelo queixo e a forçou a olhar para ele.

Ele teria que ser cego para não notar que ela estivera chorando. Madelyne pensou em lhe dar uma desculpa qualquer, mas no instante em que ele a tocou, recomeçou a chorar.

Duncan a puxou para os braços. Pareceu contentar-se apenas em segurá-la até que ela se recompusesse. Ele, evidentemente, acabara de nadar, pois pingava da cabeça à cintura. Madelyne tampouco o ajudava a se secar, pois chorava e arquejava e soluçava sobre os pelos macios que lhe cobriam o peito.

– Vai congelar até morrer andando seminu assim – comentou entre soluços. – E dessa vez eu não vou esquentar seus pés.

Se Duncan lhe respondeu, ela não ouviu. Seu rosto estava pressionado no ombro dele e ela lhe afagava o peito. Duncan achava que ela não percebia o que estava fazendo, tampouco compreendia o efeito que surtia nele.

Madelyne tentou afastar-se de Duncan. Bateu no queixo dele, murmurou um pedido de desculpas, depois cometeu o erro de olhar para ele. A boca estava absolutamente próxima demais. Não conseguia parar de olhá-lo, lembrando-se vividamente da sensação de tê-lo beijado naquela noite na tenda.

E quis beijá-lo novamente.

Duncan deve ter compreendido suas intenções, pois lentamente abaixou a boca sobre a sua.

Ele só queria lhe dar um beijo suave. Sim, queria confortá-la, mas os braços de Madelyne o rodearam pelo pescoço e a boca dela se abriu de imediato. Sua língua tirou vantagem, moldando-se à dela.

Deus, como ela era doce. Conseguia excitá-lo tão rapidamente. E também não permitia que fosse gentil. O som que ela produziu, bem no fundo da garganta, afastou todos os pensamentos de conforto.

Sentiu-a estremecer e só depois se lembrou de onde estavam. Com relutância, afastou-se de Madelyne, apesar de já esperar a oposição dela. Resolveu que teria que beijá-la de novo, e foi em frente antes que aquela mulher suave e sensual tivesse a chance de pedir.

Duncan a fazia arder. Ela não achava que teria forças para parar, até a mão dele resvalar a lateral de seu seio. Foi maravilhoso, e quando ela percebeu o quanto desejava mais daquilo, afastou-se dele.

– É melhor você entrar antes que vire um bloco de gelo – Madelyne disse com a voz soando partida.

Duncan suspirou. Lá estava Madelyne de novo, tentando lhe dar ordens. Apanhou-a nos braços, ignorando seus protestos, e começou a caminhar na direção do castelo.

– Adela conversou com você a respeito do acontecido? – Duncan perguntou quando sua mente conseguiu se concentrar novamente.

– Conversou – Madelyne respondeu. – Mas não repetirei nem uma palavra, pouco importa o quanto você se mostre insistente. Pode me torturar se quiser, ainda assim eu...

– Madelyne... – O suspiro arrastado dele a deteve.

– Prometi a Adela que não diria nada a ninguém, especialmente para você. Sua irmã tem medo de você, Duncan. Isso é muito lamentável – acrescentou.

Pensou que sua declaração fosse irritar Duncan e se surpreendeu quando ele assentiu.

– É assim que deve ser – Duncan disse, dando de ombros. – Sou o senhor daqui bem como irmão e o primeiro deve preceder o segundo.

– Não é assim que deveria ser – Madelyne argumentou. – Uma família deveria ser próxima. Todos deveriam partilhar as refeições juntos e nunca brigar uns com os outros. Deveria...

– Como diabos você pode saber como uma família deveria ou não ser? Você morava com seu tio – Duncan disse, sacudindo a cabeça em exasperação.

– Bem, ainda assim eu sei como as famílias deveriam agir – Madelyne contrapôs.

– Madelyne, não questione meus métodos – Duncan disse num grunhido baixo. – Por que esteve chorando? – perguntou, rapidamente mudando de assunto.

– Por causa do que meu irmão fez a Adela – Madelyne sussurrou. Repousou a cabeça no ombro de Duncan. – Meu irmão arderá no fogo do inferno por toda a eternidade.

– Certamente – Duncan concordou.

– Ele é um homem que precisa ser morto. Não o condeno por querer matá-lo, Duncan.

Duncan balançou a cabeça.

– Sente-se melhor por não me condenar? – perguntou.

Ela acreditou ter ouvido um tom de divertimento na voz dele.

– Mudei minha percepção quanto ao assassinato. Eu chorava por causa dessa perda – sussurrou. – E pelo que preciso fazer.

Duncan esperou que Madelyne explicasse. Chegaram às portas e Duncan as abriu sem desacomodá-la dos braços. A força dele a surpreendeu de novo. Fora preciso toda a sua determinação, além de ambas as mãos, para fazer com que uma daquelas portas se abrisse o bastante para poder passar sem levar uma portada nas nádegas, contudo Duncan não demonstrara o mínimo de esforço.

– O que precisa fazer? – Duncan perguntou, incapaz de conter a curiosidade.

– Devo matar um homem.

A porta se fechou bem quando Madelyne sussurrou sua confissão. Duncan não teve certeza de ter ouvido corretamente. Resolveu ter paciência até chegar ao seu quarto antes de voltar a questioná-la.

Carregou Madelyne escada acima, ignorando seus protestos de ser capaz de caminhar e não parou quando chegaram ao andar do salão, mas seguiram em frente, até o seguinte. Madelyne acreditou que ele a levava de volta para seu quarto na torre. Quando chegaram à boca da estrutura circular, Duncan se virou na direção contrária e prosseguiu por um corredor escuro. Estava escuro demais para ela ver para onde iam.

Ficou muito curiosa, pois não notara aquela passagem estreita antes. Chegaram ao fim do corredor, Duncan abriu a porta e entrou. Madelyne percebeu de pronto que eram os aposentos dele, ao mesmo tempo em que considerou muito gentil da parte dele ceder seu quarto para passar aquela noite.

Ali dentro do quarto estava confortável e acolhedor. Um fogo ardia na lareira, conferindo um brilho suave no quarto que, de outro modo, estaria escuro. Uma única janela estava centralizada na parede oposta, coberta por uma pele de animal que fazia as vezes de cortina. Uma cama ampla ocupava boa parte da parede de pedras adjacente à lareira. Ao lado, um baú.

A cama e o baú eram as únicas peças de mobília no quarto, que era limpo, quase imaculado. Esse fato fez Madelyne sorrir. Não sabia por que a agradava, mas ficou satisfeita em saber que, assim como ela, Duncan não apreciava bagunça.

Por que, então, ele permitia que o salão principal fosse tão mal cuidado? Isso não fazia sentido algum, agora que ela via os aposentos dele. Resolveu questioná-lo assim que o pegasse de bom humor. E sorriu novamente, pois percebeu que poderia muito bem se tornar uma anciã antes que Duncan alcançasse tal admirável mudança de disposição.

Duncan não parecia particularmente apressado em soltá-la. Caminhou até a lareira, apoiou os ombros na cornija grossa e começou a se esfregar de um lado a outro, evidentemente cuidando de alguma coceira repentina. Madelyne teve que se segurar para não cair. Deus, desejou que ele estivesse vestindo uma camisa. Disse a si mesma que aquilo era indecente, pois estava gostando demais de tocar na pele dele. Duncan era como um deus de bronze. A pele era quente, e com as palmas repousando nos ombros dele, ela conseguia sentir os músculos se movendo sob as pontas dos seus dedos.

Desejou conseguir compreender o motivo de reagir assim diante dele. Oras, seu coração batia acelerado de novo. Madelyne ousou um rápido olhar e descobriu que Duncan a observava intensamente. Ele estava tão bonito. Desejou que ele fosse feio.

– Vai me segurar pelo resto da noite? – perguntou, parecendo ridiculamente descontente.

Duncan deu de ombros, quase derrubando Madelyne. Ela se agarrou a ele novamente e, quando ele lhe sorriu, Madelyne percebeu que ele poderia ter feito aquilo apenas para que se agarrasse a ele.

– Primeiro responda à minha pergunta, depois eu a soltarei – Duncan ordenou.

– Responderei à sua pergunta – ela lhe disse.

– Você disse que pensou em matar um homem?

– Sim. – Ela fitou o queixo dele ao responder.

Madelyne esperou um minuto inteiro até que Duncan comentasse sua admissão. Pensou que, provavelmente, ele lhe passaria um sermão por conta de sua fraqueza ante a tarefa de matar alguém.

No entanto, estava totalmente despreparada para a gargalhada dele. Começou com um rugido no peito e rapidamente ganhou um som, até ele quase engasgar com genuína alegria.

Afinal, ele a ouvira corretamente. Madelyne lhe dissera mesmo que mataria um homem. A declaração era, a princípio, tão surpreendente que ele pensou que ela estivesse brincando. Entretanto, a expressão séria dela indicava que ela estava determinada quanto ao assunto.

Sua reação não a agradou muito. Que Deus o ajudasse, mas ele não conseguia parar de rir. Deixou que Madelyne escorregasse de seus braços, mas manteve as mãos nos seus ombros para que ela não se afastasse.

– E quem é esse infeliz que pretende matar? – Finalmente ele conseguiu perguntar. – Um de nós, Wexton, por acaso?

Madelyne se afastou dele.

– Claro que não é nenhum Wexton, embora sendo muito sincera, se eu tivesse uma alma maligna, você seria o primeiro na lista daqueles que eu eliminaria, milorde.

– Ah – Duncan comentou, ainda sorrindo. – Se não é nenhum de nós, minha doce e gentil dama, então quem pretende “eliminar”? – ele perguntou, usando a ridícula expressão dela para matar.

– Sim, isso é verdade, Duncan. Sou uma dama recatada, doce e gentil, e já está mais do que na hora que compreenda isso – Madelyne respondeu. Sua voz não estava particularmente doce no momento.

Madelyne caminhou até a cama e se sentou na lateral. Demorou-se alisando a saia e depois cruzou as mãos sobre o colo. Estava verdadeiramente horrorizada por conseguir falar tão francamente sobre tirar a vida de alguém. Mas, pensando bem, o homem que tinha em mente precisava muito ser morto, certo?

– Não arrancará o nome dele de mim, Duncan. Isso é assunto meu, não seu.

Duncan não concordava, mas resolveu esperar antes de forçar a verdade.

– E quando matar esse homem, Madelyne, vai vomitar a comida que tiver no estômago novamente?

Ela não respondeu. Duncan pensou que ela devia estar percebendo agora o quanto seu plano parecia tolo.

– E chorará também? – perguntou-lhe, repetindo a ação dela após ter matado o soldado que atacara Gilard.

– Eu me lembrarei de não comer nada antes de matá-lo, Duncan, a fim de não ficar enjoada e, se eu chorar com o que tiver feito, encontrarei um lugar reservado a fim de que ninguém me veja. Esta explicação lhe basta?

Madelyne inspirou fundo, tentando desesperadamente manter a expressão contida. Deus, já se sentia uma pecadora.

– A morte não deve ser considerada com leviandade – disse, então. – Mas a justiça tampouco deve ser ludibriada.

Duncan recomeçou a rir. E isso a enfureceu.

– Eu gostaria de dormir agora, pode se retirar.

– Acredita que vai me expulsar dos meus aposentos? – Duncan perguntou.

Ele não ria agora, e Madelyne não teve coragem para encará-lo.

– Sim – admitiu. – Se estou sendo desrespeitosa, lamento. Mas sabe que não minto. É gentil de sua parte me ceder sua cama por esta noite. Aprecio muito isso. E amanhã retornarei para a torre, depois que o quarto de Adela for limpo.

Estava sem ar depois de terminar sua explicação.

– Sua honestidade é renovadora.

– Põe-me em apuros – Madelyne suspirou. Continuava a fitar as mãos, desejando que Duncan se apressasse e saísse logo. Mas logo ouviu um baque suave. O barulho atraiu sua atenção, e quando ela levantou o olhar, foi bem a tempo de ver Duncan retirar a segunda bota e largá-la no chão.

– É indecente ficar diante de mim sem camisa – Madelyne declarou. – E agora vai despir o resto das suas roupas antes de sair? Por acaso desfila assim diante de Lady Eleanor?

Madelyne se sentia corar. Estava determinada a ignorar Duncan. Se ele queria se pavonear seminu, então ela só teria que fechar os olhos. E ele também não ouviria nenhuma palavra de despedida por parte dela.

Ela foi um pouco lerda para compreender as intenções de Duncan. Madelyne continuou observando-o pelo canto do olho. Duncan se ajoelhou diante da lareira e acrescentou uma tora ao fogo. Ela quase agradeceu pela cortesia, mas se lembrou de que estava inclinada a ignorá-lo. Deus, ele fazia mesmo com que ela perdesse o fio do pensamento, não?

Duncan se levantou e foi até a porta. Antes que Madelyne entendesse o que ele estava prestes a fazer, ele empurrou a trava grossa de madeira ao longo dos aros de metal.

Seus olhos testemunharam aquilo com assombro. Ela estava trancada no quarto, mas o verdadeiro problema, segundo seu ponto de vista, era que Duncan estava do lado errado da porta. E nem mesmo uma dama doce, recatada e gentil de boa linhagem poderia interpretar mal o significado desse gesto.

Madelyne emitiu um gritinho de ultraje, saltou da cama e correu até a porta. Tinha apenas uma intenção: sairia daquele quarto, iria para longe de Duncan.

Ele a observou se debater com a trava por um momento. Quando ficou satisfeito que ela não conseguiria descobrir a trava singular por baixo da barra, foi até a cama. Resolveu permanecer de calças em respeito aos sentimentos de Madelyne. Ela parecia prestes a se descontrolar novamente.

– Venha para a cama, Madelyne – Duncan exigiu ao se esticar sobre as cobertas.

– Não dormirei ao seu lado – Madelyne gaguejou.

– Temos dormido juntos...

– Apenas uma vez, naquela tenda, Duncan, e foi devido à necessidade. Partilhamos o calor um do outro.

– Não, Madelyne, tenho dormido ao seu lado todas as noites desde então – Duncan anunciou.

Madelyne se virou para encará-lo furiosa.

– Não tem, não!

– Sim, tenho, sim.

Ele lhe sorria.

– Como pode mentir com tanta facilidade? – Madelyne exigiu saber.

Não lhe deu tempo para responder, mas se virou novamente, tentando destrancar a porta.

Uma farpa de madeira entrou na pele macia do polegar como recompensa pelos seus esforços. Ela deu um grito de raiva.

– E agora estou com uma maldita farpa debaixo da pele, graças a você – ela murmurou ao inclinar a cabeça para inspecionar o dano.

Duncan suspirou. Madelyne ouviu o som exagerado vindo do lado oposto do quarto, mas não o ouviu se mover e, quando subitamente ele agarrou sua mão, ela deu um salto para trás, chocando o alto de sua cabeça com a parte baixa do queixo dele.

– Você se move como um lobo – ela anunciou ao se permitir ser arrastada em direção à luz do fogo. – Não o estou elogiando, Duncan, por isso pode parar de sorrir.

Duncan ignorou os resmungos dela. Estendeu o braço e apanhou a adaga de ponta mais afiada sobre a cornija da lareira. Madelyne fechou os olhos ao sentir a primeira picada. Teve que abrir os olhos em seguida, pois, caso não o observasse, ele seria capaz de arrancar-lhe o polegar. Madelyne se inclinou e inadvertidamente bloqueou a vista de Duncan.

Ele puxou sua mão para cima para ter mais luz. Inclinou a cabeça para terminar a tarefa. A testa de Madelyne tocou na de Duncan. Ela não se afastou, ele tampouco.

O cheiro dele era gostoso.

Ela cheirava a rosas.

A farpa foi retirada. Madelyne não disse nada a ele, mas continuou observando-o com uma expressão de extrema confiança. Duncan franziu a testa em frustração. Quando ela o fitava assim, ele só conseguia pensar em tomá-la nos braços e beijá-la. Infernos, admitiu com desgosto, só o que ela tinha que fazer era olhar para ele que ele já desejava levá-la para a cama.

Duncan largou a adaga sobre a cornija e voltou para a cama. Não soltou da mão de Madelyne, arrastou-a consigo.

– Não consegue nem arrancar uma farpa e pensa em matar um homem – murmurou.

– Não vou dormir com você – Madelyne declarou com ênfase. Ficou ao lado da cama, determinada a vencer. – Você é o homem mais arrogante e mais teimoso que conheço. Minha paciência está se esgotando. Não suportarei muito mais.

Madelyne percebeu seu erro ao se aproximar de Duncan quando ladrou sua ameaça. Ele a segurou e literalmente a puxou para cima de seu corpo. Ela aterrissou num baque. Duncan a empurrou para o lado, com a mão ainda a prendendo pelo pulso.

Fechou os olhos, evidentemente tentando dispensá-la. Madelyne o encarou.

– Você me odeia demais para dormir ao meu lado. Você mentiu, não mentiu, Duncan? Não estivemos dormindo juntos. Eu me lembraria.

– Você conseguiria dormir em meio a uma guerra – Duncan observou. Seus olhos ainda estavam fechados, mas ele sorria. – E eu não odeio você, Madelyne.

– Certamente que me odeia – Madelyne redarguiu. – Não ouse mudar de ideia agora.

Ela esperou por um bom tempo que Duncan lhe respondesse. Quando ele nada disse, ela recomeçou:

– Um fato muito lamentável nos aproximou. Salvei sua vida. E como sou recompensada? Oras, você me arrasta para este lugar desolado por Deus, abusando constantemente de minha boa natureza, devo acrescentar. Imagino que convenientemente também tenha se esquecido de que salvei a vida de Gilard.

Deus, desejava que ele abrisse os olhos para poder ver sua reação.

– Agora, tomei para mim a tarefa de cuidar de Adela. Fico pensando, porém, se você já não havia planejado tudo isso.

Madelyne franziu o cenho ante tal pensamento e depois prosseguiu:

– Você deveria admitir a esta altura que sou inocente nesse seu esquema. Sou eu quem foi injustiçada. Oras, quando penso em tudo pelo que passei...

O ronco de Duncan a deteve de pronto. Madelyne ficou subitamente tão furiosa que desejou ter a coragem de berrar no ouvido dele.

– Sou eu quem deveria odiá-lo – murmurou para si. Ajustou o vestido e se acomodou de costas. – Caso eu não tivesse outros planos, ficaria muito zangada por ter arruinado meu bom nome, Duncan. Nem posso mais conseguir um casamento adequado agora. Isso é uma certeza, mas admito que o perdedor será Louddon, e não eu. Ele iria me vender para a oferta mais alta. Pelo menos foi isso o que disse que faria. Agora, ele só me matará se se aproximar o bastante – murmurou. – E tudo por culpa sua – acrescentou com prazer.

Estava exausta ao terminar suas reclamações.

– Como vou conseguir que me prometa alguma coisa? E já dei minha palavra à pobre Adela... – acrescentou com um bocejo cansado.

Duncan se moveu então. Madelyne foi pega de surpresa. Só teve tempo para abrir os olhos antes de Duncan se inclinar sobre ela. Seu rosto estava muito próximo ao dela, a respiração cálida e suave contra sua bochecha. Uma das coxas pesadas a aprisionava.

Bom Deus, estava deitada de costas.

– Encontrarei um modo de contar a Lady Eleanor se tirar proveito de mim – Madelyne disse de repente.

Duncan revirou os olhos em direção aos céus.

– Madelyne sua mente se consome com pensamentos de eu tirar...

Ela cobriu a boca dele com a mão e a deixou ali.

– Não ouse dizer – replicou. – E por que outro motivo estaria em cima de mim como um cobertor se não quisesse...

Madelyne equiparou o suspiro dele com um seu.

– Está tentando me enlouquecer – acusou-o.

– Você já é – Duncan anunciou.

– Saia de cima de mim. Você pesa mais que as portas da sua casa.

Duncan mudou de posição até se apoiar nos cotovelos. A pelve repousava sobre a de Madelyne. Conseguia sentir o calor dela.

– Qual promessa quer de mim?

Madelyne pareceu confusa.

– Adela – Duncan a lembrou.

– Ah – Madelyne disse, parecendo sem ar. – Pensei em esperar até amanhã para lhe falar sobre Adela. Mas não imaginei que me obrigaria a dormir com você. E tive esperanças de apanhá-lo com melhor humor...

– Madelyne. – A parte final de seu nome foi arrastada, num grunhido controlado, e ela entendeu pela forma como o maxilar dele estava tenso que a paciência dele acabara.

– Quero que me dê sua palavra que Adela pode viver aqui pelo tempo que desejar, e que não vai forçá-la a se casar, pouco importando as circunstâncias. Pronto, fui bastante específica?

Duncan franziu o cenho.

– Falarei com Adela pela manhã – declarou.

– Sua irmã tem medo demais de lhe falar francamente, mas se eu puder lhe dizer que tem a sua palavra, então acredito que verá uma mudança admirável nela. Ela está tão preocupada, Duncan, e se pudermos atenuar esse fardo de cima dela, ela se sentirá muito melhor.

Ele sentiu vontade de sorrir. Madelyne assumira o papel de mãe de Adela, bem como ele suspeitava que faria. Estava enormemente satisfeito por seu plano ter dado certo.

– Muito bem. Diga a Adela que tem a minha palavra. Terei que falar com Gerald – acrescentou, quase que num pensamento subsequente.

– Gerald terá que encontrar outra pessoa com quem se casar. Adela acredita que o contrato não seja mais válido, de todo modo. Além disso, Gerald não haverá de querer uma mulher deflorada, e isso me faz desgostar dele imensamente.

– Você nunca o viu – Duncan comentou com exasperação. – Como pode julgá-lo com tanta facilidade?

Madelyne franziu o cenho. Duncan estava certo, apesar de ser extremamente doloroso admitir isso.

– Gerald sabe o que aconteceu com Adela?

– A esta altura toda a Inglaterra sabe. Louddon se certificaria disso.

– Meu irmão é um homem perverso.

– O seu tio Berton sente o mesmo a respeito de Louddon? – Duncan perguntou.

– Como sabe o nome do meu tio? – Madelyne perguntou.

– Você me contou – Duncan explicou, sorrindo com o modo como os olhos dela se arregalaram.

– Quando? Tenho uma excelente memória e não me lembro de ter mencionado.

– Quando esteve doente me contou tudo sobre seu tio.

– Se tivesse lhe falado, eu me lembraria. Foi rude de sua parte ter ouvido algo que eu disse.

– Foi impossível bloquear a sua voz – Duncan disse, sorrindo ante a lembrança. – Você gritou tudo o que disse.

Ele exagerou apenas para ver a reação dela. Quando Madelyne não se resguardava, sua expressão era tão agradavelmente inocente de ver.

– Conte o que mais eu disse – Madelyne exigiu saber. Seu tom estava carregado de suspeitas.

– A lista é comprida demais. Basta dizer que me contou tudo.

– Tudo? – Ela pareceu horrorizada.

Deus, como estava envergonhada. E se tivesse lhe dito o quanto gostava quando ele a beijava?

Houve uma centelha nos olhos de Duncan. Talvez ele só estivesse caçoando dela. Isso não lhe caiu bem. Madelyne resolveu apagar aquele sorriso.

– Então eu lhe dei todos os nomes dos homens que levei para minha cama, não foi? A farsa acabou, imagino – concluiu com um suspiro.

– A farsa acabou no momento em que nos conhecemos – Duncan lhe disse. Sua voz era suave.

Madelyne sentiu como se tivesse acabado de ser acariciada. Não sabia como reagir.

– E o que, exatamente, isso quer dizer?

Duncan sorriu.

– Você fala demais – disse-lhe. – Esse é mais um defeito que precisa consertar.

– Isso é ridículo – Madelyne replicou. – Pouco nos falamos a semana inteira e você me ignorou por completo. Como pode sugerir que eu falo demais? – perguntou, ousando cutucá-lo no ombro.

– Não sugiro nada, apenas declaro fatos – Duncan respondeu. Observava-a atentamente e viu uma chama de fogo arder em seus olhos azuis.

Atiçá-la era fácil demais. Sabia que precisava parar, mas estava gostando demais do modo como ela reagia. Não via o mal naquilo. De repente ela estava tão irritável quanto uma megera.

– Desagrada-o quando digo o que penso?

Duncan assentiu.

Ela ponderou que agora ele parecia um tremendo cafajeste. Uma mecha de cabelos negros caíra na testa. E ele sorria amplamente também. Ora, aquilo bastaria para fazer um santo praguejar.

– Nesse caso, eu simplesmente deixarei de falar com você. Juro que nunca mais vou falar com você. Isso o agradaria?

Ele assentiu de novo, apesar de que, desta vez, mais lentamente. Madelyne inspirou fundo, preparando-se para lhe dizer o quanto ele era rude, mas Duncan a silenciou. Abaixou a cabeça e resvalou a boca na dela, surpreendendo-a com uma deliciosa submissão temporária.

Com quase nada de persuasão, ela abriu a boca ante a língua insistente dele. Duncan começou a amá-la lentamente com a língua. Deus, ele sentia o fogo dentro dela. As mãos se espalmaram nas laterais do rosto dela, os dedos se enroscando no cabelo glorioso.

E Deus, como a desejava. O beijo rapidamente passou de uma suave carícia para a paixão selvagem. As línguas se enroscaram de novo e uma vez mais, até Duncan quase perder a cabeça de tanto a desejar. Sabia que deveria parar e estava prestes a se afastar quando sentiu as mãos de Madelyne tocando suas costas. Uma carícia leve e hesitante e, a princípio, tão inconstante quanto uma borboleta, mas quando Duncan grunhiu e sondou novamente a doçura da boca dela, a carícia ganhou pressão. As bocas estavam ávidas, úmidas, coladas.

Duncan sentiu um tremor atravessá-la, ouviu o gemido partido dela quando ele, relutantemente, se afastou.

Os olhos de Madelyne estavam úmidos de paixão, e seus lábios, rubros e inchados, chamavam-no para saboreá-los novamente. Duncan sabia que não deveria ter começado o que não poderia terminar. Sua virilha latejava de desejo e foi preciso um ato de extrema vontade para afastar-se dela.

Com mais um gemido de frustração, Duncan rolou para o lado. Passou o braço pela cintura de Madelyne e atraiu-a para si.

Madelyne queria chorar. Não entendia por que continuava a permitir que a beijasse. Mais importante que isso, não parecia capaz de não beijá-lo. Era tão devassa quanto uma meretriz.

Só o que Duncan tinha que fazer era tocar nela e ela se já se abria toda, já se partia em pedaços. Seu coração acelerava, as palmas se aqueciam, e ela ficava cheia de desejo por mais daquilo.

Ouviu Duncan bocejar e concluiu, então, que o beijo não significara tanto para ele no fim das contas.

O homem a irritava como uma alergia. Madelyne ficou determinada a se manter afastada dele ao mesmo tempo em que se contradizia, ajustando-se na curva de Duncan. Quando quase se acomodou à sua satisfação, Duncan emitiu um grunhido áspero. As mãos se moveram para seu quadril e a detiveram com firmeza.

Que homem contraditório ele era! Não percebia o quanto era desconfortável para ela dormir de vestido? Moveu-se novamente, sentiu-o estremecer, e pensou que ele devia estar se preparando para estourar com ela.

Madelyne estava esgotada demais para se preocupar com o humor dele. Com um bocejo, adormeceu.

Sem sombra de dúvida, aquela seria um desafio mais difícil para Duncan. Se ela movesse as nádegas uma vez mais que fosse, ele sabia que reprovaria naquele teste.

Duncan nunca desejou uma mulher como desejava Madelyne. Fechou os olhos e inspirou profundamente. Madelyne se remexeu contra ele de novo, e ele começou a contar até dez, prometendo a si mesmo que quando chegasse ao número mágico, estaria mais controlado.

A inocente aconchegada a ele não fazia ideia do perigo que corria. Os quadris o levaram à loucura a semana inteira. Visualizou o modo como ela caminhava, viu o balançar suave dos quadris enquanto ela andava até a fortaleza.

Ela afetava os outros da maneira com que o afetava? Duncan franziu o cenho ante essa dúvida, admitindo que muito certamente o fizesse. Sim, vira os olhares que os homens lhe lançavam quando a atenção dela estava dirigida a outra coisa. Mesmo o fiel Anthony, seu vassalo mais confiável e melhor amigo, mudara de comportamento em relação à Madelyne. No início da semana, Anthony se mostrara silencioso e carrancudo, mas no fim dela, Duncan notara que normalmente era seu vassalo aquele que puxava assunto. E já não andava atrás de Madelyne. Não, estava bem ao lado dela.

Bem onde Duncan queria estar.

Não culpava Anthony pela sua fraqueza por se deixar seduzir pelos encantos de Madelyne.

Gilard, por sua vez, era outra história. Aparentemente, seu irmão caçula se apegara a Madelyne. E isso poderia representar um problema.

Ela recomeçou a se mexer. Duncan sentiu como se tivesse acabado de ser marcado a ferro em brasa. Um desejo doloroso pedia sua atenção. Com um grunhido de frustração, afastou as cobertas e saiu da cama. Apesar de ter sido deslocada pelo seu movimento súbito, Madelyne não despertou.

– Dorme como um bebê inocente – Duncan murmurou consigo ao avançar até a porta.

Voltaria ao lago e percebeu, com uma sacudida vigorosa da cabeça, que encontraria prazer nessa segunda nadada.

Não era um homem paciente. No entanto, queria ter tudo resolvido antes de clamar Madelyne para si. Resignou-se ao fato de que, provavelmente, estaria nadando no lago gelado com maior frequência. Não foi um desafio que o levava para fora agora, mas o alívio do fogo que sentia arder entre as pernas.

Com um resmungo de desgosto, Duncan fechou a porta.


CAPÍTULO DOZE


Uma flor entre espinhos, um anjo entre espinhos...

 

– E, às vezes, Adela, quando um bebê nascia com algum defeito perceptível, os pais espartanos atiravam a criança recém-nascida pela janela mais próxima ou do alto de um despenhadeiro para se livrarem dela. Sim, percebo que está adequadamente chocada, mas meu tio Berton de fato contou as histórias desses guerreiros ferozes de tempos idos e não exagerava as narrativas apenas para me agradar. Na verdade, era seu dever recontá-las com acuidade.

– Como eram as mulheres espartanas? Seu tio Berton lhe contou sobre elas? – Adela perguntou, sua voz bastante ansiosa. A irmãzinha de Duncan estava sentada na beirada da cama, tentando ao máximo não ficar no caminho enquanto Madelyne reorganizava o quarto. Adela desistira de tentar convencer Madelyne que não era nada comum alguém como ela trabalhar como uma criada. Mas sua nova companheira tinha um veio de teimosia e era inútil discutir com ela.

Já se passaram três semanas desde que Madelyne forçara o confronto com Adela. Depois que Adela lhe contara a verdade sobre sua provação, o sofrimento e a culpa de fato diminuíram. Madelyne tivera razão quanto a isso. Madelyne também não se mostrara nem um pouco chocada com sua história. Estranho, mas isso ajudara Adela tanto quanto falar do assunto. Madelyne sentia empatia por Adela, mas não se compadecia.

Agora Adela seguia a liderança de Madelyne, confiando que ela sabia o que era o melhor. Aceitava que o passado não podia ser desfeito e tentava deixá-lo para trás, como Madelyne sugerira. Era algo mais fácil de dizer do que fazer, claro, mas a amizade de Madelyne, tão irrestrita e tão disponível, ajudou Adela a afastar a mente de seus problemas. Adela finalmente recomeçara a ter seus fluxos mensais na semana anterior, de modo que havia um problema a menos com que se preocupar.

Madelyne abrira um mundo novo para Adela. Contava-lhe as histórias mais incríveis. Adela se maravilhava com a riqueza de informações na memória de Madelyne e ansiosamente esperava por uma nova história a cada dia.

Sorria enquanto observava Madelyne agora. A amiga era uma visão e tanto. Um borrão de sujeira se acomodara no nariz e os cabelos, apesar de presos com uma fita azul atrás do pescoço, gradualmente se soltavam da amarração.

Madelyne parou de varrer o pó de um dos cantos e se recostou no cabo da vassoura.

– Vejo que chamei sua atenção – ela observou. Parou para afastar um cacho do rosto, deixando uma nova marca de sujeira na testa, e depois prosseguiu com sua história: – Acredito que as mulheres de Esparta deviam ser muito indignas. Deviam ser tão horríveis quanto os homens, Adela. Como poderiam se dar bem com eles caso não fossem?

Adela respondeu a pergunta com uma risadinha. O som aqueceu o coração de Madelyne. A transformação da irmã de Duncan era prazerosa demais. Havia uma centelha nos olhos dela agora e ela sorria com frequência.

– Agora que o novo padre chegou, temos que tomar cuidado com o que falamos diante dele – Adela sussurrou.

– Ainda tenho que conhecê-lo – Madelyne comentou. – Embora esteja ansiosa por isso. Está mais do que na hora de os irmãos Wexton terem um homem de Deus cuidando de suas almas.

– Costumavam ter – Adela informou. – Mas quando Padre John morreu, e depois a igreja pegou fogo, bem... Ninguém fez muito a respeito. – Deu de ombros e disse: – Conte-me mais sobre os espartanos, Madelyne.

– Bem, vejamos, as mulheres muito provavelmente aos doze anos já deviam estar todas obesas, apesar de isso ser apenas uma suposição minha e não algo que meu tio tenha dito. O que sei, porém, é que se deitavam com mais de um homem.

Adela arquejou e Madelyne assentiu, absolutamente satisfeita com a reação da amiga.

– Mais de um? Ao mesmo tempo? – Adela perguntou. Sussurrou a pergunta e depois corou de vergonha.

Madelyne mordiscou o lábio enquanto ponderava se isso era possível.

– Acredito que não – anunciou por fim. Estava de costas para a porta e as atenções de Adela estavam todas voltadas para a amiga. Nenhuma delas notou que Duncan estava parado na porta aberta.

Estava prestes a anunciar sua presença quando Madelyne voltou a falar:

– Não acredito que seja possível estar deitada de costas com mais de um homem ao mesmo tempo – admitiu.

Adela deu uma risadinha, Madelyne deu de ombros, e Duncan, tendo ouvido boa parte da dissertação de Madelyne quanto aos espartanos, revirou os olhos.

Madelyne apoiara a vassoura na parede e estava ajoelhada diante do baú de Adela.

– Teremos que esvaziar isto se quisermos levá-lo para o outro lado do quarto – comentou.

– Você primeiro precisa terminar sua história – Adela insistiu. – Você conta histórias extraordinárias, Madelyne.

Duncan pensou em interrompê-las de novo, mas descartou a ideia. Sua curiosidade fora atiçada.

– Em Esparta não existiam coisas como celibato. Bendito seja, não se casar era considerado um crime. Bandos de mulheres solteiras saíam às ruas em busca de homens solteiros e, quando os encontravam, atiravam-se sobre eles.

– Atiravam-se sobre eles? – Adela perguntou.

– Isso mesmo, atiravam-se sobre o pobre homem e surravam-no até que formasse uma polpa sanguinolenta – ela exclamou. A cabeça estava completamente escondida dentro do baú. – É verdade isso o que estou lhe contando – Madelyne acrescentou.

– E o que mais? – Adela perguntou.

– Você sabia que os moços eram trancados num quarto escuro com mulheres que nunca viram à luz do dia e que eles deviam... bem, você sabe a que me refiro – ela concluiu.

Madelyne inspirou fundo, espirrou por conta da poeira no baú.

– Algumas mulheres tinham filhos antes mesmo de verem os rostos dos maridos. – Ela se endireitou, então, bateu a cabeça na tampa do baú, e rapidamente esfregou o lado da cabeça. – Isso parece horrível, mas vou lhe dizer uma coisa... Quando penso no seu irmão Duncan, posso imaginar que a Lady Eleanor dele talvez venha a preferir um quarto escuro.

Madelyne fez tal declaração numa brincadeira. Adela emitiu um arquejo de assombro. A irmãzinha acabara de notar que Duncan estava apoiado na porta.

Madelyne interpretou mal a reação de Adela e imediatamente se arrependeu.

– Comecei a falar bobagens – anunciou. – Duncan, afinal, é seu senhor e também irmão, e não cabe a mim fazer troça dele. Peço desculpas.

– Desculpas aceitas.

Foi Duncan quem lhe deu seu perdão. Madelyne ficou tão surpresa com a voz retumbante dele que bateu a cabeça de novo quando se virou para olhar.

– Há quanto tempo está parado aí? – perguntou, corando mortificada. Ficou de pé e o encarou.

Duncan não lhe respondeu, apenas continuou ali, deixando-a nervosa. Madelyne alisou as pregas do vestido, notou uma grande mancha logo acima da cintura e, de pronto, cruzou as mãos sobre ela. Uma mecha de cabelos balançava diante do olho esquerdo, mas se ela tirasse a mão para afastar o cabelo, ele veria que trapalhada fizera no vestido, não?

Madelyne obrigou-se a se lembrar de que não passava de sua prisioneira e ele, seu captor. Que diferença fazia se estava ou não desarrumada? Soprou o cabelo da frente das vistas e se esforçou para demonstrar uma expressão serena para Duncan.

Mas fracassou miseravelmente e Duncan, sabendo exatamente o que se passava pela mente de Madelyne, sorriu ante o fracasso dela. Estava ficando cada vez mais difícil para ela esconder seus sentimentos. Isso o agradava quase tanto quanto sua aparência desalinhada.

Ela acreditou que ele sorria por conta da triste aparência de seu vestido. Duncan reforçou essa crença ao fazer uma inspeção completa. Seu olhar a percorreu lentamente do alto dos cabelos até a poeira dos pés. O sorriso dele se alargou até a covinha atraente retornar à bochecha.

– Vá para o seu quarto, Madelyne, e fique lá até que eu vá buscá-la.

– Posso primeiro terminar este trabalho? – Madelyne perguntou, tentando parecer humilde.

– Não, não pode.

– Duncan, Adela queria reorganizar o quarto dela para que se pareça um pouco mais... – Deus, estava prestes a lhe contar que Adela queria que seu quarto ficasse tão acolhedor quanto o da torre. Com isso, ele descobriria o que ela fizera e provavelmente faria um escândalo.

Madelyne olhou de relance para Adela. A pobre moça retorcia as mãos e fitava o chão.

– Adela, esqueceu-se de cumprimentar seu irmão – orientou-a.

– Bom dia, meu senhor – Adela sussurrou de imediato. Sem olhar para Duncan.

– O nome dele é Duncan. Senhor ou não, ele é o seu irmão.

Madelyne se virou então para Duncan e esbugalhou os olhos para ele. Era melhor ele não vociferar com a irmã.

Duncan ergueu uma sobrancelha quando Madelyne lhe lançou uma careta. Quando ela moveu a cabeça indicando Adela propositadamente, ele deu de ombros. Não fazia a mínima ideia do que ela estava tentando lhe dizer.

– E então? Não vai cumprimentar sua irmã, Duncan? – ela exigiu.

O suspiro dele ecoou pelas paredes.

– Está me dando ordens? – ele perguntou.

Ele parecia irritado. Madelyne deu de ombros.

– Não vou tolerar que assuste sua irmã – ela disse antes de se conter.

Duncan sentiu vontade de gargalhar. Era verdade, então, bem como Gilard elogiara e Edmond reclamara. A tímida Madelyne se tornara a protetora de Adela. Uma gatinha tentando proteger outra, só que Madelyne estava agindo mais como uma tigresa agora, Duncan ponderou. Havia fogo nos olhos azuis e, santo Deus, como ela tentava esconder sua braveza dele.

Duncan lançou um olhar para Madelyne que lhe dizia o que ele achava das ordens dela. Depois, virou-se para a irmã e disse:

– Bom dia, Adela. Como está se sentindo hoje?

Adela assentiu e depois levantou o olhar para o irmão e sorriu. Duncan assentiu, surpreso que um cumprimento tão simples pudesse mudar a atitude da irmã.

– Madelyne não poderia ficar aqui para...

– Adela, por favor, não desafie as ordens de seu irmão – Madelyne a interrompeu, temendo que a paciência de Duncan estivesse a ponto de berros. – Não seria honrado – acrescentou com um sorriso de encorajamento.

Madelyne segurou a saia e se apressou atrás de Duncan, dizendo por cima do ombro.

– Tenho certeza de que ele tem bons motivos para ordenar isso.

Teve que se apressar para alcançá-lo.

– Por que tenho que retornar para a torre? – perguntou quando teve certeza de que Adela não a ouviria.

Chegaram ao patamar quando Duncan se virou para ela. Ele queria sacudi-la até que seus dentes se soltassem, mas o borrão de sujeira no nariz desviou sua atenção. Usou o polegar para limpá-lo.

– O seu rosto está coberto de sujeira, Madelyne. Sim, agora você tem defeitos. Acha que devo atirá-la pela janela mais próxima?

Madelyne precisou de um momento para compreender a que Duncan se referia.

– Os espartanos não atiravam seus prisioneiros pelas janeiras – respondeu. – Apenas os bebês deformados. Eram guerreiros poderosos com corações maldosos – acrescentou.

– Eles governavam com controle absoluto – Duncan disse. O polegar lentamente desceu para o lábio inferior. Não conseguiu se impedir de esfregá-lo em sua boca. – Sem compaixão.

Madelyne parecia incapaz de se afastar. Encarou os olhos de Duncan enquanto tentava acompanhar a conversa.

– Sem compaixão?

– Exato, é assim que um líder deve governar.

– Não é, não – Madelyne sussurrou.

Duncan assentiu.

– Os espartanos eram invencíveis.

– Está vendo algum espartano agora, Duncan? – Madelyne perguntou.

Ele deu de ombros, apesar de não conseguir esconder o sorriso ante a pergunta ridícula.

– Eles podiam ser invencíveis, mas estão todos mortos agora.

Deus, a voz dela tremia. Ela sabia muito bem o motivo. Duncan a fitava intensamente, atraindo-a para si.

Não a beijou. Que decepção.

Madelyne suspirou.

– Madelyne, não vou me negar por muito tempo mais – Duncan sussurrou. Tinha a cabeça pensa para baixo, a boca a poucos centímetros da dela.

– Não vai? – Madelyne perguntou, parecendo sem ar de novo.

– Não, não vou – Duncan murmurou. Agora ele pareceu bravo.

Madelyne, confusa, meneou a cabeça.

– Duncan, eu lhe permitiria que me beijasse agora – ela lhe disse. – Não há por que se negar.

A reação dele à admissão honesta dela foi agarrar-lhe a mão e arrastá-la pelas escadas até a torre.

– Não será prisioneira aqui por muito tempo mais – Duncan anunciou.

– Então admite que me trazer para cá foi um erro? – perguntou.

Ele ouvia o medo na voz dela.

– Nunca cometo erros, Madelyne.

Ele não se deu ao trabalho de se virar para ela e não lhe disse mais nada até chegarem à porta do quarto dela. Quando Duncan esticou a mão para abri-la, Madelyne bloqueou a porta, apoiando-se nela.

– Eu mesma posso abrir a porta de meu quarto – disse. – E você, muito certamente, comete erros. Eu fui seu maior erro de todos.

Ela não quis mesmo colocar as palavras daquela maneira. Deus, na verdade acabara de insultar a si mesma.

Duncan sorriu. Evidentemente percebera seu ato falho. Em seguida, afastou-a da porta e abriu o quarto. Madelyne se apressou a entrar e tentou bater a porta na cara dele.

Duncan não permitiu. A sorte estava lançada, Madelyne pensou, preparando-se para a reação dele ante as mudanças que ela fizera.

Ele não acreditava no que via. Madelyne transformara o quarto insípido num retiro acolhedor. As paredes foram lavadas e uma grande tapeçaria de cor bege estava centralizada na parede diante dele. O objeto narrava a história da batalha final da invasão de Guilherme; as cores eram vívidas, as figuras dos soldados bordadas em vermelho e azul. Era um desenho simples, mas de bom gosto.

A cama estava coberta por uma colcha azul. Do lado oposto, havia duas poltronas, cobertas com almofadas vermelhas. Estavam dispostas formando um ângulo com a lareira. Havia banquinhos diante de cada uma. Duncan percebeu a tapeçaria inacabada em uma das poltronas. Linha marrom se emaranhava no chão. O contorno do desenho estava suficientemente bordado para ele reconhecê-lo. Era o desenho do lobo imaginário de Madelyne.

O músculo no maxilar de Duncan se retesou. Duas vezes. Madelyne não sabia bem o que aquilo significava. Aguardou, seu temperamento se atiçando para uma resposta ardente quando ele começasse a berrar com ela.

Duncan não disse nada. Virou-se e fechou a porta atrás de si.

A fragrância de rosas o acompanhou até embaixo. Controlou o humor até chegar ao salão. Gilard o avistou e imediatamente se adiantou para lhe falar. Sua voz estava carregada de ansiedade juvenil quando perguntou:

– Lady Madelyne ainda está recebendo visitas esta manhã?

O urro de Duncan foi ouvido até na torre.

Os olhos de Gilard se arregalaram. Nunca ouvira Duncan urrar daquela maneira. Edmond entrava no salão bem a tempo de ver Duncan saindo.

– O que o deixou tão irritado? – Gilard perguntou.

– Não o que, Gilard, mas quem – Edmond observou.

– Não estou entendendo.

Edmond sorriu e depois deu um tapa no ombro do irmão.

– Duncan também não, mas aposto que logo entenderá.


CAPÍTULO TREZE


“Voltei-me, e vi debaixo do sol que não é dos ligeiros a carreira, nem dos fortes a batalha, nem tampouco dos sábios o pão, nem tampouco dos prudentes as riquezas, nem tampouco dos entendidos o favor, mas que o tempo e a oportunidade ocorrem a todos.”
Eclesiastes 9:11

 

Madelyne trabalhava em sua tapeçaria. Sua mente, entretanto, não estava na tarefa, pois ficava relembrando as palavras de Duncan. O que ele quis dizer quando lhe afirmou que ela não seria prisioneira por muito tempo mais?

Sabia que deveria confrontá-lo logo. Vinha agindo como covarde e era honesta o bastante para admitir a verdade. Temia ouvir a resposta dele.

A porta se abriu num rompante. Adela se apressou para dentro do quarto. A irmãzinha de Duncan estava terrivelmente perturbada. Parecia à beira das lágrimas.

Madelyne ficou de pé rapidamente.

– O que a aborreceu assim? – exigiu saber, já imaginando que Duncan era o responsável.

Adela se desfez em lágrimas. Madelyne se apressou em fechar a porta. Passou o braço ao redor de Adela e depois a levou até uma das poltronas.

– Sente-se e acalme-se. Nada pode ser tão terrível quanto imagina – ela a tranquilizou.

Madelyne rezou para estar certa.

– Conte o que provocou tantas lágrimas e eu darei um jeito.

Adela assentiu, mas assim que olhou para Madelyne, recomeçou a chorar. Madelyne se sentou no banquinho diante de Adela e esperou pacientemente.

– Seu irmão mandou homens para buscá-la, Madelyne. Duncan permitiu a entrada do mensageiro. É por isso que você recebeu ordens para voltar para o quarto. Duncan não queria que o soldado a visse.

– Por quê? Todos sabem que sou prisioneira aqui. Louddon...

– Você entendeu errado – Adela a interrompeu. – Edmond disse a Gilard que acreditava que Duncan não queria que o mensageiro visse que está sendo bem tratada. – Parou para enxugar os cantos dos olhos com o punho do vestido. – Você acha que está sendo bem tratada, não acha, Madelyne?

– Bom Deus, é por isso que está chorando? – Madelyne perguntou. – Claro que estou sendo bem tratada. Olhe ao seu redor, Adela – acrescentou com um sorriso. – Meu quarto não lhe parece confortável o bastante?

– Eu não deveria estar escutando o que o mensageiro disse a Duncan, mas ouvi tudo. Gilard e Edmond estavam lá e eles ouviram tudo também. Duncan não os obrigou a sair. E ninguém me notou, Madelyne. Tenho certeza disso.

– O mensageiro era do rei ou de meu irmão? – Madelyne perguntou. Agora estava muito assustada, mas sabia que tinha que esconder o medo de Adela. Sim, a irmã dependia das suas forças, e ela não poderia desapontá-la agora.

– Não sei quem enviou o mensageiro. Não ouvi o começo do que foi dito.

– Conte-me o que ouviu – Madelyne sugeriu.

– Você terá que ser levada à corte do rei imediatamente. O mensageiro disse que mesmo você tendo sido... maculada... – A voz de Adela se partiu e ela parou para se recompor. Madelyne mordeu o lábio inferior até ele ficar entorpecido. Combateu o desejo de segurar Adela pelos ombros e sacudir o restante da história para fora dela. – Você terá que se casar assim que chegar a Londres.

– Entendo – Madelyne sussurrou. – Sabíamos que isso aconteceria, Adela. Sabíamos que Louddon faria algo. Ouviu o nome do homem com quem me casarei?

Adela assentiu.

– Morcar.

A irmã cobriu o rosto com as mãos, chorando incontrolavelmente agora. Madelyne não tinha mais que esconder sua expressão. Pensou que vomitaria.

– E quanto a Duncan, Adela? – conseguiu perguntar. – O que ele disse para o mensageiro? Ele concordou?

– Ele não disse nada. O mensageiro recitou seu recado e depois voltou para junto dos outros que esperavam do lado externo dos muros.

– Quantos soldados Louddon enviou?

– Não sei – Adela sussurrou. – Edmond e Gilard gritaram um com o outro depois que o soldado dele se foi. Duncan não disse nada. Apenas ficou diante da lareira com as mãos cruzadas às costas.

– Ele se distanciou – Madelyne disse.

– Não entendo.

– Seu irmão deve assumir duas posições nesta casa, Adela. Ele é o senhor e é o irmão. Posso imaginar sobre o que Edmond e Gilard discutiam. Edmond deve querer me entregar a Louddon o quanto antes, enquanto Gilard argumentaria em favor de uma disputa para me manter aqui.

Adela já sacudia a cabeça antes que Madelyne terminasse suas suposições.

– Não, Edmond não quer que seja entregue aos homens de Louddon – ela disse.

– Edmond defendeu minha causa?

– Sim, defendeu – Adela concordou. – E sugeriu que eu fosse enviada para a casa de minha irmã, Catherine, para uma breve visita. Ele se preocupa que tudo isto seja demais para mim. Não quero ir à parte alguma. Catherine é muito mais velha do que eu e o marido dela é muito diferente...

Madelyne se levantou e lentamente caminhou até a janela. Abriu as venezianas e fitou a floresta. Sabia que precisava recuperar o controle da raiva borbulhante que crescia dentro de si.

– Você sabia, Adela, que a criança espartana era tirada da mãe muito nova ainda e enviada para viver com os soldados? Os meninos eram ensinados a roubar. Era considerada uma astúcia ser um bom ladrão.

– Madelyne, do que está falando? Como pode ficar contando histórias agora?

Madelyne se virou, permitindo que Adela visse as lágrimas que corriam por suas faces. Adela nunca vira Madelyne chorar antes.

– Encontro conforto nas antigas histórias, Adela. Elas me são familiares. Depois que acalmo a mente, consigo pensar com clareza. E então consigo decidir o que fazer.

Adela, atônita pelo sofrimento que via nos olhos da amiga, rapidamente assentiu.

Madelyne se virou para olhar pela janela. Encarou a colina mais baixa. E quem alimentaria seu lobo quando ela se fosse? Estranho, mas a imagem de Duncan lhe veio à mente. Confundiu-o com seu lobo, percebeu então que ele precisava de tantos cuidados quanto sua fera selvagem. Talvez até de mais.

Não fazia sentido para ela, essa necessidade de arrumar a vida insípida de Duncan até que se satisfizesse com isso.

– Meu tio e eu nos sentávamos diante da lareira todas as noites. Aprendi a tocar a cítara. Ele se juntava a mim com sua viela algumas noites quando não estava cansado demais. Foi uma época de muita paz, Adela.

– Não havia outros jovens lá, Madelyne? Toda vez que conta uma história, sempre se refere a pessoas idosas e frágeis.

– Tio Berton vivia na propriedade Grinsteade. O Barão Morton era bem idoso. E depois Padre Robert e Padre Samuel vieram morar conosco também. Todos se davam bem, mas eu era a única que jogava xadrez com o Barão Morton. Ele trapaceava bastante. Titio dizia que não era um pecado, apenas o comportamento caprichoso e genioso porque ele era tão velho.

Madelyne não disse nada por um bom tempo. Adela fitava o fogo enquanto Madelyne olhava para a noite.

Não estava funcionando desta vez. A tentativa de Madelyne de recuperar o controle não daria frutos. Ela sentia sua compostura se partindo, a fúria se avolumando dentro de si.

– Precisamos encontrar alguém para protegê-la – Adela sussurrou.

– Se eu for obrigada a retornar para Louddon, todos os meus planos estarão arruinados. Eu iria para a Escócia. Edwythe me acolheria em seu lar.

– Madelyne, a Escócia é onde... – Adela estava prestes a explicar que Catherine vivia na Escócia e era casada com um primo do Rei da Escócia.

Não teve chance de explicar.

– Por que, em nome de Deus, eu estava me preocupando com meus planos sendo arruinados? Louddon me matará de qualquer forma. Ou me entregará a Morcar e ele me matará. – Madelyne soltou uma gargalhada dura, que lançou um tremor pelas pernas de Adela. – Ainda não consigo acreditar que Louddon esteja perdendo tempo comigo. Quando perseguiu Duncan depois que sua fortaleza foi destruída, pensei que ele somente quisesse matá-lo. Mas agora mandou seus homens atrás de mim. – Madelyne fez uma pausa, balançando a cabeça. – Não estou entendendo nada.

Antes que Adela pudesse lhe oferecer algum conforto, Madelyne subitamente se virou e seguiu para a porta.

– Madelyne. Você tem que ficar aqui. Duncan não lhe deu permissão para...

– Preciso encontrar um protetor, Adela, não é assim que funciona? – exclamou por sobre o ombro. – Ora, Duncan está a altura dessa missão.

– O que vai fazer?

– Seu irmão irá mandar os homens de Louddon embora. E eu vou orientá-lo a como fazer isso.

Antes que Adela pudesse precaver Madelyne, a amiga já saía pela porta e descia os degraus correndo. Adela se apressou atrás dela.

– Madelyne, pretende orientar meu irmão? – A voz dela guinchou de preocupação.

– Exato – Madelyne exclamou.

Adela teve que se sentar num degrau. Estava atordoada com a mudança em Madelyne. A querida amiga perdera o juízo. Adela observou Madelyne continuando a descer pela escada circular, os cabelos esvoaçantes atrás de si. Só quando Madelyne desapareceu no andar seguinte é que Adela percebeu que deveria tentar ajudá-la. Pouco importava o quanto a perspectiva parecesse assustadora, estava determinada a enfrentar Duncan ao lado de Madelyne. Santo Deus, talvez até conseguisse falar com ele.

Madelyne chegou à entrada do salão e parou para recuperar o fôlego. Edmond e Gilard estavam sentados um diante do outro à mesa de jantar. Duncan estava de pé com as costas para a porta, em frente ao fogo ardente.

Edmond estava acabando de tecer seus comentários para os irmãos. Madelyne só ouviu as últimas palavras que ele disse:

– ... então estamos de acordo que Duncan a levará...

Madelyne de pronto se precipitou acreditando que todos consideravam uma boa ideia entregá-la aos homens de Louddon.

– Não vou a parte alguma.

Seu grito conquistou a atenção imediata deles. Duncan lentamente se virou de frente para ela. Ela o fitou longamente, depois se voltou para os irmãos. Gilard teve a audácia de sorrir, como se considerasse seu rompante divertido, enquanto Edmond, leal à sua natureza antipática, formava uma carranca.

Duncan não demonstrou reação alguma.

Madelyne segurou a saia e, lentamente, andou até ficar na frente dele.

– Você me capturou, Duncan. Essa foi uma decisão sua – anunciou. – Agora eu tenho uma decisão minha para lhe comunicar. Vou continuar raptada. Estou sendo clara nessa questão?

Os olhos deles denunciaram sua surpresa. Sim, ele ouvira cada palavra. E como não teria ouvido?, ela se perguntou. Ela praticamente rugira sua decisão bem na cara dele.

Quando ele continuou a encará-la, Madelyne acreditou que ele talvez estivesse tentando assustá-la. Bem, desta vez não funcionaria.

– Você está encalhado comigo, Duncan.

Maldição, a voz dela tremia.

Edmond se levantou, derrubando a cadeira. O som atraiu a atenção de Madelyne. Ela lentamente caminhou até a mesa, com as mãos no quadril.

– Pode se livrar dessa sua carranca, Edmond, ou eu prometo que vou arrancá-la a tapas da sua cara.

Gilard obsevava Madelyne. Nunca a vira tão brava assim. Ela acreditava mesmo que Duncan a mandaria de volta a Louddon? Essa noção o fez sorrir. Pobre Madelyne. Evidentemente, não conhecia Duncan muito bem. E concluiu que ela tampouco conhecia sua própria importância. Estava tremendamente agitada. Uma coisinha tão afável e, todavia, acabara de desafiar Duncan. Caso não o tivesse testemunhado, não teria acreditado que isso fosse possível. Que Deus o ajudasse, mas começou a gargalhar.

Madelyne o ouviu. Virou-se para encará-lo.

– Acha isso tudo divertido, Gilard?

Ele cometeu o erro de assentir. Olhou para Madelyne bem a tempo de vê-la lançando um dos jarros de cerveja na direção da sua cabeça. Gilard se desviou do jarro e, quando Madelyne pegou outro, Edmond se esticou e o tirou das suas mãos. Os dois estavam lado a lado na beirada da plataforma. Madelyne deu um empurrão em Edmond com o quadril. O irmão do meio de pronto se desequilibrou e caiu para trás.

E aterrissou de costas. Edmond poderia ter conseguido deter a queda caso o banquinho não tivesse se prendido nos seus pés. Madelyne observou sua tentativa inútil antes de se virar para Gilard.

– Nunca mais ria de mim – exigiu.

– Madelyne, venha cá – Duncan ordenou. Estava recostado na cornija da lareira, parecendo enfastiado a ponto de adormecer.

Ela obedeceu sem questionar e quase atravessou o salão antes de perceber o que estava fazendo. Parou então, sacudindo a cabeça.

– Não vou mais acatar suas ordens, Duncan. Você não tem mais esse poder sobre mim. Sou apenas um fantoche em suas mãos. Pode me matar se quiser. Prefiro isso a ser mandada de volta para Louddon.

As unhas se enterravam nas palmas. Não conseguia fazer as mãos pararem de tremer.

Ele não desviou o olhar dela.

– Edmond, Gilard, deixem-nos. – O comando foi dado com suavidade, todavia havia um tom de inflexibilidade em sua voz. – E levem sua irmã com vocês.

Adela estivera se escondendo atrás da parede próxima à entrada. Quando ouviu a ordem de Duncan, apressou-se a entrar no salão.

– Eu gostaria de ficar, Duncan, para o caso de Madelyne precisar de mim.

– Você vai acompanhar seus irmãos – Duncan declarou. A voz se tornara impassível, impedindo outras discussões com eficiência.

Gilard segurou o braço de Adela.

– Se quiser que eu fique, Madelyne...

– Não contrarie as ordens de seu irmão – Madelyne interveio. Não teve a intenção que a declaração soasse como um comando.

Adela começou a chorar, renovando a raiva de Madelyne. Esticou o braço a deu uns tapinhas no ombro de Adela. Mas não conseguiu sorrir.

– Não vou me casar com Morcar – disse. – Na verdade, não vou me casar com ninguém.

– Ah, vai, sim – Duncan disse. E chegou a sorrir quando fez a promessa.

Madelyne sentiu como se tivesse levado um tapa. Recuou um passo, balançando a cabeça em negação.

– Não vou me casar com Morcar.

– Não, não vai.

A resposta dele a confundiu em temporária submissão.

Duncan já não olhava para Madelyne. Observava os irmãos caminharem com Adela para a entrada. Os três avançavam bem lentamente, movimentando-se como se armaduras tivessem sido pregadas às solas dos seus pés. Era evidente que estavam inclinados a ouvir o máximo possível de sua conversa com Madelyne. Duncan depositava a culpa pela súbita demonstração de insubordinação direto nos ombros de Madelyne. Sim, era tudo culpa dela. Eles sempre foram bastante obedientes antes da entrada dela em suas vidas.

No instante em que Lady Madelyne pisara em seu lar, tudo foi virado de pernas para o ar.

Duncan disse a si mesmo que desgostava de mudanças, mesmo reconhecendo que outras viriam. Era certo que se depararia com resistência, principalmente por parte de Gilard. O irmão caçula era o maior aliado de Madelyne. Duncan suspirou ao pensar nisso. Preferia muito mais uma boa batalha aos assuntos familiares.

– Edmond, procure o novo padre e o traga até mim – Duncan disse de súbito.

Edmond se virou, com uma pergunta no olhar.

– Agora – Duncan comandou num estrépito.

A ordem dele foi glacial o bastante para gelar Madelyne até os ossos. Começou a se virar para falar com Edmond, quando a ordem seguinte de Duncan a deteve.

– Não ouse instruí-lo a me obedecer, Madelyne, ou que Deus me ajude, mas vou agarrá-la por esses seus cabelos ruivos e tapar sua boca.

Madelyne emitiu um gritinho de ultraje. Duncan ficou satisfeito, pensando que sua declaração ríspida a tivesse feito perceber sua situação vulnerável. O seu objetivo era a submissão dela. Isso mesmo, desejava que estivesse dócil para o que estava para acontecer.

Quando Madelyne começou a andar na sua direção com sangue no olhar, Duncan concluiu que a ameaça não a incomodara muito. Ela não agia nada docilmente.

– Como ousa me insultar? Meus cabelos não são ruivos, e você sabe muito bem disso. São castanhos! – berrou. – É de mau agouro ter cabelos vermelhos, e os meus não o são.

Ele não conseguia acreditar no que estava ouvindo. As contradições dela estavam se tornando uma ocorrência corriqueira.

Madelyne deteve seu avanço quando ficou a poucos centímetros de distância. Perto o bastante para segurá-la, ele pensou.

A mulher era valente, mas inocente quanto ao mundo. Era a única desculpa que Duncan encontrava para os comentários dela. Havia mais de uma centena dos homens de Louddon esperando do lado externo daqueles muros, ameaçando atacar caso Madelyne não fosse devolvida na manhã seguinte. Ele pensou que ela deveria estar se preocupando com essa situação. Em vez disso, discutia sobre a cor dos seus cabelos. Era mais ruivo que castanho, e por que, em nome de Deus, ela não enxergava isso estava além da compreensão de Duncan.

– Os seus insultos são infundados – ela lhe disse. Depois começou a chorar. Não conseguia mais olhar para ele, e por certo foi por isso que ele a pegou nos braços.

– Você não vai voltar para Louddon, Madelyne – Duncan disse, com brusquidão.

– Então, vou ficar aqui até a primavera – ela disse.

Edmond apareceu na entrada com o padre novo.

– Padre Laurance está aqui – anunciou para atrair a atenção de Duncan.

Madelyne se afastou de Duncan. Virou-se para olhar para o padre. Oras, ele era muito jovem. Isso a surpreendeu. Ele também lhe parecia vagamente familiar, apesar de ela não conseguir determinar de onde poderia tê-lo conhecido. Bem poucos padres jovens visitavam tio Berton.

Sacudiu a cabeça, concluindo que não poderia tê-lo visto antes.

Duncan subitamente a puxou para o lado dele. Estavam tão próximos da lareira que Madelyne se esqueceu do padre e começou a se preocupar que o vestido pudesse pegar fogo. Quando tentou se afastar, Duncan a segurou com mais força. O braço a envolvia pelos ombros, ancorando-a a ele. Estranho, mas após apenas um momento, aquela proximidade a acalmou, e ela conseguiu cruzar as mãos diante do corpo e recobrar sua compostura.

O padre parecia preocupado. Não era um homem atraente, pois o rosto tinha marcas de varíola. Parecia desgrenhado também.

Gilard entrou apressado no salão. A expressão de seu rosto revelava que ele estava disposto a lutar. Ele e Edmond, de repente, trocaram de humor. Edmond agora sorria, enquanto Gilard carranqueava.

– Duncan, sou eu quem se casará com Lady Madelyne. Estou mais do que disposto a fazer esse sacrifício – Gilard anunciou. Seu rosto estava rubro e ele usara deliberadamente a palavra sacrifício a fim de que Duncan não soubesse a verdadeira profundidade de seus sentimentos para com Madelyne. – Ela salvou minha vida – acrescentou quando Duncan não respondeu de imediato.

Duncan sabia exatamente o que se passava pela mente de Gilard. O irmão era transparente como água. Acreditava amar Madelyne.

– Não discuta, Gilard. Minha decisão está tomada e você vai apoiá-la. Compreende, meu irmão?

A voz de Duncan era suave, porém ameaçadora, e Gilard, depois de emitir um suspiro longo e raivoso, lentamente balançou a cabeça.

– Não vou desafiá-lo.

– Casamento? – Madelyne sussurrou a palavra como se ela fosse uma blasfêmia.

E, em seguida, gritou:

– Sacrifício?!


CAPÍTULO QUATORZE


“Igualmente vós, maridos, coabitai com elas com entendimento, dando honra à mulher, como vaso mais fraco; como sendo vós os seus co-herdeiros da graça da vida; para que não sejam impedidas as vossas orações.”
I Pedro 3:7

 

– Não vou me casar com ninguém. – Madelyne quis gritar sua declaração, mas as palavras saíram estranguladas. Não conseguiu impedir isso, pois finalmente compreendeu o que Duncan queria fazer. Gilard poderia não desafiar a decisão dele, mas ela certamente o faria.

Duncan parecia mesmo determinado naquele assunto. Ignorou a tentativa de Madelyne de se soltar dele e gesticulou para que o padre desse início à cerimônia.

O Padre Laurance parecia tão perturbado que não conseguia se lembrar da maioria das frases de praxe, e Madelyne estava tão furiosa que não prestava a mínima atenção. Estava ocupada demais gritando com o homem que tentava esmagá-la até a morte.

Quando ouviu Duncan prometer aceitá-la como esposa, Madelyne sacudiu a cabeça. O padre, em seguida, perguntou se ela o receberia como marido. Madelyne deu sua resposta de pronto:

– Não, não aceito.

Duncan não gostou de sua resposta. Apertou-a com tanta força que Madelyne acreditou que ele acabaria arrancando seus ossos do corpo.

Duncan a segurou pelos cabelos, girou-o até que ela olhasse para ele.

– Responda novamente, Madelyne.

O olhar dele quase mudou sua determinação.

– Solte-me primeiro – exigiu.

Duncan, acreditando que ela pretendia obedecer, soltou-a. O braço voltou a se apoiar nos ombros dela.

– Pergunte novamente – disse ao padre fatigado.

Padre Laurance parecia prestes a desmaiar. Gaguejou a pergunta novamente.

Madelyne não berrou nem uma negação, nem uma aceitação. Não disse absolutamente nada. Que esperassem até a noite inteira, pouco se importava com isso. Ninguém a forçaria naquela zombaria.

Não contara com a interferência de Gilard. Madelyne pensou que ele parecia disposto a matar Duncan. Quando a mão dele se apoiou no cabo da espada e ele avançou num passo ameaçador, ela soltou um arquejo involuntário. Bom Deus, ele desafiaria Duncan.

– Eu aceito! – disse num rompante. Continuou encarando Gilard, viu a indecisão nos olhos dele e acrescentou: – Eu o aceito de livre e espontânea vontade.

As mãos de Gilard penderam para os lados. Os ombros de Madelyne se afrouxaram de alívio.

Adela se moveu para se colocar entre Edmond e Gilard. Sorriu para Madelyne. Edmond também sorria. Madelyne queria gritar para ambos. Mas não ousou, pois Gilard parecia completamente tresloucado.

O padre se apressou no restante da cerimônia. Depois de lhes dar uma bênção desajeitada, pediu desculpas e saiu do salão apressado. Estava meio esverdeado. O homem, evidentemente, morria de medo de Duncan. Ela compreendia muito bem esse sentimento.

Duncan, por fim, soltou Madelyne. Com isso, ela se voltou para ele.

– Este casamento é uma farsa – sussurrou para que Gilard não a ouvisse. – O padre sequer nos abençoou como se deve.

Duncan teve a audácia de sorrir para ela.

– Você me disse que nunca comete erros, Duncan. Desta vez, com certeza, você cometeu. E agora arruinou minha vida. E com que objetivo? Sua vingança contra meu irmão é infindável, é isso?

– Madelyne, o casamento é verdadeiro o bastante. Vá para o meu quarto e espere por mim, esposa. Logo me juntarei a você.

Ele deliberadamente enfatizou a palavra esposa. Madelyne o encarou incrédula. Havia um brilho no olhar dele agora. Para o quarto dele?

Madelyne se assustou quando Adela a tocou no ombro, tentando lhe dizer que tudo ficaria bem. Isso certamente era fácil para ela dizer; não era ela quem estava ligada a um lobo.

Tinha que se afastar dos Wexton. Havia muito em que pensar. Madelyne levantou a barra do vestido e lentamente saiu do salão.

Edmond a deteve quando ela chegou à entrada, colocando a mão em seu braço.

– Seja bem-vinda à nossa família – disse ele.

O irmão parecia estar falando a sério. Isso enfureceu Madelyne quase tanto quanto o sorriso horrível dele. Ela preferia quando ele carranqueava para ela.

– Não ouse sorrir para mim, Edmond, ou vou lhe dar um soco. Espere para ver se não sou capaz.

Ele pareceu surpreso o bastante para satisfazê-la.

– Lembro-me que ameaçou me dar um soco pelo motivo exatamente oposto, Madelyne.

Ela não fazia a mínima ideia do que ele estava falando. Tampouco se preocupava com isso, visto que tinha a cabeça cheia com assuntos mais importantes. Afastou-se de Edmond, murmurando consigo que esperava que ele se engasgasse com seu jantar, e depois saiu do salão.

Gilard tentou seguir Madelyne, mas Edmond o segurou.

– Ela agora é a esposa de nosso irmão, Gilard. Honre essa união. – Edmond manteve a voz baixa para que Duncan não os ouvisse. O irmão mais velho estava de costas para eles, fitando o fogo novamente.

– Eu a teria feito feliz, Edmond. Madelyne já sofreu muito nesta vida. Merece ser feliz.

– Está cego, irmão? Não notou como ela olha para Duncan e como ele olha para ela? Eles se amam.

– Está errado – Gilard respondeu. – Madelyne odeia Duncan.

– Madelyne não odeia ninguém. É incapaz disso. – Edmond sorriu para o irmão. – Você só não quer admitir a verdade. Por que acredita que estive tão bravo com Madelyne? Infernos, enxerguei a atração entre eles desde o início. Duncan não saiu do lado dela nem um instante quando ela esteve gravemente doente.

– Só porque se sentia responsável por ela – Gilard argumentou.

O irmão mais novo tentava desesperadamente se ater a sua raiva, todavia os argumentos de Edmond pareciam razoáveis.

– Duncan se casou com Madelyne porque quis. Sabe, Gilard, é deveras surpreendente que nosso irmão tenha se casado por amor. Nestes tempos, isso é uma raridade. Ele não receberá terras, apenas o descontentamento do rei.

– Ele não a ama – Gilard murmurou.

– Sim, ele ama – Edmond contradisse o irmão. – Ele só não sabe disso ainda.

A mente de Duncan não estava concentrada nos irmãos. Ignorou-os enquanto revisava seus planos para o dia seguinte. O mensageiro indicara que atacariam à primeira luz do dia caso Madelyne não lhes fosse entregue. Duncan sabia que isso era um blefe. Sentia-se quase desapontado. Sim, ansiava por uma batalha com qualquer aliado de Louddon. Entretanto, o grupo insignificante congelando os traseiros do lado externo dos seus muros não era tolo o bastante para desafiar a petição do líder deles. Sabiam que eram em menor número e menos habilidosos. Louddon provavelmente os enviara a fim de poder se postar diante do rei e demonstrar que tentara reaver a irmã sem envolver seu líder.

Satisfeito com essa conclusão, Duncan deixou o assunto de lado e voltou os pensamentos para sua nova vida. Quanto tempo ela levaria para aceitá-lo como marido? Disse a si mesmo que pouco importava o quanto demoraria, mas quanto antes ela chegasse a termos com sua vida nova, melhor seria para a própria paz de espírito dela.

Ele se sentia compelido a mantê-la a salvo. Ela lhe dera coragem e confiança. Não poderia lhe dar as costas. Sim, era o senso do dever que o compelira àquela decisão precipitada. Enviá-la de volta a Louddon seria o mesmo que mandar uma criança a uma jaula para lutar contra um leão.

– Diabos – murmurou consigo. Soubera desde o início, assim que tocara nela, que nunca a deixaria ir. – Ela está me enlouquecendo – disse, pouco se preocupando com quem ouvisse.

De fato, ela o agradava. Não percebera o quanto sua vida era rígida até Madelyne começar a interferir. Ela arrancava reações suas com apenas um olhar inocente. Quando não pensava em estrangulá-la, via-se obcecado em beijá-la. Pouco importava que Louddon fosse irmão dela. Madelyne não tinha a alma negra dele; era dotada de um coração puro e uma capacidade de amar que abalava todas as crenças cínicas de Duncan.

Sorriu. Imaginou em que estado Madelyne se encontraria quando ele subisse. Estaria aterrorizada ou lhe lançaria mais uma daquelas suas expressões de serenidade ensaiadas? Sua nova esposa seria uma gatinha ou uma tigresa?

Saiu do salão e foi atrás de Anthony. Depois de ouvir as congratulações de seu vassalo por conta do casamento, passou as instruções adicionais para a vigia noturna.

O hábito de nadar à noite em seu lago veio a seguir. Duncan se demorou, dando a Madelyne um pouco mais de tempo para se preparar para ele. Já fazia mais de uma hora que Madelyne irrompera para fora do salão.

Duncan decidiu que era tempo suficiente. Galgou os degraus dois de cada vez. Não seria fácil convencer Madelyne de que desejava deitar-se com ela. Contudo, não faria uso de força, pouco importando o quanto ela provocasse sua paciência. Levaria tempo, mas ela se entregaria livremente para ele.

Sua promessa de se controlar foi provocada de certa forma quando ele chegou ao quarto e o encontrou vazio. Duncan suspirou exasperado e imediatamente foi para a torre.

Ela achava mesmo que conseguiria se esconder dele? Considerou isso engraçado e sorriu. No entanto, seu sorriso se dissipou quando ele tentou abrir a porta e percebeu que estava trancada.

Madelyne ainda estava um pouco preocupada. Voltara para seu quarto num estado quase histérico e depois fora forçada a esperar que a tina fosse enchida de água. Maude já dera início à tarefa noturna. Madelyne procurou mostrar gratidão, mas a criada e os dois homens que traziam os baldes de água quente demoraram demais, até Madelyne ficar louca de medo com a possibilidade de Duncan a encontrar antes que ela o trancasse para fora.

A trava de madeira estava bem onde a escondera, enfiada debaixo da cama. Assim que deslizou a tábua grossa entre os aros de metal, suspirou de alívio.

Os músculos dos ombros de Madelyne latejavam. Estava muito tensa, e por mais que tentasse, não conseguia entender nada. Duncan a desposara apenas para enfurecer Louddon? E quanto a Lady Eleanor?

Madelyne ficou bastante tempo no banho. Seus cabelos haviam sido lavados na noite anterior, por isso ela não tinha essa tarefa a fazer. Prendera os cachos no alto da cabeça, usando uma fita para mantê-los no lugar. Mesmo assim, boa parte dos cachos já havia caído pelos ombros ao fim do banho.

Ela podia jurar que não se sentia nem um pouco mais calma após o banho. Sua mente se consumia de preocupação. Ela queria berrar de raiva, mas também chorar de humilhação. O único motivo pelo qual não fazia nenhum dos dois era porque não se decidia.

Ouvira Duncan subindo os degraus bem quando saía da tina. Suas mãos tremiam ao apanhar o roupão, mas só porque o quarto estava frio, disse a si mesma.

Os passos cessaram. Duncan estava imediatamente diante da porta. Madelyne reagiu ante uma descarga renovada de medo, envergonhou-se por agir com tamanha covardia ao correr para o canto do quarto e ficou tremendo como uma criancinha. Freneticamente atou o cinto do roupão mesmo enquanto dizia si mesma que Duncan não conseguia ver através da madeira, pelo amor de Deus e, portanto não havia motivo algum para ficar tão nervosa.

– Madelyne, afaste-se da porta.

A voz dele soou plácida. Isso a surpreendeu. Franziu o cenho, à espera que ele começasse a ameaçar. E por que ele não queria que ela ficasse perto da porta?

Logo teve a sua resposta. O som foi explosivo, ela recuou, batendo a cabeça na parede de pedra. Deu um gritinho quando a trava de madeira se partiu como se fosse um graveto e teria feito o sinal da cruz caso tivesse conseguido descruzar as mãos.

A porta foi destruída e as tábuas insignificantes que restaram, Duncan as quebrou com facilidade.

Ele tinha toda a intenção de arrastar Madelyne até seu quarto, no entanto quando a viu acovardada no canto do quarto, seu coração se suavizou. Duncan também tinha a preocupação real de que ela se jogasse pela janela antes que conseguisse alcançá-la – ela parecia assustada o bastante para tentar isso.

Não queria assustá-la. Emitiu deliberadamente um suspiro arrastado e depois, com casualidade, recostou-se no batente. Sorriu para Madelyne, esperando que ela recobrasse o controle.

Usaria a razão e palavras suaves para convencê-la a ir com ele.

– Poderia ter batido, Duncan.

A mudança nela aconteceu rapidamente. Já não estava acovardada no canto, mas ficou ali franzindo o cenho com um olhar que lhe garantiu que ela não se jogaria para fora de nenhuma janela. No entanto, ela bem que poderia tentar jogá-lo.

Ele tentou não rir, reconhecendo que o orgulho dela era importante para ambos. Maldição, ele não gostava que ela se acovardasse diante dele.

– E você teria aberto a porta para mim, esposa? – ele perguntou num tom suave e bajulador.

– Não me chame de esposa, Duncan. Fui forçada a fazer aqueles votos. Agora veja o que fez com a minha porta. Vou dormir com uma corrente de ar frio sobre a cabeça graças à sua pouca consideração.

– Ah, quer dizer que você a teria aberto para mim? – Duncan perguntou, sorrindo amplamente. Deleitava-se imensamente com o ultraje dela. Edmond estava certo, Madelyne era bem mandona. Porta dela... Interessante.

Com certeza ela era uma visão e tanto. Os cabelos caíam pelos ombros. O fogo da lareira lançava um brilho dourado nos cachos. As mãos haviam voltado para o quadril, as costas estavam tão eretas quanto uma lança, e a abertura do roupão chegava quase à cintura, dando-lhe ampla vista do sulco profundo entre os seios fartos.

Ele ficou imaginando quanto tempo demoraria até que Madelyne percebesse sua posição vulnerável. O roupão grande demais para ela estava rapidamente se soltando. Duncan já percebera que ela não vestia nada por baixo. Os joelhos dela o espiavam.

O sorriso aos poucos foi sumindo do rosto de Duncan. Seus olhos também escureceram. Sua concentração estava sendo forçada e ele só conseguia pensar em tocar nela.

Qual seria o problema dele?, Madelyne pensou. A expressão dele se tornara negra como a túnica que usava, e céus, desejou que ele não parecesse tão belo.

– Claro que não teria aberto a porta, Duncan, mas você deveria ter batido do mesmo modo. – Ela despejou a ridícula declaração sentindo-se uma tola. Se ao menos ele parasse de olhar para ela como se quisesse...

– Você nunca proferiu uma mentira? – Duncan perguntou ao ver que o medo retornava para os olhos dela.

A pergunta a pegou desprevenida, como era a intenção dele. Duncan lentamente se endireitou e entrou no quarto.

– Eu sempre disse a verdade, não importando o quanto fosse dolorosa – Madelyne respondeu. – E, a esta altura, você já sabe muito bem disso. – Lançou-lhe um olhar desapontado e começou a andar na direção dele, só para que ele estivesse próximo o bastante para ouvir sua censura seguinte com clareza. Madelyne estava determinada a lhe dizer o que se passava em sua cabeça e era o que teria feito caso não tivesse se esquecido de que o roupão era comprido demais e que a tina de banho estava logo à sua frente. Tropeçou na bainha, bateu o dedão na base da tina e teria caído na água se Duncan não a tivesse segurado a tempo.

Ele segurou Madelyne pela cintura quando ela se inclinou para esfregar a dor no dedo.

– Toda vez que estou perto de você, acabo me machucando.

Ela murmurava para si própria, mas Duncan ouviu cada palavra. E logo protestou:

– Nunca a machuquei.

– Bem, já ameaçou – disse Madelyne. Endireitou-se e percebeu então que o braço dele envolvia sua cintura. – Solte-me – exigiu.

– Devo carregá-la como um saco de trigo para o meu quarto ou você caminhará ao meu lado como uma nova esposa deve fazer? – ele perguntou.

Ele lentamente a girou, de modo que ela o fitasse.

Ela olhava para o peito dele. Duncan levantou-lhe o queixo com suavidade.

– Por que não me deixa em paz? – Madelyne perguntou, finalmente sustentando seu olhar.

– Eu tentei, Madelyne.

Ela achou que a voz dele mais se parecia com uma carícia, tão suave quanto uma brisa de verão.

O polegar dele afagava com suavidade a curva do queixo. Como um toque tão insignificante assim podia surtir um efeito tão devastador?

– Está tentando me enfeitiçar – Madelyne sussurrou, mas não se afastou quando o polegar afagou o lábio inferior, sensível.

– É você quem me enfeitiça – Duncan admitiu. A voz se tornara rouca. O coração de Madelyne acelerou. Mal conseguia respirar. A língua tocou a ponta do polegar dele. Era só isso o que se permitiria, aquele pequeno prazer que lançou um choque pelas suas pernas. Ela o enfeitiçava? Tal pensamento era tão prazeroso quanto os beijos dele. E ela queria que ele a beijasse. Apenas um beijo, disse a si mesa. Depois exigiria que ele se fosse.

Duncan parecia contente em ficar ali a noite toda. Madelyne rapidamente ficou impaciente. Afastou as mãos dele e depois ficou nas pontas dos pés para depositar um único beijo casto na sua covinha do queixo.

Quando Duncan não reagiu, ela ficou um pouco mais audaciosa e apoiou as mãos nos ombros. Ele a fitava de cima, o que facilitava a tarefa. No entanto, hesitou quando o sentiu ficar rijo ao seu encontro.

– Vou lhe dar um beijo de boa noite – explicou, mal reconhecendo a própria voz. – Eu gosto de beijá-lo, Duncan, mas é só isso o que vou permitir.

Ele não se moveu. Madelyne não sentia sequer a respiração dele. Não sabia se sua admissão o enraivecia ou o agradava, até seus lábios tocarem os dele. Foi assim que soube que ele gostava de beijar quase tanto quanto ela.

Madelyne suspirou, contente.

Duncan grunhiu, impaciente.

Não lhe deu a língua até ela exigir, usando a própria para incitá-lo a responder. Em seguida, ele assumiu o controle, inserindo a língua bem dentro da boca dela.

Madelyne não queria parar. Quando percebeu isso, afastou-se dele.

As mãos de Duncan repousavam em seu quadril. Ele a atraiu de volta, esperando com grande curiosidade para ver o que ela faria em seguida. Ela era imprevisível.

Madelyne não conseguia fitá-lo. Um rubor genuíno cobria suas faces. Ela estava evidentemente envergonhada.

Duncan subitamente ergueu Madelyne nos braços, sorrindo ante o modo como ela prendia o roupão onde ele se dividia na altura dos joelhos. Quase mencionou que a modéstia dela era equivocada, visto que ele cuidara dela quando ela estivera tão doente. Mas Madelyne estava dura em seus braços, e ele resolveu não tocar no assunto.

Quando estavam na metade da escadaria, Madelyne se deu conta de quanto estava despreparada para passar a noite com Duncan.

– Deixei minha camisola lá em cima – balbuciou. – Uma coisa é dormir com um vestido usado durante o dia, mas isto aqui é volumoso demais e...

– Você não precisará de nada – Duncan a interrompeu.

– Precisarei, sim – Madelyne gaguejou.

Duncan não replicou. Madelyne sabia que havia perdido a discussão quando a porta do quarto dele se fechou. Infelizmente, estavam do lado interno.

Duncan depositou Madelyne na cama e voltou para a porta. Passou a trava de madeira pelos aros. E depois se virou, lentamente cruzando os braços diante do peito, e sorriu para ela.

A marquinha atraente estava de volta à bochecha dele. Madelyne a teria chamado de covinha, todavia isso parecia incorreto para um homem do tamanho e da força dele. Guerreiros não têm covinhas.

Sua mente divagava. Claro que por culpa dele. Oras, ele só ficava ali de pé, encarando-a. Sentia-se como um ratinho acuado por um lobo faminto.

– Está tentando deliberadamente me assustar? – Madelyne perguntou, soando aterrorizada.

Duncan sacudiu a cabeça. Percebeu o medo dela e também que seu sorriso forçado não ajudara em nada a sua causa.

– Não quero assustá-la.

Começou a andar na direção dela.

– Prefiro que não tenha medo, apesar de compreender que a primeira vez pode ser assustadora para uma virgem.

Sua aposta para tranquilizá-la fracassou. Duncan chegou a essa conclusão quando ela saltou para longe da cama.

– Primeira vez? Duncan, você não vai para a cama comigo – ela berrou.

– Ah, vou, sim – ele respondeu.

– Uma coisa é ser forçada a dormir a seu lado, mas isso é só o que vai acontecer hoje à noite!

– Madelyne, estamos casados agora. É um costume normal deitar-se com a esposa na noite de núpcias.

– E é um costume normal forçar uma dama a se casar? – ela perguntou.

Ele deliberadamente deu de ombros. Ela parecia prestes a chorar. Duncan resolveu deixá-la brava de novo. Preferia isso às lágrimas.

– Foi necessário.

– Necessário? Está querendo dizer apropriado? Diga-me uma coisa, Duncan, também será necessário se forçar dentro de mim esta noite?

Ela não lhe deu tempo para responder.

– Você sequer se deu ao trabalho de explicar os motivos para este casamento. Isso é imperdoável.

– Você esperava mesmo que eu explicasse meus motivos para você? – ele rugiu. Quase lamentou sua falta de controle porque Madelyne voltara a sentar na beirada da cama, retorcendo as mãos.

Duncan procurou controlar o temperamento. Caminhou até a frente da lareira. Com lentidão deliberada começou a puxar o cordão na gola da camisa. Não despregou o olhar de Madelyne, pois queria que ela visse o que ele fazia.

Ela tentou não olhar para ele, mas ele tinha uma presença marcante, e ela não conseguiu ignorá-lo. A pele dele era bronzeada pelo sol e estava dourada por causa do brilho do fogo. O movimento dos músculos foi evidenciado quando ele se inclinou para remover as botas.

Verdade fosse dita, ela queria tocá-lo. Meneou a cabeça ante a declaração suplicante. Tocar ele, ora essa. Desejava que ele saísse do quarto. Mas isso, pensou com um suspiro que lhe chegou aos pés, não era nada verdadeiro.

– Você pensa que sou uma rameira – Madelyne disse num rompante. – Isso mesmo, por eu ter vivido com um padre depravado... Essas foram as suas palavras, Duncan – ela o relembrou. – Você não deve querer ir para a cama com uma rameira.

Rezou para estar certa.

Duncan sorriu ante o modo como ela pensava que o dissuadiria.

– Rameiras têm certa vantagem em relação a virgens inexperientes, Madelyne. Você, claro, entende o que quero dizer.

Não, ela certamente não entendia o que ele queria dizer, mas não poderia confessar isso, poderia? Seu ardil estava ficando fora do controle.

– Elas não têm certas vantagens – Madelyne murmurou.

– Não quer dizer “nós”?

Ela desistiu. Não era uma rameira e ele sabia muito bem disso também.

Quando ela não disse nada, Duncan concluiu que ela seria forçada a mentir caso prosseguisse.

– Uma rameira conhece todos os meios de dar prazer a um homem, Madelyne.

– Não sou uma rameira e você sabe muito bem disso.

Duncan sorriu. Ah, a honestidade dela o agradava. Era um homem acostumado a traições, mas estava certo de que poderia apostar sua vida que Madelyne jamais lhe mentiria.

Duncan despiu o resto das roupas e caminhou até o outro lado da cama. Madelyne estava de costas para ele. Ele percebeu os ombros tensos a ponto de quase se romperem quando ele puxou as cobertas e se deitou. Virou-se, apagou a vela e emitiu um bocejo bem audível. Se Madelyne o estivesse observando, saberia que o bocejo fora uma mentira descarada. Sua excitação era evidente, mesmo para alguém tão ingênua quanto sua esposa medrosa. A noite seria longa.

– Madelyne.

Ela odiava como ele dizia seu nome quando estava irritado com ela. Duncan sempre arrastava o último som até que seu nome de fato parecesse ser Lane.

– Meu nome não é Lane – reclamou.

– Venha para a cama.

– Não estou cansada. – Era uma observação boba, mas Madelyne estava assustada demais para ser inteligente. Deveria ter dado mais atenção às histórias de Marta. Era tarde demais para fazer qualquer coisa a respeito agora. Ah, Deus, pensou que ficaria nauseada a qualquer instante. E isso não seria humilhante? Vomitar o jantar bem na frente dele. Tal pensamento provocou um nó no seu estômago, intensificando sua preocupação.

– Não sei o que fazer.

O sussurro angustiado partiu o coração de Duncan.

– Madelyne, você se lembra da primeira noite que passamos juntos na tenda? – Duncan perguntou.

A voz dele estava suave, rouca também. Madelyne achou que ele tentava acalmá-la.

– Prometi que nunca a forçaria. E eu já rompi com minha promessa alguma vez? – ele perguntou.

– Como posso saber? – Madelyne retrucou. – Nunca me deu sua palavra a respeito de nenhuma outra coisa. – Virou-se para ver se ele estaria tentando agarrá-la. Isso foi um erro, porque Duncan não se dera ao trabalho de se cobrir. Estava nu como um lobo. Madelyne apanhou a coberta e a jogou sobre ele. – Cubra-se, Duncan. Não é decente que eu veja... as suas pernas.

Ela estava corando de novo. Duncan não sabia quanto tempo sustentaria essa fachada de indiferença.

– Eu desejo você, Madelyne, mas quero que você também esteja disposta. Quero que me implore, mesmo que isso leve a noite toda.

– Eu nunca imploro.

– Mas vai implorar.

Madelyne fitou Duncan nos olhos, tentando descobrir se ele procurava ludibriá-la. A expressão dele não revelava nada do que pensava. Ela mordiscou o lábio inferior enquanto se preocupava.

– Promete? – ela pediu por fim. – Não vai me forçar mesmo?

Duncan deixou que ela percebesse sua exasperação apesar de assentir. Resolveu que no dia seguinte a faria saber que ela não deveria questioná-lo desse modo. Esta noite, entretanto, permitiria tal transgressão.

– Confio em você – ela sussurrou. – É estranho, mas acho que sempre confiei em você.

– Sei disso.

Ela chegou a sorrir ante a observação arrogante dele. Depois soltou um suspiro de alívio. Sentia-se segura de novo.

– Já que não me permitiu trazer a minha camisola, terei que usar uma das suas camisas – disse.

Madelyne não esperou pela permissão dele. Foi até o baú, levantou a tampa, vasculhou entre as roupas até encontrar uma das camisas. Não sabia se Duncan a observava ou não, por isso continuou de costas enquanto despia o roupão e vestia a camisa.

A vestimenta mal lhe chegava aos joelhos. Ela se apressou para debaixo das cobertas. E por certo esse foi o motivo pelo qual acidentalmente se chocou contra Duncan.

Demorou uma eternidade para ajeitar as cobertas até ficar satisfeita. Madelyne não achava que seria adequado tocar nele, mas desejava estar perto o bastante para sentir um pouco de seu calor. Por fim, acomodou-se. Soltou um suspiro. Desejou que Duncan já tivesse se cansado de tanto ela ter se mexido aquela altura. Na verdade, queria que ele a agarrasse e a puxasse ao seu encontro. Deus bem sabia que ela estava acostumada a ser agarrada e empurrada de um lado a outro, e se a verdade fosse admitida, ela até que gostava um pouco disso. Acabava sempre aconchegada a ele, sentindo-se segura e confortável. E quase amada. Era uma fantasia, mas ela se permitia essa farsa de todo modo. Não existia pecado em fantasiar, existia?

Duncan não fazia ideia do que se passava pela cabeça de Madelyne. Só levá-la para a cama já demorara mais tempo do que ele antecipara. Seu hábito de nadar à noite era um esforço inexpressível se comparado à provação pela qual passava agora. Entretanto, o prêmio valeria a pena o tormento. Com tal pensamento em mente, Duncan se virou de lado. Surpreendeu-se em vê-la olhando para ele, pois, verdadeiramente, esperava que estivesse se escondendo debaixo das cobertas.

– Boa noite, Duncan – sussurrou ela, dando-lhe outro sorriso.

Duncan queria muito, muito mais.

– Dê-me um beijo de boa noite, esposa.

O tom dele era arrogante mas Madelyne não se aborreceu com isso. Ela formou uma carranca, isso sim.

– Já lhe dei um beijo de boa noite – lembrou-o com suavidade. – Foi tão insignificante que já se esqueceu dele?

Estaria caçoando dele? Duncan resolveu que sim, e provavelmente porque se sentia tão segura. Vitoriosa também. Ah, ela confiava nele, e por mais que esse fato o satisfizesse, o latejar crescente em sua virilha incomodava sua concentração. Não conseguia desviar o olhar da boca dela, viu-se sem forças para impedir que a sua boca se abaixasse lenta e inevitavelmente sobre a dela. O braço a circundou pela cintura, impedindo o recuo dela caso ela tentasse desertá-lo. Prometeu a si mesmo que não forçaria o beijo, apenas a manteria junto a ele até que encontrasse um modo de dialogar com ela.

A boca se depositou sobre a dela num beijo que deveria derreter qualquer resistência. A língua penetrou a boca, com avidez e quase selvageria, querendo se unir a ela. Queria lhe dar prazer e soube que estava sendo bem sucedido quando a língua dela tocou a dele e a mão tocou a lateral do seu rosto com suavidade.

Duncan capturou o suspiro dela quando aprofundou o beijo. A mão acariciou a lateral do pescoço dela enquanto o polegar formava um círculo preguiçoso acima de onde sentia a pulsação dela.

Madelyne queria se aproximar um pouco do calor dele. Beijá-lo parecia tão certo. As mãos rodearam o pescoço de Duncan, e quando ele lhe mostrou sua satisfação em relação à sua investida com um grunhido, ela sorriu ao encontro da boca dele.

Ele levantou a cabeça para olhar para ela e Madelyne parecia absolutamente satisfeita. Os lábios estavam úmidos e inchados e havia uma centelha nos olhos dela que lhe aqueceram o coração. Viu-se retribuindo o sorriso, sem saber por quê. Quando sentiu os dedos dela resvalando sua nuca com hesitação, não resistiu e voltou a beijá-la. O lábio inferior foi facilmente capturado entre seus dentes; ele puxou, atraindo Madelyne para si. Ela gargalhou, deliciada. Duncan gemeu, atormentado.

O beijo se tornou impetuoso e ardente. As mãos capturaram as laterais do rosto dela, e quando ela começou a retribuir, Duncan permitiu que ela sentisse o seu desejo.

Madelyne gemeu e se aproximou, até os dedos dos pés estarem se esfregando nos pelos crespos das pernas dele.

Duncan conteve os movimentos irrequietos dela, prendendo-lhe as pernas com suas coxas pesadas. A boca nunca se afastou da dela. Banqueteou-se com ela, usando a língua para invadir o doce interior que ela oferecia de boa vontade.

Mas ele não conseguia se fartar dela. O beijo se tornou frenético, voraz. Suas mãos eram tão indisciplinadas quanto a boca, subjugando e excitando enquanto formava um caminho partindo dos ombros à base da coluna. Arrepios de êxtase a deixaram ainda mais trêmula. Ela parecia incapaz de racionalizar e se concentrar num pensamento. Madelyne sentia como se estivesse espiralando descontrolada. Parecia incapaz de se salvar. Sua mente estava sendo governada pelas novas sensações eróticas que inundavam-lhe o corpo todo.

Madelyne se contorceu dentro do confinamento dele. Foi atraída pelo calor, até sentir entre suas coxas a ereção dele. Emitiu um arquejo e tentou empurrar, mas os beijos ardentes de Duncan afastavam todos os seus medos. O calor era incrível. Sua mente se rebelava contra a intimidade, mas o corpo sabia como reagir. Instintivamente ela o capturou e o manteve preso, usando as coxas para aconchegá-lo. Deixou que o calor penetrasse, mas quando Duncan começou a mover o quadril e a ereção se esfregou nela, ela tentou detê-lo. Com as mãos, segurou-lhe as coxas e o empurrou. Pensou que o estava fazendo parar, mas quanto mais ele se movia, mais débeis eram seus esforços. O toque dele atiçou as brasas de desejo bem dentro dela, e não demorou para que estivesse agarrada a ele, com as unhas enterradas nas nádegas dele para mantê-lo bem firme junto a si.

Duncan percebeu que ela estava assustada com o desejo que a dominava, mas estava determinado a fazê-la reagir com a mesma paixão. Segurou-lhe as nádegas, quase que rudemente. Elevou-a e a puxou para junto de si, permitindo que ela o sentisse. Um som baixo de acasalamento emanou de seu peito, um som erótico e primitivo, e tão mágico quanto a canção das sereias chamando por Madelyne, hipnotizando-a. Ela não conseguiu resistir e o beijou com livre e desmesurado abandono.

A reação desinibida de Madelyne quase alçou Duncan além da sanidade. Afastou a boca da dela e começou a pressionar beijos ardentes pela coluna do pescoço dela. Tentou recobrar o controle, mas o esforço lhe custou. Conter-se se tornou penoso e ele não queria nada além de se enterrar nela, preenchendo-a de corpo e alma completamente. Mas, claro, ele não podia fazer isso, pois era cedo demais para ela. Duncan ordenou-se a ir devagar, dar-lhe mais tempo, mas a boca e as mãos se recusaram a ouvir as ordens da mente. Que Deus o ajudasse, ele não conseguia parar de tocar nela. O cheiro dela o desorientava; Duncan jamais experimentara uma paixão tão esmagadora. Saber que ainda havia muito a acontecer o fez sentir que explodiria.

Madelyne sabia que devia deter as liberdades dele. Agarrava-se a Duncan, com os braços circundando-o pela cintura. Inspirou fundo, tentando desesperadamente se controlar. Isso se mostrou uma tarefa impossível; Duncan provocava seu pescoço com a boca e a língua, e sussurrava palavras tão descaradas, sensuais e irrepetíveis, que ela não conseguia pensar em muita coisa.

Ele a chamou de bela, narrou em detalhes eróticos o que queria fazer com ela. Disse que ela o enlouquecia de desejo, e ela soube, pelo modo com que as mãos tremiam ao afastar-lhe os cabelos do rosto e beijar sua testa, que ele falava a verdade.

Ela sabia que ele poderia esmagar qualquer resistência que lhe oferecesse. Todavia, a força dele agora não a assustava. Só o que tinha que fazer era pedir que parasse. Ele não a forçaria. Duncan sempre manteve seu poder contido quando estava com ela, toda vez em que a tocava; ele se utilizava de um método muito maior para conquistá-la. Sim, ele a enfeitiçava com carícias delicadas e promessas suaves e proibidas.

Se ao menos conseguisse encontrar forças para se distanciar um pouco, talvez conseguisse voltar a pensar. Com esse objetivo em mente, rolou para longe dele.

Duncan a acompanhou. E ela percebeu, então, que as cobertas haviam sumido. Era ele quem a cobria agora, quase completamente. As pernas nuas estavam entrelaçadas e apenas uma camisa fina protegia sua virgindade.

Ele também removeu essa barreira, lentamente subindo o tecido acima dos seios. Determinado, retirou-lhe a camisa antes que ela conseguisse pronunciar uma única palavra de negação. Na verdade, talvez ela até o tivesse ajudado.

Todos os pensamentos de precaução sumiram quando o peito de Duncan tocou seus seios.

A camada espessa de pelos esfregou em seus mamilos e ela gemeu de prazer genuíno. A respiração dele a excitou quase tanto quanto seu toque. Estava dissonante, descontrolada, tão desigual quanto a sua.

Duncan suspendeu a cabeça e a fitou. Os olhos de Madelyne estavam escurecidos, pesados.

– Gosta de me beijar, Duncan?

Ele não estava preparado para a pergunta e só respondeu quando reencontrou a voz:

– Sim, Madelyne. Gosto de beijá-la. – Sorriu então. – Tanto quanto você gosta de me beijar.

– Gosto – Madelyne sussurrou. Estremeceu de desejo, nervosa, passou a ponta da língua pelo lábio inferior. Duncan a observou. Gemeu e teve que fechar os olhos por um segundo antes de conseguir voltar a olhar para ela.

Ela o deixava frenético. Aquela sedução era um trabalho árduo. Desejava-a. Agora. Sabia que ela ainda não estava pronta para ele. Teria que continuar naquele teste de resistência mesmo que isso o matasse. E pensou que isso bem poderia acontecer.

Duncan inspirou fundo e depositou um beijo no alto de uma sobrancelha bem delineada. Em seguida, beijou a ponta do nariz, bem no meio das sardas que ele achava atraentes, mas que sabia que ela provavelmente negaria ter.

Madelyne prendeu a respiração, esperando que ele chegasse à boca. Quando Duncan se virou e passou para a lateral do pescoço, ela tentou levá-lo de volta onde desejava que ele estivesse.

– Quero beijá-lo de novo, Duncan – sussurrou.

Sabia que estava sendo arrojada. Sim, estava brincando com fogo. Madelyne disse a si mesma que só agia com tanta audácia porque estava despreparada. Ninguém nunca lhe explicara a relação entre homens e mulheres. Ninguém nunca a precavera contra o intenso prazer. E o prazer digladiava contra sua habilidade de pensar.

Madelyne subitamente percebeu que aquela batalha de faz de conta que lutava contra si mesma era simplesmente isso: um faz de conta. Estava tentando forçar Duncan a tirar a decisão das suas mãos. Dessa forma, somente ele seria o responsável por aquele ato. Ela permaneceria inocente, pega na armadilha do prazer que ele lhe impunha.

A verdade a envergonhou. Duncan não a estava forçando.

– Sou uma covarde – sussurrou.

– Não tema – Duncan a tranquilizou. A voz estava repleta de brandura.

Madelyne tentou explicar, dar todas as palavras, dizer o quanto o desejava. Só por aquela noite, queria pertencer a ele. Não acreditava que ele pudesse vir a amá-la, mas por uma gloriosa noite, queria fingir que as promessas que ele lhe fazia eram verdadeiras. Se Duncan pudesse lhe dar apenas uma parte de si mesmo, ela se obrigaria a acreditar que isso bastava.

– Abrace-me, Madelyne – Duncan ordenou. A voz estava controlada, as mãos, porém, foram gentis ao brincar com os seios.

As mãos espalmavam por completo seus seios. Madelyne instintivamente se arqueou contra elas, pensando que o prazer que ele lhe dava era excruciantemente doce.

Duncan ignorou o arquejo de surpresa. Usou os polegares para coagir os mamilos a reagirem. Quando ficaram duros e tensos, ele desceu e tomou um na boca. A língua foi uma tortura aveludada. Usou a sucção para enlouquecê-la. Ela se virava e gemia enquanto as mãos o seguravam pelos ombros.

Os dois seios estavam inchados quando ela terminou de administrar seu tratamento. Duncan os cobriu com o peito de novo e capturou-lhe a boca num beijo ardente e demorado que só a deixou desesperada por mais.

Ele não conseguia esperar mais. Nos recessos da mente sabia que ela ainda não lhe dera permissão. Levantou a cabeça e olhou para ela e viu as lágrimas nos seus olhos.

– Quer que eu pare? – Mesmo enquanto fazia a pergunta, ele se perguntava como, em nome de Deus, conseguiria realizar esse feito caso a resposta dela fosse “sim”. – Diga, por que está chorando, Madelyne? – Capturou a primeira lágrima que escapou dos cílios dela com o polegar.

Ela não respondeu. Duncan a segurou pelos cabelos com aspereza. Os dedos se enroscaram nos fios sedosos.

– Dê-me a sua honestidade agora, esposa, sem meias medidas. Vejo a paixão nos seus olhos. Diga as palavras, Madelyne.

Sua exigência foi tão impetuosa quanto seu desejo. Duncan sentia o desejo de Madelyne. O corpo se movia agitado contra o seu.

– É errado de minha parte desejá-lo, mas eu o desejo – Madelyne suspirou. – Quero tanto que chega a doer.

– Você é minha esposa agora, Madelyne – Duncan respondeu com a voz rouca. – O que fazemos não é errado. – Ele se inclinou e a beijou de novo, num beijo passional e ardente que não refreava nada. Ela reagiu com igual paixão. Quando as unhas se enterraram nos ombros, ele abruptamente se retraiu.

– Diga que me quer dentro de você. Agora. Diga, Madelyne. – Duncan a encarava fixamente, e lentamente afastou-lhe as pernas com a coxa. Antes que Madelyne entendesse sua intenção, ele deslizou a mão pelo monte de pelos encaracolados da parte mais sensível dela. Os dedos afagaram e acariciaram até que o calor dela ficou úmido e escorregadio de desejo. E durante todo o tempo, ele observou a reação apaixonada dela.

O dedo a penetrou lentamente. Madelyne, por instinto, arqueou o corpo, dando-lhe tanto prazer com aquela reação desinibida que ele pensou que morreria. Ela era incrivelmente sensual. E aquela sensualidade pertencia a ele.

– Acabe com este tormento, Duncan. Venha até mim.

Ele gemeu seu nome antes de a boca se apossar da dela de novo. Tão lentamente quanto conseguiu, acomodou-se entre as coxas macias, levantou-lhe o quadril e começou a penetrá-la. Ela se moveu, fazendo que Duncan fosse adiante.

Duncan parou quando sentiu a barreira que provava a virgindade dela.

– Passe as pernas ao meu redor. – Grunhiu a instrução com o rosto contra o pescoço dela. Quando a sentiu se mover para obedecê-lo, moveu-se adiante. Madelyne gritou de dor e tentou recuar. – Está tudo bem, amor. A dor já foi, prometo. Quietinha agora – sussurrou.

Duncan quis esperar até que o corpo dela se ajustasse à sua invasão, mas o latejar foi insuportável. Não conseguiu parar. Começou a se mover, lentamente a princípio, depois com desejo e vigor crescentes. A mão se moveu entre eles, excitando-a a um grau febril quando os dedos a esfregaram.

A dor foi logo esquecida. Duncan a preencheu por completo. Madelyne começou a se movimentar com ele, arqueou o quadril para acomodá-lo mais fundo e sentiu a mudança que se sucedeu em seu marido, então.

A potência se desenrolou, cercou, penetrou. Ela se glorificou nas sensações, permitiu que a suavidade dela se tornasse o revestimento do vigor dele. Eram parte um do outro agora; um pertencia ao outro, em corpo, mente e alma.

O controle a desertou. Ela ficou selvagem, tão livre quanto uma tigresa agora, esforçando-se para alcançar o mistério da compleição logo além de seu alcance. Entregou-se às sensações, entregou-se ao marido, ao amante. E tudo porque ele se entregara a ela.

Ele lhe sussurrou palavras impetuosas ao pé do ouvido, mas ela logo se viu alheia demais para entender o que ele dizia. Não conseguia pensar, só sentir a força entrando nela, afagando, exigindo.

O clímax foi tão esmagador que ela gritou. O nome dele. Ficou aterrorizada, vulnerável, segura. Sentiu-se amada.

Duncan reagiu com um êxtase explosivo e um rugido rouco. Chamou-a, segurou-a com tanta força que ela achou que ele a absorveria. E depois, ele despencou sobre ela, suspirando seu nome com verdadeira satisfação.

Os corpos estavam úmidos de suor. O cheiro almiscarado do amor cercou o torpor da paixão deles. Madelyne tocou o ombro dele com a língua e lambeu seu sabor salgado.

Duncan não achava que lhe restavam forças para rolar de cima dela. Resolveu, então, ficar bem onde estava para sempre.

Jamais vivenciara tanto contentamento. Quando, por fim, conseguiu voltar a pensar, apoiou-se nos cotovelos para olhar para ela. Os olhos de Madelyne estavam fechados. As faces, rosadas. Voltara a ser a gatinha tímida, concluiu com um sorriso. Deus, como ela conseguia ficar envergonhada agora, depois da maneira como reagira a ele? Ele acreditava que teria as marcas das unhas dela nos ombros por pelo menos uma semana.

– Eu a machuquei?

– Sim – ela disse tímida.

– Muito? – ele disse preocupado.

– Bem pouco.

– E eu lhe dei prazer, Madelyne? – Duncan perguntou.

Madelyne ousou olhar para ele. O sorriso arrogante dele a capturou.

– Sim – admitiu.

– Bem pouco?

Ela meneou a cabeça, sorrindo agora. Madelyne subitamente percebeu que ele precisava ouvi-la lhe dizer o quanto ele a agradara quase tanto quanto ela precisava ouvir sua satisfação.

– Muito, Duncan.

Ele assentiu, completamente satisfeito. Apesar de saber que lhe dera prazer, seu contentamento foi intensificado por conta da honestidade dela.

– Você é uma mulher passional, Madelyne. Não tem que se envergonhar disso. – Beijou-a longa e demoradamente e quando voltou a fitá-la, ficou feliz em ver que a timidez dela sumira. Seus olhos assumiram um tom profundo de azul. Deus, ele poderia se perder nela de novo.

Duncan subitamente se sentiu vulnerável. Não conseguia apontar um motivo para tal sentimento, estranho demais à sua natureza para compreender. Se não se protegesse contra ela, Madelyne o transformaria num Sansão. Acreditava que ela era mais atraente do que qualquer Dalila. Sim, ela arrancaria suas forças caso permitisse.

Com uma carranca, Duncan rolou de costas, cruzou as mãos atrás da cabeça, prendendo alguns fios dos cabelos de Madelyne no cotovelo. Ignorou isso e encarou o teto enquanto ela tentava se soltar.

Duncan procurava chegar a termo com as verdades exigindo sua atenção. Ignorara os fatos por tempo demais. O único momento em que era honesto consigo era quando tocava em Madelyne. Nesses momentos, não conseguia controlar suas reações, pouco importando o quanto destemidamente tentasse. Ela passara a significar muito para ele. O poder que exercia sobre ele na verdade o preocupava. E Duncan não era um homem dado a se preocupar muito ou com facilidade.

Madelyne puxou as cobertas até o queixo. Estava deitada de costas, mas olhou de esguelha e viu a expressão feroz no rosto do marido.

De pronto ficou assustada. Desapontara-o de algum modo? Sabia que fora um pouco reservada, desajeitada também.

– Tem arrependimentos agora, Duncan? – perguntou com a voz hesitante.

Não conseguia olhar para ele. Fechou os olhos, deixando que o medo e a vergonha aumentassem.

– Nenhum.

Ele estrepitou a negação. A voz saiu dura. Madelyne não se sentiu nada reconfortada. Ficou magoada e humilhada. O fulgor do amor partilhado sumiu, sendo substituído por um sentimento desolador e desesperado. Que Deus a ajudasse, ela começou a chorar.

Duncan não estava prestando muita atenção em Madelyne, pois só agora aceitava a verdade absoluta.

A admissão o surpreendeu. A desrespeitadora e imprevisível mulher chorando alto o bastante para despertar os mortos conseguira entrar no seu coração aos tropeços.

Subitamente se sentiu tão vulnerável quanto aquele guerreiro Aquiles que Madelyne lhe contara. Sim, Aquiles não deve ter ficado muito satisfeito ao saber que seus calcanhares eram vulneráveis. Provavelmente ficara furioso, tão furioso quanto Duncan se sentia subitamente.

Duncan não fazia a mínima ideia de como se protegeria dela. Resolveu que precisava de tempo para pensar nessa situação. Isso mesmo, tempo, e distância também, porque simplesmente não era possível pensar em todas as consequências quando Madelyne estava perto dele. Inferno, isso o enfurecia.

Duncan suspirou, alto e em bom tom. Sabia o que Madelyne queria, o que precisava dele agora. Com um grunhido de frustração, afastou as cobertas e a puxou para seus braços. Disse-lhe que parasse de chorar, mas ela ostensivamente o desobedeceu e continuou até que o pescoço dele estivesse encharcado no ponto em que o rosto dela repousava.

Madelyne tinha toda intenção de lhe dizer que o desprezava e que nunca mais voltaria a falar com ele, que ele era o homem mais insensível e dominador que já conhecera. Mas antes precisava parar de chorar, senão pareceria apenas deplorável em vez de brava.

– Você tem arrependimentos, Madelyne? – ele perguntou quando já não suportava mais o choro dela.

Ela assentiu, batendo no queixo dele.

– Tenho – disse. – Evidentemente não o agradei. Sei que isso é verdade porque está com uma carranca e está falando rispidamente comigo. Mas só porque eu não fiz o que deveria, Duncan.

Deus, ela era imprevisível. Chorava porque imaginava que não o agradara. Saber disso o fez sorrir.

Madelyne subitamente se afastou dos braços dele, chocando-se com ele de novo.

– Não quero que toque em mim nunca mais.

Em sua braveza, ela se esquecera por completo de sua nudez. O corpo de Duncan reagiu de pronto à adorável visão. Madelyne ficou de frente, com as pernas debaixo do corpo, e os seios, magníficos, fartos e de pontas rosadas, estavam irresistíveis demais para serem ignorados. Duncan esticou a mão e circundou um mamilo com o polegar. O mamilo se retesou antes que Madelyne conseguisse afastar-lhe a mão com um tapa.

Tentou negá-lo puxando as cobertas sobre o colo, mas Duncan venceu com facilidade o cabo de guerra quando arrancou a coberta das mãos dela e a largou no chão. Ela a teria seguido caso Duncan não tivesse agarrado seu braço, puxando-a de volta para cima do peito.

Duncan prendeu-lhe as mãos com as suas e sorriu amplamente. O sorriso sumiu bem rapidamente quando o joelho dela encontrou um alvo vulnerável entre suas pernas.

Ele gemeu e capturou suas pernas, bloqueando-as com as suas na altura dos tornozelos, pondo um fim à contorção dela com eficiência. Soltou-lhe as mãos e, lentamente, abaixou-lhe a cabeça para a sua. Sentia o coração dela batendo contra seu peito, e só queria aplacar a raiva dela com um beijo, mas parou quando estava a apenas um respiro de distância.

– Preste atenção, esposa. Você não foi desajeitada, apenas inocente. E me agradou mais do que pensei que seria possível.

Madelyne o fitou demoradamente. Lágrimas voltaram a umedecer seus olhos.

– É verdade, Duncan? Eu o agradei?

Ele assentiu, exasperado. Jurou passar-lhe um sermão logo pela manhã quanto a ficar questionando-o e depois se lembrou de já ter feito essa promessa.

Ela se apaziguou.

– Você também me agradou – sussurrou.

– Sei disso, Madelyne. – Enxugou as lágrimas das faces dela e suspirou ante a expressão descontente que se formou no rosto dela. – Não faça essa carranca para mim – ordenou.

– Como sabe que me agradou?

– Porque berrou meu nome e me implorou para que eu...

– Eu nunca imploro, Duncan – Madelyne o interrompeu. – Está exagerando.

Ele sorriu de uma maneira muito arrogante. Madelyne abriu a boca para lhe dizer exatamente o quanto o considerava arrogante, mas a boca dele capturou a sua, efetivamente calando sua resposta.

Foi um beijo ardente. Madelyne sentiu a excitação dele pressionando-a. Moveu o quadril contra ele, indócil, provocativamente também, excitando-o ainda mais.

Duncan gentilmente se afastou.

– Vá dormir agora. Seria doloroso demais uma segunda vez.

Ela deteve o protesto dele com outro beijo. Madelyne concluiu que gostava de ficar em cima dele e, timidamente, sussurrou-lhe esse fato.

Ele sorriu, ainda assim insistiu para que ela dormisse.

– Estou ordenando – disse-lhe.

– Não quero dormir – Madelyne disse. Mordiscou-lhe a lateral do pescoço, estremecendo com essa nova percepção. – Seu cheiro é tão bom – elogiou-o. A língua brincou com o lóbulo da orelha, atordoando-o.

Duncan resolveu por um fim à brincadeira nesse momento antes que não conseguisse se conter e a possuísse novamente. Não queria machucá-la, mas sabia que ela era inocente demais para entender.

Teria que lhe mostrar o quanto seria desconfortável para ela.

Com esse objetivo em mente, a mão se moveu entre eles. Quando inseriu um dedo, Madelyne gemeu. As unhas cravaram nos seus ombros.

– Agora diga que me quer – Duncan exigiu, a voz já rouca de desejo.

Madelyne lentamente se arqueou. Dor e prazer se misturaram numa confusão. Ela esfregou os seios no peito dele.

– Eu quero você, Duncan – suspirou.

Duncan subitamente sentiu seu controle desertá-lo. Sentia-se forte o bastante para conquistar o mundo. Quando Madelyne tentou rolar de costas, ele meneou a cabeça.

– Quer mesmo me forçar a implorar, Duncan? – ela perguntou, apesar de isso soar mais uma exigência para o marido. Ele achou que a voz dela tremia porque sofria com o tanto que o desejava, assim como acontecia com ele.

Beijou-lhe a carranca da testa enquanto, lentamente, começava a penetrá-la.

Madelyne cavalgou-o no quadril, gemendo de contentamento. Seu último pensamento coerente foi uma revelação. Ela não tinha que ficar deitada de costas.


CAPÍTULO QUINZE


“Porque, onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração.”
Lucas 12:34

 

Duncan sempre se considerou um homem prático. Sabia que era obstinado, firme em seus hábitos e decisões, mas não considerava defeitos de seu caráter. Apreciava seguir o mesmo padrão rígido, acreditando existir segurança e conforto na previsibilidade. Como líder de muitos, era imperativo que mantivesse a ordem e a disciplina. Afinal, sem um plano muito bem construído para cada dia, haveria o caos.

Caos. A palavra lembrava a Duncan de sua gentil e delicada esposa. Apesar de não dar vazão à sua opinião, acreditava que Madelyne conferia um novo significado à palavra confusão. Só Deus sabia o quanto sua vida se tornara caótica e imprevisível desde que tomara a decisão de desposá-la. Admitia, claro que apenas para si mesmo, que o casamento fora a primeira coisa pouco prática que já fizera.

Acreditava verdadeiramente que continuaria sua rotina sem interrupções. Também acreditava que seria capaz de ignorar Madelyne tão completamente quanto antes de terem trocado os votos do casamento. E vira-se de todo equivocado nas duas crenças.

Madelyne era muito mais teimosa do que ele acreditara. Era a única desculpa que ele conseguia encontrar para o modo descarado com que ela desrespeitava sua posição.

Duncan odiava mudanças. Nos recessos da mente, acreditava que Madelyne soubesse disso. Ela lhe lançava olhares inocentes quando ele exigia que ela cessasse com suas constantes interferências e, em seguida, seguia seu caminho toda contente, mudando mais alguma coisa.

Ah, sua linda esposa ainda era tímida. Pelo menos dava a impressão de ser. Corava com muita facilidade. Duncan só precisava lhe dar uma bela encarada para conseguir essa reação imediata dela. Ele se confundia com isso, contudo não a questionou quanto ao seu evidente embaraço. Mas, quando ele não prestava atenção, ela fazia tudo o que bem queria.

As mudanças que Madelyne instituiu não eram sequer sutis. A mais impressionante e a que menos tinha sobre a qual reclamar era a mudança radical no salão. Sem pedir uma permissão sua, Madelyne ordenou que a plataforma bamboleante fosse arrancada. A antiga mesa cheia de marcas foi levada para o alojamento dos soldados e uma nova, imaculada, foi encomendada ao carpinteiro por Madelyne – mais uma vez sem pedir permissão.

Madelyne enlouquecia os criados com o que chamavam de surtos de limpeza. Eles deviam pensar que ela era demente, apesar de que nenhum declarou tal coisa abertamente diante do senhor deles. Todavia, Duncan também notou a presteza com que cumpriam as ordens de Madelyne, como se agradar a senhora do castelo fosse um objetivo estimado.

Os pisos foram esfregados, as paredes pintadas e decoradas. Junco novo, com uma essência muito suspeita de rosas, cobriam o chão. Um estandarte gigantesco, com o predomínio da cor azul royal, e com um bordado branco do impressionante brasão de Duncan, estava pendurado acima da cornija da lareira agora, e Madelyne colocara duas cadeiras de espaldar alto bem diante da lareira. O salão imitava o quarto da torre em muitas maneiras. Madelyne reduzira o tamanho do salão formando diversas áreas para as pessoas se sentarem. Por que alguém haveria de querer se sentar no salão estava além da compreensão de Duncan. Apesar de parecer bastante acolhedor, o salão era apenas um lugar onde se faziam as refeições e talvez onde se ficava diante do fogo ardente para alguns minutos de calor. Supostamente, ninguém deveria se demorar ali. No entanto, sua esposa não parecia capaz de compreender esse simples fato e transformou o lugar num cômodo que chamava à preguiça.

Duncan também notou que os soldados se certificavam de estar com as botas limpas antes de entrarem no salão. Ele não sabia se isso o agradava ou não. Oras, até seus homens estavam se curvando ante os ditames silenciosos de Madelyne.

Os cachorros se mostraram o maior desafio para Madelyne. Ela insistia em arrastá-los para o andar de baixo, mas eles continuavam subindo. Madelyne também solucionou esse problema. Assim que entendeu quem era o líder da matilha, seduziu-o a descer as escadas com um pedaço de presunto diante do focinho para conquistar sua obediência. Em seguida, fechou o acesso à escada até que um novo padrão de alimentação estivesse firmemente estabelecido.

Ninguém mais descartava ossos sobre os ombros. Gilard contou a Duncan como Madelyne se postara à cabeceira da mesa e, com muita candura, explicou a todos que eles comeriam como homens civilizados ou não comeriam mais. Os homens não reclamaram. Pareceram tão ansiosos quanto os criados em agradar Madelyne.

Sim, ela era mais tigresa que gatinha agora. Se acreditava que qualquer um dos criados estivesse se portando mesmo que um pouco despeitosamente em relação a um dos Wexton, ela lhe passava um belo sermão.

Agora que pensava a respeito, Duncan percebia que ela também lhe passava sermões. Sua esposa era um pouco mais sutil com ele, mas ainda assim lhe dizia tudo o que lhe passava pela cabeça com bastante frequência.

Era constante que desafiasse suas opiniões. Duncan se lembrou de um incidente acontecido no dia anterior, quando Madelyne ouvia uma conversa que ele estava tendo com Gilard a respeito do Rei Guilherme e seus irmãos, Robert e Henrique. Assim que Gilard saiu do salão, Madelyne disse a Duncan que estava preocupada com os irmãos do rei. Disse num tom carregado de autoridade que nenhum dos irmãos tinha responsabilidades o suficiente. Pelo seu modo de pensar, uma vez que os dois homens não estavam sendo muito apreciados, ambos poderiam ficar descontentes e causar problemas ao rei.

Claro que ela não sabia do que estava falando. Como uma mulher poderia entender de política? Duncan, cheio de paciência, parara para lhe explicar que o irmão mais velho, Robert, estava encarregado da Normandia, pelo amor de Deus, um tesouro muito grande para a Inglaterra, e já demonstrara falta de responsabilidade ao penhorar as terras ao irmão por moedas suficientes para participar das Cruzadas.

Madelyne ignorou o argumento lógico, insistindo que ele também agia como o Rei Guilherme porque mantinha seus próprios irmãos debaixo das asas e não permitia que nenhum deles tomasse qualquer decisão. Ela estava lhe passando um sermão nessa hora, explicando que se preocupava que tanto Edmond quanto Gilard acabariam se sentindo tão irrequietos quanto os dois irmãos do rei.

Duncan acabou segurando-a e calando-lhe a boca com um beijo. Foi o único modo que conseguiu encontrar para desviar os pensamentos dela do assunto. E foi um método muito satisfatório.

Duncan dizia a si mesmo pelo menos umas dez vezes ao dia que não podia ser incomodado com as questões mundanas do seu lar. Ele tinha um trabalho muito mais importante a fazer. Sim, era seu dever transformar homens comuns em poderosos guerreiros.

Por esse motivo procurava se distanciar dos irmãos, da irmã e, mais especificamente, da esposa teimosa e indisciplinada.

Entretanto, por mais que conseguisse se distanciar dos andamentos da casa, não conseguia se distanciar do problema que era Madelyne. Estava sempre ocupado demais protegendo-a.

Na realidade, todos os seus homens se alternavam para proteger a vida de Madelyne. Ela nunca agradecia a nenhum deles, contudo Duncan sabia que sua esposa não era uma mulher rude. Não, a verdade era muito pior. Madelyne simplesmente não percebia o quanto sua impulsividade a colocava em perigo constante.

Madelyne, certa tarde, estava com tanta pressa de ir aos estábulos, que passou correndo diante de uma fileira de soldados que praticavam com arcos e flechas. Uma flecha passara raspando pela cabeça dela. O pobre soldado que a lançara imediatamente caíra de joelhos no chão. Pelo resto da tarde, não conseguiu mais acertar no alvo, graças ao breve encontro com a esposa de Duncan. Ela passara apressada, completamente ignorante do caos que criara.

Incidentes envolvendo quase tragédias eram muito numerosos para Duncan se lembrar de todos. Estava muito perto do ponto de temer o relatório diário dado por Anthony. Seu fiel vassalo parecia cansado de sua função. E apesar de ele nunca reclamar, Duncan tinha certeza de que o vassalo preferiria uma boa batalha até a morte do que ficar andando atrás da esposa de seu senhor.

Duncan demorou um pouco, mas acabou entendendo por que Madelyne se tornara tão despreocupada, tão desinibida. E o motivo era bem simples. E o agradava imensamente. Madelyne se sentia segura. Quando a febre governara a mente dela, Duncan ficara sabendo sobre a infância de Madelyne. Ela fora uma criança quieta que tentara passar despercebida. Sua mãe a protegera do pai e do irmão, mas os dois anos nos quais Madelyne vivera sozinha com Louddon após o falecimento da pobre mulher foram cruéis e sofridos. Madelyne rapidamente aprendeu a não chorar nem a rir, tampouco demonstrar raiva ou seu temperamento, pois isso atrairia atenções sobre ela.

Apesar de os anos passados com seu tio Berton terem sido abençoados, Duncan duvidava que mesmo então Madelyne tivesse agido como uma menina normal. Viver com o padre teria lhe ensinado ainda mais comedimento. Duncan não acreditava que Madelyne tivesse se mostrado travessa ao responder a um idoso frágil que provavelmente devia depender mais dela do que ela dele.

Madelyne aprendera o controle com o tio. Duncan sabia que o padre só estivera tentando ajudá-la a sobreviver. O tio a ensinara a esconder as emoções do irmão, concluindo que ela logo seria levada de volta a ele. Nem Madelyne nem o tio esperavam que a visita tivesse se estendido por anos. Por esse motivo, Madelyne vivera com medo constante de que Louddon aparecesse à soleira da porta do tio a qualquer instante e a levasse para casa.

Com o medo veio a precaução. Agora que se sentia segura, ela podia se libertar de todas as reservas.

Duncan a entendia melhor do que ela compreendia a si própria. Ela parecia atrapalhada, mas a simples verdade era que ela tinha tanta pressa em recuperar o tempo perdido, de vivenciar cada experiência, que não tinha tempo para ser cuidadosa. Essa missão recaía sobre o marido. Madelyne era como uma potrinha testando as próprias pernas. Era uma alegria observá-la; um pesadelo protegê-la.

O que Duncan não compreendia eram seus sentimentos em relação à esposa. Fora até a fortaleza de Louddon para capturar Madelyne. Seu plano era de vingança; olho por olho. E esse fora um motivo válido.

Até ela lhe aquecer os pés.

Tudo mudara naquele momento. Duncan soubera com certeza que não poderia negar que dali por diante eles estariam ligados. Ele não poderia deixá-la ir.

E então a desposara.

E na manhã seguinte, os soldados de Louddon deixaram as terras de Wexton.

Todos os dias Duncan encontrara um motivo por trás daquela decisão pouco prática de se casar com ela. Sim, ele queria usar sua mente lógica para explicar os sentimentos que guardava dentro do coração.

Na segunda-feira, disse a si mesmo que se casara porque queria que ela tivesse um porto seguro, um lugar para viver sem temer. O ato altruísta dela de tentar salvá-lo merecia uma recompensa como essa.

Na terça, disse a si mesmo que se casara com ela porque queria levá-la para a cama. Sim, luxúria era um bom motivo.

Na quarta, já mudara de opinião, resolvendo que se unira a ela porque ela era fraca e ele era forte. Todo o seu treinamento o condicionara a esse tipo de reação. Madelyne era como qualquer outro vassalo, e apesar de ela não ter se ajoelhado diante dele, jurando sua fidelidade, ainda assim era seu dever protegê-la. Com isso, a compaixão era o motivo verdadeiro, no fim das contas.

A quinta-feira chegou e com ela veio outra conclusão. Oras, casara-se com Madelyne não só para protegê-la, mas também para lhe mostrar o quanto ela era preciosa. Os primeiros anos passados com Louddon foram de fato anos muito cruéis. Sua dócil esposa aprendera que não possuía valor algum. Não acreditava em seu valor. Louddon abusara dela por dois anos, depois a enviara ao tio Berton para uma visita. Era evidente, mesmo para Duncan, que Louddon se esquecera da existência dela. Esse era o único motivo que Duncan encontrava para que Madelyne tivesse vivido com o velho padre por quase dez anos.

Quando deu seu nome a Madelyne, Duncan na verdade estava lhe mostrando o quanto ela era preciosa.

Foi uma infelicidade, mas esse motivo não valeu nem por um dia inteiro.

Obstinadamente, ele ignorava a verdade. Duncan de fato acreditava que poderia amar apaixonadamente Madelyne todas as noites e depois ignorá-la durante o dia. Isso lhe parecia bastante razoável. Afinal, ele sempre fora muito bem sucedido em se apartar da família. Era suserano e era irmão. Nenhum dever conflitava com o outro. Sim, isso lhe parecia bastante fácil. Madelyne chegara ao seu coração, mas isso não significava que afetaria seu estilo de vida.

A verdade o incomodou a semana inteira, tão irritante quanto os primeiros sinais de trovões. Na sexta-feira à tarde, apenas duas semanas após ter se casado com Madelyne, a tempestade surgiu. Violentamente.

 

Duncan acabara de retornar ao pátio superior quando o grito de Edmond chamou sua atenção. Virou-se, bem a tempo de ver Madelyne se dirigindo aos estábulos. As portas estavam bem abertas. Sileno se libertara. O animal galopava na direção de Madelyne, com a cabeça abaixada e os cascos trovejando. O imenso garanhão estava prestes a atropelá-la e matá-la.

O cavalariço perseguia o cavalo, segurando as rédeas nas mãos. Anthony estava logo atrás dele. Ambos berravam alertas a Madelyne, mas Duncan concluiu que o barulho do trote do cavalo devia estar bloqueando o som, pois sua esposa não se virou.

Ele tinha certeza de que ela morreria.

– Não! – O grito escapou das profundezas da sua alma. O coração de Duncan estava sendo arrancado do peito. Só o que ele pensava era em chegar até Madelyne e protegê-la.

Todos correram na direção de Madelyne, tentando salvá-la.

Mas não houve necessidade.

Madelyne estava alheia a todo o caos que a cercava. Estava concentrada apenas em Sileno. Trazia o petisco dele na mão e estava indo visitá-lo quando ele escapou da baia e foi até ela. Deduziu que o animal só estava ansioso por encontrá-la na metade do caminho.

Sileno chegou a centímetros de atropelá-la. A poeira voou ao redor do rosto de Madelyne quando o garanhão parou abruptamente a centímetros diante dela. Madelyne agitou a mão para clarear o ar. Sileno de pronto acariciou-lhe a mão com o focinho. Ela logo concluiu que ele procurava por seu torrão de açúcar.

Todos ficaram aturdidos demais para se mexerem. Observaram o enorme garanhão bater o casco no chão e cutucar Madelyne de novo. Ela gargalhou, deliciada com a demonstração de afeto, finalmente estendendo a mão para que ele lambesse o açúcar de sua palma.

Quando o garanhão terminou o petisco, Madelyne lhe deu um tapinha carinhoso. Notou James e Anthony parados a pouca distância do animal só então. Anthony estava apoiado em James.

Madelyne sorriu para os homens.

– O seu ferimento o está incomodando, Anthony? Parece-me um pouco pálido hoje – observou.

Anthony sacudiu a cabeça com vigor. Madelyne se virou para James e percebeu o olhar vidrado dele.

– O meu cordeirinho finalmente conseguiu derrubar a porta? Ele vem tentando isso há muito tempo.

Quando James não respondeu, Madelyne concluiu que Sileno devia tê-lo assustado.

– Venha, Sileno, acredito que você tenha aborrecido James – disse. Lentamente deu a volta no animal e foi andando em direção ao estábulo. Sileno se virou, bem dócil agora enquanto saracoteava de volta à sua casa. A voz dela, cantarolando uma melodia suave, fez a fera acompanhá-la cordatamente.

Duncan queria ir atrás de Madelyne. Iria matá-la por quase tê-lo matado de susto. Mas sabia que teria que esperar até que as pernas conseguissem voltar a andar.

O fato é que teve que se apoiar na parede. Suas forças o desertaram. Sentia-se como um ancião de coração fraco. Duncan percebeu que Edmond estava basicamente no mesmo estado. O irmão estava ajoelhado no chão. Duncan sabia que não foi por escolha.

Anthony parecia ser o único controlado então. Caminhou lentamente até Duncan, assobiando baixinho. Duncan desejou matá-lo.

O vassalo pôs a mão no ombro de Duncan. Provavelmente, fez isso num sinal de empatia. Duncan não tinha certeza se Anthony lhe oferecia condolências por ter se casado com Madelyne ou se o vassalo apenas demonstrava sua simpatia pela cena que acabara de testemunhar. Duncan não apreciou o gesto, independente do motivo.

– Há uma coisa que eu pretendia lhe contar, Duncan.

A voz de Anthony era tranquila, mas capturou a atenção de Duncan, que virou a carranca para o seu primeiro comandante.

– O quê? – exigiu saber.

– Sua esposa está determinada a montar em Sileno – Anthony disse.

– Quando eu estiver morto e incapaz de testemunhar isso – Duncan rugiu.

Anthony teve a audácia de sorrir. Virou-se, numa tentativa evidente de esconder o rosto das vistas de Duncan.

– Proteger sua esposa é um desafio extraordinariamente exigente. Quando ela põe uma coisa na cabeça, não há o que a detenha.

– Ela arruinou meu cavalo leal – Duncan exclamou.

– É um fato – Anthony concordou, sem conseguir disfarçar o divertimento da voz. – Arruinou mesmo.

Duncan meneou a cabeça.

– Deus, pensei que fosse perdê-la. – Sua voz passou a um sussurro rouco. Quando fitou as mãos, viu que elas ainda tremiam, e ficou subitamente bravo de novo. – Vou matá-la. Pode testemunhar o feito, caso deseje.

Duncan voltara a gritar. Anthony não ficou intimidado. O vassalo se recostou na parede.

– Por quê?

– Isso melhoraria o seu dia – Duncan anunciou.

Anthony gargalhou com isso.

– Não quis perguntar por que quer que eu testemunhe a morte de Madelyne, barão. Só quis perguntar por que deseja matá-la.

A gargalhada de Anthony não foi bem recebida pelo seu senhor.

– Você gostaria de ser o responsável pela água? – ameaçou-o. – Acharia muito divertido arrastar balde após balde de água até a cozinha? Isso seria um desafio suficiente para você, Anthony?

Era uma sugestão insultante para alguém da patente de Anthony. Duncan imaginou que o vassalo logo demonstraria arrependimento pela sua falta de respeito.

Anthony, entretanto, não pareceu nem um pouco arrependido.

– É uma missão muito perigosa essa que está me dando, barão. Só precisa perguntar a Ansel o quanto essa tarefa pode ser temerária.

– Do que está falando?

– O seu escudeiro quase se afogou um dia desses. Ele subira as escadas até o tanque de coleta de chuva quando uma bola o atingiu certeiro no ombro. Claro que ele se desequilibrou e...

Duncan levantou a mão para silenciá-lo. Não queria ouvir mais nada sobre essa história. Fechou os olhos, implorando por paciência. Apesar de não saber a história toda, tinha uma sensação instintiva de que sua meiga esposa estivesse por trás do infortúnio de Ansel. Também percebera que ela estivera demonstrando uma brincadeira nova para as crianças na tarde anterior.

Edmond caminhou até junto de Duncan e Anthony.

– O que o diverte tanto, Anthony? – Edmond perguntou.

O irmão de Duncan ainda estava abalado pelo quase encontro com a morte de Madelyne para considerar qualquer coisa remotamente engraçada.

– Nosso senhor vai matar a esposa – Anthony observou.

Edmond pareceu exasperado.

– Pelo amor de Deus – murmurou. – Olhe para nosso líder agora. – Um sorriso lento se formou antes de ele acrescentar: – Duncan seria incapaz de matar um cordeiro agora, em nome de Deus.

Diabos, aquilo era humilhante. Edmond provavelmente ouvira Madelyne chamar seu garanhão de cordeiro. Todos deviam ter ouvido e, caso não tivessem, Edmond certamente lhes contaria.

– Ao que parece, Anthony, nossa prisioneira se tornou o carcereiro.

– Não estou com humor para os seus trocadilhos, Edmond – Duncan murmurou.

– Não está com humor para admitir seu amor por Madelyne tampouco. Olhe para o seu estado, irmão, e a verdade o acertará bem no meio dos olhos.

Edmond sacudiu a cabeça, virou-se e lentamente se afastou.

– Madelyne é uma mulher fácil de amar, barão – Anthony comentou quando ficaram a sós novamente.

– Fácil? Tão fácil quanto engolir um bastão.

Não combinavam em nada, eles dois. Ele era rígido como o tronco de uma árvore velha; Madelyne era tão inconstante quanto uma brisa.

E ele não teve chance alguma... Não desde o instante em que ela lhe tocou os pés. Duncan sabia disso agora. Deus, como a amava.

– Não terei caos em minha vida – Duncan fez a proclamação como uma jura fervorosa.

– Talvez, com o tempo, tudo se acerte...

– Quando Madelyne estiver velha demais para sair da cama – Duncan o interrompeu. – Só então terei paz.

– Paz pode ser entediante – Anthony comentou com um sorriso. – Sua esposa trouxe vida nova a seu lar, Duncan.

Anthony procurava apaziguar Duncan com esse raciocínio. Concluiu, a julgar pela carranca de Duncan, que seu plano não estava funcionando. Talvez seu senhor estivesse acabando de perceber o quanto Madelyne significava para ele. Se a situação fosse essa mesmo, Anthony concluiu que o barão não estava aceitando essa percepção muito bem.

Resolveu deixar Duncan com seus pensamentos, pediu licença curvando-se e se afastou.

Duncan ficou grato pela solidão. Ficava visualizando seu garanhão correndo na direção de sua amável esposa, sabendo que nunca se esqueceria desse terror pelo tempo que vivesse.

Ela capturara seu cavalo assim como o capturara. Duncan conseguiu sorrir quando percebeu o feito conquistado por Madelyne. Edmond tinha razão. Madelyne era a captora agora, pois possuía o seu coração.

Existia uma força surpreendente na verdade. Sentia-se como se tivesse acabado um jejum de quarenta dias. Não teria mais que ignorar Madelyne. Sim, poderia se banquetear nela. Além disso, admitiu, já era hora que tomasse pulso da situação.

Foi atrás da esposa, pensando em lhe passar um sermão para depois beijá-la. Ainda estava bravo. Culpa dela, claro. Era ela quem fazia seu coração bater forte. Ela o assustara. E ele não gostava dessa sensação, nem um pouco. Tampouco estava acostumado a amar. O primeiro levaria tempo para superar; o segundo, tempo para se ajustar.

Outro grito o deteve. Fergus, o soldado encarregado da torre sul, lançou um alerta de que um visitante se aproximava da fortaleza. Pelas cores mostradas no estandarte oscilando ao vento, o vigia sabia que era o Barão Gerald e seu séquito que pediam entrada.

Era tudo de que Duncan precisava para que seu dia ficasse completamente sombrio. Maldição, enviara um mensageiro para Gerald com uma completa explicação da situação de Adela. Deduzira que Gerald enviaria outro mensageiro com sua concordância quanto à anulação do contrato. Evidentemente, considerando que Gerald se dera ao trabalho de percorrer a distância ele próprio, havia ainda algum problema a ser resolvido antes que o noivado pudesse ser deixado de lado.

Infernos, teria que ser diplomático. E Adela provavelmente voltaria a agir como louca quando descobrisse que seu prometido estava aqui para uma visita.

Duncan percebeu que poderia estar se precipitando. Gerald era um velho amigo. Podia haver inúmeros motivos para que o barão o visitasse. Deus, Madelyne o estava afetando mais do que ele percebera. Estava começando a absorver os defeitos dela.

Ela era dotada por afetar sua concentração também. Apenas dois dias antes, quando ele estava no meio de um comando importante aos seus homens, sua esposa apareceu em seu campo de visão. Duncan subitamente se viu notando a suave oscilação do quadril dela enquanto ela caminhava, esquecendo-se por completo do que estava dizendo.

Duncan sorriu ante essa lembrança. Os soldados ficaram encarando-o atentos, e lá ficara ele, sem a mínima noção do que estava dizendo, provavelmente com cara de idiota, até que Gilard se adiantara para lembrá-lo do tópico em discussão.

Fergus voltou a gritar para Duncan, interrompendo sua concentração. Duncan de imediato deu a ordem para que ele deixasse o Barão Gerald entrar.

Madelyne estava saindo do estábulo quando Duncan a interceptou. Sem enunciar nenhuma palavra à guisa de cumprimento, abruptamente lhe deu uma ordem.

– Adela está lá dentro, Madelyne. Vá até lá e diga-lhe que o Barão Gerald está aqui. Ela o receberá para o jantar.

Os olhos de Madelyne se arregalaram ante a notícia surpreendente dada por Duncan.

– Por que ele está aqui, Duncan? Você o chamou?

– Não, não chamei – Duncan respondeu, irritado por ela não ter de pronto erguido a barra da saia para atender à sua ordem. Estava perto o bastante para beijá-la e esse pensamento o consumia por completo. – Agora vá e faça o que ordenei, esposa.

– Sempre faço o que ordena – Madelyne respondeu com um sorriso. Virou-se e começou a andar na direção do castelo. – E bom dia para você também, Duncan – disse por sobre o ombro.

Duncan deduziu que era um comentário desrespeitoso para lembrá-lo de sua falta de modos. Disse a si mesmo que era uma pena não ter tempo para esganá-la até que recobrasse o juízo.

– Madelyne!

Ela parou assim que ele a chamou, todavia não se virou até ele ordenar.

– Venha aqui.

Madelyne obedeceu, franzindo agora, pois a voz do marido lhe soou bastante carinhosa.

– Pois não, Duncan?

Duncan tossiu de leve, franziu o cenho e disse:

– Boa tarde.

Não era isso o que ele queria ter dito, era? Duncan franziu ainda mais a testa quando Madelyne lhe sorriu. Duncan subitamente a puxou para os braços e a beijou.

Ela ficou atordoada demais a princípio para retribuir. Duncan nunca a tocara durante o dia. Oras, ele sempre a ignorara. No entanto, não a ignorava agora. Não, ele a beijava com bastante empenho, e bem diante de quem quer que estivesse passando.

O beijo tampouco foi suave, ele foi apaixonadamente excitante. E bem quando ela estava se acostumando, Duncan se afastou.

E sorriu.

– Nunca mais chame meu cavalo de cordeiro. Entendeu?

Madelyne o encarou, parecendo confusa e surpresa.

Antes que conseguisse responder, Duncan se afastou dela. Madelyne apanhou as saias e correu atrás dele. Segurou-o pela mão, detendo-o com o seu toque e quando ele se voltou para fitá-la, ainda estava sorrindo.

– Você está doente, Duncan? – Madelyne perguntou. O medo soou em sua voz.

– Não.

– Então, por que está sorrindo assim? – exigiu saber.

Duncan meneou a cabeça.

– Madelyne, por favor, entre e comunique a Adela a chegada de Gerald – ele disse.

– Por favor? – Madelyne repetiu. Parecia assustada. – Você me pediu por favor...

– Madelyne, faça o que ordenei – Duncan disse.

Ela assentiu, porém não se moveu. Madelyne apenas continuou ali, observando Duncan se afastar. Ela estava atordoada demais para ir de novo atrás dele. Duncan sempre fora tão previsível e, agora, tentava mudar com ela. Retorceu as mãos enquanto se preocupava com isso. Caso fosse um dia quente de verão, ela teria acreditado que o sol lhe torrara os miolos. Entretanto, como estavam em janeiro, e estava frio como o purgatório, Madelyne não conseguia encontrar uma desculpa aceitável para a súbita mudança de atitude dele.

Precisava de tempo para pensar. Suspirou e tentou afastar o comportamento extraordinário do marido dos pensamentos. Apressou-se à procura de Adela.

Tentar não pensar em Duncan era algo mais fácil de dizer do que fazer. Ora, teria sido menos difícil caminhar descalça sobre uma cama de pregos.

Adela ajudou Madelyne a parar de pensar no marido. A irmã de Duncan estava em seu quarto, sentada na lateral da cama, trançando os cabelos.

– Temos companhia, Adela – Madelyne anunciou com jovialidade.

Adela ficou feliz em ver Madelyne até ouvir quem era a companhia.

– Vou ficar no meu quarto até ele ir embora – Adela exclamou. – Duncan me prometeu. Como pôde pedir a Gerald que viesse até aqui?

Madelyne via o quanto Adela estava assustada. As mãos caíram sobre o colo e os ombros penderam.

– Duncan não chamou Gerald. Não se aborreça, Adela. Sabe que seu irmão não quebrará a promessa feita. Em seu coração, você sabe que estou dizendo a verdade, não sabe?

Adela assentiu.

– Talvez se eu agir como quando você chegou aqui, Gerald fique tão desgostoso que partirá imediatamente.

– Isso é tolice – Madelyne anunciou, apagando a centelha de impetuosidade dos olhos de Adela. – Isso só vai fazer Gerald considerá-la deplorável. Pode pensar que não superou seu incidente – completou. – Se ficar linda e o cumprimentar com respeito, bem, nesse caso acredito que ele entenderá que está resolvida e que simplesmente não quer desposá-lo. Além disso, é Duncan quem tem que se haver com Gerald, e não você, Adela.

– Mas Madelyne, não posso enfrentar Gerald, simplesmente não posso – Adela se lamuriou. – Ele sabe o que aconteceu comigo. Morrerei de vergonha.

– Pelo amor de Deus – Madelyne respondeu, tentando parecer exasperada. Por dentro, sofria por Adela. – O que lhe aconteceu não é culpa sua. Gerald sabe disso.

Adela não pareceu aliviada com o raciocínio de Madelyne, por isso tentou mudar um pouco o foco da discussão.

– Conte-me do que se lembra do Barão Gerald. Como ele é?

– Tem cabelos negros e olhos castanhos, acho – Adela respondeu, dando de ombros.

– Considera-o belo, então? – Madelyne perguntou.

– Não sei dizer.

– Ele é bondoso?

– Barões não são bondosos – Adela replicou.

– Por que não? – Madelyne perguntou. Aproximou-se e começou a trançar os cabelos dela de novo.

– Eles não precisam ser bondosos – Adela respondeu. – O que importa se ele é bonito ou não, Madelyne? – Tentou se virar para olhar para ela.

– Fique parada, ou sua trança ficará torta – Madelyne interveio. – Só estou curiosa quanto ao barão, é só.

– Não posso descer – Adela disse.

E começou a chorar. Madelyne não sabia bem o que fazer.

– Não tem que fazer nada que não queira, Adela. No entanto, Duncan lhe deu sua palavra e, a meu ver, o mínimo que você pode fazer para mostrar apreciação é ficar ao lado de seu irmão e tratar Gerald como um hóspede respeitado.

Madelyne teve que conter seus argumentos por um tempo. No fim, foi capaz de convencer Adela.

– Você descerá comigo? Ficará ao meu lado? – Adela pediu.

– Claro que sim – Madelyne prometeu. – Lembre-se, Adela. Juntas poderemos enfrentar qualquer desafio.

Adela assentiu. Madelyne procurou melhorar o humor dela.

– Temo que sua trança esteja pensa sobre a orelha – comentou. – Terá que refazê-la e depois trocar o vestido. Preciso ver os preparativos para o jantar e me arrumar também.

Madelyne deu um tapinha no ombro de Adela. As mãos dela tremiam. Ela sabia que era porque Adela estava muito perturbada com essa nova provação a que seria submetida.

Continuou sorrindo até fechar a porta atrás de si. Depois deixou que sua preocupação se mostrasse. Começou a rezar pelo que acreditava ser um milagre. Rezou para ter coragem.


CAPÍTULO DEZESSEIS


“O amor tudo vence: ao amor cedamos nós também.”
Virgílio, Éclogas, X2

 

Depois que deu as devidas orientações a Gerty a respeito dos preparativos para o jantar, Madelyne subiu ao quarto na torre.

A porta que Duncan partira há duas semanas fora consertada, mas faltavam ainda os aros e Madelyne sorria ante essa alteração toda vez que a via. Duncan deve ter dado a ordem como uma precaução a fim de que Madelyne não voltasse a trancá-lo do lado de fora.

Madelyne inspecionou todos os seus vestidos e, por fim, escolheu um manto azul royal. O vestido até os tornozelos ajustava-se ao corpo e formava um belo contraste com a túnica branca de mesmo comprimento que ela acrescentou. Eram as cores dos Wexton e uma escolha deliberada por parte de Madelyne. Era a esposa de Duncan, afinal, e a anfitriã do Barão Gerald. Queria que Duncan sentisse orgulho dela esta noite.

Demorou-se escovando os cabelos até eles se enrolarem sobre o volume dos seios. Uma vez que havia muito tempo à disposição, sentou-se na cama e trançou três longas fitas azuis, formando um belo cinto. Passou a trança pela cintura, mas deixou-a folgada o suficiente para que pendesse sobre a curva do quadril, como a moda então ditava, segundo Adela, que sabia mais sobre o assunto do que ela. Terminou de se vestir ao colocar a pequena adaga que usava para pegar a carne durante o jantar dentro do laço extra da trança que ela se esforçara para projetar.

Desejou ter um espelho para poder ver como estava, quando uma súbita preocupação a deteve. O Barão Gerald a trataria como esposa de Duncan ou como irmã de Louddon? Deus bem sabia que ele tinha motivos mais que suficientes para odiar Louddon. Seu irmão destruíra o futuro dele com Adela. Será que ele descontaria sua raiva nela?

Madelyne visualizou um terrível cenário após o outro. Quando visualizou o Barão Gerald segurando-a pelo pescoço, obrigou-se a se acalmar. Era verdade, estava com medo, mas o medo a ajudava a ter sua compostura. Forçou, então, uma expressão serena.

Disse a si mesma que já passara por encontros muito mais degradantes. Esse pensamento lhe deu forças. Além disso, pouco importava o quão terrivelmente Gerald a tratasse, Duncan não permitiria que ele a ferisse.

Adela estava pronta quando Madelyne por fim bateu à porta de seu quarto. A irmã vestia uma túnica rosada e um manto rosa mais claro. Os cabelos estavam trançados numa coroa no alto da cabeça. Madelyne achou que ela estava muito bonita.

– Adela, pombinha, você está esplêndida.

Adela sorriu.

– Você me chama de nomes estranhos, como se eu fosse mais nova do que você, quando sabe perfeitamente bem que sou quase dois anos mais velha.

– Isso não são modos de receber um elogio – Madelyne a instruiu, ignorando o lembrete de Adela sobre a diferença de idade entre elas. Afinal, Adela podia ter mais anos, mas Madelyne se sentia mais experiente. Não era tão frágil quanto a amiga e era uma mulher casada, bendito seja.

– Obrigada por me dizer que estou esplêndida – Adela agradeceu. – Madelyne, você está sempre linda. Hoje está usando as cores de Duncan. Meu irmão será incapaz de desviar os olhos de você.

– Ele provavelmente nem notará que estou no mesmo cômodo – Madelyne replicou.

– Ah, notará, sim – Adela previu com um sorriso. – Já suavizou seu comportamento em relação ao seu marido?

Adela tentou se sentar na cama, como se dispusesse de todo o tempo do mundo para aquela conversa. Madelyne segurou-lhe a mão e começou a puxá-la em direção à porta.

– Nunca sei como me sentir em relação ao seu irmão – admitiu assim que Adela começou a andar ao seu lado. – Num minuto, finjo que o casamento dará certo para nós dois e, no seguinte, tenho certeza de que Duncan gostaria de se livrar de mim. Não sou tola, Adela. Sei por que seu irmão se casou comigo.

– Para se vingar do seu irmão? – Adela perguntou, franzindo o cenho.

– Viu? Você também já percebeu esse fato – Madelyne exclamou.

Madelyne ignorou o fato de que Adela fizera uma pergunta e não uma asserção. Adela pensou em se explicar melhor porque não achava de verdade que Duncan chegaria a medidas extremas para se vingar, mas Madelyne recomeçara a falar, desviando sua atenção.

– Eu seria tola caso tivesse esperanças de pensar que Duncan se acostumaria a me ter em sua vida como esposa e sei que isso será apenas temporário. O rei certamente exigirá que a igreja anule nosso casamento.

Adela assentiu. Também pensara nessa possibilidade.

– Ouvi Gilard dizer que nosso rei está de novo na Normandia, resolvendo mais uma rebelião.

– Ouvi a mesma coisa – Madelyne comentou.

– Madelyne, o que quis dizer quando mencionou que esperava que Duncan se acostumasse? – Adela perguntou.

– Seu irmão fez um sacrifício quando me desposou. Abriu mão de Lady Eleanor. Eu só gostaria que ele não fosse infeliz...

– Você se vê como um sacrifício? – Adela perguntou. – Não percebe o quanto se tornou importante para todos nós?

Quando Madelyne não respondeu, Adela disse:

– Você ama meu irmão?

– Não sou tola assim – Madelyne replicou. – Todos os que amei foram tirados de mim. Além disso, não estou disposta a entregar meu amor a um lobo. Eu só gostaria de poder viver em paz juntos pelo tempo em que estivermos unidos.

Adela sorriu.

– Duncan não é um lobo, Madelyne. Ele é um homem. E creio que você não esteja dizendo a verdade.

– Sempre digo a verdade – Madelyne rebateu, assustada que Adela tivesse sugerido tal coisa.

– Muito bem, então, está mentindo para si mesma e não sabe disso – Adela respondeu. – Pode estar tentando proteger seu coração para não perder Duncan, mas acredito que esteja começando a amá-lo mesmo assim, ou não ficaria tão descontente com minha pergunta.

– Não estou nem um pouco descontente – Madelyne estrepitou. De pronto lamentou o rompante irritado. – Ah, Adela, a vida não é tão simples quanto deveria ser. Oras, quase sinto pena de Duncan. Ele teve que mudar seu futuro para satisfazer seu desejo de vingança e agora está atrelado a mim. Creio que ele lamente sua decisão impulsiva agora. Ele só é teimoso demais para admitir.

– Duncan nunca fez nada que você possa chamar de impulsivo em toda a vida – Adela argumentou.

– Existe sempre uma primeira vez – Madelyne respondeu, dando de ombros.

– Maude viu Duncan beijando-a do lado de fora – Adela sussurrou.

– E imediatamente veio lhe contar, não foi?

– Evidente – Adela replicou, gargalhando. – Maude e Gerty competem uma com a outra. Cada uma delas quer ser a primeira a contar a mais recente fofoca.

– Foi muito estranho, Adela. Duncan me beijar lá fora diante de todos. – Madelyne parou e deu um suspiro. – Acho que ele pode estar ficando doente. Algum tipo de resfriado, suponho.

Chegaram ao último degrau do lado de fora da entrada do salão. Adela parou.

– Deus, estou com tanto medo, Madelyne.

– Eu também, Adela – ela admitiu.

– Você? Oras, você não me parece nada assustada – Adela disse, tão surpresa com a confissão da amiga que seu próprio medo diminuiu. – Por que está com medo?

– Porque o Barão Gerald certamente me odeia. Sou irmã de Louddon, afinal de contas. O jantar será uma verdadeira provação.

– Duncan não permitirá que Gerald a ofenda, Madelyne. Você agora é a esposa do meu irmão.

Madelyne assentiu, mas não ficou de todo convencida. Quando Adela segurou a mão dela e a apertou, ela sorriu para a amiga.

Pararam novamente quando chegaram à entrada. A pegada de Adela em Madelyne se tornou dolorosa.

O motivo era óbvio. Duncan e Gerald estavam de pé diante da lareira. Ambos olhavam diretamente para elas. Estranho, mas Madelyne pensou que ambos pareciam um tanto atônitos. E nenhum deles parecia bravo.

Madelyne sorriu para o Barão Gerald e imediatamente desviou o olhar para o marido. Duncan a encarava com bastante intensidade. Não estava sorrindo. O olhar dele a fez corar. Ela reconhecia aquele olhar. Duncan sempre tinha aquela expressão depois de beijá-la.

Logo, com os quatro parados uns olhando para os outros, a situação ficou embaraçosa. Madelyne foi a primeira a se lembrar dos modos. Fez uma pequena mesura e cutucou Adela para que fizesse o mesmo, depois avançou pelo salão lentamente. Adela a seguiu.

Sua expressão era serena e ela dava a impressão de estar muito tranquila.

Madelyne caminhou com passos altivos, dignos de uma dama, e Duncan de pronto entendeu que havia algo errado. Encontrou a esposa no meio do salão. Parou tão perto dela que sua túnica resvalou no braço dela.

– Do que tem medo? – ele perguntou, inclinando-se para baixo até que a cabeça ficasse a apenas um respiro da dela. A voz saiu tão baixa que ela teve que se erguer nas pontas dos pés para ouvi-lo.

Ficou surpresa quando ele percebeu que estava assustada.

– O Barão Gerald sabe que sou irmã de Louddon, Duncan? – perguntou. O medo soou em seu sussurro.

Duncan compreendeu, então. Assentiu, dando a resposta a Madelyne, e depois passou o braço pelos seus ombros. Quando ela se acomodou ao seu lado, apresentou-a ao barão.

Gerald não pareceu nem um pouco ofendido com ela. Sorriu, um sorriso genuíno, e se curvou depois que foram apresentados.

Era um homem de bela aparência, mas Madelyne não o teria chamado de atraente, não enquanto estivesse tão perto de Duncan. Oras, seu marido era muito mais bonito. De fato, ele provavelmente se sobrepunha a qualquer outro homem na Inglaterra.

Madelyne levantou o olhar. Iria pedir que ele ajudasse Adela, num sussurro, claro, a fim de que Gerald não tivesse como ouvi-la, contudo, ficar assim tão próxima ao marido confundia seus pensamentos e ela só conseguiu ficar olhando para ele. Não conseguia sequer formar um sorriso. Os olhos dele eram de um incrível tom de cinza, com lindas faíscas prateadas.

– Por que está olhando para mim assim? – Duncan perguntou. O nariz quase tocava o dela. Estava próximo o bastante para beijá-la.

– Como estou? – Madelyne perguntou.

Ela parecia estar sem fôlego, e corava o bastante para Duncan deduzir seus pensamentos. De súbito, sentiu vontade de carregá-la para cima. Sim, desejava fazer amor com ela até o dia seguinte.

A expressão plácida sumira do rosto da esposa. Duncan deu um amplo sorriso de satisfação.

Edmond entrou no salão bem quando Duncan estava prestes a beijar a esposa. Adela encarava o chão, Gerald estava olhando para Adela, e Madelyne parecia hipnotizada pelo marido.

– Boa noite – Edmond exclamou no salão silencioso.

Todos se moveram ao mesmo tempo. Madelyne se sobressaltou, batendo no nariz de Duncan. O marido recuou um passo, depois se apressou em segurar Madelyne antes que ela caísse de joelhos. Adela se virou, forçando um sorriso para Edmond. O Barão Gerald acenou um cumprimento.

– Linda noite, não, Duncan? Gerald, meu Deus, você se tornou um verdadeiro ancião desde a última vez em que o vi – Edmond declarou num tom alto e jovial.

A mente de Duncan clareou. Ainda desejava pegar a esposa no colo e sair do salão com ela, mas encontrou disciplina suficiente para enfrentar o jantar primeiro.

– Está na hora do jantar – anunciou. Agarrou o braço de Madelyne e a guiou na direção da mesa.

Madelyne não entendia a pressa dele. Pensou que conversariam um pouco antes do jantar. Mas o olhar do marido a convenceu a não discutir o assunto.

Duncan se sentou à cabeceira da mesa e Madelyne ocupou o lugar à sua esquerda. Revelou sua surpresa quando Ansel surgiu do outro lado e começou a servi-lo. Apesar de ser o costume para um escudeiro aprender todas as tarefas necessárias para servir seu senhor, Duncan o instruíra apenas em relação à defesa.

Outra mudança instituída por Madelyne, evidente, e sem ter a sua permissão. Meneou a cabeça ante essa falha, assentiu para Ansel e, bravo, encarou sua esposa.

Ela teve a audácia de sorrir.

– Você sabia, Duncan, que esta é a primeira refeição que partilhamos? – ela sussurrou, tentando desviar a atenção dele do escudeiro.

Duncan não pareceu inclinado a responder ao seu comentário. Na verdade, pouco falou durante o jantar. Gilard demorou a chegar, o que fez Duncan carranquear. Madelyne, porém, ficou grata por ele não ter admoestado o irmão diante do hóspede deles.

Padre Laurance não compareceu ao jantar. Madelyne foi a única a não se surpreender com a ausência dele. Tampouco acreditou que ele tivesse adoecido, apesar de Edmond ter contado isso. Madelyne acreditava que o motivo real fosse o padre ter medo de Duncan. Não podia culpar o homem. Ele era terrivelmente jovem para a tarefa de aconselhar Duncan nas questões de Deus e da igreja.

Edmond e Gilard mantiveram a conversação fluindo durante o jantar, alternando-se ao fazerem perguntas a Gerald sobre o passado, pois fazia muito tempo que não se viam.

Madelyne prestou atenção à conversa, fascinada pela maneira fácil com que se atormentavam mutuamente. Insultavam a aparência uns dos outros, bem como suas habilidades, mas Madelyne não demorou a perceber que essa era apenas a maneira deles de demonstrar afeto. Pensou que aquela era uma observação muito interessante.

O Barão Gerald era evidentemente um bom amigo dos Wexton. Tinha uma risada agradável. Quando Edmond o chamou de fracote, e repetiu a história em que Gerald perdera a espada numa batalha importante, Gerald gritou com uma gargalhada e prosseguiu com uma história própria para demonstrar a inutilidade de Edmond.

Adela estava sentada diante de Madelyne. Encarava o tampo da mesa, contudo Madelyne percebeu alguns momentos em que ela sorria quando os comentários ridículos eram trocados ao longo da mesa.

Gerald não se dirigiu diretamente a Adela até o jantar ter praticamente terminado. Edmond estava sentado entre os dois. Madelyne tinha certeza de que Gerald acabaria com um dano permanente no pescoço de tanto inclinar a cabeça ao redor de Edmond a fim de olhar para Adela.

Edmond por fim se apiedou do pretendente de Adela. Levantou-se e casualmente deu a volta na mesa, fingindo ter ido buscar um jarro de cerveja. Ninguém foi ludibriado pela maquinação, muito menos Adela. Havia outro jarro bem diante do prato de Edmond.

– E como você está, Adela? – Gerald perguntou com educação. – Lamento muito não termos nos encontrado quando você esteve...

O rosto de Gerald enrubesceu, apesar de não tanto quanto o da pobre Adela. O barão, inadvertidamente, mencionara o incidente.

E um silêncio constrangedor se abateu sobre o grupo. Duncan suspirou e disse:

– Adela também lamentou não tê-lo visto em Londres, Gerald. Adela? O barão lhe perguntou como tem passado – ele relembrou a irmã.

A voz de Duncan foi carinhosa, tomada de compreensão quando se dirigiu à irmã. Deus, ele estava se tornando um homem fácil de amar. Fácil demais. Estaria apaixonada pelo marido e só era teimosa demais para admitir?

Madelyne de pronto começou a se preocupar. Suspirou tão alto, um som nada adequado a uma dama, que logo se arrependeu. Duncan se virou e lhe sorriu. Surpreendeu-se com a preocupação dela quando a presenteou com uma piscada.

– Estou muito bem, Gerald – Adela respondeu.

– Você parece bem.

– Eu me sinto bem, obrigada.

Madelyne observou o marido revirar os olhos para o céu, sabendo que ele considerava toda aquela conversa sobre parecer bem e se sentir bem algo completamente ridículo.

– Madelyne, nunca antes tive um jantar tão delicioso – Gerald a elogiou, desviando sua atenção do marido.

– Obrigada, Gerald.

– Comi demais de tudo – o barão lhe disse. Virou-se para Adela em seguida. – Gostaria de caminhar comigo pelo pátio após o jantar, Adela? – Relanceou para Duncan e acrescentou às pressas: – Desde que seu irmão permita, claro.

Antes que Adela pudesse recusar, Duncan deu a permissão. Adela de imediato olhou para Madelyne em busca de ajuda.

Madelyne não sabia o que poderia fazer, mas ficou determinada a encontrar um modo de fazer Duncan mudar de ideia. Cutucou a perna dele com o pé. Quando Duncan sequer olhou na sua direção, cutucou-o de novo, com muito mais força.

Sua paciência sumiu quando ele ainda assim não olhou para ela. Madelyne o chutou, então, mas só o que conseguiu foi perder o sapato debaixo da mesa.

Enquanto Duncan ainda fingia ignorá-la, esticou o braço debaixo da mesa e a segurou pelo pé, puxando-o para seu colo.

Madelyne ficou mortificada com a posição pouco digna e agradeceu a Deus que ninguém demonstrou notar o modo como ela agarrava a mesa enquanto Duncan massageava o arco de seu pé. Ela tentou puxá-lo, mas perdeu o equilíbrio. Quase caiu do banquinho.

Gilard estava sentado ao seu lado. Quando se chocou com ele, que lhe lançou um olhar intrigado e depois a segurou pelo braço e a ajudou a se endireitar.

Sabia que estava corando. Adela a encarava, lembrando-a da temida caminhada do lado externo, Madelyne supôs. Resolveu que era hora de recobrar o controle. Duncan poderia segurar seu pé de modo que não pudesse mais chutá-lo, mas não podia segurar sua mente, podia?

– Que ideia maravilhosa, caminhar do lado de fora depois do jantar – Madelyne disse.

Olhou para o marido quando teceu o comentário. Duncan franziu o cenho. Madelyne sorriu, pressentindo a vitória.

– Duncan e eu adoraríamos nos juntar a vocês, não é mesmo, meu marido? – ela perguntou.

Era preciso ter tato com Duncan, andar com cuidado, como se pisasse em ovos, como era o caso, literalmente, naquele momento. Ele não ousaria negar sua sugestão diante do convidado. Madelyne se virou para Adela e partilhou um sorriso com ela. Adela lhe pareceu aliviada.

– Não, não adoraríamos – Duncan anunciou ao grupo com voz serena.

Sua negação forçou carrancas tanto no rosto de Madelyne quanto no de Adela.

– Por que não adoraríamos? – Madelyne o desafiou.

Madelyne tentou sorrir para Duncan porque sabia que Gerald estava observando a troca de palavras.

Duncan sorriu para ela. Seus olhos, contudo, contavam uma história completamente diferente. Ele devia estar querendo jogá-la por uma janela, ela imaginou. Notara já que Duncan não gostava de ter suas decisões questionadas. Madelyne considerava esse traço muito irritante. Sim, irritante para Duncan, pensou com empatia, pois sabia muito bem que continuaria a questionar suas ordens toda vez que ficasse com vontade. Não conseguiria se conter.

– Porque, Madelyne, eu gostaria de conversar em particular com você após o jantar.

– Conversar comigo a respeito de quê? – Madelyne exigiu saber com expressão descontente.

– Sobre homens e os seus cavalos – Duncan lhe disse.

Edmond bufou; Gilard gargalhou descaradamente. Madelyne encarou os dois com firmeza antes de voltar a olhar para Duncan. Não acreditava naquela bobagem, assim como os irmãos dele. Homens e cavalos, ora essa. A mensagem verdadeira estava bastante clara. Ele a estrangularia por desafiá-lo. Madelyne pensou em lhe dar uma réplica atrevida, não conseguiu pensar em nenhuma, e então decidiu que o melhor era não provocá-lo mais. Ele bem poderia dizer algo para envergonhá-la.

Madelyne resolveu ignorá-lo, faltando pouco para lhe dar as costas. Foi um gesto rude, e também um equívoco, porque se esquecera por completo de que seu pé repousava no colo dele. Gilard teve que segurá-la de novo.

Duncan sabia que ela tentava dispensá-lo. O sorriso chegou aos olhos dele. Quando se voltou para assentir para Gerald, percebeu que o amigo também percebera o jogo de Madelyne. O barão tentava não rir.

– Com a permissão de Duncan, tenho um presente para lhe dar, Adela.

– Um presente? – Adela se surpreendeu com a consideração de Gerald. – Ah, mas eu não poderia aceitar nada, Gerald, apesar de que foi muita consideração sua ter se dado ao trabalho de me trazer algo.

– O que você lhe trouxe? – Gilard perguntou. Não era uma pergunta educada, mas o Barão Gerald não pareceu ofendido. Sorriu e meneou a cabeça. – E então? – Gilard insistiu.

– Um instrumento musical – Gerald respondeu. – Um saltério.

– Catherine tem um desses – Gilard comentou. Virou-se para Madelyne. – No entanto, nossa irmã mais velha não parece dominar a coisa. Graças a Deus ela o levou consigo quando se casou – acrescentou com um sorriso. – Ela quase nos deixava loucos com apenas uma canção.

Gilard se voltou para Gerald e disse:

– Foi um bonito gesto, Gerald, mas ele apenas juntará pó aqui. Adela não sabe tocar e que Deus nos ajude se Catherine voltar para lhe ensinar.

– Madelyne sabe tocar – Adela disse num rompante. Lembrou-se de que Madelyne lhe dissera que tocava o instrumento para o tio todas as noites. Adela se viu envergonhada pelo modo como o irmão denegrira o presente. – E ela me ensinará, não é mesmo, Madelyne?

– Claro que sim – Madelyne respondeu. – Foi muita gentileza sua trazer um presente assim, barão.

– Sim – Adela se apressou em dizer. – Muito obrigada.

– E então? – Gerald disse, olhando para Duncan.

Duncan assentiu, Gerald deu um amplo sorriso, Adela chegou a sorrir e Madelyne suspirou.

– Subirei agora para buscá-lo – Gerald anunciou. Levantou-se e seguiu para a porta, dizendo por sobre o ombro: – Talvez possamos persuadir Madelyne a tocar uma ou duas canções antes de nossa caminhada, Adela, se a conversa de Duncan sobre homens e cavalos puder esperar um pouco mais.

Gerald ouviu a risada de Duncan antes de sair.

Gilard também se levantou.

– Aonde você vai? – Edmond perguntou.

– Pegar outra cadeira para Madelyne. Parece haver algo errado com essa que está usando – acrescentou. – Ela fica se desequilibrando dela.

Madelyne lentamente se virou para Duncan e o encarou com fúria. Se ele dissesse sequer uma palavra, ela o atiraria pela janela.

Adela considerou uma excelente ideia que Madelyne tocasse a cítara. Apoiava qualquer plano que retardasse sua caminhada com Gerald. Implorou a Madelyne que tocasse para todos.

– Ah, Adela, não sei se hoje seria uma boa noite para...

– Está ansiosa em ficar a sós com seu marido? – Duncan perguntou num sussurro.

Madelyne se virou novamente para o marido, franziu o cenho e foi recompensada com uma daqueles sorrisos de parar o coração. A covinha também voltara para a bochecha dele. E, em seguida, ele piscou para ela de novo, bem na frente de todos.

Duncan partia um pedaço de pão ao meio e ela, muito estupidamente, o observava até perceber que ele já não segurava mais seu pé. Há quanto tempo as duas mãos deles estavam à vista?

De pronto ela retirou o pé do colo dele.

– E se eu cantar como um sapo, Duncan, e o envergonhar? – perguntou-lhe.

– Você jamais me envergonharia – Duncan respondeu.

Foi um comentário muito gentil. Madelyne não sabia como responder. Estaria ele caçoando dela ou apenas dizendo a verdade?

– Você é minha esposa, Madelyne. Nada do que faça poderá me envergonhar.

– Por quê? – Madelyne perguntou, inclinando-se na direção do marido para que não os ouvissem.

– Porque eu a escolhi – Duncan respondeu. Ele também se inclinou na direção da adorável esposa. – É um simples fato, mesmo para uma...

– Se me chamar de simplória serei forçada a pegar o presente de Adela e bater em sua cabeça até que desmaie.

Madelyne ficou mais assustada com sua ameaça do que Duncan pareceu ficar. Ele a segurou pela mão e a aproximou mais.

– Pare de tocar em mim – Madelyne sussurrou.

Espiou os outros Wexton. Gilard contava uma história engraçada a Adela e Edmond, que ouviam atentamente.

– Não.

Voltou a olhar para Duncan quando o ouviu negar o seu pedido.

– Não gosto disso, Duncan.

– Sim, você gosta, Madelyne. Quando está nos meus braços, gosta de tudo o que faço com você. Você geme e me implora para que...

A mão dela cobriu-lhe a boca e ela ficou tão rubra quanto o fogo na lareira. Duncan gargalhou, um som retumbante que preencheu o salão com calor. Edmond e Gilard exigiram saber a causa. E quando Duncan parecia disposto a lhes contar, Madelyne começou a rezar e prendeu a respiração.

Começou a respirar de novo quando Duncan só deu de ombros e mudou de assunto.

Madelyne por acaso percebeu que Adela estava ajustando as mangas do vestido e também apalpou o penteado.

E só então entendeu. Deus, era mesmo simplória. Adela queria parecer bela para Gerald. Estava se arrumando e se contorcendo o bastante para passar essa impressão.

Agora que pensava a respeito, Madelyne percebeu que Gerald ainda se sentia atraído por Adela. O modo como olhava para ela garantia isso.

O coração de Madelyne se suavizou ao saber que Gerald ainda poderia querer Adela. Isso fez com que sentisse grande afeição pelo barão.

E logo passou a se preocupar. Adela estava determinada a permanecer com a família. Duncan lhe dera sua palavra. Isso era uma complicação.

– Por que parece preocupada, Madelyne? – Gilard perguntou.

– Só estava pensando o quanto a vida fica complicada conforme vamos envelhecendo – Madelyne respondeu.

– Não podemos permanecer crianças para sempre – Edmond interveio com um dar de ombros previsível que fez Madelyne sorrir. Pensou em quanto Edmond era tão previsível quanto seu tio.

– Sou capaz de apostar que passou sua infância com essa carranca – brincou com ele.

Edmond se surpreendeu com o comentário. Começou a franzir o cenho e se conteve. Madelyne gargalhou.

– Não me lembro muito de minha infância – Edmond confessou. – Mas me lembro de Gilard enquanto garoto vividamente. Nosso irmão era uma peste constante.

– Você se metia em apuros quando era garotinha? – Gilard perguntou a Madelyne, pensando em desviar a atenção das suas travessuras embaraçosas. Madelyne não precisava saber a respeito das suas inclinações extravagantes. Poderia menosprezá-lo por isso.

Madelyne meneou a cabeça.

– Ah, não, eu nunca me metia em apuros, Gilard. Eu era muito tranquila. Oras, eu nunca fazia nada errado.

Duncan gargalhou alto junto dos irmãos. Madelyne se ofendeu até perceber que pintara um retrato seu como se fosse santa.

– Bem, eu tinha defeitos – gaguejou.

– Você? Jamais – Edmond interveio, sorrindo.

Madelyne corou. Não sabia bem como receber o comentário de Edmond. Ainda não confiava completamente nesse Wexton, apesar de se ajustar aos seus sorrisos. Virou-se para Duncan.

– Não embarace Madelyne – Duncan alertou o irmão.

– Conte-nos um de seus defeitos, Madelyne – Adela pediu, sorrindo para encorajá-la.

– Bem, sei que acharão difícil de acreditar, mas eu era uma criança muito atrapalhada, desajeitada mesmo.

Ninguém teve dificuldade nenhuma em acreditar. Duncan meneou a cabeça para Gilard, que parecia prestes a explodir numa gargalhada ante a confissão de Madelyne. Edmond começou a engasgar na bebida que tentava engolir quando Madelyne timidamente confessou seu defeito. Adela dava risadinhas enquanto batia nas costas do irmão.

O Barão Gerald retornou ao salão e colocou a cítara diante de Adela bem quando Edmond controlava seu acesso de tosse. O instrumento triangular era feito de madeira clara. Havia doze cordas, e Madelyne admirou com inveja enquanto Adela passava o polegar pelas cordas.

– Padre Laurance terá que abençoar este instrumento – Adela disse.

– Sim, durante a missa amanhã – Gilard interveio. – Orientei o padre a rezar a missão no salão todas as manhãs até a capela ser reparada, Duncan.

Duncan assentiu. Levantou-se, dando o comando silencioso de que o jantar estava encerrado.

Madelyne esperou até que todos começassem a ir até as cadeiras diante da lareira. Assim que lhe deram as costas, Madelyne se ajoelhou e procurou pelo sapato perdido debaixo da mesa.

Duncan a suspendeu pela cintura, puxou-a para si e depois mostrou o sapato pendurado em seu dedo diante do rosto dela.

Madelyne se virou e tentou apanhar o sapato.

– Por que está com essa carranca para mim? – Duncan perguntou. Ergueu-a sobre o tampo da mesa, segurou-lhe o pé e calçou novamente o sapato.

– Eu mesma poderia ter feito isso – Madelyne sussurrou. – E estou com uma carranca porque está caçoando de mim, Duncan. Não gosto disso.

– Por quê? – Duncan voltou a depositar Madelyne no chão. Contudo, não soltou sua cintura, um fato que incomodou Madelyne mais do que ela gostaria de admitir.

– Por quê? – ela repetiu a pergunta, desejando poder se lembrar do que queria dizer. Era tudo culpa dele, claro, porque ele a fitava como se quisesse beijá-la, e como ela poderia pensar em qualquer outra coisa que não retribuir o beijo dele?

– Por que não gosta quando brinco com você? – Duncan perguntou, inclinando-se sobre o rosto voltado para cima.

– Porque você não é previsível quando brinca – Madelyne respondeu. – Você é como grama no inverno, Duncan. Frio e duro, isso sim. – Tentou recuar um passo, mas Duncan aumentou a pressão de sua pegada e lentamente a atraiu para mais perto, até que ela estivesse tocando em seu peito. – E está agindo como grama no verão, inclinando-se para este e aquele lado...

Ela parecia tão frustrada que ele não ousou rir.

– Nunca antes fui comparado à grama – ele lhe disse. – Agora me diga a verdade e não outra metáfora, se não se incomodar.

– Se eu não me incomodar? – Ela se mostrou chocada com a sugestão dele. – Duncan, não gosto que brinque comigo porque me faz pensar que está sendo gentil comigo. Eu o quero previsivelmente bravo – murmurou. – E vou acabar com o pescoço quebrado se continuar olhando para cima deste modo.

A mulher não dizia coisa com coisa. No entanto, ele disse a si mesmo, isso não era uma surpresa. Era mais difícil entender as esposas do que ele imaginara.

– Não quer que eu seja gentil com você? – ele perguntou, parecendo incrédulo.

– Não quero. – A voz dela subiu de tom.

– Por que diabos não? – Duncan não sussurrou sua pergunta. Esquecera-se por completo de sua família e do hóspede. Só no que conseguia pensar era em pegar aquela mulher contraditória nos braços e fazer amor com ela.

Madelyne não respondeu. Teria que ser honesta.

– Ficaremos aqui a noite inteira até que me responda – Duncan prometeu.

– Você rirá.

– Madelyne, se não ri ante sua sugestão de que sou um pedaço de grama, duvido que rirei com seu próximo comentário.

– Ah, está bem – Madelyne disse. – Quando é gentil comigo, quero amá-lo. Pronto, está satisfeito?

Ele estava muito satisfeito. E caso Madelyne estivesse olhando para ele, teria sabido que suas palavras muito o agradaram.

Bom Deus, ela gritara com ele. Madelyne sentiu vontade de chorar. Inspirou fundo, encarou o peito de Duncan, e sussurrou:

– E então meu coração ficaria partido, não ficaria?

– Eu protegeria o seu coração – Duncan respondeu.

Ele soou muito arrogante. Madelyne lançou um olhar exasperado. Duncan não conseguiu se conter. A boca dela estava próxima demais para ele se negar. Toda a sua disciplina evaporou. Inclinou-se para baixo e capturou-lhe a boca num beijo completamente ardente.

– Pelo amor de Deus, Duncan, estamos todos a espera de Madelyne para que toque a cítara – Edmond exclamou.

Duncan suspirou na boca de Madelyne antes de se afastar. Lentamente esfregou-lhe o lábio inferior com o polegar.

– Esqueci-me de que não estávamos sozinhos – disse-lhe com um sorriso.

– Eu também – Madelyne sussurrou de volta. Corou e tentou recuperar o fôlego.

Duncan a segurou pelo braço e a acompanhou até uma das cadeiras vazias.

– Aqui deveria ser o seu lugar – Madelyne lhe disse. – É a cadeira mais alta – explicou.

Quando ficou evidente que Madelyne não começaria até Duncan se sentar onde ela achava que ele deveria, ele obedeceu. E até sorriu com isso.

Edmond puxou outra cadeira na direção de Madelyne.

– Ficará mais confortável aqui – ele lhe disse quando ela tentou pegar um banquinho.

Madelyne agradeceu e se sentou. Gerald lhe entregou a cítara. As mãos tremiam quando ela acomodou o instrumento no colo. Madelyne se sentia terrivelmente nervosa agora. Odiava ser o centro das atenções. Havia conforto em ser imperceptível.

Gerald se postou atrás da cadeira de Adela com os braços apoiados no encosto. Tanto Gilard quanto Edmond ficaram de pé, apoiados em cantos opostos da lareira. E cada um deles fitava Madelyne.

– Já faz tanto tempo... – Madelyne disse ao olhar para o instrumento. – E eu cantava apenas para meu tio e seus amigos. Não tive um treinamento verdadeiro.

– Estou certa de que seu tio e os amigos dele a consideravam maravilhosa – Adela interveio. Notara o quanto as mãos de Madelyne tremiam e procurou encorajá-la.

– Ah, sim, eles me consideravam maravilhosa – Madelyne admitiu, sorrindo para Adela. – Mas também, eram todos meio surdos.

Duncan de pronto se inclinou para a frente de modo que todos o vissem claramente. A expressão em seu rosto sugeria que ninguém deveria rir.

O Barão Gerald tossiu. Gilard se virou para ficar de frente para o fogo. Madelyne deduziu que ele estava cansado de esperar que ela começasse.

– Eu poderia cantar alguns dos cânticos em latim que usávamos durante o tempo da Páscoa – sugeriu.

– Conhece alguma canção sobre grama? – Duncan inquiriu.

Madelyne pareceu assustada. Duncan sorriu.

– A grama no inverno pode ser partida ao meio quando pisamos sobre ela – Madelyne disse com candura a Duncan. – E, no verão, pode ser esmagada se você mantiver sua bota sobre ela por tempo suficiente – acrescentou.

– Do que estão falando? – Gilard se mostrou confuso.

– Sobre uma triste canção – Duncan comentou.

– Sobre previsibilidade – Madelyne respondeu ao mesmo tempo.

– Eu preferiria se cantasse algo sobre Polifemo – Edmond opinou.

– O que ou quem é Polifemo? – o Barão Gerald perguntou.

– Um gigante de apenas um olho – Edmond respondeu, sorrindo amplamente para Madelyne.

– Ele era o líder dos ciclopes – Madelyne explicou. – Conhece as histórias de Odisseu? – perguntou a Edmond.

– Algumas partes – Edmond respondeu. Não acrescentou que tudo o que sabia aprendera com Madelyne quando ela ardia em febre.

– Gerald? Madelyne sabe contar histórias maravilhosas – Adela disse. Em seu entusiasmo, ela chegou a levantar a mão para tocar na dele.

– Nunca ouvi falar desse Odisseu – Gerald anunciou. – Me pergunto o motivo.

Madelyne sorriu. Gerald parecia irritado por estar mal informado. Parecia procurar alguém a quem culpar.

– Não há vergonha em admitir isso – Madelyne redarguiu. – Por acaso já ouviu falar de Gerbert d’Aurillac?

– O monge? – Gerald perguntou.

Madelyne assentiu. Olhou para Adela para lhe dar uma explicação, certa de que a irmã de Duncan não ouvira falar do homem.

– Gerbert viveu há muito tempo, Adela. Há quase cem anos, acredito. Deixou seu monastério e foi estudar na Espanha. Quando retornou à França, dirigiu a escola catedral de Reims e, durante esse tempo, narrou aos seus alunos algumas das antigas histórias que traduzira. Foi outro homem chamado Homero quem narrou as histórias do poderoso guerreiro, Odisseu, cujas narrativas Gerbert traduziu do grego para o latim.

– Imagina que Gerbert e Homero tivessem sido amigos? – Adela perguntou.

– Não – Madelyne respondeu. – Homero viveu nos tempos antigos num lugar chamado Grécia. Morreu centenas de anos antes que Gerbert nascesse. As histórias de Homero foram mantidas a salvo nos monastérios. Algumas delas desagradariam à igreja, mas não pretendo desrespeitar ninguém quando as repito. De fato, são tolas demais para acreditarmos que sejam fatos reais.

Todos pareceram interessados. Madelyne se virou para Duncan, captou seu aceno, e então começou a tocar a cítara.

No início, desafinou um pouco. E depois a balada de Odisseu encontrando os ciclopes passou a ser o centro da atenção. Fitou a cítara e fingiu estar sentada ao lado do tio Berton, tocando apenas para ele. Assim que se envolveu na história, suas mãos pararam de tremer. A voz se fortaleceu e a pureza da história do guerreiro ganhou vida.

O poema capturou a plateia. Duncan considerou a voz dela cativante. Era o verdadeiro reflexo da gentil mulher que agora considerava sua esposa.

Madelyne lançou um feitiço em todos ali ao redor. Duncan, um homem nunca dado ao lazer, agora se recostava em sua cadeira e sorria de contentamento.

Ela começou a história quando Odisseu e seus homens foram capturados por Polifemo, visto que Edmond especificamente solicitara esse episódio. Polifemo estava determinado a comer cada um dos soldados. O gigante de apenas um olho os manteve aprisionados em sua caverna, bloqueando a entrada com uma rocha grande. Uma vez que Polifemo também mantinha suas ovelhas guardadas na caverna à noite, era necessário que ele movesse a pedra pela manhã para que o rebanho saísse para pastar nos campos. Odisseu cegou o gigante, e depois mostrou aos seus homens como se arrastar para baixo das ovelhas e se agarrar aos seus ventres. Polifemo deixou as ovelhas passarem, mas sacudia os braços mais no alto no ar, tentando apanhar os soldados. O plano engenhoso de Odisseu salvou a todos.

Quando Madelyne terminou a recitação, sua plateia suplicou por mais uma.

Todos contaram sua parte preferida, interrompendo uns aos outros em seu entusiasmo.

– Foi brilhante da parte de Odisseu dizer a Polifemo que seu nome era Ninguém – Gilard declarou.

– Verdade – concordou Gerald. – E quando os outros ciclopes ouviram Polifemo gritar que Odisseu o cegara, entraram na caverna com ele, perguntando-lhe se ele precisava de ajuda e que lhes desse o nome de seu torturador.

A gargalhada de Edmond se juntou à dos demais.

– E quando ele disse que Ninguém o torturara, seus amigos o deixaram partir.

Madelyne sorriu, contente com a reação entusiasmada à sua história. Virou-se para olhar para Duncan. O marido fitava o fogo. Estava sorrindo e havia uma expressão de satisfação em seu rosto.

Ele tinha um belo perfil e enquanto ela o observava, um calor se apossou de seu corpo. E então percebeu quem Duncan a lembrava. Odisseu. Sim, Duncan era como o poderoso guerreiro com quem ela sonhava quando era uma garotinha. Odisseu se tornara seu confessor imaginário, seu amigo, seu confidente; sussurrara-lhe todos os seus medos quando se sentia assustada e sozinha. Ela gostava de fingir que um dia Odisseu magicamente apareceria e a levaria consigo. Ele lutaria por ela, a protegeria de Louddon. E a amaria.

Quando Madelyne se tornou uma mulher, deixou para trás os sonhos de infância. Até aquele instante, esquecera-se do seu sonho secreto.

Entretanto, naquele momento precioso, enquanto contemplava o marido, percebeu que seu sonho se realizara. Duncan era seu Odisseu. Era seu amante, seu protetor, seu salvador contra o irmão.

Santo Deus, ela amava aquele homem.

VIRGÍLIO. Nova traducção das Éclogas de Virgilio. Porto: Typ. De Alvarez Ribeiro & Filhos, 1825. p. 135. Disponível por meio do link: <https://books.google.com.br/books?id=22MVAAAAYAAJ&hl=pt-BR&source=gbs_navlinks_s>. Acesso em: 20 abr. 2017.


CAPÍTULO DEZESSETE


“Não se fará menção de coral nem de pérolas; porque o valor da sabedoria é melhor que o dos rubis.”
Jó 28:18

 

– Madelyne, qual o seu problema? Não está se sentindo bem? – Adela se apressou a ficar de pé e correu até a amiga. Acreditou que Madelyne estivesse prestes a desmaiar. Madelyne empalidecera, e se Adela não tivesse chegado a tempo, sua linda cítara teria caído no chão.

Madelyne sacudiu a cabeça. Começou a se levantar, depois concluiu que talvez suas pernas não suportassem seu peso. Na verdade, ainda estava trêmula por sua conclusão. Estava apaixonada por Duncan.

– Estou bem, Adela. Apenas um pouco cansada, só isso. Por favor, continuem.

– Sente-se bem o bastante para cantar mais uma? – Adela perguntou. De pronto sentiu-se culpada por pedir isso, mas justificou sua conduta dizendo a si mesma que estava desesperada, afinal, e pensaria num modo de recompensar Madelyne por sua gentileza se ela pudesse ajudá-la agora. Oras, levaria uma bandeja de desjejum para ela na cama pela manhã.

Madelyne sabia que Adela estava tentando ganhar tempo. Compadecia-se pela amiga, mas não conseguia pensar em nenhum outro plano para impedir que ela saísse para caminhar com Gerald.

Quando Gerald avançou para se postar ao lado de Adela, Madelyne disse:

– Presenteou Adela com um lindo instrumento. Escolheu com esmero, Gerald.

O barão sorriu.

– Duncan também escolheu com esmero.

Madelyne refletiu sobre o comentário. Em seguida, Edmond e Gilard expressaram o prazer que sentiram com a apresentação dela. Logo ela corava de embaraço. Na verdade, não era de receber elogios. Pensou que os Wexton formavam uma família muito singular, pois distribuíam elogios com tanta facilidade. Madelyne concluiu que eles não consideravam que isso diminuísse o próprio valor deles.

Nunca fora chamada de bela antes de conhecer os Wexton. Todavia, cada um deles lhe fizera esse elogio mais de uma vez. Parecia a Madelyne que eles de fato a consideravam bonita.

– Vocês me deixarão vaidosa se continuarem com esses elogios – admitiu com um sorriso tímido.

Notou, contudo, que Duncan não lhe dissera nenhum elogio, e perguntou-se se o desagradara.

Seu marido ainda não estava agindo como de hábito. Comportara-se tão estranhamente do lado externo quando a abraçara e beijara diante de todos. E brincara com ela durante o jantar. Se não o conhecesse bem, diria que o homem tinha senso de humor. O que, claro, era ridículo.

Madelyne observou Gerald segurar a mão de Adela e acompanhá-la para fora do salão. A irmãzinha de Duncan ficava lançando olhares para Madelyne por cima do ombro, suplicando.

– Não fique muito tempo lá fora, Adela – Madelyne advertiu em voz alta. – Pode se resfriar.

Era o melhor que podia fazer. Adela acatou a sugestão com uma aceno agradecido antes que Gerald a tirasse do campo de visão de Madelyne.

Gilard e Edmond também saíram do salão. Duncan e Madelyne foram deixados a sós.

Madelyne alisou o vestido para dar algo a fazer para as mãos. Desejou poder subir ao seu quarto na torre para ter alguns minutos sozinha. Deus, havia tanto em que pensar, tantas decisões a tomar.

Sentia Duncan encarando-a.

– Gostaria de me falar sobre homens e seus cavalos agora, Duncan – Madelyne perguntou –, antes de ir nadar no lago?

– O quê? – Duncan pareceu perplexo.

– Você disse que iria me falar sobre homens e seus cavalos – explicitou. – Não se lembra?

– Ah, sim... – Duncan respondeu. Lançou-se um sorriso reconfortante. – Aproxime-se, esposa, e eu darei início à minha explicação.

Ela franziu o cenho ante o pedido, pensando que já estava próxima o bastante.

– Você está agindo de modo muito estranho, Duncan – observou quando andou para parar ao lado dele. – E parece bastante relaxado também. Não é o de sempre – acrescentou.

Madelyne mordiscou o lábio inferior enquanto abaixava o olhar para o marido. Subitamente, ergueu a mão e a apoiou na testa dele.

– Não está com febre – anunciou.

Ele pensou que ela parecia desapontada. A carranca dela dava essa impressão, pelo menos. Duncan segurou Madelyne e a puxou para seu colo.

Ela ajeitou o vestido e se sentou o mais ereta que pôde. Cruzou as mãos sobre o colo.

– Está preocupada com alguma coisa? – Duncan perguntou. O polegar afastava-lhe o lábio inferior dos lábios.

Claro que estava preocupada. Duncan estava agindo como um completo estranho. Isso não bastaria para preocupar uma esposa? Madelyne suspirou. Afastou uma mecha dos olhos, acidentalmente batendo no queixo de Duncan com o cotovelo.

Desculpou-se, envergonhada com sua inaptidão repentina.

Ele assentiu, absolutamente resignado com isso.

– Você não canta como um sapo.

Madelyne sorriu, pensando que aquele era o melhor elogio que já recebera.

– Obrigada, Duncan – disse. – E agora você me falará sobre homens e seus cavalos – sugeriu.

Duncan assentiu. A mão lentamente foi subindo pelas costas dela até repousar sobre o ombro. O gesto fez a pele de Madelyne formigar. Então ele a puxou para a frente. Madelyne se viu aconchegada contra o peito dele.

– Nós, homens, forjamos uma ligação especial com nossos garanhões, Madelyne. – Duncan começou. Sua voz era tão quente quando o calor do fogo. Madelyne se aconchegou um pouco mais, bocejou e fechou os olhos. – Sim, nós confiamos que nossas montarias obedecerão todos os nossos comandos. Um cavaleiro não pode lutar com eficiência se tem que perder tempo controlando seu cavalo. Sua vida pode correr risco se a batalha for ferrenha e o animal, desgovernado. – A explicação prosseguiu por diversos minutos mais. – Você, esposa, enfeitiçou meu garanhão, afastando-o de mim. Eu deveria estar furioso com você. Agora que penso a respeito, estou furioso – Duncan murmurou. O sorriso azedou em seu rosto enquanto ele ponderava a respeito da perda da sua montaria mais fiel. – Isso mesmo, você arruinou Sileno. Pode protestar agora, se esse for o seu desejo, mas já decidi que lhe darei Sileno. Portanto, primeiro ouvirei o seu pedido de desculpas por arruinar meu cavalo e, em seguida, seu agradecimento pelo presente que estou lhe dando.

Duncan não recebeu nenhum dos dois. Madelyne não se desculpou nem agradeceu. Fez uma carranca ante a teimosia dela e depois lhe inclinou a cabeça para poder olhar para seu rosto.

Ela estava profundamente adormecida. Provavelmente não ouvira uma palavra sequer do que ele dissera. Deveria ficar bravo com ela. Aquilo, no mínimo, era desrespeitoso. Duncan beijou-a em vez de acordá-la. Madelyne se aconchegou ainda mais. As mãos envolveram-no pelo pescoço.

Edmond entrou no salão bem quando Duncan depositava um segundo beijo no topo da cabeça de Madelyne.

– Ela dormiu? – ele perguntou.

– Meu sermão a fez desmaiar – Duncan respondeu com secura.

Edmond gargalhou e, lembrando-se de que Madelyne dormia, suavizou a voz.

– Não se preocupe em acordá-la, Edmond. Ela dorme como um gatinho bem alimentado.

– Sua esposa trabalha muito durante o dia. A comida no jantar estava excepcional, e tudo porque Madelyne exige a perfeição dos criados dela. Eu comi quatro tortinhas – Edmond admitiu. – E sabia que a receita foi a própria Madelyne quem deu a Gerty?

– Os criados dela?

– Sim, todos são leais a ela agora.

– E você, Edmond? É leal a Madelyne?

– Ela é minha irmã agora, Duncan. Eu daria minha vida para protegê-la – acrescentou.

– Não duvido, Edmond – Duncan replicou ao perceber o tom defensivo de Edmond.

– Então, por que pergunta? – Edmond disse. Puxou uma cadeira e se acomodou em frente ao irmão. – Gerald trouxe novidades a respeito de Madelyne?

Duncan começou a assentir, mas assim que moveu a cabeça, Madelyne se apossou do lugar debaixo do seu queixo.

– Gerald trouxe novidades. Nosso rei está ainda na Normandia, mas Louddon está juntando suas tropas. Gerald se alia a nós, claro.

– Devo retornar ao Barão Rhinehold em apenas três semanas – Edmond observou. – Apesar de ele ter minha promessa de fidelidade, sou, em primeiro lugar, vassalo de nosso rei, seu em segundo e de Rhinehold em terceiro. Por esse motivo, Rhinehold me permitiria permanecer aqui pelo tempo que for necessário.

– Rhinehold também se aliará a mim e a Gerald contra Louddon, caso seja necessário. Juntos, podemos alistar mais de mil homens.

– Você se esquece de sua aliança com os escoceses – Edmond lembrou a Duncan. – O marido de Catherine pode reunir uns oitocentos homens, talvez mais.

– Não me esqueci, todavia não desejo trazer a família de Catherine para esta contenda – Duncan respondeu.

– E se o rei tomar o partido de Louddon?

– Ele não o fará.

– Como pode ter tanta certeza? – Edmond perguntou.

– Existem muitos mal entendidos a respeito de nosso rei, Edmond. Lutei ao lado dele muitas vezes. Dizem que tem um temperamento incontrolável. No entanto, na batalha, um dos seus próprios homens derrubou, acidentalmente, nosso rei no chão. Soldados cercaram Guilherme, cada um deles jurando matar o vassalo descuidado. O rei gargalhou ante o incidente, deu um tapa no ombro do soldado que o derrubara, e depois o fez montar novamente para cuidar da sua defesa.

Edmond refletiu sobre a história.

– Dizem que Louddon tem um controle extraordinário sobre a mente do rei.

– Duvido muito que nosso rei permita que qualquer um controle sua mente.

– Rezo para que esteja certo, irmão.

– Existe outra questão que eu gostaria de discutir com você, Edmond. A propriedade Falcon, mais especificamente.

– O que tem ela? – Edmond perguntou, franzindo o cenho. A propriedade Falcon era improdutiva, mas acreditava-se que ela tivesse solo fértil, e pertencia a Duncan. Ficava na extremidade mais ao sul da propriedade Wexton.

– Eu gostaria que você ficasse responsável por aquelas terras, Edmond. Construa uma fortaleza lá. Eu lhe daria as terras se isso fosse possível, mas o rei não permitirá, a menos que encontremos um modo de satisfazê-lo.

Duncan parou enquanto refletia sobre as complexidades do problema.

Edmond ficou perplexo com o comentário do irmão.

– Essa sua proposta é algo inédito – titubeou. Pela primeira vez na vida, Edmond ficou confuso de verdade. E por mais improvável que fosse, aquilo acendeu uma centelha de esperança em seu coração. Possuir terras próprias, administrá-las autonomamente, oras, aquilo era demais para assimilar.

– Por que quereria que eu assumisse a propriedade Falcon? – Edmond perguntou.

– Por causa de Madelyne.

– Não entendo.

– Minha esposa ouviu enquanto eu e Gilard discutíamos sobre os irmãos do rei. Quando Gilard saiu do salão, Madelyne observou o quanto Robert e Henrique estavam inquietos. Ela crê que nenhum deles tenha responsabilidades o bastante.

– Bom Deus, Robert recebeu a Normandia – Edmond interveio.

– Sim – Duncan concordou, sorrindo. – Mas o irmão mais novo do rei recebeu ouro e uma propriedade insignificante do pai, e eu vejo a inquietude dele. Ele é um líder nato, sem direito a governar pela ordem de nascimento.

– Se existe um paralelo, estou ansioso em ouvir – Edmond disse.

– Madelyne me fez pensar. Você é meu vassalo e de Rhinehold, e esses deveres permanecem intactos. No entanto, se conseguirmos a permissão do rei, você poderá ficar com Falcon e torná-la rentável. Você tem a mente boa para transformar uma moeda em dez, Edmond.

O irmão sorriu, satisfeito com o elogio.

– Se nada resultar da nossa petição, você ainda poderá construir seu lar ali e agir como meu supervisor. O rei ficará satisfeito com o tributo extra e não se importará com quem fizer a contribuição.

– Concordo com seu plano – Edmond anunciou, sorrindo agora.

– Gilard logo voltará ao Barão Thormont para completar seus quarenta dias – Duncan interveio.

– Gilard leva jeito para comandar e logo se tornará um primeiro tenente, como Anthony – Edmond disse.

– Nosso irmão terá que aprender a controlar o temperamento antes disso – Duncan comentou.

Edmond assentiu em concordância.

– Você ainda precisa me contar quais novidades Gerald trouxe a respeito de Madelyne – disse então.

– Gilard está convencido de que o irmão do rei, Henrique, está tramando alguma coisa. Gerald foi chamado a um encontro.

– Quando? Onde?

– Os Clares receberão Henrique. Não sei quando a reunião acontecerá.

– Acredita que Henrique vá pedir a aliança de Gerald contra o rei? – Edmond perguntou. – E quanto a você? Também foi convidado?

– Não. Ele sabe que estarei ao lado do rei – Duncan respondeu.

– Está sugerindo que Henrique se voltará contra Guilherme?

– Se eu me convencer disso, ficarei diante de nosso líder e darei minha vida por ele. Sou jurado pela honra a protegê-lo.

Edmond assentiu, satisfeito.

– Gerald disse que o número dos que estão ficando descontentes cresce. Existe mais de um plano para matá-lo. Isso não é incomum. O pai dele também teve tantos inimigos quanto ele.

Quando Edmond não comentou, Duncan prosseguiu.

– Gerald crê que foi convidado para essa reunião por causa da sua amizade comigo. Ele acredita que Henrique quer saber se eu o honrarei como rei no caso da morte de Guilherme.

– Esperaremos para ver o resultado dessa reunião?

– Sim, esperaremos.

Edmond franziu o cenho.

– Há muito a considerar, irmão.

– Diga-me uma coisa, Edmond – Duncan acrescentou, mudando de assunto –, Gilard ainda acredita estar apaixonado por Madelyne?

Edmond deu de ombros.

– Ele ainda está se adaptando ao seu casamento – admitiu. – Mas acredito que tenha superado a paixão agora. Ele ama Madelyne, no entanto ela continua chamando-o de irmão, e isso abafa o ardor dele. Estou surpreso, porém, que você tenha percebido a aflição de Gilard.

– Gilard traz os sentimentos no rosto – Duncan observou. – Notou o modo como ele empunhou a espada durante a cerimônia de casamento, quando acreditou que eu estivesse forçando Madelyne?

– Você a estava forçando – Edmond replicou com um sorriso largo. – E, sim, testemunhei isso. Madelyne também viu a reação dele. Acredito que esse tenha sido o único motivo pelo qual ela o tenha aceitado como marido.

Duncan sorriu.

– Uma observação verdadeira, Edmond. Madelyne sempre tentará proteger qualquer um que considerar mais fraco. Naquele momento, ela temeu que eu pudesse retaliar.

Duncan começou a acariciar as costas da esposa. Edmond observou a maneira com que o irmão acarinhava Madelyne e pensou que ele provavelmente nem se dava conta do que estava fazendo.

– Quer dizer que Madelyne quer que nós vamos embora? – Edmond perguntou.

– Não, Edmond. Imagino que ficará triste e me culpará – Duncan respondeu. – Minha esposa não compreende que sua lealdade se estende também a Rhinehold.

Edmond assentiu.

– Acredito que Madelyne se preocupa que eu possa manter tanto você quanto Gilard sob o meu controle pelo resto das suas vidas, sem permitir que qualquer um de vocês aja em favor próprio.

– Sua esposa tem ideias estranhas – Edmond observou. – No entanto, ela mudou sua vida, não mudou, Duncan? E as nossas também, claro. Esta é a primeira vez que tivemos uma longa conversa a respeito de algum assunto. Acredito que Madelyne tenha nos fortalecido como família.

Duncan não respondeu a esse comentário. Edmond se levantou e começou a andar em direção à entrada.

– É uma pena, sabe... – disse por sobre o ombro.

– O que é uma pena? – Duncan perguntou.

– Que eu não a tenha capturado primeiro.

Duncan sorriu.

– Não, Edmond, foi uma bênção. Juro por Deus, eu a teria roubado de você.

Madelyne despertou bem quando Duncan fez esse comentário. Procurou se endireitar e sorriu timidamente para o marido.

– O que teria roubado de seu irmão, Duncan? – perguntou-lhe com voz rouca. Ajeitou os cabelos e Duncan se desviou dos cotovelos antes de responder.

– Nada com que tenha que se preocupar, Madelyne.

– Você deveria sempre partilhar aquilo que tem com seus irmãos – Madelyne o instruiu.

Edmond evidentemente ouviu a observação, pois seu riso o acompanhou para fora do salão.

Bem nessa hora, Adela entrou às pressas. Assim que a irmã de Duncan avistou Madelyne, irrompeu em lágrimas.

– Gerald insiste que o contrato ainda é válido, Madelyne. O que vou fazer? O homem ainda quer se casar comigo.

Madelyne saltou do colo de Duncan bem quando Adela se lançava em seus braços.

Duncan se levantou e suspirou em exasperação por conta da histeria da irmã.

– Você deveria estar fazendo essa pergunta para mim, Adela – disse. Segurou o braço de Madelyne, ignorando o fato de que Adela se agarrava a ela como um vestido molhado, e começou a puxá-la para a entrada.

– Não podemos simplesmente deixar sua irmã nesse estado – Madelyne protestou, sentindo como se estivesse no meio de um cabo de guerra. – Duncan, você vai arrancar o meu braço.

O Barão Gerald entrou correndo nessa hora, atrapalhando a tentativa de Duncan de levar Madelyne para cima e deixar o problema de Adela para o dia seguinte. Duncan não estava com vontade de ter uma longa discussão e resolveu solucionar a questão de pronto.

Antes que Gerald pudesse dizer qualquer coisa, Duncan perguntou:

– Ainda quer se casar com Adela?

– Quero – Gerald respondeu. A voz dele desafiava, assim como sua postura. – Ela será minha esposa.

– Dei minha palavra a Adela que ela pode ficar aqui pelo tempo que desejar, Gerald.

O rosto de Gerald revelou sua raiva. Duncan sentiu vontade de rugir.

– Errei ao prometer tal coisa – disse, admitindo seu erro diante de Edmond, Madelyne, Adela e Gerald. Foi uma tremenda confissão para um homem que jamais admitia estar errado. Duncan sorriu com o modo como sua confissão atordoou a todos.

Virou-se para Madelyne e sussurrou:

– Sua obsessão em dizer sempre a verdade me contaminou, esposa. Agora, feche essa sua boca, meu amor. Tudo ficará bem.

Madelyne assentiu lentamente. Lançou um sorriso ao marido, deixando-o saber que confiava nele. Duncan ficou tão satisfeito que, quando se virou para Gerald de novo, ainda sorria. Gerald conhecia Duncan bem o bastante para esperar até que ele lhe desse uma explicação completa antes de desafiá-lo abertamente. Duncan sempre fora um homem fiel à sua palavra no passado.

– Adela – Duncan ordenou – Pare de cacarejar como uma galinha e diga ao Barão Gerald o que lhe prometi.

O tom dele não permitia discussões. Adela se aprumou, afastando-se de Madelyne e disse:

– Disse que eu poderia viver aqui enquanto eu desejar.

Gerald deu um passo em direção a Adela, mas o olhar de Duncan o deteve.

– E agora, Gerald? O que foi que eu lhe prometi?

A voz de Duncan era serena, dando a impressão de que estava entediado com aquela conversa. Madelyne agarrou a mão dele.

Gerald respondeu a Duncan com um grito.

– Com a bênção do rei, concordou que Adela seria minha esposa.

Edmond não conseguiu mais ficar calado.

– Como, em nome de Deus, vai atender às duas promessas? – perguntou a Duncan.

– Gerald – Duncan disse, ignorando Edmond – Minha promessa a Adela depende do desejo dela de permanecer aqui. Acredito que depende somente de você fazer com que ela mude de ideia.

– Está sugerindo...

– Será bem-vindo como hóspede em minha casa pelo tempo que for preciso – Duncan disse.

Gerald pareceu surpreso, depois um sorriso mais arrogante se formou em seu rosto. Virou-se para Adela e lhe sorriu.

– Adela, já que você não quer ir embora, eu ficarei aqui com você.

– Você o quê?

Adela voltara a gritar, contudo Madelyne não via medo nos olhos dela, apenas descrença e raiva.

– Como seu irmão disse, pelo tempo que for preciso, Adela, até que perceba que quero me casar com você – Gerald disse. – Ouviu bem?

Claro que ela ouvira. Madelyne acreditava que o vigia ao sul do castelo deve ter ouvido Gerald. Ele berrou seu anúncio alto o suficiente.

Madelyne deu um passo em direção a Adela com a intenção de protegê-la da ira de Gerald, mas Duncan subitamente voltou a segurá-la pela mão. Puxou-a para o seu lado e, quando ela abriu a boca para protestar, a pegada dele se intensificou, de modo que Madelyne resolveu deixar seu protesto para mais tarde.

Adela estava enfurecida demais para falar. Apanhou as saias e se apressou para cima de Gerald.

– Você ficará grisalho, velho e mirrado antes que eu mude de ideia, Gerald.

Gerald sorriu para Adela.

– Está subestimando minhas habilidades, Adela – ele lhe disse.

– Você é o homem mais teimoso da face da Terra – Adela disparou. – Seu... seu plebeu. – Deu-lhe as costas e saiu do salão.

Tudo ficaria bem. Madelyne sentia isso bem dentro do seu coração. Adela estava furiosa, mas não estava com medo.

– O que é um plebeu? – Gerald perguntou a Edmond.

Edmond deu de ombros e olhou para Madelyne.

– Mais uma de suas palavras? – perguntou.

– Sim – Madelyne confirmou.

– É tão ofensivo quanto Polifemo? – Edmond perguntou.

Madelyne meneou a cabeça.

– Pelo menos Adela o valoriza mais, Gerald, do que Madelyne a mim assim que nos conhecemos – Edmond disse com um sorriso.

Madelyne não sabia a que Edmond se referia. Duncan desejou boa noite a todos e arrastou Madelyne para fora do salão antes que ele pudesse perguntar a Edmond.

Marido e mulher não disseram uma palavra um ao outro até chegarem ao quarto de Duncan. Quando ele abriu a porta para ela, Madelyne estava pronta para lhe perguntar a respeito de Adela ou Edmond. O quarto chamou sua atenção primeiro. Duncan trouxera seus pertences de seu quarto da torre. As duas poltronas flanqueavam a lareira, a manta agora cobria a imensa cama dele e a tapeçaria pendia acima da cornija dele.

Maude já estava deixando o quarto, anunciando ao barão que o banho de Madelyne estava pronto para ela, conforme ele instruíra.

Assim que a porta se fechou atrás da criada, Madelyne disse:

– Não posso me banhar na sua frente, Duncan. Por favor, vá nadar no lago enquanto eu...

– Já a vi bastante sem suas roupas, Madelyne – Duncan disse. Soltou o cinto trançado dela, jogou-o sobre um das cadeiras, depois seguiu tirando-lhe tanto o manto quanto a túnica.

– Mas sempre na cama, Duncan, com lençóis e cobertas e... – A voz dela se perdeu.

Duncan riu.

– Entre na banheira, amor, antes que a água esfrie.

– Você nada num lago congelante – Madelyne o lembrou. O marido lentamente erguia sua camisa feminina por cima dos ombros. – Por que está fazendo isto? – perguntou, corando ao sentir o rubor nas faces. – Gosta de nadar quando está tão frio?

Madelyne pensou em desviar a atenção dele do ato de despi-la. Mas Duncan parecia capaz de responder à sua pergunta enquanto a despia ao mesmo tempo.

– Não aprecio muito – Duncan respondeu e rapidamente tirou as roupas íntimas, desejoso de se livrar das roupas que escondiam a beleza dela. Ajoelhou-se diante dela, tirou-lhe os sapatos e lentamente deslizou as meias finas antes de deslizar uma trilha ardente de carícias até a cintura.

As mãos dele a faziam suspirar de desejo.

– Então por que o faz? – Madelyne balbuciou.

– Para fortalecer minha mente e meu corpo.

Ele parou de tocar nela. Madelyne ficou desapontada.

– Existem maneiras mais fáceis de fortalecer o corpo – Madelyne suspirou.

Pensou que sua voz estava rouca. Tentou cobrir os seios, lançando os cabelos para a frente, e franziu o cenho ao ver que o comprimento não atendia à tarefa adequadamente. Começou a mexer convenientemente nos fios bloqueando a visão dos seios.

Mas Duncan não deixou que se escondesse dele. Levantou-se e, com gentileza, afastou-lhe as mãos. Espalmou-lhe os seios enquanto os polegares desenhavam círculos preguiçosos ao redor dos mamilos rosados. Os dedos dos pés de Madelyne se curvaram sobre o junco do piso. Instintivamente se inclinou para a frente, procurando mais do toque dele.

– Se eu a beijar, Madelyne, você não tomará o seu banho. Vejo a paixão nos seus olhos. Consegue sentir o quanto a desejo? – Sussurrou-lhe numa voz que acariciava tanto quanto as mãos.

Madelyne assentiu de leve.

– Eu sempre o quero, Duncan.

Forçou-se a se virar e andar até a tina.

Duncan tentou não observar a esposa. Jurara ir devagar esta noite. Faria amor com ela sem pressa, pouco importando o quanto o desejo de jogá-la na cama e possuí-la imediatamente o desafiasse.

Também seria gentil e usaria palavras suaves. Seu plano era forçá-la a lhe dizer o quanto o amava. Duncan estava inquieto. Precisava ouvir essas palavras agora que admitira para si mesmo o quanto a amava.

Duncan estava determinado a fazê-la amá-lo. E era arrogante o bastante para acreditar que, assim que a seduzisse, ela não seria capaz de lhe negar nada.

Duncan sorriu para si mesmo. Estava prestes a usar a obsessão dela de dizer sempre a verdade em seu favor. Retirou a túnica, depois se ajoelhou diante da lareira para colocar mais uma acha no fogo.

Madelyne se lavou rapidamente, preocupando-se que Duncan acabaria se virando e assistindo-a em tarefa tão íntima.

E então viu a graça de sua situação e gargalhou.

Duncan andou até se aproximar da tina. Com as mãos no quadril, exigiu saber o que ela considerava tão engraçado.

Não estava mais vestindo a camisa. O coração de Madelyne disparou. Subitamente também ficou sem ar. Ah, com que facilidade ele a excitava.

– Durmo ao seu lado todas as noites completamente nua. Eu não deveria ter mais vergonha. É por isso que estou rindo – acrescentou num dar de ombros que quase a afogou.

Madelyne ficou de pé diante do marido, provando a si mesma e a ele que não tinha mais vergonha.

Gotas de água reluziam na pele dela. As pontas dos cabelos se uniam em mechas molhadas. Ela tinha uma expressão travessa. Duncan se inclinou e a beijou uma vez, no alto da testa, e depois de novo, na ponta do nariz. Não conseguia se conter. Madelyne estava tão magnífica e tentando tão bravamente não parecer tímida diante dele.

Quando ela estremeceu, Duncan apanhou a tolha que Maude deixara em uma das cadeiras. Passou o tecido ao redor de Madelyne, ergueu-a para fora da tina e a carregou até a lareira.

Madelyne ficou com as costas para o fogo. Fechou os olhos quando os pelos do peito de Duncan roçaram seus seios. O calor do fogo aqueceu seus ombros e o olhar de Duncan esquentou seu coração.

Sentiu-se estimada. Era uma sensação tão maravilhosa que não ofereceu nenhum protesto quando Duncan começou a enxugá-la. A princípio ele usou o tecido para secar sua pele, mas quando terminou de enxugar as costas, usou as pontas do material para atraí-la para ele, arrastando-a para junto do peito. E, então, a boca capturou a dela num beijo ardente. A língua penetrou o tesouro que ela lhe oferecia. Duncan soltou o tecido, segurou-a pelas nádegas, e puxou-a para sua firmeza, para o seu incrível calor.

Ela gemeu de prazer junto à boca dele, afagou a língua dele com a sua. As mãos o acariciaram nas costas, mas quando as pontas dos dedos se insinuaram sob o cós das calças, Duncan abruptamente se afastou.

– Leve-me para a cama, Duncan – Madelyne pediu. Tentou capturar-lhe a boca para mais um beijo, mas Duncan deliberadamente se esquivou.

– Tudo a seu tempo, Madelyne – ele prometeu com um sussurro rouco. Beijou-lhe a ponta do queixo, depois lentamente traçou um caminho descendente até os seios. – Você é tão linda – elogiou-a.

Queria saboreá-la por inteiro. Duncan afagou um seio com uma mão enquanto venerava o outro com a boca, sugando-o até que o mamilo ficasse rijo.

A língua dele era como veludo quente. Madelyne mal conseguia permanecer de pé. Quando Duncan se ajoelhou e começou a distribuir uma chuva de beijos quentes e úmidos ao longo do ventre, ela inspirou fundo e se esqueceu de soltar o ar. As mãos lhe esfregavam as coxas, moveram-se para o interior delas, levando-a ao limite do descontrole. Beijou uma trilha ao longo da extensão da cicatriz enquanto as mãos prosseguiam com seu doce tormento, afagando-a, acariciando-a, adorando o calor dela.

Ele a segurou pelo quadril e quando a boca começou a beijar o monte suave de cachos entre as coxas, os joelhos dela cederam.

Duncan não permitiu que ela se movesse. A boca e a língua experimentavam o calor úmido que criara nela. Ela era doce como o mel e tão embriagante quanto o melhor dos vinhos.

Madelyne acreditou que morreria de prazer. As unhas se cravaram nos ombros de Duncan. Ela gemeu um lamúrio suave e aquele som erótico e primitivo quase enlouqueceu Duncan.

Ele abaixou Madelyne até o chão. A boca se apossou da dela bem quando os dedos penetravam a fenda estreita e úmida. Madelyne se arqueou contra a mão dele e gritou seu nome quando o esplendor explodiu dentro dela. Onda após onda de incrível prazer assolou-a e durante todo o tempo Duncan a abraçou, sussurrando palavras de amor.

Ela se sentia como ouro líquido nos braços dele, pensou em lhe dizer o quanto a agradara, mas não pareceu capaz de parar de beijá-lo pelo tempo suficiente para lhe dizer qualquer coisa.

Duncan se afastou e rapidamente tirou o resto de suas roupas. Deitou-se de costas, puxando Madelyne sobre si.

Sabia que estava prestes a perder o controle. Afastou-lhe as pernas, tentando não ser bruto, e quando ela o cavalgou, a mão começou a afagá-la freneticamente de novo. Madelyne gemeu o nome dele, implorou-lhe com as mãos e a boca que acabasse com aquele tormento.

Ele a suspendeu pelo quadril e a penetrou numa investida vigorosa. Ela estava mais do que pronta para ele.

Estava incrivelmente sensual, molhada e estreita.

Duncan se deixou capturar por ela. Madelyne arqueou as costas até cercá-lo por completo, e depois começou a se mover, com movimentos lentos e instintivos que o levaram à loucura.

Ele se sentiu tão fraco quanto um escudeiro e tão poderoso quanto um guerreiro. Duncan a segurou pelo quadril exigindo que ela se movesse com mais vigor.

Chegou ao clímax antes de Madelyne, mas o som e a sensação dele deram a Madelyne sua própria e maravilhosa capitulação.

Madelyne se largou sobre o peito dele. Duncan gemeu, mas Madelyne estava exausta demais e satisfeita demais para se desculpar.

Longos minutos se passaram antes que qualquer um deles fosse capaz de falar. Os dedos de Madelyne afagaram o peito de Duncan. Ela adorava a sensação dos pelos, a suavidade da pele quente, o cheiro maravilhoso dele.

Duncan lentamente rolou Madelyne até ela ficar presa debaixo do seu corpo. Moveu-se para o lado, Então, apoiou a cabeça num cotovelo e, casualmente, passou uma coxa pesada sobre as pernas dela.

Madelyne achou que ele parecia bem arrogante. Olhava para ela com uma expressão convencida. Uma mecha dos cabelos tinha pendido e agora repousava sobre a testa dele.

Madelyne estava prestes a levantar a mão e ajeitá-la de volta ao seu lugar quando Duncan falou.

– Eu te amo, Madelyne.

A mão dela ficou parada em pleno ar.

Os olhos de Madelyne se arregalaram e foi então que Duncan percebeu o que lhe dissera.

Não foi assim que planejara. Era para ela ter lhe dito que o amava. Ele sorriu ante seu ato falho e esperou pacientemente que ela se recuperasse da sua confissão e lhe dissesse o quanto o amava também.

Madelyne não acreditava que ele tivesse dito aquelas palavras. A expressão dele estava solene, garantindo que falava a verdade.

Ela começou a chorar. Duncan não sabia o que entender disso.

– Está chorando porque eu lhe disse que a amava?

Madelyne sacudiu a cabeça.

– Não – sussurrou.

– Então porque está tão aflita? Acabei de lhe dar prazer, não foi?

Ele parecia mesmo um pouco preocupado. Madelyne enxugou as lágrimas do rosto, acabando por bater no queixo de Duncan.

– Você me deu prazer – ela lhe disse. – Estou com tanto medo, Duncan. Você não deveria me amar.

Duncan suspirou. Resolveu que teria que esperar mais alguns minutos para conseguir arrancar uma explicação decente dela. Ela tremia demais para conseguir falar com alguma coerência.

Ele, de fato, se apegou à sua paciência, mas depois de tê-la carregado para a cama deles e de ambos estarem debaixo das cobertas, ela se aninhou nele e não disse nada.

– Por que está com medo? – ele perguntou. – É tão terrível assim o fato de eu amá-la?

A voz dele estava tão carinhosa que a levou às lagrimas de novo.

– Não pode haver esperança para nós, Duncan. O rei irá...

– Nos dar sua bênção, Madelyne. Nosso rei terá que aprovar este casamento.

Ele parecia tão seguro de si mesmo. Ela tirou conforto da confiança dele.

– Conte-me porque acredita que o rei tomará o seu partido. Faça-me entender. Não quero ter medo.

Duncan suspirou.

– O Rei Guilherme e eu nos conhecemos desde que éramos garotos. Ele tem muitos defeitos, mas já provou ser um líder hábil. Você desgosta dele por causa das histórias que ouviu do seu tio. E seu tio reflete as atitudes da igreja dele. O rei perdeu o apoio do clero porque tirou tesouros dos monastérios. E tampouco foi ágil ao substituir qualquer oficial da igreja. O clero deprecia nosso rei porque ele não cede às regras deles.

– Mas por que acredita que...

– Não me interrompa enquanto estou lhe ensinando algo – Duncan disse. Suavizou seu comando, apertando-a de leve. – Apesar de eu não querer me gabar, na verdade ajudei nosso rei a se unir aos escoceses e a manter um convívio pacífico. O rei conhece meu valor. Tenho um exército bem treinado que ele pode chamar a qualquer instante, Madelyne. Ele confia na minha fidelidade. Eu jamais o trairia. E ele sabe disso também.

– Mas, Duncan, Louddon é o amigo especial dele – Madelyne interveio. – Marta me disse isso, e eu ouvi boatos dos amigos do meu tio.

– Quem é essa Marta?

– Uma das criadas designadas ao meu tio – Madelyne respondeu.

– Ah, então ela deve ser tão infalível quanto o papa – Duncan replicou. – É isso o que você pensa?

– Claro que não – Madelyne murmurou. Tentou se virar para olhar para Duncan, mas ele não a deixava se mover. Voltou a se acomodar em seu ombro e disse: – Meu irmão se vangloria a respeito do seu poder sobre Guilherme.

– Diga-me, esposa, o que quis dizer com especial – Duncan ordenou.

Madelyne meneou a cabeça com veemência.

– Não posso dizer as palavras. Seria um pecado.

Duncan suspirou, exasperado. Conhecia muito bem as preferências do rei e deduzira há muito tempo que Louddon era mais do que um funcionário da corte de Guilherme. No entanto, ficou surpreso por sua inocente esposinha ter tal conhecimento.

– Você só terá que confiar em mim quanto a isto, Duncan, quando eu lhe digo que há um pacto pecaminoso entre meu irmão e o nosso rei.

– Isso não tem importância – Duncan replicou. – Não falaremos mais disso, visto que a deixa embaraçada. Sei o que quer dizer com especial, Madelyne. Todavia o rei não trairá seus barões. A honra está ao meu lado nesta contenda.

– Estamos falando da mesma honra que acabou por deixá-lo amarrado a um poste na fortaleza de Louddon por acaso? – Madelyne perguntou. – Você é tão honrável que confiou que Louddon honraria a trégua temporária, não foi?

– Foi um plano cuidadosamente pensado – Duncan respondeu. A voz dele arranhou o ouvido de Madelyne. – Nunca confiei em seu irmão.

– Ele poderia tê-lo matado antes que os seus homens tivessem entrado, Duncan – Madelyne argumentou. – E, na verdade, você poderia ter morrido congelado. Eu, claro, o salvei. Honra teve pouco a ver com isso.

Duncan não discutiu com ela. Claro que Madelyne estava equivocada em suas suposições, mas ele não sentia a necessidade de apontar o erro dela.

– Louddon me usará para atingi-lo.

Esse comentário não fazia sentido algum.

– Madelyne, não existe um barão sequer que não tenha ouvido a respeito de Adela. Se o rei der as costas para a verdade, terá cometido seu primeiro erro tolo. Existem outros barões leais que ficarão ao meu lado. Todos estamos ligados pela honra ao nosso líder, sim, isso é fato, mas ele também deve agir com honra para com cada um de nós. De outro modo nosso juramento de vassalagem não significa nada. Tenha fé em mim, Madelyne. Louddon não pode vencer esta guerra. Confie em mim, esposa, para saber o que deve ser feito.

Madelyne pensou no que ele disse por diversos minutos e depois sussurrou:

– Sempre confiei em você, desde a noite em que dormimos juntos na sua tenda. Prometeu que não tocaria em mim enquanto eu dormisse, e eu acreditei em você.

Duncan sorriu ante a lembrança.

– Percebe agora o quanto foi absurdo você acreditar que eu tiraria proveito de você sem que soubesse?

Madelyne assentiu.

– Tenho o sono muito pesado, Duncan – ela brincou.

– Madelyne, não vou ignorar nosso assunto inicial. Acabei de lhe jurar meu amor. Não tem nada para me dizer? – Duncan perguntou.

– Obrigada, marido.

– Obrigada? – Ele berrou a palavra de volta para ela. A paciência o desertou. Madelyne deveria lhe dizer o quanto o amava e por que diabos ela não sabia que isso o enfurecia?

Madelyne subitamente se viu deitada de costas com o marido pairando acima dela. O músculo na lateral do maxilar saltava, um verdadeiro indício da raiva dele. Ele parecia pronto para uma batalha.

Mas ela não ficou nem um pouco intimidada. Madelyne suavemente afagou-lhe os ombros, depois deslizou as palmas pelas laterais dos braços dele. O corpo dele estava duro, rijo. Ela sentia a força de aço debaixo das pontas dos dedos. Nunca despregou os olhos dos dele enquanto o acariciava. E, apesar de sentir a força dentro dele, também via a vulnerabilidade nos seus olhos. Era uma expressão que nunca vira antes, mas que reconhecia de todo modo. Duncan estava preocupado.

Quando ela o presenteou com um sorriso carinhoso, Duncan de imediato deixou de carranquear. Viu a centelha nos olhos dela e reagiu a isso. O corpo relaxou contra o dela.

– Ousa caçoar de mim?

– Não estou caçoando – Madelyne lhe disse. – Você acabou de me dar o presente mais maravilhoso, Duncan. Estou encantada.

Ele esperou para ouvir mais.

– Você é o único homem que disse que me amava – Madelyne sussurrou. Uma ruga se formou na testa dela ao acrescentar: – Como posso não retribuir esse amor?

Parecia que ela tinha acabado de perceber isso. O suspiro de exasperação de Duncan quase afastou o cabelo dela.

– Então, imagino que eu deva me considerar um homem de sorte por Gilard não ter lhe dito que a amava primeiro.

– Ele o fez – Madelyne anunciou, sorrindo ante a surpresa provocada pela admissão. – Mas eu não podia considerar aquele juramento de amor como sendo o primeiro, sabe, porque não é amor de verdade. Seu irmão está apenas um pouco apaixonado.

Madelyne de repente se esticou e beijou Duncan. Envolveu a cintura dele e o abraçou.

– Ah, Duncan, eu o amo há tanto tempo. Que tola que fui ao não perceber isso antes. Embora eu tenha que confessar, hoje à noite, enquanto estávamos sentados diante da lareira com a sua família e o seu hóspede, foi quando percebi. Você me deu valor, Duncan. Em meu coração, sei que sou importante para você.

Duncan meneou a cabeça.

– Você sempre teve valor, Madelyne. Sempre.

Os olhos de Madelyne se encheram de lágrimas.

– O seu amor por mim é um milagre. Você me capturou para levar adiante um plano de vingança contra meu irmão. Não foi?

– Foi – Duncan admitiu.

– É por isso que se casou comigo – Madelyne disse. Subitamente, franzia o cenho para o marido. – Você já me amava naquela época?

– Pensei que fosse desejo – Duncan respondeu. – Eu queria levá-la para a cama – acrescentou com um amplo sorriso.

– Vingança e desejo – Madelyne ponderou. – Motivos muitos fracos, Duncan.

– Você se esqueceu da compaixão – Duncan lhe informou.

– Compaixão? Está dizendo que teve pena de mim, é isso? – Madelyne perguntou, ficando irritada. – Bom Deus, você me ama por piedade?

– Meu amor, você acabou de listar todos os motivos que dei a mim mesmo.

Ela se ofendeu com a risada dele.

– Se o seu amor se baseia em desejo, piedade e vingança, então...

– Madelyne – Duncan a interrompeu, tentando aplacá-la – O que eu lhe disse antes de deixarmos a fortaleza do seu irmão? Você se lembra?

– Você me disse: olho por olho – Madelyne respondeu.

– Você me perguntou se pertencia a Louddon. Você se lembra qual foi a minha resposta para essa pergunta?

– Sim, apesar de não ter compreendido – Madelyne disse. – Você disse que eu pertencia a você.

– Eu disse a verdade – Duncan lhe disse. Beijou-a só para que ela se livrasse daquela expressão de suspeita.

– Ainda não entendo – Madelyne confessou quando ele a deixou voltar a falar.

– Nem eu – Duncan disse. – Pensei em ficar com você, mas só considerei o casamento mais tarde. Na verdade, Madelyne, foi o seu ato de bondade que selou o seu destino.

– Foi? – Os olhos de Madelyne voltaram a reluzir com lágrimas. A expressão no rosto de Duncan era tão amorosa e carinhosa.

– Foi inevitável a partir do momento em que aqueceu meus pés, apesar de eu ter precisado de um tempo para reconhecer a verdade.

– Você me chamou de simplória – Madelyne lhe disse, sorrindo ante a lembrança.

A centelha voltara aos olhos dela. Já não estava mais brava. Duncan fingiu ultraje com a observação só para conseguir uma reação dela.

– Eu nunca a chamei de simplória. Foi outra pessoa e eu o desafiei de imediato.

Madelyne explodiu numa gargalhada.

– Foi você, barão. Mas eu já o perdoei. Além disso, eu o chamei por diversos nomes pouco gentis.

– Chamou? Nunca os ouvi – Duncan disse. – Quando me chamou por esses nomes?

– Quando você estava de costas, evidentemente.

Ela parecia tão inocente. O sorriso de Duncan se ampliou.

– A sua obsessão em contar a verdade um dia a colocará em sérios apuros. – Beijou-a de novo antes de continuar. – Mas eu estarei ao seu lado para protegê-la.

– Assim como eu o protegerei – Madelyne lhe disse. – É meu dever como sua esposa.

Ela riu ante a expressão de incredulidade dele.

– Você não me preocupa – ela se gabou. – Não terei mais medo de você agora que sei de seu amor.

Ele pensou que ela parecia muito convencida.

– Sei disso.

Madelyne riu por conta do tom desconsolado dele.

– Quero ouvir de novo que me ama – Duncan exigiu.

– Mas que ordem mais arrogante para me dar – Madelyne sussurrou. – Eu o amo com todo o meu coração, Duncan. – Beijou-o no queixo. – Eu daria a minha vida por você, meu marido. – Esfregou o lábio inferior dele com a língua. – Eu o amarei para sempre.

Duncan grunhiu de prazer e seguiu em frente, amando-a lenta e docemente.

 

– Duncan?

– Sim, meu amor?

– Quando percebeu que me amava?

– Vá dormir, Madelyne. Está quase amanhecendo.

Ela não queria dormir. Madelyne não queria que aquela noite gloriosa acabasse. Deliberadamente, contorceu-se de volta até o abdômen dele. Curvou os dedos dos pés entre as pernas dele.

– Por favor, conte-me exatamente quando foi.

Duncan suspirou. Sabia que ela não se aquietaria até que lhe respondesse.

– Hoje.

– Rá! – Madelyne exclamou.

– Rá, o quê? – Duncan perguntou.

– Agora você está começando a fazer sentido – Madelyne explicou.

– É você quem não está fazendo sentido algum – Duncan replicou.

– É você quem vem agindo de modo tão imprevisível o dia todo. Para dizer a verdade, você me preocupou um pouco. Quando hoje?

– Quando o quê?

– Quando exatamente percebeu que me amava? – Madelyne não desistiria.

– Quando pensei que meu cavalo a mataria.

– Sileno? Pensou que Sileno me faria mal?

Ele ouviu a incredulidade na voz dela. Sorriu sobre o alto da cabeça dela. Madelyne não fazia ideia do horror que lhe causara.

– Duncan?

Ele gostava do modo como ela sussurrava seu nome quando queria algo dele. Era carinhoso, bajulador e terrivelmente sexy.

– Você estragou meu garanhão. Eu estava lhe dizendo isso lá embaixo quando dormiu no meu colo.

– Não o estraguei – Madelyne protestou. – Eu só lhe mostrei gentileza. Por certo ser afetuoso não pode ser algo ruim.

– O afeto pode significar a minha morte se não me deixar dormir – ele respondeu com um bocejo. – Você se transformou numa meretriz insaciável – ele acrescentou com um suspiro zombeteiro. – Acabou com as minhas forças.

– Obrigada.

– Pode ficar com Sileno.

– Sileno? Meu? – Ela pareceu tão ansiosa quanto uma criança.

– O animal é leal a você agora. Você transformou minha grande fera em um cordeiro. Jamais superarei isso.

– Superar o quê?

Duncan ignorou a pergunta. Fez com que se virasse de frente para ele. Depois a encarou longamente.

– Preste muita atenção, esposa. Não poderá montar nele até receber instruções adequadas. Compreendeu?

– O que o faz crer que eu já não tenha recebido instruções adequadas? – Madelyne perguntou. Claro que não recebera, mas acreditava ter escondido essa sua falha dele. Mas o marido era mais astuto do que ela percebera.

– Só me prometa isso – Duncan exigiu.

– Prometo. – Começou a mordiscar o lábio inferior, quando um pensamento repentino começou a incomodá-la. – Não vai mudar de ideia pela manhã, vai?

– Claro que não. Sileno é seu agora.

– Eu não estava me referindo a Sileno.

– A que, então?

Ela parecia preocupada. Duncan franziu o cenho até ela sussurrar-lhe seu medo:

– Não vai mudar de ideia quanto a me amar, vai?

– Nunca.

Beijou-a para dar prova de sua promessa, depois fechou os olhos e rolou de costas, com toda a intenção de dormir. Estava exausto.

– Não se lembrou de nadar no seu lago esta noite. Isso foi muito imprevisível da sua parte.

Quando ele não comentou, Madelyne o cutucou.

– Por que não foi?

– Porque estava malditamente frio demais.

Era uma resposta sensata, mas estranha vinda de Duncan. Madelyne lhe sorriu. Ah, como o amava.

– Duncan? Você gostou de fazer amor comigo diante da lareira? Você sabe... quando me beijou... lá embaixo?

Ela soou tímida, curiosa também.

– Sim, Madelyne. Você é doce como o mel.

A lembrança do sabor dela o excitou de novo. O desejo que sentia pela esposa o surpreendia.

Madelyne rolou de lado e olhou para Duncan. Os olhos dele estavam fechados, porém ele sorria e parecia muito satisfeito.

A mão dela lentamente formou um caminho do queixo dele até o abdômen.

– Eu gostarei do seu sabor? – ela lhe perguntou num sussurro rouco.

Antes que Duncan pudesse lhe responder, Madelyne se inclinou para baixo e beijou o umbigo, sorrindo quando percebeu que os músculos do abdômen se retesavam. A mão lentamente desceu mais, afagando uma linha para que a boca e a língua seguissem.

Duncan parou de respirar quando a boca dela o capturou.

– Você é tão firme, Duncan, tão quente – ela lhe disse. – Dê-me esse seu fogo.

Duncan se esqueceu de dormir. Deixou que a esposa tecesse sua magia sobre ele. Pensou que devia ser o homem mais rico do mundo e tudo porque sua esposa o amava.

E, em seguida, não conseguiu pensar em mais nada.


CAPÍTULO DEZOITO


“Ora, este é o mais forte, de onde se segue, para um homem de bom raciocínio, que em todos os lugares o justo é a mesma coisa: o interesse do mais forte.”
Platão, A República, I3

 

Com os dias inclementes de inverno vieram temperaturas perversas trazidas pelos ventos uivantes que assolavam os campos com dentes gélidos e insensíveis. O inverno prometia prender o mundo num esplendor glacial por toda a eternidade, ao que parecia, até que a donzela delicada, a primavera, adiantou-se com uma promessa toda própria. Ela trazia o dom do renascimento, envolvido do brilho quente do sol. Persuadidos por essa promessa, os ventos perderam a rispidez arrepiante e, como mágica, tornaram-se brisas suaves.

As árvores foram as primeiras a revelar o cumprimento da promessa. Os galhos já não estavam quebradiços, mas maleáveis com movimentos graciosos quando a brisa os incitava. Botões frágeis e folhas verdes engrossavam cada ramo. Sementes esquecidas, lançadas na terra pelos turbulentos avisos outonais, agora vicejavam numa confusão de cores e fragrâncias impetuosas o bastante para atrair as abelhas vaidosas.

Era um tempo mágico para Madelyne e havia alegria em amar Duncan. Considerava um milagre que Duncan a amasse. Nas primeiras semanas após a declaração dele, ela chegou a ficar inquieta, preocupada que ele logo se entediasse dela. Esforçava-se para agradá-lo; todavia, a inevitável primeira briga aconteceu de todo modo. Um simples mal entendido que poderia ter sido facilmente resolvido, levado além da correta proporção por conta do mau humor de Duncan e do cansaço dela.

Na realidade, Madelyne sequer se lembrava de quem começara a discussão. Lembrava-se apenas que Duncan gritara com ela. Ela de imediato se retirara para trás da sua máscara de compostura, mas não demorou para que o marido arrancasse essa tranquilidade ensaiada de dentro dela. Ela explodira em lágrimas, disse-lhe que ele evidentemente não a amava mais e, depois, correra para a torre.

Duncan a seguira. Continuou gritando, mas o assunto mudara para o hábito que ela tinha em se precipitar nas suas conclusões. Quando ela percebeu que ele estava furioso por ela pensar que ele deixara de amá-la, não se importou mais com as carrancas e com os gritos. Afinal, ele estava gritando que a amava.

Ela aprendera uma importante lição naquela noite. Não havia problema algum em retribuir os gritos. As regras para ela mudaram todas desde que conhecera os Wexton. A liberdade que lhe era permitida agora destrancara todas as portas das suas emoções. Ela não tinha mais que se conter. Quando sentia vontade de gargalhar, gargalhava. E quando estava com vontade de gritar, seguia em frente, apesar de ainda tentar fazer isso como uma dama faria, de modo digno.

Madelyne também percebeu que estava incorporando algumas das características do marido.

Existia segurança na previsibilidade e ela começava a desgostar das mudanças tanto quanto ele. Quando Gilard e Edmond tiveram que ir embora para seus quarenta dias com seus suseranos, Madelyne deixou claro para todos que estivessem próximos o bastante para ouvir seus gritos seu descontentamento.

Duncan apontou para a inconsistência do raciocínio dela, lembrando-a até da vez em que ela discutira em favor de dar mais responsabilidades aos seus irmãos. Madelyne, contudo, não queria ouvir a razão. Tornara-se uma galinha mãe e queria que todos os Wexton ficassem sob suas asas.

Duncan entendia a esposa muito melhor do que ela o entendia. Seus irmãos e Adela haviam se tornado a família dela. Estivera sozinha por tantos anos que o prazer de ter tantas pessoas carinhosas cercando-a era reconfortante demais para deixar que fossem embora sem protestos.

Ela também era uma pacificadora. Madelyne constantemente interferia se achava que alguém estava sendo perseguido. Era a protetora de todos e, ainda assim, ficava surpresa quando alguém tentava protegê-la.

Na realidade, ela ainda não entendia o próprio valor. Duncan sabia que ela acreditava que era um milagre ele amá-la. Ele não era um homem dado a proclamar seus sentimentos, mas rapidamente percebeu que ela precisava ouvir suas declarações de amor com frequência. Existia uma sensação subjacente de medo e de insegurança, compreensível por causa do passado dela, e ele aceitou que levaria tempo para que ela tivesse confiança em suas habilidades.

Os dias passados com sua nova esposa teriam sido idílicos caso Adela não estivesse tão determinada a enlouquecer a todos eles. Duncan procurou manter uma atitude de empatia para com a irmã, mas o comportamento dela bastou para que ele, secretamente, desejasse estrangulá-la.

Cometeu o erro de contar a Madelyne como se sentia a respeito da conduta de Adela e do desejo que tinha de colocar uma mordaça na boca dela. Madelyne ficou horrorizada. Defendeu Adela de imediato e sugeriu que ele aprendesse a ter compaixão. E por que, em nome de Deus, ela pensava que ele quereria fazer isso estava além da compreensão de Duncan.

Madelyne o chamava de insensível, embora o oposto fosse a verdade. E Duncan, ademais, sentia muita empatia pelo Barão Gerald. Seu amigo tinha a paciência de Jó e a resistência do aço forjado.

Adela fazia o que podia para dissuadir seu pretendente. Zombava, gritava, chorava. Nada disso importou, pois Gerald não desistiu do objetivo de conquistá-la. Duncan acreditava que ou Gerald era teimoso como uma mula ou estúpido como um touro. Talvez fosse um pouco de ambos.

Duncan não tinha como não admirar Gerald. Tamanha determinação era louvável, ainda mais considerando que o prêmio que Gerald procurava conquistar tivesse se tornado uma megera irritante.

Duncan preferiria ignorar a situação toda. Madelyne, contudo, não lhe permitia esse privilégio. Constantemente o arrastava para o meio das discussões familiares, explicando que era seu dever acertar as coisas.

Ela lhe disse, muito sinceramente, que ele podia ser tanto suserano quanto senhor, e que toda aquela tolice de se manter frio e distante da família era um hábito do passado a ser descartado.

A esposa também dizia que era possível manter o respeito dos irmãos e conquistar a amizade deles. Duncan não discutiu com ela. Deus bem sabia que ele não ganhara nenhuma discussão desde que se casaram.

Naquele assunto, todavia, ela tinha razão. Não se deu ao trabalho de lhe dizer isso, claro, sabendo que ela de pronto lhe indicaria algum outro “hábito” seu que ele deveria descartar.

Começou a fazer as refeições com a família porque sabia que isso agradaria Madelyne, e descobriu que também sentia prazer nesses momentos. Discutia diversos assuntos e apreciava os debates animados que isso resultava. Os irmãos eram, os dois, homens perspicazes, e não demorou para que Duncan começasse a valorizar as sugestões deles.

Removeu lentamente as barreiras que erguera para se separar da família, descobrindo que as recompensas eram muito maiores que o esforço.

O pai dele estava errado, Duncan sabia disso agora. O patriarca talvez tenha governado com rigidez para proteger sua posição como senhor do castelo ou talvez porque tenha pensado que perderia o respeito deles caso demonstrasse afeto aos filhos. Duncan não tinha como saber qual fora o motivador do pai. Sabia apenas que não tinha mais que seguir os antigos costumes dele.

Tinha que agradecer à esposa pela sua mudança de atitude. Ela lhe ensinara que medo e respeito não tinham que andar um ao lado do outro. Amor e respeito também trabalhavam bem juntos, talvez ainda melhor. Era irônico. Madelyne agradeceu Duncan por ele ter dado a ela um lugar em sua família, quando o inverso é que era, de fato, a verdade. Ela lhe dera um lugar em sua própria casa. Mostrara-lhe como ser um irmão para Gilard, Edmond e Adela. Sim, arrastara-o bem para o meio do círculo familiar.

Duncan manteve seus horários com seus homens, mas reservou uma hora todas as tardes para ensinar a esposa a cavalgar apropriadamente. Ela era uma rápida aprendiz e não demorou para que ele permitisse que ela montasse Sileno até a colina mais baixo logo além da muralha. Ele a seguia, claro, como precaução. E também reclamava por conta do hábito obstinado dela de levar comida ao seu lobo imaginário.

Madelyne lhe pediu para que explicasse por que um lado da colina era infértil enquanto o outro era uma floresta.

Duncan lhe explicou que todas as árvores haviam sido cortadas do lado que dava para a fortaleza. O vigia não enxergaria além do cume, por isso não era necessário cortar as árvores do lado oposto. Qualquer um que pedisse entrada em seu lado, primeiro teria que subir essa colina mais baixa antes. Os vigias veriam se se tratava de amigo ou inimigo. E, caso fosse inimigo, os arqueiros teriam um alvo fácil sem o aglomerado de árvores para servir de escudo e de esconderijo.

Ela se surpreendera com a explicação; parecia que tudo o que ele fazia estava relacionado à proteção. Ele sacudiu a cabeça e explicou à esposa que proteção era sua responsabilidade como senhor de Wexton.

Madelyne sorriu ante a explanação dele. Ele também se acostumara aos sorrisos dela.

Duncan sabia que Madelyne se preocupava com o futuro deles. Ainda não gostava de ser lembrada do irmão, e todos procuravam não mencionar o nome dele em suas conversas. E como Duncan parecia ser incapaz de convencê-la de que tudo ficaria bem, ambos evitavam o assunto.

A primavera foi uma época de esclarecimento para Duncan. Teve que deixar Madelyne por quase um mês por conta de assuntos urgentes de negócios e, quando regressou, sua esposa chorou de alegria. Ficaram acordados a noite inteira, amando-se apaixonadamente, e teriam ficado na cama no dia seguinte caso os afazeres da casa não tivessem se interposto.

Madelyne odiava quando Duncan tinha que deixá-la. E ele odiava tanto quanto e, apesar de nunca confessar isso a Madelyne, seus pensamentos se concentravam apenas em regressar para junto do regaço dela.

A primavera deixou um manto de luminosidade e de flores em seu rastro. Dias quentes de verão por fim chegaram às terras de Wexton.

Viajar era mais fácil agora e Duncan sabia que era apenas questão de tempo até que fosse convocado pelo rei. Escondia suas preocupações de Madelyne enquanto placidamente reunia seus homens.

O Barão Gerald regressara à propriedade dos Wexton nos últimos dias de junho para mais uma tentativa de conquistar Adela. Duncan encontrou o amigo no pátio. Os dois tinham notícias importantes para partilhar. Duncan acabara de receber um mensageiro que trazia uma missiva com o selo real. O Barão de Wexton sabia ler, um fato sobre o qual a esposa nada sabia, e a carta que acabara de ler o irritara. Estava preocupado demais para cumprimentar Gerald adequadamente.

Gerald parecia estar no mesmo estado de espírito e disposição. Depois de se curvar levemente, entregou as rédeas de seu garanhão a Ansel e se voltou para Duncan.

– Acabei de retornar de Clares – anunciou num sussurro baixo.

Duncan gesticulou para que Anthony se aproximasse.

– Há muitas coisas sobre as quais discutir e eu gostaria que Anthony participasse – explicou a Gerald.

Gerald assentiu.

– Eu dizia a Duncan que acabei de retornar da propriedade Clares – Gerald repetiu. – O irmão do rei, Henrique, também estava lá. Ele fez muitas perguntas a seu respeito, Duncan.

Os três homens caminharam lentamente em direção ao muro.

– Creio que ele esteja tentando chegar a alguma conclusão quanto à sua posição caso ele se torne nosso rei – Gerald confessou.

Duncan franziu o cenho.

– Que perguntas? – inquiriu.

– A conversa foi reservada. Era como se todos eles tivessem alguma informação desconhecida por mim. Não estou fazendo muito sentido, estou? – perguntou.

– Existe a necessidade de proteger Guilherme? Acredita que Henrique o desafiará?

– Não, não acredito nisso – Gerald disse com ênfase. – Mas achei tudo muito estranho. Você não foi convidado, contudo todas as perguntas lhe diziam respeito.

– Eram perguntas quanto à minha lealdade?

– A sua lealdade nunca foi questionada – Gerald respondeu. – Mas você comanda um exército dos melhores soldados da Inglaterra, Duncan. Facilmente poderia desafiar nosso rei se quisesse fazer isso.

– Henrique acredita que eu me voltaria contra meu soberano? – perguntou, visivelmente atordoado com a possibilidade.

– Não, todos sabem que você é um homem honrado, Duncan. Ainda assim, esse encontro não fez nenhum sentido para mim. A atmosfera estava muito estranha. – Gerald deu de ombros, depois disse: – Henrique o admira, entretanto percebi que ele está preocupado com alguma coisa. Só Deus sabe o que pode ser.

Os três homens subiram os degraus para o salão principal. Madelyne estava parada junto à mesa de jantar, arrumando um buquê de flores num jarro. Três garotinhos estavam no chão perto dela, comendo tortinhas.

Madelyne levantou os olhos quando ouviu os homens se aproximarem. Sorriu ao ver que Gerald mais uma vez os visitava. Com uma mesura, recebeu os três.

– O jantar estará pronto em uma hora. Gerald, é muito bom vê-lo novamente, não é mesmo, Anthony? Adela ficará muito contente.

Os três homens gargalharam alto.

– Estou dizendo a verdade – Madelyne insistiu. Virou-se, então, para as crianças. – Terminem seus doces do lado de fora. Willie, por favor, encontre Lady Adela. Diga-lhe que ela tem um convidado. Consegue se lembrar desta tarefa importante? – perguntou-lhe.

As crianças ficaram de pé e correram para fora do salão. Willie subitamente se virou e lançou os braços ao redor das pernas de Madelyne. Duncan observou a esposa se segurar na mesa com uma mão e dar um tapinha afetuoso no alto da cabeça da criança com a outra.

Sentiu-se enternecido com a gentileza dela. Todas as crianças amavam Madelyne e a seguiam onde quer que ela fosse. Cada uma delas ansiava pelos sorrisos e pelos elogios dela. Nenhum dos pequenos se desapontava jamais. Madelyne conhecia todos pelo nome, um feito considerável levando-se em consideração que havia bem uns cinquenta morando dentro do castelo com seus pais.

Quando Willie finalmente soltou Madelyne e correu para a entrada, o vestido dela estava marcado pela sujeirinha do rosto do menino.

Ela baixou o olhar para o estrago e suspirou. Depois chamou o menino.

– Willie, não se esqueça de se curvar diante de seu senhor da próxima vez.

O pequeno parou, virou-se e se curvou desajeitadamente. Duncan assentiu. A criança sorriu e recomeçou a correr.

– De quem são essas crianças? – Gerald perguntou.

– Dos criados – Duncan respondeu. – Elas seguem minha esposa.

Um grito de infelicidade cortou o ar. Duncan e Gerald suspiraram em uníssono. Willie evidentemente informara a Adela da chegada de Gerald.

– Desfaça essa carranca, Gerald – Madelyne disse. – Adela vem se arrastando pelos cantos do castelo desde sua última partida. Acredito mesmo que ela tenha sentido sua falta. Não concorda, Anthony?

Duncan via pela expressão no rosto do vassalo que ele não concordava. Gargalhou quando Anthony disse:

– Se acha isso, então eu concordo que possa existir uma possibilidade remota.

Gerald sorriu.

– Sempre um diplomata, não é mesmo, Anthony?

– Não desejo desapontar minha senhora – Anthony anunciou.

– Rezo para que tenha razão, Madelyne – Gerald disse. Sentou-se entre Duncan e Anthony à mesa. Madelyne entregou-lhe uma taça de vinho e Gerald deu um longo e demorado gole. – Gilard e Edmond estão aqui? – perguntou depois.

Duncan meneou a cabeça. Aceitou a taça que Madelyne lhe entregou, mas não soltou sua mão. Madelyne se recostou a seu lado e sorriu.

– Duncan, Padre Laurance finalmente fará a missa para nós – Madelyne anunciou. Virou-se para explicar sua declaração para Gerald. – O padre queimou as mãos logo depois de nos casar. O pobre homem demorou muito tempo para se curar. Foi um terrível acidente, apesar de ele não ter explicado exatamente como foi que aconteceu.

– Se tivesse permitido que Edmond cuidasse das queimaduras, não teria levado tanto tempo para se curar – Anthony observou. – Agora Edmond está fora, claro – acrescentou com um dar de ombros.

– Tive a intenção de conversar com Padre Laurance – Duncan murmurou.

– Não gosta do homem? – Gerald perguntou.

– Não.

Madelyne se surpreendeu com o comentário do marido.

– Duncan, ele nunca fica perto de você. Como pode gostar ou desgostar dele? Você mal o conhece.

– Madelyne, ele não cumpre seu dever. Ele se esconde na capela. É tímido demais para o meu gosto.

– Eu não sabia que você era um homem tão religioso assim – Gerald interveio.

– Ele não é – Anthony comentou.

– Duncan só quer que o padre faça o que veio fazer aqui – Madelyne disse. Esticou o braço e encheu novamente a taça de Anthony.

– Ele me insulta – Duncan anunciou. – Esta manhã uma carta chegou por um mensageiro do seu monastério. Solicitei a substituição dele. Madelyne escreveu o pedido para mim – terminou, com um tom de orgulho na voz.

Madelyne cutucou o braço de Duncan, quase derramando o vinho dele. Duncan sabia que ela não queria que ele contasse a ninguém o fato de ela saber ler e escrever. Sorriu-lhe, divertindo-se por ela se envergonhar de um talento tão admirável.

– O que dizia a carta? – Madelyne perguntou.

– Não sei – Duncan respondeu. – Tinha outros assuntos importantes a resolver, esposa. Isso pode esperar até depois do jantar.

Outro grito interrompeu a conversa. Adela evidentemente estava se exercitando.

– Madelyne, pelo amor de Deus, vá até Adela e faça-a parar com esses gritos. Gerald, estou começando a temer suas visitas – Duncan disse ao amigo.

Madelyne se apressou a suavizar o comentário.

– Meu marido não teve a intenção de ser rude – disse a Gerald. – Ele tem muitos assuntos importantes em mente.

Duncan suspirou, longo o bastante de modo a atrair a atenção da esposa.

– Você não tem que desculpar meu comportamento, Madelyne. Agora, vá procurar Adela.

Madelyne assentiu.

– Vou convidar o Padre Laurance para se juntar a nós a mesa. Ele não virá, mas vou convidá-lo mesmo assim. Se, por acaso, ele nos agraciar com sua presença, por favor, seja educado com o homem até que o jantar termine. Depois poderá gritar com ele.

Aquilo foi dito como um pedido e, no entanto, numa voz carregada de comando. Duncan carranqueou para Madelyne. Ela lhe sorriu.

Assim que Madelyne saiu do salão, Gerald disse:

– Nosso rei retornou à Inglaterra. – Sua voz não passou de um sussurro.

– Estou pronto – Duncan respondeu.

– Irei com você quando a petição chegar – Gerald disse.

Duncan meneou a cabeça.

– Não pode acreditar que nosso rei ignorará seu casamento, Duncan. Você terá que dar conta de seus atos. E eu tenho tanto direito de desafiar Louddon quanto você. Mais até talvez. Estou determinado a matar o bastardo.

– Meia Inglaterra gostaria de matá-lo – Anthony interveio.

– A petição já chegou – Duncan comentou. A voz dele soou tão tranquila que levou um momento para que os outros homens reagissem.

– Quando? – Gerald exigiu saber.

– Pouco antes de sua chegada – Duncan explicou.

– Quando iremos? – Anthony perguntou.

– O rei exige que eu parta para Londres imediatamente – Duncan disse. – Depois de amanhã está de bom tamanho. Anthony, desta vez você ficará.

O vassalo não demonstrou nenhuma reação externa em relação à decisão de seu senhor. Ficou confuso, no entanto, porque normalmente cavalgava ao lado dele.

– Levará Madelyne consigo? – Gerald perguntou.

– Não, ela estará mais protegida aqui.

– Protegida da ira do rei ou da de Louddon?

– De Louddon. O rei a protegeria.

– Você tem mais fé nisso do que eu – Gerald admitiu.

Duncan olhou para Anthony.

– Deixarei meu maior tesouro em suas mãos, Anthony. Isto pode ser uma armadilha.

– O que está sugerindo? – Gerald perguntou.

– Que Louddon tem acesso ao selo real. As instruções na carta não foram dadas pela voz do rei. É isso o que estou sugerindo.

– Quantos homens levará e quantos deixará protegendo Madelyne? – Anthony perguntou, já pensando na proteção da fortaleza. – Isto pode ser um plano para afastá-lo daqui de modo que Louddon possa atacar. Ele sabe que você não levará Madelyne junto, estou aqui pensando.

Duncan assentiu.

– Já pensei nessa possibilidade.

– Só tenho cem homens comigo agora – Gerald interveio. – Posso deixá-los aqui com Anthony, se esse for o seu desejo, Duncan.

Gerald e Anthony discutiram a questão dos números enquanto Duncan se levantou e caminhou até se postar diante da lareira. Por acaso se virou a tempo de ver Madelyne fazer a curva. Ela provavelmente estava indo falar com Padre Laurance, ele pensou. Aquele menino, Willie, segurava a saia dela e corria para acompanhá-la.

Duncan dispensou a esposa da mente quando Anthony e Gerald se juntaram a ele. Uns bons dez minutos se passaram num debate acalorado quanto à defesa da fortaleza Wexton. Anthony e Gerald puxaram as cadeiras e Duncan também se acomodou na cadeira que Madelyne designara como sendo sua.

De repente, Willie entrou correndo no salão. O menino derrapou ao parar diante de Duncan. Willie trazia um olhar selvagem e aterrorizado.

Duncan pensou que parecia que o menino acabara de ver o demônio. Não desviou o olhar da criança. Willie timidamente caminhou até ficar ao lado da cadeira de Duncan.

– O que foi, menino? Quer falar comigo? – Duncan perguntou. Manteve a voz suave para que o menino não ficasse ainda mais assustado.

Anthony começou a fazer uma pergunta a Duncan, mas o barão levantou a mão, pedindo silêncio.

Duncan virou a cadeira até ficar de frente para a criança. Inclinou-se para baixo e gesticulou para que Willie se aproximasse mais. Willie começou a chorar, mas se colocou entre as pernas de Duncan, chupando o polegar enquanto encarava seu senhor.

A paciência de Duncan estava acabando. Subitamente, Willie tirou o dedo da boca e sussurrou:

– Ele está batendo nela.

Duncan saltou da cadeira, derrubando-a e já estava na metade do salão antes que Gerald e Anthony soubessem o que estava acontecendo.

– O que está acontecendo? – Gerald perguntou a Anthony quando o vassalo se pôs atrás do seu senhor.

Gerald foi o último a entender o medo.

– Madelyne – Anthony gritou o nome dela. Gerald se pôs de pé e foi atrás de Anthony. A espada foi desembainhada antes que ele alcançasse os degraus.

Duncan chegou primeiro à capela. A porta estava trancada, mas ele não teve dificuldades para derrubá-la. A ira lhe deu forças.

O som que produziu alertou o Padre Laurance. Quando Duncan se apressou no átrio, o padre usava Madelyne como escudo. Segurava-a diante de si e apontava uma adaga para a lateral do pescoço dela.

Duncan não olhou para Madelyne. Não ousava. Sua raiva explodiria então. Manteve o foco no homem demente que o desafiava.

– Se se aproximar, corto a garganta dela – o padre berrou. Ele recuava lentamente, meio arrastando, meio puxando sua refém.

Para cada passo que o padre recuava, Duncan avançava outro.

O padre se viu acuado contra uma pequena mesa quadrada repleta de velas acesas. Ousou um olhar para trás, evidentemente julgando a distância ao redor do obstáculo até a porta lateral, e era esse titubeio que Duncan vinha aguardando.

Duncan atacou. Afastou a adaga do rosto de Madelyne, forçando a parte cega da lâmina através do pescoço do padre num único movimento rápido e letal. O padre foi lançado para trás enquanto Duncan libertava Madelyne.

Padre Laurance morreu antes de cair no chão.

A mesa bateu na parede oposta, virando as velas, e chamas imediatamente começaram a lamber a madeira seca.

Duncan ignorou o fogo. Gentilmente puxou Madelyne para os braços e ela se deixou cair contra o peito dele.

– Você demorou tanto para chegar aqui – ela sussurrou a encontro de seu pescoço. A voz estava partida e ela chorava suavemente.

Duncan inspirou fundo, emocionado. Tentava se livrar da raiva que sentia a fim de ser gentil com ela.

– Você está bem? – conseguiu dizer por fim, apesar de a voz estar dura de raiva.

– Já tive momentos melhores – Madelyne sussurrou.

A resposta tranquila dela o acalmou. Em seguida, Madelyne o fitou. Quando ele viu os danos feitos no rosto dela, ficou furioso de novo. O olho esquerdo dela já inchava. O canto da boca sangrava e havia inúmeros arranhões no pescoço dela.

Duncan desejou matar o padre novamente. Madelyne sentia o terror atravessando o marido. Os olhos espelhavam a fúria. Levantou a mão, tocou-lhe o rosto com as pontas dos dedos.

– Acabou, Duncan.

Gerald e Anthony entraram apressados na igreja. Gerald viu o fogo e de pronto correu para fora, gritando ordens, pedindo ajuda aos homens que se aproximavam.

Anthony parou ao lado do senhor. Quando Duncan se virou e começou a ir para a entrada, o vassalo tirou uma das tábuas da frente, o único resquício da porta que Duncan não destruíra.

Madelyne viu o quanto Anthony estava preocupado. Franzia com a mesma ferocidade de Duncan. Tentou confortá-lo, deixando que soubesse que ainda estava bem.

– Já notou, Anthony, como meu marido gosta de atravessar portas? – perguntou-lhe.

Anthony pareceu aturdido por um instante, depois um sorriso lento se formou em seu rosto.

Duncan se inclinou, protegendo a cabeça de Madelyne ao passarem pelo buraco. Ela apoiou a face no ombro dele. Foi só depois que passaram pelas portas do castelo que ela percebeu que ainda estava chorando. Um resquício do terror pelo qual acabara de passar, pensou com um tremor.

Quando chegaram ao quarto de Duncan, os dentes de Madelyne tiritavam. Duncan a cobriu com mantas e a segurou no colo enquanto cuidava do rosto machucado.

Estava suando por conta do fogo que atiçara na lareira para Madelyne.

– Duncan? Você viu a expressão de loucura nos olhos dele? – Madelyne estremeceu com a lembrança. – Ele ia... Duncan? Você ainda me amaria caso ele tivesse me estuprado?

– Quietinha agora, meu amor – Duncan a apaziguou. – Eu a amarei para sempre. Essa foi uma pergunta tola.

Ela se sentiu reconfortada com a resposta rude dele. Madelyne repousou silenciosamente ao encontro do peito dele por diversos minutos. Havia muito que precisava dizer a Duncan e precisava de forças para isso.

Duncan acreditava que ela tivesse adormecido, quando ela, de repente, disse:

– Ele foi enviado para me matar.

Madelyne se virou nos braços dele até ficar de frente. A expressão nos olhos dele a congelou novamente.

– Ele foi enviado? – A voz dele era suave. Madelyne acreditou que ele estivesse tentando esconder a raiva. Não estava funcionando, mas ela não lhe contou isso.

– Fui até a igreja para convidá-lo para o jantar. Peguei-o desprevenido, pois ele não trajava seu hábito. Estava vestido como um camponês, mas, claro, você também deve ter notado isso. De todo modo, as mãos dele não estavam enfaixadas.

– Diga tudo – Duncan ordenou quando Madelyne apenas o fitou na expectativa.

– Não havia cicatrizes. O padre deveria ter cicatrizes de queimaduras, lembra-se? Ele não rezava a missa por causa dos ferimentos. Só que não havia marcas.

Duncan assentiu para que ela prosseguisse.

– Eu não mencionei as mãos. Fingi não perceber, mas pensei em me lembrar de contar para você. De todo modo – ela prosseguiu –, eu disse para ele que recebemos uma carta do monastério dele e que você gostaria de lhe falar após o jantar. Esse foi meu erro, apesar de na hora não saber por que – acrescentou. – O padre, então, ficou enfurecido. Disse-me que Louddon o enviara para cá. Sua missão era me matar se o rei se decidisse a seu favor em detrimento a Louddon. Duncan, como um homem de Deus pode ter a alma de um demônio? Padre Laurance entendeu que a farsa acabara, imagino. Ele me disse que fugiria, mas não sem antes me matar.

Madelyne se largou contra o peito de Duncan.

– Sentiu medo, Duncan? – Madelyne perguntou num sussurro.

– Nunca sinto medo – Duncan estrepitou. Estava tão irado por causa da traição do padre que mal conseguia se concentrar.

Madelyne sorriu por conta da declaração do marido.

– O que quis perguntar era se estava preocupado e não assustado – ela consertou.

– O quê? – Duncan perguntou. Meneou a cabeça, forçando a raiva a ficar de lado. Madelyne precisava do seu conforto agora. – Preocupado? Inferno, Madelyne, eu estava furioso.

– Percebi que estava – Madelyne respondeu. – Você me lembrou de meu lobo quando perseguiu meu captor.

Duncan deixou que ela se sentasse mais ereta para poder beijá-la. Foi muito cuidadoso, pois os lábios dela estavam muito machucados para suportar uma verdadeira paixão.

Madelyne se afastou do colo dele. Segurou-o pela mão e puxou-o até ele se levantar e a seguir pelo quarto. Sentou-se na cama e deu um tapinha no espaço ao seu lado.

Duncan despiu a túnica. Estava encharcado de suor por causa do calor no quarto. Sentou-se ao lado da esposa, passou o braço sobre seus ombros e a puxou ao seu encontro. Queria abraçá-la e lhe dizer o quanto a amava. Só Deus sabia o quanto precisava dizer essas palavras mais do que ela precisava ouvi-las.

– Madelyne, você ficou assustada?

– Um pouco – Madelyne disse. Teria dado de ombros, mas o peso do braço dele não permitiu tal gesto. Estava com a cabeça inclinada e tracejava círculos na coxa dele, tentando distraí-lo, ele supôs.

– Somente um pouco?

– Bem, eu sabia que você iria atrás de mim, por isso não fiquei assustada demais. No entanto, estava começando a ficar um pouco irritada por você não aparecer na porta de imediato. O homem estava rasgando meu vestido...

– Ele poderia tê-la matado – Duncan disse com voz trêmula de raiva.

– Não, você não teria permitido – Madelyne lhe disse.

Deus, ela tinha tanta fé nele. Duncan se sentiu comovido com isso.

Os pequenos círculos que Madelyne formava com as pontas dos dedos estavam se aproximando da virilha dele. Duncan segurou-lhe a mão, acomodando-a contra sua coxa. A esposa devia estar tão distraída que nem percebia o que estava fazendo ou como estava começando a afetá-lo.

– Deus, como está quente aqui dentro – Madelyne sussurrou. – Por que acendeu a lareira com um tempo deste, Duncan?

– Você estava tremendo – Duncan a lembrou.

– Estou melhor agora.

– Então vou descer e pegar essa carta do monastério. Estou curioso em saber o que os superiores dele têm a nos dizer – Duncan anunciou.

– Não quero que você desça ainda – Madelyne disse.

Duncan de pronto se mostrou solícito.

– Você precisa descansar por uma ou duas horas – ele lhe disse.

– Não quero descansar – Madelyne respondeu. – Pode me ajudar a tirar esta roupa? – perguntou ao marido com uma voz tão inocente que Duncan logo ficou todo cheio de suspeitas.

Madelyne se levantou entre as pernas do marido e não o ajudou em nada enquanto ele lhe tirava as roupas.

– O que o fez ir à igreja naquela hora? – perguntou-lhe de súbito.

– O filho de Maude viu quando o bastardo bateu em você e foi me contar – Duncan respondeu.

– Eu não sabia que Willie havia me seguido até a igreja. Ele deve ter corrido de volta antes que o padre trancasse a porta. Willie deve ter ficado aterrorizado. Ele só tem cinco anos. E você precisa recompensá-lo por ele ter ido buscá-lo.

– Maldição, tudo isso é culpa minha – Duncan declarou. – Eu deveria ter cuidado de minha casa com o mesmo esmero com que cuido do treinamento dos meus homens.

Madelyne pôs as mãos nos ombros de Duncan.

– É meu dever cuidar do seu lar. Ainda que, agora que penso a respeito, nada disso teria acontecido se...

O suspiro dele a deteve.

– Eu sei, nada disso teria acontecido se eu estivesse lá para protegê-la – ele interveio.

A voz dele estava carregada de angústia. Madelyne meneou a cabeça.

– Eu não ia dizer isso – ela rebateu. – Não deve se precipitar em conclusões, Duncan. Isso é um defeito muito lamentável. Além disso, você tem assuntos mais importantes para cuidar.

– Você vem antes de tudo e de todos – Duncan declarou bem enfaticamente.

– Bem, eu só ia dizer que isso não teria acontecido se eu soubesse me proteger.

– O que está sugerindo? – Duncan perguntou. Ele não fazia a mínima ideia do que se passava na cabeça dela. Sorriu, então, pois percebeu que raramente sabia o que ela pensava.

– Padre Laurance não era muito maior do que eu – ela disse. – Ansel deve ter minha altura.

– Como foi que meu escudeiro entrou nesta conversa? – Duncan perguntou.

– Ansel está aprendendo a se defender – Madelyne anunciou. – Portanto, você deve me instruir de modo a eu poder me defender também. Você entende isso, não?

Ele não entendia, mas resolveu não discutir com ela.

– Falaremos disso mais tarde – Duncan anunciou.

Madelyne assentiu.

– Então você precisa atender às minhas necessidades, Duncan. Eu ordeno.

Duncan reagiu ao tom brincalhão da voz dela.

– E qual é essa ordem que ousa dar a seu marido? – ele perguntou.

Madelyne respondeu puxando o cordão que prendia a camisa feminina. A peça deslizou até os ombros. Duncan meneou a cabeça, tentando negar-se a ela.

– Você está ferida demais para pensar em...

– Você pensará em um modo – Madelyne o interrompeu. – Sei que não estou bela agora. Estou horrenda, não estou?

– Está machucada, tão feia quanto um dos seus ciclopes, e mal suporto olhar para você.

As palavras dele a fizeram rir. Sabia que ele brincava porque tentava puxá-la para cima dele e tirar-lhe a camisa ao mesmo tempo.

– Então você terá que fechar os olhos quando fizer amor comigo – Madelyne o instruiu.

– Vou tentar – ele prometeu.

– Ainda sinto o toque dele – Madelyne sussurrou. A voz dela trazia um tremor agora. – Preciso que me acaricie agora. Você me fará esquecer. E eu me sentirei limpa de novo, Duncan. Você me entende?

Duncan respondeu com um beijo ardente e Madelyne logo se esqueceu de tudo e se concentrou apenas em retribuir aquele beijo. Em questão de minutos havia somente os dois no mundo.

E ela se sentiu limpa no corpo e no coração.

PLATÃO. A República. s.d. Disponível por meio do link: <http://www.eniopadilha.com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2017.


CAPÍTULO DEZENOVE


“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
João 8:32

 

Apesar de ser irônico, o ataque sofrido por Madelyne ajudou na reconciliação de Gerald e Adela.

Madelyne insistira em jantar com a família e o convidado deles. Quando ela e Duncan entraram no salão, Adela já estava sentada à mesa. Gerald andava de um lado a outro diante da lareira, parecendo perdido em pensamentos.

Duncan suspirou, deixando claro para Madelyne que não estava com humor para tolerar outra das cenas de Adela. Madelyne ia começar a pedir-lhe que ele tentasse ser paciente, mas decidiu não dizer nada. Ela também, afinal, não estava com vontade de aguentar mais discussões.

Quando Adela viu Madelyne, soltou um arquejo alto. Esquecera-se por completo de Gerald.

– O que lhe aconteceu? Sileno finalmente a derrubou?

Madelyne se virou com uma carranca para Duncan.

– Pouco antes de sairmos do quarto, lembro-me especificamente que me disse que estou com boa aparência – sussurrou-lhe.

– Eu menti – Duncan disse, com um amplo sorriso.

– Eu deveria ter olhado no espelho de Adela – Madelyne replicou. – Parece que ela vai passar mal. Acredita que estragarei o apetite de todos?

Duncan meneou a cabeça.

– Uma invasão não atrapalharia minha fome. Acabei de usar todas as minhas forças para satisfazer os seus...

Ela o cutucou para que ficasse calado, pois estavam próximos o bastante de Adela para que ela ouvisse.

– Eu precisava que você me amasse – ela sussurrou. – Já me esqueci por completo das mãos do falso padre sobre meu corpo agora. Foi só por isso que fui um tanto... ousada.

– Ousada? – Duncan gracejou. – Madelyne, amor, você se transformou numa...

Ela o cutucou de novo, desta vez com mais força, depois se virou para Gerald e Adela.

Foi Gerald, na verdade, quem deu a Adela uma explicação a respeito dos machucados de Madelyne.

– Ah, Madelyne, você está horrível – Adela confessou num tom de empatia.

– Mentir é pecado – Madelyne disse para Duncan, encarando-o.

Duncan exigiu que o Padre Laurance não fosse mencionado durante o jantar. Todos obedeceram. Adela voltou a ignorar Gerald. O barão fez um elogio à irmã de Duncan quando todos se levantaram para deixar a mesa. Adela fez um comentário rude como resposta.

A paciência de Duncan se desfez.

– Quero conversar com vocês dois – exigiu. A voz saiu áspera.

Adela pareceu assustada; Gerald, confuso, e Madelyne parecia que não conseguiria segurar o riso.

Todos seguiram para a lareira. Duncan se sentou em sua cadeira, mas quando Gerald começou a pegar uma para si, Duncan disse:

– Não, Gerald. Sente-se perto de Adela.

Virou-se então para Adela e comandou:

– Acredita que sei o que é o melhor para você?

Adela assentiu devagar. Os olhos estavam muito arregalados.

– Então permita que Gerald a beije. Agora.

– O quê? – Adela pareceu atônita.

Duncan franziu ante a reação dela.

– Quando minha esposa foi atacada por Laurance, ela quis que eu apagasse essa lembrança. Adela, você nunca foi beijada nem tocada por um homem que a amasse. Sugiro que deixe Gerald beijá-la agora para depois decidir se sente repulsa ou contentamento.

Madelyne considerou aquilo um plano perfeito.

Adela corava de tanta vergonha.

– Diante de todos? – perguntou. A voz saiu como um guincho.

Gerald sorriu. Segurou a mão de Adela.

– Eu a beijaria diante do mundo todo se me permitisse.

Duncan acreditou que Gerald estava exagerando um pouco ao dizer a Adela o que ela permitiria ou proibiria, mas manteve seus pensamentos somente para si mesmo.

Além disso, sua ordem estava sendo executada. Antes que Adela pudesse recuar, Gerald se inclinou e depositou um beijo casto nos lábios dela.

A irmã de Duncan ergueu os olhos para Gerald em confusão. E, então, ele a beijou de novo. As mãos não a tocaram, mas a boca a manteve cativa, todavia.

Madelyne sentiu-se uma tola assistindo aos dois. Deu uns passos, sentou-se no braço da cadeira de Duncan e tentou olhar para o teto em vez de ficar olhando para as duas pessoas que se beijavam tão completamente.

Quando Gerald deu um passo para trás, Madelyne olhou para Adela. A irmã de Duncan estava corada, envergonhada e completamente atordoada.

– Ele não beija como Mor... – A cor de pronto sumiu do rosto dela ante o quase ato falho, e ela olhou para Madelyne num pedido de ajuda.

– Ele terá que saber, Adela.

Gerald e Duncan fecharam a cara. Nenhum deles sabia sobre o que Madelyne estava falando.

– Não posso contar – Adela sussurrou. – Você poderia cuidar dessa terrível tarefa por mim? Por favor, Madelyne. Eu lhe imploro.

– Se me permitir contar a Duncan também – Madelyne replicou.

Adela olhou para o irmão. Percebeu a preocupação no olhar dele. E, por fim, assentiu.

Virou-se para Gerald e disse:

– Nunca mais vai querer me beijar quando souber toda a verdade do que aconteceu comigo. Sinto muito, Gerald. Eu deveria ter...

Adela começou a chorar. Gerald esticou os braços para abraçá-la, mas ela meneou a cabeça.

– Acredito que o amo, Gerald. E eu sinto muito. – Com essas palavras de despedida, saiu apressada do salão.

Madelyne não gostava nem um pouco da promessa feita, pois sabia que estava prestes a fazer o marido e Gerald sofrerem. Os dois homens que Adela amava.

 

– Gerald, por favor, sente-se e me ouça – Madelyne pediu. A voz parecia cansada. – Duncan, prometa-me que não ficará bravo comigo por esconder isto de você. Adela me fez prometer que não contaria até que ela sentisse que fosse a hora.

– Não ficarei bravo – Duncan anunciou.

Madelyne assentiu. Não suportava olhar para Gerald enquanto contava a verdade sobre Adela, por isso ficou olhando para o chão durante toda a narrativa. Enfatizou o fato de Adela ter se sentido desapontada por Gerald não ter se juntado a ela na corte e, por esse motivo, ficar à mercê do embuste de Louddon.

– Acho que, na verdade, ela tentou puni-lo – Madelyne disse a Gerald. – Apesar de duvidar que ela entenda isso.

Madelyne ousou olhar para Gerald, viu o aceno dele, e depois olhou para Duncan. Contou o restante, então, sem deixar nenhum detalhe sórdido de fora e, quando contou sobre a deslealdade de Morcar, já antecipava que um ou ambos gritasse de fúria.

Nenhum dos barões disse nada.

Quando a narrativa chegou ao fim, Gerald se levantou e saiu lentamente do salão.

– O que ele vai fazer? – Madelyne perguntou a Duncan. Percebeu que chorava, enxugou as lágrimas do rosto e se retraiu quando tocou nos ferimentos.

– Eu não sei – Duncan respondeu. A voz dele saiu baixa, e com raiva também.

– Está magoado comigo por eu não ter lhe contado antes?

Duncan meneou a cabeça. Um pensamento súbito lhe ocorreu.

– Morcar era o homem que você queria matar, não era?

Madelyne franziu o cenho.

– Você me disse naquela noite lá fora que mataria um homem. Lembra-se? Estava se referindo a Morcar, não estava?

Ela assentiu.

– Eu não poderia permitir que se safasse desse logro, no entanto estava de mãos atadas no que se referia ao segredo de Adela. É dever de Deus cuidar dos pecadores. Sei muito bem disso. E eu não deveria querer matá-lo. Mas eu quero, que Deus me ajude, mas eu quero muito.

Duncan a puxou para o colo. Abraçou-a carinhosamente. Entendia o tormento de sua honrada esposa.

Cada um deles se resguardou no silêncio por diversos minutos. Madelyne se preocupava com Gerald. Partiria agora ou continuaria a cortejar Adela?

Duncan dispôs desse tempo para controlar suas emoções. Não culpava Adela por ter se interessado por Louddon. Sua irmã era muito ingênua e não poderia ser culpada. Mas Louddon abusara deliberadamente dessa inocência.

– Eu vou cuidar de Morcar – Duncan disse a Madelyne.

– Não vai, não.

Foi Gerald quem exclamou essa negativa. Tanto Madelyne quanto Duncan observaram-no entrar às pressas até se postar diante deles. A ira dele era evidente e ele tremia.

– Eu vou matá-lo, e a você também, Duncan, se ousar me negar esse direito.

Duncan encarou Gerald por um momento demorado. Em seguida assentiu devagar.

– Muito bem, Gerald, é um direito seu. Ficarei ao seu lado quando o desafiar.

– E eu ficarei ao seu lado quando desafiar Louddon – Gerald respondeu.

A combatividade abandonou Gerald nesse momento. Ele se sentou na cadeira na frente de Duncan.

– Madelyne? Poderia, por favor, dizer a Adela que eu gostaria de falar com ela?

Madelyne assentiu. Apressou-se para atender ao pedido, mas morria de preocupação ao chegar ao quarto de Adela. Não sabia o que Gerald pretendia fazer.

Adela já estava certa de que Gerald abriria mão dela.

– É melhor assim – ela disse a Madelyne entre soluços. – Beijar é uma coisa, mas é só isso o que eu permitirei. Eu jamais seria capaz de permitir que ele viesse até a minha cama.

– Você não sabe se seria capaz ou não – Madelyne replicou. – Adela, não seria fácil, mas Gerald é um homem paciente.

– Não importa – Adela disse. – Ele vai me deixar.

Adela estava errada. Gerald aguardava por ela junto à escada. Sem dizer nada, segurou-a pela mão e a conduziu ao lance seguinte de escadas.

Duncan se aproximou de Madelyne e a ergueu nos braços.

– Você me parece exausta, esposa. Hora de ir para a cama.

– É melhor eu esperar até que Adela volte. Ela pode precisar de mim – Madelyne protestou quando Duncan começou a subir.

– Eu preciso de você, Madelyne. Gerald pode cuidar de Adela.

Ela assentiu.

– Madelyne, tenho que partir amanhã. Será apenas por pouco tempo – acrescentou antes que ela pudesse interromper.

– Para onde vai? – ela perguntou. – Tem assuntos importantes para resolver? – perguntou em seguida, esforçando-se para parecer interessada e não desapontada. Não podia esperar que ele passasse cada minuto com ela. Afinal, Duncan era um homem importante.

– Tenho assuntos que pedem a minha atenção – Duncan respondeu, deliberadamente mantendo a explicação ao mínimo. Madelyne já passara por um tormento nesse dia. Duncan não queria lhe dar mais preocupações e, caso ela soubesse da solicitação do rei agora, não dormiria à noite.

Maude vinha descendo as escadas quando Duncan fez a curva. Disse que cuidaria do banho da baronesa em seguida, mas Duncan meneou a cabeça, alegando que ele próprio cuidaria dela esta noite.

Maude fez uma mesura.

– Maude, seu filho fez algo muito corajoso esta noite.

A mulher ficou radiante. Já ouvira tudo a respeito do ato de bravura do filho. O menino deixara os pais muito orgulhosos. Oras, salvara a vida da baronesa.

– Precisarei pensar numa recompensa adequada por tamanha bravura – Duncan disse.

Maude pareceu pasma demais para falar. Fez mais uma mesura, depois gaguejou sua gratidão.

– Obrigada, milorde. Meu Willie tomou gosto pela baronesa. Ele sabe que é um pequeno estorvo sempre atrás dela, mas ela nunca acha ruim e sempre tem uma palavra de carinho para o meu menino.

– Ele é um rapazinho muito inteligente – Duncan elogiou.

A bajulação dele, um acontecimento raro com certeza, enfatizou o fato de ele estar se dirigindo a ela, e deixou Maude toda agitada. Agradeceu ao seu senhor uma vez mais, ergueu a barra das saias e desceu toda serelepe as escadas. Gerty com certeza estaria esperando para ouvir essa história e Maude com certeza seria a primeira a lhe contar.

Madelyne acariciou a face do marido.

– Você é um bom homem, Duncan – sussurrou-lhe. – Este é mais um motivo para eu amá-lo tanto.

Duncan deu de ombros, forçando-a a se agarrar aos ombros dele para se equilibrar.

– Só faço meu dever – ele comentou.

Madelyne sorriu e pensou que ele se sentia tão pouco à vontade com elogios quanto Maude.

– Tive meu banho negado – ela lhe disse, caçoando. – Talvez eu vá nadar no seu lago. O que me diz? – acrescentou.

– Digo que é um ótimo plano. Eu nadarei com você.

– Eu só estava brincando – Madelyne se apressou em dizer. – Não quero nadar. – Estremeceu. – Quando eu era pequena, mergulhei certa vez. Não era um lago profundo e eu sabia nadar, sabe. Mas meus dedos afundaram na lama e meu vestido pesou uma tonelada, pelo menos, até eu conseguir me arrastar para fora. Oras, precisei de outro banho na mesma hora. Havia lama até nos meus cabelos.

Duncan gargalhou.

– Primeiro, o meu lago tem o fundo rochoso, na maior parte – explicou. – E você não deve nadar vestida, Madelyne. Estou surpreso que não tenha se afogado.

Ela não pareceu muito convencida sobre os méritos do lago dele.

– A água é límpida. Quase dá para ver o fundo – Duncan lhe disse.

Chegaram ao quarto deles. Madelyne se despiu e se colocou sob os lençóis, esperando por Duncan, antes que o marido conseguisse tirar a túnica.

– Não quer nadar comigo? – ele perguntou com um sorriso.

– Não – Madelyne respondeu. – Os soldados estão lá fora. Bom Deus, Gerald e Adela também. Não seria decente eu desfilar sem roupas diante deles. O que está pensando, Duncan, ao sugerir tal...

– Madelyne, ninguém vai ao lago à noite. Além disso, a lua não está clara o bastante para...

Ela o interrompeu com um arquejo surpreso.

– Duncan, o que está fazendo?

Era evidente, mesmo para ela. Duncan estava de pé junto a cama, segurando a capa dela.

– Enrole-se nisto. Vou levá-la até o lago – ele sugeriu.

Madelyne mordiscou o lábio, indecisa. Queria muito nadar. A noite estava quente e abafada. No entanto, pensar em ser vista por alguém era uma preocupação a ser considerada.

Duncan aguardou pacientemente até que Madelyne se decidisse. Considerou-a muito atraente naquele momento, coberta apenas por um lençol fino que deixava os mamilos bastante evidentes.

– Você disse que eu parecia exausta – Madelyne disse para ganhar tempo. – Talvez...

– Eu menti.

– É um pecado mentir para mim – Madelyne comentou. Levantou mais o lençol, segurando-o como um escudo contra ele. – O meu sabonete está no seu baú – disse-lhe.

Madelyne pensou em lhe dar uma tarefa de modo a distraí-lo para poder se cobrir reservadamente. Ainda não estava acostumada a desfilar nua diante dele.

O sorriso de Duncan foi amplo. Foi até o baú para pegar o sabonete. Madelyne tentou apanhar a capa antes que ele voltasse, mas não foi rápida o bastante.

O marido voltou para junto da cama. A capa dela estava enrolada no seu braço. A embalagem de sabonete estava numa mão e um pequeno espelho circular na outra.

Entregou o espelho para Madelyne.

– Está com um olho roxo para combinar com aquele que provocou em Edmond – ele observou.

– Nunca provoquei nenhum olho roxo em Edmond – Madelyne objetou. – Está brincando comigo.

Virou o espelho para se olhar.

Madelyne emitiu um berro.

Duncan gargalhou.

– Pareço um ciclope – ela exclamou. Largou o espelho e começou a puxar o cabelo para a frente para esconder o rosto. – Como suporta olhar para mim? – perguntou. – Tenho um círculo negro ao redor do olho e...

Ela parecia estar chorando. O sorriso de Duncan diminuiu quando ele se inclinou para a frente. Com a palma da mão forçou o rosto dela para cima até ela encará-lo. A expressão dele era muito séria.

– Porque eu te amo, Madelyne. Você é tudo o que eu sempre quis e muito, muito mais. Acredita mesmo que um hematoma ou dois podem balançar meu coração? Acredita que meu amor seja tão superficial?

Madelyne meneou a cabeça. Lentamente afastou o lençol e se levantou diante do marido.

Não sentia mais vergonha. Duncan a amava. Era só isso o que importava.

– Eu gostaria de ir para o seu lago agora, Duncan. Mas é melhor nos apressarmos, antes que eu comece a implorar para que faça amor comigo agora mesmo.

Duncan amparou-lhe o queixo com as mãos e a beijou.

– Eu sempre vou amá-la, Madelyne.

Ela se sentiu confortada pela promessa e pela expressão ardente nos olhos dele. Ouviu-se suspirar, sentiu um nó de quentura começar a se espalhar por dentro dela.

Duncan a envolveu com a capa, ergueu-a nos braços e a carregou para fora do quarto.

Não se depararam com ninguém no caminho até o lago. Duncan também teve razão ao dizer que a lua não estava clara demais.

Ele a levou até o lado mais distante do lago. Madelyne testou a temperatura com as pontas dos dedos, declarando que estava fria demais.

Ele lhe disse para suportar. Ficou de pé ao lado de Duncan, ainda envolta na capa enquanto o observava se despir casualmente.

Duncan mergulhou no lago. Madelyne se sentou na beira, depois foi descendo até a água. Teria levado a capa caso Duncan tivesse permitido. O marido emergiu ao seu lado, arrancou a capa de suas mãos e a largou sobre a grama.

Demorou um pouco a se acostumar à água. Era uma sensação muito erótica nadar completamente nua. Madelyne se sentiu uma libertina, disse isso a Duncan, admitindo timidamente que gostava da sensação.

Tomou banho apressadamente. Lavou os cabelos e enxaguou-os mergulhando na água. Quando emergiu pela terceira vez, Duncan estava bem à sua frente.

Só pretendia falar com ela, mas Madelyne o fitava com uma expressão muito travessa no olhar. A água se chocava nos seios. Os mamilos estavam túrgidos, atraindo-o. Cobriu-os com as mãos.

Ela se inclinou na direção dele, pendendo a cabeça para um beijo. Foi uma tentação à qual ele não resistiu. Duncan se apossou de sua boca com voracidade, invadiu-lhe a boca com a língua úmida, selvagem, tão previsivelmente indisciplinada.

Duncan teria permitido apenas um beijo e depois a levaria de volta ao quarto para fazer amor, mas o abdômen de Madelyne resvalou nele e logo ela, ousada, levantou a mão para envolver sua ereção.

Duncan a abraçou, puxando-a ao seu encontro. O beijo se intensificou, tornando-se devorador.

Ela estava tão selvagem quanto ele. As mãos moveram-se pelos ombros, afagando-o impetuosamente. Duncan a ergueu, até que os seios estivessem esfregando seu peito peludo. As pernas se moviam agitadas contra ele e seu lamúrio suave de desejo o enlouquecia.

Sussurrou-lhe instruções com a voz grave de desejo. Quando Madelyne passou as pernas pelas suas coxas, ele a penetrou com cuidado, completa e lentamente.

Ela se pressionou ao seu encontro, exigindo com as unhas.

– Duncan – implorou.

Ele a beijou na têmpora.

– Estou tentando ser gentil, Madelyne – sussurrou, rouco.

– Depois, Duncan – Madelyne gemeu. – Seja gentil depois.

Duncan cedeu ao desejo. Foi arrojado, dando-lhe tanto prazer quando recebia dela. Quando sentiu Madelyne se arqueando contra ele em êxtase, cobriu-lhe a boca para sufocar-lhe os gemidos. Seu sêmen a preencheu e ele se agarrou a ela quando o tremor do gozo explodiu por todo seu corpo.

Madelyne se largou contra ele, fraca de satisfação. A respiração aquecia o pescoço dele. Duncan sorriu com prazer arrogante.

– Você é uma mulher selvagem, Madelyne.

Ela gargalhou, deliciada com o elogio, até se lembrar de onde estavam.

– Bom Deus, Duncan. Acredita que alguém nos tenha visto?

Ela pareceu aflita. Enterrou o rosto na curva do pescoço dele. Duncan riu.

– Amor, ninguém nos viu.

– Tem certeza?

– Claro, não há luz suficiente.

– Graças a Deus por isso – Madelyne respondeu.

Ela ficou absolutamente aliviada, até Duncan voltar a falar.

– Contudo, você fez barulho suficiente para despertar os mortos. Você gosta mesmo de gemer, minha querida. Quanto mais excitada fica, mais alto você geme.

– Oh, Deus. – Madelyne tentou afundar na água. Duncan não permitiu. Gargalhou, formando um som sensual, grave e rouco, e depois continuou a brincar. – Não estou reclamando, doçura. Contanto que seu fogo seja meu, eu a deixarei gemer o quanto quiser.

Bem quando ela estava para lhe dizer o quanto ele era arrogante, Duncan deliberadamente se jogou para trás. Ela só teve tempo para prender o fôlego.

Ele a beijou de novo, debaixo da água. Ela o beliscou quando precisou de ar.

Madelyne não sabia brincar na água. Quando Duncan chapinhou água nela, Madelyne logo se ofendeu. Ele teve que lhe dizer para que espirrasse de volta. Ela considerou a brincadeira de um tentar afogar o outro muito tola, mas já gargalhava ao fim de seu comentário, e tentava passar-lhe a perna debaixo d’água.

Foi ela quem acabou se desequilibrando. Quando Duncan a suspendeu, ela tossia e cuspia água, tentando dar-lhe uma bronca ao mesmo tempo.

Ficaram no lago por quase uma hora. Duncan ensinou-a a nadar adequadamente, apesar de começar a aula insultando-a:

– Quando você nada parece que está se afogando.

Ela ficou ofendida demais, mesmo quando o beijou para que ele soubesse que seus sentimentos não foram profundamente feridos.

Quando Duncan por fim a carregou de volta ao quarto, Madelyne estava exausta.

Duncan, todavia, estava com vontade de conversar. Ficou na cama, com as mãos cruzadas atrás da cabeça, observando a esposa escovar os cabelos. Ambos estavam nus e nenhum se envergonhava disso.

– Madelyne, fui convidado a uma entrevista com o rei – Duncan comentou. Manteve a voz controlada, tentando passar a impressão de que se sentiu entediado com o pedido. – É para lá que vou amanhã.

– Convidado? – A escova foi deixada de lado quando Madelyne se virou para Duncan, franzindo o cenho.

– Convocado, que seja – Duncan admitiu. – Eu teria lhe dito antes, mas não desejava preocupá-la.

– Eu estou no meio disso, não estou? Duncan, não serei ignorada, nem deixada de lado. Tenho o direito de saber o que está acontecendo.

– Eu não a ignorei, tampouco a desconsiderei – Duncan respondeu. – Eu só estava tentando protegê-la.

– Será perigoso? – Ele não teve tempo para responder. – Claro que será perigoso. Quando partimos?

– Nós não partiremos. Você vai ficar. Será mais seguro para você.

Ela pareceu prestes a discutir. Duncan meneou a cabeça e disse:

– Se eu tiver que me preocupar com você, a minha concentração estará comprometida. Já decidi, Madelyne. Você vai ficar aqui.

– E você voltará?

Ele ficou surpreso com a pergunta.

– Claro.

– Quando?

– Não sei quanto tempo isto vai levar, Madelyne.

– Semanas, meses, anos?

Ele viu o medo no olhar dela, lembrou-se do tempo em que foi ignorada pela família. Duncan puxou Madelyne para cima do seu corpo. Beijou-a.

– Eu sempre voltarei para você, Madelyne. Você é minha esposa, pelo amor de Deus.

– Sua esposa – Madelyne sussurrou. – Toda vez que fico assustada, ou começo a me preocupar com o futuro, lembro-me de que estou ligada a você. – Duncan sorriu. Ela já não parecia mais assustada. – Se você for morto, encontrarei seu túmulo para cuspir nele – ameaçou-o.

– Então tomarei todo o cuidado.

– Promete?

– Prometo.

Madelyne carinhosamente amparou seu rosto entre as mãos.

– Levará meu coração com você, meu adorável captor.

– Não, Madelyne. Eu sou o seu prisioneiro de corpo e alma.

E, então, completou seu voto amando-a uma vez mais.

 

Duncan já estava vestido antes da aurora iluminar o céu. Mandou chamarem Anthony e depois o esperou no salão.

Quando o vassalo entrou, Duncan estava rompendo o lacre da carta negligenciada vinda do monastério.

Anthony se sentou diante de Duncan à mesa, esperando que ele terminasse de ler. Gerty os interrompeu trazendo uma bandeja cheia de pães e queijos.

O vassalo já comera uma bela porção antes que Duncan terminasse de ler. As novidades evidentemente não agradaram ao seu senhor. Duncan jogou o pergaminho ao longo da mesa e bateu o punho no tampo.

– As notícias o desagradaram? – Anthony perguntou.

– Foi o que suspeitei. Não existe nenhum Padre Laurance.

– Mas o homem que você matou...

– Foi enviado por Louddon – Duncan disse. – Isso eu já sabia, contudo eu ainda acreditava que ele fosse padre.

– Bem, pelo menos você não matou um homem do clero. – Anthony fez essa observação dando de ombros. – E ele também não se reportou a Louddon, Duncan. Não deixou a fortaleza desde que aqui chegou. Eu saberia se o tivesse.

– Se eu estivesse prestando atenção, teria notado o comportamento estranho dele antes. Minha desatenção quase custou a vida da minha esposa.

– Ela não o culpa – Anthony comentou. – E a situação tampouco ficou tão feia quanto poderia ter ficado, Duncan. Ele poderia ter ouvido todas as nossas confissões. – Anthony estremeceu ante tal pensamento obsceno.

– Não me casei com ela – Duncan disse, voltando a socar a mesa.

O pergaminho saltou e se acomodou contra o fundo do jarro de flores.

– Bom Deus, eu não havia pensado nisso.

– Madelyne tampouco – Duncan respondeu. – Mas pensará. Terá um ataque. Se houver tempo. Encontrarei um padre e a desposarei antes de partir.

– Isso pode levar semanas.

Duncan assentiu.

– Contou a Madelyne para onde vai? – Anthony perguntou.

– Sim, mas não vou lhe contar a respeito do impostor. Quando eu regressar com um padre, contarei que não somos casados um minuto ou dois antes de desposá-la novamente. Infernos, mas que confusão.

Anthony sorriu. Seu senhor estava certo. Madelyne teria um ataque.

Duncan se forçou a deixar de lado a questão do embuste de Laurance. Repassou seus planos com o vassalo, tentando cobrir qualquer eventualidade.

– Você foi treinado pelo melhor. Tenho confiança absoluta nas suas habilidades – Duncan disse ao fim das suas instruções.

Era uma tentativa de melhorar o clima, uma observação para seu próprio bem, visto que fora Duncan quem treinara Anthony. O vassalo sorriu.

– Está deixando soldados o bastante para conquistar toda a Inglaterra – Anthony observou.

– Já viu Gerald?

Anthony sacudiu a cabeça.

– Os homens estão se reunindo diante do estábulo – observou. – Talvez ele esteja esperando por lá.

Duncan se levantou e caminhou até o estábulo com seu vassalo. O barão se dirigiu aos soldados, prevenindo-os de que poderiam estar a caminho de uma armadilha. Voltou-se para os homens que ficariam para trás e lhes disse:

– Louddon pode muito bem estar à minha espera quando eu sair da fortaleza.

Quando terminou de se dirigir aos homens, retornou para o salão. Madelyne acabava de descer a escada. Sorriu para o marido. Duncan a tomou nos braços e a beijou.

– Lembre-se de sua promessa de tomar muito cuidado – Madelyne sussurrou quando ele a soltou.

– Prometo – Duncan respondeu. Passou o braço ao redor dos ombros dela e caminharam para fora. Passaram pela igreja a caminho do estábulo. Duncan parou para olhar os estragos do incêndio. – Terei que reconstruir o átrio – comentou.

A menção a igreja lembrou Madelyne da carta.

– Duncan, você tem tempo para me mostrar a carta do monastério sobre Padre Laurance? Confesso que estou muito curiosa.

– Eu já a li.

– Você sabe ler! Eu suspeitava disso, mas você nunca se vangloriou dessa sua habilidade. Oras, bem quando penso que o conheço bem, você diz ou faz algo que me surpreende.

– Quer dizer que não sou tão previsível quanto imaginou? – ele perguntou, sorrindo.

Ela assentiu.

– Em algumas coisas, você é sempre previsível. Ah, como eu queria que não estivesse partindo. Eu gostaria tanto que me ensinasse a arte da defesa. E a usar uma espada. Se eu conseguisse me proteger bem o bastante quanto Ansel, você provavelmente me deixaria acompanhá-lo.

– Eu não permitiria – Duncan respondeu. – Prometo, porém, que começaremos suas aulas assim que eu retornar. – Teceu o comentário para apaziguar Madelyne. Existiam mesmo alguns truques que toda mulher deveria saber, resolveu-se. Talvez o pedido não fosse assim tão ridículo quanto parecia. Madelyne não era muito forte, porém a determinação dela o impressionava.

Duncan notou que o Barão Gerald ainda não chegara. Visto que ainda tinha alguns minutos com sua esposa, voltou-se para ela e disse:

– Eu lhe darei sua primeira lição agora. Visto que é destra, você precisa carregar a adaga à esquerda do corpo. – Retirou a adaga dela e a colocou no laço do cinto na curva do lado esquerdo do quadril.

– Por quê?

– Porque é muito mais fácil puxar a arma. Às vezes, esposa, cada segundo conta.

– Você carrega a espada do lado direito do corpo, Duncan. Sei que prefere empunhar a espada com a mão esquerda. Os degraus! Esta lição tem alguma coisa a ver com o fato de os degraus terem sido construídos do lado esquerdo da parede em vez de do lado direito?

Ele assentiu.

– Meu pai também favorecia o lado esquerdo. Quando um inimigo invade, ele vem de baixo, não de cima. Meu pai tinha vantagem extra. Podia usar a mão direita para se equilibrar contra a parede e lutar com a esquerda.

– Seu pai era muito astuto – Madelyne anunciou. – A maioria dos homens usa a mão direita, não é mesmo? Mas que ideia maravilhosa ir contra o costume e construir seu lar segundo suas próprias especificidades.

– Na verdade, meu pai pegou emprestada a ideia de um dos seus tios – Duncan explicou.

Duncan acreditou ter sido bem sucedido em desviar a atenção dela da carta. Equivocou-se, porém, pois Madelyne logo voltou ao assunto.

– O que a carta dizia, Duncan?

– Nada de importante – Duncan respondeu. – Laurance deixara o monastério quando foi designado à fortaleza de Louddon.

Era difícil mentir à esposa. No entanto, estava bem intencionado. Tentava impedir que ela se preocupasse enquanto ele estivesse ausente.

– Ele provavelmente foi um bom homem até meu irmão se apossar dele – Madelyne comentou. – Providenciarei para que o corpo dele seja levado de volta ao monastério imediatamente, Duncan. Haverão de querer dar-lhe um enterro adequado.

– Não. – Percebeu que berrou. – Isto é, quero dizer que as providências já foram tomadas.

Madelyne ficou curiosa com o comportamento subitamente estranho do marido. O Barão Gerald se aproximou para cumprimentá-los, desviando sua atenção.

– Adela e eu nos casaremos quando esta missão for cumprida – Gerald anunciou. – Ela finalmente concordou.

Madelyne sorriu. Duncan deu um tapa no ombro de Gerald.

– Onde está Adela? – ele perguntou.

– Em seu quarto, chorando. Já me despedi – Gerald acrescentou com um sorriso.

– Tem certeza de que quer se casar com ela, Gerald? Minha irmã passa a maioria dos dias chorando.

– Duncan! – Madelyne protestou.

Gerald gargalhou.

– Tenho esperanças de que ela gaste todas as lágrimas antes de nos casarmos.

Duncan subitamente se virou e agarrou Madelyne. Beijou-a antes que ela soubesse o que aconteceria.

– Terei voltado para casa antes que se dê conta de que parti – disse-lhe.

Madelyne se esforçou para sorrir. Não choraria. Não seria digno, com os soldados passando por eles.

Ficou no meio do pátio e assistiu ao marido ir embora.

Anthony se aproximou e parou ao lado de Madelyne.

– Ele voltará para nós – Madelyne disse. – Ele me deu sua palavra, Anthony.

– Ele é um homem honrado, Madelyne. Não quebrará a promessa.

– Terei que me ocupar – disse ao vassalo. – Duncan prometeu me ensinar métodos de defesa.

– Métodos de defesa? – Anthony repetiu, confuso.

– Isso mesmo. Ele gostaria que eu soubesse me defender – Madelyne explicou. Deliberadamente fez com que tudo parecesse ter sido ideia do marido. Madelyne sabia que seria mais fácil obter a cooperação de Anthony caso ele acreditasse que era isso o que Duncan queria. – Talvez você possa me dar uma ou duas aulas. O que me diz, Anthony? Poderia dispensar-me um tempo todos os dias para me mostrar como me defender?

Como se defender? Anthony a princípio esteve incrédulo demais para falar. Encarou Madelyne e percebeu que ela falava a sério.

Madelyne achou que Anthony não ficou muito entusiasmado com seu pedido.

– Acho que vou falar com Ned. Ele pode fazer um arco para mim. E flechas também, claro. Se eu me dedicar à tarefa, acredito que conseguirei ter precisão em pouco tempo.

Anthony sentiu vontade de fazer o sinal da cruz. Não podia, claro, porque sua senhora o encarava diretamente com uma expressão esperançosa.

Não teve coragem de se negar.

– Eu falarei com Ned – prometeu-lhe.

Madelyne agradeceu profusamente. O vassalo se curvou e se afastou.

Anthony tinha um novo problema a considerar. Sua tarefa principal era manter a esposa de Duncan viva. Agora outra missão lhe fora imposta. Teria que proteger seus homens de Madelyne.

No entanto, seu bom humor o salvou do desespero. Ao chegar à casa do ferreiro, já gargalhava. Que os céus o ajudassem. Até o fim da semana, todos estariam com flechas nos traseiros.


CAPÍTULO VINTE


“Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.”
Mateus 7:2

 

Duncan foi o primeiro a sentir o cheiro do perigo. Deu o sinal para que parassem. Os soldados perfilaram-se atrás dele. Nenhuma palavra foi dita e, uma vez que os cavalos se aquietaram, um silêncio sinistro tomou conta da floresta.

O Barão Gerald estava à direita de Duncan. Ele esperou, assim como seus homens, submetendo-se ao julgamento de Duncan, cuja reputação era lendária. Gerald já lutara ao seu lado no passado. Reconhecia a habilidade superior de Duncan e, apesar de terem praticamente a mesma idade, Gerald considerava-se um aluno e Duncan, seu instrutor.

Quando Duncan ergueu a mão, diversos soldados se espalharam para vasculhar a área.

– Está muito silencioso, demais até – Duncan disse a Gerald.

Gerald assentiu.

– Este não é o local que eu teria escolhido para uma armadilha, Duncan – ele ponderou.

– Exato.

– Como soube? Eu não vi nada – Gerald disse.

– Eu senti – Duncan respondeu. – Eles estão ali embaixo, à nossa espera.

Um assobio baixo soou na floresta à esquerda. Duncan imediatamente se virou na sela. Gesticulou para que os soldados se dividissem em grupos.

O soldado que dera o alerta voltou cavalgando até o grupo.

– Quantos? – Duncan perguntou.

– Não sei dizer, mas avistei diversos escudos.

– Então, acrescente a isso uma centena – Gerald disse.

– No cruzamento da curva – anunciou o soldado. – E lá que estão se escondendo, milorde.

Duncan assentiu. Apanhou a espada, mas Gerald deteve sua mão.

– Lembre-se, Duncan, se Morcar estiver entre eles...

– Ele é seu – Duncan confirmou. Sua voz saiu ríspida, controlada.

– Assim como Louddon é seu – Gerald disse.

Duncan sacudiu a cabeça.

– Ele não estará lá. O bastardo se esconde por trás dos seus homens ou na corte de Guilherme. Agora eu tenho minha resposta, Gerald. Aquela foi uma carta falsa enviada por Louddon, e não pelo rei. Esta é a última vez que aceito o jogo sórdido de Louddon.

Duncan esperou até que um terço do seu contingente tivesse se espalhado num semicírculo do declive a oeste. O segundo seguiu a mesma ordem, apesar de ter se espalhado num meio círculo na ponte a leste. O terceiro grupo das suas tropas esperou atrás dos barões. Foram escolhidos para o ataque direto.

Gerald ficou satisfeito com o plano de Duncan.

– Nós os prendemos dentro da própria armadilha deles – disse com orgulho.

– E agora nós fechamos o círculo, Gerald. Dê o sinal.

Era uma honra que ele cedia ao amigo. Gerald se ergueu na sela, levantou a espada no ar, e emitiu um grito de guerra.

O som ecoou pelo vale. Os soldados que tinham cercado o inimigo agora começavam a descer na direção dele.

A rede se fechava. A batalha pertencia aos mais hábeis; a força governava este dia, conquistava.

Os homens astutos que se esconderam como mulheres por trás de rochas e árvores, à espera de uma chance de atacar as vítimas ignorantes, logo se viram cercados.

E os soldados de Duncan mostraram sua superioridade. Comandaram desde o início, lutaram com bravura e, rapidamente, declararam vitória.

Não levaram prisioneiros.

Foi só quando a batalha quase chegava ao fim que Gerald avistou Morcar. Seus olhares se encontraram desafiadores ao longo do vale. Morcar sorriu com desdém e depois se virou para montar no garanhão. Pensou que teria tempo suficiente para fugir.

A mente de Gerald se descontrolou. Ele começou a lutar como um homem possuído, desesperado para alcançar Morcar antes que ele escapasse. Duncan protegeu a retaguarda de Gerald mais de uma vez, gritou para que o amigo reencontrasse seu controle.

Duncan estava furioso. Era um homem que exigia disciplina de si mesmo e de seus soldados. No entanto, o Barão Gerald dispensara todas as regras de treinamento. Seu amigo estava descontrolado.

Gerald estava além de dar atenção a qualquer alerta. Seus olhos reluziam de fúria. A ira, tão crua e violenta, regia sua mente e seu corpo agora.

Morcar estava em sua montaria e observava Gerald se esforçar para se aproximar dele. Desperdiçou segundo preciosos, mas sentia-se seguro o bastante. O Barão Gerald estava a pé.

Seu sorriso malicioso se tornou uma explosão de gargalhada quando Gerald tropeçou e caiu de joelhos. Morcar se aproveitou dessa oportunidade. Incitou o cavalo a um galope ladeira abaixo. Inclinando-se para a lateral da sela, posicionou a espada curva em direção a Gerald.

Gerald fingiu fraqueza. A cabeça estava pensa e ele estava apoiado em um joelho, à espera que o inimigo se aproximasse o bastante.

Morcar moveu a espada bem quando Gerald saltou para o lado, usando a parte achatada de sua arma para derrubar Morcar no chão.

Morcar caiu de lado, rolou de costas e ainda tentou reaver a espada, colocar-se de pé.

Não teve essa chance. O pé de Gerald prendeu-lhe a mão. Quando Morcar levantou o olhar, viu o barão pairando acima dele com a ponta de espada direcionada para seu pescoço. Quando a lâmina espetou sua pele, Morcar fechou os olhos, choramingando de terror.

– Haverá mulheres para estuprar no inferno, Morcar? – Gerald perguntou.

Os olhos de Morcar se arregalaram. E naqueles segundos finais antes de ele morrer, compreendeu que Gerald soubera a verdade a respeito de Adela.

Duncan não testemunhara a briga. Quando a batalha chegou ao fim, caminhou entre seus homens, contando os mortos. E cuidou dos seus feridos também.

Diversas horas mais tarde, quando o sol se punha no céu, foi procurar Gerald. Encontrou o amigo sentado numa rocha. Duncan falou com Gerald, mas não obteve uma resposta.

Duncan meneou a cabeça.

– Que diabos há com você? – exigiu saber. – Onde está sua espada, Gerald? – perguntou em seguida, quase como se somente agora isso lhe ocorresse.

Gerald finalmente ergueu os olhos para Duncan. Estavam vermelhos e inchados. Embora Duncan jamais fosse comentar isso, compreendeu que o amigo estivera chorando.

– Onde é o lugar dela – Gerald explicou. Sua voz estava desprovida de emoções e tão neutra quanto a expressão em seu rosto.

Duncan não entendeu o que Gerald quis dizer com isso até encontrar o corpo de Morcar. A espada de Gerald estava cravada na virilha dele.

 

Armaram acampamento no penhasco acima do campo de batalha. Gerald e Duncan comeram pouco e mal conversaram um com o outro quando a escuridão os envolveu.

Gerald fez uso desse tempo para se livrar de sua ira.

Duncan usou esse tempo para inflamar a sua.

Quando Gerald começou a falar, despejou sua angústia.

– Vivi uma farsa todo esse tempo com Adela – Gerald disse. – Pensei que acabaria aceitando o que aconteceu com ela. Quando jurei matar Morcar, era a decisão lógica. Até eu o ver, Duncan. Algo se partiu dentro de mim. O bastardo gargalhou.

– Por que está me dando estas desculpas? – Duncan perguntou. Sua voz era tranquila.

Gerald sacudiu a cabeça. Sorriu de leve.

– Porque tenho a sensação de que quer perpassar sua espada em mim – ele disse.

– Você lutou como um tolo, Gerald. Se eu não estivesse lá com você, você jamais teria subido aquela colina. Estaria morto a esta altura. O seu desejo de vingança quase o destruiu.

Duncan pausou um instante para dar tempo a Gerald para pensar no que acabara de dizer. Sua ira quanto à conduta indisciplinada do amigo era desproporcional. Duncan percebia isso agora. Estava furioso com Gerald porque ele enxergava essa falha no caráter do amigo e agora admitia que carregava a mesma marca.

– Agi como um tolo. Não tenho justificativa – Gerald admitiu.

Duncan sabia que a admissão era difícil para o amigo.

– Não exijo justificativas. Aprenda com isto, Gerald. Não sou melhor do que você. Eu também me vi possuído pela minha sede de vingança. Madelyne foi ferida em batalha porque a capturei. Ela poderia ter morrido. Nós dois nos alternamos no papel de tolo.

– Sim, de fato – Gerald concordou. – Apesar de não querer admitir isso na frente de outro que não seja você, Duncan. Você me diz que quase perdeu Madelyne. Com isso a magia dela lhe teria sido negada e você jamais saberia de sua perda.

– Magia? – Duncan sorriu ante o comentário poético. Não era costume de Gerald se expressar dessa maneira.

– Não sei explicar – Gerald disse. Corou, evidentemente envergonhado pelo que dissera. – Ela é tão imaculada. E por mais que lamente tê-la capturado, eu sou grato. Ela foi a única capaz de me trazer de volta minha doce Adela.

– Nunca me arrependi de tê-la capturado. Só lamento ela ter se envolvido em minha batalha contra Louddon.

– Ah, minha doce Adela... – Gerald disse. – Eu poderia ter morrido hoje. E Adela teria sido privada das alegrias que somente eu posso lhe dar.

Duncan sorriu.

– Ainda não sei bem, Gerald, se Adela teria sofrido ou celebrado sua morte.

Gerald gargalhou.

– Vou lhe contar uma coisa, e se a repetir para alguém, eu juro que corto sua garganta. Tive que fazer uma promessa a Adela para que ela concordasse em se casar comigo.

Duncan ficou extremamente curioso. Gerald parecia envergonhado de novo.

– Jurei que nunca a levaria para a cama.

Duncan meneou a cabeça.

– Você se banqueteia com castigos, Gerald. Conte-me uma coisa, pretende cumprir sua promessa? – perguntou, tentando não rir.

– Eu cumprirei – ele anunciou, surpreendendo Duncan.

– Pretende viver como monge em sua própria casa? – Duncan pareceu horrorizado.

– Não, mas aprendi com você, Duncan.

– Do que está falando? – Duncan perguntou.

– Você disse a Adela que ela poderia viver com você pelo resto dos dias dela, lembra-se? E depois sugeriu que eu me mudasse para a fortaleza Wexton e a fizesse mudar de ideia. Foi um plano inteligente e eu o estou imitando.

– Entendo – Duncan disse, assentindo.

Gerald gargalhou.

– Não, não entende – disse ele. – Eu prometi a Adela que eu não a levaria para a cama. Ela, contudo, pode me levar sempre que quiser.

Duncan sorriu, compreendendo por fim.

– Levará tempo – Gerald admitiu. – Ela me ama, mas ainda não confia em mim. Eu aceito as condições, pois sei que ela não conseguirá resistir ao meu charme para sempre.

Duncan gargalhou.

– É melhor descansarmos um pouco. Vamos para Londres amanhã? – Gerald perguntou.

– Não, vamos até o Barão Rhinehold. A fortaleza dele é essencial para o meu plano.

– O que pretende fazer?

– Reunir meus aliados, Gerald. O jogo acabou. Da casa de Rhinehold enviarei mensagens para os demais. Se tudo correr bem, estaremos em Londres em duas semanas, três no máximo.

– Convocará os exércitos deles também? – Gerald perguntou, pensando no enorme exército que Duncan agruparia com facilidade. Apesar da tendência de os barões sempre brigarem entre si e constantemente procurarem melhorar sua posição de poder, todos respeitavam e admiravam de igual forma o Barão de Wexton. Cada um deles enviava seus melhores cavaleiros para serem treinados por Duncan. Nenhum nunca era recusado.

Os barões acatavam o julgamento de Duncan. Nunca antes ele lhe pedira seu apoio. No entanto, nenhum do grupo que vivia às turras daria as costas a Duncan.

– Não quero os exércitos deles ao meu lado, apenas os meus iguais. Não vou desafiar nosso líder, apenas confrontá-lo. Há uma diferença nisso, Gerald.

– Eu estarei ao seu lado também, apesar de que tenho certeza que sabe disso – Gerald anunciou.

– Louddon armou um jogo de enganos e farsas. Não creio que o rei saiba de suas traições. Pretendo deixar tudo às claras, porém. Ele não pode continuar a ignorar este problema. A justiça será feita.

– Deixará tudo às claras para o nosso líder diante dos outros barões?

– Isso mesmo. Todos eles sabem sobre Adela – ele disse. – Podem muito bem conhecer toda a verdade.

– Por quê? – O rosto de Gerald revelava sua angústia. – Adela terá que ficar diante de...

– Não, ela continuará em casa. Não há motivos para que ela tenha que passar por isso.

Gerald de pronto pareceu aliviado.

– Então por que você...

– Apresentarei a verdade ao nosso rei, diante dos barões.

– E nosso líder agirá com honra nesta questão? – Gerald perguntou.

– Logo descobriremos. Existem muitos que acreditam que nosso líder seja incapaz disso. Não sou um deles. – A voz de Duncan revelava empatia. – Ele sempre agiu com honra em relação a mim, Gerald. Não o julgarei com tanta facilidade.

Gerald assentiu.

– Madelyne terá que ir conosco, não?

– É necessário – Duncan respondeu.

Gerald sabia, a julgar pela expressão de Duncan, que ele não queria que Madelyne fosse para a corte, assim como ele próprio não desejava que sua querida Adela fosse.

– Madelyne terá que narrar o que aconteceu. De outro modo será a palavra de Louddon contra a minha.

– O resultado depende de Madelyne, então? – Gerald perguntou. Sua carranca combinava com a de Duncan.

– Claro que não – Duncan respondeu. – Mas ela foi um joguete nesta história. Tanto Louddon quanto eu a usamos. Não é fácil para mim reconhecer isso, Gerald.

– Você a salvou dos abusos de Louddon quando a levou consigo – Gerald observou. – Adela me contou um pouco sobre o passado de Madelyne.

Duncan assentiu. Estava cansado de conflitos. Agora que conhecia a alegria de amar Madelyne, queria passar cada minuto com ela. Sorriu ao perceber que imitava o herói imaginário dela, Odisseu. Ela lhe contara sobre o guerreiro que fora forçado a suportar um desafio após o outro, por dez longos anos, antes de poder regressar aos braços de sua amada.

Demoraria mais duas semanas antes que pudesse voltar a tê-la em seus braços. Suspirou uma vez mais. Estava começando a agir como um pateta.

– Pelo menos haverá tempo antes que cheguemos a Londres...

– Tempo para quê? – Gerald perguntou.

Duncan não percebera que falara em voz alta até Gerald lhe fazer a pergunta.

– De me casar com Madelyne.

Os olhos de Gerald se arregalaram. Duncan se virou e se afastou em direção à floresta, deixando Gerald pensando no que, em nome de Deus, ele estava falando.

 

O lar de Duncan passou por algumas mudanças sutis enquanto ele esteve ausente. Foram precauções necessárias e todas elas por causa da baronesa.

Nas horas da manhã, agora, o pátio ficava sempre deserto. Apesar de o calor atrair os criados para o pátio superior para realizarem suas tarefas diárias de lavar as roupas e trançar juncos frescos, todos preferiam trabalhar dentro do castelo. Esperavam até o fim de tarde para sair e respirar um pouco de ar fresco.

Mais especificamente, esperavam que Madelyne terminasse seu treino de arco e flecha.

Madelyne estava determinada a acertar no alvo com seu novo arco e flechas, e com isso em mente, quase enlouquecia Anthony. Ele a ensinava, contudo não entendia por que sua senhora não melhorava. A determinação dela era admirável; a pontaria, contudo, era uma história completamente diferente. Ela constantemente acertava um metro acima do alvo. Anthony insistia em comentar o fato, porém Madelyne parecia incapaz de corrigir a mira.

Ned continuava a lhe abastecer com novas flechas. Ela usou mais de cinquenta antes de conseguir corrigir a mira o bastante para que as flechas não ultrapassassem mais os muros. Com isso, ela pôde recuperar para usar novamente as flechas que atingiam as árvores, as choupanas e as roupas penduradas nos varais.

Anthony era paciente com sua senhora. Entendia o objetivo dela. Ela queria aprender a se proteger, de fato, mas também desejava que o marido se orgulhasse dela. O vassalo não imaginava esse segundo motivo. Não, ela lhe contava sobre seu anseio diversas vezes ao dia.

Anthony sabia por que ela se repetia. A baronesa se preocupava que seu desempenho falho o desgostasse e que ele parasse de ensiná-la. Mas evidentemente o vassalo não negaria nada a Madelyne.

Um mensageiro do rei da Inglaterra chegou à fortaleza Wexton ao fim do dia. Anthony o recebeu no salão, esperando receber uma mensagem verbal. O criado o Rei lhe entregou um rolo de pergaminho. O vassalo chamou Maude, ordenando-lhe que desse de comer e de beber ao soldado.

Madelyne entrou no cômodo bem quando o soldado seguia Maude até a despensa. Notou o pergaminho de imediato.

– Quais as novidades, Anthony? Duncan nos enviou alguma mensagem? – ela perguntou.

– A mensagem veio do rei – Anthony disse. Avançou até um baú pequeno na parede oposta à da despensa. Uma caixa de madeira entalhada estava acima do baú. Madelyne acreditava que fosse apenas um objeto decorativo, até Anthony levantar a tampa e guardar o pergaminho.

Ela estava perto o bastante para ver os pergaminhos guardados ali dentro. A caixa evidentemente era onde Duncan guardava os documentos importantes.

– Não vai ler agora? – perguntou quando Anthony se virou para ela.

– Isso terá que esperar até que o Barão de Wexton retorne – Anthony anunciou.

Madelyne entendeu pela expressão no rosto de Anthony que ele não estava satisfeito com a espera.

– Eu poderia mandar chamar um dos monges no...

– Eu posso ler para você – Madelyne o interrompeu.

Anthony pareceu surpreso com sua declaração. Madelyne sentiu o rosto se aquecer, sabia que corava.

– É verdade, eu sei ler, embora ficarei muito grata, Anthony, se você não contar a ninguém. Não desejo ser ridicularizada – acrescentou.

Anthony assentiu.

– Já faz três semanas que Duncan partiu – Madelyne o relembrou. – E você me disse que pode demorar um mês ainda para que ele volte. Você ousaria esperar isso tudo para mandar chamar um monge que possa ler esta mensagem para você?

– Não, claro que não – Anthony respondeu. Abriu a caixa e entregou o rolo de pergaminho a Madelyne. Depois se recostou na beirada da mesa, cruzou os braços diante do peito, e ouviu a mensagem escrita pelo suserano.

A carta fora escrita em latim, a língua preferida para os comunicados oficiais.

Madelyne não demorou nada para traduzir a mensagem. A voz não estremeceu, mas as mãos tremeram um pouco quando ela terminou de ler a missiva.

O rei não cumprimentara o Barão de Wexton. Sua raiva era evidente na ausência desse costume, Madelyne pensou. Ele exigia, da primeira à última palavra, que Madelyne se apresentasse a ele.

Ela não estava tão aflita com a ordem quanto ante o anúncio de que o Rei Guilherme estava enviando suas próprias tropas para buscá-la.

– Então nosso rei está enviando soldados para levá-la – Anthony disse quando ela terminou de ler. A voz dele tremia.

Madelyne entendeu que Anthony se via numa encruzilhada. Sim, a lealdade dele pertencia a Duncan, pois lhe jurara fidelidade. Contudo, tanto ele quanto Duncan eram vassalos do Rei da Inglaterra. Uma ordem de Guilherme precedia a de todos os demais.

– Mais alguma coisa, milady? – Anthony perguntou.

Ela assentiu lentamente. E, então, formou um sorriso corajoso para ele.

– Eu tinha esperanças que você não perguntasse – ela sussurrou. – Ao que tudo leva a crer, Anthony, aos olhos do rei existem duas irmãs e dois barões. Guilherme quer que esta disputa acabe, sugeriu que talvez... bem, ele usa exatamente essa palavra, que talvez cada irmã seja devolvida ao irmão de direito.

Os olhos de Madelyne brilharam de lágrimas.

– A alternativa seria Duncan se casar comigo – ela sussurrou.

– O rei evidentemente não sabe que vocês já estão casados – Anthony interveio. A carranca dele se intensificou, porque ele sabia que Madelyne não estava ciente do fato de ainda não estar casada com Duncan.

– E se Duncan se casar comigo, Adela se tornará a noiva de Louddon.

– Que Deus nos ajude – Anthony murmurou desgostoso.

– Adela não pode saber sobre isto, Anthony – Madelyne se apressou em dizer. – Direi a ela somente que o rei exige minha presença.

Anthony assentiu.

– Sabe escrever também, baronesa? – ele perguntou de repente.

Quando Madelyne assentiu, ele disse:

– Então, talvez, se o rei ainda não despachou as tropas, podemos ganhar um pouco de tempo.

– Tempo para quê? – Madelyne perguntou.

– Tempo para que seu marido retorne – Anthony lhe disse.

O vassalo se apressou para o baú, apanhou a caixinha de madeira e a carregou até Madelyne.

– Aqui dentro há pergaminho e tinta – disse a Madelyne.

Madelyne se sentou e rapidamente se preparou para a tarefa. Anthony lhe deu as costas. Começou a andar em círculos enquanto decidia o que dizer ao rei.

Madelyne notou uma missiva enrolada sobre a mesa, então, junto ao jarro de flores. O selo partido era do monastério em Roanne. Por curiosidade, pegou para ler a carta dos superiores do Padre Laurance.

Anthony voltou para junto de Madelyne bem quando ela terminava de ler a carta. Ele reconheceu o selo, e soube que a farsa tinha acabado.

– Ele não queria preocupá-la – Anthony disse a Madelyne. Apoiou a mão no ombro dela, confortando-a.

Madelyne não teceu nenhum comentário. Inclinou a cabeça para trás para olhar para ele. Anthony ficou surpreso com a intrigante mudança em sua senhora. Ela parecia muito serena. Ele sabia o quanto ela devia estar assustada de verdade. Sim, aquela era a mesma expressão que ela trazia nas primeiras semanas como prisioneira de Duncan.

Ele não sabia como ajudá-la. Se tentasse explicar que Duncan pretendia se casar com ela assim que retornasse, era possível que simplesmente acabasse piorando a situação. Ambos sabiam que o barão mentira para ela.

– Madelyne, seu marido a ama – ele disse, lamentando não conseguir impedir a aspereza da voz.

– Ele não é meu marido, não é mesmo, Anthony?

Não lhe deu tempo para responder, mas lhe deu as costas.

– O que deseja que eu escreva para o nosso rei? – perguntou. A voz dela estava tranquila, quase agradável.

Anthony admitiu a derrota. Resolveu que teria que deixar a explicação para Duncan. Voltou sua atenção para o ditado.

No fim, a mensagem foi simples, apenas informando que o Barão de Wexton ainda não retornara para a fortaleza e que, portanto, não estava a par da exigência do rei.

Anthony fez Madelyne ler a mensagem duas vezes. Quando ficou satisfeito, ela agitou o pergaminho para que secasse, depois aplicou óleo no dorso a fim de que ficasse maleável o bastante para ser enrolado.

Entregou a mensagem para o soldado do rei e ordenou que se apressasse a entregá-la.

Madelyne foi para o quarto para arrumar seus vestidos. Era uma precaução, pois sabia que os soldados do rei chegariam a qualquer instante.

Depois foi explicar a Adela o que acontecera, ocupando boa parte da tarde para ficar com a amiga. Não contou a mensagem exata do rei para Adela. Não, deliberadamente deixou de mencionar qualquer possibilidade de Adela ser entregue a Louddon.

Madelyne jamais permitiria que isso acontecesse. Tampouco colocaria Duncan na posição de ter que escolher.

Não jantou naquela noite, mas, em vez disso, subiu até a torre. Ficou diante da janela por uma hora, deixando que as emoções controlassem sua mente.

Deveriam ter descoberto Laurance antes. Madelyne se culpava por estar preocupada demais para notar as esquisitices dele. Depois culpou Duncan. Se ele não a tivesse assustado tanto durante a cerimônia de casamento, ela teria percebido a enganação de Laurance.

Jamais considerou a possibilidade de Duncan saber disso o tempo todo. Não, tinha absoluta certeza de que ele acreditava que Laurance os desposara. Ainda assim ficou brava. Ele lhe mentira descaradamente sobre o conteúdo da carta do monastério de Roanne. Duncan sabia o quanto ela valorizava a verdade. Ela nunca lhe mentira.

– Espere só até eu colocar as mãos em você – murmurou. – Adela não é a única que sabe gritar.

Sua explosão de raiva não ajudou a melhorar seu humor. Recomeçou a chorar.

À meia-noite estava exausta. Recostou-se na janela. A lua estava clara. Madelyne se perguntou se ela brilhava sobre Duncan agora. Estaria dormindo ao relento ou em um dos quartos do rei?

Sua atenção se voltou para o topo da colina além do muro. Um movimento chamou sua atenção, e ela olhou bem a tempo de ver o lobo subindo a colina.

Era mesmo um lobo, não? Talvez fosse o mesmo que ela vira meses atrás. O animal parecia grande o bastante.

Desejou que Duncan estivesse ali, ao seu lado, para que ela pudesse provar a existência do seu lobo. Observou o animal comer o osso carnudo que deixara para ele, se virar e desaparecer pelo lado oposto da colina.

Mas estava tão cansada que concluiu que estava imaginando coisas de novo. Devia ser apenas mais um cão selvagem e nem devia ser o mesmo de antes.

Duncan era seu lobo. Ele a amava. Madelyne nunca duvidou dele quanto a isso. Sim, mentira-lhe a respeito da carta, todavia instintivamente ela sabia que ele nunca mentiria sobre seu amor por ela.

Era uma admissão reconfortante. Duncan era honrado demais para enganá-la dessa forma.

Tentou dormir, mas o medo a impediu. Como estivera contente em deixar que Duncan cuidasse do futuro. Sentira-se segura porque carregava o nome dele. Sim, estivera ligada a ele. Até hoje.

Agora voltava a ficar com medo. O rei exigia sua presença na corte. Ela retornaria para Louddon.

Madelyne começou a chorar. Implorou a Deus que protegesse Duncan. Pediu em nome do futuro de Adela, de Gerald e também por Edmond e Gilard.

E depois sussurrou uma oração para si mesma e implorou para ter coragem.

Coragem para enfrentar o demônio.


CAPÍTULO VINTE E UM


“Responde ao tolo segundo a sua estultícia, para que não seja sábio aos seus próprios olhos.”
Provérbios 26:5

 

Duncan soube que havia algo errado no minuto em que entrou no pátio inferior. Anthony não estava lá para recebê-lo. E nem Madelyne.

Uma sensação de temor cercou seu coração. Incitou o garanhão a avançar, galopando sobre a ponte até o quintal.

Adela saiu correndo do castelo bem quando ele e Gerald desmontavam. Ela hesitou faltando pouco para chegar aos dois homens, depois pareceu se decidir e correu e se jogou nos braços de Gerald. Quando o abraçou, começou a chorar.

Precisaram de paciência e de longos minutos para conseguir alguma informação de Adela.

O segundo tenente de Duncan, um homenzarrão de fala mansa chamado Robert, veio correndo para dar seu relato. Enquanto Gerald procurava acalmar Adela, Robert explicou que os soldados do rei vieram buscar Madelyne.

– O selo do rei estava na missiva? – Duncan perguntou.

Robert franziu o cenho ante a pergunta.

– Não sei, barão. Não vi a convocação. E sua esposa insistiu em levar a carta consigo. – Robert abaixou a voz a um sussurro ao acrescentar: – Ela não queria que ninguém lesse o conteúdo da convocação para sua irmã.

Duncan não sabia bem como interpretar a ação da esposa. Concluiu que a missiva devia conter algum tipo de ameaça a Adela e que Madelyne tentava impedir que sua irmã se preocupasse.

O rei não teria ameaçado. Não, Guilherme não ameaçaria seu leal barão dessa maneira. Duncan tinha fé suficiente em seu líder para acreditar que o rei esperaria para ouvir todas as explicações.

Havia a mão de Louddon naquela traição. Duncan apostava a vida nisso.

De pronto ordenou que preparassem outra montaria. Duncan estava tão bravo que mal conseguia pensar com lógica. A única coisa que o acalmava um pouco era o fato de Anthony ter ido com Madelyne. Seu leal vassalo levara um pequeno contingente dos melhores guerreiros de Duncan consigo. Robert explicou que Anthony não ousou levar soldados demais a fim de que o rei não acreditasse que ele estava sendo desrespeitoso.

– Quer dizer que Anthony acredita que a convocação tenha vindo diretamente do rei? – Duncan perguntou.

– Não estou a par do que ele pensou – Robert respondeu.

Duncan pediu uma montaria descansada. Quando o responsável pelo estábulo lhe trouxe Sileno, Duncan perguntou por que ela não escolhera seu garanhão para levá-la para a corte.

James, desacostumado a falar diretamente com seu senhor, gaguejou a resposta.

– Ela se preocupou que o irmão poderia abusar do cavalo caso descobrisse que Sileno pertencia ao senhor, milorde. Essas foram as palavras dela.

Duncan assentiu, aceitando a explicação. Era típico de sua digna esposa preocupar-se com o cavalo.

– Ela exigiu um dos cavalos do rei – James acrescentou.

Adela chegou a suplicar para ir com eles. Duncan já voltara a montar, mas foi obrigado a esperar preciosos minutos até que a histeria da irmã passasse e Gerald conseguisse se soltar da noiva.

Depois de negar o pedido de Adela de acompanhá-los, Gerald teve que jurar sobre o túmulo da mãe que voltaria sem nenhum arranhão, uma promessa que Duncan sabia ser falsa uma vez que a mãe de Gerald ainda estava viva. Por certo não comentou a contradição, visto que via como a promessa de Gerald acalmara sua irmã.

– Conseguirá alcançar nossa milady? – James ousou perguntar ao seu senhor.

Duncan se voltou para abaixar o olhar para o responsável pelo estábulo. Viu o olhar assustado do homem e se acalentou com a preocupação dele.

– Estou uma semana atrasado, pelo menos – Duncan disse. – Mas trarei sua senhora de volta, James.

Essas foram as últimas palavras que Duncan proferiu até estar na metade do caminho para Londres. Se os cavalos não precisassem de descanso, Gerald acreditava que Duncan sequer teria parado.

O Barão de Wexton se afastou dos homens. Gerald o deixou sozinho por alguns minutos, depois foi falar com ele.

– Eu gostaria de lhe dar uma palavra de conselho, amigo.

Duncan se virou para olhar para Gerald.

– Lembre-se de minha reação ao ver Morcar. Não permita que sua ira o controle, apesar de eu jurar proteger sua retaguarda quando estiver na corte.

Duncan assentiu.

– Estarei controlado assim que vir Madelyne. Ela deve estar na corte há pelo menos uma semana agora. Só Deus sabe o que Louddon lhe fez. Juro por Deus, Gerald, se ele tiver tocado nela, eu...

– Louddon tem muito em jogo para feri-la, Duncan. Ele precisa do apoio dela, não da raiva. Não, haverá pessoas demais observando-o. Louddon agirá como um irmão amoroso.

– Rezo para que tenha razão – Duncan respondeu. – Eu... me preocupo com ela.

Gerald lhe deu um tapinha no ombro.

– Inferno, homem, está com medo de perdê-la, assim como eu temi perder Adela.

– Que par de arrogantes somos nós... – Duncan anunciou. – Não se preocupe com minha raiva. Quando eu vir minha esposa, estarei controlado novamente.

– Sim, bem, existe outro assunto que precisa ser discutido – Gerald confessou. – Adela me contou sobre a carta que você recebeu do monastério.

– Como ela sabe sobre essa carta? – Duncan perguntou.

– Sua Madelyne lhe contou. Parece que ela encontrou a carta e a leu.

Os ombros de Duncan penderam. Sua preocupação acabava de se multiplicar. Não tinha certeza do que a esposa faria.

– Adela lhe contou como Madelyne reagiu? Estava brava? Deus, espero que ela tenha ficado brava.

Gerald meneou a cabeça.

– Por que deseja que ela tenha ficado brava?

– Menti para Madelyne, Gerald, e espero que ela esteja brava com a mentira. Não quero que ela pense que eu... a usei de má fé. – Duncan deu de ombros. Era difícil para ele por em palavras os seus sentimentos. – Assim que conheci Madelyne, ela tentou me convencer de que Louddon não iria atrás dela. Ela me disse que não valia a atenção dele. Madelyne não estava tentando me ludibriar, Gerald. Ela sinceramente acreditava no que dizia. Louddon a fez se sentir assim, claro. Ela permaneceu sob o jugo dele por quase dois anos.

– Dois anos?

– Sim, desde o momento em que a mãe faleceu até ele enviá-la para morar com o tio, Louddon foi o único guardião de Madelyne. Você sabe tão bem quanto eu quais crueldades Louddon é capaz de fazer, Gerald. Eu testemunhei Madelyne se fortalecer a cada dia, mas ela ainda é... vulnerável.

Gerald assentiu.

– Sei que desejaria ter sido aquele a lhe contar sobre Laurance não ser do clero, mas pense o quanto ela estaria despreparada caso tivesse sido Louddon a lhe contar.

– É verdade, ele a teria pego desprevenida – Duncan admitiu. – Sabe que Madelyne me pediu que lhe ensinasse a se defender? Não houve tempo. Não, eu não criei tempo para isso. Se alguma coisa acontecer com ela...

Duncan era um homem atormentado. Sua inocente esposa estava de volta às mãos do demônio e esse pensamento congelava-lhe a alma.

Gerald não sabia que palavras de consolação oferecer a Duncan.

– A lua nos dará luz suficiente para continuarmos à noite – ele sugeriu.

– Então, tiraremos vantagem dessa luz.

Os barões só voltaram a falar até chegarem ao destino deles.

 

Madelyne tentou dormir. Estava trancada dentro de um quarto adjacente ao da irmã Clarissa. As paredes eram finas como pergaminho. Madelyne tentou não ouvir a discussão que Louddon tinha com ela.

Já ouvira o bastante. Madelyne estava tão enojada com a irmã e com o irmão que sentia que ia vomitar. Seu estômago não aguentava comida alguma e a cabeça latejava de dor.

Louddon fora bem previsível. Cumprimentara-a diante dos soldados do rei, beijara-a na face, chegara até a abraçá-la. Sim, desempenhara o papel de irmão amoroso, especialmente na frente de Anthony. No entanto, assim que se viram a sós no quarto dela, Louddon se voltara contra ela. Disparou acusações, terminando seu discurso inflamado derrubando Madelyne no chão com um golpe potente no rosto. Na mesma face que antes beijara.

O irmão lamentou o rompante de imediato, por perceber que o rosto de Madelyne ficaria com um hematoma. Visto que sabia que alguns dos seus inimigos concluiriam que ele era o responsável, manteve Madelyne trancada no quarto e deu a desculpa a todos de que ela passara por uma provação tão grande nas mãos do Barão de Wexton que precisaria de alguns dias para recobrar as forças.

Todavia, enquanto Louddon se mostrara previsível, Clarissa fora uma decepção devastadora para Madelyne. Quando teve tempo para pensar a respeito, Madelyne percebeu que idealizara um retrato perfeito da irmã mais velha. Madelyne quis acreditar que Clarissa gostava dela. No entanto, toda vez que enviou mensagens para as irmãs, tanto Clarissa quanto Sara não se deram ao trabalho de responder-lhe. Madelyne arranjara desculpas para o comportamento delas. Hoje percebia a verdade. Clarissa era tão egoísta quanto Louddon.

Sara nem se dera ao trabalho de ir a Londres. Clarissa explicara sua ausência dizendo a Madelyne que Sara era recém-casada com o Barão Ruchiers e não desejava sair de perto dele. Madelyne sequer sabia que Sara estivera noiva de alguém.

Madelyne desistiu de tentar descansar. A voz de Clarissa era tão aguda quanto o canto de um galo. A irmã era dada a reclamar, e o fazia agora enquanto se lamentava com Louddon a respeito da humilhação que Madelyne lhe causara.

Uma parte da conversa chegou até ela pela porta que ligava os aposentos. Clarissa falava de Rachel. A voz dela estava carregada de desdém ao difamar tão facilmente a mãe de Madelyne. Madelyne sabia que Louddon odiara Rachel, no entanto nunca soube que as duas irmãs também sentiam o mesmo.

– Você desejou a vadia desde o primeiro dia em que ela passou pela nossa porta – Clarissa disse.

Madelyne entreabriu a porta. Viu Clarissa sentada sobre uma almofada próxima à janela. Louddon estava de pé junto à irmã. Estava de costas para Madelyne. Clarissa tinha a cabeça levantada na direção do irmão. Ambos seguravam taças.

– Rachel era muito bela – Louddon disse. A voz estava áspera. – Quando nosso pai se voltou contra ela, fiquei atordoado. Rachel era uma mulher tão encantadora. Papai a forçou ao casamento, Clarissa. Pensava-se que o Barão Rhinehold a desposaria.

Clarissa bufou. Madelyne a observou sorver um bom gole da taça. Vinho tinto escorreu pela frente do vestido dela, mas Clarissa parecia alheia à sujeira e se serviu de mais uma taça do jarro que segurava com a outra mão.

A irmã era tão bonita quanto Louddon, com os mesmos cabelos loiros e olhos amendoados. E, assim como o irmão, sua expressão, quando contrariada, era tão horrível quanto.

– Rhinehold não chegava aos pés de nosso pai na época – Clarissa disse. – Mas nosso pai bancou o tolo, não foi? No fim, Rachel zombou dele. Pergunto-me, Louddon, se Rhinehold sabe que Rachel estava grávida de um filho dele quando se casou com nosso pai?

– Não – Louddon respondeu. – Rachel nunca teve permissão para ver Rhinehold. Quando Madelyne nasceu, nosso pai sequer olhou para ela. Rachel foi punida pelo seu disparate.

– E você esperou que Rachel o procurasse para se consolar, não foi, Louddon? – Clarissa perguntou. Gargalhou quando ele a encarou com raiva. – Você a amava – provocou-o. – Mas Rachel o considerava desprezível, não é mesmo? Caso não tivesse a pirralha para cuidar, acredito que teria se matado. Deus bem sabe o quanto eu mesma sugeri isso a ela. Talvez, caro irmão, Rachel não tenha caído por aquela escada. Ela pode muito bem ter sido empurrada.

– Você sempre teve ciúme de Rachel, Clarissa – Louddon estrepitou. – Assim como também tem ciúmes da filha dela, sendo ela ilegítima ou não.

– Não tenho ciúmes de ninguém – Clarissa exclamou. – Deus, mal posso esperar que isso tudo acabe de uma vez. Então, juro que contarei a Madelyne sobre Rhinehold. Pode até ser que eu conte a ela que você matou a mãe dela.

– Você não dirá nada – Louddon exclamou. Arrancou a taça da mão de Clarissa. – Você é uma tola, irmã. Eu não matei Rachel. Ela escorregou e caiu por aqueles degraus.

– Ela tentava se livrar de você quando caiu – Clarissa escarneceu.

– Deixe estar – Louddon berrou. – Ninguém deve saber que Madelyne não é uma de nós. A vergonha afetará tanto a mim quanto a você.

– A vadiazinha fará o que você mandar? Madelyne atuará diante do rei como você planejou? Ou ela se voltará contra você, Louddon?

– Ela fará o que eu mandar que faça – Louddon se vangloriou. – Ela me obedece porque me teme. Que covarde que ela é. Não mudou de temperamento desde que era criança. Além disso, nossa pequena Madelyne sabe que matarei Berton se me desagradar.

– Uma pena a morte de Morcar – Clarissa disse. – Ele teria pagado uma bela soma por Madelyne. Ninguém mais vai querê-la.

– Está errada, Clarissa. Eu a quero. Não deixarei que ninguém se case com ela.

Madelyne fechou a porta ante a gargalhada obscena de Clarissa. Chegou ao urinol do quarto bem a tempo de vomitar a bile do estômago.

Chorou pela mãe, Rachel, pelo inferno que o pai e Louddon a fizeram passar. Ficara chocada em saber que Rachel se casara estando grávida de outro homem. E, então, toda a verdade foi absorvida. Madelyne derramou lágrimas de alegria, então, pois acabara de perceber que não tinha laços sanguíneos com Louddon no fim das contas.

Ouvira o nome Rhinehold dito por Duncan, sabia que eram aliados. Ficou imaginando se o Barão Rhinehold estaria na corte. Queria ver como ele era. Casara-se um dia? Louddon estava certo, ninguém deveria saber... E mesmo assim, Madelyne sabia que contaria a verdade a Duncan. Oras, ele provavelmente ficaria tão satisfeito quanto ela.

Ela finalmente foi capaz de forçar as emoções a se controlarem. Precisaria ficar calma. Sim, precisava tentar proteger Padre Berton e Duncan. Louddon acreditava que ela trairia um de livre e espontânea vontade para salvar o outro. Claro que também existia o problema de Adela, mas Madelyne não estava preocupada com a irmã de Duncan agora. Não, Gerald logo se casaria com ela e, quando isso acontecesse, o rei não poderia ameaçar entregar Adela a Louddon.

Madelyne passou boa parte da noite formulando seu plano. Rezou para que Louddon permanecesse previsível, que Duncan continuasse em segurança, e que Deus lhe desse coragem para a batalha iminente.

Finalmente fechou os olhos para dormir. E então usou do mesmo artifício que usava quando era menina. Toda vez que sentia medo ao acreditar que Louddon voltaria para levá-la para casa, fingia que Odisseu estava ao seu lado, protegendo-a. Sua imaginação, porém, mudara. Não era Odisseu, mas Duncan quem a protegia agora.

Sim, encontrara alguém mais poderoso do que Odisseu. Ela tinha seu lobo para protegê-la.

 

Na tarde seguinte, Madelyne acompanhou Louddon para uma audiência com o rei. Quando se aproximaram dos aposentos privativos do rei, Louddon se voltou para Madelyne e lhe sorriu.

– Estou contando com sua honestidade, Madelyne. Você só precisa contar ao rei o que aconteceu à sua casa e com você. Eu farei o resto.

– E a verdade amaldiçoará Duncan, é nisso que acredita? – Madelyne perguntou.

O sorriso de Madelyne se tornou azedo. Não gostou do tom que a irmã usou com ele.

– Está ousando criar coragem agora, Madelyne? Lembre-se de seu precioso tio. Neste instante mesmo, tenho homens a postos para viajar. Se eu der o comando, a garganta de Berton será cortada.

– Como posso saber se já não o matou? – Madelyne argumentou. – Isso mesmo – acrescentou quando Louddon agarrou-lhe o braço para ameaçá-la. – Não consegue controlar seu temperamento, Louddon. Nunca conseguiu. Como posso saber se já não matou meu tio?

Louddon provou que o comentário dela a respeito do seu temperamento estava correto. Descontrolou-se e deu-lhe um tapa. O anel com pedra preciosa incrustada cortou seu lábio inferior. Sangue de imediato começou a escorrer pelo queixo de Madelyne.

– Veja o que me obrigou a fazer – Louddon exclamou. Arqueou a mão para desferir mais um golpe e subitamente se viu imprensado contra a parede ao lado de Madelyne.

Anthony aparecera do meio das sombras. Agora prendia Louddon pelo pescoço e dava a Madelyne todos os indícios de que sufocaria seu irmão.

Madelyne provocara-o deliberadamente para que se descontrolasse. Deus bem sabia, não estava muito agradecida pela interferência de Anthony.

– Anthony, solte meu irmão – Madelyne ordenou. A voz saiu dura, porém ela suavizou a ordem ao colocar a mão sobre o ombro do vassalo. – Por favor.

O vassalo se libertou de sua raiva, soltou Louddon e, calmamente, observou o barão se largar no chão num acesso de tosse.

Madelyne tirou vantagem da condição enfraquecida do irmão. Inclinou-se na direção de Anthony e sussurrou ao seu ouvido:

– Está na hora de eu colocar meu plano em ação. Não importa o que eu diga ou faça, não discuta. Estou protegendo Duncan.

Anthony assentiu para que Madelyne soubesse que a ouvira. Desejou perguntar-lhe se o seu plano era provocar Louddon até que ele a matasse. E por que ela pensava em proteger Duncan? Ficou evidente ao vassalo que sua senhora não estava nem um pouco preocupada com a própria segurança.

Anthony precisou de todo o seu controle para não demonstrar nenhuma reação quando Madelyne ajudou Louddon a ficar de pé. Não queria que Madelyne tocasse naquele bastardo.

– Louddon, não creio que tenha ferido tio Berton – Madelyne disse quando o irmão tentou arrastá-la para longe de Anthony. – Resolveremos este problema aqui e agora.

Louddon ficou surpreso com a coragem de Madelyne. Sua irmã não agia nem com timidez nem com temor agora.

– O que pensa em dizer ao rei quando ele perceber as marcas em meu rosto, Louddon?

– Você não irá ver o rei agora – Louddon berrou. – Mudei de ideia. Vou levá-la de volta aos seus aposentos, Madelyne. Falarei com o rei em seu lugar.

Madelyne se desvencilhou da pegada dele.

– Ele quererá me ver e ouvir minha explicação – ela disse. – Hoje, amanhã ou na semana que vem, Louddon – acrescentou. – Você apenas retardou a espera. E sabe o que direi ao nosso rei?

– A verdade – Louddon zombou. – Sua honestidade vai encurralar o Barão de Wexton. – Chegou a gargalhar com a própria declaração. – Você não consegue se conter, Madelyne.

– Eu diria a verdade caso falasse com o rei. Mas não vou dizer nada. Simplesmente ficarei lá, olhando para você quando o rei me fizer perguntas. Juro por Deus que não vou dizer nada.

Louddon ficou tão enfurecido com a ameaça de Madelyne que quase bateu nela de novo. Quando ergueu a mão, Anthony deu um passo ameaçador à frente e o desejo de retaliar de Louddon de pronto foi deixado de lado.

– Falarei com você mais tarde – disse Louddon. E lançou um olhar ameaçador a Anthony antes de prosseguir: – Quando estivermos sozinhos, eu lhe prometo que você mudará de ideia.

Madelyne escondeu seu medo.

– Falaremos disto aqui, Louddon, ou mandarei Anthony falar com o rei agora e lhe contar como tem me maltratado.

– Acha mesmo que Guilherme se importará? – Louddon exclamou.

– Sou uma súdita dele assim como você – Madelyne replicou. – Também orientarei Anthony a contar ao rei o quanto me preocupo que você possa mandar matar tio Berton. Duvido que Guilherme apreciará a reação da igreja quando um barão matar um membro do clero.

– O rei não acreditará em você. E você sabe muito bem que seu padre tão precioso está vivo. Mas se persistir nesta rebelião, farei com que morra. Instigue-me mais, vadia, e eu...

– Você me mandará viver novamente com tio Berton. É isso o que fará.

Os olhos de Louddon se arregalaram e seu rosto ficou rubro. Não acreditava na mudança radical da disposição da irmã. Ela o desafiava, e diante de uma testemunha para completar. Uma nuvem de preocupação começou a se formar na mente de Louddon. A cooperação de Madelyne era essencial para obter o favorecimento do rei contra Duncan. Sim, contara que Madelyne diria como Duncan destruíra sua fortaleza e a levara como prisioneira. Subitamente, Madelyne se tornara muito imprevisível.

– Você espera que eu responda somente certas verdades, não é mesmo? E se eu começar contando como tentou matar o Barão de Wexton?

– Você responderá apenas as perguntas que lhe forem feitas! – gritou Louddon.

– Então, atenda ao meu pedido. Deixe-me ir para meu tio. Ficarei com ele e você cuida do problema com o Barão de Wexton.

Madelyne sentiu vontade de chorar ante a escolha deliberada de palavras. Um problema, de fato. Pois Louddon estava determinado a destruir Duncan.

– Juro que provocarei mais danos à sua petição se eu for chamada para depor diante do rei. A verdade pode amaldiçoar Duncan, mas meu silêncio amaldiçoará você.

– Quando isto terminar...

– Você me matará, imagino – Madelyne anunciou com um dar de ombros forçado. A voz estava desprovida de emoções quando ela disse: – Não me importo, Louddon. Faça o seu pior.

Louddon não precisou pensar na ameaça de Madelyne. Concluiu de imediato que ela deveria ser retirada da corte. Simplesmente não havia tempo para subjugá-la.

Há apenas dois dias tomara conhecimento do fracasso de Morcar em matar Duncan. Morcar estava morto e Duncan por certo chegaria a Londres a qualquer instante.

Talvez devesse deixar que a irmã levasse a melhor. A partida dela também serviria ao seu propósito, concluiu.

– Partirá dentro de uma hora – Louddon anunciou. – Mas meus homens a acompanharão, Madelyne. Os homens de Wexton – acrescentou, encarando Anthony – não têm motivos para acompanhá-la. O barão já não decide nada em relação aos seus assuntos. Ele já tem a irmã de volta e você agora pertence a mim.

Madelyne concordou antes que Anthony pudesse discutir. O vassalo trocou um olhar com sua senhora e depois assentiu em concordância.

Ele não tinha a mínima intenção de honrar esse acordo, evidentemente. Ele a seguiria pouco importando onde Louddon a enviasse. Contudo, seria discreto, e deixaria que Louddon acreditasse que sua ordem fora cumprida.

– Em seguida, retornarei à fortaleza Wexton – anunciou antes de dar as costas.

– Preciso ir trocar algumas palavras com o rei – Louddon murmurou. – Ele está à nossa espera. Estou cedendo ao seu capricho, Madelyne, mas você e eu sabemos que chegará a hora em que terá que se reportar a Guilherme quanto ao que aconteceu.

– Eu lhe darei a minha palavra – Madelyne replicou. Quando Louddon pareceu suspeitar, ela acrescentou rapidamente. – E isso, claro, sustentará sua causa.

Louddon pareceu ligeiramente apaziguado.

– Sim, bem, talvez uma visita a seu tio seja o melhor, no fim das contas. Vê-lo novamente a lembrará de sua posição... delicada.

Louddon concluiu que a vadia precisava lembrar-se de quanto o tio lhe era importante. Evidentemente, esquecera-se de como Berton era um homem velho e frágil, e como seria impossível para ele se proteger. Sim, ela precisava rever o padre. Assim, ele teria sua irmã tímida e temerosa de volta, bem onde a queria.

– Sempre existe a possibilidade de eu já ter cuidado de Duncan antes que você seja solicitada a retornar à corte, Madelyne. Volte aos seus aposentos agora e junte seus parcos pertences. Enviarei soldados para acompanhá-la até o pátio.

Madelyne fingiu humildade. Inclinou a cabeça e sussurrou um agradecimento.

– De fato passei por uma imensa provação – disse ao irmão. – Espero que o rei não discuta seu pedido para que eu parta...

– Meu pedido? – Louddon gargalhou, um som obsceno que incomodava. – Ele sequer saberá, Madelyne. Não preciso solicitar nada a Guilherme em relação a assuntos de menor importância.

Louddon se virou e se afastou ao fazer sua odiosa declaração. Madelyne observou-o até ele desaparecer pela curva do corredor. Depois se virou e começou a voltar aos seus aposentos. Anthony aguardava nas sombras e foi rápido ao interceptá-la.

– Arrisca-se demais, milady – murmurou. – Seu marido ficará muito descontente.

– Nós dois sabemos que Duncan não é meu marido – Madelyne disse. – É muito importante que você não interfira, Anthony. Louddon deve acreditar que de fato tem a irmã nas mãos.

– Madelyne, sei que quer proteger Adela, mas o dever de Gerald...

– Não, Anthony – Madelyne o interrompeu. – Só estou querendo ganhar tempo. E preciso ver meu tio. Ele é como um pai para mim. Louddon o matará caso eu não o proteja...

– Você tem que proteger a si mesma – Anthony discutiu. – Em vez disso, tenta proteger o mundo. Não vai dar ouvidos à razão? Ficará vulnerável se sair das propriedades do castelo.

– Estou muito mais vulnerável aqui – Madelyne sussurrou. Deu um tapinha na mão de Anthony e depois disse: – Ficarei vulnerável até Duncan resolver este problema. Conte a Duncan para onde fui, Anthony, e então a decisão será dele.

– Que decisão? – Anthony perguntou.

– Se ele quer ou não ir atrás de mim.

– Você não duvida de verdade que...

Madelyne soltou um longo suspiro.

– Não, não duvido – disse, sacudindo a cabeça para enfatizar. – Duncan irá atrás de mim e, quando o fizer, deixará soldados para proteger meu tio. Só rezo para que ele seja rápido.

Anthony não via falhas no plano de Madelyne.

– Eu ficarei de olho em você o tempo todo – jurou. – Basta apenas que grite e eu estarei lá.

– Precisa ficar aqui para contar a Duncan...

– Deixarei outro para essa tarefa – Anthony disse. – Dei minha palavra ao meu senhor que protegeria a esposa dele – acrescentou, enfatizando a palavra esposa.

Apesar de não admitir, Madelyne estava aliviada por ter a proteção de Anthony. Quando terminou de juntar suas roupas, apressou-se para o pátio adjacente ao estábulo do rei. Três dos soldados de Louddon a acompanharam. Deixaram-na sozinha enquanto preparavam as montarias.

Madelyne ficou agradecida por não ter se encontrado com Clarissa novamente. E Louddon ainda estava em conferência com o rei... Enchendo a cabeça dele com mentiras a respeito de Duncan, disso Madelyne estava certa.

Um agrupamento de curiosos se juntou para ver sua partida. As marcas no rosto de Madelyne eram bastante perceptíveis e ela não deixou de ouvir os comentários especulativos às suas costas.

Uma ruiva alta se afastou do grupo e se apressou para perto de Madelyne. Era uma bela mulher, com postura elegante da realeza, bem mais alta do que Madelyne, e com um pouco mais de curvas. Não sorriu para Madelyne, apenas a fitou com hostilidade.

Madelyne enfrentou o olhar dela e perguntou:

– Deseja me dizer algo?

– É um risco para mim dirigir-me a você assim, abertamente – a mulher começou. – Preciso pensar em minha reputação.

– E falar comigo a maculará? – Madelyne perguntou.

A mulher pareceu surpresa com sua pergunta.

– Mas claro que sim – ela admitiu. – Por certo já sabe que já não é mais desejável...

Madelyne interrompeu o insulto velado.

– Diga o que tem a dizer e deixe-me em paz.

– Sou Lady Eleanor. – Madelyne não conseguiu esconder sua surpresa. – Então, já ouviu falar de mim? Talvez o Barão de Wexton tenha falado...

– Ouvi falar a seu respeito – Madelyne sussurrou. Sua voz tremia. Não conseguia evitar se sentir um pouco inferior ao lado daquela mulher. Lady Eleanor estava vestida esplendorosamente, enquanto Madelyne trajava um vestido azul claro de viagem.

A pretendente de Duncan parecia ser tudo o que Madelyne acredita não ser. Tão composta, tão digna. Madelyne duvidava que a mulher um dia tivesse sido desajeitada, mesmo quando menina.

– Meu pai ainda tem que chegar a um acordo formal com o Barão de Wexton em relação à data de nosso casamento. Eu só queria lhe estender minha compaixão, pobre criança. Mas não culpo meu futuro marido. Ele apenas estava retaliando à altura. Mas fico me perguntando se o Barão de Wexton a maltratou.

Madelyne ouviu a preocupação na voz de Lady Eleanor e ficou furiosa.

– Se precisa fazer essa pergunta é porque não conhece o Barão de Wexton muito bem.

Deu as costas para a mulher e montou no cavalo que um dos soldados trouxe para ela. Quando estava acomodada, abaixou o olhar para Lady Eleanor e disse:

– Ele não me maltratou. Agora já teve sua pergunta respondida e é a minha vez que lhe perguntar algo.

Lady Eleanor assentiu com um aceno breve.

– Você ama o Barão de Wexton?

Ficou evidente após um silêncio demorado que Lady Eleanor não responderia a Madelyne. Ela levantou uma sobrancelha e depois o olhar de desdém em seu rosto revelou que não gostou nada da pergunta.

– Não sou uma pobre criança, Lady Eleanor – Madelyne anunciou, deixando a raiva evidente na voz. – Duncan não se casará com você. Ele não assinará o contrato. Ele teria que desistir de seu maior tesouro para se casar com você.

– E qual seria esse tesouro? – Lady Eleanor perguntou com voz tranquila.

– Oras, eu sou o maior tesouro de Duncan. Ele seria um tolo se desistisse de mim – acrescentou. – E até mesmo você deve saber que Duncan é tudo menos um tolo, queridinha.

Madelyne então incitou o cavalo a se adiantar e Lady Eleanor teve que pular para o lado, caso contrário seria levada ao chão. Poeira subiu até o rosto da mulher pasmada.

Já não parecia tão superior. Sim, Lady Eleanor estava evidentemente furiosa. E sua raiva agradou Madelyne imensamente. Ela sentia como se tivesse acabado de vencer uma batalha importante. Era uma vitória segundo o ponto de vista de Madelyne, infantil, nascida da grosseria, é verdade, mas uma vitória mesmo assim.


CAPÍTULO VINTE E DOIS


“Porque andamos por fé, e não por vista.”
2 Coríntios 5:7

 

Madelyne lhe contou tudo.

E contar tudo o que lhe acontecera demorou quase dois dias inteiros. O caro padre exigiu saber cada palavra, todo sentimento, qualquer consequência.

Padre Berton chorara lágrimas de alegria quando Madelyne entrou no pequeno chalé. Admitiu ter sentido imensas saudades dela e pareceu impossibilitado de recuperar o controle de suas emoções no primeiro dia. Madelyne, evidentemente, também chorou sua parcela. O tio declarou que não havia problema em se portarem indisciplinadamente visto que estavam sozinhos, afinal, e ninguém testemunharia o espetáculo emotivo deles. Os colegas do padre estavam fora, visitando outro antigo amigo que adoecera subitamente.

Só depois que ela preparara o jantar e ambos estavam sentados lado a lado em suas poltronas prediletas foi que Madelyne conseguiu por fim começar a contar a sua história. Pensou em fazer um resumo sucinto, mas tio Berton não permitiria nada além de uma narrativa detalhada.

O padre pareceu saborear cada minúcia. Não permitia que Madelyne seguisse adiante até ter memorizado cada palavra. Seu treinamento tanto de tradutor como de único guardião das histórias antigas era o motivo que Madelyne atribuía a tal peculiaridade conhecida.

Quando Madelyne foi recebida pelo tio, ela começou a se preocupar com a saúde dele. Ele parecia estar bastante fraco. Sim, ela viu que os ombros dele também pareciam mais curvados, e ele não parecia capaz de se mover tão rapidamente pelo chalé. No entanto, seu olhar continuava direto, os comentários, tão precisos quanto antes. A mente de Padre Berton estava mais aguçada do que antes. Quando ele confessou que seus colegas não retornariam para passar seus últimos anos com ele, Madelyne concluiu que era a solidão responsável, e não os mais de cinquenta anos de idade, pelas mudanças que ela notara.

Madelyne tinha confiança de que Duncan viria atrás dela. No entanto, quando três dias completos se passaram e ainda assim não havia sinal do amado esposo, sua confiança começou a se dissipar.

Madelyne admitiu seus medos para o tio.

– Talvez, depois que voltou a ver Lady Eleanor, ele mudou de ideia.

– Está me dizendo tolices – Padre Berton anunciou. – Tenho tanta confiança quanto você, minha filha, que esse Barão de Wexton não sabia que Laurance não era padre. Ele pensou estar casado com você, e para um homem dar um passo tão grande assim, ele devia estar comprometido em seu coração. Você me contou a declaração de amor dele. Quer dizer que não confia na palavra dele, então?

– Ah, claro que confio – Madelyne replicou. – Ele me ama de verdade, padre. Sei que ama, no fundo de meu coração, mesmo assim uma parte da minha mente tenta me preocupar. Despertei no meio da noite e meu primeiro pensamento foi assustador. Perguntei a mim mesma o que eu faria se ele não viesse me buscar. E se ele mudou de ideia?

– Então ele seria um tolo – Padre Berton replicou. Uma centelha apareceu nos olhos do padre. – Agora, conte uma vez mais a este velho homem quais foram as suas reais palavras para Lady Eleanor, com seus cabelos ruivos e porte elegante?

Madelyne sorriu ante o modo com que ele brincava de sua descrição de Lady Eleanor.

– Eu disse a ela que eu sou o maior tesouro de Duncan. Não foi um comentário muito humilde, foi?

– Você disse a verdade, Madelyne. O seu coração sabe disso muito bem, e concordo que existe uma pequena porção de sua mente que precisa ser convencida.

– Duncan não é um tolo – Madelyne disse então. A voz estava firme com convicção. – Ele não se esquecerá de mim. – Ela fechou os olhos e apoiou a cabeça na almofada na parte de trás da poltrona. Tantas coisas lhe aconteceram em tão pouco tempo. Agora, sentada ali com o tio, era como se nada tivesse mudado.

Os antigos receios tentavam levar a melhor sobre ela. Logo estaria choramingando e sentindo pena de si mesma caso não tomasse cuidado com isso. Madelyne resolveu que precisava descansar. Sim, estava preocupada agora só porque estava exausta.

– Eu tenho valor – disse num rompante. – Por que demorei tanto a perceber isso?

– Não importa que tenha demorado – disse o tio. – O importante é que tenha finalmente percebido isso.

Um ecoar de trovões chamou a atenção do tio.

– Parece que teremos uma bela chuva em instantes – ele observou ao se levantar e começar a ir na direção da janela.

– Os trovões estão próximos o bastante para arrancar o telhado – Madelyne observou, a voz saindo num sussurro sonolento.

Padre Berton estava prestes a concordar com o comentário da sobrinha quando chegou à janela e olhou para fora. A vista que o recebeu o deixou atônito, e ele teve que apoiar as mãos no beiral da janela, a fim de não perder o equilíbrio e cair de joelhos.

O trovão se calou então. Mas Padre Berton via o raio. Não estava alto no céu. Não, estava no chão... até onde a vista alcançava.

O sol ajudou na farsa, refletindo fachos de luz prateada conforme passavam de armadura em armadura.

Devia ser uma legião, unida atrás de um guerreiro, todos de armadura, todos silenciosos, todos aguardando.

O padre estreitou o olhar diante de visão tão magnífica. Assentiu uma vez para o soldado líder e depois se voltou para sua poltrona.

Um sorriso amplo transformou seu rosto. Quando já estava sentado de novo ao lado de Madelyne, forçou o sorriso a sumir, ousou um resmungo na voz e disse:

– Acredito que haja alguém aqui para vê-la, Madelyne. É melhor ir ver quem é, minha filha. Estou cansado demais para me levantar de novo.

Madelyne estranhou o pedido. Não ouvira ninguém batendo à porta. De forma a aplacá-lo, levantou-se para atender à sua solicitação. Comentou por sobre o ombro que devia ser Marta a lhes fazer uma visita, trazendo ovos frescos e boatos antigos.

O padre deu uma risada com o comentário dela e chegou a dar um tapa no joelho.

Ela achou que era uma reação estranha vinda de um homem que alegava cansaço.

E depois abriu a porta.

Madelyne levou um ou dois minutos para compreender o que estava vendo. Estava tão atordoada que não conseguiu se mover. Apenas continuou ali, no meio da soleira, com as mãos fechadas nas laterais do corpo, encarando Duncan.

Ele não se esquecera dela, no fim das contas. Essa compreensão se acomodou na mente de Madelyne assim que o torpor se desfez.

E ele também não estava sozinho. Não, cerca uma centena de homens formava uma fila atrás do senhor deles. Todos estavam ainda montados, todos trajavam a armadura gloriosa de combate e todos eles olhavam para ela.

Um sinal silencioso percorreu a legião. Como um só, subitamente ergueram suas espadas numa saudação. Foi o mais maravilhoso sinal de lealdade que Madelyne já testemunhara.

Madelyne estava comovida. Nunca se sentira tão amada, tão adorada e tão, mas tão honrada.

E foi então que Madelyne compreendeu o motivo de Duncan ter convocado tantos soldados para aquela viagem. Ele lhe mostrava o quanto ela era importante. Sim, ele estava lhe provando o seu valor.

Duncan não se moveu. Não disse nada por um longo tempo. Estava contente em permanecer no lombo de Sileno e olhar para sua bela esposa. Duncan conseguia sentir a preocupação e a incerteza saindo de seu coração. Podia jurar por Deus que acreditava ser o homem mais feliz em toda a face da terra.

Quando notou as lágrimas descendo pelo rosto de Madelyne, finalmente disse as palavras que acreditava que ela precisava ouvir.

– Vim à sua procura, Madelyne.

Seria coincidência que Duncan agora repetisse as exatas primeiras palavras que dirigira a ela? Madelyne acreditava que não. O olhar de Duncan a fazia crer que ele se lembrava.

Madelyne endireitou as costas ao se afastar da porta, jogou os cabelos sobre o ombro e depois deliberadamente apoiou as mãos no quadril.

– Já era hora, Barão de Wexton. Já faz um tempo que tenho esperado.

Achou que seu comentário arrogante agradou a Duncan, mas não tinha como ter certeza. Ele se moveu rápido demais para ela poder ver-lhe o rosto. Num minuto ele estava montado em Sileno, no seguinte, já a puxava para seus braços.

Quando ele se inclinou para beijá-la, Madelyne passou os braços ao redor do pescoço. Agarrou-se a ele quando a boca ávida procurou a sua quase que com sentimento de posse frenético. A língua a penetrou para conquistar o que lhe pertencia.

Madelyne sentiu como se estivesse sendo levada por uma onda de excitação. Equiparou as exigências de Duncan com tudo o que sabia dar. Sim, ela foi igualmente selvagem em sua busca por devorá-lo. Estava tão ávida pelo toque dele quando ele, tão frenética quanto.

O barulho penetrou na mente de Duncan. No entanto, a razão demorou a retornar. Afastou-se da boca apenas para imediatamente retornar aos lábios machucados dela pela segunda vez.

Madelyne também ouviu o som. Quando, por fim, Duncan afastou a cabeça, ela percebeu que os soldados estavam comemorando. Bom Deus, esquecera-se por completo que eles estavam ali.

Sabia que corava e disse a si mesma para não se importar com isso. Duncan não parecia nada preocupado, mas ele também estava coberto por poeira e sujeira, com uma barba de uma semana por fazer, o que dificultava que ela visse qualquer reação.

Ele a beijou de novo, um beijo rápido e impetuoso, que lhe disse que ele não estava nem um pouco preocupado com a plateia. Os braços de Madelyne circundaram a sua cintura. Ela apoiou a lateral do rosto no peito dele e o apertou com todas as forças.

Ele suspirou, satisfeito com o entusiasmo dela.

Madelyne se lembrou de seu dever quando ouviu uma tossida discreta atrás de si. Deveria apresentar Duncan ao tio. O problema, claro, era que ela não conseguia forçar as palavras a passarem pela garganta. E quando Duncan se inclinou para baixo e sussurrou “eu te amo, Madelyne”, ela ficou ocupada demais chorando para poder falar.

Duncan gesticulou aos homens que desmontassem e se virou por cima da cabeça de Madelyne para o ancião que aguardava a pouca distância dela. Ajeitou Madelyne na lateral, sem querer se afastar dela nem por um breve instante, e depois disse:

– Sou o Barão de Wexton.

– Era o que eu esperava – Padre Berton respondeu. O padre sorriu ante a própria piada e depois começou a se curvar. Foi detido pela demonstração de respeito formal da mão do barão.

– Sou eu quem deveria me ajoelhar diante do senhor – ele disse ao padre. – É uma honra finalmente conhecê-lo, padre.

O padre ficou comovido com o discurso do barão.

– Ela é o seu maior tesouro, não é mesmo, barão? – ele perguntou. Olhava para Madelyne agora.

– Sim, ela é – Duncan admitiu. – Estarei sempre em débito com o senhor – acrescentou. – Protegeu-a para mim durante todos estes anos.

– Ela ainda não é sua – Padre Berton anunciou. Ficou contente em ver a surpresa que seu comentário causou. – Isso mesmo, eu ainda tenho que dá-la a você. Estou me referindo a casamento, um casamento de verdade, barão, e quanto antes ele for realizado, melhor será para a paz de espírito deste velho homem.

– Então o senhor nos casará pela manhã – Duncan anunciou.

Padre Berton testemunhara o beijo apaixonado entre o barão e sua sobrinha. Não tinha certeza se amanhã seria rápido o bastante.

– Então, esta noite não dormirá ao lado de Madelyne – ele avisou. – Continuarei a protegê-la bem, Barão de Wexton.

Duncan e Padre Berton trocaram um longo e demorado olhar. Em seguida, Duncan sorriu. Pela primeira vez em muito tempo encontrou alguém que não podia intimidar. Não, o padre não recuaria.

Ele assentiu.

– Esta noite.

Madelyne testemunhou a troca de palavras. Sabia muito bem do que os dois homens falavam. Acreditou estar tão vermelha quanto se estivesse com insolação. Afinal, era um embaraço para ela que tio Berton soubesse que ela já dormira como barão.

– Eu também gostaria de me casar com Duncan hoje à noite, mas eu não... – Madelyne parou sua explicação quando viu Anthony se aproximar até parar ao seu lado. – Tio, este é o vassalo sobre o qual lhe falei – ela disse, sorrindo agora.

– Foi você que se colocou entre minha sobrinha e Louddon quando ele tentou bater nela de novo? – o padre perguntou, adiantando-se para segurar a mão de Anthony.

– Sim, fui eu – Anthony admitiu.

– De novo? – Duncan exclamou. – Ela não estava sob a proteção do rei?

– Não foi nada – Madelyne protestou.

– Ele a teria matado – o padre interveio.

– Sim, ele quis feri-la – Anthony acrescentou.

Madelyne sentia a tensão na pegada de Duncan ao redor de sua cintura.

– Não foi nada – Madelyne objetou novamente. – Um mero tapa...

– Ela ainda traz hematomas – Padre Berton anunciou com um aceno vigoroso.

Madelyne lançou uma carranca para o tio. Ele não via que seus comentários estavam enfurecendo Duncan?

Quando Duncan inclinou a cabeça de modo a ver as marcas, Madelyne meneou a cabeça de novo.

– Ele nunca mais voltará a tocar em mim, Duncan. Isso é o que importa. Seu vassalo leal me protegeu – acrescentou antes de se virar para olhar para o tio. – Tio, por que incita a ira de Duncan?

– Há marcas nos ombros e nas costas dela, barão – Padre Berton disse, ignorando a pergunta de Madelyne.

– Titio!

– Você não me disse nada – Anthony disse a Madelyne. – Eu teria...

– Já chega. Tio, eu o conheço bem. Que espécie de jogo está aprontando agora? – Madelyne exigiu saber.

– Você estava para dizer ao Barão de Wexton que gostaria de se casar com ele esta noite, minha filha, mas não terminou seus comentários, terminou? A verdade, barão – o padre disse, virando-se para Duncan – é que minha sobrinha vai querer adiar o casamento. Não vai, Madelyne? Entende, minha filha – ele acrescentou, lançando um sorriso carinhoso para Madelyne – Eu a conheço melhor do que você acredita.

– Ele está dizendo a verdade? – Duncan perguntou, franzindo o cenho. – Seus sentimentos não mudaram, mudaram? – Antes que Madelyne pudesse responder, ele disse: – Isso não importa. Você me pertence agora, Madelyne. Esse é um fato para o qual não pode dar as costas.

Madelyne ficou abismada que Duncan sentisse tanta insegurança. Percebeu que os sentimentos dele eram tão vulneráveis quanto os seus. Parecia que ele precisava ouvir as palavras do seu amor com a mesma frequência que ela precisava.

– Eu te amo, Duncan – ela disse, alto o bastante para que tanto Anthony quanto Padre Berton ouvissem.

– Eu sei disso – Duncan replicou, parecendo arrogante novamente. A pegada dele diminuiu de pressão, porém, e ele relaxou ao seu encontro.

– Há muito a ser resolvido – Anthony comentou. – Preciso falar com você em particular, barão. – O vassalo se virou e começou a se afastar.

– E você por certo deve estar muito necessitado de uma boa refeição – o padre acrescentou. Virou-se para entrar no chalé novamente. – Começarei os preparos imediatamente.

– Um banho em primeiro lugar – Duncan disse, dando um belo aperto em Madelyne antes de soltá-la. Ele seguia o tio quando as palavras de Madelyne o detiveram. Anthony e Padre Berton também pararam.

– Não podemos nos casar ainda, Duncan.

Ela soube, pela expressão dos três, que nenhum deles se preocupou com sua declaração.

Madelyne uniu as mãos. Suas palavras foram apressadas, pois queria que Duncan raciocinasse antes de gritar com ela.

– Se ao menos pudermos esperar até que Gerald se case com Adela, então Louddon não poderá usar o argumento que...

– Eu sabia – Anthony anunciou. – Ainda está tentando proteger o mundo. Barão, esse é somente um dos anúncios que preciso lhe explicar.

– Ela sempre protegerá aqueles que acredita que precisam ser protegidos – disse o padre.

– Vocês não entendem – Madelyne disse, apressando-se para ficar de frente para Duncan. – Se nos casarmos agora, você estará indo contra seu rei. Ele entregará Adela a Louddon. É isso o que a carta sugeria, Duncan.

Madelyne teria continuado a discutir não fosse o olhar de Duncan. Não conseguiu deixar de retorcer as mãos, mas conseguiu calar a boca.

Duncan encarou Madelyne demoradamente. Ela não sabia determinar se ele estava contente ou bravo com ela agora.

– Tenho uma pergunta a lhe fazer, Madelyne. Confia em mim?

Ela não precisou pensar duas vezes. Sua resposta foi rápida e enfática.

– Confio.

A resposta dela o agradou. Duncan a abraçou, depositou um beijo casto em sua testa, e voltou a se virar.

– Nós nos casaremos esta noite.

Ele parou então, mas não se virou. Madelyne sabia o que ele esperava. Sim, ele queria a sua aquiescência.

– Sim, Duncan, nós nos casaremos esta noite.

Claro que foi a resposta correta. Madelyne soube bem disso quando o tio começou a rir. Anthony começou a assobiar, e Duncan se virou para lhe lançar um aceno firme.

Ele não estava sorrindo. Isso não a aborreceu, porém, quando percebeu que Duncan jamais duvidara dela. Sua resposta foi apenas uma reafirmação. Nada mais.

A hora seguinte foi um borrão de agitação. Enquanto Duncan e Anthony se sentaram à mesinha do chalé e comiam o jantar, Padre Berton foi explicar a situação ao anfitrião dele, o conde de Grinsteade.

O conde ainda se agarrava à vida e, apesar de não ter forças para assistir à cerimônia, Duncan o visitaria assim que fosse celebrada.

Duncan e seu vassalo foram até o lago atrás da casa do conde para se banharem e conversarem reservadamente. Madelyne fez uso desse tempo para trocar de vestido. Escovou os cabelos até eles se encaracolarem a contento, depois resolveu desconsiderar a moda e deixá-los soltos. Sabia que Duncan os preferia assim.

Voltou a usar as cores dele, claro. Os sapatos e o manto eram de uma cor creme clara, parcialmente cobertos pela túnica bordada à mão em azul royal. Ela trabalhara quase um mês na gola da túnica, fazendo cada um dos minúsculos pontos, todos em creme, no padrão que desejava. No meio do trabalho artístico havia o contorno do seu lobo mágico.

Duncan provavelmente nem notaria, ela pensou. Guerreiros da estirpe dele não perdiam tempo notando tais coisas banais.

– Melhor assim – ela admitiu em voz alta. – Ele vai achar que sou imaginativa demais e vai caçoar de mim.

– Quem caçoará de você? – Duncan perguntou, parando à soleira da porta.

Madelyne se virou, com um sorriso estampado, e fitou seu guerreiro.

– Meu lobo – ela respondeu de pronto. – Algo errado, Duncan? Você parece... inquieto.

– Você fica mais linda a cada hora que passa – Duncan sussurrou. A voz soou como uma carícia.

– E você cada vez mais belo – Madelyne disse. Sorriu para Duncan, depois ousou caçoar dele. – Mas estou me perguntando por que meu noivo usaria uma roupa preta em seu casamento. Uma cor tão severa... – Madelyne anunciou. – E usada para o luto. Poderia estar lamentando seu destino, milorde?

Duncan ficou surpreso com o comentário dela. Deu de ombros antes de responder:

– Ela está limpa, Madelyne. Isso é tudo o que deveria lhe importar. Além disso, é a única outra roupa que trouxe comigo de Londres. – Começou a ir na direção dela, sua intenção óbvia no olhar sombrio. – Vou beijá-la até que seu único desejo seja que em nome de Deus eu não esteja vestindo nada.

Madelyne correu para o lado oposto da mesa.

– Não pode me beijar até estarmos casados – ela disse, tentando não gargalhar. – E por que não se barbeou?

Duncan continuou em sua perseguição.

– Depois.

Oras, o que ele queria dizer com isso? Madelyne parou para pensar.

– Depois?

– Sim, Madelyne, depois – Duncan respondeu. Seu olhar ardente a confundia quase tanto quanto seu comentário estranho.

Ela deliberadamente hesitou o bastante para ser capturada. Duncan a puxou para os seus braços. Estava prestes a se apossar de sua boca quando a porta se abriu. Uma tosse alta desviou sua atenção.

– Estamos esperando para começar – Padre Berton anunciou. – Só tenho uma preocupação, no entanto.

– E qual seria? – Madelyne perguntou assim que conseguiu se soltar dos braços de Duncan e ajeitar sua aparência.

– Eu gostaria de levá-la ao altar, mas não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo. E quem será a testemunha deste ato? – ele acrescentou, franzindo o cenho.

– Não pode acompanhar Madelyne até o altar e depois dar seguimento à missa? – Duncan sugeriu.

– E quando, eu como padre perguntar quem entrega esta mulher ao sacramento sagrado do matrimônio, eu devo retornar para o lado de Madelyne para responder à minha própria pergunta?

Duncan sorriu, visualizando a cena.

– Seria estranho, mas acredito que possa ser feito – Padre Berton anunciou.

– Meus soldados serão as testemunhas – Duncan disse. – Anthony estará atrás de Madelyne. Isto basta para o senhor, padre?

– Que assim seja – Padre Berton decretou. – Agora, barão, espere junto ao altar improvisado que montei no lado de fora. Vocês se casarão sob a luz das estrelas e do luar. O verdadeiro palácio de Deus, segundo penso eu.

– Muito bem, então, vamos acabar logo com isso.

Madelyne se ofendeu com essa escolha de palavras. Foi atrás de Duncan, segurando sua mão para chamar sua atenção.

– Acabar logo com isso? – ela perguntou, franzindo o cenho.

Quando ele baixou o olhar para ela, Madelyne concluiu que ele estivera caçoando dela. E quando ele falou, a carranca dela sumiu por completo.

– Estivemos ligados um ao outro desde o instante em que nos conhecemos, Madelyne. Deus bem sabe, eu sei disso, e se você ao menos parar para refletir, também admitirá isso. Nós já trocamos votos, e apesar de Laurance não ser padre e, portanto, não ser autorizado a nos abençoar de fato, ainda assim estamos casados.

– Desde o instante em que aqueci seus pés – Madelyne sussurrou, repetindo a explicação prévia dele.

– Isso mesmo, desde aquele instante.

Parecia que ela estava prestes a chorar. Que mulher emotiva sua nobre esposa acabara se revelando ser. Por mais que a reação dela o agradasse, ele sabia que ela não gostaria de aparecer tão indisciplinada diante dos seus homens. De pronto procurou reparar o controle dela.

– Você deveria ser grata, sabia?

– Grata pelo quê, Duncan? – Madelyne perguntou, enxugando os cantos dos olhos.

– Por não ser verão quando nos conhecemos.

Ela não compreendeu a princípio. E depois gargalhou, um som pleno e robusto que aqueceu o coração dele.

– Quer dizer que foi o tempo que o deu a mim, é nisso que acredita?

– Você não teria aquecido meus pés se tivesse sido verão – ele disse e deu uma piscadela para Madelyne.

Ela o considerou arrogante ao extremo.

– Você teria encontrado outro motivo – ela ponderou.

Duncan teria respondido a esse comentário se o Padre Berton não tivesse começado a empurrá-lo na direção da porta.

– Os homens o aguardam, barão.

Assim que Duncan saiu, Padre Berton se virou para Madelyne. Passou diversos minutos aconselhando-a a respeito dos deveres de esposa. Quando a tarefa foi concluída, falou com o coração, dizendo-lhe o quanto estava orgulhoso por ser a família dela.

E então estendeu o braço para a mulher a quem tinha batizado, criado e que amava como a uma filha.

Foi uma bela cerimônia e quando terminou, Duncan apresentou sua esposa aos seus vassalos. Os homens se ajoelharam diante de Madelyne e lhe deram seus votos de lealdade.

Duncan estava exausto e impaciente. Deixou a esposa para fazer uma visita oficial ao conde de Grinsteade, e depois retornou ao chalé de Padre Berton menos de vinte minutos mais tarde.

O padre já fora dormir. O leito dele estava do outro lado do cômodo. A cama de Madelyne ficava na parede oposta, com apenas uma cortina para proteger sua privacidade.

Duncan encontrou a esposa sentada na beirada da cama estreita. Estava usando o vestido com o qual se casara.

Depois que ele se despiu, deitou-se sobre as cobertas, arrastando Madelyne para cima do peito e beijando-a ardorosamente, e depois sugeriu que ela se preparasse para se deitar.

Madelyne se demorou para fazer isso. Ficou parando para espiar ao redor da cortina para ver se o tio ainda dormia. Enfim se inclinou para dizer a Duncan que achava melhor se fossem para fora para encontrar um lugar onde pudessem dormir juntos. Afinal, era a noite de núpcias deles e já fazia um bom tempo que não se tocavam. Por certo ele entendia o dilema visto que, assim que começasse a beijá-lo, ela se portaria um tanto descontroladamente. Deus bem sabia que ela seria bem vocal. Oras, estava prestes a gritar naquele instante mesmo.

Duncan nem tentou silenciá-la. Ela percebeu, então, que nem precisava ter se dado ao trabalho de ter lhe dado aquela explicação. Duncan estava dormindo a sono solto.

A noiva frustrada se aconchegou junto ao marido, cerrou os dentes e tentou dormir.

Os sons de Padre Berton se movimentando no chalé despertaram Duncan. Ele se pôs em alerta imediato, sentindo que havia algo diferente, mas sem entender o quê.

Começou a se levantar, com a mente clareando, só para perceber que quase pisara em Madelyne. Duncan sorriu com o absurdo da situação. Sua esposa dormia no chão, com apenas uma coberta grossa.

Deus, adormecera em plena noite de núpcias.

Duncan se sentou na lateral da cama, baixou o olhar para a adorável esposa, até ouvir a porta se abrir e se fechar atrás do padre. Relanceou pela janela do outro lado da cama a tempo de ver Padre Berton caminhando na direção das portas do castelo. O padre trajava suas roupas cerimoniais e carregava um pequeno cálice de prata.

Duncan se virou para Madelyne. Ajoelhou-se ao lado dela e a suspendeu nos braços. Depois a depositou sobre a cama. Madelyne de pronto rolou de costas, chutando as cobertas para longe.

Ela não estava vestindo a camisola. A luz da aurora que jorrava pela janela, mosqueava sua pele em tons dourados. Os cabelos gloriosos dela transformaram-se pelo sol nascente na cor flamejante do fogo.

A luxúria de Duncan se intensificou até ele arder de desejo. Sentou-se na lateral da cama e começou a amar a esposa.

Madelyne despertou com um suspiro. Sentia-se maravilhosamente letárgica. As mãos de Duncan acariciavam seus seios. Os mamilos endureceram ainda mais. Madelyne gemeu e moveu o quadril freneticamente num convite sonolento para o marido.

Abriu os olhos e olhou para Duncan. O olhar ardente dele a fez tremer de desejo. Esticou o braço, tentando atraí-lo para cima, mas Duncan meneou a cabeça, negando.

– Eu lhe darei aquilo que você quer – ele sussurrou. – E mais, muito mais – prometeu.

Antes que Madelyne pudesse responder, Duncan se inclinou e se apossou de um seio. Sugou o mamilo enquanto as mãos afagavam-lhe o abdômen.

Os gemidos de Madelyne se tornaram mais selvagens, mais audíveis. Os sons que ela produzia no fundo da garganta o agradavam, apesar de não tanto quanto o sabor dela.

A mão desceu para o meio das pernas e encontrou o tesouro que procurava. Deslizou um dedo e quase foi levado além da razão com a reação selvagem e ardente dela.

Ele queria aquilo tudo.

Duncan de repente rolou de lado. Madelyne se virou para o marido. A lateral do rosto repousava na coxa dele.

A boca dele a enlouquecia; ela parecia incapaz de respirar, seu estômago afundou quando o marido depositou beijos molhados ao redor do umbigo. Os dedos continuaram a doce tortura. Madelyne choramingou quando Duncan suavemente apartou-lhe as coxas e ela sabia o que ele queria, de modo que se abriu inteira para ele, implorando para que ele beijasse seu sexo em chamas.

Duncan foi mais para baixo e começou a saboreá-la. A língua brincava, atormentando-a. E a barba a levou à loucura. Os pelos eram excitantemente abrasivos contra a pele sensível do interior das coxas.

Ela queria saboreá-lo. Por inteiro.

Não houve aviso algum da sua intenção, nenhum beijo carinhoso a caminho de seu objetivo. Madelyne arqueou o quadril em direção a Duncan ao capturá-lo e tomá-lo na boca.

E foi assim que ela recebeu sua parcela de gemidos. Suas mãos e sua boca foram tão prazerosas e tão eróticas quanto as dele. Sim, ele lhe revelou seu prazer ao se mover mais em direção a ela.

Mas logo afastou-se e se acomodou entre suas coxas, penetrando-a. Seu sêmen de pronto a inundou e o clímax pareceu infindável. A força de sua entrega fez com que Madelyne chegasse ao êxtase com o mesmo esplendor.

Ela estava fraca demais para se mover, não conseguia juntar as forças para soltar dos ombros do marido.

Ele estava feliz. Pensou em beijar a esposa, em lhe dizer o quanto estava satisfeito, mas pareceu incapaz desse mínimo esforço. Sim, estava feliz demais para se mover.

Permaneceram como um por longos e agradáveis minutos.

Madelyne se recobrou antes do marido. Subitamente se lembrou de onde estavam. Quando ficou tensa ao encontro do marido, Duncan deduziu seus pensamentos.

– Padre Berton saiu para rezar a missa – sussurrou.

Madelyne relaxou contra ele.

– Mas claro que você foi audível o bastante para que meu exército a ouvisse – ele acrescentou.

– Pois você foi tão audível quanto eu – Madelyne também sussurrou.

– Agora eu posso me barbear – Duncan lhe disse.

Madelyne começou a rir.

– Agora entendo o que quis dizer com barbear-se mais tarde, Duncan. Você sabia que sua barba me levaria à loucura.

Duncan se apoiou nos cotovelos e fitou os olhos de Madelyne.

– Você sabe o quanto me dá prazer, esposa?

– Sei – ela sussurrou. – Eu amo você, Duncan, agora e sempre.

– Você me amou quando soube que Laurance não era um padre de verdade e que eu havia mentido para você?

– Sim, apesar de querer esmagá-lo por não ter me contado. Deus, eu fiquei tão brava.

– Isso é bom – Duncan observou, sorrindo com a surpresa que seu comentário causou. – Preocupei-me que tivesse pensado que eu mentira sobre outras coisas – admitiu.

– Nunca duvidei de seu amor – Madelyne disse.

– Mas duvidou de seu valor – ele a lembrou.

– Não duvido mais – ela sussurrou. Atraiu-o para um beijo e exigiu que fizessem amor de novo.

A segunda vez foi muito mais tranquila, mas tão prazerosa quanto a primeira.

 

Padre Berton retornou para casa encontrando os dois já vestidos. O barão estava sentado à mesa, seu olhar sempre pregado na esposa que se ocupava de preparar o café da manhã.

– Preciso de um pároco, padre – afirmou Duncan. – Gostaria de assumir os deveres de cuidar de minha alma? Eu poderia solicitar a sua presença de imediato.

Madelyne ficou tão feliz com a sugestão de Duncan que chegou a bater palmas.

Padre Berton sorriu, depois negou o pedido meneando a cabeça.

– O conde me acolheu todos estes anos, Duncan. Não posso abandoná-lo agora. Ele depende de meus conselhos. Não, não posso deixá-lo.

Madelyne sabia que o tio fazia o que era honrado e assentiu.

– Eu sugeriria que nos procurasse assim que o conde fosse ao seu descanso final, mas, juro por Deus, creio que ele viverá mais que todos nós.

– Madelyne! Não seja tão indelicada com o conde – Padre Berton a admoestou.

Madelyne de pronto pareceu arrependida.

– Não tive a intenção de ser indelicada, tio. E sinto muito, pois entendo sua obrigação para com o conde.

Duncan assentiu.

– Nesse caso, nós viremos visitá-lo. E quando tiver concluído seu serviço aqui, irá viver conosco.

Ele foi muito mais diplomático do que ela. Madelyne viu o sorriso do tio ao concordar.

– Quanto tempo ficaremos aqui? – ela perguntou ao marido.

– Temos que partir hoje – Duncan anunciou.

– Poderíamos ficar até o fim do verão – ela sugeriu antes de conseguir se conter.

– Partiremos hoje.

Madelyne suspirou. Duncan tentava perturbá-la, ela percebeu.

– Partiremos hoje, então.

O padre saiu do chalé nesse momento, fingindo ter que pegar pão com o cozinheiro. Assim que a porta se fechou atrás dele, Madelyne olhou para o marido.

– Você tem que permitir que eu tenha minhas opiniões, meu amado esposo. Nem sempre eu me curvarei às suas ordens.

Duncan sorriu.

– Sei muito bem disso, Madelyne. Você é minha esposa e governará ao meu lado. Mas o seu pedido de permanecer aqui é muito...

– Irracional – Madelyne interrompeu com um suspiro. Sentou-se no colo de Duncan e passou os braços ao redor do pescoço dele. – Estou postergando o inevitável. É bom que saiba toda a verdade a respeito de sua esposa, Duncan. Às vezes, sou um tanto covarde.

Duncan considerou a confissão da esposa muito divertida. Riu, sem se preocupar que Madelyne não parecesse muito satisfeita com a sua conduta. Quando recuperou o controle, disse-lhe:

– Você tem mais coragem dentro de você do que todos os meus homens juntos. Quem desafiou a morte ao libertar o inimigo do irmão?

– Bem, eu...

– Quem se postou atrás das costas de Gilard para salvá-lo?

– Eu fiz isso, Duncan, mas senti tanto medo e...

– Quem assumiu a tarefa de cuidar de minha irmã? Quem conquistou Sileno e o transformou num cordeirinho? Quem...

– Você sabe que fui eu – Madelyne disse. Postou as mãos no rosto de Duncan e depois disse: – Mas você ainda tem que entender. Toda vez que fiz essas coisas que considera honrável, eu estava com muito medo por dentro. Oras, eu tinha medo só de ficar perto de você.

Duncan afastou as mãos de Madelyne e a puxou para um beijo demorado.

– O medo não faz de você uma covarde, amor. Não, acredito que isso signifique que você é mortal. Somente um tolo deixaria a precaução de lado.

Quando terminou seu discurso, teve que beijá-la de novo.

– Terá que me dizer o que fazer quando voltarmos para a corte, Duncan – Madelyne disse em seguida. – Não quero desagradá-lo, nem dizer a coisa errada em resposta às perguntas do rei. Ele me interrogará, não é mesmo, Duncan?

Ele percebeu o medo na voz dela e meneou a cabeça.

– Madelyne, nada do que fizer me desgostará. E você só terá que dizer a verdade às perguntas do rei. É só isso o que sempre pedirei de você.

– É isso o que Louddon me disse – Madelyne murmurou. – Ele acredita que a verdade será sua ruína.

– Esta batalha é minha, Madelyne. Conte a verdade e deixe o restante para mim.

Madelyne suspirou. Sabia que ele estava certo.

Duncan tentou suavizar o clima.

– Preciso me barbear antes de partirmos para a corte – anunciou.

Madelyne começou a corar.

– Eu preferiria se você nunca mais se barbeasse. Eu passei a... apreciar sua barba, milorde.

Duncan gostava demais da honestidade da esposa. Seu beijo ardente lhe disse isso.

 

Duncan e Madelyne chegaram a Londres dois dias mais tarde. Gilard, Edmond e Gerald os encontraram nos portões. Todos pareciam preocupados.

Depois de receber Madelyne com um abraço, Edmond disse a Duncan que os outros barões já estavam instalados em seus quartos.

Gilard foi o próximo a abraçar Madelyne. Demorou-se no cumprimento e quando se virou para falar com Duncan, ainda circundava a cintura dela com o braço.

– Vai se encontrar com o rei hoje à noite?

Duncan concluiu que Gilard ainda não havia superado sua paixão por Madelyne. Puxou Madelyne para seu lado antes de responder para o irmão.

– Irei agora.

– Louddon crê que Madelyne esteja com o tio. Deve estar sendo informado do regresso dela neste instante, Duncan. Devo lembrá-lo que Louddon sabe que não se casaram – Gerald interveio.

– Estamos casados agora – Duncan informou. – Padre Berton oficializou, com meus vassalos como testemunha, Gerald.

Gerald não pôde deixar de sorrir com a notícia.

– O rei ficará bastante irado – Edmond previu com uma carranca. – Casar-se antes de resolver este assunto será considerado um insulto pessoal.

Duncan estava prestes a responder aos comentários de Edmond quando sua atenção foi atraída pelos soldados do rei. Liderados por Henrique, os homens marcharam em compasso até pararem diante de Duncan.

Henrique gesticulou para que os soldados esperassem e depois disse a Duncan:

– Meu irmão enviou seus homens para acompanharem Lady Madelyne para seus aposentos.

– Estou a caminho de prestar contas a Guilherme, Henrique. Fico apreensivo em deixar Madelyne ir a qualquer parte sem mim. Ela foi maltratada quando esteve sob a proteção de nosso rei da última vez – acrescentou, sério.

Henrique não demonstrou reação alguma à voz ríspida de Duncan.

– É duvidoso que o rei sequer soubesse que ela estivesse aqui, Duncan. Louddon...

– Não permitirei que ela corra perigo novamente, Henrique – Duncan discutiu.

– Então deseja que essa dama seja colocada no meio de um cabo de guerra com o irmão dela? – Henrique inquiriu.

Antes que Duncan pudesse responder, Henrique disse:

– Vamos, venha comigo. Há algo que gostaria de lhe dizer.

Em deferência à sua posição, Duncan imediatamente obedeceu à ordem. Caminhou ao lado de Henrique até uma parte mais reservada do pátio.

Foi Henrique quem falou mais. Madelyne não fazia ideia do que ele dizia, mas sabia pela expressão no rosto do marido que Duncan não estava muito satisfeito com a conversa.

Assim que Duncan e Henrique retornaram para junto do grupo que aguardava, Duncan se virou para a esposa.

– Madelyne, acompanhe Henrique. Ele vai acomodá-la.

– Nos seus aposentos, Duncan? – Madelyne perguntou, tentando não parecer preocupada.

Foi Henrique quem respondeu.

– Terá seus próprios aposentos, minha cara, sob minha proteção. Até esta questão estar solucionada, nem Louddon nem Duncan terão permissão de se aproximar de você. É fato que meu irmão tem um temperamento impetuoso. Não aticemos a brasa ainda. Hoje à noite será suficiente.

Madelyne olhou para Duncan. Quando recebeu seu aceno, ela se curvou diante de Henrique. Duncan ficou ao seu lado, inclinou-se para baixo e lhe sussurrou algo ao ouvido.

Todos ficaram muito curiosos com a conversa, pois quando Madelyne se voltou para Henrique, estava bastante radiante.

Gilard observou Madelyne tomar o braço de Henrique e caminhar até a entrada.

– O que lhe disse, Duncan? Num minuto Madelyne parecia prestes a chorar, no seguinte, sorria e parecia muito contente.

– Eu apenas a lembrei do fim de certa história – Duncan disse dando de ombros.

Era só o que ele lhe diria a respeito. Edmond sugeriu que ele refrescasse sua aparência e até descansasse por algumas horas.

Apesar de Duncan considerar ridícula a sugestão de Edmond para que fosse dormir, seguiu seu conselho de trocar de túnica.

– Creio que seguirei Madelyne – Edmond comentou então. – Talvez eu encontre Anthony postado à porta dela e fique com ele até a noite.

Duncan assentiu.

– Não deixe que Henrique pense que duvidamos da proteção dele – alertou-o.

Com essas palavras de despedida, Duncan se afastou.

Gilard se virou para o Barão Gerald, então.

– Impedimos uma batalha. Duncan teria invadido os aposentos do rei exigindo justiça imediata.

– Uma condição temporária – Gerald respondeu. – A batalha ainda está por vir. Os outros barões se encontrarão com Duncan esta tarde. Ele será mantido ocupado. Henrique interveio e merece seu crédito por isso. Um dia Duncan o agradecerá por isso.

– Por que Henrique se preocuparia com este assunto? – Gilard perguntou.

– Ele quer a lealdade de Duncan – Gerald respondeu. – Venha, Gilard, encontre-me um refresco para brindar minhas bodas iminentes com sua irmã.

Gilard pareceu satisfeito.

– Quer dizer que ela concordou?

– Sim, e vou desposá-la antes que ela mude de ideia.

Gilard gargalhou com o anúncio de Gerald, que apenas sorriu. Ficou satisfeito por ter desviado as atenções de Gilard dos motivos que motivavam Henrique. Gerald não acreditava que Gilard precisava saber da reunião secreta da qual participara, nem sobre as perguntas estranhas de Henrique quanto à lealdade de Duncan. Era fácil entender seus motivos. Gilard poderia fazer perguntas aos barões errados, inadvertidamente causando problemas desnecessários agora. Os irmãos Wexton já tinham problemas demais para resolver.

– Depois que brindarmos seu casamento, acho que irei esperar com Edmond.

– O corredor ficará lotado do lado de fora dos aposentos de Madelyne – Gerald comentou. – Fico imaginando o que Louddon fará, Gilard, quando souber que a irmã voltou.

O barão em questão fora caçar na floresta do rei. Louddon só regressou ao castelo no fim de tarde, quando foi imediatamente informado do retorno de Madelyne.

Louddon, evidentemente, ficou furioso. E foi clamar a irmã.

Anthony estava sozinho do lado de fora do quarto de Madelyne no momento. Tanto Edmond quanto Gilard haviam se retirado para trocar de roupa para o jantar e o confronto iminentes.

Quando o vassalo viu Louddon se aproximando, recostou-se na parede e lançou um olhar de desgosto para o irmão de Madelyne.

Louddon ignorou o vassalo. Bateu à porta, gritando para entrar.

Henrique abriu a porta. Recebeu Louddon com educação e depois anunciou que ninguém tinha permissão para falar com Madelyne.

Antes que Louddon pudesse discutir, a porta bateu em sua cara.

Madelyne observou a cena atônita. Não sabia o que pensar do comportamento de Henrique. O irmão do rei não saíra de seu lado por mais de alguns poucos minutos quando ela fora até o quarto para trocar de vestido para a reunião com o rei.

– O rosto de seu irmão está tão rubro quanto o do meu – Henrique anunciou depois de fechar a porta diante de Louddon. Andou até junto de Madelyne, segurou-a pela mão e a conduziu até a janela, a uma distância considerável da porta. – As portas têm ouvidos – ele sussurrou. A voz dele, Madelyne notou, era muito gentil.

Resolveu naquele instante descartar os rumores a respeito de Henrique. Ele não era um homem muito bonito, e era baixo, se comparado a Duncan. Diziam que Henrique era ávido por poder, e também um manipulador. Era conhecido por seu apetite voraz também, tendo gerado mais de quinze filhos bastardos. Porque ele estava se mostrando tão gentil com ela, Madelyne resolveu que não o julgaria.

– Agradeço-lhe novamente por ajudar meu marido hoje – Madelyne disse quando Henrique continuou a olhar para ela na expectativa.

– Algo atiçou minha curiosidade esta tarde – Henrique confessou. – Se não for um assunto particular, eu gostaria que me contasse o que Duncan lhe disse antes de deixá-la. Você me pareceu muito contente.

– Ele me disse para me lembrar de que Odisseu está em casa.

Quando não deu maiores explicações, Henrique ordenou que ela lhe contasse a história toda.

Pareceu uma ordem arrogante, mas Madelyne não se incomodou.

– Contei a meu marido uma história sobre um guerreiro chamado Odisseu. Ele ficou afastado da esposa por muito tempo e, quando finalmente retornou, encontrou seu lar infestado por homens malignos que estavam tentando ferir sua esposa e roubar seus tesouros. Odisseu enviou uma mensagem à esposa, avisando que estava em casa. E também livrou a casa dos terríveis infiéis. Duncan estava me lembrando de que cuidará de Louddon.

– Seu marido e eu somos parecidos de caráter, então – Henrique anunciou. – Sim, a hora de limpar esta casa chegou.

Madelyne não compreendeu.

– Temo que Duncan faça algo para irritar nosso rei – sussurrou. – Você mesmo disse o quanto o temperamento dele é impetuoso.

– Tenho outro assunto a tratar com você – Henrique disse de repente, com voz mais séria.

Madelyne tentou não parecer assustada.

– É amigo de meu marido bem como seu aliado? – ela perguntou.

Henrique assentiu.

– Então farei tudo o que puder para ajudar – Madelyne disse.

– Você é tão leal quanto Duncan – Henrique observou, parecendo contente com essa observação. – Se eu interceder em seu favor junto ao rei, fará tudo o que for decidido? Mesmo se for o exílio?

Madelyne não sabia como responder.

– Você poderia estar salvando a vida de seu marido – Henrique acrescentou.

– Farei o que for necessário.

– Terá que confiar em mim tanto quanto confia em seu marido – Henrique alertou.

Madelyne assentiu.

– Meu marido crê que você seja o mais sábio dos três... – Ela ofegou ao perceber o que acabara de dizer.

Henrique gargalhou.

– Quer dizer que ele reconhece meu valor, não é?

Madelyne corou.

– Reconhece – ela confirmou. – Farei tudo para manter meu marido a salvo. Se isso significar minha morte, que assim seja.

– Então pensa em se sacrificar? – Henrique perguntou. A voz dele era gentil agora. Ele também sorria, o que confundiu Madelyne. – Não imagino que Duncan concordará com seu plano.

– A situação é muito complicada – Madelyne sussurrou.

– Você disse que confia em mim. Eu ajudarei sua causa, minha cara.

Madelyne assentiu. Começou a se curvar, mas resolveu se ajoelhar.

– Agradeço sua ajuda.

– Levante-se, Madelyne. Não sou seu rei.

– Bem que eu queria que fosse – Madelyne confessou. Permaneceu com a cabeça pensa, mas permitiu que Henrique a ajudasse a se levantar.

Henrique não respondeu ao comentário traidor. Caminhou até a porta. Antes de abri-la, voltou-se para Madelyne.

– Desejos se realizam, Madelyne.

Madelyne ficou confusa com o estranho comentário de Henrique.

– Não demonstre lealdade a nenhum dos lados quando entrar no salão, Madelyne. Deixe que todos especulem até que seja chamada a falar. Eu estarei ao seu lado.

Com essas palavras, Henrique partiu.

Duas horas se passaram até que o irmão do rei voltasse para buscá-la. Ela caminhou ao lado dele, com as mãos abaixadas junto ao corpo e as costas eretas. Rezou para que aparentasse serenidade. E pensou que morreria se não visse Duncan logo. Precisava saber que ele estava por perto.

Quando ela e Henrique entraram no salão principal, percebeu que estavam atrasados. A maior parte dos convidados já jantara e os criados limpavam as mesas.

Ela sentia que todos a observavam. Madelyne enfrentou os olhares curiosos com uma expressão tranquila. Era uma encenação muito difícil e tudo porque olhava ao redor do cômodo e não conseguia localizar Duncan no grupo.

O marido estava recostado na parede oposta. Gilard e Edmond o ladeavam. Ela parecia composta e muito, muito linda. Usava o mesmo vestido do casamento. A lembrança daquele evento abençoado impediu que Duncan corresse para junto dela.

– Ela se porta como uma rainha – Gilard sussurrou.

– Ela não está nada desajeitada – Edmond comentou.

– Ela está aterrorizada. – Duncan fez essa declaração enquanto começava a se adiantar. Gilard e Edmond de imediato bloquearam seu caminho.

– Ela virá até você, Duncan. Dê um tempo a Henrique.

Louddon falava com Madelyne agora. Henrique se virara para conversar com um velho conhecido.

– Enfiarei minha espada em suas costas caso você dê um passo na direção do Barão de Wexton – Louddon a ameaçou. – E também darei a ordem para matarem seu precioso padre.

– Diga-me uma coisa – ela perguntou, surpreendendo o irmão com a raiva em sua voz. – Você também matará Duncan, os irmãos dele e todos os seus aliados?

Louddon não conseguiu se conter. Agarrou o braço de Madelyne.

– Não me provoque, Madelyne. Sou mais poderoso do que qualquer homem na Inglaterra.

– Mais poderoso que nosso rei? – Henrique perguntou.

Louddon se assustou perceptivelmente. Virou-se para confrontar Henrique, girando o braço de Madelyne no processo.

– Sou um humilde conselheiro de seu irmão, nada mais, nada menos.

Henrique demonstrou seu desprazer ante a observação de Louddon. Segurou a mão de Madelyne e a tirou de perto de Louddon. Henrique, então, observou as marcas vermelhas no braço de Madelyne por um minuto longo e silencioso. Quando voltou a olhar para Louddon, seus olhos espelhavam seu nojo.

– Apresentarei sua irmã a alguns de nossos amigos leais.

A voz dele saiu dura, desafiadora. Louddon recuou. Lançou mais um olhar ameaçador para a irmã e depois assentiu para Henrique.

– O que ele lhe disse? – Henrique perguntou.

– Jurou matar meu tio Berton se eu desse um passo na direção de Duncan.

– Ele blefa, Madelyne. Não pode fazer nada agora, não diante de seus pares. E amanhã será tarde demais. Terá que confiar que sei o que estou dizendo.

Clarissa evidentemente viu Louddon sendo dispensado por Henrique. Caminhou para ir cumprimentar Madelyne.

– Eu estava indo mostrar o impressionante jardim de meu irmão para Madelyne – Henrique lhe disse.

– Ah, eu também adoraria ver o jardim – Clarissa anunciou.

O plano dela de ficar perto de Madelyne logo foi compreendido por Henrique, que imediatamente a repudiou.

– Quem sabe numa próxima ocasião?

Clarissa não conseguiu ocultar o ódio do olhar. Virou-se sem dizer nem mais uma palavra e se afastou.

Madelyne caminhou ao lado de Henrique em direção às portas que davam para o terraço.

– Quem é o homem conversando com Edmond? – ela perguntou. – Aquele de cabelos claros. Ele parece muito perturbado.

Henrique logo localizou o homem.

– É o Barão Rhinehold.

– Ele é casado? Tem família? – Madelyne perguntou, tentando não parecer muito curiosa.

– Nunca se desposou – Henrique disse. – Por que se interessa por Rhinehold?

– Ele conhecia minha mãe – Madelyne respondeu. Continuou olhando para o Barão Rhinehold, esperando até que ele olhasse na sua direção. Quando por fim o fez, ela lhe sorriu.

Apesar de saber que não seria possível, desejou poder passar alguns minutos a sós com o barão. De acordo com Clarissa, Rhinehold era seu pai, e o motivo pelo qual o marido de Rachel a odiava.

Madelyne era uma bastarda. A verdade não a envergonhava. Ninguém saberia a verdade, a não ser Duncan, claro, e... oh, Deus, esquecera-se de lhe contar.

– Duncan considera o Barão Rhinehold seu amigo? – Madelyne perguntou.

– Considera – Henrique respondeu. – Por que pergunta?

Madelyne não sabia como lhe responder, e assim procurou mudar de assunto.

– Eu gostaria de poder falar com Duncan nem que seja por um minuto. Acabei de me lembrar de algo que preciso partilhar com ele.

– A sorte está ao seu lado, Madelyne. Não viu que Louddon acabou de sair com seus amigos? Sem dúvida fará uma última tentativa de convencer o rei antes que a reunião comece. Espere no terraço e enviarei Duncan até você.

 

Ela não teve que esperar muito.

– Madelyne, logo tudo terá terminado – Duncan disse como forma de cumprimentá-la. Segurou-a nos braços e a beijou amorosamente. – Falta pouco, meu amor, eu prometo. Tenha fé em mim, minha doce...

– Tenha fé em mim, Duncan – Madelyne sussurrou. – Você tem, não tem, marido?

– Tenho – Duncan respondeu. – Venha, fique ao meu lado quando formos falar com o rei. Ele deve chegar a qualquer instante.

Madelyne meneou a cabeça.

– Louddon acredita que trairei você. Henrique quer que meu irmão continue a se sentir confiante até o último momento. Por esse motivo, não posso ficar ao seu lado. Não fique bravo, Duncan. Logo tudo isso terminará. E eu tenho uma notícia maravilhosa para lhe dar. Oras, fiquei sabendo disso há dias, mas com tantas coisas acontecendo, esqueci-me de lhe contar assim que...

– Madelyne.

Ela percebeu que tagarelava.

– Sou bastarda. O que acha dessa novidade, marido?

Duncan pareceu surpreso.

– Sou uma bastarda, Duncan. Isso não o agrada? Bom Deus, eu estou muito contente porque isso significa que não sou parente de Louddon.

– Quem a chamou de bastarda? – Duncan exigiu saber. A voz dele era suave, ainda que carregada de raiva.

– Ninguém. Ouvi Louddon conversando com Clarissa. Sempre me perguntei por que Louddon e o pai se voltaram contra minha mãe. Agora sei a verdade. Ela estava grávida quando se casou. Ela estava grávida de mim. – Duncan encarou Madelyne. Ela acreditou que ele parecia preocupado. – Faz diferença para você o fato de eu ser uma bastarda?

– Pare de falar – Duncan lhe disse. Meneou a cabeça. Mas estava sorrindo e Madelyne se sentiu reconfortada pelo amor dele. – Esposa, você é a única mulher no mundo que acolheria uma notícia dessas. – Ele tentou, mas não conseguiu conter a risada.

– Louddon não dirá a ninguém – Madelyne sussurrou. – Ele me libertou e sequer sabe disso. Isso faz diferença para você?

– Como pode me perguntar isso?

– Porque te amo – Madelyne disse com um suspiro fingido. – Não importa se está incomodado ou não. Terá que me amar para sempre, marido. Deu-me a sua palavra.

– Sim, Madelyne – Duncan concordou. – Para sempre.

As trombetas tocaram atrás deles bem quando Duncan se inclinou para beijar a esposa novamente.

– Sabe, por acaso, quem é seu pai? – perguntou ao ver o medo retornando para os olhos dela.

– Rhinehold – Madelyne anunciou, assentindo vigorosamente quando Duncan lhe sorriu. – Você está satisfeito – ela disse. – Vejo que está.

– Muito satisfeito – Duncan sussurrou. – Ele é um bom homem.

Henrique os interrompeu por trás de Duncan.

– Chegou a hora – avisou. – Madelyne, venha comigo agora. O rei está esperando.

Duncan sentia Madelyne tremendo. Apertou-a de leve antes de soltá-la. Quando ela começou a se afastar, sua mente se debateu para encontrar algo, qualquer coisa que diminuísse a preocupação dela.

Madelyne chegava à porta quando Duncan a chamou.

– Rhinehold é ruivo, esposa. Seus cabelos são tão vermelhos quanto o fogo.

Ela não se virou.

– É mais castanho do que vermelho, Duncan. Por certo você consegue ver isso.

E quando a risada dela o alcançou, ele soube que ela ficaria bem.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


“A memória do justo é abençoada, mas o nome dos perversos apodrecerá.”
Provérbios 10:7

 

O silêncio caiu sobre a aglomeração conforme Guilherme II avançou até seu trono sobre a plataforma. Quando o rei se sentou, todos abaixaram as cabeças.

O riso sumiu dos olhos de Madelyne. Ela estava sozinha no meio do salão. Henrique a deixara só e agora conversava com o irmão.

O que quer que Henrique estivesse dizendo ao rei não parecia ser bem-vindo. Ela observou o Rei Guilherme subitamente menear a cabeça e sacudir a mão diante do rosto do irmão. Era um sinal evidente de dispensa.

Madelyne fechou os olhos e rezou para ter coragem. Henrique lhe dissera que Louddon apresentaria sua versão no debate primeiro, Duncan em seguida, e ela por último.

Abriu os olhos e encontrou Duncan do lado oposto do salão. Ele a encarou e depois, lentamente, andou até se postar a seu lado. Nenhum dos dois disse nada, mas olharam-se demoradamente. Madelyne sentiu como se Duncan estivesse lhe cedendo um pouco de suas forças. Levantou-se na ponta dos pés e beijou o marido, diante de todos que assistiam.

Ah, Deus, como o amava. Duncan parecia tão confiante, tão despreocupado. Até piscou para ela quando o soldado bradou seu nome.

– Fique aqui até ser chamada – Duncan a instruiu. Resvalou a mão em sua bochecha antes de se virar e se encaminhar até o rei.

Madelyne não queria obedecer. Começou a segui-lo, e não foi muito longe quando se viu completamente cercada por Edmond, Gilard, Gerald e certo número de barões que ela não conhecia. Fizeram um círculo completo ao redor dela.

Uma multidão abriu caminho quando Duncan e Louddon seguiram adiante para se postarem diante do líder deles. Os dois homens ficaram um de frente ao outro com cerca de um metro entre eles.

O rei falou, dirigindo-se ao grupo. Comentou seu descontentamento com aqueles dois barões que se digladiavam, a pena e a raiva que sentiu pelos soldados mortos, a frustração ao ouvir os diferentes relatos sobre o acontecido. O rei terminou seu discurso exigindo a verdade. Depois olhou para os dois barões e gesticulou para que Louddon começasse.

Louddon imediatamente alegou inocência quanto a qualquer acontecimento. Acusou Duncan de traição, declarando que o barão destruíra sua fortaleza, matara umas duas centenas de bons homens leais, levara sua irmã como prisioneira e quase a destruíra.

Em seguida, declarou que Duncan o culpava por algo que outro homem fizera à sua irmã, Adela. Teceu uma teia de mentiras ao redor do rei, exalando sinceridade ao declarar que não soubera que o Barão de Wexton iria desafiá-lo. Como poderia saber? Estava na corte quando Duncan e seus homens atacaram a fortaleza e tinha testemunhas para assegurar esse fato.

Concluiu seu argumento persuasivo ao insistir que Duncan não tinha provas de nenhum mal feito, enquanto ele tinha inúmeras provas em relação aos atos vis cometidos por Duncan.

Foi escorregadio como uma enguia e mentiu como uma rameira para o rei. Em seguida, bancou o astuto. Explicou que entendia a dificuldade do rei em saber quem dizia a verdade e, portanto, convocou três homens para testemunharem em seu favor.

Quando o rei assentiu, cada um dos homens chamados por Louddon se ajoelhou diante do líder e contou suas mentiras. Madelyne não reconhecia nenhum daqueles rostos, mas conhecia muito bem seus nomes. Todos partilhavam do mesmo. Sim, todos atendiam pelo nome de Judas.

A última testemunha terminou sua evidente versão ensaiada e se moveu para o lado de Louddon. Madelyne agarrou a parte de trás da túnica de Edmond e girava a barra. Edmond se virou, soltou a roupa e depois segurou a mão de Madelyne. Gilard segurou a outra.

Ofereceram-lhe conforto. Nenhum dos irmãos imaginara que o rei aceitaria testemunhas. Ambos estavam furiosos, e também preocupados. Mas ambos também tentavam esconder seus sentimentos de Madelyne.

Louddon adiantou-se novamente. Inclinou-se, acrescentou mais algumas mentiras obscenas, e completou sua versão implorando dramaticamente por justiça.

Foi a vez do Barão de Wexton se pronunciar. O rei evidentemente tinha um bom relacionamento com seu vassalo, pois o chamou de Duncan quando ordenou que desse sua versão dos fatos.

Duncan era homem de poucas palavras. Rapidamente declarou os fatos. Não chamou nenhuma testemunha, mas explicou que Louddon abusara de Adela, tentara matá-lo e que ele tinha retaliado à altura. Não implorou por justiça: exigiu-a.

– Tem testemunhas a apresentar para verificarmos seu relato? – o rei perguntou.

– Eu lhe disse a verdade – Duncan respondeu. Sua voz era dura, controlada. – Não preciso de testemunhas para confirmar minha honra.

– Cada um de vocês acusou o outro de má conduta. Ainda tenho dúvidas a serem aplacadas em minha mente.

– Ele está indeciso – Gilard sussurrou para Edmond.

Edmond assentiu. Cada homem contradizia o outro. Edmond achava que o rei queria decidir a favor de Duncan. No entanto, Louddon pendia na balança por ter levado testemunhas para mentir em seu favor. Duncan era um vassalo leal e um guerreiro e poderia se tornar uma ameaça caso considerasse que o rei o traísse.

Era um insulto para Duncan ter outros para testemunhar em seu favor. Dissera a verdade. Ou o rei acreditava nele ou não.

No entanto, Louddon também tocara num ponto válido ao tecer seu labirinto de mentiras. Duncan se casara com Madelyne sem permissão. Isso era uma brecha significativa, mas destruir a fortaleza de um barão e matar quase duzentos soldados era uma acusação muito mais séria.

Duncan declarou que Louddon tentara enganá-lo duas vezes, mas essas acusações não foram provadas. Gilard poderia testemunhar uma batalha, isso era verdade, mas não poderia afirmar que Louddon estivesse atrás do ataque. Poderia, igualmente, testemunhar contra Louddon quando a segunda armadilha foi preparada, mas Morcar poderia ser culpado, pois Louddon tampouco estivera lá.

Edmond deixou de lado seus pensamentos quando o nome de Madelyne foi chamado. Virou-se para olhar para ela.

Madelyne aprumou os ombros, recompôs a expressão e lentamente caminhou na direção do rei. Parou quando chegou à plataforma e se ajoelhou com a cabeça baixa.

– Seu irmão me convenceu de que você passou por muito sofrimento para poder me fazer seu relato hoje – o rei anunciou. – Portanto, eu a exonero de seu dever.

Madelyne se levantou e olhou aturdida para o rei. Entendeu então o motivo de Louddon parecer tão confiante a noite toda. Ele já se certificara de que ela não teria permissão para falar.

– Sou uma de suas súditas leais – Madelyne anunciou. Compreendeu que tinha a completa atenção do rei, pois os olhos dele pareceram arregalar. – Apesar de eu não ter um exército de vassalos para auxiliá-lo, eu faria qualquer coisa em meu poder para servi-lo. Gostaria de responder às suas perguntas.

O rei assentiu de pronto.

– Não me parece perturbada, conforme seu irmão indicou – anunciou. Inclinou-se para a frente e abaixou a voz. – Prefere que eu esvazie o salão antes que me conte o que lhe aconteceu?

Madelyne se surpreendeu com o tom gentil que o rei usou com ela.

– Não é necessário – sussurrou.

– Então, conte-me o que puder sobre este enigma.

Madelyne obedeceu. Cruzou as mãos e inspirou fundo para se acalmar, depois começou sua narrativa.

Tudo estava silencioso o bastante para ouvirem um ratinho mordiscar queijo.

– Começarei pela noite do ataque à fortaleza de meu irmão – anunciou.

– Isso será muito bom – disse o rei. – Sei que será difícil para você, minha nobre dama, mas gostaria que mais luz fosse lançada sobre este problema.

Madelyne desejou que o rei não fosse tão gentil com ela. Isso só tornaria sua tarefa mais difícil.

– Meu marido diz que o senhor é um homem honrado – ela sussurrou.

Guilherme voltou a se inclinar adiante em seu trono. Foi o único que ouviu o que ela disse.

– Sou muitas coisas para muitas pessoas – gabou-se. Manteve a voz baixa como a de Madelyne, desejando partilhar esse comentário apenas com ela. – Acredito que sou honrado com todos, até mesmo com nobres damas sem exército dispostas a ajudar minha causa.

Madelyne presenteou o rei com um sorriso suave.

– Agora, comece sua narrativa – o rei comandou, o tom alto o bastante para que todos ouvissem.

– Eu estava a caminho de meus aposentos quando um dos soldados anunciou a Louddon que o Barão de Wexton desejava falar com ele.

– Louddon estava lá? – o rei perguntou.

– Estava – Madelyne disse. – Eu o ouvi dizer ao soldado que permitisse que Duncan usasse os portões como um sinal de trégua. Claro que foi uma armadilha, pois assim que Duncan cavalgou para dentro da fortaleza, foi feito prisioneiro. Meu irmão disse ao vassalo que iria matar Duncan. Considerou-se muito esperto, entende, pois maquinou um plano que levaria o barão a morte congelando-o no frio.

Louddon emitiu um arquejo. Começou a se adiantar na direção de Madelyne, mas parou ao notar que Duncan empunhara a espada.

– Ela não sabe o que está falando – Louddon gaguejou. – Madelyne está perturbada demais para saber o que está dizendo. Dispense-a desta provação!

O rei mexeu a mão ordenando silêncio. Louddon inspirou fundo. Acalmou-se quando percebeu que o restante da história de Madelyne seria a seu favor.

– Não haverá outras interrupções – o rei exclamou. Voltou-se para Madelyne e acenou de leve. – Continue, por favor, explique esse plano inteligente de congelar o barão até a morte. Não estou entendendo.

– Louddon não queria usar uma arma contra o barão. Assim que ele morresse devido ao frio extremo, os homens levariam o corpo dele até uma área remota e o deixariam lá até que alguém o encontrasse ou que animais selvagens o devorassem. Despiram-no e amarraram-no a um poste no pátio.

Madelyne fez uma pausa para respirar.

– Louddon partiu para Londres. Deixou alguns homens para vigiar Duncan, mas eles não suportaram o frio e, por fim, entraram. Assim que se retiraram, eu desamarrei Duncan.

– E os soldados dele atacaram a fortaleza nesse momento?

– Conseguiram entrar escalando os muros. Tinham o dever de proteger o suserano deles – Madelyne disse.

– Entendo.

Madelyne não sabia o que aquilo queria dizer. Relanceou para Louddon, viu-o sorrir com escárnio, depois olhou para Duncan. Seu marido assentiu em encorajamento.

– Disse que eles entraram? – o rei perguntou após um longo minuto.

– Uma batalha teve início – Madelyne disse.

– E então você foi aprisionada?

– Na verdade, Duncan me libertou dos maus tratos de meu irmão. Ele gostava de me ferir, e com Deus por testemunha, eu me cansara do abuso dele.

Um murmúrio de surpresa se passou pela multidão.

– O Barão de Wexton me levou consigo. Eu tinha medo de Louddon e, confesso, pela primeira vez na vida, senti-me segura de verdade. Duncan é um homem honrado. Tratou-me bem. Nunca temi que me machucasse. Nunca.

O rei encarou Louddon por um longo minuto e depois se voltou para Madelyne.

– Quem queimou a casa dele até as ruínas? Ou será que foi mesmo incendiada?

A voz dele se elevou.

– Duncan destruiu minha fortaleza – Louddon exclamou.

– Silêncio – o rei rugiu. – Sua irmã está contando a versão dela e somente a ela desejo ouvir. Responda à pergunta – ela acrescentou para Madelyne.

– Louddon destruiu seu próprio lar quando desonrou a trégua – Madelyne anunciou.

O rei suspirou. Parecia muito cansado agora.

– Posso deduzir, então, que sua virtude não lhe foi tirada?

Faltou pouco para Madelyne exclamar sua resposta.

– Ele não tocou em mim.

Outro murmúrio baixo escapou da multidão. Todos pareciam hipnotizados pela estranha narrativa se desenrolando.

Até aquele instante, Madelyne não dissera nenhuma mentira.

– Duncan não tocou em mim, mas prometi falar a verdade, portanto confesso que tentei tirar vantagem da boa natureza dele. É verdade que no fim acabei por seduzi-lo.

Um arquejo substituiu o murmúrio. Madelyne acreditou ter ouvido Duncan gemer. O rei parecia prestes a gritar. Duncan, de repente, apareceu ao lado de Madelyne, a mão cobrindo sua boca. Ela deduziu que ele quisesse que ela parasse.

Quando ela o cutucou com o cotovelo, ele tirou a mão da boca e a apoiou no ombro.

– Percebe que está se difamando, minha cara senhora? – o rei exclamou.

– Amo Duncan – Madelyne respondeu. – E não fui capaz de seduzi-lo até nos casarmos.

O rei voltou a carranca para Louddon de novo.

– Rejeito a acusação de que sua irmã tenha sido desonrada. Só preciso olhar para ela para saber que o que diz é a mais pura verdade.

O rei então, perguntou a Madelyne:

– E quanto à acusação de seu marido sobre Louddon ter desonrado a irmã dele?

– É verdade – Madelyne disse. – Adela me contou o que lhe aconteceu. Morcar a atacou, mas Louddon estava lá também. O plano foi dele, portanto, também é igualmente responsável.

– Entendo. – O rei parecia furioso. Continuou a interrogar Madelyne um pouco mais. Ela resguardou suas respostas, sempre dizendo a verdade, porém.

– Meu marido agiu com coragem, meu irmão, com canalhice – Madelyne disse.

Relaxou contra o corpo de Duncan quando por fim terminou seu relato.

– Tem algo mais a me dizer? – o rei perguntou a Louddon.

Louddon mal conseguia falar. Seu rosto estava sarapintado de fúria.

– Minha irmã está mentindo descaradamente – gaguejou.

– Esta não é a mesma irmã que elogiou para mim como alguém que sempre diz a verdade? – ele exclamou.

Louddon não respondeu. O rei se dirigiu a Madelyne.

– Você é leal a seu marido. É um traço admirável. Está me dizendo a verdade agora ou apenas protegendo Duncan?

Antes que Madelyne pudesse responder, o rei se voltou para Duncan:

– Tem algo mais a acrescentar a isto?

– Apenas que foi uma sedução de ambas as partes – Duncan comentou. Sua voz estava tranquila agora. – E absolutamente prazerosa.

Um rugido de aprovação ecoou pelo salão. O rei sorriu.

Ele se levantou em seguida e deu sua decisão.

– Louddon, você traiu minha confiança. Está exonerado de todos os seus deveres e para sempre banido de minha corte.

Voltou-se para Duncan em seguida.

– Meu irmão, Henrique, sugeriu um tempo para que arrefeça sua ira. Estou descontente com o caos provocado e com as vidas perdidas, mas aceito que estivesse retaliando em proporção à honra de sua irmã. Talvez um mês com os escoceses seja tempo suficiente.

Madelyne sentiu Duncan enrijecer ao seu lado. Segurou-lhe a mão e a apertou, implorando para que ele se calasse.

– Se, quando regressar, ainda quiser desafiar Louddon e os homens que o apoiaram nesta questão, permitirei um duelo até a morte. A escolha de confrontá-lo será sua.

Duncan não aceitou nem rejeitou a oferta de pronto. Não gostava de ter que esperar para confrontar Louddon.

Sentiu Madelyne estremecer. O medo dela decidiu por ele.

– Partiremos imediatamente.

O rei assentiu.

– Exonerarei Louddon dos seus deveres, Duncan. E lhe dou um mês para se esconder de você – admitiu.

– Eu o encontrarei.

O rei sorriu.

– Disso, eu não duvido.

Duncan se curvou ante o rei. Guilherme deixou o salão e Louddon o seguiu.

– Eu gostaria de trocar algumas palavras com você, esposa – Duncan sussurrou.

Madelyne tentou sorrir para o marido. O rosto dele nada revelava. Ela não sabia se ele estava bravo ou apenas irritado.

– Estou muito cansada, Duncan. E você disse ao rei que partiríamos imediatamente.

– Nós?

– Você não partiria sem mim, não é mesmo? – ela perguntou, evidentemente surpresa.

– Não, não partiria.

– Não brinque comigo – ela murmurou. – Passei por uma provação.

O Barão Rhinehold interrompeu a discussão.

– A sua esposa o equipara em coragem, Duncan. Ela enfrentou nosso rei e contou toda a história. Oras, a voz dela não hesitou nem por um segundo.

– E o que ela disse a ele? – Duncan perguntou com voz tranquila.

O Barão Rhinehold sorriu.

– Essa é a questão, não? Eu ouvi a explicação dela e ainda estou confuso quanto a quem incendiou o que, quem atacou e quem recuou... E ainda não faço a mínima ideia do que se sucedeu.

– Acabou de descrever minha vida com Madelyne – Duncan anunciou. A voz parecia sofrida agora.

Duncan baixou o olhar para Madelyne e reparou como ela observava o barão.

– Esqueci-me de apresentá-los – disse em voz alta. – Barão, esta é minha esposa, Madelyne. Ouvi que conheceu a mãe dela, não é mesmo?

O barão assentiu.

– Sua esposa se parece com Rachel – ele disse. – É um prazer conhecê-la, baronesa.

Ele tinha um belo sorriso. Madelyne sentia que estava ficando comovida. Forçou-se a sorrir e disse:

– Gostaria de lhe falar a respeito de minha mãe, barão. Quem sabe, quando retornarmos de nosso exílio temporário, possa nos visitar.

– Seria uma honra – Rhinehold disse.

Não havia mais tempo para conversarem com o barão. Os outros aliados se aproximaram para expressar a satisfação com o resultado. Madelyne permaneceu ao lado de Duncan, segurando-lhe a mão e desejando que ele lhe contasse o que achara daquele encontro.

Duncan a ignorou. Virou-se quando Gerald se juntou a eles e declarou que sairiam a cavalo em uma hora.

– Duncan? Temos tempo para juntar meus pertences em meu quarto? – Madelyne perguntou.

– Usará as roupas que tem no corpo, esposa.

Madelyne suspirou.

– Quer dizer que está bravo? – perguntou.

Duncan baixou o olhar para a esposa. Os olhos dela estavam úmidos e ela mordiscava o lábio inferior. Ele lentamente meneou a cabeça.

– Seduziu-me? Meu Deus, você disse ao rei que me seduziu. Quando resolve dizer uma mentira, não é nem um pouco modesta. – Sorriu-lhe enquanto a admoestava.

– Não foi uma mentira – Madelyne disse. – Eu queria que me beijasse e nunca gostava quando parava. Isso é um pouco de sedução, não? E eu o beijei naquela primeira noite. Você apenas reagiu à altura, marido. Sim, foi a verdade. Eu o seduzi de fato.

– Se tivesse dito toda a verdade, eu teria sido capaz de desafiar Louddon agora – Duncan observou.

– Ah, eu sei como isso funciona – Madelyne disse. – Vocês dois se contradisseram. O rei o teria colocado num lago, com seus pés e mãos amarrados a pedras. E você afundaria até o fundo, então ele saberia que você havia dito a verdade. Claro que já estaria morto, mas sua honra estaria intacta. Bem, não desejo ir à noite para a cama com a sua honra. Quero que esteja vivo e bem. O que me diz, marido?

Por mais que ela tentasse, não conseguiu impedir que as lágrimas escorressem.

Duncan a fitava com uma expressão atônita.

– Madelyne – ele pronunciou seu nome num suspiro exagerado – Guerreiros não são submetidos a testes assim. A igreja usa esses métodos, não o rei.

– Ah...

Duncan sentiu vontade de rir. Pegou Madelyne nos braços, sorriu quando a ouviu murmurar:

– Passei por uma provação.

– Você tem um coração de ouro – ele disse. – Venha, esposa, desejo que me seduza.

Madelyne concordava completamente com esse plano.

Acamparam quase quatro horas mais tarde. Madelyne estava cansada. Clarissa a interceptara pouco antes de ela sair com Duncan. As palavras raivosas e vis que ela berrara para Madelyne ainda ecoavam em sua mente.

Duncan a deixou junto a um riacho que encontrara enquanto providenciava a proteção do acampamento. Madelyne estava sob suas vistas o tempo todo, entretanto. Enquanto Louddon estivesse vivo, Duncan não sairia de perto dela.

Madelyne lavou-se o melhor que pôde devido às circunstâncias e depois retornou ao acampamento. Duncan acabara de terminar de montar uma tenda para os dois, a pouca distância do contingente de homens que viajava com eles.

– Padre Berton estará suficientemente protegido? Ou acredita que seja melhor aumentarmos o número de homens que o protegem? – ela perguntou a Duncan.

– Ele ficará bem – Duncan garantiu. – Deixei meus melhores homens encarregados da segurança dele. Não se preocupe, amor.

Madelyne assentiu.

– Lembra-se da primeira noite em que dormimos juntos?

– Lembro-me muito bem.

– Pensei que a fogueira estivesse próxima demais e me preocupei com a possibilidade de nossa tenda pegar fogo – ela lembrou.

– Você se preocupou com tudo – Duncan lhe disse. Desamarrou o cinto que pendia no quadril dela. – Dormiu vestida naquela noite.

– Eu estava protegendo minha virtude – Madelyne se defendeu. – Ainda não sabia que o que eu queria de fato era seduzi-lo. – Ela gargalhou com a expressão descontente no rosto do marido.

– Eu protegi sua virtude – Duncan rebateu.

Madelyne começou a se acomodar sobre as peles de animais. Estava uma noite fresca a agradável. A brisa refrescava e a luz lhes dava uma iluminação suave.

– Tire as roupas, Madelyne – Duncan ordenou. Já tirara a túnica e as botas.

Madelyne queria fazer isso, mas se preocupava com os homens. Puxou a mão de Duncan. Quando ele se inclinou sobre ela, Madelyne sussurrou:

– Não podemos fazer amor esta noite. Seus soldados podem nos ver.

Duncan sacudiu a cabeça.

– Ninguém pode nos ver, esposa. Quero você. Agora. – Demonstrou o que queria dizer ao beijá-la sofregamente. Madelyne suspirou em sua boca ao envolvê-lo pelo pescoço. Abriu-se para ele, esfregando a língua contra a dele, instintivamente arqueando-se contra ele.

– Você faz barulho demais – Madelyne sussurrou quando Duncan terminou o beijo para ir mordiscar seu lóbulo.

Ela estremeceu em reação ao prazer que ele lhe provocava. Duncan riu.

– É você quem grita enlouquecida de prazer quando a penetro, amor – Duncan lhe disse. – Sou disciplinado demais para produzir qualquer som.

– Isso é verdade? – Madelyne perguntou. A mão lentamente acariciou o membro latejante dele.

Duncan se esqueceu sobre o que conversavam. Capturou a boca dela de novo enquanto puxava a bainha do vestido dela. Queria o calor dela e, quando seus dedos investigaram as dobras acetinadas que protegiam o centro da feminilidade dela, ele soube que ela também o desejava. Ela estava completamente úmida de desejo, e se arqueou ao seu encontro quando ele deslizou os dedos em seu sexo.

As roupas foram descartadas com abandono selvagem. Duncan não queria aplacar seu ardor. Precisava de Madelyne agora e sabia, por conta da resposta desinibida dela, que ela não queria nada delicado. Sim, ela precisava que ele se esquecesse de qualquer comedimento.

Duncan silenciou seus gemidos cobrindo-lhe a boca com a sua. Acomodou-se entre as coxas dela e a penetrou com força. Ela o levou ao limite do prazer com seus gemidos eróticos, incitando-o a verter todo o seu sêmen dentro dela com súplicas e com as unhas cravadas em seus ombros. Quando Duncan já não podia mais se conter, deslizou a mão entre seus corpos e a acariciou até que chegasse ao clímax.

Duncan queria gritar seu gozo. Não podia, claro, e se apossou da boca de Madelyne de novo, aprisionando o grito dela também.

– Eu te amo, esposa – sussurrou mais tarde, quando ela estava aninhada à lateral do seu corpo.

– Eu também te amo, Duncan – Madelyne disse. Estava satisfeita por repousar junto ao marido por alguns minutos. Depois perguntou: – Eu o embaracei ao dizer na corte que o seduzi?

Duncan sorriu acima do topo da cabeça dela. Madelyne se virou e colidiu com ele.

– Eu não fico embaraçado – anunciou. A voz dele estava carregada de arrogância. – Mulheres ficam embaraçadas.

Madelyne sorriu.

– Como guerreiros ficam?

– Cansados – ele disse. – Ficam exaustos depois de fazerem amor com suas esposas.

– Está sugerindo que eu vá dormir agora?

– Estou.

– Então, claro, obedecerei a sua sugestão, mas depois que me responder mais uma pergunta. – Ela o ouviu suspirar, porém o ignorou. – Quem eram aqueles homens que mentiram para meu irmão? Eram barões?

– Não eram barões, apenas homens que se aliaram a seu irmão contra mim – Duncan explicou.

– Não nos seguirão, então? Não têm exércitos?

Duncan hesitou por um minuto.

– Eles não têm exércitos, Madelyne. No entanto, existem homens inescrupulosos que podem se juntar a eles se receberem o incentivo certo. Louddon não tem ouro suficiente à disposição agora para representar tal ameaça.

Madelyne se satisfez com sua resposta. Deixou a preocupação de lado.

– Duncan? Poderemos visitar minha prima, Edwythe, quando formos à Escócia? Eu pretendia morar com ela. Era esse o meu plano antes de conhecer você.

– Conhecerá minha irmã, Catherine – Duncan respondeu. Sua voz estava sonolenta.

– Sua irmã é casada com um escocês? – ela perguntou. Sua voz pareceu incrédula.

– É.

– O marido dela...

– Não, ele não tem cabelos vermelhos – Duncan a interrompeu.

– Não era isso o que eu ia perguntar – Madelyne protestou. – Só fiquei me perguntando se ela e o marido não conhecem Edwythe...

A respiração profunda de Duncan disse-lhe que ele havia adormecido. Quando ele começou a roncar, ela teve certeza. Madelyne se aninhou mais a ele.

E teve os sonhos mais maravilhosos aquela noite. Eram os sonhos dos justos.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Amor e honra, riquezas acima da fortuna...

 

O mês seguinte foi um período de tranquilidade para Duncan e uma época feliz para Madelyne.

Madelyne ficou encantada com os escoceses. Considerou-os os mais incríveis guerreiros de todo o mundo – depois de seu marido, claro. Os escoceses faziam Madelyne se lembrar dos espartanos antigos por conta de sua existência austera e de sua lealdade impetuosa.

Trataram Duncan como se ele fosse um deles. Catherine também ficou feliz em receber Madelyne em seu lar. A irmã de Duncan era muito bela e muito apaixonada pelo marido.

Madelyne não conseguiu ver Edwythe, apesar de Catherine lhe prometer enviar uma mensagem para ela em seu nome. Edwythe vivia nas terras altas, a uma distância considerável do lar de Catherine, longe demais, na verdade, para uma visita.

Ficaram com os parentes de Duncan por trinta dias. Duncan se lembrou da promessa de ensinar à sua nobre esposa a se defender. Foi paciente com ela até ela pegar seu arco e flechas. Nessa altura, ele a deixou por conta própria, temendo perder a paciência se tivesse que observá-la cometer o mesmo erro repetidamente. Ela sempre errava o alvo. Anthony o alertara quanto a esse defeito. Madelyne mirava sempre um metro acima, um pouco menos talvez, do alvo que pretendia acertar.

Duncan e Madelyne retornaram à fortaleza Wexton no fim de agosto. Foi então que souberam sobre a morte do Rei Guilherme II. Os relatos não foram precisos, mas todos que testemunharam a tragédia juraram que, de fato, tudo fora um acidente. Guilherme, em companhia do irmão e de amigos, fora caçar na floresta. Um soldado atirou uma flecha num cervo, mas o pescoço do rei apareceu no meio do caminho. O rei morreu no instante em que caiu no chão.

A versão mais aceita e menos crível veio de uma testemunha que alegava ter visto tudo, do começo ao fim. Ele declarava que o súdito leal de fato mirara no cervo, mas quando a flecha voava em direção ao animal, a mão rubra do diabo subitamente surgiu da terra, apanhou a flecha e redirecionou-a para o rei.

A igreja abençoava essa versão como sendo a verdadeira. Sim, ela foi registrada de pronto. Satã pusera um fim à curta vida do rei, e certamente nenhum dos presentes era responsável.

Henrique de imediato reivindicou para si o tesouro e se tornou rei.

Madelyne sentiu-se grata por ela e Duncan terem ido embora da corte antes da tragédia. Seu marido sentiu o mesmo montante de raiva por não ter estado lá. Acreditava que poderia ter sido capaz de salvar a vida de seu líder.

Nenhum dos dois acreditava na história da mão do diabo e nenhum admitia que Henrique podia ter algo a ver com o acidente do irmão.

Apesar de Madelyne não ter os conhecimentos de Duncan em relação aos assuntos do Estado, lembrou-se que foi Henrique quem sugeriu ao Rei Guilherme que Duncan passasse um mês com os escoceses. Ela achava que ele queria manter Duncan afastado de Londres, acreditava também que Henrique poderia ter dado a vida a Duncan ao enviá-lo para longe. Entretanto, nunca mencionou seus pensamentos ao marido.

Gerald e Adela casaram-se no primeiro domingo de outubro. Padre Berton acabara de chegar com suas bagagens para assumir o posto de zelar pelas almas dos Wexton. O conde de Grinsteade morrera cinco dias após a cerimônia de casamento de Madelyne.

Duncan enviara soldados por toda a Inglaterra à procura de Louddon. Visto que agora Henrique era o rei, Louddon era um pária. Henrique, afinal, não escondia seu desgosto por Louddon.

Madelyne acreditava que Louddon tivesse deixado a Inglaterra. Duncan não discutiu com ela, mas estava convencido de que Louddon se escondia, à espera da sua oportunidade para se vingar.

Uma convocação chegou solicitando que Duncan se ajoelhasse perante o novo rei e lhe prestasse seus votos de lealdade. Duncan não poderia recusar o pedido, mas estava pouco à vontade em deixar Madelyne.

Estava sentado no salão, com a petição de Henrique ainda nas mãos, quando Madelyne finalmente desceu para o desjejum. Duncan já havia comido.

Sua esposa parecia descansada, mas ele sabia que em poucas horas ela precisaria de uma soneca. Cansava-se com facilidade ultimamente. Madelyne tentou esconder o fato de Duncan, mas ele sabia que ela passava mal todas as manhãs.

Não estava nem um pouco descontente com o mal estar dela. Não, esperava que ela percebesse logo que estava grávida.

Madelyne sorriu quando viu o marido sentado em sua cadeira junto à lareira. Já estava frio de novo e o fogo a atraiu. Duncan a puxou para o colo.

– Duncan, preciso falar com você. Já é quase meio-dia e acabei de sair da cama. Acho que estou doente, apesar de não querer preocupá-lo. Pedi a Maude que me preparasse alguma poção ontem.

– E ela lhe deu? – Duncan perguntou. Tentou não sorrir, pois a expressão da esposa era quase de preocupação.

Madelyne meneou a cabeça. Afastou os cabelos dos ombros, atingindo o peito de Duncan em sua pressa.

– Não, não me deu – respondeu. – Apenas sorriu para mim e se afastou. O que devo pensar disso, eu lhe pergunto?

Duncan suspirou. Teria que contar a ela.

– Você ficará muito triste se nosso filho for ruivo?

Os olhos de Madelyne se arregalaram e a mão instintivamente cobriu o ventre. A voz dela tremeu quando conseguiu responder à pergunta dele.

– Ela terá cabelos castanhos, como a mãe. E eu serei uma mãe maravilhosa, Duncan.

Duncan gargalhou e depois beijou Madelyne.

– Você adquiriu minha arrogância, esposa. Você me dará um filho e fim de conversa.

Madelyne assentiu, fingindo concordar ao mesmo tempo em que visualizava a linda garotinha que seguraria nos braços.

Estava tão tomada de alegria que pensou que acabaria chorando.

– Não poderá mais alimentar seus animais selvagens. Não quero que deixe os muros do castelo.

– É meu lobo – Madelyne zombou. Ainda não admitira a Duncan que pensava que de fato se tratasse de um cão selvagem. – Hoje será a última vez que deixarei comida para ele – prometeu. – Está bem para você assim?

– Por que hoje? – Duncan perguntou.

– Porque faz exatamente um ano que cheguei aqui. Pode andar comigo e com Anthony se quiser. – Suspirou de brincadeira. – Vou sentir saudades de meu lobo.

Duncan viu o brilho no olhar dela.

– Vou parar de alimentá-lo porque ordenou, marido.

– Não acredito nisso nem por um segundo – Duncan replicou. – Você me obedece porque tem vontade.

Duncan por fim prometeu acompanhar Madelyne. Ela esperou por ele, mas quando terminou de praticar com seu arco e flecha, o sol começava a se por e Duncan ainda não terminara suas outras tarefas.

Madelyne recolheu suas flechas, guardou-as no estojo de tecido que Ned fabricara para ela e depois a amarrou às costas.

Anthony carregava a comida para ela na sacola de juta que ela sempre usava para isso. Ela carregava o arco, vangloriando-se com o vassalo que poderia pelo menos caçar um coelho para o jantar.

Anthony considerava isso impossível.

Quando chegaram ao cume da colina, Madelyne pegou o alimento das mãos de Anthony. Abriu o tecido no chão, ajoelhou-se e formou uma pilha. Um osso grande, com bastante carne ainda, ficou no topo da pirâmide. Visto que Madelyne sabia que não alimentaria mais seus animais selvagens, pensou em deixar-lhes uma última porção generosa.

Anthony foi o primeiro a ouvir o barulho atrás dele. Virou-se, passando os olhos pelas árvores atrás de Madelyne, bem quando uma flecha zumbiu pelo ar e se alojou em seu ombro. O vassalo foi derrubado no chão. Tentou se equilibrar e então viu o inimigo levantar o arco pela segunda vez.

O vigia soou o alarme assim que Anthony caiu. Soldados se perfilaram ao longo do muro, com as flechas erguidas. Esperaram que o inimigo se revelasse.

Duncan acabara de montar em seu cavalo. Pensara em agradar a esposa ao se juntar a ela para acompanhá-la de volta. Ouviu o som de alerta e logo incitou o cavalo a galopar. Seu grito de fúria foi ouvido em toda a fortaleza. Homens correram para seus cavalos para seguirem seu líder.

Madelyne sabia que não teria tempo para fugir. Um meio círculo de quase vinte homens lentamente saíam de seus esconderijos atrás das árvores. Também sabia que o vigia e os arqueiros não conseguiriam vê-los até que chegassem ao alto da colina.

Não teve escolha. Pegou uma de suas flechas, ajustou a mira para o alvo escolhido com cuidado.

Reconheceu o homem mais próximo a ela. Era um dos que testemunhara a favor das mentiras de Louddon. Soube, então, que Louddon estava por perto.

Saber disso a deixou com mais raiva do que medo. Atirou a flecha e já ia apanhar outras quando viu o inimigo caindo no chão.

Duncan não subiu a colina. Cavalgou ao redor da base, gesticulando para que os outros fossem para o lado oposto. Pensou em interceptar o inimigo colocando-se entre eles e sua esposa.

Em questão de minutos os soldados de Duncan estavam envolvidos numa batalha com o inimigo. Madelyne soltou o arco e se virou, pensando em ajudar Anthony. O vassalo rolara até a metade da colina, mas já estava de pé e lentamente retornava para junto dela.

– Madelyne, abaixe-se – Anthony exclamou subitamente.

Ela ouviu o comando dele, começou a obedecer quando foi agarrada por trás. Madelyne gritou ao se virar e dar de cara com Louddon.

Ele tinha um olhar desvairado. Sua pegada era excruciante. Madelyne bateu o pé sobre o dele, fazendo com que ele se desequilibrasse. Lembrando-se das lições de defesa pessoal de Duncan, deu uma joelhada na virilha dele. Louddon desabou no chão, levando Madelyne consigo.

Ela rolou de lado bem quando Louddon cambaleava para se ajoelhar. Deu um soco em Madelyne, atingindo-a no queixo. A dor foi intensa demais para suportar e Madelyne desmaiou.

Louddon se pôs de pé num salto quando Madelyne desfaleceu. Olhou para o pé da colina, viu seus homens fugindo. Desertaram-no, tentando fugir da ira de Duncan.

Louddon sabia que desta vez não teria como escapar de Duncan.

– Você me verá matá-la – gritou.

Duncan estava a pé agora. Começou a correr colina acima. Louddon sabia que lhe restavam apenas segundos. Freneticamente procurou sua adaga no chão. Cravaria-a no coração de Madelyne antes que Duncan pudesse detê-lo.

Louddon exclamou uma risada obscena quando avistou a adaga sobre um monte de restos de comida. Ajoelhou-se e esticou a mão para pegar a arma.

Cometeu o erro de tocar na comida.

A mão de Louddon repousava no cabo da adaga. Estava se virando quando um rosnado baixo o deteve. O som se intensificou até quase sacudir a terra.

Duncan também ouviu o som. Viu Louddon proteger o rosto com as mãos. Em seguida, um borrão marrom saltou sobre a garganta dele.

Louddon caiu para trás, engasgando-se até a morte em seu próprio sangue.

Duncan gesticulou para que seus homens ficassem onde estavam. Manteve o olhar fixo no lobo poderoso enquanto lentamente pegava o arco e a flecha. O lobo pairava acima de Louddon. Os dentes do animal estavam escancarados num rosnado baixo e ameaçador, permeado de imobilidade.

Duncan rezou para que Madelyne não despertasse. Começou a ir para a frente para poder ter uma mira desimpedida da fera.

O lobo subitamente se moveu para perto de Madelyne. Duncan parou de respirar.

O cheiro dela devia ser conhecido para o animal, Duncan concluiu, pois o lobo rapidamente deixou a curiosidade de lado e voltou para perto da comida. Observou o lobo pegar o osso entre os dentes, virar-se e desaparecer colina abaixo.

Duncan descartou o arco e as flechas e correu enlouquecido para junto da esposa. Madelyne começava a recobrar os sentidos quando ele se ajoelhou ao seu lado. Com suavidade, pegou-a nos braços.

Ela esfregou o queixo, testando a dor do ferimento. Conseguia movê-lo, mas latejava tanto que ela achou que podia estar fraturado. Lembrou-se, então, que Louddon estava ali.

– Eles se foram? – perguntou a Duncan. Estava tão apertada junto do peito dele que mal conseguiu sussurrar a pergunta.

– Louddon está morto.

Madelyne fechou os olhos e disse uma oração em favor da alma dele. Não acreditava que isso lhe servisse de muita coisa, mas rezou do mesmo modo.

– Anthony está bem? Temos que cuidar do ferimento dele, Duncan – Madelyne disse, tentando se soltar dos braços do marido. – Ele está com uma flecha atravessada no ombro.

Duncan parou de tremer. Madelyne deliberadamente tagarelava sem pausa. Sabia que ele precisava de alguns minutos para se recobrar. Quando ele relaxou os braços, Madelyne lhe sorriu.

– Acabou agora? – perguntou.

– Acabou – Duncan disse. – Seu lobo salvou sua vida.

– Sei que você me salvou, amor, e sempre me protegerá – Madelyne respondeu.

– Madelyne, não está entendendo – Duncan disse, franzindo a testa. – Foi o seu lobo quem matou Louddon.

Madelyne sacudiu a cabeça. Era típico de seu marido ser tão imaginativo quando ela sentia medo. Sabia que ele só estava brincando para acabar com sua preocupação.

– Está forte o bastante para se levantar? – Duncan perguntou. – Está se sentindo...

– Estou bem. Nós estamos bem – ela corrigiu. Deu um tapinha no abdômen para enfatizar. – Eu não a sinto ainda, Duncan, mas sei que está bem.

Quando Duncan a ajudou a se levantar, ela tentou olhar para Louddon. Duncan se pôs diante dela, bloqueando sua visão com eficiência.

– Não precisa olhar para ele, Madelyne, isso só a aborrecerá – disse-lhe. A garganta de Louddon fora dilacerada pelos dentes do lobo. Não era uma imagem da qual Madelyne se esqueceria tão cedo caso a visse, Duncan concluiu.

Anthony parou ao lado deles. Parecia mais incrédulo do que dolorido.

– Anthony, seu ombro...

– É apenas um arranhãozinho superficial – Anthony disse. – Baronesa, atingiu um homem bem no coração – ele gaguejou.

Duncan não acreditou nele.

– Foi mesmo a flecha dela?

– Foi.

Ambos os homens se viraram para olhar para Madelyne. Pareciam muito surpresos. Madelyne ficou um pouco irritada pela ausência de fé deles em sua habilidade. Por uma fração de segundo, pensou em ficar calada. A verdade, contudo, foi revelada.

– Eu estava mirando no pé dele.

Tanto Duncan quanto Anthony se divertiram com a admissão dela. Duncan levantou Madelyne nos braços e começou a descer a colina.

– Seu lobo salvou sua vida – ele lhe disse uma vez mais, pensando em esclarecer o assunto.

– Eu sei, meu bem.

Ele desistiu. Teria que explicar-lhe tudo mais tarde, quando a mente dela não estivesse tão obstinadamente decidida a acreditar que ele fora seu salvador.

– Nunca mais alimentará essa fera de novo, Madelyne. Eu providenciarei para que alguém trate disso. Seu lobo merece agora uma vida tranquila. Ele fez por merecer.

– Vai parar de brincar comigo, Duncan? – Madelyne anunciou, evidentemente exasperada. – Passei por uma provação.

Duncan sorriu. Ela era bem mandona e isso era simplesmente encantador. Esfregou o queixo no topo da cabeça dela enquanto a ouvia reclamar de seu novo machucado.

O Barão de Wexton estava ávido em levar Madelyne para casa, tão ávido, ele pensou, quanto Odisseu deve ter se sentido quando voltara para casa, para sua esposa.

O futuro lhes pertencia. Madelyne gostava de chamá-lo de seu lobo, mas ele era apenas um homem, no entanto um homem mais poderoso do que o mágico Odisseu.

Pois, por mais que Duncan fosse um mero mortal, e por mais defeitos que tivesse até, ele conseguira um grande feito. Sim, ele capturara um anjo e esse anjo lhe pertencia.

 

 

                                                                  Julie Garwood

 

 

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