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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


NEVE E FOGO / Audrey Brent
NEVE E FOGO / Audrey Brent

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

 

   

O fogo e a neve, o desprezo e o ódio: quatro difíceis provas que Jennifer Evans deveria enfrentar para, talvez, conquistar o coração inacessível daquele gigante de gelo chamado Donald Martin, senhor absoluto das montanhas, dos cães e até das pessoas. Estimulada por um fio de esperança, Jennifer contemplava a imensidão dos campos brancos que se estendiam ao seu redor e pedia aos céus que lhe dessem forças para superar todos os obstáculos e, no fim, conquistar o coração daquele homem poderoso e fascinante. Se não o conseguisse, rezava para que pelo menos pudesse suportar a Inevitável solidão, pois sabia que nenhum outro homem poderia ocupar em seu coração o imenso lugar preenchido por Donald.

 

Jennifer Evans respirou fundo e olhou para a gigantesca montanha à sua frente, mas nem por um momento pensou em se deixar vencer por aquele novo desafio em sua vida. A Estação de Esqui Cordilheira do Arco-íris devia estar perto, provavelmente escondida atrás da montanha do Mirante, que se destacava com seu pico coberto pela bruma.

Raios de sol faziam brilhar a neve, que se espalhava por todos os lados. Jennifer nunca imaginara que as montanhas de. Sierra Nevada fossem tão belas e grandiosas, nem que as cadeirinhas do teleférico, que levavam os esquiadores aos montes gelados, fossem tão frágeis. E sentiu que, para chegar à Estação Arco-íris, teria antes de superar o medo que a dominava.

"Isso é ridículo. Subirei a montanha, nem que tenha de escalá-la a pé!", decidiu.

Dirigiu-se para a plataforma de embarque do teleférico, mantendo-se fora do caminho dos grupos de esquiadores que queriam aproveitar ao máximo o dia curto de inverno. Nenhum deles pareceu perceber seu receio com relação à segurança do equipamento. Na realidade, nenhum deles pareceu sequer notar sua presença. Embarcavam rapidamente, e as cadeirinhas, em seu ondular suave, os lavava para mais um dia de aventura naquelas montanhas geladas.

Jennifer não se lembrava de jamais ter sentido medo. Vivera a maior parte de seus vinte e três anos no oeste de Oklahoma, e até então nada a assustara. Estava habituada com as tempestades violentas, as enchentes, as secas devastadoras do verão e os animais selvagens das planícies. Nem mesmo os longos anos em que cuidara sozinha de seu pai inválido a havia feito fraquejar.

Mas agora, olhando para a montanha do Mirante e para as cadeirinhas que lhe pareciam tão frágeis, pela primeira vez experimentava o gosto acre do medo. "Com certeza, meu patrão... Como é mesmo o seu nome? Ah, sim, Donald Martin. Pois bem, certamente ele compreenderá a minha insegurança", tentou tranqüilizar-se.

A escola de hotelaria a tinha enviado para preencher uma vaga que surgira inesperadamente no meio da estação, e já devia ter avisado o Sr. Martin de que ela não estava habituada às montanhas. Além disso, como ele precisava de alguém com urgência, não poderia ser tão exigente. Por outro lado, Jennifer tinha qualificações muito boas; tão logo encontrasse seu patrão, acertaria tudo, e seu constrangimento desapareceria. Mas nunca poderia falar com o Sr. Martin se não conseguisse dominar o medo e enfrentar aquela cadeirinha que a levaria lá para cima.

Um garoto, que era o responsável pelo embarque dos esquiadores, finalmente a viu ali parada. — Está esperando alguém?

Jennifer balançou a cabeça negativamente. Uma mecha de cabelo escapou do capuz de seu casaco verde.

— Não há outro meio de se chegar à Estação de Esqui Cordilheira do Arco-íris?

O garoto franziu a testa, muito surpreso.

— É claro que não! Queria uma estrada para subir a montanha?

— Então vou ter de subir nessa cadeirinha...?

— É o que todos perguntam. Vocês, que vivem em cidades grandes, querem se divertir sem muita emoção.

— Não estou aqui para me divertir — protestou ela.

— Fui mandada para substituir...

O espanto que suas palavras causaram fez-na interromper a frase.

— Você é a substituta de Lodi? Essa não! Ela daria um tiro na cabeça se soubesse que uma moça medrosa como você iria usar suas botas!

— Disseram-me que eu não teria que esquiar.

— Bem, para fazer seu trabalho, talvez não tenha mesmo que esquiar, mas por que vir a um lugar como o Arco-íris... — Ele parou e pediu desculpas; em seguida, explicou: — Sabe, Lodi é uma esquiadora realmente dedicada, como eu. Sei que as pessoas que vêm aqui vestidas como você não acreditaria, mas...

— Quer dizer que minha roupa não...

Jennifer olhou para si mesma. Pensava que seu belo conjunto de lã verde, composto de calça e casaco com capuz, era mais do que adequado para o local. Não poderia ter errado tanto...

— Bem, a roupa fica linda em você. No entanto...

— O garoto interrompeu-se. Depois deu de ombros e comentou, como se desempenhasse uma tarefa desagradável mas necessária: — Essas lojas de roupas empurram tudo o que podem para turistas inexperientes.

— Acha que não estou vestida de acordo?

— Só achei que devia avisá-la, em vez de deixá-la andar por aí feito um coelho... Muita gente pensa que para esquiar bem precisa usar um monte de roupas.

— Confesso que foi exatamente isso o que pensei...

— Se assistisse televisão, saberia que os melhores esquiadores se vestem para trabalhar, não para desfilar

— explicou ele, sempre sorrindo. — Com certeza, você gastou uma fortuna.

— Gastei mais do que podia.

— Como eu disse, a roupa está linda em você. — Só então o garoto pareceu perceber que uma fila de esquiadores tomava conta da plataforma. — Com licença. Esse pessoal pagou por tempo integral, não pode ser prejudicado por minha causa. Espere um instante, volto já.

— Tudo bem — respondeu Jennifer. Sentia-se terrivelmente insegura. Aquele emprego aparecera antes mesmo de terminar o curso de hotelaria, e significava muito para ela. Era a grande oportunidade de, ao menos, ampliar seus horizontes, e escapar da monotonia que parecia ser o seu destino.

Sozinha e cansada, desde a morte do pai inválido, queria descobrir coisas novas. Uma estação de esqui famosa parecera o lugar ideal para começar. Realmente tivera muita sorte ao ser apontada pelo diretor da escola para preencher a vaga. Precisavam urgentemente de uma substituta para a coordenadora de atividades da Estação Arco-íris. Jennifer não havia tido dúvidas de que poderia dar conta do recado, mas, no momento em que se viu rodeada pelas montanhas, sua segurança se esvaeceu.

"Com certeza, Donald Martin compreenderá", disse novamente para si mesma. "E será muito paciente e compreensivo comigo. Se ao menos eu pudesse subir logo para encontrá-lo..."

Ficou parada, olhando um esquiador após outro dirigir-se para a plataforma. A uma palavra do garoto sentavam-se nas cadeirinhas duplas e partiam. Todos pareciam fazer aquilo sem esforço ou preocupação. Certamente ela poderia fazer o mesmo.

Quando os dois últimos esquiadores de um grupo se acomodaram, o garoto virou-se para ela.

— Já conhece o homem que manda em todos nós? — perguntou.

— O que você quer dizer com isso? — Jennifer levantou o queixo. — Ninguém manda em mim!

— Então você ainda não o conhece... — comentou, fazendo uma careta bem-humorada.

— Não. Ele é muito bravo?

— Depende. Venha. Vou pôr você na cadeirinha, antes que aquela turma chegue aqui.

Ele a segurou pelo braço, mas de repente Jennifer deu um passo para trás.

— Não se preocupe comigo. Posso escalar a montanha.

— Pode... o quê? Imagine! O chefe me cortaria a cabeça se eu deixasse você fazer isso! Não vê como essa encosta é íngreme?

Jennifer não pretendia escalar a montanha. Mesmo assim, sentiu-se aliviada ao descobrir que não lhe permitiriam tentar, ainda que quisesse.

— Vamos logo com isso. — Suspirou. — Mostre-me como devo montar nessa cadeira.

— Pode ficar sossegada, que você não vai cair. — O garoto pegou a mala dela. — Primeiro vou tirar sua bagagem do caminho. Eu a mandarei para cima mais tarde, na locomotiva.

Jennifer deduziu que a locomotiva devia ser alguma parte do teleférico destinada a carregar objetos em geral. No momento, porém, a bagagem era sua última preocupação.

— Quando eu lhe der um pequeno empurrão, você vai até aquele canto, está vendo? Então, prepare-se e deixe a cadeirinha pegar você. É tudo o que tem a fazer. É muito simples.

O sorriso dele tentou transmitir-lhe segurança, mas não conseguiu. Ela não precisara de tanta coragem para montar pela primeira vez um cavalo bravo.

Justamente por estar apavorada, esforçou-se para seguir as instruções direitinho. Respirou fundo e esperou o sinal. Quando ele a empurrou de leve, correu em direção às cadeirinhas.

— Devagar! — gritou o garoto. — Não se afobe!

O aviso veio tarde demais. Ela escorregou num pedaço de gelo, e lutou com todas as forças para recuperar o equilíbrio.

Ele foi ajudá-la e tirou-a do caminho da outra cadeirinha que se aproximava.

Novamente a salvo, Jennifer apoiou-se no garoto; tinha as pernas trêmulas. Até mesmo sua voz tremia quando tentou falar. Esforçou-se para recuperar o controle e, ao fim de alguns instantes, até conseguiu rir um pouco de sua situação.

— Você disse que a cadeirinha não ia me derrubar, mas bem que ela tentou... Você não pode pará-la enquanto eu sento?

— Parar a... Oh, meu Deus, essa não! Quem você acha que sou? Hércules?

— Não quis dizer parar com a mão. Não há um botão de emergência?

— Há, mas é só para emergências, como o nome está dizendo. Se eu o usasse cada vez que um turista se amedronta, não manteria meu emprego por muito tempo.

— Quer dizer que sempre aparecem pessoas tão medrosas quanto eu?

— É por isso que estou aqui.

Saber que não era a única pessoa apavorada a fez sentir-se um pouco melhor.

— Está bem, estou pronta para tentar outra vez.

— Não se preocupe. Aí vem o chefe — informou o garoto, apontando com o queixo na direção da encosta.

— Ele vai dar um jeito nessa situação.

Não podia haver dúvidas quanto à identificação do chefe. Ele se aproximava na única cadeirinha ocupada que descia. Uma segurança enorme emanava de sua figura, envolvendo-o como uma aura. Ninguém poderia duvidar de que Donald Martin era o dono da montanha. Por isso o garoto havia dito que ele mandava em todo mundo. "Em mim é que não haverá de mandar!", pensou.

Embora àquela distância não pudesse distinguir suas feições, notou que ele tinha o cabelo vermelho como o fogo. E era como se aquela cor ousada desafiasse a neve que caía ao redor. O homem estava com a jaqueta aberta, como se o frio não pudesse atingi-lo.

Jennifer engasgou. O chefe não devia encontrá-la trêmula de medo. No entanto, sentia-se completamente incapaz de se mover. Olhando-o com uma espécie de fascinação, esperou que ele se aproximasse.

Donald estava à vontade. Orgulhosamente, olhava os campos nevados de um lado para outro, como um rei que vistoriasse seus vastos domínios. Quando sua cadeirinha chegou à plataforma, levantou-se com agilidade. Assim que tocou o chão com as botas, pôs-se de lado para não atrapalhar o movimento do teleférico. Seu olhar percorreu Jennifer rapidamente, mas ela não teve dúvidas de que a havia examinado em todos os detalhes.

— Vejo que você descobriu outra... turista medroso

— disse ao garoto, com voz decidida.

Jennifer ficou corada de indignação. "Como se atreve a julgar-me tão apressadamente! Que arrogância!" Antes que pudesse responder alguma coisa, ele continuou no mesmo tom irretorquível.

— Vou tomar conta da moça.

"Ora essa!" pensou ela, mal conseguindo engolir a raiva. "O que acha que sou? Uma peça de roupa, ou um objeto incapaz de ouvir e falar!" Respirou fundo, contou até dez e respondeu:

— Obrigada. Posso subir sozinha, se você sair do caminho.

E deu um passo em direção às cadeirinhas. De repente, a raiva enchia-a de coragem. Não temia mais aqueles monstrinhos de metal.

Donald estendeu o braço e bloqueou-lhe o caminho. Antes que ela pudesse reagir, pegou-a pela cintura, levou-a para perto das cadeirinhas e sentou-a numa delas. Em seguida, acomodou-se a seu lado e debruçou-se para apertar a barra de segurança, enquanto já começavam a subir.

Por alguns momentos, Jennifer ficou sem fala. O toque das mãos daquele homem em seu corpo tivera o efeito de um choque elétrico. Seu coração começou a bater ainda mais violentamente.

Quando conseguiu recuperar a voz, lutando para controlar as emoções, ela disse:

.— Não havia necessidade de mudar seus planos por minha causa. Não pretendia ir à cidade?

— Minha visita à cidade pode esperar. Dou muita importância à segurança, aqui no Arco-íris. E vocês, turistas, estão sempre se arriscando. Temos de mostrar-lhes que essas montanhas podem ser tão traiçoeiras quanto bonitas. — Virou-se para ela e fitou-a nos olhos, como se a desafiasse a duvidar de suas palavras.

O azul dos olhos dele era tão intenso que quase a hipnotizava. E, mais uma vez, Jennifer precisou de algum tempo até que pudesse falar:

— Quase consegui subir sozinha na cadeirinha.

— "Quase" não é suficiente. Você estava atrasando um grupo de esquiadores. — Ele franziu a testa. Pequenos flocos de neve alojavam-se entre suas sobrancelhas espessas. — Parece que não tem muita noção do perigo que representa...

— Garanto-lhe que não teria despencado — interrompeu-o, furiosa, por estar sendo tratada como se fosse uma criança.

Sua atitude provocou uma sonora risada, que a irritou mais ainda.

— Você é muito geniosa e também muito impulsiva. Não posso permitir que fique sozinha nesta encosta, sem antes ter tomado algumas aulas de esqui. Pode escolher se prefere aprender nas montanhas ou em pistas de gelo. Temos equipamentos para ambas as modalidades no Arco-íris.

Jennifer sentia a raiva tomar conta de si. Mas, antes que explodisse, ele continuou, agora educadamente:

— Tem reserva para muitos dias no Arco-íris?

— Eu... não sou turista. Vim para trabalhar. Teve medo de que o vento o impedisse de escutar suas palavras sussurradas. Mas Donald Martin não perdera uma única sílaba.

— Você... o quê? É a substituta de Lodi?

— Sou a substituta de sua coordenadora de atividades. — E olhou-o com uma expressão de desafio. — Mas disseram-me que eu não precisaria esquiar.

Ele se virou para admirar o lago por cima do qual passavam naquele momento. Jennifer imitou-o e, logo em seguida, encarou-o. Sua respiração parou. "Os olhos dele têm o mesmo azul do lago."

— Lago Safira — informou ele, apontando as águas plácidas. — Bonito, não?

"Olhos de safira", pensou ela, limitando-se a responder secamente:

— É.

Como se não tivesse interrompido o assunto para falar do lago, Donald continuou:

— Não, não é necessário saber esquiar para ser coordenadora de atividades. Porém ajuda, principalmente para resolver os problemas entre os instrutores de esqui.

— Mas o que eu tenho a ver com os instrutores de esqui?

— Eles estão sob a sua responsabilidade. A programação de aulas individuais ou em grupo é uma das tarefas da coordenadora de atividades. Cabe-lhe também programar divertimentos para os turistas, como, por exemplo, organizar passeios pela montanha. Você resolverá melhor os problemas se souber esquiar. Por isso, já decidi: vai tomar lições de esqui.

A maneira autoritária como lhe participou sua decisão não deixava a menor dúvida: tratava-se de uma ordem, que não admitia réplica.

— Sobre que tipo de problemas está falando? — perguntou ela, esforçando-se para controlar a raiva e inteirar-se de todos os aspectos do trabalho que a esperava.

— Os instrutores são esquiadores profissionais. Têm muita energia, e aborrecem-se com freqüência quando a vida se torna muito fácil. Como seu tempo é tomado principalmente pelas classes de principiantes, não têm muita oportunidade para exercitar os músculos e gastar energia. Esquiar é a vida deles. Diante disso, você tem que impedi-los de se engalfinhar ou de estrangular alguém. Até mesmo brincadeiras sem maldade podem tornar-se perigosas, às vezes.

— As pessoas são iguais em toda parte — comentou Jennifer. — Duvido que tenham problemas muito diferentes daqueles dos empregados de hotéis.

Apesar de sua aparente segurança, estremeceu ao dizer isso, pois, na verdade, não tinha sequer experiência prática no tratamento de tais problemas. Estudar teorias não era a mesma coisa que enfrentar situações reais.

— Talvez não sejam diferentes — respondeu ele, paralisando-a com seu olhar penetrante. — De qualquer forma, espero que consiga controlar essa turma.

— Tenho certeza de que vou conseguir — afirmou, enfrentando aquele olhar.

Ele não respondeu, mas continuou a fitá-la, perturbadoramente.

Jennifer ouviu seu próprio coração bater com extraordinária velocidade. Não podia negar que aquele homem tinha muito magnetismo. Talvez fosse por isso que desejava tanto odiá-lo: para fugir à atração que já sentia por ele.

De repente, notou que Donald começara novamente a falar, sem que ela tivesse se dado conta. Ouviu apenas parte da frase, que terminava com "... regras de segurança".

— Regras de segurança? — repetiu.

— Você não estava ouvindo, não é? "Certamente não se trata de uma pergunta", constatou, toda atrapalhada.

— Quando as cadeirinhas passam por uma torre, fazem tanto barulho... — começou a justificar-se, mas interrompeu-se, pois percebeu que já havia algum tempo que não passavam por uma torre. A desculpa não fora bem escolhida.

— De fato — concordou ele, com um sorriso zombeteiro. — Há uma torre logo ali à frente. Vou esperar passarmos por ela para repetir o que você não foi capaz de ouvir.

— Está bem, eu não estava ouvindo. Há tantas coisas novas aqui, que não posso absorver tudo de uma só vez. E você não tem o direito de esperar isso de mim.

— Tenho todo o direito de esperar que você seja competente em suas tarefas. E uma parte importante delas é cuidar para que minhas regras de segurança sejam observadas com o maior rigor.

Jennifer enrubesceu tanto, que seu rosto ficou da cor do cabelo dele.

— Então não seria melhor que escrevesse essas regras e as afixasse num lugar onde todo mundo pudesse lê-las?

— E o que você acha que é aquilo? — retrucou Donald, apontando para uma placa pela qual passavam. — Há várias espalhadas pelo caminho. — Ela não havia notado a tal placa, nem qualquer uma das outras. Até agora, só conseguira prestar atenção em Donald. Ele não usava luvas! Aquele homem de rosto bem delineado, cheio de sombras como a montanha que o circundava, seria assim tão insensível àquele frio tremendo?

— Não consegue ler? — insistiu, interrompendo seus pensamentos.

— Claro que sim! — E, para demonstrar o que dizia, leu em voz alta: — "Fechado para esquiadores. Proibido esquiar". — Depois engoliu em seco e tentou ignorar o ar de triunfo com que ele a encarava.

— Com certeza não viu as outras placas — continuou ele. — Como você, muitos esquiadores não as percebem; alguns as vêem, mas insistem em desafiar esses avisos. Você tem de impedi-los.

"Se ao menos os olhos dele não fossem de um azul tão intenso!", pensou, soltando um profundo suspiro.

— Não precisa se preocupar. Farei tudo o que meu cargo exigir. Vou decorar direitinho suas regras de segurança. Pode parar de me tratar como se eu fosse uma criança desmiolada.

Por um instante, temeu que ele fosse ficar bravo. Mas, para sua surpresa, Donald riu.

— Você tem montes de miolos, não duvido disso. E quanto a tratá-la como criança... Pelo jeito como você reage, parece mais uma gata do que uma criança. Mas agora, se dá valor à sua segurança, e até mesmo à sua vida, é melhor me obedecer. Estamos chegando ao topo. Há um jeito especial para sair da cadeirinha, principalmente com essa névoa.

Mal acabou de falar, foram engolidos por uma nuvem de um branco acinzentado.

— Levante os pés! — ordenou ele.

Sem pensar em questioná-lo, ela ergueu os joelhos quase até a altura do queixo. Com um gesto rápido e preciso, Donald soltou a barra e imediatamente segurou Jennifer pela cintura com as duas mãos.

Quando a plataforma surgiu através da névoa, ele a ergueu sem o menor esforço, como se estivesse suspendendo um ramo de flores.

— Agora pise no chão. Já!

Ela não ousou desobedecer. Num instante, viu-se em pé na plataforma, suspirando de alívio por ter se livrado da desagradável cadeirinha. Agora que se sentia a salvo, ficou furiosa. Virou-se para ele, com a intenção de perguntar-lhe como pretendia fazê-la aprender alguma coisa se não a deixava agir sozinha. Mas não conseguiu abrir a boca, pois um rapaz bem vestido aproximou-se e informou:

— O telhado está pronto. Nick falou que você estava subindo e resolvi esperá-lo. Pode dar uma olhada? — E encarou Jennifer, como se ela fosse atrapalhar.

— Um bom ano para avalanches — comentou Donald, sua expressão endurecendo-se de repente. Virou-se para Jennifer e declarou: — Tenho de ir agora. Cassie vai ajudá-la a se instalar. Vá para dentro e procure-a.

Ela ia perguntar quem era Cassie e onde poderia encontrá-la, mas o chefe já se afastava. Os dois homens tinham saído da plataforma e caminhavam pela neve gesticulando muito enquanto discutiam o problema.

"Bem", pensou Jennifer, "este é apenas mais um pequeno desafio". Donald esperava que ela começasse a resolver as coisas sem muita orientação. Desafiara-a, e ela garantira que haveria de fazer um bom trabalho. Agora tinha de provar o que dissera com tanta confiança.

Mas o maior desafio, suspeitava, seria conviver com aquele homem enigmático e dinâmico.

 

Durante algum tempo, Jennifer ficou parada na plataforma da Estação de Esqui Cordilheira do Arco-íris. Pequenos flocos de neve caíam sobre os seus ombros. O sol ainda não conseguira devassar a bruma que envolvia aquela parte da montanha, mas os campos nevados brilhavam tanto que ofuscavam seus olhos, obrigando-a a fechá-los.

A imagem de Donald Martin veio-lhe à mente. Ele era forte e másculo; suas sobrancelhas fartas sombreavam seus penetrantes olhos azuis; o nariz perfeito, capaz de figurar na melhor estátua grega, e a boca bem delineada completavam a beleza de seu rosto.

Jennifer abriu os olhos e descobriu que a névoa desaparecera, revelando um pedaço de céu incrivelmente azul, que contrastava com os picos pontudos das montanhas, agora banhados por uma intensa luz dourada.

Seguindo a linha daqueles picos no horizonte, seus olhos pararam no cume branco da montanha do Mirante: era lindo. Apesar do brilho intenso da neve, ela fez um esforço para examinar a encosta daquela montanha grandiosa. Pouco abaixo do cume, havia fileiras de árvores escuras, entre as quais passava outro teleférico. Inúmeras pessoas esquiavam pela encosta, parecendo, à distância, pequenos pontos coloridos movendo-se sobre um grande tapete branco.

O som de risadas e gritos chegou até a plataforma, e Jennifer sorriu. Aquele era exatamente o lugar que procurava. Imaginou-se esquiando, segura e graciosa, pela encosta nevada.

A seu lado estaria Donald Martin.

Ela balançou a cabeça, forçando-se a voltar à realidade, e começou a caminhar apressadamente pela plataforma, em direção ao prédio da estação. Queria encontrar logo a tal Cassie e acomodar-se. Talvez até tivesse tempo de organizar o trabalho antes que Donald voltasse, e assim lhe mostraria como era eficiente!

Ao entrar no prédio, deparou com um grupo de esquiadores que saía para um passeio. Todos usavam roupas comuns, que não lhe pareceram suficientemente quentes. Alguns vestiam até jeans.

Entretanto, o que mais chamou sua atenção foram os gorros dos esquiadores: cada um era mais berrante que o outro e ostentava uma porção de enfeites diferentes. "Que gorros engraçados", pensou, deliciando-se principalmente com um, que fazia seu portador parecer mais um alegre palhaço, pronto para entrar no picadeiro. "Acho que também vou comprar um, mas não tão espalhafatoso, é claro, e enfeitá-lo do meu jeito", decidiu.

Quando o grupo finalmente se afastou, ela olhou ao redor. Estava numa sala enorme, que parecia ser o saguão. Havia gente por todo lado, conversando e rindo ruidosamente. Quatro gigantescas caixas de som contribuíam para aumentar o barulho, transmitindo um rock animadíssimo, que, de vez em quando, era interrompido por uma voz que chamava alguém ou anunciava qualquer coisa, e que nenhum dos presentes parecia ouvir.

Vendo uma placa na qual estava escrito "Recepção", Jennifer dirigiu-se para lá, a fim de perguntar onde poderia encontrar a tal Cassie.

As pessoas nem sequer a enxergavam, ocupadas demais com suas próprias atividades. Jennifer sentiu-se totalmente desambientada. "Será que algum dia me tornarei parte desse grupo de esquiadores felizes e despreocupados?" perguntou-se. Mas logo se lembrou de que estava ali a serviço, e tratou de abrir caminho por entre a multidão.

Quando finalmente chegou ao balcão da recepção, encontrou uma garota loira e bronzeada. Sua camiseta bem justa ostentava a figura de um esquiador deslizando na curva de um arco-íris.

A moça encarou-a com olhos frios, onde Jennifer pensou vislumbrar um certo desprezo. Parecia que ela a observara enquanto se aproximava do balcão, e que avaliara exatamente quanto havia pagado por sua roupa verde.

"Não serei intimidada por uma simples recepcionista", decidiu. Respirou fundo, ergueu o nariz e forçou um sorriso. Depois, apoiou os cotovelos no balcão.

— Olá, meu nome é... — começou, mas teve de interromper-se, porque a moça se voltou para dois rapazes que se aproximavam do balcão.

— Olá — cumprimentou-os, com o sorriso mais simpático possível. — Estão planejando alguma coisa?

— Estamos sim, Cassie — respondeu um deles. — Venha esquiar conosco esta tarde.

"Então essa é a tal Cassie que deveria me ajudar, hem!", pensou Jennifer, detestando a idéia de depender daquela moça para qualquer coisa.

— Gostaria muito, Dave. Mas Donald me passou um sermão, por que saí demais na semana passada — respondeu Cassie, fazendo beicinho como uma criança mimada.

— Mas está um tempo incrível para esquiar... — insistiu o rapaz.

— Nem diga! Você sabe que adoro esquiar em dias assim!

— Então vamos logo.

— Não posso... — murmurou, hesitante.

— Ora, Cassie, o que é isso? Depois você faz um agradinho no chefe, e está perdoada...

— É mesmo — acrescentou o outro rapaz, que até então não abrira a boca. — Você não disse que consegue dele tudo o que quer? Está na hora de provar...

— Está bem, vou ver o que posso fazer. Se arranjar alguém para ficar no meu lugar, encontro vocês daqui a pouco, bem no começo da pista — decidiu a moça.

Depois que os rapazes saíram, Cassie finalmente se voltou para Jennifer.

— Deseja alguma coisa? — perguntou. Sua voz já não tinha mais a doçura de alguns momentos atrás.

— Sou Jennifer Evans, a nova coordenadora de atividades.

— Oh, não! — exclamou, empalidecendo um pouco. — Então foi você quem me roubou o cargo!

A acusação era tão absurda que Jennifer nem sequer se aborreceu.

— Nunca ouvi falar em você até... hoje. — Decidiu não mencionar o nome de Donald Martin. — Disseram-me que poderia me ajudar.

— É? Pois a mim não disseram o que eu deveria fazer com você. Terá de esperar até o Sr. Martin voltar. Ele foi à cidade.

"Então", pensou Jennifer, "ela" não sabe de tudo o que acontece por aqui".

Cassie olhou-a por um instante, pensativa, e debruçou-se no balcão, dirigindo-lhe um sorriso forçado, que não conseguia esconder a expressão maldosa de seu olhar.

— Se está tão disposta a começar a trabalhar, posso dar-lhe algo para fazer enquanto espera. Surgiu uma coisa urgente e tenho de sair. Você pode ficar neste balcão por algumas horas, enquanto resolvo o problema. Isso realmente vai agradar o chefe.

"Uma coisa urgente, como esquiar com dois homens", pensou Jennifer, mas engoliu a resposta malcriada e fez um esforço para parecer serena.

— Desculpe, mas não posso. Se não sei nem onde é meu quarto, como poderia responder às perguntas dos turistas? E tenho certeza de que não conseguiria manter o livro de registro como você gosta.

Sem esperar pela reação de Cassie, virou-se e saiu misturando-se rapidamente à multidão. Sabia que já fizera uma inimiga. Ou melhor: reforçara uma inimizade que se iniciara sem a sua participação, e que se desenvolvera desde o momento em que fora escolhida para ocupar a vaga de coordenadora de atividades.

Tremia de raiva e começou a sentir uma leve dor de cabeça. Se ao menos pudesse encontrar um lugar tranqüilo para se sentar e recuperar a calma... No saguão não havia uma só cadeira vazia. Mas a porta do bar estava aberta, embora, àquela hora da manhã, o serviço ainda não estivesse funcionando.

Jennifer encaminhou-se para lá e entrou, piscando muito para acostumar a vista à penumbra, pois saíra de um lugar bastante iluminado. Quando conseguiu ver alguma coisa, constatou que o bar estava inteiramente vazio; conforme esperara. Suspirando de alívio, sentou-se a uma das mesas, apoiou o queixo nas mãos e fechou os olhos.

— Ora, vejam só, uma donzela cansada...

A voz inesperada a faz abrir os olhos. Uma figura masculina aproximava-se. Quando chegou mais perto, seu rosto iluminou-se ao reconhecê-la.

— Não vi você lá na recepção? Ela também o reconheceu: era um dos rapazes que haviam convidado Cassie para esquiar. Ele a olhou atentamente.

— Cassie aborreceu você? Não a leve a sério. Ela é assim mesmo: mal-humorada. Mas a gente agüenta...

Jennifer podia adivinhar que ele era mais velho do que ambas. E verificou que era mais esguio que Donald Martin. Ah, por que precisava comparar o rapaz com aquele homem tão perturbador? Tinha o cabelo meio comprido, de uma cor indefinida, entre o loiro e o castanho. A simpatia, aparentemente, era sua maior qualidade.

— Seu mau humor aumentou porque ela não conseguiu sair para esquiar. Cassie esquia muito bem!

Pela primeira vez, Jennifer notou a insígnia na jaqueta dele. Sobre o arco-íris estava escrito: "Escola de Esqui".

— Você é um dos instrutores? — perguntou.

— Sim, senhora — respondeu, num tom de cômica formalidade. — Devo inscrevê-la para lições... — Deu uma rápida olhada para a roupa dela, antes de completar: — em minha classe de principiantes?

"Minha roupa me denunciou de novo", pensou, irritada consigo mesma.

— Obrigada, mas estou aqui para trabalhar, e não para me divertir. Preciso me apresentar: sou Jennifer Evans, a nova coordenadora de atividades.

Ele não conseguiu esconder a surpresa.

— Olá, meu nome é Linc, sou o chefe da escola de esqui. Bem-vinda a bordo.

— Você é o primeiro amigo que faço aqui, e adoraria conversar um pouco mais. Mas só vim ao bar para esperar o Sr. Martin. Ele deve chegar a qualquer momento para me mostrar o trabalho.

— O chefe... — sussurrou Linc, soltando um fundo suspiro.

— O que foi que disse? — Jennifer havia escutado perfeitamente, mas queria fazê-lo falar mais alguma coisa a respeito do patrão. Talvez conseguisse elementos para compreender Donald Martin.

— Só quis dizer que é melhor eu não retê-la mais aqui — foi a resposta.

Ela sentiu-se frustrada, mas não se deixou abater. Afinal, havia encontrado alguém que não a tratara com hostilidade, e isso devia deixá-la contente.

Linc conduziu-a até a porta do bar e parou à sua frente.

— Quer que eu a ensine a esquiar? É bom poder se divertir um pouco enquanto se trabalha.

— Seria ótimo! Ê só você ter paciência comigo, pois morro de medo de cair.

Ambos riram, e ele passou o braço amistosamente sobre seus ombros, enquanto continuavam a andar.

— O que aconteceu com Cassie já lhe deu uma idéia de como é a nossa vida aqui no Arco-íris. Mas a gente também se diverte. Você vai ver — garantiu Linc, pressionando levemente os dedos sobre seu ombro, para enfatizar as palavras.

"Não foi só o encontro com Cassie que me deu uma idéia da vida no Arco-íris", pensou Jennifer. Após passar meia hora na cadeirinha ao lado de Donald Martin, não sabia se o chefe queria que ela se divertisse.

— Se precisar de alguma coisa, é só me chamar — disse Linc, parando a um canto do saguão.

Ela o encarou por uma fração de segundo e tomou uma decisão:

— Já estou precisando. Vi um pessoal saindo com uns gorros muito engraçados e pensei que, se eu tivesse um parecido, me sentiria mais integrada ao ambiente. Você me ajudaria a encontrar um gorro bem diferente?

— Claro! Acho uma idéia ótima.

Novamente ele acariciou seu ombro, antes de despedir-se com um aceno de mão. Em seguida atravessou o saguão e Jennifer caminhou na direção oposta.

Sua passagem foi bloqueada por um homem enorme, que usava a jaqueta aberta. Ao olhar para cima, ela viu os olhos de Donald Martin, azuis e frios como as águas do lago Safira. Emoções conflitantes agitaram-na. Não importava qual a expressão daqueles olhos, sempre a deixavam sem fôlego. Além disso, todo encontro com o chefe deixava-a furiosa.

— Vejo que não se aborreceu enquanto me esperava

— disse ele, sarcástico. — Já conhecia Linc?

— Claro que não. Eu...

— Parece que vocês dois não perderam tempo para se tornarem íntimos.

— Linc foi muito simpático! — Teve a tentação de acrescentar: "Muito mais do que você". Mas, ao lembrar-se de que trabalhava para ele, manteve-se calada.

— É, tive a oportunidade de verificar. Bem simpático.

— Depois, sem mudar de expressão, continuou: — Vejo você em meu escritório dentro de quinze minutos. — E afastou-se a passos largos.

Jennifer ficou parada, tentando decifrar o significado de suas palavras. Quando finalmente compreendeu, sentiu a raiva tomar conta de si. O braço de Linc em volta dela não tinha sido nada mais que um gesto simpático! Além disso, o instrutor não era o tipo pelo qual ela se apaixonaria! E que direito tinha Donald de se intrometer? "Pode ser o dono de tudo isto aqui, mas não é meu dono. E nunca será."

Tinha só quinze minutos para recompor-se e enfrentar o leão em sua própria toca. Agora compreendia porque todo mundo o chamava de chefe. Donald Martin não se parecia com ninguém que ela jamais conhecera. Era um homem cheio de si, especial.

"Não! Não vou pensar nele como especial!", decidiu, abrindo caminho entre os grupos de pessoas que enchiam o saguão. Por fim, chegou ao balcão da recepção. Não tinha a menor vontade de falar com Cassie novamente, mas precisava descobrir onde era o escritório de Donald.

Como já esperava, a moça não se limitou a dar-lhe a informação desejada. Antes mesmo que Jennifer abrisse a boca, ela sorriu ironicamente e comentou:

— Vejo que já fez amizade com Linc.

Será que todo mundo naquele saguão a tinha visto com o instrutor à porta do bar?

— Pensei que você não fosse o tipo de Linc, uma vez que, evidentemente, não sabe esquiar — concluiu, olhando-a de alto a baixo, sem perder um só detalhe de sua roupa.

— Pelo menos, ele foi simpático.

— Deu para notar...

Novamente, Jennifer verificou que suas palavras eram tomadas em outro sentido, mas nem pensou em esclarecer o equívoco. Decidiu que não havia razão alguma para ficar discutindo com Cassie.

— Poderia me informar onde fica o escritório do Sr. Donald Martin?

— Ele já a chamou?

— Alguém tem de me dizer por onde devo começar o trabalho.

Nesse momento, uma porta ao lado do balcão se abriu e Donald colocou a cabeça para fora.

— Cassie, estou pronto para falar com Jennifer agora

— Pois não, Sr. Martin. Eu estava apenas tentando explicar a ela onde é o seu escritório. — Sua voz era doce, mas as palavras davam a entender que Jennifer era burra demais para aprender o caminho.

Donald simplesmente entrou no escritório, deixando a porta aberta. Assim que Jennifer se afastou um pouco do balcão, Cassie correu para ela e sussurrou-lhe, com o tom mais venenoso de que era capaz:

— Você já roubou meu emprego, agora deixe meu homem em paz!

— Seu homem?

— Ele — explicou Cassie, apontando para o escritório do chefe.

— Até que você serve para ele — comentou, com total sinceridade, e encaminhou-se para a porta.

Quando entrou no escritório, Donald estava ocupado, lendo uns papéis que se espalhavam sobre uma grande mesa. Nem sequer ergueu os olhos quando ela se aproximou.

Desde que o conhecera, Jennifer tentava convencer-se de que não se interessava por ele como homem. Só deveria vê-lo como seu patrão. Apesar disso, não pôde deixar de observá-lo atentamente, enquanto esperava que ele terminasse o que estava fazendo.

Seus ombros pareciam enormes, por dentro da camisa. Todo mundo por ali usava blusas de gola olímpica, mas ele vestia uma camisa aberta no peito. O tecido era do mesmo tom azul de seus olhos.

A luz suave que entrava pela janela atrás dele fazia com que seu cabelo parecesse menos vermelho. Tornava-o da cor dos pêlos encaracolados que se podiam ver pela abertura da camisa.

Jennifer admirava sua corrente de ouro, da qual pendia uma bela medalha, quando ele pediu, ainda sem levantar os olhos:

— Poderia fechar a porta?

Ao se virar para fazê-lo, ela deu uma olhada pela sala. Queria descobrir alguma coisa sobre a personalidade daquele homem através dos objetos de seu escritório.

A mesa, naturalmente, dominava o recinto, e era de madeira escura, extremamente polida, e apresentava linhas sóbrias e elegantes. Além de uma infinidade de papéis, havia sobre ela um porta-retrato, que estava virado para Donald, de modo que Jennifer não pôde ver a fotografia.

Só os livros que se enfileiravam na estante poderiam refletir um pouco de seu caráter. Se ela tivesse tempo de olhar todos aqueles volumes... Havia ainda vários pares de esquis num canto da sala, e uma estranha coleção de tiras de couro que pareciam arreios. Jennifer teve de conter um tremor quando pensou numa imagem absurda: Donald cavalgando em seus empregados e chicoteando-os com aquelas correias.

Depois de fechar a porta, ela se voltou e caminhou mais uma vez em direção à mesa. Então ele finalmente ergueu os olhos, e fez um gesto com a mão para indicar-lhe a cadeira à sua frente.

— Sente-se — ordenou.

— Prefiro. ficar em pé — respondeu, furiosa com o tom autoritário que o chefe utilizara.

Ele deu de ombros e levantou-se; aproximou-se dela e sentou-se na ponta da mesa. Com os braços cruzados sobre o peito, fitou-a em silêncio durante algum tempo.

Jennifer aguardava. Não sabia se seria repreendida por não ter ficado na recepção no lugar de Cassie. Ou se ouviria um sermão por ter ido até o bar vazio, para onde Linc a seguira. Neste último caso, esperava que Donald lhe desse a oportunidade de explicar que fora até lá sozinha, e que o instrutor de esqui aparecera mais tarde. Não queria que ele continuasse a interpretar mal o gesto simpático do rapaz.

Esperava também que seus temores não estivessem evidentes em seu rosto, e rezava aos céus, para que lhe inspirasse as respostas mais adequadas a quaisquer perguntas.

De repente o chefe levantou-se da mesa, para ficar ainda mais perto dela. "Por favor, não se aproxime tanto", pensou Jennifer, cada vez mais embaraçada diante daquele homem magnetizante.

Ele pousou a mão em seu ombro, aumentando-lhe a perturbação, e fitou-a como se quisesse descobrir seu segredo mais íntimo.

— Você tem medo de mim? — perguntou finalmente.

— Claro que não! — Ela sentia que não podia disfarçar o tremor de sua voz. Era um tremor não só de medo, pois a inesperada pergunta realmente a assustara, mas também carregado de emoção, que não podia negar.

Ele dirigiu-lhe um sorriso simpático, que ela ainda não vira em seus lábios, e que lhe amenizava as feições tão másculas.

— Então por que está tão tensa, minha querida? Por que não relaxa quando está comigo?

— Como posso relaxar, se me trata como se eu fosse uma idiota, ou, sei lá, uma criança que você precisa treinar?

Suas palavras surpreenderam-no. Uma pequena chama de triunfo se acendeu nos olhos de Jennifer.

— Mas preciso realmente treiná-la. Você é nova no emprego e não sabe esquiar. E, embora eu deteste formalidades, temos regras que devem ser seguidas. É claro que você não pode agüentar...

— Não posso agüentar o jeito como você me trata! interrompeu-o, pondo-se longe do alcance de suas mãos. O jeito como ri de mim!

Ela andou resolutamente em direção às duas portas fechadas, no lado oposto da sala. A calma dele irritou-a ainda mais.

— Você é... impossível! — gritou, enquanto escancarava uma das portas, pensando que por ali sairia do escritório.

Ao perceber onde estava a ponto de entrar, parou, estarrecida: encontrava-se, nada menos, nada mais, que no limiar do quarto de Donald Martin. Quem mais poderia habitar aquele aposento masculino, decorado em fortes tons de laranja, marrom e ferrugem? Jennifer fechou a porta rapidamente.

— Ê a outra porta, que você quer — disse o chefe, com toda a calma.

Ela se virou lentamente e encarou-o. Seria inútil tentar disfarçar sua perturbação.

— Você não está rindo de mim? Não ficou bravo?

— Por que deveria? Por você confundir duas portas idênticas? Não há nada de engraçado nisso. Também não vejo motivo para ficar bravo. — Fez uma ligeira pausa e prosseguiu, no mesmo tom tranqüilo: — Agora quero que vá para seu quarto, e que se instale confortavelmente.

— Não sei onde é o meu quarto.

— Cassie ainda não lhe mostrou?

A expressão de seu rosto não deixava dúvidas de que ele ainda não sabia que tipo de pessoa era Cassie! Essa era a grande oportunidade para Jennifer abrir-lhe os olhos em relação à moça e vingar-se da maneira grosseira como ela a tratara.

Entretanto, se fizesse isso, fatalmente se igualaria à recepcionista, e essa era a última coisa que desejava. Mais cedo ou mais tarde, a própria Cassie se trairia diante dele Pensando assim, controlou-se e respondeu simplesmente

— Não.

— Devia estar muito ocupada — comentou-o. — Eu mesmo vou levá-la até lá. Venha.

Contente consigo mesma, ela saiu do escritório acompanhando seu patrão. Mas, assim que fecharam porta, ouviram uivos vindos de fora. Parou, assustada, olhou para Donald.

— Há lobos por aqui?

— Não. São meus cães que estão me chamando. Estão ansiosos por um passeio na neve. Tenho uma parelha de Husky siberianos, que treino para corridas. Eles adoram o treinamento diário — explicou, com os olhos brilhando de afeto e de orgulho, e entrou novamente no escritório. Um segundo depois, voltou com aquelas correias que Jennifer notara.

— Quer vê-los? — perguntou.

— Oh, gostaria muito! Enquanto caminhavam, ele explicou por que os Husky eram os cães ideais para puxar trenós:

— Além de ter um tórax maravilhoso, têm as patas maiores que a grande maioria dos cães, o que lhes facilita bastante andar sobre a neve espessa.

Antes que Jennifer pudesse perguntar qualquer coisa sobre os cães ou a corrida para a qual eram treinados, o chefe já havia mudado de assunto:

— Sabe, temos todo tipo de gente aqui no Arco-íris. Desde famílias com crianças até pessoas sozinhas. Entretanto, todos têm uma coisa em comum: estão de férias. Vieram se relaxar e se divertir. Assim, precisamos elaborar uma programação intensa, além do esqui, para preencher o tempo deles. Insisto em manter um clima de informalidade, sem esquecer, porém, as regras de segurança. Espero que coopere comigo.

— É claro. Estou aqui para isso.

— Quero que planeje uma série de atividades a serem desenvolvidas além das aulas de esqui. Acho que poderá aproveitar alguma coisa do que Lodi fez. Cassie vai lhe passar tudo o que ela deixou.

"Não, se ela puder evitar", pensou Jennifer. Mas não disse nada. Caminhava ao lado dele, tentando acompanhar aquelas passadas enormes.

Quando cruzaram o corredor, a recepcionista juntou-se a eles. Colocou-se ao lado de Donald e, ignorando a presença de Jennifer, virou-se para ele com um sorriso encantador.

— Ouvi os cães chamando você, e eu mal podia esperar para vê-los novamente.

— Estou levando Jennifer para conhecê-los. Pode vir também, desde que alguém a esteja substituindo na recepção.

— É claro — respondeu Cassie, dirigindo a Jennifer um olhar magoado e raivoso, que a acusava mudamente de ter contado sua falha ao patrão. — Você acha que eu ia deixar o balcão sem ninguém?

Donald continuou andando, sem lhe dar resposta. Cassie apressou o passo e explicou:

— Ê a minha hora de descanso e Dave não tinham aulas programadas no momento. Ele praticamente implorou para ficar em meu lugar.

O chefe olhou-a de relance, sem diminuir o ritmo da caminhada. Jennifer fitava-o com toda a atenção, mas não conseguiu captar nenhuma expressão diferente em seu rosto.

Por fim, chegaram perto do cercado onde estavam os cães. Jennifer ficou impressionada. Embora os animais não parecessem bravos, estavam muito ansiosos para sair dali. Era evidente que queriam correr pela neve.

— Você sempre diz que vai me levar para passear no trenó. Por que não agora? Por favor... — pediu Cassie, com voz infantil.

— É, por que não agora? — repetiu ele, pensativo. — Jennifer tem muito o que fazer, porque vai começar as aulas agora. Vejo que a loja de esqui está aberta; alguém pode levá-la até lá e apresentá-la aos garotos. Eles providenciarão esquis e botas para ela. — Virou-se para Jennifer e acrescentou: — Talvez um dos instrutores esteja livre para ajudá-la a se sentir em casa.

Atrás deles, os cães latiam impacientes, tornando impossível ouvir o que ele dizia. Um brilho de triunfo iluminou o rosto de Cassie.

"Por que ele não entende o que essa garota está fazendo?", pensou Jennifer, odiando-o por tamanha falta de perspicácia.

 

Os vendedores da loja de esqui foram muito simpáticos, mas Jennifer sentiu que a desdenhavam por não entender nada daquele esporte. Sua ignorância era tão completa que ela nem sequer tinha condições de fingir que conhecia algum equipamento.

Já havia terminado suas compras, quando Linc e outros instrutores entraram na loja. Todos foram devidamente apresentados, e ela percebeu que estava sendo julgada. Esperava que a aprovassem, pois, já que seria responsável pela disciplina do grupo, como Donald a avisara, achava que teria mais sucesso se conquistasse a simpatia geral. Assim, foi com seu sorriso mais encantador que comunicou aos rapazes:

— Não sei esquiar, mas tenho muita vontade de aprender. Na verdade, acho que aprenderei logo, se contar com a colaboração de vocês. Prometo-lhes que farei o maior esforço para seguir suas instruções. E então, vão me ajudar?

Houve um momento de tensa hesitação, rompido, com muita habilidade, por Linc:

— Claro que vamos, não é, pessoal? O chefe nos incumbiu de ensinar Jennifer a esquiar. Cabe a nós fazê-la deslizar tão bem por essa montanha, que sua roupa até pareça adequada. E eu lhe darei a primeira aula.

Todos riram, e depois, um a um, estenderam a mão para cumprimentá-la. Ela se sentiu aliviada, percebendo que passara no primeiro teste. Porém, a tensão que aquele encontro criara fora tão forte, que, durante a hora seguinte, não houve jeito de relaxar mais.

Linc decidira começar a ensiná-la a esquiar no gelo e levou-a a uma pista relativamente pequena, para que se acostumasse com os esquis. Explicou-lhe como devia se equilibrar sobre aquelas lâminas e falou-lhe sobre o ritmo adequado para deslizar.

Jennifer fazia tudo o que ele mandava, aplicando-se ao máximo. Ao fim de alguns minutos, estava exausta e suada. Suas roupas eram quentes demais. Agora compreendia por que os esquiadores experientes usavam trajes tão leve. Quando falou sobre isso com Linc, ele explicou:

— Num dia como hoje, um conjunto de brim é suficiente para esquiar nas áreas próximas da estação. Isto é, se você não se importar de ficar molhada quando cair no gelo. Para ir mais longe, é sempre bom levar alguma coisa mais quente, pois às vezes a temperatura cai muito depressa.

A primeira hora de aula estava acabando. Jennifer tinha os músculos doloridos e sentia-se esgotada. E então, como se fosse para ilustrar as palavras que Linc dissera minutos antes, ela perdeu o equilíbrio e levou um grande tombo no gelo. Tentou levantar-se, mas não conseguia achar um ponto de apoio naquela superfície escorregadia como um espelho molhado. Linc aproximou-se para ajudá-la, e depois de levantá-la manteve os braços em torno dela, até que ela recuperasse o equilíbrio.

— É assim que você ensina a esquiar? — Era a voz de Donald, que soou aos ouvidos de Jennifer como um trovão anunciando tempestade.

Imediatamente Linc largou-a. Sem o apoio de seus braços, ela caiu de novo. No mesmo instante, o chefe estava a seu lado para erguê-la.

— Você está bem? — perguntou, sem largá-la. "Por que não estaria?", pensou, sentindo vontade de gritar. Mas, de alguma forma, as palavras recusavam-se a sair de sua boca. Os braços de Linc não haviam causado o choque elétrico que agora percorria seu corpo.

— Sim, estou bem — conseguiu responder, depois de alguns segundos.

Queria que a soltasse para que não sentisse aquelas emoções conflitantes. Quando finalmente ele a largou, Jennifer percebeu que suas pernas ainda não conseguiam mantê-la em pé, e, mais uma vez, caiu pesadamente sobre o gelo.

— Não fiz nada — começou Linc. — Honestamente. Só a estava ajudando a se levantar quando... — O olhar seco do patrão obrigou-o a calar-se.

Donald abaixou-se, com uma expressão preocupada, mas ela estava brava demais para notá-la.

— Mesmo que estivéssemos fazendo o que você está pensando, não seria da sua conta... — explodiu, de forma tão inesperada que ele se levantou.

Jennifer teve de apertar os olhos para conter as lágrimas que ameaçavam traí-la. Eram lágrimas de raiva e cansaço, mas ele certamente as interpretaria como um sinal de fraqueza.

Ignorando-a completamente, Donald voltou-se para Linc.

— Ela se esforçou demais para o primeiro dia. Não está acostumada a esta altitude.

Suas lágrimas desapareceram instantaneamente, e ela arregalou os olhos, com vontade de matá-lo. Afinal, fora ele quem exigira aquilo. E só agora demonstrava estar preocupado com a sua ambientação às montanhas.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, o chefe pegou-a nos braços, como se ela fosse uma criança, e levou-a de volta à estação. Ela teve ímpetos de esmurrá-lo, mas, como seus músculos se recusavam a obedecer, superou sua raiva e tratou de aproveitar a inesperada carona. Podia sentir a batida do coração dele ao recostar o rosto naquele peito largo. Podia até mesmo sentir o perfume agreste e masculino da loção após barba.

Procurando uma posição mais confortável, ergueu os braços, que, como se tivessem vontade própria, foi alojar-se ao redor do pescoço de Donald. Ela mergulhou num estado de torpor, entre o sonho e a embriaguez.

Quando percebeu, estava sendo colocada na cama delicadamente. Ele ficou a seu lado durante alguns momentos e, por fim, recomendou:

— Agora tire uma soneca. Você não precisa mais de exercício por hoje. Mais tarde teremos tempo para discutir aqueles programas de que lhe falei.

Totalmente desperta de seu torpor, só então ela se enraiveceu por ter sido posta na cama.

— Por que não...?

— Amanhã você já estará habituada com a altitude — garantiu-o, sem dar a menor atenção à explosão que ela esboçara.

"Ainda bem que me interrompi...", pensou Jennifer, caindo em si. "Com certeza não iria gostar nada da minha sugestão de encarregar Cassie de fazer os programas."

— E amanhã terá de começar as aulas de esqui na neve.

— Montanha abaixo? Mas ainda nem aprendi a esquiar no gelo!

— Foi uma perda de tempo Linc ensiná-la a esquiar no gelo. Você poderia ter aprendido isso sozinha — comentou, como se não a tivesse ouvido. Sua expressão era tão séria que Jennifer não ousou interrompê-lo. — Mas não faz mal. Eu mesmo vou levá-la para a pista de esqui amanhã.

Aquelas palavras soaram como se ele estivesse com raiva. "Provavelmente me culpa por eu ter gasto o tempo valioso de Linc", pensou.

— Não pedi para ter aula hoje, e quanto a amanhã não precisa se incomodar.

— Qual é o problema? Acha que não vai poder praticar?

— Claro que vou poder! Mas preciso dizer-lhe que o senhor exige demais de seus empregados!

— Não mais do que o que são capazes de fazer — respondeu, seco. Depois se virou e saiu do quarto.

"Maldito homem, sempre tem a última palavra."

Jennifer ainda resmungou um pouco, antes de levantar-se para tirar aquela roupa pesada e vestir uma camisola. Por fim deitou-se, esperando que o cansaço logo a fizesse adormecer. Mas a preocupação com a aula do dia seguinte não lhe permitiu pregar os olhos durante boa parte da noite. Tinha certeza de que Donald exigiria dela muito mais do que era capaz, e que fatalmente acabariam brigando.

— Mas não vou deixar que me intimide — sussurrou no escuro. — E não farei nada que eu não queira.

Quando a aula começou, Jennifer ficou surpresa. Donald Martin revelou-se um professor paciente e delicado. Em vez de exigir demais, como receara, encorajava-a para que fosse além do que acharia possível. Mais do que isso, tinha um senso de humor inesperado e ria muito com ela. Mas nunca ria dela, quando a via cair desajeitadamente ou cometer erros bobos.

Ao longo daquela aula, Jennifer fez grandes progressos.

Estava tão impressionada com a eficiência dele, que não pôde deixar de comentar:

— Deve ter muita experiência como instrutor de esqui, Sr. Martin.

— Tenho muita experiência em muitas coisas... Vária vez teve de substituir pessoas em diferentes cargos, aqui no Arco-íris. Mas, já que trabalharemos juntos, não acha que me chamar de Sr. Martin é um pouco formal demais?

"Não importa como o chame, nunca falarei de você como o chefe, como os outros fazem", pensou ela, hesitante.

— Meu nome é Donald.

— Está bem, se prefere assim, Donald — disse, finalmente, bem pouco à vontade.

— E agora, devo tentar mais uma vez? — Sem esperar a resposta, virou-se e continuou a descer a montanha.

O dia estava claro e o sol entrava e saía das nuvens brancas. Entretanto, quando subiam pelas cadeirinhas, começou a nevar. Por alguns minutos a neve caiu tão espessa que deixou Jennifer quase cega, lamentando-se por não ter trazido os óculos escuros. Não sabia o que fazer.

Donald subira com ela, e conduziu-a até que estivesse a salvo. Depois tirou a luva, e suavemente começou a remover os pequenos flocos de neve que havia se acumulado sobre seus cílios.

E então comentou, sorrindo:

— Se este seu narizinho fosse um pouco mais arrebitado, meu anjo, você poderia se sufocar. Agora mesmo há um floquinho de neve que está a ponto de derreter e escorrer para dentro.

Para surpresa de Jennifer, ele se inclinou e lambeu o floquinho, e, em seguida, beijou-lhe de leve a ponta do nariz. Ela virou a cabeça, sem saber o que dizer. Seu gesto o fez afastar-se imediatamente, o rosto mais sombrio que nunca.

— A aula de esqui foi suficiente por hoje — ele comunicou, com uma voz tão fria como a neve ao redor. — Pode voltar à estação sozinha e começar a trabalhar naqueles programas de atividades. Quero vê-los sobre minha escrivaninha ainda hoje — ordenou, e, voltando-se abruptamente, esquiou na direção oposta.

Por alguns minutos, Jennifer ficou parada onde estava, surpresa demais para se mover. Recebera um beijo inesperado, que, embora fosse leve e rápido, deixara-a muito emocionada. Entretanto, aborreceu-se ao lembrar que Donald dissera que tinha experiência em muitas coisas. Talvez não estivesse se referindo apenas aos diferentes cargos da estação. Sua atitude indicava que sabia como lidar com as mulheres, e mexer com suas emoções. Talvez fosse àquela experiência que se referira.

"Por que isso deveria me incomodar?" Mas não procurou a resposta. Virou-se e, ao contrário do que ele ordenara, esquiou o mais rápido que podia.

Nos dias que se seguiram, Donald não mais se ofereceu para dar-lhe aulas de esqui. Agora, quase sempre que esquiava, ela ouvia o barulho do trenó. Os cães corriam como meteoros através da neve, dirigidos pelo dono com muita firmeza. Ao ouvi-los, Jennifer sentia um misto de emoções que não conseguia definir.

Linc cumpriu a promessa de encontrar um gorro engraçado para ela. Uma tarde, quando voltava para a estação, deparou com o rapaz.

— É seu prêmio por ser uma aluna modelo em nossa escola de esqui. — Ele estendeu-lhe um gorro brilhante, branco e cor-de-rosa. — É seu, pode enfeitá-lo como quiser.

— É perfeito! Amanhã é meu dia de folga e vou usá-lo para ir à cidade. Encontrarei alguma coisa para enfeitá-lo, no estilo que merece.

Jennifer queria mesmo visitar a cidadezinha lá embaixo, e agora tinha mais uma razão para fazê-lo. Era a maneira perfeita de comemorar sua primeira semana no emprego.

Até agora tudo fora um sucesso. Seus programas para entretenimento dos hóspedes tinham sido aprovados por Donald, sem nenhuma alteração. Ela começara até mesmo a entrar naquele espírito esportivo da estação. Quando introduzia um novo jogo, normalmente participava também. Embora o chefe não entrasse na brincadeira, em geral ia dar uma espiada ou ficava de longe observando. Jennifer sempre sentia a presença dele, antes mesmo de vê-lo encostado casualmente à parede, de braços cruzados. Mas agora já aprendera a disfarçar sua emoção.

Linc estava contente com seus progressos no esqui. Entretanto, Donald parecia estar sempre ausente quando ela partia para a pista. Ela se esforçava para não ligar para isso, mas queria mostrar-lhe que não era tão incompetente quanto ele pensava. Enfim, a vida no Arco-íres corria normalmente.

Para sua alegria, seu dia de folga amanheceu lindo. Embora ventasse um pouco, o ar estava quente. Jennifer saiu sem seu casaco pesado, usando apenas uma malha de lã sob uma jaqueta mais leve, com capuz, e, é claro, seu gorro cor-de-rosa. Vestida daquela maneira, sentia-se uma esquiadora.

Desceu pelo teleférico, ao lado de um rapaz da manutenção. Ele lhe disse que ia encontrar sua namorada, e que ela não esquiava. Conversaram sobre a garota, mas logo Jennifer se distraiu.

O brilho intenso do lago Safira a fazia sonhar. Involuntariamente, pensou no que Donald estaria fazendo naquela hora. Estaria correndo de trenó, levado por aquela maravilhosa parelha de cães?

De repente, uma rajada de vento bateu em seu rosto e carregou seu gorro, antes que ela pudesse fazer o menor gesto para segurá-lo. Depois de voar durante alguns segundos, o gorro caiu sobre uma das placas onde estava escrito: "Proibido esquiar".

Jennifer inclinou-se para frente, como se quisesse saltar para apanhá-lo. Mas seu colega segurou-a pelos ombros.

— Calma! Não vai conseguir pegá-lo!

— Mas é meu gorro novo! Linc me deu!

— Paciência. Na cidade há milhões de gorros malucos. Vai encontrar um que lhe agrade.

— Não seria a mesma coisa. Mas, de qualquer maneira, obrigada pela preocupação.

— Não deixe que isso estrague seu dia. Você vai se divertir na cidade. Vai encontrar alguém, aposto.

— Não. Só vou fazer compras.

"Como seria bom se eu fosse encontrar... Donald! Queria tanto estar com ele...", pensou, enquanto dava um suspiro fundo. Mas logo sacudiu a cabeça. "Que tolice! Estou sonhando à toa. Isso nunca acontecerá."

 

A pequena cidade parecia uma reprodução colorida de uma antiga vila. As construções, no estilo dos chalés suíços, ostentavam lindas jardineiras, de onde brotavam milhares de flores.

Encantada com a beleza do lugar, Jennifer passeou lentamente pelas ruas, limitando-se a contemplar as fachadas e o cenário montanhoso. Depois, quando se sentiu familiarizada com tudo aquilo, passou a prestar atenção nas vitrinas das lojas, que, em sua maioria, expunham equipamentos ou roupas para esquiar.

De uma confeitaria próxima exalava o aroma sedutor de pão fresco. Mais que depressa, ela afastou-se para escapar à tentação. Primeiro queria percorrer a cidade novamente, agora a fim de avaliar tudo o que ela podia oferecer aos turistas.

Subiu a rua principal por uma calçada e desceu pela outra. A meio caminho, parou e entrou em uma loja de roupas. Desejava experimentar uma saia longa de lã, com cores brilhantes. Parecia-lhe ideal para vestir à noite na estação.

A saia caiu-lhe muito bem, mas Jennifer hesitou em comprá-la, pois seu preço equivalia à boa parte de seu salário semanal. Também não tinha certeza de ter uma blusa para combinar. Devia ser sensata e poupar dinheiro ou ceder a um impulso e comemorar sua sorte por obter aquele emprego?

Foi então que se lembrou do gorro cor-de-rosa que voara com o vento. Sentira muito perdê-lo, pois fora um presente de Linc. Teria de comprar outro, mesmo que fosse exatamente igual.

— Vai levar a saia? — perguntou a vendedora, entrando no provador. — Ficou muito bem em você.

— Também acho. É realmente muito linda. Mas há outra coisa que preciso comprar primeiro e não tenho a menor idéia de quanto vai custar. Por isso, não vou levá-la agora.

— Poderíamos abrir um crediário para você.

— Não. Obrigada. Vou arriscar, e torcer para que ela não seja vendida até que eu possa comprá-la.

A vendedora sorriu, compreensiva, e afastou-se. Jennifer apressou-se a tirar a saia, antes que a tentação de comprá-la aumentasse.

Quando saiu, ficou parada na calçada, procurando se lembrar onde é que vira uma loja de gorros. Provavelmente, lá encontraria o modelo que queria. Por fim, lembrou-se: era bem no fim da rua. Dirigiu-se para lá a passos rápidos, e estava a ponto de entrar quando ouviu seu nome. Virou-se e deparou com Linc, que vinha em sua direção.

— Espere! Trouxe-lhe algo especial — gritou, escondendo uma das mãos atrás de si. Quando chegou perto, mostrou-lhe o gorro cor-de-rosa: — Aposto que o perdeu quando descia, não?

— Como conseguiu pegá-lo?

— Bem, você não o jogou fora de propósito, espero — respondeu o instrutor, ignorando totalmente sua pergunta.

— Claro que não! Significa tanto para mim! — Ela apertou o gorro contra o peito e sorriu. — Só não entendo como você conseguiu pegá-lo. A encosta da montanha é... — Interrompeu-se, pensando, de repente, naquelas placas "Proibido esquiar", que Donald lhe mostrara. Ela era responsável também pelo cumprimento das regras de segurança. — Linc! Você não...

Ele não a deixou continuar, e também não explicou como conseguira pegar o gorro. Em lugar disso, pegou-a pelo braço e disse:

— Vamos comemorar o reaparecimento do gorro. Conheço um bom lugar.

Pôs-se a andar tão depressa que ela precisou fazer grande esforço para acompanhá-lo. Além disso, havia tanta gente na calçada, que não lhe foi possível continuar o assunto.

Agora o sol estava atrás das nuvens brancas como a neve. Jennifer estava preocupada com o que Linc fizera para recuperar o gorro. E isso diminuía sua felicidade, assim como aquelas nuvens diminuíam a luz do sol.

Contudo, quando entrou no restaurante quente e acolhedor, acabou se esquecendo da sua apreensão. As mesas rodeavam uma pista de dança, que tinha, a um lado, um enorme toca-fitas acionado por fichas.

Os dois ocuparam uma mesa e pediram café. Em seguida, levantaram-se e foram dançar. Jennifer descobriu, com satisfação, que Linc era um ótimo parceiro. Quando pararam e voltaram para o seu lugar, encontraram o café já frio. Sentaram-se e começaram a tomá-lo assim mesmo, conversando animadamente. Em dado instante, ela olhou o relógio.

— Como o tempo passou depressa! Já é quase meio-dia. Convido-o para almoçar, como recompensa por resgatar meu gorro.

— Ótimo, porque estou com muita fome e este lugar tem uma comida excelente.

Linc chamou a garçonete e fez os pedidos. Depois sugeriu que continuassem a dançar, enquanto esperavam. Dessa vez, porém, trataram de não perder de vista sua mesa, pois não tinham a menor vontade de ingerir comida fria. Assim, tão logo viram a moça passar com os pratos, correram a sentar-se.

— Vocês são do Arco-íres? — perguntou a garçonete. Ambos confirmaram, pensando que ela gostaria de saber sobre a estação ou sobre as condições de trabalho lá.

— O chefe mandou avisar todo o pessoal para voltar imediatamente. Parece que vem vindo uma tempestade — informou ela, um pouco alarmada.

— É melhor sairmos já — disse Jennifer, voltando-se ansiosa para Linc.

— Se o chefe pensa que vou desperdiçar esse almoço só porque ele está nervoso, está redondamente enganado — resmungou o rapaz. Depois, provou seu prato e exclamou: — Humm! Melhor do que nunca!

— Mas, Linc! Donald é nosso patrão!

— Ele não é meu dono. É seu?

— Claro que não! Mas...

— Então fique calma, e coma antes que esfrie. Jennifer perdera o apetite e apenas tocou a comida.

Linc, entretanto, saboreou seu almoço com evidente prazer, elogiando várias vezes a perícia do cozinheiro. Estava tão deliciado que, ao terminar, pediu outro prato e dois copos de vinho.

— O vinho quem paga sou eu. Talvez a ajude a não se preocupar.

Realmente, a bebida, associada ao calor gostoso do restaurante, à música e à segurança de Linc, fizeram-na esquecer as preocupações por alguns momentos. Contudo, quando ele acabou de devorar seu segundo prato e chamou a garçonete para pedir mais vinho, Jennifer voltou à realidade.

— Precisamos voltar — disse-lhe, novamente aflita.

— Já disse que pago o vinho.

— Não é isso. Estamos desafiando as ordens de Donald. Você conhece o temperamento dele. Nossa atitude pode custar-nos o emprego.

— Já está na hora de Donald Martin aprender a controlar seu temperamento.

— Mas você não vê...

— Oh, amorzinho, você se preocupa demais — interrompeu-a. — Como ele nos substituiria no meio da temporada? Além disso, a tempestade não vai desabar antes de meia-noite, tenho certeza. O chefe vê um par de flocos de neve e já se apavora.

Jennifer não conseguia imaginar Donald apavorado. Ele era forte demais, seguro demais para sequer ter receio de qualquer coisa. Entretanto, não podia deixar de admitir que a urgência da mensagem dele realmente parecia exagerada, com aquele sol. Suspirou e concordou em esperar até que Linc terminasse seu vinho.

Ele, porém, não parecia ter pressa. Deixou o copo cheio em cima da mesa, quase sem tocá-lo. Em vez disso, levantou-se e pegou a mão de Jennifer.

— Mais uma dança para terminar, antes de sairmos para o frio cruel e enfrentarmos o chefe — propôs, com cortante ironia. E, sem esperar o consentimento dela, levou-a para a pista de dança.

Assim que a música acabou. Jennifer soltou-se e declarou, esforçando para não perder a calma que ainda lhe restava:

— Agora, não me importa o que você vai fazer. Eu vou voltar para o Arco-íris, exatamente como o patrão mandou.

— Gatinha assustada... — murmurou ele, encarando-a com um olhar zombeteiro, mas, ao mesmo tempo, tão carinhoso, que ela não pôde deixar de sorrir.

Nesse momento, porém, um homem enorme entrou no restaurante; sua jaqueta estava aberta e havia flocos de neve em seus ombros largos. Ao vê-lo, Jennifer imediatamente parou de sorrir e estremeceu dos pés à cabeça, pálida de susto. Sentindo-se culpada, como se tivesse sido surpreendida ao cometer um crime, afastou-se de Linc.

Evidentemente furioso, Donald Martin caminhou a passos largos em sua direção, abrindo passagem entre os pares que dançavam. Antes de chegar perto, já começou a gritar:

— Então você está aí! — Sua voz soava muito mais forte do que a música. — Não recebeu meu recado?

Aproximando-se de Jennifer e Linc, parou e ficou em pé com as mãos nos bolsos. Parecia ignorar completamente a presença do instrutor de esqui.

— Não recebeu minha mensagem? — repetiu, dirigindo-se a ela.

— S... sim — balbuciou Jennifer, odiando-se por estar tão trêmula.

— Então por que não voltou ao Arco-íris?

— Porque... porque... — Calou-se. Por que realmente não voltara? Linc não a forçara a ficar lá. —Nós... íamos comer... enquanto a comida estava quente...

Calou-se novamente, percebendo que Donald dirigia seu olhar gelado para a mesa. Não restava mais nada lá, exceto os dois copos de vinho meio cheios. Enquanto dançavam, a garçonete devia ter tirado os pratos.

— Parece mais que vocês estavam bebendo, e não comendo — vociferou o chefe.

"Agora você passou dos limites!", pensou Jennifer. "Como ousa duvidar de minha palavra?" A indignação superou o medo e a fez erguer o queixo e encará-lo com uma expressão de desafio.

— Hoje é meu dia de folga. Faço o que bem entender.

— Creio que amanhã não é seu dia de folga, é?

— Voltarei com tempo de sobra para trabalhar amanhã.

— Não diga... Bem se vê que não conhece as tempestades nas montanhas. Estou pensando na sua segurança.

— Acha que não sou capaz de cuidar de mim mesma?

— Francamente, não. Com este tempo, o teleférico já está perigoso. — Finalmente olhou para Linc e apontou-lhe a porta, dizendo: — Vá. Tomo conta de sua namorada.

— Eu não sou... — começou Jennifer. Mas interrompeu-se, porque Linc estava indo embora. Em vez de desafiar o chefe, ele obedecia a sua ordem.

Sem dirigir-lhe uma palavra ou sequer um olhar, o rapaz saiu do restaurante, deixando-a sozinha com aquele homem enorme e furioso.

— Tenho de pagar o almoço — comunicou.

— Esqueça. Eles põem na minha conta. Vamos andando. — E segurou-a pelo braço, prestes a conduzi-la para a porta.

— Espere. Deixe-me ao menos pegar as coisas. Então poderemos voltar ao Arco-íres.

Sem esperar resposta, ela se dirigiu à mesa. Pegou primeiro seu gorro e enfiou-o na cabeça. Recusou a ajuda de Donald para vestir a jaqueta e preferiu nem fechá-la. Depois, ergueu a cabeça e saiu do restaurante.

Lá fora, o vento estava tão forte que mal a deixava andar. O chefe aproximou-se e apoiou-a, ajudando-a a caminhar. Quando ela tentou arrumar o gorro, sentiu que as mãos dele pressionavam seu braço com força.

— Tire esse gorro bobo e ponha o capuz da jaqueta — ordenou.

Jennifer irritou-se por ele se referir dessa forma ao seu gorro, e por dar ordens com tanta grosseria. Mas não havia tempo para discussões e era quase impossível realmente manter aquele gorro na cabeça. Tirou-o e ficou surpresa ao perceber que Donald a ajudava a pôr o capuz da jaqueta.

— Deve estar bem comprometida com Linc, uma vez que já paga a comida dele — comentou, pondo-se a caminhar rapidamente. Logo, porém, diminuiu o passo e esperou que ela o alcançasse. Então, segurou-a novamente pelo braço, de forma que ela não pudesse escapar.

— Minha vida particular realmente não é da sua conta — esbravejou Jennifer, muito satisfeita por verificar que ele estava assim tão irritado porque ela ia pagar a conta de Linc. Entretanto, olhando-o bem nos olhos, resolveu esclarecer: — Linc fez um favor para mim e eu quis mostrar-lhe a minha gratidão.

— Não precisa se explicar.

— Não estou me explicando. Nem pensei em semelhante coisa.

"Linc é apenas um amigo", pensou. "Ainda não encontrei o homem por quem vou me apaixonar. Mas tenho certeza de que não é você, grande e poderoso Donald Martin..."

— Bem, é melhor pouparmos o fôlego para a caminhada. Temos de chegar ao Arco-íres rápido, antes que a tempestade desabe. E não pense que é exagero meu. Vai desabar já, já! Deve estar bem perigoso subir no teleférico agora.

Parecia que ele tinha razão quanto à tempestade, e que Linc estava errado. Jennifer odiou-o por isso; não queria que ele estivesse certo! A ventania gelada a fazia tremer dos pés à cabeça. "Oh, por que não trouxe meu casacão, em lugar desta jaqueta levinha, que não serve para nada? Por que sempre me engano com as roupas?"

— Você veio só com essa jaqueta? — perguntou Donald, como que adivinhando seus pensamentos.

— A manhã estava tão quente e ensolarada...

— Então, pelo amor de Deus, feche esse zíper até em cima. Por que o deixou aberto?

— Porque você está apertando o meu braço... — A raiva que se renovou nela esquentou-lhe o sangue.

Ele a soltou e, mais uma vez, tomou a dianteira. O vento jogou seu capuz para trás e Jennifer parou para puxá-lo. Não largava o gorro cor-de-rosa, temendo que pudesse voar de novo. Donald percebeu sua dificuldade e voltou para ajudá-la.

— Vamos, deixe-me levar essa coisa — disse, pegando o gorro para deixá-la, ao menos, com as mãos livres. A relutância com que ela obedeceu era tal que Donald sorriu: — Você parece uma criança com um sorvete. Só vou segurar esse gorro para você, garotinha. Prometo devolvê-lo.

Todos os traços de raiva tinham desaparecido de seu rosto, iluminado por aquele sorriso brincalhão e carinhoso. Sem afastar os olhos dela, ele pôs o gorro debaixo do braço. Depois, ajudou-a novamente a vestir o capuz. Por fim, colocou o braço em seus ombros. Ao sentir a força daquele braço, Jennifer compreendeu que não poderia escapar, mesmo que quisesse. E não sabia se queria. Tudo o que sabia naquele momento era que se sentia muito segura sob a proteção do chefe, e que ele a levaria sã e salva para o Arco-íris.

Inesperadamente, ele parou e segurou-lhe o rosto com as pontas dos dedos.

— Sinto-me como um garoto que está levando o sorvete da namorada... Como poderia resistir à tentação? — murmurou, sorrindo. Seus lábios acariciaram-lhe o rosto e, com extrema doçura, beijaram-lhe os lábios. Depois, como se nada houvesse ocorrido, ajustou melhor o capuz de Jennifer e pegou-a pela mão. — Agora vamos. Temos de correr para pegar o teleférico.

Ela não compreendia seus próprios sentimentos, e Donald não lhe dava chance de parar para pensar, obrigando-a a acompanhar suas passadas imensas. Agora, ele só pensava em chegar ao teleférico.

Embora houvesse flocos de neve em seu rosto, Jennifer não conseguia fechar a boca completamente. Mantinha nos lábios a lembrança do beijo inesperado.

 

Os últimos cem metros foram muito difíceis de percorrer, e Jennifer estava praticamente sem fôlego. Além disso, o chão já estava escorregadio por causa da neve, tornando a caminhada ainda mais árdua. Donald percebeu que ela não conseguiria vencer a pequena distância que os separava da plataforma do teleférico e tomou-a nos braços, com toda facilidade.

A plataforma estava deserta, e só o garoto que ajudava as pessoas a subir nas cadeirinhas circulava por ali, sob a espessa cortina de neve, soprando as mãos para aquecê-las.

— Graças a Deus que voltou, Sr. Martin — disse ele. — Tinha medo de que não chegasse a tempo.

Donald olhou-o rapidamente e, num gesto inesperado, tirou as luvas e entregou-as ao garoto.

— Tome, Andy. Você precisa mais delas do que eu.

— Mas o senhor não pode dar suas luvas assim. Vai precisar...

— Esqueça. Estarei lá em cima antes que minhas mãos esfriem.

Comovida com a gratidão que se expressou no rosto de Andy, Jennifer aplaudiu interiormente o chefe. Era a pessoa mais impossível que já conhecera.

— Não aceite mais nenhum passageiro, Andy — ordenou Donald, enquanto esperavam pela cadeirinha. — Assim que chegarmos lá em cima, desligue a força e vá para casa. Não vai haver teleférico enquanto a tempestade não passar.

A cadeirinha chegou, e ele a acomodou rapidamente, antes de instalar-se a seu lado e apertar a barra de segurança. Então começaram a subir em meio à nevasca.

— Boa sorte! Espero que cheguem lá em cima sãos e salvos — gritou Andy, acenando com a mão.

— Nós chegaremos, não se preocupe — respondeu Donald, voltando-se em seguida para Jennifer, com um sorriso brincalhão. — Parece que você melhorou muito, desde a última vez em que subimos juntos.

— Aprendi muita coisa nesta semana — respondeu, pensando que talvez tivesse até aprendido mais do que imaginava.

Quanto mais subiam, mais o vento aumentava. Jennifer não sabia se era por causa da velocidade das cadeirinhas ou pela altitude maior. Fosse qual fosse à explicação, o fato é que ela estava tiritando de frio e cruzou os braços para proteger mais o peito. Não conseguia controlar o tremor que sacudia todo o seu corpo.

Donald sentou-se ainda mais perto e pôs "o braço ao redor de seus ombros, puxando-a contra si para aquecê-la com seu próprio corpo". Com a outra mão, tirou um longo cachecol do bolso e enrolou-o no pescoço dela; depois passou as pontas por sobre o capuz, trouxe-as para baixo e amarrou-as sob seu queixo.

Jennifer agradeceu com os olhos. Parecia que o cachecol tornava sua jaqueta mais quente, e o artifício de prender o capuz impedia que o vento furioso entrasse pelos lados ou que o derrubasse.

— Temos aqui um velho provérbio — ele gritou, para se fazer ouvir, pois o vento assobiava ruidosamente. — Se os pés estão gelados, ponha o chapéu. E é verdade.

Ela acabara de constatar isso, pois, com a cabeça aquecida, sobretudo as orelhas, já não sentia tanto frio. Donald seguira seu próprio conselho e puxara o capuz da jaqueta sobre a cabeça ruiva.

Mas quando a tempestade aumentou, o velho provérbio deixou de ser verdadeiro. Não agüentando o frio, Jennifer aconchegou-se mais ao chefe. Apesar das circunstâncias adversas, ou talvez justamente por causa delas, alegrou-se por estar com Donald e não com Linc. Eram sua força física e sua masculinidade que a impressionavam.

A subida tornava-se mais e mais perigosa. Jennifer precisava de alguém forte para sentir-se segura. Precisava do calor que emanava daquele corpo para ter coragem em semelhante situação.

De repente, as cadeirinhas pararam. Estavam mais ou menos na metade da subida para a estação. Ela começou a sentir medo outra vez e virou-se para Donald com os olhos arregalados.

— O que foi que aconteceu?

— A maldita força elétrica acabou. Por causa da tempestade, é claro. E aqui estou eu preso... Precisava tanto estar lá em cima... — Seu olhar gelado percorreu-a, como se lhe dissesse: "Todo esse transtorno só por sua causa!"

Apesar do frio, ela se afastou, irritada. Não era justo que a culpasse daquela forma.

— Olhe aqui, não pedi para você descer e me buscar!

— Então, por que não me obedeceu quando eu disse para subir?

Não importava o quanto gostava do emprego, não o deixaria humilhá-la tanto.

— Porque não estou acostumada a receber ordens, através de intermediários. Além do mais, não tenho de agüentar sermão num dia de folga. Nem mesmo de você!

Mas o vento frio e cortante fazia o medo crescer dentro dela. Se a eletricidade não voltasse, ficariam congelados. Era impossível pular daquela altura.

Precisando de segurança, ela imediatamente começou a pedir desculpas; seus dentes batiam tanto que mal a deixavam falar.

— Sinto muito. Esqueça o que eu disse. Mas é que Linc me garantiu...

— Linc! Então foi por isso... — começou Donald, furioso, mas calou-se ao vê-la tremer com tanta violência. No mesmo instante mudou de atitude. Sua raiva passou, e ele a puxou para si novamente. — Oh, pobrezinha. Está morrendo de medo, não?

— Não. Estou apenas... com frio — murmurou, baixando os olhos. Fazia um esforço gigantesco para impedir que as lágrimas corressem.

O movimento dele foram suaves e lentos. Com muito cuidado para que não perdessem o equilíbrio, trouxe-a para mais perto e colocou-a no colo. Assim podia abraçá-la e protegê-la melhor. Como uma criança amedrontada, ela se aconchegou em seus braços e escondeu o rosto no ombro dele.

— Você está gelada... — disse-lhe suavemente ao ouvido, acariciando-lhe o rosto. Sua mão estava quente, apesar de ter dado as luvas ao garoto. Afastou o cachecol do rosto dela, aproximou os lábios dos seus e beijou-a demoradamente.

Jennifer entregou-se inteira àquele beijo, que fazia seu sangue ferver nas veias. Através de toda a roupa que vestiam, sentia o calor das coxas dele sob as suas. Pairando nas nuvens, suspensa no tempo, não se preocupava mais com a tempestade nem com o perigo. O mundo ao redor simplesmente deixava de existir.

De repente, Donald parou de beijá-la e colocou-a de volta em seu assento. Ela estremeceu. Mais que a brusca mudança de temperatura, daquele colo ardente para a superfície gelada da cadeirinha, incomodava-a a dor horrível da rejeição.

— A força voltou! — gritou ele triunfante.

As cadeirinhas moviam-se novamente. Os dois continuavam a subir a montanha.

Jennifer experimentou sentimentos que desconhecia. Sem pensar, virou-se para ele e começou:

— Você pensa que pode ligar e desligar... — E parou. Ia acusá-lo de ligar e desligar suas emoções, como se apertasse um botão qualquer. Mas percebeu a tempo que era ela mesma que não controlava tais emoções. E não podia admitir isso em sua presença.

— Não fui eu que desliguei a força — explicou ele, sem entender a frase incompleta. — E daqui não poderia ligá-la. Foi à tempestade. A força elétrica aqui é tão caprichosa como o amor de uma mulher. — Sorriu para ela. Por que não se prepara para descermos? Duvido que congele agora.

— É claro que não vou congelar!

Jennifer estava indignada com tanta frieza. Donald acabara de beijá-la apaixonadamente e fingia que nada tinha ocorrido!

Bom, ela lhe mostraria! Fingiria também que nada acontecera. E não permitiria que jamais viesse a acontecer de novo.

— Levante os pés.

A ordem abrupta interrompeu seus pensamentos. Ela obedeceu prontamente, pois sabia o quanto era perigosa à aproximação.

Após alguns segundos, estavam a salvo na plataforma.

— Mande desligar a força — disse ele para um empregado. — Chega de aventuras por hoje.

Jennifer ouviu o motor de o teleférico diminuir a velocidade e, por fim, as cadeirinhas pararam.

— Ainda bem que conseguiram chegar antes que a força acabasse de uma vez — disse um empregado, que mal se avistava através da tempestade.

— Claro que conseguimos! — respondeu Donald friamente. — Não pensou que ficaríamos empacados a noite inteira, pensou?

"O homem arrogante de novo", pensou ela. "Ele é realmente impossível!" Mas teve de admitir que lhe dava razão. Nem as forças da natureza ousariam desafiá-lo. E, se o fizessem, com certeza seriam vencidas. "Será que existe algum obstáculo que ele não consiga transpor?", perguntou-se.

Abrindo caminho pela neve, ela correu em direção à estação. Antes que pudesse alcançar a porta, ouviu-o chamar seu nome e parou, ofegante.

— Da próxima vez que for à cidade, pelo amor de Deus, vá mais agasalhada!

Sem responder, ela se virou e viu que ele segurava seu gorro cor-de-rosa.

— Você esqueceu isto.

— Obrigada.

Ela pegou o gorro e ambos entraram no saguão. Cassie avistou-os de longe e veio correndo ao seu encontro. Olhou para Jennifer rapidamente e depois para Donald, que tirava as botas para não molhar o chão.

— Oh, estava tão preocupada com você! — exclamou, pendurando-se no pescoço dele com tal ímpeto que quase o fez perder o equilíbrio. — Graças a Deus você está salvo!

Jennifer não pôde deixar de prestar a máxima atenção à cena que se desenrolou diante de seus olhos. Donald ergueu-se e abraçou Cassie da mesma forma como a havia abraçado minutos antes no teleférico. Uma dor física, repentina e aguda, obrigou-a a afastar-se dali o mais depressa possível. Começou a correr em direção ao seu quarto, esforçando-se para reter as lágrimas. Não queria que ninguém percebesse sua terrível perturbação. Mas a voz estridente de Cassie a fez parar.

— Não vá embora ainda, querida. Estou louca para ouvir a história excitante do resgate de seu adorável gorro cor-de-rosa. Como foi mesmo que Linc conseguiu apanhá-lo?

Como se fosse um filme, Jennifer viu diante de si a placa "Proibido esquiar".

Será que Cassie já sabia da desobediência de Linc? E o que pretendia fazer se soubesse?

— Oh, Donald — murmurou Cassie, encostando-se novamente no ombro dele, como se tivesse se esquecido da presença de Jennifer. — Você não pode imaginar como fiquei preocupada. Já é quase noite. Só de pensar que você estava lá fora congelando... sozinho... Oh, quase não agüentei!

— Eu não estava sozinho — respondeu ele secamente. — Jennifer estava comigo.

Cassie deu de ombros. Depois soltou uma risadinha maldosa e, mais uma vez, despejou seu veneno:

— Ah, é. Você foi à cidade só para buscá-la, não é? Será que ela não fez todos vocês, homens, de palhaços? Não pensou nisso?

Donald tirou os braços dela de seu pescoço e segurou-os, olhando-a fixamente.

— O que você está tentando insinuar?

— Bom, quer dizer, Linc mal pôde esperar para recuperar o gorro dela! Ele sabe que Jennifer adora aquele gorro, pois foi ele que lhe deu, logo nos primeiros dias após sua chegada. Oh! — Cassie tapou a boca com a mão e arregalou os olhos, fingindo um constrangimento que estava longe de sentir, e virou-se para Jennifer: — Será que fui indiscreta? Disse alguma coisa que não devia?

Jennifer sentia tanta raiva que nem conseguiu responder. Mas, como Cassie esperava, Donald franziu a testa e aproximou-se, apontando acusadoramente para o gorro cor-de-rosa.

— É esse o gorro? — Jennifer abriu a boca, mas não proferiu uma só palavra. Não importava o que dissesse, seria culpada. Se negasse a história, ambos perceberiam a mentira. Se admitisse, teria que confessar que Linc esquiara em lugar proibido. Nesse caso, não havia dúvidas de que o rapaz seria castigado de alguma forma. E ela também receberia uma punição, por não ter impedido que o instrutor desobedecesse as regras. O próprio Donald havia dito que essa era uma de suas responsabilidades.

Cassie conseguira colocá-la numa situação bastante complicada. E agora o chefe esperava uma resposta. Era inútil tentar fugir.

— Não quis causar nenhum problema — murmurou a recepcionista. — De verdade, Donald.

"Aposto que não", pensou Jennifer.

— Sou eu que vou julgar se há algum problema — cortou ele. — Responda a minha pergunta, Jennifer: É esse o gorro sobre o qual Cassie falou?

— É. — A breve resposta foi seguida por um grande silêncio, que parecia interminável. Jennifer olhou ao seu redor e surpreendeu-se com o número de pessoas que assistiam à cena, atentamente. Pareceu-lhe que todos a acusavam.

— E o gorro caiu quando você descia para a cidade? — recomeçou o chefe, rompendo o silêncio.

— É.

"Isso mais parece um julgamento", pensou. A vergonha começava a transformar-se em raiva.

— Então venha ao meu escritório — ordenou Donald. — Ouvirei primeiro a sua versão da história.

Ele se virou e foi direto para o escritório. Jennifer ficou parada por alguns instantes. Tinha vontade de desafiá-lo. Entretanto, sabia que precisava obedecer. Se ao menos ele fosse paciente com Linc...

— E então, você vem ou não vem? — insistiu ele, parando e olhando para trás. Sua expressão irritada mostrava que não seria nada paciente com ela.

Evitando encarar Cassie, que sorria com um odioso ar de triunfo, Jennifer começou a atravessar o imenso saguão. Embora se sentisse arrasada, ergueu a cabeça o mais que pôde e respirou fundo várias vezes.

Donald segurou a porta para deixá-la passar. Ela entrou e postou-se, dura como uma estátua. Ele fechou a porta, passou por ela e sentou-se na ponta da mesa.

— E então?

Jennifer baixou os olhos para o carpete. Não queria encarar de frente a hostilidade do patrão. Mas Cassie praticamente a acusara de pedir a Linc que pegasse o gorro. E ela não podia deixar de defender-se. Assim, sem erguer os olhos, disse:

— Como poderia ter pedido a Linc que pegasse meu gorro? Eu estava na cadeirinha, descendo para a cidade. Não podia me comunicar com ninguém. Além disso, ele chegou tão depressa... Já devia estar esquiando quando eu comecei a descer.

— Eu não a acusei de ter pedido a Linc que fosse buscar seu gorro.

— Não. Mas Cassie me acusou, e você acreditou nela.

— Tem certeza de que Cassie disse isso? — A voz dele era muito suave.

— Ela não disse, mas insinuou.

— Ora, pare de remoer essa idéia!

Jennifer não sabia onde pôr as mãos. Começou a cruzar os braços, mas desistiu. Não conseguia parar quieta, e não podia ficar se mexendo.

— Oh — continuou ele. — Por que estou discutindo com você? Afinal, não foi sua culpa se Linc desobedeceu às regras de segurança.

Donald levantou-se e começou a andar em tomo dela. Tinha as mãos nos bolsos, mas ela intuiu que estavam crispadas. Por fim, parou com aquela ronda irritante e postou-se à sua frente.

— Você foi para a cidade quase nua, com esse tempo...

— Isso não é verdade! Eu estava muito bem agasalhada para um dia com tempo tão lindo! Eu vestia...

— Não me interessa o que você vestia, não era suficiente! E agora já deve saber melhor o que vestir. Que idéia, usar aquele gorro estúpido para descer no teleférico! — Falava tanto, que ela nem conseguia interrompê-lo. — Você devia saber que o gorro voaria. De qualquer forma, não ajudaria a aquecê-la. Não serve para nada! Podia pegar uma pneumonia. Será que nunca vai aprender?

— Já aprendi muita coisa! Mal entrei nesta estação, aprendi que um gorro idiota me faria parecer com as pessoas daqui! Tinha errado nas roupas, mas não podia me dar ao luxo de comprar outras. Um gorro estúpido como aquele, porém, estava dentro do meu orçamento. Eu precisava de alguma coisa para recuperar a confiança que você e... e... os outros tiraram de mim. — Ela podia ouvir sua própria voz muito alta. Mas não conseguia se calar. — Linc compreendeu o meu problema. Ele é humano, enquanto você não passa de uma máquina! Prefiro morrer a deixar que um computador como você mande em minha vida! Eu vou embora! Não quero mais trabalhar aqui! — terminou, virando o rosto para esconder as lágrimas que, apesar de seu esforço, ameaçavam rolar pelas faces.

— Oh, você vai embora, não é? — Havia certo sarcasmo na voz dele. — E como pretende sair do Arco-íris? O teleférico foi desligado por minha ordem. E só voltará a funcionar quando eu mandar.

Jennifer mordeu os lábios. Claro, ele estava sendo coerente consigo mesmo. Ela é que fora boba, por esperar coisa melhor daquele homem autoritário e presunçoso.

— Mesmo que eu quisesse muito me livrar de você não permitiria que saísse agora — continuou Donald. — Não deixaria o meu pior inimigo descer esta noite. A tempestade é uma força perigosa demais. — O olhar dele ficou mais frio. — Ou talvez seu amigo Linc tenha alguma outra idéia...

— Vou achar um jeito de ir embora. Não se preocupe. Não passaria nem mais uma noite sob o mesmo teto que você.

— Só não vá passar a noite sob o mesmo teto que Linc — sugeriu.

O homem era brutal! Jennifer estava com tanta raiva que ergueu a mão para esbofeteá-lo. Só não o fez porque de repente a sala ficou completamente escura. A força elétrica tinha acabado mais uma vez.

— Então você vai achar um meio de descer, não é, minha ardente menina? De noite e sem eletricidade? Duvido que a força volte antes do amanhecer. Talvez demore até mais. — Ele voltou à carga, castigando-a com sua voz dura e cruel. — A menos que use suas próprias asas, não há meio de deixar o Arco-íris hoje. E duvido que seu amigo Linc consiga voar.

— Chega! Oh, eu odeio você!

Jennifer virou-se e caminhou em direção à porta. Mas não esperava que estivesse tão escuro. Não conhecia bem a sala e não queria abrir a porta errada, como fizera de outra vez. Já fora humilhada demais.

Hesitou. Tentava lembrar-se de qual era a porta que a levaria ao corredor. De repente, sentiu as mãos de Donald em seus ombros. Não o ouvira se aproximar e aquele toque a fez tremer.

Ele a virou suavemente e Jennifer pensou que fosse indicar-lhe a porta correta. Então sentiu seu hálito suave, e constatou que ele a virara para si. O efeito daquela proximidade era devastador, e deixou-a completamente confusa.

— Então eu sou uma máquina, não é? Um computador sem coração?

Puxou-a mais para perto e inclinou-se para beijá-la. Sua língua acariciou os lábios dela, forçando-os a se entreabrirem. Seu corpo musculoso aqueceu-a.

A princípio, Jennifer tentou se desvencilhar, mas a força dele era muito maior. Além disso, havia uma parte de seu ser que não queria afastá-lo. Sentindo o calor das coxas dele contra as suas, acabou por abandonar-se àqueles braços que a envolviam, e correspondeu com ardor aos beijos que a estonteavam.

— Oh, querida! — murmurou ele. — Por que perdemos tanto tempo brigando?

Ela não conseguiria responder, mesmo que soubesse o que dizer, pois foram interrompidos por uma batida na porta. Logo depois, ouviram a voz de Cassie:

— As luzes se apagaram aí também?

Donald soltou-a, mas, antes de abrir a porta, perguntou zombeteiramente:

— Ainda me considera uma máquina? Mais uma vez ela ficou sem fala.

— Donald! — gritou a recepcionista. — Está me ouvindo? O que está fazendo?

Ele abriu a porta. A luz de uma lanterna focalizou Jennifer diretamente.

— Por que não respondeu logo? Tive medo de que você...

— Estou pronto para falar com Linc — interrompeu-a o chefe, imperturbável. — A falta de luz não vai interferir nisso. Pode procurá-lo e dizer-lhe que venha ao meu escritório agora mesmo?

Assim que a moça saiu, ele apertou a mão de Jennifer.

— Não seja duro com Linc — pediu ela, esforçando-se para parecer calma.

Nem mesmo a escuridão escondeu o brilho que iluminou os olhos dele.

— Este computador tem um banco de memória enorme. Guarda montes de informações sobre o temperamento de Linc. Não perturbe seus circuitos tentando interceder.

A raiva começou a voltar, e Jennifer resolveu sair logo. "Não, seus beijos não mudaram a situação", pensou. "Continuo achando que você é uma máquina. E sei que só me beijou para provar seu poder sobre mim."

Em nenhum lugar do mundo, ela encontraria um homem que a abalasse tanto! Mal podia esperar para chegar a seu quarto, e então chorar todas as lágrimas que a tanto custo retivera, e refletir muito, até descobrir um jeito de tirar Donald Martin da cabeça. Ele era todo de Cassie... se esta o quisesse.

"Os dois se merecem", concluiu com desprezo.

 

Na manhã seguinte, como previra Donald, a força elétrica ainda não havia voltado. Jennifer acordou cedo e vestiu uma calça de lã, com um pequeno quadriculado preto e vermelho, uma malha preta e um bonito cachecol vermelho. Depois, saiu do quarto e foi para a cozinha, ver se o cozinheiro precisava de ajuda. Devia ser difícil para ele, sem eletricidade. Para sua surpresa, em vez de cozinheiro, encontrou o patrão, remexendo em velhos utensílios.

— Onde está o cozinheiro?

— Ele sempre desaparece quando não pode operar sua parafernália eletrônica.

Jennifer olhou em torno de si. A cozinha era enorme, equipada com o que havia de mais moderno.

— Você tem um bujão de gás para emergência?

— Claro que não. É perigoso, aqui, especialmente durante a seca de verão. Um só descuido e tudo pega fogo.

— Então, o que vai fazer?

— Vou dar um jeito.

Ela sabia que sim. Fazia parte da maneira de ser daquele homem. Restava apenas descobrir que jeito seria esse.

Dentre os objetos antigos, Donald tirou um caldeirão enorme, do tipo utilizado em fogueiras.

— O que vamos cozinhar aí? — perguntou ela, sem refrear a curiosidade.

— Eu vou fazer meu famoso guisado. Quanto a você, pode ajudar com o café da manhã.

Claro que ele prepararia a refeição principal do dia.

Não precisava de ninguém, não se importava com ninguém. Exceto Cassie, naturalmente.

Sem dizer uma palavra, Jennifer pegou tigelas e caixas de cereal e saiu da cozinha. Se o todo-poderoso chefe queria cozinhar, não seria ela que haveria de atrapalhar.

Logo, a notícia se espalhou: o cozinheiro não trabalharia enquanto não houvesse eletricidade. Ao invés de ficarem aborrecidos, os hóspedes decidiram colaborar. Assim, ajudaram Jennifer a tirar a mesa do café e a lavar a louça. Depois, foram procurar mais lenha para alimentar a fogueira que Donald havia feito no quintal, próximo à cozinha.

Jennifer vistoriou a sala de refeições para certificar-se de que tudo estava limpo e arrumado, e dirigiu-se mais uma vez à cozinha. Encontrou Donald cortando as verduras para o guisado.

— Você não imaginava que eu soubesse cozinhar, não é? — disse ele, sem olhá-la.

— Há alguma coisa que você não saiba fazer? — Sua voz era sarcástica.

— Há coisas que ainda não tentei...

— Estou surpresa — continuou ela, no mesmo tom.

— Ou será que está com inveja? — Ele se virou e encarou-a.

— Claro que não!

— Talvez algum dia eu me arrisque a fazer as coisas que ainda não tentei.

A intensidade do olhar dele era desconcertante. Sem dizer mais nada, Jennifer deu meia-volta e saiu.

Durante boa parte da manhã, os hóspedes se distraíram ajudando com a louça e com a fogueira. Mas quando foi chegando à hora do almoço começaram a ficar inquietos. Afinal, tinham gasto muito dinheiro para vir à estação se divertir, e agora estavam impedidos de sair. A tempestade continuava, e Donald avisara a todos que não deveriam afastar-se dali.

Até Jennifer estava impaciente, mas fazia esforço para controlar-se; sabia que, de outra forma, não conseguiria manter um bom nível de trabalho. Sempre sorridente, circulava entre os grupos, sugerindo um campeonato de pingue-pongue ou oferecendo um tabuleiro de xadrez. De repente, ouviram um barulho assustador. O prédio tremeu.

Fez-se um grande silêncio. Todos ficaram sem fala por alguns momentos.

Jennifer virou-se para o lugar de onde o som parecia ter vindo e encontrou o olhar enigmático de seu patrão. Será que ele a estivera vigiando? Sentiu seu coração bater mais forte. "Maldito!", pensou, pela centésima vez.

— Não se assustem. O barulho foi apenas a neve caindo do telhado — explicou ele calmamente. — É por isso que eu insisto em que fiquem aqui dentro. Pelo menos, até que possamos limpar o telhado. Se alguém estivesse lá agora... — Fez um movimento com o corpo para ilustrar o que aconteceria.

Todos compreenderam o perigo e começaram a falar nervosamente, contando piadas macabras. Por fim acabaram rindo e esqueceram o incidente.

Mais tarde, Donald teve mais uma de suas idéias brilhantes: reuniu os hóspedes ao redor da fogueira para estourar pipoca. Depois, serviu-lhes maçãs assadas, além de café e chocolate quente.

A pequena refeição foi um sucesso, e Donald tornou-se novamente o herói do momento. Jennifer não podia deixar de admirar sua calma. "Como será que consegue ficar tão imperturbável em situações de emergência?", perguntava-se, abismada.

A calma do chefe ajudava-a também a cumprir seu trabalho. Ela redobrou seus esforços para divertir os hóspedes. Introduziu um jogo de charadas, que foi recebido com muito entusiasmo, e que logo se transformou num ensaio de teatro amador.

Nesse clima amistoso, o resto do dia transcorreu tranqüilamente.

No jantar, foi servido o guisado que Donald preparara. Jennifer gostou tanto quanto os hóspedes. Além disso, a comida a reanimou, pois, à noite, voltou a trabalhar com mais vigor.

Não vira Donald desde o começo da tarde. Ele não aparecera nem para servir seu famoso guisado, mas ela não se preocupara nem um pouco com isso. Ao contrário, sentira-se aliviada, pois achava que ele sempre a olhava como se criticasse seu trabalho.

De repente, correu a notícia de que o chefe estava trabalhando lá fora, com dois rapazes da manutenção. Parecia que eles estavam pensando em remover a neve do telhado.

Os hóspedes pareceram tranqüilizar-se com a informação, pois finalmente se recolheram. Jennifer estava livre para ir para o quarto e descansar. Já era tarde, e como havia se levantado bem cedo, estava exausta. Não via a hora de cair na cama.

Quando se aproximou do quarto, viu que havia luz por baixo da porta e assustou-se. Será que a eletricidade voltara? Mas tivera o cuidado de não deixar a luz acesa... Apressou o passo para elucidar logo o mistério.

Quando entrou, quase engasgou de susto: numa das poltronas estava Donald. Tinha as pernas apoiadas sobre a banqueta e os olhos fechados. Seu peito respirava regularmente e ele dormia tranqüilo.

Jennifer não pôde deixar de sorrir. Na ponta dos pés, aproximou-se para vê-lo melhor. O sono suavizava a expressão de seu rosto, fazendo-o parecer mais moço e, surpreendentemente, vulnerável. Ela sentiu uma emoção esquisita. "O que estará acontecendo comigo? O que esse homem desperta em mim?"

Sacudiu a cabeça e tentou manter o espírito prático. Foi silenciosamente até a cama e tirou um cobertor. Depois o colocou sobre Donald com muito cuidado, para não perturbar seu sono. Ele nem sequer se mexeu; devia estar muito cansado.

Jennifer contemplou-o por mais alguns momentos. Por fim, pegou outro cobertor, enrolou-se nele e foi acomodar-se na outra poltrona.

Antes de adormecer, ficou imaginando o que teria trazido o chefe até seu quarto. Será que ele estava bravo com ela? Afinal, ela deixara os hóspedes mexerem num guarda-roupa antigo da estação. Mas fora só para incrementar a encenação de teatro. "Tomara que não seja isso", pensou. "Eu não agüentaria enfrentar mais uma briga hoje."

Mesmo essa preocupação não a manteve acordada por muito tempo. O dia fora exaustivo demais e logo ela adormeceu.

No meio da noite, sentiu que Donald a tomava nos braços e beijava seus lábios. Meio adormecida, correspondeu ao beijo e abraçou-o também, fazendo-o aumentar seu ardor.

Ele a depositou na cama e, com um gemido, deitou-se ao seu lado, puxando-a para si. Ela se ajustou ao seu corpo, totalmente entregue àqueles braços quentes e poderosos.

Beijavam-se com paixão quando, de repente, ele tirou os braços de Jennifer de seu pescoço e pulou da cama. Ela ficou deitada, sem saber o que pensar. Sentiu que os olhos de safira a fuzilavam, e não entendia a razão de tanta raiva.

— Foi um truque? — perguntou ele, ofegante.

— O que... você quer dizer com isso?

— Você praticamente me levou para a sua cama? Estava acordada o tempo todo?

O vazio de não tê-lo mais nos braços era agora preenchido pela dor daquela acusação.

— Claro que não era um truque! — Só queria que sua voz não tremesse tanto. — Eu estava dormindo. Estava no meio de um sonho maravilhoso e você... você... não tinha o direito de entrar no meu quarto... sem... Não o convidei a entrar no meu quarto! — Teve de fazer um grande esforço para não acrescentar: "Assim como não o convidei a entrar no meu sonho!"

Não devia deixá-lo perceber sua emoção. Estava aliviada porque ele parara antes que fosse tarde demais. Entretanto, sentia-se terrivelmente humilhada por saber que fora ele, e não ela, quem se afastara.

Donald fez um evidente esforço para recuperar a calma. Ao fim de alguns instantes, passou as mãos em seu cabelo ruivo, sorriu, e disse:

— Acho que ambos estamos cansados demais. Nem sabemos o que estamos fazendo. Sugiro que esqueçamos tudo isso, está bem?

Jennifer concordou com a cabeça. Ainda não conseguia falar direito. Jamais esqueceria a sensação maravilhosa de acordar nos braços de Donald.

Satisfeito com aquela resposta silenciosa, ele se dirigiu para a porta. Jennifer levantou-se e acompanhou-o. Então, como se acabasse de se lembrar, ele virou-se e sussurrou:

— Vim aqui para agradecer pelo que você fez hoje. Bom trabalho.

Pôs o dedo no queixo dela, ergueu-lhe o rosto e beijou-a com muita suavidade. Depois foi embora. Por algum tempo, Jennifer permaneceu na porta, sem conter a emoção.

"Esqueçamos tudo isso", ele dissera. Claro que nem se importava com o que acontecera. Seria ridículo pensar de outra maneira. Era um homem dinâmico e viril, e sua visita e o que acontecera eram coisas casuais, que não tinham o menor significado.

Enquanto pensava nisso tudo, viu uma sombra no corredor, que desaparecera rapidamente... ou não seria uma sombra? Tinha quase certeza de que era uma pessoa. Alguém que correra de uma porta para outra. Será que havia presenciado o beijo que Donald lhe dera antes de ir embora?

Como sempre, sua suspeita caiu sobre Cassie. Era sempre Cassie quem espreitava como um animal perigoso. Era sempre Cassie quem queria sujar o nome de Jennifer. Será que ela vira Donald saindo de seu quarto?

Jennifer começou a sentir-se mal. Que escândalo a recepcionista poderia criar com aquela cena inocente!

Mas fora completamente inocente? Lembrou-se de sua própria reação aos carinhos daquele homem e corou.

 

Finalmente a tempestade amainou. Quando o dia clareou, não ventava mais e a neve caía suavemente. Apesar disso, os hóspedes ainda não podiam sair da estação. Donald dera ordens estritas para que ninguém abandonasse o local.

Logo após o café da manhã, ele saiu com a equipe de manutenção e foi para o telhado. Depois de juntar a neve em blocos grandes, faziam com que escorregasse pela inclinação do telhado.

Donald passou toda a manhã fora. Só entrava de vez em quando para tomar uma xícara de café. Apesar de usar luvas pesadas, suas mãos estavam vermelhas de frio. Seu rosto também estava corado por causa do trabalho pesado. Entretanto, ele parecia incansável em seus esforços.

Os instrutores de esqui ajudavam em turnos e também tomavam muito café. Quase que de hora em hora, Jennifer era obrigada a encher o bule. Estava entretida nessa tarefa quando um dos instrutores entrou.

— Como é essa historia entre você e o chefe? — perguntou ele, abruptamente.

— Não sei do que você está falando. O que foi que lhe disseram?

— Até hoje nenhuma mulher conseguiu que o chefe passasse a noite com ela. E olhe que muitas tentaram... — comentou, sorrindo maliciosamente. — Você deve ser ótima!

Ele se virou para sair, mas Jennifer segurou-o pelo braço.

— Espere aí. Não fiz nada disso. E, se essa história está se espalhando, quero que a desminta logo. Foi Cassie quem lhe contou?

— Não costumo delatar ninguém.

Pelo olhar dele, Jennifer percebeu que jamais o faria confessar. Largou-o, então, e deixou-o sair, mas estava queimando por dentro.

Um pouco mais tarde, encontrou Cassie no saguão. Teve vontade de acusá-la de haver lançado uma calúnia. Mas sabia que não adiantaria nada. Além disso, não queria perder o controle. Endereçou-lhe um sorriso impessoal e fez menção de continuar. A moça, porém, parou em sua frente, bloqueando-lhe o caminho.

— Estou surpresa por você não estar dormindo. Depois dessa noite...

— Fui dormir à mesma hora que você e todo mundo. Tivemos um dia cheio ontem.

— Não se trata da hora que você foi para o quarto. Trata-se de quanto tempo Donald ficou lá com você. Costuma convidar todos os seus namorados para passar a noite com você? Linc também teve o privilégio?

Jennifer controlou-se para não avançar sobre ela e arrancar-lhe os olhos.

— Já perguntou a Donald se eu o convidei?

— Claro que não.

— Então sugiro que pergunte, antes de espalhar uma calúnia a meu respeito.

Desviou-se para a direita e prosseguiu em seu caminho. Rezava para que a outra não tivesse notado o ódio que sentia. Agora tinha absoluta certeza de que a sombra que vira no corredor fora a de Cassie.

Ocorreu-lhe, então, um pensamento ainda mais desconcertante. Talvez a sombra que vira não fosse de ninguém. Talvez Donald tivesse ido para o quarto de Cassie, ao sair do seu. Quem sabe até os dois teriam rido dela e da facilidade com que se rendera aos carinhos do patrão.

Imediatamente, Jennifer concluiu que essa suspeita era absurda. "São os meus nervos que me fazem imaginar coisas", disse para si mesma. Estava tensa por ter de ficar tanto tempo presa na estação, como os hóspedes, com a agravante de arcar com a responsabilidade de seu trabalho.

As horas passavam depressa e todos os hóspedes estavam entretidos com alguma atividade. Jennifer circulou um pouco entre eles e foi para a saleta que se tornara seu escritório. Precisava ao menos tentar esquecer a calúnia de Cassie. Além disso, tinha de estudar os papéis que a antiga coordenadora deixara. Talvez encontrasse algumas novas idéias para manter os turistas ocupados e satisfeitos.

No escritório, jogou-se na cadeira atrás da mesa. Era gostoso escapar dos outros por alguns momentos. Era bom relaxar um pouco, antes de se atirar ao trabalho novamente.

Pegou os papéis que Lodi deixara e começou a lê-los, desligando-se de tudo para concentrar-se neles. Mantinha a cabeça inclinada e pensava num novo programa de atividades, quando, de repente, a voz de Donald soou como um trovão:

— Mas que diabo está fazendo? Há pessoas esperando por você.

Jennifer levantou-se branca de raiva. Que homem mais impertinente. Ela trabalhara a manhã toda, por que não podia descansar um pouco? Estaria naquele emprego para ser insultada? Primeiro fora aquele instrutor de esqui, depois Cassie, e agora o próprio Donald.

— Estou fazendo o melhor que posso, Sr. Martin — começou, fuzilando-o com o olhar. — E se o senhor não está satisfeito, eu estou querendo mesmo ir embora. Com a recompensa merecida, naturalmente.

Donald aproximou-se; seus olhos estavam estranhamente escuros. Jennifer sentiu uma espécie de vertigem, como se fosse mergulhar naquele azul profundo.

— Talvez considere isso uma recompensa merecida, srta. Evans — disse ele zombeteiramente, enquanto se inclinava para beijá-la.

O beijo começou como uma punição, porém logo se tornou mais e mais apaixonado. A sala pôs-se a rodar. Jennifer tentou focalizar alguma coisa, mas parecia que tudo girava ao mesmo tempo. Então ele parou de beijá-la e afrouxou o abraço, segurando apenas seus ombros. Isso a impediu de desfalecer.

— Não sou completamente sem coração — comunicou ele, com voz segura. — A manhã foi bastante cansativa. E pensar que você poderia desistir me abalou.

Jennifer sentia que, pouco a pouco, as forças lhe voltavam. Entretanto, ainda não conseguia dizer nada.

— Vim aqui para falar sobre o salão de jogos lá embaixo. Só é aberta em emergências, como esta que está vivendo. Acho que os hóspedes ficarão contentes por dispor de mais esse espaço. Tome a chave. Ê aquela porta entre a enfermaria e a loja de esqui, você sabe.

A idéia de ter um salão novo onde entreter os hóspedes animou-a. Naquele momento, ela não queria mais discutir sua demissão. Além disso, estava tão confusa que não conseguiria conversar direito. Mais tarde haveria tempo suficiente para tratar desse assunto.

— Obrigada — murmurou, pegando a chave com a mão trêmula.

Depois que Donald saiu, Jennifer tentou retomar o trabalho, porém não conseguiu mais concentrar-se. Será que ele a beijara para pedir desculpas? Afinal, já entrara na sala brigando... Será que sabia que a abalava tanto? Este último pensamento a fez gemer de dor e vergonha.

"É bobagem tentar trabalhar agora. Não consigo nem organizar meus próprios pensamentos!" Levantou-se com um suspiro e decidiu guardar a chave do salão para uma ocasião mais adequada. Então saiu para unir-se aos hóspedes.

Por algum tempo, conseguiu mantê-los ocupados com uma brincadeira. Encontrara no grupo um voluntário para tocar piano, enquanto os outros cantavam velhas músicas. Todos se divertiram muito lembrando suas canções favoritas.

O clima de alegria e descontração perdurou até a hora do almoço. Agora que a eletricidade voltara, o cozinheiro pusera-se a trabalhar com satisfação, e preparara um verdadeiro banquete. Pelo menos assim pareceu a todos, comparado com o almoço que fora improvisado na véspera.

Após a refeição, Jennifer decidiu abrir o salão secreto de jogos. Achava que Donald lhe dera a chave de um verdadeiro tesouro.

Dirigiu-se para baixo e, ao chegar ao corredor, viu Cassie com um dos rapazes da manutenção caminhando em sua direção. A moça segurava o braço dele e fumava um cigarro. Ao se aproximarem mais, Cassie sorriu.

— Olá! Eu estava ajudando Ben a pintar a enfermaria. Não é mesmo, Ben.

— Pois é — disse ele, e os dois continuaram pelo corredor. Cassie rebolava encostando-se no rapaz.

Jennifer dirigiu-se para o salão e abriu-o. Estava muito escuro e ela não encontrava o interruptor. Começou a tatear a parede com cuidado.

De repente, viu uma luz trêmula, vinda da enfermaria. Teve um mau pressentimento e correu naquela direção. Sem entrar na sala, percebeu que havia fogo lá. Tinha de abrir a porta rapidamente. Enquanto colocava a chave na fechadura, começou a gritar o mais alto que conseguia:

— Socorro! Fogo!

Por fim, abriu a porta e entrou, protegendo instintivamente o rosto com o braço esquerdo.

O fogo consumia um grande chumaço de paina e os uniformes manchados de tinta. Ainda não se espalhara, mas já estava bastante forte.

Ela olhou em torno e avistou um cobertor sobre a maca. Correu a pegá-lo, para abafar o fogo. Foi quando uma chama atingiu seu braço. Sua blusa de jersey não chegou a incendiar-se, mas ficou com um enorme buraco.

Jennifer mal percebeu a dor da queimadura. Continuou abafando o fogo, até extingui-lo definitivamente. "Foi uma sorte que as chamas não tivessem se espalhado muito", pensou. "Nem quero imaginar o que aconteceria se aquela maca se incendiasse."

Quando tudo acabou, sentou-se no chão. Estava exausta e intoxicada pelo cheiro da tinta queimada. Só então sentiu que seu braço doía horrivelmente. Fechou os olhos e apoiou o rosto no outro braço. Não tinha forças para sair dali.

Ficou assim, entorpecida, até que passos rápidos ecoaram no corredor, cada vez mais próximos. Quando cessaram, ela abriu os olhos e deparou com o rosto preocupado de Donald curvado sobre o seu.

— Deixe-me ver seu braço — disse ele. Sua voz era impessoal, como a de um médico.

— Não foi nada — murmurou.

Ele a ajudou a tirar a blusa, que cheirava a fumaça. Apesar do cuidado com que fez isso, o ferimento doeu muito quando o tecido o roçou. Jennifer não protestou por ser despida. Os gestos dele eram suaves e seguros.

Donald pegou o lençol da maca para que ela cobrisse o peito e os ombros. Depois, com extrema delicadeza, fez-lhe um curativo e deu-lhe uma pílula para dormir.

— Vou levá-la para seu quarto — anunciou, sorrindo carinhosamente. — Alguém pode ficar no seu lugar pelo resto do dia. Você precisa descansar.

— Não quer saber o que aconteceu?

— Agora não. Teremos muito tempo, depois que você ficar boa.

Jennifer agradeceu-lhe com um olhar. Não tinha forças nem para falar. Mais tarde, pensaria sobre os detalhes do que acontecera.

Donald inclinou-se, pegou-a nos braços e ajeitou o lençol em torno dela. Carregou-a para fora e trancou a porta da enfermaria, guardando a chave no bolso. Ela ficou curiosa, mas não perguntou nada; abandonou-se nos braços dele, incapaz de pensar.

Como se transportasse uma pluma, ele agilmente subiu a escada dos fundos e entrou no quarto. Então se curvou e, com todo cuidado, colocou-a sobre a cama.

— Você vai ficar aqui até amanhã de manhã.

— Com prazer — respondeu ela, tentando sorrir para mostrar-lhe que estava bem. Mas não o conseguiu e fechou os olhos.

Entretanto, podia sentir que Donald ainda estava ali.

Sentia o perfume da loção após barba e ouvia o leve sopro de sua respiração. De repente, os lábios dele tocaram-lhe uma pálpebra e depois a outra. E sua voz murmurou, como num sonho:

— Oh, Jennifer! Quando penso no que poderia ter acontecido com você...

Ele acariciou-lhe os cabelos por alguns instantes e, por fim, afastou-se, encostando a porta sem fazer barulho. Jennifer adormeceu.

Bem mais tarde, ela acordou e começou a pensar. Será que o chefe a culpava pelo fogo? Sabia que ela guardava a chave da enfermaria. Talvez pensasse que a havia emprestado, para qualquer pessoa que...

Subitamente lembrou-se de que encontrara Cassie no corredor. A recepcionista tinha admitido que estivera na enfermaria. Dissera que estava ajudando Ben a pintá-la. E estava fumando!

Jennifer não sabia se devia contar isso a Donald. Detestava a idéia de acusar alguém. Mas aquele não seria um caso de exceção? Afinal, envolvia a segurança da própria estação. Antes que pudesse decidir, mergulhou novamente num sono profundo.

Pela manhã, seu braço já estava um pouco melhor, e ela se sentia mais segura. Não resolvera ainda se contaria a Donald sobre Cassie. Esperava poder tomar essa importante decisão na tranqüilidade de seu escritório.

Abrindo o guarda-roupa, escolheu uma blusa branca de mangas bufantes e um colete de listras coloridas, que vestiu com muito cuidado para não machucar o braço. Para combinar com o colete, vestiu uma calça amarela.

Ao entrar no refeitório, a primeira pessoa que viu foi a recepcionista.

— Bom dia, Cassie — disse em tom impessoal.

A moça não respondeu. Olhou-a com ar de pouco-caso, deu de ombros e virou o rosto. Sentada à sua frente, Jennifer não podia permitir que a tratasse com tamanha grosseria.

— O que foi que lhe fiz? — perguntou, procurando manter a voz calma.

— Como se você não soubesse! A mais pura e inocente das mulheres, não é?

— Vamos parar com isso e colocar as coisas a limpo. Que queixa você tem de mim?

— Não vou dizer. Se você é burra demais para descobrir sozinha, azar seu.

Cassie pegou a bandeja, levantou-se e foi para outra mesa. Jennifer suspirou. Não valia a pena aborrecer-se logo de manhã. Tinha muito trabalho pela frente.

Naquele dia, os hóspedes estavam radiantes porque finalmente receberam permissão para sair de seu enclausuramento forçado. Riam e brincavam uns com os outros, como se fossem crianças em férias.

A neve se acumulara tanto, que o teleférico não podia ser ligado ainda. Ansiosos para ver tudo funcionando de novo, muitos hóspedes resolveram ajudar a remover a neve da plataforma.

Jennifer queria participar, mas seu braço ainda doía muito. Além disso, tinha muito o que fazer na estação. Precisava organizar a programação daquela noite. Era provável que o teleférico ficasse parado mais uns dois dias, portanto, ninguém poderia ir à cidade.

Tinha de decidir se contaria a Donald sobre a possível causa do pequeno incêndio. Talvez ele já soubesse que Cassie estivera lá fumando. Talvez fosse por isso que a moça a tratara tão mal no refeitório. Jennifer gostaria que sua hipótese estivesse correta; assim não teria de assumir o triste papel de delatora.

Quando chegou a seu escritório, encontrou um bilhete do chefe, pedindo que fosse vê-lo imediatamente.

Ficou parada por um momento, segurando o pedaço de papel. Por fim, amassou-o com um prazer enorme, como se amassasse a própria autoridade de Donald Martin, e jogou-o na cesta de lixo. Sabia, porém, que, enquanto estivesse no Arco-íris, teria de curvar-se às ordens daquele homem.

Lentamente, como se caminhasse para alguma coisa muito desagradável, dirigiu-se ao escritório dele. A porta estava aberta. Donald estava sentado à mesa, examinando uns documentos.

— Bom dia. Parece-me muito bem hoje. Espero que esteja se sentindo melhor.

"Como pode dizer que pareço bem, se não levantou os olhos desses malditos papéis?", pensou ela. Donald sempre a desconcertava, por mais que se preparasse para enfrentá-lo.

— Não comecei o fogo ontem! — declarou, sentindo-se acuada, sem saber explicar por quê. Mas arrependeu-se antes mesmo de terminar a frase. Estava ficando paranóica! Por que pensou que ele a acusaria?

— Eu acusei você de alguma coisa? — Ele se surpreendeu tanto, que ergueu os olhos e deixou cair a caneta.

— Não, mas... — Engoliu em seco, incapaz de sustentar aquele olhar.

— Então, não me aborreça com detalhes que não me interessam. Chamei você para lhe comunicar a decisão que tomei. — Ele baixou a cabeça e continuou seu trabalho.

"Oh, meu Deus! Ele vai me despedir. Vai me mandar embora, assim que o teleférico for ligado. E a culpa é minha." De repente, Jennifer percebeu que queria muito ficar no Arco-íris.

— Quero que se mude para o quarto de Cassie — anunciou ele firmemente.

— Você quer... o quê?

— Você me ouviu. Quero que pegue suas coisas e se mude para o quarto de Cassie. É bem maior que o seu e dá para as duas. Por favor, faça isso o mais rápido que puder.

— Mas... é impossível.

— Nada é impossível. Agora ande. Sei que tem tanto o que fazer quanto eu. E, por favor, feche a porta quando sair.

Era uma ordem. E ele nem sequer erguera os olhos para dizê-la. Não havia nada a fazer. Ele não mudaria de idéia de jeito nenhum. Era sua última tortura.

"Não é à toa que Cassie estava de mau humor esta manhã", pensou. "Por que Donald quer juntar no mesmo quarto as duas únicas pessoas da equipe da estação que não se entendem?"

 

Jennifer trabalhou tanto durante o dia, que só depois do jantar teve tempo para arrumar suas coisas a fim de transferir-se para o quarto de Cassie.

A recepcionista simplesmente se recusara a ajudá-la. Além disso, nem se preocupara em abrir espaço no armário para os seus pertences.

Diante disso, Jennifer pensou seriamente em empurrar as roupas de Cassie, mas decidiu não fazê-lo. As duas já não se davam nada bem. Se mexesse nas coisas da outra, o relacionamento se tornaria ainda mais difícil.

Não havia muito tempo, se quisesse terminar antes da hora de dormir. E ambas sabiam que Donald não admitiria demoras.

Jennifer decidira ser o mais simpática possível, para não complicar a situação. Assim, pediu a Cassie muito delicadamente que lhe desse um espaço no armário, e voltou ao seu antigo quarto para apanhar suas coisas. Não teve problemas em carregá-las, pois não havia trazido grande bagagem para a sua temporada no Arco-íris.

Quando entrou, verificou, com alívio, que a outra havia esvaziado uma parte do armário. Murmurou um agradecimento e pôs-se a guardar suas roupas.

Depois se virou em direção à cômoda para descobrir quais seriam as suas gavetas. Ao aproximar-se viu um bonito porta-retrato com a fotografia de um bebê bochechudo e sorridente. Apaixonada por crianças, não resistiu à tentação de pegar o porta-retrato e comentar, com sincera admiração:

— Que gracinha! É seu sobrinho... ou sobrinha? Cassie correu para ela, arrebatou o porta-retrato e enfiou-o no bolso do casacão.

— Não é da sua conta — respondeu grosseiramente. Depois, esticou-se na cama e encarou-a com hostilidade.

— Donald me obrigou a dividir o quarto com você. Mas não pense que vou compartilhar segredos, como se fôssemos duas colegiais imbecis.

Jennifer não respondeu. Achou melhor entrar no banheiro para guardar seus cosméticos, enquanto controlava a raiva. Uma explosão, naquele momento, tornaria a convivência das duas completamente impossível. Após alguns minutos, voltou ao quarto e disse:

— Olhe, não queria me meter na sua vida. Só vi a foto do bebê e achei-o muito bonitinho.

— É. Todos os bebês são bonitinhos... nas fotografias. Ao menos, uma foto não cheira mal e nem chora.

— Cassie olhava para as próprias mãos. Falara muito baixo, como se conversasse consigo mesma. Logo, porém, refez-se da emoção e levantou os olhos. — É melhor você não ficar mexendo nas minhas coisas. Senão, pode acabar com o dedo preso numa ratoeira. Não posso ficar aqui vigiando o tempo todo. Mas, vai se arrepender, se por acaso abrir a gaveta errada.

A última frase fora dita com tanta ironia que Jennifer não agüentou mais ficar calada:

— Escute, eu apenas...

— Já sei. Você apenas tudo, não é? Senhorita pureza e inocência... Você me dá náuseas...

Jennifer saiu do quarto, antes que fosse tarde. Tinha vontade de avançar em Cassie, mas não queria fazer algo de que se arrependeria mais tarde. Um confronto desse tipo só lhe criaria mais problemas do que os que já tinha.

"Não posso ficar com ela", pensou, caminhando na direção de seu antigo quarto. "Simplesmente não posso ficar perto daquela garota."

Mas tinha de ficar, se quisesse permanecer no Arco-íris. E agora sabia que queria muito isso. Começava a desconfiar da razão: Donald Martin. Estava se apaixonando por ele. Não compreendia por que, pois aquele homem obviamente a desprezava...

Queria provar-lhe que era capaz de superar o desafio que a convivência com Cassie representava. Queria provar-lhe que tinha condições de vencer qualquer obstáculo para não sair dali. Isso era de uma importância vital para ela.

O comportamento de Cassie aumentava sua determinação. Apenas esperava que ela nunca descobrisse o que sentia por Donald Martin.

— Você não agüenta sua própria consciência, não é? — perguntou Cassie, sentando-se na cama e acendendo um cigarro. — Aquele incêndio incomoda você, não é?...

— Está insinuando que fui eu quem começou o fogo? — perguntou friamente, sem parar de escovar os cabelos.

Cassie abaixou os olhos com uma expressão de fingida inocência.

— Quem, eu? Claro que não! O que a fez pensar isso?

Soltou um anel de fumaça em direção a Jennifer. Depois apagou o cigarro, virou-se de costas ostensivamente e começou a lixar as unhas.

Jennifer decidiu não se incomodar. Ambas sabiam exatamente como o incêndio começara. Então, por que ficar discutindo? O melhor era permanecer em silêncio. Se mantivesse a cabeça fria, talvez pudesse falar sobre isso mais tarde. Por enquanto não tinha condições de tocar no assunto.

Talvez Cassie se sentisse culpada. Afinal, poderia ter sido uma tragédia. Aquele fogo colocara todos em perigo. E certamente não seria nada agradável para ela viver o resto de seus dias atormentada pela lembrança do que teria ocorrido.

Como havia previsto, compartilhar o quarto com Cassie era um grande sacrifício para Jennifer, que, além de tudo, ainda sofria bastante com a queimadura no braço.

Tentando restringir ao mínimo seu contato com a recepcionista, acordava antes dela e procurava ir para o quarto quando já estava caindo de sono. Durante o dia, aproveitava todas as oportunidades para sair da estação. Um bom passeio na neve a fazia esquecer que existia uma pessoa como Cassie.

Por fim, o teleférico foi ligado novamente e todos os hóspedes partiram. Entretanto, novos hóspedes não foram admitidos imediatamente, pois havia muito trabalho a ser feito, e era preciso preparar novamente as pistas de esqui.

— Temos de remover toda a neve possível antes que a próxima tempestade acabe nos soterrando — avisou Donald, reunindo os funcionários. — Cada dia que a estação ficar fechada significa perda de dinheiro. Segundo a previsão meteorológica, teremos outra tempestade brevemente. O inverno está terrível este ano. Não podemos perder tempo. Espero que todos colaborem o máximo possível. Agora, ao trabalho!

A queimadura de Jennifer melhorara muito, permitindo-lhe ajudar o pessoal lá fora. Contudo, ela preferia passar a maior parte do tempo em seu escritório. Ficava lá sozinha, inclinada sobre os papéis.

Um dia, a porta abriu-se tão devagar que ela demorou alguns segundos para perceber que alguém entrara na sala. Então, puxou o cabelo para trás e ergueu os olhos. Donald estava à sua frente, com as mãos nos bolsos.

— Posso interrompê-la um minuto? — A formalidade da pergunta deixou-a preocupada, pois não era normal no comportamento dele.

— Não quer se sentar? — Jennifer pousou a caneta e indicou-lhe uma cadeira.

Ele não respondeu, nem se sentou. Em vez disso, chegou mais perto da mesa e pôs-se a andar de um lado para outro. Depois, parou e alisou o cabelo com uma das mãos. Parecia ansioso e constrangido, como um garotinho na sala do diretor da escola.

Jennifer sentiu vontade de rir. Mas conseguiu manter-se formal. Dirigindo-lhe um sorriso amistoso, perguntou:

— O que posso fazer por você?

— Bem... — Ele hesitou um momento. — Você tinha dito que queria se demitir. Naquela ocasião, o teleférico não estava funcionando, mas agora está. Você pode ir embora... se quiser.

Jennifer ficou chocada, porém não queria que ele percebesse. Com esforço, recuperou o controle e levantou-se. Então, apoiou as mãos na mesa e fitou-o bem nos olhos.

— Você está me despedindo?

— Não... eu... Quer dizer...

— Mudei de idéia. Você me desafiou e eu vou provar que agüento. — A hesitação dele a irritara de alguma forma. Ela respirou fundo e continuou: — Há uma ou duas coisas que quero provar também. Se você não quer mais que eu planeje as atividades, posso remover a neve como qualquer outro e...

— E seu braço?

— Meu braço está bem.

Ela saiu de seu lugar, contornou a mesa e parou em frente a Donald, sempre o olhando diretamente nos olhos. Ele se manteve firme. Não deu um passo para trás, como Jennifer esperava. Ao contrário, ela é que, sentindo-se profundamente perturbada com aquela proximidade, quase recuou. Mas resistiu; não seria fraca desta vez.

— Você não tem de me pagar para eu ajudar lá fora. Na verdade, eu é que faço questão de pagar minha hospedagem daqui por diante. Assim terei um quarto só para mim. — Suas palavras surpreenderam-no de tal modo que ela se sentiu vitoriosa. — Não quero mais ficar com Cassie. Decidi voltar para o quarto que era meu.

— Foi para o seu próprio bem que eu a pus no quarto de Cassie — disse ele, superando seu espanto.

— Para o meu próprio bem? Ora, não seja cínico... Sabe muito bem que Cassie tornou minha vida um inferno, espalhando calúnias a meu respeito e...

— Foi exatamente para que ela parasse de espalhar calúnias que coloquei vocês duas juntas.

Jennifer engasgou. "Será que ele está dizendo a verdade? Será que se preocupava mais comigo do que com Cassie?" Por um momento, quis acreditar em suas palavras. Mas, depois, forçou-se a ver o outro lado da questão. "Talvez fosse a mim que ele queria vigiar, e não Cassie. Várias vezes tratou-a muito melhor. E sempre exigiu mais de mim do que dela. Acho bom acabar logo com isso."

— Pode dar este escritório a Cassie, como ela sempre quis. E também o cargo de coordenadora de atividades. De agora em diante, trabalharei lá fora. Não estou abandonando o Arco-íris, mas não pretendo mais ser usada por você! — explodiu Jennifer, e, sem esperar pela reação dele, encaminhou-se para a porta e saiu.

Foi imediatamente para o quarto de Cassie, juntou todas as suas coisas e levou-as de volta para seu antigo quarto. "Pronto, o cargo não é mais meu. Lavo minhas mãos com relação às atividades." Estava satisfeita com sua própria atitude, que lhe possibilitava não aceitar mais o absurdo de dividir o quarto com a recepcionista.

Esperava que Donald a seguisse para discutir ou, talvez, até para ameaçá-la. Assim, depois de arrumar suas roupas e calçados no armário, e seus cosméticos no banheiro, sentou-se numa poltrona e ficou aguardando.

Entretanto, ele não apareceu. Jennifer começou a ficar insegura e ansiosa. Será que sua atitude o deixara tão furioso que ele tivera de parar para pensar numa forma especial de punição? Era evidente que não permitiria que ela o desafiasse daquela maneira. Afinal, não era à toa que o chamavam de chefe. Todos ali tinham medo de seu temperamento, mesmo que ninguém quisesse admitir. E agora, lá estava ela, a empregada mais recente, dizendo-lhe um sonoro e decidido "não".

"Acabo de complicar minha vida", pensou. Teria de gastar todo o dinheiro que ganhara para pagar a estada de agora em diante, e ainda trabalhar de graça. No final da historia, não teria nem emprego, nem dinheiro, nem provavelmente uma recomendação.

— Jennifer — disse a si mesma — você é uma boba. Tem um temperamento incontrolável. Combinaria muito, se tivesse cabelos vermelhos... e olhos azuis como safiras! Oh, por que tive de conhecer um homem como Donald Martin?

Ouviu de longe os latidos e uivos dos Husky siberianos. Será que ele estaria manobrando o trenó pelos campos nevados para aplacar sua própria fúria?

Quando chegou a hora do jantar, Jennifer estava triste demais para ir para a mesa. Trancou-se no quarto e ficou lá o tempo todo. Com certeza, alguém viria perguntar por que não estava ajudando na cozinha. Mas ninguém veio. Ela se deitou cedo, porém não conseguiu dormir logo. A indiferença de Donald a magoara muito mais do que se ele tivesse espumado de raiva na sua presença.

Na manhã seguinte, ela saiu bem cedo para trabalhar lá fora. Uma nova tempestade estava se formando e era preciso remover o máximo de neve, antes que a tormenta desabasse. Durante aquela noite já havia nevado bastante, e parte daquilo que o pessoal tinha limpado com tanto esforço estava outra vez coberto de neve. Agora tinham de começar tudo de novo.

Donald trabalhava com a turma, dirigindo as atividades com muita firmeza. Incansavelmente circulava de grupo em grupo, fazendo mais do que qualquer um.

Jennifer percebeu a presença dele a seu lado várias vezes, mas ele não mencionou uma única vez a discussão do dia anterior. Na verdade, tratou-a como a qualquer outro funcionário, com educação e gentileza.

A essa altura, ela já sabia esquiar razoavelmente bem, o que lhe permitia trabalhar com bastante eficiência.

Enquanto esquiava, notou que o chefe a olhava de uma forma estranha.

Às vezes, ele explicava alguma coisa num tom impessoal. A explicação era útil, mas desconcertava-a, porque, para se fazer ouvir em meio ao vento e ao barulho do pessoal, ele chegava bem perto dela. Embora sua aproximação fosse puramente profissional, Jennifer ficava atordoada.

Numa dessas explicações, Donald colocou as mãos nos ombros dela para mostrar a postura correta de certa manobra. Ela tremeu violentamente, sentindo o calor daquelas mãos através das luvas grossas. Por um instante, ficou sem respiração. Mas o olhar dele estava calmo como o lago Safira sob o sol.

Sua perturbação foi tão grande que a teria feito cair se Donald não a segurasse fortemente pelos ombros.

— Você está bem?

— Muito bem. Obrigada. — Sorriu, toda trêmula. A resposta parece que foi convincente, pois ele logo saiu esquiando. Ela ficou parada, olhando-o afastar-se. "Será que ele sente a mesma emoção que eu, quando se aproxima de mim?", pensou. "Ah, jamais vou descobrir..." concluiu, suspirando profundamente. "Acho que ele teria feito o mesmo para qualquer hóspede. Nem sequer gosta de mim... Já deixou isso bem claro..."

Jennifer trabalhou até o cair da tarde, quando o frio se tornou mais rigoroso. O sol se punha atrás das montanhas. Escurecia rapidamente na Cordilheira do Arco-íris. Um a um, os trabalhadores voltavam à estação.

Ela também entrou no salão e foi direto para a lareira aquecer as mãos, que, apesar das luvas, estavam úmidas e geladas.

Cassie estava bem em frente à lareira, sentada confortavelmente. Vestia um macacão vermelho, muito leve e macio, que marcava cada curva do seu corpo. Estava lendo e ouvindo música ao mesmo tempo. Era óbvio que não havia trabalhado na neve.

— Vejo que você não estava lá fora ajudando — disse Jennifer, sem pensar.

— Por que estragaria minhas mãos com o frio e com esse trabalho pesado?

— Todo mundo trabalhou. — Jennifer olhou para as próprias mãos, vermelhas e quase duras de frio.

— É, eu sei.

Mesmo sabendo que não valia a pena discutir com Cassie, ela não conseguiu se calar.

— É para ajudar Donald e o Arco-íris.

— Eu ajudo Donald de outras maneiras. — A outra sorriu cinicamente, espreguiçando-se como uma gata. Jennifer ficou parada, sem ter o que responder.

— Se você quer saber — continuou Cassie — Donald e eu vamos nos casar.

Se tivesse levado um soco, a dor não seria maior. "Não pode ser verdade", pensou Jennifer, atordoada. "Ela já mentiu tantas vezes, que deve estar mentindo também agora."

Cassie levantou-se e falou por cima do ombro:

— Ele vai me levar à cidade logo que tiver tempo. Vamos comprar um par de alianças. Alianças de noivado. — E saiu rebolando provocadoramente.

"Então, é verdade... ?" Jennifer já desconfiara de que Donald tinha alguma ligação com Cassie. Mas, por algum motivo, não perdera a esperança de que, um dia, ele descobrisse que tipo de pessoa era aquela moça; então, romperia com a recepcionista e ficaria com ela. Agora, isso se tornara impossível. O coração pesava-lhe de tristeza.

Naquela noite, Donald reuniu novamente todos os funcionários para comunicar que era preciso que se precavesse contra uma avalanche, que podia ocorrer a qualquer momento.

— O perigo é grande e quero que estejam bem atentos. O pessoal da manutenção deve verificar o que for possível, mas ninguém deve fazer nada sem antes falar comigo. — Fez uma pausa e, como se quisesse tranqüilizar os empregados, anunciou: — Amanhã cedo deve chegar um conjunto musical, que, segundo dizem, é excelente. Se isso for verdade, à noite teremos um bom baile. Isso significa que nossa ida à cidade será adiada, Cassie querida — concluiu, dirigindo-se à recepcionista.

Todos ficaram tão entusiasmados com a notícia do possível baile que até se esqueceram do perigo da avalanche. Jennifer também o esqueceu, mas por outra razão: a última frase de Donald ecoava em seus ouvidos. Então, ele realmente pretendia ir à cidade com Cassie para comprar as alianças. A recepcionista não mentira, estavam noivos de verdade.

O resto da noite, Jennifer cumpriu suas tarefas como um robô, pensando unicamente naquele noivado, que a deixava tão amargurada e infeliz.

Após o jantar, tirou a mesa, levou os pratos para a cozinha e começou a limpá-los para pô-los na máquina de lavar. Depois, colocou no fogo uma chaleira com água para fazer café.

Quando o pessoal sentiu o cheiro do café fresco, logo invadiu a cozinha. Todos a tratavam cordialmente, e alguns até lhe dirigiam um gracejo carinhoso. Só os instrutores de esqui entraram e saiu no mais completo silêncio, com ares de poucos amigos.

Ela estranhou aquela atitude, que evidentemente não devia ter relação alguma com a notícia do noivado do chefe, espalhada pela recepcionista e, a seu ver, confirmada pelo próprio Donald. Quando Linc entrou na cozinha, resolveu perguntar-lhe o que havia de errado.

— O que foi que eu fiz? Por que me trataram desse jeito?

— Por que você mesma não pergunta? Precisa saber para poder mudar suas atitudes.

— Mudar minhas atitudes? Mas qual é o problema? Sem lhe dar resposta, Linc saiu da cozinha. Momento depois, voltou, com os outros instrutores.

— Concordei em ser o porta-voz do grupo, mas quero que saiba que ainda gosto de você, apesar de tudo.

— Apesar de tudo? Diga logo do que se trata, por favor!

— Bom, foi o que você disse a nosso respeito — explicou Linc, nitidamente embaraçado com a situação.

— E o que foi que eu disse? — Ela franziu a testa e olhou um por um.

— Que nenhum de nós é bom professor de esqui. Que não temos capacidade de ensinar nem uma criancinha!

— Mas eu nunca disse isso! Não tem cabimento... — Não conseguiu completar a frase, pois os instrutores passaram a falar todos ao mesmo tempo. Cada um gritava mais que o outro, para ser ouvido. Ela também começou a falar alto e logo a cozinha virou um caos.

Linc pôs o braço nos ombros de Jennifer, como que para protegê-la, e pôs-se a berrar ainda mais alto que os outros.

Naquele instante, Donald abriu a porta violentamente e parou. Seu olhar furioso percorria todos os rostos presentes. Um silêncio pesado caiu no ambiente.

Jennifer apressou-se a tirar o braço de Linc de seus ombros. Mas o chefe já os havia focalizado com seus olhos de lince.

— Pelo que pude ouvir antes de entrar, Jennifer, achei que você estivesse envolvida em novos mexericos, e decidi vir ajudá-la. Mas agora vejo que é apenas uma briguinha de namorados. Por isso, deixo-os, para que resolvam o problema sozinho. Tenho coisas importantes a fazer, antes de ir à cidade amanhã.

— Mas eu... — começou Jennifer. Era tarde demais. Donald já saíra.

Como se ele tivesse levado o silêncio consigo, a gritaria começou ainda mais exaltada.

— Ele entende mal tudo o que eu faço ou digo. — Sua voz soara tão baixo que ela não esperava ser ouvida. Mas os instrutores a ouviram, talvez pelo enorme contraste entre seus gritos e aquele sussurro. Todos se voltavam para ela.

— O chefe não pode tratar você desse jeito — um deles gritou. — Nós... não permitiremos!

— A culpa é de Cassie. Foi ela quem começou essa, história toda — declarou outro.

— De agora em diante, não podemos acreditar nela — disse Linc. — Vamos dizer ao chefe que Cassie mentiu sobre Jennifer.

— Não — pediu ela. Era tarde demais agora. O mal já estava feito, e Donald tomaria o partido de Cassie. Teria de tomar, já que ia casar com ela. — Fico agradecida, rapazes, por estarem do meu lado. E estou contente por perceberem que não falei nada daquilo a seu respeito. Vocês são grandes esquiadores e ótimos professores. Afinal, ensinaram-me a esquiar, não foi? — Ela riu, mas estava triste. — E vejam em que superesquiadora eu me transformei!

— É mesmo! Você é a número um! — gritaram todos, a uma só voz.

— Não vai adiantar vocês falarem com Donald — continuou. — Ele... Só me façam um favor: esqueçam isso tudo.

Não conseguira forças para dizer que Donald estava noivo de Cassie.

— Claro, você manda.

Fariam o que ela pedira, mas sem compreender por quê. E Jennifer nunca poderia dizer-lhes.

 

O encontro de Donald com os músicos foi um sucesso. Na noite seguinte, o pessoal reuniu-se no salão para dançar. Todos os empregados da estação estavam ali. Donald juntou-se a eles, aparentando ótimo humor.

O conjunto musical, apesar de pequeno, tocava muito bem. Tinha um ritmo tão contagiante que era quase impossível ficar parado. Todos vibravam de alegria com a novidade.

Os instrutores de esqui estavam especialmente animados. Talvez por terem resolvido aquela questão com Jennifer, tiravam-na para dançar a toda hora.

Ela sorria muito e, por alguns momentos, até se esqueceu das suas mágoas, pois os rapazes dançavam muito bem. No fundo porém, sentia-se terrivelmente infeliz.

Como sempre, Cassie conseguiu piorar as coisas. Estava com um vestido longo, de cetim vermelho. A saia tinha aberturas tão generosas que mostravam até suas lindas coxas, enquanto ela dançava; a blusa bem justa delineava seu corpo bem-feito. O decote valorizava o seu colo e, quando ela se movia sensualmente, deixava entrever boa parte dos seios.

Jennifer escolhera uma saia xadrez de algodão verde, que lhe parecera apropriada para o ambiente informal, e uma blusa de seda branca, que contrastava com sua pele bronzeada pelo sol das montanhas.

Sempre se considerara bem proporcionada, mas agora, comparando-se com Cassie, sentia-se positivamente magricela. Além disso, vendo a outra exibir suas curvas, achou-se insignificante. Era reta demais, sóbria demais para ser notada. Ao menos, por Donald.

Entretanto, Linc notou-a. Logo que a viu, foi para junto dela e cumprimentou-a com o mais carinhoso dos sorrisos.

— Olá, beleza. Você vai enlouquecer os rapazes com essa roupa.

Ela ficou radiante com o elogio, que lhe restituiu a autoconfiança. E, para demonstrar sua gratidão, ergueu a cabeça e beijou a face de Linc. Depois, sorriu-lhe.

— Você é um doce. Mesmo que esteja mentindo, salvou a minha noite.

— Eu nunca mentiria para você, querida. E você será sempre a minha rainha, embora eu saiba que já a perdi para outro.

"Claro que ele está brincando, só pode estar brincando. Mas será que sabe que o outro é Donald Martin?", pensou ela. Nunca poderia amar aquele rapaz tão meigo da mesma forma como amava o chefe.

— Mas um beijo no rosto não é jeito de tratar um admirador fervoroso — continuou ele, puxando-a inesperadamente para si. — Vou mostrar-lhe como deve agir. — Linc inclinou-se e beijou-a na boca, antes que ela pudesse evitar. Jennifer empurrou-o com toda força de que era capaz.

— Você não devia... — começou ela, e parou, sentindo um estranho apelo. Olhou em torno, como que chamada por uma voz irresistível, e teve um choque violento: o olhar do homem que não saía de seus pensamentos estava cravado nela.

"Será que ele viu alguma coisa? Será que ouviu?", perguntou-se, aturdida. Tentou se lembrar de sua conversa curta e boba com Linc.

Não significava nada, na verdade. Mas pareceria tão insignificante para alguém que ouvisse? Para Donald, por exemplo?

Sentiu que ficava vermelha. E outro pensamento começou a perturbá-la, o pior de todos: fora ela quem beijara Linc primeiro, embora mal lhe tivesse roçado face com os lábios...

Percebendo que Donald os olhava, Linc endereçou-lhe um sorriso malicioso e perguntou:

— Ao vencedor pertence a presa, não é verdade? Jennifer não pôde deixar de estremecer. O que o levara a dizer aquilo? Era a pior coisa que poderia ter dito! E justamente para o chefe!

— Parabéns — respondeu Donald. E foi tirar Cassie para dançar. Quando a enlaçou, ela encostou a cabeça contra o peito dele.

Jennifer não conseguia deixar de prestar atenção aos dois. O vestido vermelho de Cassie era do mesmo tom do cabelo dele. Tinha de admitir que os dois formavam um belo par. Mas a maneira sensual como dançavam a fez virar a cabeça para o outro lado.

— Desculpe — disse Linc. — Não devia ter beijado você daquele jeito. E também podia não ter dito tamanha bobagem. Sinto muito. Eu sei que é do chefe que você gosta. Não causaria problemas para vocês dois, por nada deste mundo. Mesmo que isso me doa muito. Acha que existe algo que eu possa dizer para consertar as coisas?

— Não, deixe estar. Por favor. De qualquer forma, não há nada entre mim e Donald. Portanto, não se preocupe. Mas veja se não fica chamando a atenção de todo mundo. — Ela sorriu para atenuar suas próprias palavras, porém deixou claro que não gostara da atitude dele. Não lhe permitiria que se aproveitasse de sua amizade.

— Está bem, você manda. Na próxima vez, juro que só darei um beijo inocente em sua face.

"Na próxima vez", ela pensou, "não deixarei minha vaidade subir à cabeça. Encontrarei outro meio de demonstrar meu carinho por Linc."

Jennifer achara sua roupa muito conservadora, mas esta parecia não ser a opinião dos outros, que não paravam de tirá-la para dançar. O parceiro mais freqüente era Linc. Parecia que, cada vez que dançava com outro homem, ele a tirava na música seguinte.

Ela gostou disso, pois Linc era um dos melhores dançarinos. E, sabendo que nunca haveria nada mais que amizade entre os dois, sentia-se à vontade para conversar e até rir descontraidamente.

Durante uma das músicas, aproximaram-se de Donald e Cassie, que dançavam muito abraçados, rosto colado. Jennifer ficou tensa, mas fez um grande esforço para relaxar um pouco. Não queria que Linc percebesse o desgosto que estava sentindo.

De repente, os dois casais ficaram tão próximos, que pareciam isolados de todos os demais. Então Jennifer ouviu um trecho do diálogo entre Donald e Cassie:

— Não sei — disse a moça. — Casamento é uma coisa muito séria. Você acha mesmo que eu daria conta?

— Claro que sim. Não vou deixar você recuar agora. Sabe que conto com isso. E sabe que quando decido uma coisa, não desisto.

— Oh, Donald. — Ela olhou-o no fundo dos olhos e encostou a cabeça no peito dele novamente. — Você confia tanto em mim... O que eu faria se não tivesse encontrado você? Não poderia viver sem seu amor... — Suspirou.

— Você não tem que se preocupar. Eu... — Uma nota mais aguda cortou a frase de Donald, e depois os casais se distanciaram.

Jennifer estava completamente fora de si. Começou a trocar os passos e a tropeçar. Linc segurou-a mais forte, para que ela se equilibrasse, conduziu-a para fora da pista. Então, olhou-a, preocupado.

— Está cansada?

— Oh, não. É só... Bem. Acho que me distraí com alguma coisa.

Linc franziu a testa e abriu a boca para falar, mas, naquele momento, o músico começou a anunciar outra série de músicas.

— Logo teremos muitas famílias chegando à Estação Arco-íris — disse o chefe do conjunto. — E teremos pessoas das mais variadas idades. Por isso, decidimos tocar também uma seleção de músicas antigas, que sempre nos pedem em nossas apresentações. — Todos aplaudiram com entusiasmo, e ele continuou: — Nós gostaríamos muito de tocar uma quadrilha. Isto é, se houver alguém aqui que possa comandar a dança. Alguém se habilita?

A princípio, houve um grande silêncio. Depois, um murmúrio de desapontamento. Por fim, um dos rapazes declarou:

— Já dancei quadrilha várias vezes. Mas acho que não seria capaz de comandar uma.

Todos começaram a dizer a mesma coisa: sabiam dançar, porém não se dispunham a dirigir uma quadrilha.

— Vamos, pessoal — insistiu o chefe do conjunto.

— Temos um roteiro de todos os passos. É só lê-lo durante a música...

Houve outro silêncio. De repente, para surpresa de Jennifer, Linc adiantou-se e informou:

— Por acaso, sei que nosso anfitrião, Donald Martin, conhece bem os passos da quadrilha. Está familiarizado com os termos e tem uma voz bastante forte. Por outro lado, estamos acostumados com sua. voz de autoridade.

— Esperou que cessasse a gargalhada geral antes de continuar: — Que acha, Donald? Vai se arriscar? É capaz de testar sua voz e sua autoridade e salvar nossa noite?

— É claro — respondeu Donald, sorrindo. — Pensei que já tivesse experimentado tudo nesta vida. Mas comandar uma quadrilha será uma nova experiência para a minha coleção. Se vocês querem se arriscar, eu tentarei.

Todos aplaudiram. Cassie ficou na ponta dos pés, colocou os braços em torno do pescoço dele e fechou os lábios num biquinho para que ele a beijasse.

Jennifer virou-se de costas para não assistir àquela cena. Era uma tortura ver Donald beijar sua rival.

Com passos largos, ele atravessou a pista de dança e colocou-se perto do conjunto, pegando o papel que o músico lhe estendia. A luz do palco iluminou seu cabelo vermelho e acentuou as linhas de seu rosto.

Jennifer achou que ele nunca parecera tão atraente, nem tão distante. "Por que devo desperdiçar meu amor assim? Por que fui me apaixonar justo por alguém que está obviamente comprometido com outra mulher?", perguntou-se, desesperada. Não encontrava uma resposta sensata.

Donald Martin provou ser tão bom dirigindo uma quadrilha quanto em tudo o que fazia. Sua voz era forte e segura, e sua pronúncia era clara. Além disso, mantinha um ritmo marcante e vivo.

Quase todo mundo participou da dança. Alguns pares pareciam profissionais, enquanto outros mal sabiam dar um passo. Todos, porém, riam e se divertiam muito.

Jennifer e Linc formavam uma dupla bastante animada. Ela já dançara quadrilha antes, mas estava longe de ser uma ótima dançarina. Por isso, mantinha-se atenta às ordens de Donald.

Percebeu que ele a olhava o tempo todo. E, de vez em quando, encontrava o olhar dele. Será que a achava muito desajeitada? Quando pensava nisso, perdia o passo, e Linc tinha de corrigi-la.

Enquanto Donald comandava a quadrilha, Cassie subiu ao palco para marcar o ritmo. Com os braços estendidos para cima, batia palmas e rebolava. Era evidente que estava se exibindo para o chefe. Depois, começou a dançar, primeiro em direção aos músicos, depois em direção a Donald, convidando-o a acompanhá-la. Movia-se sensualmente, e seu vestido marcava cada movimento. Seus braços erguidos punham os seios em evidência, devido ao decote generoso.

Normalmente, Jennifer gostava de dançar qualquer tipo de música. Mas ficou contente quando, finalmente, a quadrilha terminou. Assim como muitos outros pares, ela e Linc saíram da pista para descansar um pouco.

Foi servido vinho à vontade. Em pouco tempo, todos estavam prontos para recomeçar a dançar. Agora, entretanto, preferiram uma música mais lenta. O conjunto aproveitou a oportunidade para tocar uma valsa.

Quando aquela música romântica começou, Jennifer olhou em torno, procurando involuntariamente por Donald. Não que esperasse que ele a tirasse para dançar, pois, com certeza, estava envolvido demais com sua noiva. Mas ela não podia deixar de se torturar. Lembrava-se claramente da cena dos dois dançando. Ouvira-os trocarem palavras de amor.

Logo percebeu que nem Cassie, nem Donald estavam por ali. Isso provocou uma nova dor em seu coração. Não havia dúvida de que tinham saído juntos. Deviam estar em algum canto, beijando-se e murmurando palavras de amor.

Jennifer e Linc estavam sentados perto da lareira. Ela beberá metade de um copo de vinho e deixara o resto numa mesinha. Ele, porém, segurava o copo na mão e bebia sem parar. A garrafa que trouxera do bar estava a seu lado, quase vazia. Jennifer sabia que aquela não era a primeira garrafa que Linc pegara para os dois. Perdera a conta de quantas ele tinha trazido. Mas sabia que ela mesma só tinha tomado meio copo, e não pretendia beber mais.

Linc não parecia estar bêbado, porém, não desejava mais largá-la. Embora Jennifer gostasse dele, não queria que ninguém a monopolizasse. Por estarem em um lugar pequeno, as atitudes de todos eram facilmente notadas e os gestos mais inocentes podiam dar origem a mexericos. Cassie, por exemplo, adoraria espalhar algum a respeito dos dois.

Linc falava sem parar, contando uma história engraçada sobre um incidente do passado. Mas a história era longa demais e Jennifer começou a pensar num meio de escapar, sem magoá-lo. Estava tão distraída que só percebeu a presença de Donald quando ele lhe perguntou:

— Por que está tão pensativa?

Ela estremeceu, mas procurou não dar mostras de seu aturdimento. Voltou-se e fitou aqueles olhos incrivelmente azuis.

— Ah, olá. Eu estava... só olhando o pessoal dançar e ouvindo Linc.

Donald franziu a testa, sem entender direito. Mas antes que falasse qualquer coisa, Linc disse, com a voz meio enrolada:

— Eu já devia saber disso. Não consigo manter a atenção de minha garota predileta, quando o chefe está por perto. Olá, Donald. — Seu cumprimento soou decididamente sem entusiasmo.

— Se estou interrompendo algo... — começou Donald.

— Não está, não — disse Jennifer rapidamente. E logo percebeu que se adiantara demais, pois a expressão de Linc mudou. Tentou consertar: — Isto é, acho que Linc deve se divertir com outras garotas. Elas já estão bravas por ele ficar só comigo.

E então, com horror, percebeu que podia ser mal interpretada. Talvez Donald pensasse que ela queria tirá-lo para dançar. E ele poderia ter vindo só para dizer qualquer coisa a Linc. Tentou consertar mais uma vez:

— Não quer se juntar a nós, Donald? Os olhos azuis gelaram.

— Vim para tirá-la para uma valsa. Mas se não quer deixar Linc sozinho...

"Consegui de novo", pensou ela. "Quanto mais falo, mais estrago as coisas." Agora, porém, sua língua já desatara, fugindo ao seu controle:

— Adoraria dançar com você.

— Está bem para você, Linc? — perguntou Donald.

— Claro. Vou ficar sentado aqui e afogar minhas mágoas no vinho. — E ergueu o copo, como se fosse propor um brinde. Mas não disse nada e tomou um grande gole.

Jennifer ficou preocupada. Queria pedir-lhe que fosse mais devagar com o vinho. Mas Donald estava perto o bastante para ouvir suas palavras, e poderia pensar que havia alguma coisa a mais do que amizade entre eles. Assim, não disse nada; levantou-se e foi para a pista de dança.

Quando ele a tomou nos braços, seu coração disparou. Batia tão forte que, com certeza, ele sentia a pulsação. "Não posso deixá-lo perceber que estou tremendo por dentro. Não quero que pense que é por causa dele", pensou.

Donald puxou-a mais para si. Ela encostou o rosto naquele peito musculoso, aconchegando-se de tal forma que podia ouvir o ritmo de seu coração. "Será que nunca esse coração disparou como o meu?", perguntou-se. Mas não tinha meios de saber a resposta.

Donald dançava maravilhosamente, conduzindo-a pelo salão com firmeza e, ao mesmo tempo, com suavidade.

De repente, inclinou-se para ela. Seus rostos ficaram tão próximos, que ela mergulhou nos olhos de safira.

Por um instante, pensou que ia beijá-la. Mas logo ele ergueu a cabeça e a fez rodar graciosamente.

A música a emocionava. "Oh, Donald", gritava seu coração. "Eu poderia dançar assim com você para sempre."

Mas a valsa acabou depressa e ele soltou sua cintura. Entretanto, continuou segurando sua mão, e isso a deixou contente. Depois daquela dança, não conseguiria andar sem a ajuda dele.

— Você dança muito bem — disse ele, enquanto atravessavam o salão.

— Obrigada. É fácil acompanhar você.

Jennifer lembraria aquele elogio para o resto de sua vida. Uma vida solitária, sem Donald, que estaria casado com Cassie, a garota que escolhera.

Ele a levou até Linc, que estava sentado no chão, perto da lareira, com uma nova garrafa de vinho.

— Aqui está sua garota. Nada mudou por ela ter dançado comigo.

O instrutor ergueu os olhos e dirigiu-lhe um sorriso meio mole.

— Tem certeza de que ela é minha garota? Pela maneira como vocês dois dançavam, eu podia jurar que...

— Obrigada pela dança — interrompeu Jennifer. — E para sua informação, não sou a garota de Linc. Nem de ninguém. Somos apenas bons amigos.

— Os melhores amigos possíveis! — confirmou o rapaz, com um sorriso malicioso.

— Sei — retrucou Donald. — Aposto que sim. Agora, se me dão licença... — Sem completar a frase, virou-se e saiu.

Assim que ele se afastou, Jennifer sentou-se no chão; ao lado de Linc.

— Por que fez isso? Do jeito que falou, pareceu que não somos apenas amigos!

— Bem, gatinha, não é minha culpa se somos só amigos. — Puxou-a para si e começou a acariciá-la tão inesperadamente que a deixou sem ação. Quando suas mãos encontraram os seios dela, ele perguntou em voz alta: — Que tal dormirmos juntos esta noite?

Foi como se um demônio tivesse planejado a cena. No instante em que ele disse aquilo a música parou, e sua voz se espalhou pelo salão.

Algumas pessoas riram, mas Jennefir não achou graça nenhuma. Sentiu que corava e afastou-se, sem perceber que sua blusa estava desabotoada.

— Você está bêbado! — sussurrou.

— Não. Estou apenas excitado. E é você quem me deixa assim, doçura.

— Não vou ficar com você nem mais um minuto.

Voltarei quando estiver em condições de se comportar como um cavalheiro.

Levantou-se de um salto e deparou com o olhar fixo de Donald. Cassie estava pendurada no ombro dele, sorrindo.

Jennifer ficou tão sem jeito que baixou os olhos. Então se deu conta de sua blusa aberta e tratou de abotoá-la, com os dedos trêmulos. Quando terminou, abriu a boca para dizer qualquer coisa. Queria ao menos tentar justificar-se. Mas, naquele instante, Donald inclinou-se para Cassie e murmurou-lhe algo ao ouvido. Depois, ambos saíram.

"O que eu poderia ter dito?", Jennifer perguntou-se. Os dois tinham visto a investida de Linc e tinham ouvido aquelas palavras comprometedoras, ditas no momento em que a música parara. E, o que era pior, provavelmente não fazia idéia de quanto vinho o rapaz bebera. Mesmo que Donald soubesse disso, Cassie com certeza torceria a história, só para colocar a rival na pior situação possível. E é claro que ele acreditaria na mulher que amava.

Agora Jennifer só queria fugir dali, abandonar o cenário daquela história embaraçosa. Ao invés disso, porém, aproximou-se de Linc e pegou a garrafa de vinho, que já estava quase vazia. Lutara para não sentir pena dele.

— Você já bebeu demais. Vou tirar isto do alcance de suas mãos.

Ele estava meio entorpecido quando a olhou. Não protestou quando ela levou a garrafa para a cozinha.

Ao entrar na cozinha vazia, Jennifer fechou a porta atrás de si. Sentia-se melhor longe de todo aquele barulho e agitação.

Ainda se lembrava da música que tocava quando tudo acontecera. Naquele momento, sentira-se como se estivesse num palco, com todas as luzes voltadas para ela, e a platéia observando-a atentamente.

"Como vou sobreviver a tamanha humilhação?", pensou, desesperada, enquanto ouvia os latidos dos cães, que, misturados ao barulho do vento, traduziam uma terrível solidão.

Jennifer encostou-se à porta e cobriu o rosto com o braço. "Oh, Donald", murmurou suavemente, no silêncio da cozinha. "Por que não consigo deixar de amar você?" Mas logo reagiu, ergueu o queixo e respirou bem fundo para recuperar o controle de si mesma. Não adiantava nada ficar ali se lamentando. O melhor era ir calmamente até seu quarto, sem dar atenção aos olhares curiosos e zombeteiros das pessoas.

Quando voltou ao salão, viu que Linc conseguira levantar-se, e que estava encostado à parede do corredor que conduzia aos quartos. O vinho deixara-o com sono e, sem dúvida, ele dormiria o resto da noite.

Como ela poderia sair da festa agora? Se fosse para o quarto, daria a Cassie mais uma oportunidade para espalhar nova calúnia a seu respeito. A recepcionista não deixaria ninguém acreditar que Jennifer e Linc haviam dormido em seus respectivos quartos. Aliás, nem era necessário que a moça dissesse alguma coisa: depois de ter ouvido o convite de Linc, quem iria crer que os dois não passaram a noite juntos?

Não havia escolha. Teria de ficar acordada, no meio de todos, até que a última pessoa deixasse o salão. Só assim poderia mostrar que não saíra com o rapaz. E, com um pouco de sorte, talvez até conseguisse acabar com os comentários venenosos que aquela cena provocara.

Com um suspiro de resignação, atravessou o salão e foi juntar-se aos instrutores de esqui. Conversava com eles, tentando mostrar-se animada, quando a música terminou.

o chefe do conjunto anunciou que a dança seguinte seria a do Chapéu Mexicano. Colocou no meio do salão um enorme chapéu de palha e perguntou:

— Todos conhecem essa dança?

A gritaria geral mostrou que a maior parte das pessoas a conhecia.

— Muito bem. Então vou falar para quem não sabe. Vocês devem dançar ao redor do chapéu, sem perder o ritmo. Sigam os passos dos mais experientes. Acho que vão aprender logo. Agora quero que todos dêem as mãos e formem uma grande roda. — Aguardou alguns instantes, enquanto faziam o que pedira, e prosseguiu: — Ótimo. Então vamos lá. — E voltou-se para os músicos, dando sinal para que começassem a tocar.

Alegre e agitado, o ritmo exigia um movimento constante. Logo todos estavam exaustos e suados, mas continuavam a dançar, sorrindo e gracejando uns com os outros. Quando a música terminou, cada qual se jogou na cadeira mais próxima, quase sem fôlego.

Até os instrutores de esqui, mais habituados ao exercício físico, estavam mortos de cansaço. Jennifer, que havia dançado com um deles, acompanhou-os, comentando sobre o esforço que o Chapéu Mexicano exigira. Eles riam e brincavam, evidentemente tentando distraí-la por causa da ausência de Linc.

Essa atitude carinhosa deixou-a, entretanto, muito aborrecida, pois provava que a tomavam por namorada de Linc. Apesar disso, preferiu ficar com eles a sentar-se sozinha perto da lareira. Se estivesse sozinha, Cassie não deixaria de fazer comentários maldosos.

Depois do Chapéu Mexicano, o conjunto apresentou vários outros números. Para surpresa de Jennifer, Donald tirou-a mais uma vez para dançar.

— Esse conjunto é ótimo, não acha? — perguntou ele. — Há anos que não ouço músicos tão versáteis. É exatamente o que precisamos para nossos hospedes.

— Realmente. Esse conjunto pode agradar pessoas de todas as idades — concordou ela.

Falaram ainda mais um pouco sobre os músicos e silenciaram por alguns momentos. Não conseguiram conversar muito tempo sobre um assunto tão impessoal.

— Seu namorado não vai ficar impaciente?

— Que namorado? — Por um momento, Jennifer não entendeu.

— Você dá tanta liberdade a todos os seus namorados? — continuou ele, como se não a tivesse ouvido.

Só então ela compreendeu exatamente o sentido de suas palavras: referiam-se à cena embaraçosa que Linc fizera aquela noite. Donald pensava que ela encorajava o instrutor. E agora insinuava que ele a estaria esperando na cama.

"Bem", pensou. "Não vou deixá-lo perceber que compreendi o que disse!"

— Não tenho a menor idéia do que você está querendo dizer — respondeu, olhando-o bem nos olhos.

— Linc desapareceu. Não está esperando você?

— Ele bebeu demais. E você é tão grosseiro que não tem a decência de compreender.

Jennifer parou de dançar e ficou em pé, no meio do salão, encarando Donald. De repente, percebeu que estava se tornando novamente o centro das atenções. Sabia que não podia permanecer mais um segundo olhando para aquele homem, pois acabaria por fazer acusações mais graves. Diante dessa possibilidade, virou-se e saiu da pista de dança. Dirigiu-se até a lareira e ficou de costas para a pista, esperando que o rubor de seu rosto fosse atribuído ao calor do fogo.

— O que foi? Não agüentou dançar com o chefe?

A voz de Cassie soou às suas costas, quase num murmúrio. Entretanto, as palavras foram claramente pronunciadas.

Jennifer ouviu muito bem, mas não deu resposta. A recepcionista soltou uma desagradável gargalhada, visivelmente provocando-a. Mas Jennifer decidiu não demonstrar que ela a havia ferido profundamente. Assim, não deu o menor sinal de ter escutado e continuou olhando o fogo. Sua atitude surtiu o efeito esperado, pois logo a outra deu de ombros e foi embora.

Jennifer ficou ali, pensativa, durante um bom tempo, até que a voz do músico-chefe a trouxe de volta à realidade.

— Temos um número muito especial — disse ele. — Para satisfazer a um pedido pessoal, nossa próxima música será um solo de dança. — A bateria soou e ele continuou mais alto: — Senhoras e senhores, apresento-lhes a indomável... Cassandra!

Jennifer virou-se para olhar o palco. Uma luz especial focalizava Cassie, que, toda exuberante, agradecia os aplausos com um sorriso de triunfo.

Houve gritarias, assobios, e uma verdadeira tempestade de palmas.

Com movimentos lentos e sensuais, ela começou a tirar o insinuante vestido vermelho. Após alguns minutos, apresentou-se com uma malha de balé, muito justa e cavada. Depois, puxou do decote um lindo lenço de seda, enfeitado com correntes e moedas douradas, que ficou segurando com uma das mãos, enquanto, com a outra jogava o vestido para a platéia. Então, amarrou o lenço nos quadris, tirou as sandálias e começou a dançar, com a segurança de uma profissional.

Com os braços estendidos, movia os ombros sugestivamente, ao mesmo tempo em que meneava os quadris para um lado e para outro, fazendo as moedas tilintar no mesmo ritmo da música. Parecia controlar com invejável precisão todos os músculos do corpo, muitos dos quais Jennifer nem sequer sabia que existiam.

De repente, Cassie virou-se de costas para a platéia, provocando um estremecimento entre os espectadores. Os homens assobiavam e gritavam, evidentemente perturbados. Essa reação animou-a a esmerar-se ainda mais na dança. Seus movimentos tornaram-se mais sensuais. As moedas douradas tilintavam com mais vigor, marcando o ritmo.

Jennifer não podia negar que Cassie tinha um corpo deslumbrante. "Mas não é justo usar esse corpo para conquistar Donald", pensou, ao mesmo tempo em que olhava em torno, procurando-o. Esperava pelo menos uma ponta de desaprovação na expressão dele.

Por todo lado, havia olhos brilhantes de homens sorridentes. "Tudo o que ela tem é um belo corpo. Será que não vêem que é só isso?", perguntou-se, angustiada.

Donald não estava no meio daqueles homens fascinados. Talvez nem soubesse do espetáculo que Cassie estava dando. Será que gostaria de sua atuação? Ou teria saído justamente por não suportar aquele exibicionismo?

Essa última possibilidade provocou-lhe um sorriso de prazer e reacendeu a chama da esperança em seu coração. Talvez ele não estivesse disposto a aceitar que tal cena se repetisse e acabasse rompendo com a noiva. Era vergonhoso, mas Jennifer precisou reconhecer que estava com ciúmes. Afinal, Cassie tinha o amor de Donald, que ela tanto queria conquistar.

Instintivamente, pegou seu copo de vinho e olhou-o. Talvez bebendo, como Linc, conseguisse esquecer. "Não", decidiu consigo mesma, após um momento de hesitação. Seria uma maneira covarde de fugir. Além disso, mais cedo ou mais tarde, teria de encarar seu futuro sem Donald. E precisaria de toda a clareza de sua consciência.

Antes que pudesse colocar o copo sobre a lareira, ouviu um tumulto. O número de Cassie acabara e ela agradecia os aplausos. Seu vestido passava de mão em mão, entre os instrutores de esqui.

— Não devolva! Ela está linda assim! — gritou um deles.

— É verdade! Vamos guardá-lo! — concordavam os outros.

— Esconda-o para nós, Jennifer! — pediu alguém. — Ela nunca suspeitará de você.

O instrutor jogou-lhe o vestido, mas certamente subestimou sua própria força, pois a roupa se desdobrou no ar e caiu bem em cima de Jennifer, cobrindo-lhe o rosto e os braços.

Quando ela conseguiu se desvencilhar, constatou que, em sua aterrissagem, o vestido derrubara o copo de vinho e, agora, estava completamente manchado. O pior é que Cassie também percebeu o que havia ocorrido e dirigia-se para a lareira, espumando de raiva.

— Você estragou meu vestido novo! — gritou a moça, postando-se diante dela com as mãos na cintura. — Como ousou fazer semelhante maldade comigo? — E ergueu a mão para esbofeteá-la.

Antes que Jennifer pudesse dizer qualquer coisa, Donald apareceu. Segurou suavemente os ombros de Cassie e virou-a para si.

— Querida, não se aborreça assim. Se a mancha não sair, compraremos outro vestido.

O carinho com que ele lhe falava deixou Jennifer completamente confusa. "Como pode ser tão tolerante com essa mulher vaidosa e exibida, se não perdoa o menor erro que eu faço?" Mal terminou de formular a pergunta para si mesma, sacudiu a cabeça, soltando um suspiro triste.

"Que boba que sou! A resposta é evidente: Donald ama Cassie, e me despreza."

Fechou os olhos para não ver as mãos dele acariciando os cabelos de Cassie. E lamentou não poder tapar os ouvidos, para não escutar as palavras consoladoras que ele lhe dirigia.

Finalmente a moça se acalmou e olhou para Donald com seu jeito insinuante. Depois, disse como uma criança mimada:

— Então você compra um vestido novo para substituir o que Jennifer estragou?

— Claro, meu bem. Vamos à cidade amanhã. Mas agora venha. Já é hora de dormir. Todo mundo está cansado. Amanhã teremos um dia cheio.

Enquanto saíam, Cassie ainda olhou para trás, dirigindo a Jennifer um sorriso venenoso e triunfante, que a fez estremecer de raiva e de dor. "Amanhã os dois vão à cidade. E não só para comprar um vestido, mas também para escolher as alianças de noivado. Acho que não tenho capacidade de agüentar tudo isso", pensou, enquanto se dirigia lentamente para o quarto. Ao passar pela porta do escritório de Donald, hesitou por um momento. "Será que foram para o quarto dele? Vão acabar a noite na mesma cama?"

Enxugou uma lágrima que não conseguira reter, e continuou sua caminhada pelo corredor, que nunca lhe parecera tão longo. Entrou em seu quarto, fechou a porta atrás de si e jogou-se na cama, dando vazão ao choro que segurara durante boa parte da noite.

Os grandes cães siberianos uivavam lá fora, chamando por seu dono. Jennifer também queria chamá-lo, mas não tinha esse direito. Soltando um gemido de dor, virou-se e enterrou o rosto no travesseiro. As lágrimas corriam livremente.

 

Donald e Cassie saíram da estação bem cedo, para passar o dia na cidadezinha, onde, com certeza, teriam muitas coisas para fazer.

Jennifer tentou não olhá-los enquanto desciam pelo teleférico, sentados lado a lado na cadeirinha. Não podia deixar de se lembrar da última vez em que subira com Donald. Fora naquele dia em que a tempestade havia começado, e a força elétrica parara por algum tempo, deixando-os suspensos sobre a encosta coberta de neve.

Sentiu uma onda ardente percorrê-la dos pés à cabeça, ao recordar o calor com que ele a beijara, aconchegando-a contra seu peito musculoso. Naquele instante, achara que seu coração batia tão fortemente quanto o dela.

Agora, entretanto, vendo-o com Cassie, não tinha mais certeza de nada. Não confiava mais em seus próprios poderes de sedução. Só esperava que ele chegasse à cidade sem problemas e voltasse logo. Temia que o teleférico pudesse parar, como naquele dia, fazendo-o passar maus momentos sob o frio intenso.

Cassie estava exuberante aquela manhã, com seu casaco vermelho. O capuz estava jogado para trás, para que o sol lhe dourasse os cabelos. Seus olhos brilhavam sob os cílios espessos, quando fitavam Donald.

"Ela tem duas caras", pensou Jennifer. "Mas se ele não consegue ver isso, bem que a merece."

Entretanto, doía-lhe vê-lo cair nas armadilhas de Cassie. Não sabia se ele estava realmente apaixonado. Seu rosto sombrio não expressava grande enlevo, mas também não mostrava indiferença. Na verdade, era possível identificar o que se estampava sobre aquelas feições perfeitas.

Nem mesmo a beleza de Cassie poderia ofuscar a presença de Donald. O casaco azul-escuro que ele vestia realçava o vermelho do seu cabelo. E seus olhos estavam tão azuis quanto às águas do lago Safira.

Com um suspiro que não aliviou sua dor, Jennifer virou-se de costas. Não queria mais vê-los descer juntos. Enxugou uma lágrima que começava a rolar lentamente pela face e correu para remover a neve das pistas de esqui. Talvez o trabalho duro a ajudasse a esquecê-los.

Quando pegou uma pá e começou a trabalhar, sentiu-se como se estivesse removendo Donald e Cassie dos pensamentos. Principalmente agora, que iam comprar as alianças de noivado, oficializando seu compromisso.

Pouco tempo depois, Linc juntou-se a ela. Depois de cumprimentá-la, muito sério, pegou uma pá também, mas não começou a trabalhar imediatamente.

— Acho que devo pedir-lhe desculpas.

Embora soubesse do que ele estava falando, Jennifer franziu a testa e parou para olhá-lo fixamente, como se quisesse ver seu íntimo.

— Eu estava muito bêbado, mas posso me lembrar do que aconteceu — prosseguiu ele, revelando-se consternado. — Agi como um idiota, pondo você em má situação.

— Foi o vinho que fez isso — respondeu ela, sinceramente conciliadora.

— É, acho que sim, mas isso não atenua meu erro. Afinal, devia saber quando é hora de parar. Eu faria qualquer coisa do mundo para ver você contente. E fui justamente magoá-la, sem o menor motivo. Sinto-me um imbecil.

— Esqueça o que aconteceu. Todos nós cometemos erros de vez em quando. É inútil ficar remoendo. E por que você não esquece o trabalho também por hoje? Parece que precisa dormir um pouco mais.

— Bem que gostaria. — Ele tentou sorrir. — E acho que vou mesmo. Já que o chefe não está por perto... Mas eu tinha de vir lhe pedir desculpas. Sinto muito mesmo. Sei que agora é tarde para isso. Provavelmente você nunca mais vai me perdoar. Fui muito estúpido e não mereço mesmo que me perdoe.

— Já perdoei você. Agora vá dormir. Tenho certeza de que mais algumas horas de sono vão afastar esses pensamentos sombrios de sua cabeça.

— Você é uma pessoa incrível. Seja quem for o homem que ficar com você, tem muita sorte. E espero que ele perceba isso. Você é uma garota simplesmente preciosa, uma jóia de grande valor.

— E você é um bobinho... Vá, ande logo, antes que eu comece a ficar convencida.

Linc enfiou a pá na neve e saiu, despedindo-se com um aceno. Para mostrar como se sentia, segurou a cabeça enquanto andava, como se precisasse carregá-la com ambas as mãos.

Jennifer trabalhou a manhã toda, esforçando-se para esquecer a cidade. Entretanto, quando voltou à estação na hora do almoço, ainda pensava no que aqueles dois estariam fazendo lá embaixo. Com certeza estariam saboreando um delicioso assado em algum restaurante simpático e acolhedor.

Ao entrar no refeitório, porém, deparou com Cassie, que não só já havia voltado como acabara de almoçar. Donald não estava por perto.

Em todo o salão, havia só uma cadeira vaga, bem ao lado de Cassie. Jennifer suspirou. "Não tenho escolha", pensou. "Depois de tudo, ainda tenho de me sentar com ela, se quiser comer." Apanhou sua bandeja, serviu-se e dirigiu-se para a mesa. Assim que se sentou, não pôde deixar de olhar para a mão direita da moça. Mas não viu nenhuma aliança de noivado.

— Onde está sua aliança? — perguntou, num impulso. — Pensei que tivessem ido à cidade expressamente para comprá-la...

— Donald não quis comprar nenhuma daquelas coisas horrorosas que nos ofereceram. Disse que eu mereço nada menos que o melhor. Ele não é maravilhoso? — Seus olhos destilavam veneno, mas sua voz era doce e tranqüila. — Assim, resolvemos esperar até encontrarmos alianças realmente bonitas, dignas de mim. E dele, é claro. Também quero o melhor para o meu amado... — Levantou-se, colocou a louça sobre a bandeja e dirigiu-se para a cozinha requebrando como uma gata.

Jennifer ouvira cada uma de suas palavras, mas nenhuma lhe pareceu verdadeira. Alguma coisa estava mal contada naquela história. "Talvez seja só minha imaginação", pensou.

Após o almoço, voltou ao trabalho pesado. Sentia-se aliviada por não ter visto Donald. Seria muito difícil tratá-lo com naturalidade, sabendo que ele estava prestes a se casar com Cassie.

"Como podia amar aquela garota? Como podia amar uma pessoa tão frívola e maldosa?", perguntou-se pela milésima vez, inconformada por perdê-lo.

Um pouco mais tarde, a tempestade prevista desabou. O vento começou a soprar com toda força, enquanto a neve caía em grandes flocos, acumulando-se rapidamente por toda parte.

O pessoal que estava trabalhando lá fora tratou de entrar o mais depressa possível e correr para perto do fogo, a fim de secar as roupas molhadas.

Jennifer acompanhou-os. Ainda não vira Donald e não ousava perguntar por ele. Tinha medo de que sua voz tremesse, revelando seus sentimentos.

Fazia o maior esforço para convencer-se de que não ligava para aquele homem e que não se preocupava nem um pouco com a escolha evidentemente errada que ele fizera. "Pois que se case com uma dúzia de Cassies! Não pretendo tomar conhecimento de seus atos", decidiu consigo mesma. Sabia porém, que se importava e que todas as suas tentativas para superar isso resultariam inúteis durante muito tempo ainda.

Após o jantar, Jennifer foi a primeira a levantar-se da mesa. Disse que estava exausta por causa do trabalho pesado e que não via a hora de recolher-se em seu quarto e cair na cama. Talvez por estarem todos muito cansados, ninguém insistiu para ela ficar mais.

Enquanto andava pelo corredor, podia ouvir o vento assobiando forte. E, com o vento, um dos cães siberianos, que uivava dolorosamente, como se um punhal o trespassasse.

De repente, foi envolvida por uma escuridão total. A força elétrica acabara, e toda a estação estava sem luz. Parou no meio do corredor. Estava aborrecida e confusa. Tentava se lembrar de quanto já andara e quanto faltava para chegar a seu quarto.

— Só faltava isso... — murmurou.

Uma porta abriu-se, bem perto dela, e alguém saiu para o corredor. Jennifer sentiu a deliciosa fragrância de uma loção após barba e, imediatamente, percebeu que Donald também tateava no escuro.

"Queira Deus que eu consiga evitá-lo! Não quero que note minha presença", pensou. Não estava em condições de enfrentá-lo agora. Todos aqueles sentimentos fervilhando dentro de si não lhe permitiriam sequer dirigir-lhe a palavra.

Mas sua respiração e todo o seu corpo ficaram paralisados. Ela não tinha capacidade de mover um só músculo. Sentiu que ele se aproximava e sabia que não havia mais como passar despercebida. Precisava, ao menos, dizer alguma coisa para avisá-lo de sua presença. Antes, porém, que conseguisse abrir a boca, ele esbarrou nela, fazendo-a perder totalmente o equilíbrio. Um pequeno grito escapou-lhe dos lábios. Quase ao mesmo tempo, Donald abraçou-a, para que não caísse.

— Jennifer! — sussurrou, com a voz tão doce e terna, que ela estremeceu como se tivesse recebido um beijo.

A escuridão, a maneira terna de ele dizer seu nome, o perfume que seu corpo exalava, todas as circunstâncias contribuíram para que ela de repente se abandonasse nos braços dele. Seus corpos uniram-se instintivamente e suas bocas se procuraram, encontrando-se com ardor. A escuridão pareceu explodir em milhares de luzes coloridas.

Nesse instante, porém, Jennifer lembrou-se de Cassie. Por mais que detestasse e invejasse a garota, não podia ignorar o fato de que Donald estava comprometido com ela. E esse compromisso impedia-o de trocar beijos e carícias com qualquer outra mulher.

— Você é um mentiroso... um impostor... — disse, colocando as mãos sobre o peito dele para afastá-lo. — Você tem duas caras... Eu o desprezo! Eu o odeio!

Suas palavras saíram aos borbotões, como uma torrente. Quando ela se calou, as luzes voltaram, tão repentinamente quanto tinham se apagado.

Os dois estavam frente a frente, olhando-se com ardor. Embora o tivesse empurrado, Donald não a largara; apenas deixara de abraçá-la para segurá-la pelos punhos.

— Não sei do que está falando, mas posso imaginar... afinal, você é maldosa e brinca com os sentimentos das pessoas...

Seus lábios cerrados mostravam que ele estava fora de mim. Mas era impossível prever o que faria. Apertando ainda mais os braços dela, inclinou-se e beijou-a com força; seus dentes chegaram a ferir-lhes os lábios.

— Talvez seja isso o que você quer! — resmungou, antes de largá-la bruscamente e sair.

Jennifer ficou encostada à parede. Sentia-se fraca e desprotegida, incapaz de coordenar seus pensamentos. Não conseguia entender por que ele ficara tão bravo. Se alguém ali tinha motivo para encolerizar-se, era ela, pois Donald a usara para seu próprio prazer, e brincara com suas emoções ao dar-lhe um beijo. Não tinha o direito de fazer isso. Afinal, estava comprometido com Cassie!

Durante alguns minutos, manteve-se ali parada, sem vontade de mover-se. Por fim, afastou-se a passo lento e dirigiu-se para seu quarto. Agindo como um autômato, tirou a roupa, vestiu a camisola, escovou os dentes e deitou-se. Passou acordada boa parte da noite, pensando no que deveria fazer. Só tinha certeza de que, a partir daquele momento, não podia permanecer no arco-íres. Não agüentava ver Donald todos os dias e lembrar-se daquele encontro. Ainda mais, sabendo que ele se casaria com Cassie. Entretanto, não conseguia nem pensar em ir embora. Como poderia suportar a ausência definitiva de seu amado?

— Eu o odeio — disse para si mesma. — Ele não é melhor do que Cassie. Os dois se merecem.

Mas suas palavras não a convenciam. Seu coração disparava e se incendiava de ciúmes quando pensava que Donald estava nos braços de Cassie.

Chorava sem cessar e revirava-se na cama. A alta hora da madrugada, completamente exausta, acabou adormecendo.

Quando o dia clareou, a tempestade havia passado. Todos estavam contentes, mas Jennifer continuava entregue à sua própria dor. Fazendo um esforço para levar adiante os compromissos que assumira com os próprios colegas, vestiu-se e desceu para o café. Pouco depois, Linc foi sentar-se ao seu lado.

— Que tal irmos esquiar? — perguntou. — Pense bem, há uma montanha toda branquinha esperando a marca dos nossos esquis.

Ela sorriu e hesitou por um momento. Sempre ouvira dizer que era fascinante esquiar logo após uma tempestade. "Se for tão maravilhoso como dizem, talvez eu possa me distrair um pouco", pensou. "E, com Linc para me orientar, esta é realmente uma oportunidade excepcional, que não devo perder."

— Acho uma ótima idéia. — Tentou afastar sua tristeza e sorriu.

— Você está precisando se divertir. O chefe tem maltratado você... — comentou o rapaz, mas interrompeu-se, ao notar a expressão de desagrado no rosto dela. — Está bem. Não vamos falar nisso. Assim que terminar o café, arrume-se, e vá me encontrar em frente à loja de esqui. Vou pegar as estacas para marcar nosso caminho.

Logo depois que Linc saiu, ela acabou sua refeição matinal e foi para o quarto. Vestiu seu conjunto verde, que tanto comentário havia suscitado quando chegara ao Arco-íris. Naquele dia, a roupa parecera pouco apropriada para esquiar, mas agora ela havia melhorado tanto que já ninguém riria de sua aparência. Ainda não era uma grande esquiadora, mas já conseguia deslizar com relativa facilidade e até com certa graça.

Olhou-se no espelho e, num impulso, colocou o gorro cor-de-rosa. Não o usava desde que Linc o recuperara, esquiando em local proibido. Não poderia explicar por que o pusera agora, mas sentia que devia usá-lo. Tomou o cuidado, entretanto, de prendê-lo com um cachecol, pois não queria arriscar-se a perdê-lo novamente.

Havia pouco vento e os dois começaram a subir a montanha. O sol estava tão forte que Jennifer achou que estava agasalhada demais. Sabia, porém, que não adiantaria pedir-lhe que a esperasse, pois ele não a deixaria voltar para trocar de roupa.

— Vamos depressa. Do jeito que o sol está forte, é bom não perdermos tempo. Vamos tentar o pico do Mirante.

— O pico do Mirante? — perguntou, surpresa. Virou-se para contemplar o cume à distância, piscando várias vezes, por causa da claridade. Lá estava ele, majestoso e temível, inspirando-lhe, ao mesmo tempo, fascínio e medo.

— Não se preocupe. Vai conseguir. Afinal, depois das minhas aulas você já é uma profissional!

As palavras de Linc, acompanhadas por uma risada radiante, convenceram-na. Rindo também, ela pôs-se acompanhar suas largas passadas.

Por mais de uma hora, caminharam pela montanha até chegar a uma encosta bastante íngreme, que se puseram a escalar. Linc marcava o percurso com pequenas estacas. Subindo mais atrás, Jennifer suava tanto com aquele exercício cansativo que abriu o casaco.

— Hei, Linc! Onde está o profundo prazer de esquiar? Até agora, tudo que fizemos foi subir a montanha. Estou morrendo de cansaço.

— Espere só até começarmos a descer. Vai ser uma longa e linda descida. — Linc parecia incansável; nem sequer estava ofegante.

Jennifer não respondeu. Tinha de poupar o fôlego para terminar a difícil escalada, e já começava a fraquejar. Começou a ficar cada vez mais para trás, porém Linc não notou isso e continuou em seu caminho.

Quando chegou a determinado ponto, ele fez um grande contorno, evitando um dos paredões de neve. Jennifer, que havia parado um pouco para descansar e respirar profundamente, viu que o instrutor percorrera um semicírculo bastante amplo e depois prosseguia em linha reta. Achou, porém, que aquela curva era um desperdício de energia. Se continuassem caminhando sempre em linha reta, não dificultariam ainda mais aquela escalada já em si muito cansativa.

"Será que Linc não compreende que minhas forças são limitadas e que já estão quase no fim?", pensou. "Ele está tão fascinado pela beleza da manhã e da montanha que parece ter se esquecido completamente de mim. Mas não vou fazer essa volta estúpida e desnecessária. Não vou gastar minha preciosa energia à toa, não. Vou é fazer o caminho mais direto possível." Afastando-se da rota que Linc marcara com estacas, seguiu em frente.

Pouco depois, Linc virou-se para trás e gritou alguma coisa, mas ela não ouviu. No mesmo instante, um barulho ensurdecedor, como o de uma explosão, encheu os ares. Linc deu um salto e desapareceu. Jennifer foi jogada ao chão violentamente, e engolida por uma enorme massa de neve que desmoronava.

O barulho aumentava, deixando-a mais e mais atordoada. A palavra "avalanche" surgiu em seu pensamento, repetindo-se várias vezes. E ela foi levada por aquela confusão de neve em movimento. Percebia agora que Linc contornara um verdadeiro paredão de neve que havia na encosta. E ela caminhara bem sobre esse paredão, tirando sua estabilidade!

— Comece a nadar — disse para si mesma, batendo braços e pernas o mais que podia.

Mas estava sendo irremediavelmente varrida pela neve. Só conseguia manter a cabeça enrolada no cachecol, para que a neve não entrasse em suas narinas. Era um sofrimento terrível, uma agonia que parecia que não ia acabar nunca. E o barulho medonho crescia a cada instante, martelando seus ouvidos com mais força, até deixá-la completamente surda.

Jennifer era jogada de um lado para outro, sem o menor controle. Após uma eternidade, viu-se encalhada em algum lugar firme da encosta. A neve continuava a desmoronar por sobre sua cabeça.

Por fim, o barulho começou a diminuir e tudo ficou em silêncio. Jennifer tentou se levantar, mas estava simplesmente soterrada. A neve pesada pressionava suas costas, impedindo-a de fazer maiores movimentos. Tudo o que ela conseguiu foi mexer a cabeça para frente e para trás, vagarosamente. Assim, aumentava o espaço para, ao menos, respirar.

Cercada de neve por todos os lados, sentia-se congelar. Seu pesado conjunto de lã não lhe servia de nada naquelas circunstâncias. Tentando não entrar em pânico, procurou concentrar-se em sua própria respiração.

Pensava se Linc teria escapado. Estavam bem longe um do outro, quando tudo acontecera. Mas ela o vira ser arremessado no ar e desaparecer. Onde estaria nesse momento?

Então pensou em Donald. Agora precisava dele mais do que nunca. E no que poderia ser seu último suspiro, disse:

— Eu o amo, Donald. Com todo o meu coração, eu o amo.

Mas quem poderia ouvir sua dolorosa declaração naquele silêncio monstruoso?

 

Soterrada na neve, Jennifer perdeu a noção do tempo, mas esforçou-se ao máximo para não perder a consciência. Sabendo que dificilmente sairia dali sozinha, rezava com toda a sua energia para que alguém se aproximasse. Porém, seus ouvidos atentos não conseguiam captar o menor ruído naquela imensidão gelada. Chamou por Linc, mas não obteve resposta.

Sua respiração estava cada vez mais difícil. Era preciso que ela se concentrasse mais em manter o ritmo de seus pulmões. Não teria a menor chance de sobreviver se parasse de respirar por alguns instantes que fosse.

O frio a dominava por completo, congelando-lhe as pernas e os braços.

O que aconteceria se ninguém viesse salvá-la? Logo não teria mais capacidade nem de pensar. A friagem da morte começava percorrer seu corpo...

Algum tempo depois, ela pensou ouvir o latido de cães. Seria pura imaginação? Em sua prisão de neve, aguçou os ouvidos, mas tudo estava quieto. Então, perdeu a consciência...

Algumas horas ou alguns minutos mais tarde, nunca saberia dizer, voltou a si e julgou ouvir vozes humanas.

Uma delas disse:

— ... o gorro de Jennifer!

Seria uma voz de verdade, ou apenas um delírio provocado pela febre?

E outra voz sugeriu:

— Solte o cão da frente, treinado para salvamentos... Ela deve estar por aqui.

A voz de Donald! "Estou aqui! Bem aqui!", tentou gritar Jennifer, mas nenhum som saiu de sua garganta.

— Aqui está um esqui... — continuou a voz. — Dê o gorro para o cachorro cheirar. Depois o deixe cavar onde quiser. Ele saberá se estamos no lugar certo.

— Estou aqui... — Jennifer tentou falar novamente, e dessa vez conseguiu emitir um sussurro, que ninguém ouviu.

O ar estava acabando. Respirar tornava-se mais e mais difícil... Será que conseguiria respirar até que a encontrassem? Um tremor de medo percorreu seu corpo. Iria morrer antes de ver Donald mais uma vez?

Vagarosamente, com a suavidade de um floco de neve caindo, Jennifer perdeu os sentidos de novo. Viajou para um lugar onde não havia nem calor, nem frio. O tempo parara.

— Ela está viva!

— Vamos tirar você daí logo. Agüente só mais um pouquinho e mantenha a calma.

Agora ela podia ouvir claramente a voz de Donald, e sentia que ele cavava a neve que a cobria. Pouco depois, viu a mão dele bem em frente ao seu rosto, e ficou em pânico. Temia que ele, sem querer, bloqueasse o ar, já tão rarefeito naquele esconderijo gelado.

Pouco a pouco, a neve era retirada e ela recuperava a liberdade. Algum tempo atrás, quase se resignara o seu destino inevitável. Mas agora que estava prestes a caminhar livremente, mal agüentava esperar.

Talvez Donald tivesse percebido sua aflição, pois começou a falar com ela, enquanto cavava:

— Mikki é ótimo — disse, referindo-se ao cão que a salvara. — Treinei-o intensivamente para localizar uma pessoa soterrada na neve. Graças a ele é que estamos aqui. Mikki também foi treinado para parar de cavar quando há perigo de machucar a pessoa com suas patas.

Por fim, retirara a quantidade suficiente de neve para poder resgatá-la. Então, colocou as mãos sob os braços dela, puxou-a suavemente e colocou-a num cobertor estendido.

— Obrigada por... me... salvar... — conseguiu murmurar.

— Poupe seu fôlego, querida.

A voz dele era segura e calma. Suas mãos tateavam-na cuidadosamente, para ver se algum osso se quebrara. Ela tremia tanto, que mal sentia seu toque.

— Ainda bem — disse ele ao terminar o exame. — Parece que não aconteceu nada, além do susto e da friagem. Se Cassie não tivesse visto vocês dois subindo, antes da avalanche... — Fechou os olhos, como que para espantar o pensamento. Não queria imaginar o que poderia ter acontecido.

Então Cassie o avisara que os dois estavam perdidos! Não importava por que contara, e sim que sua informação permitira que Donald lhe salvasse a vida.

Em sua angústia, Jennifer se esquecera de Linc. Agora pensava nele e temia por sua sorte.

— E Linc? Ele está...?

— Já mandei Joe com Mikki procurá-lo — respondeu Donald, pegando-a nos braços para colocá-la no trenó. Depois a embrulhou em outros cobertores e amarrou-a no' trenó rapidamente. — Tenho de levá-la logo para uma cama quente, para que você pare de tremer.

Jennifer voltou à estação quase desacordada. Só ouvia vagamente os latidos dos cães e as ordens de Donald, que gritava e manobrava o trenó com extrema firmeza.

Já na estação, ela teve a impressão de que rostos ansiosos a olhavam. Também pensou ouvir Donald dizendo que ela estava bem, que não se machucara seriamente; e que Linc seria logo resgatado.

Donald carregou-a com tanta suavidade pelo corredor, que Jennifer adormeceu. No momento em que ele a, colocou na cama, ela recobrou a consciência. Conseguiu ao menos notar as cores do quarto, cores de outono, audaciosas e masculinas.

— Quero... ir... para... meu... quarto — balbuciou, num fio de voz.

— Fique quietinha. Seu quarto está a um quilômetro daqui. Tenho de aquecê-la imediatamente.

Com uma das mãos ele segurou sua cabeça, e com a outra lhe tirou as roupas congeladas. O conjunto verde estava cheio de neve. Sua blusa estava congelada e colada aos seios. Mas ao menos cobria sua nudez, e Jennifer segurou-a com um gesto fraco.

— Esqueça o pudor agora. Você vai morrer de pneumonia se eu não a aquecer rapidamente.

Donald acabou de tirar sua blusa de jérsei, e ela se encolheu toda, nua e trêmula. Mas ele parecia nem ver sua nudez. Estava preocupado demais com sua saúde para contemplar sua beleza.

Aconchegou-a entre os lençóis e cobriu-a com uma porção de cobertores. Depois, tirou suas próprias botas e a jaqueta, deitou-se ao seu lado e abraçou-a com cuidado. Tentava aquecê-la com seu próprio corpo.

Logo ela sentiu o calor voltando, e relaxou um pouco. Por algum tempo, ficou calma naqueles braços quentes, beneficiando-se com a massagem revigorante que as mãos dele faziam em suas costas.

Mas, aos poucos, o contato de Donald despertou-lhe o desejo. Assim como lhe voltavam as forças, reacendia-se também sua paixão. Será que ele não percebia o que estava fazendo?

Jennifer tentou acalmar-se, mas seu corpo a traiu, pois começou a vibrar sob aquele toque ardente, que logo se transformou em carícias irresistíveis. Ela abriu os olhos e viu uma ternura inesperada na expressão de Donald, que se curvou para beijá-la longamente. Uma emoção incontrolável invadiu-a, e ela retribuiu ao beijo com ardor.

De repente, ouviram uma voz, vinda da porta aberta.

— Então é assim que você o agarra! Está louca para tirá-lo de mim, não é? — gritou Cassie, soltando uma risadinha estridente. Em seguida, correu para o corredor.

— Espere! — gritou Donald, saltando da cama no mesmo instante e correndo para a porta. — Não vá embora desse jeito! — Saiu do quarto e desapareceu.

Jennifer ficou sozinha, tremendo de ódio daqueles dois. Lembrou-se, então, de que, fossem quais fossem os motivos deles, havia salvado sua vida. Isso, porém, não a impedia de censurar Donald por ter tentado, fazer amor com ela, estando comprometido com Cassie. E ela participara da traição.

Não sabia a quem culpava mais, se a Donald ou a si própria. Não importava o que pensasse sobre Cassie, nunca se colocaria entre os dois. O homem que ela amava pertencia a outra mulher. E essa outra mulher contribuíra para resgatá-la das garras da morte.

Jennifer não poderia mudar a situação existente. Mas poderia tomar todo o cuidado para não errar novamente. Nunca mais deixaria aquele homem pôr as mãos nela. Só assim conseguiria afastar a tentação de cair nos braços dele. Com essa decisão em mente, levantou-se, enrolou-se no lençol e saiu pelo corredor. Ficou aliviada por não ter encontrado ninguém até chegar à privacidade de seu quarto. Graças a Deus, não dividia mais o quarto com Cassie!

Tão logo entrou, trancou a porta e jogou-se na cama. Foi só então, bem agasalhada sob os cobertores, que percebeu o quanto estava exausta. Apesar de todos os pensamentos confusos, caio num sono profundo.

Algum tempo depois, acordou com uma batida persistente na porta.

— Jennifer! — Era a voz de Donald, mas ela se recusou a responder.

— Por favor — continuou ele. — Abra a porta. Preciso falar com você. Por favor.

— Vá embora — gritou ela por fim.

— Jennifer!

— Eu odeio você! Não quero vê-lo nunca mais.

De repente fez-se silêncio do outro lado da porta. Alguns instantes se passaram, e ela ouviu o ruído de passos afastando-se no corredor. Donald levara a sério suas palavras e fora embora. Talvez para os braços de Cassie, a quem pertencia por livre escolha.

Apesar de seu cansaço, Jennifer passou toda a noite chorando, antes de finalmente adormecer.

Quando acordou na manhã seguinte, sentia como se todo o seu corpo estivesse quebrado. Com grande esforço, levantou-se, e a primeira coisa que fez foi olhar-se no espelho: estava pálida e tensa.

Abriu o armário, procurando uma roupa que melhorasse sua aparência; experimentou três conjuntos e rejeitou-os de mau humor. Por fim, escolheu uma malha cor-de-rosa e uma calça cor de vinho. Depois colocou um cachecol no mesmo tom da malha, cobrindo parte de seu cabelo sem brilho. Não tinha forças para lavá-lo agora.

Quando chegou ao refeitório, percebeu que havia novos hóspedes na estação. Logo que encontrou alguém conhecido, perguntou sobre Linc.

— Ah, ele conseguiu se livrar a tempo. É preciso mais que uma avalanche para acabar com aquele garoto. — Nick olhou-a, preocupado. — Para dizer a verdade, ele parece mais em forma do que você. Tem certeza de que não quer ficar na cama?

— Ficarei boa logo que tomar meu café — mentiu ela, e retomou o assunto: — O que aconteceu a Linc? Ele se machucou?

— Só quebrou uma perna. Foi levado para o hospital.

— Oh! Que coisa horrível! Ainda mais para um instrutor de esqui! — exclamou, penalizada. Mas logo ponderou: — Bem... poderia ter sido muito pior.

— Pode ter certeza. Uma avalanche não é brincadeira. Ah, isso me lembra uma coisa: o chefe quer ver você no escritório, o mais rápido possível. E pela expressão dele, acho melhor você não perder tempo.

Jennifer agradeceu e foi buscar seu café. Mas a ultima notícia a deixara sem apetite. Então, Donald queria vê-la imediatamente Com certeza estava bravo por que ela se recusara a abrir-lhe a porta na noite anterior. Na véspera, a raiva dera-lhe força, para expulsá-lo. Mas agora, sua coragem derretera como a neve. Como poderia enfrentá-lo?

Sem sequer tocar em sua xícara de café, ela saiu do refeitório e dirigiu-se para a sala do chefe, andando lentamente, como se marchasse para o cadafalso. Quando entrou no escritório, encontrou-o sentado à mesa. Como de hábito, ele não ergueu os olhos. Ela ficou parada e muda, admirando sua camisa bege que contrastava harmoniosamente com sua vasta cabeleira ruiva.

Depois de algum tempo, ele a olhou de alto a baixo, com uma expressão tão acusadora que a fez estremecer. Tinha o olhar bem duro, quando queria. Por fim, falou:

— Está feia como o diabo, esta manhã.

— E o que você queria? — A raiva subiu-lhe à cabeça. — Que eu ganhasse um concurso de beleza depois de ter sido soterrada por uma avalanche?

Donald levantou-se e aproximou-se. Ela se sentiu insignificante diante daquele corpo enorme.

— Queria que você tivesse o bom senso de ficar longe dos perigos. Aquele paredão de neve...

— Eu não sabia que ia desmoronar! Não tinha a menor idéia!

— Então não tinha nada que subir até lá!

— Olhe aqui, posso ter parte da culpa, mas não vou levar a culpa toda! — Estava quase gritando, mas não conseguia se controlar. — Linc...

— Você não seguiu o caminho marcado por Linc, que contornou o lugar perigoso. Ele me contou como foi. Contou como você seguiu seu próprio caminho. Você foi cabeça-dura...

— Eu estava muito cansada e achei que era bobagem desperdiçar energia com aquele desvio. Agora sei que fui idiota, mas Linc foi também, por exigir mais do que eu podia. Posso dividir o castigo, mas não vou aceitá-lo sozinha!

— E quem disse que você seria castigada? Ou que eu lhe jogaria toda a culpa? — Ele cerrou os dentes.

— Bem... Eu pensei...

— Linc quebrou a perna. Ficará fora de circulação até o fim da temporada. Não acha que é castigo suficiente para alguém que vive de esquiar? — perguntou, virando-se para olhar pela janela, atrás da mesa. Depois, sem se voltar, prosseguiu: — Agora, pelo amor de Deus, vá descansar. Está escrito em seu rosto que você precisa de repouso. Não deve pôr os pés fora do quarto até amanhã. E não deve sair da estação até depois de amanhã. Entendeu? Vou mandar servir-lhe as refeições em seu quarto.

Ele sentou-se novamente, pegou uns papéis e começou a lê-los, como se Jennifer não existisse. Parecia tê-la esquecido completamente. Só quando ela se virou para sair, ele disse:

— Aqui está seu gorro.

— Obrigada — respondeu, olhando fixamente para sua mão estendida. — Não o quero mais.

— Ah, não? — Ele franziu a testa.

— Nunca mais quero ver isso. — Ela pegou o gorro, jogou-o na cesta de lixo e saiu. De alguma forma, era como se tivesse tentado jogar fora o próprio amor que sentia por Donald.

Como se não bastasse seu compromisso com Cassie, o chefe agora demonstrara claramente que a detestava ainda mais. Não deixara dúvidas de que considerara uma estupidez o que acontecera com ela na encosta. "E ainda teve a coragem de dizer que eu estava horrível!", pensou Jennifer, voltando para seu quarto, furiosa. Assim que fechou a porta, jogou-se na cama, sem ao menos trocar de roupa, e não demorou a adormecer. Ficou deitada o resto da manhã, dormindo e acordando a todo instante.

Sonhos agitados a perturbavam. Ao despertar, olhou para as paredes, amaldiçoando Donald.

Como ele prometera, um empregado levou-lhe o almoço no quarto, mas ela estava tão nervosa e deprimida que mal tocou no alimento. Depois de ingerir um pedaço de carne, tomou um pouco de leite e voltou a dormir.

Acordou no meio da tarde, sentindo-se fisicamente melhor. A raiva, entretanto, ainda não passara.

— Ele não tem o direito de me manter prisioneira neste quarto — resmungou, ansiosa por sair daquelas quatro paredes.

Não ousou, porém, desobedecer a ordem do chefe. Resolveu, então, tomar um banho demorado e lavar o cabelo. Foi uma decisão sóbria, pois, ao sair do banheiro, estava bem mais calma.

Não se considerava mais uma funcionária da Estação Arco-íris, pois havia renunciado ao cargo de coordenadora de atividades. Mas não sabia explicar a si mesma por que continuava ali. Tinha de ir embora, e estava adiando o momento da partida, como se esperasse um milagre. "O que ele vai fazer depois que eu me despedir para sempre? Será que um dia se lembrara de mim?", perguntou-se, ao mesmo tempo em que se esforçava para não pensar mais naquele homem.

No segundo dia depois da avalanche, Jennifer saltou da cama tão logo despertou. Sentia-se mais forte e bem disposta, e não desejava ficar mais nem um minuto no quarto. Rapidamente lavou o rosto, escovou os dentes, vestiu sua calça de xadrez vermelha e preta e uma malha vermelha.

Ao pentear-se, olhou com atenção para o espelho. Seu rosto estava mais corado e seu cabelo brilhava muito. Com certeza não tinha mais o aspecto que Donald criticara.

Saiu para o corredor e dirigiu-se para o saguão, que encontrou completamente vazio. Olhou então pela janela e viu várias pessoas esquiando. Era evidente que o chefe não precisava mais dela. Tudo corria muito bem sem seus préstimos.

A porta do escritório de Donald estava fechada, e Cassie não estava no balcão da recepção. Jennifer não quis pensar na possibilidade de os dois estarem juntos. Dirigiu-se ao refeitório, encheu sua bandeja e sentou-se no salão vazio. Esforçando-se para afastar os pensamentos tristes, comeu com apetite, pois tudo lhe parecia delicioso: desde o café bem quente até o bacon com ovos.

Enquanto comia, tomou uma decisão: uma vez que agora era hóspede, trataria de aproveitar tudo o que o Arco-íris oferecia. Permaneceria ali até que seu dinheiro acabasse, e não perderia uma só oportunidade para esquiar.

"Donald não tem nada a ver com a minha resolução", pensou, tentando convencer-se de que não choraria no momento de partir, nem se importaria por nunca mais o ver.

"Agora vou esquiar", disse consigo mesma, levantando-se para colocar sua bandeja sobre a pia. Em seguida dirigiu-se para o quarto, a fim de vestir seu pesado casaco verde.

Donald ordenara-lhe que ficasse lá dentro, mas tinha subestimado sua capacidade de recuperação. Além disso, não mandava mais nela.

Ao abrir o armário, Jennifer verificou que seu conjunto verde não estava ali. Procurou-o em todos os lugares possíveis, mas não o encontrou. E não podia sair com aquela roupa leve, pois o frio estava intenso.

Ficou parada no meio do quarto, tentando entender o que teria acontecido. Após alguns minutos, lembrou-se de que deixara a roupa verde no quarto de Donald, que, obviamente, se esquecera de devolvê-la. Então era assim que ele garantia obediências às suas ordens!

— Aquele atrevido, prepotente, arrogante... — disse, em voz alta. Estava com tanta raiva que nem conseguiu xingar mais.

Passou o resto do dia dentro da estação, mas não viu o chefe. Escutou, porém, o latido de seus cães e deduziu que ele estaria lá fora.

Sentia-se estreitamente vigiada. Os instrutores de esqui entravam e saíam a toda hora, acenando para ela. "Será que Donald os encarregou de fiscalizar meus atos?", pensou. "Que desconfiança mais feia!"

Naquela noite, todos se agruparam perto da lareira e puseram-se a conversar sobre suas experiências na neve. Jennifer sentiu-se rejeitada e ainda mais solitária do que estivera durante o dia, que passara andando o tempo todo no salão.

De repente, descobriu um grupo que planejava esquiar no gelo e resolveu participar. O instrutor que iria conduzi-los olhou para ela, preocupado:

— Tem certeza de que pode ir?

— Claro. É como quando a gente cai de um cavalo. É preciso montar logo de novo, para não ficar com medo.

Diante de seu argumento, ele concordou com relutância, e Jennifer inscreveu-se para o passeio. Há dias não se sentia tão confiante.

Pouco depois, ao voltar para o quarto, encontrou seu conjunto verde novamente no armário. Estava limpo e consertado. Ela riu de prazer, mas logo começou a perguntar-se quem teria mandado consertá-lo. Não acreditava que Donald fosse capaz de tanta consideração. "Bem, seja lá quem for, fez-me uma grande gentileza."

Preparou-se para dormir, contente com a expectativa do passeio. Quando pegou no sono, entretanto, não foi o esqui que compareceu ao seu sonho, mas Donald. Ele conduzia os cães e seu cabelo brilhava ao sol.

O dia mal clareava quando ela despertou, feliz da vida por voltar a esquiar. "Desta vez", pensou, "seguirei cuidadosamente as marcas do caminho. Será como se só um esquiador tivesse passado pela trilha".

Depois do café da manhã, juntou-se ao grupo, composto por seis pessoas de várias idades e mais o instrutor. Todos estavam animados e vestiam roupas coloridas. A maioria não tinha muita experiência. Por isso, o instrutor conduziu-os, em fila, para uma pista fácil. Logo, porém, a subida tornou-se íngreme, exigindo maior esforço do pessoal. Alguns começaram a andar mais devagar.

A princípio, Jennifer caminhou com facilidade, seguindo de perto o esquiador à sua frente. Mas logo descobriu que os dois dias de descanso não tinham sido suficientes. Começou a ficar para trás. Um pouco mais tarde, teve de pedir para pararem. O caminho ficara ainda mais íngreme, e suas pernas doíam demais.

O instrutor cumpriu à risca a recomendação de Donald: se uma pessoa pedisse para parar, todos deveriam parar. E assim, os outros esquiadores aproveitariam para descansar também.

Não havia um lugar seco onde pudessem sentar. Tudo estava coberto de neve. Mas só o fato de deter-se por alguns momentos já constituía um descanso.

O instrutor distribuiu uns docinhos, feitos com nozes, frutas secas e coco. Enquanto comiam, ouviram os latidos dos cães siberianos trazidos pelo vento. Jennifer virou-se rapidamente na direção do som. Tinha certeza de que Cassie estaria com Donald. Tentava convencer-se de que o lugar de Cassie era ao lado dele, pois, afinal, estavam noivos. Mas aquele pensamento era como uma espinha de peixe atravessada em sua garganta.

O trenó, porém, não apareceu e o grupo logo começou a andar novamente. Para Jennifer, o passeio perdera a graça.

Meia hora depois, acabaram encontrando o trenó, e ela se viu frente a frente com Donald. Cassie não estava ao seu lado, nem em parte alguma ali por perto.

Por alguma razão que Jennifer não conseguia descobrir, ele desceu do trenó e caminhou em sua direção. Imediatamente, o instrutor parou o grupo com um sinal.

— O que você está fazendo aqui? — perguntou-lhe Donald.

— Agora sou uma hóspede como qualquer outra — respondeu, ela, encarando-o de cabeça erguida. — Posso esquiar quando bem entender.

— Não no terceiro dia depois de um acidente tão grave como o que você sofreu.

— Cheguei até aqui muito bem. E posso continuar até o fim. — Esperava que sua voz não traísse seu cansaço. Recusava-se a admitir na presença dele que estava exausta.

— Tire seus esquis e vá para o trenó — ordenou ele, sem lhe dar ouvidos.

Os cães esperavam com impaciência, latindo sem parar. Queriam que seu dono recomeçasse a corrida na neve.

Jennifer fez menção de desobedecer. Mas os outros esquiadores começaram a encorajá-la.

— Você não vai desperdiçar uma chance de andar de trenó, vai? — gritou um deles.

— Se não quiser, pode deixar que eu vá no seu lugar — exclamou outro.

Ela não queria fazer uma cena. Estava cansada de ser o centro das atenções. Assim, deu de ombros resignadamente e inclinou-se para tirar os esquis.

Quando se ergueu, achou que poderia caminhar facilmente pela neve até o trenó. Donald, porém, já estava ao seu lado; pegou-a nos braços e colocou-a suavemente sobre o banco do trenó. Depois, agasalhou-a com alguns cobertores e murmurou:

— Quer que meus cães e eu passemos o resto de nossas vidas tomando conta de você?

— Você salvou minha vida antes e estou muito agradecida. Mas desta vez eu não precisava de ajuda nem pedi para ser salva.

O grupo já continuava seu caminho. Enquanto ia apanhar os esquis de Jennifer, Donald falou, sem se virar:

— Talvez não precisasse ser salva ainda. Mas não ia demorar muito até que precisasse. Logo teria de ser ajudada pelos outros esquiadores. E isso podia colocar todos em perigo. Será que não percebe que seu acidente foi muito sério?

Ele pegou os esquis e bateu-os um no outro para tirar a neve. Jennifer ouviu o barulho e pensou: "Ele gostaria de estar batendo em mim".

Sem dizer mais nada, Donald amarrou os esquis no trenó. Depois, pegou as rédeas, ajustou a direção e gritou para os cães:

— Vamos!

Eles só aguardavam essa ordem para sair a galope. Tinham energia de sobra para gastar e detestavam ficar parados.

Sob o comando seguro e firme do dono, os cães deslizavam com muita velocidade. Seus latidos eram como uma música selvagem em meio ao silêncio das montanhas. Jennifer, que pela primeira vez andava de trenó, teve de segurar-se com toda força para não cair.

A paisagem era quase inteiramente branca. Só alguns pinheiros e certas árvores sempre verdes colocavam um i toque colorido naquela alvura.

Embora .Jennifer quisesse sentir raiva de Donald, não.| conseguia. Não podia deixar de aplaudir a habilidade com que ele conduzia o trenó, contornando os troncos caídos j muito antes de aproximar-se. Ele, os cães e o veículo moviam-se como se fosse uma única peça no cenário! imaculado.

Donald parecia nem se lembrar da presença de Jennifer, que aproveitou a oportunidade para, mais uma vez, i admirar seus cabelos vermelhos como o fogo, o contorno' do rosto bem delineado, as narinas dilatadas e os olhos brilhantes de excitação. Receando, porém, que ele percebesse seu interesse, esforçou-se para olhar para o outro, lado. Tinha medo de denunciar seu amor. "Por que não| consigo deixar de amar esse homem?", perguntou-se mais ; uma vez, desesperada.

Algum tempo depois, notou que estavam subindo a; montanha, embora a estação ficasse mais abaixo.

— Para onde estamos indo? Talvez ele não tivesse ouvido. Ou talvez simplesmente não quisesse responder. Ela ainda abriu a boca para repetir a pergunta, mas desistiu.

Por fim, chegaram a uma pequena cabana, feita de pedra bruta. Rodeada de neve alta e espessa, parecia deserta. Jennifer nunca a havia visto, mas sabia que estava bem longe da estação.

Donald fez os cães pararem, desceu do trenó e amarrou as rédeas num poste, ao lado da porta.

— O que estamos fazendo aqui? — perguntou ela.

— Esta cabana é um abrigo para alpinistas e esquiadores. Os cães precisam descansar, embora não queiram muito. E eu tenho alguns assuntos para esclarecer com você.

"O que acontecerá se eu concordar em ficar nessa cabana com ele?", pensou, verificando que sua consciência começava a brigar furiosamente contra seu desejo.

Ele andou até a porta da cabana e pegou uma pá que estava pendurada na parede. Em seguida, com movimentos firmes e rápidos, começou a remover a neve do caminho. Instante depois, abriu a porta e recolocou a pá no lugar.

— Vamos entrar e acender a lareira.

De seu lugar no trenó, ela olhou para dentro da cabana. Parecia que um nó lhe fechava a garganta, impedindo-a de proferir um som.

"Se eu ficar no trenó nenhum de nós terá problemas", pensou. Lembrou-se de Cassie e de sua dívida de gratidão para com ela. Afinal, a moça salvara sua vida.

Donald olhava-a com a testa franzida, esperando sua resposta, mas ela parecia nunca se decidir a sair do trenó. Por fim, ele caminhou novamente em sua direção.

— Não vou raptá-la. Só quero esclarecer algumas coisas com você — disse, inclinando-se para pegá-la nos braços e carregá-la até a cabana.

"O que será que ele quer esclarecer?", perguntou-se Jennifer, apavorada. "Seja lá o que for, tenho certeza de que vou sair disso ainda mais magoada." Não conseguia parar de tremer; ao contrário, agitou-se convulsivamente quando Donald cruzou o umbral e fechou a porta atrás de si.

 

Embora quisesse negar, Jennifer sentiu um prazer enorme ao ser levada nos braços de Donald para a cabana. Sorriu ao lembrar-se da velha tradição de o noivo carregar a noiva para o novo lar.

Mas o sorriso desapareceu rapidamente de seus lábios quando pensou que não era a noiva de Donald. Cassie já fora escolhida para aquele papel. Com um leve suspiro, encostou a cabeça no ombro dele. Queria sonhar durante alguns momentos, antes de ser colocada no chão.

O interior da cabana estava escuro, principalmente em comparação com a paisagem branca lá de fora. Jennifer puxou o cabelo para trás e piscou várias vezes, tentando adaptar a vista à penumbra. Ainda estava tremendo de frio e de emoção. Donald deixou-a perto da lareira e saiu.

O silêncio era quase absoluto, não fosse um ou outro uivo dos cães siberianos, que pareciam aumentar a vastidão daquela quietude.

Assim que seus olhos se acostumaram à escuridão, Jennifer pôde observar a sala. Havia duas pequenas janelas ao lado da lareira, através das quais viu Donald pegando lenha para acender o fogo.

O aposento tinha aquela umidade típica de lugares desabitados. Mas exalava um suave perfume de pinho, misturado ao cheiro de fumaça.

Alguns bancos de madeira, do tamanho de camas, estavam encostados em outra parede. Eram diferentes de todos os que ela já vira, e por isso chamaram sua atenção. Eram feitos à mão, com troncos de pinheiros, e deles provinha àquela fragrância sutil, que enchia o ambiente. Almofadões de couro trançado faziam às vezes de colchões.

Jennifer sentou-se num deles, ouvindo o couro ranger, e pôs-se a esperar por Donald. Estava ansiosa para saber que tipo de coisa ele desejava esclarecer.

Ele entrou quase em seguida e dirigiu-se para a lareira. Depositou a lenha e voltou-se para ela, com um largo sorriso.

— É uma idéia brilhante, não é? Os pequenos quadrúpedes da floresta teriam feito picadinho de um colchão de pano, mas esses de couro não lhes dão a menor chance. Além disso, são bastante confortáveis para os esquiadores e alpinistas que costumam dormir aqui; só precisam trazer cobertores.

— Você quer dizer que... As pessoas realmente ficam aqui? Nós também vamos...?

— Você preferiria dormir na neve?

— Eu não... — Ela engoliu em seco e levantou-se. — Mas não posso ficar aqui com você.

Não ousou dizer: "Não confio em você. E não confio em mim mesma".

— Quem foi que lhe pediu para passar a noite aqui? Eu só disse que, se você estivesse esquiando ou praticando alpinismo, e fosse colhida por uma tempestade, teria um bom lugar para se abrigar.

Com um movimento rápido, ele se virou e empenhou-se em acender a lareira, não lhe -dando chance de responder. Na verdade, ela não conseguira encontrar uma resposta satisfatória. Donald sempre dizia alguma coisa com duplo sentido. E ela sempre caía na armadilha como uma boba. Mas dessa vez a armadilha existira realmente ou não passara de fruto da sua imaginação?

Embaraçada, voltou a observar o interior da cabana. O soalho era feito de pedras, que, colocadas lado a lado, formavam um desenho indefinido. Alguns armários estavam abertos, mostrando um estoque de comida enlatada e saquinhos de feijão, arroz e macarrão.

Olhando pela janela, ficou aliviada ao ver que o sol ajuda brilhava lá fora. Assim, poderiam voltar para a estação bem antes de escurecer.

O fogo da lareira estava pegando agora. Chamas azuis e alaranjadas crepitavam ao redor da lenha. O calor já se espalhava pela sala.

Donald ficou em pé e tirou a jaqueta. Jennifer abriu o casaco, mas não o tirou. Ele veio sentar-se ao seu lado.

— Não temos almofadas de pano por causa dos hóspedes de quatro patas que de vez em quando aparecem por aqui — explicou. O perfume de sua loção após barba deixou a perturbada. Mas principalmente sua proximidade representava um perigo para ela, que se levantou depressa, talvez até depressa demais.

— Perto da lareira é tão confortável quanto aqui, e tem a vantagem de ser muito mais quente. Ainda estou tiritando de frio — disse, tentando justificar-se.

A desculpa pareceu-lhe fraca, mas não conseguira inventar outra melhor. Sentindo o olhar zombeteiro de Donald, atravessou o pequeno aposento e foi sentar no chão, perto da lareira. Abraçou as pernas e ficou olhando as chamas.

Ao fim de alguns minutos, estava suando. Sem se levantar, começou a tirar o casaco, mas a posição em que se encontrava não lhe permitia muito movimento. Percebendo sua dificuldade, Donald levantou-se e foi ajudá-la. X Depois, sentou-se ao lado dela.

Jennifer estremeceu. Saíra de perto dele porque sabia que não poderia controlar suas emoções. E agora ele vinha ficar ali, tão perto que lhe bastaria estender a mão para tocá-lo.

Sem desculpa para mudar de lugar mais uma vez, ela ficou olhando para o fogo, incapaz de dizer uma palavra. Passaram algum tempo em silêncio, ouvindo apenas o crepitar das chamas.

— Sei que você não é completamente indiferente a mim — disse ele, de repente. — Já percebi, várias vezes, que mexo com suas emoções, assim como você mexe com as minhas.

Ela abraçou com mais força as próprias pernas, tentando dissimular o tremor que tomava conta de seu corpo.

— Mas, de repente — continuou ele —, sinto que você reuniu suas forças para lutar contra mim, para me tirar do seu pensamento. Talvez até da sua vida. Ê por que está apaixonada por Linc?

Ela virou o rosto para encará-lo, arregalando os olhos, com verdadeira surpresa.

— Apaixonada por Linc? Você deve estar louco! Nunca me apaixonei por ele. De onde tirou essa idéia?

Donald sorriu, mas não olhou para ela. Depois deu de ombros:

— Bom, ele lhe deu aquele gorro cor-de-rosa. E Cassie disse...

"Então ele pensava que o gorro de Linc era importante para mim...", constatou ela.

— Cassie! — exclamou, em voz alta. — Como você pode acreditar em todas as mentiras que ela diz? Como...

— Interrompeu-se, lembrando-se de que Cassie era a mulher com quem ele iria se casar.

Diante de sua interrupção, ele voltou-se para olhá-la. E, por um bom tempo, hipnotizou-a com a força daqueles olhos de safira.

"Consegui de novo que me odiasse. Agora ele sabe o que eu penso sobre a sua preciosa Cassie." Jennifer estava inteiramente trêmula.

Por fim, Donald disse com voz suave:

— Você não gosta de Cassie, não é?

"Acho que ela não merece um só de seus sorrisos, muito menos o seu amor!", pensou, mas sabia que, evidentemente, não podia dizer-lhe tal coisa. Assim, permaneceu em silêncio.

— Cassie é realmente muito complicada — comentou-o. — Sabia que foi ela quem consertou seu conjunto de lã verde?

— Cassie! Mas pensei... Pensei que você...

— Eu lhe sugeri que o consertasse, e ela concordou.

— Fez uma pequena pausa, antes de continuar: — Sabe, acho que devo lhe falar sobre ela. Então, talvez você a compreenda.

Jennifer teve vontade de dizer que já compreendia muito bem Cassie, porém, mais uma vez, preferiu ficar calada. Uma observação como essa só faria Donald perceber seu ciúme. E era tarde demais para revelá-lo: o ciúme não mudaria nada.

Estava tão absorta em seus pensamentos que, quando voltou a prestar atenção no que ele dizia, ouviu só o final de uma frase.

— ... fugir do marido e do bebê.

— Marido... bebê... Cassie... é... casada? E tem um filho?

— Exatamente. Ela era muito jovem quando se casou. Não teve chance de aproveitar a juventude. E não estava preparada para assumir tantas responsabilidades ao mesmo tempo. Assim, acabou por abandonar tudo. — Fez um gesto com as mãos, demonstrando sua consternação. — Agora, o marido quer que ela volte e me pediu que a convencesse a assumir a vida de casada. Cassie e eu tivemos conversas muito sérias. Acho que ela está pronta para voltar. Sente saudades do bebê e já aproveitou bastante aqui no Arco-íris. Agora, a toda hora ela fala no marido. É um ótimo rapaz...

— Então por que ela disse que ia se casar com você?— perguntou Jennifer, sem poder acreditar em toda aquela história.

— Cassie disse que ia se casar comigo?

— Disse. E disse que vocês dois iam à cidade escolher as alianças de noivado.

— É bem típico daquela maluquinha... — o comentou, rindo.

— Pois não acho graça nenhuma nas mentiras dela! Donald virou-se e segurou-lhe as duas mãos. Ela tentou esquivar-se, mas acabou cedendo.

— Você precisa compreender que Cassie é muito insegura. Ela só confia em mim. Creio que tem medo de perder meu apoio, e por isso se torna tão possessiva.

— Tão possessiva que fica por aí se vangloriando de que você a ama. — Sabia que dissera palavras ásperas, mas não fora capaz de evitar.

— E.eu a amo realmente. Não no sentido que você pensa, nem como ela apregoa. Amo-a como a uma irmã, e acredito que consegui ajudá-la em momentos difíceis.

Mas agora acho que já é tempo de ela resolver seus problemas sozinha. E quero vê-la fazer isso. Pedi a seu marido para vir ao Arco-íris e ficar alguns dias, aproveitando as férias. Espero que os dois voltem juntos para casa.

Jennifer estava tão envergonhada que não podia encará-lo. Baixando a cabeça, murmurou:

— Acho que fui muito dura com ela, condenando-a sem saber de sua história. Afinal, se não fosse por ela, você não saberia que Linc e eu estávamos sob a avalanche. Fiquei realmente agradecida a Cassie.

— Você pode ajudá-la também. Ela precisa de amigos.

— Vou tentar.

— E pode me ajudar também. É duro ficar sozinho, tentando manter todo mundo feliz. Principalmente quando ficamos presos na estação, por causa da tempestade. Muitas vezes, tenho de agir como um pai com as pessoas que trabalham comigo. E como mãe também. Sou uma mãe bem medíocre, mas... — Ele riu e, depois de uma breve pausa, respirou fundo. Então prosseguiu: — Preciso de uma companheira que me ajude a conduzir não só a estação, mas a minha vida.

Donald estava olhando para o fogo. Não havia a menor expressão de riso em seu rosto.

— E essa companheira não pode ser Cassie? — perguntou Jennifer.

— Claro que não! Nunca foi sequer uma candidata. Ela tem potencial, não posso negar. Mas o rapaz com quem é casada é melhor para ela. 'E espero tê-la convencido disso. Não, nunca poderia ser Cassie... No entanto...

Jennifer esperava a conclusão da frase, mas ele se calou. O fogo ficou mais forte. As fagulhas iluminaram seu rosto sombrio. Ele estava sentado muito perto dela, porém seu coração ainda estava distante.

Incapaz de suportar aquele suspense por mais um segundo sequer, ela perguntou:

— Mas você tem alguém em mente?

Ele ainda olhava as chamas, quando finalmente respondeu. Havia muita suavidade em sua voz ao pronunciar uma única palavra:

— Tenho.

Novamente o silêncio se instalou entre eles, interrompido apenas pelo crepitar da lenha na lareira. Emocionada demais, Jennifer levantou-se ao fim de alguns instantes.

— Acho que devemos voltar à estação. Talvez você não queira falar sobre essa garota.

— É, acho que é melhor voltarmos.

Ela nunca o vira tão seco. Aparentemente, a garota não correspondia ao seu amor. "Deve ser uma idiota!", pensou, inconformada. "Ele é tudo o que se pode desejar. E a garota que não perceber isso, ou é boba... ou é cega!" Virou o rosto para que ele não visse sua expressão. "Quem será essa garota desconhecida que conquistou o amor de Donald?"

Tinha de sair logo daquela cabana, antes que se traísse e revelasse toda a intensidade de seus sentimentos por um homem que amava outra mulher. Pegou o casaco, vestiu-o e fechou-o com firmeza. Depois, dirigiu-se para a porta, colocou a mão no trinco e voltou-se para Donald. Ele continuava sentado junto à lareira, olhando-a fixamente.

— Precisamos ir embora.

Ele suspirou pesadamente e levantou-se.

— O fogo está tão bom... Logo a cabana estará tão quente quanto seu próprio quarto. É uma pena termos de sair nesse frio.

— Não há razão para ficarmos.

"Por que ficar aqui", pensou Jennifer, "já que você admitiu que ama outra?"

Começou a girar o trinco, mas, antes que pudesse abrir a porta, ouviu os cães latindo furiosamente. No mesmo instante, Donald estava ao seu lado, puxando-a para trás. Então abriu a porta e recebeu no rosto uma rajada de vento e flocos de neve.

— Oh, não! Outra tempestade!

Ela ficou tão assustada que demorou algum tempo para conseguir dizer:

— Não pode ser!

— Tanto pode, que é. — Ele soltou uma risadinha nervosa e fechou a porta. — De repente a tempestade desaba, e temos de aceitá-la. É por isso que mantemos esta cabana. — Olhou-a por um momento, encostando-se na porta. — Sabe o que isso significa, não?

Ela olhou-o sem dizer nada. Sentiu o sangue subir-lhe ao rosto. Sabia muito bem que estavam presos. Era impossível deixar a cabana sob aquela nevasca.

— Não podemos sair com essa tempestade — prosseguiu Donald, confirmando o que ela já sabia. — Eu não exigiria isso dos cães. Nós nos perderíamos antes de percorrer um quilômetro! Temos de esperar até que a tempestade passe.

Jennifer entrou em pânico. Em parte, por causa da tempestade; e, em parte, pelo que poderia acontecer entre os dois, e que ela não teria forças para evitar. A vaga imagem da garota de sorte que tinha o amor de Donald parecia estar ali presente, aumentando ainda mais sua aflição.

— Estamos seguros e até confortáveis, não se preocupe. — Ele procurava tranqüilizá-la, mas só fazia aumentar seu temor. — Há bastante lenha, um bom suprimento de comida, e trouxemos cobertores suficientes. Agora espere um instante, Vou sair e levar os cães ao abrigo.

Ele abriu a porta e fechou-a atrás de si, deixando um rastro da suave fragrância de sua loção.

— Oh, Donald — ela murmurou baixinho. — O que posso fazer para me proteger do poder que você tem sobre mim?

Num esforço para distrair-se, apanhou uma vassoura que estava a um canto e começou a retirar a neve que o vento lançara dentro da cabana. Quando foi verificar o suprimento de provisões num armário, encontrou uma panela para ser utilizada diretamente sobre a lenha. Procurou um suporte para colocá-la na lareira, mas não o achou. "Talvez Donald tenha alguma idéia de como poderemos usá-la", pensou. E foi escolher a comida para a próxima refeição.

Em uma prateleira, só havia alimento enlatado para cães. Olhando para aquelas latas, ela deduziu que Donald devia vir sempre para a cabana. Teria trazido alguma vez a garota que amava? Será que os dois teriam passado dias ali?

Seus olhos percorreram as camas, como se estivessem hipnotizados. Todas eram de solteiro, mas podiam muito bem acomodar duas pessoas, especialmente numa noite fria.

Nesse instante, ele voltou. Aproximou-se da lareira, esfregando as mãos, e tirou a jaqueta. Assim que seu corpo aqueceu um pouco, pegou a vassoura e rapidamente varreu a neve que havia entrado quando abrira a porta.

— Os cães estão acomodados — informou finalmente. — Dei-lhes a carne que sempre trago no trenó. Estava congelada, é claro, mas os dentes deles conseguem mastigá-la. E assim poupamos a comida enlatada, para usá-la em caso de necessidade.

Ficaram em silêncio novamente. Aquela intimidade forçada parecia constranger a ambos, pois nenhum dos dois abria a boca nem encarava o outro.

Por fim, armando-se de coragem, ela sugeriu que começassem a preparar a refeição. Donald acolheu a sugestão com alegria, fosse porque realmente estava com fome, fosse porque assim teria algo para fazer.

Como Jennifer supusera, ele resolveu o problema do suporte para a panela sem a menor dificuldade. Com um espeto, espalhou a lenha de modo a formar um espaço vazio, cercado de brasas por todos os lados, e ali colocou a panela. Em seguida, abriu várias latas de carne e verduras, apanhou duas grandes porções de neve junto à porta, um pouco de arroz e jogou tudo na panela. Depois pegou algumas brasas e colocou-as sobre a tampa.

— Vai cozinhar direitinho.

Enquanto ele cuidava da comida, ela arrumava a mesa para a refeição» Às vezes, trocavam algumas palavras sem importância. Ao terminar suas tarefas, viram-se de novo face a face e não acharam o que dizer. Por algum tempo, ficaram sentados junto ao fogo.

— Quanto tempo você acha que vai durar essa tempestade? — perguntou Jennifer.

— É difícil prever. Tanto pode acabar amanhã de manhã, como pode durar uma semana.

Ele continuava olhando para as chamas. Ela fitou-o, com o coração disparado. A luz da lareira realçava-lhe o contorno do rosto, e seu perfil parecia de uma estátua de bronze.

— Uma semana. Tenho certeza de que nada nos faltará. Mas o que faremos durante todo esse tempo?

Ele sorriu levemente e não respondeu. Sua mudez deixou-a ainda mais constrangida.

— Espero que ela não pense mal de nós.

— Ela? Quem? — Donald finalmente a encarou, expressando surpresa.

— Sua garota.

— Que garota?

— A garota que você disse que ama. Espero que ela não pense mal de nós, aqui sozinhos.

Novamente ele sorriu e voltou o olhar para o fogo.

— Não vejo como poderia pensar mal. Ela está bem aqui. — Sua voz era extremamente suave.

Jennifer olhou em torno, como se estivesse procurando a garota. De repente, porém, caiu em si, mas não acreditou no que sua percepção lhe dizia.

— Você quer dizer... Não, você não pode estar insinuando... Por acaso... sou... eu essa garota?

— E quem mais poderia ser?

— Oh, Donald! Faz tanto tempo que eu o amo...

— Não diga! Você tem um jeito bem estranho de demonstrar amor...

— Nunca pensei... Não acredito...

Ele fez um gesto para abraçá-la, mas retraiu-se e franziu a testa.

— Você disse que não trabalharia mais para mim. Não gosta de viver no Arco-íris?

— É claro que gosto. Adoro viver lá, talvez tanto quanto você. Mas quanto a trabalhar para você...

— Que tal trabalhar comigo agora?

— Eu gostaria de dizer que...

Ele não a deixou terminar a frase; puxou-a para si e a fez encostar a cabeça no seu ombro. "Como posso dizer-lhe que não poderei ficar no Arco-íres a não ser que nos casemos?", pensou.

— Você não me parece muito segura. — Ele se afastou para poder olhá-la nos olhos. — Como posso convencê-la, sentado aqui, nessas pedras duríssimas?

Levantou-se e puxou-a consigo. Quando ficaram em pé, apertou-a nos braços novamente e beijou-a com ardor. Ela abraçou-o com toda força, estreitando seu corpo contra o dele. A paixão parecia lançar fagulhas, mais intensas que as da lenha na lareira.

Ela precisava se controlar. Tinha de dizer-lhe que não aceitaria um relacionamento passageiro, mesmo amando-o da maneira como o amava. Mas não conseguia desprender-se daqueles lábios ternos e ardentes ao mesmo tempo.

— E pensar em todo o tempo que perdemos... — sussurrou ele, afastando-se um pouco para fitá-la. — Tenho uma ótima idéia para passarmos o tempo. Espero que a tempestade dure bastante...

— Não! Eu não posso... Não vou... Não faço nada antes de me casar!

— O que acha que eu quis dizer? Que tipo de homem pensa que eu sou?

Uma luz estranha surgiu nos olhos dele.

— O único homem para mim — murmurou ela, erguendo os lábios para o doce fogo do beijo dele.

 

                                                                               Audrey Brent 

 

 

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