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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O AMANTE DE LADY SOPHIA /Lisa Kleypas
O AMANTE DE LADY SOPHIA /Lisa Kleypas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Fazia muito tempo que não se deitava com uma mulher.
A Sir. Ross Cannon não ocorreu outro motivo que explicasse sua reação ante Sophia Sydney; era uma sensação tão poderosa que se viu forçado a sentar-se atrás da mesa do escritório para esconder sua repentina e incontrolável ereção. Olhou fixamente à mulher, perplexo, e se perguntou por que sua mera presença bastava para acender um fogo tão ardente em seu interior. Nunca ninguém o tinha pego tão despreparado.
Não cabia dúvida de que ela era encantadora; tinha o cabelo dourado e os olhos azuis, mas, além disso possuía algo que estava além da beleza física, um rastro de paixão que jazia latente sob a delicada fragilidade de seu rosto. Como qualquer homem, Ross se excitava mais com o que se ocultava que com o que se mostrava, e estava claro que Sophia Sydney era uma mulher que ocultava muitas coisas.
Em uma tentativa por controlar sua excitação, Sir. Ross centrou sua atenção na marcada superfície de sua mesa de mogno até que sua quentura começou a dissipar-se. Quando por fim pôde reencontrar-se com o penetrante olhar dela, decidiu calar, posto que tinha aprendido fazia muito tempo, que o silêncio era um instrumento muito poderoso. Às pessoas incomodavam o silêncio; normalmente tratavam de enchê-lo e em sua tentativa revelavam muitas coisas.
Entretanto, a diferença de tantas outras mulheres, Sophia não começou a falar de forma nervosa. Olhou-o nos olhos receosa e não abriu a boca; era óbvio que estava disposta a esperar.
— Senhorita Sydney — disse ele finalmente — meu secretário me informou que você não quis revelar o motivo de sua visita.
— Se o tivesse feito, não me teria deixado cruzar a porta. Vim pela oferta de emprego.

 


 


Ross tinha visto e vivido muitas coisas ao longo de sua carreira, assim quase nada lhe surpreendia.

Entretanto, o fato de que ela queria trabalhar ali, para ele, era quanto menos assombroso. Pelo visto, essa jovem não tinha a menor idéia no que consistia o trabalho.

— Necessito de um ajudante, senhorita Sydney. Alguém que me faça de secretário e se ocupe de minha agenda a tempo parcial. Bow Strreet não é lugar para uma mulher.

— O anúncio não especificava que seu ajudante tivesse que ser homem — assinalou — Sei ler, escrever, administrar os gastos da casa e levar os livros de contas. Por que motivo não poderia optar pelo emprego? — O tom de sua voz soou agora um pouco mais desafiante.

Ross, fascinado embora admirado, perguntou se não se conheceram antes. Não; se a conhecesse teria recordado. Entretanto, algo lhe resultava familiar.

— Quantos anos têm? — perguntou de forma abrupta — Vinte e dois? Vinte e três?

— Tenho vinte e oito anos, senhor.

— Sério? — disse Ross, incrédulo. Parecia muito jovem para ter alcançado uma idade em que já podia ser considerada uma solteirona.

— Sim, é sério — respondeu ela, que parecia estar se divertindo. Deu um passo à frente e se inclinou sobre a mesa de Sir Ross, pondo as mãos à frente dele. — Vê? Pode-se adivinhar a idade de uma mulher por suas mãos.

Ross estudou aquelas mãos que lhe eram oferecidas sem vaidade.

Não eram as de uma menina, a não ser as de uma mulher capaz, que sabia o que era trabalhar duro.

Embora tivesse as unhas escrupulosamente limpas, estavam cortadas bem curtas.

Tinha os dedos marcados por umas pequenas cicatrizes brancas, certamente fruto de cortes e arranhões acidentais, e por queimaduras em forma de quarto crescente, talvez causadas por um forno de pão ou um bule.

Sophia se sentou de novo e a luz acariciou brandamente seu precioso cabelo castanho.

— Para falar a verdade, você tampouco é como imaginava —comentou. Ross arqueou uma sobrancelha de forma sardônica — Pensava que seria um cavalheiro ancião e corpulento, com barriga grande e peruca.

O comentário provocou em Ross uma breve risada zombadora, e se deu conta de que fazia muito tempo que não emitia um som semelhante.

— Está decepcionada de ter encontrado o contrário?

—Não — se apressou a responder ela com súbito embaraço — Não, não estou decepcionada.

A temperatura do ambiente disparou até níveis de enfarte. Ross não podia evitar perguntar-se se ela o achava atrativo. Não lhe faltava muito para chegar aos quarenta, e a verdade era que os aparentava; já se vislumbravam algumas mechas prateadas entre seu negro cabelo.

Os anos de trabalho incessante e de pouco descanso tinham deixado seu rastro, e seu frenético ritmo de vida o tinha deixado quase nos ossos. Não oferecia o aspecto sereno e mimado que tinham muitos homens casados de sua idade. É obvio, estes não percorriam as ruas de noite como fazia ele, investigando roubos e assassinatos, visitando prisões e reprimindo motins.

Advertiu a forma com que Sophia observava o ambiente, decorado ao estilo espartano. Uma parede estava coberta de mapas e as outras de prateleiras para livros; tão somente um quadro adornava a sala, uma paisagem de bosque, rochas e água com umas cinzas colinas no horizonte. Ross olhava frequentemente a imagem, sobre tudo em momentos de calamidade e tensão, já que a escuridão fria e tranquila do quadro sempre o apaziguava.

— Trouxe referências, senhorita Sydney? — perguntou Ross, voltando bruscamente para a entrevista.

A moça negou com a cabeça.

— Temo que meu anterior empregador não me recomendaria.

— por que não?

A compostura da garota se viu finalmente perturbada, e seu rosto adquiriu um leve tom avermelhado.

— Trabalhei durante anos para uma prima longínqua. Quando meus pais morreram, me permitiu residir em sua casa, apesar de que ela não gozava de uma situação econômica folgada. A modo de compensação pediu-me que fora sua criada. Estou segura de que minha prima Ernestine estava satisfeita com meu trabalho até que... — De repente, as palavras pareceram engasgar e começou a suar, o que fez que sua pele brilhasse como uma pérola.

Ross tinha escutado infinidades de histórias sobre desastres, maldades e misérias humanas ao longo de seus dez anos como juiz principal em Bow Street.

Tinha aprendido a pôr certa distância emocional entre ele e as pessoas a que tomava declaração, embora absolutamente queria dizer que fosse insensível.

Entretanto, ver Sophia nesse estado lhe fez sentir um urgente e desmedido impulso de reconfortá-la, de tomá-la entre seus braços e aliviar sua angústia.

— Siga, senhorita Sydney — a animou.

Ela assentiu e respirou fundo.

— Cometi um ato muito grave. Tive... Tive uma aventura. Jamais tinha tido uma antes. Ele se hospedava em uma grande casa perto do povoado; conheci-o durante um passeio. Nunca me tinha cortejado alguém assim. Apaixonei-me e então... — deteve-se e apartou o olhar de Ross, incapaz de seguir olhando-o nos olhos — prometeu que se casaria comigo, e fui tão estúpida que acreditei. Quando se cansou de mim, me abandonou sem pensar duas vezes. É obvio, agora me dou conta de que foi uma tolice pensar que um homem de sua posição me tomaria como esposa.

— Era um aristocrata? — perguntou Ross.

— Não precisamente — disse Sophia, com o olhar fixo nos joelhos —Era, é, o filho menor de uma família de nobres.

— Como se chama?

— Preferiria não revelar seu nome, senhor. Além disso, já faz parte do passado. Basta dizer que minha prima se inteirou do assunto através da senhora da mansão, que também lhe revelou que meu amante estava casado. Não preciso dizer que se produziu um escândalo e que minha prima me pediu que fosse embora. — Sophia tocava a saia nervosamente, percorrendo-a com a palma das mãos — Sei que isto é prova de comportamento imoral, mas lhe asseguro que absolutamente sou propensa a... Devaneios semelhantes. Se você pudesse passar por cima do meu passado...

— Senhorita Sydney — disse Ross, e esperou até que a moça se atreveu a lhe devolver o olhar — seria um hipócrita se a culpasse por esse assunto. Todos cometemos enganos.

— Estou segura de que você não.

— Especialmente eu — reconheceu Ross. O comentário lhe provocou um sorriso irônico.

— Que classe de enganos? — perguntou ela, abrindo muito seus olhos azuis.

Ross fez graça à pergunta. Gostou da atitude intrépida da garota, assim como a vulnerabilidade que jazia debaixo.

— Nenhum que você deva conhecer, senhorita Sydney.

— Nesse caso, seguirei duvidando que tenha cometido algum. — E esboçou um sorriso.

Era a classe de sorriso que uma mulher mostraria nos sensuais momentos posteriores ao ato sexual.

Poucas moças possuíam uma sensualidade tão espontânea, uma calidez natural que faria com que um homem se sentisse como um cocho de sementes em um estábulo de éguas. Ross, atônito, concentrou-se na superfície da mesa do escritório, o que, infelizmente, não conseguiu desvanecer as imagens que lhe alagavam a mente.

Sentia desejos de agarrar Sophia, deitá-la em cima da mesa de mogno e lhe arrancar a roupa; desejava lhe beijar os seios, o ventre, as coxas... Apartar-lhe o pêlo público, afundar o rosto em suas tenras e salgadas dobras e lamber e chupar até fazê-la gritar, extasiada. Quando Sophia se satisfizesse, ele desabotoaria a calça, a penetraria profundamente e a investiria até satisfazer o terrível desejo que sentia; e logo...

Zangado por sua perda de domínio, Ross começou a tamborilar na mesa com os dedos. Fez um esforço por retomar o fio da conversa.

— Antes de discutir sobre meu passado — disse — seria melhor que atendêssemos ao dele. Diga-me, teve um filho fruto dessa relação?

— Não, senhor.

— Por fortuna.

— Sim, senhor.

— Você nasceu em Shopshire?

— Não, senhor. Eu e meu irmão menor nascemos em um pequeno povoado na região de Seven.

Ficamos... — Fez uma pausa e sua expressão escureceu; Ross teve a sensação de que o passado lhe trazia lembranças muito dolorosas — Ficamos órfãos. Nossos pais morreram afogados em um naufrágio; eu ainda não tinha completado treze anos. Meu pai era Visconde, mas não tínhamos muitas terras, e tampouco dinheiro para as manter. Não tínhamos parentes que pudessem ou estivessem dispostos a se fazer obrigação de dois meninos virtualmente pobres. Alguns vizinhos do povoado se alternaram para nos cuidar, mas temo que... — Duvidou, e prosseguiu com cautela — Meu irmão John e eu fomos bastante ingovernáveis.

Recordamos o povoado fazendo travessuras, até que um dia nos pegaram roubando na padaria. Foi então que fui viver com minha prima Ernestine.

— O que aconteceu com seu irmão?

Sophia estremeceu.

— Está morto — respondeu com olhar ausente — A linhagem se extinguiu, e as terras da família estão em suspense, por não haver um homem que as herde.

Ross, que conhecia muito bem a dor, era pormenorizado com quem o padecia, e estava claro que, fora o que fosse que lhe tinha passado ao irmão, tinha deixado uma grande cicatriz na alma daquela mulher.

—Sinto-o — disse em voz baixa.

Ela estava imóvel e pareceu não ouvir.

Ao cabo de uns largos instantes, Ross rompeu o silêncio de forma brusca.

— Se seu pai era Visconde, então terá que se dirigir a você como “Lady Sophia”.

O comentário provocou nela um sorriso tênue e amargo.

— Suponho que sim. Entretanto, seria um pouco pretensioso de minha parte fazer uso desse título, não acha? Meus dias como “Lady Sophia” terminaram. Só desejo encontrar um bom emprego, e começar de novo.

Ross considerou aquelas palavras.

— Senhorita Sydney, não estaria em meu são julgamento se contratasse uma mulher como minha ajudante.

Entre outras coisas, você teria que dirigir o furgão que transporta os criminosos desde aqui a Newgate, recolher informações dos agentes de Bow Street e tomar declaração à galeria de personagens infames que acontecem por este edifício. Tarefas como estas seriam ofensivas para a sensibilidade de uma mulher.

— Não me importaria — disse ela com serenidade — Como acabo de explicar, não sou nem malcriada nem inocente; tampouco sou jovem, nem tenho uma reputação nem um status social que conservar. Há muitas mulheres que trabalham em hospitais, prisões e instituições caridosas, e cada dia se encontra com toda classe de gente desesperada e delinquentes. Sobreviverei da mesma maneira que elas o fazem.

— Não pode ser minha ajudante — disse Ross com firmeza. Sophia ia interromper, mas ele fez um gesto para que se calasse — Entretanto, minha ama acaba de se aposentar, e eu gostaria de contratar você em seu lugar. Esse seria um emprego muito mais conveniente para você.

— Poderia dar uma mão em algumas tarefas domésticas — admitiu — além de trabalhar como sua ajudante.

— Pretende encarregar-se de ambas as coisas? — perguntou Ross com amável sarcasmo — Não acredita que isso seria muito trabalho para uma só pessoa?

— Dizem que você faz o trabalho de seis homens — replicou ela — Se isso for verdade, não cabe dúvida que eu poderia fazer os dois.

— Não estou lhe oferecendo os dois postos. Somente um: o de ama.

Estranhamente, a autoridade de seu comentário fez a moça sorrir. Sophia o olhava de forma desafiante, mas era uma provocação divertida, como se ela soubesse que ele não a deixaria partir.

— Não, obrigado — disse — Obterei o que desejo ou nada.

Ross adotou aquela expressão que intimidava inclusive os mais experimentes agentes de Bow Street.

— Senhorita Sydney, está claro que não é consciente dos perigos aos quais estaria exposta. Uma mulher atrativa como você não deve tratar com criminosos cujo comportamento vai desde brincadeiras pesadas até depravações que não descreverei agora.

A Sophia pareceu não lhe alterar aquela explicação.

— Estarei rodeada por mais de cem agentes da lei, incluindo patrulhas a pé, a cavalo e ao redor de meia dúzia de agentes de Bow Street. Atreveria-me a dizer que estaria mais segura trabalhando aqui do que indo às compras pela Regent Street.

— Senhorita Sydney...

— Sir Ross — o interrompeu Sophia, que ficou de pé e apoiou as mãos na mesa; inclinou-se, mas seu vestido de gola alta não revelou nenhum detalhe de sua anatomia. Entretanto, se tivesse levado um vestido decotado, teria apresentado a Ross seus seios como duas suculentas maçãs em uma bandeja. Indevidamente excitado por esse pensamento, Ross fez um esforço por centrar-se em seu rosto. Os lábios de Sophia formavam um leve sorriso — não tem nada que perder por me deixar tentar. Dê-me um mês para lhe demonstrar do que sou capaz.

Ross a olhou atentamente. Havia algo artificial nos encantos que mostrava aquela mulher. Estava tratando de manipulá-lo para que lhe desse o que ela queria, e estava tendo êxito. Entretanto, por que razão queria trabalhar para ele? Não podia deixar que partisse sem averiguar o motivo.

— Se não conseguir satisfazê-lo — acrescentou Sophia — sempre pode contratar outro.

Ross era conhecido por ser um homem extremamente sensato. Não seria próprio dele contratar essa mulher. Sabia exatamente como seria interpretado em Bow Street. Dariam por certo que a tinha contratado por seu atrativo sexual, e a verdade, por muito molesta que fora, será que estariam certos? Fazia muito tempo que não se sentia tão atraído por uma mulher. Desejava tê-la ali, desfrutar de sua beleza e sua inteligência e descobrir se o interesse era mútuo. Ponderou os inconvenientes de tomar tal decisão, mas seus pensamentos estavam eclipsados por urgências masculinas que recusavam ser reprimidas.

E pela primeira vez ao longo de sua carreira como magistrado, abandonou a razão em favor do desejo.

Ross, com o rosto franzido, agarrou um monte de papéis desordenados e os entregou a Sophia.

— Resulta-lhe familiar o nome Foge and Cry? — disse.

— Não é um semanário de notícias policiais? — respondeu ela, recolhendo os papéis com cautela.

Ross assentiu.

— Contém descrições de criminosos que se está procurando e os crimes que cometeram. É uma das ferramentas mais efetivas que tem Bow Street para capturar delinquentes, sobretudo aqueles que provêm de condados fora de minha jurisdição. Estes contêm avisos de prefeitos e magistrados de toda a Inglaterra.

Sophia deu uma olhada aos avisos da primeira página e começou a ler em voz alta.

— “Arthur Clewen, de profissão ferreiro, metro e oitenta de estatura, cabelo castanho encaracolado, voz efeminada, nariz grande, acusado de fraude em Chichester. Mary Thompson, aliás Hobbes, aliás Chiwist, moça alta e magra, cabelo claro e murcho, acusada de assassinato em Wolverhampton...”

— Estes avisos devem ser transcritos e recolhidos todas as semanas — disse com suavidade — É um trabalho tedioso, e tenho assuntos muito mais importantes que atender. A partir de agora, esta será uma de suas responsabilidades — declarou, e assinalou uma pequena mesa que havia em um canto, cuja gasta superfície estava coberta de livros, pastas e cartas — Terá que trabalhar aí. Teremos que compartilhar meu escritório, já que não há lugar para você em nenhuma outra parte. Apesar de tudo, estou fora à maior parte do tempo, fazendo investigações.

— Então, vai me contratar? — disse Sophia com súbito encantamento — Muito obrigado, Sir Ross.

Ross lhe dirigiu um olhar carrancudo.

— Se comprovar que não está capacitada para o posto, aceitará minha decisão sem protestar, de acordo?

— Sim, senhor.

— Outra coisa. Não será necessário que vá ao furgão dos reclusos todas as manhãs. Vickery se encarregará disso.

— Mas você disse que fazia parte das tarefas de seu ajudante, e eu...

— Está discutindo comigo, senhorita Sydney?

Sophia calou de repente.

— Não, senhor.

Ross assentiu brevemente.

— O de Foge and Cry deve estar preparado para as duas da tarde. Quando tiver terminado, vá ao número quatro de Bow Street e dirija-se até um menino de cabelo castanho, chamado Ernest. Diga-lhe onde tem seus bens e ele irá buscá-los depois de entregar o de Foge and Cry à imprensa.

— Não há necessidade de lhe fazer ir procurar minhas coisas — protestou Sophia — Irei à pensão eu mesma quando tiver tempo.

— Não caminhará por Londres sozinha. A partir de agora está sob meu amparo. Se deseja ir a algum lugar, irá acompanhada de Ernest ou de algum agente.

Pela forma de seu pestanejo, Ross se deu conta de que essa última indicação não gostou, embora a moça não disse nada. Ele seguiu falando com tom formal.

— Tem o resto do dia para se familiarizar com as dependências e com a residência privada. Mais tarde apresentarei meus colegas, quando vierem a suas sessões no tribunal.

— Me apresentará também aos agentes do Bow Street?

— Duvido que possa evitá-los por muito tempo — disse Ross ironicamente.

Pensar em como reagiriam os agentes ante sua nova ajudante feminina o deixava nervoso. Perguntou-se se não seria esse o motivo pelo qual Sophia desejava trabalhar ali. Muitas mulheres de toda a Inglaterra tinham convertido os agentes em objeto de suas fantasias românticas; sua imaginação se via alimentada por aquelas novelas que os retratavam como heróis. Cabia a possibilidade de que Sophia queria cortejar algum deles. Se for assim, não lhe custaria muito; os agentes eram uma turma de libidinosos e todos, salvo um, eram solteiros — Como, não aprovo confusões amorosas em Bow Street — apontou — Os agentes, os guardas e os empregados não estão disponíveis para você. Naturalmente, não porei objeções se desejar alguém fora das dependências.

— E você? — repôs tranquilamente Sophia, e Ross ficou perplexo — Tampouco está disponível?

Atônito, perguntou-se que tipo de jogo estava tentando jogar aquela mulher.

— Naturalmente — respondeu, sem expressão alguma no rosto.

Ela esboçou um sorriso e se dirigiu a sua pequena e sobrecarregada mesa.

Em menos de uma hora, tinha ordenado e transcrito os avisos com uma caligrafia clara que faria as delícias do impressor. Era tão tranquila e tão discreta em seus movimentos que, a não ser pelo seu perfume que enchia o ambiente, Ross teria se esquecido de que estava ali.

Mas constituía uma distração tão sedutora que não podia ignorar. Respirou profundamente e tratou de identificar a fragrância. Detectou aroma de chá de baunilha, misturado com perfume de mulher. Cada momento jogava uma olhada a seu delicado perfil, e ficava fascinado pela forma em que a luz se refletia em seu cabelo. Tinha as orelhas pequenas, um queixo bem definido, um delicado nariz e uns cilios que lhe formavam pequenas sombras sobre as bochechas.

Sophia, absorvida por sua tarefa, inclinava-se sobre uma página e escrevia com esmero. Ross não podia evitar imaginar como seria ter essas hábeis mãos sobre seu corpo, se seriam frias ou quentes. Tocaria um homem com insegurança ou com atrevimento? Por fora era delicada e discreta, mas havia indícios de algo provocador em seu interior, algo que dizia a Ross que se um homem se introduzira no mais profundo dela, o sexo a faria desatar-se.

Essa conjectura o fazia ferver o sangue. Amaldiçoou-se por ter sido tão arisco com Sophia; a força desse desejo reprimido parecia encher o lugar. Era muito estranho que os últimos meses de celibato tivessem sido tão passíveis até esse momento. Agora tinha se convertido em algo insuportável; a acumulação de sua avidez pelo suave corpo de uma mulher, a necessidade de sentir uma vulva úmida e quente ao redor de seu membro, uma boca doce que respondesse a seus beijos...

Justo quando seu desejo alcançava o ponto gélido, Sophia se aproximou até sua mesa com as transcrições na mão.

— É assim como gosta que o faça? — perguntou.

Ross lhe jogou uma olhada, quase sem ver os artigos. Assentiu com rapidez e as devolveu.

— Nesse caso, irei levá-las ao Ernest — acrescentou Sophia antes de partir, com o vestido agitando-se ligeiramente.

A porta se fechou com um tênue clique, o qual proporcionou a Ross uma privacidade que lhe era muito necessária naquele momento. Depois de soltar o ar sonoramente, foi até a cadeira em que Sophia tinha estado sentada e percorreu o respaldo e os braços com os dedos. Levado por seus impulsos mais primários tratou desesperadamente de dar com algo quente que certamente tinha deixado seu corpo na madeira. Inspirou profundamente, tentando absorver algo de sua embriagadora fragrância.

Sim, pensou imerso nessa excitação puramente masculina, tinha sido celibatário por muito tempo.

Embora frequentemente se sentisse atormentado por suas necessidades físicas, Ross tinha muito respeito pelas mulheres para contratar os serviços de uma prostituta. Estava muito familiarizado com essa profissão desde sua perspectiva de magistrado, e não estava disposto a se aproveitar de semelhantes desventuradas.

Além disso, aquilo seria uma afronta ao que tinha compartilhado com sua esposa.

Tinha considerado a possibilidade de casar-se de novo, mas ainda não tinha encontrado uma mulher que lhe parecesse remotamente adequada. A esposa de um homem como ele teria que ser forte e independente, e deveria poder encaixar com facilidade nos círculos sociais que frequentava a família de Ross, assim como no escuro mundo de Bow Street; mas sobretudo teria que se contentar com sua amizade, não com seu amor.

Ross não ia se dar ao luxo de se apaixonar de novo, não como tinha feito com Eleanor. A dor de perdê-la tinha sido enorme, e quando ela morreu seu coração partiu em dois.

Só desejava que suas ânsias de sexo desaparecessem tão rapidamente como sua necessidade de amor.


Durante décadas, o número quatro de Bow Street tinha sido residência, escritório público e tribunal.

Entretanto, quando Sir Ross Cannon foi eleito magistrado chefe dez anos atrás, este expandiu seus poderes e jurisdições até que foi necessário comprar o edifício adjacente. Agora, o número quatro servia mais como residência de Sir Ross, enquanto que o número três albergava escritórios, arquivos, salas de visitas e um calabouço subterrâneo onde se levavam os prisioneiros para serem interrogados.

Sophia se familiarizou rapidamente com o traçado do número quatro enquanto procurava Ernest, que finalmente localizou na cozinha, comendo pão com queijo em uma grande mesa de madeira. O menino, desajeitado e de cabelo castanho escuro, ruborizou quando a mulher se apresentou ante ele. Depois de lhe dar as transcrições do Foge and Cry, Sophia lhe pediu que fora procurar seus pertences a uma pensão próxima, e o menino desapareceu como um gato perseguindo um camundongo.

Agradecendo um pouco de solidão, Sophia entrou na despensa. Tinha prateleiras que albergavam, entre outras coisas, uma peça de queijo, um pote de manteiga, uma jarra de leite e alguns cortes de carne. O

pequeno quarto era sombrio, escuro, e reinava um silêncio só perturbado pela lenta destilação de água sobre uma prateleira adjacente. De repente, ultrapassada pela tensão que tinha acumulado durante toda a tarde, começou a tremer e sentir calafrios, até que os dentes bateram violentamente. Caíram-lhe lágrimas dos olhos e apertou com força as mangas do vestido contra eles.

Deus bendito, quanto o odiava!

Fazia uso de toda sua força de vontade para poder sentar-se naquele abarrotado escritório com Sir Ross e aparentar serenidade, enquanto o sangue lhe fervia de asco. Entretanto, tinha dissimulado bem seu desagrado; inclusive pensava que até lhe tinha provocado desejos de estar com ela.

Os olhos de Sir Ross tinham mostrado uma atração por ela que não tinha podido esconder. Isso era exatamente o que Sophia esperava que acontecesse, já que desejava fazer algo pior que agarrar e matar Ross Cannon. Tinha a intenção de arruinar sua vida completamente, de fazê-lo sofrer até que preferisse morrer a seguir vivo. E, pelo visto, o destino parecia estar acrescentando a seu plano.

Do instante em que tinha visto o anúncio no jornal, que requeria um ajudante no escritório de Bow Street, se apressou a elaborar um plano. Conseguiria o trabalho, a partir daí seria mais fácil acessar os arquivos do escritório. Cedo ou tarde encontraria o que necessitava para destruir a reputação de Sir Ross e obrigá-lo a demitir-se.

Havia rumores de corrupção em torno dos agentes e suas atividades, de detenções ilegais, brutalidade e intimidação, por não mencionar que atuavam fora de sua jurisdição. Todo mundo sabia que Sir Ross e sua “gente” como ele os chamava, tinham sua própria lei. Uma vez que o desconfiado lhe dessem provas sólidas dessas condutas, o modelo de virtude que supostamente era Sir Ross Cannon ficaria arruinado e sem possibilidade de redenção. Sophia descobriria qualquer informação que fora necessária para precipitar a queda de Ross.

Entretanto, isso não era suficiente para ela. Queria que sua vingança fora mais à frente, que fora ainda mais dolorosa. Seduziria o chamado Monge de Bow Street e conseguiria que se apaixonasse por ela, e logo faria com que a terra se afundasse debaixo dele.

As lágrimas cessaram, e Sophia, suspirando com nervosismo, deu a volta para repousar a fronte contra uma das frias prateleiras. Só havia uma coisa que a consolava: Sir Ross pagaria por levar a última pessoa no mundo que a tinha querido, seu irmão, John, cujos restos jaziam em uma vala comum junto a esqueletos putrefatos de ladrões e assassinos.

Recompôs-se e pensou no que tinha descoberto de Sir Ross até o momento. Não tinha resultado ser em modo algum o que ela esperava. Supunha que se encontraria com alguém pomposo e altivo, presumido e corrupto; não desejava que fora atrativo.

Entretanto, Sir Ross era arrumado, por muito que lhe custasse admitir. Era um homem na flor da vida, alto, de compleição forte, mas magro.

Seus traços eram marcados e austeros, com umas sobrancelhas negras e retas que escureciam os olhos mais extraordinários que Sophia tivesse visto. Eram de cor cinza clara, tão brilhantes que parecia que a energia de um raio tivesse ficado apanhada dentro de sua negras íris. Possuía uma qualidade que a inquietava, uma tremenda volatilidade que queimava sob seu distante rosto. Sir Ross levava sua autoridade com comodidade; era alguém que podia tomar decisões e viver com elas sob qualquer circunstância.

Sophia ouviu que alguém entrava na cozinha e saiu da despensa. Viu uma mulher não muito mais velha que ela, magricela, de cabelo escuro e com os dentes em mal estado, mas tinha um sorriso autêntico, aspecto asseado e correto; conservava-se bem e sua roupa estava limpa e bem engomada. Supôs que se tratava da cozinheira e lhe dedicou um sorriso amável.

— Olá — saudou a mulher com acanhamento, fazendo uma leve reverência — Posso ajudá-la, senhorita?

— Sou a senhorita Sydney, a nova ajudante de Sir Ross.

— Ajudante? — repetiu a mulher, confusa — Mas você não é um homem.

— Isso é verdade — disse Sophia sem alterar-se, passeando a vista pela cozinha.

— Eu sou a cozinheira, Eliza — se apresentou a mulher, desconcertada — Há outra garota, Lucie, e o menino dos recados.

— Ernest? Sim, já o conheço.

A luz do dia penetrava entre as persianas da janela, revelando uma quitinete bem equipada, com chão de pedra. Contra uma das paredes havia uma cozinha feita de tijolos, com a parte superior em ferro e suportes de pedra, tão grande que se podiam esquentar nela quatro ou cinco panelas a temperaturas diferentes. Na mesma parede havia um assador cilíndrico de ferro colocado em posição horizontal, cuja porta estava alinhada com a cozinha de tijolo. Era tudo de um desenho tão funcional e moderno que Sophia não pôde evitar expressar sua admiração.

— Oh! Deve ser fantástico cozinhar aqui!

Eliza fez uma careta.

— Faço coisas singelas, como minha mãe me ensinou. Não me importa ir ao mercado e limpar a cozinha, mas não gosto nada de ter que estar todo o tempo vigiando panelas e frigideiras.

— Eu poderia ajudar. Gosto de cozinhar.

Eliza iluminou o rosto.

— Isso seria fantástico, senhorita!

Sophia jogou uma olhada ao aparador, cheio de panelas, frigideiras, jarras e demais utensílios. A um lado havia uma fila de recipientes de cobre, pendurados de uns ganchos, que necessitavam urgentemente ser lustrados. Havia outras coisas que necessitavam uma boa lavagem, nos azulejos da cozinha, que estavam cheios de manchas. Os coadores também estavam sujos, e o ralo da pia requeria uma boa dose de desinfetante, já que exalava um aroma desagradável.

— Todos comemos na cozinha: o amo, os serventes e os empregados — disse Eliza, assinalando uma mesa de madeira que ocupava boa parte do local — Não há nenhum lugar acondicionado para as refeições.

Sir Ross come aqui ou em seu escritório.

Sophia observou uma prateleira do aparador que continha especiarias, chá e uma bolsa de café.

— Sir Ross é um bom amo? — perguntou, tratando de parecer natural.

— Oh, sim, senhorita! — disse a cozinheira sem duvidar — Embora às vezes seja um pouco estranho.

— A que se refere?

— Sir Ross pode trabalhar dias inteiros quase sem comer. Há vezes inclusive prefere ficar dormindo em seu escritório em vez de ir para seu quarto e descansar como se deve.

— Por que trabalha tanto?

—Ninguém sabe o motivo; inclusive pode ser que nem mesmo Sir Ross saiba. Dizem que mudou muito desde que sua mulher faleceu. Morreu no parto, e após Sir Ross se mostrou... — Fez uma pausa, tratando de encontrar a palavra adequada.

— Distante? — sugeriu Sophia.

— Sim, distante e frio. Não se permite nenhuma distração e não se interessa por nada que não seja o trabalho.

— Talvez algum dia volte a casar-se.

Eliza virou-se e sorriu.

— Há tantas damas que gostariam de tê-lo como marido...! Vêm a seu escritório para lhe pedir que as ajude com suas obras de caridade, ou para queixar-se dos ladrões de carteira, ou coisas assim; mas de nada serve que tentem chamar sua atenção. E quanto menos interesse ele mostra, mais o perseguem.

— Há quem chama Sir Ross de “O Monge de Bow Street” —comentou Sophia — Quer dizer isso que...?

— deteve-se e lhe ruborizaram as bochechas.

— Só ele sabe — respondeu Eliza, pensativa — Seria uma pena, verdade? Um homem tão bom e saudável como ele... — Fez uma careta que deixou entrever seus maltratados dentes — Mas acredito que algum dia a mulher adequada saberá tentá-lo, não lhe parece?

Sim, pensou Sophia com secreta satisfação. Ela seria a encarregada de acabar com as monásticas maneiras de Sir Ross. Ganharia sua confiança, pode ser que inclusive seu amor... E o usaria para destruí-lo.

Posto que em Bow Street as notícias viajavam rápido, a Ross não surpreendeu que alguém chamasse a sua porta um quarto de hora depois que Sophia partiu. Sir Grant Morgan, um dos magistrados anexos, entrou em seu escritório.

— Bom dia, Cannon — saudou Morgan, cujos olhos verdes mostravam que estava de bom humor.

Ninguém podia duvidar que Morgan estivesse desfrutando da vida de recém casado. Os outros agentes sentiam inveja e lhes divertia o fato de que outrora o estóico Morgan estivesse tão abertamente apaixonado por sua pequena e ruiva mulher.

Com quase dois metros de estatura, era o único homem que obrigava Ross a elevar a cabeça para olhá-lo aos olhos. Morgan, um órfão que uma vez tinha trabalhado em uma pesca do Covent Garden, alistou-se na patrulha aos dezoito anos e tinha ascendido rapidamente, até que Ross o escolheu para que formasse parte de sua força de elite de doze agentes. Fazia pouco que tinha sido eleito para o cargo de magistrado anexo.

Morgan era um bom homem, tranquilo e inteligente, e uma das poucas pessoas do mundo em quem Ross confiava.

Morgan empurrou a cadeira dos visitantes até a mesa, hospedou seu enorme corpo no assento de couro e olhou Ross.

— Vi a senhorita Sydney — afirmou — Vickery me contou que é sua nova ajudante. Naturalmente, lhe disse que devia estar equivocado.

— Por quê?

— Porque contratar uma mulher para esse posto seria pouco prático. Além disso, ter uma mulher tão atrativa em Bow Street seria uma autêntica loucura. Como sei que você nunca foi pouco prático e nunca cometeu nenhuma loucura, disse a Vickery que estava equivocado.

— Pois não está — murmurou Ross.

Morgan se reclinou, descansou o queixo entre o índicador e o polegar e observou de forma especulativa o magistrado chefe.

— Será sua ajudante e sua ama? Além de tomar declaração de bandidos, bandoleiros e rameiras...

— Sim — soltou Ross sem mais.

As espessas sobrancelhas de Morgan se elevaram até a metade de sua fronte.

— Direi algo que é óbvio: todo homem que passar por este lugar, e os agentes não são uma exceção, vão estar sobre ela como as moscas sobre o mel; não será possível impedir. A senhorita Sydney significa problemas, e você sabe — acrescentou, e fez uma pausa — O que me intriga é por que, sabendo de tudo isso, contratou-a? — comentou.

— Não é assunto seu — espetou Ross — A senhorita Sydney é minha empregada. Contratarei quem quiser, e será melhor que os homens a deixem em paz ou terão que responder a mim.

Morgan o observou de uma forma calculada que Ross não gostou.

— Desculpe-me — disse em voz baixa — Vejo que está muito suscetível com este tema.

— Não estou suscetível. Maldito seja!

— Parece-me que é a primeira vez que o ouço amaldiçoar, Cannon — respondeu Morgan com um sorriso irônico.

Ross descobriu muito tarde a origem da diversão de Morgan.

De algum jeito, sua expressão, normalmente calma, quebrou-se. Fez um esforço para dissimular sua irritação e começou a repicar os dedos sobre a mesa.

Morgan contemplava a cena com um sorriso desenhado no rosto; aparentemente, não pôde resistir a fazer outro comentário.

— Bom, ao menos há algo que ninguém poderá discutir, que é uma ama de chaves muito mais bonita que Vickery.

Ross lhe lançou um olhar assassino.

— Morgan, a próxima vez que puser um anúncio oferecendo um emprego, me assegurarei de contratar algum homem de dentes largos com a esperança de te agradar. E agora, poderíamos desviar a conversa para outros roteiros... Talvez um pouco relacionado com o trabalho?

— É obvio — disse Morgan tranquilamente — De fato, vinha lhe entregar o último relatório sobre Nick Gentry.

Ross entreabriu os olhos. De todos os criminosos que desejava apanhar, julgar e enforcar, Gentry ocupava o primeiro lugar da lista. Encarnava justo o contrário dos princípios que Ross pretendia proteger.

Aproveitando-se da lei que recompensava qualquer cidadão que capturasse até bandido, ladrão ou desertor, Nick Gentry e seus homens tinham instalado um escritório em Londres e se converteram em caçadores de recompensas profissionais. Quando Gentry apanhava um delinquente, não somente recebia uma comissão sobre a captura, mas também ficava com seu cavalo, suas armas e seu dinheiro. Recuperava bens roubados, não só cobrava uma pequena soma por eles, também ficava com uma porcentagem de seu valor. Quando Gentry e seus homens não podiam reunir suficientes provas contra alguém em particular, arrumavam uma ou inventavam. Também se dedicavam a incitar meninos jovens a que se delinquissem, com o propósito de prendê-los mais tarde e cobrar a recompensa.

Gentry era o rei indiscutível dos baixos recursos, onde era visto com admiração e medo. Seu escritório se converteu no ponto de reunião de qualquer criminoso de renome da Inglaterra. Era culpado de todo tipo de corrupção, incluindo fraude, suborno, roubo e até assassinato. Entretanto, o mais incrível era que aquele tipo fosse considerado por uma grande parte da população como uma espécie de benfeitor público.

Vê-lo percorrer as ruas e becos de Londres no lombo de seu cavalo negro, vestido com seus elegantes trajes, fazia com que os pirralhos sonhassem, sendo como ele quando maiores, e que mulheres de qualquer status social se sentissem atraídas por seu inquietante aspecto.

— Gostaria de ver esse bastardo pendurando — sussurrou Ross — me diga o que tem.

— Temos testemunhas que afirmam que Gentry organizou a fuga de três de seus homens do cárcere de Newgate. O atuário do tribunal já tomou duas declarações.

Ross, imóvel como se fosse um predador espreitando sua presa mais apreciada, ordenou: — Traga-me ele para interrogá-lo. Rápido, antes que ele escape.

Morgan assentiu, sabendo que se Gentry cheirava algo e decidia se esconder, seria impossível localizá-lo.

— Devo entender que quer interrogá-lo pessoalmente?

Ross assentiu. Normalmente tivesse deixado um assunto dessa natureza nas mãos de Morgan, mas não tratando-se de Nick Gentry. Gentry era seu adversário particular, e Ross tinha dedicado boa parte de suas forças a acabar com aquele maldito caçador de recompensas.

— Muito bem, senhor — disse Morgan, e levantou seu enorme corpo da cadeira — Farei com que detenham Gentry tão logo seja localizado. Enviarei ao Sayer e ao Gee imediatamente — fez uma pausa, e um sorriso se desenhou em suas duras faces — quero dizer, se não estiverem muito ocupados comendo com os olhos a sua nova ajudante.

Ross fez um verdadeiro esforço para morder língua e não soltar a Morgan um impropério; seu temperamento, normalmente tranquilo, acendeu ao pensar que seus próprios homens pudessem incomodar Sophia Sydney.

— Me faça um favor, Morgan — disse entre dentes — Faça saber que se algum de meus agentes ou algum membro das patrulhas a cavalo ou a pé molestar a senhorita Sydney, se arrependerá.

— Sim, senhor — disse Morgan, e deu a volta para ir, não sem que antes Ross visse um sorriso em seus lábios.

— O que é tão engraçado?

— Só pensava senhor — respondeu Morgan em tom zombador — que talvez chegue a se arrepender de não ter contratado algum homem de dentes largos.


Depois de compartilhar um jantar à base de guisado de cordeiro reaquecido, Sophia subiu ao quarto que lhe tinha sido atribuído e desfez a bagagem. O pequeno quarto estava mobiliado de forma singela.

Entretanto, estava limpo e a cama parecia cômoda. Havia algo que agradou Sophia: a janela dava para o lado oeste do número três de Bow Street, o que lhe permitia ver diretamente o escritório de Cannon. A luz do abajur contornava o cabelo castanho e iluminava o marcado perfil de Sir Ross, que estava diante da biblioteca.

Era tarde, e já deveria ter deixado de trabalhar. Ao menos, teria que estar desfrutando de um bom jantar, em vez do prato de guisado de cordeiro tão pouco apetitoso que Eliza lhe tinha levado ao escritório.

Sophia colocou sua camisola e retornou à janela, para ver como Ross esfregava o rosto e se dirigia a sua mesa. Pensou em todas as coisas que Eliza e Lucie lhe tinham contado do magistrado chefe; graças à típica paixão que sentia à servidão pelas fofocas, Sophia tinha-se feito com grande quantidade de informação.

Ao parecer, os partidários de Sir Ross, que eram muitos, elogiavam-no por sua compaixão, enquanto que um número similar de caluniadores lhe reprovava que fora tão severo. Era o magistrado mais poderoso da Inglaterra, e inclusive fazia de conselheiro do governo de forma extra-oficial.

Treinava seus agentes com métodos novos e progressistas, aplicando princípios científicos na defesa da lei, de uma maneira que gerava entre o público tanto admiração como desconfiança. Sophia tinha se entretido escutando como Eliza e Lucie explicavam que às vezes os agentes resolviam crimes examinando dentaduras, cabelos, balas e feridas. Nada disso tinha sentido para ela, mas aparentemente as técnicas de Sir Ross haviam resolvido mistérios muito complicados.

Os serventes tinham uma opinião muito boa de Sir Ross, como todo aquele que trabalhava em Bow Street.

Para seu desagrado, Sophia descobriu que o magistrado não era a pessoa terrivelmente malvada que ela acreditava, embora isso não mudasse absolutamente seu objetivo de vingar a morte de John. De fato, o estrito seguimento dos princípios era certamente o que tinha levado a tragédia que havia tirado a vida de seu irmão.

Não cabia dúvida de que Sir Ross tomava a lei ao pé da letra, pondo seus princípios por cima da compaixão e a legislação por cima da piedade.

Esse pensamento a enfureceu. Quem era Sir Ross para decidir quem devia morrer e quem não? Por que estava ele capacitado para julgar aos outros? Acaso era tão infalível, tão preparado e tão perfeito? Certamente aquele arrogante bastardo assim acreditava.

Entretanto, ainda estava perplexa pela capacidade de perdão que Cannon tinha demonstrado aquela manhã, quando lhe tinha contado a história de seu breve romance. A maioria das pessoas a teriam considerado uma fulana e diriam que tinha merecido sua demissão, mas em lugar disso, Sir Ross se mostrou pormenorizado e amável, e inclusive tinha admitido que ele mesmo tivesse cometido enganos.

Confusa, Sophia correu a cortina de gaze para ter uma vista melhor do escritório do magistrado.

Como se pudesse perceber seu olhar de algum jeito, Sir Ross se virou e se encontrou diretamente com a imagem de Sophia. Embora em seu quarto não houvesse um abajur ou uma vela ardendo, o clarão da lua era suficiente para iluminá-la. Ross pôde ver que só vestia sua etérea camisola.

Como o cavalheiro que era, Sir Ross deveria ter dado a volta imediatamente; entretanto, ficou olhando-a como se ele fosse um lobo faminto e ela um coelho que se aventurou a afastar-se muito da toca. Embora morresse de vergonha, arrumou para olhá-lo de forma provocadora. Contou silenciosamente os segundos: um... Dois... Três. Logo, lentamente, fez-se a um lado, correu a cortina e levou as mãos ao rosto, que lhe fervia de calor. Deveria haver-se alegrado de que ele tivesse mostrado interesse em sua imagem de camisola, mas em troca se sentia tremendamente incômoda, quase assustada, como se seu plano para seduzi-lo e acabar com ele pudesse converter-se em sua própria perdição.


Capítulo 2

 

Como de costume, Ross começou o dia praticando seus exercícios matutinos com certa velocidade. Vestiu seu habitual traje, em gabardina negra e calça cinza. Atou a gravata de seda negra com um nó singelo e penteou o cabelo. Olhou brevemente no espelho do lavatório e se deu conta de que tinha as olheiras mais escuras que de costume. Aquela noite não tinha dormido bem. Tinha estado pensando em Sophia, e lhe fervia o corpo saber que ela estava dormindo a poucos quartos do seu.

Tinha sido impossível deixar de pensar em sua imagem na janela, em seu comprido cabelo encaracolado e em sua camisola brilhando de forma fantasmagórica à luz da lua. Ross tinha ficado preso a essa imagem, e lhe fervia o sangue ao imaginar como seria o corpo que escondia aquela mulher sob suas roupas.

Franziu a testa e disse que não haveria mais fantasias noturnas relativas à Sophia.

Nem mais olhadas a sua janela. A partir de agora voltaria a concentrar-se no trabalho. Com esse pensamento, Cannon desceu à cozinha para servir sua primeira xícara de café do dia e levá-la a seu escritório.

Quando tivesse terminado o café, daria seu passeio diário por Covent Cardem e as ruas paralelas, como um médico tomando o pulso de seu paciente favorito. Não importava quão detalhados fossem os informes dos agentes de Bow Street; não havia nada como ver e ouvir as coisas por si mesmo.

Adorava contemplar cada dia a ordem progressiva das atividades em Bow Street. Antes do amanhecer, os sinos da catedral de São Pablo ressonavam por Covent Garden e pelas tranquilas fachadas das lojas e casas da rua. O som dos carros do mercado fazia com que as persianas se abrissem e que as cortinas corressem igual aos gritos dos vendedores de pão doce e dos vendedores de jornais. As sete em ponto, o aroma do pão e as massas quentes começavam a escapar das padarias, já as oito pelas cafeterias. Quando davam as nove, as pessoas começavam a chegar aos escritórios de Bow Street, à espera de que abrissem suas portas. As dez, o magistrado de volta, que casualmente esse dia era Morgan, tomava assento no tribunal.

Tudo estava como devia ser, pensou Ross, satisfeito.

Ao entrar na cozinha, Ross viu Ernest sentado na grande mesa de madeira; o menino devorava seu café da manhã como se fosse o primeiro prato de comida decente que provava em meses. Sophia estava com a esquálida cozinheira, parecia lhe ensinando como devia preparar a primeira refeição do dia.

— Dê volta desta maneira — lhe dizia Sophia, dando a volta de forma perita as panquecas que havia na frigideira.

Essa manhã, o aroma da cozinha era especialmente apetitoso, uma mescla de bacon frito, café e crepes quentes.

Sophia se via fresca e saudável, e as estilizadas curvas de sua figura ficavam ressaltadas por um avental branco sobre seu vestido cinza escuro. Seu brilhante cabelo estava recolhido em um coque no alto da cabeça, preso com um elástico azul. Quando viu Ross, lhe acenderam seus olhos de safira; estava tão incrivelmente atrativa que ele sentiu uma pontada no meio das pernas.

— Bom dia, Sir Ross — disse — Gostaria de tomar café da manhã?

— Não, obrigado — respondeu ele — Só tomarei uma xícara de café; nunca... — Ross se deteve ao ver que a cozinheira punha uma bandeja sobre a mesa. Estava repleta de crepes recém feitos colocados sobre uma base de geléia de amoras, e ele tinha autêntica fraqueza pelas amoras.

— Um ou dois? — perguntou-lhe Sophia.

De repente, pareceu a Ross que não era tão importante respeitar seus rígidos costumes diários; não havia nada de errado em perder um tempo para tomar o café da manhã, pensou. Um atraso de cinco minutos não alteraria sua agenda.

Encontrou a si mesmo sentado frente a um prato cheio de panquecas, bacon rangente e ovos passados por água. Sophia lhe serviu uma xícara de café, e lhe dedicou um sorriso antes de voltar junto à Eliza. Ross pegou o garfo e ficou olhando-o como se não soubesse o que fazer com ele.

— Está bom, senhor — comentou Ernest, enchendo a boca com tanta gulodice que parecia que ia estourar.

Ross tomou um bocado de panquecas banhado em geléia e o comeu ajudado por um bom gole de café. À

medida que comia, ia sentindo uma sensação de bem-estar que não lhe era familiar. Deus fazia muito tempo que não comia outra coisa que não fossem as misturas de Eliza.

Seguiu comendo até que teve liquidado o prato de crepes. De vez em quando, Sophia lhe servia mais café ou lhe oferecia mais bacon.

O agradável calor da cozinha e a visão de sua nova ajudante movendo-se daqui para lá lhe provocavam quebras de onda de incontrolável prazer. Ross deixou o garfo e ficou em pé.

— Devo ir — disse a Sophia, olhando-a sem sorrir — Obrigado pelo café da manhã, senhorita Sydney.

— Estará todo o dia em seu escritório, Sir Ross? — perguntou ela, lhe cravando seus olhos azul escuro e lhe estendendo outra xícara de café.

Ross negou com a cabeça, fascinado pelas pequenas mechas que lhe caíam na fronte. O calor das fornalhas tinha feito que à garota tivesse as bochechas rosadas e resplandecentes. Ross desejava beijá-la, lambê-la, saboreá-la.

— Estarei fora quase toda a manhã — respondeu com voz rouca — Estou levando a cabo uma investigação; ontem de noite cometeram um assassinato no Russell Square.

— Tome cuidado.

Fazia muito tempo que ninguém lhe dizia isso. Ross se amaldiçoou por ficar nervoso tão facilmente.

Entretanto, aí estava aquele agradável comichão de prazer que parecia não poder evitar. Assentiu com rapidez e, antes de ir, dedicou a Sophia um cauteloso olhar.


Sophia passou toda a manhã ordenando papéis, informes e cartas que alguém tinha deixado em um canto do escritório de Sir Ross. Enquanto organizava todo aquele monte de informação, lhe ocorreu que podia começar a familiarizar-se com a sala onde guardavam os expedientes dos criminosos, que estava desordenada e cheia de pó. Levaria dias, possivelmente semanas, poder ordenar devidamente as gavetas onde se armazenava o material. Pôs mãos à obra e tentou recapitular tudo o que tinha descoberto de Sir Ross até o momento, incluindo os comentários dos serventes, os empregados do escritório e os agentes. Dava a sensação de que o magistrado chefe era um homem com um autodomínio desumano, que nunca dizia juramentos, nem gritava nem bebia em excesso. Algumas diretrizes em voz baixa bastavam para que seus agentes obedecessem sem reclamar. Todos que trabalhavam para Sir Ross sentiam admiração por ele, mas, ao mesmo tempo, brincavam sobre sua frieza e sua natureza metódica.

Entretanto, Sophia não acreditava que fosse frio. Ela percebia algo sob sua austera fachada, uma sexualidade contida que, se fosse liberada, consumiria-o todo. Dada sua natureza, Sir Ross não se exporia a fazer amor de uma forma normal. Para ele era algo muito importante, muito especial; teria que estar muito apaixonado por uma mulher antes de dormir com ela. Se Sophia conseguisse seduzi-lo, logo teria que ganhar seu afeto; mas como se apaixonar por um homem como aquele? Intuía que Ross responderia a uma mulher que lhe proporcionasse a ternura que faltava em sua vida. Depois de tudo, não se tratava de uma criatura celestial de força ilimitada; era um homem, por muito que levasse sua capacidade até o limite. Para uma pessoa que carregava tanto peso sobre seus ombros, seria um alívio poder contar com alguém que se ocupasse de suas necessidades.

De volta ao escritório de Sir Ross, Sophia pegou um trapo para limpar o batente da janela e, casualmente, viu o objeto de seus pensamentos na rua. Cannon estava de pé junto à cerca de ferro que havia diante do edifício, falando com uma mulher que parecia havê-lo estado esperando na porta. A mulher levava um xale marrom que lhe cobria a cabeça e os ombros, e Sophia recordou que a senhora Vickery o tinha jogado a primeira hora da manhã.

Queria ver Sir Ross, mas o empregado lhe havia dito que voltasse no dia seguinte, já que o magistrado chefe estava ocupado.

Apesar de tudo, Sir Ross lhe abriu a porta e a acompanhou até a entrada do número três do Bow Street. A Sophia comoveu a consideração de Cannon por alguém certamente de classe muito mais baixa que ele. A mulher estava mal vestida, mesmo assim, o magistrado a pegou pelo braço tão cortesmente como se fora uma duquesa.

Enquanto Sir Ross acompanhava à mulher até seu escritório, disselhe: — Boa tarde, senhorita Sydney. — E levou sua visitante até uma cadeira. A mulher era magra, de meia idade e parecia sofrida; tinha os olhos avermelhados de chorar — Esta é a senhorita Trimmer, a quem acredito que Vickery expulsou esta manhã.

— O senhor Vickery considerou que sua agenda já estava bastante apertada — alegou Sophia.

— Sempre posso encontrar tempo se for necessário — declarou Sir Ross, meio apoiado contra sua mesa e com os braços cruzados, em um tom que Sophia não conhecia — Você diz temer pela segurança de sua irmã, senhorita Trimmer. Peço-lhe que me explique o motivo de tal preocupação.

Tremendo, a mulher segurou com força os extremos de seu xale e começou a falar com voz entrecortada.

— Minha irmã menor, Martha, está casada com Jeremy Fowler — disse, e, ultrapassada pela emoção, deteve-se.

— A que se dedica o senhor Fowler? — perguntou Ross.

— É farmacêutico. Vivem em cima da loja que têm no mercado de St. James. Há problemas entre eles... — deteve-se de novo e começou a retorcer o xale com frenesi — Faz um mês, ela fez algo que o enfureceu, e após não tornei a vê-la.

— Saiu de casa?

— Não, senhor. Fowler tem Martha trancada em casa e não a deixa sair. Faz quase quatro semanas está assim, e ninguém pode entrar para vê-la. Acredito que adoeceu, e supliquei a Fowler que a deixe sair, mas não quer; ainda não terminou seu castigo.

— E qual é a causa desse castigo? — perguntou Ross com calma.

As bochechas da mulher avermelharam de vergonha.

— Acredito que Martha lhe enganou com outro homem. Sei que foi um grande engano por sua parte, mas tem bom coração, e estou segura de que se arrependeu e quer que Fowler a perdoe. — Seus olhos se encheram de lágrimas que enxugou com o xale — Ninguém quer me ajudar a liberar minha pobre irmã, todos dizem que é um assunto entre marido e mulher. Fowler diz que o tem feito porque ele a ama e, entretanto lhe tem feito muito mal. Ninguém, nem sequer o resto de minha família, reprova que a tenha encerrado.

— Nunca entendi esse suposto amor pelo que os homens maltratam a suas almas gêmeas — disse Ross, com o olhar frio — Na minha opinião, um homem que realmente ame uma mulher nunca deveria lhe fazer mal intencionalmente, apesar do grande que fora o engano. — Seu olhar se abrandou quando olhou à mulher desesperada que tinha diante dele — Enviarei um agente à residência dos Fowler imediatamente, senhorita Trimmer.

— Oh, senhor! — balbuciou a mulher, aliviada — Obrigado, e que Deus o abençoe!

— Sabe que homens estão disponíveis hoje, senhorita Sydney? — perguntou Ross a sua nova secretária.

— Sayer e Ruthven — respondeu Sophia, alegrando-se de que Cannon queria liberar à cativa Martha.

Dado que geralmente se pensava que os maridos tinham o direito de fazer o que quisessem com suas mulheres, não lhe teria surpreendido que Sir Ross tivesse se recusado a ajudar aquela mulher.

— Diga a Ruthven que venha até aqui.

Sophia obedeceu rapidamente, e logo voltou com Ruthven, um agente corpulento e de cabelo castanho, de feições duras e temperamento agressivo. Era conhecido seu apetite pela luta física, e poucos homens se atreviam a provocá-lo. Infelizmente, sua mente não estava capacitada para atender tarefas de investigação, e por esse motivo Ross o utilizava para assuntos que requeriam mais força física que cerebral.

— Vá com a senhorita Trimmer ao mercado de St. James — ordenou Ross — Ela te levará até a casa que há em cima da farmácia de Fowler, onde sua irmã permanece cativa há quase um mês. Faça o que seja necessário para liberá-la, e tenha em conta que cabe a possibilidade de que seu marido oponha resistência.

O agente se deu conta de que tinha sido chamado para intervir em uma disputa conjugal, e franziu o cenho ligeiramente.

— Senhor, estava saindo para o Tothill Bank; houve um roubo, e eu...

— Terá tempo de ganhar suas comissões privadas mais tarde — disse Sir Ross — Isto é mais importante.

— Sim, senhor. — Ruthven, claramente a contra gosto, virou-se para partir.

— Ruthven — disse Ross em voz baixa — o que aconteceria se fosse a sua irmã que estivesse um mês trancada em casa?

O agente considerou suas palavras, e de repente pareceu envergonhado.

— Me ocuparei disso imediatamente, Sir Ross.

— Bem — disse o magistrado com brutalidade — depois que tenha liberado à senhora Fowler, quero interrogar seu marido.

— Levo-o diretamente ao calabouço, senhor?

—Não, leve-o a Newgate. Que espere e pense em suas ações antes que eu fale com ele.

Enquanto o agente acompanhava à senhorita Trimmer à saída, Sophia se aproximou de Sir Ross e o olhou, pensativa. Cannon permanecia meio apoiado contra a mesa. Estava meditando e tinham formado covinhas a cada lado de sua boca. Embora Sophia conhecesse a compaixão que sentia o magistrado chefe pelas mulheres e as crianças, surpreendeu-lhe sua decisão na hora de se intrometer em um conflito entre marido e mulher.

Uma esposa era considerada legalmente propriedade de seu marido, o qual podia fazer com ela o que tivesse vontade.

— Isso foi muito amável de sua parte — disse.

— Gostaria de fazer Fowler sofrer o mesmo que ele tem feito sofrer a sua mulher — reconheceu Sir Ross, sem deixar de franzir o cenho — Só posso retê-lo em Newgate por três dias, o que não é suficiente.

Sophia estava de acordo, mas não pôde resistir a exercer de advogado do diabo.

— Muitos diriam que a senhora Fowler merecia esse castigo por deitar-se com outro homem — assinalou.

— Apesar de seu comportamento, seu marido não tem direito a castigá-la dessa maneira.

— Qual seria sua reação se sua mulher o enganasse com outro?

Aquela pergunta surpreendeu o magistrado. De repente, Sophia tinha dirigido a conversa para o terreno pessoal.

Sir Ross a olhou com cautela, e a tensão repentina lhe fez contrair os ombros.

— Não sei — admitiu — Minha esposa não era mulher que sucumbisse a essa tentação em particular.

Esse tema nunca me preocupou.

— E se houvesse se tornado a casar? — perguntou Sophia, que tinha gostado muito do vívido olhar chapeado de Sir Ross — Não lhe preocuparia a fidelidade de sua mulher?

— Não.

— Por quê?

— Porque a teria tão ocupada na cama que não teria tempo nem vontade de procurar a companhia de outro homem.

Aquelas palavras surpreenderam Sophia. Eram o reconhecimento de nada menos que um insaciável apetite sexual. Isso confirmava tudo o que sabia de Sir Ross até esse momento.

Ele não era alguém que fizesse nada pela metade. Sem poder evitar, Sophia imaginou como seria estar com ele na intimidade, com a boca dele sobre seus peitos e suas mãos se movendo por seu corpo. Notou um intenso calor no rosto.

— Perdão — disse Ross em voz baixa — Não devia ter sido tão franco.

Outra surpresa. Sophia nunca tinha conhecido um homem que se rebaixou para desculpar-se ante um empregado, menos ainda se este era uma mulher.

— Foi minha culpa — conseguiu articular — Não deveria ter feito uma pergunta tão pessoal; não sei por que fiz.

— Sério?

Seus olhares voltaram a cruzar-se, e o calor que desprendiam dos olhos dele tornavam difícil respirar.

Sophia tratava de descobrir mais do caráter e os sentimentos de Cannon. É obvio tudo era com a finalidade de manipulá-lo, tudo fazia parte de seu plano para conseguir que ele se apaixonasse por ela. Por desgraça, era difícil ignorar a crescente atração que sentia pelo homem do qual pretendia se vingar. Quando finalmente se deitassem juntos, desejaria poder se manter fria e distante. Entretanto, havia muitas qualidades dele que lhe seduziam, como sua inteligência, sua compaixão pelas criaturas vulneráveis e a intensa necessidade de afeto que havia sob sua rígida fachada.

Justo quando seu coração começava a acalmar-se, Sophia recordou seu irmão morto, e a determinação por vingá-lo ressurgiu com força. John devia ser vingado ou, se não, sua vida não teria sentido. Esquecer o passado seria como haver falhado, isso era algo que ela não podia permitir.

— Suponho que sinto curiosidade por você — disse Sophia, depois de medir sua resposta — Quase não fala de você, nem de seu passado.

— Há pouco em meu passado que possa lhe interessar — assegurou Sir Ross — Sou um homem normal de uma família igualmente normal.

Tal afirmação deveria ter notado falsa humildade. Depois de tudo, Sir Ross era alguém de reconhecidos lucros e capacidades. Não cabia dúvida de que era consciente de seus êxitos, de sua mente privilegiada, de sua boa aparência e de sua impecável reputação. Entretanto, Sophia se deu conta de que não se considerava superior a ninguém. Exigia tanto de si mesmo que nunca poderia viver segundo os impossíveis níveis que se marcava.

— Você não é normal — sussurrou ela — É fascinante.

Sir Ross era abordado frequentemente por mulheres que tinham interesse nele. Sua condição de atrativo viúvo com boa situação econômica e uma influência política e social considerável, o tornava provavelmente o homem mais cobiçado de Londres. Mesmo assim, o comentário de Sophia o tinha pegado de surpresa.

Olhou-a perplexo, incapaz de formular uma resposta.

O silêncio se tornou insuportável, e finalmente Sophia falou para romper o gelo.

— Vou me encarregar do jantar. Comerá na cozinha ou aqui?

— Mande uma bandeja aqui — respondeu Ross, fixando o olhar em sua mesa — Esta noite tenho que terminar algumas coisas.

— Deveria dormir um pouco — aconselhou Sophia — Trabalha muito.

Ross pegou uma carta que havia sobre a mesa e rompeu o lacre.

— Boa noite, senhorita Sydney — murmurou sem olhá-la.

Sophia saiu do prédio e avançou pelo corredor com o cenho franzido. O que importava a ela se Sir Ross não queria descansar devidamente? Que trabalhe até a morte, pensou; pouco lhe preocupava se aquela pobre cabeça dura se arruinava a saúde. Entretanto, não podia evitar se sentir irritada ao pensar nas olheiras de Cannon.

Chegou à conclusão que sua preocupação provinha de sua sede de vingança; depois de tudo, resultava muito difícil seduzir um homem quando este estava exausto e meio esfomeado.

Os dias em que Sir Ross fazia as funções de juiz, Sophia levava a comida ao prédio, pouco depois que acabassem as sessões no tribunal. Enquanto ele comia em seu escritório, lhe ordenava os papéis, tirava o pó das prateleiras e levava informações ao arquivo de crimes. Entretanto, Sir Ross não fazia todas as refeições, já que as considerava uma inoportuna interrupção de seu trabalho.

A primeira vez que Cannon tinha recusado o almoço, dizendo a Sophia que estava muito ocupado, esta disse que ofereceria o prato a Vickery, que estava transcrevendo um relatório de um agente.

— Vickery também está ocupado — disse Ross sem mais — Será melhor que leve o prato.

— Sim, senhor — respondeu Sophia — Possivelmente mais tarde...

— Pois eu comeria algo — interrompeu Vickery, com o olhar na bandeja. Vickery, um tipo rechonchudo e de apetite voraz, não gostava de ficar sem as refeições. — Essa comida cheira muito bem, senhorita Sydney; Posso saber o que é?

— Salsichas com ervas finas e batatas e ervilhas com nata.

Abriu o apetite de Ross ao perceber o agradável aroma que provinha da bandeja. Ultimamente, Sophia estava mais que ajudando na cozinha, estava ensinando a Eliza como preparar pratos comestíveis. Tinha muito em conta o que Sir Ross gostava e o que não gostava, e tinha observado que ele preferia as comidas bem enfeitadas e que tinha uma debilidade incurável pelos doces. Durante vários dias, Cannon tinha sucumbido a um bolo de nozes com laranja, a uma bolacha de melaço com passas, a um folhado de compota de maçã... Não era estranho, que tivesse começado a aumentar de peso. Tinha novamente as covinhas das bochechas e a roupa já não ficava folgada como antes, isso teria agradado sem dúvida a sua mãe, que sempre se preocupou com a magreza de seu filho.

Vickery fechou os olhos e respirou fundo.

— Ervilhas com nata... — repetiu — minha mãe estava acostumada a fazê-los assim. Diga-me, senhorita Sydney, não terá posto um pingo de noz moscada, tal como estava costumava fazer ela?

— Pois sim...

Ross balbuciou:

— É óbvio que não posso ter um momento de paz.

Sophia lhe dedicou um sorriso de desculpa e obedeceu.

Vickery pegou a bandeja e desdobrou o guardanapo com alegria.

— Obrigado, senhorita Sydney! — disselhe radiante quando esta já estava saindo.

Enquanto Ross seguia assinando sentenças, escutando, irritado, como Vickery abria e fechava a boca e como suspirava de prazer enquanto devorava o almoço.

— Tem que fazer tanto ruído? — espetou Ross finalmente, levantando o olhar de sua mesa e com o cenho franzido.

Vickery engoliu uma colherada de ervilhas.

— Me perdoe senhor, mas é uma comida própria de reis. A próxima vez que desejar ficar sem o almoço, eu o aceitarei encantado.

Não haveria próxima vez, pensou Cannon, incomodado ao ver que outra pessoa estava desfrutando de sua comida. A partir desse momento, almoçar em seu escritório se converteu em um ritual sagrado, e ninguém se atreveu a interferir.

A influência de Sophia logo se estendeu a outros âmbitos mais pessoais de sua vida. Assegurava-se que o recipiente que ele usava para seu barbear matutino sempre estivesse cheio de água quente, e acrescentava glicerina ao sabão de barbear para abrandar sua obstinada barba. Sophia se precaveu de que suas botas e sapatos necessitavam um bom brilho, por isso preparou sua própria mescla de betume, já encarregava Ernest que o calçado de seu chefe estivesse devidamente lustrado.

Uma manhã, Ross descobriu que a maioria de suas gravatas tinham desaparecido da gaveta superior de sua cômoda. Foi à cozinha de camisa, onde encontrou Sophia sentada à mesa, escrevendo notas em um pequeno livro com as páginas costuradas. Ao observar que Sir Ross não usava casaco, Sophia lhe dedicou um olhar da cabeça aos pés rápida, mas conscienciosa. De repente, notando esse olhar de discreto interesse feminino, lhe custou recordar por que tinha descido à cozinha.

— Senhorita Sydney... — começou Cannon em tom brusco.

— As gravatas — interrompeu ela, estalando os dedos, recordando que as tinha tirado da gaveta — As lavei e engomei ontem, mas me esqueci de devolver ao seu quarto. Agora mesmo pedirei a Lucie que as leve.

— Obrigado — disse Ross, e se distraiu ao ver uma mecha de cabelo dourado e sedoso que tinha escapado do coque de Sophia. Quase sucumbiu a tentação de agarrá-lo e enroscar esses suaves cabelos em seu dedo.

— Antes que volte para seu quarto, senhor, tem que saber que algumas de suas gravatas já não estão.

— Que não estão? — repetiu Ross franzindo o cenho.

— As vendi ao trapeiro — informou Sophia, e esboçou um sorriso arriscando-se a que o magistrado protestasse — Havia muitas que estavam gastas e desbotadas. Um homem de sua posição não pode usá-las dessa maneira, assim deverá comprar umas novas.

— Já vejo — disse Ross, que, movido pela rabugice de seu ajudante, aproximou-se dela e apoiou uma mão no respaldo da cadeira onde estava sentada. — Embora não chegava a tocá-la, Sophia estava admirada. — Bom, senhorita Sudney, posto que tomou a liberdade de se desfazer de minhas gravatas, acredito que deve ser você, que se encarregue de substituí-las. Ernest a acompanhará a Bond Street esta tarde, e pode comprar novas gravatas na minha conta. Deixarei a escolha a seu critério.

Sophia jogou a cabeça atrás para olhá-lo, e lhe brilharam os olhos só de pensar que tinha que sair às compras.

— Será um prazer, senhor — disse.

Ross observou seu rosto e se sentiu desconcertado. Fazia muito tempo que ninguém lhe dava tanta atenção a assuntos tão corriqueiros como suas gravatas ou a temperatura da água com que se barbeava.

Entretanto, não fez nenhum comentário dessa atenção quase conjugal, da qual cada vez dependia mais. Como com todas as coisas que não compreendia, Ross fez conjecturas sobre os possíveis motivos de Sophia para tratá-lo dessa maneira, mas não encontrou nenhuma razão pela qual ela queria mimá-lo.

Os grossos cilíos de Sophia baixaram ao observar uma vez mais o ponto onde a camisa de Sir Ross deixava entrever seu pescoço nu. Começou a respirar mais rápido, revelando assim o que sentia quando o tinha perto.

Ross pensou em lhe passar a mão pela nuca e inclinar-se para beijá-la, mas fazia muito tempo que não se aproximava de uma mulher dessa maneira, e além disso, não estava seguro de que ela aceitasse tais cuidados.

— Senhorita Sydney — sussurrou, com o olhar cravado nas profundas safiras de seus olhos — a próxima vez que quiser desfazer-se de minha roupa, será melhor que me avise antes — disse, e esboçou um sorriso.

Aproximou-se dela um pouco mais e acrescentou — me incomodaria muito ter que descer aqui sem minhas calças.


Para desgosto de Ross, ele não era o único em Bow Street que apreciava os consideráveis encantos de Sophia. Tal e como havia predito Morgan, os agentes foram atrás como uma manada de lobos famintos.

Todas as manhãs, as nove, antes de se apresentar ao magistrado chefe, esperavam na porta da cozinha para receber as sobras do café da manhã. Falavam e flertavam com ela, e lhe contavam exageradas histórias de seus lucros.

Os homens descobriram que Sophia sabia curar pequenas feridas, e começaram a inventar dores e moléstias para reclamar sua atenção. A paciência de Ross acabou quando soube que sua ajudante tinha enfaixado ao menos três peludos tornozelos, tinha aplicado duas cataplasmas e tinha envolvido uma garganta dolorida no transcurso de uma só semana.

— Diga-lhe — espetou Vickery — que se estão ficando tão malditamente doentes e debilitados, que vão ver o maldito médico! Proíbo à senhorita Sydney que trate mais feridas, fica claro?

— Sim, senhor — respondeu Vickery, que o olhava assombrado — Nunca antes o tinha visto tão zangado, Sir Ross.

— Não estou zangado!

— Está gritando e dizendo impropérios — assinalou Vickery com razão — Se isso não é estar zangado, o que é?

Ross tratou de sair da neblina vermelha que o rodeava e, com grande esforço, conseguiu modular o tom de voz.

— Elevei a voz com o mero propósito de ser claro — resmungou — O que quero dizer é que os agentes não podem simular lesões ou feridas como desculpa para que a senhorita Sydney os atenda. Já tem suficiente responsabilidade para ser icomodada pela turma de miolo mole que trabalha para mim.

— Sim, senhor — respondeu Vickery, que evitou olhá-lo no rosto, mas não antes que Ross visse o sorriso perspicaz que esboçavam seus lábios.

À medida que o rumor sobre a nova e atrativa empregada de Bow Street foi se estendendo entre as patrulhas, Sophia ia sendo assediada cada vez por mais agentes. Ela tratava a todos com a mesma amabilidade, mas Ross pressentia que o que fazia era proteger a si mesma de seu coração. Depois da forma em que tinha sido tratada por aquele amante, qualquer homem que queria ganhar sua confiança deveria confrontar uma dura batalha.

Ross sentia cada vez mais curiosidade pelo homem que tinha abandonado Sophia; que aspecto teria, por que ela se fixou nele... Finalmente, não pôde conter-se e perguntou a Eliza se sua secretária tinha lhe contado algo sobre seu antigo amante. Era o dia de folga de Sophia, que tinha ido com Ernest fazer compras pelo Bond Street. Bow Street parecia estranhamente vazio sem ela, e embora ainda faltavam várias horas para o final do dia, Ross não parava de olhar o relógio, impaciente.

A cozinheira sorriu.

— Se Sophia me disse algo sobre ele, Sir Ross, foi na mais estrita confidência. À parte, o mês passado você me chamou a atenção a respeito de minha afeição a mexericar, e agora estou fazendo todo o possível para me emendar.

Ross lhe dirigiu um olhar duro e sério.

— Eliza, por que será que agora, quando finalmente me interesso por algo do que você pode mexericar, decidiu reformar-se?

A mulher riu, mostrando seus maltratados dentes como se fossem peças de um quebra cabeças.

— Direi o que ela me contou sobre ele, se me disser o que quer saber.

— Perguntava simplesmente porque me interesso pelo bem-estar da senhorita Sydney — alegou Ross, dissimulando.

Eliza soprou, cética.

— Direi senhor, mas não deve comentar, ou Sophia se zangará comigo. Chamava-se Anthony; disseme que era jovem, bonito e loiro. Gosta dos loiros, sabe?

— Continue — disse Ross, que franziu o cenho ao receber a informação.

— Se conheceram enquanto Sophia estava dando um passeio e ele cavalgava pelo bosque. Ele a conquistou lhe recitando poemas e coisas assim.

Ross grunhiu, contrariado. A imagem de Sophia nos braços de outro homem, sobre tudo, nos de um que era loiro e recitava poesia, lhe irritou subitamente.

— Por desgraça — disse — o tipo esqueceu de mencionar que estava casado.

— Sim, muito covarde, a deixou sem mais depois de obter o prazer que procurava. Nem sequer se incomodou em lhe dizer que tinha mulher. Sophia diz que nunca mais se apaixonará.

— Algum dia se casará — comentou Ross com cinismo — Só é questão de tempo.

— Sim, é possível que assim seja — concordou Eliza, de forma pragmática — O que disse é que nunca mais poderá voltar a amar.

— Se a gente tiver que casar — disse Ross, encolhendo de ombros — é melhor fazê-lo por outras razões além do amor.

— Isso é exatamente o que diz Sophia — disse Eliza antes de partir — Que sensatos são os dois! — exclamou, estalando a língua e deixando Ross com o cenho franzido.


Depois de duas semanas de esmero trabalho, os agentes Sayer e Gee deram finalmente com Nick Gentry, a popular figura dos baixos recursos de Londres, e cada salão e botequim da cidade soube que este tinha sido levado a Bow Street para ser interrogado. Assim que chegou ao escritório, Gentry foi conduzido ao calabouço, uma zona que Sophia ainda não conhecia. Naturalmente, sua curiosidade era crescente, mas Sir Ross tinha ordenado que não se aproximasse desse lugar.

À medida que o rumor sobre a detenção de Nick Gentry foi se estendendo pelos bairros baixos e os subúrbios de Londres, uma multidão cada vez maior foi se acumulando diante do número três de Bow Street, de tal forma que tomavam a rua e não podiam passar veículos. A influência de Gentry impregnava cada canto da cidade. Embora se fazia chamar a si mesmo caça recompensas, o certo era que tinha contribuído em grande parte para organizar o crime em Londres. Dirigia os bandos em suas atividades ilegais, lhes dizendo como e quando cometer delitos que sem sua ajuda nunca teriam tentado. Os ladrões de carteira, rameiras e assassinos o procuravam em busca de conselho em assuntos que iam desde armazenar artigos roubados até ajudar delinquentes a evitar serem presos.

Sophia tinha a esperança de poder ver tão notável criminoso, mas este tinha sido conduzido a Bow Street no meio da noite. Sir Ross tinha estado com ele no calabouço todo o tempo, submetendo-o a um longo interrogatório.

— Sir Ross só pode reter Gentry três dias — disse Ernest a Sophia — Fará tudo o que esteja em sua mão para que confesse que ajudou esses homens a escaparem de Newgate, mas Gentry nunca admitirá.

— Fala como se sentisse admiração por Gentry — comentou Sophia.

O menino ruborizou e pensou a resposta.

— Bom... Nick Gentry não é tão mau. Às vezes ajuda essa gente... Dá-lhes dinheiro e trabalho...

— Que tipo de trabalhos? — perguntou Sophia de forma cortante — Certamente não são trabalhos legais.

Ernest encolheu de ombros, incômodo.

— E também detém ladrões e bandoleiros, igual aos agentes.

— Por isso diz Sir Ross — respondeu Sophia em voz baixa — Gentry anima às pessoas a cometer crimes e depois os detém por isso. É como criar delinquentes para seu próprio proveito, não acha?

Ernest lhe lançou um olhar defensivo e sorriu.

— Sim, senhorita Sydney. Gentry tem seus defeitos, mas não é tão mau. Não sei como explicar para que entenda.

Entretanto, Sophia o entendia. Às vezes, acontecia que um homem era tão carismático que as pessoas tendiam a passar por cima seus pecados. Parecia que Nick Gentry tinha cativado aristocratas, comerciantes e ladrões de carteira por igual; todos em Londres estavam fascinados com ele, e sua rivalidade com Sir Ross só o fazia mais intrigante.

Sir Ross não saiu do calabouço todo o dia; limitava-se a pedir a Ernest por água ou pelo relatório de algum criminoso em particular. Sayer e Gee, os dois agentes que tinham detido Gentry, também estavam presentes no interrogatório, embora às vezes saíam para descansar e tomar ar fresco.

Sophia, corroída pela curiosidade, aproximou-se de Sayer, que estava no pátio do número quatro de Bow Street. A multidão que se amontoava em frente ao edifício não parava de pedir aos gritos a liberação de Nick Gentry, o que parecia muito ruim. Sophia agradecia a grade de ferro que impedia os manifestantes de entrar no edifício, mas temia que alguém decidisse saltá-la.

Sayer levantou a cabeça para a fresca brisa da primavera e respirou fundo. Embora o ar estivesse impregnado das típicas essências londrinas, entre as quais se destacavam o carvão e o esterco, pareceu-lhe preferível isso à viciada atmosfera das celas. Ouvindo passos sobre as lajes do pátio, o agente deu a volta e, ao ver a moça, sorriu e lhe brilharam os olhos. Era um homem que flertava com cada mulher que conhecia, sem lhe importar a idade, aspecto ou estado civil.

— Ah, senhorita Sydney, justo a companhia que desejava. Sem dúvida veio procurando um encontro apaixonado. Assim finalmente decidiu admitir o que sente por mim, não é?

— Sim — respondeu ela secamente, sabendo que a melhor forma de tratar os agentes era mostrando a mesma desfaçatez que eles — Por fim me convenci da romântica atmosfera de Bow Street. Onde quer que nos colocamos senhor Sayer?

— Sinto ter que decepcioná-la, querida senhorita — disse o jovem e alto Sayer — Cannon só me deu cinco minutos, o qual não é suficiente. Além disso, não gosto de me deitar sobre um chão de pedra. Peço que compreenda.

Sophia cruzou os braços e lhe dirigiu um sorriso.

— O que aconteceu no calabouço, Sayer?

O agente suspirou repentinamente preocupado.

— Cannon não tirou muito de Gentry; é como serrar um carvalho com uma faca de manteiga. De qualquer forma, Sir Ross continua insistindo — disse. Esfregou o rosto e bocejou — Suponho que já é hora de voltar.

— Boa sorte — disse Sophia, compadecendo-se dele ao vê-lo cruzar o pátio para a porta que conduzia ao calabouço.

À medida que se aproximava a noite, os ânimos das pessoas reunidas em frente a Bow Street foi esquentando. Sophia viu pela janela que alguns dos que protestavam traziam paus e que na rua acenderam fogueiras com móveis velhos. O Urso Marrom, o botequim, tinha repartido garrafas de licor e as pessoas bebiam facilmente. Para horror de Sophia, as pessoas tinham começado a assaltar as casas próximas, quebrando as janelas e tratando de derrubar as portas com paus e punhos.

Durante a noite, a multidão se descontrolou completamente. Ernest apareceu no número quatro e disse a Sophia e aos serventes que ficassem dentro da casa. Os agentes disponíveis tratavam de dispersar as pessoas; em caso de não poderem fazê-lo, pediriam ajuda ao exército.

— Não há por que se preocupar — disse Eliza com voz entrecortada e semblante pálido — Os agentes sufocarão os distúrbios. São homens bons e valentes; nos manterão a salvo.

— Onde está Sir Ross? — perguntou Sophia, tentando manter a calma, apesar de que os gritos da multidão estavam acabando com seus nervos.

— Continua no calabouço com Gentry — respondeu Ernest — Diz que ele mesmo dará um tiro em Gentry antes de deixar que as pessoas o resgatem.

Enquanto o menino corria de volta ao edifício adjacente, Sophia voltou para a janela e estremeceu ao ver que a multidão lançava pedras e garrafas contra a casa.

— Isso é uma loucura! — exclamou — Sabe Sir Ross como estão as coisas? Não demorarão muito em reduzir este lugar a escombros!

De repente, as três mulheres levaram um susto ao ver como uma pedra fazia em pedacinhos a janela.

— Meu Deus! — exclamou Eliza.

— Que o céu nos proteja! — chiou Lucie, que tinha os olhos como pratos — O que fazemos?

— Nos afastamos das janelas — disse Sophia — Vou ao calabouço.

O ruído de fora era ensurdecedor e o ar estava carregado de fumaça. Embora ainda ninguém tinha conseguido escalar a grade, Sophia viu como as pessoas, enfurecidas, passavam uma escada. Recolheu o vestido, correu através do pátio e abriu a porta que conduzia ao calabouço.

As escadas desciam para um oco escuro. Sophia desceu com cuidado, já que os degraus eram escorregadios. As paredes estavam cobertas de mofo e o ar estava impregnado de um aroma acre que lhe recordava urina. Ouviu vozes masculinas, entre elas a de Ross. Seguiu uma tênue luz que havia no final da escada e chegou até um estreito corredor que dava ao calabouço. Um abajur iluminava tenuamente os barrotes de três celas e formava um amontoado de sombras sobre o poeirento chão. Em um extremo havia uma mesa e várias cadeiras colocadas junto a um orifício de ventilação com barrotes que davam à rua, através do qual se infiltrava o incessante rugido da multidão.

Sophia viu dois agentes, Sir Ross e um homem alto e elegante apoiado de forma insolente contra a parede, com as mãos nos bolsos de seu casaco. Tinha que ser Nick Gentry pensou. Entretanto, antes que pudesse ver bem o rosto, Sir Ross se aproximou dela rapidamente.

— O que está fazendo aqui? — exclamou; sua voz denotava uma determinação que fez Sophia estremecer.

Apesar do frio que fazia ali embaixo, Ross estava de camisa, através do apertado linho branco podiam ver-se seus largos ombros e os firmes músculos de seus braços. Tinha o colarinho da camisa desabotoado, por isso se revelava seu grosso pêlo peitoral. O olhar atônito de Sophia se elevou para o rosto de seu chefe, severo e feroz, e cujos olhos cinzas ardiam de raiva.

— Ordenei que não descesse aqui — afirmou Ross. Embora não gritasse, sua voz ressonava com fúria.

— Sinto muito, mas há algo que deve saber...

— Quando eu disser que não faça algo, me obedeça, aconteça o que acontecer, entendido?

— Sim, meu amo e senhor — respondeu sarcasticamente Sophia, cuja tensão e preocupação se tornaram aborrecimento — pensei que tinha que saber que a multidão está a ponto de assaltar o número quatro. Os agentes não poderão contê-la durante muito tempo; estão quebrando as janelas. Se não chamar logo o exército, colocarão abaixo os dois edifícios.

— Sayer — disse Sir Ross ao agente — vá dar uma olhada lá fora; se a situação o requerer, envie uma patrulha de guardas a cavalo, e você —disse, dirigindo-se a Sophia — Suba e fique dentro de casa até que eu o diga.

Contrariada pela forma autoritária com que Cannon falou, assentiu e partiu tão rápido como lhe permitiram os pés.

Assim que a ama de chaves abandonou o calabouço, Nick Gentry, que tinha estado contemplando o orifício de ventilação, deu a volta.

— Bonito elemento — comentou, referindo-se obviamente a Sophia — A tem polindo os metais para você, Cannon? Acredito que quando tiver acabado com ela, me agenciarei.

Ross, que conhecia o jargão da rua, sabia exatamente o que significava “polir os metais”. Referia-se a um estilo de cama de ferro e às atividades que nela podiam ter lugar. Normalmente, as provocações dos prisioneiros não lhe afetavam, entretanto, nesta ocasião esteve a ponto de perder o controle. A referência a Sophia como se se tratasse de uma vulgar prostituta era o que lhe faltava para que sua fúria disparasse.

— Vai fechar sua asquerosa boca — soltou a Gentry — ou o farei por você.

Gentry sorriu, satisfeito com o êxito de seu comentário.

— Estive o dia todo tratando de me fazer falar e agora quer que me cale?

Nick Gentry era elegante e jovem. Também era bonito, de cabelo castanho, olhos azuis e sorriso fácil. Seu acento, embora não era o de um cavalheiro, era mais refinado que o da média das pessoas. Quase lhe podia confundir com um daqueles jovens aristocráticos que se dedicavam ao jogo de perseguir saias enquanto aguardavam cobrar suas heranças. Entretanto, havia algo em seu rosto que dizia que se tratava de uma criatura da rua, uma frieza que se mostrava em seus olhos e que subtraía alegria a seu sorriso. Em algum momento de seu passado, Nick Gentry tinha aprendido que a vida era uma amarga corrida pela dominação. Pretendia ganhar essa corrida, e não atuava sob nenhuma regra reconhecível. A Ross parecia assombroso que um sujo bastardo como aquele ganhou tantos adeptos entre o público.

Gentry lhe dirigiu um sorriso malicioso, como se pudesse ler sua mente.

— Tem um problema nas mãos, Cannon. Escuta as pessoas; colocarão abaixo este lugar se não me soltar.

— Não sairá daqui, antes de dois dias — assegurou Ross — Vai ficar no calabouço tanto quanto possa lhe reter legalmente, assim já pode ir se acomodando.

— Neste ninho de baratas? — respondeu Dentry com desprezo — Nem sonhe!


Capítulo 3

 

Quando Sophia saiu ao pátio, alarmou-se ao descobrir que a multidão estava fora de controle. Havia gente escalando a cerca, caindo ao chão e escorrendo como ratos para o interior do edifício. Um grupo de agentes a pé e a cavalo trabalhavam em excesso para dispersar aos bagunceiros, mas seu esforço parecia em vão.

Sophia correu ao interior do número três procurando proteção, mas, por azar, a situação ali não era melhor. Todas as salas e os corredores pareciam estar cheios de gente, e a gritaria fazia vibrar as paredes. Os agentes tinham detido os manifestantes mais violentos, que levavam às salas de detenção.

Vickery lutava com o livro de registros, em um frenético intento por anotar os nomes de quem era preso.

Viu Sophia e gritou algo, mas o ruído era ensurdecedor. “Saia daqui!” parecia estar dizendo Vickery com gestos de que saísse.

Sophia se dispôs a obedecer, mas continuava entrando gente pelas portas.

A multidão a empurrava e ela lutava por conservar o equilíbrio. Fazia calor, o estrondo era cada vez maior e no ar flutuava um desagradável aroma de álcool e corpos suados. Começou a ser golpeada por cotovelos e ombros que a esmagaram contra a parede.

Tratou de não sucumbir ao pânico; procurou Vickery, mas já não podia vê-lo.

— Vickery! — gritou, mas sua voz se perdeu entre a multidão — Vickery! —Alguns bagunceiros começaram a puxar seu vestido e a procurar brutalmente seus seios. Arrancaram partes do tecido e a visão de um de seus ombros descoberto acendeu a libido de alguns. Tratou de apartar as mãos que a tocavam a golpes, mas a empurraram contra a parede até que ficou sem fôlego. Alguém puxou seu cabelo, e sentiu uma aguda dor no couro cabeludo que lhe fez brotar lágrimas de dor.

— Venham aqui, rápido! — exclamou um agente, lutando para chegar até ela — Tirem as mãos de cima dela, bastardos!

Sophia girou, tratando de evitar os corpos que a encurralavam, e apertou o rosto de lado contra a parede.

Fez um esforço por tomar ar, já que a pressão a estava deixando sem respiração. Pensou que fossem quebrar suas costelas. Estava terrivelmente aturdida e custava pensar.

— Se afastem de mim — pediu entre soluços — Parem de uma vez, parem...

De repente, a pressão cessou e ouviu como os homens que estavam a seu redor gritavam de dor. Confusa, deu a volta e viu uma figura grande e escura que abria passagem entre aquele mar de corpos empelotados. Era Sir Ross, cujos olhos cinza a olhavam diretamente. Havia uma estranha expressão em seu rosto, de uma vez perdida e violenta. Ross abria caminho com eficiente brutalidade, e parecia não importar ir deixando atrás de si arranhões e narizes sangrando.

Quando chegou até ela, tomou entre seus braços, protegendo-a com seu próprio corpo. Sophia se aferrou a ele, aceitando seu amparo cegamente. Cannon estava ainda apenas de camisa, a qual estava empapada de suor. Sophia, pega ao largo peito de Ross, ouviu como o magistrado, com sua poderosa voz, anunciava aos bagunceiros que Nick Gentry seguiria detido, e que todo aquele que tivesse entrado nos escritórios seria detido e enviado a Newgate. Suas palavras tiveram um efeito imediato. Os que estavam mais próximos da porta começaram a dispersar rapidamente, já que não tinham nenhuma intenção de serem encarcerados.

— Jensen, Walker, Gee — chamou Sir Ross a seus agentes — levem os detidos aos escritórios do outro lado da rua e encerrem no porão. Flagstad faça vir minhas patrulhas a cavalo, para que dispersem a multidão.

Vickery, recolherá os nomes dos detidos depois, agora vá lá dentro e pronuncie a acusação de motim tão alto como lhe é possível.

— Senhor, não recordo as palavras exatas da acusação de motim — reconheceu o empregado com nervosismo.

— Pois invente algo — soltou Ross.

O comentário provocou gargalhadas de vários desmandados. Quando os agentes começaram a levar as pessoas para fora o aglomeração de corpos se diluiu.

Sophia estremeceu ao notar como alguém tratava de lhe colocar a mão sob a saia. Apertou-se contra Sir Ross e colocou os braços contra seu firme peito, antes que ela dissesse uma palavra, Cannon se deu conta da situação.

— Você! — gritou ao bolinador que se encontrava atrás de Sophia. — Volte a pôr a mão em cima desta mulher e perderá uma parte de sua anatomia.

Imediatamente, outro barulho de risadas invadiu o lugar .

Protegida pelo abraço de Sir Ross, Sophia se maravilhou pela forma em que a mera presença deste bastava para dominar a multidão. Tudo tinha se convertido em um caos, mas Cannon tinha restabelecido a ordem em menos de um minuto. Sir Ross a cobriu com todo seu corpo.

A moça manteve a bochecha apertada contra o peito do magistrado, sentindo o ritmo veloz do batimento do seu coração. Aspirou o fresco aroma de seu sabão de barbear, do café que tomava cada dia e do gosto salgado de seu suor. O escuro pêlo do peito fazia cócegas na bochecha. Anthony não tinha pêlo no peito; como seria repousar a cabeça contra esse arbusto tão masculino? Sophia engoliu saliva e observou a capa cinzenta que cobria a mandíbula e o queixo de Sir Ross, que ainda tinha sua mão contra suas costas. Sophia pensou em como seria sentir essa mesma mão contra o seio, aqueles largos dedos lhe percorrendo sua delicada pele, seu polegar roçando o mamilo...

Meu Deus, não pense nisso, ordenou para si mesma. Entretanto, sentia um estranho comichão por todo o corpo, e só podia respirar, em pequenos suspiros. Era a única forma de reprimir seu desejo de entregar-se sem condições, de beijá-lo na boca.

— Não aconteceu nada — sussurrou Ross meigamente em seu ouvido — Não tenha medo.

Cannon pensou que ela tremia de medo. Bem, era muito melhor que pensasse que era uma pobre covarde a que suspeitasse a verdade. Mortificada, Sophia tratou de recuperar a calma. Umedeceu os lábios e falou contra a camisa de sir Ross.

—Me alegro de que por fim tenha decidido fazer algo — lhe disse, tratando de tornar insolente —Acabou seu tempo, né?

Ross emitiu um som apagado, que poderia haver-se interpretado como de irritação ou de diversão.

—Estava ocupado com o Gentry.

—Pensava que acabaria esmagada —disse ela com a voz tremendo, e ficou atônita quando sir Ross a apertou mais contra ele.

—Está a salvo —lhe sussurrou— Ninguém vai fazer-lhe mal.

Sophia deu conta de que Ross estava mais que disposto a protegê-la, e decidiu que aquela era uma oportunidade de ouro para tirar partido. Conhecia sir Ross o suficiente para ter a certeza de que não poderia resistir a uma mulher em perigo.

Embora uma parte dela se sentia enojada, seguiu obstinada a ele como se o medo a tivesse vencido.

—Chamei o Vickery, mas não podia me ouvir —disse, com afetado tom de lástima.

Ross lhe esfregou as costas, tratando de reconfortá-la. Embora Sophia tentasse ignorar o prazer que sentia, aquela sensação a excitou subitamente. Fechou os olhos e se perguntou quanto tempo poderia aguentar a lenta carícia de sua mão. Apertou os seios, cada vez mais inchados, contra o peito de Ross, e os mamilos lhe puseram mais duros.

Apartou brandamente uma mecha de cabelo por detrás da orelha. O roce de seus dedos fez com que Sophia sentisse um repentino calor por todo o corpo.

—Te fizeram mal, Sophia?

—Estou... Um pouco machucada — disse ela e, simulando estar nervosa, passou-lhe os braços por detrás do pescoço e se aferrou com força. A cerca daquele forte corpo masculino ela sentia segura e protegida.

Sentiu vontade de permanecer assim para sempre. Sir Ross era seu inimigo, recordou-se; entretanto, de momento isso não lhe importava nem a metade do que teria que lhe haver importado.

Ross jogou um olhar ameaçador ao redor enquanto o vestíbulo se esvaziava. Sophia suspirou ao ver como Ross se inclinava para levantá-la pelos braços.

—OH, não há necessidade; posso caminhar, não...

Cannon fez caso omisso de sua queixa e a levou em direção às escadas. Para uma mulher acostumada a cuidar de si mesma, era extremamente fraqueza ter que desempenhar o papel da dama necessitada.

Entretanto, era necessário para conseguir seus objetivos. Ruborizada, agarrou-se à largura dos ombros de sir Ross. Por sorte, os agentes e os poucos bagunceiros que ficavam estavam muito ocupados para lhes prestar atenção.

Quando chegaram a seu escritório, sir Ross a pôs de pé com supremo cuidado.

—Encontra-se bem?

Ela assentiu, com o coração lhe pulsando velozmente.

—Quero que falemos de algo — disse ele em voz baixa. —Quando você baixou aos calabouços faz um momento, eu me encontrava em um momento especialmente tenso do interrogatório, e...

—Sinto muito.

—Me deixe terminar — um súbito sorriso apareceu em seu rosto. —Nunca conheci a ninguém tão propenso a me interromper.

Sophia tratou de manter a boca fechada, e o sorriso de Ross se alargou.

—Interrogar Gentry não é algo agradável. Estive de muito mau humor toda a tarde, e vê-la ali abaixo foi a gota que encheu o copo. Difícil me descontrolar, e lamento havê-lo feito diante de você.

Pareceu-lhe assombroso que um homem de sua posição se desculpasse por um motivo tão insignificante.

Nervosa, umedeceu os lábios e lhe perguntou: —Por que é tão importante que me mantenha afastada dali?

Ross tomou com cuidado a mecha de cabelo loiro que tinha alcançado de Sophia sobre o ombro. Seus largos dedos acariciaram os fios dourados como se estivessem impregnando do perfume de uma flor.

—Quando a contratei prometi a mim mesmo que trataria de protegê-la. Há algumas coisas que uma mulher nunca deveria estar exposta. Os calabouços albergam as pessoas mais malvadas deste mundo.

—Como Nick Gentry?

Sir Ross franziu o cenho.

—Sim. Já é bastante mau que esteja exposta a multidão que passa por Bow Street diariamente; não lhe permitirei que se aproxime de homens como Gentry.

—Já não sou uma menina; não necessito que me protejam de nada. Sou uma mulher de vinte e oito anos.

Por alguma razão, a sir Ross o comentário fez graça.

—Bom, apesar de sua avançada idade, eu gostaria de preservar sua inocência tanto como fora possível.

—Mas não sou inocente. Deveria saber depois do que lhe contei sobre meu passado.

Ross soltou a mecha de cabelo e lhe acariciou as bochechas com a ponta dos dedos.

—É inocente, Sophia. Como já havia dito, você não deveria estar trabalhando aqui. Deveria estar casada com alguém que se preocupasse com você.

—Eu nunca me casarei.

—Não? —disse sir Ross; para surpresa de Sophia, não riu— Por quê? Por esse desengano amoroso? Já o superará com o tempo.

—Você acredita? —repôs ela, incrédula. Não era o engano de Anthony o que lhe tinha provocado, esse ceticismo ante o amor, a não ser o que tinha aprendido de si mesma.

—Há muitos homens que valem a pena confiar — disse ele muito seriamente; homens que a tratariam com a honestidade e o respeito que você merece. Algum dia dará com um e acabará casando-se.

Sophia lhe lançou um olhar por debaixo de seus cilíos.

—Mas se vou de Bow Street, quem cuidaria de você?

Ross deixou escapar uma sonora gargalhada e retirou as mãos do rosto da moça. Entretanto, procurou os olhos de Sophia, que sentiu como lhe esticavam as vísceras.

—Não pode ficar o resto de sua vida trabalhando para um magistrado velho e antipático — disse ele.

Sophia sorriu pela forma em que sir Ross descreveu a si mesmo. Mas, em lugar de discutir sobre o tema, voltou à vista e observou a câmera com olho crítico.

—Vou arrumar tudo isto.

Ele negou com a cabeça.

—Já é tarde; precisa descansar. Este trabalho pode esperar até manhã.

—Muito bem, irei dormir... Se você também for.

Ross não pareceu incomodar-se muito com a sugestão.

—Não; ainda tenho muito por fazer. Boa noite, senhorita Sydney.

Sophia era consciente de que tinha que obedecer sem pigarrear, mas as olheiras de sir Ross e as profundas covinhas a cada lado de seus lábios eram prova de que estava exausto. Pelo amor de Deus, por que se esforçava tanto?

—Não necessito mais sono do que você necessita senhor. Se você ficar até tarde, sou perfeitamente capaz de fazer o mesmo; eu também tenho trabalho que fazer.

Sir Ross franziu o cenho de forma autoritária.

—Vá pra cama, senhorita Sydney.

—Não até que você o faça —respondeu ela sem pestanejar.

—A hora em que vou dormir não tem nada que ver com a sua —disse ele, cortante — a menos que esteja sugerindo que vamos juntos para a cama.

Não cabia dúvida de que com esse comentário pretendia intimidá-la. A Sophia veio à mente uma resposta insolente, tão atrevida que teve que morder a língua. Mas logo pensou: por que não? Já era hora de lhe demonstrar o interesse que ele despertava nela; tinha chegado o momento de dar um passo mais em seu plano de sedução.

—De acordo —disse ela rapidamente. —Se isso for o que terá que fazer para que durma como deveria, que assim seja.

Ross empalideceu. Houve um tenso silêncio. Meu Deus pensou Sophia em um ataque de pânico. Não podia predizer como ia reagir sir Ross. Como, o cavalheiro notoriamente celibatário que era, deveria rebater sua proposta. Entretanto, havia algo em sua expressão, no cinza de seus olhos, que fez com que Sophia perguntasse se seu chefe não estaria expondo em aceitar seu impulsivo convite. E no caso de que fora assim, ela teria que seguir adiante e dormir com ele. Esse pensamento a deixou gelada; era o que tinha planejado o que desejava conseguir, mas de repente se sentiu aterrorizada.

Deu-se conta de que o desejava.

Muito devagar, sir Ross foi se aproximando enquanto ela ia retrocedendo passo a passo, até que se chocou contra a porta. Cannon pôs ambos os braços sobre a porta a cada lado do rosto de Sophia, sem deixar de observar atentamente sua expressão de surpresa.

—Minha cama ou a sua? —Perguntou ele com doçura, esperando talvez que a mulher saísse correndo dali.

Sophia estava nervosa.

—Qual prefere? —soltou-lhe.

—A minha é maior —respondeu ele, estudando-a com o olhar, um olhar que quase podia acariciá-la.

—OH —foi tudo o que Sophia conseguiu sussurrar. O coração lhe pulsava com tanta força que parecia a ponto de sair do peito, e isso lhe dificultava a respiração.

Sir Ross a olhava como se lhe pudesse ler cada pensamento e sentir cada emoção.

—Entretanto —murmurou ele, falando com, mas lentidão —se nos deitarmos juntos, duvido que descansemos.

—Sim... Suponho que não —concordou Sophia.

—Portanto, acredito que seria melhor que voltássemos a nossos hábitos de sempre.

—Nossos hábitos...

—Eu vou a minha cama e você à sua.

Sophia sentiu uma sensação de alívio por todo o corpo, mas ao mesmo tempo foi consciente de uma sutil decepção.

—Não ficará acordado até tarde, então? —perguntou-lhe A Ross causou graça a perseverança de sua ajudante.

— Por Deus, que teimosa é você. Não, não o farei. Tenho medo das possíveis consequências —disse, e se separou de Sophia— Senhorita Sydney, só uma coisa mais.

—Sim, senhor?

Sir Ross se aproximou dela e passou a mão por sua nuca. Sophia estava muito aniquilada para mover-se ou respirar quando viu como ele aproximava sua boca à sua. Só lhe roçou os lábios e lhe tocou o pescoço, mas ela ficou tão imóvel como se estivesse encadeada.

Não tinha tido tempo para preparar-se; estava indefesa e assombrada, incapaz de reagir. Ao princípio, ele a beijou com uma ternura deliciosa, como se tivesse medo de lhe fazer mal. Logo apertou seus lábios sobre os dela, lhe pedindo mais. O sabor de Ross, seu aroma íntimo unido com o gosto de café, afetou-lhe como se tratasse de uma droga. A língua de sir Ross abriu passo entre os dentes de Sophia, explorando-a com suavidade. Cannon saboreou aquela boca, lambendo o úmido interior das bochechas. Anthony nunca a tinha beijado daquela maneira, alimentando sua crescente excitação como se jogasse lenha a uma fogueira. Sophia, aturdida e derrotada pela habilidade de sir Ross, apertou-se contra ele e rendeu-se com a força da nuca.

Deus, como desejava que a estreitasse com força e a apertasse contra si... Mas sir Ross seguia tocando-a com uma só mão e consumia sua boca com paciente apetite. Sophia ocorreu instintivamente uma forma de liberar toda a paixão que sentia por sir Ross. Agarrou-lhe as bochechas e começou a acariciar-lhe, Ross emitiu um leve som. De repente, agarrou-a pelos ombros e a separou dele. Sophia cravou seu olhar nos olhos de Ross, perguntando-se o que acontecia. O silêncio só era interrompido pela agitada respiração de ambos; jamais nenhum homem tinha cuidado de Sophia dessa maneira, como se fosse devorá-la com os olhos e possuir cada centímetro de seu corpo e de sua alma. Estava assustada por sua própria resposta ante ele, por aquele desejo inconfessável que tanto a transtornava.

Sir Ross a olhou de repente com seriedade.

—boa noite, Sophia.

Ela murmurou algo e se foi dali tão rápido como pôde, embora sem correr; sua mente estava confusa.

Enquanto voltava para o número quatro de Bow Street, comprovou que a multidão era cada vez menor e que a rua recuperava pouco a pouco seu aspecto normal. Havia patrulhas a cavalo que dispersavam aos poucos exaltados que ficavam.

Quando entrou na residência, viu que Eliza e Lucie tinham recolhido os vidros quebrados e estavam ocupadas cobrindo os buracos das janelas com mantas.

—Senhorita Sophia! —exclamou Eliza ao vê-la despenteada e com o vestido amassado. —O que passou?

Algum desses asquerosos bagunceiros lhe fez mal?

—Não —respondeu ela — Armaram um pouco de animo no número três, mas sir Ross controlou a situação em poucos minutos.

Sophia fixou em uma vassoura que havia contra a parede e foi até ela instantaneamente, mas as duas mulheres a fizeram desistir de suas intenções e insistiram em que subisse para descansar. Sophia aceitou a contra gosto e agarrou um candelabro para iluminar o caminho para seu quarto.

Enquanto subia as escadas sentiu que lhe falhavam as pernas. Chegou a seu quarto fechou a porta tratando de não fazer ruído e deixou o candelabro de metal na mesa.

Em sua cabeça passaram imagens daquela noite: os afáveis e luminosos olhos cinza de sir Ross, a forma em que movia o peito ao respirar, o calor de sua boca, o delicioso prazer de seus beijos...

Anthony se vangloriava de sua experiência com as mulheres, de seus dotes como amante, mas Sophia compreendia agora que só tinha sido puro bate-papo. No espaço de poucos minutos, havia se sentido muitíssimo mais excitada que em qualquer de seus encontros com Anthony, e sir Ross a tinha deixado com a promessa implícita de mais. Atemorizava dar-se conta de que, finalmente se compartilhasse a cama com ele, seria impossível manter a distância. O caminho entre o aborrecimento e o desespero, perguntou-se por que sir Ross não tinha resultado ser o idiota egoísta e arrogante que ela tinha imaginado. Seria muito difícil traí-lo; e provavelmente não sairia ilesa daquela experiência.

Desanimada, colocou a camisola, escovou o cabelo e lavou o rosto com água fria. Ainda tinha o corpo sensibilizado, com os nervos a flor de pele por causa da delicada estimulação das mãos e os lábios de sir Ross.

Suspirou; foi com uma vela até a janela e correu a cortina. A maior parte do número três já estava às escuras, mas se via luz no despacho de sir Ross. Pôde ver a escura silhueta de sua cabeça ao sentar-se em seu escritório.

E ainda segue trabalhando, disse Sophia. Acaso ia quebrar sua promessa de ir dormir?

Como se tivesse percebido que ela o estava observando, sir Ross levantou, e logo se aproximou da janela.

Com o rosto parcialmente escurecido, olhou Sophia. Um momento depois, fez uma zombadora reverência, deu a volta e apagou o abajur de seu escritório, deixando o escritório às escuras.


Capítulo 4

 

Ross interrogou Nick Gentry durante três dias, utilizando o estilo desumano e insistente com que estava acostumado a arrancar confissões aos mais curtidos personagens.

Entretanto, Gentry pertencia a uma classe diferente a qualquer outro homem com que Cannon topou antes. Mostrava-se duro e extremamente depravado, como se não tivesse nada a perder nem nada que temer.

Ross tratou em vão de averiguar os interesses de Gentry, e descobrir suas debilidades, mas foi impossível conseguir informações. Tentou durante horas que Gentry lhe falasse de suas atividades como caçador de recompensas, de seu passado e de sua associação com vários bandos criminosos de Londres, mas foi em vão.

Posto que toda a cidade estivesse informada da detenção de Gentry e todas as olhadas apontavam para Bow Street, Ross não se atreveu a reter o jovem senhor do crime nem um minuto mais, que os três dias permitidos pela lei. Na terceira manhã, ordenou que liberassem Gentry justo antes do amanhecer, posto que a uma hora tão cedo não se corria o risco de que os grupos que se reuniam cada dia à espera da liberação do delinquente tivessem a oportunidade de manifestar-se em tom vitorioso.

Ross, que continha seu mau humor detrás de uma máscara de impassibilidade, foi a seu escritório sem deter-se para tomar o café da manhã. Não queria comer, nem desfrutar da confortável cordialidade da cozinha, nem gozar dos pequenos cuidados de Sophia; o que desejava era sentar-se em seu escritório e inundar-se na montanha de trabalho que lhe esperava.

Esse dia, o magistrado de volta a Bow Street era sir Grant Morgan, algo pelo que sir Ross deu graças ao céu. Não estava de humor para escutar casos e testemunhos e discernir quem era culpado ou inocente; só queria ficar na solidão de seu escritório.

Como era habitual, Morgan foi até ao escritório de Ross minutos antes de começar a jornada. Ross agradecia a companhia deste, pois era uma das poucas pessoas que entendiam e compartilhavam sua decisão de acabar com Gentry. Ao longo dos passados seis meses, quando tinha sido escolhido entre os agentes para exercer como magistrado anexo, Morgan tinha justificado, com acréscimo a fé que Ross tinha depositado nele. Durante sua etapa como agente, Morgan tinha sido conhecido por seu caráter impulsivo, além de por sua inteligência e seu valor. Havia quem opinava que seu temperamento não era o adequado para converter-se em magistrado de Bow Street.

—Sua debilidade —havia dito Ross mais de uma vez, —é esse costume que tem de decidir as coisas com tanta rapidez, antes de tomar todas as provas.

—Movo-me segundo meu instinto —alegava Morgan.

—O instinto é algo bom, mas, deve estar aberto a todas as possibilidades. Ninguém tem um instinto infalível.

—Nem sequer você?

—Nem sequer eu.

Morgan estava sendo rápido, convertendo-se em alguém mais reflexivo e flexível. Como magistrado, era possivelmente mais severo em seus julgamentos que Ross, mas procurava ser totalmente imparcial. Algum dia, chegaria o momento de aposentar-se, sir Ross lhe legaria seu escritório de Bow Street e a direção dos agentes; mas para isso ainda faltava muito tempo. Ross não tinha nenhuma pressa por retirar-se.

Enquanto os dois homens falavam, alguém bateu brandamente à porta.

—Entre —disse Ross.

Sophia entrou no escritório com uma jarra de café fumegante, e Ross tratou de dissimular o instantâneo prazer que sentiu ao vê-la. A esbelta mulher ia embainhada em um vestido cinza com uma blusa de lã abotoada em cima, cuja cor azul escura fazia com que Sophia brilhasse os olhos como se fossem safiras.

Seu reluzente cabelo dourado estava oculto sob um chapéu, e Ross tivera vontade de tirar aquele ofensivo elemento da cabeça.

Depois de que ele a tinha beijado a duas noites, ambos tinham acordado evitando um ao outro. Por um lado, Ross precisava estar centrado no interrogatório de Gentry; por outro, era óbvio que tinha deixado Sophia confusa. Desde aquele momento, tinha-lhe sido impossível olhar Cannon no rosto, e ele viu que suas mãos tremiam quando lhe servia o café da manhã.

Apesar de tudo, Sophia parecia não ter ficado aborrecida por Ross te-la beijado; tinha reagido com uma ternura excitante. A princípio, Ross tinha ficado surpreso a aparente inexperiência dela. Possivelmente Anthony não sábia beijá-la, apostou que havia muitas coisas nas quais Sophia não tinha sido educada. De toda forma, ela era a mulher mais atrativa que tinha conhecido.

—Bom dia — disse Sophia, que primeiro dirigiu seu cauteloso olhar a Morgan e logo a sir Ross, a quem encheu o copo que havia sobre a mesa— Pensei que gostaria de um pouco, de café fresco antes de ir.

—Aonde vai? —perguntou-lhe Ross, e lhe chateou recordar que aquele era o dia de folga de sua ajudante.

—Vou ao mercado, já que Eliza não vai poder. Esta cansada esta manhã e esta com o joelho doendo.

Suponho que se recuperará logo, mas, no momento não lhe convém fazer esforços.

—Quem vai acompanhá-la ao mercado?

—Ninguém, senhor.

—Não vai Lucie com você?

—Foi ao campo visitar sua família —recordou Sophia — Sim foi ontem pela manhã.

Ross estava perfeitamente ciente dos ladrões de carteira, ladrões, artistas de três ao quarto e fanfarrões que rondavam pelo Covent Garden. Não era seguro para uma mulher como Sophia ir ali sozinha, sobre tudo quando ainda não estava acostumada à cidade. Estremeceu só de pensar a facilidade com que poderia ser atacada, acossada ou violada.

—Não vai ali sozinha —disse com tom cortante. —Esse lugar está cheio de ladrões e pervertidos que irão incomodá-la assim que a virem.

—Eliza está acostumada a ir sozinha, e nunca teve nenhum problema.

—Como não posso responder a isso sem fazer um comentário depreciativo sobre Eliza, será melhor que não tenha de mencionar nada sobre esse ponto. Mesmo assim, não irá sozinha a Covent Garden; levará um dos agentes com você.

—Estão todos fora —interveio Morgan.

—Todos? —repetiu Ross, visivelmente molesto.

—Sim. Mandou ao Flagstad ao Banco da Inglaterra, e Ruthven está investigando um roubo, e Gee está...

—E Ernest?

—Foi entregar a última transcrição de Foge and Cry ao impressor —disse Morgan, fazendo um gesto de impotência com as mãos.

Ross dirigiu-se a Sophia.

—Espere até que volte Ernest e ele a acompanhará ao mercado.

—Mas isso não será hoje —repôs ela — Não posso esperar tanto tempo; não conseguirei boa mercadoria. De fato, a gente já deve estar rebuscando entre os postos.

—Pois é uma pena —disse sir Ross sem abrandar —porque não vai sair Sozinha; e não se fala mais nisso.

Sophia se apoiou contra o escritório e, pela primeira vez em dois dias, olhou sir Ross nos olhos. No fundo, era consciente do prazer que sentia ao perceber seu olhar desafiante.

—Sir Ross, quando nos conhecemos, perguntava-me se teria você algum defeito, e agora tenho descoberto que assim.

—Ah, sim? —disse ele arqueando uma sobrancelha —E o que é?

—É autoritário e incorrigivelmente teimoso.

Morgan soltou uma gargalhada.

—já esta aqui um mês inteiro e agora que chegou a essa conclusão, senhorita Sydney?

—Não sou autoritário —desmentiu Ross tranquilamente —tão somente dá a casualidade de que sei o que é melhor para cada um.

Sophia soltou uma gargalhada e olhou Ross no silêncio que seguiu. Cannon esperava que ela se movesse, fascinado pela pequena ruga que formou entre suas finas sobrancelhas. Sophia pareceu chegar a uma conclusão satisfatória e a ruga desapareceu.

—Muito bem, sir Ross, não irei sozinha ao mercado. Levarei comigo à única escolta disponível, ou seja, você. Espero-lhe na porta principal em dez minutos.

Incapaz de responder, Ross a viu abandonar o escritório. Estava sendo dominado, pensou; e com muita eficácia, por certo. Há muito tempo que nenhuma mulher o tentava, e muito mais alguma tinha obtido.

Entretanto, por alguma razão estava desfrutando muito disso.

Quando a porta se fechou, Morgan olhou para Ross de forma especulativa.

— O que estas olhando? —perguntou Ross.

— Nunca te vi brigar dessa maneira.

—Não estava brigando; só estávamos discutindo.

—Estava brigando —insistiu Morgan —e em certo modo, também paquerando.

Ross franziu o cenho.

—Só estava discutindo o tema de sua segurança, Morgan, é muito diferente de paquerar.

Morgan esboçou um sorriso.

—O que você diga, senhor.

Ross agarrou seu copo de café e bebeu a metade de um gole. Levantou-se da cadeira, foi procurar o casaco e o pôs. Morgan o olhava desconcertado.

—Aonde vai, Cannon?

Ross lhe aproximou um montão de documentos que havia sobre a mesa.

—Ao mercado, é obvio. Dê uma olhada se estam em ordens judiciais pra mim, sim?

—Mas... Mas... — Que Ross recordasse àquela era a primeira vez que Morgan ficava sem palavras — Tenho que me preparar para as sessões!

—Não começarão até dentro de um quarto de hora. Por Deus, quanto tempo necessita?

Sir Ross evitou sorrir ao sair de seu escritório; sentia-se estranhamente alegre.

Posto que em várias ocasiões Sophia tivesse acompanhado Eliza ao mercado de Covent Cardem, estava familiarizada com aquele famoso enclave. Dois de seus lados estavam cobertos por umas arcadas chamadas praças. Os postos com as melhores florestas, frutas e verduras estavam situados entre as praças, que perambulavam livremente os nobres, patifes, artistas, escritores e vividores. No Covent Garden parecia que todas as diferenças de classe se desvaneciam, e os negócios ali que se levavam a cabo, ajudavam a criar uma atmosfera carnavalesca.

Hoje havia um grupo de artistas guias de ruas que percorriam o mercado; entre eles um par de malabaristas, um acrobata com a cara grafite como um palhaço e inclusive um engolidor de espada. Sophia observou com desagrado como este último introduzia uma espada na garganta e logo a tirava impoluta.

Assombrada, esperava que a qualquer momento o homem morresse por causa das feridas internas, mas, em lugar disso, o tipo sorriu e lhe fez uma reverência, utilizando o chapéu para guardar a moeda que Ross lhe deu.

—Como o faz? —perguntou Sophia com os olhos como pratos.

—Normalmente, antes se tragam um tubo que faz às vezes de vagem para a espada —lhe disse Ross, sorridente.

—Ahhh! —Sentindo um calafrio, Sophia se aferrou ao braço de Ross e o levou para os postos de fruta. — Temos pressa; surpreenderia-me que ainda ficasse alguma maçã.

Enquanto Sophia se deslocava de um posto a outro, Ross a seguia atentamente. Ele não intervinha nas compras; dedicava-se a esperar pacientemente enquanto ela regateava, procurando o melhor preço e a melhor qualidade. Carregava com o considerável peso da cesta de compras com facilidade, enquanto Sophia ia enchendo, sortindo cada vez mais de frutas e verduras, uma peça de queijo e um precioso robalo envolto em papel.

Assim que a multidão que abarrotava o mercado se deu conta de que se encontrava ali o célebre magistrado chefe de Bow Street, começou a levantar um ensurdecedor rumor de vozes com acento cockney.

Os dependentes e os donos dos postos, que apreciavam em grande medida a sir Ross, começaram a lhe chamar e a ir até ele. Parecia que todos o conheciam pessoalmente, ou ao menos o aparentavam, e Sophia começou a ver como foram chovendo pequenos obséquios: uma maçã de mais, uns arenques defumados, um ramalhete de salvia...

"Sir Ross, aqui há algo para você!", era uma frase que se repetia com frequência, e Sophia lhe perguntou finalmente a que se referiam.

—Gostam de me fazer obséquios, como, agradecimento por alguns favores.

—Tem-lhes feito favores a toda esta gente?

—A muitos deles —admitiu.

—Por exemplo?

Ross se encolheu de ombros.

—Alguns deles têm filhos ou sobrinhos que infringiram a lei; pequenos furtos, vandalismo, coisas assim.

Nesses casos se está acostumado a açoitar os criminosos, ou enviá-lo a alguma prisão da que sairá ainda, mais corrompido. Entretanto, às vezes mando a algum desses meninos à armada ou à marinha mercante, para prepará-los como ajudantes dos agentes.

—E assim tratar de reinseri-los na sociedade — disse Sophia. Que idéia tão brilhante.

—Até o momento funcionou —disse sir Ross com brutalidade, querendo trocar de tema — Olhe esse montão de pescado defumado; sabe preparar kedgeree?

—É obvio, mas não acabou que me falar de suas boas ações.

—Não tenho feito nada digno de elogio; simplesmente usei o sentido comum. É óbvio que enviar a um menino que cometeu pouco mais que um vandalismo a prisão, onde estará rodeado de criminosos de verdade, não fará mais que corrompê-lo. E embora a lei não distinga entre crimes cometidos por adultos e crimes cometidos por jovens, terá que ter um pouco de consideração com estes últimos.

Sophia se voltou e fingiu observar os postos, enquanto era consumida por uma raiva cega. Sentiu-se enojada, afogada pelas lágrimas e a fúria que estava escondendo.

Assim sir Ross tinha encontrado uma forma de não enviar aos meninos a prisão; já não os condenava à tortura que supunha estar em uma prisão flutuante. Muito tarde, pensou com renovado ódio. Se sir Ross tivesse se dado conta disso antes, seu irmão ainda estaria vivo. Sentiu vontade de gritar e lhe recriminar a morte de John. Desejava ter seu irmão com ela, para poder apagar cada um dos terríveis momentos que este tinha passado na prisão flutuante onde tinha morrido; mas isso não era possível. Tinha ido, ela estava sozinha, e sir Ross era o responsável.

Advertindo a expressão de ira que refletiria seu rosto, Sophia foi até um posto de flores que oferecia rosas, lírios, violetas, delfinios azuis e delicadas camélias brancas. Respirou o ar perfumado e tratou de relaxar-se.

Algum dia, pensou, daria seu castigo a sir Ross pessoalmente.

—Me diga —perguntou Sophia, inclinando-se sobre os fragrantes pimpolhos —como um homem nascido no seio de uma família distinguida chegou a magistrado chefe?

—Meu pai insistiu em que devia aprender uma profissão em vez de levar uma vida de indolência, assim, para agradá-lo, estudei direito. Quando me encontrava na metade da carreira, meu pai morreu durante uma partida de caça, e tive que deixar os estudos e passar a ser o cabeça da família. Entretanto, meu interesse pelo direito não se apagou; tinha já muito claro que havia muito por fazer no terreno da justiça e a política. Mais tarde aceitei um cargo no escritório de Great Marlboro Street, E pouco depois me ofereceram que mudasse para Bow Street e me fizesse cargo dos agentes.

A anciã do posto de flores olhou para Sophia com um sorriso que partia seu curtido rosto.

—Bom dia, querida —disse a mulher, e entregou um ramalhete de violetas. Logo se dirigiu a sir Ross. — Uma fulana muito bonita, sim senhor; deveria convertê-la em sua parenta, já sabe, seu problema e sua luta.

Sophia colocou as flores na asa do chapéu e levou a mão ao pequeno moedeiro que tinha preso à cintura, com a intenção de pagar a florista. De repente, sir Ross a deteve com um ligeiro toque no braço e deu a florista uma moeda de seu próprio bolso.

—Quero uma rosa perfeita.

—Faltaria mais, sir Ross —respondeu à anciã, cujo sorriso revelava uma fileira de dentes quebrados e marrons, dando a Ross uma encantadora rosa ao meio abrir com as pétalas ainda úmidas pelo sereno da manhã.

Sophia aceitou a flor da mãos de sir Ross e a levou ao nariz para aspirar sua fragrância.

—É preciosa —disse. —Obrigada.

Seguiram caminhando e, em um momento, Sophia teve que passar com cuidado sobre um trecho de pavimento quebrado. Sentiu a mão de sir Ross agarrando-a pelo braço e teve que fazer um grande esforço para não tirar-lhe de cima.

—É minha imaginação ou essa mulher me chamou fulana? —disse, perguntando-se se deveria haver tomado como uma ofensa.

Sir Ross esboçou um sorriso.

—No jargão guia de ruas se considera um completo. Não lhe dá uma conotação negativa.

—Já vejo. Há algo mais que disse a anciã... O que significa “parenta”?

—É a expressão que se usa em cockney para “esposa”, e se referem a ela como “o problema e a luta” do marido.

—Ah. —Incômoda, centrou a vista no chão— A forma de falar dos cockney é fascinante, verdade? — murmurou, tratando de encher o silêncio. É quase como uma língua estrangeira; devo confessar que não entendo a metade do que se diz no mercado.

—Provavelmente seja melhor assim.

Quando chegaram ao número quatro de Bow Street, Eliza estava esperando com um sorriso de embaraço desenhado no rosto.

—Muito obrigado, senhorita Sophia. Sinto não ter podido ir ao mercado.

—Não se preocupe —disse ela tranquilamente. —Você cuida do joelho para que se cure como é devido.

Eliza abriu os olhos como pratos quando se deu conta de que sir Ross tinha acompanhado a Sophia.

—OH, senhor! Que amável de sua parte. Sinto causar tantos problemas.

—Não há nenhum problema —disse ele.

Eliza olhou a rosa que Sophia sustentava. Embora evitasse fazer comentários, a especulação que escondia seu olhar era óbvio. A mulher extraiu alguns produtos da cesta de compra e foi para a despensa.

—Encontrou todos os ingredientes para o bolo de sementes, senhorita Sophia? —perguntou. —Trouxe cominho, o centeio e as groselhas para lhe pôr em cima?

—Sim —respondeu Sophia quando a cozinheira desaparecia na despensa —mas não pudemos encontrar groselhas vermelhas nem...

De repente, sir Ross a tomou entre os braços e suas palavras se desvaneceram. Os lábios dele se posaram sobre os dela em um beijo tão ardoroso que Sophia não pôde resistir. Aniquilada, Sophia fez um esforço por não deixar de lado o ódio que sentia por Cannon, por recordar o passado, mas o beijo de Ross era apaixonado, e não pôde evitar que seus pensamentos se diluíssem. Deixou cair à flor e se agachou diante dele, agarrando-o, nos ombros para não perder o equilíbrio. A língua de sir Ross abria caminho em sua boca, deliciosa e docemente intima. Ela tomou ar e jogou a cabeça pra trás em um gesto de rendição absoluta, como se a totalidade de sua existência se concentrasse nesse momento.

O seu coração martelando, apenas deixou ouvir a voz de Eliza na despensa.

—Não havia groselhas vermelhas? Então, o que lhe poremos ao bolo?

Sir Ross se apartou, lhe deixando os lábios úmidos e suaves. Mesmo assim, manteve-se a seu lado, e ela sentiu que se afogava nos chapeados olhos de Cannon, que lhe pôs uma mão na bochecha e lhe acariciou os lábios com o polegar. Apesar de tudo, Sophia conseguiu responder a Eliza.

—Mas... Mas encontramos groselhas amarelas.

Tão logo as palavras saíram de sua boca, sir Ross a beijou de novo, explorando-a com a língua. Sophia o agarrou pela nuca. Encheu o corpo de sensações e seu pulso se desbocou. Aproveitando-se da situação, e a beijou com mais intensidade, tratando de encontrar seu sabor mais doce e profundo. Sophia com os joelhos fraquejando, se sujeitou com força entre seus braços, beijando-o com ardor.

—Groselhas amarelas? —resmungou Eliza —Bom, o sabor não será precisamente o mesmo, mas é melhor que nada.

Sir Ross soltou Sophia. Enquanto ela o olhava destemida, e dedicou um breve sorriso e saiu da cozinha justo quando Eliza voltava da despensa.

—Senhorita Sophia, onde está o saco de açúcar? Pensava que o tinha deixado na despensa, mas... —Eliza fez uma pausa e deu uma olhada ao redor da cozinha. Onde está sir Ross?

—Ele... —disse Sophia, que se agachou para pegar a rosa — se foi.

Tinha o pulso acelerado nas partes mais vulneráveis de seu corpo. Sentia-se febril, faminta das carícias e os beijos do homem que odiava. Era uma hipócrita, uma desavergonhada. Uma idiota.

—Senhorita Sydney —disse Ernest, entrando na cozinha com um pacote na mão, um homem trouxe isto para você não faz nem dez minutos.

Sophia, que estava na mesa tomando o chá da manhã, recebeu o pacote com surpresa. Não tinha comprado nada, nem encarregado nada para a casa, e a prima longínqua que a tinha acolhido depois da morte de seus pais não era das que faziam presentes por surpresa.

—Pergunto-me o que poderá ser —disse em voz alta, observando o pacote. Seu nome e a direção de Bow Street estavam escritos no pacote, mas, não havia remetente — Havia alguma nota anexa? —perguntou a Ernest, que negou com a cabeça.

Sophia agarrou uma faca para cortar a corda que fechava o pacote.

—Pode que haja uma dentro. Quer que eu abra senhorita Sydney? Essa corda parece resistente; poderia escorregar a faca e cortar o dedo. Ajudarei —ofereceu Ernest, ansioso.

—Obrigado, Ernest —disse Sophia, sorridente —é muito amável de sua parte, mas, se não recordar, sir Grant pediu que fosse recolher as garrafas de tinta que tinha encomendado na drogaria?

—Pois sim —reconheceu o menino, e soltou um sonoro suspiro, como se esse dia tivessem exigido muito— Será melhor que vá buscar antes que sir Grant acabe o julgamento de hoje.

Sophia pôs seu melhor sorriso, despediu-se de Ernest e voltou a centrar-se no misterioso pacote. Cortou com destreza a corda e tirou o pacote. Várias capas de fino papel envolviam algo suave e brando. Curiosa, desdobrou-as.

Quase fica sem fôlego ao extrair um vestido, mas não um singelo e funcional como pensava, a não ser um de seda. Ele era, apropriado para ir a um baile. Entretanto, por que enviariam esse presente? Com as mãos tremendo, procurou no fundo do pacote. O remetente poderia ter esquecido de incluir uma nota ou tinha decidido não fazê-lo. Sophia desdobrou completamente o vestido e o olhou, confusa. Havia algo familiar nele, algo que a conduziu aos cantos mais longínquos de sua memória...

Claro! Recordava a um dos vestidos de sua mãe! De pequena, Sophia adorava provar os vestidos, os sapatos e as jóias de sua mãe, e passava horas achando que era uma princesa. Seu vestido favorito era feito de um tecido estranho, uma seda brilhante que, conforme fosse na luz tinha cor de lavanda ou de prata resplandecente. Este vestido tinha aquele mesmo brilho, além disso, do mesmo tipo de gola baixa e aberto, e as mangas abombadas e decoradas com delicado encaixe branco. Entretanto, este não era o vestido de sua mãe; era uma cópia, feita com um estilo mais moderno e com a cintura um pouco mais baixa e a saia mais ampla.

Sophia, confundida, dobrou o objeto e a guardou de novo no pacote. Quem poderia lhe haver enviado semelhante presente e por quê? Era uma simples coincidência que aquele vestido se parecesse com o de sua mãe?

Saiu da cozinha com o pacote e foi ver a pessoa em quem mais confiava. Mais tarde, Sophia se perguntaria por que se dirigiu a sir Ross sem sequer pensar que, durante tantos anos, somente tinha acreditado em si mesma. Era sinal de uma mudança muito significativa em seu interior, uma mudança ao qual ia custar a adaptar-se.

A porta do despacho estava fechada, e o som que chegava do interior indicava que sir Ross se achava reunido. Abatida, Sophia ficou pensando frente à porta.

Justo nesse momento Vickery passava por ali.

—Bom dia, senhorita Sydney — disse o atuário— Não acredito que sir Ross já esteja preparado para tomar declarações.

—Eu... Desejava lhe consultar num problema pessoal —disse Sophia, e apertou o pacote contra o peito — mas vejo que está ocupado, e de maneira nenhuma quero incomodá-lo.

Vickery franziu o sobrecenho e a olhou de forma reflexiva.

—Senhorita Sydney, sir Ross deixou muito claro que, se alguma vez tivesse você alguma inquietação, o fizesse saber imediatamente.

—Posso esperar —respondeu ela com firmeza. —É um assunto sem importância. Voltarei mais tarde, quando sir Ross esteja desocupado. Não, não, senhor Vickery; por favor, não bata na porta —suplicou Sophia, enquanto o homem batia com os nódulos dos dedos. Para desolação de Sophia, a porta se abriu e viu sir Ross com outro homem a seu lado. Era um cavalheiro de cabelo cinza de baixa estatura, mas mesmo assim imponente, vestido com roupas elegantes, com uma elaborada gravata branca e uma camisa engalanada com encaixe. O homem cravou seu olhar em Sophia, e logo dedicou um sorriso a Ross.

—Já Vejo por que está tão ansioso por dar por terminada nossa reunião, Cannon. A companhia desta encantadora criatura é sem dúvida preferível à minha.

Ross fez uma careta, sem negar esse extremo.

—Bom dia, lorde Lyttleton. Revisarei seu anteprojeto de lei com mais calma. Entretanto, não espere que mude de ponto de vista.

—Quero seu apoio, Cannon —disse o cavalheiro com tom eloquente —e se o consigo, encontrará em mim um amigo muito útil.

—Disso não tenho nenhuma dúvida.

Os homens trocaram reverências e Lyttleton partiu, fazendo um desagradável som com suas botas sobre o gasto chão de madeira do corredor.

Sir Ross olhou Sophia e brilharam seus olhos.

—Entre — disse em voz baixa, fazendo-a entrar em seu escritório. A pressão de sua mão contra as costas de Sophia era cálida e agradável.

Sentou-se na cadeira que lhe indicou, com as costas bem retas, enquanto Ross voltava para seu lugar, atrás da enorme mesa de mogno.

—Lyttleton — Sophia repetiu o nome do cavalheiro que acabava de ir. —Não se tratará do mesmo Lyttleton que é ministro de Guerra?

—Nem mais nem menos.

—OH, não —disse Sophia, visivelmente consternada — Espero não ter interrompido a reunião. Vickery vai me pagar!

Sir Ross reagiu com um sorriso.

—Não interrompeu nada. Lyttleton deveria haver partido meia hora antes, assim que sua aparição não pôde ser mais afortunada. Agora, me conte por que está aqui; suspeito que tem algo a ver com esse pacote que tem sobre o colo.

—Primeiro permita que me desculpe. Eu não...

—Sophia — disse Ross, olhando-a fixamente —sempre estou disponível para você; sempre.

Resultou impossível apartar o olhar de seus olhos. O ar se tornou sufocante, como se aproximar de uma tormenta de verão.

Torpemente inclinou-se e colocou o pacote sobre o escritório.

—Ernest me entregou isto faz um momento. Disse que um homem deixou em Bow Street e não mencionou ao remetente.

Sir Ross jogou uma olhada à direção escrita no pacote. Assim que apartou o papel, o vestido cor lavanda brilhou e ressaltou entre a austera decoração. Manteve-se destemido, mas não pôde evitar arquear uma sobrancelha ao examinar aquele formoso objeto.

—Não sei quem poderia ter me enviado —disse Sophia, nervosa — E há algo peculiar em tudo isto.

Explicou a Cannon o parecido que guardava aquele vestido com um que tinha sido de sua mãe. Sir Ross, que a escutou atentamente, reclinou-se e a observou de uma forma que Sophia não gostou nada.

—Senhorita Sydney..., é possível que este vestido seja um presente de seu antigo amante?

A pergunta lhe causou surpresa, ao mesmo tempo que graça.

—Não, absolutamente. Não sabe que estou trabalhando aqui; ninguém tem motivos para me dar nenhum presente.

Sir Ross pigarreou e agarrou aquele tecido brilhante de cor lavanda. A visão dos largos dedos de Cannon acariciando a delicada seda, fez com que o coração de Sophia pulssasse mais depressa. Os grossos cilíos de sir Ross desceram enquanto examinava as costuras, os bordados e o encaixe do vestido.

—Isto tem que ser muito caro —opinou— Está bem feito e o tecido é de primeira qualidade. Entretanto, não há nenhuma etiqueta, coisa que não é comum. Eu diria que o remetente não deseja que saiba quem é o desenhista, já que poderia revelar sua identidade.

—Então, não há forma de averiguar quem o enviou?

Ross elevou a vista.

—Farei com que um agente pergunte a Ernest sobre o homem que o trouxe, e também indague que costureiras e alfaiates podem ter confeccionado este vestido. Este tecido não é habitual, por isso a lista será reduzida.

—Muito obrigado —disse Sophia, cuja expressão se desvaneceu com a seguinte pergunta de sir Ross.

—Sophia, conheceu ultimamente a algum homem no que tenha podido despertar interesse? Alguém com o que tenha paquerado, ou com quem tem falado no mercado, O...

—Não! —exclamou ela. Não estava segura de por que a pergunta a tinha alterado tanto, mas sentiu como as bochechas lhe avermelhavam— O asseguro, sir Ross, não poderia me comportar com um cavalheiro dessa maneira, quer dizer... —Teve que deter-se, confusa, ao dar-se conta de que já se comportou assim com alguém em particular: o próprio sir Ross.

—Está bem —disse ele com calma— Não a culparei por isso; é livre de fazer o que quiser.

Ansiosa, Sophia falava sem pensar.

—Pois não tenho nenhum pretendente, nem me comportei de forma que possa ter atraído alguém. Minha última experiência foi algo que sem sombras de dúvidas não quero que volte a se repetir.

O olhar de sir Ross se tornou felino.

—Pela forma em que ele a deixou? Ou é que acaso não encontrou prazer em seus braços?

Sophia pareceu assombrada que lhe perguntasse algo tão íntimo, e sentiu arder o rosto.

—Não acredito que isso tenha relação com a questão de quem enviou o vestido.

—Não tem —reconheceu Ross —mas sinto curiosidade.

—Bom, pois seguirá sentindo-a! —replicou Sophia, tratando de recuperar a compostura. —Posso ir senhor? Tenho muito por fazer, especialmente agora que Eliza está doente. Lucie está transbordada.

—Sim —respondeu ele bruscamente— Farei que Sayer investigue o tema do vestido e a manterei informada.

—Obrigada —disse Sophia, ficando de pé para partir. Sir Ross se adiantou para lhe abrir a porta, mas se deteve quando lhe falou sem voltar-se — Não... Não encontrei prazer em seus braços —admitiu, fixando os olhos na gélida porta de carvalho —mas certamente foi mais culpa minha que dele.

Sophia sentiu a calidez do fôlego de sir Ross em seu cabelo, e como os lábios se aproximavam de sua cabeça. Essa cercania lhe provocou uma sensação de desejo. Sem mais, abriu ela mesma a porta e saiu do escritório, negando-se a olhar para o magistrado.

Ross fechou a porta e voltou para seu escritório. Apoiou as mãos na superfície abarrotada e soltou um profundo suspiro. O desejo que tinha mantido tanto tempo baixo, sob estrito controle, transbordou por completo. Toda sua força de vontade, suas necessidades físicas e sua natureza obsessiva se centravam agora em uma só coisa: Sophia. Quase lhe resultava impossível estar na mesma casa que ela sem tocá-la.

Fechou os olhos e absorveu a familiar atmosfera do escritório. Passou grande parte daqueles últimos cinco anos entre essas paredes, rodeado de mapas, livros e documentos. Tinha saído para levar a cabo a investigações ou outros assuntos oficiais, mas sempre havia retornado ali, a esse centro da lei e a ordem que era seu escritório. De repente, resultou-lhe assombroso que se derrubou em seu trabalho daquela maneira durante tanto tempo.

O vestido lavanda seguia sobre o escritório, esplêndido; Ross imaginou que aspecto teria Sophia com ele posto. A cor combinaria com a maravilha de seu cabelo loiro cinza e seus olhos azuis. Quem o teria enviado?

De repente, sentiu-se invadido por um ciúme e uma atitude possessiva que lhe surpreenderam. Queria ter a exclusividade de lhe proporcionar algo que ela necessitasse ou quisesse.

Voltou a suspirar com força e tentou compreender aquela mescla de alegria e falta de disposição que habitava em seu interior. Havia dito a si mesmo que nunca mais voltaria a se apaixonar. Não tinha esquecido quão terrível era preocupar-se tanto com uma mulher, temer por sua segurança e desejar a felicidade desta mais que a sua própria. Entretanto, teria que encontrar uma maneira de acabar com tudo aquilo, teria que dar com uma forma de satisfazer o desesperado desejo que sentia por Sophia e ao mesmo tempo evitar lhe confiar seu coração.


Capítulo 5

 

A primeira hora da noite, quando Sophia esteve segura de que sir Ross tinha saído por motivos de trabalho, pediu a Lucie que lhe ajudasse a dar a volta no colchão da cama do magistrado e a trocar os lençóis.

—Sinto muito, senhorita— respondeu Lucie, esboçando um sorriso de desculpa. —Mas é que minhas mãos não param de sangrar desde que esta tarde dei brilho aos cobres.

—Como? Suas mãos? Deixe-me as ver. — Sophia se fixou nas mãos da pobre donzela, tão castigadas pela mescla de ácidos para limpar as panelas e potes que estavam cheias de pústulas com sangue. —Mas Lucie, por que não me falou isso antes?— repreendeu Sophia. Sentou ela em uma cadeira da cozinha e foi à despensa, e voltou com um sortido de garrafas. Pôs glicerina, água de rosas e azeite em uma vasilha e logo bateu bem a mescla com um garfo. —Inunda as mãos nisto durante meia hora, e coloca as luvas para dormir.

—Não tenho luvas, senhorita.

—Não tem luvas?— Sophia pensou nas suas, o único par que possuía, e lamentou ao pensar em sacrificá-

las; mas quando voltou a olhar nas mãos de Lucie, não pôde a não ser sentir vergonha de si mesma. — Pois vá a meu quarto e pegue as minhas, que estão na cesta que há sob a mesinha.

A donzela a olhou com preocupação.

—Mas vou danificar as luvas, senhorita Sydney.

—OH, suas mãos são mais importantes que um estúpido par de luvas.

—E o que fazemos com o colchão de sir Ross?

—Não se preocupe com isso; já me encarregarei.

—Mas como vou te ajudar...

—Você senta e coloca as mãos nesse líquido —disse Sophia, tratando se fazer autoritária— Cuide-se bem ou amanhã não poderá fazer nada.

—Não quero lhe faltar o respeito senhorita Sydney— disse Lucie, olhando-a com um sorriso de agradecimento —mas é você um encanto, um autêntico encanto.

Sophia se despediu e correu a limpar o quarto de sir Ross antes que ele voltasse. Deixou um jogo de lençóis limpos sobre uma cadeira e observou o quarto com preocupação. Tinha tirado o pó, mas teria que dar a volta o colchão, e a roupa que sir Ross pôs no dia anterior ainda não tinha sido levada a lavanderia.

O quarto era bastante apropriado para alguém como sir Ross.

Havia elegantes móveis de mogno estofados com brocado de cor verde escuro e com cortinas nas portinholas de vidro. Uma parede estava decorada com uma tapeçaria antiga e gasta. Em outra havia uma série de desenhos emoldurados que mostravam a sir Ross como uma figura omnímoda com políticos e membros do governo sentados nos joelhos como se fossem meninos. Uma mão de Ross sustentava as cordas de alguns agentes de Bow Street, caracterizados como marionetes, e cujos bolsos transbordavam de dinheiro.

Era evidente que tais desenhos pretendiam caricaturar o tremendo poder que sir Ross e seus agentes tinham alcançado.

Sophia não custou compreender o motivo do artista. À maioria dos ingleses não fazia nenhuma idéia de contar com um corpo de polícia organizado, e alegavam que tal coisa seria perigosa e inconstitucional.

Sentiam-se mais cômodos com o antigo sistema, segundo o qual, os cidadãos correntes, mas inexperientes faziam as vezes de policiais durante o período de um ano.

Entretanto, esse sistema não podia evitar a proliferação de roubos, violações, assassinatos e fraudes que tinha golpeado à povoada Londres nos últimos tempos.

O Parlamento tinha rechaçado a possibilidade de autorizar a um verdadeiro corpo de polícia, assim, que os agentes de Bow Street faziam virtualmente o que lhes dava a vontade, adotando a maioria de suas competências de mútuo próprio. O único homem ante quem respondiam era sir Ross, que se tinha feito muito mais capitalista do que nunca tivesse imaginado.

Depois de fixar-se nas corrosivas caricaturas, Sophia se perguntou por que sir Ross tinha decidido as pendurar em seu quarto, e chegou à conclusão de que essa era a forma de recordar a si mesmo que qualquer decisão, ou ação sua, seria objeto de exame, e seu comportamento tinha que ser exemplar.

Deixou de pensar nisso e tirou os lençóis da enorme cama de sir Ross.

Dar a volta ao colchão não era fácil, mas, depois de uns ofegos, obteve-o. Sentia-se orgulhosa de sua habilidade de fazer uma cama, com capacidade para estirar os lençóis de tal maneira que se poderia jogar uma moeda em cima deles. Depois de sacudir a colcha e moldar os travesseiros, centrou sua atenção na roupa que havia sobre outra cadeira. Pegou a gravata negra de seda em um braço e agarrou a enrugada camisa de linho branco.

O aroma de sir Ross se impregnou na camisa, e Sophia respirou um aroma agradável e ligeiramente masculino. A curiosidade fez com que levasse a camisa ao nariz e aspirasse aquela fragrância de suor e sabão de barbear, misturado com a essência de um macho saudável; nunca tinha encontrado tão atraente o aroma de um homem. Apesar de seu suposto amor por Anthony, nunca tinha fixado em detalhes semelhantes.

Desgostosa consigo mesma, tinha chegado à conclusão de que devia ter sido o ideal que fez de Anthony, suas fantasias a respeito dele, e não o homem em si, o que tinha feito com que ela se apaixonasse. Tinha desejado ser resgatada por um príncipe azul, e deu a casualidade de que Anthony desempenhasse esse papel até que se cansou dela.

De repente, a porta se abriu.

Sophia, surpreendida, deixou cair a camisa e se sentiu culpada. Sir Ross tinha entrado no quarto, vestido com casaco e calça negros. A vergonha se apoderou dela; segura que sir Ross a tinha visto cheirando e acariciando a camisa!

Entretanto, o habitual estado de alerta de Cannon tinha desaparecido; de fato, tinha o olhar levemente desfocado, e Sophia se deu conta de que não tinha advertido nada. Confusa, perguntou se teria estado bebendo; não era próprio dele, mas era a única razão que justificasse aquela atitude.

—Retornou logo de sua investigação de Long Acre. Estava... Estava colocando em ordem seu quarto.

Ross sacudiu a cabeça, como se pretendesse limpar-se, e se aproximou dela. Sophia se apoiou contra a penteadeira e lhe olhou com preocupação.

—Encontra-se bem, senhor?

Sir Ross avançou e apoiou as mãos no móvel, a cada lado de Sophia.

Tinha o rosto pálido como uma cera, o que fazia que lhe ressaltassem o cabelo, as sobrancelhas e os cilíos.

—Encontramos o homem que procurávamos; estava escondido em uma casa em Rose Street —disse; uma mecha de cabelo lhe caiu sobre a fronte, branca e suada. —Subiu ao teto... E saltou à uma casa antes de que Sayer pudesse detê-lo. Pus-me a persegui-lo... Não podia deixar que escapasse.

—Estiveste perseguindo um homem pelos telhados?—disse Sophia, horrorizada. —Mas isso é muito perigoso! Poderiam havê-lo ferido.

—De fato... Sir Ross parecia consternado e lhe falhava o equilíbrio — quando dava alcance, tirou uma pistola do casaco.

—Dispararam-lhe?—perguntou ela, e ficou a examinar o casaco freneticamente. —Deu-lhe? Meu Deus...

Sophia notou que o lado esquerdo do casaco estava frio e úmido. Escapou um grito ao ver a mão ensopada de sangue.

—É só um arranhão —alegou Cannon.

—Disse isso a alguém?—perguntou Sophia, ansiosa, lhe conduzindo para a cama. —Chamou um médico?

—Não faz falta —disse ele, teimoso — Como já disse, não é mais que...— Grunhiu de dor quando Sophia moveu os braços para lhe tirar seu casaco.

—Deite! —ordenou ela, horrorizada pela quantidade de sangue que tinha manchado a camisa de sir Ross, que todo o lado esquerdo estava em cor escarlate. Desabotoou-lhe a camisa e conteve o fôlego ao ver uma desagradável ferida de bala debaixo do ombro esquerdo — Não é um arranhão; é um buraco. Não lhe ocorra mover-se. Por que diabo não falou que estava baleado a ninguém?

—É só uma ferida sem importância — falou Ross, mal-humorado.

Sophia agarrou a camisa de seu chefe que usara no dia anterior e apertou com força contra a ferida. Sir Ross apertou os dentes de tanta dor.

—Cabeça-dura! —recriminou-lhe ela, apartando a mecha que tinha colocado sobre a fronte, encharcada de suor. —Apesar do que você e todos de Bow Street parecem pensar, não é invulnerável! Sujeite isto contra a ferida enquanto vou procurar um médico.

—Avise a Jacob Linley —disse Ross. A esta hora da noite está acostumado estar no Tom, cruzando a rua.

—A cafeteria do Tom?

Sir Ross assentiu fechando os olhos.

—Ernest o encontrará.

Sophia saiu correndo do quarto, pedindo ajuda a gritos. Os serventes fizeram ato de presença em menos de um minuto, todos alarmados pela notícia.

Como os serventes de Bow Street estavam acostumados a toda classe de emergências estava acostumados a reagir com pressa. Ernest correu a procurar o doutor. Eliza foi por toalhas e lençóis limpos e Lucie foi informar a sir Grant.Sophia voltou para quarto de sir Ross e temeu o pior quando o viu imóvel. Agarrou a camisa encharcada de sangue e apertou a ferida de seu chefe, que grunhiu de dor e abriu os olhos de repente.

—Fazia anos que não me acertavam —murmurou. —Tinha-me esquecido de quanto dói.

Sophia estava afligida.

—Espero que o acerte —disse com veemência. —Prenda ele só assim aprenda a não andar correndo pelos telhados! Como lhe ocorreu fazer algo semelhante?

Ross a olhou.

—Por alguma razão, o suspeito não queria baixar à rua para que fosse mais fácil prendê-lo.

—Pensava que era os agentes que os perseguiam —comentou Sophia, cortante, —e você era o que dava as ordens e ficava a salvo.

—Nem sempre funciona assim.

Sophia tragou outra resposta afiada e lhe desabotoou os punhos da camisa.

— Vou tirar sua camisa. Acredita que consigo tirar o braço da manga ou terei que recorrer à tesoura?

Ross estendeu o braço como resposta e Sophia, com cuidado, foi tirando a malha. Primeiro tirou a camisa pelo braço ileso, deixando descoberto o peludo peito de sir Ross. Era mais musculoso do que ela tinha imaginado; tinha os ombros e o peito bem desenvolvidos e os músculos do diafragma muito tensos. Nunca antes tinha visto um corpo masculino tão imponente. Inclinou-se sobre ele e sentiu como se avermelhavam as bochechas.

—Levantarei um pouco o braço para tirar a camisa— disse.

—Eu posso fazêr —disse sir Ross, olhando Sophia com a vista nublada pela dor e com o pescoço cada vez mais tenso.

— Deixe que eu faço —insistiu ela, —ou fará que a hemorragia piore.

Levantou pouco a pouco o braço de Ross e acabou de lhe tirar a camisa.

—Quando imaginei estar na cama com você —disse ele — não pensei que fora a acontecer desta forma.

Sophia riu, surpreendida.

—Passarei por cima desse comentário. A perda de sangue lhe está fazendo delirar.

Sentiu-se aliviada ao ver chegar Eliza com uma bacia de água quente e uma pilha de panos limpos e dobrados. Sir Ross se queixou, mas não se moveu enquanto as duas mulheres lhe limpavam o sangue do peito e o pescoço.

—Parece que a bala ainda segue alojada no ombro —advertiu Eliza, que substituiu um pano ensopado em sangue por outro limpo e seco — O doutor Linley vai ter que extraí-la; por sorte, a ferida não está perto do coração Sophia inclinou sobre Ross e lhe arrumou o travesseiro que apoiava sua cabeça. Se o suspeito tivesse tido melhor pontaria, poderia ter alcançado o coração com facilidade, pensou. Instantaneamente, sentiu-se assombrada pela mescla de medo e angústia que a invadiu.

—Estou bem —disse sir Ross, como tivesse lido sua mente —Estarei em pé em uns dois dias.

—Não, não e não; nego-me —repôs Sophia. —Ficará na cama até que esteja completamente recuperado, e farei algo para que assim seja.

Sophia não se deu conta de que a essa promessa podia deduzir qualquer conotação sexual até que viu no olhar de sir Ross. Ela o olhou em silêncio, e ele não pôde a não ser esboçar um sorriso. Eliza, junto a eles, mostrou um repentino interesse em dobrar os panos e as toalhas colocando em pequenos quadrados.

A tensão no ambiente se dissipou com a afortunada chegada de Jacob Linley, o médico. Era esbelto e bonito, de brilhante cabelo loiro e sorriso fácil. Sophia tinha ouvido falar dele, posto que em Bow Street requeriam seus serviços frequentemente, já fosse tratar ou opinar sobre algum assunto médico. Entretanto, esta era a primeira vez que ela o via em pessoa.

—Cannon —disse com soltura, pondo uma pesada maleta de couro marrom na cadeira que havia junto à cama, —parece que esta noite vivemos uma pequena aventura, né? —Centrou sua atenção na ferida. — Mmm... A julgar pelo hematoma que há no orifício, diria que o disparo se efetuou em pouca distância; como ocorreu?

—Fui à perseguição de um suspeito de assassinato — informou Ross, com o cenho ligeiramente franzido.

—Correu atrás dele pelos telhados—interveio Sophia, incapaz de guardar silêncio.

O doutor se voltou para ela e a olhou amigavelmente com seus olhos cor avelã.

—Pelos telhados, diz você? Bom, pois acredito que a partir de agora será melhor que sir Ross fique no chão, não lhe parece?

Sophia respondeu assentindo vigorosamente.

Linley, sem deixar de sorrir, dedicou-lhe uma breve, mas elegante reverencia.

—Suponho que você deve ser a senhorita Sydney, a ajudante de quem tanto ouvi falar. Tenho que admitir que penssei que as calorosas descrições que faziam os agentes de você eram exageradas, mas agora vejo que estavam certos.

Antes que Sophia pudesse responder, ouviu-se a voz de sir Ross.

—Vai estar de bate-papo toda a noite, Linley, ou vai tirar a bala?

O doutor piscou o olho a Sophia e pôs mãos à obra.

—Vou necessitar uma bacia grande cheia de água fervendo, sabão, um pote de mel e um copo de brandy.

E um pouco mais de luz.

Sophia correu a procurar os artigos em questão e Eliza se ocupou de trazer as velas e abajures.

Quando Sophia voltou da cozinha, o quarto estava tão iluminado como o meio-dia. Dispôs a bacia, o sabão o mel e o brandy junto ao lavatório. Logo voltou junto à cama e viu como o médico secava alguns instrumentos de metal com um pano. Linley sorriu, dando-se conta de seu interesse.

—Há menos possibilidades de que uma ferida fique podre e fedorenta se mantiver limpa, embora ninguém soubesse explicar o motivo. Por isso mantenho os instrumentos e as mãos tão limpos como posso.

—Para que é o mel?

—É excelente para cobrir a ferida e ao que parece ajuda a cicatrizar; também que a malha não se pegue à roupa quando se troca a bandagem.

—E o brandy?

—Pedi porquê tenho sede —explicou tranquilamente Linley e ato seguido, bebeu um gole de licor — Agora, senhorita Sydney, depois de me lavar as mãos vou proceder à extração da bala, um passo muito desagradável que fará com que sir Ross sue como um condenado. Se não tiver um estômago bom, aconselho-lhe que espere em outro quarto.

—Não o tenho —repôs Sophia — Quero ficar.

—Muito bem —disse Linley. Agarrou uma sonda larga e magra e sentou na cama. —Trate de não mover-se —pediu a sir Ross; — se se sentir muito mal, posso dizer a sir Grant que venha a sustentá-lo.

—Não me moverei — assegurou Cannon.

Quando o doutor deu sinal, Sophia sustentou um abajur sobre seu ombro. Ela preferiu fixar-se na tensa expressão de sir Ross em vez do diligente trabalho manual do doutor Linley. sir Ross fez uma careta ocasional e alguma leve contenção da respiração quando a sonda se movia. Finalmente, o instrumento tocou a bala, que estava incrustada contra um osso.

—Aqui está —disse Linley com calma, —por isso umas gotas de suor que fazia brilhar a fronte. É uma pena que seja tão resistente Cannon; tivesse sido melhor que desmaiasse antes de lhe tirar esta coisa.

—Nunca desmaio —resmungou Ross. Seu olhar procurava desesperadamente os olhos de Sophia, que lhe sorriu de forma tranquilizadora.

—Senhorita Sydney — disse Linley —sustente esta sonda tal como está colocada e procure não variar o ângulo.

—Sim, senhor — obedeceu ela, enquanto Linley agarrava um delicado instrumento que se assemelhava a uma pinça.

—Tem você bom pulso —comentou o médico, voltando a tomar a sonda e começando a extrair a bala — E, se por acaso fora pouco, você é muito bonita. Se alguma vez se cansar de trabalhar em Bow Street, contratarei-a como minha ajudante.

—É minha —interveio sir Ross, antes que ela pudesse responder.

E, dito isto, desmaiou.


Capítulo 6

 

À extração da bala seguiu uma alarmante fervura de sangue vermelho e brilhante. Sophia mordeu os lábios e viu como Linley pressionava a ferida com um pano limpo. As palavras “é minha” pareciam flutuar no ar; ela tratou de procurar uma explicação para a frase, mas não conseguiu.

—O... amável de sua parte é expressar sua satisfação por meu trabalho —disse.

—Não é isso o que sir Ross quis dizer, senhorita Sydney — respondeu o médico, ainda centrado em sua tarefa. —Acredito ter entendido bastante bem ao que se referia.

Quando Linley terminou de enfaixar o ombro de Ross, dirigiu o olhar a Sophia e Eliza, que estava recolhendo uma pilha de trapos sujos para lavar.

—Quem de vocês cuidará de sir Ross?—perguntou o doutor.

A pergunta foi recebida com silencio por parte de ambas as mulheres, que se olharam. Sophia mordeu o lábio, querendo desesperadamente se encarregar do cuidado de seu chefe. Entretanto, ao mesmo tempo, sentiu-se alarmada pela inefável ternura que despertava em seu interior. A repulsão que havia sentido uma vez por sir Ross estava se desfazendo a passos acelerados. Parecia impossível endurecer aquela anterior sensação de ódio, e dar-se conta disso a desesperava. Sinto muito, John, pensou com amargura estou falhando e você merece algo melhor que isto. No momento, ia deixar de lado seus planos de vingança; não tinha condição. Já voltaria a pensar nisso mais adiante.

—Eu me ocuparei dele —disse Sophia. —Diga-Me o que tenho que fazer doutor Linley.

—Terá que trocar a bandagem duas vezes ao dia — respondeu o doutor. Aplique-o na base da ferida, tal como me viu fazê-lo esta noite. Em caso de que a ferida supure ou despeça mal aroma, ou se o ombro se torcer e ficar vermelho, pesso que me avisem. Além disso, se a zona ao redor da ferida se esquentar, desejaria sabê-lo imediatamente. —Fez uma pausa para dirigir um sorriso a sir Ross, que estava recuperando o conhecimento — sirva a típica comida de doente: carne cozida, chá, leite, torradas, ovos cozido em água...e, por amor de Deus, lhe racione o café para que possa descansar. —Linley, ainda sorrindo, inclinou-se e pôs a mão no ombro bom de Ross. — Por esta noite acabei com você, meu amigo, mas voltarei em um dia ou dois para seguir atormentando-o. Agora irei dizer a sir Grant que já pode vir a vê-lo; suponho que deve estar impaciente.

O doutor saiu do quarto; seus passos eram silenciosos para alguém tão alto.

—Que cavalheiro tão agradável —comentou Sophia.

—Pois sim —coincidiu Eliza, e riu entre dentes —e o doutor Linley também é solteiro. Em Londres há muitas damas de boa família que requerem seus serviços, tanto profissional como pessoalmente. A que consiga fazer-se deles é uma mulher com sorte.

—A que se refere com serviços pessoais? —perguntou-lhe Sophia, perplexa. —Não se referirá...?

—OH, sim —disse a cozinheira com acanhamento — Dizem que o doutor Linley é alguém muito experiente nas artes amorosas, além de nas...

—Eliza — a interrompeu sir Ross com voz rouca —se começar a mexericar, faça-o em uma sala onde não me veja obrigado a escutar —disse, olhando ambas as mulheres com cenho franzido e centrando-se logo em Sophia — Seguro que têm algo melhor do que discutir “artes amorosas”.

—Não lhe falta razão — disse Sophia, olhando Eliza com um sorriso — Não devemos nos rebaixar diante de sir Ross desta maneira. —E acrescentou com picardia: —Pode seguir me falando do doutor Linley quando estivermos na cozinha.

Como a moléstia inicial da ferida se foi convertendo em uma aguda dor, Ross aceitou que Sophia lhe ajudasse a despir-se. Ele fez o possível, mas logo se sentiu exausto. Para Sophia lhe por uma regata branca de linho sobre a cabeça e lhe ajudar a passar o braço ferido pela manga, ele já se encontrava dolorido e esgotado.

—Obrigado —sussurrou, apoiando-se contra o travesseiro e grunhindo de dor.

Sophia esticou os lençóis e cobriu sir Ross. Seus olhos, obscurecidos pela preocupação e uma espécie de insondável emoção, procuravam os de Ross.

—Sir Grant está esperando no corredor; deseja vê-lo agora, ou devo lhe dizer que volte mais tarde?

—Que entre — decidiu Cannon, ao que lhe escapou um suspiro. Em realidade não tinha vontades de falar com Morgan nem com ninguém. Desejava silêncio, paz e a agradável presença de Sophia junto a ele.

Instintivamente, ela começava a aproximar-se dele, mas então vacilou. Não era a primeira vez que Ross notava nela um conflito interior, uma luta entre o desejo e a repulsa, como se estivesse decidida a negar a si mesma algo que queria com todas suas forças. Sophia lhe acariciou a fronte e lhe apartou o cabelo com os dedos.

—Não fale com ele muito tempo —lhe disse em voz baixa. —Precisa descansar. Voltarei mais tarde com a bandeja de jantar.

—Não tenho fome.

Sophia fez caso omisso de suas palavras e se foi, o qual fez sorrir Ross, já que estava seguro de que ela não deixaria de insistir até que ele comesse algo.

Sir Grant Morgan entrou no quarto, agachando a cabeça para passar pela soleira. Jogou uma rápida olhada em Ross e se deteve na bandagem sobre seu ombro.

—Como vai? —disselhe, sentando-se na cadeira que havia junto à cama.

—Nunca estive melhor. Não é nada; voltarei para o trabalho amanhã mesmo, ou no mais tardar, depois de amanhã.

Morgan soltou uma gargalhada.

—Maldita seja, Cannon. Eu gostaria de saber o que me diria se eu tivesse cometido a imprudente loucura que você levou a cabo esta noite.

—Se não me tivesse unido à perseguição, Butler teria escapado.

—Há, claro —ironizou Morgan. —Sayer me disse que foi um espetáculo. Segundo ele, subiu pelo edifício como um gato e seguiu Butler até o telhado e logo saltou quase dois metros sobre o vazio, pondo em perigo sua vida, e depois de que Butler disparasse ninguém soube que você estava ferido, porque seguiu até que o apanhou. Sayer opina que é um maldito herói. — O tom de Morgan deixava claro que não estava de acordo com tais afirmações.

—Não caí —assinalou Ross, —e tudo terminou bem, assim deixa estar.

Embora Morgan ainda controlava seu temperamento bom, sua expressão começava a delatá-lo.

—Que direito tem de arriscar sua vida dessa maneira? Sabe o que seria de Bow Street se tivesse morrido?

Não faz falta que lhe recorde toda a gente que se alegraria de usar seu desaparecimento como desculpa para desmantelar os agentes e deixar toda Londres a mercê de caça-recompensas e senhores do crime como Nick Gentry.

—Você não deixaria que isso ocorresse.

—Eu não poderia evitá-lo —replicou Morgan. —Não tenho suas capacidades, nem seus conhecimentos nem sua influência política; pelo menos não ainda. Sua morte poria em perigo tudo que trabalhamos; e pensar que a causa de tudo é uma mulher, pelo amor de Deus.

—O que há dito? —perguntou Ross. —Acredita que corri por um telhado por culpa de uma mulher?

—Por culpa da senhorita Sydney —precisou Morgan, lhe cravando seus olhos verdes — Desde que ela está aqui você não é o mesmo, e o de esta noite é um bom exemplo disso. Embora não fingirei que compreendo que idéia tem na cabeça...

—Obrigado —resmungou Ross.

—Está claro que tem um problema. E me parece que sua origem é seu interesse pela senhorita Sydney. — As duras feições de Morgan relaxaram ao observar Ross de forma perspicaz. —Se a quiser, tome-a —disse tranquilamente. —Deus sabe que ela o está desejando; é algo óbvio para todo mundo.

Ross franziu o cenho e não respondeu. Não era precisamente o homem mais consciente de suas próprias necessidades; preferia examinar as emoções e as inquietações de outros em vez das suas próprias. Para sua desagradável surpresa, deu-se conta de que Morgan estava certo. Tinha atuado de modo imprudente, certamente por causa da frustração e inclusive devido a certo sentimento de culpa. Parecia que sua esposa tinha morrido há muito tempo, e que a dor que tinha levado nas costas os últimos cinco anos tivesse diminuído. Ultimamente havia dias que nem sequer havia pensando em Eleonor, apesar do muito que a tinha amado. Entretanto, aquelas lembranças se tornaram distantes e imprecisas desde que Sophia tinha entrado em sua vida. Ross não podia recordar se alguma vez havia sentido semelhante paixão por sua mulher. Não cabia dúvida de que era uma indecência as comparar, mas não podia evitá-lo. Eleonor era tão frágil, voluntariosa e apagada... e Sophia tinha aquela beleza dourada e aquela vitalidade tão feminina.

Ross, destemido, olhou Grant.

—O interesse que possa ter na senhorita Sydney é coisa minha — disse sinceramente. — E quanto a meus atos um pouco precipitados esta noite, a partir de agora tratarei de limitar minhas atividades a aquelas que sejam de uma natureza mais reflexiva.

—E deixará a caça de delinquentes aos agentes, tal como eu aprendi a fazer —acrescentou Morgan, muito seriamente.

—Sim. Entretanto, desejaria te corrigir em um ponto: não sou insubstituível. Não está tão longe o momento em que terá que ocupar meu lugar, e não te custará tanto acredite.

Morgan esboçou um sorriso e baixou a cabeça para olhar seus grandes pés.

—Pode ser que tenha razão.

Nesse momento, Sophia bateu com suavidade à porta e entrou cautelosamente. Estava um pouco despenteada, com alguma mecha, por isso resultava muito atrativa. Levava uma bandeja com um prato coberto e um copo do que parecia água com cevada.

Apesar de que Ross se sentia muito cansado, sua presença lhe levantou o ânimo.

—Boa noite, sir Grant —saudou Sophia, sorridente — Se deseja jantar, tenho o prazer em trazer outra bandeja.

—Não, obrigado —respondeu Morgan amavelmente. —Tenho que voltar para casa com minha mulher, está me esperando —acrescentou, e se despediu de ambos dispondo-se a partir. Ao chegar à porta se deteve e olhou Ross. —Pense o que te disse.

A dor do ombro fez com que Ross custasse a descansar. Despertava com frequência, e pensou em tomar uma colherada de xarope de ópio que havia sobre a mesa. Entretanto, acabou por rechaçar a idéia, já que não gostava da ligeira embriaguez que lhe produzia. Pensou em que Sophia estava dormindo a uns poucos quartos do seu, e logo lhe ocorreram várias desculpas que poderia usar para conseguir que ela ficasse a seu lado.

Estava aborrecido e incômodo, e a desejava, mas era consciente que ela precisava descansar.

O amanhecer foi avançando timidamente sobre a cidade, e as primeiras e débeis luzes penetraram pelas cortinas entreabertas do quarto de sir Ross, que se sentiu aliviado por ouvir os sons das pessoas que começavam a andar pela casa. O ligeiro andar de Sophia, que se dirigia ao pequeno apartamento de cobertura de Ernest para despertá-lo; criadas, que levavam baldes com carvão e foram acendendo as luzes; os bruscos passos de Eliza em direção à cozinha...

Finalmente, Sophia entrou no quarto, com o rosto espaçoso e brilhante e o cabelo recolhido em um grande coque sobre a nuca. Empurrava um carro com uma série de produtos que foi colocando na mesinha, e logo se sentou a um lado da cama.

—Bom dia —disse Ross.

Tocou-lhe a fronte e logo colocou a mão sob sua barba.

—Tem um pouco de febre. Trocarei-lhe a bandagem e logo direi às criadas que lhe preparem um banho de água morna. O doutor Linley me disse que podia se banhar sempre e que não molhasse as ataduras.

— Vai ajudar a me banhar?—perguntou Ross, desfrutando do repentino rubor que tingiu as bochechas de Sophia.

—Minhas tarefas como enfermeira não chegam a esses extremos — respondeu ela empolgada, embora não pôde evitar que o comentário lhe provocasse um leve sorriso. —Se necessitar ajuda para banhar-se, Ernest ao ajudará —lhe disse, olhando-o de perto, como fascinada pela visão daquele rosto sombreado pela barba. —Nunca o tinha visto sem barbear.

—Pela manhã estou como um ouriço —disse ele, esfregando a mandíbula.

Sophia o olhou.

—Em realidade, dá-lhe um ar mais varonil, como se fora um pirata.

Ross observou como ela colocava mãos à obra, correndo as cortinas para que entrasse a luz do dia, pondo água quente na bacia e lavando as mãos meticulosamente. Embora Sophia queria dar a impressão de que controlava a situação, era evidente que não estava acostumada a estar a sós com um homem no quarto. Quase não olhou Ross quando voltou junto à cama e preparou as novas bandagens.

—Sophia — sussurrou Cannon — se se sentir incômoda pode...

—Não — assegurou ela com honestidade, olhando-o aos olhos. —Quero te ajudar.

A Ross foi impossível reprimir um sorriso zombador.

—Tem o rosto avermelhado.

Sophia seguia ruborizada, mas desenhou uma covinha na bochecha enquanto desentupia o pote de mel e impregnava uma parte de tecido com o espesso líquido âmbar.

—Em seu lugar, sir Ross, eu não me confrontaria com a pessoa que está a ponto de atendê-lo.

Ele não pôde a não ser ficar em silêncio e deixar que ela começasse a lhe desabotoar os botões da regata.

Com cada centímetro daquele peludo peito que se ia revelando, o delator rubor de Sophia se ia fazendo mais intenso. Embora tratasse de manter a calma, havia alguns botões que lhe custavam mais que outros. Ross se deu conta do som que estava fazendo ao respirar e tratou de controlar-se, mas o pulso já lhe tinha acelerado.

Não podia recordar a última vez que uma mulher o tinha despido; aquela lhe parecia à experiência mais erótica que tinha tido. O quarto em silêncio, e Sophia inclinada sobre ele, com o cenho franzido pela concentração. O aroma do mel flutuava no ambiente, misturado com o aroma fresco e feminino de mulher.

Sophia desabotoou o último botão e tirou a regata para deixar descoberto o ombro enfaixado. Observou aquele peito nu, mas seu rosto não revelou nada. Ross se perguntou se ela preferia aos homens sem pêlo no peito. O amante de Sophia era loiro e recitava poesia; pois muito bem, ele era escuro como um devasso e com muita dificuldade podia recordar um só verso. O ambiente se ia esquentando e fazendo-se mais tenso, e Ross começou a sentir-se incômodo. As mantas lhe cobriam a metade inferior do corpo, mas, mesmo assim, sua incipiente ereção formava um considerável vulto que Sophia poderia advertir facilmente com apenas um olhar na direção adequada.

Começou a lhe tirar a bandagem, passando a mão pelo ombro de Ross para fazer-se com o extremo do tecido, e ele se deu conta de que a respiração dela se ia voltando mais agitada. De repente, a situação o superou; aquela suave e fragrante mulher, a cama, sua própria nudez... Seu sentido comum foi vencido por suas necessidades masculinas. Sentia total necessidade de dar, tomar e dominar. Emitiu um tosco som, agarrou a Sophia pela cintura e a atraiu para si.

—OH, sir Ross, o que... — sussurrou ela enquanto ele girava sobre si mesmo e ficava sobre ela. Sophia lhe pôs as mãos sobre o peito, as agitando como asas de um pássaro assustado. Desejava tirar-lhe de cima, mas não queria que a ferida piorasse. —Não quero lhe fazer danos.

—Então não te mova — disse ele com voz rouca, baixando a cabeça.

Ross a beijou nos lábios, procurando seu sabor mais íntimo. Ela ficou paralisada. Ele saboreou o delicado ardor de sua boca, movendo os lábios e beijando-a de maneira úmida e sutil. Ela se rendeu e começou a gemer, beijando-o como se quisesse devorá-lo.

As volumosas saias de Sophia se amontoavam sobre Ross, que, impaciente, recolheu-as para colocar uma perna entre as dele. Sentiu os dedos de Sophia sobre o peito, fazendo pressão sobre seu musculoso peito.

Apesar da simplicidade dessa carícia, Ross sentiu um prazer quase agônico. Sedento de mais, beijou-a no pescoço, começando por detrás da orelha, até chegar à junção com o ombro. Ela se arqueou contra ele.

—Pode... pode vir alguém —murmurou, ruborizada.

—Ninguém virá — assegurou Ross, distraindo-a com beijos, enquanto seus dedos manipulavam freneticamente os botões do vestido. —Se alguém se aproximar, ouvirei ranger o chão.

Enquanto Sophia estava gemendo sob sir Ross, lhe abriu o vestido e estirou a cinta que fechava a parte do peito. Deslizou a mão sob a gaze e descobriu uma pele incrivelmente suave na curva do seio. Percorreu o frágil montículo com o polegar até topar-se com o erguido vértice do seio. Sophia apoiou o rosto contra o pescoço de Ross, que notou sua frenética respiração.

—Ross... — sussurrou ela.

O fato de ouvir seu nome nos lábios de Sophia excitou Cannon fulminantemente. Posou a cabeça entre aqueles seios e, com a ponta da língua, riscou um úmido círculo ao redor do delicado mamilo. O pequeno casulo se tornou mais escuro, mais duro, e Sophia esticou todo o corpo. Muito devagar, Ross começou a lamber a crista com embates luxuriosos que faziam que ela se aferrasse a ele.

—Por favor... — murmurou ela, pondo as mãos na nuca e lhe atraindo para baixo— Por favor, Ross...

—Quer que siga?

—Sim. Faz de novo, OH, sim...

Ross tomou todo o mamilo com a boca, o qual fez gemer mais Sophia. Chupava lentamente, fazendo uma leve pressão com os dentes, enquanto seus dedos brincavam com o endurecido mamilo do outro seio. Sophia revolveu o cabelo e levantou o rosto, beijando-o com uma intensidade arrebatadora, como se nesse momento não existisse nada mais do que eles naquela cama. Logo começou a lhe acariciar as costas, perseguindo a forma de seus músculos.

—Sophia — disse Ross, quase sem fôlego, —não sabe quantos compridos e solitários anos estive te esperando.

Sophia aturdida e com as pupilas dilatadas, olhou nos olhos de Ross, enquanto sentia subindo mais as saias. Ross foi encontrando-se sucessivamente com o joelho, a liga que lhe sustentava as meias e a borda desgastada das calcinhas. Seguiu subindo a mão e topou com a malha elástica que havia nas coxas. O pêlo púbico formava redemoinhos brandamente contra o tecido, e Ross o acariciou com ternura antes de subir para o ventre. Deu com a corda da calça, desatou-os e introduziu a mão debaixo. Moveu os dedos contra o molhado triângulo de Sophia e começou a falar carinhosamente.

—É tão formosa, Sophia, tão doce..., tão suave. Abra-te para mim; isso.

Com supremo cuidado, separou os lábios inchados e tratou de introduzir um dedo entre eles. Sophia se sobressaltou, e Ross se deteve.

—Não, não — sussurrou —não te farei mal, me deixe.

Voltou a beijá-la até que Sophia relaxou, e então outra vez deslizou os dedos entre suas pernas; e ela já não pôde resistir. Ross a beijou nos lábios e logo mordiscou o delicado lóbulo da orelha.

—Quero fazer amor— sussurrou.

Sophia escondeu o rosto contra o pescoço de Ross, enquanto a mão deste seguia acariciando-a brandamente.

—Sim —respondeu ela, e estalou em soluços.

Aquela repentina amostra de emoção deixou Ross atônito. Supôs que Sophia tivesse medo, que pensava que esta experiência acabaria como a anterior. Balançou-a entre seus braços e lhe beijou as bochechas, úmidas e salgadas.

—Não chore — disse com remorso. —Quer que esperemos? Não, Sophia.

—Não quero esperar —repôs ela, agarrando-se a ele com uma força surpreendente — Faça-me isso agora.

Agora...

O loiro pêlo se apertou ansiosamente contra sua mão, e Ross respondeu com um gemido de desejo.

Introduziu um dedo e o empurrou para dentro, notando como a carne pressionava o nódulo. Sophia gemia e suspirava beijando o pescoço com avidez. Ross retirou o dedo daquelas tenras dobras, e Sophia se esfregou contra ele.

—relaxe — sussurrou Cannon — Tenha paciência, carinho.

A dura vara em que se converteu o membro de Ross lutava por liberar-se enquanto ele o colocava sobre Sophia. Empurrou a tensa cabeça contra os úmidos cachos, e o coração lhe desbocou quando começou a penetrá-la.

—Me abrace —pediu ele com voz rouca.

De repente ouviu um som no corredor: alguém se dirigia ao quarto.

Enfurecido, Ross considerou seriamente a possibilidade de assassinar a quem quer que fosse. Depois de anos de espera, tinha encontrado finalmente sua mulher, sua companheira, e estava na cama com ela. Não queria que ninguém o interrompesse. Voltou-se de lado, e uma aguda dor lhe atravessou o ombro como tivesse enfiado uma faca. Entretanto, alegrou-se de senti-lo insuportável, já que lhe ajudou a desviar a atenção da pressão de sua entreperna.

Sophia se aferrou a ele com desespero.

—Não pare não p...

Ross a beijou na fronte com brutalidade. Quando por fim pôde falar, sua voz denotava uma terrível frustração.

—Sophia, vem alguém e a porta está aberta. Se não quiser que nos vejam assim, sai da cama.

Levou uns segundos para compreender aquelas palavras. De repente empalideceu e se incorporou entre um redemoinho de lençóis, mantas e saias enrugadas.

Ross subiu as mantas até a cintura e ficou de barriga para baixo, grunhindo de fúria contra o colchão.

Enquanto tratava sem êxito de fazer diminuir sua tremenda ereção, ouviu como Sophia se arrumava com a roupa. Correu até a bacia e começou a fingir que estava lavando as mãos, como se estivesse ocupada preparando-se para trocar a bandagem de Ross.

Chamaram brevemente na porta e apareceu o alegre rosto de Ernest, alheio à tensão que se respirava no quarto.

—Bom dia, sir Ross! Eliza me pediu pra dizer que sua mãe chegará de um momento a outro. Um criado veio avisar.

—Estupendo —resmungou Ross entre dentes — Obrigado, Ernest.

—Não há de que, senhor! —respondeu o menino dos recados, e se foi, deixando a porta totalmente aberta.

Ross elevou a cabeça para olhar Sophia, que resistiu a dar volta e enfrentar-se a ele. Suas mãos deixaram de mover-se, e falou sem deixar de olhar a água na bacia.

—Acabo de me dar conta de que seria mais conveniente lhe trocar a bandagem depois de seu banho. Direi a Ernest que lhe traga o café da manhã e a Lucie que vá enchendo a banheira.

—Sophia —disse Ross em voz baixa — vem aqui.

Ela fez caso omisso da ordem e partiu, deixando atrás de si seu agudo tom de voz.

—Volto em seguida.

Apesar da frustração que sentia Ross, lhe escapou uma irritada gargalhada.

—Vê, pois —lhe disse, deixando cair à cabeça no travesseiro — Não poderá me evitar eternamente.

Sophia foi correndo encerrar-se em seu quarto. O coração lhe pulsava tão violentamente que lhe doía o peito.

—OH, Deus—murmurou.

Como se estivesse em um sonho ficou diante do pequeno espelho de sua penteadeira. Tinha o cabelo revolto e os lábios inchados. Também advertiu uma vermelhidão no pescoço. Tocou e se deu conta de que o tinha provocado a barba de sir Ross. Parecia-lhe estranho que tivesse ficado com a pele marcada pelos beijos de um homem, o qual era, de uma vez, a intensidade em que ele desejava possuí-la.

Sophia apoiou as mãos na penteadeira, fechou os olhos e suspirou com força. Nunca se havia sentido tão torturada; seu corpo fervia de desejo, mas seu coração sofria, consciente de sua traição e sua força de vontade. Uma vez que Ross tinha começado a beijá-la, tinha sucumbido e não tinha pensado em nada mais.

Ela tinha tentado converter-se em sua amante, mas seu plano tinha sofrido um duro reverso. Já não desejava castigá-lo, por muito que o merecesse. Desejava amá-lo, entregar-se a ele por completo, e isso não acabaria na destruição de Ross, a não ser na sua própria.

Quando sir Ross tomou o café da manhã e se banhou, Sophia voltou a subir. Cannon estava na cama e parecia impaciente, já que não deixava de retorcer os lençóis recém trocados.

A Sophia surpreendeu vê-lo asseado e barbeado, com o escuro cabelo penteado para trás, em contraste com o branco impoluto dos lençóis. A cor azulada de seu pijama fazia com que os olhos desprendessem uma luz de lua destilada.

—Não sei quanto mais poderei aguentar assim —murmurou Ross, olhando-a sem sorrir.

Sophia pensou que se referia ao encontro íntimo que acabavam de ter, e se ruborizou, mas logo se deu conta de que estava falando do fato de estar na cama.

—Fará bem repousar um pouco mais — disse — Não passa na cama todo o tempo que deveria.

—Você pode remediar isso.

—Refiro-me a dormir —esclareceu Sophia, que não pôde reprimir um riso nervoso. —Sir Ross, se segue me incomodando dessa maneira, terei que pedir a Eliza que seja ela quem lhe troque as ataduras.

—Não, por favor —respondeu ele esboçando um tênue sorriso. —Serei bom.

Ross manteve sua promessa, e ficou quieto enquanto ela trocava as ataduras. A ferida estava vermelha e torcida, embora não havia marcas de supuração. Sophia lhe tocou a frente, que estava seca e quente.

—Subiu um pouco a febre. Como se sente?

—Quero me levantar da cama e fazer algo.

Sophia sacudiu a cabeça.

—Não se moverá daqui até que o doutor Linley diga o contrário. E, no momento, não acredito que lhe convenha que ninguém lhe incomode.

—Estupendo —disse Ross com um sorriso. —É a desculpa perfeita para me liberar de minha mãe; não tenho vontades de que passe todo o dia aqui.

—Quer que prepare uns calmantes?

—Não, Por Deus. Isso faria que ficasse mais tempo.

—Muito bem, senhor —disse Sophia e, embora não olhasse para Ross, sentiu como este a observava fixamente.

—Sophia — disse ele com calma, —o que acontece?

—Nada — repôs ela, forçando um sorriso.

—Sobre o que aconteceu antes...

Para alívio de Sophia, Ross foi interrompido pelo som de passos e o murmúrio de vozes animadas no corredor. De repente, Eliza entrou no quarto.

—Sir Ross —disse — a senhora Cannon e o Sr Mathew acabam de chegar.

—Querido! —exclamou uma mulher alta e grisalha, que passou a cozinheira e se aproximou da cama.

Levava um vestido de seda verde água e desprendia um leve aroma a perfume exótico. Quando uma de suas largas mãos acariciou a bochecha de Ross, as jóias de seus dedos brilharam com fulgor.

Sophia, que se tinha retirada a um canto do quarto, observava a Catherine Cannon com discreto interesse.

A mãe de Ross não era o que se diz formosa, mas tinha tanto estilo e era tão proprietária de si mesma que o efeito era deslumbrante.

Ross sussurrou algo a sua mãe e esta riu, sentada a beira da cama.

—Esperava te encontrar pálido, querido —exclamou, —mas vejo que está melhor que nunca. Inclusive ganhaste peso! Favorece-te.

—Deve agradecer à senhorita Sydney — comentou Ross, olhando Sophia. —Aproxime-se, quero te apresentar a minha mãe.

Sophia se manteve em seu canto, mas fez uma cortês reverencia, dedicando a Catherine um tímido sorriso.

—Como vai, senhora Cannon?

A mulher a escrutinou com amabilidade.

—Que jovem tão encantadora —disse, olhando seu filho com uma sobrancelha arqueada. —Eu diria que muito bonita para trabalhar em um lugar como Bow Street.

—De fato —interveio uma voz zombadora da porta, —pergunto-me que motivos terá o santo de meu irmão para contratar uma moça tão bonita.

O irmão menor de Ross, Matthew, estava de pé junto à porta em uma pose ensaiada, fazendo recair o peso em uma perna e o ombro apoiado contra o marco. Não era difícil advertir o parecido físico entre eles, que compartilhavam a mesma tez e compleição. Entretanto, as feições de Matthew eram menos angulosas que as de Ross; tinha o nariz menor e o queixo menos definido. Algumas mulheres opinavam que Matthew era o mais bonito dos dois, já que ainda guardava um aspecto juvenil que lhe proporcionava atrativo. Entretanto, Sophia pensou que parecia uma versão de seu irmão mais velho. Ross era um homem, elegante, duro e com experiência na vida; Matthew não era mais que uma pálida imitação.

Sophia dirigiu o olhar ao insolente personagem que se apoiava no marco da porta, e inclinou a cabeça em uma leve reverencia.

—Senhor Cannon —murmurou.

Ross olhou a seu irmão.

—Deixa de tolices, Matthew, e entra de uma vez. —Onde está sua mulher?

—A pobre Iona está um pouco resfriada —respondeu a mãe, —e teve medo de te contagiar. Deseja que te recupere o mais breve possível.

Sophia, que seguia de pé em um extremo do quarto, fez outra reverência.

—Com sua permissão, deixarei-os sozinhos —disse. —Sir Ross, faça soar a campainha se necessitar algo.

Quando Sophia saiu do quarto, Ross fulminou seu irmão com o olhar. Não lhe tinha gostado da maneira em que Matthew se referiu a ela, nem o modo em que a tinha cuidado. Zangado, perguntou.

Quando deixaria este de ver cada mulher que conhecia como uma possível conquista.

Embora a esposa de Matthew, Iona, era uma garota encantadora, estava claro que ele não tinha abandonado seu interesse pelas mulheres. Se tiver deitado com alguém fora do matrimônio ainda estava por saber. Entretanto, sim havia uma coisa que podia mantê-lo a raia: a total certeza de que Ross não tomaria nenhuma infidelidade à ligeira. Ross era quem se fazia cargo dos assuntos financeiros de toda a família e mantinha a seu irmão menor com uma atribuição periódica. Se alguma vez Ross chegasse a ter provas de alguma infidelidade de Matthew, não duvidaria em repreendê-lo com todos os meios a seu alcance, entre eles o de reduzir significativamente os ganhos.

—Quanto tempo faz que trabalha aqui? —perguntou Matthew.

—Uns dois meses.

—Não te parece pouco conveniente contratar a uma mulher como ela? Já sabe o que vai dizer a gente, que te empresta seus serviços em mais de uma forma.

—Matthew! —protestou a mãe energicamente. —Não é necessário fazer tais insinuações.

Matthew respondeu com uma careta.

—Mãe, há certas coisas que um homem sabe tão somente olhar a uma mulher. É óbvio que, sob a superfície, a senhorita Sydney é uma fulana como qualquer outra.

A Ross custou não ir às nuvens.

—Sempre te deu mal julgar às pessoas, Matthew —disse, colhendo com força o lençol — Aconselho-te que mantenha a boca fechada, e que recorde que é um homem casado.

Matthew o olhou com receio.

—Que demônios quer dizer?—replicou.

—Quero dizer que minha ajudante parece haver despertado um excessivo interesse.

—Equivoca-te — respondeu Matthew, indignado. —Só tinha dito que...

—Basta já — interveio Catherine, rindo do assombro — Desgosta-me ver os dois discutirem.

Ross dirigiu a seu irmão um olhar frio como o aço.

—Não permitirei que Matthew insulte a empregados desta casa.

—Me diga — desafiou seu irmão, —no que consiste sua relação com a senhorita Sydney, que sai a sua defesa com tanta veemência?

Antes que Ross pudesse responder, Catherine chiou irritada.

—Matthew, acredito que trata de incomodar a seu irmão de propósito! A relação que tenha com a senhorita Sydney só interessa a ele, não a nós. E agora, faz o favor de esperar no corredor, e nos deixe tranquilos durante um momento.

—Será um prazer —respondeu Matthew com tom zombador. —Nunca me gostou de visitar gente doente.

Tão logo saiu do quarto, Catherine se inclinou sobre seu outro filho.

—E agora me diga Ross, qual é sua relação com a senhorita Sydney?

Ross não pôde evitar soltar uma gargalhada.

—Acaba de dizer que isso só mim interessa!

—Bom, sim, mas sou sua mãe. E tenho direito, ou seja, está interessado por alguém.

—Não penso dizer nada — respondeu Ross, sorrindo ante a ávida curiosidade de sua mãe.

—Ross... —Insistiu ela, e pôs os olhos em branco. Logo devolveu o sorriso. —Tenho que reconhecer que fazia muito tempo que não te ouvia rir. Já estava pensando que tinha esquecido de como fazê-lo; mas querido, sério, uma faxineira, quando poderia escolher entre as herdeiras melhor educadas da Inglaterra?

Ross a olhou nos olhos, consciente de que a idéia de casar-se com um membro do serviço doméstico era considerada uma escandalosa transgressão social. O fato de manter relações sexuais com uma faxineira aceitava, mas um cavalheiro nunca se casaria com ela. Entretanto, isso a Ross importava um pouco. Depois de anos tratando todo mundo, da realeza até os pobres mais pobres, tinha aprendido que a consciência de classe de sua própria sociedade não era mais que pura hipocrisia. Tinha observado que os nobres eram capazes de cometer os crimes mais atrozes e que inclusive os vagabundos mais esfarrapados se comportavam às vezes com honra.

—A senhorita Sydney é a filha de um visconde —disse a sua mãe; —embora pra mim seria igual se seu pai fosse um trapero.

Ela pôs no rosto um ar de assombro.

—Temo-me que trabalhar tanto tempo em Bow Street te deu uma sensibilidade muito democrática. — Estava claro que aquele comentário não era completo. —Entretanto, a filha de um visconde? Poderia ser pior, suponho.

—Está dando coisas por importância, mãe — disse Ross secamente, —eu não disse que tenha nenhum interesse por ela.

—Sim você disse —repôs ela com ar de suficiência. —Uma mãe se dá conta dessas coisas. E agora, me diga como uma mulher de sangue supostamente azul acabou trabalhando em Bow Street.

—Não vais perguntar-me nada sobre a ferida? —replicou Ross, arqueando as sobrancelhas e cada vez mais incrédulo.

—vais ter outra ferida se não me contar mais sobre a senhorita Sydney!


Capítulo 7

 

Sophia não subiu ao quarto de Ross várias horas depois de que sua mãe e seu irmão partiram. Cannon estava impaciente, e se perguntava que insignificantes tarefas podiam ser mais importantes que atender ele.

Ela tinha enviado Lucie para subir a uma bandeja com o jantar e a medicina, assim como um pouco de leitura para que se entretivesse.

Entretanto, sir Ross não tinha apetite e começava a doer sua cabeça. À medida que o sol se ia pondo o quarto se obscurecia, não parava de dar voltas e mais voltas na cama. Tinha calor e lhe doía todo o corpo, especialmente o ombro, mas o pior era que se sentia isolado. Enquanto ele estava confinado naquela cama, doente, o mundo seguia girando. Tirou a camisa com raiva e ficou com os lençóis até a cintura, sumido em seu esgotamento.

Quando Sophia apareceu no quarto, às oito da noite, Ross estava áspero e exausto, estava de barriga para baixo apesar da dor que isso lhe provocava.

—Sir Ross? —disse Sophia, movendo o abajur levemente para iluminá-lo, —está dormido? Vim trocar a bandagem.

—Não, não estou dormido —grunhiu ele. —Tenho calor e me dói o ombro, e já estou farto de estar convexo nesta cama infernal.

Sophia se inclinou sobre ele e tocou a fronte.

—Ainda tem febre. Vamos, deixe que lhe dê a volta. Não sente saudades que sustente o ombro, tal como está deitado.

Os braços de Sophia, esbeltos, mas fortes, ajudaram-no a virar-se. Emitiu um gemido e escorregaram os lençóis até os quadris. Sophia lhe sustentou a nuca e aproximou um copo aos lábios. Ross bebeu a água de centeio, fria e doce, a pequenos goles. O fresco aroma dela parecia ocultar o ambiente viciado do quarto.

—Quem fechou as janelas? —perguntou Sophia.

—Minha mãe; diz que o ar do exterior é mau para a febre.

—Não condene o ar noturno ele não faz nenhum dano —opinou Sophia, e foi abrir as janelas.

Ross se reclinou no travesseiro, aliviado de que o ambiente do quarto se tornasse mais respirável.

—Não te vi todo o dia — recriminou. Subiu o lençol à altura do peito e perguntou-se se ela deu-se conta de que estivesse nu debaixo deles. —O que estiveste fazendo?

—As garotas e eu limpamos a saída de fumaças da cozinha e pintamos os ferros, e logo temos feito o engomado. Depois, Eliza e eu estivemos fazendo geléia de amoras.

—Deixa que Eliza se encarregue, fica comigo.

—Sim, senhor — respondeu Sophia, que causou graça o tom autocrático empregado por Ross. —Se desejava minha companhia, só tinha que pedi-lo.

Ross franziu o cenho e ficou calado enquanto lhe trocava a bandagem do ombro. A visão do rosto sereno de Sophia, cujos escuros cilíos lhe cobriam os olhos azuis enquanto se concentrava na tarefa, fazia mais suportável o sofrimento. Ross recordou sua ardente e decidida reação aquela manhã, e se sentiu satisfeito.

Apesar de seus medos, Sophia, tinha desejado que fizesse amor com ela. Cannon não ia tirar o tema agora, não até que se recuperasse; mas quando chegasse esse momento...

Sophia terminou de atar a atadura e introduziu um pano em um recipiente cheio de água.

—Não há marcas de infecção —disse, tirando o pano na água. —Acredito que a ferida está curando. Pode ser que a febre comece a baixar logo, e assim se sentirá melhor. —Passou o pano úmido pelo rosto e fronte.

De repente, uma fresca brisa entrou pela janela e roçou a pele molhada de sir Ross, o qual fez que tremesse de prazer. —Tem frio?

Ele fechou os olhos e negou com a cabeça.

—Não — sussurrou. —Não. O ar faz-me sentir bem.

Ela molhou o pano de novo, e Ross soltou um leve suspiro enquanto o frescor se estendia por seu pescoço e seu peito. Não podia dizer que ninguém tivesse cuidado dele? Não podia. Transbordando gratidão, ouviu a voz melodiosa de Sophia, que cantarolava uma canção.

—Sabe a letra? —perguntou, deitado.

—Em parte.

—Cante!

—Não tenho uma voz especial —alegou ela — Se sentirá decepcionado se espera ouvir algo por cima da média.

—Você nunca poderia me decepcionar —repôs Ross, agarrando os dedos, que ela tinha sobre seu peito.

Sophia ficou em silencio durante um momento, sem mover os dedos, De repente, pôs-se a cantar uma toada melodia relaxante.

Quando tiver encontrado o amor verdadeiro, receberei alegre, de dia ou de noite, porque os sinos soarão e os tambores retumbarão para dar as boas-vindas com uma imensa alegria.

Quando Sophia calou, Ross abriu os olhos e viu que tinha uma expressão de amargura no rosto, como se aquela canção tivesse recordado o desengano amoroso sofrido no passado. Ross sentiu ciúmes e preocupação em partes iguais, e procurou uma maneira de liberar daquelas tristes lembranças.

—Tinha razão, não tem uma voz espetacular... —disselhe, sorrindo ao vê-la franzir o cenho — mas eu gosto muito —acrescentou.

Sophia voltou a colocar o pano úmido na fronte.

—Agora a você me entrete —disse com picardia — Pode começar quando queira.

—Não sei cantar.

—Bom, tampouco esperava que pudesse fazê-lo, com uma voz como a sua.

—O que tem de mau minha voz?

—É muito grave. Ninguém esperaria ouvir de você o canto de um barítono — opinou Sophia, rindo ao ver a expressão de descontente de sir Ross. Levantou a cabeça e lhe aproximou o copo com água de centeio nos lábios. —Anda bebe um pouco mais.

Ross tragou aquela mistura com uma careta de desagrado.

—Fazia anos que não bebia água de centeio —comentou.

—Eliza me havia dito que você nunca fica doente —disse Sophia, pondo o copo sobre a mesinha — De fato, à maioria dos agentes se surpreendeu que estivesse ferido. É como se pensassem que as balas deveriam lhe ricochetear como gotas de chuva.

—Nunca disse que sou sobre-humano —afirmou Ross, sorridente.

—Mesmo assim, todos acreditam que você é — disse Sophia olhando-o — Pensam que está além das necessidades e as debilidades do homem que é invulnerável.

Ambos ficaram em silêncio, olhando-se, e Ross entendeu então que lhe estava fazendo uma espécie de pergunta.

—Pois não —disse finalmente — Tenho necessidades, e também debilidades.

Sophia baixou o olhar para a colcha e, com cuidado, desfez uma ruga que se formou no tecido.

—Entretanto, não cede ante elas.

Ross voltou a lhe agarrar os dedos, passando o polegar pela superfície de suas unhas.

—O que é o que quer saber, Sophia?

Ela levantou a vista.

—Por que não voltou a casar depois da morte de sua esposa? Passou muito tempo, e você ainda é relativamente jovem.

—Relativamente? —repetiu ele, arqueando uma sobrancelha.

Ela sorriu.

—Me diga por que o chamam o Monge de Bow Street, quando poderia encontrar facilmente alguém com quem casar-se.

—Não quero me casar de novo. Estou muito bem sozinho.

—Amava sua mulher?

—Eleanor era alguém fácil de amar —disse Ross, tratando de evocar a imagem de sua mulher, seu rosto pálido e delicado, seu sedoso cabelo. Entretanto, tinha a sensação de que a tivesse conhecido em outra época.

Surpreso, deu-se conta de que, para ele, Eleanor quase não era real — Era refinada... Inteligente... E muito amável. Nunca falava mal de ninguém. —Esboçou um sorriso. —Eleanor detestava que a gente dissesse palavrões, assim que se esmerou em me curar desse hábito.

—Devia ser uma mulher muito especial.

—Sim, mas era fisicamente muito frágil, de uma forma pouco comum. De fato, sua família não queria que contraísse matrimônio.

—Não? Por quê?

—Eleanor adoecia com muita facilidade. Depois de levá-la a dar um passeio de carro pelo parque uma tarde de outono, pegou um resfriado e teve que ficar na cama uma semana. Era uma mulher muito delicada.

Seus pais se preocupavam com a chuva de petições de matrimônio que pudesse receber, por não falar de meus cuidados como marido. Temiam que uma gravidez pudesse matá-la. —Sua voz adotou um tom de culpa. —Tratei de convence-los de que a protegeria, e de que não sofreria nenhum mal a meu lado. —Não olhou para Sophia quando ela deu a volta no pano que tinha na fronte— Fomos felizes quatro anos.

Pensávamos que ela não era fértil, porque não conseguia ficar grávida, o qual, para mim, era um alívio.

—Não desejava ter filhos?

—Não era algo que me importasse; eu só queria que Eleanor estivesse sã e feliz. Entretanto, um dia me disse que estava esperando uma criatura. Estava encantada com a notícia. Dizia que nunca havia se sentido melhor, assim eu me convenci de que tanto ela como o bebê estariam bem.

Ross se deteve muito consternado para prosseguir. Qualquer menção no nome de Eleanor seria tremendamente difícil, uma vez que era algo muito íntimo. Mesmo assim, não queria deixar de compartilhar nenhum detalhe de seu passado com Sophia.

—O que ocorreu? —perguntou ela.

Ross sentiu como se algo desatasse em sua mente. Todo seu rígido autodomínio parecia haver se dissolvido, e começou a contar coisas que nunca tinha contado a ninguém; parecia impossível esconder algo dela.

—O dia que começaram as contrações soube que algo ia mal. Eleanor não suportava bem a dor. Estava muito fraca para empurrar. O parto já durava mais de vinte e quatro horas, e quando começou o segundo dia... Deus foi algo infernal. Fiz virem mais médicos, quatro no total, e ficaram discutindo sobre o que se podia fazer com minha esposa. Eleanor sentia dores espantosas, e não me deixavam que a ajudasse. Fizesse algo por ela, algo. —Ross não se deu conta de que tinha apertado os punhos até que sentiu as mãos de Sophia acariciando-os brandamente. —A única coisa que os médicos disseram, foi que o bebê era muito grande.

Tinha que escolher. Disselhes que salvassem Eleanor, é obvio, mas isso significava que... —deteve-se e conteve a respiração. Era impossível contar a Sophia o que tinha ocorrido depois, não havia palavras para explicar—Havia tanto sangue... Eleanor gritava e me suplicava que parassem. Queria morrer para dar uma oportunidade ao bebê, mas eu não podia deixar que isso acontecesse á ambos... —Fez outra pausa e tratou de respirar com normalidade.

Sophia não se movia, nem dizia nada, por isso Ross supôs que sua história a tinha aborrecido que tinha contado muito. Devia estar horrorizada.

—Escolhi a opção equivocada —murmurou— E por causa disso morreram os dois.

O ambiente do quarto, tão agradável o fazia tremer. Ross ficou gelado, mudo, enojado.

Sophia tirou o pano da fronte e lhe acariciou o rosto.

—Não foi culpa sua —disse — Seguro que é consciente disso.

Estava claro que ela não tinha entendido o fundo da história. Ross tinha tratado de fazer ver quão egoísta tinha sido.

—Não deveria ter me casado com Eleanor. Se a tivesse deixado em paz, ainda estaria viva.

—Isso não há forma de saber. Mas, em caso de ser assim, se em vez de se casar com ela, como teria sido a vida de sua mulher? Vazia, separada do mundo, sentindo falta de amor. —O agasalhou até o pescoço e foi procurar uma manta na gaveta inferior da cômoda. O jogou em cima e voltou a sentar-se a seu lado — Você não obrigou a Eleanor a casar-se. Estou segura de que ela era plenamente consciente dos riscos que assumia, mas para ela valeu a pena, porque durante o tempo que esteve com você se sentiu amada e feliz. Ela viveu como quis. Estou segura de que não gostaria que culpasse a si mesmo do que aconteceu.

—Não importa que não me tenha culpado —afirmou Ross, zangado consigo mesmo. —Eu sei que toda a culpa é minha.

—É natural que pense assim —repôs Sophia. — Você acredita que é onipotente, que tudo, de mau ou de bom, deve atribuir-se a você. Que difícil deve ser aceitar que alguma coisa simplesmente escapa a sua influência.

Aquele irônico comentário resultou curiosamente, reconfortante.

Ross a olhou nos olhos, e se deu conta do alívio que supunha fazê-lo. Embora não queria admitir tal sentimento, era impossível passá-lo por alto.

—Depois de tudo, você só é um ser humano — acrescentou ela, —não uma espécie de ser divino.

Só um ser humano.

Certamente Ross sabia. Entretanto, só nesse momento foi consciente da carga que tinha que tratar de convencer ao mundo do contrário. Fazia tudo humanamente possível para provar que era invulnerável e, em linhas gerais, tinha tido êxito. Em sua posição, isso era algo quase obrigatório. Todos queriam acreditar que o magistrado chefe de Bow Street era o todo-poderoso; queriam ter a segurança de que, enquanto eles dormiam, ele trabalhava sem cessar lhes oferecendo amparo. O resultado disso, Ross tinha vivido isolado durante anos; não havia ninguém que o conhecesse ou o compreendesse de verdade. Entretanto, pela primeira vez em sua vida de adulto, tinha encontrado alguém que não o olhava com assombro. Sophia o tratava como se fosse um homem normal.

Nesse momento levantou e se moveu pelo quarto, ordenando tranquilamente os objetos que havia no lavatório e dobrando roupa e toalhas. Ross a observava com intensidade de um predador, pensando no que lhe faria quando recuperasse as forças. Estava claro que ela não tinha nem idéia do que rondava por sua cabeça, ou não se mostraria tão tranquila.


Capítulo 8

 

— Você é um paciente terrível! —exclamou Sophia quando viu sir Ross vestido e em pé. —O doutor Linley disse que devia ficar na cama ao menos um dia mais.

—Esse homem não sabe tudo —replicou Ross.

—E você tão pouco! —Exasperada e preocupada, Sophia seguiu os movimentos de Cannon, que foi até a cômoda e abriu a gaveta de acima em busca de uma gravata limpa. —O que pensa fazer?

—Estarei em meu escritório uma hora, mais ou menos.

—Pois me parece que passará o dia trabalhando!

Durante os quatro dias que Ross tinha estado de cama, para Sophia tinha sido cada vez mais difícil fazê-lo repousar. À medida que foram voltando às forças e ia curando o homem, mais vontade tinha de retomar seu habitual e exaustivo ritmo. Para mantê-lo na cama, Sophia havia trazido expedientes e cartões de despacho, e tinha tomado notas enquanto ditava, ele na cama, e ela em uma cadeira. Tinha servido todas as comidas e passou horas lendo. Frequentemente, tinha-o visto dar cabeçadas e se fixou em cada detalhe de seu rosto, estendido pelo sono; a forma em que caía o cabelo na testa, as suaves rugas da boca...

Familiarizou-se com o aroma de Ross, com o movimento de sua garganta quando bebia café e com a textura de seus músculos quando trocava a bandagem; com a rugosidade de seu queixo antes de barbear-se; com o tom rouco de sua risada, como se não estivesse acostumado a emitir tal som; com as ondas caóticas que lhe formavam no cabelo negro antes que ela o penteasse cada manhã; com o modo em que a surpreendia com seus beijos quando ela levava a bandeja ou acomodava o travesseiro, uns beijos doces e contidos enquanto a tocava de forma amável, mas insistente.

E, em lugar de negar-se, ela respondia com abandono.

Para vergonha de Sophia, tinha começado a ter tórridas fantasias com Ross. Uma noite tinha sonhado que se metia em sua cama e se deitava nua junto dele. Quando acordou, deu-se conta de que os lençóis estavam molhados de suor, que o coração lhe pulsava mais depressa e tinha a entreperna muito mais sensível que antes. Pela primeira vez em sua vida, colocou seus dedos sobre aquele palpitante montículo e acariciou com suavidade. Um prazer imenso percorreu as vísceras ao imaginar que Ross a tocava de novo, que beijava seus seios e que movia os dedos de forma perita entre suas coxas. Embora a sensação de culpa e vergonha fosse cada vez maior, seguiu estimulando e descobriu que, quanto mais se esfregava, mais intenso era o prazer, até que desembocou em uma onda de calor e de seus lábios emanou um tremendo gemido.

Sophia ficou de barriga para baixo e ficou confusa e aturdida. Sentiu o corpo prazerosamente pesado e se perguntou com que cara olharia Ross no dia seguinte. Nunca havia sentido nada igual; era uma necessidade física tão urgente que a alarmava.

Além da atração sexual que sentia, dava-se conta de quanto gostava de Ross. Fascinavam a sua personalidade. Quando se enfrentava em um trabalho que lhe resultava desagradável, não tratava de evitá-lo, mas sim o abordava com férrea determinação. Para ele, o dever o era tudo. Se pedissem que ficasse um mortificado em sacrifício de todos que dependia dele, faria-o sem vacilar.

Fazia graça o fato de que, embora Ross nunca mentisse, escondia a verdade em altares de seus propósitos.

Por exemplo, se alguma vez levantava a voz, assegurava que não estava gritando, mas sim estava sendo «claro».

Negava que fosse teimoso e definia a si mesmo como alguém «firme». Tampouco era alguém autoritário, só «decidido». Sophia não duvidava em rir de tais asseverações e tinha descoberto, para seu deleite, que Cannon não sabia como reagir. Não era alguém a quem se atrevesse a questionar, e ela era consciente de que ele, em certa maneira, desfrutava com suas provocações.

Conversando nas tranquilas horas da tarde, Sophia tinha compartilhado com ele as poucas lembranças que guardava de sua infância: as carícias de seu pai ao desejar boa noite, um picnic em família, os contos que lhe lia sua mãe...

Inclusive a vez em que ela e seu irmão tinham misturado os pós de ruge de sua mãe com água e tinham jogado como massa, e como resultado os tinha mandado para cama sem jantar.

Ross tinha sido capaz de extrair de Sophia mais confissões, apesar do esforço dela por guardar-lhe antes de dar-se conta, encontrou a si mesma contando as vivencias dos meses seguintes à morte de seus pais, quando ela e John se dedicaram a fazer tudo pelo povo.

—Fomos uns autênticos fantasias de diabo — havia dito, sentada na beirada da cama, rodeando os joelhos com os braços. —Fazíamos travessuras terríveis; entravamos nas lojas e nas casas e roubávamos... —Fez uma pausa e se arranhou a fronte, para aliviar uma repentina pontada.

—O que roubavam?

—Comida, mais que nada. Sempre estávamos famintos. As famílias que tentavam cuidar de nós não tinham muitos recursos, e quando nosso comportamento se tornava intolerável, livravam-se de nós — explicou, agarrando os joelhos com mais força — Era minha culpa. John era muito jovem para ser consciente do que fazia, mas eu não tinha nenhuma desculpa. Deveria ter levado ele pelo bom caminho, ter cuidado dele...

—Eram uns pirralhos — desculpou Ross com aparente preocupação, como se compreendesse o peso da culpa que sentia — Não foi tua culpa.

Ela sorriu, mas não podia aceitar esse consolo.

—Sophia —perguntou Ross com calma, —como morreu John?

Essa pergunta a pôs tensa e teve que resistir a tentação de lhe contar a verdade. Aquela voz, suave e profunda, estava tocando a chave que abriria sua alma, e se Sophia a dava para Ross, ficaria furioso, castigaria-

a, e ela seria reduzida a nada.

Em vez de responder, riu nervosamente e inventou uma desculpa para poder sair do quarto.

Agora, enquanto Ross tirava uma gravata de seda da cômoda, Sophia se viu obrigada a voltar para o presente. O fato de que sir Ross se tomou a liberdade de levantar-se, deu a ela uma oportunidade perfeita para centrar sua atenção em outra coisa, e não duvidou em aproveitá-la.

—Está abusando de sua resistência e acabará por desmaiar —advertiu — E isso não me faria nenhuma graça; assim me faça o favor de obedecer ao doutor e repousar.

Ross fez o laço da gravata na frente do espelho sem mostrar o mínimo ápice de preocupação.

—Não vou desmaiar —assegurou tranquilamente — Tenho que sair deste quarto, ou ficarei louco — acrescentou. Seu olhar chapeado encontrou o de Sophia no espelho. —Só haveria uma forma de me fazer voltar para a cama, mas não acredito que esteja preparada.

Sophia apartou o olhar, subitamente ruborizada. Que Ross expressasse seu desejo por ela de forma tão explícita era uma marca da cumplicidade que se criou entre ambos.

—Ao menos, tome o café da manhã, coma algo — disse — Irei à cozinha me assegurar de que Eliza preparou o café.

—Obrigado —respondeu ele, esboçando um sorriso carregado de ironia.

Sophia passou o resto da manhã arquivando informação e declarações na sala de arquivos, enquanto Ross estava reunido em seu escritório. Em determinado momento, enquanto ordenava as pilhas de papéis, suspirou desalentada.

Durante seu primeiro mês de trabalho em Bow Street, tinha começado a reunir informação que, em sua opinião, podia ser prejudicial para o escritório de Bow Street e para todos que ali trabalhavam. A maior parte das vezes tratava-se de enganos cometidos pelos agentes e oficiais da lei, que foram desde falhas nos procedimentos até manipulação de provas. Ross tinha decidido disciplinar seus homens em privado, já que o último que necessitava a instituição era um escândalo potencialmente ruinoso.

Sophia sabia que necessitava de muito mais informação se quisesse suficiente munição para acabar com Ross e seus homens. Durante as últimas três semanas, entretanto, não tinha feito absolutamente nada atrás de seu objetivo, e o que era pior, não tinha ânimo para isso. Já não desejava fazer mal a sir Ross. Amaldiçoava a si mesma por ser tão débil, mas já não podia traí-lo. Apesar de tratar de evitá-lo, cada vez se preocupava mais com ele, o qual significava que a morte de seu pobre irmão nunca seria tratada com justiça, e que a curta vida de John finalmente não teria tido nenhum sentido.

Sophia, triste, seguiu ordenando arquivos até que apareceu Ernest e interrompeu sua tarefa.

—Senhorita Sydney, sir Ross a chama.

—por quê? —respondeu ela, olhando o menino de recados com súbita preocupação.

—Não sei senhorita.

—Onde está sir Ross? Encontra-se bem?

—Está em seu escritório —disse o menino, e se foi com sua habitual pressa a realizar mais recados.

Sophia contraiu o estômago de ansiedade ao perguntar se Ross teria feito algum esforço a mais. Cabia a possibilidade de que tivesse aberto a ferida, ou que houvesse tornado a ter febre, ou que tanta atividade lhe tivesse deixado exausto. Foi correndo até o escritório, ignorando os rostos de assombro dos advogados e funcionários que ia empurrando pelo estreito corredor.

A porta do escritório do magistrado chefe estava aberta, e Sophia cruzou a soleira. Ross, sentado atrás de sua mesa, pálido e com aspecto de estar um pouco cansado, levantou a vista assim que a viu.

—Sophia, o que...

—Sabia que ainda era muito cedo para que voltasse para o trabalho! —exclamou ela, indo para ele. De forma impulsiva, pôs as mãos na testa e nas têmporas. Tem febre? O que passa? Tornou a sangrar o ombro, O...?

—Sophia — interrompeu Ross, agarrando as mãos e lhe acariciando as Palmas com os polegares, enquanto esboçava um sorriso tranquilizador. —Estou bem, não tem por que preocupar-se.

Ela o observou de perto, para assegurar-se de que estava certo.

—Então, por que me chamou? —Perguntou algo desgostosa.

O olhar de sir Ross se desviou para um ponto além dela. Para sua consternação, Sophia se deu conta então de que não estavam sozinhos. Deu a volta e viu sir Grant, que estava sentado na ampla poltrona de visitas; o homem olhava a ambos com agudo interesse. Sophia soltou as mãos de Ross e baixou os olhos.

—Sinto muito — se desculpou, desejando que a terra a tragasse — Me... e-excedi meus limites, sir Ross; perdoe-me.

Ross respondeu à reação de Sophia com um sorriso e se dirigiu a sir Grant.

—Morgan, se não te importar, tenho um assunto que discutir com a senhorita Sydney.

—Isso será breve — respondeu Morgan.

Fez uma leve reverencia, olhou Sophia com seus brilhantes olhos verde e partiu, fechando a porta.

A moça levou as mãos ao rosto, vermelha de vergonha.

—OH, o que vai pensar sir Grant de mim? —disse entre os dedos, completamente tensos.

Ross saiu de atrás da mesa e se aproximou dela.

—Sem dúvida, que é uma mulher amável e responsável.

—Sinto muito —repetiu Sophia; —não me dava conta de que sir Grant estivesse aqui. Não deveria ter entrado de forma tão impetuosa, e tão pouco... O que passa é que me acostumei a...

—A me tocar?

Sophia queria morrer de vergonha.

—Tomei muitas liberdades com você. Agora que se recuperou, as coisas têm que voltar para estado em que se encontravam antes.

—Espero que não —respondeu Ross em voz baixa. —Eu gosto da confiança que há entre ambos, Sophia.

Ele a pegou pelo braço, mas ela retrocedeu um passo.

—Por que me chamou? —perguntou outra vez Sophia, desviando a vista.

Ross tomou tempo para responder.

—Acabo de receber uma mensagem de minha mãe, me informando de uma grave crise em sua casa.

—Espero que ninguém tenha ficado doente.

—Temo-me que é mais sério que isso —disse ele com ironia — Trata-se da festa que organizará com motivo do aniversário de meu avô. —Sophia, perplexa, observou Ross, que continuou: —Pelo visto, a ama de minha mãe, a senhorita Bridgewell, casou-se de forma inesperada. Esteve namorando com um sargento do exército, que propôs matrimônio quando soube que seu regimento ia ser transferido à Irlanda. Naturalmente, a senhorita Bridgewell desejava acompanhar o seu flamejante marido a seu novo destino. A família deseja o melhor, mas, desgraçadamente, sua ausência ocorre justo em meio dos preparativos da festa pelos noventa anos de meu avô.

— Por Deus. Quando será a festa?

—Precisamente em uma semana.

—Por Deus —repetiu Sophia, recordando as grandes celebrações às que teve que enfrentar quando trabalhava na casa dos Shropshire, que requeriam ser planejadas meticulosamente e levadas a cabo sem o menor engano. Comida, flores, convidados... Uma festa de tais características significava um montão de trabalho. Sophia se compadeceu do pessoal que tivesse que encarregar-se de organizar os preparativos. — Quem se encarregará de organizar tudo?

—Você — murmurou Ross carrancudo — Minha mãe quer sua ajuda. A carruagem da família está esperando lá em baixo. Se desejar, pode partir agora mesmo.

—Eu? —disse Sophia, sem dar crédito a seus ouvidos. —Mas deve haver outros que possam ocupar o lugar da senhorita Bridgewell!

—Segundo minha mãe, não. Pediu expressamente sua ajuda.

—Não posso! Quer dizer, não tenho experiência em me ocupar de algo assim.

—Arrumaste bem dirigindo os serventes desta casa.

—Três serventes —particularizou Sophia, agitada. —Sua mãe deve ter dúzias.

—Uns cinquenta — informou Ross com deliberada despreocupação, como se a cifra fora insignificante.

—Cinquenta! Eu não posso me encarregar de cinquenta pessoas! Seguro que há alguém mais capacitado que eu.

—Pode que se a ida da ama não tivesse sido tão precipitada, tivesse encontrado outra. Tal como estão às coisas, é a pessoa em quem minha mãe depositou todas suas esperanças.

—Nesse caso, lamento-o por ela — repôs Sophia com tom de lástima.

Ross pôs-se a rir.

—Só trata de uma festa, Sophia. Se tudo sair bem, não duvide que minha mãe saberá agradecer por tudo.

E se resultar um desastre, jogaremos a culpa a ausente senhorita Bridgewell. Não tem nada de que preocupar-se.

—E você? Quem se ocupará de você e da casa enquanto estiver fora?

Ross alargou a mão e tocou a gola do vestido azul escuro de Sophia, acariciando a suave pele do queixo com os dedos.

—Terei que me arrumar sem ti — sussurrou — Suponho que será uma semana muito longa.

Sophia percebia o aroma do sabão de barbear e também o aroma de café em seu fôlego.

—Estará ali toda sua família? —perguntou. —Inclusive seu irmão e sua esposa?

A idéia de ter que pernoitar sob o mesmo teto que Matthew era pouco atraente.

—Duvido. Matthew e Iona preferem os prazeres da vida urbana; para eles, o campo é muito tranquilo.

Suponho que esperarão até o fim de semana e chegarão ao mesmo tempo em que o resto dos convidados.

Sophia contornou a situação. Certamente, não parecia muito cortês repelir o pedido da mãe de Ross.

Pensou na missão forte que pediam e suspirou, resignada.

—Irei —disse brevemente — Farei tudo o que esteja em minha mão para que a festa de seu avô seja um êxito.

—Obrigado.

Ross passou a mão pela nuca e acariciou o coque que Sophia tinha feito. Seus dedos acariciaram umas delicadas mechas, o que lhe agitou a respiração.

—irei fazer a bagagem —disse.

Ross riscou um pequeno círculo com o polegar no pescoço da moça.

—Não vai me dar um beijo de despedida?

Sophia umedeceu os lábios.

—Não acredito que nos convenha... Insistir com isso. Não acredito que seja apropriado. Esta é uma oportunidade perfeita para voltar a pôr as coisas em seu lugar.

—Você não gosta de me beijar? —perguntou Ross, tomando uma pequena mecha que caía sobre o pescoço e acariciando brandamente.

—Isso não é relevante —disse Sophia — A questão é que não devemos.

—Por quê? —quis saber Ross, desafiante.

—Porque acredito que... Tenho medo —disse ela, fazendo profissional seu valor — Não posso ter uma aventura com você.

—Eu não te pedi uma aventura. O que quero de ti é...

Pôs a mão sobre os lábios. Não tinha idéia do que ele pretendia dizer, mas não desejava ouvi-lo. Quais fossem as intenções de Ross, Sophia morreria se ele as chegasse a expressar com palavras.

—Não diga nada — suplicou — Deixe que nos separemos por uma semana. Tome um tempo para refletir, e estou segura de que seus sentimentos mudarão.

A língua de Ross tocou os dedos de Sophia, que tirou a mão instintivamente.

—Sério? —perguntou, inclinando a cabeça.

Seus lábios roçaram os dela, num beijo perturbador. Sophia sentiu a ponta da língua de Ross, tão suave, contra o lábio inferior, e a pouca resistência que ficava desvaneceu. Ofegando, agarrou-se a aquele sólido corpo, enquanto ele posava a mão sobre suas nádegas. Sophia o beijou com ardor. Era impossível ignorar a atração entre eles, e ele queria fazer notar nesse momento. Ross devolveu um beijo ainda mais profundo, deslizando a língua em sua boca, até que Sophia se abandonou por completo.

Então ele a soltou, e Sophia, atônita, levou os dedos à boca.

Embora tivesse as bochechas acesas, o rosto de Ross expressava arrogância.

—Adeus, Sophia — disse com tom grave — Verei-te em uma semana.


O veículo que tinha enviado a família de Cannon era, de longe, o mais luxuoso em que Sophia tinha viajado, com janelas que se abriam e cortinas de veludo, de madeira laqueada em verde escuro e decorada com grandes folhas douradas, e o interior estofado em brilhante couro marrom. A carruagem, muito cômoda, percorreu com soltura os quarenta quilômetros de distância entre Londres e Berkshire.

Embora a perspectiva de ter que organizar uma festa não era nada alentadora, Sophia estava ansiosa por ver a casa em que Ross tinha passado sua infância. O condado de Berkshire e seus arredores eram tal como ele o havia descrito, com abundantes terrenos de pasto, espessos bosques e pequenos povoados com pontes que cruzavam os rios Kenneth e Támesis. Os aromas de terra revolta, o rio e erva fresca, mesclavam-se para criar uma agradável fragrância.

A carruagem saiu da estrada principal e se meteu em um caminho mais estreito, antigo e irregular, por isso o veículo começou a dar saltos e a sacudir-se. À medida que foram se aproximando do povoado de Silverhill, a paisagem se voltava mais pitoresca, com gordas ovelhas pastando nas pradarias e casas de madeira e pedra manchando o verde do campo. O caminho passava através de uma série de arcos gastos pelo tempo, cobertos de lindas rosas. A carruagem rodeou a periferia de Silverhill e entrou em uma larga avenida privada, passando sob os portais de pedra da casa dos Cannon, que, segundo Ross, tinha ao redor de seiscentos hectares.

Sophia se impressionou com a beleza daquele lugar, no que havia arvoredos de carvalhos e inclusive um lago artificial que brilhava sob um limpo céu azul. Finalmente, olhou a silhueta de uma mansão jacobina, cujo teto estava formado por várias torres. A fachada de tijolos polidos era tão grandiosa que Sophia sentiu uma pontada de ansiedade no estômago.

—Meu Deus —murmurou.

A entrada em forma de torre da mansão de Silverhill Park tinha mais de quatro metros de altura e estava bordejada por um passeio ajardinado rodeado de prímulas ornamentadas. Uma fileira de enormes bananeiras orientais flanqueava o caminho até uma plantação de laranjeiras situada na parte sul. Nem em seus sonhos mais ousados tinha esperado Sophia que a casal Cannon fosse tão imponente.

Dois pensamentos a assaltaram de repente. Primeiro, por que um homem que possuía semelhante riqueza se conformava vivendo nos rigorosos quartéis de Bow Street? E segundo, como ia sobreviver ela durante os próximos sete dias?

Estava claro que ela não era nem muitíssimo menos a pessoa mais adequada para levar acabo a tarefa que lhe tinham encomendado. Era muito inexperiente para poder dirigir à semelhante regimento de serventes.

Não conseguiria impor-se, não a escutariam.

Sentiu náuseas e levou as mãos ao estômago.

A carruagem se deteve diante da entrada principal. Sophia, pálida, mas resignada, aceitou a mão do chofer, que a ajudou a descer e acompanhou até a porta. Uns poucos golpes com aquela mão enluvada e a porta de carvalho se abriu com um silêncio próprio de dobradiças bem engorduradas.

A sala, de chão de pedra, era enorme, com uma grande escada central que se levava ao segundo andar para conduzir a estas ao oeste da mansão. As paredes estavam cobertas por gigantescas tapeçarias tecidas em tons alaranjados, dourados e azul claro. A Sophia chamou a atenção o fato de que a entrada estava flanqueada por caminhos com salas de recepção. A da esquerda estava decorada com um estilo masculino, em tons azuis e com elegantes móveis de tom escuro, enquanto que a da direita era de um estilo feminino, com paredes cobertas de seda cor pêssego e delicados móveis de cor dourado.

Um mordomo conduziu Sophia à sala da direita, onde estava esperando a mãe de sir Ross.

Catherine Cannon, uma mulher alta e elegante, estava embelezada com um singelo vestido informal e com brilhantes pentes de prender cabelos de ametista em seu cabelo cinza e bem penteada. Suas feições eram angulosas, mas seus olhos verdes notavam amabilidade.

—Senhorita Sydney! —exclamou dando um passo à frente — Bem-vinda a Silverhill Park. Obrigado por me resgatar deste terrível desastre.

—Espero que possa ser de alguma utilidade —disse Sophia. A mãe de Ross apertou suas mãos com ternura. —Entretanto, já tinha dito a sir Ross que tenho pouca experiência em assuntos como este.

—OH, depositei todas minhas esperanças em você, senhorita Sydney! Deu-me a impressão de que você é uma mulher muito capaz.

—Sim, mas...

—Uma das criadas a acompanhará a seu quarto, para que você possa refrescar-se depois de tão comprida viajem. Logo daremos uma volta pela casa e irei apresenta-lá aos serventes.

Sophia foi conduzida até um quarto pequeno, mas acolhedor que tinha pertencido à anterior ama de Silverhill Park, e lavou o rosto com água fria. Quando voltou a sair no corredor, ficou maravilhada com o encanto da casa. Os tetos estavam decorados com seções pintadas e arcos entrelaçados, as galerias estavam repletas de esculturas e havia fileiras de janelas que proporcionavam uma fabulosa vista dos jardins que rodeavam a mansão.

Reuniu-se com Catherine Cannon e a acompanhou em um percurso pela casa, tratando de não perder nem um detalhe de cada lugar para poder recordar sua localização. Estava um pouco surpreendida pela forma em que tratava a mãe de Ross, com muita mais consideração do que merecia uma servente. Enquanto foram caminhando pela casa, a senhora Cannon lhe contava histórias sobre seu filho, por exemplo, que de menino estava acostumado a fazer brincadeiras com os mordomos e levava seus amigos no carrinho de mão do jardineiro.

—Então, sir Ross nem sempre foi tão sério e solene —comentou Sophia.

—Não, absolutamente! Tudo começou quando faleceu sua esposa. —A senhora Cannon se apagou repentinamente e sua voz adquiriu um tom pesaroso. —Uma autêntica tragédia; foi algo devastador para todos nós.

—Sim —concordou Sophia em voz baixa. —Sir Ross me contou.

—Sério? —perguntou Catherine, e se deteve justo em meio de um amplo salão com papel branco e dourado de estilo francês. Atônita, olhou Sophia. Esta devolveu o olhar incômodo, temendo haver dito alguma inconveniência. —Bom —prosseguiu a senhora Cannon, com um leve sorriso, —não soube de ninguém a quem meu filho contasse uma só palavra sobre Eleanor. Ross é um homem extremamente reservado.

Temendo que a senhora Cannon estivesse tirando conclusões errôneas, Sophia tratou de remediar o possível mal-entendido.

—Sir Ross mencionou algumas coisas sobre seu passado quando estava com febre. Encontrava-se cansado e doente...

—Não, querida —respondeu Catherine amavelmente; —é óbvio que meu filho confia em você e que aprecia sua companhia. Além disso — acrescentou, baixando a voz, —qualquer mulher que seja capaz de tirar meu filho do sórdido mundo de Bow Street terá minha bênção.

—Não está contente com seu cargo de magistrado chefe?

—Meu filho dedicou dez anos de sua vida ao serviço público e teve um êxito mais que considerável — respondeu a mãe de Ross, enquanto foram finalizando seu percurso pelo salão — Estou muito orgulhosa dele, naturalmente, mas acredito que chegou a hora de que preste atenção a outras coisas. Deveria casar-se de novo e ter filhos. Já sei que dá a impressão de ser um homem frio e distante, eu asseguro que tem as mesmas necessidades que qualquer homem. Necessita que lhe amem e que tenha uma família.

—OH, sir Ross não é frio absolutamente. Qualquer menino seria muito afortunado de ter um pai como ele; e tenho a convicção de que como marido seria... —Sophia fechou a boca de repente, dando-se conta de que estava falando muito.

—Sim —disse Catherine com um sorriso, foi um marido excelente para Eleanor. Quando voltar a casar, estou segura de que sua mulher terá pouca queixa. —deu-se conta de que Sophia se sentia incômoda com tais comentários, e trocou de tema — Quer que vamos a sala de jantar principal? Está junto a uma sala de serviço, muito adequada para manter a comida quente durante um grande jantar.

Pelo dia, Sophia estava tão ocupada que tinha pouco tempo para pensar em Ross. Entretanto, não havia forma de escapar ao aborrecimento e a desolação que enchiam as silenciosas horas da tarde. Finalmente, deu-se por vencida e reconheceu que se apaixonou pelo homem que, em princípio, tinha desejado a ruína. Tinha sido derrotada por seu coração. Não havia nada que fazer, salvo abandonar seus planos de vingança; não mais tentativas de sedução, nem vitórias poluídas pelo ódio. Deixaria seu emprego em Bow Street antes possível e tentaria refazer sua vida o melhor que pudesse.

Esta nova decisão a deixou abatida, uma vez em paz consigo mesma, se concentrou na festa do fim de semana com escassa decisão.

Vinte e cinco quartos da casa principal seriam ocupados por uma parte dos convidados, assim como uma dúzia mais na casa auxiliar, reservada aos homens solteiros. Famílias de Windsor, Reading e dos arredores assistiriam ao baile de máscaras de sábado á noite, com o que o número de convidados subiria a trezentos e cinquenta.

Por desgraça, as notas que tinha escrito a anterior ama deixavam muito a desejar. Sophia pensou que a ausente senhora Bridgewell tinha estado muito mais preocupada com sua própria história de amor que pela futura festa de aniversário. Dedicou-se a fazer um inventário das baixelas, do conteúdo da adega, das despensas e os armários de roupa branca e jogos de mesa. Depois de consultar o cozinheiro e a senhora Cannon, tomou nota das sugestões para o cardápio e das baixelas adequadas para servir cada prato. Logo se reuniu com o mordomo e o chefe dos jardineiros e planejou as tarefas das criadas. O açougueiro, o leiteiro e o lojista do povo vieram vê-la para tomar nota dos pedidos para a festa.

Em meio de toda essa atividade, Sophia conheceu Robert Cannon, o cavalheiro ancião por cujos noventa anos se armou tanto revôo. A mãe de Ross tinha tentado prepará-la para a entristecedora franqueza com que se expressava o homem.

—Quando conhecer meu sogro, peço que não se sinta desconcertada por suas maneiras. À medida que foi envelhecendo se tornou mais sincero, por assim dizê-lo. Não se sinta intimidada por nada do que diga. É um bom homem, embora adoeça de discrição.

Voltando da câmara de gelo, que estava separada da casa, Sophia viu um ancião sentado sob um toldo no jardim de rosas, junto a uma mesinha com refrescos. Sua cadeira estava equipada com um descanso para pés, e Sophia recordara que a senhora Cannon lhe havia dito que seu sogro sofria frequentemente de gota.

—Você, moça —a chamou com tom imperativo, —vem aqui. Nunca te vi aqui.

Sophia obedeceu.

—Bom dia, senhor Cannon — saudou, fazendo uma reverência.

Robert Cannon era um ancião de aparência agradável, com apenas uma franja de cabelo prateado e um rosto gasto, mas distinto, com os olhos de cor azul aço.

—Suponho que é a garota de que me falou minha nora, a de Bow Street.

—Sim, senhor. Espero poder contribuir com que sua festa de aniversário seja um êxito.

—Sim, sim —cortou ele, impaciente, com um gesto de que o acontecimento era uma solene tolice — Minha nora aproveitaria qualquer desculpa para fazer uma festa. E agora me diga exatamente como vão às coisas entre você e meu neto?

Sophia ficou boquiaberta.

—Senhor — disse com cautela, —não entendi sua pergunta.

—Catherine me disse que Ross está interessado em ti, o que é muito agradável noticia. Quero que minha linhagem continue e Ross e seu irmão são os últimos homens da família Cannon. O que acontece? Jogou-se atrás?

Sophia estava muito aniquilada para responder imediatamente; como demônio tinha chegado aquele homem a essa conclusão?

—Senhor Cannon, está completamente equivocado! —exclamou — Eu... eu não tenho nenhuma intenção de... de... E sir Ross não. —ficou em silêncio enquanto sua mente procurava sem êxito as palavras.

Cannon a olhou com uma careta de ceticismo.

—Catherine diz que é uma Sydney. Eu conheci bastante bem seu avô Frederick.

Essa revelação deixou Sophia ainda mais assombrada.

—Sério? Era você amigo de meu avô?

—Não hei dito que fôssemos amigos —resmungou Cannon — Só disse que o conhecia bem. A razão de nossas desavenças era que estávamos apaixonados pela mesma mulher: Sophia Jane Lawrence.

—Minha avó —disse Sophia, balançando a cabeça, cativada pela inesperada conexão com o passado de sua família — Puseram-me o mesmo nome que ela.

—Uma mulher encantadora e muito educada. Parece-te com ela, embora ela fosse um pouco mais refinada em sua aparência. Tinha uma majestade que você não possui.

Sophia esboçou um sorriso.

—É difícil ser majestosa quando se é servente, senhor.

Os olhos do homem se fixaram nos de Sophia, e a expressão de seu enrugado rosto pareceu abrandar-se.

—Sorri da mesma forma que ela. A neta de Sophia Jane, uma servente! Correm maus tempos para os Sydney, né? Sua avó tivesse feito melhor casando-se comigo.

—Por que não o fez?

—Vêem, sente-se a meu lado —disse o ancião, assinalando uma cadeira — Contarei-te a história.

Sophia dirigiu um ansioso olhar para a casa, pensando nas tarefas pendentes.

—Isso pode esperar querida. Depois de tudo, supõe-se que o fim de semana é em minha honra e aqui estou, confinado no jardim. Só te peço uns minutos de seu tempo; é muito pedir?

Sophia se sentou.

Cannon se reclinou em sua cadeira.

—Sua avó, Sophia Jane, foi à mulher mais encantadora que conheci. Sua família não era rica, mas eram de bom sangue e desejavam que sua única filha se casasse com alguém distinto. Depois de ser apresentada em sociedade, dediquei-me de corpo e alma a ganhar sua mão. Se ela não tivesse um dote substancial não era um obstáculo, já que nossa família era rica. Entretanto, antes que pudesse persuadir os Lawrence de que dessem o visto bom a um possível compromisso, seu avô, lorde Sydney, fez uma oferta por sua mão. Eu não podia competir contra seu título. Embora o sobrenome Cannon seja distinto, eu não sou nenhum lorde; assim seu avô ficou com ela.

— Qual dos dois amava minha avó? —perguntou Sophia, fascinada por uma parte da história de sua família de que nunca tinha ouvido falar.

—Não estou seguro —respondeu Cannon, pensativo, o qual surpreendeu a Sophia. —Pode que nenhum dos dois; mas suspeito que, com o tempo, Sophia Jane acabou arrependendo-se de sua eleição. Lorde Sydney era um tipo bastante agradável, mas nunca me pareceu que tivesse muito sob a superfície. Eu era muito melhor partido.

—E além de modesto, também —disse Sophia, rindo.

Cannon pareceu gostar da desfaçatez do comentário.

—Me diga menina, seus avôs estavam contentes com seu matrimônio?

—Isso acredito —disse Sophia — Embora a verdade é que não recordo te-los visto juntos muito frequentemente; parecia que tivessem vidas paralelas. —interrompeu-se, pensando no passado. Sim, dava a impressão de que seus avôs não sentiam muito afeto um pelo outro — Por fortuna, você acabou por encontrar outro amor —assinalou, tratando de pôr um final feliz à história.

—Não, não o fiz —respondeu Cannon — Admirava minha esposa, mas meu coração sempre esteve com Sophia Jane. —Brilharam-lhe os olhos — Ainda a amo, embora faça tanto tempo que partiu.

Sophia refletiu sobre aquelas palavras e sentiu uma onda de melancolia.

Não cabia dúvida de que isso era o que sir Ross sentiria sempre por sua falecida esposa, Eleanor. Não se deu conta de que tinha expresso aquele pensamento em palavras até que Robert Cannon falou, irritado.

—Que flor tão frágil! Nunca consegui compreender a atração que sentia meu neto por ela. Eleanor era uma mulher encantadora, mas Ross necessita de uma mulher com vitalidade, que lhe dê filhos fortes —disse o ancião, medindo Sophia com o olhar. —Você parece adequada para semelhante tarefa.

Sophia ficou de pé precipitadamente, alarmada pelo rumo que tomava a conversa.

—Bom senhor Cannon, foi um prazer lhe conhecer. Entretanto, se não atender a minhas responsabilidades, temo pelo êxito de sua festa —disse: —Por desgraça, não me pagam para conversar com cavalheiros arrumados, a não ser para trabalhar.

Cannon tratou de manter uma expressão de seriedade, mas não pôde evitar soltar uma risada.

—Faz-lhe justiça a sua avó —comentou — Poucas mulheres sabem dizer não a um homem de uma forma que este se sinta adulado.

Sophia fez uma nova reverência.

—Desejo-lhe um bom dia, senhor, mas como já tinha dito, está equivocado com sir Ross. Não há nenhuma possibilidade de que me peça em matrimônio, e se o fizesse tampouco eu aceitaria.

—Já veremos —murmurou o ancião, agarrando seu copo de limonada enquanto Sophia ia para a casa.


Capítulo 9

 

Sophia esfregou os cansados olhos enquanto olhava sua caderneta de notas. Era sexta-feira pela manhã, e os convidados não demorariam a chegar. De fato, já tinham chegado serventes de diferentes casas com baús e malas, dispostos a preparar tudo para a chegada de seus respectivos amos e amas. Estava sentada em uma larga mesa de madeira que havia em um aposento perto da cozinha, tempos atrás utilizada para elaborar os remédios que se usavam na casa e atualmente só para guardar ervas secas, massa de pães, pães e conservas.

—Bom Lottie— disse à criada principal, que era responsável por transmitir as instruções de trabalho às outras criadas, —já sabe como e quando se devem ordenar e limpar os quartos depois, que os convidados se levantem cada manhã.

—Sim, senhorita.

—E lembre-se que não deve deixar que nenhuma criada se aventure a arrumar os quartos dos solteiros na casa auxiliar; devem trabalhar em casais.

—Por que, senhorita?

—Porque um dos solteiros poderia ver-se assaltado pelo que uma vez me descreveram como “paixão da manhã”. Cabe a possibilidade de que queiram aproveitar-se de alguma garota e fazer propostas desonestas, ou algo pior. Haverá menos probabilidades de que ocorra se as moças trabalharem juntas.

—Muito bem, senhorita.

—E agora, como parte dos convidados chegará esta manhã, ponha maços de naipes na sala de jogo.

Suponho que alguns cavalheiros queiram visitar o pavilhão de pesca junto ao lago; poderia dizer a Hordle que coloque cadeiras, mesas e um pouco de vinho?

—Senhorita Sydney... — Lottie olhou sobre o ombro de Sophia e soltou uma risada. —OH, Meu deus!

—exclamou levando uma mão à boca e rindo dissimuladamente.

—O que acontece? —perguntou Sophia, dando a volta e ficando de pé ao ver a silhueta de sir Ross na porta da casa. O coração pulsou com mais força ante semelhante visão. Ross estava terrivelmente bonito, com um aspecto muito viril, vestido com um formoso casaco azul e calças bege.

—Vou falar com o senhor Hordle —disse a criada, ainda rindo enquanto saía correndo da sala.

Sophia o olhou nos olhos e umedeceu os lábios. Não podia fazer muito tempo que tivesse chegado á Silverhill Par. A semana que tinham se separado não tinha feito a não ser intensificar seus sentimentos por ele, e teve que conter-se para não jogar-se em seus braços.

—Bom dia, sir Ross —disse, quase sem fôlego — Tem... tem bom aspecto.

Ross se aproximou e com uma de suas grandes mãos lhe tocou a bochecha, mantendo a pontas dos dedos durante um instante na curva da bochecha.

—É ainda mais encantadora do que me recordava —murmurou — Como está, Sophia?

—Muito bem —conseguiu dizer ela.

—Minha mãe não poderia falar melhor de ti. Está muito satisfeita com seu trabalho.

—Obrigada, senhor — respondeu Sophia, baixando os cilíos, temerosa de que o desejo tão intenso que sentia fora fácil de perceber. Sentindo-se constrangida, deu a volta e cruzou os braços — Soube algo do vestido? —perguntou, tratando de recuperar o domínio de si mesma.

Ross entendeu que se referia ao vestido de noite cor lavanda.

—Ainda não. Depois de estudar o tecido e o estilo de confecção, Sayer limitou as possibilidades a três alfaiates. Vou interrogar-los pessoalmente quando voltar a Londres.

—Obrigada — disse Sophia, esboçando um leve sorriso — Deveria oferecer algo em troca; me cobre os gastos, ou...

—Sophia — interrompeu ele franzindo a testa, como se sentisse insultado,— jamais aceitaria dinheiro de ti. É minha responsabilidade te proteger e aos que trabalham para mim.

Ela não soube o que responder.

—Devo voltar para trabalho —disse brevemente — Antes que vá, quer algo mais, sir Ross? Um refresco, café...

—Só a ti.

Sophia tremeu os joelhos. Tratou de manter-se serena. Como se sua boca não estivesse seca de desejo, como se seu corpo não fervesse de excitação. Fez uma tentativa por desviar a conversa.

—Como está seu ombro, senhor?

—Está se curando bem; quer dar uma olhada?—perguntou-lhe Ross levando a mão à camisa, como se estivesse ansioso por despir-se para ela nesse mesmo lugar. Sophia dirigiu um olhar de assombro mas, pelo brilho de seus olhos, deu-se conta de que Ross brincava.

Se alguma vez ela ia pôr fim à atração que tinha surgido entre os dois, tinha que ser agora.

—Sir Ross, agora que já está bem, e que eu tive alguns dias para refletir sobre nossa... nossa...

—Relação? —sugeriu ele.

—Sim. Cheguei a uma conclusão.

—E que conclusão é essa?

—Acredito... Acredito que manter uma relação íntima não seria inteligente por parte de nenhum dos dois.

Eu estou satisfeita sendo sua ajudante, e com isso basta —disse, e só titubeou no final de seu discurso — A partir de agora não aceitarei mais cuidados indecorosos de sua parte.

Ross manteve seu olhar nela.

— Discutiremos esse assunto mais tarde — murmurou finalmente. —Depois do fim de semana. Verá como acabaremos por nos entender.

Sophia, nervosa, tragou a saliva e deu a volta, tratando de manter-se ocupada com os objetos de uma prateleira próxima. Encontrou um ramalhete de ervas secas e, sem dar-se conta, ficou a fazer ranger as folhas.

—Não trocarei de opinião.

—Eu acredito que sim —repôs Ross em voz baixa, e se foi.

Nobres, políticos e homens de diversas profissões passeavam pelos salões comuns e nos jardins dos fundos. As mulheres conversavam sobre costura ou revistas femininas ou passeavam pelos famosos atalhos que haviam no exterior. Os cavalheiros se dirigiam à sala de bilhar, liam jornais na biblioteca ou foram no pavilhão junto ao lago. Era um caloroso dia de junho, e a brisa que soprava não bastava para aliviar ao misericordioso sol.

Entre decoração, os serventes estavam muito ocupados limpando, cozinhando, engomando e arejando todas as toalhas e lençóis que usariam nesses dois dias de festa. A cozinha transbordava de vapores e aromas; os fornos de pão estavam cheios de massa e os assadores repletos de carnes e presuntos. Seguindo as ordens do cozinheiro, as ajudantes de cozinha envolviam codornas em folhas de parra e beicon e as transpassavam.

As codornas seriam servidas como aperitivo, para aplacar o apetite até que o jantar fosse servido, as dez em ponto.

Satisfeita de que tudo ocorresse segundo o previsto, Sophia foi até as amplas janelas que havia no final da grande escada e observou um grupo de convidados que estavam no terraço do jardim em abaixo. Localizou Ross de primeira; sua inconfundível figura era fácil de distinguir entre as outras. Embora levasse o peso de sua autoridade sem problemas, era um homem de êxitos quase legendários, e os convidados eram claramente conscientes disso.

Sophia sentiu uma pontada de ciúmes ao ver a forma em que as mulheres revoavam a seu redor, nervosas e excitadas com sua presença, e como falavam, sorriam e lançavam olhares pretensiosos. Pelo visto, a reputação de sir Ross como casto cavalheiro não só apagava o ardor feminino, mas também o avivava ainda mais. Sophia estava segura de que muitas das mulheres ali presentes, sem importar sua idade ou circunstâncias, estariam encantadas de poder afirmar que tinham conseguido atrair a atenção daquele escorregadio viúvo.

Os pensamentos de Sophia foram interrompidos por passos na escada de mármore. Deu-se a volta e viu um par de criados que carregavam um enorme baú, com os rostos avermelhados pelo esforço. Detrás deles ia Matthew Cannon, segurando o braço de uma jovem loira, esbelta e muito atrativa. Não pareceram reparar em Sophia até que chegaram ao patamar.

—Boa noite, senhor Cannon —murmurou Sophia, fazendo uma leve reverencia.

Matthew a olhou, obviamente surpreso.

Sophia causou graça dar-se conta de que este não tinha sido avisado de sua presença na casa; embora, é obvio os assuntos que tinham que ver com os serventes não seriam de seu interesse.

—O que está fazendo aqui? —perguntou ele bruscamente.

—A senhora Cannon me pediu que lhe ajudasse com os preparativos da festa, posto que a anterior ama partiu precipitadamente.

—Quem é? —perguntou a Matthew a jovem de cabelo loiro.

O irmão de Ross encolheu os ombros, como que tirando importância ao assunto.

—Não é mais que a faxineira de meu irmão. Vamos, Iona; não é nada decoroso que nos entretenhamos no patamar.

Sophia observou com interesse como partia o casal. A esposa de Matthew era a clássica beleza inglesa, loira e pálida, de boca pequena e vermelha como o casulo de uma rosa. Sophia sentiu pena por ela; estar casada com um menino mimado como Matthew não devia ser fácil.

Ao anoitecer, os convidados se dirigiram a sala de jantar, presidido por uma grande lareira de mármore.

Uns enormes arcos de pedra rodeavam uma série de janelas coloridas, que brilhavam à luz das velas. Sophia tratou de passar o mais inadvertida possível, consultando coisas com os criados enquanto estes serviam o jantar, composto por oito pratos, entre os que havia vitela ao suco, peixe São Pedro, lebre assada e salsicha de faisão. Depois de que se retiraram todos os pratos, serviu-se uma seleção de geléias, bolos e sorvetes.

Quando acabou o jantar, os lacaios recolheram a mesa e usaram espátulas de prata para recolher os miolos que tinham ficado sobre a toalha. As damas se retiraram do salão para tomar café, enquanto os cavalheiros ficaram na mesa a beber vinho do porto e ter um pouco de conversa masculina, embora alguns foram à sala de bilhar fumar. Depois de meia hora de separação, os casais voltaram a reunir-se no salão para tomar o chá e seguir conversando.

Sophia entrou discretamente na sala e olhou Catherine Cannon para ver se estava satisfeita; quando os olhares de ambas se encontraram, Catherine sorriu e lhe fez um gesto de que se aproximasse. Sophia obedeceu imediatamente.

—Sim, senhora Cannon?

—Sophia, aos convidados gostariam de jogar jogo de assassinatos.

—Perdão? —perguntou Sophia com assombro.

Catherine riu ao ver o rosto da moça.

—Os assassinatos são a última moda; não ouviste falar deles? Os jogadores extraem tiras de papel para ver que papel vão desempenhar. Um dos papéis diz “assassino”, outro “investigador”, e o resto são vítimas potenciais. A casa deve estar às escuras e todo mundo tem que esconder-se. O assassino vai em busca de vítimas, enquanto o investigador trata de descobrir sua identidade.

—Como o esconderijo.

—Exato! E agora, Sophia, chama uma ou duas criadas e deixem a casa às escuras, e diga as serventes que sigam com seu trabalho sem atrapalhar aos jogadores.

—Sim, senhora Cannon; seria tão amável me dizer que partes da casa devem ficar às escuras?

Uma das acompanhantes de Catherine, uma mulher ruiva de meia idade, com um elegante penteado, respondeu: —Todos, é obvio! Seria um aborrecimento se não pudéssemos usar toda a casa.

Fazendo caso omisso da mulher, Sophia inclinou a cabeça e sussurrou a Catherine: —Senhora Cannon, posso sugerir que a cozinha permaneça iluminada? As encarregadas da cozinha têm um montão de baixelas para lavar...

—Uma decisão inteligente, Sophia; será melhor que mantenha a cozinha iluminada. E agora, depressa, por favor; temo-me que muitos dos convidados estão ansiosos por começar.

—Sim, senhora.

Enquanto Sophia ia cumprir as ordens, ouviu como a mulher ruiva dizia a Catherine: —Eu não gosto de suas maneiras, Cathy. Se quiser minha opinião, acredito que é muito orgulhosa, o qual não é nada apropriado para uma ama.

Arderam os ouvidos de Sophia ao saber que estava sendo criticada.

—Ninguém pediu sua opinião —murmurou entre dentes.

Embora tratasse de evitá-lo, não podia deixar de pensar com amargura que, se o destino tivesse sido mais benévolo, ela poderia ser uma das convidadas dessa noite. Tinha nascido com o mesmo status social que toda aquela gente, e não tinha paciência para aguentar sua arrogância. De fato, seu sangue era mais azul que o dos Cannon, embora isso já não servisse de nada.

Depois de ordenar aos serventes a deixarem os salões às escuras foi apagar as luzes de uma das salas de recepção do primeiro andar. A luz da lua brilhava através da janela, e Sophia começou a jogar as cortinas de veludo.

De repente, alguém entrou na sala. Sophia, iluminada por um raio da lua, duvidou um instante e voltou. A primeira vista, a silhueta de um homem recordou Ross, e o coração lhe pulsou com mais força; entretanto sua voz fez desvanecer todas suas ilusões.

—É uma gata muito arisca —disse Matthew Cannon com desdém — Te intromete na vida de meu irmão, e agora na casa de minha família. Deve estar muito satisfeita.

Sophia tratou de permanecer destemida, embora por dentro fervesse de raiva. Que direito tinha aquele tolo para segui-la até ali e insultá-la?

—Não sei a que se refere senhor Cannon; só espero que sua mãe esteja satisfeita comigo.

Matthew soltou uma risada que saiu do fundo de sua garganta.

—Seguro que está; e não cabe dúvida de que meu irmão também, e em mais de uma forma.

—Perdão? —Sophia fingiu não entender o comentário e se dispôs a sair da sala. —Desculpe-me.

Entretanto, Matthew se interpôs em seu caminho com um desagradável sorriso no rosto.

—Ross deve ter sido um branco fácil —comentou — Depois de tantos anos vivendo como um monge, meu irmão deve ter sucumbido a ti como um cão faminto diante de um osso.

—Equivoca-se —replicou Sophia. —Por favor, senhor Cannon, me deixe passar.

—E parece que já o tem enredado —adicionou — É o que se comenta na família; minha mãe afirma inclusive que... Bom, dá igual. Não vou dar categoria a suas estúpidas especulações as pondo em minha boca.

Só quero que fique uma coisa bem clara: você nunca formará parte desta família.

À medida que ia se aproximando dela, as sombras jogavam sobre suas mãos davam aspecto de garras.

—Essa idéia nem me passou pela cabeça —declarou Sophia — Acredito que a bebida não te fez nada bem, senhor.

A declaração de Sophia pareceu aplacar Matthew.

—Enquanto não hospedar nenhuma ilusão de te converter em uma Cannon, não tenho nada que discutir; de fato... —Fez uma pausa e a olhou de forma especulativa. —Logo te cansará dos cuidados de meu irmão, se é que não o tem feito já. É muito beato para oferecer verdadeira paixão a uma mulher. Suponho que não deve haver nenhuma excitação em ir-se pra cama com semelhante moleza; por que não tentar com um homem que te pode dar mais variedade?

—Esse deve ser você, suponho —respondeu Sophia com acidez.

Matthew estendeu as mãos e lhe dedicou um sorriso de cumplicidade.

—Ao contrário que esse modelo de virtudes para o qual trabalha, sabe agradar a uma mulher. —riu do mais fundo da garganta e logo acrescentou em tom confidencial: —Posso fazer com que sinta coisas que nunca imaginaste; e se me satisfaz, recompensarei-te com todas as quinquilharias que uma mulher possa desejar. É muito mais do que tem agora, verdade?

—Você me dá nojo.

—Sério? —disse Matthew, que se aproximou dela com dois passos e a agarrou, mas Matthew se deteve o notar que alguém entrava na sala. Sophia ficou horrorizada ao dar-se conta de que era Ross. Embora a sala estivesse escura, os olhos do magistrado chefe brilharam como os de um gato. Seu olhar posou primeiro sobre Matthew e logo em Sophia.

—O que estão fazendo aqui? —perguntou bruscamente.

—Estava procurando um lugar onde me esconder —respondeu Matthew, soltando Sophia de repente — Por desgraça, sua preciosa senhorita Sydney decidiu me fazer participar de seus encantos. Tal como supunha, não é mais que uma fulana. Que a desfrute —disse, e partiu deixando a porta entreaberta.

Sophia estava gelada, e não podia deixar de contemplar a ameaçadora silhueta de sir Ross. A tensão do silêncio se quebrou pelos sons que faziam os convidados enquanto corriam pela casa em busca de um esconderijo.

—O que ocorreu? —perguntou-lhe Ross em voz baixa.

Sophia abriu a boca para lhe dizer a verdade, mas, de repente, ocorreu uma idéia arrepiante. Matthew Cannon acabava de dar a desculpa perfeita para acabar de uma vez por todas com o que havia entre ela e Ross.

Se ele acreditasse que tinha tratado de seduzir seu irmão, não se sentiria interessado por ela. Deixaria ela sem pensar duas vezes; e isso seria muito mais fácil que a outra alternativa, quer dizer, as discussões, as confissões sobre o passado e como ela tinha tratado de acabar com ele e a dor de Ross quando soubesse que tinha enviado o irmão de Sophia à morte. Pode ser melhor assim do que fazer acreditar, na realidade, nunca a tinha chegado a conhecer, e que ela não era merecedora nem de afeto nem de confiança; que tinha sorte de poder desfazer-se dela.

Fazendo provisão de todas suas forças, Sophia tratou de fazer com que sua voz soasse fria e calma.

—Seu irmão acaba de explicá-lo —disse.

—Tratou de seduzi-lo? —perguntou-lhe Ross, incrédulo.

—Sim.

—Claro, e eu acredito! —exclamou ele, tomando-a pelo pescoço com tanta força como Matthew e tinha agarrando o vestido com a outra mão. —O que está acontecendo aqui? Eu não estou jogando nada, e não tolerarei que você o faça.

Sophia ficou imóvel entre os braços de Ross, com o rosto virado para um lado.

—Me solte. Não importa o que acredite; a única verdade é que não o desejo! E agora, tire as mãos de cima de mim! —exclamou, e investiu contra os musculosos ombros de Ross, golpeando-o no lugar da ferida. Ele grunhiu, de dor, mas não a soltou; seu fôlego de vinho queimava Sophia como se fosse um vapor. —Pode vir alguém —sussurrou a moça.

Para Ross não pareceu importar. Jogou a cabeça para trás, deixando descoberto a totalidade de seu pescoço. Sophia pôde notar o duro impulso da ereção de Ross, apesar da grosa saia que levava posta. Ross lambeu os lábios e logo a beijou na boca com luxurioso ardor. A mulher sentiu um prazer com quebra de onda de calor por todo o corpo. Emitiu um profundo gemido e se entregou a Ross sem reservas.

—Não pode mentir — sussurrou ele ao seu ouvido, acariciando um dos seios por cima do vestido — Conheço-te muito bem, Sophia; diga-me a verdade.

Desesperada e totalmente perdida, deixou-se cair contra Ross. Tinha perdido o controle sobre suas palavras e seus atos. Sentiu-se alagada por uma quebra de onda de emoção, sentindo como se rompesse sua alma, até deixá-la sentir como uma praia sem areia.

—Não posso —disse com voz quebrada — porque a verdade faria que me odiasse, e eu não poderia suportá-lo.

—Te odiar? —perguntou-lhe Ross, elevando o tom — Meu Deus, como pode pensar isso? Sophia...

Ross se deteve, e tomou ar ao ver que à moça corriam lágrimas pelas bochechas. Sem poder se conter, voltou a beijá-la e acariciá-la com frenesi, como se quisesse arrancar sua roupa. Ela sucumbiu aos lábios e as mãos de Ross, afogando-se em muitas sensações, com todos seus pensamentos inundados em um êxtase de rendição. Ele introduziu a língua em sua boca e se dedicou a explorá-la. Sophia perdeu o equilíbrio e se agarrou ao pescoço de Ross com mais força; ele era a única coisa sólida em um mundo instável. De repente, sentiu-se cair no tapete e deu-se conta do que Cannon pensava fazer.

—OH, não —disse entre suspiros, mas ele a fez calar com outro beijo ardente, enquanto seu corpo ia baixando sobre o dela.

Ross lhe levantou o vestido até a cintura e ficou a buscar entre sua roupa interior. Sophia se retorceu ao sentir sua mão por cima da liga que levava posta. O polegar de Ross ia roçando a pele, suave e quente, movendo-se cada vez mais acima, até que topou com o arbusto de pêlo encaracolado.

Em algum lugar da casa, uma mulher chiou, tratando de parecer assustada, enquanto o assassino seguia com sua busca, o que fez que os convidados pusessem-se a rir.

—Encontrarão nós dois —disse Sophia, estremecendo freneticamente sob o corpo de Ross — Não, não deve...

Com ternura, ele introduziu os dedos na virilha dela, movendo o polegar para cima para acariciar seu sexo.

Ela gemia e tremia, enquanto aqueles dedos entravam em seu corpo com delicadeza e a boca dele a beijava com desesperada avidez.

—Não podemos —sussurrou Sophia — aqui não.

Ross a calou com um beijo e apoiou sua cabeça em um braço. Retirou os dedos do interior de Sophia, que notou como ele desabotoava as calças.

Ross a montou, usando as coxas para lhe separar as pernas.

Sophia apoiou a cabeça no volumoso bíceps de Ross e começou a ofegar, enquanto o corpo se encontrava rígido de ansiedade.

— Relaxe — disse ele, deslizando a mão sob as nádegas; — tomarei cuidado. Abra-te para mim; isso é...

Assim.

Ross a penetrou com um cuidado delicioso, abrindo-a e enchendo-a de cálidas sensações impossíveis.

Ouviram-se passos no exterior e som de risadas; sem dúvida algum dos convidados procurava um lugar onde esconder-se.

Estavam a ponto de serem descobertos. Sophia chegou para trás, cheia de pânico, lutando energicamente por liberar-se. Ross notou como todo o peso de sua ereção se deslizava umidamente fora daquele corpo embriagador. Soprando com força, apertou-lhe os pulsos contra o tapete.

—Quieta! — disse ao ouvido.

—E se nos escondemos aqui? —perguntou uma mulher, detendo-se a porta.

—Não — respondeu uma voz masculina. Muito óbvio. Sigamos pelo corredor.

Os passos de ambos foram se afastando da porta, e Sophia se separou de Ross assim que ele soltou seus pulsos. Ficou de pé e arrumou a roupa. O seu rosto ardia de excitação; agachou-se para levantar a volumosa calcinha. Os braços e as pernas tremiam por causa do medo, e sentia todo o corpo dolorido pela paixão que não tinha como liberar-se. Nunca havia sentido nada igual, esse fogo inextinguível que se queimava com uma ferocidade de louca.

Ross se vestiu e se aproximou de Sophia por trás. O suave roçar de seus dedos sobre os ombros dela fez estremecer a moça. Desejava tomar as mãos de Ross e levar-lhe aos peitos, e lhe suplicar que lhe proporcionasse o alívio que ansiava. Em lugar disso, ficou quieta como uma estátua enquanto ele mexia em sua despenteada cabeleira.

—É óbvio que perdi a prática —comentou Ross com ironia. —Meu sentido do tempo estava acostumado a ser muito melhor.

—Não deveríamos ter ido tão longe —disse Sophia, sentindo os lábios inchados. —E... tivemos sorte de não podermos acabar.

—Não demorarei para acabá-lo, Por Deus — assegurou Ross, ajeitando os ombros. —Irei a seu quarto mais tarde.

—Não! —replicou Sophia — Fecharei a porta com chave. Não... não quero voltar a falar disto nunca mais.

—Sophia — murmurou ele, —só há uma coisa que pode fazer para me manter afastado de sua cama, diga que não me deseja.

Ross esperou com calculada paciência enquanto Sophia lutava consigo mesma. Cada vez que tratava de falar lhe fechava a garganta, e os ombros estremeciam ao contato das mãos de Ross.

—Por favor —sussurrou finalmente, embora não tinha ficado claro ao que se referia.

Ross colocou a mão pela clavícula e fez pressão sobre o centro do peito, sentindo através do grosso vestido o batimento de seu coração.

—Logo chegará nossa hora da verdade — disse com ternura. —Não há nada que temer, Sophia.

Ela se afastou com um movimento brusco.

—Sim. —Ela respondeu com voz quebrada, —o que passa é que ainda não sabe.


Capítulo 10

 

Sophia correu a seu quarto e tratou de acalmar-se. Lavou o rosto com água fria até que ficou avermelhada.

Depois de escovar o cabelo e atar-lhe o coque bem firme, voltou para suas tarefas, sentindo-se nervosa e confusa.

O jogo dos assassinatos não demorou para acabar, e os convidados se dedicaram a entreter-se jogando a adivinhar imitações de estátuas clássicas, o que arrancavam gargalhadas do grupo em cada tentativa. Sophia, que não tinha recebido nenhuma educação em história de arte, não podia entender como aquela gente podia considerar tão divertido aquele jogo. Com ar ausente, ordenou aos criados que recolhessem as xicaras de chá e os copos de vinho. Na pia da cozinha, numerosas criadas lavavam a cristalera, montões de pratos e baixelas em geral. Por sorte, outros serventes pareciam muito ocupados para notar a atitude distraída de Sophia.

Faltava pouco para as duas da madrugada, e a maioria dos convidados se retiraram para seus quartos, onde esperavam moços e criadas para ajudá-los. Sophia, exausta, fiscalizou a limpeza das salas comuns e felicitou os serventes pelo bom trabalho feito. Finalmente tranquila, dirigiu-se para seu quarto, levando consigo uma lanterna de lata com forma de taça e uma sianinha de buracos. Embora estivesse estranhamente tranquila, tremeu-lhe a mão até que conseguiu acender a lanterna. A parede se encheu de pontos brilhantes, como se de uma nuvem de vaga-lumes se tratasse.

Quando chegou a seu quarto, fechou a porta e colocou a lanterna sobre a mesa rústica que havia em um canto. Só então, na intimidade de seu dormitório, permitiu-se dar saída para suas tensas e reprimidas emoções.

Apoiou-se na borda da mesinha, agachou a cabeça e suspirou. Observou a luz fraca em frente a ela e recordou os ardentes momentos que acabava de passar nos braços de Ross.

—Ross — murmurou como posso te deixar?

—Nunca deixarei que isso aconteça —respondeu uma voz entre a penumbra.

Sophia voltou e afogou um grito. A intermitente luz da lanterna de lata jogava com o marcado contorno do rosto de Ross, que estava convexo na cama, tão quieto que ao entrar no quarto ela não o tinha visto.

—Deu-me um susto de morte! —exclamou.

Ele esboçou um sorriso e se incorporou.

—Sinto muito —desculpou, indo para ela. Seus dedos percorreram as úmidas bochechas da moça — Por que falava em me deixar? Antes não tinha intenção de te fazer sentir incômoda. Era muito claro; não deveria haver aproximado de ti dessa maneira.

Aquele comentário fez que novas lágrimas brotassem dos olhos de Sophia.

—Não é isso.

Ross colocou a mão por detrás da cabeça e soltou seu cabelo, fazendo cair às presilhas no chão.

—Então, o que é? Diga-me. —Acariciou-lhe a nuca e fez com que o cabelo caísse pelos ombros em uma corrente de cachos — Deve compreender de uma vez por todas que dizer me será o melhor para ambos.

As palavras de Ross, lhe deram vontade de lançar-se em seus braços; entretanto, manteve-se destemida e tirou os olhos dos dele, fazendo um esforço para falar.

—Há coisas que não podem melhorar.

—Que coisas?

Sophia esfregou a mão pelas bochechas e tratou de não tremer a mandíbula.

—Não me toque, por favor —disse entre suspiros.

Ross fez caso omisso e a rodeou com os braços, apoiando-a contra a largura de seu peito.

—Já sei que é teimosa Sophia — disse, colocando uma mão nas costas. Embora não a estava abraçando com força, Sophia sabia que seria impossível liberar-se. Ross deu um beijo na fronte e continuou: —cedo ou tarde, acabarei por te surrupiar a verdade. Economize-nos tempo e me diga isso agora.

Sophia, desesperada, compreendeu que Ross insistiria até ter as respostas que queria, a não ser que ela encontrasse um modo de detê-lo.

—Saia do meu quarto — pediu com decisão; —ou vou começar a gritar e dizer a todos que está me forçando.

Diante do desafio, ele, espectador, tranquilo e depravado, enquanto Sophia tremia por causa dos nervos.

Desenhou um leve e arrogante sorriso no rosto.

—Já deveria saber que é inútil me enganar.

—Maldito seja —murmurou ela.

—Acredito que quer dizer —insistiu Ross, lhe passando o nariz pela cabeça. —Soube que me ocultava coisas desde que chegou em Bow Street. É hora de colocar as claras, Sophia; quando tiver feito, já não haverá nada que temer.

Sophia apertou seus sólidos braços e respirou entrecortadamente; tinha chegado a hora de confessar.

Tinha que contar tudo e confrontar as consequências. Escaparam suspiros e começou a chorar pelo fracasso de sua vingança e pelo desesperado amor que sentia por ele.

—Não —sussurrou Ross, abraçando-a contra o peito — Não, Sophia, carinho, não vai acontecer nada.

A ternura que demonstrava era mais do que ela podia suportar. Fez um esforço por liberar-se de seu abraço e se deixou cair sobre a cama. Incorporou-se e elevou uma mão para manter Ross a distância. Aquele gesto, apesar de sua fragilidade, bastou para que ele não se aproximasse. Ficou de pé na penumbra, e o tamanho de sua silhueta bloqueava quase toda a luz da lanterna de lata.

—Não posso dizer isso se me tocar —disse ela, com voz rouca — Fique aí.

Ross ficou imóvel e em silêncio.

—Já sabe o ocorrido os meses posteriores à morte de meus pais — disse Sophia entre suspiros, —quando John nos pegou roubando, e minha prima Ernestine me acolheu.

—Sim.

—Bom, pois John não foi com ela. Em lugar disso, escapou de Londres. Ali seguiu roubando e fazendo coisas más, e... — Fechou os olhos, mas não pôde evitar que as lágrimas seguissem escorregando pelas bochechas — Juntou-se com um bando de trombadinhas. Foi detido, e o acusaram de roubo de menor quantia. —esfregou o rosto e soprou.

—Continue —murmurou Ross; ela viu que estava oferecendo um lenço. A expressão de Cannon era séria, e revelava que difícil resultava para ele contemplar Sophia e não poder estreitá-la entre seus braços.

Sophia aceitou o lenço, secou o rosto e soou o nariz; triste, prosseguiu com sua história.

—Levaram ele diante de um juiz que lhe condenou a passar um ano em uma prisão flutuante. Era uma condenação dura para um delito tão pequeno; quando soube o que lhe tinha passado, decidi ir a Londres e visitar o juiz para lhe rogar que reduzisse a pena, mas para quando cheguei à cidade já tinham levado John.

Para Sophia sobreveio uma curiosa sensação de serenidade, o que lhe facilitou seguir falando.

Era como se de repente estivesse à margem da cena, observando uma obra que estava se desenvolvendo frente a ela.

—Sentime atormentada durante meses, pensando cada minuto em meu irmão, me perguntando se estaria sofrendo. Não era tão inocente para não ter idéia do que acontecia nas prisões flutuantes. Entretanto, prometi-me que, acontecesse o que acontecesse naquele lugar, quando tudo acabasse me ocuparia de atendê-

lo e cuidá-lo. Contanto que tivesse sobrevivido...

Houve um silêncio comprido e emotivo.

—Mas não o fez —disse Ross finalmente.

Sophia sacudiu a cabeça.

—Cólera. As prisões flutuantes sempre estão cheias de uma ou outra enfermidade, assim só era questão de tempo que John caísse doente. E não sobreviveu. Enterraram-no em uma fossa comum, sem uma lápide ou algo que dissesse que era ele. Eu... não tornei a ser a mesma desde que ocorreu. A morte de John alimentou cada emoção, cada experiência, cada pensamento e cada desejo que tive em minha vida adulta. Vivi com um ódio constante durante todos estes anos.

—Odiando quem?

Sophia o olhou com expressão incrédula.

— O homem que o enviou ali, o juiz que não teve piedade de um órfão e o condenou a uma morte segura.

As sombras obscureciam a maior parte do rosto de Ross, exceto o brilho de seus olhos, entreabertos.

—Seu nome —exigiu saber com uma voz tensa que denotava suas suspeitas.

A serenidade de Sophia desapareceu, fazendo-a sentir a realidade tão crua como uma ferida aberta.

—Foi você, Ross — sussurrou. —Você mandou John para prisão flutuante.

Embora ficasse quieto e em silêncio, Sophia notou o tremendo impacto que causaram nele suas palavras, a angústia que havia embaixo daquela expressão. Ela sabia que Ross estava tratando de voltar rapidamente para o passado, de recordar um dos milhares de casos que tinham passado por sua mesa.

O resto da confissão emanou dela como veneno.

—Queria me vingar de ti —disse com abatimento — Pensei te persuadir para que me desse o emprego, e depois já encontraria a forma de te afundar. Durante uns dias estive copiando fragmentos de vários expedientes, procurando algo que desacreditassem seus agentes. Mas aí não acabava meu plano; também queria te ferir da forma mais profunda possível. Queria... Queria romper sua alma como você tinha quebrado a minha; queria que te apaixonasse por mim para poder te machucar de tal forma que não te recuperasse. Mas no final — disse, escapou uma gargalhada, —todo esse ódio se desvaneceu. Fracassei por completo.

Sophia fechou os olhos para não ter que ver o rosto de Ross. Esperou que ele demonstrasse seu desprezo, sua fúria e, o pior de tudo, seu rechaço. O silêncio fazia danos, aniquilava-a, e Sophia esperou a que o destino dissesse sua última palavra.

Tudo seguiu em silêncio, e se sentiu como em um sonho, perguntando se Ross simplesmente sairia do quarto e deixaria que ela se derrubasse de desespero.

Não percebeu nenhum movimento por parte de Ross, até que este, de repente, aproximou-se dela e pôs as mãos em seus ombros, tocando a base do pescoço com os dedos. Poderia havê-la estrangulado sem nenhum esforço, e a verdade é que ela quase tivesse desejado que o fizesse. Algo com tal de escapar da desolação que a alagava. Totalmente sem esperanças, tragou a saliva contra a ligeira pressão daqueles dedos.

—Sophia — disse Ross, destemido, —ainda quer vingança?

Ela sentiu um nó na garganta.

—Não — respondeu.

Ross começou a acariciar seu pescoço, provocando agradáveis sensações. Ela começou a suspirar ante essas maravilhosas carícias e não pôde evitar inclinar a cabeça até apoiá-la contra o firme estômago de Ross.

Parecia uma marionete; não podia mover-se sem que ele movesse as mãos.

—Quando mudou de opinião? —prosseguiu Ross.

Que Deus a ajudasse; já não podia lhe ocultar nada. Ross arrebataria todo o orgulho e a deixaria em migalhas. Tratou de permanecer em silêncio, mas era como se aquelas carícias lhe tirassem todas as palavras da alma.

—Quando lhe feriram —disse com voz rouca — Queria te ajudar; desejava que nunca mais te ocorresse nada mal. Especialmente por minha parte.

Sophia estava muito angustiada para poder seguir falando. Exalou um profundo suspiro, uma vez que sentia os mornos dedos de Ross deslizarem-se sob o vestido. Ele tomou um seio e rodeou brandamente o mamilo até deixá-lo duro como uma flor. Ross parecia tocá-la não com a intenção de excitá-la, a não ser para recordar o momento íntimo que tinham vivido fazia tão somente umas horas. O calor ia a procura de sua pele, e seu corpo ia debilitando; e de repente deixou cair todo seu peso sobre Ross.

Este se incorporou e, com cuidado, fez ela voltar para ele. Ela elevou a vista e viu que seus lábios estavam torcidos de dor, como se tivesse recebido um duro reverso.

—Não sei o que ocorreu no passado —disse Ross com voz rouca — não recordo a seu irmão, mas te prometo que averiguarei exatamente o que aconteceu. Se resultar que sou culpado de suas acusações, aceitarei a culpa e tudo o que suporte —assegurou, enquanto suas mãos seguiam acariciando seu seio, como se não pudesse evitar tocá-la. —De momento só te pedirei uma coisa: fica comigo até que descubra a verdade; fará isso por mim, Sophia?

Ela assentiu, emitindo um inaudível som de conformidade, e Ross lhe apartou as mechas úmidas que tinha sobre as bochechas. Inclinou-se para ela e a beijou com doçura e firmeza. Sophia tratava de pensar por cima do batimento de seu coração.

—Mas o modo em que te decepcionei... — murmurou com voz quebrada — É impossível que siga me querendo.

—O que te faz pensar que tenho mais controle sobre isto de que tem você? —sussurrou-lhe ele.

Ross a estreitou contra seu corpo e Sophia estremeceu, sentindo um imenso alívio.

Por fim lhe tinha contado a verdade, e ele não a tinha rechaçado. Este fato era difícil de compreender; afundou a cabeça contra o casaco de Ross, que desprendia um ligeiro aroma de tabaco proveniente da sala de bilhar.

—Carregaste com esses sentimentos durante anos... —Disse ele, balançando-a com ternura — não te será fácil desprender deles.

—Já o tenho feito —repôs ela entre soluços, apoiando a cabeça em seu ombro. —Todo este tempo desejei vingança contra alguém que não existia. Não é absolutamente o homem que esperava que fosse.

—Velho irritante, com peruca —comentou Ross, recordando o que havia dito ela no primeiro dia.

Sophia esboçou um sorriso amargo.

—Foste arruinando meu plano pouco a pouco, fazendo que fora impossível não me preocupar contigo.

Ross não produziu nenhum prazer ouvir aquela afirmação.

—E o que fez você pensar que enviei a seu irmão à morte? —perguntou, com olhar preocupado — Quando a dez anos me converti em juiz, não tinha nenhuma experiência. Durante algum tempo, apoiei minhas sentenças nas daqueles juízes que me tinham precedido. Pensava que era melhor seguir pelo atalho que eles tinham marcado. Passou algum tempo até que segui meus próprios ditados e comecei a dirigir o tribunal tal como eu queria. Não tenho dúvidas de que era muito duro com muitos dos acusados que passavam ante mim naquela época —reconheceu, e seu peito se agitou com um fundo suspiro — De todas as formas, não posso entender que enviasse um simples ladrão a uma prisão flutuante.

Sophia ficou em silêncio.

Ross acariciou suas sobrancelhas com delicadeza.

—Nunca permiti me questionar o passado. Não são mais que pensamentos fúteis, e os remorsos me voltariam louco. Entretanto, esta é a primeira vez que meu futuro pende de um fio, de um engano que talvez cometesse anos atrás —disse. Apoiou-se sobre um cotovelo, com uma mecha de cabelo castanho caindo sobre a testa ao olhar Sophia. —Como poderia te pedir que me perdoasse pela morte de seu irmão? Não há forma de remediá-lo, mas a idéia de te perder é algo que não posso suportar.

—Já te perdoei —sussurrou ela — Sei a classe de homem que é. Castiga a ti mesmo mais severamente do que ninguém o faria. Além disso, como poderia não te perdoar, quando você me ofereceu seu perdão tão incondicionalmente?

Ross sacudiu a cabeça, sorrindo sem alegria.

—Fossem quais fossem suas intenções originais, não tem feito nada mais do que preocupar-se comigo.

—Queria que te apaixonasse por mim — disse Sophia; —para logo te destroçar o coração.

—Não tenho nada que objetar à primeira parte do plano — comentou Ross, embora eu não gostaria de nada que levasse a cabo a segunda.

Sophia esboçou um sorriso. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e afundou o rosto contra seu pescoço.

—A mim tampouco.

Ross a beijou com ternura. Parecia como se a paixão originada entre ambos estivesse sujeita pela certeza de que o caminho à felicidade não seria fácil. Faria falta o perdão, compromisso e fé cega. Sophia tratou de fazer o beijo mais intenso, mas Ross tornou para trás e tomou sua cabeça com as mãos.

—Não vou ficar contigo esta noite — murmurou, massageando as têmporas com os polegares. — Quando por fim durmamos juntos, não quero que haja nenhum tipo de arrependimento.

—Não me arrependerei de nada —repôs ela com franqueza. —Agora sei que não me culpará pelo que tinha pensado te fazer; isso é o que mais temia. Fica comigo esta noite, por favor.

Ele negou com a cabeça.

—Não até que descubra a verdade sobre a morte de seu irmão. Uma vez que tenhamos conhecimento de todos os fatos, poderemos decidir o que fazer.

Sophia apertou com força a cabeça contra a mão de Ross e beijou sua cálida palma.

—Me faça o amor... Faça-me esquecer cada momento de minha vida antes de te conhecer.

—OH, Deus— disse Ross, e a soltou com um grunhido gutural. Levantou-se da cama como se esta fora um ponto de tortura — Desejo-te mais do que posso suportar; não faça que isto seja mais difícil do que já é.

Sophia era consciente de que devia ajudá-lo a superar este gole amargo, mas não podia evitar seguir reclamando sua companhia.

—Te deite a meu lado. Não dormiremos juntos, se for isso o que quer. Tão somente me abrace um momento.

Ross resmungou, frustrado, e se dirigiu à porta.

—Já sabe o que acontecerá se o fazemos. Em cinco minutos estaria com as pernas abertas.

A crueldade daquela imagem provocou a Sophia uma deliciosa pontada no estômago.

—OH, Ross...

—Tranca a porta quando tiver saído —se limitou a dizer ele, abrindo a porta e cruzando a soleira sem olhar atrás.


Depois de ter dormido pouco, o irmão de Ross decidiu dedicar o dia a jogar às cartas no pavilhão junto ao lago. Entretanto, Ross saiu ao passo antes de que pudesse cruzar as portas acompanhado de vários jovens.

—Olá, Matthew —o saudou amavelmente, colocando uma mão no ombro de seu irmão. Matthew tratou de escapar, mas Ross o colheu com mais força, impedindo que escapasse — Vejo que por fim te levantaste.

Por que não me acompanha ao estudio? De repente, vieram-me vontades de falar contigo.

Matthew o olhou com receio.

—Pode ser mais tarde, irmão? Devo atender a meus amigos, e estou seguro de que não quer que seja grosseiro.

—Podem arrumar-se sem ti uns minutos —disse Ross sorrindo gelidamente. A dureza de seu olhar intimidou aos três jovens que acompanhavam Matthew — Sigam seus planos, cavalheiros; meu irmão se reunirá com vocês mais tarde.

E sem mais o levou corredor abaixo, até um estudio privado.

—Que demônios ocorre? —Perguntou Matthew, tratando sem êxito de liberar-se de seu irmão — Maldito seja me solte! Está estragando a jaqueta!

—Entra aqui —ordenou Ross, empurrando-o dentro do escritório e fechando a seguir a pesada porta de carvalho.

Visivelmente zangado, Matthew arrumou as mangas de sua jaqueta.

Ross jogou uma olhada no escritório, que seguia exatamente como seu pai o tinha disposto. O pequeno escritório, acolhedor e masculino, estava mobiliado com estantes de carvalho. Havia uma mesa francesa de asas dobradas e uma cadeira de escritura frente a três janelas. Ross franziu o cenho, recordando que frequentemente tinha visto ali seu pai escrevendo cartas ou fazendo sua leitura nos livros de contas. Não podia evitar sentir que tinha falhado a seu pai ao permitir que Matthew se convertesse no tipo arrogante e egoísta que era.

—Olha-me como se fora algum indesejável ao que te dispusesse a enviar a Newgate —espetou Matthew com cara de poucos amigos.

—Newgate seria um paraíso em comparação com onde eu gostaria de te mandar.

Advertindo a fúria que notava na voz de Ross, Matthew soltou um fundo suspiro.

— Concordo, te peço perdão por ontem à noite. Suponho que a senhorita Sydney te terá dado sua versão dos fatos, mostrando-se como a vítima inocente. E admito que não me tenha sentado bem a bebida. Meu amigo Hatfield tinha aberto uma garrafa de um brandy excelente, e me subiu à cabeça.

Matthew adotou um ar de indiferença, foi até o gasto globo terrestre que havia em um canto e o fez girar, despreocupado.

—Isso não basta, Matthew. Sim, tenho intenção de falar de seu comportamento de ontem à noite, mas primeiro trataremos outro assunto que acaba de surgir.

—A que te refere? —perguntou Matthew, surpreso.

—Esta manhã me reuni com o senhor Tanner.

—Quem é esse Tanner?

Ross sacudiu a cabeça, extremamente ofendido.

—O administrado de nosso imóvel. O homem que se ocupou de nossas terras e propriedades os últimos dez anos.

—E falei de você pra ele esta manhã? Meu deus, alguma vez descansa? A última coisa que me ocorreria fazer hoje é falar de algum corriqueiro assunto de negócios.

—Não é corriqueiro —replicou Ross com dureza; —e não tem nada que ver com negócios. Ao parecer, um de nossos arrendatários foi a Tanner com a queixa de que sua filha está grávida de sete meses.

A expressão de Matthew se tornou precavida.

—E a mim o que me importa que uma camponesa tenha ficado grávida?

—Sua família assegura que o pai é você —disse Ross. Observou com atenção o rosto de seu irmão, e o coração deu um tombo ao ver uma expressão de culpa nos olhos de Matthew. Não pôde evitar um juramento. —O nome da família é Rann; seduziu a essa garota ou não?

Matthew adotou uma expressão áspera.

—Não foi sedução; foi desejo mútuo. Ela me desejava; eu só lhe fiz um favor. Ninguém saiu prejudicado.

—Como ninguém saiu prejudicado? —repetiu Ross, sem dar crédito a seus ouvidos. —Tanner diz que a garota nem sequer cumpriu dezesseis anos, Matthew! Roubaste-lhe a inocência e lhe deixaste um bebê sem pai, além de ter enganado a Iona.

Matthew não parecia arrependido.

—Todo mundo o faz. Poderia te dizer montões de homens que obtiveram prazer fora do leito conjugal.

Um menino bastardo é uma desafortunada consequência, mas isso é problema da garota, não meu.

Em meio de sua fúria, Ross se sentiu estupefato pela falta de sensibilidade de seu irmão. Isso era exatamente o que tinha feito com Sophia seu antigo amante: usá-la, decepcioná-la e abandoná-la.

—Meu Deus, o que posso fazer? É que não é consciente de seus atos? Não tem sentimento de responsabilidade?

—A consciência e a responsabilidade são tuas, irmão —respondeu Matthew, fazendo girar o globo novamente e conseguindo que se cambaleasse — Sempre me têm feito ver em ti a um exemplo de moralidade suprema. Sir Ross, o paradigma da humanidade. Ninguém deste mundo seria capaz de viver segundo os parâmetros que prega, e estaria louco se eu o tentasse. À parte, não tenho nenhuma inveja a sua estéril e desgraçada vida. Ao contrário de você, eu tenho um pouco de paixão, tenho as mesmas necessidades que qualquer homem e, Por Deus, satisfarei-as até a morte!

—Por que não as satisfaz com sua mulher? —sugeriu-lhe Ross com acidez.

Matthew pôs os olhos em branco.

—Já me tinha aborrecido com Iona um mês antes de nos casar. Não se pode esperar que um homem se de acordo com a mesma mulher para toda a vida. Como se está acostumado a dizer, na variedade está o gosto.

Ross esteve tentado de lhe escaldar as orelhas com um bom sermão. Entretanto, o gesto obstinado de Matthew deixava muito claro que nem por indício pensava arrepender-se. Nunca assumiria voluntariamente as consequências de seus atos.

—Exatamente, de quanta “variedade” desfrutaste? —disse Ross, e vendo o rosto de Matthew, repetiu a pergunta de outra forma: —A quantas mulheres seduziste além da filha dos Rann?

—Não estou seguro —respondeu Matthew, adotando uma expressão de suficiência, suponho que a nove ou dez.

—Quero uma lista com seus nomes.

—Por quê?

—Para averiguar se for pai de outros meninos bastardos. E, em caso de ser assim, te vais encarregar de lhes proporcionar sustento e educação.

O outro suspirou desconforme.

—Não tenho dinheiro para compartilhar, a não ser que aumente minha atribuição.

—Matthew... — disse Ross, olhando-o de forma ameaçadora.

—Bem, rendo-me —disse seu irmão, fazendo um gesto de brincadeira com as mãos. —Procura por aí minha descendência ilegítima e me tire o pouco dinheiro de que disponho. Agora, posso me reunir com meus amigos?

—Ainda não. Há algo que deve saber. A partir de agora me assegurarei de que termine com seu indolente modo de vida. Acabou a vadiagem no clube e passar o dia bebendo; acabou-se o jogo e de andar perseguindo mulheres. Se te ocorre visitar alguma de suas habituais conquistas, descobrirá que já não será bem-vindo. E te negarão crédito aonde vá, me encarregarei de que os lojistas tenham bem claro que já não me faço responsável por suas dívidas.

—Não pode me fazer isso! —exclamou Matthew, indignado.

—Isso mesmo! —assegurou Ross — A partir de hoje terá que trabalhar para ganhar sua atribuição.

—Trabalhar? —repetiu Matthew, a quem essa palavra parecia não lhe resultar familiar — Fazer o que? Eu não estou capacitado para trabalhar; eu sou um cavalheiro!

—Já encontrarei um trabalho apropriado para ti — prometeu Ross com um sorriso em seu rosto — Vou ensinar-te o que é responsabilidade, Matthew, seja como for.

—Se nosso pai estivesse vivo, isto nunca teria acontecido!

—Se nosso pai estivesse vivo, isto teria tido lugar faz já muitos anos —murmurou Ross — Por desgraça, grande parte da culpa é minha. Estive muito ocupado em Bow Street para prestar atenção a suas atividades.

Mas te asseguro que isto vai mudar.

Sem deixar de soltar juramentos, Matthew se dirigiu a um móvel e agarrou um copo e uma licoreira.

Serviu de um brandy, bebeu-o como se fosse um xarope e voltou a encher o copo. O licor pareceu acalmá-

lo. Tomou ar e observou o implacável olhar de Ross.

—O vais contar para Iona?

—Não; mas não lhe mentirei se alguma vez me vem com perguntas a respeito de sua fidelidade.

—Bem. Minha mulher nunca perguntará nada; não deseja escutar as respostas.

—Que Deus a ajude —murmurou Ross.

Depois de tomar outro gole de brandy, Matthew agitou o líquido que ficava no copo e suspirou resignado.

—Isso é tudo?

—Não — disse Ross. Temos outro assunto de que falar: seu comportamento com a senhorita Sydney.

—Já me desculpei por isso. Não posso fazer mais, a não ser que queira que me abra as veias.

—Isso não será necessário. O que quero que fique bem claro, é que a partir de agora a tratará com absoluto respeito.

—Uma criada não merece mais, irmão.

—Não demorará muito em deixar de sê-lo.

Aquele comentário despertou o interesse de Matthew, que arqueou uma sobrancelha.

—Pensa a despedir, então?

Ross o olhou de maneira dura e decidida.

—Vou me casar com ela, se me aceitar como marido.

—Mãe de Deus —soltou Matthew e lhe devolveu o olhar, não dando crédito ao que ouvia. Deixou-se cair na cadeira mais próxima e olhou Ross com olhos arregalados. — Digo sério. Isto é uma loucura; será o bobo da família. Um Cannon casado com uma criada! Pelo bem de nossa família, busca outra. Ela não é mais que uma simples mulher; há centenas que poderiam ocupar seu lugar.

Ross teve que fazer provisão de toda sua vontade para não bater na cabeça. Em lugar disso, cruzou as mãos em cima da escrivania, fechou os olhos um instante e tratou de acalmar-se. Logo deu a volta e olhou Matthew com fogo nos olhos.

—Depois de todos os anos que passei sozinho, pede-me que rechace à única mulher que me tem feito sentir feliz?

Matthew pesou suas palavras.

—A isso que me refiro. Depois de tantos anos de celibato, qualquer mulher te resultaria desejável.

Acredite-me, essa jovem não é digna de seu afeto. Não tem sofisticação, nem estilo, nem família. Se você gostar, toma-a como amante; mas te aconselho que não te case, porque não demorará em te cansar dela e quando o fizer já estará encadeado.

De repente Ross ficou aborrecido. Não sentia por seu irmão mais do que pena. Matthew nunca encontraria amor nem paixão verdadeiros, só pobres imitações. Sentiria-se insatisfeito o resto de sua vida, e nunca saberia como encher seu interior. Portanto, abandonaria a prazeres artificiais e trataria de convencer a si mesmo de que era feliz.

—Não vou tratar de te fazer ver quanto vale Sophia —lhe disse Ross com calma — Entretanto, se lhe disser algo que possa considerar-se inconveniente ou condescendente, castrarei-te; pouco a pouco.


Capítulo 11

 

Repartiram-se singelas máscaras de seda brancas e negras entre os convidados que não haviam trazido nenhuma para o baile de máscaras. Entretanto, a maioria dos convidados ia ornamentada com bonitas criações desenhadas especialmente para o evento. Sophia estava fascinada pela variedade de máscaras adornadas com plumas, jóias, bordados e motivos pintados à mão. Os assistentes circulavam e paqueravam com audácia, desfrutando do anonimato. Os convidados tirariam as máscaras a meia-noite e logo se serviria um copioso jantar.

Sophia deu uma olhada através da porta do salão e sorriu ante a esplêndida visão dos convidados, que dançavam um elegante minueto, fazendo reverências com uma graça bem ensaiada. Todas as damas vestiam trajes de noite com as cores da moda, enquanto que a maioria dos homens tinham preferido a elegância do branco e do negro. O chão, recém encerado, refletia a cintilante luz dos candelabros, banhando o salão com um brilho quase mágico. O ar estava carregado com o aroma das flores e os perfumes, de uma vez que se via favorecido pela brisa noturna proveniente do jardim de inverno.

As salas conjugadas ao salão estavam repletas de convidados que jogavam bilhar ou cartas, bebiam champanha e desfrutavam de delícias tais como patê de ostra, bolos de lagosta e bolos ao rum. Pensando no jantar, Sophia decidiu voltar para a cozinha e assegurar-se de que tudo ia segundo o horário previsto. Saiu discretamente a um atalho que rodeava uma lateral da casa; o ar noturno era fresco e primaveril, e suspirou aliviada ao afrouxar a gola de seu vestido escuro.

Passou junto a um dos jardins de inverno, flanqueado por colunas, e se surpreendeu ao ver dentro o ancião senhor Cannon, sentado em sua cadeira de rodas e contemplando o baile através de uma das amplas janelas do salão. Perto dele havia um criado, sem dúvida para atender ao enrugado velho.

Sophia se aproximou esboçando um sorriso.

—Boa noite, senhor Cannon. Posso lhe perguntar por que está sentado sozinho aqui fora?

—Há muito barulho aí dentro —respondeu ele — Além disso, os foguetes começarão a meia-noite, e este é o melhor lugar para vê-los —disse, e olhou a Sophia de forma especulativa — De fato, deveria vê-los comigo. —voltou-se para o criado e lhe ordenou bruscamente: —vá procurar uma garrafa de champanha e duas taças.

—Senhor — disse Sophia, —temo-me que não...

—Sim, sei; tem coisas a fazer. Mas este é meu aniversário, e, portanto terá que me seguir a corrente.

Ela sorriu com ironia e se sentou no banco de pedra que havia junto à cadeira de Cannon.

—Se me vêem bebendo champanha e vendo os foguetes com você, é provável que me despeçam.

—Então te contratarei como minha acompanhante.

Sem deixar de sorrir, Sophia apoiou as mãos no colo.

—Não vai pôr uma máscara, senhor?

—Por que deveria levá-la? Não acredito que sentado neste traste vá decepcionar a ninguém —disse o velho e, observando aos bailarinos através da janela, soltou um murmúrio. —Eu não gostava dos bailes de máscaras quando estavam na moda faz quarenta anos, e agora eu gosto ainda menos.

—Oxalá eu tivesse uma máscara — lamentou Sophia com um sorriso — Poderia dizer ou fazer o que me viesse em vontade e ninguém saberia que sou eu.

O ancião a olhou.

—Por que leva um vestido tão sem importância em uma noite como esta? —perguntou-lhe bruscamente.

—Não tenho necessidade de levar um bom vestido.

Cannon emitiu um grunhido.

—Tolices. Inclusive a senhorita Bridgewell levava um bom vestido de seda negra nas ocasiões especiais.

—Não tenho vestidos mais elegantes que este, senhor.

—Por que não? Acaso meu neto não te paga um bom salário?

A conversação se viu interrompida quando o lacaio voltou com o champanha e as taças.

—Ah, por fim —disse Cannon. É uma garrafa de Rheims? Bem. Deixe-a aqui e vá lá pra dentro ajudar os outros; a senhorita Sydney me fará companhia.

O servente obedeceu e fez uma reverência. Sophia aceitou a taça de champanha que lhe tendeu Cannon, agarrando-a pelo pé e contemplando com curiosidade com o borbulhante líquido âmbar.

—Bebeste champanha alguma vez? —Perguntou-lhe o velho.

—Uma vez. Quando vivia com minha prima em Shropshire, uma vizinha me deu uma garrafa que estava pela metade. Então já tinha ido o gás, e o sabor me decepcionou. Esperava que fosse doce.

—Isto é champanha francês; você gostará. Vê como as borbulhas sobem de forma vertical? Isso é sinal de um bom vintage.

Sophia colocou a taça diante do rosto e desfrutou da fresca e da sensação de cócegas que lhe produziam as borbulhas ao colocar perto do nariz.

—Seguirei sem gostar, —e o ancião soltou uma risada.

—Prova outra vez. Irá apreciar o sabor pouco a pouco.

Embora se sentisse tentada em comentar que ela nunca teria a oportunidade de adquirir o gosto pelo champanha, Sophia assentiu e bebeu.

—Eu gosto da forma da taça —disse, enquanto a bebida lhe descia pela garganta.

—Sim? —respondeu Cannon, e lhe cintilaram os olhos — Este estilo recebe o nome de coupe, fez-se imitando a forma do peito da María Antonieta.

—É você incorrigível, senhor Cannon — disse Sophia, olhando-o de forma reprovadora, ante o qual o ancião se regozijou.

De repente atravessou uma nova voz.

—Não se fez imitando a forma do peito da María Antonieta. Meu avô quer te escandalizar.

Era Ross, que estava muito bonito vestido com um austero traje de noite e com sua máscara na mão.

Brilhava-lhe os dentes num sorriso tão fácil e encantador que Sophia teve que conter a respiração. Aquela noite não havia homem que estivesse a sua altura; nenhum possuía aquela mescla de elegância e arruda masculinidade.

Tratando de camuflar suas emoções, Sophia bebeu um comprido gole de champanha, que estava tão frio que a fez engasgar-se.

—Boa noite, sir Ross —o saudou com voz rouca e lacrimejando por causa da champanha. Ficou de pé com estupidez e procurou um lugar onde deixar sua taça vazia.

—Bom avô —prosseguiu Ross, —deveria me haver precavido que trataria por todos os meios de corromper à senhorita Sydney.

—Eu não chamaria corromper abrir uma boa garrafa de Rheims —se defendeu Cannon. —Mas se for um tônico para a saúde! Como dizem os franceses, a champanha é a medicina universal.

—É a primeira vez que o ouço coincidir em algo com os franceses, senhor —repôs Ross, divertido, agarrando Sophia pelo pulso para impedir que partisse. —Fique e acabe sua taça, pequena — disse brandamente. —Pelo que se refere, deve ter tudo o que deseje.

Sophia ruborizou e tratou de escapar, consciente do olhar do ancião.

—Desejo voltar para trabalho, senhor... —Incrédula, viu como Ross levantava a mão e a beijava, tudo isto diante do avô. Sua relação não poderia ter ficado mais clara embora a tivesse proclamado aos quatro ventos. —Sir Ross... — murmurou Sophia, consternada.

Ele seguiu olhando-a de forma deliberada, dando a entender que já não estava disposto a seguir escondendo seus sentimentos por ela.

Crispada, Sophia lhe entregou sua taça.

—Tenho que ir —disse, quase sem fôlego — Desculpem-Me, por favor.

Afastou-se a toda pressa e Ross ficou com seu avô, observando-a tão intensamente que ela podia sentir o calor de seu olhar nas costas.

Ross voltou à vista para o ancião e arqueou uma sobrancelha.

—Tudo bem?

—É uma boa partida —disse o velho Cannon, servindo-se um pouco mais de champanha, obviamente desfrutando daquilo — É uma garota agradável e despretensiosa, muito parecida com sua avó. Provaste já seus encantos?

—Se é assim —respondeu Ross, sorrindo ante a brutalidade da pergunta —não o diria.

—Pois me parece que sim —disse o ancião, olhando a seu neto por cima da taça, —e se tiver algo do que tinha sua avó, estou seguro de que terá acontecido um momento muito agradável.

—Velha raposa. Não me diga que você e Sophia Jane...

—OH, sim —afirmou o ancião. A lembrança daquela mulher parecia lhe resultar deliciosas lembranças.

Perdido em reflexões privadas, o velho fez girar o pé de sua taça entre seus murchos dedos — A amei durante anos — disse em voz baixa. —Deveria me haver esforçado mais em ganhar e não deixe que nada se interponha entre você e a mulher que amas, moço.

Ross apagou o sorriso do rosto.

—Não, senhor — respondeu com voz grave.

Enquanto Sophia atravessava o chão de pedra e mármore da sala principal, viu uma figura que surgia entre as sombras de um quarto. Era um homem que levava uma máscara de seda negra, vestido com um traje de noite, igual ao resto dos convidados. Era jovem e, de ombros largos e cintura estreita; a mesma e incomum compleição da maioria dos agentes de Bow Street. O que faria tão longe do salão? Sophia se deteve insegura.

—Posso ajudar senhor?

O homem tomou um momento para responder. Aproximou-se de Sophia e se deteve um metro dela. Os olhos que havia depois da máscara eram de um azul brilhante e de uma intensidade que hipnotizava. Quando falou, sua voz soou rouca e grave: —A estive procurando.

Confusa, Sophia balançou a cabeça sem deixar de olhá-lo. Havia algo naquele homem que a inquietava; seus sentidos advertiam perigo. A máscara deixava descoberto um proeminente nariz e uma boca generosa.

Tinha o cabelo castanho, curto e bem penteado, e sua pele era muito morena para ser a de um cavalheiro.

—No que posso lhe ajudar? —insistiu ela.

—Como se chama?

—Sou a senhorita Sydney, senhor.

—É você é ama?

—Só por esta noite. Trabalho para sir Ross Cannon, em Bow Street.

—Um lugar muito perigoso para você —opinou o mascarado, que parecia fraco.

Sophia pensou que estaria bêbado e retrocedeu um passo.

—É você solteira? —Perguntou o homem, avançando lentamente.

—Não estou casada.

—Como é possível que uma mulher como você não seja?

Suas perguntas eram estranhas e inapropriadas. Sophia, incômoda, decidiu que seria melhor sair dali o mais rápido possível.

—É muito amável por sua parte, senhor. Entretanto, tenho tarefas que atender. Se me desculpar...

—Sophia —Sussurrou o homem, olhando-a com o que parecia ser nostalgia.

Surpreendida, ela se perguntou como sabia seu nome. Observou-o com os olhos bem abertos, mas um repentino ruído a distraiu: risadas, acompanhadas pelo vigoroso som da música e a cacofonia produzida pelos fogos de artifício. A brilhante luz das explosões iluminava o céu e penetrava pelas janelas. Sophia se deu conta de que já devia ser meia-noite, hora em que os convidados tirariam as máscaras, e se voltou para o ruído.

O estranho se aproximou dela, tão silenciosamente que Sophia não se precaveu até que sentiu algo frio sobre o peito. Ouviu um leve clique, como se tivessem posto algo ao redor do pescoço.

—Adeus — sussurrou uma cálida voz ao ouvido.

Para quando se virou o homem já tinha desaparecido.

Atônita, levou ambas as mãos ao peito e notou que tinha pedras preciosas: um colar. Por que teria feito isso um estranho? Sentindo-se confusa e atemorizada, dirigiu-se rapidamente ao exterior. Estirou o pesado colar, procurando o fechamento, mas não pôde abri-lo.

Nervosa, correu ao jardim de inverno no que tinha deixado Ross e a seu avô. Junto a eles se reuniu uma multidão, e seguia chegando mais gente do salão de baile. O céu estava cheio de artifícios que estalavam em brilhantes cores, desenhando a forma de árvores e animais, enquanto uma chuva de faíscas caía depois da intensa nuvem de fumaça. Em conjunto, era uma cena caótica e ensurdecedora.

Sophia ficou de pé, contra uma das paredes da casa, tratando em vão de cobrir o brilho que saía de seu pescoço. Embora fosse impossível que Ross a tivesse visto ou ouvido, este girou a cabeça como se tivesse notado que ela esta ali. Ao ver que Sophia estava totalmente pálida, reagiu imediatamente. Abriu passo entre o público entusiasmado, sem deixar de olhar Sophia, e conseguiu chegar até ela. O ruído fazia impossível que pudessem falar.

Ross lhe agarrou uma mão e a apartou delicadamente no pescoço, deixando descoberto o colar de diamantes; não pôde a não ser entreabrir os olhos ante tal visão. Sophia tratou em vão arrancar o colar.

De repente sentiu os mornos dedos de Ross em sua nuca. O colar se desabotoou e lhe escorreu do pescoço. Ross guardou o colar em um bolso, tomou Sophia pela mão e se dirigiu ao interior da casa.

Não se deteve até que chegaram à sala azul que estava junto ao vestíbulo principal. Depois do ruído ensurdecedor e da luz espetacular dos foguetes, o silêncio da sala era quase entristecedor.

—O que ocorreu? —perguntou Ross com calma, de uma vez que fechava a porta.

Sophia tratou de explicar-se de forma coerente.

—Dirigia-me à cozinha e um homem me deteve; levava uma máscara. Disse que me estava procurando.

Estou segura de que nunca o tinha visto, entretanto sabia meu nome.

Nervosa, descreveu a estranha conversa que tinha tido, e como o estranho tinha colocado o colar de diamantes antes de desaparecer. Enquanto ia falando, Ross acariciou levemente o pescoço, como se tentasse apagar qualquer carícia daquele homem.

—Que aspecto tinha?

—Tinha cabelo castanho e olhos azuis. Era alto, embora não tanto como você. Ao princípio pensei que se tratava de um dos agentes. Era de compleição forte, e inclusive parecia mover-se da mesma forma que eles; quer dizer, parecia muito ágil para seu tamanho. Ia vestido com boas roupas, como o resto dos convidados, mas não acredito que fosse um deles.

—Tinha alguma marca ou cicatriz?

—Não que eu pudesse ver —disse Sophia, negando com a cabeça.

Ross tirou o colar do bolso e o colocou sobre a mesa de mogno. Sophia observou a peça completamente aniquilada; nunca tinha visto algo tão magnífico. Tratava-se de um deslumbrante colar adornado com flores de diamante e folhas de esmeralda.

—É autêntico? —sussurrou.

—Estas jóias não são de imitação —respondeu Ross sinceramente.

—Deve custar uma fortuna.

—Três ou quatro mil libras, suponho —disse Ross. —Seu admirador deve ser um ladrão ou alguém muito rico.

—Por que tem que me passar isto? —lamentou Sophia — Não tenho feito nada para atrair o interesse de ninguém. O que quererá? Por que um estranho faria algo semelhante?

Advertindo a preocupação em sua voz, Ross beijou a fronte, tratando de que se sentisse segura.

—Vem — sussurrou ele,— levarei-te a cozinha.

—E logo?

—Vou reunir alguns serventes para que me ajudem a inspecionar os arredores, se por acaso seu admirador ainda segue por aqui; embora duvide que seja tão estúpido —disse Ross, agarrando o colar e metendo no bolso novamente. —Um colar como este não aparece por arte de magia; é uma peça única e muito valiosa.

Suspeito que não será difícil averiguar de onde procede. O que nos leva a uma interessante questão: seu admirador quer ser descoberto; caso contrário, não te teria dado uma prova tão evidente.

—Acredita que é a mesma pessoa que me deu de presente o vestido cor lavanda?

—Estou seguro.

Ross esboçou uma careta de impaciência, ansioso por ficar a procurar o misterioso personagem.

Entretanto, ao ver a expressão tensa de Sophia tomou entre seus braços e a estreitou até que os pés dela quase se separaram do chão. Rodeou-lhe o pescoço com um de seus musculosos braços e a beijou de forma possessiva.

Sophia abriu os lábios e se entregou a sensual exploração da que estava sendo objeto. O beijo se tornou exigente. Ross movia a língua lentamente ao tempo que introduzia uma perna entre as dela. Qualquer espionagem de pensamento racional ou de temor se desvaneceu. Só existia Ross; sua boca e suas mãos lhe recordavam os íntimos e tórridos momentos que tinham vivido a noite anterior. Afrouxaram os joelhos e começou a ofegar, acariciando sem pausa as costas de Ross, possesso por um premente impulso de arrancar a roupa, a dele e a sua própria, até que ambos estivessem nus.

—Ross —disse entre suspiros, arqueando o pescoço enquanto a língua de Cannon riscava um complexo desenho em sua boca.

Ele elevou a cabeça e sorriu de satisfação masculina ao ver os lábios de Sophia, derretidos de paixão, e o extravio de seus olhos azuis.

—É minha, Sophia, e nunca deixarei que te aconteça nada de mal; entende?

Ela assentiu, aturdida, cambaleando-se ligeiramente enquanto Ross a abraçava e a conduzia fora da cozinha.

Como era de esperar, o misterioso homem não estava pelos arredores de Silverhill Park. Entretanto, a pista que tinha deixado acabaria por levar a sua captura. Ross estava impaciente por voltar para Bow Street e pôr em andamento a investigação. A idéia de que alguém tivesse decidido a perseguir Sophia dessa indecorosa maneira, despertava nele seus mais primários instintos masculinos. Não se daria por satisfeito até encurralar a aquele bastardo, agarrá-lo pelo pescoço e lhe surrupiar uma detalhada confissão.

Agradecendo que ao dia seguinte a festa já teria concluído, Ross mandou um moço que fizesse a bagagem para poder partir cedo pela manhã. Enquanto o servente dobrava roupa e ia colocando no baú, Ross se dedicou a percorrer a mansão. Tão somente ficavam alguns focos de atividade: um casal beijando-se em um canto escuro, um grupo que jogava cartas na sala de bilhares, e alguns homens que conversavam na biblioteca, com os charutos por terminar.

Sophia estava em seu quarto. Ross ansiava ir a seu encontro. Nunca tinha se encontrado em uma situação tão desgostosa, fazendo doer a alguém a quem apreciava, perguntando-se como consertar seus enganos, e dando-se conta de que não havia nada que fazer. Só ressuscitar John Sydney teria resolvido o problema.

O fato de que Sophia o tivesse perdoado não lhe proporcionava alívio algum. O conhecimento dos fatos passados sempre estariam presentes entre eles dois. Ross suspirou profundamente e seguiu caminhando sem rumo, refletindo sobre os acontecimentos das últimas vinte e quatro horas. Seus sentimentos por Sophia se intensificaram tanto que não podia mais que desejar possuí-la por completo; desejava estar com ela para sempre e de forma irrevogável. Se ela o aceitava, ele trataria de fazê-la tão feliz que a lembrança de seu irmão não interferiria no que sentissem um pelo outro.

Ross chegou até a porta do quarto da ama, perto da cozinha, onde se alojava Sophia. Levantou a mão por duas vezes para bater na porta, mas em ambas acabou por baixá-la. Sabia que devia voltar para seu próprio quarto e esperar pacientemente até descobrir a verdade sobre o ocorrido no passado. Tinha que pensar nas necessidades de Sophia em lugar de nas suas próprias, mas a desejava tanto que a consciência e os escrúpulos já não importavam.

Debatendo-se entre o dever e o desejo, ficou de pé frente à porta com os punhos fechados e com o corpo gotejando energia sexual.

Justo quando indicava que devia partir dali, a porta se abriu e os olhos azuis e largos cilíos de Sophia se fixaram nele. Levava uma camisola formal, de gola alta e abotoada. Ross desejou desabotoar-lhe pouco a pouco e passar a língua por cada centímetro daquela pele cor pérola.

—Te vais ficar aí toda a noite? —perguntou Sophia com doçura.

Sem deixar de olhá-la, Ross sentiu estalar de desejo, o que fazia difícil pensar com lucidez.

—Queria ver se estava bem.

Pois não o estou —respondeu Sophia, agarrando-o pelo colete e atraindo-o. —Sentime sozinha.

Respirando com força, Ross deixou que ela o fizesse entrar no quarto. Uma vez dentro, fechou a porta e observou a expressão séria da mulher; a fraca luz das velas proporcionava a seus lábios um tom arroxeado e um aspecto aveludado.

—Há algumas coisas pelas quais deveríamos esperar —alegou Ross, dando uma última oportunidade para voltar atrás.

Entretanto, entupiram as palavras na garganta assim que ela apertou seu esbelto corpo contra o dele, ficando nas pontas dos pés para acoplarem-se perfeitamente.

—Por uma vez, não faça o correto —sussurrou Sophia, enlaçando seus braços no pescoço de Ross, que sentiu a delicada pressão dos dentes dela no lóbulo da orelha, justo antes que dissesse com ternura — Desejo-te.

As poucas lembranças que Sophia tinha de seu primeiro amante se esfumaçaram tão logo foi consumida pelas ardorosas carícias de Ross, que despiu a ambos sem pressa, detendo-se frequentemente para possuir a boca de Sophia com beijos prolongados. Ela, desconcertada, perguntava-se como um homem que levava uma vida tão frenética podia fazer amor tão devagar, como se o tempo tivesse perdido todo significado. Quando finalmente ficou inteiramente nua, Sophia se agarrou a seu corpo e suspirou. A pele de Ross era cálida e suave como a seda, e tinha o tórax coberto de um arbusto de pêlo negro que fazia cócegas nos peitos. Sentiu a dura ereção de Ross contra o umbigo, e o tocou com cuidado; ainda era uma novata na arte do amor.

O membro estava sulcado por veias, e a fina e sedosa pele que a cobria se deslizava ligeiramente sobre a carne. Sophia, indecisa, tomou com os dedos, a rígida vara se agitou como se tivesse vida própria. Sophia conteve a respiração.

—OH...

—Não tenha medo —disse Ross, cuja voz denotava desejo e algo que soava suspeito a risada — Aqui é onde é mais sensível — informou, guiando os dedos dela na cabeça.

Sophia começou a brincar com a cabeça e com o pequeno orifício que havia no centro, até que viu emergir uma gota de líquido. Aquela secreção umedeceu o membro viril, e Sophia acariciou a cabeça com os dedos antes de baixar explorar a quente bolsa que havia debaixo.

Ross a agarrou brandamente pelo braço.

—Já basta por agora — disse com voz rouca.

—por quê?

—Porque estou a ponto de perder o controle.

—Essa era minha intenção —disse Sophia, e lhe escapou uma risada.

—Faremos a minha maneira —sussurrou ele, elevando-a e depositando-a na estreita cama; —e tenho intenção de que dure.

Colocou-se junto a ela, com seu metro noventa de sólido corpo masculino, e Sophia se voltou para ele, tremendo de ansiedade. Ross a empurrou levemente para atrás e ficou em cima dela, exalando sua cálida respiração contra seus peitos. Atacou um dos mamilos com a ponta da língua, e ela se aferrou a seus largos ombros com força, gemendo. Ross chupou e mordiscou o mamilo, cada vez mais duro, e logo passou ao outro peito, fazendo com que Sophia estremecesse.

—Ross... —disse ela desesperadamente.

—Mmm?

—Quero mais... Mais... —Sophia sentiu a mão dele baixando até seu estômago e elevou os quadris de forma eloquente.

Ross levantou a cabeça, e brilharam os olhos de satisfação ao ver o rubor que tingia as bochechas de Sophia. Ela gemeu agradecida quando os dedos dele se deslizaram através de seu pêlo púbico, dando com a crista feminina que tão docemente doía. Para seu desespero, Ross se limitou a roçá-la.

—OH, Ross, não pares, por favor...

—Quero outra coisa —disse ele, e seguiu, dando beijos por todo o corpo, até que encaixou os ombros sob as coxas dela.

Sophia sentiu seus lábios descendendo para sua entreperna. Dando-se conta derepente do que Ross pensava fazer, removeu-se.

—Espera — pediu, agarrando sua cabeça com as mãos — Espera... Aí não.

Ross acariciou uma coxa, tratando de que se relaxasse.

—Alguma vez tem feito isto?

—É obvio que não, e nunca imaginei que ninguém me faria —afirmou ela, observando Ross perplexa — Duvido que inclusive Anthony soubesse tal coisa.

Uma gargalhada retumbou no peito de Ross, que acariciou Sophia no joelho.

— desejava fazer isso no primeiro dia que te vi.

—Sério? —perguntou ela, assombrada.

—Sim, ali mesmo, em meu escritório. Tive vontade de te tombar em meu escritório e colocar a cabeça sob suas saias.

—Não pode ser —disse Sophia, incrédula, incapaz de acreditar que sob sua imperturbável superfície Ross tivesse pensado tal coisa — Sério que estava...

—Tão sério como pode estar um homem com uma tremenda ereção.

—De verdade? Mas como? —Sophia ofegou e suspirou quando Ross afundou novamente a cabeça entre suas coxas — OH, Ross, espera...

—depois desta noite —murmurou ele com voz rouca, —vais esquecer por completo Anthony.

Sophia sentiu que ele separava as dobras de seu sexo inchado, e tocava com a língua o delicado montículo.

Apoiou os cotovelos no colchão e se deixou cair na cama com um gemido, com o olhar perdido na escuridão.

Por Deus! Ross estava lambendo ali abaixo com compridos e sinuosos movimentos que a faziam estremecer, desesperadamente excitada.

Era impossível deter o movimento de seus próprios quadris, que elevava espasmodicamente. Ross colocou as mãos embaixo dela, guiando-a enquanto sua língua ia derretendo. Justo quando todas aquelas sensações se aproximavam de seu ponto culminante, Ross levantou a cabeça e ficou sobre ela.

—OH, Deus... —murmurou Sophia, a beira do clímax —. Por favor, por favor...

Ross flexionou os quadris e a penetrou. Sophia gritou e seus músculos se contraíram ante a implacável investida de seu amante. Com desespero tratou de acomodar Ross sobre ela, mas parecia impossível.

Ele a beijou.

— Relaxe — sussurrou — Não te farei mal, minha vida; tranquila.

Ross deslizou uma mão entre seus corpos, e Sophia sentiu como a acariciava, uma vez que se movia com lentas investidas, medindo cada movimento. Cada investida de Ross gerava um gemido na garganta de Sophia, que mordia os lábios para evitar que a ouvisse. De repente, ele se encontrou totalmente dentro dela, lhe havendo fundo cada centímetro de seu sexo.

Logo retirou o membro até a ponta, e logo voltou a penetrá-la com terrível lentidão, roçando os mamilos de Sophia com o pêlo peitoral e deslizando seu ventre em cima dela. Sophia estremeceu, movendo os quadris ao som das largas e prazerosas investidas de Ross, até que rogou freneticamente: —Não seja tão delicado, por favor, não... Mais forte, mais forte...

Ross a beijou com ardor, apagando seus lamentos. Sophia se agitou presa de violentos espasmos, apanhando o duro membro em seu interior até que Ross soltou um grunhido e agarrou seus quadris com ambas as mãos deixando ir o fruto de sua paixão.

Sophia ainda se retorcia e estremecia com o deleite; Ross a estreitou entre seus braços e a beijou de novo.

Sophia sentiu outra quebra de onda de prazer, do qual gemeu e tremeu ao chegar a um segundo clímax.

Pouco depois, Ross ficou de um lado e Sophia se tombou com luxúria em cima dele.

—Ross-murmurou — quero te dizer algo. Pode ser que não acredite, mas é verdade.

—Sim?

—Não podíamos fazer isso.

—Refere-te a me partir o coração? Sim, já sei.

—Sério?

Ross lhe acariciou o despenteado cabelo.

—Não seria próprio fazer mal a ninguém. Nunca tivesse sido capaz de me trair.

Sophia estava muito assombrada pela confiança que Ross depositava nela.

—Como pode estar tão seguro?

—É uma pessoa muito transparente —disse ele brincando com o lóbulo de sua orelha. —Faz bastante tempo que me dei conta de que se preocupava comigo, mas não estava seguro do quanto até ontem pela manhã, quando me viu depois de uma semana. Seu rosto era um poema.

Aturdida por aquela revelação, Sophia se incorporou e se apoiou em Ross, com seus peitos nus meio cobertos só por mechas de cabelo.

—Se for tão transparente, no que estou pensando agora?

Ross a observou um instante e esboçou um sorriso.

—Está te perguntando quanto tempo vou demorar para te fazer de novo amor. — antes que ela pudesse responder, ele a sentou sobre suas coxas. Para surpresa de Sophia, o sexo de Ross tomou vida e ficou a palpitar, fazendo pressão sobre sua vulnerável carne. —E esta é sua resposta —murmurou ele, agarrando sua cabeça para beijá-la.


Exausta pelo agitado fim de semana, Sophia abaixou sobre o colo do Ross e dormiu durante a maior parte do trajeto de volta a Londres.

Observando aquele rosto dormido sobre suas coxas, Ross pensou assombrado na transcendental mudança que tinha tido lugar em sua vida. Acostumou-se tanto à solidão que tinha esquecido o que era necessitar a alguém de verdade. Agora, todos os desejos que tinha reprimido durante tanto tempo, o desejo de sexo, de afeto e de estar acompanhado, haviam consumado com todas suas forças. Turvava o fato de que Sophia exercesse tanto poder sobre ele, um poder que ele mesmo tinha proporcionado; que Deus o ajudasse quando ela se desse conta. Contudo, ele seria incapaz de lhe ocultar algo.

Sophia ricocheteava sobre o colo de Ross a cada buraco que atravessava a carruagem, coisa que o excitava e lhe enchia a mente de lascivas fantasias. Com cuidado, manteve a cabeça de Sophia contra seu peito e se dedicou a observar suas mudanças de expressão enquanto dormia: o leve cenho que se formava entre suas escuras sobrancelhas, os incessantes tics de sua boca... Como se seus sonhos não fossem nada tranquilos.

Ross lhe acariciou a bochecha; Sophia murmurou algo. Incapaz de conter-se, Ross baixou a mão até um de seus seios e acariciou aquela voluptuosa curva. Sophia respondia a suas carícias, agitando-se e sussurrando coisas. Beijou a fronte e tomou entre seus braços, enquanto ela bocejava.

—Sinto-o —se desculpou Ross, observando as profundidades sonolentas de seus olhos — não pretendia te despertar.

—Falta muito? —perguntou ela, pestanejando com preguiça.

—Meia hora, como muito.

—O que ocorrerá amanhã? —quis saber Sophia, e o olhou com certa cautela.

—Averiguarei se em realidade fui eu quem enviou a seu irmão à prisão flutuante.

Ela deslizou os dedos por debaixo do colete, procurando a calidez de seu corpo.

—Descubra o que descobrir, não importará.

—É obvio que sim —disse Ross com brutalidade.

—Não —insistiu ela, incorporando-se. Pôs uma mão na nuca e o beijou, explorando sua boca com delicadeza e desfrutando de sua Calidez.

Ross permaneceu imóvel durante exatamente cinco segundos, e logo respondeu ao feitiço de Sophia com um leve grunhido. O sabor dela se mesclou com o dele, e o beijo se tornou profundo e completo.

—Sophia —disse ele, apartando-se. Embora não era nem o momento nem o lugar adequado, não pôde reprimir por mais tempo as palavras que pronunciou — Quero me casar contigo.

Ela ficou quieta, com o rosto a poucos centímetros do rosto de Ross. Estava claro que não esperava semelhante proposta. A ansiedade a fez pestanejar e umedecer o lábio superior.

—Os cavalheiros de sua posição não se casam com faxineiras.

—Houve casos.

—Sim, e os homens que cometeram tais enganos se viram expostos ao ridículo e, às vezes, inclusive ao julgamento. Além disso, você está no olhar público; seus críticos não teriam piedade!

—Fui criticado muitas vezes para poder contar —disse Ross com firmeza. —A estas alturas já estou acostumado. E te está comportando como se fora um membro da realeza, quando não sou mais que um juiz.

—Um juiz de uma boa família que tem laços com a aristocracia.

—Bom, se formos a isso, devo assinalar que você é a filha de um visconde.

—Mas não fui formada como tal. Depois da morte de meus pais não recebi mais educação. Não sei montar a cavalo, nem dançar nem tocar nenhum instrumento, e não me ensinaram nada sobre a etiqueta e as maneiras aristocráticas.

—Nada disso importa.

Sophia riu incrédula.

—Pode ser que não para ti, mas sim para mim!

—Então aprenderá o que faz falta.

—Não posso me casar contigo —disse ela.

—Significa que não quer? —quis saber Ross, cujos lábios roçaram a sedosa fronte de Sophia e se moveram a uma de suas têmporas.

—Sua família não aprovaria nosso matrimônio.

—Sei que o fariam —disse ele, lhe beijando o pescoço — Minha mãe deixou muito claro que te aceitaria com os braços abertos. O resto da família, tias, tios e primos, estariam de acordo com sua opinião. E meu avô virtualmente me ordenou que lhe propusesse isso.

—Sério? —exclamou Sophia, atônita.

—Disseme que foi mais bonita que qualquer outra mulher com a que poderia me casar. Segundo ele, é um bom terreno para ser colhido, e eu deveria fazê-lo antes possível.

—Meu Deus! —exclamou Sophia, entre risada. —Não quero nem imaginar que mais haverá dito.

—Contou-me a respeito de seu eterno amor por sua avó Sophia Jane, e como teve desejo de sequestrá-la e fugir com ela. Viveu com esse remorso durante anos. Deus me libere de me que acontecer o mesmo.

A expressão de Sophia se voltou pensativa.

—Ficarei contigo quanto tempo deseje; a melhor solução será que me converta em sua amante.

Ross balançou a cabeça.

—Não é isso o que necessito. Não sou o tipo de homem que tem uma amante, e você não é o tipo de mulher que estaria contente com essa situação. Não há razão para que tomemos nossa relação como algo vergonhoso. Quero que seja minha esposa.

—Ross não pode...

—Espera —sussurrou ele, dando-se conta que tinha ido muito depressa. Deveria ter tido paciência e ter esperado ao momento adequado — Não responda ainda. Tome seu tempo.

—Não preciso pensar respondeu Sophia — De verdade, não acredito que...

Ross a sossegou com um comprido beijo, para fazer esquecer o que fosse dizer.


Capítulo 12

 

Ross se dirigiu ao número três de Bow Street assim que chegaram a Londres. Morgan tinha aceitado fazer-se de encarregado do escritório durante a ausência de Cannon, e a luz de seu escritório seguia acesa ao cair à noite em Londres.

Quando Ross cruzou a soleira, Morgan levantou a vista de seus papéis e suspirou aliviado.

—Graças a Deus que está de volta.

—Foi tão mal ficar em meu lugar? —repôs Ross, esboçando um leve sorriso, com as mãos metidas nos bolsos de seu casaco — Ocorreu algo excepcional?

—Não, só o normal — disse Morgan, esfregando os olhos com os dedos. —Têm expedido dez ordens judiciais, detido a um desertor e investigado um assassinato no Covent Garden. E nos ocupamos que caso de um bacalhau que escapou de Lannigan'S.

—Um quê?

A pesar do óbvio cansaço de Morgan, este conseguiu esboçar um sorriso.

—Ao parecer, um jovem chamado Dickie Sloper roubou um bacalhau em uma loja. O tal Dickie enganchou um anzol nas guelras do pescado, atou o outro extremo da corda a suas calças e foi caminhando.

O lojista, evidentemente, alarmou-se ao ver como o bacalhau saltava da mesa e deslizava para a porta sozinho.

Quando pegaram, o jovem Dickie jurou que era inocente e que o pescado o tinha seguido deliberadamente.

Ross soltou uma gargalhada.

—Lannigan apresentou queixa?

—Não. O pescado foi recuperado em sua totalidade, e Lannigan ficou satisfeito depois de que Dickie passasse a noite nos calabouços de Bow Street.

Ross não pôde reprimir um sorriso.

—Bom, parece que Bow Street pode arrumar-se sem mim.

O magistrado anexo lhe dirigiu um olhar zombador.

—Não dirá o mesmo quando vir à quantidade de trabalho que se acumulou em seu escritório. A pilha é tão alta como meu peito. Tenho feito o melhor que pude, mas estou exausto. E agora que já está aqui, vou pra casa. Estou faminto e faz dias que não vejo minha mulher. Em outras palavras, estive levando a vida que leva você, e já não aguento nem um segundo mais.

—Espera —disse Ross, ficando sério. —Vim te pedir um favor pessoal.

Ross nunca tinha pedido algo semelhante. Morgan o observou com atenção, voltando para sua cadeira.

—É obvio —disse sem titubear.

Cannon extraiu o colar de diamantes e esmeraldas de seu bolso e o depositou na repleta escrivania de mogno.

Inclusive sob a instável luz do abajur, reluzia com um brilho fora do comum.

Morgan olhou Ross com assombro antes de voltar a vista ao colar, depois soltou um assobio.

—Minha mãe, de onde procede isto?

—Isso é precisamente o que quero saber.

—Por que não o encarrega a um agente? Sayer poderia dirigir este assunto com facilidade.

—Mas não tão rápido como você — respondeu Ross; e quero resposta quanto antes for possível.

Embora Morgan passasse a maior parte do ano na poltrona do juiz, ainda tinha mais experiência e era mais hábil que quaisquer agentes. Ninguém se dirigia por Londres como ele, e Ross confiavam que se ocuparia do caso com diligência.

—Como chegou este colar a suas mãos? —perguntou Morgan, e Ross lhe contou os detalhes. O

magistrado anexo o olhou com ar pensativo — A senhorita Sydney está ilesa?

—Está bem, embora naturalmente nervosa. Quero resolver este assunto imediatamente, e lhe economizar uma preocupação desnecessária.

—É obvio —disse Morgan, que agarrou um porta-lápis e o golpeou contra a escrivania repetidamente, o que não concordava com sua expressão. —Cannon — disse com calma, —suponho que considere a possibilidade de que a senhorita Sydney tenha relações com outro homem. Estes presentes bem podem provir de alguém que está apaixonado por ela.

Ross sacudiu a cabeça antes que Grant acabasse de falar.

—Não — disse com firmeza, —não tem nenhum outro amor.

—Como está tão seguro?

—Porque estou em condições de saber —disse Ross, franzindo o cenho por causa da insistência de seu amigo.

—Ah —disse Morgan, com aparente alívio, deixando o porta-lápis sobre na escrivania e cruzando os dedos sobre o peito — Assim finalmente se deitou com ela —aventurou, observando Ross com um olhar especulativo e irônico.

Ross apagou qualquer expressão de seu rosto.

—Isso não tem nada que ver com o assunto do colar.

—Não —disse Morgan tranquilamente, parecendo desfrutar do embaraço de seu interlocutor. —Mas fazia muito tempo da última vez, verdade?

—Não disse que tenha me deitado com ela — repôs Ross com aspereza — Tenho o maior respeito pela senhorita Sydney. E mais, seria algo totalmente desconjurado me aproveitar de uma mulher que trabalha para mim.

—Sim, senhor — disse Grant. —Então, que tal foi? —perguntou-lhe muito sério depois de uma pausa, sorrindo ante o furioso olhar de Ross.

Morgan tinha ficado curto com seu comentário a respeito da acumulação de trabalho. Sobre a mesa havia informes, arquivos, cartas e documentos variados que formavam uma precária montanha. Ross suspirou e entrou em seu escritório. Pouco tempo atrás não haveria dito nada de um montão de trabalho como aquele, mas agora lhe parecia impossível ocupar-se de tudo sozinho. Um ano atrás, tinha aceito exercer como juiz em Essex, Kent, Hertfordshire e Surrey, além das responsabilidades que já tinha em Westminster e Middlesex.

Aquilo o tinha convertido no juiz mais capitalista da Inglaterra, e havia se sentido satisfeito pelo crescente alcance de sua autoridade. Até agora. Agora desejava cortar a incessante avalanche de trabalho que ia caindo em cima e ter um pouco de vida privada. Desejava um lar, uma esposa, inclusive poder ter filhos algum dia.

Não conhecia nenhum homem que desejasse substituí-lo em seu cargo à frente de Bow Street, nem sequer Grant. Apesar de que Morgan era ambicioso e trabalhador, nunca poria seu trabalho por cima de seu matrimônio. Ross não teria mais remédio que pedir ajuda à administração de Bow Street, já que aquilo era muito trabalho para uma só pessoa. No mínimo, teria que compartilhá-lo com três juízes e contratar a meia dúzia de agentes adicionais. Além disso, ia ser necessário abrir dois ou três julgadores mais em Westminster.

Imaginando a recepção que ia ter lugar no Parlamento, e as correspondentes subvenções econômicas, Ross esboçou um sorriso.

O sorriso lhe apagou quando ficou a procurar a chave da sala de arquivos. Quando esteve com ela, atravessou o corredor, entrou na sala e colocou um abajur sobre a mesa. A sala cheirava a pó e vitela, e pequenas bolinhas flutuavam à luz do abajur.

Depois de uma breve busca, Ross deu com a gaveta que tinha mais probabilidades de conter o arquivo de John Sydney. Sentindo terror e decisão a partes iguais, foi folheando os documentos, mas não encontrou nada relativo ao caso de um ladrão chamado Sydney.

Fechou a gaveta e observou a fileira de armários, pensativo. Pelo visto, o caso de Sydney tinha sido muito insignificante para merecer um arquivo inteiro. Entretanto, o menino deveria aparecer nos registros do tribunal. Franzindo o cenho, Ross voltou para outro armário e o abriu com decisão. De repente, uma suave voz interrompeu sua busca.

—Já olhei aí.

Ross voltou a vista para a porta e se encontrou com a esbelta figura de Sophia. Ela avançou para ele enquanto a luz jogava com suas deliciosas feições. Um melancólico sorriso se formou em seus lábios.

—Já procurei em todas e cada um das gavetas e armários desta sala — murmurou. —Não se menciona John em nenhuma parte.

Ross sentiu culpa e preocupação, mas se manteve destemido enquanto pensava o que fazer.

—Os registros do tribunal que datam mais de dez anos foi transferido a uma sala no último andar; irei agora mesmo.

—Não se preocupe —disse Sophia; pode pedir a Vickery que os busque amanhã.

Compreendendo que ela não tinha mais pressa de encontrar a informação, Ross se aproximou e lhe rodeou a cintura. Sophia não opôs resistência e ele a atraiu e beijou seu pescoço.

—E enquanto isso? —Perguntou, fazendo notar a solidez de sua ereção.

Sophia o abraçou pelo pescoço e roçou os lábios com os seus, insinuando o beijo.

—Enquanto isso vou manter-te muito ocupado.

—Meu quarto ou o teu?

Sophia riu ao recordar a última vez que tinha feito essa pergunta, em seu escritório.

—Qual prefere?

Ross lhe sussurrou ao ouvido: —Minha cama é maior.

No dia seguinte, a brilhante luz da manhã entrou no quarto de Ross, já que a noite anterior tinha esquecido de colocar as cortinas. Sophia, ainda meio sonolenta, deduziu que o sol deveria ser muito forte para atravessar a nuvem que estava acostumada a cobrir a cidade.

Notou que algo se movia atrás dela e, apoiando-se em um cotovelo, girou-se para ele em outro lado. Ross estava espreguiçando; seus emaranhados cilios se abriram deixando à vista os preguiçosos olhos cinza que havia debaixo. Estava tão bonito com o cabelo revolto e com o rosto ainda sonolento que Sophia quase conteve a respiração.

De noite, Ross tinha se mostrado insaciável. Tinha beijado cada centímetro de seu corpo, com mãos peritas e boca insistente. Aquelas lembranças íntimas maravilharam Sophia, que se sentiu ruborizar. Doía-lhe o interior das coxas, assim como os ombros e a nuca.

Vendo a careta de Sophia, Ross se incorporou com o cenho franzido.

—Fiz-te mal ontem à noite?

Ela acariciou seus peludos antebraços.

—Nada que um banho quente não possa remediar.

Ninguém teria reconhecido o reservado e autoritário juiz de Bow Street se o visse olhando Sophia com tanta ternura.

—Está preciosa à luz do sol —disse Ross com voz rouca.

Sophia apagou o sorriso do rosto ao ver que a luz do sol se refletia sobre o branco dos lençóis. Invadiu uma onda de nervosismo.

—Dormimos demais —disse horrorizada. —Não posso acreditar. Sempre nos levantamos antes de romper a alvorada, e agora... Meu Deus! São quase meio-dia!

Ross a fez tombar de novo.

—Te relaxe — sussurrou, —respira fundo.

—Estão todos acordados -disse ela, olhando-o com os olhos totalmente abertos. —Já aconteceu a hora do café da manhã. Meu Deus, nunca tinha ficado dormindo até a essa hora!

—Nem eu.

—Bom, e agora o que fazemos?

—Suponho que poderíamos nos levantar e nos vestir —propôs Ross, pouco entusiasmado com a idéia.

Sophia gemeu cada vez mais preocupada.

—Todos sabem que estamos em seu quarto: os serventes, os empregados, os agentes, os guardas... — queixou-se, agarrando o lençol e tampando o rosto, desejando poder esconder-se para sempre. —Sabem o que estivemos fazendo. OH, não te atreva a rir!

Ross tentou tranquilizá-la, mas seus olhos brilhavam de diversão.

—Por desgraça, estragamos toda possibilidade de discrição. Quão único podemos fazer é seguir com nosso trabalho como se nada tivesse acontecido.

—Não posso —disse Sophia com voz apagada; —só de pensar em olhar o rosto dos outros...

—Não tem que olhar a ninguém no rosto; ficaremos aqui todo o dia. —E ficou em cima dela.

—Suponho que não fala sério —repôs Sophia, e ele soltou uma risada.

—Claro que falo a sério — assegurou.

Sophia se agitou impacientemente debaixo dele.

—Ross, temos que nos levantar agora mesmo!

—Eu já me levantei —afirmou ele, agarrando a mão e levando à dura ereção que estava experimentando.

Sophia suspirou e apartou a mão.

—Se pensar que vou fazer isso contigo agora mesmo, a plena luz do dia, quando todos sabem que estamos aqui...

Ross riu maliciosamente e abriu as pernas debaixo dele.

—Não! —murmurou ela com decisão, conseguindo livrar-se e chegar até a beira da cama — Alguém pode nos ouvir. OH! —exclamou quando Ross lhe mordiscou a nádega direita.

Sujeitou-a pela cintura, colocou-a de barriga para baixo e começou a beijar as costas nuas, da cintura pra acima.

—Estou dolorida —protestou Sophia, que sentiu uma onda de prazer quando Ross lhe mordiscou os ombros.

—Tomarei cuidado —sussurrou Ross na nuca. —Só uma vez mais, Sophia.

Sentir aqueles lábios a fez estremecer levemente.

—Espero... Espero que isto não seja o normal em ti. Três vezes ontem à noite e agora outra vez... Não será assim todo o tempo, verdade?

—Não —respondeu Ross, colocando um travesseiro sob o ventre de Sophia — Saio de uma etapa de carência. Acabarei por me saciar, e não passarei de uma vez por noite.

—Quanto tempo demorará? —perguntou ela, rindo. Posou a bochecha contra o colchão e fechou os olhos — Ross —sussurrou, sobressaltando-se ao notar que este introduzia dois dedos em sua dolorida vagina.

Ele atuava com extrema delicadeza, quase sem mover os dedos dentro de Sophia. Seus lábios foram movendo-se pelo pescoço da moça, e seus beijos eram suaves como asas de mariposa, soltando o quente fôlego de maneira que ela estremecia. As sensações foram se intensificando até que Sophia soltou um sonoro gemido e tratou de dar a volta.

—Não te mova —disse Ross com um quente sussurro ao ouvido.

—Mas te desejo... —replicou ela, agitando-se enquanto os dedos dele foram introduzindo-se mais e mais.

Era uma tortura ficar ali, imóvel, com todo o peso dele em cima, sentindo o roce de seu peito contra as costas. Ross introduziu a ponta da língua na covinha atrás do lóbulo de sua orelha e ela gemeu e se retorceu, enquanto sua vagina apertava com avidez os dedos de Ross. As mãos de Sophia procuraram algo para apertar, dando com a borda do colchão e agarrando-o até que os dedos ficassem brancos.

De repente, as pernas de Ross fizeram pressão contra as suas.

—Separa as coxas —sussurrou ele — Mais... Assim, muito bem.

Ross tirou os dedos e colocou seu membro, enchendo Sophia por completo, enquanto ia levantando os quadris ainda mais, ajustando seu corpo ao dela com meticulosidade. Uma vez dentro, Ross se limitou a mantê-lo mais profundo que pôde enquanto com as mãos procurava entre os úmidos cachos de Sophia até encontrar o botão que com tanta paixão palpitava.

Ross realizava movimentos compassados às carícias de seus dedos, evitando dar a Sophia a investida que ela desejava. Aquilo a fazia louca. Sophia afundou a cabeça no colchão para sufocar seus gemidos, enquanto elevava os quadris. Cada parte de seu ser se centrava no ponto de união entre ela e Ross, no palpitante membro que tanto prazer proporcionava, até que seus sentidos estalaram convulsivamente.

As vibrantes contrações de Sophia envolveram o sexo de Ross, que gemeu contra suas costas, deixando que o clímax fluísse através dele, esvaziando-o. Respirando com força, ficou sobre Sophia até que tremeram os braços. Finalmente, inclinou-se de lado, sem soltá-la, ainda unido às profundidades de seu corpo. Com o sol banhando, os dois amantes ficaram imóveis entre os lençóis enrugados e com aroma de sexo.

Passou um bom momento antes que Ross falasse.

—Pedirei que nos preparem um banho.

Sophia se voltou e afundou o rosto em seu peito.

—A este passo, estaremos aqui todo o dia —murmurou com certo remorso.

—Isso espero —respondeu ele, levantando o queixo com os dedos para roubar outro beijo.

Para surpresa da Sophia, os empregados de Bow Street se esforçavam em aparentar que nada estranho tinha passado. Ninguém se atrevia a olhá-la nos olhos, e estava claro que a todos picava a curiosidade.

Entretanto, o respeito por Ross, não faziam mencionar o que suspeitavam, fez com que ninguém dissesse uma só palavra sobre o fato de que ela, obviamente, tinha compartilhado sua cama.

Encomendou Vickery a tarefa de procurar qualquer menção referida a John Sydney nos registros do tribunal que datassem de mais de dez anos atrás, embora Ross não lhe explicasse o motivo de tal busca.

Tratava-se de um processo laborioso, que requeria que examinasse página por página de imprecisas notas, por isso certamente necessitaria vários dias para fazer esse processo.

—Sir Ross — comentou Vickery, — não pude evitar reparar no sobrenome do sujeito. Posso saber se guarda alguma relação com a senhorita Sydney?

—Preferiria não responder —respondeu Ross em voz baixa. —E devo pedir que conserve isso em segredo, e que não comente com ninguém de Bow Street esta investigação.

—Nem sequer com sir Grant? —perguntou Vickery com assombro.

—Com ninguém —insistiu Ross, olhando a seu empregado com seriedade.

Enquanto Vickery levava a cabo a investigação, Sophia ajudava Ross com a avalanche de trabalho que tinha dado a ela. Além de suas responsabilidades habituais, o magistrado estava preparando uma série de jogadas a rede nos subúrbios de Londres para limpar assentamentos de vagabundos. Se por acaso fora pouco, recebeu uma inesperada petição para atuar como mediador em uma acalorada manifestação organizada pelos empregados de alfaiatarias de Londres para reclamar um aumento dos salários.

Sophia, entretida com tudo aquilo, estava escutando as queixa de Ross, que se preparava para sair de Bow Street.

—Levará tempo resolver a disputa? —perguntou.

—Tomara que não —respondeu ele, ofuscado — Não estou de humor para aguentar horas de discussões.

Sophia sorriu ao vê-lo franzir a testa.

—Sairá gracioso. Estou segura de que tem dotes para convencer a qualquer um de que aceite o que seja.

Ross mudou a expressão quando se aproximou de Sophia para beijá-la.

—Você é a prova disso, não? —murmurou.

Justo quando Ross ia partir, Vickery bateu na porta. Sophia foi abrir e o coração deu um tombo ao ver a expressão triunfante do atuário, que sustentava nas mãos uns documentos amarelados.

—Sir Ross — disse com visível satisfação, —encontrei a informação que me pediu. Poderia ter demorado semanas, mas tive a sorte de topar com a caixa adequada antes de revisar uma quarta parte dos arquivos.

Agora, talvez você possa me dizer por que...

—Obrigado —disse Ross, adiantando-se para agarrar os papéis —é tudo, Vickery; bom trabalho.

Vickery pareceu decepcionado ao dar-se conta de que não ia receber mais informação a respeito daquilo.

—Sim, senhor. Suponho que o lerá quando voltar da manifestação dos alfaiates.

—Os alfaiates podem esperar —disse Ross com firmeza. —Feche a porta ao sair, Vickery.

O homem saiu do escritório lentamente, perplexo de que um antigo registro do tribunal tivesse preferência sobre a manifestação dos alfaiates.

O leve som da porta ao fechar fez estremecer Sophia. Olhou fascinada o documento que sustentava Ross e ficou pálida.

—Não tem por que lê-lo agora — disse com aspereza — antes deve atender a suas responsabilidades.

—Sente-se —murmurou Ross, avançando e pondo uma mão no ombro.

Ela se sentou em uma cadeira e se agarrou aos braços com força. Centrou o olhar no rosto impassível de Ross, enquanto este voltava para seu escritório e desdobrava os documentos sobre a gasta superfície. Ross pôs uma mão a cada lado do papel e se inclinou sobre ele.

Um silêncio asfixiante caiu sobre o escritório enquanto Ross os estudava. Sophia tratava de respirar com tranquilidade, perguntando-se que motivo tinha para sentir-se nervosa; depois de tudo, estava quase segura do que revelariam aqueles papéis e, como já havia dito a Ross, já não importava. Tinha-o perdoado, e com isso tinha encontrado a paz. Entretanto, sentia seu corpo como se fora um relógio que tivessem dado muita corda.

Vendo que Ross franzia a testa, fincou as unhas nos braços da cadeira.

Justo quando pensava que a tensão ia deixa - lá louca, Ross falou, sem deixar de observar os documentos.

—Me recordo; eu era o juiz em funções aquele dia. Depois de escutar o caso, condenei John Sydney há passar dez meses em uma prisão flutuante. Tendo em conta o crime que tinha cometido, era o castigo mais leve que podia lhe impor. Uma condenação menor teria despertado tanta ira na gente que me teria visto forçado a abandonar meu cargo.

—Dez meses em uma prisão flutuante por lhe roubar o carteira de alguém? —perguntou Sophia, sem dar crédito ao que ouvia — Está claro que é um castigo totalmente desproporcionado!

Ross não a olhou.

—Seu irmão não era um ladrão de carteira, Sophia, nem tampouco se juntou com um grupo de trombadinhas, John era um bandoleiro.

—Um bandoleiro? —repetiu Sophia, sacudindo a cabeça, incrédula — Não é possível; minha prima me disse que...

—Ou sua prima não estava sabendo da verdade, ou pensou que era melhor que não soubesse.

—Mas John só tinha quatorze anos!

—Uniu-se a um grupo de bandoleiros, e participou de uma série de assaltos cada vez mais violentos, até que os quatro foram presos e conduzidos a mim, acusados de assassinato. Por alguma razão, Sydney não mencionou seu titulo; identificou-se como um plebeu.

Sophia empalideceu.

Por fim, devolveu o olhar; sua expressão seguia impassível, e continuou falando com tom monótono.

—Detiveram uma carruagem que levava duas mulheres, um bebê e um ancião. Não só despojaram às damas de seus relógios e jóias, mas além um dos bandidos, de nome Hawkins, tirou uma mamadeira de prata ao menino. Segundo o testemunho das mulheres, o pirralho ficou a chorar com tanto desconsolo que seu avô pediu ao assaltante que devolvesse a mamadeira. Teve lugar uma discussão, e Hawkins golpeou o velho com a culatra de sua pistola. O ancião caiu ao chão, e não ficou claro se morreu pelo golpe ou de um enfarte.

Quando o bando foi capturado e levado a mim, o clamor popular contra eles era absoluto. Os três maiores foram condenados e executados em pouco tempo. Entretanto, à idade de John Sydney e o fato de que ele não tinha atacado pessoalmente o ancião, consegui que recebesse uma condenação menor. Mandei-o para prisão flutuante, o que provocou que muita gente ficasse furiosa e me criticasse, já que a maioria pedia sua morte.

—Não posso acreditar que esteja falando de meu irmão —disse Sophia. —Não acredito que John fosse capaz de cometer tais crimes.

Ross respondeu com supremo tato.

—Uma pessoa de sua idade não tivesse sido capaz de sobreviver nos baixos recursos de Londres e sair ileso. Suponho que seu irmão saiu endurecido de sua experiência nesses ambientes; qualquer um corromperia levando uma vida semelhante.

Sophia sentiu náuseas e uma dolorosa vergonha.

—Todo este tempo te culpei por ter cometido uma injustiça —conseguiu dizer, —quando em realidade fez o que pôde para ajudá-lo.

Ross contemplou o amarelado documento e passou o dedo pela imprecisa escritura.

—Lembro que em seu irmão parecia ter algo digno de ser salvado —disse, com ar ausente — Era evidente que se havia visto envolto em algo que escapava a seu controle —acrescentou, entreabrindo os olhos e seguindo com a leitura do documento — Há algo em seu caso que me inquieta —murmurou — Passei algo por alto... Intuo que em tudo isto há uma conexão que não consigo decifrar.

—Sinto muitíssimo —lamentou Sophia, balançando a cabeça lentamente.

Ross levantou a vista e observou à mulher com ternura.

— Por quê?

—Por me colocar em sua vida, por procurar vingança quando ninguém a merecia, por te pôr em uma posição que não te correspondia —declarou Sophia, ficando de pé com esforço, tão engasgada que quase não podia respirar.

Ross rodeou sua mesa e tratou de abraçá-la, mas ela rechaçou seu gesto.

—O melhor que posso fazer por ti —disse, —é desaparecer.

Ross a agarrou pelos antebraços e a aproximou dele com suavidade.

—Sophia, me olhe — disse. Sua voz adquiriu um tom meio de raiva meio de medo. —Olhe-me, maldita seja! Se desaparecer, encontrarei-te. Não importa quão longe vá; assim coloque isso na cabeça.

Sophia o olhou diretamente aos olhos e assentiu, enquanto sua mente fervia de conjeturas miseráveis.

—E agora me prometa que enquanto esteja fora esta manhã não cometerá nenhuma loucura —prosseguiu Ross com mais calma — Fique aqui, e quando voltar já resolveremos as coisas, de acordo? —Como Sophia não respondia Ross levantou o queixo — De acordo? —repetiu com autoridade.

—Sim —sussurrou ela, —esperarei.


Capítulo 13

 

Como Ross ia estar fora todo o dia, havia pouco que Sophia pudesse fazer no despacho, assim decidiu fazer inventário da despensa. A informação sobre o escuro passado de seu irmão tinha sido inesperado e perturbador, por isso custava pensar com frieza. Foi realizando a tarefa de forma mecânica, sentindo-se derrotada e afligida, até que finalmente houve algo que despertou daquele estado.

De uma das prateleiras da despensa provinha um aroma pestilento, e Sophia suspirou desgostosa enquanto procurava a fonte daquele fedor.

—Meu deus, o que passa aqui? –exclamou.

Eliza foi até a porta da despensa para ver o que ocorria.

A Sophia não levou muito tempo descobrir que aquele pútrido aroma vinha de um salmão estragado.

—Podemos colocá-lo em vinagre e suco de limão —sugeriu a cozinheira — isso fará que cheire bem menos; se não fizer muito tempo que está passado, quero dizer.

Sophia fez uma careta de asco, cobriu com um pano aquela massa imunda e a tirou da prateleira.

—Eliza, nada pode salvar a este pescado. Faz muito tempo que está passado; está podre da cabeça à cauda.

—Dê-me isso que o envolverei —murmurou a mulher, agarrando um jornal velho para envolver o salmão.

Sophia a olhava com desagrado.

—Lucie comprou este pescado no Lannigan’s esta manhã, não é assim?

—Lannigan disse que estava fresco.

—Fresco! – exclamou Sophia com cinismo —Diria que fosse devolvê-lo —disse Eliza, franzindo o cenho, —mas é que já a mandei procurar sementes de capuchina para marina-lo.

—Já irei devolver eu mesma —anunciou Sophia decidida, sabendo que Eliza não tinha curado o joelho o suficiente para ir a peixaria. Além disso, faria bem para estirar as pernas e limpar um pouco a mente. —Direi algumas coisas a esse Lannigan. Como se atreve a enviar a casa de sir Ross um pescado nestas condições?

—Senhorita Sydney, acredito que terá que esperar. Ernst não pode ir com você, já que foi levar um recado de sir Grant.

—Pois irei sozinha. Não é longe e voltarei antes que alguém perceba de que fui.

—Mas sir Ross já tinha dito muitas vezes que vá acompanhada quando sair de casa; se ocorrer algo... — disse Eliza, quase tremendo.

—Não me ocorrerá nada, não é como se fosse mole, só vou ver o peixeiro.

—Mas sir Ross...

—Já me ocuparei de sir Ross —murmurou Sophia, e foi procurar seu chapéu.


Frente à justificada indignação de Sophia e às lembranças de tudo o que sir Ross fez por ele no passado, Lannigan não pôde por menos que desculpar-se o melhor possível.

—Foi um engano —disse com seu marcado acento cokney, passando a vista por todo o local, para evitar olhar Sophia. Seu rosto rechonchudo tinha avermelhado de vergonha — Nunca venderia um pescado passado a Bow Street! Tratar de enganar sir Ross... Estaria louco se o fizesse, verdade? —disse o peixeiro, e iluminou o rosto ao ocorrer a uma explicação — O que passa é que essa destraída de Lucie levou o pescado equivocado.

—Bom, nesse caso — respondeu Sophia, eu gostaria que me trocasse isso pelo pescado correto, por favor.

—Sim, senhorita —obedeceu o homem, agarrando o pútrido salmão e levando ligeiro. —Só o melhor para sir Ross —murmurou para si, — isso é o que digo sempre.

Enquanto Sophia esperava que envolvessem o novo pescado, advertiu que fora da loja se originou um pequeno alvoroço. Curiosa, foi até a pequena janela da loja e olhou como uma multidão exaltada se reunia frente à entrada de uma casa ao outro lado da rua.

—Pergunto-me o que estarão olhando.

—Gentry volta a sair de caça —respondeu Lannigan com um tom que estranho, soava a orgulho.

—Nick Gentry? —perguntou Sophia, olhando ao peixeiro por cima do ombro e arqueando as sobrancelhas, surpreendida — Quer dizer que trata de capturar a alguém?

Lannigan desdobrou um retângulo de papel e envolveu o pescado.

—Este Gentry é como uma raposa; é o apanha ladrões mais preparado e mais rápido desde Morgan; essa é a verdade —disse.

Sophia voltou à vista à cena e se precaveu de que a gente esperando a que o indesejável Gentry saísse do edifício.

—Ele apanha ladrões — opinou com cinismo — Mas também é um criminoso. Essa comparação me parece um insulto a sir Cannon, que é o mais honrado dos homens.

—Sim, senhorita —disse Lannigan atando uma corda ao redor do pacote com rapidez, —é um tipo estranho.

Sophia não sabia o que pensar sobre a admiração que sentia a gente por aquele patife. Como era possível que seu magnetismo e seu encanto não deixassem ver as pessoas quão corrupto era?

Lannigan foi até a janela e lhe entregou o salmão.

—Senhorita Sydney, você pôde ver o Gentry quando o levaram a Bow Street?

—Pois a verdade é que não —disse Sophia, e franziu o cenho ao recordar a fúria de Ross quando ela tinha baixado aos calabouços, onde só tinha conseguido ver as costas do famoso senhor do crime — Embora estivesse ali nesse momento, não pude vê-lo.

—Sua carruagem está justo à volta da esquina —informou o lojista em voz baixa; —se esperar ali, é possível que consiga ver.

Sophia riu levemente

—Tenho melhores coisas para fazer que tentar ver uma uva sem semente como Gentry.

Entretanto, quando ia saindo da loja, duvidou e olhou para o beco, onde havia uma carruagem negra e ornamentada com muito ouro, puxada por seis cavalos. Era exatamente o tipo de veículo extravagante e sem gosto que poderia comprar com dinheiro ganho ilicitamente. O chofer esperava na boléia, com cara de aborrecido e uma cartola na cabeça, e junto à porta havia um guarda.

Sophia não estava segura por que sentia tanta curiosidade em ver Gentry; pode ser porque Ross o odiava profundamente. Gentry era o oposto de tudo o que defendia Ross. Embora o homem afirmasse ser um caça-recompensas profissional, e, portanto estava do lado da lei, o certo é que era um criminoso desumano.

Chantagem, denúncia, crime organizado, conspiração e puro e simples roubo, tais eram as maldades que tinha cometido Nick Gentry. Era um insulto à moralidade, e ainda assim, a maioria da gente o tinha por um herói, e os que não, temiam cruzar-lhe.

—Gentry é o nosso homem! –Viva Black Dog!

Enquanto Sophia pensava em todos os delitos que e atribuíam ao Gentry, viu que a multidão que havia ao outro lado da rua se afastava para deixar passo a uma figura alta e singular. Caminhava de forma arrogante, com uma confiança que se refletia em seus ombros erguidos e em seu passo, ágil e desenvolvido. À medida que ia deixando atrás a seus admiradores, estes foram dando palmadas nas costas uma vez que o aclamavam.

—Gentry é nosso homem! — diziam — Viva Black Dog!

Black Dog? Sophia franziu o nariz, sentindo desprezo pela ultraje. Apoiou-se contra a parede do edifício e observou como a gente acompanhava Gentry ao carro. Quando o caça-recompensas se aproximou mais, Sophia, surpreendida, deu-se conta de que era jovem e bonito, de nariz reto e largo, feições elegantes e bem definidas e de vívidos olhos azuis. Possuía um físico imponente, por isso parecia um dos agentes de Bow Street. Estava claro que tinha o que gentilmente se denominava “vitalidade’’. Seu cabelo era brilhante e moreno, e tinha a pele muito bronzeada, e quando sorria os dentes brilhavam com uma brancura surpreendente. Entretanto, apesar de seu aparente bom humor, o homem gotejava uma frieza inquietante, um evidente potencial de selvageria, apesar do quente dia, Sophia teve calafrio.

O guarda abriu a porta da carruagem e Gentry se dispôs a subir nela rapidamente. Entretanto, por alguma razão, deteve-se justo antes de entrar, apoiando uma mão sobre a madeira negra do veículo. Ficou muito quieto, como se estivesse ouvindo algo que ninguém mais pudesse ouvir. Ergueu as costas e deu a volta pouco a pouco, para posar os olhos em Sophia. Assombrada e presa da intensidade daquele olhar, ela o sustentou.

A gente, a rua, o céu..., tudo pareceu desaparecer, deixando só a ambos. De repente, Sophia reconheceu nele algo estranho, com que se encontrou em Silverhill Park, que lhe tinha posto o colar de diamantes. Como era possível? O que podia querer dela alguém como Nick Gentry? Escorreu o pescado entre as mãos tremendo e começou a respirar com dificuldade.

Perplexa, viu como Gentry se dirigia para ela, detinha-se seu lado, estirava o braço para agarrá-la, mas duvidava, tudo isso sem deixar de olhá-la. Então, o homem pareceu superar sua vacilação e a sujeitou pelo punho.

—Venha comigo — disse Gentry, e sua suave voz prevaleceu sobre o rumor da multidão — não lhe farei mal.

Assombrada, Sophia, com o rosto pálido como a cera, rechaçou o convite de Gentry e tratou de liberar-se de sua presa.

—Me solte — disse nervosa —se me ocorresse algo, sir Ross o mataria.

Genrty se aproximou mais, e lhe disse ao ouvido.

—Quer saber o que aconteceu com John Sydney?

Sophia deu um chute.

—O que sabe você de meu irmão?

—Venha —insistiu Gentry, levantando uma comissura na boca no que parecia um sorriso zombador.

A visão de Gentry levando a jovem formosa de entre a multidão causou maior espera. A gente ficou a vociferar e aplaudir, e se formou redemoinhos em torno do carro enquanto Gentry acompanhava Sophia ao interior do mesmo. Assustada, embora curiosa, Sophia se sentou indecisa, sobre as almofadas de couro do assento. A porta se fechou e o veículo ficou em marcha. A carruagem de seis cavalos virou a esquina e acelerou, avançando a galope.

—Aonde vamos? —quis saber Sophia, inquieta — E, como sabe você o nome de meu irmão? E, por que me deu de presente o vestido e o colar, e...?

Gentry elevou as mãos em um burlesco gesto defensivo —Já explicarei, mas por favor tenha paciência.

O homem extraiu um copo e uma pequena garrafa de líquido âmbar de um compartimento de madeira lustrada adjacente à porta.

Entornou o líquido porque o movimento do carro não o permitia, ou porque, estranhamente, tremiam-lhe as mãos, o certo é que Gentry não conseguiu servir uma taça. Soltando um juramento, levou-se a garrafa à boca e bebeu diretamente. Com cuidado, voltou a guardar os objetos no compartimento, e ato seguido apoiou suas grandes mãos nos joelhos.

—Vamos a minha casa em West Street, junto ao Fleet Ditch Sophia esboçou uma careta de horror. Aquele lugar era um dos mais horríveis e perigosos de Londres, guarida de ladrões e fugitivos, convenientemente reunido perto das prisões de Newgate, Ludgate e Fleet. O

grande esgoto que era Fleet Ditch dispersava seu fedor através dos serpenteantes becos que a rodeavam.

—Comigo estará segura — disse Gentry. —Tudo o que quero é falar com você em privado.

—Por que comigo? —perguntou Sophia — O que tenho feito para chamar sua atenção? Nunca nos vimos, e estou segura de que não temos amizades em comum.

—Entenderá assim que te explique um par de coisas.

Sophia se agachou em um extremo do assento e olhou Gentry com frieza.

—Pois me explique de uma vez, e logo me leve de volta a Bow Street.

Aparentemente fascinado por sua valentia, Gentry sorriu, deixando ao descoberto seus brilhantes dentes brancos.

—De acordo —disse em voz baixa. —Muito bem; desejo falar com você dos últimos dias de John Sydney.

—Conhecia você meu irmão? —perguntou Sophia.

Ele assentiu.

—Estive na prisão flutuante onde morreu. Por que ia mentir? —Repôs ele. Havia lago em seus olhos que fez com que Sophia acreditasse.

Aquilo a golpeava dolorosamente na ferida interna deixada pela morte de seu irmão. Ninguém tinha contado nunca o que tinha tido que suportar John na prisão flutuante, nem a forma em que tinha morrido.

Sempre tinha ansiado saber, mas agora que parecia estar próxima a conhecer a verdade, sentia um medo atroz.

—Fale —disse com voz rouca.

Gentry falou devagar, para que Sophia custasse menos assimilar a informação.

—Estávamos na Scarborough, ancorada no Támesis. Havia seiscentos reclusos sob coberta, alguns em celas, e outros encadeados a mastros de ferro cunhado em madeira de carvalho. A maioria tinha uma perna sujeita por uma cadeia e uma bola. Ali havia ladrões, assassinos... Não importava a magnitude do crime; todos estavam sujeitos ao mesmo trato. Os mais jovens como John e eu, levamos a pior parte.

—Em que sentido? —perguntou Sophia.

—Estávamos encadeados junto a homens que tinham sido privados de —Gentry fez uma pausa, aparentemente procurando a palavra que Sophia pudesse entender — Homens que fazia muito tempo que não tinham estado com uma mulher, entende a que me refiro?

Sophia assentiu com precaução.

—Quando um homem chega a esse estado, é capaz de fazer coisas que normalmente não faria, como por exemplo, atacar homens mais vulneráveis que ele, e submetê-los a... —interrompeu-se de novo. Seu olhar se tornou distante, como se estivesse observando algo desagradável através de uma janela. Parecia alheio aquelas lembranças, como se os contemplasse de fora — a coisas inomináveis —murmurou.

Sophia guardou silêncio, angustiada e horrorizada, enquanto uma parte dela se perguntava por que Nick Gentry contaria algo tão privado e desagradável a uma mulher que não conhecia.

O caça-recompensas prosseguiu, tratando de parecer tranquilo e natural.

—Os detentos passavam fome, estavam sujos e respiravam um ar viciado. Estávamos amontoados; os vivos, os moribundos e os mortos. Cada manhã, os cadáveres dos que não tinham sobrevivido a noite anterior eram subidos a coberta, levados a terra firme e enterrados.

—Me fale de meu irmão —disse Sophia, fazendo um esforço para que não tremesse a voz Gentry olhou nos olhos dela e surpreendeu pelos olhos vibrantes e intensos que eram os dele.

—John se fez amigo de um menino que tinha quase sua idade. Tratavam de proteger-se, de ajudar-se mutuamente quando era possível, e não paravam de falar do dia que os liberassem. Embora fosse egoísta, John temia que chegasse o dia em que soltassem seu amigo. Esse momento não demoraria para chegar, e quando o fizesse, John sabia que voltaria a estar sozinho.

Gentry fez uma pausa e passou a mão por sua espessa cabeleira, desfazendo as brilhantes mechas que lhe tinham formado. Parecia como se cada vez custasse mais falar.

—Pelas coisas do destino, duas semanas antes que seu amigo fosse liberado, houve uma epidemia de cólera no navio. O amigo de John caiu doente e, apesar dos esforços de seu irmão por cuidar dele, o menino morreu; o que, por outra parte, deixava John em uma situação mais que interessante. Pensou, já que seu amigo tinha morrido, não havia nada mau em tomar sua identidade.

Sophia estava totalmente desconcertada.

—Como? —perguntou em voz baixa Gentry não a olhou.

—Se John assumia a identidade do menino, sairia dali em questão de dias, em lugar de ficar um ano mais na prisão flutuante. E não cabia dúvida de que John não tivesse resistido tanto tempo. Assim de noite trocou sua roupa com a de seu amigo e, quando chegou a manhã, disse que o cadáver era o de John Sydney.

Nesse momento, a carruagem se deteve, e o aroma pestilento de Fleet Ditch começou a penetrar no interior do veículo. A Sophia pulsava o coração aceleradamente e lhe faltava o ar.

—Mas isso não tem sentido —disse, impassível. —Se o que você me conta é certo, então... —De repente se deteve, dando-se conta que zumbiam os ouvidos.

Então Gentry, cujo rosto pareceu perder sua frieza, olhou-a aos olhos e lhe tremeu o queixo, como se estivesse tentando controlar intensas emoções. Quando recuperou a calma, conseguiu falar com mais moderação.

—O nome do menino morto era Nick Gentry.

Subitamente, Sophia estalou em um dilacerado pranto.

—Não — disse entre soluços, —isso não é certo. Por que me faz isto? Me leve de volta a Bow Street!

Através da corrente de lágrimas, Sophia viu aproximar-se aquele homem.

—Não me reconhece Sophia? —Perguntou ele, com angústia.

Ela se surpreendeu ao ver que se ajoelhava e a agarrava pelas saias, afundando sua escura cabeleira entre seus joelhos.

Estupefata, observou as mãos que lhe agarravam o vestido. Ao tocar a mão esquerda escapou um rouco soluço: havia uma pequena cicatriz em forma de estrela no centro, a mesma que John se fez sendo menino, quando tinha roçado com ela um alambique esquentado pelas brasas. Com as lágrimas ainda correndo pelas bochechas, Sophia cobriu a cicatriz com sua própria mão.

Ele levantou a cabeça e olhou com uns olhos que ela por fim reconheceu exatamente iguais aos seus.

—Por favor —sussurrou ele.

—Está bem —balbuciou Sophia, nervosa; —acredito, John. Reconheço-te. Deveria me haver dado conta antes, mas é que está tão mudado...

Seu irmão respondeu com um murmúrio de causar pena, lutando por conter suas emoções.

Sophia sentiu em seu próprio rosto uma careta, mescla de felicidade e negação.

—Por que esperaste tantos anos para vir até a mim? Estive sozinha tanto tempo... Por que te mantiveste longe de mim e deixaste que sofresse tanto por ti?

John enxugou as lágrimas com a manga de seu casaco e soltou um sonoro suspiro.

—Falaremos lá dentro.

O criado abriu a porta da carruagem de Gentry, John, baixou a escada rapidamente e ajudou Sophia a descer. Pôs as mãos nos ombros, notando como ele a agarrava pela cintura e a posava com delicadeza sobre o chão. Entretanto, Sophia tremia os joelhos, e se surpreendeu ao comprovar que falhavam as pernas.

Gentry a ajudou rapidamente, passando as mãos por debaixo dos braços.

—Tranquila. Sinto muito, sofreste uma comoção.

—Estou bem —respondeu ela, tratando sem êxito de apartá-lo.

Sem soltá-la, Gentry a conduziu ao interior da casa. Tratava-se de um edifício reformado, que antes tinha sido um botequim. Sophia não pôde evitar de dar uma olhada aos arredores, que pareciam tirados de um pesadelo. Essa era uma zona de Londres que inclusive os agentes mais valentes tratavam de evitar a todo custo. Gente que se deslocava por aquelas tortuosas e retorcidas ruas quase não pareciam seres humanos.

Pálidos e sujos vestiam farrapos, como fantasmas.

Animais de toda classe revolviam entre os montões de lixo acumulados na rua, enquanto o fedor dos esgotos, combinado com as fumaças procedentes de um matadouro próximo, se fazia tão rançoso que de fato fez lacrimejar Sophia. Havia ruído e barulho em qualquer parte; o lamento dos vagabundos, o som de porcos e galinhas, briga entre bêbados e, inclusive, algum disparo ocasional.

Advertindo a reação de sua irmã, Gentry esboçou um sorriso.

—Não é exatamente Mayfair, verdade? Não se preocupe, acostumará ao aroma em menos tempo do que pensa. Eu já quase não o noto.

—Por que escolheste viver aqui? —perguntou Sophia, quase afogando-se com aquele ar viciado. —Dizem que tem dinheiro. Seguro que pode te permitir algo melhor que isto.

—Bom, tenho uns escritórios elegantes no centro da cidade —assegurou Gentry. —Onde me reúno com meus clientes, ou com políticos e gente assim. Mas aqui é onde estão todas as casas seguras e os cárceres, e preciso ter fácil acesso a elas. — Vendo que Sophia não entendia, seu irmão explicou enquanto a fazia subir por umas desmanteladas escadas. —Nas casas seguras vivem os delinquentes de êxito, onde estão a salvo da lei e têm liberdade para jogar, beber e fazer planos.

—E você é o delinquente de mais êxito — repôs Sophia, acompanhando-o por um labirinto secretos, escadas e escuros compartimentos.

—Há quem opina isso —respondeu ele sem indício de desconforto, —mas a maior parte do tempo me dedico a caçar ladrões.

—Supõe-se que não deveria viver deste modo —murmurou Sophia, assombrada de no que se converteu seu irmão.

—E me supõe que você deveria ser uma faxineira? –Assinalou ele com ironia. —Não nos julgue Sophia; ambos temos feito o que pudemos para sobreviver.

Aproximaram-se de uma porta maciça no final de um estreito corredor, e Gentry a abriu para deixar passar sua irmã.

Sophia cruzou a soleira e se surpreendeu ao encontrar-se com uma série de salas decoradas com elegância.

As paredes, empapeladas, estavam cobertas por espelhos barrocos com marcos de ouro e cenários com delicadas pinturas. Os móveis, de estilo francês, tinham muitos detalhes dourados e estavam estofados em brocado, e as janelas estavam forradas em veludo azul e cinza.

Sophia olhou seu irmão, assombrada.

Gentry sorriu com naturalidade.

—Que tenha que te alojar em West Street não significa que tenha que viver de má maneira.

Exausta por ter recebido o que certamente era a maior comoção de sua vida, Sophia se sentou em uma cadeira. Gentry foi até uma barra, serviu duas bebidas e levou uma a sua irmã.

—Bebe um pouco disto – disse.

Ela obedeceu, agradecendo a suave queimação do brandy que lhe descia pela garganta. Seu irmão sentou a seu lado, bebendo sua taça como de água se tratasse. Observou a sua irmã e sacudiu a cabeça maravilhado.

—Não posso acreditar que esteja aqui. Tinha pensando em minha irmã durante anos, sem saber o que tinha sido de ti.

—Poderia me haver feito saber que estava vivo –reprovou Sophia.

O rosto de seu irmão perdeu toda expressão.

—Sim, poderia havê-lo feito —Então?

Gentry fez girar o copo vazio entre seus largos dedos, observando uma solitária gota que ficava em seu interior.

—A razão principal era que te convinha não sabê-lo. Minha vida é perigosa, por não dizer desagradável, e não queria que tivesse que carregar com a vergonha de ter um irmão como eu. Estava seguro de que tinha se casado fazia anos, com um homem decente do povo, e que a estas alturas já teria tido filhos e resulta que está solteira! —exclamou, fazendo que a palavra soasse como algo maldito. —Pelo amor de Deus, Sophia, por que é uma maldita faxineira? E ainda por cima em Bow Street!

—Quem teria querido casar comigo, John? –Repôs ela com ironia — Não tenho dote, nem família, nem nada que oferecer, salvo um rosto bonito, te asseguro que, para os granjeiros e operários do povo, não é algo que tenha muito valor. A única oferta de matrimônio que recebi foi a de um padeiro do povo, um homem velho e gordo que tem quase o dobro da minha idade. Trabalhar para a prima Ernestine resultava mais atrativo. E no que se refere Bow Stree... A verdade é que eu gosto de estar ali.

Sophia teve a tentação de contar para John o breve romance vivido com Anthony, e como este a tinha utilizado e abandonado. Entretanto, tendo em conta a má reputação de seu irmão, decidiu abster-se. Pensou que se o disesse, John mataria Anthony ou o torturassem de algum jeito.

Gentry emitiu um bufado ao nome do Bow Street.

—Esse não é lugar para ti —disse. —Esses agentes não são melhores que os valentões que trabalham para mim. E se esse bode do Cannon te tratou mal, o...

—Não – cortou Sophia energicamente — Ninguém me tratou mal John, e sir Ross é muito amável comigo.

—Já, é obvio meu irmão.

A lembrança de que seu amante e seu irmão eram inimigos fez com que a Sophia desse uma pontada no coração. Isso mudava tudo, pensou com angústia. Ross tinha se preocupado tanto por ela... Entretanto, o fato de que seu irmão fosse Nick Gentry, o homem ao que mais desprezava Ross... Bom, isso não podia passar-se por cima. A situação era tão estranha e complicada que Sophia esboçou um triste sorriso.

—No que está pensando? —perguntou-lhe seu irmão.

Ela sacudiu a cabeça e apagou o sorriso. Não havia necessidade de que John soubesse da relação amorosa que mantinha com o magistrado chefe de Bow Street, e menos quando dita relação, possivelmente, acabou-se.

Conseguiu relegar aqueles pensamentos ao mais fundo de sua mente, e observou seu irmão.

A beleza que tinha advertido na infância de John se cumpriu com acréscimo. Com vinte e cinco anos, possuía um rosto de linhas marcadas e elegantes que lhe recordava a de um tigre. Suas feições eram atrativas e angulosas; tinha o queixo bem definido e o nariz seguia uma linha reta e sólida. Os grossos arcos de suas sobrancelhas coroavam uns olhos de um azul tão escuro que as pupilas quase se desvaneciam na intensidade daquela íris. Entretanto, a incomum beleza masculina de seu rosto não conseguia esconder uma rudeza inquietante. Gentry parecia capaz de quase tudo: mentir, roubar e inclusive matar sem o menor remorso .

Não havia debilidade nele, e Sophia supôs que fazia muito tempo que tinha perdido qualquer tipo de piedade ou compaixão. Contudo, seguia sendo seu irmão.

Pensativa, Sophia tocou a bochecha de seu irmão, que permaneceu quieto enquanto ela o acariciava.

—John, nunca guardei esperanças de que seguisse com vida.

Colheu com delicadeza sua mão, como se resultasse difícil o contato físico com outra pessoa.

—Fiquei atônito quando te vi no calabouço de Bow Street —murmurou. —Soube que era você à primeira vista, inclusive antes de ouvir seu nome. – esticou o queixo. —Quando esse bastardo do Cannon te gritou, tive vontade de lhe cortar o pescoço e...

—Não – interrompeu ela. —Só se preocupava comigo, tentava me proteger.

O brilho de fúria permaneceu nos olhos de John.

—É uma dama desde que nasceu Sophia; ninguém tem direito a te tratar como uma faxineira.

Ela esboçou um sorriso afetado.

—Sim, nasci para ser uma dama, e você para ser um cavalheiro. Mas agora ninguém nos confundiria com membros da alta sociedade, não acredita? —Como John não disse nada, Sophia prosseguiu. —Ouvi coisas terríveis de ti, ou melhor, dizendo, de Nick Gentry.

—Me chame Nick —disse ele sem mais. —John Sydney já não existe. Guardo poucas lembranças de minha vida antes que me recrutassem na prisão flutuante. De fato, não quero recordar —reconheceu, e lhe desenhou um frio sorriso no rosto. —Não sou culpado da metade do que me acusam, mas eu incito tais rumores, e nunca neguei nem o pior deles. Serve-me para manter minha má reputação. Quero que essa gente tenha medo e respeito; é bom para o negócio.

—Está dizendo que nunca roubaste, nem conspirou, nem traiu, nem chantageou, nem...?

Gentry a interrompeu com um gesto de aborrecimento.

—Tampouco que seja um santo.

Apesar da angústia que sentia, Sophia esteve a ponto de rir daquele comentário.

Gentry entreabriu os olhos.

—Só me aproveito de gente tão estúpida que merecem que delas se aproveitem. Pelo resto, nunca reconhecem tudo de bom que tenho feito.

—Por exemplo?

—Sou bom caçando ladrões. Meus homens e eu capturamos quase o dobro de criminosos que sir Ross e sua gente.

—As pessoas dizem que às vezes manipula provas, que usa métodos sórdidos para arrancar confissões que podem não ser certas.

—Faço o que devo fazer —disse Gentry. — E se os delinquentes que detiver não são culpados de um crime em particular, restam outros.

—Mas, por que não...?

—Basta —espetou Gentry ficando de pé. Foi de novo até a barra. —Não quero falar de meu trabalho.

Sophia observou como se servia outro brandy e o bebia de em dois goles. Custava acreditar que aquele homem fosse seu irmão.

—Nick —disse ela, saboreando o som daquele nome — por que me fez esses presentes? Não sabe que estive a ponto de ficar louca; tinha muito medo de que sir Ross pensasse que tinha um amante secreto.

—Perdão —murmurou seu irmão com um sorriso forçado — Só... Só queria que tivesse as coisas que merecia. Nunca pretendi que nos encontrássemos. Entretanto, a necessidade de ver-te se converteu tão forte que já não podia suportá-lo.

—E por isso foi a Silverhill Park?

Gentry sorriu como um menino mau.

—Atraía-me a idéia de fazê-lo no narizes de Cannon. Sabia que podia me introduzir e sair da multidão sem ser descoberto; a máscara fez com que fosse fácil.

—O colar era roubado?

—Claro que não —disse Gentry, indignado — O comprei especialmente para ti.

—Mas o que vou fazer eu com semelhante jóia? Nunca me poderia pôr isso John... Nick... não quero viver no estrangeiro. Aqui representa tudo para mim —Usará — assegurou Nick. —Possuo uma fortuna, Sophia. Comprarei uma casa em algum lugar, na França ou Itália, onde possa viver como uma dama. Darei-te uma atribuição, para que nunca mais tenha que voltar a preocupar-se por dinheiro.

Sophia o olhou boquiaberta.

—John... Nick... Não quero viver no estrangeiro! Tudo o que representa algo para mim está aqui.

—O que diz? —soltou Gentry, cuja voz tomou um tom perigosamente suave. —O que acredita que tem este lugar?


Capítulo 14

 

O ruído gerado pelos exaltados manifestantes atravessava os muros do botequim Leão Vermelho, em Threadneedle. Dentro se amontoava uma multidão que esticava o pescoço para obter uma melhor visão da mesa onde encontrava sentado Ross junto com os representantes dos alfaiates e trabalhadores. Durante a primeira hora de negociações para conseguir novos salários, Ross tinha escutado queixas por ambas as partes.

Como a tensão crescia por momentos, deduziu que os debates se alargariam possivelmente até a noite.

Pensou em Sophia, na vontade que tinha de voltar para casa para estar com ela, e teve que fazer um esforço para controlar sua impaciência.

Uma garçonete que se banhou em colônia para camuflar outros aromas mais potentes, dirigiu-se a ele com a jarra de café que Cannon tinha pedido.

—Aqui tem, sir Ross — disse a mulher, passando intencionadamente um de seus enormes seios por um ombro ao inclinar-se para lhe servir. —Gostaria de algo mais, senhor? Um pouco de coelho a galesa ou uns folhados de maçã? Pode pedir o que você deseje — assegurou.

Ross, acostumado a passar por situações semelhantes durante os últimos anos, dedicou um formal sorriso cortês.

—É muito amável, mas não, obrigado.

Ela fez uma careta de decepção.

—Pode ser que mais tarde —disse Ross, e partiu rebolando os quadris.

Um dos representantes dos alfaiates, um tipo chamado Brewer, observou Ross com um pícaro sorriso no rosto.

—Absolvi, sir Ross. Finja que não deseja uma mulher e ela se esforçará por atraí-lo, né? É você uma raposa. Arrumado a que as compreende bastante bem Ross esboçou um sorriso.

—Há duas coisas que um homem sempre deve evitar Brewer: fazer esperar uma mulher e tratar de entendê-la.

O alfaiate fez um gesto de aprovação e Ross desviou a atenção para uma enorme figura que entrava no botequim: sir Grant Morgan, cuja escura cabeleira se sobressaía por cima da multidão e cuja aguda vista examinava o lugar. Morgan viu Ross e, bruscamente, abriu caminho até ele entre a multidão. A gente não duvidava em fazer um lado, já que ninguém desejava ser enrolado por aquele gigante.

Intuindo que algo ia mal, Ross ficou de pé para receber o magistrado anexo.

—Morgan — o que faz aqui?

—O colar —respondeu o antigo agente em voz baixa, para que ninguém pudesse ouvi-lo. —Encontrei o joalheiro que o fez. Trata-se de Daniel Highmore, de Bond Street. Consegui descobrir pra quem vendeu.

Ross experimentou uma ansiedade por conhecer a identidade do perseguidor de Sophia.

—Quem?

—Nick Gentry.

Cannon olhou Morgan, seu assombro inicial substituído por uma necessidade puramente instintiva de matar Gentry.

—Gentry deve ter visto Sophia enquanto esteve detido em Bow Street, quando ela baixou às masmorras.

Juro Por Deus que o esquartejarei! —exclamou Ross e, dando-se conta de que começava a atrair todos as olhares, baixou o tom de voz — Segue você com as negociações, Morgan; eu vou fazer uma visita a Gentry.

—Espera —disse Morgan. —Nunca arbitrei uma disputa profissional —Bom, sempre há uma primeira vez. Boa sorte — desejou Ross e, sem mais demoras, saiu do botequim em busca de seu cavalo.

Sophia não sabia o que fazer com seu irmão. Enquanto falavam, tratou de assimilar a pessoa em que se converteu John, mas era alguém muito complexo, que parecia não apreciar muito sua vida ou a de outros.

‘’Quando mais patife é, mais sorte tem’’, tinha ouvido dizer em Bow Street. O dito explicava a atitude desafiante que mostravam muitos criminosos que eram conduzidos ao banquinho de Bow Street. E não cabia dúvida de que Nick Gentry a frase vinha como anel ao dedo.

Definitivamente, era uma uva sem semente capaz de mostrar-se, segundo sua conveniência, encantador ou desumano, um homem ambicioso que tinha herdado sangue azul mas que, paradoxalmente, não tinha recebido nem terras, nem educação, nem riquezas nem amigos na alta sociedade. Em vez disso, tinha adquirido poder através do caminho do crime. Parecia como se seu duvidoso êxito tivesse feito dele alguém tão violento como inteligente, tão cruel como crédulo.

Com certas reservas, tinha contado os anos que tinha passado em Shropshire, seu desejo de vingar sua suposta morte e seus planos de ir a Londres e acabar com sir Ross Cannon.

—Como demônios te ocorreu fazer algo semelhante? —perguntou-lhe Gentry, com seu afiado olhar cravado em sua irmã.

Sophia ruborizou e respondeu com uma verdade pela metade.

—Pensava descobrir informação prejudicial na sala de arquivos —afirmou.

Apesar que tivesse gostado de ser completamente honesta, o instinto lhe dizia que seria uma loucura contar a seu irmão seu romance com sir Ross. Depois de tudo, eram inimigos juramentados.

—Que preparada é minha menina —murmurou Gentry. —Assim tem acesso aos arquivos de Bow Street?

—Sim, mas...

—Excelente —disse ele, reclinando-se na poltrona e observando pensativo a ponteira de suas botas. — Poderia me averiguar algumas coisas; posso tirar partido de sua presença em Bow Street.

A sugestão de Gentry de usá-la com propósitos provavelmente criminosos fez com que Sophia sacudisse a cabeça.

—Não farei para ti, John.

—Só um par de coisas —insistiu ele, sorrindo com picardia. —Quer me ajudar, de verdade? Eu quero te ajudar. Ambos teremos nossa vingança contra Cannon.

Sophia soltou uma risada de incredulidade.

—Mas eu só queria me vingar porque pensava que ele tivesse te enviado à morte naquela prisão flutuante.

Gentry franziu o sobrecenho.

—Pois resulta que Cannon sim me enviou ali, e não sobrevivi precisamente graças a ele!

—Qualquer outro te teria enviado à forca sem mais —assinalou Sophia. —Depois do que fez... Assaltar esse carro e causar a morte a esse pobre ancião...

—Não fui eu quem deu um golpe na cabeça – defendeu-se Gentry. —Eu só pretendia roubar, não matá-

lo.

—É igual quais fossem suas intenções; o resultado foi o mesmo. Foi cúmplice de assassinato. –Sophia observou o rosto pétreo de seu irmão e prosseguiu, baixando o tom de voz — Mas não se pode mudar o passado; tudo o que podemos fazer é lutar com o futuro. Não pode seguir por esse caminho, John.

—Por que não?

—Porque não é invulnerável. Cedo ou tarde acabará cometendo um engano, um engano que te levará a forca, e eu não poderia suportar te perder uma vez mais. Além disso, esta não é vida para ti. Supõe-se que você não...

—Esta é a vida ideal para mim. – interrompeu ele com suavidade. —Sophia, sejam quais sejam as lembranças que tenha de mim, já não me correspondem; entende?

—Não - disse ela, teimosa. —Não posso entender como pode viver desta maneira. Você vale muito mais que isto.

Aquelas palavras provocaram nele um sorriso peculiar.

—Isto demonstra o que sabe – disse Gentry, que ficou de pé e foi até a lareira, apoiando uma mão sobre o suporte de mármore branco. A luz do fogo brincava com suas feições, as colorindo com negro e dourado.

Depois de um instante de silêncio, Gentry voltou para sua irmã. —Falemos um pouco mais de Bow Street —disse com expressão severa com tom desinteressado. —Diz que tem acesso à sala de arquivos. Bem, ocorre que necessito certa informação...

—Já te disse que não. Não trairei a confiança que sir Ross depositou em mim.

—É precisamente o que tem feito durante os dois últimos meses —replicou Gentry, irritado. —O que lhe impede agora?

Sophia se deu conta que seu irmão não ia estar satisfeito até que lhe contasse toda a verdade.

—Nick –disse com cautela —resulta que... Entre sir Ross e eu há uma espécie de relação —Meu deus! –soltou Gentry, levando-as mãos à cabeça —Você e ele...? –começou, mas não lhe saíam as palavras.

Compreendendo a pergunta, Sophia assentiu.

—Minha irmã e o Monge de Bow Street —murmurou ele, horrorizado. —Que bonita maneira de me vingar, Sophia! Meter-se na cama com o homem que esteve a ponto de me matar! Se essa for sua idéia de revanche, tenho um par de coisas que te dizer.

—Pediu que me case com ele.

Brilharam os olhos de Gentry com inusitada fúria, e pareceu ficar sem respiração.

—Preferiria ver-te morta antes, que casada com ele.

—É o melhor homem que conheci.

—OH, claro, é um modelo de virtudes! –repôs Nick causticamente. —E se te casar com ele fará-te acreditar que não é bastante boa para ele. Acabará esmagada por sua maldita honra e sua respeitabilidade.

Cannon te fará pagar mil vezes que não seja perfeita.

—Você não o conhece.

—Conheço melhor e faz muito mais tempo que você. Esse homem não é humano, Sophia!

—Sir Ross é amável e indulgente, e sabe perfeitamente que não sou perfeita.

De repente, seu irmão a olhou nos olhos de uma forma calculadora que a fez sentir-se incômoda, franzindo o cenho de um modo diabólico.

—Assim, confia plenamente nele —assinalou com suavidade.

—Sim —respondeu Sophia, lhe devolvendo o olhar com decisão.

—Pois ponhamos a prova sua fé nele, Sophia —lhe disse Nick, apoiando um cotovelo sobre a chaminé — Conseguirá a informação que necessito, ou direi a seu incólume e indulgente amante que tem proposto matrimônio à irmã de seu pior inimigo, que pelas veias de Sophia e do indesejável Nick Gentry corre o mesmo sangue.

Sophia ficou de pedra.

—Está me chantageando? —perguntou com um leve sussurro.

—De ti depende. Pode me conseguir o que quero... Ou pode correr o risco de perder sir Ross. E agora, quanto confia em sua capacidade de perdão?

Meu deus, acaso o passado não deixará alguma vez de me perseguir? Pensou Sophia, incapaz de articular uma palavra.

—Quer que lhe conte que sou seu irmão? —repetiu Gentry.

Sophia não sabia o que pensar. Sabia que Ross era tudo o que ela acreditava e mais. E uma vez que soubesse de seu parentesco com Nick Gentry, trataria de encontrar o modo de passar por cima outro terrível feito sobre ela. Entretanto, esse ódio seria a gota que encheria o copo. Cabia a possibilidade de que Ross nunca voltasse a olhá-la nos olhos sem recordar que ela era a irmã de seu odiado rival.

De repente, Sophia deu conta de que preferiria morrer antes de deixar que ocorresse isso. Não poderia suportar o rechaço de Ross; não agora, depois que se converteram em tão importantes um para o outro. Não podia correr esse risco; tinha muito que perder.

—Não —respondeu por fim, com a voz quebrada.

Gentry pareceu pestanejar de um modo que indicava decepção, como se tivesse esperado que sua irmã o desafiasse.

—Isso pensava eu.

Sophia observou seu irmão fixamente, perguntando se não estaria jogando com ela.

—Não posso acreditar que seja capaz de me chantagear — reprovou, e resultou impossível que sua voz não notasse insegurança.

Seu irmão sorriu de forma cruel.

—Só tem uma forma de averiguar, verdade?

Antes que Sophia pudesse responder, um sonoro golpe fez vibrar a porta e se ouviu uma voz surda.

Gentry, visivelmente molesto, levantou-se e abriu. O visitante resultou ser uma das pessoas mais peculiares que Sophia jamais tinha visto, um trambolho de feições protuberantes e uma curiosa palidez de tom lavanda.

As sombras que cobriam suas bochechas contribuíam para que sua aparência fosse ainda mais escura e tenebrosa. Sophia perguntou quantos outros curiosos personagens de baixos recursos trabalhariam para seu irmão.

—Olá, Blueskin —saudou Gentry a seu escudeiro.

—Alguém vem vê-lo —murmurou o homem. —O Monge em pessoa.

—Cannon? —perguntou Gentry, incrédulo. —Maldita seja, mas se já fez uma jogada a rede em fevereiro!

Que demônios espera encontrar?

—Não é uma jogada a rede —respondeu Blueskin; —vem sozinho.

—Sir Ross está aqui? —interveio Sophia, ficando de pé alarmada.

—Isso parece —disse Gentry, e lhe fez um sinal para que o seguisse. —Tenho que vê-lo. Pode ir com Blueskin à saída traseira antes que Cannon te veja.

—Quer que diga aos meninos que o joguem, Gentry? —ofereceu Blueskin.

—Não, idiota. Então voltaria com cem homens e destroçaria tijolo por tijolo. Agora, leve esta mulher de volta a Bow Street. Se chegar a ocorrer algo, cortarei-te o pescoço de orelha a orelha —advertiu Nick, e se dirigiu novamente a Sophia. —Quanto a esses documentos, quero que averigue o que pode haver de informação Cannon graças a um homem chamado George Fenton, quando este foi interrogado faz duas semanas.

—Quem é Fenton?

—Um de meus veteranos —disse Nick e, dando-se conta de que Sophia não o entendia, esclareceu rapidamente. —Um ladrão muito experiente. Preciso saber o que contou Fenton a Cannon, para ver se foi leal e manteve a boca fechada.

—Sim mas o que acontecerá com Fenton se resultar que...?

—Isso não é de sua incumbência —respondeu Gentry, empurrando-a para a porta traseira. —Agora vá antes que Cannon nos veja juntos. Blueskin te protegerá.

Menos de um minuto depois que Sophia se foi, Cannon entrou na casa. Nick estava sentado em sua cadeira, ajeitado em atitude desafiante, como se importasse muito pouco o fato de que o magistrado chefe de Bow Street acabasse de invadir sua casa. Cannon se aproximou e se deteve uns metros dele. Seu olhar, em meio de sua expressão de ira, parecia estranhamente sossegada.

Apesar da aversão que sentia por Ross, Nick se via obrigado a conceder certo grau de respeito. Cannon era preparado e poderoso, e tinha experiência; um homem em toda regra. Além disso, possuía uma moral inquebrável que fascinava Gentry. Que alguém tivesse conseguido tudo o que Cannon conseguiu, era digno de admiração.

Embora o ar estivesse carregado de agressividade e tensão, ambos conseguiram conversar sobre tom normal.

—Você deu o colar à senhorita Sydney —espetou Ross sem mais preâmbulos.

Nick assentiu de forma zombadora.

— Descobriu rápido.

—Por quê? —perguntou o juiz, que parecia querer acabar com Gentry ali mesmo.

—Essa boneca eu gostei desde que a vi em Bow Street —mentiu Nick com naturalidade, encolhendo-se os ombros — Quero ter minha oportunidade quando tiver acabado com ela.

—Mantém afastado dela — ordenou Cannon, e suas palavras soaram sossegadas mas terrivelmente sinceras, —ou te matarei.

Nick dedicou um frio sorriso.

—Pelo visto, ainda não tiveste suficiente.

—E nunca terei; a próxima vez que lhe dê algo encarregarei-me pessoalmente de lhe colocar isso por...

—De acordo – interrompeu Nick, cada vez mais irritado; — estou avisado. Não incomodarei mais. E

agora, sai de minha casa.

Cannon o olhou com uma sanha mortífera que tivesse alarmado a qualquer outro homem.

—Só é questão de tempo que te passe da raia – disse em voz baixa. —Algum de seus planos fracassará; haverá alguma prova que te implique, e eu estarei ali para ver-te pendurado.

Gentry esboçou um leve sorriso, pensando que Cannon não teria a mesma atitude se soubesse que Sophia era sua irmã.

—Estou seguro disso —murmurou, —mas não espere que minha morte te satisfaça; é possível que inclusive o lamente.

Uma leve confusão cruzou o rosto do magistrado, que observou Nick com os olhos entre abertos.

—Antes que vá —disse com um grunhido quero te contar algo. O vestido que lhe enviou à senhorita Sydney... Ela afirma que é quase idêntico a um que teve sua mãe.

—Sério? –repôs Nick com preguiça. —Que coincidência tão interessante.

Estava claro que, embaixo aquela expressão, a mente de Cannon baralhava mil perguntas.

—Sim – coincidiu — muito interessante.

Para alívio de Gentry, Ross partiu sem dizer nada mais.

Tão logo Sophia esteve de volta a Bow Street, aproveitou a ausência de Ross para ir à sala de arquivos. Era o momento certo para procurar a informação que seu irmão tinha pedido, já que Vickery e outros foram a um botequim próximo para jantar um pouco de carne e cerveja. Os escritórios estariam desertos durante um bom momento até que um dos juízes voltasse para preparar a sessão vespertina. Os magros dedos da moça foram passando os documentos com rapidez, tratando de dar com a ata levantada durante o interrogatório de Fenton. O escritório estava iluminado tão somente por um abajur, o que apenas lhe proporcionava luz para ler.

Em um dado momento, uma página em particular lhe chamou a atenção. Nela se faziam referências tanto a Gentry como a Fenton. Dando-se conta de que tinha encontrado o que procurava, Sophia dobrou a folha e foi guardar no bolso, quando ouviu passos e o som do trinco.

Tinham-na pego. O coração deu um tombo. Sophia devolveu a página à gaveta, fechando-a justo quando a porta se abria.

Ali estava Ross, com o rosto sombrio e impassível.

—O que faz aqui? –Perguntou.

Invadiu o medo em Sophia, e umedeceu os lábios com nervosismo. Não cabia dúvida de que Ross podia ver perfeitamente que estava pálida. Sabia que era a viva imagem da culpa. Desesperada, disse a primeira mentira que lhe ocorreu.

—Estava... Tratando de guardar documentos que tinha tirado dos arquivos quando tinha a intenção de te desacreditar.

—Ah –disse Ross, suavizando a expressão e aproximando-se dela.

Acariciou o queixo. Sophia se obrigou a devolver o olhar, embora tivesse medo de decepcioná-lo.

Entretanto, os lábios de Ross esboçaram um reconfortante sorriso.

—Não tem por que te sentir culpada; não tem feito mal a ninguém — tranquilizou, e começou a lhe dar beijos no rosto. — Sophia — murmurou, —Morgan descobriu hoje quem te entregou o colar.

A moça, tratando de fingir que ainda não sabia —Quem é? –perguntou.

—Nick Gentry.

Sophia começou a palpitar o coração.

—Por que faria algo assim?

—Esta tarde fiz uma visita, para perguntar a ele. Pelo visto, interessou-se por ti, e deseja converter-se em seu protetor em caso de que nossa relação não conclua.

—Vá —disse ela, incapaz de aguentar o olhar de Ross, agarrou-se a ele, escondendo o rosto sob seu ombro. —Disse que isso alguma vez ocorrerá? —perguntou com voz apagada.

—Gentry não voltará a incomodar – assegurou Ross, sujeitando-a pela cintura. —Me encarregarei pessoalmente disso.

Oxalá fora certo, pensou Sophia, sumida em uma violenta maré de sentimentos desencontrados. Estava furiosa com seu irmão por havê-la posto naquela terrível situação, apesar de tudo, queria-o e acreditava que ainda havia bondade nele. Estava segura de que ainda tinha remédio, mas por outra parte, não era favorável dizer que alguém era capaz de chantagear a sua própria irmã.

A tentação de contar tudo a Ross era insuportável, mas conseguiu morder língua e guardar as palavras que tanto lutavam por sair dela. Só o medo de perdê-lo a mantinha em silêncio. Tremendo por causa da frustração e da angústia, apertou-se com mais força ao corpo de seu amante.

Notando que Sophia estava tremendo, Ross tentou reconfortá-la.

—Não terá medo, verdade? –disse abraçando-a. —Não há razão para que o tenha, minha vida; está a salvo.

—Sei —respondeu ela. —O que passa é que os últimos dias foram muito tensos.

—Está cansada —murmurou Ross. —O que precisa é de um brandy quente, um banho relaxante e uma noite de sono.

—Necessito-te — disse Sophia, agarrando-o pelo pescoço do casaco e baixando sua cabeça, e beijando seus lábios.

A princípio, Ross se conteve e devolveu o beijo com moderação.

— Acalme – sussurrou quando separaram os lábios. —Não quererá que o façamos agora...

Sophia voltou a beijá-lo e introduziu a língua em sua doce boca, até que a resistência de Cannon veio abaixo e começou a ofegar.

—É justamente o que quero —sussurrou Sophia, e lhe agarrando uma mão a levou a um dos seios. —Não me rechace, Ross, por favor...

Ainda reticente Ross desfrutou do tato de Sophia e agachou a cabeça para beijar o pescoço. Em poucos segundos, sua indecisão foi substituída por desejo. Soltando um grunhido de pura luxúria, agachou-se para agarrar Sophia pelas nádegas, levantou-a e a pôs sobre o arquivo, sem deixar de lhe devorar a boca. Sophia sentou e separou as pernas, fazendo com que Ross ficasse de pé entre elas.

—Não podemos fazer aqui —murmurou Ross, movendo a mão sob suas saias.— Se entrasse algum empregado e nos visse...

—Não me importa —assegurou Sophia, aproximando a cabeça de Ross a dela.

Ambas as bocas se fundiram em uma só, até que ficaram sem respiração. Sophia gemeu quando os dedos de Ross pinçaram entre suas calcinhas, e ficaram a acariciar sua úmida virilha.

—Desejo-te – disse entre suspiros, apertando com força a mão de Ross.

—Sophia... –disse Ross contra o pescoço — Vamos a meu quarto.

—Quero-o agora —insistiu ela. Com ânsia, desabotoou as calças para liberar a ereção que escondia.

Abandonando qualquer esperança de dissuadi-la, Ross a ajudou, rindo de forma apagada.

—Gata insaciável – disse, fazendo deslizar os quadris de Sophia até a borda do móvel. Penetrou-a com uma investida suave e profunda que arrancou um gemido. —Assim... Está satisfeita?

—Sim, sim... –respondeu Sophia.

Sustentando as costas e as nádegas, Ross a levantou do móvel, totalmente grudada. Levou-a até a porta e a espremeu contra ela, fazendo colocar as pernas ao redor de seus quadris. Sophia gemeu quando Ross a investiu exatamente no ângulo adequado, roçando com seu membro as partes mais sensíveis de seu sexo.

—Sophia —disse ele com um grunhido, sem diminuir o ritmo, —quero uma resposta agora.

Ela o olhou aos olhos, perplexa.

—Uma resposta? –Perguntou entre ofegos.

—Quero que me diga que casará comigo.

—OH, Ross, agora não. Quero pensar um pouco mais.

—Agora —insistiu ele, detendo-se de repente — Quer-me? Bastará um simples sim ou não.

—Não pares, não pares - suplicou Sophia, agarrando-se aos ombros de Ross enquanto seu próprio corpo tremia de desejo.

Ross cravou seus brilhantes olhos cinza nos de Sophia, e converteu as investidas em uma cadência lenta e tortuosa, penetrando-a profunda e prolongadamente, sabendo que isso a faria louca.

—Sim ou não?

—Não responderei a isso agora - respondeu Sophia, retorcendo-se espasmodicamente — Terá que esperar.

—Então você também — disse Ross, dando um beijo. —Esperaremos tal qual —sussurrou. —E te juro Sophia, que seus pés não tocarão o chão até que me dê uma resposta – prometeu, afundando seu sexo nela inclusive mais profundamente que antes.

A Sophia lhe escapou um suspiro; estava muito perto do final. Seu corpo já estava preparado para ser liberado de sua carga, e a tensão resultava insuportável. Não lhe importava nada salvo Ross. Em um momento de angustiante abandono, escolheu o que mais desejava. Moveu seus lábios contra os dele e emitiu uma silenciosa palavra.

—Como? —perguntou Ross, ansioso, apartando a cabeça para trás para poder olhar a Sophia — O que disse?

—Disse que sim —gemeu ela — Sim, Ross, por favor, me ajude...

—Ajudarei-te —sussurrou ele com ternura, apagando a súplica de Sophia com sua boca, de uma vez que lhe dava exatamente o que ela necessitava.


Capítulo 15

 

Depois de uma singela cerimônia na capela privada do imóvel de Silverhill Park, a mãe de Ross ofereceu um banquete seguido de dança aos que assistiram convidados de três países distintos. Sophia tratou de não sentir-se afligida por toda a atenção de que era objeto. Inumeráveis jornais e revistas tinham publicado informação referente à noiva de sir Ross Cannon, onde e quando teria lugar as bodas e inclusive onde viveriam. Contavam-se intrigas em todos os salões, cafeterias e botequins. O fato de que a nova esposa de sir Ross fora filha de um visconde tinha acrescentado à história, já que sabia que ela tinha trabalhado para ele em Bow Street.

Sophia se alegrou de que os Cannon a tivesse aceito com tanta naturalidade, e especialmente da ternura que tinha demonstrado a mãe de Ross.

—Meus amigos me pediram que te descrevesse – tinha contado Catherine o dia antes das bodas.

Havia vários convidados sentados no salão, outros jogando cartas e outros percorrendo as habitações agarrados do braço. Algumas mulheres se dedicavam a costurar, enquanto que os cavalheiros liam jornais e conversavam a respeito dos acontecimentos do dia.

—Naturalmente – prosseguiu Catherine, todos têm muita curiosidade por saber que classe de mulher conseguiu alcançar o coração de Ross.

—Seu coração não é precisamente a parte de sua anatomia para se alcançar – murmurou Matthew, que estava perto dali.

Catherine se voltou para ele e o olhou de forma inquisitiva.

—O que disse querido?

Matthew conseguiu esboçar um sorriso forçado.

—Dizia que tem feito com ele. Consta reconhecê-lo com esse sorriso que tem permanentemente desenhado no rosto.

Alguns convidados riram por ouvir o comentário, já que a mudança na normalmente séria atitude de sir Ross, era algo que todo mundo tinha advertido. Muitos tinham concordado em que fazia muitíssimo tempo que não o via tão alegre e depravado.

Nesse momento, Ross entrou no salão e foi ao encontro de Sophia. Agarrou a mão que ela tinha apoiada no respaldo curvo do sofá, a levou aos lábios e sussurrou: —Devo lhes dizer por que sorrio?

O pícaro brilho de seus olhos recordou Sophia o apaixonado interlúdio da noite anterior, quando ele penetrou em seu quarto e se colocou em sua cama. Sophia franziu o cenho e ruborizou. Ross rindo do apuro de sua amada, sentou-se no sofá, a seu lado.

—E como descreve a minha prometida a seus amigos, mãe? – perguntou a Catherine, retomando o fio da conversação.

—Digo-lhes que é a jovem mais encantadora que conheci alguma vez, por não dizer a mais formosa – disse Catherine, observando o vestido cor pêssego de sua nora com aprovação — É novo o vestido, querida?

A cor te favorece muito.

Sophia não se atrevia a olhar Ross. O tema da roupa tinha provocado uma acalorada discussão entre eles uns dias atrás. Ross tinha insistido em casar-se com ela tão rápido que não tinha havido tempo para que Sophia se encarregasse de novos vestidos. E, posto que Ross fosse um homem, não tinha pensado nem por um segundo no vestido de bodas de sua noiva. A única roupa que possuía Sophia eram os vestidos escuros que tinha levado durante sua estadia em Bow Street, todos eles feitos com tecido simples e sem adornos. Ela havia se sentido aterrada pela idéia de ter que casar-se com um desses insípidos objetos e logo assistir ao baile.

Em consequência, dirigiu-se a Ross e tinha pedido que devolvesse o vestido cor lavanda.

—Já que não te faz falta para a investigação – havia dito em seu escritório, —eu gostaria que me devolvesse, por favor.

Ele tinha reagido ante aquela petição com desagradável surpresa.

—Para que o necessita?

—É o único vestido decente que tenho para me casar – disse ela tranquilamente.

Ele franziu o cenho.

—Não vais levar isso em nossas bodas.

—É um vestido magnífico – insistiu ela —Não há razão que não possa pôr ele. Muito bem me recordo...

O que quer que eu vista?

—É um presente de Nick Gentry.

—Ninguém saberá —repôs Sophia, também com cenho.

—Eu saberei, e estaria louco se te permitisse pôr isso —Muito bem, de acordo. O que quer que coloque?

—Escolhe um modista e te levarei a vê-lo esta tarde.

—Nenhum modista seria capaz de confeccionar um vestido decente em três dias. De fato, quase não há tempo para substituir o vestido lavanda. E não me casarei contigo diante de todos seus amigos e de sua família vestida como uma mendiga!

—Pode pedir emprestado um a minha mãe, ou a Iona.

—Sua mãe mede um metro noventa e é magra como uma espiga –assinalou Sophia. —E eu estaria louca se pusesse um vestido da Iona e provocasse assim os comentários jocosos de seu irmão a respeito. E agora, me diga, onde puseste o vestido lavanda?

Franzindo o cenho, Ross se reclinou na cadeira e apoiou o talão de sua bota sobre o borda da mesa.

—Está no quarto das provas —murmurou.

—Meu vestido, no quarto das provas? –exclamou Sophia, indignada. —Seguro que o puseram em alguma prateleira suja!

A mulher saiu correndo do escritório, e os impropérios de Ross puderam ouvir-se por todo o corredor.

Em lugar de permitir a Sophia ficar com o vestido lavanda, Ross preferiu enviar a três de seus agentes que visitassem vários modistas. Finalmente, deram com um que estava disposto a lhes vender um vestido que formava parte de outro encargo. O homem advertiu que custaria uma fortuna, já que, como resultado, provavelmente perderia a um de seus mais apreciados clientes. Ross pagou a elevada soma sem pigarrear.

Para alívio da Sophia, o objeto resultou um delicioso vestido cor azul pálido, de corpete reto e favorecedor, de cintura baixa, como mandava a moda. A saia estava adornada com um brilhante bordado de flores, igual às mangas, que chegavam até os cotovelos. Era uma criação magnífica que lhe sentava quase à perfeição e que requeria poucos retoques. Em uma mostra de generosidade, o modista permitiu a Ross comprar outros dois vestidos de encargo de sua outra cliente, para que Sophia tivesse o que colocar em Silverhill Park durante o dia.

O dia das bodas, Sophia levava o cabelo recolhido em cachos no alto da cabeça, com cintas chapeadas entrelaçadas. Levava também um colar de pérolas e diamantes, de presente com o que Ross tinha obsequiado aquela mesma manhã. Com aquele resplandecente vestido, as brilhantes pérolas ao redor do pescoço, e os sapatos de seda, sentia-se como uma princesa. A cerimônia foi tudo um sonho, só sujeito à realidade pelas cálidas mãos de Ross e pela chapeada intensidade de seus olhos. Depois dos votos pertinentes, ele se inclinou para dar a sua esposa o beijo de rigor, uma breve carícia que continha a promessa de muito mais.

A champanha correu livremente no banquete de bodas, um festim de oito pratos seguido de uma fastuosa dança. Sophia foi apresentada a centenas de pessoas e, em pouco tempo, sentiu-se cansada de sorrir, e começaram a zumbir os ouvidos. Resultou impossível recordar mais que umas poucas caras de todo aquele montão de rostos. Uma das pessoas que ficou gravada em sua memória foi à esposa de sir Grant Morgan, lady Vitória.

Sophia, que fazia muito que sentia curiosidade por saber que classe de mulher se teria casado com aquele intimidativo homem, surpreendeu-se ao descobrir que a mulher de Morgan era de estatura bastante baixa.

Lady Vitória era uma das mulheres mais espetacularmente belas que Sophia tinha visto, de voluptuosa figura, abundante cabelo ruivo e vívido sorriso.

—Lady Sophia – disse a pequena ruiva com carinho, —não há palavras para expressar quão contentes estamos de que finalmente sir Ross se casou. Só uma mulher excepcional poderia havê-lo afastado de sua viuvez.

—Asseguro –respondeu ela, lhe devolvendo o sorriso —que a vantagem deste matrimônio é completamente minha.

Nesse momento interveio sir Grant, que brilhavam seus amáveis olhos vede. Sua atitude parecia totalmente distinta da que mostrava em Bow Street, e Sophia observou que se deleitava na presença de sua mulher como um gato faria à luz do sol.

—Sinto não estar de acordo, senhora minha —disse Sophia. Este matrimônio representa várias vantagens para sir Ross, coisas óbvias para todos aqueles que o conhece.

—É mais —acrescentou lady Vitória, pensativa, dirigindo o olhar à figura de sir Ross, que se encontrava de pé mais à frente, recebendo os convidados — nunca o vi com tão bom aspecto. De fato, pode que esta seja a primeira vez que o vejo sorrir.

—E não tem quebrado a cara como consequência disso —comentou Morgan.

—Grant – estalou sua mulher em voz baixa.

Sophia riu. Morgan piscou os olhos e se foi com lady Vitória.

Enquanto a orquestra tocava uma peça de Bach, Sophia jogou uma olhada à multidão, tratando de distinguir Ross, mas não conseguiu. A doce melodia gerada pela seção de cordas e a flauta curiosamente nostálgica. Observou a resplandecente saia de seu vestido e a alisou com sua mão, enluvada. Imaginou a satisfação que haveriam sentido seus pais se vissem que ia se casar com alguém como sir Ross. E tampouco tinha dúvidas da ofensa que tivesse suposto para eles, saber no que se converteu seu único filho. De repente se sentiu muito sozinha, e desejou que seu irmão tivesse podido assistir às bodas, coisa que, naturalmente, teria sido impossível. Ele e ela viviam em mundos totalmente diferentes, e nunca existiria a maneira de cortar a distância que os separava.

—Lady Sophia. –Uma voz se introduziu em seus pensamentos, e se encontrou com o último rosto que tivesse esperado ver.

—Anthony —sussurrou Sophia, e o coração lhe deu um tombo.

Anthony Lyndhurst estava tal como ela o recordava, loiro e arrumado, com um sorriso de suficiência desenhada no rosto. Sophia não podia acreditar que tivesse o valor de dirigir-se a ela. Atônita, negou-se a devolver a reverência.

—Felicito-te por seu matrimônio – disse ele brandamente.

Sophia teve que fazer provisão de toda sua vontade para dissimular sua fúria. Frenética, perguntou-se por que teria assistido Anthony à festa e quem o haveria convidado. Acaso não ia ter paz nem sequer no dia de suas bodas?

—Demos um passeio – sugeriu ele, assinalando a larga galeria de retratos no salão.

—Não - respondeu ela, em voz baixa.

—Insisto – disse Anthony, agarrando-a pelo braço e lhe fazendo impossível rechaçar seu convite sem montar uma cena.

Esboçando um precário sorriso, Sophia apoiou os dedos sobre o casaco do homem. Acompanhou-o à galeria, muitíssimo menos abarrotada que o salão.

—Fez bem, Sophia —comentou Anthony. — Casar com um Cannon te dará status e fortuna; bem feito.

Ela soltou seu baço assim que se detiveram ante uma série de retratos familiares.

—Quem te convidou? –perguntou-lhe com frieza.

Anthony sorriu.

—Os Lyndhurst e os Cannon estão relacionados por um antigo matrimônio. Convidam-me com frequência a Silverhill Park.

—Lamento que assim seja.

Anthony deixou escapar uma breve risada.

—Vejo que ainda está com raiva de mim. Permita que me desculpe por ir tão precipitadamente à última vez que nos vimos. Tinha que resolver um assunto urgente.

—Referente à sua mulher, possivelmente? –repôs Sophia com cinismo.

Anthony sorriu envergonhado, como se tivesse cometido um engano.

—Minha esposa não tinha nada que ver conosco.

—Pediu-me que me casasse contigo, mas já estava casado. Um pouco decepcionante, não acredita?

—Só fiz isso para te animar a fazer o que estava desejando. Sentíamos uma forte atração mútua, Sophia.

De fato, percebo que não se desvaneceu de tudo.

Ela se sentiu aniquilada pelo insinuante olhar que lhe dirigiu Anthony. Pelo amor de Deus, que fácil resultava para ele renovar todo o desgosto e a vergonha que ela tanto tinha tratado de esquecer.

—Se houver algo que sinto por ti é asco.

—Mulheres –respondeu ele, divertindo-se — Sempre dizem o contrário do que pensam.

—Tome o como quiser, mas se mantém afastado de mim, ou terá que a ver com meu marido.

—Não acredito —murmurou Anthony esboçando um insolente sorriso. —Cannon é um cavalheiro e, de uma vez, alguém frio como um peixe. Sua classe não o permitiria.

Se Sophia não tivesse estado tão furiosa, teria rido a gargalhadas ante a idéia de que Ross era tão cavalheiro para não queixar-se de que o pusessem chifres.

—Mantém afastado de mim —repetiu, com a voz tremendo, apesar do autocontrole que tratava de impor.

—Intriga-me, Sophia —comentou Anthony —Tem muito mais caráter que quando te conheci. Esta mudança em sua personalidade é adorável; merece ser investigado, suponho.

—Investigado? –repetiu ela, denotando aborrecimento.

—Não agora que te acaba de casar, é obvio. Entretanto, no futuro te convencerei para reatar nossa...

Amizade – assegurou Anthony, sorrindo de forma arrogante e provocadora. —Como já sabe, posso ser muito persuasivo.

Sophia tomou ar.

—Não há a menor possibilidade que eu fique cinco minutos em sua companhia.

—Você? Eu não gostaria nada que começassem a circular certos rumores sobre ti. Que vergonha para seu marido e sua família. Pode ser que deva considerar ser mais amável comigo, Sophia. Do contrário, as consequências poderiam ser desastrosas.

Ela empalideceu de medo e raiva. Não cabia dúvida de que Anthony estava desfrutando com aquilo, e jogava com ela como um gato atrás de um camundongo. Além de que suas ameaças fossem certas ou não, seus esforços por pegá-la despreparada estavam resultando muito efetivos. Além disso, ela mesma já lhe tinha dado esse poder uma vez, ao ter sido bastante estúpida para acreditar nele.

Se Anthony chegasse a ocorrer e dissesse às pessoas que tinha mantido relações íntimas com ela, Sophia não poderia desmenti-lo, o que significaria, por outra parte, uma vergonha para a família Cannon.

Sophia observou, desconsolada, os retratos solenes que tinha ante ela, os rostos dos distinguidos ascendentes de seu marido. Que mal tinha feito aceitando a companhia de Anthony!

—Muito bem —murmurou ele, que parecia desfrutar do silencioso desespero, —vejo que conseguimos nos entender.

Enquanto Ross levava um ponche de champanha a sua mãe, viu Sophia junto à entrada da galeria dos retratos, conversando com um jovem ao que ele não conhecia.

Embora qualquer outra pessoa não teria advertido a expressão de Sophia, Ross a conhecia muito bem.

—Mãe —perguntou com naturalidade —quem é esse?

Catherine seguiu o olhar de seu filho.

—O cavalheiro loiro que está falando com a Sophia?

—Sim.

—Anthony Lyndhurst, o filho do barão Lyndhurst; um jovem muito bom. Relacionei-me muito com sua família este último ano; são uma gente encantadora. Teria que havê-los conhecido na festa de aniversário de seu avô, mas a irmã do barão estava muito doente e, é obvio, a família não queria deixá-la só até que estivesse fora de perigo.

—Anthony —repetiu Ross, observando com atenção a aquele homem loiro e esbelto.

Não cabia dúvida de que se tratava do mesmo Anthony que tinha seduzido a Sophia anos atrás.

—O menor de três irmãos – informou Catherine, —possivelmente o mais bonito de todos. É um tenor sensacional; Adoraria ouvir como canta.

—Valente bastardo –disse entre dentes.

Embora Anthony se estivesse desculpando ante Sophia pelo ocorrido no passado ou, ainda mais provável, o estivesse esfregando pela cara, Ross ia pôr em claro um par de pontos.

—O que disse? – perguntou-lhe Catherine. —ah, pela forma em que você e seu irmão estivestes murmurando coisas ultimamente, eu estou começando a me perguntar se não haverei me tornado surda.

Ross apartou a vista de Anthony Lyndhurst por um instante.

—Me perdoe mãe. Acabo de dizer que Lyndhurst é um valente bastardo.

Catherine não deu importância a aquele comentário depreciativo.

—O senhor Lyndhurst somente está conversando com Sophia, querido. Não tem por que tomar o como algo ofensivo. Não é próprio de ti ser ciumento e possessivo; espero que não montes uma cena.

Ross esboçou imediatamente um sorriso postiço.

—Nunca monto cenas –disse com toda tranquilidade.

Catherine, mais tranquila, devolveu-lhe o sorriso.

—Assim está melhor, carinho. Agora, se me acompanhar, apresentarei a lorde e lady Maddox. Compraram o velho imóvel Everleigh e estão reformando toda a asa... — Catherine se deteve perplexa, ao dar-se conta de que seu filho maior já não estava a seu lado. —Sempre tem que fazer estas coisas! – exclamou a mulher para si, indignada pelo repentino desaparecimento de Ross. —Pode ser que não seja consciente de que esta noite não está em Bow Street.

Sacudindo a cabeça, Catherine acabou seu copo de ponche de champanha e se dirigiu para um grupo de amigos.

Depois de falar com Sophia, Anthony Lyndhurst saiu do salão. Deteve-se frente a um enorme espelho de marco dourado e se poliu conscienciosamente.

Quando esteve satisfeito com seu aspecto imaculado, dirigiu-se a um dos jardins de inverno para fumar um charuto e desfrutar da brisa noturna. A noite era escura e cálida, e o som do ar se misturava com o das folhas e a música proveniente do interior da casa.

Ansioso, Anthony pensou na inesperada mudança que tinha acontecido a sua antiga conquista.

Era a primeira vez que se reencontrava com um de seus anteriores amores depois de havê-los abandonado. Uma vez terminada uma relação com uma mulher, não tinha mais interesse nela. E, além de um afeto que não demorou para diluir-se, Sophia tinha devotado pouco no aspecto sexual. Entretanto, era óbvio que tinha recebido certa educação nos últimos meses. Tinha aspecto de ser uma mulher satisfeita, a julgar por seus lábios carnudos, suas bochechas rosadas e a sensualidade de seus movimentos, que certamente não possuía quando Anthony a tinha conhecido. Parecia de uma vez elegante e sexualmente consciente.

Por outra parte, seguro que não era Ross quem tinha provocado semelhante mudança nela. Todo mundo sabia que aquele homem era um bastardo frio e calculador, além de popular por seu celibato. Provavelmente Sophia já tinha um amante. Aquele pequeno mistério manteve prazerosamente intrigado a Anthony, que meteu a mão no bolso para tirar um charuto.

De repente, uma sombra apareceu de um nada e o sustentou. Anthony não pôde emitir nem um som antes de ser esmagado brutalmente contra a parede. Paralisado de medo, sentiu que algo duro lhe pressionava a garganta; tratava-se de um robusto braço que ameaçava deixando-o sem ar.

—O que... o que... — soltou Anthony, tratando sem êxito de liberar-se de seu agressor.

O homem era enorme e estava tão furioso que parecia um cão raivoso. Com seus olhos saídos das órbitas, Anthony distinguiu o rosto sombrio que poderia ter sido do mesmo diabo. Custou-lhe uns instantes reconhecê-lo.

—Sir Ross...

—Maldito galinha – grunhiu Cannon —Conheço os de sua índole. Escolhem a suas vítimas com cuidado.

Mulheres inocentes que não têm a ninguém que as proteja de lixo como você. Entretanto, resulta que deste com a vítima equivocada. Encontra uma desculpa para sair de Silverhill Park imediatamente, ou te mando de uma patada daqui até Londres. E se alguma vez volta a dirigir a palavra a minha esposa, ou te atreve sequer a olhar em sua direção, esquartejarei-te.

—Cannon... — disse Anthony, sem fôlego – sejamos... civilizados...

—Temo-me que não posso ser civilizado quando se trata de minha mulher.

—Por favor – rogou Anthony, afogando-se à medida que a pressão do braço contra seu pescoço aumentava.

—Há outra coisa que quero que fique clara – prosseguiu Ross em voz baixa: —se disser a alguém uma só palavra de seu passado com Sophia te colocarei pessoalmente em Newgate. Não posso te reter ali mais de três dias, é obvio, mas isso pode parecer uma eternidade quando está encerrado em uma cela com seres que são mais animais que pessoas. Antes que lhe tenham solto estará amaldiçoando a sua mãe por te haver trazido para o mundo.

—Não... - suplicou Anthony — Não direi nada... Não a incomodarei...

—Assim que eu gosto –disse Cannon em tom malévolo. —Não te aproximará de minha mulher, e ela esquecerá que existe. Sua relação com os Cannon está acabada.

Anthony conseguiu assentir.

Justo quando pensou que ia desmaiar, foi bruscamente liberado. Caiu ao chão, ofegando e afogando, e girou para um lado. Quando finalmente conseguiu recuperar a compostura, a brutal figura de Cannon tinha desaparecido. Tremendo de medo, ficou de pé e saiu correndo para a fila de carruagens que havia no caminho dianteiro como se isso fora sua vida.


Sophia conversava e ria com os convidados no baile, mas por dentro sentia náusea e confusão. O copo de ponche que tomou não a tinha ajudado a relaxar-se. Perguntava-se ansiosa onde podia estar seu marido.

Pensou em várias maneiras de dizer a Ross de seu encontro com Anthony. Com toda probabilidade, aquilo arruinaria tanto a ela como a ele.

Ninguém desejava ter que enfrentar-se com o ex-amante de sua esposa no dia de suas bodas.

Justo quando aqueles pensamentos estavam voltando mais angustiantes, Sophia viu aproximar-se seu marido. Estava bonito e elegante, e seu rosto contrastava com sua impecável gravata branca. Chegou à conclusão de que teria estado descansando com seus amigos na sala de bilhar ou na biblioteca, já que não cabia dúvida de que algo lhe tinha posto de bom humor.

—Meu amor— a saudou Ross, lhe agarrando a mão enluvada e levando-a aos lábios.

—Faz tempo que não te vejo— disse Sophia — Onde estiveste?

—Tive que me desfazer de um roedor— disse ele em voz baixa.

—Um roedor? – repetiu ela, perplexa. —Não podia encarregar-se algum dos serventes?

Ao Ross brilharam os olhos ao rir.

—Deste queria me encarregar eu.

—Vá — disse Sophia, observando o gentil chão do salão com preocupação. —Acredita que possa haver mais dando voltas por aqui? Gostam de subir às saias das mulheres, já sabe.

Sem deixar de sorrir, Ross rodeou a cintura.

—Querida, o único que te fará cócegas nos tornozelos esta noite serei eu.

Sophia olhou ao redor para assegurar-se de que ninguém os ouvia.

—Ross – disse nervosa — tenho... Tenho que te contar algo.

—O que seu antigo amante está aqui? Sim, já sei.

—Como é possível? –Repôs ela, atônita — Nunca te disse seu nome completo.

—Vi seu rosto quando estava falando com ele – sorriu Ross, satisfeito. —Não se preocupe. Lyndhurst já não pode te fazer danos, Sophia. Agora é minha.

Ela foi relaxando pouco a pouco nos braços de Ross, aliviada de saber que não teria lugar nenhuma explosão de ciúmes nem haveria um cruzamento de acusações amargas.

Que homem tão extraordinário era Ross pensou em um arrebatamento de amor.

A maioria dos homens teriam reprovado o fato de não ser virgem e a teriam considerado material de segunda. Entretanto, Ross sempre a tratava com respeito.

—Não tem que te referir a Anthony como meu antigo amante – assinalou. —Só me causou dor e vergonha. Você é o único amante que tive.

Ross inclinou a cabeça e beijou sua mulher na têmpora.

—Não se preocupe carinho; já não te voltará a incomodar. De fato, acredito que teve que abandonar o baile precipitadamente.

Havia algo no tom de seu marido que lhe fez perguntar-se se não teria falado com Anthony.

—Ross – lhe perguntou suspicaz, —quanto a esse roedor de que te tem desfeito...

—O baile inicial começou — interrompeu ele, levando-a para a multidão de casais que dançavam.

— Sim, mas não...

—Vem, temos que tomar a iniciativa.

Como Ross tinha esperado, Sophia estava distraída.

—Não estou segura que possa —disse ela. —Contemplei isto algumas vezes, mas nunca tive oportunidade de tentá-lo.

—É muito fácil —murmurou Ross, colocando a mão de Sophia em seu braço; —te limite a me seguir.

Embora levassem luvas, Sophia sentiu um calafrio ao notar o contato dos dedos de Ross.

Observou o rosto de seu marido e, com um repentino nó na garganta, disse: —Seguiria a todas as partes.

Os espessos cilíos de Ross cobriam seus olhos cinzentos. Sophia sentiu o imediato desejo de estar a sós com ele.

—Três horas —disse seu marido, como se falasse para si mesmo.

—Como?— Perguntou Sophia.

—Então subirá ao primeiro andar e eu me reunirei contigo pouco depois.

—Não é um pouco cedo para retirar-se de um baile como este? Tenho a impressão de que haverá casais que ficarão dançando até o amanhecer.

—Nós não seremos um deles —assegurou Ross, acompanhando-a ao salão. —Ocorre-me uma maneira melhor de passar o resto da noite.

—Dormindo? –perguntou Sophia com fingida inocência.

Ross inclinou a cabeça para lhe sussurrar sua alternativa, e sorriu ao ver o intenso rubor que invadia as bochechas de sua esposa.


Capítulo 16

 

Ross não pôde evitar sentir-se irritado em sua volta a Bow Street, quando meia dúzia de agentes se reuniu para felicitá-lo por seu matrimônio. Estes insistiram a voz em em exercer seu direito de beijar a noiva e, um após o outro, foram inclinando-se.

Sophia de um modo mais fraternal que amoroso. Entretanto, Ross franziu o cenho quando finalmente pôde recuperar a sua mulher, risonha.

—Agora voltem para trabalho — disse a seus homens, lhes dirigindo um olhar severo.

Os agentes saíram à contra gosto do número quatro de Bow Street, mas não antes que Eddie Sayer dissesse uma última coisa a Sophia: —Faça o que possa para mudar esse humor. É você nossa única esperança, milady.

Rindo, Sophia abraçou Ross pelo pescoço e lhe deu um beijo na boca.

—Vamos... servirá isto para te acalmar?

Ross esboçou um sorriso relutante e beijou a Sophia apaixonadamente.

—Temo-me que terá o efeito contrário; mas não te detenha.

Ela o olhou de forma provocadora com os olhos entrecerrados.

—Basta de beijos até a noite; tem trabalho que fazer.

—Já se ocupará Morgan disso. Só ficarei aqui o suficiente para resolver uns pequenos detalhes. Logo, você e eu iremos dar um passeio.

—Que tipo de passeio? –perguntou Sophia, suspirando quando Ross a beijou no pescoço, movendo seus lábios até chegar à orelha.

—Vamos ver algo.

—Algo grande ou pequeno?

—Grande —respondeu Ross, acariciando o pescoço com o nariz, —bem grande.

—Que tipo de... —Sophia começou a falar, mas ele a fez calar com um beijo.

—Basta de perguntas. Prepare-te para sair em uma hora.

Embora Sophia supôs que Ross se atrasaria por causa do trabalho, seu marido voltou pra ela uma hora exata e a acompanhou no carro.

Sophia o crivava de perguntas, mas Ross se comportava de maneira odiosamente taciturna, negando-se a dar qualquer pista sobre aquela misteriosa saída. A carruagem ia em direção oeste. Sophia levantou uma esquina da fina cortina que cobria o guichê e observou a paisagem. Estavam passando junto a espetaculares arcadas e lojas onde se vendiam produtos de luxo, entre elas alfaiatarias, ourives, fábricas de botões, perfumarias e inclusive uma plumería que tinha o estranho nome do Plumassier.

Aquela era uma zona de Londres que Sophia não tinha visitado nunca, e ficou fascinada com a enorme quantidade de gente bem vestida que passeava pela rua. Damas e cavalheiros distinguidos que iam às confeitarias tomar sorvetes, que passeavam pelos jardins ou que se detinham frete às cristaleiras de uma imprensa para contemplar uma série de lâminas decorativas. Era um mundo totalmente diferente ao de Bow Street e, mesmo assim, situado a pouca distância.

A carruagem se introduziu no Mayfair, o bairro mais elegante da cidade, onde se encontravam grandes mansões familiares. Detiveram-se em Berkeley Square, frente a uma casa de três andares de desenho clássico.

As grandes janelas de cristal davam a branca fachada de pedra um aspecto de ligeireza e, ao mesmo tempo, de grandiosidade. Um servente abriu a porta da carruagem e baixou os degraus para que Sophia pudesse descer. Ross deu um jogo de chaves a outro criado, que subiu os degraus da entrada rapidamente.

—Vamos visitar alguém? –perguntou Sophia, contemplando a casa com admiração.

—Não precisamente —respondeu Ross, apoiando uma mão nas costas e conduzindo-a a porta de entrada.

—Esta casa é propriedade de lorde Cobham, um amigo de meu avô. O homem reside na localidade principal de seu condado e decidiu alugar este lugar, já que permanece em desuso a maior parte do ano.

—Por que estamos aqui? —quis saber Sophia, entrando no elegante saguão de mármore, carente de móveis e de qualquer classe de decoração, com belas colunas de lápis que contrastavam com as paredes brancas.

Ross se uniu a ela, observando os bordados dourados nos tetos, de mais de seis metros de altura.

—Penso que se deste lugar você goste, podemos nos instalar aqui até que construamos nossa própria casa – disse Ross, e acrescentou em um leve tom de desculpa: —Não está mobiliada porque Cobham levou a maioria de suas relíquias de família a sua residência no campo. Se ficarmos com ela, terá que decorá-la.

Sophia ficou sem fala e se limitou a olhar a seu redor, maravilhada.

Como Ross viu que ela não respondia, prosseguiu.

—Se você não gostar – disse com tom de decepção, —só tem que me dizer. Podemos olhar outras residências.

—Não, não —disse Sophia, quase sem fôlego — é obvio que eu gosto, como poderia ser de outra maneira? O que passa é que me pegaste despreparada. Pensava... Pensava que íamos viver em Bow Street.

Ross a olhou aniquilado e divertido pela idéia.

—Deus nos livre. Minha esposa não viverá em um tribunal. Um lugar como este é muito mais adequado, por não dizer cômodo.

—É enorme — comentou Sophia incerta, pensando que a palavra “cômodo” seria mais apropriada para definir uma casinha acolhedora ou uma pequena moradia na cidade. —Ross – disse com cautela, —com o tempo que te passa trabalhando em Bow Street, não acredito que eu goste de estar sozinha em um lugar tão grande. Possivelmente poderíamos procurar alguma casinha bonita em King Street.

—Não vais estar sozinha – assegurou Ross. —Já dediquei suficiente tempo de minha vida a Bow Street.

Vou reorganizar o escritório para que possa funcionar sem mim, logo recomendarei Morgan como novo magistrado chefe e me retirarei.

—Mas o que vai fazer? –perguntou Sophia com preocupação, consciente de que ele era muito ativo para levar uma vida de indolência.

—Tenho mais de uma causa reformista com a que ocupar meu tempo, e preciso dedicar mais tempo a administrar Silverhill Park. Também tenho planejado comprar participações da nova companhia de ferrovia de Stockton, apesar de que sabe Deus que minha mãe sofrerá uma apoplexia ao inteirar-se de semelhantes projetos mercantis —disse Ross, e se aproximou de sua mulher de tal forma que as saias de Sophia se enredaram nas pernas e nos pés dele. Ross inclinou a cabeça até que seus narizes estiveram quase presos — Mas sobre tudo, desejo estar a seu lado. Estive esperando este momento durante muito tempo, e juro Por Deus que vou desfruta-lo.

Sophia estava nas pontas dos pés, roçando os lábios contra os dele. Antes que Ross pudesse beijá-la por completo, ela se apartou e o olhou com um sorriso travesso.

—Me mostre o resto da casa —pediu.

A casa era realmente encantadora. Muitas das habitações contavam com esquinas arredondadas e estavam equipadas com nichos e estantes para livros embutidos. As delicadas paredes cor bolo estavam emolduradas por molduras brancas, e alguma parte estava decorada com desenhos de grifos alados e outras bestas mitológicas. As chaminés eram de mármore esculpido, e os chãos estavam recobertos com espessos tapetes franceses. Cada tanto foram encontrando-se com móveis curiosos: um arca em uma habitação, um biombo japonês em outra... Em uma das salas do segundo andar, Sophia descobriu um misterioso artefato, um pouco parecido a uma cadeira mas com uma forma estranha.

—O que é isto? –perguntou, dando uma olhada no objeto.

Ross riu.

—É um cavalo de câmara. Fazia anos que não via um. De fato, desde que era um pirralho.

—Para que serve?

—Para fazer exercício. Meu avô tinha um. Afirmava que lhe fortalecia as pernas e lhe estreitava a cintura.

—Como é possível fazer exercício em uma cadeira?

—Balançando-se nela —disse ele, e sorriu ao pensar nisso. — Nos dias de chuva, quando não havia nada que fazer, Matthew e eu montávamos na cadeira de meu avô durante horas – contou, apertando o assento, que tinha sido recoberto com várias almofadas —está cheia e mole com pranchas divisórias; o ar sai expedido através dos orifícios que há nos lados.

Ross se sentou na cadeira com cuidado, aferrando-se aos braços de mogno e apoiando os pés na tabuleta que havia diante da cadeira. Balançou-se ligeiramente, e a cadeira se moveu acima e abaixo, emitindo um rangido.

—Está ridículo - comentou Sophia, rindo-se ante a visão daquele respeitado juiz sentado naquele estranho artefato. —Muito bem, aceito viver nesta casa se promete desfazer dessa coisa.

Ross a olhou com seus olhos cinza, de forma de uma vez alegre e pensativa.

—Não te precipite; pode ser que alguma vez queira usá-lo —disse, baixando uma nota o tom de voz.

—Duvido —respondeu Sophia, que lhe brilhavam os olhos. —Se quizer fazer exercício, da um passeio.

—Sabe montar?

—Temo que não, nem cavalos de carne e osso nem de câmara.

—Pois te vou ensinar —Ross a olhou ardentemente da cabeça aos pés. —Tire o vestido – disse logo, surpreendendo-a.

—O que? –exclamou ela, sacudindo a cabeça desconcertada. —Aqui? Agora?

—Aqui e agora —afirmou Ross em voz baixa. Recostou-se contra o respaldo da cadeira e colocou um pé na tabuleta. A maliciosa idéia que refletia seu olhar era inconfundível.

Sophia o olhou receosa. Embora aquilo não a inibisse absolutamente, tinha dúvidas no referente a despir-se em casa alheia e em pleno dia, com a luz do sol entrando pelas janelas, não tinham cortinas. Com cuidado, mas com graça, começou a desabotoar a gola do vestido.

—E o que passa se nos interrompem?

—A casa está vazia.

—Sim, mas e se algum servente entrar e nos dizer algo?

—Saberão o que é bom —assegurou Ross, observando atentamente as mãos de sua esposa, que tirava o sutiã do vestido — Necessita ajuda?

Sophia negou com a cabeça e tirou os sapatos, sentindo-se terrivelmente tímida. desabotoou o vestido, deixou-o cair ao chão e logo seguiu com a parte dianteira do espartilho. Quando teve tirado este último, ficou vestida só com as calcinhas, as meias e uma regata que lhe chegava até os joelhos. Tomou a prega da regata e o recolheu até a cintura, com o que ruborizou ainda mais. Fez uma pausa e olhou a atenta cara de seu marido.

—Segue —a animou ele.

Sophia se sentia como uma fulana, ali, de pé ante o Ross, como uma daquelas mulheres que cobravam por sedução em alguns bordéis de luxo de Londres.

—Se não fosse meu marido, não faria isto – assegurou ela, tirando objeto com um movimento rápido.

Ross esboçou um sorriso.

—Se não fosse minha mulher, não lhe pediria —respondeu, movendo o olhar pela metade superior do corpo de Sophia, centrando-se nas curvas dos seios e os duros montículos dos mamilos. Ross mudou notavelmente a respiração, e não parava de mover os dedos sobre o apoio da cadeira. —Vem para mim; não, não te cubra.

Sophia avançou até ficar diante dele. Ross lhe tocava o ombro com a pontas dos dedos. Sua mão, cálida, moveu-se para baixo, seguindo a forma do seio e lhe acariciando o mamilo com o polegar. Ela notou como baixava as calcinhas, que se deslizaram por seus quadris e se posaram sobre o chão. Sophia começou a tirar as ligas e as meias, mas Ross tomou-a pelos braços.

—Não —disse, com a voz rouca. —Eu gosto quando está com as meias postas.

Sophia dirigiu a vista instantaneamente ao notório volume que tinha seu marido no meio das pernas.

—Isso parece.

Ele sorriu e exerceu mais pressão sobre seu braço, atraindo-a para si.

—Ponha em meu meio.

Com cuidado, Sophia pôs o pé sobre a tabuleta; Ross a sujeitou pela cintura e a levantou, e ela emitindo uma risada, caiu desabada sobre seu colo e lhe abraçou o pescoço. A cadeira rangeu com estrépito e ambos afundaram vários centímetros na almofada.

—Isto não vai funcionar — exclamou Sophia, rindo.

—Me ajude — exigiu Ross com firmeza, olhando-a com olhos divertidos.

—Sim, senhor —respondeu, deixando que colocasse as pernas a cada lado do artefato, até que se separaram de tal forma que ficou a mercê absoluta de seu marido.

As risadas de Sophia foram desaparecendo gradualmente.

—E você, não vai tirar a roupa? –perguntou ela, deixando que Ross deslizasse as mãos sob suas nádegas.

Ross a pegou com força e a levantou.

—Não.

—Mas quero...

—Shh.

Ross tomou um de seus mamilos com a boca e ficou a sugá-lo doce e calidamente. Ao mesmo tempo, foi movendo os dedos pelo interior de suas coxas, até que toparam com o arbusto de delicioso pêlo púbico. O

cavalo de câmara se balançava com cada movimento que Sophia efetuava, obrigando-a a segurar o pescoço de Ross para manter o equilíbrio.

Ele deslizou os dedos no interior de sua mulher e os moveu até que a cavidade esteve úmida e palpitante.

Sophia fechou os olhos por causa da brilhante luz que entrava pela janela e apoiou a bochecha na cabeça de Ross. À medida que este chupava o mamilo, ela sentia como o roçar da barba abrasava a pele sedosa.

Muito excitada para seguir esperando, Sophia se inclinou e tentou desabotoar as calças. Ross tirou a mão dela.

—Me deixe —disse. Rindo levemente, —antes que me arranque os botões.

Sophia se pegou a ele, ofegando, enquanto Ross desabotoava a calça e liberava seu membro em ereção.

Ross sussurrou algo e posicionou sua esposa sobre suas coxas, separando as pernas até o ângulo adequado.

Ela desceu sobre seu marido e gemeu ao sentir como este a enchia por completo. Sophia se agarrou ao casaco de Ross, afundando os dedos na suavidade do tecido.

—Não te solto — sussurrou ele.

Continuando, Ross apoiou os pés na tabuleta e, com um repentino e eletrizante salto, elevou-se vários centímetros da cadeira. O movimento fez que seu membro se afundasse ainda mais em Sophia, que gemeu de prazer.

Ross sorriu ao fixar-se nos olhos abertos e desfocados de sua mulher. Sophia tinha avermelhada as maçãs do rosto, e o suor o escorria pela pele. Ross lhe esticaram os músculos ao apoiar os pés sobre a tabela uma vez mais, e logo os deixou cair de novo.

—Encontra-te bem? —perguntou-lhe com um sussurro. —É muito?

—Não —respondeu ela, tragando saliva, faz de novo.

Ross começou a balançar-se, provocando, fazendo com que a cadeira chiasse ritmicamente. Com cada contração e expansão da almofada, escapava um som, soando como um fole. Sophia se sujeitava com força a seu marido. Cada descida do assento fazia que o membro, rígido e grosso, se introduzisse com mais força dentro dela, uma e outra vez, até que aquele movimento incessante e exaustivo a fez convulsionar-se em um clímax interminável.

Sentindo os espasmos de Sophia, Ross a empurrou uma última vez e soltou um grunhido de prazer.

Quando, por fim, apoiou-se no respaldo da cadeira com o corpo de sua esposa entre seus braços, ela se deixou cair sobre ele, totalmente relaxada. Seus corpos ainda estavam unidos e Sophia gemeu ao mover-se Ross dentro dela.

—Acredito que ficamos com a cadeira —murmurou Ross, com a boca pega ao cabelo de Sophia. — Nunca se sabe quando necessitará outra lição.


Sophia e Ross decidiram seguir vivendo em Bow Street até que a casa de aluguel estivesse corretamente mobiliada. Enquanto ela passava a maior parte do tempo comprando móveis e objetos variados, contratando serventes e provando roupas durante horas intermináveis, Ross manteve sua promessa de organizar sua retirada. Sophia sabia que não resultaria nada fácil abandonar o considerável poder que tinha acumulado através dos anos. Entretanto, Ross não parecia absolutamente preocupado a respeito. Durante muito tempo, tinha encaminhado sua vida em uma só direção, e agora o caminho estendia com novas possibilidades. Tinha sido um homem terrivelmente sério, que estranha vez sorria. Agora resultava muito mais fácil brincar e sorrir e desdobrar seu lado travesso, que Sophia achava encantador. Além disso, fazia o amor com tal sensualidade que ela ficava totalmente satisfeita.

Sophia era consciente que, depois de ter vivido sob o mesmo teto que Ross, conhecia seu marido bem. E

cada vez se entendia melhor com ele. Ross lhe confiava seus pensamentos e sentimentos mais íntimos e se mostrava ante ela tal como era, não como alguém que adotava uma pose, mas sim como um homem com medos e inquietações. Ross era capaz de cometer enganos, e sentia muito frequentemente que não alcançava suas próprias expectativas.

Para frustração de Ross, seus planos de persuadir o Ministério do Tesouro para que financiasse a construção de novos tribunais e a contratação de novos magistrados para o Middlesex, Westminster, Surrey, Hertfordsshire e Kent tinham fracassado. Parecia que o governo não estava convencido que tais mudanças fossem necessárias e que preferia pagar a um só homem para que se ocupasse daquele enorme conjunto de responsabilidades.

—A culpa é exclusivamente minha — disse a Sophia a causar pena, sentado no quarto, junto a lareira, com uma taça de brandy na mão, bebendo o licor sem saboreá-lo —encarreguei de demonstrar que eu era capaz de dirigir tudo, e agora o lorde do tesouro não acredita que seja necessário contratar mais homens para a mesma tarefa. Estou convencido de que Morgan é perfeitamente capaz de me substituir no cargo de magistrado chefe, mas não a custa de sua família e de sua vida privada.

—Somente você é capaz de fazer encarregado de tudo – disse Sophia, arrebatando a taça vazia. Sentou-se no braço da poltrona de seu marido, passando os dedos por suas têmporas chapeadas. —De todas as formas, semelhante quantidade de trabalho lhe fazia sofrer, embora fosse muito teimoso para admiti-lo.

Ross olhou sua mulher e pareceu relaxar-se um pouco.

—Até que apareceu você – disse — Foi então quando compreendi o que faltava na minha vida.

—Comida e descanso? –sugeriu ela, olhando-o com ternura.

—Entre outras coisas —respondeu ele, lhe acariciando o tornozelo e subindo até o joelho. —E agora, nada poderá me separar de ti.

—Pode ser que leve algum tempo assumir tantas mudanças – disse Sophia, sem deixar de acariciar o cabelo. —Por minha parte, não há nenhuma pressa. Embora te quero todo para mim, esperarei o tempo que for possível.

Ross levantou a vista de novo e olhou sua mulher com ternura.

—Eu não quero esperar —declarou descrevendo círculos sobre o joelho de Sophia. De repente, sorriu.

—Tem sua graça, verdade? As pessoas se queixaram durante anos, de todo o poder que eu dispunha, e agora ninguém quer que vá. Há quem me acusa de abandonar minhas responsabilidades, e o governo me está oferecendo toda classe de incentivos para que fique.

—Isso é porque só há um sir Ross Cannon, e todo mundo sabe —consolou Sophia, lhe acariciando o queixo. —E agora me pertence —acrescentou satisfeita.

—Sim —disse ele, fechando os olhos e lhe beijando a palma da mão. —Foi um dia comprido e exaustivo.

Necessito algo que me faça esquecer dos recursos públicos e da reforma judicial.

—Mais brandy? –ofereceu ela amavelmente, ficando de pé.

O comentário provocou a Ross uma súbita gargalhada.

—Não, brandy não —disse ficando de pé e retendo Sophia pelo braço, atraindo-a para si. —Tenho em mente um remédio distinto.

Sophia sentiu uma repentina sensação de ansiedade, e abraçou o pescoço de seu marido.

—O que você deseja? Quero te ajudar no que seja necessário.

Ross riu do tom irônico de Sophia, e a empurrou para a cama.

—Será-me de grande ajuda – assegurou seguindo-a de perto.


O fato de que Sophia fosse objeto de tanta curiosidade, fazia que ela e Ross recebessem convites por parte de políticos, profissionais e inclusive de distinguidos aristocratas. Entretanto, eles não aceitavam mais que alguns, já que ela tinha dificuldades para adaptar-se a sua nova vida. Depois de ter trabalhado tantos anos como faxineira, custava-lhe mover-se com comodidade em círculos sociais elevados, com independência das pessoas. Na maioria das recepções se sentia estranha e tensa, embora a mãe de Ross tinha assegurado que com o passar do tempo se iria acostumando.

Em todo caso, resultava-lhe mais fácil relacionar-se com pessoas “de segundo nível”, como sir Grant e sua esposa Vitória, e a multidão de gente normal que a rodeava, muito menos círculos sociais altos. Era gente menos pretensiosa e mais consciente de questões ordinárias como o preço do pão e as preocupações dos pobres.

Ross a ajudava em grande medida a aliviar suas inquietações. Nunca menosprezava seus medos nem perdia a paciência com ela. Quando Sophia desejava falar com ele, Ross não era inconveniente em interromper o que fora que estivesse fazendo, por muito importante que fora. As noites que assistiam a uma peça ao teatro, Ross a tratava com tanta atenção, que as outras mulheres constavam com amargura que seus maridos não se preocupavam com elas nem a metade que aquele homem. Um dos temas de conversação mais presentes que eram trocados, estava sir Ross, e como era possível que um cavalheiro tão sério se transformou em um marido tão adorável. Sophia pensava que a razão que se escondia depois da devoção de Ross por ela era muito simples: depois de haver estado só tanto tempo, ganhou-se em pulso a capacidade de poder apreciar muito melhor os prazeres do matrimônio, e ele não se tomava essa felicidade à ligeira. Inclusive era possível que, em um canto de seu coração, Ross temesse que tudo aquilo lhe pudesse ser arrebatado em um abrir e fechar de olhos, como lhe tinha acontecido com Eleanor.

Os fins de semana, frequentemente foram a Silverhill Park, onde assistiam a festas, foram a picnic ou simplesmente davam passeios pelo campo para gozar do ar fresco e a paisagem espetacularmente verde.

Catherine Cannon adorava divertir-se, e nos meses do verão a mansão estava cheia de amigos e conhecidos.

Sophia desfrutava indo ali, e acabou forjando uma estreita amizade com sua sogra e inclusive com Iona, sua concunhada. À medida que se foram conhecendo, foi perdendo o acanhamento, embora em seus pálidos olhos azuis permanecesse sempre um olhar de tristeza. Era óbvio que sua melancolia provinha de seu matrimônio com Matthew. Iona chegou inclusive a confiar a Sophia que, antes de casar-se, seu marido parecia um homem totalmente distinto.

—Era uma pessoa encantadora —disse Iona, cuja amarga expressão desafinava em um rosto tão angélico como o seu.

Ela e Sophia estavam sentadas em caminhos colocadas frente a um muro de pedra coberto de esplêndidas rosas que floresciam com força sob o quente sol do verão. Em frente a elas havia um pequeno jardim e uma arcada coberta de hera que dava a grosseiras extensões de erva verde.

Iona observava com ar ausente o horizonte, enquanto o sol iluminava seu perfil delicioso e convertia seu cabelo em um redemoinho de ouro cintilante.

—De todos os homens que me cortejavam, Matthew era o mais destacado. Eu adorava seu humor negro e, é obvio seu aspecto. Era realmente encantador –disse. Seus lábios perfeitos esboçaram um inexpressivo sorriso. Fez uma pausa para tomar um comprido gole de limonada e foi como se, ao prosseguir, o sabor ácido da bebida perdurasse em sua boca. —Desgraçadamente, logo descobri que alguns homens só estão interessados na perseguição, e que uma vez conseguindo seu objeto de desejo, este os deixa indiferentes.

—Sim —disse Sophia, pensando em Anthony, —eu também me encontrei com esse tipo de homem.

Iona sorriu resignada.

—É obvio, não sou nem muitíssimo menos a única mulher que sofreu um desengano amoroso. Tenho uma vida cômoda e aprazível, e Matthew não é um mau homem, somente um egocêntrico. Pode ser que conseguisse atrai-lo para a cama mais frequentemente se ficasse grávida, isso me daria um grande consolo.

—Espero que assim seja —disse Sophia com franqueza. —E pode ser que Matthew mude. Sir Ross me tinha dito que está ocupando bem de suas novas responsabilidades.

Durante as últimas semanas, Ross tinha obrigado a seu irmão mais novo a reunir-se regularmente com o administrador de imóveis, para que este o ensinasse a levar a contabilidade, a direção, o referente à agricultura, os impostos e tudo o que tivesse a ver com a manutenção de Silverhill Park. Embora Matthew tivesse protestado energicamente, não teve mais remedeio que cumprir as ordens de seu irmão.

Iona utilizou uma de suas unhas, largas e perfeitamente alinhadas, para tirar uma bolinha de pó que se posou na borda de seu copo.

—Suponho que se você pôde mudar Ross da forma em que o tem feito, cabe a possibilidade de que eu faça o próprio.

—Bom, eu não o mudei —corrigiu Sophia.

—É obvio que sim! Nunca pensei que pudesse voltar a ver sir Ross tão apaixonado. Antes de casar-se contigo, quase lhe custava dizer duas palavras seguidas; agora parece outro homem. É estranho; até recentemente, sempre lhe tive um pouco de medo. Era como se te atravessasse com o olhar; seguro que já sabe a que me refiro.

—Sim, sei —disse Sophia, esboçando um sorriso.

—É sempre tão reservado... Ross nunca baixa o guarda diante de ninguém, exceto de ti —disse Iona entre suspiros, colocando uma mecha de seu brilhante cabelo detrás da orelha. —Estava acostumada a pensar que dos dois irmãos, eu tinha ficado com o melhor. Apesar de seus defeitos, Matthew era humano, enquanto que Ross parecia totalmente sem paixão. Agora ficou patente que seu marido não é o frio autômato que todos acreditávamos que era.

—Não, está claro que não o é –concordou Sophia, ruborizando-se.

—Invejo-te por ter um homem que não se mantém afastado de sua cama.

Estiveram sentadas em silencio durante uns minutos, cada uma perdida em seus próprios pensamentos.

Uma abelha sobrevoava as rosas com preguiça, e se ouvia o leve som da campainha dos serventes procedente do interior da casa. Sophia pensou com assombro em quanto tinha mudado em tão pouco tempo. Não fazia muito, pensava que o que mais queria no mundo era casar-se com Anthony. Entretanto, se se tivesse casado com ele ou com alguém parecido, ela se teria convertido em uma pessoa igual a Iona: amarga, desiludida e com poucas esperanças de que o futuro fosse algo melhor. Graças a Deus, pensou aliviada; obrigado por não me haver concedido alguns desejos e por haver guiado a um destino muito mais doce.

Como cada vez ia fazendo mais calor, os Cannon e seus convidados optaram por dormir a tarde ou por descansar no interior da casa. Entretanto, Ross nunca tinha dormido a tarde em sua vida, e só a idéia de tornar-se a dormir na metade do dia lhe resultava inconcebível.

—Vamos dar um passeio —sugeriu a Sophia.

—Um passeio? Mas se todo mundo está descansando comodamente dentro-protestou.

—Perfeito —disse ele — teremos todo o exterior para nós.

Sophia pôs os olhos em branco e foi colocar um vestido mais cômodo. Logo acompanhou a seu marido a dar uma volta pelo campo. Caminharam em direção ao povo até que avistaram o campanário da igreja.

Quando se aproximavam de uma fileira de nogueiras, Sophia decidiu que já tinha tido suficiente exercício.

Exigindo um pouco de descanso, colocaram-se sob a sombra da árvore.

Ross sentou e abraçou Sophia, abrindo o pescoço da camisa para poder desfrutar da pouca brisa que havia. Ficaram falando sobre temas que foram do mais sério até o mais corriqueiro. Sophia nunca tinha imaginado que um homem fosse capaz de escutar a uma mulher como fazia seu marido. Escutava com atenção, interessava-se e nunca se burlava de suas opiniões embora não estivesse de acordo com elas.

—Sabe? – disse fascinada, apoiada em seu colo e observando as folhas escuras e grandes que tinham em cima, —acredito que falar contigo gosto inclusive mais que fazer o amor.

Em Ross caiu uma mecha de cabelo castanho sobre a fronte ao baixar a cabeça para olhá-la.

—Isso é um galanteio a minha capacidade de conversação, ou uma queixa a minha forma de fazer o amor?

Sophia sorriu e acariciou o peito.

—Sabe que nunca me queixaria disso. O que passa é que nunca pensei que teria esta aula de relação com meu marido.

—E o que esperava? –repôs Ross, visivelmente entretido.

—Bom, já sabe, o normal; que falaríamos de coisas sem importância, nada inapropriado, e que estaríamos cada um em nossa zona da casa, e que passaríamos a maior parte do tempo separados. Que viria para mim no quarto algumas noites, e que, é obvio, consultaria-te antes de fazer algumas coisas —explicou Sophia, fez uma pausa ao ver o estranho olhar de seu marido.

—Mmm...

—O que? –perguntou ela, inquieta — Acaso disse algo inconveniente?

—Não —respondeu ele com expressão contemplativa. —Ocorre que me acaba de descrever o tipo de matrimônio que tive com Eleanor.

Sophia se levantou e acariciou o alvoroçado cabelo. Ross mencionava a sua primeira esposa tão pouco frequentemente que ela esquecia que ele já tinha estado casado. Ross parecia lhe pertencer de tal forma que custava imaginá-lo vivendo com outra mulher, amando-a e abraçando-a. Sentindo a aguda mordida de ciúmes, Sophia tratou de serenar-se.

—Foi uma relação agradável?

—Suponho que sim —disse ele, pensativo, —mas duvido que agora me sentisse satisfeito com isso. O

tempo tem feito procurar algo diferente em uma relação. — Ross ficou pensativo um bom momento e logo acrescentou: —Eleanor era uma boa esposa, mas era tão delicada...

Sophia arrancou uns fios de erva e as examinou atentamente, as fazendo girar entre seus dedos. Perguntou se o que tinha feito sentir-se atraído por uma mulher tão extremamente frágil e delicada. Não parecia nem muito menos o casal idôneo para alguém tão empreendedor como Ross.

De algum jeito, este pareceu ler seu pensamento.

—Eleanor apelava a meu sentido protetor —disse. —Era encantadora, frágil e indefesa. Todo aquele que a via sentia necessidade de protegê-la.

O ciúme invadiu a Sophia apesar de seus esforços por evitá-lo.

—E, naturalmente, não pôde resisti-lo.

—Não —disse Ross, levantando um joelho e apoiando o braço nele, olhando como Sophia seguia arrancando erva. A tensão que havia nela deu evidência, já que a cabo de um momento perguntou brandamente — No que estás pensando?

Sophia sacudiu a cabeça, sentindo vergonha pela pergunta que foi a sua mente, uma pergunta que não vinha ao caso e que, obviamente, era fruto do ciúme.

—Em nada.

—Me diga –a animou Ross, posando a mão sobre os dedos de Sophia, que seguia arrancando erva, —me foste perguntar sobre a Eleanor.

Ela o olhou e ruborizou.

—Estava me perguntando como alguém tão frágil pôde te haver satisfeito na cama.

Ross ficou muito quieto e uma ligeira brisa levantou a mecha que lhe caía sobre a fronte. Seu rosto refletia se aquela pergunta o tinha consternado; ele era muito cavalheiro para respondê-la, já que nunca seria capaz de desonrar a memória de sua falecida esposa. Entretanto, quando seus olhares se encontraram, ela pôde ler a resposta em seus olhos, e se sentiu incrivelmente aliviada. Sentindo-se mais tranquila, Sophia acariciou os dedos de seu marido.

Ele se inclinou sobre ela e a beijou com ternura. Embora não pretendia que ela tomasse aquele gesto como uma iniciativa sexual, o sabor dos lábios de Ross resultava tão embriagador que Sophia levou a mão por detrás do pescoço e o beijou apaixonadamente. Ross a pôs de novo sobre seu colo e aproveitou o convite de sua mulher. Passou os braços pelas costas, percorrendo seus sólidos músculos, e suspirou ao notar sua ereção.

A leve risada de seu marido lhe fez cócegas na orelha.

—Sophia... —disse ele — vais me matar.

Ela adorava a maneira em que Ross a olhava, aquele fogo que dançava em seus olhos.

—Custa-me acreditar que um homem com seu apetite possa ter permanecido celibatário durante cinco anos – disse Sophia, com a voz tomada pela paixão.

—Não estive celibatário todo o tempo —admitiu.

—Não? –disse Sophia, sobressaltada. —Nunca me contaste isso. Com quem te deitava?

Ross lhe tirou o pente de prender cabelo de concha de tartaruga do cabelo e lhe passou os dedos pelas frisadas mechas douradas.

—Com a viúva de um velho amigo. Durante o primeiro ano depois da morte de Eleanor nem sequer podia contemplar a possibilidade de fazer o amor com outra mulher. Entretanto, com o tempo fui sentindo necessidades... — Fez uma pausa, sem deixar de acariciar o cabelo de Sophia. Ross parecia incômodo.

—Sim? –disse ela. —Foi então quando começou a manter relações com essa mulher?

Ele assentiu.

—Sentia-se tão só como eu, e estava desejosa de se relacionar com alguém, assim que fomos nos vendo discretamente durante quatro meses, até que...

—O que?

—Um dia ficou a chorar depois de... —Se ruborizou — Disseme que se apaixonou por mim, e que se eu não sentisse o mesmo por ela, não podíamos seguir com esse romance, já que seria muito doloroso.

—Pobrezinha —disse Sophia, compadecendo-se sinceramente da viúva. —E a relação terminou.

—Sim, e senti muita culpa e dor por todo o sofrimento que tinha causado. Também aprendi algo; embora nossa aventura fosse muito prazerosa, não era o mesmo sem amor. Portanto, decidi esperar até estar com a mulher adequada; isso faz três anos. O tempo passou rápido, sobretudo porque estava muito ocupado com meu trabalho.

—Mas deveria haver noites em que fora impossível aguentar —disse Sophia. Um homem com seu físico...

Ross sorriu com picardia, mas não devolveu o olhar.

—Bom, há modos em que um homem pode resolver este problema por si mesmo.

—Quer dizer que...

Ross a olhou, e um ligeiro toque de cor apareceu em suas maçãs do rosto.

—Você não?

Sophia tratou de responder. Sobre eles se podia ouvir o som das folhas agitando-se e o inocente canto de um pássaro.

—Sim — admitiu finalmente. —Pouco depois que lhe disparassem. Recorda aquela manhã que me beijou e me meteu em sua cama e que quase...? –Sophia se ruborizou por completo — Depois daquilo, não podia parar de pensar na forma em que me havia posto doida, e uma noite, as sensações eram tão insuportáveis que... — Morta de vergonha, levou-se as mãos ao rosto.

Ross arrumou o cabelo com a mão e inclinou a cabeça para trás, sorrindo e beijando-a. Sophia, ainda ruborizada, tratou de relaxar-se sobre o colo de seu marido, fechando os olhos contra os raios do sol que penetravam entre os ramos das árvores. Ross lhe deu beijos lentos e suaves, e ela não disse nada quando notou como Ross começava a lhe desabotoar a roupa. As mãos dele se deslizaram sob o vestido de Sophia, acariciando seus peitos, suas coxas e seus quadris.

—Me mostre como o faz – pediu Ross com um sussurro, lhe beijando o pescoço.

—O que?

—Como te dá prazer.

—Não — respondeu Sophia, rindo com nervosismo ante aquela petição.

Entretanto, Ross insistiu e suplicou até que ela acessou com um suspiro de resignação. Com a mão tremendo, as calcinhas baixadas até os joelhos e o vestido subido pela cintura, Sophia alcançou o lugar que Ross tinha deixado descoberto.

—Aqui —disse ela, respirando com agitação.

Ross apoiou os dedos levemente sobre ela, seguindo o movimento lento e sutil da mão de sua esposa. Ela apartou a mão, e ele seguiu acariciando-a.

—Assim? –murmurou.

Sophia se abaixou no colo de seu marido, respirando com muita força para poder falar.

Ross esboçou um tenro sorriso ao ver o rosto de prazer dela.

—Não é melhor isto que dormir a tarde? –perguntou, movendo os dedos com delicadeza.

De repente, totalmente entregue a suas sensações, Sophia se estremeceu, deixando que o prazer fluísse através dela como um rio sem fim.


O único obstáculo na felicidade de Sophia era a crescente preocupação que sentia por seu irmão. Nick seguia abrindo caminho através de Londres, como sempre atuando alternativamente como um criminoso em toda regra e outras dirigindo caçadas de delinquentes. A sociedade estava dividida quanto a sua opinião sobre ele.

A maioria ainda o tinha como um valente benfeitor público, devido a sua habilidade para perseguir e apanhar ladrões e para convencer aos membros dos bandos de que delatassem uns aos outros. Entretanto, um pequeno, mas crescente número de cidadãos começava a condenar seus métodos corruptos. Estava claro que, a pesar do poder que tinha nos baixos recursos, seu trono não era estável absolutamente.

Depois que Sophia tivesse enviado a Nick a informação que este tinha exigido, seu irmão não voltou a pedir nada mais, nem voltou a mencionar a possibilidade de chantageá-la. De vez em quando mandava notas em que expressava sua devoção como irmão, através de um mensageiro que arrumava para não ser descoberto. Sophia partia o coração ler tais notas, já que a falta de educação de seu irmão era mais que evidente. Sua escrita era torpe e cheia de falhas de ortografia, mas mostrava sua inteligência viva e seu carinho por ela. As notas davam a Sophia uma idéia do tipo de homem em que poderia haver-se convertido seu irmão. Pensava com tristeza que John poderia ter utilizado sua ambição e sua inteligência para bons propósitos, em lugar de objetivos perversos. Em troca, seu irmão estava muito ocupado desenvolvendo uma extensa rede de espiões e delatores por toda Londres. Além disso, dirigia um bando de contrabandistas que traficava com grandes quantidades de artigos de luxo e os distribuía pela cidade com uma eficiência assombrosa. Nick era ardiloso, audaz e desumano, uma combinação que o convertia em czar do crime. E o que Ross não tinha confessado a Sophia (mas que de todas as formas estava totalmente claro) queria acabar com Gentry antes de retirar-se.

Logo, a inquietação que sentia Sophia por seu irmão ficou temporariamente apartada por um descobrimento que a enchia de excitação. Antes de contar a Ross, fez com que Eliza preparasse um de seus pratos favoritos, salmão assado com molho de limão e salsinha, e colocou um vestido turquesa com encaixe no pescoço e nas mangas. Ao anoitecer, quando Ross voltou para Bow Street depois de ter saído para levar a cabo uma investigação, ficou gratamente surpreso ao ver uma pequena mesa preparada junto à janela, com o jantar esperando sob cobertas de prata. Sophia tinha iluminado o quarto com velas e o recebeu com um largo sorriso.

—Isto é o que deveria esperar todo homem quando volta para casa —disse ele, rodeando a cintura e plantando um apaixonado beijo nos lábios. —Mas por que hoje não jantamos no andar de baixo, como sempre?

—Temos algo a celebrar.

Ross olhou a sua mulher, pensando que seria esse misterioso “algo”. Seu olhar se foi tornando temeroso, como se intuiu o que ia dizer Sophia.

—Adivinha o que? –perguntou ela.

—Temo-me que não, meu amor - respondeu ele.— Terá que me dizer você.

Agarrou-lhe a mão e a apertou com força.

—Dentro de nove meses, a família Cannon contará com um novo membro.

Para surpresa de Sophia, Ross ficou gelado por um instante, camuflando rapidamente sua reação com um sorriso e um abraço.

—Carinho – disse, —que magnífica notícia! Embora não me surpreende depois do que estivemos fazendo estes últimos meses.

Sophia riu e abraçou seu marido com força.

—Estou tão contente! Fui ver o doutor Linley; ele me disse que estou em plena forma e que não há nada do que preocupar-se.

—Não duvido de sua opinião —disse Ross, beijando-a com ternura na fronte. — Te encontra bem?

—Sim —afirmou ela.

Sophia se afastou e esboçou um sorriso, notando que havia algo que não ia bem, embora não sabia o que.

Não cabia dúvida de que Ross tomou a notícia bem. Entretanto, ela tinha esperado que reagisse com mais entusiasmo. Embora possivelmente, pensou, não era mais que uma das muitas diferenças entre homem e mulher. Depois de tudo, para muitos homens, todo o relativo a ter filhos e sua criação era território exclusivo da mulher.

Uma vez sentados na mesa, a conversação foi do tema da gravidez até a casa a que logo se mudariam.

Teriam que preparar um quarto para o menino e, é obvio, teriam que contratar a uma babá. Enquanto comiam e falavam, Sophia não deixou de olhar Ross, sentindo que este estava ocultando algo. Os olhos de seu marido não revelavam nada e, à luz das velas, seu rosto parecia esculpido em bronze.

Quando terminaram de jantar, Sophia ficou em pé e falou.

—É tarde —disse com um bocejo — Virá à cama agora?

Ross sacudiu a cabeça.

—Ainda não tenho sono, sairei a dar um passeio.

—De acordo - respondeu ela, sorrindo de forma incerta — Estarei te esperando.

Ross saiu de casa como se escapasse de uma prisão. Franzindo o cenho pela estranha atitude de seu marido, Sophia foi até o quarto lavou o rosto com água fria. Quando começou a desabotoar o sutiã para tomar um banho, algo a fez ir até a janela. Correu a cortina e se fixou no pátio que havia depois dos dois pátios do número quatro. Ali estava Ross, iluminado pela lua. O branco impoluto das mangas de sua camisa contrastava com o brilho de seu colete.

Sophia ficou perplexa ao ver que sustentava um charuto e o que parecia uma caixa de fósforos. Ross quase nunca fumava e, quando o fazia, tratava-se de um ritual social levado a cabo em companhia de outras pessoas.

Ross acendeu o fósforo e o levou ao charuto, mas tremiam as mãos e a chama se agitava sem conseguir acendê-lo.

Sophia pensou com assombro que seu marido estava molesto. Não aborrecido, mas sim inquieto, coisa que nunca tinha visto. Rapidamente, voltou a prender o sutiã e baixou as escadas. Que estúpida tinha sido a não dar-se conta do efeito que teria em seu marido a notícia da gravidez! Ross tinha ficado traumatizado porque sua primeira esposa tinha morrido ao dar a luz, e agora devia ser como se aquela terrível experiência estivesse se repetindo.

Como Ross era um homem absolutamente racional, sem dúvida sabia que as possibilidades de que aquilo voltasse a ocorrer eram mínimas. Entretanto, ele não era diferente de outros homens, e bem podia ocorrer que suas emoções eclipsassem alguma vez seu sentido comum. Pode ser que ninguém tivesse acreditado do invencível magistrado chefe, mas ele também tinha seus medos, e possivelmente este era o maior de todos.

Sophia atravessou a cozinha e saiu ao pátio. Ross estava de costas pra ela, e ficou tenso ao notar sua presença. Tinha descartado a possibilidade de fumar, e simplesmente estava de pé com as mãos nos bolsos, cabisbaixo.

Sophia seguiu aproximando-se.

—Quero estar sozinho – disse ele com um ligeiro grunhido.

Ela não se deteve até abraçar suas costas. Embora Ross pudesse havê-la afastado com facilidade, ficou imóvel.

Sophia notou como seu marido tremia, aterrorizado por seu confinamento, e sentiu uma tremenda compaixão por ele.

—Ross – disse em voz baixa, —tudo vai bem.

—Já sei.

—Pois eu acredito que não. –Apoiou a bochecha contra as costas de seu marido e abraçou com força sua esbelta cintura, tratando de dar as palavras que o reconfortassem— Eu não sou delicada como Eleanor. Isso não ocorrerá de novo; tem que me acreditar.

—Sim - concordou ele, —não há razão para estar preocupado. –Dito isto, entretanto, seguiu tremendo e respirando com força.

—Me diga o que estas pensando —disse ela. —O que pensa de verdade, não o que eu quero ouvir.

Ele tomou tanto tempo para responder que Sophia pensou que não ia fazê-lo, até que começou a falar, fazendo pausas para respirar.

—Sabia que isto ia ocorrer... tinha me preparado... Não há motivo para ter medo. Desejo este filho, desejo que formemos uma família. Mas não importa o que me diga mesmo; não posso evitar recordar...

Deus, não sabe o que foi aquilo! – quebrou a voz e Sophia se deu conta de que aquelas escuras lembranças o estavam corroendo.

—Ross, date a volta e me olhe – pediu, —por favor.

Confuso, obedeceu. Ela o abraçou, agarrando-se a seu corpo quente e robusto. Ele a correspondeu como se Sophia fora um salva-vidas, estreitando-a em um gesto desesperado.

Sophia lhe acariciou as costas e lhe deu um beijo na orelha. Ross apertou o cabelo e as costas com as mãos, agarrando-se a ela uma vez que rompia a soluçar desconsoladamente. Sophia colocou uma mão em cada lado do rosto quente e úmido de seu marido e o apertou contra o seu próprio. Os espessos cilíos de seu marido estavam encharcados em lágrimas; era como se estivesse olhando através das portas do inferno.

Sophia beijou os lábios com ternura.

—Nunca mais voltará a estar sozinho – prometeu. —Vamos ter muitos meninos sãos e fortes, e netos, e envelheceremos juntos.

Ele assentiu, tratando de obrigar-se a acreditar.

—Ross - prosseguiu ela, —verdade que eu não me pareço com a Eleanor absolutamente?

—Não —respondeu ele com voz rouca.

—Toda nossa relação, desde que começou até agora... Em nenhum momento foi similar a que manteve com ela não é assim?

—É obvio.

—Então por que acredita que vai acabar da mesma maneira?

Ross não respondeu; limitou-se a beijar a têmpora e a seguir obstinado desesperadamente a ela.

—Não sei por que Eleanor teve que morrer daquela maneira —disse Sophia. —Não foi culpa dela e, certamente, tampouco tua. Aquilo escapava a seu controle. Até que não deixe de te sentir responsável pelo que ocorreu, seguirá amargurado pelo passado. E castigando a ti, também me castigará.

—Não —disse ele com um suspiro, lhe acariciando torpemente o cabelo, o pescoço e as costas.

—Que se sinta culpado não faz honra a sua memória –disse Sophia, apartando-se para olhar a expressão torturada de Ross, — Eleanor não tivesse querido que se sentisse mal por havê-la amado.

—Não o faço!

—Então, demonstra —desafiou ela, com os olhos umedecidos pela emoção. —Vive como ela tivesse querido que o fizesse, e deixa de te culpar.

Ross a estreitou de novo, e Sophia o sustentou com toda sua força. Ele procurou desesperadamente os lábios de sua esposa, raspando o rosto com suas bochechas ásperas, e a beijou com avidez. Ela se abriu a ele, aceitando seu apaixonado arranque, o tempo que a emoção se transformava em pura necessidade física.

—Vamos lá pra cima —pediu Ross, —por favor.

Grunhindo visceralmente, levantou-a em seus braços e se dirigiu ao interior da casa, e não se deteve até chegar ao quarto.


Capítulo 17

 

Sophia despertou sozinha e nua, em meio dos lençóis revoltos. Ficou sonolenta, pensou aturdida. Havia muito que fazer esse dia: tinham que reunir-se com o decorador e com o professor jardineiro e assistir a um almoço de caridade. Entretanto, tudo aquilo não a preocupou a metade do que deveria havê-la preocupado.

Esboçando um sorriso sonolento, deu-se a volta e ficou de barriga para baixo, em sua cabeça revoava a lembrança de Ross fazendo o amor. Havia-a possuído inumeráveis vezes, tão apaixonadamente que ela tinha tido que suplicar que parasse. Agora doía todo o corpo; sentia nos lugares íntimos o ardor que lhe tinha provocado o roçar da barba de Ross, e tinha os lábios inchados pelos beijos. Pelo resto, encontrava-se totalmente satisfeita, e notava seu corpo cheio de luxuriosa alegria.

Pediu a Lucie que lhe preparasse um banho de imersão, e tomou um momento em decidir com que roupa ia passar o resto do dia. Finalmente, decidiu-se por um vestido de seda cor pêssego com sulcos ondulados na cintura e prega. Quando o banho esteve preparado, inundou-se na água quente com um suspiro, deixando que o calor aliviasse a pele e os músculos. Quando teve acabado, vestiu-se e arrumou o cabelo com um novo estilo que estava na moda: penteado para a direita e com cachos agarrados à esquerda.

Justo quando ia colocar um chapéu decorado com caules de hortênsia, Lucie entrou em seus aposentos.

—Veio a esvaziar a banheira?— perguntou Sophia.

—Sim, milady; mas... Acaba de chegar Ernest com uma mensagem. Sir Ross pergunta por você e lhe pede que vá a seu escritório.

Aquela petição não era normal, já que Ross quase nunca mandava chamá-la no meio da amanhã.

—Sim, é obvio – disse Sophia com calma, embora no fundo aquilo a inquietava. —Ele deve estar esperando frente à casa. Pode dizer ao chofer que me atrasarei uns minutos?

—Sim, milady – respondeu Lucie, que fez uma reverência e se foi.

Ernest esperava no andar de baixo para acompanhá-la ao número três de Bow Street.

—Ernest – perguntou Sophia enquanto cruzavam o pátio, — tem idéia por que quer conversar sir Ross?.

—Não, milady, embora... Houve muita agitação esta manhã. Sayer já teve que sair duas vezes, e ouvi que sir Grant foi a procurar o exército para que vá a Newgate para que deva proteger o edifício!

—Esperam que haja distúrbios?

— Isso parece! – exclamou o menino, exaltado.

Um elevado número de agentes da lei, de homem armados iam entrando no número três de Bow Street.

Vários grupos de homens uniformizados que já havia dentro inclinaram a cabeça e tiraram o chapéu ao passar Sophia diante deles. Ela se limitou a dar bom dia e seguir junto a Ernest até que chegaram ao escritório de sir Ross. Sophia disse ao menino que esperasse no corredor. Empurrou a porta meio aberta do escritório e viu seu marido. Olhando pela janela, de pé, estava sir Grant Morgan, com uma expressão austera no rosto. Ambos deram a volta ao ouvi-la entrar, e Ross a olhou nos olhos. Durante um instante ressurgiu neles a lembrança da noite anterior, e Sophia notou como acelerava o pulso.

Ross se aproximou dela e agarrou a mão com força.

—Bom dia— disse em voz baixa Sophia obrigou a sorrir.

—Suponho que vais explicar-me por que há tanta atividade hoje aqui.

Ele assentiu e respondeu bruscamente.

—Quero que vá a Silverhill: só uns dias, até que considere que já tenha passado o perigo.

—Isso quer dizer que esperas que haja problemas – repôs ela, preocupada.

—Prendemos Nick Gentry e o acusamos de receber e vender objetos roubados. Já temos a uma testemunha que apresentou provas sólidas em seu contrário. Mandei ao Gentry ao Kings Bench e me reuni com o ministro da Justiça para que tenha um julgamento justo. Entretanto, se o processo dura mais da conta, as massas se rebelarão de uma forma que fará com que os distúrbios de Gordon pareçam às festas de Primeiro de Maio. Não quero que volte para Londres até que tenha acabado tudo.

Embora poder condenar ao Gentry era algo no que Ross tinha posto todo seu empenho, seu tom de voz não soava triunfal.

Sophia se sentiu como se tivessem lha dado um murro no estômago. Tinha náuseas e faltava o ar.

Perguntou-se por que seu irmão tinha que ser um criminoso tão conhecido; se tivesse sido algo mais discreto, poderia ter prosperado em um relativo anonimato. Mas não, ele tinha que ser famoso e ser o centro de todos os debates, dividindo ao público e mexendo com as forças oficiais da ordem em sua cara. Nick tinha ganhado que ninguém fosse capaz de ajudá-lo.

Sophia procurou sentar na cadeira que tinha atrás dela. Ross vendo que a sua mulher acontecia algo ajudou-a a sentar-se. Nervoso, agachou-se frente a ela e observou seu rosto lívido.

— O que ocorre?— Perguntou, agarrando as mãos e notando que as tinha fria. O calor dos dedos de Ross não serviu para tirar o frio. — Encontra-te mau? É pelo bebê?

—Não — respondeu ela, olhando em outra direção e tratando de ordenar seus frenéticos pensamentos.

Era como se tivessem gelado os ossos e como se o frio estendesse por toda ela, fazendo que doesse a pele.

Inclusive as carícias tenras e familiares de Ross doíam. Pensou em contar a verdade sobre Nick, já que o preço que teria que pagar por manter seu silencio era muito alto. De todos os modos, dizer a verdade ia custar caro. Decidisse o que decidisse sua vida não voltaria a ser a mesma. Começaram a brotar lágrimas nos olhos, até que o amado rosto de seu marido não foi mais que uma mancha imprecisa.

— O que te passa? – repetiu Ross, cada vez, mais nervoso. —Sophia está bem? Quer que chame o médico?

Ela sacudiu a cabeça e tomou ar.

— Estou bem

—Então, por quê?

— Não pode fazer nada para ajudá-lo?— perguntou Sophia, desesperada.

— Ajudar Gentry? Por que demônio quer que o ajude?

—Há algo que não te contei – disse Sophia, com a manga do vestido, esfregou os olhos. —Algo que descobri justo antes de nossas bodas.

Ross guardou silêncio agachado, obstinado aos braços da cadeira onde estava sentada sua esposa.

—Segue— disse em voz baixa.

Sophia viu pela extremidade do olho que sir Grant fazia gesto de sair, para deixá-los sozinhos.

—Espere— disse, por isso Morgan se deteve justo na soleira. —Por favor, sir Grant, fique. Acredito que, tendo em conta sua posição em Bow Street, você também deve saber.

Morgan dirigiu um olhar interrogativo a Ross e voltou lentamente junto à janela, embora fosse evidente que não queria ficar ali.

Sophia ficou olhando nas mãos fortes que descansavam a cada lado dela.

— Recorda quando me disse que Gentry era quem me tinha me dado o colar de diamantes — Ross assentiu — Eu já sabia. Aquele mesmo dia, pela manhã, encontrei-me com o Gentry junto à loja do Lannigan. Me... fez subir a seu carro; e estivemos conversando. — Fez uma pausa e observou como as mãos bronzeadas de seu marido apertavam os braços da cadeira, até que seus dedos ficaram brancos. No escritório reinava um silêncio sepulcral, só interrompido pelo som da respiração controlada de Ross. A única maneira que pôde prosseguir Sophia foi empregando um tom plano e sem emoção. —Gentry me disse que, quando era jovem, tinha estado na mesma prisão flutuante que meu irmão. Disseme como tinha sido aquilo para John, o que tinha tido que sofrer... E depois me contou isso. — deteve-se, e logo prosseguiu com voz rota— Me disse que John não tinha morrido que se tinha feito passar por outro prisioneiro para assim poder sair dali em menos...

—Sophia — cortou Ross brandamente, como se acreditasse que se ficara louca, —seu irmão está morto.

Ela colocou suas mãos sobre as dele, tensas e firmes, e o olhou nos olhos.

—Não – disse. —Nick Gentry é meu irmão; ele e John são a mesma pessoa. Soube no instante em que me disse isso. Não podia me enganar, Ross; crescemos juntos, sabe o mesmo que eu sobre nosso passado e, além disso, note nele e verá que é parecido. Temos os mesmos olhos, as mesmas feições, os mesmos...

Ross tirou as mãos e se afastou dela como se queimasse com a respiração entrecortada.

—Meu Deus— ouviu que dizia entre dentes.

Sophia se afundou na cadeira, segura de que o tinha perdido definitivamente. Ross nuca a perdoaria por ter ocultado algo que teria que haver contado antes de haver-se casado. Destemida seguiu narrando o resto da conversação com seu irmão, assim como a informação que ele tinha pedido que extraísse dos arquivos. Ross estava de costas a ela, apertando os punhos com força.

—Sinto-o — concluiu Sophia. —Oxalá pudesse remediá-lo. Deveria haver dito sobre Nick tão logo me inteirei de que era meu irmão.

— Por que me conta isso agora? – replicou Ross com a voz rouca Já não havia nada que perder. Sophia olhou um ponto no chão e respondeu.

—Tinha a esperança de que pudesse fazer algo por ele.

Ross soltou uma sonora gargalhada.

—Embora pudesse, de nada serviria. Gentry não demoraria muito em voltar para as andadas e eu me veria obrigado a detê-lo de novo. E dentro de um mês provavelmente nos encontraríamos na mesma situação.

—Não me importa o que possa passar o mês que vem só o que possa passar hoje — declarou Sophia.

Ross nunca saberia quanto custou a sua esposa dizer a seguinte frase — Não faça que o pendurem— suplicou. —Não posso perder ao John de novo. Faz algo.

— Fazer o que?— grunhiu ele.

—Não sei. Encontra algum modo de que siga vivo. Eu falarei com ele e o convencerei de que tem que mudar, e possivelmente...

—Nunca mudará

—Salva a meu irmão só esta vez - insistiu ela. —Aconteça o que acontecer depois, não voltarei a pedir.

Ross permaneceu imóvel e em silêncio, com os músculos duros.

—Lady Sophia— interveio Morgan com delicadeza, —possivelmente não deveria falar, mas me vejo na obrigação de assinalar o risco que assumiria sir Ross. Todos os olhos estão postos em Bow Street. Estão prestando muita atenção como dirigimos este assunto, e se tirar o chapéu que sir Ross tinha interposto no caminho da lei, viria-se abaixo sua reputação e tudo pelo que trabalhou estes anos. Além disso, todos fariam perguntas, e quando saísse à luz que Gentry é o cunhado do magistrado chefe, toda a família Cannon sofreria as consequências.

—Entendo— disse Sophia.

A pressão que sentia em seus olhos era dolorosa, e teve que fincar unhas nas Palmas para evitar chorar.

Observou a seu marido, que ainda recusava olhá-la nos olhos.

Parecia que não havia nada mais que dizer. Sophia saiu do escritório em silêncio, consciente de que tinha pedido o impossível. E ainda pior, tinha lhe ferido tão profundamente que duvidava que ele fosse perdoá-la.

Os dois homens ficaram sozinhos, e passou um bom momento até que Morgan decidiu a falar.

—Ross— disse. —Acredita que está dizendo a verdade?

—Pois claro — respondeu ele com amargura. —É tão assombroso que tem que ser verdade.

Quando Sophia saiu do número três de Bow Street, não soube muito bem o que fazer. De repente se sentia exausta, como se tivesse estado vários dias sem dormir. Desolada, tratou de pensar que faria Ross com ela. Com todos os conhecidos e a influência que tinha seu marido no âmbito da política, certamente resultaria bastante fácil conseguir o divórcio. Ou possivelmente, simplesmente a instalasse em algum lugar do país e a tirasse de vista e da cabeça. Em todo caso, Sophia não ia reprovar. Entretanto, não podia aceitar que Ross fora rechaçá-la totalmente. Podia ser que ele ainda sentisse um pouco de amor por ela, ainda existisse alguma frágil base sobre a que pudessem reconstruir sua relação, inclusive resultava ser um pálido reflexo que tinha sido uma vez.

Desanimada, foi para o quarto que tinham compartilhado e colocou uma roupa mais cômoda. Só era meio-dia, mas se sentia cansada. Deitou-se na cama e fechou os olhos, agradecendo o escuro esquecimento que se abatia sobre ela.

Um momento mais tarde, alguém entrou no quarto e a despertou. Sophia, confusa, deu-se conta de que tinha dormido toda à tarde. O quarto estava muito mais fresco, e através das cortinas, parcialmente corridas, viu que o sol estava se pondo. Incorporou-se e viu seu marido fechando a porta com decisão.

Olharam-se como dois gladiadores que houvessem entrado na arena, mas que não queriam enfrentar-se.

Ela foi primeira em falar.

—Estou segura de que... De que deve estar furioso comigo.

Seguiu um comprido silencio. Dando por feito que fossem ter uma conversa civilizada. Sophia ficou atônita ao ver que Ross se equilibrava sobre ela em dois passos rápidos e a abraçava com força. Seu marido acariciou o cabelo e a beijou com brutalidade. Aquele doloroso beijo não tinha outra intenção que a de castigá-la. Suspirando, Sophia se abandonou por completo a Ross, abrindo a boca para deixar passo à agressividade investida de sua língua, incondicionalmente à furiosa paixão de seu marido. Sophia disse com seus lábios e com seu corpo que algo que ele quisesse dela, a ofereceria sem reservas. A falta de resistência de Sophia pareceu tranquilizar Ross, que a beijou com mais suavidade, sem deixar de sustentar a cabeça.

Entretanto, o abraço não durou muito. Ross a soltou bruscamente como a tinha tomado entre seus braços e se apartou uns centímetros. Olhou-a com desconcerto e dor, seu rosto avermelhado.

Então Sophia compreendeu tudo tão claro como se os pensamentos e sentimentos de Ross fossem os seus próprios. Tinha-o enganado, tinha mantido coisas em segredo e tinha abusado de sua confiança. De todos os modos, ele ainda a amava. Ross perdoaria algo, inclusive que matasse. Amava-a mais que a sua própria honra, mais que a seu próprio orgulho. Para um homem que sempre tinha sido tão dono de si mesmo, dar-se conta daquilo resultava dilacerador.

Sophia tratou desesperadamente de convence-lo de que a partir de agora ela seria absolutamente merecedora de sua confiança.

—Me deixe que te explique, por favor — disse, com voz rouca. —Queria te dizer sobre Nick, mas não podia. Temia que uma vez que soubesse...

—Pensava que te rechaçaria – Sophia assentiu, sentindo como ardiam os olhos — Quantas vezes terei que te provar meu amor? — perguntou Ross, com o rosto desencaixado. —Acaso alguma vez te joguei na cara seus enganos do passado? Alguma vez não fui sincero contigo?

—Não.

—Então, quando vais confiar em mim?

—Eu confio em ti – disse ela, sem fôlego, —mas o medo de te perder era maior do que podia suportar.

—A única forma em que poderia te perder seria mentindo de novo.

Sophia piscou, e o coração deu um tombo. Havia algo na voz de Ross que...

— É muito tarde? – Perguntou — Já te perdi?

Ross esboçou uma cara triste.

—Estou aqui, não?— disse com ironia.

Sophia tremia os lábios, mas finalmente pôde pronunciar as palavras: —Se ainda me quer, prometo... Prometo que nunca mais voltarei a te mentir.

—Isso representa uma mudança agradável — replicou ele.

—E que... Que nuca mais voltarei a manter segredo.

—Também isso seria uma boa idéia.

Sophia alagou a esperança ao dar-se conta de que Ross estava disposto a dar outra oportunidade. Furioso, mas disposto. E só podia haver uma razão para que seu marido assumisse semelhante risco.

Sophia se aproximou dele com cautela. Enquanto isso, o quarto ia obscurecendo e os edifícios e as fumaças de Londres foram com a decrescente luz do sol. Sophia apoiou as mãos contra o peito de seu marido, cobrindo com ternura o violento pulsar de seu coração. Ross ficou tenso, mas não se afastou.

—Obrigado, Ross — murmurou.

—Por quê? – respondeu ele.

—Por me amar.

Sophia notou que Ross dava um tombo no coração ao ouvir aquelas palavras, e ao mesmo tempo se deu conta de que, até esse momento, não tinha expressado o que sentia por ela. Ross não queria nomear suas emoções. Sem deixar de olhá-lo, pôde ver o ressentimento em seus olhos, e a necessidade que era impossível camuflar.

Só ocorreu uma maneira de aliviar o aborrecimento de seu marido, de reconfortá-lo e de curar a ferida de seu orgulho.

Sophia, cujos olhos cor safira expressavam pesar, posou os lábios sobre o pescoço de Ross e ficou a desatar a gravata, concentrando-se na tarefa como se fora algo transcendental. Quando afrouxou o nó, tirou a cinta de seda cálida e escura. Ross estava rígido como uma estátua de mármore, e sua mente eram um caos.

Estava claro que Sophia sabia que uma queda não resolveria nada. Entretanto, a espontaneidade de seus atos indicava que estava tratando de demonstrar algo.

Despiu-o pouco a pouco, tirando primeiro o casaco, logo o colete e depois a camisa, para finalmente agachar-se a desabotoar os sapatos.

—Sophia — disse Ross brandamente —Me deixe fazer – sussurrou ela.

Ficou de pé e passou os dedos sobre o pêlo negro do peito, penetrando nele com suavidade e acariciando a cálida pele debaixo. Apertou os mamilos, e os acariciou brandamente até que estivessem duros. Inclinou-se e passou a língua ao redor da cabeça, até que estivesse úmido e sensível. Ross não pôde evitar emitir um grunhido quando ela colocou a mão sobre o sólido vulto da ereção que escondia as calças e a movia pouco a pouco.

Nesse momento, Sophia o olhou nos olhos.

— Arrepende-te de me amar? – sussurrou.

—Não – respondeu ele com voz rouca. De algum jeito, Ross conseguiu manter o controle enquanto os esbeltos dedos de sua mulher se introduziam pela cintura das calças.

—Quero que saiba algo — disse ela, desabotoando o primeiro botão, e deixando descoberto a inchada cabeça. Imediatamente, baixou os dedos ao seguinte botão. —Pertenço-te mais do que você poderia me pertencer, Ross; amo-te. — Ele teve um calafrio por ouvir aquelas palavras – Amo-te – repetiu Sophia, desabotoando o quarto botão.

Seguiu com o resto até que a calça se abriu de tudo, revelando por completo a ereção de seu marido.

Cuidadosamente, tomou em suas mãos o membro e o esfregou. Umedeceu-se a ponta de um dedo com a boca e logo riscou um úmido círculo ao redor da cabeça. Ross esticou as coxas, e começou a ofegar à medida que a paixão se acendia e percorria o corpo. Sophia baixou a cabeça até ficar justo em cima do membro duro.

—Basta — disse ele, pigarreando — Deus não pode...

—Me diga o que tenho que fazer – pediu ela, soltando o fôlego sobre ele.

A pouca prudência que ficava a Ross se converteu em cinzas imediatamente. Com as mãos tremendo sobre a cabeça de Sophia, foi lhe dando instruções.

—Coloca a língua sobre a ponta... Sim... Agora coloca-a tanto como possa na ...OH, Deus...

O ardor de Sophia maquiava com acréscimo sua falta de experiência. Fazia coisas que Eleanor jamais teria tentado. Estirou a carne palpitante, lambendo-a com sua língua aveludada, até que Ross caiu de joelhos e começou a tirar sua roupa, não podendo evitar rir ao ver a brutalidade com que se movia. Ross ficou a beijá-

la na boca com avidez, enquanto ela tentava ajudar a tirar o vestido rasgado.

Ross emitiu um som de satisfação ao contemplar finalmente o corpo nu de sua mulher. Levantou-a e a colocou sobre a cama, fazendo uma pausa para tirar as calças antes de reunir-se com ela. Sophia impaciente penetrou entre as pernas de seu marido e, uma vez mais, meteu seu sexo na boca, resistindo o esforço que fazia aquele por levantar a cabeça. Sem deixar de ofegar, Ross se rendeu à manipulação de Sophia e percorreu com os dedos seu comprido cabelo. Entretanto, não esteve de tudo satisfeito; queria mais, queria saborear o corpo de Sophia. Impaciente, a fez voltar-se até encaixar seu rosto entre as coxas dela. Ross afundou o rosto no meio do pêlo íntimo de sua mulher, sustentando-a pelas coxas enquanto ela estremecia surpreendida.

Percorreu-lhe o sexo com a língua, lambendo profundamente a greta que havia entre as úmidas dobras; rapidamente, procurou o pequeno e inchado montículo onde se concentrava o prazer de Sophia. Quando o teve encontrado, ficou a mordiscá-lo e a chupá-lo, notando como ela se esticava à medida que se aproximava do clímax. Ross se deteve e Sophia ofegou e suplicou, sem deixar de engolir o membro de seu marido, que a levou até a borda do orgasmo duas vezes mais, fazendo-a sofrer, atormentando-a, ela respondia com gemidos desesperados.

Cada vez que Sophia engolia o sexo de Ross, este afundava a língua no corpo dela o mais profundo que podia, acoplando seu ritmo ao dela, até que Sophia estremeceu com violência ao alcançar o ponto culminante do prazer. Finalmente, e ainda com o sexo de Ross na boca, Sophia gritou de sorte. Ross estava a ponto de chegar ao orgasmo. Entretanto, ela não se separou dele, e as sedosas investidas de sua língua foram mais do que Ross pôde suportar. Alcançou o orgasmo, arqueando-se e ofegando enquanto era consumido por uma explosão de puro fogo branco.

Depois de uns instantes, Sophia deu a volta e se colocou sobre ele, apoiando a cabeça no peito de Ross, que a abraçou com força, beijando as têmporas palpitantes.

—Não me importa quem seja seu irmão — disse. —Poderia ser a encarnação do demônio e, ainda assim, seguiria te amando. Eu gosto tudo de ti. Nunca pensei que algum dia seria tão feliz. Amo-te tanto que não posso conceber que algo se interponha entre nós.

— Nada se interpõe entre nós agora— disse ela, fatigada, movendo seu corpo esbelto e molhado em cima de Ross.

Ele separou as pernas para permiti-la instalar-se entre elas, roçando o ventre de Sophia com o membro.

Suspirando de alívio, Ross entrelaçou as mãos sob a cabeça e olhou a sua esposa pensativo.

—Sophia – sussurrou, —não acredito que haja nenhuma maneira de evitar que pendurem a Gentry, e tampouco estou particularmente disposto a fazer isso. Não posso passar por cima de seus crimes, inclusive embora se trate de seu irmão. A verdade é que seu irmão não tem remédio; demonstrou-o em várias ocasiões.

Sophia negou com a cabeça.

—Meu irmão teve uma vida muito difícil.

— O sim— disse Ross, tão amavelmente como pôde.

Era óbvio que os argumentos que utilizasse contra Gentry não provocariam em Sophia e nele mais que frustração. Ela nunca deixaria de pensar que a alma corrupta de seu irmão podia salvar-se. Ross esboçou um sorriso e lhe acariciou o queixo —Só você seria capaz de seguir querendo a um irmão que te chantageou.

—Ninguém nunca lhe proporcionou a oportunidade de mudar. Se só dessem a possibilidade de levar uma vida diferente... Pensa no tipo de homem em que se converteria.

—Temo que minha imaginação não me permite — respondeu Ross com ironia. Dando a volta, ficou em cima de Sophia, colocando suas coxas sobre ela. —Já basta de Gentry, já pensei nele suficiente por hoje.

—De acordo —aceitou ela, embora fosse evidente que desejava seguir falando dele — O que faremos o resto da noite?

—Tenho fome — murmurou Ross, inclinando a cabeça sobre os peitos nus de sua mulher — Quero jantar, e logo quero mais de ti — disse, agarrando um dos mamilos inchado, brandamente, com os dentes — Parece-te um bom plano?

Graças às medidas dispostas por Ross, quase não houve manifestações violentas dos partidários de Nick Gentry. Ao dia seguinte da detenção entretanto, Ross esperou que houvesse algum trabalho, por isso fez rodear Bow Street de soldados e tropas a cavalo; por outra parte, uma brigada de três agentes e doze oficiais da lei se encarregaram de limpar a quão curiosos tratavam de reunir-se defrente a Newgate. As famílias dos juízes tinham recebido instruções de instalar barricadas em suas casas, e tinha entregue armas aos empregados de banca, das destilarias e de outros negócios. Sophia tinha negado totalmente a ir ao campo até que a situação estivesse sob controle. Não queria encerrar-se em Silvehill Park junto com Catherine, Iona e o avô de Ross enquanto se estava decidindo o destino de se próprio irmão.

Sophia sentou no salão privado do número quatro, pensando freneticamente no que podia fazer com seu irmão, o que originou uma molesta e palpitante dor de cabeça. Ross não tinha almoçado; limitava-se a ir pedindo que subissem copos de café, enquanto os empregados iam e vinham pelo edifício. Estava se fazendo noite, e a cidade estava tomada por patrulhas a pé e não tiravam o olho “das casas seguras”. Ernest, que se dirigia a Finsbury Square a entregar uma mensagem a um juiz, deteve-se antes no número quatro para dar a Sophia um breve relatório da situação.

—Ouvi sir Ross e sir Grant comentarem o que surpreendidos estão de que a gente tome a detenção de Gentry com tanta calma. Sir Ross diz que há um indício de que muita gente mudou que opinião a respeito desse homem — disse Ernest, sacudindo a cabeça ante a deslealdade das massas. —Pobre Black Dog — murmurou. —São todos uns malditos ingratos.

Se não estivesse se sentido tão desanimada, Sophia teria sorrido ante a enérgica defesa que fazia o jovem de seu admirado herói.

—Obrigado Ernest — disse. —Tome cuidado quando sair; eu não gostaria que te acontecesse algo.

O moço ruborizou e esboçou um sorriso ante a preocupação de Sophia.

— Tranquila milady, ninguém colocará um dedo em cima de mim!

Ernest se foi correndo, deixando Sophia só com seus pensamentos. O sol fincou, e Londres sumiu no calor e escuridão da noite. O ar cheirava a carvão e o vento soprava com força. Justo quando Sophia estava pensando em colocar a camisola e meter-se na cama, Ross irrompeu em seus aposentos, tirando a camisa enquanto cruzava a soleira.

—Que tal vai tudo? — quis saber Sophia, seguindo seu marido ao dormitório. —Como está meu irmão?

Sabe-se algo dele? Teve brigas junto à prisão? Vou voltar-me louca se seguir sem saber nada!

—Tudo está relativamente em calma — respondeu Ross, vertendo água no lavatório. Sophia viu como seu marido flexionava os músculos ao tornar-se água pelo rosto, o peito e as axilas — Traz-me uma camisa limpa?

Sophia o fez.

—Aonde vai?— perguntou. —Tem que comer algo, pelo menos um sanduíche...

—Não tenho tempo — murmurou Ross, prendendo a camisa branca de linho e remetendo nas calças.

Logo, com destreza, colocou no pescoço e atou a gravata. — Faz uns minutos me ocorreu uma idéia. Vou a Newgate; espero voltar logo. Não me espere acordada. Se tiver notícias importantes, te despertarei.

— Vais ver meu irmão?— Perguntou Sophia, agarrando rapidamente um colete bordado cinza e colocando em Ross para que passasse os braços — por que? O que tem em mente? Quero ir contigo!

—A Newgate não.

—Esperarei fora, no carro — insistiu ela, desesperada — Pode dar pistolas ao criado e ao chofer. Além disso, há uma patrulha dando voltas ao redor da prisão verdade? Estarei tão segura ali como aqui. Vamos, Ross, ficarei louca se fico te esperando! Tem que me levar contigo, por favor, se trata de meu irmão!

Aturdido por aquela nervosa corrente de palavras, Ross observou Sophia com seriedade e fez uma careta.

Ela sabia que ele queria impedir, mas também que seu marido era consciente da angústia que ela sofria.

—Me prometa que ficará na carruagem – disse.

— Sim!

Sem desviar o olhar, Ross murmurou um juramento.

—Ponha uma capa.

Temendo que seu marido mudasse de opnião, Sophia obedeceu sem pestanejar.

— Que idéia é essa?— Perguntou-lhe.

Ross sacudiu a cabeça, negando-se a responder.

—Ainda estou pensando isso. E, além disso, não quero te dar esperanças, já que provavelmente não funcione.

Newgate, servia de residência temporária a aqueles que estavam a espera de julgamento ou de serem executados, era conhecida como a “jaula de pedras”. Todo aquele que tinha visitado o lugar ou que tinha estado detento entre seus muros, jurava que era o inferno.

Em suas velhas paredes retumbava o eco dos uivos e queixas constantes dos reclusos, que estavam encerrados em suas celas e encadeados como animais. Não estava permitido nenhum tipo de móveis nem comodidades de nenhuma classe, nem nos pavilhões comuns nem nas celas individuais. Os carcereiros, que se supunha tinham que manter a ordem, eram frequentemente corruptos, cruéis, desequilibrados ou uma mescla das três coisas. Uma vez, depois de deixar a um condenado naquela prisão, Eddie Sayer tinha comentado no Bow Street que os guardiões o tinham assustado mais que os próprios internos.

Embora os reclusos sofriam o inexprimível com o frio inclemente do inverno, não era nada comparado com o fedor infernal que se gerava nos calorosos dias do verão. Exércitos de baratas deslizavam pelo chão, enquanto o carcereiro chefe conduzia Ross até a cela de Nick Gentry, situada no centro da prisão e conhecida como “o armário do diabo”, do qual não havia escapatória.

À medida que avançava por um dos labirintos nos corredores, os homens foram esmagando insetos, e ratos chiavam e fugiam ao ouvir ruído de botas. Ouviam-se lamentos distantes, provenientes das celas dos pisos inferiores. Ross ficou nervoso ao pensar que tinha dado permissão a sua esposa que esperasse fora, e se arrependeu terrivelmente de havê-la trazido consigo. Entretanto, reconfortava-lhe saber que a tinha deixado em companhia de um criado armado, do chofer e de dois agentes providos de pistolas.

—Esse Gentry é um tipo tranquilo — comentou Eldridge, o carcereiro chefe, um indivíduo enorme e rechonchudo e feições que tinha quase tanto como os detentos. Tinha calva a parte superior da cabeça, mas dos lados, saíam umas mechas largas e gordurentas que chegavam à costas. Eldridge era um dos escassos carcereiros que pareciam desfrutar com seu trabalho, possivelmente porque a cada semana tirava um bom dinheiro vendendo a alguns jornais de Londres as experiências dos prisioneiros de Newgate. Incluídas as confissões finais dos condenados. Não cabia dúvida de que ia ganhar uma boa soma com seus relatos do infame Nick Gentry. —Não há dito nada todo o dia— grunhiu — Que história vou vender se o tipo mantém o bico fechado?

—Que homem tão desconsiderado — respondeu Ross com ironia.

O carcereiro, aparentemente satisfeito pelo comentário do juiz, conduziu-o até a entrada do “armário do diabo”, que tinha um pequeno quadrado de quinze centímetros na pesada porta de carvalho e ferro para que o prisioneiro pudesse falar com as visitas.

— Gentry! — exclamou Eldridge pelo orifício. —Tem visita!

Não houve resposta.

—Onde esta o guarda?— Perguntou Ross, franzindo o cenho.

—Não há guarda, sir Ross – disse o homem, voltando seu rosto gordurento para ele — Não é necessário.

—Dei ordens concretas de que houvesse um guarda junto à porta todo o tempo — Disse Ross, cortante — Não só para evitar que Gentry fugisse, mas também por sua própria segurança.

A Eldridge escapou uma gargalhada de sua flácida garganta.

— Fugir? – soltou — Ninguém pode fugir do armário do diabo. Além disso, Gentry está preso, encadeado e tem duzentos quilogramas de peso nas pernas. Não pode nem arranhar o nariz! Ninguém pode sair nem entrar aqui sem isto — declarou colocando uma chave e encaixando-a na fechadura. A porta chiou ao abrir-se. —Vamos — disse Eldridge, satisfeito, sustentando o abajur enquanto entrava na cela. — O vê?

Gentry está... – De repente estremeceu surpreso. —Maldição!

Ross sacudiu a cabeça levemente quando viu que a cela estava vazia.

—Meu deus— murmurou com uma mescla de raiva e admiração ante a ousadia de seu cunhado.

Acima da enorme pilha de cadeias em que estava acorrentado, estava brilhando um alfinete dobrado.

Gentry tinha conseguido abrir os grilhões de mãos e pés, nada menos em meio a escuridão. Faltava um dos barrotes da janela interior que havia no outro extremo da cela. Parecia impossível que Gentry pudesse havê-lo afrouxado e haver-se escorrido através de um espaço tão estreito, mas o tinha obtido. Com toda probabilidade, tinha tido que deslocar o ombro para conseguir.

— Quando foi à última vez que alguém o viu aqui dentro? — disse Ross à voz no pescoço do carcereiro, aniquilado.

—Acredito que faz uma hora— murmurou Eldridge, com os olhos se sobressaindo do rosto encharcado em suor.

Ross olhou através da janela interior e viu que Gentry tinha furado o muro da cela, provavelmente usando o barrote. Fez um esforço por recordar os detalhes do plano de Newgate que havia na parede de seu escritório.

— Esta chave abre todas as celas deste nível? — perguntou ao carcereiro, dirigindo um olhar assassino.

—Acredito... Acredito que sim.

—Dê-me isso. Agora, mova seu gordo traseiro até o andar de baixo e avise aos agentes que estão em meu carro que Gentry escapou; eles saberão o que fazer.

—Sim, sir Ross! – obedeceu Eldridge, que saiu correndo com uma velocidade assombrosa para alguém de seu tamanho, levando consigo o abajur e deixando Ross na escuridão.

Ross saiu do “armário do diabo” e abriu a cela. Sem deixar de soltar impropérios, meteu-se no buraco que havia na parede e ficou a seguir o caminho de seu cunhado.

—Maldito seja, Gentry — murmurou uma vez que o som de insetos e animais davam a bem-vinda — Quando te apanhar, eu mesmo te pendurarei por me fazer passar por isso.

Ofegando a causa do cansaço, Nick Gentry apartou uma mecha molhada dos olhos e saiu ao telhado de Newgate. Com muito cuidado, pôs um pé sobre um pilar que conectava com um edifício. Devia ter uma grossura de mais de vinte centímetros, e era tão velho que a parte superior estava ruída. Entretanto, era o único caminho para a liberdade. Uma vez que tivesse chegado ao outro lado, entraria no edifício, sairia à rua e então ninguém poderia detê-lo. Conhecia Londres como ninguém, cada beco, cada esquina, caca buraco e cada greta. Ninguém daria com ele se ele não quisesse.

Pouco a pouco, Nick foi avançando sobre o comprido pilar como um gato, sem pensar em uma possível queda que o estatelaria contra o chão. Entreabriu os olhos e se fixou no céu, iluminado ligeiramente por uns poucos raios de lua. Primeiro um pé, depois outro... Tratava de pensar com claridade, entretanto um pensamento o fez perder a concentração: Sophia. Uma vez que tivesse saído de Londres, nunca mais teria a oportunidade de vê-la. Nick não qualificava o que sentia por ela como amor, posto que fosse consciente de sua incapacidade para sentir tal emoção; mas também era consciente da ferida que tinha na alma, e dizia que perder a sua irmã seria como perder a decência que conservava. Ela era a única pessoa do mundo que ainda se preocupava com ele, e que seguiria fazendo-o, sem importar o que ele fizesse.

Um pé, outro; pé direito, pé esquerdo... Nick deixou a um lado os pensamentos sobre sua irmã e pensou aonde iria quando ficasse livre. Começaria uma nova vida em algum lugar, com um novo nome. A idéia deveria tê-lo reconfortado, mas, em troca, sumiu na tristeza. O fato de ter que manter o equilíbrio e não poder relaxar-se nem por um segundo o estava cansando. Sentia-se fatigado, tanto como se tivesse vivido cem anos em lugar de vinte e cinco. A idéia de começar de novo lhe revirava o estômago. Entretanto, não ficava outra opção, e ele não era dos que se rendia facilmente.

De repente, uma parte do muro cedeu sob seu pé direito, lançando entulhos e pó ao chão.

Silenciosamente, Nick estendeu os braços e tratou de manter o equilíbrio, respirando entre os dentes. Quando teve obtido, seguiu avançando com mais cuidado, usando mais o instinto que a vista. Quase não havia gente lá abaixo, só algumas patrulhas que iam e vinham. O grupo de manifestantes que tinha tratado de reunir-se em frente às portas da prisão logo foi disperso. Era uma mínima fração de gente que Nick esperava que clamasse por sua liberação. Fez uma careta ao pensar na evidente baixa que tinha sofrido sua popularidade.

—Bastardos ingratos— murmurou.

Felizmente, ninguém se precaveu de sua figura encarapitada no alto da prisão. Por alguma espécie de milagre divino (ou demoníaco), Nick conseguiu chegar ao edifício. Embora não pôde alcançar a janela mais próxima, encontrou uma cabeça de leão esculpida que se sobressaía da parede. Pôs a mão sobre a gárgula e se deu conta de que não era feita de pedra, mas sim de um material artificial que se usava para esculpir quando usar pedra resultava complicado. Nick não tinha idéia de se aquela coisa poderia aguentar seu peso. Fez uma careta e tomou o lençol rasgado que enrolou ao ombro, atando-o a seguir ao redor da cabeça. Estirou o lençol com força para afiançar o nó e se fixou na janela, que estava um metro mais abaixo. Bem, pensou; estava aberta, embora tampouco tivesse importado ter que atravessar o vidro.

Conteve a respiração; aferrou-se ao lençol, duvidou um instante e logo saltou com decisão. Embora aterrissasse sobre os pés, o impulso o empurrou para diante, até que caiu, soltando um grunhido de dor.

Soltando um juramento, levantou-se e sacudiu o pó. Aquilo parecia um despacho; algum empregado deixou a janela aberta por descuido.

—Já quase está— murmurou Nick, saindo da casa e indo para as escadas que o levaria a liberdade.

Dois minutos mais tarde, Nick cruzou uma porta que havia em um lado do edifício, que resultou ser uma fábrica de móveis. Fez-se com uma lâmina e com um pesado pau e seguiu avançando entre as sombras.

De repente, ouviu que alguém martelava uma pistola, e parou em seco.

—Não te mova— disse brandamente uma voz de mulher.

— Sophia?— disse Nick, e ficou sem respiração por causa da surpresa.

Ali estava sua irmã, só empunhando uma arma e com o olhar cravado nele.

—Fica aquieto – advertiu visivelmente nervosa.

—Como demônios chegou até aqui? – perguntou seu irmão incrédulo. — É perigoso e... Pelo amor de Deus, baixa isso ou te fará mal.

Sophia nem se alterou.

—Não posso; se o fizesse, escaparia.

—Não seria capaz de disparar.

—Só há uma forma de saber, verdade? — disse ela com calma.

Estava Nick desesperado.

— Acaso não te importo Sophia? — perguntou a sua irmã com voz rouca.

—Claro que sim, por isso tenho que te reter. Meu marido veio te ajudar.

— Mas o que diz! Não seja estúpida! Deixe-me ir, maldita seja!

—Vamos esperar sir Ross – replicou ela, teimosa.

Pela extremidade do olho, Nick viu dirigir-se para eles um grupo de soldados e dois agentes. Era muito tarde; sua irmã tinha frustrado qualquer possibilidade de escapar. Não teve mais remédio que aceitá-lo e soltar as improvisadas armas com que se tinha feito. Muito bem, esperaria a Cannon, e Sophia se daria conta de que seu amado marido a tinha enganado. Quase seria melhor ver como Cannon se mostrava como o que em realidade era, em vez de ver sua irmã adorando-o.

—Está bem — disse — Deixarei que seu marido me ajude... e acabar pendurado.


Capítulo 18

 

Quando por fim chegou ao telhado de Newgate, Ross estava coberto de imundície, e sentia como se aquela sujeira fora ficar nele para sempre. O ar do exterior cheirava incrivelmente fresco comparado com o fedor que tinha tido que suportar durante o trajeto. Percorreu o telhado e descobriu que um muro da prisão estava conectado a um edifício de limite. A primeira vista não havia sinais de Gentry, mas logo avistou o lençol, que pendurava da gárgula. Definitivamente, Nick tinha ido muito longe.

Ross apoiou o pé no pilar e se deu conta de que era instável como areia movediças. Chegado a este ponto, seguir os passos de Gentry já não era viável. Teria que estar louco para tratar de fazer algo, ao que nem sequer se atreveu. Entretanto, antes que pudesse retroceder, Ross ouviu que uma mulher o chamava do chão.

— Ross?

A Cannon deteve o coração ao ver a diminuta figura de sua esposa desde aqueles quatro pisos de distância.

— Sophia!— gritou. — Se for você, vai ver o que é bom.

—Gentry está comigo. Não trate de cruzar essa parede!

—Não pensava fazê-lo — respondeu Ross, lutando por conter a raiva que sentia ao comprovar que Sophia fazia caso omisso da ordem de ficar no carro. —Fique aí.

A Ross pareceu levar uma eternidade descer pela prisão. Movia-se tratando de dominar o pânico que sentia, correndo quando podia, ignorando os lamentos e os insultos que enchiam o ambiente ao baixar piso por piso. Finalmente saiu do edifício e o rodeou, correndo o mais rápido que pôde. Viu um pequeno grupo de curiosos, soldados a pé e a cavalo e ao Sayer e Gee, todos esperando a uma distância considerável de Sophia e seu prisioneiro.

—Sir Ross - disse Sayer, nervoso, —sua esposa o alcançou antes que nós pudéssemos vê-lo, disse-nos que ficássemos aqui...

—Mantenha todo mundo longe daqui enquanto eu me encarrego disto — ordenou Ross.

Os agentes fizeram retroceder aos curiosos vários metros, enquanto Ross ia veloz ao encontro de sua esposa. Sophia parecia relaxada e seguia apontando a seu irmão sem titubear.

— De onde tiraste isso? — perguntou Ross brandamente, fazendo um esforço por não gritar.

—Atirei ao criado — disse Sophia em tom de desculpa. —Não foi culpa dele, Ross.Sinto muito, mas ouvi dizer ao carcereiro que Gentry tinha escapado. Os homens se foram e eu fiquei olhando pelo guichê, e justo vi meu irmão no telhado...

—Logo — a interrompeu Ross, sentindo vontade de estrangulá-la. Apesar de tudo centrou-se no problema que tinha diante dele.

Fixou-se em Gentry, que os olhava com ironia.

—Assim é como cuida de minha irmã? — ironizou. —Está em boas mãos, né? Rondando por Newgate de noite com uma pistola na mão.

—John — protestou Sophia — não...

Ross a fez calar.

—Tem sorte de que ela te tenha encontrado – disse a Gentry com frieza.

—Bom, é que sou um bastardo com sorte — murmurou Nick.

Ross o olhou pensativo, perguntando se não estava a ponto de cometer um grave engano, e sabendo de fato que provavelmente o estava. Tinha concebido um plano que podia salvar o pescoço de seu cunhado e inclusive beneficiar Bow Street, mas não deixava de ser uma loteria. No personagem de Gentry havia uma mescla de elementos explosivos: o valente caça-recompensas, o sinistro senhor dos baixos recursos, o herói, o vilão. Curiosamente, aquele homem parecia estar em meio daqueles dois conceitos, incapaz de decidir de que lado ficar. Entretanto, se ficasse em boas mãos e fosse instruído por alguém de vontade mais forte que a sua própria...

“Ninguém nunca lhe deu a oportunidade de mudar – havia dito Sophia. Se lhe dessem a possibilidade de levar uma vida diferente... Pensa na classe de homem que chegaria a ser”.

Ross estava disposto a dar essa oportunidade, em nome de Sophia. Se não tratasse de ajudar ao irmão de sua esposa, aquilo se converteria em uma permanente barreira entre eles dois.

—Farei-te uma oferta — disse a Gentry, —e te aconselho que a pense seriamente.

O jovem esboçou um sorriso cínico.

—Parece interessante.

—É consciente das provas que há contra ti. Se quiser, posso faze-las desaparecer.

Gentry olhou Ross com escasso interesse, já que não era a primeira vez que negociava.

— O que há da testemunha que está a ponto de declarar?

—Também posso me encarregar disso.

— Como?

—Isso não é de sua incumbência — respondeu Ross, que não se deu a volta ao precaver-se da respiração nervosa de sua esposa. Podia notar o assombro que sentia Sophia ao ver que seu marido estava disposto a comprometer seus princípios por John. Em quase doze anos de juiz, Ross jamais tinha feito nada que pudesse ser considerado corrupto. Manipular provas e testemunhas era algo que ia contra sua natureza. Entretanto, tragou-se o orgulho e prosseguiu sério. —Em troca de meus favores quero algo de ti.

—Claro — disse Gentry com ironia, —não é difícil supor. Quer que vá do país e que não volte mais.

—Não, quero que te converta em agente.

— O que? — exclamou Gentry.

—Ross! — disse Sophia. Você não está falando tão a sério —teria feito graça ver os olhares de surpresa que havia nos idênticos olhos azuis dos irmãos.

—Não jogue comigo, Cannon – disse Gentry, molesto — Diga-me o que é que quer e...

—Diz que apanha ladrões – disse Ross. —Vejamos se for o bastante homem para fazê-lo segundo as regras, sem brutalidade, mentiras ou provas falsas.

Gentry parecia apavorado ante a possibilidade de converter-se em um servidor da justiça.

— Como demônios te ocorreu semelhante loucura?

—Pensei em algo que está acostumado a dizer Morgan. Um agente e o criminoso ao que apanha são as duas caras da mesma moeda.

— E você acredita que Morgan confiará em mim?

—A princípio não. Terá que ganhar sua confiança dia a dia.

—Estaria louco se me unisse a um montão de petirrojos –soltou Gentry, usando o apelido que recebiam os agentes por causa da cor de seu uniforme.

—Do contrário será executado — assegurou Ross — Ficarei com as provas que há contra você, e as usarei ao primeiro sinal, se Morgan não estiver satisfeito com seu trabalho.

— Como sabe que não escaparei?

—Porque, se for assim, perseguirei-te e te matarei pessoalmente. A vida de sua irmã, por não dizer a minha, seria muito mais agradável sem sua presença.

O ambiente estava carregado de hostilidade. Ross se deu conta de que Gentry quase acreditava nas ameaças. Esperou pacientemente, deixando que meditasse a oferta.

Finalmente, o jovem o olhou com rancor.

—Vais utilizar-me — murmurou. —Serei uma espécie de pluma em seu chapéu, e usará qualquer serviço público que eu faça para levar a cabo seus planos para Bow Street. Os jornais lhe elogiarão por ter convertido a Nick Gentry em um agente. Obrigará-me a trair as pessoas que conheço e a delatar a todos meus cúmplices.

E, quando te tiver assegurado que sou depreciado por todo homem, mulher e menino desde Dead Mans Yard até Gim Lane, enviará-me a apanhar criminosos aos lugares onde sou mais odiado. E, em cima, pagará-

me um salário miserável.

—Sim — concordou, não vai mal encaminhado.

—Não posso acreditar— disse Gentry, rindo com tristeza. —Vai-te ao inferno Cannon.

Ross arqueou uma de suas sobrancelhas espessas e escuras.

—Devo tomar isso como um sim?

Gentry assentiu levemente.

—Arrependerei-me disto — disse com amargura — Ao menos, os carrascos teriam acabado comigo rapidamente.

—Agora que chegamos a um acordo, levarei-te de novo a sua cela — informou Ross, satisfeito. —Sairá amanhã pela manhã. Enquanto isso tenho alguns assuntos que resolver.

—Ross — interveio Sophia, impaciente, —é necessário que John passe outra noite aqui?

—Sim — respondeu seu marido, olhando-a de tal forma que ela se absteve de seguir protestando.

Sophia manteve a boca fechada, embora era evidente que desejava suplicar pelo bem de seu irmão.

—Não passa nada, Sophia — a reconfortou Gentry, —dormi em lugares piores; cortesia de seu marido — acrescentou, olhando a Ross com rancor.


Ao longo dos dez anos que fazia que se conheciam, Ross nunca tinha conseguido surpreender tanto a sir Grant Morgan. Quando Cannon retornou a Bow Street, foi diretamente ao escritório de Morgan e lhe contou o acordo alcançado com o Gentry.

Morgan o olhou desconcertado.

—O que você está me dizendo? Nivk Getry não pode ser um agente.

— Por que não?

—Porque é Nick Gentry, por isso!

—Você pode lhe converter em um bom agente.

—Não — disse Morgan com veemência, sacudindo a cabeça; —não, Por Deus. Não me queixei nenhuma só vez pelo trabalho extra que aguento, nem por todos os julgamentos complicados pelos que me tem feito passar. E se seus planos saem adiante, esforçar-me-ei ao máximo para ocupar seu lugar, mas estaria louco se aceitasse a tarefa de treinar a Nick Gentry! Se tão seguro estiver de que pode converter-se em agente, treine-o você mesmo!

—Está em melhores condições que eu para prepará-lo. Você foi agente; conhece a rua tão bem como ele.

E, além disso, pensa que só tem vinte e cinco anos, ainda é jovem.

— É um caso perdido! Só um louco acreditaria o contrário!

—Com o tempo — prosseguiu Ross, ignorando as queixas de Morgan, —Gentry se converterá em seu melhor homem. Fará os trabalhos mais desagradáveis e perigosos sem pestanejar. Estou te proporcionado uma arma, Grant, e muito efetiva, por certo.

—E que pode me estalar na cara — murmurou Morgan; apoiou-se no respaldo da cadeira e olhou o teto com um grunhido. Evidentemente, estava pesando na idéia de ter que treinar Nick Gentry. De repente, soltou uma gargalhada zombadora. — Apesar de tudo, pode ser interessante. Depois de todos os problemas que nos causou esse pequeno bastardo, eu adoraria que soubesse o que é bom.

—Então, pensará?

—Acaso me dá a oportunidade? —Perguntou Morgan. Ross sacudiu levemente a cabeça. —Já vejo que não. Maldita seja Cannon, espero que você se retire logo.


Sophia já tinha se deitado quando Ross entrou no quarto às escuras. A mulher ficou quieta e em silêncio, esperando que seu marido acreditasse que estava dormindo. Ross tinha reprimido a vontade de reprovar seu comportamento durante a viagem de volta a Bow Street, e Sophia era consciente de que seu marido queria esperar até que estivessem sozinhos. Entretanto, tinha chegado a hora da verdade. Ela soube que se conseguia atrasar o momento até o dia seguinte, a ira de Ross teria se aplacado.

Por desgraça, parecia que Cannon não estava disposto a esperar. Acendeu o abajur e lhe deu potência até que emanou um brilho implacável.

Sophia se incorporou pouco a pouco e dirigiu um amável sorriso.

— O que há dito sir Grant quando contaste que...?

—Falaremos disso mais tarde — disse Ross com firmeza, evitando distrair-se. sentou-se na borda da cama e colocou uma mão a cada lado de sua mulher, apanhando-a entre os lençóis. —Agora, quero falar do que tem feito esta noite, e me vais explicar como te ocorreu, correr semelhante risco quando sabe o muito que me preocupo com tigo!

Sophia se encolheu contra o travesseiro, enquanto que Ross passava uma repreensão que tivesse intimidado. Entretanto, ela sabia que a ira de seu marido era fruto do amor que sentia por ela, assim aceitou humildemente cada uma das palavras. Quando Ross acabou, possivelmente era porque simplesmente estava tomando um descanso, Sophia começou a expressar culpa.

—Tem toda a razão — disse — Se estivesse em seu lugar, sentiria-me exatamente da mesma maneira.

Teria que ter ficado no carro, como me ordenou.

—Isso é — murmurou Ross, que pareceu tranquilizar-se ao advertir que Sophia não tinha intenção de discutir.

—Tem experiência e sabe como dirigir estas situações. E não só pus minha vida em perigo, mas também a do bebê, e isso sim que o lamento muitíssimo.

—É o mínimo que pode fazer.

Sophia se inclinou adiante e apoiou a bochechas sobre o ombro de seu marido.

—Nunca faria intencionadamente nada que pudesse preocupar-te.

—Já sei — disse Ross com brutalidade. —Mas Sophia, maldita seja, nego-me que me tomem por alguém que não pode controlar a sua própria esposa.

Sophia, contra seu ombro, esboçou um sorriso.

—Ninguém se atreveria a pensar tal coisa. –Pouco a pouco, foi se colocando sobre o colo de seu marido — Ross, o que tem feito por meu irmão foi maravilhoso.

—Não o tenho feito por ele, mas sim por ti.

—Sei, e te amo mais por isso. — Com cuidado, começou a lhe desfazer o nó da gravata.

— Só por isso? — perguntou Ross, rodeando com os braços o esbelto corpo de sua mulher.

—Por isso e por mil coisas mais — disse Sophia, passando os seios contra o peito de propósito. —Deixa que te demonstre quanto te amo, quanto te necessito.

Ross deixou-se estimular; tirou a camisa e a atirou ao chão. Quando se voltou para a Sophia, ela sorria cheia de alegria e excitação.

—O que te faz tanta graça? — quis saber Ross, subindo a camisola até a cintura.

—Estava pensando na expressão cockney para referir-se a uma esposa: “problema e luta” – disse Sophia, e suspirou ligeiramente ao notar que Ross colocava as mão em seu estômago nu — Em meu caso é bastante adequada, não?

Ross a olhou com carinho e se inclinou para beijá-la.

— Nunca será um problema do que não me possa ocupar — lhe assegurou, e passou o resto da noite demonstrando-lhe.


Epílogo

 

Depois do nascimento da menina, o doutor Linley comentou que tinha sido o primeiro parto em que tinha tido que preocupar-se mais pelo bem-estar do pai que pelo da mãe. Ross tinha permanecido em um canto do quarto, apesar de que todo mundo tinha aconselhado que esperasse fora. Sentou-se em uma cadeira de respaldo reto e se apertou até que a madeira quase tenha cedido. Embora estivesse totalmente inexpressivo, Sophia entendia muito bem o medo que sentia seu marido. Ela tratou de confortá-lo dizendo, nos intervalos das contrações, que se encontrava bem, que a dor era terrível, mas suportável. Entretanto, o esforço por dar a luz fez que às vezes desviasse a atenção de Ross e que quase se esquecesse de sua presença.

—Está muito silenciosa —lhe disse Linley, dedicando um sorriso de apoio — Solte um grito quando sentir dor, se servir de ajuda. Chegando a este ponto, muitas de minhas pacientes insultam a mim e a todos meus antepassados.

Sophia soltou uma risada e sacudiu a cabeça.

— Meu marido desmaiaria se me pusesse a gritar.

Quando se aproximava o momento fulminante da dor era insuportável, Sophia soltou um alarido. Linley levantou a nuca com o braço e pôs um lenço úmido na boca.

—Respire através disto —murmurou.

Sophia obedeceu e inalou um perfume doce e embriagador que aliviou a dor e proporcionou um surpreendente momento de euforia.

—Obrigado —disse Sophia quando o doutor tirou o lenço da boca. —O que é?

Ross se aproximou da cama, desconfiando.

—É seguro?

—É óxido nitroso —respondeu Linley com calma — Se utiliza nas chamadas «festas de inalação», nas que a gente se entretém respirando-o. Mas meu colega, Henry Hill Hickman, teve a idéia de usá-lo para aliviar a dor das pessoas que vão ao dentista. Até o momento, a comunidade médica não demonstrou muito interesse.

Entretanto, eu o uso de vez em quando para aliviar a dor do parto, e parece efetivo e inofensivo.

—Eu não gosto da idéia de que ande experimentando com minha mulher —disse Ross.

Sophia interrompeu a conversa ao notar outra intensa onda de dor, e agarrou a Linley pelo braço.

—Não faça caso —disse entre suspiros — Ponha-me esse lenço.

Sophia aspirou outra baforada de óxido nitroso e, depois de empurrar com força umas poucas vezes mais, deu a luz a Amelia Elizabeth Cannon.

No dia seguinte, enquanto estava sentada dando o peito à pequena criatura de cabelo negro, Sophia olhou a Ross e esboçou um sorriso de arrependimento. Embora ela estivesse encantada com o nascimento de sua filha, era costume considerar um fracasso que o primeiro filho que uma mulher dava a seu marido fosse uma menina. É obvio, Ross era muito cavalheiro para dizer algo, mas ela sabia que a maior parte da família Cannon, especialmente o avô, esperavam que nascesse um menino que pudesse assegurar a continuidade da linhagem.

—Estou segura de que a próxima vez será um menino — disse Sophia a seu marido, que acariciava com seus largos dedos o cabelo negro e sedoso que cobria a diminuta cabeça de sua filha.

Ele levantou a vista do bebê e olhou a sua mulher com assombro.

—Eu gostaria exatamente de que fosse outra menina.

Sophia sorriu, duvidando de sua afirmação.

—É muito amável por dizê-lo, mas todo mundo sabe que...

—Amelia é exatamente o que queria —disse ele com firmeza. —É o bebê mais precioso e perfeito que jamais vi. Faz que a casa se encha de meninas como esta e serei o homem mais feliz do mundo.

Sophia agarrou a mão e a levou aos lábios.

—Amo-te — disse com ardor, beijando os dedos. —Estou tão contente de que não te casasse com outra antes que nos conhecêssemos...

Ross se inclinou sobre ela e passou o braço pelas costas, dando um beijo longo e quente que a fez estremecer de prazer.

—Isso tivesse sido impossível — assegurou Ross, apartando-se para olhá-la nos olhos.

—Por quê? —perguntou Sophia apoiando-se no braço de seu marido enquanto seguia dando o peito ao bebê.

—Porque, meu amor, estava esperando você.

 

 

                                                    Lisa Kleypas         

 

 

 

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