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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O BEIJO DA NOITE / Maggie Shayne
O BEIJO DA NOITE / Maggie Shayne

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

RESUMO: A imortalidade era algo completamente novo para Seth Alexander, mas ele era forte e inteligente, e estava disposto a arriscar tudo por aquela bela ruiva cativa, uma criatura misteriosa a quem não compreendia, mas se via impulsionado a salvá-la.

Vixen estava confusa pelas emoções que surgiam dentro dela cada vez que via seu impulsivo herói. Só esperava que o brutal Gregor e seus renegados chupassangues a permitissem viver o suficiente para explorar essas novas emoções.

 

 

 

 

     — Necessito que mate a alguém.

     De pé, no atalho coberto de folhas, no qual Reaper tinha aceitado encontrar-se com ela, com o cabelo comprido e um vestido ainda mais comprido, que o vento da noite agitava, Rhiannon não perdeu tempo com preliminares.

     Aquela não era a saudação mais cordial que Reaper já havia recebido. Mas era a mais comum.

     — Claro — respondeu. — Por que iria me pedir que viesse se não fosse isso?

     Ela sorriu lentamente. Seus olhos tinham um brilho perigoso.

     — Normalmente, preferiria me encarregar disto eu mesma, é óbvio. - disse-lhe, aproximando-se. Sua pantera, negra e esbelta, movia-se a seu lado com passos lentos e sinuosos, sem fazer ruído, com a cabeça ao nível da mão de Rhiannon, que roçava de quando em quando. - Mas as circunstâncias o impedem, eu temo fazê-lo.

     — E que circunstâncias são essas? — perguntou Reaper, com curiosidade. Pôs-se a andar, mantendo-se perto dela, mas sem tocá-la. Não gostava de tocar.

     A bainha do vestido de veludo dela movia as folhas rosadas e amarelas que bordejavam a vereda. Aquele caminho atravessava ziguezague ando um parque retirado, no alto das colinas da Virginia; um monte inserido entre cidades e uma rota popular entre corredores, ciclistas, caminhantes e amantes da natureza. Naquele momento, entretanto, no mais fundo da noite, o parque estava deserto. O único som que se ouvia era o do vento, que fazia ranger as poucas folhas quebradiças que ainda se seguravam às árvores próximas.

     Rhiannon não lhe respondeu; seguiu caminhando ao seu lado enquanto, a cada passo, acariciava com os dedos a cabeça enorme da Pandora, e o animal deixava escapar um ronronar que se parecia inquietantemente a um grunhido.

     Reaper se pôs a indagar, servindo-se de uma tática que sem dúvida funcionaria com a altiva Rhiannon. Ele a conhecia o suficiente para saber que isca lhe oferecer. Era, no fim das contas, sua mentora.

 

     — Esse canalha ao qual quer matar tem que ser o mais odioso da história, se te dá medo de enfrentar-se com ele.

     Ela se deteve e voltou a cabeça com um movimento tão brusco e rápido, que sua larga juba negra fustigou um lado de sua cara.

     — Eu não tenho medo de ninguém, meu amigo. E você sabe disso. Não há nada que eu gostaria mais que lhe romper os ossos um a um e sangrá-lo enquanto isso.

     Ele assentiu com a cabeça, consciente de que Rhiannon era muito capaz de colocar em prática aquela ameaça, e de desfrutar fazendo-o.

     — Então, por que me chamaste?

     — Porque não se trata simplesmente de um lobo solitário, Reaper. É o líder de toda uma turma, uma turma que se voltará contra qualquer um que ameace a seu prezado macho alfa. E embora odeie admiti-lo, eu tampouco sou uma loba solitária. Já não. Tenho um companheiro, Roland. Agora tenho família, amigos. Uns meninos muito queridos, muito importantes, formam parte dessa família.

     Ele levantou as sobrancelhas.

     — Fala desses gêmeos mestiços, a quem deu à luz essa vampiresa a que chamam a Prometida?

     Ela entreabriu os olhos.

     — Tenha muito cuidado com o que diz desses meninos, Reaper. Quero-os como se fossem meus.

     Ele levantou a mão, compreendendo.

     — Já entendi. Não quer te arriscar a atrair a ira de um bando de renegados sobre esses... Meninos especiais. Pois tem feito bem em contatar a mim. Sou o homem perfeito para o trabalho.

     — Parece muito seguro disso - repôs com mais calma. Jogou a juba às costas e seguiu caminhando, com os olhos fixos no céu. Ele seguiu seu olhar. Era uma noite sem lua, fresca e clara, e as estrelas brilhavam como lascas de gelo em um céu frio e negro. O ar tinha sabor de maçãs e cheirava a folhas podres . — Ainda não ouviste os detalhes, assim como pode sabê-lo?

     — Porque eu sim sou um lobo solitário. Não tenho nem família nem amigos com os quais me preocupar. Para mim, nada é precioso, e não há ninguém a quem queira.

     — Embusteiro.

 

Ela lançou-lhe um olhar.

     — É a verdade pura e dura.

     — Tolices. Tem o menino.

     Ele desviou os olhos e olhou em qualquer direção, menos a ela.

     — Que menino?

     — Vamos, Reaper. O mortal, o das calças largas e viciado em vídeo-games. Seth, não?

     — Já não é um menino. E, como sabe, é um dos Escolhidos. Sabe perfeitamente que nós os vampiros não temos escolha no que diz respeito a esses raros humanos que possuem o antígeno da beladona. Podem transformar-se, podem se voltar como nós. Não é afeição, Rhiannon. Estamos obrigados a protegê-los.

     — Sim, sei disso. E também sei que para cada um de nós há um com quem o vínculo é muito mais forte. E Seth é o teu. – Ela o olhou fixamente até que obteve que ele se voltasse a olhá-la.

— Esse menino te importa - Acusou-o ela.

     — Não me importa ninguém. Seth é um fastio, uma chateação. Se a natureza não me obrigasse a cuidar dele, juro-te que estaria sempre a mil quilômetros dele.

     Ela afinou os lábios, sacudiu a cabeça.

     — Se isso for certo, tenho pena de ti.

     — Não desperdice tuas energias, Rhiannon. Sou um assassino. Era-o em vida e sigo sendo-o depois de morto. É meu ofício.

     — E o faz bem.

     — Melhor que ninguém.

     Ela esteve observando-o um momento; logo suspirou e assentiu com a cabeça.

     — Os detalhes, então. Chama-se Gregor e caça nos Estados do sudeste; aqui, na Virginia, e também nas Carolinas e na Geórgia, isso sabemos. Mata inocentes, jovens e a qualquer um que cruze seu caminho. E anima o seu bando a fazer o mesmo.

     — Quantos anos têm?

     — Ninguém sabe. O rastro de cadáveres, as vítimas que ele não se incomoda em tentar ocultar, começaram a aparecer faz uma década, até onde pude segui-lo.

     — E quem o fez?

     — Ninguém parece saber tampouco.

     Reaper a olhou com o cenho franzido.

     — Isso é pouco freqüente.

     — Ele é um criminoso pouco comum, Reaper.

     Ele se deu uma coçadinha no queixo.

     — Eu gosto de saber tudo o que posso sobre um objetivo antes de ir atrás dele, Rhiannon. Sem saber sua idade ou a identidade de seu criador, me é impossível calcular quão forte pode ser.

     Ela apartou o olhar um momento.

     — Bom, se o desafio for muito grande para ti...

     — Eu não disse isso - bradou ele sem pensar. Logo ficou em silêncio. Tinha visto o brilho malévolo em seus olhos e o leve sorriso que brincava em seus lábios carnudos. Rhiannon também sabia como fazê-lo reagir. — Diga-me o que sabe, então.

     Ela assentiu com a cabeça.

     — Ignoro quantos há em sua turma. Corre o rumor de que são entre dez e cinqüenta. Pelo visto, seu braço direito se faz chamar Jack dos Corações, e pouco mais se sabe dele. Certamente, pelo rastro de corações quebrados e contas bancárias vazias que está acostumado a deixar atrás dele aonde vá.

     — Um estelionatário - disse Reaper.

     — E um amante excelente, ou isso me disseram.

     — Algo mais?

     — Sim, e é... Preocupante. Há rumores que parte de sua turma, o grosso, de fato, está composta por... Criaturas que não se parecem com nada que eu tenha ouvido mencionar antes.

     Reaper se deteve e a olhou com o cenho franzido.

     — Criaturas?

     — Vampiros, só que... Não.

     — O que são então? — perguntou ele.

     Rhiannon piscou rapidamente e acariciou mais devagar a cabeça do felino enquanto contrapesava sua resposta.

     — Tenha em conta que isto é informação de segunda e terceira mão. Só disponho de rumores e informes nos que me apoiar. Mas se diz que essas criaturas são bebedores de sangue grandes e poderosos, que não parecem ter raciocínio nem vontade própria. Obedecem ao Gregor cegamente. Até o ponto do auto sacrifício.

     Ele levantou as sobrancelhas.

     — Existem criaturas assim?

     — Ouvi falar de vampiros que tinham aprendido a escravizar os mortais comuns. Fazem-no bebendo seu sangue e lhes dando uma ou duas gotas do seu em troca. Isso os debilita e os faz cada vez mais dependentes do vampiro, do mesmo modo que um drogado se volta dependente da substância que escolhe. Mas seguem sendo mortais. Débeis e estúpidos, sim, mas só mortais. Essas criaturas do Gregor, em troca, são grandes, fortes e ao que parece imortais. Uma raça completamente distinta. Ninguém, nem sequer os mais velhos entre nós, sabe como os fez Gregor.

     Reaper assentiu com a cabeça.

     — Está claro que enfrentamos a uma mente brilhante. Odeio aos vilões preparados. Que mais você sabe, Rhiannon?

     — Não muito, temo. Só que Gregor e sua turma são perigosos, uma matilha de animais raivosos. Assassinam a mortais inocentes. Atraem sobre as cabeças de todos os vampiros que existem o perigo de serem descobertos, e a ira e o ódio de quem já sabe de nossa existência. Devem ser destruídos. Mas terá que ter muito cuidado.

     — E ser muito bem recompensado.

     Ela franziu os lábios e tirou da faixa que rodeava seu vestido uma bolsa atada com uma corda. Reaper não a tinha visto, e não era de se estranhar. Era de veludo negro, como o próprio vestido. Rhiannon a segurou de modo que a corda pendurasse de seus dedos largos e afiados como adagas e disse:

     — Muito bem recompensado.

   Ele tomou a bolsa, que pesava ao menos um quilograma e que tilintou musicalmente quando a agitou. Não se incomodou em abri-la. Confiava nela. Se Rhiannon dizia que o trato era justo, então era justo.

     — Cem mil em ouro. Esses krugerands são somente uma antecipação. Terá o resto quando acabar o trabalho.

     — Cem mil dos grandes, né? Deve ter muita vontade de ver morto a esse tal Gregor.

     — Não só eu – respondeu ela. — Os mais velhos, os mais poderosos e os mais ricos entre nós contribuíram a esta causa, Reaper. Tem suas bênçãos.

     — A bênção dos malditos. Que maravilha.

     Ela inclinou a cabeça com o cenho franzido.

     — Está excessivamente amargurado, não acha?

     — Seriamente?

     — Só tento lhe dizer que, se necessitar ajuda, muitos de nós estamos dispostos a lhe oferecer isso.    

     — Não necessitarei ajuda.

     — Mas se a necessitasse...

     — Eu trabalho sozinho - deu meia volta e se afastou dela.

     — Ponha-se em contato comigo quando acabar - gritou Rhiannon as suas costas, com aquela nota autoritária na voz que ao Reaper resultava tão familiar e que era natural nela.

     — Não se preocupe - disse. — Você saberá. Mas terá notícias minhas de todos os modos, para recolher o resto do pagamento -lançou ao ar a bolsa de moedas de ouro e voltou a recolhê-la, enquanto se perdia de vista.

 

     Seth Connor estava encurralado e sem energias, agachado no alto de uma cripta em ruínas, em meio de um cemitério. O lodo tóxico tinha alagado tudo, cobrindo o chão em todas as direções, de modo que não podia abaixar-se e fugir correndo. Não duraria muito se ele pisava naquela lama. Além disso, estava rodeado de zumbis. Tolos, sim, mas mesmo assim perigosos. O lodo não lhes parecia incomodar, ou possivelmente estavam tão desvairados que não o notavam. Entre eles e o coquetel químico, verde e borbulhante do chão, não tinha nenhuma oportunidade. Ia ter que tentar diminuir de um salto à distância entre o lugar onde estava e o lugar onde tinha que estar: o telhado da casinha do guarda. E era um salto muito largo. Não estava seguro de que ficassem suficientes forças dentro de si para consegui-lo.

     Mas não podia ficar quieto. Carregou o fuzil, esvaziou-o sobre o turba de zumbis, que já tentavam subir ao telhado, só para abrir caminho, e logo saltou com todas suas forças. Seu corpo girou no ar uma, duas, três vezes, e com cada cambalhota o lodo venenoso apareceu debaixo dele um instante e logo pareceu aproximar-se. Demônios! Estirou-se, ergueu-se, estendeu os braços... E agarrou com a ponta dos dedos o beiral da casinha.

     Suas pernas ficaram no ar. Os zumbis estendiam os braços para ele, agarravam-no, tentavam fazê-lo cair. Ele esperneou e logo conseguiu tirar sua pistola. Pendurando-se nos dedos de uma mão, encheu de chumbo àqueles porcos.

   Os zumbis caíram. Ele deixou cair à pistola: uma perda lamentável, mas poderia encontrar outra no nível seguinte. Subiu no telhado da casa do guarda, olhou a seu redor e viu o caminho para a salvação: um cabo elétrico que partia do extremo mais afastado do telhado. Dirigiu-se para ali, saltou sobre ele e percorreu o caminho se equilibrando, para o Nível Nove.

     Seth deixou escapar um suspiro de alívio, soltou o controle remoto.

  Sobre a mesa baixa, levantou-se e estirou as costas doloridas. Tinha demorado um bom momento em superar aquele nível, mas a sensação de triunfo era só passageira. Aquilo era um jogo. Um entretenimento divertido que o distraía da espera constante em que se converteu sua vida. Nem sequer sabia o que estava esperando. Mas a espera, o nervosismo, aquela carga de eletricidade justo antes que estalasse o relâmpago, essa sensação de que algo grande estava a ponto de ocorrer, tinha sido mais forte nesse dia que nunca antes.

     Estava destinado a algo importante. Sempre o tinha sabido. Mas estava aborrecidíssimo enquanto esperava para descobrir o que era.

     Soou o telefone. Seth estava tão nervoso que deu um salto. Logo o agarrou, com a idéia, ainda meio formada, de que talvez aquela fosse a chamada que o poria em caminho para seu destino, fosse o que fosse. Uma olhada à tela apagou aquela idéia. Era só J.J, seu amigo, que o chamava do Buraco, o bar do bairro, no qual Seth tinha sido promovido a encarregado.

     Suspirou e desprendeu o telefone.

     — Sim, colega, o que acontece? — sempre passava algo.

     — Seth, não sei o que fazer, tio Tommy tinha que estar na churrasqueira, mas caiu doente e foi para casa. Ficamos sem suco de romã e a máquina de lavar pratos está fazendo guerra outra vez. E esta noite estamos até em cima de gente e falta pessoal para atender.

     — JJ, você me chama cada vez que eu tenho uma noite livre.

     — Isto é uma crise, Seth.

     — Não, é o normal. Uma crise é quando as coisas saem completamente mal. Essas coisas se passam todo o tempo. É o normal, J.J. Tem que aprender a se arrumar sozinho.

     — Tento-o, mas não dou conta de tudo.

     Seth baixou a cabeça, suspirou e pensou: “que demônios”. De todos os modos, não tinha nada que fazer. Talvez, ir logo para a cama. Possivelmente, voltar a sonhar com ela. A bela ruiva cujos olhos pareciam lhe atravessar a alma. A que tinha algo que ver com seu destino. A que nunca tinha visto, mas com a que levava sonhando desde que tinha o uso da razão.

     Suspirou. Ela estaria ali, esperando-o em seu subconsciente, sem importar a que hora fosse dormir.

     — Já em seguida estou indo, vale? Enquanto isso chama o Bobbie, para que vá e se ocupe da churrasqueira. É o que está mais perto, e adora fazer horas extras. Chama também a Tanya, para atender as mesas. E diga que quando for para lá, passe pela casa de licores e compre um par de garrafas de suco de romã. Assim, resolvemos a situação até que chegue amanhã o caminhão. Estarei aí dentro de cinco minutos.

     J.J suspirou audivelmente.

     — Obrigado, Seth. É um fenômeno, sabia?

     Sim. Miúdo fenômeno. O senhor das máquinas de lavar pratos quebrados e dos garçons desaparecidos. Fechou os olhos e sacudiu a cabeça, antes de desprender seu suéter do cabide que havia perto da porta do apartamento e passá-lo pela cabeça enquanto saía.

     Quatro horas depois, o bar estava fechado, os tamboretes com as pernas para cima sobre o balcão de mogno, as cadeiras com as pernas para cima sobre as mesas, o chão recém esfregado e o ambiente impregnado de aroma de limpador de pinheiro. Seth se dispunha a sair para passar fora dali o que ficava da noite, que não era muito.

     J.J estava a seu lado, com a bolsa do dinheiro, que deixariam na caixa de depósito noturno do banco no caminho para o estacionamento da esquina. Seus cachos marrons e descontrolados permaneciam aprisionados sob uma boina velha e manchada dos Ianques. Arrastava os pés ao andar, e se encurvava muito. Seth pensou que aquele menino necessitava muito mais que um pouco de experiência no trabalho se queria chegar a algo.

     Claro que, pensou consigo mesmo, quem era ele para falar? De acordo, talvez não tivesse a falta de auto-estima do J.J. Mas mesmo assim, tinha um trabalho que não ia a nenhuma parte e uma vida que não lhe satisfazia absolutamente, e seguia esperando sua grande oportunidade. Estava destinado a algo grande. Sabia. E essa noite o sentia mais perto que nunca.

     Faltava uma quadra para chegar ao banco. J.J ia assobiando o tema de amor do último filme do Rocky. Não havia tráfego, e o pavimento reluzia.

     — Da pra acreditar que choveu e parou de chover enquanto estávamos no bar e não percebemos? — perguntou J.J.

     — Sim. O Buraco é como um mundo à parte.

     — Um mundo? — repetiu J.J. . — Ora vamos. Um povoado, possivelmente. Ou, melhor ainda, é como uma série de televisão. Tem todos os personagens. Está lá o velho verde, Henry, que só pensa em seu pênis e que sempre sai com a sua, apesar de que assedia sexualmente todas as mulheres do bar, porque tem cento e dois anos.

     — Henry não pensa em seu pênis, J.J Tenta recordar-se que ainda é um homem. E dar uma palmada no traseiro de uma garçonete quando passa perto dele é o único modo que tem de fazê-lo. Embora acredite que se sentiria mais homem se alguma delas lhe desse uma bofetada, em vez de sorrir e dar uns tapinhas na cabeça como se fosse uma brincadeira e ele não representasse nenhum perigo. Pelo menos, podiam fingir-se ofendidas.

     J.J levantou as sobrancelhas.

     — Não tinha pensado nisso. E o que me diz da senhora Brown?

     — Da Shauna?

     — Sim. Todo mundo sabe que está casada, mas ela vem todas as noites, bebe até ficar embriagada e logo começa a dar em cima de todos os desconhecidos que entram no bar.

     — Mas nunca sai com nenhum deles.

     — E o quê?

     — Pensa bem. É uma mulher bonita, J.J. Se quisesse de verdade ir pra cama com algum desconhecido, não teria nenhum problema. Mas na realidade, ela nem tenta. Se alguém mostrar interesse, recua como uma louca até que a deixam em paz. Logo, segue bebendo até que começa a chorar e me pede que lhe chame um táxi. - Seth encolheu os ombros . — É uma infeliz e só quer que a queiram. Se seu marido não acorda a tempo, imagino que ao final se armará de valor e se irá. Até então, seguirá sendo infeliz, suponho.

     — A verdade é que você é muito intuitivo com as pessoas - disse-lhe J.J. . — O que vê em mim, Seth?

     Seth encolheu os ombros e não olhou J.J. nos olhos, porque aquela conversação era uma atitude muito pouco viril.

     — Um guri com muito potencial. Pode fazer tudo o que queira J.J. Só tem que se dar valor, sabe? Como esta noite. Podia ter tomado algumas decisões, resolvido por si mesmo alguns desses problemas e confrontado as conseqüências, boas ou más. Mas em lugar de fazer isso, você me chamou para não ter que se arriscar.

     — Para que arriscar-se se não é necessário? — perguntou J.J.

     — Sabe como me subiram a encarregado, J.J.? — Seth não esperou resposta; limitou-se a acrescentar— Uma noite houve uma crise das gordas no bar. O encarregado sofreu um ataque do coração e o levaram à emergência. A garçonete que atendia no balcão era sua mulher e se foi com ele. A chefa das garçonetes teve que levá-la ao hospital. E ali estava eu. Mas me enchi de coragem e arrumei tudo. Fiz algumas chamadas, consegui que alguém fosse substituir às garçonetes, nessa noite me encarreguei do bar e arrumei para que tudo funcionasse como um relógio. Assim que mal percebi, estava promovido e com um aumento de salário. Por isso, você terá que se arriscar quando algo acontecer. Sem risco não há ganho, amigo.

     J.J assentiu.

     — Acredito que te entendo.

     A luz piscava. Mais tarde, Seth pensaria que aquela luz que piscava quase parecia uma advertência. Mas naquele momento, não lhe prestou mais atenção que ao leve estremecimento que lhe percorreu as costas sem razão aparente.

     Logo, um segundo depois, alguém golpeou suas costas, fazendo-o cair na calçada tão forte que lhe partiu o queixo. Depois começaram a lhe dar murros na cabeça. A dor estalou atrás de seus olhos. O medo e a surpresa faziam martelar seu coração, mas de todos os modos reagiu: girando, conseguiu tirar de cima dele aquele bastardo e se levantou para jogar uma rápida olhada ao redor.

     J.J. estava no chão, de barriga para cima; um tipo grandalhão o chutava nas costelas. Seth se equilibrou com todas as suas forças contra seu agressor, e os dois caíram para o beco.

     Seth aterrissou sobre aquele tipo. O outro saltou sobre ele antes que pudesse recuperar o fôlego. Mas conseguiu gritar:

     — Corre, J.J.! Sai daqui! Corre!

     E isso foi tudo. Um daqueles desgraçados o levantou, deu-lhe a volta e voltou a derrubá-lo com um murro na mandíbula. Enquanto permanecia de costas no beco, viu o J.J. correr como alma de quem leva o diabo, a uma quadra dali. Logo os valentões, havia quatro agora, e que lhe enforcassem se sabia de onde tinham saído os outros dois, rodearam-no, bloqueando sua vista. Não via nada, exceto suas pernas, embainhadas em jeans muito largos, descoloridos e rasgados, os cadarços das botas de camurça Columbia sem amarrar, com as línguas de fora.

     — Me dê a bolsa do dinheiro, imbecil. - disse um deles.

     Seth sorriu lentamente, mas lhe doeu e se deteve. Supôs que tinha o lábio partido, e possivelmente a mandíbula também. Não ia dizer a aqueles desgraçados que era J.J quem levava a bolsa. Ainda não. Que o menino tivesse tempo de escapar. Imaginava que, de todos os modos, estava sentenciado.

     — Por que você não a tira de mim? — perguntou.

     — Será um prazer.

     A surra começou então. E não houve grande coisa que Seth pudesse fazer a respeito. Tentou distribuir um par de golpes, parar os murros e as patadas com os braços, mas ao final tinha tantas dores e sangrava tanto que não pôde fazer mais que encolher-se como um camarão-rosa cozido e esperar que se cansassem.

     Ao cabo de um momento, começou a perguntar-se se seria aquele o grande momento a que sempre se soube destinado. Talvez o único propósito de sua vida tivesse sido estar ali essa noite, para salvar ao J.J. Assim, possivelmente fosse J.J quem estava destinado a algo grande.

     Talvez acabasse sendo presidente ou algo assim. E talvez ele fosse só um peão, um sacrifício por um bem maior.

     Maldição. Sempre tinha acreditado que seria algo mais. E o que mais lamentava era ela, a garota com quem tanto tempo levava sonhando. Seriamente iria morrer, sem havê-la visto cara a cara? Parecia impossível, mas tinha toda a pinta de ser provável.

    

     Depois de sondar minuciosamente nos boateiros vampíricos, a única pista que tinha conseguido Reaper para chegar até o Gregor era uma vampiresa rica e malcriada que se fazia chamar Topaz. Vivia em uma mansão na Ilha Esmeralda, na Carolina do Norte, e havia rumores que recentemente tinha perdido uma parte importante de sua fortuna por culpa de um vampiro estelionatário, que lhe tinha partido o coração. Ninguém conhecia o nome daquele sujeito, mas sua descrição encaixava com a descrição do Gregor. O modo de agir era o mesmo, a localização encaixava e Reaper estava seguro de que seu instinto não se equivocava. Aquele artista da fraude tinha que ser o vampiro que se conhecia como Jack de Corações. E se encontrava ao Jack, encontraria ao Gregor e ao resto de seu bando de renegados.

     De modo que ia para a Ilha Esmeralda, quando teve aquela sensação. Primeiro, foi uma impressão de energia nervosa, um encolhimento do estômago, a vibração de vários músculos, uma quebra de onda de adrenalina. Lutar ou fugir. Mas não havia razão para isso. Não estava em perigo.

     «Você não, mas outra pessoa sim».

     Então sentiu dor. Uma dor insuportável. Mas não dele.

     E logo sentiu a essência que se ocultava atrás dele, a aura aparecia cada vez que um de seus semelhantes se aproximava ou se achava em apuros. Aquela sensação procedia de um dos Escolhidos.

     E não de qualquer um, mas sim do dele. De Seth Connor. O moço tinha problemas. E a Reaper lhe encolheu o estômago, apesar de si mesmo. O menino sempre andava metendo-se em confusões de um ou outro tipo, mas a dor que sentia nesse momento... Aquilo não era um simples arranhão.

     — Deus, tinha que ser precisamente agora? — Reaper levantou os olhos ao céu e disse que Seth estava demonstrando ser uma chateação, como havia dito a Rhiannon. Disse aquilo enquanto deixava de fazer o que estava fazendo, para ir em sua ajuda. Recordou-se que não tinha escolha. Não mentia quando havia dito a Rhiannon que se sentia obrigado, como todos os vampiros, a proteger e cuidar dos que eram como Seth. Se conseguisse ignorar aquele impulso, pensou deliberadamente, com certeza, teria continuado conduzindo.

     «Sim. Certo. A quem quer enganar Reaper?». Assim, obedeceu ao seu impulso de ir ajudar ao moço, e a toda velocidade. Tomou uma saída, deixando-se levar por seus sentidos, por sua intuição, e ao se aproximar se deu conta de que tinha feito certo.

     Sentiu próximo o frio fôlego da morte e compreendeu que Seth, seu tutelado, achava-se próximo dela. Deteve o carro, saiu de um salto, deu meia volta e pôs-se a correr, movendo-se tão rapidamente que era invisível para o olho humano. Instantes depois, se achava à entrada de um beco no qual quatro homens erguidos estavam ministrando uma surra a outro que jazia no chão, encolhido.

     Reaper não disse nada, só se moveu. Seu primeiro golpe mandou a um dos homens contra a parede, onde sua cabeça arrancou uma parte ao bloco de cimento contra o qual se chocou. Agarrou ao segundo pela nuca e o lançou ao ar, sem se incomodar em ver onde caía, embora tenha ouvido um ruído de cristais quebrados. Agarrou o terceiro pelo cabelo e esmagou sua cara contra o chão. Logo aplicou ao quarto uma patada no estômago, que provavelmente lhe rompeu o intestino. E tudo isso no espaço de dois segundos, possivelmente menos.

     Finalmente, se ajoelhou junto ao jovem, e seu estômago duro como o ferro se encolheu ao aproximar-se dele. Seth tinha a cara completamente machucada. Seus olhos estavam inchados e arroxeados, seu nariz quebrado, seus lábios partidos, sua mandíbula desencaixada ou quebrada. Sua própria mãe não o teria reconhecido. Reaper o reconheceu, entretanto. Conhecia seu aroma, sua essência. Sua energia incansável e frustrada.

     Apesar de que o desagradasse o contato físico, nesse momento não podia fazer outra coisa: deslizou um braço sob os ombros do Seth e levantou sua cabeça do chão de cimento do beco no qual jazia. Seu corpo estava tão quebrado como sua cara, mas suas lesões eram menos evidentes a simples vista.

     — Escapou J.J.? — perguntou. Sua voz era rouca e débil.

     Reaper entreabriu os olhos: logo indagou na mente do jovem e viu a cena desdobrada através da memória do Seth. O assalto. J.J., o outro menino, mais jovem, espancado. Viu o que Seth fazia: provocar aos agressores para que J.J. tivesse oportunidade de escapar. Poderia ter escapado facilmente, mas não o tinha feito. Reaper sentiu que J.J. tinha escapado.

     — Sim, ele está a salvo. - disse.

     Seth suspirou e fechou os olhos.

     — Que bom.

     Estava morrendo. Ou não. A decisão era do Reaper.

     — Abre os olhos, Seth- disse . — Tenho que falar contigo.

    

     Seth não estava seguro de estar vivo ou morto. A dor ia dissipando-se, igual a todo o resto. Sentia-se cair e afastar-se cada vez mais de todo o real. E logo uma voz insistente, uma voz de homem, uma voz que lhe resultava estranhamente familiar, abriu passo através de um caminho comprido e sinuoso, desde seu ouvido a seu cérebro.

     — Abre os olhos, Seth. Tenho que falar contigo.

     Tentou obedecer, algo naquela voz o impulsionava a fazê-lo, mas não pôde. E em realidade não queria fazê-lo, não tinha vontade. Estava sonhando com ela outra vez. Era tão real, tão espantosamente real esta vez... Podia senti-la quando a tocava. Pele suave e uma juba acobreada e densa que não podia deixar de acariciar. Sua figura miúda, sua voz suave, a incerteza que sempre parecia aparecer atrás de seus olhos.

     — A verdade é que não tenho tempo para isto, sabe? Se não acordar e me der uma resposta, vou ter que fazer sem seu consentimento.

     Seu consentimento? Fazer o que sem seu consentimento?

     — Sério, Seth, me está esgotando a paciência homem! - suspirou e, quando voltou a falar, sua voz soou distinta. Tinha uma espécie de energia que antes lhe faltava. — Escuta minha voz e obedece, Seth Connor. Minha vontade é a tua. Faz o que te digo. Abre... Os... Olhos.

     Seth compreendeu que estava vivo, no final das contas. Tinha que estar já que sentia tantas dores. Supôs que devia despertar e prestar atenção se queria continuar vivo. Odiava abandonar à garota do sonho, mas talvez assim tivesse como conhecê-la de verdade. Sim. Ainda podia acontecer.

     Essa esperança foi a que o impulsionou a reunir forças, as poucas que ficavam, e abrir os olhos. Um pouco. Tinha-os inchados e doloridos, e não via muito claramente. Mas a figura que foi tomando forma, muito lentamente, ante ele, era a de um homem, provavelmente tinha apenas uns poucos anos mais que ele e, entretanto, de um modo indefinível, muitíssimo mais velho.

     — Eu... te conheço— conseguiu resmungar. — Eu já te... Vi antes.

     — Sim. Eu tirei você do rio quando caiu nele, quando tinha dez ou onze anos. E te arrastei do carro no qual se mataram seus pais quando tinha dezesseis, um pouco antes que se incendiasse. Houve muitas outras vezes nas quais te ajudei a sair de uma confusão ou     outra. Mas nenhuma tão grave como esta.

A cabeça de Seth dava voltas, porque de repente se lembrava.

     — Como é que não me lembrava? Quero dizer até agora.

     — Porque eu não queria.

     Seth se deu conta de que aquele tipo não tinha envelhecido. Tinham-lhe dado uma surra de morte, claro, tinha a vista imprecisa e era de noite, mas não acreditava estar equivocado. Aquele homem estava exatamente igual às outras vezes. O cabelo escuro, o semblante sério, os olhos profundos que quase tinham uma expressão atormentada.

     — Quem é você?— conseguiu perguntar.

     — Seu protetor, na falta de um termo melhor.

     — Por quê?

     — Não por escolha, isso te digo agora. O resto terá que esperar Seth. Não resta muito tempo.

     Seth assentiu com a cabeça e sentiu dor ao mover-se.

     — Estou morrendo, não é?

     — Sim, temo que sim. Sua vida mortal está acabando. Tens feridas internas. Seu baço esta partido, eu acredito, embora não esteja seguro. Tem uma hemorragia interna. Não demorará muito.

     — Não acreditava que fosse morrer tão logo. - Seth tentou olhar a seu redor, mas só havia formas desfocadas na escuridão. Sua visão começava a estreitar-se, a encolher-se para dentro, assim olhou de novo ao homem entreabrindo as pálpebras. — O que quer que faça antes de... Partir?

     — Sou um vampiro, Seth. Oxalá tivesse tempo de lhe explicar isso com detalhe. Mas só posso te contar o elementar. Sou um dos não mortos. Vivo de noite e o sangue, não a comida, é meu sustento, embora eu não precise matar para viver. Isso é um mito. Nunca envelheço. Sou poderoso, forte, rápido. Meus sentidos estão afiados além do que possa imaginar, e tenho capacidades extrasensoriais. Tudo isso pode ser teu também se tu decides te converter no que eu sou. Só tem que me dizer isso.    

     Seth o olhou fixamente e se perguntou se estava alucinando.

     — A alternativa é a morte e o que te espera além dela, seja o que for- prosseguiu o homem. — Você decide. Mas tem que se apressar Seth. Não estará consciente por muito tempo.

     Nesse momento, tudo se voltou claro como cristal para Seth. Tudo em sua vida pareceu ocupar seu lugar e as peças se interconectaram para formar os contornos de um grande quebra-cabeça. Ainda faltavam peças, quase todo o interior do quebra-cabeça. Seth não via o desenho, a imagem que representava, só aquela silhueta, aquele contorno. Pela primeira vez, via sua forma, via que era real. Aquele era o destino que tinha intuído toda a sua vida. Era o primeiro passo no caminho da vida que estava destinado a viver: o caminho que acabaria conduzindo-o até ela, em algum momento. Estava seguro disso. Era o princípio de algo grande. Finalmente, tinha resultado ser muito mais grandioso do que nunca tinha imaginado.

     — Quero viver - disse. — Devo viver. Há algo que tenho que fazer.

     — Seriamente? E o que é Seth?

     O homem parecia quase divertido. A Seth não importou isso. Sabia que era real.

     — Ainda não sei de tudo. Há uma garota, uma mulher... Deus, é algo muito especial.

     — Sério? — o bom humor parecia adornado agora por algo muito mais escuro. — Tem nome?

     — Ainda não sei. Mas sei que tenho que encontrá-la. E sei que há algo mais... Algo importante que tenho que fazer. Assim, mais vale que tome a palavra nisso de... De vampiro. Porque, se a alternativa é morrer, não poderei fazê-lo.

     — Se morrer, não poderá fazer nada. Assim seja, então – respondeu o vampiro. E logo se inclinou sobre ele e enquanto Seth se dizia que certamente havia um modo menos dramático de fazer aquilo, que o que estava acostumado a aparecer na literatura popular, aproximou-se, jogou-lhe a cabeça para trás e afundou as presas em sua garganta.

     Seth sentiu como as presas transpassavam a pele e perfuravam a veia. Sentiu uma dor intensa e de certo modo prazerosa, e experimentou logo uma extraordinária sensação de liberação, não orgástica, a não ser mais parecida como quando uma onda prepulsora expulsando de repente todo o vapor. Aquela pressão, aquela tensão e fragilidade escaparam dele, junto com a dor. Emanaram dele como o sangue que se derramava na boca do vampiro.

     Jogou a cabeça mais para trás. Desejava que aquele desconhecido levasse tudo, e sentiu que sua vida refluía e lhe escapava com cada gole que tomava o vampiro. Logo, aquela criatura apartou a cabeça, limpou a boca com o dorso da mão e o deixou sobre o chão.

     A vista de Seth se aclarou, e ficou ali deitado, de costas, naquele beco cheio de lixos, olhando o piscar longínquo das estrelas.

     — Estás morrendo. Justo quando for morrer, vou trazê-lo de volta, Seth. Não tenha medo. Relaxe e deixa que ocorra.

     Seth tentou assentir com a cabeça, mas pareceu que nada se movia. Logo, antes de tudo se apagar, viu-a. Só por um instante. O cabelo comprido, denso e acobreado caía sobre um ombro e seus enormes olhos marrons suplicavam como nunca antes. Viu-a mais claramente, sentiu-a mais claramente como nunca antes. Seus olhos eram rasgados, exóticos, debruados de negro. Seu corpo era miúdo, ligeiro, mas incrivelmente forte. Sentiu que era selvagem, e logo percebeu outra coisa. Estava enjaulada.

     Estava suplicando que alguém a ajudasse. Que ele a ajudasse.

     Não era um sonho. Desta vez não. Era real. Ele a estava vendo de verdade, de algum jeito, mentalmente. Não era um sonho. Tudo dentro dele pareceu estender-se para ela, desejá-la, e logo tudo se deteve. Houve escuridão, silêncio, a sensação, as emoções cessaram e então...

     Bam!

     Uma sensação parecida com uma descarga elétrica se apoderou dele. Ficou tão rígido como um paciente no qual tivessem aplicado um desfibrilador. Mas não havia desfibrilador. Só havia um pulso que sustentava junto a sua boca, com ambas as mãos e da qual bebia com tanta avidez como se estivesse morrendo de sede. Sentia além de todas as sensações. Suas percepções sensoriais eram incríveis. Saboreou, viu, ouviu e cheirou um milhão de coisas ao mesmo tempo, e reconheceu todas. Tirando o pulso de sua boca, jogou a cabeça para trás e ficou ali, piscando, enjoado.

     — Não se passa nada - disse o vampiro. — Sim, demora algum tempo, mas se acostumará a isso.

     Seth duvidava.

     — Deus, é real. Sempre soube, mas o duvidava... Tinha dúvidas. Mas é real. É tão real... E me necessita.

     O homem franziu o cenho.

     — Quem te necessita?

     — A garota - respondeu-lhe Seth. — Temos que encontrá-la. Temos que ajuda-la. Mas não sei como. Não sei onde está nem...

     — Está bem, está bem, vá com calma. Chegaremos ao fundo disto, de acordo? Não se preocupe. Mas agora tem que descansar. Descansar e deixar que seu corpo se acostume à mudança. De acordo?

     Seth assentiu, baixou a cabeça, fechou os olhos e resmungou:

     — De acordo.

 

     Vixen passeava de um lado a outro de sua cela, sem perder o ritmo. Seus passos eram pequenos, ligeiros e suaves, e tendia a andar nas pontas dos pés. Não gostava daquilo. Não gostava das pessoas que a retinham. Não gostava dos barrotes que a mantinham cativa, nem do fato de não poder passar entre eles. Em outro tempo, teria podido. Antes que a convertessem no demônio que era agora. Após, não tinha sido capaz de transformar-se.

     — Vixen. Não?

     A garota a que chamavam Briar se apoiou na jaula desde fora. Tinha uma juba selvagem, frisada, densa e de cor visom, como seus olhos. Era muito jovem, deviam havê-la convertido em um deles a uma idade absurdamente precoce. Mas o mesmo tinha se passado a ela.

     — O que quer? — perguntou Vixen. Recolheu o cabelo, jogando-o para frente e deixando-o cair sobre um ombro, e começou a acariciá-lo. Sempre que estava nervosa, estava acostumada em acariciá-lo ou jogar com ele: era sua forma de entrar em contato com seu próprio ser, de recordar o que e quem era na realidade. Não era uma deles. Nunca o seria.

     — Não é o que eu quero - disse Briar. — É o que quer Gregor.

     Vixen encolheu os ombros.

     — O que quer, então?

     — Quer que o ajude. Depois de tudo, ele ajudou a ti.

     — Enjaulou-me. Neste corpo. Nesta cela.

     Briar encolheu os ombros

     — Na cela, talvez. Mas no corpo não. Ainda pode trocar.

   Vixen baixou os olhos e sacudiu a cabeça lentamente. Sentiu que se afogava e um fluido quente e estranho encheu seus olhos.

     — Estava em forma humana quando... Mordeu-me e bebeu meu sangue como se eu fosse um frango. Ele me converteu em... No que sou agora. Tentei voltar a me transformar, mas...

     — Estava recém convertida e te encontrava fraca e assustada. Isso foi há seis meses, Vixen. Agora é mais forte. Tem que tentá-lo outra vez.

     Vixen olhou os olhos de Briar e estremeceu. Sempre se estremecia quando sentia o aroma da escuridão que habitava na alma daquela jovem. Uma escuridão fria e aterradora.

     — Tenta-o, Vixen.

     Vixen suspirou e moveu a cabeça de um lado a outro.

     — Tenta-o, Vixen - repetiu Briar, mas esta vez o disse de maneira distinta. Havia ira em sua voz. — Tenta-o ou voltará a dormir com fome.

     — Não me importa dormir com fome.

     Briar suspirou e estendeu a mão para a parede, onde em um gancho descansava a larga vara metálica. Vixen teve um sobressalto e retrocedeu tudo o que pôde.

     — Está bem - disse Briar. — Jogarei contigo um momento e logo poderá ir à cama com fome. O que te parece? — colocou a vara entre os barrotes e Vixen tentou apartar-se, mas, por mais que se retorcia, não havia modo de escapar a seu alcance. A vara tocou seu ventre e a atravessou uma descarga tão forte que jogou a cabeça bruscamente para trás e lhe dobraram os joelhos.

     Aconchegou-se no chão, tremendo.

     — Não, por favor.

     — Pois eu me passo em grande - Briar voltou a cravá-la, no pescoço desta vez.

     Vixen se apartou e sua cabeça golpeou o chão.

     — Agora vai tentar para mim, verdade, Vixen?

     Vixen abriu a boca para responder, mas não lhe saíram as palavras. Briar lhe cravou a vara nos rins, e Vixen se arqueou e proferiu um grito agônico, formando a palavra «sim». Quando o grito se dissipou, ela ficou ali tendida, sobre o frio chão de pedra, tremendo incontrolavelmente.

     — Sim - murmurou. — Eu o tentarei.

     — Bem. Dou-te uma hora para te recuperar. E se fizer que volte a te torturar, Vixen, será com algo muito pior que a vara. Entendido?

     Vixen assentiu com a cabeça, com movimentos tensos e bruscos.

     — Uma hora - Briar deu meia volta e se afastou pelo corredor de pedra, levando a luz com ela. Vixen a ouviu subir pelas escadas e fechar de repente a pesada porta. Estava sozinha. Seus sentidos não a enganariam a respeito de um ponto tão singelo. Estava sozinha ali. Era a única prisioneira daqueles ignorantes cruéis.

     E, entretanto, não estava só.

     Havia uma família de ratos que vivia do outro lado da habitação. Faziam um ninho em uma greta profunda da pedra, e se escondiam ali cada vez que um deles entrava na masmorra. Mas saíam por ela. Não se aproximavam muito, claro. No fim de contas, tinha passado muitas horas de sua vida convertida em um de seus depredadores naturais. Mas, no que se refere a isso, sentiam sua natureza animal, e sua dor e sua angústia. Tinham curiosidade.

     Saíram nesse momento, embora Vixen os sentisse aproximar-se antes de vê-los. Ouvia seus muito leves chiados enquanto conversavam e começavam a registrar o chão em busca de miolos, lançando-lhe olhadas de passada.

     «Por aqui não encontrarão miolos”. “Esses não comem comida.», pensou, dirigindo-se a eles não com palavras, a não ser com imagens e idéias. E sabia que a entendiam. Cruzaram correndo o chão, até a tábua solta da parte baixa da porta que dava ao exterior e colocaram seus corpinhos por ela.

     Confiava em que a roessem um pouco mais, e assim tinha tentado se fazer entender. Podia-se metamorfosear, necessitaria que a tábua cedesse um pouco mais para poder passar através dela facilmente, embora possivelmente já coubesse, se tivesse conseguido transformar-se.

     Nem sequer quando se foram os ratos, ela se sentiu de todo sozinha.

     Havia alguém mais. Havia-o sentido de repente essa noite, quando um dos parasitas a tinha tirado para dar um passeio muito curto e bem vigiado. Gregor queria que estivesse fraca e meio morta de fome, mas basicamente sã, até que descobrisse se podia utilizá-la ou não. Assim, permitia que desse um passeio à noite. E essa noite o havia sentido. Um homem. Um homem bom. Tinha-lhe parecido tão real, e tão próximo, que até tinha levantado a cabeça, farejado o ar e afinado seus sentidos para tentar localizá-lo, inclusive identificá-lo. Não sabia se era humano, animal ou vampiro. Quase não se tinha dado conta de que ele não estava fisicamente tão perto dela. Mas de certo modo sim, ele estava. Incrivelmente perto. E se dirigia para ela. Ia ajudá-la. Vixen o havia sentido, sabia.

     Ele lhe havia dito de algum jeito.

     Vixen tinha fechado os olhos e se concentrou naquela sensação com todas suas forças.

     — Se vier por mim - tinha sussurrado— , se apresse, por favor. Se tiver que ficar aqui muito mais tempo, morrerei. Por favor, se apresse. Necessito-te.

     E com a mesma presteza com que tinha chegado sua percepção daquela outra pessoa, daquele homem, dissipou-se por completo assim que voltaram a colocá-la dentro, através dos porões que ela via como masmorras, e em sua fria cela.

     Não havia tornado a percebê-lo mais. Perguntou-se agora se só tinha imaginado ele, e se deixou cair no chão gelado, baixou a cabeça e sentiu que o desespero a esmagava.

     Mas não se deixou dominar por ele. Levantou o queixo e prometeu que escaparia das criaturas que a retinham. Era mais preparada que eles, mais ardilosa e estava mais em sintonia com seus sentidos e instintos. Se eles tinham razão, e podia voltar a transformar-se, não demoraria muito para sair dali. Fugiria nas primeiras mudanças. E então seria livre. Livre para correr, jogar e viver de novo.

     Mas mesmo assim, as coisas nunca voltariam a ser como antes. Não podia voltar a ser o que tinha sido. Sabia, intuía. Em um sentido muito real, sua vida já tinha acabado.

    

     Seth abriu os olhos e ficou muito quieto porque, maldição, tudo era diferente.

     — Ah, está acordado - disse o vampiro.

     Seth piscou assombrado, porque sim, aquele tipo era um vampiro e era real e agora ele era... Era...

     — O que ocorre, Seth?

     — Sua voz. Tio é como se pudesse ouvir vibrar cada uma de suas cordas vocais quando fala.

     — Sei.

     — Sinto o ar tocar minha pele.

     — E certamente ouvirá como cresce a erva, se prestar atenção, - respondeu o vampiro.

     — Assim, ou tomei um ácido e estou tendo uma viagem ou...

     — É um vampiro. Seus sentidos se afinaram. Magnificaram-se. Tudo lhe afeta. Sentirá prazer e, por desgraça, dor a um nível quase impossível de suportar.

     Seth fechou os olhos.

     — Pequena viagem.

     — Uma viagem infinita - repôs o homem.

     Seth levantou a cabeça. Deu-se conta de que estava em um carro e de que o outro ia conduzindo. A frente deles, a estrada estava às escuras; as raias passavam a seu lado a velocidade alarmante.

     — Aonde vamos? — uma vozinha dentro de si lhe disse que sabia muito bem aonde ia. Ia para ela. Não sabia como, nem exatamente por que, mas o sentia. Estava se aproximando dela com cada quilômetro que percorriam.

     — A Carolina do Norte. Estava cumprindo uma missão quando me interrompeu, Seth. Não tenho mais tempo que perder.

     — Eu te interrompi? Como? Quase morrendo?

     — Exatamente.

     Seth observou o semblante sombrio do vampiro e esperou uma resposta que o outro parecia demorar a lhe dar. Por fim, o homem assentiu com a cabeça como se tivesse decidido algo.

     — Há muitas coisas que terá que aprender em muito pouco tempo, Seth, e esta não é a mais importante entre elas. Mas tentarei satisfazer sua curiosidade de todos os modos.

     — Vá, obrigado.

     — Não faz falta que me dê isso. Sou seu fazedor, seu mestre. Seu pai, em certo modo. É meu dever te educar.

     — Estava me pondo sarcástico colega. Não tem muito senso de humor, não?

     — Nunca vi necessidade de tê-lo.

     — Há... Feito a outros?

     O vampiro o olhou com o cenho franzido um momento, antes de voltar a fixar o olhar na estrada.

     — Tens um tipo sangüíneo estranho, Seth. Contém um antígeno chamado beladona. Os humanos com esse tipo de sangue tendem a debilitar-se e a morrer jovens. E também a sangrar em excesso.

     — Eu sempre sangrei muito. Sabia do antígeno. Dificulta as transfusões. Mas não sabia que ia me debilitar e morrer jovem.

     — Pois assim teria sido, passado um tempo. Agora não morrerá. Mas isso já sabe. O que ainda não sabe é que só os humanos com o antígeno da beladona podem converter-se em “não mortos” Seth. Entre nós, esses mortais nós os conhecemos como os Escolhidos. Todos os vampiros tiveram o antígeno quando eram mortais. E todos os vampiros percebem os mortais com o antígeno. E se sentem impelidos a ajudá-los e inclusive a protegê-los.

     — Será uma brincadeira? Demônios, por isso já tinha me aparecido antes. Por isso, me ajudava quando me metia em alguma confusão.

     — Sim. Por isso,

     — Mas... Por que você e não outros? Porque há outros, não? — ergueu-se no assento, e se surpreendeu que aquele movimento não lhe doesse. Sua última lembrança era uma surra que o tinha deixado à beira da morte. — Quantos deles... De nós... Há? E onde estão? Vamos conhecê-los? Há alguma espécie de...?

     O condutor sorriu, e seu sorriso era tão impressionante que Seth ficou calado. Sua expressão sombria e taciturna se desvaneceu só por um instante. Logo retornou tão rapidamente que Seth quase se perguntou se teria imaginado aquela transformação.

     — Posso continuar já? — perguntou o vampiro.

     — Sim. Só estava... Há muitas coisas que quero saber.

     — E saberá, há seu tempo. Por agora, seguirei com o que tinha começado. Para cada vampiro, há um mortal com que o vínculo psíquico é especialmente forte. Em meu caso, esse mortal é você. Por isso me viu outras vezes. Por isso, te ajudei no passado, quando teve problemas. E, por isso, não tive mais remédio que sair outra vez em sua ajuda quando estava à beira da morte.

     Seth assentiu lentamente.

     — Agradeço-lhe isso.

     — Se tivesse tido escolha, certamente teria seguido com minha missão e te teria deixado viver ou morrer sozinho.

     «Demônios, este maldito sem coração», pensou Seth.

     — Cuidado. Posso ouvir seus pensamentos, sabe?

     Seth levantou as sobrancelhas.

     — Pode...?

     — Mas tem razão. Sou um maldito sem coração.

     — Maldito seja.

     O vampiro voltou a sorrir, levemente desta vez.

     — Vou te ensinar a bloquear seus pensamentos. É outra prova de que fiz bem em te trazer comigo. A princípio, eu pensava em transformar você e te deixar sozinho. Logo me dei conta de que um pintinho como você não duraria nem uma semana sozinho.

     — Eh, pare o carro, amigo. Acredito que poderia haver me arrumado muito bem eu sozinho.

     O vampiro o olhou um momento, com as sobrancelhas levantadas e expressão cética.

     — Não é brincadeira - lhe disse Seth; logo se voltou a olhar pelo guichê, assombrado porque pudesse ver até quilômetros de distância e de que tudo parecesse claro como o dia, apesar de que era noite. — Levei toda minha vida esperando isto. Não sabia que era isto, claro, mas tem que ser. Sempre soube que estava destinado a algo grande, a algo importante.

     — A garota - disse o vampiro. E Seth lhe lançou um olhar. O outro encolheu os ombros. — Falou-me dela antes.

     Seth assentiu com a cabeça.

     — Em parte, sim. Mas há algo mais. Possivelmente, essa tua missão. Do que se trata, exatamente?

     — Tenho que matar a alguém.

     Seth se estremeceu e se olhou às mãos, que tinha sobre o regaço.

     — Caramba.

     — Não se preocupe. E não tenho intenção de te meter neste assunto. Eu trabalho sozinho.

     — Bom, trabalhava sozinho. Mas agora estou aqui, assim... Né...

     — Trabalho sozinho.

     Seth assentiu com a cabeça. Aquele vampiro era um autêntico casulo. Deu-se conta, quando o outro lhe lançou um olhar, de que ele havia tornado a lhe ouvir. Esboçou um sorriso tímido e dócil.

     — Perdoa. Vai custar algum tempo me acostumar a isto.

     — Mmm.

     — Sabe. Nem sequer sei como te chamas.

     — Reaper - respondeu o vampiro. E isso foi tudo, nada mais.

     — Reaper. Ah. Bom, que demônios, a verdade é que o nome te cai bem. Posso te chamar R.I.P.?

     — Não.

     Nem sequer um sorriso. Seth se recostou no assento, consciente de que brincando não chegaria a nenhuma parte com aquele tipo. Ligou o rádio e começou a procurar uma emissora decente.

     — Salvou-me a vida, Reaper. Devo-te uma, sabe? Se mudar de idéia e achar que vai precisar de ajuda com essa tua missão, é só dizer, de acordo?

     Reaper olhou com uma sobrancelha mais acima que a outra.

     — Não me olhe assim. Você não me conhece, colega. Há poucas coisas que eu não seja capaz de fazer.

     — Não duvido. E apostaria que seu amigo J.J nunca esquecerá o que fez por ele ontem à noite.

     Seth o olhou, porque aquela afirmação tinha parecido com... Admiração. Mas não havia nenhum indício disso no semblante de Reaper. Assim Seth apartou o olhar e não disse nada.

     — Se havia poucas coisas que não podia fazer antes, Seth - lhe disse Reaper— , me acredite, há muito menos que não possa fazer agora. Entretanto, há certas coisas que deve aprender em seguida.

     — Diz-me, disse Seth.

     — É extremamente inflamável. Mantenha-se afastado do fogo. A luz do sol pode te matar lenta e dolorosamente. Essa parte do mito é certa.

     — E o da estaca no coração? — perguntou Seth.

     — Uma estaca cravada em qualquer parte do corpo poderia te matar, mas não pela estaca. Tendemos a sangrar em excesso, e podemos morrer de hemorragia. Entretanto, se te cortares e puderes deter a hemorragia até o sono diurno, tu vais sarar quando sair o sol. Recorda-o sempre. Se pode te manter com vida até que saia o sol, sobreviverá.

     — Está bem. O que me diz dos crucifixos? Podem me fazer mal?

     — Não seja ridículo. Nós não somos demônios.

     — Perdão – Reaper lhe tinha ofendido. Caralho, quem ia adivinhar que os vampiros eram tão suscetíveis?

     — Necessita de sangue para sobreviver de agora em diante - continuou Reaper. — Pode consegui-lo em bancos de sangue. Não precisa matar ninguém. Vais sentir a dor muito mais que antes. É uma das coisas que podem te deixar fora de combate. De tão debilitante que pode ser. Mas como contrapartida, também sentirá muito mais intensamente o prazer. Quanto mais velho ficares, mais intensos se voltarão teus sentidos, e também teus outros poderes.

     — Que outros poderes?

     — Correr a grande velocidade, saltar até alturas incríveis, telepatia, controle mental, força bruta...

     Seth sorriu. Pensou em sua última e mais impressionante façanha até a data. Além de salvar a vida de J.J e converter-se em vampiro, claro.

     — Pergunto-me se poderia saltar do teto de uma cripta, dar três cambalhotas no ar e aterrissar de pé em um telhado a uma dúzia de metros de distância.

     — Não me surpreenderia - disse Reaper.

     — Você poderia?

     — Claro.

     Seth sorriu um pouco.

     — Sim, mas poderia fazê-lo passando por cima de um pântano de lodo tóxico cheio de zumbis?

     Reaper o olhou com o cenho franzido um momento, logo sacudiu a cabeça, perplexo, e voltou a concentrar-se na estrada. Seth encontrou uma emissora de rádio que gostava e subiu o volume. Surpreendeu-lhe que Reaper não estendesse o braço e a tirasse, e mais ainda que de vez em quando aquele “casulo” levasse o ritmo com o pé.

     Seguiram assim durante três canções excelentes; logo começou um bloco de anúncios e Seth baixou o volume.

     — E a que parte da Carolina do Norte, nós vamos? — perguntou.

     — A Ilha Esmeralda. Perto do Wilmington.

     — Estraga. É aí onde está o tipo a que tens que matar?

     — Não sei.

     Seth esperou. Mas Reaper não disse nada.

     — Venha, homem, conta-me, você parece um cara legal. Não iria atrás desse tipo, se não houvesse uma razão.

     — Sou um assassino, Seth. Um capanga. Era meu trabalho quando estava vivo, e segue sendo. Sou muito bom em meu ofício, mas há... Coisas que me convertem em muito perigoso. Não está a salvo comigo. Ninguém o está. Tenha em conta e se mantenha alerta. Não confie em mim. Não confie em ninguém.

     Seth franziu o cenho, enquanto estudava seu perfil.

     — É essa a minha primeira lição sobre como ser um vampiro?

     — É sua primeira lição sobre como viver. Deveria ser a de todo o mundo.

     — É muito exagerado, sabe? Sempre é assim tão sério? Assim tão... Sombrio?

     — Sim - Reaper o olhou de soslaio e logo sorriu. — Há um bando de vampiros renegados, liderados por um homem chamado Gregor, que assassina os humanos a seu desejo. Jovens, velhos, inocentes, dá igual. Deixam os corpos sangrados, com marcas de presas na garganta, em lugares onde podem ser facilmente descobertos. Tenho que detê-los.

     — Tem razão. Não se pode ir por aí assassinando gente inocente.

     — Preocupa-me mais a sua falta de discrição. Revela nossa existência a pessoas que de outro modo nunca a conheceriam. E isso põe todos em perigo.

     — Ah - Seth assentiu com a cabeça . — Então, o que há no Wilmington?

     — Uma vampiresa que possivelmente saiba algo sobre o paradeiro do bando.

     — O que te faz pensar que ela sabe?

     — É bela, incrivelmente rica e há rumores de que um homem lhe roubou o coração e a conta bancária. É o substituto de Gregor, ele é extremamente aficionado a essa classe de jogos.

     Seth assentiu com a cabeça e se perguntou se essa vampiresa com o coração quebrado seria a mulher a que estava procurando. Estava ainda cheio de dúvidas. Mas decidiu dar uma pausa ao Reaper. Logo estendeu a mão para o retrovisor e o inclinou para olhar sua cara. A dor tinha desaparecido, sim, mas tinha que estar cheio de machucados.

     Mas quando se olhou no espelho não viu nenhum reflexo. Sentiu uma quebra de onda de náuseas e a refreou.

     — Esse é outro dos mitos sobre nós que é verdade - lhe disse Reaper. — E suas feridas desapareceram. Curaram com o sono diurno. Assim, como te ocorrerá sempre.

     Seth lambeu os lábios, recostou-se no assento e fechou os olhos.

     — Uma pergunta mais, de acordo?

     — Só uma? — Reaper parecia cético.

     — Por agora - Seth abriu os olhos; queria ver a expressão do vampiro. — Isso que me contou sobre os Escolhidos e sobre que cada vampiro tem um em especial, um com o qual vai estar mais vinculado que com outros...

     — Sim.

     — Bom, eu agora também sou um vampiro, não?

     Reaper assentiu com a cabeça.

     — Então, também tenho um vínculo com um dos Escolhidos?

     — Sim. Com um dos Escolhidos, ou possivelmente inclusive com alguém que já se converteu em vampiro. O vínculo permanece inclusive depois da transformação. Talvez não saiba quem é imediatamente, mas sim. Haverá uma conexão poderosa, uma espécie de atração. Saberá, quando essa pessoa te necessite. Sentir-se-á compelido a ajudá-la.

     — É possível que haja sentido esse vínculo inclusive antes de me transformar?

     Reaper o olhou enrugando o cenho.

     — Não vejo por que não.

     Seth estava seguro de que já o sentia. Havia-o sentido toda sua vida e logo, com mais potencial que nunca, justo quando sua vida mortal se extinguia. Aquela bela ruiva de enormes olhos castanhos era parte de seu destino. Nunca tinha estado tão seguro de algo.

     Por um momento, ele sentiu angústia. E se tinha que ir em sua ajuda em seguida? E se não a encontrava a tempo? E se...?

     E então o sentiu. Com a mesma certeza com que o dia seguia a noite, soube. Foram por bom caminho. Estava fazendo exatamente o que tinha que fazer. O destino que tinha estado esperando se achava ao alcance de sua mão. Nunca antes havia se sentido assim. E sabia que estava certo.

     Suspirou e procurou relaxar. Estava a caminho dela, tinha empreendido sua viagem, estava fazendo o que estava destinado a fazer sempre. E ia fazer bem.

 

     — Odeio-o, odeio-o, odeio-o! — Topaz lançou um vaso Waterfront de cristal lavrado, de 1945, contra a parede com tanta força que danificou a superfície antes de estalar em mil pedaços reluzentes.

     Aquilo não era, entretanto, tão satisfatório como seria lhe esmagar a cara. Deus, quando pensava em como ficou com ele, nas coisas que tinha feito... Havia se desinibido por completo, tinha estado disposta a fazer algo, a provar algo, a experimentar tudo, porque estava segura de se achar em boas mãos. De que estava tão apaixonado como ela. De que a queria.

     Ele a tinha convencido disso. E ela o tinha tragado.

     — Embusteiro! — Topaz separou de uma patada a uma cadeira de balanço de carvalho enquanto passeava pelo salão da mansão. A cadeira de balanço se chocou contra o suporte da chaminé e se partiu em três ao cair ao chão.

     Topaz estava raivosa. Precisava alimentar a fúria que levava dentro, e o sangue armazenado não serviria de nada. Essa noite não, tendo tão presente sua lembrança.

     Tinha começado a esquecer-se dele. Ou nisso tinha acreditado. E logo aquela fofoqueira da Dorinda havia tornado a recordar-lhe tudo.

     — Ai, tesouro - havia dito ela — , tinha que ver como você estava. Sei exatamente como te deve sentir - tinha acrescentado.

     Tudo tolices, só um modo de introduzir o verdadeiro motivo de sua visita, que era lhe informar de que Jack tinha sido visto várias vezes no Savannah, em companhia de uma vampiresa muito jovem e atrativa da qual ninguém parecia saber nada.

     Dorinda não tinha ido porque estivesse preocupada com ela. Só queria fofocar e regozijar-se em sua desgraça, e afundar mais ainda a faca que Jack tinha cravado em seu coração. Estava com ciúmes. Queria Jack para ela. Tinha sorte; deveria dar obrigado por não te-lo conseguido.

     Topaz tinha raiva de ter sido tão transparente, haver-se apaixonado tão loucamente que o tinha contado a todos os seus conhecidos. De modo que, quando seu dinheiro se esfumou, e com ele seu amante, todo mundo se inteirou também. Tinham-na humilhado publicamente. Tinham-na utilizado. E a tinham roubado.

     E tinham-lhe feito muito mal. Embora isso jamais reconheceria ante ninguém, nem que a torturassem. Mas tinha sofrido mais que nunca, nem viva nem morta. E não acreditava que a dor fosse desaparecer em um futuro próximo.

     Tinha querido de verdade aquele canalha.

     Agarrou uma jaqueta e pôs sobre a camiseta de lentejoulas sem mangas e jeans de desenho, não porque notasse o frio daquela noite, mas sim porque era uma jaqueta bonita, de couro, com o pescoço e os punhos de pele, de um tom visom claro que ia perfeitamente com seu cabelo.

     Topaz gostava das coisas bonitas. E embora não estivesse arruinada, nem muito menos o desfalque do Jack tinha reduzido substancialmente sua fortuna. Ele a tinha convencido para que lhe desse meio milhão para investi-lo em algo que ela deveria haver-se dado conta de que soava muito bom para ser certo. Ao final, resultou que nem sequer existia.

     — Descarado.

     Abriu a porta, meteu-se em sua Mercedes SL-500, de cor vermelha sangre e arrancou a grande velocidade, em busca de problemas.

     Um par de horas depois, encontrou-os.

     Não sabia em que cidade estava. Deixou-se guiar por seus sentidos, não pelos sinais de tráfico. Ali havia um assassino. Sim. Teria se conformado com um maltratador de mulheres ou de meninos, ou possivelmente inclusive com alguém que tivesse estacionado sem permissão em um lugar para deficientes, mas um assassino era muito melhor. Menos risco de ter remorsos pela manhã.

     Estacionou e tentou aquietar sua mente o tempo justo para concentrar-se. Necessitava-o, precisava desafogar a raiva que bulia dentro dela, necessitava o prazer que lhe produzia o sangue. Como a morfina, aliviava sua dor. Como o leite materno a um recém-nascido, acalmava e reconfortava. Sangue vivente, mais que qualquer outra. E isso era o que necessitava.

Raramente a dor era tão forte, mas, quando o era, um humano tinha que morrer. Ela não era uma desalmada. Não matava inocentes. Não só pelos remorsos que ficariam gravados em seu coração, mas também porque isso atrairia sobre sua cabeça a ira de toda a comunidade dos não mortos, e Topaz não queria que isso ocorresse.

     Com os anos, tinha aprendido a controlar os filtros de sua mente, a subi-los e baixá-los à vontade. Baixou-os agora, brevemente, como se abrisse as comportas aos pensamentos e sensações de milhares, talvez milhões, de mortais que ficavam ao seu alcance.

     Chegavam-lhe ruídos de todas as direções, ensurdecedores, enlouquecedores possivelmente, se lhes dava tempo.

     Mas pior que o ruído, muito pior, eram as sensações. Prazer, dor, calor, frio. E ainda pior, as emoções. Quase paralisantes por sua intensidade. Angústia, sofrimento, alegria, medo, amor.

     Aquilo não era novo para ela. Levou dez anos afinando suas habilidades, e agora às pôs em prática. Filtrou tranqüilamente o sem-fim de sinais que recebia em sua mente. A final de contas, tinha toda a noite. Descartou a alegria, o amor, a ira, até eliminá-lo tudo, exceto o medo. E depois seguiu explorando, até que por fim encontrou algo prometedor.

     Medo, um medo frio e agudo. Um medo acompanhado de dor. Sim, sentia-o, e se concentrou nisso, bloqueando todo o resto.

     Não era longe dali. Nada longe. Topaz abriu a porta do carro, saiu, apertou o botão de fechamento e, dando a volta, farejou o ar. Deixou-se guiar por sua percepção da mulher. E logo do homem que causava aquela dor e aquele medo. Sim. Por ali.

     Movia-se desfrutando do clique, clique, clique de seus sapatos de salto de agulha de trezentos dólares, sobre a calçada. Quando começou a aproximar-se e os destaques se fizeram mais claros, apertou o passo até que foi só um borrão para os olhos mortais. Logo se deteve sob uma escada de incêndios e elevou o olhar para uma janela aberta. Ele estava ali. E estava ocupado.

     Topaz dobrou os joelhos e saltou. Aterrissou na escada de incêndios, justo diante da janela, sem nenhum esforço e sem fazer ruído.

     Olhou dentro do apartamento. Uma mulher jazia de boca para baixo sobre um formoso tapete branco, enquanto um homem a penetrava por trás. O homem tinha uma faca na mão, junto a sua garganta.

     Topaz entrou pela janela e ficou ali, a dois metros do casal tombado no chão.

     — Acabaste já, amigo? Temos um assunto que resolver você e eu.

     Ele se deteve, levantou a cabeça e a olhou aos olhos. Estava surpreso.

     — Que tom...? — logo se encolerizou. — Saia daqui, perua, ou você será a seguinte.

     — Sério? — perguntou ela com voz mais alta do que o normal. — Vamos, carinho, faça-me isso agora mesmo. Tenho muitas vontades de você.

     Ele entreabriu os olhos. O apartamento estava muito limpo e cheirava a baunilha. Certamente tinha sido um lugar agradável. Até que aquele porco o tinha enchido de medo e angústia. Topaz não estava desfrutando de sua visita. Não pensava ficar mais tempo do que o necessário.

   — Deixa a faca e solte-a.

     — Vou matá-la, cortando-lhe o pescoço, se não sair daqui - enquanto dizia isto, agarrou à mulher pelo cabelo e levantou sua cabeça. Apertava a navalha contra seu pescoço. Ela levava muita maquiagem e o rimel caía deslocado sob seus bonitos olhos azuis. Grandes pendentes, grande juba, saia minúscula e camiseta do tamanho de uma tirinha. Certamente uma prostituta: cara, a julgar por seu aspecto e pelo apartamento, mas para encontros como aquele uma puta era uma puta, e merecia o que lhe passava.

     — Minha paciência está se acabando. - Topaz se equilibrou para diante tão rapidamente que ele não pôde vê-la mover-se. Deve ter parecido que desaparecia de repente, e que voltava há aparecer um instante depois a seu lado, ao tempo que a faca cruzava voando a habitação e saía pela janela. Passou por cima da escada de incêndios e quando caiu tilintando abaixo, Topaz já tinha afastado aquele sujeito da mulher e o sujeitava com uma mão pelo cabelo.

     A mulher baixou a saia minúscula e apertada, ao levantar-se com esforço. Correu à porta e saiu sem incomodar-se em dar obrigado. Mas não importava, Topaz já tinha sua presa.

     Deu a volta ao homem para que a olhasse. Ele não se defendia. Estava assustado. Saltava à vista que tinha deduzido que ela não era humana. Por fim. Havia-lhe dado bastante tempo. Mas finalmente compreendia que ali passava algo estranho.

     — Que cacete quer? — perguntou.

     — Quero que me olhe aos olhos e diga que nunca me fará mal.

     Ele franziu o cenho.

     — Não lhe farei isso.

     — Diga-o.

     — Nu... Nunca te farei mal.

     — Me diga que posso confiar em ti.

     — Pode. Pode confiar em mim, juro-lhe isso.

     — Me diga que me quer. Chame-me «neném».

     — Quero-te, neném.

     — Maldito embusteiro. – Aproximou-o dela de um puxão e afundou os dentes na garganta tão profundamente que arranhou o osso. Não bebeu: tragou com ânsia. Deu-se um festim. Rasgou sua carne e desfrutou de cada minuto.

     Enquanto bebia viu as mulheres às quais ele tinha estrupado nos últimos anos. Havia dúzias. A maioria estava viva. Mas tinha matado às três últimas. Não, às duas últimas. Só duas. A dessa noite ia ser a terceira.

     Mas já não haveria mais.

     Quando o deixou seco e seu sangue cálido fluía através dela, reconfortando-a, aliviando sua ira, sentiu que todos os músculos tensos de seu corpo se distendiam. Sentiu satisfação. Alívio. E isso era bom.

     Jogou o cadáver, grandemente ligeiro, ao ombro, segurou-o com um braço e limpou os lábios com o dorso da outra mão. Logo saiu pela janela com ele, saltou facilmente ao chão e retornou onde tinha deixado o carro. Se alguém a viu, não disse nada. Aquele não era um bairro onde a gente se intrometesse nas vidas alheias, e ela se movia tão depressa que era improvável que os olhos mortais distinguissem o que conduzia.

     Apertou o botão do chaveiro e se abriu o porta-malas. Lançou o corpo dentro e o fechou de repente. Conhecia um bonito pântano, onde aquele tipo se afundaria sem deixar rastro e possivelmente demoraria em emergir um século ou dois, se emergisse.

     Topaz entrou atrás do volante, acendeu o motor e disse:

     — Só poderia ter sido melhor se tivesse sido você, Jack - tentou ver-se a si mesmo lhe mordendo a jugular e deixando-o seco.

     Mas se imaginou lhe afundando os dentes com paixão, não com ira, e bebendo dele enquanto a penetrava e a voltava louca. Deus, com ele tinha sido tão delicioso... Nunca antes tinha sido tanto. Topaz não acreditava que pudesse voltar a sê-lo.

     E em vez de sentir-se melhor, sentiu mais dor. A raiva tinha desaparecido, sim. Tinha se satisfeito. Temporalmente. Mas a dor, não. Nada podia aliviar a dor. Como era possível que ainda o desejasse, apesar de querer matá-lo?

     — Possivelmente tenha que matá-lo, então. Graças a essa fofoqueira, eu tenho uma idéia bastante clara de onde está - por desgraça, essa noite não havia tempo para viajar. Estaria a ponto de amanhecer quando retornasse à proteção de sua casa, depois de lançar o corpo ao pântano.

     Pôs o carro em marcha, fez chiar um pouco os pneumáticos ao afastar-se da calçada e subiu o volume do MP3, escolhendo a lista de temas que tinha chamado «Louca de raiva». A primeira canção que soou foi You oughtta know, do Alanis Morissette. Vinha-lhe como anel ao dedo.

     ...disse-me que me abraçaria até que morresse... .Até que morresse... Mas ainda está vivo!

     Ia fazer isso, pensou. Ia encontrá-lo e ter sua revanche. Ia lhe fazer sofrer como ele tinha feito sofrer a ela. No princípio, claro, tinha estado muito desfeita para pensar em vingar-se. Mas isso tinha acabado. Agora, ela estava simplesmente louca de raiva.

     Ia matar aquele canalha e, já que estava decidida, recuperaria seu dinheiro. Essa noite, assim que sumisse o sol e caísse a noite, sairia em busca do Jack Heart para lhe fazer pagar pelo que lhe tinha feito. Ninguém a tratava assim e vivia para contá-lo.

     Ninguém.

    

     Roxanne O'Mally estava retorcida como uma rosquinha humana, ou isso teria pensado um profano, quando o pau de escova que tinha em pé junto à porta da rua caiu. Bom, em realidade não caiu. Lançou-se ao chão, como se quisesse suicidar-se.

     Ela franziu o cenho, desenroscou-se lentamente, e levantou do colchonete de ioga. Ela se aproximou, descalça e completamente nua, ao pau de escova, inclinou-se e o levantou.

     — Vem alguém - resmungou. Mas a índole empática da mensagem parecia sugerir que não se tratava simplesmente do significado tradicional de um pau de escova que caía ao chão.

     Roxy se haveria dito que estava nervosa em excesso, se não fosse porque levava dias tendo estranhos pressentimentos e porque tinha pesadelos há três noites seguidas. Uma aranha perversa que tecia uma teia no meio de uma calçada muito transitada. Uma armadilha para ursos, com sua ceva, no coração de uma reserva natural. A sensação de que alguém esperava ao outro lado da esquina, fora da vista, alguém perigoso a ponto de saltar, mas não sobre ela.

     Roxy recolheu a bebida que não se acabou: um copo alto, cheio ainda de sua mescla especial de sucos de vegetais e ervas energéticas.

     — Vejamos o que se passa – disse, enquanto colocava uma bata de cetim, deslizava os pés em sapatilhas e se aproximava da mesa que havia em meio de sua selvagem sala de estar. Tinha enchido a casa de fontes com cascata de tamanho humano, de homens do tamanho de banheiras e de mais plantas que móveis. Mantinha o nível de umidade aos oitenta por cento. Deus, como adorava sua casa.

     Tomou assento, bebeu de seu copo e o deixou, recolheu as cartas do tarô e começou a embaralhar, enquanto pensava em abrir-se às mensagens dos espíritos. Logo dispôs as cartas em cuidadosa ordem.

     O Ermitão. Aquela carta costumava indicar uma viagem interior. Mas quando a viu, pensou em seguida em seu melhor amigo. As cartas que havia ao redor, entretanto, não tinham sentido. Ele estava rodeando de... Familiares? Mas não tinha família. Era um solitário. Alguém estava conspirando contra ele. Estava em perigo iminente, mas, além disso...

     — Agora mesmo - Roxy se levantou de um salto, correu ao seu dormitório e se vestiu o mais rápido que pôde.

     Uma saia vaporosa, uma camiseta de lycra rodeada, um par de sandálias de bambu. Confiava em que a noite fosse cálida e ao sair a toda pressa ficou um xale de feltro negro. Tinha decidido que era melhor levar o carro que a caminhonete.

     Não sabia exatamente onde estava ele. Mas tinham um vínculo, e contava que esse vínculo a guiasse até ele. Deus, que fosse a tempo.

     Vampiros, pensou, fazendo girar os olhos. Às vezes davam mais problemas que outra coisa.

    

     — Logo será de dia - disse Reaper. — Percebe-o?

     Seth franziu o cenho e se concentrou em seus sentidos.

     — Noto... Algo.

     — Descreva-o.

     — É como... Denso. Pesado.

     — Sim, é a letargia. Tem que o ter sempre presente. Os raios solares não devem te surpreender nunca. Queimariam-no vivo, Seth.

     — Certo— disse Seth, enquanto o vampiro girava para a rampa de saída. — Então, vamos procurar um lugar onde nos esconder para passar o dia?

     — Sim. Teremos tempo de visitar essa vampiresa esta noite.

     — Genial. - Seth afugentou sua impaciência, tentando imaginar onde passariam a noite. Em alguma ruína, em um armazém abandonado, ou possivelmente em La Cripta de um cemitério. — Diga-me uma coisa, sim? — perguntou.

     — Se puder.

     — Quanto tempo leva sendo um vampiro? Quero dizer se vc tem, não sei, centenas de anos.

     — Pareço-te velho?

     — Bom, parece bastante sábio e muito poderoso, assim sim. Suponho que isso te faz bastante velho. Isso não é um insulto, não? Refiro-me para um vampiro.

     — A idade é poder. Chamar velho a um vampiro é chamá-lo poderoso. Não é um insulto.

     — E bem?

     Reaper o olhou, entreabriu os olhos e logo assentiu uma só vez com a cabeça.

     — Sou um vampiro há pouco mais de uma década.

     — Quem te fez?

     Reaper inclinou a cabeça, pareceu estudá-lo e logo disse:

     — Suponho que eu me perguntava as mesmas coisas quando me fizeram. Queria saber se o modo em que me tinham transformado era único ou bastante comum, o que haviam sentido os outros, quantos de nós havia e a que época nos remonta.

     — E então? Vais-me dizer isso?    

     — Não sei quantos há. Não sei a que época nos remonta, mas ouvi dizer que existimos ao menos da mesma época em que começou a ser registrada a história. Mais à frente, quem sabe? Mas posso te falar de minha transformação.

     — Sim?

     Ele assentiu com a cabeça.

     — Trabalhava para... O governo. Em missões secretas.

     — Disse-me que foi um assassino. - lhe recordou Seth. — Do exército? Da RECUA?

     — Poderia dizer isso, mas então...

     — Teria que me matar - Seth sorriu. — Vá, fiz uma brincadeira.

     — O fato de que não o use freqüentemente não significa que não tenha senso de humor - repôs Reaper. — Em todo caso, estava em uma missão no Oriente Médio quando um bando de extremistas, pequeno e desorganizado, montou-me uma emboscada. Tiveram sorte. Pegaram-me uma dúzia de tiros, possivelmente mais. Deram-me por morto e me deixaram caído em uma rua poeirenta, na Síria. O tiroteio tinha afugentado aos transeuntes. Estava sozinho e dançando com a morte. E então apareceu ela.

     — Ela?

     Reaper esboçou um sorriso melancólico ao dizer seu nome.

     — Rhiannon. A criatura mais incrível que possa ver-se. Essa sim que é velha. Seu pai era um faraó.

     — Não pode ser.

     — Juro isso. Seu verdadeiro nome é Rianikki. Ela o troca a cada par de séculos, quando se aborrece. E se aborrece facilmente. Tem mal gênio e uma paciência fina como o papel, e uma pantera negra como mascote.

     Seth sorriu lentamente, fascinado. Morria por saber mais coisas.

     — Assim que se inclinou sobre mim, ela me disse: «Estava passando uma noite maravilhosa, sabe? Mas você tinha que deixar que lhe crivassem, verdade? Não podia ter esperado? Nem que fosse uma hora?».

   Eu não podia falar. Estava ali estendido, com a boca aberta, me perguntando se estava tendo visões, ou se ela era um anjo, ou possivelmente um demônio, que tinha ido me buscar para me levar ao outro lado. Mas ela seguia falando. Disse-me: «Vais morrer dentro de aproximadamente um minuto, meu amigo, assim tens que pensar depressa. Podes te converter em um vampiro, como eu, e viver. Ou podes morrer. Eu poderia entreter-me em te explicar tudo o que implica ser um vampiro, mas não há tempo. Parte da mitologia é certa e parte não. Eu acredito que, em resumidas contas, é uma existência maravilhosa. Eterna juventude, fortaleza e um poder sempre crescente. Nunca mais verá a luz do sol, mas é um preço pequeno a pagar».

   Pensei que eu estava perdendo a cabeça. Mas ela se inclinou sobre mim e disse: «Acaba-se o tempo. Sim ou não?». Não disse nada. Não sabia o que dizer. E então, ela disse: «Merda. Suponho que me toca decidir ». E me cravou os dentes e... Bom, o resto você pode imaginar. Despertei sendo um vampiro.

     — Uau. É... É incrível. Ela está... Está ela por aqui? Poderei vê-la alguma vez?

     — Não resta nenhuma dúvida de que algum dia Rhiannon se cruzará em seu caminho. Mas não, não está por esta zona agora mesmo. Aceitei esta missão, em parte, para que ela não tivesse que vir. Agora mesmo tem... Outras coisas que reclamam sua atenção.

     Seth franziu o cenho quando Reaper deteve o carro em um semáforo e pôs a luz de alerta para girar à esquerda, para o estacionamento de um motel. Piscou e disse:

     — Está de brincadeira, não?

     — O que? Que Rhiannon esteja muito ocupada para encarregar-se disto?

     — Isto - disse Seth— , fala a sério? Vamos ficar aqui?

     — Por que não?

     — Bom... Não sei. E as janelas? Não entrará o sol e nos torrará?

     Reaper estendeu o braço para o assento de trás e levantou o que parecia ser uma bolsa de esporte.

     — Fita adesiva e tecido negro muito grosso. Nunca viajo sem ela.

     — Terei que me lembrar de comprar uma bolsa de esporte e de ver os filmes do MacGyver.

     Reaper o olhou franzindo o cenho. Saltava à vista que não entendia a brincadeira.

     Seth encolheu os ombros.

     — Dá igual.

     O semáforo trocou e uma flecha verde lhes indicou que podiam girar à esquerda. Reaper soltou a bolsa, girou o volante e pisou no acelerador.

     Nenhum dos dois viu o caminhão se aproximar, até que lhes golpeou, e logo não houve mais que ruído, vidros quebrados, rangidos metálicos, chiados de rodas, aroma de borracha queimada e muita dor.

    

     Estava se reunindo uma multidão quando Seth abriu os olhos, levantou a cabeça e tentou orientar-se. Uma mulher abria espaço entre os espectadores, aproximava-se, gritava-lhes que saíssem dali imediatamente. Seth não podia vê-la. Havia fumaça e estava tudo...

     Fumaça.

   Demônios, aquilo não podia ser bom.

     Seth se voltou no assento para dizer a seu acompanhante, mas Reaper estava inconsciente e Seth sentiu um denso aroma de sangue no ar.

     — Mérda. Reaper vamos, homem, acorde - sacudiu seus ombros frouxos, mas não conseguiu nada. Logo viu de onde saía o sangue. Uma parte dentada de metal se sobressaía da coxa do Reaper. Ao redor dele emanava o sangue.

     A mulher que gritava tanto estava mais perto, chamava o guichê.

     — Saiam daí! Vai explodir!

     — Me dê um segundo — Seth desabotoou seu cinto de segurança e logo o do Reaper, tirou o cinturão da calça, rodeou com ele a coxa do Reaper justo por cima da ferida e o esticou. Um pouco mais forte e teria se arriscado a lhe romper o fêmur. Apertando os dentes, tirou a lasca de metal.

     Seguiu emanando sangue. Tinha que detê-lo.

     Umas mãos voltaram a golpear o cristal.

     — Têm que sair daí logo!

     Ignorou a mulher, agarrou a bolsa e vasculhou nela até que tirou a fita adesiva. Cortou uma parte com os dentes e a usou para pregar na pele rasgada. Uma segunda parte, e uma terceira de gorjeta.

     A fumaça era mais densa. Ardiam-lhe os pulmões. A mulher puxava a porta do acompanhante, mas não cedia. A do condutor tampouco funcionava. Estava incrustada contra um poste de telefones.

     Seth se tornou para trás, apoiou os pés na porta e gritou à mulher que se apartasse. Ela se apartou e ele empurrou com os dois pés. A porta se abriu de repente, quase sem esforço. Demônios, tinha esquecido quão forte era agora.

     Colocou o Reaper nas costas, passou seus braços por cima dos ombros, desde atrás, e enquanto as pessoas lhe estendiam os braços e o puxavam para ajudá-lo, conseguiu sair do carro.

     Afastaram-se uns quinze metros do carro, entre a escuridão iluminada unicamente pelo resplendor dos faróis de outros veículos, quando o carro de Reaper voou pelos ares. A explosão fez cair ao Seth de joelhos, com o Reaper ainda às costas.

     Logo apareceu aquela mulher.

     — Vamos, menino. Venha comigo. Vai se fazer dia, e a polícia e as ambulâncias estão a ponto de chegar.

     Seth a olhava com pasmo. Como sabia que a luz do dia era sua inimiga? Tinha o cabelo comprido e de cor cenoura, não acobreado, como a garota de seus sonhos, muito encaracolado, e era impossível adivinhar sua idade. Havia algo nela, uma sensação familiar, quase um aroma.

     — É um pintinho, não? — perguntou ao Seth. — Sou Roxy. Uma das Escolhidas, isso é o que sente. Rafael é meu amigo.

     — Chama-se...

     — Rafael Rivera, aliás, Reaper. E isso só sabe sua melhor amiga. Vamos, venha comigo enquanto estão distraídos com a explosão. Depressa.

     Ajudou-o a levantar-se, com Reaper ainda as costas, e o conduziu para seu carro, enquanto gritava:

     — Sou médica! Apartem-se! Sou médica! — abriu a porta traseira e Seth deixou Reaper no assento.

     A hemorragia tinha cessado, assim Seth sentou na dianteira e Roxy se sentou atrás do volante e começou a conduzir tão depressa que Seth se agarrou ao painel com tanta força, que notou que lhe punham os nódulos brancos.

     Reaper gemeu do assento de trás, quando dobraram uma esquina muito rápido. Logo disse:

     — Roxy?

     — Sim, sou eu.

     — Ninguém mais conduz assim.

     Ela riu brandamente.

     — Estão nos seguindo, Roxy?

     Ela olhou pelo retrovisor.

     — O que acha que sou, uma aficionada? Por quê?

     — Porque isso não foi um acidente. Era um vampiro. Não era um vampiro normal, mas era um vampiro. E foi intencionado.

     Roxy franziu o cenho e resmungou uma maldição, que Seth não tinha ouvido nunca na boca de uma mulher. Logo, ela disse:

     — Atrás de quem vai desta vez?

     — De um bando de renegados, dirigidos por um tipo chamado Gregor.

     — Esses imbecis? — ela sacudiu a cabeça.

     — O que sabe deles? — perguntou Reaper.

     Roxy encolheu os ombros.

     — Só o que ouvi. São muito hábeis, muito malvados e lhe superam em número.

     — Sabe onde estão? — perguntou Reaper.

     — Não. Mas quando for buscá-los, irei contigo.

     — Certamente que não.

     Ela o olhou aos olhos e sorriu com um sorriso lento e provocador, que falava por si só.

     — Está me dizendo que não? Desde quando funciona isso?

     Reaper fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, contra o assento do carro.

     — Quem é você? — perguntou Seth por fim.

     Ela sorriu.

     — Sou Roxy. Sou a pessoa viva mais velha com o antígeno da beladona. Ao menos, que eu saiba.

     Seth levantou as sobrancelhas.

     — Mas eu pensava que nós... Que nos debilitávamos, ficávamos doentes e morríamos jovens.

     — Todos menos eu.

     — Quantos anos tem? — perguntou ele.

     Ela bateu as pestanas.

     — Quantos quer que eu tenha?

     A garganta de Seth ficou seca e ela soltou uma gargalhada e se deu uma palmada na coxa.

     — Não se preocupe cachorrinho. Eu não gostaria de te fazer mal -lhe piscou um olho e logo assinalou com a cabeça para o pára-brisa. Já estamos aqui.

    

     Roxy vivia numa casinha de campo, que parecia tirada de um conto de fadas infantil, toda ela pavimentada e com janelas verdes, vasos transbordantes de ervas aromáticas, jardins que fluíam como correntes de cores ao redor da casa, entre as lajes que formavam um caminhozinho sinuoso até a porta de entrada.

     Ela estacionou o carro e olhou o céu com nervosismo.

     — Melhor entrarmos, filho, antes que saia o sol.

     — Eu posso arrumar isso sozinho - disse Reaper. Mas sua voz soava tão débil e dolorida que Seth pensou que o mesmo haveria dado se dissesse: «Não posso nem levantar o mindinho sem ajuda agora mesmo».

     — Por sorte, - disse Roxy— , não tem que arrumar isso sozinho. Agora tem ao Seth - sorriu ao menino, e havia tanto afeto naquele olhar que ele não soube se lhe estava lhe paquerando ou só estava sendo amável.

     Aquela mulher era uma caixa de surpresas. Ele não tinha nem idéia de como tomar-lhe.

     Mas não perguntou. Saiu do carro, abriu a porta de trás e agarrou ao Reaper pelos ombros para ajudá-lo a entrar na casa.

    — Por aqui - lhes indicou Roxy. Da cintura para baixo, levava uma saia larga e solta, de cores vivas. Da cintura para cima, o que parecia um maiô. De manga curta e colado a sua pele, revelava uma figura quase perfeita. O decote baixo deixava ao descoberto o colo e entre seus peitos reluzia pendurada de uma larga corrente, uma pedra da lua. Quando caminhava, soava um tinido, e Seth se deu conta de que levava uma tornozeleira, além de umas sandálias rasteiras e tecidas que pareciam feitas de palha ou algo similar.

     Seth voltou a observar sua cara, desconcertado por não ser capaz de adivinhar sua idade.

     Ela sorriu mais calidamente e inclinou a cabeça, de modo que o cabelo lhe caiu sobre uma bochecha.

     — Por aqui. Ponha-o na habitação de convidados. Na realidade, é um closet, mas dentro tenho sempre uma cama feita, para meus amigos os não mortos - abriu uma porta e se afastou, para deixar passar ao Seth, que levava o braço do Reaper ao redor dos ombros. Reaper estava em silêncio, mas soltava um leve grunhido de dor cada vez que apoiava a perna. Seth supôs que devia estar lhe custando um grande esforço manter-se consciente.

     Ajudou-o a deitar-se na cama, que havia ao fundo do closet. Roxy partiu a toda pressa e voltou um segundo depois com uma bacia de porcelana cheia de água e uma cesta cheia de coisas. Sentou-se na beira da cama, deixou as coisas sobre a mesinha e começou a trabalhar com umas tesouras, cortando a perna da calça do Reaper para ter melhor acesso à ferida.

     — Fita adesiva – disse, enquanto via o remendo que tinha feito Seth. — Demônios, não sei sequer se poderei melhorá-lo. Não sangra.

     — E curará assim que saia o sol, não? — perguntou Seth.

     Roxy assentiu com a cabeça, afundou um pano na bacia e começou a limpar o sangue da coxa do Reaper, que começava a secar.

     — Deveria beber Rafael. Perdeste tanto sangue que está fraco como um gatinho.

     Reaper a olhou aos olhos, logo fixou o olhar em seu pescoço, onde se atrasou e se fez mais intenso. Seth começou a acalorar-se e pensou que talvez devesse sair da habitação.

     Roxy disse:

     — Nem o sonhe, Rafael. Tenho bolsas na geladeira. Mas posso esquentá-la primeiro, se você gosta— olhou ao Seth. — Vêm comigo e te darei um pouco a ti também. E logo, será melhor que vá ao porão. Há outra habitação ali. Estará cômodo e a salvo.

     Seth assentiu com a cabeça. Ainda não estava claro qual era a relação entre o Roxy e Reaper. Pareciam muito unidos. Quase íntimos. Queria perguntar, mas tinha a sensação de que não obteria resposta. E, de todos os modos, não era assunto dele.

     Seguiu a Roxy até à cozinha. Ela se deteve ante a geladeira, voltou-se e o olhou.

     — Rafael não vai querer que fique com ele.

     — Sei.

     — Mas tem que ficar de todos os modos. Vai necessitar de você, Seth.

     Seth enrugou o cenho e esquadrinhou sua cara. Roxy tinha os olhos tão profundos e azuis, tais como safiras que brilhassem do fundo do mar. Estavam rodeados pelas pestanas mais largas e aveludadas que Seth tinha visto em uma mulher, e todo aquele cabelo, toda aquela cabeleira vermelha, longa e frisada, parecia muito suave para ser real.

     — Está me escutando, Seth? É importante.

     Ele voltou a concentrar-se em seus olhos.

     — Estou te escutando. Vai necessitar de mim. Mas como sabe?

     — Olhe a seu redor, Seth.

     Ele olhou. A casa era acolhedora e estava completamente lotada de coisas. Havia ramos de ervas pendurando do reverso de todas as partes, na cozinha e mais à frente, no pequeno comilão e a sala de estar, que eram na realidade, uma só habitação grande dividida em duas partes. Viu uma bola de cristal sobre um pedestal de vidro. Em algum lado ardia o incenso e lançava por toda a casa espiral de fumaça fragrante. Perto de todas as janelas penduravam móveis, cristais para apanhar o sol e plantas. A mesa do comilão estava coberta de cartas de tarô, colocadas formando uma complexa figura mística. Suas imagens resultavam um tanto perturbadoras.

     Seth se fixou em tudo aquilo e logo voltou a olhar ao Roxy.

     — Sei, - disse ela. — Do mesmo modo que sabia que devia estar onde estava quando tiveram esse acidente que não foi um acidente. Conheço-o. Conheci-o quando era um menino pequeno, na clínica de hematologia em que ambos fomos pacientes. Eu já sabia que tinha o antígeno da beladona. E sabia o que significava, embora os médicos não soubessem. Verá, naquela época já era uma estudiosa do oculto e do paranormal. Uma perita. Rafael não sabia nada. Era só um menino com hemofilia e um tipo de sangue muito estranho. Velei por ele após isso.

     — Ao contrário de como está acostumado a ser, né? — perguntou Seth. — Porque não são os vampiros os que cuidam dos Escolhidos? Não é isso o comum?

     — Não há nada comum em mim, jovenzinho. E nunca conhecerá um Eleito que se pareça comigo.

     — Não me cabe nenhuma dúvida.

     Aquele comentário fez aparecer um rápido sorriso nos lábios de Roxy. Uns lábios cheios. Úmidos. E, depois deles, uns bonitos dentes brancos. Nas comissuras de seus olhos apareceram leves rugas quando sorriu e, quando sua expressão se voltou séria de novo, Seth seguiu vendo seus rastros quase imperceptíveis.

     — Vou com vocês nesta missão, Seth - disse ela. — Rafael é um solitário, e resistirá. Mas agora tem dois sócios, e não vamos aceitar um não como resposta, verdade?

     — Devo-lhe a vida. E esta missão vai me levar a um lugar a que preciso ir. Assim sim, estou contigo - lhe estendeu uma mão. — Bate.

     Roxy sorriu lentamente e agarrou sua mão. A apertou e disse:

     — Olha. És forte. Disso, eu gosto - lhe soltou a mão, lhe deu um copo e disse— : Vamos, Seth. Vou te levar a cama.

     Ele pensou que os pés teriam ficado pegos ao chão, mas se moveram para segui-la quando abriu uma porta e começou a descer pelas escadas que levavam ao porão às escuras. Seth admirou o rebolado de seus quadris, o balanço de sua larga cabeleira sobre seus ombros, e não soube se devia temer ou ansiar o que pudesse ocorrer quando chegassem abaixo. Ela não era a mulher de seus sonhos, claro. Mas não estava nada mal.

     Em todo caso, não importava. Roxy se limitou a abrir outra porta, a acender uma luz e a afastar-se para deixá-lo passar. Seth entrou no que ia ser sua habitação. Ela disse:

     — Que descanse Seth. E não se preocupe pelo Rafael. Eu me encarregarei de que esteja a salvo até que anoiteça.

     — Boa noite - respondeu ele, por costume. Pensou que teria que deixar de fazê-lo. Um vampiro devia dizer «bom dia» ou «que descanse», ou algo assim, não «boa noite», se ia dormir eternamente pela manhã.

     Roxy saiu da habitação e fechou a porta. Seth se disse que ela tinha que ter idade suficiente para ser sua mãe. Pensou também que podia ficar ligado nela, se não ficava alerta.

     Despiu-se e se meteu na cama. Mas quando o sono diurno se apoderou dele como uma escura quebra de onda, não foi à cara de Roxy a que viu.

     Foi àquela outra cara, aquele rosto assustado e inocente, cujos olhos exóticos lhe suplicavam ajuda.

 

     Reaper estava curvado na cama, como lhe tinham ordenado, rodeado pelo aroma limpo dos lençóis brancos e o edredom com estampa de leopardo, quando Roxy retornou com seu alimento. Entregou o copo, e ele bebeu, e rezou para que ela não quisesse ficar falando até que saísse o sol.

     Mas Roxy se sentou na cama, então ele deduziu que estava sentenciado. Mesmo assim, não faltavam mais que uns minutos para que saísse o sol e o salvasse de sua mente inquisitiva e sagaz.

     — Parece uma fúria - disse ela.

     — Eu não gosto que me ataquem meus semelhantes.

     — Tolices. Você adora lutar. Parece uma fúria porque esta noite necessitou de ajuda.

Lançou um olhar.

     — Não siga por aí. Não necessitava de ajuda.

     — Não? Sabe perfeitamente que teria morrido nesse carro, Rafael. Estava sangrando, tinha perdido a consciência e estava a ponto de arder. Esse teu pintinho é muito teimoso e se negou a partir, embora poderia ter se torrado.

     Ele assentiu com a cabeça.

     — Não tem que me cantar seus louvores, Roxy. Sei que ele tem espírito de herói.

     — Seriamente? — pareceu surpreendida, por lhe ouvir dizer algo amável sobre o Seth.

     — Acha que eu faria um vampiro de um humano comum? Embora tivesse o antígeno? Não, Seth é especial.

     — Estou de acordo. Possivelmente deva... Dizer a ele.

     — E fazer com que lhe suba à cabeça? Por favor.

     — É perverso, sabia?

     — Eu que sou perverso? Acha que poderia ter provocado um pouco mais ao pobre menino?

     Ela encolheu os ombros.

     — Só estava sendo eu mesma.

     — Certo. Não é culpa tua que os jovenzinhos lhe desejem.

     — Todos os homens me desejam, céus. Jovens, velhos, humanos e vampiros. Até há mortos que me desejam. O que tem de estranho em que o pequeno Seth também me deseje?

     — Não lhe...

Lançou um olhar perigoso. E ele compreendeu que não devia dizer a Roxy, a mulher mais independente do planeta, que não se deitasse com seu fastidioso tutelado. Ela se deitava com quem queria. E que Deus tivesse piedade de quem se atrevesse a julgá-la por isso.

     Ele umedeceu os lábios e começou outra vez.

     — Não lhe rompa o coração, de acordo?

     — Não penso em jogar com isso, Rafael. Tem ele coisas importantes que fazer, e gozar uma noite de meu incrível corpo só conseguiria distraí-lo e confundi-lo.

     — Coisas importantes, não é?

     — Sim. Tem uma missão que cumprir. Não sei qual é, nem acredito que ele saiba, mas sua aura virtualmente joga faíscas. O destino tem lhe reservado algo grande.

     — Isso diz ele.

     — Pois acredito - ela se levantou da cama. — Agora, dorme. Quando anoitecer, a caminhonete estará carregada e pronta para partirmos.

     — Roxy...

     — Já não tens carro - lhe recordou ela. — No fim das contas, não podes ir a pé.

     — Posso comprar outro carro.

     Ela encolheu os ombros.

     — Certo, pode comprar. Mas te seguirei - estendeu uma mão, como se fosse pô-la sobre a dele, mas logo vacilou, porque sabia que o desagradava que lhe tocassem desnecessariamente. Apartou a mão e acrescentou— : Sei que odeia aceitar ajuda de outros, Rafael, mas será melhor que me acredite se te digo que, embora seja só por esta vez, necessita. Sinto-o nas tripas. Morrerá se não deixar que Seth e eu vamos contigo.

     — E Seth e você podem morrer se permitir que venham comigo.

     — Não morreremos...

     Ele estendeu o braço e a pegou pela mão, talvez para lhe demonstrar que falava muito a sério.

     — Você sabe do que sou capaz, Roxy. É a única que sabe. Tudo o que esteja perto de mim durante algum tempo corre perigo.

     — Razão a mais para ir contigo. Não deixarei que lhe façam mal. Nem a mim. Acredite, posso te controlar.

     — Não, não pode – ele lhe soltou a mão. O sono começava a apoderar-se dele, mas tinha algo mais que dizer. — Pensava vir te ver enquanto estivesse aqui. Ia te pedir que ficasse com o Seth, que o ensinasse até que esteja preparado para voar por sua conta.

     — Sim, já imaginava. Mas não vai ser assim. Vamos contigo. Se você se preocupa tanto em nos fazer mal, me ocuparei de que os dois iremos armados.

     — Você não poderia atirar em mim. Conheço-te... — seus olhos se fecharam. Voltou a abri-los. – Daria muito medo me matar - suas pálpebras voltaram a fechar-se.

     — Deixa que seja eu quem me preocupe por isso. Como se fosse duvidar em te levar a tumba te dando patadas nesse traseiro gordo, se acreditasse que iria me fazer mal. Vamos, Rafael, não tenha ilusões. Agora, durma.

     Ele tentou responder, mas o sono o venceu, antes que pudesse proferir algum som.

    

     Vixen esperava na cela, perguntando-se por que demoravam tanto. Ainda não estava segura de poder fazer o que lhe pediam, mas não podia suportar mais torturas. Não conseguia entender por que aquela gente desfrutava causando dor em outros.

     Ouviu passos, poucos minutos antes que amanhecesse. Briar não vinha sozinha desta vez. O homem a que chamavam Jack ia com ela. Cabelo comprido e castanho, com mechas loiras e a lista ao lado, de modo que tendia a cair sobre os olhos. Um aspecto levemente desalinhado que sempre era o mesmo. Nem mais, nem menos. Como se fosse intencionado. Olhos de um azul claro, perturbadoramente quase pálidos.

     Jack a olhou, sorriu malevolamente, e sacudiu a cabeça devagar.

     — Vá, é uma coisinha preciosa, verdade? — colocou o braço entre as barras da jaula e começou a fazer ruídos com os lábios, como se chamasse uma mascote. — Venha aqui, bonita. Deixe-me tocar esse cabelo sedoso, humm?

     Ela retrocedeu até a parede do fundo, com os olhos muito abertos, olhando de Jack a Briar. Dos dois, era a mulher quem mais a assustava.

     — Está bem - disse Jack. — É você quem perde, neném — logo se voltou para o Briar. — O que queria me ensinar?

     — Não é humana.

     — Não, já não. Desde que Gregor a transformou.

     Briar sacudiu a cabeça.

     — Tampouco o era antes. Trocava de forma. Passava a metade do tempo sendo um animal.

     Jack sorriu.

     — Sim, certo. Briar, você esteve se alimentando de viciados em crack esta noite ou o quê?

     — Gregor sabe disso. Por isso a queria. Fez-me vigiar os lugares onde ela está acostumada a aparecer quando tem forma humana e lhe informar de seus hábitos, para poder segui-la. Montou uma armadilha, apanhou-a quando era um animal, esperou que voltasse a trocar de forma e a transformou.

     O sorriso de Jack se apagou lentamente.

     — Não pediu isso a você? Já sabe, não te fez beber seu sangue e logo a ela beber o teu...?

     — Não - respondeu ela com um olhar de repugnância.

     Jack passou uma mão pelo cabelo comprido e sacudiu a cabeça.

     — Que pena, teria sido todo um espetáculo.

     — Pode trocar de forma. Está me ouvindo?

     Ele encolheu os ombros e olhou a Vixen. Logo enrugou o cenho e a olhou de verdade. Suas sobrancelhas se juntaram.

     — Esse cabelo. E esses olhos - olhou outra vez a Briar. — Pretende me dizer que é uma espécie de raposa?

     — Jogue seu cabelo para trás, Vixen. Mostre-o.

     Vixen baixou a cabeça, mas não por vergonha, visto que não conhecia tal coisa. Mas odiava a derrota. Odiava obedecer à garota com o coração mais negro do mundo inteiro. Mesmo assim, jogou o cabelo para trás e Jack olhou e logo levantou as sobrancelhas.

     — Tem as orelhas ligeiramente... Bicudas?

     — Mmm-hmm. E agora vai tentar trocar para sua forma animal. Se ainda puder fazê-lo, sua ajuda pode ser de incalculável valor para o Gregor. Imagina os lugares nos quais poderia meter-se? Poderíamos soltá-la dentro de um banco, para que voltasse a se transformar e nos deixasse passar depois do fechamento.

     — Gregor já tem dinheiro de sobra.

     — Nunca se é muito rico - respondeu ela. — Está preparada, Vixen?

     — Acredito que sim.

     — Pois faça-o.

     Vixen assentiu com a cabeça e se sentou no chão. Tombou de lado e jogou o cabelo comprido e acobreado sobre a cara. Fechou os olhos e fingiu esforçar-se por trocar de forma. Mas na realidade, não se esforçou absolutamente. Ignorava se podia transformar-se, mas não ia fazer isso por eles. Sobretudo, pela Briar. Tinha que esperar, porque não estava segura de caber entre os barrotes. Assim, tinha que esperar.

     Vixen ficou ali tombada vários minutos.

     — Maldita seja, Vixen, faça-o - espetou Briar.

     — Estou tentando...

     — Isto é uma idiotice. Essa garota não é uma raposa.

     — Sim é, eu estou dizendo isso. Faça-o, Vixen!

     Vixen não disse nada, ficou ali deitada, tremendo, porque sentia a ira de Briar e, quando Briar se zangava, as coisas ficavam feias.

     — Você vai lamentar - murmurou Briar.

     Vixen ouviu as chaves da porta da cela. Sim. Por fim. Concentrou-se. Enfocou sua energia e se viu como uma raposa, correndo livre, e então sentiu que seu corpo se encolhia, se fazia menor e se dissolvia em sua larga cabeleira protetora, até que o cabelo se converteu em sua cauda, curvou-se ao redor de seu corpo como um quente casaco e cobriu sua cara.

     Transformou-se. Justo quando Briar abriu a porta da cela e entrou, provavelmente com a intenção de castigá-la, Vixen se levantou de um salto, sua roupa caiu atrás dela, passou a toda velocidade entre os pés do Briar e deixou o Jack para traz, que deu um salto e separou dela como se temesse por sua vida.

     — Vá que me enforquem - o ouviu dizer, ao passar correndo por seu lado.

     — Não fique aí, se mexa e vá atrás dela!

     Vixen não sabia aonde ir e procurou freneticamente um meio de escapar. Ali! A porta, e aquele oco em sua parte de baixo. Oxalá coubesse! Correu para ali.

     Então a porta se abriu e entrou o amo. Vixen seguiu correndo com intenção de passar entre seus pés e sair antes que a porta se fechasse, mas Gregor foi mais rápido. Agarrou-a pela cauda quando passava a seu lado e a levantou.

     — Vá que seja! Assim, ainda pode fazê-lo, depois de tudo!

     Vixen retorceu seu corpinho e cravou suas unhas no braço do Gregor e seus dentes em sua mão. Chupou sangue seu enquanto ele gritava, e um anseio que nunca antes tinha conhecido se elevou dentro dela. Tinham estado matando-a de fome para mantê-la fraca.

     Bebeu tudo o que pôde antes que ele a lançasse tão forte que seu corpo golpeou contra a parede de pedra e caiu ao chão. Esgotadas suas energias, Vixen se sentiu trocar de novo, convertendo-se em mulher. Em uma vampiresa. Ficou ali, nua, com a cabeça e as costas doloridas, e o sabor do sangue do Gregor nos lábios.

     — Jack, volte a colocá-la na cela. Briar se explique.

     — Não queria que escapasse - começou a dizer ela.

     — Não me referia a isso. Tenho entendido que ontem à noite mandou a um dos parasitas a uma missão, sem me consultar primeiro.

     Jack pegou Vixen nos braços e ela seguiu inerte, não porque estivesse fingindo, mas sim porque estava exausta, meio morta de fome e de dor. Ele parecia tentar ser amável com ela, quando a levou a cela e a depositou sobre o colchão de palha, que era o único móvel que havia ali.

     — Disse que essa pessoa, esse vampiro que trabalha como capanga, vinha por ti - disse Briar. — Descobri onde estava e não vi razão para esperar e me arriscar a perder a pista outra vez. Assim, mandei a um parasita para eliminá-lo.

     — Pois o parasita falhou. Qualquer tarefa que signifique pensar não é precisamente seu forte. Mas isso é irrelevante. Na próxima vez Briar, não pense sequer em dar ordens. Sou eu quem manda aqui, não você. Você não tem autoridade.

     — Mas... Mas...

     Vixen notou angústia na voz da morena. Estava doída e confusa. Mas aquela víbora com o coração negro merecia isso e muito mais.

     — O caso é, Briar, que eu quero que ele venha a mim. Necessito dele. Vivo.

     Briar piscou lentamente.

     — Bom, poderia ter dito isso.

     — Fica tranqüila, Briar - disse Jack— , ainda não entendeu? Funciona em segredo. E você não tem por que saber o que Gregor faz. Assim como eu não tinha por que saber de nossa convidada e suas habilidades especiais - olhou ao Gregor. — Embora seja seu braço direito. Verdade, Gregor?

     Gregor encolheu os ombros, mas seu olhar era gelado.

     — Está se queixando, Jack?

     — Não. Nada disso. Você está no volante e eu me contento sentando no assento do co-piloto e te acompanhar. Sempre foi assim.

     Gregor grunhiu, mas não disse nada mais. Olhou a mão, que gotejava sangue.

     — Briar, vêm comigo e cure isto antes que eu dessangre. Maldita seja. Menos mal que quase está amanhecendo. Jack, você te ocupe da perua. Assegure-se de que ela esteja quieta. Pode nos ser útil - agarrou a Briar pelo braço e abandonou o espantoso mundo subterrâneo no qual Vixen se via obrigada a viver, em meio da escuridão e o ar rançoso.

     Jack fechou a porta da jaula, comprovou as fechaduras e logo ela o ouviu se afastar. Esperava que aquele fosse o final de seu calvário, mas não. Um instante depois, ouviu-o retornar, sentiu seu aroma.

     Sua jaula se abriu uma vez mais. Se tivesse forças, teria se transformado uma vez mais e teria tentado escapar. Mas estava muito cansada.

     Abriu os olhos e viu Jack aproximar-se. Parecia indeciso, como se ele se aproximasse de um animal que podia morder, o qual era provavelmente certo, porque isso ela era. Baixou o olhar, deslizando-o sobre seu corpo nu, mas pareceu tentar evitá-lo. Ela não sentia vergonha alguma por sua forma, nem acanhamento. Era só um corpo, no fim das contas.

     Ele levava um travesseiro e uma manta sob o braço, e um copo de líquido vermelho na mão livre. Estendeu-lhe o copo.

     Ela o pegou e notou que ele apartava a mão rapidamente. Farejou e enrugou o nariz, mas bebeu de todos os modos. Estava muito faminta para andar-se com melindres. Logo devolveu o copo e ele deu a manta e o travesseiro. Vixen colocou o travesseiro sob a cabeça, cobriu-se com a manta e se aconchegou de lado.

     — De nada - disse ele em um tom estranho.

     Ela franziu o cenho e levantou a cabeça para olhá-lo.

     — Quando alguém te faz um favor, peruazinha, é costume dizer obrigado. E logo lhe respondem «de nada».

     — Ah. E considera que me trazer uma manta e um travesseiro e esse sangue é me fazer um favor?

     — Pois sim.

     — Mantêm-me prisioneira em uma jaula contra minha vontade. Se quer me fazer um favor, me deixe partir.

     Ele baixou a cabeça.

     — Isso eu não posso fazer. Gregor me mataria.

     — Então não espere que te dê obrigada.

     Ele encolheu os ombros, voltou-se lentamente e começou a sair da cela. Mas logo se deteve.

     — Se tivesse escapado esta noite, teria morrido, sabe?

     Ela franziu o cenho e o olhou.

     — Agora você é uma vampira. É quase de dia. Se sair ao sol, queimará viva. E isso eu não poderia permiti-lo, peruazinha.

     Ela piscou três vezes, enquanto pesava suas palavras.

     — Diz isso para me assustar e para que não tente voltar a escapar?

     — Não, por quê? Mas deveria tentá-lo de noite.

     — Esquece que aqui dentro não posso distinguir a noite do dia?

     — Claro que pode. Quando se faz de dia, fica com sono. É irresistível. Nota-o chegar, sabe que quase é pela manhã. Quando volta a despertar, é que acaba de anoitecer. Entende?

     Ela inclinou a cabeça e disse:

     — Por que me ajuda?

     Ele esboçou um meio sorriso.

     — Tenho debilidade pelas mulheres bonitas. E você é... Enfim, é uma perua.

     Ela o olhou, enrugando o cenho, sem saber qual era a intenção de suas palavras, mas ele se limitou a tocar sua fronte como se fosse seu modo de despedir-se e se voltou para deixá-la sozinha. Mas voltou a fechar a jaula ao sair, o muito canalha.

 

     — Com este troço, ele nos verão, e certamente nos matarão, antes que nos aproximemos dez quilômetros do bando do Gregor - disse Reaper, enquanto contemplava o veículo que Roxy tinha tirado de sua garagem, onde estava escondido com toda a razão, e estacionado frente à casa.

     Reaper tinha uma expressão mesclada de desagrado e espanto.

     A caminhonete era digna de contemplar-se, e embora Seth acreditasse que Reaper era um miserável carrancudo em muitas coisas, naquela ocasião estava completamente de acordo com ele.

     — Não - disse Reaper. — Absolutamente não.

     Roxy olhou a Seth como se procurasse uma segunda opinião.

     — Bom, não é precisamente... discreta. - perguntou-se um segundo se teria tanto tato, se ela não fosse tão boa, e logo disse que não importava. Ela, certamente, não parecia se importar.

     Skirley, assim se chamava a caminhonete, como testemunhava sua matrícula, era de cor amarela. Amarelo canário. Seus lados ostentavam murais que representavam campos cheios de girassóis, e o farol traseiro estava decorado com um entardecer translúcido.

     — É justo o que precisamos - disse Roxy. — Olhe, podemos alugar um carro ou algo assim, para fazer viagens curtas quando chegarmos aonde vai. Mas, para chegar lá, e para as emergências, é quase perfeita. Olhem isto — abriu a porta lateral. Havia quatro filas de assentos, todos eles cobertos de capas negras com girassóis gigantes no centro. Combinando com as almofadas.

     Faltava mais.

     Seth esforçou-se para não soltar um grunhido, quando colocou a cabeça. Logo subiu. A caminhonete era alta. A maioria das pessoas teria podido estar de pé dentro dela, mas Seth e Reaper tinham que encurvar-se bastante.

     — Só somos três - disse Seth. — Para que queremos tantos lugares?

     — Isso não importa - respondeu Roxy rapidamente. — Olhem isto – ela se aproximou da parte de trás, abriu as duas portas traseiras, subiu na caminhonete e apertou um botão. Os assentos mais traseiros deitaram para diante e logo baixaram, introduzindo-se limpamente no chão. Roxy levantou uma almofada, pegou uma alavanca que estava oculta embaixo dela e o chão se abriu, deixando descoberta uma cama quase inteira.

     Olhou os olhos de Seth e sorriu.

     — Ataúdes incorporados. Nesta preciosidade, podem dormir três vampiros debaixo do chão, bem escondidos. E poderíamos tampá-los com o chão e pôr outros três em cima, porque as janelas se tingem de negro com apenas tocar um botão.

     Seth olhou para Reaper e viu que ele estava impressionado, apesar de não admitir a si mesmo. Havia uma leve expressão de admiração que tentava aflorar em sua careta de desagrado.

     — Também há um frigobar - disse Roxy, assinalando com a cabeça— , assim podemos levar uma provisão desse refresco que vocês tanto gostam. Os lados estão reforçados com aço. A prova de balas. Tem um motor muito potente e suspensão nas quatro rodas, para que não fiquemos entalados. Consome muito, mas deixem que lhes diga que corre como o vento. E para terminar... — aproximou-se do centro da caminhonete, agarrou uma alavanca que havia na parte de dentro da porta de trilho e a levantou.

     O painel interior da porta se deslizou para cima, deixando a descoberto uma coleção de armas. Escopetas, rifles, revólveres e várias armas de aspecto estranho, que pareciam pistolas de dardos. As estantes embutidas estavam cheias de caixas de munição, e por toda parte penduravam carregadores e capas.

   — O que são essas pequenas? — perguntou Seth.

     — Eu as chamo «grilos ruidosos» - lhe disse ela.

     Seth se pôs a rir, sacudindo a cabeça, e resmungou entre gargalhadas:

     — Muito bom Roxy - começava a dominar-se, quando notou que Reaper nem sequer tinha sorrido . — Era uma referência a Homens de Preto - disse ao vampiro de azedo semblante. — Já sabe, o filme. Will Smith, Tommy Lee Jones... — Reaper não se alterou . — Por acaso alguma vez você vê um filme?

     — Não.

     Roxy deu a Seth uma das armas menores e pegou outra.

     — Disparam dardos tranqüilizadores. Tenho uma remessa na geladeira, carregados e preparados para usar. Seth, o único modo de que Reaper aceite que vamos com ele é que o convença de que você e eu estaremos perfeitamente a salvo. E o único modo que me ocorre de fazê-lo é lhe dar nossa palavra de que levaremos uma destas sempre conosco. Terá que as carregar, e teremos que levar munição de reserva à mão.

     Seth pegou a pequena pistola e deu a volta, olhando-a por um lado e por outro. Parecia muito fácil de usar.

     — Para que queremos dardos tranqüilizantes? Estão esperando se deparar com uma manada de elefantes furiosos ou algo assim?

     — Esses dardos não são para animais, Seth - respondeu Roxy. — São para vampiros. Estão carregados com o único tranqüilizador que funciona com vocês. O único que eu conheço, pelo menos.

     Seth franziu o cenho e logo assentiu com a cabeça.

     — Suponho que nos servirão bem contra esses renegados, se for o caso. Sim. Não é má idéia - olhou outra vez para Reaper, que estava estranhamente calado. — Você não quer levar uma, Reap?

     — O tranqüilizador não é para lhes proteger desses vampiros, Seth. É para lhes proteger de mim.

     Seth começou a rir, acreditando que por fim Reaper tinha feito uma brincadeira. Mas havia uma atitude em seu tom, uma escuridão em seus olhos, que fez com que a risada se extinguisse na garganta do Seth, antes de brotar sequer. Seu sorriso se esfumou, e ele esquadrinhou o rosto do Reaper.

     — De que demônios está falando?

     Reaper baixou o olhar.

     — Não vou entrar em detalhes nem despir minha alma, minha história ou os meus defeitos diante de ti, Seth. Isto não é tema de discussão. É meu assunto, e se acabou. Só te direi que, se alguma vez me voltar louco de raiva e me voltar contra ti, terá que atuar em seguida, ou morrerá. Se isso ocorrer, se parecer sequer que vai ocorrer, utilize o tranqüilizador. Nem sequer pense para fazer isso.

     Seth abriu a boca e voltou a fechá-la enquanto as perguntas se impeliam por sair. Por que Reaper se voltaria contra ele? De que diabos ele estava falando? Tinha ele uma espécie de dupla personalidade, igual Jekyll e Hyde, um tumor cerebral ou o que? Mas Reaper não ia lhe dizer nada mais. Já tinha deixado claro. Assim, Seth se conformou com uma pergunta, a única que acreditava que poderia obter alguma resposta.

     — O tranqüilizador pode te causar danos permanentes?

     Reaper olhou para Roxy em busca de resposta.

     — Não! - disse ela firmemente, com uma sacudida de cabeça que fez oscilar sua larga cabeleira . — Apenas o deixará inconsciente, e depois despertará com uma ressaca espantosa.

     Nada mais.

     Seth assentiu e voltou a olhar para Reaper. O outro parecia aflito. Como se tocar sequer naquele tema lhe rasgasse as vísceras. Seth odiava aquilo. Precisava alegrar um pouco o ambiente.

     — Bom, está bem. Entendido. Só necessito que me prometa uma coisa.

     — Qual? — perguntou Reaper.

     — Se me equivocar e te disparar por engano, acreditando que vai me comer, não poderá se zangar comigo quando despertar.

     Reaper o olhou com irritação.

     — Tio, eu falo a sério. Se me preocupa me equivocar que te zangue, duvidarei, e terá tempo de me fazer em pedaços antes que aperte o gatilho. Assim, tem que me prometer isso.    

     Reaper entreabriu os olhos e assentiu com a cabeça.

     — Está bem. Prometo-lhe isso.

     Seth sorriu.

     — Isto é genial. Se me olhar um pouco mal, posso te disparar com o «grilo ruidoso». E nem sequer poderá te zangar comigo. Vai se arrepender disto.

     — Seth... — disse Reaper em tom perigoso.

     — Vá, isso soou ameaçador. Soou ameaçador, Roxy? — Seth olhou a pistola que tinha na mão. — Talvez deva te disparar agora mesmo.

     Reaper o olhou com aborrecimento.

     Seth baixou a arma e apagou o sorriso de sua cara. Como de costume, suas tentativas de brincar se chocavam contra um muro.

     — Vamos, homem. Era uma brincadeira. Não vou disparar em você com isto. Venha, não me olhe assim.

     Reaper suspirou e, sem dizer uma palavra, subiu à caminhonete e se sentou ao fundo.

     — Vamos, Roxy. Temos que ver essa tal Topaz antes de qualquer coisa.

     Roxy deu uma capa ao Seth. Ela já levava a sua, com uma pistola de dardos dentro. Logo fechou a porta da caminhonete e subiu ao assento do condutor. Seth se sentou a seu lado.

     Enquanto ela tirava a caminhonete da parte de trás, Seth a olhou e sussurrou:

     — Era uma brincadeira.

     — Sei, e me tem feito muita graça.

     Ele sorriu, aliviado.

     — Alguma vez ele está de bom humor, Roxy?

     — Não que eu tenha visto. Mas te direi uma coisa.

     — Qual?

     — Você é bom para ele. Realmente bom.

     — Mas se quase não me suporta.

     — Me acredite, eu sei destas coisas.

     Reaper se ergueu em seu assento e disse:

     — Ei vocês, lembrem que sou um vampiro. Tenho um ouvido sobrenatural. Poderia escutar sua conversação a um quilômetro de distância. Daí é como se falassem por um alto-falante.

     Roxy olhou para trás e respondeu:

     — Vá à merda, Rafael - logo sorriu e piscou um olho para Seth. — Sim, você lhe cairá muito bem.

    

     Topaz fazia várias malas e se vestiu para matar. Levava um vestido curto negro, muito apertado, com um cinturão de elos ao redor dos quadris, meias negras até a coxa, com costuras na parte de trás e encaixe acima, e sapatos de salto agulha abertos na frente, com tiras que se cruzavam uma vez, rodeavam sua perna justo por cima do tornozelo e se fechavam ali. Das tiras penduravam corações de ouro de vinte e quatro quilates. Seu cabelo era suave e liso, e sua maquiagem perfeita.

     Estava tão bonita que certamente Jack choraria quando a visse. O porco.

     Estava deixando as malas junto à porta dianteira da mansão, quando sentiu a presença de outro vampiro, não, de dois, muito perto. E também de um dos Escolhidos. Ocultou-se instintivamente a um lado da porta para que não a vissem e apareceu pela janela. Sim, três pessoas, dois homens e uma mulher, esperavam ao fundo do caminho de cascalho branco.

     Topaz entreabriu os olhos e falou com a mente. «Se aproximem e lamentarão».

     A resposta chegou imediatamente, de um homem a quem não conhecia.

     «Só queremos falar contigo. Nós não demoraremos muito, e não somos nenhuma ameaça».

     «E se supõe que tenho que acreditar em ti?». Qualquer vampiro que confiava em vampiros desconhecidos buscava problemas para si, pensou Topaz. E ela não era tola. «Não me transformei ontem, sabe?».

     «Temos que te fazer umas perguntas, isso é tudo. É sobre um homem que se faz chamar por Jack de Corações».

     Sua reação foi tão instintiva que não pôde ocultá-la. Uma quebra de onda de emoções, paixão, dor, desejo, raiva, fundiu-se em uma só bola que se elevou e estalou dentro dela, e não foi capaz de ocultá-la a tempo. Sabia que eles o tinham notado. Maldição. Tentou fingir que não tinha ocorrido, procurou evitá-lo, mas sabia que não lhes enganava.

     «Por que perguntam por ele?».

     «Porque eu estou procurando o líder do bando com o qual ele anda, conforme se diz. São perigosos, Topaz. Letais, para humanos e vampiros por igual. Inclusive ele é hostil para os Escolhidos, ou ao menos isso se fala por aí”. “Tenho que saber tudo o que eu possa sobre eles, antes de me aproximar muito».

     Ela tragou a secura repentina que notava na garganta e olhou suas malas. Tinha estado a ponto de lançar-se em meio de um bando de renegados? De um bando de assassinos que matava aos de sua própria espécie? E Jack estava com eles?

     Isso não era próprio dele. E maldita fosse pelo que ela sabia daquela classe de vampiros, ela estava segura de que poderia ter acabado morta essa noite.

     Suspirou, abriu as portas e ficou entre elas, olhando aos três que esperavam no caminho.

   — Passem, então - gritou. — É possível que acabem de me salvar a vida, assim suponho que lhes devo um favor.

    

     Seth viu a mulher de pé entre as portas abertas. Estava iluminada desde atrás, e parecia como se uma espécie de deusa tivesse aberto as portas do paraíso e lhes tivesse convidado a passar. Sua figura era esbelta, estilizada, elegante. Pernas e braços largos, pescoço comprido, cabelo comprido. Era espetacular. E com respeito a tudo, sua primeira reação ao vê-la foi de decepção quase paralisante.

     Não era a mulher que andava procurando.

     Poderia ter se posto a chorar, mas levantou o queixo, decidido a seguir adiante. A sensação era de que ele estava mais perto que nunca, e que seguia pelo caminho certo, era o único consolo que ele tinha no momento. Assim, que se aferrou a ele e se concentrou no assunto que lhes ocupava.

     Avançaram pelo caminho e Seth pôde por fim ver algo mais que a silhueta da mulher. Era de estatura média e tinha o rosto juvenil de uma rainha do baile de formatura. Seu cabelo era largo, perfeitamente liso, de uma suavidade acetinada e da cor do chocolate com leite, a mesma cor que seus olhos. Tinha os lábios com a forma do arco do Cupido, maçãs do rosto altas e uma covinha no queixo.

     Era preciosa, no sentido mais clássico da palavra.

     — Meu nome é Reaper. - disse o chefe, mas quando ela lhe estendeu a mão, ele meteu a sua no bolso e ignorou seu oferecimento.

     Seth pensou que era um cretino. Que não gostasse do contato físico era uma coisa, já tinha reparado naquela mania do Reaper, no pouco tempo que levava com ele, mas evitar tocar em uma mulher com aquele físico... Enfim, aquilo não era uma mania, era um disparate.

     — Sou Topaz. - disse ela . — Podemos nos sentar se quiserem - assinalou uma pequena sala de estar, ao lado do vestíbulo. Entraram e se sentaram comodamente.

     Seth escolheu um sofá de dois lugares, com a esperança de que ela se sentasse a seu lado. Mas não foi assim. Reaper se sentou em uma cadeira de balanço, junto à chaminé de gás, que Topaz acendeu apertando um botão. Roxy se sentou na pedra saliente da chaminé. Certamente tinha frio. Deveria haver dito algo quando estavam fora, pensou Seth vagamente.

     Topaz ficou de pé, enquanto Reaper falava.

     — Não quero te entreter, assim irei direito ao assunto. Contrataram-me, alguns dos anciões de nossa raça, para tratar com um homem chamado Gregor, que dirige o bando de renegados mais notório com que nos cruzamos. Jack de Corações é, conforme se diz, seu braço direito.

     Ela levantou suas sobrancelhas perfeitamente arqueadas e estudou seu rosto.

     — E por que me conta isso?

     — Você conhece esse tal Jack Heart, não?

     Ela encolheu os ombros.

     — Pode ser.

     — Há rumores que recentemente seu ex-amante te roubou grande quantidade de dinheiro. Como esse parece ser o modus operandi desse tal Jack, pensei que era quase seguro que se tratava dele -Reaper encolheu os ombros . — Quantos vampiros estelionatários há, no fim das contas?

     — Todos o são, de um modo ou outro - resmungou ela.

     Reaper franziu o cenho.

     — Está bem. Tem razão. Admito que foi Jack. E sim, era meu amante. Mas como sabe que vou te ajudar? O que te faz pensar que eu não irei correndo advertir Jack?

     Reaper sorriu lentamente. Não era um sorriso feliz; era aterrador.

     — Senti sua reação ao ouvir seu nome. Não quer que eu o mate quando acabar com seu chefe. Suponho que podemos chegar a um trato, em troca de sua segurança.

     Ela levantou as sobrancelhas.

     — Tem razão - disse. — Não quero que o mate, mas só porque quero matá-lo eu mesma.

     Seth também havia sentido a quebra de onda de energia que tinha emanado dela ao ouvir mencionar o nome do Jack. E embora não tivesse tanta experiência como Reaper, interpretando as reações de outros vampiros, sempre se tinha dado bem interpretar as das pessoas. Pensou que Topaz mentia. Aquilo não tinha parecido um broto de raiva assassina, mas sim bem uma quebra de onda de dor da vaidade amorosa, e um esforço por conter uma corrente de lágrimas.

     Ela trocou de tema.

     — Bom, quem são estes dois? — perguntou.

     — São meus... — Reaper vacilou, como se não lhe ocorresse uma palavra adequada.

     — Amigos - disse Seth. E, olhando Reaper com irritação, levantou-se para oferecer a mão a Topaz. — Chamo-me Seth. Sou novo em todo este rolo dos não mortos.

     Topaz lhe estreitou a mão e disse no tom mais sarcástico que Seth poderia imaginar:

     — Não me diga.

     Demônio, tanto se notava que era um novato?

     Logo ela se voltou para o Roxy.

     — E você é... Uma Escolhida, mas... Há algo distinto em ti.

     — Sou Roxy – ela não lhe ofereceu a mão, nem se levantou de seu assento junto ao fogo. — E tudo em mim é diferente.

     — Que grupinho tão curioso - disse Topaz. Logo encolheu os ombros, como se não quisesse pensar mais no assunto.

     — Estava a ponto de partir - disse Reaper, olhando a bagagem empilhada junto à porta.

     — Sim. Ia em busca do Jack Heart. Esse é seu nome, por certo. Jack Heart. Isso de fazer-se chamar Jack de Corações é pura vaidade. Em todo caso, pensava em caçá-lo, recuperar o dinheiro que me roubou e logo matá-lo. Mas não tinha nem idéia de que estava com esse bando de renegados.

     — Então, sabe onde ele está? — perguntou Reaper.

     Ela o observou e levou um tempo para responder.

     — Pode ser - encolheu os ombros. — Devo admitir que me alegra que tenham vindo. Ia colocar-me em uma situação perigosa sem sequer saber. Poderiam me haver matado, se tivesse tentado chegar até ele sozinha.

     Olhou para Reaper, logo ao Seth e a Roxy, e outra vez ao Reaper. Seth quase via girar as engrenagens de sua cabeça. Logo, pareceram encaixar e deter-se.

     Aquela mulher ligeiramente irritada e vingativa se derreteu como a cera exterior de uma vela. Topaz sorriu de repente, com um sorriso enorme, radiante e totalmente falso que resultava encantador de todos os modos. Seus olhos adquiriram a faísca e a inocência que alguém esperaria ver nos da rainha do baile de promoção do instituto, com a que Seth a tinha comparado já. Aquela aura de depredador perigoso poderia não ter existido nunca.

     — Mas agora não tenho por que ir sozinha.

     — Ah, não... — começou a dizer Reaper, mas ela o atalhou imediatamente.

     — Tenho que te dizer Reaper, que isto não parece absolutamente próprio do Jack. Jack não é um assassino. É um descarado, sim, mas não é violento. É um enganador. Um amante, não um lutador – ela lhe lançou um sorriso dócil, quase tímido, ao dizê-lo.

     — É bom sabê-lo. Possivelmente, isto é mais do que eu preciso saber, de fato, mas obrigado de todos os modos. Entretanto, deve entender uma coisa, Topaz. A única coisa que quero de ti é o paradeiro do Jack. Se pudesse me dizer onde...

     Já não prestava atenção; inclinou-se para olhar pela porta, para o fundo do caminho de entrada, onde tinham estacionado. E logo ficou a falar outra vez, com um tom tão inocente que nem o homem mais crédulo do mundo teria picado o anzol.

     — Oh, olhem essa caminhonete! Deus, que gracinha! E tem que haver espaço de sobra. Sam, por que não...?

     — Seth - disse ele. Ela piscou como se não o entendesse e ele acrescentou— Chamo-me Seth, não Sam.

     — O que seja. Seja um bom menino e pegue minhas malas. Não é casualidade? Nem sequer têm que esperar que me prepare – ela juntou as mãos e voltou a fixar no Reaper seu sorriso deslumbrante. — Aqui estou eu, com as malas feitas e prontas para partir, e aparecem vocês, como um serviço de limusines ou algo assim. É fantástico.

     Representava bem o papel de menina rica com a cabeça oca. Mas não enganava a Seth. Tinha revelado sua verdadeira natureza quando tinham chegado, quando tinha ameaçado matá-los se eles se aproximavam. Aquele showzinho não lhe serviria de nada.

     — Não vamos te levar conosco — disse Reaper, com seu tom mais sombrio e horripilante.

     Menos mal, pensou Seth. Reaper tampouco o estava acreditando.

     O sorriso falso de Topaz se esfumou. Ela baixou as sobrancelhas. Seus olhos se obscureceram e se voltaram ameaçadores, e nesse instante a transformação foi tão completa que Seth quase esperava que um vento fantasmagórico começasse a agitar seu cabelo e que atrás dela começassem a estalar relâmpagos.

     — Oh, sim, claro que sim — disse. E seu tom era tão gélido como o de Reaper, e igual de sincero. — Porque não vou dizer-lhes onde está. Darei indicações pelo caminho. Se quiserem mesmo encontrar ao Jack e a esse bando a que supostamente pertence, terão que me carregar consigo.

     Seth sorriu. Não pôde evitá-lo. A rainha do baile de promoção tinha ao Reaper entre a espada e a parede, e não lhe tinha nenhum medo. Seth se perguntou quanto tempo fazia que Reaper não cruzava com tanta gente a que não podia intimidar com seu mau gênio e seu showzinho de tipo duro.

     Reaper o olhou, e Seth se apressou a apagar o sorriso de sua cara, mas não sem que antes o outro o visse. Seth lançou um rápido olhar a Roxy para ver se adivinhava o que pensava ela de tudo aquilo. Roxy estava observando a Topaz como se tentasse entendê-la. Seth não soube se Roxy sentia por ela ódio ou admiração.

     Roxy o olhou nos olhos, adivinhou suas perguntas e encolheu os ombros quase imperceptivelmente, antes de voltar a fixar sua atenção no Reaper.

     — Estamos perdendo o tempo – disse . — Rafael, eu não acredito que tenhamos escolha. E ficar aqui discutindo não vai nos servir de nada. Já se vê que ela não vai trocar de opinião.

     — Rotundamente não - disse Reaper.

     Seth tirou o «grilo ruidoso» do bolso.

     — Toma — disse, dando-o a Topaz. — Vais necessitar disto.

     Topaz tomou a pequena pistola, do tamanho justo para sua mão.

     — Para que?

     — Já lhe explicaremos isso logo. - Seth recolheu a metade de suas malas e pôs-se a andar para a caminhonete.

     Topaz tomou a mala menor, uma maleta rosa de meio metro quadrado, e se foi com ela. Roxy a seguiu, sem levar nada. Nem louca, pensou Seth, ia servir a uma mulher capaz de fazer as coisas por si só. Uns minutos depois, estavam os três na caminhonete, olhando para a casa.

     Reaper seguia de pé na porta e os olhava piscando com pasmo.

     — Traz as duas malas que faltam, certo, céu? — gritou Topaz. — E fecha a porta ao sair - olhou para Seth, que havia tornado a ocupar seu lugar no assento dianteiro depois de guardar suas bolsas . — Importa-te, Steve? Enjôo-me atrás, assim vou ter que insistir em ir na parte dianteira.

     Voltou a olhá-lo, batendo as pestanas.

     — Meu nome é Seth - disse ele. — E pode deixar já o showzinho da princesa, Topaz. Comigo não vai funcionar - mas saiu e subiu na seguinte fila de assentos. Roxy lhe lançou um olhar que parecia dizer: «Caramba, obrigado».

     — Tem graça. - disse Topaz, enquanto passava pelo corredor central, para ocupar o assento que ele tinha deixado livre . — Parece que está funcionando bastante bem. – lançou-lhe um beijo, seus lábios esboçaram um sorriso, seus olhos se fizeram mais quentes, e logo olhou pelo pára-brisa.

     Ele olhou também. Reaper seguia de pé junto a casa.

     — Vamos lhe dar dez minutos - disse Seth . — Se então ele não se render, podemos lhe disparar para praticar.

     Roxy lhe deu uma palmada na coxa e pôs-se a rir; logo tocou a buzina, e Seth esteve a ponto de cair de susto ao ouvir aquele som.

     — Vamos, Rafael! — gritou ela pelo guichê aberto. — Ponha esse traseiro escuro em marcha. Não temos toda a noite.

    

     — Agora, uma vez que fechaste conscientemente sua mente a outros - disse Reaper— , pode, com muito cuidado, dirigir uma mensagem a uma pessoa em concreto de cada vez. Falta prática. Mas tem que imaginar a cara dessa pessoa, pensar nela, e logo pensar as palavras que quer lhe dizer.

     Reaper ia na quarta fila, ao fundo de tudo. Seth estava sentado na segunda, com os olhos fechados. Aprender a fechar seus pensamentos a quem não queria que entrasse neles era, ao menos, um modo de passar o momento. Seguiam indo por bom caminho; isso o notava. Mas começava a esgotar-se a paciência. Fazia muito tempo que não sonhava com a ruiva, nem sentia aquela conexão com ela, e isso o preocupava.

     — Tenta-o, Seth-o animou Reaper. — O bloqueio já o tem. Não pude ler teu pensamento há pelo menos vinte quilômetros, e isso é importante. Agora tenta mandar uma mensagem a Topaz, mas não a mim.

     Seth umedeceu seus lábios, manteve os olhos fechados, imaginou a cara da Topaz, pensou em quão boa estava e tentou pensar em uma mensagem para lhe enviar.

     — Tenho-o. - disse Topaz. Seth abriu os olhos de repente.

     — Mas se não tinha pensado nada ainda.

     — Oh, sim, claro que sim. E só posso dizer que nem o sonhe, Sol.

     Ele enrugou o cenho.

     — Meu nome é Seth. E não tenho...

     Reaper o olhou e assentiu uma vez com a cabeça.

     — Eu também o notei, menino.

     — Maldita seja. Juro Por Deus que não pensei nada. Pelo menos, a propósito.

     — Certo - disse Topaz . — Roxy, temos que tomar a próxima saída.

     Roxy seguiu suas indicações, como tinha feito desde o começo. Tomou a saída, chegou ao sinal de pare do final da rampa e ficou ali, esperando.

     — Bom, já está onde sei - disse Topaz.

     Roxy seguia esperando. Voltou-se em seu assento, olhou de esguelha para Topaz com impaciência e disse:

     — O que quer dizer com que já está? Isto é uma rampa de saída.

     — Isto é tudo o que sei.

     Roxy fez um movimento circular com a mão.

     — Se explique, por favor.

     Topaz suspirou e olhou atrás dela, para Seth e logo ao Reaper.

     — A única coisa que sei é que Jack visitou Savannah várias vezes, ultimamente.

     — Nada mais? — perguntou Seth. — Savannah é um lugar muito grande, carinho.

     — Não me chame «carinho». E já sei que é um lugar muito grande. Não sou tola.

     — Bom, Tope, e o que sugere que façamos? Empreender uma busca porta por porta?

     — Acaba de me chamar «Tope»?

     — Não tome como algo pessoal — disse Reaper do fundo. — A mim algumas vezes me chamou «Reap».

     — Me perdoem, vou fazer uma lista das coisas que não posso lhes chamar — Seth cruzou os braços e se deixou cair contra o assento.

     Ficaram todos calados e se voltaram para olhar a Reaper, que encolheu os ombros, com expressão tão estóica como sempre.

     — Roxy, gira à direita aqui e começa a procurar um porto seguro para passar o dia. Agora o mais urgente é encontrar refúgio. A noite está acabando.

     Roxy acendeu a luz de alerta.

     — Não, à esquerda — disse Topaz. E, quando todos a olharam, acrescentou — : Bom, não acreditarão que ia vir até aqui sem procurar antes alojamento, verdade? Aluguei uma casinha. A casa de inverno de um amigo.

     Roxy acendeu a outra luz de alerta, olhou a ambos os lados e arrancou justo no momento em que o condutor de trás perdia a paciência e começava a apitar. Seth sorriu, ao perguntar-se se teria se dado tanta pressa em apitar se soubesse que ia trás de uma caminhonete cheia de chupassangues.

     — Quanto tempo podemos ficar nessa tua casinha, Topaz? — perguntou Reaper.

   — Indefinidamente — respondeu ela . — Não voltam até depois do Natal, e estamos só em setembro, assim...

     Não disse nada mais, e Roxy seguiu conduzindo. Topaz tirou do bolso uma folha de papel e começou a lê-la com o cenho franzido, enquanto Roxy seguia suas indicações. Uns vinte minutos depois, entraram em uma pracinha pavimentada que levava a um rancho digno da maior estrela da canção country. A casa era enorme, de uso georgiano, branca e de telhado plano, com altos pilares que sustentavam o frontispício, largos degraus e janelas gigantescas. Havia uma garagem com meia dúzia de lugares, pelo menos, e além dele cercas brancas de madeira, prados, celeiros, estábulos... Não se via nem um só animal, mas havia espaço de sobra para eles.

     — Esta é a casinha? — perguntou Seth, olhando boquiaberto para Topaz. — A casa de inverno de seu amigo?

     — Mmm-hmm. Uma gracinha, né?

     — Esse não é o termo que eu usaria — disse Seth . — Quem diabos é seu amigo? Donald Trump?

     — Meu Deus, não — ela fez girar os olhos como se Seth fosse idiota. — Sissy Spacek.

     Seth pensou que não havia modo de saber se falava a sério ou estava de brincadeira. Com ela era impossível.

     Roxy se dirigiu à parte dianteira, deixou para trás a casa e seguiu o caminho pavimentado que levava a enorme garagem.

     — Isto é genial. Podemos esconder a Shirley para que ninguém a veja.

     — Que sorte! — resmungou Reaper. Quando Roxy lhe lançou um olhar afiado, acrescentou— : Vamos procurar um lugar vazio e estacionar este troço. Não tem sentido chamar a atenção além da conta.

     — Está bem. — Roxy olhou a fileira de portas da garagem para seis veículos e encolheu os ombros. — Bom, o que acham, amigos? Escolho a porta número um?

     — Como? — Reaper parecia confuso.

     Topaz disse:

     — As portas são automáticas. Além disso, todos os lugares estão vazios. Todos, menos um. Sissy disse algo de que tinha deixado um carro aqui para a temporada. Teria que haver um controle... — olhou pelo guichê lateral da caminhonete e assinalou uma planta que pendurava de um suporte de vasos de ferro forjado, entre as portas quatro e cinco. — Ali, naquela hera. Importa-te, Seth?

     — Vá, pelo menos esta vez há dito bem meu nome — Seth abriu a porta lateral e saiu. Então aspirou pela primeira vez o ar da Georgia. Era potente. Sentiu o aroma de um milhão de flores, e mais. Era um ar muito doce. Aproximou-se do vaso de cerâmica do qual transbordava a hera, colocou a mão nele e apalpou a terra úmida até que encontrou o pequeno controle remoto. Recolheu-o e apontou à porta que estava mais perto da caminhonete; logo, apertou um botão.

     A porta se abriu e as luzes de dentro se acenderam.

     — Que máximo — resmungou Seth. Shirley entrou enquanto Seth ficava fora, pulsando botões e abrindo outras portas, curioso para ver o que havia atrás delas. E logo ficou ali parado e sentiu uma quebra de onda de algo muito parecido à luxúria, enquanto olhava seu sonho feito realidade, bom, seu segundo melhor sonho, ao menos, e resmungava:

     — Mas que o máximo.

     Os outros saíram da caminhonete e se reuniram com ele. Pouco a pouco repararam em seu estado de excitação e seguiram seu olhar ávido até o lugar onde o carro o olhava com uma expressão provocadora em seus faróis.

     — Minha mãe! — disse Roxy. Isso é...?

     — Um Mustang. — sussurrou Seth. — Um Shelby GT — entrou na garagem, moveu-se lentamente ao redor do carro e estendeu uma mão como se fosse tocá-lo, mas se deteve; não queria danificar seu brilho com uma mancha. — Em perfeito estado. Desde 1968. Nunca em minha vida tinha estado tão perto do céu.

     — Ah — disse Topaz— , é o carro que deixou minha amiga. Disse-me que podia usá-lo, se quisesse. As chaves estão na casa. — enrugou o nariz. — Parece um pouco velho.

     Seth girou a cabeça para ela, boquiaberto.

     — E essa cor. É como sangue. Não temos já bastante? — Topaz encolheu os ombros. — Bom, dá igual. Suponho que servirá.

     — Que servirá? — repetiu Seth. — Esse carro é uma obra de arte. Tem idéia de...?

     — Não há muito lugar para estirar as pernas. Iremos como sardinhas em lata, se nos colocarmos todos aí dentro — Topaz inclinou a cabeça. — Pelo menos não chamará a atenção tanto como a caminhonete.

     — As pessoas cairão de joelhos nas ruas para adorá-lo quando passarmos!

     Topaz olhou ao Seth e sorriu de orelha a orelha.

     — É muito fofo para ser um novato tão irritante, sabia?

     Ele fez girar os olhos e se dirigiu à caminhonete, para recolher suas malas, embora odiasse fazê-lo. Ela seguia sendo a mulher que o tinha levado mais perto que nunca de sua ruiva, e embora não tivesse nem idéia de carros, estava seguro de que acabava de lhe fazer um elogio.

     Roxy observou os arredores enquanto caminhavam para a porta principal.

     — Este lugar é fácil de defender. Essa cerca... É fácil escalá-la, sim, mas não se pode chegar de carro até a casa. Além disso, veremos chegar a qualquer um desde muito longe. Há boa visibilidade. Estamos sobre uma pequena colina. Sim — assentiu com a cabeça — , eu gosto daqui.

     — Confio em que não terei que defendê-la — disse Reaper. — Mas é uma sorte que seja assim, em todo o caso.

    

     A caminhonete estava na garagem e Seth tinha descoberto os prazeres de um projetor de televisão. Televisão? Que demônios, aquele lugar tinha virtualmente seu próprio cinema. Estava trocando de canais enquanto os outros andavam por ali, fazendo seus próprios descobrimentos. Se tivesse tido que adivinhar onde estavam, haveria dito que Reaper estaria provavelmente procurando o melhor lugar para descansar durante o dia, enquanto Roxy comprovava o sistema de alarme. Quanto a Topaz... Ela estaria certamente encharcando-se no jacuzzi e bebendo A positivo, em um copo de margarida com uma sombrinha dentro.

     No final, entretanto, retornaram todos com ele como se fosse de algum modo seu centro, e se sentaram nas cômodas poltronas para olhar as imagens que cruzavam a tela do fundo da habitação enquanto Seth trocava de canal. Tinha que haver uns trezentos onde escolher. Possivelmente, devesse escolher simplesmente um DVD entre os milhares que havia na vitrine que ocupava quase toda a parede de sua esquerda.

     — É hora de retirar-se — disse Reaper. Seth o olhou.

     — Não sinto chegar a letargia ainda.

     — Melhor estar em lugar seguro, antes que comece a notá-lo, não acha, Seth?

     Seth disse com um sorriso:

     — Vamos, papai. Cinco minutos mais...

     Reaper não sorriu, mas levantou os olhos ao céu.

     «Por fim», pensou Seth. «uma brincadeira que entende». Seth seguiu trocando canais; as imagens trocadas e as frases entrecortadas de centenas de atores tinham que estar irritando a outros, mas ele gostava do ruído. Parava um segundo ou dois nos programas que lhes pareciam interessantes, e logo seguia trocando de canal, para ver o que mais podia encontrar. Mas então ouviu algo que lhe fez deter-se.

     Parecia um grunhido: um gemido torturado e sofrido, procedente das profundidades do inferno.

     Voltou-se lentamente e viu que Reaper, que seguia no centro da habitação, estava dobrado sobre si mesmo e segurava a cabeça com as mãos. Parecia que tinha começado a tremer.

     — Né, Reap, o que há, tio? Passa-te algo?

     Reaper levantou a cabeça. Seu rosto se contraiu em uma careta de puro ódio, de raiva feroz. E seus olhos refulgiam.

     Seth sentiu que os seus se abriam de par em par e se levantou do sofá, deixando cair o controle remoto.

     — Que demônios...? — olhou para Roxy, que tinha agarrado a Topaz pelo pulso, e estava olhando aterrorizada ao Reaper. Seth não sabia muito de Roxy, mas não acreditava que ela se assustasse facilmente.

     — Saiam daqui! — disse.

     Topaz não vacilou. Deu meia volta e saiu correndo da habitação. Seth não pôde: Reaper estava entre ele e a porta.

     Demônios.

     Então Reaper se precipitou contra ele. Seth tentou esquivá-lo, mas não podia medir-se com ele. Nem em idade, nem em poder, nem em experiência. “Demônios”, pensou muito tarde, justo no momento em que as mãos grandes, carnudas e estranhamente quentes do Reaper se fechavam ao redor de sua garganta, não deveria haver dado o «grilo ruidoso» a Topaz.

     E então sentiu que aquelas mãos inclementes esmagavam sua traquéia, enquanto Reaper o olhava com olhos cegos e saltados, cheios de um ódio assassino.

     E logo tudo acabou. Ouviu-se um leve vaio, seguido de um estalo, e de repente as mãos de Reaper se afrouxaram. Seus olhos se alargaram um segundo, e logo caiu ao chão, primeiro de joelhos, apartando as mãos ao fim, e depois, enquanto Seth levava as mãos ao pescoço e tomava ar para diante, de bruços.

     Seth olhou a Roxy, que estava ao outro lado da habitação, com seu «grilo ruidoso» nas mãos. Viu o dardo se sobressair do traseiro do Reaper.

     — Demônios — resmungou.

     — Sim. Suponho que tinha razão ao insistir em que trouxéssemos isto.

     Seth se ajoelhou junto ao homem no qual começava a pensar como seu mentor, e amigo, e lhe tocou o ombro.

     — Que demônios se passou, Roxy?

     Ela não respondeu.

     — Ei, veja que ele acaba de tentar me retorcer o cangote. Não acha que mereço uma explicação?

     Ela apertou os lábios com força, e assentiu uma só vez com a cabeça.

     — Está bem! — disse . — Vai ficar feito uma fúria quando se inteirar de que lhe contei isso, mas cedo ou tarde terá que começar a abrir-se a alguém — baixou os olhos. — Seth, Raphael trabalhou para a Cia

     — Isso já me disse — respondeu ele. — Bom, mais ou menos.

     — Disse a que se dedicava?

     Seth assentiu.

     — Era... um assassino.

 

     — Um... assassino?

     Roxy e Seth se voltaram e viram a Topaz na porta, olhando-os a eles e ao Reaper com estupor.

     — Isso é absurdo, Seth. Não é próprio dele. — sacudiu a cabeça . — De acordo, de acordo, só faz um dia que o conheço, mas passamos horas e horas na caminhonete. Talvez tenha uma veia malvada, mas nunca se equilibraria sobre ti assim.

     — Sei — respondeu Seth - Isso... não sei que demônios era, mas não era ele.

     Roxy apertou os lábios.

     — Nunca foi ele. Mas o recrutaram quando era muito jovem, treinaram-no e o programaram sistematicamente.

     — Programaram-no? — repetiu Seth, bobamente.

     — Lavaram-lhe o cérebro — disse Topaz. — Tenho razão, Roxy?

     Roxy assentiu com um olhar triste.

     — A fúria que acabam de presenciar... Estamos seguros de que há uma palavra, possivelmente uma frase, que a dispara. E se a há, também há outra que a detém. Mas não sabemos quais são essas palavras.

     Seth olhou a seu amigo inconsciente com o cenho franzido; logo se agachou e o levantou do tapete.

     — Então, isto aconteceu antes? — perguntou, enquanto se aproximava do sofá, onde depositou ao Reaper.

     — Sim. Eu o vi já três vezes.

     — E não recorda nada em particular que se dissesse nesse momento? — perguntou Topaz em tom quase incrédulo.

     Roxy levantou as sobrancelhas, irritada porque aquilo tivesse soado como uma recriminação.

     — Recorda você alguma palavra em particular que se tenha dito justo antes de que ocorresse esta vez?

     Topaz franziu o cenho e esquadrinhou em sua memória.

     — Não. Há centenas de coisas. Estávamos falando, e Seth estava trocando de canais.

   — Exato. Assim é sempre — Roxy suspirou, tomou uma manta do respaldo de uma poltrona próxima, levou-a a sofá e a jogou sobre Reaper. — Não deve ser uma palavra ou uma frase comum. É muito estranho que ocorra isto. Faz uma década que deixou a agência e se transformou.

     — E em todos estes anos só ocorreu três vezes? — perguntou Seth.

     — Hei dito que eu só o vi ocorrer três vezes.

     Seth se deu conta de que aquilo não era uma resposta.

     — Alguma vez ele tem feito mal a alguém?

     Roxy o olhou aos olhos, assentiu uma vez com a cabeça, mas não disse nada.

     — Alguma vez ele tem... matado a alguém?

     — Matar era seu ofício — respondeu Roxy.

     — Refiro a depois de que deixasse o trabalho. Durante um destes... episódios.

     Roxy endireitou a manta no Reaper, embora já estivesse bastante direita. Tentava ganhar tempo, ou possivelmente decidir se devia ou não responder.

     O silêncio se prolongou e se fez mais tenso, e foi Topaz quem o rompeu com um sussurro:

     — Por que acha que sempre trabalha sozinho?

     Seth sacudiu a cabeça.

     — Poderia haver centenas de razões. Não sabe se...

     — Parece-me que já basta de especulações. Nenhum dos dois sabe uma merda, e fazer hipóteses é uma perda de tempo. Contei-lhes isto para lhes proteger. Se quiserem saber mais, terão que perguntar ao Raphael quando despertar.

     Seth mordeu o lábio inferior para não fazer mais pergunta sobre o passado do Reaper.

     — Quando acha que despertará? — perguntou.

     — Dentro de um par de horas. E já está quase anoitecendo, assim que o dia se acabou para ele. Quando o sol se pôr estará bem — passeou o olhar pela habitação. — Ele pode dormir onde ele está. — disse . — Vou fechar essas venezianas tão grossas. Devem tê-las para ver melhor o projetor de televisão. Uma sorte para nós. Seria melhor que vocês fossem procurar um lugar para descansar.

     — Você fica hoje aqui, não, Roxy? — perguntou Seth.

     — Bom, talvez vá comprar provisões e dar uma olhada pela cidade. Sendo de dia, não me acontecerá nada — lhe piscou um olho                                                                                                                                                                                                                                                                                        . — Além disso, tenho que admitir que eu gostaria de dar uma volta nesse Shelby.

     — Não lhe faça nem um arranhão.

     — Antes lhe faria um arranhão a Mona Lisa, Seth.

     — Deus, já começam outra vez — resmungou Topaz . — É um carro. E nem sequer é um Mercedes ou um Porsche, ou uma Ferrari — pegou Seth pelo braço. — Vamos, te ajudarei a escolher a habitação.

     Ele a olhou, desconcertado.

     Topaz fez uma careta e pôs os olhos em branco.

     — Bom, não levamos muito tempo nisto. Não quero que toda a casa cheire a pintinho queimado quando despertar.

     — A quem pretende enganar? — disse ele. — Você gosta.

     — Segue sonhando. O que ocorre é que não quero que Reaper se levante com ressaca e tome comigo por ter deixado que seu recruta novato se carbonizasse.

     — Você gosta, Tope.

     — Nem sonhando. E deixa de me chamar «Tope».

     — Por certo — disse ele — , vou necessitar que me devolva o «grilo ruidoso». Pode pedir outro a Roxy.

    

     Anoitecia.

     Vixen se levantou e se estirou, depois de dormir todo o dia. Que era o que fazia diariamente desde que a tinham transformado. Mas as noites eram piores. Ao menos, quando estava adormecida, não era consciente do passar do tempo. Passava rapidamente, sem dor. Mas de noite... A única coisa que podia fazer era passear pela cela em que a retinham. Andar acima e abaixo, daqui para lá. Oito passos de um lado a outro da jaula. Só seis da frente ao fundo.

     Era enlouquecedor. Necessitava espaço. Precisava correr, saltar, jogar. Necessitava da luz do sol, dos prados e ratos do campo que perseguir. Necessitava liberdade. Fazia dias que não a tiravam.

     — Bem, está levantada.

     Vixen não se surpreendeu ao ouvir aquela voz feminina. Havia sentido Briar se aproximar muito antes que a jovem abrisse a ruidosa porta do porão e entrasse. Mas desconfiava. Nunca se permitia esquecer o muito que Briar gostava de lhe infligir dor. Vixen pensava que possivelmente desse modo se sentia mais em paz com suas feridas interiores.

     — Sim, estou levantada.

     — Gregor disse que te leve para fazer um pouco de exercício. Mas te digo desde já que, se tenta escapar, torturar-te-ei como nem sequer imagina pudesse ser. Entendido?

     — Sim. E acredito em ti — mas Vixen sabia que o tentaria de todos os modos. Era o natural nela. Sua liberdade era muito preciosa para renunciar a ela tão facilmente.

     — Muito bem. Venha, se aproxime dos barrotes.

     Vixen olhou o que Briar tinha nas mãos. Um colar de couro com um gancho metálico e uma correia. Era como os que usavam os cães quando seus donos os levavam para passear. Piscou e se aproximou um pouco mais.

     — Não sou um cão.

     — Não. Mas pode levar o colar e a correia como se fosse, ou pode voltar a passar toda a noite sentada em sua jaula. Você escolhe.

     Vixen sentiu vontades de saltar sobre ela, de arranhá-la com unhas e dentes, de lhe fazer sangue, mas não serviria de nada. Sufocou aquele desejo e se aproximou dos barrotes.

     — Dê a volta, estira as costas... Isso — Briar colocou os braços dentro e com movimentos rápidos ajustou o colar ao redor do pescoço de Vixen e puxou para esticá-lo. Esticou-o muito.

     Vixen o puxou em vão com os dedos.

     — Afrouxa-o, por favor — disse.

     — Não! — Briar abriu a porta da cela. — Pode respirar, é somente o que importa. Quanto mais apertado esteja, antes me fará caso quando puxar a correia. Ah, e isto tem outros estímulos. Vê isto?

     Briar levantou um dispositivo pequeno, negro, de plástico, com um botão no meio. Sorriu lentamente.

     — Quer ver o que faz?

     Vixen sacudiu lentamente a cabeça da direita para a esquerda.

     — Oh, vamos. Morro por prová-lo. Nem sequer tem curiosidade?

     — Não. Comportar-me-ei bem, prometo-lhe isso. Briar suspirou e voltou a guardar o dispositivo em seu bolso.

     — Espero que tente escapar ao menos uma vez. Gostaria muito de ver como funciona o colar de descargas — encolheu os ombros. — Claro que suponho que não tenho que esperar a que tente escapar, verdade? Posso te dar uma descarga quando quiser. E tantas vezes como gosto. Verdade, Vixen?

     Vixen baixou a cabeça.

     — Poderia. Mas, então, qual seria meu incentivo para não tentar escapar? Se for me fazer mal de todos os modos...

     — Hmm. É inteligente, para ser um animal. Mas tome cuidado, tem sensores. Se tentar tirar isso ou movê-lo sem permissão, te dará uma descarga o bastante forte para te matar. Vamos — Briar abriu a porta da jaula, sujeitou a correia ao colar e a conduziu através do porão. Subiram duas escadas, até a porta grande e ruidosa. Era de aço, e chiava e grunhia quando se abria, e chiava quando se fechava. Vixen tinha chegado a odiá-la. Mas, quando a deixaram atrás, subiram outro lance de escadas e passaram por uma porta que dava para a noite.

     Vixen ficou ali parada um momento, respirando o ar fresco e limpo. Sentia um milhar de aromas, muitos mais que quando se convertia em raposa. E ouvia tudo, além disso: cada pássaro, cada inseto, cada animal que cruzava os campos e bosques que rodeavam aquele lugar. Podia identificá-los todos por seu aroma e o ruído que faziam.

     — Cruzaremos esse campo e voltaremos. De acordo?

     Vixen se voltou para Briar. E compreendeu que tinha um olhar suplicante, mas não lhe importou.

     — Podemos correr?

     Briar entreabriu os olhos e olhou para o campo.

     — Vê essa árvore retorcida do fundo?

     — A macieira? Sim.

     — Se for um passo além dela, eu usarei o controle remoto. Produz uma descarga elétrica que vai diretamente a seu pescoço. Entendido?

     — Doerá — disse Vixen.

     — Doerá tanto que te derrubará.

     — Não passarei da macieira — disse Vixen. Logo olhou para a direita da árvore e disse— : Nem além de...

     — Essa rocha dali. Está vendo?

     — A rocha — disse Vixen assentindo com a cabeça.

     — Está bem. Adiante. Por mim, pode correr até cair de cansaço — Briar soltou a correia e sentou sobre um tronco vazio. — Siga.

     Vixen pensou que podia trocar de forma, soltar do colar e escapar. Mas não. A mudança levaria muito tempo. Briar a veria, e a eletrocutaria.

     Vixen temia que Briar utilizasse o controle que levava no bolso só para se divertir, mas possivelmente não. Ao menos podia correr. Meteu-se correndo no campo, assombrada pela rapidez com que se movia agora. A erva fresca e frondosa lhe acariciava os pés nus, e o ar que açoitava sua cara nunca lhe tinha cheirado tão doce. Aproximou-se da macieira e se deteve; logo deu três cambalhotas antes de pôr-se a correr para o este, até a rocha. Ao ver que Briar não lhe lançava nenhuma descarga, começou a relaxar-se um pouco e até se surpreendeu sorrindo enquanto se jogava no prado, sob as estrelas.

     Em certo momento, Vixen olhou para trás e lhe pareceu ver que sua captora sorria enquanto a contemplava. Mas Briar voltou rapidamente a cabeça.

     Vixen franziu o cenho e farejou o ar, surpreendida pela ausência de maldade que acabava de sentir. Normalmente, maldade era a única coisa que sentia emanar daquela mulher de coração negro. Mas acabava de sentir um muito leve vestígio do que parecia... uma lágrima.

    

     Seth ouviu uma risada de mulher e se perguntou de que demônios ria Topaz. Mas quando lhe lançou um olhar viu que estava muito séria. Nem sequer sorria.

     — Olhe, a única coisa que tenho que fazer é fingir que tenho algum problema — insistiu Roxy . — Sou uma boa atriz. Posso projetar medo com a suficiente convicção para que qualquer vampiro que haja por aqui o capte. Sei que posso. Então virão me ajudar e os interrogarei sobre esse bando de renegados... sutilmente, é obvio... E...

     — E se formarem parte do bando? — perguntou Reaper.

     — Podem segui-los, quando partirem.

     — Já — disse Seth . — Justo depois de que lhe degolem — outra risada.

     Ele olhou a Topaz com aborrecimento.

     — O que é que te faz tanta graça? Não nos quer contar isso?

     — Isto não tem nenhuma graça. Os vampiros não podem fazer mal aos Escolhidos, Seth. Todo mundo sabe. Isso que se diz de que esse bando pode, não são mais que falatórios. Eu não acredito. Os vampiros nunca fazem mal aos Escolhidos.

     — Ah, sim? E os Escolhidos nunca vivem além dos trinta anos. Isso também sabe todo mundo — respondeu ele, e assinalou a Roxy com a cabeça.

     — Insinuas que aparento mais de trinta anos? — Roxy o olhou com os olhos muito abertos, cheios de indignação fingida.

     — Só digo que... — ele se interrompeu. Aquela risada outra vez. Doce, suave, infantil. Olhou a seu redor e viu que não procedia de Topaz. Nem tampouco de Roxy.

     — Seth tem razão — disse Reaper . — Roxy, não podemos permitir que arrisque sua vida para encontrá-los.

     — Ouvem isso? — perguntou Seth.

     — O que? — Roxy o olhou com o cenho franzido; logo pareceu escutar. Os outros fizeram o mesmo.

    — Imagine como se alguém estivesse rindo. Uma mulher — disse Seth.

     Os outros se olharam entre si, sem nada entender.

     — Faz dez minutos que a ouço. É como... Demônios... — resmungou Seth ao dar-se conta do que ocorria. — Acredito que é ela.

   — Ela? Quem? — perguntou Roxy.

     Seth olhou a ela e logo para Reaper.

     — É dos nossos, ou possivelmente uma Escolhida, que me enforquem se eu sei. Acredito que está em perigo — ou isso tinha pensado, a última vez que havia sentido sua presença. A risada que ouvia indicava algo completamente distinto.

     — Se houvesse um Eleito em perigo por aqui perto, Seth, todos o sentiríamos — explicou Reaper.

     — Acredito que talvez eu esteja um pouco mais... conectado a ela que vós.

     Reaper levantou as sobrancelhas. Topaz baixou o queixo, fixou os olhos no Seth e piscou rapidamente, fingindo que não entendia nada, sem dizer uma palavra.

     Roxy se aproximou de Seth e lhe pôs uma mão sobre o ombro.

     — Seja o que for, está te afetando, verdade? — voltou-se para olhar aos outros. — Reaper, por que não dá uma volta de carro com o Seth? Pode te conduzir até essa garota, seja quem for. Talvez capte algo.

     — Temos que encontrar a pista desses renegados, não nos distrair com tolices — respondeu Reaper, irritado.

     — Está perto. E vou atrás dela — disse Seth. — De um modo ou de outro.

     — Onde há um Eleito em perigo, Raphael — disse Roxy, falando lentamente e com paciência aparentemente infinita— , é seguro que também há vampiros. E se for um vampiro e está em perigo, talvez lhes agradeça tanto a ajuda que lhes diga o que saiba sobre esses renegados. Desta pequena distração, talvez se possa conseguir tanta informação como de qualquer outra coisa.

     Reaper assentiu com a cabeça, e Seth se sentiu suspirar de alívio.

     — Topaz e eu exploraremos um pouco em direção contrária, a ver se encontramos alguma pista — disse Roxy.

     — Tomem cuidado! — disse Reaper. — Os bloqueiem bem. Não quererão que adivinhem o que estão tramando.

     — Tomaremos cuidado, mas tenham em conta que certamente eles farão o mesmo — Roxy olhou a Topaz . — Sabem que vamos atrás deles. Tentarão eliminar a nossos meninos um dia antes que lhe conhecêssemos.

     — Isso não me tinha contado— disse Topaz a Reaper, em tom de recriminação, com um olhar surpreendido.

     Ele encolheu os ombros.

     — Não perguntou.

     Topaz pôs os braços em jarras.

     — Há algo mais que te tenha calado e que talvez deva saber?

     — Agora não me ocorre nada — Reaper se voltou para Roxy . — Seth e eu iremos a pé. Vocês podem levar o Shelby. Não quero que ninguém veja sua caminhonete. Entendido?

     — Sim, claro — disse Roxy com uma piscada . — Mas... desde quando me diz o que tenho que fazer?

     Reaper pôs os olhos em branco e se voltou para Seth.

     — Pode indicar alguma direção?

     — Acredito que sim — Seth se pôs a andar, precedendo a seu amigo. Todas as células de seu corpo se estremeciam, cheias de espera. Reaper o seguiu de perto.

    

     Vixen o sentiu antes de vê-lo. Estava perseguindo um camundongo de campo pela erva cheia, tentando apanhá-lo com as mãos, quando sentiu uns olhos cravados nela e que outro espírito a tocava. Aquela sensação foi tão real e tão intensa que a fez deter-se. Parou em seco e permaneceu ali, paralisada no campo, olhando a seu redor.

     Então o viu. Estava escondido entre as árvores, observando-a intensamente. Ao vê-lo, algo dentro dela se encolheu e se esticou. Havia outro com ele. Vampiros ambos, mas o primeiro era jovem, e ainda muito humano, enquanto o outro era mais velho, mais duro... e perigoso.

     — O que ocorre, Vixen? — gritou Briar.

     Vixen apartou rapidamente o olhar; sabia que não devia revelar a presença dos intrusos para aquela mulher fria e cruel. Briar desfrutaria jogando-os em uma jaula e torturando-os.

     — Nada. É só um camundongo.

     Vixen voltou a deslizar o olhar para eles, desejou que se fossem, inclusive fez um leve gesto com as mãos para afugentá-los. Quem eram? O que queriam?

     Um deles, o mais jovem, comovia-a profundamente. Tinha a impressão de conhecê-lo. Então se deu conta de que o conhecia. Havia-no sentido. Era ele! Havia-no sentido uma só vez, mas tinha sonhado com ele essa mesma manhã. Não tinha sido um sonho complexo, a não ser só uma imagem. Unicamente sua cara. E era exatamente igual a de sua imaginação.

     Ele tinha ido ajudá-la. Estava ali... só por ela.

     Vixen não sabia o por quê. E não tinha nem idéia do que causava aquela densa quebra de onda de ternura que atravessava seu ser, nem a tensão de sua garganta, nem o nó que notava no estômago.

     Mas ele era importante. Estava segura disso, embora não o compreendesse. E, entretanto, se sentia ao bordo das lágrimas... e ela nunca chorava.

     — Vamos! — gritou Briar. — Já tem feito bastante exercício por uma noite. Gregor estará se perguntando onde estamos, e eu preciso comer. Acabou-se o recreio.

     — Está bem. — Vixen não se atreveu a queixar-se, sabendo que Briar levava aquele dispositivo no bolso.

   — De repente, você está muito dócil. — disse a outra jovem, quando Vixen voltou, por entre a erva densa, inalando profundamente para cheirar o ar da noite, tanto quanto fosse possível, enquanto ainda pudesse.

     Quando chegou junto a Briar, esta voltou a enganchar a correia no anel do colar e a conduziu à porta do porão da mansão. Vixen tinha jogado pela primeira vez uma olhada à casa do exterior, mas podia dizer muito pouco. Sua porta e aquele campo estavam na parte de trás da casa, e havia árvores e trepadeiras em todas as direções. A casa era de tijolo vermelho, e enorme. Além disso, havia pouco que ver.

     Ao entrar, Vixen olhou para trás uma só vez e sentiu angústia ao notar que os homens as seguiam. Idiotas. Iam acabar tão mal como ela. E então não poderiam ajudá-la.

     Em caso de que pensassem ajudá-la, claro. Mas embora não pudesse estar segura de que tivessem ido para isso, sentia-o nas tripas. Aquela certeza, entretanto, não parecia proceder do vampiro mais velho dos dois, mas sim do mais jovem. Era uma promessa tácita, só uma idéia, mas formulada com tanta paixão e força de vontade que era impossível a interpretar mal.

     «Vim por ti. Ajudar-te-ei. Prometo-lhe isso».

     «Sei», respondeu-lhe ela mentalmente, justo antes de que a porta se fechasse. «Estava te esperando. Mas, por favor, não me faça esperar muito mais».

    

     — Viu-a?

     Reaper assentiu com a cabeça, tentando dominar o ritmo de seu coração. Tinha-na visto. Aquela moça selvagem, de cabelo escuro como uma nuvem de tormenta, olhos como veludo negro e uma frieza, uma dureza, um fio de crueldade que a rodeavam como uma aura.

   — Vi-a, sim.

     — Como corria e dava cambalhotas pelo campo... Como uma menina apaixonada pela vida. E alguma vez viu um cabelo assim? Meu Deus, que cabeleira, tão larga e densa, e brilhante como o cobre.

     — Como o cobre? — Reaper olhou a seu tutelado de novo e logo se despertou. Seth se referia, naturalmente, à criatura infantil que dançava entre as flores silvestres, não a cruel dominadora que levava a correia da moça. Naturalmente. Só que a ele esta última parecia muito mais cativante.

     — Viu como a outra, a má, punha-lhe a correia? — perguntou Seth, olhando para a mansão, ao longe . — A ruiva deve ser uma espécie de prisioneira aí dentro.

     — Sim, isso parece. E a morena mencionou o nome do Gregor. Acredito, Seth, que seu instinto e sua... conexão com essa jovem... conduziram-nos exatamente aonde temos que estar.

     Seth sorriu. Com um sorriso radiante.

     — Não te dê tantos ares, pintinho. É o que fazem os vampiros.

     Seth assentiu com a cabeça.

     — Só me alegro de estar melhorando. Embora na realidade foi ela, Reap. Não eu, nem meu instinto. Ela me atraiu até aqui. Não sei como. É...?

     — Um vampiro — disse Reaper, adivinhando sua pergunta . — Você mesmo o há sentido, não?

     — Bom, sim. Mas... — Seth vacilou. Reaper insistiu.

     — Vamos, me diga. Que mais?

     Seth franziu os lábios, pensativo; logo tomou uma decisão, assentiu com a cabeça e continuou:

     — Notei que não era uma Escolhida. Já não. É um vampiro. Muito jovem, também.

     — E?

     — E há algo mais. Algo... estranho. Distinto. Mas não sei o que é — olhou para Reaper como se aguardasse uma resposta.

     Reaper assentiu.

     — Isso é o que tenho sentido, também. Mas tampouco sei o que é, Seth. Não é somente um vampiro. Isso sei.

     — É muito mais — disse Seth. Sua voz se suavizou, e Reaper viu a expressão de seus olhos quando olhava para a mansão. Tinha visto antes aquele olhar, e o sentiu pelo menino. Mas sabia que nem todos os conselhos do mundo poderiam trocá-lo.

— O que fazemos agora? — perguntou Seth. — Temos que entrar.

     — Vamos esperar um pouco mais, e a vigiar — disse Reaper . — A morena disse que queria comer. Assim, eu acredito que sairão logo, a não ser que tenham uma provisão de vítimas na mansão. E não sinto nenhuma — logo franziu o cenho . — É estranho, não noto nada absolutamente dentro desses muros. Devem ser extremamente hábeis bloqueando suas mentes.

     Seth tragou saliva.

     — Matam quando se alimentam, verdade?

     — Por isso são renegados, Seth.

     — Temos que detê-los.

     Enquanto dizia isto, um grupo de vampiros saiu pela parte dianteira do edifício. Não lhes via de onde estavam Seth e Reaper, mas lhes sentia. Reaper fechou os olhos e se concentrou. Eram vários. A morena ia entre eles. A ruiva não.

     — Sentiu isso, Seth?

     — Sim. Tem razão, uns quantos se vão. Mas ela não está com eles. E sei que quer ir atrás desse bando, Reap, mas não posso deixá-la aqui.

     Reaper o observou um momento.

     — Seth, é importante que não tome por outra coisa a força do vínculo que sente com essa mulher. Que não acredite que é algo mais. É difícil distinguir, sobretudo para um vampiro tão jovem como você. Mas é distinto.

     — Terei isto em conta, Reap.

   Reaper suspirou e assentiu com a cabeça, resignado. Seth era um homem, e heróico. Tinha que fazer o que se sentia impulsionado a fazer, e Reaper não devia tentar dissuadi-lo. Aquele arrogante pintinho entraria na mansão antes que acabasse a noite, por mais que ele dissesse ou fizesse para tentar impedi-lo. Assim, não tinha sentido tentá-lo.

     — Está bem — disse por fim . — Separaremos-nos. Você fica aqui, tenta vigiar a casa e, se achar que pode entrar para falar com a garota, faze-o. Mas, Seth, por favor, não entre aí se correr perigo de que lhe apanhem. Não estaria arriscando a sua própria vida, mas também a minha missão. Entendido?

     Seth assentiu, mas tinha os olhos fixos na porta traseira, através da qual tinha desaparecido a ruiva.

     — Eu seguirei aos outros — continuou Reaper . — A ver se consigo que matem o menos possível.

     — Está bem.

     — Tome cuidado, Seth.

     Seth assentiu com a cabeça, e Reaper partiu.

    

     Seth decidiu que, em realidade, não fazia falta que seguisse as instruções do Reaper ao pé da letra. Que demônios, não fazia falta que as seguisse absolutamente, disse a si mesmo. Tentou esquadrinhar a casa, captar quantos havia dentro e quais eram, mas não sentiu nada. Era como se não houvesse ninguém vivo atrás daqueles muros.

     De modo que esperou, justo até que esteve seguro de que Reaper se foi, e logo saiu de seu esconderijo e se aproximou da porta pela qual tinha visto passar à garota. Provou o trinco, mas estava fechado com chave, como esperava. E, entretanto, a fechadura não era muito forte. Não para um vampiro.

     Ainda lhe eletrizava sentir o quanto era poderoso agora. O modo em como podia fechar a mão ao redor do trinco e girá-lo até que a fechadura cedia e se rompia. Logo colocou o ombro junto a porta e empurrou, não muito forte, e outros ferrolhos cederam. A porta se abriu e Seth entrou e olhou, e sentiu, a seu redor, em busca de inimigos escondidos entre as sombras. E os sentiu. Havia montões deles, incontáveis energias, todas elas aparentemente estranhas, mas distintas a da garota. As vibrações que captava eram surdas, lentas e pesadas. E nenhuma delas estava perto.

     Ela sim estava, em troca. Sua essência o chamava, atraía-o, e Seth avançou para ela quase cegamente, embora soubesse que Reaper lhe daria uma patada no traseiro por ser tão imprudente se soubesse. E, entretanto, não podia resistir a aquela estranha atração.

     Baixou dois degraus, atravessou um corredor de pedra e logo a viu. Estava em uma cela, rodeada de barrotes como uma jaula, no final do corredor. Permanecia ali de pé, com as mãos nos barrotes, entre os quais aparecia sua bela cara, quase de duende, como se soubesse que Seth ia chegar.

     E provavelmente sabia.

     Era um vampiro. Mas sua energia era distinta a dos poucos vampiros que Seth conhecia. Até Reaper o tinha reconhecido. Era mais selvagem, mais brilhante, mais vivida e caótica. E Deus, aqueles olhos...

     — Sou Vixen — disse ela . — Veio me ajudar, verdade?

     — Sim. — ele quase não pôde articular aquela única palavra, e muito menos explicar a razão pela qual estava ali.

     — Sabia que viria. Estava te esperando. Eu te... senti — ela o olhava diretamente aos olhos, sem acanhamento algum . — Te desejava. Mas... por que te sinto com tanta força? E por que quer me ajudar? — perguntou.

     Seth franziu o cenho enquanto procurava uma resposta.

     — Não sei. Mas eu também te senti — tocou sua mão, deslizando a sua sobre a dela ali onde se aferrava a um barrote. — Importa, na realidade?

     Ela olhou sua mão, e ao Seth pareceu que se estremecia. Então ela baixou a cabeça. Suas densas pestanas descenderam sobre os olhos de cor amêndoa mais exóticos e expressivos como Seth nunca tinha visto. Mas não respondeu.

     — Por que lhe têm aqui encerrada? — perguntou.

     — Não sei — levantou a cabeça e o olhou aos olhos . — Às vezes me fazem mal.

     Os músculos de Seth se contraíram, cheios de necessidade... de necessidade de golpear a alguém. Faziam-lhe mal? Olhou a seu redor, esperando ver uma chave, talvez pendurada de um gancho na parede. Mas não viu nada.

     — Quem tem a chave?

     — Não sei. Está acostumado a tê-la quem baixa para me atormentar. Briar, ou Gregor, ou Jack, ou um dos outros. Os grandalhões.

     Os grandalhões, né? Seth a olhou e se perguntou que classe de vampiros desfrutavam machucando a uma mulher como ela. Gostaria de conhecê-los. Mas o primeiro era o primeiro. Não necessitava nenhuma chave. Ao diabo as chaves. Viu um machado. Faria ruído, mas...

     Agarrou-o e começou a golpear a porta da jaula.

     Golpeou-o uma e outra vez, e a fechadura começava a ceder quando os sentiu aproximar-se. Outros vampiros corriam desde acima, baixavam a toda pressa para onde estava, sem nada com que defender-se, salvo um machado.

   Golpeou outra vez.

     — Quando a porta se abrir, quero que saia correndo — disse . — Eu os reterei enquanto possa. Procura o homem com que eu estava. Reaper. Ele te ajudará.

     — Mas... não pode ficar aqui.

     Ele voltou a golpear a porta.

     — Far-lhe-ão mal! — gritou ela.

     Seth atirou outro golpe. A porta da cela se abriu.

     — Corre! Vai!

     Ela saiu, agarrou-o pelo braço e puxou.

     — Matar-lhe-ão. E nem sequer sei seu nome.

     Chegaram a uma porta de madeira, mas os outros estavam já no porão. Havia uma dúzia, ao menos: grandes, desproporcionados, torpes, com olhos apagados e mortos, e uma energia densa e pesada que os rodeava. Estavam-se aproximando. Vixen chegou à porta, abriu-a de um puxão e se voltou para Seth.

     Não o conseguiria se ele ia com ela. Nenhum dos dois o conseguiria. Ele tinha que conter aqueles bestas, lhe dar uma oportunidade. Olhou-a aos olhos ao tempo que os vampiros se equilibravam para ele desde atrás.

     — Seth — disse . — Chamo-me Seth — logo a empurrou para fora, fechou a porta e se voltou, levantando o machado, preparado para lutar.

    

     O bando de renegados se separou ao chegar às ruas de Savannah. Reaper tinha visto o Gregor, e tinha visto o Jack. Havia outros, cujos nomes esquecera assim que os ouviu, principalmente porque lhe importavam um nada. Tinha visto a Briar e isso lhe parecia o mais urgente, embora fosse absurdo: no fim das contas, seu objetivo era Gregor.

     E entretanto, quando se separaram, embora soubesse que devia seguir a Gregor, optou por seguir a ela. Havia algo naquela garota que o impulsionava a observá-la, a falar com ela, a descobrir o que era que a movia. Por que estava com aquele bando de renegados?

     E, o que era mais importante, por que ela importava a ele?

     Talvez reconhecia em seus olhos uma alma muita parecida com a sua.

     Ou talvez só queria reconhecê-la.

     De modos que a seguiu. Ela caminhava pelas ruas como se as conhecesse, e dela não emanava nenhum pingo de medo. Estava procurando algo. A alguém.

     Uma vítima.

     Encontrou uma muito em breve. Um homem, de trinta e tantos anos, loiro, completamente comum, saiu dando tombos de um bar e girou primeiro à esquerda e logo à direita, com expressão vazia. Como se visse algo ao longe, assentiu satisfeito com a cabeça, procurou em seu bolso e tirou um jogo de chaves. Logo, ele pôs-se a andar a tropicões pela calçada, para seu carro, um esportivo pequeno, de aspecto caro. Reaper se permitiu um pequeno sorriso ao pensar que seu jovem protegido conheceria certamente a marca, o modelo, o ano de produção e a potência do motor. Seth adorava os carros.

     Reaper estava preocupado pelo menino, e abriu rapidamente sua mente para captar qualquer sinal de angústia que procedesse dele. Mas não sentiu mais que um silêncio mortal.

     Que estranho. Não acreditava que Seth fosse ainda tão bom bloqueando sua mente. Deveria haver sentido algo.

     A vampiresa faminta se adiantou ao bêbado sem que ele o notasse e, quando o homem chegou ao carro, estava apoiada na porta do co-piloto, esperando. Reaper se pegou às sombras, mantendo bloqueadas suas energias e sua mente para que ela não o pressentisse. Tinha curiosidade, sentia-se impelido a observá-la. Em parte, ele esperava que não resultasse ser uma assassina, como os outros membros do bando.

     — Suponho que não quererá me levar, verdade? — perguntou ela. O bêbado se deteve, de pé na calçada, e a olhou piscando como se não estivesse seguro de que fosse real.

     — Eu, né, certamente não deveria. Minha mulher...

     — Nunca saberá. Prometo-lhe — deixou que seu olhar se deslizasse por seu corpo e se detivesse em sua braguilha. — E te compensarei.

     O homem umedeceu os lábios e a olhou de cima abaixo. Reaper não acreditava que ele tivesse a coragem de rechaçá-la, o qual não falava muito bem de seu matrimônio. Claro que Briar era um bombom. Miúda, mas voluptuosa. Morena e exótica. Exsudava sexo, como um perfume. Emanava dela. Sexo... e violência. Reaper não queria senti-lo, mas o sentia. Não o sentia também aquele idiota bêbado?

     — Dou... onde quer ir?

     — A cinco quadras daqui — ela assinalou . — Mas possivelmente deva conduzir eu, mmm? Parece que tomaste uma taça a mais.

     — Disso nada, carinho. Esta preciosidade só a conduz eu.

     — Baterá — disse ela.

     — Cheguei em casa em condições muito piores — apontou ao carro com o chaveiro e apertou um botão para desbloquear as portas; logo assinalou com a cabeça quando os faróis do carro lhe deram a boa-vinda . — Como te chama, por certo?

     — Briar — disse ela.

     — Eu sou Jim.

     — Não me importa.

     Ele enrugou o cenho um segundo; logo encolheu os ombros.

     — Suba.

     Ela abriu a porta e se meteu no carro lenta e sensualmente. Ele a observou; logo entrou a seu lado e se sentou atrás do volante. Havia pouco tráfego, ninguém que visse o que ia acontecer. Reaper poderia ter intervindo nesse momento, mas tinha curiosidade, e estava excitado. Mas não ia deixar que Briar matasse aquele tipo. Prometeu a si mesmo. A deteria antes que chegasse tão longe, embora rezava por não ter que fazê-lo. Para que ela não chegasse a esse extremo. Para que não matasse aquele homem.

     Reaper via a perfeição quando ocorria. E os ouvia, inclusive com as portas e os guichês do carro fechadas. Afinal de contas, era um vampiro. O homem, Jim, colocou a chave no contato. Briar pôs uma mão sobre a sua.

     — Primeiro um beijo — ela sussurrou.

     Jim a olhou fixamente, enquanto ela se inclinava. Os lábios de Briar tocaram os seus, e sua mão ficou frouxa. As chaves caíram ao chão com estrépito. Jim se voltou para ela, rodeou-a com ânsia, apertou-a, e Reaper sentiu que um brilho de ira se elevava dentro dela, sentiu que o dominava e que o reprimia deliberadamente.

     Briar apartou a boca da dele, deslizou-a por sua mandíbula e foi aproximando-a de seu pescoço, e Reaper sentiu que pensava que devia dar-se pressa, porque não suportava mais aquele manuseio. Ela alcançou seu pescoço. Agarrou a parte de atrás de sua cabeça, a inclinou bruscamente e, colando a boca nele, afundou-lhe os dentes e bebeu.

     — Eh! — ele fez ameaça de retirar-se, mas não podia competir com sua força. Briar o tinha prendido em um abraço mortal, e um segundo ou dois depois já não lhe importou. Estava caindo no feitiço, naufragando no êxtase de ver-se devorado, de fundir-se com outro ser, de um prazer irracional e insondável, quase impossível de suportar.

     Reaper conhecia aquela sensação. Conhecia-a bem.

     O coração da vítima começou a pulsar mais devagar, e, entretanto, ela seguiu alimentando-se, seguiu bebendo. Ia acabar com ele.

     Reaper sacudiu a ânsia de sangue que tinha despertado nele aquela cena e se lançou para eles, movendo-se com velocidade sobrenatural. Abriu a porta, agarrou Briar pelas costas de sua pequena jaqueta de couro negro e a tirou a rastros do veículo.

     Jim se desabou em seu assento; dos dois orifícios de seu pescoço gotejava sangue.

     Briar se voltou bruscamente para Reaper e lhe arranhou a cara.

     — Como se atreve?

     — Claro que me atrevo, Briar — assinalou com a cabeça ao homem do carro. — Já tomaste suficiente. Um pouco mais e o teria matado.

     — Esse era o plano.

     — Tirar-lhe-ia a vida? A um inocente?

     — E o carro, também — fechou a porta de repente e ficou ali, olhando-o. — Quem caralho é você, e de onde saiu, interrompendo minha comida?

     Ele ficou olhando-a um momento.

     — E bem? Não quer me dizer quem é antes que lhe mate?

     Aquilo fez sorrir ligeira e amargamente a Reaper.

     — Você não poderia me matar, Briar. Nem sequer o tente. Não quero te fazer mal. E como não quero te fazer mal, advirto-a que está em grave perigo.

     Ela olhou a seu redor.

     — Por que? Por ti?

     — Por esse bando com o qual você anda. Por seu líder — ela entreabriu os olhos. — Vão por aí matando inocentes. Não tomam precauções. Não lhes importa se lhes vêem. Deixam os corpos para que os encontrem outros mortais. Está expondo a toda a raça dos não mortos e nos estão convertendo em objeto de ódio e temor... mais ainda do que já o somos. Sem dúvida, não acreditará que os vampiros do mundo vão permitir que essa classe de comportamento fique sem castigo.

     Ela o observou mais atentamente, esquadrinhando seu olhar.

     — É você, não é verdade? Que mandaram para matar ao Gregor?

     Ele assentiu lentamente.

     — Sim. Sou consciente de que já sabe que vou atrás dele, assim não me custa nada lhe dizer isso.    

     — Oh, vai te custar muito.

     Enquanto Reaper tentava adivinhar o que ela queria dizer, Briar se equilibrou sobre ele. Golpeou-lhe com os dois punhos unidos na mandíbula, como uma massa, e ele saiu despedido. Suas costas golpearam um muro de tijolo, e esteve a ponto de deslizar-se até o chão.

   Sacudiu a cabeça e se incorporou, mas Briar já estava ali: lançou-lhe uma forte patada na boca do estômago, e Reaper se dobrou e deixou escapar um gemido de dor.

     Ela o golpeou então na nuca com os punhos, e Reaper caiu de joelhos e se apoiou nas mãos, assombrado pela ferocidade de seu ataque.

     — Vou te matar — disse ela. — Ninguém vai machucar ao Gregor.

     — Está apaixonada por ele? — perguntou Reaper, embora sua voz soasse áspera e entrecortada pela dor.

     — Estou em dívida com ele.

     Reaper ouviu o silvar de uma lâmina ao sair de sua capa e compreendeu que não podia seguir sem fazer nada. Estendeu um braço, segurou um dos pés de Briar e, quando ela caiu ao chão violentamente, deu um salto e aterrissou sobre ela, agarrando-a com força. Sujeitou-lhe os pulsos contra a calçada de ambos os lados da cabeça e se sentou escarranchado sobre suas coxas. Seus quadris apertavam os dela contra o chão.

     Levantou o olhar para suas mãos, uma das quais sujeitava ainda a adaga.

     — Solta a faca — disse.

     — Me mate se quiser. Não vou soltar.

     — Não vou te matar.

     — Então, por que demônios vou soltar a faca?

     Ele levantou a cabeça, fixou os olhos nos dela e os deslizou logo por seu pescoço.

     — Porque vou beber de ti se não a soltas.

     Ela não se moveu, ficou ali, ofegando, paralisada. De modo que ele baixou a cabeça, deixou que seus lábios tocassem a pele do pescoço de Briar, abriu-os um pouco e chupou.

     A faca caiu à calçada.

     Mas, Deus. Reaper não acreditava que pudesse deter-se já. Chupou um pouco mais forte, apertando muito levemente com os dentes.

     — Soltei a faca — disse ela . — Aparta sua suja boca de mim e deixa que me levante.

     Ele não o fez. Seguiu chupando, lambendo. Sentiu que o coração do Briar se acelerava, igual ao seu. Ia fazê-lo. Ia tomá-la. Só um sorvo, apenas uma gota que saborear.

     E então ouviu algo que lhe fez deter-se. Uma mulher, uma vampiresa, lhe falando mentalmente, e uma sensação de pânico que acompanhava suas palavras.

     «Reaper, se estiver aí, Seth está em perigo. Necessita sua ajuda ou o matarão.” “Por favor, se apresse».

 

     Seth brandiu o machado com força, cortando a cabeça do primeiro vampiro que saltou sobre ele. O sangue salpicou quando o corpo desabou como um saco de tijolos, e a cabeça saiu rodando, com a cara contraída em uma horrível careta.

     Mas havia mais três capangas do Gregor atrás do primeiro. Não falaram: lançaram-se para ele, grunhindo e agitando os braços carnudos. Um deles lhe deu na cabeça e Seth caiu ao chão, mas se refez e, incorporando-se, brandiu o machado e lhe cortou o pé à altura do tornozelo.

     A criatura proferiu um uivo, derrubou-se e rodou pelo chão enquanto emanava o sangue. Sangrar-se-ia em seguida, não?, pensou Seth. Isso era o que lhe havia dito Reaper. Mas, que demônios, não havia tempo para pensar. Havia mais. Deus, de onde saíam? Brandiu o machado outra vez, golpeou algo, um braço ou possivelmente uma cintura, e estendeu o braço para trás para abrir a porta. Certamente Vixen já estaria longe e se encontraria a salvo.

     Abriu a porta, mas seguiam chegando. Alguém o agarrou pela camisa e o puxou para dentro. Outro lhe deu um murro em plena cara, fazendo-o cair ao chão, e um terceiro lhe pisoteou o braço e lhe arrancou o machado; levantou o machado por cima da cabeça e Seth tampou a cara com o braço livre, preparado para enfrentar-se a seu destino.

     Então se lembrou do «grilo ruidoso» que tinha pedido a Topaz. Rodou para se esquivar do machado, tirou a pequena pistola da capa que levava sob a camisa, rodou de novo e disparou.

     O tipo do machado caiu, soltando a arma. Ainda ficaram outros dois frente a Seth, e outros mais à frente, mas Seth lhes apontou com a pistola.

     — Quietos. Se apartem. Agora mesmo... ou serão os seguintes.

     A pistola só disparava um dardo de cada vez, mas aqueles gorilas não sabiam. Retrocederam, olhando a arma e a seu camarada estendido no chão.

     — Recolham — disse Seth.

     Um deles o fez. Logo Seth os conduziu à jaula onde Vixen tinha estado encerrada como um animal. Fez-lhes entrar, depois fechou a porta. Tinha quebrado a fechadura, mas colocou o cabo do machado entre os barrotes. Não os reteria muito tempo, mas desse modo ganharia um minuto ou dois.

     Finalmente se voltou e saiu correndo do porão úmido e mofado, recarregando sua pequena pistola pelo caminho. Ao subir as escadas, agarrou uma alavanca que pendurava de um prego, na parede. Logo saiu e aspirou o ar deliciosamente fresco. Fechou a porta as suas costas e colocou a alavanca através do puxador, para impedir que se abrisse facilmente.

     — Disse-lhe que não entrasse a menos que fosse seguro — disse Reaper.

     Seth se separou da porta, agarrou o braço do Reaper e pôs-se a correr pelo caminho.

     — É muito lento, amigo. Mas mesmo assim me alegra saber que te importo o suficiente para vir quando te chamo.

     — Não ouvi sua chamada, Seth. Avisou-me uma desconhecida. Sua ruiva, eu suponho.

     — Está bem, então? Sabe onde...? — interrompeu-se ao ouvir um grito angustiado ao longe. Olhou a Reaper e pôs-se a correr a toda velocidade para o bosque, empunhando a pistola de dardos. Os gorilas do Gregor lhe tinham ferido e açoitado, mas de repente seu corpo inteiro parecia revivificado pela dor, e sabia que era a dor de Vixen o que sentia.

     Alguém a estava torturando horrivelmente.

     — Vou matar ao filho de...

     E então viu Vixen no chão, encolhida, tremendo e gemendo. Ajoelhou-se a seu lado, tocou seu ombro.

     — Vixen, o que...?

     — Se afaste dela! — gritou uma mulher.

     Seth levantou o olhar e viu a outra, a que pouco antes tinha levado sua correia. Tinha na mão uma caixinha negra que empunhava como uma arma.

     — O que lhe tem feito? — perguntou Seth.

     — Se afaste ou eu o farei outra vez.

     Reaper estava atrás dela. Sem dúvida atacaria em qualquer momento. Deixaria fora de combate a aquela víbora. Salvaria a sua ruiva.

     — Mas... — disse Seth.

     Grande engano. A morena apertou um botão da caixa e Vixen chiou e ficou rígida. Seth apontou com a pistola e disparou, mas Briar viu e abaixou a cabeça. Então Reaper a agarrou com força, pegando-a completamente de surpresa: estava tão concentrada em Seth que não havia sentido sua presença. Reap lhe arrancou a caixa da mão, ao mesmo tempo que a sujeitava.

     Ela lhe arranhou a cara como um gato raivoso e, quando ele se apartou, dolorido, largou-se de um puxão. Seth lhe disparou então um segundo dardo, mas ela girou bruscamente e pôs-se a correr com todas suas forças.

     — Se arrependerá disto, Reaper! — gritou.

     Seth guardou a pistola no bolso e voltou a inclinar-se para pegar Vixen nos braços, que se estremecia, encolhida no chão. Abraçou-a enquanto ela tremia.

     — Ficará bem — lhe disse . — Já a temos. Nós cuidaremos de ti.

     Ela conseguiu abrir os olhos e o olhou fixamente. Parecia um bichinho ferido, ignorante do que se estava passando. Levantou uma mão e puxou o colar que ela levava ao redor do pescoço.

   — Um colar de descargas elétricas — resmungou Reaper.

     O corpo de Seth pareceu gelar-se por completo, quando ouviu aquelas palavras. Nunca antes havia sentido tanto ódio.

     — Se voltar a ver essa víbora, arranco-lhe o coração — prometeu.

     Mas logo voltou a concentrar-se em Vixen, que tremia em seus braços, débil e miúda. Pensou que corria perigo.

     — Acredito que necessita de ajuda, Reap. Necessita de Roxy.

     — Também te faria bem que lhe remendassem um pouco — disse Reaper.

     Mas Seth não podia apartar os olhos da mulher a quem abraçava.

     — Seth, você está ferido e cansado. Deixa que eu a leve.

     Seth se limitou a sacudir a cabeça.

     — Não. Eu a encontrei. Eu a salvei. Eu a levarei.

    

     — Posso conduzir — disse Topaz— , já sabe, se está cansada, é isso.

     Roxy a olhou, e Topaz cobriu sua cara com uma máscara de desinteresse e procurou não sentir o rugido do motor reverberar no centro de seu peito, como tinha feito durante as duas horas anteriores, enquanto davam voltas por Savannah.

     Não lhes tinha servido de nada. Topaz só tinha sentido a uma vampira, em um clube noturno, nos subúrbios da cidade, mas, fosse quem fosse, era muito tímida. Assim que Topaz tentou conectar com ela, desvaneceu-se sob um sudário protetor, como uma névoa densa, e bloqueou sua intrusão. Topaz não tinha podido descobrir sua identidade, e muito menos se era dos maus.

     Tinha sido uma noite decididamente decepcionante.

     — Estou-me cansando um pouco, sabe? — disse Roxy. — Seguro que sabe conduzir um carro com marchas?

     — Pssh.

     Roxy sorriu.

     — Tomarei isso como um sim — acendeu a luz de alerta e se desviou à sarjeta. Acabavam de dar-se por vencidas e voltavam para casa. Mas ainda ficava a um trecho para chegar. Roxy deteve o carro e abriu a pesada porta.

     Topaz não se incomodou com tais formalidades. Passou por cima da alavanca de mudanças e se deslizou para trás do volante; logo pensou que talvez parecesse muito ansiosa. Mas, que demônios, estava-o mesmo.

     Roxy montou no carro, fechou a porta e estava grampeando o cinto de segurança quando Topaz colocou a primeira, separou-se da calçada, pisou brandamente o acelerador e sentiu o agradável rugido do motor quando o carro cobrou vida. Tentou sufocar um sorriso ao acelerar um pouco mais: logo trocou a segunda, e a terceira. O motor estava diante e debaixo dela, e lhe produzia a sensação de ir em uma limusine puxada por um milhar de cavalos. Trocou de marcha outra vez, acelerando com facilidade, e por fim pôs quinta e deu rédea solta ao motor.

     — Minha mãe — resmungou. Logo se mordeu o lábio inferior e olhou a Roxy de soslaio.

     A outra sorria.

     — Sim, me passou o mesmo. Não o direi a Seth, se não o diz você.

     — Trato feito — Topaz dobrou uma esquina sem frear e esteve a ponto de soltar uma risadinha. Mas não o fez. Ela não ria como uma parva. Mas quando chegou a uma costa levantada e o Mustang se comeu a estrada sem alterar-se, esteve a ponto de romper essa norma. Mas se conformou baixando o guichê e ao deixar que o vento agitasse seu cabelo. Não se divertia tanto desde a primeira vez que tinha conduzido sua Mercedes, e aquilo lhe parecia inclusive melhor.

     Então o sentiu.

     Jack.

     Deu uma freada, e quando o carro começou a falhar e esteve a ponto de se afogar, lembrou-se da embreagem, pisou-a e se deteve.

     — O que ocorre? O que acontece?

     Topaz se voltou para o Roxy, piscando.

     — Eu o senti. Agora mesmo. Muito perto.

     — Ao Jack de Corações? — perguntou Roxy, enquanto esquadrinhava sua cara.

     Topaz desejou que não a olhasse tão de perto, porque ao sentir a presença do Jack havia sentido também um encolhimento na garganta, um peso no peito e um ardor detrás dos olhos. Maldito fosse. Odiava que só pensar nele seguisse lhe fazendo tanto mal. E preferia que a matassem antes de admiti-lo ante alguém.

     — Sim — disse, tragando saliva para que não se notasse a rouquidão de sua voz. — Esse porco está aqui. Em alguma parte.

     — Ainda o sente?

     Topaz fechou os olhos, concentrou-se. O carro ronronava, impaciente por ficar em marcha. Topaz o pôs em ponto morto para poder soltar a embreagem.

     — É... muito leve agora.

     — Poderia tentar chamá-lo. Dizer-lhe que está na cidade e que quer vê-lo — sugeriu Roxy.

     Topaz abriu os olhos de par em par.

     — E por que demônios ia querer fazer isso?

     — Porque talvez ele responda, possivelmente te diga onde está.

     — Por favor.

     — Bom, e por que não? Olhe-se, você é linda. Estaria louco se não se sentisse tentado.

     Topaz se abrandou ante aquele elogio.

     — Obrigado por dizer isso.

     — É a verdade. E sei que está furiosa com ele pelo que te fez, mas, se puderes fingir, talvez nos inteiremos de onde está esse bando de renegados.

     — Não funcionaria. Não se sentiria tentado, porque nunca me desejou. Só queria meu dinheiro.

     — Isso eu duvido seriamente.

     — Pois é a verdade. E, além disso, embora quisesse me ver, não se atreveria. Chegou a me conhecer muito bem enquanto fazia o papel de devoto apaixonado. Sabe que lhe arrancaria o coração se voltasse a vê-lo.

     Roxy piscou.

     — Mas vais voltar a vê-lo. Quero dizer que por isso está aqui, não?

     Topaz assentiu com a cabeça.

     — Então, por que esperar?

     — É que não estou... preparada.

     — Hmm — Roxy ficou calada um segundo. Logo disse— : Quando o vires, vais fazer isso de verdade?

     — Fazer o que?

     — Arrancar-lhe o coração — disse Roxy.

     Topaz suspirou.

     — Não sei o que farei. Só sei que não estou preparada. Ainda não. E não quero que se inteire de que estou aqui. Suponho que se corre a voz de que estou com vocês, de que vamos atrás do Gregor. Todo o bando estaria de sobreaviso, teria tempo de escapar ou, o que é pior, de preparar-se para nos receber. Inclusive de nos atacar primeiro.

     — Mmm, um ataque preventivo. Não estamos preparados para enfrentar a isso.

     — Não, não o estamos. Assim, já vê por que chamar o Jack seria um engano.

     — Não, é verdade. Mas vejo que temos que nos preparar. Voltemos para a mansão. Temos coisas que fazer.

     Topaz a olhou com o cenho franzido, mas voltou a pôr o carro em marcha e seguiu conduzindo. Tentou deixar-se levar pela potência do motor, pela sensação de poder que lhe produzia controlar um veículo tão incrível. Mas estava distraída. Não deixava de ver a cara do Jack, de ouvir sua voz, de sentir suas carícias, de estremecer-se ao recordá-lo.

     Tinha que matá-lo. Devia fazê-lo, de verdade.

    

     Gregor passeava pelo salão, enquanto Jack e Briar, os dois mais próximos a ele, os dois nos quais mais confiava, pensou Jack, permaneciam de pé em frente à chaminé. Havia outros vampiros no bando, em sua maioria jovens e facilmente influenciáveis. Fáceis de controlar. Não tanto como aqueles malditos parasitas, claro. Jack teria dado seu braço direito por saber como os tinha criado Gregor. Mas Gregor nunca o diria.

     Quanto aos outros vampiros que havia na mansão, Gregor só os utilizava para encher seus cofres de riquezas. Apenas lhes dirigia a palavra, raramente se relacionava com eles, e saltava à vista que não eram de sua confiança.

     Embora tampouco confiasse no Jack e na Briar, ao menos não de todo. Gregor não confiava em ninguém de todo. Não podia permitir-se entregar sua confiança facilmente, nem freqüentemente. Mas os considerava os lugares-tenentes de seu exército de assassinos.

     Briar, aquela pequena estúpida, parecia verdadeiramente arrependida e angustiada porque Gregor se zangou com ela. Ele, por sua parte, ria de toda aquela confusão e, em lugar de mostrar-se compungido, mantinha a cabeça baixa para ocultar sua expressão. Suspeitava que Gregor era muito consciente disso.

     Ali estava se passando algo mais do que parecia aparentemente, pensou Jack. Não era o bastante ingênuo para não dar-se conta. Gregor não era só um vampiro renegado, ávido de destruição, de satisfações e riquezas. Nada disso. Era muito preparado, muito ardiloso, para isso. Tinha uma meta. Mas Jack não estava seguro de qual era.

     Gregor estava animado, quase excitado, desde que se sabia que um capanga, outro vampiro, chamado Reaper, tinha sido enviado para matá-lo. Mais excitado do que Jack jamais o tinha visto. Suspeitava que a aparição do Reaper estivesse, de algum modo, relacionada com o objetivo de Gregor, e sentia curiosidade, mas unicamente porque assim jogaria com vantagem. Jack sempre ia com a equipe ganhadora. Ou, ao menos, fingia-o. Em realidade, nunca ficava do lado de ninguém, exceto de si mesmo. Sempre faria o que mais lhe conviesse. A lealdade era uma estupidez, salvo se se tratava de ser leal a si mesmo. Teria que jogar para ganhar, porque ninguém mais o faria por ele. Esses eram seus lemas, suas normas.

     Não confiava em ninguém, não necessitava de ninguém, não se esforçava por ninguém. Nunca o tinha feito, nem o faria.

     — Sinto muito, Gregor — resmungou Briar pela enésima vez. — Eu tentei. De verdade. Já lhe disse isso, tinham uma arma. Um dardo, com uma espécie de... droga.

     — Sim. Conheço-o. — Gregor levantou o pequeno dardo que Jack tinha extraído do ventre de Briar, quando a encontrou inconsciente no bosque. Gregor nem sequer se preocupou ao ver que não retornava de sua caça noturna.

     E Jack tampouco. Mas tinha desejado dar um passeio pelo jardim, mais que tudo para escapar dos gritos que dava Gregor por culpa da prisioneira desaparecida e dos parasitas mortos do porão, ao qual gostava de se referir como «a masmorra». Aquele tipo tinha facilidade para o drama.

     — O que quer dizer com que o conhece? — perguntou Briar. Sua voz era agora suave. Jack ficava um pouco doente, embora lhe importasse bem pouco, ver uma mulher tão impetuosa e enérgica submeter-se ao Gregor, que não valia a pena, muito menos. E sim, Briar era a mulher mais cruel e desumana que tinha tido a desgraça de conhecer. Mas também era forte, bela e capaz. Em seus entendimentos com o Gregor, entretanto, era tão total e obediente como um cachorrinho mulherengo maltratado.

     Aquilo era repugnante. Embora que para ele, na realidade, tanto fazia.

     — É um tranqüilizador, o único eficaz com nossa espécie que se conhece — explicou Gregor . — Foi desenvolvido faz anos por cientistas a serviço do defunto DPI.

     — DPI? — perguntou ela.

     — Não importa — respondeu Gregor . — O que importa é que nossos inimigos o têm. É uma sorte que saibamos de antemão.

     — Não sei por que não me deixou matar a esse Reaper antes que nos encontrasse, Gregor — disse Briar.

     — Porque o necessito vivo. Se alguém o matar, embora seja por acidente, farei pendurar sua cabeça em uma lança antes que saia o sol. Entendido?

     Ela se sobressaltou, porque Gregor virtualmente tinha gritado. Se outra pessoa lhe tivesse gritado assim, pensou Jack, certamente lhe daria tal patada no traseiro que o mandaria à semana seguinte.

     — Sim, Gregor — disse ela docilmente.

     — Oh, pelo amor de... — Jack se mordeu o lábio inferior, mas era muito tarde. Já lhe tinha escapado. Tinha cometido um deslize. Seu papel como lacaio do Gregor não se sustentaria se não se dominava. — Perdão — disse . — É só que... para que o necessita vivo, se me permite perguntá-lo?

     — Isso é meu assunto.

     Jack franziu o cenho.

     — Recuperar à prisioneira é seu assunto. Agora já é muito tarde. Só faltam umas horas para que amanheça. Mas assim que o sol se pôr quero que seja sua absoluta prioridade. Dos dois.

     — Não há problema. — disse Jack, embora no fundo se alegrasse de que a peruazinha tivesse escapado. Até um vagabundo com o coração endurecido como ele odiava vê-la enjaulada; sobretudo, com uma cuidadora como Briar, que tanto desfrutava vendo-a sofrer. Assim, não pensava esforçar-se muito por apanhá-la. Mas o fingiria, só para cair nas graças do Gregor. E talvez de passagem pudesse jogar uma olhada ao outro bando. Fossem quem fossem, já tinham demonstrado que eram bons. Muito bons, possivelmente.

    

     Seth tinha fortes dores quando Reaper e ele percorreram o comprido e sinuoso caminho que conduzia à casa da plantação, em que já começava a pensar como em seu lar. Levava a Vixen nos braços, e ela estava em muito pior estado que ele. Para um vampiro, a dor se multiplicava, e, aparentemente, também o efeito da eletrocussão. Vixen estava semi-consciente e tremia em seus braços, e Seth se perguntava se ficaria bem.

     E se perguntava também por que era tão delicioso abraçá-la, tocá-la. Era diferente de tocar a qualquer outra mulher. Ela era diferente.

     Mas não podia esquecer-se totalmente de sua própria dor, e embora Reaper lhe tivesse enfaixado as feridas mais sérias, com umas tiras de tecido, seguia sangrando a intervalos regulares.

     O corte de sua coxa sangrava nesse momento. Sentia-o gotejar e molhar seu jeans. Preocupava-lhe.

     — Ouça. Reap, eu não vou dessangrar, verdade?

     Reaper o olhou; logo olhou a ferida de sua coxa. Seus jeans estavam rasgados, graças à arma que tinham usado os guardas vampiros. Seth tinha estado tão ocupado que não observou que arma era. Reaper lhe tinha atado uma atadura por cima das calças, assim quase não via a ferida.

     — Não acredito que esteja sangrando tanto. — disse . — E Roxy se encarregará de ti assim que entremos.

     — Nada disso. Primeiro Vixen.

     Reaper se limitou a arquear uma sobrancelha e seguiu caminhando.

     A porta da casa se abriu assim que se aproximaram. Roxy e Topaz estavam ali. Pareciam alarmadas e falaram de uma vez.

     — Que demônios se passou?

     — Quem é a garota?

     Seth subiu os degraus e elas se apartaram para deixá-lo passar.

     — Vamos para dentro. Está ferida gravemente. Explicarei isso pelo caminho — disse.

     — Por aqui, — Roxy o conduziu escada acima e lhe abriu a porta de um dormitório.

     Seth depositou Vixen sobre a cama, mas ela seguiu abraçada a seu pescoço e, quando ele tentou levantar-se, apertou-o com mais força.

     Apesar de difícil que era a situação. Seth esboçou um sorriso.

     — Não passa nada, não passa nada — disse, tentando pôr um tom tranqüilizador. — Não vou a nenhuma parte.

     — O que lhe ocorreu? — perguntou Roxy, inclinando-se sobre a bela ruiva.

     — O bando do Gregor a tinha presa, encerrada em uma jaula como um animal.

     — A encontraste? — perguntou Topaz.

     Seth assentiu com a cabeça.

     — Tinham lhe colocado um colar eletrificado, um maldito colar eletrificado. Havia uma vampiresa morena, uma autêntica fulana sem coração. Tinha o controle remoto do colar, apertou-o não sei quantas vezes. Quando chegamos, ela estava no chão. Está assim desde então.

     Topaz olhou a ambos.

     — Viram o Jack?

     — Não. Mas estou seguro de que está com eles.

     Roxy tinha se inclinado sobre Vixen e a estava cobrindo com uma grossa manta para que se esquentasse. Seth tinha afastado seus braços de seu pescoço, mas teve que sentar-se na beira da cama e pegar suas mãos para impedir que aquele olhar angustiado voltasse para seus olhos castanhos cada vez que o buscava.

     — Necessita alimento — disse Roxy. — Sangue vivo. A eletricidade lhe tem feito muito mal. Está muito fraca. Todo seu organismo está afetado. Está em estado de choque. Acredito que provavelmente rejuvenescerá com o sono diurno, mas do jeito que está agora não é muito provável que sobreviva até então.

     — Eu tenho. — disse Seth. Subiu a manga e deixou descoberto um corte de seu antebraço, arrancou a atadura que lhe tinha posto Reaper e aproximou a ferida aos lábios de Vixen. Ela tinha os olhos fechados, mas piscou enquanto seus lábios tremiam contra a pele de Seth. Olhou-o aos olhos com uma expressão cheia de dúvidas e medo . — Não se passa nada. — disse ele brandamente. — Não se preocupe. Bebe. Se sentirá melhor.

     Sem apartar os olhos dele, ela fechou os lábios ao redor do pequeno corte e chupou. O sangue começou a fluir, e Seth não estava preparado para a sensação que se elevou como uma onda das profundidades de sua alma, maior e poderosa com cada movimento de seus lábios, com cada roçar de sua língua ávida, até que o engoliu por completo. O ato lhe subia à cabeça, tinha a boca aberta, os olhos totalmente abertos, o corpo animado por uma sensação insuportável, por um prazer incrível e um intenso desejo. Vixen também parecia senti-lo, porque suas pequenas mãos se fecharam sobre seu braço e o seguraram com força enquanto bebia com mais ânsia, quase desesperadamente.

     — Roxy. Seth também está ferido. — disse Reaper. Seth o ouviu desde muito longe. — Não deixe que beba muito.

     Enquanto Reaper falava, Seth começou a enjoar-se e uma estranha debilidade se apoderou dele. Cambaleou-se um pouco. E então a mão de Roxy rodeou sua boneca.

     — Já basta, Seth. — sussurrou ela, e lhe apartou o braço.

     — Vou por as bandagens. Deus, Seth, te olhe. — Topaz saiu a toda pressa da habitação e retornou uns segundos depois com provisões que Seth nem sequer sabia que tinham.

     Ficou ali sentado, aturdido pela potência do que havia sentido, incapaz de mover-se ou de falar, ou de apartar os olhos de Vixen quando ela apoiou a cabeça no travesseiro, com o olhar ainda fixo nele. Tinha os olhos muito abertos, frágeis, inquisitivos, talvez, pensou ele, por efeito das mesmas emoções que sentia ele.

     Roxy limpou a ferida de seu antebraço e a enfaixou. Fez o mesmo com o rasgão de sua coxa.

     — Deveria se deitar... — disse a ele.

     Seth não se levantou. Seguiu ali sentado, olhando Vixen, perdendo-se nela.

     — Bom, vai nos contar o que aconteceu ou o quê? — perguntou Topaz.

     Ele assentiu com a cabeça. Os grandes olhos marrons de Vixen se fecharam, e ele pôde por fim apartar o olhar dela.

     — Tinha sentido a ela... outras vezes. — disse. — É a garota que senti pedindo ajuda na noite em que me converteu, Reaper. E várias vezes após. E esta noite outra vez.

     — É certo. — disse Reaper. — Assim, foi como encontramos ao bando do Gregor. Seth seguiu as sensações que recebia dela, e eu segui a ele. Quando chegamos, havia duas mulheres.

     — Uma mulher e uma tirana, quererá dizer — disse Seth. — Vixen estava correndo, saltando e dançando entre a erva. Levava um colar. A outra, escura como um demônio e o dobro de má, a estava olhando. Tinha o maldito controle em uma mão e uma correia na outra. Quando voltou a levar Vixen para dentro e a encerrou, foi com alguns dos outros procurar alimento. Reaper decidiu segui-los e eu fiquei com ela.

     — Sim, e prometeu não entrar a não ser que fosse seguro — disse Reaper.

     Seth encolheu os ombros.

     — Isso é outra coisa. Tentei radiografar a casa, e não captei nada. Nada. Era como uma zona morta.

     Reaper enrugou o cenho.

     — Isso explica por que não soube que estava em apuros até que ela me disse isso.

     Seth assentiu e continuou seu relato.

     — Não podia deixá-la ali.

     — Poderíamos ter voltado depois, Seth. Com reforços, com um plano de ação, com um mapa rudimentar da casa e com uma idéia de quantos guardas havia, de suas forças, debilidades e costumes. Foi muito imprudente. Colocar-te em um covil de vampiros renegados com ela poderia ter sido um suicídio.

     Topaz abriu os olhos com uma expressão que a Seth pareceu de estupor.

     — Um covil? Quantos havia?

     Seth sorriu, agradado consigo mesmo, mais do que era aconselhável. Levantou o queixo um pouco enquanto falava.

     — Acredito que carreguei a sete ou oito.

     — Cinco — o corrigiu Reaper . — Senti cinco mortes lá dentro enquanto fechava a porta.

     — Apenas teve um segundo para sentir tudo, Reap. Sei que havia pelo menos seis — continuou Seth . — Certamente mais. Deixei-os fora de combate com uma machado e com um dardo do «grilo ruidoso». Deveriam ter visto. Estive assombroso.

     — Está louco!

     Seth franziu o cenho, surpreso, porque Topaz parecia zangada com ele, mais que impressionada.

     — O que acontece? Não vai me felicitar? Sei que não acreditava que eu tivesse tanta coragem, Tope, mas acabo de demonstrá-lo. Custaria-lhe muito me animar um pouco?

     — Você não necessita que lhe animem, necessita que lhe examinem a cabeça. Poderiam ter se matado, idiota!

     A lâmpada piscou de repente sobre a cabeça de Seth. Ficou surpreendido, mas também agradado consigo mesmo.

     — Importa-te de verdade. Quem o teria imaginado?

     — Nem o sonhe, Seth.

     Ele encolheu os ombros.

     — Eh, eu não necessito que o reconheça. Sei. Obrigado, Tope.

     — Deveria te morder.

     Seth lhe sorriu; logo olhou para Reaper. Por divertido que fosse jogar com a princesa, havia coisas importantes que não devia esquecer.

     — Havia algo estranho nesses vampiros que guardavam a casa — disse . — Algo... chocante, sabe?

     — O que?

     — Não sei. Pareciam... zumbis.

     Reaper piscou.

     — O que quer dizer com isso?

     — Já sabe, era como se não estivessem ali. Como se estivessem atordoados.

     — Como parasitas — interpretou Reaper.

     — Sim, assim. Alguma idéia do que pode significar?

     — Pode ser que Gregor tenha encontrado um modo de fazê-los assim. Possivelmente, os mantenha fracos e obedientes lhes alimentando muito pouco, ou por algum outro meio. Isso explicaria que você conseguisse eliminar a quatro deles sozinho.

     Aquilo ardeu em Seth.

     — A seis. E fisicamente não eram débeis, amigo. Só um pouco lentos mentalmente. Alguém poderia me felicitar por isso? — vislumbrou rapidamente uma faísca nos olhos de Reaper que possivelmente fosse bom humor e ficou quase boquiaberto. Aquele descarado estava se burlando dele. Seth não sabia que fosse capaz de algo assim.

     — Eu só vou te felicitar sinceramente por que não o mataram. Suponho que merece meus parabéns por seguir vivo.

     — E por resgatar à prisioneira — disse Seth.

     — Sim. Claro, porque nos fazia falta uma carga a mais — resmungou Reaper.

     Seth fingiu não ouvi-lo.

     — Que tal foi a ti, por certo? Não me há isso dito.

     — O grupo a que segui se separou — disse Reaper . — Eu fiquei seguindo Briar.

     — Com quem?

     — Chama-se assim. A... né... a morena.

     — Esse mau inseto? Eu acreditava que se chamava Lúcifer.

     Reaper apartou os olhos.

     — Escolheu a uma vítima. Um bêbado que saía de um bar. Levou-o ao seu carro e o mordeu ali mesmo, em uma rua pública, onde qualquer um podia vê-la.

     — Isso se chama ter ovários — disse Roxy . — Ela o matou?

     — Retirei-a antes que chegasse tão longe.

     — Mas com certeza pensava matá-lo — disse Seth.

     — Sim — reconheceu Reaper. Respirou fundo e continuou— Sabe que vim pelo Gregor. Deu-me a impressão de que ele também sabe, e de que está me esperando. E agora ela sabe também que não estou sozinho, que tenho a Seth trabalhando para mim, e que nós dois levamos a sua prisioneira.

     — Bom, já sabíamos que foram atrás de ti, Raphael, quando mandaram aquele caminhão para tentar esmagar seu carro. Mas ao menos não sabiam que não estava sozinho — disse Roxy, olhando a Topaz.

     Topaz encolheu os ombros.

     — Ainda não sabem que você e eu estamos na equipe, Roxy.

     — Não, não sabem. O que significa que ainda poderia contatar com o Jack sem alertá-lo.

     Topaz baixou os olhos. Reaper perguntou:

     — Do que estão falando?

     — Sentiu-o perto esta noite, enquanto fazíamos as tarefas e procurávamos pistas sobre esses renegados — disse Roxy. — Eu lhe sugeri que o chamasse, que lhe dissesse que estava na cidade e que queria vê-lo. Para ver se podia lhe surrupiar alguma informação.

     — Sim, como onde se escondiam — Topaz jogou o cabelo às costas . — Mas isso já o sabemos, graças ao vínculo do Seth com a moça em apuros, assim é totalmente desnecessário.

     — Mas poderiam inteirar-se de outras coisas — disse Reaper. — Quantos são, quais são seus horários, quando se alimentam, o que estavam fazendo com a prisioneira…

     — Se quer saber essas coisas, pergunte você mesmo — Topaz olhou para a garota da cama e trocou deliberadamente de tema. — Bom, qual é sua história?

     Seth olhou para Vixen um momento. Ela parecia alheia à sua conversação, e ele pensou que possivelmente estivesse dormindo.

     — Não sei. Acredito que estamos conectados. Já sabem, esse vínculo que dizem que é mais forte entre um de nós e um dos Escolhidos. Acredito que ela era minha Escolhida, antes que se transformasse. Ou possivelmente fosse eu o dela, antes de trocar. Em todo caso, segue aí — suspirou . — Maldita seja.

     — Seth? — Topaz o olhou fixamente, e logo olhou a Vixen.

     Ele tentou pôr uma expressão prática e séria.

     Topaz fez girar os olhos e lançou um olhar a Reaper.

     — Você sabia isto? E deixou que a alimentasse com seu corpo? Você está louco?

     Reaper suspirou e agitou uma das mãos.

     Seth os olhou a ambos com o cenho franzido.

     — Esperem. Estou perdendo algo?

     — Compartilhar o sangue fortalece qualquer vínculo, Seth. O faz muitíssimo mais forte. Santo céu, não é estranho que pareça que lhe deram um filtro amoroso. Novatos — Topaz sacudiu a cabeça, voltou a olhar para Reaper com recriminação e logo disse — Continua. Seth, que mais sabe dela?

     — Nada, exceto seu nome. Vixen.

     — Não sabe por que a deixavam prisioneira?

     — Não.

     — Não perguntou? — insistiu Topaz.

     — Claro que sim. Mas ela tampouco sabia.

     Topaz observou a Vixen, deitada na cama.

     — Acredito que parece... estranha. Diferente — olhou Reaper . — Você também o sente? A impressão que produz, seu aroma, sua energia. É um vampiro, mas... também é algo mais.

     — Sim, eu também o noto. Notei-o desde o começo — Reaper suspirou. — Deveríamos nos deitar, logo será dia — olhou as janelas e Seth seguiu seu olhar.

     As janelas estavam completamente cobertas de feltro negro, firmemente colocado em seu lugar.

     Roxy assentiu com a cabeça quando ambos a olharam.

     — Sim, Topaz e eu pusemos os tecidos esta noite, enquanto vocês estavam por aí recolhendo bichinhos perdidos e espantando parasitas. Fomos comprar provisões e logo decoramos isto um pouco. Agora todas as instalações são seguras. Podem-nas usar. E todas se fecham por dentro.

     — Eu gosto de dormir em um quarto de verdade — disse Topaz. — E não há razão para que estejamos todos apertados em um porão úmido e pestilento, ou que compartilhemos a sala de projeções, quando nesta casa há uma dúzia de suítes estupendas.

     — Por uma vez te dou razão, princesa — disse Seth.

     Ela sorriu.

     — Esqueça da suíte da esquina, a do fundo do corredor. Já reservei isso para mim. Tem uma jacuzzi.

     — A verdade é que tinha pensado me deitar aqui esta noite.

     Todos o olharam boquiabertos, com as sobrancelhas levantadas e os olhos como pratos. As suspeitas revoavam pelo ar como um morcego enlouquecido.

     — Se ela acorda sozinha, talvez não saiba onde está. Poderia assustar-se. Mas de mim se lembrará. Já viram como me abraçava. Só quero me assegurar de que estará bem. Isso é tudo.

     — Parece-me bem — disse Roxy . — Eu tenho que comer algo, meninos. Estou faminta. E, por certo, eu ficarei com a suíte do outro lado do corredor, em frente a da Topaz. Tem uma sauna.

     Saiu do quarto, seguida por Topaz. Reaper ficou um momento mais.

     — Ficarei em uma das habitações contiguas a esta, se por acaso me precisas — disse.

     — Sim — Seth suspirou . — Só uma pergunta antes que vá.

     — Sim?

     Seth o olhou aos olhos e sorriu um pouco.

     — Posso ficar com ela?

     — Já temos muitas complicações.

     — Sim, mas se ela se for, voltarão a apanhá-la. Você a viu antes, Reap. Tope e você têm razão, há algo diferente nela. Algo inocente, ingênuo e vulnerável. É... como uma menina. Se a deixarmos sozinha, voltarão a apanhá-la.

     — Seth, viemos aqui com uma missão. Não nos ocupamos de vampiros sem lar.

     — Se a apanharem, a trancarão outra vez. Eles a torturarão. Talvez lhe apliquem descargas elétricas, ou inclusive a matem, para castigá-la por escapar.

     Reaper olhou à mulher estendida na cama. Sua expressão se suavizou. Seth o notou e ficou surpreso de que Reaper tivesse um pingo de ternura, compreendeu que tinha ganhado a batalha.

     — Se quer ficar conosco, que fique. Sempre e quando não incomodar. Mas você não pode se permitir o luxo de se distrair enquanto dure isto. Seth, seja o que for o que sinta por ela, se baixas a guarda, poderias acabar morto. Entendido?

     — Absolutamente. — disse Seth. Mas estava tão ocupado contemplando o cabelo de Vixen, que em alguns lados era mais claro e em outros mais escuro, que Reaper não soube se lhe estava prestando atenção.

 

     Vixen tinha guardado seus nomes com suas caras enquanto estavam reunidos a seu redor, curando suas feridas. Reaper, Topaz, Roxy. E Seth, claro. Seth.

     Seu Seth.

     Despertou em um colchão suave, com mantas grossas, travesseiros amaciados e lençóis limpos e perfumados. Fazia calor e ela estava maravilhada. Aquela parte de ser um humano, as comodidades que se permitiam, era uma das poucas coisas das que sempre desfrutava, e se deixou gozar disso um momento. Mas logo sentiu uma perturbação, um grito mental que lhe levou uma onda de energia e que reverberou em sua cabeça e lhe fez apertar os olhos.

     «Prestem atenção, bastardos! Me pagarão isso, e com acréscimo, se não me escutarem».

     Aquela ameaça a assustou tanto que se levantou de um salto da cama.

     — Gregor!

     Olhou a seu redor, frenética, segura de que ele estava muito perto; logo saiu correndo do quarto, cruzou o corredor e baixou as escadas, deixando-se levar por seu instinto para a cozinha, onde se tinham reunidos os outros.

     Pareceu-lhes por seu aspecto (estavam calados e atentos, concentrados em algo, em postura de escutar), que o grito de Gregor tinha chegado a todos: ao Reaper, ao Seth, a Topaz e a qualquer outro vampiro que estivesse ao alcance da ira de Gregor.

     Até Roxy tinha deixado o que estava fazendo, com uma taça de cerâmica na mão e uma cafeteira na outra, e inclinou a cabeça.

     — Passa algo...?

     Reaper levantou uma mão e Roxy guardou silêncio.

     «Quero que devolva a minha prisioneira, Reaper. “Antes da meia-noite, ou te prometo que levarei a um de seus ajudantes em seu lugar».

     Seth viu Vixen do outro lado da cozinha, aproximou-se dela e lhe passou um braço pelos ombros. Gritou, e a ira de sua voz a fez se sobressaltar e tentar largar-se, mas ele a segurou de todas as formas.

     — Sim, venha tentá-lo, desgraçado! — gritou. — Por que não manda a um desses macacos sem cérebro que a vigiavam? Para ver o longe que chegam.

     — Seth — Reaper lhe pôs uma mão sobre o ombro— , já basta. Revelar-lhes-ás nossa posição.

     — E por que demônios gritas, além disso? — perguntou Topaz.

     — E esmaga a pobrezinha — acrescentou Roxy

                                                                                                                                                                                    Seth olhou a Vixen, apanhada no círculo que formava seu poderoso braço, e afrouxou a tensão. Mas não a soltou de tudo. Pareceu refrear sua ira com esforço.

     — Ainda não sei gritar mentalmente. Tenho que fazê-lo fisicamente para que funcione.

     A impaciência abandonou a cara de Topaz um segundo, e o olhou como se fosse uma gracinha e lhe desse vontade de abraçá-lo. Se ela começasse a lhe fazer carinhos, sairia apitando dali, pensou Seth.

     — Eu te ouvi — disse ela. — Vê? Pode fazê-lo. Só tem que deixar de pensar tanto nisso.

     Vixen se largou do braço do Seth e se separou dele.

     — Era Gregor — disse brandamente . — Ouviram todos?

     Reaper e Topaz assentiram.

     — Eu não — disse Roxy. Encheu sua taça. Vixen adorava aquele aroma. Aproximou-se, fechou os olhos e aspirou o aroma do café recém feito.

     — Há dito — disse a Roxy sem abrir os olhos — que se não me devolverem até a meia-noite, Gregor virá e levará a um de vocês.

     — Tá! — a gargalhada do Roxy fez Vixen se sobressaltar, e seus olhos se abriram de repente e esquadrinharam Roxy. — Gostaria de vê-lo — declarou a mortal. — Não se preocupe, céus, não vais voltar com ele, e tampouco ele vai levar a nenhum de nós.

     — Tentará — lhe disse Vixen, e sabia que era a verdade.

     — Pois fracassará — disse Seth, e voltou a aproximar-se dela. Mas desta vez não a tocou.

     Vixen se voltou e o olhou nos olhos, e sentiu que algo se estremecia dentro dela. Era uma sensação que a atraia, que tentava aproximá-la dele, fazer com que o tocasse. Um comichão de prazer e uma quebra de onda de cor sensorial: a lembrança de como tinha bebido dele a noite anterior. Seu poder. E como se sentiu no instante em que a essência do Seth tinha atravessado sua mente.

     Seth era seu companheiro. Era ele.

     Gostava de seu contato. Mas não quando parecia possessivo. Ela não era a prisioneira de ninguém. Não voltaria a sê-lo.

     Entretanto, o sangue daquele homem a tinha feito forte, fazia com que ficasse bem quando estava fraca e sofria. E tinha se ferido por ela na batalha. Fixou seus olhos nele.

     — Obrigado por me ajudar.

     Ele sorriu e Vixen pousou o olhar em sua boca e descobriu que não podia apartar os olhos de seus lábios. Eram fascinantes, tão suaves e acariciantes.

     — Não há de que, Vixen. E quero que saiba que ninguém quer que se vá. Pode ficar conosco enquanto estejamos aqui.

     — Espera um momento — disse Topaz, metendo-se na conversação. — Está dando muitas coisas por certo, Seth. Ninguém me perguntou o que penso a respeito. E o fato é que não necessitamos de mais ajuda.

     — Tampouco vamos abandoná-la. O bando do Gregor a apanharia antes que acabasse a noite — replicou ele.

     — E por que isso é nosso problema?

     — Porque eu o digo, por isso. Vixen fica.

     Enquanto discutiam, Vixen se separou do ruído, olhando a Topaz e ao Seth e vice-versa. Quando não pôde suportar mais, levou as mãos aos ouvidos e fechou os olhos com força.

     — Basta!

     Ficaram calados e, quando se atreveu a abrir os olhos de novo, os viu olhando-a fixamente. Tomou seu tempo e tentou encontrar as palavras certas para expressar sua irritação sem parecer ingrata.

     — Ajudaste-me — disse . — Seth, você me tirou dessa jaula, e arriscou sua vida ao fazê-lo. Mas... eu não lhe pedi isso. Não lhe pedi que me trouxesse aqui. Não lhe pedi que me desse de beber de suas veias para que me recuperasse. Não pedi essa cama, nem os cuidados de Roxy. Agradeço-te por tudo, mas não lhe pedi isso.

     — Sei — Seth parecia confuso.

     — Não te pertenço porque me ajudastes.

     Ele ficou boquiaberto um momento, e seu olhar pareceu vacilar.

     — Eu... eu não quero que me pertença, Vixen.

     — Então, por que estão discutindo sobre se vou ficar ou não aqui, quando sou eu quem tem que decidi-lo?

     — Não entendo...

     — Tenho que fugir. Tenho que ser livre. Não quero ficar aqui. Sinto que Gregor está furioso com vocês, mas não é minha culpa. Eu sou livre. Quero voltar a te ver, Seth. Mas não vou estar presa a ninguém. Vou seguir meu caminho — sorriu a todos alegremente e acrescentou— : Obrigada a todos por sua ajuda. Adeus! — deu meia volta, saiu da cozinha e começou a percorrer a casa em busca de uma saída.

     Seth correu para ela tão depressa que esteve a ponto de tropeçar, mas conseguiu adiantar-se a ela e se deteve, lhe bloqueando o passo.

     — Espera!

     Vixen estava surpreendida e um pouco assustada. Talvez ele pensasse que poderia retê-la contra sua vontade só porque a tinha salvado. Talvez fosse tentá-lo, e, possivelmente, ele não fosse em realidade melhor que Gregor e seu bando. E ela que esperava que fosse seu companheiro... Sentiu uma quebra de onda de desilusão. Nunca antes tinha se sentido tão atraída por um homem.

     — Por que, Seth? — perguntou em voz baixa. — Tem um colar que quer me pôr ao pescoço? Uma jaula em que me colocar?

     — Não. Demônios, não. Não é isso. Vixen, se sair sozinha, os valentões do Gregor voltarão a te apanhar. Se ficar aqui, nós podemos te manter a salvo.

     — Eu não gosto que me mantenham. Nem a salvo nem de nenhum outro modo.

     — Posso dizer algo? — perguntou Reaper atrás dela. Vixen se voltou lentamente e viu que outros lhes tinham seguido.

     Olhou ao Reaper nos olhos e assentiu com a cabeça, receosa. Havia algo escuro no Reaper. Uma sensação de perigo. Ele a mantinha na raia, mas Vixen notava que era uma batalha constante, uma batalha que ele nem sempre ganhava.

     — Fala — lhe disse.

     — Vixen, Gregor é nosso inimigo. É um homem malvado que faz muito mal.

     Ela assentiu.

     — É um assassino.

     — E os que o acompanham são igualmente perigosos — continuou Reaper.

     — Nem todos — disse ela.

     Reaper levantou as sobrancelhas, surpreso, mas rapidamente deixou aquilo a um lado e continuou.

     — Mandaram-me aqui para detê-lo, para detê-los todos. Mas estou em desvantagem. Não sei nada dele e de seu bando, quantos são, do que são capazes. Você esteve com eles. Embora estivesse prisioneira, terá descoberto coisas sobre eles que preciso saber. Poderia me ajudar, Vixen. Não porque tenha que fazê-lo, e não porque nos deva nada por te haver ajudado. Mas sim porque queira. Se é que quer.

     Ela inclinou a cabeça, considerando suas palavras.

     — Se ficar, fique só enquanto queira. Fique como convidada...

     — Não — disse Topaz.

     Todos se voltaram para olhá-la. Topaz estava atrás de Reaper, junto a Roxy. Vixen sentiu que Seth estava a ponto de lhe gritar e lhe lançou um olhar, lhe suplicando que não o fizesse.

     — Deixa-a falar.

     Topaz assentiu com a cabeça e continuou.

     — Não pode ficar como convidada. Nem como prisioneira, embora não entendo de onde tiraste a idéia de que algum de nós se rebaixaria a isso, e, francamente, parece-me muito ofensivo. Mas suponho que não nos conhece, e que lhe trataram muito mal, assim... — sacudiu a cabeça, como se afugentasse aquela idéia. — Se ficar, tem que ficar como parte da equipe. Tem que trabalhar como trabalhamos todos, para eliminar a esse bando de renegados. Terá que nos ajudar. Aqui nos ajudamos uns aos outros. Aqui ninguém é dono de ninguém, ninguém retém a ninguém. Todos estamos aqui porque queremos, e só assim poderá ficar. Esse é o trato.

     Vixen franziu as sobrancelhas. A que mais lhe desagradava era a única que a tratava como igual. Que estranho.

     — E se quiser ir amanhã ou dentro de uma semana?

     — Pois vai — respondeu Reaper.

     Vixen olhou a Seth, que parecia estar dando voltas nos miolos em busca de um modo de lhes contrariar, sem fazer com que ela partisse no ato. Mas não havia nenhum modo de consegui-lo, assim Vixen se alegrou de que não o tentasse. Por fim, ele assentiu com a cabeça. Vixen se voltou e olhou os campos, os bosques, o céu estrelado da noite através da janela mais próxima. Como a chamavam... Mas supunha que Gregor e seu bando seriam uma ameaça constante para ela enquanto existissem. Se ela poderia ajudar aquele grupo a detê-los, talvez pudesse ver-se realmente livre. Livre do cativeiro. E livre do medo.

     Aspirou o ar fresco da noite e logo se voltou para os outros.

     — Está bem. Ficarei. De momento.

     — Bem — disse Reaper . — Agora, antes que demos outro passo, Vixen, podemos nos sentar e falar? Quero que me conte tudo o que saiba sobre o Gregor e seu bando.

     Ela olhou a quem a rodeava e assentiu com a cabeça.

     — Sim, se pudermos nos sentar e falar fora, sob as estrelas e... — olhou a Seth aos olhos— e se você sentar comigo.

     Viu mover-se seu pomo de adão ao tragar saliva. Ele assentiu.

     — Claro.

     — Ah, Deus — murmurou Topaz.

     — Eh, esperem um segundo — disse Roxy . — Venham por aqui. Saiamos pela porta de trás. Há um pátio, jardins, móveis. Todo um paraíso.

     Vixen sorriu e, voltando-se, inclinou uma vez a cabeça.

     — Sim, isso soa melhor — pegou ao Seth pela mão e, quando ele a olhou com surpresa, limitou-se a sorrir. — Eu gosto muito de te tocar quando não tenta me controlar.

     Ele ficou olhando-a como se não pudesse acreditar no que ouvia.

     — Eu... eh... eu também gosto.

     — Bem. Então, o faremos mais — segurou sua mão e seguiu rapidamente a Roxy através da enorme casa, até os pátios e os jardins da parte de trás.

    

    

     — Esta noite, faremos planos — disse Reaper . — Vamos repassar isto até que estejamos seguros de saber qual é o melhor modo de atuar e de levar a cabo nossos planos. Entendido?

     Os vampiros assentiram, mas Roxy disse:

     — Esta noite estarão nos buscando. Não sei se será prudente esperar.

     — Acredito que é muito arriscado nos precipitar e enfrentar a eles sem estar preparados — respondeu Reaper.

     Levantava constantemente o olhar. Parecia distraído pela Vixen, pensou Seth. Era a única que não estava sentada. Passeava-se por ali, sem afastar-se muito para poder ouvi-los. Mas não parava de mover-se, curiosa e inquieta. Farejava cada planta e se detinha para observar cada pássaro ou roedor que se movia ao longe. Esteve dez minutos parada debaixo de uns enfeites que tilintavam ao vento, com os olhos fechados e um suave sorriso na cara.

     Seth não estranhava que Reap estivesse distraído. Ele também o estava, e muito. Além de confundido. Ela, ao mesmo tempo que o separava de si, um minuto depois, dava-lhe a mão. Gostava ou não?

     — Todos sabem já como bloquear seus pensamentos, com as práticas que fizemos na estrada — disse Reaper.

     — Eu não estaria tão segura da novata — disse Topaz, olhando para Vixen.

     Vixen respondeu em seguida, o que ao Seth pareceu um pouco surpreendente, porque parecia tão absorta em suas explorações que ele tinha começado a pensar que não lhes estava escutando.

     — Sei como camuflar minha presença. Estive fazendo isso toda a vida.

     — Mas só é um vampiro... desde quando, Vixen?

     — Mmm, era primavera. As macieiras estavam em flor.

     — Talvez em um par de meses, no máximo — murmurou Roxy.

     — Como é que leva toda a vida se protegendo, se só faz dois meses que é um vampiro? — perguntou Seth.

     Ela encolheu os ombros enquanto se aproximava de um suporte de vasos pendurado, cheio de hera, com aquele passo dela, dando saltos e nas pontas dos pés, que fazia que sempre parecesse estar dançando lá aonde ia.

     — Tinha que fazê-lo. Para sobreviver a tudo isso.

     Topaz olhou a Seth com o cenho franzido, mas ele encolheu os ombros enquanto Reaper continuava:

     — Está bem, então todos sabemos nos proteger.

     — Eu posso dar uma mão — disse Roxy . — Posso pôr sentinelas ao redor da casa, riscar um círculo reflexivo, desenhar umas runas nos quatro pontos cardeais, essa classe de coisas.

     — Pergunto-me se terá sido isso o que Gregor fez em sua guarida — disse Reaper em voz baixa . — É como se ali dentro não houvesse ninguém. Não emana nenhuma energia dessa casa.

     — Acredito que seria necessário algo mais que alguns encantamentos para que fosse tão eficaz — disse Roxy.

     Reaper suspirou, mas encolheu os ombros e prosseguiu.

     — Está bem, comecemos com o que sabemos. Gregor é o líder e provavelmente o mais perigoso de todos. Depois dele, Jack é certamente o maior perigo. Logo temos a...

     — Jack não é nenhum perigo — disse Vixen . — Tem... Há alguma bondade nele.

     — Julga muito mal às pessoas — disse Topaz . — Jack é malvado da cabeça aos pés.

     — É vaidoso. Mas não malvado. Não acredito que ele saiba sequer como é. Mas eu sim sei. — insistiu Vixen.

     — Como? — perguntou Topaz, e esquadrinhou a cara de Vixen com olhar ameaçador.

     Vixen se separou do suporte de vasos e lhe lançou um sorriso.

     — Levou-me uma manta.

     — Ah, bom, então não há mais que falar. Está claro. Uma manta.

     — Vê? Disse-lhe isso — disse Vixen, a quem lhe tinha passado totalmente despercebido o sarcasmo da Topaz . — E Gregor é perigoso, sim, e malvado, mas não é a principal ameaça.

     — Quem o é, então? — perguntou Reaper.

     O sorriso de Vixen se apagou e sua cara perdeu sua animação faiscante. Ficou quieta, inexpressiva, e seu olhar pareceu voltar-se para dentro.

     — Chama-se Briar. E é a criatura mais sinistra e cruel que nunca vi. É pura maldade.

     Reaper apartou os olhos. Parecia sinceramente preocupado. Seth o notou e viu que Roxy também o notava.

     — O que a faz mais malvada que Gregor? — perguntou Topaz.

     — Gregor mata por interesse pessoal. Não tem remorsos, toma o que quer, faz-se mais rico e mais forte. Mas Briar... Ela mata porque desfruta infligindo dor e fazendo sofrer a outros. Gosta de lhes fazer mal. Gostava de me torturar. Eu o sentia. Nutria algo nela, uma escuridão que tinha devorado sua alma e que ainda exige alimento. Seu próprio sofrimento já não lhe basta. Não fica nada. Já não pode sentir dor, acredito. Está insensibilizada. Assim, alimenta à besta que leva dentro dela com a dor dos outros.

     Olhou a Reaper e ele a olhou nos olhos com reticência.

     — Nenhuma criatura me deu tanto medo como ela. E eu tenho medo a muito poucas coisas, Reaper. Briar é a maior ameaça. Acredite-me.

     Ele assentiu com a cabeça, mas não disse nada. Seth sentia um torvelinho dentro dele, mas não conseguia descobrir o que era. Conhecia Reaper a Briar ou algo assim?

     — Depois de havê-la visto, estou de acordo com Vixen — disse Seth. — É um mau inseto.

     — Quantos mais há? — perguntou Topaz.

     — Não sei. Tinham-me encerrada na masmorra. Mas sei que há outros vampiros. Mais jovens e menos unidos ao Gregor. Eu só via o Gregor, a Briar, ao Jack e a meus guardas — deslizou os olhos para o Seth . — Acreditava que só havia dois ou três guardas, Seth. Surpreendeu-me que saíssem tantos atrás de ti.

     — Temos que averiguar a quantos nós enfrentamos — disse Reaper.

     — Não sei por que. — disse Seth. — A solução é óbvia, se querem saber minha opinião. Queimamos a casa até os alicerces enquanto dormem. Encarregamos-nos desta forma de todos de uma vez. Limpamente. Queimam-se e não escapa nenhum.

     — É a coisa mais ridícula que já ouvi — replicou Topaz. Todo mundo a olhou, e ela pareceu se acalmar. – Quero dizer que imaginem que há outros prisioneiros encerrados na casa.

     — Tem razão — disse Reaper . — Além disso, como vamos atacar de dia? Estaremos tão dormidos e indefesos como eles.

     — Procuramos um lugar onde nos refugiarmos perto da casa. — Seth improvisava enquanto falava . — Prepararemos tudo na noite anterior, enquanto estão caçando. E instalamos um dispositivo por controle remoto que se dispare quando dormirem, ao amanhecer.

     — Ou poderia ativá-lo eu por vocês — acrescentou Roxy.

     Vixen os olhava fixamente. Tinha os olhos muito grandes e suas pestanas negras e aveludadas se estremeciam como asas de mariposa. Seth pensou que parecia a ponto de voltar a chorar enquanto olhava, confundida, de um a outro.

     — O que acontece, Vixen? — perguntou . — Algo vai mal?

     — São... são iguais a eles — sacudiu a cabeça e retrocedeu uns passos . — Vão queimá-los? Queimá-los vivos? A todos? Como podem... como...? — sacudiu a cabeça mais forte, voltou-se e se pôs a correr.

     Seth fez ameaça de segui-la, mas Reaper o agarrou pelo ombro.

     — Deixa-a em paz. Demos-lhe nossa palavra de que seria livre para ir. Se for atrás dela, não voltará a nos acreditar.

     — Mas...

     — Tem razão, Seth — disse Roxy . — Vixen voltará, embora só seja para nos pedir uma explicação. E quando vir que não tentamos impedir que se vá, não lhe dará medo voltar, porque saberá que não tentaremos retê-la. Entende?

     — Zanga-se muito facilmente, não? — perguntou Topaz . — Pergunto-me qual é sua história.

     — Espero que volte antes que amanheça — resmungou Seth. E embora morresse de vontade de ir atrás dela, acreditava que Reaper e Roxy tinham razão. Assim esperou, e esperou.

     Mas ela não retornou. E quando o sono diurno começava a apoderar-se dele e já não podia resistir a seu influxo, Seth se disse que deveria tê-la seguido. Porque agora estava sozinha e podia lhe ocorrer algo.

     — Esta noite irei atrás dela. — disse, enquanto se dirigia a seu quarto. Teria ido imediatamente, se isso não tivesse significado uma morte segura ao sol ardente . — E que a ninguém lhe ocorra tentar me deter.

 

     Vixen correu por campos e bosques, ela brincou de perseguir ratos do campo e desfrutou do puro prazer de estar viva, de ser uma raposa.

     Não tinha que ficar e enfrentar a sua falta de fé nas pessoas nas quais tinha começado a confiar. Não tinha que enfrentar a nada. Quando adotava sua forma animal, não sentia angústia alguma. Não experimentava nenhuma das absurdas emoções humanas que sempre tinha conseguido evitar e que agora se elevavam nela com tanta força que a afogavam. Não havia lágrimas. Só havia vida, e quanto a amava!

     O que sentia pelo Seth... era poderoso. Havia momentos em que era excitante e delicioso, e outros em que dava medo e doía. Não sabia o que fazer com a força daquelas emoções. Tinha muito pouca experiência naquelas coisas. Mas queria estar a seu lado, disso estava segura. Queria tocá-lo constantemente. Isso era estranho, não? Nunca havia sentido a necessidade de estar em contato físico com outra pessoa. E quando pensava em sua face ou em seu olhar, no tato de sua mão ou em seus abraços, quando pensava nele, seu coração se acelerava, seu ventre se esticava e sua respiração se agitava.

     Quanto dramatismo. Supunha que suas emoções estavam tão afinadas como suas demais sensações, desde que era um vampiro.

     Deus, desejava a Seth como se fosse o ar e ela se estivesse afogando.

     Aquela pausa foi efêmera. Não podia manter sua forma animal muito tempo. Já não, ao que parecia. Passadas umas horas estava exausta e seu corpo lutava por voltar para sua forma humana. Não, humana não. Essa parte dela tinha desaparecido para sempre. Era sua forma vampiresca a que a tirava dela, poderosa e irresistivelmente. Sentia como se a parte dela que encantava o espírito da raposa também estivesse morrendo. Sempre tinha sido tão real para ela, tão importante, como seu lado humano, e agora...

     Sempre tinha podido trocar de forma; era sobretudo humana e em parte raposa, como o tinham sido sua mãe e sua avó antes que ela. Mas agora era um vampiro, e isso parecia estar impondo-se ao que tinha sido antes.

     Odiava-o.

     Começou a trotar nas pontas dos pés, com a cauda rígida atrás dela, para a casa e todos seus dramas. Imaginava que não tinha escolha. O sol sairia logo. E estava decidida a vê-lo sair uma só vez mais, no caso de que resultava ser a última.

     Podia suportar o roçar do sol em forma de raposa por um espaço de tempo muito breve, isso sabia instintivamente. Mas como não podia manter essa forma por muito mais tempo, pensou que o melhor seria aproximar-se da casa, procurar refúgio e ver o amanhecer dali.

     Seus planos, contudo, ficaram truncados quando ouviu um forte estalo e um aro de ferro se fechou de repente sobre sua pata dianteira. Chiou e retrocedeu, mas só conseguiu que os dentes daquela armadilha cruel se afundassem mais profundamente. Como doía! Aproximou-se um pouco para aliviar a pressão, mas a dor seguia gritando dentro dela, e não podia fazer nada, só ficar ali caída, arranhando a boca metálica com a pata livre, empurrando-a com o focinho, lambendo as feridas da pata, que sangravam.

     Logo sentiu calor e se voltou para olhar para o este. Era o sol, que subia lentamente desde seu lugar de repouso, elevando-se pouco a pouco. As primeiras correntes de luz se derramaram pelo céu, e logo a curva superior da feroz esfera amarela apareceu no horizonte.

     O sol. Vixen o adorava. E, entretanto, nesse momento o temia. Porque a dor e a perda de sangue lhe estavam debilitando ainda mais. E, uns minutos depois, estaria tão cansada que não poderia evitar voltar para sua forma humana. Ou melhor dizendo, a sua forma vampírica.

     E, se voltava para ela, morreria. Jack o havia dito na mansão, quando estava ali prisioneira. Quase desejava que não o houvesse dito. A morte seria mais piedosa se não soubesse que ia chegar.

     Empurrou com mais afinco com a pata, gemendo e chiando porque com cada movimento a atravessava uma corrente de dor.

     E então, de repente, deteve-se e ficou calada. Inclinou a cabeça e ergueu as orelhas. Tinha ouvido algo.

     — Vixen? Vixen, onde está?

     Era uma voz de mulher, uma voz conhecida. Vixen farejou o ar e reconheceu o aroma de Roxy. Seu primeiro impulso foi retornar a sua forma humana tão rapidamente como pudesse. Não demoraria muito. A única coisa que tinha que fazer era deixar de resistir. Seu corpo se esforçava por trocar. Mas se se transformasse nesse momento, enquanto o sol se elevava por segundos, morreria. De modo que permaneceu como estava e proferiu um uivo agudo e dilacerador que esperava que atraísse a Roxy.

     E assim foi. Ouviu os passos do Roxy entre os matagais, aproximando-se, e seguiu uivando com urgência. Estava tão débil e sangrava tanto...

     — Oh, pelo amor de... Tranqüilo, pequeno. Não passa nada, te acalme — Roxy se ajoelhou no chão, tirou rapidamente o xale que levava sobre os ombros e o jogou sobre a cabeça de Vixen. — Perdoe-me, precioso, mas não posso permitir que remoa a mão que vai te salvar.

     Logo abriu a armadilha. E doeu. Deus, como doeu quando abriu as argolas. Vixen gemeu e uivou, embora sua voz era já muito fraca.

     — Pronto. Meu deus, quanto sangra. Agüenta.

     Um momento depois, a dor de Vixen se multiplicou; Roxy retorceu algo ao redor de sua pata ferida e o esticou. A dor era insuportável e Vixen chiava e chiava.

     — Sei, sei, me perdoe — disse Roxy. Depois pegou Vixen nos braços, envolveu-a em seu xale como os humanos envolviam a seus bebês e a levou rapidamente à casa.

     Uns instantes depois estavam dentro. Roxy a depositou sobre um sofá, na sala de projeção, que estava na penumbra.

     — Espera aqui, pequeno. Vou trazer umas ataduras para te curar como é devido.

     Vixen a olhou aos olhos enquanto falava e Roxy se deteve antes de afastar-se; logo se voltou e a olhou de novo fixamente.

     — É quase como se me estivesse escutando. Como se entendesse tudo o que digo.

     Vixen gemeu para lhe dizer que fosse depressa e apoiou a cabeça sobre sua pata boa, com cuidado de não tocar a ferida. Tremia de dor e estava aturdida pela perda de sangue.

     Enquanto se afastava, Roxy olhou para as janelas tampadas com cortinas e sacudiu a cabeça.

     — Espero que Vixen tenha encontrado refúgio.

     E então partiu e a Vixen a venceu a debilidade. Sentiu que seu corpo trocava, que suas costas e seus membros se alargavam, que seus rasgos se transformavam. E não pôde impedi-lo, e se alegrou de que Roxy não a tivesse deixado em uma habitação ensolarada, em vez de na penumbra daquela.

     Não podia mover-se, só podia permanecer ali deitada. O antebraço lhe palpitava acima do pulso e sangrava apesar do torniquete, que estava agora mais apertado ainda. Estava nua, salvo pelo xale do Roxy, que seguia envolvendo-a, e se deixava levar rapidamente pelo sono diurno.

     Ouviu os passos de Roxy aproximarem-se e logo deter-se.

     — Vá, que me crucifiquem — murmurou a mulher . — É você. Vixen. Claro.

     Vixen a olhou aos olhos e sussurrou:

     — Por favor, não o diga a ninguém — e logo seus olhos se fecharam e o sono diurno a tomou em seu ensolarado abraço.

    

    

     — Pode-se saber que demônios se passou, Vixen?

     Seth sussurrou aquela pergunta enquanto ela se espreguiçava. Vixen tirou o chapéu ainda no sofá. Seth estava sentado na beirada, muito perto, e ela seguiu seu olhar até seu pulso, envolto em uma grossa faixa manchada de sangue. Havia também sangue no sofá, embaixo dela, e manchas que formavam um fio de sangue através do tapete, ainda visíveis embora alguém as tivesse limpado.

     Roxy estava dormindo em uma poltrona. Levava ainda a roupa dessa manhã. Abriu os olhos e olhou a Vixen.

     Vixen conteve o fôlego, segura de que Roxy revelaria seu segredo. Um segredo que não queria compartilhar.

     Em parte, porque temia o que pensassem dela; especialmente, o que Seth pensasse dela.

     Odiava aquele estado do ser humano, tantas preocupações. A uma raposa nunca importava o que pensassem dela!

     — O que se passou, Roxy? — perguntou Seth . — De onde saiu todo este sangue?

     — Não foi nada — respondeu Roxy com um gesto de indiferença — Ela tropeçou com um cercado de espinheiro quando voltava, justo depois de que vocês deitaram. Não era mais que um arranhão.

     — Um arranhão? — ele olhou de novo a gaze empapada em sangue, e o sofá e o chão.

     — Bom, já sabe o que sangram seus semelhantes. A verdade é que pensava ter limpado tudo para quando levantassem. Suponho que fiquei dormida — Roxy se levantou e se aproximou . — Já teria curado de tudo. Podemos tirar essas ataduras tão feias — enquanto falava, tocou no braço do Vixen, e Vixen o levantou. Estava tão assombrada pela conduta do Roxy que não pôde fazer outra coisa. Roxy ia guardar seu segredo, depois de tudo.

     — Eu o farei — disse Seth.

     Vixen o olhou com dureza. Seth suavizou sua expressão, e seu tom com ela.

     — Se não te importar, claro.

     Vixen assentiu com a cabeça, ainda receosa, e Roxy saiu discretamente da sala, deixando-os sozinhos. Seth moveu brandamente o braço de Vixen até apoiá-lo sobre suas coxas. Logo começou a tirar as ataduras. Deslizou os dedos sobre os dela, levantou-lhe a mão e apartou a atadura de debaixo de seu braço. Desembrulhou-a de tudo, até que a gaze ficou amontoada sobre o tapete e sobre a pele de Vixen só ficaram os grossos curativos de esparadrapo.

     Logo, Seth se fixou em uma bacia com água e um pano limpo que havia ali perto. Pegou o pano, molhou-o e o pôs sobre os curativos, empapando-os para que saíssem sem necessidade de puxar.

     Por fim, os apartou, limpou o sangue, secou-lhe a pele e olhou atentamente o lugar em que tinha estado a ferida.

     Vixen olhou também, sem saber o que veria. Mas logo a distraiu o modo com que as pontas dos dedos de Seth tocavam sua pele, a forma em que se deslizavam sobre ela brandamente, com delicadeza.

     Tremeu, e se perguntou por que o desejo de acasalar se apoderava dela com tanta força e tão urgentemente por uma carícia tão mínima.

     E, entretanto, enquanto ele seguia lhe acariciando a pele, aquela ânsia só se fez maior. Especialmente, quando ele levantou a cabeça para olhá-la aos olhos.

     Vixen lhe devolveu o olhar.

     — Doeu muito? — perguntou Seth.

     Ela assentiu com a cabeça.

     — Foi horrível, pior que o colar. Nunca havia sentido uma dor assim.

     — É porque você é um vampiro. Todos seus sentidos se afinaram. O sentido do tato também. Assim, sentimos a dor muito mais intensamente. E o prazer também, ou isso me disseram.

     — Ah.

     Ele apartou o olhar um instante.

     — Te dói agora?

     — Não. É como se nunca tivesse acontecido.

     — Bem — disse ele . — Alegro-me — respirou fundo e pareceu pensar no que ia dizer. — Quero que falemos do que aconteceu. Sobre por que fugiu.

     Ela baixou a cabeça.

     — Sou livre de ir e vir quando o desejar muito. Todos o disseram.

     — Sim, sei. E o é. Prometo-lhe isso. É só que você estava desgostosa, e eu não gosto que fizéssemos... ou que eu fizesse algo que te desgostou.

     Ela piscou lentamente, pensativa.

     — Foi por ti. Sim, foi por ti.

     Ele levantou as sobrancelhas, aparentemente surpreso.

     — Porque fui eu quem sugeriu que queimássemos aos renegados enquanto dormiam?

     — Sim. E porque você é o único que de verdade pensa em fazê-lo.

     — Eu? — ela assentiu com a cabeça . — Não o entendo. Tope pôs algumas objeções, mas nenhum deles se negou de imediato a fazê-lo.

     — Não, mas eu sinto coisas que os outros não sentem.

     — Todos podemos ler o pensamento, Vixen.

     — Não é isso. Eu percebo coisas: ira, medo, reticência. O aroma de uma pessoa troca, sua postura troca, seus olhos, sua voz, sua cara... tudo. A gente pode olhar a alguém e saber o que está pensando, embora esteja ocultando seus pensamentos. Não faz falta ler a mente. Também se pode ler o corpo, o aroma da gente.

     — Quer dizer que você pode. — disse ele.

     Vixen encolheu os ombros.

     — Sim. Posso. Assim, eu sei que Topaz não tem intenção de fazer o que sugeriu. Nem tampouco Reaper. Os dois têm algo na cabeça, planos próprios que se foram desdobrando enquanto você falava do teu.

     Seth baixou a cabeça e ela pensou que se sentia insultado.

     — Se tiverem planos próprios, deveriam compartilhá-los com outros. Somos uma equipe.

     — Você acha? Ambos têm motivos para guardar seus segredos, Seth. Se não me acredita, lhes pergunte.

     — Eu o farei.

     Ficou em pé e apartou por fim a mão do braço de Vixen, e por um instante ela só desejou agarrá-lo de novo e atraí-lo para si. Adorava que a tocasse.

     Seth se dirigiu à porta, mas Roxy entrou antes que chegasse a ela.

     — Onde estão Reaper e Topaz? — perguntou.

   Seth piscou e olhou a Vixen com curiosidade, como se ela soubesse a resposta.

     — Não sei, Seth — disse Vixen.

     Ele se voltou para Roxy.

     — Eu tampouco. Olhou em seus quartos?

     Roxy assentiu com a cabeça.

     — Olhei em toda a casa. Foram-se. Não deixaram uma nota, nem disseram uma palavra.

     — Mas... somos uma equipe — resmungou Seth.

    

     Topaz esteve a ponto de levar o Mustang, mas ao final desistiu. O carro fazia muito ruído: gostava de alardear de sua potência cada vez que se pisava no acelerador. E era muito chamativo.

     Topaz tinha que reconhecer, embora fosse só para si mesma, que estava apaixonada por ele. Possivelmente, comprasse um, assim que recuperasse o dinheiro que lhe tinha roubado Jack.

     Esse era, certamente, o único propósito que tinha em mente essa noite. Importava-lhe um nada que Reaper e Seth queimassem a guarida daqueles renegados até os alicerces, com o Jack dentro. Importava-lhe bem pouco que Jack vivesse ou morresse. Mas não ia permitir que seu dinheiro se esfumasse junto com ele, assim não tinha alternativa: devia salvar a Jack.

     Deu voltas a seu plano uma e outra vez enquanto avançava às escuras, atravessando bosques e cruzando campos com passo tão rápido que o olho humano só podia percebê-lo como um borrão de movimentos. Visto e não visto.

     Tinha que assegurar-se de que Jack não estivesse na casa quando esta se incendiasse; de que estivesse vivo para lhe devolver seu meio milhão de dólares.

     E ponto.

     Alegrava-se de ter decidido viajar a pé. Porque uma vampiresa miúda e esbelta era muito mais silenciosa e se ocultava muito melhor que um carro vermelho sangue. Sabia onde estava o esconderijo do bando de Gregor pelo que haviam dito Reaper e Seth, e até a pequena e inquietante Vixen. Sabia também que os vampiros saíam para caçar umas horas depois do pôr-do-sol cada noite, e que voltavam muito antes do amanhecer. Assim, que ficaria escondida fora da mansão e esperaria que voltassem de sua caça noturna: logo tentaria atrair a Jack mentalmente e, ao mesmo tempo, ocultar sua presença aos outros. Dir-lhe-ia que fosse ao seu encontro a sós, e depois já lhe ocorreria o que fazer.

     Deteve-se à beira de um lago reluzente rodeado de bosques, como se fosse um segredo muito bem guardado que só as árvores e os animais conheciam. Era muito formoso para não admirá-lo, embora fosse só um momento, enquanto refletia.

     Não podia advertir ao Jack do que ia ocorrer. Ele avisaria aos outros, e toda a missão fracassaria. Mas tinha que assegurar-se de que ele não estivesse na mansão quando ardesse, no dia seguinte, justo depois do amanhecer.

     O único que lhe ocorreu foi levar-lhe a alguma parte e fazer amor com ele até que ficasse tão pouco para que amanhecesse que não pudesse voltar. Não teria mais remédio, que rodeá-la com os braços e passar o dia dormindo junto a ela. E estar ali, ainda abraçado a ela, quando Topaz abrisse os olhos ao anoitecer.

     A borda daquele lago seria o lugar perfeito para fazer amor com Jack Heart. Ao menos, até que se aproximasse a alvorada. Mas tinha que haver algum refúgio próximo. Topaz olhou a seu redor e viu uma árvore com um matagal de raízes e terra tão grande como uma casa pequena. Podiam meter-se na cova natural que formavam e tampar o oco com erva daninha. Podiam ficar ali deitados todo o dia, seus corpos entrelaçados.

     Um estremecimento percorreu seu corpo como um sussurro e aflorou como um suspiro tremente. Fechou os olhos e tentou afugentar aquela quebra de onda de desejo.

     — Não o quero — disse . — É pelo dinheiro. Nada mais.

     Mas sabia que era mentira.

     Voltou-se na direção da mansão e, veloz como uma centelha, completou sua viagem. Logo se situou no bosque, frente à porta principal, e ficou ali escondida, tentando captar a presença do Jack.

     Não sentiu nada. Havia vampiros perto, sim. Mas não eram eles, e de dentro não lhe chegava nada. As energias que captava eram estranhas: fracas, ou sufocadas de algum modo. Deviam ser os guardas semelhantes a parasitas que havia descrito Seth, os que deixavam ali para vigiar a casa enquanto outros saíam a caçar. Topaz suspeitou que tivesse chegado muito tarde para vê-los partir. Mas estaria ali esperando quando retornassem.

 

     — Sugiro-lhes que procurem algo que fazer para lhes entreter, em vez de perder o tempo se preocupando com o Raphael — disse Roxy.

     Seth tentou interpretar sua atitude. Era certa sua despreocupação, ou só tentava que ele deixasse de preocupar-se tanto?

     — Mas e se tiver ido ali? À guarida desses renegados? Sozinho?

     — Não está sozinho. — disse Roxy . — Topaz também se foi. É evidente que estão juntos. Possivelmente, ela pensou que terei que fazer mais trabalho de campo. Ou talvez só tenham saído para resolver algum assunto. Ou que estejam dando uma queda em alguma parte. Quem sabe? Não é nosso assunto.

     Seth nem sequer parou a considerar a absurda idéia de que Reap e Tope se ataram. Reaper era a personificação do lobo solitário. Não lhe interessaria. E, se lhe interessava, pensou Seth com um sorriso, Topaz lhe diria que se fosse a passeio. Não só não lhe interessava um solitário como Reap, mas sim Seth estava seguro de que seguia apaixonada pelo Jack, seu ex-noivo, o vigarista.

     Tinha graça. Seth nunca a teria acreditado uma idiota, mas ao que parecia, algumas mulheres o eram em questão de homens.

     Seth voltou a concentrar-se no assunto que lhes ocupava.

     — Se eles se foram, deveriam nos ter dito isso — sabia que parecia um menino petulante, que se sentia deslocado por seu querido pai, e se disse que devia esquecê-lo . — É só que acredito que deveríamos ser muito claros uns com os outros, se quisermos que esta missão tenha êxito, nada mais.

     — Mmm-hmm. Mas recorda de quem é a missão, Seth. Raphael leva já muito tempo fazendo trabalhos como este com êxito, e completamente sozinho. Não está acostumado a dar explicações. E lhe custa romper com os velhos costumes.

     — Sim, eu suponho que sim.

     Roxy assentiu com a cabeça, como se aquilo resolvesse a discussão, e olhou à companheira de Seth.

     — Vixen, não me disse antes que acreditava que havia armadilhas ao redor da casa?

     Seth olhou a Vixen, que ficou olhando para Roxy com estupor um momento. De repente, sua expressão se limpou, e assentiu com a cabeça.

     — Sim, há armadilhas no bosque, por toda parte. Armadilhas cruéis.

     — Por que não aproveitam o tempo tentando encontrá-las, então? Farão um favor aos animais daqui. As façam disparar, melhor ainda, as destruam. Assim, farão algo útil enquanto esperamos que Raphael e Topaz voltem.

     Vixen se voltou para o Seth. Que a atraiu para si, de modo que o braço direito dela ficou apoiado contra o flanco dele. O braço e o ombro dele, os peitos e o ventre dela... Seus corpos em pleno contato. Seth adorava isto. E, entretanto, não sabia se ela interpretava aquilo do mesmo modo que ele.

     — Sim, vamos — disse ela, olhando-o com seus enormes e resplandecentes olhos cor de uísque . — Vamos destruir as armadilhas para que não tenham que sofrer mais animais.

     — Mais animais? Acha que já tem caído algum nelas?

     Ela apartou os olhos rapidamente e disse:

     — Não sei. Mas, se houver algum, podemos liberá-lo, e talvez lhe curar as feridas.

     — E possivelmente perder uma mão — resmungou Seth.

     Ela voltou a levantar a cabeça bruscamente, mas esta vez tinha o cenho franzido.

     — De acordo — disse ele . — Faremos isso. Vamos. — inclinou a cabeça para Roxy. — Avise-nos se aparecerem os outros.

     — Eu o farei. Tomem cuidado aí fora. Não se esqueçam de se manterem em guarda.

     Seth assentiu, pegou Vixen pela mão e a conduziu através da casa, até a porta principal.

    

     Reaper tinha deixado a casa antes que os outros se levantassem, que ele soubesse, e sem que se inteirasse Roxy, que estava sempre alerta e era um autêntico aporrinho quando pensava que estava fazendo algo que não devia fazer.

     Mas naquele caso não tinha escolha.

     Seth tinha razão quanto a qual era o melhor modo de proceder. Queimar a guarida daquele bando de renegados enquanto dormiam seria o mais rápido, o mais limpo e o mais sensato para livrar-se deles de uma vez por todas. Estava orgulhoso do menino, apesar de si mesmo.

     O problema era que não podia fazê-lo. Não podia queimar viva a Briar, embora soubesse que era uma assassina desumana. Apesar de ter visto com seus próprios olhos como desfrutava atormentando a Vixen. Apesar de que acreditava que, como dizia aquela estranha moça, Briar era a mais perigosa do grupo. E apesar de que seu instinto lhe dizia que estava cometendo um engano muito grave, possivelmente o maior de sua existência. Possivelmente, inclusive um engano fatal.

     Não tinha escolha.

     Quando a olhava aos olhos, era como se a conhecesse. Sim. Briar estava sepultada em escuridão, mas era uma escuridão edificada sobre a dor. Ele o tinha visto. E havia sentido algo, uma atração, um impulso perverso que o compelia a salvá-la. Ou ao menos a tentá-lo.

     Possivelmente, ela já estivesse perdida irremediavelmente, mas ele não tinha alternativa. Tinha que tentá-lo, embora soubesse que ela não queria que a salvassem. E que não iria com ele voluntariamente.

     Esperou junto ao final da rua que levava a mansão do Gregor até que saíram para a caçada noturna, oculto por uns matagais e por sua habilidade para esconder sua presença, e concentrou todos seus sentidos nela. E quando os vampiros passaram a seu lado, seguiu-os. Quando se separaram, foi atrás dela, vigiou-a e esperou, escondido nas sombras, enquanto ela espreitava a sua presa.

     Era outro homem. Briar parecia preferir alimentar-se de homens. Este tinha vinte e poucos anos e caminhava pela rua com meia dúzia de outros meninos de sua idade. Amigos de faculdade, pensou Reaper. Sua roupa e seu fôlego cheiravam a maconha. Sentiam-se bem, Reaper se deu conta ao lhes ler o pensamento: foram a uma festa em que estavam seguros de encontrar garotas dispostas a passar uma noite de sexo desinibido.

     — Perdoem — disse Briar, saindo de entre as sombras.

     Os meninos pararam em seco, olharam-na de cima abaixo e todos eles se excitaram ao vê-la. Sim, Reaper entendia aquela parte. Eles não podiam sentir o perigo que emanava dela como um forte perfume. Só viam seus peitos grandes e seu canal tentador, que o decote da camisa, negra e colada, que levava deixava ao descoberto. Viam unicamente a curva perfeita de seu traseiro, metido em uns jeans ajustados, e os sapatos de salto de agulha com os dedos ao ar. Viam aqueles olhos intensos e ardentes, cujo olhar faminto confundiriam facilmente com uma expressão de luxúria.

     E era luxúria, sim. Luxúria de sangue.

     — Podemos... podemos te ajudar em algo? — perguntou um.

     — Porque, caralho, neném, eu adoraria te ajudar em algo — disse outro.

     — Possivelmente, eu tenha algo com o que você possa me ajudar — acrescentou um terceiro.

     Seu objetivo, entretanto, estava calado, olhando-a. Briar o olhou aos olhos, ignorando aos outros, e o assinalou com um dedo acabado em uma unha afiada e vermelha como o sangue.

     — Você. Quero a ti.

   O menino tragou saliva e um estremecimento de temor o percorreu. Mas não deixaria que seus amigos o notassem. Olhou-os e compôs um sorriso exibido de si mesmo. .

     — Sigam sem mim, meninos - Os outros resmungaram enquanto se afastavam.

     — Que sorte têm alguns.

     Briar os olhou partir, pensando que os mataria a todos, um por um. Naturalmente, à medida que fosse avançando, dar-se-iam conta de que era uma depredadora. Saberiam que estavam desaparecendo um a um. Cada um deles começaria a perguntar-se se era o seguinte. Seu medo seria delicioso.

     Reaper fechou os olhos ao ler aqueles pensamentos. Briar era malvada. Deus, era a maldade em estado puro.

     — Vêm aqui — disse ao jovem e, quando ele se aproximou, abriu-se a blusa e lhe mostrou os peitos. Ele a olhou, hipnotizado. — Chupe-me, disse ela.

     O menino piscou, olhou-a com olhos sobressaltados, e logo olhou a um lado e outro da rua. Havia gente caminhando, tráfego que passava.

     — Aqui?

     — Faça.

     Ele molhou os lábios e se aproximou dela, dobrou-lhe as costas e começou a lhe chupar os peitos, primeiro um e logo o outro. Briar fechou os olhos e desfrutou do prazer que lhe dava enquanto esperava o momento de matá-lo.

     Passados uns momentos, ele levantou a cabeça e ela se ergueu, deslizou-lhe os braços ao redor do pescoço e disse:

     — Agora é minha vez.

     — Está bem.

     Beijou-lhe o pescoço. Ele fechou os olhos e pensou que era o homem com mais sorte do mundo, até que Briar afundou as presas em sua garganta e começou a beber.

     Reaper pensava deixá-la beber o suficiente para seu sustento, para saciar sua sede, e logo intervir e detê-la antes que o matasse. O que não esperava era a idéia que subitamente fluiu da mente de Briar à sua.

     «Não é o bastante rápido, Reaper. Desta vez, não».

     E no instante em que ele se dava conta do que aquilo significava, que ela sabia que estava ali, que o tinha sabido desde o começo, e saía das sombras para detê-la, ela cravou ainda mais os dentes e rasgou por completo a garganta do menino. O sangue emanou a fervuras, e Briar bebeu o quanto pôde antes que Reaper a apartasse.

     O menino caiu ao chão. O sangue emanava de sua jugular, mas seu fluxo começava já a parar. Era muito tarde para fazer algo por ele. Tinha morrido. Reaper se voltou para olhá-la, estupefato.

     Ela se limitou a sorrir, com os lábios talhados de sangue.

     — Quanto mais tente me deter, mais morrerão.

     Ele negou com a cabeça lentamente.

     — Não, Briar. Não vais matar a mais ninguém.

     Ela encolheu os ombros.

     — Talvez não esta noite...

     — Nem em nenhuma outra. Nunca mais, Briar. — lhe disse ele.

     Ela o olhou com o cenho franzido, sem compreendê-lo, e logo ele a agarrou pelo braço, levantou-a, a jogou sobre o ombro e ficou em marcha a toda velocidade.

     — Porque vais vir comigo.

     Briar chiou. Chiou e amaldiçoou, e o golpeou. Reaper não fez nada a respeito; encaixou a dor, embora não era pouca. No fim das contas, ela era uma vampiresa. Mas ele não fez nada, exceto segurá-la e correr, até que a sentiu gritar mentalmente chamando Gregor.

     E então teve que atuar. Deteve-se, deixou-a no chão e caiu sobre ela para sujeitá-la enquanto ela se debatia e tentava escapar. Reaper tirou a seringa que levava no bolso. Briar se retorcia embaixo dele. Seus peitos, ainda nus, roçavam o peito de Reaper. A pélvis dele se apertava com força contra a dela para sujeitá-la. Reaper desentupiu a agulha e resistiu ao ardor que sentia. Por fim, a cravou na nádega, através da calça, baixou o êmbolo e lhe injetou o tranqüilizador.

     Briar ficou quieta imediatamente. Seus olhos se aumentaram e logo ficaram sem expressão antes de fechar-se.

     Reaper ofegava, sentado escarranchado sobre ela. Briar estava inconsciente. Indefesa. Ele olhou seus peitos, recordou o prazer que havia sentido aquele desafortunado mortal ao prová-los, e o muito que se excitou ele enquanto os observava das sombras. Umedeceu os lábios e compreendeu que Briar tinha montado aquele número para ele. Sabia que estava ali.

     Inclinou-se sobre ela, cheio de desejo, e quando estava muito perto viu que seu mamilo se endurecia, sentindo-o ali, apesar de que Briar estava inconsciente. Usou a língua: uma lenta e larga passada, e logo uma ou duas mais curtas e tentadoras. O desejo se apoderou dele, mas não fechou os lábios, não chupou. A tentação teria sido irresistível se o tivesse feito, e sabia quais eram seus limites.

     Separou-se dela, levantou-se e logo se inclinou para levantá-la e colocá-la ao ombro novamente. Depois se dirigiu para a plantação, perguntando-se como reagiriam os outros ao ver que a tinha seqüestrado, no lugar de queimá-la viva com o resto de sua cruel corte.

    

    

     Seth caminhava através do bosque, pisando com cuidado, em busca de armadilhas. Vixen avançava nas pontas dos pés a toda pressa, com a cara sempre ao vento, voltando-se para um lado e outro, quase como se farejasse o ar.

     — Vix, vá mais devagar, sim? Vais pisar em uma dessas armadilhas.

     — Não, mais. — respondeu ela alegremente . — Agora já sei como cheiram — se deteve e abriu os braços; logo começou a dar voltas, com o cabelo flutuando atrás dela, até que se enjoou tanto que caiu ao chão. Sua risada soava como o tinido de uma campainha.

     Seth se aproximou dela, inclinou-se e estendeu os braços para ajudá-la a levantar-se. Ela levantou a mão, tomou a sua e o puxou, e ele caiu de bruços. Aterrissou a quatro patas, com os joelhos a ambos os lados dos quadris do Vixen e as mãos por cima de seus ombros. Ela seguia sorrindo. Ele, em troca, não podia tomar-se aquilo tão à ligeira.

     — Eu gosto de você muito, de verdade, Vixen. — disse.

     — Eu também de você.

     — Faz que me sinta... — procurou palavras românticas e floridas, dessas que faziam levitar às mulheres e as deixavam sem fôlego . — Faz que me sinta...

     — Com vontades de acasalar?

     Ele esteve a ponto de engasgar-se, mas fechou a boca. Tragou saliva, pigarreou e disse com voz rouca:

     — O que?

     — Assim é como me faz sentir você. Com vontades de me acasalar — disse ela . — Alguma vez antes o tinha sentido com tanta força? — inclinou a cabeça e observou sua cara. — Quer?

     — Não acha que antes deveríamos provar algo um pouco mais simples?

     — Como o que?

     — Nos beijar, possivelmente.

     Ela franziu o cenho.

     — Suponho que é o normal. Está bem.

     — Está bem. — Seth estava nervoso. Nunca sabia se ela o estava enganando. Ou acaso era assim inocente, assim cândida?

     Molharam-se os lábios, confiou em que seu fôlego ainda cheirasse a hortelã e baixou a cabeça até que seus lábios se encontraram. E, Deus, que suaves eram os lábios de Vixen. Insistiu, separou-os e a beijou uma e outra vez. Ela lhe devolveu o beijo, primeiro com curiosidade, logo com ânsia. Seth tentou usar a língua, e ela jogou a cabeça para trás, surpreendida, e abriu os olhos de par em par.

     — Sinto-o — disse ele.

     Ela sacudiu a cabeça e um sorriso surgiu de um nada.

     — Não, eu gosto. — rodeou sua cintura com um braço, com a outra mão agarrou sua nuca e o atraiu para si. Seth estava em cima dela, e ela o beijava, e ele só demorou um segundo em superar sua surpresa e começar a beijá-la de novo. Ela abriu a boca para sua língua e começou a usar também a sua.

     Seus lábios se arqueavam contra os dele e sua respiração era entrecortada e ansiosa. Era tão incrivelmente receptiva...

     — Seth? Vixen?

     Seth ficou quieto, embora ela seguia beijando-o com ânsia.

     — Espera, espera, neném, ouço algo.

     — Dá-me igual.

     — Acredito que é Roxy.

     — Seth, onde está? — chamou de novo aquela voz.

     Desta vez, Seth se convenceu de que era Roxy. Olhou a Vixen: seus lábios úmidos e ansiosos e seus olhos cheios de desejo, de pura e irrefreável luxúria. Adorava aquilo. Quem o teria pensado, em uma mulher que parecia tão cândida?

     — Sinto muito. Parece que nos necessitam.

     Separou-se de Vixen, levantou-se de um salto e, pegando-a pela mão, a fez levantar-se.

     — Estamos aqui! — gritou.

     Uns segundos depois, Roxy apareceu no caminho, entre os pinheiros.

     — Será melhor que voltem para a casa. Precisamos de vocês.

     — Há algum problema? — perguntou Seth, dando a mão a Vixen e movendo-se às pressas.

     — Sim. Raphael a trouxe consigo. Para que o interesse não decaia, suponho. Maldito estúpido, cabeçudo, filho de...

     — Caralho, mas que classe de problema é?

     — Da pior espécie. — Roxy olhou de esguelha a Vixen ao dizer isto, e seu olhar pareceu quase de compaixão. — Nunca antes tinha visto o Raphael comportar-se como o típico macho, mas acabo de vê-lo.

     — Em que sentido se comporta como um macho? — perguntou Vixen, olhando-a com curiosidade.

     — Quando pensa com o pênis, carinho.

     Vixen enrugou o cenho e olhou a Seth.

     — O que significa isso?

     — Eh, acredito que significa que Reaper pensa mais em... é... — que palavra tinha usado ela? Ah, sim . — Mais em acasalar-se que em não cometer uma estupidez.

     — É isso — disse Roxy enquanto caminhava feito uma fúria pelo bosque, com os punhos apertados junto aos flancos . — Nunca pensei que veria este dia — resmungou. — Todos estes anos, e não é que não tenha tentado lhe atar com alguém, porque o tentei. O sexo é bom para um homem. Mas, maldita seja. De todas as mulheres do mundo preternatural, por que demônios tinha que ser ela?

     — Quem? — perguntaram Seth e Vixen em uníssono.

     — Não sente saudades que não gostasse das mulheres que lhe escolhia. Eram cordatas!

     — Quem é Roxy? — perguntou Seth outra vez.

     A casa era já visível, e com seu ouvido vampiresco Seth e Vixen sentiram ruídos de luta, grunhidos e gritos, e o estrondo de coisas que se rompiam. Reaper parecia estar lutando com um texugo ali dentro.

     — Sabem o que deveriam fazer? Deveriam entrar aí e lhe dar a esse cretino uma patada nos testículos. Possivelmente, assim lhe faria cair em razão.

     Abriram a porta, entraram depressa e seguiram os ruídos até o quarto de Reaper, onde este tinha a uma mulher furiosa cravada à cama. Ela lutava e se debatia, cuspia e grunhia. Tinha o cabelo revolto e a cara vermelha. Reaper estava arranhado e machucado, e tinha a roupa rasgada.

     — Não — murmurou Vixen . — Ela não pode estar aqui!

     Mas Seth olhava ao redor. Uma nova preocupação ia abrindo passo em sua mente.

     — Onde está Topaz?

     — Não sabemos — disse Roxy . — Não estava com o Raphael. Não temos nem idéia de onde foi.

     — Mas a encontraremos, pode estar seguro — disse Reaper com os dentes apertados. Estava claro que sofria. — Assim que alguém encontre uma corda o bastante forte para prender a nossa prisioneira.

     — Por que não lhe pôs um tranqüilizador? — perguntou Seth.

     — Eu fiz, mas não usei suficiente a primeira vez e não sei quanto mais pode suportar. Busquem-me algo, maldita seja.

     — Já vou, Reap — disse Seth, e se voltou e cruzou o quarto de Reaper, esquivando dos abajures tortos e dos móveis caídos que estavam atirados por toda parte. Chegou ao armário que havia ao fundo do corredor, onde Roxy tinha guardado suas provisões, e começou a rebuscar nele, com a esperança de que Roxy tivesse previsto aquela situação.

     — Tenho algo que a manterá na raia — ouviu que dizia Vixen no quarto de Reaper. E então ela saiu, percorreu o corredor, passou a seu lado e entrou em seu quarto. Quando saiu, levava o colar de descargas elétricas que pouco antes tinha levado no pescoço.

     Levantou-o para mostrar-lhe

     — É a melhor idéia que ouvi este mês — disse Seth, esticando a mão para pegá-lo.

     Mas Vixen o apartou antes que pudesse tocá-lo e ele esquadrinhou seus olhos. Vixen baixou o olhar e negou com a cabeça.

     — Não. E má idéia. É... é muito cruel. Inclusive para Briar.

    

     Topaz tinha esperado longe da mansão, até que esteve segura de que todos tinham saído, a caminho de seu sangrento frenesi noturno. Esperou, inclusive, além da conta, pois devia tomar cuidado.

     Sim, talvez fosse patética. Já era bastante penoso haver-se deixado utilizar e roubar por um homem como Jack. Mas pior ainda era que tivesse desfrutado de cada minuto daquele tempo. Cada segundo. Intensamente. Justo até o instante em que descobriu que ele se mandou com seu dinheiro. Mas o resto... o resto tinha sido delicioso. Para o cúmulo de tudo, sentia falta dele. E ainda se excitava cada vez que pensava em seus beijos, em suas carícias, em suas mãos tocando seu corpo. Deus, aquele homem era um professor fazendo o amor.

     E sim, odiava a idéia de que Jack morresse queimado, embora fosse o que merecia. Tinha tentado convencer a si mesma e a todos outros de que queria mantê-lo com vida só porque precisava recuperar seu dinheiro e, se ele morria, o perderia para sempre. E isso seguiria lhes dizendo a todos. Mas no fundo sabia que não era assim. Não era tão fácil mentir a si mesma.

     Assim esperou, e logo se aproximou da mansão e esperou um pouco mais. Foi uma longa espera, e sabia que o bando de Reaper estaria se perguntando onde ela se escondeu. Talvez inclusive estivessem preocupados com ela, embora lhe parecesse algo duvidoso. Ela não era dessas pessoas que caíam bem. Nunca o tinha sido. Por isso tinha sido tão estúpida ao acreditar que Jack a queria de verdade. A ela nunca a tinham querido de verdade. Mas isso já não importava. Tinha que fazer aquilo.

     Tinha passado, ela supôs, um par de horas da meia-noite quando os vampiros começaram a retornar à sua guarida. Às vezes, chegava um sozinho; às vezes, um grupo de dois ou três. Topaz abriu seus sentidos, ao mesmo tempo em que tentava lhes ocultar sua presença, tarefa difícil, porque era mais fácil esconder-se à percepção de outros se alguém se fechava por completo. Abrir-se, procurar, chamar a alguém enquanto se ocultava aos outros, era complicado. Mas pensou que podia fazê-lo.

     Por fim, ela o sentiu. Ele ia com um grupinho que se dirigia à entrada da mansão, falando das presas dessa noite como os caçadores mortais falavam de cada detalhe, depois de caçar a um cervo.

     — Deveriam tê-la visto — ia dizendo um vampiro que Topaz nunca tinha visto antes. — Não se deu conta de nada até que cravei os dentes nesse pescoço tão bonito. Foi fantástico! — o vampiro que falava era alto e muito fraco, transformou-se fazia pouco e tinha o cabelo prateado e uma cara chupada que sugeria uma fome infinita.

     Jack riu, mas Topaz notou que se estremecia um pouco.

     — Dezesseis, diz?

     — Ou por aí.

     — E então, eh.., matou-a?

     — Deixei-a seca. — o vampiro lhe deu uma palmada nas costas. — O sangue jovem é muito mais doce, não acha?

     — Sempre — disse Jack. — Justamente, na outra noite estava dizendo que... — deteve-se de repente, em metade da frase e inclinou a cabeça.

     Topaz compreendeu que havia sentido sua presença, como esperava.

     Jack olhou rapidamente a seu companheiro.

— Sabe, Merlin? Eu me esqueci completamente o que ia dizer... — sacudiu a cabeça. — Acredito que minha vítima desta noite tinha tomado algo que não me sentou bem.

     — Encontra-te mau? — perguntou o outro.

     — Não, estou bem. Mas acredito que vou ficar aqui fora um momento. Para tomar um pouco o ar. Cairia melhor que me colocar nessa cansativa mansão.

     — Posso ficar, se...

     — Por favor... — ele fez girar os olhos, e o outro vampiro sorriu, assentiu com a cabeça e entrou. Então, Jack olhou a seu redor, escutou, buscou-a.

   Topaz sabia que estava tentando averiguar se havia outros por ali perto, não de seu próprio bando, mas sim do dela. Certamente, ele temia uma armadilha.

     Ela saiu das sombras e disse:

     — Estou sozinha. Preciso falar contigo.

     Jack a viu e pareceu brevemente surpreso. Por um instante, ele quase pareceu alegrar-se de vê-la; logo a olhou de cima abaixo com evidente admiração. Ela tentou recordar a estúpida que se havia sentido essa noite ao colocar aquele vestido negro com uma fenda até o quadril e um amplo decote; ao se maquiar e escovar o cabelo até que reluziu. Deus, ela era patética. E, entretanto, ele se tinha dado conta, e era agradável que a olhassem assim. Que a olhasse ele. Só ele.

     Jack se aproximou e Topaz ficou ali, esperando, deixando que o vento agitasse seu cabelo, consciente de que aquilo o excitava. Podia senti-lo. Bem. Que sofresse. Quando esteve a meio metro dela, ele se deteve.

     — Está impressionante, Topaz. Passou muito tempo.

     — Não o suficiente. — respondeu ela, esperando que ele sentisse somente sua ira e seu ressentimento, e não a dor e o ridículo desejo que brotava dentro dela. — Nunca passará o tempo suficiente. Mas eu não poderia te exigir que me devolva meu dinheiro sem te ver.

     — Ah. Assim, está aqui pelo dinheiro.

     — Por que, se não for por isto?

     Ele encolheu os ombros, mas tinha o olhar fixo em seu decote; logo olhou seu pescoço e seus lábios, e de repente seus dedos começaram a deslizar-se por seus braços, dos ombros aos cotovelos e vice-versa, e ela se estremeceu sem querer.

     — Basta, Jack. — ela poderia ter dado um passo atrás, mas não o fez. Fazia muito tempo que ele não a tocava. E ele não obedeceu. Seguiu acariciando-a brandamente. — Só quero o meu dinheiro. — Deus, tremia-lhe a voz.

     — Ganhei esse dinheiro, amor. Dava-te suficientes orgasmos para pagar o dobro do que te tirei.

     — Não sabia que tinha que pagar por eles. E, que eu recorde, eu dava tanto como recebia. Você também desfrutou do teu.

     — E eu gostaria de desfrutar mais.

     Antes que ela pudesse reagir, atraiu-a para si e se apoderou de sua boca. E, oh, Deus, foi como Topaz tinha sonhado desde que ele a abandonou. O modo em que movia os lábios enquanto sua língua a provocava, provando-a, tentadora e sutil. Tinha os lábios mais suaves que qualquer homem a que ela tivesse beijado, e tudo dentro dela o desejava nesse instante. Não pôde evitá-lo: rodeou-lhe o pescoço com os braços e inclinou a cabeça para beijá-lo melhor.

     Ele deslizou suas mágicas mãos por suas costas, agarrou seu traseiro e a atraiu para si com firmeza, lentamente, enquanto se arqueava para ela. Estava excitado. Topaz o sentiu. Ao menos ainda a desejava. Claro que isso nunca tinha sido um problema.

     — Deus, que quente você é... — murmurou ele contra sua boca . — Alegro-me muito de que tenha voltado para pedir mais. Trouxeste o talão de cheques?

     Como uma bofetada, suas palavras tiraram Topaz da neblina de desejo que a envolvia. Apartou-se bruscamente dele e piscou, assombrada, doída e furiosa.

     — Maldito.

     — Perdoa-me. Só estava provocando — encolheu os ombros . — Suponho que posso te fazer uma oferta, se...

     Ela o golpeou, e não foi uma bofetada feminina, a não ser um murro direto à mandíbula que lhe fez voltar a cabeça e dar meia volta.

     Jack cambaleou, refez-se, levou-se uma mão à mandíbula e levantou a cabeça lentamente para olhá-la.

     — Sinto que está bem zangada.

     — É o que se passa quando lhe roubam meio milhão de dólares.

     — Acredito que não foi só pelo dinheiro, amor.

     — Nem o sonhe, Jack. Devolva-me meu dinheiro e talvez te diga algo que salve sua triste pele de ser aniquilada.

     Aquilo acendeu seu interesse. Por fim, aquele olhar satisfeito abandonou sua cara. Levantou as sobrancelhas e esquadrinhou os olhos de Topaz. Bem, ao fim havia uma expressão sincera. Topaz a tinha visto antes, ou acreditava havê-la visto. Mas era estranho que ele baixasse a guarda até esse ponto.

     — Minha pele corre perigo de

     Agora ele estava ali de pé, sorrindo como um idiota a dois membros do que ele chamava o Pelotão de Caipiras do Gregor, PCG, para abreviar. Deus, eram todos tão parecidos... Gregor os escolhia assim. Fracos de mente e corpulentos, pareciam-se tanto que podiam ter sido parentes em vida. Frente proeminente, olhos um pouco muito juntos ser aniquilada?

     — Sim, e muito em breve, além disso.

     — Vá, que interessante. — agarrou-a por braço. — Por que não procuramos um lugar discreto e acolhedor para seguir falando?

     O coração de Topaz se acelerou, apesar de que sua mente lhe dizia que o mandasse passear ou, melhor ainda, que lhe desse outro murro. Mas antes que pudesse fazer alguma coisa, ela sentiu a aproximação de outros do castelo.

     Compreendeu, de repente, que tinha baixado a guarda: ele a tinha beijado, e ela se esqueceu de tudo, exceto do prazer e da paixão. Deus, que bem ele o fazia.

     Jack pareceu notá-lo ao mesmo tempo em que ela, porque a separou de um empurrão e sussurrou:

     — Corre.

     Ela pôs-se a correr, e os outros vampiros se equilibraram para eles, mas Jack se adiantou, levantou uma mão e se detiveram. Depois disso, Topaz deixou de vê-los e ouvi-los. Estava completamente concentrada em abrir passo em silêncio, a toda velocidade, através do bosque desconhecido, com a esperança de evitar aos renegados.

    

     Jack tinha passado todo aquele encontro, exceto o último minuto, sentindo-se extremamente satisfeito de si mesmo. Topaz ainda o desejava. Isso estava claro. O fato de que ele seguisse desejando-a do mesmo modo não lhe preocupou. Ele era um homem, ela era um bombom e, certamente, a melhor companheira de cama que jamais tinha tido. Claro que seguia desejando-a. Mas isso não significava nada.

     Para ela, em troca, ele sim significava algo. Tinha que ser assim. Era uma mulher. E as mulheres eram emotivas por natureza. Tinha-lhe roubado, ele a tinha utilizado, tinha-na feito sofrer, tinha-na abandonado e traído, e Topaz seguia louca por ele.

     Naturalmente, o beijo lhe tinha afetado mais do que esperava e, como não queria que ela se desse conta disso, tinha tido que dissimular ofendendo-a. Era automático nele. Gostava de mantê-las por perto, mas nunca muito perto.

     Em qualquer caso, todas aquelas idéias se dissiparam quando ela fez aquele comentário crítico sobre seu iminente destino, e se esfumaram por completo quando ele se deu conta de que sua presença no jardim tinha sido descoberta.

, pescoço grosso. Cabeça grande, coberta de cabelo negro, e barba. Todos eles. Jack não estava seguro de por que se empenhava Gregor em que assim fosse. Supunha que era para distingui-los melhor dos autênticos vampiros.

     Embora não estava seguro do que os fazia menos autênticos. E tinha que reconhecer que morria de curiosidade, embora não se partiria o pescoço para averiguá-lo. De todos os modos, a ele nem ia nem lhe vinha o que fazia Gregor.

     Os parasitas se aproximaram dele com passo torpe e se detiveram.

     — Eu também senti uma presença. — disse . — Saí a olhar, mas não há ninguém. Talvez atrás...

     Antes que acabasse, ouviu e sentiu algo que fez com que lhe encolhesse o estômago, e ao voltar-se viu que outros dois daqueles vampiros enormes e estúpidos arrastavam a Topaz entre eles. Maldição, de onde tinham saído?

     Ela tinha já a cara machucada, o cabelo sobre os olhos e o vestido, Jack estava seguro de que o tinha posto em sua honra, esmigalhado. A fenda que antes lhe chegava até por debaixo do quadril se abria agora até a curva de sua cintura, deixando ao descoberto a fina tira da tanga que levava debaixo. Cada um dos vampiros a sujeitava por um braço, e Jack compreendeu que a apertavam mais do que o necessário.

     Ela levantou a cabeça e o olhou nos olhos. Jack apartou o olhar. Não suportava vê-la sofrer. Gostava das mulheres. Aquela em particular. Não aprovava que lhes fizessem mal, nem tinha estômago para fazê-lo ele. Ao menos, fisicamente. Economicamente, emocionalmente... Essas eram coisas completamente distintas.

     — Bom trabalho, meninos. — disse, forçando um sorriso. — O que lhes parece se a partir daqui eu me encarregue dela?

     — E se me encarrego eu?

     Era a voz de Gregor, e procedia de detrás dele. Jack deu a volta e se encontrou com o olhar furioso do chefe. Franziu o cenho e disse:

     — Gregor, o se que passou? Irradia fúria em ondas feitas.

     — Briar desapareceu. Acredito que a levaram eles.

     — Quais? — perguntou Jack, embora temesse sabê-lo já.

     — Reaper, o homem enviado para me destruir, e seu bando. Os mesmos que tiraram a Vixen — olhou a Topaz. — Por sorte, agora temos a um dos seus. Verdade?

     Ela baixou os olhos e se negou a responder.

     — Sim, claro que sim. Quem, senão um deles iria estar rondando por aqui, em plena noite?

     — Gregor, eu não acredito que...

     — Te cale, Jack. Vocês dois, a levem para baixo. Que fique na cela de Vixen.

     Os parasitas assentiram e se afastaram, levando-a a rastros. Topaz não se defendeu; seguiu olhando a Jack. Perguntando-lhe com o olhar por que demônios não fazia algo para ajudá-la. Mas, maldição, ele não podia fazer nada.

     Quando os parasitas passaram junto a Gregor, ele os deteve, agarrou a Topaz pelo queixo e a levantou para olhá-la diretamente aos olhos.

     — Vou desfrutar te castigando pelas faltas de seus amigos, preciosa. Vou desfrutar muitíssimo.

     Ela cuspiu-lhe na cara, e Jack fechou os olhos e voltou a cabeça para não ver como o dorso da mão do Gregor esbofeteava sua bochecha já machucada. Mas ele o ouviu e, maldição, sentiu-o.

    Sentiu sua dor como se fosse dele.

     — À cela, imediatamente.

     Os caipiras a levaram. Os pés de Topaz já não se moviam. Arrastavam-se pelo chão, depois dela, e Jack compreendeu que o golpe do Gregor a tinha deixado inconsciente. Maldição, que demônios ia fazer agora?

    

    

     Briar ficou adormecida sobre a cama, quando Roxy conseguiu lhe injetar uma segunda dose de tranqüilizador, enquanto Seth ajudava a Reaper a sujeitá-la. Roxy tinha demorado a convencer ao Reaper de que aquele demônio podia suportar outra dose. Ao final, não tinham tido escolha. Briar estava destroçando a casa, e, se lhe davam tempo, sua angústia acabaria por revelar sua posição.

     E esse não era o único problema. Vixen estava petrificada, absolutamente traumatizada por sua presença, e Seth estava furioso.

     — Não podemos seguir cravando-a, — resmungou Reaper. Olhou para Roxy ao dizê-lo. — Não sabemos quanta droga dessas pode suportar um vampiro.

     — Boa dedução, Einstein - replicou ela. — Possivelmente, deveria havê-lo pensado antes de trazê-la aqui. — voltou-se e resmungou em voz baixa— : Cretino!

     Reaper a olhou rapidamente.

     — Tem razão. — disse Seth. — E não é só isso: nem sequer se incomodou em consultá-lo conosco.

     — Consultar a vocês?

     — Sim. Somos uma equipe, não?

     — Não. — respondeu Reaper. — Eu não diria isso. Olhe, vocês se apegaram a mim um a um, contra minha vontade, mas esta missão é minha. É meu trabalho. É ao que me dedico, e não penso lhes consultar sobre como tenho que fazê-lo.

     Seth percebeu a alfinetada.

     — Muito bem. Não nos consulte. Importaria de se explicar, então?

     — Sim.

     — E que demônios vamos fazer com ela, Reap?

     — Dir-lhes-ei isso quando o tiver decidido.

     Seth pôs os olhos em branco, passou as mãos pelo cabelo e acabou olhando a Vixen, que estava do outro lado do aposento, junto à porta aberta, olhando fixamente para Briar, um pouco tremente.

     Seth voltou a olhar para Reaper.

     — Não percebe como está Vixen? Ela está de seu lado, tio. E mesmo assim a traumatiza trazendo para casa justamente a mulher que a torturou, sem avisar sequer, sem nem dar uma explicação. Maldito seja, Reaper, a que te propõe?

     — Pela última vez, não vou lhes dar explicações! — Reaper pareceu dominar-se. Olhou para Briar, que dormia, e se voltou logo para olhar a Vixen. — Sinto que isto te faça sofrer, Vixen. Acredite-me se te disser que não permitirei que te faça mal em nenhum sentido. Dou-te minha palavra. E lhe custará muito contatar mentalmente com o Gregor até que seu organismo se desfaça por completo da droga. Com essa dose, não poderá lhe revelar onde estamos nem sequer quando despertar.

     Ela sustentou-lhe o olhar e murmurou:

     — Acredito que é sincero. Mas não acredito que possa manter sua promessa. Ela é forte.

     — Eu o sou mais.

     — Não estou segura disso. — murmurou Vixen.

     Baixou a cabeça com a expressão doída e se voltou para abandonar o quarto.

     Logo, entretanto, deteve-se. Detiveram-se todos para ouvir o grito mental de Gregor, quase ensurdecedor, em suas cabeças. Só Roxy não pôde ouvi-lo, mas ficou quieta, olhando-os.

     «Tirastes a dois dos meus. Mas agora tenho a um dos seus. “E me acreditem, sua estadia não será agradável».

     — Topaz! — murmurou Vixen. Sua voz estava cheia de medo, e Seth se aproximou dela automaticamente, rodeou-a com seus braços e a atraiu para si.

     «Devolvam-me Briar e Vixen, ou esta aqui morrerá».

     «Não lhe faça mal!», respondeu Reaper, falando sem emitir som.

     «Oh, já é muito tarde para isso. Já o tenho feito, e seguirei fazendo-lhe Ainda não vou matá-la. Mas não demorarei muito, Reaper. Não demorarei muito. Quero que você pessoalmente me traga as mulheres. Sozinho. Ou Topaz morrerá. Tem até manhã, passada uma hora depois do anoitecer. Eu te direi quando e onde».

     Reaper fechou os olhos.

     Vixen se separou do abraço do Seth.

     — Vou voltar. Agora mesmo. E levarei Briar comigo.

     — Não! — Seth a agarrou pelos ombros e a fez voltar-se para olhá-la aos olhos. — Nem pensá-lo.

     — Sim, Seth. É necessário, e teremos que fazê-lo em seguida. Gregor está lhe fazendo mal. Você não sabe como que é...

     — Temos tempo para planejar algo melhor. — disse Reaper.

     — Já lhe tem feito mal! Está-lhe fazendo mal agora mesmo! — soluçou Vixen.

     — Já quase está amanhecendo. Não pode torturá-la enquanto descansa — disse Reaper . — Topaz é mais dura do que parece. Tenha um pouco de fé. Nós a recuperaremos sã e salva. Prometo-lhe isso.

     Vixen parecia querer acreditá-lo, embora estivesse claro que tinha suas dúvidas. Quanto ao Seth, não via nenhuma solução possível, e o punha doente pensar que estivessem torturando Topaz. Desejava poder senti-la, lhe mandar uma mensagem de ânimo ou lhe dizer que a tirariam dali de algum modo. Mas não a percebia. Uma vez dentro daquele mausoléu, era como se o vampiro caísse em um buraco negro. Não havia modo de saber o que lhe estava passando, e Seth imaginava coisas terríveis.

     Felizmente, quase estava amanhecendo, porque não suportava pensar nisso por mais tempo.

    

     Topaz se chocou de cara contra a parede e arranhou as palmas, os cotovelos e, estava segura, machucou o queixo, quando aqueles bestas a meteram na cela de um empurrão. A porta se fechou com estrépito metálico, e as fechaduras chiaram, oxidadas, mas encaixaram de todos os modos.

     Ela apartou a cara da úmida parede de pedra e se negou a levar a mão ao queixo, porque teria sido como admitir que lhe tivessem feito mal. Não gostava de reconhecer que sofria. Não gostava que outros tivessem aquele poder sobre ela, o poder de lhe fazer mal, e muito menos admiti-lo.

     Voltou a cabeça lentamente e olhou para trás com uma expressão que deveria ter feito tremer a aqueles caipiras.

     Mas, naturalmente, eles já tinham dado meia volta e se afastaram.

     Topaz amaldiçoou em voz baixa e se tocou com dois dedos o queixo; aspirou entre dentes e apartou os dedos. Sim, a pele estava intacta, mas estava segura de que lhe sairia uma mancha antes que amanhecesse. Menos mal que estava o poder regenerador do dia, disse-se. Olhou os cotovelos e viu que os tinha esfolados e manchados de gotas de sangue.

     — Desgraçados, vão pagar por isso; — voltou as palmas para cima e viu que também tinha a pele levantada. Alegrou-se de que seus reflexos fossem virtualmente instantâneos, ou se teria feito muito mais machucado na cara.

     Cruzou a cela, agarrou-se aos barrotes e olhou entre eles para ver onde estava. Aquele lugar era uma espécie de sepulcro sem luz, mas ela via melhor na escuridão que qualquer mortal a plena luz. Era um porão, possivelmente em outro tempo tivesse sido uma adega. A sensação de que era uma masmorra resultava ridícula; não havia masmorras no velho sul quando aquela casa se construiu. Barracões para os escravos, sim, e postes para açoitá-los, possivelmente. Ou possivelmente não. Não teriam tido que recorrer a um colar de descargas elétricas se lhes tivesse ocorrido açoitar a Vixen até lhe arrancar a pele.

     Ou, possivelmente, fossem simplesmente muito vagos. Pensou um momento em Vixen, encerrada naquele lugar, Deus sabia quanto tempo, torturada por aqueles canalhas, e sentiu náuseas. Ela podia suportar quanto lhe fizessem. Mas Vixen... Ela era tão delicada, tão estranha e frágil... Sim, era muito estranha, mas isso não impedia que Topaz se sentisse enojada ao pensar em que aqueles animais lhe tinham feito mal.

     O porão estava construído em blocos de pedra lavrados à mão. O chão era de terra aplanada. Além da cela, não se via grande coisa. Um banco em uma parede, alguns encanamentos nos lados e cruzando o teto: adições relativamente recentes. Uma tábua de lavar e um cubo penduravam de um prego; provavelmente levavam ali um século. Havia muitas teias de aranha. À esquerda, havia dois degraus de pedra que subiam até uma porta alta, além da qual sabia que havia mais escadas e o mundo exterior.

     Tinha que haver outra porta em alguma parte, com escadas que subissem à parte principal da mansão, mas não a via. Os valentões não se foram por onde a tinham levado até ali. Estirou o pescoço para ver além da esquina, à esquerda da cela, por onde se foram, mas não serviu de nada. Nem sequer os vampiros podiam ver além das esquinas ou através das paredes. Que ela soubesse, ao menos.

     Sacudiu a porta da cela, embora soubesse perfeitamente que não ia ceder. Não a teriam metido ali se acreditassem que podia escapar. E duvidava de que uma cela defeituosa tivesse retido Vixen por muito tempo. Aquela garota podia ser estranha, mas não era tola. De repente, lhe pareceu ardilosa, em um sentido cândido e ingênuo.

     A fechadura parecia nova. Como se a tivessem trocado fazia pouco.

     Suspirando, voltou-se para examinar o interior da cela, mas isso só serviu para que se enfurecesse ainda mais. Paredes de pedra, chão de cimento: provavelmente para que os prisioneiros não pudessem cavar um túnel com suas próprias mãos. Como se ela fosse fazer tal coisa, pensou, olhando as unhas. Usaria um de seus cabeçudos para desencaixar as dobradiças da porta. Melhor isso que danificar uma manicure de noventa dólares.

     Havia uma cama de armar, uma prancha de madeira, na realidade, presa à parede e segura com correntes na cabeceira nos pés. Sobre ele havia uma manta pequena, e Topaz recordou que Vixen havia dito que Jack lhe tinha levado uma manta. Seria aquela?

     Demônios.

     — Sei que não é ao que está acostumada.

     Voltou-se bruscamente, e odiou o modo em que lhe acelerou o coração ao ver aproximar-se o canalha do Jack. Ele se deteve junto à porta da cela, sem aproximar-se muito. Não confiava nela. Era preparado.

     — É um sujo buraco.

     — Sinto muito, Topaz, me acredite...

     — Se o sentisse, os teria detido.

     — Se tivesse tentado, teriam me matado sem mover uma pestana. Eram mais que eu, se por acaso não o notastes.

     Ela entreabriu os olhos e o olhou com raiva.

     — O que?

     — Também eram mais que Seth.

     — Que Seth?

     — Seth, o pintinho recém saído da casca de ovo que entrou aqui e se encarregou de seis ou oito desses neandertais para levar a pequena Vixen.

     — Ah — ele franziu os lábios. — Eu, né... isto...

     — Não se preocupe. Sei que poderia ter feito o mesmo. Não estou pondo em dúvida sua virilidade, Jack. Só digo que é uma víbora que só pensa em si mesmo.

     — Mas como?

     — Deixaste que me metessem nesta cela porque fazer o contrário teria arruinado a posição que ocupa aqui. E, se te conheço, confia em tirar algum benefício, de uma maneira ou de outra, antes de ir. Corrija-me se me equivoquei.

     — Eu não arriscaria sua vida por dinheiro.

     — Por que não? Importo-te um cominho.

     Ele encolheu os ombros.

     — Certo, mas eu não gosto que façam mal às mulheres.

     Ela soltou um bufo involuntário que falava por si só.

     — Fisicamente. — esclareceu ele.

     — Ah...

     Jack voltou a encolher os ombros.

     — Pense o que queira. Acredito que posso te tirar desta sem recorrer à violência.

     — Vais me tirar de detrás destas barras de ferro usando um de seus truques de vigarista, Jack? Vamos, nem sequer você é tão bom.

     Ele suspirou, baixou a cabeça, sacudiu-a e logo voltou a levantá-la e cravou os olhos nela.

     — Por que vieste esta noite?

     — Para recuperar meu dinheiro.

     — Vamos, Topaz, que sentido tem mentir agora?

     Ela apartou os olhos.

     — Quero meu dinheiro, Jack.

     — Está bem. Vou lhe devolver isso. Embora um quarto de milhão não vá te servir de nada nessa cela, não te parece?

     — Meio milhão. — particularizou ela.

     — Ah, bom, sim, mas tive que dar a metade ao Gregor, carinho. Não posso te devolver o que não tenho.

     — O que? — ela levantou o olhar rapidamente, surpreendida. — Por que demônios deu a metade a esse maníaco?

     Jack encolheu os ombros.

     — Para afiançar minha posição aqui, para ganhar sua confiança, essa classe de coisas. Um assunto entre homens. Sou seu homem de confiança. Você não o entenderia.

     — Que se fodam, Jack.

     — Tudo ao seu devido tempo, neném. — ele encolheu os ombros. — Quer que te tire daqui ou não?

     — Acha que pode?

     — Alguém tem que fazê-lo, Gregor está furioso.

     — Sei. Disse que acredita que alguém levou a... Briar?

     — Sim, Briar. O pior inseto que já bebeu sangue. Seu amigo Reaper a levou esta noite. Nós a ouvimos pedir ajuda, mas foi tão breve que não pudemos localizá-la.

     — Esse homem é um idiota.

     — Não sabe quanto. Se eu fosse Gregor, deixaria que ficassem com Briar. Se quiser que te dê minha opinião, seria o pior mal que poderíamos lhes fazer.

     Ela apertou os lábios, embora soubesse por sua expressão que só estava se pondo sarcástico.

     — Tem idéia do que quer fazer esse tal Reaper com ela?

     — Nem sequer imagino. — ela negou com a cabeça. — Pobre Vixen. Briar a mantém aterrorizada.

     — É você a que deveria estar aterrorizada agora mesmo, Topaz. É você a que corre perigo — olhou para a porta que ela não podia ver. — Certamente, não te incomodará esta noite. Falta muito pouco para que amanheça, mas assim que o sol se pôr...

     — Preciso me alimentar. — disse ela, cortando-o.

     Jack piscou. Logo enrugou o cenho.

     — Não tomaste nada esta noite?

     — Não. Passei toda a noite esperando para te avisar... — mordeu o lábio inferior, mas era muito tarde. Escapou-se da língua.

     — Me avisar? — ele levantou as sobrancelhas com ceticismo e esquadrinhou seus olhos, embora ela tentasse evitar seu olhar. — Então, Reaper está planejando algo contra nós, não é isso? E você não poderia suportar que o quer que seja ocorra estando eu aqui dentro, sendo um branco perfeito.

     — Quero meu dinheiro. Se morrer, não o recuperarei.

     — Nem se morrer você. E, entretanto, arriscou sua vida para me avisar. Reconhece-o.

     — Está muito seguro de si.

     — Não importa. De todos os modos, não acredito que seu amigo faça nada enquanto você estiver aqui — se aproximou da jaula . — Agora, não tente nada. Só tenho que gritar e uma dúzia de caipiras se lançará sobre ti. Entendido?

     Colocou os braços entre os barrotes, agarrou-a pelos ombros e a atraiu para si. Ela ficou rígida e Jack a olhou aos olhos.

     — Vem aqui, Topaz. Disse que tinha fome. Não posso te trazer sustento, porque Gregor vigia de perto as provisões. Terá que te conformar com meu sangue.

     Os olhos de Topaz voaram para os seus, apesar de si mesmo, e sentiu que o desejo se elevava dentro dela e que ele notava, embora o negaria até a morte.

     — Vem aqui — sussurrou ele, do mesmo modo que outras vezes, estando na cama, trocava de postura, movia-a, dava-lhe a volta e voltava a atraí-la para si.

     Topaz se aproximou dos barrotes, atraída por ele como por um ímã.

   — Toma! — disse. Rodeou com um braço seus ombros, apoiou a mão em sua nuca e levantou a outra, com a palma para fora, aproximando o pulso a seu queixo. — Aí há uma boa veia. Adiante, bebe.

     A respiração de Topaz se agitou; seus olhos se fecharam.

   — Prefiro passar fome.

     — Mente muito mal. Nós dois sabemos que quer. E se deixasse de tentar ocultar seus desejos e prestasse atenção, Topaz, você se daria conta de que eu também quero.

     Ela abriu os olhos.

     — Passávamos bem juntos. Isso você não pode negar.

     — Não era real. Utilizou-me.

     — Sim. Mas mesmo assim esteve bem — ele levantou ainda mais o pulso e o aproximou de sua boca . — Tome como quer.

     — Não posso — murmurou ela, fechando as mãos ao redor de seu antebraço. — As malditas barras estão no meio. — logo se inclinou e afundou as presas em sua carne. Saboreou-o, e tudo o que havia sentido voltou a cobrar vida dentro dela. Sorveu e tragou. Bebeu dele. E ardeu em desejos até tal ponto que todo seu ser pareceu sumir na neblina, vermelha e densa, da luxúria do sangue.

     Ele retirou o pulso muito cedo, apartando sua cabeça brandamente, ou possivelmente com debilidade. Topaz entreabriu os olhos um pouco e compreendeu que brilhavam, cheios de desejo e de ânsia. Chocou-lhe ver que também no olhar dele havia um brilho de desejo.

     — Tão prazeroso como sempre. — disse Jack com voz rouca, quase um grunhido. — Oxalá Gregor não levasse as malditas chaves. Se pudesse entrar aí agora mesmo...

     — Não. — ela fechou os olhos e se apartou. Tentava dominar o fogo que ardia em cada célula de seu corpo. Deus, aquilo era muito. Estava tremendo.

     Jack respirou fundo e exalou.

     — Esta noite, quando Gregor vier te interrogar, tem que lhe dizer que veio por mim. Convença-o de que está apaixonada por mim, de que não me esqueceste, e de que veio para tentar me recuperar.

     Ela levantou a cabeça e abriu os olhos de par em par. A desfaçatez do Jack tinha conseguido o que não tinha conseguido sua vontade: apagar o fogo que ardia dentro dela.

     — Nem o sonhe. — disse ela.

     — Convença-o de que veio se unir a seu bando para estar perto de mim. Faz com que acredite, Topaz.

     — Está louco se acha que vou fazer isso.

     Ele suspirou profundamente. O resplendor de seus olhos ia se dissipando.

     — Me diga, acha que Reaper trará Vixen e Briar em seguida?

     — Não acredito que as traga.

     — Pois a tortura, a sua tortura, Topaz, começará ao anoitecer, a não ser que convença Gregor de que está de seu lado. E terá que lhe dar algo para demonstrar sua sinceridade. Alguma informação que demonstre que é sincera. Entende?

     Ela negou com a cabeça.

     — Não trairei aos outros.

     — Não te estou pedindo que o faça. Invente algo, mas que seja algo que ele não possa verificar. Ou, melhor ainda, lhe diga algo que seja certo, algo que não prejudique a seus amigos.

     Ela voltou a negar com a cabeça.

     — Está pedindo que traia a mim mesma.

     — Se não o fizer, será torturada e provavelmente morrerá. E eu não poderei fazer nada para te salvar, Topaz.

     — Quer dizer que não está disposto a fazer nada para me salvar?

     Ele se afastou da cela.

     — Dorme, Topaz. Quando despertar, aceita meu conselho e faz exatamente o que te disse. Mas só se quiser viver.

     Logo se foi.

     Topaz se deixou cair no colchão de palha, furiosa consigo mesma por desejá-lo tanto, por haver se arriscado tanto para lhe avisar, para salvá-lo, quando estava claro que ele não estava disposto a arriscar um só cabelo de sua cabeça por ela.

     Desde quando era tão patética?

 

     O sol se pôs e, ao levantar-se, Vixen teve que sufocar uma sensação de temor e um impulso de fugir que nunca antes tinha experimentado com tanta intensidade. Reaper tinha levado Briar para a casa em que tinha começado a sentir-se segura, mais segura do que nunca tinha se sentido entre estranhos, fossem mortais ou vampiros. Mais segura do que havia se sentido desde que se converteu no que era agora. Seth era em boa parte o responsável por isso. Vixen o desejava, desfrutava de seu contato, sentia-se ávida, excitada e entretanto, tranqüila quando ele estava perto. Mas havia algo mais além de Seth e que o estranho efeito que surtia sobre ela. Estavam os outros. Tinha começado a ter afeto por todos, inclusive a confiar neles. Tinha começado a pensar naquele lugar como em um porto ao abrigo dos perigos, mas não era o lugar, em realidade. Eram eles, as pessoas, Reaper, Seth, Topaz e Roxy: eles eram quem lhe davam proteção.

     Aquele refúgio, entretanto, tinha ficado arruinado, e isso parecia uma violação.

     Ocorreu-lhe que, na realidade, não conhecia aqueles vampiros nos quais tinha estado a ponto de confiar.

     Sobretudo, a Reaper. Nunca teria imaginado que pudesse levar a Briar ali. E, naturalmente, ele podia estar a ponto de decidir entregá-la ao Gregor outra vez, devolver a ambas a seu cativeiro.

     Devia fugir. Seu instinto o dizia.

     E, entretanto, não podia, porque Topaz poderia pagar com sua vida se o fizesse.

     Assim se levantou, tomou banho devagar, vestiu-se e arrumou o cabelo para dar, aos outros, tempo de sobra para discutir seu futuro sem ela. Logo se reuniu com eles bem a tempo de ouvir o que Seth dizia.

     — Temos que sabê-lo com toda segurança.

     — Gregor não me parece dos que fazem ameaçam em vão. — disse Reaper.

     — Então, por que não sentimos a Topaz? — perguntou Seth. — Se estivesse sofrendo, se estivesse ferida, sentiríamos.

     Reaper passou uma mão pelo cabelo e seguiu passeando pela habitação.

     Vixen ficou em seu caminho e disse:

     — Não podem deduzir nada pelo fato de que não a sintam. Acredito que não se pode perceber nada do que ocorre no interior dessa casa.

     Reaper entreabriu os olhos e a olhou fixamente.

     — Tive essa sensação quando estive ali, mas não acreditava que tal coisa fosse possível. Como Gregor consegue?

     — Não sei. Nem sequer estou completamente segura de que seja certo. Mas eu só sentia ao Seth quando estava fora. Nunca quando estava entre esses muros. E, entretanto, quando estava fora o sentia constantemente, com cada fibra de meu ser.

     Seth a olhou aos olhos e lhe disse sem pronunciar palavra que ele sentia aquele mesmo vínculo poderoso com ela.

     Vixen lhe sustentou o olhar um momento; logo voltou a olhar a Reaper.

     — Eu posso averiguar o que está se passando a Topaz.

     Reaper a olhou aos olhos inquisitivamente.

     — Não pode te arriscar a voltar ali.

     — Não se inteirarão. Nem sequer me verão.

     — Não poderá entrar, Vixen.

     — Sim, poderei.

     Reaper a observou com o cenho franzido. Seth se aproximou dela e escrutinou seu rosto.

     — Como? — perguntou.

     Ela tragou saliva e franziu os lábios.

     — Isso não posso lhes dizer, ou, melhor dizendo, não quero lhes dizer. Agora não. Talvez nunca. É meu segredo. Mas posso fazê-lo.

     — Sim. — disse Roxy — , pode mesmo — sorriu a Vixen. — Não se preocupe, pequena. Não me corresponde contar esse segredo, e levarei isso para a tumba se for o que queira.

     Vixen acreditou.

     — Me deixem ir. — disse, voltando a olhar a Reaper. — Posso estar de volta em uma hora. Direi tudo o que lhe esteja passando.

     Reaper olhou ao Seth como se esperasse sua aprovação. Seth sacudiu a cabeça e começou a dizer que de maneira nenhuma; Vixen sentiu saltar as palavras a seus lábios antes que ele falasse, e se apressou a dizer:

     — Não sei por que lhes pergunto. Não é sua decisão. Vou. Voltarei dentro de duas horas, no máximo. Espero que não façam nada até então.

     Voltou-se e pôs-se a correr para a porta. Seth correu atrás dela, agarrou-a pelo braço e a fez girar.

     — Vixen, por favor, não vá. Se voltar a te apanhar...

     — Não me apanharão.

     — Mas se lhe apanham...

     — Se me apanharem, você irá por mim — o olhou aos olhos, querendo ver neles uma confirmação de que o que acabava de dizer era certo. Ignorava por que a queria. Não era só para sentir-se segura. De fato, sua própria segurança tinha muito pouco a ver com o desejo desconhecido que alagava seu ser. — Verdade?

     — É claro que sim.

     Ela piscou ao ouvir aquelas palavras, pronunciadas com veemência, com convicção, sem um só indício de que pudessem ser falsas. Acreditava-as. Acreditava que Seth era sincero, e que sentia aquelas palavras com o mesmo ardor com que as tinha pronunciado. Mas por que?

     — Mas, se deixar que vá contigo, me assegurarei de que não seja necessário.

     — Não pode vir comigo.

     — Vix...

     Ela se levantou e o beijou. Disse-lhe que era só para fazê-lo calar, mas assim que os braços do Seth se fecharam a seu redor compreendeu que havia outros motivos. Ele a beijou como nunca antes a tinha beijado, quase com desespero, e Vixen se aferrou a ele e lhe devolveu o beijo com toda sua alma. Perguntava-se por que nunca antes tinha compreendido o que tinham de atrativos os beijos. Sempre lhe tinham parecido uma perda de tempo. Agora lhe pareciam o paraíso.

     Por fim, se separou dele, deu meia volta e correu para a porta.

     Não parou de correr até que esteve quase na mansão, escondida entre as árvores, perto de seus limites, e sondou seus sentidos para averiguar se a tinham seguido.

     Parecia que não. Assim, procurou um lugar tranqüilo e ali concentrou sua energia, relaxou seu corpo e começou a transformar-se.

    

     Gregor apareceu pouco depois de que Topaz despertasse em sua cela. A Topaz não tinha causado grande impressão de momento. Para ser o líder de um bando de vampiros renegados, não parecia grande coisa. Era forte, sim, mas muito rechonchudo, e seu cabelo vermelho e talhado quase ao zero mostrava sinais de ter começado a escassear no momento de sua transformação. Tinha as bochechas manchadas, os olhos azuis muito claros e as sobrancelhas tão loiras que eram quase invisíveis. Parecia um estúpido.

     E entretanto Topaz sabia que era perigoso.

     Tinha dado muitas voltas à sugestão do Jack e, por mais que o tivesse tentado, não tinha dado com uma idéia melhor.

     — Já era hora — disse, quando ele usou a chave para abrir sua cela. — Se tivesse esperado um pouco mais, possivelmente tivesse sido muito tarde.

     — Muito tarde para que?

     Ela franziu os lábios.

     — Não, deixe para lá, trataste-me como a uma merda. Que se fodam Você e a todo seu bando. Mudei de idéia.

     Gregor encolheu os ombros.

     — Não me venha com jogos... Topaz, não é isso?

     Ela o olhou com aborrecimento.

     — Quem diz que estou jogando? Acha que vim aqui para jogar? Acha que ia arriscar minha vida para jogar contigo?

     — Não sei. Mas sei que estou a ponto de averiguá-lo — abriu a porta de par em par e lhe indicou que saísse.

     Ela saiu, mas devagar, receosamente.

     — Vim aqui com uma oferta para ti, idiota. Com um presente, mas você não conhece a diferença entre um amigo e um inimigo.

     Ele levantou suas sobrancelhas rubíssimas, mas seguiu caminhando, agarrando-a pelo braço e a puxando. Dobraram uma esquina e entraram em um cômodo maior. Ao outro extremo dele, Topaz viu as escadas que levavam a casa, as que não podia ver desde sua cela.

     Viu também que havia uma cadeira no meio da sala. E, a ambos os lados dela, um daqueles caipiras infernais. No chão, havia um cubo cheio de brasas acesas, com um atiçador de ferro metido dentro.

     — Os amigos não tentam fugir quando lhe vêem.

     — Fugi porque me perseguia um meio vampiro enorme, ou o que seja. O que são essas coisas, por certo? — ele não respondeu; seguiu olhando-a. Topaz suspirou e continuou. — Vim aqui te buscando, Gregor. Como ia saber que trabalhavam para ti?

     Ele a empurrou para a cadeira. Topaz se sentou e tentou não tremer de medo e ater-se ao seu plano. Tinha estado refletindo toda a noite, mas ao final se deu conta de que não tinha mais remédio que fazer o que tinha sugerido Jack.

     Onde demônios estava Jack, de todos os modos? Podia fazer um ato de aparição, ao menos.

     — E para que me buscava? — perguntou Gregor enquanto fazia um gesto com a cabeça a seus valentões.

     Um deles se colocou atrás de Topaz, agarrou-a pelas mãos, as jogou para trás e começou a atar-lhe.    

     Ela podia romper aquela corda. O que se propunham? Logo olhou os carvões quentes e o compreendeu. A dor a deixaria tão fraca que, passados uns minutos, provavelmente não poderia soltar-se. E se o tentava antes, eram mais que ela, de modo que...

     — Bom, isso é mentira, em realidade — lhe disse. — Não te estava procurando a ti, estava procurando o Jack.

     — Volto a lhe perguntar isso. Por que?

     Ela baixou os olhos.

     — Para lhe advertir. Sobre o Reaper.

     — E por que foste fazer isso?

   — Isso é pessoal — respondeu ela . — Basta dizer que não quero vê-lo sofrer. E se ficar contigo, sofrerá.

     — Por culpa do Reaper?

     Ela assentiu com a cabeça. Um dos valentões lhe estava atando um tornozelo ao pé da cadeira. Logo passou ao outro.

     — Reaper vai fazer todo o possível para te matar e a todo seu bando — disse.

     — Até agora, Topaz, não me disse nada que já não soubesse.

     Gregor se aproximou lentamente ao cubo de brasas e agarrou a asa do atiçador.

     — Me toque com essa coisa e te juro que não te direi nada que possa te ajudar. Juro-lhe isso Por Deus, uma só queimadura...

     — Isso depende de ti, não acha? — ele tirou o atiçador das brasas. Sua ponta refulgia, vermelha como uma cereja. — Quando planeja atacar?

     — Supunha-se que ia ser esta noite — disse ela. — Mas não o fará se souber que estou aqui. Pelo menos, isso acredito.

     Ele seguia aproximando-se, sem apartar o olhar da ponta do atiçador.

     — E como pensa atacar?

     Ela piscou rapidamente, tentou apartar o olhar do atiçador, mas não pôde.

     — Eu... não sei.

     Gregor baixou a cabeça como se estivesse triste, sacudiu-a lentamente e aproximou o atiçador a sua cara, cada vez mais, até que Topaz sentiu o calor abrasar sua pele, a um par de centímetros de distância.

     — Está bem — disse rapidamente. O avanço do atiçador se deteve, mas seguia estando muito perto. — Não o tinha decidido ainda, mas se inclinava por queimar a casa enquanto descansavam.

     — E como ia fazer isso? Ele também tem que dormir de dia.

     Topaz não pensava mencionar a Roxy. Era a mais vulnerável de todo o grupo.

     — Falou de usar uma espécie de temporizador.

     Gregor assentiu lentamente e apartou o atiçador, mas só um pouco.

     — Por que queria advertir ao Jack?

     — Eu... não... não posso...

     — Por que? — ele voltou a aproximar o atiçador. — Te roubou, traiu-te.

     — Sei, mas... — baixou a cabeça e olhou seu regaço. — Ainda o quero — murmurou.

     — Não está mau, como confissão.

     — Esse atiçador tampouco está nada mal — replicou ela.

     — Uma coisa mais, só uma, e logo já veremos. E esta, pequena minha, dir-me-á tudo o que preciso saber sobre seus motivos. Onde se escondem Reaper e seus outros amigos?

     Topaz não podia traí-los assim. Não, quando isso podia lhes custar a vida. Se aquele homem sabia onde estavam, os aniquilaria. Os destruiria. Por irritantes que fossem, e por mais que odiasse admiti-lo, preocupava-se com eles. Por todos eles.

     — Sujeitem — ordenou Gregor.

     E antes que ela pudesse reagir, umas mãos enormes e carnudas agarraram sua cabeça e a apertaram, esmagando suas orelhas, até lhe fazer mal. Teve que levantar a cara e o atiçador tocou sua bochecha.

     Gritou de dor, apesar de que o ferro ao vermelho vivo só roçou sua pele. Poderia ter estalado em chamas, mas não foi assim. Sentiu que sua carne se queimava, cheirou-o, ouviu o chiado como de serpente quando o metal resplandecente cruzou sua bochecha, roçando-a, pelo espaço de um instante. Não importava. Nada doía como uma queimadura, e ninguém sentia a dor mais agudamente que um vampiro.

     Seu grito agônico se extinguiu quando o parasita a soltou, e sua cabeça caiu para diante.

     — Onde estão? — repetiu Gregor.

     — Em nenhuma parte — respondeu ela com um gemido de dor. Deus, como doía. — Por favor, por favor, me ponha algo frio na cara.

     — Onde estão?

     — Já lhe disse isso, em nenhuma parte. Quando anoitecia procurávamos refúgio em qualquer parte. Às vezes no bosque, às vezes em um celeiro abandonado — apertou os dentes enquanto quebras de onda de dor se estralavam contra suas terminações nervosas, fazendo-a estremecer-se.

     — Outra vez — ordenou Gregor. O vampiro que havia atrás dela voltou a agarrar sua cabeça e Gregor levantou o atiçador. Mas de repente a porta do alto das escadas se abriu, e Jack saltou ao chão e golpeou ao Gregor com os punhos. Gregor se cambaleou e esteve a ponto de cair de lado, mas conseguiu refazer-se. Justo nesse instante, um pequeno míssil feito de cabelo acobreado, com a ponta branca, voou como saído de um nada. Quando pôde concentrar-se, Topaz se deu conta de que era um animal, uma raposa, e de que tinha fechado suas pequenas mandíbulas ao redor do pulso do Gregor. O atiçador caiu ao chão com estrépito e Gregor caiu de joelhos, uivando de dor.

     Topaz olhou ao Jack. Não podia apartar os olhos dele. Seu alívio, sua alegria porque tivesse aparecido era tal que sufocava a dor.

     Ele, entretanto, não a olhava; tinha o olhar fixo na raposa, e Topaz se deu conta de que lhe estava falando mentalmente. Notou-o pela intensidade de seu olhar. Mas bloqueava sua mente para que ninguém mais pudesse ouvi-lo. Ela lançou um olhar à raposa, que parecia escutar atentamente, porque o olhava com fixidez, com as orelhas jogadas para diante. Logo deu meia volta, agitou a cauda e saiu da habitação como uma centelha. Topaz vislumbrou uma greta na parede de pedra através da qual o animal desapareceu.

     E antes que pudesse começar a entender o que tinha acontecido, Gregor ficou em pé e os dois valentões agarraram ao Jack pelos braços.

     Ele não resistiu; limitou-se a sorrir e a sacudir a cabeça.

     — Podem me soltar, ou posso lhes destroçar. Vocês escolhem — logo olhou ao Gregor, que estava sacudindo o pó das calças e franzia o cenho. — Já anda escasso de caipiras, Gregor. Seriamente quer perder dois mais?

     — Posso fazer outros — respondeu Gregor, mas fez um gesto com a cabeça a seus valentões. Eles soltaram ao Jack, que endireitou as mangas da camisa.

     — Se importa de explicar antes que lhe mate? — perguntou Gregor.

     — O que terei que explicar? — Gregor resmungou, mas não disse nada. — Ela vem nos avisar e você lhe agradece torturando-a?

     — Nunca disse que era um bom menino — disse Gregor.

     — Não, mas sim ao menos leal. Fui sua mão direita. Assim é como me recompensa? Marcando a minha mulher?

     — Sua mulher?

     — Minha mulher. Arriscou tudo para me advertir. Isso me diz que é de confiança e, se fosse menos néscio, você também saberia.

     — A única coisa que tem que fazer é me dizer onde se escondem Reaper e seu bando. Se de verdade estiver de nosso lado, nos dirá isso. Se não, é uma inimiga e será tratada como tal.

     Jack olhou a Topaz. Ela viu que seus olhos se detinham na marca de sua bochecha, notou que se estremecia e que o ocultava rapidamente: logo seus olhos se encontraram, e Jack falou só para ela. «Diga-lhe».

           «Jamais!».

     «Vixen lhes avisará. Vai de caminho para ali, prometo-lhe isso. Partirão antes que lhes encontrem».

     «Vixen?».

     Topaz piscou, olhando-o, e logo apartou rapidamente os olhos porque Gregor os estava observando e possivelmente se deu conta de que estavam falando.

     — Me está esgotando a paciência. Jack, se não suportar olhar, terá que ir.

     — Diga-lhe Topaz. Pelo amor de Deus, diga-lhe.

     Ela baixou a cabeça, fechou os olhos, perguntou-se quando diabos tinha podido Jack falar com Vixen, o que tinha passado com aquele gambá e...

     E então se deteve e seus olhos se aumentaram. A raposa. Vixen. Que demônios...?

     — Me traga uma machado — ordenou Gregor.

     Topaz levantou a cabeça bruscamente.

     «Juro-te que lhes avisará», sussurrou-lhe Jack mentalmente.

   Ela lhe lançou um olhar. Logo olhou ao Gregor.

     — Há uma mansão de antes da guerra em uma antiga plantação chamada Mariposa, a uns dez quilômetros ao leste daqui.

     Ele levantou as sobrancelhas.

     — Conheço-a. — logo sorriu . — Ah, já sei o que está pensando, pequena. Acha que poderá lhes avisar mentalmente daqui assim que te deixe sozinha. Mas não pode. Tomamos precauções. Este lugar é uma zona morta. Os pensamentos não atravessam estas paredes.

     — Como... como é possível?

     Ele lhe lançou um olhar que parecia dizer que era uma idiota se pensava que ia dizer e logo assinalou com a cabeça aos parasitas.

     — Voltem a levá-la para a cela.

     — Gregor — disse Jack — , já é suficiente. Eu te disse que é minha. Vai subir comigo. Ou posso ir e levá-la comigo. Você escolhe.

     — Ainda não sabemos se podemos confiar nela.

     — Eu respondo por ela. — respondeu Jack . — Eu a manterei na raia. Vigiá-la-ei.

     Gregor entreabriu os olhos.

     — É nossa única chance para recuperar a Vixen e a Briar.

     — Dentro de quarenta e oito horas, Reaper te estará suplicando que fique com Briar. E Vixen não é uma grande perda.

     — Tolices. Você mesmo viu o que acaba de fazer. Com suas habilidades, poderia nos ser muito útil.

     — Poderia, mas não o fará. Odeia-te, Gregor, e preferiria morrer em cativeiro antes de te ajudar. Aceita meu conselho. Se conforme com Briar. Deixa partir à metamórfica.

     «Metamórfica», pensou Topaz. «Santo Deus».

     Gregor guardou silêncio um momento; logo suspirou e assentiu com a cabeça.

     — Desatem. Leve-na onde queira, mas não saia da casa com ela e não a perca de vista. Está sob sua responsabilidade, Jack. Se a perder, morrerá. Depois dela.

     — Seu afeto por mim me aflige — disse Jack . — Eu te juro que vou chorar se segue te pondo tão sentimental.

     — Não pense sequer em me trair, Jack. Eu não sou uma de suas vítimas. A mim você não pode extorquir.

     — Nem sequer me ocorreria tentá-lo. — replicou Jack.

     Logo se ajoelhou diante de Topaz, dando as costas a Gregor. Inclinou-se para lhe desatar o tornozelo e passou as mãos por sua panturrilha, e embora ela soubesse que provavelmente estava fingindo, estremeceu-se por inteiro.

     — Senti falta de você — lhe disse ele. — Odeio reconhecê-lo, mas é certo.

     — Eu... também a ti — sussurrou ela.

     Doía-lhe dizê-lo, porque era verdade. E sabia que no caso do Jack não era mais que uma frase dita por um ator. Jack era o melhor ator que já tinha visto.

     Tinha que se recordar. Ele estava representando um papel. Talvez não para ela, esta vez, mas ela formava parte do espetáculo. Não, esta vez o extorquido era Gregor, embora ela não soubesse exatamente por que, o que pretendia ganhar Jack com isso. Tinha que haver algo. Jack nunca fazia nada, a não ser que tirasse disso algum proveito.

     Gregor se foi, subiu as escadas feito uma fúria para a parte principal da casa. Os parasitas também desapareceram e, assim que se perderam de vista, aqueles dedos que acariciavam meigamente sua pele se voltaram rápidos e eficazes. Jack desatou em um instante a outra perna e logo ficou atrás dela para lhe soltar as mãos.

     — Dói-te muito?

     — Muitíssimo — respondeu ela, e não se referia unicamente à dor física da queimadura de sua cara. Era a dor de ter tido que ficar ali sentada e suportar seu fingimento enquanto o odiava, enquanto desejava que aquilo fosse real, enquanto o amava e desejava sua morte.

     Suas mãos ficaram livres. Jack ficou diante dela, levantou-a nos braços e começou a subir as escadas.

     — Não tem que...

     — Não é nada.

     — Não há ninguém te olhando, Jack — lhe recordou ela.

     — Disso nunca se pode estar seguro. Além disso, acima haverá testemunhas. Sempre os há.

     Ela se relaxou em seus braços e apoiou a cabeça em seu peito. Estava tão fraca que não podia mostrar-se orgulhosa.

     — O que fará Gregor agora?

     Jack olhou sua cara e seus olhos pareceram ficar fixos nela um instante enquanto subia as escadas do porão.

     — Suponho que irá jogar uma olhada ao esconderijo de seus amigos, para ver se lhe disse a verdade. Mas não se preocupe, já se terão ido. Vixen lhes estará avisando agora mesmo, provavelmente.

     — Essa era Vixen? Esse gambá? — perguntou Topaz. — Meu Deus, Jack, como pode ser?

     — É uma história fantástica. Contar-lhe-ei isso na cama, de acordo?

     Ela lhe lançou outro olhar, e o manteve fixo em seus olhos enquanto ele a levava através da mansão. Certamente, deveria haver-se fixado na disposição da casa, em onde estavam as saídas, nas pessoas com as quais se cruzavam. Mas sua observação se limitava ao que havia por cima da cabeça do Jack: ao teto, às aranhas de cristal reluzente, aos abajures das paredes, que pareciam candeeiros antigos de gás. Mas que eram na realidade elétricos...

     Notou que os passos de Jack pareciam amortecidos em algumas partes e supôs que o chão estava acarpetado. Ouviu o sapateio de seus sapatos em outras habitações e deduziu que ali havia mármore, cerâmica ou granito.

     Mas, sobretudo, fixou-se em seus olhos. Em seu cabelo. Em sua cara, tão amada para ela. E recordou vivamente como o tinha amado enquanto jazia sobre ela, ou debaixo, quando ela ficava em cima para fazer o amor, uma e outra vez.

     E esperava com toda sua alma que o pedido de levá-la à cama não fosse só uma brincadeira. Porque o desejava. Sempre o tinha desejado.

    

     Vixen retornou correndo ao lugar afastado que tinha escolhido antes e ali recuperou sua forma normal. Estava exausta, mas algo menos do que poderia havê-lo estado, graças aos sorvos que tinha bebido do sangue de Gregor.

     Era sangue perverso, mas o bastante capitalista para ajudá-la no esforço da metamorfose. Aquele processo sempre a tinha esgotado, particularmente desde que era um vampiro. Mas essa noite foi menos extenuante. E possivelmente, pensou, se devia em parte ao sangue de Gregor. Em parte era também por suas emoções, muito humanas. Estava zangada, furiosa com Gregor, por fazer mal a Topaz. Sentia medo por Topaz. Desejava desesperadamente retornar à mansão para advertir ao Seth e a todos os outros de que Topaz teria revelado seu paradeiro. Talvez já o tivesse feito. Possivelmente, Gregor e seu bando de vampiros malvados já estivessem a caminho para ali. Possivelmente, ela chegasse muito tarde.

     Impulsionada por todas essas coisas, trocou de forma muito mais rapidamente que de costume, colocou a roupa a toda pressa e sem perder um instante cruzou o bosque em direção à mansão, rezando para chegar a tempo e temendo o que podia encontrar se não fosse assim.

     A imagem de Seth morto ou agonizante, de seus olhos sem vida olhando-a, atormentava-a e a impulsionava a ir mais rápido através da escuridão. Até que por fim chegou à casa da plantação e sentiu que, além de suas portas, detrás de suas paredes, tudo ia bem. O alívio se apoderou dela, deixando-a quase inerte. Era uma sensação de tal magnitude que teve que deter-se na avenida de cascalho, baixar a cabeça e apoiá-la nas mãos.

     Logo, umas mãos se fecharam sobre seus ombros brandamente.

   — O que passou? Está bem? Levantou a cabeça e viu os olhos preocupados do Seth, esquadrinhando os seus. Sentia emanar dele um medo autêntico. Medo por ela.

     — Tornaram a te fazer mal, Vixen? Juro Por Deus que se lhe tiverem feito algo...

     — Não. Não, ninguém me tem feito mal — mas ela sim tinha feito mal. Com um sorriso secreto recordou como tinha fincado os dentes no braço de Gregor, e confiou em ter chegado ao osso. Logo recordou a urgência com que tinha abandonado aquele lugar. — Temos que ir daqui.

     — O que? O que se passou?

     Ela olhou além dele, procurando aos outros, mas não viu ninguém. Só Seth a tinha esperado ao final da avenida. Preocupado. Por alguma razão, aquela idéia a reconfortou.

     — Vamos para dentro. Temos que dizer aos outros;

     Ele assentiu e a acompanhou pelo caminho de cascalho até as altas portas de madeira. Enquanto caminhavam, deu-lhe a mão, entrelaçou seus dedos e os apertou com força. Ela olhou suas mãos unidas e sentiu que simbolizavam algo que ia muito mais à frente do contato físico. Aquele era um gesto possessivo, mas também íntimo, amoroso e protetor.

     Resolveu que gostava.

     Entraram na casa e os outros foram ter com eles antes que cruzassem sequer o vestíbulo. Roxy começou a perguntar se Topaz estava bem. Reaper queria saber o que tinha visto e quando. Briar gritava da habitação de cima, mas Vixen não prestava atenção ao que diziam. Levantou as mãos para pedir silêncio e logo falou em voz baixa enquanto defendia seus pensamentos.

     — Primeiro, não terá que lhe dizer nada disto a essa... — disse com um olhar para o teto, que indicava que se referia à selvagem do primeiro andar.

     — Claro que não — disse Seth, e lançou um olhar aos outros dois. Ambos assentiram.

 

     Vixen também assentiu; logo tragou saliva e tentou decidir por onde começava.

     — Temos que ir embora daqui.

     Reaper levantou as sobrancelhas.

     — Topaz lhes há dito onde estamos?

     — Não o havia dito quando fui embora, mas imagino que já o haverá dito.

     Ele pareceu aborrecido.

     — Não posso acreditar que...

     — Gregor lhe estava aproximando um atiçador vermelho vivo à cara, Reaper. Queimou-a.

     Roxy voltou a cabeça e levou uma mão à boca. Seth resmungou uma maldição e apertou os punhos. Reaper levantou o olhar lentamente e a Vixen pareceu que tinha um olhar assassino.

     — Então Jack atacou a Gregor, atirou-o ao chão e separou de uma tapa o atiçador.

     — Jack Heart? A mão direita do Gregor?

     — Nunca acreditei que Jack fosse homem de ninguém, exceto de si mesmo. Tentou convencer a Gregor de que Topaz tinha ido reunir-se com eles e a lhes dar informação, e de que não era necessário torturá-la. Mas Gregor insistiu em que ela tinha que demonstrá-lo, lhes dizendo onde nos escondemos.

     — E ela o fez? — perguntou Seth.

     — Não, e foi então quando a queimou.

     Reaper praguejou em voz baixa.

     — Jack me falou mentalmente. Disse-me que voltasse aqui e lhes avisasse, que Topaz tinha que nos trair ou enfrentar uma morte lenta e cruel, e de que ia convencê-la de que cooperasse para seu próprio bem.

     Reaper assentiu lentamente e Vixen não pôde ler seus pensamentos. Estava-os bloqueando.

     — Temos que ir — insistiu ela. — Gregor não perderá tempo nos dando chance de escapar. Vem para cá, Reaper.

     — Está bem. Recolham o que vamos necessitar e tudo o que possa lhes dar informação que não queiramos que tenham. Roxy, saca a caminhonete. Seth irá contigo. Vixen, você virá comigo no Mustang.

     Seth fez ameaça de protestar, mas Reaper lhe lançou um olhar carregado de significado. Vixen não entendeu, e se estremeceu um pouco ao pensar que teria que ir com o Reaper. Ele era um homem poderoso, escuro e atormentado, e ela havia sentido desde o começo que ele era também perigoso.

     Recolheram rapidamente seus pertences e saíram à garagem a toda pressa. Reaper voltou a injetar o calmante em Briar, embora resistisse a fazê-lo, atou-a e a levou a garagem. Aproximou-se do Mustang, onde Vixen estava esperando.

     — Pode me abrir a porta? — perguntou Reaper. Ela cruzou os braços e negou com a cabeça. Reaper enrugou o cenho.

     — Se insistir em que vá contigo, não me oponho — lhe disse ela. — Mas não vou no mesmo veículo em que ela vai, drogada ou não.

     Ele olhou à mulher que levava nos braços; logo suspirou e assentiu com a cabeça. Voltou-se e levou Briar à caminhonete. Seth lhes abriu a porta e Reaper deixou uma Briar, inconsciente, no assento traseiro.

     Vixen foi abrir a porta do co-piloto do Mustang, mas, antes que a abrisse, Seth se aproximou dela e lhe pôs as mãos sobre os ombros.

     — Reaper só quer falar contigo a sós, Vixen. Não tem por que ter medo.

     — Então, por que o tenho? — perguntou ela em um sussurro.

     — Muita gente tem medo de coisas das quais não deveria ter.

     Ela negou com a cabeça lentamente.

     — Eu não. Eu não sou das que sentem medo sem motivo, Seth. Meu medo é instintivo, um mecanismo de defesa. E nunca me falhou.

     — Olhe, assim que acabem de falar do que ele queira discutir contigo, lhe diga que quer ir comigo. Peça-lhe que pare, para que coloquemos Briar com ele, de acordo?

     Ela assentiu com um gesto.

     — De acordo.

     — Está segura?

     Vixen inclinou a cabeça.

     — Por que me protege tanto, Seth?

     Ele sorriu um pouco, mas seu sorriso se esfumou quando viu por sua expressão que ela falava a sério.

     — Porque me preocupo muito contigo, Vixen.

     — Se preocupa por mim? — repetiu ela, lhe dando voltas ao significado daquelas palavras. — Mas também se preocupa pelos outros, não?

     — Claro que sim. Mas contigo é... é diferente.

     — No que? — ela escrutinou seus olhos. Queria seriamente saber a resposta.

     Seth pareceu esforçar-se por encontrar as palavras, mas antes que as achasse, Reaper tocou no ombro de Vixen.

     — É hora de ir. Não se preocupe, em seguida poderá ir com o Seth. Só quero falar contigo em particular, de acordo?

     Ela se voltou, assentiu com a cabeça e sentiu que seu instinto apontava para o risco, não para um perigo iminente.

     Seth tocou seu queixo, fez-lhe voltar a cara outra vez, inclinou-se e a beijou nos lábios um instante.

     — Vemo-nos logo — disse.

     — Sim. Logo.

     Então a deixou e se meteu na caminhonete, enquanto Reaper abria a porta do co-piloto do Mustang. Vixen subiu. Reaper deu a volta e se sentou atrás do volante. Um momento depois, o motor cobrou vida rugindo e se afastaram da plantação.

    

     — Queimem tudo.

     Imediatamente, uma dúzia de parasitas se lançaram para diante com suas ferramentas nas mãos: latas de gasolina, fósforos e acendedores, trapos empapados em combustível e muito pouco cérebro para dar-se conta de que poderiam pôr-se a arder tão facilmente como a casa da plantação. Ou possivelmente se davam conta e tinham tão pouco cérebro que não lhes importava.

     Jack os observava sem dizer nada, embora era uma lástima queimar uma casa tão valiosa. Não havia razão alguma para fazê-lo, além da ira do Gregor. Dentro não havia nem um só membro do bando de Reaper.

     Claro que imaginava que de todos os modos, os parasitas teriam destroçado o interior da casa ao registrá-la. Gregor não tinha sentido aos seus inimigos dentro, mas sabia já quão hábil era Reaper escondendo sua essência.

     Jack nunca tinha visto ao Gregor tão furioso como quando os parasitas retornaram a lhe informar de que a casa estava vazia. Tinha sido abandonada.

     — Como acha que souberam? — Gregor se voltou para o Jack ao fazer a pergunta. Mas seu olhar fazia que, mais que uma pergunta, parecesse uma acusação.

     Jack deu de ombros e o olhou fixamente aos olhos ao responder:

     — Você sabe a resposta tão bem como eu. Viu a perua... muito de perto, se não me recordo mal.

     — Sim, mas cheguei à conclusão de que era só uma raposa. Não era Vixen.

     Jack ficou calado um segundo. Seriamente era o chefe tão obtuso?

     — Como outra raposa poderia estar rondando por ali e te atacar quando tentava torturar a um dos resgatadores de Vixen? Acha que foi uma casualidade?

     — Não senti sua essência. Não havia nem rastro de presença vampírica, ou o haveria sentido.

     — Talvez estivesse bloqueando-a — respondeu Jack.

     — Nem sequer sabia que não podia sair à luz do sol até que você o disse, Jack. Nós a transformamos, mas não lhe ensinamos nada.

     — Talvez o tenha ensinado Reaper.

     — Lançou-se sobre mim. É impossível que tenha aprendido a ocultar-se tão bem em tão pouco tempo.

     Jack encolheu os ombros.

     — Talvez, quando é uma raposa, não seja exatamente um vampiro.

     — Não seja estúpido.

     Jack não acreditava que o estúpido fosse ele, mas não sabia se diria isso ao Gregor que parecia ter vontades de matar a alguém, e Jack precisava congraçar-se com ele até que soubesse de que lado soprava o vento. Não devia nenhuma lealdade em particular a Gregor. Sua única lealdade era para consigo mesmo. Podia representar qualquer papel em qualquer situação, convencer a quem quer que seja do que quisesse. Seu propósito era estar sempre do lado do vencedor, o lado mais vantajoso para ele... e o que com mais probabilidade, supunha, asseguraria sua sobrevivência.

     Mas ainda não tinha decidido qual era esse lado.

     — Não era Vixen — repetiu Gregor . — Embora suponha que pôde mandar a algum animal.

     Jack piscou, mas calou o que pensava. Que Gregor acreditasse impossível que Vixen pudesse ocultar sua essência quando tomava a forma de uma raposa, e inteiramente lógico pensar que podia dar ordens a animais selvagens... Maldição, aquele homem não sabia o que dizia.

     Ou talvez estivesse sondando-o. Procurando uma razão para culpar daquilo ao Jack, ou, pior ainda, a Topaz.

     Não, isso não seria pior, seria melhor. Algo melhor. Porque ele só se preocupava com ele mesmo. Que estranho que o tivesse esquecido por um momento.

     As chamas iluminavam já a noite. A cada poucos metros, da base da mansão, o fogo cobrava vida. E havia mais chama no alto da ampla escadaria, perto da porta principal. Os parasitas que tinham acendido o fogo estavam já voltando para eles; os que tinham entrado na casa, em troca, demoravam mais. Jack supôs que aos idiotas de fora não lhes tinha ocorrido deixar sair aos de dentro antes de colocar fogo nas paredes exteriores.

     Gregor seguia observando-o; esperava alguma resposta. Jack decidiu não dar voltas ao assunto, mas tampouco admitir de pronto a acusação.

     — Eu certamente não fui. Nem tampouco Topaz, isso lhe garanto.

     — Como está tão seguro?

     — Vamos, Gregor, necessita detalhes? Estive com ela. Compartilhei sangue com ela. Já sabe o que isso quer dizer para a conexão psíquica entre vampiros.

     — Por não falar do vínculo.

     Jack encolheu os ombros como se aquilo tivesse pouca importância.

     — Posso ler o pensamento dela. Inclusive quando o bloqueia. Se Topaz tivesse tentado avisar a Reaper e os outros, eu o teria sabido.

     — Pode ser — disse Gregor . — Mas me haveria dito isso?

     Jack jogou ligeiramente a cabeça para trás.

     — Ah, já entendo. Suponho que, em sua situação, eu me perguntaria o mesmo. Assim não te jurarei lealdade nem te suplicarei que confie em mim te apoiando em nossa antiga camaradagem. Se duvidas de mim, nada disso te convenceria, de todos os modos.

     — Certo.

     — Mas não esqueçamos as precauções que você mesmo tomou, Gregor. Converteu seu esconderijo na versão vampírica de uma habitação sem som. Parece que as mensagens psíquicas não podem entrar nem sair. E tenho que admitir que morro por saber o segredo.

     Gregor lhe lançou um olhar penetrante.

     — Então morrerá sem sabê-lo. Eu não revelo nada que possa dar vantagem a outros.

     — A estratégia de um autêntico guerreiro — repôs Jack, adulando-o um pouco. — Mas até o maior general compartilha segredos com seus capitães durante a batalha, meu amigo.

     — Eu não. Nunca se sabe quando estaremos em lados opostos do campo de batalha.

     — Certo. Como se isso fosse ocorrer.

     — Não é impossível.

     — Não se preocupe, Gregor. Sei de que lado está a mão proverbial que me dá de comer.

     — Bem. Então me diga outra vez que sua noiva não foi quem advertiu a sua gente.

     — Garanto-lhe isso, não foi ela. E não são sua gente. Já não. Sua gente somos nós. É leal, Gregor.

     — A mim? Depois de que queimamos sua linda bochecha? Duvido-o muito. Por isso, a deixei encerrada com chave em suas acomodações e vigiada, enquanto fazíamos este pequeno serviço. Tenho a sensação de que me cravaria uma estaca, enquanto durmo, se ela pudesse.

     — Certo, está muito zangada contigo. Mas é leal a mim. Arriscou a pele para me avisar sobre o Reaper. Isso é o único que preciso saber.

     — É leal a ti. Nisso estamos de acordo. Mas a pergunta segue sendo até que ponto você me é leal.

     — Te dei um quarto de milhão de dólares, apesar de que começava a ter... certos sentimentos para a mulher a que extorqui. Fui e te levei sua parte. Em minha opinião, isso me faz merecedor de certa confiança — observou o rosto de Gregor e viu que a dúvida começava a abandonar seus olhos. — Além disso, se sua teoria for correta e Vixen pode comunicar-se com os animais, não é lógico pensar que eles também possam comunicar-se com ela? Talvez seu amigo peludo lhe disse que Topaz estava sendo torturada. Qualquer um com um pouco de cérebro teria tomado precauções e se teria ido, em lugar de confiar em que Topaz fosse capaz de guardar silêncio nessas condições. Não?

     — Sim. Suponho que sim.

     Agora que Jack tinha encontrado uma explicação que encaixava com as absurdas teorias de Gregor, o chefe parecia mais inclinado em acreditar. Assim era Gregor. Era preparado, mas também gostava que a pessoa lhe dissesse o que queria ouvir, para validar suas próprias teorias, em lugar de as refutar, assinalando seus defeitos. E essa era sua principal debilidade. Seu maior ponto de vulnerabilidade. A única coisa, provavelmente, que podia usar contra ele com garantias de êxito.

     — Averiguaremos onde foram e voltaremos a atacar — disse Gregor. Deu ao Jack uma palmada no ombro, a modo de desculpas e se voltou, por fim, para contemplar os progressos que seus parasitas faziam na mansão.

     Os que tinham acendido o fogo no exterior se agruparam a uns metros dali. As paredes estavam envoltas em chamas, e os idiotas que tinham entrado para incendiar a casa de dentro tentavam encontrar uma saída. Não era uma visão agradável.

     Alguém se jogou, gritando, de uma janela do primeiro andar, enquanto outro atravessava a porta principal e corria para eles convertido em uma tocha andante. Ficou convertido em cinzas na metade de caminho.

     Gregor suspirou, sacudiu a cabeça e olhou ao grupo que estava a salvo. Jack o ouviu contar mentalmente.

     — Outros seis menos. Oxalá encontrasse um modo de fazê-los mais preparados, sem que deixassem de ser perfeitamente obedientes.

     Jack encolheu os ombros.

     — Se soubesse como os faz, possivelmente me ocorresse alguma sugestão.

     Gregor lhe lançou um olhar.

     — Sabe que não vou lhe dizer isso.

     — Claro que sei. Assim, seguirão sendo obedientes, mas estúpidos. É melhor do que serem preparados, mas rebeldes. Não irá querer se encontrar com uma horda de pensadores independentes. É um trato justo, suponho.

     — Suponho que tem razão. — Gregor se voltou e gritou aos parasitas— : À mansão! Imediatamente!

     Eles obedeceram sem perguntar, como faziam sempre.

     Jack sorriu ao pensar em voltar para Topaz. Logo apagou aquele sorriso de sua cara. «Não comece a acreditar em seu próprio engano, Jack», disse consigo mesmo. «Isso é o beijo da morte».

    

     Vixen temia que Reaper parasse no primeiro lugar conveniente que encontrasse, mas viu com alívio que se equivocava. Ele deixou atrás várias casas e estábulos abandonados sem lhes dedicar sequer um segundo olhar. Sentia a irritação de Seth na caminhonete, que lhes seguia, mas sabia que Reaper estava atuando com prudência. As pessoas não evitavam a um depredador escondendo-se no primeiro lugar onde esse depredador procuraria. Teriam que pôr distância. A distância significava segurança.

     — Queria que viesse comigo, Vixen, para que pudéssemos falar um pouco em particular.

     — Sei.

     Reaper a olhou com os olhos entreabertos. Tinha um olhar penetrante e sagaz.

     — Vais me dizer o segredo que guardas? — ela se limitou a olhá-lo piscando. — Deixaste claro, não só a mim, mas também a todo mundo, que nos ocultas algo. Algo importante, algo a respeito de ti mesma e de sua... natureza, acredito. Estava muito segura de que poderia voltar a entrar na guarida do Gregor sem que lhe detectassem, e o fez, mas te negar a dizer como...

     — É meu segredo e não tenho por que revelá-lo.

     — Sim, sei. Estou de acordo contigo, é só que... agora faz parte desta equipe.

     — Não é uma equipe. Eu te ouvi dizer isto aos outros.

     Ele baixou o queixo ligeiramente, sem apartar os olhos da estrada.

     — Essa tua natureza poderia nos ser util.

     — Sim. Já o foi esta noite, sem que necessitasse saber como ou por que. Se puder lhes ajudar de novo, prometo que o farei.

     Ele umedeceu os lábios.

     — É difícil lutar contra sua lógica.

     — Pois não o faça. — Vixen o olhou de frente e sorriu ao ver sua expressão frustrada.

     Para sua surpresa, ele lhe devolveu o sorriso.

     — É a primeira vez que parece à vontade em minha presença.

     Ela assentiu com a cabeça.

     — É certo. Põe-me nervosa.

     — Por que, Vixen?

     Ela sentiu que sua expressão se voltava séria.

     — Você sabe por que. Você é perigoso. É capaz de fazer mal e até de matar a quem o rodeia, embora não o mereçam. Não entendo como ou por que é assim, igual a que não entendo os detalhes de minha natureza. Mas sinto que é assim, e sempre confio em meu instinto.

     Ele ficou calado um momento, enquanto conduzia e pensava com o cenho franzido.

     — Se eu revelar meu segredo aos outros, revelará você o teu?

     — Não. Mas você deveria fazê-lo.

     — Isso não seria justo.

     — Não? Poderia lhes fazer mal, possivelmente inclusive mais se não conhecerem seu segredo. Eu poderia lhes ajudar, embora não conheçam o meu. Qual dos dois você acha que é mais importante revelar?

     Reaper baixou o olhar e Vixen percebeu um indício de ira na tensão de sua mandíbula e sua aura.

     — Eu lhes disse que poderia ser perigoso para eles. Todos levam uma pistola de dardos que me voltará inofensivo se me converter em uma ameaça.

     — Escapa a seu controle, então? Sua natureza?

     — Sim, temo que sim.

     Ela ficou pensando um momento; logo assentiu lentamente com a cabeça.

     — Eu tenho mais sorte, suponho. Pelo menos, só troco quando quero.

     — Troca?

     Ela o olhou aos olhos e sacudiu lentamente a cabeça de um lado a outro.

     — Posso trocar já de carro? Estou desejando estar com o Seth.

     — Só uma coisa mais e logo pararemos. De todos os modos, preocupa-me que Roxy e Seth tentem controlar Briar, eles sozinhos.

     — Está bem. Uma coisa mais, então.

     Ele assentiu.

     — É Seth. Está se... apaixonando por ti, acredito.

     Ela enrugou o cenho e esquadrinhou sua cara.

     — Conheço o amor, claro, mas não sei se o entendo. É mau? É mau que sinta isso por mim?

     — Bom, isso depende de se você sente o mesmo por ele.

     — Não entendo.

     Reaper suspirou e tamborilou com os dedos sobre o volante.

     — Sou um homem, não me dou bem com estas coisas. Mas... se quiser a alguém e essa pessoa te corresponde, não há nada melhor no mundo. É a coisa mais satisfatória que possa imaginar. Mas se quiser a alguém e este não te corresponder... Bom, eu não acredito que haja muitas situações mais dolorosas... emocionalmente dolorosas, quero dizer, não em um sentido físico. Entende?

     — Emocionalmente dolorosas. Como sentido, quer dizer.

     — Sim, como estar tão triste que sente que te partem o coração.

     — Isso é estar muito triste.

     Ele sorriu um pouco, e ela não soube o por quê.

     — Quando quer a alguém, você diz-lhe coisas. Coisas que não diz a ninguém mais.

     Vixen inclinou a cabeça e indagou:

     — Diz isso para me convencer de que conte ao Seth meu segredo e que ele lhe conte isso a ti?

     — Se você quiser, jamais ele revelará seu segredo a ninguém.

     Ela abriu a boca e voltou a fechá-la.

     — Há muitas normas nisto de amor.

     — Não são normas. É a natureza humana. O instinto.

    — Para mim não. Meu instinto é acasalar-me e deixá-lo nisso. — ele pareceu estar um pouco entupido um instante e, enquanto pigarreava, ela acrescentou— : Além disso, nós não somos humanos.

     — Isso não importa, é o mesmo. Em todo caso, os vampiros sentem o amor e a tristeza e qualquer outra emoção mais intensamente que os humanos. Igual às sensações físicas.

     Ela franziu os lábios e assentiu.

     — E não conhecer meu segredo faz com que deixe de me querer?

     — Não acredito que isso possa ocorrer, Vixen. Seriamente. Seth não é uma pessoa superficial. É muito profundo, em realidade.

     — Superficial, profundo... Isso não importa. Ele trocaria de opinião sobre mim. Eu sei.

     — Então, eu suponho que terá que confiar em sua intuição. Mas quero que saiba que não estou de acordo.

     Ela suspirou e pensou um pouco mais.

     — Como saber se o que se sente por outra pessoa é amor? Também há normas para isso?

     — Acredito que para cada um é distinto. E tratando-se do Seth e de ti há complicações acrescentadas que o fazem ainda mais difícil.

     Vixen o olhou com o cenho franzido. Reaper encolheu os ombros.

     — Bom, já havia um vínculo entre vocês. Uma conexão natural que provavelmente esteja inserida em seu DNA. Mas, para além disso, compartilharam sangue. Isso faz o vínculo ainda mais forte.

     — Ah — disse ela, assentindo com a cabeça. — Já entendo.

     — Mas algumas coisas a respeito do amor parecem ser universais, — continuou ele . — Prefere passar o tempo com essa pessoa, antes que com qualquer outra. Preocupa-se mais por ela que por outros. Quer vê-la feliz, fazê-la feliz, e isso se volta tão importante para ti como sua própria felicidade, até se entrelaça com ela. Compreende?

     Vixen inclinou a cabeça e pensou que sentia todas essas coisas pelo Seth, mas vacilou na hora de as admitir.

     — Pensarei nisso. Longa e estendidamente. — lhe disse. Logo se voltou para ele e sorriu. — Obrigado. Pode ser... muito amável.

     — Sim, bom, não o comente por aí.

     — Podemos parar já?

     — Sim. Em seguida eu paro.

     Desviou-se para a sarjeta e reduziu a velocidade. Uns segundos depois se detiveram. Vixen se voltou para olhar atrás deles e viu que a caminhonete também parava.

     Abriu a porta e saiu, e Reaper desceu por seu lado. Encontraram-se na parte de trás e caminharam juntos para a caminhonete. Ela o olhou.

     — Fez bem em passar reto junto por todos esses lugares nos quais poderíamos nos haver escondido. Tem razão em pôr distância entre nós e nossos inimigos.

     — Me alegro de que o pense.

     Ela fez uma pausa.

     — Se acha que posso te ajudar com seu... problema... Já sabe, com esse de que não quer falar... Eu espero que me diga isso. Eu gostaria... de ajudar, se puder.

     — Temo que isso escape inclusive a seus poderes, Vixen. Mas obrigado pelo oferecimento.

     Ela baixou a cabeça, voltou a elevá-la e, lhe jogando rapidamente os braços ao pescoço, estreitou-o com força.

     — Me alegro de que tenhamos falado. Quero que saiba que sei que não pretende ser mau.

     Ele pareceu tão assombrado que não pôde reagir e, antes que o fizesse, ela se apartou e correu para a caminhonete.

    

     Quando Reaper abriu a porta e estendeu o braço para ela, Briar rosnou como um gato a ponto de atacar. Aquilo bastou para que ele se detivesse com a mão a uns centímetros de seu ombro. Logo lançou um olhar para a fila de assentos do meio, onde estava sentado Seth.

     — Por que não está inconsciente?

     — Porque pensei que, se quisesse matá-la, já estaria morta. — respondeu Seth. — Você mesmo disse que ninguém sabe quanto dessa droga pode suportar um vampiro. Assim, quando começou a voltar a si, deixei-a — encolheu os ombros. — Esteve despertando e voltando a dormir. Até agora esteve bastante calada.

     — Só porque... eu não tenho forças para... para lhes matar a todos de uma vez — disse Briar. Sua voz era suave e grave, e tinha uma textura áspera, como de seda sobre veludo. Era a primeira vez que falava desde que estava com eles, além de gritar, amaldiçoar, ameaçar e exigir. — Ainda.

     — Pode caminhar? — perguntou Reaper.

     Ela o olhou de soslaio, com os olhos entreabertos.

     — Posso se for me levar com o Gregor.

     — Só vou te levar aí ao lado. — ele a ajudou a sentar-se e assinalou com o dedo. Ela se voltou e olhou pelo pára-brisa, para o Mustang, cujos faróis reluziam em meio da noite. — Vais vir comigo.

     — Tens medo que mate a seus... inadaptados?

     — Dá-me medo que lhes obrigue a te drogar outra vez. E, como Seth disse, não sabemos quanta droga mais pode suportar seu corpo. — ele se aproximou dela. Briar se apartou bruscamente. . — Vêm comigo, Briar. Não tenho tempo para jogos. Vais entrar nesse Mustang de um modo ou de outro, e os dois sabemos. Não duvidarei em te drogar outra vez se me obrigar a isso. Não tenho nem a metade dos escrúpulos que meu amigo Seth tem.

     — Não quero que me toque.

     Ele inclinou a cabeça e lhe lançou um só pensamento: «Embusteira».

     Os olhos dela se aumentaram ligeiramente, e Reaper compreendeu que ela lhe tinha ouvido. Em voz alta disse:

     — Então não te tocarei. Vamos.

     — Bastardo. — resmungou ela, e se agarrou aos lados da caminhonete para sair e baixar. Ele se apartou para lhe deixar espaço e a seguiu como se esperasse que se pusesse a correr em qualquer momento.

     Mas ela não fugiu. Reaper, entretanto, viu que ela olhava a seu redor procurando pontos de referência, provavelmente para transmitir a Gregor seus pensamentos e lhe dizer onde estavam.

     — Escolhi um lugar onde não houvesse nenhum sinal à vista, Briar. Assim, não poderá lhe dizer onde estamos. Além disso, provavelmente não pode contatar com Gregor, de todas as formas.

     — Claro que posso.

     — Não. Ele rodeou a mansão de uma espécie de escudo. Isso eu observei, bloqueia a comunicação psíquica, tanto de entrada como de saída.

     Ela franziu o cenho.

     — Gregor não sabe fazer isso. Se a mansão for uma zona morta, terá sido sempre assim. Será algum fenômeno natural.

     — Como pode estar tão segura?

     — Porque se Gregor soubesse fazer algo assim, haveria me dito.

     — Não diga. — o ceticismo do Reaper era evidente.

     Chegaram ao carro e ele lhe abriu a porta do co-piloto. Briar o olhou com raiva, mas subiu. Reaper se inclinou sobre ela, abriu o porta-luvas e tirou uma máscara: uma das que tinha levado Roxy. Era negra por um lado e pelo outro tinha uma estampa de leopardo, e levava uma etiqueta com o nome da marca, Palmada & Cócegas, e seu logotipo, um látego cruzado com uma pluma. Reaper não queria nem pensar no que tinha estado fazendo Roxy naquela loja em particular, nem se aquela máscara tinha tido muito uso. Briar se apartou.

     — Tirarei isso.

     — Então te darei outra injeção. Você decide. — sem esperar, deslizou a banda elástica sobre sua cara, com a parte estampada para dentro porque não queria ter que olhá-la. Roçou com os dedos seu cabelo e tentou ignorar sua textura sedosa, enquanto colocava a máscara em seu lugar. Logo fechou sua porta. Rodeou o carro, subiu e seguiu conduzindo.

     Roxy saiu à estrada, atrás dele.

     — Assim, Gregor lhe conta tudo, então. — disse Reaper, retomando o fio de sua conversação anterior.

   — As coisas importantes, sim.

     — Então, sabe como ele criou esse exército de parasitas?

     Ela franziu os lábios. Ao Reaper incomodava não poder lhe ver os olhos, mas era necessário.

     — Não lhe diria isso, se eu soubesse.

     — Não te pedi que me dissesse isso. Perguntei se sabe.

     Ela não respondeu.

     — Assim, há outra coisa importante que ele não te contou. — ele respirou fundo, convencido ao ver seus lábios franzidos de que ela não ia dizer nada mais. — Ouvi falar de vampiros que buscam escravos. Deixam secas as suas vítimas e lhes dão uma pequena quantidade de seu próprio sangue, em lugar de as transformar por completo. O resultado é um vampiro mentalmente muito parecido aos parasitas do Gregor. Fisicamente, entretanto, são fracos como gatinhos. Os parasitas do Gregor são muito fortes.

     — Escolhe vítimas fortes, com níveis de inteligência inferiores à média.

     — Mas isso não explica tudo. — lhe disse Reaper.

     Sabia que ela era jovem. Certamente, não sabia muito sobre sua própria natureza. Possivelmente, só o que Gregor queria que ela soubesse.

     Viu um armazém de grandes dimensões ao longe, do lado esquerdo, e abriu seus sentidos para investigar. Não havia indícios de presença humana. Mas era de madrugada, naturalmente. Mesmo assim, valia a pena jogar uma olhada. Seguiu conduzindo até que encontrou uma estrada que levava a esquerda, entrou e logo entrou em outra, até que ao final localizou o lugar.

     Deteve o Mustang, puxou o freio de mão e olhou a seu redor sem sair. Havia montões de sucata oxidada, barris velhos, pilhas desiguais de plataformas de madeira. Algumas das janelas do gigantesco edifício de aço verde azulado estavam quebradas. Outras estavam tampadas com pranchas. Na parte dianteira, estavam penduradas, torcidas, duas placas de «Proibida a entrada», descoloridas. Havia uma terceira no chão, entre as ervas daninhas que cresciam à entrada.

     Fazia muito tempo que ninguém usava aquele lugar.

     — Por que nós paramos? — perguntou Briar em tom impaciente.

     — Porque encontramos um lugar.

     — Bem. Então eu já posso começar a tentar contatar com o Gregor. Descobrirá onde estou e lhes aniquilará a todos.

     Reaper sabia que Gregor faria justamente isso, e que só era uma questão de tempo que ele saísse dos muros daquela mansão tirada o som e ouvisse seu sinal.

     — Gregor se ofereceu a nos devolver Topaz em troca de ti e da Vixen. E estou pensando nisso. Mas se atacar antes, não a devolverei a ele, embora tenha que te matar para me assegurar disso. Dou-te minha palavra.

     — Se ele te atacar, não sobreviverá.

     Reaper estendeu o braço para ela. Briar se sobressaltou ao sentir que lhe tocava a cabeça, mas em seguida se deu conta de que ia tirar-lhe a máscara. Ele a tirou e ela piscou, esfregou os olhos e olhou a seu redor.

     — Tem idéia de quem eu sou, Briar? Ouviste falar de mim? Contou-te algo de mim seu amado Gregor? — ela se voltou para ele e o olhou aos olhos. — Sou um verdugo. Um assassino profissional. A isso me dedicava quando trabalhava para a Cia. E é ao que me dedico agora, para os não mortos.

     Ela entreabriu os olhos.

     — Matas a teus semelhantes. E te orgulha disso?

     — Só os que eu tenho que matar, Briar, pelo bem de outros.

     — Ah, e quem decide a quem terá que matar? Você?

     Ele franziu o cenho e esquadrinhou sua cara, perguntando-se quanto sabia a respeito de seus semelhantes.

     — Aos vampiros que assassinam, eu tenho que matá-los. Não fica outro remédio. — a confusão de seu olhar lhe fez compreender que ela nem sequer entendia o que ele queria dizer. — Briar, os vampiros não vão por aí matando mortais a seu desejo, e deixando os corpos onde alguém possa encontrá-los. Está proibido entre nós. Alimentamo-nos de bancos de sangue, principalmente. Alguns preferem sangue vivo, mas há modos de consegui-lo sem recorrer ao assassinato.

     — Certo. Tomar só um pouco e deixar que se vão e contem a outros. Isso é preferível a deixar um cadáver no meio da rua? Pelo menos o cadáver não fala.

     — Deixa-lhes com a lembrança de um sonho erótico. Nada mais. Nunca sabem com certeza.

     — Como?

     — Com o poder de sua mente Briar. Concentra-te, dá-lhes ordens e eles obedecem. Se lhes disser que a recordem como um sonho, isso é o que fazem.

     Ela baixou os olhos.

     — E as marcas do pescoço? — sussurrou.

     — Desvanecem-se assim que o sol as toca. Gregor não te ensinou estas coisas?

     Ela nem o confirmou, nem o negou.

     — Então os outros vampiros... alguma vez matam?

     — Oh, alguns sim. Matam a assassinos em série, a violadores ou a maltratadores de meninos. Fazem um serviço a outros, em realidade. Mas até esses tomam cuidado de deixar os corpos onde nunca ninguém vá encontrá-los.

     — Porque, se estiverem mortos, não lhes curam as marcas do pescoço?

     — Exato. E porque um corpo sangrado gera muitas perguntas. Não queremos que saibam que existimos. Alguns humanos já sabem, e isso só causa problemas. Resolvem nos dar caça e nos exterminar.

     — Os humanos são estúpidos.

     — Por que? Se acreditarem que somos todos como Gregor e seu bando, o estúpido seria que eles não tentassem eliminar nossa espécie antes que nós eliminemos a sua.

     Briar se voltou e abriu a porta do carro.

     Reaper saiu por seu lado e viu que os outros já estavam rodeando o armazém, provando portas e jogando uma olhada. Reuniu-se com Briar diante do carro e caminhou junto a ela para o armazém abandonado.

     — Quando um vampiro mata à vontade, mata inocentes e deixa provas. — lhe disse Reaper— , fica conhecido entre nossa espécie como um renegado e, pelo bem de todos, os vampiros chefes lhe dão caça e o destroem. Assim, é como sobrevivemos.

     — E Gregor é um renegado. — disse ela brandamente.

     — Gregor é o mais perigoso da história de nossa espécie, até onde eu sei.

     Ela o olhou diretamente aos olhos.

     — Mente muito bem, Reaper. Mas eu não sou idiota.

     — Não acredita em mim?

     Briar lhe sustentou o olhar e negou com a cabeça muito devagar.

     — Nós somos depredadores. Eles são nossas presas. É a ordem natural das coisas. E se pensar que vou acreditar que toda uma raça de depredadores, além desses renegados, como você os chama, chegaram a um acordo para não matar às presas que lhes oferece a natureza, por um estúpido sentido de moralidade, equivoca-te. Mas é uma história encantadora, de todos os modos. Deveria escrever ficção.

     E com essas se voltou, levantou um pé e deu uma patada à porta branca do armazém.

     — São vampiros! — gritou aos outros. — Se querem entrar, deixem de dar voltas e de provar fechaduras e entrem de uma vez.

    

     Jack caminhava pelo corredor abobadado do primeiro andar, a caminho de seu quarto e da mulher que o esperava ali. Tinha acompanhado a seu chefe quase toda a noite, em busca do inimigo, sem êxito. Por sorte, ainda ficava noite suficiente para... retomar sua amizade com Topaz.

     O rosto dela apareceu em sua mente, e Jack se desequilibrou e teve que deter-se para recuperar o equilíbrio.

     Maldição. Desde que a tinha deixado, não tinha havido sexo como o que tinha compartilhado com ela. Nem tampouco antes. Nem... nunca. Isso, ao menos, tinha que admiti-lo. Topaz era a melhor. Assim se estava disposta... A quem demônios pretendia enganar? Claro que estava disposta. Ele era Jack Heart, pelo amor de Deus. O rei dos enganadores. Convencer às pessoas para que fizessem algo era sua especialidade.

     Sorriu-se e reparou no brio de seu passo quando voltou a pôr-se a andar pelo corredor. Mas logo se deteve outra vez, pelo que tinha ouvido.

     — Sim, senhor. Isso sei, mas Rivera não está sozinho. E os transladou a todos a outro lugar, junto com dois de meus recrutas, os quais levou contra sua vontade.

     Jack enrugou o cenho, porque nunca tinha ouvido o Gregor dirigir-se a ninguém como «senhor». O tom do chefe era, além disso, estranhamente respeitoso. Quase compungido. E quem demônios era Rivera?

     — Encontrá-lo-ei. Tenho pensado organizar um intercâmbio de prisioneiros. Quando acabar com o Reaper, toda a comunidade dos vampiros acreditará que é ele a quem terá que aniquilar. E o mundo mortal, também. Será odiado e açoitado. Não terá ninguém a quem recorrer, e seu bando será história. Estarão mortos, todos eles. Ele os matará. E então estará a minha mercê.

     Jack franziu o cenho. Como diabos pensava cumprir Gregor promessas tão enormes? E o que o fazia pensar que podia convencer a Reaper de que matasse a sua tripulação? Era um desses vampiros com sentido moral, isso Jack tinha visto. Um desses néscios com ética que faziam o correto. Então, seu verdadeiro nome era Rivera, não é? Que interessante.

     — Sim, senhor, claro que penso levar-lhe assim que o apanhe. Isso não faz falta dizê-lo. Mas necessito um par de coisas — houve uma pausa. — Nada importante. Mas sofremos algumas baixas. Necessito que me mande mais parasitas.

     Então, Gregor não era quem fazia os parasitas? Vá, aquilo se estava pondo mais interessante. Se não os fazia Gregor, quem os fazia? E como?

     — Com uma dúzia bastará. E há outra coisa. Disse-me que me daria isso quando o necessitasse, e esse momento chegou, senhor. Necessito que me dê seus desencadeantes.

     Desencadeantes? Que demônios...?

     — Sim, senhor, não os usarei a não ser que seja absolutamente necessário. Bem. Não, deixe que procure uma caneta — Jack, de pé junto à porta entreaberta da suíte de Gregor, ouviu o ruído de umas gavetas ao abrir-se. — Estou preparado. Qual é a palavra que o ativa?

     Jack ouviu a caneta arranhar a superfície de um caderno.

     — E para desativá-lo?

     Outra vez aquele ruído.

     — Sim, senhor. Sim, entendo. Eu lhe informarei assim que tenha acabado. Obrigado, senhor — o telefone voltou para seu suporte.

     Jack se separou da porta, mas sentiu que Gregor fixava sua atenção nele. Era muito tarde para afastar-se. Gregor sabia que estava ali. Não podia fazer nada, salvo tentar comportar-se como se acabasse de chegar. Levantou uma mão, bateu na porta e procurou atuar como se não tivesse ouvido nada.

     Gregor abriu a porta de repente e ficou olhando-o. Seus olhos estavam tão cheios de suspeitas que Jack sentiu que um dedo gelado se deslizava por suas costas. Sufocou um calafrio e compôs um sorriso. Mas sentiu que seu sorriso se desvanecia ao ver a expressão de desagrado do Gregor e ouvir o grunhido com o que o saudou.

     — Que demônios quer?

     — Nada. Só queria ver-te antes de ir à cama. Vai algo mal? — olhou além do Gregor.

     O caderno estava sobre a mesa, e a caneta a seu lado, mas a primeira página já tinha sido arrancada. Que não teria dado Jack por jogar uma olhada ao que Gregor tinha anotado ali! Junto ao escritório havia uma jaula de pássaros pendurada de um suporte de pé, e dentro dela um pobre rato prisioneiro, o mascote do Gregor, olhava ao Jack com ódio em seus olhinhos reluzentes.

     — Quer dizer além de que Reaper e seu bando de bons samaritanos tenham tornado a nos esquivar? Além de que ainda têm a Briar e a Vixen, e além de que no incêndio desta noite perdemos outra dúzia de parasitas?

     — Sim — disse Jack com uma piscada. — Além de tudo isso. — Gregor franziu o cenho. — Perdão. Sei que não tem graça. Bom, qual é seu plano, chefe? O que fazemos agora?

     Gregor levantou as sobrancelhas e olhou para Jack. Pareceu pensar um pouco antes de falar.

     — Vou organizar um intercâmbio de prisioneiros. Briar e Vixen por Topaz. No fim das contas, não tem modo de saber se ela trocou de lado.

     Jack se desanimou um pouco.

     — Quando? — perguntou.

     — Duas horas depois do pôr-do-sol.

     — Ah — então não a teria muito tempo mais. Maldição. E, enquanto isso, sabia que Gregor tinha um montão de planos que não lhe tinha revelado, a seu próprio lugar-tenente.

     O qual confirmava o que Jack tinha começado a suspeitar. Gregor já não confiava nele. E entre isso e cravá-lo em uma estaca para que esperasse o amanhecer, ou banhá-lo com um lança-chamas, havia um trecho muito curto.

     Certamente, era hora de que Jack cortasse suas amarras ou cobrisse suas apostas. Ia ter que trocar de bando e sair dali, ou recuperar a confiança do Gregor. Mas qualquer dos planos suporia fazer um gesto de grandes proporções.

     — Bom, vou à cama, então — ,disse,. — Que durma bem, Gregor.

     Gregor resmungou algo e fechou a porta. Jack percorreu uns cinco metros corredor abaixo, logo esperou. Sabia que Gregor sairia. Nunca ele ia descansar sem percorrer primeiro toda a casa. Gostava de assegurar-se de que tudo estava em ordem antes de fechar os olhos.

     Assim que Gregor se foi, Jack deslizou em suas acomodações. Passou junto à mesa e ao rato enjaulado. O maldito roedor vigiava cada um de seus movimentos como se fosse informar ao Gregor na primeira ocasião. O que era absurdo. E impossível, graças aos deuses. Cruzou a sala de estar e entrou no dormitório. Logo se aproximou do quadro; intitulava-se “A oferenda” e representava a uma mulher nua atada e estendida sobre uma prancha de granito, aterrorizada e à espera de só Deus sabia o quê. Jack tocou o marco, que se abriu para fora, oscilando sobre suas dobradiças.

     Deteve-se um momento. Havia sentido algo, a alguém, outra presença no cômodo.

     Seu olhar posou em um grande quadrado, coberto com um lençol, que havia no rincão do quarto.

   — Demônios — resmungou. Muito. Havia muito que fazer nesse momento, e muito pouco tempo. Concentrou-se, marcou a combinação que tinha conseguido e memorizado fazia muito tempo e abriu a porta.

     Tomou os maços de notas que havia dentro. Havia muitos mais dos que ele tinha contribuído. Levou, entretanto, só os que lhe tinha dado. A metade dos quinhentos mil dólares que tinha roubado de Topaz. Cinco maços grossos e fragrantes de cinqüenta mil dólares cada um. Percorreu a habitação com o olhar e não encontrou o que estava procurando; logo entrou no quarto de banho contiguo para pegar uma toalha. Pôs o dinheiro na toalha, fez-lhe um nó, fechou a caixa forte e endireitou o quadro.

     E logo se voltou para partir.

     Um som procedente da parte de trás do lençol lhe fez voltar a cabeça.

     — Prometo-te que encontrarei um modo de te ajudar. Demônios, já não posso fazer outra coisa, não? Mas não pode ser esta noite. Será logo. Muito, muito em breve.

     Logo partiu, fechando a porta atrás dele e rezando para que Gregor não se inteirasse. Tudo nele se rebelava contra a idéia de deixá-la ali. E entretanto, não podia correr o risco de se delatar muito cedo. Tinha que descobrir de que lado soprava o vento, inventar uma história para que Topaz e ele escapassem da ira do Gregor e logo voltar por ela. Se fazia outra coisa, ambos acabariam sendo pasto daqueles malditos parasitas.

 

     Sentaram-se ao redor da lanterna de gás de Roxy como ao redor de uma fogueira em um acampamento do verão, e Briar os odiava. Não era aquela uma emoção nova. Briar odiava a quase todo mundo. Sempre tinha sido assim.

     Mas não ia lhes arrancar a garganta, nem lhes devorar o coração ainda palpitante; nem sequer tentaria escapar essa noite. Essa noite, não. Gregor, a única pessoa a quem não odiava, tinha saído por fim dos muros da mansão o tempo suficiente para contatar com ela mentalmente. E embora ela se esforçasse para lhe fazer sentir onde a retinham, ele a tinha interrompido para lhe dizer que ficasse quieta. Havia-lhe dito que organizaria um intercâmbio e que se encontraria com o Reaper muito em breve. Necessitava que ficasse com seus inimigos um dia a mais. Havia coisas que necessitava que ela fizesse. Ela escutou, memorizou, tentou impedir que a conversação mental que estava mantendo lhe notasse na cara e procurou fingir interesse nas tolices que se diziam ao redor do resplendor esbranquiçado da lanterna.

     — Diz-se que Gilgamesh, o maior rei da história do país chamado Sumer, ou Sumeria, como o chamam alguns, foi o primeiro vampiro — dizia Reaper.

     Vixen, como uma menina que suplicasse um conto antes de retirar-se a sua barraca de campo, tinha-lhe perguntado pelo começo, e ele a estava agradando.

     — Em que parte do mundo está isso? — perguntou Vixen.

     — No norte do Iraque. — respondeu Seth, embora não tivesse dirigido a pergunta a ele.

     — Quando o melhor amigo do Gilgamesh morreu, o rei decidiu procurar o único imortal a quem conhecia, o ancião legendário, que tinha sido o único sobrevivente do grande dilúvio.

     — Noé — disse Roxy.

     — Exato, só que esta era uma versão muito mais precoce da história. Seu nome sumerio era Ziusudra ou, para os semitas, Utnapishtim. Assim, Gilgamesh foi em sua busca e o ancião concedeu ao rei o segredo da imortalidade. Mas os deuses lhe tinham proibido revelar o segredo, assim, como castigo, perdeu o dom. As lendas contam que o rei também o perdeu, que o deixou cair em um rio. Onde o tragou uma serpente. Mas isso é um símbolo. A verdade da história é que Gilgamesh se converteu no primeiro vampiro. Mas, a diferença do Utnapishtim, que, pelo que se sabe, tinha vivido como qualquer mortal, o rei tinha que alimentar-se de sangue para sobreviver, e não podia sair à luz do sol. Além disso, converter-se em vampiro não lhe deu o poder de devolver a vida a seu amigo Enkidu.

     — Mas seguiu vivendo, não? — perguntou Vixen.

     — Oh, sim. Ainda segue vivo. Agora se faz chamar Damien Namtar. Utnapishtim fez outro vampiro: um rufião que chegou a sua casa seguindo o rastro do rei, a quem tentava matar. Obrigou ao ancião a lhe dar o dom, e logo o matou e levou a seu jovem sobrinho como escravo. Foi o primeiro renegado.

     — Uau — disse Vixen brandamente. — Eram como irmãos. Como os primeiros. Como Caim e Abel.

     Briar pôs os olhos em branco, aborrecida e levemente enojada pelo entusiasmo de Vixen, mas aquele gesto passou desapercebido para a pequena perua, que inclinou a cabeça inquisitivamente.

     — E você, Reaper? Como te converteu em um vampiro?

     — Trabalhava para a Cia. Estava cumprindo uma missão na Síria e me armaram uma emboscada. Dispararam em mim e me deixaram ali, para que morresse. Então apareceu uma mulher.

    — Quem era? — perguntou Vixen.

     Sua cara era pálida como a porcelana à luz do abajur e seus olhos, muito grandes, olhavam-no fixamente. Briar tentava com todas suas forças manter-se indiferente, mas até ela tirou o chapéu vagamente interessada pela história.

     — Chamava-se Rhiannon. Originalmente seu nome era Rianikki e era a filha de um faraó egípcio. E nunca deixa que outros o esqueçam. . — Reaper sorriu ligeiramente, e Briar sentiu um escuro estremecimento sobre a superfície de seu ânimo. — Recordo abrir os olhos e vê-la como uma espécie de anjo demoníaco, inclinada sobre mim, com seu larguíssimo cabelo negro me tocando a cara. Olhava-me com uns olhos tão intensos que parecia ver através de mim. Perguntou-me se queria viver ou morrer. E logo me transformou.

     — Então quem te fez foi uma vampiresa muito poderosa.

     — Mais capitalista do que imagina. Ela foi transformada por outro ainda mais poderoso. Verá, esse escravo, o moço que foi levado pelo primeiro renegado, foi depois conhecido por um nome que conhecerá. Drácula. Ele fez a Rhiannon. E Rhiannon me fez .

     — E você me fez. — resmungou Seth, assombrado.

     — Oh, pelo amor de Deus, e isso o que importa? — perguntou Briar. — A quem lhe preocupa a linhagem? Não significa nada.

     — Significa tudo, Briar. — disse Reaper com suavidade. E voltando-se para ela, olhou-a intensamente aos olhos. — A força e os poderes de um vampiro se apóiam nos de quem o fez, e os deste nos de quem o fez a ele, e assim até o princípio dos tempos — fez uma pausa como se quisesse lhe dar tempo para que pensasse. — Quem te fez foi Gregor, não?

     — Sim — ela não disse nada mais.

     — Por que não nos contas sua história, Briar? — perguntou Vixen. Falava brandamente, com voz um pouco tremente, como se ainda lhe tivesse medo. E devia ter-lhe.    

     — Escapei de meu padrasto porque se metia em minha cama. Vivia na rua, transava por dinheiro para poder comprar cocaína e comer algo de vez em quando, e logo me pus doente e fiquei muito fraca. Estava muito débil e certamente teria acabado morta cedo ou tarde, mas Gregor me encontrou, transformou-me e me levou com ele. Fim da história.

     Todos assentiram com a cabeça, exceto Vixen. Ela apartou o olhar. Não suportava olhá-la, pensou Briar. Certamente, Vixen se acreditava acima dela.

     — Então, qual é sua linhagem, Briar? — perguntou Reaper . — Gregor te fez, mas quem fez ao Gregor?

     — Não sei, nem me importa. — Briar ficou em pé. — Logo será de dia. Vou procurar um bom lugar onde dormir.

     Não disse boa noite, ou bom dia, ou o que tivesse por costume dizer, ao afastar-se. Deteve-se e se deu a volta.

     — Quase me esquecia. Gregor me mandou uma mensagem para vocês enquanto estavam brincando de acampar.

     Reaper se levantou de um salto e ela sorriu, compreendendo que tinha toda sua atenção.

     — Vem de caminho, então?

     Ela negou com a cabeça.

     — Não é necessário. Quer um intercâmbio de prisioneiros. Você e eu, Reaper... sozinhos. Amanhã à noite, às nove. Escolheu um lugar público, certamente para te tranqüilizar. É um bar gótico chamado “A Cripta”, no centro do Savannah. Memorizei a direção.

     Voltou-se e se afastou em busca de um rincão escuro onde pudesse descansar afastada deles. Sua bondade lhe dava vontade de vomitar.

 

     — Não confio nele. — disse Vixen.

     Estava cruzando o armazém por insistência do Seth. Ele a tinha agarrado pela mão e a conduzia ao lugar onde iriam dormir, embora ainda não lhe havia dito onde era.

     — Em Gregor ou em Reaper?

     — Em Gregor — ela inclinou a cabeça . — Reaper... é perigoso. Mas não nos trairia. Premeditadamente, ao menos.

     — Nem sequer estou seguro do que significa isso.

     Ela encolheu os ombros.

     — O negócio desta noite, o intercâmbio, poderia ser perigoso.

     — É em um lugar público. Isso ajudará.

     — Não, Seth. — ela se deteve e se voltou para olhá-lo aos olhos. — Para o Gregor isso não significa nada. Não lhe importa se morrerem inocentes, ou se alguma mortal é testemunha de sua ânsia de sangue. Nunca lhe importou. Mas ao Reaper sim. Será que não vê que fazer isto em um lugar público é mais arriscado para o Reaper? Estará em desvantagem desde o começo, porque se preocupará em proteger aos inocentes.

     Seth sacudiu a cabeça.

     — Não me tinha ocorrido.

     — Algo vai mal. Sinto o perigo no mais fundo de meu ser.

     — Está bem. Falaremos com o Reaper.

     Ela assentiu e começou a largar-se de sua mão. Seth a apertou com mais força.

     — Ao anoitecer, quando nos levantarmos. Haverá tempo então. — pôs-se a andar outra vez, puxando a ela.

     — Aonde vamos?

     — Ali. — disse ele. Assinalou a caminhonete, que estava estacionada dentro, para que ninguém a visse. Achava-se em uma pequena seção do armazém, separada da zona em que se acomodaram os outros. O carro estava estacionado a seu lado. . — Roxy disse que podíamos dormir na caminhonete, se quiséssemos.

     — Ah.

     — Está desiludida?

     Ela encolheu os ombros automaticamente.

     — Antes me aconchegava junto a uma árvore caída, ou debaixo de um pinheiro, com as estrelas sobre minha cabeça. Mas agora só posso dormir de dia, e no interior. — fechou os olhos lentamente. — Sinto falta de... minha vida de antes.

     — Sinto muito.

     — Nunca será o mesmo. Mas posso recuperar algo. Assim que isto acabe, tenhamos puxado os pés do Gregor e Topaz esteja a salvo, e saiba que você está bem, me... — deixou que suas palavras se apagassem enquanto esquadrinhava sua mente.

     — Sim? — perguntou Seth.

     Vixen sorriu.

     — Não sei, exatamente. Só sei que voltarei a ser livre. Para fazer o que quiser, para correr e jogar e explorar. Não poderei dormir à luz do sol, mas possivelmente possa recuperar parte de minha vida de antes. De alguma forma.

     Ele pareceu entristecido. Vixen jogou a cabeça para um lado e logo para o outro, observando sua cara.

     — Por que fica triste?

     — Suponho que porque... Não disse que eu formo parte desses planos.

     — Não seja tolo, Seth. Não posso fazer planos por ti. Só posso fazê-los por mim.

     Tinham chegado à parte de trás da caminhonete e ela abriu as portas. Logo, deteve o olhar. Seth tinha dobrado os assentos traseiros, deixando espaço suficiente para uma cama no chão. Havia mantas e travesseiros dispersos, prontas para eles e acolhedoras. Vixen subiu e se estendeu entre elas.

     — Isto é quase tão bom como estar sob as estrelas.

     — Sim?

     Seth parecia deprimido.

     Vixen se pôs a rir, estirou os braços e o puxou com tanta força que ele caiu no ninho de mantas, sobre ela. Sua perna ficou alojada entre as coxas da Vixen, e sua face muito perto da dela. Vixen o sentiu excitar-se e sorriu ainda mais.

     — Ah, já vejo. Isso é o que pretende, né?

     — O que? — perguntou ele, bancando o inocente.

     — Sexo. Emparelhamento.

     — Não exatamente.

     Ela franziu o cenho, decepcionada.

     — Não? O que, então?

     — Fazer amor. — respondeu ele. Ela voltou a sorrir.

     — Mas não é o mesmo?

     — Não, nada disso, Vixen. Esta noite vou te ensinar a diferença.

     Ela levantou as sobrancelhas e seu sorriso se fez mais amplo.

     — Quer dizer que vamos fazer as duas coisas?

     Aquele olhar de tristeza abandonou a cara do Seth. Sorriu, lenta, mas profundamente. Aquele sorriso, pensou Vixen, alcançou seus olhos e também sua alma.

     — Sim. — disse ele. — Faremos as duas coisas — então deslizou as mãos ao redor de sua nuca e a beijou. Mas foi um beijo ligeiro e brincalhão. Seus lábios dançaram sobre os dela, primeiro sobre o de acima e logo sobre o de baixo, e quase lhe fizeram cócegas.

     Vixen abriu os lábios. Desejava sentir o ardor e a paixão de seus beijos anteriores. As bocas abertas, as línguas ansiosas, chupando-se e mordendo-se, enquanto seus corpos se esforçavam por aproximar-se mais e mais, apesar de que se tocavam por completo.

     Mas Seth não lhe deu isso. Beijou-a devagar, com ternura. Acariciava com os dedos sua nuca, e seu contato era esquisitamente suave e, entretanto, incrivelmente excitante. Deus, ele a estava matando.

     Beijou sua mandíbula e seu pescoço, e a mordeu e chupou, mas brandamente. Muito brandamente.

     Ela sentia uma excitação que não tinha experimentado jamais. A sede de sangue se elevou dentro dela, nublando de vermelho sua visão. A boca de Seth junto à sua garganta era uma imagem, uma sensação, que a voltava louca. Queria que ele a mordesse, que bebesse dela. Queria empurrá-lo, saltar sobre ele e esgotar seu sangue. Queria-o dentro dela. Queria-o inteiro.

     E, entretanto, Seth se sustentava sobre ela. Nem sequer apoiava seu peso sobre ela. Mordia-a brandamente, como se ele se dominasse por completo. A não ser, possivelmente, pela dureza que se adivinhava entre suas pernas. Arqueou os quadris com um ritmo lento e primitivo que sugeria o do emparelhamento.

     Ela tremia. Ofegava.

     — Temos mais de uma hora. — sussurrou ele.

     — Se me fizer esperar tanto, juro pelos não mortos, Seth, que te arrancarei o coração.

     Os olhos de Seth, meio entreabertos, alargaram-se ao ouvir aquela declaração.

     — Por favor! — gemeu ela. — Seth, poderíamos primeiro nos acasalar, depressa e com urgência, como terá que fazê-lo, e deixar isto para logo? Se eu não consigo satisfação logo, acredito que vou morrer de desejo.

     Ele sorriu e seus rasgos se relaxaram.

     — Eu também estou um pouco ansioso, para ser sincero.

     — Então me tome Seth. Tome tudo agora mesmo. Rápido e com força. Por favor.

     O sorriso dele se apagou e seus olhos se obscureceram. Nublaram-se de paixão, pensou ela. Estava mudado. Parecia mais intenso e profundo. Tirou a camiseta, enquanto ela olhava.

     Seu peito era magnífico. Vixen já tinha notado, e voltou a fixar-se agora, com maior admiração, embora ele não tivesse mudado. Possivelmente, tivesse mudado ela. Tinha ido afeiçoando-se a ele cada vez mais, e, talvez por isso o encontrava fisicamente mais atraente. Tinham sido sempre assim tão duros seus abdominais? Tinha sido sempre seu peito tão lustroso e firme? Tão firmes eram seus bíceps? E seus ombros...?

     De repente, pôs as mãos sobre ele e começou a tocar cada um dos lugares que tinha admirado. Tocá-lo, sentir sua pele e seus músculos, deslizar-se sob suas palmas, tornou-se de repente tão necessário como respirar. Não podia dominar-se.

     Ele estava desabotoando as calças, mas se deteve quando ela começou a acariciá-lo. Ficou quieto e a olhou, e seus olhos se fecharam, enquanto ela acariciava seus ombros e seu peito, seus braços e seu ventre.

     — Está me matando, Vixen.

     — Como você a mim, faz um momento. Está bem empregado. — mas deixou de passar as palmas sobre ele e tirou sua blusa. Logo se desembaraçou rapidamente da saia e das calcinhas, e se recostou para observá-lo.

     Ele estava ajoelhado diante dela, mas só conseguiu desabotoar os jeans. Logo pareceu ficar paralisado, olhando-a. Ela piscou.

     — O que ocorre?

     — Você.

     — O que passa comigo? — olhou seu corpo. — Ocorre algo?

     — Não, nada. — Seth tocou seu braço, deslizou a mão por ele. — É muito preciosa, isso é tudo. A mulher mais formosa que vi. Deus...

     — Isso é muito bonito, Seth. Mas o está fazendo bem mal. — ela agarrou sua mão, separou-a de seu braço e a pôs diretamente sobre seu peito esquerdo.

     — É um ratinho muito impaciente, não?

     — Não sou nenhum ratinho, embora tenha conhecido a uns quantos, e tem razão, são muito impacientes.

     Ele se pôs a rir e começou a acariciá-la. Juntou os dedos para apertar seu mamilo. Ela fechou os olhos e respirou através dos lábios sorridentes.

     — Sim, sim. Isso está melhor.

     Então os lábios de Seth voltaram a pousar sobre ela, mas já não com beijos inúteis e brincalhões. Agora a beijava como ela queria: profundamente, por completo, quase com desespero. Aquilo fez arder o corpo da Vixen, a fez tremer mais ainda. Estremecia-se por completo. E adorava. Adorava tudo aquilo.

     Colocou os dedos entre o cabelo de Seth, apartou-lhe a cabeça de sua boca e a guiou para seu peito. Ele tomou seu mamilo entre os lábios e o roçou com os dentes, e Vixen gritou de prazer.

     Ela lutou com os jeans dele, baixando-os pelos quadris; logo levantou as pernas e lhe rodeou a cintura com elas, travando-as pelos tornozelos e as usando para empurrá-lo para baixo, até que seu membro duro e ereto se deslizou dentro dela. Profundamente.

     Fechou os olhos e sua boca formou um “Oh” perfeito, que foi também o som que saiu dela. Foi um grito de puro gozo, uma felicidade física.

     Seth começou a mover-se, deslizando-se para frente e para trás, dentro e fora, mas não só isso. Às vezes, movia os quadris em círculos e se balançava tão profundamente dentro dela, que Vixen alcançou em seguida o orgasmo.

     Deslizou as mãos embaixo dela, agarrou com força seus quadris e a apertou contra ele, para poder penetrá-la ainda mais profundamente, enquanto ela gozava. Vixen gemia e deixava escapar leves gritos; depois, seu corpo se sacudiu e voltou a alcançar o clímax. E enquanto isso, ele a abraçava e seguia penetrando-a, fazendo que o prazer durasse e durasse.

     Por fim, se retirou um pouco e seus movimentos se fizeram mais lentos e suaves, para lhe dar tempo, pensou ela, de voltar de novo para a terra.

     Ofegando, Vixen conseguiu gaguejar uma palavra.

     — As-som-bro-so!

     — Só acabamos de começar.

     — Venha aqui.

     Envolveu-a em seus braços e ambos rodaram até que Vixen esteve em cima dele.

     Gostou muito daquilo. Tinha os joelhos no chão, o corpo erguido, as coxas em ambos os lados dele. Cavalgou-o assim, com força, rapidamente, e desfrutou, sabendo que ele estava obtendo um prazer incrível ao ver ricochetear seus peitos enquanto se movia. Notava-o. Ao cabo de um momento, ele usou as mãos para atormentar seus mamilos, beliscando-os e puxando eles enquanto ela se deixava levar por uma espécie de frenesi em cima dele.

     Mas aquilo não era suficiente, de modo que ela começou a reclinar-se para trás para ver até onde podia chegar, trocando o ângulo de entrada e a inclinação, os pontos de contato. Novas terminações nervosas cobraram vida, e, uns instantes depois, ela voltou a ter um orgasmo e gritou seu nome, enquanto se estremecia por inteiro e saltava sobre ele ainda mais rápido que antes. Logo, ela se perdeu em uma corrente de espasmos que a sacudiram até a medula.

     Não se deu conta, no princípio, de que ele também tinha tido um orgasmo. Só o descobriu ao ver que ele não começava a mover-se outra vez. Seth a estreitou, beijou sua boca, seu pescoço, e a olhou nos olhos.

     E ali havia algo... algo que ia mais à frente do intenso encontro que acabavam de ter e dos orgasmos múltiplos que ele lhe tinha proporcionado e que ela nunca antes tinha conhecido. Havia algo mais que se removia em suas vísceras. Era algo grande e não de todo agradável. Parecia um estremecimento de pânico, de medo total. Era como se o instinto de lutar ou fugir, de que tinha ouvido falar se apoderasse dela. Custava-lhe respirar, porque por alguma razão tinha a garganta contraída dolorosamente, e lhe ardiam os olhos como se alguém os tivesse enchido de ácido.

     — O que tem feito? — perguntou ela.

     — A que te referes? — ele lhe acariciava o cabelo. Ele não podia ver-lhe o rosto, porque ela descansava sobre seu peito. — Você está bem, Vixen?

     — Sinto... Algo vai mal.

     Ele se incorporou um pouco, separou-a de seu peito e esquadrinhou sua face.

     — O que é?

     — É... é possível que um vampiro tenha um ataque do coração?

     — Não acredito.

     — Pois assim é como me sinto. Dói-me. Aqui — ela se apertou o peito com o punho. — Acredito que tive um orgasmo tão forte que me danificou o coração.

     Ele sorriu, mas ao ver que ela não lhe correspondia, ele apagou seu sorriso e a observou com seriedade.

     — Te prometo que a seu coração não aconteceu nada. Mas talvez esteja começando a sentir algo pela primeira vez, hum? Poderia ser?

     — Sentir algo? Claro que tenho sentido algo. Foi incrível. Todas as partes de meu corpo têm sentido algo. Mas não deveria doer.

     — Eu me referia a sensações emocionais, não físicas — disse ele.

     — Não seja tolo, Seth. O sexo é físico. Não é algo emocional. — e entretanto sua sugestão soava verdadeira. Não eram só as sensações que a tinham atravessado. Era ele. Era algo muito concreto, que tinha a ver com ele.

     Seth tinha se sobressaltado ao ouvi-la, quase como se quem sentisse aquela dor inexplicável fosse ele. Vixen o tranqüilizou com uma palmada no ombro. Logo, ela se sentou.

     — Preciso estar sozinha um momento, antes de dormir.

     — Ah... — Seth parecia incrivelmente triste ao dizer isto. Como se lhe estivesse fazendo mal, de algum modo.

     — Eu voltarei. Necessito... Não posso te explicar o que necessito, mas me acredite, ajudará. E voltarei. Eu gostaria... eu gostaria de dormir em seus braços, acredito.

     Ele levantou as sobrancelhas. Um leve olhar de esperança e confusão tomou o lugar da tristeza que havia em seus olhos.

     — Ah. Está bem.

     — Não demorarei. — ela saiu nua, da caminhonete.

     — Sua roupa... — disse ele, mas ela lhe lançou um sorriso por cima do ombro e respondeu:

     — Não a necessito. — respondeu, enquanto saía correndo do armazém vazio, para a noite.

    

     Seth a seguiu. Não pôde evitá-lo; tinha que sabê-lo, maldição. Vixen guardava um segredo. Isso ele sabia. E tinha a sensação de que era algo que influenciava enormemente na relação entre eles, em como se sentia ela diante das coisas ou, mais concretamente, em como não as sentia. Diabos, como era possível que ela não sentisse nada depois do encontro que acabavam de ter?

     Como podia dizer que não sentia nada, quando ela o olhava como o olhava? Quando o tocava como se adorasse cada centímetro de seu corpo, como se não pudesse evitar passar as mãos por sua pele embora quisesse? Quando acolhia seu corpo dentro do seu daquele modo? Como demônios podia não dar-se conta de que o que ocorria entre eles ia muito mais além do sexo?

     Como?

     Saiu às escondidas do armazém, bem a tempo de vê-la correr e saltar, completamente nua, através da alta erva e das flores silvestres de um descampado, até que pareceu tropeçar e caiu entre a erva daninha.

     Era quase como se seriamente estivesse tendo um ataque do coração. Mas isso não era possível. Verdade?

     Seth entrou correndo no descampado. Ele já não a via. A mata ocultava seu corpo. Ele correu através da escuridão, afinando sua visão preternatural, até que a encontrou uns dez metros diante dele, estendida no chão, retorcendo-se e esmagando o mato ao seu redor.

     Levantou uma mão, abriu a boca para chamá-la, para lhe perguntar o que ocorria, e logo, ele ficou paralisado ao compreender o que estava vendo.

     Ela estava se transformando. Sua forma estava trocando. Seu corpo se enroscou sobre si mesmo e ela escondeu a cara sob sua densa cabeleira avermelhada, e logo pareceu encolher-se e encolher-se... e trocar. Sua pele se desvaneceu sob uma pelagem suave e brilhante. O cabelo que lhe cobria a cara se converteu em uma cauda larga e povoada. E quando aquela cauda se apartou, a cara de uma raposa o olhou. Uns olhos grandes e marrons, exoticamente rasgados, piscaram uma vez, e logo, ela se levantou de um salto e pôs-se a correr entre a mata.

     Seth ficou ali parado, olhando-a.

     — Que demônios acaba de ocorrer?

     Uma mão se fechou sobre seu ombro.

     — Então, já sabe. — disse Roxy.

     Ele se voltou.

     — Esse é seu segredo? Que não é em realidade uma mulher, a não ser um animal?

     — Não é um animal, Seth, é uma metamórfica. Ou ela o era. Agora é um vampiro, igual a você.

     — Não, igual a mim, não.

     — Claro que sim.

     — Tolices. — ele apartou a mão de Roxy de seu ombro e voltou feito uma fúria para o armazém. Um estremecimento percorreu suas costas. — Merda! — resmungou. — Acabo de me atirar a um animal.

    

     — Esse intercâmbio de prisioneiros — disse Topaz brandamente, pouco depois de Jack retornar por fim a seu quarto, onde ela tinha estado passeando, nervosa e insegura, quase toda a noite— , é uma espécie de armadilha? — estudou o rosto do Jack, seus olhos, enquanto esperava uma resposta.

     Vários parasitas tinham estado vigiando-a. Ele lhes tinha ordenado partir, assim que cruzou a porta, embora Topaz não estava convencida de que se foram de verdade. Certamente, ainda havia alguns rondando entre as sombras, a certa distância, sob as janelas ou nos corredores daquela casa. E, provavelmente, também postados em cada saída.

     “Não, não em todas”, disse a si mesma. Não havia suficientes parasitas para isso. No fim das contas, ela era um vampiro. Qualquer janela, porta ou chaminé poderia lhe servir como saída.

     Não pensava, de todos os modos, em escapar essa noite. Queria ficar ali o tempo suficiente para averiguar algo valioso sobre aquele bando, algo que pudesse levar ao Reaper e que ele pudesse utilizar em seu proveito. E talvez também pudesse averiguar algo sobre Jack.

   Ele tinha impedido que a matassem, tinha detido sua tortura. Não havia dúvida: tinha ajudado, e, certamente, com não pouco perigo para sua vida.

     A pergunta era por que. Estava pensando em enganá-la de novo? Estava jogando com ela? Ou com outra pessoa?

     Não era tão estúpida para acreditar que pudesse haver outra razão. Como que lhe importava. Não, nisso ela já tinha acreditado, e ele lhe havia roubado meio milhão de dólares. Não ia voltar a cair nessa armadilha. Confiar em Jack Heart era como tentar domesticar a uma cobra. Estúpido e mortal.

     Ele havia retornado com uma toalha dobrada na mão, tinha despedido os parasitas e logo, ele lhe havia dito que ela voltaria com o bando do Reaper a noite seguinte, duas horas depois do anoitecer.

     Agora, ele se deixou cair na cama e suspirou.

     — Sei tanto sobre o plano do Gregor quanto você, Topaz. Já sabe.

     — Tolices. Você é sua mão direita. — ela se afastou dele, muito nervosa para estar quieta.

     — Mas ele já não confia em mim. Graças a ti, devo acrescentar.

     — Graças a mim? O que tenho feito eu? — ela voltou-se para olhá-lo, aumentou os olhos e os encheu de inocência. Ele não caiu. Topaz o notou por sua expressão.

     — Por favor! — disse Jack. — Você se apresenta aqui de repente, se joga ao perigo e me obriga a intervir como se fosse um herói de gibi, e ainda me pergunta o que tem feito?

     Ela piscou rapidamente.

     — Apresentei-me aqui para te advertir de que sua vida estava em perigo, e arrisquei a minha para fazê-lo. A heroína sou eu, Jack. Você é o enganador que me utilizou, enganou-me, deixou-me e não merece meus esforços. É mais bem encaixado no vilão do gibi.

     — Arrisquei minha posição para te proteger.

     — Para começar, um herói não estaria com Gregor. Gregor é o mau em estado puro, Jack. Ou será que não o notaste?

     Ele encolheu os ombros, mas apartou os olhos, o qual equivalia a reconhecer sua culpa. Topaz lançou um olhar à toalha que ele tinha ainda nas mãos. Havia algo dentro, mas ela não sabia o quê e não queria perguntar, porque ela acreditava que isso era o que ele queria que ela fizesse.

     — Então, o que vai se passar nesse intercâmbio de prisioneiros de amanhã à noite? — perguntou.

     — Não sei. Juro-lhe isso, Topaz, não o sei, seriamente. Se eu soubesse, lhe diria isso.

     — Hmmf. Só se te beneficiasse de algum modo.

     Ele fechou os olhos e suspirou. Quando voltou a abri-los, deu uns tapinhas sobre a cama, a seu lado.

     — Vamos, vem aqui.

     Ela cruzou os braços, franziu os lábios e sacudiu a cabeça com firmeza.

     — Acredito que não.

     — Por que não? Você tem medo de mim? Ou tem medo de si mesma?

     — Nenhuma das duas coisas. Mas nos conheço os dois muito bem. Me deitar contigo agora...

     — É exatamente o que quer e sabe disso. Tinha-o em mente inclusive antes de vir aqui — voltou a dar um tapinha sobre a cama.

     Topaz lhe deu as costas.

     — Não é certo. — disse. Mas era mentira.

     — Sim, é certo sim. Note em como te vestiu para a ocasião. Se essa não era a roupa de uma mulher disposta a seduzir a alguém, não sei o que era. Conheço as mulheres, carinho. E conheço a ti.

     Ela não o olhou.

     — Está muito satisfeito de ti mesmo, verdade? Muito seguro de que morro por voltar para seus braços.

     Jack se levantou da cama antes que ela se desse conta do que ele fazia; aproximou-se dela por detrás e deslizou os braços a seu redor, apertando-a contra si, enquanto esfregava a cara contra seu pescoço.

   — E não é verdade? — perguntou. — Seja sincera, Topaz. Não me envergonha admitir que eu tenho tanta vontade como você.

     Ela fechou os olhos e deixou escapar um suspiro estremecido.

     — A verdade é que me rompeu o coração e te deixei. Apaixonei-me por ti, embora soubesse que não deveria fazê-lo. Eu me permiti te querer, embora você nunca dissesse que me queria. Fazia como se me quisesse, representava seu papel, mas nunca pronunciou essas palavras. Isso deveria ter me mostrado tudo o que eu precisava saber, mas me negava a escutar. Não vou permitir que me engane assim outra vez, Jack. Agora não. Nem nunca.

     — Está bem. — ele lhe beijou o pescoço e o ombro, apartando o decote de seu vestido. Ela se estremeceu. Os dedos de Jack acariciaram sua clavícula.

     — E quero recuperar meu dinheiro, e vou conservar a cabeça até que o recupere.

     — Está na cama, Topaz.

     Ela ficou rígida. Logo, ela se separou dele e, voltando-se, olhou-o e fixou logo os olhos na toalha que tinha deixado sobre a cama.

     — Adiante, dê uma olhada. Comprova-o você mesma — disse ele.

     Ela quase não sabia o que pensar. Tragou saliva, desdobrou a toalha e olhou. Dentro havia vários maços de notas bem amarrados.

     — Sinto ter que te dar somente a metade com que eu fiquei. Sinceramente, não sei como recuperar a metade que dei a Gregor — disse ele.

     A parte dela que ainda o queria sussurrou: «Não passa nada, amor. É suficiente. Mais que suficiente». Mas ela se mordeu o lábio inferior antes que aquela parte pudesse falar. Rapidamente, ela abandonou de um empurrão esta idéia e chamou à parte de seu ser que ele tinha queimado.

     — Quero-o todo. — ela lhe disse. — Você me roubou isso. O que fizesse com ele depois, não me importa. Deve-me isso. Tudo. E eu o quero, Jack.

     — Eu quero a ti. — disse ele. Aproximou-se dela, rodeou-lhe a cintura com os braços, e começou de novo a esfregar-se contra sua cara.

     Topaz fechou os olhos e inclinou a cabeça para lhe deixar mais espaço. Era tão delicioso... Mas, se ela deixava que ela lhe fizesse o amor, tudo começaria outra vez. Sabia. Ela voltaria a apaixonar-se, até sabendo que ele não sentia o mesmo, nem nunca o sentiria.

     — Não posso. Não posso voltar a passar por isso, Jack. Por mais que te deseje, não posso.

     Ele suspirou, mas se apartou. Seguiu abraçando-a, mas deixou de beijá-la e de acariciá-la, e ela desejou que seguisse. Ele a fez voltar-se para a cama e a urgiu em aproximar-se.

     — Perdi tanto tempo correndo por aí com o chefe, que certamente esta noite não há tempo, de todos os modos. Logo amanhecerá. — olhou seu relógio. — Dentro de vinte minutos, mais ou menos.

     — Ah... — ela sentiu alívio. Sem dúvida, poderia manter sua força de vontade esse tempo.

     — Mas temos que ficar aqui, juntos, para que Gregor acredite nas mentiras que lhe estamos contando. E só há uma cama.

     — Sim, isso já o vejo.

     — Prometo não te tocar. — ele levantou a mão e fez um gesto de escoteiro.

     Ela apertou os lábios e por fim assentiu com a cabeça.

     — Está bem. — e sem outra palavra ou olhar, aproximou-se da cama, separou as mantas e se meteu dentro, completamente vestida. Colocou o montão de dinheiro sob seu lado do colchão.

     — Não vais se despir? — perguntou ele.

     Ela lhe fez uma careta.

     Ele encolheu os ombros e tirou os jeans e logo a camisa, ficando de cueca e meias curtas. Estava muito bonito. Tão bonito como ela recordava, ou possivelmente mais ainda. Tão comprido e magro. Isso lhe tinha encantado nele desde o começo. Tudo nele era comprido e magro, até seus dedos. Uns dedos elegantes. Tinha dedos de músico. E tinham tanto talento quando se tratava de tocar nela...

     Fechou os olhos e apartou a cara para que ele não visse seu desejo, ao aproximar-se da cama.

     Jack se sentou a seu lado, estirou os braços por cima da cabeça e bocejou. Logo, ele se deitou de costas. Topaz jazia de lado, de costas para ele, apesar de que desejava com cada célula de seu corpo dar a volta, lhe rodear a cintura com os braços e apoiar a cabeça sobre seu peito, como tinha feito no passado.

     Mas isso levaria a mais. E esse mais levaria à dor. Embora de todos os modos, possivelmente, evitar tudo aquilo não serviria de nada, porque a dor já estava ali, carcomendo seu peito como um rato que abrisse passo por uma parede. Seus olhos se encheram de lágrimas ardentes e sua garganta se contraiu até que teve que obrigar-se a sufocar um soluço ou dois.

     Maldição. Por que doía tanto estar tão perto dele?

     — Topaz? — disse Jack.

     — Hmm? — ela não se atreveu a dizer nada mais, ou ele ouviria as lágrimas em sua voz, afogando-a.

     — Sirva para o que sirva, eu sinto muito.

     Ela piscou.

     — O que, exatamente?

     Sentiu que a cama se movia quando ele encolheu os ombros.

     — Tudo. Eu te haver enganado, ter levado seu dinheiro. Eu te utilizar, te extorquir, te enganar. Depois te abandonar.

     Ela apertou os lábios, enquanto deixava que suas palavras abrissem passo até seu cérebro e tentava impedir que chegassem a seu coração.

     — Por que o sente? Afinal de contas, você se dedica a fazer isso.

     — Contigo foi diferente.

     Ela ficou calada um momento. Desejava ardentemente acreditar nele, mas não era tão estúpida.

     — Acredito sinceramente que entre nós havia algo autêntico, Topaz — continuou Jack. — Ou poderia tê-lo havido, se eu não...

     Ela se sentou na cama tão de repente, que ele ficou calado pela surpresa. Logo, de um puxão, arrancou-lhe as mantas, lhe deixando só o lençol, deslizou-se até o chão, agarrou dois travesseiros e cruzou a habitação. As mantas arrastavam atrás dela como a cauda de uma noiva.

     — O que faz? O que eu disse? — ele estava sentado, mas não desceu da cama.

     — Se me tiver algum respeito, Jack, não me insulte tentando me enganar outra vez. Nunca sentiu nada por mim. Nem sequer tente me convencer do contrário.

     — Mas...

     — Posso te perdoar. Talvez. Com o tempo, e só se me devolver o resto do dinheiro. Mas não posso te perdoar se segue empenhado em me enganar. Não vou voltar a cair. Jack. Assim... não te incomode, de acordo?

     Ele não podia olhá-la aos olhos.

     — Não era isso. Seriamente.

     — Tolices. Quero meu dinheiro. E ponto.

     Atirou os travesseiros no rincão e estendeu as mantas sobre elas. Quando acabou, deitou entre as mantas, se cobriu até os ombros, voltou-se de lado, lhe dando as costas, e fechou os olhos.

     — Tentarei conseguir o resto de seu dinheiro.

     — Acreditarei quando o vir.

     — Digo a sério. Tentarei. Mas... não acredito que seja possível. Gregor tem uma caixa forte. E já te dei a metade.

     — Bem por ti. Mas quero tudo.

     — Pode me dar uma manta?

     — Não.

     Topaz o ouviu suspirar, ouviu mover o colchão quando ele voltou a se deitar, e se felicitou por sua resolução e sua força de vontade.

     Mas por sorte não teria que estar ali muito tempo. Não estava segura de que aquilo pudesse durar.

   Aquela idéia a levou a pensar no intercâmbio de prisioneiros que teria lugar essa noite, e a perguntar-se de novo se não seria uma espécie de armadilha.

     Não gostava de Gregor. O que sabia dele, o que tinha visto e o que sentia era suficiente para a convencer de que era uma maçã podre. E de que não podia confiar-se nele.

     Por desgraça, tampouco podia confiar no Jack. O que ia acontecer essa noite a assustava. Tinha medo pelo Reaper, por Roxy, pelo Seth e Vixen. Inclusive tinha medo pelo Jack. E também um pouco por si mesma.

     Oxalá soubesse o que podia esperar.

    

     Quando Vixen retornou à caminhonete para deitar-se, Seth não estava ali. Ela não sabia onde ele tinha ido, e ficava pouco tempo para buscá-lo. Pensando que ele voltaria antes que saísse o sol, para o qual faltavam uns instantes, meteu-se entre as mantas e ficou cômoda.

     Tinha sido uma carreira deliciosa. Tinha dançado, saltado e saltado, tinha açoitado ratos de campo e apanhado uma mariposa no ar, tomando-a entre suas patas. Tinha gozado do tempo que tinha passado ao ar livre, embora tivesse sido breve. Já não podia manter sua forma animal por muito tempo, e se perguntava se algum dia seria incapaz de transformar-se. Parecia que cada vez lhe custava mais.

     Entretanto, a carreira não a tinha ajudado a compreender melhor tudo aquilo. Nem seus próprios sentimentos, nem os do Seth. Mas a ajudava saber que nada de tudo isso importava. O único importante era estar viva e desfrutar dessa vida.

     E isso era o que pensava fazer.

     Foi bem mais difícil, entretanto, quando o sol se elevou e começaram a lhe pesar os olhos e o sono diurno se apoderou dela. Porque Seth não havia retornado, e uma sensação escura e dolorosa se abriu passo em seu coração.

    

     Foi embora o sol e Seth se levantou, rígido e incômodo por ter passado todo o dia deitado convexo no chão de cimento do armazém. Como não queria explicar a seus companheiros por que não estava com Vixen, depois de todos os preparativos que lhe tinham visto fazer, tinha optado por meter-se em um esconderijo que tinha encontrado. Era um quarto diminuto e sem acabar, na parte de trás de uma das zonas mais amplas do armazém, e, certamente, a julgar pelas estantes das paredes, em outro tempo tinha servido para armazenar ferramentas. Era escuro e frio e as paredes e o chão eram muito duros. Encaixava perfeitamente com seu estado de ânimo.

     Certamente, precisava pensar um pouco em tudo aquilo, mas não sabia por onde começar. Que demônios se supunha que devia pensar? Por que não o havia dito ela? Acaso acreditava que o fato de que fosse em parte animal não lhe interessaria?

     Tampou a cabeça com os braços e gemeu.

     — Seth?

     Baixou os braços, levantou a cabeça e quase grunhiu de chateação. Estava se preparando para dar um festim de autocompaixão.

     — Estou aqui, Reaper.

     Reaper entrou no quartinho, por cuja porta quase não cabia.

     — Que demônios faz aqui?

     — Estava dormindo. Agora estou me despertando.

     Reaper o olhou de cima abaixo, e Seth notou as perguntas que havia em seus olhos. Mas Reaper não as formulou. Estendeu-lhe uma mão. Seth pegou e Reaper o ajudou a levantar-se.

     — As coisas não foram bem ontem à noite, suponho.

     — Não quero falar disso.

     — Eu não lhe pedi isso. Mas ela está te procurando.

     — Pois que siga me buscando. Que horas são?

     — Quase sete e meia.

     — E temos que estar nesse clube às nove. Concentremos-nos nisso. Onde está Roxy?

     — Saiu para tomar um café antes que anoitecesse. Agora está fora, sentada em um toco, tomando-o.    

     — Acredito que vou me reunir com ela.

     Reaper franziu o cenho, sem compreender.

     — Me faça um favor e diga a Vixen que se prepare para a noite, e que temos muito pouco tempo para o resto.

     — Quer que a entretenha antes que fale com ela.

     — Bingo.

     — Tem certeza que não quer falar disto, Seth?

     — Contigo? Sim, tenho certeza.

     Reaper levantou as sobrancelhas. Parecia doído.

     — Bom, amigo, você não é precisamente um perito em mulheres, não? E muito menos em relações de casal. Ou era outro o que insistia em que era um solitário desde que o conheci?

     Reaper se umedeceu os lábios e assentiu com a cabeça.

     — Suponho que tem razão — encolheu os ombros. — Certamente, será melhor que fale com o Roxy. Saia pela frente. Você a sentirá em seguida.

     Seth assentiu, deu a seu amigo, e sim, disse a si mesmo, pensava em Reaper como em um amigo, embora duvidava de que Reaper o considerasse tal, uma palmada no ombro e saiu, cruzou o armazém e saiu pela porta dianteira.

     O ar do anoitecer se abateu sobre ele com uma quebra de onda de frescura e aromas florais que não tinha notado a noite anterior. Mas, naturalmente, então faltava pouco para que amanhecesse e ele tinha estado perseguindo uma mulher meio vampiro, meio raposa por entre a mata.

     Tinha escurecido até o ponto de que começavam a aparecer estrelas aqui e lá, no céu. Seth se apartou um pouco do armazém, logo se deteve e ficou ali, farejando o ar em busca do Roxy.

     Não a encontrou, até que ela pigarreou para que soubesse onde estava. Então se voltou nessa direção e a viu sentada em um tronco caído, com uma taça de café entre as mãos. Seth deveria ter notado aquele vapor fragrante, embora não houvesse sentido sua presença. Maldição, ele devia estar mais distraído ainda do que pensava.

     — Não te culpe, céus. — disse Roxy. — Estou bloqueando minha mente.

     — Pois o faz muito bem. — respondeu ele enquanto se aproximava. — Para ser mortal.

     Ela encolheu os ombros.

     — Levo muito tempo aperfeiçoando minhas habilidades. E não queria que os maus nos encontrassem. Não me conhecem, mas possivelmente tivessem sentido curiosidade se tivessem captado a presença de um Eleito nesta zona.

     — Bem pensado. — Seth chegou junto a ela, mas permaneceu de pé.

     Roxy ficou olhando-o um momento; logo assentiu com a cabeça sagazmente.

     — Bom, já tiveste tempo de dar voltas às coisas. Ao segredo de Vixen — ele franziu os lábios e assentiu duas vezes com a cabeça. — É assombroso, verdade?

     — É horrível, isso é o que é.

     Roxy bebeu um gole de café e o observou sem que sua expressão plácida trocasse. Seth passou uma mão pelo cabelo, afastou-se uns passos e voltou para ela. Roxy seguiu bebendo e esperou.

     — É que... não sei que demônios pensar disto. Quero dizer que... é animal ou é humano...? Que demônios ela é?

     Roxy sorriu.

     — Se preocupa em ter caído no bestialismo, né?

     — Nem te ocorra brincar sobre isso!

     O sorriso de Roxy se desvaneceu, mas seus olhos seguiram brilhando. A Seth chateava que lhe divertisse tanto seu mal-estar.

     — Isto é muito sério, Roxy.

     — Sei que o é... para ti, porque o está convertendo em um caso federal. Mas não deveria sê-lo. Tem que te esquecer um pouco de ti mesmo, Seth. Vixen já podia trocar de forma antes que a transformassem. Mas agora é um vampiro, igual a você.

     — Um vampiro que se converte em raposa!

     Roxy encolheu os ombros.

     — Eu ouvi falar de uns quantos que podem converter-se em morcegos, corvos ou lobos. Por que não em uma raposa?

     Ele lhe lançou um olhar com os olhos muito abertos.

     — Sério? Eu pensava que isso só era, já sabe, ficção. Como as cruzes e o alho.

     — Isso demonstra o muito que sabe, Einstein. — encolheu os ombros. — Não é mais que um pintinho. Ainda não sabe nada. Os antigos de verdade, um ou dois deles, pelo menos, podem trocar de forma.

     Ele assentiu e ficou pensando um momento.

     — Mesmo assim — disse — , são vampiros comuns. Fazem-se velhos e mais poderosos, até que adquirem a habilidade de trocar de forma. Mas ela é nova, acaba de transformar-se. E já trocava de forma antes de ser um vampiro.

     — Bom, sim. — disse Roxy . — E o que importa isso?

     — Importa porque não sei se é uma mulher ou uma raposa.

     — Já lhe disse isso, é um vampiro. Talvez não seja um vampiro comum, mas a verdade é que nunca acreditei que houvesse vampiros comuns.

     Ele negou com a cabeça.

     — Não sei o que pensar.

     — Talvez se te dou um chute no saco...

     Seth lhe lançou um olhar. Ela se mordeu o lábio inferior e começou outra vez.

     — Fala com ela, Seth. Fala com ela, deixa que te conte quem é, quem era antes e quem é agora. Ela pode te dizer tudo o que precisa saber, se te acalmar e a escutar.

     Ele apertou a mandíbula.

     — Não sei. Deveria me haver dito isso antes.

     — Sim, pode ser. Mas ainda está descobrindo o que é e o que não é conveniente. Tenho a sensação de que ela passou toda sua vida evitando qualquer relação. Possivelmente, inclusive evitando a outros humanos. E não faz tanto tempo que é um vampiro. Esqueça de teus aborrecimentos e lhe dê uma oportunidade.

     Seth suspirou, ficou olhando ao longe um momento e logo voltou a olhar para Roxy.

     — Deveríamos nos preparar para ir a esse clube, para a entrevista.

     — Deveríamos?

     — Bom, sim.

     — Não, equivoca-te, céus. Reaper vai sozinho, como lhe ordenou Gregor. Vai levar Briar, claro, mas a ninguém mais. Não quer que corramos perigo, em caso de que seja uma armadilha.

     Seth se esqueceu de seus problemas e se voltou para o armazém.

    — Não pode fazer isso.

     — Já o tem feito. Certamente, ele se foi assim que te mandou aqui fora, comigo.

     Seth voltou correndo, abriu a porta e chamou Reaper a gritos, mas não houve resposta, e não o sentiu por nenhuma parte.

     — Maldito seja.

     Vixen apareceu de repente e se aproximou dele apressadamente, mas se deteve uns passos, insegura. Esquadrinhou sua cara, cheia de dúvidas, mas só disse:

     — O que ocorre contigo?

     — Reaper se foi sozinho à entrevista.

     — Ah... — ela deu dois passos para ele. — Estou segura de que não lhe acontecerá nada.

     — Claro que não lhe acontecerá nada. — Roxy tinha entrado atrás do Seth, silenciosa como um gato, e parecia tentar convencer-se a si mesma do que havia dito. — Leva já muito tempo trabalhando sozinho.

     — Levou a Briar. — disse Seth. — Embora Gregor não o jogue numa armadilha, essa bruxa é capaz de fazer com que o matem — deu lentamente uma volta e logo se deteve e disse— : Temos que ir atrás dele.

     Roxy ficou calada. Vixen, em troca, assentiu com a cabeça.

     — Deveríamos levar a caminhonete, para que tenhamos lugar para todos voltar aqui — disse ele, e se dirigiu à habitação contígua, onde tinham estacionado os veículos. Roxy e Vixen o seguiram, mas quando abriu a porta e viu a caminhonete com as portas traseiras abertas e as mantas e os travesseiros dentro, lembrou-se da noite anterior, a noite com Vixen, e ficou parado.

     Roxy passou a seu lado e se aproximou da porta do condutor.

     — Recolham as mantas, fechem e subam.

     Seth deu um só passo para a parte de atrás da caminhonete, mas Vixen o deteve lhe pondo uma mão no antebraço.

     — Onde dormiste?

     Ele se voltou lentamente para olhá-la.

     — Eu... Não temos tempo para isto agora, Vixen.

     — Por que não me esperou?

     Seth respirou fundo e decidiu acabar de uma vez com aquilo.

     — Eu te segui quando se foi. Estava preocupado. E... te vi.

     Os olhos dela se aumentaram. Deu um passo atrás, possivelmente involuntariamente.

     — Me... viu?

     — Sim. Eu te vi se transformar, certo? Sei o que é.

     — O que sou. — ele assentiu com a cabeça. — E o que acha que sou, Seth?

     Ele baixou a cabeça e a sacudiu rapidamente de um lado a outro.

     — Não sei, só sei que não é... natural.

     — E ser um vampiro é?

     — Claro que sim. Nós existimos quase sempre.

     — E quem troca de forma também. Talvez existam há mais tempo, inclusive. Somos iguais aos naturais. Mas suponho que você não o vê assim.

     Ele não respondeu. Ela falava com voz rouca, como se tivesse a garganta contraída, e tinha os olhos úmidos.

     — Agora sente repugnância por mim. Verdade, Seth?

     Ele não respondeu.

     Soou a buzina da caminhonete e ambos se sobressaltaram.

     Vixen se voltou, montou na parte de atrás e fechou as portas. Seth as parou justo antes que se fechassem de todo.

     — Olhe, temos que falar disto. Mas agora não.

     — Nem nunca. Se te repugnar, está claro que já não me deseja. E afinal de contas foi só sexo. Se não temos isso, não temos nada.

     Ele viu derramar-se suas lágrimas um instante antes que Vixen lhe apartasse a mão da porta e a fechasse.

     Sentiu-se mesquinho e cruel. E ferido por suas palavras. Mas não era tão ingênuo para não dar-se conta de que Vixen estava lhe devolvendo o golpe. Afinal de contas, estava claro que lhe tinha feito mal antes.

     A porta do co-piloto se abriu.

     — Sobe, Romeo. — disse Roxy.

     Ele suspirou e obedeceu.

     — Bom trabalho. — disse ela, assinalando com a cabeça para a parte de atrás, onde Vixen dobrava mantas com fúria e ia guardando nos compartimentos de debaixo do chão enquanto lhe corriam lágrimas pela cara.

     Seth nunca a tinha visto chorar.

     — Sim — disse — eu sei.

    

     Reaper tinha levado o Mustang ao ponto de encontro. Briar estava no assento dianteiro, a seu lado, e estava tão tensa que Reaper compreendeu que esperava que houvesse problemas.

     — Então, acha de verdade que é um intercâmbio, ou uma armadilha? — perguntou para ver se ela respondia sinceramente.

     — O que te faz pensar que eu sei?

     — Gregor é seu homem, não? Ele te conta tudo exceto como faz os parasitas. Não é isso?

     — Disto não me falou. — ela o olhou à luz tênue do painel. — Como sei que você não lhe montou uma armadilha?

     — Está comigo. Vê algum indício disso?

     Ela encolheu os ombros.

     — Não trouxe seus amigos.

     — Não quero me arriscar a que os matem.

     — Ou talvez estejam montando uma emboscada em alguma parte. — ela apoiou a cabeça no respaldo do assento e fechou os olhos.

     Reaper não se enganava: sabia que Briar não estava simplesmente descansando os olhos. Estava seguro de que ela estava comunicando-se com Gregor, lhe dizendo que estavam de caminho, quem ia, quem não e pedindo instruções para conseguir que ele acabasse morto.

     Passados uns momentos, ela se mexeu e abriu os olhos. Uns olhos enormes, marrons, preciosos. Perigosos, escuros e traiçoeiros.

     — Espero que o tenha saudado de minha parte. — disse Reaper.

     Ela sorriu e ele pensou que quem não a conhecesse pensaria que tinha a cara de um anjo.

     — Logo poderá saudá-lo você mesmo. Quase já chegamos. — assinalou. — Esse é o clube.

     Reaper o viu justo adiante. Estava no centro de uma quadra, em um edifício de tijolo de dois andares, com as janelas pretas e uma porta metálica rosa, possivelmente forrada de chumbo. A única coisa que se destacava era o letreiro de néon que havia sobre a porta e no qual se lia “A Cripta”.

     Reaper passou reto, encontrou um lugar para estacionar onde era improvável que bloqueassem seu carro, estacionou e parou o carro.

Estendeu o braço para o trinco da porta. Ela fez o mesmo: deslizou o braço sobre a cintura do Reaper e pôs a mão sobre a dele.

     — Ainda não são nove.

     Reaper a olhou aos olhos, alarmado imediatamente.

     — E?

     — Disse que viesse às nove. Às nove em ponto. Gregor pode ser muito minucioso com detalhes como esse. E dado que aceitou fazer o intercâmbio embora, não tenha trazido a Vixen, deveria tentar não lhe fazer zangar.

     — Pediu-te que me entretenha. Por que, Briar?

     Ela encolheu os ombros.

     — Só tento me assegurar de que isto vá como débito. Quero voltar com minha gente. E você quer recuperar a Topaz. Façamos as coisas bem.

     — Não engulo isso.

     Ela respirou fundo, suspirou e logo levou sua mão à bainha de sua blusa, a tirou pela cabeça, e a atirou ao chão.

     Ele ficou paralisado um momento, ao ver seus peitos nus, grandes para uma mulher tão miúda, redondos e cheios, lustrosos e suaves, com uns mamilos pequenos e duros que o excitavam até pô-lo fora de si.

     Logo se forçou a apartar o olhar.

     — Seriamente quer me entreter, não é?

     — O intercâmbio não terá lugar até as nove, Reaper. Chegar antes do tempo não modificará isso. Mas talvez esta seja a última oportunidade para... isto. — passou a mão sobre os jeans de Reaper, por cima de sua ereção.

     Ele se estremeceu. E não se apartou. Sua aversão a ser tocado não tinha lugar ali. Tentou ignorar sua excitação e abriu a porta do carro.

     — Me beije só uma vez. — disse ela, enquanto deslizava a palma da mão até sua bochecha e o fazia voltar a cabeça. — Só uma. E logo entraremos.

     — Deixa de tentar me atrasar, Briar. Essa tática não vai te servir de nada.

     — Por que está tão seguro de que isso é uma tática? Como sabe que não morro por fazer isto desde a primeira noite? Beijou-me então. Recorda?

     Ele tentou não recordá-lo.

     — Recorda o delicioso que foi? Recorda como se sentia? — roçou seus lábios com as pontas dos dedos enquanto com a outra mão o acariciava através das calças, acima e abaixo. — Prove-me outra vez, Reaper — ficou de joelhos sobre o assento e roçou os lábios do Reaper com os seus.

     Maldição, ele era humano dentro do vampiro. Rodeou-a com os braços e a beijou. Beijou-a com força, profundamente, com a boca muito aberta e a língua ávida. Colocou as mãos entre seu cabelo e sujeitou sua cara enquanto devorava sua boca. Logo lhe jogou a cabeça para trás bruscamente e beijou seus peitos incríveis. Chupou-os com força, e logo os mordeu.

     Ela fechou os punhos entre seu cabelo e começou a ofegar, a gemer, a estremecer-se.

     — Para. — sussurrou ao cabo de um momento. Puxou-lhe o cabelo para apartá-lo. — Temos que parar.

     — Nem o sonhe. — grunhiu ele. A ânsia de sangue cobria sua vista de uma neblina fina e vermelha. Sua excitação era quase insuportável. — Agora não, Briar. De jeito nenhum.

     Ela baixou a cabeça e ele o viu nos olhos. O resplendor, a ânsia. Desejava-o tanto quanto ele.

     — Faça rápido. — lhe disse. Subiu a minissaia. Não levava nada debaixo. — Rápido e com raiva.

     Ele desabotoou as calças e liberou seu membro. Estava tão excitado que sua verga palpitava.

     — Não há problema.

     Briar se sentou escarranchada sobre ele, descendeu e se introduziu seu membro até o fundo. Ele levantou os quadris do assento para penetrá-la mais, e ela começou a ricochetear em cima dele freneticamente. Reaper voltou a alimentar-se de seus mamilos, mordendo-os com mais força.

     Ela se movia mais e mais às pressas. Suas unhas lhe arranhavam o couro cabeludo.

     — Vou gozar. — sussurrou ela.

     — Eu também.

     — Beba de mim, Reaper. Morda-me e beba de mim!

     Ele a mordeu com mais força, cravando as presas em seu peito enquanto a penetrava. O sangue brotou; ele chupou com ânsia e o prazer físico se apoderou dele ao sentir o sabor do sangue na boca, na língua. Aquilo era tão incrível que pensou que ia estalar. E então estalou, e seu corpo inteiro alcançou o clímax enquanto seu cérebro perdia a capacidade de fazer outra coisa que não fosse sentir.

     E sentia a ela, sacudindo-se tão forte que parecia sofrer convulsões, enquanto o orgasmo a atravessava por completo. Sentiu-a inclinar a cabeça, cravar os dentes em seu ombro, beber e sorver sua vida através de sua carne.

     E lhe pareceu que talvez estivesse chorando.

    

     — Deveria ficar na caminhonete. — disse Seth a Vixen, quando pararam justo diante do “A Cripta”. — De fato, deveria dar voltas à quadra até que saiamos.

     — Como é essa expressão que ouvi usar a seus semelhantes? — perguntou ela. — Ah, sim, já me lembro. Que se fodam.

     — Sejam bons, meninos. — disse Roxy. Parou o motor. — Vamos nos comportar como adultos. Vixen, Gregor quer te recuperar. Se isto for uma armadilha, poderia te levar com ele, igual Briar. E isso não é o que queremos, verdade?

     — Não.

     — Então dá voltas à quadra com a caminhonete até que saiamos.

     — Não sei conduzir. — respondeu Vixen.

     Seth suspirou.

     — Espera aqui somente. Fecha as malditas portas.

     Ela o olhou com aborrecimento, doída até a medula. Com razão tinha evitado os sentimentos, durante tantos anos. Eram absolutamente horrorosos.

     Voltou-se para olhar Roxy.

     — Se acha que eu devo.

     — Sim, céus. E Seth só tenta te proteger. Embora seja um idiota, seus motivos são sinceros.

     — Eu não sou idiota.

     Roxy pôs os olhos em branco e logo olhou a Vixen.

     — É um homem. Ou seja, o mesmo. Sente-se aqui, céus, para que te ensine como se desbloqueiam as portas e nos deixe entrar, na hora certa. E como arrancar, se por acaso se fizer necessário.

     — Se for necessário, sairei e me porei a correr. — disse Vixen, mas passou por cima dos assentos até que esteve na segunda fila e observou enquanto Roxy lhe explicava como mover a caminhonete... só no caso de necessidade.

  

     — É a hora. — sussurrou Briar ao ouvido do Reaper, enquanto se separava dele, endireitava sua saia e cobria os peitos. — Está preparado?

     Reaper tentava controlar seu pulso por pura força de vontade, mas não era fácil. Briar se comportava com frieza profissional, como se nada tivesse passado, e ele não via nem um indício de outra coisa em sua expressão. Mas não obtinha que o olhasse aos olhos.

     Ela se deslizou até seu lado do carro e abriu a porta; logo saiu e pôs-se a andar pela calçada, para o clube. Reaper saiu e correu para alcançá-la.

     — Já estamos aqui. — disse ela quando se detiveram frente à porta. Além dela se ouvia o tamborilar rítmico da música. Briar inclinou a cabeça, olhando-o. — E bem?

     — E bem?

     Ela fez girar os olhos, passou a seu lado, abriu a porta de um puxão e entrou. Reaper a seguiu, abrindo seus sentidos. Entrou em uma quebra de onda de ruído, de música, de luzes, de cores que se apagavam e se acendiam ao ritmo da música. A porta se fechou de repente, atrás dele e se voltou, sobressaltado.

     Briar estava ali e sorria. Ele a viu girar a tranca, e foi então quando cheirou o sangue.

     — Que demônios...?

     Voltou-se de novo, percorreu o local com o olhar e os viu: corpos rasgados e ensangüentados, caídos por toda parte. Mortais. Humanos. Jovens, quase crianças, vestidos para uma festa. Seu sangue melava o chão.

     — Pelo amor de Deus. — murmurou . — Por quê? Que demônios é isto?

     Por um momento, ela pareceu-lhe tão surpreendida como ele por aquele açougue. Mas logo Briar compôs de novo sua expressão, dura e fria.

     — Por que acha que eu sei?

     Reaper ouviu um movimento, sentiu vida e olhou para o outro lado do edifício.

     — Ah, esses são seus amigos, que vêm se reunir contigo — disse ela. Começou a se afastar dele para o som, mas Reaper a agarrou pelo braço e a puxou para ele.

     — Que demônios está passando, Briar?

     — Não sei. — ela encolheu os ombros e o olhou fixamente aos olhos. — Mas tenho uma mensagem para ti da parte de Gregor. Se seus amigos já entraram, claro. — voltou-se e viu Seth e Roxy dobrarem uma esquina. Então voltou a olhá-lo aos olhos e disse— : Rouxinol.

     E tudo se voltou negro.

    

     Seth e Roxy entraram pela porta de trás, que estava aberta, mas assim que a abriram, uma mão apareceu como saída de um nada, empurrou-lhes para dentro e fechou a porta com chave atrás deles. Seth ouviu girar a fechadura e cheirou a morte a seu redor, por toda parte.

     — Oh, Meu Deus! — murmurou Roxy. Estava olhando fixamente e assinalava com o dedo. — Seth, Meu Deus!

     Ele olhou. Roxy se tinha adiantado uns passos e se reuniu com ela, dobrando uma esquina que dava ao que parecia ser a pista de baile e a sala principal do clube. Viu cadáveres dispersos pelo chão, como folhas secas. As mesas estavam destroçadas, havia cristais quebrados por toda parte. Soava a música, e as luzes de cores piscavam ainda ritmicamente, mas não ficava nem um só mortal com vida naquele lugar. Tinha sido um massacre.

     Roxy se voltou rápido, baixando a cabeça, e Seth levantou automaticamente os braços para ela, mas ficou paralisado ao ver Reaper do outro lado da sala e Briar inclinada para ele, e movendo os lábios como se lhe dissesse algo.

     E então, algo trocou no semblante do Reaper. Ficou em branco. Lasso. Com os olhos vazios. Quase mortos. Seth agarrou Roxy e a pôs atrás dele justo antes que Reaper deixasse escapar um grunhido profundo e descarregasse o primeiro golpe.

     Agarrou Briar pelo braço com uma mão e a atirou longe. Ela chiou e voou pelo ar, aterrissando entre os corpos que havia no chão. Deslizou-se entre o sangue dos inocentes, tentou levantar-se, mas escorregou sobre o chão coberto de escarlate e voltou a cair, gemendo.

     Seth se aproximou.

     — O que faz, Reap? — gritou. — O que está passando?

     Reaper não respondeu. Olhou para Seth, reagindo como um autômato. Voltou a cabeça e fixou o olhar, mas não pareceu reconhecê-lo. Em seus olhos não havia vida; não havia nada.

     — Reaper? — perguntou Seth outra vez, indeciso. Reaper se aproximou dele e Seth retrocedeu na hora, sem saber o que estava se passando. Ouviu Roxy gritar uma advertência, mas muito tarde. Reaper lhe lançou um murro à mandíbula, e Seth caiu para trás, chocou-se com uma parede e caiu ao chão.

     Sacudiu-se e olhou Reaper, que avançava para Roxy, enquanto ela lutava por tirar a pistola de dardos de sua capa.

     — Não! — gritou ela, mas Reaper lhe arrojou uma cadeira. Ela se cobriu com um braço, e a pistola caiu de sua mão. — Maldito seja, Reaper! Basta! Sou sua amiga!

     Reaper se lançou para ela e Seth se levantou com muita dificuldade e se equilibrou sobre ele.

     — Que demônios significa tudo isto? — gritou uma voz desconhecida.

     — Não sabe o que faz! — gritou Roxy.

     Seth se aferrava à costas de Reaper enquanto este dava voltas; logo, tentando tirar-lhe de cima de si, esmagou-o contra a barra.

     — Seth! — ele reconheceu aquela voz. Era a de Topaz. Tinha chegado com um vampiro que tinha que ser Jack Heart.

     — Lancem nele um dardo! — gritou Seth.

     Mas Reaper se dirigia para Topaz, apesar de que Seth seguia agarrado às suas costas e lhe golpeava a cabeça, e de que Jack Heart ficou diante dela e descarregou uma cadeira sobre sua cabeça.

     Reaper apartou Jack de um tapa, como se fosse um mosquito fastidioso, e estendeu o braço para Topaz no instante em que ela se lançava para a pistola que havia no chão.

     Seus dedos tocaram a culatra justo quando o pé do Reaper golpeou suas costelas, lançando-a ao ar.

     Ela deixou escapar um gemido, chocou-se contra a parede e ficou ali caída, ofegando.

     Jack se lançou para a arma, rodou pelo chão e arrojou a pistola enquanto se esquivava dos golpes de Reaper. Quando lançou a pistola para o Seth, este soltou o pescoço de seu mentor, caiu ao chão e estirou os braços para apanhar a arma.

     Reaper se girou com o punho no alto, mas Seth levantou a pistola e apertou rapidamente o gatilho.

     O dardo deu em Reaper no meio do pescoço, no mesmo instante em que golpeava a Seth em um lado da cabeça e o fazia ver as estrelas.

     Viu também Reaper cair ao chão.

     — Demônios.

     — Desmaiou! — era Roxy. Correu junto a Reaper, que se estendia no chão.

 

     — Que diabos acaba de se passar aqui? — perguntou Jack, enquanto tomava Topaz nos braços. Ela estava quase inconsciente. — Porquê...?

     — Não pôde evitá-lo, e agora não temos tempo de explicar isso, disse Roxy. — Está claro que Gregor planejou tudo isto e que aparecerá a qualquer momento. Temos que sair daqui.

     Estava junto de Seth, ajudando-o a levantar-se.

     — Estou de acordo. — disse ele. Olhou Briar. — O que lhe disse?

     — Só... uma palavra. Gregor me disse que fechasse a porta quando entrasse, que me assegurasse de que estavam todos dentro e que logo lhe dissesse essa palavra.

     Roxy assentiu com a cabeça.

     — Gregor sabia o que aconteceria, Briar. Sabia o efeito que lhe causaria essa palavra. E, entretanto, deixou que te encerrasse aqui com ele. Esperava que todos os que estamos aqui morrêssemos. Inclusive você.

     — Isso não é possível. Gregor não me faria isso.

     Seth levantou Reaper, carregou-o sobre seu ombro e se dirigiu para a porta.

     — Há outra palavra que faz com que ele se detenha. — disse, dirigindo-se a Briar sem olhá-la. — Suponho que Gregor não te disse qual é, não?

     — Não.

     — Não. Bom, pode esperá-lo aqui, se quiser. Importa-me pouco. Mas tome cuidado, Gregor esperava que Reaper te matasse.

     — Não... não é certo isso.

     — Sim, é bem certo. — disse Jack.

     Seth o olhou.

     — Pode levar Topaz à caminhonete. Para que saiba, ela vem conosco.

     — Eu também, se me deixarem. Meu chefe também tentou me matar ontem à noite.

     Seth entreabriu os olhos, mas não havia tempo para discutir.

     — É provável que haja parasitas fora. Certamente, terão rodeado este lugar. — disse Jack.

     — Temos uma caminhonete esperando. Só temos que chegar até ela. — Seth se aproximou da porta, abriu-a na largura de uma fresta e apareceu fora, com o Reaper ainda ao ombro. Mas não viu Vixen, nem a caminhonete. Sentiu, entretanto, a outros fora, espreitando, esperando para saltar sobre eles, assim que saíssem do clube . — Onde está a caminhonete? — sussurrou. Voltou-se para o Roxy e perguntou em voz alta— : Onde diabos está a caminhonete?

    

   Vixen tinha esperado até que viu os parasitas, dúzias deles rodeando o local. Não entraram, simplesmente esperaram fora. E ela lhes tinha medo. Se eles se fixavam na caminhonete e viam que estava dentro... estremeceu-se ao pensar no que fariam. Assim, moveu a caminhonete com todo o cuidado de que foi capaz.

     Não era tão fácil como lhe tinha feito acreditar Roxy. Tinham deixado o motor ligado, assim, que o único tinha que fazer era pisar no freio, colocar a primeira marcha e pisar no acelerador enquanto movia o volante para controlar a direção.

     Mas, ao pisar no acelerador, a caminhonete deu um coice e ficou em marcha muito mais depressa do que ela esperava, e quase não pôde controlar sua direção. Apartou o pé e a caminhonete se deteve; logo o tentou novamente, agarrando o volante com as duas mãos e pisando no acelerador mais brandamente.

     Apesar de que a caminhonete arrancava e se detinha, os parasitas não lhe prestaram atenção. Estavam ali parados, olhando fixamente o local, como se só pudessem concentrar-se em uma coisa de uma vez. Como se nem sequer percebessem que a caminhonete avançasse a tropicões pelo estacionamento.

     Vixen começava a fazer-se com ela quando saiu à rua, mas outros veículos disputavam o espaço e começaram a soar assobios e chiados de pneumáticos quando entrou no fluxo do tráfico.

     Enquanto lutava por controlar a caminhonete, distraíram-na seus sentidos e sentiu que a morte chegava até ela do interior do clube. Logo sentiu uma quebra de onda de violência e de perigo procedente da mente de Seth.

     Ele estava em perigo! Angustiada, se por acaso se afastava muito, girou à direita, percorreu uma ou duas quadras mais e girou de novo à direita. Enquanto isso, estava completamente concentrada em seus amigos. Em sua energia. Na energia do Seth.

     Algo ia mal. Quando procurou as vibrações de Reaper, só sentiu um buraco negro que girava como um torvelinho e absorvia a razão. Só havia fúria. Raiva.

     — Reaper?

     E então sentiu ao Seth, chamando-a.

     «Volta, rápido, e te prepare para arrancar outra vez assim que estejamos na caminhonete. Necessitamo-lhe, Vixen».

     «Já vou».

     Conduziu o melhor que pôde, a toda velocidade, até a porta dianteira, onde se tinham reunido vários parasitas. Atropelou-os, lançando ao ar a alguns e esmagando a outros sob as rodas. Isto lhe revolveu o estômago, enquanto pisava no pedal do freio. A porta do clube se abriu de repente. Roxy saiu, com o Seth atrás dela. Reaper se pendurava, inerte, do ombro do Seth.

     Os parasitas saltaram sobre eles justo no instante em que Roxy alcançava a porta deslizante lateral. Jack Heart, que levava Topaz nos braços, apartou a um deles de um chute. Briar, Briar!?, ela protegia o outro flanco de Roxy. Esta abriu a porta, saltou dentro e apertou rapidamente o botão que abria a porta do armário onde guardavam as armas. Enquanto isso, Seth depositou Reaper no chão.

     — O que se passou? — gritou Vixen. Um parasita tentava arrancar Topaz dos braços do Jack. Outro lutava com Briar.

     Roxy lançou uma pistola ao Seth. Ele tomou, girou-se e disparou no parasita que tentava apoderar-se de Topaz. O vampiro cambaleou para trás e Jack pôde montar na caminhonete com Topaz nos braços. Passou por cima do Reaper, deixou Topaz na parte de trás e logo se voltou rapidamente, pegou uma arma da parede e disparou em um parasita, enquanto Roxy disparava em outro. Seth agarrou Briar e a colocou de um empurrão na caminhonete, em cujo piso aterrissou com força.

     Seth era o único que ainda seguia no chão, e os parasitas foram aproximando-se dele, apesar dos esforços de Roxy e Jack. Agarrou-se à lateral da caminhonete para saltar dentro e os parasitas o agarraram e o puxaram.

     — Partam ! — gritou Seth. — Deixem-me e partam !

     Vixen abriu a porta do condutor e saltou à calçada, a seu lado. Rodearam-na imediatamente. Ouviu o amaldiçoar de Roxy, mas se agachou diante de Seth e lançou um grito que era pela metade um gemido, pela metade um uivo.

     Os parasitas se detiveram um instante, assombrados, enquanto Jack e Roxy, e agora também Briar, seguiam lhes disparando com armas convencionais, além de dardos tranqüilizadores.

     Vários parasitas caíram e outros pareceram voltar em si e voltaram a atacar. Nesse instante, um falcão peregrino desceu do céu e picou a um na cabeça. Acudiram cães em turba, correndo do fundo da rua, e se equilibraram, grunhindo, sobre os parasitas. Outros animais foram em manada: pombas que se lançavam em tromba; gatos que saltavam sobre os parasitas; ratos que se equilibravam sobre suas pernas e mordiam seus tornozelos.

     Os parasitas se afastaram, tentando sacudir-se de tantos animais que os atacavam, lutando por suas vidas.

     Vixen tinha dado a volta instintivamente, colocando-se diante de Seth, frente aos parasitas. Estava encurvada e retrocedia lentamente, quando sentiu que umas mãos a agarravam e a levantavam. Era Seth. Ele a pegou nos braços, a fez voltar-se e a subiu com firmeza na caminhonete. Logo saltou atrás dela, fechou a porta e gritou:

     — Arranca, Roxy!

     — Vamos! — respondeu ela, já atrás do volante. A caminhonete ficou em marcha bruscamente e Vixen se sacudiu em seu assento.

     Seth não se sentou, mas se voltou para ela.

     — Está bem? — perguntou.

     Ela quase sentiu que lhe importava sua resposta ao ver como esquadrinhava sua cara e seu corpo. Supôs que estava tão bem como todos os outros. Todos estavam machucados e doloridos.

     — Sim. — disse.

     Ele assentiu com a cabeça; logo se inclinou para arrastar Reaper à parte de trás. Estendeu a seu amigo no chão, diante do assento traseiro, onde Jack tinha deixado Topaz. Ambos seguiam inconscientes. Jack estava junto de Topaz. Parecia muito preocupado.

     — Ela está bem? — perguntou Seth.

     — Acredito que lhe romperam as costelas quando lhe chutou. Mas acredito que não está sangrando. Devera curar-se com o sono diurno. — Jack o olhou. — E você?

     — Sobreviverei. E você?

     — Sim, estou bem. Sou Jack, por certo.

     — Já imaginava. — Seth se sentou junto a Vixen, no assento do meio, e percorreu a caminhonete com o olhar. Briar estava sentada no chão, muito quieta, entre o assento do meio e o dianteiro. Parecia alheia.

     — Briar? Está ferida? — perguntou Jack.

     Ela o olhou.

     — Não entendo o que aconteceu. — olhou a seu redor, fixando os olhos só um instante em cada um deles, antes de posá-los em Roxy. Logo se sentou no assento do co-piloto e se dirigiu à mortal. — Explique-me isso. Sei que você sabe.

     — Reaper trabalhava para a RECUA quando era humano. — disse Roxy. — Eles lhe lavaram o cérebro, programaram-no para matar. Para destruir. Havia uma palavra que desencadeava nele uma fúria assassina. Agora, você sabe qual é essa palavra.

     — Rou...

     — Não, Briar. Não a diga. Está inconsciente, mas não sei o que se poderia passar.

     — Briar. — disse Seth — , há outra palavra que desativa essa fúria. Está segura de que não sabe qual é? Gregor não te deu nenhuma pista?

     — Não.

     — Gregor queria que morresse esta noite conosco. — disse Seth. — Ele tentou nos matar a todos.

     — Isso não tem sentido. — disse Briar. — No que lhe beneficiaria isso? Seu inimigo é Reaper, e ele teria sido o único que ficaria com vida.

     — Acredito que ele quer Reaper vivo. — disse Jack. — E talvez pense que o único modo de apanhá-lo com vida é livrar-se de seus amigos. E de todo aquele em quem acredita que não pode confiar. Como você e eu, Briar.

     Ela fechou os olhos e voltou a cabeça.

     — Ele não me faria mal. Gregor não.

     — Briar, o que ele te ordenou fazer esta noite exatamente? — perguntou Jack.

     Ela franziu os lábios, mas não respondeu. Jack suspirou.

     — Bom, eu sim estou disposto a falar. Ontem à noite, eu ouvi algo interessante quando passava diante do quarto do Gregor. Estava falando ao telefone com alguém. Alguém a quem chamava «senhor».

     — Gregor não chamaria «senhor» a ninguém. — disse Briar.

     — Isso pensava eu, mas eu o ouvi bem. Estava perguntando por um desencadeador. Suponho que se referia a essas palavras chaves. E sei que lhe deram duas. Ouvi quando as anotava, mas não me aproximei o suficiente para ver. — ficou pensando um momento. — Disse-me que me encontrasse com ele aqui e que trouxesse Topaz. Cheguei antes que todos vocês. Ouvi você chegar com Reaper pela porta dianteira, Briar. E logo ouvi os outros entrar por detrás.

     — Assim que abrimos a porta, alguém nos empurrou para dentro e a fechou. — disse Seth. — Certamente, um dos parasitas.

     — O mesmo aconteceu contigo? — perguntou Jack a Briar.

     — Eu mesma fechei a porta, depois de entrar com Reaper.

     — Por quê? — perguntou Roxy.

     — Porque foi o que Gregor me disse que fizesse. Disse que impedisse que Reaper chegasse um só minuto antes do tempo. Que o levasse para dentro e fechasse a porta, e que esperasse até que estivesse segura de que estavam todos dentro e dissesse essa palavra... — fez uma pausa. — Não me disse o por quê, nem o que se passaria. Disse que me explicaria isso mais tarde.

     — Sim. Mas para ti, Briar, esse mais tarde não devia chegar nunca.

     Ela esticou os lábios.

     — Não acredito.

     Roxy freou ao chegar a um semáforo em vermelho e olhou pelo retrovisor.

     — Não posso acreditar. Tenho que ver Gregor. — disse Briar.

     — Briar, não... — começou a dizer Jack.

     Muito tarde. Briar abriu a porta bruscamente e saltou da caminhonete, rodou pelo chão, levantou-se de um salto e pôs-se a correr a toda velocidade. Desvaneceu-se na escuridão, como um escuro borrão.

     — Maldita seja. — resmungou Jack.

     — Estamos melhores sem ela. — disse Vixen brandamente. — É muito malvada.

     — E você é uma raposa. — repôs Jack. — Todos temos nossos defeitos.

    

     Reaper abriu os olhos e procurou orientar-se. Estalava-lhe a cabeça e não estava seguro de onde demônios estava. Parecia estar convexo no chão de um lugar pequeno, e havia outras pessoas.

     — Está acordado. — sussurrou alguém.

     Reaper voltou a cabeça ligeiramente para a direita. Havia dois homens sentados em um assento diante dele. O assento de um veículo cujo respaldo o separava deles. De modos que estavam em um carro. Mas não pareciam mover-se. Os homens estavam inclinados de lado e o olhavam fixamente, à expectativa.

     Seu cérebro clareou um pouco. O cara da esquerda era Seth. Mas ao outro não conhecia. Fechou os olhos com força, porque olhá-los lhe fazia mal. E pensar lhe doía ainda mais.

     — Reaper? — disse Seth. — Pode me ouvir?

   — Claro que posso te ouvir. — levantou a cabeça bruscamente, e o menino se sobressaltou e se tornou para trás.

     Havia medo em seus olhos. E era um medo que Reaper tinha visto outras vezes. Piscou e tentou recordar, mas só encontrou um buraco negro. Logo olhou além do Seth e do desconhecido, para a seguinte fila de assentos, onde Roxy estava sentada atrás do volante, olhando-o com olhos cheios de tristeza. A seu lado, no assento do co-piloto, Vixen o observava com a desconfiança de um animal selvagem que esperasse um ataque. Estava muito quieta, como um coelho. Como se quisesse ficar invisível aos olhos de um depredador que se aproximasse lentamente dela. Possivelmente, inclusive tremia um pouco. E tinha os olhos cravados nele.

     Reaper começou a sentir náuseas. Umas náuseas que havia sentido outras vezes. Compreendeu que estava na caminhonete, e que esta estava estacionada, achava-se estendido no chão. Notou que faltavam alguns membros de sua pequena tribo. Topaz. E Briar. Voltou lentamente a cabeça para o outro lado, para o assento deslocado da parte traseira da caminhonete.

     Topaz estava ali deitada, inconsciente, com a cara machucada. Sentiu sua dor e abriu sua mente aos sinais e à energia que irradiavam dela. Tinha as costelas quebradas.

     Isso o tinha feito ele.

     Incorporou-se de repente, ficando de joelhos, equilibrou-se para a porta lateral da caminhonete, abriu-a e virtualmente caiu fora. Levantou-se com muita dificuldade, caminhou a tropicões até um arbusto de ervas daninhas e tentou vomitar.

     Uma mão posou sobre suas costas, firme, mas consoladora. Era a mão do Seth.

     — Não passa nada, tio. Top ficará bem. Logo será de dia, e se recuperará com o sono.

     Reaper tentou recuperar o fôlego e limpou a boca com o dorso da mão, apesar de que não tinha vomitado nada. Tinha os olhos umedecidos e mal enxergava, mas de todos os modos não estava seguro de poder olhar aos olhos a seu jovem protegido.

     — Estas coisas tenho feito eu?.

     — Não foi tua culpa. Briar te encerrou no clube e logo disse a palavra que te dispara. Não foi você, Reap. Eu sei. Todos sabemos.

     — Briar? — ele franziu o cenho e esquadrinhou a cara de Seth. – Ela fez isto? — Seth baixou os olhos e assentiu. — Está seguro? Não foi Gregor ou...?

     — Ela mesma o confessou. Todos a ouvimos. Disse que não sabia o que ia ocorrer. Que só cumpria ordens. Mas não sei se acredito nela, meu amigo. É uma bruxa malvada.

     — Trancou-se conosco, Seth. — Roxy tinha saído da caminhonete e estava a uns passos deles. — Se ela tivesse sabido o que essa palavra ia fazer a Reaper, a teria dito, teria saído e teria fechado a porta às suas costas. Teria sido uma estupidez não fazê-lo.

     — É uma estúpida. — repôs Seth. — Seguir as instruções desse porco do Gregor, sem ao menos saber por que ou quais seriam as conseqüências... Poderia ter feito que matassem a todos.

     — Suponho que disso se tratava. Nunca disse que estava do nosso lado — disse Roxy. — E estou de acordo, é uma bruxa. Mas não acredito que tenha tendências suicidas. E não podemos dar por certo que teria atuado igual se tivesse conhecido as conseqüências.

     — Tolices.

     Reaper levantou uma mão e ambos se calaram.

     — Onde está? Eu a... matei?

     — Não, claro que não. — respondeu Roxy. — Raphael, já lhe hei isso dito outras vezes, não acredito que seja capaz de matar a um inocente, nem sequer quando está sob os efeitos dessa lavagem de cérebro.

     — Está chamando inocente a essa assobiada? — resmungou Seth.

     Reaper ignorou seu comentário, estendeu um braço e apontou para a caminhonete.

     — Olhem o que tenho feito a Topaz. A Topaz, pelo amor de Deus! — baixou o braço, porque lhe tremia e se envergonhava disso.

     Precisava afastar-se daquela gente... pelo bem deles. Se Gregor, e agora Briar conheciam a palavra chave, ele era uma arma, e podia ser utilizada para assassinar inclusive aqueles a quem... queria.

     — Suponho que não saberão qual é a palavra desencadeante.

     — Não — disse Roxy. — Briar... foi embora antes de que pudesse levá-la onde não a ouvisse para que nos dissesse isso. E Gregor não lhe deu a segunda, a de desativação.

     — Foi embora? — disse Reaper. — Se explique, por favor.

     Roxy assentiu com a cabeça, aproximou-se, agarrou-o pelo braço e o conduziu para a caminhonete.

     — Paramos em um semáforo e ela saltou. Mas antes nos tinha ajudado a sair desse clube com vida.

     — Estava ajudando a si mesma. — resmungou Seth.

     — Essa é sua opinião. — disse Roxy com calma.

     — Foi conosco porque era o que lhe convinha. E te direi algo mais: esse tal Jack fez exatamente o mesmo. Não podemos confiar neles. Alegro-me de que Briar se foi, e me alegraria de deixar a seu companheiro no cemitério mais próximo e de perdê-lo de vista de uma vez por todas.

     Estavam já na caminhonete e nenhum deles se fazia ilusões de que sua conversação tivesse sido privada. Afinal de contas, os vampiros tinham um ouvido muito fino, e eles tinham falado em voz alta.

     Reaper se agarrou aos lados da caminhonete e subiu nela. Vixen seguia sentada em tensão, no assento do co-piloto. Jack se tinha transladado ao fundo e estava sentado na beira do assento sobre o qual jazia Topaz, com os olhos fixos nela. Mas se voltou ao entrar Reaper.

     — Seu amigo o pintinho tem razão, Reaper. Saí com vocês desse clube porque era a opção que me oferecia maiores probabilidades de sobreviver. Mas podem acreditar que a lealdade que senti para o Gregor se esfumou faz muito. Esta noite tentou me matar. E a ela também. — acrescentou, olhando Topaz.

     — Então, agora nos é leal?

     — Não lhe acreditem. — disse Seth, montando na caminhonete atrás de Reaper. Roxy se sentou no assento do condutor. — Como sabemos que não é um espião?

     — Se o fosse, Gregor teria tomado medidas para assegurar-se de que eu não morreria com os outros.

     — E como sabe que não foi assim? — Seth olhou Jack com ódio. — Como sabe que Gregor não lhe deu a outra palavra, a chave de desativação? Talvez a tenha tido desde o começo, e que recebesse instruções de usá-la só quando estivesse à beira da morte. E talvez com Briar passasse o mesmo.

     — Se soubesse a palavra de desativação, não acha que a teria usado quando estava chutando Topaz?

     — Sim, claro. Topaz, a tia a quem lhe roubou meio milhão de dólares. A tia a que deixou com o coração quebrado. Essa Topaz, não?

     Jack baixou a cabeça.

     — Isto não nos leva a nenhuma parte. — disse Reaper. — Já basta. E de todos os modos não tem importância, porque está claro que é a mim a quem quer Gregor, não a vós.

     — Sim, ele nos quer. Ele nos quer mortos — Seth se deixou cair no assento do meio.

     — Só para que lhe seja mais fácil apoderar-se de Reaper — disse Vixen. Sua voz era muito suave, apenas mais que um sussurro, mas falava com firmeza. E ao ver que todos a olhavam com espera, ela acrescentou— : Eu o conheço. E Jack também. Gregor é preguiçoso e, basicamente, um covarde. Consegue que outros briguem por ele. Que outros assumam todos os riscos, que façam todo o trabalho. E ele leva os benefícios. — de repente titubeou, como se não estivesse segura de si mesma.

     — Vixen, segue falando. — disse Reaper. — Diga-nos o que pensa. Está claro que tem uma idéia sobre tudo isto.

     Ela voltou a levantar a cabeça e olhou ao Reaper aos olhos.

     — Ele montou uma armadilha. Encerrou a todos em um lugar fechado e convenceu Briar para que desencadeasse sua fúria. Esperava que nós morrêssemos todos. Todos, menos você. E o que teria se passado depois disso?

     Reaper franziu o cenho e esquadrinhou sua mente.

     — Teria seguido assim até ficar esgotado, suponho. Até me deprimir ou ficar dormindo ao chegar o dia.

     Seth retomou a história.

     — Eu te direi o que teria se passado. Reaper teria sido encontrado ali, no clube, rodeado de cadáveres. As autoridades não teriam conseguido retê-lo, mas o teriam tentado. Teriam se deslocado rumores de que se converteu no pior vampiro renegado de todos os tempos. A comunidade dos vampiros teria se voltado contra você. E o teria perseguido, como persegue ao Gregor — Seth olhou a Reaper nos olhos. — Não teria ficado ninguém a quem recorrer. E teria ido atrás dele em busca de vingança, mas sozinho.

     Reaper se voltou em seu assento para olhar Jack.

     — Está de acordo?

     — Sim. Não sei por que quer apoderar-se de ti nem o que tem planejado uma vez te tenha em seu poder. Mas tudo isto encaixa com o que eu escutei quando Gregor falava por telefone. Disse algo a respeito de te converter no renegado mais letal e perigoso da história, de voltar vampiros e mortais contra ti. Está claro que te quer vivo. E acredito que está trabalhando para outra pessoa. Mas, sim, com certeza ele te quer sozinho. — afirmou Jack.

     — Pois isso é o que vai ter.

     — Não pode ser, Reap. — disse Seth. — Você segue estando em desvantagem. Gregor tem a esses malditos parasitas, todo um exército deles. Tem as palavras chaves. Pode controlar sua mente, tio. Assim, não pode ser.

     — Temos que nos manter unidos. — disse Vixen. — Se o que Gregor quer é te apanhar a sós, então isso é o último que devemos lhe dar. Por que vai lhe seguir o jogo?

     — Porque, se ficar com vocês, eu ponho a todos em perigo. — Reaper os olhou a todos, e seus olhos pousaram em Topaz, que seguia imóvel na parte de trás. — Poderia ter lhes matado. A todos. Gregor voltará a me desencadear. Se o que pretende é me apanhar a sós, livrar-se de vocês é essencial para seu plano. A menos que eu me libere de vocês primeiro.

     — Não vou te deixar Reap. — disse Seth. — De maneira nenhuma. Nem o sonhe. Estou contigo nisto. Salvou-me a vida e estou em dívida contigo.

     Reaper suspirou, consciente de que não ia dar escolha a Seth, nem a nenhum deles. Tinha que ir atrás do Gregor sozinho. Tinha que assegurar-se de que seu pequeno bando estava a salvo. E tinha que encontrar Briar.

     Sua última lembrança clara, antes de entrar no clube, era o de um encontro sexual explosivo com ela, no assento dianteiro do Mustang. Tinha sido intenso. Uma loucura. E algo mais que um acoplamento de corpos. Tinham compartilhado sangue. Isso criava um vínculo.

     Sentia-a, inclusive, nesse momento. Ela também estava pensando nele. Estava sozinha e zangada. Furiosa. Amaldiçoava-o, enquanto esquadrinhava a noite em busca de outro homem.

     Em busca de Gregor.

     «Mais vale que se esqueça dele, Briar», pensou Reaper, lhe enviando a mensagem nas asas da noite. «Agora me pertence e te prometo que irei por ti. Muito em breve».

     Não esperava uma resposta, assim que lhe surpreendeu ouvir um sussurro através de sua mente, tão alterado que lhe pareceu que um milhão de minúsculas descargas elétricas atravessavam seu cérebro.

     «Eu não pertenço a ninguém. Só foi sexo, Reaper. Uma tática para te atrasar. Esquece-o».

     «Mente».

     «Acredita nisso? Tenta vir para mim outra vez e o averiguará, dou-te minha palavra. Matarei você se puder».

     «Eu não sou seu inimigo, Briar».

     «Esta noite me deste uma surra, igual à seus amigos. Separou-me do Gregor, deu-lhe motivos para desconfiar de mim. Se não for um inimigo, então nunca tive um».

     «Fiz-te mal?». Reaper quase sentiu vontades de vomitar. «Sinto muito».

     «Que lhe fodam, Reaper».

     Bloqueou então sua mente, fechando-se a ele tão completamente que era impossível que Reaper voltasse a contatar com ela. Reaper suspirou e olhou a Roxy.

     — O que fazemos aqui sentados? — perguntou.

     — Bem, não me atrevia a voltar para o armazém. É muito possível que Briar diga ao Gregor onde estávamos. Não lhe enfaixou os olhos de caminho à entrevista.

     — Não pensava permitir que ela fosse com ele.

     — Sei. De todos os modos, necessitamos de outro lugar. E será melhor que o encontremos o quanto antes.

     — Há um depósito de contêineres de carga. — disse Jack.

     Todos se voltaram para olhá-lo. Ele encolheu os ombros.

     — Os contêineres são bons lugares para dormir. Não há janelas. Usei-os, às vezes, quando estava em apuros. Não são precisamente um hotel cinco estrelas, mas...

     — Não confiem nesse homem. — disse Seth.

     Reaper olhou a Jack com os olhos entreabertos, perguntando-se se seria capaz de enganá-los e montar outra armadilha para Gregor. Foi então que Topaz falou movendo os lábios lentamente, com voz débil.

     — Podem confiar nele. — disse ela. Jack pareceu mais surpreso que os outros. — Não lhe confiem o coração, mas... sim. Podem lhes confiar suas vidas.

     — Estou de acordo com ela. — disse Vixen.

     Jack pareceu ainda mais assombrado.

     Reaper assentiu com a cabeça.

     — Jack, sente-se na frente e dê indicações a Roxy, se não se importar.

     Jack passou para a frente, e Reaper foi para trás e se sentou junto a Topaz. Olhou-a, temendo tocá-la. Não sabia como começar. Ela abriu os olhos inchados.

     — Devo-te um chute nos ovos. — disse. Sua voz se esticou. — Recorde isso quando me sentir melhor, certo?

     — Sinto-o. — sussurrou ele. — Não sei o que posso fazer para te compensar, princesa, mas te prometo que o farei.

     — Pode apostar que sim. — ela levantou uma mão e a fechou sobre a sua. Estava muito fria e débil, e tremia. — Sei que não foi você. — sussurrou.

     — Isso não arruma as coisas. Coloquei a todos em perigo deixando que me acompanhassem nesta missão. Não devia fazê-lo. Sabia que eu não devia.

     — Estávamos advertidos. Tomamos uma decisão.

     — Tem razão. — disse Seth. Estava no assento do meio, inclinado para eles. — Deu-nos toda a informação, inclusive nos deu armas para que lhe disparássemos se te passava da raia. Podemos decidir partir se isto nos assustar muito.

     Reaper baixou a cabeça, convencido de que não podia nem queria lhes dar a ocasião de decidir. Aquilo era responsabilidade dele. Se na vez seguinte matasse a algum deles... Como poderia viver com isso?

     Deu-se conta, não com pouca surpresa, de que tinha chegado a afeiçoar-se com aqueles inadaptados. Apesar de si mesmo.

     — Somos vampiros. — continuou Seth. — Possivelmente, não tão velhos, fortes ou sábios como você. Possivelmente, não tão experimentados, nem tão duros. Mas somos vampiros, Reaper. Imortais. Os não mortos. Temos tanto direito a decidir correr riscos, como qualquer um. O mesmo direito que o muito antigo Damien. O mesmo direito que o mais velho, que o primeiro.

     Reaper assentiu com a cabeça. Se tentava raciocinar com eles, acabariam discutindo. Voltou-se e olhou o céu, através do pára-brisa.

     — Quanto falta para chegar a esse depósito? — perguntou.

     — Dez minutos. — disse Jack. — Mais ou menos.

     — Bem, falta menos de uma hora para que amanheça — fechou os olhos. — Pergunto-me onde...

     — Onde está Gregor? — perguntou Seth. Logo sorriu. — Teria-me encantado ver sua cara quando entrou no clube, esperando nos encontrar a todos mortos e a ti enlouquecido, exausto ou inconsciente para te apanhar, e viu que nos tínhamos ido e que na calçada havia uma dúzia de parasitas crivados de bala.

     — E uns quantos mais feitos em pedaços pelos amigos da Vixen — acrescentou Roxy rindo. Olhou os olhos assombrados do Reaper. — Já lhe explicaremos isso mais tarde. — disse ela.

     Reaper quase não ouviu o que ela lhe dizia, porque não se estava perguntando onde estaria Gregor. Perguntava-se por Briar. Havia voltado para aquele canalha de negro coração? Estaria já entre seus braços?

     Deitando-se com ele? Bebendo dele? Deixando que bebesse dela? Beijando-o?

     Aquela idéia quase voltou a pô-lo frenético. E isso lhe enfurecia, porque não queria que Briar lhe importasse.

     Era traiçoeira e letal.

     E ele a desejava mais do que desejava despertar ao anoitecer.

        

     Os contêineres não ofereciam muito espaço para a intimidade. A Vixen não importava muito. Mas Seth parecia ter outras idéias.

     Enquanto os outros se acomodavam na caixa metálica, de vinte metros por dez, Vixen agarrou a maçaneta para impulsionar-se para cima e entrar. Seth a deteve lhe pondo uma mão nas costas, para chamar sua atenção. Ela se sobressaltou e o olhou, surpreendida pelo contato.

     — Perdoa. Não queria te assustar.

     — Estou tensa e nervosa depois de... de tanta morte. foi...

     — Sei.

     Ela assentiu.

     — Tantas vidas inocentes arrancadas de qualquer jeito. Sem nenhum motivo. Por que não esvaziou o local? Por que tinha que matar a todos?

     — Já ouviu a teoria do Jack. Gregor quer convencer ao mundo inteiro, ao mundo dos não mortos, ao menos, de que Reaper não é melhor que ele. De que mata a inocentes com a mesma brutalidade e a mesma crueldade que ele.

     — Mas no que lhe beneficiaria isso?

   Seth encolheu os ombros.

     — Até que saibamos o que ele pretende, nem sequer podemos fazer conjeturas. Mas não queria te falar disso.

     — Não, suponho que não quer me falar de nada. — baixou os olhos, inclinou a cabeça e se voltou de novo para a porta. Estava muito por cima de sua cabeça. Em realidade, não tinha por onde agarrar-se. Poderia ter subido de um salto. Mas não tinha vontades de gastar energias. Sentia-se morta por dentro. Como os mortais que jaziam no chão de “A Cripta”.

     — A verdade é que sim. Acredito... acredito que temos que falar.

     — Não acredito que eu possa.

     Ele enrugou o cenho.

     — Quero saber de ti, saber quem é. O que é ou foi. O que significa isso, sabe?

     — Não, não quer.

     Ele voltou a enrugar o cenho.

     — Sim, claro que eu quero. Faz um momento você chamou... chamou a todos esses animais em sua ajuda. E nos salvou a pele. E arriscou sua vida por mim.

     Ela encolheu os ombros.

     — Não foi nenhum risco. Poderia ter trocado de forma e ter fugido antes que esses caipiras tão torpes me houvessem tocado.

     — Está mentindo.

     Ela lhe lançou um olhar de aborrecimento.

     — Eu te vi trocar de forma, recorda? Demora uns minutos. Eles lhe teriam matado antes que se transformasse por completo.

   Vixen suspirou e se voltou para o olhar de frente.

     — Está bem. Eu te direi o que sou. Ou o que era, ao menos. Era uma humana possuída pelo espírito de uma raposa, meu totem, como o foram minha mãe antes que eu e a sua antes que ela, e assim sucessivamente. Minha tataravó era uma irlandesa de pura cepa, filha do chefe da tribo, cujo totem familiar era a raposa vermelha. Meu tataravô era um escocês do clã McFarland. Seu escudo familiar levava a cara de uma raposa. E dos tempos em que se reproduziram, a primeira mulher nascida em cada geração teve o dom. E é um dom, Seth, embora te pareça uma maldição.

     Ele baixou a cabeça, aparentemente envergonhado.

     — Então, és humana na realidade.

     — Não — disse ela. — Sou um vampiro. Agora.

     — Mas antes...

     Ela fechou os olhos.

     — Era humana, sim. Mas não por escolha.

     Seth a agarrou pelos ombros e a fez voltar-se para que o olhasse.

     — Me explique isso. Vem, vamos nos sentar um momento.

     — Não temos muito tempo.

     — Temos um pouco. — ele a levou a um carrinho de mão que havia ali perto e tomou assento.

     Ela se sentou a contra gosto a seu lado, mais ao fio, tocando com os dedos dos pés o chão, com os joelhos flexionados e as mãos unidas. Estava pronta para levantar-se de um salto e fugir.

     Seth lhe tinha feito mal. Não gostava dessa classe de dor. Não estava acostumada com aquele sentimento, nem o entendia. Só sabia que não queria voltar a senti-lo.

     A noite começava a desvanecer-se. Ouvia-se o canto dos grilos e as rãs, e a brisa fresca a gelava, embora não como de costume. Sentia frio, mas não mal-estar.

     — Disse que era humana, mas não por escolha. — disse ele.

     Ela assentiu com a cabeça.

     — Sempre preferi a companhia dos animais que a das pessoas. Sempre gostei mais de viver como uma raposa que como uma mulher. As emoções humanas me pareciam estúpidas. Toda essa veemência e essa ira, essa alegria e essa pena. Essa dor e esse prazer. Não havia equilíbrio, nem sentido comum. Só uma montanha russa, cheia de desigualdades e de giros repentinos que ninguém podia prever.

     — E viver como uma raposa?

     — Oh... — ela suspirou, e sentiu que seus ombros se relaxavam um pouco e que seus lábios se curvavam em um sorriso. — Era muito melhor. É lógico, sabe? Trata-se de encontrar o suficiente para comer, de evitar aos inimigos, de caçar, de jogar e de estar cômodo e quente. De utilizar seus sentidos, de prestar atenção, de escutar, vigiar e farejar o ar. De ser livre. Livre de tantas coisas, da preocupação, do estresse... Quando se é um animal, nada te preocupa. O que ocorre, ocorre. É a natureza.

     Ele assentiu lentamente e disse:

     — Entendo. — mas ela não acreditava que ele pudesse entendê-lo.

     — Assim, passava todo o tempo que podia nessa forma. Várias horas cada dia. Vivia em meio da natureza, muito mais que qualquer de meus antepassados. Aprendi a me comunicar com os animais. Mas não podia ser um deles, porque esse não era meu lugar. Mas tampouco tinha a sensação de que meu lugar estivesse entre as pessoas. Assim, quando tomava a forma humana me retraía. Evitava a outros. As relações. As complicações. A preocupação. Tentava viver como viviam meus amigos do bosque. Sem preocupações, medo ou desigualdades. Simplesmente sobreviver e me encontrar o mais a gosto possível cada dia, cada hora, cada momento.

     — E isso mudou?

     Ela o olhou. E lhe pareceu que ele a estava escutando de verdade.

     — Quanto mais tempo eu passava em forma de raposa, mais forte me fazia. Quanto mais forte me fazia, mais tempo podia manter a forma. Mais fácil me era trocar de forma. Quando Gregor me encontrou, eu podia passar umas seis horas cada dia sendo uma raposa. Alguns dias, até conseguia passar quatro horas pela manhã e quatro mais pela tarde.

     — Como te encontrou?

     Ela levantou as sobrancelhas.

     — Caí em uma armadilha, quando eu estava perseguindo um coelho, perto de sua mansão. Não sabia que era uma Escolhida. Ele deve ter me sentido por perto, soube instintivamente que estava em apuros e foi em minha ajuda, como qualquer vampiro teria se sentido impulsionado a fazer. Mas em lugar de um humano, encontrou uma raposa ferida. E, entretanto, sentiu que era um dos Escolhidos. Assim, me levou para a mansão, me meteu em uma cela e esperou. E quando voltei a trocar, viu e soube o que ocorria.

     Seth assentiu muito lentamente.

     — E o que se passou logo?

     Ela apartou os olhos e, voltando a cabeça, levantou-se.

     — Transformou-me. Isso é tudo. O resto já sabe. — tragou saliva. — Depois da mudança, sou mais fraca. Só posso trocar de forma um par de vezes por semana. E só mantenho minha forma de raposa uma hora, mais ou menos. Tenho descoberto que, sendo uma raposa, posso sair à luz do dia sem que me faça mal. Mas estou segura de que, se voltasse a me transformar estando exposta ao sol, arderia.

     Ele também se levantou.

     — Sinto muito, Vixen. De verdade. Sinto que perdesse algo tão precioso para ti, mas mais ainda eu sinto ter reagido assim ao descobrir seu segredo. Eu... queria que me desse outra oportunidade.

     — Não. — disse ela sem olhá-lo. E pôs-se a andar para o contêiner.

     Ele correu para alcançá-la, agarrou-a pelo braço e a fez voltar-se.

     — Espera um momento. O que quer dizer?

     — Contigo, Seth, experimentei essas sensações que levo evitando por toda a minha vida — lhe disse ela. — E sabe o que acabei sentindo mais que qualquer outra coisa? — observou sua cara e esperou uma resposta. Ao ver que ele não dizia nada, continuou— : Mais que desejo, mais que paixão, mais que amor, desejo e necessidade, eu senti dor. E foi muito pior que a dor do colar que me pôs Gregor, quando Briar apertava o botão e lançava correntes elétricas, que atravessavam meu corpo. Foi muito pior que a dor de ter a perna quase partida em dois pelos dentes de uma armadilha cruel. Foi a dor mais horrível e mais paralisante que senti em toda minha vida. E me infligiste isso você. Você, Seth. Quando me rechaçou.

     — Sinto muito. Deus, eu sinto muitíssimo.

     Ela encolheu os ombros.

 

     — Senti-lo não muda nada. É uma ferida fresca Seth, e estou segura de que deixará uma cicatriz visível. Não é algo que possa esquecer. E não quero senti-lo outra vez, disso estou segura. Que você diga «me dê outra oportunidade» é como se Gregor me dissesse «dê outra oportunidade ao colar, Vixen. Esta vez não te doerá. Dou-te a minha palavra.» — lhe sustentou o olhar, embora as lágrimas distorceram a imagem do Seth. — Não, Seth. — murmurou. — Temo que não eu posso te dar outra oportunidade de voltar a me fazer mal. Nem a ti... nem a ninguém.

     — Juro-te por Deus que nunca voltarei a te fazer mal, assim.

     Ela sorriu muito brandamente, levantou uma mão para tocar sua bochecha e sussurrou:

     — Sei.

     Então baixou a mão e se voltou para dirigir-se ao contêiner, ignorando as chamadas do Seth para que o esperasse, para que o escutasse e lhe desse uma oportunidade. Subiu ao contêiner e foi direito a Reaper, que estava sentado com os joelhos flexionados para cima e as costas contra a parede. Falou-lhe mentalmente.

     «Sei o que planeja e vou contigo».

     «Não sei do que está falando».

     «Vai sozinho atrás do Gregor. Eu o conheço. Conheço a mansão. Conheço Briar».

     «Poderiam te ferir».

     «Posso trocar de forma, Reaper. Esse é o segredo que estive guardando. Todos sabem já, menos você, assim suponho que já dá igual a lhe diga isso. Posso me converter em raposa e manter essa forma por uma hora. Nessa forma, posso sair à luz do dia. Posso me colocar em lugares a que outros não podem ir. Posso passar inadvertida. E posso falar com os animais e lhes pedir ajuda. Posso te ajudar, Reaper. E se for sem mim, saberei onde foste e te seguirei».

     Reaper baixou a cabeça e respondeu: «Seth não me perdoará nunca se te passar algo».

     Ela levantou as sobrancelhas.

     «Seth não tem nenhum direito sobre mim, nem nada que dizer a meu respeito».

     Reaper a olhou aos olhos e assentiu uma vez com firmeza.

     Ela inclinou a cabeça, logo se voltou e se foi ao outro lado do contêiner para deitar-se. Mas enquanto se aconchegava, viu Jack olhando-a.

     — O que estão tramando? — sussurrou ele.

     Ela abriu muito os olhos, com expressão inocente.

     — Nada. Por que o pergunta?

     Topaz a olhou com curiosidade. Estava sentada junto a Jack, embora não tão perto para tocá-lo. Saltava à vista que tentava mantê-lo a certa distância, apesar da evidente atração que havia entre eles.

     Vixen acreditava entendê-lo agora.

     Jack lançou a Reaper um olhar carregado de significado.

     — Por nada.

     Vixen baixou a cabeça, apoiou-a sobre seus braços dobrados, fechou os olhos e, sem abri-los, murmurou:

     — Jack...

     — Sim?

     — Recorda essa conversação que ouviu no quarto do Gregor? Essa em que dizia que chamou «senhor» a alguém e que lhe pediu as palavras chaves?

     — Sim.

     — Suponho que Gregor não terá algum tipo de... mascote em seu escritório, verdade?

     — Sim — disse ele pela terceira vez. — Tem um rato.

     Ela piscou lentamente.

     — Odeio os ratos.

     — Sei — ele fez uma pausa e logo continuou. — Há outra coisa em suas habitações que você quererá liberar. Joga uma olhada à jaula grande tampada com um lençol.

     Ela enrugou o cenho, mas não perguntou nada mais.

     — Obrigado, Jack.

     «Dê-lhe lembranças de minha parte, de acordo?», pensou Jack.

     «A quem?», perguntou Vixen.

     Jack suspirou, cruzou as mãos depois da cabeça e recostou a cabeça nelas.

     «Ao rato».

    

     Briar chegou à mansão em meio de um aguaceiro. Estava empapada, e seu dramático salto da caminhonete e sua luta com os parasitas lhe tinham deixado a roupa feita farrapos.

     Os parasitas andariam por ali. Se se aproximava das portas, certamente a matariam antes que chegasse muito longe. Assim, vacilou em um extremo da avenida, embora estivesse a plena vista, à intempérie.

     «Gregor».

     Esperou. Ele não respondeu. Naturalmente. Não podia ouvi-la dentro da mansão. Mas os parasitas a sentiriam logo, e tinha que chamar a atenção do Gregor antes que a encontrassem.

     Olhou a seu redor, em busca de um modo de avisar a Gregor, mas não lhe ocorreu nada até que se levantou o vento e o ramo de uma árvore se partiu e caiu a seus pés. Ao olhar para baixo, viu seixos lisos e úmidos no chão. Inclinou-se, recolheu um, apontou cuidadosamente e o lançou para a janela do dormitório do Gregor.

     Esta vez teve que esperar só um momento. As pesadas cortinas se abriram e o rosto do Gregor apareceu na janela, esquadrinhando a escuridão. Briar sentiu sua atenção fixa nela. Logo, as cortinas voltaram a fechar-se e uns instantes depois as grandes comportas se abriram e Gregor apareceu silhuetado no vão.

     Briar olhou fixamente a aquele homem, ao qual tinha considerado irresistível desde a primeira vez que despertou em seus braços, com o sabor de seu sangue nos lábios e uma nova energia vibrando em suas veias. Era alto e forte. Não bonito, mas isso não lhe importava. Tinha compartilhado com ela a mesma essência de seu ser: seu sangue. E Briar sempre lhe estaria agradecida por isso.

     Ficou ali, empapada, enquanto ele permanecia ao abrigo da casa, olhando-a. Briar sabia que estava esquadrinhando os arredores, tentando averiguar se os outros tinham ido com ela.

     — Escapei-me. — disse ela. Não levantou a voz. Ele podia ouvi-la inclusive a aquela distância.

     — E voltaste para mim.

     Ela assentiu com a cabeça.

     — Estou sozinha, Gregor. Necessito muito... preciso falar contigo.

     Ele ficou pensando um momento; logo, lentamente, levantou os braços para ela e sorriu com suavidade.

     Um soluço afogou a Briar, e correu para ele, aliviada por suas boas-vindas, embora sua mente seguia cheia de perguntas. Quando chegou a seu lado, jogou os braços ao pescoço e ele enlaçou sua cintura e a abraçou um momento.

     — Alegra-me muito que haja tornado, Briar. Alegra-me muitíssimo.

     — Não estava segura de como iria me receber. — murmurou ela.

     — Por quê? Afinal de contas ajudou a meus inimigos a escapar de mim — seus braços se afrouxaram e lhe pôs as mãos sobre os ombros, separou-a de si e estudou sua cara. — Matou a vários de meus parasitas e ajudou ao Reaper e a seus empregados a escapar. Por que o fez, Briar?

     Ela piscou duas vezes. Uma nova tensão se agitava em seu ventre.

     — Para salvar minha própria vida, Gregor. Seus parasitas tentavam me matar, igual aos outros — ele não disse nada. Só aguardou. — Você lhes ordenou que me matassem, Gregor?

     Ele a olhou com os olhos entreabertos.

     — Por que pergunta isso? Reaper te lavou o cérebro?

     Ela negou com a cabeça.

     — Não. Mas você não me avisou do que ocorreria quando lhe dissesse essa palavra. Não me disse que teria um ataque de fúria e que tentaria matar a tudo que tivesse ao seu alcance. Poderia me haver matado.

     — Confiava plenamente em sua capacidade para se defender.

     — Mas não fez nada para te assegurar disso. — Briar olhou ao chão. — Poderia me haver dito o que ocorreria, me ter avisado de que quando dissesse a palavra, eu saísse dali a toda pressa. Poderia me haver dado a segunda palavra, a que faz que Reaper se detenha.

     — Entendo. Por isso tornaste, então?

     — O que?

     — Para me surrupiar a segunda palavra. — disse ele. — Para ir dizer a ele.    

     — Não. — ela enrugou o cenho e deu um passo atrás.

     — Não? Não minta, Briar. Conheço-te muito bem. E eu te vi com ele, nesse carro. Vi a ti montá-lo como um animal em zelo. Vi-te...

     — Tive que fazê-lo! Disse-me que não deixasse que chegasse ao clube antes do tempo, custasse o que custasse. Disse-me que fizesse o que fosse necessário para que não entrasse antes da hora prevista.

     — Sim, é certo. Mas pensava que aplicaria alguma tática menos drástica antes de recorrer a fodê-lo como uma louca.

     — O sexo não significa nada para mim. Já sabe.

     — É só um meio para um fim, não, Briar?

     — É o que foi sempre.

     — Mas você gostou. Admite-o. Desfrutou com o Reaper.

     — Não.

     — Gozou.

     — Não!

     — Estava te observando. Traiu-me, Briar. Primeiro lhe dando o que me negaste todo este tempo, apesar de que salvei sua mísera vida, te tirei da lama e das ruas, das drogas com as quais estava te envenenando e te separei dos homens com os quais te prostituía. Apesar de saber o que me devia, entregou-se a ele. E logo o ajudou a escapar.

     — Não foi assim. — retrocedeu um pouco mais, compreendendo que estava em perigo. Tinha que chegar até a porta, escapar por ela.

     — E agora tem a desfaçatez de vir aqui, fingindo que me é fiel, e me pedir que te dê a capacidade de desativar a única arma que tenho para destruí-lo.

     — Gregor! — disse ela com voz firme e clara, pronunciando lentamente, como se desse modo pudesse fazer com que a escutasse e a compreendesse. — Eu te sou fiel. Por isso, os deixei. E não te pedi essa palavra. Importa-me um nada essa palavra.

     — Mente muito mal, querida.

     Ela quase tinha chegado à porta. De repente, sentiu algo, mas já era muito tarde. Voltou-se rapidamente, mas chocou com o peito de um parasita, cujas carnudas mãos se fecharam sobre seus braços e a lançaram para trás. Antes de cair ao chão, aterrissou sobre uma mesa que se partiu pela metade.

     Ao incorporar-se sentiu uma quebra de onda de dor, e então Gregor a agarrou pela garganta e a fez levantar-se, mas não a soltou.

     — É minha, Briar. Minha e só minha. Vais aprender isso muito em breve.

     — Gregor, por favor. — disse ela.

     Ele olhou ao parasita.

     — Segure-a.

     A criatura se colocou atrás dela, agarrou-a pelos braços e a segurou com força. Ela se debateu, mas só conseguiu que lhe retorcesse os braços.

    Gregor soltou seu pescoço e tirou algo do bolso. Briar o reconheceu e ficou quieta. Uma água gelada pareceu correr por suas veias. Um colar como o que tinha levado Vixen. Ele se aproximou e o moveu para seu pescoço.

     — Não, Gregor, não. Equivoca-te por completo. Nunca estive do lado de Reaper.

     Ele sorriu lentamente, enquanto deslizava o colar ao redor de seu pescoço e o grampeava, com tanta força que lhe cortava a respiração.

     — Pertence-me, Briar. E vais me pagar por tudo o que tenho feito por ti. Vais pagar, me ajudando a apanhar ao Reaper. Vou atraí-lo até aqui e beber dele até deixá-lo seco. Vou me apropriar de seu poder. E quando estiver morto, vou te fazer esquecer que existiu alguma vez.

     — Gregor, digo-te que não te traí. — murmurou ela.

     — Levem-na à masmorra. Coloquem-na na jaula. Quero-a nua e encadeada. Nem sangue, nem mantas. Nada de comodidades.

     O parasita a puxou e Briar se remexeu. E logo, de repente, uma descarga elétrica a atravessou. A dor fez que seu corpo ficasse rígido. Quando cessou, ela caiu ao chão. Seus músculos se contraíam espasmodicamente.

     Gregor se ajoelhou a seu lado.

     — Vou te quebrar Briar. Quando acabar contigo, me suplicará. Suplicará alimento e alívio... E me suplicará que volte a te aceitar. Entende?

     Ela levantou a cabeça e cravou os olhos nos dele.

     — Jamais suplicarei nada a ninguém. — sussurrou.

     Ele sorriu e apertou de novo o botão. Briar chiou dessa vez e, quando a descarga cessou, estava tão fraca que nem sequer podia mover-se. Pensou em Vixen levando o colar, em como tinha apertado ela o botão. Fechou os olhos e sentiu o primeiro arrependimento real que não tinha conhecido nunca.

     Então o parasita a levantou e a levou ao porão, à masmorra, à cela.

     Imaginou que seria ali onde morreria. Porque nunca cederia. Nunca.

    

     Pôs-se o sol. Vixen despertou e encontrou aos outros ainda dormindo... exceto Reaper. Ele se tinha ido. Mas tinha antes aceitado deixar que fosse com ele, maldito fosse.

     Sobressaltada, levantou-se de um salto e se aproximou da porta trilho do contêiner, que estava entreaberta. Apareceu fora e o viu. Estava na caminhonete, reunindo armas.

     Vixen olhou aos outros e seus olhos pousaram no rosto dormido do Seth. Gozou dele um instante. Adorava olhá-lo. Era muito belo: a forma de sua mandíbula, seu queixo, seu nariz, a leveza com que permaneciam fechados seus olhos. Isto lhe pôs um nó na garganta, jantou os olhos e se obrigou a dar a volta. Deslizou-se rapidamente pela porta aberta e se voltou para fechá-la, esforçando-se por não fazer ruído.

     — Não se preocupe, não despertarão. — disse Reaper.

     Ela se voltou rapidamente para olhá-lo. Reaper havia retornado da caminhonete e se aproximou dela sem que o ouvisse. Levava armas nas mãos.

     — Como pode estar tão seguro? — perguntou ela.

     — O controle mental é mais difícil de exercer sobre os vampiros que sobre os humanos. — disse ele. — Mas eu sou mais velho e mais forte que eles.

     — Ordenaste-lhes que sigam dormindo?

     Ele assentiu com a cabeça.

     — Não se preocupe. Eles despertarão dentro de menos de uma hora — levantou uma banda de couro bordada de pequenas presilhas, cada uma das quais continha uma bala. De um extremo pendurava uma capa com uma pesada pistola dentro. Ele a fez baixar sobre sua cabeça. — Coloca um braço por aqui — ela fez o que lhe dizia e ele repetiu logo o processo com outra pistoleira e se inclinou para ajustar tiras e fivelas. Quando acabou, as tiras se cruzavam e uma pistola repousava sobre cada um dos quadris de Vixen. — São Glocks de calibre 40, muito potentes. As que está acostumada a usar a polícia. Mas disparam balas comuns. Segue tendo sua pistola de dardos?

     — Sim. — ela a tirou para acostumar-se. Mas necessito de mais dardos.

     Ele tirou um punhado do bolso e os deu. Vixen colocou um na pequena pistola, guardou o resto no bolso e colocou a arma na cintura das calças, por trás.

     — Tem medo? — ela assentiu com a cabeça. — Bem. Seria estúpido não o ter. — observou sua cara e franziu o cenho. — Que mais?

     — O que quer dizer?

     — Quero dizer que há algo mais que te preocupa. Parece... triste.

     Vixen encolheu os ombros e se voltou para a caminhonete.

     — Deveríamos ir antes que despertem.

     — Não vais voltar comigo, verdade, Vixen?

     Ela umedeceu os lábios, levantou o queixo e lutou por refrear as lágrimas, que tentavam congregar-se em seus olhos.

     — Não. Assim que nos liberemos do Gregor, irei embora. Sozinha.

     — Seth a magoou de verdade, não é?

     — Não quero falar disso. — tinha chegado à caminhonete. Abriu a porta e se sentou no assento do co-piloto.

     Reaper se aproximou do lado do condutor e se sentou atrás do volante. Ligou o motor e arrancou antes de voltar a falar.

     — Vixen, Seth é muito jovem. Seja o que for que tenha dito ou feito, sei que ele não pretendia te fazer mal. Está louco por ti.

     — Não de tudo. — disse ela brandamente.

     Ele enrugou o cenho e ela soube que ele não podia compreender o que estava sentindo.

     — Há uma parte de mim que lhe importa. Possivelmente, muito profundamente. Mas há outra parte de mim que lhe repugna. E as coisas não podem funcionar entre nós assim.

     Reaper suspirou.

     — Acredito que deveria lhe dar outra oportunidade. — se concentrou na estrada enquanto falava. — E sou mais velho e mais sábio que você, assim deveria escutar meu conselho.

     Ela o olhou rapidamente, surpreendeu um brilho de bom humor em seu olhar e sentiu que um sorriso triste atirava de seus próprios lábios. Compreendeu que lhe caía bem Reaper.

     — Tem algum plano?

     — Não. Vou fazer como meus heróis da infância e a lhe dizer que saia.

     — Não sei o que significa isso.

     — Não? Alguma vez viu um filme de jeans?

     — Não.

     — Bom, não lhe reprovo isso. Tampouco gosto muito de televisão, nem de cinema. Mas quando era muito jovem, havia filmes dos quais não me cansava. E eram os de jeans. Você só olha e aprende, pequena. Olha e aprende — e seguiu conduzindo.

    

     Seth compreendeu que algo ia mal assim que despertou. Para começar, era muito mais tarde que de costume. Abriu os olhos, sentiu a hora e despertou de repente. Sentou-se e esquadrinhou o interior às escuras do contêiner. Roxy estava aconchegada em um rincão. Topaz jazia não muito longe dela. Jack estava convexo junto à parede do fundo.

     Reaper não estava em nenhuma parte, nem tampouco Vixen.

     Levantou-se de um salto, correu à porta e a abriu de par em par.

     — Seth? — a voz sonolenta do Roxy chegou até ele, e a ouviu levantar-se. — O que acontece, guri? Ocorreu algo?

     Ele se voltou e viu que Topaz e Jack também estavam despertando.

     — A caminhonete não está. Nem tampouco Reaper e Vixen.

     — Esperava isso. — disse Jack. Estirou os braços por cima da cabeça e antes que voltasse a abaixá-los, Seth se equilibrou sobre ele e o agarrou pela camisa.

     — O que quer dizer com que você esperava isso? Onde estão?

     Jack levantou as sobrancelhas e olhou as mãos que agarravam sua camisa.

     — Não acredito que te convenha fazer isso.

     — Você não tem nem idéia do que me convém. O que sabe, Heart?

     — Solta-o — disse Topaz. Falou com calma, em tom baixo e firme. Não gritou, nem elevou a voz. Mas sua voz era intensa e não admitia discussão. Seth soltou ao Jack. Sabia que o que tinha feito era ofensivo, embora nunca o reconheceria.

     Jack se alisou a camisa.

     — Não sei nada, amigo. Mas antes que amanhecesse senti que tinham uma conversação privada. Deu-me a impressão de que estavam planejando algo assim.

     — Algo assim? — perguntou Seth.

     — Usa seu cérebro em vez de seu mau gênio, para variar, menino. O que acha que vão fazer?

     — Foram pegar o Gregor, verdade? — perguntou Topaz.

     — Eu diria que sim. — respondeu Jack quietamente.

     Seth lançou uma maldição e deu lentamente a volta, passando uma mão pelo cabelo.

     Roxy se levantou e começou a dobrar sua manta.

     — Esperava que Raphael tentasse livrar-se de nós e ir sozinho. — disse. — Acreditava que ontem à noite poderia nos haver matado. Não quererá arriscar-se a que voltem a passar perigo. E se Gregor conhecer os desencadeantes, pode lançá-lo a uma fúria assassina por apenas dizer uma palavra. — suspirou profundamente. — O que não entendo é por que levou a Vixen.

     — Duvido que ela lhe desse escolha. — resmungou Seth. — Pode ser condenadamente teimosa. Maldita seja, nunca perdoarei ao Reaper se lhe acontecer algo.

     — Dadas as capacidades da Vixen, provavelmente tem feito bem em a levar, disse Jack. — Nunca me encontrei com um vampiro com talentos tão especiais.

     — É única em sua espécie, é certo. — disse Roxy.

     — Espero que esteja bem. — acrescentou Topaz.

     Todos a olharam e ela encolheu os ombros.

     — Estava me acostumando a tê-la por aqui, embora seja tão estranha.

     — Temos que ir atrás deles. — disse Seth.

     — Seja razoável. — disse Jack. Seth lhe lançou um olhar carregado de incredulidade, e o outro levantou as sobrancelhas. — O que? Como sugere que vamos ao resgate? Levaram a caminhonete e certamente todas as armas que havia nela.

     — Exato. — disse Roxy. — E abandonamos o Mustang quando fugimos de “A Cripta”. Embora suponha que ainda estará onde o estacionou Reaper.

     Jack assentiu com a cabeça e continuou:

     — A casa do Gregor estará rodeada de parasitas à espreita, que podem nos partir em dois, como se fôssemos palitos de dentes. E provavelmente estarão nos esperando, vamos entrar ali e deixar que nos matem a todos?

     — Temos que ir atrás deles. — repetiu Seth com ênfase.

     Roxy assentiu com a cabeça.

     — Estou de acordo contigo, céus. Mas temos que ser prudentes. Se não, não lhes serviremos de nada.

    

     Vixen se escondeu entre as árvores que rodeavam a mansão do Gregor. Tremia de medo, mas estava decidida a seguir adiante, a ajudar a seus amigos.

     Era estranho ter pessoas às quais considerava amigas, pela primeira vez em sua vida. Queria-lhes, e acreditava que eles também a ela. Inclusive Seth, a sua maneira.

     Reaper lhe pôs uma mão sobre o ombro.

     — Gregor pode desencadear minha fúria em qualquer momento, Vixen. É importante que te mantenha afastada de mim. Você corre o dobro de perigo que eu, porque deve temer a mim, além de ao inimigo. Assim, tome cuidado. Que não lhe vejam. Não te arrisque, aconteça o que acontecer.

     Ela o olhou aos olhos na escuridão e sorriu brandamente.

     — Conseguirei a informação que necessitamos. Prometo-lhe isso.

     — Mantenha-se atenta as minhas mensagens. Bloquearei a todos os outros, menos a ti e ao Gregor. Ele não me ouvirá até que esteja fora da mansão. Espera até que ele parta, e inclusive logo...

     — Tomarei cuidado. — ela assentiu uma vez; logo se voltou e se afastou correndo dele. Rodeou a mansão até um lugar escondido, perto de sua parte traseira. E ali esperou, esforçando-se por concentrar sua atenção e suas energias e preparando-se para sua metamorfose.

     Passou o tempo, por fim ouviu o Reaper chamar mentalmente. «Gregor».

     A resposta foi imediata, e não parecia haver medo na mente do Gregor. Vixen ouviu sua resposta, através da mente do Reaper.

     «Olá, Reaper. Estava-te esperando. Por isso, estive escutando pela janela aberta».

     Reaper levantou o olhar, guiado por sua percepção, e o viu de pé junto a uma janela aberta do segundo andar. Gregor agitou a mão para ele, embora Reaper estivesse escondido entre as árvores. Sabia onde estava, devia senti-lo ali. Oh, sim, era muito bom.

     «Mas espero que não tenha vindo pela Briar. Se for assim, temo que tenha uma amarga decepção. Ela está muito contente de ter voltado ao lugar onde pertence».

     «Vim por ti, Gregor. E estou sozinho. Não há ninguém a quem possa me obrigar a fazer mal».

     «Bem pensado, suponho. Mas não preciso desencadear sua loucura para te fazer sair à luz. Isso posso fazê-lo sozinho».

     «Agora você tem oportunidade de demonstrá-lo. Sai a meu encontro. E vêem sozinho, Gregor, ou eu não estarei quando chegar. Estou te vigiando. Saberei, se desdobrar a seus parasitas ou me ponha uma armadilha. Isto é entre você e eu, um contra um. Se for homem o bastante ».

     «Quando e onde Reaper?».

     «Dentro de quinze minutos. Há um descampado em que as crianças jogam beisebol. Vinte quilômetros ao norte daqui, gira à esquerda, toma o caminho de terra e percorre outros seis quilômetros. Está à direita. Não há onde esconder-se. Nenhum dos dois poderá ocultar reforços».

     «Ali estarei».

     «Estarei te esperando».

     Vixen fechou os olhos, mas só um instante. Tinha que vigiar a mansão. Tinha que permanecer alerta até que visse partir a Gregor, e assegurar-se de que ia sozinho e de que ninguém o seguia. Em caso contrário, avisaria ao Reaper imediatamente.

     Assim esperou, sem deixar de vigiar a casa. Passaram dez minutos antes que sentisse partir ao Reaper com a velocidade de uma centelha. E uns minutos depois, ela viu Gregor sair da mansão.

     Mas ele não estava sozinho. Tinha Briar a seu lado. Ninguém mais lhes seguiu. Nem parasitas, nem reforços. Vixen se concentrou na mente do Reaper e se esforçou por bloquear sua mente a outros, como lhe tinha ensinado Roxy. Imaginou um raio de luz pura que saía de sua mente e se dirigia a do Reaper, através de uns tubos de chumbo maciço. Um tubos que nada podia penetrar.

     «Reaper».

     «Estou aqui».

     «Gregor vai no seu caminho. Briar está com ele. Ninguém mais, ao menos de momento».

     «Bem. Obrigado, Vixen».

     «Tome cuidado, Reaper».

    

     Briar caminhava junto ao Gregor através da escuridão, para o veículo que os esperava, o reluzente Porsche negro do Gregor. Não sabia onde iam, mas se alegrava de que fossem de carro. Não teria podido chegar muito longe a pé.

     Tinham-na levado à cela umas horas antes do amanhecer. Tinham-na despido e lhe tinham prendido os pulsos com grilhões a ambos os lados e os tornozelos com uma só banda de ferro. E ali ficou, quase incapaz de mover-se, em uma postura que recordava a da crucificação.

     De vez em quando, possivelmente a cada quinze minutos, o colar que levava ao pescoço cobrava vida com uma descarga cruel de energia. Todo seu corpo ficava rígido e seus músculos se esticavam até que acreditava que se rasgariam. Suas costas se arqueavam e sua cabeça golpeava a parede de trás. Seu corpo atirava de seus grilhões, e não podia controlá-lo, de modo que o ferro lhe afundava cada vez mais nos pulsos e nos tornozelos. E quando a descarga passava, ficava ali pendurada, trêmula, débil, estremecida e transpassada pela dor.

     Supunha que Gregor estava acima, sentado comodamente diante da chaminé, e que apertava o botão maliciosamente quando gostava. A dor era intolerável. Enlouquecedora. E depois das primeiras descargas, ela começou a sentir terror ao passar dos minutos, enquanto esperava o inevitável.

     Quando o sol nasceu, Briar tinha perdido quase por completo a capacidade de pensar com coerência. Sentiu um intenso alívio quando se sumiu no sono diurno e esperou que o poder curador do descanso do vampiro restaurasse suas forças.

     Mas quando o sol voltou a se pôr e ela começava a despertar, as descargas começaram de novo. Uma e outra vez. Sim, o sono a tinha reconfortado, mas estava muito débil. Necessitava sangue para que sua cura fosse completa e para recuperar suas energias. Só recebeu tortura e dor, e sua mente e seu corpo se debilitaram ainda mais.

     Logo apareceu Gregor, de pé na porta de sua cela. Ela nem sequer sentiu sua presença, até que ouviu a chave girar na fechadura, metal sobre metal. Levantou a cabeça fracamente, e esgotou os olhos, mas não pôde concentrar-se.

     Gregor abriu a porta e entrou na cela. Atirou ao chão um montão de roupa, aproximou-se dela e liberou seus tornozelos e seus pulsos. Briar caiu ao chão.

     — Levante e ponha a roupa. E o faça depressa, Briar. Temos uma entrevista.

     Ela se incorporou, apoiando-se nas mãos.

     — Não... não posso.

     — Oh. Bom, então acredito que terei que te dar um pouco de energia — levou a mão ao peito e ela viu como um borrão a forma do controle remoto, o dispositivo de tortura do Gregor, pendurando de uma corrente ao redor de seu pescoço.

     — Não. Por favor.

     — Então faz o que te digo.

     — Necessito... sustento, Gregor. Nem sequer sei se posso ficar em pé.

     — Eu imaginava. Toma! — tirou um frasco de seu bolso e lhe tirou a tampa. Encheu a tampa com um pouco de sangue do frasco e logo se inclinou e o aproximou dos lábios do Briar.

     Ela bebeu, mas era apenas um gole.

     — Não vou te dar mais. Pede mais e voltarei a saborear o poder que tenho sobre ti. Agora, se vista.

     O sangue lhe causou uma leve comichão, um pálido eco da energia que atravessava suas veias quando se alimentava de verdade. Rezou para que bastasse para mantê-la com vida, porque se sentia mais perto da morte nesse instante que nunca antes. E, possivelmente, fosse melhor morrer. Ao menos não sofreria mais aquela dor.

     Lutou por levantar-se, arrastou os pés até o rincão e começou a recolher a roupa que ele tinha atirado ali. Eram suas coisas. Calças negras de couro, muito apertadas e difíceis de pôr. Uma jaqueta de pele. Nem blusa, nem roupa interior. Esforçou-se por colocar as calças; logo se deixou cair ao chão, para colocar as botas negras e se perguntou como ia arranjar-se para caminhar sobre seus saltos de agulha quando quase não podia se manter em pé.

     Assim que se teve grampeado a segunda bota, Gregor a agarrou pelo braço e a levantou de um puxão.

     — Caminhará a meu lado. Manterá a cabeça alta. Fará como se nada tivesse passado e fingirá que me adora. Caso te afaste de minhas instruções e te porei de joelhos, Briar. Entendido?

     — Sim.

     — Mais te vale a obediência. Agora, vamos. Temos que nos reunir com seu amante. E vais ver como eu o mato. Inclusive talvez te peça ajuda. — sorriu lentamente e a levou a rastros através do porão e pelas escadas que levavam a parte principal da casa; cruzaram logo a mansão e saíram pela porta principal.

     Gregor a conduziu ao seu Porsche negro, e a acomodou no assento do co-piloto. E logo se sentou atrás do volante e conduziu através da noite. Briar não podia deixar de olhar o controle remoto que ele levava ao redor do pescoço, nem de pensar no frasco de sangue de seu bolso. Se pudesse lhe tirar aquelas coisas, talvez pudesse impedir que matasse ao Reaper.

     Aquela idéia lhe deu o que pensar e, embora sua mente estivesse nublada pela dor, esclareceu seu objetivo. Se ela pudesse tirar aquelas coisas ao Gregor, possivelmente pudesse sobreviver. Essa era a meta. A única meta: sua própria sobrevivência.

     Sempre o tinha sido.

    

     Momentos depois de que Gregor e Briar se afastaram a toda velocidade no carro negro, Vixen pôs-se a correr sobre suas patas peludas para a casa. Foi direito à porta principal e se equilibrou contra ela com força suficiente para assegurar-se de que o golpe se ouviria. Caiu de pé, machucada, mas decidida, e se escondeu rapidamente atrás de um vaso de barro de grande tamanho que havia no patamar.

     Pouco depois, a porta se abriu e um dos parasitas saiu e ficou ali parado, olhando a seu redor.

     Vixen passou correndo junto a seus pés sem que a visse, entrou na casa, escondeu-se sob um sofá e ficou ali encolhida, esperando.

     O parasita voltou a entrar e fechou a porta. Cruzou a habitação com passos pesados e voltou quase cegamente ao que estava fazendo antes. E quando esteve segura de que a habitação estava de novo vazia, Vixen saiu disparada de seu esconderijo, com a larga cauda voando atrás dela, e subiu as escadas a caminho da suíte do Gregor.

     Uma vez ali, encontrou-se com uma porta fechada, e compreendeu que certamente a chave estava passada. Transformada em raposa, não tinha forma de abri-la. Mas trocar de forma supunha um grande esbanjamento de energia. E não poderia voltar a se transformar até passadas umas horas. Era muito possível que ficasse apanhada na guarida do Gregor.

     E, entretanto, não via outra solução. Olhou a um lado e outro do corredor e, ao não ver ninguém perto, tombou-se no chão, enroscou-se em sua cauda e se concentrou em sua metamorfose.

     Passaram minutos, enquanto seu corpo se esticava e trocava, alargando-se e alargando-se. Uma neblina de esquecimento cobria sua mente como um manto de seda, e quando aquela neblina se esclareceu se encontrou encolhida no chão, nua. Tinha deixado sua roupa no bosque e não tinha nada com que cobrir-se. Mas o primeiro era o primeiro.

     Ficou de pé, olhou de novo a um e outro lado e não viu nada. Nem a ninguém. Mas ouvia os passos pesados de um dos parasitas no salão de baixo.

     Voltou-se para a porta e girou rapidamente o trinco. A porta se abriu. Milagrosamente, a chave não estava passada. Ou possivelmente não fosse um milagre absolutamente. Ali não ficava ninguém, exceto os parasitas, que ela soubesse. E eles jamais desobedeceriam as ordens do Gregor, assim que este não tinha motivos para fechar com chave sua porta.

     Vixen empurrou a porta e entrou justo quando os passos do parasita começavam a ressoar na escada. Fechou a porta sigilosamente atrás dela e, a diferença do Gregor, passou a chave.

     Esperou ali, e ouviu como se aproximavam os passos do parasita para logo afastar-se lentamente. Suspirou, aliviada, e se voltou para examinar as habitações do Gregor. A primeira, em que tinha entrado, parecia uma espécie de sala de estar. Havia um escritório com as coisas habituais: canetas, um telefone, um caderno de anotação, um ordenador portátil. Junto ao escritório, uma jaula pendurava de seu suporte. Dentro dela havia um rato de aspecto perverso que, sentado em silêncio, olhava-a fixamente.

     Havia uma porta aberta que levava ao dormitório, e algo na energia que irradiava daquela habitação chamou em seguida sua atenção. Deu-se conta de que não estava sozinha. E, de repente, se sentiu atraída para quem estivesse ali dentro. Irresistivelmente atraída.

     Franziu o cenho e avançou como se ela se sentisse compelida a isso. Havia um objeto quadrado em um rincão, coberto com um lençol. Aproximou-se e notou que a energia que sentia lhe resultava familiar. Era muito parecida com a de Roxy, mas estava de algum modo alterada.

     Estendeu rapidamente a mão e apartou o lençol. No rincão da jaula de metal, sob o lençol, havia uma mulher escondida. Tinha a roupa rasgada e imunda. Estava muito magra. Abraçava-se, e sua clavícula e suas omoplatas se sobressaíam. Seu cabelo loiro e muito curto contrastava vivamente com suas sobrancelhas e suas pestanas escuras e abundantes, e seus olhos eram de uma assombrosa cor violeta. Estava tremendo e olhava a Vixen com os olhos muito abertos, cheios de terror.

     Vixen levantou uma mão e levou um dedo aos lábios.

     A mulher não respondeu. Só a olhava, petrificada. E não era de se estranhar. Só Deus sabia o que teria sofrido nas mãos do Gregor, mas as marcas que tinha no pescoço eram um bom indício. Era um aperitivo. E, enquanto estava ali, nua e envergonhada, Vixen compreendeu que aquela mulher era algo mais. Era uma dos Escolhidos.

     Sentiu estupor ao compreender que Gregor tinha torturado, ferido e utilizado a uma Escolhida. Nenhum vampiro podia fazer tal coisa... ou isso contavam as lendas. Vixen olhou a direita e esquerda, viu uma toalha de banho pendurada de um cabide, na parede, aproximou-se dela e a pôs rapidamente. Era muito grande, do Gregor, sem dúvida, mas ao menos a tampava. Logo se aproximou da jaula. Media possivelmente dois metros quadrados e estava fechada com um pequeno cadeado. Dentro havia uma terrina com uma espécie de mingau de aspecto desagradável, e outro cheio de água. Não havia utensílios.

     Ajoelhando-se diante da jaula, Vixen sussurrou o mais brandamente que pôde:

     — Tem que ficar muito, muito calada. Prometo que te ajudarei.

     A mulher seguiu sem mover-se no rincão, observando-a com receio. Por que não a tinham sentido os outros vampiros? Perguntava-se Vixen, por que não a tinha sentido ela, quando tinha estado presa ali? Nem Topaz? E então recordou que Gregor tinha rodeado de algum modo aquela casa com um escudo que não deixava sair as mensagens mentais. Talvez tivesse protegido suas habitações do mesmo modo, para que outros habitantes da casa não sentissem a presença da mulher.

     Vixen se separou da cativa e ao aproximar-se do escritório da habitação contígua sentiu o desespero da mulher, por deixá-la ali. E, entretanto, ela permaneceu imóvel e calada.

     Junto ao escritório, em sua jaula, o rato a olhava agitando seus bigodes.

     Vixen lhe devolveu o olhar e iniciou uma conversação. Mas pedir a um rato que recordasse uma conversação que tinha tido lugar em uma linguagem que desconhecia não era tarefa fácil. O rato recordou, entretanto, que Gregor tinha cotado algo em um caderno enquanto falava por telefone.

     Vixen encontrou o caderno. A primeira página estava em branco. Tomou um lápis e usou o velho truque de sombrear a folha para ver o que se escrito na página de cima, mas Gregor devia ter arrancado várias, ou não ter escrito nada, apesar do que Jack acreditava ter ouvido, porque não apareceu nada. Revisou o cesto de papéis apesar de que o rato lhe mostrava, mediante imagens mentais, o costume do Gregor de enrugar as folhas e as jogar na chaminé quando acabava com elas. No cesto de papéis não encontraria nada útil. Tinha tido tantas esperanças... Inspecionou rapidamente quanto havia em cima da mesa, procurando alguma pista, mas não encontrou nada útil. Logo deu a volta, compreendendo que era hora de tentar escapar, e mostrou ao rato o que ia tentar fazer para assegurar-se de sua ajuda. Então baixou lentamente o suporte até que a jaula descansou no chão, de lado, abriu a portinhola e disse ao rato que era livre de ir-se.

     O animalzinho saiu de um salto, cruzou correndo a habitação e se perdeu de vista. Não lhe aconteceria nada. Podia escapar por sua conta.

     A mulher da jaula, em troca, não podia. E agora Vixen tinha que sair com ela, vivas ambas, da guarida do leão.

     Não sabia como ela ia fazê-lo. Aproximou-se da janela, abriu a cortina com muito cuidado e olhou fora. Havia parasitas postados em cada esquina da casa, e alguns no meio, aqui e lá.

     Sem dúvida o que a tinha ouvido «bater na porta, tinha-os desdobrado para que vigiassem os jardins. Demônios, estava apanhada. E agora o que?”

     Ficou junto à janela um momento mais, procurando uma resposta, e de repente viu algo que se movia na beira do caminho. Franziu o cenho, forçou a vista, voltou a olhar e deu graças ao destino por sua visão noturna quando distinguiu ao pequeno grupo reunido ali: Topaz, Seth, Roxy e Jack. Queria chamá-los, inclusive o tentou, mas era como gritar do interior de uma habitação de chumbo. Então lhe ocorreu abrir a janela, mas se perguntou se não haveria um alarme conectado a ela e o pensou melhor.

    

     Seth convenceu aos outros para que fossem com ele vigiar a casa e logo idealizassem um plano. Era a melhor solução que lhe ocorria, porque o aproximaria de Vixen no menor tempo possível. A ninguém lhe ocorreu uma idéia melhor, assim que a puseram em prática.

     Não se aproximaram muito, só o suficiente para ver os parasitas que rodeavam a mansão a intervalos regulares e escrutinavam a escuridão com nervosismo, o que lhes fez compreender que sabiam que estava passando algo.

     Maldição. Onde diabos estava Vixen?

     «Vixen», chamou-a em silêncio mentalmente, dirigindo-se só a ela. «Onde está?».

     Não houve resposta. Nem a haveria, se ela estava dentro da casa.

     — Oxalá soubesse como consegue Gregor que as mensagens não entrem nem saiam dessa maldita casa. — resmungou Seth.

     — É um dispositivo eletrônico, isso sei. — respondeu Jack, agachado junto a ele.

     — Como sabe?

     — Uma vez se foi a luz. Houve uma grande tormenta. E se notou como baixava o escudo, ou o que seja.

     — Então temos que cortar a eletricidade. — Seth olhou a Roxy e a Topaz.

     Roxy negou com a cabeça.

     — Nem sequer sabemos se estão aí dentro. E se não estiverem? Cortar a eletricidade só serviria para alertar a esses.

     — Bom, e como sugere que o averigüemos? — replicou Seth.

     Topaz lhe pôs uma mão no ombro desde atrás.

     — Controle-se, Seth. Só tentamos ser prudentes. Cobrir todas as bases. Nós temos tanta vontade de tirá-los daí como você.

     — Sei — ele suspirou e baixou a cabeça. — Sei. Que demônios...! — saltou de repente enquanto falava. — É um rato!

     Os outros também se levantaram e retrocederam um pouco, exceto Jack, que permaneceu agachado, olhando ao roedor que, inexplicavelmente, aproximou-se deles. Enquanto o olhavam, o animalzinho se levantou sobre seus quartos traseiros, moveu o nariz e começou a mover as patas dianteiras como se estivesse boxeando.

     — Que diabos ele está fazendo? — Topaz retrocedeu três passos rapidamente, logo se estremeceu e se esfregou os braços.

     — Acredito que é Lúcifer. — disse Jack.

     — Acha que o rato é o diabo? — perguntou Roxy, divertida. Tinha retrocedido ao princípio, mas agora se aproximou e se inclinou um pouco para observar os movimentos do animal.

     — Não referia a esse Lúcifer. É um mascote, ou uma reclusa, para ser mais preciso. Gregor a tem em uma jaula, em suas habitações.

     Seth entreabriu os olhos olhando ao roedor. O animalzinho estava outra vez nas quatro patas, mas havia se voltado para a casa e movia a cauda como se fosse uma serpente.

     — E então como saiu? — perguntou Seth.

     Todos o olharam e chegaram à mesma conclusão.

     — Vixen faria algo assim. Liberar um rato. — disse Topaz lentamente.

     — Não só isso. Mas sim, ela pode falar com os animais. — continuou Seth. — Todos nós o vimos no “A Cripta”, essa noite.

     Roxy moveu a cabeça de um lado a outro, incrédula, mas seus olhos seguiram fixos no animalzinho negro e desnutrido, que deu de novo a volta e se levantou sobre seus quartos traseiros. Esta vez, ele proferiu um chiado.

     Topaz tampou os ouvidos e retrocedeu de novo.

     — Está bem, está bem. Já lhe fazemos conta. Estamos nisso, de acordo? Agora, sai daqui, bestinha imunda.

     O rato ficou imóvel, ainda erguido, e a olhou piscando.

     — Vete! — disse Topaz, e deu um passo para ela, como se ela se dispusesse a pisá-la. O rato apoiou as quatro patas no chão e fugiu.

     — Maldita seja, Topaz, por que tem feito isso? — perguntou Seth.

     — Estava me assustando!

     — Poderíamos tê-la usado para nos comunicar com Vixen.

     — Ah, bom, perdoa, Seth, mas nunca me havia dito que ela pudesse falar com os animais.

     — Maldita seja. Top, poderíamos lhe haver amarrado uma nota e haver a mandado à casa, ou algo assim.

     — Estraga. E como iria dizer ao rato onde tinha que levar a nota? — ela pôs os olhos em branco.

     Seth olhou a casa e seus olhos se umedeceram.

     — Deve estar nas habitações do Gregor.

     — Ou o esteve recentemente, quando liberou lúcifer e o enviou a nós — disse Jack. — É essa janela daí. — assinalou. — Deve nos haver visto.

     — Esse desgraçado. Se a toca...

     Jack negou com a cabeça firmemente.

     — Gregor não a tocaria, Seth. Não se preocupe por isso. É tão idiota que lhe dava asco só pensá-lo. Referia-se a ela como se fosse metade cão.

     — Isso é tão estúpido que não sei por onde começar. — resmungou Topaz. — Mas suponho que, neste caso, é uma sorte. Pelo menos Vixen está a salvo disso.

     Roxy olhou ao Seth, e ele se encolheu por dentro. Odiava pensar que se parecia com o Gregor em algum sentido, mas se dava conta de que ele tinha tido a mesma reação. Possivelmente, não de asco. Mas se havia sentido confuso, traído e enganado. Tinha-lhe doído que Vixen não confiasse nele e também se assustou um pouco. Mas só brevemente.

     — Onde acham que está Reaper? Por que Vixen não troca de forma e sai desse maldito lugar? — perguntou Seth.

     — Se pudesse, não acha que o faria? — respondeu Topaz com impaciência. — Eu não gosto desta espera. Temos que fazer algo.

     — Tenho uma idéia. — disse Roxy. — Se, seriamente, ela estiver nas habitações do Gregor, nessas habitações daí, pode escapar pela janela. É um salto fácil para uma vampiresa. A única coisa que temos que fazer é afastar aos parasitas, atraí-los à parte de trás, ou algo assim, e lhe dar tempo para ela sair.

     Seth a olhou fixamente, surpreso pela simplicidade do plano. Agarrou-a pelos ombros e lhe deu um beijo na boca.

     — Quero-te, Roxy.

     — Sim, certo, como a maioria dos homens de sua idade. — ela sorriu e bateu as pestanas. — Mas meu plano tem uma pega.

     — E qual é?

     — Que não nos apanhem nem nos matem de passagem.

     Todos assentiram e se apinharam para ultimar sua estratégia.

    

     Reaper estava no descampado, à intempérie, armado, mas com a incômoda sensação de estar exposto, quando chegou o Porsche negro. Os faróis o cegaram, mas se apartou rapidamente para evitar seu resplendor. A porta se abriu e saiu um homem.

     — Olá, Rivera.

     Surpreendeu-lhe que aquele sujeito conhecesse seu verdadeiro nome. Acreditava que ninguém, além de Roxy, conhecia-o. Mas havia algo vagamente familiar em sua voz e, enquanto o outro se aproximava, Reaper se esforçou por vê-lo claramente.

     — Conhecemo-nos? — era impossível vê-lo com o resplendor dos faróis às costas.

     — Apaga as luzes. — ordenou o homem a alguém que havia no carro.

     Briar, ou isso supôs Reaper, obedeceu. As luzes se apagaram e ele piscou e voltou a fixar o olhar no rosto daquele homem. E então o reconheceu.

     — Gregory Adams?

     — Ter boa memória é uma qualidade muito valiosa em um agente. Vejo que a tua não se embotou com o passar do tempo.

     Reaper se lembrava dele. Era um agente da RECUA com o qual tinha trabalhado uma ou duas vezes, durante sua vida anterior. E, rapidamente, as peças começaram a se encaixar e a ocupar seu lugar.

     — Trabalha para a Agência. Agora. Como vampiro.

     Gregory encolheu os ombros.

     — Eles querem que volte. Um vampiro como agente, treinado para matar, um vampiro a quem possam controlar com um par de palavras. Imagina quão valioso você é para eles?

     — Sabem, então.

     — Sabem tudo sobre ti, incluindo a quem te tenha reinventado como verdugo de vampiros renegados, como eu. Demônios, Rivera, é uma de suas operações mais ambiciosas. Transformaram-me em vampiro, difundiram minha fama de renegado, deram-me suas palavras chave. Minha missão era te atrair, te capturar com vida e te devolver a eles.

     — Era?

     — Tenho descoberto que esta minha nova vida eu gosto muito mais que a anterior. O poder. Mato ao meu desejo, tomo o que quero. Amealhei já uma pequena fortuna e quero mais. Mais dinheiro. Mais poder.

     — Meu poder.

     — Agora começa a compreendê-lo.

     — Terá que me matar para conseguir meu poder, Gregor. E isso não vai ser fácil.

     — Mais fácil do que você pensa, meu amigo. Agora, me permita te dizer o que vamos fazer — se voltou ligeiramente, embora sem apartar os olhos de Reaper. — Briar, carinho, sai do carro.

     A porta do co-piloto se abriu e ela saiu. Reaper entreabriu os olhos. Briar não parecia encontrar-se bem. Estava gasta. Tentava bloquear sua mente, mas em seu estado não o conseguia de todo. Reaper sentiu a dor e a debilidade que brotavam dela em ondas feitas. Lançou ao Gregor um olhar furioso.

     — Que demônios você lhe tem feito?

     — Só isto. — Gregor moveu a mão e Briar gritou e caiu de joelhos, levando as mãos ao pescoço.

     E então, foi quando Reaper viu o colar ao redor de sua garganta. Ficou doente ao compreender o que ocorria.

     — Basta. Maldito seja, basta! — deu um só passo para o Gregor.

     Gregor levantou o controle remoto que tinha na mão.

     — Um passo mais e ela sofrerá outra descarga. — disse ele.

     Reaper ficou quieto, enquanto Briar caía de bruços ao chão e ficava ali, tremendo e gemendo. Ele olhou para Gregor com ira.

     — Está bem. Diga-me o que quer que eu faça.

    

     Seth, Topaz e Jack foram cada um deles a uma esquina da casa com uma pedra do tamanho de uma maçã e um plano arriscado: atiçar ao parasita eleito com a pedra, rir a gargalhadas e escapar como se lhes perseguisse o demônio. Pensavam atrair aos parasitas ao bosque detrás da casa, ocupar suas posições e lhes estender uma emboscada quando chegassem.

     Enquanto isso, Roxy, com sorte, levaria a Vixen e ao Reaper à caminhonete e os afastaria dali.

     Seth não sabia sequer se Reaper estava ainda dentro da casa. Mas estava seguro de que Vixen estava ali, e não lhe importava morrer sempre e quando conseguisse tirá-la dali de uma vez.

     Deu tempo aos outros para que ocupassem seus postos, esperou o assobio do Jack, que era o sinal acordado, e logo arrojou a pedra como um lançador de beisebol.

     Seu parasita estava na esquina frontal esquerda da casa, muito perto da janela do Gregor, que agora era a janela de Vixen. Roxy se tinha escondido entre os arbustos, pronta para correr à janela e arrojar seixos a ela para atrair a atenção de Vixen, assim que o parasita se fosse.

     O parasita recebeu a pedrada justamente entre os olhos, e caiu como um saco de batatas.

     — Merda! — não estava previsto que ocorresse aquilo.

     Roxy separou os ramos da azaleia e olhou para Seth com uma expressão de «e agora o que fazemos?». Seth encolheu os ombros e cruzou o pescoço com o dedo, como se ele se cortasse o cangote. Logo, procurou rapidamente outra pedra, apontou ao parasita mais próximo e lançou seu projétil.

     O parasita reagiu como estava previsto, esfregou o ombro onde lhe tinha acertado a pedra, resmungou uma maldição e escrutinou a escuridão para ver quem demônios tinha atirado a pedra.

     Seth saiu de seu esconderijo, lançou-lhe um sorriso, saudou-o com a mão e logo deu meia volta e pôs-se a correr a toda velocidade. Ouvia Topaz e Jack correndo entre as árvores, esmagando arbustos e rompendo ramos. Suas pegadas soavam ritmicamente. Logo, de repente, detinham-se quando um ou outro saltava sobre um obstáculo.

     O plano devia funcionar, disse a si mesmo Seth, enquanto corria esquivando-se de árvores, agachando a cabeça para evitar os ramos mais baixos e saltando sobre tocos, troncos caídos e raízes. Os parasitas eram grandes, volumosos, nada ágeis. Fortes, sim, mas não ligeiros, nem flexíveis. Jack, Top e ele, em troca, podiam correr e saltar como gazelas.

     E isso foi o que ele fez. Quando chegou a uma clareira, ainda ouvia aproximar-se os parasitas, e não pareciam muito longe. Mas Jack e Topaz estavam esperando, cada um sob uma grande árvore. Topaz tinha escolhido um salgueiro e Jack um carvalho. Seth se aproximou rapidamente da sua árvore, uma nogueira, e a seu sinal os três saltaram, agarraram-se a um ramo e se encarapitaram nas árvores.

     Seth se acomodou entre os ramos da dele e tirou sua pistola de dardos. Não sabia quantos parasitas acudiriam, todos, imaginava, mas eles tinham levado toda a munição que tinham conseguido encontrar. Confiava em que fosse suficiente.

     Olhou para o outro lado da clareira e viu Topaz sentada muito longe do tronco da árvore, em um ramo grosso, tão comodamente como se estivesse em um banco do parque. As mechas do salgueiro penduravam diante de sua cara como uma cortina de encaixe. Estava preparada. Jack estava de pé em seu carvalho, com os pés apoiados em dois ramos separados, que partiam do centro e as costas contra o tronco. Ele também estava preparado, com a pistola nas mãos.

     Então os parasitas irromperam na clareira, e se desatou o caos. Seth apontou e disparou. Logo, carregou outro dardo, apontou de novo e voltou a disparar. Dois parasitas caíram. Em seguida, dois mais, quando dispararam Topaz e Jack. E depois mais outros dois.

     As pistolas de dardos eram silenciosas; o vaio dos dardos mal se ouvia, mas quando o segundo turno de parasitas caiu, os outros compreenderam que estava passando algo e começaram a olhar ao seu redor.

     Devia haver vinte, além dos que já estavam fora de combate, pensou Seth. E, em poucos segundos, encontrariam o lugar de onde procediam os dardos e, certamente, eles lhes fariam cair das árvores como ursos procurando frutos amadurecidos.

     Carregou e disparou outra vez. E outra. Num átimo, um dos parasitas o olhou fixamente, grunhiu, assinalou e carregou para ele.

     Seth disparou nele, e também ao que ia atrás dele, mas um terceiro saltou à árvore antes que ele pudesse voltar a carregar.

     Um dardo se cravou em seu ombro, entretanto, e o parasita ficou rígido, desabou-se para trás e caiu ao chão.

     Topaz saudou a Seth com a mão e voltou a apontar aos parasitas. Tinham rodeado sua árvore e se equilibravam para ela, mas Jack e Seth conseguiram disparar antes que a alcançassem. Eles chegaram o bastante em cima para agarrar sua perna, e ela golpeou um parasita na cabeça com a pistola; então Jack lhe cravou um dardo nas costas, e o parasita caiu ao chão.

     Maldição, eles seguiam chegando e a munição começava a escassear. Ao Seth só ficavam três dardos, e via pelo menos sete ou oito parasitas a mais. Disparou em um. Um segundo caiu, alcançado por algum de seus companheiros. Um terceiro se aproximou de sua árvore e começou a subir enquanto um quarto rugia junto à árvore do Jack. O quinto, o sexto e o sétimo seguiam no chão. Dois dardos ainda, pensou Seth, e disparou no que subia por sua árvore, mas errou o tiro.

     O dardo caiu ao chão, enquanto o parasita seguia subindo. Lançou em Seth um tapa, golpeou-o no flanco e esteve a ponto de fazê-lo cair. A dor atravessou Seth, enquanto lutava por colocar o último dardo na pistola. Olhou ao outro lado da clareira, em busca de ajuda, mas Topaz e Jack estavam muito ocupados.

     Carregou a pistola no instante em que o parasita voltava a lhe dar um golpe, e desta vez disparou à queima-roupa e o dardo se afundou no pescoço de seu oponente. O parasita soltou Seth e caiu ao chão, aterrissando de costas. Os outros três olharam Seth do chão e se equilibraram para a árvore. Um deles saltou e aterrissou em um ramo, a seu lado. Seth reagiu instintivamente: saltou da árvore, segurando sua pistola, já inútil.

     Não tinha mais munição. Os outros dois parasitas estavam sob a árvore, e se voltaram para seguir seu avanço através do ar, até que atingiu o chão. Logo, lançaram-se atrás dele, cada um por um lado.

     Seth ouvia Topaz lutar com seu parasita, e a última vez que tinha olhado Jack, este estava também muito atarefado. Seth estava esquecido, mas vislumbrou o dardo que tinha caído ao chão e se moveu a toda velocidade. Lançou-se para ele, rodou pelo chão ao recolhê-lo e se levantou de um salto, brandamente. Logo, colocou o dardo na pistola, apontou a um dos parasitas e disparou.

     O parasita caiu e Seth apontou ao segundo.

     — Não te mova, a não ser que queira acabar como ele.

   O parasita ficou imóvel, assustado pela arma descarregada, ao menos momentaneamente. Seth olhou para trás, para Topaz, bem a tempo de ver que sua pistola caía ao chão e que um parasita pulava sobre ela na árvore. Então, ela afundou um dardo no peito de seu agressor com suas próprias mãos.

     Seth olhou para a esquerda e viu Jack golpeando a um parasita na cabeça com a culatra de sua arma, até que ele caiu por fim da árvore.

     Topaz empurrou com todas as suas forças para tirar de cima de si ao parasita inconsciente e deixou cair seu corpo ao chão. Logo, desceu de um salto, inclinou-se para recolher sua pistola de dardos, caminhou com calma para Seth e disparou no único parasita que ficava, que permanecia de pé ante a pistola descarregada dele.

     O parasita se desabou e ela inclinou a cabeça olhando Seth.

     — De nada.

     — Eh. Obrigado.

     Jack também desceu de um salto e se aproximou deles.

     — Estão bem? — perguntou, mas só olhava Topaz.

     — Sim. E você, Seth? — ela o olhou de cima abaixo.

     — Sim, estou bem. — respondeu ele, e notou que Topaz olhava para Jack quase antes de que respondesse.

     — Eu também. — disse Jack. — Saiamos daqui, antes que apareçam mais caipiras destes, de acordo?

     — É a melhor idéia que você teve em toda a noite. — lhe disse Seth.

    

     Vixen rompeu a fechadura da jaula, abriu a portinhola e estendeu o braço para ajudar à mulher a sair, mas ela se encolheu e tentou esquivar seu contato, e Vixen retrocedeu um pouco.

     — Não passa nada. — sussurrou. — Vou te tirar daqui.

     — Você é uma deles.

     Eram as primeiras palavras que ela dizia, e sua voz era débil e áspera. E, entretanto, forte. Havia nela um tom desafiante, que parecia um tom desconjurando, em vista da situação. Vixen se surpreendeu em ouvi-lo.

     — Sou um vampiro, sim. — admitiu. — Mas não como o que te colocou aqui. Embora suponha que em seu lugar, eu também desconfiaria. Gregor é o único que conhece, verdade?

     A mulher assentiu, tremente, enquanto saía da jaula. Logo, se ergueu com evidente dificuldade e tentou cobrir-se com seus farrapos.

     — Antes nem sequer sabia que existiam. — disse ela.

     Vixen se aproximou de um armário e tirou uma camisa branca do Gregor. Deu a roupa à mulher, que a agarrou rapidamente e logo retrocedeu e a pôs.

     — Como se chama? — perguntou Vixen, enquanto a mulher fechava atabalhoadamente os botões, com mãos trementes.

     — Alinhava.

   — Eu sou Vixen.

     — O que vais fazer comigo, se consegue me tirar daqui? — perguntou Alinhava.

     — Nada. Ajudar-te-ei se o necessitas, mas, além disso, poderá fazer o que quiser. Embora... antes que partas, certamente convenha que me deixe te contar algumas coisas sobre ti.

     Alinhava a olhava fixamente.

     — O que poderia me dizer? Nem sequer me conhece.

     — Sei que você tem um estranho antígeno no sangue, uma desordem vascular e que começa a mostrar sinais de debilidade e letargia.

     Os olhos da mulher se aumentaram. Mas logo se voltou bruscamente e deixou escapar um gemido, quando algo golpeou a janela.

     — Fique tranqüila. Deixa que eu jogue uma olhada. — Vixen se aproximou da janela e olhou para fora. Roxy estava debaixo, agitando os braços. — Alinhava — disse Vixen brandamente— , você já está há algum tempo presa neste quarto. Há um alarme nesta janela?

     — Não. Ele a abriu esta noite, faz um momento. Não havia alarme. Não o vi fazer nada para desativá-la.

     — Obrigada. — Vixen abriu a janela, contendo o fôlego e suspirou de alivio ao comprovar que não soava nenhum alarme. Logo, ela apareceu com a cabeça para fora.

     — Os outros afastaram aos parasitas. — disse Roxy em voz baixa. — Agora é sua oportunidade. Mas ande depressa.

     Vixen assentiu e subiu todo o corpo na janela.

     — Vamos, Alinhava. Temos que ir já.

     A mulher se aproximou da janela e olhou fora.

     — Não há por onde descer.

     — Por isso, vamos saltar.

     Alinhava voltou a cabeça para ela e a olhou fixamente. Deus, tinha umas maçãs do rosto assombrosas, pensou Vixen.

     — Isso é impossível. — disse a mulher dos olhos violetas.

     — Para mim é um saltinho. E você vai ter que confiar em mim. Não te passará nada. Se agarre nas minhas costas.

     — Peso mais do que você. Não pode me carregar...

     — É mais alta, porém mais magra. Além disso, sou um vampiro. Poderia levar em cima do ombro a três como você sem nenhum problema. Agora, vais vir comigo ou quer que te deixe aqui?

     Vixen se voltou, ofereceu-lhe as costas e esperou.

     — Devo estar louca. — sussurrou Alinhava, mas se aproximou e rodeou o pescoço de Vixen com os braços. — Claro que, embora nos rompamos todos os ossos do corpo ao cair, prefiro isso a ficar aqui.

     — Nem sequer vamos nos romper uma unha. — disse Vixen. Baixou as mãos para agarrar as pernas de Alinhava, colocou-as ao redor de sua cintura e subiu um pouco mais a Alinhava sobre suas costas. — Se agarre forte.

    

     Roxy não tinha gostado do que tinha tido que fazer, mas o tinha feito de todos os modos. Assim que Seth pôs-se a correr, e todos os parasitas que guardavam a mansão se lançaram para o bosque, em sua perseguição, ela saiu de entre o arbusto de azaleia, desencapou sua faca e se ajoelhou junto ao parasita que Seth tinha golpeado com sua primeira pedra.

     Sem fazer ruído, cortou-lhe a garganta limpamente. O sangue emanou, embora não com a força, semelhante ao de uma mangueira de pressão, que ela teria esperado de um vampiro. Claro que os parasitas não eram exatamente vampiros, embora ela não soubesse o que eram. Seu sangue fluiu lentamente, mas sem pausa. Morreu em questão de segundos.

     Logo, Roxy se voltou e começou a jogar seixos à janela até que Vixen a abriu e olhou para baixo. Roxy lhe fez gestos, disse-lhe que se apressasse e Vixen assentiu, desapareceu de sua vista e um momento depois voltou a aparecer na janela.

     Roxy teve só um instante para ver atrás dela uma cabeça loira. Depois, Vixen saltou e seu cabelo vermelho voou ao vento. Não estava sozinha.

     Caiu ao chão, escondida para absorver o impacto, e se incorporou lentamente, ao mesmo tempo em que baixava as pernas da mulher ao chão.

     A loira apoiou os pés e ficou olhando Roxy, assustada. Levava uma camisa grande e branca de homem que abotoou de tudo e lhe caía até às coxas. Embaixo dela, se viam os farrapos de um vestido. Seu cabelo recordou a Roxy o de David Bowie.

     — Alinhava, esta é Roxy. Roxy, Alinhava. — disse Vixen. — Não há tempo para mais, temos que ir procurar Reaper e Gregor. Onde está a caminhonete?

     — Não vamos levar a outra pessoa...

     — É uma Escolhida, Roxy. Encontrei-a em uma jaula de dois metros quadrados, no dormitório de Gregor. Não fica outro remédio senão ajudá-la. Onde demônios está a caminhonete?

     Roxy olhou aos olhos de Alinhava e inclinou a cabeça uma vez.

     — Perdoa. Não sabia. Shirley está por aqui. Vamos depressa, antes que apareçam mais parasitas.

     — O que significa isso? — perguntou Alinhava. — Que sou uma Escolhida. O que é isso? E quem é Shirley?

     — Shirley é minha caminhonete. O resto... — Roxy sacudiu a cabeça. — Não há tempo para o resto. Nós lhe explicaremos isso tudo mais tarde, céus. Você vem conosco.

     — Temos outro amigo em apuros. — disse Vixen. — Ah, a caminhonete. Menos mal. — viu ao longe e correu para ela, deixando que Alinhava acompanhasse Roxy a passo mortal.

     — Onde estão os outros? — gritou Vixen do assento do co-piloto.

     — Boa pergunta. Supunha-se que foram montar uma emboscada aos parasitas no bosque, mas tinham pouca munição e...

     «Vixen?».

     Ao ouvir a voz de Seth em sua mente, Vixen levantou uma mão.

     «Estou aqui. Estou a salvo. Mas temos que ir procurar Reaper, Seth. Ele está em perigo.»

     Antes que pudesse dizer nada mais, ele abriu a porta lateral da caminhonete e subiu. Estendeu um braço para ela, mas, ao ver que ela se apartava, conformou-se, posando a mão sobre seu pescoço.

     — Está bem de verdade.

     — Sim.

     Só então se fixou ele na loira, que ocupava o assento do centro, justo diante dele.

     — E nos trouxeste outro bichinho extraviado. Bem-vinda à banda, loira.

     Alinhava franziu o cenho. Saltava à vista que não sabia o que pensar do Seth. Ele não se encaixava no molde, pensou Vixen. Certamente, não lhe parecia absolutamente um vampiro.

     — O que aconteceu a Reaper? — perguntou Seth.

     Topaz e Jack subiram na parte de atrás e fecharam as portas, e Roxy pôs em marcha a caminhonete e arrancou.

     — Dá a volta, Roxy. — disse Vixen. — Temos que ir para o outro lado. Lembro exatamente as indicações. Reaper pediu ao Gregor que se encontrasse com ele ali, a sós, mas Gregor não foi sozinho. Levava Briar com ele.

     — Maldito seja. — disse Seth.

     — Está longe? — perguntou Roxy.

     — Não muito. Dobre à direita... Aí. — disse, e assinalou com o dedo. — E logo, a seis quilômetros daqui, outra vez à direita.

     — Entendido. — disse Roxy, e pisou a fundo no acelerador.

      

     — Vou te dizer o que vamos fazer. — disse Gregor brandamente.

     Reaper não olhava para ele, a não ser para Briar. Ela tinha se dobrado para diante, com os joelhos flexionados, e tinha a cara sobre as coxas e os braços ao redor da cabeça. Todo seu corpo tremia.

     — Toma. — disse Gregor.

     Reaper voltou a cabeça ao ouvir sua voz, e viu que lhe estendia uma adaga. Era dourada e a folha media dez centímetros. O punho era de haste lavrada. Seu fio parecia afiado como o de uma navalha.

     — Tome-a. — disse Gregor.

     Reaper agarrou a adaga.

     — Agora quero que te ajoelhe.

     — Gregor, isto é... — começou a dizer Reaper.

     Gregor apertou o botão. Não ameaçou fazendo-o, não sugeriu que pudesse, simplesmente o apertou. Briar uivou de dor e se desabou, com a boca para baixo, sobre o chão. Logo, quando Gregor soltou o botão, ela se aconchegou em posição fetal, de lado, e se abraçou os joelhos contra o peito, tremendo.

     — Não tinha que fazer isso.

     — Perde o tempo voltando a me falar e o farei até que ela morra. Agora, te ajoelhe. Não fale, não faça perguntas, não discuta, só obedeça.

     Reaper assentiu com a cabeça e se ajoelhou. Achar-se de joelhos ante aquele indesejável lhe dava vontade de vomitar, mas não acreditava ter escolha.

     — Agora, estende o braço direito, com a palma para cima.

     Reaper levantou o braço e o girou de modo que o pulso e a palma ficassem para cima. Com a outra mão, ele segurava a adaga, e se perguntava se poderia atravessar com ela a garganta de Gregor antes que este pudesse apertar de novo o maldito botão.

     — Corte seu pulso, Reaper. Logo depois, solte a faca e fique aí ajoelhado, dócil e em silêncio, enquanto bebo seu poder até que não fique nada. Vou te deixar seco. Vou te arrebatar seu sangue e seu poder. Tenho-o à minha mercê, para mim, não para a RECUA, nem para ninguém. Corte o pulso, Rivera. Depois, nutra-me com sua vida.

   Reaper abriu a boca para protestar, mas Gregor voltou a levantar o controle-remoto e seu polegar ficou suspenso sobre o botão.

     — Quer que siga lhe fazendo mal? Reduzi-la-ei à loucura, talvez inclusive a torture até morrer agora mesmo, se te negar, Reaper. Diga uma só palavra. E acredito que desfrutarei.

     Reaper fechou os olhos. Levantou a adaga, aproximou-a de seu outro braço e apoiou seu fio sobre sua pele. Logo, mordendo o lábio inferior, abriu os olhos e se concentrou em Briar. Ela estava ali estendida, aturdida pela dor, e ele sabia que tinha que fazer aquilo, que tinha que lhe economizar mais sofrimentos. Olhá-la o faria mais fácil.

     Olhou sua juba negra e se preparou para afundar a folha em sua carne e acabar com sua vida. Um veículo se dirigia a toda velocidade para eles, mas Reaper não prestou atenção ao resplendor de seus faróis. Não importava. Era muito tarde.

     E então, enquanto a olhava, Briar levantou a cabeça fracamente do chão e cravando as unhas na terra para reunir forças, olhou-o aos olhos, abriu os lábios e murmurou uma só palavra.

     — Rouxinol.

        

     Seth se agarrou a seu assento, quando Roxy entrou no descampado a tal velocidade que a caminhonete ficou a duas rodas. Ela freou de repente, assim que os faróis iluminaram aquela cena de pesadelo.

     Reaper estava ajoelhado ante Gregor; em uma mão segurava uma adaga com a qual parecia a ponto de cortar o pulso da mão contrária. Perto havia um carro escuro e baixo. Briar estava no chão, a seu lado; apenas se movia e Seth se perguntou fugazmente se estaria morta.

     Mas, enquanto saíam da caminhonete. Briar levantou a cabeça. Cravou os olhos no Reaper e moveu os lábios.

     A palavra aflorou em um sussurro.

     — Rouxinol.

     — Nããoooo! — gritou Roxy, e pôs-se a correr para eles, com as mãos para diante, como se pudesse desse modo impedir o desastre. Mas, naturalmente, era muito tarde. Seth sabia.

     — Maldita seja, necessitamos de um dardo tranqüilizador. — disse.

     — Usamos todos com os parasitas. — lhe disse Topaz. — Segurem, antes que se volte louco!

     Puseram-se a correr ao tempo que os olhos do Reaper ficavam em branco e a adaga que sustentava na mão ficava suspensa no ar.

     — Puta! — rugiu Gregor, e ao dizer isto apertou o botão de um pequeno dispositivo que pendurava de seu pescoço. Briar começou a gritar e a convulsionar-se no chão. No que durava o batimento de um coração, Seth compreendeu que era o maldito colar, mas não havia tempo para pensar nisso.

     Gregor abriu a boca para dizer algo mais, mas não chegou a articular nenhuma palavra. Reaper o agarrou pelo pescoço e, levantando-o limpamente, esmagou sua laringe enquanto Gregor esperneava e se debatia.

     — Detenham-no! — gritou Roxy, enquanto os vampiros se aproximavam correndo. — Temos que detê-lo. Precisamos saber a segunda palavra, a que faz Raphael voltar em si. Se machuca ao Gregor...

     Seth não precisou ouvir mais. Apertou o passo, surpreso de que Jack o seguisse, pegado ao seu ombro. Topaz e Vixen foram justo atrás deles, e Roxy lutava por alcançá-los.

     Seth e Jack se equilibraram sobre Reaper. Reaper usou sua mão livre, a que sujeitava a adaga, para apartá-los. Lançou uma estocada arqueando o braço e a folha voou para a cara do Seth.

     Não havia tempo para agachar a cabeça, pensou Seth, preparando-se para o corte.

     Mas algo caiu ao chão justo antes que a mão do Reaper o golpeasse, e Seth se deu conta em um instante, antes que a dor estalasse, de que Reaper tinha soltado a adaga.

     E não podia ter sido por acidente.

     Seth caiu ao chão e se levantou a tempo de ver que Jack rodava pelo chão e se detinha seu lado. Além dele, vislumbrou a caminhonete e à mulher loira que permanecia de pé na porta aberta, olhando-os com os olhos como pratos. Logo, ele olhou a Reaper e viu que seguia sujeitando a Gregor.

     — Começam a saltar-lhe os olhos. — observou.

     — Tem graça, não é? — disse Jack.

     Seth teria se contentado ficando ali sentado e deixar que Gregor sofresse, mas Topaz e Vixen se equilibraram sobre Reaper. Vixen se aferrou ao braço com o qual sujeitava Gregor e tentou com todas suas forças que abrisse a mão.

     Topaz saltou sobre suas costas e lhe pressionou o pescoço com o antebraço, enquanto lhe falava rapidamente e com firmeza ao ouvido.

     Roxy se uniu a elas e começou a puxar Gregor com todas suas forças. Depois somou seus dedos aos que já tentavam que Reaper abrisse a mão.

     — Demônios. — disse Seth. — Será melhor que vamos defender às garotas.

     — É claro que sim. — Jack se levantou com ele e ambos se uniram à refrega. Atiraram e empurraram até que por fim o corpo do Gregor caiu ao chão, livre da garra do Reaper.

     Mas então Reaper se voltou contra eles. Seus punhos voavam, seus pés chutavam e seus amigos começaram a receber a surra que, uns momentos antes, ia dirigida ao Gregor.

     Gregor se levantou e se dirigiu para o carro arrastando os pés. De caminho, agarrou Briar pelo cabelo e a levantou, empurrando-a para a porta do co-piloto.

     — Detenham esse bastardo! Necessitamos a segunda palavra! — gritou Seth. Reaper lhe deu um murro, e ele desabou; logo se levantou de um salto e tentou de novo reduzir a seu amigo, agarrando seus braços e os puxando para trás. — Basta, Reaper! Somos nós!

     Vixen ficou em pé, deu a volta e correu para Gregor e o carro. Seth tentou não perdê-la de vista, enquanto tentava raciocinar com seu mentor.

     — Reaper, você não quer nos fazer mal. Sabe. Procura em seu coração. Somos seus amigos.

     Gregor não viu chegar Vixen. Ela se aproximou dele pelas costas, correndo, e lhe arrancou a corrente que levava no pescoço, rompendo-a. O controle remoto caiu ao chão enlameado.

     Gregor soltou Briar e se voltou para Vixen, que imediatamente lhe atirou um murro na cara. O golpe lhe fez inclinar a cabeça, mas um instante depois deu uma bofetada em Vixen, fazendo-a cair ao chão, junto a Briar.

     Depois, Seth não pôde ver nada mais porque Reaper proferiu um uivo de fúria animal, largou-se e se equilibrou para Topaz, que, tentando convencê-lo, pôs-se diante dele.

     Seth saltou para diante ao tempo que Jack puxava Topaz e a colocava atrás dele, ficando cara a cara com o Reaper.

     — Temo que não, grandalhão. A ela não vai fazer mal. — disse Jack.

     Seth ouviu o ruído do carro e compreendeu que Gregor tinha fugido. Atreveu-se a olhar naquela direção, presa do pânico, mas Vixen estava bem. Ajoelhou-se ao lado de Briar, que seguia caída no chão. Certamente, era já muito tarde para tentar conseguir a segunda palavra.

     Topaz e Jack estavam a ponto de agarrar de novo a Reaper, mas Seth levantou as mãos.

     — Não. Parem. Se afastem todos. Saiam do meio. Vixen. — chamou — tire esse colar de Briar antes, que esse porco siga torturando-a.

     Ela levantou o colar. Ele tinha se adiantado, como sempre. O controle remoto pendurava de sua outra mão. Seth assentiu e disse:

     — Quero que se mantenham todos à distância. Isto é entre ele e eu.

     — Mas, Seth, ele te matará. — soluçou Vixen. Levantou-se e se aproximou correndo. Deteve-se a uns passos dele, frente a Reaper, e se agachou, pronta para saltar. Reaper tinha adotado a mesma postura.

     — Sabe o que? Acredito que não o fará. — disse Seth.

     Logo se umedeceu os lábios e a olhou, mas só um momento, porque Reaper estava preparado para equilibrar-se sobre ele.

     — Mas, no caso de que me mate, neném, tenho que te dizer que fui um idiota, e que eu sei. Estou apaixonado por ti. Completamente. Apaixonado pela mulher, pela raposa e pelo vampiro. E, se sair desta, espero que me dê outra oportunidade. Não outra oportunidade para te fazer mal. Isso não voltará a acontecer. Outra oportunidade para te fazer feliz, já que a magoei da primeira vez. Necessito outra oportunidade para te demonstrar que o que sinto é real. E total.

     Ela piscou e sacudiu a cabeça.

     — Seth, eu... — suas palavras se converteram em um grito, quando Reaper se equilibrou sobre Seth. A partir desse momento, Seth só pôde defender-se.

     Jack e Topaz seguraram Vixen pelos braços e a levaram para o lugar onde tinha estado o carro e onde Briar estava inconsciente, no chão.

     — Temos que tentar ajudá-la. Não falta muito para que amanheça.

     Isso foi a única coisa que ouviu Seth. A loira, Alinhava, seguia observando tudo com olhos assustados, da porta da caminhonete. Roxy estava ali perto, mas não intervinha.

     Reaper atacava e Seth se defendia, bloqueava seus golpes, esquivava seus murros, agachava a cabeça, retorcia-se, mas não devolvia os golpes. Seu plano consistia em deixar que seu amigo se esgotasse.

     Mas quem começava a se esgotar era ele. Pôs a rasteira em Reaper e o viu cair, mas logo Reaper se levantou de novo e lhe lançou um chute que o fez voar. Seth golpeou o chão com violência e ficou sem respiração. Teve que sacudir a cabeça para clarear a vista.

     Viu Topaz e Jack levarem Briar entre os dois para a caminhonete. Viu Vixen aproximar-se e dar a mão a Roxy, enquanto ambas os observavam com os olhos muito abertos. Reaper ia para ele, e Seth teria gostado de esperar, descansar um minuto, mas Reaper se voltou e, ao ver Vixen e Roxy, começou a mover-se para elas.

     Seth se levantou de um salto e correu para ficar em seu caminho.

     — Não tão depressa, amigo. Ainda não acabou comigo.

     Reaper saltou para ele.

     Vixen levantou a cabeça, abriu a boca e Seth leu seu pensamento e gritou:

     — Vixen, não! — lhe encaixou um golpe e caiu de novo. Com força. Estava enjoado e dolorido. — Não chame a nenhum animal. — conseguiu dizer— Poderiam lhe fazer mal.

     Ela baixou a cabeça.

     — Está fazendo mal a ti! Basta, Reaper. Basta! — gritou ela, e se largou da mão de Roxy, para lançar-se sobre as costas de Reaper, quando este se dispunha a descarregar outro golpe sobre a cabeça do Seth.

     Seth retrocedeu sem levantar-se. Vixen se aferrou às costas do Reaper. Este jogou os braços para trás para tentar tirar-lhe de cima, mas antes que pudesse fazê-lo, a loira apareceu de repente, cravou algo no braço do Reaper e se apartou correndo.

     Só percorreu cinco metros. Logo se deteve e se voltou para olhar.

     Reaper piscou, assombrado, e cambaleou um pouco. Vixen seguia obstinada, às suas costas, com os braços ao redor de seu pescoço. Seth viu que um pequeno dardo se sobressaía do ombro do Reaper.

     Então Reaper caiu de joelhos.

     Vixen o soltou e baixou ao chão. Reaper se inclinou lentamente para diante e caiu de bruços ao chão.

     Vixen levantou a cabeça e olhou Seth nos olhos. Ele estava no chão. Reaper estava entre eles. Vixen saltou sobre ele e, enquanto Seth se levantava, jogou-se em seus braços.

     Trêmula e com a cara molhada pelas lágrimas, abraçou-se a ele. Seth beijou sua cara, seu pescoço e a abraçou tão forte que teve que fazer um esforço por afrouxar seus braços, temendo lhe fazer mal.

     — Já passou tudo. — dizia uma e outra vez. — Quero-te. Quero-te, Vixen. Quero-te tanto. Nunca quis a ninguém mais. Nunca. E nunca quererei a outra. Só a ti. Só a ti.

     Ela soluçava, e ele não sabia se falava ou se somente chorava. Não sabia se ela estava feliz, se estava triste, se tinha o coração quebrado, estava traumatizada, ferida ou todas essas coisas juntas. De modos que se limitou a abraçá-la, dando graças às estrelas por que ela estava bem.

     A loira ficou onde estava. Roxy se aproximou dela e disse:

     — Acredito que talvez tenha salvado o dia.

     — Encontrei o dardo no chão da caminhonete. Ouvi que Seth se lamentava de não ter um, e me dei conta que ajudaria.

     — Era a única coisa que podia ajudar.

     Ela entreabriu os olhos olhando firme para Roxy.

     — Você não é como eles.

     — Não. Em realidade, sou como você.

     A mulher enrugou o cenho, confundida, e Roxy lhe deslizou um braço ao redor dos ombros e a conduziu para a caminhonete.

     — Vamos. Temos um largo bate-papo pela frente, Alinhava. E, quando acabar, te levarei aonde queira ir, de acordo?

     Alinhava assentiu com a cabeça.

     Jack e Topaz tinham deixado Briar na caminhonete, e se agacharam em ambos os lados do Reaper.

     — Está OK. — disse Jack.

     — Sim, e despertará com uma dor de cabeça de mil demônios e de muito mau humor. Mas ao menos, estará vivo. — acrescentou Topaz.

     Levantaram-no entre os dois e o arrastaram para a caminhonete.

     Vixen levantou a cabeça e olhou Seth nos olhos.

     — Gregor escapou.

     — Nós o pegaremos cedo ou tarde. — disse Seth— Não podemos é permitir que ande por aí solto, controlando desse modo ao nosso amigo.

     Ela assentiu.

     — Estou de acordo. E... vou ficar contigo.

     — Por quê? — ele esquadrinhou seus olhos, esperando sua resposta. Ela piscou, confusa.— Vixen, o que te estou perguntando é se vai ficar comigo porque quer seguir com o bando e nos ajudar a apanhar ao Gregor, e porque quer compensar ao Reaper por algo, ou...?

     — Vou ficar por todas essas razões e por uma a mais. Por que eu te quero Seth. — lhe disse ela. — Antes pensava que o amor era a emoção humana mais estúpida e inútil. Até que o senti. E agora... Agora acredito que é a mais maravilhosa.

     Seth sorriu, atraiu-a para si e a beijou.

     — Eu também te quero, Vixen. E agora eu sei que para isso nasci. Sempre senti que eu estava destinado a fazer algo grande, algo importante. E acredito que esse algo é você. Salvar-te da prisão do Gregor, te trazer para o bando, me apaixonar por ti, te querer... Acredito que esse é meu destino.

     Ela o olhou aos olhos e sussurrou:

     — Parte de seu destino, possivelmente. Mas há mais, acredito. De fato, — murmurou enquanto olhava para a caminhonete— , estou segura disso. Há algo mais, e não é somente seu destino. É o de todos nós.

     Seth a apertou contra seu flanco e puseram-se a andar para a caminhonete.

     — Reaper poderia me haver matado sete vezes, sabe? E não o tem feito.

     Ela assentiu com a cabeça.

     — Está seguro disso?

     Seth fez uma careta e logo encolheu os ombros.

     — Não. Mas eu quero estar. – Ele a olhou. — Impediu que Gregor levasse Briar.

     Ela assentiu.

     — Não podia permiti-lo... Não podia.

     Seth fez um gesto de assentimento.

     — Ela alguma vez voltará a te fazer mal, sabe?

     — Sei. — Vixen sorriu e levantou o olhar para ele. — Fiquei com o colar.

     As estrelas os contemplavam quando subiram à caminhonete. Seth fechou a porta e disse:

     — Vamos, Roxy.

     — Aonde? — perguntou ela.

     — Em busca de nosso destino. — lhe disse Vixen— Onde, se não?

 

 

                                                                                                    Maggie Shayne

 

 

 

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