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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O DUQUE SOMBRIO / Margaret Moore
O DUQUE SOMBRIO / Margaret Moore

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Adrian Fitzwalter, também conhecido como o Duque Negro, desafia as tradições e o bons costumes ao se apaixonar por Hester Pimblett, a dama de companhia de sua mãe. Ambos são rejeitados pela alta sociedade, que o vê como um traidor por não ter desposado uma jovem da aristocracia, ao mesmo tempo em que Hester é desprezada.

Mas Adrian guarda um segredo de família, uma promessa que fizera ao seu pai no leito de morte e que O impede de revelar a verdade; sobre ele e Elliott, seu ardiloso irmão. E ele está determinado a proteger Hester das artimanhas de Elliott a todo custo, até que possa unir seu coração ao dela para sempre.

 

 

 

 

Hampshire, 1863

Sua Excelência, a duquesa de Barroughby, estava profundamente descontente.

Lady Hester Pimblett, que, nos últimos quatro meses, havia servido de acompanhante para a duquesa, reconheceu imediatamente os sintomas.

- Faça a gentileza de me trazer o banquinho o mais rápido possível! - disse de modo rabugento a imponente mulher, com os olhos castanhos cheios de fúria, e o vestido preto de bombazina que lembrava uma armadura de guerra. - E feche as cortinas. Estou ficando com dor de cabeça!

Em momentos como esses, Hester tinha dúvidas quanto às vantagens de servir de acompanhante para a duquesa, em vez de morar com os pais, ou uma das irmãs recentemente casadas, pois, ao mesmo tempo em que corria para atender a dama, suspeitava que seus esforços para aliviar o mal-estar imaginário da mulher seriam inúteis. A duquesa amassou uma carta entre os dedos longos e finos, e Hester não pôde deixar de se perguntar o que ela poderia conter para provocar uma reação tão colérica.

A epístola ofensiva parecia ter sido escrita por um homem e, a julgar pela reação extrema da duquesa, não era de seu adorado filho. Sendo assim, Hester só podia concluir que o escritor da carta, ou seu tópico, era o enteado, o notório duque de Barroughby.

- Ele ousa me procurar! - a duquesa subitamente exclamou com veemência. - O tratante! O salafrário! Seu pobre pai estaria se contorcendo no túmulo se soubesse sequer a metade de tudo o que o filho tem feito!

Então, Lorde Adrian Fitzwalter, o filho mais velho do falecido duque, também conhecido como o Duque Negro de Barroughby, estava voltando para casa.

Desde a chegada de Hester, ele não visitara Barroughby Hall, e ela não podia negar sentir certa curiosidade para ver de perto o famoso indivíduo.

Seus poderes de sedução eram lendários, e Hester supôs que, se fosse mais bonita, teria motivos para temer sua chegada. Mas ela não o era, então, sem recear atrair a atenção de tal patife, podia aguardar sua chegada com certa dose de inofensiva empolgação. Talvez agora, pensou com um sorriso discreto, a família de fato prestasse atenção às suas cartas.

Jenkins, o mordomo, apareceu no vão da porta da sala de estar.

- Vossa Excelência? - indagou ele, curvando-se para as mulheres. - Está tudo bem?

Hester reprimiu outro sorriso. O velho criado não escutava muito bem, porém, teria de ser completamente surdo para não ouvir as reclamações.

- Por favor, traga um pouco de vinho para a duquesa - pediu Hester.

- Linho? Linho para o quê, minha senhora? - indagou Jenkins.

- Vinho! Um pouco de vinho para a duquesa.

- Ah, muito bem, minha senhora.

O mordomo deixou a sala, e, mais uma vez, Hester olhou para a indignada duquesa.

- Pelo menos, Elliot não está aqui! - exclamou a dama, preferindo ignorar que estivera esperando a visita do filho durante todo o tempo em que Hester estivera ali. - Eu deveria proibir a entrada de Adrian nesta casa, esse indivíduo infame! Vou expulsá-lo daqui imediatamente. Que impertinência!

Hester permaneceu em silêncio e permitiu que a duquesa continuasse esbravejando. Ela sabia que a dama não queria e nem precisava de respostas para continuar a expressar sua opinião.

- Isso mesmo. Não o cumprimentarei e nem lhe darei nenhuma atenção. Se ele quiser, pode ficar em alguma estalagem na cidade, mas não aqui! - Ela gemeu baixinho e cobriu os olhos. - Onde está o meu perfume? Chame o dr. Woadly. Não estou me sentindo bem. Estou tonta!

- Agora mesmo, Excelência - disse Hester, embora não tenha ido um criado para buscar o médico. Ela mesma passou o perfume na testa da duquesa. A moça não tinha certeza se era realmente necessário chamar o dr. Woadly, visto que ele passava um bocado de tempo em Barroughby Hall tratando de uma variedade de queixas insignificantes. - Quando o duque vai chegar? - perguntou ela, ao pousar o frasco na mesinha de canto.

A duquesa abaixou a mão e franziu a testa ao olhar para Hester.

- Hoje, é claro. - Ela voltou a cobrir os olhos com a mão. - Ah, que audácia! Ele sequer esperou a minha resposta.

- Porque sei que ela expressaria benevolência e contentamento - ecoou uma voz profunda vinda da porta.

Hester virou-se e olhou para o homem casualmente apoiado no batente da porta, com os braços cruzados sobre o peito largo. Era alto e o belo corpo era realçado pelo casaco azul-claro, a camisa de linho branca, a calça bege e as botas de cano longo. O cabelo era negro, assim como as grossas sobrancelhas, era tão lindo que Hester não teve dúvidas de estar diante do próprio Duque Negro.

Se havia algo de inesperado em sua aparência, era a palidez de seu rosto, pois o apelido "negro" também se referia ao bronzeado adquirido em longas horas cavalgando e caçando.

Hester fez uma ligeira reverência e se afastou da duquesa. O duque a fitou brevemente, e depois voltou sua atenção à duquesa, que estava olhando para ele com uma expressão que era um misto de surpresa, raiva e, para a surpresa de Hester, algo que poderia ser considerado medo. Ela acreditava não existir em toda a Inglaterra uma pessoa capaz de, mesmo que temporariamente, intimidar a duquesa, mas, ao que parece, ali estava tal indivíduo, em carne e osso.

Sua Excelência, momentaneamente privada da habilidade de falar, observou o duque entrar na sala e se sentar sem esperar ser convidado. Hester se dirigiu para a porta, pois supunha que sua companhia não era bem-vinda naquele instante.

- Hester, aonde você vai? - indagou de súbito a duquesa. - Não dei permissão para que se retirasse.

- Acredito, madrasta, que sua acompanhante encantadora ache indelicado permanecer - disse o duque. - Não é isso, miladyl

Ele a fitou com uma expressão ligeiramente indagadora que Hester achou desconcertante. Sendo a irmã menos atraente, não estava acostumada a qualquer tipo de olhar perscrutador, muito menos vindo de um homem da reputação do duque.

Antes que Hester pudesse falar, a duquesa interveio, tratando de apresentá-la.

- Esta é Lady Hester Pimblett. Seu pai é Lorde Pimblett.

- Encantado, Lady Hester - disse o duque, levantando-se e exibindo um sorriso sardónico que a fez perceber como ele conquistara a reputação de sedutor.

Oriunda de uma família igualmente antiga e quase tão prestigiosa, Hester considerava-se em condições de igualdade perante o duque, no entanto, sentiu-se corar diante de seu olhar intenso.

- Quero que ela fique. Não estou me sentindo bem - disse a duquesa, e Hester percebeu que, passado o choque inicial da chegada inesperada do duque, a duquesa estava de volta à velha forma.

O duque inclinou a cabeça, em sinal de aceitação. Talvez, fosse apenas relutância em discutir. Hester se conformou com o constrangimento da situação.

- Exijo saber o que o traz aqui - disse a duquesa, com seriedade.

- Mas não é possível que eu simplesmente queira visitar minha madrasta?

A resposta da duquesa foi um suspiro de desprezo.

- A mulher era casada? É por isso que teve de vir correndo se esconder no campo e nos incomodar?

- Ela não era casada. Mas não foi por isso que eu vim.

- Por que, então?

Hester notou um brilho de irritação nos olhos do Duque Negro, porém, ele permaneceu imóvel, o que não era o que ela esperava devido à sua reputação passional.

- Tenho todo o direito de vir para casa - disse ele, sem se alterar.

- Não me surpreende que tenha tido de deixar Londres. Suponho que tenha havido outro duelo.

- Suponha o que quiser, Vossa Excelência - respondeu ele, usando o tratamento mais formal possível. - Não vou incomodá-la durante muito tempo. Onde está Elliot?

- Ainda na França, graças a Deus.

- Ah. E quando o espera de volta?

- Qualquer dia destes, Adrian, qualquer dia destes. Devo dizer que me agrada muito que ele ainda esteja fora. Ele não precisa ser maculado por outro dos seus escândalos! Será que nunca pensa em nós? Nunca pensa no seu irmão? Não, não precisa se dar ao trabalho de responder! A resposta parece ser bem óbvia! Você só pensa em si mesmo!

A duquesa fitou intensamente o enteado, e, desejando não estar ali, Hester se sentiu constrangida. O duque ergueu-se lentamente.

- Se me der licença, vou me recolher ao meu quarto.

- Eu ainda não acabei! Quero saber o que fez desta vez!

O Duque Negro olhou para a duquesa, e Hester notou considerável desprezo nos olhos escuros.

- Por mais que eu esteja convencido de que seu interesse em saber os detalhes do último escândalo seja sincero, não direi nada, Excelência. Meu oponente não foi o único que se feriu, e, a não ser que queira me ver manchar o tapete de sangue - as mulheres deixaram escapar exclamações de surpresa, mas o duque não se alterou -, não me manterá aqui. Lady Hester, eu lhe desejo um bom-dia. Vossa Excelência, meus cumprimentos.

- Quer que eu chame um criado? - indagou Hester, passando por ele correndo, dirigindo-se para a porta.

- Hester! - gritou a duquesa. - Preciso de você.

Com ligeiro interesse, Adrian viu a mais recente acompanhante da madrasta - ou a mais recente escrava, como ele costumava considerar as pobres infelizes - hesitar. Para a sua surpresa, Lady Hester não voltou imediatamente para o lado da duquesa. Em vez disso, com uma expressão determinada, disse:

- Se me der licença, Excelência, não me demoro. Sem esperar resposta, ela deixou o aposento.

Adrian teria sorrido satifeito pela madrasta ser desobedecida, mas sabia que qualquer reação de sua parte só aumentaria a raiva da duquesa e dificultaria as coisas para Lady Hester.

Por que uma jovem de berço desperdiçava seu tempo cuidando da duquesa? Mesmo não sendo uma beldade, ela deveria ter outras opções além daquela, ele pensou.

Pimblett. Conhecia esse nome, e recordava-se das filhas, embora não de uma Hester. Helena Pimblett era tida como uma beleza digna de nota. Ele a vira certa vez em um teatro, e a considerara vaidosa e esnobe. Alguns conhecidos haviam lhe dito que a irmã mais nova também era uma beldade. Contudo, jamais ouvira falar de uma outra irmã, e agora entendia o porquê, pois esta jovem nunca seria capaz de chamar muita atenção em Londres.

Ainda assim, ela possuía alguma beleza. Os olhos eram de um azul cativante, adornados por cílios castanhos, da mesma cor do cabelo, que estava preso em um coque. O belo tom da pele e sua textura acetinada não deixavam dúvidas de que fora criada no campo. Havia uma delicadeza em suas feições que ele achava interessante, e a moça possuía um nariz do qual mulher alguma poderia se envergonhar. Ela estava vestida de modo simples, porém com bom gosto, e o feitio de seu corpo era mais do que aceitável.

A julgar pela forma como respondera à duquesa, também devia ser uma jovem bem incomum. Adrian pensava não existir em toda a Inglaterra alguém que não fosse intimidada pela mudrasta, no entanto, aparentemente havia. Com prazer, ele se deu conta de que era a acompanhante da duquesa.

Lady Hester apareceu no vão da porta, seguida de Jenkins e dois criados. A essa altura, o ferimento de Adrian estava doendo muito. Ele podia sentir o sangue escorrendo através da atadura. Ainda assim, não se sentia fraco a ponto de precisar da assistência de três homens.

Além do dr. Woadly, tomei a liberdade de mandar chamar um cirurgião para cuidar do duque - disse Lady Hester, com um tom de voz agradável.

Ela dirigiu-se à duquesa, antes de fitá-lo intensamente. Ele retornou o olhar com igual intensidade, e sorriu com todo seu charme.

Obrigado, Lady Hester.

EIa não corou, não desviou o olhar com falsa modéstia, e nem o fitou com impertinente curiosidade. Simplesmente retornou ao seu assento.

Adrian procurou se convencer de que sua reação, ou falta de reação, nada significava. Talvez a fraqueza e palidez resultantes da perda de sangue não o deixassem estar no melhor de sua forma. Sim, isso explicaria porque uma mulher como ela não respondia ao charme dele.

Decidiu ignorá-la e mancou na direção da porta.

- Jenkins, se eu puder me apoiar no seu braço, você pode dispensar os criados. Mande o médico para o meu quarto assim que ele chegar.

- Lady Hester! - chamou a duquesa. - Por favor, traga meus sais aromáticos.

Sem olhar para Adrian quando ele deixou o aposento, a jovem correu para o lado da duquesa.

- Devo realmente aparentar estar doente.

- Atentar o quê, Excelência?

- Eu não disse nada.

- Disse sim, Excelência - insistiu Jenkins. - Disse que eu devo realmente atentar alguma coisa.

- Estava falando do quadro de meu pai. Acho que ele precisa ser limpo.

Eles se detiveram para admirar o retrato do falecido quinto duque de Barroughby, que estava pendurado entre dois lances de escada. Ao seu lado, encontrava-se um pequeno retrato da mãe de Adrian.

- Ah, aqueles eram bons dias! - suspirou Jenkins. - Eu era mais jovem.

- Todos éramos - comentou o sexto duque de Barroughby, ao passar pelos quadros.

Capítulo II

- Não fique tão carrancudo, John - Adrian provocou o médico, que estava trocando o curativo do ferimento da perna.

- Já tive piores.

- E o que provocou este? - indagou John Mapleton. O homem corpulento estava meio ofegante devido ao esforço de se curvar sobre a perna erguida de Adrian. - Espada é que não foi.

- Pistolas a vinte passos de distância.

- Ah!

- Sangrou muito, mas, de acordo com o cirurgião de Londres, não houve dano permanente.

- Pura sorte. - Com um suspiro, Mapleton se endireitou. -Mais uma vez, pura sorte. Um dia desses, ela vai terminar, e o senhor vai acabar morto.

- Não tinha muito a temer de meu oponente. Estava mais preocupado que seu tiro atingisse o meu padrinho, ou algum espectador inocente.

- Sim. - Mapleton começou a guardar seus pertences na pnsla preta. - E qual foi o motivo? Uma mulher?

- Sim. - Mapleton lhe lançou um olhar desconfiado.

- Sua, ou de Elliot? Adrian não respondeu. Mapleton inclinou-se para frente, e retomou seu trabalho.

- De Elliot. Eu já devia saber. O jovem tolo fugiu para a Kuropa, para se esconder, e o senhor assumiu a culpa. Mais uma vez.

- Tudo já está resolvido, então prefiro não tocar no assunto.

Adrian estremeceu ao ficar de pé e colocar o peso sobre a perna.

- Em seu lugar, descansaria mais um pouco, Excelência. Diga-me, não lhe passou pela cabeça a ideia de vir até aqui de carruagem?

- Drake precisava de exercício, e, depois de Londres, eu queria o ar puro.

A voz profunda do dr. Woadly foi ouvida, ao passar diante da porta do quarto de Adrian.

- Receio que minha presença não tenha feito bem à minha madrasta - comentou ele, sarcástico.

- O senhor poderia mandá-la para a Casa do Dote. -Adrian lentamente voltou a se sentar.

- Para ela dizer para todo mundo que eu a despejei?

- Ela não tem direito a Barroughby Hall - afirmou Maplelon. - Seu pai deixou tudo para o senhor.

- É, deixou. - Adrian tirou um charuto de dentro do colete. - Suponho que, levando em conta a minha reputação, mais uma mancha não faça diferença. - Ele acendeu um fósforo. - É claro que já não pensei a esse respeito. Mas, meu pai iria querer que ela ficasse aqui. Assim como Jenkins.

- Seu pai já faleceu há mais de dez anos.

Sabendo que Mapleton jamais concordaria com ele em certas questões, Adrian ergueu a sobrancelha.

- Não sabia que promessas feitas a um pai à beira da morte vinham com prazo de validade.

- Pois, deveriam vir! - insistiu Mapleton.

- Isso é um assunto tão desagradável, John! Sente-se, e tome uma bebida comigo.

Mapleton pensou por um instante, e depois assentiu.

- Eu sirvo.

O médico dirigiu-se para uma outra mesa onde havia uma garrafa de licor e alguns copos de cristal. Ele serviu dois copos, e entregou um a Adrian antes de se sentar ao lado deste.

- Acho que deveria pensar seriamente em aposentar Jenkins. Dê ao homem um chalé e uma pensão. Ele está ficando velho demais para o serviço, sem falar na sua audição. Acho surpreendente que a duquesa ainda não o tenha despedido - completou Mapleton. - Ela não me parece ser do tipo que tem paciência para aguentar os erros dele.

- Ah, quanto a isso, eu posso explicar - retrucou Adrian, feliz por ver a conversa desviada da promessa que fizera ao pai. - Jenkins já era um homem de meia-idade quando a duquesa se casou com meu pai. Então, se Jenkins já está ficando velho demais para fazer o seu trabalho, quantos anos tem a duquesa?

Mapleton franziu a testa.

- Quer dizer que, se ela admitir que Jenkins precisa parar de trabalhar, estará admitindo que está ficando velha?

- Exatamente.

- Suponho que ter uma jovem que não é ostensivamente bonita como acompanhante a faça se sentir como se ainda fosse a mulher mais bonita da casa.

- É possível - concordou Adrian, pois tal explicação tambem esclareceria por que a duquesa não se zangara com a leve rebeldia da acompanhante. - Há quanto tempo Lady Hester está aqui?

- Cerca de quatro meses.

- Suponho que seja eficiente?

- Acredito que o dr. Woadly diria que sim.

- Ah, ele tem vindo menos a Barroughby Hall?

- É o que eu soube.

- Já conjecturamos o motivo pelo qual ela parece agradar minha madrasta, mas, por que Lady Hester fica aqui?

- Não faço a mínima ideia - respondeu Mapleton. - Talvez não tenha opção.

- E quanto aos pais? Sabe seja faleceram?

- Ah, eles estão vivos. Soube que foram passar uma longa temporada na Europa. Lorde Pimblett acredita que a mudança foi melhor para sua gota, ou, pelo menos, foi isso que Lady Hester disse. Ela me fez algumas perguntas relativas à enfermidade. Uma jovem muito inteligente e compassiva.

- Então, por que ela haveria de se isolar aqui com minha estimada madrasta?

- Por que não pergunta a ela?

-Talvez eu pergunte.

Mapleton franziu a testa e Adrian suspirou com verdadeiro desânimo.

- Ah, você também não! Eu lhe garanto que ela nada tem a temer do Duque Negro.

Mapleton riu, terminou a bebida e se levantou.

- Eu sei que não. Agora realmente preciso ir. Cuide bem dessa perna. Nada de cavalgar pelos próximos dias. Adrian assentiu distraidamente.

Ela chegou à biblioteca, pegou o livro e seguiu para a escadaria dos fundos da casa, o caminho mais rápido para o seu quarto.

Ao chegar ao andar de cima, deteve-se no corredor, notando que uma das portas entre ela e seu quarto, uma porta que sempre estivera trancada, estava entreaberta. Talvez fosse o quarto do duque, e ela teria de passar por ele.

Tal pensamento a encheu de um misto de receio e empolgação, até que Hester percebeu que estava sendo ridícula. Decerto, não estava pensando que o duque fosse pular de dentro do quarto, agarrá-la e arrastá-la para dentro. Ainda mais com a perna ferida restringindo os movimentos.

Sentindo-se encorajada, desceu o corredor, confiante. Contudo, seus passos ficaram mais lentos ao se aproximar da porta entreaberta. Um ligeiro gemido lhe chamou a atenção. Como não havia mais ninguém por perto, ela entrou cautelosamente.

O quarto estava escuro, pois o luar não conseguia atravessar as cortinas fechadas. Ela ergueu um pouco mais a vela, para examinar o enorme e luxuoso aposento.

Sob a cama de dossel, avistou o duque deitado de lado, virado na direção da porta. Daquele jeito, ele em nada lembrava o homem frio daquela manhã, e nem o vilão descrito pelos mexericos. Com os olhos fechados e os cabelos desalinhados, parecia apenas um menininho levado, embora não houvesse nada de infantil na sensualidade daqueles lábios.

Ela o observou se mexendo de modo irrequieto, virando de barriga para cima e cobrindo o rosto com o braço musculoso. Um braço musculoso e despido. Subitamente dando-se conta de que ele poderia estar nu sob as cobertas, Hester recuou, pronta para ir embora.

O duque gemeu novamente.

Talvez ele precisasse de ajuda. Talvez ela devesse tocar a campainha, solicitar ajuda, e ir embora antes que o criado aparecesse. O serviçal poderia acreditar que o próprio duque o chamara.

Mas se alguém passasse pela porta? Certamente avistaria a luz da vela.

Hester apagou a chama, de modo que o quarto ficou na mais completa escuridão. Ela esperou que os olhos se acostumassem à mudança, depois lentamente começou a avistar o vulto do duque e a corda que acionava a campainha ao lado da cama.

Andou lentamente e estendeu a mão, hesitando por um instante para admirar o nobre adormecido.

Ele se mexeu novamente, virando-se para ela e expondo o ombro poderoso.

Engolindo em seco, ela puxou a corda, depois saiu do quarto o mais rápido e silenciosamente de que foi capaz.

Então, Adrian Fitzwalter abriu os olhos e sorriu.

Na manhã seguinte, o duque sentou-se no banco de pedra do jardim, que era tão frio e duro como o coração da madrasta, e estendeu a perna esquerda ferida. Estava sentindo muitas dores, e, embora houvesse acreditado em Mapleton, que afirmara que o ferimento não era perigoso, Adrian não pôde deixar de pensar que demoraria a se recuperar o suficiente para partir, ou, pelo menos, para cavalgar.

Enquanto isso, apreciava o jardim e o dia quente incomum para o outono. Passou os olhos lentamente pelos canteiros de flores, pelas trilhas e pelos arbustos. A madrasta andara bem ocupada, ou, pelo menos, tinha dado muitas ordens. Restava muito pouco do jardim de sua mãe. Tudo agora era formal e, em sua opinião, sem qualquer beleza natural.

Talvez não houvesse sido uma boa ideia retornar a Barroughby Hall e todas as suas lembranças. Deveria ter permanecido em Londres, pelo menos até o Natal, e enfrentado este último escândalo lá.

Adrian se forçou a não pensar no rosto marcado por lágrimas de Elizabeth Howell, nem no corpinho de seu bebé morto, deitado no berço de madeira, ao lado da cama estreita e suja.

Ele se inclinou para frente e começou a esfregar a têmpora, como se, desse modo, pudesse apagar as lembranças. Fizera todo o possível, mesmo sabendo que jamais poderia compensá-la pela perda da honra, da felicidade e do bebé.

- Minha cara duquesa! Você deve estar tão aflita!

Adrian virou a cabeça na direção da sala de estar principal.

Era o reverendo cónego Lyton Smeech, o vigário da igreja local. Ele devia a posição à duquesa, e fazia questão de bajulá-la.

Adrian escutou outra voz feminina murmurar um cumprimento e a reconheceu como sendo de Hester Pimblett.

Um sorriso raro desenhou-se em seus lábios. Era uma mulher surpreendente. Aparentava ser tão tímida e reservada, tão obediente e dócil! Mas, eram apenas aparências, pois era necessária muita determinação para ignorar a duquesa, assim como um bocado de coragem para entrar no quarto do Duque Negro, mesmo estando adormecido, dada a sua reputação de incorrigível libertino.

Bem, talvez não fosse coragem, mas sim curiosidade feminina. Ou uma natureza passional que se ocultava sob aquela fachada apagada.

Uma voz desconhecida também cumprimentou. Quem poderia ser? Talvez alguém que ele devesse evitar, como o reverendo cónego Smeech. Ou talvez um cavalheiro interessado na discreta Lady Hester. Esta era uma ideia interessante, que merecia ser investigada, mesmo que a título de distração.

Sorrindo sombriamente, Adrian mancou na direção da casa.

Capítulo III

- Uma surpresa inoportuna para a senhora, Vossa Excelência - disse compassivamente o reverendo cónego Smeech.

- Ninguém faz ideia de como eu sofro - disse a duquesa melancolicamente. - Hester! - gritou para a acompanhante. - Preciso do meu leque.

Hester, sentada em uma cadeirinha à direita e ligeiramente atrás do sofá da duquesa, estendeu-lhe o item desejado. O cónego caminhou até a janela, e Hester sorriu para o pároco que chegara acompanhando o augusto clérigo, o reverendo Hamish McKenna, que parecia visivelmente constrangido. Se devido à opulência que o cercava, ou por não saber como reagir às alegações de enfermidade da robusta duquesa, Hester não tinha certeza. Contudo, ele exibiu um breve sorriso em resposta.

- Estou dizendo, ninguém faz ideia de como eu sofro! - continuou a duquesa. - Outro escândalo! O nome dos Fitzwalter, que também pertence ao meu filho, mais uma vez arrastado na lama! O que pode fazer uma mãe?

- Talvez, se a senhora conversasse com o duque - sugeriu gentilmente, com um ligeiro sotaque escocês, o reverendo McKenna.

A duquesa parecia surpresa, e o reverendo cónego Smeech lançou um olhar de censura para o pároco.

- Foi apenas uma sugestão - disse baixinho o reverendo.

- Uma sugestão imprópria - retrucou Smeech. - A duquesa não deseja e não deve se macular ao ter contato com o duque.

Hester não pôde deixar de sentir pena do reverendo McKenna. Não devia ser fácil trabalhar com o reverendo cónego Smeech, que era o tipo de clérigo que obviamente atendia apenas às necessidades dos membros mais abastados de sua paróquia, e deixava o grosso do trabalho para o seu assistente.

- Escutei alguém mencionar o duque? - perguntou o nobre ao adentrar o recinto.

O reverendo McKenna se ergueu para cumprimentá-lo, a duquesa franziu a testa e o cónego Smeech se curvou.

- Vossa Excelência - disse com um sorriso. - Não esperávamos a sua companhia.

- Eu notei que não - comentou o duque, caminhando na direção do sofá e sentando-se ao lado da madrasta. - Mais uma vez nos encontramos, cónego Smeech.

Hester notou que a duquesa se afastou do duque, como se ele possuísse uma doença contagiosa.

Ela também notou que ele parecia estar mais relaxado, a perna não parecia mais incomodá-lo, estava decididamente mais arrumado do que da última vez que o vira, e parecia não notar a presença dela.

- Meu senhor, permita-me apresentar-lhe o reverendo Hamish McKenna, meu pároco auxiliar - disse o clérigo mais velho, curvando-se, e Hester teve de se esforçar para reprimir o sorriso. Era óbvio que o pobre reverendo não queria ofender nem o duque, nem a duquesa. - Sua madrasta estava nos contando de seu, hã, ferimento.

- Estava mesmo? Então deve ter sido uma exposição muito breve, pois não lhe contei quase nada a respeito. Por favor, sente-se, Smeech. Você também, reverendo McKenna.

Adrian fitou o jovem clérigo. Será que, hoje em dia, estavam ordenando crianças? Com certeza, o sujeito era jovem demais para isso, pensou Adrian, até ver o reverendo Hamish sorrir para Hester. Pelo jeito, não era tão jovem assim.

- Suponho que tenha dormido bem, Lady Hester? - perguntou Adrian.

- Muito bem - retrucou ela, com serenidade, e o senhor?

- Também - respondeu ele, ligeiramente confuso.

Será que imaginara os acontecimentos da noite anterior? talvez estivesse sonhando, e fora ele quem puxara a corda para chamar James.

Ficaram todos ali sentados por vários minutos, em um silêncio constrangedor, e Adrian nada fez para aliviar a tensão. Sabia muito bem que a madrasta estava louca para reclamar dele. Se sua presença a detinha, então ele ficaria ali o restante do dia, e poderiam permanecer em silêncio.

Foi então que Lady Hester dirigiu-se ao reverendo Smeech.

- Soube que a colheita foi excepcionalmente boa, este ano.

- Ah, sim. Foi muito boa.

Precisando de pouco incentivo para escutar o som de sua própria voz grave, o cónego falou durante algum tempo das safras e da criação de animais da vila de Barroughby. Adrian percebeu que algo estava errado. Não cabia a esta jovem ditar o rumo da conversa, e nem era apropriado para ela trocar olhares com McKenna, como se estivesse compartilhando um segredo com ele.

Não na presença do duque de Barroughsby.

- Suponho que já tenha recolhido o dízimo?-Adrian indagou, sem dar a mínima para o fato de estar sendo rude ou não.

O reverendo cónego Smeech pigarreou.

- Já, meu senhor.

- Sabia que não negligenciaria essa parte.

Lady Hester franziu ligeiramente a testa. Pelo jeito, ela não aprovava o comentário do duque. Não que isso fizesse diferença para Adrian. Era provável que a jovem houvesse escutado coisas muitos piores sobre ele do que sua falta de respeito por hipócritas pretensiosos como Smeech.

A acompanhante da duquesa levantou-se graciosamente e se virou para o duque.

- Se me der licença, Excelência, prometi ao reverendo McKenna que da próxima vez que ele nos visitasse em um dia ensolarado, eu lhe mostraria os jardins.

Enrubescido, Hamish McKenna ficou de pé.

- É verdade. Eu adoraria. Aposto que sim, pensou Adrian.

- Parece que Lady Hester prefere não compartilhar de minha companhia... hoje.

Pronto! Um brilho incandescente nos enormes olhos azuis revelou que ela entendera o comentário, e que Adrian não a imaginara em seu quarto na noite anterior.

- E isso o surpreende, considerando a maneira rude com que se comporta? - perguntou a duquesa.

- Vossa Excelência me ofende - disse Adrian, fingindo-se de ofendido, e levando a mão ao coração. Disse para Lady Hester: - Eu lhes concedo permissão para nos deixar.

Jenkins apareceu no vão da porta è se curvou o máximo que o reumatismo das costas lhe permitia fazer.

- Sir Douglas Sackcloth e Ashes e sua filha chegaram, Vossa Excelência - anunciou.

- Ele quer dizer Sir Douglas Sackville Cooper e a filha, Damaris - a duquesa explicou para os clérigos confusos. - Pobre Jenkins, sua audição está começando a falhar.

Adrian sequer se esforçou para esconder o sorriso malicioso. Começando a falhar? Há 15 anos que a audição de Jenkins já não funcionava direito.

- Peça que entrem - ordenou bruscamente a duquesa. Adrian lembrava-se bem de Sir Douglas, um nobre rural de

boas maneiras, intelecto limitado e grande ambição. Quanto a Damaris, a vira pela última vez cinco anos atrás. Na época, era uma menina de 12 anos de idade muito bonita, embora meio maçante.

Sir Douglas adentrou o recinto marchando, com sua postura militar e o corpo de cerca de 50 anos de idade notavelmente bem conservado.

- Meu caro duque! - gritou, pegando a mão de Adrian e sacudindo-a vigorosamente. - Smythe me disse que havia voltado para casa. - Ele virou-se para a duquesa e para o reverendo, que estava de pé. - Boa tarde, Vossa Excelência, cônego Smeech.

Ele curvou-se para Lady Hester, que fez uma ligeira reverência, e assentiu na direção do reverendo McKenna.

E foi então que Damaris Sackville Cooper, não mais uma me-nininha, adentrou o recinto. Na mesma hora, Adrian percebeu que ela possuía uma beleza rara, com cabelos negros cobertos pelo chapéu verde-escuro e um véu, que escondia os olhos acinzentados. Seu corpo parecia perfeito sob o requintado traje de equitação verde escuro e sua postura era graciosa e elegante.

Se ele aparecesse em Londres, acompanhado por Damaris, com certeza causaria sensação. Contudo, estava acostumado a atrair atenção, e de alguma maneira, tal ideia não o empolgava. Preferiria aparecer acompanhado de Lady Hester.

Ele sorriu para si mesmo. Isso sim provocaria sensação. O Duque Negro em público com uma mulher simples - os mexericos não teriam fim.

Ele olhou para Hamish McKenna para ver como o jovem pároco reagia diante de tanta beleza.

O jovem parecia atordoado.

E quanto à Lady Hester? Decerto, ela não consideraria tal visitante bem-vinda.

Lady Hester sorriu calorosamente para a jovem, ao que tudo indicava, sem inveja. De fato, uma mulher rara, que não sentia ciúmes na presença de tamanha formosura.

Ao se levantar para cumprimentar Damaris, Adrian não pôde deixar de estranhar por não sentir nada além de curiosidade ao olhar para ela. Será que estava ficando velho? Ou simplesmente já vira um número excessivo de mulheres bonitas? Ele estendeu a mão na direção dela, e a moça recuou receosa, uma reação comum para uma dama do interior, e em nada perturbadora.

O pai pigarreou, e Damaris estendeu a mão enluvada, parecendo temer que Adrian fosse mordê-la.

- Estávamos nos preparando para dar uma volta nos jardins - disse Hester. - Será que a Srta. Sackville Cooper gostaria de nos acompanhar?

- Adoraria - retrucou a jovem, sem olhar na direção de Adrian.

- Ótima ideia! - disse Sir Douglas. - Estou certo de que o duque sabe muitas coisas interessantes a respeito da flora.

- Receio que minha atual indisposição me force a ficar para trás - disse Adrian.

Não tinha muita vontade de ficar ali na companhia da madrasta, mas sabia que a perna não aguentaria a caminhada pelo jardim. Esperaria que os outros se retirassem e se recolheria aos seus aposentos. O tédio era infinitamente mais atraente do que aturar a duquesa e o cónego Smeech.

A recusa pareceu animar Damaris. Adrian não conseguiu ver a reação do casal de jovens.

- Nada sério, eu suponho? - indagou Sir Douglas.

- Apenas um ferimento leve. Fui aconselhado a repousar.

- Por que não os acompanha, Sir Douglas? - sugeriu a duquesa. - O senhor também, cónego. Pode falar para Sir Douglas a respeito daquela planta nova que sugeriu que eu colocasse perto das roseiras. Eu ficarei aqui, aguardando todos para o chá.

- Não quer nos fazer companhia, Excelência? - perguntou o reverendo Smeech.

- Receio que meu coração não me deixe caminhar nesse calor incomum.

O grupo deixou o recinto. Assim que desapareceram de vista, Adrian estava prestes a se levantar e seguir para o próprio quarto, quando a duquesa se virou para ele.

- Você sabe o que aquele homem está tentando fazer, não sabe?

- Que homem?

Sir Douglas, é claro.

Adrian ergueu uma das sobrancelhas e seu rosto exibiu uma expressão sarcástica.

- Não, mas desconfio que vá me dizer.

- Não olhe para mim desse jeito, Adrian. O que vou dizer para o seu próprio bem.

- Neste caso, é melhor eu escutar - ele retrucou, curioso com o que a duquesa poderia considerar "seu próprio bem."

A duquesa franziu a testa.

- Ele o quer.

- No sentido carnal? A duquesa enrubesceu.

- Claro que não, seu depravado! Ele o quer para desposar a filha dele.

- Entendo.

- Ela é a isca.

- E eu sou o prémio?

- Seu título é o prémio - retrucou a duquesa, com um olhar de escárnio. - Ele quer que ela se torne a próxima duquesa. Aquela menininha insignificante.

- Ela é uma jovem muito bonita - Adrian comentou.

- Eles não possuem nenhuma conexão familiar digna de nota, e não quero ver esta propriedade nas mãos da filha de Sir Douglas Sackville Cooper.

- Como já estará morta antes de eu achar alguém com quem queira me casar, não vejo o motivo de tanta preocupação - Adrian comentou, fazendo menção de se levantar.

- Será que pode levar isso a sério? Sir Douglas vai tentar fisgá-lo de qualquer jeito! Todos nós conhecemos a sua reputação, e, como fez questão de mencionar, ela é linda. Deve ficar longe dela! Não permitirei que busque a satisfação de seus prazeres egoístas!

Embora não tivesse a intenção, foi a vez de Adrian franzir a testa, pois só conseguia pensar em uma pessoa no mundo inteiro mais egoísta do que a madrasta, e essa pessoa era o filho dela.

- Então, não devo deflorar Damaris Sackville Cooper? - ele indagou, fitando-a intensamente.

- Você precisa usar esse tipo de linguajar na minha presença?

- Não é o que está tentando me dizer? Que Sir Douglas não dá a mínima para a maneira com que vai conseguir que eu case com sua filha? Que ele pode muito bem jogá-la na minha cama?

- Já que insiste em usar tais termos, é.

- Obviamente, estava preocupada demais para perceber que a jovem em questão não parecia muito interessada em mim.

- Não venha bancar o inocente comigo, Adrian. Nós dois sabemos que, com a experiência que tem, poderia seduzir uma pedra se assim o desejasse!

Ele curvou-se de modo zombeteiro.

- Obrigado pelo elogio, Excelência. Acredito ser o primeiro que já escutei vindo de seus lábios.

- Apenas fique longe de Damaris Sackville Cooper!

- Mas, como saciarei meus desejos primitivos, que a senhora parece achar que governam todas as minhas decisões? Decerto, não espera que eu seja casto como um monge.

- Não me importa, contanto que não ponha em perigo a honra da família.

Ele sabia que ela só estava falando de si mesma e de Elliot, o filhinho querido.

- Serviçais não me agradam - retrucou Adrian, perguntando-se até onde ela levaria o assunto. - Quem sabe Lady Hester?

- Você é um patife por pensar em corromper a filha de Lorde Pimblett - disse a duquesa. Depois, ela sorriu com frieza. - Vá em frente, tente. Nem mesmo você teria muito sucesso com ela.

- E por que não? Se posso seduzir uma pedra, com certeza posso ser bem-sucedido com ela.

A duquesa se abanou.

- Ela não é uma cabeça-de-vento tola, que se deixa levar pelas emoções. É uma jovem boa, discreta e zelosa que guardará sua virtude para o marido.

- Isso significa que posso esperar um desfile de jovens pretendentes por Barroughby Hall?

- Não seja atrevido.

- Ela parecia muito amistosa com o reverendo McKenna, Adrian comentou.

- Você está tentando ser engraçado? Lady Hester é inteligente demais para se ligar a um pároco do interior, mesmo que ele venha de família abastada. Eles ficaram ricos através do comércio.

- Ah, então, obviamente, ele está fora do páreo. E quanto a Sir Douglas Sackville Cooper? Há anos que ele é viúvo.

- A filha de Lorde Edgar Pimblett com aquele homem?

- Ele seria um bom partido para ela.

A madrasta olhou para ele com algo que lembrava respeito.

- Talvez tenha razão, Adrian. Ela já está ficando velha e não é muito atraente. Pode se contentar com ele.

Adrian deveria saber que a madrasta aprovaria uma ideia que ele, pensando bem, logo descartaria. Embora não soubesse dizer o porquê, a ideia de Hester Pimblett e Sir Douglas juntos o desagradava. Tudo de que tinha certeza era de que já estava cansado dessa conversa, assim como, por ora, da madrasta.

- Se me der licença, vou subir. Minha perna está doendo para diabo.

Ele se curvou e seguiu para a porta.

- Não permito que use termos vulgares como esse na minha presença, Adrian - retrucou asperamente a duquesa. - E eu não lhe dei licença.

Mas o duque já havia deixado o aposento.

Capítulo IV

Hester seguia na frente, acompanhada pelo reverendo McKenna e Damaris, que caminhavam um de cada lado da moça, e por Sir Douglas e o cónego Smeech.

- Ele é um homem perverso! - exclamou Damaris baixinho, olhando ansiosamente por sobre o ombro, como se esperasse ver o Duque Negro vindo no seu encalço. - Papai diz que ele é apenas um jovem espirituoso... Espirituoso! Posso acreditar em tudo que já escutei e em muito mais.

Era óbvio que Adrian Fitzwalker tinha algo de pernicioso, pensou Hester ao recordar-se de suas palavras naquela manhã. Humilhada, percebeu que ele devia estar acordado quando ela entrou no quarto dele. Mas se ele fosse tão malvado quanto a duquesa e todo mundo pareciam pensar, não teria continuado a fingir estar dormindo. Teria feito algo terrível, como pular da cama e tentar beijá-la.

Movendo os lábios carnudos sobre os dela. Lentamente. Sedutoramente. Pressionando contra ela o corpo rijo e musculoso. Abraçando-a com paixão, talvez até tomando-a no colo e carregando-a até a cama...

- Ah, meu Deus, será que estamos caminhando rápido demais? - perguntou Damaris. - Parece estar sem fôlego, Lady Hester.

- Não, estou bem - ela retrucou, tentando se recompor. Não sabia que possuía uma imaginação tão vívida!

- Precisamos ser mais tolerantes - sugeriu o reverendo McKenna, embora seu tom de voz deixasse bem claro que isso não era fácil.

- Ele é muito bonito - disse Hester.

- Bonito de um modo malicioso - disse Damaris. - E sei de fontes fidedignas que ele não restringe suas atividades repulsivas apenas a Londres. A filha do açougueiro contou para a minha criada que o viu deixando aquela casa em Stanalord Street, da última vez que esteve aqui visitando.

Hester sabia da casa que Damaris se referia com um tom tão desaprovador. Até mesmo Barroughby possuía um bordel.

- Ela tem certeza de que era o duque? - Hester inquiriu, achando difícil de acreditar que um homem com os atributos do duque precisasse pagar.

- Bem - disse Damaris -, na verdade, ela só o viu de costas, mas o homem era da altura certa, e muito bem vestido, e quando disse boa noite, ela reconheceu sua voz.

Hester nada respondeu, e o reverendo Hamish apenas fitou o chão.

- Por que ele voltou aqui? - quis saber Damaris. - Ele e a duquesa não se suportam.

- Ele foi ferido - Hester informou.

- Como?

- Pelo que eu soube, em um duelo.

- Ah, meu Deus! - exclamou Damaris, arregalando os olhos. - Não é à toa que a duquesa não gosta dele! E pensar que papai... - Ela se interrompeu, corou e prosseguiu. - Duelar é ilegal!

- Se me permite dizer, muito do que alegam que o duque tenha feito é ilegal - comentou Hester.

- Você vai ficar aqui?

Hester deteve-se e olhou para Damaris.

- E por que não ficaria?

- Por causa da reputação dele, minha querida! - disse Damaris. - Dizem que mulher alguma está a salvo com ele por perto.

- Talvez, nenhuma mulher bonita. Acho que não serei capaz de tentá-lo.

- Mesmo assim, talvez seja aconselhável pedir à duquesa que sugira que ele se vá. - disse o reverendo McKenna, com incomum ousadia.

Clérigo ou não, Hester podia muito bem imaginar a reação da duquesa diante de tal conselho, de modo que apenas disse:

- Acredito que ele vá ficar entediado logo e voltará para Londres, de modo que é melhor não provocarmos mais discórdia na família.

- Ainda assim... - começou a falar o reverendo McKenna.

- Ah, não vamos mais falar de um assunto tão desagradável! - pediu Damaris, fazendo um beicinho.

O reverendo ficou em silêncio.

Os jovens tomaram a trilha que levava ao jardim de rosas, deixando os dois homens mais velhos um pouco para trás. Pelo que pôde perceber de sua conversa, estavam discutindo a situação financeira do duque.

Se ao menos Sir Douglas se desse conta do perigo! Ele era ingénuo ao pensar que o duque veria em Damaris apenas uma possibilidade de matrimónio, e não de sedução, no entanto, ao escutá-lo falar sobre a propriedade com o cónego, era óbvio que o cavalheiro estava pensando apenas no título e nas riquezas que pertenceriam à mulher do duque de Barroughby. A mácula dos escândalos e dos mexericos, claramente, nada significava.

Apesar de considerar os protestos de Damaris sinceros, Hester não tinha dúvidas de que Adrian Fitzwalter era persuasivo o bastante para pôr em risco a honra da mais virtuosa das mulheres. O que não era bom para a jovem Damaris, nem para o reverendo McKenna, ela pensou, ao ver o jovem mais uma vez olhar para a bela moça. Não era preciso ser muito perspicaz para notar que ele estava completamente apaixonado, e preocupado com a presença do duque.

Pobre homem! Hester tinha receios de que tal romance estivesse fadado ao fracasso, pois, mesmo supondo que os planos do pai dela envolvendo o duque de Barroughby não fossem bem sucedidos, ela tinha certeza de que Sir Douglas sairia em busca de um casamento igualmente vantajoso para ela.

Hester reprimiu um suspiro. Os pais dela também haviam tido ambições semelhantes para ela, mas, depois dos casamentos bem sucedidos das irmãs, eles se portaram como se houvessem alcançado os limites de suas possibilidades. Afinal, Hester estava mais para prémio de consolação.

O que a magoava profundamente. Ela era inteligente e sagaz. Poderia ter encontrado conforto no aprendizado. Em vez disso, fora relegada a acompanhante de luxo de uma mulher velha e difícil, que reclamava de tudo, com exceção do filho querido, Elliot.

Seria possível um filho ser tamanho exemplo de virtude, enquanto o outro aparentemente era o diabo em forma humana?

Mas, para alguém que era o diabo, Hester considerava Adrian Fitzwalter muito perceptivo. Ninguém mais parecia compartilhar da intensidade de seu desgosto pelo reverendo cónego Smeech, que, ao ser apresentado a ela, a fitou com condescendência e dó. Ela já o escutara condenar o duque com tanto veneno quanto a duquesa, apenas para vê-lo sorrir, quando a duquesa não estava olhando. Ainda assim, o duque não deveria ter sido tão rude, afinal, o cónego era representante da Igreja.

Talvez a antipatia do duque pelo clérigo não fosse tão surpreendente assim, levando-se em conta que o duque parecia pecar com regularidade e satisfação.

- O perfume não é maravilhoso? - disse Damaris, estendendo uma rosa para Hester e pegando-a de surpresa. - Não concorda, reverendo McKenna?

- Adorável - murmurou o jovem, corando, quando Damaris se curvou na direção de outro botão.

Ela também ficou ligeiramente ruborizada, e Hester não sabia dizer se era devido ao esforço, ou porque ela também percebera que o elogio não fora dirigido especificamente à flor.

Hester torcia para que Damaris se apaixonasse por Hamish McKenna. Damaris podia acabar com um marido muito pior, e ela queria que a jovem não se tornasse vítima das maquinações do pai.

E, para ser sincera, do Duque Negro.

Adrian passou os dias seguintes trancado no seu quarto, onde não tinha de aturar a madrasta, e nem ser agradável com Sir Douglas e a filha e nem escutar os sermões do cónego Smeech criticando o seu estilo de vida, enquanto esforçava-se para não ofendê-lo.

Não tinha contato com Lady Hester, mas podia supor que ela estava cuidando da madrasta, cuja infinidade de enfermidades só haviam se agravado com a chegada do enteado.

Se havia algo que Adrian lamentava era perder a oportunidade de estudar um pouco mais aquela jovem interessante. Ela parecia não invejar a beleza de Damaris Sackville Cooper. Talvez isso pudesse ser explicado devido às lindas irmãs. O que mais o surpreendera fora a aparente falta de ciúmes dela no tocante ao jovem reverendo. Será que Lady Hester não notara que ele estava se empolgando com a srta. Sackville Cooper, ou não dava a mínima importância para isso?

Também era óbvio que Sir Douglas tinha grandes planos para a filha, mas estes não iriam muito longe, pois Adrian não pretendia se casar tão cedo.

Contudo, Adrian já estava cansando de ficar sozinho. Para piorar, começara a chover, o que dava um ar melancólico aos seus aposentos. Pelo menos, a chuva afastava os visitantes indesejados de Barroughby Hall. Sendo assim, Adrian pôde ir à biblioteca, e procurar algo de novo para ler.

A paz do aposento, o favorito de sua mãe e de seu pai, e onde ele próprio já passara incontáveis horas agradáveis, o envolveu. Era tão melhor aqui do que os clubes e teatros com os homens que as pessoas gostavam de chamar de os "Dândis do Duque Negro".

Ele escolheu um livro a esmo e sentou-se em uma poltrona. Colocou a perna ferida para cima e começou a ler.

O calor do fogo e o ruído contínuo da chuva na janela logo o fizeram adormecer.

Com o sono, vieram os sonhos, as lembranças. De encontrar Elizabeth naquele quarto quente, sombrio e sujo. Do seu parto difícil. Da maneira como ela gritava e chorava. Da longa espera pelo médico. Tarde demais. O médico chegara tarde demais.

Mas, havia mais alguém lá. Uma mulher. Embalando o bebé moribundo, gentilmente confortando-o. Depois, com infinita paciência e ternura, ela virou-se para Elizabeth e lhe esfregou a testa febril, antes de fitá-lo com tranquila bondade e compreensão.

Era Lady Hester, e seu sorriso tinha o efeito de um bálsamo em seu coração torturado.

- Excelência!

Adrian acordou, e encontrou Lady Hester gentilmente sacudindo-o, seu rosto próximo ao dele, fitando-o com preocupação. Sem pensar, ele tomou-lhe o rosto entre as mãos, puxou-a para si e a beijou profundamente, sorvendo-a como um homem agonizante que encontra água no deserto. Por um breve instante, seus lábios macios contra os dele, ela se entregou.

Como ele a queria, Adrian percebeu, surpreso com a intensidade de seu desejo.

Mas apenas por um instante. Ela se afastou, fitando-o com o que poderia ter sido surpresa ou terror, com a mão limpando dos lábios o seu gosto obsceno - tão diferente do sonho dele.

Ele amaldiçoou a própria tolice. Ela sequer era bonita! Devia tê-la beijado ainda sob o efeito do sonho.

- O que quer? - indagou, largando-se na poltrona e esperando que ela o esbofeteasse, começasse a chorar ou saísse correndo da biblioteca.

Ela não fez nada disso. Simplesmente deu um passo para trás, a expressão de seus grandes olhos azuis mudando de surpresa para confusão.

- Por que fez isso? - ela indagou baixinho.

- E por que não?

- Porque não é algo cavalheiresco de se fazer.

- E, dada a minha reputação, isso a surpreende?

- Surpreende, Excelência - ela respondeu calmamente. Que mulher incomum! Será que ela nunca reage como as outras de sua idade e posição? Adrian pensou e sorriu com cinismo.

- Minha madrasta lhe diria que não sou nenhum cavalheiro.

Lady Hester assentiu bem devagar, embora parecesse estar ponderando suas palavras, e não concordando com elas.

- O senhor foi muito rude com o reverendo cónego Smeech.

- Ele não passa de um hipócrita ganancioso.

- Não é justificativa. Ele é um representante da igreja.

- E suponho que isso sirva de justificativa para ele?

- Não, não serve, embora eu concorde com sua avaliação. Contudo, não pode esperar que ele mude só porque foi descortês com ele. Seria melhor usar sua influência para conseguir que ele seja designado para uma posição onde terá menos oportunidade de ser um hipócrita ganancioso.

- Ora, ora, ora - disse Adrian, erguendo-se lentamente. - Parece confiar muito na minha influência.

Ele dirigiu-se para a lareira e apoiou-se na cornija.

- Ela é resultado direto de sua posição.

- Mas não de meus atributos pessoais?

- Sinto tê-lo incomodado, Excelência. Se me der licença.

-Não dou, não. - Surpreendentemente, apesar de alguns instantes constrangedores, ele estava se divertindo, provavelmente porque há anos ninguém lhe respondia com algo além de animosidade ostensiva ou pura bajulação. - O que faz aqui?

- Vim pegar um livro.

- E em vez disso, me encontrou. Por que não foi embora?

- Tive a impressão de que o senhor estava sonhando.

- E suponho que eu não parecia estar gostando do sonho?

- Não, Excelência.

- E realmente não estava. Grato por ter sido acordado, eu a beijei. Um momento de fraqueza.

- Suponho que esses momentos sejam frequentes para o senhor - ela afirmou com serenidade.

Adrian franziu ligeiramente a testa.

- Onde está minha madrasta? Ela não precisa de seus constantes cuidados?

- Está dormindo. Foi por isso que vim buscar um livro. Sinto tê-lo incomodado, Excelência.

Inesperadamente, ele percebeu que não queria que ela se fosse.

- Não há motivo para sair às pressas. Há três dias não tenho uma conversa decente com alguém. Por que não se senta aqui perto da lareira e me conta como veio morar aqui na minha casa?

Hester hesitou, dividida entre o desejo de fugir e de ficar. Sabia que devia ir embora, ainda mais após o beijo impetuoso e impertinente do duque, que dava credibilidade à reputação dele.

Contudo, sentia-se mais confiante em sua presença agora, devido à expressão vulnerável de seu rosto e a angústia em seus olhos quando o acordara.

Quanto ao beijo, jamais experimentara algo mais inesperado e excitante em toda a sua existência. Jamais fora beijada, e a sensação fora tão maravilhosa quanto imaginara.

O decoro exigia que ela fosse embora, mas seu coração solitário lhe dizia para ficar, e, desta vez, Hester decidiu seguir o coração.

Ela se sentou na poltrona perto da dele.

- E então, Lady Hester - ele disse, em um tom de voz baixinho que fez o coração dela disparar. - O que faz aqui em Barroughby Hall?

- Sua madrasta se corresponde com minha mãe, e quando ela soube que a duquesa estava procurando uma acompanhante, achou que eu seria perfeita - Hester respondeu, esforçando-se para lembrar que o duque possuía uma natureza galanteadora, e que sua atenção nada tinha a ver com a personalidade dela.

- E o que achou disso?

Seu interesse parecia ser sincero, o que criava uma sensação de intimidade muito mais perigosa do que o beijo. Ela não podia se dar ao luxo de esquecer de quem ele era.

- Como não tinha perspectivas melhores, concordei.

- Não tinha perspectivas melhores?

Ela não respondeu. Ele sabia muito bem do que ela estava falando.

- Mas você não pode gostar daqui - ele disse.

- É uma linda propriedade. Gosto muito dos jardins e - ela sorriu e gesticulou na direção das paredes - da biblioteca.

- Minha madrasta não é uma pessoa fácil.

- Talvez ela tenha amansado durante a sua ausência. O duque ficou com ar de desdém.

- A duquesa me permitiu mudar de ares - ela respondeu com sinceridade.

- Recordo-me de ter visto suas irmãs em Londres, mas não você.

- Sem dúvida, o senhor não me notou.

- Está acostumada a ser negligenciada?

- Estou, Vossa Excelência.

- Não me parece muito amarga com relação a isso - ele comentou com um sorriso malicioso.

Ela deu de ombros.

- Minhas irmãs são lindas. Eu não sou. Não há nada que eu possa fazer a esse respeito.

- Entendo.

Como poderia entender? Nenhum homem tão bonito poderia entender o que era ser a patinha feia da família.

Ele voltou para perto da lareira e continuou a fitá-la com intensidade enervante.

- Eu me pergunto o que realmente quer, Lady Hester - murmurou.

- Já lhe disse, Excelência. Um livro. Adrian sorriu.

- Eu quis dizer da vida.

- Não penso muito nisso.

- Ah, eu suspeito que pensa sim. Deixe-me adivinhar os mais profundos desejos de Lady Hester Pimblett.

Ela fez menção de se levantar.

- Meu senhor, eu...

- Em primeiro lugar, atenção.

Ela endireitou os ombros e franziu a testa.

- Vossa Excelência, devo dizer que...

- Em segundo lugar, excitação.

- Se quer dizer o tipo de excitação que Vossa Excelência busca, eu lhe garanto que está enganado - disse Hester, com seriedade. - Visto que parece estar apenas interessado em fazer pouco de mim, vou me retirar, quer me dê licença ou não.

- Prometo me ater apenas aos mais mundanos dos assuntos - ele prometeu, inesperadamente, com um sorriso cativante. - O tempo. Meu ferimento. O fungo nos cascos do meu cavalo. O que quiser, contanto que fique mais um pouco.

Subitamente, Hester se deu conta de que não havia nada neste homem que não fosse sedutor.

- Acredito já ter ficado tempo demais, Vossa Excelência. Boa tarde.

Ela correu para a porta, e, lá chegando, se virou para ele, com um sorriso malicioso nos lábios.

- Avisarei à sua madrasta que já está se sentindo melhor e que se juntará a nós no jantar.

Quando ela se foi, Adrian fitou o fogo e tentou se convencer de que não havia nada de especial em Hester Pimblett.

Como filhos, os dois não eram devidamente apreciados -tinham isso em comum.

Bem, isso e aquele beijo. E ele não ia descer para o jantar, mesmo que estivesse muito tentado pela ideia de falar novamente com Lady Hester.

Capítulo V

- Hester, onde você estava? - quis saber a duquesa, quando Hester voltou à sala de estar.

Jamais tendo se sentido tão confusa em toda a vida, Hester rezava para que ela não insistisse no assunto. Teve seu desejo concedido quando a mulher mais velha se levantou do sofá com mais vitalidade do que Hester já a vira demonstrar e sacudiu no ar uma carta.

- Acabo de receber uma excelente notícia! - declarou a duquesa. - Elliot chega amanhã! Meu filhinho querido, amanhã! - gritou triunfante. Ela se deteve e franziu a testa.

- Se ao menos Adrian concordar em mandar a carruagem até Barroughby. Ah, mas ele vai concordar. Pense só, meu querido menino enfim em casa! -A duquesa interrompeu seu júbilo.

- Você está meio lenta, esta tarde.

Hester ainda estava pensando que a declaração da duquesa parecera estranha. Por que o duque precisava aprovar o uso da carruagem? Não era a duquesa quem estava no comando da propriedade? Esta não lhe fora deixada após o falecimento do quinto duque? Ela sempre agira como se assim fosse e jamais deixara de gastar dinheiro profusa e frequentemente.

O atual duque se referia a Barroughby Hall como "minha casa", mas ela sempre presumira que ele estava se referindo à casa da família.

Se não era esse o caso, e ele era o único dono da propriedade, por que aturava a companhia de uma mulher que obviamente detestava e que ele poderia mandar embora quando muito bem entendesse? Um comportamento inesperado para um patife.

- Fico muito contente - Hester disse, esforçando-se para demonstrar empolgação.

- Ele escreveu de Dover para dizer que mal pode esperar para chegar aqui! - exclamou a duquesa. Ela caminhou até a janela, e olhou lá para fora como se esperasse ver a carruagem de Lorde Elliot a qualquer minuto. - Ele estava doente, e acaba de se recuperar. Terei de repreendê-lo por não contar as coisas para a mãezinha querida.

- Que comoção toda é essa? - indagou o duque ao adentrar a sala de estar. - Fomos roubados?

- É claro que não! - respondeu a duquesa. - Elliot está vindo para casa.

- Está mesmo? - perguntou o duque, olhando friamente para a duquesa.

Agradecendo a Deus por ninguém jamais ter olhado para ela daquele modo, Hester lembrou-se de que o duque também tinha a reputação de ser um homem violento. Pensando nas suas outras supostas qualidades, ela se esquecera disso, mas, vendo-o agora, era fácil de acreditar, mesmo levando em conta que a expressão sumira com a mesma velocidade que aparecera.

Sua reação inicial pareceu jogar uma balde de água fria na alegria da madrasta.

- Espero que não vá dificultar as coisas, Adrian - disse, receosa.

- Não - ele disse, caminhando até o sofá e sentando-se. - Estou ansioso para reencontrar Elliot.

A duquesa relaxou visivelmente.

- Ótimo. Diferente de certas pessoas, ele se esforça para não afligir a família.

O duque ignorou o comentário malicioso.

- E o que mais nos conta o querido Elliot?

- Que estará aqui amanhã, se você concordar em enviar a carruagem até Barroughby.

O duque sorriu.

- Deus me livre fazer algo para atrasar ainda mais Elliot, é claro que a carruagem está à disposição dele.

- Também precisamos preparar um chá especial para amanhã - prosseguiu a duquesa, e Hester notou que ela não buscou a aprovação do duque. - Na verdade, deveríamos dar uma festa, ou um baile para lhe dar as boas vindas, agora que retornou da Europa.

Hester não pôde conter seu desagrado diante da ideia. Passara intermináveis horas sentada em um canto, olhando os outros casais dançando, para considerar bailes e festas uma prazerosa forma de diversão.

Ao perceber que o duque olhava novamente para ela, a moça sorriu.

- Um baile seria maravilhoso - mentiu.

- Vai ser trabalhoso e caro - disse com firmeza o duque.

- Eu deveria saber que você nos privaria do prazer - retrucou impertinentemente a duquesa. - Parece não ter nenhum problema em achar dinheiro para esbanjar com suas atividades imorais, mas quando eu sugiro um baile, algo que há muito deveríamos ter feito, como exige nossa posição na sociedade, subitamente, não há verba!

- Se eu viesse a concordar, quem se encarregaria de tomar todas as providências?

- Ora, eu, é claro! - exclamou a duquesa.

- Claro que sim - murmurou o duque. Ele fitou Hester com um sorriso que parecia sugerir que ele sabia quem faria a maior parte do trabalho. - Não tenho dúvidas de que um baile exigiria muito esforço. Contudo, se estiver disposta a se encarregar de tudo, suponho que possa dispor do dinheiro.

Hester dirigiu-se à duquesa.

- Vossa Excelência, considerando que o duque não vai poder dançar, talvez devamos considerar a possibilidade de adiar tal baile.

A duquesa fitou Hester como se esta houvesse proposto uma decapitação.

- Pelo que eu sei, meu enteado sai para caçar após passar a noite toda bebendo. Com certeza, ele será capaz de algumas danças curtas em nome das boas maneiras.

- Ora, madrasta! - exclamou o duque, pousando a mão sobre o coração. - Sinto-me comovido ao saber que quer a minha presença. Em vista disso, Lady Hester, devemos organizar o tal baile.

A duquesa fitou furiosamente a moça como se ela tivesse sugerido o baile.

- Tenho certeza de que todo o condado vai querer rever Lorde Elliot - Hester disse em tom apaziguador.

Quando a duquesa sorriu, ela percebeu que não poderia ter dito nada melhor.

- E vai mesmo! - exclamou a mulher mais velha. - Todo mundo o adora!

Nem todo mundo, pensou Hester. Pelo menos, não o duque.

- Hester, precisa me ajudar com os convites. Qual seria o melhor dia?

- Não deveríamos consultar o seu filho, Excelência? Talvez ele chegue cansado demais para, durante alguns dias, comparecer a uma festa.

- Não pensei nisso - disse a duquesa. - Você tem razão, é claro. E também vamos querê-lo apenas para nós, por alguns dias. - Ela riu alegremente, como uma mulher 20 anos mais jovem. - Ele é tão popular que decerto vai ser convidado para cavalgar e caçar todos os dias, e é tão cortês, que jamais recusa um convite.

- Elliot jamais diz não - confirmou o duque, antes de se levantar. - Creio que vou voltar para o meu quarto. Acho essa conversa toda sobre bailes um pouco cansativa.

- Como quiser - retrucou a duquesa. O duque curvou-se, educadamente.

- Excelência. Lady Hester.

Ele girou nos calcanhares e retirou-se.

- Será que alguém já teve um parente tão insuportável? - indagou a duquesa, após ele ter fechado a porta. - Francamente!

- Parece ser uma pena a senhora precisar da permissão dele para organizar um baile.

- E é! Que isso lhe sirva de lição, Lady Hester. Faça de tudo para que seu marido lhe deixe o seu próprio dinheiro, e não sob o controle do herdeiro. Eu lhe garanto que é muito desagradável.

Hester assentiu, enquanto digeria a importância das palavras da duquesa. Aparentemente, o duque detinha controle absoluto sobre a propriedade e o dinheiro. Apesar das queixas incessantes da duquesa, não havia como negar a generosidade do duque, pois, apenas nas últimas semanas, a duquesa havia mandado reformar várias jóias, e comprar três vestidos, vários chapéus e cinco pares de sapatos. As refeições em Barroughby Hall eram fartas, os melhores vinhos eram servidos, e os criados bem-vestidos.

- Agora, quem será que convidaremos? - disse alegremente a duquesa, sentando-se novamente no sofá. - Suponho que teremos de convidar Sir Douglas e a filha.

- Creio que sim, Excelência - Hester retrucou, pegando uma folha de papel, pena e tinta para anotar a lista. Foi então que notou a maneira peculiar com que a duquesa a fitava. - Algo errado, Excelência?

- Você parece meio ansiosa, Hester.

- É apenas a empolgação com o retorno de seu filho e com o baile, Excelência - Hester respondeu, torcendo para que não tivesse de dar mais explicações.

- Sir Douglas é jovem para ter uma filha tão crescida, não acha?

- É, Excelência.

Intrigada com o comentário, Hester fitou a duquesa. Ela normalmente só falava de Sir Douglas com desprezo. No entanto, esta manhã parecia disposta a ser graciosa. Talvez a notícia do retorno de Elliot a houvesse deixado de bom humor. Tomara que durasse!

- Ele também parece estar muito bem de saúde.

- É verdade, Excelência.

A duquesa não disse mais nada a respeito de Sir Douglas, a não ser para colocar o seu nome na lista, que logo se estendeu a cinquenta famílias.

- Ele está três horas atrasado - disse o duque apontando para o antigo relógio alemão sobre a mesa da sala de estar. - Devíamos tomar o nosso chá.

- Bobagem! - exclamou a duquesa. - Elliot se atrasou um pouquinho. Talvez tenha precisado descansar um pouco durante a viagem.

- Sem dúvida - comentou o duque, visivelmente pouco impressionado. - Contudo, mesmo assim, não queremos matar Lady Hester de fome.

- Eu estou bem - retrucou a dama em questão, sem nenhuma vontade de ser colocada no meio de uma disputa familiar.

- Mas eu não seria lá muito bom anfitrião se não me esforçasse para lhe ver atendidas as necessidades.

- Eu lhe asseguro que não estou com pressa para tomar o chá.

A duquesa caminhou até a janela.

- Não vejo por que não podemos esperar mais alguns minutos.

- Por favor, me diga se eu puder lhe ajudar de outra forma, Lady Hester - o duque disse, como uma mesura teatral e um brilho malicioso no olhar.

- Desde que não seja com algo muito caro - disse zombeteiramente a duquesa, sem desviar os olhos da janela.

- Agradeço a generosidade de Vossa Excelência, mas estou satisfeita.

- Nesse caso, é uma raridade de pessoa, para estar satisfeita.

- Vossa Excelência faz a satisfação parecer maçante.

- E não é?

- Talvez para alguém com o seu temperamento, porém ela me cai muito bem.

O duque ergueu as sobrancelhas.

- Creio que desaprova o meu temperamento?

- Como mal o conheço, não estou em posição de julgar.

- Então realmente é uma mulher rara, pois a maioria das pessoas não tem qualquer escrúpulo em me julgar, quer me conheça, ou não.

- Do que vocês dois estão falando? - quis saber a duquesa, fitando-os por sobre o ombro, e lembrando a Hester que havia mais alguém ouvindo, com outra forma de lhes interpretar as palavras.

O que era uma pena, pois Hester estava começando a gostar da conversa. Pensava ter começado a vislumbrar o verdadeiro caráter do duque, e queria saber mais.

- Você mandou seus melhores cavalos, não mandou, Adrian? - indagou a duquesa.

- Os dois melhores - respondeu o duque. - Receio ser responsável pelo atraso de Elliot - ele prosseguiu, pesarosamente -, afinal eu lhe mandei a melhor carruagem, os melhores cavalos e uma generosa quantia para cobrir qualquer despesa que ele pudesse ter tido na estalagem.

- Ali está a carruagem! Estou vendo-a! - gritou aliviada a duquesa. - Estou vendo Elliot! Venha, Hester, olhe!

Hester obedeceu, e viu a carruagem preta, puxada por dois cavalos também pretos, aparecer na extremidade da estrada de acesso à casa. No seu interior, vinha um jovem alto, usando chapéu.

A duquesa esperou que a carruagem houvesse desaparecido no interior dos estábulos e virou-se triunfantemente para os companheiros.

- Viu, Adrian, eu disse que deveríamos esperar por ele. O pobrezinho deve estar faminto após uma viagem tão cansativa.

A duquesa ergueu a saia e saiu correndo da sala, sem dúvida para encontrar o filho querido na porta da frente.

Hester percebeu que, mais uma vez, estava sozinha com o duque, e notou também que a duquesa havia se esquecido do xale. Ela correu até o sofá para pegá-lo.

Observando-a, o duque ergueu uma das sobrancelhas.

- Parece estar com pressa em conhecer nosso modelo de virtudes - comentou.

- Nunca conheci alguém com tanta fibra moral antes - ela retrucou.

- Se não tomar cuidado, Lady Hester, posso acabar sentindo ciúmes.

O sorriso zombeteiro deixava bem claro que ele apenas a estava provocando.

- Se ele é virtuoso, o senhor também o deveria ser.

Os olhos de Adrian se arregalaram. Aparentemente, a dama era uma fonte inesgotável de surpresas.

Ela o fitava em pé de igualdade, outra característica que a diferenciava de qualquer outra mulher que já conhecera.

- Não é melhor ir atrás da duquesa? - disse, por fim. - Não queremos que ela fique resfriada, queremos?

- Não, Excelência, nós não queremos.

Ele a viu deixar o recinto intrigado com suas últimas palavras. Nós. Nós, você e eu, juntos? Nós contra os outros?

Um pensamento tentador. Tentador e tolo.

O duque seguiu a moça, curioso para ver como Lady Hester reagiria ao seu meio-irmão, o belo e charmoso Lorde Elliot Fitzwalter.

Capítulo VI

Quando Adrian chegou ao hall de entrada, dois criados já estavam carregando um pesado baú escada acima. Do lado de fora, mais três serviçais aguardavam as instruções do pajem de Elliot para levar o restante da bagagem.

Elliot, com seu metro e oitenta, parecendo saudável como um cavalo, com o cabelo mais claro devido ao sol do sul da Itália, os olhos mais azuis, e a pele mais bronzeada, veio sorrindo ao encontro da mãe na porta.

- Elliot, meu querido menino, como está?

- Muito melhor, mamãe, agora que estou aqui com você. A duquesa o abraçou novamente, mas a atenção do jovem já havia sido desviada para o meio-irmão.

- Vejo que tem companhia, mamãe. A duquesa se virou para trás.

- Ah, tenho.

- Elliot, até que enfim chegou - cumprimentou o duque. Lorde Elliot sorriu dissimuladamente e seu olhar pousou sobre Hester, que aguardava em silêncio ao pé da escada, pacientemente, segurando o xale.

A duquesa tinha direito de ter orgulho do filho, pensou Hester. Era alto, charmoso, bonito e de olhos azuis, sua postura era ereta e seus movimentos atléticos. O sorriso de canto de boca só o deixava parecendo mais encantador e não tinha um jeito tão sarcástico como o irmão. Os dois eram praticamente da mesma altura, e suas vozes profundas eram notavelmente parecidas. Ela também percebeu que ele estava com uma aparência muito boa para um homem que estava doente demais para viajar.

- E quem é esta adorável moça? - perguntou Lorde Elliot, aproximando-se dela.

Quando ele lhe tomou a mão na sua, ela se deu conta de duas coisas. A primeira, de que o duque a estava observando, a segunda, de que apesar dos bons modos e aparência de Elliot, seu toque não a agradava, embora não soubesse por quê.

- Boa tarde, meu senhor - ela disse, com uma mesura. Segurando o braço do filho, a duquesa apressou-se em fazer as honras.

- Esta é Lady Hester Pimblett. Hester, meu filho, Lorde Elliot Fitzwalter.

- Encantado, Lady Hester - disse Lorde Elliot, e olhou para a mãe. - Não havia me contado que ela era tão adorável.

Ele beijou a mão de Hester e sorriu para ela.

Hester esforçou-se para esconder seu desagrado. Que tola ele deveria considerá-la para não perceber que sua adulação ostentosa era completamente excessiva? Era melhor um homem que explicava que seu beijo era um instante de fraqueza do que ser sujeitada a tais elogios insinceros.

Ela gentilmente tirou sua mão da dele e foi entregar o xale à duquesa.

- Estávamos começando a achar que não viria - disse o duque aproximando-se.

- Fui inevitavelmente retido - informou Lorde Elliot, virando-se para o irmão.

- Foi o que supus - retrucou com sarcasmo o duque. Como era possível a voz de um homem ser tão calorosa em um instante, e tão fria no outro?, Hester se perguntou. E como aquele sorriso podia lembrar tanto uma ameaça?

Surpreendentemente, Lorde Elliot parecia imune à hostilidade presente nos olhos do irmão.

- Quando passei por Londres, soube que se feriu em uma luta.

- Isso mesmo.

- Que pena.

- Mais tarde, eu lhe conto tudo a respeito. - O duque deu um passo na direção do irmão. - Quando estivermos a sós.

O olhar de Lorde Elliot titubeou por um instante, antes da duquesa puxar o filho pelo braço, na direção da sala de estar.

- Venha, Elliot. Estávamos apenas esperando você para tomarmos o chá.

Ele lhe sorriu.

- Sabia que podia contar com você, mamãe. Estou faminto.

- Venha, Hester - ordenou a duquesa.

Hester deu alguns passos atrás dos dois, depois olhou para o duque, que não havia se mexido.

- Excelência?

- Perdi o apetite - ele murmurou antes de sair pela porta da frente, abrindo passagem por entre os criados.

Sua descortesia brusca contrastava com os bons modos cativantes do irmão, pensou Hester seguindo a duquesa e Lorde Elliot, e sentindo aumentar sua curiosidade quanto ao motivo da animosidade familiar.

- Devo dizer, mamãe, estou surpreso de encontrar Adrian aqui - disse Elliot, acompanhando-a até o seu local costumeiro no sofá.

- Ele veio aqui se recuperar - ela explicou. - Outro episódio desagradável na sua vida governada por vícios. Mas não vamos estragar nossa tarde falando de Adrian. Como está a Itália?

- Ensolarada, quente, maravilhosa - Elliot respondeu, com um sorriso tão caloroso quanto o sol da Itália. - Só lamento não ter estado aqui para ajudá-la em seu momento de necessidade. Só soube de Adrian quando já estava passando por Londres, a caminho de casa. Pensei que ele houvesse se ferido seriamente.

- Como você mesmo pode atestar, não é o caso - escarneceu a duquesa.

- Fico aliviado - disse Lorde Elliot, sorrindo para Hester, que estava parada perto da porta. - Por favor, sente-se, Lady Hester. Ah, o chá!

Hester permitiu a passagem dos criados, que serviram o chá na mesa diante da lareira. Ela sentou-se perto da janela. Ao olhar para fora, avistou o duque caminhando pensativamente pelo jardim. E estava mancando. Não muito, porém mais do que deveria, dado o que ele dissera sobre seus ferimentos.

Por que mentira? Será que a opinião da madrasta o afetava mais do que ele deixava transparecer, assim como ele a afetava também?

Hester voltou sua atenção para a duquesa e o filho favorito.

- Estamos planejando um baile em sua homenagem, Elliot - anunciou a duquesa, servindo o chá.

- Que ótimo, mamãe. - Suas palavras contrastavam com a expressão entediada de seu rosto. - Lady Hester, por favor, reserve duas danças para mim.

- Com prazer - Hester respondeu, sem mentir de todo. Ser tirada para dançar por um jovem tão formoso seria uma experiência inédita para ela.

Foi então que ela se lembrou que Lorde Elliot ainda não conhecera Damaris Sackville Cooper. Talvez fosse melhor não se empolgar muito.

- Suponho que, até então, Adrian já terá partido - disse Lorde Elliot.

- Não sei quanto tempo Adrian pretende ficar - informou a duquesa. Ela olhou para Hester. - Seja terminou o seu chá, Lady Hester, pode nos deixar a sós.

Hester mal tocara na bebida, mas sabia quando estava sendo mandada embora.

- Nós nos veremos no jantar - completou a duquesa.

Lorde Elliot levantou-se, curvou-se e sorriu discretamente.

- Até o jantar, Lady Hester.

Agasalhando-se devidamente, Hester seguiu para os estábulos. A chegada de Lorde Elliot havia tornado a tensão no interior de Barroughby Hall insuportável. Ela estava precisando tomar ar puro. Escolheu o destino por dois simples motivos. Além de gostar dos estábulos, eles ficavam na direção oposta a que o duque tomara. Ao descer pelo corredor central, avistou o cavalo do duque, que batia impacientemente os cascos no chão. Ela desconfiava que, devido ao ferimento, ele não estava se exercitando como deveria.

- Mas eu confiaria mais em você do que no seu senhor - murmurou ela, ao se deter para admirar o animal.

- O que não quer dizer muito, eu suponho.

Hester se virou, encontrando o duque de pé no meio do corredor, apoiando seu peso na perna boa, com os braços cruzados e o rosto escondido pelas sombras provocadas pela iluminação fraca.

Ele caminhou na direção dela.

- Ora, vamos, Lady Hester, não se acanhe. É uma mulher inteligente, não me surpreende que não confie em mim.

- Depois de ontem, pode estar certo de que não confio - ela deixou escapar. - Tenha um bom dia, Vossa Excelência.

Ela tentou passar por ele, mas o homem se colocou no seu caminho.

- Não precisa fugir. Prometo manter distância.

- Não tenho medo do senhor.

- Minha cara, está me dizendo que estou perdendo minha habilidade de inspirar terror entre as mulheres?

Ela o fitou, lamentando não poder ver direito o rosto dele nas sombras.

- Acho que o senhor faria melhor tentando inspirar admiração e respeito.

Em um gesto teatral, ele levou a mão ao peito.

- Está querendo me dizer que não inspiro admiração e respeito? Ah, bela dama, diga que não é verdade, ou terei de afogar as mágoas naquela gamela.

- Um bom banho pode até ajudar - Hester retrucou friamente, esforçando-se para não sorrir diante daquelas palavras.

- Ah, mas isso estragaria o meu penteado, Lady Hester, e lhe garanto que isso não ajudaria a inspirar admiração.

- Quis dizer admiração pelo seu caráter, não por sua aparência.

- Pobre de mim! Ela quer que eu seja conhecido pelo meu caráter. Uma empreitada inútil. Receio que já seja tarde demais para tentar isso - disse, e ela detectou um tom de seriedade na sua voz.

- Nunca é tarde demais - Hester disse.

- O que pode saber a esse respeito? - ele perguntou baixinho. - É uma jovem inocente e respeitável.

O coração de Hester começou a bater mais rápido.

- Preciso ir, Excelência.

Ele continuou no caminho dela.

- Suponho que o querido Elliot inspire admiração e respeito. Pelo menos é o que pensa a maioria das mulheres.

Hester não queria se envolver nos conflitos da família.

- Não o conheço bem o suficiente para saber - respondeu.

- Mas em que você tende a acreditar?

- Ainda não sei dizer.

- Então está me dizendo que não se apressa em julgar?

- Caso minha primeira impressão venha a ser equivocada, gosto de pensar que não me apresso em julgar.

Ele se aproximou.

- Então é possível que, a despeito de minha reputação, não estava predisposta a desgostar de mim?

Ela assentiu lentamente. Ele riu baixinho.

- Apenas a mais rara das mulheres não dá atenção a mexericos. Diga-me, Lady Hester, qual foi sua primeira impressão de mim?

- Pensei que controlava muito bem o seu gênio.

- Ora, nenhum comentário a respeito de minha boa aparência ou de meu humor sardónico?

- Se me faz perguntas apenas para receber elogios, receio que esteja desperdiçando o meu tempo e o seu.

- Você não confia em mim, confia? - ele desafiou, quando ela mais uma vez fez menção de ir embora.

- Apesar de não acreditar piamente em mexericos, eles chegam a meus ouvidos, Vossa Excelência, e, levando em consideração o que escuto, não acho que seja prudente confiar no senhor.

- Ah...

- Vossa Excelência me perguntou, e eu respondi.

- Não estou ofendido. Na verdade, aplaudo sua racionalidade, Lady Hester. Só tem uma coisa que quero lhe dizer, e depois pode ir, como parece ser sua vontade. Espero que também não confie no meu irmão.

- E por que não?

- Ele é um homem muito atraente. Você pode acabar baixando sua guarda.

- Não baixo minha guarda na presença do notoriamente belo e sedutor Duque Negro, por que o faria diante de seu irmão?

- Meio-irmão - ele corrigiu.

- Muito bem, meio-irmão.

- Talvez ele represente apenas a metade do perigo, mas ainda assim é perigoso.

- Vai me manter aqui até chegar a hora de nos arrumarmos para o jantar? - indagou ela, bastante confusa.

Ele parecia tão sincero, tão preocupado com o seu bem-estar, que ela se sentiu comovida. Ele riu.

- Muito bem, minha querida. Contanto que me prometa não confiar em nenhum de nós dois.

- Ele não me beijou, Excelência, nem se portou de modo impróprio. Não tomo decisões baseadas em mexericos, nem baseadas no que o senhor diz.

- Entendo.

Ele deu um passo para trás e ela pôde enfim ver-lhe o rosto. A expressão fria e dura do duque lhe gelou o sangue.

- Se algo lhe acontecer, não diga que não avisei - disse.

- Algo de que tipo?

- Não sou o único Fitzwalter responsável por partir corações - Adrian respondeu com um tom mais casual.

- Não creio que eu esteja correndo muito perigo. Agora, realmente devo insistir para que me dê licença.

Ela passou correndo por ele sem olhar para trás.

Melhor assim, pensou Adrian, estava começando a gostar demais de ficar sozinho com ela. Era melhor que ela o evitasse, desde que também evitasse Elliot.

A porta na outra extremidade do estábulo se abriu, e Jenkins entrou correndo, o mais rápido que suas pernas velhas permitiam.

- Vossa Excelência! - gritou, esbaforido.

- O que foi, homem?

- O jovem Bolby esteve aqui, Vossa Excelência. É o pai dele. Parece que ele não verá o raiar do dia.

Adrian engoliu em seco e se apressou em pegar uma sela.

- Vossa Excelência não está trajado para cavalgar.

- Não importa. Onde está o jovem Bolby?

- Já foi para casa, Vossa Excelência. Ele disse que não poderia esperar para lhe falar, mas que rezava para que fosse ver o pai dele.

- Ofereça minhas desculpas à duquesa e aos outros - ele disse, apertando a cilha. - Não vou poder jantar em casa hoje.

Capítulo VII

Elliot assoviava, enquanto observava de seu quarto as portas do estábulo. Aquele ponto privilegiado permitia que ele visse coisas inesperadas, tal como Lady Hester entrando nos estábulos, seguida de Adrian, pouco depois.

Elliot pegou o relógio e verificou a hora. Adrian entrara no estábulo há 15 minutos. Antes que ele pudesse fechar o relógio, viu Lady Hester sair correndo de lá de dentro, como se estivesse sendo perseguida.

O que estaria acontecendo?

A primeira conclusão a que podia se chegar é que Adrian fora se encontrar em particular com Lady Hester. Mas com que propósito?

Podiam estar conversando sobre a duquesa, mas isso lhe parecia pouco provável. O que havia a ser discutido? Adrian detestava a mulher que substituíra sua santa mãe no coração do pai.

Então, só restava um motivo para Adrian agir assim. Ou estava em vias de, ou já havia sido bem sucedido em seduzi-la - o que era surpreendente, dada a falta de atrativos físicos óbvios em Lady Hester.

Talvez essa falta fosse exatamente a questão. O fato de Adrian considerá-la digna de atenção era algo que deveria ser levado em conta.

Adrian sempre tivera bom gosto para mulheres. Fora ele quem descobrira Elizabeth Howell, que não se revelara nenhuma beldade digna de nota, até Elliot a presentear com roupas boas e a levar a um bom salão de beleza.

Talvez Adrian houvesse descoberto alguma paixão oculta na jovem aparentemente reservada. E se Lady Hester já havia sido desonrada, ele precisaria se esforçar muito menos para atraí-la para sua cama.

- Guiseppe, acho que vou ter uma conversinha com Lady Hester - disse para o pajem, que estava desfazendo suas malas, ao deixar o quarto.

-Ah, Lorde Elliot! -Hester exclamou, detendo-se abruptamente na escada, diante da visão do irmão do duque vindo na sua direção. - Já não está na hora de nos arrumarmos para o jantar? - ela perguntou, tentando esconder sua ansiedade.

- Achei que teria tempo para dar uma volta pelo jardim. Será que me concede a honra de sua companhia?

O aviso do duque para não confiar no seu meio-irmão lhe veio à cabeça, no entanto, ao olhar para Lorde Elliot, sorrindo tão encantadoramente, ela não viu perigo em aceitar o convite. Além do mais, talvez Lorde Elliot pudesse esclarecer algumas coisas sobre a misteriosa personalidade do irmão.

- Será um prazer.

Ele lhe estendeu o braço, e ela pousou gentilmente a mão sobre ele. Elliot a cobriu com sua mão livre e Hester surpreendeu-se ao achar tal gesto muito desagradável. Era íntimo demais, considerando o pouco tempo que se conheciam, e também um tanto possessivo.

- Mamãe parece gostar muito de sua companhia - disse Lorde Elliot, conduzindo-a na direção da porta.

- Fico feliz de poder servir à duquesa.

- Espero que permaneça um bom tempo aqui em Barroughby Hall. Mamãe é mais agradável quando tem uma acompanhante paciente.

- Ela tem muito carinho pelo senhor - Hester comentou, notando que ele estava caminhando na direção dos arbustos altos. - Por aqui há algumas flores lindas - ela disse, indicando os canteiros de flores.

O nobre seguiu na direção indicada pela dama.

- Acho surpreendente que sua família tenha Concordado com o arranjo.

- Meus pais estão viajando pela Europa, e minhas duas irmãs estão recém-casadas. Não iam me querer por perto.

- A perda deles é o nosso ganho - ele comentou. - Especialmente com Adrian aqui. Mamãe fica tão agitada...

- Ela está feliz agora que o senhor está aqui. É uma pena que tenha ficado retido.

- Deveria ter escrito mais a respeito do que me afligia. Infelizmente, não achei que mamãe iria querer saber que, enquanto estava na Europa, seu menininho querido apaixonou-se perdidamente por uma jovem nobre francesa de muitas posses. A mulher em questão foi bem clara em recusar minhas atenções e fiquei arrasado demais para fingir alegria perante mamãe.

- Quanta consideração, meu senhor! - Hester disse, imaginando se ele estaria falando a verdade.

De algum modo, este homem e um coração partido não combinavam. E havia uma frivolidade no seu tom de voz que contrastava com a seriedade de suas palavras.

- Sabe como é minha mãe. Ela jamais acreditaria que qualquer mulher pudesse me rejeitar, de modo que inventei a história de estar doente.

- O senhor mentiu para poupá-la?

- Por favor, não me censure, Lady Hester. Confesso que também quis me poupar da reação dela, mas, decerto, isso não é crime! - Ele se deteve e se virou para ela, sorrindo com toda a candura de um menino bajulando um adulto. - É?

Mas, ele não era um menino, e Hester não pôde deixar de achar errado mentir para a mãe. A duquesa se preocupara com ele, doente e longe de casa.

- Acho que foi falta de consideração apavorar a duquesa, dizendo estar doente.

- Mas, que mulher implacável! - exclamou rindo o nobre. - E completamente imune ao meu charme, sua dama impiedosa!

Hester não gostou de ser chamada assim, mesmo de brincadeira.

- Creio que vai ver que as rosas cresceram bem, este ano - ela disse, prosseguindo pela trilha.

Lorde Elliot deteve-se novamente, e desta vez levou a mão dela aos seus lábios.

- É uma jovem adorável, e eu me desculpo por meus pecados - disse baixinho, fitando-a suplicantemente com os olhos azuis.

Teria sido mais eficaz se Hester houvesse notado alguma sinceridade neles.

- Acho melhor voltarmos para casa, meu senhor.

- Como desejar, Lady Hester. - Eles caminharam em silêncio, até que ele se deteve e, abruptamente, virou-se para ela. - O que sabe a respeito do duque?

- Nunca o havia encontrado antes de sua chegada aqui.

- Mas já tinha ouvido falar dele?

- Já, algumas vezes.

- Sabe o que as pessoas dizem a respeito dele e de sua conduta vergonhosa?

- Já escutei os mexericos, Lorde Elliot.

- Infelizmente, seu comportamento aqui em nada se difere de quando está na cidade. Os bons cidadãos de Barroughby podem lhe contar muitas histórias.

Hester lembrou-se do comentário de Damaris sobre Stanford Street, mas permaneceu calada.

- O que sabe de sua última vergonha?

- Muito pouco. Tudo o que sei é que duelou e foi ferido. Acho que havia uma jovem envolvida.

- Isso deveria ser o suficiente para alertá-la a ter cuidado com ele.

Hester fitou a mão quente e masculina que ainda cobria a sua. Estranho como todos tentavam alertá-la.

Em quem iria acreditar?

Seu coração lhe dizia para não confiar em nenhum dos dois. Por ora.

- Que tal entrarmos, meu senhor? - sugeriu. - Estou começando a ficar com frio.

- Pai! Pai! - gritou a idosa sra. Bolby, sacudindo o marido adormecido. - Pai! Olhe! O jovem duque está aqui para vê-lo.

Adrian adentrou a cabana, sorrindo para o homem que o ensinara a caçar, o acompanhara em longos passeios pela propriedade e o escutara reclamar incessantemente, sempre em silêncio e com solidariedade.

- Como está, Bolby? - perguntou baixinho.

Adrian sentou-se em um banquinho ao lado da cama e segurou a mão enrugada de Bolby. O homem idoso abriu os olhos.

- É o senhor mesmo? - ele sussurrou.

- Sou eu.

- Estou morrendo, meu jovem senhor.

A esposa começou a chorar de seu lugar no canto, e Bolby revirou os olhos.

- Pobrezinha, não consegue se acostumar com a ideia. Mas quando chega a nossa hora, não tem jeito.

Adrian assentiu.

- Foi o que você sempre me disse.

- Ensinei ao jovem Tom ali tudo o que sei, mas ele não é lá muito bom aluno. - Ele piscou para o filho, de pé no outro canto do aposento, em silêncio, mas com angústia visível em seus olhos secos. - Diferente de Vossa Excelência.

- Talvez apenas tenha bom coração.

- E quem foi que chorou como um bebé quando descobriu que havia matado uma corça?

Adrian deu de ombros, mas apertou com mais força a mão do velho.

- Ah, bons dias aqueles, jovem senhor! -A expressão do rosto de Bolby tornou-se séria e ele fitou firmemente Adrian nos olhos. - Tenho algo para lhe pedir, Vossa Excelência - disse, baixinho.

- Terei enorme prazer em lhe fazer a vontade - Adrian respondeu.

Que diferença faria mais uma promessa à beira do leito de morte? Decerto, o pedido de Bolby não poderia lhe trazer mais problemas ou custar mais dinheiro do que o primeiro.

Bolby esforçou-se para sentar-se e se aproximou de Adrian.

- A mulher está preocupada com o que vai acontecer com ela - sussurrou. - Tom é um bom filho. Vai se casar na primavera e diz que a mãe vai poder ir morar com eles, mas acho que duas mulheres na mesma casa é sinónimo de problemas.

- Cuidarei para que nada falte à sua mulher. Tem a minha palavra.

- Ah - Bolby afundou no travesseiro. - Sabia que podia contar com o senhor - murmurou.

John Mapleton, caminhando de volta para casa após ter sido chamado para cuidar de um homem que caíra do cavalo e ferira a cabeça, entrou em uma viela estreita.

Uma outra figura entrou na rua, vinda da outra extremidade. Um homem alto caminhando em sua direção, se é que aquilo poderia ser descrito como caminhar. Mapleton reconheceu o efeito de doses excessivas de álcool, assim como, lamentavelmente, pareceu reconhecer o homem, que não deveria estar andando em público em tais condições.

- Vossa Excelência? O homem se deteve.

- E quem diabos quer saber? - gritou.

Embora a voz fosse parecida com a do duque, Mapleton conhecia Adrian Fitzwalter bem o suficiente para perceber que não era ele, mas sim seu meio-irmão, bêbado, no meio da rua. Mapleton correu na direção dele.

- É melhor ir para casa, Lorde Elliot - sussurrou.

- Ah, é você, Mapleton? Muito gentil de sua parte se interessar tanto pelo meu bem-estar.

- O senhor está provocando uma cena.

- Estou? E para quem? De mais a mais, provavelmente presumirão ser o duque aprontando das suas.

- Eu sei. Mais um motivo para o senhor voltar para Barroughby Hall.

- Aquela pilha de pedra maçante - murmurou Elliot.

- Ele se virou para a parede e abriu as calças. - Ah, que alívio!

Revoltado, Mapleton franziu a testa.

- Que comportamento vulgar!

- Não devia ficar aí - comentou sarcasticamente Elliot. Ele riu quando Mapleton se desviou de algumas gotas que se respingaram em sua direção. - Não parece feliz em me ver.

- comentou o jovem. - Sem dúvida, desapontado por eu não estar morto.

- Na verdade, surpreso que não esteja seria uma declaração mais precisa - retrucou o cirurgião. - Vejo que continua bebendo em excesso. Pelo menos, seguiu o meu conselho e abandonou o ópio?

- Foi ele que me abandonou - respondeu calmamente Lorde Fitzwalter, abotoando as calças. - Caro demais.

Mapleton não tentou disfarçar sua antipatia pelo rapaz. Ele sabia muito bem o que sucedera no leito de morte do quinto duque, de modo que compreendia melhor do que qualquer outra pessoa a situação entre Adrian e o meio-irmão. Teria, de bom grado, revelado tudo para o mundo, se Adrian não o houvesse forçado a jurar silêncio.

- O que está esperando? - perguntou Elliot. - Eu não preciso de seus serviços.

- O que também me surpreende, dada a sua predileção por prostitutas.

- Tentando me ofender, Mapleton? - Lorde Elliot se deteve diante dele com um sorriso zombeteiro nos lábios. - Terá de fazer melhor do que isso. E ficará feliz de saber que, para o bem do mártir Adrian, apesar de gostar de me divertir, não sou burro.

- Fico feliz em saber disso, pelo bem de Adrian.

- Também não sou o único a quem deveria estar alertando sobre certas doenças. Não foi eu quem andou tão amigável com Sally Newcombe e as meninas. Se está tão preocupado com Adrian, deveria examiná-lo.

A insinuação implícita no comentário era tão óbvia, tão rude e tão chocante, que o médico se viu sem palavras, quando Lorde Elliot Fitzwalter seguiu o seu caminho.

Capítulo VIII

Acostumada a acordar mais cedo do que a duquesa, Hester, em geral, tomava o desjejum sozinha. Aparentemente, hoje não seria diferente, pois não havia mais ninguém na pequena sala de jantar quando chegou.

Ao se deliciar com a refeição e com a luz do sol matutino que entrava pela janela, ela pensou no restante dos residentes de Barroughby Hall.

A duquesa não era difícil de compreender. Era uma mulher vaidosa e egoísta, que mimava excessivamente o filho e não gostava do enteado. Tudo o que Hester tinha de fazer para agradá-la era obedecer e ficar quieta - nada muito difícil.

A coisa não era tão simples no que dizia respeito ao duque e ao meio-irmão.

Lorde Elliot Fitzwalter fora simpático e atencioso durante o jantar da noite anterior. Conversou muito com ela, sempre que a duquesa dava a chance, e quase fez Hester esquecer do desconforto que sentira em sua presença nos jardins.

Quanto ao Duque Negro, ele continuava a intrigá-la. O encontro nos estábulos fora desconcertante, e, por mais que tentasse negar, achara excitante estar sozinha com ele.

As histórias que ouvira a seu respeito o descreviam como sendo um homem dedicado apenas ao próprio prazer.

No entanto, se este era o caso, por que sustentava generosamente uma mulher que não fazia segredo de sua aversão por ele? Sem dúvida, também sustentava Elliot... Um comportamento incomum para um patife egoísta.

Apesar do beijo e de ter ficado sozinha com ele, jamais se sentira em perigo. Na verdade, até se divertira muito com a conversa.

Mas independente de como se sentia, escutara os mexericos sobre o Duque Negro, e não podia descartá-los.

- O que está fazendo aqui?

As palavras ásperas do duque interromperam seus pensamentos, e ela olhou para ele, quando Adrian entrou mancando na cozinha, com o rosto ainda mais pálido do que quando chegara a Barroughby Hall. Estava com as mesmas roupas que usara nos estábulos, mas havia lama em suas botas e o cabelo estava desgrenhado.

- O café está quente? - ele indagou, pegando a xícara da moça e engolindo o seu conteúdo antes que ela tivesse tempo de responder.

Ele puxou uma cadeira e gemeu ao se sentar.

- Está se sentindo bem, Vossa Excelência?

- Estou.

- Sua perna o está incomodando?

Ele a fitou com uma expressão cética e cansada.

- Apesar de apreciar sua preocupação, Lady Hester, prefiro um pouco de paz e tranquilidade.

Hester desviou o olhar para o prato. Se ele ia ser rude, ela ficaria calada. Quanto ao estado do duque, sem dúvida bebera demais. Talvez até houvesse caído do cavalo.

- Jenkins! - gritou o duque. - Quero ovos com bacon - ordenou quando Jenkins apareceu. - E mais café para mim e para Lady Hester, por favor.

- Mingau de aveia, agora mesmo, Vossa Excelência.

- Eu disse ovos com bacon - repetiu impacientemente o duque.

- Mais isso não é tão saudável quanto mingau de aveia, Vossa Excelência - murmurou Jenkins.

- Quero ovos com bacon! - repetiu o duque, e, dessa vez, Jenkins assentiu.

Quando a porta se fechou, o duque suspirou profundamente, recostou a cabeça e fechou os olhos.

- Preciso ter uma séria conversa com aquele homem - murmurou. Ele abriu os olhos e fitou Hester. - Acha mesmo que mingau de aveia é mais saudável?

- Creio que não faz diferença o que eu acho, Vossa Excelência. O senhor vai comer mesmo o que quiser.

O duque soltou uma gargalhada.

- Nisso, está coberta de razão - admitiu. Ele se endireitou na cadeira e a fitou. - Sem dúvida, acha que passei a noite toda na farra.

- Não faço ideia de onde esteve e nem do que esteve fazendo. Não é da minha conta.

- Muito bem dito, minha cara. A resposta perfeita para quem não quer se comprometer, mas o ligeiro franzir de sua testa e a censura em seus olhos estragam um pouco a ilusão. - O mordomo voltou trazendo uma bandeja com um prato coberto e outro bule de café. - Já estava na hora, Jenkins! Por favor, sirva Lady Hester.

- Posso perguntar como está passando Bolby, Vossa Excelência? - indagou baixinho o mordomo ao despejar o líquido escuro e quente na xícara de Lady Hester.

- Ele morreu - disse sem rodeios o duque, olhando fixo para a mesa.

- Lamento muito, Vossa Excelência.

- Eu sei, Jenkins.

- O senhor comparecerá ao enterro, Vossa Excelência? O duque assentiu, ainda sem erguer os olhos da mesa.

- Amanhã de manhã.

O mordomo assentiu, e se retirou em silêncio.

- O sr. Bolby era um amigo? - Hester perguntou, após um instante.

- Era.

- Lamento saber de sua morte. O duque a fitou friamente.

- Sequer o conhecia. Que diferença faz para você se ele está vivo ou morto?

Sem saber como responder, Hester nada disse.

Adrian começou a comer, esforçando-se para ignorar a presença de Lady Hester, enquanto ela bebia o seu café em silêncio.

Ele se recordou de tudo sobre o que ele e Bolby conversaram, sobre as caçadas, as piadas e as brincadeiras, até que Bolby houvesse ficado tão fraco, que Adrian insistira que a esposa tomasse o seu lugar no banquinho. Ela chorou copiosamente, e no final, quando Bolby deu o seu último suspiro, seu pranto fora um som que Adrian jamais havia escutado e torcia para jamais escutar novamente. Foi então que o jovem Bolby, que havia ficado em silêncio a noite toda, começou a chorar também.

Adrian percebera que era melhor deixá-los a sós com sua dor e se retirara em silêncio para cavalgar de volta para casa. Quando chegou a Barroughby Hall, sua perna doía absurdamente. Tudo o que queria era comer e ir para a cama. Não queria ficar ali sentado, na companhia de uma jovem cujos olhos exprimiam tanta compaixão, parecendo compreender o que ele estava sentindo.

- Está se sentindo bem, Excelência?

- Estou bem.

- Está chorando.

Ele enxugou as faces com fúria.

- Caiu alguma coisa no meu olho.

Ela se levantou, deu a volta na mesa e, retirando um lenço de dentro da manga do vestido, postou-se diante dele.

- Deixe-me ver.

- Não é nada - ele retrucou, desviando o olhar. - Apenas um pouco de poeira ou de fuligem.

- Não é uma boa ideia deixar algo lhe irritando os olhos, Excelência.

Adrian convenceu-se de que estava exausto demais para discutir e insistir na mentira, de modo que virou o rosto para ela. Lady Hester franziu a testa, segurou-lhe o queixo e fitou seus olhos.

Seu toque era gentil, mas firme, como o das melhores enfermeiras.

- É uma pena que venha de uma família nobre - ele comentou, esforçando-se para não notar que seus olhos eram de um tom muito sedutor de azul, ou que seus lábios estavam entreabertos.

- Por que diz isso, Excelência? - ela perguntou distraída, examinando os olhos de Adrian.

- Com o dom que tem para dar ordens, daria uma excelente governanta.

Ela lhe soltou o queixo.

- Não achei nada - disse, recuando um passo.

Ele a aborrecera. Não tivera a intenção de fazê-lo, mas compará-la a uma governanta não era elogioso, e lamentava tê-la ofendido.

O que estava fazendo, era o Duque Negro, e nenhuma mulher decente deveria se aproximar dele.

- Parece estar cansado, Vossa Excelência. Acho que deveria ir para a cama.

- E vou. Quer me acompanhar? Ela o fitou, horrorizada.

- Não, não quero! - declarou, antes de sair correndo do recinto, como se ele houvesse começado a se despir diante dela.

Ele não se arrependia do convite vulgar. Era melhor que Lady Hester pensasse o pior dele.

Hester deteve-se diante da biblioteca para recuperar o fôlego. Esfregava ansiosamente as mãos, ainda sentindo a barba por fazer do duque, e aquela expressão dos olhos escuros e intensos. Havia uma pergunta por trás de seus olhos. Mas o quê? O que ele podia querer dela?

Que compartilhasse da cama dele era a resposta mais óbvia. Jamais esperara este tipo de convite de alguém como o duque de Barroughby, especialmente após examinar seus olhos. Não encontrara neles luxúria e nem o costumeiro cinismo sardónico.

Viu apenas um anseio que lhe tocou o coração.

Ah, estava sendo ridícula e por demais sentimental! Que necessidade teria um homem daquele de ternura?

- Estou dizendo que só vou embora depois de ver o duque! - gritou uma voz masculina vinda da entrada lateral.

Uma outra voz sussurrada parecia recusar o pedido do homem, e Hester a identificou como sendo a do cónego Smeech.

Naquele instante, Lorde Elliot veio descendo a escada. Ele sorriu para Hester e disse alegremente:

- Algo parece estar errado.

- Acho que um arrendatário quer falar com o duque. Outra exigência aos berros confirmou a suspeita da dama.

- É o que parece - comentou Elliot. - Suponho que ele ainda não tenha retornado - ele prosseguiu com uma careta de desaprovação. - Ficou fora a noite toda.

- Ele já voltou. Acabo de deixá-lo na sala de jantar.

- Deixou mesmo?

Hester não gostou nada do olhar sugestivo que Elliot lhe lançou. Ela o considerou mais impertinente do que o beijo inesperado do duque.

- Ele está tomando café. Pelo que soube, estava visitando um amigo da família que morreu.

O rosto de Elliot mostrou surpresa.

- E quem foi?

- Seu nome era Bolby.

- Ah, o velho Bolby, é claro. - A notícia da morte do homem não pareceu ter afetado Lorde Elliot. - Suponho que Adrian tenha começado a noite na cabana de Bolby e terminado em algum outro lugar.

Com uma pontada de decepção, Hester percebeu que Lorde Elliot poderia ter razão. Hester não fazia ideia da hora em que falecera o velho Bolby, e, dada a reputação do Duque Negro, ele poderia de fato ter encerrado a noite afogando as mágoas em alguma taberna local.

A duquesa apareceu no topo das escadas.

- Onde está Adrian? - indagou, furiosa. - O patife! Há menos de uma semana em casa e já está se portando como se isso não passasse de um hotel!

- Pelo que me disseram, tomando café, mamãe - retrucou Lorde Elliot, com um olhar malicioso para Lady Hester.

- Acho que ele passou a noite à beira do leito de morte de um homem, Vossa Excelência - disse Hester, torcendo para que fosse verdade.

A duquesa começou a descer majestosamente a escadaria.

-Adrian visitando os moribundos? Acho mais fácil acreditar que a rainha Vitória está dormindo nos estábulos! - Ela se deteve ao atingir o fim da escada, e os sons do conflito foram ficando mais altos. - Que barulheira abominável é essa?

- Parece que alguém quer falar com Adrian, mamãe.

- Então, por que ele não está no gabinete? Decerto, ele pode escutar todo esse barulho. Hester, vá buscá-lo, agora mesmo.

Hester sentiu-se ligeiramente indignada. Não era função dela ir buscar ninguém.

Por sorte, Jenkins apareceu.

- Posso ajudá-la, Vossa Excelência?

- Pode. Vá buscar o duque agora mesmo! Não consigo suportar essa barulheira toda, logo de manhã cedo!

- Eu também não, Vossa Excelência - disse o duque, com secura. - Bom dia a todos - cumprimentou.

A refeição devia ter-lhe feito bem, pois Hester notou que ele não estava com a mesma aparência fatigada de ainda há pouco.

- Vossa Excelência - disse Jenkins. - O jovem Bolby e o cónego Smeech desejam falar com o senhor a respeito do chalé dos Bolby.

- Eu os receberei agora mesmo - disse, dirigindo-se para o gabinete.

- Venha tomar café, Elliot - ordenou a duquesa, tomando o braço do filho. - Quero que me aguarde na sala de estar quando eu terminar, Lady Hester - ela prosseguiu. - Temos de terminar os convites para o baile.

- Sim, Excelência.

A duquesa e o filho se afastaram. Hester decidiu pegar um livro de seu quarto e ler um pouco. Considerando que ela provavelmente se interromperia várias vezes para criticar o enteado, era provável que a duquesa ainda demorasse um bocado para terminar de comer.

Contudo, em vez de seguir imediatamente para o seu quarto, Hester seguiu para o outro extremo da casa. Era uma enorme volta para se dar para chegar à escada dos serviçais, mas passava bem perto do gabinete do duque.

Capítulo IX

- Realmente consideram esta a melhor ocasião para discutir isso? - Hester escutou o duque indagar calmamente.

- Ele não me deu outra escolha, Vossa Excelência - o jovem respondeu zangado. - Meu pai acabara de morrer, e ele já estava na porta nos mandando sair.

- Isso é verdade, cónego? - perguntou o duque, em um tom de voz baixo e letal, que gelou o sangue de Hester.

Tendo sua curiosidade despertada pela perspectiva de ver o pomposo cónego em tal situação, ela se aproximou cautelosamente da porta, e espiou lá dentro. O duque estava sentado atrás de uma mesa no centro do recinto, diante da qual, sentado em uma cadeira de madeira, estava o obviamente desconfortável reverendo cónego Smeech. Um jovem alto, magro e sardento estava de pé no canto.

- Vossa Excelência - começou a falar o cónego -, com sua permissão, os Bolby vêm morando naquele chalé há cinco anos, embora o aluguel esteja sempre atrasado e eles raramente compareçam à missa. A duquesa e eu já discutimos o assunto inúmeras vezes, e sei que ela concorda comigo que já está na hora de oferecer o chalé a uma família mais merecedora, mais apreciadora da generosidade da duque... de Vossa Excelência. Tenho a família ideal em mente. Tentei ser misericordioso.

O jovem fungou com desdém, e cerrou os punhos, como se estivesse pronto para agredir o clérigo.

- Bom dia, Vossa Excelência, cónego - disse. - Estava a caminho da escadaria dos fundos.

O duque sorriu, e Hester teve a estranha sensação de que ele sabia exatamente o que se sucedera, exatamente como percebera as reais intenções do cónego. Indubitavelmente, um homem perigoso.

- Lady Hester, permita-me apresentar-lhe Tom Bolby - disse o duque sem desviar os olhos do documento que redigia. - Acredito que ele será tão bom couteiro quanto o pai.

Hester fez uma mesura. Pelo brilho nos olhos do rapaz, desconfiava que era a primeira vez que estava ouvindo falar de sua promoção a couteiro da propriedade do duque de Barroughby.

- E serei, Vossa Excelência. Quer dizer, eu tentarei. Obrigado.

O duque fez um gesto de pouco caso com a pena, antes de olhar novamente para o reverendo cónego Smeech.

- Vejo que não trouxe o seu pároco consigo.

- Não, Vossa Excelência. Ele está visitando os enfermos.

- Enquanto o senhor discute os chalés dos arrendatários? Bem, não importa. Estou certo de que o senhor é um homem ocupado. Ele deve ser um excelente pároco para permitir que o senhor se dedique a tantas tarefas.

- E é, Vossa Excelência.

- Ele é escocês, não?

- É, Vossa Excelência, de Edimburgo.

- Minha madrasta está planejando um baile, cónego, e vamos precisar de todos os jovens que possamos encontrar. Acredito que não tenha reservas quanto a permitir que clérigos dancem?

- Nenhuma, Vossa Excelência. Ficaremos honrados em comparecer.

Hester já havia quase conseguido se esgueirar até a porta quando o duque voltou a fixar o olhar nela.

- Acredito que estejamos todos impacientes para seguirmos nossos respectivos caminhos - disse, e Hester corou ao se ver flagrada. - Bolby, aqui está a escritura. - Ele entregou o documento ao jovem, que o pegou com reverência. - Estou certo de que está ansioso para voltar para sua mãe.

- Estou, Vossa Excelência. Obrigado, Vossa Excelência! Tenha um bom dia, Vossa Excelência!

O jovem curvou-se até passar pela porta, quando se endireitou, se virou e saiu correndo em disparada.

O duque suspirou e olhou maliciosamente para Smeech.

- Não há nada igual à caridade, não é verdade, cónego?

- É, Vossa Excelência.

- A duquesa em breve estará na sala de estar. Sem dúvida, vai querer ficar para falar com ela. Sei como ela aprecia suas conversas.

- Obrigado, Vossa Excelência. Será um prazer. O duque ficou de pé.

- Bom dia, cónego.

- Bom dia, Vossa Excelência - o clérigo disse, antes de se curvar e deixar o gabinete.

- Acredito ter aborrecido o estimado cavalheiro - o duque comentou ao sentar-se novamente.

Embora não pudesse pensar em um motivo para ficar ali, Hester não foi capaz de se forçar a ir embora.

- Tenho certeza de que aborreceu, Vossa Excelência, e acho até que gostou de fazê-lo.

- Parece ser capaz de ler com exatidão meus pensamentos, Lady Hester. Por acaso, possui sangue cigano?

- Não. Vossa Excelência apenas não foi muito discreto.

- Ah, outra área em que meu caráter é deficiente. Já você me parece mais do que capaz de esconder seus verdadeiros sentimentos.

- Quando necessário, Vossa Excelência.

Ele franziu a testa, e desta vez parecia mesmo zangado.

- Você precisa me chamar sempre de Vossa Excelência?

- É o tratamento adequado em uma conversa com um duque, quer ele seja merecedor do título ou não - Hester retrucou, no íntimo satisfeita por ele achar irritante o tratamento formal, quando usado por ela. - Vossa Excelência - acrescentou, zombeteiramente.

- Mesmo assim, devo insistir para que me chame...

Hester prendeu a respiração, ansiosa para escutar a impropriedade que ele estava para sugerir, talvez até o uso impróprio de seu nome de batismo.

-... de meu senhor. Quando estivermos a sós, é claro, para não chocar a sociedade.

- Considerando que tais momentos vão ser raros, não vejo por que não, meu senhor - Hester respondeu. - Agora, preciso ir.

Dito isso, ela deixou o gabinete, pensando que, se não tivesse cuidado, acabaria gostando demais de conversar com o duque.

Ao fechar a porta e mancar de volta para a poltrona, Adrian sorriu. Gostara de sua conversa com Lady Hester. Especialmente quando a menção do reverendo McKenna não lhe suscitou nenhuma reação. Ou era a mulher mais inescrutável da Inglaterra, ou, para ela, o jovem clérigo não passava de um clérigo.

Mas não devia se esquecer de que a surpreendente Lady Hester o estava espionando. Contudo, por mais que se esforçasse para lhe condenar a curiosidade, tinha uma vontade quase irresistível de rir da imagem de Lady Hester se esgueirando atrás das portas, escutando através de buracos de fechadura.

Ela era realmente fascinante. Adrian chegava quase a lamentar ter de partir.

- Infelizmente é verdade, mamãe - Elliot disse para a mãe, quando ela se sentou para tomar o chá, muito após a partida do reverendo Smeech. - Adrian se recusa a discutir o assunto comigo. Simplesmente rosnou como um urso zangado e me mandou embora. O cónego devia ter razão quando disse que a escritura tinha valor legal.

- Sabia que era tolice achar que o cónego Smeech pudesse estar enganado, ou que Adrian estivesse simplesmente fazendo uma das suas brincadeiras sem graça. Adrian é um tolo para dar de graça um bom chalé e um bom pedaço de terra para uma família como os Bolby, independente do sentimento que possa nutrir por eles. Jamais gostei de Bolby.

- Não me surpreenderia se Adrian tivesse feito isso apenas para irritar o cónego Smeech. Suponho que deveríamos nos sentir aliviados por ele ainda não ter vendido nada.

- Ele não ousaria! - exclamou a duquesa.

- Acredito que Adrian ousaria qualquer coisa.

- Ah, por que Lady Hester está demorando? - indagou a duquesa. - Eu lhe disse exatamente onde estava.o meu xale.

Hester adentrou a sala de estar com o xale na mão. Entregou o item à duquesa e se sentou ao lado da mesa de chá, diante de Lorde Elliot.

- Quer que eu a sirva, Vossa Excelência? - perguntou, baixinho.

A duquesa balançou a cabeça.

- Já me servi. Soube da última tolice do duque?

- Tolice, Excelência? - perguntou Hester, fingindo ignorância.

Não queria que ninguém soubesse que estivera bisbilhotando. Também queria saber o que a duquesa pensava da generosidade do enteado, embora, dada a escolha de palavras da mulher, já desse para adivinhar.

- Ele doou terras e um chalé para a família de um homem que já foi couteiro!

- Gentileza dele, sem dúvida - comentou Elliot. - Mas, não foi inteligente. Agora vai ter que gastar para construir outro chalé.

- Suponho que o duque possa arcar com as despesas de construção de vários chalés - comentou Hester, completando a xícara de Lorde Elliot.

- A questão não é essa - disse a duquesa. - Bolby era um profano preguiçoso. Ao doar o chalé à família dele, Adrian parece estar recompensando-o.

- Vossa Excelência, Sir Douglas Saxon Cowper e srta. Saxon Cowper - Jenkins anunciou da porta.

- Quem? - Elliot perguntou à mãe.

- Que exaustivo! - exclamou a duquesa. - É Sir Douglas Sackville Gooper e a filha. Eu devia mandar dizer que não estou.

- Mas, mamãe, você está - retrucou Elliot. - Gostaria de rever os Sackville Coopers. Mande-os entrar, Jenkins.

Capítulo X

Ao entrar, Sir Douglas fez uma reverência para a duquesa, e depois, como de praxe, cumprimentou de modo distraído Lady Hester, sorrindo o tempo todo para Lorde Elliot. Quando Damaris adentrou graciosamente o recinto, deslumbrante como sempre, Lorde Elliot apressou-se em se levantar, e, após cumprimentar o pai dela, dirigiu-se sorridente à dama. Mais uma vez, como inúmeras outras em sua vida, Hester se sentiu ficar invisível.

- Não me diga que esta é a pequena Damaris! - ele exclamou, fingindo surpresa.

A jovem corou quando ele a conduziu até uma cadeira perto da janela, bem longe da duquesa, que os fitava de modo desaprovador.

Sir Douglas também os observava, e, como a duquesa, não parecia muito satisfeito.

- Onde está o duque? - perguntou.

- Não tenho ideia - retrucou a duquesa. - Por que não se senta, Sir Douglas?

Ele obedeceu, sentando-se ao lado dela no sofá. A atmosfera do recinto ficou ainda mais carregada quando o duque chegou.

- Jenkins me disse que tínhamos companhia, mas esqueceu-se de avisar que uma deusa se dignara a visitar meros mortais.

Foi pura bajulação, mas Damaris pareceu ter gostado, pois deu as costas a Lorde Elliot e sorriu para o outro, o temido duque. Talvez se sentisse mais segura na presença de Lorde Elliot, pensou Hester.

O duque acenou brevemente com a cabeça para a madrasta e Sir Douglas, antes de seguir na direção de Damaris. Hester notou que, considerando a atenção que os irmãos Fitzwalter lhe estavam dispensando, ela poderia muito bem estar em outro país.

Fora exatamente por isso que saíra de casa. Queria evitar essa sensação de não ser apenas supérflua, mas de sequer ser digna da mais básica atenção dos outros, especialmente dos homens.

- Não concorda, Lady Hester? - perguntou Sir Douglas. Ela virou-se para o homem com um sorriso educado.

- Perdão, Sir Douglas?

- Eu disse que esse baile vai ser maravilhoso, e ofereci a ajuda de Damaris, Lady Hester, pois a duquesa me informou que está sendo muito prestativa cuidando de todos os pormenores necessários. - Sir Douglas inclinou-se para frente e olhou na direção de Damaris, que estava sentada com um belo nobre de cada lado. - Ela precisa aprender tudo para quando for dona de sua própria casa.

- Lady Hester é uma maravilha organizacional - comentou a duquesa.

O elogio, na verdade qualquer sinal de aprovação, era tão raro, que Hester mal soube o que dizer. Ficou surpresa ao notar que o duque a fitava, enquanto a atenção do irmão ainda estava voltada para Damaris.

- Não sei como minha madrasta estaria produzindo este baile sem ela - comentou Adrian. - Na idade da duquesa, é comum precisar de assistência.

A duquesa fitou fulminantemente o enteado e, depois, sorriu para Sir Douglas.

- Apesar de brincalhão, o duque tem razão quanto ao valor de Lady Hester para mim. Lamentarei perdê-la. No entanto, ela dará uma ótima esposa para algum homem de sorte.

Do que a duquesa estava falando? Essa conversa estava começando a ficar muito constrangedora, e Hester começou a buscar uma desculpa para se retirar.

- Esperamos que o senhor e sua linda filha possam comparecer ao baile - disse o duque para o cavalheiro, sua voz profunda rompendo o silêncio súbito.

- Ah, é claro - respondeu Sir Douglas. - Lamento apenas ter que partir para Londres amanhã. Negócios, sabe como é. Contudo, tenho certeza de que voltarei para o baile.

- Pelo que minha madrasta diz, a lista de convidados está imensa - comentou o duque.

- São apenas amigos da família. Como o duque de Chesterton, o conde de Wopping-Hedgehorn e outros.

- Não vejo o Duque de Chesterton desde o enterro de meu pai. Pensei até que já houvesse morrido.

Lorde Elliot riu.

-Ah, eu lhe garanto que ele está muito vivo. Achou uma maneira muito interessante de se manter jovem.

- E que maneira é essa, meu senhor? - perguntou Sir Douglas.

- Ele está colhendo frutas cada vez mais novas da árvore. - Hester ruborizou, pois já havia ouvido falar do duque de Chesterton e sabia que Lorde Elliot estava se referindo ao apetite do homem por concubinas.

O rosto do duque se transformou em uma careta sombria, e até mesmo a duquesa parecia ligeiramente incomodada, pois sabia ao que o filho estava se referindo. Damaris parecia confusa e Sir Douglas, preocupado.

- Ele vai ter uma indigestão se continuar a comer frutas que não estão maduras - disse, em tom sério.

- E vai mesmo - concordou o duque. - Creio que nosso pomar vai nos dar uma ótima colheita este ano, Sir Douglas - prosseguiu, mudando de assunto.

- Fico feliz em saber disso, Vossa Excelência. Preciso lhe contar sobre um novo tipo de maçã que estamos cultivando no pomar sul.

A conversa se voltou para assuntos agrícolas, pelo menos entre o duque e Sir Douglas. Hester não tinha ideia sobre o que Lorde Elliot e Damaris sussurravam, nem foi a única a notar a conversa. Por diversas vezes, a duquesa se dirigiu ao filho, e, em todas elas, ele lhe deu uma resposta breve e educada, antes de voltar a se concentrar em Damaris.

Por fim, Sir Douglas se levantou e lançou um olhar sugestivo para a filha.

- Infelizmente, Vossa Excelência, precisamos ir. A duquesa assentiu, e Damaris se levantou.

Uma expressão satisfeita tomou conta do rosto da jovem quando Lorde Elliot segurou-lhe a mão.

- Até breve - disse, baixinho.

O duque aguardou até que Lorde Elliot houvesse soltado a mão da dama e lentamente imitou o gesto. Curvando-se, roçou os lábios nas costas da mão dela, com um beijo que mais se assemelhava a uma carícia íntima. Fitando Damaris com toda a intensidade de que Hester sabia que ele era capaz, Adrian disse:

- Adeus, srta. Sackville Cooper.

Hester engoliu em seco, e Damaris parecia incapaz de se mover, o que era uma reação perfeitamente compreensível.

- Tenha um bom dia, srta. Sackville Cooper - disse secamente a duquesa, e Damaris na mesma hora recuperou a capacidade de andar.

Os dias seguintes passaram com uma lentidão agonizante para Adrian, enquanto ele era forçado a permanecer novamente em casa para se recuperar do esforço a que submetera sua perna.

Desta vez, a espera foi ainda pior do que quando chegara em Barroughby Hall, porque Elliot estava em casa. Mapleton já lhe contara do encontro que tivera com Elliot bêbado e repetira os comentários rudes proferidos por ele.

Contudo, isso não era o pior. Por causa de Elliot, Adrian fora forçado a ignorar Hester e fingir interesse por Damaris. Infelizmente, era a única maneira de garantir a segurança de Hester. Bastava Elliot achar que Adrian tinha o menor interesse por uma mulher para fazer de tudo para seduzi-la, apenas para magoar o irmão, em geral - e infelizmente - com sucesso. Fizera-o com várias mulheres, a mais recente tinha sido Elizabeth Howell. Hester não tinha família para resguardá-la, e estava morando sob o mesmo teto. Damaris, por outro lado, tinha o pai para protegê-la, e morava em outra casa.

Sendo assim, Adrian não tinha outra escolha senão fingir indiferença em relação a Hester, independente do quanto gostaria de fazer o contrário.

Quando a perna estava um pouco melhor, Adrian cuidou de outros assuntos pertinentes à estadia de Elliot em Barroughby. Fora pagar as dívidas atuais de Elliot em vários estabelecimentos da cidade. Os taberneiros não ficaram muito satisfeitos quando o duque deixou bem claro que não pagaria mais nada, mas concordaram em limitar o volume de bebida a ser vendida para o seu irmão.

No momento, estava em um estabelecimento diferente, por um motivo diferente. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, Elliot também encontraria o caminho da casa de Sally Newcombe.

Adrian estava sentado no sofá de veludo vermelho, torcendo para que Sally não demorasse, pois não queria arriscar que outro "patrono" aparecesse e desse início a mais mexericos.

Uma morena pequena e magra, com olhos negros e usando apenas um sorriso e um espartilho, adentrou provocantemente o recinto.

- Bonjour, monsieur le duc - ela disse com a voz rouca, quando ele se levantou. - Por favor, sente-se.

Ela estendeu-se no sofá diante dele, oferecendo-lhe uma bela visão dos seios voluptuosos.

Em seguida, entraram na sala uma loura magra de pernas compridas e olhos verdes, usando um robe de seda, uma jovem gordinha de cabelos e olhos castanhos, e uma lourinha magra de olhos azuis, para quem ele sorriu, ao reconhecê-la.

- Boa tarde, Vossa Excelência - disse Maisie, retribuindo o sorriso ao se sentar perto da janela.

Depois de Maisie, entraram uma ruiva sardenta, bonita de corpo, e outra beldade morena.

Por fim, Sally se dignou a aparecer, usando um négligé cor-de-rosa, que revelava mais do que escondia. Era uma mulher de meia-idade voluptuosa, que escondia bem a idade através do uso criativo de cosméticos.

- Podem sair, meninas - ordenou, e foi obedecida com um misto de decepção e especulação.

Na juventude de Adrian, Sally fora amante, amiga e professora, e ele a fitou com gosto, quando ela se sentou ao lado dele.

- É um prazer tornar a vê-lo, Adrian.

- Digo o mesmo, Sally.

- Maisie está bonita, não está?

- Está, mas não vim aqui para isso. Ela o fitou confusa.

- Então, por que veio? Pelos velhos tempos?

- Vim para lhe avisar que Elliot está na cidade. A expressão de Sally foi de puro desgosto.

- Eu soube. Ele não é bem vindo aqui. Não após a última vez. Daphne ficou apavorada. Ela fugiu na semana seguinte. Provavelmente para Londres, pobrezinha. Irmão, ou não, pode lhe dizer que ele não será aceito aqui.

- Eu entendo - disse Adrian. - Mas, independente do que eu diga a Elliot para evitar que ele venha aqui, meu meio-irmão, com toda probabilidade, baterá à sua porta.

Sally balançou a cabeça.

- Eu o barrarei.

Adrian segurou-lhe a mão, fitando-a nos olhos.

- Sally, se ele não puder entrar aqui, não sei o que poderá fazer.

Sally ainda balançou a cabeça.

- Não me importa. Ele é um animal egoísta. Tenho de pensar nas minhas meninas.

- Eu sei, Sally, eu sei. - Ele apertou a mão de Sally pensando em uma certa jovem que estava morando em sua casa e com outra jovem igualmente inocente que com certeza tentariam Elliot. - Não gosto de pedir isso, mas sinto que preciso. Será que não há alguém...

Sally o fitou horrorizada.

- Sei aonde quer chegar! Já disse, irmão ou não, ele não é bem-vindo.

- Pago o que quiser.

- Vai lhe custar muito.

- Então eu pagarei muito. Será que pode fazer esse favor para mim, Sally?

- Bem, tenho alguém que talvez possamos usar. A menina nova. Desiree.

- A morena francesa que entrou primeiro?

- Achei que ia gostar dela, mesmo não tendo olhos azuis.

- Uma boa escolha... mas eu já abri mão de tais luxos. Os olhos de Sally se arregalaram de surpresa, mas, depois, ela sorriu.

- Por que pagar, quando essas damas ricas e entediadas estão se entregando de graça, não é?

- Essa Desiree, ela não é nova...

- No ramo? Bom Deus, não. Ela vem de Paris. Já nasceu para a coisa. Ela sabe como se defender. - A expressão do rosto de Sally ficou séria. - Guarda uma faca sob o travesseiro. Se alguém vai estar a salvo com aquela escória, é Desiree.

- Será que não pode colocar alguém de guarda, combinar um sinal ou coisa parecida?

- Não se preocupe, eu providenciarei tudo. Adrian pegou a carteira e ficou aguardando.

- Vai lhe custar vinte libras a visita. Também vou ficar com o que ele pagar.

Adrian assentiu. Dinheiro bem gasto, caso isso impedisse Elliot de tentar seduzir jovens menos preparadas para se defender. Ele entregou o dinheiro à mulher.

- Tenho de ir. - Ele se curvou. - Agradeço a você e a Desiree, Sally. Não esquecerei o favor que me fizeram.

Enquanto isso, Elliot estava sentado no confortável sofá da sala de estar na nova e recém-construída mansão dos Sackville Coopers e assistia a Damaris tocar piano, embora não estivesse nem um pouco interessado em seu talento musical. O que realmente lhe chamava a atenção eram os movimentos dos seios da dama, enquanto ela tocava.

Ela terminou e se virou para fitá-lo. Tão vivaz, tão inocente, tão bela.

- Deseja mais alguma coisa, Lorde Elliot?

Elliot sorriu lentamente, pensando em muitas "coisas" quel queria fazer com ela.

- Ficaria mais feliz se pudéssemos deixar as formalidades de lado - ele respondeu de modo sedutor, ficando de pé aproximando-se do instrumento. - Por que não me chama de Elliot?

Os olhos de Damaris se arregalaram.

- Ah, mas não seria apropriado.

- Eu sei - ele disse, sentando-se ao seu lado. - Mas, aí eu poderia chamá-la pelo seu lindo primeiro nome, em vez de pelo sobrenome comprido.

Ela corou e baixou os olhos.

- Suponho que, se não o fizéssemos em público, não haveria mal, meu senhor - ela sussurrou, fitando-o com uma timidez que ele achava deveras atraente.

- Elliot. - Ela assentiu.

- Elliot.

- Ótimo. Agora, acho que gostaria de algo mais animado, Damaris.

Ela mordeu o lábio inferior e folheou as partituras sobre o piano.

Elliot ajeitou-se, sentindo a conhecida e agradável intumescência na virilha, e desejando ardentemente que não houvesse um criado postado do outro lado da porta da sala de estar.

Mas, criado ou não, não seria impossível seduzi-la. Não para ele. Apenas teria de ter cuidado. Quanto às consequências em potencial, não tinha com o que se preocupar. Sir Douglas estaria preocupado demais em proteger o nome da família para tornar pública a vergonha da filha.

- Quer que eu vire as páginas, Damaris? - ofereceu, ao perceber que ela estava se preparando para tocar.

- Ah, quero Elliot.

Ela sorriu para ele e Elliot se sentiu triunfante. Ela seria dele, e não demoraria muito. Pelo canto do olho, viu o mordomo entrar.

- O reverendo McKenna - anunciou o homem, dando passagem para o jovem clérigo, que corou só de olhar para lilliot e Damaris.

- Desculpe interromper - ele gaguejou, parecendo afobado.

Ele também a quer, percebeu Elliot, sentindo seu desejo aumentar diante da perspectiva de concorrência. Derrotar Adrian e este jovem tolo na corrida para chegar à cama de Damaris, representaria uma vitória dupla.

- O que posso fazer pelo senhor? - Damaris perguntou ao reverendo, com certa irritação, e Elliot percebeu que ela sequer levantou-se do piano.

- Estava apenas pensando que, como seu pai está fora, a senhorita poderia... quer dizer, eu poderia ajudá-la em alguma coisa?

- Obrigada, reverendo McKenna, mas não consigo pensar em nada - Damaris respondeu.

- Ah, bem. Neste caso, desejo a ambos um bom dia. Ele curvou-se e foi embora.

Damaris ficou sentada por um instante, com uma ruga de preocupação na testa, enquanto fitava a porta, até que Elliot se aproximou dela.

- Podemos continuar? - perguntou baixinho. Ela sorriu e disse:

- Como quiser, Elliot.

Capítulo XI

Naquela mesma tarde, a duquesa foi se deitar reclamando de uma ligeira indigestão, e Hester pediu permissão para se dar o prazer inocente de uma caminhada pela cidade de Barroughby.

O dia estava frio e nublado, com possibilidade de chuva, mas Hester estava decidida a não deixar que o mau tempo a atrapalhasse, pois, nos últimos dias, vinha se sentindo aprisionada.

A duquesa concordou, desde que Hester se comprometesse a fazer uma seleção preliminar de tecidos e rendas para o novo vestido de baile da duquesa.

Tendo completado a tarefa, Hester estava livre para se divertir um pouco. Ao admirar a vitrine da chapelaria, refletiu que, aparentemente, não era a única a querer distância de Barroughby Hall naquele dia. Jenkins lhe dissera que o duque dirigira-se a cavalo para "algum lugar", logo após o desjejum. Lorde Elliot seguira para a residência dos Sackville Cooper.

Uma olhada para o céu escuro a convenceu a voltar para Barroughby Hall antes que chovesse. Ela andou apressadamente até avistar o reverendo McKenna caminhando cabisbaixo pela rua do mercado.

Algo o estava aborrecendo.

- Reverendo McKenna! - ela gritou.

O homem se deteve e se virou na direção dela.

- Ah, Lady Hester! - exclamou quando ela o alcançou. - Como está?

- Muito bem, reverendo. Quer me acompanhar em um chá com bolo?

- Ah, obrigado, mas, não. Preciso ir. A sra. Nandy não está se sentindo bem, hoje. - Subitamente, ele franziu a testa, preocupado. - Veio sozinha para a cidade?

- Vim. Gosto de caminhar. E estarei segura durante o dia.

- É claro - ele retrucou, distraidamente.

- E como está o senhor? O senhor me parece cansado. Sei que tem trabalhado muito. "Ou está pensando em Damaris?"

- Eu estou bem.

Apesar do esforço do reverendo para sorrir, Hester achou jamais ter visto um homem mais infeliz.

- O que houve? - ela perguntou, pousando a mão no braço do clérigo. - Algum problema?

- Nenhum.

- Como está a srta. Sackville Cooper sem a presença do pai?

Dessa vez, ele não se esforçou para parecer alegre.

- Muito bem, eu suponho.

Hester sabia que havia determinado a causa do desânimo do reverendo, mas não sabia como proceder daquele ponto em diante. Era um assunto delicado, e ela já havia ultrapassado os limites da cortesia.

- Não lhe falta companhia - murmurou baixinho o reverendo, antes de fitar Hester. - Venha, eu a acompanho até a estrada que leva a Barroughby Hall.

- Srta. Sackville Cooper recebe muitas visitas? - Hester indagou, quando eles se puseram a caminho.

- Recebe - respondeu McKenna e a fitou com um sorriso que em nada parecia aliviar a dor que ardia em seus olhos. --Foi muita generosidade do duque doar o chalé para os Bolby - disse, surpreendendo-a com a mudança de assunto. - Será que Lorde Elliot teria feito o mesmo?

Hester estava prestes a dizer "É claro que sim", mas não o fez. Embora considerado um epítome de virtudes pela mãe, ela não tinha certeza se Elliot Fitzwalter teria sido tão generoso.

- Gosto de pensar que sim - respondeu, por fim.

- Ele me parece ser um bom homem - prosseguiu o reverendo, e Hester teve certeza de ter achado a raiz dos problemas do clérigo.

- A srta. Sackville Cooper é como uma linda pintura que atrai inúmeros admiradores - Hester disse, com suavidade.

- Contudo, não é um objeto inanimado. Possui suas próprias opiniões. Ela pode momentaneamente se deixar levar por lisonjas e pelas palavras de um outro, mas isso não significa que baseará suas decisões em tais coisas. E os admiradores podem ser criaturas frívolas, que logo terão ido embora.

Palavras às quais ela própria deveria dar ouvidos, Hester pensou.

- Acha mesmo? - perguntou o reverendo McKenna.

- Acho.

- Gostaria que os dois fossem logo embora! - exclamou com azedume o jovem. Ele notou a expressão surpresa de Hester e sorriu. - Lorde Elliot é bonito demais. Ele faz o resto de nós parecermos sobra da colheita. E, embora o duque tenha sido generoso com os Bolby, não gosto de ter um homem como esse nos arredores.

- Ele é dono dos arredores.

- Sei que é. Mas é horrível ter como senhor um homem com a reputação dele!

Subitamente, Hester se deu conta de que esta seria a ocasião perfeita para obter respostas sobre o passado do duque.

- Então as histórias sobre o duque de Barroughby são verdadeiras?

- Acho que algumas delas são exageradas. Pelo menos, espero que sejam.

- Por exemplo?

- Ah, eu não poderia falar de tais coisas com a senhorita - protestou o reverendo.

- De qualquer maneira, já escutei as histórias mais recentes. De minhas irmãs e de seus amigos. Se estou morando na casa dele, deveria saber com quem estou lidando, não acha?

- Muito bem. Só espero não ofendê-la.

- Não creio que o vá - ela retrucou, certa de que ele ia omitir vários dos detalhes mais picantes. Um ato cavalheiresco desnecessário, visto que as irmãs e os amigos não pouparam minúcias em seus mexericos. - O que aconteceu em Oxford?

- Ah, isso. O início de sua carreira, de acordo com o cónego Smeech. O duque se meteu em uma discussão em uma taberna, envolvendo uma mulher, o que acabou se tornando uma briga. Houve um incêndio. O estabelecimento queimou até o chão. Várias pessoas ficaram feridas, inclusive o conde de Ravensbrook, amigo do duque, que ficou seriamente queimado. Dizem que o duque jamais foi visitar o pobre homem. O pior é que o pai do duque, que já não estava bem quando isso aconteceu, caiu de cama ao saber do ocorrido. Morreu pouco depois.

- Que horrível!

- Também havia outras coisas em Oxford. Dívidas de jogo, e...

- E... - insistiu Hester, notando o rosto ruborizado do clérigo. - E mulheres?

O reverendo assentiu.

- Várias mulheres. A grande maioria, pelo que eu soube, damas desonradas. Até mesmo aqui... - O jovem se interrompeu abruptamente. - Não acho que este seja um assunto apropriado para estarmos discutindo.

Hester concordou em silêncio, pois, de súbito, descobrira que não gostava de escutar a respeito das mulheres do duque.

- Acho intrigante que um homem desses passasse a noite toda à beira do leito de morte de um outro - prosseguiu pensativamente o reverendo.

- Como disse?

- O duque ficou ao lado do velho Bolby a noite toda, até ele morrer.

- É mesmo?

- Foi o jovem Bolby quem me contou.

Tal prova de devoção previamente desconhecida agradou muito a Hester.

- Bem, é aqui que nos separamos - anunciou o reverendo McKenna, e Hester viu que estavam no outro extremo da cidade, perto do rio. A estrada se bifurcava, uma das trilhas levando às moradias de alguns dos habitantes mais pobres da cidade, e a outra na direção de Barroughby Hall. - Tenha um bom dia, Lady Hester.

- Bom dia, reverendo. E não se esqueça do que eu disse a respeito da srta. Sackville Cooper. Ela gosta do senhor.

O reverendo sorriu tristemente

- Gostar não é bem o que eu quero - disse, antes de seguir seu caminho.

Percebendo que a chuva parecia estar se aproximando, Lady Hester decidiu pegar um atalho pela parte da cidade próxima ao rio. Não era uma das melhores regiões, mas permanecer na estrada principal acrescentaria vários minutos à viagem.

Logo ela se aproximou da rua cujo nome já ouvira os criados cochichando, quando achavam que ela não estava escutando - Stamford Street, onde morava Sally Newcombe, apesar dos esforços do reverendo cónego Smeech.

Hester apressou o passo, ansiosa para deixar este lugar e a lembrança do reverendo McKenna dizendo "até mesmo aqui...", ao referir-se a certas atividades do duque.

Hester reprimiu um tremor e rezou para que as histórias sobre o duque e Sally Newcombe não fossem verdadeiras. Afinal, por que um homem como ele teria de pagar pelas afeições simuladas de uma mulher?

A poucos metros de Stamford Street, o ruído de cascos na rua calçada e um grito a fizeram se deter.

Capítulo XII

Praguejando, Adrian puxou as rédeas com tanta força que o cavalo quase se sentou nas patas traseiras.

- Saia da minha frente, sua tola - gritou para a mulher que atravessara no meio da rua, como se quisesse deliberadamente se matar.

Quando viu os olhos azuis surpresos de Hester Pimblett e o seu rosto pálido a fitá-lo, Adrian desejou haver ficado na companhia de Sally. Ela o fitou por um instante, depois, abaixou os olhos e corou, como se houvesse sido ela a ser flagrada deixando uma casa de reputação duvidosa.

- O que diabos está fazendo no meio da rua? - indagou ao desmontar. - E nesta parte da cidade?

- Se já não soubesse a resposta, meu senhor, poderia lhe perguntar o mesmo - ela retrucou.

Foi então que notou o perfume de Sally exalando do corpo dele.

- Podia ter sido atacada ou roubada - ele declarou, defensivamente.

- Talvez por um vendedor de perfumes errante, não é? - ela perguntou, em tom calmo. - Estava voltando para Barroughby Hall, e como o tempo estava feio, decidi pegar o caminho mais curto.

- Este não é lugar para uma mulher.

- Também não é lugar para um duque - ela retrucou, e Adrian se viu momentaneamente sem palavras diante da impertinência. - Se me der licença, meu senhor, é melhor eu me pôr a caminho.

- Noto que está sempre fugindo de mim.

- E não deveria? Pensei que quisesse que eu tomasse cuidado com o senhor.

Adrian soltou um suspiro contrariado.

- Ainda assim, milady, devo insistir para que permita que eu a escolte até em casa.

Ele pegou as rédeas e estendeu o braço.

Com relutância óbvia, ela pousou a mão no braço dele.

- Talvez prefira que eu caminhe atrás, como um eunuco seguindo o potentado - ele indagou, irritado.

Ela o fitou de esguelha.

- Não creio que alguém possa confundi-lo com um eunuco, meu senhor.

Sem olhar para o duque, Hester rompeu o silêncio prolongado que se seguiu.

- Por que as estradas não são mais seguras, meu senhor? Algo a ver com a sua presença?

Bom Deus!, Adrian pensou. Ela deve me achar um patife da pior espécie.

- Porque não são - disse, por fim. - Por que veio até a cidade a pé? A duquesa não quis lhe ceder a carruagem?

- Não, meu senhor - ela respondeu, genuinamente surpresa. - Eu preferi andar.

Eles prosseguiram mais um pouco em silêncio.

- Sua família está bem? - ele disse, por fim.

- Está, meu senhor.

Irritado com a debilidade de seus esforços, o duque decidiu ficar calado.

- Foi muita generosidade sua doar o chalé para os Bolby, meu senhor - Hester falou, após alguns minutos.

- Não foi nada. Há muitos anos que eles são empregados da propriedade.

- Outros não teriam sido tão generosos. Também soube... - Ela hesitou, antes de prosseguir: - Também soube que passou a noite toda na companhia de Bolby, antes de ele morrer.

Ele assentiu e tentou imaginar quem poderia ter-lhe contado.

Hester se deteve, e virou-se para ele com uma expressão sincera de preocupação, antes de retirar a mão do braço do duque e perguntar:

- Meu senhor, por que busca tais lugares? Ele sequer tentou disfarçar a surpresa.

- Que lugares?

- O estabelecimento de Sally Newcombe.

- E quem disse que eu estive lá?

- Está dizendo que não esteve?

- Não tem o direito de me fazer tal pergunta.

- Eu sei.

Ela corou, mas não desviou o olhar dele.

- Acho surpreendente que uma mulher como você se digne a falar dessas coisas.- ele disse, esforçando-se para aparentar descontração e desinteresse.

- Não precisa me responder, meu senhor. Eu só queria entender.

- Não creio que tenha noção do que está perguntando.

- Meu senhor, não sou criança. Posso não conhecer o mundo como o senhor, mas gostaria de saber por que os homens procuram tais estabelecimentos, quando...

- Quando...

- Quando há damas solitárias no mundo que apreciariam a companhia deles.

- Como miladyl - Ele a fitou com surpresa simulada. - Lady Hester, está me dizendo que se ofereceria para o tipo de companhia íntima que Sally fornece?

Ele ficou genuinamente surpreso quando os olhos da dama se encheram de lágrimas zangadas.

- Não zombe de mim, meu senhor. Pensei que poderia me dizer. Sei que não é da minha conta, mas também não deve fazer bem ao senhor.

Apesar de lamentar tê-la magoado, ele não estava disposto a falar sobre Sally Newcombe com esta dama.

- Como disse, não é da sua conta, assim como os negócios de Sally.

- Os negócios de Sally são imorais.

- Está começando a falar como Smeech. O que poderia ele, ou milady, saber sobre a vida de Sally? Por acaso, sabe que ela foi abandonada pela mãe e mandada para um orfanato aos cinco anos de idade? Por acaso, sabe que quando estava deixando os cuidados de sua babá, ela já havia sido atacada mais de uma vez?

- Sei que sou afortunada. Sei um pouco do que muitas mulheres sofrem. Mas poucas são conhecidas de um duque. Não podia fazer algo para ajudá-la?

- Eu tentei. Ela recusou. Por mais estranho que isso possa lhe parecer, ela tem o seu orgulho. Quanto às mulheres na casa dela, elas também não dispõem de muitas alternativas.

- O senhor dispõe. Pode ter qualquer mulher, no entanto, ainda...

- Visito Sally? Ela assentiu.

Ele a fitou com intensidade e disse baixinho:

- Quando fui ver Sally hoje, fui como amigo, e apenas amigo.

- Fico aliviada de saber disso, meu senhor. Tais lugares não são seguros.

- Isso vindo de uma dama que atravessa a região dos armazéns desacompanhada! Não receia o escândalo de ser vista em tal região sozinha?

- Isso vindo de um homem que já se envolveu em mais escândalos do que a semana tem dias! - ela retrucou com sarcasmo.

- Bom Deus, mas que mulher impertinente! - ele disse rindo. - Nem em cem anos minha madrasta poderia ter encontrado uma acompanhante mais perfeita.

- Raramente sou impertinente com os mais velhos.

Ela ficou esperando algum outro comentário sarcástico, mas o duque apenas a fitou com uma expressão peculiar.

- Por que não é casada?

- Porque ninguém jamais me pediu em casamento - ela gaguejou. - E também jamais estive apaixonada.

- Nunca?

Ela balançou a cabeça.

- O senhor já?

Ele também balançou a cabeça.

- Nunca.

Subitamente, ele pigarreou, e Hester descobriu que podia respirar novamente.

- Não me casei porque ainda não encontrei a mulher certa- ele continuou. - Dada a minha reputação com as damas, deve perceber que isso não me incomoda muito.

- Relacionamentos breves o satisfazem?

- Isso mesmo.

- Não acredito.

- Como disse?

- Não acredito que esteja satisfeito, e muito menos feliz. Com uma expressão irritada, ele afastou-se dela.

- Não me conhece, Lady Hester. Garanto que não quer me conhecer. Nem tem como me entender.

- Posso tentar. Também já me senti sozinha inúmeras vezes.

- Tem a sua família.

- O senhor também. - Ele fungou com desprezo.

- Tenho duas lindíssimas irmãs e sou comum. Tenho um pai que queria filhos e uma mãe que só pensa em se divertir. Queria instrução, o que não foi considerado apropriado. - Ela tentou sorrir. - Às vezes, acho que fui abandonada na porta de meus pais.

- Eu não a acho comum.

Hester o fitou com incredulidade, tentando se convencer de que o elogio nada significava, apenas um gesto educado e nada mais.

- Não pode estar falando sério.

Ele lhe segurou as mãos e a fitou nos olhos.

- Quer que eu diga o que vejo quando olho para milady? -Ela só conseguiu assentir.

- Vejo uma jovem gentil e paciente que tornou minha casa mais suportável, como há anos ela não era. Vejo olhos azuis sinceros e lindos. Vejo verdadeira determinação, inteligência, modéstia, consideração e prudência. - Os dedos dele lhe acariciaram a mão e Hester sentiu o sangue correr por suas veias.

- Eu vejo...

Ele se interrompeu e deu um passo para trás, soltando-lhe as mãos.

- O quê? - ela disse, ofegante.

- Vejo minha carruagem vindo na nossa direção.

Ela rapidamente se afastou dele, sabendo o que poderiam pensar de tamanha intimidade.

- É Elliot - disse o duque. Subitamente, ele se virou para ela com um ar de determinação. - Hester, não dê ouvidos a Elliot. Não acredite em uma única palavra que ele diz. E jamais fique sozinha com ele.

- Mas por que...

- Porque eu estou dizendo. - Ele baixou a voz e a fitou com aquela intensidade que ela achava íntima e atraente.

- Porque precisa confiar em mim quanto a isso.

Antes que Hester pudesse pensar no que responder, a carruagem se deteve diante deles.

- Olá, Adrian. Boa tarde, Lady Hester - Lorde Elliot cumprimentou, quando o cocheiro desceu e abriu a porta para que ele desembarcasse. - Vim à sua procura, Lady Hester, porque notei como o tempo estava mudando quando cheguei em Barroughby Hall e mamãe me disse onde tinha ido, achei melhor vir buscá-la.

- Quanta consideração! - comentou o duque.

Com equivalente indiferença, Lorde Elliot fitou o meio-irmão.

- Você está cheirando como uma prostituta.

Embora a observação não deixasse de ser pertinente, Hester ficou chocada que um cavalheiro usasse esse tipo de linguagem diante de uma dama. Era um desrespeito com ela e com o duque.

- Peço que me perdoe - disse ela, com ares de penitência. - Quebrei um vidro de perfume na loja.

Sem olhar para o duque, Hester torceu para que ele aceitasse a desculpa oferecida por ela.

- Que bom que retornou de suas perambulações a tempo de vir à procura de Lady Hester - disse Adrian.

- Passei uma tarde adorável na companhia da encantadora srta. Sackville Cooper- Elliot confessou, com um sorriso.

Hester notou a careta zangada no rosto do duque. Pensou nos sentimentos que ele lhe inspirara há poucos instantes. O que deveria pensar de sua irritação por Elliot ter passado tempo na companhia de Damaris.

- Hatley, levante a capota, antes que chova - o duque ordenou para o cocheiro. - Sugiro que entre, Lady Hester.

Com a ajuda de Hatley, ela obedeceu. Lorde Elliot sentou-se diante dela e a carruagem seguiu para Barroughby Hall.

Hester desejou que a capota estivesse abaixada, pois não estava apreciando estar fechada em um ambiente tão íntimo com Lorde Elliot.

Foi então que notou o duque cavalgando junto à carruagem, bem ao seu lado, e sentiu-se aliviada, o que era justamente o oposto que aconteceria com a maioria das mulheres. No entanto, era verdade. Se Lorde Elliot tentasse algo impróprio, o duque estaria por perto.

- Foi gentileza sua facilitar o trabalho de minha mãe - disse Lorde Elliot, interrompendo seus pensamentos.

- Fiquei contente de poder sair - ela retrucou, com sinceridade.

- Gosta de caminhar?

- Gosto, meu senhor.

- Tem dedos compridos e adoráveis, Lady Hester - ele disse, tomando-lhe a mão enluvada. - Diga-me, que instrumento a senhorita toca?

Lorde Elliot não a deveria estar tocando. Não aqui. E ela subitamente se deu conta de que queria que ele jamais a tocasse.

- Nenhum, meu senhor - respondeu, puxando para si a mão. - Receio não ter aptidão alguma para a música.

- É uma pena - ele retrucou, aparentemente sem se sentir ofendido com a reação dela. - A pintura é o seu forte? Ou, quem sabe, o bordado?

- Receio não ser boa com as mãos, meu senhor.

- Minha querida Lady Hester - ele disse, inclinando-se para ela com um sorriso que em nada amenizou a sensação de enclausuramento que tomava conta dela. - Será que temos de ser tão formais? Adoraria que me chamasse de Elliot.

Ela ficara satisfeita quando o duque fez um pedido semelhante, e agora se dera conta de o motivo de ter achado sua proposta muito menos ofensiva do que a do irmão era que ele simplesmente sugerira a troca de um título por outro, ambos apropriados, enquanto a proposta de Lorde Elliot era completamente imprópria.

- Não quando estivermos acompanhados, é claro - ele prosseguiu. - Mas quando estivermos a sós.

- Eu não poderia.

- É claro, tem toda a razão.

Ele voltou a se recostar no assento e olhou através da janela.

Os únicos sons para interromper o silêncio eram o barulho das rodas na estrada e o leve trotar do cavalo do duque.

- Receio ter cometido uma enorme gafe Lady Hester - disse minutos depois Lorde Elliot com uma expressão penitente. - Minha sugestão foi deveras imprudente. - Ela nada respondeu.

- Espero que não me ignore por completo, pois tenho algo para lhe falar - Lorde Elliot disse, fitando-a com intensidade semelhante à do irmão, mas desprovida de uma qualidade indefinível. - Quero que tome cuidado com o duque.

- Por quê, meu senhor? - ela perguntou, desconfiada.

- Milady conhece a reputação dele. Decerto, isso já é motivo o bastante.

Ele olhou furtivamente para o acompanhante montado.

Foi então que Hester se deu conta do que era diferente nos dois homens ao alertá-la. O duque aparentara sinceridade e parecia preocupado exclusivamente com ela. O olhar do irmão continha mais malícia do que preocupação com o bem-estar dela.

- Obrigada pelo interesse, meu senhor. Prometo ter muito cuidado.

Ele lhe lançou um olhar perspicaz, que logo se transformou em uma expressão de sensibilidade magoada.

- Ah, por favor, Lady Hester. Decerto a senhorita sabe que nada tem a temer de mim.

Hester se repreendeu por não ter sido mais discreta.

- Estou certa de que é um cavalheiro - respondeu, torcendo para que fosse verdade.

Lorde Elliot sorriu.

- Fico satisfeito.

- E conheço muito bem a reputação do duque - ela prosseguiu, calmamente, tentando não despertar a desconfiança de Elliot.

De quê? De que com certeza não se preocupava mais com o duque. De que ele a intrigava e até lhe despertava a simpatia. De que talvez estivesse começando a se apaixonar por ele.

A carruagem deteve-se diante dos degraus que levavam a Barroughby Hall.

- Chegamos - disse Hester, esforçando-se para disfarçar o alívio.

A porta da carruagem se abriu, e Hester se surpreendeu ao encontrar o duque, pronto para ajudá-la a descer. Sua expressão era impassível, no entanto, um arrepio percorreu o corpo da dama quando ele a tocou. Contudo, uma pergunta se escondia nos olhos escuros de Adrian.

Uma pergunta que ela precisava de alguma maneira responder.

- Obrigada, Vossa Excelência - disse alto, antes de sussurrar. - Por tudo, meu senhor.

Ela então entrou em Barroughby Hall sem sequer olhar para o homem que agora considerava o seu protetor.

Capítulo XIII

Adrian adentrou a mansão na frente de Elliot e, virando-se, fitou furiosamente o irmão.

- Entre no meu gabinete - ordenou.

- Quem você acha que é para me dar ordens desse jeito? - Elliot retrucou.

- Sou o duque de Barroughby - Adrian rugiu, e Elliot achou melhor obedecer.

- O que é dessa vez? - ele perguntou ao entrar no gabinete. - Zangado por eu ter usado a carruagem sem pedir permissão?

Adrian bateu a porta atrás do meio-irmão e o fitou intensamente.

- Jamais fale assim novamente diante de uma dama!

- Como?

- Falar de prostitutas diante de Lady Hester, seu sibarita repulsivo.

- Ah! - disse Elliot, ignorando o insulto ao perceber algo na conduta de Adrian que lhe dava uma vantagem. - Aparentemente, não tem problema você frequentar tais estabelecimentos e cheirar de acordo após tê-lo feito, independente da desculpa que Lady Hester deu por você, mas jamais devo falar deles diante de uma dama.

Adrian percebeu o erro que cometera ao confrontar Elliot tão cedo. O patife astuto interpretara sua preocupação como afeição por Hester, o que a colocava em sério perigo. Ele se lembrou de que Elliot deveria achar que a bela Damaris era o seu alvo. No entanto, considerando como se sentira ao ver Hester depositar sua confiança nele -apesar de sua reputação e de vê-lo recém saído de um bordel - ele desejou ardentemente não ter de fazê-lo.

- Espero que não fale assim diante de Damaris Sackville Cooper - Adrian disse, com frieza.

- Não o fiz esta tarde. Ela pareceu muito contente de me ver.

- Contanto que ver seja tudo que tenha em mente.

- Está com ciúme?

- Não quero que faça com ela o mesmo que fez com Elizabeth Howell. Por que acha que eu vim para cá? Sabia que eventualmente acabaria aqui. Queria alertá-lo para jamais fazer algo tão desprezível novamente!

- Ou fará o quê? - exigiu saber Elliot. - Vai me mandar para a cadeia? Sob que acusação? Elizabeth era uma dama tola que acreditava estar apaixonada por mim. Ela não se opunha a, digamos, formas mais passionais de expressar sua devoção por mim, sendo assim, como eu poderia recusá-la?

- Você a abandonou sozinha e sem um tostão em Londres, grávida e apavorada.

- Sozinha, não - corrigiu Elliot. - O irmão estava na cidade, como acredito que tenha descoberto por conta própria.

Ele olhou sugestivamente para o ferimento de Adrian.

- Aquele rapazote? Ele sabia menos sobre o mundo do que a irmã. Da última vez que o vi, chorava como um bebê porque achava que ia para a cadeia por me ferir.

- Então, como pretende impedir que mulheres tolas se ofereçam para mim, visto que, aparentemente, é um santo?

- Quero que pare de se aproveitar delas.

- Quando tudo o que faço é seguir o exemplo de meu irmão mais velho?

- Eu jamais seduzi e abandonei damas inocentes.

- Ah, tem razão - zombou Elliot. - Você é o virtuoso da família.

- E você é o diabo! - Adrian retrucou. - Não permitirei que chegue perto de Damaris!

- Então, agora é Damaris, querido irmão? Acho que devemos deixar que a bela srta. Sackville Cooper decida qual companhia ela prefere, não concorda, irmão? E que vença o melhor.

Adrian sorriu com frieza.

- Muito bem, Elliot. O melhor o fará.

Elliot sorriu com equivalente frieza e Adrian soube que seu desafio havia sido aceito.

- O melhor fará o quê? - perguntou a duquesa, entrando no recinto.

- Vencerá - respondeu Elliot.

- Vencerá o quê?

- Uma competição - respondeu Adrian. A duquesa o fitou.

- Está tentando fazer com que Elliot jogue? - Ela virou-se para o filho. - Você não anda jogando, anda?

- Não, mamãe. Isso nada tem a ver com dinheiro. -A duquesa não escondeu o seu alívio.

- Graças a Deus, você não conseguiu corrompê-lo. Agora, onde está Lady Hester, Elliot?

- Ela não está na sala de estar?

- Não.

- Então, deve ter subido para mudar de roupa.

- Estávamos falando sobre conquistar o coração de Damaris Sackville Cooper - Adrian comentou.

- Presumo que isso seja uma piada? - disse a madrasta, lançando-lhe um olhar fulminante. - Ela é apenas a filha de um cavalheiro. Não é esposa adequada para nenhum dos dois.

- Ninguém falou em casamento.

- Esse é o tipo de comentário que eu deveria esperar de você - disse.

Adrian caminhou até a janela.

- Mas tem de admitir que ela é linda e jovem.

- Damaris daria uma ótima esposa para um cavalheiro, ou para um baronete, mas jamais para um duque ou o filho de um duque. Nem mesmo para você.

- Seu pai é muito rico.

- Dinheiro não é mais importante do que título. Ela podia muito bem ser pobre.

- Mesmo que fosse, não ficaria assim por muito tempo. Uma mulher com a beleza dela não demoraria a encontrar um "protetor".

- Ah, mamãe - disse Elliot. - Não percebe que ele a está provocando? Por que não pergunta a Adrian quem ele estava visitando?

- Não entendo por que estamos falando sobre Damaris Sackville Cooper - desabafou a duquesa. - Ela sequer merece ser considerada. Lady Hester seria melhor do que Damaris.- completou a duquesa em tom de extrema condescendência.- Embora os filhos possam ser de pouca beleza, se puxarem a ela.

Aborrecido, Adrian se virou a tempo de ver Elliot assentir e perceber que Hester estava de pé no vão da porta. A julgar pelo rubor em sua face, ela havia escutado o último comentário da duquesa.

Adrian jamais sentira tanto ódio da madrasta.

E jamais admirara tanto Hester, pois ela permaneceu no recinto, demonstrando surpreendente presença de espírito. Possuindo muita prática em esconder as próprias reações, ele podia fazer uma ideia do esforço necessário para manter uma aparência de tamanha calma.

- A costureira estará aqui amanhã de tarde, Vossa Excelência - disse baixinho, e os dois homens se curvaram para ela.

- Ótimo - respondeu a duquesa, com uma expressão ligeiramente culpada, e Adrian se indagou se a mulher egocêntrica enfim se dera conta de ter ofendido alguém.

- Se me der licença até o jantar, Vossa Excelência tinha razão quanto ao cansaço da caminhada. De fato, sinto-me muito fatigada.

- Muito bem - disse a duquesa. Hester fez uma mesura e se retirou.

- Não creio que ela a tenha escutado, mamãe - Elliot disse calmamente. - Caso contrário, suponho que teríamos de lhe encontrar outra acompanhante.

- Você sempre podia ficar por aqui, Elliot - Adrian comentou, notando satisfeito o olhar fulminante que Elliot lhe lançou.

- É claro que nada me daria mais prazer - mentiu desavergonhadamente, ao sorrir para a mãe -, mas um homem da minha posição deve ser visto em Londres.

- Especialmente se deseja encontrar uma esposa apropriada - Adrian acrescentou. - A não ser que já tenha escolhido a belíssima srta. Sackville Cooper.

A mãe olhou inquisitiva e furiosamente para Elliot.

- É claro que não - Elliot foi forçado a confessar. - Simplesmente considerei visitá-la meu dever de bom vizinho.

- Ah, entendo dever.

- E o que entenderia de dever? - indagou a duquesa. - Você que vive apenas para o próprio prazer.

- Mais uma vez me vejo condenado - comentou Adrian, curvando-se. - Então, como um condenado, vou me afastar das pessoas decentes.

Dito isso, ele se retirou de bom grado.

Hester suspirou ao fechar a porta do quarto. Ela se dirigiu para a mesa perto da janela. Procurou se convencer a não se deixar aborrecer pelas palavras da duquesa. Esta era uma mulher vaidosa e tola, e se considerava a acompanhante comum, bem isso era verdade.

No entanto, o duque a achara interessante.

Hester engoliu em seco e procurou se convencer a esquecer o duque. Soltando os cabelos, ela pegou a escova e começou a passá-la pelo espesso cabelo castanho, fitando-se no espelho. Ela não pôde deixar de imaginar como seria sua aparência com os cabelos ruivos ou louros. E se seus olhos fossem verdes em vez de azuis? E se os lábios fossem mais finos? E se o nariz... Bem, não havia nada de errado com o seu nariz. O perfeito nariz dos Pimblett era a única coisa em comum com Helena e Henrietta.

Seu corpo não era de todo mau. Não tão voluptuoso quanto o de Helena, mas bonito o bastante.

Hester pousou a escova na penteadeira e pensou em explorar ao máximo suas qualidades naturais na noite do baile. Planejara usar o vestido de veludo azul, com um véu de renda cobrindo-lhe o volume dos seios.

Por que não deixar de fora o véu? Só para ver o que acontecia.

Estava sendo vaidosa e tola. E, no fundo, sabia que jamais poderia competir com Damaris Sackville Cooper, mesmo se comparecesse nua ao baile.

Uma batida de leve na porta anunciou Mabel, a criada que lhe fora designada pela duquesa no dia em que Hester chegara.

- Está tudo bem, minha senhora? - Mabel perguntou. - Quer que eu volte mais tarde para ajudá-la a se vestir?

- Estou com a garganta meio irritada - Hester respondeu, com sinceridade. - Na verdade, acho que não vou descer para o jantar. Será que poderia transmitir minhas desculpas à duquesa?

- Quer que eu lhe traga algo para comer, milady? Hester assentiu.

Quando Mabel partiu, Hester vestiu a camisola de flanela com um suspiro cansado e subiu na cama. Sua garganta de fato estava doendo, e o nariz ligeiramente entupido. Tudo que precisava era de uma refeição quente e uma boa noite de sono na sua cama macia para se recuperar. O fato de que também seria poupada de ver o duque e os outros também era uma consequência bem-vinda.

Mabel retornou trazendo uma pequena bandeja.

- A duquesa disse que espera que amanhã já esteja boa o suficiente para terminar o cardápio.

- Quanta gentileza dela se preocupar com a minha saúde. Enquanto Hester comia, Mabel ficou parada ao lado de sua cama, retorcendo as mãos.

- Já estou me sentindo melhor, Mabel.

- Não é isso, minha senhora, embora esteja aliviada de saber que não está com nada sério.

- O que é, então?

- Bem, minha senhora, já que pergunta... - A criada parecia nervosa. - Já ouviu falar que Barroughby Hall é assombrada?

Capítulo XIV

- Não, não havia - comentou Hester, tentando manter a compostura, embora considerasse a ideia ridícula.

- Eu também não, mas, às vezes, podia jurar que estou sendo observada.

- Quando tem essa sensação, Mabel?

- Quando estou sozinha no meu quarto, antes de dormir.

- Talvez seja Jenkins verificando se tudo está trancado durante a noite.

- Não, milady, garanto que não é ele. Será que não notou que ele é surdo como um poste? Um dos criados precisa ir acordá-lo pela manhã.

- Será que não é alguém sofrendo de insónia?

- Acredito que não, milady, pois os sons são logo do outro lado de minha porta. Certa vez, até criei coragem para ir investigar, mas não achei ninguém. Ninguém mais escutou nada. Por isso, pensei em fantasmas.

- Entendo. Será que quer dividir o quarto com outra criada, Mabel? Será que isso a faria se sentir melhor?

- Faria sim, minha senhora. Tenho andado tão assustada que já nem consigo dormir direito.

- Conversarei com a duquesa amanhã.

Mabel sorriu aliviada e, percebendo que Hester terminara sua refeição, pegou a bandeja.

- Muito obrigada, minha senhora. Não queria incomodar ninguém, mas, bem, estava preocupada.

- Eu entendo. Boa noite, Mabel.

- Boa noite, milady.

Com a garganta doendo e o corpo quente, Hester girava incessantemente na cama. Sonolenta e engolindo com dificuldade, ela se levantou da cama, determinada a tomar um gole de água, quando alguém colocou um copo em sua mão.

- Obrigada, Mabel - sussurrou, agradecida por a criada ler tomado a liberdade de ficar para cuidar dela.

Foi só ao colocar o copo na mesinha-de-cabeceira é que percebeu que a pessoa ao seu lado não era uma mulher, mas sim um homem.

- Quem está aí? - perguntou, puxando as cobertas até o pescoço.

- Elliot - ele sussurrou, acendendo a vela sobre a mesa. Ele sorria como se tivesse todo o direito de estar ali, e foi então que Hester se deu conta de que Mabel não estava imaginando coisas. Se havia alguém espionando as mulheres da mansão, era este homem.

- O que está fazendo aqui? - exigiu saber.

- Fui o último a me recolher e, ao passar pelo seu quarto, pensei escutar algo estranho. Quis ver se precisava de alguma coisa.

A explicação era semelhante ao que pensara para justificar sua entrada no quarto do duque, na noite em que ele chegou.

- Minha garganta está bem melhor, obrigada.

- Não me parece estar tão bem - ele comentou, sem dar nenhum indício de que estava indo embora.

- Meu nariz está um pouco entupido - explicou, desejando que ele se retirasse logo. - Mabel me disse que tem escutado alguns barulhos estranhos à noite - informou, para observar a reação dele.

- Costumo subir no telhado à noite para observar as estrelas - ele retrucou despreocupadamente. - Se não fosse necessário tanto estudo, talvez tivesse me tornado um astrónomo.

Subitamente, Hester espirrou violentamente e ficou aliviada de, enfim, vê-lo recuar um pouco. Ao fazê-lo, ele percorreu todo o corpo dela com o olhar, o que a fez se sentir completamente nua e encabulada.

- Então, boa noite Hester - ele disse baixinho, e o tratamento informal não agradou à dama.

- Boa noite, meu senhor. - Sem mais nada dizer, ele se foi.

A medida que ia se acalmando, Hester começou a pensar que o comportamento de Lorde Elliot havia sido inconveniente o suficiente para merecer um aviso para Mabel e para as outras criadas tomarem cuidado.

Não. Talvez fosse melhor informar suas suspeitas ao duque e deixar o assunto em suas mãos.

Em suas mãos fortes e excitantes.

A mão apertou o pescoço de Elliot com uma força irresistível, enquanto um braço o puxava para dentro dos aposentos do duque.

- O que diabos estava fazendo? - Adrian indagou, ao empurrar o irmão de encontro à parede.

- Solte-me - ordenou Elliot, tentando inutilmente afastar a mão do duque.

- O que diabos estava fazendo nos aposentos de Lady Hester?

- Escutei um barulho ao passar. Quis apenas ver se ela precisava de alguma coisa.

Adrian podia sentir o vinho no hálito de Elliot.

- Quanta consideração! - retrucou com sarcasmo. - Acha que sou burro seu vermezinho pervertido? Tem sorte de ela não ter acordado a casa toda.

Elliot soltou-se de Adrian e ajeitou o colete amarrotado.

- Pois ela não acordou.

- Ela tem o direito à privacidade - ele rugiu. - Você andou bebendo?

- Um pouquinho de vinho. Ajuda a passar o tempo - disse Elliot,. aparentemente convencido de que estava fora de perigo. - E daí? É da adega de papai. Além do mais, você não está exatamente sóbrio. Andou tomando uns goles de vinho do Porto.

- Pelo menos é meu vinho do Porto... e não saio por aí invadindo o quarto de jovens damas.

- Está se comportando como se eu a houvesse violentado.- Elliot protestou, caminhando até a mesinha e se servindo de vinho do Porto. - Subitamente virou um cavalheiro? Por aquela mulher? Provavelmente é o mais perto que ela chegaria de satisfazer um homem.

- Feche essa boca imunda, Elliot, e saia do meu quarto.

- Ou vai fazer o quê? Contar para mamãe que tenho sido um menino levado? Ela não acreditará em você, ainda mais se eu disser que o vi no quarto de Hester.

Adrian nada respondeu, pois sabia que Elliot tinha razão.

- A propósito, de camisola, ela não tem nada de comum. Sabia que ela tem um sinal adorável sobre o seio esquerdo? E os seios também são perfeitos. Quem poderia imaginar?

- Saia Elliot agora!

- Foi você quem me convidou a entrar, querido irmão, com o seu jeitinho todo especial.

- Fique longe das mulheres desta casa - Adrian alertou. - Se quer se divertir, vá até a cidade e pague por isso.

- Por que está tão aborrecido? Não está pensando em seduzi-la você mesmo, está?

- Pensei que seduzir virgens fosse mais a sua ocupação.

- Está tentando me irritar?

- Talvez. Por que não? Você faz tantas coisas para me irritar...

- E por que não deveria fazê-las? Você torna a minha vida infeliz.

Adrian fitou com incredulidade o irmão.

- Eu torno a sua vida infeliz?

- É. Sempre me mantém sem dinheiro, até eu não ter outra escolha senão vir implorando como uma criança.

- Pois eu lhe dou uma mesada muito generosa.

- Um homem de minha situação social precisa manter uma determinada posição.

-A única posição que o interessa envolve jovens ingénuas que não sabem que deveriam evitar patifes como você.

- Já que estamos falando de dinheiro, preciso de mais.- retrucou desavergonhadamente Elliot.

- Peça para a sua mãe.

- Sabe muito bem que eu não posso - queixou-se Elliot.

- Você pode dispor do dinheiro, querido irmão. Por que precisa ser tão pão-duro?

- Se não me contivesse por nós três, estaríamos falidos.

- Bobagem.

Adrian marchou até a mesa e completou a sua taça.

- Se eu me casasse, você aumentaria minha mesada? Adrian engoliu a bebida de um gole só e fitou o irmão com frieza.

- Que dama de sorte você pretende agraciar com a sua mão? - ele perguntou sarcasticamente. - Damaris Sackville Cooper? Sua mãe não vai gostar muito da ideia.

- Claro que não. Estou apenas passando o tempo com ela.

- Então, quem? Elizabeth Howell?

Sem hesitar, Elliot balançou prontamente a cabeça, um gesto que fez Adrian o desprezar ainda mais.

- Então, presumo que ainda não tenha feito a sua escolha. - disse Adrian.

Elliot queria tanto aborrecer Adrian naquele instante! Que ele pagasse por sempre fazê-lo se sentir estúpido e inútil.

Quem poderia escolher que mais incomodaria Adrian? Duvidava que seu interesse por Damaris Sackville Cooper fosse genuíno, ou estaria se esforçando mais para conquistá-la. Quem mais poderia sugerir? Alguém a quem Adrian saberia com certeza que Elliot jamais seria fiel. Alguém que Adrian consideraria boa demais para o irmão libertino.

A resposta perfeita lhe veio à cabeça.

- Lady Hester.

Elliot observou Adrian atentamente, em busca de sua reação. Ele apenas sorriu sarcasticamente.

- Devia ter sabido que não estava falando sério.

Mas Elliot teve a maior surpresa da vida ao identificar angústia nos olhos do irmão.

- Na verdade, não acha que ela pode ter uma influência benéfica sobre mim.

- Ninguém seria capaz disso.

- É o que você acha. Minha opinião é outra.

Adrian esforçou-se para manter a compostura, mas, no seu íntimo, suas emoções estavam em ebulição. Será que Elliot estava falando sério? Era, de fato, verdade que ela era boa demais para ele, no entanto Adrian não podia negar que, se existia uma mulher capaz de tirar Elliot do caminho da ruína, esta era Hester Pimblett.

E, se Elliot se casasse, será que ele também não ficaria livre?

Como seria a vida sem ter de se preocupar com cada mulher que se aproximava de Elliot? Ou sem ter de pagar todas as dívidas de jogo e as contas nas tabernas, ou o silêncio de pessoas de reputação duvidosa?

No entanto, mesmo diante dessa visão de liberdade, Adrian se deu conta de que Hester também era a sua chance de ser feliz.

Mas como poderia ser feliz sabendo que seu egoísmo roubara Elliot de sua melhor chance de redenção?

Se abrisse mão de Hester, será que esse sacrifício o libertaria da promessa feita ao falecido pai?

E quanto a Hester? Não poderia lhe pedir para carregar o fardo da reputação do Duque Negro, real ou suposta. Ela nada fizera para merecer os sussurros e os mexericos.

Ele, e apenas ele, fizera a promessa ao pai de fazer de tudo para manter imaculada a reputação de Elliot.

Sendo assim, ele, e apenas ele, teria de fazer este último sacrifício, para o bem de Elliot, para o bem da memória do pai e, principalmente, para o bem dela. Porque ele jamais seria merecedor de seu amor.

- Admito que ela não é das maiores beldades, mas possui um corpo bonito e lindos olhos, não concorda, Elliot?

Não podia oferecer nenhum apoio, não agora, quando a ideia de Hester se casar com outro homem, com Elliot, era tão perturbadora e recente.

- Estou vendo que duvida de minhas intenções. Pois garanto que ela será a mulher perfeita para mim. Veja como ela cuida de mamãe!

Com um último olhar para o rosto triste do irmão, Elliot deixou o aposento.

Hester não teve chance de falar com o duque a respeito de Lorde Elliot, pois quando desceu para o desjejum, Jenkins lhe informou que o duque havia ido visitar a srta. Sackville Cooper e que só deveria voltar à noite.

Capítulo XV

Adrian estava fazendo uma imitação muito boa de um homem fascinado por música de harpa ao se sentar na sala de estar dos Sackville Cooper e fitar sem enxergar a bela Damaris.

Estava pensando em como Hester estaria se sentindo, e se estaria melhor. Ficara tentado a mandar chamar o médico antes de vir ali, mas a madrasta o informara de que não havia necessidade.

Também quisera ficar em casa hoje, mas não podia correr o risco de mostrar seus sentimentos verdadeiros por Hester, diante de Elliot. Se Elliot suspeitasse do quanto Adrian a desejava, se dedicaria com muito mais devoção à conquista de Hester, apenas para magoar Adrian.

Ou será que não? Dois dias atrás, Adrian teria dito que a única pessoa em quem Elliot pensava era ele mesmo. Mas isso foi antes de Elliot ter mencionado desposar Hester. Será que a presença dela também afetara Elliot? Será que o meio-irmão era tão perceptivo assim? Será que Hester também representava a esperança de uma vida melhor para Elliot?

Adrian praguejou em silêncio, pois, ainda agora, era incapaz de abrir mão por completo da ideia de pedir a Hester para ser sua esposa. Na sua mente, sabia que não deveria pedi-la em matrimónio, por mais que o coração exigisse o contrário, pois a amava demais para impor a ela seus fardos.

Independente do quanto a amava e da paixão que tomava conta dele ao imaginá-la em sua cama como sua esposa.

Não tinha dúvidas de que ela era virgem. Como seria maravilhoso estar em seus braços sabendo que era o primeiro!

Seria o primeiro a mostrar a Hester os lugares secretos do corpo de uma mulher, que proporcionavam prazeres inimagináveis quando acariciados. Seria o primeiro a ver aqueles olhos azuis astutos se arregalarem de deleite, brilharem com intensidade passional, se fecharem no instante de êxtase.

Não! Isso era impossível.

Abrir mão dela para Elliot, que não a merecia! Que certamente a faria infeliz. Que a levaria para a cama....

Incapaz de suportar a imagem, Adrian procurou tirá-la da cabeça.

Subitamente, deu-se conta de que a música parara.

- Foi maravilhoso - ele disse, enquanto Damaris o fitava com evidente desgosto.

Parecia óbvio que Damaris Sackville Cooper não queria sequer ficar no mesmo aposento que ele, quanto mais desposá-lo.

A chegada de Sir Douglas de sua viagem de negócios interrompeu o momento de silêncio constrangedor.

- Papai! - exclamou Damaris, com um misto de alívio e alegria.

Ela correu até o pai e o abraçou. Ele sorriu para a filha e depois para o nobre.

- É um prazer encontrá-lo aqui, Excelência.

- Espero que tenha feito uma viagem proveitosa - comentou Adrian, notando a especulação no olhar do cavalheiro.

- Muito proveitosa, Excelência, embora lamente ter perdido o prazer de sua companhia - disse Sir Douglas. - Sente-se, sente-se!

- Não quero me intrometer no seu retorno ao lar - protestou Adrian.

- Insisto que fique - declarou Sir Douglas, sem notar, ou não se dando ao trabalho de notar, que a filha estava extremamente silenciosa.

Adrian assentiu. Tinha um papel a interpretar, e o interpretaria.

- Isso é maravilhoso! - exclamou Sir Douglas, sorrindo para o casal. - Como está seu irmão? E a duquesa?

- Lorde Elliot e a mãe estão muito bem - respondeu Adrian, notando que Damaris subitamente parecia mais interessada na conversa, agora que outros membros de sua família foram mencionados. - Contudo, lamento informar que Lady Hester está doente.

- Ah, espero que não seja nada sério - disse Damaris, genuinamente preocupada.

- Um resfriado - Adrian informou. - Estamos torcendo para que vá embora logo.

- Vai ser uma pena se ela não puder ir ao baile - comentou Damaris.

- De fato. Ela se empenhou tanto! - concordou Adrian. - Minha madrasta considera sua ajuda inestimável. Infelizmente ela é tão quietinha e apagada. Às vezes tenho dificuldade de lembrar que está no recinto.

Damaris fitou o duque com desprezo.

- Eu gosto dela - disse, irritada. - Ela é gentil e meiga. Sir Douglas pigarreou.

- Estou certo de que o duque não teve a intenção de criticar. Vamos concordar que ela é quietinha e gentil.

- Sem dúvida, ainda dará uma excelente esposa para algum cavalheiro - disse Adrian, odiando o personagem que era forçado a interpretar. Tentou preencher seus pensamentos com alguma outra coisa. Se ele não podia ser feliz, pelo menos njudaria seus arrendatários e um jovem realmente merecedor.

Estive pensando que os dons do reverendo cónego Smeech são desperdiçados em uma paróquia tão pequena - disse. - Tenho um amigo que é parente do bispo de Lincoln, e parece que estão precisando de um novo decano na catedral. Pensei que poderia ser o local ideal para o cónego. Suponho que o reverendo McKenna daria um excelente substituto para ele.

- Ah, ele seria uma excelente escolha! - exclamou Damaris, com os olhos brilhando. - A família dele é bem abastada, de modo que estou certa de que ele não teria problemas para arcar com o benefício eclesiástico.

- Acredito que ele vá longe na igreja - Adrian prosseguiu, para que Sir Douglas não tivesse dúvidas de que o duque tinha o reverendo McKenna em alta estima. - Ele me parece um pastor muito competente.

- Estou surpreso de que tenha notado, Excelência - disse com brusquidão Sir Douglas.

- Muitas pessoas falam bem do reverendo McKeena. É claro que, quando ele for pastor, vai precisar de uma esposa.

Damaris sobressaltou-se.

- Vai mesmo?

- Creio que sim. Ouso dizer até que a maioria das mulheres solteiras da paróquia já está de olho nele.

Damaris franziu a testa e corou ao desviar o olhar. O pai a fitou zangado, antes de voltar sua atenção para o duque.

- Suponho que ele seja mesmo um bom partido para a maioria delas - ele admitiu a contragosto.

- Ele seria um bom partido para qualquer mulher - Damaris declarou de súbito, erguendo a cabeça e os fitando desafiadoramente. - Ele é um homem maravilhoso! Gentil e generoso! - Ela notou a expressão no rosto do pai, que a fitava com um misto de incredulidade e confusão. - Ele é tudo que um clérigo deveria ser. Tenho orgulho de conhecê-lo e me sentiria honrada em ser sua esposa.

Adrian disfarçou o ligeiro sorriso de satisfação. Supusera que, apesar de momentaneamente encantada com a atenção de Elliot, quando se desse conta do que estava correndo o risco de perder, ela faria a escolha certa.

E ela o fez.

Hester estava deitada na cama, com a garganta ainda dolorida, e a cabeça latejando, mas sabia que logo ficaria boa, e que já se sentiria melhor no dia seguinte. Por hoje, estava mais do que contente de ficar na cama, sozinha e sem ser incomodada pela duquesa e por outros membros de sua família.

Talvez fosse chegada a hora de deixar Barroughby Hall. As coisas estavam ficando complicadas demais. Por mais tediosa que fosse sua vida com os pais e a família, o tédio tinha lá os seus atrativos.

Não fazia ideia de que pé estava sua relação com os homens Flitzwalter. Uma hora, o duque parecia sentir algo por ela, na outra o cavalo dele parecia ser mais importante. Lorde Elliot era inegavelmente charmoso, mas ninguém já a fizera se sentir Ião desconfortável.

Por que um homem como o duque prestaria atenção em Hester se não gostasse dela, mesmo que um pouquinho?

Mas à medida que a tarde caía e o duque não retornava, a dama se viu forçada a encarar a verdade.

Que estava se apaixonando por um homem que jamais se casaria com ela. A não ser que quisesse continuar a sofrer, tinha de ir embora.

Hester decidiu que ficaria em Barroughby Hall apenas até o baile e, depois, partiria.

Acordada por um barulho no corredor, Hester relutantemente abriu os olhos. Uma olhada para o relógio, sobre a cornija da lareira, confirmou suas suspeitas de que já passava da meia-noite.

- Eu disse para tirar as mãos de cima de mim! - gritou uma voz zangada.

Descendo da cama e vestindo o seu robe, ela cuidadosamente abriu um pouco a porta, determinada a descobrir o que estava acontecendo.

O que viu não a agradou, pois logo ficou claro que não era Iorde Elliot quem estava embriagado, mas o duque, que fitava zangado o irmão, agitando os braços.

- Eu disse para não me tocar, seu...

- Seu o quê, Adrian?

- Você sabe muito bem! Deixe-me em paz!

- Como queira. Pode cair e quebrar o seu pescoço arrogante!

- Você adoraria isso, não adoraria? - retrucou o duque, erguendo ligeiramente a voz. -Aí, você seria o duque!

- Pelo menos, dessa forma, eu não teria de vir lhe implorar cada centavo! - disse Lorde Elliot, ainda mais alto.

- Shhh! Você quer acordar o resto da casa?

- Não me importo de acordar. Não sou eu quem está bêbado.

- Por um milagre!

- Elliot! - A voz da duquesa rompeu o ar. - É você, Elliot? - A porta dos aposentos da duquesa se abriu e, vestindo o seu robe, ela entrou no corredor em toda a sua indignada majestade. - Adrian! Eu deveria ter adivinhado! Você está bêbado! Será que deixou a residência dos Sackville Cooper nessa condição vergonhosa? Amanhã, a vizinhança toda vai estar falando!

- Deixei Sir Douglas em estado muito pior - disse o enteado, curvando-se e quase caindo no chão. - O pobre coitado estava muito deprimido, agora que finalmente se deu conta de que a filha jamais será a duquesa de Barroughby.

Apesar do estado lastimável do duque, que só fazia dar credibilidade às histórias a seu respeito, Hester não pode deixas de se sentir aliviada.

O duque não ia se casar com Damaris Sackville Cooper.

- Bem, suponho que deva dar graças pelo menos por isso - disse zangada a duquesa. - Mas será que não pode pensar nos outros, Adrian? Vai acordar a casa toda e Lady Heste precisa descansar. Se eu estou privada dos serviços dela, o mínimo que você pode fazer é ficar quieto.

- Deus nos acuda se a senhora tiver que fazer algo para merecer o sustento que ganha - zombou o duque.

Indignada, a duquesa esbofeteou o enteado.

- Como ousa ser tão impertinente comigo? - esbravejou.

Ele não se mexeu.

- Vejo que não está mais preocupada em acordar Lady Hester. Achei que não passava de um mero lapso de generosidade, ou será que decidiu que Lady Hester dará uma boa esposa para Elliot, como ele parece acreditar?

Hester cobriu a boca com a mão. Elliot Fitzwalter acha que ela daria uma boa esposa? Para si mesmo? Não parecia ser possível, e o que era pior, a ideia em nada a agradava. Quanto mais o conhecia, menos gostava dele. Casar-se com ele -jamais! Preferia ficar solteira.

- Do que está falando? - indagou a duquesa, virando-se para Elliot. - Ele está inventando isso só para me aborrecer, não está?

- Acho que deveríamos deixar para discutir isso amanhã de manhã, quando estivermos todos descansados - sugeriu diplomaticamente Elliot.

- Mas...

- Nisso, concordo com Elliot. - O duque se empertigou. - Boa noite, Vossa Excelência, Elliot.

- Elliot - começou a duquesa, obviamente determinada a ter ali mesmo uma resposta para o comentário surpreendente do duque. - Diga-me que ele está inventando isso. Lady Hester... Para você? A ideia é absurda!

Apesar de concordar com a duquesa, escutar-se sendo dispensada pela mulher em nada a agradou. Estava pronta para abrir a porta, quando sentiu uma vontade irresistível de espirrar. Tirou a mão da maçaneta e recuou, mas foi incapaz de conter o espirro.

- Viu! Eu sabia que Adrian ia acordá-la - disse a duquesa.

Escutando a sua aproximação, Hester pulou na cama e cobriu-se até o pescoço, escondendo o robe.

- Ainda dormindo, graças a Deus - sussurrou a duquesa ao abrir uma fresta na porta. - Mas, que absurdo... Elliot? Elliot?

- Boa noite, mamãe - Elliot murmurou ao fechar a porta de seu quarto.

Esta noite, não estava com paciência para ela. Bom Deus, como a mãe ficara aborrecida de saber que seu filhinho querido considerava a comum e maçante Hester digna de ser sua esposa! Quase valeria a pena fazer o pedido só para ver a expressão da mãe, embora ele preferisse se casar com uma das estátuas do jardim. Hester Pimblett devia ser tão boa na cama quanto uma figura de mármore.

Ou talvez não fosse tão recatada quanto parecia.

Essa era uma linha de especulação interessante.

Apesar de comum, o corpo de Hester era bem feito, ele se recordou, sentindo uma crescente intumescência na virilha. Talvez ela pudesse ser ensinada.

Mas na escolha de uma esposa, seus talentos na cama não eram importantes. Ele poderia encontrar prazer com outras mulheres. Na verdade, quanto mais pensava no assunto, mais percebia que Hester Pimblett podia ser a esposa ideal para ele. A esposa obediente que não discutiria e nem protestaria quando ele ficasse fora a noite toda com "amigos". A mãe perfeita para os filhos de um lorde. O símbolo perfeito da família perfeita.

Sem dúvida, uma mulher como ela ficaria feliz em vê-lo buscar alívio para sua luxúria em outro lugar, com exceção das ocasiões necessárias para conceber os filhos.

E ela era, de fato, filha de um lorde. Ele poderia definitivamente acabar com uma esposa muito pior.

No final, contudo, não foi por nenhum desses motivos que Elliot decidiu que pediria Hester Pimblett em casamento.

Ele o faria para atormentar o arrogantemente virtuoso Adrian para o resto de sua vida.

Capítulo Dezesseis

- Fico contente de que esteja se sentindo melhor, minha senhora - Mabel disse, ajudando Hester a arrumar o cabelo na noite do baile. - Teria sido uma pena perder a festa após tudo o que fez.

A princípio, Hester recusara a ajuda de Mabel para se arrumar, mas a criada ficara tão decepcionada que ela teve de concordar. E fez bem em fazê-lo, o penteado elaborado a deixava muito parecida com a irmã, Helena. A maior ironia era que jamais quisera tanto parecer comum, afinal a única pessoa que poderia notar a mudança era Lorde Elliot.

Passada a incredulidade após o episódio no corredor, Hester rezara para que Elliot não houvesse falado sério. Infelizmente ele parecia sincero na sua intenção de conquistá-la, pois insistia em ficar perto dela. Ela teria dado um basta na situação toda se já não estivesse determinada a deixar Barroughby Hall após o baile.

A única coisa boa de tudo isso é que Damaris parecia ter sido esquecida pelos Fitzwalter. Em uma visita, acompanhando o reverendo cónego Smeech, o reverendo McKenna dera a entender que estava muito otimista quanto a Damaris aceitar o seu pedido de casamento e conseguir a aprovação do pai dela, um feito facilitado pela nomeação de McKenna para substituir o reverendo Smeech, após a partida deste para Lincoln.

- Espero que a duquesa aprecie todo o seu trabalho. Se estiver pronta, posso apertar o seu espartilho agora, minha senhora - disse Mabel, posicionando-se atrás de Hester.

- Estou certa de que ela aprecia - mentiu Hester.

A duquesa quase a enlouquecera, questionando todas as suas decisões, embora ela própria se recusasse a tomar uma sequer.

- Acho que assim está bom - ela disse, antes que Mabel a deixasse sem conseguir respirar.

- Agora, vou pegar o seu vestido.

Mabel havia deixado preparado o vestido de baile azul com o véu de renda. Hester havia decidido não expor de maneira ousada o seu busto.

Quando Hester estava vestida, Mabel pegou o véu de renda.

- Tem certeza de que quer usar isso, minha senhora? - ela indagou. - Fica tão bem sem ele!

Hester fitou criticamente o seu reflexo no espelho, estupefata. Como uma mudança de cabelo ou a cor e o corte de um vestido podiam fazer tanta diferença? Sem o véu, o corpete parecia realçar a suavidade pálida de sua pele e a maciez arredondada dos seios. O penteado elaborado de fato a concedia um pouco da beleza das irmãs. Se este era para ser seu único baile em Barroughby Hall, ela iria ousar.

- Não - decidiu Hester. - Não vou usá-lo.

Hester fechou a gargantilha de pérolas ao redor do pescoço e vestiu as luvas brancas. Pegando o leque, olhou uma última vez para o seu reflexo.

- Acho que estou pronta.

Despedindo-se de Mabel, Hester seguiu para o topo da escadaria. Lá embaixo, o duque e o irmão já aguardavam. Seu olhar focalizou-se no duque, usando um traje formal preto, apoiando o peso na perna boa, e Hester se perguntou se ele seria capaz de dançar naquela noite. Se dançaria com ela...

Inspirando fundo, ela afastou o pensamento da cabeça. Amanhã anunciaria que estava de partida para a casa de Helena, a irmã mais velha.

- Minha querida Lady Hester - disse Elliot, adiantando-se e tomando sua mão, assim que ela chegou ao pé da escada.

- Devo dizer que está maravilhosa, esta noite. Não está, Adrian?

- Está.

- Suponho que ele esteja reservando os bons modos para os convidados - comentou maliciosamente Elliot, conduzindo-a pelo braço até o seu lugar na fila de cumprimentos na entrada da enorme sala de estar. O duque seria o primeiro, seguido da duquesa, de Elliot e depois Hester. - Mamãe já vai descer.

Elliot manteve firmemente a mão dela sobre o seu braço, considerando que, diante da surpreendente mudança de aparência de Hester, talvez torná-la sua esposa não fosse um sacrifício tão grande assim.

- Espero que reserve algumas danças para mim - sussurrou.

- É claro - ela murmurou. - Suponho que o ferimento do duque não o impedirá de dançar.

- Não - disse com indiferença o duque. - Pretendo cumprir o meu dever.

Elliot sentiu-se privado de boa parte de seu prazer. Adrian parecia resignado com a ideia de seu irmão velhaco desposar esta dama virtuosa.

A duquesa apareceu no topo das escadas usando um belíssimo vestido de seda verde, adornado por um colar e brincos de esmeraldas.

- Lady Hester! - ela gritou em tom condenatório ao descer as escadas. - O que é isso que está usando?

- Acredito que seja chamado de vestido de baile - observou secamente o duque, antes que Hester pudesse sequer abrir a boca.

- É indecente - declarou a duquesa. - Simplesmente não posso permitir que use algo assim na minha casa.

O duque deu um passo à frente, e a duquesa ficou paralisada.

- Esta é minha casa - ele sussurrou. - Lady Hester é uma convidada, e se isso é o que ela quer usar, é o que vai usar.

- Eu o acho lindo, mamãe! - disse Elliot vindo em defesa de Hester, um pouco tarde.

- Lamento ser motivo de tanto constrangimento.- Hester disse calmamente, usando de todas as forças para manter o controle. - Se assim o desejar, posso ir buscar um véu no meu quarto.

- Não, deixe para lá - retrucou a duquesa.

Mal haviam acabado de se perfilar, como soldados em um desfile, quando uma voz vinda da porta anunciou:

- Sir Douglas Sackville Cooper e srta. Sackville Cooper.

- Deveria saber que Sir Douglas seria o primeiro a chegar.- resmungou a duquesa, avistando Damaris.

Seu vestido estava lindo, de seda rosa claro, enfeitado com renda delicada.

Hester examinou o rosto dos dois homens ao seu lado. A expressão do rosto do duque era ilegível. A de Elliot, não. Ele gostou, e muito.

Sir Douglas entrou atrás da filha.

- Boa noite, Vossa Excelência - disse para o duque - E para a senhora, Vossa Excelência - disse para a duquesa. - Vejo que continua jovem, como sempre.

-É muita gentileza sua, Sir Douglas. - retrucou a duquesa, claramente envaidecida pelo elogio, apesar da antipatia que tinha pelo homem. - Devo pedir que garanta que Lady Hester se divirta hoje. Receio que ela vá ficar tão ocupada que não dançará.

- Será um prazer, Vossa Excelência!

Adrian queria quebrar a perna do homem e a de Elliot também. Queria que apenas uma pessoa dançasse com Hester: ele mesmo.

O que seria praticamente impossível. Como anfitrião, teria de ser o par da madrasta na dança de abertura, e depois dançar com todas as damas que o desejassem fazer. Teria sorte se conseguisse uma única dança com Hester.

Ele se perguntou se ela também teria notado a reação de Elliot diante da entrada de Damaris.

- O reverendo cónego Smeech. O reverendo McKenna anunciou um dos criados.

- Reverendo cónego - cumprimentou o duque, disfarçando sua antipatia pelo clérigo. - Parabéns pela nomeação.

- Ah, obrigado, Vossa Excelência. É uma grande honra. Só espero estar à altura do cargo.

"Só espero que não cause muitos problemas por lá", pensou Adrian.

Os olhos do reverendo McKenna fixaram-se sobre Damaris, que sorriu com tamanha felicidade, que não deixou dúvidas de quem era o alvo de suas afeições. Apesar de não parecer muito contente, Sir Douglas parecia ter aceitado o inevitável.

- O duque de Chesterton e srta. Smith.

Ao olhar para a porta, Adrian reconheceu o duque de Chesterton, um esnobe que deserdara a própria filha caçula por se casar com seu professor de dança.

Ao seu lado, vinha uma jovem pálida usando um vestido que deixava à mostra um busto enorme sobre uma cintura absurdamente fina.

Vários outros convidados foram chegando e Adrian se ocupou em cumprimentá-los até chegar a hora da dança de abertura. Ele tentou reprimir a tristeza por Hester não ser o seu par, mas o de Elliot.

Depois disso, ele não teve mais chance de sequer chegar perto de Hester. Ou estava dançando, ou providenciando para que as outras jovens damas tivessem pares.

Em dado momento, o duque notou Elliot conversando com a srta. Smith de maneira bem íntima. Chesterton devia ter se ausentado para fumar, mas Adrian notou que a srta. Smith não parecia sentir a mínima falta do duque.

Adrian viu quando ela, dirigindo um sorriso tímido e sedutor para Elliot, seguiu para o terraço. Após alguns instantes, Elliot atravessou a sala, detendo-se brevemente para falar com alguns dos convidados, e saiu também para o terraço, seguindo na direção dos jardins.

O que estava acontecendo era óbvio para Adrian. Aparente mente, Elliot havia encontrado uma oportunidade para aliviar o seu tédio.

- Vossa Excelência?

Surpreso, Adrian percebeu que Hester estava ao seu lado.

- Já está quase na hora do jantar. Sabe onde está Lorde Elliot?

Capítulo Dezessete

A DRIAN considerou suas opções. Podia dizer que não sabia onde estava Elliot.

Podia se oferecer para ir procurar o irmão desaparecido, e buscar Elliot e a srta. Smith. Ou poderia dizer para Hester procurar nos jardins. Deixá-la achar Elliot com a concubina de outro homem. Decerto, isso impossibilitaria qualquer chance de um casamento entre Elliot e Hester.

Destruindo assim a melhor chance de redenção do meio-Irmão.

Contudo, a decisão a que chegou não considerou a sua felicidade ou a salvação de Elliot.

Estava apenas pensando em Hester. Elliot só lhe traria tristeza se a desposasse.

- Acho que vi Lorde Elliot seguindo para o jardim - disse.

- Obrigada, meu senhor.

Ela correu o mais rápido que pôde até o jardim, tentando Imaginar para que lado Lorde Elliot poderia ter ido. Poucos Instantes depois, escutou um ruído e se deteve.

Eram duas vozes sussurrando. A de um homem e de uma mulher. Hester avançou hesitantemente. Acabara de deixar o duque no baile, de modo que a voz profunda que escutava só podia ser a de Lorde Elliot, e, ao que tudo indicava, ele encon-trara companhia para o seu passeio pelo jardim.

O que explicava ele ter se esquecido do jantar.

Determinada a lembrá-lo, ela virou a esquina, detendo-se abruptamente ao perceber que Elliot e a acompanhante não, estavam apenas conversando... E bem ali nos jardins! Com convidados no salão de festas!

Hester girou nos calcanhares e marchou de volta para o salão, para encontrar o duque postado no mesmo lugar onde deixara. Será que ele sabia o que ela encontraria? Será que enviara lá de propósito?

Ou será que isso fora apenas mais uma tentativa de se divertir às suas custas?

- O jantar vai atrasar um pouco - murmurou ao passar por ele.

Ela não escutou o suspiro de Adrian.

O segundo andar da casa estava em silêncio. Os convidados já haviam partido, a duquesa se recolhido e Lorde Elliot ido para o seu quarto. Mabel já havia ajudado Hester a se trocar. No andar de baixo, os criados ainda estavam retirando o que restara do jantar.

Hester estava sentada diante da penteadeira, fitando distraidamente o espelho.

Por que o duque a enviara até o jardim? Será que queria que ela visse com os próprios olhos que tipo de homem era Elliot? Será que ele a considerava tão cega? Incapaz de enxergar através do charme de Elliot e perceber que ele não era nenhum cavalheiro?

Havia uma outra explicação. O duque gostava dela e não queria correr o risco de Hester se deixar levar pela aparente simpatia de Elliot.

Era uma noção ousada, mas ela estava determinada a aceitá-la, e se considerar digna do amor do duque. Lembrou-se da sensação do beijo dele, da expressão nos olhos do nobre na estrada, quando ele lhe disse o que via ao olhar para ela. Ousaria acreditar que o que via em seus olhos era estima, respeito e até amor. Ousaria até expressar em voz alta seus sentimentos.

- Amo você, Adrian - sussurrou. - Eu amo você!

Ela se levantou, e começou a andar de um lado para o outro, em breve, estaria partindo. O duque provavelmente seguiria para Londres na manhã seguinte. Talvez jamais o visse após aquela noite.

Inspirando fundo, e reunindo toda a sua coragem, ela dirigiu-se para a porta, seguiu na ponta dos pés para o quarto do duque, onde entrou sem bater, antes que perdesse a ousadia, e fechou a porta.

O duque não a escutara entrar. Estava postado diante da janela, olhando através desta. Ela quase fraquejou, até perceber como ele parecia solitário. O que pensava encontrar lá fora? Uma companheira? Uma amante? Uma esposa?

- Meu senhor... - sussurrou. Ele se virou abruptamente.

- O que está fazendo aqui? - indagou.

- Preciso lhe falar - ela disse, aproximando-se.

- Este não é o lugar e nem a hora para qualquer tipo de discussão.

- É sim, porque amanhã pretendo informar à duquesa que estou de partida. Talvez não tenha outra oportunidade.

- Está indo embora?

- Estou, meu senhor.

- Por quê?

- Porque não posso ser feliz aqui.

- Entendo. - Ele pareceu reprimir um suspiro. - Talvez seja melhor assim. O que quer falar comigo que é tão urgente assim, Lady Hester?

- Quero saber por que me enviou aos jardins. Não acredito que não soubesse onde estava o seu irmão, e nem com quem.

- Sou tão transparente assim?

- Por acaso queria me chocar?

- Não exatamente - ele respondeu, desviando o olhar.

- Então, por quê?

O duque não respondeu.

- Achava que eu precisava saber que tipo de homem Lorde Elliot é?

- Achava - ele murmurou, ainda sem fitá-la.

- Por quê? Quando me pediu para confiar no senhor, eu o fiz. E não sou tão ingênua como parece acreditar. Há muito que sei que ele não é nenhum cavalheiro.

- Eu também não sou, no entanto, confiou em mim.

- Por que diz não ser um cavalheiro? Nunca notei nenhum sinal de impropriedade de sua parte.

- A não ser por aquele dia na biblioteca.

- Eu o surpreendi, meu senhor. Apesar do que os outros dizem acredito que seja um homem honrado, e até ter provas do contrário acreditarei que não é o patife que dizem que é.

Ele por fim a fitou.

- Não me conhece. Não sabe o que eu já fiz. Além do mais, que diferença faz se o Duque Negro é um patife ou não?

- Porque gosto do senhor - ela sussurrou. - E acho que gosta de mim.

- Está me dizendo que pode gostar de um homem que já esteve com meretrizes? Que já se embebedou inúmeras vezes, em inúmeros lugares públicos? Que joga quando sente vontade?

- Até agora, só me descreveu vários jovens de sua posição.

- Mas sou pior Hester, sou pior.

- Não acredito.

Ele exibiu um sorriso sardónico.

- Então minha cara, seu julgamento deixa muito a desejar. Já soube como eu iniciei minha ilustre carreira, em Oxford?

- Conheço um pouco de sua história - ela admitiu.

Ele dirigiu-se até uma mesinha e se serviu de uma bebida.

- Para que possa julgar adequadamente, vejo que vai precisar de todas as provas. Sente-se, por favor. Isso pode demorar um pouco.

Hester sentou-se na cadeira indicada, enquanto o duque esvaziou o copo de um gole só.

- Eu tinha um bom amigo, um conde de Gales, chamado Griffin Branwynne, que acabou se envolvendo com uma jovem de reputação duvidosa, embora na ocasião, não soubéssemos disso. Contudo, alguns dos nossos conhecidos sabiam e, certa noite em uma taberna nos informaram do fato. Griffin, mais controlado do que eu, queria deixar a questão de lado, até poder falar com a dama.

- Eu, - entretanto, o nobre duque de Barroughby, - achei que tínhamos de defender a honra da dama. Chamei o informante de patife e vilão. Ele respondeu à altura. Ambos estávamos embriagados e preparados para a briga. Griffen tentou nos deter, mas não lhe demos ouvidos. Sequer tivemos a decência ou a inteligência de resolvermos a questão fora da taberna. Derrubei uma lâmpada. Escutei-a caindo, mas não dei atenção. Estava ocupado demais surrando o meu oponente. Quando notei que o estabelecimento estava em chamas, já era tarde demais. Cambaleei para fora, deixando meu oponente para trás.

O tom de voz de Adrian ficou mais baixo.

- Quando ouvi alguém gritar que o outro cavalheiro ainda estava lá dentro, tal era o meu estado de embriaguez, que fiquei até satisfeito, até me dar conta de que o outro cavalheiro poderia ser Griffin. - Ele inspirou fundo, fitando-a nos olhos. - Fiquei histérico. Ninguém me deixava chegar perto do prédio em chamas. Estava bêbado e transtornado demais. Ia acabar me matando. Foi então que o teto desmoronou.

Hester notou a angústia impotente na voz do duque. Ele inspirou fundo.

- Tive certeza de que meu amigo estava morto. - Se não fosse pelo taberneiro. - Ele cobriu-se com uma coberta molhada e entrou no prédio em chamas, encontrou Griffin e o arrastou para fora. O taberneiro salvou a vida dele, não eu.

- É por isso que jamais foi visitá-lo? - Hester indagou baixinho. - Sente-se envergonhado?

O duque lançou-lhe um olhar torturado.

- Já viu alguém seriamente queimado, Lady Hester? - Ela sacudiu a cabeça.

- É muito doloroso. E as cicatrizes... - Ele não precisou terminar. O tormento nos seus olhos já dava uma idéia de como devia ter sido horrível. - Quando enfim acordou, Griffin não queria falar comigo. Ele ainda não quer me ver. Eu tentei. Ele se recolheu à sua propriedade em Gales e não deixa ninguém chegar perto.

- Quem tomou tal decisão foi ele - disse Hester, esforçando-se para dizer algo consolador.

- Você não o conhecia. Ele ia ser um grande homem, Hester. Um grande líder. Eu lhe roubei isso. Teria sido melhor matá-lo.

- Foi um acidente.

- Ah, mas você não sabe de tudo, meu anjo - ele prosseguiu, amargamente. - Não matei Griffin e não me machuquei. Mas minha estupidez foi responsável pela morte de meu pai.

- Como?

- Ele tinha grandes planos para mim, meu pai. Eu era um excelente aluno, querido por todos. Era um pouco arredio, mas nada que a sabedoria da idade não curasse, ou assim ele pensava.

"Foi então que recebeu a notícia de minha tolice, e ela foi um golpe amargo. Meu ato impensado provocou o ataque fatal. Quando eu cheguei, eleja estava morrendo. Fui uma grande decepção para ele, e isso o matou." Diante da tristeza de Adrian, lágrimas brotaram nos olhos de Hester.

- Agora acho melhor deixar o meu quarto - disse ele, baixinho. - Pode ser descoberta aqui, e enquanto outro escândalo não seria novidade para mim, pode lhe trazer problemas.

Ele tinha razão, é claro, mas, ela ainda não estava disposta a ir.

- O que fez foi tolice, mas foi há muito tempo, e vem lamentando tanto desde então. Ainda não consigo acreditar que seja culpado de tudo que dizem. - Em um instante de inspiração, ela recordou-se da expressão de conflito nos olhos de Adrian quando ele a mandou atrás de Elliot. - É Elliot, não e? É ele quem faz as coisas terríveis... e o senhor leva a culpa! Faz isso porque se sente culpado pelo incêndio?

- Milady não entende o meu relacionamento com meu irmão - disse o duque.

- Entendo sim. Como acha que não importa o que as pessoas digam a seu respeito, assume a culpa pela imoralidade de Elliot!

- E que diferença faz se eu assumo? - o duque perguntou por entre os dentes, ao se voltar novamente para a janela. - Fiz uma promessa ao meu pai em seu leito de morte. Prometi fazer de tudo para que o nome de Elliot jamais fosse manchado pela desgraça. - Seus ombros caíram e sua voz era praticamente inaudível. - Como o meu.

Enfim, ali estava a chave de todo esse relacionamento complicado.

- Acha que ao proteger Elliot das consequências de seus atos, o está protegendo?

- É claro que sim - ele retrucou. - Meu nome já estava manchado. Um pouco mais de escândalo atribuído a ele não faria diferença.

- Mas será que não vê, meu senhor? Ao arcar com as repercussões, está lhe dando permissão para ser imoral! Para continuar no caminho errado! Não está ajudando-o!

O duque a fitou.

- Fala com tanta convicção! No entanto, está aqui há menos de seis meses, me conhece há apenas algumas semanas e Elliot há ainda menos tempo.

- Eu consigo ver. Eu compreendo.

Capítulo Dezoito

Adrian recuou abruptamente.

- Pare.

- Mas eu só...

Ele viu o amor brilhando nos seus olhos azuis, percebeu que ela só queria abraçá-lo, o que só fazia aumentar a sua dor. Não era digno do respeito de Hester, de sua ajuda, e nem de seu amor.

- Escute o que digo, Hester. Não preciso de sua preocupação ou de seu consolo. Escolhi o meu caminho e o trilharei... sozinho.

- Não precisa estar sozinho.

- Preciso sim. Eu quero assim.

- Não, não quer.

Uma guerra era travada entre o coração e o cérebro de Adrian, entre seu futuro e seu passado, entre seu desejo e seus receios. Ela era a única mulher capaz de lhe proporcionar paz e felicidade.

Então ele cedeu. Estendeu os braços para a dama e a puxou para si. Hester suspirou, quando os corpos se tocaram e o amor deles explodiu.

- Amo você - ele disse baixinho e a beijou profundamente.

A carícia foi o suficiente para eliminar todas as reservas de Hester. Estar ali com ele era certo, o abraço necessário, o corpo dele de encontro ao dela perfeito.

Ele interrompeu o beijo e, enquanto ela recuperava o fôlego, um sorriso caloroso apareceu em seu rosto.

- Você precisa ir Hester, porque se não for, vou tomá-la nos braços e levá-la para a minha cama, e todas as suas noções de respeito, de minha bondade serão despedaçadas.

Hester sabia que Adrian tinha razão. Contudo, ainda não conseguia deixar os braços dele.

- Acho que descobrirei o paraíso em seus braços, meu senhor - sussurrou de encontro ao peito dele.

- Estou falando sério, Hester - ele avisou, afastando-a de si. - Você é tentadora demais, e não sou tão louvável quanto parece acreditar.

- Eu também não - disse ela, com um sorriso. - Pelo menos não com o meu senhor.

- Então só há um modo de fazermos disso nosso segredo. - Ela o fitou confusa.

- Precisa ser minha esposa.

Ela abriu a boca para responder, mas ele cobriu seus lábios com o dedo.

- Deixe-me colocar isso de uma maneira menos arrogante e presunçosa... para provar que posso mudar. - Ele se ajoelhou e tomou uma das mãos dela na sua. - Por favor, Lady Hester, será que poderia me conceder a enorme honra de ser minha esposa?

Incapaz de falar, ela conseguiu apenas assentir. Adrian levantou-se e beijou sua face.

- Eu não a mereço, e não mereço tamanha felicidade. - Foi a vez de Hester levar o dedo aos lábios dele.

- Toda a felicidade que eu puder proporcionar será sua, mas tem razão. Preciso ir - murmurou. - Por ora.

Ela aproximou-se da porta e virou-se com um sorriso.

- O que será que a duquesa vai dizer?

- Talvez seja melhor não falarmos nada de nosso noivado, por enquanto. Primeiro, deixe-me pensar em uma maneira de persuadi-la a se mudar para a Casa do Dote. Não quero que a responsabilize por seu "despejo", como certamente ela vai dizer.

- Como queira. Agora que sei que me ama, nada mais parece importar.

Ela se retirou tão silenciosamente quanto entrara.

Por vários instantes após ela ter saído, Adrian ficou simplesmente deleitando-se com a sensação de total felicidade.

Até começar a pensar no que a duquesa e os outros poderiam dizer.

Elliot retornou para as sombras onde estivera se escondendo, e seu olhar malévolo oscilou entre Hester e a porta do quarto de Adrian. Então, Adrian a possuíra. Sua Hester.

Por que outro motivo Hester estaria no quarto de Adrian? Não podia ter acreditado que Adrian a estava ignorando por não a considerar atraente. Devia ter adivinhado que Adrian estava envolvido em um jogo de sedução muito sutil.

E ele ousa me censurar! - Elliot pensou, zangado.

Provavelmente Adrian também o fizera só para magoá-lo, pois sabia que Elliot queria desposá-la. Era típico de Adrian! Não podia permitir que ele tivesse nada, nem uma noiva virgem.

Foi então que outro pensamento ocorreu a Elliot. Se Adrian podia possuir Hester sem o benefício do matrimônio, ele também poderia.

Ao chegar na cidade, na manhã seguinte, após uma noite insone, Adrian jamais se sentira tão confuso, incerto e empolgado em toda a sua vida.

Uma hora sentia-se triunfante ao pensar que uma mulher inteligente e sensível como Hester gostava dele, na outra, sentia-se tomado de dúvidas, acreditando-se completamente indigno dela.

Desesperado por outra opinião, Adrian decidiu ir à procura de John Mapleton.

Chegando a casa do médico pouco após o raiar do dia, Adrian bateu à porta.

- Adrian! - exclamou, surpreso. - Está machucado?

- Estou muito bem, eu acho - respondeu Adrian, sorrindo.

Mapleton o convidou a entrar e os dois seguiram para o gabinete do cirurgião. Retirando o chapéu, Adrian sentou-se e o colocou sobre o joelho.

- Preciso lhe falar.

Mapleton o fitou com curiosidade.

- Sou todo ouvidos - disse o cirurgião, sentando-se diante dele.

- Algo aconteceu, John - ele disse, com seriedade.

- É mesmo?

- Pedi Lady Hester em casamento. - Os olhos de Mapleton se arregalaram.

- Não brincaria a respeito de algo assim, brincaria, meu senhor?

- Não. Estou falando sério.

- Neste caso, fico muito feliz pelo senhor! - Seu sorriso foi substituído por uma expressão de preocupação, semelhante à de Adrian. - Há algum problema?

- Há o problema de minha reputação, John, como sabe bem.

- Uma reputação imerecida.

- Pode ser, mas eu a tenho. Não é egoísmo meu pedir que uma mulher de caráter impecável arque com isso?

- Meu senhor, o que ela disse?

- Ela disse que as pessoas esquecerão.

- Eu lhe disse que ela era uma mulher inteligente. Concordo com ela. - O cirurgião logo percebeu que Adrian não estava convencido. -A jovem possui muito bom senso, meu senhor, e se ela não tem reservas quanto a desposá-lo, não vejo por que não aceitar. Bom Deus homem, não quer se casar com ela?

- Do fundo do meu coração. Apenas, nunca acreditei...

- Que alguém se daria ao trabalho de enxergar além da máscara do Duque Negro.

- É.

- Pois ela o fez. - Ele fitou Adrian pensativamente. - Mas ela não é muito bonita.

Adrian riu.

- Já tive minha cota de mulheres consideradas bonitas, e acredite quando digo que prefiro ter o rosto de Hester ao meu lado no travesseiro do que qualquer outro.

- Agora sei que está apaixonado.

- Seu diagnóstico está correto, meu amigo.

- Isso é tudo o que o incomoda?

- Devo confessar que não. Há a questão de Elliot. - Mapleton ficou sério.

- O que ele fez agora?

- Ele alega querer desposar Lady Hester. - A reação de Mapleton foi pura zombaria.

- Ah! Isso é impossível!

- Ele diz estar sendo sincero.

- E após todas as mentiras, acredita nele?

- Não sei se acredito ou não. Mas esse não é o problema, pois Hester jamais o aceitaria.

- Então, qual é o problema?

- Conhece Elliot. Acha mesmo que ele tolerará o ocorrido?

- Se ele realmente gostasse dela, poderia fazer alguma besteira, mas não o imagino de coração partido por causa de Lady Hester. Para começar, ela não é bonita o suficiente para o paladar dele.

- Foi o que pensei. Mas a sugestão veio dele, não de mim, e sabe que ela dará uma excelente esposa.

- Não para Elliot. Ele partiria o seu coração em menos de um mês. Seria incapaz de ser fiel. Não acha que já está na hora de parar de se preocupar com Elliot?

- É o que Hester diz. Ela acha que eu lhe dei permissão para satisfazer os próprios caprichos.

- Como eu disse, uma mulher sensata.

- Aparentemente, fui vencido no número de votos.

- Ele suspirou. - Estava apenas tentando ajudar.

- Estou certo de que Lady Hester sabe disso tão bem quanto eu.

- Mas abandoná-lo?

- E quantas mulheres ele já abandonou?

- Inúmeras, eu sei. Talvez se eu lhe der uma mesada...

- Ele jamais achará ser o suficiente.

- Tem razão. - Adrian tomou sua decisão. - Eu lhe darei 10.000 libras e cavalos. Depois, se ficar sem dinheiro, ele saberá que é devido ao seu modo de vida esbanjador.

- E, quando isso acontecer, e ele vier implorar mais o que fará?

- Eu sinceramente não sei. Não posso deixá-lo morrer na sarjeta, posso?

- Bem, vamos torcer pelo melhor. E agora, que tal um bom desjejum?

Adrian sorriu para o amigo.

- Estava com tanta pressa para lhe falar, que não comi nada em casa.

- Espero que goste de mingau de aveia.

- Andou conversando com Jenkins?

I

Capítulo XIX

- Hester apressou-se em descer cedo. Não dormira a noite inteira, mas ainda assim estava desperta e animada, pois Adrian Fitzwalter a amava, e ela ia ser esposa dele.

Ficou desapontada e aflita ao chegar à sala de jantar e encontrar Elliot, mas nem sinal do duque.

- Bom dia, Lorde Elliot - disse, friamente.

Lorde Elliot, que dava mostras de ter bebido demais na noite anterior, lançou um olhar indagador para Hester, e esta receou que ele soubesse que ela o vira com a srta. Smith nos jardins.

- Bom dia, minha querida - ele disse, caminhando até ela e tomando-lhe a mão, beijando-a demoradamente. - Vejo que ficar acordada até tarde em nada diminuiu a sua beleza, Lady Hester.

Procurando fingir que nada havia mudado naquela manhã, Hester foi até o aparador se servir, e não notou quando Elliot trancou a porta e colocou a chave no bolso.

- Já comeu, meu senhor? - perguntou Hester, notando que ele ainda estava de pé.

- Estou faminto - disse fitando-a. - Não faz idéia de como estou faminto.

Hester não gostou da insinuação.

- Então, coma - retrucou friamente.

- Ah, eu pretendo. - Ele aproximou-se por trás dela. - Eventualmente.

- O salmão está ótimo.

- Salmão não é bem o que eu tinha em mente.

- Ah. - Ela se sobressaltou, quando ele pousou a mão sobre o ombro dela.

- Eu gosto de você, Hester.

- Fico lisonjeada - ela murmurou, com a voz trémula. Ele colocou a outra mão sobre o outro ombro dela e subitamente Hester sentiu os lábios de Elliot na nuca.

- Meu senhor! - ela exclamou, desvencilhando-se dele e virando-se para fitá-lo. - O que está fazendo?

Ele sorriu.

- Beijando o objeto de meu desejo.

- Meu senhor, isso é deveras impróprio! - disse com firmeza esforçando-se para esconder o pavor. - Sua mãe pode chegar.

- Depois do baile de ontem? Provavelmente vai dormir até o meio-dia.

- E o duque?

- Foi até a cidade. Surpresa?

- Por que eu estaria surpresa?

- Nenhum motivo em particular. Suponho que ele tenha ido visitar Sally Newcombe.

Cansada das mentiras e do comportamento desrespeitoso de Elliot, Hester dirigiu-se para a porta, mas esta não abriu.

- Está trancada - disse Elliot, agarrando o seu braço e virando-a para si. - Não queria que fôssemos incomodados.

- Solte-me!

- Ora, mas para que toda essa indignação? Não é um pouco de hipocrisia, Lady Hester?

- Meu senhor deve saber tudo sobre hipocrisias.

- Que fogo! Que fúria! E pensar que eu a achei comum. É óbvio que eu estava enganado.

Ele forçou os lábios sobre os dela, enchendo-a de repulsa.

- Pare! - ela gritou, soltando-se. - Vou chamar os criados!

Elliot sorriu.

- Após ontem à noite, não seria uma decisão acertada.

- O que tem ontem à noite?

- Eu a vi saindo do quarto de Adrian. O que dirá minha mãe quando eu lhe contar a respeito de suas atividades noturnas? - Ele a segurou com mais força. - É claro que não há necessidade de eu fazer isso.

- Não, não há. Assim como não há necessidade de eu contar para sua mãe a respeito da srta. Smith.

Elliot riu.

- Vá em frente, conte para ela. Mamãe sabe o que a srta. Smith é. Ela pensará que fui seduzido pela mulher.

- O senhor é diabólico. O que quer?

- Apenas o que proporcionou a Adrian. Uma noite de prazer.

- Nós não...

- Ah por favor, Lady Hester, não precisa bancar a virgem.

- Adrian e eu vamos nos casar! - Elliot franziu a testa.

- Ele disse isso? Usou esse velho estratagema?

- Não é um estratagema! - ela retrucou. - Ele me ama! E eu o amo!

- E mentira - Elliot gritou. - Ele não a desposará. Não vai querer macular a sua pureza com a reputação dele.

- Eu sei tudo a seu respeito. Sei que ele não fez nem a metade do que o acusam. Ele vem assumindo a culpa pelos seus crimes.

- Nossa, mas ele deve realmente gostar de você para falar tanto. Pensei que só a havia possuído para me irritar.

- Ele não me possuiu!

- Então é um tolo. Mas isso significa que estará ainda mais determinado a manter a noite passada em segredo, não acha? Se não vier até mim, hoje à noite, espalharei os boatos mais venenosos que puder a respeito dele, e acredite quando digo que tenho uma imaginação odiosa. A decisão é sua Hester. Uma noite comigo para salvar o que resta da reputação de Adrian ou eu o destruirei.

- Faria isso, após tudo o que ele fez pelo senhor?

- Não está em posição de me criticar, esgueirando-se da cama do meu irmão como uma prostituta! Só estou pedindo que se prostitua mais uma vez, pelo bem de Adrian.

Ruborizada, Hester fitou-o nos olhos.

- Não sou uma prostituta!

- Uma simples distinção acadêmica. - Ele a soltou, e Hester correu até a porta, puxando-a e batendo nela. - Não se dê ao trabalho, minha querida. A porta é grossa e Jenkins é surdo.

- Não se aproxime! - ela gritou, virando-se para ele. - Contarei para o duque o que propôs.

Elliot parecia totalmente despreocupado, ao se sentar em uma cadeira, com os braços cruzados.

- Vá em frente. A decisão é sua. Uma noite comigo, ou arruinarei por completo o Duque Negro.

Hester o fitou como quem fita um inseto.

- Se eu for procurá-lo, hoje à noite, se endireitará?

- Convencerá seu amado a me deixar em paz?

- Assumirá responsabilidade pelos seus atos? Adrian ficará livre de suas obrigações para com o senhor?

- Se vier me procurar esta noite, se casar com Adrian e convencê-lo a aumentar minha mesada, tentarei ser um bom menino.

- Elliot, é você? - gritou a duquesa, do outro lado da porta. - Que barulheira é essa?

- Nada de sério, mamãe! Jenkins inadvertidamente trancou a mim e a Lady Hester aqui dentro.

- Jenkins! - chamou imperiosamente a duquesa.

- Como posso acreditar no senhor? - indagou baixinho, Hester.

- Porque estou dizendo. Apesar do que pode pensar de mim, não sou completamente desprovido de honra.

- Por que me quer, sabendo que o desprezarei o tempo todo?

Um sorriso sarcástico apareceu nos lábios de Elliot.

- Porque Adrian a quer, e não se pode negar o bom gosto dele.

A porta subitamente se abriu, revelando uma duquesa irritada e um intrigado Jenkins.

- Não entendo como posso ter feito isso e, depois, perdido a chave - ele resmungou.

- Com licença, Vossa Excelência. - disse Hester, passando apressadamente pela mulher.

Adrian despediu-se de Mapleton e seguiu para onde deixara o cavalo, determinado a seguir para casa e ver Hester o quanto antes.

Ela tinha razão ao dizer que ele mimara demais Elliot esse tempo todo.

Adrian deteve-se subitamente quando uma carruagem passou por ele, pois pensou ter reconhecido a passageira no seu interior.

Não podia ser! O que Elizabeth Howell estaria fazendo ali?

Capítulo XX

Apesar da vontade de ir logo para casa, Adrian achou melhor investigar primeiro a misteriosa chegada de Elizabeth Lowell. Ela deveria estar em Manchester, com o irmão.

Ele adentrou a estalagem diante da qual a mulher desembarcara, e na qual ela entrara logo em seguida. Reconhecendo o duque, os proprietários do estabelecimento ficaram em silêncio. Os olhos de Adrian pousaram sobre a mulher sentada em um dos cantos.

Era Elizabeth. O que ela estava fazendo ali? Será que viera confrontar Elliot?

Adrian caminhou até ela, pensando que, desta vez, a reputação do Duque Negro viria a calhar, pois ninguém estranharia o seu interesse em uma mulher jovem e bonita. Ou, corrigiu-se ao sentar-se, uma mulher que já fora bonita.

O desgaste do parto e de sua perda estavam evidentes na palidez de sua pele e nas marcas profundas e escuras sob os olhos, e no tremor da mão suja, quando ela pegou a caneca de cerveja diante de si.

Pior, devido ao rubor febril das faces, ele soube que ela não estava bem.

- Olá, Elizabeth - disse baixinho.

Sobressaltada, ela se encolheu e o fitou.

- Sou o duque de Barroughby - ele prossegiu.

- Veio me ajudar de novo?

- Vim.

- Ele está com você?- ela perguntou, olhando ao redor do recinto. - Ele escapou?

- Quem?

- Elliot, é claro! Ele escapou do calabouço? Adrian franziu a testa.

- Não estou entendendo.

- A mãe dele o aprisionou, sabe? Eu vim libertá-lo. Vai me ajudar?

- Claro. -Adrian jamais vira alguém mais necessitada de ajuda do que aquela criatura patética. - Por que não foi para Manchester, Elizabeth? A viagem já estava paga.

- Não podia ir enquanto ele estivesse aprisionado. Foi por isso que ele não veio me procurar.

As ações de Elliot já haviam tido severas consequências antes, mas nada igual a isso.

- Ele me ama - Elizabeth continuou. - Quando estiver livre encontraremos o nosso bebé.

Bom Deus, ela enlouqueceu!

- Ah Elizabeth! - ele murmurou, estendendo a mão na direção da dela. - Deixe-me ajudá-la.

- Podemos ir, agora? Encontrar Elliot? - ela perguntor, ficando de pé.

- Claro, mas não agora.

Ele precisava conseguir ajuda para ela. Adrian a levaria até John Mapleton.

- Venha comigo, Elizabeth.

- Eu preciso ajudá-lo agora! - gritou a mulher, exaltando-se.

- Elizabeth - ele disse, baixinho. - Elliot não está aprisionado... Ele está tentando convencer minha madrasta a conhecê-la. Estou certo de que ele já lhe disse como ela é.

Adrian podia escutar Elliot acusando a duquesa, fazendo o papel do filho incompreendido da mãe dominadora, precisando tanto de compaixão e amor. Já usara tal tática inúmeras vezes.

Elizabeth assentiu.

- Minha madrasta só precisa conhecê-la para amá-la -insistiu Adrian. - Não prefere estar mais bem preparada para conhecê-la?

- Quero vê-lo agora!

- No seu vestido de viagem?

- Eu não trouxe mais nada.

- Mas é claro. Estava pensando em resgate, não em conhecer a duquesa. Eu lhe comprarei um vestido novo. O que me diz?

- Não sei.

- Podemos também comer algo antes. Aposto que deve estar faminta após a viagem. E pensar que veio até aqui sozinha. Elliot vai ficar tão orgulhoso!

Para o alívio dele, isso pareceu animá-la.

- Vamos, Vossa Excelência?

- Mas é claro Elizabeth.

A duquesa entrou na sala de estar e se sentou sem notar como Hester estava tensa. Após escapar da sala de jantar, pedira a Mabel que descobrisse onde estava o duque. A criada logo retornou com a notícia de que o duque cavalgara até a cidade para ver o cirurgião. A dança da noite anterior devia ter inflamado o ferimento, e, provavelmente, ele nada lhe dissera para não preocupá-la.

Mas por que estava demorando tanto? Hester se perguntou, sentada diante da janela da sala de estar, com vista para a estrada de acesso à casa.

- O baile foi um enorme sucesso, não foi? - comentou a duquesa, sorrindo. - Deu muito trabalho, mas foi um deleite.

Hester assentiu, mas permaneceu em silêncio.

- Elliot foi tão admirado - prosseguiu a mulher mais velha. - Tão animado! O cansaço das danças não era nada para ele. Tão parecido comigo quando jovem...

Hester ficou feliz de não ter conhecido a duquesa quando jovem.

- Sim, Vossa Excelência - ela murmurou, lamentando não ter a coragem para contar à duquesa sobre o comportamento do filho.

Não que achasse que a duquesa acreditaria nela. Hester não via a hora de contar a Adrian sobre o ultimato de Elliot. O que faria se Adrian não retornasse até a noite?

- Ah, aí está o meu querido menino - declarou a duquesa, quando Elliot entrou. - Você foi muito admirado, ontem. - repetiu.

Elliot sorriu para a mãe e Hester se esforçou para manter-se impassível, ao sentir sobre si o olhar dele.

- Nem todo mundo me admira mamãe.

- Ora, se não admiram é porque são tolos! - exclam a duquesa.

- Não sei se Lady Hester concorda.

Antes que a duquesa pudesse dizer algo, Hester ergueu cabeça, sorrindo.

- Seu filho é um homem formoso que dança muito bem.

- Pronto, Elliot - disse triunfantemente a duquesa. Até mesmo Lady Hester o admira.

- Ah, mamãe! - riu Elliot. - Vamos ver.

Não aguentando ficar no mesmo recinto que este homem, Hester levantou-se.

- Se me der licença, Vossa Excelência. Ainda estou um pouco fatigada. Acho que vou me recolher ao meu quarto.

- Muito bem Hester - disse a duquesa, de bom humor.

- De fato - concordou Elliot com um sorriso malicioso- Não queremos que nossa querida Lady Hester fique cansada.

Hester sabia que tinha de decidir o que fazer sem contar com o retorno de Adrian.

- Por que estamos parando aqui? - perguntou Elizabeth, quando eles se detiveram diante da casa de John Mapleton.

- O senhor disse que ia me comprar um vestido novo.

- E vou. Pensei em passarmos aqui antes. Esta é a casa de um bom amigo de Elliot. Podemos descansar um pouco aqui, antes de irmos às compras.

- Quero ir ao encontro de Elliot. Ele precisa de mim.

- Não quer ficar bonita para ele? Pode se lavar e ajeitar o cabelo aqui.

Apesar de ainda não parecer convencida, ela se deixou levar até a porta de Mapleton.

- O sr. Mapleton está atendendo um paciente, Vossa Excelência. - informou a criada ao atender à porta, fitando as faces sujas e as saias enlameadas de Elizabeth com desaprovação.

Mais uma história interessante do Duque Negro para ser espalhada, pensou Adrian, desanimado.

- Do que estão falando? - indagou Elizabeth, começando a ficar agitada. - Não estou doente.

- Estamos aqui para ver John Mapleton como um amigo, não como médico. - Adrian mentiu. - Ele é um velho conhecido de Elliot. - Ele virou-se para a criada. - Diga ao sr. Mapleton que estou aqui. Minha acompanhante e eu o aguardaremos no gabinete.

A criada se retirou e Adrian conduziu Elizabeth até o aposento em questão.

Após alguns minutos aparentemente já alertado pela criada sobre Elizabeth, Mapleton chegou.

- John Mapleton, permita-me apresentar-lhe a srta. Howell, uma boa amiga de Elliot. - Adrian apressou-se em dizer. - Pensei que gostaria de conhecê-la.

- Ah, sem dúvida. Como está srta. Howell? - disse o cirurgião, curvando-se e fitando-a com uma expressão preocupada.

- Estou bem, obrigada. Mas o duque está enganado. Não sou a srta. Howell. Sou Lady Elliot.

- É esposa de Elliot? - perguntou Adrian, tentando esconder seu ceticismo.

- Ah, sim. Tivemos de manter tudo em segredo com receio de que a duquesa não aceitasse. Estou certa de que ela mudará de ideia quando me conhecer.

Mapleton e Adrian trocaram olhares, e o duque pôde apenas dar de ombros. Ele nada sabia a respeito disso.

- É por isso que está me ajudando, não é, Vossa Excelência? Por que sabe que Elliot quer me ver. Ele me escreveu dizendo isso.

- Ele lhe escreveu?

- Ah, sim, as cartas estão na minha bolsa. Pode lê-las, se quiser.

No interior da bolsa, Adrian achou vários pedaços de papel. Algumas eram contas e outras eram notas promissórias em benefício de Elizabeth Howell, assinadas por Elliot.

- Está vendo como ele me ama?

- Estou - respondeu tristemente Adrian.

- Talvez a jovem queira algo para beber e descansar um pouco antes de seguir para Barroughby Hall? - ofereceu Mapleton, lançando outro olhar sugestivo para Adrian.

- Um pouco de vinho seria ótimo - concordou o duquei

- Um brinde aos noivos - disse Mapleton. - Vou mandar a criada trazer.

Aproximando-se de Adrian, ele sussurrou, discretamente.

- Certifique-se de que ela beba o que eu vou mandar. Tenho de atender a outro paciente, mas volto assim que puder.

Ele deixou o gabinete, e Elizabeth começou a recolocar os papéis na bolsa.

- Ele me ama - sussurrava incessantemente.

A criada chegou trazendo uma bandeja contendo algo que parecia ser vinho tinto.

- Bom Deus, esqueci de trazer uma taça para Vossa Excelência - disse, piscando para Adrian.

- Aqui está, Elizabeth - disse Adrian. - Beba enquanto a criada vai buscar o meu. Para manter as forças.

- O brinde.

- Brindaremos quando o sr. Mapleton voltar.

Aparentemente convencida, Elizabeth pegou a taça e bebeu, depois, soltou um grito horrível e jogou a taça no chão, estilhaçando-a.

- O gosto está errado - gritou, levantando-se e esfregando os lábios. - É um truque. - Ela apanhou a base da taça quebrada do chão e apontou o cabo afiado para Adrian. - Não quer me ajudar! Está do lado dela!

- Nancy, vá buscar John! - Adrian ordenou à criada.

Ela desapareceu no instante em que Elizabeth gritou e pulou na direção de Adrian segurando a taça quebrada como se fosse uma adaga.

Capítulo XXI

Adrian agarrou o braço de Elizabeth. A ponta afiada do vidro passou a milímetros de seu pescoço.

- Elizabeth, pare! - disse ele quando ela passou cambaleando por ele.

- Não! Eu o matarei! Eu o matarei! - ela gritava se debatendo.

Ela se atirou contra ele e os dois foram ao chão. Adrian conseguiu agarrar o pulso da mão que segurava o vidro quebrado. Ele apertou-o com toda a força até que Elizabeth gritou largando a arma improvisada.

Com um suspiro, ela desmaiou nos braços do duque. Adrian a carregou até o sofá e gentilmente a estendeu sobre ele.

- Bom Deus, o que aconteceu? - perguntou Mapleton, entrando apressadamente no gabinete. - Eu lhe dei um sedativo.

- Obviamente, ele demorou para agir - Adrian retrucou. Ao se curvar para pegar a taça quebrada, Adrian gemeu diante da pontada de dor na virilha. Ele praguejou baixinho ao notar o rasgão na calça e a mancha de sangue que se espalhava. - Ela me cortou - murmurou, subitamente, sentindo-se tonto.

Mapleton correu em seu auxílio.

- Sente-se aqui nesta cadeira, meu senhor - ordenou. - Nancy, vá buscar minha maleta e depois limpe esta bagunça. - Ele tratou de examinar a ferida. - Graças a Deus não foi muito profundo. Foi perto do outro ferimento. Mais alguns centímetros, e a coisa poderia ter sido muito mais séria.

- Que bom que não foi. O que vamos fazer a respeito dela?

Mapleton fitou Elizabeth.

- Ela não está em seu juízo perfeito, mas não posso afirmar se é um estado temporário, ou se é uma condição mais permanente.

- Isso não é tudo, é?

- Infelizmente não. Ela pode estar tuberculosa.

- Há algum lugar onde ela possa ser tratada? Eu pago todas as despesas.

Mapleton fitou Adrian com seriedade.

- Sabe qual é o relacionamento dela com Elliot? Será que podem ser casados?

- Duvido muito.

Nancy voltou com a maleta do médico e uma vasilha de água quente, e se retirou novamente.

- Tire as calças. - ordenou Mapleton. - Vou limpar a ferida e fazer um curativo. Sugiro que passe a noite na cidade.

- Impossível - retrucou Adrian. Ele precisava voltar para Hester.

- Se cavalgar, o ferimento pode sangrar muito. Já perdeu muito sangue com a outra ferida. Seria arriscado perder mais.

- E se eu cavalgar devagarinho?

- Seria melhor ficar na cidade. Tenho lugar aqui.

- Obrigado pelo convite, John, mas é impossível. Contudo, ficaria grato se pudesse manter Elizabeth aqui até eu tomar outras providências.

- Isso não é um sanatório, meu senhor. Não estou equipado para lidar com este tipo de paciente.

- Não a quero em um sanatório. Vou escrever para a família dela em Manchester. Talvez Elizabeth tenha fugido e não saibam de seu paradeiro.

Mapleton suspirou.

- Permitirei que ela fique até a febre ceder, desde que ela não dê mais sinais de hostilidade.

- Tem a minha gratidão, John. Enquanto isso, vou providenciar para que alguém a leve até Manchester na minha carruagem particular.

- Eu poderia pedir que Nancy e o marido que a acompanhassem. Ela é uma excelente enfermeira e ele poderia ajudar a carregar a srta. Howell. Ela provavelmente passará a maior parte do trajeto sedada.

- Então, deixarei Elizabeth sob seus cuidados. - Adrian estendeu a mão para Mapleton. - Fico lhe devendo.

- Deixe para lá, meu senhor. Agora tire as calças. - Adrian obedeceu.

- Há um modo de me pagar - disse Mapleton, umedecendo o pano na vasilha de água, preparando-se para lavar a ferida.

- O que quiser.

O médico hesitou, lançando um olhar sério para Adrian.

- Não permita que Elliot escape desta. E não me olhe assim. Nós dois sabemos que ele é responsável pelo estado dessa pobre moça.

Terminando de limpar o ferimento, Mapleton pegou uma atadura limpa e começou a enrolá-la ao redor da perna de Adrian.

- Pensei que seria melhor que Elliot não tivesse obrigações quando eu lhe cortasse a mesada. Deixe-me cuidar de Elizabeth enquanto forço Elliot a prover-se por conta própria. De qualquer modo, é melhor que ela nunca mais o veja.

- Como quiser - Mapleton concordou, amarrando a atadura. - Vou lhe emprestar um par de calças. É melhor não dar munição para os mexericos. E trate de cavalgar devagar. Não quero minha calça manchada de sangue. É uma das poucas que tenho.

- Pode deixar. Mais uma vez, obrigado por cuidar de Elizabeth.

- Só espero que tudo dê certo - Mapleton disse com sinceridade.

- Visto que vou me casar com Hester, acho que dará.

Hester pousou a mão na maçaneta do quarto de Elliot.

Ela teria preferido confrontar Elliot com Adrian ao seu lado, mas, embora já fosse quase meia-noite, este ainda não retornara. Sendo assim, não lhe restou outro recurso senão confrontar Elliot sozinha e ela mesma lhe lançar um ultimato capaz de garantir que Elliot não os incomodaria novamente.

A única arma de Elliot era a ameaça de escândalo que usara para manipular Adrian por anos a fio. Se ele achava que poderia usar isso para compeli-la a se desonrar, quando ela estava disposta a aceitar as supostas histórias sobre o duque como o preço que pagaria por desposá-lo, estava prestes a descobrir o tamanho de seu erro.

Com uma expressão determinada, ela abriu a porta e entrou.

Elliot estava de pé diante da janela. Ao escutá-la entrar, ele se virou, sorriu e curvou-se zombeteiramente.

- Ora, estou honrado Lady Hester - disse.

- Eu não.

- Ora vamos. Deveria estar lisonjeada. De certo, não é todo dia que um homem com os meus atributos a deseja.

- Não me sinto lisonjeada por um homem com os seus "atributos", como diz, me desejar.

Os olhos de Elliot estreitaram-se.

- Se a enojo tanto, não precisa ficar.

- Se eu não ficar, vai arruinar o seu irmão. - Elliot assentiu e aproximou-se.

Hester cruzou os braços e o fitou.

- Diga-me, meu senhor, acredita mesmo que por não ser bonita, eu também seja burra e não tenha amigos?

- O que desejo não é a sua inteligência e nem os seus amigos.

- Nada disso também me atrai no senhor. Mas acho que esta é a melhor ocasião para lhe fazer um ultimato, meu senhor.

Elliot deteve-se e a fitou.

- Vai me dar um ultimato? zombou. - Você?

- Vou.

- Isso vai ser interessante.

Hester ergueu o queixo, desafiadoramente.

- Não é o único capaz de arruinar uma reputação com alguns rumores, meu senhor. Também tenho amigos. Pessoas influentes que circulam nas mais altas rodas. Por exemplo, a esposa de Lorde Paris Mulholland é uma grande amiga minha. Talvez os conheça?

Elliot franziu a testa, pois Lorde Mulholland era muito benquisto em Londres.

- Ele era muito popular até se casar com aquela pobretona - ele disse, com sarcasmo.

- Talvez ele não possua a mesma influência de outrora, mas ainda há muitos que darão ouvidos ao que ele tiver a dizer. Também me dou muito bem com a família do Chanceler de Exchequer, e uma das amigas mais antigas de minha mãe é aia da rainha. Ah, e é claro, minha irmã, Helena, tem várias amigas que adoram falar. Como vê meu senhor, não é o único com o poder de mexericos a seu dispor. Receio não possuir a paciência de seu irmão. Se necessário, farei uso de minha influência e começarei a escrever cartas no instante em que deixar seus aposentos.

- Sua burra...

- Não sou burra.

- Se quiser uma batalha de rumores, possuo amigos e minha mãe também.

- Que tipo de amigos possui, meu senhor? Do tipo cuja palavra vale alguma coisa? Creio que não. Quanto a sua mãe, deve saber que há anos ela vive à margem da sociedade. Sua influência já não é mais a mesma. E, como é que ela é conhecida mesmo? - insistiu Hester. - Como uma mãe coruja que mima o filho. - Ela sorriu. - E como eu sou conhecida? Como uma jovem recatada, doce e sincera. Como sua mãe tantas vezes teve a gentileza de comentar. Não sou bonita, meu senhor, de modo que ninguém acreditaria que tenho motivo pessoal para querer desacreditá-lo.

- Acreditarão se eu contar como entrou no meu quarto no meio da noite com a intenção de...

- De seduzir Lorde Elliot Fitzwalter? - zombou Hester. - A tímida e recatada Hester Pimblett querendo seduzir o arrojado e elegante Lorde Elliot Fitzwalter? A idéia seria considerada absurda. Ou vai dizer que me seduziu? Isso certamente não lhe seria vantajoso.

- Deve gostar muito de Adrian para colocar a sua palavra contra a minha - Elliot afirmou, sarcasticamente.

- Eu o amo.

Ele agarrou-lhe os braços e disse:

- Se não posso arruinar Adrian, posso arruinar você. Eu lhe roubarei a honra. A tornarei indigna de ser esposa de qualquer homem.

- Não pode ser tão malvado - Hester disse com firmeza.

- Se não posso ter o seu amor, aceitarei o que conseguir. Minha única satisfação é que causarei a Adrian um pouco da dor que ele me causou.

- Depois de tudo o que ele fez por você?

- Depois de toda a culpa que ele me fez sentir, quando só fiz o mesmo que meus amigos? - esbravejou Elliot. - Diga-me, Hester, sabe o que é ter um mártir como irmão? Pronto para vir salvá-lo, quer queira ou não? Sabe o que é querer fazer algo tão ruim que, pelo menos uma vez, ele perca o autocontrole e aja como um homem, e não como um santo? Bem, talvez esta seja a vez em que serei bem-sucedido.

Capítulo XXII

- Solte-a ou, por Deus, eu o matarei!

As palavras de Adrian ecoaram pela noite. Elliot e Hester ambos se voltaram para a porta e viram Adrian postado ali, com uma expressão de pura fúria no rosto.

Elliot empurrou Hester com tanta força, que ela caiu no chão.

- Você me escutou, Adrian? Estou cheio de sua interferência na minha vida!

Adrian ignorou Elliot e correu para ajudar Hester a se levantar.

- Você está bem? - perguntou.

- Estou - ela sussurrou.

- Ah, ela está ótima! Ela o ama. Vocês dois podem se casar e ter uma ninhada de pirralhos virtuosos!

- Cale-se, Elliot. Vai acordar o resto da casa.

- E daí? Que acordem! Poderá envenená-los contra mir como fez com ela.

- Ele me envenenou contra o senhor? - indagou incredulamente Hester. - O senhor se encarregou disso sozinho.

- Eu ia pedir sua mão em casamento.

- E eu teria recusado, mesmo que não estivesse apaixonada pelo seu irmão. Lorde Elliot, eu jamais poderia amá-lo.

O ódio tomou conta dos olhos de Elliot.

- Dê graças aos céus por não tê-la machucado - Adrian disse em tom ameaçador.

- E o que teria feito se eu tivesse? Ordenado que eu fosse me sentar no canto? Teria me tratado como uma criança, como sempre faz?

- Como você merece!

Hester fitou Adrian amorosamente, mas sabendo que ele não era isento de culpa.

- Ele se ressente de você ser tão protetor.

- Será que nunca parou para pensar que eu não quero você cuidando de mim como uma babá o tempo todo? - gritou Elliot.

- Se houvesse se comportado como um homem, eu o teria tratado como tal.

- Isso vindo de você, que quase matou o melhor amigo quando estava embriagado. Onde passou o dia, santo Adrian? Na companhia de Sally Newcombe?

- Fui visitar Mapleton e encontrei uma conhecida em comum, Elliot. Jamais aleguei ser perfeito. Admito os meus pecados.

- E ele assumiu a responsabilidade por muitos dos seus - completou Hester.

- Alguma vez eu lhe pedi para fazê-lo?

- Não, mas prometi ao papai.

- E eu pedi para fazê-lo?

- Está me criticando por protegê-lo? - indagou Adrian.

- Estou, se é que pode chamar o que fez de proteger.

- Do que está falando?

- Daquela meretriz, Daphne. Acha que eu a ameacei sem motivo? Só porque sou um bruto? Acontece que ela estava mexendo nos meus bolsos, e quando a flagrei, ela começou a gritar e a me acusar de atacá-la.

- Você sequer pensou em me perguntar o que havia acontecido? Não. Deu ouvidos apenas às prostitutas. Teria acreditado em mim se eu tivesse lhe contado? Não! Preferiu aceitar a palavra de prostitutas à minha.

Adrian parecia atordoado.

- Mas você... - sussurrou.

- Você nunca me deu a chance de explicar! - prossegui Elliot. - Eu garanto que posso mudar, Adrian, se me der uma chance.

- E você quer mudar, Elliot? - perguntou Hester.

- É claro que quero. Mas não o conseguirei fazer sozinho. Se eu tivesse uma esposa para me ajudar.

- Não Hester - protestou Adrian.

- Por favor, Hester - implorou Elliot. - Sei que me comportei mal, especialmente hoje. É só que não estou acostumado a fazer as coisas da maneira certa. Desde que a vi deixando o quarto de Adrian, tenho andado enlouquecido de ciúmes. - Ele se ajoelhou e, em um gesto de súplica, juntou as mãos diante do rosto. - Quero que seja minha mulher e me ajude a mudar!

Isso era um pesadelo. Ela, a simples Hester Pimblett, tinha em suas mãos a chave para a redenção de um dos irmãos e para a felicidade do outro.

- Adrian, sabe que tenho razão. - suplicou Elliot. - Fique comigo e jamais lhe pedirei mais nada.

O duque o fitou.

- Não. Pode ter dinheiro e cavalos, mas não permitirei que tenha a mulher que amo. Eu preciso dela. Eu a amo demais. Este é um sacrifício que não posso fazer. Nem para salvar a sua vida, ou a honra da família, ou sequer para cumprir a promessa que fiz a papai.

Elliot se levantou, e Hester os fitou incredulamente.

- Por acaso se esqueceram de que, se tem alguém que decide com quem vou me casar, esse alguém sou eu? Talvez eu não deva me casar com ninguém.

Adrian suspirou e desviou o olhar.

- Tem razão, Hester - admitiu. - Eu entendo, se independente do quanto eu a amo achar melhor não ficar comigo.

- Ah, Adrian - ela disse, correndo para os seus braços. - Eu seria uma tola de não querer me casar com você. Talvez você seja nobre o suficiente para se sacrificar por amor, mas eu não. Eu o amo, e preciso de você tanto quanto precisa de num.

- Mas que linda cena de amor! - zombou Elliot, com fúria estampada nos olhos azuis. - Fechem as cortinas, aplausos, e é o fim.

Quando Hester e Adrian se afastaram um do outro, a duquesa, ajeitando o robe, adentrou marchando o aposento.

- O que está acontecendo? Vocês enlouqueceram? Hester, o que está fazendo no quarto do meu filho? Explique-se.

- Lorde Elliot me convidou.

A duquesa fitou o filho, cujo rosto exibia um sorriso cativante, qualquer sinal de fúria, aparentemente apagado.

- Não achei que ela fosse de fato vir, mamãe. Eu só estava brincando. Parece que ela me levou a sério. A pobre moça parece pensar que estou apaixonado por ela. Devo dizer que ela parecia ansiosa em descobrir como eu expressaria tal amor. Confesso que fiquei tão chocado quanto a senhora de encontrá-la aqui.

Hester deu um passo à frente, pronta para esbofetear Elliot, mas Adrian a segurou.

- É melhor ter cuidado com o que diz, Elliot - disse, calmamente.

- Isso é absurdo - disse a duquesa com sua costumeira simpatia. - Nunca escutei algo mais ridículo na vida. Hester Pimblett e você?

- Talvez preferisse que eu houvesse aceitado a proposta do seu filho? - Hester perguntou.

A duquesa fungou ao virar-se para Elliot.

- Essa moça está louca.

- Não, não está - disse Adrian. - Mas sei de outra que pode muito bem estar. Contudo, Elliot a conhece melhor do que eu. Deve se lembrar que mencionei ter encontrado uma conhecida em comum, hoje em Barroughby? Seu nome é Elizabeth Howell.

O olhar de Elliot se alternava entre a mãe e Adrian, com fosse um rato encurralado.

- Não sei de quem você está falando.

- Permita-me refrescar-lhe a memória. Você me viu dançando com ela no Pump Room, pouco após seu début. O que a atraiu nela, Elliot? A beleza da jovem ou o fato de eu ter dançado com ela?

- Você é quem está louco! - declarou Elliot.

- Não. Você a seduziu e, quando descobriu que ela engravidara, a abandonou. Ela deu à luz seu filho há poucas semanas.

- Então essa mulher alega que seu filho é meu. Qualquer uma pode alegar o mesmo.

- Eu a encontrei em um quarto de hotel sujo, quase morrendo de fome e febril.

- Ainda mais motivos para acreditar que ela estava louca quando a encontrou. Não serei responsabilizado pelas alegações de uma mulher insana.

Adrian fitou o meio-irmão com um misto de pena e reprovação.

- Não está curioso quanto ao seu filho, Elliot?

Elliot fitou a mãe.

- Ele está mentindo.

- Ele lembrava muito você, Elliot.

- Lembrava? - perguntou baixinho a duquesa.

- Está morto.

- Elliot! - exclamou a duquesa. - O que Adrian está dizendo é verdade?

- Sabe que ele só está tentando me desacreditar. Ele jamais gostou de mim. Sempre teve ciúmes de mim.

A mãe assentiu e lançou um olhar de desprezo para Adrian.

- Não vou dar ouvidos às suas mentiras.

- Não quer saber como sei das atuais condições de Elizabeth? - Adrian perguntou, ignorando a duquesa.

Elliot se empertigou.

- Não preciso escutar essas histórias malucas.

- Os dois vão escutar o que tenho a dizer, ou jamais vão receber mais um centavo sequer!

- Isso é chantagem - gritou Elliot.

- Algo que deve conhecer muito bem. - Adrian retrucou, olhando para Hester. - Elizabeth está na cidade. Ela veio até aqui acreditando que sua mãe o estivesse mantendo prisioneiro. A pobre mulher quer libertá-lo.

- Venha, mamãe. Vamos embora!

- Se forem embora, nem mais um níquel! - avisou Adrian.

- Elliot, ele pode nos deixar sem um centavo - protestou a duquesa.

- Mamãe, ou vai embora desta casa comigo, ou irei sem a senhora e jamais me verá novamente!

Subitamente, parecendo nada mais do que uma velha patética, a duquesa estendeu as mãos docilmente.

- Não me peça isso, Elliot. Não acreditarei nele, mas não posso ficar sem dinheiro!

- Prefere o dinheiro ao próprio filho?

- Elliot!

- Que seja - ele rosnou, fitando um por um. - Não preciso de vocês. E não preciso do seu dinheiro, da sua ajuda, da sua reprovação ou de sua maldita interferência. - disse, apontando para Adrian. - Estou indo embora, e espero jamais rever nenhum de vocês!

Ele deixou o aposento, batendo a porta atrás de si.

- Elliot! - gritou a duquesa, caindo de joelhos. -Adrian, vá atrás dele - ela implorou. - Por favor!

- Não desta vez, Excelência. Não desta vez.

Hester ajoelhou-se ao lado da mulher, abraçou-a e fitou Adrian.

- Ele ainda é o seu irmão - disse.

Adrian suspirou.

- Eu vou, porque é você que está pedindo, Hester.

Foi só quando ele deixou o aposento mancando que Hester notou o sangue no chão.

Hester mal acabara de ajudar a duquesa a se sentar em uma cadeira, quando escutou o som de passos se aproximando.

- Elliot! - exclamou esperançosamente a duquesa. Mas foi Jenkins, usando pijama, quem apareceu no vão da porta.

- É o duque, Lady Hester. Ele foi subir no cavalo e desmaiou!

Capítulo XXIII

- Onde ele está? - Hester perguntou.

- Nós o deitamos no sofá do gabinete - respondeu Jenkins. - Mandei um dos criados buscar o sr. Mapleton.

- Ótimo. Vá buscar Maria para ficar com a duquesa. Eu vou para o gabinete.

Jenkins assentiu e desapareceu.

- Hester, não me deixe! - implorou a duquesa. Hester virou-se para a mulher.

- Preciso cuidar do duque. Vou mandar um dos criados atrás de Elliot. Ele não deve ter ido longe.

- É, tem razão - disse a duquesa. - E essa história de filho ilegítimo não pode ser verdadeira.

- Se o duque diz que é, acho que deve acreditar nele. Há outras coisas, outras atividades de Elliot que o duque escondeu da senhora por causa de uma promessa feita ao pai dele.

- Meu filho não guarda segredos de mim - protestou a duquesa, mas Hester podia ver a dúvida em seus olhos. - Ele é um rapaz espirituoso e audaz que foi levado para o mau caminho por falsos amigos. Sim, é isso. Ele cometeu alguns deslizes. E as mulheres de hoje em dia...

Maria apareceu na porta, interrompendo as explicações da duquesa para o comportamento do filho.

- Maria, leve Vossa Excelência para o quarto e fique com ela - ordenou Hester. - Vou para o gabinete.

Hester encontrou Jenkins ao pé da escada.

- Venha, minha senhora. Ele diz que é a perna. Parece que a machucou novamente na cidade. Está sangrando, mas ele alega não ser nada sério.

Hester entrou no gabinete e encontrou um pálido Adrian deitado com a perna para cima.

- Meu senhor, está muito machucado? - ela perguntou, ajoelhando-se ao lado do sofá e pegando a mão do duque.

- É apenas a minha perna novamente - ele disse, sorrindo.

- Está doendo muito?

- Não tanto quanto doía o meu coração quando não tinha esperanças de tê-la.

Hester notou que a mancha de sangue nas calças estava aumentando.

- É melhor eu ir buscar mais ataduras.

- Posso sangrar até a morte, mas não permitirei que se vá até ter concordado em se casar comigo.

Ela sorriu de felicidade.

- É claro... Mas, agora, preciso que solte a minha mão.

- Muito bem, eu a soltarei agora, pois em breve a reivindicarei oficialmente na igreja da aldeia.

Mabel chegou, trazendo uma bacia de água e várias toalhas brancas.

- Ele está morrendo? - ela sussurrou, fitando com os olhos arregalados o duque deitado.

- Acho que ele reabriu o ferimento. Vamos precisar de mais água.

- Sim, minha senhora.

Adrian subitamente gemeu, o que fez Mabel sair correndo do gabinete e Hester correr de volta para o sofá.

- Ela já foi? - perguntou Adrian sorrindo.

- Já. - Hester teve vontade de censurá-lo por assustá-la, mas se ele estava se sentindo bem o suficiente para brincar, não devia estar seriamente ferido. - Mandamos buscar Mapleton.

- Ele não vai me fazer sentir melhor. - Ele a puxou para si. - Mas, isso vai.

Ele a beijou com uma paixão de tirar o fôlego.

- Pode até ser, meu senhor, mas prefiro escutar a opinião do Dr. Mapleton.

- Você precisa parar de me chamar de "meu senhor" ou "Excelência". Quero ser apenas o seu amor.

- Meu amor - ela disse, beijando-o novamente.

- Vamos mandar Jenkins avisar John para voltar para casa. Ele só vai dizer que me avisou e vai me mandar descansar.

- Ele sabe que foi ferido novamente?

- Aconteceu na casa dele.

- Então, ele sabe sobre Elliot e a srta. Howell?

- Ele sabe tudo a respeito de Elliot. Sempre soube, e parece concordar com você. Diz que eu já deveria ter deixado Elliot se arranjar por conta própria há anos. Fui vê-lo hoje de manhã, para conversar sobre você. Quando voltei para casa e vi a porta do seu quarto aberta, achei que havia algo errado e escutei sua voz vindo do quarto de Elliot.

Os olhos de Hester arregalaram-se.

- E o que passou por sua cabeça?

- Que Elliot estava aprontando das suas.

- Fico feliz que tenha confiado em mim.

- Você confiou em mim, como eu poderia fazer algo diferente?

- E o que faremos a respeito de Elliot?

- Não sei - respondeu com sinceridade Adrian, abraçando-a. - Eu realmente não sei.

- Vossa Excelência, o sr. Mapleton chegou - anunciou, Jenkins.

- Eu sabia que algo assim ia acontecer, se não desse ouvidos ao meu conselho - repreendeu o cirurgião, adentrando no gabinete. Ele sorriu para Hester, que se levantou para cumprimentá-lo. - Parabéns pelo noivado, milady.

- Obrigada - a dama agradeceu, enrubescendo-se.

- Agora vejo que tenho trabalho a fazer. - Colocando a maleta sobre a mesa, Mapleton a abriu e fitou a calça ensanguentada do duque. - Terá que tirar isso novamente, meu senhor, de modo que vou ter que pedir que Lady Hester nos dê licença.

Adrian assentiu, e deu um beijo de despedida na mão de Hester.

- Sinto pelas calças, John. Peça para o seu alfaiate me mandar a conta.

- Ah, eu pedirei.

Adrian estremeceu quando Mapleton começou a limpar novamente a ferida.

- Acho que vai gostar de saber que Elliot se foi, John. Provavelmente, de vez.

Mapleton fitou o rosto sério do paciente.

- É mesmo? Quando?

- Esta noite.

- Pensei ter visto alguém cavalgando para longe da mansão. Pode ter sido Elliot. - Mapleton voltou ao trabalho. - Já estava mais do que na hora de se livrar daquele jovem tolo. Ele era como um tecido infeccionado que envenenava a sua vida, assim como a dele.

- Amputações, como já deve bem saber, nunca são fáceis, John.

Muito mais tarde naquela noite, Hester foi tranquilizada pelo cirurgião que, agora que o ferimento fora cauterizado, o duque logo melhoraria.

Embora estivesse exausta, ela se dirigiu em silêncio ao quarto do duque, como o fizera naquela primeira noite, e abriu gentilmente a porta, para se certificar de que ele descansava. Ele estava deitado, semelhante àquela noite. Mas, desta vez, Hester não fitou o duque adormecido com fascínio e curiosidade, mas com os olhos de uma mulher apaixonada..

Recusando-se a ficar tão longe dele, a dama se arriscou a se aproximar.

Subitamente, a mão de Adrian saiu de sob as cobertas e lhe agarrou o pulso, puxando-a para perto dele.

- Desta vez, não permitirei que se vá sem um beijo - ele disse, sorrindo.

- O Dr. Mapleton disse que precisa descansar.

- Meus lábios não estão doendo. Apenas a minha perna. -Ele a beijou, carinhosamente.

Hester o empurrou.

- Se alguém me vir aqui...

Em um gesto teatral, ele cobriu os olhos com a mão.

- Ah, pobre de mim! Um escândalo! O Duque Negro pecou novamente! - Abaixando a mão, ele fez um beicinho. - Você disse que não se incomodava com a minha reputação.

- E não me incomodo, mas também não vejo motivo para propagá-la. As pessoas pensarão que está se casando comigo por obrigação - ela disse, também fazendo beicinho.

- Não me importa o que as pessoas digam, desde que se case comigo, e logo.

- Bem meu amor, tenho de pensar na nossa reputação e na de...

Ela hesitou, corando de constrangimento e de desejo.

- De nossos filhos? - Adrian arriscou, com um tom de voz baixo e sedutor. - Quero ter muitos filhos. Seus filhos.

- Nossos filhos - ela sussurrou.

- Sendo assim, me esforçarei para levar uma vida exemplar. O que não será muito difícil, considerando que nunca vou querer sair de casa.

Eles se beijaram novamente, com paixão incontida, até Hester se dar conta de que ainda não eram casados, e que estavam próximos de se portar de maneira inapropriada.

- Adrian - sussurrou. - E quanto a Elliot? Acha que ele mudará?

Adrian deu de ombros.

- Não sei.

- Se ele voltar para casa, o que fará?

- Hester, não diga nada à duquesa, mas não acho que ele vá voltar. Jamais o vi tão zangado como hoje. Acho que estava falando sério.

- O que acha que vai acontecer com ele?

- Acho que ele vai ficar bem. Você estava certa e eu estava errado. Não deveria tê-lo protegido tanto. E acho que ele pode mudar. Quem sabe se como eu, Elliot não encontrará uma mulher que lhe dará esperança?

- Desejo isso de todo o coração, Adrian, pelo seu bem, tanto quanto o dele.

Pouco tempo depois, a duquesa se mudou voluntariamente para a Casa do Dote, e a família Pimblett veio visitar Barroughby Hall. Pela primeira vez, era o centro das atenções dos pais, Hester estava mais feliz e orgulhosa do que nunca. Lady Pimblett declarou que sempre soube que Hester se casaria bem. As irmãs, após uma compreensível pontada de ciúmes diante da opulência de Barroughby Hall, desejaram que Hester fosse tão feliz quanto elas. O opinioso Lorde Pimblett se viu, por dias a fio, sem palavras de tanta felicidade, um efeito que a mulher e as filhas consideraram uma bênção.

Quando Clara Mulholland recebeu uma carta de Hester informando-a do noivado, ela foi correndo contar ao marido o mais rápido que a gravidez adiantada permitia.

Paris Mulholland comentou que torcia para que Hester não viesse a se arrepender de sua decisão.

Clara retrucou que Hester Pimblett jamais se casaria impulsivamente. Se Hester considerava Adrian Fitzwalter digno de sua mão, as histórias escandalosas a respeito do Duque Negro deviam ser falsas.

Todos os seus amigos concordaram.

 

 

                                                                  Margaret Moore

 

 

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